Última atualização:26/10/2020

Capítulo 31 - All the bad news

A prece de Juliet não durou muito tempo, tamanha era sua religiosidade. Ela parecia mais reverenciar aos homens do que o próprio Deus com quem falava.
Assim que terminou, pudemos finalmente comer em paz. Claro que se tratando de uma mesa com pessoas tão diferentes juntas, paz não era bem a palavra que cabia a aquela situação. O silêncio e o desconforto eram quase palpáveis. Nem mesmo as pequenas, com suas brincadeiras bobas conseguiram animar o ambiente.
, as meninas irão se juntar a você em seu quarto. — Limpou a boca com o guardanapo. — Os rapazes irão ficar com o quarto delas enquanto estiverem conosco.
— Ah, não! Não quero ter que dormir no chão! — Amelia exclamou, com seu dom natural de ser cômica e se utilizar do próprio tamanho para se safar de uma bronca.
Prendi um riso, observando o rosto de Juliet enrubescer rapidamente e se contorcer em descrença. Elizabeth sorriu leve, porém logo enrubesceu quando seu olhar se cruzou com alguém sentado a sua frente. O soldado mais novo, que esboçou um pequeno sorriso, provavelmente achando graça de Amelia.
— Não se preocupe, senhorita Harriet, logo estaremos de partida e seu quarto voltará a ser seu. — Clint a respondeu após segurar a mão de Juliet, que estava pronta para hastear o dedo e soltar uma enxurrada de sermões para cima da pobre criança.
— Eu sou a Harriet! — Corrigiu a outra, ofendida. Eram gêmeas idênticas, era compreensível que alguém desacostumado com ambas as confundissem. Com o passar do tempo, era quase impossível cometer tal erro, afinal, elas eram muito diferentes na personalidade. — Mas eu acho ótimo ficar com , ela nos conta histórias antes de dormir e nos deixa quentinhas.
Elizabeth riu cruzando os braços. Ciumenta. Ela sempre foi responsável pelas gêmeas, porém sua habilidade em contar histórias era zero, Beth sempre foi invejavelmente boa com números e fórmulas matemáticas, já sua imaginação e criatividade eram inexistentes. Eu, que sempre vivi no mundo da lua, ia, vez ou outra, ajuda-la na missão de colocar aquelas duas pestinhas para dormir quando estavam muito agitadas. Aquele era um dos vários motivos que a menina tinha para não ir com a minha cara.
Mandei um beijo para a menor, sorrindo abertamente ao ser elogiada daquele jeito adorável, nunca soube se elas gostavam de minhas histórias. Sempre achei que o segredo estava no meu jeito de falar, com a voz suave, que embalava ambas em seus sonhos mais rápido. Porém, ao que parecia, elas realmente me ouviam e prestavam atenção em meus enredos fantasiosos.
Quando voltei minhas atenções ao meu prato praticamente intocado, cruzei meus olhos com o indivíduo à minha frente. Não parecia ser mera casualidade, mas era muito cedo para começar a ficar paranoica.
***

Ajeitei Amelia e Harriet em seus cobertores enquanto ambas se tremiam de frio ao tentarem se aquecer na cama. Ri fraco sendo acompanhada por Cornélia e Elizabeth. Me sentia melhor vendo-as sorrirem verdadeiramente, algo que não aconteceu muito naquele dia. Parados na porta, Juliet e Clint nos observavam calados. Claramente que não estávamos sendo observadas e sim vigiadas. Não entendia bem o porque, mas ao julgar por todas as vezes em que os homens pareciam pairar sobre nós, eles pareciam não acreditar que não sabíamos de nada.
Mais cedo, durante o preparo do almoço, apesar de ainda não estar me sentindo cem por cento bem fiquei ali, fingindo auxiliar na cozinha. O cheiro dos legumes que Juliet cozinhava fazia meu estômago se revirar. Mas, sempre que me aproximava das meninas, sentia aquele par de olhos azuis pesarem sobre mim. Na primeira achei que era paranoia minha, afinal, o após acontecido na mesa no café da manhã, fiquei com uma impressão ainda pior daquele homem em específico. Mas, quando aconteceu pela terceira vez, comecei a me policiar e desisti, por hora, de tentar falar com Cornélia e Elizabeth.
Ainda teríamos a noite para conversarmos.
Porém, ainda precisávamos ter o máximo de cautela possível, afinal de contas os soldados ainda estavam acomodados no cômodo ao lado, fora que eu podia ouvir as botas de um deles andando de um lado para o outro pelo corredor dos quartos. Juliet havia comentado que eles estavam ali conosco não apenas para fazer buscas atrás de , mas também para nos proteger caso ele resolvesse voltar para nos fazer mal. Sozinho ou acompanhado.
Ouvi algumas conversas isoladas pela tarde, escondida, é claro. Os soldados e Clint pareciam estar espertos quanto a vazar informações sobre a guerra para nós. Não entendia muito bem o motivo, esconder das pequenas até era compreensível, elas não deviam mesmo saber das atrocidades que deviam ter acontecido lá fora. Mas, de mim? Eu já tinha quase dezoito anos e sabia muito bem o que estava acontecendo.
Ouvi Clint e os soldados sussurrarem sobre algo chamado por eles de Barbarossa, ficavam alterados só de citar o nome, Juliet não ficou diferente, empalideceu na hora, fazendo-me arrepiar os pelos do braço só de imaginar o que deveria ser. Não me parecia algo bom, mas, ao que Clint deu a entender, era apenas um boato que circulava pela Europa.
Ouvi também sobre a divisão da Polônia e sobre um eixo formado, que ainda não nos incluía. Com as pouquíssimas informações que obtive, pude saber que ainda não havíamos entrado diretamente na Guerra. Hitler parecia disposto a não nos ter como inimigos com da última vez, na Primeira guerra, onde, segundo meu pai, eles tiveram uma desvantagem enorme ao serem atacados por nós, os Franceses e os ingleses ao mesmo tempo. O pacto de não-agressão proposto estava nos protegendo dos ataques Alemães e nos deixando ficar com alguns territórios, como a metade da Polônia, por exemplo. Fora o apoio de nosso exército em suas pequenas batalhas por novos territórios.
Saber que a Alemanha estava varrendo a Europa e “vencendo” a guerra devia me tranquilizar, afinal, eles não nos atacariam. Porém, eu não conseguia vibrar com a vitória dos nazistas. Meu pai não me contava boas histórias sobre eles, e sempre temeu o que estava acontecendo naquele momento. Fora que nunca consegui confiar na palavra de Hitler, afinal, ele mesmo havia começado a Segunda guerra rompendo o tratado de Versalhes. Ele, assim como a maioria dos homens, não era alguém que honrava o que prometia.
Ouvir tudo aquilo só me deixava ainda mais aflita, as coisas pareciam tão longe do fim.
A Inglaterra já havia afirmado que não iria se entregar e ainda tinha grandes potências como os Estados Unidos e a China como seus aliados.
Eu só queria que aquilo acabasse logo.
Após algum tempo deitadas fingindo dormir, levantamos, uma a uma, e rumamos até o banheiro. Num completo breu nos sentamos em volta do vaso sanitário, onde a pouca luz que vinha da janela iluminava parcialmente nossos rostos. Não era lá o local mais confortável do mundo, era gelado, o piso era duro, mas nossa conversa não iria durar muito tempo mesmo. Aquele era o único lugar daquela casa que estaríamos realmente escondidas.
— Eles querem saber sobre o soldado. Se vimos algo ou se tivemos algum contato com ele. — Elizabeth começou a contar. Eu já imaginava que seria aquilo.
— Vocês não contaram nada, não é?
— Mas é claro que não, . — respondeu Cornélia, visivelmente ofendida.
Passei as mãos no rosto ao perceber que estava começando a ficar louca com aquele instinto de desconfiança que me fez aprender a usar. Eu não era daquele jeito, muito pelo contrário, confiava até demais nas pessoas que amava. Mas, depois do que houve, percebi que estava ficando sim desconfiada demais.
Ter aquela conversa com ambas fazia-me pisar em ovos. Cada uma delas me ajudava a guardar um segredo diferente. Não era proposital, apenas tinha ocorrido daquela maneira. Me perguntei se não era a hora de esclarecer toda aquela história. Afinal de contas, ambas já demonstraram que me apoiaram e jamais me entregariam.
— Desculpe. É que eu imaginei que...eles talvez pudessem arranjar um jeito de arrancar informações de vocês de um modo mais...agressivo. — Encolhi meus ombros ao me lembrar da cena de Clint me pegando pelos braços, chacoalhando meu corpo enquanto queria me forçar a falar. — Eu não as culparia se contassem algo para se proteger.
— Então você contou algo sobre ele. — Beth concluiu. Neguei com a cabeça ouvindo-a respirar fundo antes de continuar. — Não consegue, não é? Ainda gosta dele.
— Eu o amo. — Minha voz saiu embargada. — Mas mesmo que não o amasse, não o entregaria. Não consegui confiar naqueles homens, o modo como me trataram, como falaram do meu pai… — Cobri minha boca com as mãos, tentando abafar o choro.
— Como assim o ama? — Cornélia disparou incrédula. — , você tinha algo com o soldado? — Sua reação não era a que eu esperava, claro que não tinha esperanças de que ela aprovasse o que fiz com ele, mas...vê-la tão brava me deixou confusa. — Porque não me contou nada? Elizabeth sabia e você me escondeu isso esse tempo todo?
Se levantou, indo quase que correndo para dentro do quarto escuro. Encarei a outra ainda sem entender. Meu coração se quebrou em pedacinhos, eu já quase não tinha com quem contar ali, se perdesse Cornélia, minha melhor amiga, ficaria ainda mais perdida!
— Dê um tempo a ela, . — Me abraçou de lado. — Ela vai entender seus motivos.
Eu sentia que tinha acabado de ganhar uma nova amiga, e pensar naquilo me fez perceber que Cornélia podia ter outros motivos para ficar brava comigo. Ciúmes. Tinha ciência de que a menina estava vendo a história toda que envolvia eu e se repetir, mas, ao menos daquela vez, eu não a deixaria de lado. Havia aprendido minha lição.
— Será mesmo que vai? — Afastei-me dela ainda chorosa. — Elizabeth, eu achei que nem você entenderia. Nunca estiveram apaixonadas, n-não sabem o que é se sentir capaz de fazer tudo por alguém, conseguir amar uma pessoa mesmo que ela te machuque. — Funguei, secando minhas lágrimas. Chorar era tudo o que eu fazia ultimamente.
Sentia-me completamente sem forças, não comia, quando conseguia finalmente colocar algo para dentro, pouca coisa se mantinha em meu estômago. Minha cabeça não estava funcionando direito, sentia tonturas fortes, muito sono. Parecia que meu corpo tinha adoecido desde que ficou sem sua dose diária do corpo dele.
Teria que me acostumar a viver sem ele. Ou melhor, acreditar na mentira de que nunca o conheci.
— Falando nisso...eu queria falar com você sobre algo que aconteceu hoje cedo... — Eu nunca havia visto as bochechas de Elizabeth corarem, era até engraçado estar conhecendo aquele outro lado dela.
Sempre a enxerguei tão diferente do que ela realmente era que, quando a permiti ser ela mesma, me surpreendi positivamente. Talvez tudo o que Elizabeth precisava era de uma chance, e eu estava feliz em finalmente ter deixado minhas opiniões de lado e deixado-a se mostrar.
— Aquele soldado… — Sorriu contida, respirando fundo. — O mais novo…
Eu não tinha como mentir, vi o modo como o garoto a olhou, com fascínio, visivelmente interessado. Não podia negar que me preocupava, se eu a dissesse que também notei que ele a encarou, Elizabeth criaria expectativas, e eu não queria que mais ninguém se iludisse para depois sofrer como eu. Ele parecia ser uma boa pessoa. Mas não sei se arriscaria de novo em confiar em alguém, era tão cedo...
— Eu sei, eu sei, você vai me dizer para esquecer, mas, ...E-Eu estou encantada! Hoje ele me ajudou com algumas tarefas da cozinha antes de você acordar, nenhum dos outros se importou, Juliet o mandou parar e sentar para descansar, mas ele insistiu...e os olhos dele… — Nem pode terminar a frase, suspirou apaixonada de um modo tão engraçado que me fez soltar uma risada baixa. — Eu quero falar com ele, mas não sei como.
Me vi nela. O brilho nos olhos, o sorriso que parecia que iria rasgar o rosto. Quase pude ouvir seu coração se acelerar só de olhar para Elizabeth.
O que eu daria para me sentir daquela maneira de novo.
— Eu sei que não vai adiantar em nada se eu te falar para afastá-lo. Juliet tentou me afastar de e isso apenas no juntou ainda mais. — Sorri triste. — Mas, por favor, Elizabeth, tome cuidado, sei que é a melhor sensação do mundo, o quão gostoso é sentir as borboletas no estômago cada vez que estamos perto de quem estamos apaixonadas, mas não vá tão rápido assim, conheça ele primeiro. Não entregue tudo de si como eu fiz. — Ela me encarou confusa, porém, por mais que não estivesse entendendo o que eu queria dizer com aquilo, eu conseguia ver seus olhos marejarem. Provavelmente porque era perceptível o quão destruída eu estava e que não conseguia sequer falar dele que já me vinha o choro. — Ele irá te levar às alturas, mas, por favor, controle o quão alto você irá para tirar os pés do chão. me fez voar tão alto quanto sua aeronave, mas quando ele me derrubou… — Solucei. — Parece que já não sobrou mais nada de quem eu era antes…
. Então esse é o nome dele. — Sussurrou para si mesma, assenti já não me importando mais se era um segredo ou não. Me abraçou novamente, forte, por algum tempo chorei em seu ombro abafando meus soluços. — Eu sinto muito que esteja sofrendo dessa maneira, você não merece nada disso. É uma menina incrível, sei que vai encontrar alguém que a faça sentir bem novamente, que vai dar todo o amor que te foi negado. — Passou as mãos em meus cabelos. — Mas não pode deixar que ele te impeça disso, você deve seguir em frente, merece isso.
Me afastei, mexendo a cabeça em pura negação.
— E-Eu não tenho mais nada para dar a ninguém, tudo o que eu tinha, eu dei a ele… levou consigo minha inocência, minha crença das pessoas, minha pureza. — Elizabeth cobriu a própria boca incrédula. — Eu o amava tanto, o queria tanto que nada nesse mundo vai se comparar ao que ele me fazia sentir. Eu o amo tanto que mesmo depois de tudo isso ainda sinto a falta dele.
— Vocês...passaram a noite juntos? — Assenti ainda chorando. — Meu Deus, , e se Juliet tivesse pego vocês?
— É sobre isso que estou falando, Elizabeth. Me arrisquei muito por ele, para depois não receber nenhuma consideração. — Peguei sua mão olhando bem fundo em seus olhos. — Não vou te dizer pra se afastar desse garoto. Só quero que me prometa que vai devagar com ele. Não quero que minha história se repita.
— Tudo bem. Eu prometo. — Respirei aliviada, já secando meu rosto. — Agora vamos dormir, sim? Estou morta de cansada, Juliet me fez trabalhar como uma louca hoje.
Deitei-me na cama dando de cara com os pés de Cornélia. Ela ainda estava com raiva, porque se estivesse tudo bem estaria dormindo de cabeça para cima. Talvez Elizabeth estivesse certa. Iria dar um tempo a ela.
Não esperava que ela entendesse, só que simplesmente ficasse do meu lado independente de tudo. Como havia acabado de descobrir, eu amava , e ele tinha me deixado. Cornélia não seria capaz de me virar as costas justo no momento em que mais preciso dela.
***

Após o almoço, enquanto Elizabeth e as garotas limpavam a cozinha, me dispersei para a sala, estava um pouco enjoada, acho que a sopa servida não havia me feito bem. Tentei, em vão, segurá-la em meu estômago, porém quando vi minhas pernas já me guiavam rapidamente até o banheiro, onde eu coloquei tudo para fora.
Agradeci aos céus pela casa estar finalmente vazia, parecia até que nada havia mudado. Ouvir somente as vozes e a bagunça das meninas, andar pela casa sem ser percebida, escutar Cornélia no piano, arranhando alguma música fácil de tocar. Mas infelizmente minha felicidade foi momentânea, ao voltar para a sala dou de cara com ele, aquele soldado mal encarado. Parecia mais uma estátua, parado na parede. Clint o deixou para nos proteger caso algo acontecesse. Nunca precisamos de homens para nos guardar, abrigamos por dias um “inimigo” britânico, não seria agora, que foi embora que iríamos precisar.
Ele parecia mais nos vigiar do que proteger. Pude sentir seu olhar gélido em mim, acompanhando-me no meu caminho até o piano. Sentei-me ao lado da menina, lhe sorri percebendo que não receberia outro sorriso de volta. A menina continuou a tocar, ignorando completamente minha presença ali.
— Posso tocar com você? Eu toco a esquerda e você a direita. — Sugeri, tentando me aproximar mais no banco.
Cornélia saiu, em disparada, me deixando sozinha. Engoli a seco, imaginando uma forma de recuperá-la. Com os olhos marejados, suspirei, pronta para fechar a tampa do piano e subir para o meu quarto, onde eu deveria estar já que não estava me sentindo disposta.
— Eu sei tocar um pouco. — Pulei de susto ao ouvir aquela voz de repente. Levei a mão ao meu peito, tentando me acalmar.
— O que quer comigo? — Encarei seu rosto pálido. Suas sobrancelhas se arquearam e ele soltou um riso anasalado.
O que tinha de engraçado no meu rosto?
— Ivanski. Yuri Ivanski — Olhei com desdém para sua mão estendida em minha direção. — Já vi que não é muito educada. — Sorriu irônico, enquanto suas bochechas ganhavam um rubor fraco.
— Você também não. Não respondeu minha pergunta.
— Não quero nada com você. Só me ofereci para tocar.
— Achei que seu trabalho fosse guardar a casa. — O homem riu, jogando a cabeça para trás como se fosse a piada mais hilária que ele já tinha ouvido. — Deviam ter deixado o outro garoto e levado você.
— Ah, sim, ele é muito mais gentil, não é. — Foi a minha vez de rir sarcasticamente. Naquela eu teria que concordar com ele. — Sua amiga gostou dele, não? Se ela quiser eu posso fal…
— Fiquem longe dela. — Ofeguei, assustando-o com minha hostilidade. Não seria mais aquela menina frágil e boba de antes, ou, pelo menos, estava em busca de mudar aquela característica minha que já me meteu em problemas demais.
— Calminha ai. — Riu, erguendo as mãos em sinal de rendição. — Só porque você é amargurada não precisa impedir a menina de ser feliz.
Meus olhos se encheram de lágrimas tão rapidamente que nem pude controlá-las quando escaparam, molhando meu rosto. Amargurada. Então era aquilo o que eu havia me tornado, que engraçado, sair de um extremo para ir direto para outro. O título de boba apaixonada já não me cabia mais. Eu era outra, amargurada, assim como o tal Yuri disse como se me conhecesse e soubesse de minha história.
Bufei, deixando-o sozinho. Assim que me direcionei a cozinha, senti minha visão ficar turva de repente. Para falar a verdade, nem ao menos sabia dizer se tinha conseguido dar tantos passos ao ponto de conseguir sair de um cômodo para o outro. Tudo escureceu numa velocidade tão rápida que nem ao menos tinha a noção de que momento eu havia parado no chão.
— A mão grande e gélida me dava pequenas batidas em meu rosto, fazendo-me despertar aos poucos. Encarei o teto branco confusa. Não estava mais na sala de estar, estava no quarto que costumava ser o de , deitada mais uma vez naquela cama.
— Ela está bem? O que aconteceu? — Levei as mãos ao rosto, piscando repetidas vezes ao levantar meu trono. Elizabeth veio rápido e se sentou ao meu lado.
Olhei para seu rosto delicado e alternei meu olhar para o rosto do homem, que me encarava pesaroso. Esperei uma resposta dele, afinal ao que parecia, ele tinha me socorrido e me levado até ali.
— Ela desmaiou. — Passou a mão pelo próprio cabelo cortado em corte militar, evidenciando seu braço levemente musculoso. Parecia incomodado com algo. — Provavelmente porque vomitou todo o almoço. — Franzi a testa, achei que ninguém tinha me visto ir para o banheiro. — Sim, eu te vi.
— Algo deve ter me feito mal, ou devo estar com alguma virose. — Eu realmente não estava me importando muito com minha saúde, ultimamente, minha cabeça vivia voando longe. Daquela casa, junto das pessoas que eu amava.
— Vamos chamar Juliet, ela com certeza deve ter algum remédio. Ou Clint, ele pode examiná-la. — Elizabeth se levantou e ia em direção a porta quando foi interceptada pelo homem alto.
— Eu também sou socorrista. — sorriu amarelo. — Acho melhor não chamarmos Juliet, aliás, melhor não chamarmos ninguém.
— Como assim? está doente, fraca, ela precis…
— Tudo bem, Elizabeth, está tudo bem. — Intervi em sua revolta, percebendo que aquele era o joguinho de Yuri. Era debochado e gostava de tirar os outros do sério. Não iria cair na pilha dele. — Vou subir e descansar um pouco, logo estarei melhor.
— Tem certeza que nos contou tudo sobre o britânico? — Assenti prontamente, ignorando o fato de meu rosto ter esquentado quase que instantaneamente. — Não teve nenhum tipo de envolvimento com ele? — Ergueu as sobrancelhas sugestivamente. Elizabeth me encarou assustada, minha cabeça dava voltas, como se fosse acontecer novamente. — Me conte a verdade, . Não irei perguntar outra vez.
Engoli a seco, sentindo minha garganta se fechar num nó enorme. Neguei com a cabeça. Ainda demorava para entender o que ele queria dizer, mas não poderia voltar atrás. Não confiava naquele homem, todas as vezes que vi seu rosto ele estava contorcido em sarcasmo e rindo de coisas perversas que os colegas riam e faziam piadas. Não confiava por ver claramente que Yuri parecia ser o braço direito de Clint e que não iria exitar em me delatar para ele.
… — Elizabeth apertou minha mão, chamando minha atenção para seu rosto, já molhado em lágrimas.
— Sabe, , sua lealdade é algo realmente admirável. — cruzou os braços analisando-me como sempre fazia. — Está tendo a chance de me falar a verdade, mas mesmo assim insiste em acobertá-lo. — Franziu a testa inconformado.
— E-Eu não sei do que está falando. — Meu coração batia tão rápido que sentia que sairia pela boca a qualquer momento.
Yuri apenas riu, negando com a cabeça em clara reprovação.
— Se não estivesse grávida eu te entregaria agora mesmo.


Capítulo 32 - Discoveries

Por um momento, senti meu coração parando de bater. Aquele era, sem sobra de dúvidas, o maior susto da minha vida.
Encarei seu rosto perplexa e paralisada demais para poder reagir. Não poderia dizer que estava tão surpresa, afinal, sabia mais ou menos de onde vinham os bebês. Mas nunca havia me imaginado esperando um até então. Sabia que iria ter filhos algum dia, mas aquele não era o momento, nem o tempo certo daquilo acontecer!
Era loucura! Eu só tinha dezessete anos, estava longe de meus pais, no meio de uma guerra mundial e nunca mais veria na vida! Eu não poderia criar aquela criança sem um pai. Pai! Meu Deus, meu pai iria me matar! E minha mãe então, o ajudaria! Oh, céus, eu estava completamente perdida!
— Não! Não! — Era tudo o que saía de minha boca. — Isso não pode estar acontecendo.
Eu havia entrado num looping de negação que pareceu durar por algum tempo ao julgar pelo abraço duradouro que Elizabeth dava em mim buscando consolar-me. Ela parecia ter adivinhado que não adiantaria nada, porque me soltou e passou a apenas acariciar meu braço continuamente enquanto me olhava assustada.
— Dormiu com ele, não foi? — Não precisei de palavras ou um simples gesto para confirmar. Meu estado já falava por si só. Yuri deu passos pelo local, inquieto. — Como deixou que isso acontecesse? Não vê que aquele filho da puta estava apenas se aproveitando de você?
— E-Ele disse que me amava. — Choraminguei, mais uma vez caindo num choro sôfrego.
Sim, eu já tinha me dado conta de que tinha me usado, já havia me martirizado muitas vezes depois que a minha ficha tinha caído. Mas, com aquela notícia, as coisas eram totalmente diferentes. Antes o que só me fazia chorar e me tirava a alegria agora me dá calafrios de tanto medo do que poderia estar por vir. Um dia eu iria conseguir superar aquela desilusão, ao menos esperava que conseguisse. Mas uma gravidez? Aquela consequência era permanente, para sempre.
Ouvimos a voz de Juliet sendo misturada com a das meninas e senti meu coração palpitar novamente. Tudo girava novamente, ser lembrada da existência daquela mulher num momento tão crítico como aquele fazia-me querer sair correndo e nunca mais dar as caras naquela casa.
— Q-Quando vai contar a ela?
— N-Não, ela v-vai me matar! — Negava com a cabeça enquanto as lágrimas voltavam a encharcar o meu rosto, cobri minha boca tentando abafar meus soluços involuntários.
Parecia uma agonia sem fim, um pesadelo, onde eu me debatia tentando sair, mas meu corpo na realidade não saia do lugar.
— Elizabeth está certa. Vai ter que contar, não da para esconder uma gravidez!
Até daria, nos primeiros meses, talvez até que meus vestidos não marcassem a minha barriga. Mas, após ouvir tantas conversas preocupantes sobre a guerra, eu já sabia que seria inevitável tentar esconder a gravidez de Juliet, afinal a guerra não estava nem perto do seu fim.
— E-Eu estou te f-falando! Ela vai m-me matar quando descobrir! — Nem ao menos tinha muita noção do que saía da minha boca. O desespero estava me cegando.
Contudo, ainda tinha muita coerência no que dizia, sabia muito bem de quem estava falando. Apesar de ainda não ter descoberto os segredos que me deixavam com o pé atrás a respeito de Juliet, ainda assim tinha certeza sobre minha intuição. Mas, ainda assim, Yuri e Elizabeth me olhavam com pena, por pensarem que aquela minha fala era apenas parte do meu surto por descobrir uma gravidez no pior momento da minha vida.
— Ela não vai. — Yuri teimou, se aproximando da cama. — Juliet não pode fazer nada contra você, não com tanta gente de olho nela. Agora fique calma, vá se deitar um pouco, pense em como vai contar a ela. — Pegou minhas mãos trêmulas, levantando-me devagar.
Assenti sabendo que era daquilo que eu precisava. Deitar-me um pouco, sumir entre meus cobertores como tinha sido meu único refúgio ultimamente. Sobre contar a Juliet eu ainda não concordava com eles, não queria contar a ela. Não tinha ideia do que iria fazer. Minha mente criava diversas desculpas e situações completamente impossíveis, planos para enganar a todos sobre aquela gravidez, mas, no fim, Yuri estava certo, era inevitável.
? — Enquanto subia silenciosamente as escadas aparada por Elizabeth, ouvimos a voz da mulher. Não precisei me virar para saber que as atenções das meninas presentes na cozinha estava voltada para nós duas. — Está tudo bem? — Ouvi seus passos e me apressei para subir na frente.
— Ela está bem sim, é só um mal estar. — Ainda tive tempo de ouvir a voz da menina me justificando, enquanto cruzava o corredor dos quartos.
Me deparei com Cornélia deitada em sua antiga cama, de barriga para baixo, com o rosto enterrado no travesseiro.
— Vá embora! Não quero falar com você!
Ignorei a menor, jogando-me em minha cama, cobrindo-me dos pés a cabeça. Solucei, sentindo meu coração ficar minúsculo. Parecia que nada poderia piorar, mas aquele pensamento era idiota, sempre poderia piorar. Já não tinha mais esperanças, desde que foi embora tudo parecia ir ladeira abaixo e parecia que nunca iria melhorar.
Era uma avalanche de acontecimentos ruins, como se ele tivesse ido e levado tudo o que havia de bom no mundo consigo. E não merecia aquilo. Eu não merecia ter ficado e ainda ter que lidar com tudo aquilo sozinha.
? — Ouvi a voz de Elizabeth, sua mão puxou delicadamente a coberta de cima, revelando meu rosto encharcado. — Te trouxe algo para comer, venha, não pode ficar sem se alimentar.
Sentei-me secando o rosto, encarando a bandeja com um pequeno café da tarde sobre a cama. Me arrisquei a comer um pouco, sob o olhar das duas meninas. Acho que teria que me acostumar a forçar a comida descer goela abaixo, mesmo que não quisesse comer nada.
— O que aconteceu? — Cornélia indagou curiosa, chegando mais perto.
Assim que vi seus olhos castanhos, os meus transbordaram novamente. Estava ficando cansada de chorar. Mas parecia que eu já não tinha mais motivos para não fazê-lo.
Alternei meu olhar para Elizabeth, que deu de ombros não sabendo opinar. Ela havia entendido minha pergunta. Eu contaria para Cornélia? Não sabia bem como ela iria reagir, mas tinha certeza que a menina nunca iria me perdoar se escondesse mais aquilo dela. Um hora ela e todos iriam descobrir mesmo. E era aquilo o que mais me assustava naquele momento.
— E-Eu estou… — Engoli a seco, pensando que era a primeira vez que iria falar...aquilo. Não sabia nem como deveria chamar. — eu estou grávida.
Era real, estava realmente acontecendo.
As mãos de Cornélia cobriram seu rosto pequeno, abafando um gritinho agudo. Tombei a cabeça para o lado confusa. Não tinha conseguido interpretar aquela reação. A menina simplesmente pulou em minha direção, abraçando-me forte. A envolvi em meus braços, apertando-a contra mim, estava aliviada em tê-la ali, ao meu lado. Eu precisava tanto daquilo.
— Mas não pode contar para ninguém, ouviu? — Elizabeth me censurou com o olhar, mas preferi ignorar por hora.
— Você vai ter um bebezinho! — Franzi minha testa, mais uma vez olhando as duas de forma alternada.
Um pequeno frio passou por minha barriga, que logo se aqueceu quando Cornélia a cobriu com a palma da mão. Meu coração também se aqueceu imediatamente. Não havia parado para pensar. Tinha acontecido muito em tão pouco tempo.
Um bebê. Crescendo dentro de mim! Meu Deus, parecia loucura! Eu nem ao menos sabia se seria capaz de colocar outro ser no mundo sendo tão nova. Me perguntei como eu conseguiria dar conta daquilo, de criar uma criança, sempre me pareceu ser uma tarefa tão difícil, ser responsável por um outro alguém. Minha mãe também sentiu aquele medo todo? Mesmo eu sendo tão esperada por ambos, será que ela nunca teve medo? Me perguntei se aquele receio todo acabaria quando eu começasse a sentir todo o amor do mundo como mamãe dizia que sentia por mim.
Lembrar-me dela e saber que não a tinha ao meu lado num momento tão importante como aquele me deixava triste.
— Será que vai ser um menino? — A menor colocou a mão no queixo pensativa. Ri de sua pressa. Era muito cedo para saber uma coisa daquelas.
— Acho que é uma menina. — Sorriu Elizabeth. — E você, o que acha?
Dei de ombros rindo fraco. Estava me sentindo mais leve. Na medida do possível, claro. Ainda me assustava, mas passar o tempo discutindo suposições bobas, como o sexo da criança, estava me distraindo um pouco.
Até arriscava dizer que estava gostando da ideia. Cheguei a imaginar o rostinho. Uma mistura perfeita de mim e . Não sabia ao certo como iria lidar se o bebê tivesse os olhos dele, toda vez que os olhasse ele me viria a cabeça. Era algo ruim, me traria lembranças de alguém que eu deveria apagar da memória, mas ao mesmo tempo sabia que não tinha mais nada nesse mundo que fazia meu coração bater mais forte além daquele par de olhos verdes.
Comi um pouco, sentindo-me mais disposta. Conversei com as meninas por um tempo, sobre nossas vidas antes daquele caos. E era tão leve falar sobre um tempo em que tudo estava bem, parecia que tínhamos nos transportado para casa novamente. Ríamos de uma história péssima de tão hilária que Elizabeth contava sobre a mãe dela, me pegava imaginando se seria aquele tipo de mãe. Rígida, super protetora, ou se seria mais liberal.
Na verdade nunca se sabe, mamãe dizia que só quando nos tornamos mães podemos entender, saber o que fazer e como vamos criar nossos filhos. Sempre me perguntei como elas simplesmente sabiam o que fazer. Bom, parecia que eu não iria ter que esperar muito para descobrir.
. — Yuri surgiu de repente na porta, abriu e entrou sem nem ao menos bater. Fiquei apreensiva com sua expressão e pedi para que as meninas nos deixassem a sós, antes de ir, Cornélia deixou um beijo carinhoso em minha barriga. Ainda estranhava aquela situação. — Acharam a aeronave.
— S-Sim, não foi para isso que eles saíram o dia todo? — Remexi-me na cama nervosa, tentando disfarçar ao máximo.
— Está faltando uma peça importante e algo me diz que você sabe qual é. — Yuri se sentou na ponta da cama.
Reparei em sua postura, ele estava bravo, como sempre. De uniforme, como sempre. E me encarava muito, como sempre. Tentei pensar num jeito de desconversar, porém sabia que não precisava mais mentir para ele. E já estava ficando farta de tantas mentiras.
— Eu juro que não fiz por mal. — franzi minha testa, recebendo um suspiro seguido de um aceno reprovador dele.
, ele te obrigou? — Assumiu uma postura dura. Neguei veemente. — Tem certeza, ele nunca te ameaçou?
nunca tinha me obrigado a nada. Nunca precisou, sempre fui tão entregue a ele que acho que não precisou de tanto esforço da parte dele para ter o que queria de mim.
— Não. E-Ele me disse que era algo que precisava fazer para proteger os dele, q-que era para que ele morresse em paz sabendo que protegeu as informações dos britânicos, e-eu só queria ajudar…que ele partisse feliz. — encolhi meus ombros.
— Com certeza ele partiu feliz sabendo que conseguiu o que queria: Te enganar e fazer você fazer tudo o que ele precisava. — Se levantou esbravejando baixinho. Mesmo tentando minimizar sua reação ruim, seu tamanho ainda me assustou. — aquele era um dispositivo de comunicação, o que quer que ele inventou para te enganar foi uma mentira! Você fez parte do plano de fuga dele, lhe deu o que ele precisava para se comunicar com os britânicos e conseguir resgate para fugir! — Cobri minha boca com minhas mãos. Seus punhos estavam cerrados, evidenciando as veias em seus braços. — Nos colocou em perigo, agora eles sabem a nossa localização e é uma questão de tempo até que cheguem para nos atacar
— E-Eu não sabia! Ele me disse que era uma caixa preta! Oh meu Deus, me desculpa! — Trêmula, comecei a imaginar milhões de coisas horríveis na minha cabeça. — Eu não queria nos colocar em perigo, n-não queria!
Se soubesse para que finalidade queria aquele dispositivo talvez não o teria pegado. Se ele tivesse me contado seu plano de fuga talvez não teria ajudado. Talvez. Era engraçado olhar para trás e pensar no que eu teria feito numa situação como aquela, meus sentimentos com certeza iriam interferir naquela decisão, talvez, por amá-lo tanto, eu o ajudaria. Ou, por saber que nunca mais o veria, talvez não.
— Agora já foi. — Suspirou encarando-me por um tempo. Me vi pressionada por aquele par de olhos azuis, sua expressão ainda não tinha suavizado, e parecia que nunca tinha sido suave um dia.
Yuri aparentava ser um homem sério demais. No início, quando o vi pela primeira vez junto daqueles brutamontes, cheguei a ter a impressão errada sobre ele, pensei que fosse um homem mal, mais uma vez influenciava no modo como eu passei a enxergar homens. Bom, se ele era, eu descobriria e ficaria muito surpresa no futuro, porém, o modo como Yuri estava levando toda aquela situação me dava um pingo de esperança de que não fosse.
Qualquer outro no lugar dele me entregaria no exato momento que descobrisse. Foi ali que comecei a realmente parar para pensar em tudo o que fiz para e perceber que estava na hora de parar de me culpar por algo que nem mesmo tive a intenção de fazer. Se o ajudei fiz porque o amava, não por maldade. Era apenas caridade, coisa que me culpei por ter por outra pessoa até receber de volta e me dar conta de que não era algo ruim.
Fui uma grande burra em acreditar nele, porém eu estava fazendo o certo o tempo todo.
— Eles com certeza irão querer te interrogar de novo. , você foi a única que teve contato com ele, é a primeira que vão suspeitar de tê-lo ajudado. — Meu estômago se revirou só de pensar naquela possibilidade. O desespero começou a tomar conta de meu corpo. — E você tem que contar a verdade, me ouviu? Tudo. Inclusive sobre a gravidez. — Se aproximou, pegando-me pelos ombros. Ofeguei negando com a cabeça.
— N-Não, eu n-não posso! Se contar o que tive com ele vão...vão...e-eu nem ao menos sei o que eles seriam capazes de fazer comigo!
, eles não podem te machucar! Diga a verdade logo, vai nos poupar de ficar procurando e assim poderemos nos preparar para quando eles vierem! — soluçava cobrindo meu próprio rosto. A cada segundo que se passava naquela casa uma nova notícia ruim se voltava contra mim. — Olhe para mim, … — seus dedos puxaram minhas mãos e seu rosto se aproximou devagar.. — Precisa fazer isso, pare de protegê-lo, ele não merece! Comece a proteger quem realmente importa. Olha, eu vou estar lá com você, é só falar a verdade, só fale a verdade.
— Licença. — Ouvi batidas na porta e nos deparamos com Juliet encostada no batente. Encarei Yuri e, por comunicação interna, percebi que ele também se perguntava há quanto tempo ela estava ali no canto. — Desculpa atrapalhar, Clint está chamando a todos lá em baixo.
Saiu com um sorrisinho no rosto, não antes de nos encarar de forma sugestiva pela última vez. Percebi nossa proximidade e me desvencilhei dele, levantando-me da cama sentindo uma leve tontura.
— Pense no que eu te disse. — O homem tomou a minha frente e desceu.
Parei por um segundo na porta sentindo medo. Temia o que fariam comigo se eu falasse, mas se eu escolhesse omitir, iriam saber de qualquer forma, afinal, minha barriga logo começaria a crescer. Contar tinha muito mais contras do que prós, na verdade, eu não via vantagem alguma em contar minha história com para pessoas que não me passavam confiança alguma.
Não queria e nem iria dar tudo o que eles queriam de bandeja, não era apenas por , mas também por mim. Nunca iria me esquecer do modo como aqueles homens zombaram do meu pai. E o jeito como Juliet sorriu maliciosa ao me ver tão próxima a Yuri me deu ânsia. Não foi o mesmo olhar que recebi quando fui pega com , percebi que o problema nunca esteve em ter um homem mais velho com as mãos em mim, mas sim, quem era e de onde ele vinha.
Juliet nunca aceitaria a ideia de que me relacionei com debaixo do nariz dela, pelo simples fato de ele ser britânico. Como Yuri era soviético, a mulher não via mal algum naquilo, sabia que ela agiria da mesma forma quando descobrisse o interesse mútuo de Elizabeth com soldado mais novo.
Desci as escadas encontrando a todos na cozinha, Juliet já preparava o jantar com Elizabeth ao seu lado, os homens se encontravam parados envolta da mesa, estáticos, me esperando. Encarei Yuri brevemente, ao seu lado, Clint também me olhava causando-me calafrios. Não gostava da presença dele, aquele homem deixava qualquer lugar ruim sem ao menos se mover ou abrir a boca, tinha algo de muito ameaçador em seu jeito de ser. Até mesmo sua expressão facial imprimia maldade.
— Minha querida , estávamos à sua espera. — Seu sorriso me incomodou. — Juliet, poderia deixar os afazeres de lado e nos acompanhar para uma pequena reunião?
— Mas é claro! — Sorriu abertamente. Respirei fundo. Certo, eles iriam chamar uma de cada como da primeira vez. Eu teria algum tempo para pensar no que falar, o que não tinha acontecido quando eles chegaram. — As outras também se juntarão a nós? Preciso de alguém aqui na cozinha para continuar a preparar a janta.
— Eu preparo! — Me candidatei, já prevendo que ficaria por último estando ocupada com algo. — As meninas podem ir primeiro.
— Não, , você não entendeu. Quero falar com você, somente com você. — Veio até mim, pegando-me pelo braço. — Juliet servirá apenas de testemunha.
Meu coração se acelerou enquanto era praticamente arrastada por aquele ser asqueroso até o quarto no fim do corredor. Elizabeth estava apreensiva junto de Cornélia, ambas já sabiam do que se tratava e por aquele motivo estavam assustadas.
Fui praticamente jogada contra o colchão e ali aguardei todos aqueles homens adentrarem o quarto seguidos por Juliet, que estava confusa até então com o tratamento que Clint estava me oferecendo. A porta foi fechada e, apesar de estar com medo, me senti mais segura vendo Yuri ali, de pé, próximo. Sabia bem que ele estava em extrema minoria naquele meio, porém ele tinha me prometido que não deixaria nada de ruim acontecer comigo e não me restava outra coisa a não ser confiar nele.


Capítulo 33 - My weakness

— Aqui estamos novamente, não? — Clint riu sarcástico, enquanto me encarava friamente. Seus olhos escuros quase não piscavam, como se ele estivesse me analisando a cada suspiro meu, somente me esperando vacilar um segundo.
Concentrei-me ajeitando meu corpo sobre a cama, teria que tomar muito mais cuidado que da última vez, qualquer movimento meu poderia e iria me denunciar. As coisas estavam diferentes daquela vez. Antes, eu era apenas uma das mocinhas da história, a donzela indefesa junto das outras mulheres frágeis daquela casa, que esperaram ansiosamente pela vinda dos homens fortes para serem protegidas. Agora eu era a vilã, não sabia mais se adiantaria fazer-me de desentendida como na nossa última conversa.
Mas, também, não daria para assumir a autoria de meus atos. Eu estava completamente sem saída. Mas disposta a enfrentar as consequências da minha omissão, mesmo que não fizesse ideia do que viria da parte deles, a única coisa que eu sabia era que deveria esperar o pior.
— Sabe o que achamos lá fora, ? — Colocou as mãos para trás, andando despretensiosamente em círculos diante de mim.
Encarei Yuri rapidamente, Juliet, encostada na parede, apenas assistia a ação sem expressão. Ela não parecia saber do que aquela conversa se tratava, porém não precisava de motivos ou provas para ficar inteiramente ao lado de Clint e seus homens. Sabia que com ela eu não poderia contar, alias, sempre tive aquela certeza que só foi se confirmando com o tempo.
— Imagino que seja a aeronave desaparecida. — Encarei seu rosto, totalmente sem expressão facial e sem emoção alguma na voz.
— Isso mesmo, boa garota. — Aquele tom de falsa animação da parte dele me embrulhava o estômago, independente dos enjoos da gravidez, era simplesmente meu instinto me dizendo que aquele homem não valia um rublo sequer. — Estava exatamente onde nos apontou.. — Comentou com a mulher, que lhe sorriu solicita. — Perto do galinheiro, coberta pela neve.
Assenti em silêncio, tentando manter a cabeça erguida diante de tantos olhares censuradores sobre mim.
— Acha que somos idiotas? — Pisquei algumas vezes, confusa diante daquela pergunta.
Se fosse em outra situação, eu desataria a rir em sua cara. Era quase que uma pergunta retórica, afinal de contas, conseguiu fugir com uma facilidade absurda. Se os soviéticos fossem tão grandiosos e imbatíveis como os próprios saiam por aí se gabando, já o teriam capturado visto que fugiu um pouco antes da chegada deles. Se passou algum tempo, e o único rastro que tinham de era uma aeronave abandonada, que se não fosse por mim, ainda estariam procurando pela neve?
— Não senhor. — Respondi ainda sem entender.
— Eu só não consigo acreditar que você tenha sido tão burra ao ponto de roubar uma peça da aeronave e ainda por cima nos dizer onde ela estava. — Respirei fundo, engolindo a seco. — Achou mesmo que não daríamos falta do comunicador?
Se eu soubesse do que se tratava antes, realmente teria escondido ao máximo o paradeiro da aeronave, porém, não estava tendo muita escolha há muito tempo. Estava me virando com as informações que eu tinha, e no momento, não senti que me ajudaria caso os ajudasse além do que já fiz.
Eu queria vê-los se matarem de procurar, que quebrassem as cabeças atrás de respostas. Aquele era o trabalho deles, não? Olhei para Yuri mais uma vez, o homem apenas me deu um aceno de cabeça quase que imperceptível, incentivando-me a falar.
— Eu não faço a mínima ideia do que seja esse tal comunicador. — balançava a cabeça em negativa. Lembrava-me de respirar, inspirar e expirar, já sentia a tontura retornar aos poucos. — Te garanto que nunca cheguei a triscar um dedo naquela aeronave. — Dei de ombros desdenhando.
Procurei o rosto de Juliet, e ela arqueou uma das sobrancelhas, concordando calada. Ela tinha chegado logo após de mim na inesquecível manhã que encontrei em seu quintal, sabia inclusive que não teria como eu sequer pensar em me aproximar do avião, já que estava sob a mira da arma de naquele momento. Juliet não sabia, é claro, que eu retornei a aquele lugar dias depois e roubei a peça. Mas, por hora, seria bom tê-la como testemunha, mesmo que a intenção dela não fosse me apoiar.
— Não me venha com essa ladainha. , já conversamos, você já nos enrolou e foi liberada, mas, desta vez temos provas de que está envolvida no sumiço do britânico. Pare de joguinhos e conte logo a verdade! — Sua voz soava instável, denunciando o estado de sua cabeça naquela hora. Clint estava prestes a explodir de raiva.
— Eu já disse a verdade, não tenho e nunca tive nada a v...
— Fale logo o que sabe, caralho! — Não pude terminar minha frase, o homem estava praticamente me sufocando ao pegar-me pelo colarinho do vestido que eu usava. Meu corpo foi puxado com brutalidade para cima, onde eu fui obrigada a ter meu rosto vermelho muito próximo do seu. — Sua mentirosa filha da puta! — Cuspiu em meu rosto, largando-me sobre o colchão.
— O que está acontecendo aqui? — A voz de Juliet soou solitária em meio ao silêncio que se instalou no quarto. Apesar de Clint ser um homem mais velho e maior que eu, ver a aquela cena não parecia incomodar nenhuma das pessoas presentes ali.
Muito pelo contrário, os soldados apenas assistiam a tudo com um um ar de satisfação tão implícito, que nenhum deles fez questão alguma de disfarçar. A própria Juliet não aparentava estar incomodada com a violência de Clint, ela apenas tinha interferido por estar por fora do motivo que nos levou até ali. Juliet simplesmente odiava não fazer parte de algo tão grande como aquilo.
Ela me parecia sempre querer estar no controle, liderando algo. Não era atoa que decidiu abrir a própria casa para hospedar crianças sem os pais por perto, porque além do fato de não ter ninguém na vida e precisar do dinheiro para se manter. crianças eram extremamente manipuláveis. Bom, felizmente nem todas, já que ela tinha dado um tiro no próprio pé ao me abrigar ao lado de Cornélia e Elizabeth, nós estávamos bem longe de sermos influenciáveis por ela e que, pouco a pouco, estávamos cada vez mais perto de descobrir o que Juliet tanto escondia.
— O equipamento de comunicação da aeronave desapareceu, misteriosamente. — Os olhos frios da mulher encararam-me perplexos, encolhi meus ombros já vendo que não tinha para onde correr, negar não era mais uma opção. — A sua querida ajudou aquele filho da puta a fugir e agora está se fazendo de desentendida achando que vai se safar dessa! — O homem agarrou meu braço com força, fazendo-me grunhir de dor enquanto tinha meu corpo sendo chacoalhado com violência. — Anda, fale logo o que sabe daquele homem e para onde ele fugiu!
Meu coração batia rápido, chorava incessante, já sentindo o ar faltar em meio a sucessão de soluços que saíam de minha boca. Eu estava com medo, apavorada. Sabia que não poderia confiar neles para contar o que houve como Yuri tinha me pedido, eu realmente comecei a temer pela minha vida.
Mas já estava tudo feito, não tinha como voltar no tempo. Todas as escolhas que fiz me levaram até aquele momento. Mas eu não iria me dar por vencida. Não importava o que acontecesse, eu não iria dar o que eles tanto queriam, não iria deixá-los vencer.
— Nunca. — Ralhei ao encarar aquela escuridão presente em seus olhos. — Se depender de mim, vocês nunca saberão nada sobre ele.
Juliet se aproximou, com o rosto retorcido em ira. Suas bochechas vermelhas denunciavam aquele sentimento predominante nela, suas íris escureceram de imediato, causando calafrios a cada passo rápido que ela deu em nossa direção. Sua mão agarrou meus cabelos, pela raiz eu senti o puxão que ardeu até em minha alma. Gritei de dor sendo arrastada para o outro canto do cômodo ainda sobre os olhares alheios.
— Sua...sua...eu sabia! — Jogou-me com brutalidade na direção dos homens, perdi o equilíbrio, caindo sentada aos pés deles, que se deleitaram com a cena que viam. — Você estava se agarrando com aquele verme, sua imunda! — Chutou-me uma, duas vezes em minhas pernas, que eu tentava encolher a fim de proteger minha barriga. — Não acredito que teve coragem de nos trair, na minha casa, debaixo do meu nariz!
O impacto de seus sapatos indo e vindo com tamanha força fazia-me retorcer-me sobre o chão gélido. Logo alguns dos homens se sentiram no dever de se juntar a ela e começaram a desferir chutes e pontapés contra mim. Ouvia tantos ruídos, vindos dela, de todos eles, eu estava tão assustada, machucada, que mal tinha forças para gritar quando era atingida mais uma vez.
— Parem! — A voz de Yuri, irreconhecível, ainda berrava ao fundo. Mas ele era só um em meio a tantos naquele grande caos. Senti meu corpo ser puxado rapidamente, e me agarrei a aqueles pares de braços com o pouco de força que me restou. — Ela está grávida, parem!
Soaria clichê o bastante dizer que o tempo tinha parado exatamente após Yuri impor aquela frase? Porque para mim pareceu, nem que fosse por um milésimo de segundo, que tudo congelou. Encarei Juliet e pude enxergá-la surpresa, tão perplexa quanto da última vez, ao me encarar a medida em que vinha para cima de mim novamente. Daquela vez sozinha, aos berros, insultava-me de todos os nomes mais sujos do universo enquanto suas mãos me acertavam em cheio no rosto, cabelos e corpo.
— Abriu as pernas para aquele britânico nojento, sua bastarda! — Suas unhas deixavam rastros por onde passavam, fazendo minha carne arder. Meu vestido já rasgado já não conseguia me cobrir direito, deixando-me exposta a todos aqueles olhares maldosos.
A mulher me empurrou novamente, fazendo-me bater a cabeça na quina da cama. Uma dor insuportável me atingiu a testa, levei minha mão até o local sentindo o sangue escorrer pelos meus dedos. A porta do quarto tremia por conta das batidas incessantes, eu podia ouvir os gritos de Cornélia e Elizabeth, podia escutar o choro assustado de Harriet e Amelia. Elas deviam estar aterrorizadas pelo barulho que vinha daquele quarto.
— Chega! Chega! Vai mata-la desse jeito, precisamos dela viva. — O próprio Clint tirou a mulher descontrolada de cima de mim enquanto Yuri cobria-me com seu tronco, a fim de evitar que mais algum deles me machucasse, o mais novo, o afeto de Elizabeth o ajudava, mantendo os colegas longe. — Vamos, todos, saiam! Andem!
Um por um, cada homem deixou o quarto. Ainda tinha os meus olhos fechados com força, receosa de abri-los e me deparar com mais alguém querendo me fazer mal. Sentia a presença física de Yuri bem próximo de mim, ainda respirava ofegante e tentava realizar a sôfrega tarefa de não fazer movimentos bruscos porque eu sabia que iria doer mais ainda.
— Yuri. fique com ela. Ela não sai daqui até que eu mande, me ouviu? — Não pude saber qual a resposta dele, mas ouvi a porta sendo aberta mais uma vez. — Ainda não terminei com ela.
O silêncio reinou no quarto assim que o último baque da porta seguido o barulho das chaves sendo giradas no molho de Juliet soou. Ainda imóvel, senti mãos gentis tocar-me com delicadeza. Lembrei-me de e em como eu queria que ele retornasse e me tirasse daquela casa horrenda, comecei a pensar em como seria se ele tivesse me levado junto dele.
Era um pensamento totalmente irracional, devo acrescentar. Afinal, por mais que ele tenha fugido, ainda estava em perigo por estar de serviço em plena guerra, eu jamais sobreviveria ao lado dele. E eu jamais iria deixar aquela casa sem meus pais junto de mim, iria esperar nem que fosse uma eternidade por eles. Aquele pensamento pairou sobre minha cabeça apenas como uma distração momentânea. Preferi criar uma realidade alternativa e tentei deixar de viver o que estava acontecendo naquele exato momento. Onde meu corpo inteiro doía e eu preferiria estar morta ao ter que passar por aquilo de novo.
— Venha, vamos para a cama. O chão está gelado. — Sem sustentação alguma, quase fui ao chão quando senti meu corpo ser içado para cima. Yuri percebeu minha incapacidade de ficar de pé e passou uma das mãos pela parte detrás de minhas coxas enquanto segurava firmemente meu tronco, tirando-me do chão.
Chorei de agonia ao sentir minha cabeça latejar novamente. Tudo em mim ardia, latejava, doía. Tentei em vão descansar meu corpo desnudo sobre o colchão, enquanto tinha Yuri tentando cobrir minhas pernas com sua jaqueta. Estiquei meu pescoço para dar uma olhada em minha roupa rasgada e pude ver alguns tufos de cabelo espalhados pelo chão. Solucei não apenas por ver o estrago que Juliet tinha feito em mim fisicamente, mas também internamente. Nunca tinha sido tão humilhada em toda minha vida.
Fiquei sozinha por alguns instantes, logo ele vinha do banheiro com a toalha de rosto marsala encharcada de água. Limpou devagar meu rosto, que repuxava na lateral por conta do sangue que escorreu e já estava seco. Reprimia meus gemidos de dor enquanto tinha o ferimento sendo limpado, os olhos claros e a expressão séria de Yuri eram enxergados por mim com uma dificuldade enorme, já que não conseguia mais parar de derramar lágrimas por tantos motivos que poderia jurar que até mesmo meu coração estava dolorido.
— Eu sinto muito. — Depois de tanto exitar, ele finalmente conseguiu me olhar nos olhos. Pude vê-lo lacrimejar um pouco ao se deparar com o que resultou naquela “conversa” que o próprio tinha me assegurado que iria dar tudo certo. — Me desculpe, . Eu prometi que não deixaria que te fizessem mal e...olha o seu estado! — Levou uma das mãos a testa, inconformado.
Neguei com a cabeça, levantando meu tronco devagar, evitando ao máximo dar atenção às dores que aquela ação me causava. Envolvi Yuri num abraço desajeitado, fui recebida em seus braços fortes e me ajeitei em seu ombro, derramando mais um pouco das minhas intermináveis lágrimas.
A culpa não tinha sido nem minha, nem dele, nem de ninguém. O que aconteceu naquele quarto já tinha seus responsáveis, e infelizmente, não tinha mais ninguém acima deles para quem eu pudesse reivindicar justiça pelo o que me fizeram.
— E-Eu te disse...Te disse que ela me mataria quando descobrisse. — Tinha meus dedos afundados em suas costas, enquanto Yuri, com medo de me machucar ainda mais, mau me tocava sabendo que qualquer mínimo aperto dele me faria gritar de dor.
— Ela não pode fazer isso, . Ainda mais agora que eles sabem que você tem informações do britânico. — Afastou-me, tirando meus cabelos desgrenhados de meu rosto molhado e secando minhas lágrimas delicadamente. Mordi meu lábio com força já imaginando como seria da próxima vez que tentasse me arrancar alguma informação. — Eles podem te oferecer algum benefício caso você diga tudo o que sabe sobre ele.
Não pude evitar de contorcer meu rosto dolorido em pura indignação. tinha fugido para não ser torturado e morto, ele sabia que nunca iria delatar ninguém ou dar as informações que os Soviéticos precisavam, eu sabia daquilo também, nunca duvidei da lealdade de com os seus. Os únicos que pareciam ser dignos de sua lealdade, alias. Caso ainda estivesse na casa, estaria praticamente morto uma hora daquelas, tinha certeza que Clint e seus homens fariam todas as maldades possíveis com ele para fazê-lo falar.
Eu não conseguiria nem imaginar sem ter vontade de torcer meu corpo todo em agonia. Soviéticos sempre foram conhecidos por seus métodos de tortura para conseguir qualquer informação que lhes interessasse. Ainda mais se tal informação os ajudassem de alguma forma a derrubar e tirar a tão odiada Inglaterra de seu caminho naquela guerra.
— Já disse que não vou falar nada. — Entre dentes, encarei seus olhos cristalinos. Yuri suspirou derrotado ao mesmo tempo em que negava com a cabeça.
— Você ama mesmo aquele cara, não é? — Torci o nariz diante de seu sorrisinho de canto de boca.
— Não é sobre ele, é sobre mim e o que aconteceu aqui. — Cruzei os braços emburrada.
Sabia que Yuri estava certo, mas não queria admitir para ele, seria julgada, dava para ver pelo modo como ele me olhou. Elizabeth e Cornélia não me julgaram depois de realmente perceberem que meu sentimento era realmente verdadeiro e forte. E eu não sabia bem se ele iria ver da mesma forma, Yuri não aparentava ser do tipo romântico, ele mal sorria.
Yuri não me entenderia.
— Sabe que não precisa mentir para mim, não sabe? — Mordi o lábio incerta, ainda abraçando meu próprio corpo. — , ele é o pai do filho que você está esperando. — sua mão alcançou meu antebraço, deixando um carinho inesperado.
Suspirei já sentindo minhas lágrimas descendo pelo meu rosto. Grunhi de raiva, tapando com as mãos meu campo de visão, incapaz de aceitar dizer que ainda amava justamente para Yuri, que com certeza o mataria se o visse na sua frente. Ele tinha motivos e o odiava, acho que aquilo era esperado por mim também, e admitir aquilo para Yuri me faria parecer uma idiota aos olhos dele.
— Não negue para si mesma, se consumir assim só irá te fazer mal e para o bebê também. Admita que o ama e lide com isso.
Meu coração bateu forte, eu morria de saudades de poder olhar naqueles olhos verdes e dizer a ele que o amava novamente. Era um sentimento tão puro e avassalador, eu acho que nunca mais sentirei o que me fez sentir, e aquilo me matava por dentro.
— Você acha que algum dia eu vou conseguir esquece-lo?
— Eu não sei...— Deu de ombros. Eu já imaginava que um homem como o Yuri não saberia falar sobre amor comigo. Éramos completos opostos. e eu também éramos. Infelizmente com era puro fingimento, cheguei a realmente acreditar que ele era o homem sensível e romântico que ele demonstrava ser.
Todas as vezes que aquilo me vinha à cabeça, me perguntava o motivo de ainda sentir tudo aquilo por se eu já havia descoberto toda a verdade sobre as mentiras dele. Se não era real, então porque eu não conseguia deixar de me agarrar a todas as lembranças? Eu não conseguia esquecer aqueles olhos, o gosto do seu beijo, as sensações que seu corpo junto ao meu me provocava.
— É quase impossível esquecer um amor como esse…nós sempre teremos um ponto fraco. — O encarei intrigada.
— Quem é o seu ponto fraco? — Parece que Yuri não era tão casca grossa quanto eu pensei. Me enganei ao julgá-lo mal.
— Uma mulher, o sorriso dela na verdade. — Riu nervoso, tombei a cabeça para o lado sorrindo contida. Seu olhar se focou em minha boca e me assustei, voltando a ficar séria, e provavelmente comecei a ficar vermelha. — Não me entenda mal, por favor, mas...o seu me lembra o dela. — Minha respiração se acelerou sem que eu ao menos percebesse. — Por isso te olhei tanto quando cheguei aqui, sinto muito a falta de ver o sorriso dela.
Sua expressão sôfrega. Quase me impedi de perguntar, seus olhos ficaram opacos no mesmo instante em que ele citou a falta que a tal mulher fazia. Mas minha curiosidade não me deixaria ficar calada.
— Onde ela está agora? — Indaguei cautelosa.
— Está morta. — Engoli a seco, me sentindo péssima por ser tão curiosa. Yuri passou a mão nos cabelos curtos, gesto que ele usava como pacificador, sempre que aparentava estar ansioso ou algo mexia com seu emocional, Yuri mexia no cabelo. — Ela estava tentando fugir da guerra, morreu afogada junto da mãe que estava em um dos navios com ela. — Sua voz embargada me tocou de uma forma impressionante.
Chegou a me faltar o ar. Meu Deus, que tristeza! Imaginar que as pessoas estavam morrendo aos montes por tentarem fugir de toda aquela matança em massa. Era horrendo o modo como a guerra matava não apenas os homens em combate, mas também pessoas totalmente inocentes, que não queriam estar em meio ao fogo cruzado.
— Sinto muito. — Foi minha vez de pegar em seu ombro e deixar um carinho, ainda sem saber direito como consolar alguém que perdeu um amor daquele modo.
— Não sinta. — Fungou, secando a lágrima solitária que surgiu em seu olho. — Apenas sorria, eu amava o sorriso dela e consigo enxergá-lo em você.
Era muito triste ao ponto de me fazer lacrimejar, mas ao mesmo tempo muito bonito a me fazer sorrir abertamente.
— Ela devia ter um sorriso maravilhoso, então. — Encolhi os ombros, fazendo graça.
Seu rosto se aproximou devagar, fiquei sem ação, porém não recuei, não consegui. Yuri tinha uma expressão tão tranquila enquanto olhava para os meus lábios sem ao menos piscar. Eu sabia o que iria acontecer ali, também tinha consciência de que aquilo faria bem para ele.
Quando sua boca se encostou na minha, esperei que algo acontecesse dentro de mim, não aconteceu. Avancei meus lábios contra os dele lhe dando passagem com a língua. Yuri envolveu-me com cuidado pela nuca, beijando-me como se estivesse morto de saudades, como se eu fosse alguém que ele amava muito, me peguei pensando em e em como ele costumava me beijar com aquela mesma avidez.
Meu peito subia e descia com rapidez, pela urgência com que comecei a beija-lo pensando em , queria que ele estivesse ali, que fossem seus braços que estivessem envoltos em mim. Fechava os olhos fortemente, imaginando comigo, cheguei a até sentir seu cheiro, a textura da sua pele macia. Meus pelos se eriçaram instantaneamente, tamanha era minha vontade daquilo tudo ser real.
Quando nos separamos, nos encaramos na mesma intensidade, sorrimos tristes um para o outro. Não pareceu funcionar para nenhum dos dois. Eu não iria suprir a falta dela para Yuri, nem ele jamais se compararia a .
— É, meu caro Yuri, estamos no mesmo barco… — Me dei conta do que acabei de falar e arregalei meus olhos. — Meu Deus, me desculpe! — Falar sobre barcos após ouvir aquela trágica história da amada dele? Onde eu estava com a cabeça!
— Tudo bem. — Riu fraco. Respirei fundo envergonhada. — Só que não estamos na mesma situação, ainda está vivo.
— É, só que eu nunca mais vou vê-lo na vida.
— Você vai ficar bem, eu sei que vai. — Me roubou um selinho rápido. — Vou tentar te arranjar o direito a um banho. — Encarei minhas próprias mãos, totalmente sem esperanças.
— Duvido muito que consiga. — Ri sem graça.
— Vou sim, estavam tratando o soldado melhor que você. Vou te conseguir alguns direitos. — Afagou meus cabelos. — Você precisa descansar.
— Yuri. — Chamei enquanto ele se afastava. — Obrigada.
Após bater na porta algumas vezes e aguardar sua liberação daquela espécie de prisão, o homem deixou o quarto deixando-me sozinha por um tempo. Tempo o suficiente para que eu viajasse completamente para um universo completamente paralelo, os meus sonhos. Adormeci na tentativa de parar a minha dor física, pensando em como tudo aquilo era tão estranhamente bizarro.
Há um tempo atrás, estava em meu lugar ali, somente esperando o pior que estava por vir. Yuri não estava nem um pouco equivocado em nos comparar. Eu consegui sentir pelo menos metade do que ele tinha sentido, comecei a entender que talvez ele estivesse certo em fugir. Na agonia que eu estava, se não tivesse mais nada a perder, faria o mesmo.
Infelizmente ele achava que não tinha nada a perder. Mas me tinha por inteira e sabia daquilo. Nunca escondi o que sentia e a intensidade do que sentia.
Despertei com o baque da porta se fechando novamente, arrumei meu corpo sobre a cama, dando de cara com Yuri na porta junto de Juliet, que ainda me olhava com aqueles olhos cheios de fogo, ardendo em ódio. O choro urgente de Elizabeth me cortou o coração, a menina vinha em minha direção, soltou as mudas de roupas sobre o colchão e me envolveu em seus braços. Ainda sentia dor, mas ignorava tudo aquilo, nunca pensei que sentiria a falta justo de Elizabeth, ainda mais por que não fazia tanto tempo que tínhamos nos visto.
Mas trancafiada ali, tudo parecia uma eternidade angustiante.
— Elizabeth, vamos. — Ordenou, fazendo-a sair em prontidão de nosso abraço. Meu olhar acompanhou o da menina até a muda de roupas, Elizabeth levantou uma das sobrancelhas antes de me dar as costas e ir de encontro a mais velha.
Ao contrário do que pensei, nem mesmo Yuri ficou no quarto. Me vi ali, sozinha, numa solidão horrível. Independente de quanto tempo fossem me manter ali, contanto que não me deixassem só, eu iria sobreviver. Não era como se aquele quarto não me trouxesse tantas lembranças, e elas seriam minha companhia naquele período, minha dose de calmante para que eu não enlouquecesse.
Fui para o banheiro e remexi as roupas que Elizabeth tinha me levado, logo, o conhecido envelope caiu no chão gélido, fazendo-me ofegar em surpresa. Peguei aquela carta nas mãos temendo ler o que não devia, mas, ao mesmo tempo, sedenta para encontrar o que não devia também.


Capítulo 34 - No tears left to cry

Querida Juliet.
Sinto falta de te ter em meus braços, mesmo depois de anos, ainda tenho a sensação de seu corpo junto ao meu. Já te disse várias vezes, prometi que a tornaria minha esposa, mas infelizmente ainda tenho Irina me esperando quando essa guerra acabar. Será que poderia me esperar por mais algum tempo? Lembro-me de ter ouvido a mesma pergunta saindo de seus lábios maravilhosos, Ivan e você tinham acabado de se casar. Te esperei durante anos, me contentando em apenas te ter ás escondidas, te dividir com meu melhor amigo que não merecia uma mulher como você. Ivan partiu sem te dar um filho, uma pena que a criança que teríamos juntos teve de ser sacrificada pelo bem de nosso segredo.
Bom, as coisas aqui não estão muito boas para o nosso lado, atacaram nosso porto, destruíram nossos navios e o que sobrou da marinha estará em combate conosco quando chegar a nossa hora de atacar. A Inglaterra irá nos pagar por tudo o que está fazendo contra nós, e vai pagar caro.
Chequei o que me pediu e não existem sobreviventes como prevemos. As águas frias do Atlântico não devem ter permitido que houvesse alguém ainda com vida após aquele bombardeio completamente covarde, não eram nem navios de guerra!.
Sugiro que dê a notícia a suas meninas, deixe-as cientes de quem foi o culpado pela morte de seus pais, para que ela se juntem a nós no mesmo sentimento e desejo de vingança. Peço que nos mande boas energias, a Alemanha já tem os ingleses como alvo e não irá demorar muito para que os ataques comecem, logo estaremos juntos nesta batalha pela memória dos nossos.
Um beijo e até uma próxima vez, minha amada Juliet.


“ ...quem foi o culpado pela morte de seus pais”
Precisei ler aquele trecho mais de duas vezes para ter certeza de que não tinha interpretado errado, depois, li mais duas já com o coração quase saindo pela boca. Não era possível, não, tinha que ser mentira, não podia ser verdade, não podia estar acontecendo algo tão horrível com a minha vida, com as nossas vidas!
— Mortos? Nossos pais, mortos? — Deixei que o papel deslizasse por meus dedos, meus sentidos estavam tão sensíveis que pude ouvir o ruído mínimo que ele fez quando atingiu o chão.
Busquei algum encosto quando aquela tontura forte me atingiu, me apoiei na pia gélida do banheiro com todas as minhas forças, segurando-me enquanto me sentava devagar no piso juntando-me a carta que estava caída aberta ao lado. Eu iria cair a qualquer momento, sentia como se não conseguisse sustentar o peso de meu corpo em minhas pernas bambas.
Eu não podia acreditar, não conseguia nem ao menos raciocinar direito naquele momento. Parecia um pesadelo interminável, quando eu imaginava algo de bom ainda tinha me sobrado, tudo mudava e mais alguém que eu amava era tirado de mim! Primeiro tinha perdido , depois descoberto que estava grávida e, como se tudo não pudesse ficar ainda pior, tinha perdido meus pais? As únicas pessoas que eu tinha. A dor tomou meu coração e era apenas a única parte que faltava doer após a surra que Juliet tinha me dado.
Meu maior medo estava acontecendo, eu estava sozinha. Completamente sozinha no mundo. Quero dizer, eu e meu bebê. Solucei agarrando-me na superfície dura de cerâmica, que naquele momento era meu único consolo. Senti meu rosto gelar com a baixa temperatura, mas justo quando eu precisava de calor humano era o momento em que ele estava mais escasso.
Nem meu pai, nem minha mãe conheceria meu filho. Lembrei-me de lamentar que meus pais não estiveram presentes no meu “casamento” com , mas não tê-los comigo ao dar a luz ao único neto deles? Aquilo era dilacerante. Fazia-me querer cometer uma besteira para poder ir com eles, onde quer que eles tenham ido.
A saudade bateu tão forte, que cheguei a encolher meu corpo inteiro, como se estivesse sentido-a fisicamente judiar meu corpo e minha alma, que se recusava veemente a deixá-los ir. Cheguei a sentir a falta dos abraços de meus pais por algumas vezes durante minha estadia na casa de Juliet, havia se passado muito tempo desde a última vez que os tinha visto, mas eu tinha muita esperança de que os veria retornar para mim.
Mas, saber que nunca mais os veria me fez repensar em nosso último encontro. Devia ter abraçado mais, dito mais que os amava. Eu sabia que ambos tinham total ciência de meu sentimento por eles, mas parecia que nada do que eu tinha feito a eles em vida era o suficiente! Era uma incessante angústia, queria poder acabar com aquela dor, tê-los de volta, sentir sua presença e carinho.
Meu Deus, o que eu faria sozinha? Como viveria sem eles? Aquela ideia jamais passou pela minha cabeça.
E as meninas! Céus, elas são tão jovens! Amelie e Harriet são tão pequenas! Já não tinham mais a mãe e o pai, dependiam de seus avós, que com certeza amavam como se fossem seus pais. E Cornélia, que só tinha a mãe e o irmão e agora nem aquilo ela tinha mais, já que o irmão estava na guerra sem previsão alguma de retorno.
Pensar que estávamos órfãs apenas me aterrorizava ainda mais. O que seria de nós? Viveríamos a vida inteira na casa de Juliet, sendo mantidas por ela? Juliet não receberia um centavo sequer para cuidar de nós, ela cuidaria mesmo assim? Algo me dizia que não. Tudo o que eu pensava era num jeito de desaparecer daquela casa, se antes era nítido que Juliet estava se segurando para não me fazer mal apenas porque prestaria contas aos meus pais eu já temia pela minha vida, agora sabendo que já não os tinha vivos, eu estava completamente à mercê dela.
Aquela então era a justificativa para o modo como ela tinha me atacado mais cedo? Encarei a porta do banheiro com pavor, não me sentia segura, não mais. Depois de descobrir que ajudei a fugir e, ainda por cima, estou esperando um filho dele, o que ela seria capaz de fazer comigo? Eu não podia ficar ali, muito menos grávida, não conseguia me imaginar dando a luz com Juliet por perto, podendo fazer mau a meu bebê.
Caso estivesse tudo certo na Inglaterra, eu ainda teria meus avós, lembrar daquele detalhe me consolou por um instante. Infelizmente não poderia pedi-los para que ficassem com as outras meninas também. Nossa separação iria ser mais dolorosa do que eu tinha imaginado.
Nos cenário mais utópicos que já montei em minha cabeça, quando a guerra tivesse seu fim e nossos pais viessem nos buscar, cada uma para sua casa e nunca mais nos veríamos. A separação seria sôfrega no início, afinal, passamos por tantas coisas juntas! Porém saberíamos que todas estariam seguras com as pessoas que mais nos amavam no mundo, nossos pais e familiares. Mas, receber aquela notícia me deixou desnorteada.
Para onde elas iriam quando tudo acabasse?
A incerteza do futuro me desesperava.
Eu iria para a Inglaterra mas e as outras? Era um enorme ponto de interrogação. Uma pergunta sem resposta aparente. Prever o que Juliet faria estava fora de questão. Ela sempre conseguia me surpreender com suas atitudes. Infelizmente, suas surpresas não eram nada boas.
Porque ela tinha nos escondido aquilo por tanto tempo? A carta estava datada dias antes da chegada de na casa, já havia passado tempo o suficiente para que Juliet arranjasse um modo de nos informar da morte de nossos pais. Quando iríamos ficar sabendo? Quando a guerra acabasse? Me recordei da última vez que tinha lhe perguntado sobre o paradeiro de nossos pais e ela mentiu. Como ela conseguia deitar a cabeça em seu travesseiro e dormir tranquilamente sabendo de tudo aquilo e nos deixando no escuro, sem informação alguma?
Havia passado tanto tempo desde que Juliet tinha nos dito algo sobre o que estava acontecendo lá fora.
Sempre desconfiei que ela sabia demais e nos contava apenas o que achava necessário. Sempre a achei alguém de confiança questionável. Numa situação extrema como aquela, se precisasse deixar meu filho com alguém, Juliet não seria uma opção. Não julgava meus pais ou os responsáveis pelas outras por terem nos confiado a ela. Estavam desesperados.
Alguém adepto a tortura e violência não me parecia muito bem combinar com uma tutora de crianças.
De qualquer forma, eu sabia que ela talvez tivesse enfeitado o próprio currículo para torná-la atraente aos olhos dos interessados a fazer negócio com ela. O preço que cobrava era alto, porém aquele era de longe o defeito menos nocivo dela.
Me levantei do chão e, com muito custo, resolvi fazer o que tinha ido fazer naquele banheiro. A água morna tentou, em vão, relaxar meus músculos tensos, minhas costas pareciam pesar toneladas, meu corpo inteiro ardia com o contato com os meus machucados. Parei para reparar em minha pele machucada, encontrei as marcas pequeninas que os dedos de deixaram em meus quadris e reparei que eram as únicas que eu havia adquirido sem tanto sofrimento. Ao lado do que eu estava passando, era apenas uma desilusão passageira.
Ele havia me magoado muito, tanto que ainda doía pensar que fui deixada. Mas não havia comparações com a partida das pessoas mais importantes da minha vida ou o fato de eu estar completamente perdida e desorientada. Na verdade, ele tinha me dado algo muito bom, aquela criança que eu estava esperando era minha única fonte de força, porque se fosse por mim, já tinha acabado com tudo. Ele havia feito tudo o que fez, mas ao menos tinha me dado uma razão para lutar.
Fiquei um tempo ali, apenas deixando a água cair sobre mim, sentindo a barriga doer de fome e fingir ignorá-la. Não sabia como as coisas iriam ser dali para frente, o fato era que Yuri estava certo quando disse que Juliet estava tratando melhor quando o tinha confinado naquele quarto, e saber daquilo me fazia pensar em milhares de formas horríveis que eu seria tratada até que decidissem o que iriam fazer em relação a mim e tudo o que eu sabia. A grande questão era que eu não sabia de nada!
Estava saindo tão lesada quanto eles naquela história toda. não me dizia nada sobre o exército britânico, nenhuma estratégia sequer, nem mesmo sobre a Força Aérea Real, da qual fazia parte. Eu no fim sabia até menos que Clint e seu batalhão. Minhas conversas com sempre foram sobre nós dois, ou, quando ele não estava me manipulando para fazer o que ele precisava para sumir dali, apenas nos beijávamos e trocávamos carinhos. Quase como um casal de marido e mulher, onde o homem chegava em casa cansado e a última coisa que ele queria era falar sobre o trabalho.
Não sabia dizer se não me contava nada por medo de eu ser uma leva e traz ou se ele apenas não queria tocar no assunto. Eu mesma preferia não falar sobre a guerra, era mais cômodo fingir que nada de ruim estava acontecendo, e também sabia que nós dois discordávamos de muitos pontos naquele assunto. Eu queria ficar com ele, beija-lo, sorrir junto dele, não discutir! E era exatamente o que ele queria, assim, não precisaria mentir sobre sua atuação em combate para parecer um homem inofensivo para mim. Não falar sobre a guerra acabou ajudando ele a passar a imagem que eu mesma tinha construído dele em minha cabeça. A de que era um homem amável, que nunca mataria uma formiga sequer.
Enquanto me secava, pensava nos passos que daria dali pra frente. Tinha certeza que Juliet não seguiria qualquer script que eu criasse em minha cabeça, ela era totalmente imprevisível como eu já sabia, mas ainda me restava a chance de planejar minhas atitudes.
Eu tinha aquela informação, mas não fazia ideia do que faria a seguir. Elizabeth teria lido a carta antes de me entregar? Ao que parecia não, ela estava muito calma quando a vi pela última vez, e a própria tinha dito que não queria saber do conteúdo daquela carta. Eu deveria contar a ela? Ela era a única que eu teria coragem de contar, as outras eu não sabia se conseguiria, não me sentia capaz de olhar naqueles olhinhos brilhantes e vê-los se apagar diante de mim. Eu não queria ser a responsável por quebrar o coração delas.
Não achava que havia um jeito fácil de contar a elas sobre algo tão doloroso, o modo que fiquei sabendo já tinha feito um estrago tão grande em mim que me preocupava no impacto que aquela notícia causaria nelas.
Saí do banho, secando-me devagar e vestindo-me ainda completamente aérea, minha cabeça parecia que iria explodir de tantos pensamentos que transitavam por ela em tão pouco tempo. Era tudo muito caótico, eu precisava de mais um tempo para digerir tudo aquilo. Retornei ao quarto e me deitei na cama, encolhendo-me enquanto sentia meus olhos cansados de tanto derramar lágrimas. Os momentos que vivi ao lado de papai e mamãe passavam como num filme, era tão estranho ter tanta esperança de que tudo iria ficar bem logo e, de repente, não ter mais aquela certeza.
Eu estava esperando-os para comemorar meus dezoito anos. Sabia que talvez teria que passar aquela data especial longe deles por conta de toda a confusão, mas não imaginei que era tão longe assim. A enorme distância entre a vida e a morte. Eles já não existiam mais, já não os sentia, viraram apenas lembranças.
! — Senti meu corpo ser remexido com cuidado, abri os olhos enxergando a silhueta de Yuri deixando algo sobre o colchão. — Você precisa comer, depressa… — A urgência em sua voz me despertou mais rápido, franzi a testa confusa com sua pressa. — Vamos, !
— O que houve? — Sentei-me ainda sonolenta, recebendo a bandeja em meu colo. Havia comida, muita comida. — Yuri! Me diga o que houve! — Exigi, observando-o ficar ainda mais nervoso.
O homem respirou fundo levando as mãos a cabeça, seus olhos azuis se encheram de lágrimas, ele parecia desesperado. Me assustei de imediato, Yuri era alguém que não demonstrava muito emoções pelo pouco que eu tinha analisado, mesmo quando foi falar sobre a mulher que amou, não consegui quebrar a barreira que o mesmo tinha erguido envolta de si. Se Yuri estava tão expressivo, comecei então a esperar pelo pior.
Se é que tinha como piorar.
— Você precisa fugir. — Engoli a seco, arregalando meus olhos tamanho foi meu susto. — Hoje, pela madrugada, você precisa sumir daqui. — Completou, ainda agitado, como se explicasse muita coisa. Continuei paralisada onde estava, sem ação.
— Me explica o que aconteceu? — Exclamei nervosa. Será que os britânicos já haviam chegado? Automaticamente me perguntei se existia a possibilidade de estar de volta a aquela casa.
— Eles querem fazer um aborto. — Foi direto ao ponto, fazendo-me ofegar. — Juliet e Clint estavam conversando escondidos, ouvi que eles querem abortar seu filho, Juliet disse que eles iriam resolver a situação pela manhã. — Inconscientemente, levei a mão até minha barriga, como se pudesse tocar o pequeno ser que já crescia dentro de mim.
“Resolver a situação”, eu já havia ouvido aquilo antes, e vindo de Juliet, queria dizer que ela tentaria se livrar de alguém que estava em seu caminho. Era o que ela planejou para e estava repetindo a dose contra outra pessoa que eu amava, meu filho. Eu sabia bem o objetivo dela, sabia o motivo que levava Juliet a querer interromper minha gravidez. Juliet não conseguiria se livrar de nós até que a guerra tivesse seu fim, e aquilo poderia durar mais alguns meses, tempo o suficiente para que eu desse a luz. E ela não suportaria ver o fruto da minha relação proibida com um britânico nascer e crescer como uma criança amada. Muito menos iria querer colaborar para que isso acontecesse.
Ela era tão perversa ao ponto de querer fazer mal a uma criança que não havia nem nascido ainda. Conhecendo-a como eu conhecia, não havia outra escapatória, Yuri estava certo, eu tinha que desaparecer dali o mais rápido possível.
— M-Mas eu não tenho pra onde ir! Sair sem rumo nesse frio é suicídio!
— Realmente não sabe para onde o britânico foi? — Estreitei os olhos desconfiada, Yuri, por acaso, estava me acusando de mentir? Será que ele não estava tentando descobrir algo enquanto fingia estar do meu lado e me ajudar? Não seria a primeira vez que alguém fingia se importar comigo para me usar. Eu só não esperava que aquilo fosse se repetir na minha vida tão cedo.
— Onde está querendo chegar? — Vociferei, já afastando a bandeja de meu colo. Levantando-me e me impondo diante dele, que tinha a mesma altura de , portanto não surtia muito o efeito intimidador que eu esperava, Yuri ainda era muito alto em relação a mim. — Está insinuando que menti sobre não saber o paradeiro de ? Eu sempre te contei toda a verdade, não iria ser agora que iria começar a mentir. — Argumentei sem nem ao menos fazer questão de esconder a mágoa em minha voz.
— Me desculpe, não quis insinuar nada. Não quero brigar, não temos tempo para isso. Eu só quero te ajudar, . — Suas mãos me alisaram os ombros devagar tentando me acalmar, olhei no fundo dos seus olhos e me permiti acreditar. Eu não tinha muita escolha naquele momento. — Provavelmente Clint irá me chamar para auxiliar no procedimento.
Cobri minha boca com a mão, ainda completamente em choque. Não conseguia nem imaginar o quão invasivo devia ser o tal procedimento, afinal, Clint queria literalmente tirar meu filho de mim. Tremia de medo só de imaginar.
— Eu não tenho para onde ir, Yuri! — Exclamei desesperada.
— Já sei! — O encarei em pura expectativa, qualquer ideia seria muito bem vinda, meu coração praticamente implorava para que fosse algo útil. — Clint mencionou um sargento alemão, que mora aqui por perto. Você poderia ir para lá!
— Um nazista? Está louco? — Exclamei exasperada, alarmando-o com meu tom de voz alto. — Ele me mataria na primeira oportunidade! — Continuei, agora sussurrando.
, não tem como ele saber que você ajudou o britânico a fugir! — Teimou o homem.
— E depois, hã? E quando ele descobrir? Eu morro do mesmo jeito! — Yuri respirou fundo, exasperado.
— Temos que tentar, , pelo menos conseguir ganhar algum tempo. Aqui você não pode ficar, se ainda estiver aqui amanhã…
Engoli a seco, sentindo o desespero me tomar. O abracei involuntariamente, estava me sentindo tão sozinha, quanto mais eu sofria, mais coisas ruins me atingiam como se eu já não estivesse destruída o bastante. Me perguntava quando tudo aquilo iria ter seu fim! Eu não aguentava mais.
— Por favor, não termine essa frase… — Supliquei ainda apertando-me em seu peito.
Porque tudo aquilo estava acontecendo justo comigo? Será que eu realmente merecia sofrer daquele jeito? Sempre acreditei que nós temos de volta tudo o que oferecemos para o mundo. Eu, alguma vez na minha vida, fiz algo de ruim para alguém? Não parecia ser certo alguém como eu, que sempre se esforçou para dar o melhor de si acabar daquela maneira!
— Vai ficar tudo bem. — Neguei com a cabeça discordando veemente. Não ia ficar tudo bem. Já não estava tudo bem há muito tempo e os estragos que sucederam a partida de eram irreversíveis. Eu sinceramente já não tinha mais esperanças em dias melhores. Pra mim eles não existiam mais sem meus pais.
— Yuri...como você teve certeza de que a mulher que você amava estava morta? — Saí de seu abraço para olha-lo melhor. O homem franziu a testa intrigado. — Você a viu entrar no barco ou viu o...corpo? — Meu Deus, eu não conseguia ao menos imaginar a cena.
O mar conseguia ser um assassino tão cruel quanto o homem. As pessoas que ele envolvia até sufocar ficavam irreconhecíveis após a morte. Ele era tão traiçoeiro quanto o ser humano, nos atrai com sua beleza e transparência para nos levar consigo para as próprias profundezas. Eu tinha pavor do mar.
— Eu a deixei na fila de embarque, foi uma despedida difícil, ela estava com medo de nunca mais me ver por eu estar indo pra guerra. — Contou, desconsolado. Seu olhar vago era a coisa mais triste, era como se ele tivesse vontade de voltar no tempo e impedi-la de embarcar. Quem devia ter tido medo na verdade era ele. — Não vi o corpo, mas sei que não houveram sobreviventes e que foram muitos mortos, a lista de nomes é enorme.
Um arrepio me subiu a espinha.
— Há uma lista? — Ele assentiu ainda confuso pelo me interesse repentino naquela história. Eu já havia acreditado que meus pais também estavam naquele barco, mas ouvir aquela confirmação me destruiu ainda mais. — E-Então é verdade… — Minha voz falhou dando lugar a um sussurro fraco.
— O que houve, ? — Senti sua mão grande deslizar pelo meu rosto, levando consigo minhas lágrimas que Yuri insistia em tentar parar.
— A c-carta...eu roubei uma carta de Juliet que Clint havia mandado há um tempo...lá diz que m-meus pais, nossos pais — Me corrigi no meio da frase. — estão mortos. — Yuri mordeu o próprio lábio quase que imaginando o quão doloroso aquilo tudo estava sendo para mim. — Ele disse que eles estavam a bordo desse barco, fugindo da guerra. — Solucei. — M-Mas eu não entendo, o-o que aconteceu com o restante das pessoas? Eu vi a cidade toda sendo evacuada...Não pode ser possível que...que todos morreram!
Os meus vizinhos, as pessoas que eu conhecia de vista, as pessoas que eu nem nunca vi na minha vida...Onde estavam todos? Parecia que o mundo estava se acabando, eu sabia que a guerra seria cruel e implacável, mas viver tudo aquilo era aterrorizante! Perder meus pais me despertou para uma realidade que eu jamais quis pensar que existisse.
— As pessoas que quiseram partir para a América do Sul estavam naquele barco. Planejavam levá-los para o Brasil, a guerra ainda não chegou por lá, eles estão como nós, apenas mandando tropas para ajudar seus aliados. Porém os brasileiros estão com os americanos e receberam ordens para interceptar nossos navios para nos impedir de obter alimentos e matérias primas, porém eram apenas pessoas tentando fugir da guerra. — Cheguei a ficar tonta com tanta informação. — A maioria não quis ir, foram em direção às fronteiras, buscar abrigo em outros lugares.
Infelizmente meus pais não faziam parte daquela maioria. Se bem que conhecendo papai como eu conhecia, ele não iria querer se arriscar a ficar sob o poder da Alemanha e seu regime nazista, tentou ir para outro lugar e se proteger com mamãe.
— Morreram a troco de nada… — Conclui com o olhar vago. A que ponto chegava a maldade humana? Mandar afundar uma embarcação com mantimentos? Eles queriam mesmo ser covardes ao ponto de deixar uma nação inteira sem receber ajuda e perecer por fome? E quanto as pessoas inocentes no meio daquilo tudo?
Eles não davam a mínima.
— Sinto muito, . — Assenti sendo envolvida em outro abraço. — Você vai me prometer que vai fugir hoje, me ouviu? — Se afastou, encarando-me com seus olhos azuis e sua típica expressão séria.
— Tudo bem. — Eu não tinha outra opção. Todas as vezes que me tiraram alguém que eu amava eram de modo inesperado, mas daquela vez eu estava a um passo à frente, e não permitiria que fizessem novamente.

***

— Pronta?
Assenti sem ao menos ter fôlego para formular uma resposta.
Yuri verificou os botões do casaco em meu corpo, ele tinha conseguido sabe-se lá como, roubar a peça do guarda roupas das meninas. Ajeitei a touca sobre minha cabeça ainda elétrica pela adrenalina que corria por minhas veias. Eu ainda não estava acreditando que estava fugindo dali no meio da noite.
— Tudo bem, vou destrancar a porta e já venho. — Esperei que ele saísse do quarto para poder desabar sozinha. Eu iria embora sem ter a chance de abraçar minhas meninas, aquele era o dia mais triste da minha vida, junto com os que o antecederam. Meu estômago dava voltas, queria colocar para fora tudo o que tinha comido antes de dar a hora de fugir. — Vamos.
Yuri pegou minha mão e andamos com cuidado pelo corredor, nos esgueiramos pela cozinha e enfim saímos do lado de fora. Encolhi-me diante do frio congelante. Por um segundo imaginei o que se passou pela cabeça de quando ele esteve na mesma situação que a minha, dias atrás.
— Vá! Vá embora, ! — Exclamou, afastando-me com as mãos. Eu não conseguia me mover, parecia que meus pés estavam presos na neve. Meu queixo tremia de frio e por conta de meu choro. — O que ainda está fazendo aí? Faça o que combinamos, vá para aquele lado e siga reto.
Quando ele se aproximou o bastante para que a fumaça que saía de sua boca batesse em meu rosto, o beijei. Suas mãos envolveram minha cintura fortemente, apertando-me contra si. Nossas línguas se entrelaçaram algumas vezes e eu parti o beijo, já sem ar. Um pouco mais aquecida e relaxada, era a hora de ir.
— Muito obrig…
— Onde pensa que vai ? — Fechei os olhos com força ao ouvir a voz de Juliet. — Volte para dentro!
Vire-me encontrando-a parada com a costumeira espingarda apontada para mim. Yuri me puxou para perto, atento ao dedo da mulher no gatilho.
— Eu não volto mais para essa casa. Sei o que planeja fazer com meu filh… — Dei um pulo de susto ao ouvir o barulho oco do tiro disparado contra o chão, próximo de nós.
— Volte para dentro agora!
Yuri me empurrou para frente, forçando-me a andar em direção a casa, tentei me debater sem sucesso. Não adiantava, ela já tinha acabado com todo o plano. Tentar correr apenas resultaria em um tiro, e eu sabia da boa mira que aquela desgraçada tinha.
— O que está acontecendo? — Clint desceu as escadas acompanhado das meninas, que ainda vestiam pijamas e tinham as carinhas de sono.
— Essa imbecil ia fugir! — Jogou a espingarda sobre a mesa, fazendo uma barulho alto.
— Provavelmente iria se encontrar com seu amado. — Riu o homem, se aproximando.
— Eu não sei para onde ele foi. — Disse entredentes.
— E quanto a você hã? — Ergueu o queixo em direção a Yuri, que o encarou sem se intimidar. — Ajudando uma traidora a fugir…
— Eu só estava fazendo o meu trabalho senhor, proteger meu país e meu povo.
— Ela traiu o nosso povo. — Olhou-me com ira. Abaixei a cabeça diante daquele confronto provocado por mim. — Que decepção, Ivanski.
— Não vê que ela o seduziu também? — Juliet riu maldosa. Não pude deixar de rir de escárnio.
— Do mesmo jeito que você seduziu Clint estando casada com Ivan, o melhor amigo dele?
— Sua vadiazinha.. — Sua mão foi ágil ao agarrar meus cabelos pela raiz, forçando meu rosto contra a mesa.
As meninas exclamaram em medo, Amelie e Harriet começaram a chorar assustadas. Partia meu coração estar tão impotente.
— Solta ela! — Elizabeth fez menção de descer as escadas, mas o soldado a parou, amparando-a em seus braços. O agradeci em silêncio por tê-la mantido longe. Talvez ele não fosse como , queria ter tido tempo de conversar direito com ela sobre o que ela estava sentindo por ele.
A última coisa que ouvi daquela sala foi o os gritos de pavor das meninas, quando a mando de Clint, fui arrastada até o quarto novamente pelos homens. Para a minha surpresa, fiquei a sós com Juliet e Clint. Senti falta de Yuri ali comigo, estava apavorada.
— Para onde ia?
— Eu não sei. Só não iria ficar aqui esperando que abortassem o meu filho, como fizeram com o bebê que estavam esperando. — Eles se olharam um um segundo, numa comunicação interna.
— Quem te contou sobre Ivan e minha gravidez? Como sabe de tudo isso?
— Eu li a carta que trocaram pouco antes de aparecer, já sei que nossos pais estão mortos. E se você fizer qualquer coisa contra mim vou contar as outras.
— Acha mesmo que está em posição de me chantagear?
— Ou você me deixa ir, ou eu falo tudo o que sei a elas. — Arqueei minhas sobrancelhas. — Se antes, se livrar de prestar contas do meu corpo já seria complicado, imagine o trabalhão de explicar a morte de todas as meninas que você se responsabilizou? Porque se algo acontecer comigo aqui nesta casa você pode ter certeza que elas irão contar. Eaí, vai me deixar ir ou vai lidar com todas nós?
— Você quer ir? Vá! — Clint sorriu, atraindo a atenção de Juliet, que se alterou de imediato, discordando. — Mas com uma condição. — Fez sinal, e a mulher se calou antes mesmo de abrir a boca.
Temi mais uma vez seu olhar analítico sobre mim. Nada que viria daquele homem iria ser bom para mim, nem mesmo quando ele fazia o que eu queria.
Quando passei por Yuri e as meninas, que ainda estavam reunidos na sala, vi a expressão de todos mudar. Abaixei a cabeça, com vergonha do que estava passando. Fui empurrada em direção a porta e quando estava do lado de fora novamente, a porta foi fechada na minha cara.
O choro das meninas era audível, chorei junto enquanto me distanciava da casa, já me tremendo de frio. Aquelas roupas não me protegeriam por muito tempo. Juliet e Clint me fizeram vestir o uniforme soviético para que, caso eu cruzasse com algum soldado inimigo no caminho, eu fosse alvejada antes mesmo de perceberem que sou, na verdade, uma garota. Seria morta pelos britânicos afinal. O que mais me doeu foi ter meu cabelo cortado. Eu amava meu cabelo.
Clint colocou-me um capacete militar e, por serem longos, meus cabelos claros chamavam muito a atenção e então Juliet pegou uma tesoura qualquer e praticamente picotou os fios. Encarar aquele chão repleto de cabelos me deixou tão humilhada! Passava as mãos e percebia algumas pontas maiores que outras, meu cabelo era enorme, batia em minha cintura e mamãe adorava fazer tranças e penteá-los. Agora ele mal chegava aos meus ombros.
Andei por muito tempo, sentar-me no chão não me parecia ser uma atitude muito inteligente, já que o gelo tinha tomado conta de tudo. Não sabia se deveria temer algum animal selvagem ou um homem. Qualquer um que aparecesse significaria perigo. Eu, por estar ali, no meio da noite já era um perigo por si só. Eu mal sentia meu corpo de tão anestesiada que aquele frio me deixava.
Chegou uma hora em que tive que parar, estava tão escuro! A única fonte de luz era a esplêndida lua cheia que brilhava no céu estrelado naquela noite. Uma tontura enorme me atingiu, eu já não respirava direito, meu rosto ardia devido ao vento que batia sem piedade nele e sentia meus dedos duros, já congelando aos poucos. Comecei a chorar ao perceber o outro motivo para Clint me fazer trocar de roupas e me tirar o casaco e a touca que me aqueceriam, eles já previam que eu poderia vir a perecer por uma hipotermia. Decidi me sentar um pouco, mesmo que fosse uma coisa idiota a se fazer, talvez pudesse descansar um pouco minhas pernas já que meus joelhos doíam como nunca.
Encolhi meu corpo em busca de um pouco de calor e fechei meus olhos por um milésimo de segundo. Só não imaginei que perderia completamente a consciência ali, sozinha no meio do nada.

's point of view.
Após me afastar o suficiente para não ser visto por ninguém, virei-me para encarar a casa pela última vez. Procurei pela janela que imaginava ser a do quarto de , sorri triste retomando meu caminho. Era uma pena não termos nos conhecido em outros tempos, ou talvez não era, se não tivesse encontrando aquela garota, ou melhor, se ela não tivesse me encontrado, eu não estaria mais vivo para contar essa história.
Caminhei por um tempo, indo em direção ao local que descrevi para quem quer que fossem meus resgatadores fossem me buscar. Como não tinha relógio algum, decidi fazer o planejado e sentar e esperar. Me envolvi no cobertor que havia levado e encostei-me no tronco de árvore coberto pela neve, não demoraria a amanhecer, e eu tentaria não vacilar e dormir ali, estando tão desprotegido.
Não tinha 100% de certeza se iriam mesmo ao meu encontro, porém sabia das influências de meu pai por ser general e tinha certeza que ele faria de tudo para me encontrar, e era naquilo que eu mantinha minhas esperanças. Encostei minha cabeça para trás contemplando o céu estrelado, tentei me distrair de alguma forma, fiz planos para quando voltasse para casa, revi as melhores lembranças que tinha na memória com minha família enquanto me sentia ansioso para ir embora logo dali.
Avistei faróis baixos e um veículo grande se aproximar devagar, levantei-me num pulo só e corri em direção ao par de luzes.
?
? — Eu reconheceria aquela gargalhada em qualquer lugar.
Mesmo no breu pude enxergar seu rosto iluminado num sorriso enorme. Meu melhor amigo me abraçou com força e vibrou ao constatar que eu estava bem.
— Caralho! Achei que estava morto! — Ri junto dele, sem ter muito o que dizer. — Vem, vamos embora, cara, deve estar congelando.

***

Chegamos num local completamente depredado, parecia ser no passado uma fazenda grande que tinha sido incendiada. Claro, os soviéticos queriam mesmo nos deixar sem abrigo. Quase conseguiram, porém ainda haviam improvisado algumas telhas sobre as que cederam e pode-se dizer que não estávamos tão desabrigados assim. Mas a situação ainda assim era crítica.
— Onde está meu pai? — Indaguei assim que desembarcamos.
me guiava pelo local repleto de homens indo para lá e pra cá, cumprimentava os conhecidos, que me encaravam surpresos. Não era nada fácil voltar do mundo dos mortos sem ao menos ter ido parar lá algum dia. Todos me olhavam como se eu fosse uma espécie de fantasma e eu não estava nem um pouco acostumado com toda aquela atenção. Era muito estranho ver e estar rodeado de tanta gente após tanto tempo confinado apenas com como companhia.
E pensar que eu teria que falar sobre tudo o que aconteceu com meu pai me fazia lembrar do quão leve era estar trancado num quarto com em meu colo.
— Ele...sofreu um pequeno acidente no último combate. — Arregalei os olhos. Não existia pequeno acidente em plena Segunda guerra. — Vou te levar até ele.
Adentramos o que parecia ser um antigo celeiro, repleto de homens em estado bem grave. Muitos tinham braços ou pernas decepados, queimaduras de diversos graus e outros “apenas” tinham sido vítimas de tiros. Procurei meu pai com os olhos temendo a situação que poderia encontrá-lo, após mais alguns passos lá estava ele, deitado nos fundos.
— Missão dada é missão cumprida, Senhor . — Meu pai abriu os olhos e me encarou analisando-me.
— Eu estou bem pai. — Aproximei-me ignorando sua expressão igualmente perplexa por estar me vendo ali, de carne e osso em sua frente. Me inclinei para abraça-lo, quando vi que estava com alguns curativos no tronco, desisti por ver que poderia machucá-lo. — Não posso falar o mesmo do senhor.
— Só estou com a perna ferrada e umas costelas quebradas, nada que já não tenha sobrevivido. Essa não é minha primeira guerra. — Desdenhou segurando a pose, o general Joseph jamais falaria caso estivesse com dor ou algo do tipo, conhecia muito bem meu pai.
, bom te ver de volta. — O tenente Gibson surgiu no recinto, dando-me um pequeno abraço. — Sei que deve estar com saudades, peço desculpas pela interrupção, porém precisamos conversar, certo? — Meu pai assentiu e eu respirei fundo, já prevendo que a conversa que eu tanto temia iria acontecer.
entendeu o recado e se afastou após bater continência e me olhar do jeito costumeiro, como se já deixasse claro que iria querer saber de tudo o que aconteceu mais tarde. Segurei-me para não rir, ele parecia uma colegial fofoqueira quando queria. Sabia que teria que contar tudo nos mínimos detalhes, ainda mais as partes que envolviam uma certa garota.
— Onde esteve esse tempo todo?
— Chegamos a pensar que estava morto. — Meu pai complementou a pergunta do tenente, que me deu um banco para me sentar.
— Minha mãe não ficou sabendo disso, não é? — Ele negou com a cabeça, fazendo-me respirar aliviado. Ela morreria caso recebesse uma notícia daquelas. — Eu estive na casa de uma russa…
— Espera, você encontrou uma casa? — O sorriso do homem quase lhe rasgou o rosto. Gibson puxou um papel do bolso do uniforme, desdobrando-o algumas vezes até que se podia ver um mapa, igualzinho ao que eu tinha comigo. — Mostre onde está.
— Não posso.
— Mas que porra é essa de não posso? — Meu pai encarou-me raivoso, quase inclinando seu corpo, só não o fez pela dor que o atingiu com o movimento brusco.
— Não posso, pai! Há crianças lá, e é apenas uma mulher, seria covardia atacá-las!
Minha questão não era apenas pelo fato de que eles saqueariam a casa de Juliet, mas também pelas meninas. Eu já havia ouvido tantos rumores de estupros por parte dos soldados que não gostava nem de pensar na possibilidade de levar um bando de homens estranhos para uma casa cheia de meninas. Se alguém tocasse em eu era capaz de matar.
E falando nela, não queria regressar até aquela casa, olhar em seus olhos e ver o estrago que fiz. Queria deixa-la em paz para que seguisse a própria vida, e isso incluía nunca mais vê-la.
— E você acha que me importo? Olhe em sua volta, . Olhe seus companheiros e a situação que eles estão. Muitos não irão sobreviver por falta de mantimentos e uma estrutura melhor para se recuperarem.
— Inclusive seu pai, . — O tenente levantou o cobertor que cobria as penas de meu pai, uma delas estava tão roxa que chegava a ser agoniante de ver. O encarei apreensivo, ele precisava amputar aquela perna ou então morreria.
Mas não podia fazer aquilo com . Prometi para mim mesmo que não entregaria sua localização, que a protegeria mesmo que de longe.
— Não posso fazer isso… — Neguei com a cabeça nervoso, passei as mãos pelo meu rosto.
— Puta merda , não acredito nisso. Vai nos deixar na mão? — Gibson xingou, encarando-me com decepção.
— Espere, há outro lugar. — Lembrei-me da madrugada em que me visitou em meu quarto, Juliet tinha ido a algum lugar… — A casa de um sargento alemão.
— Você disse nazista? — Gibson trocou olhares nada bondosos com meu pai e seu sorriso ladino me fez finalmente respirar aliviado ao ver que, por hora, não iriam mais querer me pressionar para denunciar a localização da casa de Juliet.


Capítulo 35 - What if I'm someone I don't want around?

Ao contrário da casa de Juliet, as horas ali se passavam voando. Não parávamos o dia todo, ora ajudávamos com os feridos, ora auxiliávamos na tentativa de melhorar as construções que nos abrigavam. Havia um grande rodízio de homens, os que voltavam de combates saudáveis sempre retornavam dias depois, infelizmente tivemos algumas baixas em nosso batalhão. Havia muita gente ferida. Eu não tinha sido autorizado a ir a combate devido a minha perna recém curada. Teria que fazer algum tipo de fisioterapia quando tudo aquilo acabasse, ainda mancava um pouco, porém não me preocupava tanto comigo, haviam homens ali em situação pior, literalmente entre a vida e ao morte.
Gibson e meu pai não me deram folga no planejamento do ataque surpresa a casa do alemão. Estávamos focados naquele objetivo desde o dia em que retornei, conseguir um lugar melhor para nos alojarmos virou uma necessidade urgente. Além de que ali vivíamos um dia de cada vez, atentos a possíveis ataques e cuidando dos que voltavam de combates. Precisávamos de um outro local, caso fossemos descobertos, perderíamos todos os nossos homens por estarmos todos juntos. Teríamos que nos dividir.
Não tive oportunidade de conversar com meu pai sobre tudo o que tinha acontecido enquanto estive fora, para falar a verdade, nem queria. Não sabia ao certo se era bom citar ou o que tive com ela, tinha medo de ser julgado assim como fui quando contei toda a história a . Se tive vergonha ao verbalizar em detalhes minha trajetória ao lado dela para meu melhor amigo, quem dirá ao meu pai.
Percebi que ainda estava tudo tão fresco em minha memória, que ao contar as coisas que vivi com , jurava que podia sentir até o cheiro bom de seus cabelos longos em minhas narinas. Era só fechar os olhos que eu poderia ter acesso às lembranças vívidas.
Falar sobre ela me confortava de um jeito tão estranho, era como falar sobre as coisas boas que vivemos na vida, relembrar bons momentos. E me proporcionou muitos sentimentos bons em minha estadia na casa de Juliet. Contar a alguém o que vivi com ela, era uma forma de eternizá-la em minha memória, dizer o quão importante ela tinha sido na minha vida a tornava cada vez mais real, não apenas como se fosse algum fruto da minha imaginação.
Como o próprio tinha comentado, sendo sarcástico ao colocar em prova a existência de . Quase como se ela tivesse sido um delírio meu.
Ela havia tomado conta de meus pensamentos em meus primeiros dias ali, a primeira manhã sem sua presença na hora do café tinha sido estranho. Não parava de pensar no que devia estar fazendo na casa longe dali. Aqueles meses de repente pareceram anos devido a rotina que estabelecemos. Na hora de me deitar para dormir, me permiti ver sua imagem gravada em meus pensamentos, como algo que pudesse me acalmar ou trazer conforto. Aquele lugar em que dormia, frio, desconfortável e completamente desprotegido era bem diferente da cama e dos cobertores que tinha anteriormente. O som de sua voz passou a invadir minha cabeça para me distrair dos murmúrios de dor dos feridos, que nos embalava todas as noites. Mas se havia algo que não poderia mudar, era a sensação que o calor humano que o corpo de emanava quando a tive em meus braços.
E eu tentava me aquecer mesmo que em pensamento. Lembrar-me da sensação.
Sabia que aquela prática era no mínimo esquisita, lembrar-me dela, sentir seu cheiro e o calor de seu corpo mesmo que de longe, sabia que era algo perigoso de se fazer. Eu não poderia levar aquilo adiante por muito tempo, tê-la em meus pensamentos ao voltar para casa. Só me traria sentimentos ruins, como a perda, saudade e culpa. Nunca mais a veria na vida, e fui eu quem quis assim, precisei que fosse assim. Não havia como mudar o passado, mas me sentia completamente arrependido de ter seduzido .
O tiro tinha saído pela culatra, e eu havia acabado com uma dependência física fudida.
Porém, eu sabia que somente aquilo me manteria sã o bastante naquela guerra. Meu pai sempre me contou muitas histórias de combate, eu mesmo perdi as contas de quantas fotografias já vi em tanques, aeronaves e até mesmo nos bolsos dos uniformes, sempre da mulher amada. Seja a mãe ou a própria esposa, namorada, qualquer uma que lhes estivessem esperando em casa. Elas davam força para continuar a lutar, uma razão para continuar vivo e ter alguém pra quem voltar.
Não sabia interpretar direito em que posição entrava naquela história, afinal, eu não voltaria mais a vê-la. Só conseguia ver semelhança no modo como minhas lembranças da menina sorridente me aqueciam o coração. E no meio daquele banho de sangue em pleno inverno implacável, aquilo parecia ser tudo o que eu precisava.
A noite chegou e com ela os preparativos logo começaram. Iríamos atacar ao amanhecer, porém pela distância, teríamos que deixar nosso posto improvisado mais cedo. Nem todos iriam, os feridos eram prioridade, só queríamos um lugar para cuidar melhor deles.
Como eu não sabia ao certo a localização da residência, tinha planejado fazer um caminho parecido com o que me trouxe da casa de Juliet. era o único que já havia feito o mesmo itinerário, portanto iria dirigir enquanto os outros iriam nos seguir. Assim que nos aproximássemos o bastante para oferecer algum risco a e as meninas da casa, desviaríamos sem pensar duas vezes.
concordou de imediato. Não hesitei em contar tudo o que passei a ele, o conhecia desde que me entendia por gente, cresci com aquele panaca, sabia que ele também não iria querer colocar inocentes em risco. tinha um coração enorme, queria ser mais como ele, o Irlandês faria tudo completamente diferente em relação a , eu sabia daquilo, ele não precisou me dizer nada.
Ele preferia morrer a enganar alguém do jeito que fiz.
Cheguei a pensar em como algumas pessoas realmente não tinham sorte no amor. estava apaixonada por mim quando a deixei, ela realmente me amou. Alguém com o coração tão puro, não merecia alguém como ? Porque eu? Que não valia nada, a enganei por tanto tempo e me aproveitei de sua ingenuidade? Porque justo eu cruzei seu caminho?
Eu não merecia um por cento do que já havia feito por mim. E aquilo vinha me perturbando desde que eu tinha voltado. Dizem que quando se retorna de uma guerra, é normal voltar com alguns problemas para lidar com o que presenciou e o que fez em combate, ainda não tinha tirado uma vida, tampouco visto os horrores da guerra de perto, mas eu já conseguia sentir a culpa que me acompanharia dali para frente.
— Tudo pronto? — Gibson vociferou recebendo afirmativas de todos os lados.
Ainda completamente aéreo, embarquei no veículo de e seguimos em frente, sendo acompanhados imediatamente pela grande carreata que iria conosco. Os caminhões iam com suas carrocerias cheias de homens feridos, que logo seriam alocados quando chegássemos lá e resolvêssemos o problema.
Gibson deu a ordem imediata, matar quem quer que estivesse naquela casa. Não me opus, pelo que e Cornélia tinham dito, não haviam crianças lá, apenas o sargento e sua mulher. Provavelmente teria alguns homens na entrada fazendo a segurança do local, mas estes não seriam poupados também. Qualquer nazista que surgisse em nosso caminho seria atingido, ofereceram até uma condecoração pela cabeça deles.
O trajeto foi cheio de tensão, o dia já amanhecia e o caminho já clareava aos poucos. Atravessávamos aterrorizados fazendas abandonadas de aparência macabra, parecia o fim dos tempos, onde toda a vida humana tinha sido dizimada e só sobramos nós. Me perguntei onde deviam estar as famílias que moravam por ali, as construções eram muito bonitas apesar de queimadas, destruídas e cobertas pela neve. comentava muito do quanto sentia a falta de casa, imaginei onde ela devia morar, onde seus pais deviam estar naquele momento, meu coração se apertava ao pensar na angústia que as pessoas deviam estar sentindo quando deixaram suas casas sem previsão alguma de volta.
dirigia enquanto eu fazia a segurança, com a arma na janela, ia atento a qualquer movimento. Torcia para não precisar atirar, de qualquer forma, os outros também estavam em alerta. Não tinha nenhum movimento, nenhum animal sequer, a cidade estava completamente abandonada.
— Foi aqui que eu te busquei. — Olhei em volta reconhecendo o tronco de árvore que me encostei naquela madrugada, assenti em concordância enquanto desviava o caminho, indo o mais longe possível da casa de Juliet.
Estiquei-me no banco, tentando ver se a casa era visível mesmo a aquela distância, e me tranquilizei ao ver apenas a vegetação branca por conta da neve em meu campo de visão. Juliet tinha razão, era um local bem escondido para se abrigar.
Suspirei descansando um pouco meu braço após espiar pelo retrovisor, as armas dos soldados dos carros detrás ainda eram visíveis do lado de fora das janelas.
Eu não consegui passar por aquele lugar e não me lembrar daquela noite. Era uma das lembranças mais vívidas que eu tinha em mente, quando a tive nua em meus braços. Me arrependia profundamente de ter feito o que fiz com ela, não tinha o direito de tirar sua virgindade, ainda mais para sumir depois. Eu era um grande filho da puta, me envergonhava tanto, que não pude deixar de cobrir meu rosto em pura descrença.
, eu estou enxergando direito ou… — Sua voz foi interrompida por dois disparos vindo dos fundos. Assustei-me tentando ver o que tinha sido atingido e indo ao chão. — Tem um cara ali!
Desembarcamos do veículo indo até o corpo caído no meio do gelo, com arma em mãos, nos aproximamos logo reconhendo o uniforme soviético. O corpo estava virado de barriga para baixo, o capacete frouxo na cabeça caiu para o lado, revelando cabelos loiros e curtos.
Troquei um olhar com estranhando, aquele não era nada parecido com um corte de cabelo militar. Com o pé, empurrei o corpo até que ele se virasse. Meu coração parou no momento em que reconheci aquele rosto.
— É uma garota! — berrou, eu não sabia dizer se por espanto ou para sinalizar aos demais.
Em choque, caí de joelhos ao afastar os cabelos claros do rosto delicado de . Gritei em puro desgosto puxando seu corpo para meu colo, apoiando seu tronco mole em mim. Eu não conseguia acreditar que aquilo estava realmente acontecendo. Não podia ser real! Ela não estava ali, sem vida em meus braços. Abracei enquanto chorava sem ao menos me dar conta do que estava fazendo, gritava seu nome desolado, enquanto os outros se aproximavam sem entender absolutamente nada.
Era mesmo confuso para quem olhasse de fora. Apenas e eu sabíamos o que tivemos, e eu nunca iria imaginar que acabaria tudo de um jeito tão trágico. Foi justamente para evitar uma tragédia que fugi naquela noite. Se fosse para alguém morrer, tinha que ter sido eu! Não era justo, era o ser mais puro que eu já havia conhecido em toda a minha vida, ela não merecia aquele fim!
Achei que a última imagem que teria de seu rosto seria a que tive no quarto, na noite em que a deixei. Com os olhos pesados de sono, cabelos levemente desgrenhados por conta do que fizemos naquela cama e um sorriso enorme nos lábios. Eu não aceitava reencontrá-la e ser privado do seu olhar doce, da vida que habitava em seu corpo!
...não, não... — Seus cabelos abafavam minha voz já rouca, minha garganta queimava mas eu não conseguia parar de chamar o seu nome e lamentar sua situação.
— O que diabos está acontecendo? — Gibson marchava em nossa direção. A medida em que suas botas se aproximavam, mais eu a trazia para perto de mim, cobrindo seu corpo, protegendo-a dele e de qualquer outro que chegasse perto.
Eu estava completamente descontrolado, queria socar o filho da puta que atirou nela. Não era justo! Olhei para o chão, já enxergando um pequeno rastro vermelho em meio a todo aquele gelo, tateei sua cabeça, procurando algum ferimento. Aquele tinha sido o combinado, se víssemos algum nazista ou um soviético, a orientação era atirar na cabeça, era certeiro. Após constatar que não havia nada ali, começei a tatear seu corpo desesperadamente em busca do local atingido.
! Responda! — As vozes que ouvia, soavam tão longe, como se não estivessem soando próximas de mim. Eu estava pouco me fodendo para quem quer que fosse me confrontar naquele momento.
— Está viva. — Sussurrei para mim mesmo assim que, ao passar a mão por seu abdômen, senti sua barriga se mover indicando que ela ainda respirava. Mas onde a tinham acertado? — Está viva!
— O braço! — se abaixou ao meu lado finalmente achando de onde o sangue vinha.
se levantou rapidamente, arrancando o próprio cinto e o amarrando no braço de , tentando parar o sangramento. Ele sabia quem era, mas suspeito que ajudaria mesmo se não soubesse. Eu, ainda aliviado, assistia a cena sem reação alguma. Eu só queria tirá-la dali o mais rápido possível.
E foi isso o que fiz, levantando-me e pegando-a no colo. Olhei em volta, procurando alguém escondido em algum lugar, só ali me dei conta de que poderia ser uma armadilha dos soviéticos. Aquela era a única explicação que encontrei para justificar o fato de estar ali, no meio do nada, sozinha naquele frio e vestida daquele jeito.
Porque ela estava sendo usada de isca?
Eu fiz de tudo para que não ligassem minha fuga a ela, levei junto comigo meu comunicador e sumi sem deixar qualquer rastro para trás. Porque a estavam punindo daquele jeito?
— O que pensa que está fazendo, ? Que porra, pode ser uma armadilha! — Me desvicilhei dele, ignorando seus berros e indo para o carro. — ! — Histérico, Gibson começou a me seguir. — Volte aqui e me explique que porra está acontecendo!
— Essa garota salvou a minha vida, não há possibilidade alguma de eu deixá-la aqui para morrer. — Disse entredentes, quando o homem estava próximo o bastante para que só ele ouvisse. — Depois explico tudo a vocês. — Olhei por cima de seu ombro, vendo meu pai com a cabeça para fora do carro parado logo atrás do meu.
Gibson suspirou derrotado, após me encarar mais uma vez e constatar que eu não iria mudar de ideia, simplesmente saiu, chamando os outros consigo. Corri até o carro com a menina em meus braços e subi com ela, tomando o máximo de cuidado para não machucá-la. deu partida confuso, ele não era o único que não entendia o que tinha acabado de acontecer ali, eu estava do mesmo jeito, tão embasbacado quanto.
Seu coração batia fraco, eu estava entrando em desespero, não importava o que eu fazia, sua pele continuava fria como o gelo que cobria as ruas do lado de fora. Abraçava seu corpo contra o meu, cheguei a tirar minha jaqueta e colocar envolta de seu corpo, não reagia! Chamava seu nome enquanto recebia alguns olhares dignos de pena vindos de . Sua pele estava mais pálida que o normal e seus lábios já estavam roxos, mas eu não desistiria dela. Não podia deixá-la ir, se sacrificou muito por mim, cuidou de mim da melhor maneira que pode, era a minha vez de retribuir.
Assim que os muros altos da casa entraram em nosso campo de visão, paramos os carros em meio a vegetação. desembarcou levando consigo sua arma, eu ainda tinha minhas atenções voltadas para , que ainda não reagia e estava cada vez mais gélida. Me perguntei há quanto tempo ela estava ali, naquele frio, antes de ser encontrada.
O baque da porta de fechando me despertou, eu não sabia se ia junto deles ou se ficava com ela. Estava com medo, muito medo de vê-la morrer em meus braços, eu sabia muito bem que ela estava tendo uma hipotermia, e, se não fosse atendida por um médico logo, não resistiria. Eu não sabia mais o que fazer, tinha saído, e mesmo sendo apenas um estudante de medicina, ele entendia alguma coisa. Eu deveria ter ido e deixado com ele. Pelo menos assim talvez ela ainda tivesse alguma chance.
Logo os tiros foram ouvidos, muitos, uma sucessão deles. Olhei através do para-brisa do veículo, porém não conseguia saber o que estava acontecendo dentro daqueles muros. Me preocupava a ideia de não conseguirmos invadir a casa. Precisávamos muito daquilo.
...por favor, fale comigo, abra os olhos...por favor… — Pegava seu rosto miúdo entre minhas mãos, ela parecia já estar morta. Algumas lágrimas voltaram a rolar pelo meu rosto, que juntei ao dela sentindo sua respiração quase nula acariciar minha pele. — Fique comigo, ... por favor, fique comigo. — Movi meus lábios contra os dela, que, ao contrário dos contos de fadas, continuou desacordada em meus braços.
Ouvi uma movimentação do lado de fora. Me abaixei no banco assim que vi um nazista sair correndo com uma arma em punho em nossa direção. Deitei ali, apanhando minha arma. O esperei passar pelo carro em que estava. Precisava ser rápido, afinal meu pai estava no carro detrás e o homem não parecia querer conversar armado.
Joguei-me contra o banco do motorista e puxei a maçaneta da porta. Assim que abri senti o vento do tiro dado por ele passar pelo meu rosto, apertei o gatilho duas vezes, vendo-o ir ao chão com o peito já perfurado. Puxei a porta novamente, não querendo ver o resultado da minha primeira vez matando alguém. Larguei a arma no chão do veículo, levando as mãos a cabeça. Esbarrei em já completamente aterrorizado.
Eu precisei fazer aquilo. Eu precisei fazer aquilo.
Era tudo o que eu repetia na minha cabeça a medida em que me afundava no vão entre o banco e o chão do carro, encarando o rosto mórbido de e repassando a cena que havia acabado de acontecer. Será mesmo que eu fiz o que fiz porque fui forçado pelas circunstâncias? Pensar naquilo foi inevitável após o dia em que tive a certeza de que não teria enganado se estivesse no meu lugar. Existia outra saída eu eu não enxerguei? Um jeito de fugir sem usar e manipular , mirar o tiro em outro lugar que não fosse o peito daquele soldado. Fiquei ali, me sentindo um monstro, enquanto meus colegas davam suas vidas para arranjar um local seguro e abrigar meu pai e os outros feridos. Eu realmente merecia estar vivo?
estaria entre a vida e a morte se eu não tivesse intervindo em sua vida?
! — Acordei de meu surto com chamando meu nome, completamente ofegante. — O que está fazendo aí, me dê licença.
Saí do buraco onde caí, voltando a pegar a menina em meus braços e ocupar o banco do passageiro. Infelizmente, emocionalmente eu ainda estava no fundo do poço, aéreo e choroso, agarrava-me a ela enquanto adentrava o enorme quintal com o carro. Assim que estacionou próximo da porta, encarou-me piedoso novamente, após um longo suspiro, pegou o pulso de checando se seu coração ainda batia.
— Vamos levá-la para dentro, temos que aquece-la.
Ao adentrarmos a casa pude ver o grande estrago que havia sido feito. Vasos quebrados, móveis perfurados por balas e estilhaços para todos os lados. Na sala de jantar, uma mesa de café estava posta, o corpo que parecia ser da esposa jazia debruçado sobre os talheres. Próxima dela estava a empregada. Mas adentro havia alguns soldados, o jardineiro e, no fim da escada, estava o sargento, sua arma ainda estava próxima de sua mão caída.
O chutamos do caminho e seguimos escadas acima para um dos quartos da enorme casa. A deitei sobre a cama enquanto revirava o armário em busca de cobertores, num baú próximo da cama haviam alguns, que foram rapidamente colocados sobre o corpo frágil da menina. Segurava sua mão não percebendo grandes mudanças em sua temperatura corporal. Nada parecia aquece-la.
Afundei meu rosto contra o colchão pedido aos céus para que ela não fosse embora. Eu nunca fiz aquilo, era minha primeira prece, nem ao menos sabia se estava pensando nas palavras certas enquanto estive ali, ajoelhado diante do corpo de . Só conseguia expressar meu medo e minha vontade de vê-la acordada novamente. De repente, um estalo me atingiu a cabeça e me levantei subitamente.
— O que foi?
— Saia e tranque a porta. — Lhe respondi já tirando minha blusa. Assim que puxei minhas calças, entendeu o recado, deixando o quarto imediatamente.
Tinha que funcionar, era meu último fio de esperança.
Tirei o par de botas de seus pés indignado, nem meias ela usava num frio daqueles. Tirei as cobertas de cima dela, tirando suas calças rapidamente. O modo como estava vestida, mesmo sendo russa e sabendo como se proteger do frio...tudo me levava a crer que quem a deixou lá fora queria que ela morresse congelada.
A cena que vi quando avistei seu corpo desnudo me deixou perturbado.
As pernas de tinham marcas por todas as partes. Arranhões e roxos lhe cobriam a pele pálida. Sem ter tempo para digerir tudo aquilo, passei a despir sua parte de cima, revelando sua barriga e seus seios pequenos igualmente machucados, estavam por toda a parte. Me livrei de minha cueca e deitei-me ao seu lado, puxando-a para cima de mim, colando minha pele quente em sua gélida. Senti calafrios com aquele contato enquanto nos cobria com as duas grossas cobertas. Com seu rosto escondido na curva de meu pescoço, encarava o teto completamente sem ação.
Eu não conseguia parar de pensar naquelas marcas todas em seu corpo, como... como se tivesse sido espancada. Fechei meus olhos com força a medida em que a apertava ainda mais contra mim, chorei sentindo as batidas fracas de seu coração contra o meu peito, passei os dedos em seus cabelos estranhando o fato de estarem curtos, aparentava amar tanto seus fios longos. Ao esticar alguns fios, percebi o modo como suas pontas estavam todas picotadas, claramente provando que não havia sido ela mesma quem os cortou daquela forma.
Meu Deus, o que deve ter acontecido naquela casa durante a minha ausência? Toda a violência gravada no corpo de me fazia querer morrer de desgosto ao pensar que poderia ser eu o culpado de toda aquela retaliação. Eu queria mais que tudo no mundo ver seus olhos claros abertos novamente, porém não saberia com que coragem eu olharia dentro deles quando chegasse a hora.
Eu devia ser a ûltima pessoa que ela devia estar querendo ver.
Perdi as contas de quanto tempo fiquei ali, agarrado a , tentando aquecê-la. Felizmente conseguia sentir o efeito do meu calor humano sobre ela, sorri fraco beijando seu rosto já corado. Eu não conseguiria mensurar em palavras o que estava sentindo naquele momento, meus olhos chegaram a marejar. tinha ganhado uma importância tão imensa na minha vida, que eu não conseguia imaginar o que faria caso a tivesse perdido em meus braços. Sim, eu tinha deixado , mas não queria que nada de ruim acontecesse a ela. Pensei que a tinha deixado em segurança. Pelo visto estava redondamente enganado.
? — Algumas batidas foram ouvidas na porta, reconheci a voz de e lhe respondi, checando se o corpo de estava descoberto. O loiro surgiu pela porta, trazendo consigo sua maleta de primeiros socorros.
Sua mão foi de encontro a bochecha da menina, o sorriso de alívio que ele me direcionou me arrancou um pequeno riso. Eu estava tão feliz, que nem ao menos me lembrei do tiro que ela havia levado no braço.
— Precisamos cuidar do ferimento.
— Tudo bem, nos dê licença, vou vesti-la. — deixou o quarto mais uma vez, aguardando do lado de fora.
Deixei a cama recolocando suas roupas com cuidado, logo depois, me vesti e ajeitei os cobertores de volta. Eu sabia que ela tinha se estabilizado, porém não queria arriscar deixá-la em perigo outra vez. Chamei meu amigo para dentro e voltei a trancar a porta, para que ninguém ousasse entrar.
— Seu pai quer falar com você. Ele está furioso. — Parecia um dejavú, quase cheguei a nos enxergar quando crianças, após aprontarmos nossas traquinagens. Meu pai sempre foi muito rígido comigo, ao contrário do Sr. , que nos deixava brincar o quanto quiséssemos.
Não respondi nada, apenas voltei a me deitar ao lado de , enquanto limpava o ferimento e se preparava para retirar a bala alojada no braço dela. Agradeci por ela estar desacordada, a pequena dose de morfina que tinha lhe aplicado talvez não fosse tão eficiente caso a menina estivesse consciente.
Suspirei já imaginando o sermão que iria ter que enfrentar. Havia adiado aquele assunto tempo demais, era a hora de contar o que realmente aconteceu na casa de Juliet e quem era . Com o rosto colado ao dela, passei a acariciar seus cabelos levemente, enquanto a observava ressonar tranquila.
— Sabe quando nossa mãe nos conta a história de que nós temos um anjo, que está sempre conosco nos livrando do perigo? — murmurou alguma coisa, ainda concentrado no que estava fazendo. — Acho que encontrei o meu.


Capítulo 36 - I'm having your baby, It's none of your business

Despertei sem forças, quase não consegui manter meus olhos abertos, as pálpebras pareciam pesar toneladas, uma força maior me puxava em direção ao colchão macio que abrigava meu corpo. Remexi-me naquela cama sem entender onde estava nem como havia parado lá. O silêncio a minha volta trazia-me uma familiaridade gostosa, como se eu estivesse de volta a casa dos meus pais. Sabia que era impossível, porém não pude deixar de me enganar por um instante e voltei a ressonar tranquila, como se nada tivesse acontecido, como se esperasse mamãe vir me arrancar da cama reclamando que já tinha dormido demais.
O que de fato aconteceu, mesmo após parecer ter se passado horas desde a última vez que tive meus olhos abertos, eu ainda sentia um sono descomunal, e fome, meu estômago chegou a roncar no momento em que eu despertei. Porém me rendi ao cansaço, caindo na escuridão sem fim que eram meus sonhos, que nada mais era que uma grande imensidão vazia. Não via rosto algum, nem de mamãe, nem de meu pai, Cornélia ou Elizabeth, ninguém. Porém eu podia jurar que havia sentido o cheiro dele. Aquela sensação de aconchego me acompanhou até o momento em que finalmente despertei por completo.
Me perguntei até quando eu me sentiria daquela maneira.
Meus olhos varreram aquele quarto bem arrumado algumas vezes, as janelas grandes estavam cobertas por grossas cortinas claras que me permitiam saber que já era dia. Impulsionei meu corpo para fora daquela cama sentindo a tontura tomar conta de meu corpo, a força mínima que fiz para empurrar aquele par de cobertas enormes de cima de mim me fez descobrir um ferimento em meu braço. Que já havia ganhado um curativo apropriado.
Ouvi passos do lado de fora, não eram de duas ou três pessoas só, eram várias, o que de certa forma me apavorou. Eu já não estava mais na casa de Juliet, muito menos na minha antiga residência, não me recordava de ter ido tão longe ao ponto de completar meu caminho até a casa do sargento alemão. Então onde diabos eu estava? Pior, de quem eram todos aqueles passos?
Levei minha mão a minha barriga tentando acalmar minha respiração que se agitou, acompanhando as batidas do meu coração. Eu já havia passado por tantas coisas ruins que imaginar o que poderia me esperar detrás daquela porta me causava pânico. Vozes masculinas penetravam em meus ouvidos causando-me cada vez mais medo. Homens, muitos deles, o que eu faria ali sozinha? E se quisessem me fazer mal, e o meu filho, como eu iria nos defender?
A porta foi aberta e meu coração quase saiu pela boca, cobri meu corpo e cabeça com os cobertores ao ver a figura masculina se aproximar da cama. Estava uniformizado, e aquele não se parecia com a farda que eu tinha sido obrigada a vestir. Não era um soviético. E aquela informação me acalmava ao mesmo tempo em que me aterrorizava. Eu havia traído meu país para ajudar , que por sua vez era um inimigo. No fim, eu acabei virando um alvo em comum de ambos os lados.
, tudo bem. Não vou te machucar. — Sua voz era suave, e definitivamente seu sotaque era marcante, falava inglês. Me assustei ao ouvir meu nome em meio as suas promessas duvidosas.
Como eu poderia confiar nele? Eu não confiava em mais ninguém além de Yuri, Cornélia e Elizabeth. Eram as únicas pessoas restantes na minha vida, além do meu filho é claro.
Os cobertores foram puxados aos poucos de cima de mim, me encolhi toda com medo do que ele poderia fazer comigo. Puxei de volta, porém ainda estava fraca demais. Quando me vi desprotegida, tentei ao máximo me afastar dele.
— Quem é você e que lugar é esse?
— Sou , está tudo bem. — Seus gestos apaziguadores não me convenciam nem um pouco. — , eu não vou te fazer mal. Está a salvo aqui.
Eu nunca mais iria olhar para mãos que seguravam armas como se elas nunca tivessem sido sujas de sangue. Homens que eram para nos proteger, faziam totalmente ao contrário, agindo por suas próprias vontades e passando por cima de tudo.
Mesmo que sua aparência demonstrasse ao contrário, eu não iria ceder mais ao que meus olhos viam, por experiência própria eu havia aprendido que o mal não se apresentava em feições feias e detestáveis. Muito pelo contrário, para mim ele veio como uma perdição, era o homem mais lindo que eu já havia visto na vida, porém seu interior era o completo oposto. Os olhos azuis aparentemente bondosos de não me enganariam.
— Fique longe de mim! — Esbravejei, sentindo-me como um animal selvagem encurralado por um caçador armado com uma lança.
— Está tudo bem, me pediu para checar se você estava bem. — Ouvir aquele nome me despertou o estômago, que se revirou instantaneamente, era uma mistura confusa de desgosto e das borboletas que me despertava sempre que me olhava.
— Onde ele está?
— Lá fora, está ocupado com o pai, por isso me deixou encarregado de vir te ver.
— Me leve até ele, eu quero vê-lo. — Ignorei sua explicação. Meu coração ansiava em ver o seu rosto outra vez, dentro de mim uma grande batalha continuava a acontecer.
Parte de mim estava feliz em saber que ele estava bem, que estava vivo! Já a outra parte queria aproveitar que estava vivo para matá-lo de diversas maneiras possíveis. Meus punhos se cerraram só de imaginar no que eu poderia fazer com apenas para dar um gostinho da dor que ele tinha me causado.
Eu sabia bem que nada do que eu fizesse seria o suficiente para se igualar ao que ele tinha me feito.
, eu sei o que aconteceu, sei que deve estar ansiosa querendo conversar sobre tudo, mas agora não será possível.
— Não, você não sabe. — Ri sem humor. Se o tal realmente soubesse o que houve entre mim e , com certeza saberia que não havia nada para ser conversado ou esclarecido. Nada parecia ter o poder de fechar aquela ferida enorme que tinha deixado em mim. — Não fale como se soubesse, nem você, nem sabem pelo que eu passei.
, eu…
— Só me leve a até ele. Não estou te pedindo nada impossível, é só o que eu mereço. Eu quero ver e quero vê-lo agora.
O homem de olhos azuis desistiu de insistir para que eu ficasse ali, esperando a boa vontade de para vê-lo, eu sabia bem que nunca havia tido boa vontade alguma em relação a mim. Assim que vesti meus pares de botas saímos corredores afora, que para a minha total falta de surpresa era transitado frequentemente por soldados britânicos. Eu parecia ser a atração principal do local, atrai olhares a cada passo que dei junto de , que andava a minha frente tenso demais para sequer relaxar os ombros.
Após descermos um lance de escadas, rumamos para um dos quartos da casa enorme. O loiro deu batidas incertas na grande porta de madeira, que foi aberta por um homem mau encarado.
— O que quer aqui, ?
— Desculpe, senhor. Mas ela insistiu em vir. — Os olhos claros do homem se pousaram em mim. Logo atrás dele, surgiu como se sentisse a minha presença. Meu olhar se cruzou com o dele e eu tive certeza de que perdi o fôlego sem ao menos perceber.
Eu quase não acreditava no que estava vendo, que o tinha ali, a pouquíssimos passos diante de mim. Em pensar que cheguei a chorar por medo de sua morte, que cheguei ao ponto de me arriscar para ajudá-lo enquanto estava sendo enganada. Saber que mesmo depois de tudo eu ainda o amava com todo o meu coração fazia-me querer chorar e implorar para que aquele sentimento saísse do meu peito e me deixasse odiá-lo em paz, sem que eu tivesse dúvidas sobre o que sentir em relação a alguém que me fez tão mal.
Quebrei nossa distância indo em sua direção o mais rápido que pude, não fui impedida por ou pelo homem parado à porta, meu corpo queimava em brasa a cada passo que eu dava tamanha era minha vontade em abraçá-lo, ter o meu corpo colado ao dele. Quando estive tão próxima que pude sentir o cheiro que senti enquanto dormia, minha mão fechada já ia em direção ao seu rosto, acertando seu nariz em cheio com toda a força que ainda me restava.
A expressão de susto dos homens presentes ali seria cômica, se eu não estivesse com tanto ódio de naquele momento. Ele me abandonou grávida naquela casa, eu sofri tudo o que sofri sozinha e ele ainda tinha coragem de me abraçar enquanto eu dormia como se nada tivesse acontecido? Como se tivesse o direito de me tocar como antes?
levou a mão ao nariz, que sangrava, enquanto eu ainda sentia meus dedos formigarem. Ele encarou o chão, fazendo-me ir para cima dele de novo, empurrando-o pelos ombros e socando seu peito incessantemente.
interviu tirando-me de cima do amigo, que não reagia. sabia o que tinha feito, e também sabia que merecia aquela reação minha.
— Mas que porra é essa? — Ainda cdo, encarei o homem deitado sobre a cama, sua perna exposta tinha uma aparência péssima, era um milagre ele ainda ter a perna.
— Pai, essa é . — Sua voz saía anasalada devido ao seu esforço para estancar o sangue. — , esse é o meu pai. — Não olhava para mim, não parecia conseguir. Aquele ato de covardia só me fazia querer socá-lo mais ainda.
Eu queria que ele reagisse, gritasse comigo, fizesse alguma coisa. Aquela postura de bom moço, que sequer me impedia de bater nele, apenas aceitava meus golpes calado fazia-me parecer uma louca, uma selvagem, que não sabia resolver as coisas na conversa, civilizadamente. Acontece que nós dois sabíamos que eu tinha sido muito civilizada, tinha sido muito boa. E aquilo tinha me custado tantas coisas, que eu estava exausta de tentar fazer as coisas certas. Não ganhava nada em troca de ser boa.
Eu queria ouvi-lo falar na minha cara tudo o que eu já sabia, vê-lo confessar tudo o que fez. Aquele silêncio me deixava possessa.
— Como ousa bater no meu filho depois de ter sido salva por ele? — Sequei minhas lágrimas enquanto respirava fundo para não estragar minha chance de ser ajudada.
— O senhor sabe o que o seu filho me fez? — Controlei a raiva em minha voz, tentando soar o menos agressiva possível.
— Sim, ele te usou, é uma guerra, há estratégias, planos, o objetivo é sobreviver. — Meu sangue ferveu ao ouvi-lo desdenhar de mim, como se eu não estivesse ali, diante dele. Não era para eu estar tão surpresa. Convivi com tempo o bastante para imaginar que seu pai deveria ser mil vezes pior que ele quando o assunto era a guerra, ser frio daquela maneira me fazia entender de onde tinha tirado o exemplo para ser tão manipulador e egoísta.
O olhei pelo canto do olho me perguntando como eu poderia amar alguém como ele.
— Pai, eu nã…
— Não estou falando com você. — Vociferei já prevendo que ele, mais uma vez, iria se acovardar. — Sim, senhor , seu filho se aproveitou de mim para conseguir se manter vivo, e aparentemente o senhor não dá a mínima para isso. — Lhe sorri irônica, colocando meus cabelos para trás das orelhas. — Eu não estou nem um pouco surpresa, mas sim enojada. Agora eu sei de onde tirou o caráter péssimo que tem. Mas não se preocupe, não pretendo tomar o precioso tempo de vocês, afinal, vocês tem uma guerra para perder, não é mesmo?
— Escuta aqui, sua pirralha… — O homem que atendeu a porta pegou-me pelo braço, apertando o local machucado, fazendo-me gemer de dor sem que eu ao menos pudesse controlar minha boca.
— Solte-a. — interveio, junto de , que ao que parecia não estava muito disposto a levar uma bronca do superior, porém mesmo contrariado, tirou as mãos do homem de mim, afastando-me. Um pouco de decência, afinal. Uma raridade naquele quarto.
— Não irá tomar nosso tempo, salvou a sua vida, porém quero você fora daqui hoje mesmo.
— Eu não quero ficar, aliás, quero distância de todos vocês, principalmente do seu filho. Eu só quero ser recompensada por ter salvo a vida dele.
— Se é assim, já estamos quites, . Fora.
— Não, o senhor não compreendeu o que eu disse. Eu cuidei de e ainda o ajudei em sua fuga, não quero apenas ser poupada, quero ser levada para a casa dos meus avôs na Inglaterra, onde ficarei em segurança. Seu querido filho está aqui, não está? Me agradeça por isso.
— Está de brincadeira comigo. — O homem murmurou rindo, atraindo a atenção do pai de , que imitou seu sorriso sarcástico. — Você devia agradecer que não colocamos uma bala em sua cabeça.
— Pai, nós vamos levá-la, vamos levá-la para a Inglaterra conosco. — A voz rouca de soou, quem evitou seu rosto daquela vez fui eu. Era a primeira vez que ele fazia algo certo, se bem que vindo dele, qualquer desconfiança era aceitável.
Ouvi-lo falar aquilo me fez lembrar o que eu tinha me apaixonado.
— Não pedi sua opinião, . — Seu tom rígido me deu uma noção da relação que ambos deviam ter. Era como ter um general como pai. — Me recuso a levar uma soviética comigo, por mim a largamos onde encontramos. Gibson está certo, deveria nos agradecer por te deixar viver, nós não te devemos nada.
, leve-a para fora! — O tal Gibson deu a ordem, fazendo o loiro de olhos azuis me encarar pesaroso. Estava tudo bem, eu ainda tinha a casa do alemão para ir, ainda tinha uma chance.
— Pai, o senhor não pod...
— Poupe sua saliva e sua atuação de bom moço , eu não vou implorar para ninguém. — Me desviei do toque de , que insistia em me guiar para lá e para cá como se eu realmente quisesse lutar para ficar ali. Morrer congelada me parecia ser melhor do que estar na presença de seres tão desprezíveis. — Eu sei o caminho. — Lhes dei as costas indo até a porta, porém parei ao me lembrar de um detalhe.
Eu deveria deixá-lo saber que estava expulsando uma mulher grávida de seu neto? merecia saber que eu estava esperando um filho dele? Eu não queria contar, não queria lhe proporcionar nenhum resquício de felicidade de maneira alguma, porém eu sabia o quanto amava crianças, já o ouvi comentar sobre sua sobrinha diversas vezes, estava animado para conhecê-la. Iria deixá-lo saber e ir embora, sumir do mesmo modo que foi feito comigo.
E eu esperava que o fato de ter um filho e jamais conhecê-lo, saber onde e como está, lhe consumisse dali em diante, pelo resto da vida.
— Sabe, , eu realmente te amei, — Virei-me para finalmente olha-lo nos olhos. estava logo atrás de mim, escoltando-me para fora, porém me deixou falar pela última vez. — Ao contrário de você, eu nunca precisei mentir, fui quem eu realmente sou, amei e demonstrei na mesma intensidade que senti, aqui, no meu coração. — Seus olhos verdes transbordaram, a mágoa em seu olhar fazia-me lacrimejar, porém não era hora de demonstrar nada. — Mas agora vejo que o homem que eu amava nunca existiu, que você é tão podre e frio quanto seu pai, que Juliet sempre esteve certa e que eu jamais deveria ter confiado em você. Porque você e sua família não valem nada, não tem caráter, empatia, e parecem incapazes de sentir amor. Infelizmente eu ainda te amo, — Minha voz se estremeceu, olhar em seu rosto e admitir aquilo era doloroso e vergonhoso demais. — mas não posso mais me enganar com sua versão boa, eu nem ao menos consigo te olhar como antes! — A lágrima que eu tanto segurava caiu pelo meu rosto. Solucei e, antes de desabar ali, tratei de ir indo embora. — Espero que meu filho não herde nenhum traço seu, porque eu não sei se vou conseguir amá-lo de verdade se ele se parecer com você.
Saí porta a fora, ao regressar meus passos em direção às escadas que desci, olhei para cima, dando de cara com uma grande suástica gravada na parede. Eu estava na casa do alemão e, mais uma vez, sem ter para onde ir.


Capítulo 37 - Promise me no promises

Sua voz me chamando era tudo o que eu ouvia durante minha corrida até a saída, Deus, doía tanto ignorar aquele som que antes era o meu favorito no mundo todo. Sua voz soava tão perigosa para mim, meu coração ainda correspondia qualquer ação mínima dele, porém eu me afastava ao máximo, não queria correr o risco de fraquejar. Era para o meu próprio bem. Uma autodefesa, eu não podia e nem iria aguentar mais uma decepção, já havia passado por tanta coisa que sentia que poderia morrer de desgosto a qualquer momento.
Corria pela neve, desviando-me de alguns dos homens que transitavam pelo enorme quintal da casa, sentia-me tonta, sabia o quanto estava fraca, tinha certeza de que não sobreviveria muito tempo sozinha no frio novamente, mas meu orgulho me incomodava tanto que eu sequer cogitei a ideia de ficar ali após ser expulsa daquela maneira. Já era a segunda vez que aquilo me ocorria, eu estava sozinha, literalmente, sem ao menos ter para onde ir.
Fui puxada para trás num solavanco, logo sua respiração batia próxima ao meu rosto, soltei um pequeno grito agudo pelo susto que sua ação me causou, ainda ofegante via seus olhos verdes de perto, encarando-me atentamente.
— É verdade? — Pisquei algumas vezes ainda confusa, quando despertei, tentei puxar meu braço de volta, porém ainda era mais forte que eu e nem ao menos consegui movimentá-lo. — , o que você disse, é verdade? — A urgência em sua voz era nítida.
— Me solta! — Esbravejei, atraindo a atenção dos outros a nossa volta. — Está me machucando, me solta. — Fui liberta no mesmo instante. Não estava machucando, mas tinha sido a única saída que encontrei. Pelo menos ele não era covarde ao ponto de me fazer algum mal fisicamente.
Quando me virei prestes a fugir mais uma vez, fui interceptada novamente. Daquela vez por seu corpo, que surgiu diante do meu numa rapidez absurda. Tentei escapar pela lateral, porém eu já estava tão cansada de correr que nem ao menos tive chance.
— Eu não vou te deixar ir. — Lhe dei as costas, cobrindo o rosto com as mãos, morrendo de raiva. — Nem que seja forçada, você vai ficar, me ouviu? Quase morreu lá fora uma vez, quer mesmo se matar desse jeito? — O ignorei, soltando soluços audíveis.
Eu já havia pensado naquela possibilidade. Era horrível, mas eu já não controlava meus pensamentos. Perder meus pais e, logo depois, perder as meninas que considerava irmãs para mim tinha me desolado de uma forma absurda. Sabia que após a guerra eu poderia procurá-las, mas aquele inferno parecia tão longe do fim que algo me dizia que talvez eu nunca mais iria olhar para aqueles rostinhos que eu amava tanto.
— Venha, vamos para dentro. — Sua mão pegou meu braço novamente, me desvencilhei dele, andando na frente.
Eu sabia que não era bem vinda ali, o olhar de todos a minha volta deixava tudo bem explícito, porém era a minha única chance de sobrevivência e se eu quisesse ficar a salvo e ter aquele bebê sem correr tantos riscos, eu teria que ficar com ele. Pelo menos até que eu pudesse ir para a Inglaterra. Eu não via a hora de poder ver meus avós novamente, chorar no colo de vovó, no aconchego de sua casa. Só não queria ser a responsável por lhe dar a notícia da morte de papai, mas passaríamos por aquilo juntos, era assim que devia ser. Ainda sentia que deveria ter chorado mais, aquele nó em minha garganta estava entalado há dias, e eu tinha certeza que só seria desfeito quando eu estivesse nos braços de quem amo.
Estava cansada de ser forte, o peso em meus ombros já estava pesado demais, sentia que não aguentaria muito tempo sem desabar ao chão. Meu corpo estava exausto, minhas pernas doíam, meu coração estava em pedaços. Me preocupava com a criança que crescia em meu ventre, sabia que eu corria o risco de perdê-la caso não descansasse um pouco. Mesmo que parecesse impossível fazê-lo naquele momento.
Regressei para o mesmo quarto em que estava quando acordei, entrou comigo e fechou a porta atrás de si, fazendo o silêncio do quarto dominar o local, o único som presente era dos meus soluços pequenos. Ainda de pé, eu me afastei dele, indo me sentar na cama, tentando acalmar meu coração que batia frenético.
— Eu vou falar com meu pai, e se ele não concordar você irá conosco mesmo assim. Vou te deixar em segurança, . Eu prometo. — Se curvou diante de mim, pegando minhas mãos e as envolvendo com seu toque suave.
Ri de escárnio.
— Não me faça promessas. Eu não sou a mesma que você deixou para trás, não acredito em nada do que você diz, não mais. — Fugi de seu toque mais uma vez.
— Eu sei que errei, te peço desculpas, não sabe o quanto me doeu ter indo embora daquele jeito, mas eu não tive outra escolha…
Sua expressão era de tristeza genuína, eu podia ver seus olhos brilharem por conta das lágrimas que surgiam neles. Mas eu não conseguia ao menos me compadecer, só estava triste porque teve que me reencontrar, se nunca mais nos víssemos como parecia ser o planejado por ele, jamais iria sentir o que estava sentindo. Sequer iria se lembrar de mim quando estivesse vivendo sua vida feliz e tranquila, como se nada tivesse acontecido. Como se ele não tivesse destruído a minha fé no amor.
Quem teve o coração destroçado fui eu, e eu jamais iria me esquecer daquele rosto.
— Não, , você teve escolha sim, poderia ter sido de outra maneira — Solucei. — não precisava ter me usado para conseguir o que queria, você se aproveitou do meu amor, quebrou meu coração.
Ele se levantou, se afastando enquanto levava ambas as mãos ao rosto, em seu queixo as lágrimas caíam. Eu não estava diferente ainda sobre a cama. Sempre achei que com o passar do tempo as coisas iriam se esfriar e não doeria tanto relembrar aquele dia, o dia em que fui até o quarto e tinha fugido, mas parecia que estava doendo ainda mais confrontá-lo.
— Você me ajudaria a fugir? Faria tudo o que fez se não estivesse apaixonada por mim? — Fiquei completamente sem palavras, apenas solucei em resposta, realmente pensando no que tinha acabado de ouvir. — Não, , não faria. Eu era alguém que você foi ensinada a odiar, a ter como inimigo. Eu não encontrei outro jeito de conseguir o que queria além de…
— Me usar. — Completei entredentes, vendo-o exitar. — Fale, ! Não seja covarde, seja homem pelo menos uma vez na vida e assuma a droga do seu erro!
Seu peito subia e descia enquanto ele chorava copiosamente. Eu só conseguia sentir raiva ao vê-lo cdo na minha frente, não queria ver, sabia que deveria clamar pelo seu sofrimento, vê-lo rastejar pelo meu perdão. Mas não conseguia olhar para aquela cena. Apesar de tudo eu o amava e, de certa forma, vê-lo sofrer também me machucava. A última coisa que eu queria era encontrar novamente. Achava que tê-lo longe seria o melhor para mim.
Se tivesse que sofrer alguma vez na vida, que fosse longe de mim, se ele fosse feliz também poderia ser longe. Não queria saber nada sobre ele porque a ideia de descobrir que ele talvez estivesse sendo feliz com outra nos braços me matava aos poucos.
Porém o destino se encarregou de nos juntar novamente.
— Me fez acreditar que você me amava, eu te dei tudo o que eu tinha e no final você simplesmente foi embora! Me abandonou como se eu fosse um nada, algo descartável.
— O queria que eu fizesse, ? — Esbravejou incrédulo. Como se estivesse no direito de exigir algo de mim. — Levar você comigo? — Outra vez ficou sem resposta. Mas daquela vez eu sabia bem a resposta que queria dar. Ali, diante dos olhos dele, balancei minha cabeça. Sim, eu queria que tivesse cogitado a ideia de me levar consigo.
Depois de tudo o que aconteceu naquela casa desde o dia em que ele se foi, eu preferiria ter ido com ele. Como eu queria que as coisas tivessem sido diferentes. Se soubesse dos meus pais quando ainda estava ao meu lado, eu mesma teria dado a ideia de fugir.
— Eu não poderia te levar comigo, .
— Se me amasse de verdade, me pediria para ir com você. — Acusei, pensando em como seria bom se pelo menos tivesse tido aquela consideração.
Ele não precisaria me dizer nada de seu plano, nem ao menos me contar o dia e a hora que iria embora. Poderia ter sido apenas uma situação hipotética, se tivesse ao menos demonstrado que me amava mesmo fora daquela casa em que estava sendo mantido contra sua vontade, eu talvez entenderia seus motivos. Mas somente o fato de eu ter certeza de que ele não me amou uma vez sequer já era o bastante para eu saber que tinha sim sido usada da maneira mais cruel possível.
— Eu jamais te pediria isso… — Esbravejei. Que droga, eu queria ouvi-lo falar, que nunca me amou, que me usou e mentiu para mim. Quem sabe daquela maneira meu coração poderia deixar de bater por ele.
— Você mentiu o tempo todo, não é? — Franzi o cenho, já sentindo meu corpo todo tremer. — Nunca me amou, eu só era mais uma peça no seu plano de fuga. — Ele me encarou por um tempo, sem ao menos piscar os olhos, ficou ali, parado e calado. — Responda, ! Eu exijo saber a verdade, eu tenho esse direito! — Gritei, sentindo minha garganta arder.
— Eu não sei! — Ofeguei em pura descrença. — , eu não sei. — Levou as mãos a cabeça.
— Não me faça te socar o rosto de novo! — Não era justo! Não era justo eu ter aquela resposta depois de tudo.
— Eu sei que te machuquei, acredite, não me orgulho de nada do que fiz. Sei que não vai adiantar te pedir perdão, por isso quero me redimir te retribuindo o que você fez por mim, vou te deixar a salvo nem que seja última coisa que eu faça na vida. — Ele se aproximou, fazendo-me ficar nervosa com seu ato. — Ainda mais agora que… — Respirou fundo, se abaixando novamente diante de mim. — , você falou sério? Está mesmo grávida...E-Eu vou ser pai? — Lágrimas voltaram a brotar em seus olhos cristalinos.
— Sim, eu estou grávida. — Seu sorriso se alargou instantaneamente, eu sabia o quão feliz ele estava com aquela notícia. Tudo o que eu sempre sonhei para mim estava acontecendo da maneira mais horrível do universo.
Quando era menor sempre sonhei em me casar e ter filhos, formar uma família e ser tão feliz quanto era na casa que morava com meus pais. Mas tudo o que se realizou me fazia querer morrer: Um casamento de mentira com um homem tão falso quanto nossas alianças, não tinha onde morar e muito menos tinha o amor do pai do bebê que esperava.
Queria que fosse um cara normal, que me conhecesse por acaso e me pedisse em namoro para meus pais, queria que nos casássemos de verdade, que tivéssemos a oportunidade de formar uma família real. Ainda poderíamos, mas não sentia o mesmo que eu. Obrigá-lo a ficar do meu lado por conta do nosso filho só me faria mais infeliz.
— Mas você, , não é o pai dessa criança. — Ele se levantou rapidamente, pálido, passou a mão no próprio rosto ainda confuso. Riu sem humor, encarando-me ainda incrédulo.
— Você não pode fazer isso. — Negava com a cabeça. — É meu filho também, . — Foi a minha vez de negar.
— Abriu mão dessa criança no momento em que foi embora naquela noite. — Aquela maldita noite. — Sabia que isso poderia acontecer, , mesmo correndo o risco de me deixar grávida e sozinha, você não exitou nenhum segundo sequer.
— Não, eu vou criar o meu filho, vou estar perto dele sim, queira você ou não. É meu direito! — Seu olhar denunciava o quão perturbado ele ficava com aquela idéia.
— Eu não te quero por perto. — Ralhei da boca pra fora. — Só quero te usar, , quando pisar os meus pés na Inglaterra eu não quero mais te ver.
— É o que nós vamos ver, . — Seu tom de ameaça me fez ficar receosa por um instante. seria capaz de tentar tirar legalmente o meu filho de mim? Pior, ele conseguiria? — Quando tudo isso acabar, vou conversar com seus pais, vamos entrar num acordo e dividir a guarda do nosso filho. — Frisou o “nosso” — Não quer mais me ver? Tudo bem, mas não me impeça de ver o meu filho. — Concluiu ainda furioso.
Ao ouvi-lo falar dos meus pais como se eles ainda estivessem entre nós, me dei conta do risco que eu poderia ter de realmente perder uma briga judicial contra os . Eu só tinha meus avós que via uma vez ao ano, nada mais. Se pelo menos tivesse papai ou mamãe me sentiria mais segura.
— Não vai conseguir falar com meus pais. — Murmurei quase que inaudível. franziu o cenho confuso. — Eles estão mortos. — O nó retornava a se instalar na minha garganta deixando-me intalada. Sua face surpresa foi tudo o que eu vi enquanto minha visão se embaçava pelo choro que já era anunciado pelo meu corpo todo. Quando dei por mim já tremia dos pés a cabeça e recomeçava a soluçar em desespero. — M-Morreram num barco afundado pelos Estados Unidos. — Completei num fio de voz.
eu…eu sinto muito. — Suas mãos pegaram o meu rosto com delicadeza, tentei afastá-lo porém cada vez mais perdia as forças e o controle do meu corpo. deixou um beijo carinhoso em minha testa enquanto me envolvia num abraço apertado.
Me debati, resisti a ter seu corpo junto ao meu novamente, não o queria por dó, e eu sabia que o único motivo de eu estar sendo abraçada era por pena. Eu queria que ele me amasse, não que sentisse pena de mim. Logo já estava envolvendo-o com meus braços enquanto chorava copiosamente, num desespero absurdo, me desfazia em lágrimas molhando seu ombro, puxava o tecido de sua blusa em busca de mais contato.
Me sentia em casa, chorava no abraço de que eu amava, mesmo que não fosse correspondida, estava finalmente desabando no meu porto seguro. Mesmo que não me passasse a mesma segurança de antes.
— E-Eu não s-sei o que fazer — murmurei sendo abafada pelo seu ombro, seu rosto abaixado na altura do meu se molhava com minhas lágrimas. — eu estou s-sozinha, não sei o que fazer sem eles. — desabafava enquanto era praticamente esmagada ali. Não importava a força que usava para me abraçar, parecia que não era suficiente. Ofegava, já sentindo a forte tontura se aproximar. Meu coração parecia que iria explodir de tão rápido que batia contra o peito dele, que afagava minhas costas na tentativa de me consolar.
— Eu sinto muito, , eu sinto muito. — Sua voz repetia em meu ouvido enquanto sentia nossos corpos tombarem em direção ao colchão. — Você precisa de acalmar, por favor, se acalma. Pode fazer mal para o bebê. — Tinha minha cabeça deitada em seu peito como na nossa primeira e última noite juntos, tentei respirar devagar, a medida em que tinha os cabelos sendo acariciados por sua mão cuidadosa. Tentei me concentrar em algo, peguei o som de seu coração calmo como referência e passei a ouvir suas batidas ritmadas. — Não está sozinha, eu vou estar aqui, mesmo que não me queira mais por perto. — Sussurrou enquanto meus olhos começaram a se fechar. — Não vou sair daqui...
Me rendi mais uma vez ao sono profundo, que me abraçava e tirava-me da realidade cruel que eu vivia quando estava acordada.
's point of view.
Eu estava inconformado, completamente abalado por vê-la daquela maneira. era a pessoa mais sorridente e espirituosa que eu já tinha conhecido. E me deparar com ela daquela forma me espantava, parecia outra pessoa. Me impressionava ver que após apenas alguns dias que a deixei ela foi capaz de mudar da água para o vinho daquela maneira. A menina ainda não tinha me contado o que houve com ela, mas após receber a trágica notícia de que agora ela era uma órfã junto das outras meninas, me perguntava o que poderia ser pior que aquela fatalidade.Tinha medo do que poderia descobrir, não sabia se iria lidar bem com a culpa de não ter estado ao lado dela para protegê-la.
As coisas poderiam ter sido diferentes. Mas não poderíamos mais voltar no tempo, refazer nossos passos. O arrependimento de não tê-la levado comigo em minha fuga me atingiu em cheio, fazendo-me suspirar debaixo de seu corpo quente. Nunca cogitei a possibilidade de levar comigo, além de não fazer parte dos meus planos na época, era algo muito errado a se fazer. era menor de idade, aquilo poderia ser considerado sequestro, mesmo que ela estivesse de acordo. Mas eu não sabia se ela, após passar por tantas coisas sozinha e ainda por cima grávida, iria entender aquilo algum dia.
Mas eu iria fazer por ela o que não tinha feito, iria tentar ao máximo me redimir. Tinha muita coisa em jogo, era tudo diferente daquela vez. Ao começar pelo fato de carregar um filho meu. Sempre fui louco por crianças, porém nunca tinha planejado com quem iria ter um filho, muito menos quando. Tinha ciência de que aquele era o pior momento possível para pensar em ter um bebê, mas ao mesmo tempo estava completamente encantado pela ideia de ter um serzinho nos braços e saber que serei o pai dele. Nem que eu tivesse que protegê-los com a minha vida, andar pelo fogo por eles, enfrentar o que tivesse que enfrentar, eu o faria. Sem sequer exitar.
Sabia que não me queria por perto, eu compreendia sua mágoa, não poderia esperar que ela esquecesse que a abandonei de uma hora para outra, somente porque a reencontrei de repente. O que estava feito, estava feito. O que me restava era mantê-la por perto o máximo que conseguisse, eu não podia deixá-la ir, ainda mais num momento como aquele, em que mesmo que ela negasse, precisaria de ajuda. Não apenas por estar grávida, mas também por merecer ser ajudada. era alguém especial para mim, como lhe disse em nossa discussão, ainda não sabia interpretar o que sentia por ela, mas tinha certeza de que sentia algo.
Ao olhar para seu rosto vermelho por conta do choro, porém sereno por conta do seu sono, eu senti meu coração acelerar suas batidas. Nunca tinha me sentido daquele jeito antes, mas por tudo se tratar apenas de um plano, sempre interpretei minhas ações envolvendo como meras estratégias. Nunca me questionei o fato de às vezes querer beijá-la quando não podia fazê-lo, ou o jeito como eu ficava confortável quando a tinha em meu colo e queria ficar daquele jeito por mais tempo. Não sabia ao menos de onde vinha aquela calmaria que ela me passava mesmo a distância. Talvez fosse a hora de começar a me questionar sobre as sensações que sua presença e nossas lembranças me causavam.
Controlei meus pensamentos a medida em que meus olhos caíram em sua boca entreaberta, a vontade de ter seus lábios juntos dos meus veio mais uma vez. Saí debaixo dela, deitando-a na cama com cuidado para não despertá-la. Não era certo beijá-la sem seu consentimento, ainda mais sabendo que ela me socaria o rosto caso acordasse e percebesse algo. Ri sozinho com a lembrança do nosso reencontro real. Quem diria que saberia dar um soco tão certeiro e inesperado, ainda mais em mim?
Tinha doído sim, mas eu tinha noção que aquela não era nem de perto a dor que lhe causei. Eu merecia aquele soco e os empurrões que recebi, merecia muito mais alias. Merecia até mesmo o seu desprezo, não a julgava por me querer longe do meu filho, eu era alguém que não merecia mais sua confiança, porém o fato de eu entender não me deixava menos furioso. Não sabia o que faria caso fosse impedido de ver meu filho nascer e crescer, mas tinha certeza de que não deixaria que aquilo acontecesse.
Deixei o quarto indo mais uma vez até onde meu pai estava. Parecia-se mais um dejavu, era a segunda vez que eu deixava adormecida naquela cama e ia em direção a meu pai, só que daquela vez eu estava bem mais seguro do assunto que iríamos tratar. Daquela vez somente eu e ele, sem Gibson ou , somente os , era um assunto de família, e por mais que fosse quase que um irmão para mim, eu não iria incluí-lo.
O avistei vindo do começo do corredor, o loiro desviou de alguns soldados que transitavam por ali e veio em minha direção. Quase não pude conter meu sorriso. Queria berrar para o mundo todo que seria pai.
— Conseguiu convencê-la a ficar? — Não sabia bem se havia feito muito progresso com . Ela quase não se deixou ser consolada, por mais que precisasse daquele abraço, seu orgulho estava ferido e eu sabia que poderia demorar muito tempo até que ela me perdoasse.
— Sim, ela está no quarto… adormeceu novamente.
— Legal. Achei o closet da mulher do cara, tem bastante roupas de frio, ela vai precisar quando acordar. — Assenti, encarando-o morto de expectativa. — O que houve? Está estranho. — Gargalhei de sua expressão confusa.
— É verdade, cara. Ela está mesmo grávida, eu vou ser pai! — abriu um sorriso enorme e me abraçou forte, batendo em minhas costas enquanto vibrava comigo.
— Parabéns, irmão! — Agradeci já esperando o porém, com sempre tinha um porém. Ele era apenas um ano mais velho, mas era bem mais maduro que eu em algumas coisas. — Mas algo me diz que a mãe não curtiu muito a ideia de você ser o pai. — Suspirei em resposta.
— Você percebeu, é? — Ri sem humor.
— Ficou nítido quando ela te socou o nariz. — Foi a vez dele de rir, mostrando-me sua fileira de dentes alinhados devido aos anos de aparelho. — Vai conversar com seu velho? — Assenti comprimindo meus lábios. Eu não sabia qual deles era pior, se era , magoada e arisca, ou meu pai, que achava que ainda tinha controle sobre minha vida como se eu tivesse seis anos de idade. — Boa sorte, cara. — Seguimos cada um na sua direção enquanto eu tentava me manter confiante no que eu iria dizer a meu pai.
Entrei novamente naquele quarto, fechando a mesma porta que eu mesmo havia quase derrubado para ir atrás de . Eu havia ficado cego com o que tinha escutado. Minha cabeça só pensava naquilo, ao mesmo tempo que eu queria extravasar minha felicidade, sentia que não devia, por toda a situação que estávamos passando e, principalmente, por receio do que meu pai iria pensar.
Talvez aquele fosse o motivo de eu ainda ser tratado como se ainda tivesse seis anos, eu ligava muito para a opinião dele.
— Imaginei que voltaria logo. — Riu, sentando-se na cama, fazendo sua costumeira expressão de dor, que tentava ser disfarçada a todo custo. — Jamais achei que viveria para te ver correndo atrás de um rabo de saia. — Seu sarcasmo estava me enojando.
— Se for a mãe do meu filho, sim, eu corro e correria atrás quantas vezes fossem necessárias. — Outra gargalhada vinda dele.
— Não acredito que caiu nesse papinho furado de gravidez. — Me mantive estático, esperando sua diversão passar. — Ok, ok, se a menina estiver mesmo grávida, e daí, você nem ao menos sabe se é seu! Essas meninas se engraçam para qualquer soldado que cruzam no caminho.
— Eu não sei se o senhor prestou atenção no que eu disse quando citei a casa em que fiquei, mas vou repetir se esqueceu. Não havia homens por lá, eu provavelmente fui o único que elas viram em meses, não há possibilidade de ter engravidado de outro. — Minha respiração demonstrava o grau do meu estresse, que havia aumentado significativamente em apenas algumas palavras trocadas. — Sem contar o fato de eu ter tirado a virgindade dela. E não, pai, ela não se engraçou para mim, eu estava usando para conseguir fugir.
Tecnicamente, ela se engraçou sim com aquele vestidinho vermelho, mas eu jamais poderia culpá-la por algo que ambos fizemos naquela noite. Eu quem tinha começado aquele jogo de provocações, tinha ensinado sobre sexo, eu era o responsável maior por aquilo, era tão pura que talvez nada do que fizemos teria passado em sua mente antes que eu a mostrasse.
— Como você foi burro, meu filho, correr esse risco sabendo das possíveis consequências. — Levou a mão ao rosto inconformado.
— Eu não estava pensando direito. — Não estava mesmo. Minha única preocupação foi magoá-la ao tirar sua virgindade e sumir no mundo.
— É claro que não estava pensando! — Revirei os olhos diante aquela bronca. Céus, eu já era um adulto e parecia um adolescente. — Ela é muito bonita, russa, mas ainda assim tem sua beleza, mas você deveria ter controlado o que tem entre as pernas! Quantos anos essa menina tem, afinal?
Engoli a seco.
— Dezessete. — Abaixar minha cabeça baixa foi a única saída que encontrei para não ver sua expressão, que não devia estar das melhores.
— Porra, . Uma menor de idade? — E russa! Provavelmente completou em pensamento. — O que os pais dessa menina vão falar quando ficarem sabendo?
, o nome dela é . — Rebati irritadiço. — E eles estão mortos. Ela não tem mais ninguém além dos avós na Inglaterra, por isso quero levá-la conosco, eu devo isso a ela, ainda mais agora que há um bebê a caminho.
— Você sabe que será uma viagem arriscada. — Bufei ao vê-lo tentar me fazer mudar de ideia. Eu não tinha outra escolha a não ser submeter a aquele risco. Aliás, que lugar do mundo não era arriscado em plena Segunda guerra? — Tudo bem, vou fazer isso pelo meu neto.
— Não estou te pedindo permissão, apenas vim te avisar que ela vai conosco, estando ou não grávida do seu neto.


Capítulo 38 - Why won't you ever say what you want to say?

’s point of view.
O par de mãos que meu corpo conhecia tão bem passava pela minha pele descoberta pelo vestido, que erguido até meus quadris, deixava minha calcinha a mostra. Eu estava arrepiada, da cabeça aos pés, esfregava uma coxa na outra, completamente molhada e sedenta pelo corpo inclinado sobre mim. Aqueles lábios, o mesmo sabor que estava gravado em minha memória, me beijava com volúpia, como se eu fosse a única coisa que ele precisava para viver, como se estivesse morto de saudades. Meus batimentos cardíacos quase me rasgavam o peito, eu estava morta de saudades e os seus lábios nos meus pareciam realmente ser o que mantinha viva, tamanha era a minha necessidade de tê-lo. Será que ele podia sentir o que eu estava sentindo? Eu mal conseguia respirar, meu oxigênio deixou de ser a maior necessidade de meu corpo e passou a ser ele. Sua boca grudada na minha, suas mãos em mim, apertando-me e puxando-me para perto.
Levantei meu tronco com uma rapidez impressionante, abri meus olhos esbugalhados, tinha levado um susto e tanto. Como eu poderia estar entregue a tão rapidamente, depois de tudo o que ele me fez? A resposta me veio assim que varri o quarto com os olhos, certificando-me de que eu era a única naquele cômodo e que tudo não tinha se passado de um sonho. Havia sido tão real, que minha respiração estava desenfreada assim como meu coração.
Aliviada, levei as mãos a cabeça, enquanto sentia a costumeira tontura me atingir em cheio. Ainda bem que estava na cama, daquela vez tinha sido tão forte que poderia ter me levado ao chão inconsciente. Sabia que era um dos sintomas da gravidez, mas também tinha perdido as contas da última vez que tinha comido algo. Eu apenas dormi desde que encontrei abrigo. Uma enorme ânsia de vômito veio a tona, fazendo-me soluçar em vão e projetar meu corpo para fora do colchão, um gosto amargo tomou minha boca. Não havia nada para sair dali, de estômago vazio, a única coisa que veio foi a dor. Ainda nauseada, coloquei os pés no chão pronta para tentar levantar, tinha que lavar o rosto, quem sabe não me faria melhorar para que eu pudesse sair e tentar conseguir comida.
Apoiei-me em alguns móveis no caminho até a porta do banheiro, porém fui interceptada por , que estranhamente entrou carregando consigo uma bandeja, assim como eu fazia com ele na casa de Juliet. Notar aquilo só fez meu estomago se revirar ainda mais. O que não passou despercebido por ele, que largou a comida em cima da cama e correu para me pegar, já que me curvava tentando equilibrar minha cabeça que girava e abafar a dor que vinha do meu estômago.
— Está tudo bem, ? — Agarrou-me pela cintura, causando-me sensações que nem ao menos sabia que se dava para sentir na situação que me encontrava. Coração bobo, reagia até mesmo nos momentos mais inoportunos.
— Estou bem. — Respirei fundo algumas vezes, endireitando-me ainda sob seu olhar analítico. — Eu só preciso ir ao banheiro… — Minha garganta doía a medida em que forçava minha voz a sair, por hora, talvez fosse melhor não falar muito.
Fui guiada até a porta, que foi aberta revelando um banheiro simples, porém espaçoso. me deixou de frente a pia e pude me encarar no espelho. Eu estava péssima, com o rosto inchado de tanto dormir, olhos opacos e pálida feito um papel. Meu cabelo era um caso a parte, tentei não reparar no estrago feito por Juliet, lembrar-me daquele momento ainda me machucava muito.
— Pode ir. — Indiquei a saída à , que para a minha irritação, não moveu um passo sequer para longe de mim. — É só uma tontura… — Apertei meus olhos, sentindo mais uma vez tudo girar, meus dedos agarraram a cerâmica gélida com tanta força que as pontas ficaram esbranquiçadas. Parecia que eu iria cair a qualquer momento. — Vai passar. — Sussurrei, não sabia se aquela sensação realmente iria embora ou se era uma prece minha para que acabasse logo.
— O que? Isso já aconteceu antes? Precisamos chamar , há quanto tempo você tem passado mal assim? — Seu toque firme em meus quadris fazia-me lembrar de que estava segura, que não iria ao chão porque não me deixaria cair.
— Eu estou grávida, o que esperava que sentisse? Borboletas no estômago? — Ri irônica. Abri a torneira sentindo a fraqueza tomar conta de meu corpo, enchi minhas mãos de água e joguei no rosto, sentindo-me mais acordada na segunda vez que o fiz.
— Não tem graça, . — Encarei seu rosto pelo espelho, estava sério enquanto afastava meus cabelos de meu rosto molhado.
— A última coisa que estou achando dessa situação é graça. — Inclinei meu tronco para lavar minha boca, livrando-me daquele gosto horrível. — Eu não estou doente, estou grávida apenas. E, a propósito, você a última pessoa que queria aqui comigo. — suspirou derrotado, porém continuou no mesmo lugar.
, por favor, vamos dar uma trégua, eu mereço todo o ódio o que você está sentindo, mas pelo menos me deixe cuidar de vocês… — Suas mãos se encontraram em cima da minha barriga enquanto me abraçava por trás. Sentir sua respiração quente em minha nuca me fazia pensar que ter os cabelos curtos não fosse tão ruim assim. — Por favor. — Sua boca roçou no lóbulo da minha orelha, causando-me arrepios.
— Eu não tenho outra escolha, ou tenho? — Desencostei-me da pia, ainda tinha suas mãos na minha cintura guiando-me cuidadosamente até a cama.
— Coma alguma coisa, — Empurrou a bandeja em minha direção, sentando-se na beirada da cama. Olhei para a comida e cheguei a pensar duas vezes antes de aceitar, tinha medo de colocar tudo para fora depois. — sei que está enjoada mas você precisa comer algo.
Assenti, afinal, mesmo temendo, eu ainda estava morta de fome. Ataquei o conteúdo da bandeja, como uma morta de fome, sob o olhar cuidadoso de .
— A propósito, encontrou o closet da mulher do alemão, se quiser tomar um banho, trocar essa roupa e se aquecer. — Mastigava ignorando-o, ou pelo menos fingindo ignorá-lo. — Eu te ajudo, se você quiser é claro. — Meu olhar se encontrou com o dele no mesmo instante.
Meu corpo respondeu pela minha boca, ofeguei sem ao menos me dar conta. Pensar em ser tocada por ele novamente me deixava louca, cenas daquele sonho me invadiam a cabeça, deixando-me completamente desorientada.
— N-Não, não preciso da sua ajuda para tomar banho. — Gaguejei ultrajada. Senti-me estúpida por demonstrar o quanto aquela simples menção me afetou. Sua risada sarcástica me fez querer sumir.
— Não é como se eu já não tivesse te visto nua, . Eu só vou te ajudar, ficar por perto caso você passe mal de novo.
— Eu não quero você comigo, é tão difícil de entender? — Lhe dei as costas, voltando a atacar a comida encarnado a cabeceira da cama.
— E quanto a trégua que combinamos de dar?
— Eu não concordei com nada.
. — Suspirou sôfrego. — Por favor, me deixe ajudar, o filho também é meu, é meu dever fazê-lo. — Revirei os olhos, precisava ficar repetindo tantas vezes que era o pai da criança que eu estava gerando? Não era como se aquela noite tivesse desaparecido da minha mente, muito pelo contrário, aquela lembrança estava vívida, guardada num local especial.
Cravejada em meu coração. Apesar de tudo.
— Não me ignore, por favor. — Sua mão tocou meu ombro, que ficou tenso no mesmo instante. — Estou cansado disso. Podemos ser maduros e, já que estamos nessa, encarar isso juntos? Pelo bebê. — Virei-me rapidamente, fazendo minha tontura ameaçar a voltar a me assolar.
— Está cansado? — Franzi o cenho, revolta. — Me desculpe, . Não foi você que teve sua vida virada ao avesso literalmente do dia para a noite, como se já não bastasse a guerra. — O sarcasmo em minha voz ficou nítido.
— Eu sei, me desculpe, eu não quis dizer isso
— Se está tão exausto assim, então desista dessa palhaçada de trégua e também das nossas discussões, não me dirija mais a palavra e me deixe em paz. — Esbravejei entredentes. riu sem humor, passando a mão no próprio rosto, controlando sua respiração.
A raiva que se apossava de meu ser começou finalmente a atingi-lo, era aquilo o que eu queria, que passasse pela mesma coisa que eu estava passando. Se pudesse, transferiria também meus enjoos e tonturas da gravidez, não me parecia justo só a mulher sofrer durante a gestação. Principalmente se tratando de , que estava tão radiante com a idéia de ser pai. De repente, a ideia de uma trégua não me pareceu tão injusta e absurda assim. Ele queria ajudar e arcar com as responsabilidades de pai? Pois bem, ele teria o que tanto queria. Poderia inferniza-lo quando tivesse algum sintoma.
— Se está pensando que vou desistir de você está muito enganada, , eu…
— Tudo bem. — Revirei os olhos em puro tédio em vê-lo tentar se justificar. — Eu topo a trégua, mas só enquanto não chegamos à Inglaterra.
— Não me diga que ainda não desistiu dessa ideia. — Massageou suas têmporas impaciente.
— Se está pensando que vou desistir de te ver bem longe de mim está muito enganado. — Sorri irônica, usando sua própria ladainha contra ele. , ao contrário de como eu achava que iria reagir, apenas colocou sua mão na minha apoiada sobre o colchão.
— Você vai mudar de ideia, eu vou te mostrar que não sou o que você conheceu e fugiu. — Seu polegar fez um carinho gostoso no dorso, fazendo-me lembrar de como eu amava seu toque.
— Desculpe, qual deles você é? Porque eu não conheço nenhum deles. — Minha voz fraquejou, ficando embrulhada por conta do nó em minha garganta.
— Eu mudei muito depois de tudo o que passamos juntos, graças a você, , você me ensinou muita coisa. — Já me encontrava perdida em seus olhos verdes quando me dei conta de que estava caindo mais uma vez em sua conversinha, afastei seu toque, demonstrando indiferença — Sou muito grato, você está me dando uma alegria tão grande carregando um filho meu, eu prometo que vou mudar ainda mais, ser o melhor pai que poderei ser. — Sua linha da água se encheu de lágrimas, sua voz rouca ficou irregular.
Eu acreditava nele. Por incrível que pudesse parecer, eu acreditava que poderia mudar pelo filho que estávamos esperando. Tinha certeza que ele já o amava, ao contrário de mim, que nem o próprio sabia dizer o que sentia. Acreditava que o amor poderia mudar uma pessoa. tinha conseguido me mudar, por exemplo, ao mesmo tempo em que me deu coragem para ousar e enfrentar meus medos, me deu inseguranças e decepções.
Ser corajosa e ao mesmo tempo ser medrosa era a coisa mais confusa que eu já havia sentido na vida. Sempre achei que amadurecer seria ter certeza dos próprios sentimentos e do que fazer com a própria vida, mas, naquele processo todo descobri que tinha amadurecido mesmo em meio a tantas incertezas.
— Mude por si próprio, herdei muitas coisas de meu pai, mas a habilidade do magistério não foi uma delas, — Uma grande mentira, eu era uma ótima professora de piano. — não sou sua professora e nem devo te ensinar a ser homem.
Sua expressão se contorceu quase que em uma dor física. Seus olhos se fecharam por um instante e logo abaixou a cabeça envergonhado.
— Ok. Eu mereci essa. — Mordeu o lábio inferior assentindo com a cabeça. — Mas, de qualquer forma, temos um acordo? — Estendeu a mão em minha direção.
Encarei sua mão estendida lembrando-me de todas as vezes em que, no quarto do fundo do corredor da casa de Juliet, fez o mesmo gesto chamando-me para mais perto ou simplesmente puxando-me para sentar em seu colo. Era engraçado e triste ver como as coisas podiam mudar em tão pouco tempo.
Antes eu jurava que iria amá-lo para sempre, agora quero desesperadamente esquecer aquele sentimento que tomava meu coração.
— Feito. — Com um aperto de mãos selamos nossa trégua.
— Muito obrigado por isso, . — Sua outra mão pousou em meu ombro, enquanto seu rosto se aproximou demais quando se inclinou em minha direção. — Não irá se arrepender.
Ele não iria me beijar, ia? Senti meu rosto enrubescer, porém me mantive estática. Se ele me beijasse, eu daria outro soco nele?
— Bom, enquanto você termina, vou atrás de tentar arranjar gaze para seu curativo e buscar algumas roupas do closet da mulher. — se levantou da cama finalmente largando minha mão.
Falando em roupas...
, você não vai me dar banho. — Hasteei o indicador, atraindo sua atenção. Vi quando o desgraçado disfarçou um sorrisinho antes de girar os calcanhares para me encarar.
— Não vou. — Ergueu as mãos em sinal de rendição. — Vou apenas ficar por perto, só para prevenir.
Sonso.
Era isso que era, um sonso filho da puta.
Após uma rápida demora de , comecei a me sentir melhor por finalmente ter comido alguma coisa. Não sentia mais tontura, e achava que conseguiria tomar um banho sozinha, sem riscos de cair. Devia confessar que a ideia de não ter meu corpo ensaboado por ele me deixou estranhamente cabisbaixa.
Não saberia classificar aquele pensamento que tive, arriscava o palpite de uma tensão sexual entre nós, mas algo me dizia que a gravidez era a grande vilã daqueles meus desejos bizarros por . E o sonho que tive mais cedo apenas tinha servido para ilustrar os hormônios da gravidez tomando conta do meu cérebro e me deixando quase que sem controle. Por sorte eu conseguia disfarçar bem o que meu corpo não conseguia ao menos esconder.
— Qualquer coisa, eu estarei bem aqui.
Me livrei daquele casaco camuflado e da blusa que vestia por baixo. Eu ainda usava o sutiã branco, o mesmo que tinha usado para convencer a transar comigo. Nunca tinha parado para relembrar os acontecimentos que antecederam nossa primeira noite juntos. O pior era saber em meu coração que eu não me arrependia nem um pouco do que fizemos. Bom, eu só não podia dizer o mesmo dele.
Assim que notou a peça cruzou os braços e encostou a base da coluna na pia, ainda vidrado nos movimentos de meu peito, que subia e descia um pouco mais rápido que o normal, devido a pequena ansiedade que aquilo me causou. Eu mal conseguia respirar, não com aqueles olhos verdes me olhando daquele jeito. Tinha vontade de...ir até ele e...beijá-lo como nunca beijei alguém antes, acabar com aquele desejo crescente e mim. Arrancar aquelas roupas, ser dele novamente e tê-lo de volta, nem que fosse apenas por pura luxúria.
Mas não poderia, era loucura. Totalmente errado. Mais ainda do que nossa primeira vez, não era mais a questão de um romance proibido, eram mágoas e daquela vez a proibição vinha do meu próprio coração, que se traia a cada batida acelerada por ele. não fez nada, apenas ficou ali, parado, me encarando. E o simples ato de ele ser apenas ele, mesmo que nem ao menos se esforçasse para nada, o tinha deixado extremamente sexy.
Amaldiçoei-me por aquele pensamento, e pelos outros tão sujos quanto que surgiram em minha cabeça. Aquilo não poderia acontecer novamente.
Ainda um pouco trêmula, desabotoei minhas calças, descendo-as pelas minhas coxas ainda machucadas. Por incrível que poderia parecer, não havia questionado todas aquelas marcas espalhadas pelo meu corpo, aliás ele não parecia nem um pouco surpreso. Era claro, o que eu esperaria dele? não se importava.
Tomar ciência daquilo apenas serviu para me ajudar a colocar minha cabeça no lugar e me esquecer de vez das minhas vontades carnais. era sujo, maldoso, e eu não poderia querê-lo mais.
Ponto final.
— Quer ajuda com isso? — Suspirei derrotada, meu equilíbrio não estava normal após meu mal estar e tornou a simples tarefa de tirar as calças quase que impossível sem um tombo para auxiliar.
se aproximou, ajoelhando-se diante de mim e ajudando-me a passar os pés pela barra da calça. Logo, subiu o olhar de volta ao meu rosto antes de me tocar os quadris, levando entre os dedos as lareiras da minha calcinha. também estava ofegante, eu podia sentir que ele estava tão nervoso tanto quanto eu.
— Prontinho. — Murmurou, ainda onde estava. Um pequeno sorriso foi percebido quando sua atenção recaiu sobre minha barriga. — Posso?
Assenti simplesmente, observando curiosa seu rosto se aproximar da minha pele ao ponto de me fazer sentir sua respiração bater contra ela. Quando senti seus lábios tocarem minha barriga meu coração se aqueceu, ao mesmo tempo em que meu corpo se tornou febril, ardendo em tesão. A boca de era um paraíso assim como o resto de seu corpo. E eu queria tanto poder senti-lo deslizar a língua pela minha pele, tê-lo novamente dentro de mim.
levantou-se ainda com os olhos vidrados em meu corpo nu, completamente arrepiado. Assim que encarou meus seios ainda cobertos pelo sutiã soltou um pequeno riso, olhando-me nos olhos.
— Acho que faltou tirar uma peça. — Envolveu-me com um dos braços, chegando mais perto, apenas usando como desculpa o ato de desabotoar meu sutiã. Seu rosto estava tão próximo do meu, que nem ao menos me dei conta quando a peça ficou frouxa envolta de meu dorso. — Precisa de mais alguma coisa? — Arqueou a sobrancelha sugestivo.
Engoli a seco, tendo meu nariz tocado pelo dele, tão perto...Droga. Ofeguei ignorando todas aquelas sensações que me causava.
— Não. — Me afastei rapidamente, como se sua pele me queimasse. Lhe dei as costas tentando normalizar minha respiração.
— Tem certeza, ? — pegou meu braço, puxando-me de volta, para perto de si. Espalmei minhas mãos em seu peito, tentando em vão resistir a aquilo. Era loucura. Mantive meu olhar baixo, evitando seus olhos de esmeralda. — É só me pedir, eu te dou o que você quer. — Sua voz rouca me seduzia a ceder, porém o plano era me manter firme.
— Eu não faço ideia do que você está falando. — Encarei seu rosto, tentando puxar meu braço de volta.
— Diga...Fale que o que quer de mim, amor. — Ri do que fui chamada. e sua boa lábia, seria engraçado se não fosse trágico. — Diga que quer que eu te foda ali, debaixo daquele chuveiro. — Sussurrou em meu ouvido, envolvendo-me pela cintura e colando meu corpo nu ao dele.
Nunca sequer imaginei aquela cena, de repente minha mente traiçoeira projetou imagens de nós dois molhados, ofegantes e imersos no prazer. Eu nem ao menos sabia que se dava para transar no banho.
, me solta. — infelizmente devido a fraqueza de meu corpo, minha voz não havia saído como o planejado. Ao invés de soar autoritária, saiu trêmula.
— Não tente negar, . — Depositou beijos em meu pescoço enquanto eu me esforçava para continuar firme. — Está molhada e eu ainda nem liguei a água.
Ofeguei sentindo meu rosto esquentar em vergonha.
— Oh, não fique vermelha — Gemeu, sôfrego. — me faz te querer ainda mais.
Encarei seu rosto mordendo meu lábio inferior. Eu não conseguia respirar mais, eu o queria, com todas as minhas forças eu o queria.
— Por favor, , para. — Reuni minhas últimas forças para tentar empurrá-lo para longe. Não funcionou, só nos aproximou ainda mais. — Você...você não entende…
— Eu sei que você também está sentindo. — Murmurou sério, olhando no fundo dos meus olhos.
A atmosfera ali estava insuportável. Aquele banheiro parecia estar em chamas e eu já não tinha mais minhas roupas para arrancar e resolver o calor que estava sentindo. O único que resolveria estava ali, apenas jogando mais lenha na fogueira.
Neguei com a cabeça já incapaz de pronunciar alguma coisa, qualquer palavra que escapasse de meus lábios sairia desconexa, de tão inebriada que eu estava com seu cheiro.
Sua mão grande envolveu meu pescoço, trazendo meu rosto para perto, beijou minha boca lentamente, fazendo o barulho característico de beijo. Se afastou após selar meus lábios pela última vez. Seu polegar levantou meu queixo, mantendo-o erguido. E ficamos daquele jeito enquanto esperava alguma reação minha.
Respirei fundo antes de ceder, atacando sua boca com vontade. Nossas línguas se entrelaçaram a medida em que suas mãos passeavam por meu corpo. Meus olhos fechados estiveram a ponto de derramar lágrimas. Eu quase chorei de saudades.
Era completamente estranho ter saudades de alguém que estava ali, diante de mim. Mas o que eu sentia falta era o antigo. O homem que dizia que me amava, sentia falta de acreditar naquilo. A sensação de ser amada era indescritível.
Me afastei aproveitando sua distração momentânea. Mesmo que estivesse imersa naquele paraíso, o melhor para mim era escolher ficar com os pés no chão. Era puro tesão, não havia sentimento algum da parte dele, eu era um prazer passageiro para . Rumei para dentro do box, deixando-o ali, confuso. Puxei a porta transparente, esperando que ela pudesse impedi-lo de tentar se aproximar de novo. Porque eu não achava que teria mais forças para fazê-lo.
Liguei o chuveiro esperando que a água me refrescasse, entrei de cabeça, molhando meus cabelos agora curtos, abracei meu próprio corpo dando as costas para a porta. Estava me sentindo exposta, e não queria me lembrar que estava do outro lado da porta, muito menos lembrar do que tinha acabado de acontecer entre nós.
Fechei os olhos aproveitando a água descendo pelo meu corpo, relaxando cada músculo meu. Respirava fundo esvaziando minha mente, tentando relaxar.
Senti o vento que veio de fora quando o box foi invadido, já sem a mínima menção de negar a , simplesmente me deixei ser abraçada por trás.
— Por que você nunca diz o que quer dizer? — Seu membro ereto encostou-se em minha bunda, enquanto encostava-me em seu peitoral desnudo. Suspirei aceitando a derrota, que iria ser a mais prazerosa de toda a minha vida.
Virei meu corpo colando minha boca a dele, logo empurrou-me contra a parede, beijando meu pescoço com avidez, enquanto suas mãos apertavam-me os seios. Sua boca deliciou-se passeando por todo o meu corpo, até que parou de joelhos diante de mim e beijou minha intimidade, que a aquela altura já pulsava de desejo.
Completamente em êxtase, apoiei-me na parede de azulejos gélidos. O contraste da minha pele quente com o gelado apenas serviu para intensificar meu prazer. Não tinha forças para me manter de pé, não com a língua de me estimulando daquele jeito. Como se não pudesse ficar melhor, levantou uma de minhas pernas, colocando-a em seu ombro, olhou-me com seus olhos claros antes de voltar a me dar prazer. Aquela havia sido a cena mais sensual que eu já tinha visto em minha vida. O ângulo era perfeito, quase perdi o equilíbrio enquanto tentava em vão não fazer barulho, puxava seus cabelos ao mesmo tempo em que avançava o quadril contra seu rosto, já sentindo o ápice se aproximando e tomando meu corpo.
Quando aconteceu precisei de sua ajuda para continuar de pé, colocou minha perna de volta ao chão e prensou-me ainda mais contra a parede, encarando-me sério, com o lábio inferior preso entre o dentes. Suas duas mãos foram colocadas, uma de cada lado de minha cabeça, seu olhar era felino, como um leão olha para sua presa antes de atacar. Eu só não sabia se, ao contrário dos leões, iria levar em consideração o fato de que o neguei minutos atrás para não me dar o que eu queria.
Me dar aquela amostra incrível de prazer e depois me deixar sozinha querendo mais era uma vingança muito boa, que eu esperava que não tivesse passado pela cabeça dele ainda. Eu precisava de dentro de mim, e se ele não quisesse, iria ser muito mais que humilhante.
— Me fode. — riu safado, encostando sua testa na minha, roubando-me um beijo. — Aqui, debaixo desse chuveiro… — Continuei, contra sua boca.
— Pensei que nunca fosse pedir. — Sorriu irônico, abaixando-se apenas para se encaixar na minha entrada. Me penetrou devagar, fazendo-me sentir cada centímetro seu me invadindo para, por fim, delirar de prazer quando o tive inteiro dentro de mim. — Era isso o que queria? — Abri os olhos dando de cara com seu rosto, que tinha um sorrisinho estúpido estampado nele. Como alguém poderia ser tão lindo daquele jeito?
Assenti ainda me deleitando com seu vai e vem lento e gostoso.
— Fale, , quero ouvir a sua voz. — Beijou a ponta do meu nariz. — Pare de se privar, quero te ouvir gemer o meu nome. — revirei os olhos, de excitação e também por implicância. Eu já tinha cedido a ele, o que mais queria de mim?
— Sim, era o que eu queria. — Voltei a fechar os olhos, tentando ignorá-lo, mas era impossível, o sentia olhando para mim enquanto me penetrava devagar.
— Vamos tentar algo novo.
pegou minha coxa, levando-a até seu quadril, aprovei a nova posição, o sentia mais fundo, gemi contra seu ouvido enquanto o abraçava pelo ombro. Logo ele agarrou minha outra perna, interrompendo momentaneamente a penetração, deixando-me confusa e brava.
— O que diabos está fazendo? — exclamei ao vê-lo içar meu quadril para cima repentinamente. O abracei mais mais pelos ombros, o medo de cair por estamos molhados falou mais alto que o desejo que estava sentindo.
— Está tudo bem, não vou te deixar cair. — riu, apoiando meu corpo na parede para voltar a se encaixar em minha entrada.
Colocou sua boca na minha assim que conseguiu, puxando meu quadril para baixo, de encontro com ao seu. Gemi alto, subindo e descendo com força em seu membro, se antes ia fundo, agora o sentia me preencher por inteira e aquilo me levou a loucura, fazia-me querer cada vez mais.
A água caia sobre nós e o barulho misturava-se com nossos gemidos nem um pouco discretos. Seu nome escapou de meus lábios várias vezes, aliás, era a única coisa que saia da minha boca em meio a aquele frenesi todo. Passei a pedir para que ele me penetrasse mais rápido, mais forte. Eu sentia que iria morrer de tanto prazer.
Quando já me desfalecia em seus braços, começou a estimular meu clítoris enquanto ainda estocava com rapidez, dobrando as ondas de prazer pelo meu corpo. A única coisa que conseguia fazer era me agarrar em seu pescoço e gemer ao pé de seu ouvido.
— Gostosa. — Sua mão me apertou a bunda, enquanto eu gozava sendo acompanhada por ele, que quase perdeu o equilíbrio, explodindo dentro de mim.
Com as respirações descompensadas, nos encaramos ainda sentindo os esparmos pelo corpo. me olhou por um tempo, calado e sério. Mas eu tratei de quebrar o contato visual, tombando minha cabeça em seu ombro. Meus olhos se encheram de lágrimas, mas eu não podia chorar, não ali na frente dele.
— Me coloca no chão. — Estava na hora de sair do tapete mágico e encarar a realidade. Aquela fantasia havia sido incrível, mas nós dois sabíamos que se não parássemos, alguém sairia machucado.
E eu já estava o bastante.
Relutante, fez o que lhe pedi, porém não tirou suas mãos de minha cintura quando eu já estava de pé. Minhas mãos deslizaram pelo seu peito antes de deixar sua pele, como se desse para prolongar nosso contato. Seu rosto tocou a lateral do meu, fazendo-me levantar o queixo para notar seu olhar procurar o meu. O nariz de roçou no meu e me afastei, prevendo o que aconteceria a seguir.
— Me deixe ficar, por favor. — Eu queria que ele ficasse, queria que ficasse ao meu lado pra sempre, que nos amássemos do jeito que acabamos de fazer todos os dias. — Só um pouquinho… — Sussurrou, ainda envolvendo-me pela cintura. Beijou minha bochecha, trilhando um caminho carinhoso até minha boca.
Assenti lhe dando passagem com a língua, entrelaçando-as, logo minha mão foi de encontro a seu cabelo molhado, onde emaranhei meus dedos sentindo a água quente cair. Nos separamos por falta de ar, lhe dei as costas já não conseguindo mais segurar meu choro.
— Muito obrigado, . — Beijou meu ombro, abraçando-me por trás. Observei quando juntou ambas as mãos sobre minha barriga, arrancando-me um sorriso contido. Ele já não conseguia mais manter as mãos longe.
Me vi tentada a entrelaçar meus dedos nos dele, mas me segurei ao ver que talvez pudesse dar uma ideia errada do que eu queria. Não queria que achasse que eu voltaria para ele.
Porque não estávamos juntos e nem iríamos voltar.

***

Dedilhava o piano que havia ali, na enorme sala de estar da casa enquanto estava rodeada de soldados acomodados nos sofás e até mesmo no chão. Ao contrário do que eu imaginava, eles em sua maioria não pareciam me odiar, bom, pelo menos não no nível em que Juliet odiou em sua estadia na casa. Para falar a verdade, eles não se importavam, pareciam já ter passado por coisas demais para chegar a se importar com uma menina como eu no meio deles.
As expressões de alguns deles denunciavam que a Guerra era o inferno na Terra como já ouvi falar algumas vezes. Alguns iriam precisar de um tratamento sério para esquecer tudo o que presenciaram, os traumas deviam ficar para sempre. A música parecia acalmar, ou ao menos, distraí-los um pouco. Ficava feliz em poder fazer algo que os ajudasse. Falaria com sobre auxiliar na ajuda com os feridos, que eram muitos, a maioria com amputações e machucados mais graves.
assistia a minha pequena apresentação encostado no batente da entrada do corredor. Tentei não fazer contato visual. Não havia me arrependido do que fizemos, porém temia que as coisas ficasse ainda mais estranhas do que já estavam entre nós. Aquela trégua veio em uma péssima hora, quando nós dois precisávamos estar afastados. se aproximou, e como sua função dupla como médico e mensageiro, levou consigo, provavelmente para encontrar-se com seu pai. Não sabia se confiava no pai de ainda, tudo relacionado a ele me causava medo.
— Podemos dar um jeito nisso, — dei um pulo de susto, virando-me para ver quem era o dono da voz que surgiu atrás de mim de repente. — Desculpe. É que estive reparando no seu cabelo, posso acertar para você, se quiser. — Deu de ombros. O loiro sorriu leve, encarando-me em expectativa. Desci o olhar pelo seu corpo procurando um motivo para que ele estivesse ali e o encontrei assim que olhei para seus pés, quer dizer um deles. — Eu ainda tenho duas mãos.
— Me desculpa! — Apressei-me em dizer, não queria que ele pensasse que eu estava olhando para sua nova condição.
— Vai querer cortar o cabelo ou não? — Sua mão veio de encontro aos meus fios, suavemente bagunçando-os.
— Você sabe mesmo cortar cabelo? — Ele apenas riu, levando a mão ao peito, teatralmente ofendido. — Era barbeiro ou algo do tipo? — Indaguei desconfiada.
— Cabeleireiro, — corrigiu-me ultrajado. — e não subestime minhas habilidades com as mãos. — Concordei em ir com ele, afinal, aquele corte estava péssimo mesmo, não era como se pudesse piorar.


Capítulo 39 - We gotta get away from here.

Quieta, sentada sobre a cadeira da cozinha, o esperava nervosa terminar meu corte de cabelo. Nunca iria me acostumar com aquilo, os cortei pouquíssimas vezes durante minha vida, mamãe nunca escondeu o quanto ela amava cabelos longos e eu meio que tinha herdado daquilo dela. Suspirei encarando seus dedos medirem a última mecha loira e desviei o olhar assim que vi a tesoura se aproximar. Ouvi o barulho dos fios sendo cortados, logo Colin penteava tudo, rodeando-me para checar se estava tudo certinho.
Não me senti estranha ao ter a atenção dele, não como me senti quando se aproximou de mim pela primeira vez, ou até mesmo Yuri. Eu havia crescido naquele aspecto, não poderia mais me considerar aquela menina tímida que fui há pouco tempo atrás, a antiga iria querer sumir da face da Terra ao ter que ficar numa casa repleta de homens e ser o centro das atenções. Aquela mudança havia sido tão brusca que nem ao menos consegui perceber enquanto acontecia, só sabia que eu já não era mais a mesma. E nunca mais seria.
Colin, ao contrário de e Yuri não parecia ter segundas intenções comigo, muito pelo contrário, ele me olhava como se eu fosse o ser mais desinteressante do universo, e de certa forma eu gostava de ser vista daquela maneira por um homem. Para falar a verdade, Colin não me parecia se interessar por ninguém do sexo feminino, e aquilo era totalmente novo para mim, mas não deixava de ser reconfortante, saber que tinha alguém naquela casa que não me comeria com os olhos toda vez que eu saísse do quarto.
— O que há entre você e o ? — Indagou curioso, fazendo-me virar a cabeça em sua direção. — Não se mexa, mocinha, eu ainda não terminei.
— Nada, não há nada entre nós. — Voltei a endurecer minha postura, esperando que aquela resposta meio rude lhe fizesse entender que eu não queria tocar naquele assunto.
Havia muita coisa, tanta coisa que nem eu mesma saberia explicar de tanta história que tínhamos juntos.
— Não precisa mentir, todo mundo aqui sabe que está rolando algo entre vocês. — Riu ainda aparando algumas pontas. Fiquei em silêncio, desejando pôr um fim naquele assunto. Se Colin quisesse falar sobre , então teria que falar sozinho. — Dizem as más línguas que há até um herdeiro de toda aquela beleza a caminho.
— Quem te contou isso? — Aquilo era impossível de se ignorar. Não sabia como lidar com o fato de estar ali, literalmente em território inimigo, e me sentir completamente segura ao ponto de confiar naqueles homens e expor minha maior fragilidade: Minha gravidez.
Gostaria ao menos de poder guardar aquele segredo, e iria se homens não fossem tão enxeridos quanto nós mulheres.
— Então é verdade? — Ignorou minha pergunta, pegando-me pelos ombros, assustando-me com o tamanho de seu sorriso. — Meus parabéns! — Tive meu corpo envolvido num abraço caloroso que me arrancou um breve riso. As meninas iriam adorar Colin se o conhecessem. — E você ainda me diz que vocês não tem nada? — Respirei fundo o encarando.
— É porque não temos. — Afirmei cabisbaixa. — Colin, não me ama do mesmo jeito que eu o amo. — Não sabia nem ao menos se ele me amava de alguma maneira.
— De onde tirou isso, sua tolinha? , você precisava ver o jeito como ele ficou quando te encontrou caída na neve! — Franzi o cenho, meu coração chegou a bater mais forte com aquela informação. — ficou desesperado quando pensou que estava morta.
— O que? Ele que me encontrou?
— Sim, você precisava ver, , ele te pegou nos braços, correu para dentro do carro e não desgrudou de você até que estivesse a salvo. — Seus olhos claros brilharam em minha direção. — está caidinho por você, , se não enxerga isso, só pode estar cega!
— Estava mesmo te procurando, Williams. — Gibson adentrou a cozinha, atraindo nossa atenção e deixando ambos tensos com o flagrante. Aquela casa era tão mórbida por conta de seus ocupantes, que parecia que era proibido sorrir ou ficar feliz ali dentro.
O homem sem expressão apenas encarou Colin, que largou a tesoura e o pente de lado e prestou continência a seu superior, transformando-se num soldado disciplinado, bem diferente do homem sorridente que eu encarava segundos atrás.
Há muito tempo eu não sabia o que era viver num lugar em que não me sentisse culpada por me divertir ou sorrir demais. A guerra fazia aquilo conosco, pensar no que podia estar acontecendo lá fora pesava em nossos corações. Naquele momento, rodeada por homens feridos e traumatizados, a sensação de culpa era cada vez mais presente. Não era porque eu estava a salvo que aquilo não poderia mudar, principalmente naquele local, a casa do alemão não me parecia ser segura, mas era nossa única opção.
— Estão te procurando lá fora.
— Sim, senhor! — Saiu sem olhar para trás, levando consigo sua muleta enquanto caminhou com dificuldade porta a fora.
Abaixei minha cabeça diante do olhar duro do mais velho, eu não ia com a cara dele, e parecia que nosso desafeto era recíproco. Me levantei pretendendo sair dali o mais rápido possível, não me sentia segura em sua presença. Parecia que no fim das contas eu teria que viver isolada naquele quarto, assim como tinha se mantido na casa de Juliet.
Só naquele momento percebi o quão ruim aquilo poderia ser, viver isolada num cômodo só, sem poder conversar com ninguém ou até mesmo ver outras pessoas. Eu já tinha uma ideia do que tinha passado quando esteve isolado naquele quarto, mas sentir na pele me fez entender os motivos da sua fuga.
Minha mágoa não era nem por aquele motivo, eu entendia que fugir era sua única opção, que ele queria sobreviver e não ser torturado e morto. Mas o modo que encontrou para escapar de tudo aquilo que era o grande problema.
— Ele está certo. — Parei subitamente, levantando o rosto e encarando-o sem entender. — Colin, está certo. gosta de você.
— Não sei de onde tiraram isso, mas posso assegurar de que é mentira, — Dei alguns passos, porém me detive para continuar minha fala. — e mais, nenhum de vocês tem nada a ver com o que houve ou não entre mim e , não tem mais o que fazer?
Não era justo, brincar com meus sentimentos daquela maneira. Eu, mais que ninguém naquela casa, sabia que nunca me amou, não precisava de nenhum deles para tentar me convencer do contrário. Eu sabia de tudo, tinha vivido todos aqueles meses e dias difíceis, descobri todas as mentiras que me foram contadas, e não iria permitir que ninguém mais tentasse me manipular.
— É aí que você se engana, . — Arqueou as sobrancelhas. — quase fodeu meu batalhão inteiro por não querer denunciar o local onde você e suas companheiras estavam vivendo. Sua sorte é que havia esta casa, porque se não nem John, nem ninguém iria me impedir de fazê-lo falar, nem que fosse sob tortura. — Engoli a seco. realmente se importou o bastante ao ponto de nos ponto de nos proteger? Proteger até mesmo Juliet? Que queria fazer tão mal a ele. — No fim das contas será bom eles te levarem para Suíça, mulheres só servem para nos distrair de nossos objetivos, por isso não são convocadas para guerras.
Arfei indignada. Não éramos convocadas porque não éramos como animais selvagens que atacavam uns aos outros sem ao menos entender porque. Se os homens que estavam ali dando a vida por uma droga de um país ao menos questionassem o motivo de terem que matar uns aos outros, talvez não haveriam conflitos. Mulheres pensam antes de agir, aguentam a dor do parto e são mais estrategistas. A realidade de Gibson estava completamente distorcida. Homens que nos distraíam de nossos objetivos, não o contrário.
— Espera… Você disse Suíça? — Fiquei pálida só de pensar naquela possibilidade. Eu iria matar o , não sabia se aguentaria ficar mais algum tempo ao seu lado e resistir suas provocações, eu precisava ir para a Inglaterra justamente para me separar dele de uma vez por todas. Principalmente quando desse a luz ao bebê que esperava.
— Presumo que o ainda não te contou das mudanças de plano.
O deixei falando sozinho e disparei em direção ao quarto, onde esperava encontrá-lo por conta do horário que já devia ser. Já escurecia e eu teria que me habituar a viver daquele modo por um tempo, aquela casa era uma completa bagunça, era muita gente junta num lugar só, gemidos de dor, homens brutos e comida racionada. O dia passava voando, era uma confusão que eu nunca estive acostumada a vivenciar.
A incerteza se eu conseguiria voltar a ter dias normais e tranquilos me tomava, sentia falta dos meus pais, da segurança que meu lar me passava. Infelizmente a única coisa a qual eu tinha como me agarrar e depositar minhas esperanças era o homem sentado à beira da cama.
— Que história é essa de ir para a Suíça? — O confrontei, vendo-o passar a mão pelo rosto exasperado.
— Aparentemente as paredes dessa casa tem ouvidos. — Murmurou cansado. — Precisamos conversar, venha cá um segundo. — Deu tapinhas sobre o colchão e eu me sentei ao seu lado, mantendo uma distância segura.
Apesar do que havia acontecido no banho que tomamos juntos, naquele momento eu estava vacinada contra , a raiva de estar, possivelmente, sendo enganada novamente estava me protegendo do poder de seus olhos verdes tinham contra mim.
— Eu não vou para lugar algum além da Inglaterra, eu…
, por favor, me deixe explicar. — Me calei com muito custo, lhe dando uma chance. — Sei que não era esse o combinado, mas houve uma mudança de planos inesperada. Bombardearam Londres noite passada, a Inglaterra já não é mais segura.
Senti uma tontura momentânea, só de pensar na possibilidade de perder meus avós o medo me paralisava. Eles eram a única família que eu tinha. O que me consolava um pouco era saber que meus avós não moravam na região, mas sim longe de Londres e talvez estivessem a salvo.
— Minha mãe, meu cunhado e minha irmã com minha sobrinha conseguiram voar até a Suíça e nos esperam lá para que possamos ficar a salvo até que tudo se acalme. Meu pai está ferido, e cada dia que se passa mais riscos de vida ele corre, precisa ser operado urgentemente. — Suspirei ao saber daquilo, eu havia visto que ele estava de cama, mas não fazia ideia de que era tão sério. — Sei que quer ficar com sua família, mas eu não posso te deixar ir até eles agora, não é seguro.
Mordi meu lábio incerta, eu não queria ir para Suíça, ficar junto da família , seu pai já não parecia gostar de mim e temia que ele não fosse o único da linhagem. Além do mais, e eu não tínhamos nada, como eu iria ser apresentada a eles? Como eu iria me inserir no meio de uma família da qual não fazia parte, eu iria ser uma intrusa, apenas a mulher que está gerando o filho de . Já não me sentia confortável ali, imaginava como me sentiria quando chegasse até a casa deles.
— Assim que as coisas se acalmarem eu te levo para a Londres, nós todos vamos voltar para casa. — Não era a minha casa. Nunca seria. — Fique conosco ao menos até o bebê nascer, precisamos pensar na sua segurança e na do nosso filho, ele precisa ter um lugar seguro para nascer.
Neguei com a cabeça com os olhos lacrimejando.
A Inglaterra jamais seria como a minha casa, meu lar era a Rússia, meu povo estava ali. Não queria ouvir vozes falando em inglês, queria que meu filho nascesse onde nasci, crescesse falando minha língua, queria que ele pudesse conhecer meus pais, conhecer minha antiga casa. Doía saber que era apenas um desejo de meu coração, nada daquilo seria possível.
Concordei com a cabeça controlando o choro que entalava minha garganta.
— Eu vou. — Sequei minhas lágrimas. — Mas meu filho não vai nascer em Londres, vou dar a luz em Sussex, na casa de meus avós. Você ficará com sua família, eu também quero ter este direito.
— Então eu vou junto. Quando for a hora, estarei com você. — disse com firmeza. Eu não duvidei de sua fala, ele estava se mostrando realmente focado na missão de ser um bom pai, e eu não teria coragem de impedi-lo. Mesmo após tantas ameaças, não me sentia no direito de privar aquela criança de ter um pai. — Partiremos em cinco dias.
Concordei ainda sentada na cama, precisava pensar um pouco, mesmo que tudo já estivesse decidido e fosse impossível voltar atrás. Precisava processar aquela nova mudança de planos, e aprender de uma vez por todas que nada mais era planejado naquela nova vida que estávamos vivendo. Eu estava em uma guerra, mesmo dentro de casa protegida, eu tinha que entender que nada estava sob meu controle. Teria que formar minhas alianças, baixar a guarda quando fosse necessário, tudo para poder sobreviver.
Um forte estrondo foi ouvido do lado de fora da casa, me assustei instantaneamente, olhando para , que teve a mesma reação que eu. Paralisei onde estava por medo de ser uma bomba. Meu coração só se acalmou quando vi um raio se desenhar no céu já escurecido, o vidro da janela logo ficou molhado com as gotas de chuva que caíram rapidamente.
Respirei fundo recuperando-me do susto momentâneo, levantei-me indo ao banheiro, eu precisava ficar sozinha para pensar, tranquei a porta para não ser incomodada e me sentei sobre a tampa do sanitário. Com a cabeça apoiada nas mãos, derramei algumas lágrimas tentando acalmar meu coração.
Sabia que não iria ser fácil deixar a União Soviética, estávamos cercados por territórios invadidos pelo exército alemão, e se antes saber aquilo me acalmava, agora que estou junto dos Ingleses me assusta. Se confundir um trovão com uma bomba já me deixou trêmula, imaginei o que poderíamos enfrentar naquela viagem até a Suíça. Sabia que teria que ser forte, corajosa, pelo meu filho. E saber que, de certa forma, me protegeria me deixava um pouco em paz.
Outro trovão alto, de repente tudo ficou escuro.
Fui até a porta, tentando destranca-la algumas vezes, por conta do meu nervosismo de estar trancada e no breu total.
, está tudo bem? — Ouvi sua voz abafada pela porta e tentei girar a chave mais uma vez, assim que consegui abrir saí desesperada. — Aqui, te achei, eu estou aqui.
Me agarrei em seus braços, ainda ofegante.
— Vamos voltar para a cama, sim? Logo a energia se estabelece. — Demos alguns passos incertos, esbarramos numa cômoda e quase fui ao chão por conta do meu sério desequilíbrio. — Calma! — Me alertou, ainda segurando-me pela cintura. Soltei um riso nervoso fazendo o que me foi pedido. — Estamos quase chegando…
Meu corpo foi jogado contra o colchão e logo senti seu corpo pesar contra o meu, foi tudo muito rápido, havia acabado de me pedir calma e o próprio tropeçou nos próprios pés e me levou junto de si. A sorte era que já tínhamos percorrido o quarto todo.
Subitamente, me veio uma vontade de rir. Não segurei a gargalhada que preencheu o silêncio do quarto, , ainda sobre mim, apoiou-se na cama, tirando seu peso de meu tronco, ficou nítido sua preocupação com o bebê em meu ventre. Não tinha me feito mal algum. Aquele acidente havia me feito o contrário, há muito tempo eu não ria daquela maneira.
— Me desculpe, eu não calculei meus passos direito. — Encarei seu sorrisinho iluminado pela luz que tinha da janela e tratei de sair daqui quando reconheci aquele olhar brilhoso em minha direção.
Não entendia a razão daquilo, mas não estava disposta a descobrir, estava emocionalmente exausta daquilo.
— Vou me deitar mais cedo. — Tateei meus pés tirando os sapatos e me ajeitei na cama. Apesar de ainda ser cedo e eu ter passado a maior parte do tempo ali adormecida a gravidez me deixava cansada e meu sono tinha praticamente dobrado.
apanhou o outro travesseiro na cama de casal e levou consigo um dos cobertores que havia ali, jogando-os no chão. Franzi o cenho confusa, eu não iria deixar que ele dormisse no chão, estava congelando de frio, ele no mínimo ficaria doente.
— Você pode dormir na cama comigo, se quiser. — Dei de ombros, tirando meu casaco e ficando apenas de vestido. — Só mantenha distância e fique do seu lado da cama. — Ajeitei-me no travesseiro, encarando a escuridão.
Senti o colchão se afundar ao meu lado, suspirei ainda de barriga para cima, esperando o sono vir. fez o mesmo, encarando-me por um tempo em meio a escuridão.
— Obrigado. — Virei-me, vendo seu rosto sendo iluminado pela meia luz.
Lembrei-me da conversa que tive com Gibson anteriormente, meus pensamentos me levavam a formular um agradecimento em minha cabeça, porém minha boca não conseguia corresponder ao meu cérebro. Eu não sabia o que dizer na verdade, me doía ver que a minha relação com ele se dissipar daquela maneira, eu o amava tanto, porém não conseguia...meu coração sangrava.
— A propósito, gostei do seu cabelo. — Forcei um sorriso ao ser retirada de meus pensamentos tempestuosos.
— Obrigada. — Respondi desconfortável. Respirei fundo fechando meus olhos fortemente. — Por...por não delatar a localização da casa de Juliet. — Suas sobrancelhas se juntaram em confusão. — Gibson me contou hoje, eu agradeço por isso, não esperava que faria isso por mim.
— Por favor, não agradeça, é o mínimo que eu poderia ter feito, . Falei sério quando disse que salvou minha vida.
Mordi o lábio reprimindo as emoções que me invadiram quando me lembrei daquele dia. Nosso “casamento”, pensar que naquele dia eu faria de tudo para poder viver o que estava vivendo naquele momento, dormir ao lado de sem ter que me esconder de ninguém, sem prazo para acabar. Não conseguia me lembrar daquela cerimônia de mentira sem suspirar de carinho, eu estava tão feliz, sentia dentro de mim que algo ali foi verdadeiro. Talvez tenha que começar a me desfazer das lembranças boas que tive ao lado dele, mas era tão difícil, principalmente quando elas me faziam tão bem em meio a aquele caos todo.
— E também tinha as crianças, eu jamais me perdoaria se fosse responsável se algo acontecesse com elas. Sei o quanto ama aquelas meninas. Juliet não merece nada, porém não pensei nela quando decidi ocultar a localização da casa.
Juliet. Aquele nome me trazia tantas lembranças ruins, não pude deixar de abraçar meu próprio corpo buscando uma proteção involuntária. Tinha ciência de que ela não me atingia mais, porém somente uma menção a ela me assombrava profundamente. Estar longe dela apenas serviu para deixá-la ainda mais perversa em minha cabeça, ali, debaixo do mesmo teto, eu ainda tentei entendê-la e até ver um lado bom nela. Porém depois de tudo o que ela já me fez sofrer, suas palavras, tapas e arranhões, eu sabia que Juliet jamais teve um lado bom.
, quer me contar o que houve naquela casa depois que fugi? — Senti seu toque no meu antebraço descoberto, onde havia uma das marcas que Juliet ou os soldados que participaram do meu espancamento me deixaram.
— Respeite o meu lado da cama. — Me virei abruptamente, puxando a coberta pelo meu ombro até me tapar o rosto.
Eu não queria falar sobre aquilo, não queria que ninguém soubesse. Só de ter passado por aquela humilhação já me fazia encolher de vergonha. Chorei por um tempo, calada e escondida de . Nunca pensei que poderia odiar tanto alguém como odiava Juliet e Clint, era um sentimento que me dominava, corroía-me por dentro, me dava vontade de gritar, fazer justiça com as próprias mãos. Saber que nenhum dos dois iria pagar pelo que me fizeram só me fazia odiá-los mais.
Adormeci um tempo depois, sentindo a estranha sensação de aconchego que a escuridão e o cheiro de me traziam.

's point of view.
Ainda perturbado com a imagem do corpo de todo machucado, fiquei em silêncio esperando-a voltar atrás e me contar o que realmente aconteceu. Ouvi seu choro baixo, queria poder abraça-la, confortá-la. Mas ela não me aceitaria, não confiava mais em mim, nem que fosse para se entregar em meus braços, o que aconteceu no banheiro. Não sabia explicar como tinha me deixado escalar os muros que construiu envolta de si, mas sabia que eu tinha voltado a ficar do lado de fora da propriedade que era seu coração. Não seria fácil retornar a ter um espaço ali dentro, mas me via querendo retornar.
Não era apenas porque seria mais fácil ficar com a mãe do meu filho, mas porque me sentia bem ao lado dela. Infelizmente só fui me dar conta de que era especial quando ferrei tudo, mas mesmo que tivesse me dado conta daquele sentimento antes, não havia como voltar atrás. Nós estávamos fadados ao fracasso desde o início.
Toda aquela história de não compactuar com o inimigo fazia sentido àquela altura do campeonato, inimigos se destroem, é a ordem natural das coisas. E eu estava apenas destruindo , mesmo que não fosse mais minha intenção fazê-lo.
Talvez eu devesse mesmo deixá-la ir, encontrar alguém que saberá o que sente por ela, que irá saber amá-la do jeito que ela merece ser amada. Devia estar por perto apenas para ajudar a criar nosso filho, era o que eu merecia, vê-la ser feliz com outro. Quem sabe daquela forma eu não aprendia? A lição já estava sendo dada, eu estava aprendendo a nunca brincar com o coração de outra pessoa.
Queria ter aprendido sem ter quebrado o de .
Caí no sono em meio aos meus devaneios e arrependimentos, coisas que não me levariam a lugar algum, soluções impossíveis para problemas reais e complicados. Fui acordado com alguns barulhos desconexos, gemidos de dor e até mesmo o colchão abaixo de mim se balançando. Abri os olhos e, pela pequena fresta vi o corpo de se debatendo na cama. Levantei meu tronco com rapidez, tocando-a no braço suavemente, não queria assustá-la.
, acorde, é só um pesadelo. — Minha mão foi afastada de forma brusca, virei seu corpo em minha direção e pude ver seu rosto pingando suor, uma expressão de profundo medo enquanto ela ainda lutava contra algo. —
— M-Me deixe em p-paz...Ju-uliet...Clint....— Seu peito subia e descia rapidamente, fazendo-a se engasgar com a própria respiração. Segurei seus braços tentando enviar que ela se machucasse. A aquela altura, já gritava em pura agonia. Chamei seu nome próximo de seu ouvido, ainda tentava fazê-la se acalmar sem precisar assustá-la. — Nã… n-ão v-vou deixar que tirem meu filho de m-mim...n-não vou deixar que m-machuquem el… — Outro grunhido de pura dor saiu de seus lábios, seu rosto já se encontrava banhado em lágrimas grossas.
A porta do quarto se abriu de repente, revelando Colin, , Gibson e mais alguns homens que carregavam velas consigo, iluminando o quarto parcialmente.
, acorde! — Eu tive que intervir, pegando-a pelos ombros e gritando por cima de seus berros. — Acorde, é apenas um pesadelo.
Seus olhos se abriram e ela apenas se agarrou e mim enquanto chorava copiosamente em meio a sussurros absurdos. Coisas horríveis como planos perversos de machucar um bebê, socos, chutes e pontapés. Meu corpo todo se arrepiava e se alinhava ao dela, que tremia em desespero. Meu queixo tremeu sobre seu ombro, eu já fazia idéia de que havia sofrido em minha ausência, só não sabia que iria ser algo tão físico, tão horrível, não sabia que ira doer tanto em mim só imaginar o que podia ter acontecido.
— Está tudo bem, rapazes, vamos dar privacidade a eles. — Gibson se pronunciou, fazendo-me lembrar da presença de outras pessoas no quarto. Visivelmente abalados com o que ouviram e presenciaram, deixaram o quarto. foi o último a sair, e antes de fazê-lo, lançou-me um olhar caridoso desejando-me força.
Eu precisaria, porque mesmo sabendo que nada daquilo estava sob meu domínio, não deixei de me sentir culpado pelos seus traumas e machucados.
— Ei, está tudo bem. — Lhe apertei em meus braços, ainda sentindo-a soluçar baixinho, passei as mãos em seus cabelos curtos e a puxei para meu colo. entrelaçou as pernas envolta de meu tronco e se ajeitou em meu peito. Esperei pacientemente até que seu coração acalmasse as batidas. — Não vai acontecer nada de ruim, foi apenas um sonho.
— E-Eu me lembro de t-tudo...foi c-como se estivesse acontec-cendo de novo, — Soluçava, desencostando-se de mim, tirei seus cabelos do rosto e sequei as lágrimas que caíram. Suspirei sentindo sua pele quente. — Eu n-não queria m-me lembrar, doeu demais, ela descobriu de nós, e f-ficou possessa.
— Não se preocupe mais, . Ela nunca mais vai tocar em você, está a salvo agora, eu prometo. — Encostei minha testa a dela, vendo-a assentir enquanto tentava controlar sua respiração. — Volte a dormir, sim? Ainda é noite.
— N-Não, eu não quero fechar os olhos d-de novo, eu…
— Eu estou aqui, — Segurei seu rosto com ambas as mãos, atraindo sua atenção. — eu me deito com você, venha.
Nos ajeitei sobre a cama, abraçando seu corpo trêmulo, cobrindo-nos do frio. Logo foi conseguindo se acalmar, sentia seu coração bater mais fraco, me preocupei um pouco com a temperatura elevada de sua pele, porém me mantive ali ao lado dela. Apesar de querer chamar , sabia que não poderia sair do lado dela, então apenas fiquei, velando seu sono.
Não consegui pregar os olhos após aquele episódio infeliz, o ódio me cegou ao ponto de me fazer querer matar alguém. era apenas uma menina, tinha sido manipulada, era tão inocente quanto o bebê que esperava. Juliet e Clint foram injustos, covardes, fazer mal a alguém tão indefeso era desumano até mesmo nos tempos em que estávamos vivendo. Torci para que cruzássemos nossos caminhos novamente algum dia, só assim eu mataria minha sede de justiça.
Nunca havia sentindo o que estava sentindo naquele instante, sentia que faria qualquer coisa apenas para vingar de todo mal que a fizeram.
Acordado, escutando a chuva cair sobre o telhado e vendo o quarto escuro sendo iluminado pelos raios que caíam próximos da casa rodeada de vegetação, foi daquele modo que passei aquela noite. chegou a se remexer algumas vezes, balbuciar coisas, porém consegui acalmá-la daquela vez, a noite seguiu tranquila, apenas com alguns trovões assustadores que pareciam pedaços de céu caindo sobre a terra. A natureza sabia mesmo dizer quem realmente mandava, nós estávamos sofrendo com as nevascas e as temperaturas muito baixas, tudo aquilo para confirmar de que não éramos nada comparados a ela e seu poder.
O barulho chegava a se assemelhar a bombas explodindo, aquela comparação me marcou, talvez eu estivesse ficando paranóico. Não precisaria ir a combate para ser atingido psicologicamente como os outros homens que voltaram com vida, o simples fato de estar ali junto deles já me deixava apreensivo.

***

Os dias que se seguiram foram conturbados, a energia elétrica não tinha se restabelecido e passamos por algumas dificuldades de adaptação, por sorte todos nós já havíamos sido treinados para situações precárias como a que estávamos enfrentando. foi poupada dos banhos gelados, após aquela noite turbulenta sua gravidez já não era mais um segredo, nunca havia sido, mas por algum motivo todos os homens ali resolveram se solidarizar. Esquentamos a água para que ela pudesse se banhar, ela até já ria, dizendo sentir-se parte da família real por seu privilégio recém adquirido.
Tê-la conosco deixou o local mais leve, cozinhava para nós às vezes, conversava com todos, o fato de estar grávida revelou que nosso exército era formado por vários pais, que compartilham experiências com ela. não devia ter planejado ser mãe daquela forma, e receber conselhos de homens também deve ter sido estranho de início, mas ela estava se acostumando e eu também estava aprendendo muito com todas aquelas histórias. Nós dois auxiliamos no cuidado dos feridos e ela parecia realmente levar jeito pra coisa, ao contrário de mim que saía de perto a cada vez que via algum machucado exposto.
Conversei com ela sobre aquela impressão minha, sobre achar que ela devia tentar ser enfermeira algum dia, ou porque não uma médica. Sua reação foi engraçada, se perguntou porque nunca havia pensado naquilo. Talvez por ter sido criada por uma costureira dona de casa, ela aprendia a costurar e fazer vestidos, poderia querer seguir os passos da mãe, porém não escondeu que gostou da ideia de ser outra coisa.
Nossa convivência estava melhorando aos poucos, ela não se fechava mais ao meu lado, porém eu ainda não poderia dizer que estava de coração aberto. Muito pelo contrário, toda vez que estávamos muito perto um do outro ela se retraía e mantinha distância. Pelo menos acho que estávamos construindo uma amizade, andávamos ocupados pelas tarefas da casa, mas antes de dormir trocávamos algumas palavras. Cada um dormia para um lado da cama, não voltou a ter pesadelos e eu evitei tocar no assunto novamente, eu já tinha descoberto o que tinha acontecido e não iria incomodá-la com aquela história.
Passei algum tempo no quarto de meu pai também, o estado de saúde dele era preocupante demais, apesar de John se fazer de durão o tempo inteiro, e os outros soldados na área médica não me davam boas notícias sobre sua saúde. Gibson e eu ficávamos lá por horas, planejando nossa ida à Suíça.
O grande dia finalmente tinha chegado, nosso plano era deixar a União Soviética a bordo de uma aeronave, não poderíamos nos arriscar passar pelos territórios alemães, se fôssemos descobertos estaríamos mortos. Meu pai sabia onde a Força aérea havia montado sua base improvisada, próximo da fronteira com a Finlândia. Como corríamos o risco de nos encontrarmos com o exército soviético, decidimos levar mais homens conosco, eles nos escoltariam até que a base onde eu, meu pai e fugiríamos para a Suíça em segurança.
— Pegaram tudo? — saiu de dentro da casa, encontrando-me em frente ao veículo que nos levaria. Assenti ainda incerto com o passo que estávamos prestes a dar, o medo de algo dar errado tinha me tirado o sono noite passada. — Boa sorte, irmão. Vai dar tudo certo. — Me abraçou dando-me tapinhas nas costas, sorri fazendo o mesmo, me separando dele assim que avistei vindo em nossa direção.
— Obrigada pela ajuda, te vejo em breve, sim? — Seus olhos azuis se marejaram junto com os meus. No meio de uma guerra, qualquer até logo poderia virar um adeus definitivo, sabia que não adiantaria ter medo de perder um amigo na situação em que estávamos, mas torcia para que visse seu rosto outra vez.
— Até breve. — Sorriu, puxando para um abraço caloroso, a mesma também se mostrava apreensiva, mas precisávamos nos arriscar. — Espero te rever ainda barriguda, quero ver meu afilhado nascer. — A loira sorriu abertamente.
— Vou tentar segura-lo o máximo até que você chegue. — Ri junto deles, quando recebi a deixa de Gibson para embarcarmos.
Meu pai já estava dentro do Bedford OXA*, o blindado que havíamos pegado emprestado por um tempo, sua perna ainda estava muito machucada, por isso exigiu um cuidado a mais. Colin e Westwick lhe faziam companhia, enquanto Gibson e James ocupavam os assentos dianteiros. Ajudei a subir pela traseira e a porta foi fechada.
Seguimos viagem logo quando amanheceu, e meu pai dormiram um pouco, deitados nos bancos, enquanto eu e os outros homens íamos de pé, com a cabeça para fora da abertura no teto, armados e atentos a qualquer movimento. Esperávamos não ter surpresas no caminho, o trajeto duraria horas, e Gibson iria trocar de turno com James no volante. Levamos cobertores e mantimentos conosco, se tudo corresse como o planejado, chegaríamos bem até a base aérea.
O trajeto seguiu tranquilo, exceto pela pequena garoa fina que nos acompanhou boa parte do tempo, me deixando preocupado com e meu pai se molhando e expostos ao frio. Meu coração estava apertado, eu não via a hora de deixá-los a salvo, se algo acontecesse com algum deles eu jamais me perdoaria. O clima se estabilizou no fim da tarde, decidimos parar no meio das ruínas de uma das cidades russas, estava enjoada e precisava ir ao banheiro também. Desembarcamos do veículo armados, dando uma rápida vistoria nas construções abandonadas ao nosso redor, apenas a deixei sair quando me certifiquei de que estava tudo vazio.
— Seja rápida. — Soltei sua mão enquanto a vi se esconder detrás da parede parcialmente quebrada do que parecia ter sido uma fachada de loja.
Fiquei próximo, com o dedo no gatilho e os ouvidos apurados. Gibson e os outros se separaram para vistoriar o local. Ouvi um barulho próximo dali, não tive tempo de identificar sua origem, a única coisa que eu tinha idéia era a direção de onde vinha, atirei na sacada de uma das poucas construções que ainda estava de pé, chamando a atenção dos outros. Uma onde sucessão de tiros logo se iniciou.
Westwick levou três no peito, caiu já sem vida ao atirar em um dos inimigos. Fiz o mesmo caminho que fez, encontrando-a agachada num canto, com as mãos sobre as orelhas, visivelmente aterrorizada. Fui até ela, levantando-me devagar para tentar ver alguma coisa. Assim que avistei um dos desgraçados, atirei acertando dois deles, a parede que me escondia foi metralhada. Me abaixei suando frio, quase tinha sido acertado na cabeça.
gritava espantada enquanto eu tentava acalmá-la.
Eu tinha que voltar para o veículo, meu pai estava lá dentro, sozinho. Estava armado, mas eu temia que o encurralassem.
! — Gibson berrou pelos pulmões, o som vinha de longe, mas pelo menos eu tinha noção de que ele estava vivo.
— Aqui!
— James!
— Aqui!
— Westwick! — Silêncio. Troquei olhares com , que ainda desesperada chorava. — Westwick, porra! Responda! — Mais tiros foram ouvidos. Eu sabia que ele não responderia. — Colin!
— Aqui! — A menina respirou aliviada, ela e Colin haviam ficado tão próximos nos últimos dias, ele era um amigo valioso para ela.
— Eu tenho que voltar.
— Não! N-Não pode voltar, vão te acertar se sair daqui.. — Agarrou-me pelas roupas transtornada. Segurei seus pulsos finos, negando com a cabeça, meu pai precisava de mim. — Por favor, não vá. Não me deixa aqui sozinha. — Suplicou ainda chorosa.
— Eu já venho te buscar. — ainda soluçava tentando se agarrar a mim.
Alguns passos foram ouvidos vindos dos fundos do loja em ruínas, encarei pedindo silenciosamente para que ela ficasse quieta. Tapei sua boca imediatamente, vendo apenas seus olhos claros arregalados em puro pavor. O barulho foi ficando cada vez mais próximo, deixei a menina encolhida no chão e empunhei minha arma, atirando contra a parede a nossa frente. Minha munição acabou, deixando-me de mãos atadas.
O homem surgiu mancando, sorrindo perverso, cobri com meu corpo já não sabendo mais o que fazer estando na mira daquele ser desprezível.
????????! ????????! (Socorro! Socorro!) — A voz feminina soou desenfreada, fiquei completamente confuso enquanto tinha meu corpo empurrado para longe por .
O homem a encarou surpreso.
??? ??? (Quem é você?) — Ainda com ambos sobre sua mira, ele a respondeu.
então cometeu uma loucura, algo que fez meu coração quase parar de bater. Seu corpo correndo em direção ao soldado soviético passou por mim numa rapidez assustadora, não tive tempo de impedi-la, quando vi ela já se escondia atrás dele, ainda berrando palavras em russo. Eu estava confuso, e o homem que ainda me ameaçava com sua arma também estava na mesma.
Ela apontava em minha direção, com o dedo hasteado, como se estivesse me acusando de algo. Não estava entendendo se ela queria distraí-lo ou o incentivando a me matar logo. Quando o vi colocar o dedo no gatilho fechei meus olhos com força, esperando ser atingido.
O baque do corpo grande do soviético caindo a minha frente me deixou em alerta. Abri os olhos vendo-o pegar pelos cabelos, caídos no chão, iniciaram uma luta corporal, bem injusta aliás. Fui para cima deles, empurrando a menina para longe e acertando socos no rosto do soldado desarmado. O chutei para longe quando tive a oportunidade, meus olhos procuraram a arma pelo chão, mal tive tempo de raciocinar, os disparos foram ouvidos, fazendo-me procurar pelo local.
O soviético caiu morto enquanto a menina trêmula e descabelada abaixava a arma ainda estarrecida.
!
— Aqui! — Respondi Gibson. Os tiros tinham cessado, esperei por instruções após tirar arma das mãos de , que ainda estava pálida feito papel. — Está tudo bem? Ele te machucou? — Chequei seu corpo e não encontrei ferimentos.
— Venha aqui! Rápido. — Saí do esconderijo com , puxando-a pela mão.
Fui até o veículo, vendo meu pai ainda deitado onde tínhamos deixado da última vez.
— Eu estou bem. — Aliviado, decidi ir até os outros, que formavam uma pequena roda envolta de alguns homens.
Desarmados, com as mãos cruzadas na cabeça e de joelhos.
— Olha só quem resolveu se render. — James e Colin sorriram satisfeitos junto do superior.
, fique longe. — Com o braço, a impedi de avançar comigo para mais perto. Sabia que a qualquer movimento brusco de algum dos reféns no centro do círculo, todos seriam executados. Eu não queria que ela visse aquela cena.
? — Franzi o cenho ao ouvir um dos soviéticos chamá-la pelo nome.
Olhei para trás, vendo seu rosto delicado ir de confuso a feliz de uma hora para outra. A loira mais uma vez correu em direção ao perigo, fazendo-me tentar impedi-la e ser empurrado levemente para fora de seu caminho.
— Yuri! — Eu e meus colegas nos entreolhamos enquanto tinha os braços envolta do pescoço do homem, que se levantou imediatamente, agarrando-a pela cintura e puxando seu corpo para mais perto.
Perto demais.
Que porra estava acontecendo ali?
Bedford OXA* era um carro blindado pesado britânico, produzido durante a Segunda Guerra Mundial .


Capítulo 40 - Just stop your crying, It's a sign of the times

Ele a apertou em seus braços por um tempo, eu pude ouvir o choro da menina e de onde estava via o sorriso daquele homem esconder-se no ombro dela. Logo começaram a se comunicar em russo, fiquei nervoso no mesmo instante, ninguém estava entendendo nada. Ele se separou dela beijando sua testa e se inclinou deixando-me em alerta. Sua arma estava no chão, se ele se esticasse mais um pouco poderia apanhá-la. Apressei-me mirando em seu peito.
Lembrei-me logo em seguida que estava sem munição, mas esperava que somente a menção de acerta-lo o fizesse temer machucar .
! Venha para cá! — Esbravejei assustando-a.
estava tão tranquila que nem ao menos se moveu do lugar, apenas virou o tronco, encarando-me brava. Franzi o cenho confuso, quem devia estar bravo era eu, ela havia se arriscado demais para um dia só. Estava explicado o motivo de seus pais terem a deixado trancafiada na casa de Juliet.
— O que diabos está fazendo, ? — Girou os calcanhares enfezada. — Abaixe essa arma! Yuri é meu amigo. — Se colocou diante de seu corpo. Exatamente como havia feito comigo no dia em que Juliet ameaçou-me com sua espingarda.
O incômodo no meu peito se intensificou, e só naquele instante percebi sua existência. Ela nunca havia demonstrado ter proximidade com nenhum outro homem além de mim, muito pelo contrário, dizia até odiá-los, temer que se aproximassem dela. O que aquele tal Yuri tinha de tão especial que o fazia ser diferente dos outros, se até mesmo a mim passou a afastar após sua decepção?
De repente, uma movimentação estranha aconteceu, foi tudo muito rápido, só consegui correr e agarrá-la levando seu corpo ao chão junto do meu. Alguns tiros foram ouvidos, logo tudo se acalmou.
— Estão todos bem? — Gibson se manteve de pé o tempo todo, ele foi o responsável por alvejar quem quer que fosse o soviético filho da puta que estava escondido.
Colin o obedeceu quando a ordem lhe foi dada, arrastando o infeliz até nós, o homem careca já sem capacete gritava de dor com uma das coxas sangrando, quando chegaram próximos a nós, ele encarou espantado. Parecia que tinha visto um fantasma. Começou a desferir berros em direção a ela, que olhava para ele vermelha de ódio. Eu nunca havia visto aquela expressão em seu rosto, nem mesmo quando levei aquele soco. Ela parecia ser capaz de matá-lo apenas com os olhos.
Me aproximei dele quando o vi querendo ir para cima dela, como se conseguisse se levantar sozinho. Sua roupa encharcada de sangue começava a sujar até mesmo o chão em que ele estava jogado.
— Que porra que esse idiota está falando? — James indagou, farto de ouvir tanta baboseira, cutucou-o com sua arma, deixando-o cada vez mais possesso.
Ele estava louco para descarregar sua arma em todos aqueles homens para que pudéssemos enfim seguir viagem. Porém aquilo não iria acontecer, provavelmente Gibson iria fazê-los de prisioneiros de guerra. Mas se caso pudéssemos matar um por um, no fim ainda sobraria um de pé, não parecia disposta a permitir que tocássemos em seu protegido.
riu sem humor, ainda olhando a lamentável cena daquele homem grande ajoelhado diante de nós, sangrando e completamente fora de si. Não saberia dizer se era o ferimento que doía tanto ou se era apenas seu ego sendo pisoteado pela humilhação que estava passando. A loira logo ficou confusa por um instante. Algo que saiu da boca do soviético a deixou daquela forma.
— O que foi? O que ele disse?
— Ele...está dizendo que esse não foi o combinado. — Me respondeu, fazendo nós quatro franzir o cenho junto dela. — Que irá reclamar com seu superior. — Disse a Gilbert, que arqueou as sobrancelhas.
— Esse filho da puta por acaso está alucinando? — Gilbert riu com gosto.
Yuri resolveu se pronunciar e envolver-se num assunto que não era de sua conta. o ouviu atentamente e teve outra reação estranha. Encarou-me ainda mais confusa antes de traduzir o que ouviu.
— Ele disse que Clint está certo, esse não foi o combinado. — Não prestei atenção em nada do que a voz feminina falou, assim que ouvi o nome Clint, meu punho foi em disparada na direção do rosto daquele infeliz.
, que porra é essa? — Colin tentou me tirar de cima dele, enquanto eu ainda lhe socava o rosto sem me importar em ter a mão suja de sangue, nem mesmo a dor que sentia em minha mão me parava.
Estava explicado, o modo com o olhou, eu compartilhei do ódio dela, queria matá-lo com minhas próprias mãos. Tudo o que me vinha à cabeça era o corpo de completamente marcado por arranhões e marcas roxas, seu choro desenfreado em meu ombro, o pesadelo que ela teve que a deixou praticamente sem ar de tanto que ela soluçava. Eu podia lembrar de cada palavra que ela disse naquela noite, do quanto seu corpo tremia enquanto me abraçava forte, com medo. Aquele monstro havia tentado matar o meu filho! Nada seria capaz de me parar naquele momento, eu finalmente estava fazendo justiça com minhas próprias mãos.
, chega! — Colin conseguiu me tirar de cima dele, ainda ofegante e descontrolado, o observei se apoiar pelos cotovelos no chão. Seu rosto estava inchado, sua boca e nariz sangravam, seus olhos obscuros me olhavam com ódio.
O verme voltou a berrar em meio a cuspes com a saliva repleta de sangue, avancei contra ele novamente, mas daquela vez certifiquei-me de que seria a última. Com uma das mãos, roubei a arma de Colin, quando o cano gélido encostou-se na testa daquele infeliz, meu dedo procurou o gatilho. Respirava com dificuldade devido ao meu estado emocional. Meu coração batia tão forte que eu sentia meu peito doer.
Estava completamente cego de raiva, queria poder acabar com a raça dele com minhas mãos, mas colocar uma bala no meio de sua cabeça também serviria para a minha vingança. Ele nunca mais tocaria em um fio de cabelo de , nem nos sonhos mais lindos dele.
, já chega! — Meu rosto se virou de modo involuntário. Olhei para aqueles olhos tempestuosos, sua expressão de pavor, o jeito como soluçava. Meu Deus, eu parecia um monstro! Encarei minhas mãos rubras e por um segundo reconsiderei o que estava fazendo.
Mas, se eu não o fizesse, Clint ficaria impune! E aquilo eu não iria permitir, ele não poderia continuar vivendo a vida normalmente após ter feito tudo o que fez! Eu também tinha errado, feito sofrer, mas chegar ao ponto de espanca-la? Ameaçar a vida de um bebê que nem ao menos tinha vindo ao mundo? E, claro! Ter tentado contra a vida de ao largá-la sozinha no meio da neve.
Eu não poderia permitir que Clint se safasse após cometer tamanhas barbaridades. Não era justo, não era justo eu ter esperado por aquele momento e quando o tinha nas mãos não poder executar minha vingança, não era justo me pedir aquilo.
Meus olhos ardiam enquanto lágrimas molhavam meu rosto. Eu a enxergava com dificuldades, o meu choro deixava sua imagem distorcida, como se fosse um vulto, sua voz ficou distante de repente quando voltei a olhar para o rosto desfigurado de Clint. Era como se não houvesse mais ninguém ali, apenas nós dois, frente a frente e fosse apenas uma das vozes da minha consciência tentando me impedir de matá-lo, enquanto do outro lado o pequeno diabo me aconselhava a puxar logo aquela droga de gatilho.
’s point of view.
— Para! Por favor, chega! — Agarrei seu braço assim que consegui me aproximar dele. Yuri tinha tentado me segurar para não ir até , alegando que ele estava descontrolado.
Eu nunca tive medo dele, mesmo em meio a tantas mentiras eu sabia que ele jamais me machucaria. Sabia que aquela confusão toda era por minha culpa, que não estaria quase matando Clint se eu não tivesse lhe contado o que aconteceu, parte de mim tinha ciência de que era completamente normal ficar afetado daquela maneira na presença do homem que tentou matar o filho dele, porém eu sabia que já não adiantava mais aquele escarcéu todo. Já estava feito.
— Olha pra mim, por favor, . — Ele me ignorava, ainda firme no que fazia. Algo dentro de mim mandava-me sair dali, virar o rosto e esperar o barulho do disparo eminente, mas eu ignorava, permaneci ali, segurando seu antebraço, implorando para que ele parasse. — ...por favor.
, saia daqui — Ordenou. Seu olhar fixo em Clint me fez tomar uma atitude. Não dei um passo sequer, puxei seu rosto em minha direção, ainda soluçando, encostei meu rosto no dele. — ...me deixe resolver isso. — Sua voz, mais calma, me pediu enquanto olhava no fundo dos meus olhos.
— Não faça isso, por favor, . Eu sei que está com raiva, eu também estou! Temos todos os motivos do mundo para querer acabar com a raça dele, mas se fizermos isso, nos tornarmos iguais a ele! — Solucei pegando em sua nuca, trazendo-o para mais perto, com a testa colada na dele, esperei pacientemente até que sua respiração ficasse mais controlada. — Por favor...sei que mentiu muito para mim, e-eu posso até mesmo dizer que não sei quem você realmente é, mas eu não acredito que você seja capaz de se igualar a ele, eu coloco minhas mãos no fogo! Então por favor, me prove que estou certa e largue essa arma, você vai se arrepender pelo resto da vida por esse mísero erro.
— Ele não precisa matá-lo, o tiro acertou próximo do fêmur, há uma veia importante ali, é uma questão de minutos para Clint sangrar até morrer. — Ao ouvir Yuri, Clint começou a choramingar, dizer que não era justo e a repetir diversas vezes que aquele não era o combinado. Chegou a segurar a mão de e implorar para que ele o matasse logo.
Repeti o que Yuri me disse a , que ficou desconfiado por um instante, porém cedeu, se afastando do corpo capengo de Clint. Além de confiar em Yuri por saber que ele tinha conhecimentos médicos, era nítido a aquela altura que o desgraçado já perdia muito sangue ao julgar pela poça formada abaixo dele.
— Do que ele está falando? Que combinado é esse?
— Pergunte a eles se já ouviram falar da Operação Barbarossa. — Meu corpo todo se arrepiou por um instante, eu mesma já havia ouvido aquele nome, e as pessoas envolvidas na conversa não pareciam muito contentes em saber do que se te tratava.
Traduzi o que Yuri disse mais uma vez, Gibson apenas assentiu calado, ficou pensativo por um tempo, ele sabia de algo.
— São os alemães, estão tramando algo. — Murmurou ainda com o olhar vago. — Achei que era apenas um boato.
— Não estão apenas tramando, estão executando. Estão invadindo nosso país. — Engoli a seco.
O exército alemão era temido pelo mundo todo e aquilo não era uma grande novidade, Hitler era um estrategista nato, conquistou territórios pela Europa inteira. Mas sua força até então não era temida por nós soviéticos, até virarmos alvos de seus ataques. Ao que parecia, Hitler realmente não sabia honrar o que prometia, nem que aquilo significasse atacar um país mesmo após assinar um pacto de não agressão contra o mesmo. Um grande filho da puta, como diria meu pai. De qualquer forma, eu fiquei até conformada por sua morte, conhecendo-o como eu o conhecia, papai ficaria de coração partido se visse o país de seu coração ser invadido e escravizado por nazistas.
— Os alemães estão invadindo a União Soviética. — Pálida, tentei não deixar tão claro o modo como meu corpo tremia ao imaginar o que estaria por vir.
Estávamos naquela atmosfera de guerra há tempo o bastante para sabermos do risco eminente que nos rondava vinte e quatro horas por dia, porém eu nunca tinha sentido aquele pânico de saber que estava em meio a um campo minado, onde uma bomba poderia explodir e me levar pelos ares a qualquer momento. A casa de Juliet era monótona e vivíamos praticamente sem saber do que acontecia ao redor do mundo, já durante minha estadia na casa do alemão eu sabia demais, via coisas demais e já tinha uma noção do quão cruel e implacável a guerra poderia ser. A ignorância era realmente uma dádiva, comecei a sentir falta de quando minha única preocupação se resumia em alimentar galinhas e cuidar de Cornélia.
Meus maiores medos se tornaram reais e tomaram proporções gigantescas, eu estava lutando para me manter sã diante de tudo o que se levantou contra mim.
— Churchill e Stalin fizeram uma aliança, estamos no mesmo lado agora. — Me virei para encarar Yuri e uma onda enorme de alívio me atingiu, aquilo significava que não lhe fariam mal, que eu não precisaria defendê-lo dos britânicos.
Eu o faria se fosse necessário. Devia muito à aquele soviético mal encarado.
— Realmente não era o combinado. — concluiu, encarando Clint caído na neve, já respirando com dificuldades e perdendo a consciência.
Era aquilo, ele partiria logo, lentamente. Sentia-me em paz por ter impedido de fazer uma grande besteira e por saber que Clint apenas colheu o que plantou. Atirou contra nós e foi alvejado, foi uma morte “limpa”, uma reação a uma ação dele. Se bem que acho que Clint jamais entendeu como essa dinâmica funcionava.
Uns chamam de karma, justiça divina, não importava muito a nomenclatura, eram apenas palavras para ilustrar o que ele acabou de descobrir da pior maneira possível: Tudo o que fazemos para os outros a nossa volta, retornará para nós. Se ele soubesse que sofreria uma morte tão dolorosa e lenta, faria tudo diferente? Mostraria um pouco de compaixãoo comigo ou com todas as outras pessoas que tiveram suas vidas afetadas pela maldade e falta de caráter dele?
Eu infelizmente acreditava que não.
Mas ao observá-lo por um instante, ali, tão frágil como uma porcelana quebrada, sabendo que ele não era tão inatingível como acreditava que era, Clint me parecia tão inofensivo. Era como se, de alguma forma, algo me provasse que eu era mais forte do que pensava, que ninguém mais iria tentar contra minha vida ou contra os meus e sairia impune. Era um grande alívio ver um dos meus medos derrotados diante de mim.
Eu derrotaria todos, apesar de tudo, tinha fé de que tudo iria ficar bem. Estava me esforçando para aquilo.
Suas últimas palavras me atingiram em cheio, não sabia se ele estava delirando ou se estava falando coisas concretas. Seus lábios já roxos pronunciaram uma jura de amor em nome de Juliet, Clint disse que se encontraria com sua amada.
— Yuri, do que ele está falando? — Já transtornada, encarei os olhos azuis dele, que permaneceu calado e abaixou a cabeça deixando-me sem ar.
Juliet não estava morta, estava? Se sim, quem estava cuidando das crianças? O que teria acontecido com ela? Ofegante, fui até Yuri sacudindo seus ombros já sem controle. Onde estavam as meninas? Porque ele não me respondia?
— Calma, , você precisa se acalmar primeiro. — Foi a vez dele me pegar pelos ombros. Sua expressão de pesar me deixou ainda mais inquieta, o que me foi dito apenas serviu para piorar a situação, ao invés de me acalmar senti meu corpo todo atingir todos os níveis possíveis de estresse.
— Eu não vou me acalmar! Não até você me dizer o que aconteceu! — Esbravejei, atraindo , que mesmo sem entender nada do que eu dizia, percebeu o quanto eu estava afetada.
Não era nada difícil se dar conta daquilo, eu já sentia meu rosto queimar de tão vermelha que eu devia estar, Yuri respirou fundo observando-me lhe agarrar pela farda e confrontá-lo. Eu nem ao menos tinha noção do que saía de minha boca, só baixei um pouco minha guarda quando me puxou para longe de Yuri, agarrando-me pela cintura firme, evitando que eu continuasse a machucar o homem à nossa frente.
— Por favor… me diga o que houve? — Solucei com os cabelos bagunçados, tapando-me a visão por um tempo.
— Promete ficar calma? — Assenti retirando os fios da frente de meus olhos.
Eu não poderia prometer algo que sabia que não cumpriria.
— A casa de Juliet...foi bombardeada. — O choro me subiu à garganta, mas eu ainda não tinha processado o que havia acabado de ouvir.
Pisquei os olhos confusa, derramava lágrimas sem saber o que sentir. Quando finalmente repeti o que me foi dito em minha cabeça, não parecia ser real. Neguei veemente com a cabeça, buscando os olhos verdes de , queria que ele me dissesse que era mentira, porém ele nem ao menos havia entendido o que Yuri tinha dito. estava tão confuso quanto eu.
— M-Mas as meninas...elas conseguiram sair? Não conseguiram? — Minha voz saía tão trêmula, minha garganta estava com um nó tão grande que eu sentia tudo arder por dentro de mim. As palavras que saíram da minha boca pareciam cacos de vidro, confirmar se aquilo era mesmo real iria doer mais do que vários cortes em meu corpo, eu não aguentava mais sentir tanta dor.
Yuri mais uma vez abaixou a cabeça, engoliu a seco e voltou a me encarar, daquela vez com os olhos azuis cheios de lágrimas.
— Não...— Seus lábios tremeram numa expressão de dor. Enquanto eu controlava minha respiração, meu coração batia veloz, deixando-me ofegante. — Eles atacaram durante a madrugada, chovia muito, elas nem ao menos devem ter escutado a aeronave sobrevoar a casa. Clint e eu voltamos mais cedo, mas perdemos alguns homens que ainda estavam hospedados por lá.
Uma bomba. Não deve ter sobrado nada, nenhum tijolo sequer foi mantido de pé. Todas aqueles paredes contavam histórias e abrigaram pessoas espetaculares: As adoráveis gêmeas Harriet e Amelie Volkov, tão pequeninas! A inteligente e astuta Elizabeth Chernoff, e até mesmo seu amado soldado que era tão jovem quanto ela. A doce e encantadora Cornélia Duskin.
— Eu...não posso acreditar. — Com o rosto já banhado á lágrimas, levei as mãos a minha cabeça, completamente desnorteada. — M-Minhas meninas...estão mortas? — Yuri mais uma vez apenas respondeu com um aceno de cabeça, acompanhando-me em meu pranto. — Isso não é justo! Elas não mereciam isso, eram apenas crianças, c-com-o podem fazer uma coisa dessas! — Meus passos incertos começaram a me deixar tonta, Yuri percebeu que algo estava errado e se aproximou, tomando-me em seus braços. — Eu as quero de volta! — Solucei enterrando meu rosto em seu pescoço.
— Eu sei que dói...Também perdi alguém que amo, sei que é difícil, mas por favor, se acalma, . — Os soluços ficaram a cada vez mais altos e fortes, eu mal conseguia respirar direito.
? O que houve? — A voz rouca de soou atrás de mim, larguei Yuri indo imediatamente para os braços dele. Com a cabeça encostada em seu peito, chorei sendo amparada por seus beijos em minha testa e no topo da minha cabeça. — Ei, me diga, como eu faço para parar seu choro? O que aconteceu amor?
Levantei meu rosto, encarando o seu sério como nunca, suas sobrancelhas juntas em pura preocupação, aqueles olhos verdes costumavam ser a minha dose de calmaria em meio ao caos, porém daquela vez nada me consolaria.
— A casa de Juliet, f-foi bombardeada.
— Porra, então era mesmo uma bomba naquela noite. — Gibson passou a mão pelos cabelos curtos, incrédulo, trocou olhares com os outros britânicos presentes.
— Também ouviram? Achei que fossem trovões. — Ouvi a resposta de abafada, já que ele tinha me apertado contra si quando recebeu a notícia. Ele sabia o quanto aquelas garotas eram importantes para mim, tinha noção do quanto estava doendo.
O restante da conversa foi deles comentando o quão sortudos fomos pela energia elétrica da casa em que estávamos ter acabado, talvez os alemães pudessem ter visto as luzes acesas, poderíamos ter sido bombardeados também.
Assim que tudo foi esclarecido, os soviéticos foram libertos e seus armamentos devolvidos. Era completamente estranho vê-los se tratando como iguais após presenciar um combate tão violento entre eles. Só porque um homem decidiu que haveria uma trégua, eles voltaram a se portar como seres humanos normais e não como animais irracionais. Queria que tudo fosse tão simples daquela maneira, que alguém decidisse decretar logo uma trégua para evitar que mais alguém sofresse uma perda.
— Temos que ir embora logo, ficar seguros e longe de toda essa confusão. — concluiu, fazendo todos se mobilizarem para seguirmos viagem. — Se despeça do seu...amigo, sim? Não podemos perder muito tempo parados por aqui. — Seus lábios beijaram minha testa e seus dedos secaram meu rosto. Assenti calada indo até Yuri.
— Me desculpe por quebrar seu coração. — O abracei forte, suspirei com meu peito colado ao dele. Sorri fraco quando nos afastamos. — Quando soube logo pensei em você, se estava bem, segura. Tenho pensado muito em você — Suas mãos pegam nas laterais de meu rosto com delicadeza.
— Você nunca vai quebrar meu coração, eu sei disso. — Yuri riu fraco, ainda encarando-me intensamente. Sem graça, encarei meus pés antes de voltar a olhá-lo nos olhos. — Muito obrigada, por tudo o que fez por mim, você não precisava ter feito o que fez, mas mesmo assim decidiu me ajudar, não tenho nem palavras para agradecer.
— Não precisa. Só de te ver bem, com esse bebê a caminho já fez tudo valer a pena, . — Assenti, deixando-o tocar minha barriga daquela vez. Sentia o olhar felino de a distância, não entendia aquele excesso de desconfiança de Yuri, o mesmo já havia me provado que eu poderia confiar nele de olhos fechados. — Parece que conseguiu reencontrá-lo, afinal. — Indicou com o queixo, não me dei ao trabalho de checar , apenas assenti forçando um sorriso.
— As coisas estão complicadas. — Coloquei meus cabelos para trás das orelhas. — Mas o que importa é que irei para um lugar seguro agora, estou precisando descansar. — Suspirei recebendo um afago suave em minha bochecha.
— Que bom saber disso, vou ficar mais tranquilo sabendo que estará fora de perigo.
Um estalo me atingiu em cheio, arquei as sobrancelhas lembrando-me que tínhamos um lugar vago.
— Que tal você mesmo se certificar disso, hã?
Eu só tinha meu filho, , Yuri e meus avós no mundo, e não queria perder mais ninguém.
— O que? Ir com vocês? — Assenti veemente — Acho que não irá gostar da ideia.
— Eu falo com ele, além do mais, você pode cuidar do pai dele que está machucado!
— Eu não posso fugir com vocês, , precisam de mim aqui. — Senti meus olhos marejaram só de pensar na possibilidade de perdê-lo em algum combate.
— Tudo bem, então pelo menos vamos conosco até a fronteira, depois você volta com os outros. Por favor, Yuri...Eu acabei de te reencontrar, não quero ter que me despedir tão cedo! — O envolvi em outro abraço, ouvido-o suspirar em derrota e concordar, com uma condição: Se eu falasse com primeiro.


Capítulo 41 - Tell me you love me

Seguimos viagem logo, não era seguro ficarmos parados por muito tempo, os homens fizeram suas necessidades em uma área afastada e bebemos um pouco de água antes de subir de volta ao veículo. Apesar do susto que passei, todos os outros estavam agindo normalmente, fiquei calada por horas, abraçando meus joelhos e pensando em tudo.
Não queria chorar, na verdade nem ao menos sabia se ainda tinha lágrimas para fazê-lo. Quando a guerra foi anunciada eu apenas torci para que acabasse logo e que meus pais e eu ficássemos seguros até o fim. Os meses foram passando e claro que minha lista de pessoas que eu pedia aos céus proteção aumentou. Senti-me dilacerada ao olhar em minha volta e apenas ver e Yuri ali. Era aquilo, era tudo o que havia me restado, fechei os olhos e numa prece desesperada desejei que meus avós também estivessem bem onde quer que estivessem.
Sabia que estar viva a aquela altura era uma dádiva, sentia que devia aproveitar e apreciar minha vida ao máximo, ir aos lugares que queria ir, falar tudo o que sentia e queria falar, viver e ver a beleza de cada pequena coisa que me rodeasse. Por Cornélia, Amelie, Harriet, Elizabeth, mamãe e papai. Eles ainda estavam vivos dentro de mim, sentia que eles queriam que eu fosse feliz, então lutar pela minha felicidade era o mínimo que eu devia a eles.
Percebi um par de olhos claros me encarando de longe, foquei-me em e recebi um sorriso reconfortante vindo dele, que apesar de estar com sua arma agora carregada apontada para fora do veículo fazendo a segurança, insistia em me checar a cada cinco minutos durante todo o trajeto. Mesmo quando fechava meus olhos eu podia sentir seu olhar sobre mim. Era inexplicável como me sentia segura ao encarar sua figura, e eu não deveria me sentir daquele modo. era a personificação de minha insegurança, tinha mentido para mim, fingido um sentimento que para mim foi verdadeiro. Mas meu corpo contrariava toda aquela lógica e ainda assim reagia a seu olhar, sua voz e seu toque.
Eu queria tanto ter forças para fugir daquele sentimento. Saber que eu ainda teria mais alguns meses ao lado dele me desesperava. Eu não sabia o que fazer, tinha medo de ceder como fiz no banheiro. Minha razão me abandonava quando se aproximava de mim. Tinha medo de me machucar ainda mais. Se ele pelo menos me dissesse algo...sabia que suas atitudes boas poderiam ser interpretadas como remorso ou até mesmo pelo fato de eu estar carregando o filho dele.
Uma parte de mim queria acreditar que ele talvez se importasse um pouco comigo, que sentisse algo por mim, a única coisa que já disse sobre sentir algo por mim foi que ele não sabia o que sentia, e para mim não saber o que se passa no próprio coração era um mal sinal. Eu sabia o que sentia por ele, tinha certeza, e não tinha como não saber! Meu coração jamais me enganou. Acho que se o que ele sente fosse realmente algo concreto e real, não teria dúvidas.
Paramos um pouco quando já tinha anoitecido, Yuri me pediu para avisar a Gibson que algumas rotas eram arriscadas por conta da invasão alemã. Fiquei feliz quando o deixou seguir viagem conosco, precisava de Yuri ali, olhar para seu rosto e ter certeza de que ele estava bem. não pareceu gostar muito da minha ideia, porém Gibson o aceitou no grupo por ter percebido seus conhecimentos médicos e também para ajudar caso algo desse errado no meio do caminho.
Durante o trajeto cada um ficou para um lado, todas as vezes em que Yuri se aproximou de , o mesmo se desviava de seu caminho. Meu amigo não falava inglês, tampouco entendia, mas com toda a certeza entendeu que não gostava nem um pouco dele apenas pelos olhares que recebeu. Ainda não compreendia aquela atitude, os outros trataram Yuri bem, até mesmo John, que nutria um ódio de guerras passadas de nós soviéticos, pareceu recebê-lo bem na medida do possível. estava levando as coisas para o pessoal, mas, porque? Ele nem conhecia Yuri, sequer ouviu falar dele, como alguém conseguia simplesmente não gostar de outra pessoa em tão pouco tempo de convivência?
Estava brava com aquela situação, afinal, eram duas pessoas que eu me importava, não gostava de vê-los agir daquela forma. Yuri tentou ser simpático, mesmo sem que houvesse uma comunicação verbal entre eles, porém quando percebeu que tinha decidido ignorar sua presença, simplesmente passou a encará-lo de volta todas as vezes em que o homem de olhos verdes tinha seu olhar duro sobre ele.
— Vamos acender uma fogueira, pegue alguns pedaços de madeira. — Ouvi a voz de Gibson após um tempo de silêncio.
Ele e James, que iam nos bancos da frente, desceram primeiro armados, verificando o local onde paramos. Era outra cidade abandonada, a escuridão da noite deixava o local horripilante, casas incendiadas disputavam espaço com a neve, algumas delas ainda de pé, tinham móveis e até pertences deixados para trás, tudo quebrado e revirado. Não dava para não lembrar do dia em que tive que deixar minha casa às pressas ao lado de meus pais.
— Está limpo. Podem vir. — James apareceu, abrindo a porta para sairmos. O vento gélido invadiu o interior do veículo, fazendo-me abraçar meu próprio corpo.
— Aqui. — e Yuri disseram ao mesmo tempo, já retirando seus casacos, dois uniformes diferentes me foram oferecidos.
Encarei ambos, que nem se deram o trabalho de se olharem, fiquei confusa, qual dos dois eu pegaria?
! Venha aqui me ajudar. — Gibson berrou do lado de fora, fazendo-o suspirar e recolher sua mão estendida, vestiu seu casaco novamente enquanto caminhava até Gison, sem olhar para trás. Já Yuri veio até mim e me envolveu com o seu aquecendo-me.
— Sortuda. — Colin riu desacreditado, passando em nossa frente e descendo do veículo.
Yuri e eu ficamos encarregados de pegar os mantimentos. Me acomodei em um dos móveis quebrados, próxima da fogueira que acenderam depois de algum esforço. Meu amigo retornou com uma lata aberta, oferecendo-me antes de começar a abrir a própria. Meu estômago se revirou quando vi o conteúdo do que iria ter que comer, era uma espécie de ração, comida processada. Quando encarei Yuri, ele já mastigava casualmente ajeitando-se ao meu lado.
— Sei que não é a melhor refeição que já teve, mas pelo menos tente comer um pouco. — Ri sem humor, aventurando-me e levando a comida a boca.
Reprimi a careta ao sentir aquele gosto, eu não sabia descrevê-lo, só sabia que não era agradável ao meu paladar. Quando voltei a focar minha atenção em Yuri, o vi olhando fixamente em outra direção, e sua cara não era nada boa.
— Me desculpe por isso. — Murmurei incomodada com os olhos de sobre nós, de longe ele comia junto a Colin e James enquanto Gibson estava dentro do veículo com John. — Eu realmente não sei o que deu nele para estar agindo dessa maneira.
Não poderia afirmar que não agiria daquela forma se fosse com outra pessoa, afinal o tempo em que passamos juntos não nos permitiu cruzar com outras pessoas, então eu não sabia se ele costumava ser antipático daquele jeito. Mas não tinha uma explicação plausível para aquele comportamento, Yuri não tinha feito nada a ele.
— Realmente não sabe? — Riu da minha expressão confusa. — , está nítido que ele está com ciúmes. — Foi a minha vez de rir.
— Impossível. — Remexi a comida, deixando meu sorriso morrer ali. — não gosta de mim ao ponto de sentir ciúmes de outro homem, o mínimo que pode estar acontecendo é uma implicância.
— O que quis dizer quando me disse que as coisas estavam complicadas entre vocês? — Checou seu ombro contra o meu, arrancando-me um sorriso.
— Ele me disse que não sabe o que sente por mim, enquanto eu já disse que o amava mais vezes que posso contar. — Yuri juntos as sobrancelhas encarando-me. — Decidi que não vou mais insistir, quer ficar perto do filho, mas eu pretendo ir morar com meus avós na Inglaterra e tentar seguir minha vida sozinha. — Sua mão alcançou a minha e deixou um afago carinhoso.
— Ele só está confuso, , mas sei que ele sente algo por você, não há outro motivo para ele me odiar tanto, eu até que sou um cara legal. — Ri junto dele, olhando em seus olhos azuis.
— O que ele sente? Eu juro que faria de tudo pra saber, Yuri, não acredito que me ama, quem ama não tem dúvidas, e ele parece não ter certeza alguma sobre o que sente. — Senti o costumeiro nó se formar em minha garganta. — E eu não posso deixá-lo brincar comigo de novo, eu não mereço viver com dúvidas em relação ao sentimento dele...Estou cansada de sofrer.
Eu já aceitei aquele esquema de dizer que o amava sem esperar ouvir nada em troca, me iludi achando que só não sabia demonstrar, e no final estava sendo enganada. Estava disposta a tentar outra vez com ele, mas só se me provasse com palavras e atitudes que me amava e que faria de tudo para que ficássemos juntos.
Mas parecia não sentir nada.
— Eu sei… — Seu braço passou pelas minhas costas, puxando-me para perto e abraçando meu corpo. Segurei minhas lágrimas ao máximo, recebendo um beijo casto no topo da minha cabeça. — Acho que precisa de um empurrãozinho para entender o que sente. — O olhei curiosa, — Acabei de ter uma ideia de como fazer isso… — sorriu maldoso, fazendo-me franzir a testa desconfiada. — Você topa? — Sua mão gélida tocou meu rosto numa carícia inesperada, quando seus dedos encaixaram-se em meu queixo e puxaram-me para perto entendi o que viria a seguir.
Avancei contra seu rosto colando minha boca a dele. Yuri agarrou-me pela cintura enroscando sua língua com a minha num beijo de tirar o fôlego, meu coração batia forte. estava me vendo beijar outro em sua frente? Será que surtiria algum efeito nele?
— Eu vou ir ver John, — Selou meus lábios novamente, — Não olhe agora, mas ele está nos assistindo. — Riu sapeca, deixando-me nervosa. — Espere e ele virá falar com você. — Fiz menção de falar, perguntar o que eu faria se viesse, mas ele tratou de me beijar novamente, calando-me. — Confie em mim.
Voltei a encarar a comida que mastiguei com muito custo, primeiro porque era horrível, mas também pelo meu estômago que se revirava a cada segundo que se passava. Ouvi passos se aproximando e continuei de cabeça baixa, sem ter muita coragem de encará-lo. Sabia que era , por isso não me dei ao trabalho de espiar.
, posso falar com você um minuto? — Levantei meu olhar, encarando seu rosto sério. Assenti quando o mesmo indicou um local mais afastado, ainda iluminado pela fogueira.
Fui tentando disfarçar minha cara de surpresa, porque o plano de Yuri realmente tinha funcionado. Bom, eu ainda não acreditava em milagres como aquele, não achava que iria me jurar amor eterno nem que ele fosse dizer que me amava, não sabia bem o que se passava na cabeça de Yuri, mas desacreditei que só aquilo faria descobrir o que sentia.
— Pode me explicar o que está acontecendo entre você e o soviético?


Capítulo 42 - Can we surrender?

— Do que está falando? Já disse, Yuri é um amigo. — Argumentei, vendo-o passar as mãos no próprio rosto com força, esboçando um riso sarcástico.
— Amigos não se beijam, , eu vi ele te beijar! Seria mais fácil assumir logo que está com ele. — Arqueei minhas sobrancelhas, seu tom de voz denunciava seu nervosismo. Me perguntei porque diabos ele estava naquele estado por nada!
— Desde quando isso é da sua conta?
— E não é? Está esperando um filho meu, eu preciso saber com quem você se relaciona. — Foi a minha vez de rir histericamente.
— E você acha que só por isso eu devo te pedir permissão para beijar alguém? — abriu a boca para me responder, mas eu não o deixei falar. Estava claro que era uma pergunta retórica. — Eu te disse que vou seguir com minha vida, não espere que eu fique sozinha somente para te agradar. — Esbravejei.
Se Yuri queria me provar que sentia algo por mim, estava provado que sim, porque não havia outro motivo para que ele ficasse tão possesso por achar que eu tinha algo com alguém além dele. Mas o modo como estava reagindo a aquela situação estava me dando nos nervos. Ele estava sendo ridículo!
Nunca tinha estado numa situação daquelas, embora eu achasse o comportamento dele bastante irracional, não poderia negar que estava me segurando para não sorrir ao vê-lo finalmente demonstrar algo.
, você disse que… — Suspirou com a testa franzida. — dias atrás, você disse que me amava! Não é possível que esse homem chegou e mudou o que você sentia por mim. — Encarei seus olhos verdes tempestuosos, fiquei calada por um tempo, esperando-o continuar a falar, porém o que me deu foi um silêncio torturante.
— Eu amo. Não deveria, mas amo, você não merece, mas eu te amo com todo o meu coração. — Solucei em desespero. Eu o amava tanto que não sabia mensurar com palavras, queria poder demonstrar com atitudes, mas me empurrava para longe com sua incerteza cada vez que eu queria me aproximar. Eu estava cansada, exausta de guardar todo aquele amor pra mim, estava sufocada. — Mas eu não posso te amar pelo resto da vida, não sem receber nada em troca. — Suspirei exasperada. — Diga-me, , porque ficou tão bravo quando me viu beijando Yuri? Me diga porque não gostou de me ver nos braços de outro se não sabe nem ao menos o que sente por mim?
, eu… — A incerteza em sua voz me subiu o sangue, que fervilhou em raiva.
— Seja homem ao menos uma vez na vida e me diga que me ama. — Supliquei vendo seu rosto se contorcer em espanto. — Ou então, me deixe ir, porque eu não aguento mais ver você brincar comigo desse jeito, . — O vento bagunçou meus cabelos, fazendo-o tapar minha visão de seu rosto.
— Te deixar ir? Então vocês estão juntos? — Suas sobrancelhas se arquearam a medida em que seu sorriso irônico aumentava em seu rosto. — Você está certa, , não precisa da minha permissão, quer seguir sua vida? Vá em frente! Mas me diga uma coisa…ele já te disse que te ama tão rápido assim?
Puxei meus próprios cabelos em ódio. Como podia ser teimoso daquele jeito? Por Deus, preferia discutir por horas sobre algo que nem sabia se era ou não real do que falar do que realmente era real: Nós dois. Porque ele resistia tanto se eu, que mais tinha motivos para fazê-lo, estava me rendendo?
— Ele não me ama, seu idiota, Yuri e eu não temos nada, aquele beijo foi uma ideia dele para ver sua reação. Ele esperava que você fosse finalmente dar o braço a torcer e dizer algo...
— E você acreditou nele? — encarou-me perplexo. — , está estampado na cara dele que ele te quer! O jeito como ele te olha, o modo como te abraça... — Sua expressão de nojo ficou visível. — Ele te beija exatamente como...como…
— Como o que? Do que está falando? Yuri é…
— Como eu. — Neguei com a cabeça em silêncio, ninguém jamais me beijaria como , eu jamais seria a mesma depois de ter sido tocada por seus lábios.
— Você está se ouvido? — Esbravejei estressada. — Quer saber, ? Se acha que Yuri gosta mesmo de mim e eu quero seguir a minha vida, talvez eu realmente devia ficar com ele.
comprimiu os lábios encarando o chão, enquanto apoiava as mãos nos quadris.
— Se é isso o que quer...Ficar com alguém que não sabe se será bom para você. — Desdenhou, dando de ombros.
— Ah, não se preocupe, ele é incrível. Eu devo minha vida a ele, Yuri salvou nosso filho quando Clint e Juliet tentaram abortá-lo. — Soltei um sorriso amarelo. Ele voltou a me encarar com seus olhos marejados. — Se era só isso o que tinha pra falar comigo… — Deixei meus ombros caírem.
Eu já não tinha mais o que fazer. Sabia que ele sentia, eu finalmente pude saber que ele me amava! Mas não podia obrigá-lo a me falar, e também não podia continuar daquele jeito, sem algo concreto para me agarrar. Lhe dei as costas, afastando-me devagar, com lágrimas molhando meu rosto.
— Espere. — Parei onde estava. — , não pode ficar com ele… — Me virei vendo-o fechar os olhos com força antes de começar a falar. — Eu não posso te perder, ver você beijando ele me deixou...despedaçado. Eu não sei explicar o que senti, só sei que me segurei para não te arrancar dos braços dele.
— Sabe que sempre me teve, eu estou bem aqui, não vou a lugar algum, . — Aproximei-me rapidamente, vendo-o vir ao meu encontro. — Mas se não me disser o que sente por mim, não vou conseguir ficar, não posso mais viver com essa dúvida. Eu estive lutando contra esse sentimento desde que descobri da sua farça, menti pra mim mesma de que iria conseguir te esquecer e que não devia sentir o que sinto, mas, se estiver pronto para se render… — Sua mão pegou-me pela nuca com destreza e fechei os olhos ao sentir sua boca contra a minha. Nos beijamos com avidez, como se fosse a última vez que faríamos aquilo. — eu me rendo também! — Sussurrei contra seus lábios vermelhos. — Chega de negar o que sente, , se ama, por favor...diga, eu preciso saber. — Encostei minha testa na sua esperando sua resposta.
apertou suas mãos envolta da minha cintura e assentiu com a cabeça antes de abrir a boca.
, eu…
! — Ouvimos a voz de James chamar ao fundo, não me soltou, apenas virou o pescoço para ver o que era. — Precisa vir aqui. — A preocupação em seu rosto me deixou apreensiva.
Suspirei encarando-o séria.
— Conversamos depois, tudo bem? — Assenti de imediato, parecia realmente importante. beijou minha testa antes de sair, levando-me pela mão junto dele.
Quando chegamos lá, todos estavam dentro do veículo. Deixei ir na frente, pelo visto era algo com o pai dele. Yuri estava por lá, refazendo seu curativo na perna.
— Ele precisa de um atendimento médico, urgente. — Traduzi o que meu amigo disse, vendo se sentar rapidamente, ficando pálido. — Está ardendo em febre, sugiro que sigamos viagem depressa, talvez ele aguente mais um pouco até chegar.
— Ele disse que precisamos ir logo. — Omiti a última parte, preocupada com a reação de . Que John estava com febre não era segredo pra ninguém, afinal seu rosto estava vermelho e ele suava, mesmo estando exposto a baixas temperaturas.
A recomendação de Yuri foi seguida de imediato, a fogueira foi apagada e disfarçada para não atrair ninguém nos seguindo e seguimos viagem. Foram as horas tensas que se passaram demoradamente, Gibson e James revezaram algumas vezes no volante, enquanto os homens da traseira faziam o mesmo com a segurança do veículo. Consegui pegar no sono, mesmo com os gemidos de dor constantes de John. Estava de coração apertado, mesmo sabendo que o mesmo não gostava muito de mim, não consegui evitar de sentir pena.
Ajudei Yuri dando-lhe água e colocando compressas de pano em sua testa para tentar controlar sua temperatura. Ele conseguiu dormir por um tempinho, os olhos de se enchiam de lágrimas a cada vez que via o pai naquele estado. Ele já nem se incomodava mais com Yuri, provando que sua implicância era apenas ciúmes, ou também pelo fato de que Yuri era o único que poderia cuidar de seu pai e sua raiva estava sendo deixada de lado naquele momento crítico.
O carro parou num certo ponto, pude ouvir a porta da frente bater e os passos de Gibson se aproximarem pela neve fofinha.
— Chegamos. — Disse após abrir a porta para que disséssemos dali.
O alívio era quase que palpável, tínhamos conseguido chegar até a fronteira sem grandes conflitos. A base era improvisada mesmo, havia alguns homens abrigados no galpão junto das aeronaves de porte médio. conversou com alguns soldados sobre coisas relacionadas a pilotagem, já que aparentemente ele nunca tinha pilotado um daqueles e sim caças menores, com um acento apenas. Não estava entendendo muita coisa e estava tímida com tantos olhares em mim, já que era a única mulher no meio deles.
Enquanto a conversa acontecia, Yuri e os outros alocavam John na aeronave em que voaríamos até a Suíça. Pedia meu fôlego toda vez que meus olhos reparavam demais nela, estava com medo de cair, não poderia mentir, apesar de tudo confiava em , mas não conseguia simplesmente parar minha tremedeira.
Quando voltei minhas atenções a , reparei que ele se equipava com seu capacete e óculos de voo, soltei um sorriso ao vê-lo me encarando de volta. pediu licença os homens e veio ao meu encontro intrigado.
— O que houve? — Reparei que ele ainda parecia preocupado com o pai, então decidi fazê-lo sorrir um pouquinho.
— Nada. — Sorri serena. — Já te disseram que você fica uma delícia de uniforme? — Ele riu negando com a cabeça. Mordeu o lábio inferior se aproximando.
— Podemos usá-lo mais tarde. — Murmurou ao pé do ouvido, arrepiando-me de imediato.
. — A voz de Yuri me assustou, fazendo-me virar para olhá-lo. — Eu queria me despedir, acho que vocês já estão de partida. — Senti uma imensa vontade de chorar, encarando seus olhos azuis.
— Desculpa interromper. — A voz de soou atrás de mim e franzi o cenho. — Você pode traduzir o que vou falar a ele? — Assenti apreensiva. encarou meu amigo intensamente, aproximando-se e me deixando tensa. — Diga que eu agradeço muito por ter cuidado de você e do nosso filho, e que se ele precisar de mim estarei pronto para ajudá-lo como retribuição.
Meu sorriso quase rasgou meu rosto, o encarei quase que em êxtase. Traduzi, vendo o rosto de Yuri se iluminar para logo depois, tornar-se envergonhado. Yuri agradeceu a , que o abraçou fazendo-me comemorar silenciosamente ao ver duas pessoas tão importantes para mim finalmente se acertando.
— Agora é minha vez. — O abracei forte, deitando meu rosto em seu ombro e ali ficando por um tempo. — Acho que nunca vou conseguir te agradecer o bastante por tudo o que fez por mim. — Murmurei chorosa.
— Já te disse que te ver bem já é um agradecimento! — Pegou minhas mãos sorrindo. — Por favor, se cuide, aproveite sua vida, , com e com seu filho, você merece ser feliz.
— Não fale assim! Parece que está se despedindo para sempre! — Reclamei arrancando um riso dele. — Por favor, fique vivo e volte para mim, sim? Meu filho precisa te conhecer! — Acariciei seu rosto já molhado em lágrimas.
— Prometo tentar. — Lhe dei um beijo na bochecha e outro abraço antes de ir até Colin e praticamente esmagá-lo.
— Você também, fique vivo! — Arranquei uma de suas gargalhadas gostosas e me despedi dele, que foi um grande amigo junto de durante minha estadia na casa que serviu de abrigo para os britânicos.
Gibson e James também ganharam abraços, mesmo o tenente não sendo do tipo emotivo, riu da cara que ele fez enquanto era esmagado por mim, logo nós dois entramos na aeronave após acenar para os outros. me ajudou afivelar o cinto de segurança, era nítido o quão trêmula eu estava.
— Está com medo? — Assenti encarnado-o com os olhos molhados. — Não tenha medo, dará tudo certo. — Ele riu baixinho do meu estado.
— Está com o melhor piloto da Força Aérea Real. — Ouvimos a voz fraca de John, que ia na frente. — E eu serei o co-piloto. Está em ótimas mãos.
e eu nos entreolhamos rindo fraco. Concordei com a cabeça respirando fundo e agarrando-me ao meu cinto, como se aquilo fosse me dar mais segurança.
— Nos vemos na Suíça. Eu te amo. — Assim que seus lábios deixaram os meus e vi seu trajeto até a cabine, me dei conta do que tinha acabado de ouvir.
Mordi meu lábio com força não conseguindo segurar as lágrimas que caíram. Pela primeira vez em muito tempo eu sentia que as coisas estavam começando a se ajeitar.
's point of view.
Apesar de compartilharmos o amor pelo aeronáutica e aquilo estar em nossa família por gerações, meu pai e eu nunca tínhamos voado juntos daquela maneira. Ele era meu co-piloto pela primeira vez na vida, porém não fazia a função de um co-piloto, estava fraco demais para fazê-lo. Sua expressão de dor estava me matando aos poucos. Mas apesar de seu estado, não poderia ignorar a felicidade que senti ao ouvi-lo me elogiar como o melhor piloto da força aérea. Meu pai sempre foi muito seco, até mesmo quando me viu pela primeira vez após achar que eu tinha morrido, John nunca foi bom em demonstrar sentimentos. E aquela era outra coisa que eu havia herdado dele.
Mas o modo como ele tinha sorrido fraco ao tentar tranquilizar me dizia que ele até que gostava dela, ao menos um pouquinho. Ela o tinha ajudado tanto durante a viagem, sabia que ele reconhecia seus feitos, e também tinha ciência que o fato de ela estar esperando seu segundo neto amoleceu seu coração.
Na verdade não era muito difícil se apaixonar por , eu mesmo tinha me apaixonado sem ao menos me dar conta. Era apenas um plano para fugir, porém quando me vi longe de seu olhar a mantive em meus pensamentos, achando ser apenas uma escapatória dos horrores da guerra. Mas quando a vi beijando outro homem algo dentro de mim explodiu. Precisei vê-la com outro e correr o risco de perdê-la para me dar conta de algo que estava em meu coração há muito tempo.
Eu a amava há algum tempo, porém meu orgulho de estar dependendo dela, o medo de me apegar sabendo que nunca mais a veria de novo depois que deixasse a casa de Juliet me impediram de perceber que era alguém importante para mim. Meu coração logo passou a interpretar o que eu sentia como se fosse um sentimento de gratidão, mas eu me vi ansiando por seus beijos, seu corpo, sentindo sua falta mesmo quando a tive próxima de mim assim que a reencontrei. Fora o fato maravilhoso de ela estar grávida de mim, eu mal podia esperar para tê-la todos os dias ao meu lado e acompanhar o crescimento de sua barriga! Esperava que finalmente pudéssemos ficar juntos sem nos esconder de ninguém e, principalmente, sem negar sentimento algum.
Perdi tempo demais me negando, perceber que a fiz sofrer com minha incerteza me fazia querer compensá-la por tudo, saber o quanto perdeu e o quão machucada estava me condicionava a querer fazê-la feliz. Ela era um anjo na minha vida, estava na hora de eu ser um na dela também.
O voo foi tranquilo, durou algumas horas e eu fui checando meu pai e pelo retrovisor durante o trajeto. Quando pousamos, fomos recebidos por amigos, que nos guiaram para um dos carros que já nos esperavam. Não tivemos tempo de nos instalar em nenhum lugar, mas não precisávamos, afinal não havia nenhuma bagagem. Fomos direto para um dos hospitais da cidade em que ficaríamos, meu pai estava grave e já quase não abria os olhos.
Foi de maca direto para o centro cirúrgico, deixando-nos sozinhos no corredor vazio.
— Nós conseguimos, chegamos a tempo de salvá-lo. — A loira se aproximou, encarnado-me esperançosa. Concordei com a cabeça, sem muita certeza se acreditava em sua fala. — Ele vai ficar bem, você vai ver. — Sua voz foi morrendo aos poucos e eu a abracei forte.
Imaginava como estava sendo para ela, viver aquilo “de novo”, ver mais uma pessoa que ela conhecia correndo o risco de morrer. Eu não queria perder meu pai, porém sabia que, se acontecesse alguma coisa, eu tinha passado algum tempo ao lado dele, voado pela última vez com ele e lhe dado a alegria de saber que teria outro neto. não teve ao menos a chance de dizer adeus ao pai e a mãe.
Falando em mães. Ouvi meu nome vindo do fim do corredor e reconheci aquela voz de imediato, me soltou assim que a viu praticamente correr em nossa direção. A recebi em meus braços ouvindo seu choro contínuo, suas lágrimas molharam meu ombro enquanto eu tentava acalmá-la afagando suas costas. Logo Noora se juntava a ela e abraçava-nos igualmente emocionada. Estiquei-me dando um beijo no topo de sua cabeça.
Quando nos separamos, vi Thomas segurando uma bebê nos braços. Fui abraça-lo, tomando cuidado para não amassar minha sobrinha, que apesar de toda a dor que envolvia o momento, sorria para mim.
— Está é Marie. — Minha irmã sorriu em meio a lágrimas. Peguei a criança em meus braços e encarei , que encontrei encolhida num canto assistindo a cena envergonhada.
— Venha cá. — A chamei, fungando e secando minhas lágrimas com as costas da minha mão livre. se aproximou atraindo os olhares para si, encarou Marie e sorriu para a bebê, esticando a mão em direção a suas bochechas rosadas. — Já que começamos as apresentações, esta é , minha esposa.
Os olhos azuis da loira se arregalaram junto com os demais, ri da reação de todos balançando minha sobrinha, que se assustou junto e começou a ameaçar chorar.
— Sua o que? Como isso é possível, meu filho? — Minha mãe, muito contraditória, me deu a bronca enquanto já puxava para um abraço caloroso. — Sou Angelina, muito prazer.
— Não estamos casados ainda mãe, mas é só uma questão de tempo, não é amor? — A loira ainda estava sem fala, encarando-me assustada.
— Sou Noora, este é meu marido Thomas, bem vinda a família! — Abraçou minha noiva sorridente. Eu sabia que ela iria adorá-la, Noora sonhava em ter outra mulher na família. — Eu adorei seu cabelo!
— O-Obrigada. — Sorriu tímida. A bebê agitou-se em meus braços e abriu o berreiro, fazendo minha irmã tira-la de mim. Minha mãe revirou a bolsa infantil que tinha no ombro em busca da chupeta, o que me lembrou de algo que eu não tinha contado ainda. — Me diga que não vai contar do bebê agora… — sussurrou próxima de mim, como se lesse meus pensamentos.
— A propósito, ela está grávida. — Minha mãe, que tentava fazer Marie pegar a chupeta a deixou cair, encarando-me perplexa.
— Provavelmente não é a melhor hora para anunciar isso. — beliscou-me o braço.
— Isso é incrível! Meus parabéns! — Noora abraçou a cunhada novamente. — Marie vai ter um priminho! Ou uma prima?
— Família de John ? — Uma enfermeira surgiu com uma prancheta em mãos. Minha mãe se pronunciou confirmando quem éramos. — Ele quer vê-los.


Capítulo 43 - Welcome to the final show.

’s point of view.
e sua família foram direcionados pelo corredor pela enfermeira séria, ele tentou puxar-me pela mão, porém não os acompanhei, achava que aquele era um momento deles. Me sentiria uma intrusa ali. Meu olhar foi no dele e em silêncio o desejei sorte, era impressionante como conseguíamos nos comunicar daquela forma, sem palavras ou gestos.
Ali fiquei por um tempo, nervosa e ansiosa, esperava que desse tudo certo, independente do que John pensava ou não sobre nós dois juntos, eu sabia o quanto o pai era importante em sua vida, e também conhecia a dor de perder um. Não queria que sentisse aquela dor, parecia que tinha um vazio enorme no meu peito, lembrar-me que não os veria mais me angustiava. Somente o tempo curaria aquela ferida, a dor viraria saudade, porém mesmo após isso, aquele buraco me acompanharia pelo resto da vida.
Eles retornaram depois, todos com os olhos vermelhos e com o choro ainda ameaçando sair. Porém, pareciam estranhamente felizes. Recebi no banco em que estava sentada enquanto sua mãe, irmã e cunhado pararam em uma das salas junto de um médico.
— O que houve? — Indaguei, encarando seu sorriso fraco, que se tornou genuíno quando o mesmo me olhou nos olhos.
— Ele vai para cirurgia, irão amputar sua perna e tentar tratar sua infecção. — Franzi a testa ainda confusa com aquela alegria toda. — O médico disse que após a amputação tudo pode melhorar, afinal é na perna que está o grande problema. — Seus olhos verdes brilharam em esperança. Sorri quando notei e levei a mão ao seu rosto, beijando sua bochecha.
— Que dê tudo certo nessa cirurgia, então. — Desejei, do fundo do meu coração. assentiu e me analisou por um instante. — O que foi? — Murmurei rindo envergonhada pela forma intensa que ele me encarava.
— Muito obrigada por estar aqui. — Sua mão grande envolveu a minha fazendo meu corpo se aquecer, não consegui evitar o pequeno riso que escapou de meus lábios.
— Não é como se eu tivesse pra onde ir…
gargalhou fazendo-me suspirar aliviada em saber que ele realmente estava bem em relação ao pai, era o certo a se fazer, deixá-lo nas mãos dos médicos e esperar que o tragam de volta são e salvo.
Sua boca colou-se na minha num selinho casto. Eu ficava feliz em fazê-lo rir num momento tão tenso.
— Exatamente por isso que sou mais grato ainda, depois de tudo o que aconteceu, a resistência dele a te trazer conosco… — Respirei fundo ao me recordar de tudo o que passamos nos últimos dias.
Havia sido uma longa jornada. Nem acreditava que finalmente as coisas estavam se acalmando. Estive em mãos tão maldosas, que até mesmo tinha estranhado ser tão bem recepcionada pela família de . Olhar para trás e ver que tinha deixado todos os que me fizeram mal para trás era indescritível.
Eu tinha vencido tantas batalhas. Nunca tinha pensado em mim como uma mulher forte, nunca tinha me visto como alguém que inspiraria orgulho em outra pessoa. Há um tempo atrás nem ao menos me considerava uma mulher, apenas uma menina que era inocente demais para o mundo em que vivia. Tinha crescido tanto em tão pouco tempo, me tornado alguém que me orgulhava sem ao menos me dar conta.
Não tinha sido nada fácil, as lágrimas e cicatrizes em meu corpo e coração eram provas daquilo, porém dali pra frente sentia que conseguia enfrentar qualquer coisa.
— Sei que ele já não me desgosta tanto assim. — Estreitei meus olhos sorrindo convencida. envolveu-me em seus braços, fazendo-me encolher os ombros quando depositou beijos em meu pescoço.
— É impossível não gostar de você. — Fechei os olhos sentindo-o beijar minha mandíbula, trilhando os beijos em direção a minha boca. Quando seus lábios tocaram os meus, senti sua língua entrelaçar-se a minha, num beijo apaixonado. — Você é a criatura mais doce que já pisou nesse planeta. — Ri contra seu rosto.
— Cuidado com o diabetes. — Acariciei seu braço que estava em volta de mim.
— Se eu morrer com o seu gosto em meus lábios, morrerei feliz. — Ofeguei sentindo seus beijos tomarem conta do meu pescoço novamente.
Sentir sua boca em minha pele arrepiava-me apenas com uma simples menção, as sensações que me fazia sentir, os gemidos e suspiros que me arrancava. Não gostava nem de pensar em ficar sem aquilo novamente.
Eu era completamente viciada nele.
— Não vamos falar em morte, por favor. Não quero nem pensar se algo acontecer com você ou mais alguém importante pra mim. — Seu sorriso diminuiu um pouco, concordou compreensivo e pediu desculpas num sussurro. — Principalmente agora, fazia muito tempo que não me sentia assim, é a primeira vez que tenho certeza de que tudo vai dar certo. E eu estou tão aliviada… — Fechei os olhos com força sendo abraçada por .
— Se acostume com esse sentimento, , porque será assim que vamos viver daqui pra frente, meu amor. — Seus dedos deslizaram por meus cabelos loiros, colocando-os para trás da minha orelha. — Vou tentar te fazer a mulher mais feliz do mundo. Falei sério quando te chamei de esposa agora há pouco. Quero me casar com você, de verdade dessa vez. — Olhei no fundo de suas esmeraldas e vi a certeza estampada ali.
Achava que seria difícil confiar em novamente. Mas tinha decidido lhe dar aquela segunda chance, somente porque comprovei que ele me amava e vi seu arrependimento. Ele tornou tudo mais fácil.
enfiou a mão no bolso e quando a abriu revelou o pedaço de tecido que foi nossa aliança improvisada na manhã que nos casamos escondidos no quarto. Sorri com os olhos marejados, pegando-o nas mãos, encarando-o emocionada.
Aquele casamento de mentira, seguido da nossa noite de núpcias secreta eram meus momentos preferidos ao lado dele. Parecia que tínhamos nos tornado um só, era um sentimento tão forte que foi capaz de superar até mesmo as piores coisas. Tudo o que nos aconteceu serviu para nos deixar mais fortes.
— Você guardou! — Lembrei-me do que tinha feito com a minha, quando a joguei longe no meu antigo quarto. — Eu descartei a minha, estava com raiva quando você fugiu. — Seu semblante se acalmou em compreensão.
— Tudo bem. Vamos arranjar alianças de verdade. — Sorri animada com a ideia. — Só preciso que você aceite o meu pedido. — Revirei os olhos diante daquilo.
— Não precisa de pedido, eu já sou sua. — Segurei seu rosto, beijando-o. — A única coisa que eu queria pedir, era que esperássemos Yuri e os outros para que eles estejam presentes.
— Por mim tudo bem, é muito bom que Yuri te veja se casando comigo, pra ver se desencana de você de uma vez por todas. — Abri a boca surpresa com o que estava ouvindo. Era engraçado vê-lo com ciúmes, e eu até que gostava do frio na barriga que sentia.
— Eu já disse que sou sua. Pare de implicância com ele. — Franzi as sobrancelhas, repreendendo-o. ignorou minha bronca, agarrando-me para si.
— Repete. — Revirei os olhos antes de encarar seu rosto.
— Eu sou sua.
— Eu te amo. — Sussurrou contra minha boca, beijando-me devagar fazendo-me suspirar contra si.
— Parece que estou sonhando. — Fechei meus olhos sorrindo de orelha a orelha.
— Então acorde, meu amor, porque nossa vida está apenas começando.
A tarde se passou rapidamente, Noora foi para casa com o marido algumas vezes por conta de Marie, mas Angelina não saiu daquele hospital por nada nesse mundo. Ela exalava preocupação enquanto os filhos e funcionários tentavam acalmá-la. A cirurgia durou horas, quando foi finalizada, o médico responsável foi pessoalmente dizer que tinha sido um sucesso. Ainda teria que ter alguém ali para acompanhar John enquanto ele estivesse internado tratando os outros problemas de saúde.
se ofereceu para ficar no lugar da mãe, que protestou querendo permanecer ao lado do marido, porém estava exausta demais por conta de todo o estresse que tinha passado naquele dia. Fui para casa junto da família dele, ainda receosa, não esperava ficar a sós com eles tão cedo. Tentei ficar, porém não me deixou por conta da gravidez. E ele tinha razão, eu precisava descansar.
— Querida, tem um quarto vago lá em cima, não preparei por não saber quando vinha, mas pode deixar que vou apontá-lo para você. — Olhei impressionada para a casa que adentramos.
e sua família tinham, além de muitos contatos, bastante dinheiro. Porque arranjar um abrigo daqueles na Suíça em plena segunda guerra não deveria ser fácil e muito menos barato.
— Mãe, acho que precisa comer um pouco antes de subir para descansar. — Noora riu, entregando a bebê adormecida para o marido.
— Verdade, aquele lanche do hospital não deve ter te saciado. — Levou as mãos a cintura. — Agora você come por dois. — Sorriu animada, fazendo a filha gargalhar junto de mim. — Receber meu filho vivo e ainda ter a notícia de que serei avó novamente é felicidade demais para o meu coração. Pra completar, só falta ter meu John de volta.
— Tenho certeza que já deu tudo certo. — Sorri em sua direção, recebendo um abraço inesperado como resposta.
— Tive sorte de ter dois filhos com tanto bom gosto, primeiro Noora me trás Thomas, que é praticamente meu terceiro filho, e agora me trás você, , — Pegou-me pelos braços deixando-me envergonhada com seus olhos claros marejando-se. — que é uma menina adorável.
Me emocionei com a ideia de entrar realmente para aquela família, também ser considerada uma filha por Angelina. Não substituiria meus pais, claro. Mas acho que um pouco de carinho maternal iria me faltar dali pra frente, e eu ficaria muito feliz em recebê-lo da minha futura sogra.
— Mãe, deixe-a respirar um pouco. — Noora veio até nós, resgatando-me da mãe chorosa. — deve estar com fome.
— Isso, leve-a até a cozinha. Vou preparar o quarto para que você só tome um banho e vá descansar. Vocês não trouxeram bagagens?
— Não. — Encolhi os ombros.
— Acho que minhas roupas servirão, pegue algo para ela no meu guarda roupas. — Fui puxada pela mão pela mulher de cabelos castanhos, como os de .
Fiquei sentida com a ideia de que tinha deixado tudo para trás, sabia que o modo como as coisas aconteceram não me permitiu levar nada comigo, porém meu coração se apertava em saber que eu não tinha mais nenhuma recordação dos meus pais ou das meninas. Queria ter algo além das minhas lembranças para me agarrar quando a saudade batesse mais forte.
— Me desculpe pela minha mãe, ela estava muito preocupada antes de vocês chegarem, só está demonstrando felicidade de um jeito...exagerado. — Os sotaques delas eram idênticos ao de , os olhos também. A genética da família era incrível, tanto , quanto a irmã e a mãe tinha covinhas nas bochechas que apareciam quando sorriam. E eles sorriam muito.
Minha única fonte de alegria por muito tempo havia sido Cornélia, Elizabeth e as menores Amélia e Harriet, elas foram as únicas com que dividi minhas gargalhadas enquanto estava hospedada na casa de Juliet. Ao lado de Noora e Angelina, pude voltar a sorrir como antes e até me sentir confortável com aquilo. Não havia mais soldados doentes precisando da minha ajuda ou a seriedade de Juliet, havia apenas a família da qual eu seria parte e estava me recebendo de braços abertos.
Após comer e subir para tomar um banho, finalmente minhas costas se repousaram no colchão coberto por lençóis macios e cheirosos. Fechei os olhos e me permiti adormecer tranquilamente. Sem temer nada, sabendo que estava segura, onde meu único incômodo foi não ter deitado ao meu lado naquela cama de casal enorme.
Havia tido uma noite de sono digna, quando amanheceu e a claridade invadiu o quarto pelas frestas da janela, ouvi passos no quarto. Me remexi na cama, abrindo os olhos devagar, vendo tirar o casaco do uniforme que ainda vestia. Ele parecia cansado, devia ter passado a noite numa poltrona ao lado do leito do pai.
— Bom dia. — Se ajoelhou na cama, beijando minhas costas descobertas pela camisola de alcinhas que Noora tinha me emprestado. distribuiu beijos proporcionando-me os costumeiros arrepios em minha pele.
Gemi manhosa virando-me para ele, que atacou meus lábios, dando-me um beijo cheio de segundas intenções. Sorri quando passou a explorar meu pescoço, enquanto sua mão desceu pelo meu corpo, indo para em minhas coxas descobertas.
, eu acabei de acordar. — Ri tentando me livrar e seu toque. — Como está seu pai? — Tentei abordar um assunto que talvez pudesse jogar um balde de água fria naquele fogo todo.
— Está bem. — Voltou a me beijar avidamente, fazendo-me revirar os olhos e tentar afastá-lo novamente. — Sinto sua falta. — Murmurou descendo uma das alças da camisola, beijando meu ombro desnudo.
— Eu estou bem aqui. — Fechei os olhos, não resistindo ao sentir aqueles lábios macios sugarem meu seio à mostra.
— Sinto falta desse corpo. — Deslizou os dedos para o outro lado, deixando-me seminua com os seios à mostra, distribuindo beijos por toda minha pele pálida. Acariciei seus cabelos macios, sorrindo com o que tinha acabado de ouvir. — Deixe-me matar a saudade… — Murmurou.
— Não faz tanto tempo assim. — Gemi arqueando minhas costas quando começou a massagear meu mamilo rijo, encarnado-me sério, Mordi meu lábio com força, eu amava o sorriso de , mas quando ele ficava totalmente sério, conseguia ficar mais sexy que o normal. O próprio normal dele era anormal para mim.
— Pra mim nunca será suficiente. — Suas mãos desceram até minhas coxas e sumiram dentro da barra da camisola de seda, senti um arrepio quando seus dedos esbarraram em minha intimidade coberta pela calcinha.
Estremeci sob seu olhar atento, tinha sido proposital. Minha calcinha deslizou por minhas pernas fazendo-me esfregar uma coxa na outra para conter minha excitação enquanto arrastou-se pelo colchão, indo até a ponta da cama.
Abri minhas pernas deixando-o entrar entre elas e subir a camisola, ansiosa, o assisti dar beijos castos em minha barriga, acariciando-a devagar, deixando-me ansiando por sua boca em minha intimidade. Quando finalmente parou de enrolar e desceu seu tronco mais abaixo, preparei-me para a onda de prazer que se aproximava. Ofeguei trêmula ao sentir sua língua deslizar com maestria, tombei minhas cabeça para trás, encarando o teto enquanto me dava tanto prazer que fazia meus olhos se revirarem.
— Queria poder gravar essa cena, — Lambia os lábios apreciando meu gosto, enquanto seus dedos largos me invadiam, levando-me a loucura. — pra poder assistir de novo, de novo e de novo. — Sorriu safado, vendo-me soluçar apertando os lençóis da cama, sentindo o orgasmo afetar cada centímetro do meu corpo.
se levantou da cama, indo em direção ao banheiro.
— Onde pensa que vai? — Ainda com a respiração irregular, apoiei-me sobre o colchão com os cotovelos.
— Tomar um banho. — Neguei com a cabeça. — Não vou?
— Venha cá. — O chamei com o dedo, fazendo-o entender o recado e dar meia volta rapidamente. — Não brinquei quando disse que te queria de uniforme. — Ajoelhei-me diante dele, que mesmo de pé continuava mais alto que eu.
— Sou todo seu. — Agarrou-me pela cintura, colando nossos corpos. Lhe beijei com vontade, sugando seu lábio inferior antes de me separar dele.
— Você fica extremamente gostoso nesse uniforme, mas acho que te prefiro sem ele. — Puxei sua camisa pra cima, revelando seu peito repleto de tatuagens.
Lhe beijei o pescoço arrancando gemidos dele, minhas mãos passearam por sua barriga, logo meus lábios faziam o mesmo trajeto, beijando onde quer que tocasse. Enquanto minha boca se deliciava naquele corpo maravilhoso, minhas mãos já entravam em ação, desfivelando o cinto que ele usava. Tive dificuldades e me ajudou, fazendo ele mesmo.
Apoiei meu corpo nas minhas pernas e o observei completamente excitada a arrancar o cinto e abrir a calça com urgência, logo estava ali, diante de mim, usando apenas sua cueca preta. Fiquei admirando aquele homem por um tempo, aproveitou-se da minha pequena distração e tomou atitude, agarrando-me pela nuca, com os dedos largos puxou meus cabelos, arrancando-me um gemido durante o beijo.
Puxei sua cueca, revelando seu membro ereto, já ansiando por mim. Olhei para cima vendo seus olhos brilharem e excitação, o beijei com a mão já sobre ele, masturbando-o vagarosamente, minha mão subia e descia por toda sua extensão enquanto minha língua enroscava-se na dele. Logo gemia rouco no meu ouvido, mordiscando o lóbulo fazendo-me arrepiar.
— Me render a você foi a melhor coisa que fiz na vida. — Meu corpo foi deitado sobre a cama e coberto pelo seu. grande e quente. Agarrei-me em seus ombros largos e debulhei-me de prazer com sua primeira estocada profunda.
Suas investidas foram se alternando entre rápidas e lentas. tinha o tronco apoiado nos dois cotovelos, um de cada lado de minha cabeça enquanto grudou nossas testas suadas, olhando-me nos olhos.
Eu o amava tanto, mais tanto, que deixei transbordar num sorriso em meio a gemidos, tentava não fazer barulho, afinal a irmã e o cunhado de ainda estavam na casa. Nós dois já tínhamos experiência em fazer amor em silêncio, e aquilo não afetava em nada nosso prazer. Conseguíamos demonstrar com o olhar, e os olhos verdes de me diziam tudo o que eu precisava saber.
Fiquei por cima dele, cavalgando lentamente. Suas mãos puxavam me pelos quadris, ajudando-me a subir e descer em seu membro, sua boca colava-se na minha beijando-me devagar e minhas mãos espalmadas em seu peito me davam a noção do quão rápido seu coração batia naquele momento. Gemi, arqueando-me para trás em puro êxtase quando abocanhou meus seios, um de cada vez, passando aquelas mãos grandes por toda a extensão de meu corpo trêmulo.
— Seu corpo é um paraíso. — Ofegou deitado, delineando minha cintura com as mãos. Ainda movia meu quadril, sentindo o clímax se aproximar cada vez mais. — Se estou longe morro de saudades, me sinto perdido.
Sua voz rouca e entrecortada devido ao prazer que estava sentindo me deixava louca. Aquele homem era a minha perdição.
, eu vou… — Não consegui terminar minha frase, era inebriada com todas aquelas sensações e respostas fisiológicas do meu corpo ao prazer que me proporcionava. Quando dei por mim, já explodia num orgasmo delicioso.
— Isso, amor, goza pra mim. — Seus dedos me estimularam enquanto me contorcia sobre seu corpo tatuado. — Você é inacreditável, . — Deleitava-se com minha imagem naquele instante, o momento em que perdia todo o controle de meu corpo e me entregava ao que estava sentindo.
Quando vi que não tinha me acompanhado, tratei de voltar a me movimentar em cima dele, beijando sua boca, já exausta, porém louca para vê-lo se desfazer em êxtase.
Ele me abraçou estocando-me com força enquanto mordia meu ombro para abafar seus gemidos, descontava nele cravando minhas unhas curtas em suas costas largas. Logo, atingiu o ápice, deitando-se com meu corpo ainda sobre o seu.
Tentei sair, porém ele me prendeu em seu abraço, fazendo-me gargalhar pela pirraça. Meu corpo deslizou pelo seu e acabei deitada na lateral do seu peito.
— Amor, eu preciso tomar café da manhã. — Resmunguei vendo-o já de olhos fechados.
— Não, vamos dormir um pouquinho, sim? — Tombou a cabeça sobre a minha. — Eu quero vocês dois aqui comigo, velando meu sono. — Sua mão acariciou minha barriga, alargando meu sorriso.
— Acha que será um menino? — abriu os olhos encarando-me sonolento.
— Sim. Mas se for uma menina, tudo bem também. — Suspirei encarando o teto branco do quarto. — Já sabe que nome vamos dar?
Não tinha parado para pensar naquilo, porém inevitavelmente, os nomes das minhas meninas me vieram à cabeça. Seria uma bela homenagem a elas.
— Se for menina...Cornélia? O que acha? — sorriu com ternura, assentindo com cabeça.
— Uma homenagem merecida, ela me ajudou quando fugi e nem preciso dizer sobre você, o quão próximas eram, não é? — Concordei recordando-me com carinho da menina dos cabelos ruivos e rebeldes. — E se for um menino?
Seguindo o raciocínio de em homenagear Cornélia por tê-lo ajudado, a única pessoa que me vinha à cabeça quando pensava em ajuda era…
— Já sei, Yuri. — Sua voz soou assustando-me com o modo como tinha lido meus pensamentos. O olhei com curiosidade, esperando sua reação. — Por mim tudo bem, sei que ele te ajudou e ajudou nosso filho. Mas, tem que deixar claro que é só um agradecimento e nada mais. — Agarrei seu dedo hasteado, rindo da bobagem que saiu de sua boca.
— Deixe de ser bobo. Yuri não quer nada comigo.
— Shii, eu estou dormindo. — Murmurou de olhos fechados, fazendo-me revirar os olhos.

***

Alguns anos depois.
— Cuidado para não rasgar! — Yuri repreendeu o neto, Liam, de seis anos, que folheava um dos vários álbuns de fotografias espalhados pelo quarto.
— Aqui! O dia do seu nascimento, Yuri! — Cornélia chamou o irmão, mostrando a foto para as crianças que ainda não tinham visto minha história ao lado de .
Estendi a mão para a moça, que era a minha filha do meio, Cornélia. Era esquisito conviver com aquela doença, tinha dias que não me lembrava de rostos que fizeram parte da minha vida por anos. Pessoas que iam até minha casa cuidar de mim, lavar minhas roupas, fazer minha comida e me fazer companhia.
Apesar de minha casa sempre estar cheia de pessoas, após a partida dele me sentia sozinha o tempo todo.
Ao olhar para a fotografia, lembrei-me nitidamente daquela noite especial.
— Yuri era tão apressado que mal deixou seu pai me colocar no carro para irmos ao hospital. Nasceu na nossa cama. — Ri daquela piada de . — Essa foi a mulher que fez seu parto, querido. — Apontei na foto, a mulher de sorriso parecido com o de .
— Esta é a vó Angelina, mãe. — Elizabeth interveio, encarando-me atentamente. — Lembra-se dela? A mãe do papai. — Encarei a foto novamente, frustrada por não reconhece-la.
Ela tinha um olhar de tanto carinho para mim. Pude sentir só de olhar a foto, mesmo que tenha se passado anos e eu já não me recordasse quem era.
— Olha, o álbum de casamento da vovó! — Amélia, minha neta, berrou vindo até a cama trazendo consigo o grande amontoado de fotos.
— Vocês eram tão lindos juntos, mãe. — Cornélia sentou-se junto da filha, que olhava cada detalhe daquelas fotos lindas.
— Que saudades que sinto desse dia. — Encarei meu rosto antigo, aos recém completados 18 anos. estava ao meu lado, tão feliz que seus olhos brilhavam.
— É impressionante, não é? Mesmo com o alzheimer te tirando tantas lembranças, não há uma sequer que envolva o pai que a senhora tenha se esquecido. — Elizabeth, a mais nova, refletiu atraindo os olhares para si.
Acariciei seu rosto na foto, sentindo meus olhos se marejarem.
— Esse casamento foi mágico. — Ouvi Alana, minha neta mais nova, soltar uma risadinha. — Todos os meus votos para seu pai se cumpriram. Desejei que fôssemos felizes, que formássemos uma família juntos, que nossos sonhos se realizassem e, por fim, lhe prometi que jamais o esqueceria.
Cecília, a esposa de Yuri secou lágrimas emocionada. Eu sempre contei minha história com meu para toda família. Era constantemente chamada nas escolas que eles estudaram para contar sobre o que vivi durante a guerra. Contava tudo desde o começo, o que passamos na Rússia e da nossa passagem pela Suíça até nos estabilizarmos na Inglaterra.
— E essa foto aqui, vó? — Liam levantou-se no chão, mostrando-me a polaroid de um dos dias mais felizes da minha vida.
vestia um dos seus ternos chamativos que o deixavam ainda mais charmoso, e eu com um vestido idêntico a um que minha mãe tinha me feito, que fiz questão de recriá-lo para ter um pedacinho dela comigo.
— Esses somos eu e seu avô comemorando o fim da guerra. — Yuri estava nos meus braços, com dias de vida. Os primeiros meses após o nascimento do nosso primogênito haviam sido os melhores da nossas vidas.
Aquele havia sido um dos nossos últimos dias na Suíça, logo voamos para a Inglaterra o mais rápido que John havia conseguido nos levar. O pai de estava louco para reencontrar os amigos de farda, comemorar a queda de Hilter e da Alemanha nazista.
Recordava-me do reencontro com Yuri, Colin, e os outros rostos conhecidos que retornaram para casa. Logo tudo estava pronto para que nos casássemos. Já sem barriga, fui com Noora arranjar um vestido de noiva e alguns dias depois me casei num campo lindo na Inglaterra. Havia flores para todos os lados e muito amor envolvido nos olhares de cada convidado ali.
— Aqui está, o Yuri, com o tio Yuri. — Elizabeth riu da confusão, mostrando para todos o meu melhor amigo com o meu filho no dia do casamento. Lembro-me de vê-lo chorando quando lhe disse que ele tinha sido homenageado por nós.
e Yuri, com o passar dos anos, se tornaram bons amigos. Yuri se casou com Rebeca, uma inglesa que conheceu meses depois de decidir ficar na Inglaterra, ela naturalmente também entrou para o nosso ciclo de amizades.
— Nossa, como a vovó era bonita! — Amélia exclamou vendo a foto que foi tirada no meu primeiro dia de estágio no hospital Sant peace, em Londres. tinha ido me levar em seu carro, estava tão feliz por eu finalmente estar fazendo o que amava.
E eu também estava toda orgulhosa com o meu jaleco, iria me formar naquele ano, e Cornélia já estava em meu ventre, eu só não sabia que estava grávida ainda. e eu estávamos radiantes com nova casa que compramos.
A mesma em que estava com meus filhos e netos naquela noite.
— Continua linda. — Yuri beijou-me a testa, fazendo-me rir da carinha que Amélia fez ao perceber que falou besteira. Depositei um beijo no topo de sua cabeça.
Amélia sempre foi o xodó de , já tínhamos Henry, filho de Elizabeth, quando Cornélia anunciou que esperava um bebê. Quando Amélia veio ao mundo, ficou totalmente rendido pela neta, a mimou de todos os jeitos possíveis e até causou discórdia algumas vezes por não esconder seu favoritismo.
A menina sofreu muito quando ele nos deixou. E ela não tinha sido a única. tinha sido muito amado por todos, quando partiu fez uma falta enorme.
Faziam seis meses que eu já não sabia o que era dormir uma noite inteira, dividir a cama com alguém uma vida toda e de repente ter que se separar desse alguém de uma forma tão brusca não entrava na minha cabeça. Fui diagnosticada com Alzheimer há um ano, me apoiou como sempre tinha feito, me ajudava na hora de lembrar dos remédios, me ajudava quando minhas crises de esquecimento batiam, estava sempre por perto caso eu precisasse.
O perdi por conta de um infarto do miocárdio, meu já tinha oitenta anos quando aconteceu, não resistiu e foi embora, dormindo no sono eterno e deixando-me para trás.
Já havia se passado mais de cinquenta anos desde que tudo começou, mas eu jamais esqueceria do dia em que vi seus olhos verdes pela primeira vez, quando senti seu toque pela primeira vez e quando o tive beijando meus lábios. Doença nenhuma tiraria as minhas lembranças ao lado do meu amado, estava cravejado em meu coração, e ele não iria descansar até que eu o tivesse de volta.
tinha levado consigo um pedaço de mim. Estava incompleta, e o esperava ansiosamente em meus sonhos todas as noites, para que ele viesse ao meu encontro e me completasse como fez durante todos os anos em que passamos juntos.
— Já está tarde. Vamos deixar a vovó descansar, sim? — Sorri para Cornélia, agradecida.
— Boa noite, durmam com os anjos.
A pequena fila foi formada para se despedir, como sempre ocorria quando eles iam embora da minha casa. Naquela noite me vi na necessidade de não somente beijar as bochechas dos meus filhos e netos, mas também abracei um a um orgulhosa da família que tinha construído ao lado de . Não sabia se eram os remédios fazendo efeito e retardando meu esquecimento, mas eu me lembrava muito bem de cada um ali. Era como se eu nunca tivesse esquecido.
Ao me ver sozinha em meu quarto, abaixei-me para apanhar o álbum de casamento que foi esquecido na minha cama.
— Mãe. — Cornélia chamou, aparecendo no batente da porta. — Vou ir dormir, qualquer problema estarei no quarto ao lado, sim?
Não a respondi, estava folheando mais uma vez o albúm. A saudade estava me matando aos poucos.
— Sente falta dele, não é? — Beijou o topo da minha cabeça branca.
— O tempo todo. — Respondi em meio a lágrimas. Minha filha me abraçou forte, tirando o álbum de minhas mãos. — Mas ainda o verei novamente.
— Já passou da hora de dormir, mocinha. — Seus cabelos loiros caíram na lateral de seu rosto quando ela me deitou na cama fria. — Até amanhã, mãe.
Antes de vê-la partir, num súbito, lhe agarrei a mão atraindo seu olhar confuso. Meu coração se acalmou no mesmo instante em que vi seus olhos verdes como os do pai. Depositei um beijo no dorso de sua mão e a deixei ir.
A porta se fechou após a luz ser apagada, algo dentro do meu peito me deixou inquieta, respirei fundo apertando as cobertas contra meu corpo enquanto encarava a escuridão a minha volta. Estava sentindo algo que não sentia desde a noite que antecedeu a chegada de na casa de Juliet, era como se algo bom estivesse prestes a acontecer.
De repente, a luz do banheiro se ascendeu, atraindo minha atenção para a porta entreaberta. Por incrível que poderia parecer, não senti medo algum. Levantei-me e fui até lá, algo parecia me puxar, como um imã. Empurrei a porta branca, que se abriu devagar revelando-o de costas, vestindo seu uniforme da Força aérea real.
? — Ofeguei atraindo seu olhar, então ele se virou para mim, sorrindo do jeito que só ele sorria.
Sua aparência era a mesma de quando nos conhecemos, o de vinte e quatro anos caminhou em minha direção, pegando-me pela mão. Sempre achei que quando visse algum fantasma teria medo, mas com ele não, eu estava mais segura do que nunca.
— Minha aeronave está lá fora nos esperando, venha voar comigo. — Ouvir a sua voz arrancou-me lágrimas. Parecia um sonho.
Quando olhei para o espelho a nossa frente, vi a que costumava ser aos dezessete, toquei minha própria pele desacreditada.
— Não pode ser real… — Sussurrei ainda encarando-me. prostrou-se ao meu lado, olhando em meus olhos através do reflexo.
— É real, meu amor, eu estou aqui. — Suas mãos envolveram-me e pude sentir, além do calor de seu corpo, seu perfume suave adentrar minhas narinas. — Está na hora de irmos embora, de voltarmos a ser um só.
Pela primeira vez tive medo, mas não de ir com ele ou dele, mas sim do que iria sentir.
— Não vai doer? — Exitei, agarrando sua mão.
— Não vai, meu amor. — Juntou seus lábios nos meus. — Será como voar.
Fui junto dele, confiando que nem mesmo a morte poderia nos separar agora.


Fim.



Nota da autora: aaa, eu tô tão feliz, tão feliz de poder finalizar essa história, ela é um dos meus xodós, é uma história muito especial pra mim, tão especial que sempre achei que jamais iria conseguir tirá-la dos meus esboços de ideias e começar a escrevê-la. Sou muito orgulhosa de ter chegado até aqui, foram quarenta e tantos capítulos envolvendo muita pesquisa, drama (risos) e muito amor também. Muito obrigada a todo mundo que leu até aqui, que acompanhou e que me incentivou a continuar com os comentários, sou muito grata a vocês por fazerem parte disso.
É isso, eu amo vocês, obrigada por tudo.
Se cuidem.
All the love ALWAYS





Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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