– Ei, cuidado aí! – a garota disse com o solavanco que sentiu, ajeitando o capuz da capa marrom que usava e abraçando contra si a cesta que tinha no colo. Com um dos olhos fechados e ainda sentindo os pequenos balanços que a carroça dava ao passar pelas ruas de pedregulhos, viu o cocheiro apenas lhe virar o rosto de soslaio.
– Com o pagamento que combinamos, esse é todo o cuidado que você vai receber – o homem disse de mau humor, logo voltando os olhos para frente, enquanto a menina levantava mais a postura e bufava de leve. Desceu a mão que ainda mantinha no capuz e a deixou cair sobre o pano branco e velho que cobria o volume da cesta, juntando mais as pernas e apertando a mala que tinha entre elas. Passou por um pequeno momento de silêncio, até que notou o homem olhá-la de esguelha mais uma vez. – O que tem aí? – ela imediatamente fez uma careta, franzindo o cenho e torcendo o nariz.
– E por que você quer saber, afinal de contas? Para um homem tão mesquinho, é mais curioso que eu pensava – respondeu, fechando os olhos e virando de leve o rosto num ar de bronca superior, enquanto voltava a puxar a cesta mais para si. Alguns segundos se passaram e ela resolveu abrir um dos olhos, mas o homem continuava a encarando pelo canto do olho.
– Não sei. Se fosse algo frágil, eu poderia... Tomar mais cuidado talvez – ele disse num tom meio suspeito, mais para deixá-la a par da barganha que poderia silenciosamente fazer ali em troca da informação, e a garota suspirou, fechando os olhos e sabendo que o resto da viagem seria um completo inferno se não pegasse no pano logo e o levantasse para os olhos tão curiosos daquele homem. – Isso aí é um monte de... Livros? – torceu o nariz outra vez e abraçou de vez a cesta, tirando-a do colo e levando contra o peito do modo que podia.
– Pare de falar como se fosse terra do jardim! – ela disse furiosa, o cenho franzido e as sobrancelhas na diagonal. – São livros dos mais variados tipos e com os contos mais influentes da história do Reino de Fiore! – adicionou e baixou um pouco a peça de vime endurecido, além da própria guarda que pusera num modo tão defensivo. O homem ergueu de leve a única sobrancelha que ela podia ver e parou de olhá-la, ficando de frente com as ruas de novo.
– Peço desculpas... Senhorita – deu com as rédeas umas duas vezes nos dois cavalos que puxavam a carroça e resolveu continuar. – Você... É uma colecionadora? – acabou por desfazer a expressão brava, que àquela altura estava já quase desfeita, e terminou dando um sorriso.
– Sim! Tenho uma porção de coisas lindas nesta coleção. Posso dizer que eu sou alguém que tem quase tudo... Pelo menos quanto a romances! – ela disse, ainda com um sorriso no rosto, e voltou a cobrir as pilhas de livros enfiadas e encaixadas na cesta. O homem, mesmo que a menina não pudesse ver, deu um pequenino sorriso com aquilo.
– Veio a Magnolia para tentar a carreira de escritora? – ele perguntou e acabou abrindo um pouco mais os olhos , um tanto surpresa pela pergunta que nem descabida era, mas que ela na verdade não esperava. Negou com a cabeça, por instinto, e começou a falar.
– Não é isso. Eu... Vim para entrar em uma guilda de magos.
Ao dizer aquilo, o homem imediatamente puxou as rédeas com força e fez os cavalos relincharem com os cascos para o alto, fazendo tanto quanto suas bagagens se atrapalharem no banquinho de madeira de trás da carroça. Assim que tomou controle da própria situação, prendeu a mala com firmeza entre as pernas e segurou a cesta de livros com uma mão, enquanto a outra tentava equilibrar o próprio corpo ao se agarrar na madeira escura e lisa do assento. Pôs-se em uma postura normal de novo e piscou os olhos algumas vezes, a sombra do próprio capuz se projetando sobre o branco do pano velho. Ergueu a cabeça, cada mão ainda na posição de antes, apesar da coluna já erguida e ereta, e viu o homem parado à sua frente como se nada tivesse acontecido, olhando fixamente para frente.
– O que... O que aconteceu? – ela perguntou com a voz um tanto frágil, ainda assustada pelo movimento tão repentino, e viu o homem se virar por completo dessa vez.
– Chegamos. O pagamento – e lhe entendeu a palma da mão aberta para perto do rosto dela, fazendo-a olhá-la atrapalhada logo à frente do próprio nariz. Levantou as íris para o homem de barba negra que continuava a encará-la em silêncio absoluto.
– M-mas você nem me perguntou até onde eu ia. Isso não é justo! – a garota disse em protesto, tentando franzir o cenho e se fazer nervosa de novo, mas no fim apenas aparentando estar mais atrapalhada ainda. O homem não se moveu da posição em que se pusera.
– Você já está em Magnolia. É o suficiente. Suponho que, qualquer coisa, pode sair voando por aí com a sua coleção – ele disse em tom de deboche ácido, continuando com a mão estendida e o olhar um tanto reprovador, senão mais debochado ainda, e finalmente franziu o cenho de verdade. Enfiou a mão sem muito cuidado no bolso da capa e tirou o pagamento que havia prometido e separado logo no início da viagem, pondo-o com pouca delicadeza na mão gananciosa daquele homem. Pegou a mala das pernas com uma mão e a cesta com a outra e desceu da carroça, mas o cocheiro se pôs a correr a toda com os cavalos assim que ela pisou no chão daquele lugar.
Ainda tendo um pé na carroça que já se punha em movimento, tropeçou e arregalou os olhos, caindo de barriga para baixo e com os braços esticados na calçada de pedrarias, com uma perna dobrada e a outra também esticada, além da bagagem igualmente se espalhando pelo chão. Depois de alguns segundos naquela posição, retraiu os membros e se pôs de joelhos, massageando um dos cantos da cabeça com os olhos semicerrados de leve dor, enquanto via a carroça de afastar cada vez mais. Colocou-se de pé rapidamente.
– E, para a sua informação, magos não sabem voar! – gritou ao cocheiro que continuava se afastando, a expressão enraivada e o capuz já caído sobre as suas costas, sem ligar a princípio para a mala e a cesta largados ali. – ...Pelo menos, eu nunca conheci nenhum que voasse!
Percebendo que aquele homem não daria nenhuma atenção a ela ou a qualquer coisa que gritasse ali, no meio da rua, bufou cansada e largou a postura, agachando-se para pegar a bagagem e colocar os livros de volta no seu lugar. Assim que terminou, percebeu finalmente o quão ensolarado estava naquele dia, pelo menos nas ruas de Magnolia, e tirou a capa, dobrando-a e a colocando dentro da mala de roupas. Ao que se levantou outra vez, com a saia azul escuro e a blusa branca de detalhes azuis à vista de tudo e de todos, pôde perceber. Ela levantou os olhos para o alto e viu, tão claro e tão de longe, o céu azul e limpo a vislumbrando das alturas.
Não pôde evitar outra coisa que não fosse um sorriso. Aquele ele era o mundo pelo qual ela tinha saído de casa, apesar de tudo que a aguardava de volta, e viveu para ter ao seu redor.
Um mundo de magia. E, mais do que isso, um mundo em que a magia era natural como saber amarrar os sapatos.
Sem esperar mais, abriu ainda mais o seu sorriso, já com as bagagens nas mãos, e saiu praticamente em corrida pelas ruas iluminadas e não tão cheias de pessoas. Podia se lembrar como se fosse ontem da primeira vez em que sua mãe a colocou no colo e lhe mostrou, em livros, que magos não só existiam, como estavam mais perto do que imaginava. Magia era real e de um modo tão sólido quanto a madeira das casas ou o concreto do chão em que pisava. Qualquer pessoa que quisesse podia ser iniciada na arte de alguma magia e ganhar sua vida a partir disso em lugares de que jamais esquecera o nome: as guildas de magos.
Na hora, não conseguiu entender como um nome tão engraçado podia ser algo tão grande, mas logo, na próxima página, pôde ver tão claro como o cristal dos vasos da sala. Eram organizações de magos que se uniam, em pequena ou grande quantidade, para prestar serviços dos mais diversos tipos, desde recuperar um mapa perdido a derrotar algum tirano que tomou conta de alguma cidade vizinha. Porém, quando já estava animada para virar a página e ver as fantásticas histórias de magos poderosos que acabaram com monstros do tamanho de sua casa, sua mãe a impediu. Colocou a mão sobre a mãozinha dela e atraiu a sua atenção. Levantando-lhe três dedos livres, a mulher disse o detalhe que não estava no rodapé do livro nem em nenhum lugar. Havia três tipos de guildas: as regulares, as sombrias e as independentes. As primeiras eram devidamente registradas no Conselho Mágico, órgão que tomava conta dos magos e da magia dispersa pelo reino, enquanto que as independentes não. Já as sombrias, jamais se esqueceu do que sua mãe disse a respeito delas: nunca cruze o caminho delas e não as deixe cruzar o seu, a menos que seja para derrotá-los e colocá-los no lugar em que merecem estar, que é na cadeia.
Desde aquele dia, a ideia de manusear magia e vê-la se concretizar diante de seus olhos se tornou uma possibilidade tão reluzente como ouro. Ela pesquisou em diversos livros, falou com várias pessoas e até escapou de casa durante a madrugada para ir a bibliotecas proibidas pelo seu pai. Ela queria e se tornaria uma maga, mas, principalmente, não lhe deixaria acontecer o mesmo que ocorreu com sua mãe.
Ela seria uma maga livre.
Livre para exercer magia e crescer no mundo afora.
Continuou correndo pelas ruas e por entre as pessoas que a olhavam de esguelha nos poucos segundos que podiam, contornando as margens do rio que passava ali perto e seguindo os passos do caminho que se lembrava de cor do mapa. Mais do que querer se tornar uma maga, havia uma guilda que se tornara o seu maior sonho. No meio dos registros que juntara e das perguntas que fizera a pessoas em bares perto de sua casa, durante a calada da noite, ela ouviu falar de uma guilda que se punha sobre todas as outras em vários quesitos. Barulhentos, boêmios, quebra-tudo. Eram as palavras, ou termos, que mais ouvia sair da boca das pessoas quando o nome daquela guilda era mencionado. Porém, apesar da fama de destruição desmedida e de que, mesmo regular, já estava até na mira do Conselho Mágico, eles eram definitivamente a maior e mais poderosa guilda do Reino de Fiore. Prendiam bandidos e salvavam pessoas, faziam os serviços mais inimagináveis possíveis... Mesmo que, no fim, a conta que recebessem por destruir parte da cidade fosse alta o suficiente para fazer o Mestre gritar e começar uma briga ali dentro mesmo. Muitos magos de todas as partes tentaram várias coisas para entrar na guilda, mas o ingresso não era tão fácil quanto parecia. Você devia não apenas se mostrar poderoso o suficiente para fazer parte dela, mas ter algo a mais que ninguém nunca soube explicar o que era. Era uma coisa que apenas eles, daquele lugar, conseguiam ver.
Correu por mais algumas esquinas e, antes do que esperava, pôde avistar. Deu alguns passos para frente, aproximando-se do meio-fio com os olhos completamente encantados. Logo ali, do outro lado da rua, imponente na sua construção gigante de cimento e concreto com pequenas torres e bandeiras, além do emblema em exuberante estandarte no centro de tudo e grande suficiente para ser avistado a pelo menos mais metros do que estava dali, estava ela. A guilda, o lugar de alguns dos magos mais poderosos do reino.
A Fairy Tail.
Sem conseguir esperar mais de tanta animação, pôs-se para frente e atravessou a rua, correndo para a entrada. Assim que chegou à porta, olhou em volta, mas não havia ninguém guardando a entrada ou algo parecido. Achou estranho, porém não se parou, passando pelo caminho de madeira largo e que atravessava o verde da grama do início do jardim. E, quando já estava na verdadeira porta, que dava entrada ao interior da guilda e aos magos, ela pôde ver.
Barulhentos, sem sombra de dúvidas, era realmente a primeira coisa a se dizer deles.
Dentro da primeira sala que vinha logo após a porta, que era um bar grande e cheio de mesas de madeira, dezenas e dezenas de pessoas conversavam e riam ruidosamente, brindando canecas de vinho e cerveja com tanta energia que o chão já estava bem sujo de tudo que era possível. Eles comiam, gritavam e batiam na mesa, tudo ao mesmo tempo, tudo numa energia que seria contagiante, se não o fizesse se perder no meio de tanta confusão.
Ainda hipnotizada por todo o barulho e toda a movimentação, deu um passo para dentro, continuando a olhar tudo e todos. Contudo, a sua atenção ao ambiente à volta e aos magos animados era tanta que não sobrou nenhuma para perceber o pequenino degrau que separava o bar do lado de fora, fazendo-a bater a ponta do pé ali e tropeçar com tudo, junto com sua mala e cesta de livros, para dentro do lugar e no maior estrondo possível.
De olhos fechados e membros esticados pelo instinto, levantou as pálpebras de leve e viu todas as pessoas, que antes praticamente berravam a plenos pulmões, agora completamente caladas e a encarando de seus lugares nas mesas e fora delas também. Avermelhando no mesmo instante e não conseguindo evitar a careta assustada que tomou conta de seu rosto, pôs-se de pé no mesmo instante e deixou as mãos atrás de si como uma criança, sem saber o que fazer com elas. Depois de alguns segundos de ainda silêncio, com todos encarando e parados como antes, esticou um dos pés lentamente até a mala caída e, assim que a tocou, a arrastou para trás o mais rápido que conseguiu.
– Posso ajudar você? – antes que aquele momento embaraçoso se prolongasse por mais um pouco, ela ouviu de repente e desviou o rosto da multidão. Era uma mulher, como havia previsto pelo tom da voz, e essa se aproximou mais de . Ela tinha os olhos azuis e os cabelos longos e brancos, presos num meio-rabo que nunca havia visto antes, junto com um vestido longo e rosa avermelhado, além de um sorriso completamente despreocupado que ocupava toda a extensão de seus lábios. imediatamente se sentiu mais à vontade e pronta para dizer algo, mas logo notou a cesta de livros que continuava caída e virada aos seus pés e se abaixou para recolhê-los da forma que conseguiu, juntando-os aos montes em seus braços, antes de se levantar e voltar para a moça que ainda a observava com aquele mesmo sorriso de antes.
– Sim. Eu... Eu vim... Eu... Sou uma maga – ela disse aos pedaços, incerta de como deveria começar ou ao menos dizer aquilo, e viu a mulher abrir mais os seus olhos azuis por um segundo. Sentiu-se preocupada a princípio, mas logo a viu fechá-los e abrir ainda mais o seu sorriso.
– Ah, então você veio para tentar se juntar à guilda! Chegou aqui com uma cara tão assustada que achei que estivesse perdida pela cidade e precisando de informação – ela soltou uma risadinha e estendeu a mão para , que a princípio observou antes de apertá-la, largando a cesta arrumada no chão apenas a tempo de ouvi-la continuar. – Seja bem-vinda! Eu sou Mirajane.
já levantava a mão para retribuir o cumprimento quando travou no meio do movimento e fez outra careta como a de antes, olhando a garota à sua frente com o que só poderia ser classificado como pavor.
– V-você... Você é Mirajane Strauss? A maga de Classe S e modelo da “Magos da Semana”?! – perguntou completamente atônita, vendo Mirajane à sua frente apenas fechar os olhos e dar um sorriso meio lisonjeado, encolhendo de leve os ombros. – O... O Demônio?!
– Bom, já faz algum tempo que alguém não me chama assim... Mas, sim, sou eu – ela disse e deu outro sorriso, parecendo tão adorável que apenas conseguiu dar mais medo ainda em .
Magos de Classe S eram membros de elite dentro de uma guilda. Eles eram sempre os mais poderosos da organização e os únicos autorizados a executar trabalhos de Classe S, que eram conhecidos por serem tão perigosos que nem mesmo exércitos de magos normais unidos poderiam ter alguma chance, se um mínimo erro fosse cometido. E não era um tipo de perigo normal, de simplesmente monstros enormes e criaturas inacreditáveis, mas do tipo que rendeu a Mirajane o apelido pelo qual era chamada até hoje.
ficou paralisada por mais alguns instantes, apenas encarando a mulher com uma cara que não sabia dizer se era de terror ou admiração, com a mão ainda no meio do caminho de cumprimentar Mirajane que, no fim, já havia desistido do ato. Ela pareceu acordar de repente e chacoalhou a cabeça, voltando ao que havia vindo fazer ali em primeiro lugar.
– E você... Pode me aceitar como maga daqui?! – a garota perguntou animada e já cheia de esperanças. Se a mulher era tão amável quanto parecia ser, pelo menos fora de batalha, talvez entrar para a guilda não estivesse tão longe de seu alcance.
Porém, para seu desagrado, Mirajane sorriu amarelo.
– Sinto muito. Isso é apenas com o Mestre... – ela disse e deu de leve com os ombros, ainda observando a menina. Contudo, logo reabriu o sorriso de antes. – Mas, para a sua sorte, ele está aqui agora!
Assim que ela disse aquilo, imediatamente começou a olhar para os lados, não conseguindo baixar as esperanças de antes e procurando por alguém que fosse grande e forte o suficiente para nem sequer precisar de um crachá com “Mestre” escrito. A única pessoa poderosa o suficiente para superar os magos de Classe S de uma guilda era o seu próprio Mestre. E, para chefiar um lugar como a Fairy Tail, Makarov Dreyar, como já havia ouvido por aí, devia ser um cara de força anormal e capaz das coisas mais incríveis. Além do que, como se não bastasse ser o mandachuva ali, ela sabia que ele próprio era visto pelo Conselho Mágico, que tanto brigava com a Fairy Tail por seus altos estragos, como mais que um simples baderneiro.
Mas um dos seus Dez Magos Santos.
– Mas... Onde ele está? – perguntou confusa, franzindo o cenho, enquanto varria com os olhos o bar que aos poucos voltava ao ritmo de antes. E foi nesse momento que ouviu uma série de passos e sentiu algo se aproximar dela.
– Por que não olha para baixo?
Parando no mesmo momento em que ouviu aquilo, ela manteve os olhos bem abertos e lentamente abaixou o rosto, ao que via um homem velho e extremamente baixinho parado à sua frente. Aquele cara não devia passar da altura dos joelhos de . Tinha cabelos e bigodes brancos, num rosto de feições fortes e com uma careca no topo, além de uma capa ocre que cobria um conjunto de roupas sérias.
– Você... É o Mestre Makarov? – perguntou com certa estranheza, quase querendo levantar uma sobrancelha e ainda sem se mover muito da posição em que parara. O homem, de braços cruzados, apenas torceu o nariz e mexeu de leve o bigode.
Então, literalmente como mágica, aquele velhinho tão pequeno de repente cresceu de tamanho. Cresceu, cresceu e cresceu até que a sua cabeça estava a milímetros de bater com o teto extremamente alto do bar. Ao ver o gigante surgindo à sua frente numa velocidade tão absurda quanto aquela altura, deu um berro meio esganiçado e caiu para trás, observando com os olhos meio esbugalhados o rosto, agora também gigantesco, de Makarov e os seus olhos que ficaram brancos como a neve. Isso fez toda a agitação do lugar pausar outra vez, trazendo a atenção dos magos de novo, mas de maneira mais intensa que antes.
– Acho que não há mais alguma dúvida... Há? – Makarov perguntou com simplicidade, observando a pequena forma de abaixo e jogada ao chão, enquanto essa mantinha um silêncio abismado e quase que maravilhado como resposta. Com tal reação dela, que a princípio lhe foi suficiente, ele diminuiu mais uma vez, voltando ao seu tamanho normal e nanico ao lado de Mirajane que não pareceu estranhar ou sequer se importar com aquela cena pouco usual.
Quando ouviu que Makarov Dreyar era capaz de esmagar elefantes com a sola de seus pés, ela pensou que fosse no sentido metafórico e não literal da coisa.
– Ei, velhote, o que está acontecendo? – ainda tentando se recompor no chão, a garota ouviu uma voz ressoar. Já quase ajoelhada e levantando o rosto, viu então um rapaz de pé e braços cruzados atrás do Mestre. Não conseguiu evitar outra reação que não fosse franzir de leve o cenho e não mover qualquer outro músculo. Aquele talvez fosse o cara mais estranho que já tinha visto em tempos, sendo que havia acabado de conhecer Makarov e isso não se apagaria tão cedo de sua memória. Era um garoto aparentemente um pouco mais alto que ela, de cabelos e bagunçados, vestindo um colete preto de laterais douradas e nada mais abaixo dele. A única outra coisa que ajudava a cobrir a parte de cima de seu corpo era um cachecol branco e de várias linhas, como se fosse retalhado e de algum material esquisito. Fora isso, usava uma calça-pescador branca e uma camada de tecido, presa por um cinto, do mesmo tipo do colete sobre essas, com sandálias pretas e abertas. Os seus olhos, mesmo que não desse para dizer a cor deles com exatidão de onde estava, eram grandes e expressivos.
– Nada, . Pode voltar para o seu lugar – Makarov respondeu com firmeza e deu um passo para frente, aproximando-se de . – Quem é você?
Percebendo que já era hora de se levantar, a garota se colocou de pé pela terceira vez naquele dia e se pôs reta na frente do senhor que a olhava de baixo.
– Eu sou . Vim para Magnolia hoje e... Gostaria de fazer parte da sua guilda, por favor – disse firme, ou tentando parecer firme, e não se moveu em nem mais um milímetro, rezando no fundo que o velho Makarov fosse menos severo do que aparentava ser ou que o seu sonho, no fim, não terminasse jogado ao lixo.
Os dois permaneceram de pé, encarando-se em silêncio, apenas com Mirajane e , que não havia obedecido à ordem de antes, nos mesmos lugares de antes e observando. O homem foi o primeiro a quebrar a cena.
Deu uma risada incrivelmente alta para alguém tão pequeno e encolheu os ombros involuntariamente.
– E o que faz você achar que vou aceitá-la na minha guilda com um simples “por favor”? – ele disse e acabou fazendo uma careta atrapalhada, encolhendo-se ainda mais em seu lugar. – Você tem noção de que aqui é a Fairy Tail, não tem? – antes que ele pudesse dizer ou argumentar mais alguma coisa, resolveu se pronunciar.
– Sim, tenho! E é o meu sonho entrar aqui. Por favor, só me dê uma chance... – a menina dizia, dando mais um passo para frente e juntando as duas mãos numa forma de implorar silenciosamente, mas, assim como ela havia feito, Makarov a cortou.
– Uma chance de quê? De provar algo? – o senhor falou, fazendo , que já começava a arquear de leve as costas durante sua mendicância, se endireitar novamente. – Porque, honestamente, não me parece que você tenha sequer algum poder que interesse por aqui.
– Ora, Mestre, não seja tão precipitado... Há muitas pessoas que enganam por aqui e o senhor sabe disso – Mirajane interferiu e disse, claramente se referindo a si mesma e ao seu jeito enganadoramente dócil. Makarov fechou os olhos e suspirou, odiando ter que concordar com a mulher, quando notou alguém passando ao seu lado. Ele se alertou e reabriu os olhos, levantando a face outra vez, mas apenas a tempo de ver já à frente de e com as costas para ele e Mirajane.
De frente para aquele garoto, não sabia como reagir ou sequer que expressão fazer. Acabou cedendo à vontade de fazer sua costumeira careta atrapalhada, mas isso não ajudou em nada, pelo menos para ela. Ele deu mais um passo para frente, encarando-a fixamente nos olhos e diminuindo a distância num nível que estava para ficar no mínimo inaceitável. Agora, não tinha mais dúvidas quanto à cor dos olhos dele, que eram e levemente dourados em torno das pupilas, porém todos os seus pensamentos foram interrompidos quando ela o viu aproximar o rosto, ainda mais do que já havia feito, e cheirá-la.
Sim, cheirá-la.
Depois de dar algumas fungadas e sentir o odor da garota, além de deixá-la aterrorizada e com os cabelos da nuca arrepiados, ele voltou as costas e simplesmente abriu o maior sorriso do universo.
– Eu gostei da . Vamos ficar com ela! – o garoto declarou sem pudor nenhum, na maior inocência possível, e passou o braço sobre os ombros dela, puxando-a para um abraço de lado que acabou sendo mais pelo pescoço e numa força desmedida. A menina tombou para o lado, mexendo as mãos em desespero e em pedido de ajuda, enquanto balbuciava qualquer coisa desesperada sob a pele absurdamente quente de . Mirajane arregalou os olhos e foi sua vez de ficar atrapalhada, sem saber o que dizer à pobre e como fazer o rapaz parar com aquilo, ou ao menos o que fazer primeiro, mas Makarov apenas ergueu uma sobrancelha.
Depois de algum tempo, talvez por milagre, talvez por vontade de fazer outra coisa, mas certamente não porque notara algo de errado, soltou a menina que respirou o mais fundo assim que pôde e se virou para ela com aquele sorriso enorme.
– Ei, , que tipo de magia você usa? – ele perguntou em simplicidade, num tom naturalmente alegre, e ergueu uma das mãos, fazendo em questão de segundos que uma chama brilhante e vermelha começasse a brilhar em torno dela. – Eu faço fogo.
Depois que o ouviu dizer aquilo tudo, e também que viu o fogo desaparecer tão magicamente quanto surgira, ela acabou levando alguns segundos a mais para responder. Viu-o apenas continuar a olhá-la com seus olhos grandes e sorriso maior ainda. Percebendo o silêncio por parte dela, fechou os olhos e abriu de vez o seu sorriso, deixando à mostra os seus dentes levemente pontudos. , a princípio, se assustou com o jeito da boca dele, porém logo se sentiu confortável com aquele sorriso tão infantil, mas também tão sincero dele. , ironicamente a como andava e ao abraço que tinha acabado de dar, aparentava ser inofensivo.
Abrindo um sorriso pequenino e de lado, pôs as mãos em um de seus bolsos e de lá tirou um molho de oito chaves. Cinco delas eram prateadas, enquanto as outras três eram douradas.
se aproximou e observou as chaves de perto com uma expressão boba, ao que Makarov atrás dele arregalava os olhos e erguia mais o rosto que antes estava baixo em desinteresse.
– UHUL! ELA É UMA CHAVEIRA E TEM O PODER DE ARROMBAR PORTAS! – o moleque gritou em êxtase e em prolongado desafinamento, erguendo as duas mãos e fazendo altas labaredas violentas surgirem e atingirem o teto, chamuscando-o. permaneceu parada em seu lugar, a expressão no mínimo surpresa com aquela reação dele, e logo sentiu uma mão agarrar a sua. Olhou para o lado e viu Makarov, um pouco mais crescido, segurando o punho de sua mão que carregava as chaves.
– Você é uma... Maga Celestial – ele disse em afirmação, apesar de que no fundo da frase parecesse haver uma pontada de dúvida. Depois disso, largou a mão dela e se afastou, diminuindo de tamanho. – Talvez eu deva... Dar-lhe uma chance – ao ouvir aquilo, arregalou os olhos e abriu o sorriso, fechando os dedos em torno das chaves e pronta para começar a pular no próprio lugar e com , quando viu o velho lhe levantar um dos dedos. – Contanto que... – ele começou e, vendo que tinha a atenção dela, continuou. – Você passe pelo treinamento com algum mago e prove, no final, que tem o que precisa para ficar aqui.
parou por um instante, ponderando aquela condição que a princípio lhe soou mais esquisita do que deveria, mas logo se pôs a comemorar de novo, não conseguindo se importar com aquela única barreira que parecia ter sido posta entre ela e o seu sonho.
– Ah, obrigada! Obrigada, obrigada, obrigada! – começou a agradecer sem parar, ajoelhando-se e abraçando o corpo pequeno do Mestre, enquanto esse parecia não saber o que fazer a princípio, mas no fim dando leves batidinhas amigáveis no ombro dela. se pôs de pé de novo. – Bom, e eu posso saber com quem vou treinar? Espero que seja com a senhorita, Mirajane! – disse com um sorriso, além dos olhos fechados, e a mulher se encolheu naquele seu jeito adorável. Abriu a boca para responder, mas o senhorzinho deu um sorriso não tão amigável e levantou um de seus dedos, logo se pronunciando e impedindo qualquer tentativa de Mirajane de dizer alguma coisa.
– Não, não, não... – ele disse suave, balançando o dedo para lá e para cá mais suavemente ainda e mantendo aquele mesmo sorriso de antes. – Ela é de outra pessoa – Makarov abaixou o dedo e pôs as mãos atrás de si, dando dois passos para frente e se aproximando da menina que acabara se afastando um pouco depois de abraçá-lo. – Diga-me uma coisa, senhorita . Vejo que já conhece Mira e provavelmente sabe dos feitos dela... – e parou de andar, as mãos ainda atrás de si e o rosto mirado para o da garota um tanto confusa, sem parar de sorrir daquele jeito em momento nenhum. – Mas o nome Titânia lhe traz alguma lembrança?
Apesar da pergunta dele ter sido feita com óbvio propósito de ser retórica, o nome realmente não tocou sino nenhum para . Nunca sequer ouvira aquele apelido, na verdade. Conhecia Mirajane e sua história devido à sua pequena carreira como modelo e a todas as entrevistas que dera à “Magos da Semana”, mas aquele nome, aparentemente, nunca estivera lá.
Porém, antes que pudesse perguntar algo ou dizer inocentemente que, de fato, não sabia quem era aquela pessoa, notou ainda ao seu lado e paralisado numa expressão de puro terror.
– V-você quer dizer q-que ela vai treinar com a Er...? – ele não conseguiu terminar a frase e o simples silêncio da parte de Makarov foi o suficiente para fazer o seu queixo cair. ainda estava confusa, querendo na verdade perguntar quem, afinal, era aquela maga, quando viu lhe virar os olhos de repente, como que percebendo que ela olhava e perguntava coisas com esse mesmo olhar. Ele então recompôs a postura e a abraçou sem muito jeito ou delicadeza de novo de lado, botando aquela expressão feliz em seu rosto outra vez. – Ainda bem que eu estou aqui para ajudar você, então! – disse e a esmagou contra si, soltando-a em seguida, mas apenas para agarrá-la pelo antebraço e começar a arrastá-la pelo chão. – Estou morrendo de fome. Vamos comer alguma coisa – disse com simplicidade e se pôs a realmente arrastar a menina pelo lugar e para alguma mesa, sob os olhos de um Makarov inexpressivo e uma Mira um tanto sem jeito. piscou os olhos várias vezes, ainda meio incrédula do fato de que estava realmente se atritando com o chão e nem ao menos parecia se incomodar com isso.
– E-e-ei, ... O que você está fazendo...? ?! !

– Nossa, esse lugar é muito maior do que eu pensava! – disse maravilhada, ainda olhando para as árvores e todas as plantas do lado de fora, enquanto ela e Mira entravam em outro pedaço da propriedade da Fairy Tail. A segunda a levara para conhecer melhor a guilda, numa tentativa um tanto desesperada de tirá-la das garras meio sem noção de que cismara com ela e queria mais do que tudo levá-la para comer três assados e um balde de peixes grelhados na companhia de Happy. Não que tivesse entendido quem era aquela pessoa, mas se sentiu bem aliviada quando Mirajane apareceu dizendo que, antes de treinar por ali, a menina precisava pelo menos conhecer o lugar. – O que é aqui?
Depois de saírem do bar e deixarem ir comer sozinho, elas andaram por todo o edifício principal. Passaram por salas de equipamento e treinamento intensivo, pelos murais de trabalhos normais e de Classe S e pela biblioteca, onde ficou extremamente animada. Isso sem contar os diversos cômodos que a garota, na verdade, nem entendeu direito o que eram. Agora, do lado de fora e nos jardins de um verde vivo, além de grande o suficiente para eventuais duelos que pudessem ocorrer, as duas andavam despreocupadamente, com Mira à frente de , quando essa parou ao ver o arco que chamou a sua atenção. Mirajane se virou para ela.
– Aqui é a Fairy Hills. É onde temos todos os alojamentos e moradias a quem possa interessar – ao ouvir aquilo, teve um pequeno espasmo de alegria, quase derrubando suas bagagens pela milésima vez no dia e abrindo um sorriso de orelha a orelha.
– É sério? Então eu não tenho que me preocupar mais em procurar casa por Magnolia?! – ela disse animada e a mulher acenou afirmativamente, o sorriso ainda em seu rosto.
– Não. Praticamente todos moram por aqui. São poucos os que preferiram procurar outras casas... O aluguel é de um valor fixo de 75.000 Jewels e deve ser pago todos os meses – Mirajane continuou a falar e também voltou a andar, pondo-se para dentro da propriedade e levando , que ouvia atentamente, junto consigo. O valor de aluguel não era exatamente o cheiro de uma flor, mas certamente mediano para o que iria encontrar nas ruas de Magnolia, se ela mesma procurasse uma casa fora dos limites da Fairy Tail. Entrando numa casinha bem menor que as outras ao redor e que aparentava ter apenas uma grande escrivaninha e armários de pastas e arquivos, viu Mirajane se agachar diante da mesa e abrir alguma das gavetas inferiores, puxando para fora um livro cujo tamanho ia pelo menos da ponta de seus dedos até o cotovelo, além da grossura extremamente considerável. – Você aceita, por enquanto pelo menos? O Mestre disse que seu treinamento duraria uma semana, então creio que, apenas por esse período, possamos deixar o seu aluguel de lado... Pelo menos até sabermos se você vai mesmo se juntar a nós – Mirajane disse docilmente e levou o livrão ao seu peito, abraçando-o com os dois braços, enquanto observava do outro lado da sala. A menina deu um pequeno pulinho de alegria, abrindo um sorriso quase que comparável àquele do mago do fogo.
– Como eu poderia recusar? – disse e apertou o arco da cesta na sua animação, vendo Mira fechar os olhos num ar de quem achava a cena uma graça e logo abri-los, ao que abria também o livro em suas mãos. Contudo, enquanto observava a sala meio velha e de paredes verde-musgo à sua frente, ela estranhou o silêncio que se instalou por tanto tempo e voltou os olhos para a amiga, imediatamente a vendo com aquela quase enciclopédia aberta pela metade e uma expressão nada agradável no rosto. Franziu o cenho e ia dizer algo, mas Mirajane foi mais rápida, fechando o livro com tudo e tentando retomar à força as feições felizes de antes.
– Bom, nós só temos um probleminha... – ela disse e corou de leve ao que começou a falar, voltando a abraçar o objeto como antes e escondendo do queixo até a boca atrás dele. – As casas estão todas lotadas. Talvez você tenha que... Dividir uma com alguém – a mulher disse um tanto pausado no fim, como se pensasse direito em como dizer aquela exata parte. inclinou a cabeça de leve, estranhando toda aquela reação dela.
– Mas é claro que não me importo com isso, Mira. Vocês já estão me permitindo um treino e uma semana livre de aluguel. Como eu poderia reclamar? – ela disse e deu uma risadinha no fim, fechando os olhos durante essa e os abrindo a tempo de ver Mirajane ainda calada. Por um momento, achou que a moça ia dizer alguma coisa (advertir talvez fosse a palavra mais correta), mas se viu enganada assim que ela começou a andar para a porta atrás de si, depois de deixar o livro sobre a mesa.
– Você é realmente um doce, ! – Mira disse com um sorrisinho e se pôs fora dali o mais rápido que conseguiu, olhando uma vez para trás antes de seguir o caminho sem mais nenhuma interrupção. – É só me seguir, por favor.
Elas andaram por entre várias casas de tamanho mediano, pintadas de vários tons de pastel e com telhados que variavam do marrom ao vermelho. Assim que pararam em frente a uma com paredes cor de gelo e que pareciam um tanto detonadas, para falar a verdade, Mirajane ficou de frente para e tomou uma expressão meio culpada.
, eu preciso admitir... – a mulher começou a falar, colocando uma das mãos sobre a maçaneta da porta e corando como antes, apesar de um pouco mais intensamente. Encolheu os ombros. – Quando disse que todos os alojamentos estavam ocupados, eu quis na verdade dizer... Que eram todos os femininos – ela disse e deu um sorriso mais amarelo impossível, desviando os olhos na mesma hora em que começou a entender do que aquilo realmente se tratava. A garota manteve os olhos arregalados, sem se mover e apenas observando a figura meio envergonhada de Mirajane.
– E-espere. Então você quer dizer que eu...? Que...? – a menina começou a balbuciar, apontando para a porta ao seu lado durante a última frase incompleta, e viu a mulher tirar do bolso alguma chave que aparentemente também apanhara na sala de antes. Saiu do estado paralisado quando sentiu Mira depositar a chave e o seu frio metálico sobre sua mão.
– Tenho certeza de que vai se dar bem com os rapazes! Eles não vão aprontar nada com você. E, se aprontarem, é só me dizer. Não será nada que um bom demônio não possa resolver... – a mulher do vestido rosa disse um tanto rapidamente e retomou um ritmo normal ao fim da última sentença, dando uma piscada para e imediatamente se retirando dali.
Rapazes? – a garota de cabelos perguntou com uma entonação que beirava a incredulidade, mas também passava perto da indignação. Então, como se não bastasse dividir a casa com um cara que nem sabia quem era, ela a dividiria com mais de um? Havia se virado para trás para buscar Mirajane e entender mais alguma coisa daquela confusão toda, porém a moça já estava longe, correndo em ritmo não tão pesado e passando pelo arco de antes. Vendo aquilo, bufou de leve, deixando a mão que ainda segurava a chave tombar e bater contra sua coxa. Não ficara com raiva da amiga (afinal, não havia como, quando se tratava de alguém tão dócil como ela), porém não estava exatamente confortável.
Voltando os olhos para a porta ao seu lado e depois para a chave já baixa e perto de sua perna, fechou os dedos em torno dela. Não estava em posição ou sequer situação de voltar atrás e recusar aquela oferta. Com ou sem homens na sua presença, ela teria que aceitar e entrar.
Com esse pensamento em mente, levantou a chave e a colocou no buraco da fechadura, girando-a e abrindo a porta sem muita pressa. Estava com os olhos baixos, na vergonha de entrar no lugar e dar de cara com alguém se trocando ou algo do gênero, mas o que encontrou foi certamente pior, senão pelo menos mais inusitado.
Quebra-tudo talvez fosse pouco para eles.
Assim que abriu a porta, a primeira coisa que viu foi , o mesmo garoto de cabelos de antes, rolando aos gritos e pelo chão com um cara de cabelos e apenas calças. Os dois continuaram se empurrando e se batendo até baterem com tudo contra a parede do lado, o que na verdade não os parou da atividade de antes. Um tanto assustada com a cena que acabara de ver, moveu de leve os olhos e levantou o olhar para o resto da sala de estar.
Sete.
Havia sete homens ali.
Sem se mover ou fazer algum barulho para não ser descoberta naquele exato momento, começou a observar melhor o lugar. A sala, na verdade, se resumia a um sofá de vermelho queimado sobre um tapete oriental velho e colocado contra a parede na qual o mago do fogo e o outro rapaz se atracaram. No móvel, um homem de cabelos negros e roupas verdes, marrons e em tons de creme estava sentado de pernas cruzadas e com um dedo contra a têmpora, parecendo tentar se concentrar em algo, a despeito do outro que pulava como um animal ao seu lado. Esse segundo era forte e de um forte completamente anormal. O seu porte físico era tão intenso que chegava a ser quase bestial, acompanhando os cabelos brancos e bagunçados e a cicatriz no rosto bronzeado. Ele continuava pulando no lugar, mesmo que sentado e atrapalhando o amigo, enquanto levantava dois pesos de 5 kg cada e parecia gritar algo como: “homens devem malhar”.
Mais além dali, já estavam as camas, de solteiro e enfileiradas lado a lado. Havia quatro do mesmo lado do sofá, ao lado do qual na verdade havia outra porta, e mais quatro do lado oposto, que mais perto de onde a menina estava tinha uma kitchenette quase que inútil de tão pequena. Ao pé de uma das camas do lado da cozinha improvisada, viu um homem de sobretudo vermelho, e do mesmo vermelho do sofá, com um espada embainhada ao lado, junto com botas brancas que usava nos pés. Os seus cabelos eram verdes e incrivelmente longos e ele parecia estar preocupado em anotar desesperadamente algo em um caderninho, ajoelhado ao lado de outro homem que parecia ter até mais da sua atenção do que o próprio caderno. Esse estava sentado sobre a cama, os olhos fechados e o tédio totalmente estampado em seu rosto. Seu porte também era acima da média, bem mais que o do cara que se concentrava no sofá e do que estava aos seus pés, mas talvez comparável ao da fera de antes, coberto por uma capa escura e roupas que iam do mesmo tom. Seus cabelos eram curtos e loiros e, atravessando um dos seus olhos, uma cicatriz escura se fazia presente.
Já na última cama do lado do sofá, havia o sétimo cara. Ele tinha o que só podia ser uma série de piercings no rosto, além do cabelo rebelde e negro que caía em longa cascata pelas costas largadas contra a parede atrás de si. Suas roupas também eram negras, meio rasgadas em alguns pontos, e ele estava... Comendo um pedaço de ferro.
Aquilo não tinha como ficar pior.
! – deu um grito completamente desregulado assim que avistou a garota parada na porta e se pôs de pé, passando para o lado e ficando de frente para ela. Ainda tinha os braços erguidos para cima em completa alegria, quando o cara com quem lutava antes apareceu ao seu lado de fininho e o empurrou com uma das mãos, fazendo-o tombar para o lado com uma carinha surpresa e logo cair com tudo ao chão. Nisso, todos os outros já haviam também notado a presença dela, que não conseguiu fazer outra coisa que não fosse encolher os ombros e dar uma careta atrapalhada, ainda sobre o tapete de entrada.
– Quem é você? – o homem, que até então comia o naco de um ferrolho e subitamente parou com a notada presença de , perguntou em uma voz longe de ser doce como a de Mirajane, mantendo uma expressão também não muito amigável no rosto.
– Ela não é um homem – declarou a besta de cabelos brancos.
– Então você é a ! – a menina ouviu de repente, mas não viu a boca de ninguém que estava à sua vista se mexer. Nem mesmo a de , ainda meio caído de cara no chão. Além do mais, aquela não era a voz dele. Era fofa, fina e engraçada. Foi quando sentiu algo passar perto de si e viu um gato azul e com a barriga branca, além de um par de asas também brancas e algo verde amarrado em torno do pescoço, surgir voando à sua frente.
Ao dar de cara com aquilo, a garota não conseguiu fazer outra coisa que não fosse gritar com os olhos esbugalhados.
– MARIPOSA GIGANTE FALANTE! – ela gritou em desespero e fechou os olhos, movendo a mão de modo brusco e atingindo o gato. Esse rodopiou até bater de costas na parede ao lado do fogão, onde escorregou e foi parar no chão.
Sem muita demora, ele logo estava agachado e com as asas e orelhas baixas, contra um dos cantos daquele lugar que na verdade não passava de um retângulo gigante. A aura depressiva à sua volta era praticamente visível de tão densa, ao ponto que , que no meio daquilo tudo tinha se levantado e saído de sua posição, estava ali agachado com ele, afagando a cabeça do pobre bichinho.
– Ela me chamou de mariposa... – o gato disse com a voz dolorida e se encolheu ainda mais ao se lembrar da comparação feita. não parou com o consolo.
– A é nova por aqui, Happy. Não fez por mal – o rapaz disse e o gatinho pareceu melhorar um pouco, virando-lhe o rostinho antes baixo. piscou os olhos algumas vezes e abriu a boca.
– Happy...? – a menina falou meio incrédula, observando se levantar e Happy, que mudou de humor numa questão de segundos e voltava a ter o mesmo rostinho feliz de quando veio cumprimentá-la, tirar um peixe inteiro e cru da trouxinha que, aparentemente, era a coisa verde amarrada em torno do seu pescoço. – Então você é o Happy?!
– Warren, ela ainda não é um homem! – o cara quase gigante disse frustrado para o pobre amigo ao seu lado e esse virou os olhos.
... – o rapaz dos cabelos loiros disse em tom grave e com os olhos meio semicerrados, atraindo a atenção dos outros ao seu redor. – Você deve ser a Maga Celestial de quem o velhote falou – assim que disse aquilo, fechou os olhos de novo e soltou um barulho em desprezo, sem mudar a sua posição sobre a cama. – Como se não bastasse que eu, neto do Mestre, precise conviver com mais seis antas e um gato na mesma casa, agora tenho que dividi-la com uma garotinha também – um tanto pasma com a grosseria repentina daquele cara, franziu o cenho e abriu a boca para dizer algo, mas, para sua surpresa, outra pessoa se adiantou a fazer isso.
– Eu calaria a droga da boca, se fosse você – o rapaz dos cabelos e de dorso exposto, que ainda estava à frente dela e no mesmo lugar de onde empurrara , disse em voz grossa e com apenas o rosto virado para trás, na direção daquele homem que também não se moveu com o comentário. Em contrapartida, o mago dos cabelos verdes e que estava no chão se levantou em fúria.
– Não vou permitir que fale assim com o senhor Laxus! – o cara respondeu e se pôs na frente do homem ainda sentado, já colocando a mão na bainha da espada em seu quadril. O rapaz dos cabelos , porém, apenas abriu um sorriso debochado em resposta e fechou os olhos, voltando o rosto para a direção de .
– Então apenas façam silêncio suficiente para que eu possa me apresentar – ele falou e reabriu os olhos, dando dois passos e se aproximando da menina que abriu mais os seus e não se moveu. Já totalmente diante dela, estendeu-lhe uma mão aberta e, dali, fez uma rosa de gelo se materializar aos poucos, da ponta do caule até o fim das pétalas. Maravilhada com aquilo, ficou observando e olhando até vê-la ficar pronta, que foi quando começou a cair pela gravidade e foi segurada por dois dedos dele. – , mago do gelo.
Ela olhou da rosa para o garoto mais de uma vez e, no fim, aceitou a flor. Agora estava bem claro por que ele e , aparentemente e pelo que havia visto, não se davam bem. De olhos e nada mais que não fosse um colar prateado e a marca da guilda cobrindo a sua parte de cima do corpo, o físico de mostrava por que ele provavelmente se sentia tão confortável em ficar sem algumas partes da roupa. Todo mago, uma vez que fizesse oficialmente parte de uma guilda, devia ter a marca do emblema dela em alguma parte de seu corpo. , pelo jeito, havia escolhido o lado direito de seu peito. , por outro lado, a tinha em um dos ombros. Além disso, a sua calça era de um verde-musgo extremamente escuro, com cinto e botas pretas pesadas. Mas, depois de varrer os olhos pelo garoto, voltou para o seu rosto. Era, sem dúvidas, o mais atraente de todos que estavam ali e provavelmente um dos mais bonitos que ela já tinha visto na vida. Ele continuava calado e apenas sorrindo, com um sorriso que estava longe de ser grande e aberto como o de e era provavelmente o exato oposto: fechado e sutil.
Sem que ela percebesse, se pôs de fininho ao seu lado e colocou uma mão aberta ao lado da boca, como se fosse lhe contar algum segredo.
– Eu não ficaria muito perto do , se fosse você. Ele guarda um bando de revistas indecentes de baixo do colchão – assim que o garoto disse isso, arregalou os olhos e ficou meio embasbacada, enquanto à sua frente ficava vermelho e talvez de olhos tão arregalados quanto ela.
– Ei, isso não é verdade! – o rapaz apelou, mas pareceu não se abalar, visto que não mudou em nada a sua pose.
– Eu juro. Ele é doente. Teve uma vez que acho que até vi uma ovelha em uma das páginas...
– ISSO TAMBÉM NÃO É VERDADE!
– Mas o fato de que você é um picolé retardado com certeza é! – desfez a posição e começou a falar com sua voz meio esganiçada.
– RABO QUENTE!
– PEDERASTA!
– Você nem sabe o que isso significa! – disse e baixou a voz, mas continuou gritando como um animal.
– SEI, SIM!
– Não, não sabe – o cara que antes tentava se concentrar no sofá, que pelo que o gigante de cabelos brancos tinha dito se chamava Warren, disse de repente, ainda sentado e com as pernas cruzadas. o encarou com a expressão abismada e a boca aberta por um momento, mas logo se pôs a continuar a discussão.
– Você não pode afirmar isso!
– Sim, posso. Eu sou telepata – Warren respondeu e, de novo, não se moveu, fazendo retomar a expressão derrotada de há pouco. – O que faz disso a sua terceira mentira em menos de dois minutos.
O rapaz de cabelos permaneceu estático e com a boca aberta ao máximo em derrota, a cor de seus olhos quase que sumida naquele momento. Porém, isso só durou alguns instantes. Depois de poucos segundos, ele despertou e começou a gritar coisas completamente incompreensíveis, balançando os braços e batendo os pés freneticamente, enquanto os outros simplesmente erguiam uma sobrancelha, Happy fazia cara de nada e girava os olhos. Vendo que o rapaz do pedaço de ferro estava se incomodando mais que os outros e com a vontade de estourar a qualquer momento estampada em seu rosto, resolveu intervir na discussão de qualquer modo e com qualquer desculpa.
– Desculpem – a menina disse de repente, fazendo se calar e os olhos de todos se voltarem para ela mais uma vez. – Mas eu só queria saber uma coisa... – continuou e encolheu de leve os ombros, observando os sete rapazes e o gato. – Quem é Er?
– Er? – o mago dos cabelos verdes, que ainda estava de pé e com a mão na bainha da espada, disse, deixando o tom de sua voz mostrar que não fazia ideia do que ela estava falando.
– Eu conheci uma Ur no passado, mas de Er nunca ouvi falar – adicionou à conversa, mantendo os braços cruzados e os pés no mesmo lugar de antes. Vendo que ninguém parecia saber de algo ou sequer chegar aonde ela queria, resolveu continuar.
– Sim, uma maga chamada Er! Quando o Mestre Makarov disse que eu teria que treinar com alguém por essa semana, ele me perguntou se eu sabia quem era Titânia e logo indagou se era da Er que estávamos falando – quando todo mundo ouviu aquilo, suas sobrancelhas pareceram subir mais que antes. Laxus, ou pelo menos foi isso que entendeu do nome dele, fez outro barulho irritado.
– Idiota – ele disse simplesmente. Em seguida, o homem dos pierciengs fez uma cara debochada, afastando o ferrolho que ainda mordia.
– Ei, Salamandra, o seu cérebro já está tão frito que agora você não consegue nem mais falar os nomes das pessoas? – ele falou e se recostou mais à parede, voltando a dar uma mordida no metal. , no entanto, pareceu se enfurecer de novo de seu lugar.
– CALE A BOCA, SEU FERRO-VELHO! – o garoto gritou e o outro pareceu se irritar de vez, fechando a mão em torno do ferrolho e o entortando em um arco gordo.
– Cale você, churrasquinho de merda!
– Eu sei de quem você está falando, ! – a garota ouviu a voz de Happy interromper a discussão e olhou para baixo, encontrando o gato de pé à sua frente e com uma das patas para cima. – Ela não se chama Er. O provavelmente não conseguiu terminar a frase na hora – depois de explicar, ele abaixou o bracinho, permanecendo no mesmo lugar e com os olhos na garota. – O nome dela é...
– Erza Scarlet.
No momento em que aquela voz ressoou pela casa, todos paralisaram em seus lugares, com a exceção de . Ela não era alta e barulhenta. Era de mulher, firme, mas tão séria e autoritária que fez e gelarem e se olharem como duas crianças culpadas, Happy ficar de um tom de azul mais claro, Warren e seu amigo virarem estátuas, o rapaz de cabelos verdes ficar em completo silêncio, o sétimo parar com o ferro na boca e Laxus erguer uma sobrancelha. Percebendo que todos olhavam fixamente para trás dela, fez uma careta e arregalou os olhos, sabendo que, quem quer que fosse, estava com certeza logo atrás e a centímetros de distância.
Conforme se virou lentamente, girando sobre os calcanhares no tapete de entrada, notou que a porta permanecera aberta por todo aquele tempo e que dela dava para ver uma mulher parada, com as pernas levemente separadas e os braços baixos, numa pose quase tão autoritária quanto a sua voz. Ela era de uma altura mediana e usava a parte de cima de uma armadura prateada com símbolos à direita, com uma saia azul escuro e botas negras. Seus olhos eram castanhos, de uma firmeza tão grande que fez se juntar à reação dos outros e paralisar também, e os cabelos, soltos e sem nenhum acessório, tinham um tom de vermelho escarlate tão forte que, se quisessem, poderiam competir com as chamas de e talvez até ganhar.
Ela permaneceu ali, encarando a tudo e a todos com seus olhos de águia, até que abriu um grande sorriso.
– Você deve ser a – a mulher disse e a menina pensou em acenar afirmativamente, mas não conseguiu quebrar a pose congelada que havia assumido. Erza deu um passo para frente e colocou uma mão no ombro dela. – É uma honra conhecer você. E estou com um ótimo pressentimento... Creio que vamos conseguir fazer muitos avanços ainda hoje! – disse numa alegria que era quase inspiradora, ao que puxava para si do lugar em que a segurara e a fazia bater com a bochecha contra o metal de sua armadura sem muita piedade ou receio. – Seremos grandes amigas!
Ainda sentindo o gelado daquela armadura dura como aço, a menina se perguntava se aquilo era para ter sido um abraço ou algo ao menos perto disso. Pelo visto, abraçar de um jeito engraçado era uma coisa da Fairy Tail e não apenas de . puxou as mãos para cima e as colocou sobre a armadura de Erza, empurrando-se de leve até que ela notasse que a menina queria sair daquela posição.
– Isso é, ahn, ótimo! Mas... Eu preciso fazer uma coisa antes de começar o treino – ela falou e deu um passo para o lado, afastando-se de Erza. Olhou uma última vez para dentro da casa, para os seis rapazes e os grandes olhos de , além da imagem de Happy voando pelos ares, e deu outro passo. – Estarei de volta em menos de três horas. Prometo! – e, assim que disse aquilo, virou-se e se pôs a correr para fora de Fairy Hills, tal como Mirajane havia feito mais cedo.
Percebendo que a menina com certeza estava com mais do que pressa, visto que nem havia notado que a sua bagagem ainda permanecia repousando contra a parede do lado de fora, Erza fechou os olhos e soltou um pequeno risinho, agachando-se para encaixar a cesta num braço e segurar a mala na mesma mão dele. Enquanto os levava para dentro da casa e os colocava na cama vaga, se virou para .
– Ei, , agora a foi embora por causa da sua cara feia! – e não demorou muito para que uma veia saltasse da testa do mago do gelo e ele e estivessem se esmurrando no chão outra vez.

– Você demorou para vir me ver dessa vez, – a senhora disse, enquanto se sentava no sofá, e serviu o chá nas xícaras de porcelana na mesinha à sua frente. – Costuma vir duas vezes por semana, mas achei que dessa vez ia ser uma exceção das grandes e, no fim, não aparecer nenhuma vez!
bufou de leve e com os olhos fechados, abrindo-os assim que sentiu o vapor quente do chá batendo contra o seu rosto. Pegou a xícara que sua avó lhe entregava com uma das mãos em um pires branco. Apesar de tudo que ouvira vindo de seu pai durante a infância, sobre como jamais se tornaria maga alguma ou que essa era a mais ridícula das ideias, e a despeito do que sua mãe não teve tempo de lhe ensinar, sua avó sempre estivera lá para apoiá-la. Estivera lá quando lhe mostrou as chaves que havia recuperado e quando ela caiu ao chão, chorando e dizendo que não aguentava mais passar dia após dia trancada naquela mansão. Sem muitas dúvidas, poderia dizer que havia apenas uma pessoa naquela família que aceitava o seu destino de Maga Celestial e essa era a sua avó.
Desde então, desde o dia em que ela pegou no seu queixo pingando de choro e o levantou para lhe dizer que estava tudo bem e que adoraria ter outra Maga Celestial na família, as duas não conseguiram mais se separar. Toda semana e com o único pretexto que tinha para sair de casa com a devida permissão de seu pai, ela ia pelo menos uma ou duas vezes para a casa da avó, a fim de visitá-la e lhe contar “novidades”, que era o codinome dado para o andamento de suas pesquisas sobre magia e guildas para entrar.
Aquela semana, porém, havia realmente sido atribulada, contando com os vários trens e inúmeras carroças que teve que pegar para chegar a Magnolia e os diversos planos que bolou para ser, de alguma forma, aceita na Fairy Tail. A sorte era que sua avó morava em Hargeon, a trinta minutos de viagem da cidade em que estava, e aquela visita repentina ou pelo menos fora do horário não seria tão difícil de ser feita.
– Essa semana foi bem corrida... – disse e olhou as ondinhas de chá que se formavam no centro da xícara, não demorando muito para que desistisse de dar o gole naquela hora e abaixasse a porcelana outra vez, encolhendo de leve os ombros, enquanto virava os olhos para a sua avó e dava um sorriso pequeno e feliz. – Eu ganhei uma chance de entrar para a Fairy Tail.
Ao ouvir aquilo, a senhora engoliu o chá que já tinha tomado e apoiou a sua xícara na mesinha, logo colocando as duas mãos sobre a boca e arregalando os olhos numa expressão orgulhosa de tão feliz. Ainda observando que só aumentou ainda mais o seu sorriso, aproximou-se dela no sofá e lhe deu um abraço.
, minha querida, isso é ótimo! – a senhora disse, ainda abraçada à neta e com os olhos bem abertos, e logo voltou para a posição de antes. – Mas por que “uma chance”? Você vai ter que fazer alguma espécie de prova antes de entrar?
– É meio que isso mesmo... – a garota disse e se recostou à parte de trás do sofá creme e com estampas florais. – O Mestre disse que iria me aceitar, mas apenas se eu treinasse com uma das magas de lá por uma semana e depois passasse por um teste final – depois que falou aquilo, sentiu-se um pouco desconfortável, não conseguindo deixar de se lembrar do fogo dos olhos de Erza e de como isso provavelmente mostrava o andar que aquele treino teria. – Estou com um pouco de medo, mas... Creio que só haja uma maneira de saber se eu tenho o que precisa para entrar naquele lugar ou não – ela disse e olhou para o lado, vendo a avó concordar com a cabeça e bebericar do chá, logo voltando a colocar a xícara e o pires na mesa como antes.
– Realmente, você não poderia estar mais correta – vendo-a falar e descansar a porcelana ao mesmo tempo, pareceu-lhe que ela de repente se lembrara de algo para dizer. – Só espero que tenha tempo para comparecer ao baile da empresa no fim da semana – ao ouvir aquilo, imediatamente bufou e se deixar escorregar um pouco no sofá, fazendo uma cara um tanto entediada, senão contrariada.
– Eu preciso mesmo ir? – a garota perguntou fraco e sua avó se virou com uma expressão também não muito contente.
– Sei que você não gosta muito da ideia, meu anjo, mas é necessário. Você é a filha do dono da organização... E essa será a noite da apresentação da Lacrima das Almas aos sócios – a senhora falou complacente, mas pareceu não se animar nem um pouco mais, abaixando a postura e largando o rosto nas mãos apoiadas sobre a saia azul. Desde que seu pai descobrira aquela lacrima numa das escavações comandadas por ele próprio, tudo havia virado um inferno sem sentido ou ao menos direção. Lembrava-se perfeitamente da cena de ele trazendo para casa aquela bola de um azul meio transparente, quase vítreo, e olhando para ela como se quisesse descobrir o que era aquilo e o que diabos fazia. Não demorou muito então, depois de chamar tanta gente e financiar várias pesquisas, para primeiro descobrir que aquilo era, de fato, uma lacrima. Feita de uma substância mágica e cristalina, ela poderia ser carregada de magia ou posta sob algum feitiço para ser usada em diversos propósitos. E aquela, estranhamente, parecia já estar encarregada de alguma tarefa. Conforme alguém olhava mais e mais para aquela bolinha, era possível ver algo além do seu azul claro e suavemente brilhante. Era como se houvesse fluxos de fumaça, ou algo parecido e tão disforme como, passeando por volta e em círculos, num verde claro, mas quase morto. Com aquela visão que, em primeiro lugar e em uma das primeiras coisas que concordou com seu pai, o lembrou de uma linha de almas penando em círculos e pedindo por algo, o objeto foi imediatamente batizado de Lacrima das Almas.
Apesar de não se saber ainda o que ela fazia, o seu preço e destino já estavam estabelecidos. O número de sócios da Konzern cresceu da noite para o dia, enchendo de pessoas que estavam dispostas a pagar de tudo para ter aquele objeto ou ao menos um pedaço imaginário dele em suas mãos. A sua função podia ser desconhecida ainda, mas ninguém mais tinha dúvidas sobre a tensão que era sentida só de se chegar perto daquela lacrima.
Ainda um pouco a contragosto, soltou outra lufada de ar, virando-se outra vez para a avó.
– Você vai estar lá? – a senhorinha fechou os olhos e deu um sorriso reconfortante.
– Na ausência de minha filha, quem comanda a parte dela sou eu. Sou outra que não pode faltar – a menina não conseguiu evitar que sentisse uma dose de alívio descendo em si e logo começou a sorrir, mesmo que meio sem vida ainda.
– Certo... Então acho que também estarei lá – a sua avó também não pôde evitar o alívio de sua parte, ao conseguir convencer a comparecer e depois não ter que enfrentar a fúria de seu pai, e juntou as mãos sem perceber, como que agradecendo silenciosamente à menina. – Você disse que é no fim da semana?
– Sim. Sábado à noite, às sete horas – a mulher respondeu e se recolocou numa postura ereta, juntando as pernas que acabaram se separando um pouco e retomando a xícara de chá nas mãos. – Mas creio que deverá ir um pouco mais cedo para se arrumar e colocar todos os apetrechos... Você vai morar lá em Magnolia mesmo, por enquanto? – deu um gole gordo demais por acidente, ou nem tanto, já que sabia que era por causa daquela pergunta, e afastou a xícara da boca com uma longa inspirada de ar. Percebeu a expressão confusa de sua avó e sorriu meio atrapalhada.
– Ah, sim! Eu arranjei um bom aluguel na pensão de uma simpaticíssima senhorinha que vi num folheto – ela disse e fechou os olhos, ainda sorrindo, mas agora sabendo que não saía tão forçado quanto antes. Aquilo podia ser triplamente mentira, já que não se tratava de uma pensão quando ligara lá, antes mesmo de sair de sua casa, e a senhora estava longe de ser amigável ou algo parecido, porém não havia jeito de contar à sua avó que ela viveria numa constante festa do pijama com sete caras e um gato alado.
E que um deles era um estranho que a cheirara como um animal logo no primeiro dia, mas tinha o sorriso mais lindo que já vira nessas terras.
Depois de ver que sua avó já havia comprado a mentira e estava longe de suspeitar de algo, a menina olhou para o chá na xícara que já estava pela metade. Sorriu de leve e ficou observando as mesmas ondinhas circulares que nasciam no centro e se expandiam, conforme batucava um dos dedos contra o esmalte da porcelana. Quando percebeu, já havia aberto a boca para falar, porém a voz saíra tão fraca e baixa que sabia que ninguém mais além dela e dos espíritos a ouviria.
– Eu ficarei lá, bem perto deles, por toda essa semana.

– É hora do treino começar! – Erza disse alto com sua voz séria e apoiou os punhos, que mantinha fechados, na cintura coberta pela armadura de metal. Ela e estavam nos fundos do jardim da guilda, onde o bosque que havia atrás das construções da Fairy Tail começava a se fazer presente. Como a garota prometera, em pouco mais de duas horas ela estava de volta, pronta para começar o treino e encarar Erza, mas talvez não tanto para a visão de gritando seu nome com a boca cheia de torta e a de lhe acenando de novo só de calça que teve na hora que entrou no bar. A maga ruiva levantou de leve o queixo e manteve a mesma expressão austera de antes, o cabelo que caía sobre um de seus olhos não se movendo muito e fazendo com que apenas um deles continuasse visível como antes. – Porém, eu preciso dizer... – assim que disse aquilo, fechou os olhos e quebrou o ar da posição que mantivera até então, baixando a cabeça e erguendo a sobrancelha que os outros podiam ver. Mas, poucos segundos depois, reabriu as pálpebras num raio. – Vocês não são o que eu pedi. São frouxos e sem jeito algum. Vou mudar, melhorar um por um! É um juramento! – falou grave e reergueu a cabeça como antes, levantando um indicador e o apontando na direção de , de pé sobre a grama e à sua frente. A garota apertou os punhos e os trouxe para si, preparando-se para o que viria e ser moldada numa maga do estilo da Fairy Tail, quando notou algo de estranho.
– Espere... Vocês? – ela perguntou e abaixou os punhos na hora, ainda observando o dedo de Erza na sua direção. Aparentemente, naquele dia, todos os problemas que julgava ser de singularidade, no fim, eram plurais. Olhou para o seu lado e na hora viu Happy ali de pé, junto com outro gato extremamente parecido com ele e que também estava na fileirinha de vítimas de Erza. – Happy...? O que você está fazendo aqui?! – o gato azul se virou para a garota com sua expressão naturalmente risonha e levantou uma patinha.
– Eu e a Carla pedimos para fazer o treinamento também para você não se sentir sozinha, ! – ele disse e, automaticamente, a menina olhou para o lado dele, onde a tal Carla estava. Ela era um gato alado, exatamente como Happy nesse sentido, mas de pelo branco. Suas roupas eram uma blusinha rosa como o vestido de Mirajane e uma saia minúscula e laranja, além de uma delicada gravata amarelada que usava e um laço cor de rosa colocado no fim de seu rabo. Sua expressão, porém, era um tanto entediada e o seu ar, bem mais sério que o de Happy.
– Só espero que isso não demore tanto quanto parece... – a ouviu dizer com sua vozinha afeminada e menos engraçada que a de Happy, o olhar ainda perdido em qualquer canto à frente deles e os bracinhos cruzados. Nisso, a menina sentiu as maçãs do rosto corarem de leve e semicerrou os olhos, voltando a observar Happy ainda virado para ela.
– Happy... Isso é muito doce de sua parte! – ela falou e abriu um sorriso, encolhendo de leve os ombros e logo se inclinando para olhar a sua outra companheira de treino. – E de você também, Carla! – assim que disse aquilo, a gata lhe virou os olhinhos semicerrados e abriu um pequenino sorriso rapidamente, não demorando para que voltasse à posição de antes e ao mesmo ar austero que mantinha.
– Eu também estou aqui torcendo por você, ! – ela ouviu de repente e jurou conhecer aquela voz grossa. Manteve os olhos na mesma direção de antes, de Happy e Carla à sua direita, mas os levantou do chão, encontrando um incrivelmente vestido com calça e camisa sobre uma das colinas que rodeavam aquele trecho, acenando-lhe com a mão que não mantinha sobre o quadril. – Sei que vai mandar ver! – ela viu aquilo e franziu de leve as sobrancelhas, vendo-o piscar na sua direção. parecia ser um cara legal e um mago extremamente competente, mas honestamente não entendia por que ele resolvera ficar ali e assistir ao treino. Foi quando ouviu mais uma voz e o seu tom gritado e esganiçado não deixou dúvidas sobre quem podia ser.
– EI, , POR QUE VOCÊ NÃO VAI SER ÚTIL E ENCHER AS FORMAS DE GELO?! – ao que virou seu corpo e foi para a esquerda, viu e suas pernas abertas numa pose quase que animal de cima de outra colina. Assim que a viu, ele desfez a posição e se pôs reto, abrindo aquele sorriso enorme e erguendo a mão ao alto para cumprimentá-la. – Oi, !
– Não me encha a paciência e caia fora daqui, ! – imediatamente franziu o cenho e fez uma cara não muito contente, apontando um dedo na direção do outro, que apenas baixou a mão que usava para cumprimentar e fez uma cara de tédio.
– Ou o quê? Você vai mijar fora do vaso como sempre faz? – o rapaz do fogo falou num tom monótono e o outro se enfezou.
– JÁ DISSE PARA VOCÊ PARAR COM AS MENTIRAS! – gritou e fez uma cara ferozmente enfurecida, porém, quando se virou, ela percebeu que as calças e a blusa dele haviam sumido, de modo que ele passara a ficar somente de boxers.
– ...Onde as suas roupas foram parar?!
– Basta! – Erza se pronunciou em bom e alto tom e fez os dois pararem na hora, assumindo uma pose paralisada e quase infantil, tal como haviam feito no alojamento mais cedo. A mulher arrumou a postura e passou outra vez os olhos pelos magos. – Eu não quero mais nenhum pio vindo de vocês dois nem que interfiram de forma alguma nesse treino. Vocês me ouviram? – Erza disse e elevou o tom da voz na última frase, fazendo e acenarem freneticamente com a cabeça e se sentarem sobre a grama da colina de cada um. Satisfeita com a reação deles, ela se voltou para , Happy e Carla. – Primeira parte: agilidade e resistência – assim que falou isso, deu um passo para o lado e se virou, dando passagem para os três no trecho que se seguia à frente deles. – Essa trilha tem um quilômetro de extensão, mais ou menos. Vocês têm três minutos para chegar do outro lado – no momento em que ouviu aquilo, arregalou os olhos e fez uma careta assustada. Erza, porém, pareceu não se compadecer com a expressão dela. – Preparar... Agora!
E, assim que a partida foi dada, Happy e Carla levantaram voo na hora, saindo em disparada para a trilha por entre as árvores do início do bosque. deu um berro curto ao perceber a velocidade dos dois e se pôs a correr desesperadamente logo em seguida.
– Ei, espere aí! Isso não vale! Eles podem voar! – ela falou indignada, mas nada foi feito ou dito em seu favor, de forma que tudo que pôde fazer foi continuar a correr com tudo que podia para dentro do bosque e atrás dos gatos alados.
Já depois de alguns metros de corrida, porém, se percebeu exausta. Parou de correr onde estava mesmo e arqueou as costas, respirando o mais rápido que podia. Mas nem em sonhos teria o preparo necessário para cruzar aquele caminho da forma que Erza queria.
Aquilo não era um bom sinal.
Contudo, para sua surpresa maior, enquanto ofegava com as mãos nos joelhos e os olhos desesperados no chão de terra, ela ouviu uma voz conhecida.
– Ei, , quer uma ajuda aí? – a menina se levantou com tudo e seguiu a direção de onde vinham aquelas palavras, não demorando muito para encontrar agachado e encolhido sobre o galho de uma das árvores. Ela franziu as sobrancelhas na hora e acabou soltando outro ofego, observando-o mais confusa do que outra coisa.
...? O que você está fazendo aí? A Erza mandou você e o não interferirem! – contudo, a despeito do que tinha acabado de dizer e do alerta que havia relembrado, o garoto apenas desceu num salto da árvore. Em pé, estralou o pescoço e começou a andar em direção a , apertando as mãos e estralando os dedos numa expressão que beiraria o desafio se a menina não pudesse jurar que, mais do que isso, era de animação.
– Ninguém vai descobrir. Além do mais, você é tão lerda quanto o é burro – ele falou simplesmente e a agarrou por uma das mãos, puxando-a numa força bruta para si. sentiu que ia gritar, mas, antes que pudesse emitir qualquer som, percebeu que a tirava do chão e a jogava por cima de suas costas. E sabia que ainda era tempo e motivo de gritar e protestar algo, porém não conseguiu dizer ou fazer nada ao sentir a pele quente como fogo a tocando no peito e pelos braços, ao sentir aquele cara a puxando para cima numa força e firmeza impressionantes, deixando-a meio pronta e posicionada num cavalinho um tanto desajeitado. Sentiu o coração bater como quando estava correndo sem medidas, os olhos arregalados e o campo de visão se abaixando conforme fazia o mesmo, enquanto as mãos dele, mais quentes ainda que o resto de seu corpo, a agarravam por trás das coxas. O rapaz sorriu até sentir que não podia mais, o desafio e a animação ainda presentes em seus olhos . – AGORA EU ESTOU EMPOLGADO! VAMOS LÁ!
E, no mesmo momento em que gritou aquilo, ele começou a correr numa velocidade absurda com em suas costas, atravessando o bosque e levantando tanta poeira que mal puderam ver se haviam ou não ultrapassado Happy e Carla. Assustada com aquela rapidez, a garota o agarrou pelo pescoço e permaneceu assim, visto que o rapaz não pareceu se importar. Ele corria feito um animal, passando pelas árvores e saltando pedras numa altura que às vezes nem parecia ser possível.
Naquele momento, estava longe de parecer humano ou sequer um mago como os que ela havia conhecido antes.
Ele parecia uma fera.
Depois de algum tempo correndo, em cima das costas dele e sem largá-lo, o sentiu parar e frear com o atrito de suas sandálias pelo chão de terra. Percebeu a poeira ainda mais densa se levantando e fechou os olhos com força, enterrando o rosto na nuca de e por entre alguns fios de seu cabelo. Não se sentindo mais em movimento, ela levantou e viu então o campo aberto ao qual o fim da trilha dava entrada, com algumas paredes do prédio principal da guilda ao lado. Ficou maravilhada por uns instantes, olhando o lugar à sua volta e tentando entender o drible temporal que haviam acabado de dar, quando sentiu largar suas pernas e deixá-la descer de suas costas.
– Ei, , que coisa é essa de magia celestial? – o rapaz perguntou de repente e fez quebrar a atenção que mantinha sobre o lugar à sua volta e os acontecimentos de há pouco. De fato, havia mostrado as chaves mais cedo no bar, porém não entendera direito a mensagem implícita. Hesitou de começo, mas, pelo jeito que ele tinha corrido, ela com certeza tinha algum tempo para matar antes de Happy e Carla aparecerem ou de Erza chegar e declarar a tarefa como terminada. Com isso, a garota colocou a mão no bolso e tirou mais uma vez as oito de chaves de lá, estendendo-as para a frente do rosto dele.
– Já ouviu falar do Mundo dos Espíritos Celestiais? – ela começou a dizer e o rapaz permaneceu com uma expressão parada, de olhos nas chaves, esperando que a menina continuasse, e assim o fez. – É uma dimensão completamente diferente da nossa, num universo paralelo e longe daqui. Nunca nenhum humano esteve lá. Dizem que seria impossível alguém daqui sobreviver... Mas há vários livros mágicos que contam como é esse lugar – ela sorriu e puxou o molho de chaves para si, colocando o punho que o segurava sobre o quadril. – Uma vez li que a própria terra de lá é de uma composição incomum. É mais mágica do que a daqui. Elas rodam separadas e em órbitas. As cores são fantásticas, de tons que vão do azul celeste ao rosa magenta, o tempo flui de maneira diferente... E é lá onde os Espíritos Celestiais vivem – assim que disse essa parte, a garota abriu um sorriso que logo mais poderia se tornar tão grande e aberto como o de . – Eles são criaturas mágicas, muitas vezes com poderes fantásticos. E existe um tipo que magia que permite que você possa se comunicar com eles, selar contratos e invocá-los quando bem entender. Basta ter a prática e possuir as chaves... As chaves dos Portões dos Espíritos Celestiais. Cada uma invoca um ser diferente e o manda de volta para o seu lugar – terminando o seu pequeno monólogo, puxou uma das chaves do meio das outras e a ergueu solitária na frente do mago do fogo, fazendo-o observar tudo com ainda mais intriga. – E é isso o que eu, como uma Maga Celestial, faço!
ficou olhando da chavinha cor de prata para algumas vezes, antes de parar com o movimento de seus olhos e finalmente falar depois de alguns segundos calado.
– Então você chama gente para brigar no seu lugar? – o garoto disse e fez uma careta, mantendo-se com a chave erguida por um tempo antes de abaixá-la e fazer uma expressão enfezada.
– Ei, não precisa falar assim! – a menina disse e franziu o cenho, observando o semblante meio vazio e inocente de que se mantinha erguido e as suas pernas meio abertas como de costume. – Mas... Sim, é meio que isso – porém, não demorou muito para desfazer a expressão brava que mantinha e largar a postura, fechando os olhos e concordando com ele. Ainda com as pálpebras descidas, ouviu a risada um tanto escandalosa dele e as reabriu, passando a vê-lo com aquele sorriso sem igual de volta no rosto e os olhos fechados em animação.
– ISSO É DEMAIS! Espero que você tenha o espírito de uma cozinheira para a gente poder comer quando quiser e em qualquer lugar! – ele continuou com os olhos fechados e o sorriso alegre no rosto, além dos braços erguidos em animação. observou em silêncio por uns poucos instantes, sentindo a vontade de deixar uma de suas sobrancelhas subir.
– ...Você realmente só pensa em comida, não? – ela disse em um tom um tanto monótono, mas no fundo surpresa com o apetite voraz dele. Em resposta, manteve os olhos fechados e o sorriso aberto e grande, num jeito inocente de assumir os próprios exageros e concordar, e colocou aos braços para trás da cabeça. Percebendo que ninguém havia chegado ainda e já que estavam conversando, resolveu perguntar o que ficou martelando na sua cabeça desde que pôs o pé para fora daquela casa lotada e barulhenta de Fairy Hills. – Ei, ... – chamou-o e o viu abrir os olhos , além de desfazer o sorriso e fazer um barulho de quem acaba de sair dos devaneios e está ouvindo. – O que... É o Happy? – ela perguntou com cuidado, sem saber se a palavra que havia usado era a melhor para a situação e sem o risco de ofender o mago de alguma forma, e viu baixar um pouquinho os braços, apesar de não o suficiente para que voltassem a pender ao lado de seu quadril. Um gato alado e capaz de falar, além de bípede, não era uma coisa que se via todos os dias ou sequer em algum deles. Quanto muito dois, já que havia conhecido Carla também.
O rapaz voltou os braços para a posição de antes e os forçou mais para cima, alongando-se, enquanto mantinha uma expressão nem um pouco surpresa ou de quem acha que ela tinha motivo para perguntar aquilo.
– Não sei muito bem também – assim que ele disse aquilo, abriu mais os olhos, surpresa com o que havia acabado de ouvir. – Há muito tempo, quando eu era criança e já estava aqui, estava andando pela floresta e encontrei um ovo enorme. Achei que era o de um dragão, então levei de volta para a guilda – escutava atentamente até que fez uma expressão meio abismada, não sabendo se achava o motivo dele a coisa mais estranha ou o fato de que ele contava aquilo com um ar sério e completamente sóbrio. – Demorou um pouco e deu algum trabalho, mas ele chocou. Chocou e, quando eu achava que ia ver alguma coisa sair rastejando dali ou soltando um rugido... O Happy abriu os olhos – abaixou os braços, colocando-os no quadril. – Ninguém sabia o que ele era, ou se era perigoso, e eu fiquei bem confuso na hora, mas... Foi questão de segundos para que se tornasse parte da família – o sorriso que ele voltou a abrir, menor do que o que normalmente dava, fez baixar sua sensação de estranheza, logo vendo a mesma doçura que enxergava naquilo tudo. – Estava sempre tão feliz que ninguém teve coragem de colocá-lo para fora... Foi até por isso que eu coloquei esse nome nele: Happy! – o rapaz disse e fechou os olhos, voltando a explicar. – Seja o que ele fosse, na hora o velhote disse que era mágico, pois possuía magia de voo. A gente percebeu, em alguns minutos, que o Happy podia invocar as suas asas e voar alta velocidade quando quisesse – reabriu os olhos e sorriu fechado para , que a essa altura já estava mais do que amolecida por aquela história. – Nunca descobrimos o que ele é, mas isso também jamais importou. Desde então, Happy entrou para a guilda... Trabalhando e ganhando como um mago qualquer, sempre junto comigo!
contava aquilo com tanta naturalidade que fazia até se perguntar como era possível que alguém de atitudes como as dele, com corrida de animal e jeito de fera, pudesse ter o coração tão leve. Sem perceber, ela deu um passo para frente, sem tirar os olhos das pupilas dele estranhamente rodeadas de um leve e infinitesimal dourado, pronta para perguntar mais alguma coisa, querendo saber de qualquer outra coisa a respeito daquele garoto tão esquisito, mas também tão puro, quando foi interrompida.
– Eu disse que ele estava aqui – a voz de se fez presente e os dois logo viram o mago do gelo, já de calça, mas ainda sem camisa, e Erza parados do outro lado do trecho em que estavam, mais à esquerda. Não demorou para que Happy e Carla também chegassem, pousando no chão logo em seguida. Erza se pôs à frente, com sua postura reta e jeito autoritário.
, você infringiu as regras? – ela perguntou sem alterações na voz e a menina abriu mais os olhos por um segundo em medo e espanto, levantando as mãos para tentar se explicar e dizer que era, de alguma forma, inocente, porém resolveu lhe fazer esse favor.
– VOCÊS TINHAM QUE TER VISTO! FOI INCRÍVEL! UMA ÁGUIA GIGANTE, COM DUAS CABEÇAS DE CROCODILO E RABO DE CACHORRO, MAIOR QUE O BAR E A COZINHA JUNTOS, APARECEU E PEGOU A ! – a garota pôde sentir o suor nervoso que começou a lhe descer pela testa. – EU VI E FUI ATRÁS, PORQUE NÃO PODIA DEIXÁ-LA EM PERIGO, MAS A ÁGUIA JÁ A HAVIA DEIXADO AQUI, SEM NENHUM ARRANHÃO, QUANDO CHEG...!
, isso é mentira? – Erza perguntou sem nenhum abalo, a despeito de tudo aquilo, e logo o rapaz quebrou toda a encenação que fazia, largando a sua postura e fechando os olhos em pequeno sofrimento.
– É... – a maga ruiva não se moveu nem mudou as feições, apesar da resposta que tinha acabado de receber, e apenas continuou.
– Você ajudou a a chegar até aqui? – pareceu largar ainda mais a postura e se encurvar.
– Sim... – ele disse em tom de culpa e Erza balançou a cabeça, apenas o chamando com um dos dedos em seguida. O menino andou até ali, de cabeça e costas baixas, até chegar ao lado dela, onde recebeu um murro de punho fechado por sobre seus cabelos que o fez ir ao chão e literalmente enterrar a cara nele.
piorou sua careta de medo e soltou um pequeno silvo de pavor sem perceber, ainda parada no mesmíssimo lugar, ao que notou a mulher logo se aproximando dela, muito provavelmente para fazer o mesmo ou até pior. Resolveu então intervir e fazer o que pudesse naquela hora.
– Erza, p-por favor, desculpe-me...! Eu sei que recebi a ajuda dele e trapaceei, mas não foi minha intenção! Eu não queria...!
– Está tudo bem – a mulher disse, surpreendentemente calma e realmente sem nenhum traço de nervoso ou impaciência, e na hora parou com suas tentativas um tanto inúteis de amenizar a surra que achava que ia tomar, abaixando as mãos e abrindo mais os olhos. – Conheço bem o e sei que como ele é. Provavelmente a agarrou pelo pulso sem sequer perguntar se concordava com isso ou não e saiu correndo sem pensar duas vezes – ela pensou em dizer que, de fato, aquela afirmação se aplicava ao caso, mas achou melhor se manter calada. Sentiu Erza colocar a mão sobre seu ombro. – Você abraçou o desafio, mesmo sem saber se ia conseguir ou não, e reconheceu quando estava errada... É uma maga de honra!
Lisonjeada, mas também um tanto confusa com a escolha séria de palavras dela, apenas deu um sorriso. Erza era, definitivamente, uma pessoa engraçada. Porém, apesar da sensação boa que tinha de saber que recebia uma confiança como aquela e que seu esforço, mesmo que um tanto inútil, era reconhecido, estava mais aliviada que não ia terminar com terra no rosto como do que qualquer coisa.

– Segunda parte: força e inteligência! – Erza anunciou e todos ouviram atentos: , Happy e Carla em sua fileira, além de e que continuavam assistindo, mesmo que mais de longe agora. Eles estavam à frente de três enormes barris de vinho, maiores que a altura de e largos o suficiente para guardar ao menos uns trinta gatos alados dentro deles. Estavam suspensos cada um por uma estrutura de madeira que os erguia do chão, presa a grossos parafusos nas tiras de metal que rodeavam a madeira grosseira e claramente dura. A maga ruiva, que estava até então de frente para os objetos, se virou e encarou os três aprendizes atrás dela. – Vocês devem destruir o barril que lhe for designado em cinco minutos. Não será apenas força bruta que o ajudará a vencer esse desafio e é por isso que ele também é de inteligência – a mulher explicou e levantou a mão direita, mantendo a palma dela aberta. Nisso, de repente, uma luz branca se fez presente e brilhou com força, fazendo com que, nessa mesma mão dela, aparecesse uma espada de simples porte. Ela a ergueu à frente do próprio rosto e se virou para o barril do centro, que estava bem perto dela. – Por exemplo, se eu não desviar das tiras de metal, as chances de sucesso são poucas – e, tão rápido quanto fez aquela arma surgir e a luz de antes desaparecer, Erza se jogou para frente. Foi um movimento tão veloz que os olhos de não puderam acompanhar direito, apenas ficando claro que ela havia avançado para o barril e que o gume da espada atravessara o ar de uma forma embaçada algumas vezes, antes de ela reaparecer por de trás daquele barril, no espaço entre ele e o outro à frente de Happy e Carla, agachada e com a mão livre no chão. Então, sem poder acreditar, arregalou os olhos. Não demorou para que aquele barril se partisse em três pedaços e desmoronasse, com cada corte atravessando perfeitamente a parte de madeira entre algumas das ligas. Quando os pedaços caíram ao chão e perto de seus pés, a menina pôde ver a grossura de quase um palmo deles. A força de Erza era completamente absurda. Sem igual e sem contar a velocidade do golpe que poderia se comparar à do som. Como ela fizera aquilo com uma simples espada de tamanho médio?
Porém, antes que pudesse continuar a divagar, a ruiva se pôs de pé e se virou, andando para o espaço que agora se fazia entre os dois barris que restavam.
– Happy e Carla, vocês ficam com o barril à minha esquerda. , pegue o da direita – do mesmo jeito de antes, Erza invocou a luz branca angelical e fez a espada sumir, dando lugar a um relógio de bolso dourado. Ergueu-o à altura de sua cabeça e apertou o pequenino botão do lado, fazendo com que o tique-taque dele começasse a soar rítmico. – O tempo começa agora!
Sem esperar ou sequer pensar duas vezes, correu em direção ao barril que lhe fora entregue e agarrou o chicote preto que sempre carregava preso ao cinto da saia. Sem contar as chaves dos portões, essa era a única arma que ela possuía. Se a prova era de força e inteligência, era isso o que a garota ia provar, sem a ajuda de alguém ou de algum Espírito Celestial.
Assim que chegou perto o suficiente, deu a primeira chicotada. Logo que viu a ponta dele bater e voltar com força, franziu o cenho e deu mais uma série de chicotadas, sem parar e quase sem respirar.
– Ei, Erza! Precisamos de você aqui! – de repente, uma garota de cabelos longos e castanhos, além de olhos lilás escuros e um top azul extremamente curto que mostrava a marca da guilda negra sobre a sua barriga, apareceu nos fundos da guilda e chamou pela maga, de braços cruzados. Erza olhou para ela e depois para o relógio em sua mão.
– Eu vou sair, mas o relógio continua contando o tempo. Quando der cinco minutos, estarei de volta! – ela disse e saiu em disparada para a porta dos fundos e a garota do top, enquanto essa última se virava e voltava para dentro.
Sem se deixar distrair com aquilo, não parou. Começou a baixar os golpes, tal como o plano que havia bolado quando começou a correr para sua prova, e olhou para o lado. Happy e Carla voavam em torno do barril e, vez ou outra, irrompiam em altíssima velocidade contra ele, em ataques combinados e quase ritmados. Nisso, não demorou para que o que eles haviam pensado desse certo: sob a pressão que colocavam no ataque, as tiras de metal da base se entortaram e o barril entornou para o lado, caindo fora do apoio de madeira. E, percebendo a chance no momento certo, Happy voou para baixo dele e deu uma última cabeçada, mandando-o para o alto. Em segundos, foi questão de consequência e Física que o objeto voltasse e caísse com tudo no chão, estilhaçando-se em vários pedaços.
Foi o primeiro momento que parou desde que começara a chicotear sem piedade a madeira do barril, vendo Happy e Carla baterem as patinhas em comemoração, enquanto o primeiro ficava vermelho ao ver o sorriso animado da gata ao seu lado. Ela estava bem atrás, mas não ia desistir. Era uma questão de honra, como provavelmente Erza diria.
E voltou aos seus ataques na base, franzindo o cenho e se concentrando ao máximo. A concentração era tanta que mal notou surgir ao lado do barril e com as mãos atrás da cabeça.
– Ei, eu acho que isso aí não vai dar muito certo – o rapaz disse e deu um pequeno atraso em um dos golpes, em detrimento da surpresa de ter ouvido a voz dele soando de repente, mas logo voltou à sua sequência de ataques.
– Vai, sim. A estrutura de baixo é mais fraca e, destruindo-a primeiro, eu posso fazer o barril ficar mais frágil com a queda e pela falta dela – a menina falou e continuou suas chicotadas, mas logo ouviu uma voz de novo e que dessa vez não era a de .
– Você é demais, ! Ninguém mais teria pensado nisso! – e, apesar de longe, ela conseguiu reconhecer o timbre grosso e grave da voz de , virando-se a tempo de encontrá-lo a alguns metros e acenando como antes. Qual era a dele, afinal?
Porém, o que ela não teve tempo foi de se preparar para o fato de que, dessa vez, ele já estava tirando a cueca.
Na hora, a garota não soube dizer se o susto maior fora de ver com as mãos no elástico da boxer ou do poderoso jato de água que de repente surgiu por trás dela e a acertou com tudo. Caída ao chão, pôs-se de joelhos e olhou em volta, procurando o que havia acontecido ou provocado aquilo, mas apenas encontrando as várias poças de água espalhadas pelo lugar. Levantou as mãos, vendo a lama espalhada pelas palmas delas e se perguntando mais uma vez o que tinha acontecido. Então, como que acordando para o fato de que ainda estava numa tarefa e que o ponteiro do relógio não parava de rodar, agarrou o chicote caído ao seu lado e se pôs de pé, deixando aquilo de lado e se virando para o barril outra vez. Porém, o chão molhado a fez escorregar e ir de encontro a ele, ficando com a cara na lama e as esperanças nela também.
Ainda de seu lugar que observava tudo, e no fundo ainda confuso com aquela água que surgira do nada, deu alguns passos para trás.
– Não se preocupe, ! Eu vou ajudar você! – e, antes que a menina pudesse levantar o rosto enlameado e pedir encarecidamente que não fizesse nada ou piorasse sua situação naquele treinamento, ela o viu abrir a boca e encher o peito de uma maneira quase que anormal. – RUGIDO...! – ajeitando a postura que pendera para trás, ele continuou sem pensar ou olhar para . – DO DRAGÃO DE FOGO! – e, em seguida, uma explosão enorme de chamas vermelhas, laranjas e amarelas surgiu da boca dele, tomando todo o barril e logo o pondo em incêndio alto e forte, queimando como se uma fosse uma tocha gigante. Depois de dar um pequeno suspiro de fumaça saindo de sua boca, se virou para a menina e fechou os olhos, abrindo um sorriso que teria a encantado se não se tratasse de uma hora bem ruim. – Pronto!
soltou provavelmente o maior berro de sua vida.
– O que você fez?! – ela começou a gritar, rastejando até que conseguisse se pôr de pé para correr. Rodeou o barril em chamas por alguns momentos e mexeu as mãos em movimentos incompreensíveis e impensados, em partes tentando apagar o fogo e em partes apenas desesperada. só olhava de seu lugar com os olhos grandes e a boca fechada, numa expressão meio vazia, enquanto pensava se daria para assar alguma coisa em cima daquilo.
Desesperada e sem saber o que fazer, deu alguns passos para trás, afastando-se do fogaréu para que pudesse pensar melhor, quando pisou numa poça e se lembrou de que ali estava meio alagado.
Era isso! Água!
Óbvio que aquilo não seria suficiente para apagar o fogo ou ao menos diminui-lo, mas, para uma Maga Celestial como ela, isso significava outra coisa. Sem perder mais tempo, sacou o molho de chaves que guardava perto de seu cinto e o apanhou por uma das chaves douradas. Agachou-se rapidamente e mergulhou parte dela na poça em que pisara, girando-a como se abrisse uma porta.
– Eu o abro, Portão da Portadora das Águas, Aquarius!
Aquela era a primeira vez que , Happy, Carla e viam um Espírito Celestial. Fazendo a pouca água que havia ali subir e se multiplicar, dela surgiu uma sereia. Uma sereia linda e de pele de pêssego. O seu rabo era de um azul celeste tal como os seus cabelos, que eram longos e lisos, em contraste com o azul escuro de seu biquíni de cima. Nos seus braços e em torno de seu quadril, logo acima do início do rabo, correntes douradas brilhavam. Tinha um adorno de prata, ouro e safira em torno de sua testa, uma gargantilha azul escuro em seu pescoço e uma tatuagem negra logo abaixo dele, além de um vaso cinza mediano em suas mãos. Foi isso que viu numa mera poça: com uma portadora de água como Aquarius, que só podia ser invocada onde houvesse água, o fogo logo seria dissipado antes que se alastrasse para onde não devia ou que Erza chegasse.
Mas o que ela nem ninguém contava era com o fato de que talvez Aquarius só quisesse fazer o incêndio queimar mais.
Numa expressão nem um pouco amigável e com os olhos azuis numa raiva quase que feia, a sereia virou o rosto para a maga celestial.
– ...Você me invocou na merda de uma pocinha? – ela perguntou em tom grave e ficou branca de medo, lembrando na hora que talvez Aquarius e seu gênio forte não fossem o melhor para aquela situação. – Qual a próxima, hein, garota?! Na privada da sua casa?! – Aquarius vociferou e aproximou o rosto enfurecido de , que arregalou os olhos.
– D-desculpe, Aquarius! É que eu p-preciso mesmo que você apague um incêndio, por favor! – ela achou que aquilo seria um bom motivo ou até suficiente, mas, ao que a sereia se virou o viu o motivo do furdunço todo, a sua expressão não melhorou nem um pouco.
– Eu estava com meu NAMORADO e você me chama por causa de uma fogueira?! – o espírito surtou e fez um redemoinho de água surgir de seu vaso, erguendo-o e o fazendo alcançar os céus e alturas maiores ainda. Todos então olharam atônitos para cima, imaginando o que aconteceria e seria feito deles, ou sequer como Aquarius fazia aquilo, e fechou os olhos com força, morrendo de medo do que faria a seguir, mas sabendo que era necessário.
– Só apague o fogo de uma vez e você pode ir embora! – apertou mais os olhos e se encolheu. – Por favor!
Fazendo uma expressão de raiva, Aquarius puxou para baixo o furação de água e o chicoteou. Todo mundo fechou os olhos, até mesmo e , mas ele foi para trás, contra o barril e o fazendo quase desintegrar no ponto em que foi acertado. Assim que todos subiram as pálpebras, já sem tanto medo e certos de que não iam mais morrer nas mãos da sereia, puderam ver o fogo já extinto e uma luz dourada, tão forte que chegava a beirar o branco, banhando Aquarius, enquanto ela sumia e se desfazia em pequenos pontos brilhantes como diamante.
bufou no seu lugar, de joelhos no chão enlameado, e retirou da água a mesma chave de antes e que agora usara para fechar o portão celestial, vendo que Aquarius cumprira a ordem e o incêndio passara. Aquela havia sido por pouco.
– O que aconteceu aqui?! – ela ouviu a voz autoritária e na hora soube que não havia escapado impune. Agora, sim, estava em sérios apuros. – Quem incendiou o barril?! – Erza perguntou de olhos arregalados de seu lugar a alguns metros, ainda segurando o mesmo relógio na mão direita e o mantendo na altura de seus ombros, enquanto observava a madeira que agora se transformara em carvão negro e poroso. se virou com a expressão assustada e viu a maga ruiva e o seu semblante meio assombrado, pondo-se de pé completamente suja e ainda segurando a chave de Aquarius em uma das mãos.
– Eu não queria dizer nada... – se adiantou e disse de um jeito um tanto despreocupado, jogando as palmas das mãos para cima como se tirasse a culpa de seus ombros e de sua vista, já que fechava os olhos. – Mas foi o ! – e apontou numa expressão séria para o mago seminu que, na confusão toda, acabara ao seu lado por se aproximar para observar o estrago feito no barril e ver o que sobrara dele.
– EU FAÇO GELO E NÃO FOGO, SUA ANTA!
– Erza, eu...! – começou, um tanto incerta de se devia tentar provar sua inocência, e a ruiva logo interrompeu.
, se você mentir mais uma vez hoje, juro que irei castigá-lo de verdade! – a mulher num disse num tom ainda mais forte do que já havia usado naquele dia, se é que aquilo era possível. Sem conseguir juntar qualquer outra desculpa ou mentira, o que se encaixava melhor ao seu caso, apenas abaixou a cabeça e largou os ombros, fazendo uma cara de derrota. – E é uma vergonha contar uma mentira dessas, sabendo que você é o único que faz fogo aqui! – Erza falava à beira de deixar sua voz uma oitava mais grave e desceu mais os ombros, enquanto apertava a chave com mais força em sua mão. Porém, aquele sermão logo mudou de direção. Depois de bater uma vez com o pé no chão, a mulher notou um barulho esquisito, de coisa molhada e ensopada. Desceu os olhos e viu toda a lamaceira espalhada e as poças aleatórias de água. – Mas o que diabos aconteceu aqui?! De onde você tirou toda essa água, ? – ela perguntou, reerguendo os olhos, e o próprio mago do fogo pareceu se surpreender de leve, lembrando-se do jato misterioso de água de antes e olhando em volta também.
Os dois pareciam observar o mesmo e se fazer a mesma pergunta, apesar de ter estado presente durante a cena, e resolveu dar um passo a frente.
– Ele não fez isso – a menina disse de repente e os dois magos se voltaram para ela. Erza manteve o seu semblante meio confuso, apenas querendo saber de onde havia surgido tanta água assim, porém teve uma reação um tanto diferente. Seu rosto, antes tomado pela leve surpresa de se lembrar da aguaceira à sua volta, passou a ter os traços de quem não esperava em nada pelo que veio. – O realmente exagerou e botou fogo no barril... Mas a água não foi ele. Não foi ninguém daqui, na verdade. Nós... Nem sabemos de onde ela veio. Do nada, um jato de água me atingiu por trás e, quando vi, eu já estava no chão e o resto, todo molhado – disse e tentou não pestanejar, apesar de no fundo tremer um pouco pelo fato de dizer algo daquela natureza a Erza num momento de tanto nervoso. , mais ao fundo e perto das cinzas da madeira, bufou com uma das mãos na cintura.
– De fato, adoro ferrar com o quando posso, mas... Dessa vez, o cabeça de carvão não fez nada – o mago do gelo falou com seu jeito meio inexpressivo e voz grossa, ao que o rapaz de cabelos fazia cara feia e se virava para ele, não gostando em nada do apelido improvisado que recebera. Porém, antes que pudesse dizer algo, Erza voltou a falar.
– Isso é realmente estranho, mas... Se vocês dizem que o não fez isso, então eu acredito – a mulher disse e levantou uma das solas da bota de lado, observando a mancha marrom e pegajosa escorrendo dela. – De toda forma, precisaremos limpar isso aqui para continuar o treino – ela disse e já estava pronta para delegar as tarefas e fazer todo mundo trabalhar para secar o lugar, além de correr para dentro da guilda e catar dois esfregões para ela mesma usar ao mesmo tempo, mas foi interrompida, obviamente, por .
– NÃO TEM PROBLEMA! EU SECO! – o garoto disse já animado e, apesar de e lhe gritarem em desespero para não fazer aquilo de novo, ele encheu o peito como antes e soprou uma série de labaredas sobre o chão de terra molhado.
Só que o que ninguém esperava era que, no momento em que as chamas tocassem a água e evaporassem a primeira parte dela, um grito agudo repercutisse pelo bosque todo.
Todos ficaram petrificados em seus lugares, com Happy se pondo à frente de Carla, de olhos arregalados, apavorada e com uma cara de quem não tinha entendido nada. Erza, porém, foi a única a não reagir de forma alguma. Para não se dizer mentira nenhuma, na verdade, ela fechou os olhos numa expressão serena. Manteve-os fechados e, quando os abriu, tinha uma austeridade fora do comum estampada em seu rosto e em seus olhos castanhos.
– Juvia, fora.
Foi tudo o que ela disse e, apesar de ninguém ter a princípio entendido muito bem (com exceção de , que não entendeu absolutamente coisa alguma), logo se ouviu uma série passos corridos se afastando aos poucos do lugar em que estavam. Ficando ainda mais confusa, olhou à sua volta, na esperança de receber alguma pista, qualquer coisa, que explicasse aquilo. Erza mantinha a mesma expressão de antes, meio brava e austera, enquanto tinha a cara de quem tinha uma vaga ideia do que acontecia, mas continuava sem entender motivos e porquês. , por sua vez, aparentava estar dividido em se apresentar entediado e incomodado, com os olhos fechados, braços cruzados e uma sobrancelha erguida. Ela ia se atrever a erguer a voz e perguntar algo, já que havia sido, no fim, a vítima daquele jato sem explicações, mas Erza voltou a falar antes que pudesse fazer qualquer coisa.
– Sem mais esperas. Próxima prova!

Em seguida, veio a prova pela qual estava esperando desde o início: destreza em magia.
Com um pacotinho de pó mágico de transformação, arranjado por Mirajane mais cedo, Erza despejava certa quantidade dele sobre sua mão e o soprava, transformando o que estivesse à sua frente, cada vez, em alguma criatura diferente e que deveria ser enfrentada pelos aprendizes com as habilidades de magia que cada um dominava.
Happy e Carla foram os primeiros. Sua primeira prova foi uma hiena, surgida de um bando de toras que descansavam à frente deles, rindo escandalosamente com seu jeito doentio e olhos de quem tinha sede de sangue. Sem perder tempo, logo os dois estavam longe do chão e com as asas de fora, circundando o animal e pensando no que fazer. Então, com uma olhada de esguelha, Carla chamou a atenção de Happy e lhe deu o sorrisinho de quem tinha um plano. O gato azul, a princípio, não entendeu muito bem, mas logo viu a gata começar a rodar com mais velocidade em torno da hiena. Ela aumentou e aumentou a rapidez, com Happy já fora de seu caminho, quando ele finalmente entendeu do que aquilo se tratava. Sem mais esperar, entrou para o círculo vicioso que a amiga formava e os dois começaram a voar, um atrás do outro, numa velocidade fora do normal que só se tornava cada vez maior, que fazia os cabelos de voarem e as folhas e galhos saírem do chão num leve furacão. Não demorou muito e os dois pararam, fechando as asas e voltando ao chão, enquanto a hiena caía para o lado e com cara de quem ia vomitar a qualquer momento, completamente tonta e sem qualquer condição de lutar. Ainda caída, o pó logo foi jogado sobre ela e toda sua matéria voltou a ser as mesmas toras jogadas de antes.
Ainda maravilhada com a habilidade dos dois, mesmo que tão pequenos, mal ouviu quando Erza chamou seu nome e anunciou sua vez. Atrapalhou-se por um momento e logo catou as chaves de seu cinto, preparada para o que pudesse vir. Então viu a maga soprar o pó e fazer o arbusto à sua frente se transformar num lobo negro e de olhos avermelhados, raivoso e com espuma na boca.
Seu desempenho, porém, ficou longe de ser como o de Happy e Carla ou algo parecido.
, apesar de saber invocar os seus espíritos muito bem, parecia não ter controle algum sobre eles. Cada um que chamava terminava se distraindo com alguma coisa ou fazendo tudo errado.
Sua primeira tentativa foi a segunda chave dourada de seu molho, que abriu o portão do Caranguejo Gigante e trouxe Cancer à Terra. Ele era, na verdade, um homem com roupas meio descoladas e óculos esverdeados, de penteado esquisito e tesouras empunhadas, além de uma mania estranha de terminar toda frase que dizia com “ebi”. logo ordenou que ele desse cabo da ameaça, mas tudo que o espírito fez foi dar um belo penteado ao animal. O próprio lobo ficou sem entender nada, olhando para frente e com um black power gigante em sua cabeça.
As chaves de Espíritos Celestiais eram divididas em duas categorias: as douradas e as prateadas, como a garota explicou para , que pareceu se interessar e perguntar durante os intervalos de suas trapalhadas, visto que havia sido amarrado e amordaçado por Erza a uma árvore para não causar mais problemas. As prateadas eram comuns, de espíritos menos poderosos e que poderiam ser compradas em qualquer loja de artigos mágicos mediante o pagamento certo. Já as douradas eram extremamente raras. Tão raras que, na verdade, só havia doze delas e sempre contava com orgulho e um sorriso no rosto que ela possuía três. Todos os espíritos eram sempre nomeados de acordo com a constelação a que pertenciam no seu mundo e aí estava o exato motivo das chaves douradas serem tão raras: elas conjuravam os espíritos pertencentes às Doze Constelações Zodiacais.
, como já havia mencionado antes, possuía três delas: Cancer, que pertencia à Constelação de Câncer e eles haviam acabado de ver, Taurus, representante da Constelação de Touro e guardião do Portão do Boi Dourado, e, por fim, Aquarius, a Portadora das Águas da Constelação de Aquário.
E, apesar de poderoso, Cancer parecia realmente não entender o que fazia de errado, a despeito dos gritos de ao fugir do lobo enraivecido. Foi por esse motivo que seu portão foi logo fechado e a menina finalmente chamou a única chave dourada que ainda não havia se apresentado aos magos da Fairy Tail.
Taurus era uma vaca gigante, por mais engraçado que isso pudesse soar, de musculatura incrível e com um machado mais incrível ainda, além de um brinco dourado no nariz e uma sunga preta. Ele parecia capaz de derrotar dois e até cinco lobos daquele, de olhos vendados se fosse preciso, mas o seu caso era exatamente o da distração. Apesar dos gritos descontrolados da dona, tudo que ele fazia era babar por e dizer o quão bonita ela era. Foi preciso que a menina berrasse a ordem em fúria para a vaca entender o que precisava ser feito e mandar o lobo para longe numa tacada só de seu machado.
Depois disso, Erza quis ver como se virava com suas chaves prateadas. Porém, suas lutas não foram nem um pouco melhores, apesar do animal chamado pelo pó ter sido um simples sapo coaxante.
Agora ela estava ali, debruçada sobre o balcão do bar e chorando sua má fortuna a Mirajane, enquanto Erza comia um pedaço de bolo ao seu lado.
– Foi um completo desastre – a menina disse com a voz abafada e o rosto contra a tábua de madeira. – Se isso é só o primeiro dia, estou perdida – por falta de ar, levantou a face e deixou o queixo apoiado no balcão. Mira lhe deu uma maçã e uma xícara de chá, pegando em seguida os Jewels deixados por de lado.
– Não desista, . Eu sei que você ainda será uma grande maga... Sim, posso sentir isso – Erza comentou e chamou a atenção da garota, que apenas virou a cabeça sobre o balcão a tempo de vê-la limpar a boca com o guardanapo. A ruiva se pôs de pé e entregou o dinheiro à maga dos cabelos brancos, logo se pondo a andar para a porta. – Preciso sair para cumprir um trabalho. Descanse por enquanto, , e me ajude a garantir que e não briguem. Da última vez, terminamos com a cozinha destruída e metade do bar brigando também – ouviu e ficou apenas observando Erza ir embora passo a passo para fora da guilda e em direção à luz brilhante do dia bonito que ainda fazia. Ficou um momento em silêncio, pensando, quando resolveu se pronunciar.
– Mira, que tipo de magia a Erza usa? – a menina perguntou de repente e a maga pareceu ser pega de surpresa naquele momento. Mirajane se virou da pia em que estava e se aproximou do balcão.
– Erza usa magia de reequipamento – a mulher falou e franziu cenho, sem entender a princípio que espécie de feitiço sairia daquilo. Para sua sorte, a outra continuou. – Ela é capaz de invocar e trazer armaduras, armas e outras coisas de um espaço paralelo. Principalmente durante as lutas. Erza é conhecida por ser uma das únicas que consegue fazer isso muito rápido e no meio de uma briga – Mirajane terminou de explicar e se agachou para pegar um pano nos armários de baixo, mas pareceu não se conformar.
– ...Então ela tem um guarda-roupa gigante? É isso?! – a garota perguntou sem acreditar e Mira fez uma cara de quem não entendia de onde vinha toda a incredulidade dela. – Eu acabei de ver a Erza cortar um barril do meu tamanho e talvez da minha grossura como se fosse uma cebola em poucos segundos! – ela disse aquilo e continuou inconformada, perguntando-se se era possível que a maga ruiva também pudesse trazer força e resistência extra desse tal armário paralelo. A outra, por sua vez, abriu um pequeno sorriso.
– A Erza é simplesmente determinada. Não tem muito o que explicar aí – franziu o cenho de novo e abriu a boca para perguntar qualquer outra coisa que pudesse ajudar a elucidar aquilo.
– Mas, Mira, ela... Ela... É inacreditável – foi tudo que conseguiu dizer.
Mirajane, porém, apenas abriu ainda mais o seu sorriso doce.
– Sabe, , acho que isso é o que eu mais gosto na vida... As coisas mais impressionantes e inacreditáveis, no fundo, não têm um pingo de magia.
A menina ficou encarando a mulher de cabelos brancos e seus olhos azuis por um tempo, piscando e pensando no que acabara de ouvir. Será que aquilo era possível?
– EI, SALAMANDRA, CAIA FORA ANTES QUE EU LHE DÊ UMA SURRA! – as duas ouviram e na hora se viraram para ver o que acontecia, encontrando sobre o palquinho do fundo. Ele estava entre um livreto de partituras num pedestal, o qual observava atentamente, e o rapaz dos piercings de ferro, que antes parecia arranhar uma guitarra velha na cadeira em que estava sentado e da qual acompanhava a partitura, ficando consequentemente com a bunda na cara dele.
– Não seja chato. Eu quero tocar também – o outro, porém, não pareceu gostar da ideia e se levantou da cadeira em que estava, metendo um murro na nuca do mago do fogo. De onde estava, pôde ver trincar os dentes pontudos e se virar pelos calcanhares ainda no chão, erguendo-se rapidamente depois de uma volta e dando um chute no peito do outro.
– SEU FERRUGEM DE BOSTA, EU VOU QUEBRAR VOCÊ ATÉ OS OSSOS! – o rapaz do fogo gritou esganiçado e com a expressão enfurecida, catando a cadeira de antes e a levantando, enquanto corria para onde o pobre mago havia caído.
, em primeiro lugar, fez uma careta com aquela atitude completamente sem noção dele, desde se meter onde não devia a esmurrar o próprio companheiro de quarto daquela forma. Então, antes que pudesse perguntar a Mirajane por que ninguém fazia nada para parar aqueles dois que já haviam quebrado pelo menos umas duas cadeiras, sentiu coragem de questionar uma coisa que lhe ficou presa na memória desde que colocara o pé naquela guilda.
– Mira... – ela chamou a atenção da outra e a viu se virar em sua direção, percebendo na hora que nem ao menos tinha palavras para usar. Pegou a xícara de chá e a trouxe para mais perto. – Você... Já notou que o é meio...?
– Sem noção? Exagerado? – a mulher logo começou a chutar as alternativas, enumerando as possibilidades que se encaixariam naquela frase. – ...Ogro?
– É... – a menina disse simplesmente, sorrindo de leve ao ouvir todos os adjetivos que se encaixavam tão bem e perceber que Mira sabia exatamente do que ela estava falando. Levou a xícara à sua boca e tomou um gole.
– É, é difícil não perceber... Mas já era de se esperar. Afinal de contas, é meio dragão.
Distraída pelos pratos e copos sujos que empilhava, tudo que a mulher pôde ouvir depois de falar aquilo foi o som de uma xícara caindo ao chão e de chá se espalhando por ele.
Quando levantou os olhos, viu ajoelhada sobre o piso melado de chá açucarado e segurando desajeitadamente a xícara que derrubara.
– Eu... A-acho que lascou. Desculpe! – ela disse por entre gagueiras e levantou o olhar, vendo Mirajane ao alto e com a cara mais confusa do que qualquer outra coisa. Essa deu a volta no balcão e ajudou a se erguer, pegando a porcelana de suas mãos que ainda pareciam tremer um pouco.
– Não tem problema... , o que houve? Você está se sentindo bem? – Mira perguntou e a garota tomou fôlego para falar e tentar perder o aspecto assombrado que assumira.
– Mirajane, o que... O que você quis dizer com o fato de que o é meio dragão? – a menina perguntou e a mulher dos olhos azuis pareceu ficar um pouco perdida naquilo tudo, segurando a mão de com uma das mãos e a xícara lascada com a outra.
– Você... Não sabia? Achei que alguém já tinha lhe contado – ela disse e, no fim, abriu o seu sorriso de um modo um tanto atrapalhado. – O é um Matador de Dragões.
Ela havia até sentido uma suspeita se levantar no momento em que ouviu o que Mirajane dissera antes, mas no fundo não conseguiu se deixar acreditar.
Afinal, a Matança de Dragões já estava fadada a ser uma magia perdida.
Matadores de Dragões eram magos que dominavam a magia de transformar o próprio corpo no de um dragão. Suas feições mudavam, escamas apareciam... Bastava ter a prática e a técnica correta. Além disso, seus próprios ataques eram encantos de dragões, desde rugidos ao bater de asas. E os Matadores de Dragões não tinham esse nome por um motivo à toa: eles eram os únicos que poderiam, em uma batalha, matar ou conseguir derrotar um dragão.
Essa magia, no entanto, era de tanto poder que podia causar o pior dos efeitos colaterais em quem não soubesse usá-la direito, fazendo com que ela fosse obliterada do mundo e apagada aos poucos, assim como foi com os próprios dragões. Hoje, tanto eles quanto a magia eram pura lenda. Os poucos magos que sobreviveram e se adaptaram, contudo, ainda viviam.
E era um deles.
– Mas... Eu pensei que fosse um mago do fogo! – , no fim de todas suas considerações, percebeu que ficara calada por tempo demais e fez a primeira pergunta que lhe ocorreu na cabeça. Recebeu um risinho de Mirajane como resposta.
– E ele é também, por consequência – Mira largou a mão da garota e deu a volta no balcão, voltando ao seu lugar de antes e apanhando uma xícara nova para servir mais chá. – Vejo que você nunca se perguntou como alguém se torna um Matador de Dragões, – ela começou a falar e a menina, depois de pensar um pouco, sentiu-se impressionada ao perceber que aquilo era, de fato, verdade. – Para saber usar magia de dragão, você precisa aprender diretamente de um – franziu o cenho e arregalou os olhos. – E , no caso, foi ensinado por Igneel, o Rei Dragão das Chamas – Mirajane, já com o bule de chá em uma das mãos, despejou o líquido acastanhado dentro da xícara nova. Descansou a peça sobre o balcão quando já havia terminado e voltou a olhar para com seus doces olhos azuis. – Isso fez dele o que é: , o Matador de Dragões do Fogo... O Salamandra.
– EI, EVE! – quebrando o olhar que as duas mantinham uma na outra, as magas imediatamente olharam para o lado e encontraram , alegre e numa naturalidade de quem não havia acabado de dar uma surra no amigo, com a mão erguida e um sorriso gigante no rosto, enquanto olhava para a porta.
ia se voltar para Mirajane e perguntar o que estava acontecendo, onde estava o rapaz dos piercings e quem diabos era Eve, mas, antes que pudesse, distraiu-se com o vulto de passando rapidamente ao seu lado e indo até a entrada, onde encontrou um rapaz (ou seria um garoto?) extremamente franzino, de cabelos loiros como mel e pele cor de neve, além de olhos verdes escuros como o musgo das árvores. Ao chegar a ele, a fera o agarrou pelo lado num abraço meio forçado, como o que dera em antes na sua chegada, e o pobre menino fez uma cara de quem estava se esforçando para não mostrar que estava, na verdade, sufocando no meio daquilo tudo.
– Também é... Muito bom rever você, ! – ele disse na sua voz levemente sufocada, olhando com apenas um olho aberto para o mago do fogo que obviamente nada percebia e apenas mantinha os olhos fechados na sua mesma alegria inerente de sempre e sorriso de metros de distância.
– Eve! Que bom que você chegou! – de repente, mais uma pessoa diferente apareceu em cena, correndo do mesmo lado que viera, mas de uma distância maior que a que ele percorrera. Ainda confusa e sem tempo de perguntar a Mirajane quem eram aquelas pessoas, apenas observava.
A garota que apareceu era talvez tão franzina quanto o menino que tinha acabado de adentrar a guilda e ser agarrado por . Seu vestido era simples, laranja e preso ao pescoço por um pequeno laçarote branco, combinando com a faixa axadrezada que atravessava seus cabelos azuis e que batiam na altura dos ombros. Forçando um pouco mais a memória e pensando bem, principalmente ao rever a florzinha delicada e rosa que se destacava na lateral daquela faixa, se lembrou de que aquela menina estava na biblioteca que visitara mais cedo, sentada em um canto e com a cara enfiada num livro maior que a sua cabeça pelo menos.
– Estava esperando por você... Vamos! – e, assim que ela chegou ao conjunto formado que era e o pobre Eve de baixo do braço dele, a garota o pegou pela mão e o puxou para si, fazendo o mago do fogo reabrir os olhos e desfazer o sorriso em uma cara de nada, passando a notar que o menino era arrancado de si e logo posto a correr junto com a outra. – Não temos muito tempo!
– EI! O que vocês vão fazer? – perguntou aos dois correndo de volta ao lugar de onde a garota viera, mas não recebeu nenhuma resposta, fazendo-o apenas se sentir mais frustrado e, por consequência, falar mais alto. – Levy...? Eve?! AGORA EU QUERO SABER! – e, nisso, saiu correndo atrás dos dois com sua corrida engraçada e passos de, agora que sabia, dragão. – É PLANO PRA ACABAR COM O ?! VOLTEM AQUI! EU QUERO AJUDAR!
Enquanto observava aquela cena, além da imagem dele correndo desengonçado e com dois olhos estupidamente arregalados no rosto, numa ideia tão boba quanto a própria imagem pintada daquilo tudo, acabou até se esquecendo da conversa que mantinha com Mirajane até agora e da severidade do que tinha acabado de descobrir. podia ser o que fosse... Ele provavelmente nunca ia perder aquele ar inocente que tinha e exalava a cada vez que fechava seus olhos e sorria.
– Eve Tearm e Levy McGarden – antes que pudesse voltar à realidade e às diversas perguntas que se fazia, ouviu a voz de Mirajane ressoar, enquanto assistia às últimas passadas visíveis que podia ter de e de seus cabelos esvoaçantes. Abriu mais os olhos e se virou de volta para o balcão, encontrando Mira parada em sua pose de sempre, de pés juntos e mãos dadas na frente do corpo, e a encarando. – Magia de neve e escrita sólida, respectivamente – embora continuasse a falar, a mulher de cabelos brancos desviou o contato visual que mantinha com e voltou a se ocupar do fim que daria à xícara recém-quebrada. Observou o lascado delicado dela em suas mãos, girando a cerâmica uma vez ou outra. – Levy pode materializar os conceitos mais abstratos que você possa imaginar... E tudo em forma de palavras. Se ela chama os raios, você verá a palavra lindamente escrita à sua frente, mas apenas a tempo suficiente antes de fritar pelo cursivo dela. Se invoca chumbo, reze para a palavra não se formar bem em cima de sua cabeça. Fora isso, Levy é absurdamente inteligente. Tem mais memória que um elefante e pode ler mais rápido que o intervalo de tempo que demora para começar a brigar com alguém, quando ela possui os apetrechos corretos – e, assim que deixou a xícara quebrada cair no lixo à sua frente, lá no chão, subiu os olhos de novo a que apenas escutava atentamente. – Já Eve não é daqui – recolheu a maçã já comida e a jogou logo em cima dos cacos da xícara que agora estava estilhaçada. – Ele é mago da Blue Pegasus, outra guilda daqui de Magnolia – Mirajane não precisava nem ter feito o adendo que tinha acabado de trazer à conversa. A Blue Pegasus era uma guilda enorme e tão famosa quanto a Fairy Tail e sabia muito bem disso. A única coisa é que, ao contrário das fadas, as suas batalhas não deixavam rastros de destruição mais caros que as reformas da cidade. – Pode até parecer que ele só conseguiria construir um boneco de neve, se fosse chamado num trabalho, mas as nevascas que Eve pode invocar impressionam até mesmo ao – já sem mais nada para fazer, Mira se apoiou pelos braços ao balcão e voltou a encarar , que em momento algum desviara o olhar. – Só que, fora a magia de neve, Eve tem um inteligência singular, tal como a da Levy. Apesar do que dizem por aí, todo o aparato tecnológico que a Blue Pegasus utiliza foi feito e programado por ele. O Eve... É um gênio. Simples assim – Mira se desencostou do balcão. – Nós o conhecemos melhor em uma missão que a Fairy Tail foi convocada para atuar ao lado da Blue Pegasus. Desde então, ele acabou ficando muito amigo nosso... Principalmente de . Os dois ficaram atuando no mesmo posto na batalha. A ideia era deixá-lo junto com , já que neve e gelo estão na mesma categoria, mas entendeu tudo errado na hora de delegar os postos, então... – a mulher deixou a fala no ar, dando de ombros e certa de que nem havia a necessidade de completá-la para a garota prever a confusão que foi o pobre Eve esperar um cara que fazia gelo, mas dar de cara com um dragão cuspindo fogo, literalmente falando. , que até então estava escutando como quem ouvia uma fábula, porém, começou a contorcer as feições desde que ouvira o nome de ser mencionado pela primeira vez. – Levy diz ter encontrado algo muito estranho esses dias e que precisava de ajuda urgente, então acabou chamando Eve... ? – quando a menina percebeu, já havia perdido o foco, encarando o chão da cozinha mais à frente sem parar. Despertou e piscou os olhos algumas vezes, subindo a atenção para encontrar Mirajane com o cenho franzido. – Algum problema? – se atrapalhou ao receber a pergunta, talvez por ter sido pega em devaneios que ela própria desconhecia na hora, mas não demorou muito para conseguir se ajeitar dentro da própria cabeça e fazer uma cara de certo descontentamento, senão frustração, enquanto voltava a olhar para o chão.
– Não! Nada! Ahn... Digo, é só que... – começou a falar, mas acabou se perdendo ao notar que nem sabia por onde começar a perguntar. Bufou então, largando os ombros e parte do peso sobre os braços que ainda estavam apoiados sobre o balcão. – Mira... Qual é a do ? – Mirajane piscou seus olhos azuis algumas vezes ao ouvir aquela pergunta, porém logo pareceu entender do que a menina falava.
– Ah, você fala da constante nudez? Não se preocupe que ele não é tarado nem nada... treinou por muito tempo seminu na neve para se ligar melhor ao gelo e melhorar a sua magia. Hoje ele tira as roupas e nem nota. Também sente um pouco de calor em excesso, mas acho que isso não vem ao caso... – no entanto, no meio da frase já havia fechado os olhos e começado a balançar a cabeça negativamente, ainda com a expressão frustrada de antes em seu rosto.
– Não, não é nada disso... – a menina falou e Mirajane parou em seu lugar e com suas explicações, esperando que a outra maga dissesse, afinal, ao que se referia. – É só que... Ele... Ele não para de me cantar! – no momento em que ela disse aquilo, de olhos baixos e bochechas avermelhadas, Mirajane arregalou suas órbitas. Também não disse nada, petrificada em seu lugar, o que permitiu que continuasse a falar sem interrupções. – Desde que eu cheguei aqui e o conheci, no alojamento da Fairy Hills, o cara fica me seguindo e me dizendo uma porção de coisas sem muito nexo. Mais cedo, eu estava perdendo a luta para a droga de um sapo e ele disse que eu era incrível por ser uma defensora da natureza! – quando disse aquilo e se lembrou da euforia com que falou aquilo, além de sua calça voando pela segunda vez no dia, bateu com os punhos no balcão do bar e ergueu os olhos para Mira, que continuava na mesma posição de antes, apenas com uma expressão um pouco menos assustada. – Eu já cansei de não dar bola para ele, mas parece querer continuar se rastejando para mim... Qual é a porcaria do problema dele?!
Notando o suposto fim da história, Mirajane piscou uma última vez os seus olhos e não conseguiu conter a risada que irrompeu de si naquela hora. , porém, não entendeu muito bem a reação dela, observando-a dar a risadinha dócil com uma das mãos cobrindo os lábios.
– Ora, ora... É bem irônico que tenha arranjado uma queda bem por você, que não quer nada com ele – a maga dos cabelos brancos começou a dizer e, assim que conseguiu cessar com a risadinha, reabriu os olhos e voltou a encarar e sua expressão que esteve confusa desde o momento em que colocou os pés na Fairy Tail. – Sabe, , aparentemente se apaixonou por você e não há muito que eu possa fazer quanto a isso... Mas acho que não sabe quantas meninas pagariam para estar no seu lugar – a menina torceu o cenho e se colocou mais ereta no seu lugar.
– O que você quer dizer com isso, Mira? – olhando no grande relógio preso ao alto de uma das paredes e percebendo que a hora do almoço se aproximava, Mirajane foi até o armário de louças e buscou uma pilha de pratos.
– Por mais que não queira nada com ele, , você deve ter notado que ... Não é de se jogar fora – usando de todo o eufemismo que podia naquele momento, a mulher disse e olhou de esguelha para a garota de cabelos ainda sentada ao balcão, enquanto tinha o armário aberto e os braços dentre deste. – E creio que eu possa seguramente lhe dizer que, mais do que isso, ele é o cara mais cobiçado da cidade – depois de puxar uma pilha de oito pratos de porcelana branca, Mira voltou ao seu lugar de antes, apoiando-as sobre a mesa que havia antes do balcão. – Se soubesse a quantidade de garotas que já inventaram trabalhos falsos ou vieram até aqui com qualquer desculpa esfarrapada apenas para poderem ver e falar com ... Você iria se surpreender – estava boquiaberta. Mais cedo, quando conheceu o alojamento e seus sete companheiros de quarto (contando Happy. Afinal de contas, já não lhe era mais um total estranho), ela mesma havia admitido que o rapaz era realmente bonito, enquanto o via permanecer à sua frente sem camisa e materializando aquela rosa de gelo, mas nada disso mudava o fato de que, não, ela não queria nada com ele!
bufou emburrada, torcendo a forma de seus lábios e se largando de modo a se afastar um pouco da borda do balcão, enquanto Mirajane voltava a pegar mais pratos. Pensou em e nas centenas de garotas que chorariam ao pensar que ela recusava uma chance como aquela, mas não havia nada que a menina pudesse fazer. simplesmente não fazia o seu tipo nem marcava sua memória de um jeito que a deixasse, de alguma forma, desnorteada, tal como havia lido inúmeras vezes nos seus inúmeros livros e romances.
Não como o jeito estranho de marcava.
Entretanto, enquanto ela pensava e fazia suas considerações, ainda na mesma posição e no mesmo local de antes, foi de repente que finalmente notou algo que era quase que como uma presença. Um tanto alarmada, olhou para os lados e, ao mirar para sua direita, deu de cara com uma garota que, pelo visto, também estivera sentada ali aquele tempo todo. Ela era definitivamente esquisita, talvez até um tanto bizarra, e não sabia dizer se era por seus aspectos ou pelo modo como a encarava fixamente e com olhos de coruja. Seus cabelos não eram longos como os de Mirajane, mas também não podiam ser considerados curtos, de um azul cobalto forte e intenso, tal como o das suas roupas. Essas eram quase que invernais, cobrindo seu corpo por inteiro em uma blusa e saia compridas, se não fosse pela fenda única que passava pela parte de baixo e deixava uma de suas pernas, a qual tinha a marca da guilda no mesmo tom de azul, à mostra. Até mesmo sua cabeça era coberta por um chapéu que por sinal dava calor em só de olhar. Porém, o que mais impressionou a menina foi o tom da pele dela. Se ela havia achado que a pele de Eve era branca como a neve, era realmente porque não havia se encontrado com aquela mulher antes. O tom era o mesmo do luar e do papel antes de rabiscar, fazendo com que o contraste de seus olhos azuis escuros como zonas abissais e que a encaravam naquela fervura ininterrupta fosse apenas mais medonho.
Sentindo-se arrepiar por um momento, virou a cabeça rapidamente para frente e se inclinou como pôde para Mirajane.
– Mira... Quem é aquela? – a menina sussurrou e moveu os olhos de novo para o seu lado direito, a fim de que a moça seguisse o mesmo caminho e visse de quem ela falava. Contudo, no momento em que os olhos de Mirajane caíram sobre aquela mulher, o seu rosto ficou mais branco e o susto o tomou em seguida, fazendo-a segurar por um dos ombros e virá-la rapidamente consigo para o outro lado.
– Aquela é a Juvia. No seu caso, eu aconselharia a ficar bem longe dela – Mirajane sussurrou em palavras rápidas e se manteve bem próxima de , com a mão ainda em seu ombro e parte da atenção voltada na tal da Juvia, que, apesar de tudo, não parara de encarar a garota e seus cabelos .
– Juvia...? – acabou repetindo baixo e consigo mesma. Aquele nome... Era o mesmo que Erza havia chamado durante o episódio da água! – Mas o que tem de errado com ela?
– A Juvia... – Mira começou dizendo, parecendo por um momento que buscava as palavras certas para explicar o que acontecia com aquela maga aparentemente esquisita, mas apenas para suspirar e parecer, no fim, que desistira de sua caça. – É enlouquecidamente apaixonada pelo . Desesperadamente. Eu sei que acabei de lhe contar de como mil e uma garotas vieram atrás dele, mas juro que nunca vi nenhuma como a Juvia. Ela já fez loucuras por ciúmes... Já machucou gente por isso – naquele momento, os olhos de se arregalaram instantaneamente. – E ele, pelo visto... Não vai muito com a cara dela. Então, no seu lugar, principalmente no seu lugar, eu ficaria o mais longe dela possível, pelo menos até parar de seguir você. Juvia é uma maga extremamente poderosa e pode se tornar mais perigosa do que imagina. Certas magias são muito influenciadas pelas emoções... E a dela é como o pavio de uma bomba nisso.
Naquele momento, nem sabia o que dizer. Permaneceu parada no lugar em que Mirajane a colocara, com o ouvido perto da boca dela e uma expressão de desespero explícita em seu rosto. Um lado seu queria perguntar que tipo de magia era essa que Juvia usava, capaz de passar do normal ao pleno perigo em uma fração de desapontamento dela, que alguma coisa com água com certeza tinha a ver, e outro queria apenas saber quanto daquela conversa a mulher havia escutado.
Ainda um tanto incerta da decisão meio perigosa que acabara tomando, se ajeitou no seu lugar e virou a cabeça para trás, voltando a olhar para Juvia e seu rosto totalmente inexpressivo, se não fosse pelos olhos de caça que ainda eram mantidos na mesma direção de antes. Sem saber mais o que fazer, apenas sorriu para ela, numa forma não só de cumprimentar, mas também de tentar aliviar a tensão daquela situação. Juvia, no entanto, não pareceu ir pela mesma linha de raciocínio que ela. Sua única reação foi quebrar o copo de vidro que tinha nas mãos, sem mover mais um músculo sequer ou pedaço de suas roupas compridas.
Perante aquilo e na mesma hora, se voltou correndo para a mesma posição de Mirajane, o desespero de antes e que estava claro em cada feição sua agora triplicado e elevado à quarta.
Com Erza em um pé de seu encalço e Juvia no outro, não havia simplesmente maneira de sair viva daquela semana!
Contudo, antes que pudesse tentar mais alguma coisa ou se desesperar com qualquer outra reação de Juvia, principalmente quando jurou ter ouvido um dos banquinhos do bar se arrastar pelo chão, outra coisa chamou a atenção de todos ali.
– JÁ DISSE PARA SAIR DAQUI, SALAMANDRA! – o homem dos piercings, impressionantemente sem nenhum arranhão ou olho roxo que o mago do fogo podia ter causado mais cedo, gritava em uma expressão nem um pouco contente, enquanto estava sentado em uma cadeira com sua mesma guitarra velha de antes e tentando tocar um jazzeado, além de olhar com uma fúria não muito agradável para dançando da maneira mais esquisita possível à sua frente.
– Está brincando?! ESSA É MINHA MÚSICA FAVORITA, MESMO COM VOCÊ A ARRUINANDO! – e o mago continuou rebolando desengonçado na frente de tudo e todos, fechando os olhos na sua comum alegria despreocupada e colocando as mãos atrás da cabeça, enquanto passava a ficar de costas para o homem dos piercings que, naquela hora, trincou os dentes e fechou o punho em torno do braço da guitarra que não aguentou um segundo de sua força.
Esquecendo-se por um momento de seu mais novo problema, piscou algumas vezes seus olhos e se recompôs ereta em seu lugar, virando o rosto para trás e automaticamente ignorando qualquer sinal da presença de Juvia, enquanto só conseguia observar os passos desengonçados e sem ritmo algum de mais ao fundo. Esse logo começou a correr, ainda meio dançando, a fim de escapar da surra que estava para levar do outro agora enfurecido com seu comentário.
Virou-se para Mirajane, que permanecera no lugar em que se havia se instalado depois de olhar para a cara de Juvia, com o semblante mais confuso do que quando viu Happy pela primeira vez.
– Mira, o que... O está fazendo?! – a menina perguntou e viu a outra fazer uma careta atrapalhada, além de fechar os olhos e se segurar para não começar a dar outra risada ali mesmo.
– O meio que gosta de jazz... – Mira disse e deu levemente de ombros, abrindo seus olhos e virando as palmas da mão para cima, enquanto um “NINGUÉM ME SEGURA!” de se fazia audível pelo bar inteiro. – Não que ele saiba muito bem o que acontece ou do que se trata... Acho que só gosta do ritmo mesmo.
– Oh... – acabou respondendo, um tanto impressionada e mantendo os olhos em Mirajane, enquanto que a cena de , agora correndo com um saxofone que tirara das mãos de um homem com um cigarro na boca e sendo perseguido pelo homem dos piercings e , que na confusão dos passos animados do dragão acabou tendo a sua caneca de vinho gelado derrubada, ocorria atrás de si. – Isso é realmente... – ela começou dizendo, em seguida se virando para trás e a tempo de ver ser alcançado e jogado ao chão, começando a rolar e brigar com os dois que estavam até então em sua cola. – Engraçado.
E, observando de seu lugar a confusão e a movimentação que começavam a emergir no bar, incluindo as pessoas que tentavam separar a briga dos três, mas apenas acabavam entrando nela também, além das que se aglomeravam em torno com canecas cheias de bebida e gritos de torcida por alguém em específico e que estava no meio dos socos e chutes, acabou sorrindo. Estranhou a própria reação e principalmente o cenário em que ela se realizava, mas não conseguiu evitar. Sorriu e sorriu como não sorria há muito tempo em sua vida. A Fairy Tail era provavelmente a guilda mais indisciplinada do reino, a mais destrutiva e com as contas mais altas a pagar, mas a sensação que você tinha ao estar ali dentro, no meio de todos os seus membros e das suas confusões, não tinha preço. Não havia regras quando tudo subia à flor da pele e, quando havia, elas eram obviamente jogadas ao alto – pelo menos longe dos olhos de Erza. Se quisesse, você gritava. Se quisesse, bebia até cair ao chão. Se quisesse, ria e zombava como uma criança. Se quisesse, brigava com quem quer que enchesse o saco ou saísse correndo para derrubar sua bebida, sendo que, quando o perigo de verdade vinha, tudo que queria era destruí-lo até que ele estivesse de baixo de seus pés e longe de todos que ama, sem dar para trás, sem medir esforços. Essa era a natureza de todos ali, sem fugas à regra ou exceções, e só de estar perto já podia sentir isso quase que correndo em seu sangue.
Eles eram uma família. Uma grande família atrapalhada e boêmia, mas eram.
E , com seu jeito despreocupado de viver e alegria de criança de boba, sua vontade fazer o que quisesse quando bem entendesse, desde gritar, comer, socar a destruir, era com certeza o maior de todos os desatinados ali.
Ainda olhando a grande briga que já havia se estendido a metade dos integrantes da guilda e começava a tomar conta da maior parte do bar, se virou no banquinho e apoiou o queixo sobre uma das mãos, com braço sobre o balcão e de frente para o motim. Observou as expressões hilárias e furiosas de cada um, principalmente daqueles que acabavam atropelados por ou pelo rapaz dos piercings, e fechou seus olhos, não conseguindo evitar que aumentasse o seu riso. Aquela liberdade que estava sentindo... Como havia sonhado com ela.
– Honestamente, não sei o que é pior: gritando ou o Gajeel tocando – e o homem do cigarro, com seu topete exagerado e olhos apertados, chegou perto e conseguiu pegar seu saxofone de volta, para o qual naquela confusão toda ninguém acabou dando a mínima. Saiu de perto e foi para a vitrola do fundo, a fim de colocar qualquer música para tocar e que, uma vez terminada a briga, Gajeel e sua guitarra não voltassem mais.
A música começou a tocar e então, ouvindo a melodia do jazz animado que passou a ressoar em alto e bom som, emergiu do montinho de gente que havia em cima de si com os olhos bem abertos e a expressão quase que vazia de tão surpresa. Foi uma questão de segundos para que ele abrisse outro sorriso gigante e começasse a gritar.
– EI, EU ADORO ESSA MÚSICA!
– VOCÊ DIZ ISSO DE TODAS AS MÚSICAS! – e um coro furioso composto por já só de cueca, Gajeel, um cara de chapéu grande e a garota dos cabelos castanhos e do top azul curto gritou atrás dele, ao que não dava a mínima e se levantava de novo.
Dessa vez, não conseguiu se segurar. Vendo e seus passos que aparentemente se tornavam mais desengonçados à medida que a velocidade da música crescia, ela tentou prender a gargalhada que a consumia cada vez mais, mas não conseguiu. Acabou deixando a risada sair forte e quase que escandalosa, colocando as mãos sobre a boca e não tirando os olhos da figura que era e seu jeito pouco normal de ser. Mirajane, ao seu lado, conseguiu se controlar um pouco melhor, mantendo uma das mãos sobre os lábios e deixando escapar apenas uma risadinha fina, porém também se entregando à vontade de rir no fim. Ele pulava de um lado para o outro, com certeza sem ideia do que estava fazendo e não tendo mais nada que não fosse aquele sorriso de mil quilômetros e os olhos fechados no rosto.
E, enquanto pulava e trombava em alguns que ainda tentavam se levantar da briga de antes, chegou uma hora que ele reabriu os seus olhos. Ergueu as pálpebras e naquela hora, naquela posição e direção em que parou, a primeira coisa que viu foi e seus olhos quase iluminados de tanto rir, ao canto do bar e ao lado de Mirajane. Sem pensar duas vezes então, ou ao menos uma sequer talvez, ele ergueu a mão para ela e reabriu o seu sorriso de dentes pontiagudos.
– Ei, ! Venha dançar comigo!
Com aquilo, parou de rir na mesma hora, arregalando os olhos e paralisando diante da visão de e sua mão a convidando para se juntar a ele.
– E-e-eu? Não, não, não... – a garota começou a dizer e balbuciar, abanando negativamente suas duas mãos no ar, mas só conseguindo se desesperar ao ver começando a correr em sua direção. – ...! ! NÃO! – ela gritou, porém o mago apenas a ignorou, agarrando-a por um dos punhos e a puxando para fora do banquinho e em direção ao centro do bar.
A despeito dos berros que deu e de todas as suas tentativas sem sucesso de escapar ou sair correndo, antes que pudesse se dar conta, logo estava no meio do grande bar e de cara com e seus grandes olhos. Arregalando os seus e sentindo o coração parar por um momento, ela deu meia volta por instinto e tentou correr, mas não deixou. Agarrou-a por uma das mãos e a puxou com tudo de volta para si, fazendo-a virar e trombar de frente com o seu corpo quente feito o fogo. Então, antes que ela pudesse contestar, respirar ou fazer alguma outra coisa que não fosse levantar o rosto e ver pela primeira vez realmente de perto aquela mesma auréola dourada que contornava as pupilas dele, começou a pular feito um animal de novo, não lhe largando as mãos e consequentemente não a conduzindo, mas carregando consigo para o lado que virasse.
quase caía e tropeçava a cada segundo, tentando ao máximo não trombar com as pessoas em volta ou parar em cima das mesas, mas, quando ficou devidamente em pé de novo e finalmente conseguiu voltar a prestar atenção em , e não em onde quer que pudesse dar com a cara, ela finalmente pôde ver o que não tinha notado desde o início da dança – ou quase isso.
Naquela movimentação toda, ainda estava de olhos fechados, obviamente deixando por último e quase fora da sua lista de preocupações o fato de se sabia ou não para onde ia, mas não precisou que eles estivessem abertos para ver o que viu. Ali, estava aquela mesmíssima alegria de antes, nem um pouco a menos ou diferente, em cada canto de seu sorriso e de seu rosto. Definitivamente, o garoto não ligava se estava dançando certo ou não, se havia pisado no pé de alguém ou de várias pessoas... Apenas para o fato de que estava lá, em sua casa, dançando a música que gostava e com a garota com quem simpatizara desde o seu primeiro dia na guilda. E, ao ver aquilo, foi quase que automático para .
Ela abriu um sorriso quase tão grande quanto o dele.
– Ei, querem saber? – um cara, de cabelo roxo escuro, pele bronzeada e casaco longo e branco, que estava sentado em uma das mesas e tentando se recuperar da pancadaria em que havia se metido há pouco, disse de repente e chamou a atenção dos que estavam à sua volta e observando os dois que agora dançavam sem parar. – O tem razão... Essa música é realmente boa! – e, assim que disse aquilo, sorriu e se pôs de pé, começando a correr para o canto da guilda. – Ei, Cana! Quer dançar?
E não demorou para que, aos poucos, cada vez mais pessoas se juntassem a , e sua animação agora aloprada. Quase todos acabaram ali! Mirajane e o mago de cabelos verdes, Happy e Carla, o cara gigante dos cabelos brancos e uma mulher de vestido verde curto, o cara do chapéu grande que já estava praticamente do lado de um que tinha um topete preto esquisito, mas parecia estar tomando coragem para lhe pedir a dança... Até mesmo o Mestre Makarov resolveu se aventurar, rodopiando sem muito equilíbrio ou sobriedade com sua caneca transbordando de cerveja. Alguns, no entanto, se mantinham longe e apenas na expectação, como Laxus e o tal Gajeel... Sem contar que, enquanto estava apenas sentado no chão e assistindo a todos, até que com um sorriso no rosto, de repente encontrou a figura de Juvia com as maçãs do rosto rosadas e os olhos brilhantes em cima de seu colo e implorando para dançar. Seus olhos ficaram grandes e brancos como a própria Juvia, além de quase que assustados por um momento, mas ele apenas deu uma pequena escorregada para o lado, com ela ainda hipnotizada em cima de si, e depois saiu correndo para os fundos, fazendo-a tombar no chão e começar a chorar ali mesmo.
não tinha a menor ideia do que estava fazendo e, agora, também não. Ela não conseguia mais parar, para falar a verdade. Podia estar fazendo a coisa mais embaraçosa e vergonhosa de sua vida, mas aquele êxtase era tão bom que a menina mal conseguia ligar para as possíveis consequências que poderiam vir depois. Nem mesmo quando , já levado pela sua empolgação, subiu em cima de uma das mesas vazias e a puxou consigo.
Ali em cima, tudo pareceu diferente por um segundo. Ela podia ver todos os outros dançando e rodopiando abaixo de si, em um mar que só ali e com aquela visão finalmente se mostrou impressionante como realmente era. E as coisas só lhe pareceram diferentes porque, na verdade, ficaram melhores ainda, ao que sentiu agarrar a sua mão e começar a dançar literalmente em cima das mesas.
Tantos anos trancada em casa, olhando em silêncio as trancas pesadas e as cortinas fechadas, com ninguém mais para falar que não fossem os empregados ou suas bonecas... Anos inteiros de sua vida que mais pareceram uma solitária e ela os trocaria, sem pensar duas vezes, por aqueles poucos minutos que estava tendo com .
De repente, não conseguiu se controlar. Quando se deu conta, já havia levado os seus braços até o rapaz e o agarrado pelo pescoço, sentindo o fogo da pele dele descansar sobre sua bochecha e o seu abraço tirá-la da mesa.
Ela os trocaria, sim, pois, naquele momento, naquela hora, ela soube que a Fairy Tail era o seu lugar.

– Vamos! É por aqui! – Levy disse apressadamente, enquanto corria na frente e com uma das mãos em torno do pulso de Eve. Depois de se encontrarem na entrada e correrem para o fim do bar, além de fugirem de e da sua ideia distorcida do que aquilo na verdade era, ela levou o garoto para os fundos da guilda e até o jardim de lá.
Assim que abriram a última porta e estavam do lado de fora, Levy largou Eve e esse se encurvou, começando a ofegar um pouco pela corrida repentina e sentindo o calor do sol sobre a sua pele.
– Levy... Levy, por que essa correria toda? O que é que está acont...? – ele começou a dizer e, quando ergueu os olhos para o mesmo que Levy, agora paralisada em seu lugar, observava, o ar lhe sumiu por completo.
No verde vivo do jardim da Fairy Tail, um caminho marrom e morto se fazia presente e gritante até aquele mesmíssimo ponto em que eles estavam, sobre o tapete de entrada e com a porta aberta atrás de si. A grama que uma vez houvera ali, nos limites daquela linha que os dois olhavam com os olhos arregalados, agora estava apodrecida e deteriorada até a morte. O rastro, no entanto, não parava ali, expandindo-se gradualmente para os lados e mortificando com mais intensidade as plantas, flores, os arbustos e tudo que estivesse mais perto daquela trilha amaldiçoada.
Reerguendo-se e com os olhos vidrados, Eve não conseguiu desviar o olhar daquela cena à sua frente, ficando de boca aberta.
– Ele... – o rapaz conseguiu dizer, depois de momentos de silêncio e de palavras engolidas pelo horror. – Vive?
– Ele vive, Eve – Levy disse e, quando se preparou para continuar o que tinha para falar, sentiu-se arrepiar por inteiro. – Ele vive e veio até aqui.

Aquela semana, no fim, se passou bem mais rápido do que havia previsto. Acordando bem cedo e normalmente com alguma surpresa, fosse quase nu lhe fazendo uma serenata com um violino de gelo ou tentando assar um peixe por conta própria e pondo fogo na kitchenette inteira, ela se apressava para trocar de roupa no banheiro antes que todos os sete estivessem acordados e depois corria para o encontro de Erza, no mesmo lugar de seu primeiro treino e sempre no mesmo horário. Após horas treinando e suando, e muitas vezes sendo atrapalhada pela presença do fogo e do gelo, por assim dizer, ela tinha o resto da tarde livre para ficar de bobeira na guilda e conhecer um pouco mais de cada um, além de ir visitar a sua avó sempre que podia.
A começar pelo seu quarto na Fairy Hills, ela descobriu pouco depois do primeiro dia que Laxus era realmente neto de sangue do Mestre Makarov. Filho de Ivan Dreyar, do qual ninguém mais ouvia falar no reino todo, ele era um dos magos de Classe S da Fairy Tail e conhecido em Magnolia por ser o Senhor dos Raios – o que fez ser eternamente grata ao destino por ter sido impedida de falar e responder alguma coisa no dia da sua chegada, quando ele foi um tanto grosso. O seu braço direito era Freed Justine, que era o tal mago dos cabelos verdes que lhe tinha quase que uma devoção. Freed usava magia de runas, que era um tanto parecida com a de Levy, exceto pelo fato de que as runas invocavam efeitos bem mais letais e podiam ser escritas desde no solo até na pele de uma pessoa.
Warren Rocko, como bem aprendera, era um telepata, enquanto que seu amigo gigante era Elfman. Esse, apesar de seu jeito bruto e da sua mania esquisita de sempre falar a palavra “homem”, mesmo quando conversava com uma mulher, era uma pessoa muito dócil, praticante da arte da magia de transformação. Ou seja, ele tinha a capacidade de transformar todo o seu corpo em algo diferente e assumir uma forma de batalha, que no seu caso era normalmente a Alma da Besta – uma espécie de forma demoníaca. Porém, o que descobriu sobre ele que realmente a assustou e a fez quase cair do banquinho do bar era que Elfman era o irmão mais novo de Mirajane. , depois de se recuperar do susto, admitiu que deveria ter suspeitado, sabendo que Mira usa o mesmo tipo de magia e incorpora também uma forma demoníaca, que era a Alma de Satã. Na verdade, eles eram três irmãos: Mirajane, Elfman e Lisanna Strauss. E foi com lágrimas nos olhos que Mira contou a que Lisanna não estava ali porque, há seis anos, ela saíra para fazer um trabalho sozinha.
E há seis anos ela não voltava para casa.
Por fim, pelo menos na questão do alojamento, havia o cara dos piercings, cujo nome ela aprendeu no dia em que dançou com em cima das mesas: Gajeel. E, em menos tempo ainda, descobriu que a rivalidade dele com era bem mais do que por puro desafeto, mas porque ele também era um Matador de Dragões. Treinado e criado por Metalicana, o Dragão do Ferro, ele era Gajeel Redfox, o Matador de Dragões do Ferro.
Depois lhe contaram que, na verdade, havia três Matadores de Dragões na Fairy Tail: , Gajeel e mais alguém que absolutamente ninguém quis lhe contar. Até Mira se negou a falar e disse que, na hora certa, ela descobriria quem era. , a partir de então, começou a suspeitar de absolutamente todos, mas, segundo Mirajane, ela nunca acertava. Suspeitou de , Elfman, Erza, Mirajane, Juvia (talvez esse fosse o motivo de ela ser tão perigosa?)... Até de Happy suspeitou, porém obviamente sem sucesso.
E, falando em Juvia, é claro que aquela não havia sido a última vez que ela a encontrara. Quase todos os dias, enquanto perambulava pela guilda, fosse para ir ao banheiro ou por puro passeio, de repente se via de frente com a maga azul em algum corredor, fazendo com que ela imediatamente corresse para a companhia de qualquer pessoa que estivesse por ali (com a exceção de , é claro).
Juvia Loxer podia ser grosseiramente considerada uma maga das águas, que por sinal tinha a estranha mania de falar na terceira pessoa. Ela tinha controle absoluto sobre todo e qualquer volume de água existente à sua volta, sendo capaz de manipular, reunir e desferir golpes feitos de nada mais que água, que eram fortes o suficiente para quebrar rochas, cortar metais e fazer bons estragos, tal como fizera no primeiro dia de treino de . Só que, por ter um domínio tão forte sobre o elemento, Juvia tinha, além de tudo, a habilidade de se tornar um só com ele. Em um piscar de olhos, ela conseguia fazer com que sua própria matéria se tornasse água, de forma que, se não havia poças ou oceanos à sua volta, ela podia simplesmente atacar você com o que fizesse correr em suas veias. Logo, decepcioná-la em uma hora dessas não era exatamente a melhor escolha, pois Juvia tinha literalmente a capacidade de virar um maremoto.
Ainda naquela semana, fora Mirajane e Erza (que podia ser um ótimo ombro para chorar, quando você tinha a sorte de não bater na armadura dela ao receber um abraço), conseguiu fazer mais duas amigas que a acompanharam durante todo aquele período. A primeira era Cana Alberona – a garota dos cabelos castanhos que chamara Erza à guilda no episódio do barril e uma beberrona de primeira. Cana bebia muito mais que qualquer pessoa na guilda ou que sete s juntos, estando sempre com uma caneca na mão e impressionantemente longe de ficar bêbada. Atrevida e de pouca paciência, ela usava magia de cartas, deixando à fortuna do oponente qual carta seria sorteada e que tipo de ataque ele consequentemente levaria na cara. Estando então sempre no bar, não era surpresa que ela e uma completamente sem fôlego acabassem sempre se encontrando.
A segunda era uma pequena garota de doze anos chamada Wendy, com quem Carla normalmente andava. Elas se conheceram no dia que acabou escorregando em uma das várias poças de bebidas que acabavam espalhadas pelo bar, o que a fez cair de costas no chão e dar um jeito na coluna. Para ajudá-la, então, chamaram a menina, dado que ela conseguia também lidar com magia de cura e era muitas vezes responsável por cuidar dos enfermos e feridos nas batalhas. Wendy era uma garota extremamente doce, de cabelos longos e azuis escuros e com um par de grandes olhos castanhos. As duas sempre tinham conversas muito agradáveis e calmas, fazendo se esquecer pelo menos por um momento da prova à qual era na verdade posta ali. Isto é, até o dia em que simplesmente arregalou os olhos e caiu de verdade da cadeira ao descobrir que ela, a pequena Wendy, era o terceiro Matador de Dragões da Fairy Tail: Wendy Marvell, a Matadora de Dragões dos Céus, treinada pelo Dragão dos Céus Grandine.
Já os treinos de não estavam indo exatamente conforme o planejado. Eles foram de mal a pior e de pior ao completo desastre. Durante todo o seu tempo ali, não houve uma única tarefa que ela tenha conseguido fazer direito. O seu tempo de corrida nunca era bom o suficiente, sua agilidade em batalha era baixa, os espíritos nunca a obedeciam... Isso sem contar quando ela teve que duelar com gente da guilda e tomou as três maiores surras de sua vida. E teria havido uma quarta, se Erza não tivesse vetado o voluntarismo com segundas intenções de Juvia. Desse jeito, já estava praticamente fadada à reprovação sem mesmo ter que prestar a prova e sabia disso... Principalmente porque o calendário agora marcava sexta-feira e seu último treino tinha terminado um tanto desastroso naquele dia.
Para não dizer coisa pior, já que Aquarius acidentalmente inundou o bar todo depois de ter sido conjurada no meio de sua soneca.
E era por esse motivo que ela se encontrava no corredor dos fundos agora, de joelhos perante Erza e implorando por mais alguma chance ou ajuda que fosse.
– Erza, por favor! Eu imploro! – a menina disse e abaixou sua cabeça, fechando os olhos com força, enquanto levava sua testa aos dedos juntos e apertados em forma de pedido. – Deve haver mais alguma coisa que eu possa fazer. Eu... Eu vou reprovar – depois de terminar de falar e sentir por um momento que sua voz ia embargar, reergueu os olhos e viu a figura imponente de Erza à sua frente e a alguns centímetros acima de si. Para sua surpresa, depois de ouvir tudo aquilo, a ruiva apenas fechou os olhos e suspirou.
– Entendo – foi tudo que ela disse, a princípio. Ao ouvir aquilo, franziu o cenho e permaneceu no seu lugar, de joelhos dobrados e mãos juntas, em frente à imagem de Erza ainda de olhos fechados e com a expressão baixa. Mas o que ela queria dizer com aquilo? – Eu falhei.
– ...Hã?
E, antes que a garota pudesse fazer mais alguma coisa, Erza estava com um dos braços apoiado sobre a parede do lado e a cabeça em cima desse, com uma postura curvada e triste.
– O Mestre confiou você às minhas mãos para que eu pudesse prepará-la para a prova e a vida na guilda, mas não consegui... Eu não fui capaz – a maga choramingou e ficou naquela posição, falando com sua voz grave e quase até que sofrida, além de dar um murro na parede com a mão livre e abrir um buraco suficiente para abrigar o seu punho inteiro ali. , em contrapartida, permaneceu congelada e apenas com dois olhos arregalados do tamanho do ponto de interrogação que obviamente marcava o seu rosto. – Desapontei todos vocês. É uma vergonha... Uma desonra como maga da Fairy Tail! Por favor, bata em mim! – e de repente Erza saiu de sua posição depressiva e se pôs de joelhos também, deixando a cabeça baixa e à mercê de . Essa, no entanto, apenas arregalou mais ainda os seus olhos e logo começou a balançar as duas mãos desesperadamente à sua frente, sem entender o exagero dela com aquilo tudo e muito menos com coragem de dar um peteleco forte demais nela e depois ter que correr por sua vida.
Depois de algum tempo negando freneticamente em silêncio, parou de mexer as suas mãos e as recolheu para si, dando quase que um sorriso atrapalhado com toda aquela reação dela.
– Ei, Erza, você não falhou! Eu que... Eu que não consegui acompanhar o ritmo de vocês – assim que ela disse isso e abaixou os braços, a ruiva levantou os olhos, com as palmas das mãos ainda contra o chão e uma expressão que poderia jurar que era de surpresa naquela hora. – E é por isso que lhe peço... Por favor, por favor, deve haver mais alguma coisa que eu possa fazer para me preparar para domingo!
Ao ouvir aquilo, Erza tirou o peso de seus joelhos e se sentou sobre seus calcanhares, com as mãos sobre as coxas e olhando com o semblante meio pensativo para .
– Talvez possamos fazer um treino extra... – quando ouviu aquilo, a garota imediatamente se iluminou e abriu um sorriso enorme, fechando os punhos em excitação precipitada. – Bem de noite, como agora, quando todos já estiverem dormindo para que o Mestre não saiba – e, antes mesmo que Erza pudesse terminar de falar, já havia pulado do jeito que conseguiu de seu lugar ajoelhado e abraçado a maga com os olhos fechados e uma cara de alegria eterna.
– AH, ERZA! Muito obrigada! Você não sabe o quanto...! – ela foi dizendo sem nem conseguir pensar direito, apenas jorrando de sua boca o quão grata estava e o que se passava na sua cabeça no momento. Permaneceu abraçando Erza na mesma felicidade, apesar de ter se lembrado da armadura gelada logo no primeiro segundo, quando sentiu as mãos dela lhe tocarem os ombros e afastá-la um pouco.
, você entende que isso é na verdade uma grande quebra às regras, não? – Erza disse séria e olhou para , tirando as mãos de seus ombros e as deixando cair ao chão logo em seguida. – Só estou fazendo isso porque sei do seu potencial e o quanto você quer entrar aqui – a ruiva explicou. – O Mestre ordenou seis treinos, uma prova e nada mais. Se ele descobrir o que estou fazendo, talvez nunca mais confie em mim do mesmo jeito... Isso é sério – depois, abaixou um pouco o seu rosto, estreitando os olhos, e não os desviou da menina à sua frente. – Então, caso você falte comigo, vou levar isso como um grande desacato.
Naquele momento, ao ver o fogo dos olhos de Erza e o quão sério ela estava falando, sentiu um pouco de receio ao aceitar aquela proposta e começou repensar, porém logo acordou do pequeno devaneio pessimista em que se enfiara. Mas nem em vinte mil anos que ela poderia recusar uma oferta como aquela!
Afinal, entrar para a Fairy Tail estava tão perto, mas também escorregando tão rápido de seus dedos.
– Não se preocupe, Erza – a garota disse e, em seguida, pegou nas mãos da outra, tão gélidas pelo metal da armadura e da braçadeira. – Eu sei o risco que você está assumindo aqui e prometo que ele não será em vão... – depois de dizer aquilo, apertou as mãos dela e abriu um pequeno sorriso, ainda olhando para a expressão meio tensa da ruiva. – Mais do que isso... Eu juro.
Ao ouvir aquilo, Scarlet sorriu largo, mesmo que fechado, e apertou as mãos de de volta.
– Sabia que não estava errada quando disse você ainda seria uma grande maga – ela falou e, depois, soltou os dedos que segurara até então. – Então amanhã, sábado, às dez horas da noite no lugar onde sempre treinamos. Temos um trato? – perguntou e já estava se pondo pronta para responder que sim, quando se lembrou de uma coisa.
– S-sábado...? À noite?! – a festa da companhia de seu pai... Ela havia se esquecido totalmente disso!
Erza pareceu perceber algo.
– Você tem algum problema? Se tiver, diga agora! – na mesma hora, ela parou e questionou, firme e autoritária, querendo saber de uma vez se havia algum compromisso de que fosse atrapalhar o treino extra. Essa, por sua vez, hesitou um pouco e considerou dizer que havia algo no caminho, mas logo desistiu. Não havia outra forma nem outro horário. Sábado já era no dia seguinte e a prova, no domingo de manhazinha, sendo que o treino precisava ser tarde da noite para que Makarov não soubesse. Como não havia a menor chance de aprontar um treinamento ali e agora, principalmente porque quase ninguém havia dormido ainda por ser sexta e muitos estarem fora em missões, sua única chance era naquela exata data e no correspondente horário que Erza havia sugerido. Ela nem estava mesmo com a menor vontade de ir ou ficar naquela festa... Bastava então inventar alguma desculpa cedo o suficiente, partir no horário certo e depois correr de volta para Magnolia.
Mais rápido do que precisou para de repente se preocupar com aquele assunto, desfez a tensão de seu rosto e abriu um sorriso singelo, com os olhos fechados.
– Não, não... Digo, eu tenho uma coisa para fazer nesse dia, mas... Havia me esquecido de que posso fazê-la à tarde – ela disse e deu levemente de ombros, quase não conseguindo esconder o alívio que sentiu quando viu Erza voltar à mesma expressão de antes e tirar aquela carranca de tensão. – Dez horas? – a ruiva acenou com a cabeça e logo se pôs de pé, fazendo com que se levantasse em seguida também.
– Amanhã, dez horas, nos fundos da guilda – a garota afirmou com uma pequena reverência, quando notou que a outra ia continuar a falar. – Descanse, . Amanhã será um dia importante – e, com aquelas últimas palavras, Erza se virou e correu de volta para os seus aposentos, que ficavam numa casinha bem no final da Fairy Hills, deixando sozinha com seu receio que não conseguiu ir embora.
Depois de suspirar algumas vezes e se dizer que ia ficar tudo bem, acabou tomando a mesma decisão que a ruiva e voltou para o seu alojamento, a fim de dormir um pouco e se preparar para o dia seguinte que, de fato, ia ser pesado como nenhum outro daquela semana. Chegando lá e apanhando a chave da casa na mesma bolsinha em que guardava as chaves dos portões celestiais, nem sequer esperou muito e a enfiou no buraco da fechadura, girando-a e abrindo a porta, mas apenas para dar um pulo para trás e um grito esganiçado ao encontrar o que apareceu na sua frente.
... Eu estava esperando por você – um totalmente sem roupas (nem mesmo a cueca!) e deitado de ladinho na cama dele disse com a voz macia e sedutora, enquanto apoiava a cabeça em uma das mãos e olhava para a garota ainda paralisada na porta em sua posição estranha de susto, juntamente com dois olhos do tamanho de bolas de bilhar. Levou alguns segundos, mas ela conseguiu quebrar aquele estado chocado em que se metera, fechando os olhos com força e levando as duas mãos até eles.
, POR FAVOR, VISTA-SE! – ao ouvir aquilo, o mago abriu um pouco mais os seus olhos e olhou para o resto de si na cama, finalmente percebendo a sua nudez que fora um tanto excessiva dessa vez.
– Oh... Desculpe. Nem percebi – e pegou o travesseiro com a mão que tinha livre, colocando-o na frente de sua varinha mágica. Já com os olhos reabertos e as mãos longe deles, bufou e bateu de leve com a mão em sua testa. O mais triste é que ela já estava ali há tempo suficiente para saber que ele provavelmente falava a verdade.
Soltou mais um suspiro e entrou mais no quarto, fechando a porta atrás um tanto languidamente e a trancando, mesmo que de costas.
, o que você quer? – a garota perguntou um tanto arrastado e viu o rapaz se sentar sobre a cama, segurando o travesseiro contra a virilha e já com uma expressão mais séria.
– Eu não sei para que idiotice o a chamou, , mas não vá! Fique aqui comigo... Vamos sair! Posso levá-la para qualquer lugar, aonde quiser em Magnolia! – o mago do gelo começou a dizer apressadamente, inclinando-se para frente e agarrando com força a fronha do travesseiro por entre os seus dedos, enquanto a menina ficava nada mais, nada menos que completamente confusa. havia a chamado para algo naquele dia? Mas eles nem haviam se encontrado direito!
Ela tentava pensar ou entender alguma coisa daquela situação, mas continuava disparando as palavras sem parar ou sequer respirar, de forma que tudo que conseguiu fazer foi erguer suas mãos e pedir silenciosamente para que ele se calasse, ao mesmo tempo em que fechava os olhos com força e tentava afastar a imagem de e Happy desesperados a recebendo e implorando para que invocasse Aquarius num completo incêndio.
– Como assim... O me chamou? – ela perguntou e abaixou as mãos, sem sair de seu lugar, enquanto o outro se mantinha parado e sério na mesma posição de antes. – Do que você está falando, ? – depois de muito tempo com uma cara séria e quase inexpressiva, finalmente quebrou essa imagem e franziu o cenho.
– Como assim do que eu estou falando? Aquele babaca passou a tarde inteira correndo para lá e para cá, apenas dizendo que tinha um milhão de coisas para fazer até a noite e que precisava deixar tudo pronto para você a tempo – ele falou e abriu mais os seus olhos, deixando que a expressão embasbacada tomasse conta de seu rosto. – Você... Não sabia?
E, enquanto continuava a olhar para a imagem de seminu e confuso à sua frente, usando mais nada que não fosse aquele travesseiro já meio amassado, a única coisa que apareceu e tomou controle total de sua cabeça e de suas memórias foi a imagem de de olhos fechados e sorrindo aquele sorriso que, àquela altura, ela já amava e adorava.
– Não.
Foi tudo que ela respondeu, com a voz fraca e um tanto presa, assim como o resto de seu corpo que não conseguiu fazer mais nada que não fosse permanecer totalmente paralisado. Continuou naquele estado quase que anestesiado, começando a sentir o coração bater mais depressa sem que pudesse se controlar e a curiosidade só ficando cada vez mais aguçada à medida que ela se perguntava mais vezes o que estava aprontando, quando percebeu continuando a falar.
– Mas, seja o que for, não vá! Por favor, . Eu...! – e, antes que ele pudesse continuar, a menina ergueu sua mão outra vez para fazê-lo se calar, enquanto voltava a assumir um olhar mais focado. Tendo o silêncio dele, ela suspirou e se pôs a andar, indo até a cama em que o rapaz estava e se sentando ao seu lado, enquanto colocava os olhos nele e na sua expressão que começava a ficar sutilmente confusa.
... Eu sinto muito mesmo, mas a gente não vai dar certo – a garota disse de uma vez só e o viu arregalar os olhos , preparando-se para começar a falar, mas não a tempo de interromper a continuação dela. – Escute, você é um cara realmente legal e tenho certeza de que, se eu ficar aqui, vamos cumprir muitas missões e passar vários momentos juntos, mas... Não desse jeito que você está pensando. Não quero machucar você e é por isso mesmo que estou dizendo isso tudo. Não acho justo deixá-lo sofrer... Principalmente quando sei que todo o seu esforço não vai chegar aonde tanto quer – depois de dizer aquelas palavras, tentou disfarçar, porém acabou suspirando de leve. Parecia que havia tirado um peso enorme de seus ombros. No entanto, ver a tristeza que começava a se formar, mesmo que muito sutilmente, nas feições de realmente partiu o seu coração. – Não faça essa cara triste, ... Você é o cara mais cobiçado de Magnolia inteira! Para que correr atrás de mim quando tem uma porção de garotas lindas aos seus pés? – ela disse com um pequeno sorriso no rosto, tentando animá-lo e, ao mesmo tempo, atenuar a tensão que foi gerada naquela conversa, mas a expressão que ele impunha continuava como aquela que a fazia se indagar se o rapaz havia concordado e se animado ou simplesmente engolido à força as palavras. Uma coisa que a garota havia percebido nesses dias, e mesmo quando recebia as declarações de amor dele, era que nunca parecia mostrar de verdade a face do que sentia. De certa forma e tristemente, ele era distante, trancado. Frio e gélido, tal como os cristais que saíam de seus dedos. – Há tantas garotas por aí que matariam para receber a sua atenção. Tipo... A Juvia! – assim que ela mencionou o nome da maga, pareceu acordar da distância inconsciente que estava pondo cada vez mais entre os dois, assumindo o que pôde jurar na hora ser uma expressão quase que tensa. – Eu soube que ela gosta bastante de você... – dizer aquilo naquelas palavras era quase uma piada, mas os instintos assassinos de Juvia não eram exatamente uma coisa para ser lembrada.
Por poucos segundos, viu congelar na última expressão que assumiu e ficar com os olhos arregalados, como quem não sabia o que fazer, o que dizer, mas logo reassumir sua fachada usual e fechar os olhos com certo desprezo.
– Não ligo para ela – disse simplesmente, virando o rosto que ainda tinha os olhos fechados para o lado oposto. ficou no limiar de franzir o cenho, sem saber muito bem como levar aquela reação dele. – E, se puder avisá-la de que é apenas uma pedra no meu sapato, eu ficaria agradecido – bom, caso um dia quisesse se suicidar, aquela seria com certeza a sua primeira providência.
Considerou continuar ali conversando com , tanto para não deixá-lo pensar que não ligava para os seus sentimentos recém-esmagados quanto para tentar entender o que foram aqueles poucos segundos antes de ele declarar um tanto forçadamente que não gostava de Juvia, mas o que veio em seguida a fez mudar totalmente de planos.
!
Ao longe e um pouco abafado pela porta e as paredes do alojamento, a menina pôde ouvir o grito de . Na mesma hora, ela se virou para a entrada, olhando-a com os olhos bem abertos e se lembrando do que o mago do gelo havia lhe contado mais cedo. Então, em dúvida de se era vencida pela curiosidade ou pela ideia teimosa de rever que se instalara na sua cabeça no momento em que se lembrou dele, ela se levantou da cama, sob os olhos confusos de , e se virou para o rapaz.
, eu... Desculpe mesmo – disse apenas, sem conseguir continuar o que realmente queria dizer e olhando uma última vez para ele antes de começar a correr em direção à porta. Porém, antes de alcançar a maçaneta, ouviu um assobio rápido e se virou para trás, na mesma hora dando de cara com a imagem de lhe jogando uma chave. Depois de pegá-la, um pouco atrapalhada e quase a deixando cair, abriu suas mãos e a olhou. Era a chave do alojamento que usara alguns minutos atrás.
Ficou confusa, mas, antes que pudesse raciocinar ou pensar em alguma coisa, ela ouviu a grossura da voz de soando de novo.
– Você deixou cair quando se sentou – ele disse de seu lugar, fazendo com que a garota, com as mãos em concha ainda abertas à frente de si, reerguesse a cabeça. Com a atenção dela em si, sorriu-lhe de lado e piscou um dos olhos. Ao ver aquilo, não conseguiu evitar o sorriso que lhe veio ao rosto. podia ser difícil de entender e mais complicado que um iceberg, mas, pelo visto, não estava disposto a guardar rancor. – E, ! – chamou-a mais uma vez, fazendo-a desfazer o sorriso e abrir mais os olhos. – Se um dia você se cansar do ... Será um prazer acabar com ele – e, ao dizer aquilo, o cara fechou os olhos e abriu um pequeno sorriso sacana, arrancando uma risada de . Realmente, não haveria rancor. Apenas o de sempre da Fairy Tail.
Depois de se despedir de e conseguir abrir a porta que ela mesma havia trancado, saiu correndo para fora das redondezas de Fairy Hills e, quando chegou perto do arco de entrada, viu de pé e contra a brisa da noite. Na hora que a viu, ele sorriu grande, permanecendo no mesmo ponto em que estava.
– EI, FINALMENTE! Achei que não tivesse me ouvido – o menino comentou e parou perto dele, com as mãos nos joelhos e ofegando um pouco pela corrida que dera. Se tivesse fôlego, teria rido um pouco. Só sendo realmente surdo para não ouvir e os seus gritos. – Vamos. Siga-me! Tenho uma surpresa para você! – e, pouco depois, o rapaz se pôs a correr na mesma velocidade absurda que ele mostrara no primeiro treino de , fazendo-a arregalar os olhos e começar a correr de novo, dessa vez com alguns tropeços.
– Ei, ! Pare de correr! Você sabe que não consigo acompanhar o seu ritmo! – ela pediu em voz alta, mas o mago do fogo ignorou, continuando a correr sem limites e saltando as pedras do caminho. Apesar de bem atrás, a garota conseguia pelo menos sempre ver mais ou menos onde ele estava, de forma que demorou um pouco, contudo conseguiu segui-lo e não se perder.
Já no meio do caminho, percebeu que os dois estavam indo até o bar. Estranhou um pouco e imaginou o que teria preparado por ali. Afinal, lá estava um tanto lotado, sem contar que era meio tarde para dançarem em cima das mesas como eles haviam feito no início da semana. Porém, a despeito de todas as suas dúvidas, ela apenas seguiu, sem questionar ou desviar, e logo chegou à porta dos fundos do bar que estava aberta, finalmente vendo a resposta para todas as suas perguntas.
Assim que diminuiu a sua velocidade e pisou sobre o simples tapete de entrada, seus olhos se abriram mais do que ela esperava, totalmente maravilhada pelo que via à sua frente.
O bar estava deserto. Não havia mais ninguém ali que não fosse ela, e possíveis vagalumes que entravam pela porta aberta, enquanto que todas as lâmpadas estavam apagadas. A única fonte de luz era a vela acesa sobre um pires velho que descansava no centro do grande tapete circular que estava bem no centro do bar, onde havia afastado várias mesas e cadeiras e agora estava de pé e com as mãos no quadril. A garota adentrou o lugar, ainda observando com certo fascínio o contraste de todo o resto escondido e escuro com o recanto do centro, que estava iluminado e de certa forma arrumado.
– Surpresa! – disse, mas impressionantemente não gritou, mantendo a mesma pose que havia assumido e só fazendo o seu usual de fechar os olhos e dar um sorriso aberto. piscou algumas vezes os olhos, finalmente chegando perto do mago e da tal surpresa dele.
... Você fez tudo isso? – ela perguntou um tanto aérea, sem conseguir tirar os olhos da vela simples e de tudo que ela iluminava em volta. Acima do tapete grande e circular, fora a pequena chama acesa, tinha uma tigela meio rudimentar com alguma coisa dentro e dois pratos com um garfo cada um em posições opostas, além do vasinho de cristal, que sabia ter visto em algum canto do balcão antes, com uma rosa vermelha e fechada. – Mas... Por quê?
– Você ficou tão triste depois que terminamos de secar o bar que resolvi fazer alguma coisa para alegrá-la – ele começou a dizer e ouviu claramente, apesar de em nenhum momento ter olhado para o garoto, mas apenas para tudo à sua volta. Sem que ela visse, se deixou cair sentado em uma das extremidades dos pratos, ainda com as mãos nos quadris e os olhos na menina quase que perdida à sua frente. – Não conseguia tirar da minha cabeça a imagem de você com os olhos baixos... E eu não estava gostando disso – completou, fazendo parar com a varredura que fazia até então para finalmente olhar para ele. Meio corada, mas grata ao fato da luz meia boca da vela não evidenciar isso. Depois de jogar seu olhar sobre ele e seus grandes olhos , finalmente teve a impressão de que já havia visto aquele tapete antes.
... Esse é o tapete do nosso quarto? – ela perguntou e o viu apenas sorrir sapeca, com os olhos fechados e as mãos agora atrás da cabeça, quando mais uma duvida acabou lhe surgindo. – E... Onde está todo mundo? Eu passei aqui há quinze minutos e esse lugar estava lotado! – neste momento, viu o garoto diminuir o seu riso e colocar a face um pouco de lado, além de descer as mãos até o chão.
– Digamos que eu dei um jeito – e, logo depois de dizer aquilo, com o rosto já suficientemente de lado para que não pudesse ver direito sua expressão, ele apenas reabriu um sorriso de dentes pontudos com uma cara de capeta.

– Você aí! Pode ir desembuchando: CADÊ?!
– ...Hã?
O cara de cabelos roxos e casaco branco, que estava junto a uma verdadeira multidão que se aglomerava na entrada do alojamento com expressões nem um pouco contentes, respirou fundo e pacientemente, como quem tentava manter a calma.
– As nossas... Revistas sobre... Atualidades. Onde elas estão?! – ele disse, reabrindo os seus olhos e se fazendo ainda mais nervoso, enquanto corava um pouco as bochechas, tal como outros homens e outras mulheres que estavam ali também fizeram.
– Mas de que porcaria você está falando?! Eu não sei onde vocês perderam o seu lixo indecente! – depois daquilo, uma garota que estava no meio, de cabelos cor de lavanda e com um par de óculos de aro grande, além de um laço vermelho no topo da cabeça, deu um passo a frente e se aproximou.
– E a nossa roupa íntima também, seu doente! Todas as meninas aqui estão com pelo menos uma calcinha faltando no armário!
– Você pode ficar com a de Juvia – e uma Juvia de olhos um tanto arregalados, bochechas rosadas e meio escondida pelo batente da porta, disse.
– E EU ACHO QUE A MINHA CUECA TAMBÉM SUMIU!
– A gente já sabe que foi você, !
– EU NÃO FIZ NADA!

Aquele buraco grande e mal preenchido nos fundos da guilda ainda demoraria um pouco a ser descoberto.
pensou em perguntar do que estava falando, mas acabou dando de ombros, deixando-se perder outra vez nos detalhes da surpresa que lhe fora preparada e se ajoelhando no outro lado do tapete e perto do segundo prato. Já sentada sobre seus calcanhares, inclinou-se para frente e fitou a tigela no centro do tapete oriental, vendo a macarronada que surgiu no fundo dela ao observá-la mais de perto e com mais luz.
– Onde você arranjou comida a essa hora? – ela perguntou, completamente intrigada. , por sua vez, tirou a cara endemoninhada que mantinha até então, observando com dois olhos bem abertos antes de fechá-los e cruzar os braços.
– Eu que preparei! – disse e não se mexeu, apenas abrindo o sorriso de uma criança que jura ter feito o dever de casa. , no entanto, ergueu uma sobrancelha.
... – ela disse em tom meio duvidoso, sabendo que aquilo era com certeza mais uma mentira dele, enquanto inclinava de leve a cabeça e mantinha a sobrancelha no alto. O mago manteve sua posição por mais alguns segundos, de braços cruzados, sorriso e olhos fechados, mas logo se deixou cair em uma risada escandalosa, tombando o corpo para trás e colocando as mãos na barriga. Quando conseguiu parar de rir um pouco, pôs-se sentado de novo.
– Ok. Nem eu consegui acreditar nessa! – falou e cruzou de novo as pernas, tal como estava antes. – Então... Não, eu não fiz a comida. Mas a Wendy cozinha muito bem! – depois de admitir, apontou o detalhe e apoiou as mãos sobre as coxas, jogando boa parte de seu peso ali. acabou rindo de leve. provavelmente nunca ia tomar jeito. – Mas a rosa fui eu que arranjei – a despeito do que ela esperava, o rapaz continuou a falar, chamando a sua atenção e consequentemente a fazendo olhar para a rosa vermelha à frente deles. – E ela é bem mais legal que aquela do , porque é de verdade!
Naquele momento, abriu mais os olhos, um tanto surpresa com o fato de que ele se lembrava daquilo, e olhou com mais atenção para a flor no vasinho de cristal. Suas pétalas ainda estavam frescas, de um vermelho digno do tom de cabelo de Erza, enquanto que o caule tinha um verde que continuava extremamente vivo, assim como os seus espinhos. Na sua ponta, contudo, podiam-se ver as longas raízes marrons meio tortas e mal arrancadas.
– Ei, podemos comer? Estou morrendo de fome – assim que ele disse aquilo, despertou do pequeno devaneio que teve e acenou com a cabeça, devendo prever que, àquela altura, devia estar no mínimo com uma fome de animal.
Depois de concordar, abaixou os olhos e pegou o seu garfo, mas, quando reergueu a cabeça e reencontrou o mago do fogo, viu-o comendo diretamente da tigela e com duas bochechas enormes como as de um esquilo.
– ...Você não vai usar o prato? – ela perguntou sem se mexer muito, não sabendo no fundo se estava surpresa ou não de ele ter feito aquilo, e o viu lhe erguer os olhos e bem abertos, com uma parte de macarrão ainda a ser sugado pendendo de sua boca e levemente presa ao seu garfo.
– A Wendy falou que era melhor colocá-los, mas eu realmente não me importo muito com isso. Só quero comer e ponto final – e, quando terminou de falar, de boca cheia por sinal, chupou o que restava da porção que havia pegado e continuou com os olhos em . – Você prefere comer no prato?
Depois de ouvir aquilo, acabou considerando a ideia. O simplismo de , mesmo que muitas vezes fora de controle, era realmente uma das coisas que mais a fascinara no seu primeiro dia ali e que continuava a impressioná-la cada vez mais. Pensando de certa forma, até que ele tinha razão... Para que pratos, se a intenção era só comer mesmo e ainda mais na companhia dele, que já tinha deixado bem claro que não se prendia a cordialidades ou etiqueta alguma? Seria só para dar mais pratos para Mirajane ou a coitada da Wendy lavar, já que ela tinha certeza de que não ia (e nem devia) lavá-los e provavelmente também não ia deixá-la ajudar.
– ...Não – no fim, acabou respondendo isso, pegando de novo o seu garfo que havia sem querer largado e indo direto na tigela de macarronada, tal como ele. Enrolou uma parte e a levou até a boca, não conseguindo evitar que um dos fios se desprendesse e pendesse em frente ao seu queixo, forçando-a a sugá-lo com certo barulho. Com molho em torno de seus lábios e os olhos enormes de por algum motivo ainda em cima de si, deu um pequeno sorriso fechado e encolheu os ombros, vendo-o em seguida soltar uma gargalhada e fechar seus olhos.
– Eu sabia que, pelo menos uma vez na vida, eu estava certo ao dizer para ficarmos com você! – ele disse, ainda de olhos fechados e com o sorriso aberto. apenas tentou aumentar o seu sorrisinho, um tanto ineficazmente por estar com a boca ainda cheia, mas logo quebrou sua expressão ou ouvir continuar. – E aí, quando que o velho vai lhe dar a marca da guilda? – e, naquele momento, quando finalmente percebeu algo que havia lhe escapado até então, a menina não conseguiu evitar que toda a alegria que estava sentindo morresse aos poucos e murchasse como uma flor no deserto. Ela havia se esquecido de que não passar na prova não significava simplesmente não entrar para a Fairy Tail e ter que voltar para casa.
Significava não ver mais ou os outros.
– Eu não sei se vou ficar, – ela disse com certo pesar, abaixando os olhos até a macarronada e levando o garfo de novo até ali, começando a enrolar mais fiapos apenas por enrolar. O rapaz arregalou os seus olhos e parou de comer por um momento.
– Como assim?! É claro que você vai passar! – disse meio alto com sua voz um tanto desafinada, fazendo encher o peito, mas logo esvaziá-lo com a mesma expressão triste que mantinha até então. O fato de querer acreditar naquilo como e saber plenamente que não podia era provavelmente o que mais machucava. – Você treinou com a Erza durante a semana inteira... Só por sobreviver a isso, já devia ser promovida a maga de Classe S! – ela não conseguiu evitar que acabasse rindo de leve, depois de ouvi-lo dizer um absurdo daquele e ainda com tanta fé. No entanto, suspirou após alguns segundos, situando-se outra vez na realidade. – ... Por que você acha que não vai conseguir?
Depois de enrolar por muito tempo, literalmente falando, levou mais um pouco de macarrão à boca, continuando depois que já havia engolido.
– Porque eu não sou boa o suficiente, . Não aqui... Não para a Fairy Tail – e, quando começou a ponderar os seus altos e baixos, os motivos que não permitiam dar a a certeza de que ele ainda a veria várias e várias vezes por ali, foi aí que ela finalmente percebeu como as suas chances estavam realmente reduzidas. – Não sou rápida, não sou forte e nem mesmo domino direito minha própria magia... – ela havia ganhado mais uma chance de Erza e definitivamente ia agarrá-la com unhas e dentes, não importava o que acontecesse, mas o fato de ter que olhar para e admitir para ele, para si, que não havia nada que garantisse o seu sucesso, o seu dia após domingo lá, estava doendo bem mais do que imaginava. Esperanças altas eram sempre mantidas a um custo... E esse, normalmente, era nublar parte da realidade. – Tentei melhorar a semana inteira, tentei de verdade, mas... Acho que não há mais nada que Erza, você ou qualquer outra pessoa possa fazer. Está em minhas mãos... Em minhas mãos apenas e eu posso muito bem acabar fazendo como em qualquer outro treino meu: tudo errado. E, quando isso acontecer, não terei outra escolha. Terei que ir embora e... Voltar para casa – admitiu, tanto para o rapaz à sua frente quanto ao seu lado que havia se feito de cego até então, e encolheu os ombros, juntamente com o tom de sua voz, quando pronunciou a última parte de seu discurso. Ficou com o garfo na macarronada mais uma vez, perdida nos pensamentos em que havia entrado, e ficou quieto em seu lugar, com os braços e pernas cruzados, além de uma expressão serena e cujo único chamativo eram seus grandes olhos.
– E qual o problema de voltar para casa? – ele perguntou de repente, mudando bruscamente de assunto e a fazendo reerguer os olhos. – Não me parece uma coisa tão ruim – a garota ouviu e suspirou de leve, pensando na resposta e voltando a prestar atenção aos movimentos contínuos e repetitivos que ela mesma fazia, enquanto apoiava o cotovelo em uma das coxas e a cabeça, na sua mão.
– Isso quando o lugar que você chama de casa é realmente a sua casa – conforme foi falando, os movimentos de seu punho começaram a ficar cada vez mais lentos até chegarem ao ponto de parar de vez. Olhou para a própria mão, agora largando o garfo onde parara com ele na tigela, e soube pelo silêncio deixado que havia provavelmente se chocado um pouco com aquela afirmação. Não retirou, no entanto, palavra alguma e ficou encarando o róseo de sua palma que acabou por deixar aberta à sua frente, ouvindo mais nada que não fosse o barulho do vento soprando lá fora e da vela queimando. – E eu não ligo para o que me disserem... – fechou o punho e apertou seus dedos com força. – Ali não é nem nunca foi minha casa.
Admitir aquilo em voz alta foi mais estranho do que esperava. Por tantos anos carregou aquilo dentro de si, repetindo para si mesma e jurando que algum dia ainda despejaria aquela verdade sobre as pessoas, e finalmente aquele dia havia chegado.
– Por quê? – ouviu a voz de perguntando de repente sem muitas alterações, talvez um pouco mais séria que de costume, e quebrou a atenção redobrada que mantinha sobre seu punho fechado e as unhas que começavam a fincar na pele. Abriu sua mão e a desceu até o chão.
– Anos atrás, bem antes de eu nascer, o meu pai trabalhava como mercador em uma pequena empresa mercante de Acalypha. Dizem que ele era um ótimo empregado... Sempre chegando com antecedência, resolvendo quilômetros de papelada em um tempo muito curto, garantindo que nenhum Jewel sequer faltasse aos cofres no fim do dia. Só que o que meu pai não contava para ninguém era que ele queria, mais do que tudo, sair dali. Acalypha era e ainda é uma cidade pequena... E ele queria mais. Muito mais do que aquilo – começou a contar, mexendo de leve os seus dedos sobre a pele de seus joelhos, ao que deixava as memórias e as várias histórias que ouvira voltarem à sua cabeça. – Minha mãe contava que papai sempre quis poder. Queria prédios, sedes, títulos, sócios... Grandeza. E por isso, depois que conheceu minha mãe e se juntou com ela, ele fundou a Konzern... Que hoje é a companhia mais rica e poderosa de todo o Reino de Fiore – deixou seu olhar pousar sobre a chama da vela que queimava lenta e calmamente. – E obviamente que o cenário de hoje veio com um preço. Como eu disse, meu pai era um bom empregado. Ele era trabalhador e queria aquilo mais do que tudo, mais do que qualquer coisa que poderia imaginar, então ele não parou nunca. Chegou a ficar horas, dias, trancando dentro do escritório ou viajando, a fim de fazer mais sócios, conseguir mais terras e clientes, fazer a companhia crescer. E não havia força nesse mundo que o fizesse dar para trás, fossem as dificuldades, minha mãe ou eu, quando cheguei – depois de um tempo, já sentindo o fundo dos olhos queimar um pouco, ela desviou o olhar de onde estava e o levantou para , ainda parado e quieto à sua frente. – E o motivo da companhia ter poder de sobra até hoje é exatamente porque ele não parou nunca... Nem mesmo quando começou uma família. Céus, quanto tempo eu passei me perguntando por que papai nunca saía daquela sala grande e de porta escura... E também por que ninguém me contava o motivo. Eu ia até lá, sem ninguém saber, e pedia para brincar, por uma história ou simplesmente uma opinião sobre o corte de cabelo esquisito que havia dado ao meu boneco... Mas a única coisa que recebia era aquele olhar sério dele vindo de cima, sentado na cadeira e debruçado sobre papéis, e a ordem para que saísse. Era sempre assim, até que minha mãe começou a me contar histórias de magia e eu comecei a falar disso perto dele... Depois disso, ele começou a me enxotar aos gritos do escritório – suspirou e cruzou de novo as pernas, apoiando um cotovelo em cada joelho. – E eu simplesmente não conseguia entender. Tudo que eu queria era ver meu pai, contar das coisas fantásticas que estava aprendendo e vê-lo se sentar à mesa de jantar conosco, mas ele não queria saber. E depois, quando minha mãe morreu... Ele me trancou em casa – sem conseguir se manter naquela posição por mais tempo, desviou os olhos do garoto à sua frente e os deixou cair ao tecido do tapete abaixo deles. – Mudou todas as fechaduras, escondeu os livros de magia e ordenou aos empregados para que não me deixassem sair sob hipótese alguma, a menos que ele permitisse. Foi assim por muitos anos... Eu acordava e passava o dia inteiro andando por aquela casa enorme, olhando as paredes e o teto, não tendo mais ninguém para conversar que não fossem os poucos empregados que estivessem sem nada para fazer ou meus brinquedos. E eu perguntava para ele por que não podia sair, o que havia de errado, porém nunca ganhava uma resposta. Apenas o pedido para que o deixasse trabalhar em paz e de que nunca, nunca mais voltasse a pensar em magia ou em me tornar uma maga. Papai dizia que era para meu próprio bem, que eu jamais entenderia, mas não sou idiota. Não sou – nessa hora, sentiu as lágrimas começando a escorrer do canto de seus olhos. – Eu sei que minha mãe teve grandes problemas por ter sido uma Maga Celestial no passado e sei que, por algum motivo ainda sem explicação, fomos varridos do mundo como foi com vocês, Matadores de Dragões... – sentiu as lágrimas não pararem de descer, esforçando-se para que não visse nada mais que não fosse a sua franja, mas, mesmo assim, continuou a falar. – Eu sabia de tudo isso, mas não pude evitar. Era o meu destino... Ainda é, na verdade. Eu podia sentir a cada vez que chegava perto das chaves que encontrei escondidas no porão e a cada página que virava dos livros confiscados pelo meu pai. Se ele queria grandeza e a empresa, bem, aquilo então era o que eu almejava... Magia e liberdade – disse apenas, finalmente reerguendo o rosto com pequenas trilhas de lágrimas e encontrando a expressão levemente chocada de . – Era tudo que eu mais queria. Então voltar para casa não significa reencontrar a minha família... Significa o fim de tudo pelo qual eu vim lutando.
Depois de admitir aquilo tudo, acabou bufando tremido, tendo que reconhecer que falara bem mais do que havia planejado. Limpou algumas lágrimas com o canto da mão, passando a observar o fino filme brilhante sobre ela, até que viu a mão de a alcançando.
– E o que faz você achar que vai ser assim para sempre? – conforme ele foi falando, pôde sentir a suave onda de calor se irradiando pela pele fina de sua mão, ainda tomada pela do garoto, e viu a água desaparecendo aos poucos. – As árvores perdem e abrem suas flores sempre, mudando tudo sem o menor problema. Se elas têm vida como nós, então não deve ser tão diferente – ao que o rapaz já havia terminado de falar, a garota o viu soltar os seus dedos sem pestanejar, olhando maravilhada para a sua mão agora perfeitamente seca. Porém, continuou confusa com o que havia dito e por isso reergueu os olhos, encontrando os dele e piscando algumas vezes.
– Como assim? – depois que falou, viu-o colocar os braços para cima e se alongar de leve, fazendo um pequeno estralo soar antes de continuar e respondê-la.
– Oras, quero dizer que o seu velho não vai passar a vida toda pensando desse jeito. Ele pode até tentar, mas vai acabar mudando uma hora outra, mesmo que passem poucos ou muitos anos. É a vida... Que nem com as árvores e as flores – conforme ele foi dizendo, com as mãos apoiadas na sua própria nuca, foi escutando atentamente, ainda segurando a sua mão com a pele recém-seca. – Você pode passar muito tempo acreditando em algo, que nem ele fez com você ao achar que trancá-la era a melhor solução, mas um dia novas coisas surgirão... E, com isso, vai parar e pensar se o que fez foi o melhor mesmo ou não. É natural como o curso de um rio – naquela hora, já no fim de seu discurso, o garoto baixou os seus braços e os apoiou sobre as coxas, tal como estava antes. – E isso é o que estou tentando lhe dizer... Onde há vida, e vida de verdade, há mudança. Você ainda tem um lar... Então ele pode mudar – quando ele terminou, sua expressão estava inalterada ou pelo menos normal, como a de quem conta o que comeu no almoço, mas estava impressionada. Um pouco descrente de conseguir aceitar o que o rapaz dissera, de que o seu pai poderia mudar seu jeito bitolado de pensar, mas ainda assim impressionada. Era uma coisa realmente tão simples... Contudo, sábia. E fora , o cara mais desmiolado e impulsivo da guilda, que lhe dissera aquilo. – Eu queria saber voltar para casa.
Ao ouvir aquilo e naquele momento, os olhos de se arregalaram ao máximo, fazendo-a se esquecer por um momento de todas aquelas lembranças amargas que revivera.
nem se lembrava mais de onde ficava a sua antiga casa?
... Você não sabe mais ir para casa? – ela perguntou, querendo que sua pergunta soasse um pouco incrédula, mas sabendo que, no fim, apenas conseguira fazê-la parecer chocada. Viu-o então dar levemente de ombros, fechando os olhos por um segundo e mantendo a mesma expressão serena de antes. – O que aconteceu? Você... Você se esqueceu do caminho?
Depois de receber aquela pergunta, o garoto pareceu pensar um pouco, deixando o foco dos olhos pousar sobre o prato ainda intacto logo abaixo e o silêncio voltar a predominar o bar. Após poucos segundos, reergueu sua postura e se voltou para .
– Eu acho que sim.
A garota piscou algumas vezes os seus olhos, não conseguindo evitar que apertasse a mão, que secara e ela segurara perto de si por um tempo, em punho contra o peito. Aquilo era definitivamente estranho, senão dilacerante.
chamou o nome dele e o ouviu emitir um sonzinho qualquer em sinal de que estava ouvindo. Depois apertar um pouco mais os seus dedos, continuou. – O que aconteceu? – fez a pergunta do modo mais simples que pôde e rezou para que ele entendesse o que ela realmente queria dizer. Aquilo não fazia o menor sentido. não saber mais onde era a sua casa conseguia até engolir... Com um gosto amargo na boca, mas conseguia. Agora... Não ter certeza de como isso aconteceu?
A primeira resposta que recebeu foi o silêncio de olhos grandes e bem abertos de .

Sentiu os galhos das árvores lhe batendo contra o rosto e todo o corpo, mas não se parou. Afastou o que conseguiu com os seus braços e continuou correndo o mais rápido que podia pela floresta, ofegando e tremendo com a única coisa que se passava repetidamente por sua cabeça.
Que precisava fugir para o mais longe que pudesse.
Sentiu as lágrimas se formando no canto de seus olhos, enquanto ainda corria a toda, e arderem quando desceram e passaram por cima dos vários arranhões que se espalhavam pelas suas faces. O que mais o assustava era que o fato de que não conseguia se lembrar de nada.
Absolutamente nada.
De repente, há alguns minutos, teve a mesma sensação de recobrar os sentidos, exceto que se encontrou correndo desesperadamente em uma floresta ao invés de estar caído ao chão, como a maioria das pessoas que apagam. Ele acordou ali e tudo que acontecera antes era puro negro. Não havia lembranças ou memórias, impressões ou recordações. Apenas a certeza de que havia algo ali, atrás dele e de onde fugia, do qual precisava correr e o mais rápido que pudesse.
Essa era a única certeza que , ainda pequeno e nem mesmo com a capacidade de sobreviver sozinho num lugar como aquele, tinha e foi com ela que ele se guiou, obedecendo a mais nada que não fosse aquela sensação desesperada de precisar aumentar cada vez mais a distância entre ele e o lugar que costumava chamar de casa.
Correu sem poupar esforços até que tropeçou e caiu ao chão, rolando sobre ele até estar completamente parado e encolhido. Pôs-se de joelhos, pronto para começar a correr de novo e quase sem respirar, quando se percebeu completamente sem forças. Sentiu o pânico aumentar, arregalando os seus olhos e começando a gemer de medo, e tentou se colocar de pé várias vezes, mas apenas caiu a cada tentativa.
Sem poder mais se mover, acabou por ficar ali mesmo no chão e se encolheu o máximo que pôde, não conseguindo pensar em mais nada que fosse e muito menos em maneiras de se manter vivo do que nem sabia o que era, quando sentiu de repente o chão tremer. Assustando-se a princípio com o que aconteceu, ele paralisou de seus soluços e prendeu a respiração por um momento, não se movendo e apenas sentindo tudo tremer mais umas duas vezes, enquanto notava, estranha e finalmente, que aquela sensação horrível de antes começava a diminuir e se esvair.
Sentindo-se mais seguro e exatamente por isso confuso, colocou-se de joelhos e levantou lentamente a sua cabeça, passando imediatamente a ver a figura gigante e imponente de Igneel à sua frente e que o olhava de cima, soltando em seguida um alto rugido que balançou todas as árvores da floresta.


E foi com aquela mesma expressão que ela recebeu a segunda resposta.
– Eu não me lembro.
Depois de dizer aquilo, que era verdade e mentira ao mesmo tempo, ele observou a expressão espantada de por alguns segundos, porém logo pegou de volta o garfo e voltou a enrolar o macarrão.
– Mas eu não me importo muito com isso – ele disse simplesmente, estranhamente calmo para alguém que costumava gritar como , e comeu uma garfada meio grande demais. Quando já tinha engolido, voltou a falar. – Aqui já se tornou a minha casa... Por que então eu ia ficar pensando em como encontrar outra? – ele voltou a comer, aos montes e sem muita classe, enquanto apenas observava e ia relaxando os músculos que antes ficaram rígidos como pedra. Ele estava realmente bem com isso... Dava para ver, para sentir. Como conseguia aquilo? – Todos os meus amigos estão aqui. Happy, Erza, Wendy, Mira, o velho... Até aquele pateta do – ele disse a última parte de boca cheia e não conseguiu evitar a risadinha que acabou por vir, tanto pela cena quanto pela rivalidade dele com o mago do gelo que só ficava mais engraçada a cada dia. – E o melhor de tudo: você – e o garoto abriu o seu habitual sorriso grande, com outra garfada já pronta em uma das mãos e fazendo abrir mais os seus olhos. – Não preciso de outro lugar.
Ela avermelhou de leve na hora, sem saber muito bem como reagir àquele comentário que ele havia acabado de fazer, mas que foi o que definitivamente melhorou o seu humor e a fez se esquecer das tristes histórias de que se lembrara e ouvira, que trouxe de volta a sua mesma vontade de ferro de antes para entrar na Fairy Tail. Diante disso então, apenas lhe sorriu fechado de volta, pegando o seu garfo em seguida e voltando a comer da macarronada também. Enrolou uma porção de qualquer jeito, levando-a à boca e sem ligar muito para o fiapo que havia ficado pendurado, e resolveu fazer o mesmo, comendo da porção que ele mesmo havia tirado alguns segundos atrás. Sua parte, coincidentemente, também tinha um fio remanescente e ele imediatamente o sugou, não querendo deixar macarrão algum para contar história e fazendo dar de ombros e resolver seguir a sua linha também. Porém, o que nenhum dos dois sabia era que os dois fios se tratavam na verdade do mesmo e único fiapo.
Em uma questão de poucos segundos, principalmente por causa da fúria com que havia sugado a sua parte, os dois acabaram sendo puxados em direção ao outro e quase que unidos por causa daquele fio de macarrão, a centímetros do rosto de cada um e com os olhos bem abertos. ficou completamente sem reação, não tendo outra escolha senão se render à ideia de ficar ali parada, encarando fixamente a única coisa que conseguia de que eram os seus grandes olhos e de aro dourado. O garoto, por sua vez, a encarou em igual silêncio, sem expressão alguma em suas faces, até que terminou de sugar sua parte do fio e consequentemente puxou a de também, fazendo-a arregalar ainda mais os seus olhos e sentir o coração dar uma cambalhota para trás. Depois de engolir, lhe deu um sorriso sem preocupações, como ela na verdade esperava que ele fizesse, mesmo depois de algo de tão pouca higiene, mas a garota não conseguiu fazer com que o seu coração desacelerasse. Pelo contrário, apenas o sentiu bater com cada vez mais murros contra o seu peito. Era como naquela vez, no bosque e quando o rapaz a ajudou a burlar as regras no teste de velocidade, em que ela de repente se viu praticamente presa, hipnotizada se um termo exagerado for melhor, a , exceto pelo fato de que, dessa vez, o seu coração disparado só fazia tudo parecer pior.
– Ei, ! Todos já estão voltando! – e, de repente, um Happy meio agitado e voando em frente à entrada do bar surgiu, chamando a atenção de que se virou para trás com uma cara meio confusa e logo se colocou de pé em um pulo.
– Então é melhor a gente correr! – o garoto disse, ignorando por um momento a figura de que ficara sozinha com sua careta de susto e nervosa, e se agachou para pegar o tapete, catando-o por dois lados opostos e o puxando para cima em uma grande trouxa, sem ligar para toda a louça lá dentro e muito menos para a garota que voou para trás e em gritos com o movimento.
Depois de se colocar sentada e levar uma mão à cabeça, perguntando-se o que diabos tinha acontecido naquele meio segundo, ela viu de pé e sorridente à sua frente, segurando a grande trouxa sobre um dos ombros e com um cheiro engraçado de queimado vindo de algum lugar. Mas em que e quando que ele havia posto fogo dessa vez?
Ela fez um careta, começando a sentir o cheiro ficando cada vez mais forte, e desviou os olhos para o lado, passando a ver a vela caída e já queimando alguns bons centímetros do chão de madeira.
– A gente se vê amanhã, ! – disse com um sorriso e a mão livre descansando sobre o quadril, enquanto a garota à sua frente abanava as mãos desesperadamente e com os dois olhos arregalados para tentar apagar o fogo. – Boa sorte no treino! – e, depois de muito esforço e também de usar o lenço que alguém acidentalmente largara e perdera ali no bar, ela conseguiu sumir com as labaredas que comiam o chão cada vez mais queimado. Chegou a ouvir dizendo a sua última frase, mas ergueu a cabeça apenas a tempo suficiente de vê-lo sair correndo porta afora e ir embora juntamente com Happy, que passou a segui-lo no momento em que o mago pisou no lado de fora.
Bufando com um pouco de alívio, mas também de frustração, se deixou cair sentada no chão de novo, visto que na sua agitação acabara de joelhos perante o fogo. Passou alguns poucos segundos olhando a porta, agora vazia, e não demorou para que logo soltasse a pequena risadinha que tentou segurar, porém apenas inutilmente.
não tinha jeito mesmo.
Sem perder mais tempo, principalmente por não querer ser a plateia que estaria ali quando todos voltassem e encontrassem o bar escuro, virado de cabeça para baixo e com um pedaço do chão queimado, levantou-se e correu até a porta dos fundos que ficara aberta, sem deixar de olhar uma última vez para a entrada da frente, com o céu escuro e estrelado para o qual correra, antes de sorrir de novo e sair de verdade dali.

Respirou fundo, passando o pente amarelo pálido uma última vez em sua franja, antes de apoiá-lo sobre a penteadeira e olhar de novo para o espelho. Estava na sua antiga mansão, mais necessariamente dentro do cômodo que costumava ser o seu quarto, mas nem por isso deixava de escutar os murmúrios e todo o barulho que vinha da festa ocorrendo no andar de baixo.
Como havia prometido à sua avó, um pouco antes do ponteiro das horas bater nas sete, lá estava ela diante da porta com um punhado de livros para passar o tempo que pudesse matar e a cara de quem não tinha tanta certeza de se estava preparada para o que viria. O dia não tinha sido muito diferente dos outros: acordou o mais cedo que pôde, treinou com Erza até estar praticamente acabada ou com algo da guilda destruído, comeu na companhia de e que pareciam tentar se matar com o poder da mente e do olhar meio psicótico de Juvia... Depois, saiu para supostamente resolver o tal “compromisso” que ela havia comentado com Erza no dia que combinaram o treino extra. precisou pegou o trem e mais de uma carroça, mas, em menos tempo do que esperava, chegou ao lugar que ainda ficava na dúvida sobre se podia chamar de casa ou não.
Nada havia mudado, pelo que podia perceber. As mesmas árvores vivas espalhadas simetricamente pelo jardim e a mesma fonte grande e acinzentada na frente da colossal construção principal jogando para cima os jatos de água que emolduravam, de longe, a grande entrada em porta de mogno. Eram tantas lembranças, boas e ruins ao mesmo tempo, que tudo que ela conseguiu fazer foi se apressar o máximo que pôde para tocar a campainha logo e ir ao encontro de sua avó para colocar o vestido e todos os apetrechos.
O vestido era realmente lindo, tal como sua avó havia prometido ser, mas não lhe foi muito surpresa quando descobriu por que ele provavelmente só ficava no manequim mesmo. Depois apertar o corsete severamente e achar que aquilo ia conseguir ser pior do que a vez que Erza decidiu fazê-la provar uma de suas armaduras de quando era maga principiante (que, no caso da ruiva, foi aos seus onze anos de idade), estava finalmente pronta, incluindo cabelo, maquiagem e espírito de paciência, por mais que achasse que não podia respirar um segundo sequer fora do ritmo encontrado por ela mesma quando deram o último laço nas suas costas.
Enquanto se olhava no espelho, viu pela primeira vez o conjunto como um todo e completo nela. Os cabelos , presos no alto coque desfiado e aberto como uma rosa na primavera, deixavam o seu colo, sem joia alguma, totalmente exposto, enquanto que o vestido tomara-que-caia começava alguns poucos centímetros depois. Ele era de cetim claro, cor de creme, e bem ajustado até pouco abaixo de sua cintura, onde o tule começava a tomar vida e fazia o saiote saltar aos olhos de todos. A barra, tanto que beirava os seus pés quanto a que dava a forma reta de seu decote, era como os diversos e pequenos detalhes floridos que se espelhavam pelo vestido de cima a baixo: dourada, brilhante como ouro e de algo que ela não sabia o que era, mas que com certeza não era cetim. Já os saltos, mesmo que completamente cobertos pelo comprido tecido da saia e que fosse quase impossível de vê-los nos seus pés, eram de silicone enrijecido, de um brilho tão, mas tão vítreo, que era quase como se fossem feitos de cristal.
Suspirou, ou pelo menos tentou fazer algo do tipo naquele vestido, e apertou mais o pente que havia ficado entre o topo da penteadeira e a sua mão. Era só uma questão de manter a calma. O relógio agora já marcava sete e meia da noite. Quando ele desse nove horas, diria que não passava bem e iria ao seu quarto, quando na verdade correria para o jardim e ao encontro de Alfred, o seu cocheiro mais veloz e confiável, com o qual havia conversado mais cedo naquele dia. Uma muda de roupa sua inclusive já até repousava sobre o banco da carruagem, onde se trocaria mesmo e sem se preocupar muito com a presença de Alfred durante sua viagem de volta a Magnolia. Podia não ser um plano infalível, mas bem construído ele estava. Bastava prestar atenção.
E nunca tirar os olhos do grande e antigo relógio tiquetaqueando acima da entrada principal.
, você está pronta? – ouviu sua avó abrindo suavemente a porta do quarto e colocando a cabeça para dentro, enquanto chamava pela neta e interrompia seus pensamentos por completo. A garota imediatamente se virou em direção à entrada, que era de onde vinha o barulho, e ficou de frente para sua avó que empurrou mais a maçaneta e se permitiu entrar no cômodo. – ... – ela disse com os olhos brilhantes e duas mãos que instantaneamente cobriram a sua boca. Aproximou-se da garota com uma expressão surpreendida e orgulhosa. – Eu já sabia que você é linda, mas às vezes me esqueço de como consegue ficar estonteante... – a mulher disse, tomando as duas mãos da menina e a vendo dar um sorriso pequenino. – Bem... Pronta? – a senhora perguntou, erguendo as duas sobrancelhas e deixando claro que, dessa vez, se referia não às roupas em si, mas ao que as aguardava lá embaixo. ia bufar, porém sentiu o vestido impedi-la disso, de modo que só sugou o ar e ficou com ele preso por alguns segundos em seus pulmões.
– Sim – respondeu calmamente, apesar da óbvia tensão que inundava os seus olhos, e soltou o ar devagar. Sua avó então, em resposta, deu-lhe um dos braços e saiu com ela do quarto, indo em direção à grande escadaria em espiral já parcialmente iluminada pelas luzes que vinham de baixo.
Ao chegar perto do primeiro degrau, enquanto ainda segurava o braço de sua avó com as duas mãos, a garota esticou o pescoço e espiou a agitação da festa ocorrendo logo abaixo. Pôde ver dezenas e dezenas de pessoas em roupas finas, de gala, conversando continuamente com outras pessoas que nem elas e que tinham sorrisos iguais aos seus no rosto: totalmente plásticos. Movendo os olhos pelo salão, logo viu seu pai em seu usual terno acastanhado e postura imponente, com as mãos para trás e o queixo erguido. Ele falava com dois outros senhores, em blazers pretos contrastantes com o branco de seus cabelos, e logo ao lado, apoiada sobre a almofada carmesim e de franjas douradas num alto pedestal, estava ela: a Lacrima das Almas, brilhando luminosa com suas almas atormentadas.
Continuava observando a lacrima, o seu brilho anormal e o brilho mais anormal ainda dos olhos daqueles que punham sua atenção sobre ela, quando sentiu sua avó lhe dar um pequeno puxão e a luz do salão finalmente banhá-la por completo.
– Senhoras e senhores – ouviu seu pai começar a falar de repente e desviou o olhar para ele, vendo-o não conversando mais com os dois caras e agora com a atenção nela, enquanto dava alguns poucos passos na direção em que ficava a escada e chamava a atenção de todos. Viu-o parar e levantar uma das mãos em sua direção, mantendo a sua postura rígida e orgulhosa. – Por favor, recebam Amelia, vice-presidente da Konzern, e minha amada filha... – assim que anunciou o seu nome e fez uma pequena reverência, todos começaram a bater palmas num nível controladamente alto, saudando-a e a recebendo para a festa. ficou paralisada e com os olhos bem abertos, por um momento se perguntando por que infernos não sabia o que fazer, para onde olhar, sendo que sabia muito bem que em toda festa da Konzern era assim, quando sentiu sua avó puxá-la de leve outra vez e fazê-la começar a descer as escadas.
Ainda sob o som de alguns aplausos, desceu degrau por degrau com o braço entrelaçado ao de sua avó, voltando a observar os vários rostos por ali e que começavam a se aproximar conforme ela chegava mais perto do primeiro andar. E, naquele momento, a garota tomou um susto, acidentalmente dando um passo para trás.
Imediatamente, sua avó lhe virou os olhos e franziu as sobrancelhas, em uma expressão inquisidora e interrogativa. Depois de piscar os olhos algumas vezes, a menina se virou para ela e pigarreou de leve numa tentativa de pedir desculpas, logo se voltando mais uma vez para o púbico e tendo a mesma sensação que a tomou frações de segundos atrás.
não conhecia todos os sócios da empresa e nem queria conhecer, para falar a verdade, mas de uma coisa tinha certeza: aquele não era o número. Naquela festa, ali e naquela hora, havia muito, mas muito mais gente. E, no momento em que pisou no mármore do chão, ela não teve mais dúvidas.
Era uma verdadeira multidão.
Todas aquelas pessoas estavam ali por causa da lacrima?
Em quantos mil pedaços ela já estava dividida, mesmo que ainda inteira e descansando sobre a almofada?
– Senhorita , você está sempre encantadora, mas hoje... Hoje conseguiu se superar de verdade – um dos convidados, o qual ela na verdade já sabia que fazia parte da companhia há alguns bons anos, veio e lhe fez uma reverência, beijando a mão livre de sua avó e em seguida tomando a sua para igualmente puxá-la e depositar um beijo ali, tal como havia feito antes. Com pequeno sorriso cordial no rosto, acenou de leve com a cabeça e agradeceu a gentileza, voltando a andar com sua avó e indo em direção ao seu pai. O homem tinha um sorriso no rosto, observando a sua filha naquele elegante vestido, mas essa veio diretamente e quase que correndo em sua direção assim que largou o braço da senhora.
– Pai, quantas pessoas tem aqui? – ela perguntou imediatamente, com preocupação estampada em seu rosto e as sobrancelhas tensas. O homem, no entanto, não entendeu a sua reação, semicerrando os olhos e abaixando um pouco a cabeça, enquanto continuava a observar a menina que começava a beirar o início do desespero. Percebendo de cara que aquela talvez não fosse a pergunta certa, ou que ele provavelmente nem saberia lhe responder aquilo, resolveu mudar de enfoque. – E o que vocês vão fazer no fim com essa lacrima?! A gente nem sabe o que ela faz! – girando os olhos, Jude deu uma meia-volta e começou a caminhar, sabendo que iria segui-lo e querendo, na verdade, que isso acontecesse.
– Isso não é coisa para se perguntar em uma ocasião como essa, ... Mas, caso esteja interessada, estudos indicam que a lacrima pode agir como uma poderosa fonte de energia – a menina foi seguindo o seu pai, segurando a saia do vestido e com os olhos presos nele ao seu lado, de forma que nem notou que, no fim, o homem estava se dirigindo até a tão falada lacrima. – O poder que ela exala... – no momento em que disse aquilo, ele ergueu uma das mãos, passando-a suavemente pela superfície cristalina e que o separava das fumaças disformes esverdeadas. – Posso não saber o que é ou que faz, mas coisas acontecem na presença dele. Disso não temos dúvidas. Aparelhos ligam, vasos caem, animais se agitam... É uma energia indescritível. Só precisamos canalizá-la... Domá-la e usá-la ao nosso favor, que é exatamente o que será feito e que eu lhe disse – depois que ele terminou de falar e já tinha a mão longe da lacrima, piscou algumas vezes os olhos, com a atenção ainda sobre aquele objeto cheio de mistérios, e deu um passo na direção dele.
– Posso não ter total certeza do que estou falando... – ela começou a dizer, as pupilas sobre o verde moribundo das almas e a luz emanando dali iluminando o de suas íris. – Mas essa lacrima não pode ser coisa boa, pai – completou, enquanto observava aquela bola cristalina e só tinha a certeza, cada vez mais convincente para si, de que uma energia ou magia forte como aquela só podia ser conseguida a um preço alto demais para ser pago por mãos comuns.
Ou de qualquer mago que fosse da esfera do tangível.
– Então deixe isso para quem tem certeza do que está fazendo e falando – ele disse e jogou um olhar de soslaio sobre o seu ombro, vendo-a finalmente se afastar da lacrima e olhá-lo com a postura ereta. – Há uma festa ocorrendo à sua volta, . Pare de perder tempo e seja uma boa anfitriã – depois de finalizar, o homem voltou o seu olhar para frente e se colocou a andar de novo pelo salão, buscando por outros cavalheiros com quem pudesse travar uma conversa qualquer sobre os planos futuros da empresa.
bufou, observando seu pai até que esse finalmente encontrasse alguém, e desistiu de encarar aquela coisa que só conseguia deixá-la cada vez mais nervosa. Depois de dar um passo para trás e se afastar de vez do pedestal isolado no fundo no salão, virou o rosto e olhou o grande relógio ao alto. Eram 19h36min.
Ao ver aquilo, a garota não conseguiu fazer outra coisa que não fosse suspirar. Aquela seria uma longa noite...

– ...E foi assim que Gale se juntou à Konzern. Não é incrível? – a senhora de cabelos já grisalhos, usando um vestido negro que a cobria totalmente e só deixava exposta a grande pedra de opala de seu broche perto do decote e com quem conversava, disse com um sorriso amável no rosto, juntando as duas mãos perto de seu queixo e fechando os olhinhos pequenos. A garota pareceu se alarmar ao perceber que era o fim da história, abrindo com pressa as suas pálpebras que quase se fechavam e abandonando sua posição largada de cabeça sobre a mão, cotovelo sobre a toalha branca de uma das mesas e expressão completamente entediada. Enquanto perambulava pelo salão, arrastando a cauda de seu vestido e olhando para o relógio a cada cinco minutos, sua avó acabou a apresentando a uma de suas amigas, que era a senhora do traje preto e que resolvera alugar os ouvidos da menina para fazê-la ouvir sua entediante história de como o filho, tal do Gale, era igual ao pai em todo santo aspecto e queria fazer a mesma coisa que ele: comprar e vender coisas que nem sabia direito o que eram, mas que lhe davam o direito de usar um terno e dizer os mesmos termos chatos e complicados do pai, na Konzern.
Após dar um sorriso educado e murmurar qualquer concordância da qual nem se lembrava mais cinco segundos depois, se virou para olhar de novo o relógio, que não devia passar tanto das 20h por ter sido observado por ela própria pouco antes de perder o interesse na história e começar a dormir sentada, quando sentiu uma mão no seu ombro.
, há alguém que quero apresentar a você – ouviu a voz de seu pai e imediatamente desviou o caminho original de seus olhos, passando logo a ver o senhor parado atrás de si, como bem imaginava, e com um jovem rapaz ao seu lado. Ela franziu o cenho, levantando-se lentamente de sua cadeira, enquanto ouvia a voz de seu pai começando a ressoar de novo. – Este é Siegfried Aika, príncipe do Reino de Tetsuya e um dos sucessores ao trono de lá – embora ela ouvisse as palavras e as filiações claramente, a sua atenção estava presa e inteiramente concentrada no garoto parado e com um pequeno sorriso curvado à sua frente. – Siegfried, esta é minha filha... – assim que Jude terminou de dizer, ele tirou a mão do ombro da menina e saiu de frente, passando a deixar e o rapaz completamente de frente um para o outro. Pegando suavemente uma das mãos de e a levando aos lábios, ele fez uma pequena reverência e manteve os olhos cravados nela, tal como estava fazendo desde virara o seu rosto para trás e encontrara os dois.
... – o garoto disse e deixou a fala morrer ali, pelo menos naquela hora, com uma voz estranhamente suave e de timbre assentado exatamente sobre a metade do caminho entre o grosso e o fino. o observou com o cenho igualmente franzido como antes e o viu se reerguer lentamente e largar sua mão aos poucos, a despeito do olhar fixo que permaneceu juntamente com aquele sorriso esquisito. – É um prazer finalmente conhecê-la.
A garota pensou em responder alguma coisa, mas não conseguiu, apenas puxando a mão de volta para si e a deixando perto de seu colo limpo. Ficou olhando Siegfried e pensando em como reagir, nem que fosse em prol da educação, enquanto a única certeza que tinha ficava rodando sem parar na sua cabeça.
A de que ele definitivamente lhe dava arrepios.
Siegfried era um jovem de estatura mediana, vestido como se pode esperar de um príncipe e pálido como uma nuvem num dia nublado. Os seus cabelos eram curtos, ainda que com alguns dedos de comprimento, e da mesma cor dos seus olhos que eram negros como um corvo. A princípio e exteriormente, não havia nada que justificasse aquela leve sensação de terror que experimentava a cada segundo a mais que passava na frente dele, porém o problema não estava em parte alguma de seu corpo. Era a calmaria de seu semblante.
Aquela calma que, por mais que a menina tentasse, não conseguia lhe parecer paz, mas o silêncio de uma raposa.
Apesar de seu esforço para falar alguma coisa, com a atenção ainda fixada no escuro dos olhos semicerrados dele, a menina permaneceu calada, de forma que quem teve que quebrar o silêncio foi seu pai.
– Espero que se deem bem. Peço licença – e, com uma pequena reverência, ele se retirou, indo para longe dali e deixando os dois a sós. Percebendo-se sozinha com o garoto, tomou coragem para finalmente se pronunciar e moveu de leve a mão para o lado, enquanto abria a boca algumas vezes antes de conseguir falar de verdade.
– E-eu... Preciso ir ver uma coisa. É um prazer conhecê-lo. Espero que aproveite a fest... – começou a dizer e remendar frases, dando o primeiro passo para o lado e sua liberdade, quando viu o rapaz lhe alcançar o antebraço da mão que apontava a direção para a qual pretendia ir e impedi-la.
– Senhorita , tenho certeza de que qualquer problema nesta festa pode ser muito bem resolvido por algum dos empregados... Por que não nos sentamos? – ele ofereceu e abaixou em poucos milímetros o seu rosto, como que reforçando o seu pedido, enquanto escorregava suavemente a palma pela pele de e chegava à sua mão.
Ela, no entanto, quebrou aquele contato no mesmo instante em que ele foi feito.
– Perdão – disse rapidamente, tentando ao máximo não olhar mais do que o necessário para ele, e deu as costas, andando o mais rápido que pôde por entre as pessoas e para qualquer canto da festa.
Caminhou por alguns segundos sem direção definida, apenas se infiltrando pelos convidados e criando distância entre ela e Siegfried, enquanto segurava o alto de seu saiote e sentia o coração começando a lhe alcançar a garganta. Convencendo-se de que já estava longe o suficiente, parou em algum lugar e soltou o ar de seus pulmões, deixando o seu olhar cair ao chão de mármore em distração. Havia algo nele... Havia algo naquele cara que lhe dizia para ir embora, para fugir e não olhar para trás.
Que a deixava tão nervosa quanto ficar de pé e em frente à droga daquela lacrima.
Tentando deixar esses pensamentos de lado e voltando a prestar atenção à sua volta, notou todo o movimento ao seu redor e deduziu que devia estar em frente à porta da entrada, consequentemente a alguns metros abaixo do grande relógio que se tornara seu melhor amigo naquela noite. No mesmo instante, então, abriu mais os seus olhos e reergueu o seu rosto, lembrando-se de que tinha um horário para seguir à risca e que ainda nem tinha ideia de que horas eram, mas engoliu a maior parte do ar que tentava respirar e quase perdeu o equilíbrio ao ir para trás quando tudo que viu foi a figura parada e firme de Siegfried à sua frente.
– Senhorita , algum problema? – ele perguntou e não moveu nenhum músculo sequer abaixo do pescoço, apenas observando com seus olhos quase sonolentos a garota e sua expressão que estava longe de ser tranquila como a dele. Então, antes que ela pudesse dizer ou inventar qualquer outra coisa para sair dali, o rapaz levantou uma de suas mãos que estavam baixas e pegou no ombro dela. moveu apenas os seus olhos, pousando-os sobre os dedos sobre sua pele desnuda. – Espero que não – e, depois de ouvir aquilo, desviou sua atenção e a colocou de volta nele, que continuava com aquela mesma faceta absurdamente calma. – Digo, seu pai acabou de nos apresentar... E eu realmente acho que devíamos tentar nos conhecer o máximo que pudermos essa noite.
não entendeu o que ele quis dizer com aquilo e juntou as sobrancelhas. Por que toda aquela pressa? E por que o rapaz não ia logo falar com outra menina na festa que recebesse de bom grado toda aquela atenção insistente dele?
Piscou algumas vezes os olhos e abriu a boca para questionar, mas na mesma hora sentiu os dedos dele lhe apertarem de leve o ombro e o viu abrir um pouco mais os seus olhos negros, fixando-se de maneira incisiva nas suas pupilas e a fazendo se esquecer por um momento de tudo que ia e queria fazer. Respirou fundo e tentou desviar, mover-se ou tirar a mão dele, enquanto se perguntava o que diabos tinha acontecido ali porque tinha a certeza de que estava para fazer algo importante, mas não conseguiu. Na verdade, não conseguia fazer nada. Praticamente nada. Não havia movimento seu que se concretizasse ou músculo que obedecesse. Tudo que conseguia era encarar fixamente o fundo dos olhos dele e perder toda a concentração a cada segundo, logo sentindo a pequena pressão sobre o seu ombro e dando um passo para trás.
– Sabe, são poucas as pessoas que conhecem Tetsuya... – ele disse e continuou a empurrá-la gentilmente para trás, de forma que logo estava caminhando com ela pelo salão naquela mesmíssima posição de antes, guiando , que nada via além do negro dos olhos dele, até uma das mesas espalhadas contra as paredes. – Posso lhe contar algumas histórias, se quiser... – levou-a até uma que estava bem afastada, no canto do local e consideravelmente longe dos vários grupos que conversavam entre si, e, perto de uma de suas cadeiras que já havia sido puxada e recolocada de qualquer jeito, deu mais um empurrão em e a fez cair sentada sobre o seu assento, com os olhos ainda arregalados e presos nos dele. – Gostaria? – sem esperar pela resposta dela, o garoto pegou uma das outras cadeiras da mesa e a puxou, sentando-se na frente de .
Aquela falta de concentração toda não durou por muito mais tempo. Logo e em poucos segundos, estava se sentindo normal outra vez e senhora de seus próprios pensamentos, de forma que ela até acabou permanecendo ali para ouvir as histórias de Siegfried, mas por causa da sua curiosidade inegável que, no fundo, queria saber o que ele tinha para dizer.
Siegfried, como bem prometera, tinha realmente uma porção de histórias para contar sobre o seu próprio reino. Desde o momento em que os dois se sentaram ali, ela ouviu coisas que nunca pensou que escutaria, principalmente de um lugar do qual nunca tinha ouvido falar até então. Viu Siegfried contar sobre como Tetsuya tinha a madeira e o ferro como principais produções e uma vez teve que inclusive entrar em guerra com piratas e saqueadores, dado o tamanho da riqueza de suas mercadorias. Os habitantes isolaram por completo o lugar no momento em que viram a imagem do navio despontando no horizonte e no que podiam ver do fim do oceano, e se esconderam pelos cantos e quebradas da cidade portuária, Yoko Hoshi, apenas para reaparecerem todos ao mesmo tempo armados de pistolas, espingardas e pedaços de pau para lutar contra os ladrões que haviam subido em terra desavisados. E ele, Siegfried, também chegou a fazer pelo menos alguma coisa, do alto da construção mais alta de lá e com seus melhores soldados, enquanto erguia a mão e dava o sinal para que todos os seus subordinados acendessem os pavios dos canhões e bombardeassem os navios invasores atracados.
Ouviu também sobre os detalhes do reino, tais como a moeda – que hoje era Jewel como Fiore, mas antes era a histórica Yamato, que eram moedas feitas de pedras das cavernas mais antigas – e a capital Crux – onde todo membro da família Aika havia sido coroado e tudo florescia mais rápido por conta de uma alteração misteriosa em seu solo. Diversos testes e estudos tentaram desvendar o fenômeno da terra de Crux, como lhe contou o príncipe, mas a explicação mais aceita ainda era a lenda do Soul Heart. Conta-se que, há muito tempo, um colar com pingente de rubi foi enterrado bem fundo no chão, sob camadas e camadas de terra, a fim de ser escondido por ter, na verdade, as almas de dois amantes presas por um feitiço proibido na pedra. E era o amor, a paixão remanescente ali que provavelmente trazia uma fertilidade sobrenatural ao solo e a tudo que de lá nascesse.
Mas a história de que ela mais gostou foi sobre o Hanami, no Festival Anual da Cerejeira. Todo ano, na maior parte das cidades de que se tem notícia, fazia-se um festival para comemorar o florescer das cerejeiras, que era uma das visões mais lindas da qual uma pessoa pode se recordar. Era uma comemoração comum na verdade, tanto que já havia participado mais de uma vez em Hargeon, na presença da sua avó, mas o que a impressionou foi um detalhe do qual nem sequer fazia ideia. Algumas dessas árvores eram conhecidas por serem “cerejeiras arco-íris”, ou seja, quando floresciam, suas flores agiam como furta-cores sob a luz do sol e traziam um verdadeiro arco-íris em forma de pétalas à terra, esvoaçando com o vento e por entre todos no festival. Havia apenas um local que conseguia cultivar cerejeiras assim e esse era Magnolia. Disso tinha conhecimento – tanto que, ao descobrir que a cidade era a famosa sede daquelas árvores raríssimas, ela se sentiu mais animada ainda para correr até lá e tentar sua sorte na Fairy Tail –, porém o que a garota não sabia era que Ureato, uma cidade do reino vizinha a Crux, também era capaz de cultivar as cerejeiras arco-íris, apesar de quase ninguém saber disso. E, por estar próxima do solo da capital, a cidade ainda tinha algumas influências da magia proveniente dali, sendo que a principal se dava sobre essas cerejeiras. Durante o Hanami de Ureato, as árvores não só floresciam e espalhavam as cores do arco-íris por toda a parte, mas exalavam um perfume maravilhoso e que encantava a todos. Era sempre um completo fascínio todo ano, contudo, também a cada festival, ninguém conseguia no fim dizer do que era aquele cheiro. Alguns diziam que era o odor da cereja fresca e madura, antes mesmo da flor dar o fruto, exatamente por causa das influências de Crux. Outros juravam sentir o perfume das flores de laranjeiras misturado ao dos jasmins, enquanto mais alguns davam opinião e diziam que estavam todos errados, pois o cheiro era de amores-perfeitos levemente almiscarados. Todo mundo falava e ninguém chegava a uma conclusão, sabendo-se apenas que aquele com certeza não era o odor normal das cerejeiras, de modo que que se criou a lenda de que o Hanami de Ureato tinha, na verdade, o perfume de um jardim completo. Todas as flores, todos os frutos... Estava tudo lá e, teoricamente, ninguém jamais perceberia isso, pois o cheiro notado mudava de pessoa para pessoa. Cada um sentiria algo diferente dentro desse jardim, nem que fosse por um mínimo toque a mais de alguma coisa, por causa das suas próprias diferenças. Dependendo dos seus jeitos, da sua história e vida, cada um percebia uma flor, um fruto ou uma combinação diferente.
Não podia dizer que havia sido exatamente fácil ouvir todas aquelas histórias, que foram bem mais além do que os contos de Yoko Hoshi, Crux e Ureato, na frente de Siegfried e sua inerente tensão durante aquele tempo todo. No início, ela até tentou fingir que estava tão concentrada nas anedotas que começava a olhar para algum lugar que não fosse o rosto dele, a fim de só ouvir palavras e nada mais, mas esse plano não durou por muito tempo, fazendo-o se interromper diversas vezes para verificar se a garota estava prestando atenção mesmo. Depois disso, não teve muita escolha. Precisou se sentar ereta e encarar Siegfried até que a história se mostrasse mais forte que o temor que ela sentia sem parar ali.
Como já dito, não foi nada fácil naqueles primeiros minutos. Enquanto ela encarava a serenidade de seu rosto e ouvia uma história atrás da outra, a impressão que tinha era sempre a mesma: que, quando menos esperasse, os olhos dele iam se abrir de vez e as suas mãos, parar no pescoço dela. Porém, conforme o passar das palavras e dos detalhes, principalmente quando chegaram à parte sobre os mistérios de Crux, conseguiu finalmente se distrair e se desligar do incômodo que sentia. Estava completamente fascinada. Nunca havia sequer ouvido falar daquele lugar, o tal Reino de Tetsuya, e agora podia enxergar cada detalhe como se tivesse estado de verdade lá, visto cada coisa com seus próprios olhos e vivido cada momento como se fosse uma cidadã de lá. Como se o que ouviu fosse, na verdade, suas memórias repetidas e colocadas para tocar num toca-discos.
Ou será que ela havia estado lá e nem sequer se lembrava?
– Ora, ora, vejo que o nosso tempo juntos acabou... – ela o ouviu dizer de repente e mudar a direção de seus olhos, que passavam a observar algo atrás dela e um pouco na diagonal. então se virou para trás, passando a ver que o seu pai chamava todos os convidados da festa para o centro do salão e pedia pela atenção deles.
Voltou a se sentar na sua cadeira, apesar de sua cabeça ainda estar praticamente virada e com a atenção sobre a cena que ocorria a alguns metros dali, quando viu pelo canto dos olhos alguma coisa se aproximar de si. Virou-se e encontrou Siegfried de pé e lhe estendendo uma das mãos.
– Venha. Você, como filha do presidente, precisa estar sentada no melhor lugar do salão para este anúncio – o rapaz disse e manteve a mão estendida, esperando pela iniciativa dela de se levantar e ir com ele, mas apenas franziu o cenho. Que anúncio era aquele do qual ela nem fazia ideia? Será que seu pai ia finalmente anunciar o que fariam com a lacrima e no que aquela gente toda estava se metendo?
Sem se fazer mais perguntas, até porque sabia que não ia conseguir respostas, deu sua mão ao rapaz e se levantou da cadeira, sem deixar de manter aquela expressão um tanto duvidosa no rosto e voltar a sentir nos seus ossos a tensão que era ter Siegfried e seu jeito perto de si.
Deixando-o guiá-la, os dois se dirigiram para uma pequena elevação que tinha no fundo do salão e de frente da porta de entrada, sobre a qual algumas cadeiras mais escuras que as da festa estavam posicionadas lado a lado, formando uma fileira contra a parede e perante o aglomerado que se juntava ali na frente. Estando para subirem, o príncipe se pôs de lado e fez uma pequena reverência, esperando que passasse primeiro e tomasse a frente dos dois. Sem esperar muito, fez o que lhe era silenciosamente pedido, subindo o degrau e indo diretamente para alguma das cadeiras, enquanto Siegfried voltava a segui-la assim que a viu estar completamente acima do seu nível. A menina logo seguiu para o canto o mais rápido que pôde, querendo ocupar a última cadeira da fileira e ficar fora da vista de quem desse, porém logo sentiu o frio da mão de alguém que ela infelizmente já conhecia muito bem.
Ouviu-o dizer alguma coisa que nem fez questão de entender direito e o sentiu puxá-la na outra direção, direcionando-a para as duas cadeiras que estavam no centro da fila formada e diretamente na frente do amontoado de convidados e de Jude , deixando-a escolher primeiro a cadeira que desejasse. Como nem tinha na verdade alguma preferência ali que não fosse que tudo aquilo acabasse logo, ela pegou a primeira das duas que lhe apareceu e se sentou de uma vez, fazendo com que o jovem príncipe tomasse o assento à sua direita. Ajeitou-se no seu lugar e apoiou as mãos nos braços da cadeira, bufando de leve e não conseguindo evitar que ficasse um pouco mais nervosa com aquela gente toda se aproximando cada vez mais, quando ouviu Siegfried começar a falar ao seu lado.
– Isso me faz lembrar... – o rapaz disse e levantou uma das mãos para abrir o lado do sobretudo escuro que usava sobre suas vestes, usando a outra para vasculhar por lá e puxar uma caixa preta e chata, do tamanho da palma de sua mão. – Foi-me bem ensinado que nunca se vem de mãos vazias para uma festa e, alguns dias antes de vir para cá, fiquei pensando no que fazer. Os meus pais me sugeriram diversas coisas que eu podia trazer para agraciar o seu pai: vasos, pinturas, vinhos, mas... Eu disse que preferia trazer algo para a filha dele, pois sabia que isso o agradaria muito mais e traria um sorriso ao rosto de outra pessoa também – e, assim que terminou a sua última frase, abriu a caixinha e revelou um colar que fez até abrir mais os seus olhos. Esse era de pérolas, com contas de um tamanho razoável e em tom de marfim puro, sendo que de seu centro despontava um pingente de ônix polida em base dourada e rodeada de pequeninos cristais.
Respirando fundo uma vez, piscou algumas vezes e deu uma assentada inútil mais para trás, enquanto levantava suas mãos para Siegfried e as balançava de leve em negação.
– E-eu... Não posso aceitar – ela balbuciou e não conseguiu dizer mais nada depois daquelas poucas palavras. Era uma grande gentileza dele e um lindo colar, não podia negar, mas havia algo que não lhe parecia coerente, ou ao menos certo, em aceitar um presente de um cara que ela desejava a cada cinco segundos que sumisse da sua frente para sempre. O rapaz, no entanto, não pareceu dar ouvidos à garota, pegando a joia por entre os dedos e guardando a caixa de volta no casaco.
– Por favor, eu insisto – ele disse e abriu o colar, segurando cada ponta com uma mão e acenando de leve com a cabeça. Sem saber o que responder e como fazer uma recusa que não ficasse grosseira, acabou concordando em aceitar o regalo e se virou de costas para o rapaz, permitindo que ele colocasse a peça em torno de seu pescoço e fechasse o gancho. Assim que o sentiu terminar e deixar a última parte que faltava da peça cair sobre a sua pele, ela olhou para baixo e passou os dedos por sobre as contas e a textura dos cristais, vendo como o colar ocupava o espaço vazio deixado em seu colo e se encaixava quase que como uma luva ali.
– Peço a atenção de todos, por favor! – o pai da garota disse em um tom mais alto e bateu algumas vezes com uma colherinha na sua taça, fazendo com que todos se calassem e e Siegfried se voltassem para ele. Assim que tinha o silêncio desejado, baixou o copo e apoiou a colher na mesa ao lado. – Em primeiro lugar, quero agradecer a presença de todos que puderam vir celebrar este momento histórico na nossa companhia. Como sabem, há alguns meses e durante uma de nossas escavações de artefatos arqueológicos, foi encontrado um objeto que impressionou até mesmo o mais sabido de nossos estudiosos. Simples e pequeno, mas de poder impressionante, estamos com ele aqui e agora conosco: a Lacrima das Almas! – assim que anunciou o nome, ergueu um dos braços e o estendeu em direção ao pedestal que agora estava sozinho no canto do salão, ao que todos começavam a bater palmas. , de seu lugar, fincou as unhas contra a madeira escura da sua cadeira. – Bom, como muitos aqui e agora sabem, os primeiros meses depois dessa descoberta foram verdadeiros desafios. De tudo que queríamos saber, a única pergunta que realmente interessava era relativamente simples, porém parecia que absolutamente ninguém conseguia respondê-la... – ele deu uns dois passos em direção ao público, levando consigo a taça que ainda segurava e já estava, desde o início do anúncio, cheia. Quando parou, deixou o som de seu último passo ressoar no silêncio e levantou o queixo, batucando de leve com o indicador da mão que ainda segurava o copo. – Mas o que essa lacrima infernal faz, afinal de contas? Céus, era tudo que eu me perguntava dia e noite ao lado de pelo menos dois ou três especialistas... – depois de balançar de leve a cabeça, como quem se lembrava da dor de cabeça que aquilo havia sido, o homem voltou a andar, dessa vez indo para o lado. – Como podíamos fazer algo, algum plano, quando nem sequer sabíamos do que o objeto em nossas mãos era capaz? Enquanto não encontrássemos a essência daquela lacrima, ela continuaria a ser apenas um enfeite de cristal no meu escritório me tirando o sono... Mas chegou um dia, meus caros! – praticamente interrompendo a si próprio, já que saía bruscamente das suas diversas memórias e lamúrias daqueles dias sem fim nem respostas, ele parou também os seus passos e se virou de volta para os convidados. – Chegou um dia que Hayao, um dos nossos fundadores e meu querido amigo, entrou sem bater no meu escritório e disse, olhando-me nos olhos: “eu sei quem pode nos ajudar” – disse e ergueu sua taça, cumprimentando em silêncio o tal Hayao que estava mais ao fundo do bolo formado. – Depois disso, foi apenas uma questão de dinheiro, paciência e algum tempo até que finalmente soubéssemos o que se passava com a nossa lacrima: poder. Poder, meus caros! A Lacrima das Almas emana um poder cuja intensidade jamais foi descrita em livro ou lugar algum desse mundo... Absolutamente ninguém chegou a ver, antes ou em algum dia da vida, alguma coisa igual – então, depois de compartilhar com todos aquela introdução que veio guardando em si desde semanas antes daquela festa, ergueu sua cabeça, que estava baixa dos vários passos à esmo que começara a dar a partir de certo momento, e chegou aonde realmente queria. – E foi aí que imediatamente percebemos a poderosíssima fonte de energia que tínhamos em mãos. O carvão, os moinhos, a própria força do homem... Nada disso conseguiria se comparar ao que aquela lacrima poderia gerar apenas no tempo que levo para piscar os olhos ou dizer isso para vocês! – ele elevou sua voz na última parte de sua frase e logo se calou, voltando a encarar todos a sua frente. – O caminho ainda é longo e o projeto não está totalmente formado, pois temos em mãos uma energia que ainda precisamos aprender a dominar, mas o futuro é certo: com a Lacrima das Almas, revolucionaremos o Reino de Fiore! – e, pela segunda vez, todos bateram palmas, dessa vez até mais fervorosamente do que antes. Àquela altura, já estava uma completa pilha de nervos. Ver toda aquela gente se animando e aprovando uma ideia que, no fundo, a garota sabia que devia ter alguma contraparte estava a deixando de mãos geladas. Se seu pai ao menos a ouvisse... Era ela quem lidava com magia no dia-a-dia e, portanto, já tinha a capacidade de reconhecer ou sentir nos ossos quando algum feitiço podre surgia no ar. Podia não saber dar nomes e detalhes, mas a certeza não lhe falhava. Contudo, a menos que estivessem diretamente ligadas ao lucro, certezas não interessavam à Konzern. – E agora... Peço licença para mudar levemente de assunto e fazer um segundo anúncio – Jude pareceu mudar o ar de suas feições e se tornar mais calmo, senão emocionado e não querendo demonstrar. – Há alguns meses que temos feito negócios com o Reino e a Corte de Tetsuya, como puderam perceber ao termos a grande honra de receber o seu príncipe aqui conosco – por um momento, o homem se virou e ficou de frente para a filha e o rapaz, fazendo uma reverência que foi o início de uma série de outras que foram surgindo pouco a pouco nos convidados até que todos estivessem curvados. Depois de se reerguer, voltou-se para a plateia. – Porém, Tetsuya nos trouxe muito mais do que doações de madeira, ferro e conhecimento no Projeto da Lacrima das Almas... Bom, para mim pelo menos – depois de respirar fundo uma vez, deu um passo para frente. – Graças ao digníssimo príncipe Siegfried, um sonho que eu e minha amada Layla, por quem eu daria tudo para que estivesse aqui e agora para ouvir isso, sempre tivemos finalmente virá à realidade. É com orgulho, alegria e lágrimas nos olhos que anuncio a todos vocês hoje a união entre a Konzern e Tetsuya – e, por último, ergueu sua taça ao alto. – Ao noivado de e Siegfried!
Naquele momento, simplesmente arregalou os seus olhos e sentiu as íris perderem a cor.
Mas... O quê?
Enquanto via todos soltarem murmúrios e comentários, além de pegarem as taças de bebida que começavam a ser distribuídas por diversos garçons em bandejas prateadas, a garota se levantou silenciosamente de seu lugar. Conseguiu ser tão quieta que nem mesmo Siegfried, ao seu lado e que continuava sentado, percebeu ou a ouviu. Esse apenas a notou quando a viu começar a andar, ainda claramente congelada na maior parte dos músculos e movimentos, em direção ao fim da elevação e para perto do pai e dos convidados. Quando chegou lá, graças à sua discrição e à distração de todos, ninguém, exceto Siegfried que a observava com uma sobrancelha erguida, conseguiu notar a sua presença.
– Não.
Ela disse simplesmente e alto suficiente para que apenas algumas poucas pessoas mais próximas pudessem ouvir, o que incluía o seu pai. Esse se virou e encontrou a filha parada e a alguns centímetros acima de si, com uma expressão de quem sentia o fogo queimando na pele, mas não conseguia fazer nada para impedir.
– O que você disse? – o homem questionou e franziu o cenho, virando-se melhor para a menina e tentando entender o que estava acontecendo e por que ela estava com aquela cara. , sentindo os arrepios descerem mais uma vez por todo o seu corpo, respirou fundo e tremeu o lábio de baixo.
– Eu... Disse... NÃO! – e gritou com todas as forças a última palavra, fazendo o seu berro ressoar pelo salão inteiro e todos congelarem em seus lugares com taças nas mãos e expressões assustadas no rosto. Seu pai paralisou por um momento, mas logo estava se preparando para dizer algo, quando interviu e voltou a falar. – Não! – repetiu mais uma vez, agora com um tom mais baixo e menos feroz. Erguendo seu queixo e colocando um pé mais a frente, ela continuou. – Eu não vou me casar com Siegfried, pai... Nunca! – reforçou e viu o seu pai se enfurecer de seu lugar.
, volte ao seu lugar agora! – ele ordenou, mas a garota já estava em chamas demais para que alguma corda que a prendesse à autoridade dele não terminasse comida pelo fogo ou rompida. Bateu com o salto de seu sapato no chão.
– Não! – disse em voz alta outra vez e, de repente, pareceu se lembrar de algo. Piscando algumas vezes os olhos, ela se virou para trás. – E você não vai fazer nada?! – ela disse para Siegfried, que se mantinha calmo e impassível em seu lugar. – É da sua liberdade que estamos falando também! Não se incomoda que lhe imponham algo que nem mesmo decidiu? Você é um príncipe, droga! – o questionou com certa fúria, enquanto olhava para os olhos negros e imóveis dele, tentando entender como alguém podia parecer aceitar aquilo de uma maneira tão tranquila como ele, já que durante aquilo tudo o rapaz não esboçou uma reação sequer. Esse, no entanto, lhe deu um pequenino sorriso que, infelizmente, não contrastava em nada com a aura que ele havia passado desde o primeiro momento que falou com .
– Por que você acha que eu não decidi nada? – Siegfried perguntou com calma e juntando as duas mãos, mais necessariamente os dois indicadores, em frente ao rosto. arregalou os seus olhos de novo. – Não devia tirar conclusões tão precipitadas, senhorita ... Nem ser tão impulsiva. Afinal, você também aceitou de certa forma – depois de ouvir aquilo, a menina deu um passo para trás, por um momento sentindo que não ia conseguir se apoiar com a tremedeira que começava a passar por seus ossos.
– Do que você está falando? – perguntou com a voz um pouco presa, mas forte o suficiente para que pelo menos ele e seu pai a ouvissem. Siegfried inclinou de leve a sua cabeça, por um momento a fazendo jurar que o negro de seus olhos parecia se voltar ao vermelho escuro como sangue.
– Alguns usam anéis, mas eu gosto de ser original – o jovem respondeu e a garota imediatamente sentiu o coração acelerar, levando os dedos trêmulos ao pingente de ônix em seu peito. Então era aquilo que aquele colar realmente significava?
Então, assim como seu pai, Siegfried também era um mentiroso de primeira?
, BASTA! – mesmo que ainda em choque com tudo que havia ouvido até ali, ela conseguiu escutar a voz de pai ressoando forte como um trovão atrás de si. – Volte ao seu lugar agora mesmo e pare com essa rebeldia! Está me envergonhando na frente de todo mundo! Você não pode e não vai quebrar esse noivado! – ele completou e bateu com sua taça na mesinha que tinha ali perto e sobre a qual descansava a colherinha de antes. Nisso, ergueu uma de suas sobrancelhas.
– Ah, não? – a garota disse e virou de leve a sua face, encarando de sua posição o rubor raivoso no rosto de seu pai e o susto na cara de todos. Virou-se de lado, de modo a ficar suficientemente visível tanto a Jude quanto a Siegfried, enquanto mantinha os dedos no colar que àquela altura amaldiçoava como nunca fizera antes na vida. Naquele momento, não havia mais nada em si que a fizesse querer se segurar. Sua vontade era de destruir. Chutar, quebrar, causar algum estrago. Queimar, como provavelmente faria naquela situação. Talvez ela tenha perdido o pouco de dama e nobreza que tinha em si quando foi embora daquele lugar, talvez tivesse já passado tempo o suficiente com a Fairy Tail para se tornar mais uma baderneira sem noção. Porém, naquela hora, aquilo não importava.
Fechou os dedos em torno das pérolas do colar.
Aquela era a sua vida e ninguém, absolutamente ninguém, ia decidir os seus passos ou lhe dizer o que fazer.
– Então apenas olhe e aprenda.
Não podia dizer que não sentiu dor alguma quando o cordão foi contra sua pele e se apertou ali, sendo finalmente arrancado de seu pescoço após algum esforço e passando a pender ao lado de , logo em frente aos olhos esbugalhados de seu pai, enquanto as contas escorriam dali e caíam aos poucos no chão.
O silêncio que se fez perante aquilo foi de cair o queixo. Todos, com a exceção de Siegfried que se limitou a uma breve careta de susto, ficaram aterrorizados com aquela atitude, observando a garota do alto do palco, de queixo erguido e segurando o que restava do seu colar e, consequentemente, noivado.
– Você pode não perceber, pai, ninguém aqui talvez possa, mas esta empresa... Esta vida, na verdade, faz a gente se acomodar. Eu sei muito bem para onde estou indo e sinto que qualquer dia vou chegar. Então pode demorar... Posso ter que lutar bem mais do que espero, posso ter que rastejar, mas eu sei que um dia vou conseguir – cerrou os dentes e começou a respirar um pouco mais pesado, vendo os olhos de seu pai que naquele momento estavam simplesmente enormes. – Uma maga... Uma maga celestial, assim como a minha mãe foi, dona do meu próprio nariz – a garota declarou e finalmente largou o colar pela metade que continuava segurando, fazendo-o cair até que pesado ao chão e algumas pessoas recuarem para trás com o barulho do pingente colidindo com a madeira. – É o que eu serei e nem você, nem ninguém aqui pode me deter! – ela gritou e, diante daquilo, ninguém conseguiu reagir. Cada um permaneceu em seu lugar e com a última expressão que adotara antes de escutar as palavras decisivas de , o que incluía o assombro dos convidados, o choque de seu pai, a frustração contida de Siegfried e o silêncio de sua avó que a observava com a mão na boca, enquanto tentava se decidir entre o orgulho que sentia pela coragem dela e a preocupação que a tomava pela imprudência da neta. Por último, se virou para trás e pousou os seus olhos sobre Siegfried que permanecia sentado e com a mandíbula travada, observando tudo aquilo com seus olhos negros que, agora, não pareciam mais tão sonolentos. – Desculpe, Siegfried. Eu sei que você é um príncipe... – ela disse, suavizando a sua expressão por um único momento e logo continuando. – Mas acho que eu prefiro os dragões.
Contudo, tanto quanto toda a cena que ela fazia foram imediatamente interrompidas pelo alto som da badalada que tomou conta do salão. Confusa por um momento, mas também se lembrando da existência do grande relógio que na verdade estava logo à frente daquelas cadeiras em que estava antes, a menina se virou e levantou o rosto para olhar o horário, enquanto o sino continuava batendo e batendo de fundo.
Dez horas.
Dez horas em ponto.
Sentindo as mãos ficarem completamente geladas, apenas arregalou os seus olhos.
– Não... – disse para si mesma e deu alguns passos para trás sem que percebesse, ao que colocava as mãos na cabeça e começava a puxar o próprio cabelo. – Não, não, não! – disse repetidamente e em desespero, imediatamente puxando a sua saia para cima e pondo-se a correr para fora dali o mais rápido que podia.
! – seu pai gritou e, assim que a garota saiu da elevação e começou a correr por entre os convidados e em direção à porta aberta, alguns dos empregados tentaram alcançá-la a mando de seu pai, porém em vão. Ela não se parou em momento algum e apenas colocou mais força ainda nas suas pernas, chegando a uma velocidade que não achou que conseguiria de salto alto. Isso sem contar a sua avó que, no seu silêncio e com discrição, derrubou uma cadeira e fez pelo menos quatro dos caras que perseguiam tropeçarem e acabarem um em cima do outro. Para falar a verdade, ela não tinha a menor ideia do porquê a neta estava fugindo e correndo daquela forma... Mas confiava nela. Sabia que, se era preciso escapar, era por algum motivo importante, então não havia uma alma nesse mundo que chegaria a sem antes passar por ela e seus truques.
Assim que alcançou a porta, sem dar ouvidos aos gritos de todos ou dos empregados que cada vez mais caíam por obra de sua avó, imediatamente começou a descer a grande escadaria escurecida pela noite às pressas e a passos largos, de forma que não foi surpresa quando ela sem querer tropeçou em um dos degraus e logo começou a rolar escada abaixo. Sentiu as quinas dos degraus baterem diversas vezes contra a pele de seus braços descobertos, enquanto o mundo ficava completamente de ponta-cabeça e o movimento contínuo a impedia de pensar em qualquer coisa ou solução, mas não demorou muito para que tudo aquilo parasse. De repente, sentindo que havia finalmente parado de rolar e de se atritar com o mármore das escadas, abriu os olhos e viu a lua cheia no alto do céu, percebendo que estava largada no chão do jardim. No entanto, voltando a ouvir os gritos da confusão, colocou-se quase que num pulo em pé e tentou voltar a correr, quando notou alguma coisa de errado, além de um desnível absurdo entre as suas pernas. Olhou para baixo, puxando boa parte do saiote para cima, e viu o pé esquerdo descalço, enquanto que o outro continuava com o salto calçado. Sem mais paciência alguma, ficou com o pé desnudo no chão e arrancou o outro sapato que restava, jogando-o para o lado e passando a correr descalça em direção à carruagem de Alfred que ela já podia ver dali.
Chegando perto, a garota viu o cocheiro se aproximar com uma expressão de assombro no rosto.
! Estava procurando pela senhorita por todo canto! O horário...! – mas ela não o deixou terminar.
– Corra, Alfred! – a garota disse com a voz já falha e sem fôlego, sem esperar para passar por ele e se jogar desajeitadamente na portinhola da carruagem. – Corra depressa, por favor! – e, perante o pedido desesperado dela, Alfred apenas acenou com a cabeça e se pôs a postos no seu lugar, descendo a aba do chapéu que usava para se esconder e puxando as rédeas que logo empunhou. Os dois cavalos, em resposta, relincharam alto e saíram em disparada, deixando apenas o som de seus cascos para aqueles que chegavam ao alto da escadaria e se aglomeravam ali.
Dentro do cupê e descendo a cortina que a separava de Alfred, começou a desmanchar o coque de seu cabelo, mas acabou perdendo a concentração logo no meio do caminho. Ficou encarando seus pés sujos e descobertos que de vez em quando se mexiam com todo o resto da carruagem, quando esta passava por pedras ou buracos na velocidade em que estava. Como aquilo havia acontecido?
Sentiu as lágrimas começarem a brotar de seus olhos e escorrerem pelo seu nariz, sem conseguir manter foco algum na sua visão que só começava a ficar embaçada. Talvez as histórias de Siegfried tenham durado muito mais do que os dois esperavam... Ou talvez ela já tivesse perdido controle do horário quando se largou na cadeira e deixou aquela mulher de broche de opala falar, falar e falar até que se cansasse. De uma forma ou de outra, não havia muito mais que pudesse ser feito. Alfred podia correr o quanto quisesse, mas ela ainda teria quebrado o que prometera a jurara a Erza naquele dia.
Fechou as mãos em punho e fincou as unhas na carne da palma, sentindo o choro aumentar e o nariz começar a arder, porém logo aspirou o ar com força e abriu os seus olhos marejados. Podia até haver tempo para aquilo, porque Magnolia ainda estava a uns bons quilômetros de distância, mas não iria resolver nada.
Derramando mais duas ou três lágrimas, ela passou as mãos pelo rosto, sem se importar se estava borrando ou não a maquiagem, e respirou fundo, enquanto pegava a blusa jogada ao seu lado.

Jude correu o mais rápido que pôde por entre os seus vários convidados que começavam a se agitar e os montinhos de empregados caídos e atrapalhados, mas tudo que conseguiu ver, quando chegou ao lado de fora, foi a carruagem verde-musgo e marrom arrancando e os cavalos correndo invocados para dentro da escuridão da estrada. Vendo aquilo, bufou frustrado e ficou parado, apenas observando a cena do cupê se distanciando cada vez mais e dos cavalos se mexendo e correndo, enquanto que a figura de Siegfried se aproximava vagarosamente do seu lado e com os olhos no mesmo lugar.
Olhando de soslaio para o lado e percebendo a presença do príncipe, o homem logo se voltou para a sua posição original e abaixou a cabeça, envergonhado.
– Peço, por favor, que me perdoe. Eu não tinha noção de que ela causaria essa confusão toda... – Jude pediu e manteve a cabeça baixa, porém Siegfried não o respondeu de imediato. Esse, ao olhar para baixo, viu algo que lhe chamou mais a atenção, fazendo-o se curvar para pegar o objeto largado logo nos primeiros degraus da escadaria.
– Não se preocupe – a voz suave de Siegfried soou de repente depois alguns segundos de silêncio e fez Jude reerguer a sua cabeça, passando a ver o rapaz ao seu lado que segurava o salto brilhante em suas mãos e o olhava com uma atenção até que cuidadosa demais. – Nós só talvez tenhamos que tentar por uma rota diferente – e, assim que terminou de falar, apertou as mãos com força em torno do sapato, fazendo uma rachadura surgir e esse logo se partir em dois.

Ironicamente como no seu primeiro dia, logo se viu correndo pelas ruas largas de Magnolia, exceto que dessa vez as pessoas a encaravam das janelas de suas casas, de pijamas e prontas para dormir, e tudo era banhado pelo escuro confortável daquela noite com lua. Também havia o fato de que a garota corria bem mais rápido e ofegando, com o cabelo apenas solto de qualquer jeito e a maquiagem mal tirada de seus olhos.
Alfred tinha realmente conseguido fazer um milagre, cortando vários caminhos e quebrando algumas regras para chegar em um tempo recorde a Magnolia, mas continuava quase uma hora atrasada para o seu treino, o que ainda era bem ruim. Desta forma, quando se aproximaram do início do rio, que era onde o cocheiro da sua primeira ida à Magnolia havia literalmente a largado, pediu a Alfred que parasse e ali desceu para continuar sua tarefa a pé. Caso as coisas dessem errado, não queria que o pobre homem, que já havia ido bem além do que lhe fora incumbido, pagasse por algo na sua culpa ou sofresse parte da fúria de uma Erza traída. Então, assim que colocou seus pés no chão de pedras irregulares, agradeceu rapidamente a ele e logo começou a seguir o caminho que tinha gravado na sua memória.
Em menos tempo do que esperava, logo viu ao longe partes do grande prédio da guilda, imediatamente se sentindo mais nervosa e começando a correr mais rápido ainda. Apesar de toda sua pressa, tentou manter o silêncio e resolveu ir direto para os fundos, onde a maga provavelmente a esperava sozinha e sentada. No entanto, quando chegou à frente da guilda e ia dar a volta, imediatamente viu a figura de Erza de pé e parada, na sua costumeira pose de guerreira, à frente da porta de entrada do bar. Sem conseguir evitar o pulo que sentiu o seu coração dar, apenas parou o caminho que fazia por um segundo, surpresa com o encontro relativamente antecipado, e logo se pôs a começar outro, ainda correndo no silêncio que conseguia, em direção à ruiva.
– Erza! – a menina a chamou com a voz um tanto falha e tentando não soar tão escandalosa, correndo para a maga que, apesar do chamado, não se moveu do seu lugar. – Erza, eu... – ao chegar lá, no entanto, a alguns poucos metros da porta e finalmente conseguindo ver o rosto de Erza com mais nitidez, abriu mais os seus olhos e parou os seus pés no mesmo instante, passando a ficar de frente para a mulher e tão parada quanto ela. Naquela semana, havia visto a ruiva nervosa diversas vezes, seja porque flagrara e brigando como gato e cachorro ou alguma missão dera errado, mas nunca, absolutamente nunca, tinha visto aquela expressão no rosto de Erza antes. Seus olhos, que estavam quase que mais claros com a luz do fogo que obviamente vinha de dentro dela, estavam bem abertos e travados naquela posição, enquanto que os seus lábios, reprimidos e numa linha discreta, deixavam claro o quanto a sua mandíbula estava cerrada e presa. – Erza...? – a garota, do lugar onde parara e se encolhera de leve, disse e logo recebeu um erguer de cabeça feroz dela como primeira resposta.
– Vá embora daqui – a ruiva disse num tom grave e direto, fazendo inevitavelmente dar um pequeno passo para trás e levar suas mãos ao peito. – E nunca mais ouse voltar – a garota, no entanto, e na verdade sem saber muito bem o que fazer depois de notar a frieza nas palavras da mulher, tentou se explicar.
– Erza, por favor, me perdoe! Eu...! – começou a falar, mas nem precisou de uma interrupção da ruiva para que parasse de falar. No meio de suas súplicas e desculpas, viu a imagem de Makarov saindo de trás de Erza, com os braços cruzados e uma expressão severa em seu rosto, ao que a última inevitavelmente apertava com mais força as mãos em punhos e iluminava mais as chamas de seus olhos. O homem andou lentamente até o lado da maga e ali parou, sem dizer uma única palavra e com os olhos, que também não estavam numa visão amigável, sobre a figura de a alguns metros.
Naquele momento, mesmo com o pesado silêncio que se instalou, a garota percebeu o que havia acontecido, não conseguindo evitar o aperto doído que sentiu em seu peito. Tudo havia não só dado errado do início ao fim, como Erza, que tudo que queria era ajudar a amiga e lhe dar uma última chance, havia sido descoberta e pega pelo próprio Mestre em algum momento de sua vigília.
Porém, antes que pudesse pensar em mais alguma coisa, a ruiva voltou a falar.
– Eu vou dizer uma última vez, ... Suma daqui. Agora. Não estou de brincadeira – a maga repetiu e, naquela hora, não conseguiu segurar as lágrimas que vieram aos seus olhos com a visão da raiva amarga no rosto da amiga.
– Erza, por favor, me escute...! – mas não houve tempo para terminar a sua frase.
– NÃO HÁ NADA PARA SER ESCUTADO DE UMA TRAIDORA COMO VOCÊ! – a mulher gritou e acabou arregalando os seus olhos, sentindo as lágrimas travarem por um único segundo e o corpo todo se encolher mais ainda. – Eu quebrei regras por sua causa, confiei em você... No seu juramento! – ao ouvir aquilo, a garota sentiu o nariz arder e suas lágrimas voltarem a cair, enquanto colocava uma das mãos sobre a boca. – Fiquei esperando nos fundos por tanto tempo, em silêncio e sentada, mas você não chegava nunca... Em momento algum passava por aquela porta e também não estava em lugar nenhum da guilda, mesmo depois de eu ter procurado por todos os cantos. E eu... Fiquei preocupada com você – e enquanto ouvia as palavras que no fundo sabia merecer, de corpo, alma e vergonha, no momento em que escutou o fundo da voz de Erza embargar e viu a lágrima solitária descer de seu olho esquerdo, tudo que a menina quis foi poder se encolher até que nada seu sobrasse sobre aquela terra. – Fiquei com medo de que algo tivesse lhe acontecido durante a tarde e que, àquela altura, você estivesse sem condições de se defender ou morta – naquela hora, mesmo que concentrada nas palavras de Erza, pôde ver os magos, que tantas vezes vira por ali e às vezes nem sabia o nome, se aproximarem lentamente e saírem de trás da guilda com expressões confusas e roupas de dormir vestidas, acordados pelo primeiro grito de Erza e a confusão que ocorria do lado de fora. – Eu ia atrás de você... – a mulher disse e, na sua última palavra, sua voz falhou por completo, fazendo com que ela abaixasse sua cabeça e permitisse apenas a visão de sua franja e do escuro que ela causava na parte de cima do seu rosto. – Então eu chamei o Warren e pedi para que ele tentasse entrar em contato com você por telepatia... Para pelo menos descobrirmos onde você estava ou se ainda estava pelo menos viva – ela continuou e, quando chegou ao fim, parou por um segundo, respirando fundo e esperando, ao que em seguida levantava mais o seu rosto, mas apenas para que pudesse ver o pequeno sorriso debochado ali. – Mas, no momento em que ele entrou na sua cabeça, tudo que conseguia ouvir era: “não devia ter ficado tanto tempo naquela festa” – ouvindo aquela última sentença que lhe passou pela garganta com uma flecha, enquanto não aguentava mais de culpa, tristeza e vergonha, ela viu mais pessoas chegando por trás e se aproximando, incluindo dessa vez aquelas que já conhecia muito bem. Cana, Wendy, Mirajane, Elfman, Carla, Happy... Até mesmo , mais ao fundo e com uma expressão de quem não podia acreditar no que estava vendo. – Então é com essa consideração que você trata o sacrifício que eu fiz por você? – Erza engrossou sua voz e perdeu o tom de choro, inclinando de leve a cabeça e a mantendo erguida. – É COM ESSA CONSIDERAÇÃO QUE VOCÊ TRATA TODOS NÓS, QUE ABRIMOS AS PORTAS E OS BRAÇOS PARA VOCÊ?! – deixando escapar o primeiro soluço dos vários que acabou soltando, ela levou a outra mão que faltava à boca e perdeu a força nas pernas, deixando-se cair de joelhos e as lágrimas banharem por completo o seu rosto. – Você me prometeu que estaria aqui e que não havia nada que pudesse impedi-la... Você me jurou que entendia o quão sério aquilo era para mim e, no fim do dia, resolveu trocar tudo por uma festa... E o pior de tudo é que eu confiei em você! – a menina tentou buscar o ar que precisava para erguer o rosto, agora baixo e molhando aos pingos o chão de pedra abaixo de si, e dizer que as coisas não haviam sido exatamente daquela forma, que não eram o que pareciam, mas não conseguiu, principalmente quando ouviu a voz forte de Erza ressoando de novo. – EU CONFIEI EM VOCÊ, ! – a garota fechou os olhos com força, sentindo as lágrimas grossas que começavam a vir no lugar das pequenas. – TODOS NÓS CONFIAMOS! – e, quando reabriu os olhos e olhou para frente, toda a traseira de Erza e Makarov já estava tomada pelos magos que haviam acordado e se aglomerado para ver o que tinha acontecido. Dali, no chão e de joelhos, podia ver os rostos deles. Incrédulos, chocados... Com pena, de certa forma, dela, mas também decepcionados. Em cada expressão, mesmo que desenhada de maneira diferente, o estigma era o mesmo. Até mesmo Juvia, de seu lugar de camisola e braços cruzados, a encarava com uma expressão branca, mas que no fundo tinha a pontada de quem não desejava aquelas palavras nem mesmo ao seu pior inimigo. Porém, apesar de tudo aquilo já estar doendo como o inferno nela, foi a visão de se aproximando ao fundo com os seus grandes olhos arregalados e o choque em suas faces que realmente a atingiu na sua parte mais funda. – E, se você pensa que foi apenas o fato de ter faltado ao nosso combinado da maneira mais mesquinha possível que me faz lhe dizer isso tudo, então você tem mais um motivo para ir embora daqui – ainda encarando de seu lugar e com o rosto congelado na última expressão que assumira ao ver a figura de passando por entre todos até que estivesse do outro lado de Erza, ela ouviu essa continuar, não conseguindo segurar as lágrimas mais grossas que voltaram a cair. – Não foram apenas força, determinação e vitórias que mantiveram essa guilda de pé, mas lealdade. Brincadeiras, zombarias e mentiras pequenas podem vir, mas, quando o assunto é sério, quando algo está em jogo, nós confiamos um no outro não importa a situação. Confiamos com a mesma certeza de que uma hora o sol subirá e a chuva cairá. E, se eu não posso confiar em você quando jura algo olhando nos meus olhos, como iria durante uma batalha? – àquela altura, já não aguentava mais olhar para frente, querendo evitar a todo custo a visão de todos aqueles rostos que um dia foram seus amigos a olhando de cima e pesarosos, senão julgadores, e a de que ainda não havia perdido o choque em seus olhos. Portanto, ficou encolhida sobre suas pernas dobradas, com o rosto contra o chão e apenas as mãos o separando das pedras. – Então agora é realmente a última vez que eu vou pedir com apenas palavras: saia daqui.
Quando ouviu aquilo, sabia que, naquela hora, Erza estava falando sério. Não havia mais nada a ser dito, a não ser o grito que viria, caso ela desobedece mais uma vez.
Desta forma, a garota ergueu o tronco, com o rosto ainda baixo e sem querer encarar ninguém, e depois se pôs de pé. Ao ver aquilo, tentou ir até ela, mas foi barrado pelo braço de Erza. Então, respirando fundo e ainda com dor, virou de costas e começou a caminhar lentamente na direção oposta, cansada de causar problemas e sem forças para aguentar mais alguma palavra sequer. No entanto, havia uma única coisa que ela precisava fazer, não importando se a ouviriam ou não. Com isso, depois de alguns passos, parou em seu lugar e virou apenas o rosto com os olhos ainda marejados para trás.
– Eu sei que você também não vai querer me ouvir, Mestre... – a garota começou a dizer, fraca e quase já sem voz, e Makarov permaneceu imóvel, além de calado diante daquele chamado. – Mas a Erza não tem culpa. Eu... Que a fiz fazer isso. Não me importo mais que queira me expulsar daqui depois do que aconteceu, porém não a puna. É tudo que eu peço – e, com aquelas palavras, a garota silenciosamente se despediu, voltando seu rosto para a cidade e o resto do corpo para o caminho de volta.
Não recebeu nenhuma resposta depois daquilo, fosse de Makarov ou de qualquer outra pessoa ali, e de certa forma achou que era melhor assim, enquanto continuava andando sobre o pequeno caminho de madeira que ligava Magnolia à entrada da guilda.
!
No momento em que ouviu aquilo, sentiu uma vontade imensa de se virar, mas não fez isso. Continuou caminhando, marchando para longe da guilda e com o queixo erguido ao aceitar o seu destino que era cruel, porém justo, apesar das novas lágrimas que começavam a descer por saber muito bem de quem era aquela voz.
!
Ouviu pela segunda vez, dessa vez com mais força, e fechou os olhos que continuaram derramando mais e mais lágrimas, forçando-se em seguida a começar a correr para longe. Aquilo desmantelava o seu coração, mas não tinha mais volta. Não tinha mais jeito. O melhor que podia fazer era se afastar o mais rápido que pudesse para não ter que ouvi-lo chamando o seu nome outra vez.
E rezar para que a sua memória, dentre todos na guilda, demorasse mais para se apagar em .

Após fazer metade do círculo do sol que tecia no bordado, praguejou quando sentiu a agulha furar o seu dedo e o levou à sua boca. Depois da fuga de mais cedo, além de derrubar inúmeras cadeiras e virar propositalmente as taças de vários convidados que estavam distraídos, não havia muito mais que Amelia pudesse fazer ali. A festa, em si, acabou morrendo aos poucos, ao que as pessoas começavam a inventar diversas desculpas e ir embora apenas para poderem se retirar da grande tensão que se formara ali. E ela foi uma delas. Cansada de assistir ao genro andando em círculos e resmungando, além da figura do príncipe Siegfried sentado e pensativo, que eram na verdade as únicas coisas que haviam restado naquela festa, a senhora se levantou da cadeira em que se sentou depois da confusão toda e pediu a uma das empregadas que avisasse a Jude que ela já estava indo embora.
Tomou o cupê que a trouxera e a esperara durante a festa e, cerca de quarenta minutos depois, estava de volta à sua casinha em Hargeon, onde tudo que queria fazer era tirar aquele desconfortável vestido de gala, tomar um banho de banheira e fazer um bordado para distraí-la, nesta exata ordem.
E assim o fez e manteve, até o momento em que machucou a pele e largou o que fazia sobre o colo. Observou o ponto vermelho na ponta do dedo, já certa de que não era tão fundo quanto imaginara que havia sido, e escutou a campainha de sua porta tocar. Franziu o cenho, perguntando-se quem podia ser a uma hora daquelas, mas mesmo assim se levantou, calçando as chinelas e indo até a entrada da frente. Destrancou-a e logo puxou a maçaneta, vendo em seguida a imagem de de pé à sua frente, descabelada e com o rosto de quem tinha acabado de perder um pedaço da alma. Arregalou os olhos e tomou um susto silencioso, levando uma das mãos à boca.
...? , o que aconteceu com você?! – a senhora perguntou, porém não recebeu uma resposta. Pelo menos não em palavras. Depois de alguns segundos, viu a neta abrir a boca de leve e querer tentar responder, mas perder a linha do que ia fazer logo em seguida, ao que fechava os olhos e se deixava cair de joelhos sobre o tapete de entrada, começando a chorar aos prantos e soluços.
A mulher a viu ir até o chão e a princípio se assustou, sem saber o que havia acontecido para abalá-la daquele jeito e muito menos se aquilo tinha a ver com a sua fuga de mais cedo, porém, no fundo, tinha certeza de que aquela não era a hora de descobrir. Suavizando suas feições que haviam se enrijecido com o assombro daquela visão, ela se ajoelhou também, tomando em seguida a figura de em seus braços e a acolhendo em um abraço.
A garota, ao sentir o gesto, quis corresponder de alguma forma, mas se encontrou sem forças para tal ou ao menos para parar de chorar desesperadamente por único instante que fosse. Desta forma, apenas encostou a testa ao ombro de sua avó, sentindo as mãos dela passarem por suas costas e as próprias lágrimas molhando o tecido da camisola rosa pálido dela.

– Ainda não entendo por que resolveu me trazer até aqui... – disse com uma expressão um tanto entediada, enquanto caminhava arrastadamente com sua avó ao lado, trajando sua capa marrom de capuz. A senhora, em resposta, apenas deu levemente de ombros, segurando uma cesta igual à que a garota carregava.
Fazia quase três semanas desde o dia da festa e que aparecera aos prantos na casa de sua avó. Levou uns minutos e algumas xícaras de chá para que a menina se acalmasse o suficiente, mas no fim conseguiu contar à sua vó sobre todo o incidente e as palavras doloridas que teve que ouvir de Erza. Sobre sua expulsão e consequente reprovação, por assim dizer. Desde então, ela passou a ficar na casa da avó, recusando-se a ter que voltar para a sua e encarar os olhos de seu pai que ainda cobravam uma explicação não só pela a quebra do seu noivado no sábado, mas da sua inesperada fuga às dez horas em ponto. Além do mais, dinheiro não tinha para alugar qualquer casa ou quarto que fosse, sendo que a única pessoa que conseguiria fazê-la se levantar daquela profunda tristeza para pelo menos tomar banho seria, no fim, a sua avó mesmo.
O seu primeiro impasse depois daquela expulsão veio com uma pergunta um tanto simplória de sua avó, que indagou onde estava toda a bagagem que ela havia trazido quando veio para Magnolia. deixou a cabeça cair para trás no mesmo momento em que ouviu aquilo, sentada no sofá no dia seguinte e bordando com a mulher, ao que se recordava que, na confusão toda de sábado, a última coisa de que se lembrou foi que suas coisas continuavam no alojamento da Fairy Hills. De fato, precisaria voltar para pegá-las, sendo persona non grata ou não, mas não tinha a menor coragem de voltar lá e dar as caras depois do que havia acontecido. Não sem eles pelo menos saberem o porquê estava ali.
Resolveu então escrever uma carta para alguém lá dentro que provavelmente não guardasse mágoa ou decepção dela. Pensou em escrever a , já que no fundo havia outras coisas que também precisava dizer, mas a reputação dele com a verdade ali dentro não fazia aquela ideia parecer muito boa. Pelo menos não para algo tão bobo e muito menos a envolvendo. Desta forma, decidiu escrever a , pedindo que o Mestre lhe desse permissão para voltar lá e buscar suas coisas. Aquela provavelmente era a melhor saída, dado que bastava ir a Magnolia um dia e pagar alguma garota – por um preço que nem precisaria ser tão alto, diga-se de passagem – para ir até a guilda e dizer que precisava falar com , a fim de lhe entregar diretamente a carta e garantir que ela não acabasse sendo jogada fora em fúria por outro antes que chegasse a suas mãos.
E assim fez, dizendo o que acontecia na carta e pedindo que ele lhe enviasse uma resposta para o endereço no remetente, não sem antes pedir desculpas no fim por tudo que havia acontecido. Fez isso no próprio domingo, escrevendo o pedido logo de manhã, depois de ouvir a pergunta de sua avó, e dali tomando uma carroça até Magnolia. Não foi difícil encontrar alguma menina que aceitasse o seu plano, explicando em seguida sucinta e claramente a ela o que devia ser feito, além de lhe prometer pagar uma quantia de 500 Jewels quando essa voltasse ao ponto que as duas haviam combinado.
Sem mais o que fazer, voltou a Hargeon depois de pagar a recompensa à garota e, logo no dia seguinte, recebeu a resposta em uma carta endereçada ao seu nome. A caligrafia de não era exatamente um primor, mas firme e suficiente para entender cada coisa que o rapaz falava ali. Naquela resposta que estava mais para um recado de tão curta que era, a primeira coisa escrita era que Makarov havia concordado em deixá-la ir lá para apanhar os seus pertences assim que recebesse o sinal positivo. Bom, pelo menos isso. Já a segunda e última coisa, apesar de realmente breve, foi o suficiente para fazer uma lágrima descer de seus olhos e borrar a última palavra.
Sentimos a sua falta.
Sem querer prolongar ainda mais o sofrimento que era aquele assunto, levantou-se assim que terminou de ler aquela carta e limpou os olhos, indo até o centro para pegar uma carroça e ir pela última vez a Magnolia. Chegando lá, andou até a guilda e acabou encontrando Mirajane por acaso em frente à entrada. De certa forma, ficou aliviada, pois seria a princípio mais fácil do que ter que bater à porta e chamar a atenção de todos. Conforme chegou mais perto, a maga de cabelos brancos a avistou e lhe acenou com a cabeça, parando o que fazia e lhe dando um pequeno sorriso – doce como sempre, mas ainda um tanto longe dos reconfortantes que ela costumava dar. Entrou rapidamente no bar e largou o pacote que segurava, voltando em poucos segundos e lhe fazendo um sinal para que a seguisse. Mira provavelmente estava avisada de que passaria por ali uma hora ou outra, de forma que assumiu naquela hora a tarefa de guiá-la pela Fairy Hills uma última vez.
Dentro do quarto, foi um tanto quanto desconfortável, mas não havia outro jeito. A porta foi aberta por Mirajane e entrou timidamente, consequentemente já sob os olhos de todos que estavam ali e tiveram a atenção chamada pelo destrancar da fechadura. A maioria a olhou por apenas um momento, o que incluía Gajeel, Laxus e Warren, enquanto que Freed não pôde evitar o olhar um tanto semicerrado que manteve sobre ela durante toda a sua permanência ali. Preferiu não olhar para eles, talvez por vergonha, talvez como uma forma estranha de respeito, então apenas pegou suas malas que estavam ao lado da cama que costumava ser a sua e juntou os livros que estavam fora da cesta. Conforme se ergueu com todas as coisas, encontrou Elfman sentado sobre a cama dele ao fundo, que ficou tão quieto que mal chamou a atenção dela quando entrou ali. Sorriu-lhe fraco, sem coragem de desviar sem um mínimo cumprimento depois de ter olhado para o seu rosto tão de repente, e recebeu o mesmo sorriso em troca, sabendo que, no fundo, ele lhe dizia adeus.
No fim, já pronta para ir embora, virou-se para a porta e encontrou , de braços cruzados, dorso exposto e contra a parede ao lado da porta na qual Mirajane ainda permanecia parada. Ele realmente não estava ali, no quarto, quando ela chegou, de forma que correu para lá assim que ouviu correr a notícia de que alguém tinha visto chegar à guilda. Querendo abrir um sorriso que fosse um pouco mais forte do que o que acabou dando a Elfman, porém em vão, a garota andou até a saída e parou quando chegou perto do rapaz, mantendo os seus olhos em que a observava em silêncio e com uma expressão meio vazia. Ali, forçou-se e conseguiu abrir o sorriso que queria: triste, já saudoso, mas no fundo grato por tudo. Em resposta, ele lhe abriu um sorrisinho de lado e deu sua mão que , sem muita demora, apertou.
Já fora do alojamento e sendo acompanhada de volta por Mirajane até a saída, a garota se atreveu a perguntar onde estava , que não estava no quarto com os outros. Mira acabou sorrindo um pouco amarelo, dizendo que ele não estava na guilda e havia saído logo cedo com Happy para fazer um trabalho em Oshibana. , por um lado, sentiu-se de certa forma aliviada ao ouvir aquilo. Reencontrar com ali seria inevitável, mas também dolorido demais. Porém, se ela soubesse que aquela vez no bar, no sábado, depois do almoço e antes de voltar para a sua casa, teria sido a última que veria o sorriso dele, teria com certeza olhado com um pouco mais de atenção.
Depois daquele dia, não voltou mais a Magnolia. Permaneceu em Hargeon com sua avó e passou a viver ali. Já havia até checado algumas guildas de lá, a pedido de sua vó que queria que ela seguisse em frente, e aceita em umas após simples entrevistas, porém, naquele momento, a garota não queria pensar naquilo. Não estava exatamente pronta para deixar aquela história toda para trás e continuar com o que importava, que era o seu futuro como Maga Celestial.
Isto é, até o dia em que sua avó a arrastou para fazer compras e cismou que não podia ser nas feirinhas da orla de Hargeon, mas em Magnolia.
– Você precisava voltar aqui, – a senhora disse, sem desviar os olhos do caminho que fazia, e a garota a olhou de soslaio, também sem parar de andar. – Não precisa ser nenhum gênio para notar que há mais de você aqui do que em Hargeon – odiando ter que concordar, apenas suspirou, voltando os olhos para a frente e as diversas pessoas que passavam para lá e para cá num movimento quase que anormal para aquela cidade.
– E o que eu devo fazer, então? – a menina perguntou de cabeça baixa, com os olhos na cesta vazia que seria supostamente preenchida com as compras, e demorou um pouco para notar a ausência do vulto que a acompanhava até então. Parou e olhou para trás, vendo a sua avó parada a quase um metro de si e com uma expressão de pena no rosto.
– Dizer adeus.
Naquele momento, apenas respirou fundo, sentindo o ar gelado inflar os seus pulmões e ir até o fim de si. Sem muita demora, logo desviou os olhos de sua avó e se voltou para a sua posição anterior, sem continuar a andar, mas com a cabeça mais baixa do que antes. Sentiu então a senhora ir até o seu lado e tocar o seu braço, o que inevitavelmente trouxe lágrimas aos seus olhos.
, você sabe que eu sempre sou a primeira a incentivá-la em algo... – a mulher começou a dizer, porém a menina não conseguiu deter os pingos que desciam silenciosamente por seu rosto, de nariz ardendo e olhos fechados. – Mas também tenho que ser a pessoa a lhe avisar quando você está indo pelo caminho errado – ela disse, subindo a mão para o ombro da neta e a observando permanecer na mesma posição. – Eu sei que era o seu sonho, porém ficar remoendo essa dor não vai levar a nada! A vida continua, com ou sem Magnolia... Com ou sem a Fairy Tail – conforme foi ouvindo, começou a reabrir os seus olhos, sentindo aos poucos que a maior parte das suas lágrimas já havia escorrido. – E acho que, naquele sábado ou quando veio buscar suas coisas, você não conseguiu realmente se desfazer de tudo isso... – e já sentindo que, de fato, o choro se extinguira, a garota ergueu a cabeça, encontrando o rosto de sua avó. – Então guarde com você os bons momentos daquela semana e... Diga adeus – Amelia falou e saiu da frente de , esperando que ela entendesse o que devia ser feito.
E ela não só entendeu como, no fundo, odiou admitir que a mulher estava certa.
Desde que fora embora, tudo parecia errado, por mais que já tivesse revisto cada segundo daquele dia fatídico e comprovado mais de uma vez que, de fato, não havia algum caminho de volta que se perdera no meio da confusão. Sua vida não estava em Hargeon, como sua avó havia dito há pouco. vivia como que esperando por um dia que chegaria e finalmente traria o seu motivo para voltar a Magnolia, mas que na verdade não existia. Era inevitável. Tudo que ela queria era abrir os olhos e dar de cara com a cena de e se estapeando, Elfman tentando levantar a cama na qual Gajeel ainda roncava e Freed polindo os sapatos de Laxus. Queria sair de lá e encontrar todos no bar lhe sorrindo, sem mágoa, sem raiva. Encontrar uma Erza que ainda acreditava nela com a mesma ferocidade com que defendia a própria guilda. Reencontrar aquele sorriso tão inocente de .
Porém, como já havia provado com um gosto amargo, sua avó estava certa. Ela precisava ir embora. Precisa se desfazer do que a mantinha presa antes que tudo que guardava de bom de lá se voltasse em memórias tristes. Talvez um dia o perdão viesse, talvez não... Mas, de uma forma ou de outra, a última coisa que queria era arruinar o que sobrou em suas mãos.
Então, respirando fundo e erguendo sua cabeça, andou alguns passos, indo em direção ao ponto onde sabia muito bem que o rio de tantas vezes começava a correr. Seguiu até lá e fechou suavemente os olhos, preparando-se para olhar por uma última vez, pelo menos até que conseguisse voltar lá sem se sentir caindo aos pedaços, a imagem da cidade, das suas ruas largas de pedras e, principalmente, do prédio da Fairy Tail, quando os reabriu e então viu.
Caos.
A cidade de Magnolia estava totalmente engolida pelo caos.
arregalou os seus olhos e deixou a cesta cair de suas mãos, sentindo o coração acelerar. As pessoas corriam desesperadamente de um lado para o outro, gritando por nomes, por socorro, e a maioria das casas estavam em parte destruídas ou pegando fogo. Sem poder evitar, começou a andar mais para dentro da cidade, continuando com os dois olhos arregalados e sem conseguir acreditar em todo aquele horror. O que era aquilo? O que havia acontecido em Magnolia?!
E então ela conseguiu ver ao longe, além de toda a confusão e das fumaças subindo aos céus, o edifício da Fairy Tail começando a cair aos pedaços e esburacado, além do emblema no estandarte comido até a metade pelo fogo.
Congelou em seu lugar, sentindo-se arrepiar até os ossos, quando sua avó apareceu ao lado, confusa com as reações de . Quando chegou lá, a senhora arregalou os seus olhos e levou as duas mãos à boca.
– Meu Deus! – a senhora disse com a voz presa e expressão de assombro, paralisando ao lado da neta assim que viu o que acontecia mais ao centro da cidade. , no entanto, não ficou naquela posição por muito mais tempo, pondo-se a correr em direção a toda a destruição logo em seguida. – !
Sua avó tentou pará-la, mas a menina não deu ouvidos aos seus gritos, mantendo sua corrida por entre as pessoas que tentavam escapar, enquanto o vento batia e derrubava o capuz que antes cobria a sua cabeça. Por mais que a cidade estivesse totalmente tomada pelo perigo àquela hora, alguma coisa em a fez não querer dar as costas e fugir. Algo a fez se recusar a fechar os olhos e ouvidos para todas aquelas pessoas que precisavam de ajuda, mesmo que pouca, mesmo de alguém não tão forte como ela, durante um ataque cruel como aquele. Com certeza já havia gente de várias guildas, o que sem dúvidas devia envolver a Fairy Tail, às voltas pela cidade ajudando quem estivesse preso ou com problemas, mas a garota não ligava. Não ia conseguir dormir nunca mais se fosse embora naquele momento.
Quando chegou à parte mais baixa da cidade, já com o rio cheio de restos de destruição correndo ao seu lado e no meio daqueles que ainda não haviam conseguido escapar, a garota olhou para os lados. De repente, lembrou-se de sua avó que no fim acabou a deixando ir e se virou para trás, vendo-a ainda de pé ao longe, com as mãos sobre o peito e uma expressão de assombro no rosto.
– Vó, vá buscar ajuda! – gritou e viu dali que a senhora havia ouvido. – A gente precisa apagar esse incêndio! – assim que disse aquilo, viu sua avó acenar com a cabeça e dar a volta em seguida, correndo para fora de Magnolia e na direção de qualquer cidadezinha vizinha que pudesse aparecer na sua frente. Depois daquilo, suspirou, observando-a ir embora. Por mais que precisassem daquela ajuda, de toda possível na verdade, o que realmente precisava era tirar a sua avó dali. Não podia deixá-la no meio daquele perigo todo.
Certa então de que ela já estava longe o suficiente, voltou a correr pela cidade, tentando primeiro encontrar qualquer pessoa que soubesse o que havia acontecido ou pelo menos quem estava por trás daquele ataque. No entanto, toda pergunta que fazia sempre acabava respondida com gritos de desespero ou lamúrias de “não sei” ditas em voz fraca. Ninguém parecia saber o que havia acontecido ou ao menos ter visto quando os incêndios começaram e a primeira casa foi destroçada. Quase como se tivesse, ironicamente, sido por mágica.
Desta forma, resolveu ignorar a identidade de quem quer que tenha causado aquilo, ou pelo menos passar isso para o segundo plano, e agir rápido. Havia pessoas em sérios apuros e a última coisa que essas deviam ter era tempo. A garota então correu por quase a cidade toda, tirando pessoas que acabaram soterradas por escombros, presas em lugares que estavam em chamas ou que estavam feridas demais para conseguirem correr sozinhas ao hospital. Conseguiu socorrer mais pessoas do que pôde contar, mas, ao contrário do que esperava, não sentiu o alívio aumentar em si. Conforme percorreu quase a cidade toda, que nem era tão grande assim, ela percebeu algo de estranho... Onde estavam os magos da Fairy Tail? Era praticamente impossível que em momento algum, depois de rodar quase todos os cantos de Magnolia, ela não tenha cruzado com pelo alguém que conhecesse só de vista lá. E eles não deixariam todos aqueles cidadãos no caos, a menos que por algum motivo extremamente sério. Não era do feitio deles. Isso teve tempo de aprender. A menos que...
De repente, se lembrou do estado da guilda.
A menos que eles estivessem em lençóis piores do que todo mundo ali.
Sem conseguir evitar, se sentiu gelar por inteiro, parando de correr no mesmo instante e quase tropeçando. Será que o estrago havia sido pior do que ela pôde ver ali? Sentiu o frio cobrir quase que os seus braços inteiros, enquanto continuava olhando sem foco para frente.
Ou será que já era tarde demais?
Sentindo-se desesperar, pôs-se a correr de novo, dessa vez com um foco novo, além do que já vinha pondo em prática desde o início. O mais lógico era obviamente ir até a guilda e ver o que sobrara além das suas paredes destruídas e comidas pelo fogo, mas a garota não conseguiu nem pensar nessa possibilidade. Eles eram muito bem treinados. Não podiam estar lá. Tinham que ter escapado.
Não podiam estar todos lá, exceto que jogados ao chão.
Sentiu náuseas só de pensar na possibilidade e engoliu o choro que lhe subiu, passando a correr mais depressa ainda. Rodou a maior parte da cidade outra vez, resgatou mais pessoas que estavam presas em algum incêndio, o sol já queria começar a se pôr, mas não havia sinal de ninguém. Absolutamente ninguém da Fairy Tail.
Já estava começando a perder as esperanças, além da cabeça, quando olhou em volta e viu o fogo ainda mais alto do que antes. A busca, tanto por magos quanto por pessoas, já estava difícil o suficiente e não havia a menor forma de continuar com aquelas chamas que começavam a lamber as mais altas construções desde o chão. Levou uma das mãos trêmulas até dentro da capa, a fim de alcançar a chave de Aquarius e chamá-la no rio mesmo para acabar com aquele inferno, mas não teve tempo para isso. De repente, ouviu o barulho de madeira se rompendo e olhou para o lado, vendo a grande loja de poções prestes a ceder aos estragos do fogo e desabar, enquanto que duas meninas desavisadas se abrigavam juntas perto daquela mesma porta.
Sem esperar mais para ver se aquilo ia cair ou não, desistiu de invocar Aquarius e correu para o encontro delas, gritando para as duas se abaixarem e as puxando para o beco ao lado, ao que o lugar começava imediatamente a ir ao chão assim que as três caíram nele. se pôs de joelhos e sentiu as duas meninas correrem para se protegerem nela, pois, assim que olhou para o outro sentido, viu a casa do outro lado do beco também se partindo ao meio e desabando por completo. Fechou os olhos com força, apertando as duas meninas contra si e por debaixo da capa, e, quando os abriu, tudo que conseguiu ver foi a poeira levantada com todo o movimento e as faíscas que começavam a voar junto com o vento. Ia já se levantar e correr com aquelas duas crianças para o mais longe possível, quando percebeu o que na verdade estava acontecendo.
Nenhuma casa ou construção de Magnolia estava aguentando mais. Assim que aquela névoa baixou, pelo menos o suficiente para que o resto pudesse ser observado, viu as casas caindo e se deteriorando uma a uma, levando o fogo aonde ele não conseguia chegar e aniquilando o que quer que tivesse sobrado por ali. Então dali, observando toda aquela destruição de joelhos e quase sendo soterrada pelos escombros que escapavam e iam para o início do beco, sentiu a primeira lágrima do choro que havia engolido descer. Não havia mais escapatória.
O que não estava morto agora estava.
– MIRA! – antes que pudesse se controlar, ela se viu gritando por nomes, na esperança de alguém estivesse por aí e a ouvisse por algum milagre. – CANA! WENDY...! – porém, ninguém vinha ao seu encontro. – ! – ninguém parecia surgir por meio de toda a ruína. – Erza! Juvia...! – sentiu o resto das lágrimas chegar e começar a rolar pelo seu rosto, enquanto que sua voz morria sufocada a cada nome chamado e que não era respondido. – ... – e, quando chegou a esse, sentiu-se desmoronar dentro de si e fechou os seus olhos com força, começando imediatamente a berrar a plenos pulmões. – !
E, no momento em que gritou pelo último nome, sentiu alguma coisa atravessar a cortina grossa de fumaça e agarrá-la pela capa. Abriu os seus olhos no mesmo instante, a despeito de toda fuligem voando em torno, e logo se sentiu ser fortemente puxada para fora daquele lugar, agarrando as crianças contra si e sentindo o coração pular dentro de seu peito.
Quando sentiu o ar fresco passar pela sua garganta novamente, começou a tossir sem que pudesse evitar, fechando os olhos e caindo ao chão. Foi quando notou que as duas meninas não estavam mais de baixo de seus braços, o que a fez erguer o tronco num choque, passando a olhar para todas as direções até que finalmente as avistasse sendo carregadas por dois rapazes de calças sociais e blazers pretos – um moreno e um de cabelo loiro escuro. Sentiu-se aliviar um pouco, ao menos por saber que, se elas não estavam seguras, deviam estar sendo levadas ao hospital, e viu então pelo canto dos olhos que uma mão lhe era oferecida. Ainda de joelhos e mãos no chão, ela expirou tremido, virando-se para o lado e vendo um daqueles três caras que haviam as socorrido.
Aquela pele branca como a neve e os cabelos cor de mel.
– EVE! – ela gritou assim que o nome veio à sua cabeça, agarrando a mão dele e se pondo o mais rápido que pôde de pé. O garoto a encarou com uma sobrancelha erguida, segurando a mão por um tempo a mais antes de conseguir responder.
– Ah... , certo? – ele perguntou, fazendo a menina piscar algumas vezes os olhos em surpresa, senão confusão. Por mais que tivesse gritado o nome dele em alto e bom tom, mais numa reação instintiva por ter finalmente encontrado alguém conhecido por ali, não esperava que ele soubesse o seu. Não esperava que soubesse que ela existia, para falar a verdade. O primeiro e único dia em que a garota o viu não incluiu uma interação entre os dois. – Você está bem? Está ferida? – sem conseguir raciocinar direito ainda, não largou a mão dele.
– Você... Você sabe quem eu sou?! – foi a primeira coisa que saltou de sua boca, por mais que tivesse sido sem querer. Depois, percebeu que não respondera o que mais importava naquela hora, gaguejando um pouco antes de conseguir dizer as palavras. – S-sim, estou... Não se preocupe – ela disse e o viu relaxar um pouco a expressão, provavelmente eliminando aquela preocupação das outras várias que já devia estar carregando. se preparou para continuar a falar, para começar a fazer as dezenas de perguntas que pairavam em sua cabeça, mas, mais uma vez para sua surpresa, Eve não deixou a sua primeira pergunta sem resposta.
– Sim, sei. A Levy... Contou sobre você – o garoto disse em uma posição obviamente desconfortável, suavemente soltando da mão de e olhando para o rosto ainda um tanto confuso dela. – Mas você precisa sair daqui o quão antes possível. A cidade foi atacada e não sabemos se os invasores vão voltar. Pegue um trem rápido! Não sei por quanto mais tempo as estações vão funcionar! – assim que disse aquilo, Eve se virou e começou a correr na outra direção, afastando-se rapidamente da garota e dando o assunto como encerrado.
, por outro lado, não pensava assim.
– Eve, espere! – a menina gritou e saiu em disparada atrás dele, vendo-o se virar com o cenho franzido assim que ela o alcançou. – O que foi que aconteceu aqui? O que aconteceu de verdade?! – perguntou de uma vez e em palavras tropeçadas, certa de que aquilo, aquele tipo de destruição, não podia ser obra de saqueador algum. Alguma coisa estava errada ou pelo menos extremamente fora do lugar. Porém, ao contrário do que esperava, apenas viu o rapaz lhe erguer uma sobrancelha.
– Você faz perguntas demais para uma mera Maga Celestial – Eve disse com um tom um tanto ácido na voz, com parte do corpo virada para trás, enquanto encarava os olhos de que imediatamente se arregalaram com aquela resposta. – Devia realmente ir embora enquanto tem tempo – o garoto adicionou e deu as costas mais uma vez, indo embora, contudo a garota não ia desistir tão fácil.
Vendo-o deixá-la sem respostas decentes mais uma vez, ela se adiantou e o agarrou pelo cotovelo, fazendo-o se virar uma com uma expressão bem incomodada no rosto dessa vez.
– E onde estão todos? A Fairy Tail. Eles... Eles não estão aqui! – questionou em um tom levemente desesperado, querendo deixar claro para ele como aquilo era importante, mas Eve apenas puxou seu braço secamente, erguendo ainda mais a sobrancelha de antes.
– E o que a faz achar que eu deveria lhe dizer? – ele cuspiu as palavras e arregalou outra vez os seus olhos, surpresa com a frieza dele, enquanto puxava para si a mão que antes o impedira de ir embora. – Até onde eu saiba, você nem sequer é confiável – quando Eve completou a última parte, já estava até de costas para a menina, andando de novo para o seu destino no meio daquela Magnolia destruída.
, por um momento, pensou em ir alcançá-lo de novo e implorar por qualquer informação ou notícia que fosse, mas não conseguiu. Depois que ouviu aquilo, acabou ficando paralisada em seu lugar, mordendo o lábio de baixo e sentindo as articulações que começavam a trincar com a força que ela passava a fechar o seu punho. Àquela altura, não ligava mais para o que qualquer outra pessoa ali pensasse dela ou do seu erro. Não ligava para a ofensa que Eve lhe jogara há pouco ou para o fato de que ele a olhara com certo nojo no momento em que ela começou a fazer as perguntas. Contudo, depois de tudo que sentiu ao rodar aquela cidade praticamente já reduzida a cinzas, de se lembrar das ruínas da guilda e de começar a quase aceitar o pior, ela não ia admitir.
Não ia admitir que lhe negassem a dizer o que havia sido feito daqueles que, para ela, ainda eram seus amigos.
Sem pensar duas vezes, sacou o chicote de dentro da capa e, mais em um ato de fúria do que de estratégia, o rebateu na direção de Eve, enrolando-o em torno de um de seus pulsos e o puxando bruscamente para si assim que ele percebeu o que acontecia. Pegando na sua gola, atou as duas mãos dele, tanto a que já estava meio presa quanto a que ainda tinha livre, com o que havia da extensão do chicote e o empurrou para a margem do rio. O garoto arregalou os seus olhos ao máximo, observando a expressão de fúria no rosto de e logo descendo as pupilas para baixo, ao que percebia os seus pés já praticamente fora do chão e toda a sua chance de cair ou não ao rio inteiramente nas mãos dela, literalmente falando.
– Escute aqui – a menina disse por entre os dentes, puxando o chicote com força e trazendo a atenção de Eve para cima de novo. – Posso ter sido reprovada, expulsa, chutada ou o que quer que você prefira chamar, mas eu passei tempo suficiente lá para aprender a fazer as coisas à maneira da Fairy Tail – apertou os dedos em torno da gola da camisa branca e trouxe o rosto dele para mais perto do seu, cerrando os seus olhos e puxando o chicote com mais força. – Então você vai me dizer o que aconteceu com eles e vai me dizer agora, ou juro que vou fazê-lo se arrepender pelo resto da sua vida – naquele momento, estava falando mais do que sério. Não lhe importava que na verdade nem fosse boa de briga e estivesse provocando o cara que podia soterrá-la na neve com um piscar de olhos. Naquela hora, com o fogo que sentia queimar dentro de si, tinha a certeza de que, se não pudesse ganhar, ia pelo menos fazer um belo estrago naquele rostinho angelical dele.
Porém, a despeito de todas as ameaças que fazia e da força com que apertava os pulsos dele, no meio daquela cena toda, a única coisa que viu Eve fazer foi abrir um sorriso um tanto quanto sarcástico.
– Ei, ... – ele disse suavemente, por mais que no fundo de sua voz queimasse a mesma acidez daquele sorriso que, com o passar das palavras, só aumentou aos poucos. – Você já ouviu falar de Zeref?
Ao ouvir aquilo, aquele nome, não conseguiu evitar que perdesse pelo menos boa parte da pose autoritária que mantinha sobre ele, arregalando os seus olhos e perdendo o ar, ao que inevitavelmente desfazia o aperto que punha na gola dele.
Qualquer pessoa que se dissesse um mago de verdade devia, ao menos uma vez na vida, ter ouvido falar no nome de Zeref.
Zeref era um mago, senão algo perto de uma maldição. Nascido antes de quase todos os séculos, pelo menos daqueles que puderam ser contados pela humanidade, ele foi o primeiro a trilhar os caminhos das trevas. O primeiro a se deixar consumir pelo outro lado. A verdade é que não havia muitos registros seus. Descrições, origem, sobrenome... Nada disso se sabia. Apenas a certeza de sua existência e o seu temido nome, além da grande lista de obras suas deixadas para trás, que iam desde cidades destruídas e tomadas até a criação e o avivar dos mais distorcidos demônios. Não se sabia ao certo também qual era a maestria de Zeref. Alguns diziam que ele era o senhor de todas as magias, de algum jeito ou perante alguma troca que ninguém sabe qual foi, enquanto que outros falavam que sua magia era, na verdade, podre demais para ser entendida por qualquer humano ou mago comum. Mortal demais para qualquer coisa que ficasse à sua volta.
O grande problema era que, como já bem sabido, Zeref havia vivido anos e anos atrás, de forma que o seu terror só pôde ser trazido à vida de hoje por meio das guildas das trevas. Isso era o que elas faziam, para falar a verdade. O que Deus era para os crentes, Zeref era para esses magos. O seu líder, o verdadeiro senhor de tudo. Aquele que traria a destruição e o aniquilamento de tudo que lhe fosse contrário, da menor luz que restasse sobre a Terra. E, no meio de todo esse fanatismo, começou há sete anos o boato que se tornou o maior temor de qualquer um que lidasse com magia.
O de que Zeref, na verdade, nunca tinha morrido.
nunca foi de acreditar muito nesta teoria, principalmente porque sua mãe, quando ainda era viva, lhe dizia sempre que era bobagem, que não havia como Zeref ter sobrevivido a séculos de existência nem magia que lhe desse esse poder. Mas ali, vendo o sorriso transviado no rosto de Eve e o peso que estava no fundo dos seus olhos, ela soube.
– Ele está vivo, não está?
Ela soube que era verdade.
– Mais vivo e ativo do que nunca – Eve completou e , sem pensar direito, acabou imediatamente o soltando, permitindo que o garoto colocasse seus pés no chão de novo. A garota ficou com a boca aberta, os olhos ainda arregalados e a expressão completamente embasbacada. Não podia ser verdade. – e os outros não estão aqui porque, agora mesmo, estão lutando cara a cara com ele – se fosse verdade, não havia saída. – Pelo jeito, o desgraçado veio comprar a briga pessoalmente.
Se fosse verdade, era o fim.
Depois de ouvir aquilo, a menina deu um passo para trás, ainda encarando o jovem rapaz com a expressão mais aterrorizada que provavelmente já havia dado na vida. Eve, ciente do que havia dito, sabia que agora precisava contar pelo menos até o fim da história.
– Só que não podíamos deixar algo dessa magnitude acontecer aqui no meio de todos. Já basta a bagunça que Zeref fez para chegar até a guilda... – saindo da margem do rio, o garoto deu um passo em direção à menina. – Então a Fairy Tail e a Lamia Scale o atraíram para um lugar deserto e nós, da Blue Pegasus, ficamos para evacuar a cidade – completou. – Mas, depois que você for embora e Ren e Hibiki tirarem aquelas garotas daqui, Magnolia estará finalmente sem ninguém e poderemos ir para a batalha também – quando terminou de explicar o suficiente para que a garota parasse de encher o seu saco, Eve suspirou, cansado só de se lembrar de como foi a chegada de Zeref. Ia então abrir a boca e pedir, mais uma vez, que partisse logo, porém foi interrompido antes que pudesse.
– Onde é a batalha? – ela perguntou depressa e o menino se chocou por um momento.
– ...Você está de brincadeira? – Eve franziu o cenho nervoso e subiu o tom de sua voz. – Não pode estar realmente pensando em ir lá, está?! – chacoalhando as mãos e se livrando das voltas do chicote que as envolvia, e por sinal a garota nem percebia que ainda estava em seus dedos, ele se aproximou da figura ainda um tanto chocada dela. – , isso aqui não é uma batalha de heróis como as que deve ter lido em algum livro... É uma guerra. Já presenciou alguma coisa assim, por acaso? – Eve questionou, mas não respondeu, limitando-se a encará-lo com os olhos ainda assustados e a boca entreaberta. – É algo que vai desejar nunca ter visto na sua vida. Além do mais, Zeref deve ter já mais de três mil covas à sua espera... E tenho certeza de que não erro quando lhe digo que pelo menos metade delas foram cavadas por gente da Fairy Tail – já perto demais, quase colado ao rosto dela e com fúria em seus olhos, ele continuou. – A briga ali é mais feia do que você pensa e o buraco é mais embaixo do que imagina. Por isso, , eu lhe digo não como alguém que não a queira lá, mas que não quer você se machuque... – Eve então começou a se afastar, tirando primeiro o rosto de tão perto e depois dando um passo para o lado. – Nenhum dos dois lados vai parar até que algum esteja completamente destruído. Fique de fora.
Com aquelas palavras então, Eve se retirou, tirando os olhos da figura estática de e voltando a andar para onde estava tentando desde o início.
Naquela vez, a garota o deixou ir, vendo-o se afastar aos poucos, enquanto sabia que não havia muito mais que pudesse fazer. O rapaz não ia lhe contar jamais a localização da luta e ela até entendia os seus motivos. No seu lugar, não sabia se entregaria aquela informação a alguém tão desavisado como ela também. No entanto, já estava decidida.
Ela iria à guerra também.
Em silêncio, começou a seguir o garoto escondida pelos escombros, a fim de descobrir se o seu destino lhe revelaria algo. Se era suicídio? Talvez. Não podia mentir que aquela era uma chance mais do que provável. Porém, ela sabia que precisava fazer aquilo. Não podia abandoná-los. Podia ter sido expulsa e enxotada da guilda, mas o que guardava de cada um ali não mudara por causa daquilo. Eram seus amigos, companheiros, os primeiros em que finalmente conseguiu encontrar um lar depois de todos aqueles anos trancada com raiva. Os primeiros que a fizeram ter a certeza de pertencer a um. Não havia mais nada para voltar, por mais que sua avó tentasse convencê-la do contrário, então, se ela não havia sido leal tal como Erza lhe apontara, aquela era a hora.
A hora de queimar o seu estigma e ela própria, se fosse necessário.
Seguiu Eve até que o viu finalmente se encontrar com outras pessoas provavelmente da guilda, que eram um senhor de meia-idade ruivo e baixinho, trajando um terno branco como a lua que já começava a despontar no céu, e um homem gordinho com bastante maquiagem no rosto. Então, não precisou de muito tempo até que visse uma máquina em tons de marrom e azul celeste, que era um dos aparatos desenvolvidos por Eve, se aproximando deles em toda a sua imponência. Era Christina, a grande nave de bombardeio. já havia ouvido falar dela antes mesmo de conhecer Eve ou saber de seu conhecimento tecnológico. Só nunca pensou que ia vê-la com seus próprios olhos.
Perdeu algum tempo vislumbrando a maquinaria, mas, sem mais delongas, logo viu uma porta se abrindo para aqueles três e os recebendo em seguida, abrigando-os no interior da nave. levou um dedo à boca. Precisava dar um jeito de invadir Christina e se esconder em algum lugar dentro dela. Eles iriam com certeza até o lugar da guerra. Eve lhe dissera isso.
Foi quando ouviu um grande barulho e viu que havia outra porta aberta nos fundos da nave, na qual alguns caras enfiavam munição, lacrimas e poções guardadas em caixas. Contudo, aparentemente alguma coisa estava faltando. Os dois começaram a discutir um pouco e então um deles se pôs a andar para a carroça que estava a alguns metros de distância, sendo logo seguido pelo outro que não estava com uma expressão muito contente. Era a sua chance.
Sem esperar e rezando para que nenhum deles olhasse para trás, correu a toda para os fundos da nave e se enfiou no meio de todas as caixas lá dentro, encolhendo-se por trás de uma pilha mais ao fundo e contra a parede de metal gelado. Começou a respirar em um ritmo bem mais lento, com medo de que alguém notasse algo de errado ou a escutasse, mas sentiu uma briga entre o alívio e o medo em si quando ouviu a porta bater e viu tudo ficar de um escuro denso. Abraçou os próprios joelhos ao ouvir o motor roncar e perceber que a nave subia, começando a sentir mais medo, mas se forçou a respirar fundo. Ela precisava ir. Precisava lutar por eles.
Precisava lutar por .

Nem sabia mais o que estava encarando, já que tudo se resumia à escuridão. Ela ficou ali a viagem toda, encolhida atrás das caixas empilhadas, com os olhos presos em um ponto imaginário à sua frente e a cabeça longe, quando sentiu de repente um grande tremor repercutir pela nave. tirou as mãos dos joelhos e as apoiou nas paredes atrás de si, arregalando os seus olhos que ainda nada viam e sentindo em seguida o pouso de Christina no chão, além da tremedeira de sua corrida até que conseguissem frear.
Piscou algumas vezes os olhos e percebeu que tinham finalmente parado, escorregando as mãos pelas paredes e as deixando cair aos espaços de chão ao seu redor. Pensou em se levantar, mas no mesmo instante ouviu a porta se erguer e viu os raios de luz fracos que invadiram o lugar. Finalmente podendo enxergar, viu de novo a pilha à sua frente que a cobria e os mesmos dois homens de antes começando a descarregar algumas das caixas ao fundo. Pôs-se sobre seus pés, mas agachada, e começou a atravessar o lugar contra a parede à sua direita, em silêncio e por trás de quantos caixotes pudesse para permanecer escondida. Quando já estava perto o suficiente da abertura, agachou-se mais ainda e esperou que os dois se distraíssem, que foi o momento em que pulou para fora dali e saiu correndo o mais rápido que pôde na direção oposta.
Já a alguns bons metros longe de Christina e da Blue Pegasus, parou de correr e se curvou, colocando as mãos no joelho e ofegando um pouco. Era já noite, mas tinha finalmente chegado ao local da batalha. Tudo que precisava agora era encontrar onde exatamente. Contudo, não foi necessário um esforço tão grande, dado que, assim que reergueu o seu tronco e olhou para frente, pôde ver ao longe, bem perante os seus olhos e abaixo dos morros em que estava, o confronto sendo travado.
No momento em que viu aquilo, sentiu as faces perderem a cor e a garganta secar. Eve estava certo. Aquilo não era uma batalha.
Era uma guerra.
se ajoelhou sobre a terra, mesmo que sem muito controle do resto do corpo, e tentou observar melhor. O lugar, como já tinha dado para perceber no próprio ponto em que ela desceu de Christina e agora estava, era um grande deserto de terra avermelhada, quase sem árvores, arbustos, plantas e muito menos areia. Tudo que havia era a própria luta sendo travada, abaixo dos morros e em uma parte mais plana sua. De seu lugar ao alto, pôde ver quase todos, o que lhe foi de imediato um alívio, mas que se voltou em uma dor assim que começou a enxergar o que acontecia de verdade.
Assim como Eve lhe avisara, ela viu coisas que gostaria de nunca ter visto. Viu magos feridos, sangrando e sem conseguir se mover por todo o chão, enquanto alguns deles eram desesperadamente protegidos por aqueles que ainda conseguiam ficar de pé e tentavam lutar por sua própria vida também. Entre esses, encontrou Cana, inconsciente e cheia de manchas vermelhas e roxas pelo seu corpo. Naquele mesmo momento, sentiu as lágrimas começarem a descer de seus olhos. Ela estava deitada ao lado de outros magos feridos, que na verdade estavam em um estado até pior que o seu. Dentre eles, viu o homem do topete e a garota de cabelos lilás e óculos de aro, além de magos que provavelmente deviam ser da Lamia Scale. Todos eram guardados por uma senhora de capa vermelha e cabelos rosa claro, que parecia tentar a todo custo manter o feitiço que fazia e espalhava pelo corpo deles, de olhos fechados e concentrada, a despeito das explosões que colidiam violentamente com a cúpula mágica que os envolvia.
O círculo era guardado por Freed, já com os cabelos completamente soltos e o sobretudo rasgado, que estava dentro dele e com suas mãos agarradas ao chão. Ele implantava runas brilhantes e roxas por todo o perímetro, fazendo com que a bolha de proteção se erguesse e cobrisse todos ali dentro, o que incluía os feridos, a mulher da capa, Levy e Eve, que faziam cálculos de coordenadas juntos, e Warren, que estava sentado e servia de contato com todos aqueles que estivessem fora do círculo mágico. Porém, Freed estava tendo cada vez mais dificuldades em se manter firme em seu lugar, dada a quantidade de ataques que estavam recebendo e a magnitude deles.
Pelo visto, Zeref não havia vindo comprar briga sozinho. Além do círculo ao fundo que cuidava dos feridos e dos que faziam os cálculos, podia ver os exércitos de magos correndo na direção de criaturas disformes, negras, de olhos amarelos brilhantes e mãos de garras longas e afiadas. Não fazia ideia do que era aquilo, mas sentiu arrepios assim que as viu. E logo se sentiu arrepiar com as outras coisas que, assim como Eve igualmente previra, ela também gostaria de não ter visto.
Dali, ela pôde ver Wendy, com as roupas já em completos farrapos e uma expressão no rosto que não deixava mais dúvidas de que ela era, de fato, uma Matadora de Dragões. Ao seu lado, estava Gajeel, também longe do seu melhor estado, cheio de arranhões da cabeça aos pés e com os olhos de um assassino. Os dois lutavam juntos e combinavam rugidos, despedaçavam diversas daquelas criaturas estranhas, mas parecia que, por mais tentassem, nunca era suficiente. Sempre havia mais, nascendo, se dividindo e às vezes se juntando dos pedaços caídos ao chão. E eles deixavam transparecer o desespero nas suas expressões, nas suas faces que cada vez se tornavam mais furiosas e animalescas. Viu também Mirajane, transformada na Alma de Satã e com sangue até acima dos cotovelos, arrancando com as próprias mãos as cabeças de dois soldados de Zeref ao mesmo tempo, ao que chutava um dos corpos para longe e deixava o outro cair decapitado, além de Elfman na forma da Besta, ao lado da irmã, e esmagando outros deles contra a terra.
E não foi apenas aquilo. Viu Laxus já iluminando a escuridão da noite com tantos raios que soltava e emanava na sua raiva, Makarov transformado em um gigante duas vezes maior que aquele que a recebeu no primeiro dia na Fairy Tail e dezenas de outras pessoas desgovernadas. E eles, os próprios magos por quem veio lutar, eram o que estava lhe dando mais medo. Por mais que soubesse que aquelas eram cenas que, uma hora ou outra, veria se tivesse se tornado maga da guilda, havia algo ali que ia além do limite. Eram estados que gostaria que nunca tivessem sido atingidos, de pessoas que ela jamais conseguiria imaginar metidas e atuantes em uma chacina como aquela.
Talvez fosse aquilo o que Eve quisesse realmente dizer. Na hora que ouviu o aviso dele, achou que o garoto se referia aos amigos que veria feridos, talvez até mortos, mas não. Não era apenas aquilo.
Era o fato de que, em uma guerra, o lado mais feio de uma pessoa finalmente tomava vida.
Principalmente em uma guerra como aquela.
Balançando a cabeça e tentando tirar aquelas cenas da cabeça, principalmente a de Cana coberta de feridas e Wendy prestes a virar uma fera desgovernada, percebeu pela primeira vez: os magos, que partiam da direção em que ela e o círculo de proteção estavam, tentavam na verdade passar por cima do exército desfigurado de Zeref para finalmente chegar ao que esses pareciam tentar defender, que era uma torre velha e já meio carcomida, apesar de extremamente alta. Aquela coisa devia ter uns duzentos metros de altura, feita de tijolos e pedras cor de ocre desbotado. Além disso, teve outra coisa que também notou. Ela viu dois Matadores de Dragões lutando e se debatendo ali, mas sabia muito bem que a Fairy Tail tinha três.
Onde estava ?
Contudo, antes que pudesse parar para pensar melhor nas duas questões, da torre e do sumiço de , a garota pensou ter ouvido uma voz conhecida. Imediatamente, virou-se para o outro lado e viu Erza, vestida em uma armadura negra e pesada, lidando com quatro criaturas ao mesmo tempo em uma parte mais afastada do campo de batalha. O seu controle sobre eles, a princípio, parecia impecável, mas quem olhasse em seu rosto veria que aqueles já não eram os primeiros que ela enfrentava naquela guerra. Erza estava cansada e podia ver isso. Podia perceber pelos olhos dela, pela sua postura ficando encurvada e os seus joelhos que começavam a bambear. Diante daquilo, a menina resolveu então agir e parar de ficar apenas assistindo à matança.
Esgueirou-se para a beirada do morro e tentou descê-lo em silêncio, pegando nas pedras e raízes encrustadas, mas esses não estavam tão firmes quanto imaginava, de forma que logo escorregou e desceu a parede íngreme de terra rolando. Já lá embaixo, reabriu os olhos e viu a figura de Erza, que ainda não havia notado a sua presença, mais próxima e com apenas três criaturas agora. então se pôs de pé, arrancando a capa que mais a atrapalhou do que protegeu naquele incidente e a jogando em qualquer lugar. Começou a correr na direção da ruiva, já se preparando para pegar a chave de Taurus, quando viu algo de errado. A quarta criatura de antes, que estava derrotada, se refez rapidamente no chão e se levantou, ficando logo atrás de Erza.
Sem conseguir pensar em uma saída melhor na hora, se parou no mesmo instante.
– ERZA, CUIDADO! – ela gritou e, antes que pudesse fazer mais alguma coisa, viu que a mulher imediatamente notou alguma coisa. Naqueles poucos segundos que acabaram parecendo uma verdadeira eternidade, a garota viu o rosto de Erza, que na mesma hora reconheceu a voz daquele grito, se virar para o seu com os dois olhos arregalados e a expressão de quem não podia acreditar no que ouvia e mais ainda no que via. Depois, foi tudo rápido até demais.
Principalmente para as criaturas negras perceberem que Erza não estava sozinha e tinha companhia.
O quarto monstro, recém-recomposto, desistiu da ruiva e se virou na direção de , avançando rapidamente sobre ela, de forma a fazer com que a menina engolisse o novo berro e caísse ao chão, enquanto começava inutilmente a tentar achar a bolsinha de chaves que estava sempre presa ao seu cinto. No entanto, talvez pelo pânico que começava a crescer de ver aqueles olhos amarelos e os dentes afiados cada vez mais perto dela, a garota não conseguia encontrar o seu molho de chaves, de forma que, se não fosse pela espada de Erza que naquela hora atravessou a criatura e a cortou de baixo a cima, não teria escapado viva. Porém, ainda havia mais três daquelas coisas, o que Erza resolveu voltando para a outra direção rapidamente e invocando um escudo de adamantino no momento em que as criaturas se chocaram contra ela.
A própria força daquele ataque se voltou contra eles, fazendo com que o choque contra o adamantino da peça os dilacerasse, apesar de ter explodido o escudo também. Disso, ruiva acabou voando para trás com o impacto, batendo as costas contra a parede terrosa pela qual havia descido. Então, ao perceber aquilo, a garota imediatamente se pôs de pé e correu até a mulher, agachando-se diante da figura suja e exausta dela que continuava sentada contra o baixo desfiladeiro.
– ERZA! Erza, você está bem?! – perguntou com um leve tom de desespero na voz e colocou as mãos sobre os ombros da maga, que não estavam mais cobertos pela armadura de antes, mas por sua veste de normalmente que voltou ao seu corpo quando o escudo se fez em pedaços. Viu os olhos castanhos dela se abrirem com certa dificuldade depois de um tempo, passando a ver de novo a figura de ali à sua frente, e logo sentiu a mão dela pegando na sua e a jogando para longe.
– O que você está fazendo aqui?! – a mulher perguntou rígida e com a voz forte, não demorando para que franzisse o cenho e deixasse a raiva tomar conta de seu rosto. – Como descobriu esse lugar?! – sem esperar mais nenhum segundo sequer ou qualquer reação de , ela começou a tentar se colocar de pé, esticando os joelhos e mantendo as costas apoiadas contra a terra do morro. A garota, por sua vez, tentou ajudá-la mesmo assim.
– Eu... Eu vim ajudar – disse com um pouco de incerteza, tanto de como falar aquilo quanto do que ouviria em troca, e viu Erza empurrar suas mãos para longe mais uma vez. Com esse movimento, a mulher pendeu para frente e ficou encurvada sobre suas pernas ainda fraquejando, diante de que recolheu as mãos para si e passou a olhá-la com um pouco de temor nos olhos. A ruiva ofegou algumas vezes e logo reergueu a postura, remontando sua pose de autoridade e guerreira diante dela, a despeito do óbvio esforço em seu rosto e do olho esquerdo que permanecia fechado.
– Pelo visto, além de mentirosa, você é desobediente também... – Erza disse e arrumou mais a sua postura, ficando ainda mais ereta e inevitavelmente fazendo com que mordesse a parte interna de seu lábio inferior. – Já não falei para sumir da nossa frente? – e, depois de falar, a mulher começou a andar de volta para onde estava antes, ignorando por um momento a presença de e as próprias mancadas sutis. A garota, no entanto, não ficou quieta.
– Eu sei que você me mandou embora e entendo os seus motivos, mas não podia deixá-los sozinhos em algo assim! – a menina disse e correu até a frente da ruiva, pondo-se diante dela e consequentemente a fazendo erguer uma sobrancelha, além de parar o seu caminho. – É de Zeref que estamos falando, Erza... Você sabe tão bem quanto eu que, comigo ou não, as chances que temos contra ele são mínimas! – ela argumentou e deu um passo para frente, porém, para sua surpresa, a outra maga fez o mesmo e deu uma passada em sua direção, fazendo-a abrir mais os seus olhos e retirar o movimento havia acabado de dar.
– Se você mesma sabe que não faz diferença aqui, então me dê um motivo para não enxotá-la agora mesmo com minhas próprias mãos – ela disse e aproximou seu rosto do de , deixando-o perto o suficiente para que a menina engolisse qualquer outra palavra que quisesse dizer ou argumento que fosse dar. – Porque eu já fiz isso uma vez e posso fazer de novo, se for preciso – semicerrou seus olhos castanhos, ainda encarando os dela, e se afastou lentamente, não demorando para que voltasse ao caminho que tomava e, consequentemente, os olhares se quebrassem.
Para Erza, pelo menos, não havia mais nada a ser discutido. Naquele dia na guilda, não brincara ao dizer que a quebra àquela jura seria levada muito mais do que como um simples deslize e assim foi feito, levando à raiva que a queimou na hora e à consequente expulsão de . Perdão e esquecimento superficiais talvez viessem com o tempo, mas a sua resposta para tê-la ao seu lado na mesma guilda ou batalha, fosse essa mortal ou não, já estava dada e gravada em pedra e era um grande e belo “não”.
, que ficara parada e congelada no seu lugar depois de receber o olhar frio de Erza e ser deixada para trás, ao que a outra retomava o seu caminho, a princípio, não teve nenhuma reação chamativa ou explosiva. Ao contrário, ficou com os pés naquele mesmo lugar e apenas mordeu de novo os seus lábios, dessa vez com bem mais força e muito menos piedade.
– Você quer um motivo?
Porque sua opinião daquilo tudo fosse talvez um pouco diferente.
– Pois eu lhe dou três! – a garota disse com a voz firme e se virou rapidamente, franzindo o cenho com uma raiva que nunca sentira antes e agarrando o ombro de Erza sem nenhuma gentileza, antes de puxá-la com tudo e uma expressão confusa para a sua direção. – Para começo de conversa, eu posso ter errado, mentido, quebrado a promessa e o que quer que seja, posso ser o que você quiser chamar, mas nada disso anula aqueles seis dias que passei com vocês. Tudo que falei, fiz e deixei mostrar lá na guilda foi verdade. Você pode até achar que eu na verdade nunca me importei ou dei a mínima, mas cada sorriso, cada abraço que dei, Erza, foi verdade. FOI VERDADE! – na mesma hora em que começou a falar, com os olhos cerrados e num fogo que não se comparava nem mesmo com a destruição que estava ocorrendo ali em volta, a menina passou a andar para frente sem que percebesse, forçando a ruiva a manter seus olhos bem abertos e a dar passos para trás, enquanto ouvia as palavras que começavam a sair sem permissão alguma da boca dela. Aquele havia sido o limite de . Depois da dificuldade que tivera com Eve e do episódio de frieza ardente de Erza que estava revivendo, não estava mais aguentando. Não aguentava mais ficar com todos aqueles dedos em sua direção, apontando e julgando injustamente, quando, no fundo, ela já estava se sentindo morrer a cada segundo que se lembrava de tudo que poderia acontecer naquele campo de batalha, das marcas de Cana e do fato de que nem estava mais por ali. – Segundo, posso ser a pessoa mais irresponsável do reino, mas pelo menos não sou quem se negou a pelo menos ouvir o segundo lado de uma história – cuspiu as palavras e não conseguiu parar com os passos sucessivos que dava cada vez mais, provavelmente resultado do seu coração que batia cada vez mais depressa e da adrenalina que começava a pulsar aos litros em suas veias. – Se você tivesse me dado uma chance de falar, se não tivesse se deixado levar e dado mais voz à raiva que estava sentindo na hora, teria talvez descoberto o quão traída eu também estava me sentindo... – falou entre os dentes. – Teria sabido que fiz o possível e o impossível em uma situação da qual eu nem podia sair! – elevou o tom de voz e fechou as mãos em punhos, mesmo que essas continuassem no seu lugar e ao lado de seu quadril, e continuou com os olhos firmes e fixos nos de Erza, que permaneciam arregalados e num ar quase que chocado, senão surpreso. – E terceiro... – a menina completou e, ao que disse aquilo, não conseguiu segurar o sorrisinho insolente que lhe veio aos lábios. – Terceiro, você pode até me pôr para fora o quanto quiser, mas, acredite, só vai perder o seu tempo... Porque eu vou voltar quantas vezes for preciso e vou ficar aqui até o fim, com você querendo ou não! – àquela altura, já não tinha mais controle do que saía de sua boca e principalmente do volume com que elas vinham. Apenas permaneceu falando e falando, citando seus motivos e o que ficara preso em si desde o momento em que ouviu Erza mandá-la sumir do mapa pela primeira vez, enquanto continuava andando na direção da ruiva e olhando os seus olhos que, agora, já estavam quase que querendo deixar o seu cenho franzir, não conseguindo acreditar que ela, , a garota que não conseguia correr sem tropeçar ou vencer um sapo, estava a desafiando plenamente e sem nenhum pudor. – Então quer saber de uma coisa, Erza? Se você acha que é uma mera expulsão que vai mudar o que sinto por alguém ou quem são meus verdadeiros amigos, ENTÃO VOCÊ E ESSA SUA HONRA NÃO SABEM DE NADA! – quando se deu conta, já havia berrado a última parte, dando um último passo e batendo o pé contra o chão, enquanto reaproximava o seu rosto da ruiva, tal como ela havia feito antes, e cerrava os seus olhos. Assim como Erza havia feito e decretado mais cedo, deixava ali, na batida de seu pé e na irreverência de seus atos, a sua decisão também.
A de que ela preferia cair ali, ao lado deles e perante Zeref, a ter que voltar e morrer também, mas sufocando aos poucos no seio de uma vida que nunca fora realmente sua.
Depois de dizer tudo aquilo, acabou ficando sem palavras, limitando-se a permanecer ofegando e com os olhos ainda em Erza, que por sua vez também terminou paralisada. Demorou alguns segundos, mas ela finalmente percebeu a magnitude do que havia feito, desde parar o caminho da ruiva bruscamente a jogar na sua cara o que estava realmente pensando dela naquele momento. Desta forma, logo suavizou a carranca em seu rosto e piscou algumas vezes os olhos, voltando ao seu estado normal e passando a esperar alguma reação do outro lado – a qual alguma coisa lhe dizia que não seria nada boa. No entanto, Erza não gritou alguma coisa de volta nem invocou um machado de duplo gume, como a menina havia imaginado que acabaria acontecendo. Ela apenas ficou ali, parada e com os dois olhos arregalados nas órbitas, encarando com sua expressão que fora de choque, confusão, indignação, mas agora estava quase que surpresa.
Tomando uma piscada de olhos como sua primeira reação depois de muito tempo, ela abriu aos poucos a sua boca.
– Você... Vai realmente ficar, não? – a mulher perguntou com um ar quase que infantil, continuando na sua posição de frente para e braços baixos. A garota, de seu lugar, encolheu-se um pouco e deu suavemente de ombros, passando a discretamente olhar para o lado.
– Claro. Foi... Foi o que acabei de lhe dizer – a menina disse um tanto baixo e voltou seus olhos para a ruiva, encontrando-a de novo na mesma pose de antes. Achou que ela ia dizer alguma coisa, qualquer coisa que fosse, mas se enganou. Erza permaneceu em um silêncio quase que impecável, praticamente indigno da barulheira que continuava vindo da confusão que ocorria ali em volta, e ficou olhando com uma expressão que era quase desconcertada. Sentindo-se um tanto incomodada com aquele silêncio que nada acabava retornando, pigarreou de leve e desviou mais uma vez os seus olhos, voltando-os a Erza alguns poucos segundos depois. – O-onde o está? – perguntou e tentou mudar de assunto, não só pelo bem de sua situação, mas dele também, e viu a ruiva alterar suas expressões imediatamente e sacar uma expressão que era quase enfurecida.
– Na torre, com Zeref – assim que disse aquilo, virou-se para o lado e deu dois passos curtos na direção da torre que havia visto antes, passando a encará-la dali e fechando as mãos em punho com força. A garota, que havia se virado para ver o que Erza procurava, arregalou os seus olhos na mesma hora.
– O quê?! – ela indagou e foi para mais perto da ruiva, mesmo que acabando por permanecer atrás dela ainda. – Mas... Mas por que ele está ali, Erza?!
– Porque não sabe acatar ordens! – a mulher disse com a voz quase que grossa e não moveu o resto do corpo, apenas apertando com mais força as articulações dos dedos que começavam a trincar. – Assim que soube que ele estava escondido na torre, ficou cego de raiva e correu sozinho até lá, queimando tudo e qualquer coisa à sua volta. Laxus e Elfman tentaram impedi-lo, fazê-lo voltar ao posto que o Mestre havia lhe ordenado, mas é praticamente impossível parar o quando ele se enfurece – Erza disse e bufou de leve, finalmente desfazendo o aperto que punha em seus próprios dedos, apesar de não ter tirado os olhos da torre. – Principalmente agora, que ele quer vingar a guilda, Magnolia e tudo que os dois já tinham para acertar – depois de falar aquilo, a ruiva acabou se calando, ficando em silêncio e parada em seu lugar a metros e metros da torre, enquanto os ventos passavam por entre os seus cabelos e faziam o vermelho deles esvoaçar por aquele ar quase escuro pela fumaça de destruição e iluminado por mais nada que não fosse a lua, as faíscas e os raios de Laxus. ficou confusa, senão curiosa, quando a ouviu falar da suposta conta que Zeref tinha com , mas afastou aquilo da cabeça assim que pôde. Não havia tempo para aquilo, pelo menos não agora.
– Nós temos que ir até lá! – disse de repente, quebrando o silêncio que Erza havia imposto a ela mesma, e a fez abrir mais os seus olhos, como se sua expressão tivesse sido estilhaçada também. – Não podemos deixá-lo sozinho com alguém como Zeref, Erza. Precisamos ir e agora! – a garota completou e, naquele momento, os olhos da ruiva se escureceram.
– Você tem razão – ao que disse aquilo, abaixou um pouco mais os seus braços, que terminaram um tanto erguidos pela tensão que punha neles, e não demorou para que aquela luz brilhante de sua magia de reequipamento viesse e a banhasse da cabeça aos pés. Porém, quando ela terminou, não conseguiu fazer outra coisa que não fosse franzir o cenho.
Erza não tinha invocado armadura alguma, para falar a verdade. Tudo que ela passou a trajar depois que a luz foi embora era uma pantalona vermelha e amarela, ataduras que lhe cobriam os seios e uma fita que prendia o seu cabelo em um alto rabo-de-cavalo. Nem sapatos havia em seus pés. Até mesmo dali, de trás e olhando apenas as suas costas e seus cabelos, podia ver os vários arranhões e as marcas que ela ganhara em sua pele com o passar daquela guerra a contornando de cima a baixo e passando por toda extensão de seus ombros. E, no fim, tudo que a mulher tinha para realmente se defender eram duas espadas prateadas e compridas, de gume polido e afiado. Erza estava totalmente exposta com aquela roupa. Qual era no plano dela com aquilo tudo, afinal?
– Ao meu sinal, comece a correr – ela disse simplesmente, num tom de ordem, e apenas abriu mais seus olhos numa expressão que era quase boba de tanto choque.
– ...Você perdeu a cabeça? Erza, se nós sairmos correndo por aí, eles vão nos pegar! Você pode até conseguir fugir, mas eu...! – assim que conseguiu quebrar sua paralisia, a menina começou a falar, ainda de seu lugar, mas sem conseguir conter a agitação nervosa que tomou conta de si. Não conseguia entender como a mulher podia possivelmente pensar que aquilo ia dar certo ou terminar bem, tanto que nem concluiu a própria frase. A ruiva tinha a capacidade de conseguir lutar e se defender em qualquer situação, mas ela...? podia estar certa de que ficaria para ajudar, não importava o que, porém não conseguira dar cabo nem mesmo da única criatura que viera atacá-la na surpresa. Correr pelo campo de batalha então era pedir para morrer com um bilhete deixado em bandeja de prata.
Erza, contudo, não se moveu de seu lugar perante a brisa da noite que ainda soprava. A única coisa que fez foi mover seus olhos e levar suas pupilas para a direção de , atrás de si.
– Ninguém vai pegar você porque eu não vou deixar – declarou e manteve a mesma expressão que carregava desde que colocara aquela roupa, ou seja o que fosse, fazendo a menina suavizar as feições de seu rosto, mas nem por isso diminuir o tamanho de que deixara os seus olhos. Aquele era algum jeito esquisito de dizer “eu a perdoo”? Pensou em questionar aquela decisão, além do fato de que ela talvez estivesse ferida demais para correr a toda e defender a si mesma e a companheira, porém acabou apenas se calando. Por mais que estivesse com medo, devia isso a Erza. Após pedir, ou quase que demandar aos gritos, que merecia um mínimo de confiança de novo, talvez devesse fazer o mesmo e confiar na mulher à sua frente, principalmente depois do incidente de algumas semanas atrás e que custara uma das coisas pelas quais ela mais prezava na vida. – – ela chamou e a garota soltou um pequeno barulho, antes que pudesse pensar em qualquer coisa melhor, como um sinal de que ouvia. Viu a ruiva se agachar e se posicionar com as espadas empunhadas para trás. – Lembra-se do treino de corrida que você trapaceou e chegou ao final com a ajuda de ? – Erza perguntou e a menina concordou rapidamente, querendo na verdade apenas entender por que ela de repente retomara aquele episódio. – Corra tudo que não correu lá – completou e, sem nem olhar para trás, logo em seguida disparou. – AGORA!
Antes que pudesse se preparar melhor ou sequer entender direito o que havia acabado de lhe ser pedido, viu Erza sair em disparada para o meio do campo de batalha e logo colocou as pernas para correrem também, sentindo que ia tropeçar nos primeiros passos desavisados, mas conseguindo manter o próprio equilíbrio depois de colocar mais força nas suas passadas. As duas saíram dali, com a ruiva um pouco mais à frente da menina, e começaram a passar pela lateral da parte mais povoada do palco daquela chacina, seguindo em direção à única entrada que havia para aquela torre abandonada. , ao tomar coragem para desviar a atenção do coração cada vez mais palpitante dentro de seu peito e olhar para sua esquerda, viu as criaturas aos poucos virando seus rostos deformados, recompondo-se e saindo do chão, ao que começavam a notar a presença delas. Tentou se manter firme e apenas seguir em frente, logo no encalço da outra, mantendo a fuga cada vez mais forte como havia lhe sido pedido, mas, quando viu aqueles olhos amarelos brilharem e os membros disformes e negros começarem a se erguer e se colocar em corrida na direção delas, ela não aguentou. Tentou pensar em todos ali e em que com certeza corria perigo, então se manteve correndo a toda na direção daquela portinha aberta no meio de todos os tijolos velhos, porém acabou fechando os olhos com força, sentindo as lágrimas começando a aquecer a beirada deles, enquanto rezava para manter a direção correta até o fim e chegar até lá.
No entanto, depois de alguns segundos daquele jeito e não conseguindo distinguir nada no meio de todos os barulhos que já vinham inundando a atmosfera desde o início, sentiu-se extremamente mal e pensou principalmente em Erza, que com certeza mantinha seus olhos bem abertos e tinha agora apenas a si mesma naquela missão que era correr até a torre. , por mais que talvez não tivesse a força necessária para derrubar tudo que viesse tentar impedi-las, poderia pelo menos servir como um segundo par de olhos para a maga e avisá-la do que quer que viesse atacá-las por outras direções. Podia até já estar correndo sério perigo, na verdade, sem conseguir emitir algum grito de socorro a tempo suficiente, e tudo porque a garota se negara a encarar a realidade em que ela própria quisera se meter.
Então reabriu os seus olhos antes que perdesse a coragem, sentindo o vento sujo secá-los e vendo que Erza não estava mais à sua frente, enquanto que a torre começava a parecer cada vez mais perto. Sentiu-se desesperar por um momento, pensando que ela já havia sido pega, mas de repente ouviu uma voz que, no meio de toda aquela confusão, jurou ser conhecida. Olhou então para a esquerda, de onde vinha aquele som e na verdade estava concentrada toda a batalha ao longe, e viu o que a fez arregalar os seus olhos na mesma hora. Erza estava ali agora, ao seu lado e a menos de três metros de distância, destruindo tudo que vinha na direção tanto dela e de e ainda mantendo a sua corrida, mesmo que agora no mesmo ritmo da outra. Sem conter a faceta pasma que tomou lugar no seu rosto, conseguiu manter a corrida, mas perdeu a atenção que mantinha em qualquer outra coisa.
Era uma visão quase que inacreditável. Erza decepava quase todos os monstros que se aproximavam com um único golpe de espada, vindo de qualquer uma de suas duas mãos, e ainda conseguia lidar com aqueles que desviavam e eram mais insistentes, fugindo de ataques, virando-se para pegar os que vinham por trás e continuando a sua corrida sem parar – nem mesmo quando percebia que precisaria usar suas pernas e saltava para garantir que continuasse se movendo. Como prometera, absolutamente nada se aproximava de . Todos os soldados de Zeref que se arriscavam em ataque direto ou numa tentativa de alcançar a garota pela tangente acabavam decapitados ou com o peito atravessado. E, apesar de toda a precisão dos golpes, podia ver dali que a mulher sentia o peso do cansaço e de suas feridas. Dava para ver pelos seus movimentos e a cada vez que ela retornava ao chão de terra e sentia as pernas ou costas, pelo esforço que começava a se confundir com a fúria em seu rosto. Porém, a sua disciplina com a própria dor era algo de cair o queixo. Ela conseguia contê-la e domá-la com as próprias mãos, emergir dela e focar praticamente toda a atenção nos golpes que desferia e nos monstrengos que vinham aos pulos para cima dela e de . Superava as próprias dificuldades e seguia em frente sem parar.
E foi ali que entendeu. Foi ali, no meio de toda aquela bagunça e todo desespero, correndo para a torre e ao socorro de , que ela finalmente compreendeu o que Mirajane quis dizer com o fato de que Erza era simplesmente determinada e sem mais nada a explicar. Foi ali que viu o porquê a ruiva era maga de Classe S e tinha o respeito até mesmo dos mais rebelados da guilda, como Laxus e Gajeel. A vontade de lutar de Erza estava naturalmente em seus ossos, no seu sangue e em cada fio de cabelo seu, assim como a sua capacidade de ser maior que as próprias dores. Não eram as mil e uma armaduras que a mulher podia invocar e nem tinha em seu corpo agora. Não era magia, feitiço nem ritual algum. Era apenas ela e o título que com certeza lhe servia como uma luva.
O de Rainha das Fadas.
Vendo aquilo, criou a coragem que lhe faltava para manter os olhos abertos e continuar a correr com tudo que tinha, sempre mantendo um olho em Erza e não demorando para que finalmente alcançassem a entrada da torre. A garota, no ritmo alucinado que se abrigou a atender, não conseguiu parar suas pernas a tempo e entrou em alta velocidade na torre, tropeçando nas pedras que substituíram a terra do chão e caindo sobre elas, ao que imediatamente batia contra a parede do fundo. Mesmo que caída ao piso, não demorou para que conseguisse erguer o tronco e reabrir os seus olhos, vendo Erza do lado de fora e perante a entrada, mas acabou instintivamente por fechá-los de novo com o impacto que sentiu de repente contra as paredes do lado de fora.
– ERZA! – ela gritou e tentou chamar a atenção da outra, querendo que ela viesse junto e saísse da balburdia que estava se tornando aquilo, porém a ruiva não obedeceu. Decepou dois monstros num golpe só e virou a cabeça para trás.
– Vá, ! – disse e logo se voltou para frente, ouvindo os passos da criatura que queria pegá-la e a chutando no peito. – Esses vermes já perceberam o que estamos tentando fazer! Os dois estão no topo e você é com certeza a única pessoa para quem pode dar ouvidos agora! – depois de virar o rosto para a garota de novo e completar, não demorou para se voltar para fora e afastar os dois braços que ainda tinham uma espada em cada mão. – Vou guardar a entrada... Sei que vocês conseguem juntos! – ela disse e, assim que terminou, voltou a lutar com as dezenas de monstros que tentavam atravessar aquele buraco.
pensou em se recusar a sair dali e deixá-la sozinha, mas, naquela situação, o plano de Erza era realmente a melhor solução. podia acabar destruindo aquela torre ou até fazendo algo pior. Desta forma, pôs-se de pé já correndo e começou a subir os degraus. No entanto, a torre era imensa e também devia ser a sua escadaria. A única janela bem no alto evidenciava a existência de apenas um cômodo ali e que devia ser o que a ruiva citara. tentou subir sem questionar mais nada, mas não demorou para que caísse sobre as escadas e sem mais força nas suas pernas que já estavam duras de tanto esforço. Sentindo ainda a ardência da dor que calejou em seu peito com a queda, reabriu os olhos e olhou para frente, vendo a escadaria em espiral e logo alcançando o próximo degrau com uma das mãos. Ela tinha que chegar até lá em cima. Não importava o quão difícil fosse ou se seria rastejando.
Contudo, enquanto tentava engatinhar nos degraus, sentiu de repente alguma coisa agarrá-la por trás, pela sua blusa, e erguê-la no ar. Arregalou os seus olhos e se viu em movimento, literalmente voando sobre a escadaria em espiral, e olhou para cima, imediatamente vendo o rosto sujo e agora sério de Happy.
– Happy! – disse em surpresa, vendo o gato voltar seus olhos grandes para baixo e lhe dar um sorrisinho que acabou vindo naturalmente.
– Eu vi você e a Erza vindo para cá e achei que precisariam de ajuda! – ele, cuja entrada havia sido provavelmente aprovada pela ruiva, disse e se manteve voando com a garota. Essa sentiu no fundo uma vontade de sorrir, vinda pelo alívio de vê-lo ali inteiro e vivo, mas acabou apenas suavizando a preocupação de seus olhos e erguendo de leve os cantos de sua boca.
– Rápido, Happy! O precisa de nós! – sem esperar mais, a menina disse de uma vez e viu dali o gato reerguer o rosto para o caminho que eles trilhavam.
– AYE, SIR! – ele respondeu e, logo em seguida, os dois saíram em disparada numa velocidade absurda, com as patinhas dele ainda agarrando pela blusa e a levando consigo. Sem conseguir evitar, a garota fechou os olhos e pôs os braços na frente deles, tentando se proteger do vento provocado e que vinha de encontro ao seu rosto. Mesmo depois de ter assistido ao gato e Carla treinando e voando mais de uma vez, ela havia se esquecido de que Happy podia alcançar uma velocidade fora do comum e como aquela, fazendo a poeira dos degraus subirem em pequenos redemoinhos e as teias de aranha se romperem como papel em mãos furiosas.
Os dois subiram juntos por toda a torre, contornando o espiral da escadaria, até que em alguns poucos segundos chegassem finalmente ao topo. Ali, Happy foi mais alto e de lá largou , que caiu com os joelhos flexionados e as mãos no chão. Sem querer perder mais tempo ou segundo nenhum, ela ergueu o corpo no mesmo instante e se pôs de pé, porém, quando levantou os olhos e viu o que estava à sua frente, sentiu as mãos congelarem e o coração parar de bater por um momento.
Exatamente igual àquela noite, com a pele pálida e os cabelos cor de corvo, exceto pelos trajes agora negros como qualquer intenção sua e os olhos que eram vermelhos como o sangue que começava a escorrer do pescoço de para suas unhas e seus dedos.
... – ele disse simplesmente, depois de virar o rosto para a direção dela e manter todo o seu corpo na mesma posição que tinha até então, enquanto abria um sorrisinho que parecia quase que inocente em seu rosto. – Que bom que veio.
Sentindo que o coração voltava a bater e num ritmo muito mais pesado do que antes, tentou dar um passo para trás, mas se descobriu completamente paralisada, ao que Happy ao seu lado permanecia voando perto de sua cabeça e com uma expressão extremamente preocupada no rosto.
No último andar da torre, claramente circular e com nada mais que fossem os ganchos com tochas penduradas e espalhados na única e contínua parede, além das duas janelas pequenas e opostas, estava aquele que um dia ela chamara de Siegfried, com o seu jeito sereno e suspeito no rosto, mas vestindo uma túnica negra comprida e uma única e larga faixa branca que caía de seu ombro e passava em torno de seu quadril no lugar das roupas reais, além do pingente prateado que brilhava sobre seu peito. Ele estava do outro lado do cômodo, perante a parede e com as unhas de uma mão em torno do pescoço de , que lutava contra o aperto violento dessa e sufocava com o corpo contra os tijolos, enquanto que os seus pés já estavam a alguns bons centímetros do chão. Vendo-o ali e com os olhos quase fechados de tanta dor e esforço, sentiu o coração apertar e se reduzir a um grão de areia, achando que ia começar a chorar a qualquer momento, quando viu pelo canto dos olhos que mais alguém estava naquela sala. Virando o rosto para a janela que estava à sua direita, um pouco mais longe de Siegfried e , viu seu pai com os pés e as mãos amordaçados, sentado no chão e contra a parede, com uma venda cobrindo a sua boca e o desespero lhe tomando os olhos ao ver que a filha estava ali também.
Sentiu-se arrepiar da cabeça aos pés, tentando formar um único pensamento na cabeça, mas apenas para descobrir que não conseguia. Respirou entrecortado algumas vezes, forçando-se a pensar e buscar algum único sentido que tivesse no meio daquilo tudo, porém também não conseguiu. Ao contrário, de repente viu-se movendo as pernas e correndo na direção do homem de negro do outro lado.
– SEU DOENTE, LARGUE-OS! LARGUE-OS...! – antes que pudesse pensar melhor ou controlar a explosão que sentiu vir no momento em que teve aquela visão, avançou em Siegfried e agarrou os seus ombros pelas unhas, começando a gritar em urros e com os olhos fechados. Seu apelo desesperado, no entanto, não funcionou em nada, visto que o homem, no momento em que sentiu ser tocado, moveu a mão livre para o outro lado e fez voar naquela direção, batendo contra a parte ao lado da entrada para a escadaria e caindo ao chão, o que fez Happy gritar pelo seu nome e ir para perto dela no piso também de pedras.
, de seu lugar e sob o jugo da mão dele, quando viu voar e bater sem piedade alguma contra os tijolos da parede, arregalou os olhos e sentiu as pupilas diminuírem, fechando as mãos em punhos até que sentisse dor e fazendo o fogo de sua magia queimar em torno delas.
– ...Desgraçado, EU VOU MATAR VOCÊ! – ele berrou a plenos pulmões e forçou os dois pés contra a parede atrás de si, querendo se libertar e acertar o homem em seu rosto que se mantinha sério, mas não tinha nem mesmo uma ruga de preocupação, porém não foi rápido o suficiente. No mesmo momento, o rapaz se voltou na sua direção e soltou seu pescoço, trazendo de volta a mão com que arremessara e a estendendo na frente dele, de forma que uma nuvem de um roxo morto, quase púrpuro, se formasse em torno do pescoço de e o prendesse de novo contra a parede naquele mesmo ponto.
Depois daquilo, um pequeno silêncio se fez na sala, causado tanto pelo choque de e Happy, a venda na boca de Jude e a incapacidade de gritar com o aperto ainda mais forte agora em sua garganta. Com isso, Siegfriend se afastou do mago do fogo e andou tranquilamente até o centro do cômodo, voltando-se na direção da garota e do gato.
– Realmente sinto que não pude me apresentar de verdade naquela noite, ... – ele começou a dizer com sua voz serena e de tom monótono, parando diante dos olhos quase que raivosos de , que continuava no chão, e virando de leve o rosto que ainda tinha aquele sorriso odioso na boca. – Meu nome é Zeref.
Ao ouvir aquilo que não lhe foi mais tão surpresa assim, dado o que começou a suspeitar e mal conseguiu engolir quando entrou ali e reviu a calmaria do rosto dele, a garota começou ofegar de ódio.
– O que você quer...? O que significa isso tudo? – ela disse por entre os dentes, olhando-o de baixo e sentindo Happy abraçar um de seus braços, enquanto que sabia que ele entenderia muito bem do que estava falando.
Zeref, como ela previra, entendeu o que sua última pergunta queria dizer, incluindo desde toda a destruição de Magnolia à sua grande mentira de ser um príncipe, e logo se pôs a dar alguns poucos passos à esmo no espaço diminuto com as mãos juntas atrás de seu corpo. Não depois de muito tempo, contudo, ele parou.
– É mais simples do que parece – o homem disse sem muitos rodeios, de costas para e de lado para os dois que permaneciam como seus prisioneiros, e levantou sua mão com a palma para cima, invocando uma nuvem negra e opaca que aos poucos foi dando lugar a um objeto levitando sobre os seus dedos. – Eu vim pegar algo que é meu.
E, quando toda a negritude da nuvem se dissipou, a garota conseguiu ver a bola cristalina que surgiu com suas fumaças verdes e distorcidas dentro.
Acabou perdendo o olhar raivoso em seu rosto e começou a levantar cada vez mais as suas pálpebras.
– A Lacrima das Almas... – ela disse com a voz presa, vendo Zeref se virar aos poucos com um sorrisinho e os olhos de um lobo em pele de cordeiro.
– Por um lado, preciso agradecer a vocês. Admito que já não lembrava tão bem onde a tinha escondido... – ele disse, ainda com a lacrima sobre a sua mão e os olhos nas figuras de e Happy. – Veja, depois que criei esta lacrima, há bem mais tempo do que vocês podem imaginar, eu soube que ainda não era a hora certa de usá-la... Ela tinha alguma coisa de especial e merecia ser guardada para algo muito mais grandioso, por mais que eu não soubesse o que na época – com um movimento de sua mão estendida e que fazia a esfera levitar, juntou os dedos levemente num punho mal fechado e fez o brilho dela aumentar ainda mais. – Então a escondi em um dos cinco desertos mais hostis de toda civilização, durante um tempo de problemas, e apenas esperei... Esperei o momento dela – voltou sua mão ao normal e fez a bola retornar ao seu estado e brilho original, trazendo todos os olhos do cômodo para ele. – E qual não foi a minha surpresa, quando finalmente percebi que havia chegado a hora e ouvi falar que uma companhia mercantil havia encontrado uma lacrima misteriosa no deserto de Pyon? – aumentou minimamente o seu sorriso, mantendo aqueles olhos quase assonados, enquanto que sua voz saía serena e macia. – Pensei em pegá-la de volta e destruir todos que puseram os olhos sobre ela, sem discussões ou perda tempo, mas, quando vi quem que tinha a desenterrado e principalmente quanto de poder possuía sobre toda Fiore e até alguns outros reinos, eu... Refiz a minha proposta – Zeref inclinou de leve a cabeça, abrindo o seu sorriso pela segunda vez e trazendo finalmente a primeira rachadura àquela falsa paz em seu rosto. – Se eu conseguisse me aproximar o suficiente para ter o controle da lacrima de volta às minhas mãos e ainda usar todo o poder que vocês tinham... Tudo ficaria ainda mais divertido – deu uma risadinha e fechou seus olhos, mantendo o sorriso que abrira. – Depois, foi praticamente fácil. Bastou um pouco de magia de memória para fazê-los acreditar num reino que nem sequer existe e logo eu estava sendo recebido com reverências na Konzern – ao ouvir aquilo, se lembrou de todas as histórias e abriu mais os seus olhos. Tetsuya nem nada do que ouviu existia. Era tudo ilusão e da forma mais literal possível. Por isso que por um momento jurou que sua cabeça parecia até mexida depois de todas aquelas descrições. – Não havia disfarce melhor... Afinal de contas, quase ninguém questiona quando ouve a palavra “realeza”. Você foi uma das únicas pessoas a me dar mais trabalho, – Zeref adicionou e logo continuou. – Estava praticamente tudo certo. Eu era parte da Konzern e tinha quanto acesso quisesse à lacrima e a todos os planos bobos que montavam para ela... Só faltava entrar para a família e meu controle seria tão absoluto quanto o do seu pai – e, naquilo, o rapaz reabriu os seus olhos num movimento tão rápido quanto uma facada e pregou suas íris vermelhas na figura da garota à sua frente. – Porém, como eu já disse, você me deu trabalho, – ele falou e endireitou sua cabeça, tirando o sorriso do rosto e assumindo uma expressão que parecia até entediada. – Seu pai me prometeu arrumar o noivado de novo e dar um jeito de nos unir, mas os métodos dele não estavam sendo muito eficientes... Então a minha paciência acabou – disse simplesmente. – Não tive outra escolha a não ser tomar de volta o que era meu por direito e queimar todos os registros, pesquisas e resultados que vocês tinham sobre o assunto – continuou tranquilamente, como se em algum momento tivesse realmente havido escolhas ou privações por parte dele, e então deu de leve de ombros, ficando na iminência de abrir outro sorriso. – Mas acho que fiz um pouco de bagunça... Diga aos empregados depois que peço desculpas – ele completou e manteve aquela cara de criança que, no fundo, não sente culpa alguma. Àquela altura, já tinha recuperado a raiva que a infestava, enquanto apenas observava de seu lugar e com as mãos agarrando a coleira mágica que o prendia. – Desta forma, só me faltava uma única coisa e essa era caçar as três pessoas que acabaram descobrindo mais do deviam... É aí que você e seu pai entram, – ao escutar aquilo e ver os olhos vermelhos dele se semicerrarem para ela, a despeito da vontade cada vez maior de apenas acabar com o rosto cinicamente tranquilo dele, a menina sentiu o corpo arrepiar. – Ele foi relativamente fácil de encontrar, enfiado e vulnerável no próprio escritório, mas você... Você eu já havia notado desde o primeiro dia que não estava por lá. Porém, acho que a prova de que a sorte anda ao meu lado e não no de vocês é que um dia, andando pelas ruas com o tesoureiro da companhia, eu ouvi o boato de que a herdeira dos havia dito que ia embora para morar com a avó, quando na verdade fugira para Magnolia e tentaria entrar na Fairy Tail – quando disse a última parte, agachou-se e ficou mais perto da menina, encarando-a a poucos centímetros de cima e com a lacrima ainda levitando sobre a mesma mão. – Por um momento quase não acreditei... Tive até que ir lá ver com meus próprios olhos – inclinou de leve a sua cabeça de novo e olhou dessa vez para Happy, vendo a cor de seus olhos se tornando mais clara e as suas patas se apertando mais em torno do braço de que lhe estava mais perto. – Mas era verdade... , a filha do dono da companhia mais poderosa do reino, era uma usuária de magia e estava na guilda de magos que mais me dá dor de cabeça – depois que terminou, ergueu-se de novo e saiu de perto da garota e do gato, sem adicionar mais nada, indo para o centro do cômodo e se aproximando de Jude. – Então, quando a hora chegou e mesmo sabendo que daria mais trabalho, eu sabia o que tinha que fazer: ir até Magnolia e trazer você de volta – Zeref disse e virou o rosto para trás, vendo dali a expressão que aos poucos, quase que dolorosamente devagar, começou a se formar no rosto de . – Mas, quando finalmente cheguei à guilda, você não estava mais lá... Foi uma verdadeira pena – e sorriu maior outra vez, trazendo a segunda rachadura à sua falsa serenidade. – Só que eu não sou o tipo de anfitrião que anuncia a festa e depois não dá o que os convidados querem.
Depois de dizer aquilo, que obviamente se referia ao fato de ter chamado uma guerra que, no fim, não se mostrou necessária, mas que ele fez questão de manter pelo prazer de continuar, sentiu os ossos de seus dedos trincarem e a mandíbula cerrar. Quer dizer que toda aquela destruição, todo incêndio e cada pedaço retalhado da guilda, haviam sido por sua causa? Era por ela que Magnolia estava em ruínas e pessoas se machucaram?
E Zeref podia ter parado tudo ao ver que a garota não estava mais lá, porém continuou apenas pela diversão de poder ouvir cada vez mais gritos?
– Seu... – antes que pudesse pensar melhor ou tentar ser mais prudente, a menina sentiu o seu sangue ferver e se levantou do chão, querendo mais que tudo apenas conseguir chegar perto o suficiente para dar o soco que ele tanto merecia, mas logo sentiu alguém impedi-la e dois braços a agarrarem por trás. E aquela sensação óbvia de falta de camisa só podia significar uma pessoa. – , SOLTE-ME! – ela gritou e se debateu nos braços do mago, porém esse não deu o braço a torcer, apertando a garota com ainda mais força e se negando a deixá-la sair.
– E depois ter que apanhar com razão do ? Não, eu passo – o rapaz falou e sentiu finalmente se acalmar por um instante, mesmo que a contragosto. Erza, pelo visto, pensou que toda ajuda seria bem-vinda e deixou o mago do gelo passar a entrada também, avisando que todos estariam no topo da torre.
A menina perdeu a força nas pernas pela raiva mal reprimida e se deixou cair de joelhos ao chão, fazendo consequentemente ter que segui-la e se agachar também. Odiando ter que admitir ou não, ele estava certo em certos aspectos ao fazer aquilo. Se eles, de alguma forma, conseguissem derrotar Zeref, com certeza não seria com um soco impensado ou qualquer outra coisa do gênero.
, contudo, foi quem quebrou o silêncio depois daquilo.
– Você tem noção de quantas pessoas se feriram nessa sua brincadeira...? – o garoto começou a falar com um pouco de esforço, buscando ar no pequeno espaço que a armadilha fornecia, e levantou o rosto que acabara baixo no meio de tanta informação. – Tem ideia de quantos perderam a casa?! – já com voz mais forte e o seu fogo começando a queimar de novo, ele bateu com os punhos fechados contra a parede atrás de si e ergueu tudo que não mostrava de seu rosto até então, deixando-se literalmente pendurado pela coleira e mostrando os seus olhos que agora estavam em pura cólera. – GENTE MORREU POR SUA CAUSA, SEU BOSTA! – e ali começou a gritar a plenos pulmões, tirando ar e força da fúria sem medidas que estava sentindo, ao que fazia as labaredas de suas mãos subirem e o fogo ficar ainda mais brilhante. – QUANDO SAIR DAQUI, EU VOU...! EU VOU...! – ele começou a balbuciar e se perder nas próprias palavras, começando a se agitar e se debater violentamente contra a parede, além de fazer o fogo subir cada vez mais alto e a sua voz se tornar mais forte e gutural. No entanto, antes que ele pudesse continuar e fazer tudo à sua volta tremer, Zeref imediatamente se virou na sua direção e lhe estendeu um dos braços, passando a erguê-lo lentamente em direção ao teto e fazendo seguir aquele caminho contra a parede.
– Tenha calma, filho de Igneel... – o homem disse calmamente, a despeito de suas sobrancelhas que já estavam curvadas e do cenho que podia não se encontrar franzido, mas tenso estava. Quando o rapaz chegou praticamente ao fim da parede de tijolos, a ponto de atingir o teto, fez o seu corpo parar e finalmente franziu o cenho. – Essa agitação sua me dá nojo – disse e fechou sua mão num punho apertado, girando-o de leve e com a pressa de quem finalmente fazia o que queria, que no caso era apertar a coleira de e fazê-lo sufocar até a última linha do desespero. O feitiço púrpuro podia até ter sido cruel antes, no momento em que o garoto foi jogado contra a parede e pregado ali, mas agora estava realmente bloqueando cada pedaço de sua garganta, fazendo-o arregalar os olhos e parar todas as suas palavras para passar a emitir um som sofrido e sufocado, que era a única coisa que conseguia fazer.
Ao ver aquilo, arregalou os seus olhos.
– NÃO! – a garota gritou e se agitou um pouco nos braços de , que na dúvida resolveu não largá-la, sentindo toda raiva se dissipar e se amontar num grande saco de desespero ao que via sufocando e ficando cada vez mais sem ar ao seu lado. – NÃO, POR FAVOR! PARE! PARE! EU IMPLORO...! – ela pediu, ainda aos berros e sentindo as lágrimas inoportunas começando a inundar os seus olhos, e largou sua postura sem saber o que fazer, de forma que , agora chocado e sem reação com o que acontecia, não a deixou se aproximar um centímetro a mais sequer do mago, mas a acompanhou e permitiu que seu corpo fosse para mais perto do chão. – Por favor...! – ela tentou dizer em gritos de novo, mas não conseguiu, sentindo que qualquer outro movimento brusco seu derrubaria as lágrimas presas em seus olhos.
E Zeref, para sua surpresa, obedeceu, largando o aperto de seus dedos sem hesitar e fazendo respirar todo o ar que não tinha conseguido até ali de uma vez só.
– Só porque você me pediu tão educadamente, ... – ele disse com o rosto sossegado de novo e a voz calma, virando apenas a cabeça para a garota e a inclinando de leve.
A cena, no entanto, precisou ser obviamente quebrada por mais uma vez.
– ISSO AINDA NÃO ACABOU, SEU METIDO A LORDE DAS TREVAS! – o garoto começou a gritar e espernear de seu lugar, agarrando um tanto inutilmente a coleira de magia e agitando as pernas como uma criança irritada. – QUANDO EU SAIR DAQUI E A GENTE LHE DER UMA SURRA, VOCÊ VAI SE VER COMIG...! – porém, suas palavras foram na hora interrompidas pelo bruto pedaço de gelo que foi arremessado contra a sua cara.
– SERÁ QUE NÃO DEU PARA PERCEBER AINDA QUE É PARA VOCÊ FICAR QUIETO?! – disse estressado e com uma expressão furiosa, além do rosto virado para o mago do fogo, enquanto os braços ainda seguravam que, agora, tinha uma feição incrédula, senão de derrota.
Sério mesmo...? Ali, naquela situação?
– Enfim... – fechando os olhos com a iminência de levantar uma das sobrancelhas, Zeref resolveu por algum motivo ignorar a cena, saindo de perto de . – Como eu ia dizendo, não é do meu feitio largar uma guerra que eu mesmo comecei... E vocês, humanos, são tão fáceis de serem manipulados – deu uma risadinha leve e quase que quebrada na metade. – Nem precisou de muito para fazê-los me levar até onde eu exatamente queria, achando que na verdade me tiravam de perto da cidade e dos civis... Patético – por um momento, pareceu que ele ia rir de novo, mas o rapaz se limitou a apenas dar um sorrisinho. – Ter que criar um exército de demônios de última hora para entretê-los foi mais difícil. Mas o importante é que, assim, vocês podiam se divertir à vontade... Enquanto eu cuidava dos meus próprios problemas – e, naquele momento, virou-se para Jude e lhe deu um sorriso sutil, mas quase que diabólico, cerrando os seus olhos vermelhos e vendo a expressão horrorizada que tomou conta das feições do homem ainda amordaçado.
– E o que você vai fazer com essa lacrima, no final das contas? – foi a vez de perguntar, segurando e com uma expressão pouco contente no rosto, numa tentativa um tanto desesperada de conseguir mais tempo. Zeref, no entanto, pareceu gostar da pergunta.
– Fico feliz que tenha perguntado – ele disse simplesmente e logo começou a andar de novo, dessa vez, contudo, parando em frente à pessoa que menos recebera sua atenção durante os últimos minutos, mas que agora provavelmente não sairia de suas garras tão cedo. – Ei, Jude... Você sabe o que essa lacrima faz? – Zeref perguntou delicadamente de cera forma, agachando-se na frente do senhor e lhe aproximando a esfera que, a momento algum, deixou de flutuar sobre a palma de sua mão. O homem, depois de botar os olhos tensos sobre ela por um segundo e revê-la, voltou-se para o mago e lhe negou freneticamente com a cabeça. – Não? Mas achei que você tinha planos para ela e até mais ações para vender... – o outro questionou, ainda de um jeito delicado, e lhe cerrou de leve os olhos, inclinando aos poucos a cabeça e o sorriso na sua boca. – Ou não foi isso que você me disse, quando ainda achava que eu era apenas um príncipe? – Zeref indagou mais uma vez e Jude ficou sem reação, muito menos resposta, apenas o encarando de volta com os olhos apavorados e a tensão estampada em cada centímetro de seu rosto. O mago se aproximou mais, levando o seu rosto para perto do outro. – Sabe o que você é, Jude...? – disse tão suavemente que foi quase um sussurro, tomando o silêncio que lhe foi entregue como a resposta para aquela pergunta. Erguendo então a mão livre, Zeref apenas estalou os dedos. – Um mentiroso – e, com aquela ordem silenciosa, Jude imediatamente arregalou os olhos e se curvou dolorosamente, sofrendo com a dor aguda que de repente começou a atingi-lo no meio do estômago e ir cada vez mais fundo. – Um grande e cego mentiroso – Jude começou a ofegar contra a própria mordaça, que na verdade não passava de um pano branco e velho, até que a dor finalmente parou. Respirando fundo e finalmente reerguendo a cabeça, mesmo que ainda sem estar totalmente recuperado do que de repente e sem muitas explicações o atingira, ele reencontrou as íris vermelhas gritantes de Zeref. – Depois de tantos anos casado com uma Maga Celestial, você sabe que foi inevitável que acabasse aprendendo a sentir a presença de magia... Assim como a também aprendeu – o homem disse e então deu pela primeira vez um sorriso sacana, como se estivesse realmente se divertindo com cada segundo daquela conversa, e se aproximou ainda mais do homem. – Você sabia que isso era magia podre desde o início, mas não conseguiu resistir à ideia de lucrar em cima dela... – ele declarou e viu de perto a leve mudança nas feições de Jude, que passou do medo desnorteado para o silêncio culpado. – Foi em frente mesmo assim e tentou abastecer Fiore com uma energia que, na dose errada, poderia simplesmente parar o coração de quem quer que estivesse por perto – Zeref completou e deixou o fim da frase se entornar em um leve desprezo, antes de afastar a lacrima e colocar um dedo na frente de seus lábios, como se fosse revelar um segredo. – Mas sabe por que eu vou só apagar a memória da , enquanto que com você vou brincar um pouco mais? – ele perguntou e nem deu tempo para receber alguma resposta, logo estalando os dedos e fazendo Jude agonizar mais uma vez, sentindo a dor que ardeu como uma chicotada nas suas costas. – Sabe por que eu digo que, além de cego, você é um grande mentiroso? – Zeref frisou a palavra que queria e viu os olhos agora desesperados do homem se voltarem para ele, depois de saírem do transe dolorido que o fez tombar a cabeça para trás e perder o ar. – Porque você pesquisou, Jude... Você foi atrás, descobriu coisas ainda piores e mesmo assim, além de ter ido em frente com seu plano, me teve a audácia de dizer que não sabia o que essa lacrima faz – Zeref disse, abrindo mais os seus olhos, e se manteve sério. – Você ficou procurando respostas... Até o dia que descobriu o que não devia – sussurrou, porém, no silêncio em que estava aquela saleta, até mesmo Happy e , mais afastados, conseguiram ouvir o que ele falou. Então o mago começou a se afastar da mínima distância que havia imposto e começou a abrir a maior e última rachadura de sua máscara. – E por fim... Sabe por que você ainda está aqui, enquanto que o corpo do seu amigo cientista já está entendido no chão do laboratório dele? – o rapaz fez sua pergunta final e viu o olhar de Jude que implorava piedade, senão por um fim para tudo aquilo, o fitando um pouco mais de baixo. E, pela primeira vez, um sorriso realmente grande e aberto atravessou o rosto de Zeref. – Porque eu queria que você ouvisse da minha própria boca a resposta para a pergunta do nosso amigo ali atrás.
Recuperando uma compostura mais austera, Zeref se levantou da posição em que estava e ficou de pé diante de Jude.
– Mesmo não gostando muito de magia, magos ou qualquer coisa assim, Jude, tenho certeza de que você já ouviu histórias... Histórias sobre os demônios que eu criei – o rapaz falou e começou a dar alguns passos à esmo para o lado, olhando em seguida de soslaio para o homem à sua frente. – Admito que, quando criei os primeiros, não pensei que fariam tanto sucesso... Mas acho que vocês, no fundo, só realmente gostam de uma boa piada, assim como eu – abrindo um pequeno sorriso, Zeref desviou os seus olhos e se voltou para a lacrima em sua mão, enquanto voltava a falar. – Tudo começou na Idade Baixa, quando eu decidi criar um exército para me ajudar... Resolvi então criar demônios. Não era difícil de criá-los. Bastava um pouco de paciência e de magia de criação proibida e lá estavam eles, todos à minha frente e esperando ordens em silêncio... E, quando eu me cansasse, bastava estalar os dedos e cada um voltaria para o buraco de onde tinha vindo – o rapaz começou a falar, mantendo os olhos vermelhos, que já estavam tranquilos de novo, sobre a esfera cristalina e as suas fumaças rodando lentamente em volta e quase que contra a superfície. – E não posso negar que eles fizeram cada coisa que eu pedi. Não hesitaram e destruíram, trouxeram tudo às cinzas e, para aqueles que sobreviveram, deixaram nada mais que pesadelos e histórias para contar. Histórias essas que ainda estão documentadas, para minha surpresa. Mas... – de repente, o rapaz disse e quebrou a linha do que dizia, fazendo em seguida quase que uma expressão triste. – Eu já estava ficando tão entediado. Por mais que sempre conseguisse o que mandava, era sempre tudo tão igual... Os mesmos rostos disformes e a mesma obediência muda. Os mesmos gritos. Foi quando... Eu parei para pensar e percebi que, talvez, tudo que precisava era ser um pouco mais criativo – levou os olhos de novo para Jude, tirando a feição tristonha de seu rosto e andando de volta para o homem. – E assim eu fiz. Podia não saber como ainda, mas já tinha certeza do que queria. Sentei-me e, antes que perdesse as ideias, comecei a escrever. Peguei vários livros em branco e descrevi, desenhei, criei novos demônios. Demônios que esse mundo jamais tinha visto... Dentes, chifres, garras, poderes e o mais importante de tudo: com personalidade, mas sem um coração batendo no peito – conforme começou a dizer, relembrando as próprias criações com uma pontada de nostalgia, Zeref foi se agachando de novo e se aproximando mais uma vez do pai de . – Fiz vários deles, Jude... Vários. Cada um com uma história diferente e gênios piores que os outros. E, apesar de ter sido realmente divertido, tão bom quanto tentar escrever um conto, eu já disse... Não sabia como. Procurei e tentei vários feitiços diferentes, sacrifiquei alguns dos meus demônios antigos, porém nada parecia suficiente para trazer as minhas criações à vida. Pelo visto, magia de criação não bastava e a energia que precisava excedia qualquer coisa que eu conseguia encontrar... Então eu me cansei – Zeref pareceu se deprimir repentinamente de novo, deixando o corpo cair sobre os joelhos e ficando ali, de frente para Jude, com as pontas do antigo sorriso suavemente voltadas para baixo e os olhos de quem não mostrava, mas no fundo sentia uma profunda tristeza. – Tomar as cidades já não era mais tão divertido quanto antes... E, não importava o que fizesse, nenhum dos meus personagens se materializava. Diante disso, então, não tive muito escolha... Guardei tudo e cada um dos livros. Escondi a lacrima... – adicionou e olhou rapidamente para a esfera sobre sua mão, não demorando para se voltar à direção de antes. – E me retirei. Tinha alguns assuntos pendentes para resolver mesmo, então não me incomodei quando começaram com a fofoca de que eu tinha sumido. Contudo... – Zeref se interrompeu e, nisso, realmente parou de falar. Fez um momento de silêncio, perdendo o foco dos olhos e das palavras, que por um instante pareceu longo demais, tanto para , Happy, ainda nos braços de e principalmente para a figura presa de Jude . De repente, subiu de novo os olhos e os pousou no homem amordaçado, recuperando a sua atenção, mas apenas para soltar uma risada depois. – Vocês conseguiram – e prolongou um pouco o seu riso, ainda encarando Jude e deixando claro que, em algum lugar de si, com certeza queria rir mais, mas que sua estranha compostura não deixaria. – Vocês mesmos e suas guildas das trevas me fizeram esse favor, anos mais tarde – Zeref interrompeu a risada e se permitiu um sorriso maior. – Eles encontraram a maior parte dos livros e conseguiram, de alguma forma, fazer os olhos dos meus demônios se abrirem. Quase não acreditei quando soube, mas era verdade... Humanos que descobriram qual era a peça faltando no meu próprio quebra-cabeça. E preciso admitir que eles até que fizeram um bom trabalho. Eisenwald, Oración Seis... Grimoire Heart. Essas guildas e várias outras puseram para andar no mundo algumas das coisas mais distorcidas que minha cabeça conseguiu imaginar... Muitas das quais esses dois inclusive tiveram que pôr para dormir – ele disse e apontou com a mão livre para trás, referindo-se a e . Os dois ficaram tensos ao ouvir aquilo, ou pelo menos se lembrar daquelas criaturas e do trabalho que elas deram, mas apenas permaneceram quietos. Até mesmo se calou e não ousou dar um pio. – Porém... Por mais que eu precise reconhecer o esforço, tinha alguma coisa errada – Zeref ergueu uma das sobrancelhas. – Seja qual for o modo que encontraram de acordar as minhas criações, esse não era bom o bastante... Ou um bando de magos ordinários não teria conseguido acabar com elas – ele disse, não tirando os olhos de Jude. – Então eu decidi voltar. Voltar e recuperar os escritos que haviam restado no esconderijo, consultar cada livro de magia negra até achar o que estava faltando de uma vez por todas. Ah, se você tivesse alguma ideia de como eu estava frustrado. Tinha todas as palavras e todos os feitiços necessários... Só faltava aquilo. Aquela fonte de energia poderosa o suficiente para pôr todo aquele sangue grosso para correr – o homem continuou falando, narrando cada coisa sem a menor pressa, até que levantou um de seus dedos livres e chegou mais perto de Jude. Já de cara com ele, viu-o abrir mais os olhos e perder o ar, apertando a boca sob o pano da mordaça, enquanto abria um sorrisinho de satisfação. – Foi quando eu me toquei... – Zeref disse e subiu a mão com a lacrima que estava beirando o chão, pondo-a entre ele e o seu objeto de castigo. – Que a resposta esteve comigo esse tempo todo – adicionou e viu Jude se encolher em seu lugar. Diante disso, curvou um pouco mais o seu sorriso e chegou mais perto. – Conte para mim, Jude... Como foi descobrir o que está guardado aqui? – levou sua boca para o ouvido dele e sussurrou. – Como foi ver que a sua gracinha de “Lacrima das Almas” não estava tão errada assim? – sussurrou o motivo pelo qual matara o cientista que conhecia Hayao e agora daria um fim em Jude também, não precisando se afastar para que logo começasse a sentir a tensão que inundava o corpo do outro e fazia o seu coração acelerar. – Oras, o que você achou que eu fazia com todos que matava na tomada das cidades? – Zeref questionou ainda em sussurros, continuando com as palavras apenas para o pai de e não conseguindo evitar o sorriso um pouco mais sacana que veio quando indagou aquilo. Inclinou mais a sua cabeça, sem sair de lá. – Encare como um souvenir, se quiser – disse e ia finalizar, quando se lembrou de uma última coisa para ser dita apenas ali, entre os dois. – Aliás... – emendou e, mesmo que naquela posição, levou as pupilas para o outro lado, como se quisesse conseguir enxergar os outros que estavam ali com eles. – Preciso dizer... A é assustadoramente parecida com Layla – e ali Zeref finalizou, dando o seu último sussurro e fazendo uma lágrima sorrateira e solitária descer pelo rosto de Jude , que fechou os olhos com força e não viu o mago se reerguendo e se pondo de pé outra vez. – Mas voltando ao que interessa... – o rapaz disse e atraiu a atenção do homem de novo, que ergueu sua cabeça e seus olhos marejados. – Obrigado, Jude... Sem você, eu teria tido um pouco mais de trabalho. E só queria que soubesse... Os meus melhores demônios, por sorte, foram guardados para o final – ele reabriu aquele sorriso digno do que estava para fazer e levantou a mão livre, estendendo-a na direção do homem. Começando a perceber os movimentos dele e aquele gesto que já havia sido feito mais de uma vez naquele dia, abriu mais os seus olhos. – É uma pena que você não vai viver para ver.
E, naquele momento, a garota sentiu o coração parar dentro do peito.
Com uma cotovelada totalmente impensada, acertou o meio do peito de e o fez largá-la de seus braços, permitindo que ela se jogasse para frente e logo estivesse de pé de novo.
– NÃO!
A menina gritou antes que pudesse pensar e correu até Zeref e seu pai, atraindo a atenção do mago e o fazendo parar o que estava fazendo, mas apenas para vê-la já a centímetros e praticamente ao alcance dos dois.
! – , quando se pôs sentado de novo e viu o que ela fazia na verdade, chamou desesperado e logo se levantou para tentar pará-la, porém não conseguiu. No meio tempo que foi alcançar os dois e chamar a atenção de Zeref, esse imediatamente se virou ao ouvir a voz de e lhe ergueu secamente a mão, arremessando-o contra a parede atrás e o prendendo da mesma forma que fizera com , pelo pescoço e na nuvem púrpura.
Quando já estava terminado com , vendo-o levar as mãos inutilmente à coleira e fechando os olhos em esforço, Zeref abaixou sua mão e se voltou para a direção de antes, encontrando agora diante de Jude, os braços e pernas abertos, além de tremendo com a respiração quase ofegante, enquanto encarava de frente o mago negro diante de si.
– O que você está fazendo? – Zeref perguntou até que calmamente para ela, realmente não entendendo o que diabos a garota fazia, e a viu erguer um pouco mais o queixo, enquanto não tirava do rosto aquela expressão que era quase que de desafio.
– Você não vai matá-lo... – disse simplesmente, levantando mais os seus braços e não movendo mais nenhuma outra parte de seu corpo. – Eu não vou deixar! – Zeref, no entanto, permaneceu inexpressivo, encarando-a com aquela cara de quase tédio e a lacrima sobre a mão.
, por favor, saia daí – o mago pediu sem perder a postura, apesar de quase complacente, mas a menina não o ouviu. Apenas enrijeceu o seu rosto e se manteve ali, na frente de seu pai e completamente exposta.
– Por que você precisa ser cruel desse jeito?! – ela perguntou sem conseguir pensar direito nas palavras, enrugando o cenho e levantando o tom de voz. – Você já tem a porcaria da lacrima e tudo que quer... Se o problema é ele saber o que não deve, apague a memória dele também! Vai dar na mesma! – replicou, deixando o volume de sua voz subir cada vez mais e continuando a encarar os olhos vermelhos dele, quando viu Zeref erguer um dedo da mão livre jogá-lo suavemente para o lado.
, eu não posso fazer isso... É uma questão de princípio – o rapaz começou dizer e, nisso, a menina foi jogada para o lado que ele indicara, caindo ao chão e ouvindo a voz dele continuar em seguida. – Seu pai me deixou bem irritado quando me contou que havia praticamente espiado dentro da lacrima... Eu tenho a minha privacidade também, sabia? – Zeref disse sem muitas alterações e também não mudando a direção dos seus olhos, a despeito da garota que era arremessada bem ali e ao seu lado. , no entanto, não pareceu se importar muito ou sequer dar ouvidos. Antes que algo mais pudesse ser feito, depois que ela conseguiu se pôr de bruços e levantar o de seus olhos, a menina se ergueu e correu de volta para o mesmo lugar de antes, enfiando-se no meio de Zeref e seu pai e reabrindo os seus braços outra vez, ao que encarava dali a expressão do mago que agora era de quase surpresa. – Mas o que você...?
– Eu já disse – disse e o cortou, mantendo a posição e a direção de seus olhos, além da firmeza que agora substituía a fúria de antes no seu rosto. – Eu não vou deixar você matá-lo. Então, se quiser chegar ao meu pai, vai ter que passar por cima de mim primeiro – ela completou e depois daquilo não disse mais nada. Apenas ficou ali, em silêncio e com os olhos nos de Zeref, esperando qualquer reação ou movimento dele. e arregalaram os olhos no canto em que estavam, sem saberem como reagir e o que estava possivelmente pensando ao fazer uma coisa daquelas. Zeref, contudo, não a tirou dali como da outra vez. Ficou calado por alguns poucos segundos, assim como ela, observando-a dali fixamente.
– Interessante – essa foi a sua primeira reação depois daquela atitude, falando simples e curtamente. – Você vai protegê-lo? Ele? O homem que a decepcionou tantas vezes e até tentou casá-la contra a sua própria vontade? – o mago perguntou para e cerrou suavemente os seus olhos, tombando de leve a cabeça e encarando a menina com suas feições aguerridas. – Mas por quê? – ele questionou e respirou fundo, firmando mais as suas pernas no chão e colocando ainda mais força em seus braços.
O que Zeref disse podia ser verdade. No fundo, ainda sentia raiva de cada coisa feita e de cada atitude tomada por sei pai, do casamento, dos gritos, da ausência, mas não iria deixar aquilo acontecer. Não ali.
Não quando ela finalmente havia enxergado o que tanto pedira para um dia entender na vida.
Assim como havia lhe advertido, um dia, a primavera veio. As flores antigas, já murchas e quase sem perfume, morreram e caíram ao chão, dando lugar aos novos e frescos botões que começavam a nascer. A única coisa que não esperava era que, ironicamente, as flores renascidas não seriam as de seu pai, como lhe fora sugerido, mas dela mesma. Elas finalmente floresceram de novo, depois de tanto tempo e tanta dor, só que perante uma grossa e escura noite sem estrelas, fazendo finalmente perceber, com um aperto no coração, por que ela fora trancada por tantos anos e por que ninguém lhe dizia o motivo.
Era tão claro que agora ficava praticamente óbvio. Se seu pai aprendera a sentir a presença de magia com os anos que passou com sua mãe, ele com certeza também chegou a aprender coisas que só magos normalmente saberiam. Talvez não tudo, desde as poções de poder mágico até as diferentes modalidades de magia, mas o suficiente do que fosse de seu interesse... O que provavelmente incluía o seu lado feio. O seu lado mais negro e putrefato. Então, depois de tudo, talvez ele só quisesse realmente protegê-la. Da maneira menos inteligente e mais fácil que encontrou na sua cabeça focada no trabalho, mas protegê-la. Jude conhecia a filha que tinha, com as mesmas determinações e jeitos da mãe, e tinha plena noção de que a magia estava espalhada em cada canto do Reino de Fiore.
Assim como com certeza sabia da existência de monstros como Zeref.
Sem retirar os olhos do rapaz que ainda se mantinha em silêncio, não moveu mais nada que não fossem os seus lábios.
– Por motivos que monstros como você jamais entenderiam.
A garota disse e voltou a se calar, esperando o primeiro golpe que, uma hora ou outra, Zeref com certeza desferiria. Seu pai podia ser, no fundo, mais egoísta do que devia e ter feito coisas piores do que prendê-la em casa e jogar a chave fora, aquilo podia ainda estar bem longe de um completo perdão, porém ela iria defendê-lo. Assim como ele havia feito anos antes, iria retribuir. Iria protegê-lo do mesmo lado pútrido e desgostoso do qual seu pai um dia tentou guardá-la.
Depois de ouvir aquelas palavras, Zeref ficou em silêncio por alguns segundos, como na verdade vinha fazendo a cada atitude de . Não demorou, porém, para que levantasse de novo a mão do dedo que a lançara para o chão e a levasse para o lado num movimento seco, fazendo imediatamente com que um tapa fosse estalado contra uma das bochechas de .
– Você não devia ser tão insolente comigo – o rapaz disse, com sua expressão agora beirando o sério e os olhos começando a perder o ar tranquilo de antes, enquanto sua mão permanecia na mesma posição em que parou e , à sua frente, fechava os olhos pela dor e ardência que ainda marcavam o seu rosto. – A linha que a separa de morrer como todos os outros aqui ainda é bem fina – ele completou e manteve sua mão no ar, pronto para abaixá-la e voltar ao que fazia, quando abriu mais os olhos com o que viu em seguida.
Respirando fundo, talvez ofegando da raiva que começava a arder sem controle, reergueu a face, que agora estava avermelhada, e voltou a encarar Zeref, quieta e praticamente esperando, por assim dizer. E, ao entender a mensagem dada naquele silêncio dela, o mago franziu o seu cenho em raiva e jogou a mão para o outro lado, acertando a outra bochecha de e a fazendo desviar os olhos de novo, dessa vez numa força bem mais bruta. A garota, contudo e mesmo assim, não mudou de decisão. Mais uma vez, a despeito da dificuldade, levantou o rosto e olhou para Zeref com aquela expressão audaz, de mandíbula travada, dentes cerrados, olhos fixos e a cara de quem não tinha medo de apanhar de alguém que nem sequer usava a força do próprio braço. Sem conseguir então controlar a onda de fúria que o assolou pelo claro desafio que lhe era cuspido, o rapaz começou a imediatamente desferir vários tapas no ar e consequentemente em , cada vez com mais força e mais impulso, sem sequer esperar que ela voltasse a dar a o rosto para que pudesse acertá-la de novo. Jude começou a gritar contra a sua mordaça, implorando em sons confusos para que ele parasse, enquanto que chamava por de seu lugar e tentava berrar contra o aperto de sua coleira, mas apenas conseguindo que uma ordem furiosa e distorcida saísse de sua garganta. Zeref, no entanto, continuou até quando bem entendeu, dando um último tapa em e finalmente parando com a mão no ar, praticamente já posicionada para o próximo castigo que precisasse sair.
– Saia daí agora, ... O meu problema não é com você – o rapaz disse quase que entre os dentes, os olhos abertos e observando a menina à sua frente que ainda não tinha voltado a reerguer o rosto.
Mas a atitude que ela tomou ali, em seguida, foi bem diferente da que ele ou qualquer um naquela torre esperava.
Ainda com o rosto virado e se recuperando do tremendo tapa que havia acabado de tomar, puxou uma das mãos e agarrou o chicote que continuava preso em seu cinto. Levantou então o rosto e, num movimento que, talvez por pura sorte, mas também talvez por muito azar, foi de alguma forma bem mais rápido que Zeref, ela bateu com o chicote e alcançou a lacrima flutuando sobre a mão dele, arremessando-a contra a parede mais próxima e a fazendo em míseros cacos.
Vendo a expressão de incrédula que agora tomava conta completamente do rosto de Zeref, que permaneceu paralisado na última posição que assumira quando ainda tinha a lacrima inteira em sua mão, cerrou os olhos e deixou a ponta do chicote ficar no chão, fechando a mão com força em torno do cabo.
– Pois acho que agora é – ela disse sem hesitar, as sobrancelhas firmes e o rosto se tornando sério como nunca havia ficado antes.
A tensão que se fez ali depois daquela atitude era tanta, por parte de cada um que ocupava um lugar na sala daquela torre, que mal se conseguiu dar atenção para a reação da quebra da lacrima e liberação das almas que começava a acontecer bem ali. O lugar foi imediatamente tomado por uma forte luz verde, além das antigas fumaças que agora se multiplicavam e passavam a rodar em fúria em torno da saleta, indo em direção ao teto e fazendo com que rachaduras começassem a surgir nos cantos dele pela agitação e o tremor que eram causados. Não demorou para que então as quebras vencessem e o fim da torre se desfizesse em pedaços que, com a força das almas, foram ao contrário da gravidade e subiram ao céu agora exposto, indo junto com o redemoinho até o mais alto das nuvens na sua cor agora esplêndida e não mais morta como antes.
Happy, , e Jude tinham os olhos arregalados, apenas observando em um silêncio de palavras quase que engolidas a explosão e o mago agora com uma expressão inteiramente nova para o seu jeito sempre tão inexpressivo e falsamente calmo de ser, além da garota que permanecia na mesma posição e pronta para o que desse e viesse, por mais que pudesse se ver no aperto de suas mãos o medo que começava a sentir pela briga que tinha acabado de comprar à força.
E foi ali que então viu.
O rapaz desfez, aos poucos e lentamente, a careta assustada que fizera e tomara conta de seu rosto, enquanto que toda a tremedeira e destruição continuavam ocorrendo à sua volta. Não demorou quase nada para que realmente notasse. A sensação que sempre tinha quando estava perto dele... Principalmente quando para ela o seu nome ainda era Siegfried Aika. Aquela de que, de repente, sem aviso prévio ou até mesmo motivo, viria um momento em que as mãos dele a agarrariam sem dó e os seus olhos perderiam por completo o ar supostamente calmo que tinham, de docilidade, tranquilidade, apenas para revelar o demônio que na verdade vivia dentro daquele corpo de feições de garoto.
Aquele momento havia, finalmente, chegado.
Com o fogo perigosamente contido no fundo de seus olhos vermelhos como sangue, Zeref se manteve calado por poucos segundos, limitando-se a encarar a figura também quieta de . Então, sem mover uma única linha de seu rosto que se mantinha tenso, ainda com aqueles olhos de quem poderia matar um anjo sem o menor remorso, ele ergueu suavemente o braço da mão que antes carregava a lacrima e o esticou na direção de e Jude, fechando os dedos num punho que, impressionantemente, não estava tão apertado.
– Você diz muitas coisas, – ele começou numa calma que, no fundo e apesar de tudo, dava para dizer que era a de alguém que estava para perder as estribeiras. Esperou por um segundo, olhando fixo e com olhos semicerrados para a garota que começava a se segurar contra a parede na tentativa de manter o equilíbrio naquele pandemônio, além de seu pai que tentava inutilmente fazer o mesmo no seu estado amarrado. Então, por fim, girou o punho e o deixou na direção dos dois, exibindo os dedos que antes estavam voltados para baixo. – Mas se esquece de uma... – depois, apenas abriu por completo os seus olhos. – Isso aqui não é um conto de fadas – e abriu a palma de sua mão secamente.
No momento em que Zeref fez isso, foi imediatamente jogada contra a parede atrás de si, assim como o rapaz havia feito com e , exceto pelo fato de que, dessa vez, o fizera pelo menos cinco vezes mais forte. Os tijolos se desmontaram e se desfizeram pouco após o impacto, de forma que e seu pai, que acabara se chocando com ela também, logo estavam praticamente fora da torre e prontos para caírem em queda livre.
Depois, foi tudo rápido até demais, apesar da cabeça de jurar que fora quase que em câmera lenta.
De onde estava, sentindo a cabeça pesar uma tonelada pela colisão violenta, ainda estava de olhos abertos quando viu tudo acontecer. Num momento de distração por parte de Zeref, causado pela da raiva ácida que o cegou por completo na hora, o feitiço que prendia e à parte da parede ainda inteira foi desfeito e os dois caíram com os pés no chão, finalmente voltando a respirar direito. Em seguida, aquela imagem de Zeref que se afastava cada vez mais, ainda com a expressão séria e de quem fazia questão de observar cada segundo da cena à sua frente, começou a ser tomada pela magia de que imediatamente passou a congelá-lo dos pés à cabeça, enquanto que ela podia ver e Happy começando a correr em sua direção. O tremor da torre acabou aumentando ainda mais, talvez pelo conflito entre magias que aconteceu tão de repente, mas a garota sentiu que não conseguiria observar por muito mais tempo. Sua cabeça latejava e não se concentrava em mais nada, o que incluía principalmente tentar ficar acordada, de forma que a última coisa que conseguiu ver, antes de fechar os olhos e se sentir perder por completo a consciência, foi a imagem do rosto de se pondo para fora da torre, com os grandes olhos abertos e os cabelos esvoaçando contra o negro do céu, a observando cair dali.
! – o mago do fogo chamou por ela em um grito, mas a menina já estava totalmente fora do alcance de suas palavras, desacordada e inconsciente. Então, sem pensar duas vezes, ele pulou da torre e se pôs a cair na mesma direção que ela, sendo acompanhado por Happy que saiu de lá com as asas abertas. – Happy! – ele chamou e o gato imediatamente entendeu, agarrando-o por trás da blusa.
– Aye! – Happy disse e logo começou a aumentar a velocidade do voo, levando consigo e tentando alcançar e Jude. O garoto podia sentir o vento passando violentamente por todas as partes de seu corpo, por baixo das roupas e por seus cabelos, enquanto que a figura de começava a se aproximar cada vez mais de suas mãos.
No entanto, sentiu de repente a velocidade com que caíam diminuir e seu colete ser largado aos poucos.
, eu... – Happy disse arrastado e sem conseguir terminar. Antes mesmo de ajudar a subir a grande escadaria da torre, o gato já havia usado muito de seu poder mágico na batalha contra os demônios, de forma que, àquela altura, sua magia não havia ainda nem de longe se recuperado para uma tarefa como aquela. Não demorou então para que o gato largasse de vez o mago e fechasse os olhos, perdendo a consciência e caindo sobre as costas de . E, com a agitação da queda, Happy acabou sendo arrastado para o lado, caindo para a esquerda com a ajuda do vento.
– HAPPY! – se desesperou ao ver o gato caindo em curva e indo para longe de seu alcance, mas logo alguma outra coisa passou voando e o agarrou rapidamente em seus braços, indo em seguida para longe dali. O mago tentou acompanhar a direção e descobrir quem ou que pegara o gato, contudo, quando viu o laçarote cor-de-rosa ao longe, soube na hora que Happy ficaria bem.
Sem mais escolha, voltou os olhos com um pouco de dificuldade para baixo e viu de novo caindo desacordada. Franziu o cenho e trincou os dentes, sabendo que agora dependia apenas dele. Fechando então as mãos em punhos, colocou o corpo na vertical, alinhado à torre ao lado, e trouxe o fogo de sua magia à tona, aumentando a força com que inflamava as labaredas e aproveitando o impulso para voltar a se aproximar de . Já que não tinha mais as asas de Happy para ajudar a tirá-los dali, se pudesse ao menos segurá-la... Talvez conseguisse protegê-la de alguma forma no momento da grande colisão.
Para sua sorte, o plano funcionou, fazendo imediatamente com que o corpo da menina começasse a ficar mais próximo. No entanto, apesar de mais perto, ainda não era suficiente. continuava consideravelmente longe e, naquele ritmo, os dois apenas se encontrariam quando ela já estivesse provavelmente sem vida no chão. Então, bem mais do que raiva, a frustração que passou a sentir começou a queimar com a força de mil sóis brandos em sua garganta, ao que apertava ainda mais os dedos dos punhos que ardiam em chamas. No primeiro dia, dissera a que ela era sortuda por tê-lo para ajudá-la... E aquilo, por mais que não se tratasse realmente de uma questão de sorte, era pura verdade.
Se havia alguém que ele não deixaria morrer naquela batalha, esse alguém era .
nunca fora de usar muito a própria cabeça. Ao contrário, talvez por seus jeitos ou mesmo sua natureza animalesca, o garoto fazia mais que isso: ele seguia instintos. Fosse a vontade de comer ou a raiva que se acendia de repente, a sensação de perigo ou de que alguma coisa começava a aparecer no ar, vivia e se guiava desse jeito, sem livros ou complicações, seguindo apenas o que sentia ou pressentia no momento. E foi exatamente por isso que ele logo se sentiu atraído, ou seja como for que as pessoas gostem de chamar, pela presença de . Não sabia o que era e na verdade nem queria, já que no fim não lhe faria diferença mesmo, mas havia algo nela que mudava tudo. Havia algo em seus jeitos e sorrisos transparentes que, para ele, era a mesma sensação de quando os ventos começavam a soprar para o lado certo.
O mesmo que ter encontrado o lugar mais seguro do bosque.
Apertou a mordida de seus dentes ainda mais e, logo em seguida, aumentou o fogo de suas mãos, sem se importar com o limite que começava a atingir. O céu, que àquela altura já havia deixado de ser negro para ficar verde e tomado pelas violentas almas libertas da lacrima, agora começava a brilhar com o fulgor das suas chamas cada vez mais reluzentes e ardentes. O controle começou a consequentemente lhe escapar, mas nem por isso conseguiu se importar. Ele podia sentir já. As pupilas dos olhos afinando, a pele que antes ardia com o atrito do vento começando a se tornar cada vez mais grossa e cheia de escamas... O coração que passava a pulsar mais rápido e numa força bem mais bruta que normalmente. Nada daquilo, porém, o fez parar. Se ele tivesse que se incendiar por completo para conseguir alcançar , assim seria e nada nem ninguém o faria mudar de ideia.
E aquilo foi o que acabou fazendo na verdade, mesmo que mais pela falta de controle da magia que passava a tomar conta de seu corpo do que por iluminação. As chamas, que antes se restringiam a seus punhos e pulsos, agora começavam a vir de cada canto e centímetro de sua pele, inflamando cada nervo, transformando o garoto numa verdadeira estrela resplandecente que caía do céu à Terra. E finalmente começou a ficar perto de verdade. Esticando o seu braço, mesmo que com certa dificuldade para vencer a força do ar indo contra eles, o rapaz tentou alcançar a mão dela, já tão próxima, mas também parecendo cada vez mais longe com a queda que começava a acabar para todos eles. Continuou se esticando e se alongando como podia, cada dedo de sua mão, cada chama nova que nascia de seu corpo, já podendo ver dali a mão dela e as suas unhas que começavam a ficar cada vez mais afiadas a ponto de se encontrarem.
E então ele conseguiu. Agarrou a mão de , sem conseguir se lembrar da possibilidade de estar queimando a pele dela, mas, quando tirou os olhos dela por um segundo e vislumbrou o que vinha abaixo, percebeu que aquilo que se aproximava deles não era o chão.
Era água.
Assim que a queda acabou e os dois mergulharam no lago escondido atrás da torre, parte da água se ergueu e foi ao alto num grande pilar disforme como resultado do choque que havia acabado de acontecer.
Abaixo da água, não foi de imediato que abriu os olhos, mas, quando o fez, logo percebeu onde na verdade estava. Era um lago que, mesmo que não fosse tão grande, tinha uma profundidade que não correspondia em nada à sua extensão. Lá dentro, era praticamente impossível ver o seu fim, enterrado no negro da profundeza, assim como as paredes das margens, o que podia dar a inferir que terminara, na verdade, bem no centro daquele lago. Vendo então que estava totalmente sozinho ali, afundando aos poucos na água opaca e banhada pela pouca luz que a atravessava, impulsionou-se para a superfície e tentou sair o mais rápido possível da água, passando a respirar fundo e ruidosamente quando finalmente emergiu e sentiu o ar entrando gelado em seus pulmões de novo. Balançou a cabeça e tirou os excessos que ainda molhavam os seus cabelos e pingavam para os seus olhos, sentindo de leve a vontade de praguejar. Água nunca fora o seu forte. No entanto, quando já estava respirando normalmente, percebeu que o coração já não batia tão violentamente como antes.
Ergueu imediatamente os dois braços na frente dos olhos e os encarou dali, já limpos das escamas e sem as unhas afiadas de antes, em um silêncio que era quase abismado, senão aliviado de sua parte. O próprio Mestre já havia lhe advertido para evitar a transformação. Era ainda muito perigoso... Principalmente para alguém tão jovem como ele.
Porém, não deixou que isso tomasse conta de sua cabeça por muito mais tempo. Logo abaixou os braços na água de novo e passou a olhar para todos os lados, vendo as extensões do lago vazias e sem qualquer sinal de .
! – tentou chamar por ela, erguendo sua voz ao máximo que podia, mas não recebeu resposta alguma que não fosse a reverberação de seu próprio chamado. A garota não estava em lugar algum daquelas águas e nem mesmo perto nas margens. Trincou os dentes e apertou a mão em punho, tentando pensar no que fazer, quando ouviu uma voz ressoando por ali.
Só que não a de .
Virando-se rapidamente com os olhos abertos para o lado de onde vinha aquele barulho, viu Jude se afogando mais ao longe, com as mãos e os pés ainda atados, enquanto tentava gritar por socorro contra a sua mordaça. Por um momento, no meio de suas inúmeras tentativas de alcançar a garota e da própria meia-transformação, o rapaz havia se esquecido de que o homem havia também sido arrastado para fora com o ataque de Zeref e consequentemente caído da torre.
Então, sem perder mais tempo, mergulhou nas águas de novo e começou a nadar rapidamente até lá, ao que Jude começava a perder os últimos segundos de superfície que tinha e acabava afundando os últimos pedaços do rosto. Ele ainda tinha que encontrar , e rápido, mas nunca que poderia deixá-lo se afogar ali, na sua frente, e não fazer absolutamente nada. Não só ia contra tudo que lhe fora ensinado na guilda e ele próprio havia pregado durante toda a vida, como era o motivo da garota ter se machucado e se posto a desafiar Zeref, o mago mais temido de todos os tempos. Era a razão para ela ter se sacrificado daquela forma e não deixaria que isso fosse em vão.
Finalmente chegando perto e já fora da superfície, o rapaz conseguiu ver o homem, que ainda se mexia, afundando lentamente e cada vez mais para o fundo do lago. Sabia que estava longe de ser um exímio nadador ou algo perto de um salva-vidas, então apenas o agarrou pelo braço, sem lhe dar tempo para reagir de alguma forma, e o puxou consigo para cima, conseguindo fazer com que os dois emergissem em pouco tempo. Depois, nadou de qualquer jeito até a margem e o arrastou consigo, passando a agarrá-lo por trás e pela gola do blazer que usava sobre todas as outras roupas. Quando chegaram à terra, o puxou e deixou que ele ficasse deitado no chão, com as costas para baixo, enquanto ficava de joelhos à sua frente lhe arrancava o pano que cobria a boca.
Jude respirou pesado na primeira inalada e se pôs sentado, levantando os olhos do rosto ainda molhado e vendo a figura de à frente.
– A-a... A ...! – foi tudo que disse, sem conseguir completar as frases e vendo o garoto que só ficara mais tenso ainda depois de ouvir aquilo. Sem responder, ele voltou a olhar em volta, na esperança de que talvez, já fora da água, conseguisse enxergar melhor ou algo que não tivesse visto antes. Assim o fez, olhando para todos os lados possíveis e ainda agachado à frente de um Jude encharcado, até que arregalou os seus olhos ao ver, quase do outro lado do lago, o chicote negro boiando solitário.
Ele logo saltou na água de novo e se pôs a nadar apressadamente até aquele ponto, mergulhando fundo quando estava para ficar perto dele. Já embaixo da água, começou a olhar em torno, procurando pela menina ou qualquer outra pista de seu paradeiro, até que, ao olhar para baixo de onde estava, finalmente viu afundando e quase entrando para onde nenhum outro olho conseguia alcançar. Impulsionou-se então para baixo, nadando até ela e o seu corpo que descia de um jeito quase que pacífico às profundezas, praticamente largado em cada músculo e pedaço de si se não fosse pela mão, ainda um pouco queimada, que continuava erguida e esticada em direção à superfície. E foi por ali, pela mão ainda chamuscada dela, que ele a agarrou firmemente, antes de puxá-la para os seus braços e começar a nadar para cima.
Quando alcançou a superfície de novo, respirou todo ar que pôde de uma vez só, tal como havia feito antes, porém , em seus braços e flutuando junto, não teve a mesma reação. Ao contrário de seu pai, que se agitou ao sentir o peso da água fora de si e o ar gelado o invadindo outra vez, a garota apenas tombou a cabeça sem força ou firmeza alguma para trás. E, ao notar aquilo, tirou uma das mãos que usava para agarrar o corpo dela e a levou para o seu rosto, tomando-o nervoso por uma das bochechas, enquanto o trazia para frente e sentia o coração acelerando cada vez mais.
...? – ele chamou com a voz um tanto presa, mas ela não deu qualquer sinal de que havia ouvido aquilo, apenas permanecendo desacordada e gelada em suas mãos, enquanto o vai-e-vem da água balançava os dois. – ?!
gritou a plenos pulmões e tentou chamá-la de novo, porém, pela segunda vez, não eram os seus gritos que conseguiriam trazê-la de volta para si.

Sentindo a explosão que estourou violentamente e jogou o seu corpo para longe, tentou se segurar assim que alcançou o chão e fincou as suas unhas nele, sendo arrastado até a beira da segunda parede que acabara destruída e agora dava entrada ao céu negro, assim como aquela pela qual e seu pai despencaram mais cedo.
Depois que pulou da torre com Happy para salvar , o rapaz imediatamente começou a congelar Zeref da ponta dos pés à cabeça, na esperança de pará-lo ou pelo menos ganhar algum tempo até que o Mestre chegasse com os outros, mas o seu plano acabou não dando certo. Pouco tempo depois que começou a materializar o gelo em torno dele, esse rachou e uma grande explosão ocorreu em seguida, detonando tudo que sobrara da grande parede circular da sala, cujo teto já tinha sido destruído pelas almas e agora estava a céu aberto.
, quando estava a ponto de cair da torre, no entanto, agarrou-se à beirada do chão. Puxou-se com dificuldade para cima, apoiando os cotovelos, enquanto os cabelos voavam para trás com o vendaval trazido pela explosão e ele cerrava os olhos. Por mais que tentasse, não dava para ver absolutamente nada através da fumaça que, agora, era uma confusão de verde pálido, negro, azul claro e magias de faces diferentes. A explosão, que foi provavelmente causada pelo choque entre as maestrias, fora forte demais para que ele, em algum momento, conseguisse ver o que acontecia ou deixava de acontecer, como foi o caso da rachadura de seu gelo que , inocentemente, ainda desconhecia.
Contudo, enquanto ainda tentava se equilibrar com a força que punha nas mãos para se segurar e a que usava para vencer o vento vindo em sua direção, o rapaz pensou ter visto algo de estranho e olhou para baixo, passando a ver a camada congelada sobre o chão que começava a se expandir e se aproximar cada vez mais dele. Ele havia congelado o chão também?!
– Droga...! – praguejou em esforço, tentando se puxar mais para cima, mas, antes que pudesse tomar alguma precaução, acabou escorregando a mão no gelo sem que visse e foi puxado para trás, de forma que passasse a pender por uma única mão que agarrara a tempo as pedras do chão.

Mais ao longe, no campo de batalha, Juvia lutava corpo a corpo contra os demônios que vinham para cima dela e de Gajeel. Assim como o companheiro que, apesar de ainda estar em condições de desferir alguns socos de ferro, daqui a pouco estaria na mesma situação que ela, o seu poder mágico já estava ficando no limite. Juvia havia acabado com toda e qualquer água que tinha à sua vista, ou pelo menos mais por perto, de forma que não teve outra opção que não fosse partir para a defesa com os próprios punhos, afastando cada demônio com murros e chutes, até que sua magia estivesse forte de novo para tentar encontrar água a maiores distâncias ou fazer qualquer outra coisa.
No entanto, durante os seus esforços para lutar, quando Juvia acertou a criatura que lhe vinha por trás com um chute e se virou, ela viu de repente a imagem ao longe que fez os seus olhos arregalarem.

– PORCARIA! – gritou com raiva quando finalmente conseguiu se erguer de novo, debruçado sobre o chão praticamente todo congelado e lutando contra a força do vento da explosão que ainda o banhava e quase o jogava para trás.

Parando todo e qualquer movimento seu, Juvia baixou os braços que mantinha em guarda e ficou com os olhos grudados na figura de pendurado no alto da torre parcialmente destruída, onde uma grande força agora parecia atuar e subir em tornado até o céu. Então, sem que ao menos percebesse, ela logo se viu movendo os pés, dando alguns poucos passos naquela direção e ignorando por um momento toda a guerra à sua volta.
Isto é, até sentir as garras de um dos monstros a surpreendendo por trás.
Arregalando os seus olhos e arqueando de leve o peito, ela sentiu uma dor aguda e perdeu o ar por um segundo, mas logo conseguiu se virar e mandar a criatura para longe com outro chute. O corte, desferido ao longo de suas costas e que deixou marcas e rasgos na sua blusa, sangrava em pequenas trilhas, porém, para sua sorte, o revide fora rápido o suficiente para que a ferida não se tornasse mais funda. No entanto, antes que pudesse pensar, tomar mais alguma providência ou sequer fazer qualquer outra coisa, ela se virou e logo estava mais uma vez com os olhos pregados no rapaz que ainda tentava vencer o próprio peso e as forças do furacão mágico à sua frente.
Ela até tentou voltar a lutar, pelo bem de Gajeel e dela própria, que aos poucos começou a sentir os demônios chegando mais perto e a agarrando pelos braços, pendurando-se sobre os seus ombros e sua retaguarda desprotegida, sobre a sua figura que só se tornava cada vez mais congelada com aquela visão, mas não tinha como. Não havia movimento seu, concentração. Não existia outro pensamento em sua cabeça. Pelo menos não até que ela soubesse e tivesse a certeza de que ele, , seu único e verdadeiro pedido de cada noite antes de dormir, estava fora de perigo e longe de cair daquela torre tão alta.
De que tudo não iria acabar bem ali, diante dela e de seus olhos que, mais uma vez, só podiam observar em silêncio e esperança.
Com tantas criaturas em cima de si e agora a prendendo contra o chão, puxando a sua pele e tentando cravar as garras nela, Juvia já havia desistido de tentar lutar, sem foco, sem saídas ou magia, apenas com o corpo todo deitado sobre a terra e o queixo apoiado nessa, enquanto observava dali de baixo o mago e só torcia, a cada segundo, a cada instante e a cada batida de seu peito, que ele conseguisse escapar.
Que, dentre os dois, pelo menos ele escapasse com vida.

Contudo, já era tarde demais quando ergueu os olhos de novo e viu o último pulso de explosão que veio e o atingiu em cheio, jogando-o para longe dali e com os olhos abertos, enquanto mantinha a mão ainda na direção ao pedaço de chão que havia segurado tão firmemente e agora se afastava cada vez mais.

Juvia arregalou os olhos e sentiu a pupila se reduzir a um mísero ponto.
! – o berro que Juvia deu acabou sendo tão, mas tão alto que foi suficiente para fazer os corvos que estavam ao longe erguerem voo, além de chamar a atenção de quem quer que estivesse à sua volta, o que incluía Gajeel, alguns magos da Lamia Scale, mas, principalmente e acima de tudo, outros demônios.
Demônios que ainda tinham fome, mas também as garras vazias.
Depois de gritar, a primeira reação de Juvia foi se jogar para frente. Com um impulso de seu corpo, a garota tentou ir na direção da torre e de , mas logo caiu de volta ao chão de terra, já que ainda estava literalmente presa às garras de todas aquelas criaturas em cima dela. No entanto, aquilo não lhe importou tanto quanto deveria ter importado.
Abrindo um dos olhos, enquanto ainda tinha o corpo dos pés ao queixo jogado à terra do chão, ela viu de novo a imagem de caindo ao longe.
Nada daquilo importava, na verdade.
Ficando suas unhas no chão e afundando os dedos na terra, Juvia cerrou os dentes e, a despeito da dor que ainda sentia pelas garras cravadas no seu corpo, começou a se arrastar pelo chão. Fechou os olhos e sentiu o coração bater com cada vez mais força ao que a imagem de voltava em flashes à sua cabeça, começando a se puxar para frente de novo, agora agarrando o solo abaixo de si e lutando contra as forças que tentavam puxá-la para trás. E ela foi finalmente se afastando, lentamente e com as lágrimas que começavam a cair de seus olhos a cada vez que sentia as garras teimosas rasgando suas costas e pernas, mas com um único objetivo.
O de ir até .
O de salvá-lo, como quer que fosse e por que preço fosse.
Quando Juvia finalmente conseguiu se livrar do domínio dos demônios, o seu corpo acabou indo ao chão e em cima de seus braços, na falta da força que repetidamente tentava puxá-la de volta. Ela sentiu as suas costas, agora cheias de marcas que atravessavam não só o tecido de sua blusa já em farrapos, mas também a sua pele, arderem em agonia, porém nem isso a parou. Ela se jogou de novo para frente, sem forças para se erguer de imediato, e continuou assim até que conseguisse se arrastar, engatinhar e finalmente pôr o corpo sobre seus pés, que foi quando começou a correr a toda na direção da torre e de .
Não foram poucas as vezes que Juvia recebeu a pergunta do porquê, apesar de tudo que sempre acabava passando e do jeito frio com o qual era tratada no final de cada dia, ela continuava a insistir e ir atrás de . Também não eram poucas as pessoas que a olhavam com pena quando viam o mago passar por perto e olhá-la de relance, pregando os seus olhos sobre a figura dela e suas densas íris azuis que, por um momento, pareciam se iluminar, porém apenas para virar o rosto em frieza e continuar andando como se nada tivesse acontecido. E Juvia, no entanto, odiava admitir que foram muito mais vezes que essas em que ela se percebeu sem uma explicação realmente decente para tudo aquilo. Não que ela não visse o porquê, pois era exatamente essa certeza que tinha que a movia a cada dia e a fazia sentir apenas alegria quando revia à sua frente, mas talvez só não tivesse as palavras corretas. As palavras certas para explicar que tudo aquilo podia machucar e principalmente parecer loucura, mas no fundo não importava.
Jamais importou exatamente porque ela se lembrava.
Conhecida como Mulher-Chuva, a fama de Juvia já corria por Magnolia muito antes de ela ter entrado para a Fairy Tail, assim como o seu extraordinário poder remetia desde cedo. Ainda criança, Juvia descobriu que sua mera presença era capaz de atrair nuvens carregadas e fazer a chuva cair, por mais que estivesse fazendo um sol de verão e o céu estivesse limpo. Ela não conseguiu dar muita bola para isso no início, pequena, ingênua e não conseguindo entender como conseguia fazer algo daquela magnitude, mas o tempo passou. Os anos vieram e, ao contrário das grossas gotas de chuva que se mantiveram religiosamente constantes, o sorriso no rosto de Juvia foi desaparecendo aos poucos, de forma que, sempre que despontava no fim da rua, a visão de todos era sempre a mesma: a sombrinha cor-de-rosa, a chuva e o seu rosto já inexpressivo.
Foi quase que natural, para não dizer inevitável. Ninguém quer chuva num dia destinado para ser lindo... E isso, consequentemente, passou a ser sinônimo da presença de Juvia. As pessoas começaram a se afastar, a correr para longe toda vez que a viam andando pela rua. E isso não passou despercebido para a menina. Ao contrário, foi direto pela sua garganta e cada vez mais tomando conta dela, já despedaçada de ter que ter a mesma visão daquele céu negro e carregado vindo à sua frente todos os dias. E, desde então, as coisas só pioraram. As chuvas que Juvia costumava atrair logo se transformaram em tempestades, temporais, e ela tentou lutar em algum lugar de si contra a frieza que começava a consumir cada pedaço seu, cada sorriso e atitude sua, mas também se viu cada dia com menos motivo para isso.
E como ter, se a única certeza que ela tinha era a de que veria a chuva cair mais uma vez, não importando por quanto tempo rezasse ou chorasse?
Contudo, não era disso que Juvia se lembrava a cada vez que olhava para .
Era de quando ela estava do outro lado do campo de batalha, na Phantom Lord e indo contra a Fairy Tail.

Apesar de regular, a sua antiga guilda tinha uma grande fama de encrenqueira pela cidade, o que significava que ela gostava de implicar com outras guildas e principalmente comprar briga com elas, por mais que isso fosse vetado e proibido pelo Conselho Mágico. E sua vítima preferida sempre fora a Fairy Tail, até o dia em que as fadas se cansaram e resolveram revidar. A briga acabou acontecendo no próprio prédio da Phantom Lord, que foi invadido no instante em que os seus magos pensaram ter ouvido algo, mas apenas para se darem conta do que já acontecia quando viram derrubando a porta com uma carranca e os dentes cerrados.
A pancadaria começou a tomar cada vez mais forma e, principalmente, se estender a diversos lugares da guilda, o que incluía os terraços dos andares mais altos, que era onde Juvia estava quando a briga estourou. E, depois de alguns minutos, especialmente sob a grossa chuva atraída pela maga, a parte da briga que se concentrava do lado de fora já havia virado uma completa confusão. Magos das duas guildas se empurravam e se socavam sem direção alguma, mal conseguindo enxergar através da cortina de água, e Juvia tentava se defender quando, perto demais da beirada destruída do terraço, ela acabou escorregando na poça da própria chuva e tombando para trás.
A cena na hora lhe pareceu tão devagar que Juvia jura se lembrar dela até hoje com detalhes que nunca pensou que ia memorizar. Ela se sentiu ir para trás sem controle algum e, quando percebeu, estava encarando diretamente o céu preto e chuvoso acima de si. Por um momento, pensou em se agarrar a qualquer coisa que fosse ou se fazer água para não ter o corpo ferido demais, mas, também por um momento, ela considerou não fazer nada e apenas se deixar finalmente cair. Ir embora e levar a chuva consigo. E foi assim que ela ficou naqueles segundos de indecisão que lhe pareceram décadas: encarando o céu. Aquele céu escuro e nublado que a acompanhara por toda a vida e agora provavelmente assistiria à sua morte, antes de finalmente ir embora para sempre.
No entanto, houve uma pessoa que, mesmo que em meio à briga, saiu de seu lugar e correu até onde ela havia caído, escorregando por uma das pilastras tombadas e indo para o andar de baixo, de onde a maga se aproximava. Houve alguém que viu nela mais do que um inimigo naquela confusão e que, ao contrário da maioria, conseguiu enxergar que por trás de toda a chuva havia realmente uma pessoa.

Segure a minha mão!
E esse alguém foi .
Eu não vou deixar você cair!
Essas eram as palavras das quais ela jamais se esquecera, pendurada pela única mão que aquele rapaz, na beirada do terraço também destruído que havia poucos metros abaixo, segurava com força. Ela ficou observando com os olhos arregalados de seu lugar o rosto de cenho franzido em esforço e os cabelos contra o céu cinzento, mas principalmente a marca da Fairy Tail em seu peito, quando começou a sentir que era puxada para cima. Quem era aquele homem? Estava claro que ele era da outra guilda, então... Por que a salvara da queda?
Depois que ele terminara de puxá-la para cima e deixá-la a uma distância considerável da beirada, Juvia deixou seu corpo desmontar e cair deitado para trás contra o concreto, desconcertada de toda a adrenalina de que provara, mas, principalmente, confusa. Ele tinha algum motivo em específico para ter feito aquilo?
Sentiu de repente uma mão tocar o seu ombro e virou a cabeça para o lado, desviando-a das nuvens que havia voltado a encarar, de forma que logo encontrou sentado de um jeito meio largado ao seu lado e perguntando se ela estava bem. Ainda em choque, Juvia balançou de leve a cabeça, sem conseguir diminuir o tamanho de seus olhos. Viu-o sorrir fechado e depois voltar o rosto para cima, mais necessariamente para o terraço destruído do qual os dois tinham acabado sair.

Eles estão realmente fazendo uma baita bagunça lá em cima, não? Já estou tão cansado... Só quero ir dormir.
Ela ouviu as palavras claramente, mas, a essa altura, já havia voltado a olhar o céu que, por algum motivo, parecia um pouco menos carregado que antes. Pensou ter ouvido alguma coisa como um “ei” meio seco, então se virou de novo para o rapaz ainda sentado ao seu lado.
Você não é aquela tal Mulher da Chuva?
Ao ouvir aquilo, Juvia ficou tensa por um momento, receosa de confirmar o maior estigma de sua vida àquele completo estranho. No entanto, sabendo que àquela altura, contando com seus traços característicos e principalmente aquela chuva que surgira tão de repente, não havia mais como negar, a garota apenas permaneceu em silêncio, o que na verdade acabou sendo suficiente para ele.
Qual o seu nome?
Ela hesitou um pouco, sentindo as gotas molhando o seu rosto, porém acabou respondendo.
Juvia.
Disse simplesmente, sem muitos rodeios, mas também sem trabalhar muito na resposta, e o viu sorrir sutilmente.
Prazer, Juvia. Eu sou .
E ele voltou a olhar mais uma vez para cima, uma das pernas dobradas e o peso do corpo praticamente sobre uma das mãos, já que a outra estava exatamente sobre o joelho dobrado, enquanto observava o céu e os amigos que continuavam a brigar com o pessoal da Phantom Lord na beira do terraço. Juvia sentiu o coração palpitar.
Ele não fugiu?
Ele... Não se importava com a chuva?
E os dois ficaram ali, um sentado e o outro largado, quando Juvia voltou a olhar diretamente para cima e percebeu que as nuvens, por algum motivo, começavam a se dispersar. Naquele momento, ela não conseguiu evitar que arregalasse ainda mais os seus olhos e o ar faltasse por um segundo, porém logo sentiu os breves soluços começando a subir por seu peito. Teve até a impressão de que chegou a lhe perguntar se estava tudo bem, mas ela não conseguiu dar atenção na hora. Não quando finalmente via, mesmo que embaçado pelas lágrimas em seus olhos e as últimas gotas de chuva que caíam e se misturavam a elas, o céu se abrindo pela primeira vez para ela.
O azul perfeito dele e, logo ao lado, com os cabelos molhados e uma expressão levemente confusa.


E, depois daquilo, Juvia não conseguiu evitar a completa reviravolta que aconteceu dentro dela. Tantas coisas, de pensamentos a emoções, sentimentos e caretas, que ela mesma havia sufocado na dor de enfim ver no espelho a aberração da qual todos a chamavam, na raiva de sempre ver a chuva caindo pela janela, e que agora finalmente tinham um lugar para renascer. Só que, para Juvia, esse avivar acabou sendo bem mais que um recomeço.
Foi praticamente o beirar de um estouro.
Estouro esse cujas raízes tinham na verdade um ponto em comum, senão uma pessoa para chamar de culpada.
Quando estava ali, na sacada em ruínas da Phantom Lord e sob o seu mais novo céu azul, não demorou para que Juvia logo percebesse que começava a sentir, bem ali, alguma coisa nova: o primeiro sentimento vindo lhe chutar a porta depois de tanto tempo. Ela não sabia dizer o que era, nem mesmo pelas poucas memórias que tinha do que costumava sentir antes das chuvas ficarem realmente pesadas, mas era definitivamente forte. Quente, violento, queimando com a fome de quem realmente ficara trancafiado por anos a fio como lhe havia sido feito. Ela sentia o calor que nascia em seu peito e se espalhava pouco a pouco por seu corpo, suas mãos e bochechas, mas principalmente como ele ficava mais forte a cada vez virava para o lado e olhava para . Havia algo naquela cena, na figura sentada ao seu lado e vislumbrando o céu e as poucas nuvens brancas pairando nele, nos seus cabelos voando com a brisa que foi, para ela, quase que o abrir de um segundo novo céu. Um céu no qual brilhava ele e cada detalhe de seu rosto, de seu corpo e, acima de tudo, daquele sorriso que, de algum modo, deixara tão claro a ela que, realmente, ele não tinha medo dela.
Contudo, mesmo após o término da briga e de Makarov e Jose Porla, antigo Mestre da Phantom, entrarem em acordo de manterem aquele episódio na surdina e longe dos ouvidos do Conselho, Juvia não conseguiu parar de pensar em . Para onde quer que ela olhasse, tudo que a garota conseguia realmente enxergar era aquela mesma imagem dele de costas para ela e admirando o azul do céu, enquanto que as palavras que sempre rondavam a sua cabeça de dia, noite ou nos seus sonhos eram as que ele lhe dissera quando agarrara a sua mão. E, acima de tudo, ela queria estar ao lado dele. Estar ao lado daquele cara que só pela lembrança a deixava de cabeça leve e coração acelerado, que era tão bonito, mas, principalmente, a primeira pessoa que não correu para longe dela e, ao contrário disso, lhe estendeu a mão sem hesitar.
E foi quase que fácil a partir dali. Com a dissolução da Phantom Lord por causa dos danos e, principalmente, dos atritos internos que se criou com a última briga, Juvia ficou sem uma guilda para a qual trabalhar. Sua primeira reação então foi imediatamente procurar pela Fairy Tail, que era onde devia estar, e pedir um tanto sem jeito a Makarov para que ele a acolhesse em sua família. O velho hesitou por um momento, sabendo que Juvia era da Phantom Lord e estava ali obviamente por causa do fim da guilda, porém, também tendo noção de que ela nunca fora dos indivíduos que vinham puxar briga e, especialmente, que era uma maga poderosíssima e de Classe S na Phantom, Makarov acabou respondendo que sim.
Já lá dentro, Juvia foi rapidamente acolhida por todos com sorrisos, braços abertos e canecas transbordando de cerveja, o que a deixou ainda mais feliz. Então havia outras pessoas como ? Pessoas que podiam até saber quem ela era, mas não a viam como uma abominação? No entanto, a garota não podia mais ser de Classe S, dado que o nível S da Fairy Tail era bem mais alto que o da Phantom Lord e suas habilidades não podiam ser comparadas às de Erza, Laxus e de um homem que ela jamais vira na guilda, mas do qual ouvia histórias que a faziam até mesmo arregalar os olhos. Porém, o posto de maga de Classe S não interessava muito a Juvia naquela hora. Tudo que ela realmente queria era reencontrar .
O primeiro reencontro dos dois foi quase que engraçado. Sentada numa das mesas de tarde e sem muito o que fazer depois de ter recebido o sim de Makarov e a marca da Fairy Tail, enquanto se perguntava por que aquele cara de cabelos andava de um jeito tão esquisito, ela de repente ouviu as portas se abrindo e logo viu adentrando a guilda com os olhos fechados e os braços atrás de sua cabeça, sem a camisa e resmungando qualquer coisa sobre estar muito quente lá fora. Arregalando os seus olhos e sorrindo involuntariamente, Juvia se impulsionou para frente e correu até ele, chamando pelo seu nome e sentindo o coração quase que lhe saindo pela boca. Assim que ela parou na frente dele e levantou as pálpebras, ele abriu um pouco mais os olhos e fez uma expressão que era quase que de surpresa, vendo-a ali à sua frente e logo se lembrando do nome dela: Juvia. A garota sentiu então aquele fogo em seu peito acender mais uma vez e começou a apressadamente contar para ele sobre como a sua antiga guilda havia se dissolvido, ela ficara sem lugar para ir e agora estava ali, na Fairy Tail também, junto com ele. E a menina contara tudo tão rapidamente e com tanta animação que, no fim, se viu ofegando, com as mãos em punhos perto do peito e os olhos fixos sobre o semblante meio confuso dele, não sabendo se estava animada, sofrendo ou mesmo sendo eletrocutada.
, no entanto, não reagiu exatamente da forma que a garota esperava. Balbuciando qualquer coisa sobre como era bom que ela tivesse conseguido um novo lugar para ficar, o rapaz franziu de leve o cenho, como quem estranhava alguma coisa, e continuou a seguir em sua mesma direção de antes, deixando uma Juvia parada e um tanto perdida em seu lugar. Quando se deu conta do que havia acontecido, a menina correu atrás e falou mais alguma coisa que nem ela própria tinha consciência do que era, já que só queria conseguir falar de novo com ele, mas usou a mesma saída novamente, respondendo qualquer coisa e depois se afastando em silêncio.
Aquilo, no fundo, deixou Juvia confusa, para não dizer frustrada, já que a frustração só veio realmente depois de mais alguns dias de tentativa que terminaram em uma frieza quase que surpreendente por parte dele. Por que ele estava fazendo aquilo? Por que a tratava daquele jeito, quando a garota deixava tão claro em todo e a qualquer momento o quão especial ele era para ela dentre todos os outros na guilda? Será que ela o incomodava? Mas, principalmente e acima de tudo, por que ali, no meio de tudo e dos outros, o seu sorriso era tão diferente? Isso foi uma coisa que Juvia notou com o passar dos dias na Fairy Tail. Aquele do dia da briga... Ela nunca mais havia visto. Todas as vezes que parecia feliz, mas feliz por se sentir alegre e não porque ria de alguma besteira que havia dito a Gajeel, o seu sorriso era contido, quase que gravado, senão forçado em algum lugar dele. Não era natural como aquele do terraço. E, além disso, a cada dia que passava, a despeito dos esforços dela para se aproximar, tudo que fazia era apenas lhe deixar mais à mostra aquele lado seu frio e indiferente, além de se afastar a passos cada vez mais largos.
Aquilo, no entanto, não foi suficiente para Juvia desistir. Ao contrário, ela só começou a tentar cada vez mais, persegui-lo com mais frequência e, acima de tudo, sentir o fogo queimando em si com cada vez mais força. Juvia tinha a certeza, em algum lugar daquela nova ela ainda meio desorientada, de que aquele cara que a libertara dos céus negros, da imagem que guardava tão bem nos recantos de sua memória, ainda estava ali em algum lugar dele, escondido por algum motivo por trás do gelo e se recusando a aparecer de novo. Era quase como se a garota pudesse sentir a cada vez que o abordava e o via hesitar por um único segundo, encará-la por um momento a mais antes de fechar os olhos e lhe cuspir palavras cada vez mais ásperas e ácidas.
E ela não podia controlar. Não conseguia e, talvez no fundo, nem mesmo quisesse evitar. acendia um ponto de ignição nela que estava ficando cada vez mais difícil de controlar ou mesmo de apagar, quando voltava para o seu quarto de cabeça baixa e coração partido. Ela respirava aquele ar frio dele, mas o fogo só queimava mais forte, deixando-a mais descontrolada, mais apaixonada, porque o que ela sentia por , fosse o que fosse, continuava sendo mais forte no fim.
Porque respirar com dor ainda era bem melhor do que sufocar.
E dali em diante Juvia começou a entrar no estado obsessivo pelo qual era conhecida hoje. Ela o seguia por todos os cantos e deixava presentes, cartas e doces na porta de seu quarto, observando-o fervorosamente e com o coração acelerado de seu lugar no bar ou mesmo pela janela do alojamento. Não aceitava ninguém que entrasse em seu caminho, na sua busca por , e partia para a violência quando necessário (ou não), não demorando para logo se tornar o maior pesadelo de qualquer garota ou garoto de Magnolia que olhasse para e corasse as bochechas. Mas era como já foi dito: ela não podia controlar. Ela não queria controlar.
E nem iria, tal como estava fazendo ao correr por um campo de batalha completamente destruído.
Foi por esse motivo que ela começou a correr desesperadamente em direção à torre e ignorou as dores, os ferimentos e todos os chamados de Gajeel, que não demorou para perceber o que ela estava para fazer e só não foi atrás porque dezenas de criaturas negras se enfiaram no seu caminho. Foi por esse motivo que Juvia jamais desistiu ou se esqueceu.
Porque foi, a todo tempo de sua nova vida, a melhor lembrança que tinha de baixo daquele céu finalmente azul.
Já correndo, Juvia começou a atravessar o campo de batalha abertamente, sem se esconder ou se preocupar com quem podia vê-la, o que incluía mais demônios nos arredores. Então, quando criaturas apareceram à sua frente e puseram as garras de fora, ela não parou de correr e passou literalmente por cima delas, empurrando-as para o chão e continuando a ir em frente. Outros demônios também vieram e tentaram impedi-la, mas Juvia se pôs a afastá-los com as próprias mãos, abrindo caminho por entre eles e continuando, mesmo quando sentia alguma garra a alcançando, a seguir para a torre.
Ela continuou a correr, sentindo o sangue, os cortes e o corpo definhando a cada demônio a mais que entrava em seu caminho, quando viu que, mesmo que já a quinze metros da torre, já era tarde demais. estava perigosamente perto do chão e a garota provavelmente não conseguiria alcançá-lo por mais rápido que tentasse correr. Foi então que ela fechou as mãos em punhos e apertou os olhos com força. Havia uma última chance. Uma última dose de magia em seu corpo.
Então, saltando e imediatamente se fazendo água da cabeça aos pés, ela começou a crescer e se afastar do chão.
Como um poderoso jato de água, Juvia foi para longe e se alongou numa enorme curva até que conseguisse agarrar em seus braços e levá-lo para cima junto consigo, que era para onde continuava a crescer. E, no momento em que sentiu que finalmente o tinha em seus braços, foi como se todos os sons da batalha tivessem se calado.
Então era essa a sensação de abraçá-lo?
Fechando os olhos, a menina não conseguiu evitar o sorriso que invadiu o seu rosto.
Era assim que o corpo dele se encaixava ao seu?
Contudo, o mundo lhe ficou parado e congelado por tanto tempo na única e pura sensação de sentir o coração dele batendo desesperadamente contra o seu, mesmo que em água e não carne, que Juvia não percebeu a volta que o seu corpo fazia.
O loop que ele se tornava, levando os dois, inevitavelmente, de volta para o chão.

Tossindo e levantando as pálpebras de uma vez só, ofegou com os olhos presos no céu escuro e nublado acima de si. E, com um pouco de pânico ainda, levou as mãos trêmulas ao seu peito e as passou sem muita coordenação pelo corpo todo, como que querendo acreditar que ele ainda estava ali e principalmente inteiro. Ele... Estava realmente vivo?
Pondo-se sentado sem tanta pressa e soltando um leve de silvo de dor, ao que levava uma das mãos à cabeça, o rapaz olhou em volta e percebeu que aquele lugar estava completamente ensopado, cheio de poças de água e com algumas das poucas árvores que já estavam quase que mortas quebradas pela metade. Franziu o cenho e praguejou em silêncio, sem entender nada, quando percebeu ao passar os dedos pelos cabelos que ele, também, estava todo molhado. Baixou a mão e a viu pingando à sua frente, brilhante com o fino filme que a cobria, quando teve a impressão de ver algo ao fundo, logo atrás da figura de sua mão. Colocou-a no chão e então viu o corpo estirado a alguns metros de si, imóvel, juntamente com os cabelos azuis espalhados por ali.
E, quando percebeu, arregalou os olhos.
– JUVIA! – ele gritou e jogou o corpo na direção em que ela estava, pondo-se de joelhos e depois de pé para então correr até o encontro da garota caída. Quando chegou lá, ajoelhou-se ao seu lado e a agarrou pelos dois ombros, virando-a para si, contudo apenas para desejar que não tivesse feito aquilo. Assim que ele a viu, assim que a olhou nos olhos, começou a soltar aos poucos o aperto que havia posto nos ombros dela, observando a figura destruída, cheia de cortes, manchas e arranhões, de Juvia à sua frente. Ele podia não entender muito bem ainda o que havia acontecido, ou talvez absolutamente nada fosse a expressão correta, mas, considerando o estado dela, ferido e de olhos quase sem foco algum, além da quantidade absurda de água que havia por todas as partes, era apenas lógico imaginar que Juvia devia estar, no mínimo, no seu leito de morte.
Sem conseguir se mover muito, apenas tirou de leve as mãos de cima dela e as trouxe de volta para si sem muita atenção, continuando com os olhos arregalados sobre o rosto quase sem vida dela, quando viu que Juvia parecia finalmente encontrar um foco. Ao pousar os olhos semicerrados sobre ele e firmar a cabeça em alguma posição, a garota abriu um sorriso tão, mas tão fraco que seus lábios mal se moveram.
– Você... Está bem – ela disse quase que num sussurro, respirando lentamente com um punho sobre o peito e o outro largado sobre o solo, enquanto que seus cabelos permaneciam jogados pelo chão de terra e seu sorriso aumentava minimamente. – A Juvia... Conseguiu – sua voz morreu no fim da última palavra, vendo a imagem de ainda embaçada à sua frente, mas que parecia ter uma expressão quase que chocada no rosto.
– Juvia, o que... O que foi que você fez? – ele perguntou de uma vez, mas não conseguiu manter a voz no tom que queria até o fim, deixando-a decrescer até que suas últimas palavras também se transformassem em sussurros e sibilos, tamanha a tensão que começava a sentir se instalando em seu corpo com aquela cena e as milhares de coisas que passavam pela sua cabeça. No entanto, o rapaz viu que ela começava a perder o foco de novo, perdendo-se com os olhos no céu e sem muita força para manter a cabeça ereta. – EI! – ele disse com sua voz grossa de volta e levou uma das mãos para trás da cabeça dela, tomando-a e a virando para si de novo. – Aqui! Fique aqui comigo! – ele disse um tanto exasperado, mesmo que com o tom de voz não tão forte quanto gostaria de ter usado, e tentou chamar a atenção de Juvia de volta, com medo de que ela fechasse os olhos e não voltasse mais depois. Deixou a cabeça dela pender pela sua mão e a trouxe mais para cima, escorregando os dedos pelo cabelo dela até chegar à nuca, quase que perto de seu pescoço. – Juvia... – chamou pela segunda vez e ela piscou os olhos algumas vezes, ainda sem muita força, continuando com sua respiração dificultosa, mas calma. – O que aconteceu com você? – ela então ergueu uma das suas mãos.
– Está tudo bem – disse fraco e cobriu a mão que apoiava a sua cabeça logo ao lado. – Juvia não conseguiu desviar muito bem quando viu o que tinha acontecido, mas... Foi o suficiente para você não se machucar – acariciou os dedos dele de uma maneira delicada, quase imperceptível, e o viu encará-la de cima com os olhos banhados em cada vez mais dor a cada palavra que ela dizia naquele momento. começou a balançar a cabeça de leve, ainda em choque, sem conseguir aceitar o que ouvia, e sentiu os olhos finalmente arderem ao ponto de não conseguir mais esconder. Viu Juvia erguer sua outra mão com um pouco de esforço e levá-la até o rosto dele, pousando-a suavemente ali e abrindo um pequeno sorriso em seguida. – Agora estamos quites... A Juvia salvou você – a garota disse quase sem forças e sentiu as lágrimas quentes começando a descer de seus olhos já semicerrados, o coração finalmente pesando mais do que podia aguentar dentro de seu peito, enquanto trazia a mão que faltava ao encontro da de Juvia em seu rosto e a agarrava.
não era um enigma difícil de entender. Ele só era um quebra-cabeça desorganizado, com peças trocadas, reviradas e outras faltando porque ele próprio escondera. Peças essas que ele queria poder ter queimado até as cinzas, mas que no fim só acabaram congeladas, presas para sempre em suas mãos e na sua memória.
Qualquer um que conhecesse percebia de cara que o rapaz não era a pessoa mais calorosa da cidade. Porém apenas aqueles que tinham a chance de viver com ele percebiam que a sua frieza vinha na verdade de um lugar mais fundo de si, senão mais escuro. Recebido e aceito por Makarov ainda criança, praticamente pirralho das ideias, era estranhamente distante desde aquela época. Sarcástico, fechado e de uma frieza um tanto fora do comum para uma criança daquela idade, havia algo por trás de seus jeitos, das suas palavras e principalmente de seus olhos , que deixava claro que, dentro dele, havia a raiva mal guardada de alguma coisa. Uma raiva constante e contida, carcomida, com a qual ele vivia dia após dia carregando sobre seus pequenos ombros, já que, ao contrário da maioria ali, não havia perdido uma família.
Ele havia perdido duas.
E tudo que o garoto queria era que parasse de se lembrar dos gritos, do fogo e, principalmente, daquele rosto se desfazendo em pedaços toda vez que se deitava para dormir, mas era sempre igual. As mesmas lembranças, os mesmos pesadelos e, acima de tudo, a mesma dor de saber que nada mudaria o fato de que, em partes, aquilo era culpa sua. Só que, talvez mais do que atormentado, era forte. Ele não desistia fácil e por isso lutou contra todos os seus fantasmas, dos mais insignificantes àqueles que o faziam tremer, e os congelou no gelo até que se visse finalmente livre para respirar ou ao menos acreditar que era de fato livre. No entanto, qualquer batalha deixa a sua marca e a de , talvez mais do que a que sentiu em sua língua e suas pernas, foi o frio que ficou em si depois de conseguir apagar o fogo da sua raiva.
Ele não se tornou apático ou sem sentimentos, completamente indiferente às necessidades dos outros, mas também nunca mais foi o mesmo. Sempre mantendo a sua pose e distância dos outros, havia um pedaço seu ninguém nunca via. Um pedaço que estava envolto em gelo grosso e afogado sob um imenso iceberg, longe do alcance não só de qualquer um, mas principalmente de qualquer coisa que o fizesse sentir mais do que poderia aguentar depois de tantos anos em guerra consigo mesmo. E, talvez mais do que isso, ninguém conseguia tocar esse lugar seu. Ninguém conseguia vencer os passos que ele continuava a dar para trás e, por fim, alcançar aquele pedaço congelado, mas também meio rachado, de seu coração.
Isto é, até o dia em que ele conheceu Juvia.
Quando a salvou da queda, durante aquela tempestade na Phantom Lord, os motivos que o levaram a fazer aquilo não eram a coisa mais surpreendente do mundo. Aquela podia ser uma briga das feias, e o pessoal da Phantom podia ser um bando de babacas, mas aquela garota ainda era alguém como ele. Uma pessoa com vida e, acima de tudo, o direito de viver essa vida. Foi por isso que ele largou o cara que esmurrava e saltou sem hesitar sobre a pilastra caída no fim do terraço, deixando-se escorregar sobre ela até que conseguisse alcançá-la. E, apesar de nunca ter admitido isso em voz alta, houve alguma coisa em Juvia que o marcou logo no momento em que ele agarrou a sua mão. Talvez fosse o tom quase fantasmagórico da sua pele ou o jeito como ela o olhava com os olhos arregalados dali, de baixo e segurando a sua mão, mas algo com certeza parecera fora do lugar. Tanto que, quando a reviu ali, na Fairy Tail, não conseguiu evitar que ficasse, no mínimo, surpreso. Porém, as coisas definitivamente não seriam diferentes para ela. Então, assim que se viu com a chance, deu-lhe as costas e voltou a seguir seu caminho, distanciando-se e ficando sozinho como normalmente fazia.
Contudo, o que ele não esperava era que Juvia fosse ser a primeira a desafiar de cara aqueles limites seus. A despeito de tudo que fazia ou dizia para afastá-la, no final do dia, era sempre a mesma coisa: os dois acabavam correndo literalmente em círculos pela guilda, como um cachorro que persegue o próprio rabo, até a hora que trombava com alguém e mais uma briga coletiva estourava no lugar. E, no início, aquilo o deixou bastante irritado, para falar a verdade. Ele já não aguentava mais inventar novas desculpas ou novos jeitos de expulsar Juvia de seu quarto de madrugada, além de tentar deixar finalmente claro o suficiente o sinal de “fique fora” que ele pendurava para ela, porém a menina não desistia nunca. E talvez o que mais o impressionara não tenha sido nem isso, mas, sim, a realização com o tempo de que ele, por algum motivo, começava a gostar do fato que Juvia tentasse tanto. Não que o rapaz se divertisse com a cena de vê-la chorando agarrada aos seus pés, que na verdade era bem péssima, porém o fato de alguém fazer tanta questão de se aproximar dele era, no mínimo, interessante, senão estranhamente reconfortante. E foi aí que , pela primeira vez na vida, fez uma careta atrapalhada, e não de raiva, ao se lembrar da imagem sorridente de Juvia.
Mas o que diabos aquilo significava?
Não que ele tenha se dado a chance de pensar muito mais naquilo, já que, a partir daquele mesmo momento, começou a enxotá-la com ainda mais força de sua vida. E aquilo obviamente não deu certo – para nenhuma das duas partes, diga-se de passagem. Ela tentava com cada vez mais desespero e, ao invés de se sentir com raiva, o mago começava a achar que ia perder a cabeça no lugar. Aquilo não fazia sentido algum! Podia haver pessoas como , que ele via e na hora sentia a urgência de jogar o seu charme, mesmo que mantendo a sua usual e segura distância, mas no final do dia sempre tinha aquela sensação esquisita que Juvia lhe dava ao se aproximar. Aquela que ele gostava de definir como: se estivessem todos numa viagem longa de trem, com Erza traçando rotas numa cabina e passando mal na outra, e ele acabasse pegando no sono, caso acordasse no meio da noite e percebesse que alguém se sentara ao seu lado e também adormecera, ele no fundo preferiria que fosse Juvia. Dessa forma, cada dia mais, nem que fosse apenas por aquela constante situação de estar sempre a empurrando para longe, começou a perceber que, de alguma forma, ele não sabia mais como viver sem a presença dela o rondando.
E, no entanto, ali agora estava ela, em seus braços, por um fio e mal podendo respirar, depois da sua última e maior tentativa de vencer a distância entre os dois. sentiu as lágrimas escorrendo uma após a outra pelo seu rosto, além do toque da mão gelada dela sobre a sua pele, e por um momento pôde jurar que ouvira algo se partindo dentro dele. Nem sabia mais o que estava sentindo. Se era frustração, pesar, desespero ou mesmo a culpa de saber, no fundo, que aquilo apenas acontecera por sua causa – mais uma vez. Ele não tinha mais ideia do que era aquilo que sentia doer cada vez mais ao olhar o rosto quase sem vida dela, os seus olhos mal abertos e, principalmente, o sorriso fraco que ainda perseverava em seus lábios, mas de uma coisa o rapaz tinha certeza e essa era que aquele não podia ser o fim.
Não podia ser o fim ou ele ia, finalmente, perder a cabeça.
– Por que você fez isso...? – ele perguntou com a voz presa e tensa de segurar os soluços, sem alterar em nada a posição dos dois, e a viu tentando abrir um pouco mais aquele sorriso, quase como se tentasse rir.
– Porque a Juvia ama você, bobinho... – ela respondeu simplesmente e acabou soltando o seu primeiro soluço, curto e fraco, ao que agarrava com ainda mais força a mão dela contra o seu rosto. – E as pessoas fazem loucuras quando amam – depois de acrescentar, a garota silvou levemente de dor, curvando-se suavemente para o lado e fechando os olhos, mas logo voltando à mesma posição de antes. Então, quando o olhou e o viu com o rosto banhado em lágrimas daquele jeito, ela moveu a mão pela sua face, tirando-a de baixo dos seus dedos e a trazendo para mais perto de sua boca. As lágrimas dele logo começaram a passar para os dedos dela e a escorrer ao longo de seu braço despido, enquanto ele notava que essas nunca chegavam até o fim porque, no meio do caminho, eram absorvidas pela pele de Juvia. – E aqui está você, somente você. A mesma visão, aquela do sonho que sonhei... De que Juvia ia se aproximar e você não ia fugir... Mais uma vez – a garota admitiu e, ao ver que ele começava a finalmente soltar os soluços que se acumulavam nele, fechando os olhos com força e curvando as costas perante ela, Juvia tentou abrir um sorriso para reconfortá-lo que apenas terminou com ela começando a chorar também. – Não chore, ... A Juvia finalmente ganhou o que ela queria – a maga falou e o viu abrir os olhos de novo, além de endireitar a coluna, acrescentando em seguida. – Um recomeço e um fim... Não só com vida, mas você também.
! JUVIA! – então, de repente, os dois ouviram uma voz e logo percebeu que era Wendy correndo com os cabelos despenteados e as roupas rasgadas em direção a eles. Sem saber muito bem o que fazer, ele virou o rosto para o lado e, quando sentiu Wendy se ajoelhar do outro lado e tomar a cabeça de Juvia sobre suas coxas, retomou a mão que usava ali e a passou pelo seu rosto todo, tentando enxugar as lágrimas rapidamente, enquanto soltava a mão de Juvia e a devolvia delicadamente à barriga meio exposta dela. Wendy então pousou as suas mãos sobre o rosto de Juvia e fez uma luz azul, clara e suave, brilhar em torno da garota que, naquele momento, não conseguiu evitar o espasmo de alívio que passou pelo seu corpo.
E, ao ver aquilo, acabou tendo uma ideia. Abrindo as mãos à sua frente e fazendo a luz de sua magia aparecer, ele fez um bloco de gelo um pouco maior que a cabeça de alguém se materializar, apanhando-o em seguida e o colocando sobre Juvia. Essa, a princípio, estranhou aquilo e também o peso do bloco tão de repente, mas logo o sentiu trazendo as suas duas mãos para o topo juntamente com as dele.
– Aqui... Esfregue essa droga até ela derreter – ele falou e, depois de colocar os dedos de Juvia sobre o gelo, voltou-se para o rosto dela. – Agora olhe para mim – disse sério e, depois de ver que a garota, ofegando pelas doses de magia de cura que começavam a correr soltas pelo seu corpo, ouvia atentamente, aproximou o seu rosto do dela e voltou a falar. – Você vai ficar bem, entendeu? Você vai ficar bem – afirmou com firmeza e não se desviou dos olhos dela, abertos e bem mais focados do que antes, enquanto pendia seu corpo sobre o bloco de gelo e mantinha as mãos cruzadas sobre as dela. E, ao ouvir aquilo, Juvia não falou nada. Apenas permaneceu calada por alguns segundos, encarando o rosto dele, antes de, de repente, puxar sua mão da superfície do gelo e colocá-la em cima da dele que, ao sentir aquilo, puxou a outra fez o mesmo, agarrando a mão dela com força.
Porém, de repente, um alto estrondo ressoou pelo ar e, quando todos viraram as cabeças, eles viram que a alta torre começava a finalmente desmoronar depois de tantos danos e tanta magia estourando em seu interior. Ao ver aquilo, arregalou os olhos, voltando-se para Juvia.
– Eu preciso ir – ele disse e, depois de lhe soltar as mãos, começou a correr para longe dali e em direção à torre. Juvia, no entanto, sentiu o coração parar dentro do peito e se pôs sentada num ímpeto, sendo agarrada por Wendy que a impediu de ir mais para frente.
– NÃO! – ela gritou. – , a torre não está mais aguentando! Ela vai...! – e, a despeito do que esperava, ele parou e se virou para ela de novo, ouvindo suas súplicas, porém apenas para responder suas últimas palavras antes de voltar a correr.
– Eu preciso, Juvia! Zeref está congelado lá em lá cima... E Zeref é a chave para tudo! – o garoto disse e, em seguida, se pôs a correr outra vez na direção da torre e toda sua destruição. Juvia gritou mais algumas vezes e tentou sair do abraço de Wendy, mas essa não a deixou sair dali, de modo que tudo que a garota pôde fazer foi, de seu lugar encurvado e com a cabeça perto do chão, levantar os olhos para a torre mais uma vez e sentir a lágrima escorrendo de um deles.

, por favor, fale comigo...! – pedia com a voz já trêmula, de quatro sobre o chão e com o corpo ainda sem vida de , que ele encarava de cima, estendido abaixo de si, enquanto Jude permanecia ajoelhado e com os olhos marejados ao seu lado. No entanto, a resposta que recebeu estava ainda bem longe de ser a que queria.
Ele a tirara do lago junto com Jude e a deitara sobre o chão, de barriga para cima e rosto para o céu, porém nada do que os dois faziam parecia trazê-la de volta ou fazê-la acordar. O pai de até tentou tomar a sua mão e encontrar o seu pulso, mas o gelo de sua pele era tão grande que ele nem mesmo conseguira continuar, largando a mão dela ao chão e se ajoelhando sem palavras ao lado de . Esse, então, a agarrou pelos ombros e a puxou secamente para cima.
! – chamou por ela mais uma vez em voz alta, mesmo que inutilmente, e, quando viu a cabeça dela apenas pendendo para trás e nada mais, fechou os olhos e sentiu os soluços silenciosos finalmente irromperem de si, enquanto abraçava o corpo dela e apoiava o rosto sobre o peito de , logo abaixo do seu pescoço, começando a chorar abertamente.
Então aquele era realmente o fim? Da guerra, de Zeref, mas, principalmente, de ? A batalha podia até ter terminado e aquela podia ser finalmente a vitória com a qual todos naquela guilda tanto sonharam, mas de que ela adiantava se ali, diante dele, estava a única coisa que ele realmente queria ter voltando ao seu lado para casa, fosse com a insígnia da vitória ou não? não conseguia aguentar o que se passava pela sua cabeça e muito menos pelo seu coração. A dor era tão forte e, mesmo assim, ele nem sabia o que fazer. Parte sua queria rugir e gritar até o espírito de Zeref voltar e lhe devolver o que roubara, ou ao menos apanhar o que merecia, enquanto ele queimava, destruía e apagava ainda mais aquele deserto do mapa. Mas a outra... A outra apenas queria ficar naquela posição com ela, com o seu rosto contra o peito gelado e os braços em torno da figura que não veria andando nem mais por Magnolia, por tanto tempo que nem mesmo ele soubesse mais em que ano estava no fim.
E a sua dor era tanta que, além de cego, logo se tornou surdo também, de forma que quem percebeu o que começava a acontecer ali foi Jude.
– Ei... Ei, garoto, o que é que está acontecendo?! – o homem balbuciou e, quando reergueu o seu rosto atravessado por lágrimas, ele finalmente percebeu que um alto barulho começava a se fazer audível ali. Virou então a cabeça para o lado, passando a ver a torre de onde todos eles haviam caído tremendo e com diversos pedaços caindo ao chão.
A destruição era tanta e tamanha que os dois por um momento se viram sem reação, apenas assistindo a todo pó, todo barulho e principalmente todas as rachaduras que surgiam e cresciam cada vez mais com a agitação crescente que tomava conta daquela torre. E eles passaram tanto tempo ali, olhando com os olhos hipnotizados a grande construção de tornando cada vez mais pulverizada, que foi só quando viu a aquela imensa rachadura surgindo e atravessando toda a seção da torre numa diagonal que ele apertou o corpo de contra si com uma mão e agarrou o paletó de Jude com a outra.
– ABAIXE-SE! – o rapaz gritou e, com isso, jogou o homem ao chão junto consigo e o corpo de , encolhendo-se e tentando protegê-los do desabamento iminente que começava a acontecer ali mesmo. Ele fechou os olhos com força e continuou abraçando com um dos braços, a mão sobre seus cabelos e o rosto dela contra o seu peito, enquanto o outro atravessava as costas de Jude, ouvindo o barulho se tornando cada vez mais ensurdecedor e sentindo, pelo seu olfato apurado, o cheiro incômodo da poeira e dos destroços se espalhando pelo ar.
Quando então percebeu que não havia mais nenhum som no ar, o rapaz abriu seus olhos e se pôs lentamente de joelhos no chão, afastando o rosto da terra e tirando o braço de cima de Jude. Olhou para o lado e viu a torre finalmente partida, com a sua base pobremente inteira até onde a rachadura ocorrera e o resto dela simplesmente desfeito e desaparecido, por sinal agora espalhado por todos os cantos daquele lugar. Respirou fundo algumas vezes, ainda vendo aqueles destroços à sua frente, quando ouviu outro barulho, mas que dessa vez estava claramente longe de ser o de uma destruição.
! – ouviu a voz de Erza soando alta e logo a viu correndo para onde ele estava na companhia de Makarov e Laxus, suja e com a barra de sua calça comida em farrapos, enquanto que os outros dois não estava em situação melhor. – Vocês estão bem? Os demônios... Eles começaram a sumir quando a torre desmor... – a mulher começou a falar antes mesmo de chegar, mas, quando se viu perto o suficiente de todos ali e parou, viu a as trilhas de lágrimas no rosto de e a face já vermelha daquele homem que ainda não sabia quem era, enquanto o primeiro tirava lentamente os olhos da ruiva e se virava para o corpo de mais uma vez deitado sobre o chão. Erza se calou no mesmo instante, perdendo a cor das faces e arregalando os seus olhos castanhos, enquanto Makarov permanecia com uma expressão abismada em seu rosto e Laxus arregalava os olhos de seu lugar. Contudo, sem o que falar ou ao menos pensar, foi Makarov quem quebrou o silêncio.
– Ela... Veio? – o senhor disse com a voz quase que num sussurro, sem poder acreditar no que via e principalmente subentendia, ao que Erza permanecia no seu silêncio cada vez mais chocado e o neto se tornava pesadamente quieto.
– Veio... – , porém, ao ouvir aquilo fechou a mão num punho apertado. – MAS EU NÃO VOU DEIXAR QUE VÁ EMBORA! – o garoto disse fraco no início e logo se viu gritando em voz alta, ao que agarrava pelos dois ombros de novo e começava a sacudi-la sem muito controle de si. – ?! !
, chega! – Erza disse e logo correu na direção dele, ajoelhando-se por trás e o agarrando pelos braços, a despeito das lágrimas que já rolavam por um de seus olhos, enquanto Jude se afastava sem saber o que pensar e apenas se começava a se debater com mais violência.
– NÃO! NÃO, NÃO, NÃO! – ele começou a gritar cada vez mais alto, sem controle algum da sua voz e muito menos da força com a qual tentava inutilmente se livrar de Erza, ao que, sem que percebesse, os outros que corriam mais atrás começavam a finalmente chegar. Eles iam aparecendo aos poucos, aglomerando-se em torno dos quatro mais ao centro, enquanto viam dali a cena de gritando desesperadamente nos braços de Erza e, principalmente, a do rosto sem vida de virado para eles. Alguns puseram a mão sobre a boca sem acreditar no que viam, tal como Mirajane e outras pessoas, enquanto outros só se aproximavam com expressões cada vez mais congeladas, que era o caso de Elfman, Freed, Warren e Gajeel, que carregava uma Levy inconsciente em suas costas. Não demorou então para que não só quase toda a Fairy Tail como também a Blue Pegasus e Lamia Scale estivessem reunidos ali, atraídos pelos sons desesperados e em torno daquela cena tão triste. Até aqueles que estavam feridos demais para sequer abrir os olhos, como Cana e outros, estavam ali, mesmo que carregados e ajudados por outros, tal como Gajeel fazia com Levy.
continuou gritando e se debatendo até que finalmente perdesse a maior parte de suas forças, curvando-se para frente em breves soluços, apesar dos braços ainda presos por Erza, e tocando de leve a sua testa contra o peito de . E foi nesse momento que, mergulhando num silêncio pesado, todos perceberam os passos arrastados de mais alguém chegando ao local.
Erza virou para trás, ainda segurando com suas mãos, e assim também fez a maioria, logo se vendo a figura de Wendy chegando com Juvia, que tinha um dos braços ao longo dos ombros da mais nova e o rosto ainda abatido, em passos curtos e lentos. A ruiva desfez o aperto em torno dos braços de sem perceber, virando-se mais para elas e arregalando os seus olhos já inchados.
– Juvia...! – ela disse num sussurro, assombrada pelo estado da outra, ao que os outros se alarmavam e faziam o mesmo ao virar seus rostos e ver o estado da maga das águas se aproximando com a ajuda da Matadora de Dragões. Olhando então um pouco perdido ainda para elas, Makarov pareceu perceber alguma e deu uma olhada em volta, voltando-se em seguida para as duas com o cenho franzido e a expressão já bem longe de estar seguro do que notara.
– Juvia, onde está ? – ele perguntou e, ao ouvirem aquilo, as duas pararam de caminhar, enquanto Wendy abria mais os seus olhos e Juvia erguia de leve o rosto que, naquela hora, ficara confuso.
– Ele não está com vocês...? – Wendy foi quem quebrou o silêncio, mesmo que Juvia erguesse cada vez mais a sua postura e alterasse aos poucos a expressão em seu rosto. Ao receber o completo silêncio de Makarov em resposta, a menina expirou um tanto tremido. – Ele... – começou a falar e, aos poucos, virou a cabeça para a torre recém-destruída ao seu lado. – Correu para a torre.
Naquele momento, então, os que não estavam completamente chocados assim ficaram. Mirajane começou a finalmente se desfazer em lágrimas, sendo logo abraçada de lado pela figura ainda meio desnorteada de Elfman, e Makarov, com os olhos já arregalados nas órbitas, se virou lentamente para a torre atrás de si, olhando onde costumava ser o seu antigo topo com a expressão que, se antes já era espantada, agora estava completamente petrificada nas últimas feições que fizera antes de Wendy abrir a boca.
Já Juvia, no momento em que ouviu a voz de Wendy e em seguida viu a reação de todos, principalmente de Makarov, abriu de vez os seus olhos e se soltou da garota, caindo de joelhos ao chão e com uma expressão que seria vazia, se não fosse pelo choque obviamente instalado ali. Wendy até se ajoelhou ao seu lado e tentou colocá-la de pé de novo, mas, antes que conseguisse, a maga já começava a finalmente quebrar suas feições para então passar a chorar em prantos, gritos e chamados inúteis pelo nome de . E foi com a voz dela gritando por ele e soando tão dolorida como devia estar o seu coração que , até então sem olhar o que ocorria atrás de si, entendeu o que havia acontecido.
Ele deu com os dois punhos no chão, uma vez que acabara livre de Erza naqueles últimos momentos, e afundou toda a extensão de solo que atingira em torno de seus dedos, fazendo com que rachaduras nascessem ali e se espalhassem pela terra seca até pouco menos de um metro dali. E, depois daquilo, não demorou muito para que o garoto começasse a se desesperar de novo, gritando coisas incompreensíveis e sem nexo algum pela frustração de ter perdido e, ainda por cima, um companheiro. Erza logo se voltou para ele e tentou segurá-lo de novo, vendo que o garoto começava a perder o controle outra vez, porém, antes que pudesse, esse saiu de sua posição e fez o que ninguém ali esperava que ele fizesse.
Erguendo o seu tronco num ímpeto e pegando mais uma vez pelos ombros, ele a puxou até si e fechou os olhos, beijando-lhe dali os lábios entreabertos.
Alguns, ao verem aquilo, se calaram do choro e abaixaram suavemente a mão que lhes cobria a boca, olhando com, talvez mais que confusão, pena o que que acabava de acontecer à sua frente. Já outros desviaram de leve a cabeça, tal como Gajeel e Laxus, sem saber muito bem o que pensar. , no entanto, não estava em posição de se importar com o que acontecia ou muito menos se pensava à sua volta. Ele não sabia direito o que o levara a fazer aquilo, na verdade. Talvez tenha sido o desespero que tomou conta dele ao saber como aquela batalha lhe tirara mais do que podia imaginar, ou a confusão que ainda se rebatia na sua cabeça, mas, naquele momento, ele sentiu a necessidade de fazer nem que por uma única, mesmo que última, vez o seu maior instinto que sempre vinha à tona quando ele via . Aquele que ele tinha ao vê-la andando despreocupadamente pelo bar ou lhe sorrindo de longe pela manhã, no quarto, passando pelas portas da guilda ou mesmo rindo de alguma coisa que ele próprio fizera. Aquele no qual o garoto tinha a vontade de apenas chegar mais e mais perto até que todos os seus instintos, mais uma vez, fizessem como no dia em que ele cheirou e olhou bem para o seu rosto: dissessem-lhe que as coisas estavam, finalmente, certas em todo e qualquer ponto.
Contudo, quando se afastou de e abriu de leve os olhos, ele a viu a se mexer. Com uma primeira tentativa de respirar um tanto sufocada dela que, logo em seguida, se tornou uma tosse curta e contida, o garoto arregalou os seus olhos e perdeu o ar, ao que todos à sua volta faziam praticamente o mesmo. Não demorou muito então para que finalmente abrisse os seus olhos, ainda semicerrados e confusos, enquanto continuava nos braços do rapaz e tinha como a primeira visão a imagem embaçada de com o rosto marcado e, mais do que isso, um sorriso incrédulo começando a nascer nele.
...? – a garota disse ainda um tanto sem forças, mais confusa do que qualquer outra coisa, e viu lágrimas começando a descer do rosto dele que, a despeito daquilo, só abria um sorriso cada vez mais e mais próximo daquele que ela sempre guardava tão bem. E, passados alguns instantes, ela começou a se dar conta não só de onde estava, mas principalmente do que acontecia antes das suas memórias se tornarem todas negras. Com isso, piscou algumas vezes os olhos, endireitando um pouco melhor o corpo nos braços de e olhando, mais do que tudo, para ele. – , o que... Aconteceu? A guerra...? – a garota balbuciou e, finalmente tomando um pouco mais de consciência do que havia à sua volta, viu a figura de Erza chorando atrás e com os olhos nela, além de um pequeno sorriso ainda meio quebrado no rosto. – Erza... – disse, desviando os olhos para ela e, então, finalmente notando a multidão que na verdade havia em torno deles. – Pessoal...! – a garota disse surpresa, vendo todos aqueles rostos à sua volta. – Está... Está todo mundo aqui? – ela perguntou e voltou a olhar para , mesmo que a pergunta não fosse direcionada a apenas ele, e, naquele momento, começou a finalmente a ouvir o barulho contínuo que havia por trás. Desviando os olhos do mago do fogo e olhando para além dele e de Erza, a menina viu a figura de Juvia, assistida por Wendy ao seu lado, chorando desesperadamente no chão. Não precisou de muito então para que ela imaginasse o que devia ter acontecido, sentindo os músculos enrijecerem e o coração parar dentro de seu peito. Expirou tremido e, ainda tentando assimilar não só o fato de que sobrevivera e a guerra acabara, mas que estava mais do provavelmente morto, se voltou suavemente para a figura de acima de si. – E... Zeref?
– O filho da puta fugiu.
E, no momento em que todos ouviram aquele tom de voz ressoando, a suspeita que nasceu em cada um deles foi praticamente a mesma. No entanto, nenhuma delas foi certamente tão forte quanto aquela que se acendeu em Juvia, levantando o seu rosto antes em prantos e sabendo, com toda certeza do mundo, de quem era aquela voz grossa.
Todos se viraram com os olhos arregalados e, ao longe, viram a figura de andando com dificuldade e se apoiando aos destroços da torre espalhados pelo lugar, enquanto tinha um dos olhos fechados e um vergão fundo nas costelas cujo sangue ele estancava com uma das mãos.
! – Juvia gritou por seu nome e, antes que Wendy pudesse tentar impedi-la ou ao menos controlá-la, a garota já havia tentado se pôr de joelhos numa tentativa desesperada e enfim se colocado de pé, correndo até o rapaz que, ao vê-la, mal teve tempo antes de senti-la o abraçando apertado.
– Idiota... Você precisa descansar – ele disse com um tanto de dificuldade, continuando com seu olho fechado e voltando o outro para o rosto dela que descansava logo abaixo do dele. Ela abriu os olhos e os virou para a face do rapaz logo acima, mas, apenas lhe dando um sorriso quase travado de tanta felicidade, não se moveu de onde estava, fechando os olhos de novo e voltando a abraçá-lo. , no entanto, logo voltou a falar, dessa vez mais alto e para todos. – Eu cheguei ao alto da torre antes dela cair, mas ele não estava mais lá... Quando vi, só tinha todo o gelo que havia usado para congelá-lo rachado e caído ao chão – dando um passo para frente na tentativa de dizer que ele queria sair dali, Juvia saiu do abraço e trouxe o braço dele que não segurava o sangue para cima de seus ombros, ajudando-o a andar, mesmo que precariamente, até todos os outros.
– Como foi que você escapou daquilo?! – Gajeel perguntou atônito e com os dois olhos arregalados, referindo-se claramente ao desmoronamento violento da torre de há pouco, enquanto chegava com Juvia e Erza, que se levantara do seu lugar atrás de , se aproximava para ajudar os dois. O mago, no entanto, quando chegou finalmente perto de todos com a ajuda das duas, deu apenas um sorrisinho sacana com os olhos fechados, antes de se voltar para o Matador de Dragões mais uma vez.
– Você não tem nem ideia do que dá para fazer com gelo... – ele falou e, uma vez sem a necessidade de procurar apoio em algum lugar, endireitou-se e afastou de leve a mão que cobria o seu corte, fazendo nascer ali um curativo de gelo extremamente mal feito, mas suficiente para o caso.
Todos acabaram sorrindo de alívio com aquilo, o que incluía e que continuavam mais afastados e no mesmo lugar de antes, até que Makarov começou a andar, aproximando-se dos dois e dando início a um novo silêncio que tomou o lugar e calou a todos. O velhinho caminhou calmamente até ficar de frente para , curiosa para o que o homem ia fazer e ainda parcialmente deitada ao chão, e dali de cima ele a olhou com o rosto sério antes de, de repente, lhe erguer uma das mãos.
– Bem-vinda à minha guilda.
Ao ouvir aquilo, arregalou os seus olhos, sentindo a pele arrepiar e, principalmente, a cabeça rodar.
– Mas... E-eu fui expulsa. E reprovada também... – a garota disse um tanto travada, sem conseguir assimilar nada do que tinha acabado de lhe ser dito, enquanto que olhava o seu Mestre com a mesma cara surpresa e Makarov, mantendo a expressão de antes, não abaixava a sua mão.
– Qualquer pessoa que tenha a coragem de fazer o que você fez, de vir à guerra porque era certo e preciso lutar, e não por causa da ordem de alguém, tem mais do que o merecimento de entrar para a Fairy Tail e se tornar um dos meus filhos – o senhor disse e, continuando a ver a mão no ar, além de praticamente desacreditada do que tinha acabado de ouvir, acabou fazendo o que ele provavelmente tanto queria. Um tanto tremulamente, ela levantou uma das suas mãos e a levou até a de Makarov, logo sentindo os dedos dele alcançando os seus e os balançando num aperto de mão, ao que ele olhava para o rosto pasmo dela e um sorriso se abria no dele. – Seja bem-vinda, .
, naquela hora, ficou completamente sem o que falar. Viu o sorriso do velhinho e a imagem de se virando com uma alegria enorme no rosto, mas logo também se lembrou de que, no meio da sua confusão de ter acabado de acordar, vira o seu pai são e salvo ali no meio. Voltou-se para ele então em silêncio, como quem pergunta ou pelo menos tem um último receio do que ele estava pensando. Esse, no entanto, apenas lhe abriu um sorriso quase que puro, acenando de leve com a sua cabeça e dando a entender aquilo que, com um júbilo sem tamanho, trouxe ao rosto de a felicidade que ela tanto guardara para aquele momento tão sonhado.
Contudo, no meio de tanta alegria, foram poucos os que viram Happy voando baixo até Makarov e lhe sussurrando alguma coisa no ar. Esse, então, abriu uma expressão que era quase divertida de tão surpresa.
– OH! E um gatinho me contou que foi tudo, ainda por cima, sem magia... – ele falou e, com aquilo, Happy abriu um sorrisinho sapeca com as patinhas em cima da boca, já que se lembrava muito bem de como tinha sido toda a situação de com Zeref naquela torre. A garota, no entanto, pareceu não acompanhar.
– Mas... – deu uma risada nervosa, franzindo o cenho e ficando por um momento perdida com aquela ideia. – Do que vocês estão falando? Não foi totalmente sem magia. Eu tinha as minhas chaves o tempo tod... – ela começou a falar e, conforme levou uma das mãos ao cinto que tinha a bolsinha de suas chaves, logo percebeu o que fez a sua expressão se quebrar numa de confusão. As suas chaves, elas...
Elas não estavam ali!
Foi então que, com os pedaços daquela situação se juntando com algumas memórias espalhadas na sua cabeça, Makarov pareceu se lembrar de uma coisa.
– AH! – ele disse com um sorriso quase que de criança e os olhos abertos, ao que punha uma mão atrás de si e com a outra erguia o indicador no ar. – pediu para avisar que, depois de enviar a carta, ele encontrou as suas chaves caídas de baixo de uma das camas! – o velhinho disse e , atrás e já de pé sozinho, fez uma expressão de derrota ao ouvir aquilo.
– Mestre... Você se esqueceu de me dar esse recado? – Mirajane, já com a mesma expressão do mago do gelo em seu rosto, perguntou de seu lugar, enquanto que Makarov permanecia com a mesma pose e feição infantil, se não fosse pela outra mão que agora também estava atrás dele.
– Sim! – ele respondeu simplesmente e Mirajane soltou o ar de seus pulmões com o cenho franzido, ao que dava com uma das mãos na testa.
Mas, apesar de toda cena à sua frente, não conseguiu tirar do rosto a expressão absolutamente pasma que incorporara logo no momento em que notara a ausência de suas chaves e só piorara ao ouvir o que o Mestre tinha a dizer. Então fora realmente tudo sem nada de magia? Os resgates em Magnolia, a invasão da torre com Erza, Zeref...
Era ela e apenas ela o tempo inteiro?
Confusa, porém estranhamente feliz no fundo com o que tinha acabado de descobrir, ia abrir um sorriso completamente desacreditado quando, antes que pudesse notar, sentiu agarrá-la num abraço quase mortal de tão forte, tal como aquele que ele dera no seu primeiro dia de guilda. A única coisa era que dessa vez ele usava os dois braços, então o efeito era, certamente, bem pior. E, enquanto sufocava de seu lugar, sem conseguir mexer mais nada que não fossem os seus braços desesperados, Erza fechou os olhos e deu um risinho ao lado de .
– Você pode sentir o amor esta noite? Não precisa olhar muito longe... – ela comentou e o rapaz, em resposta, apenas abriu um sorriso meio divertido, além de rolar os olhos de seu lugar. Em seguida, porém, escorregou sua mão silenciosamente pela cintura de Juvia que ainda continuava de pé e ao seu lado, pegando-a por ali e a trazendo para um pouco mais perto de si. E ele provavelmente teria ficado bem preocupado com o fato de ela ter desmaiado e caído dura ali na frente dele, se não fosse pelo sorriso gigante e os olhos praticamente em formato de coração que estampavam o seu rosto.
– ...Juvia?
achava que ia ter que bater em para fazê-lo parar e finalmente perceber que ele estava indo longe demais, quando o rapaz a soltou e se afastou em alguns centímetros. Ela ia dizer alguma coisa, mas, logo em seguida, ele levou uma das suas mãos à cabeça dela e juntou as testas dos dois, fechando os olhos e dando aquele sorriso de sempre, enquanto que não podia evitar fazer outra coisa que não fosse o mesmo.

Quer saber? Talvez Mirajane tenha razão...
As coisas mais fantásticas da vida, no fundo, não tem nada a ver com magia.



Fim



Nota da autora: OI, OI, OI. EU TENHO MUITA COISA PRA FALAR, MAS QUERO QUE ESSA NOTA SEJA CURTA, ENTÃO VAMOS LÁ.
Primeiro de tudo... Você que chegou até aqui! Muito obrigada mesmo por ter lido essa história incrivelmente louca e fantasiosa. Espero de verdade que tenha se divertido tanto quanto eu me diverti escrevendo!
Segundo: como eu comentei, essa fanfic desviou em vários pontos da história original e um dos motivos para isso foi exatamente porque era para ela, na verdade, ter feito parte do Challenge Interno #2, que era de conto de fadas. Então, fora as coisas que tive que alterar para obedecer ao meu próprio roteiro, teve aquelas que, para quem chegou a ler a proposta, tive que forçar para obedecer às exigências. Isso quer dizer que, se você se animar e resolver se juntar a nós, sofredores de sábado, vai encontrar eventos que não aconteceram exatamente como contei, personagens que não têm características que dei, pessoas que ainda não estão na guilda, pessoas que ainda estão na guilda... Isso sem contar uma certa pessoa da qual, sim, desconsiderei umas coisas simplesmente porque eu não as via se encaixando na história.
Para aqueles que já acompanham o anime e/ou o mangá e se interessarem em saber, eu particularmente considero essa fic como um pré-Edolas. Mas, se você encontrar algum detalhe que pertence na verdade a uma saga mais posterior, é provavelmente porque aquilo ficou marcado na minha cabeça e é assim que eu me lembro do personagem quando penso nele.
Reforçando que essa fic não leva em conta ABSOLUTAMENTE NADA daquela saga maluca que é Tartaros.
Terceiro e por último: eu tentei ao máximo não fugir dos personagens e espero mesmo que no geral isso tenha dado certo, mas quero pedir desculpas desde já pelo fato de que, sim, o Zeref saiu bastante do personagem original. Eu tentei me manter no jeitão dele, mas aquela criatura quase nunca dá as caras e, quando aparece, me passa metade do arco desmaiado. Então, dadas as circunstâncias e o fato de que pesquisar sobre ele é assinar a própria sentença de spoiler, eu resolvi ser um elfo livre e fazer o que queria. Além de que, gente, EU PRECISAVA FAZER UM ZEREF SÁDICO.
Então, finalizando, espero que tenham curtido, que comentem e... Eu não sou Jonathan Young, BUT I’LL SEE YOU NEXT TIME. *snap*

@aanapassaro

Lembrando que:
Be nice, be like Bill: sem spoilers na caixa de comentários.


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