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Capítulo Único

CONDADO DE TIMIŞ, ROMÊNIA

1836 D.C.


Chovia.

Ela estava ajoelhada no altar, segurando a cruz negra entre as mãos, os olhos fechados, enquanto sussurrava uma prece em latim. As palavras fluíam rapidamente, a garota estava totalmente concentrada, mentalizando todos os que já haviam ido para o Outro Lado. Uma pessoa, em especial. Seu amado.

Ela não sabia como ele morrera. Apenas recebera a informação de que a casa dele ardera em chamas, e como sua família fora encontrada carbonizada, era de se assumir que ele tivesse tido um destino parecido, embora seu corpo não houvesse sido encontrado.

Hoje era seu aniversário de morte. Nesta primavera, há dois anos. Ela ficara tão mal com a notícia que seus pais a tinham mandado para Timişoara, do outro lado do país. Na verdade não era tão longe assim de sua terra natal, a Transilvânia. Mas ficava a uma boa distância da capital, onde morava quando a tragédia acontecera.

Ainda alimentava uma pequena esperança de que ele poderia estar vivo em algum lugar, e era pensando nisso que rezava. A capela estaria totalmente escura se não fosse pela vela que havia sido acendida para ele. Ela era a única pessoa naquele lugar, e como ficava aberto durante a noite, não tinha sido difícil se esgueirar pela porta de madeira. Terminou a prece rapidamente, e logo se levantou, sem fazer o menor ruído. Observou a vela queimando por um momento, admirando as sombras que dançavam nas paredes. A parafina escorreu pelo castiçal até chegar ao chão de pedra. Agora ela ouvia apenas a chuva batendo contra a igreja. A noite já havia caído, era hora de ir.

Com cuidado, colocou a vela em um pires que trouxera e andou calmamente até a entrada, observando os bancos de mogno, dispostos perfeitamente em fileiras. Não era um lugar grande, mas atraía muitos fiéis. Ela ajeitou a capa negra em seus ombros. Era tão comprida que arrastava no chão, o que a ajudava a se camuflar na noite escura.

Chegou às portas abertas, e olhou para fora uma única vez, notando que a chuva engrossara. Não seria fácil chegar em sua casa seca, e ela tinha que cuidar para que a vela não se apagasse. Sentiu um arrepio na espinha ao lembrar que estava na véspera do dia de São George – quatro de maio –, dia no qual seres sobrenaturais eram mais ativos.

Segurou o rosário em uma das mãos, colocando a vela no chão para cobrir-se com o capuz, a fim de ficar protegida da chuva. Ela esperava que funcionasse. Pegou a vela novamente e respirou fundo, antes que seu coração ficasse acelerado. Mas ela tinha dezessete anos, não era mais uma criança. Não acreditava nessas coisas.Saiu andando pelo campo, na direção do vilarejo. Embora conhecesse o trajeto de cor, a chuva quase borrava sua visão, de modo que tinha de prosseguir com cuidado, andando devagar.

Estava caminhando há alguns minutos quando passou pelo cemitério que ficava na entrada do vilarejo. Teria que atravessá-lo para chegar à estrada principal. Sem problemas. Ela deu de ombros e seguiu agora pela grama, olhando com atenção para as árvores escuras que tornavam o local ainda mais sombrio.Passava pelas lápides acinzentadas, e a chuva parecia menos intensa agora. Foi quando a garota viu um buraco fundo onde devia estar uma cova.

Seu coração foi parar na boca. Era assim nas lendas. Eles repousavam na terra, geralmente em caixões, e à noite iam atrás dos vivos. Deu um passo em falso, derrubando a vela, que se apagou com a chuva. Ela tremeu. Não enxergava um palmo na frente do nariz, e a chuva tornava tudo pior. Ouviu passos, o que só a deixou mais nervosa. Ela distinguiu um vulto carregando algo que emitia luz. Ah sim, um lampião.

Vinha em sua direção. A garota tentou correr, mas ele era mais rápido – chegou até ela em um tempo extraordinário. Ia gritar, mas relaxou ao ver um garoto alto, da sua idade. Ergueu o lampião à altura do rosto.

- Está perdida? – havia uma expressão curiosa no rosto dele, estava vestido como um cavalheiro. Usava um sobretudo e apesar de não estarem no inverno, parecia não se importar com isso, nem com seus cabelos encharcados.

- Estava indo para casa – admitiu, relaxada. Era bom ter companhia. Ele se parecia com seu amado – gostaria de me acompanhar, senhor...?

- – respondeu, beijando a mão dela. Ela sentiu um calafrio ao sentir os lábios frios dele em sua pele macia. Ele exibia um sorriso. – . Não precisamos ser formais. Você é?

- ... – respondeu, prontamente, ainda estranhando o comportamento de . Já ouvira aquele nome antes. Aliás, como poderia ter esquecido? O olhar dele... - Espere, não pode ser! , eu te conheço de Bucareste, lembra? Sua casa foi incendiada há dois anos... o que aconteceu?

- Pois sim, minha querida. Parece que me descobriu. – A voz dele era arrastada e sedutora. O jeito que a olhava, sua voz... era mesmo seu amado. Ele era perfeito.

- Explique! Como você escapou? Por que nunca me procurou?

- Eu sobrevivi, ... e mudei para melhor.

não tinha percebido que andavam enquanto conversavam. estava satisfeito; seria a primeira vez que se alimentava naquele mês, sua garganta ardia com a proximidade da garota. já havia caído em sua teia. Embora estivesse com fome, seria uma pena matá-la. Já haviam saído debaixo da chuva. a conduzia para uma cripta. Podia sentir suas presas, mas tinha que se controlar.

- ... viu esse buraco aberto? Fiquei meio surpresa, já que amanhã é o dia de São George. Você conhece as lendas?

- Sim, minha querida. Todo romeno as conhece. Você acredita nelas?

Entraram na cripta. estava com toda a atenção naquele rapaz sedutor, só notara que estavam num lugar fechado quando a porta bateu. Sobressaltou-se e o garoto murmurou algo como ‘’é melhor ficarmos aqui, a chuva vai engrossar’’.

- Acho que há um fundo de verdade nas lendas.

Ela o viu assentir, e então, dúzias de velas se acenderam, iluminando muito o lugar. Percebeu onde estava. Uma cripta de pedra, vazia a não ser por uma cama em um dos cantos. encostou-se na parede, cansada, e foi até ela. Ele sorriu e ela não pôde deixar de notar algo estranho.

- , – ela gesticulou, sem graça – seus dentes... o que há com você?

Ele lambeu os lábios. compreendeu que havia algo muito errado, despertando de seu transe. Ela empurrou o peito dele e correu em direção à porta – no entanto, agarrou seu pulso e a jogou na parede oposta. sentiu o pulso de agarrar o seu e foi jogada com tanta força que bateu a cabeça, cuspindo um pouco de sangue. Ele se aproximou, os olhos se avermelhando ao notar o sangue no chão.

- Sou o fundo de verdade, ... a lenda viva.

foi invadida pelo medo assim que ele disse isso. Desesperada, procurou algo que pudesse servir de arma, e calculou suas chances de alcançar o objeto antes que ele a pegasse. Frustrou-se, pois não havia nada. Se encolheu, abraçando os joelhos, esperando. Ainda segurava o rosário negro, e apertou-o com toda a força, sem ligar para a dor.

- Sabe, é uma pena matar uma garota tão bonita. Mas estou com fome, sabe como é. Se quisesse você poderia ser minha companheira, se ao menos eu soubesse como... – balançou a cabeça, e a essa altura já estava na frente de .

se agachou e se contraiu, tentando ficar o mais longe possível dele. sorriu com o esforço dela e olhou no fundo de seus olhos, afagando os cabelos negros com uma das mãos. Segurou o queixo dela, fazendo-a levantar em seguida, ainda encurralada. O cheiro de sangue fez com que ele voltasse os olhos para a mão de , vendo que ela apertava um rosário negro. Abriu a mão dela e lambeu o sangue, fascinado com o gosto doce, maravilhoso. Finalmente seus olhos mudaram de cor. tremia de olhos fechados, sussurrando uma prece em latim.

afastou o cabelo dela, expondo o pescoço. Estava faminto e aquilo o deixava irritado. Mordeu-a com força na jugular, drenando a vida lentamente em meio às lágrimas de .







Fim!



Nota da autora: Sem nota.

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