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Última atualização: 16/07/2020

1 - Noite de Pagode

– Não se esqueçam de trazer o trabalho no fim do semestre. Lembrem-se de que ele conta como uma terceira nota – disse olhando meus alunos saírem da sala um atrás do outro numa bagunça típica que indicava que a aula havia acabado e com ela a semana, também.
Sorri de lado, pensando que eles eram muito jovens e que provavelmente iriam sair com os amigos para alguma balada teen ou algo do tipo. Soltei um sorriso de lado, imaginando como iriam mudar conforme fossem amadurecendo. Juntei uns papéis que estavam sobre a minha mesa, para que eles ficassem completamente alinhados e olhei para os poucos alunos que permaneciam na sala, esperando o tumulto diminuir. Imediatamente notei João.
Ele era um dos meus alunos mais queridos, porém não se esforçou muito e estava em uma situação delicada, já que precisava de uma nota muito alta para conseguir fechar o bimestre sem ir para a recuperação.
– Você me ouviu, João? – o olhei com um sorriso amigável.
– Sim, prô! Pode deixar que eu não vou vacilar nesse trabalho. Realmente preciso de nota e não quero pegar recuperação – ele riu e saiu da sala com sua mochila nas costas, segurando uma das alças que estava em seu ombro. Deu uma última olhada para a sala e acenou como se dissesse um "tchau" silencioso.
Sorri de lado e acenei de volta, como se ele pudesse me ver. Era muito desgastante ser professora de alunos do ensino médio, porque é a época em que eles estão se descobrindo e começando a se rebelar, o que dificultava o processo de ensinar o que quer que seja. Porém, de alguma forma, eu havia aprendido a lidar com eles, que passaram a me respeitar mais e também a prestar atenção na aula. Me senti vitoriosa por isso.
Virei-me para o quadro branco que havia sido instalado recentemente na sala por uma questão de modernidade e a fim de evitar alergias, já que o pó do giz incomodava muitos alunos e até mesmo professores. Peguei o apagador que ficava no apoio no canto e comecei a apagar o que havia escrito durante a aula, observando as palavras "Reino monera" sumirem. O trabalho que eu havia passado para meus alunos tinha esse tema, onde eles deveriam abordar a respeito das bactérias, sua composição e outros tópicos.
Logo que o quadro estava novamente limpo, guardei o apagador novamente em seu lugar e fui arrumar meus materiais que estavam espalhados sob a mesa. Reuni os papéis dentro do caderno para que servisse como um tipo de proteção à elas e estava distraída colocando as canetas dentro do estojo quando pude ouvir batidas nada suaves na porta da sala, seguidas quase que imediatamente pela voz de , minha amiga que estava me esperando para que fôssemos almoçar.
– Porque ainda está aqui, mesmo? – ela se sentou em uma das mesas dos alunos, que ficavam próximas à minha, e me olhou.
Ela com certeza não era nada sutil. Já nos conhecíamos por volta de uns oito anos, desde que ambas entramos para a mesma universidade como calouras do curso de Pedagogia. De início havíamos nos dado bem e logo ficamos amigas. Era meio engraçado que mesmo após tantos anos eu ainda mantinha o mesmo estilo de me vestir, enquanto ela havia claramente aperfeiçoado o seu.
Observei a roupa que ela havia escolhido para aquele dia e sorri de lado, porque ela certamente era a inspiração fashion para qualquer aluna da escola. Naquele dia estava calçando um par de sapatos pretos de salto que lhe deixavam uns cinco centímetros mais alta, uma calça de alfaiataria verde floresta que acabava em seu tornozelo, e por fim uma camisa levemente social com aspecto esvoaçante na cor branca e estampas de pequenas flores, com uma coloração próxima à de sua calça.
Ela era extremamente elegante e eu me perguntava se às vezes ela não se sentia envergonhada de sair comigo, já que minhas roupas eram básicas até demais. Naquele dia em específico eu estava com meu cabelo preso em um penteado "rabo de cavalo" e estava vestida com uma camiseta branca do tipo "mais básica impossível", uma calça jeans estilo boyfriend com lavagem clara, com as barras dobradas até um pouco acima do tornozelo e, para completar, um tênis Converse all star preto. Minha marca registrada nos meus tênis era colocar os cadarços de forma que o laço ficasse na ponta, ao invés de próximo ao tornozelo. Sorri de lado ao olhá-los rapidamente.
me olhou e então voltei à realidade, imaginando que já deveríamos estar atrasadas para o almoço. Lancei-lhe um sorriso.
– Estou muito atrasada? – arqueei uma sobrancelha em sua direção, enquanto voltava a organizar minhas coisas para acelerar o processo.
– Como sempre – deu uma risadinha de lado – você sempre se atrasa porque ficou tirando dúvidas dos alunos. Não que isso seja um ponto ruim... – ela rapidamente apontou um dedo indicador na minha direção, ao ver que eu havia aberto a boca para protestar. Logo a fechei, com um sorriso de lado.
Ela me conhecia muito bem. Eu definitivamente não me importava de passar um pouco do meu horário de aula para ajudar os alunos, afinal era o meu trabalho como sua professora sanar suas dúvidas. Mas era claro que sabia de tudo aquilo, afinal ela era exatamente igual a mim.
– Mas hoje é Sexta-feira e nosso expediente acabou – ela continuou – Então, não estou nenhum pouco preocupada – ela riu de lado, enquanto cruzava os braços, me olhando. Só me avise quando tiver terminado de organizar todas as suas coisas.
– Pra sua sorte eu já acabei – sorri, pegando minha pasta, onde guardava meus objetos e também o notebook, e coloquei a alça em um de meus ombros. Em seguida peguei meu caderno e o segurei como se fosse um fichário – Podemos ir?
Ela apenas retribuiu o sorriso e desceu da mesa, seguindo comigo até seu carro para que pudéssemos almoçar.


∞ ∞ ∞


– Então, já pensou em qual roupa vai usar hoje à noite? – sorriu pra mim, enquanto tomava um gole de sua água.
Ela estava querendo ir para o bar mais tarde, aproveitar o início do fim de semana. Eu estava particularmente animada para sair, em parte porque estava com saudade de tomar umas cervejas sem culpa e ouvir um pagodinho, que definitivamente era meu gênero musical favorito, e em parte porque eu realmente precisava me divertir um pouco.
Mas é claro que para ela eu precisava de outro tipo de diversão: um que envolvesse ficar com algum macho porque, segundo ela, eu estava necessitada. Revirei os olhos só de pensar no que ela estava imaginando.
– Sim. Algum short que eu tenha no armário – dei de ombros.
Realmente eu não me importava com a roupa porque meu interesse maior era me divertir com minha amiga e encher a cara.
– Para com isso, ! – ela fez careta – precisamos ir às compras. Não vou te deixar sair com qualquer roupa, ainda mais se houver algum pitelzinho lá – ela me deu uma piscadela e apoiou o copo na mesa, me olhando fixamente – você precisa de um homem pra dar uma relaxada – sorriu maliciosa.
– Não me digam que me chamaram pra almoçar só pra eu ouvir vocês falando que a precisa transar – deu uma risada e eu automaticamente revirei os olhos.
não tinha me avisado que ele iria junto, mas isso não era nenhum problema já que éramos todos amigos. Sempre estávamos juntos desde que nos conhecemos na faculdade.
– Ha ha ha. Muito engraçado – joguei um grão de feijão nele, que riu – Se isso serve de consolo, eu também não quero falar sobre isso e já deixo claro que estou muito bem, obrigada!
Imediatamente o rosto de se iluminou, como se ela tivesse literalmente uma lâmpada sob sua cabeça que havia se acendido, assim como nos desenhos animados. A olhei com uma pontada de curiosidade, porque quase sempre suas ideias eram horríveis, mas ninguém conseguia as tirar de sua cabeça. Praguejei internamente porque sabia que era algo ligado à mim antes mesmo que ela dissesse.
– Me passa seu celular – sorriu, estendendo a mão.
– O que? Por quê? – a olhei, desconfiada.
– Sem perguntas, só me passa ele.
– Nem pensar – estiquei a mão para pegá-lo, pois estava descansando na mesa.
Porém, ela foi mais rápida do que eu e logo já estava com ele na mão, o desbloqueando. Sim, ela sabia minha senha.
, me devolve agora – tentei pegar de volta, mas ela afastou o braço para mais longe de mim. Do seu lado, só dava risada da cena.
– Relaxa, garota. Eu já te devolvo – deu risada e começou a mexer nele.
– O que pretende fazer? – a olhou mexer em algo no celular e aproximou sua cadeira, ficando ao lado dela.
– Não é óbvio? Vou criar um perfil no Tinder pra ela – ela riu e continuou concentrada no celular, sendo imediatamente apoiada por .
– Vocês não têm vida pra cuidar, não? Eu estou muito bem e não preciso de ninguém – cruzei os braços, olhando pra eles.
– Querida , você não precisa casar com nenhum deles, só precisa sair e pegar alguém pelo amor de Deus. Já to sentindo sua virgindade voltando – ela fez careta – Você vai conseguir um match e já aproveita pra se encontrar com ele hoje à noite no pagode. É fim de semana! Relaxa um pouco, por favor.
Olhei pra ela e , que claramente estavam montando meu perfil e mordi o lábio. Fazia tempo que eu não saía com alguém e definitivamente ela estava certa sobre eu precisar transar.
"Céus, faz tanto tempo desde a última vez que eu nem devo mais saber o que é estar excitada".
Esse pensamento me fez morder o lábio um pouco mais forte. Eu não tinha nada a perder, então porque não tentar?


∞ ∞ ∞


Desci do carro de ajeitando a saia jeans que ela havia praticamente me obrigado a comprar. Ela era cintura alta, com uma lavagem bem clara, com um cinto do mesmo material e para fechar havia escolhido um cropped preto de alças, que deixava apenas uma fina faixa de pele à mostra entre ele e a saia. Muitos diriam que não é o tipo de roupa que eu deveria usar, já que estou acima do peso, mas a verdade é que eu não dava a mínima para o que pensavam. Havia gostado do visual em si, estava me achando extremamente gata e isso era o que me importava no final das contas. Finalizei o look com um sapato alto na cor preta, de salto grosso por ser mais confortável.
Esperei meus dois amigos antes de entrar no bar. O clima já estava extremamente agradável, com a melodia animada de um pagode tocando nos altos falantes, sobrepondo a voz das pessoas que estavam lá conversando e bebendo. Sorri de lado, extasiada pela energia boa que irradiava do local e segui meus amigos até o bar, para darmos início à diversão.
– Três cervejas, por favor – sorri, pedindo ao garçom.
Ele imediatamente me entregou as garrafas, que fui repassando para meus amigos e fomos nos juntar à galera que dançava ao som da "Turma do Pagode". Era definitivamente um dos meus grupos favoritos e eu sorri de lado, começando a dançar.
Tomei um gole da minha cerveja, sorrindo pra meus amigos que dançavam ao meu lado. Era muito bom ter gente que curtisse o mesmo estilo musical que eu, porque assim os rolês eram bem menos solitários e muito mais divertidos. Sorri de novo com meu pensamento e bebi mais um gole.
Aproveitei que meus amigos estavam distraídos dançando e cantando ao mesmo tempo e peguei a mão da com minha mão livre, girando ela para que a mesma desse uma voltinha. aparentemente ficou com inveja e logo fez o mesmo comigo, arrancando boas risadas.
– Seus palhaços – sorri pra eles, tomando mais um gole – Eu amo essa música... e essa cerveja também.
– Justo – devolveu o sorriso, erguendo sua garrafa no ar como se estivesse brindando.
– Essa é com certeza a melhor parte da semana. Mal posso esperar pra encher minha cara de álcool, já que amanhã é Sábado – riu, me acompanhando em outro gole.
Sorri de lado e passei os olhos pelo local sem procurar alguém em específico, mas parei meu olhar no bar. Sendo mais específica, fiquei de olho nos bancos que havia lá para as pessoas poderem se sentar. Sorri de lado quando encontrei um rosto conhecido.
Olhei novamente para meus amigos, que já estavam bastante animados. já estava de olho em um cara, que também não parava de olhar para ela, enquanto seguia apenas dançando. Eu mal podia esperar pelo dia em que ele ia encontrar alguém porque nunca o vimos acompanhado de outra pessoa que não fossemos nós duas.
– Eu vou ao bar buscar mais uma cerveja – falei alto para que eles pudessem me ouvir, já que a música estava alta.
– Mas a sua garrafa ainda está na metade. Sua cerveja nem acabou – falou, olhando a mesma em minha mão.
Eu de fato ainda não havia bebido tudo, estava apenas buscando uma desculpa para ir até o bar. Restava um pouco menos da metade do líquido, então, sem pensar duas vezes, virei a garrafa de uma vez.
imediatamente deu uma rápida olhada na direção do bar e me lançou um sorriso, já percebendo o que eu estava querendo fazer. olhou a garrafa agora vazia em minha mão e deu uma risada.
– Já que vai ao bar, traz mais uma pra mim – ele falou em um tom alto para que o ouvíssemos.
– A sua ainda tá cheia. Depois você busca uma – deu uma cotovelada de leve em suas costelas, como se pedisse pra ele disfarçar.
– AI! – esfregou a mão no local que ela atingiu – Tudo bem, depois eu busco. Doidas! – fez uma careta.
Lancei um sorriso cúmplice para e me afastei deles, indo em direção ao bar.
Assim que cheguei até o balcão, coloquei a garrafa em cima do mesmo para chamar a atenção do garçom.
"Obviamente, não somente a dele".
Sorri mentalmente com meu pensamento e meu "eu interior" deu uma mordida no lábio.
– Em que posso ajudar? – ele me olhou.
– Mais uma garrafa, por favor – sorri pra ele.
Antes que o mesmo tivesse tempo de se virar pra ir buscar, uma voz masculina ao meu lado se fez ouvir sobre a música alta.
– Duas garrafas!
Eu já havia o visto, mas mesmo assim me virei para observá-lo, fingindo que estava curiosa em saber quem falou. Ele imediatamente soltou um sorriso de lado, retribuindo meu olhar.
– E pode deixá-las por minha conta.

2 - Churrasco

Assim que ele fez o pedido, o garçom deu um aceno com a cabeça e se virou para ir buscar o pedido. Logo retornou com duas garrafas, entregando uma para mim e outra pra ele, se afastando para que pudéssemos conversar. Aproveitei para me sentar no banco ao lado dele, cruzando as pernas.
– Você chegou rápido – sorri de lado, tomando um gole da cerveja.
– Não iria perder a oportunidade de passar um tempo a mais com uma gata como você, né? – sorriu de lado e me acompanhou na bebida.
Revirei os olhos internamente. Eu claramente sabia que era bonita e tudo mais, só que não me resumia somente a isso.
– Bom, a noite é uma criança – sorri, olhando pra ele.
– Achei que crianças dormissem cedo – ele me olhou, tomando um gole de sua bebida e o acompanhei.
– Se preferir, fique a vontade – ri e me levantei com a garrafa na mão, indo até onde as pessoas estavam dançando e me juntei à elas.
Não demorou muito e pude sentir ele se aproximando de mim, então sorri de lado como se fosse uma vitória. Continuei dançando no ritmo da música, até que senti sua mão segurar minha cintura. Virei-me em sua direção, ficando de frente para o mesmo e passei os braços pelo seu pescoço, cuidando a garrafa que estava em minha mão.
Ele imediatamente colocou uma mão no meu rosto, o segurando, e apoiou sua outra em minha cintura por cima do tecido jeans da saia, nos aproximando ainda mais. Dei um sorriso pra ele antes de encostar minha boca na dele, iniciando um beijo. Quase que imediatamente ele correspondeu, passando a língua pelos meus lábios para que eu permitisse que ele aprofundasse o beijo.
Abri um pouco a boca, permitindo que sua língua encontrasse a minha e demos início à um beijo mais profundo. Utilizando minha mão livre, passei as unhas de leve em sua nuca e, em resposta, ele apertou um pouco a minha cintura, me puxando para mais perto de si. Sorri de lado e assim que o ar fez falta, mordi seu lábio inferior, puxando o mesmo com os dentes em uma forma de provocá-lo.
– Uau! – sorriu de lado, voltando a me olhar – Vai ser assim toda vez?
Dei uma risada de lado e me soltei dele, voltando a atenção para minha cerveja que já estava parada por tempo demais. Fiz uma careta ao notar que ela já estava esquentando, porque bebida quente é uma droga. Então, voltei minha atenção para o cara que estava à minha frente e cujo nome eu nem sabia ou já nem lembrava mais.
– Depende. Se eu quiser repetir a dose te mando uma mensagem! – pisquei na direção dele.
Pude vê-lo ficar com cara de confuso e até mesmo bravo, porém sorri em sua direção e mandei um beijo no ar, me afastando na direção em que meus amigos estavam. Não entendi o comportamento dele, porque eu sou uma mulher solteira, bem resolvida comigo mesma, dona da minha vida e das minhas contas. O que eu faço ou deixo de fazer não é da conta de ninguém além da minha.
Aproximei-me dos dois, já observando que estava ficando com o homem de minutos atrás. Sorri de lado e fui até , que estava literalmente abandonado com sua cerveja. Ele realmente precisava conhecer pessoas pra que socializasse mais.


∞ ∞ ∞


Remexi-me na cama, já sentindo a luz do Sol me cegar por conta da claridade. Imediatamente me arrependi por não ter lembrado de fechar as cortinas assim que cheguei em casa. Nós havíamos saído do bar extremamente tarde, todos completamente bêbados e rindo até mesmo do ar que passava por nós. Aposto que o motorista do táxi havia dado umas ótimas risadas enquanto nos carregava para nossas casas.
– Hm... – resmunguei, me virando na direção oposta, mas já sabendo que não iria voltar a dormir tão cedo. Mentalmente, proferi um palavrão.
Assim como algum tipo de carma, meu telefone começou a tocar no criado-mudo ao lado da minha cama, levando pra bem longe qualquer chance mínima que eu ainda possuía de voltar a dormir. Fiz uma careta e estiquei a mão em sua direção, já que o toque dele junto com a ressaca, que já dava sinais de vida, estava me deixando com dor de cabeça. Atendi sem ao menos ver quem era.
"Tomara que não seja cobrança, Deus."
– Alô.
– Alô. Poderia passar o telefone para a minha amiga , por favor? – pude ouvir a voz de soar do outro lado da linha. Pelo seu tom, ele estava claramente se divertindo com a situação.
– Hahaha! Muito engraçado você, . Obrigada por atrapalhar meu sono – fiz uma careta e passei a mão nos olhos, tentando despertar. – Por favor, seja rápido e me diga logo o que quer.
– Sabia que você é muito insuportável de manhã? Nem sei como seus pobres alunos te aguentam. Sério mesmo.
– Vai se foder, .
Pude ouvi-lo rindo do outro lado da linha.
– Só liguei pra lembrar a princesa que hoje tem o churrasco aqui em casa, para que você não tivesse uma desculpa para não vir. Então, por favor, levante essa tua bunda da cama, porque eu sei que ainda está deitada, e vá se arrumar logo para não se atrasar. Te vejo logo, gata.
Ele mal terminou de falar e encerrou a chamada, não me dando tempo de responder. Imediatamente me senti irritada, porque ele sabia que eu odiava esse tipo de coisa, mas sempre agia assim.
Totalmente contra minha vontade, obriguei-me a sentar na cama e, depois de um longo bocejo que foi seguido de uma espreguiçada, finalmente me levantei. Me obriguei a ir para o banheiro, onde imediatamente me olhei no espelho. Minha aparência não poderia estar pior: o rosto ainda tinha resquício de maquiagem, mesmo eu sabendo que não fazia bem, os cabelos completamente emaranhados e meu mau humor estampado no rosto em forma de olheiras leves por não ter tido uma boa noite – ou madrugada, mais provavelmente – de sono.
Fiz uma careta de desagrado e decidi que seria melhor começar o milagre de me arrumar, antes que ficasse muito tarde e alguém viesse me buscar em casa.


∞ ∞ ∞


– Até que enfim, mulher! – me recebeu na porta com um sorriso no rosto e então me puxou para um abraço.
Sua alegria era muito irritante. Seria possível que ele não estivesse de ressaca depois de tanto álcool? Minha vontade era de socar sua cara por tamanha injustiça que estava sofrendo, mas eu ainda tinha esperanças de que não fosse a única em um péssimo estado.
– Cadê a ? – retribuí seu abraço.
– Lá em cima, capotada na cama – ouvi sua risada soando perto de meu ouvido por conta da proximidade e não pude evitar dar um sorriso vitorioso.
– Pelo visto não sou a que está em pior estado aqui – ri e me separei de seu abraço.
– Pode apostar que não. Está ótima, aliás. Santificado seja aquele que inventou a maquiagem – ergueu as mãos no alto como se estivesse agradecendo algo e riu, voltando a me olhar. – Entra aí. Todo mundo já chegou e já estão festejando. Se não correr vão acabar com toda a carne antes da hora.
Rindo, deu espaço para que eu entrasse em sua casa e fechou a porta assim que passei por ela. Já dava para ouvir o pagode tocando e a galera estava toda reunida no quintal dos fundos, conversando em um tom quase tão alto quando a música.
– Vou tentar fazer a nossa querida amiga de ressaca descer pra interagir e comer. Pode se sentir em casa e socializar, embora não precise de nada disso – deu uma risada e foi até as escadas que davam para o segundo andar.
Realmente era como se aquela também fosse a minha casa, já que sempre nos reuníamos ali para conversar ou apenas reclamar da semana horrível que tivemos em nossos trabalhos. Olhei o pessoal reunido e logo fui me aproximando, afinal de contas eu estava ali para me divertir e principalmente pelo churrasco.
! Você veio – Alice seguiu em minha direção, me recepcionando com um abraço – achei que tinha desistido em cima da hora.
– Recusar comida e bebida grátis? Não, obrigada – sorri e retribuí seu abraço.
Ela era super divertida e eu gostava da sua companhia porque tínhamos várias coisas em comum, dentre elas um péssimo gosto para namorados e ficantes, o que rendiam horas de risadas. Fomos até a mesa onde haviam colocado uns pedaços de carne junto com uma farofa do lado e imediatamente me sentei, já pronta para atacar aquelas delicinhas ali.
– Me conta ali quem foi tua última vítima – sorri, passando um pedaço de carne na farofa antes de comer. Aquilo era bom demais.
– Ah. Nada demais – ela soltou uma risada – Um cara que conheci na fila do banco. Ela estava simplesmente enorme como sempre e eu quase desisti e voltei outro dia, mas tinha esse cara na minha frente que começou a puxar papo. Ele era muito gato e eu com certeza não ia deixar de conversar com ele – deu uma risada – Acabamos trocando nossos números e de noite fomos jantar.
Ela deu de ombros e continuou comendo a carne enquanto ia bebericando a cerveja. Dei uma risada de lado.
– Ele te levou em um restaurante? Por essa eu não estava esperando.
– Pois é, nem eu estava esperando – ela riu novamente – Mas é claro que a sobremesa foi na casa dele – um sorriso malicioso dançou em seus lábios e eu não pude segurar a risada.
– Essa definitivamente é a Alice que eu conheço – sorri e bebi um gole da sua cerveja. Ela fez uma careta de protesto, mas já era tarde demais.
– Mas e você? Me conta aí do gatinhos que você tá pegando.
– Eu estou meio parada, ultimamente – dei de ombros, olhando para o prato na minha frente – A não aceita isso e meio que me obrigou a criar um perfil no Tinder – fiz uma careta ao lembrar a longa conversa que tivemos quando ela tentou me obrigar a fazer isso.
– Bem, ela tá certa – roubou a latinha da minha mão, virando tudo em um gole – Mas e daí? Achou algum gatinho? Saiu com alguém?
– Eu dei um match. Já tinha combinado de sair com o e a para um barzinho, então aproveitei o gancho e marquei de encontrar ele por lá mesmo – ri de lado, comendo outro pedaço de carne.
, ... – Alice riu de lado e ouvimos meus amigos se aproximando – Falando nos demônios...
definitivamente estava com uma ressaca dos infernos e nem conseguiu disfarçar. Usava óculos escuros e tinha uma careta no rosto. Já estava com um sorriso enorme, provavelmente porque estava achando graça da situação e, por isso eu não o julgava.
– E aí, galera? – se sentou ao meu lado e apoiou a cabeça no meu ombro.
– Não vai voltar a dormir, gracinha – empurrei-a para o outro lado, para que não acabasse dormindo.
– Ai! Me deixa, mulher – passou a mão pelo cabelo – Respeita minha ressaca.
– Engraçado que ontem à noite quando aquele cara estava enfiando a língua na sua boca você não estava reclamando de nada – ri e recebi como resposta um tapa no ombro – Ai!
– Lógico, né. Ontem eu não estava de ressaca igual hoje – esticou a mão e pegou a latinha de cerveja que estava na mão da Alice.
– Essa cerveja aí está mais rodada que você, – dei risada, a olhando beber um gole.
– Hahaha! Muito engraçado falar de mim, né? Mas ontem a senhorita também estava com sua língua muito bem acompanhada pelo que eu vi – me olhou com cara de quem sabia de um segredo.
Olhei para ela com os olhos semicerrados. Eu definitivamente não queria falar sobre isso ali, no meio de todos os meus amigos.
– Como que é essa história, dona ? – Alice rapidamente virou seu olhar para mim, me analisando.
"Droga, . Por quê você precisa mesmo ter uma boca tão grande?"
– Ah, não foi nada demais – bati as unhas na mesa, dando de ombros porque realmente não era nada demais.
– Se realmente não é nada demais, pode desembuchar.
– Ok! – me rendi, vendo que aquela conversa não iria a lugar nenhum – Eu te falei sobre o cara com quem dei match. Basicamente a gente se encontrou lá, assim como o combinado, e então nós ficamos. Nos beijamos e foi basicamente isso, já que não rolou nada de especial com ele. E definitivamente nós não fomos pra cama, se é o que estão pensando, seus pervertidos. – fiz careta.
– Sabe , às vezes eu acho que você não sabe que existe sexo, porque não é possível – soltou no ar e todos riram, exceto eu, que dei um soco de descontentamento em seu braço.

3 - Surpresa

Já era umas dez horas da noite. Todo mundo já havia ido embora, exceto eu, já que era o dono da casa. Eu havia ficado para ajudá-lo porque todo mundo havia comido bem e, não contentes com o almoço grátis, decidiram ficar também para a janta. Ele não havia combinado nada a respeito disso, mas como todos são bons brasileiros, viram que havia sobrado carne e logo propuseram um arroz carreteiro para a noite.
Não havia muito que fazer, então eu e as meninas fomos ajudá-lo a preparar a janta e agora só eu havia ficado para ajudar na organização da casa.
"Isso é tão típico de todo mundo."
Revirei os olhos, descontente com a atitude deles, mas agora já era muito tarde para reclamar. Deixei-o responsável por lavar as louças enquanto eu ia secando e também guardando, já que sabia onde ficavam as louças de cor. Enquanto ele lavava algumas panelas, parei para observá-lo.
Dizer que ele era bonito era pouco, uma vez que para mim a sua beleza ia muito além da física. Debaixo daqueles músculos bem definidos por conta dos pesos que erguia na academia, do rosto de inocente e daquele cabelo que era mais cuidado que o meu, ele era um cara extremamente engraçado, que sempre estava disposto a conversar na madruga quando você não conseguia dormir e que se preocupava contigo. Essas coisas, para mim, o faziam parecer muito mais bonito do que a própria beleza física dele.
Isso tudo não era nenhuma novidade para mim, já que eu havia gostado dele logo que nos conhecemos. Isso pode parecer clichê ou mesmo coisa de cinema, mas às vezes acontece na vida real e posso afirmar com todas as letras do mundo que essa afirmação é verdadeira, pois eu definitivamente estava caidinha pelo meu amigo. O único problema é que ele não podia saber disso, porque além da possibilidade disso estragar nossa amizade também não valeria de nada, uma vez que ele é gay. Sim, isso com certeza soa ainda mais piegas, mas infelizmente é o que é.
– Alô? Está me ouvindo, ? – saí de meus devaneios quando ouvi me chamando, balançando a mão com espuma na frente do meu rosto.
– Hã? Oi? – balancei a cabeça, me livrando desses pensamentos – Claro. Eu só estava pensando em umas coisas – lancei um sorriso em sua direção.
Ele me olhou, avaliando se eu estava dizendo ou não a verdade, mas deve ter acreditado pois logo se virou em direção à pia, voltando a lavar a louça. Fui até ele, parando ao seu lado para que pudesse secar as que já estavam se acumulando no escorredor devido ao meu devaneio.
– Vai sair com ele de novo? – sua voz saiu depois de alguns minutos de silêncio entre nós.
– Quem? – o olhei com uma expressão de confusão no rosto.
– Aquele cara do Tinder que beijou ontem – deu uma risada por conta da lentidão que eu possuía para processar as coisas.
– Ah. Provavelmente não. Foi apenas uma ficada sem sentimentos. Da minha parte, pelo menos – não sei se era algo da minha mente, mas percebi seu corpo se relaxando com minhas palavras. Um grande ponto de interrogação se formou na minha cabeça – Não se preocupa. Se quiser pegar ele é todo seu, posso até te passar o número – dei uma risada e pisquei para o mesmo.
– Hã? – seu olhar fitou o meu. Ele estava claramente confuso.
– E depois eu que sou a lerda? – ri e continuei secando um prato que estava em minhas mãos – Não precisa fingir porque eu não sou burra, . Percebi que ficou tenso quando citou o nome dele e depois notei que relaxou quando disse que não ia rolar nada entre nós. Sabe, você está sozinho à muito tempo e eu acho que isso poderia ser muito bom pra ti. Liga pra ele e vê no que vai dar – sorri de lado.
– Calma! – ele parou de esfregar um copo e deixou-o em cima da pia, com a bucha dentro do mesmo – você acha que eu quero sair com ele? – sua risada soou ainda mais alta que a anterior. Continuei confusa.
– Ué. E não quer? – guardei o prato e virei de costas para a pia, utilizando a mesma como encosto. Cruzei meus braços na frente do peito e virei a cabeça em sua direção – Convenhamos, . Você nunca saiu com ninguém desde que nos conhecemos. Não pode viver sozinho pra sempre. Seria bom conhecer alguns caras, vai que acha algum que te agrade.
– Você só pode estar louca, – ele se segurou na beirada da pia e inclinou o tronco para frente devido à intensidade das risadas que dava – Você acha que eu sou gay, é isso? Só porque nunca saí com ninguém? – seu rosto se virou em minha direção, já vermelho de tanto rir.
Apenas balancei a cabeça para cima e para baixo, sinalizando um "sim".
– Meu Deus, se você soubesse...
Com um sorriso de lado, resgatou a bucha de dentro do copo e colocou mais sabão nela, voltando sua atenção para a louça ainda suja. Não demorou muito para que ambas as suas mãos estivessem cheias de espuma.
– Se eu soubesse do quê, ? – descruzei meus braços, os deixando ao lado do corpo enquanto mantinha o olhar em cada movimento seu – Me fala!
Ele apenas me lançou um olhar que durou longos segundos. Era possível sentir seus olhos percorrendo cada pedaço do meu rosto, analisando minhas expressões faciais. Em algum momento, não sei dizer exatamente quando porque minha mente entrou em transe, ele jogou a bucha dentro da pia e aproximou seu corpo do meu. Fiquei olhando-o sem conseguir me mover, era como se tivessem administrado em mim doses altas de algum anestésico.
continuou se aproximando até que seu rosto ficou a centímetros do meu, fazendo sua respiração quente atingir meu rosto, causando uma sensação gostosa que me fazia querer puxá-lo para mais perto. Meu coração estava aos saltos no meu peito, quase saindo de encontro ao dele tamanha era a adrenalina que percorria meu corpo. Eu simplesmente não conseguia desviar os olhos dos seus, por mais que sua boca estivesse me tentando.
– Se você soubesse do que eu sinto, do quanto sonhei com esse momento. Do quanto eu quero te beijar.
Tudo que eu consegui fazer foi abrir a boca, mas nada saiu dela. Antes que me desse conta, as mãos de foram parar na minha cintura, molhando o tecido da blusa por conta da espuma que tinha nelas, e contraste da água com minha pele quente por conta da adrenalina do momento gerou um arrepio que seguiu por todo o meu corpo. Ele se aproximou ainda mais, me deixando presa entre seu corpo e a pia.
A tensão entre nós era quase palpável e eu ansiava pela sua próxima iniciativa, quase suplicando. Ele pareceu entender o que eu estava pensando, pois quase que imediatamente sua boca encostou-se à minha. Demorei alguns segundos para assimilar, ainda estática com tudo que estava acontecendo, mas por fim subi as mãos até o cabelo dele, enfiando os dedos entre os fios. Senti sua língua passando sob meus lábios, pedindo passagem e eu cedi, permitindo que ela explorasse minha boca e se entrelaçasse com a minha, como se ambas estivessem em uma dança.
Ainda mantendo as mãos em minha cintura, ele foi me guiando até a sala sem separar nosso beijo. Aproveitei para dar suaves puxões em seu cabelo, aproveitando cada segundo daquele momento. Ele deveria estar tão ansioso quanto eu, já que logo senti meu corpo sendo deitado no sofá.
Meu coração batia acelerado no peito. Nunca imaginei que algum dia estaria beijando meu melhor amigo, porque sempre acreditei que ele era gay. Toda a situação parecia mais um dos meus sonhos, eu estava realmente muito confusa. Enquanto meu corpo aproveitava cada toque e segundo, minha mente estava em outro lugar.
já estava em cima de mim, sua atenção agora em meu pescoço enquanto distribuía beijos e mordidas por toda a área exposta. Diversos arrepios percorriam meu corpo e, em algum momento tive que fechar os olhos devido a uma onda de excitação que me atingiu, me fazendo perder todos os sentidos.
Tudo foi tão rápido que eu não conseguia assimilar e, enquanto não entendesse tudo o que tinha acabado de acontecer, não podia me entregar para aquilo. Diversas coisas rodavam pela minha cabeça e eu realmente queria aproveitar o que estávamos tendo, pois havia esperado e sonhado muito com ele. Só que aquele não era o momento e hora certos, eu podia sentir.
Então, contra a minha vontade, apoiei as mãos nos ombros de e o empurrei para longe de mim, o afastando. Consegui ver que ele estava confuso, mas desviei meu olhar do seu e logo levantei, ajeitando o cabelo e a roupa que estava molhada em alguns pontos por conta das mãos dele.
Antes que qualquer um dos dois pudesse dizer algo, peguei minha bolsa e saí de sua casa. Minha cabeça e pensamentos estavam a mil, assim como meus batimentos cardíacos.
"Que merda acabou de acontecer?"


∞ ∞ ∞


O relógio já marcava cinco horas da manhã, mas eu ainda não estava com nenhum sinal de sono em meu corpo. Os acontecimentos das últimas horas rodavam em minha cabeça, me deixando tão confusa ao ponto de não conseguir sequer fechar os olhos. Apenas uma pergunta vinha à mente, mas eu não tinha uma resposta para ela e isso me atormentava.
"Porque me beijou?"
Bufei extremamente frustrada com toda a situação e virei para o lado, olhando através da janela do quarto. Já era possível ver o sol surgindo no horizonte, sinal de que a manhã se aproximava assim como um possível mal humor. Passei as mãos pelo cabelo, querendo ao mesmo tempo esquecer, mas também me lembrar de tudo.
"Vamos lá, ! Que merda é essa no qual você se transformou? Você não é assim, nunca sofreu por homem nenhum."
Era exatamente disso que eu precisava e iria fazer: agir normalmente assim como eu faria em um Domingo normal. Não posso me abalar e ficar sofrendo por conta de outras pessoas. Minha felicidade é o que importa e era em busca dela que eu iria.


∞ ∞ ∞


A batida da música me contagiava, fazendo com que eu me movesse conforme o ritmo que tocava. Em minha mão, um copo de chopp estava pela metade já que eu havia bebido a restante em apenas um gole. Aquele não era o meu primeiro e com certeza também não era o último copo que eu bebia, mas isso não importava. Ainda estava bem cedo, porque deveria ser umas nove horas da manhã, e o dia era só uma criança.
À minha volta as pessoas gritavam em comemoração à algo que não prestei atenção, mas isso também não me importava. Fui ao bar com um único e exclusivo propósito: beber muito. Até aquele momento meu plano estava indo de acordo com o planejado, mas ainda estava muito longe de ficar bêbada já que os muitos anos de bar haviam me deixado ligeiramente resistente à álcool.
Virei o conteúdo do copo de uma só vez novamente, sentindo a bebida ir descendo por minha garganta, gerando uma típica sensação de ardência no local. Como eu só queria beber muito, não podia ficar com o copo vazio, então segui rumo ao bar, depositando o copo em cima do balcão. Mal tive tempo de pedir outra rodada, pois senti uma mão envolver minha cintura como se estivesse me abraçando de lado.
Eu nem precisava me virar para saber à quem pertencia aquela mão, mesmo após várias horas eu ainda as sentia como se estivessem gravadas em minha pele. Um arrepio percorreu todo meu corpo, lembrando-o dos toques e beijos que havia recebido. Poderia apostar que minha "eu interior" estava se contorcendo nesse exato momento, querendo que tudo aquilo se repetisse. Censurei-a imediatamente.
"Você não pode sempre ter tudo que deseja."
Continuei calada. Eu definitivamente não seria a primeira a falar, então apenas continuei ali, com o copo em minha mão. Ele aparentemente também não se movia, já que sua mão permaneceu no mesmo local sem se mover. Após alguns segundos de silêncio que mais pareceram horas, ele coçou a garganta como se chamasse minha atenção.
"Não que ele precise disso pra conseguir minha atenção realmente."
– Podemos conversar? – seu tom de voz era baixo, o suficiente para que eu pudesse ouvir.
– Não precisamos – continuei olhando para o copo porque temia que se olhasse para ele faria algo do qual me arrependeria depois.
– Você é uma péssima mentirosa. Sabe que não me convence com esse papo.
Eu sabia que ele tinha revirado os olhos ao dizer isso. Tão típico dele que até me faria rir se a situação não estivesse tão tensa.
– É você quem está dizendo – dei de ombros.
... – senti sua outra mão segurar meu ombro e ele me virou junto com o banco, fazendo com que finalmente nos olhássemos cara a cara.
Mordi a parte interna da bochecha, torcendo para que ele não percebesse que eu estava nervosa. A verdade era que eu não queria conversar pelo simples motivo de que tinha muito medo do que ele diria. Respirei fundo, me preparando psicologicamente.
– Tudo bem. Pode falar – finalmente o encarei, fitando seus olhos castanhos. Apesar de serem de uma cor extremamente comum, isso não os tornava menos bonitos.
– Não aqui, está muito movimentado. Não acha melhor irmos para um lugar onde podemos conversar com mais calma e privacidade? – ele arqueou uma de suas sobrancelhas, me olhando.
Colocando as opções na balança realmente parecia melhor. Não ia querer enxeridos e curiosos ouvindo nossa conversa que seria no mínimo constrangedora, muito menos que bêbados começassem a se intrometer em assuntos alheios. Seria bom um local silencioso, também. Amanhã seria Segunda-feira e eu precisava da minha garganta intacta para colocar a turma de bagunceiros em ordem.
Fechei os olhos, soltando um profundo e longo suspiro que foi um misto de derrota e cansaço. Quando os abri novamente, ainda me olhava com uma pontada de ansiedade praticamente estampada nos olhos.
– Tudo bem. Vamos pra minha casa então.

4 - Aquele Beijo

A viagem até chegarmos ao meu prédio havia sido mais longa e silenciosa do que de costume, e isso só fazia com que meu nervosismo aumentasse. havia colocado algumas músicas que sabia que eu gostava para tocar, mas nem mesmo isso foi capaz de quebrar o clima pesado que havia entre nós. Já estava quase arrependida de ter o chamado para irmos até minha casa quando ele virou em uma rua, tornando visível o prédio alto e cinza ao qual eu já era familiarizada. Suspirei, agradecida por finalmente aquela tortura terminar, e pedi para que quando estivéssemos no meu andar a conversa fluísse melhor.
Fui na frente, já que era a moradora, cumprimentando os seguranças e também o porteiro, assim que passei por eles. ia repetindo minhas ações, já que era um frequentador assíduo do prédio e, por conta disso, todos ali o conheciam. Dirigi-me até o elevador sem dizer uma só palavra e esperei que ele também entrasse para finalmente apertar o botão com um sete gravado, que era o número do meu andar.
Aproveitei alguns momentos para lançar-lhe um olhar de canto de olho, somente para descobrir que ele fazia o mesmo, então ambos disfarçavam com uma tosse ou simplesmente fazendo qualquer outra coisa como ajeitar o cabelo ou conferir algo na bolsa.
Após longos segundos que mais pareceram horas, o elevador apitou, avisando que já estávamos no andar de destino, então permitiu que eu fosse a primeira a sair. Fui andando pelo corredor em sua frente, mordendo o lábio, completamente nervosa e tentando disfarçar o tremelique que havia me atingido. Céus, o que estava acontecendo comigo? Estava parecendo uma adolescente boba que acabou de se apaixonar e não sabe como agir.
Parei a frente da porta com o número 1520 pendurado e rapidamente destranquei-a, entrando no apartamento que estava fracamente iluminado, já que deveria ser por volta das nove e meia da manhã, ainda. Esperei que ele entrasse também e apenas encostei a porta, sem trancá-la. Joguei as chaves na bancada da cozinha e segui para a sala, onde poderíamos conversar mais à vontade e, de preferência, afastados.
– E então? – finalmente cortei aquele silêncio que já havia se prolongado por tempo demais. Aproveitei e me sentei na poltrona, pois dessa forma ele não teria como sentar ao meu lado, ao menos.
permaneceu me olhando por alguns segundos, mas acabou indo até o sofá e se sentando no meio do mesmo, ficando a uma distância considerável de mim.
"Então ele também não quer ficar próximo. Ou teria apenas entendido que eu é que não quero e respeitou meu espaço?"
Fechei os olhos, respirando profundamente para que esses pensamentos fossem embora. Eu só queria ouvir o que ele tinha a me dizer, não pretendia ficar devaneando como uma completa doida. Ele deu um pigarreio, atraindo minha atenção para si.
– Bom, não vou adiar a conversa por muito tempo. Acredito que você tenha outras coisas pra fazer, como o planejamento das aulas e tudo mais. Só queria saber se você está sóbria o suficiente para se lembrar das coisas. – seu olhar era ansioso, mas eu conseguia ver que havia também um pouco de preocupação, mesmo com ele tentando esconder.
Soltei o ar pesado de meus pulmões e revirei os olhos.
– Por acaso você é o que eu conheço? Porque ele sabe que eu preparo meu planejamento de Segunda-feira aos sábados, justamente para o caso de ocorrer algum imprevisto ou outra coisa. Além disso, só tomei três copos de chopp e você sabe que isso não é nada perto da quantidade necessária pra me deixar bêbada. Talvez eu fique "alegrinha", mas isso não vem ao acaso – dei de ombros, pois era verdade. – Sinceramente, agora estou achando que substituíram você – não pude segurar um sorriso de lado que se formou em meus lábios.
Ele também não deixou isso passar despercebido e deu uma risada, que por si só já foi o bastante para aliviar o clima pesado que se instaurou no local. Não pude controlar minha própria risada, que se uniu à dele.
– Bom saber que continua a mesma, apesar de tudo – ele sorriu de lado – Fiquei com medo de ter te perdido.
Foi o bastante para me fazer relembrar do real motivo de estarmos ali, então instantaneamente voltei a fechar a cara. Olhei-o em busca de algum sinal, qualquer coisa que pudesse servir de explicação para aquele momento que havia acontecido em sua casa. Percebi que ele estava tentando me enrolar, apenas contornando o assunto, então decidi ser extremamente direta.
– Por que me beijou, ? – o olhei séria.
– Uau. Quer ser direta, então. – ele pressionou seus lábios um contra o outro e tive que me segurar para não desviar o olhar para eles, visto que pareciam muito convidativos. – Quer sinceridade? – me olhou e eu assenti com a cabeça – A verdade é que te beijei porque eu quis.
Não pude conter a gargalhada que explodiu em meu peito, fazendo com que eu precisasse me curvar para frente. , porém, me olhava sério. Ele não parecia estar achando graça naquela situação, provavelmente porque não entendia o que estava se passando. Depois de alguns segundos, balancei uma mão na frente do rosto, como se estivesse me abanando.
– Você é simplesmente hilário, .
– Não entendi qual é a graça no que eu disse.
– Jura? Sério que você me beijou simplesmente porque quis? – arqueei uma sobrancelha.
– E qual o problema disso?
– O único problema é o fato de que isso não pode ser verdade, uma vez que você é gay.
Dessa vez os papéis se inverteram, pois foi ele quem começou a rir enquanto eu não entendia nada do que estava acontecendo, me sentido completamente perdida.
– Qual a graça, idiota? – o olhei, voltando a arquear uma sobrancelha.
– Beleza, vai ficar me fazendo ofensa gratuita assim? – fez careta – Eu não fui rude assim contigo.
Apenas revirei os olhos, cruzando os braços na frente de meu corpo.
– Pra início de conversa eu quero saber por que diabos você acha que eu sou gay.
– E não é? – me encontrava atônita, ao mesmo tempo em que olhava diretamente para ele.
– Meu Deus, . Claro que não – deu uma risada, passando a mão pelo cabelo, mas eu não sabia ele queria arrumá-lo ou apenas bagunçar ainda mais. De qualquer forma, ele ainda continuou bonito e assim permaneceria, até mesmo se estivesse às avessas.
– O que... – minha boca se abriu até formar um completo "O", tamanha era minha surpresa.
O fato era que eu simplesmente nunca havia conseguido pensar nessa possibilidade. Quer dizer, não era mentira o fato de que eu queria muito que ele realmente não fosse gay, porque mesmo tendo consciência de que era errado e improvável, ainda assim eu estava apaixonada. Mas ter a verdade exposta na minha cara fez com que meus pensamentos começassem a enlouquecer, uma vez que minha mente já não sabia o que poderia ser verdade ou não.
– Sendo bem sincero, eu nunca disse que era. Você tirou suas próprias conclusões, então não venha me culpar por isso.
"Se eu soubesse disso antes, teria sido outra história."
lançou-me outro olhar, como se pudesse notar que agora eu estava diferente. Distribuía sorrisos mais largos, risadas mais altas e mantinha a postura mais relaxada, como se um peso fosse retirado de minhas costas. Logo eu me perdi em pensamentos, ficando impedida de olhar em volta. Mordi o lábio de leve e, por alguns rápidos segundos, quis contar-lhe o que sentia por ele. Ao mesmo tempo, não sabia se a hora era a ideal para isso.
Nós permanecemos calados por um longo tempo, apenas com os pensamentos, um silêncio constrangedor pairando sobre ambos. Após alguns minutos, que mais pareceram horas, fui a responsável por quebrá-lo, resolvendo que seria melhor resolver todos os problemas ao invés de continuar mantendo em segredo.
– Por que não tivemos essa conversa antes? – me joguei para trás na poltrona, não conseguindo segurar outra risada.
– Boa pergunta. Talvez por medo? Vergonha? Não faço ideia – deu de ombros.
– Hm... – respirei fundo internamente, controlando o nervosismo que me atingia. – Já que estamos lavando roupa suja aqui, eu preciso te contar uma coisa – olhei-o.
Ele apenas continuou me olhando, esperando que eu prosseguisse.
– Desde que nos vimos pela primeira vez eu senti coisas por você. Não vou dizer que foi amor à primeira vista, porque não acredito nessas coisas, mas de fato eu acho que tive um crush naquele momento – sorri de lado – Enfim, esses anos em que viramos melhores amigos só serviram para que eu de fato pudesse descobrir que estou apaixonada por você. E isso foi uma merda, porque até cinco minutos atrás eu tinha plena convicção da sua sexualidade e agora é como se eu tivesse uma chance ou coisa do tipo. Eu definitivamente não sei como reagir ou o que pensar.
Despejei tudo em cima dele, sem pensar no que estava falando, antes que a coragem fosse embora de vez. O olhei, notando que o mesmo parecia estático, e me arrependi na mesma hora de tudo que havia dito, pois não havia pensado nas consequências, muito menos em como ele se sentiria depois.
– Hã, me desculpe . Eu não devia ter dito isso tudo. – me levantei da poltrona e fui indo até a cozinha.
Precisava de um copo d'água para aliviar o estresse e o coração partido. Segui até os armários, abrindo um deles para pegar um copo. Foi quando senti duas mãos segurando minha cintura, espalhando arrepios não apenas no local, mas também pelo corpo todo. Eu nem mesmo precisava me virar para saber a quem pertenciam. Imediatamente senti meu coração disparar contra o peito, denunciando meu nervosismo.
– Sabia que dar as costas e deixar alguém falando sozinho é falta de educação? – não estava vendo seu rosto, mas sabia que estava sorrindo de forma divertida. – Você jogou um monte de informação em cima de mim e eu quero a mesma chance, então pode se virar para mim?
Eu conseguia sentir seu hálito, sua respiração, atingindo minha nuca. O contraste de meu corpo quente com o vapor frio que emanava era o bastante para arrepia-la por completo. Sem fôlego para sequer conseguir dizer uma sílaba sequer, fechei a porta do armário e, demorando mais tempo que o necessário, me virei até ficar de frente para ele. Ambos trocamos olhares por longos segundos, até que voltasse a falar.
– Eu sempre te vi como um amigo, sabia? – aquelas palavras me machucaram mais do que gostaria – Mas não por vontade própria e sim porque era o certo. Desde que te conheci eu também senti algo por você, mas nunca me permiti contar isso porque não parecia ser recíproco. Você estava sempre com alguém e eu não seria egoísta ao ponto de interferir na sua vida, mesmo que isso me magoasse. Eu não deixava de sair com pessoas por ser gay ou coisa do tipo, mas sim porque a única com quem eu queria estava ocupada com outros. E saiba que eu não te julgo por isso. – ele deu uma risada, olhando rapidamente para o lado antes de voltar sua atenção para mim – Na verdade, parando para pensar agora, soa até cômico que nos gostemos, mas ambos não tiveram a coragem de assumir os próprios sentimentos.
Não pude evitar uma risada após ouvir suas palavras. Contudo, a ansiedade me atingia forte e tudo em que eu conseguia pensar era no quanto sua boca me parecia atrativa. Eu definitivamente queria beijá-lo naquele momento e agora sabia que não havia nada que me impedisse. E foi o que fiz.
Em menos de um segundo minhas mãos foram parar em seu cabelo, se enfiando entre os fios, puxando-os enquanto minha boca se encontrava a sua, ambas se atracando em uma dança, se entrelaçando. Uma de suas mãos foi parar em minhas costas, acariciando o local, enquanto a outra seguia até minha cintura. Pude senti-lo mordendo meu lábio inferior e puxando o mesmo entre seus dentes.
Não pude deixar escapar um sorriso. Após tanto tempo, finalmente estava vivendo minha melhor fantasia e não abriria mão dela por nada.

"Às vezes, o amor só é impossível porque não tentamos."


FIM!



Nota da autora: Oi, para quem chegou até aqui! Mais uma loucura que eu cometi participando desse especial de pagode, mas to muito feliz com o resultado final hahaha. Espero que tenham gostado dessa minha shortfic. Foi realmente um desafio e a sensação de finalizar algo é incrível! Ainda verão muitas histórias minhas nesse site, então fiquem atentos e os vejo em breve! ;)





Outras Fanfics:
* 07. Tears Won't Cry (ShinjŪ) [Ficstape #180: You Are Ok]
* 09. Sad [Ficstape #176: Overexposed]


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