Capítulo 25 - A Rainha
Eu estava mesmo feliz pelo convite quando discretamente subi para o andar da família real. Eu sabia que as garotas estavam tomando café da manhã em seus aposentos, então não podia negar a felicidade de estar caminhando até o terraço para me juntar à rainha Ariele.
- O que isso quer dizer? - Meri, que estava comigo em meu quarto, quando recebi o convite, perguntou. - Que roupa você vai usar?
- Não quer dizer nada. A rainha só precisa me passar alguns livros para ler. - brinquei, me preparando para sair assim que viessem me buscar.
Logo depois eu já estava subindo as escadas acompanhada de um dos guardas, o qual me seguiu até a porta do terraço. Apesar de ele ser gentil, foi pouco comunicativo durante o percurso.
- A rainha a espera, senhorita. - ele disse, me indicando subir os degraus até o terraço, a porta grande já estava até aberta.
Aquele lugar era mesmo de tirar o fôlego, eu estava muito contente por a rainha Ariele ser tão ligada a lugares como aquele, pois sem dúvidas o terraço e o jardim feito por ela eram os melhores lugares do palácio.
- Bom dia, Majestade. - cumprimentei a rainha com uma reverência, vendo-a tirar a atenção dos papéis que tinha à sua frente e olhar para mim. Eu não queria interrompê-la, estava claro que a rainha estava ocupada enquanto me esperava na mesma mesa que sentamos em nossa última conversa, mas que opção eu tinha? Estávamos apenas nós duas ali em cima. E, pelo que eu sabia, ela estava à minha espera.
- , bom dia! - ela disse sorridente, já colocando os papéis na cadeira vazia ao seu lado. - Desculpe por isso, mas em dias como esse nós aproveitamos qualquer segundo. - ela riu um pouco triste. - Por favor, sente-se.
- Obrigada pelo convite, Majestade. - falei, sentando-me na cadeira à sua frente. A única que, além da qual a rainha estava sentada, possuía um jogo de pratos para usar. Além da louça, na pequena mesa do terraço, havia pequenos bolinhos de porção individual, torradas, sucos e algumas frutas.
- Imagine. Eu lamento ser durante uma refeição e logo após sua visita aos rebeldes nortistas, mas temo dizer que esse é o horário que tenho mais tempo a dispor. Teremos que comer e conversar. - ela disse parecendo realmente lamentar por ocupar meu café da manhã com assuntos mais sérios.
- Sem problemas, Majestade. - sorri, realmente despreocupada. Afinal, não via problema algum em estar naquele terraço com a rainha. - Eu consegui ver como o castelo já está enchendo novamente. A cozinha já estava lotada. Apesar da correria, preciso admitir que é bom voltar ao normal. - comentei, realmente feliz pelo castelo estar seguro o suficiente para termos os funcionários de volta.
- Sim, tenho que concordar. Mas você verá o que significa um castelo lotado com a chegada dos convidados. - ela brincou. - Inclusive, se tudo correr bem, hoje à tarde já teremos o castelo todo redecorado de acordo com as escolhas feitas por vocês. - ela disse, me deixando levemente vermelha.
- Bem, eu não fui exatamente uma participante dessa tarefa, Majestade. Sinto muito por isso, inclusive. - falei envergonhada, afinal era parte dos meus estudos estar lá aquela tarde, mas os sulistas tinham uma ideia diferente.
- Tem razão. - ela riu, me fazendo sorrir. A rainha Ariele sempre se mostrou uma mulher calma e respeitável na TV. Ao contrário do filho mais velho, ela sempre sorria. Mas eu não imaginava que ela podia ser tão incrível. - Mas não se preocupe, não é nada que você não terá que fazer no futuro e então poderá aprender. Falando nisso, se me permite, , fico feliz que tenha optado pelo rastreador. Sua segurança é realmente uma prioridade para nós.
- Obrigada, Majestade. Eu agradeço pela oportunidade. Apesar de torcer para que não seja necessário, eu estou feliz por estar com ele. - disse, me mexendo na cadeira. Não conseguia sentir o rastreador, mas era estranho imaginar um chip em mim.
- O meu nunca foi. - ela disse, sorrindo cúmplice. - Eu sei que são outros tempos, só quero que entenda que é realmente uma prevenção. O de foi usado poucas vezes e todas elas para encontrá-lo em situações que no fim não eram perigosas. Principalmente quando criança. - ela riu só com a lembrança.
- Pelo que conversamos, eu consigo imaginar. - também ri. havia me contado um pouco sobre seu passado e vida no castelo, então eu sabia que apesar de ser muito aplicado e estudioso, e tiveram boas aventuras durante a vida.
- E como foi seu encontro com os rebeldes hoje cedo? - a rainha perguntou de forma despretensiosa, como se puxasse assunto enquanto comíamos até começar a falar sobre meus estudos.
- Foi tranquilo. Um pouco diferente do habitual. Havia mais pessoas lá, e elas me trataram como se eu já fosse a escolhida. Era como se eu fosse um deles e ao mesmo tempo famosa.
A rainha sorriu.
- Porque você é, querida. Não apenas famosa, como a escolhida. E, se me permite dizer, um pouco nortista também. - ela brincou.
- A senhora tem razão, mas é um pouco difícil de assimilar. Eu não sinto nada disso. - admiti, olhando, de forma estratégica, para meu café da manhã.
- , você tem alguma dúvida sobre seu futuro?
Olhei a rainha nos olhos, parando de dar atenção a minha torta por um instante.
- Não tenho dúvidas sobre querer ou não, Majestade. Nem sobre fazer ou não. É mais sobre… - suspirei - No fundo, ainda pode não acontecer, não é? pode acabar se apaixonando por uma das Selecionadas restantes, ou, não sei, ainda temos a guerra.
- Querida, eu vou lhe contar algo que acho que não teve coragem. - ela disse com uma expressão triste, mas o sorriso, mesmo sem dentes, permanecia ali. - Mas o rei não quer esperar a guerra. Uma guerra pode durar meses, é tempo demais. Além disso, um casamento poderia ser muito bem uma distração. está tentando a todo custo adiar ao máximo e acho que vocês realmente ainda têm algum tempo. - ela respirou fundo. - Posso assegurar que os assessores do meu marido não conseguem organizar uma guerra pelos próximos 30 dias. Mas meses? Você não tem meses. E acho injusto lhe deixar achando que tem.
Respirei fundo, piscando algumas vezes, tentando assimilar as palavras da rainha aos poucos, enquanto, pelo jeito de forma pouco eficiente, tentava não demonstrar meu espanto e desespero.
- Me desculpe se fui muito direta, . Eu não quero assustá-la ou passar por cima das escolhas de meu filho. Mas quero ser sincera e justa com você. Não queria que pensasse que tem um tempo que eu realmente acredito que você não tenha. Compreende? - ela me viu assentir. - Claro que existe a chance de eu estar enganada, mas conheço meu marido e acredito fielmente que meu filho possa estar se iludindo um pouco e, consequentemente, iludindo você.
- Quanto tempo? Digo, quanto tempo, depois que anunciar sua escolhida até o casamento? - talvez tenha sido pouco educada naquele momento, mas eu sentia meu cérebro trabalhando a mil para atualizar todas as informações que eu tinha. Aquilo foi mesmo uma surpresa. Mas ao mesmo tempo, eu já sabia que não seriam meses, por causa dos sulistas. Sabia que podia ser "obrigada" a me casar em meio a guerra. Mas ainda assim, ver a rainha confirmando aquilo era aterrorizante e, além do mais, achava que tinha mais que trinta dias. Ou será que trinta dias era o tempo para escolher alguém, depois, até o casamento, seriam meses? Eram tantas perguntas…
- Depende muito, para ser sincera. E não digo que depende por causa dos preparativos ou porque vocês decidem quando acontece. Está mais relacionado a política, . Depende, no seu caso, de como vai estar o país. Se você for a escolhida for o suficiente para deixar o povo feliz, adiamos o casamento ao máximo, assim teremos mais tempo de entretenimento para as pessoas. Agora se a ansiedade do público for maior pelo casamento, a história muda. - a rainha me disse aquilo sem nenhuma vergonha. Ela não parecia preocupada em deixar bem claro que não era eu que decidia meu próprio casamento, nem descontente.
- Eu compreendo.
- Infelizmente nossa vida é assim, . Acredite quando lhe afirmo que ser princesa e depois rainha foi a maior honra que me deram. Tenho muito orgulho do meu país e da minha família. Mas enquanto os homens da realeza precisam se preocupar com a segurança, é nosso dever providenciar a felicidade. Ser rainha é ser o exemplo do bom, do feliz e do maravilhoso. Então o entretenimento também fica por nossa conta. - ela explicou. - Na verdade, acho que ele fica praticamente nas nossas costas.
Suspirei.
- Como já disse, não quero assustá-la ou lhe entristecer, . Por favor, me entenda. Eu prometi para mim mesma que seria sincera com você. Eu estou aqui para lhe ajudar, tirar suas dúvidas e para lhe preparar para o que vem a seguir, afinal nossa vida segue de acordo com o que o país precisa. Mas não se preocupe, eu quero fazer por você muito mais do que fizeram por mim. - ela suspirou. - Seus números, sua história e seus aliados lhe tornaram única, . Você, ao contrário de mim, será uma princesa pronta e preparada no segundo que for escolhida. Entende o que eu quero dizer?
- Eu entendo, Majestade, e agradeço demais por sua ajuda, eu só… Eu não acho que eu consiga. Não estou pronta. falou sobre tudo o que eu represento, sobre tudo o que ele quer que a gente represente, mas... 30 dias? São tantas coisas… Os sulistas, os nortistas, o rei e , além do povo é claro. Como vou lidar com todos eles?
- Você já está lidando, querida. - a rainha disse, abrindo um verdadeiro sorriso. - Eu vi seus relatórios, . Suas opiniões e conclusões. Você estudou muito durante sua vida inteira, você é inteligente e sabe como as coisas funcionam. E, se você prestar um pouco mais de atenção, perceberá que, nos últimos dias, ou talvez desde que entrou na Seleção, você está lidando com tudo isso. E isso é incrível e é muito mais do que as pessoas esperam de você. - a rainha colocou sua mão sobre a minha, que estava apoiada sobre a mesa, de forma delicada e até maternal. - Eu sei que você não conhece tudo e nem é obrigada. É claro que você terá que entender, conhecer e aprender sobre a vida no castelo, terá que se acostumar com reverências e com a vida na realeza. Teremos que ensaiar entrevistas, poses, fotos e discursos. Você entenderá como é ter um evento só para você ou perceber que as pessoas estão prestando atenção no que você faz o tempo todo. Mas o importante, querida, é que você sabe como falar, se portar, conversar e opinar. Você foi mesmo incrível na reunião, mais do que todos nós esperávamos. Acredite quando eu lhe digo que você está pronta para o que vem por aí. E eu estarei do seu lado para ajudá-la. No resto, você só precisa ser você mesma.
- Eu só tenho que agradecer, Majestade. - falei sincera, encarando a comida mais uma vez. Talvez no fundo a rainha estivesse certa, talvez minha relação com os rebeldes, ambos os grupos, já existisse e quando eu fosse princesa eu teria que basicamente fazer o que eu já fazia. Mas ainda assim era assustador, como eu diria para a rainha que, na verdade, eu sentia que era incapaz de encarar tantas pessoas e sorrir, quanto mais fazer um discurso ou ser um exemplo? Ela tinha razão, eu sabia fazer aquilo, mas será que eu conseguiria? Eu tinha a impressão que ser apenas eu mesma não seria o suficiente. - Como a senhora conseguiu enfrentar tudo isso?
- Com a ajuda do rei. - ela retirou a mão que estava sobre a minha e arrumou a postura, contente com a pergunta. - Com o tempo eu fiquei independente e ele se tornou rei, então nossos trabalhos se separaram. Mas quando Jad era príncipe, ele estava comigo em todas as ocasiões públicas. Ele estava lá para me explicar, opinar, corrigir e principalmente apoiar. - ela sorria apaixonada, me dando certeza de que a rainha Ariele e o rei Jadson se casaram por amor, pelo menos por parte dela. - Acredito que nesse sentido você terá tanto apoio quanto eu tive. - ela sorriu e eu também. Nesse caso a rainha estava coberta de razão, era mesmo o tipo de príncipe que me ajudaria. Ele já havia deixado isso claro não só em palavras, mas em atitudes.
- Ele é mesmo muito prestativo, Majestade. Muito mais do que deixa transparecer na TV. - brinquei.
- é mesmo muito sério para as câmeras. - a rainha riu da minha brincadeira. - Mas ele se preocupa mesmo com você. Espero que você consiga perceber isso.
- Sim, eu consigo. Mas... - respirei fundo, tomando coragem. Não sabia o que havia dito aos pais, mas se a rainha escolheu ignorar o filho para ser sincera comigo, eu faria o mesmo. - Majestade, eu gostaria de ser sincera com a senhora, já que foi comigo. Tudo bem?
- Mas é claro. Estamos aqui como confidentes, . Ninguém sabe o que significa ser a Selecionada escolhida até ser, acredite quando digo que estou do seu lado. Na verdade, sem querer interrompê-la, mas esse foi o meu principal objetivo chamando-a aqui: estou disposta a compartilhar tudo o que eu sei e ajudá-la no que eu puder. Tenho completa consciência e certeza de que quando seu nome for anunciado, todos os olhos estarão em você. Por mim, seguiremos juntas, .
- Obrigada, Majestade. - sorri, ficando imensamente feliz por, pelo menos, no quesito apoio, a família real ser exemplar. A rainha era tão gentil quanto os filhos. Era evidente que a delicadeza e compaixão que eu havia visto durante anos na TV eram qualidades marcantes na rainha. - Na última vez em que conversamos, fiquei com medo de ter lhe contado uma história diferente de . Não sei o que ele compartilhou com a senhora, mas gostaria de dizer que eu sei que nosso casamento é um acordo político. Vossa Majestade não precisa fingir que não é. Eu sei que a senhora não comentou sobre isso hoje, mas, mesmo assim, achei que era importante esclarecer. Eu sei nossa real situação.
A rainha Ariele riu fraco.
- Querida, acho que existe algo que sua mãe não lhe ensinou, afinal. E é sobre amor.
Só pela forma como a rainha riu, eu soube que o espanto que eu sentia com suas palavras estava literalmente estampado na minha cara.
- Eu não estou fazendo declarações pelo meu filho, não se preocupe. Essa parte é realmente entre vocês. Prometi a ele, como prometi a você, que ajudaria no que fosse necessário para facilitar sua vida de realeza. E só. - ela ainda ria um pouco da situação. - Além disso, eu quero deixar claro, , que nunca me falou nada sobre ter, ou não, sentimentos por você. Digamos que ele ignora esse assunto. Mas uma mãe conhece o filho, querida.
Pisquei algumas vezes. Em dúvida se havia entendido o que aquilo significava. O que exatamente a rainha estava insinuando? Pelo menos eu tinha certeza de que não havia mentido para a mãe.
- Eu fico mesmo feliz por não ter colocado em uma enrascada. - brinquei, vendo a rainha rir. - Ele poderia ficar muito revoltado comigo.
- Não colocou. Não se preocupe. E mesmo que um dia ache que vai, você pode me chamar para o que precisar, . - a rainha sorriu. - A revolta de , como você diz, pode ser superada por nós duas. Não acha?
Era isso. A rainha estava mesmo se mostrando um apoio, uma ajuda, um braço direito. E eu precisava admitir que seria um excelente braço direito. Afinal, não havia nada que eu teria que fazer que a rainha não tivesse feito. Tirando a guerra, os sulistas e talvez o fim das castas. Ri sozinha. Talvez teriam coisas, afinal.
- Eu acho, Majestade. Eu espero, de verdade, não decepcioná-la.
- Lembre-se do que eu disse, . Seja você mesma e acredite que você está pronta. - a rainha me olhava de forma maternal enquanto eu concordava com a cabeça. - Agora, eu lamento dizer que nosso tempo está acabando. - a rainha disse, me fazendo entender que deveria sair. - Mas antes de deixá-la ir, gostaria de dizer que enviei três pequenos livros para seus aposentos enquanto conversávamos. São livros curtos, mas muito interessantes. Gostaria que você desse atenção a eles, perceberá que pode mudar sua forma de ver as coisas.
- Claro, muito obrigada, Majestade. Por tudo.
- Acredite em mim quando digo que estarei aqui. Além disso, por enquanto, até os convidados irem embora, essa será nossa lição. Os três livros, no caso. Fique à vontade para escrever sobre eles, se lhe der vontade. - ela piscou um dos olhos, pelo jeito a rainha tinha ficado feliz com meus relatórios completos. - Por fim, antes de me despedir, gostaria de parabenizá-la. Seus ensinamentos estão bem mais avançados do que eu pensava.
- Obrigada, Majestade.
- Não há de que. Agora, se me der licença, , preciso conferir a organização dos quartos para os próximos dias. - a rainha pegou seus papéis e ficou de pé, me fazendo levantar também. - Pode terminar seu café, só peço que não demore muito para voltar, logo as meninas serão liberadas dos quartos. Tenha um bom dia, .
Fiquei no terraço o suficiente apenas para terminar meu suco. Era de se esperar que as palavras da rainha me deixassem inquieta, ainda mais porque de repente ficou claro que amenizava muito nossa situação, pelo menos quando se tratava de me contar as coisas. Descobri que ele não apenas escondia certas decisões, mas também diminuía várias coisas. Eu estava imensamente grata à rainha Ariele por ter me aberto os olhos, pois somando o que ela disse com o que li nas revistas, mais o comentário sobre os jornalistas de Susane... Percebi que estava encrencada.
- ! Olá, como foi? - Meri cumprimentou animada.
- Foi muito bom. - respondi sorrindo, fingindo que meu mundo não tinha sido abalado. - Eu não sabia que a rainha Ariele era tão incrível.
- Ela é mesmo! Digo, todo mundo gosta dela. - Meri riu.
- Pelo pouco contato que tive já consigo entender. - ri. - Onde estão as meninas?
- Adivinha?
- Vocês tinham mesmo que fazer um vestido do zero?
- Mas é claro! Inclusive há uma competição para ver quem fará o melhor vestido entre as criadas.
- Não acredito. - ri com a ideia.
- Estamos todas empolgadas, até as criadas da senhorita Samantha estão felizes e olha que elas não estão gostando muito do trabalho.
- É sério? Mas por quê?
- A senhorita Samantha tem a tendência a agir do jeito que lhe beneficia. Até os guardas comentam. Ela é um jeito com o príncipe, outro com vocês e um completamente diferente com as criadas.
- Está dizendo que ela é falsa?
Meri riu, voltando a passar um pano na mesa enquanto eu simplesmente me deitava na cama.
- É um jeito de se dizer, senhorita.
- Mas ela não maltrata as meninas, não é? Porque se ela fizer isso, devemos denunciar imediatamente.
- Não, não. Ela só é estúpida. Reclama muito e é bem grosseira. Mas não é algo incomum também, . A maioria das pessoas trata os criados apenas bem, mas há uma parte que nos trata como lixo humano.
- Eu acho isso um absurdo completo.
- Era de se esperar. Você é a única Selecionada que fez amizade com as criadas, nós temos muita sorte. Claro que as outras meninas são muito gentis, até a senhorita Lauren, que é agressiva com vocês, trata bem suas criadas, mas não como você.
- Obrigada, Meri. Mas não é mérito meu. Vocês são verdadeiras amigas. - comentei, fazendo-a sorrir.
***
Tive muita sorte por Meri ter voltado antes do almoço para conferir se eu precisava de ajuda, pois, quando ela chegou, eu estava dormindo. Simples assim. Como ela teve que sair para ajudar Elise e Cleo no vestido, acabei ficando ali deitada e peguei no sono.
Apesar de estar contente por não ter perdido o almoço, fiquei triste por ser acordada. Eu estava sonhando com . Nada havia me deixado tão confusa quanto às insinuações da rainha. Juntando com os comentários de Anne e Aurora no dia anterior, no jardim, eu me sentia mal por ter pedido para ele convidar outra pessoa. Além disso, não conseguia ignorar nosso quase beijo e aquela manhã incrível na cabana. Eu estava arrependida e confusa com os sentimentos de e, pelo sonho que tive, com os meus.
- Serena comentou que hoje cedo foi um sucesso. - Aurora comentou baixo, assim que me sentei à sua frente no almoço.
- O que aconteceu? - Anne perguntou, mas nem conseguimos responder, pois logo as outras meninas chegaram seguidas pela família real.
Preciso admitir que passei o almoço inteiro olhando para . Não foi proposital, mas eu estava com os pensamentos a mil e as lembranças do sonho apareciam aos poucos. Não sabia bem o que eu havia sonhado, mas sabia que era sobre o príncipe.
Eu tinha decido que chamaria ele assim que saíssemos do almoço e pediria desculpas pela forma que agi, mas meus planos mudaram quando ele anunciou que teria uma tarde cheia de reuniões e coisas para decidir, pedindo para nós ficarmos no Salão das Mulheres nos divertindo no lugar dele, o que arrancou uma risada de todos, antes de sair. Preciso admitir que fiquei decepcionada por aquilo. Será que estava tão bravo que estava me evitando? Depois percebi que estava sendo ridícula e que um príncipe tinha mesmo muitas reuniões, a vida de não girava somente em torno da Seleção, ou de mim.
***
Todas nós decidimos seguir as indicações do príncipe, afinal o filme organizado pela rainha na noite anterior havia sido um sucesso. E tudo estava correndo bem entre nós até alguém perguntar para Samantha sobre o encontro.
- Vocês têm certeza de que querem saber? - ela perguntou receosa, como se não quisesse nos magoar.
- Mas é claro. - Lauren disse como se fosse óbvio.
Aquela era uma cena engraçada, estávamos todas confortáveis em frente a TV antes de arrumar a postura para aquela conversa. Samantha estava sentada de pernas cruzadas em uma poltrona, enquanto Natalie estava quase deitada em um gigante e confortável pufe no chão. Lauren estava em um sofá para duas pessoas, com as pernas esticadas em cima do mesmo. Enquanto eu, Anne e Aurora sentávamos com as pernas para cima em um sofá para três pessoas.
- Então tudo bem. - ela suspirou, como se fosse dar uma notícia difícil. - me beijou! - ela disse depois superanimada.
Consegui entender o que Meri e as criadas comentavam, Samantha havia agido daquele jeito apenas para deixar Lauren curiosa e perguntar sobre o encontro com mais afinco, mas era óbvio que Samantha estava louca para jogar aquela notícia na cara de todas, bem, todas menos Aurora. Samantha não era apenas falsa, ela era manipuladora.
- Como é? - Lauren não conseguiu manter a pose.
- Sim! E foi tão romântico. Fomos cavalgar, né? Ele foi comigo até uma cabana antiga, bem no meio da floresta, ela é super escondida. - tranquei a respiração na hora. - Achei que íamos entrar lá, mas não, foi muito melhor. levou uma cesta de piquenique, com direito a toalha e tudo, e nós sentamos na beira do lago. Ficamos conversando por um tempão, brincando um com o outro, até que ele me beijou. Foi o melhor beijo da minha vida! - Samantha dizia aquilo empolgada, mas não de um jeito tímido e envergonhado igual faria a Selecionada que conhecíamos antes do dia anterior, ela dizia se gabando, como se fosse um beijo incrível que nenhuma de nós iria provar.
Eu sentia meu coração gelar. Nada fazia sentido. Aquilo era mesmo verdade? levou Samantha a cabana? A minha cabana? Senti raiva. Será que aquele dia na cabana foi apenas invenção? Será que o príncipe que estava disposto a melhorar nossa relação era uma farsa? E o pior, por que ele havia me dito que não pretendia beijar nenhuma Selecionada e fazia isso menos de 24 horas depois? Eu estava chocada. Eu queria dizer para mim mesma que só estava revoltada porque ele havia mentido para mim, mas a verdade é que a ideia de beijando outra Selecionada me incomodava de verdade.
- Até parece. Com certeza não foi tão especial assim, para o príncipe você foi só mais uma. A realidade é que você nunca foi beijada e está vendo magia onde não tem. - Lauren retrucou amarga.
- Se é isso, então por que me beijou de novo quando chegamos no estábulo e ele me ajudou a descer do cavalo?
Aquilo doeu ainda mais. Eu sempre dizia para mim mesma que estava tudo bem sair com outras meninas, afinal era o dever dele. Mas ele era tão sem criatividade assim que precisava fazer exatamente a mesma coisa que fazia comigo?
- Vocês se beijaram duas vezes? - até Natalie, que não se mostrava muito empolgada com nos últimos dias, pareceu incomodada.
- Sim! Incrível, não é? Acho que já sabemos quem será a escolhida. - Samantha riu.
Me mexi no sofá incomodada, afinal eu era a escolhida, não é? Samantha de repente cravou os olhos em mim.
- O que você acha, ? - ela me olhou de forma inocente, mostrando o quanto era falsa. Estava estampado na cara dela a provocação. - Seus 80% dos votos não vão salvá-la, não é mesmo?
- Até parece que você vai conseguir menosprezar isso. está batendo recordes de aceitação do público de todas as Seleções. - Anne interveio, deixando claro por quem torcia.
- Sai dessa, Anne. Você só está aqui ainda por pena. - Samantha foi grossa.
- Sabe, Samantha, eu só espero que o príncipe não apareça morto amanhã depois de ter engolido tanto veneno. - falei, ficando de pé. Não admitiria ela falando assim de minha amiga. - Mas saiba que fico feliz por você e seus 15 minutos de fama, só, por favor, volte a ser aquela garota sem graça de antes, pois ela é infinitamente melhor do que isso.
Lauren riu alto.
- Eu tenho que concordar com .
- É verdade, Samantha. Você não precisa ser uma cobra. - Aurora falou e foi a última coisa que ouvi antes de sair pela porta e ir até o jardim.
Era quase fim da tarde e o clima estava incrível. Apesar de amar o terraço da rainha, nada se comparava aquela brisa natural do fim de tarde de Ynter. Eu amava o clima do nosso país, eram raros os dias que fazia frio e quando chovia, acontecia mais à noite, normalmente. O resto do tempo era apenas um clima ameno e confortável.
Fiquei no jardim até escurecer, apenas olhando a paisagem e tentando entender por que tinha agido daquela forma. O que havia acontecido que de repente tudo mudou? Será que o príncipe estava se apaixonando por Samantha e não tinha coragem de admitir? Suspirei.
A rainha estava errada, afinal, mesmo conhecendo muito bem seus filhos, o que ela via em estava longe de ser amor. Ninguém que gosta de outra pessoa faz o que fez. Ele mentiu para mim, falou algo unicamente por vontade própria e no fundo era mentira. Ninguém dá um presente a uma pessoa e depois mostra para outra, como se ainda fosse seu. Ninguém faz, ou melhor, ninguém deveria fazer aquilo. Eu estava mesmo magoada e, pior, me sentia completamente perdida. Não sabia mais o que era verdade ou mentira vindo do príncipe. Afinal, por que ele fez aquilo?
Não havia definido nada quando os guardas me pediram para entrar, pois já era noite. Apesar de tudo, estava agradecida pelo tempo que consegui ficar sozinha e apenas pensar. Além de , pensei em minha família, em como estavam em casa e como ficariam com a notícia sobre tudo o que estava acontecendo, pensei em Drew e nossa conversa mais cedo, o que me levou a pensar nos nortistas e em como aquele momento foi engraçado, curioso e ao mesmo tempo bom. Mas claro que sempre voltava os pensamentos em . Eu estava mesmo decepcionada com ele, por que ele havia me dito que não ficaria com ninguém? Eu não havia pedido aquilo para ele. Eu sequer havia pedido para ele não ter amantes durante o casamento. Claro que eu não queria que ele tivesse, mas se o príncipe tivesse insinuado que teria pessoas para satisfazê-lo durante nosso casamento eu iria apenas aceitar. Mas não. Além de negar outras mulheres durante nosso casamento, ele negou durante a Seleção.
foi muito claro ao dizer que não teria nada com nenhuma das Selecionadas depois de ter combinado que se casaria comigo. Então por que ele havia beijado Samantha duas vezes? Por que ele havia a levado até a cabana? Eu queria chorar. Será que tudo o que ele disse era mentira?
Subi as escadas indignada, tentando entender o que estava acontecendo. Tanto que só percebi que atrapalhava outro casal quando praticamente me choquei contra eles. e Lauren estavam juntos na porta do quarto da mesma.
- Oh, . Me desculpe. Não sabíamos que havia alguém. - Lauren falou assim que terminou de beijar . Ela, ao contrário de Samantha, me olhava com uma expressão vitoriosa. Pelo menos ela não era falsa.
, por outro lado, tinha o rosto pálido e uma expressão surpresa. Eu sabia que Samantha havia me escutado subir só pela forma que ela me olhava, além disso, o barulho dos meus saltos no piso era impossível de se ignorar. Não tinha certeza se ela sabia que era eu, mas que alguém estava vindo eu tinha certeza.
- Não se preocupe. - falei. - Me desculpem o incomodo.
E então, sem olhar mais para o príncipe, caminhei pelo corredor até meu quarto.
- Não se preocupe, meu príncipe. Eu vou falar com ela, ninguém vai saber sobre nós. - escutei Lauren falar para tão alto, que eu sabia que o objetivo era exatamente me fazer escutar.
A resposta de , por outro lado, foi inaudível.
Cheguei em meus aposentos fingindo que não era nada. Mas assim que o encontrei vazio, comecei a chorar. Eu estava com tanta raiva! Como eu pude ser tão idiota e acreditar nele? Como eu pude ser ingênua em achar que a rainha estava certa? Por um momento eu realmente achei que ele gostava de mim. Afinal, havia me dado a cabana, havia me chamado para um encontro na frente de todas, ele estava tentando me agradar. Bem, Anne não estava errada, a questão é que ele estava agradando a todas. A atitude do príncipe só deixou tudo mais confuso, ele estava se apaixonando por Lauren também? Ou ele estava simplesmente priorizando seus caprichos? Suspirei. Uma coisa eu tinha certeza, ver beijando Lauren era muito pior do que imaginá-lo com Samantha.
Preparei meu banho tentando cessar as lágrimas que escorriam em silêncio. Cada vez que eu percebia o quanto fui burra e ingênua, eu chorava mais. havia realmente me magoado e eu não sabia explicar o porquê. Quero dizer, eu estava mesmo certa sobre tudo, não é? No fim, seria mesmo uma marionete do meu marido.
Ele mentiu para mim sobre a Seleção, ele disse por LIVRE E ESPONTÂNEA VONTADE que não queria nada com nenhuma das meninas. Eu nem havia perguntado sobre isso para ele. E ainda fez questão de levar Samantha para a cabana, a minha cabana. Que eu fui tola o suficiente para achar o melhor presente de todos. Depois o encontro beijando Lauren! O que aconteceu? Ele simplesmente desistiu de mim?
Entrei no banho ainda sozinha, sentindo o coração pesado. Eu não estava apenas com raiva do príncipe, estava com raiva de mim por achá-lo gentil, por ter aceitado o rastreador e por ter pensado que eu talvez nem fosse tão marionete assim, mas só provou que eu estava completamente certa. Eu estava com raiva por ter aceitado me aproximar dele e por começar a considerá-lo um amigo. Quando tudo o que eu seria era um objeto para ele exibir por aí, um objeto com algum valor político, e só.
Percebi que a notícia já tinha se espalhado pelo castelo quando meu trio de criadas apareceu em meus aposentos, algo pouco comum com a chegada do Juramento à Bandeira, afinal sempre havia pelo menos uma delas cuidando do vestido, e ao me ver chorando, não fizeram nenhuma pergunta.
- Ah, . Eu sinto muito. - Meri foi a primeira a falar, aproximando-se da banheira.
- Não sinta. Eu não ligo. - falei, secando as lágrimas. - Sabia que seria uma marionete do meu marido desde o dia que fui selecionada para essa competição ridícula, a única diferença é que o homem em questão é o príncipe herdeiro.
- Não pense assim, . - Cleo começou. - Com certeza há uma explicação, gosta de você.
- Não gosta. E eu não ligo. - suspirei. Tentando me convencer daquilo, afinal era a verdade, certo? - Eu também não gosto dele. Eu só estou chateada porque quando saímos, eu perguntei se ele teria amantes quando casássemos e ele não disse apenas que “não”, ele deixou claro que não pretendia ter qualquer coisa com qualquer Selecionada, porque afinal vamos nos casar! Ele disse por que quis.
- É sério? - até Elise ficou impressionada.
- Sim, então provavelmente tudo que ele me contou é mentira.
As meninas tentaram me consolar diversas vezes, mas eu simplesmente não precisava ser consolada. Eu não estava triste, eu estava com raiva, estava magoada e decepcionada. Não só com o príncipe, mas comigo também. Eu queria faltar a janta, mas minhas criadas me convenceram que isso era uma má ideia. O que as Selecionadas pensariam? Me arrumei rapidamente e segui para o jantar, respirando fundo e colocando um sorriso no rosto. O mais falso de todos.
O jantar foi um tanto quanto estranho, o clima estava péssimo, o que mostrava que todos sabiam de tudo. A forma como , a rainha e até me olhavam entregava totalmente a família real. Eu podia ver todos tentando disfarçar, mas sempre que, por algum motivo, minha visão periférica captava , ele estava me olhando. Não olhei para ele nenhuma vez. Não daria esse gosto a ele. Apesar do sorriso, eu sabia que meus olhos entregavam o quanto aquilo tinha me atingido.
Além deles, eu tinha Anne e Aurora que nem disfarçavam a preocupação, enquanto Serena, que havia aparecido só para o jantar, encarava o príncipe e eu de forma engraçada. Mesmo eu sabendo que ela havia chegado há poucos minutos, ela também já estava por dentro. A fofoca corria solta pelo castelo.
As únicas pessoas realmente felizes na mesa eram Samantha e Lauren, sendo que a primeira já estava revoltada por não ser mais a exclusiva do príncipe. Mas estava óbvio que apenas elas e Natalie sustentavam a conversa entre as Selecionadas, já que eu, Anne e Aurora não conseguíamos ignorar o peso no salão. Já a família real mantinha-se em um assunto particular e, sinceramente, com pouco entusiasmo. Apesar de tudo, eu venci o jantar. Sorri, ri de uma piada de Natalie e conversei com as meninas sem brigar com ninguém. Era como se nada tivesse acontecido entre nós. E eu estava feliz por isso. Mas bastava olhar para as pessoas que sabiam a verdade que o clima mudava. , apesar de disfarçar bem, parecia no mínimo incomodado.
Saí do jantar escoltada por Anne e Aurora, que perguntaram aos sussurros se estava tudo bem. Respondi que estava tudo em perfeita ordem antes de me retirar para dormir. Não queria ser grossa, mas estava cansada daquilo. Claramente minhas amigas, Serena e a família real se sentiam mal pelo que havia acontecido, como se tivesse me traído, mas a questão é que ele não havia. era solteiro e podia fazer o que bem entendesse, não é?
Já estava de camisola quando bateram na porta. Avisei para minhas criadas que elas não podiam deixar o príncipe entrar. Nem fiz questão de fingir estar dormindo.
- É a senhora Serena, senhorita. - Cleo me contou em dúvida de como proceder.
- Tudo bem. - assenti, vendo Cleo deixar Serena entrar e fechar a porta atrás de si. A rebelde estava preocupada.
- Podem ir, meninas. Não precisam voltar hoje. Eu termino por aqui. - falei para meu trio de criadas, pegando a escova de cabelo das mãos de Meri, que o penteava até então.
- Boa noite, senhorita . Boa noite, senhora, Serena. - elas desejaram juntas antes de sair.
Continuei sentada na cadeira, terminando o serviço de Meri, enquanto Serena sentava em minha cama, claramente incomodada.
- Eu sei que você deve estar brava, mas você não pode desistir de tudo, .
- Como é?
- Você precisa se casar com . Aurora já anunciou seu namoro com , não temos mais ninguém. - Serena tentava ser firme, mas dava para ver que ela estava com medo.
- Você acha que eu romperia nosso acordo?
- Você não quer?
Aquilo me surpreendeu. Eu estava mesmo brava com o príncipe, não queria vê-lo de forma alguma, mas em nenhum momento me passou pela cabeça a hipótese de eu cancelar o casamento. Até porque pela lei eu não podia. Cheguei a cogitar, mais de uma vez, ele o fazendo. Pois tinha se apaixonado ou se cansado de mim. Mas não o contrário.
- Mesmo se eu quisesse, não posso, é contra a lei.
- Você acha mesmo que a manteria aqui contra sua vontade?
- Sinceramente, Serena? Eu não sei mais o que eu acho do príncipe. Mas o que me admira é a sua confiança em mim. - levantei, irritada, encarando-a. - Eu aceitei um casamento arranjado. Eu e não temos um relacionamento. Quem ele beija, ou deixa de beijar, não é da minha conta.
Serena ergueu uma das sobrancelhas.
- Eu estou quase acreditando.
- Quer saber, Serena? Eu não ligo para o que você acredita ou não. Você deixou muito claro seu apreço pela minha opinião ontem quando veio me informar sobre a ida ao abrigo. Então, nesse caso, também não ligo para o que pensa ou não. Você veio aqui preocupada com que eu desistisse de um acordo que pode melhorar a vida de milhares de pessoas só por causa de um príncipe que não consegue controlar a boca. - falei, feliz pela frase. Afinal não havia controlado a boca ao beijar duas Selecionadas e ao mentir para mim, falando algo que não deveria. - Sendo que, se eu não ligasse para isso tudo, eu tinha um motivo muito melhor para não me casar com que era me livrar dos sulistas. Então pode ficar tranquila que seu acordo está de pé.
- Você tem razão.
Fiquei encarando-a, sem entender.
- Sobre a ida ao abrigo, você tem razão. Me desculpe. E sobre o acordo também. Eu só estava... Preocupada. Você não faz ideia do que você significa para nós.
Amoleci um pouco, suspirando.
- Você devia ficar mais preocupada com quebrar o acordo, não eu. Eu lhe prometi o fim das castas. Se depender de mim, você terá. - foi tudo o que eu disse.
- Ele não vai. É óbvio que ele não vai, . - ela suspirou. - Olha, eu não vou me meter entre vocês, mas o príncipe tem plena noção do que ele fez. Ele está arrependido.
- Arrependido? - quis rir. - Você só pode estar brincando. Ele beijou DUAS Selecionadas, Serena. Meio tarde para se arrepender, não?
- Você está certa. E se quer saber, todo mundo acha isso. Pelo que disse, até a rainha está do seu lado.
- Meu lado? Eu não tenho um lado, Serena. é solteiro e pode fazer o que bem entender.
- Aí que está o problema. Não sei se todo mundo concorda que ele está solteiro.
- Ele está. Quero dizer, pelo menos até ontem. - resmunguei.
Serena riu.
- Fico feliz por não ter errado ao escolher você, . - ela disse, levantando-se da cama. - Se precisar de mim, estou com você. - E então saiu do meu quarto, dando um "boa noite" antes de fechar a porta atrás de si.
Suspirei, me deitando para dormir. Bem, pelo menos era o objetivo, mas simplesmente não aconteceu. A ideia de as pessoas realmente assumirem que me traiu só me dava mais revolta. Que ótimo. Eu nem era princesa ainda e já pulava a cerca. Revirei os olhos.
Passei a noite toda acordada na cama, inquieta, sem saber o que pensar ou como agir, era como se tudo tivesse de cabeça para baixo. Apesar dos rebeldes terem sempre bagunçado a minha vida, sempre foi minha certeza, meu motivo de continuar e, pela primeira vez, isso foi quebrado. Toda a certeza que eu tinha, simplesmente desapareceu.
Não consegui dormir por nem um minuto durante a noite, o mais perto que cheguei de cair no sono foi quando fingi estar dormindo, no momento em que apareceu no meio da noite e, quando ninguém atendeu suas batidas, abriu a porta. Mas como ele me viu dormindo, simplesmente foi embora. Depois daquilo, foi simplesmente impossível sequer ficar deitada.
***
Quando minhas criadas apareceram para me arrumar para o café da manhã, me encontraram deitada na cama lendo um dos livros que a rainha enviou. Aquele era o livro sobre uma das primeiras rainhas de Ynter. Apesar de ser uma biografia, o livro retratava muito bem como aconteceram as tramas políticas da época e como Ynter aderiu ao sistema de castas. Conseguia entender o que a rainha queria dizer sobre mudar minha perspectiva sobre tudo. Aquele livro era totalmente a favor das castas, mostrando como foi realmente a salvação financeira do país naquela época. Além disso, falava muito sobre o papel da rainha em tudo, papel que não ficou muito marcado na história, logo, era muito interessante.
- Bom dia, . - Meri cumprimentou. - O que faz acordada?
- Estou lendo. - falei, dando de ombros, levantando um pouco o livro. Mas Meri me olhou com cara óbvia, deixando claro que aquilo ela já sabia, afinal era visível que eu estava lendo. - Estudando um dos livros da rainha. Acordei cedo hoje.
- Bem, sorte a sua. Porque temos muito o que fazer, os primeiros convidados já chegaram e por isso teremos uma recepção no jardim.
- É sério?
- Sim, vieram algumas horas mais cedo que o programado para aproveitar o sol, o que deixou todos nós loucos. - ela riu fraco.
- Eu consigo imaginar.
- Então vamos logo para o banho, Cleo vem me ajudar em alguns minutos. Mas você precisa se arrumar o mais rápido possível.
- Vocês criaram um vestido muito difícil, deviam ter pensado nisso. Assim todas estariam aqui e muito mais tranquilas.
- Nada disso, queremos que fique perfeito. - ela disse sorrindo.
Cleo chegou logo depois, assim que saí do banho, e ajudou Meri com o serviço de me arrumar para uma pequena recepção no jardim. A maquiagem estava mais marcada, mas nada demais, pois ainda era de manhã, e meu cabelo estava preso em um lindo coque emoldurado com uma pequena tiara, o qual deixava as costas à mostra do vestido bem evidente. Além disso, como não sabíamos a procedência dos convidados, optei por usar o colar nortista e o anel sulista, já que ambos combinavam com o vestido que minhas criadas haviam escolhido. Suspirei ao ver meu reflexo no espelho. Eu estava linda, mas me sentia péssima.
Assim que desci, encontrei Aurora arrumando o penteado no espelho do hall antes de partir para o jardim, de acordo com ela, tínhamos apenas quatro convidados: um antigo amigo do rei que havia se mudado para Iléa a negócios, sua esposa, que foi uma das Selecionadas do rei, e seus dois filhos.
Estávamos todas lá, distribuídas embaixo da enorme tenda, quando a família real chegou junto com os convidados. A recepção seria realmente pequena, mas isso não impedia o castelo de oferecer uma mesa recheada de opções para o café da manhã, além de garçons para garantir que todos estivessem sempre com o copo cheio.
Eu achei que seria estranho ver o rei falando com uma antiga Selecionada, mas dava para ver pela expressão corporal dos mais velhos que todos se davam muito bem. A rainha e a mulher, que depois descobri se chamar Allyce, vinham conversando animadas na frente, enquanto o rei e seu amigo, Friedrich, caminhavam juntos com um pequeno rapazinho, que apesar da roupa elegante e dos óculos escuros, eu imaginava que não deveria ter nem seis anos. , e um homem moreno, também de óculos escuros, e idade parecida com a do príncipe, vinham conversando logo atrás.
me encarou assim que chegou a tenda, mas eu fiz questão de desviar o olhar. Senti que ele viria conversar comigo assim que sua família se dispersou, mas Samantha foi mais rápida ao interrompê-lo no meio do caminho. Estava realmente grata pela nova Samantha ter tanta pouca vergonha, afinal eu não estava pronta para aquela conversa.
- Ele é bonito. - Anne disse baixo, em francês, para mim e Aurora, quando o filho mais velho da nossa família convidada passou no nosso campo de visão, levando o irmão para a mesa de petiscos.
- É estranho, não é? Ver alguém fora do castelo depois de tanto tempo. - Aurora comentou, cuidando para não elogiar o homem.
- Para mim não. - dei de ombros, rindo fraco. Afinal eu havia visto muitas pessoas de fora do castelo durante a Seleção. - Mas tem razão, Anne, ele é bonito. Você deveria ir até lá conversar.
- Jamais. Não sou esse tipo de pessoa, além disso, eu ainda sou uma Selecionada.
- É para conversar, Anne. Não se atirar nele. - falei, fazendo ambas darem risada.
- Bem, não sei sobre Anne, mas eu vou atrás de . - Aurora disse, pedindo licença antes de caminhar até seu amado, o qual conversava com o pai e Friedrich.
O príncipe mais novo aproveitou a deixa ao ver a namorada se aproximar e pediu licença aos mais velhos, logo depois o casal saiu da tenda, em direção ao lago para ficar a sós. Sorri involuntariamente, feliz por eles. Pelo menos um dos príncipes prestava e havia encontrado uma mulher incrível.
- Como você está? - Anne perguntou, me fazendo tirar os olhos do horizonte para encará-la.
- Bem. E você?
- Bem mesmo? Você chegou a falar com ?
- Não. E você?
- Não. Ele não falou comigo ontem. - Anne deu de ombros. - É verdade que você o flagrou com Lauren?
- Sim, - ri fraco. - mas acredito que era o objetivo dela.
Lauren e Samantha continuavam conversando com , enquanto Natalie estava sentada em uma mesa junto com a rainha Ariele e sua amiga ex-selecionada Allyce.
- Você acha que ela seria capaz de fazer de propósito?
- Você não? - perguntei, erguendo uma das sobrancelhas.
- Tem razão. Mas ainda não entendi por que não foi falar com você. Achei que depois disso ele ia dar explicações. - Anne tentou de novo.
- Ele foi um tempo depois do jantar, mas fingi que estava dormindo. - dei de ombros, vendo que Anne não havia sequer julgado minha atitude. - Não tem explicação, Anne. Você e Serena estão exagerando. Pelo jeito, todos estão. - falei, tentando fingir que não havia nada.
- Serena falou com você?
- Ela foi até meu quarto depois do jantar, estava preocupada que eu fosse cancelar o casamento. - sussurrei.
- Você vai?
- Não, claro que não. Eu não posso, né, Anne? Aqui quem manda é . Além disso, o acordo e a guerra vão fazer bem para milhares de pessoas, por que todo mundo acha que eu desistiria disso assim fácil?
- Porque a gente provavelmente desistiria. - Anne falou, me fazendo encará-la chocada.
- É sério?
- Acho que sim, . Na verdade, eu não teria aceitado desde o começo. É muita coragem sua.
- Obrigada. Eu acho. - tive que rir, será que era coragem ou burrice? - Mas eu não pensei em cancelar nada, de verdade, além do mais, é solteiro e pode fazer o que quiser.
- Você tem certeza de que pensa assim? - Anne perguntou já insinuando algo. Às vezes eu ficava irritada por ela me conhecer tão bem.
- Penso. - afirmei, tentando não vacilar. - Achei até que pudesse cancelar, mas Serena afirmou que não. Pelo jeito o acordo permanece de pé.
- Apesar de , pelo jeito, ser péssimo em relacionamentos. Ele será um ótimo rei. - Anne disse, como se já soubesse que não cancelaria nada.
- Sabe o que me magoou de verdade?
- Ele beijar duas Selecionadas, uma atrás da outra? - ela brincou, mas não consegui rir.
- Não. Eu realmente não ligo para isso, Anne. Mas me disse, com todas as letras, sem eu pedir, que não se envolveria com nenhuma Selecionada. Ele mentiu para mim.
- Eu sei. Pensei nisso quando Samantha falou do beijo. Na hora lembrei da história que você nos contou. E a cabana… É a mesma que você disse?
- Acredito que sim. - falei com uma expressão triste, aquilo havia me incomodado muito mais que o beijo. - Era para ser meu refúgio, mas ele levou outra garota lá.
- Samantha disse que eles não entraram na cabana.
- Eu sei, mas ainda sim. O lago é grande o suficiente, ele podia ter ido a outro lugar.
- Eu ainda não consigo entender por que ele fez isso. realmente gosta de você, .
- Claro, é perceptível. - falei irônica, fazendo Anne rir um pouco.
- Você fez alguma coisa?
Olhei para ela chocada. É sério que ela queria colocar a culpa em mim? Na realidade, durante a noite, cheguei a cogitar que sabia sobre o beijo de Drew, mas depois percebi que não fazia nenhum sentido.
- Desculpe, só para checar.
Logo depois minha amiga se retirou para ir ao banheiro, me deixando sozinha. Eu até pensei em me aproximar da rainha e Allyce, que agora conversavam com Samantha, ou de e Aurora, que já estavam de volta na tenda. Mas achei mais vantajoso partir para a comida.
- . - escutei a voz de atrás de mim. Droga. Suspirei. Pegando propositalmente mais um aperitivo antes de virar para encará-lo.
- Alteza. - cumprimentei, fazendo uma reverência.
- , eu queria conversar…
Mordi delicadamente a comida, olhando para o príncipe, esperando que ele falasse mais, afinal eu estava com a boca cheia e não podia fazer nada.
- Eu não queria que você tivesse me visto com Lauren, eu só… - continuei em silêncio, apenas olhando para , com a expressão mais neutra que tinha. - Eu só queria me desculpar. - ele disse por fim, baixando os olhos, triste.
No instante em que soltou a frase, Ícaryo, o homem que Anne havia achado bonito, se uniu a nós. Seu sorriso presunçoso aproximando-se de nós era mesmo bonito, mas o que chamou minha atenção foram seus braços fortes marcados na camisa social justa e, de forma estranha, a forma que ele andava. Ícaryo era bonito, talvez tão bonito quanto , mas ele não andava de forma nobre e elegante, ele andava como se soubesse de sua própria beleza.
- O que você fez de errado para essa bela dama que precisa se desculpar, ? - ele disse, olhando para mim de forma encantadora.
- Ícaryo. Olá. - o príncipe claramente não estava feliz com a interrupção.
- Olá. - ele disse, sorrindo de forma provocadora para . - Você não vai me apresentar para ?
Ele sabia meu nome?
- , esse é Ícaryo. Ícaryo, essa é .
- É um enorme prazer, senhorita. - ele disse, pegando minha mão que agora estava vazia, afinal eu já havia acabado de comer, e beijando-a.
- O prazer é meu. - falei delicada, sorrindo para ele.
- E então? O que você pode fazer de errado para uma mulher tão bela quanto ? - Ícaryo perguntou, encarando .
Eu percebi que havia algo errado ali, conseguia ver o maxilar de tensionado e sua postura extremamente reta. Havia alguma tensão entre os dois que eu definitivamente não queria fazer parte. Talvez em outro momento eu até apoiasse o príncipe, o defenderia ou faria se sair bem naquilo que parecia uma rixa, mas não naquele dia.
- Com licença, cavalheiros. Mas acredito que minha amiga precisa de mim. - falei, vendo Anne voltar ao jardim. - Foi um prazer, Ícaryo. Alteza. - e então eu segui em direção a Anne. Deixando os dois homens me acompanhando com os olhos.
- Cara, ela é definitivamente a melhor daqui. Você deve gostar muito de outra para não ter a escolhido ainda, principalmente com os números. E, céus, agora eu entendo os números. - Ícaryo disse para enquanto eu caminhava até Anne. Apesar do tom mulherengo de Ícaryo, eu fiquei feliz pelo comentário. Esperava que, depois do que fez, doesse nele um pouco.
- O que eu perdi? - Anne perguntou, assim que nos aproximamos.
- É difícil dizer. - falei, olhando na direção em que eu estava a poucos segundos. Natalie havia se juntado aos dois homens para conversar. Vi olhar em nossa direção. Desviei o olhar mais uma vez. Eu ainda não estava pronta para ser gentil com ele. - Vamos beber algo?
Quando achei que aquela recepção finalmente teria fim, descobri que ela só estava começando. No meio da manhã, mais convidados chegaram para se unir a nós e, junto deles, uma banda. Vários dos nobres locais, sendo que muitos deles já conhecíamos devido aos bailes, vieram para um belo almoço em um lindo dia de sol no castelo. Era como uma grande festa de família aos domingos, só que com banda, vestidos de baile e garçons.
- Você sabia disso? - perguntei para Aurora, quando a mesma se uniu a mim e Anne.
- Não. Mas pelo visto ficaremos aqui até tarde.
Suspirei. Eu até gostava de eventos como aquele, a comida, música e convidados fazia as horas passarem mais rápido e as refeições serem mais valiosas e divertidas, mas naquele dia eu estava cansada. Não havia dormido a noite toda e, apesar de tentar ao máximo transparecer que não, estava mesmo incomodada com o que havia feito. Eu não queria falar com ele, eu só… Eu só queria não ser a escolhida, queria não ter aprendido a gostar do príncipe. Na realidade, eu queria estar em casa. Olhar para Samantha e Lauren com sorrisos superiores me irritava, mas nada superava a expressão de e da rainha de pena.
- O que você acha, ?
- Sobre o quê? Me desculpem. - falei para Aurora e Anne, percebendo que eu não havia escutado nada do que elas falavam. Era como se de repente eu estivesse longe.
- Queremos dançar. Tem uma banda e ninguém está dançando.
- Então vão! Acho uma ideia muito boa. - tentei soar o mais empolgada que pude.
- Então vamos. - Aurora falou, já ficando de pé. Estávamos sentadas em uma das mesas recém-colocadas para os convidados. Afinal, serviriam o almoço logo.
- Não, obrigada. Mas vocês deveriam ir, eu só não estou no clima.
Percebi que Anne vacilou.
- Vai! Divirta-se enquanto você ainda pode. - falei, triste por saber que em alguns dias minha amiga deixaria o castelo.
- Vamos, Anne. vai sobreviver.
Anne e eu rimos, e então as duas saíram em direção a pista de dança. Aurora logo chamou o príncipe e então um nobre convidou Anne. A música era uma valsa divertida e as duas estavam muito bem e, principalmente, felizes. Em poucos minutos vários casais dançavam na pista improvisada, o que alegrou a banda, que por um tempo tocou sem qualquer atenção.
Quando percebeu que eu estava sozinha, ele começou a caminhar em minha direção, mas antes que ele atravessasse toda a tenda, Ícaryo apareceu ao meu lado.
- Gostaria de dançar, ?
Olhei para Ícaryo com mais atenção dessa vez. Ele não era apenas forte e bonito, havia várias qualidades para seu físico, mas o que realmente chamou minha atenção foram seus olhos, não pela cor, mas pela sensação que passavam. Ícaryo era atrevido e suas intenções eram claras só pela forma que ele me olhava. Seus olhos eram penetrantes e, talvez, assustadores. Eu pensei em recusar seu pedido, afinal não queria dançar, mas se eu recusasse, Ícaryo sairia dali e então viria para conversar.
- É claro. - falei, lhe dando a mão enquanto eu levantava.
- Sorte a minha. - ele disse galante, conduzindo-me até a pista de dança. Percebi os olhos de sobre nós, mas eu não estava fazendo absolutamente nada de errado.
Ícaryo era um dançarino muito bom. Muito melhor que vários dos nobres ali, tornando a dança mais interessante, afinal nós éramos excelentes parceiros. Sua mão firme em minhas costas desnudas davam uma sensação de segurança que seus olhos não compartilhavam. Aquilo era diferente, Ícaryo me transmitia algo que eu não conseguia entender. Depois de uma música dançando, ele me convidou a continuar ali, aproveitando o ritmo mais lento para colocar suas garras para fora.
- Então, … Onde aprendeu a dançar assim?
- Em casa. Minha mãe me deu aulas de danças desde nova. - comentei, sorrindo. - E você?
- O mesmo. Acho que faz parte da vida de um filho de uma ex-selecionada. - ele brincou. - Mesmo em Iléa a tradição fica.
- Deve ser porque eles, digo, vocês, também mantêm uma Seleção lá. - Ícaryo, pelo que eu sabia, havia nascido em Iléa.
- Tem razão. Mas a Seleção daqui é muito mais interessante.
- Achei que eram iguais. - falei, demonstrando inocência. - Vocês tiveram uma faz pouco tempo, não?
- Uns três anos. - ele concordou. - Mas aqui temos recordes fenomenais.
- Ah, sim. Talvez seu povo não seja tão participativo quanto o de Ynter. - tentei.
- Acho que o mérito não é do povo. - ele sorriu de forma significativa. Aquilo me incomodou, eu sabia qual era a pretensão de Ícaryo e talvez fosse até admirável um homem como ele demonstrar algum interesse em mim, mas estávamos na Seleção. O que tornava aquilo absurdamente errado. - Você me parece realmente uma mulher fantástica, .
- Obrigada. Mas acredite em mim quando digo que é apenas uma escolha da mídia. Eles precisavam de alguém em quem focar, no fim me fizeram parecer especial.
- Pelo pouco que eu vi, , você é mais que especial. - ri sem jeito. O que ele estava fazendo?
- Obrigada, Ícaryo.
- Me admira que com tudo isso, você ainda não seja a escolhida.
Olhei para ele assustada. Aquilo era demais, com certeza um assunto delicado de se tratar. Ícaryo estava começando a sair das insinuações.
- Estamos aqui há pouco tempo.
- Quer dizer que você acha que será a escolhida?
- Todas nós achamos, não é? - tentei, usando um tom de brincadeira.
- Mas só uma será.
- É claro.
- O que você fará, se não for você?
Engoli em seco.
- Sinceramente? Ainda não sei.
- Consideraria morar em Iléa?
- Como? - por um momento achei que não havia escutado direito.
- O príncipe e eu nos conhecemos desde pequenos, . Meu pai é casado com uma das Selecionadas do pai dele. Eu só penso em seguir a tradição da família.
- Eu ainda estou na Seleção. - brinquei. - É um pouco cedo para cogitar algo a mais, não acha?
- Não. Me desculpe desiludi-la, . Mas você não acha que o príncipe já teria lhe escolhido se gostasse de você? Seus números são irreais, algo que nunca aconteceu antes. Ele é um tolo em ignorar isso, mas eu não sou. Lembre-se disso. - ele disse, parando de dançar e beijando minha bochecha, antes de sair da pista. Me deixando completamente chocada. Ele havia mesmo feito o que eu achei que havia?
- Gostaria de dançar? - se aproximou de mim com um sorriso triste, sem dentes. Percebi que Ícaryo havia me deixado tão surpresa, que ainda estava em pé, parada, na pista.
- Claro, Alteza. - falei sem empolgação, não podia negar na frente de todas aquelas pessoas. Mas também não deixaria ele achando que estava tudo bem.
Fizemos uma reverência e começamos a dançar, preferi ficar em silêncio.
- Você está bem? Vi que Ícaryo acabou de sair daqui.
- Estou sim, obrigada. Seu amigo sabe ser uma companhia interessante.
- Ele não é meu amigo. - ele disse, um pouco nervoso. - Digamos que nós nos suportamos por causa dos nossos pais. E eu sei do que ele é capaz, .
- O que quer dizer?
- Ele fará de tudo para me envergonhar. Inclusive dar em cima das Selecionadas.
Engoli em seco. Talvez se fosse antes, eu seria sincera com , mas agora não. Não seria responsável por denunciar um dos nossos convidados e estragar a festa. Não sabia como o príncipe reagiria. Além do mais, pelo menos na minha interpretação, Ícaryo havia feito bem mais do que "dar em cima".
- Não aconteceu nada, Alteza.
- , não deixe ele enganá-la… Ele só está fazendo isso para me afetar. - claramente não acreditou em mim e considerando o que Ícaryo havia feito, eu não o culpava. Mas ele se enganou achando que meu silêncio era para proteger Ícaryo, quando na verdade era apenas para proteger a recepção que a família dele estava dando.
- Claro. Porque eu sou tão ruim que ninguém iria querer ficar comigo, apenas me usar para lhe afetar. - soltei ríspida.
- Eu não disse isso, .
- Na verdade, foi exatamente o que disse, Alteza. Mas não se preocupe comigo, quando cansar de brincar e precisar de mim, eu estarei lá. - engoli em seco. - Agora, me desculpe, mas eu estou com dor de cabeça e preciso descansar.
- , eu não quis dizer isso.
- Com licença, Alteza. - me desvencilhei dele, fiz uma reverência e saí da pista. Não sabia aonde ir, não queria conversar com ninguém, então apenas parti em direção ao jardim da rainha, saindo da tenda.
Por um segundo achei que iria atrás de mim, mas quando olhei para trás disfarçadamente, encontrei-o na pista de dança com Lauren. Ícaryo dançava com Natalie, enquanto o resto da família real estava ocupada com seus diversos convidados. Me vi sozinha por um momento. Grata.
Respirei fundo, caminhando por toda a extensão do jardim da rainha, aproveitando o sol forte para me sentir melhor. Eu não conseguia entender como meu relacionamento, mesmo que apenas de amizade, com havia desmoronado tanto. Às vezes eu me sentia culpada por estar brava, afinal eu havia dito para ele convidar alguém para sair e, mesmo que sem opção, eu havia beijado Drew. Mas então eu pensava melhor e, apesar de ser traição, foi Drew quem me beijou, e eu fugi dele. E apesar de ser ruim, eu não havia dito para que nunca beijaria ninguém depois que o conheci.
E o príncipe não havia apenas beijado duas mulheres, mesmo que Selecionadas, ele havia levado Samantha até a cabana. A minha cabana. O lugar que deveria ser meu refúgio. E o pior, ele havia dito para mim que não beijaria ninguém. Suspirei. Além disso, ele havia feito Serena apenas me informar sobre a ida ao abrigo e eu ainda não havia superado aquilo. Eu estava em conflito, a culpa misturada com a raiva que eu sentia de mim mesma por ter me deixado me apegar a pelo menos um pouco, me faziam amenizar a culpa dele. Será que não era eu que havia, mesmo que indiretamente, me colocado naquela situação?
Mas como eu podia me culpar? Eu me casaria com ele! Era óbvio que eu estava me esforçando para gostar de , afinal eu teria que ter um filho com ele! Sentei em um dos bancos, derrotada, sentindo-me fisicamente mal. Minha cabeça doía pela falta de sono e o sol forte, que antes me dava energia e agora estava me superaquecendo.
- ? Tudo bem? - perguntou, aparecendo ao meu lado com um sorriso sem dentes. Pela sua expressão eu sabia que ele queria se desculpar pelo irmão.
- Sim. - menti, sentindo minha cabeça latejar. - Só está levemente quente aqui. - brinquei.
- Você quer voltar para a sombra? - ele perguntou, me fazendo olhar para a tenda. Não sei se percebeu, mas e Ícaryo olhavam para nós sem nem disfarçar.
- Na verdade, não. - brinquei.
- Você não poderá evitá-lo para sempre. - falou, sentando-se no banco ao meu lado.
- Quer apostar? - brinquei.
- Ele só quer se desculpar. - deu de ombros, cobrindo os olhos por causa do sol.
- Pelo quê?
- Como é? - o príncipe mais novo me olhou assustado.
- É sério. Por que você acha que ele me deve desculpas?
- É... Por ter beijado Samantha e Lauren?! - a resposta de foi mais uma pergunta.
- Ele é solteiro, não é? O único objetivo da Seleção não é exatamente esse?
- Sim, mas…
- Não tem “mas”, . Todas as mulheres que entraram nessa Seleção aceitaram essa parte.
- Pare com isso, .
- Como é?
- Isso mesmo. Eu não sei que tipo de “força” você acha que precisa ter, mas o que meu irmão fez foi errado sim. Ele sabe que foi e se arrepende.
- Então por que ele fez?
- Daí você precisa conversar com ele.
- Ele lhe contou que me falou que não ficaria com outras Selecionadas?
- Sim.
- Ele se lembra então, ótimo. - disse irônica. - E ele disse algo sobre a cabana?
- Você sabe que sim. - disse, parecendo triste por colocar o irmão em uma situação ainda pior.
- Então, , sendo bem sincera com você. é solteiro e faz o que ele quiser, o que eu não admito é que ele pense que eu sou igual a todas elas. Porque eu não sou. O mínimo que ele podia fazer era não ter mentido para mim sobre a cabana ou sobre as próprias intenções. Eu fiz tudo o que pude por ele, por vocês, sua família e seu governo!
- Eu estou do seu lado nessa, . Não precisa brigar comigo. - ele disse, erguendo ambas as mãos, rindo.
- Já que você está do meu lado, posso fazer uma pergunta?
- Qualquer uma.
- O que tem de errado com esse tal de Ícaryo?
riu.
- Ele deu em cima de você, não foi?
- Pode se dizer que sim.
- Ele e tem uma espécie de rixa desde pequenos, Ícaryo sempre tenta atrapalhar . No fundo eu acho que ele pensa que se sua mãe tivesse ganho a Seleção de meu pai, seria Ícaryo no lugar de .
- Isso é ridículo.
- Sim. tentou só aceitar no começo, mas fica cada vez pior. acha que Ícaryo veio aqui para envergonhá-lo.
- Não acho que tenha sido apenas isso, .
- Por quê?
- Ícaryo perguntou o que eu achava de morar em Ílea e disse, de verdade, que estava aqui para seguir os passos do pai.
ficou um pouco confuso e então entendeu.
- Ele te pediu em casamento?
- Não. Mas acho que se eu desse corda, poderia acontecer.
e eu olhamos mais uma vez para a tenda. estava parado, sozinho, olhando para nós enquanto bebia uma taça de vinho. Ícaryo havia sumido.
- Você não pode contar para ele. - eu disse, antes que fizesse algo.
- Por quê?
- Porque daí Ícaryo vai conseguir exatamente o que quer: envergonhar . Ou você acha que seu irmão não faria algo a respeito?
- Você tem razão.
- Eu sempre tenho. - brinquei. - Falando nisso, como você e Aurora andam? Ela parece bem feliz.
- Nós estamos. Estou ansioso para conhecer a família dela e, bem, pedi-la em casamento.
- Você tem muita sorte.
- Tenho sim. - ele sorriu bobo, olhando para ela na tenda. Aurora estava sozinha, esperando por ele.
- Vá logo, convide-a para dançar de novo.
- Tem certeza?
- Absoluta.
sorriu, levantou-se do banco e caminhou até a tenda. Ele não estava nem na metade do caminho quando veio andando em minha direção. Suspirei. Eu realmente não podia fugir dele para sempre.
- Posso me sentar? - ele perguntou, parando próximo ao banco que eu ainda estava sentada.
- Pode sim. O banco é seu, não é? - respondi. Eu tentei soar grossa, mas minha voz saiu mais chateada do que irritada.
- Desculpe pelo que eu disse enquanto dançávamos. Não quis que você se ofendesse, . Eu só… Ícaryo sabe ser persuasivo, às vezes. E como você deve estar me odiando agora, fiquei com medo que…
- Que eu fosse embora com ele? - quis rir.
- Não… Na verdade sim. - ele lamentou.
Só assenti com a cabeça. Mais um que pensava super bem de mim. Me segurei para não revirar os olhos.
- Eu fui ao seu quarto ontem, mas você estava dormindo.
- Eu não estava. Eu fingi. - falei, dando de ombros. - Serena havia acabado de sair… Não estava disposta a passar por mais um drama.
- E agora você está?
Olhei para , ele tinha uma expressão triste, derrotado e até envergonhado, mas sorria de forma cúmplice.
- Acho que nunca vou estar. - dei de ombro. - Mas não quis apostar comigo sobre quanto tempo eu conseguia lhe ignorar, então…
riu da brincadeira, uma risada triste, mas real. Eu estava feliz por estar melhorando o clima entre nós, mas não sabia se deveria. Eu estava brava, tinha que entender isso.
- Vou agradecê-lo depois, então.
- Você deveria mesmo. - falei, mais seca dessa vez.
suspirou.
- Me desculpe, . Por ontem.
- Pelo que, exatamente?
- Por ter feito algo que lhe prometi que não faria. - ele disse, olhando para as flores. Suspirei. Ele pelo menos sabia onde tinha exatamente errado.
- Por que você prometeu se não queria cumprir? - olhei para o príncipe, que dessa vez também olhou em meus olhos.
- Eu queria. Eu falei sério, . Mas então, quando saí com Samantha…
- Quando levou-a para a cabana? - dessa vez revirei os olhos. - Olha, , eu entendo se você começou a gostar dela e tudo mais, apesar de eu achá-la uma pessoa ruim nos últimos dias. Mas achei que você se importava mais comigo. Pelo menos com o nosso combinado.
- Eu me importo.
- Então por que você a levou lá? Em tantos lugares, por que justo lá?
- Porque eu estava com raiva. - ele disse, passando a mão na testa. parecia mesmo arrependido. - Mesmo que eu tentasse fingir que não, eu estava.
- De mim?
- Sim. Eu sei que fui infantil, mas quando você disse que eu devia chamar alguém na frente de todo mundo, fiquei irritado. Eu tentei entender, eu tentei fingir que não ligava.
- Por quê? - perguntei, interrompendo-o. - Por que quando você marca encontros eu preciso aceitar e quando é para me ajudar, você acha ruim?
me olhou surpreso.
- Porque eu odiei o fato de você me incentivar a sair com alguém. Simples assim, . E então eu decidi, talvez por ego, que chamaria alguém para a cabana. Mas me arrependi, quando já estávamos lá, convenci Samantha que um piquenique seria melhor. Eu sinto muito, fui…
- Um babaca.
pareceu assustado. Talvez o príncipe não tenha sido chamado de babaca muitas vezes.
- Tudo bem, eu aceito isso. - ele disse.
- E então vocês perceberam o quanto se gostam no jardim da cabana? - perguntei, rindo um pouco. - Se você quiser escolhê-la, . Eu vou entender. Podemos tirar o rastreador e fingir que nada aconteceu. Só não sei como Serena irá aceitar isso.
- Eu não quero. Eu não gosto dela, . Mas ela gosta de mim. Não foi certo beijá-la, eu me arrependi no momento que o fiz, mas a forma como ela me olhava lá. É por isso que eu vivo saindo com ela, . Samantha me faz… Me sentir melhor.
- Melhor que o quê? Quem faz você se sentir mal?
ficou em silêncio, apenas olhando para mim. E então eu entendi.
- Eu? Mas o que eu fiz de errado? - aquilo era um absurdo.
- Nada. Mas você não precisa de mim. Você não gosta de mim. É difícil de explicar.
- Tem razão. Deve ser impossível de explicar, porque não faz nenhum sentido . - falei irritada. - Mas tudo bem, como eu disse: continue brincando, se no final você ainda precisar de mim para ajudar na guerra, só chamar.
Fiquei de pé, mas segurou minha mão. Olhei para ele e então para a tenda, boa parte dos olhos estavam em nossa direção. Suspirei.
- Por favor, , fique aqui.
- Não posso, é tarde demais. - respondi, fazendo virar-se e encarar a cena. Até os nobres estavam entretidos conosco. - Podemos discutir isso mais tarde. Tenha um bom dia, Alteza.
me soltou, me permitindo fazer uma reverência antes de sair. Caminhei até a tenda de queixo erguido, enquanto permaneceu no banco. Não sabia o que ele estava fazendo, só esperava que não fosse algo que nos entregasse.
- Tudo bem? - Anne perguntou, unindo-se a mim assim que cheguei à tenda.
- Mas é claro. - respondi alto. - O príncipe só não quis dançar comigo. - falei alto, sabendo que as pessoas estavam interessadas no que eu tinha a dizer.
- Não seja por isso. - Ícaryo apareceu, me oferecendo a mão.
Olhei para Anne, mas ela não sabia o que Ícaryo havia feito, por isso não entendeu minha súplica.
- Tudo bem, pode ir. - ela disse, sorrindo.
- Perfeito. - Ícaryo disse vitorioso, me levando a pista de dança.
Começamos a dançar em silêncio, mas logo o homem começou a falar.
- Acho que você deixou o príncipe chateado. - ele comentou, indicando com o rosto , que seguia castelo adentro. - O que ele fez que você não desculpou?
- Como?
- Ele pediu desculpas mais cedo e com ele saindo assim, parece que não deu certo.
- Ele pediu desculpas por ter cancelado nosso encontro. - menti. - E eu aceitei. Não sei o que o príncipe foi fazer, mas acredite, não tem nada a ver comigo.
- Significa que eu ainda tenho chance?
- Não. - falei, sem sorrir.
- Nossa, assim fico ofendido.
- Eu que deveria estar ofendida, Ícaryo. Não importa o que você acha sobre minhas chances na Seleção, eu ainda sou uma Selecionada e uma dama. Eu espero o mínimo de respeito. - falei, aumentando o volume da última frase, o que fez as pessoas olharem para nós. - Com licença. - E então eu saí, seguindo em direção ao castelo.
Não estava planejando voltar para dentro, mas se já havia me irritado, Ícaryo e sua atitude mulherenga me tiraram do sério. Mas o pior, é que daquela forma eu ia perder o almoço. Ele seria servido em poucos minutos, mas eu não poderia voltar para lá. Suspirei. Estava com dor de cabeça mesmo.
Subi as escadas lentamente, afinal não estava com pressa de chegar a lugar nenhum, mas, provavelmente por puro destino, minha lerdeza me fez encontrar , que descia os degraus, vindo do seu andar.
- ? O que faz aqui? Está tudo bem? - ele perguntou preocupado, já se aproximando, parecendo esquecer por um segundo que eu estava brava com ele.
- Tudo em perfeita ordem. - falei, sorrindo falsamente.
- Então por que não está lá embaixo?
- Por que você não está?
- Lembrei que precisava pegar algo no meu quarto.
- E deixou lá? - perguntei, vendo que o príncipe não carregava nada. O que o fez rir.
- Não exatamente. - ele disse, tirando um papel dobrado do bolso.
- Certo. Eu estou com dor de cabeça e vou me deitar.
- Eu posso acompanhá-la? - ele perguntou, me fazendo erguer uma das sobrancelhas. - Até seu quarto, não na parte de deitar. Claramente.
- Não sei, de você não duvido mais nada. - falei agressiva.
- Touché. - ele disse, mesmo assim caminhou comigo até meus aposentos, seguimos em silêncio.
- Obrigada, Alteza. - falei, já abrindo a porta.
- Suas criadas estão?
- Não. Alguém inventou uma competição sobre os vestidos do Juramento à Bandeira e elas estão muito empenhadas. - falei, sem realmente reclamar.
- Então podemos terminar nossa conversa? - ele perguntou, olhando-me esperançoso, parado no batente da porta.
- Não preciso de explicações, . Não precisamos conversar.
- Você está errada. Explicações é o mínimo que você merece.
- Você disse que eu lhe faço mal. - respondi, sentando na cama. - Deve imaginar o quanto isso me deixa feliz. - a ironia estava presente em minha voz.
- Você não me deixa mal, . É só que você é muito melhor do que eu. Em absolutamente tudo. - ele entrou, sentando-me ao meu lado na cama. - E eu admiro isso demais, não me leve a mal. Eu só me sinto meio incompetente perto de você, às vezes. E não quero que seja uma justificativa, até porque eu sei como soa ridícula. Eu só quero ser sincero. - ele suspirou. - Como eu disse, levei Samantha até sua cabana porque eu estava com raiva, com ciúmes ou sei lá o que. Odiei o fato de você me pedir para convidar outra Selecionada e resolvi, de certa forma, me vingar. O que é péssimo.
- Eu…
- Me deixe terminar, por favor.
- Tudo bem.
- Então enquanto estávamos lá conversando, Samantha foi ótima. Ela sempre é. Ela faz de tudo para me agradar, ela se molda para o que eu espero dela. Eu sei que não é ela de verdade, mas eu não ligo! - ele deu de ombros, o que me impressionou. - Ela está me usando e eu fiz o mesmo. E então ela foi me elogiando e fazendo cena, até que nos beijamos. Eu a beijei para me sentir bem, melhor, mais importante. Ela ficou tão feliz, acho que até de forma verdadeira e aquilo inflou meu ego. Por isso que a beijei novamente. A beijei para melhorar minha ridícula e frouxa autoestima.
- E Lauren?
- Eu só saí com ela, um encontro, com o objetivo de diminuir Samantha. Queria que ela se sentisse menos importante. Só que Lauren, diferente de Samantha, não esconde quem é. Ela ouviu você chegando e me beijou. Quando vi que era você eu... Eu fiquei sem reação. Sabia que tinha feito besteira com Samantha e estava esperando a hora certa de ir vê-la, mas então Lauren piorou tudo. Fiquei envergonhado. - ele admitiu. - Depois que falei para Lauren que ela não deveria ter feito aquilo, pensei em ir vê-la. Mas presumi que você me mandaria embora e - ele suspirou - essa ideia me aterrorizava. Então não fiz nada, além de escutar uma bronca enorme da minha família. Eles estavam me tratando mal até no jantar, o que só piorou com a presença de Serena. A qual, depois do jantar, foi me xingar. - ele riu e eu também.
- Serena foi me ver, provavelmente depois que falou com você.
- Sério?
- Ela estava com medo de que eu desistisse.
- Da Seleção?
- Sim. Basicamente.
- É por isso que você está sendo tão… Compreensível?
- Não. Eu estou mesmo magoada com você e sinceramente ainda não acredito que você foi capaz de mentir na minha cara. Eu lhe perguntei sobre nosso casamento naquele dia, não sobre a Seleção.
- Eu sei.
- E quando eu falei sobre convidar alguém... Por que você não fez isso com Anne? Apenas para tirar Lauren do meu pé? Ou você acha que essa rixa que você citou entre as duas não iria sobrar para mim? Lauren o beijou, , unicamente porque você beijou Samantha. Imagina o que ela faria comigo?
- Eu sei, eu só…
- Só ficou com raiva igual uma criança mimada. Eu fiz tudo por você, . Tudo. O que me leva a mais uma coisa. - dessa vez fiquei de pé, para encará-lo. - Você e Serena precisam parar de me informar sobre encontros com nortistas, de decidir as coisas e depois me mandar fazer. Porque eu juro que vai chegar um dia que eu simplesmente vou me recusar. Não porque me importo em fazer, mas porque me importo em estar por fora das decisões. Saiba que eu sei me comportar igual uma criança mimada tão bem quanto você. - nesse caso ergui a voz. - Eu estou cansada disso. O Chefe já toma decisões demais sozinho, não vou aceitar isso vindo de você. Não mais.
- …
- Não, agora é minha vez. - disse, respirando fundo. - Olha, eu lamento que algo que eu tenha feito fez você se sentir menos capaz, ou sei lá o que. Mas eu sou incapaz de fazer qualquer coisa que você prometeu sozinha, . Sem você, eu seria uma completa inútil, com um "poder" nas mãos, como você diz, e sem fazer ideia de como usá-lo. Então eu recomendo que você reveja esse conceito, senão você será muito infeliz no seu futuro comigo.
- Eu sei que estava errado.
- Não sei se sabe. Aquela cabana era tudo para mim, . Você não faz ideia de como foi especial o que você fez. E por um mero capricho você quase destruiu tudo. Tudinho. Então se quer saber, me incomodou muito mesmo você ter beijado as outras garotas, mas eu não estou pronta para ter um romance com você e consigo entender suas necessidades, mas você me magoou de verdade quando feriu minha crença em você. - eu finalmente disse a verdade. havia me afetado mesmo quando beijou Samantha e Lauren, mas terminou de me quebrar quando eu percebi o que tudo aquilo significava. De repente eu estava chorando, sentia as lágrimas descerem lentamente pelo meu rosto enquanto eu simplesmente via sentado em minha cama, olhando para mim.
O príncipe parecia triste, preocupado e sem chão. Dava para ver que minhas palavras o haviam atingido em cheio. De repente ele ficou de pé, me puxando para um abraço. Sem dizer absolutamente nada.
Meu corpo se aquecia com o toque dele, fazendo um carinho leve em minhas costas desnudas. Essa era a diferença entre abraçar e Drew. Meu amigo era quente como lar, me fazia arder. Era como se apenas seu toque me acendesse inteira. Aquilo era estranho, mas incrivelmente bom. Apesar de tudo o que eu disse ser verdade, eu não estava nem um pouco pronta para afastar de mim. Muito menos cancelar nosso acordo. Eu sabia que o futuro era problemático, mas de repente fiquei feliz por fazer parte dele.
- Me desculpe. - ele sussurrou. - , você não faz ideia de como estou arrependido por tudo. Eu... Eu nunca fiz uma besteira tão grande na vida. Por favor, não chore mais por minha causa, eu não consigo. Eu sei que meu governo, meu país e meu povo já lhe causaram várias lágrimas, mas nada é pior do que eu saber que dessa vez a culpa é 100% minha.
- Eu não vou. - eu disse, soltando-me dele e tentando recuperar a pose que havia perdido. Sequei as lágrimas, vendo enquanto o príncipe me olhava de forma engraçada. - O que foi?
- Nada, não foi nada. - mas o sorriso bobo não saiu do seu rosto.
***
Me ajustar com me permitiu uma paz mental que me proporcionou várias horas de sono naquela tarde. Isso, misturado ao remédio para dor de cabeça que ele fez questão de arranjar para mim. Eu não estava totalmente curada do que o príncipe havia feito, de verdade, mas eu consegui aceitar. Afinal, que escolha eu tinha? era meu futuro, e a minha única chance de ser minimamente feliz era gostando dele. Além disso, eu realmente acreditava que o príncipe estava arrependido e tudo o que ele me disse no quarto me fez vacilar. Por um lapso de segundo cheguei a achar que estava me apaixonando por ele. Mas não. Ainda tínhamos um casamento totalmente político e uma amizade para reconstruir. Mas era um começo.
Estava muito melhor quando Elise me acordou horas depois, com um pedaço de bolo e suco. Entendi o gesto da minha criada quando ela disse que aquilo tudo era para melhorar meu humor, pois eu devia me arrumar para um baile arranjado de última hora naquela noite. Suspirei. Uma recepção e um baile no mesmo dia, era demais. Talvez eu achasse a ideia de convidados no castelo péssima.
- O que isso quer dizer? - Meri, que estava comigo em meu quarto, quando recebi o convite, perguntou. - Que roupa você vai usar?
- Não quer dizer nada. A rainha só precisa me passar alguns livros para ler. - brinquei, me preparando para sair assim que viessem me buscar.
Logo depois eu já estava subindo as escadas acompanhada de um dos guardas, o qual me seguiu até a porta do terraço. Apesar de ele ser gentil, foi pouco comunicativo durante o percurso.
- A rainha a espera, senhorita. - ele disse, me indicando subir os degraus até o terraço, a porta grande já estava até aberta.
Aquele lugar era mesmo de tirar o fôlego, eu estava muito contente por a rainha Ariele ser tão ligada a lugares como aquele, pois sem dúvidas o terraço e o jardim feito por ela eram os melhores lugares do palácio.
- Bom dia, Majestade. - cumprimentei a rainha com uma reverência, vendo-a tirar a atenção dos papéis que tinha à sua frente e olhar para mim. Eu não queria interrompê-la, estava claro que a rainha estava ocupada enquanto me esperava na mesma mesa que sentamos em nossa última conversa, mas que opção eu tinha? Estávamos apenas nós duas ali em cima. E, pelo que eu sabia, ela estava à minha espera.
- , bom dia! - ela disse sorridente, já colocando os papéis na cadeira vazia ao seu lado. - Desculpe por isso, mas em dias como esse nós aproveitamos qualquer segundo. - ela riu um pouco triste. - Por favor, sente-se.
- Obrigada pelo convite, Majestade. - falei, sentando-me na cadeira à sua frente. A única que, além da qual a rainha estava sentada, possuía um jogo de pratos para usar. Além da louça, na pequena mesa do terraço, havia pequenos bolinhos de porção individual, torradas, sucos e algumas frutas.
- Imagine. Eu lamento ser durante uma refeição e logo após sua visita aos rebeldes nortistas, mas temo dizer que esse é o horário que tenho mais tempo a dispor. Teremos que comer e conversar. - ela disse parecendo realmente lamentar por ocupar meu café da manhã com assuntos mais sérios.
- Sem problemas, Majestade. - sorri, realmente despreocupada. Afinal, não via problema algum em estar naquele terraço com a rainha. - Eu consegui ver como o castelo já está enchendo novamente. A cozinha já estava lotada. Apesar da correria, preciso admitir que é bom voltar ao normal. - comentei, realmente feliz pelo castelo estar seguro o suficiente para termos os funcionários de volta.
- Sim, tenho que concordar. Mas você verá o que significa um castelo lotado com a chegada dos convidados. - ela brincou. - Inclusive, se tudo correr bem, hoje à tarde já teremos o castelo todo redecorado de acordo com as escolhas feitas por vocês. - ela disse, me deixando levemente vermelha.
- Bem, eu não fui exatamente uma participante dessa tarefa, Majestade. Sinto muito por isso, inclusive. - falei envergonhada, afinal era parte dos meus estudos estar lá aquela tarde, mas os sulistas tinham uma ideia diferente.
- Tem razão. - ela riu, me fazendo sorrir. A rainha Ariele sempre se mostrou uma mulher calma e respeitável na TV. Ao contrário do filho mais velho, ela sempre sorria. Mas eu não imaginava que ela podia ser tão incrível. - Mas não se preocupe, não é nada que você não terá que fazer no futuro e então poderá aprender. Falando nisso, se me permite, , fico feliz que tenha optado pelo rastreador. Sua segurança é realmente uma prioridade para nós.
- Obrigada, Majestade. Eu agradeço pela oportunidade. Apesar de torcer para que não seja necessário, eu estou feliz por estar com ele. - disse, me mexendo na cadeira. Não conseguia sentir o rastreador, mas era estranho imaginar um chip em mim.
- O meu nunca foi. - ela disse, sorrindo cúmplice. - Eu sei que são outros tempos, só quero que entenda que é realmente uma prevenção. O de foi usado poucas vezes e todas elas para encontrá-lo em situações que no fim não eram perigosas. Principalmente quando criança. - ela riu só com a lembrança.
- Pelo que conversamos, eu consigo imaginar. - também ri. havia me contado um pouco sobre seu passado e vida no castelo, então eu sabia que apesar de ser muito aplicado e estudioso, e tiveram boas aventuras durante a vida.
- E como foi seu encontro com os rebeldes hoje cedo? - a rainha perguntou de forma despretensiosa, como se puxasse assunto enquanto comíamos até começar a falar sobre meus estudos.
- Foi tranquilo. Um pouco diferente do habitual. Havia mais pessoas lá, e elas me trataram como se eu já fosse a escolhida. Era como se eu fosse um deles e ao mesmo tempo famosa.
A rainha sorriu.
- Porque você é, querida. Não apenas famosa, como a escolhida. E, se me permite dizer, um pouco nortista também. - ela brincou.
- A senhora tem razão, mas é um pouco difícil de assimilar. Eu não sinto nada disso. - admiti, olhando, de forma estratégica, para meu café da manhã.
- , você tem alguma dúvida sobre seu futuro?
Olhei a rainha nos olhos, parando de dar atenção a minha torta por um instante.
- Não tenho dúvidas sobre querer ou não, Majestade. Nem sobre fazer ou não. É mais sobre… - suspirei - No fundo, ainda pode não acontecer, não é? pode acabar se apaixonando por uma das Selecionadas restantes, ou, não sei, ainda temos a guerra.
- Querida, eu vou lhe contar algo que acho que não teve coragem. - ela disse com uma expressão triste, mas o sorriso, mesmo sem dentes, permanecia ali. - Mas o rei não quer esperar a guerra. Uma guerra pode durar meses, é tempo demais. Além disso, um casamento poderia ser muito bem uma distração. está tentando a todo custo adiar ao máximo e acho que vocês realmente ainda têm algum tempo. - ela respirou fundo. - Posso assegurar que os assessores do meu marido não conseguem organizar uma guerra pelos próximos 30 dias. Mas meses? Você não tem meses. E acho injusto lhe deixar achando que tem.
Respirei fundo, piscando algumas vezes, tentando assimilar as palavras da rainha aos poucos, enquanto, pelo jeito de forma pouco eficiente, tentava não demonstrar meu espanto e desespero.
- Me desculpe se fui muito direta, . Eu não quero assustá-la ou passar por cima das escolhas de meu filho. Mas quero ser sincera e justa com você. Não queria que pensasse que tem um tempo que eu realmente acredito que você não tenha. Compreende? - ela me viu assentir. - Claro que existe a chance de eu estar enganada, mas conheço meu marido e acredito fielmente que meu filho possa estar se iludindo um pouco e, consequentemente, iludindo você.
- Quanto tempo? Digo, quanto tempo, depois que anunciar sua escolhida até o casamento? - talvez tenha sido pouco educada naquele momento, mas eu sentia meu cérebro trabalhando a mil para atualizar todas as informações que eu tinha. Aquilo foi mesmo uma surpresa. Mas ao mesmo tempo, eu já sabia que não seriam meses, por causa dos sulistas. Sabia que podia ser "obrigada" a me casar em meio a guerra. Mas ainda assim, ver a rainha confirmando aquilo era aterrorizante e, além do mais, achava que tinha mais que trinta dias. Ou será que trinta dias era o tempo para escolher alguém, depois, até o casamento, seriam meses? Eram tantas perguntas…
- Depende muito, para ser sincera. E não digo que depende por causa dos preparativos ou porque vocês decidem quando acontece. Está mais relacionado a política, . Depende, no seu caso, de como vai estar o país. Se você for a escolhida for o suficiente para deixar o povo feliz, adiamos o casamento ao máximo, assim teremos mais tempo de entretenimento para as pessoas. Agora se a ansiedade do público for maior pelo casamento, a história muda. - a rainha me disse aquilo sem nenhuma vergonha. Ela não parecia preocupada em deixar bem claro que não era eu que decidia meu próprio casamento, nem descontente.
- Eu compreendo.
- Infelizmente nossa vida é assim, . Acredite quando lhe afirmo que ser princesa e depois rainha foi a maior honra que me deram. Tenho muito orgulho do meu país e da minha família. Mas enquanto os homens da realeza precisam se preocupar com a segurança, é nosso dever providenciar a felicidade. Ser rainha é ser o exemplo do bom, do feliz e do maravilhoso. Então o entretenimento também fica por nossa conta. - ela explicou. - Na verdade, acho que ele fica praticamente nas nossas costas.
Suspirei.
- Como já disse, não quero assustá-la ou lhe entristecer, . Por favor, me entenda. Eu prometi para mim mesma que seria sincera com você. Eu estou aqui para lhe ajudar, tirar suas dúvidas e para lhe preparar para o que vem a seguir, afinal nossa vida segue de acordo com o que o país precisa. Mas não se preocupe, eu quero fazer por você muito mais do que fizeram por mim. - ela suspirou. - Seus números, sua história e seus aliados lhe tornaram única, . Você, ao contrário de mim, será uma princesa pronta e preparada no segundo que for escolhida. Entende o que eu quero dizer?
- Eu entendo, Majestade, e agradeço demais por sua ajuda, eu só… Eu não acho que eu consiga. Não estou pronta. falou sobre tudo o que eu represento, sobre tudo o que ele quer que a gente represente, mas... 30 dias? São tantas coisas… Os sulistas, os nortistas, o rei e , além do povo é claro. Como vou lidar com todos eles?
- Você já está lidando, querida. - a rainha disse, abrindo um verdadeiro sorriso. - Eu vi seus relatórios, . Suas opiniões e conclusões. Você estudou muito durante sua vida inteira, você é inteligente e sabe como as coisas funcionam. E, se você prestar um pouco mais de atenção, perceberá que, nos últimos dias, ou talvez desde que entrou na Seleção, você está lidando com tudo isso. E isso é incrível e é muito mais do que as pessoas esperam de você. - a rainha colocou sua mão sobre a minha, que estava apoiada sobre a mesa, de forma delicada e até maternal. - Eu sei que você não conhece tudo e nem é obrigada. É claro que você terá que entender, conhecer e aprender sobre a vida no castelo, terá que se acostumar com reverências e com a vida na realeza. Teremos que ensaiar entrevistas, poses, fotos e discursos. Você entenderá como é ter um evento só para você ou perceber que as pessoas estão prestando atenção no que você faz o tempo todo. Mas o importante, querida, é que você sabe como falar, se portar, conversar e opinar. Você foi mesmo incrível na reunião, mais do que todos nós esperávamos. Acredite quando eu lhe digo que você está pronta para o que vem por aí. E eu estarei do seu lado para ajudá-la. No resto, você só precisa ser você mesma.
- Eu só tenho que agradecer, Majestade. - falei sincera, encarando a comida mais uma vez. Talvez no fundo a rainha estivesse certa, talvez minha relação com os rebeldes, ambos os grupos, já existisse e quando eu fosse princesa eu teria que basicamente fazer o que eu já fazia. Mas ainda assim era assustador, como eu diria para a rainha que, na verdade, eu sentia que era incapaz de encarar tantas pessoas e sorrir, quanto mais fazer um discurso ou ser um exemplo? Ela tinha razão, eu sabia fazer aquilo, mas será que eu conseguiria? Eu tinha a impressão que ser apenas eu mesma não seria o suficiente. - Como a senhora conseguiu enfrentar tudo isso?
- Com a ajuda do rei. - ela retirou a mão que estava sobre a minha e arrumou a postura, contente com a pergunta. - Com o tempo eu fiquei independente e ele se tornou rei, então nossos trabalhos se separaram. Mas quando Jad era príncipe, ele estava comigo em todas as ocasiões públicas. Ele estava lá para me explicar, opinar, corrigir e principalmente apoiar. - ela sorria apaixonada, me dando certeza de que a rainha Ariele e o rei Jadson se casaram por amor, pelo menos por parte dela. - Acredito que nesse sentido você terá tanto apoio quanto eu tive. - ela sorriu e eu também. Nesse caso a rainha estava coberta de razão, era mesmo o tipo de príncipe que me ajudaria. Ele já havia deixado isso claro não só em palavras, mas em atitudes.
- Ele é mesmo muito prestativo, Majestade. Muito mais do que deixa transparecer na TV. - brinquei.
- é mesmo muito sério para as câmeras. - a rainha riu da minha brincadeira. - Mas ele se preocupa mesmo com você. Espero que você consiga perceber isso.
- Sim, eu consigo. Mas... - respirei fundo, tomando coragem. Não sabia o que havia dito aos pais, mas se a rainha escolheu ignorar o filho para ser sincera comigo, eu faria o mesmo. - Majestade, eu gostaria de ser sincera com a senhora, já que foi comigo. Tudo bem?
- Mas é claro. Estamos aqui como confidentes, . Ninguém sabe o que significa ser a Selecionada escolhida até ser, acredite quando digo que estou do seu lado. Na verdade, sem querer interrompê-la, mas esse foi o meu principal objetivo chamando-a aqui: estou disposta a compartilhar tudo o que eu sei e ajudá-la no que eu puder. Tenho completa consciência e certeza de que quando seu nome for anunciado, todos os olhos estarão em você. Por mim, seguiremos juntas, .
- Obrigada, Majestade. - sorri, ficando imensamente feliz por, pelo menos, no quesito apoio, a família real ser exemplar. A rainha era tão gentil quanto os filhos. Era evidente que a delicadeza e compaixão que eu havia visto durante anos na TV eram qualidades marcantes na rainha. - Na última vez em que conversamos, fiquei com medo de ter lhe contado uma história diferente de . Não sei o que ele compartilhou com a senhora, mas gostaria de dizer que eu sei que nosso casamento é um acordo político. Vossa Majestade não precisa fingir que não é. Eu sei que a senhora não comentou sobre isso hoje, mas, mesmo assim, achei que era importante esclarecer. Eu sei nossa real situação.
A rainha Ariele riu fraco.
- Querida, acho que existe algo que sua mãe não lhe ensinou, afinal. E é sobre amor.
Só pela forma como a rainha riu, eu soube que o espanto que eu sentia com suas palavras estava literalmente estampado na minha cara.
- Eu não estou fazendo declarações pelo meu filho, não se preocupe. Essa parte é realmente entre vocês. Prometi a ele, como prometi a você, que ajudaria no que fosse necessário para facilitar sua vida de realeza. E só. - ela ainda ria um pouco da situação. - Além disso, eu quero deixar claro, , que nunca me falou nada sobre ter, ou não, sentimentos por você. Digamos que ele ignora esse assunto. Mas uma mãe conhece o filho, querida.
Pisquei algumas vezes. Em dúvida se havia entendido o que aquilo significava. O que exatamente a rainha estava insinuando? Pelo menos eu tinha certeza de que não havia mentido para a mãe.
- Eu fico mesmo feliz por não ter colocado em uma enrascada. - brinquei, vendo a rainha rir. - Ele poderia ficar muito revoltado comigo.
- Não colocou. Não se preocupe. E mesmo que um dia ache que vai, você pode me chamar para o que precisar, . - a rainha sorriu. - A revolta de , como você diz, pode ser superada por nós duas. Não acha?
Era isso. A rainha estava mesmo se mostrando um apoio, uma ajuda, um braço direito. E eu precisava admitir que seria um excelente braço direito. Afinal, não havia nada que eu teria que fazer que a rainha não tivesse feito. Tirando a guerra, os sulistas e talvez o fim das castas. Ri sozinha. Talvez teriam coisas, afinal.
- Eu acho, Majestade. Eu espero, de verdade, não decepcioná-la.
- Lembre-se do que eu disse, . Seja você mesma e acredite que você está pronta. - a rainha me olhava de forma maternal enquanto eu concordava com a cabeça. - Agora, eu lamento dizer que nosso tempo está acabando. - a rainha disse, me fazendo entender que deveria sair. - Mas antes de deixá-la ir, gostaria de dizer que enviei três pequenos livros para seus aposentos enquanto conversávamos. São livros curtos, mas muito interessantes. Gostaria que você desse atenção a eles, perceberá que pode mudar sua forma de ver as coisas.
- Claro, muito obrigada, Majestade. Por tudo.
- Acredite em mim quando digo que estarei aqui. Além disso, por enquanto, até os convidados irem embora, essa será nossa lição. Os três livros, no caso. Fique à vontade para escrever sobre eles, se lhe der vontade. - ela piscou um dos olhos, pelo jeito a rainha tinha ficado feliz com meus relatórios completos. - Por fim, antes de me despedir, gostaria de parabenizá-la. Seus ensinamentos estão bem mais avançados do que eu pensava.
- Obrigada, Majestade.
- Não há de que. Agora, se me der licença, , preciso conferir a organização dos quartos para os próximos dias. - a rainha pegou seus papéis e ficou de pé, me fazendo levantar também. - Pode terminar seu café, só peço que não demore muito para voltar, logo as meninas serão liberadas dos quartos. Tenha um bom dia, .
Fiquei no terraço o suficiente apenas para terminar meu suco. Era de se esperar que as palavras da rainha me deixassem inquieta, ainda mais porque de repente ficou claro que amenizava muito nossa situação, pelo menos quando se tratava de me contar as coisas. Descobri que ele não apenas escondia certas decisões, mas também diminuía várias coisas. Eu estava imensamente grata à rainha Ariele por ter me aberto os olhos, pois somando o que ela disse com o que li nas revistas, mais o comentário sobre os jornalistas de Susane... Percebi que estava encrencada.
- ! Olá, como foi? - Meri cumprimentou animada.
- Foi muito bom. - respondi sorrindo, fingindo que meu mundo não tinha sido abalado. - Eu não sabia que a rainha Ariele era tão incrível.
- Ela é mesmo! Digo, todo mundo gosta dela. - Meri riu.
- Pelo pouco contato que tive já consigo entender. - ri. - Onde estão as meninas?
- Adivinha?
- Vocês tinham mesmo que fazer um vestido do zero?
- Mas é claro! Inclusive há uma competição para ver quem fará o melhor vestido entre as criadas.
- Não acredito. - ri com a ideia.
- Estamos todas empolgadas, até as criadas da senhorita Samantha estão felizes e olha que elas não estão gostando muito do trabalho.
- É sério? Mas por quê?
- A senhorita Samantha tem a tendência a agir do jeito que lhe beneficia. Até os guardas comentam. Ela é um jeito com o príncipe, outro com vocês e um completamente diferente com as criadas.
- Está dizendo que ela é falsa?
Meri riu, voltando a passar um pano na mesa enquanto eu simplesmente me deitava na cama.
- É um jeito de se dizer, senhorita.
- Mas ela não maltrata as meninas, não é? Porque se ela fizer isso, devemos denunciar imediatamente.
- Não, não. Ela só é estúpida. Reclama muito e é bem grosseira. Mas não é algo incomum também, . A maioria das pessoas trata os criados apenas bem, mas há uma parte que nos trata como lixo humano.
- Eu acho isso um absurdo completo.
- Era de se esperar. Você é a única Selecionada que fez amizade com as criadas, nós temos muita sorte. Claro que as outras meninas são muito gentis, até a senhorita Lauren, que é agressiva com vocês, trata bem suas criadas, mas não como você.
- Obrigada, Meri. Mas não é mérito meu. Vocês são verdadeiras amigas. - comentei, fazendo-a sorrir.
Tive muita sorte por Meri ter voltado antes do almoço para conferir se eu precisava de ajuda, pois, quando ela chegou, eu estava dormindo. Simples assim. Como ela teve que sair para ajudar Elise e Cleo no vestido, acabei ficando ali deitada e peguei no sono.
Apesar de estar contente por não ter perdido o almoço, fiquei triste por ser acordada. Eu estava sonhando com . Nada havia me deixado tão confusa quanto às insinuações da rainha. Juntando com os comentários de Anne e Aurora no dia anterior, no jardim, eu me sentia mal por ter pedido para ele convidar outra pessoa. Além disso, não conseguia ignorar nosso quase beijo e aquela manhã incrível na cabana. Eu estava arrependida e confusa com os sentimentos de e, pelo sonho que tive, com os meus.
- Serena comentou que hoje cedo foi um sucesso. - Aurora comentou baixo, assim que me sentei à sua frente no almoço.
- O que aconteceu? - Anne perguntou, mas nem conseguimos responder, pois logo as outras meninas chegaram seguidas pela família real.
Preciso admitir que passei o almoço inteiro olhando para . Não foi proposital, mas eu estava com os pensamentos a mil e as lembranças do sonho apareciam aos poucos. Não sabia bem o que eu havia sonhado, mas sabia que era sobre o príncipe.
Eu tinha decido que chamaria ele assim que saíssemos do almoço e pediria desculpas pela forma que agi, mas meus planos mudaram quando ele anunciou que teria uma tarde cheia de reuniões e coisas para decidir, pedindo para nós ficarmos no Salão das Mulheres nos divertindo no lugar dele, o que arrancou uma risada de todos, antes de sair. Preciso admitir que fiquei decepcionada por aquilo. Será que estava tão bravo que estava me evitando? Depois percebi que estava sendo ridícula e que um príncipe tinha mesmo muitas reuniões, a vida de não girava somente em torno da Seleção, ou de mim.
Todas nós decidimos seguir as indicações do príncipe, afinal o filme organizado pela rainha na noite anterior havia sido um sucesso. E tudo estava correndo bem entre nós até alguém perguntar para Samantha sobre o encontro.
- Vocês têm certeza de que querem saber? - ela perguntou receosa, como se não quisesse nos magoar.
- Mas é claro. - Lauren disse como se fosse óbvio.
Aquela era uma cena engraçada, estávamos todas confortáveis em frente a TV antes de arrumar a postura para aquela conversa. Samantha estava sentada de pernas cruzadas em uma poltrona, enquanto Natalie estava quase deitada em um gigante e confortável pufe no chão. Lauren estava em um sofá para duas pessoas, com as pernas esticadas em cima do mesmo. Enquanto eu, Anne e Aurora sentávamos com as pernas para cima em um sofá para três pessoas.
- Então tudo bem. - ela suspirou, como se fosse dar uma notícia difícil. - me beijou! - ela disse depois superanimada.
Consegui entender o que Meri e as criadas comentavam, Samantha havia agido daquele jeito apenas para deixar Lauren curiosa e perguntar sobre o encontro com mais afinco, mas era óbvio que Samantha estava louca para jogar aquela notícia na cara de todas, bem, todas menos Aurora. Samantha não era apenas falsa, ela era manipuladora.
- Como é? - Lauren não conseguiu manter a pose.
- Sim! E foi tão romântico. Fomos cavalgar, né? Ele foi comigo até uma cabana antiga, bem no meio da floresta, ela é super escondida. - tranquei a respiração na hora. - Achei que íamos entrar lá, mas não, foi muito melhor. levou uma cesta de piquenique, com direito a toalha e tudo, e nós sentamos na beira do lago. Ficamos conversando por um tempão, brincando um com o outro, até que ele me beijou. Foi o melhor beijo da minha vida! - Samantha dizia aquilo empolgada, mas não de um jeito tímido e envergonhado igual faria a Selecionada que conhecíamos antes do dia anterior, ela dizia se gabando, como se fosse um beijo incrível que nenhuma de nós iria provar.
Eu sentia meu coração gelar. Nada fazia sentido. Aquilo era mesmo verdade? levou Samantha a cabana? A minha cabana? Senti raiva. Será que aquele dia na cabana foi apenas invenção? Será que o príncipe que estava disposto a melhorar nossa relação era uma farsa? E o pior, por que ele havia me dito que não pretendia beijar nenhuma Selecionada e fazia isso menos de 24 horas depois? Eu estava chocada. Eu queria dizer para mim mesma que só estava revoltada porque ele havia mentido para mim, mas a verdade é que a ideia de beijando outra Selecionada me incomodava de verdade.
- Até parece. Com certeza não foi tão especial assim, para o príncipe você foi só mais uma. A realidade é que você nunca foi beijada e está vendo magia onde não tem. - Lauren retrucou amarga.
- Se é isso, então por que me beijou de novo quando chegamos no estábulo e ele me ajudou a descer do cavalo?
Aquilo doeu ainda mais. Eu sempre dizia para mim mesma que estava tudo bem sair com outras meninas, afinal era o dever dele. Mas ele era tão sem criatividade assim que precisava fazer exatamente a mesma coisa que fazia comigo?
- Vocês se beijaram duas vezes? - até Natalie, que não se mostrava muito empolgada com nos últimos dias, pareceu incomodada.
- Sim! Incrível, não é? Acho que já sabemos quem será a escolhida. - Samantha riu.
Me mexi no sofá incomodada, afinal eu era a escolhida, não é? Samantha de repente cravou os olhos em mim.
- O que você acha, ? - ela me olhou de forma inocente, mostrando o quanto era falsa. Estava estampado na cara dela a provocação. - Seus 80% dos votos não vão salvá-la, não é mesmo?
- Até parece que você vai conseguir menosprezar isso. está batendo recordes de aceitação do público de todas as Seleções. - Anne interveio, deixando claro por quem torcia.
- Sai dessa, Anne. Você só está aqui ainda por pena. - Samantha foi grossa.
- Sabe, Samantha, eu só espero que o príncipe não apareça morto amanhã depois de ter engolido tanto veneno. - falei, ficando de pé. Não admitiria ela falando assim de minha amiga. - Mas saiba que fico feliz por você e seus 15 minutos de fama, só, por favor, volte a ser aquela garota sem graça de antes, pois ela é infinitamente melhor do que isso.
Lauren riu alto.
- Eu tenho que concordar com .
- É verdade, Samantha. Você não precisa ser uma cobra. - Aurora falou e foi a última coisa que ouvi antes de sair pela porta e ir até o jardim.
Era quase fim da tarde e o clima estava incrível. Apesar de amar o terraço da rainha, nada se comparava aquela brisa natural do fim de tarde de Ynter. Eu amava o clima do nosso país, eram raros os dias que fazia frio e quando chovia, acontecia mais à noite, normalmente. O resto do tempo era apenas um clima ameno e confortável.
Fiquei no jardim até escurecer, apenas olhando a paisagem e tentando entender por que tinha agido daquela forma. O que havia acontecido que de repente tudo mudou? Será que o príncipe estava se apaixonando por Samantha e não tinha coragem de admitir? Suspirei.
A rainha estava errada, afinal, mesmo conhecendo muito bem seus filhos, o que ela via em estava longe de ser amor. Ninguém que gosta de outra pessoa faz o que fez. Ele mentiu para mim, falou algo unicamente por vontade própria e no fundo era mentira. Ninguém dá um presente a uma pessoa e depois mostra para outra, como se ainda fosse seu. Ninguém faz, ou melhor, ninguém deveria fazer aquilo. Eu estava mesmo magoada e, pior, me sentia completamente perdida. Não sabia mais o que era verdade ou mentira vindo do príncipe. Afinal, por que ele fez aquilo?
Não havia definido nada quando os guardas me pediram para entrar, pois já era noite. Apesar de tudo, estava agradecida pelo tempo que consegui ficar sozinha e apenas pensar. Além de , pensei em minha família, em como estavam em casa e como ficariam com a notícia sobre tudo o que estava acontecendo, pensei em Drew e nossa conversa mais cedo, o que me levou a pensar nos nortistas e em como aquele momento foi engraçado, curioso e ao mesmo tempo bom. Mas claro que sempre voltava os pensamentos em . Eu estava mesmo decepcionada com ele, por que ele havia me dito que não ficaria com ninguém? Eu não havia pedido aquilo para ele. Eu sequer havia pedido para ele não ter amantes durante o casamento. Claro que eu não queria que ele tivesse, mas se o príncipe tivesse insinuado que teria pessoas para satisfazê-lo durante nosso casamento eu iria apenas aceitar. Mas não. Além de negar outras mulheres durante nosso casamento, ele negou durante a Seleção.
foi muito claro ao dizer que não teria nada com nenhuma das Selecionadas depois de ter combinado que se casaria comigo. Então por que ele havia beijado Samantha duas vezes? Por que ele havia a levado até a cabana? Eu queria chorar. Será que tudo o que ele disse era mentira?
Subi as escadas indignada, tentando entender o que estava acontecendo. Tanto que só percebi que atrapalhava outro casal quando praticamente me choquei contra eles. e Lauren estavam juntos na porta do quarto da mesma.
- Oh, . Me desculpe. Não sabíamos que havia alguém. - Lauren falou assim que terminou de beijar . Ela, ao contrário de Samantha, me olhava com uma expressão vitoriosa. Pelo menos ela não era falsa.
, por outro lado, tinha o rosto pálido e uma expressão surpresa. Eu sabia que Samantha havia me escutado subir só pela forma que ela me olhava, além disso, o barulho dos meus saltos no piso era impossível de se ignorar. Não tinha certeza se ela sabia que era eu, mas que alguém estava vindo eu tinha certeza.
- Não se preocupe. - falei. - Me desculpem o incomodo.
E então, sem olhar mais para o príncipe, caminhei pelo corredor até meu quarto.
- Não se preocupe, meu príncipe. Eu vou falar com ela, ninguém vai saber sobre nós. - escutei Lauren falar para tão alto, que eu sabia que o objetivo era exatamente me fazer escutar.
A resposta de , por outro lado, foi inaudível.
Cheguei em meus aposentos fingindo que não era nada. Mas assim que o encontrei vazio, comecei a chorar. Eu estava com tanta raiva! Como eu pude ser tão idiota e acreditar nele? Como eu pude ser ingênua em achar que a rainha estava certa? Por um momento eu realmente achei que ele gostava de mim. Afinal, havia me dado a cabana, havia me chamado para um encontro na frente de todas, ele estava tentando me agradar. Bem, Anne não estava errada, a questão é que ele estava agradando a todas. A atitude do príncipe só deixou tudo mais confuso, ele estava se apaixonando por Lauren também? Ou ele estava simplesmente priorizando seus caprichos? Suspirei. Uma coisa eu tinha certeza, ver beijando Lauren era muito pior do que imaginá-lo com Samantha.
Preparei meu banho tentando cessar as lágrimas que escorriam em silêncio. Cada vez que eu percebia o quanto fui burra e ingênua, eu chorava mais. havia realmente me magoado e eu não sabia explicar o porquê. Quero dizer, eu estava mesmo certa sobre tudo, não é? No fim, seria mesmo uma marionete do meu marido.
Ele mentiu para mim sobre a Seleção, ele disse por LIVRE E ESPONTÂNEA VONTADE que não queria nada com nenhuma das meninas. Eu nem havia perguntado sobre isso para ele. E ainda fez questão de levar Samantha para a cabana, a minha cabana. Que eu fui tola o suficiente para achar o melhor presente de todos. Depois o encontro beijando Lauren! O que aconteceu? Ele simplesmente desistiu de mim?
Entrei no banho ainda sozinha, sentindo o coração pesado. Eu não estava apenas com raiva do príncipe, estava com raiva de mim por achá-lo gentil, por ter aceitado o rastreador e por ter pensado que eu talvez nem fosse tão marionete assim, mas só provou que eu estava completamente certa. Eu estava com raiva por ter aceitado me aproximar dele e por começar a considerá-lo um amigo. Quando tudo o que eu seria era um objeto para ele exibir por aí, um objeto com algum valor político, e só.
Percebi que a notícia já tinha se espalhado pelo castelo quando meu trio de criadas apareceu em meus aposentos, algo pouco comum com a chegada do Juramento à Bandeira, afinal sempre havia pelo menos uma delas cuidando do vestido, e ao me ver chorando, não fizeram nenhuma pergunta.
- Ah, . Eu sinto muito. - Meri foi a primeira a falar, aproximando-se da banheira.
- Não sinta. Eu não ligo. - falei, secando as lágrimas. - Sabia que seria uma marionete do meu marido desde o dia que fui selecionada para essa competição ridícula, a única diferença é que o homem em questão é o príncipe herdeiro.
- Não pense assim, . - Cleo começou. - Com certeza há uma explicação, gosta de você.
- Não gosta. E eu não ligo. - suspirei. Tentando me convencer daquilo, afinal era a verdade, certo? - Eu também não gosto dele. Eu só estou chateada porque quando saímos, eu perguntei se ele teria amantes quando casássemos e ele não disse apenas que “não”, ele deixou claro que não pretendia ter qualquer coisa com qualquer Selecionada, porque afinal vamos nos casar! Ele disse por que quis.
- É sério? - até Elise ficou impressionada.
- Sim, então provavelmente tudo que ele me contou é mentira.
As meninas tentaram me consolar diversas vezes, mas eu simplesmente não precisava ser consolada. Eu não estava triste, eu estava com raiva, estava magoada e decepcionada. Não só com o príncipe, mas comigo também. Eu queria faltar a janta, mas minhas criadas me convenceram que isso era uma má ideia. O que as Selecionadas pensariam? Me arrumei rapidamente e segui para o jantar, respirando fundo e colocando um sorriso no rosto. O mais falso de todos.
O jantar foi um tanto quanto estranho, o clima estava péssimo, o que mostrava que todos sabiam de tudo. A forma como , a rainha e até me olhavam entregava totalmente a família real. Eu podia ver todos tentando disfarçar, mas sempre que, por algum motivo, minha visão periférica captava , ele estava me olhando. Não olhei para ele nenhuma vez. Não daria esse gosto a ele. Apesar do sorriso, eu sabia que meus olhos entregavam o quanto aquilo tinha me atingido.
Além deles, eu tinha Anne e Aurora que nem disfarçavam a preocupação, enquanto Serena, que havia aparecido só para o jantar, encarava o príncipe e eu de forma engraçada. Mesmo eu sabendo que ela havia chegado há poucos minutos, ela também já estava por dentro. A fofoca corria solta pelo castelo.
As únicas pessoas realmente felizes na mesa eram Samantha e Lauren, sendo que a primeira já estava revoltada por não ser mais a exclusiva do príncipe. Mas estava óbvio que apenas elas e Natalie sustentavam a conversa entre as Selecionadas, já que eu, Anne e Aurora não conseguíamos ignorar o peso no salão. Já a família real mantinha-se em um assunto particular e, sinceramente, com pouco entusiasmo. Apesar de tudo, eu venci o jantar. Sorri, ri de uma piada de Natalie e conversei com as meninas sem brigar com ninguém. Era como se nada tivesse acontecido entre nós. E eu estava feliz por isso. Mas bastava olhar para as pessoas que sabiam a verdade que o clima mudava. , apesar de disfarçar bem, parecia no mínimo incomodado.
Saí do jantar escoltada por Anne e Aurora, que perguntaram aos sussurros se estava tudo bem. Respondi que estava tudo em perfeita ordem antes de me retirar para dormir. Não queria ser grossa, mas estava cansada daquilo. Claramente minhas amigas, Serena e a família real se sentiam mal pelo que havia acontecido, como se tivesse me traído, mas a questão é que ele não havia. era solteiro e podia fazer o que bem entendesse, não é?
Já estava de camisola quando bateram na porta. Avisei para minhas criadas que elas não podiam deixar o príncipe entrar. Nem fiz questão de fingir estar dormindo.
- É a senhora Serena, senhorita. - Cleo me contou em dúvida de como proceder.
- Tudo bem. - assenti, vendo Cleo deixar Serena entrar e fechar a porta atrás de si. A rebelde estava preocupada.
- Podem ir, meninas. Não precisam voltar hoje. Eu termino por aqui. - falei para meu trio de criadas, pegando a escova de cabelo das mãos de Meri, que o penteava até então.
- Boa noite, senhorita . Boa noite, senhora, Serena. - elas desejaram juntas antes de sair.
Continuei sentada na cadeira, terminando o serviço de Meri, enquanto Serena sentava em minha cama, claramente incomodada.
- Eu sei que você deve estar brava, mas você não pode desistir de tudo, .
- Como é?
- Você precisa se casar com . Aurora já anunciou seu namoro com , não temos mais ninguém. - Serena tentava ser firme, mas dava para ver que ela estava com medo.
- Você acha que eu romperia nosso acordo?
- Você não quer?
Aquilo me surpreendeu. Eu estava mesmo brava com o príncipe, não queria vê-lo de forma alguma, mas em nenhum momento me passou pela cabeça a hipótese de eu cancelar o casamento. Até porque pela lei eu não podia. Cheguei a cogitar, mais de uma vez, ele o fazendo. Pois tinha se apaixonado ou se cansado de mim. Mas não o contrário.
- Mesmo se eu quisesse, não posso, é contra a lei.
- Você acha mesmo que a manteria aqui contra sua vontade?
- Sinceramente, Serena? Eu não sei mais o que eu acho do príncipe. Mas o que me admira é a sua confiança em mim. - levantei, irritada, encarando-a. - Eu aceitei um casamento arranjado. Eu e não temos um relacionamento. Quem ele beija, ou deixa de beijar, não é da minha conta.
Serena ergueu uma das sobrancelhas.
- Eu estou quase acreditando.
- Quer saber, Serena? Eu não ligo para o que você acredita ou não. Você deixou muito claro seu apreço pela minha opinião ontem quando veio me informar sobre a ida ao abrigo. Então, nesse caso, também não ligo para o que pensa ou não. Você veio aqui preocupada com que eu desistisse de um acordo que pode melhorar a vida de milhares de pessoas só por causa de um príncipe que não consegue controlar a boca. - falei, feliz pela frase. Afinal não havia controlado a boca ao beijar duas Selecionadas e ao mentir para mim, falando algo que não deveria. - Sendo que, se eu não ligasse para isso tudo, eu tinha um motivo muito melhor para não me casar com que era me livrar dos sulistas. Então pode ficar tranquila que seu acordo está de pé.
- Você tem razão.
Fiquei encarando-a, sem entender.
- Sobre a ida ao abrigo, você tem razão. Me desculpe. E sobre o acordo também. Eu só estava... Preocupada. Você não faz ideia do que você significa para nós.
Amoleci um pouco, suspirando.
- Você devia ficar mais preocupada com quebrar o acordo, não eu. Eu lhe prometi o fim das castas. Se depender de mim, você terá. - foi tudo o que eu disse.
- Ele não vai. É óbvio que ele não vai, . - ela suspirou. - Olha, eu não vou me meter entre vocês, mas o príncipe tem plena noção do que ele fez. Ele está arrependido.
- Arrependido? - quis rir. - Você só pode estar brincando. Ele beijou DUAS Selecionadas, Serena. Meio tarde para se arrepender, não?
- Você está certa. E se quer saber, todo mundo acha isso. Pelo que disse, até a rainha está do seu lado.
- Meu lado? Eu não tenho um lado, Serena. é solteiro e pode fazer o que bem entender.
- Aí que está o problema. Não sei se todo mundo concorda que ele está solteiro.
- Ele está. Quero dizer, pelo menos até ontem. - resmunguei.
Serena riu.
- Fico feliz por não ter errado ao escolher você, . - ela disse, levantando-se da cama. - Se precisar de mim, estou com você. - E então saiu do meu quarto, dando um "boa noite" antes de fechar a porta atrás de si.
Suspirei, me deitando para dormir. Bem, pelo menos era o objetivo, mas simplesmente não aconteceu. A ideia de as pessoas realmente assumirem que me traiu só me dava mais revolta. Que ótimo. Eu nem era princesa ainda e já pulava a cerca. Revirei os olhos.
Passei a noite toda acordada na cama, inquieta, sem saber o que pensar ou como agir, era como se tudo tivesse de cabeça para baixo. Apesar dos rebeldes terem sempre bagunçado a minha vida, sempre foi minha certeza, meu motivo de continuar e, pela primeira vez, isso foi quebrado. Toda a certeza que eu tinha, simplesmente desapareceu.
Não consegui dormir por nem um minuto durante a noite, o mais perto que cheguei de cair no sono foi quando fingi estar dormindo, no momento em que apareceu no meio da noite e, quando ninguém atendeu suas batidas, abriu a porta. Mas como ele me viu dormindo, simplesmente foi embora. Depois daquilo, foi simplesmente impossível sequer ficar deitada.
Quando minhas criadas apareceram para me arrumar para o café da manhã, me encontraram deitada na cama lendo um dos livros que a rainha enviou. Aquele era o livro sobre uma das primeiras rainhas de Ynter. Apesar de ser uma biografia, o livro retratava muito bem como aconteceram as tramas políticas da época e como Ynter aderiu ao sistema de castas. Conseguia entender o que a rainha queria dizer sobre mudar minha perspectiva sobre tudo. Aquele livro era totalmente a favor das castas, mostrando como foi realmente a salvação financeira do país naquela época. Além disso, falava muito sobre o papel da rainha em tudo, papel que não ficou muito marcado na história, logo, era muito interessante.
- Bom dia, . - Meri cumprimentou. - O que faz acordada?
- Estou lendo. - falei, dando de ombros, levantando um pouco o livro. Mas Meri me olhou com cara óbvia, deixando claro que aquilo ela já sabia, afinal era visível que eu estava lendo. - Estudando um dos livros da rainha. Acordei cedo hoje.
- Bem, sorte a sua. Porque temos muito o que fazer, os primeiros convidados já chegaram e por isso teremos uma recepção no jardim.
- É sério?
- Sim, vieram algumas horas mais cedo que o programado para aproveitar o sol, o que deixou todos nós loucos. - ela riu fraco.
- Eu consigo imaginar.
- Então vamos logo para o banho, Cleo vem me ajudar em alguns minutos. Mas você precisa se arrumar o mais rápido possível.
- Vocês criaram um vestido muito difícil, deviam ter pensado nisso. Assim todas estariam aqui e muito mais tranquilas.
- Nada disso, queremos que fique perfeito. - ela disse sorrindo.
Cleo chegou logo depois, assim que saí do banho, e ajudou Meri com o serviço de me arrumar para uma pequena recepção no jardim. A maquiagem estava mais marcada, mas nada demais, pois ainda era de manhã, e meu cabelo estava preso em um lindo coque emoldurado com uma pequena tiara, o qual deixava as costas à mostra do vestido bem evidente. Além disso, como não sabíamos a procedência dos convidados, optei por usar o colar nortista e o anel sulista, já que ambos combinavam com o vestido que minhas criadas haviam escolhido. Suspirei ao ver meu reflexo no espelho. Eu estava linda, mas me sentia péssima.
Assim que desci, encontrei Aurora arrumando o penteado no espelho do hall antes de partir para o jardim, de acordo com ela, tínhamos apenas quatro convidados: um antigo amigo do rei que havia se mudado para Iléa a negócios, sua esposa, que foi uma das Selecionadas do rei, e seus dois filhos.
Estávamos todas lá, distribuídas embaixo da enorme tenda, quando a família real chegou junto com os convidados. A recepção seria realmente pequena, mas isso não impedia o castelo de oferecer uma mesa recheada de opções para o café da manhã, além de garçons para garantir que todos estivessem sempre com o copo cheio.
Eu achei que seria estranho ver o rei falando com uma antiga Selecionada, mas dava para ver pela expressão corporal dos mais velhos que todos se davam muito bem. A rainha e a mulher, que depois descobri se chamar Allyce, vinham conversando animadas na frente, enquanto o rei e seu amigo, Friedrich, caminhavam juntos com um pequeno rapazinho, que apesar da roupa elegante e dos óculos escuros, eu imaginava que não deveria ter nem seis anos. , e um homem moreno, também de óculos escuros, e idade parecida com a do príncipe, vinham conversando logo atrás.
me encarou assim que chegou a tenda, mas eu fiz questão de desviar o olhar. Senti que ele viria conversar comigo assim que sua família se dispersou, mas Samantha foi mais rápida ao interrompê-lo no meio do caminho. Estava realmente grata pela nova Samantha ter tanta pouca vergonha, afinal eu não estava pronta para aquela conversa.
- Ele é bonito. - Anne disse baixo, em francês, para mim e Aurora, quando o filho mais velho da nossa família convidada passou no nosso campo de visão, levando o irmão para a mesa de petiscos.
- É estranho, não é? Ver alguém fora do castelo depois de tanto tempo. - Aurora comentou, cuidando para não elogiar o homem.
- Para mim não. - dei de ombros, rindo fraco. Afinal eu havia visto muitas pessoas de fora do castelo durante a Seleção. - Mas tem razão, Anne, ele é bonito. Você deveria ir até lá conversar.
- Jamais. Não sou esse tipo de pessoa, além disso, eu ainda sou uma Selecionada.
- É para conversar, Anne. Não se atirar nele. - falei, fazendo ambas darem risada.
- Bem, não sei sobre Anne, mas eu vou atrás de . - Aurora disse, pedindo licença antes de caminhar até seu amado, o qual conversava com o pai e Friedrich.
O príncipe mais novo aproveitou a deixa ao ver a namorada se aproximar e pediu licença aos mais velhos, logo depois o casal saiu da tenda, em direção ao lago para ficar a sós. Sorri involuntariamente, feliz por eles. Pelo menos um dos príncipes prestava e havia encontrado uma mulher incrível.
- Como você está? - Anne perguntou, me fazendo tirar os olhos do horizonte para encará-la.
- Bem. E você?
- Bem mesmo? Você chegou a falar com ?
- Não. E você?
- Não. Ele não falou comigo ontem. - Anne deu de ombros. - É verdade que você o flagrou com Lauren?
- Sim, - ri fraco. - mas acredito que era o objetivo dela.
Lauren e Samantha continuavam conversando com , enquanto Natalie estava sentada em uma mesa junto com a rainha Ariele e sua amiga ex-selecionada Allyce.
- Você acha que ela seria capaz de fazer de propósito?
- Você não? - perguntei, erguendo uma das sobrancelhas.
- Tem razão. Mas ainda não entendi por que não foi falar com você. Achei que depois disso ele ia dar explicações. - Anne tentou de novo.
- Ele foi um tempo depois do jantar, mas fingi que estava dormindo. - dei de ombros, vendo que Anne não havia sequer julgado minha atitude. - Não tem explicação, Anne. Você e Serena estão exagerando. Pelo jeito, todos estão. - falei, tentando fingir que não havia nada.
- Serena falou com você?
- Ela foi até meu quarto depois do jantar, estava preocupada que eu fosse cancelar o casamento. - sussurrei.
- Você vai?
- Não, claro que não. Eu não posso, né, Anne? Aqui quem manda é . Além disso, o acordo e a guerra vão fazer bem para milhares de pessoas, por que todo mundo acha que eu desistiria disso assim fácil?
- Porque a gente provavelmente desistiria. - Anne falou, me fazendo encará-la chocada.
- É sério?
- Acho que sim, . Na verdade, eu não teria aceitado desde o começo. É muita coragem sua.
- Obrigada. Eu acho. - tive que rir, será que era coragem ou burrice? - Mas eu não pensei em cancelar nada, de verdade, além do mais, é solteiro e pode fazer o que quiser.
- Você tem certeza de que pensa assim? - Anne perguntou já insinuando algo. Às vezes eu ficava irritada por ela me conhecer tão bem.
- Penso. - afirmei, tentando não vacilar. - Achei até que pudesse cancelar, mas Serena afirmou que não. Pelo jeito o acordo permanece de pé.
- Apesar de , pelo jeito, ser péssimo em relacionamentos. Ele será um ótimo rei. - Anne disse, como se já soubesse que não cancelaria nada.
- Sabe o que me magoou de verdade?
- Ele beijar duas Selecionadas, uma atrás da outra? - ela brincou, mas não consegui rir.
- Não. Eu realmente não ligo para isso, Anne. Mas me disse, com todas as letras, sem eu pedir, que não se envolveria com nenhuma Selecionada. Ele mentiu para mim.
- Eu sei. Pensei nisso quando Samantha falou do beijo. Na hora lembrei da história que você nos contou. E a cabana… É a mesma que você disse?
- Acredito que sim. - falei com uma expressão triste, aquilo havia me incomodado muito mais que o beijo. - Era para ser meu refúgio, mas ele levou outra garota lá.
- Samantha disse que eles não entraram na cabana.
- Eu sei, mas ainda sim. O lago é grande o suficiente, ele podia ter ido a outro lugar.
- Eu ainda não consigo entender por que ele fez isso. realmente gosta de você, .
- Claro, é perceptível. - falei irônica, fazendo Anne rir um pouco.
- Você fez alguma coisa?
Olhei para ela chocada. É sério que ela queria colocar a culpa em mim? Na realidade, durante a noite, cheguei a cogitar que sabia sobre o beijo de Drew, mas depois percebi que não fazia nenhum sentido.
- Desculpe, só para checar.
Logo depois minha amiga se retirou para ir ao banheiro, me deixando sozinha. Eu até pensei em me aproximar da rainha e Allyce, que agora conversavam com Samantha, ou de e Aurora, que já estavam de volta na tenda. Mas achei mais vantajoso partir para a comida.
- . - escutei a voz de atrás de mim. Droga. Suspirei. Pegando propositalmente mais um aperitivo antes de virar para encará-lo.
- Alteza. - cumprimentei, fazendo uma reverência.
- , eu queria conversar…
Mordi delicadamente a comida, olhando para o príncipe, esperando que ele falasse mais, afinal eu estava com a boca cheia e não podia fazer nada.
- Eu não queria que você tivesse me visto com Lauren, eu só… - continuei em silêncio, apenas olhando para , com a expressão mais neutra que tinha. - Eu só queria me desculpar. - ele disse por fim, baixando os olhos, triste.
No instante em que soltou a frase, Ícaryo, o homem que Anne havia achado bonito, se uniu a nós. Seu sorriso presunçoso aproximando-se de nós era mesmo bonito, mas o que chamou minha atenção foram seus braços fortes marcados na camisa social justa e, de forma estranha, a forma que ele andava. Ícaryo era bonito, talvez tão bonito quanto , mas ele não andava de forma nobre e elegante, ele andava como se soubesse de sua própria beleza.
- O que você fez de errado para essa bela dama que precisa se desculpar, ? - ele disse, olhando para mim de forma encantadora.
- Ícaryo. Olá. - o príncipe claramente não estava feliz com a interrupção.
- Olá. - ele disse, sorrindo de forma provocadora para . - Você não vai me apresentar para ?
Ele sabia meu nome?
- , esse é Ícaryo. Ícaryo, essa é .
- É um enorme prazer, senhorita. - ele disse, pegando minha mão que agora estava vazia, afinal eu já havia acabado de comer, e beijando-a.
- O prazer é meu. - falei delicada, sorrindo para ele.
- E então? O que você pode fazer de errado para uma mulher tão bela quanto ? - Ícaryo perguntou, encarando .
Eu percebi que havia algo errado ali, conseguia ver o maxilar de tensionado e sua postura extremamente reta. Havia alguma tensão entre os dois que eu definitivamente não queria fazer parte. Talvez em outro momento eu até apoiasse o príncipe, o defenderia ou faria se sair bem naquilo que parecia uma rixa, mas não naquele dia.
- Com licença, cavalheiros. Mas acredito que minha amiga precisa de mim. - falei, vendo Anne voltar ao jardim. - Foi um prazer, Ícaryo. Alteza. - e então eu segui em direção a Anne. Deixando os dois homens me acompanhando com os olhos.
- Cara, ela é definitivamente a melhor daqui. Você deve gostar muito de outra para não ter a escolhido ainda, principalmente com os números. E, céus, agora eu entendo os números. - Ícaryo disse para enquanto eu caminhava até Anne. Apesar do tom mulherengo de Ícaryo, eu fiquei feliz pelo comentário. Esperava que, depois do que fez, doesse nele um pouco.
- O que eu perdi? - Anne perguntou, assim que nos aproximamos.
- É difícil dizer. - falei, olhando na direção em que eu estava a poucos segundos. Natalie havia se juntado aos dois homens para conversar. Vi olhar em nossa direção. Desviei o olhar mais uma vez. Eu ainda não estava pronta para ser gentil com ele. - Vamos beber algo?
Quando achei que aquela recepção finalmente teria fim, descobri que ela só estava começando. No meio da manhã, mais convidados chegaram para se unir a nós e, junto deles, uma banda. Vários dos nobres locais, sendo que muitos deles já conhecíamos devido aos bailes, vieram para um belo almoço em um lindo dia de sol no castelo. Era como uma grande festa de família aos domingos, só que com banda, vestidos de baile e garçons.
- Você sabia disso? - perguntei para Aurora, quando a mesma se uniu a mim e Anne.
- Não. Mas pelo visto ficaremos aqui até tarde.
Suspirei. Eu até gostava de eventos como aquele, a comida, música e convidados fazia as horas passarem mais rápido e as refeições serem mais valiosas e divertidas, mas naquele dia eu estava cansada. Não havia dormido a noite toda e, apesar de tentar ao máximo transparecer que não, estava mesmo incomodada com o que havia feito. Eu não queria falar com ele, eu só… Eu só queria não ser a escolhida, queria não ter aprendido a gostar do príncipe. Na realidade, eu queria estar em casa. Olhar para Samantha e Lauren com sorrisos superiores me irritava, mas nada superava a expressão de e da rainha de pena.
- O que você acha, ?
- Sobre o quê? Me desculpem. - falei para Aurora e Anne, percebendo que eu não havia escutado nada do que elas falavam. Era como se de repente eu estivesse longe.
- Queremos dançar. Tem uma banda e ninguém está dançando.
- Então vão! Acho uma ideia muito boa. - tentei soar o mais empolgada que pude.
- Então vamos. - Aurora falou, já ficando de pé. Estávamos sentadas em uma das mesas recém-colocadas para os convidados. Afinal, serviriam o almoço logo.
- Não, obrigada. Mas vocês deveriam ir, eu só não estou no clima.
Percebi que Anne vacilou.
- Vai! Divirta-se enquanto você ainda pode. - falei, triste por saber que em alguns dias minha amiga deixaria o castelo.
- Vamos, Anne. vai sobreviver.
Anne e eu rimos, e então as duas saíram em direção a pista de dança. Aurora logo chamou o príncipe e então um nobre convidou Anne. A música era uma valsa divertida e as duas estavam muito bem e, principalmente, felizes. Em poucos minutos vários casais dançavam na pista improvisada, o que alegrou a banda, que por um tempo tocou sem qualquer atenção.
Quando percebeu que eu estava sozinha, ele começou a caminhar em minha direção, mas antes que ele atravessasse toda a tenda, Ícaryo apareceu ao meu lado.
- Gostaria de dançar, ?
Olhei para Ícaryo com mais atenção dessa vez. Ele não era apenas forte e bonito, havia várias qualidades para seu físico, mas o que realmente chamou minha atenção foram seus olhos, não pela cor, mas pela sensação que passavam. Ícaryo era atrevido e suas intenções eram claras só pela forma que ele me olhava. Seus olhos eram penetrantes e, talvez, assustadores. Eu pensei em recusar seu pedido, afinal não queria dançar, mas se eu recusasse, Ícaryo sairia dali e então viria para conversar.
- É claro. - falei, lhe dando a mão enquanto eu levantava.
- Sorte a minha. - ele disse galante, conduzindo-me até a pista de dança. Percebi os olhos de sobre nós, mas eu não estava fazendo absolutamente nada de errado.
Ícaryo era um dançarino muito bom. Muito melhor que vários dos nobres ali, tornando a dança mais interessante, afinal nós éramos excelentes parceiros. Sua mão firme em minhas costas desnudas davam uma sensação de segurança que seus olhos não compartilhavam. Aquilo era diferente, Ícaryo me transmitia algo que eu não conseguia entender. Depois de uma música dançando, ele me convidou a continuar ali, aproveitando o ritmo mais lento para colocar suas garras para fora.
- Então, … Onde aprendeu a dançar assim?
- Em casa. Minha mãe me deu aulas de danças desde nova. - comentei, sorrindo. - E você?
- O mesmo. Acho que faz parte da vida de um filho de uma ex-selecionada. - ele brincou. - Mesmo em Iléa a tradição fica.
- Deve ser porque eles, digo, vocês, também mantêm uma Seleção lá. - Ícaryo, pelo que eu sabia, havia nascido em Iléa.
- Tem razão. Mas a Seleção daqui é muito mais interessante.
- Achei que eram iguais. - falei, demonstrando inocência. - Vocês tiveram uma faz pouco tempo, não?
- Uns três anos. - ele concordou. - Mas aqui temos recordes fenomenais.
- Ah, sim. Talvez seu povo não seja tão participativo quanto o de Ynter. - tentei.
- Acho que o mérito não é do povo. - ele sorriu de forma significativa. Aquilo me incomodou, eu sabia qual era a pretensão de Ícaryo e talvez fosse até admirável um homem como ele demonstrar algum interesse em mim, mas estávamos na Seleção. O que tornava aquilo absurdamente errado. - Você me parece realmente uma mulher fantástica, .
- Obrigada. Mas acredite em mim quando digo que é apenas uma escolha da mídia. Eles precisavam de alguém em quem focar, no fim me fizeram parecer especial.
- Pelo pouco que eu vi, , você é mais que especial. - ri sem jeito. O que ele estava fazendo?
- Obrigada, Ícaryo.
- Me admira que com tudo isso, você ainda não seja a escolhida.
Olhei para ele assustada. Aquilo era demais, com certeza um assunto delicado de se tratar. Ícaryo estava começando a sair das insinuações.
- Estamos aqui há pouco tempo.
- Quer dizer que você acha que será a escolhida?
- Todas nós achamos, não é? - tentei, usando um tom de brincadeira.
- Mas só uma será.
- É claro.
- O que você fará, se não for você?
Engoli em seco.
- Sinceramente? Ainda não sei.
- Consideraria morar em Iléa?
- Como? - por um momento achei que não havia escutado direito.
- O príncipe e eu nos conhecemos desde pequenos, . Meu pai é casado com uma das Selecionadas do pai dele. Eu só penso em seguir a tradição da família.
- Eu ainda estou na Seleção. - brinquei. - É um pouco cedo para cogitar algo a mais, não acha?
- Não. Me desculpe desiludi-la, . Mas você não acha que o príncipe já teria lhe escolhido se gostasse de você? Seus números são irreais, algo que nunca aconteceu antes. Ele é um tolo em ignorar isso, mas eu não sou. Lembre-se disso. - ele disse, parando de dançar e beijando minha bochecha, antes de sair da pista. Me deixando completamente chocada. Ele havia mesmo feito o que eu achei que havia?
- Gostaria de dançar? - se aproximou de mim com um sorriso triste, sem dentes. Percebi que Ícaryo havia me deixado tão surpresa, que ainda estava em pé, parada, na pista.
- Claro, Alteza. - falei sem empolgação, não podia negar na frente de todas aquelas pessoas. Mas também não deixaria ele achando que estava tudo bem.
Fizemos uma reverência e começamos a dançar, preferi ficar em silêncio.
- Você está bem? Vi que Ícaryo acabou de sair daqui.
- Estou sim, obrigada. Seu amigo sabe ser uma companhia interessante.
- Ele não é meu amigo. - ele disse, um pouco nervoso. - Digamos que nós nos suportamos por causa dos nossos pais. E eu sei do que ele é capaz, .
- O que quer dizer?
- Ele fará de tudo para me envergonhar. Inclusive dar em cima das Selecionadas.
Engoli em seco. Talvez se fosse antes, eu seria sincera com , mas agora não. Não seria responsável por denunciar um dos nossos convidados e estragar a festa. Não sabia como o príncipe reagiria. Além do mais, pelo menos na minha interpretação, Ícaryo havia feito bem mais do que "dar em cima".
- Não aconteceu nada, Alteza.
- , não deixe ele enganá-la… Ele só está fazendo isso para me afetar. - claramente não acreditou em mim e considerando o que Ícaryo havia feito, eu não o culpava. Mas ele se enganou achando que meu silêncio era para proteger Ícaryo, quando na verdade era apenas para proteger a recepção que a família dele estava dando.
- Claro. Porque eu sou tão ruim que ninguém iria querer ficar comigo, apenas me usar para lhe afetar. - soltei ríspida.
- Eu não disse isso, .
- Na verdade, foi exatamente o que disse, Alteza. Mas não se preocupe comigo, quando cansar de brincar e precisar de mim, eu estarei lá. - engoli em seco. - Agora, me desculpe, mas eu estou com dor de cabeça e preciso descansar.
- , eu não quis dizer isso.
- Com licença, Alteza. - me desvencilhei dele, fiz uma reverência e saí da pista. Não sabia aonde ir, não queria conversar com ninguém, então apenas parti em direção ao jardim da rainha, saindo da tenda.
Por um segundo achei que iria atrás de mim, mas quando olhei para trás disfarçadamente, encontrei-o na pista de dança com Lauren. Ícaryo dançava com Natalie, enquanto o resto da família real estava ocupada com seus diversos convidados. Me vi sozinha por um momento. Grata.
Respirei fundo, caminhando por toda a extensão do jardim da rainha, aproveitando o sol forte para me sentir melhor. Eu não conseguia entender como meu relacionamento, mesmo que apenas de amizade, com havia desmoronado tanto. Às vezes eu me sentia culpada por estar brava, afinal eu havia dito para ele convidar alguém para sair e, mesmo que sem opção, eu havia beijado Drew. Mas então eu pensava melhor e, apesar de ser traição, foi Drew quem me beijou, e eu fugi dele. E apesar de ser ruim, eu não havia dito para que nunca beijaria ninguém depois que o conheci.
E o príncipe não havia apenas beijado duas mulheres, mesmo que Selecionadas, ele havia levado Samantha até a cabana. A minha cabana. O lugar que deveria ser meu refúgio. E o pior, ele havia dito para mim que não beijaria ninguém. Suspirei. Além disso, ele havia feito Serena apenas me informar sobre a ida ao abrigo e eu ainda não havia superado aquilo. Eu estava em conflito, a culpa misturada com a raiva que eu sentia de mim mesma por ter me deixado me apegar a pelo menos um pouco, me faziam amenizar a culpa dele. Será que não era eu que havia, mesmo que indiretamente, me colocado naquela situação?
Mas como eu podia me culpar? Eu me casaria com ele! Era óbvio que eu estava me esforçando para gostar de , afinal eu teria que ter um filho com ele! Sentei em um dos bancos, derrotada, sentindo-me fisicamente mal. Minha cabeça doía pela falta de sono e o sol forte, que antes me dava energia e agora estava me superaquecendo.
- ? Tudo bem? - perguntou, aparecendo ao meu lado com um sorriso sem dentes. Pela sua expressão eu sabia que ele queria se desculpar pelo irmão.
- Sim. - menti, sentindo minha cabeça latejar. - Só está levemente quente aqui. - brinquei.
- Você quer voltar para a sombra? - ele perguntou, me fazendo olhar para a tenda. Não sei se percebeu, mas e Ícaryo olhavam para nós sem nem disfarçar.
- Na verdade, não. - brinquei.
- Você não poderá evitá-lo para sempre. - falou, sentando-se no banco ao meu lado.
- Quer apostar? - brinquei.
- Ele só quer se desculpar. - deu de ombros, cobrindo os olhos por causa do sol.
- Pelo quê?
- Como é? - o príncipe mais novo me olhou assustado.
- É sério. Por que você acha que ele me deve desculpas?
- É... Por ter beijado Samantha e Lauren?! - a resposta de foi mais uma pergunta.
- Ele é solteiro, não é? O único objetivo da Seleção não é exatamente esse?
- Sim, mas…
- Não tem “mas”, . Todas as mulheres que entraram nessa Seleção aceitaram essa parte.
- Pare com isso, .
- Como é?
- Isso mesmo. Eu não sei que tipo de “força” você acha que precisa ter, mas o que meu irmão fez foi errado sim. Ele sabe que foi e se arrepende.
- Então por que ele fez?
- Daí você precisa conversar com ele.
- Ele lhe contou que me falou que não ficaria com outras Selecionadas?
- Sim.
- Ele se lembra então, ótimo. - disse irônica. - E ele disse algo sobre a cabana?
- Você sabe que sim. - disse, parecendo triste por colocar o irmão em uma situação ainda pior.
- Então, , sendo bem sincera com você. é solteiro e faz o que ele quiser, o que eu não admito é que ele pense que eu sou igual a todas elas. Porque eu não sou. O mínimo que ele podia fazer era não ter mentido para mim sobre a cabana ou sobre as próprias intenções. Eu fiz tudo o que pude por ele, por vocês, sua família e seu governo!
- Eu estou do seu lado nessa, . Não precisa brigar comigo. - ele disse, erguendo ambas as mãos, rindo.
- Já que você está do meu lado, posso fazer uma pergunta?
- Qualquer uma.
- O que tem de errado com esse tal de Ícaryo?
riu.
- Ele deu em cima de você, não foi?
- Pode se dizer que sim.
- Ele e tem uma espécie de rixa desde pequenos, Ícaryo sempre tenta atrapalhar . No fundo eu acho que ele pensa que se sua mãe tivesse ganho a Seleção de meu pai, seria Ícaryo no lugar de .
- Isso é ridículo.
- Sim. tentou só aceitar no começo, mas fica cada vez pior. acha que Ícaryo veio aqui para envergonhá-lo.
- Não acho que tenha sido apenas isso, .
- Por quê?
- Ícaryo perguntou o que eu achava de morar em Ílea e disse, de verdade, que estava aqui para seguir os passos do pai.
ficou um pouco confuso e então entendeu.
- Ele te pediu em casamento?
- Não. Mas acho que se eu desse corda, poderia acontecer.
e eu olhamos mais uma vez para a tenda. estava parado, sozinho, olhando para nós enquanto bebia uma taça de vinho. Ícaryo havia sumido.
- Você não pode contar para ele. - eu disse, antes que fizesse algo.
- Por quê?
- Porque daí Ícaryo vai conseguir exatamente o que quer: envergonhar . Ou você acha que seu irmão não faria algo a respeito?
- Você tem razão.
- Eu sempre tenho. - brinquei. - Falando nisso, como você e Aurora andam? Ela parece bem feliz.
- Nós estamos. Estou ansioso para conhecer a família dela e, bem, pedi-la em casamento.
- Você tem muita sorte.
- Tenho sim. - ele sorriu bobo, olhando para ela na tenda. Aurora estava sozinha, esperando por ele.
- Vá logo, convide-a para dançar de novo.
- Tem certeza?
- Absoluta.
sorriu, levantou-se do banco e caminhou até a tenda. Ele não estava nem na metade do caminho quando veio andando em minha direção. Suspirei. Eu realmente não podia fugir dele para sempre.
- Posso me sentar? - ele perguntou, parando próximo ao banco que eu ainda estava sentada.
- Pode sim. O banco é seu, não é? - respondi. Eu tentei soar grossa, mas minha voz saiu mais chateada do que irritada.
- Desculpe pelo que eu disse enquanto dançávamos. Não quis que você se ofendesse, . Eu só… Ícaryo sabe ser persuasivo, às vezes. E como você deve estar me odiando agora, fiquei com medo que…
- Que eu fosse embora com ele? - quis rir.
- Não… Na verdade sim. - ele lamentou.
Só assenti com a cabeça. Mais um que pensava super bem de mim. Me segurei para não revirar os olhos.
- Eu fui ao seu quarto ontem, mas você estava dormindo.
- Eu não estava. Eu fingi. - falei, dando de ombros. - Serena havia acabado de sair… Não estava disposta a passar por mais um drama.
- E agora você está?
Olhei para , ele tinha uma expressão triste, derrotado e até envergonhado, mas sorria de forma cúmplice.
- Acho que nunca vou estar. - dei de ombro. - Mas não quis apostar comigo sobre quanto tempo eu conseguia lhe ignorar, então…
riu da brincadeira, uma risada triste, mas real. Eu estava feliz por estar melhorando o clima entre nós, mas não sabia se deveria. Eu estava brava, tinha que entender isso.
- Vou agradecê-lo depois, então.
- Você deveria mesmo. - falei, mais seca dessa vez.
suspirou.
- Me desculpe, . Por ontem.
- Pelo que, exatamente?
- Por ter feito algo que lhe prometi que não faria. - ele disse, olhando para as flores. Suspirei. Ele pelo menos sabia onde tinha exatamente errado.
- Por que você prometeu se não queria cumprir? - olhei para o príncipe, que dessa vez também olhou em meus olhos.
- Eu queria. Eu falei sério, . Mas então, quando saí com Samantha…
- Quando levou-a para a cabana? - dessa vez revirei os olhos. - Olha, , eu entendo se você começou a gostar dela e tudo mais, apesar de eu achá-la uma pessoa ruim nos últimos dias. Mas achei que você se importava mais comigo. Pelo menos com o nosso combinado.
- Eu me importo.
- Então por que você a levou lá? Em tantos lugares, por que justo lá?
- Porque eu estava com raiva. - ele disse, passando a mão na testa. parecia mesmo arrependido. - Mesmo que eu tentasse fingir que não, eu estava.
- De mim?
- Sim. Eu sei que fui infantil, mas quando você disse que eu devia chamar alguém na frente de todo mundo, fiquei irritado. Eu tentei entender, eu tentei fingir que não ligava.
- Por quê? - perguntei, interrompendo-o. - Por que quando você marca encontros eu preciso aceitar e quando é para me ajudar, você acha ruim?
me olhou surpreso.
- Porque eu odiei o fato de você me incentivar a sair com alguém. Simples assim, . E então eu decidi, talvez por ego, que chamaria alguém para a cabana. Mas me arrependi, quando já estávamos lá, convenci Samantha que um piquenique seria melhor. Eu sinto muito, fui…
- Um babaca.
pareceu assustado. Talvez o príncipe não tenha sido chamado de babaca muitas vezes.
- Tudo bem, eu aceito isso. - ele disse.
- E então vocês perceberam o quanto se gostam no jardim da cabana? - perguntei, rindo um pouco. - Se você quiser escolhê-la, . Eu vou entender. Podemos tirar o rastreador e fingir que nada aconteceu. Só não sei como Serena irá aceitar isso.
- Eu não quero. Eu não gosto dela, . Mas ela gosta de mim. Não foi certo beijá-la, eu me arrependi no momento que o fiz, mas a forma como ela me olhava lá. É por isso que eu vivo saindo com ela, . Samantha me faz… Me sentir melhor.
- Melhor que o quê? Quem faz você se sentir mal?
ficou em silêncio, apenas olhando para mim. E então eu entendi.
- Eu? Mas o que eu fiz de errado? - aquilo era um absurdo.
- Nada. Mas você não precisa de mim. Você não gosta de mim. É difícil de explicar.
- Tem razão. Deve ser impossível de explicar, porque não faz nenhum sentido . - falei irritada. - Mas tudo bem, como eu disse: continue brincando, se no final você ainda precisar de mim para ajudar na guerra, só chamar.
Fiquei de pé, mas segurou minha mão. Olhei para ele e então para a tenda, boa parte dos olhos estavam em nossa direção. Suspirei.
- Por favor, , fique aqui.
- Não posso, é tarde demais. - respondi, fazendo virar-se e encarar a cena. Até os nobres estavam entretidos conosco. - Podemos discutir isso mais tarde. Tenha um bom dia, Alteza.
me soltou, me permitindo fazer uma reverência antes de sair. Caminhei até a tenda de queixo erguido, enquanto permaneceu no banco. Não sabia o que ele estava fazendo, só esperava que não fosse algo que nos entregasse.
- Tudo bem? - Anne perguntou, unindo-se a mim assim que cheguei à tenda.
- Mas é claro. - respondi alto. - O príncipe só não quis dançar comigo. - falei alto, sabendo que as pessoas estavam interessadas no que eu tinha a dizer.
- Não seja por isso. - Ícaryo apareceu, me oferecendo a mão.
Olhei para Anne, mas ela não sabia o que Ícaryo havia feito, por isso não entendeu minha súplica.
- Tudo bem, pode ir. - ela disse, sorrindo.
- Perfeito. - Ícaryo disse vitorioso, me levando a pista de dança.
Começamos a dançar em silêncio, mas logo o homem começou a falar.
- Acho que você deixou o príncipe chateado. - ele comentou, indicando com o rosto , que seguia castelo adentro. - O que ele fez que você não desculpou?
- Como?
- Ele pediu desculpas mais cedo e com ele saindo assim, parece que não deu certo.
- Ele pediu desculpas por ter cancelado nosso encontro. - menti. - E eu aceitei. Não sei o que o príncipe foi fazer, mas acredite, não tem nada a ver comigo.
- Significa que eu ainda tenho chance?
- Não. - falei, sem sorrir.
- Nossa, assim fico ofendido.
- Eu que deveria estar ofendida, Ícaryo. Não importa o que você acha sobre minhas chances na Seleção, eu ainda sou uma Selecionada e uma dama. Eu espero o mínimo de respeito. - falei, aumentando o volume da última frase, o que fez as pessoas olharem para nós. - Com licença. - E então eu saí, seguindo em direção ao castelo.
Não estava planejando voltar para dentro, mas se já havia me irritado, Ícaryo e sua atitude mulherenga me tiraram do sério. Mas o pior, é que daquela forma eu ia perder o almoço. Ele seria servido em poucos minutos, mas eu não poderia voltar para lá. Suspirei. Estava com dor de cabeça mesmo.
Subi as escadas lentamente, afinal não estava com pressa de chegar a lugar nenhum, mas, provavelmente por puro destino, minha lerdeza me fez encontrar , que descia os degraus, vindo do seu andar.
- ? O que faz aqui? Está tudo bem? - ele perguntou preocupado, já se aproximando, parecendo esquecer por um segundo que eu estava brava com ele.
- Tudo em perfeita ordem. - falei, sorrindo falsamente.
- Então por que não está lá embaixo?
- Por que você não está?
- Lembrei que precisava pegar algo no meu quarto.
- E deixou lá? - perguntei, vendo que o príncipe não carregava nada. O que o fez rir.
- Não exatamente. - ele disse, tirando um papel dobrado do bolso.
- Certo. Eu estou com dor de cabeça e vou me deitar.
- Eu posso acompanhá-la? - ele perguntou, me fazendo erguer uma das sobrancelhas. - Até seu quarto, não na parte de deitar. Claramente.
- Não sei, de você não duvido mais nada. - falei agressiva.
- Touché. - ele disse, mesmo assim caminhou comigo até meus aposentos, seguimos em silêncio.
- Obrigada, Alteza. - falei, já abrindo a porta.
- Suas criadas estão?
- Não. Alguém inventou uma competição sobre os vestidos do Juramento à Bandeira e elas estão muito empenhadas. - falei, sem realmente reclamar.
- Então podemos terminar nossa conversa? - ele perguntou, olhando-me esperançoso, parado no batente da porta.
- Não preciso de explicações, . Não precisamos conversar.
- Você está errada. Explicações é o mínimo que você merece.
- Você disse que eu lhe faço mal. - respondi, sentando na cama. - Deve imaginar o quanto isso me deixa feliz. - a ironia estava presente em minha voz.
- Você não me deixa mal, . É só que você é muito melhor do que eu. Em absolutamente tudo. - ele entrou, sentando-me ao meu lado na cama. - E eu admiro isso demais, não me leve a mal. Eu só me sinto meio incompetente perto de você, às vezes. E não quero que seja uma justificativa, até porque eu sei como soa ridícula. Eu só quero ser sincero. - ele suspirou. - Como eu disse, levei Samantha até sua cabana porque eu estava com raiva, com ciúmes ou sei lá o que. Odiei o fato de você me pedir para convidar outra Selecionada e resolvi, de certa forma, me vingar. O que é péssimo.
- Eu…
- Me deixe terminar, por favor.
- Tudo bem.
- Então enquanto estávamos lá conversando, Samantha foi ótima. Ela sempre é. Ela faz de tudo para me agradar, ela se molda para o que eu espero dela. Eu sei que não é ela de verdade, mas eu não ligo! - ele deu de ombros, o que me impressionou. - Ela está me usando e eu fiz o mesmo. E então ela foi me elogiando e fazendo cena, até que nos beijamos. Eu a beijei para me sentir bem, melhor, mais importante. Ela ficou tão feliz, acho que até de forma verdadeira e aquilo inflou meu ego. Por isso que a beijei novamente. A beijei para melhorar minha ridícula e frouxa autoestima.
- E Lauren?
- Eu só saí com ela, um encontro, com o objetivo de diminuir Samantha. Queria que ela se sentisse menos importante. Só que Lauren, diferente de Samantha, não esconde quem é. Ela ouviu você chegando e me beijou. Quando vi que era você eu... Eu fiquei sem reação. Sabia que tinha feito besteira com Samantha e estava esperando a hora certa de ir vê-la, mas então Lauren piorou tudo. Fiquei envergonhado. - ele admitiu. - Depois que falei para Lauren que ela não deveria ter feito aquilo, pensei em ir vê-la. Mas presumi que você me mandaria embora e - ele suspirou - essa ideia me aterrorizava. Então não fiz nada, além de escutar uma bronca enorme da minha família. Eles estavam me tratando mal até no jantar, o que só piorou com a presença de Serena. A qual, depois do jantar, foi me xingar. - ele riu e eu também.
- Serena foi me ver, provavelmente depois que falou com você.
- Sério?
- Ela estava com medo de que eu desistisse.
- Da Seleção?
- Sim. Basicamente.
- É por isso que você está sendo tão… Compreensível?
- Não. Eu estou mesmo magoada com você e sinceramente ainda não acredito que você foi capaz de mentir na minha cara. Eu lhe perguntei sobre nosso casamento naquele dia, não sobre a Seleção.
- Eu sei.
- E quando eu falei sobre convidar alguém... Por que você não fez isso com Anne? Apenas para tirar Lauren do meu pé? Ou você acha que essa rixa que você citou entre as duas não iria sobrar para mim? Lauren o beijou, , unicamente porque você beijou Samantha. Imagina o que ela faria comigo?
- Eu sei, eu só…
- Só ficou com raiva igual uma criança mimada. Eu fiz tudo por você, . Tudo. O que me leva a mais uma coisa. - dessa vez fiquei de pé, para encará-lo. - Você e Serena precisam parar de me informar sobre encontros com nortistas, de decidir as coisas e depois me mandar fazer. Porque eu juro que vai chegar um dia que eu simplesmente vou me recusar. Não porque me importo em fazer, mas porque me importo em estar por fora das decisões. Saiba que eu sei me comportar igual uma criança mimada tão bem quanto você. - nesse caso ergui a voz. - Eu estou cansada disso. O Chefe já toma decisões demais sozinho, não vou aceitar isso vindo de você. Não mais.
- …
- Não, agora é minha vez. - disse, respirando fundo. - Olha, eu lamento que algo que eu tenha feito fez você se sentir menos capaz, ou sei lá o que. Mas eu sou incapaz de fazer qualquer coisa que você prometeu sozinha, . Sem você, eu seria uma completa inútil, com um "poder" nas mãos, como você diz, e sem fazer ideia de como usá-lo. Então eu recomendo que você reveja esse conceito, senão você será muito infeliz no seu futuro comigo.
- Eu sei que estava errado.
- Não sei se sabe. Aquela cabana era tudo para mim, . Você não faz ideia de como foi especial o que você fez. E por um mero capricho você quase destruiu tudo. Tudinho. Então se quer saber, me incomodou muito mesmo você ter beijado as outras garotas, mas eu não estou pronta para ter um romance com você e consigo entender suas necessidades, mas você me magoou de verdade quando feriu minha crença em você. - eu finalmente disse a verdade. havia me afetado mesmo quando beijou Samantha e Lauren, mas terminou de me quebrar quando eu percebi o que tudo aquilo significava. De repente eu estava chorando, sentia as lágrimas descerem lentamente pelo meu rosto enquanto eu simplesmente via sentado em minha cama, olhando para mim.
O príncipe parecia triste, preocupado e sem chão. Dava para ver que minhas palavras o haviam atingido em cheio. De repente ele ficou de pé, me puxando para um abraço. Sem dizer absolutamente nada.
Meu corpo se aquecia com o toque dele, fazendo um carinho leve em minhas costas desnudas. Essa era a diferença entre abraçar e Drew. Meu amigo era quente como lar, me fazia arder. Era como se apenas seu toque me acendesse inteira. Aquilo era estranho, mas incrivelmente bom. Apesar de tudo o que eu disse ser verdade, eu não estava nem um pouco pronta para afastar de mim. Muito menos cancelar nosso acordo. Eu sabia que o futuro era problemático, mas de repente fiquei feliz por fazer parte dele.
- Me desculpe. - ele sussurrou. - , você não faz ideia de como estou arrependido por tudo. Eu... Eu nunca fiz uma besteira tão grande na vida. Por favor, não chore mais por minha causa, eu não consigo. Eu sei que meu governo, meu país e meu povo já lhe causaram várias lágrimas, mas nada é pior do que eu saber que dessa vez a culpa é 100% minha.
- Eu não vou. - eu disse, soltando-me dele e tentando recuperar a pose que havia perdido. Sequei as lágrimas, vendo enquanto o príncipe me olhava de forma engraçada. - O que foi?
- Nada, não foi nada. - mas o sorriso bobo não saiu do seu rosto.
Me ajustar com me permitiu uma paz mental que me proporcionou várias horas de sono naquela tarde. Isso, misturado ao remédio para dor de cabeça que ele fez questão de arranjar para mim. Eu não estava totalmente curada do que o príncipe havia feito, de verdade, mas eu consegui aceitar. Afinal, que escolha eu tinha? era meu futuro, e a minha única chance de ser minimamente feliz era gostando dele. Além disso, eu realmente acreditava que o príncipe estava arrependido e tudo o que ele me disse no quarto me fez vacilar. Por um lapso de segundo cheguei a achar que estava me apaixonando por ele. Mas não. Ainda tínhamos um casamento totalmente político e uma amizade para reconstruir. Mas era um começo.
Estava muito melhor quando Elise me acordou horas depois, com um pedaço de bolo e suco. Entendi o gesto da minha criada quando ela disse que aquilo tudo era para melhorar meu humor, pois eu devia me arrumar para um baile arranjado de última hora naquela noite. Suspirei. Uma recepção e um baile no mesmo dia, era demais. Talvez eu achasse a ideia de convidados no castelo péssima.
Capítulo 26 - Ícaryo
Anne apareceu alguns minutos antes do baile, já pronta, apenas para conversarmos. Ela estava curiosa para entender o que havia acontecido com Ícaryo mais cedo na recepção, pois, de acordo com ela, eu dei assunto para as pessoas comentarem. Fiquei feliz por aquilo. Ícaryo havia passado dos limites comigo e, apesar de eu não querer estragar a festa do castelo, não iria permitir que ele insinuasse aquelas coisas para mim como se eu fosse uma qualquer, não sem retrucar. Eu jamais trairia meu país e, só o fato dele supor aquilo, era uma ofensa. Sendo assim, esperava mesmo que seu caráter fosse colocado em dúvida, mesmo que apenas em forma de fofoca.
- Você não vai acreditar. - falei, revirando os olhos ao lembrar da cena, estava mesmo indignada com tudo aquilo. Anne ergueu uma das sobrancelhas, parecendo ainda mais curiosa, enquanto sentava em minha cama para esperar Meri terminar de me arrumar.
- Foi tão ruim assim? - ela perguntou, ajeitando a postura ao sentar-se no colchão mole.
- Foi pior. - respondi, encarando-a pelo reflexo do meu espelho, já que eu permanecia sentada de frente para o mesmo enquanto Meri terminava de arrumar meu coque.
Resolvi contar tudo para Anne. Eu realmente detalhei para minha amiga o que havia acontecido desde que Ícaryo interrompeu minha conversa com , até seu “convite” despretensioso. Eu confiava em Anne e estava feliz por desabafar, ainda mais porque ela e Meri, que escutava tudo enquanto finalizava o penteado, acharam tão absurdo quanto eu. Eu estava certa, aquilo não havia sido uma mera cantada, não na nossa opinião, pelo menos.
- Nossa, que bom que não fui falar com ele. - ela disse afetada, lembrando de quando eu sugeri que ela deveria ir atrás de Ícaryo.
- Tem razão. Melhor não seguir meus conselhos. - falei, o que fez minhas duas amigas rirem.
- Você contou para o ? Ele me disse que vocês conversaram. - dava para ver na expressão de Anne que ela tentava parecer indiferente, despretensiosa, mas soube naquele momento que minha conversa com o príncipe era o principal motivo de sua visita.
- Não contei. Ele só ficaria mais irritado e, querendo ou não, não é motivo para expulsar Ícaryo daqui. - suspirei. - Ou seja, achei que traria mais problemas do que soluções.
- Tem razão. Além do mais, vocês acabaram de se acertar... - ela estava evitando ser invasiva, mas estava claro para mim que Anne queria falar sobre o príncipe.
- Mais ou menos, Anne. - respondi, aceitando o assunto. - Eu sinceramente ainda estou chateada com tudo. realmente errou ao levar Samantha à cabana, ele deve ter ficado com muita raiva de mim para fazer aquilo. Então… Eu não sei. Essa é a verdade. Mas conversamos sim e foi bom. Apesar de eu ainda estar incrédula, parece que estamos bem, ou, no mínimo, nos acertando. Afinal, não é exatamente uma vantagem para mim acabar com nossa amizade.
- Ele disse por que ele fez o que fez?
- Ele me disse que eu o faço se “sentir mal”. - admiti fazendo as aspas com as mãos, apesar de saber que aquilo não era exatamente o que parecia, ainda era um absurdo pensar que eu, de alguma forma, o fazia mal.
- Mas você entendeu o que ele quis dizer, não é? - Anne não estava nem um pouco surpresa com a notícia, provando que havia sido sincero com ela, pelo menos um pouco.
- Sim. - suspirei. - Mas ainda é algo péssimo de se ouvir. - dei de ombros, rindo fraco, sem humor. - Não é como se eu realmente fosse alguém sem ele, Anne. Vamos combinar que, mesmo que os motivos do príncipe sejam reais, o que ele acha que eu faria? - encarei Anne, tentando descobrir se ela tinha uma resposta para minha pergunta.
- Não sei se é exatamente sobre o que você faria, . - ela disse, me olhando sério pelo reflexo. - É sobre quem você é e quem será. Seus números, seu apoio... O povo adora você, provavelmente muito mais do que adora .
- Não é verdade.
- Você sabe que é. Os números provam isso.
- As pessoas do castelo adoram você, senhorita . As pessoas querem que você seja a escolhida, apesar de não saberem a verdade, elas estão inconformadas que o príncipe esteja preferindo outras. - Meri resolveu falar, me deixando surpresa e feliz por sua ousadia, afinal ela não tinha a mesma intimidade com Anne. Talvez minha amiga estivesse se sentindo mais perto de ser uma dama de companhia a cada dia.
- Eu não pedi por isso.
- Eu sei. Mas também não. - Anne falou. - Imagine como deve ser complicado disputar com você.
- Mas nós não estamos disputando, somos uma dupla. Estamos do mesmo lado! - disse, incrédula.
- Eu sei, mas as pessoas não sabem. Elas estão preferindo você e sabe. Você viu o que ela disse? - Anne apontou para Meri. - As pessoas do castelo estão falando mal do príncipe porque ele não a escolheu ainda. Dá para entender o incômodo dele, não é? Ainda mais depois que você o rejeitou.
- Talvez sim. - engoli em seco, ainda magoada por aquilo. Era sério que se sentia, de certa forma, diminuído por mim? – Mas, mesmo assim, nós conversamos depois que eu disse para ele convidar outra pessoa, ele não parecia mais irritado. Ele disse que não se relacionaria com outra Selecionada depois que eu pedi para ele chamar alguém. Então o único motivo que sobra é meramente seu ego.
- Não sei, talvez seja. Talvez esteja usando sua atitude como desculpa para as dele. Ou talvez, uma situação tenha se somado a outra... veio falar comigo hoje à tarde, contou da conversa de vocês… Mas ele não disse nada sobre algum outro motivo além do ciúmes óbvio.
- Outra justificativa ridícula, ciúmes de quem? Ele que saiu com outra pessoa, não eu.
Anne riu fraco.
- Você tem razão, na verdade, o príncipe ficou mal por você não ter ciúmes. - ela corrigiu. - Mas já conversamos sobre isso e você sabe que foi uma ideia ruim. Além disso, você foi legal com ele. - ela disse, esboçando um sorriso. - Então acho que você percebeu que ele sabe que errou.
- Que escolha eu tinha? - revirei os olhos, mas Anne riu.
- Você gosta dele. - ela tentou.
- Muito menos agora. - brinquei, vendo-a rir enquanto concordava.
- É justo.
- Claro que é! - falei firme, mas contente por aquilo. Anne, apesar de sempre tentar ver o lado de , ainda era minha amiga e concordava comigo ou, no mínimo, entendia meus sentimentos. E eu gostava disso, gostava de ter alguém que entendia melhor do que eu. Gostava de ter alguém que sabia sobre o que o príncipe sentia.
- Você está pronta, senhorita. - Meri interrompeu-nos, me fazendo levantar da cadeira e caminhar até o espelho. Eu já tinha visto o vestido, mas precisava admitir que o decote ficava incrivelmente mais bonito com meu cabelo preso no coque.
O vestido escolhido pelas minhas criadas era mesmo lindo, o azul habitual havia sido trocado por um azul tão claro que beirava o branco, o que deixava minha pele com um tom maravilhoso. Mas o que era mesmo incrível naquela peça de roupa era o corpete com um decote em V com alças finas que seguiam por toda as minhas costas até o início da saia, em minha cintura. Deixando toda a extensão das minhas costas à mostra. A saia leve parecia flutuar enquanto eu caminhava, fazendo os pequenos detalhes brilhantes cintilarem a cada movimento.
- Eu amei! - Anne sorria, quando se levantou para olhar mais de perto meu vestido.
- Você está linda, senhorita. - Meri concordou, olhando as opções de joias que tínhamos à disposição. - Quer usar um colar?
- Eu acho que não precisa. - Anne comentou. - O colar só tiraria atenção do que importa. - ela disse, dando um sorriso bobo. Meri riu.
- A senhorita tem razão. - minha criada disse a Anne, me entregando um lindo par de brincos.
- Obrigada. - aceitei, colocando os brincos antes de admirar mais uma vez meu reflexo. Minha amiga tinha mesmo razão, aquele decote e colo desnudos valorizavam bem meu corpo.
- Você está mesmo incrível, . Vai deixar impressionado. - Anne disse, encarando nosso reflexo no espelho. Ela estava tão bonita quanto eu, com o belo corpo delineado por um vestido vermelho divino, dando um toque sexy ao look. Olhando para nós duas no enorme espelho, eu tinha certeza de que estávamos prontas para a realeza. Estávamos prontas para enfrentar o baile, os convidados, as câmeras e tudo o que uma vida no castelo significava. Ali, éramos apenas eu e ela com vestidos impecáveis e sorrisos implacáveis. Me senti forte, bonita e sedutora. Apesar da cor clara quase angelical do meu vestido, eu sabia que o decote unido às costas desnudas me deixava em outro patamar.
- Nós duas estamos. - sorri, olhando para ela.
- Estamos mesmo. - ela riu, olhando para si mesma no espelho de novo.
- Pronta?
- Pronta! - ela disse empolgada, rindo.
Juntas, sorridentes e conversando animadas sobre nossas roupas, descemos para o Grande Salão. Era possível ouvir a música por praticamente todo o andar inferior, deixando claro que o baile já havia começado. Anne ainda falava animada sobre como se sentia bem com as roupas do castelo quando dois guardas abriram a porta do salão para nós. Entramos admirando tudo. Era impressionante como um baile de última hora podia ficar tão fantástico. Mesmo com pouco tempo, o castelo havia providenciado decoração, garçons, banda e vários convidados. Era surreal.
Aquele baile não perdia nada para o outro, mesmo, pelo que eu sabia, tendo sido programado ainda naquela tarde. Mas eu conseguia entender, afinal grande parte das pessoas do almoço estavam lá, já que eram parte da corte do país. Estava claro a facilidade em comunicar os convidados. A decoração era incrível, mas ao mesmo tempo simples, pois eram peças extraordinárias, mas em relativa pequena quantidade.
Além dos nobres da região, os assessores reais também permaneciam perambulando por ali, com suas famílias, e eu também conseguia, olhando por cima, encontrar as damas da rainha. Era incrível imaginar que todas aquelas pessoas viviam pelo castelo, como parte da corte, seja realmente morando nele ou nas mansões na redondeza. A questão era que havia gente demais ali, suspirei, imaginando todas aquelas pessoas querendo algo de mim e quando fôssemos os soberanos. O que faríamos?
Além das pessoas que eu conseguia reconhecer ou, no mínimo, supor a identidade, havia vários outros convidados, dentre eles fotógrafos, jornalistas e até famosos, os quais eu só seria capaz de identificar se lesse mais revistas. O Grande Salão estava confortavelmente cheio.
Percebi, pouco tempo depois, a família real juntando-se a nós e, quase que imediatamente, Samantha aproximando-se de . Suspirei. Apesar de ter sido sincero comigo sobre o que significava sua relação com Samantha, eu tinha certeza de que ele não havia contado para ela.
Como se tivesse percebido, bem naquele instante Susane me chamou para perto, sorrindo ao me encontrar, fazendo questão de me apresentar diversas das pessoas à sua volta. Muitas das quais eu conhecia apenas pelos estudos de Mariee. Eu gostava daquilo, da sensação tranquila de que Susane me passava ao conversar e me inteirar com os convidados, percebi que ela estava fazendo seu papel de dama de companhia, só que comigo. Ali, soube que, assim que fosse princesa, pediria para Susane me indicar alguém para ser minha dama, alguém como ela, pois, talvez, nenhuma das minhas escolhas até então faria aquilo tão bem quanto a mulher.
Nossa conversa só melhorou quando a rainha Ariele resolveu se unir a nós, fazendo com que grande parte das mulheres do baile ficassem por perto, apenas para apreciar a presença da rainha. Eu estava feliz por finalmente aprender a prestar atenção às coisas à minha volta, começando, por fim, a perceber o que me casar com podia significar. Era evidente os olhares sobre a rainha, os comentários, os sorrisos e a energia que parecia circundar Vossa Majestade. Todos ali estavam contentes apenas por sua presença, por seu leve cumprimento de longe ou sorriso simpático. A rainha era admirada e ainda sim ela estava calma enquanto ria com Susane sobre uma história que a última contava.
A conversa só teve fim quando o rei Jadson pediu licença para levar sua esposa para dançar, o que arrancou sorrisos contentes das damas da rainha, que pareciam conhecer incrivelmente bem o casal. Entretanto, o que realmente fez aquelas mulheres suspirarem foi quando se aproximou de nós, aproveitando a deixa do pai, e me convidou para a pista. Seu sorriso travesso me deu vontade de revirar os olhos quando eu disse sim.
- Você fez de propósito. - comentei baixo, vendo rir enquanto colocava sua mão em minhas costas, começando a me conduzir pela pista. Aquela seria uma dança normal, nada da coreografia que eu e Samantha fizemos com a família real no primeiro baile, provando que aquele baile, na realidade, era uma festa íntima, algo simples, menos formal ou significativo.
- Do que você está falando? - ele se fez de desentendido, me fazendo sorrir com ele.
- Você me convidou ao mesmo tempo que seu pai chamou sua mãe de propósito.
- Está insinuando que eu propositalmente fiz todas as pessoas do baile perceberem que eu faço questão de ter a primeira dança com você? - ele disse, fingindo. - Mas é claro que não. Está muito enganada, senhorita.
- Você é um bobo.
- Bem, ser bobo é muito melhor que babaca, não é?
Aquilo me fez rir.
- Além do mais, tenho certeza de que todos os cavalheiros desse baile vão querer dançar com você, ainda mais usando esse vestido, achei que devia ser o primeiro. - ele sorriu travesso.
- Até parece. - ri.
- Você está maravilhosa, .
- Obrigada. - sorri, deixando me girar no meio da pista, depositando novamente sua mão nas minhas costas desnudas. Eu gostava daquilo, da sua proximidade, do seu toque.
- Como você está? - ele perguntou, claramente contente por eu ter aceitado seu galanteio.
- De verdade?
- Sim.
- Confusa. - respondi, rindo da sua expressão. - Mas muito melhor da dor de cabeça, obrigada pelo remédio.
- De nada. Mas o que você quer dizer com "confusa"?
- O que aconteceu nos últimos dias foi novidade para mim. E eu sei que já conversamos, e eu realmente lhe desculpo, mas eu ainda não sei como me sinto. Então acredito que não há forma melhor de expressar do que com “confusão”. - ri fraco.
- Eu entendo.
- Mesmo?
- Sim. Foi novidade para mim também.
- O quê? Beijar duas mulheres praticamente no mesmo dia? - resolvi brincar.
- Não. Quero dizer, isso também. - ele riu. - Mas estava falando sobre como me senti com tudo isso.
- Pelo menos você sabe como se sente.
Aquilo fez me olhar surpreso, interpretando mal minha fala. Quero dizer, no fundo ele estava certo, eu tive dúvidas sobre meus sentimentos por ele por um instante, mas não deixaria ele saber. Suspirei.
- Não me olhe assim. Você entendeu o que eu quis dizer. Você mentiu para mim. Depois de tudo o que aconteceu… A única coisa que eu sempre lhe pedi foi para ser sincero, . É difícil… - fiz uma pausa, respirando fundo - É difícil não odiar você.
- Eu sei. Sinto muito, . Saiba que eu vou me redimir. - ele garantiu. Sem parecer chateado pela minha resposta. E eu estava grata por aquilo, estava grata por ele me entender e aceitar minhas reclamações, afinal eu estava mesmo me esforçando para simplesmente não ignorá-lo. Ou pelo menos achava que estava. Talvez, no fundo, e não tão no fundo assim, eu simplesmente não quisesse afastar .
Eu e ficamos dançando por mais algumas músicas, vendo a pista de dança lotar. Aquilo era bom. Rodopiar pelo salão com o ritmo da música era algo que eu realmente conseguia apreciar, ainda mais com parecendo se esforçar para me fazer rir. Estava feliz que, apesar de tudo, estávamos tentando voltar ao normal.
- Sinto muito, . Mas agora acho que preciso ir atrás das outras meninas. - ele disse com um sorriso triste.
- Claro. Eu entendo. - lhe retribui, fazendo uma reverência ao príncipe assim que saímos da pista.
Eu estava satisfeita por parar de dançar um pouco, sentia meus pés doloridos dentro do salto. Além disso, queria algo para molhar a garganta já seca, afinal eu havia conversado muito antes da dança. E foi com uma taça de espumante nas mãos que notei que a Selecionada que escolheu para dançar depois de mim foi Anne. Ponto para o príncipe. Aquilo inevitavelmente me arrancou um sorriso.
- Vejo que a primeira dança foi sua. - Samantha soltou de forma pouco alegre parando ao meu lado, olhando, assim como eu, para Anne e que conversavam animados enquanto dançavam.
- Não só a primeira, não é? - resolvi retrucar. Samantha havia sido muito má com Anne no dia em que contou sobre seu beijo com . Então eu realmente não estava com muito humor para ela.
- Você não vai tirá-lo de mim. - Samantha ameaçou, aproximando-se ainda mais. Pelo seu tom baixo eu sabia que ela estava tentando parecer simpática aos olhos das pessoas à nossa volta.
- Não vou mesmo. - disse sorrindo, vendo-a erguer a sobrancelha surpresa. - Afinal, não é de nenhuma de nós, Samantha, lembre-se disso.
Vi os olhos dela escurecerem de raiva, mas antes que Samantha pudesse dizer qualquer coisa, e Aurora se uniram a nós.
- Como estão, senhoritas? - o príncipe mais novo perguntou, olhando para nós um pouco desconfiado. E foi só olhar para Aurora ao seu lado que eu entendi o porquê, a loira olhava para Samantha de forma pouco amigável, como se soubesse tudo o que ela tinha dito segundos antes. Sorri, feliz por minha amiga vir me socorrer.
- Muito bem, príncipe . - Samantha respondeu de forma angelical, fazendo uma discreta reverência ao namorado de Aurora. - Obrigada por perguntar.
olhou com descrença para a atitude da mulher, o que fez Aurora visivelmente segurar o riso e, se eu conhecia bem a mulher, o revirar de olhos. Samantha estava se provando cada vez mais manipuladora, parecendo moldar-se perfeitamente para a situação, independente de qual fosse. Aquela cena me fez pensar em como Samantha era quando estava com . Qual era o comportamento que ela e, pelo jeito ele também, julgava o ideal. Como ela se comportava para fazer o príncipe herdeiro beijá-la?
- E você, senhorita ? - ele perguntou, me fazendo olhar para o homem novamente.
- Bem, obrigada. - sorri.
- Fico contente. - ele sorriu, olhando para mim e Samantha de forma engraçada. A desconfiança dele era óbvia para mim. - E então, estão gostando da festa, senhoritas?
, Aurora, eu e Samantha ficamos conversando de forma cordial por alguns minutos até a última pedir licença para sair, claramente irritada por Lauren ter sido convidada a dançar com antes que ela. Apesar de tentar disfarçar, Samantha deixava muito claro seus sentimentos depois de algumas taças de espumante.
- Meu irmão criou um monstro. - falou, enquanto olhávamos Samantha caminhar até um garçom, pegando mais uma taça e bebendo um longo gole.
- Você não faz ideia. - eu comentei, revirando os olhos.
- O que ela queria com você? - Aurora perguntou.
- Nada demais. Apenas avisar que eu não iria roubar dela.
- Se ela soubesse a verdade… - ria junto com a namorada
- Ela sabe.
- Como? - Aurora foi mais rápida que o namorado.
- Eu disse a ela que não era de ninguém, tornando meio difícil eu roubá-lo dela. - sorri de forma vitoriosa por ter pego os dois, afinal a verdade era exatamente aquela.
- Não sei se eu concordo. - comentou, rindo fraco pelo que eu disse.
- Eu espero que concorde, . Porque se acha que já é da , não devia ter beijado outras garotas por aí. - Aurora disse brava, claramente brincando com o namorado enquanto lhe passava uma lição. Testando-o. - Não concorda?
- Claro que sim! - ele respondeu rápido, rindo. Me fazendo rir também. A sintonia e química dos dois era mesmo admirável.
- Vocês são incríveis. - falei, feliz pela intimidade dos dois não só entre eles, mas comigo. e Aurora eram verdadeiros amigos. - Mas se me dão licença, eu estou faminta.
- Você não vai encontrar nada por aqui. Eu, se fosse você, ia direto para a cozinha. - falou, antes que eu pudesse me afastar.
- Por um acaso, você quer me meter em encrenca, ?
- Claro que não. Pode confiar. Eu já passei por isso, vá por aquela porta ali. O corredor leva direto na cozinha. - ele sorriu, apontando para um canto afastado no salão. Precisei olhar duas vezes para perceber que havia uma porta ali. - A não ser que você aceite algumas torradinhas para saciar sua fome.
- Não mesmo. - falei rindo. Eu estava mesmo com fome, logo meu estômago começaria a fazer barulho, o que seria vergonhoso demais. Repreendi Ícaryo, o qual eu mal tinha visto durante o baile, por ter me feito sair da recepção sem almoçar. Afinal, a fatia de bolo de Elise não era o suficiente para substituir o almoço. - Vou confiar em você.
Resolvi seguir a dica de , caminhando para o canto do salão até uma pequena e bem disfarçada porta. No caminho, precisei parar para algumas fotos, que um dos jornalistas pediu. Depois resolvi disfarçar, conversando com alguns nobres que reconheci do café da manhã, e negando um ou dois convites para a pista de dança, até finalmente conseguir chegar à porta, que parecia realmente parte da parede do Grande Salão, pois mantinha o padrão com os boiseries ornamentados. Provavelmente aquela porta era muito usada quando os eventos continham um buffet, o que, infelizmente, não era o caso do baile.
Olhei em volta, garantindo que ninguém estava mesmo prestando atenção em mim e que o vaso com a vegetação da estação conseguia me cobrir o suficiente, antes de abrir a porta, me arrependendo no instante que o fiz. Do outro lado da porta, no corredor mal iluminado e pouco decorado, encontrei Ícaryo e Natalie se beijando. Tive que piscar algumas vezes para garantir que a imagem era mesmo real, mas infelizmente nada mudou. Ícaryo continuava com seu corpo colado ao de Natalie, enquanto a mesma tinha as costas apoiadas na parede do corredor, entre os braços do homem. Suas mãos passeando apressadas pelo cabelo dele.
- Mas como...? - soltei surpresa, chocada demais com aquilo. Meu cérebro, apesar de ter confirmado o que via, não conseguia processar tudo. Era mesmo verdade? Aquilo não podia ser real, ou podia?
O som das minhas palavras, misturado a música mais alta do baile e a repentina iluminação fez os dois pararem de se beijar e me encararem imediatamente, obviamente assustados ao serem descobertos. Ícaryo me olhou confuso, com a boca borrada de vermelho devido ao batom de Natalie. Conseguia ver em seus olhos a lentidão para entender o que estava acontecendo, demorando um pouco para se afastar da mulher, provavelmente com mais álcool no corpo que deveria. Ao mesmo tempo, Natalie me olhava pálida, certa do que aquilo significava. O desespero espantado em seu rosto, misturado com a vergonha da cena, fazia meu coração bater ainda mais forte. Como ela pôde?
- , eu… - ela tentou, mas não havia o que dizer. Como ela explicaria aquilo?
- Me desculpe, eu não deveria ter vindo aqui. - falei rápido, querendo apagar a imagem de seus corpos colados contra a parede, ou pior, colados um no outro. Fechei a porta com uma rapidez incrível, antes mesmo que qualquer um dos dois pudesse protestar sentindo minhas mãos levemente suadas e minha respiração pesada. O que Natalie havia feito?
Encostei-me na parede lateral à porta, com o coração fora do compasso, tentando controlar minha respiração. Natalie e Ícaryo poderiam ser mortos. Aquilo era uma traição ao país, estava claro no regulamento da Seleção. Fiquei aliviada ao correr os olhos pelo salão e ver que e Aurora estavam ocupados demais conversando com uma das damas da rainha para prestar atenção em mim, afinal eles eram os únicos que sabiam que eu estava ali. Respirei fundo. Depois procurei pelos fotógrafos e garanti que nenhum deles estava por perto com sua câmera, nem mesmo o que havia tirado fotos minha alguns minutos antes. Estava tudo bem, ninguém havia visto. Continuei correndo os olhos pelas pessoas, tentando captar qualquer movimento que demonstrasse mais interesse que o normal, inclusive, dos poucos guardas que por ali faziam sua ronda. Suspirei, colocando a mão no peito, tentando desacelerar as batidas mais um pouco.
Eu estava pronta para sumir entre a multidão e esquecer completamente o que eu havia visto naquele corredor, quando percebi dois olhos em minha direção. caminhava até mim com uma expressão preocupada e confusa, claramente tentando entender o que eu estava fazendo ali. Pela sua expressão, ele até tinha me visto abrir ou fechar a porta. Suspirei. Por que não me contentei com alguns aperitivos?
Eu sabia que não conseguia esconder meu espanto, o que Natalie e Ícaryo haviam feito era digno de pena de morte. Além de que, obviamente, aquilo não podia ser ignorado tão facilmente, Ícaryo havia passado totalmente dos limites, ele não estava mais insinuando coisas, estava fazendo. Mesmo assim sorri sem jeito para , vendo-o se aproximar, como se tentasse falar que estava tudo bem, eu até já pensava em alguma desculpa para dar ao príncipe, mas tudo desmoronou quando Natalie e Ícaryo resolveram ir atrás de mim, ambos saíram do corredor apressados, com uma expressão que entregava o que havia acontecido. Mas pelo menos o homem havia limpado o batom da boca e Natalie arrumado seu penteado.
- , eu… - Natalie começou, mas calou-se assim que percebeu que eu encarava , que vinha até nós, agora com uma expressão bem menos confusa no rosto e passos mais apressados. Ele sabia. tinha razão, conhecia muito bem as intenções de Ícaryo, porque em vez de surpreso, ele caminhava até nós irritado. - , por favor… - Natalie implorou baixinho, incapaz de terminar, pois já estava perto o suficiente para ouvir.
- O que está acontecendo aqui? - usava seu tom autoritário para falar conosco, nos alcançando em poucos passos. Suspirei, dessa vez eu nem podia reclamar de seu jeito, podia?
- Nada. - Ícaryo respondeu rápido, mas sua pose superior provocativa havia sumido, dava para ver que ele estava nervoso.
- Não perguntei para você. - respondeu grosso, lançado um olhar ameaçador para o homem que o fez se retrair um pouco, sem se importar em parecer educado, depois virou-se, olhando para mim. Ele queria que eu respondesse. - ?
Olhei de para Natalie, que ao contrário do príncipe, não tinha sequer coragem de me olhar nos olhos, ela fitava o chão como se pudesse abrir um buraco embaixo dos seus pés e sumir ali. Suspirei. Depois olhei para Ícaryo, que pelo menos parecia arrependido de ter sido pego, mas eu sabia, pelo pouco que eu conhecia o homem, que ele não estava realmente arrependido do beijo, apenas de ter sido flagrado. Respirei fundo mais uma vez, tentando decidir o que seria melhor fazer. Olhei novamente para o príncipe, sabendo que ele aguardava, o mais paciente que podia, alguma resposta minha, ou melhor, uma confissão óbvia do que ele sabia que eu tinha presenciado.
- Eu acho que aqui não é o lugar ideal para conversarmos. - comentei, sabendo que agora que estava conosco, alguns olhos estavam em nossa direção.
pareceu surpreso por eu simplesmente não falar tudo o que havia acontecido, ele estava pronto para eu simplesmente soltar ao mundo: “Ícaryo beijou Natalie”, mas eu não faria aquilo. Depois da inicial surpresa, o príncipe pareceu perceber que eu estava certa. Não importava o que eu fosse falar, ali não era o lugar ideal.
- Vamos lá para fora. Os três. - ele disse por fim, parecendo se esforçar para manter a pose séria e superior. Eu sinceramente não gostava dela.
Concordamos e em silêncio caminhamos os quatro em direção a saída. me ofereceu o braço, enquanto andávamos com Natalie e Ícaryo a nossa frente, sem coragem sequer de se olharem.
- Alteza, uma foto? - um dos fotógrafos nos parou, mas gentilmente recusou o flash, o que deixou o homem decepcionado, mas com apenas um elogio para minha roupa, ele nos deixou seguir.
- Eu falei que você estava maravilhosa. - ele falou baixo, em meu ouvido, mas seu rosto não havia suavizado nem um pouco. Eu apenas assenti, incapaz de tirar a cena que eu havia visto da mente, será que eu estava tomando a decisão certa?
Natalie, Ícaryo, e eu saímos pela porta principal do Grande Salão, a qual foi aberta e fechada logo depois por dois guardas. Assim que nos vimos sozinhos no corredor, soltou meu braço e olhou para mim, enquanto Ícaryo e Natalie achavam algo interessante para olhar no chão, à espera de algum testemunho. Eu não conseguia imaginar o que se passava na mente deles, mas só a ideia do que aconteceria se eu falasse a verdade fazia todo meu corpo tremer.
- Poderíamos falar a sós, Alteza? - tentei, sabendo que podia me arrepender. Natalie parou de fitar o chão para me olhar assustada, sem entender a minha atitude. Ícaryo me olhou surpreso, mas ao mesmo tempo parecia entender que eu tentaria mudar seu destino. Ali quase desisti, aquele homem não merecia minha ajuda. Mas ao olhar para , que me encarava não apenas surpreso, mas até um pouco irritado, eu soube que era a melhor decisão. era um homem gentil, mas ainda era o príncipe herdeiro e isso significava não só dever, como responsabilidades, principalmente com a lei. - Por favor.
respirou fundo, não uma, mas duas vezes.
- Ícaryo e Natalie para seus aposentos. Nenhum dos dois tem permissão de sair. Devo encontrá-los em alguns minutos. - ele disse sério, cedendo ao meu pedido. - E não vamos fingir que eu não sei o que aconteceu.
Natalie e Ícaryo concordaram e saíram apressados da frente do príncipe, antes que ele mandasse prendê-los imediatamente. Algo que eu sabia que faria se eu falasse a verdade. Respirei fundo, esperando que ele não ficasse bravo comigo, no final.
- Podemos ir lá fora? - pedi.
assentiu, mas não disse nada enquanto colocava a mão em minhas costas e me conduzia para fora do castelo. Ali ele não estava sendo gentil, como antes, ele estava apenas me conduzindo, talvez de forma levemente protetora, para fora do castelo. A sensação da sua mão em minhas costas enquanto caminhávamos pelo jardim, era completamente diferente da sensação enquanto dançamos.
- O que aconteceu? Por que você não disse nada? Você precisa me contar o que viu, . - ele finalmente disse, ainda irritado, quando me conduziu para um banco bem escondido no jardim. Ali ninguém podia nos ver ou nos ouvir, nem mesmo os guardas parados de sentinela na porta, ou as pessoas curiosas nas janelas, caso houvesse alguma. Respirei fundo, fechando os olhos ao sentir o vento da noite de Ynter. Meu vestido era mesmo lindo, mas ali claramente não era o mais apropriado.
- Você sabe o que eu vi. - falei triste, olhando para ele que ainda estava de pé.
- Você precisa testemunhar. Não entendi por que você não o fez, inclusive.
- Eu vou, se você me pedir. - falei baixo, tentando manter a calma. Afinal era de Natalie que estávamos falando, ela era minha amiga. Talvez não a minha melhor amiga, mas uma amiga. E a traição que ela cometeu... O resultado era horrível. - Mas não acho que seja a escolha mais sábia.
- Como?
- Acho que você só sairá prejudicado se admitir o que aconteceu. - falei baixo. - E ninguém mais viu.
- Não estou entendendo, . - ele finalmente sentou ao meu lado, a curiosidade superando a irritação.
- Se você assumir o que aconteceu, afetará a relação de seus pais com os amigos, deixará Ícaryo envergonhá-lo de qualquer maneira e ainda terá que machucar Natalie, uma Selecionada. Além de que pode afetar sua relação com Ílea, pois Natalie é de grande ajuda nessa parte e Ícaryo é cidadão de lá, não é? E você precisa deles para a guerra.
- Eu não posso ignorar isso, .
- Não quero que ignore. Acho que você deve chamar sua família e expulsar Ícaryo imediatamente. Bani-lo da corte, se quiser.
- Mas com que pretexto?
- Ter dito para mim que tinha certeza de que você não me escolheria e que eu deveria morar com ele em Ílea, pois além dele não ignorar os números, como você está fazendo, ele veio aqui para seguir a tradição do pai.
- Como é?
- Em outra situação ele poderia dizer que eu interpretei mal, se é que isso é possível. Mas nesse caso eu duvido muito, além do mais, você pode falar o que ele fez com Natalie para todos eles, não é? A família de Ícaryo ficará grata por ele ser apenas expulso. Já imaginou como os amigos de seu pai ficariam com os castigos de traição dados ao filho?
- Por que você não me contou que ele te convidou para ir à Ílea com ele? - disse, ignorando todo o resto por um instante.
- Não queria fazer cena na sua recepção. Depois não contei simplesmente porque você achou que eu estava defendendo-o em vez de você. - revirei os olhos. Aquilo fez concordar e rir levemente, parecendo um pouco menos irritado.
- Acho que ninguém recebeu tantos pedidos de casamento na vida. - ele brincou.
- Eu nunca recebi um pedido de casamento, . - respondi, encarando-o. Eu sabia o que ele queria dizer, afinal Ícaryo e o Chefe tinham insinuado algo e ele tinha combinado isso com Serena, mas ninguém nunca me perguntou. Minhas palavras fizeram pensar.
- Você tem razão. - ele admitiu, um pouco triste.
- Sobre tudo? - perguntei esperançosa.
- Não sei. E Natalie?
- Acho que você deve ser sincero com ela, repreendê-la. Até colocá-la em supervisão. E então, se for do seu interesse, eliminá-la depois do Juramento à Bandeira. Eu sei que você ia ficar com ela por causa dos benefícios políticos, mas sair junto com as outras é muito melhor do que ser expulsa sozinha sem explicação. Ou ainda, ser castigada em praça pública.
- Você está certa, . Mas não é certo ignorar algo assim. Pode abrir precedentes.
- Ignorar o que?
- Uma Selecionada beijando outro cara. - ele disse revoltado, o que fez meu coração dar um salto ao lembrar de Drew.
- É sério que você está ofendido assim?
- Não. Mas é a lei.
- Mas você não tem provas.
- Você viu!
- Mas eu poderia ter lhe dito que não.
parou para pensar. Ele me encarava surpreso enquanto pensava. E eu conseguia entender. Aquilo era um teste para nós. Estávamos decidindo juntos algo político, algo importante. Exatamente como deveríamos fazer como reis. Eu acreditava que aquilo ditaria como eu e seríamos como casal.
- Você está certa. - ele disse por fim, me fazendo sorrir, mesmo que discretamente. - Mas preciso confirmar com minha família antes. Eu falarei a verdade para eles sobre Ícaryo, então acho justo que eles opinem sobre tudo.
- Acho uma boa ideia. Além disso, para o que você precisar, estarei aqui. - falei, ficando de pé, achando que ele iria atrás dos pais imediatamente. - Mas testemunhar é a última coisa que quero fazer. - admiti, com um sorriso triste.
- Vou levar isso em consideração. - ele garantiu.
- Obrigada. - falei, já virando-me para voltar ao castelo.
- , espere. - o príncipe pediu, segurando minha mão. - Eu quero lhe dar uma coisa.
- Me dar? - perguntei, na dúvida se havia entendido certo, mas assentiu.
- Hoje mais cedo na recepção, quando você me encontrou na escada, eu menti. Não fui buscar o papel, fui buscar isso. - e então tirou uma pequena caixinha de veludo do bolso. Uma caixinha de joia. - Estava criando coragem para lhe dar.
- Mas o quê…?
- Não é uma aliança. - ele apressou-se em dizer. - Mas é um anel.
Estranhei aquilo, a caixinha preta em sua mão, estendida para mim enquanto ele permanecia sentado, na expectativa de eu pegar o objeto. Eu sabia que estávamos mesmo escondidos ali, sabia que o único lugar que permitia uma visão mais clara de nós, era do jardim da rainha, o qual se encontrava completamente vazio àquela hora da noite, mas ainda me vi olhando em volta com medo de sermos vistos. O que aconteceria se alguém visse aquela cena? Mesmo que esse alguém fosse apenas um guarda, que fofocasse a cena pelo castelo até alguém interpretar aquilo como me escolhendo? Ou se algum espião sulista visse tudo, interpretando errado e me obrigando a me casar com imediatamente? Qualquer uma das ideias me assombrava, mas eu sabia que não podia recusar, que ignorar a caixinha estendida em minha direção significaria mais para que um simples “não aqui, não agora”. Então peguei a caixinha, curiosa com o anel que encontraria ali dentro.
- É um aparador. - ele disse, rindo pelo termo usado, claramente aliviado por eu aceitar seu presente. - É para você usar junto com o anel sulista e, toda vez que olhar, se lembrar que eu estou com você. Para protegê-la.
Peguei o anel na caixinha de admirada, o anel era lindo. Apesar de bem fininho, ele tinha pequenos cristais em toda a sua circunferência. Eu conhecia aquele tipo de anel, além de lindo era bem confortável de usar. Coloquei no meu dedo, vendo sorrir com a cena.
- É incrível. - eu disse, olhando para o anel em meu dedo e depois para o príncipe. - Obrigada.
- Desculpe ter demorado tanto para entregar. - ele disse, piscando um dos olhos.
- Não se preocupe. - sorri.
- Uma dúvida, .
- Sim?
- Por que você foi até aquela porta? - Eu tive que rir.
- Porque estava atrás de comida. Não almocei e não deu tempo de comer muita coisa antes de vir para o baile.
- É sério?
- Sim, Alteza. Demora muito mais para fazer cabelo e maquiagem do que apenas colocar um terno. - provoquei.
- Mas vale a pena. - ele retribuiu, sorrindo de forma travessa.
- Obrigada. - falei, sentindo meu rosto esquentar apesar do frio. Anne tinha razão, esse vestido tinha sua magia.
- É apenas a verdade. - ele sorriu. - Já que está com fome, . Vou deixá-la livre para ir aos seus aposentos ou ir direto para a cozinha, se quiser. Eu gostaria de lhe acompanhar, mas preciso ir atrás de meus pais agora.
Fiquei extremamente grata por não precisar voltar para aquela sala movimentada, afinal a imagem de Ícaryo e Natalie grudados um no outro ainda assombrava meus pensamentos, principalmente porque logo depois eu me lembrava dos lábios de Drew colados nos meus.
Me despedi de no pé da escada, vendo-o entrar nas portas do Grande Salão, enquanto eu subia as escadas em direção aos meus aposentos. Preferi chamar uma das garotas do que aparecer na cozinha, já tinha tido experiências ruins demais tentando chegar lá. Mas percebi depois que a ideia foi péssima.
Cheguei em meus aposentos encontrando a porta aberta e um soldado dentro dele.
- Está tudo bem aqui? - perguntei atônita com a cena. O soldado estava literalmente escrevendo um bilhete na minha mesa.
- Nossa, você foi rápida. - ele comentou, parecendo um pouco surpreso com minha presença.
- Rápida? Do que você está falando?
- Você recebeu um bilhete para vir aqui, não?
- Claro que não! O que está acontecendo aqui, soldado?
Então o homem riu. Parecendo entender o que estava acontecendo.
- Eu não sou um soldado. Sou um rebelde sulista, me respeite, mulher. Agora vamos, o Chefe está lhe esperando.
- Quê? - apesar da confusão, logo depois minha mente entendeu e processou tudo. Alguém teria me encontrado no baile e me dito para ir até meus aposentos encontrar um rebelde sulista se eu não tivesse ido ao jardim com o príncipe, e mais, se eu não tivesse subido por livre e espontânea vontade. - Você não acha que eu vou para a floresta agora, não é?
- Não, obviamente não. Mas vamos. Assim ganhamos alguns minutos.
- Vão sentir minha falta. - tentei.
- Não vão. Escrevi um texto para você. - ele sorriu, mostrando o papel que estava em cima da minha mesa. - Agora, vamos.
- Espere, eu vim aqui porque precisava trocar de brincos, não irei embora sem fazê-lo. - falei, soando a mulher superficial que eu sabia que ele já achava que eu era, caminhando rapidamente até minha caixa de joias atrás do anel enviado pelo Chefe. Junto dele, peguei um par de brincos qualquer, trocando-o sem nenhum esforço. Após a troca e com o anel dos sulistas no dedo, aceitei, sem escolha, caminhar com o soldado pelos corredores, até que percebi que ele estava me levando por um caminho que eu não conhecia.
- Onde estamos indo?
- O castelo tem várias saídas. Estou lhe levando para a garagem. - ele explicou.
- Para a garagem? O Chefe está na garagem?
Aquilo fez o homem rir de forma pouco amigável. Suspirei.
- Não, ele está lá fora. Agora chega de perguntas.
O tom de voz do homem me fez ficar em silêncio, mas assim que chegamos à garagem eu percebi que estava completamente encrencada. Havia vários veículos estacionados ali, desde carros e caminhões, até um ônibus. Mas o único que tinha a luz acesa e um motorista esperando, era o caminhão de verduras.
- Entre aqui e fique quieta. - o sulista me indicou a caçamba do caminhão de verduras, me ajudando a entrar ali. Estava claro que ele odiava a ideia de me ajudar, até de tocar em mim, mas ele sabia que eu não seria capaz de subir em um caminhão com um vestido de baile.
Após garantir que eu estava em pé, ele se despediu, fechando a caçamba e me trancando no espaço escuro. Senti o gelo da parede metálica em minhas costas nuas quando me apoiei ali, respirando fundo algumas vezes. Tentando ficar calma. Os sulistas estavam me levando para fora do castelo. Será que eu estava sendo sequestrada?
Respirei fundo mais uma vez. Eu precisava manter a calma. Apesar de estar sozinha na caçamba de um caminhão escuro, estava tudo bem. Eu não podia surtar ou brigar. Estava tudo bem. Eles confiavam em mim. Aquilo era algo que eu queria, afinal eu era uma sulista. Repeti a frase mentalmente várias vezes, até que senti o motor do caminhão ligar.
Andamos devagar por um curto tempo, me obrigando a me segurar nas paredes metalizadas até que o caminhão parasse. Involuntariamente tranquei a respiração.
- A rainha pediu coisas frescas para o café da manhã de amanhã. Parece que teremos mais gente. Dá para acreditar? - escutei a voz entrecortada pela caixa metalizada vindo lá de fora, sabia que o motorista estava conversando com alguém, que depois percebi ser o guarda responsável por abrir o portão. Ouvi algumas risadas e uma resposta que fui incapaz de entender, antes de começarmos a andar novamente. Respirei aliviada. Entretanto, alguns minutos de estrada depois, percebi que talvez fosse melhor ter sido descoberta.
Eu estava literalmente apoiada em uma das paredes do caminhão quando o motor foi desligado e a porta da cabine foi aberta, sendo fechada logo depois com um baque. Arrumei a postura, ficando feliz por poder ficar em pé sem problemas. Meus olhos arderam com a luz assim que a caçamba foi aberta, havíamos chegado em algum lugar.
- Tudo certo, princesa? - o motorista perguntou, rindo da própria piada. Me segurei para não revirar os olhos.
- Não! Vocês estão malucos me tirando do castelo uma hora dessas. - falei grosseira, já aceitando a ajuda para descer do caminhão. Afinal, eu ainda era um deles.
- Você sai para ver os nortistas, não é? Estamos usando a mesma estratégia.
- Sim, mas pelo menos é dia. - resmunguei.
Percebi que estávamos mesmo estacionados na quitanda quando me deparei com a enorme logo pintada na parede, o que me fez olhar confusa para o homem ao meu lado. Afinal, estávamos mesmo atrás de comida?
- Ele está lá em cima. - o sulista indicou, me mostrando uma escada que eu nem havia notado ali.
- Só que me faltava. - resmunguei, sabendo que deveria agir daquela forma, e então segui escada acima com o motorista atrás de mim. Precisei segurar o vestido longo com as duas mãos para subir aquele espaço estreito e sem corrimão com segurança. Naquela hora me arrependi da roupa usada, ali, o decote e as costas à mostra eram algo totalmente inadequado. Suspirei.
Os sulistas estavam alojados em um apartamento enorme, localizado em cima da quitanda, que logo supus ser do dono da mesma. Antes de eu chegar ao topo da escada, consegui escutar várias pessoas enchendo o caminhão com caixas que eu imaginei estarem cheias de verduras. Certo, pelo menos eles eram cuidadosos.
- Pode abrir. - o sulista falou, me fazendo abrir a porta destrancada no topo da escada, me dando uma visão completa da sala do apartamento que além de grande era muito confortável. Eu conseguiria até apreciar a decoração se o lugar não estivesse cheio. Havia quase 20 homens ali, distribuídos por todo o cômodo como se estivessem em uma reunião, como se nenhum deles imaginasse que eu fosse aparecer. O Chefe estava sentado em um grande sofá, junto com mais dois homens, enquanto outros dois ocupavam as cadeiras laterais. Na cozinha havia mais cerca de cinco homens, enquanto o restante estava em pé distribuído pelo local, todos parecendo envolvidos em algum assunto interessante.
- , que bom que você veio. - o Chefe ficou de pé, parecendo a deixa para os demais saírem pela porta que eu imaginava levar para o restante da residência. Em segundos, eu e o Chefe éramos os únicos na sala. Respirei fundo. Já havia ficado sozinha com ele antes, inclusive eu mesma havia solicitado o encontro. Não tinha por que ser diferente.
- Eu tinha opção? - perguntei ríspida, mas estendendo minha mão para cumprimentar o homem. O qual a beijou. Pisquei algumas vezes, na dúvida se aquilo estava mesmo acontecendo.
- Não tinha. - ele riu fraco, pouco se importando com minha atitude grosseira. - Sinto muito pela correria, mas ouvi dizer que vocês terão mais convidados logo. E, sinceramente, o baile ajudou muito. - ele sorriu, me indicando sentar no sofá enquanto fazia o mesmo. Concordei, ficando o mais longe do homem que o móvel permitia. - Você está magnífica por sinal.
Me segurei muito para não revirar os olhos, enojada. Me contentando a dar um sorriso amarelo. Eu sentia minha pele exposta queimar, como se cada parte minha estivesse sendo observada. O que realmente estava, já que, ao contrário dos nobres, homens como o Chefe não tinham a decência de segurar os olhos, mas estava grata se ele fosse capaz de segurar as mãos.
- Sim. O castelo vai lotar logo. - falei, ignorando qualquer elogio que pudesse existir.
- Por isso lhe chamei hoje. - ele sorriu, parecendo não notar. - Percebi que gostou do anel. - ele disse, me fazendo automaticamente olhar para o brilhante em meu dedo, o qual, no momento, estava acompanhado pelo anel de . Suspirei.
- Nenhuma mulher recusa uma joia. - disse óbvia. - Mas acho que você está perdendo a cabeça. E se alguém desconfiar? Por um acaso você está querendo me matar?
- É claro que não, . - ele riu. - Como eu disse, é apenas um símbolo da nossa união. - ele deu um sorriso de lado, como se gostasse da dupla interpretação de suas palavras. O príncipe tinha razão, o Chefe estava mesmo querendo que eu lhe interpretasse mal. Aquilo me fez pensar em falando com sua família e como eu estava perdida por ter recebido uma dispensa do baile. Respirei fundo. De que adiantava um rastreador se ninguém estava me procurando? - Gostaria de uma taça de vinho?
- Na verdade não. Eu gostaria de voltar em segurança para meus aposentos. Ficar fora do castelo, ainda mais de noite, não é aconselhável.
- Você está segura comigo.
Ri irônica, quase amarga. Aquela risada pelo menos não foi fingida.
- Você só pode estar brincando. Segura?
- , você precisa confiar em mim. Se vamos nos casar, temos que realmente confiar um no outro. Não acha? Se vamos trabalhar juntos e comandar os sulistas precisamos nos entender. - aquilo me fez piscar algumas vezes confusa. Que pose era aquela? Quem era aquele homem à minha frente?
Olhei para o Chefe de forma mais atenta, na claridade da sala, com o banho e a barba feita, o Chefe parecia um homem completamente diferente do bárbaro que havia me feito jurar com meu sangue em uma fogueira. Na realidade, se eu o encontrasse nas ruas da minha Província eu diria que ele era bem normal, apresentável e até um pouco bonito. Não que eu pudesse sequer o achar agradável, conhecendo suas crenças e atitudes, mas eu percebi que ele parecia mais humano.
- Você ameaçou meu amigo. - eu disse, na defensiva. - Jamais me entenderei com atitudes assim.
- Mas o libertei, não foi?
- Você matou Mariee.
- Mas foi por um bem maior. Por favor, ... Me dê um crédito. Eu já machuquei você? Te coloquei em risco?
- Está me colocando em risco agora, me expondo dessa maneira.
- Já disse que está segura, precisa confiar em mim.
- Não ameaçar me matar não gera confiança. Acredito que estamos do mesmo lado, mas você já me enganou uma vez. Não pense que com joias e um banho você me fará mais sua amiga.
Ele riu, parecendo não só achar graça das minhas palavras, mas gostar delas.
- Eu sabia que aqui era melhor que na floresta. - ele respirou fundo. - Certo, vamos fazer assim então: temos mais alguns minutos antes do caminhão sair. Aceite uma taça de vinho e prometo responder qualquer pergunta sua.
- Não quero vinho. - comentei, arrumando a postura, indicando que para a conversa eu estava disposta. Havia muita coisa que eu gostaria de saber sobre o Chefe e os sulistas.
O Chefe sorriu, me pedindo para esperar enquanto se dirigia a cozinha, servindo rapidamente duas taças de vinho branco. Se eu não imaginasse que ele havia invadido o lugar, diria que aquela era sua casa há anos. Quando o homem voltou, entregou-me a taça, a qual aceitei certa de que iria bebê-la, jamais.
- Então, o que você quer saber?
- Como vocês vieram parar aqui?
- Ameaçamos o dono da quitanda. - ele deu de ombros, como se fosse algo simples. - Acho que teremos que sair amanhã.
- Ótimo. Me sinto muito melhor agora. - falei, revirando os olhos, irônica. Se ele queria me agradar, aproximar ou me tornar uma aliada mais forte, estava errando feio.
- Confiança requer sinceridade. Lamento que não goste da verdade.
- Você tem razão. Eu não gosto.
- Próxima pergunta? - ele me encarava enquanto bebia um longo gole de sua taça.
- Como vocês entraram no castelo na última vez?
- Seu amigo não lhe contou?
- Não perguntei a ele.
O Chefe sorriu. Como se tivesse certeza de que minha relação com Drew tivesse simplesmente desmoronado. Queria que ele estivesse errado, mas mesmo depois do encontro com meu amigo no abrigo, eu não tinha tanta certeza.
- Fizemos uma abertura em um canto do muro, que fica muito coberto pelas árvores. A família real não consegue cuidar de toda a floresta, ainda mais com o pessoal reduzido.
- Entendi. E então vocês carregaram todos aqueles móveis?
- Sim. Apesar de estarmos acampados em poucos homens, somos um exército considerável, .
- Considerável?
- Sim.
- Quantos homens?
- Difícil dizer. - ele respondeu, mas eu tinha certeza que ele sabia exatamente quantos homens comandava. - Você não vai beber?
- Não. Eu falei que eu não queria.
- É seguro. Não quero matar você. - ele disse, pegando a taça da minha mão. - Veja. - E então ele tomou um longo gole da minha taça, me entregando-a novamente. - Agora não faça desfeita e beba.
Respirei fundo. E molhei os lábios. Não podia irritá-lo, podia?
- Obrigado. - ele disse contente. - E então? Está nervosa para o Juramento à Bandeira?
Então ele sabia.
- Um pouco. Não gosto muito de tanta atenção.
- Então os últimos dias devem ter sido difíceis para você. - ele disse, fazendo graça.
- Matérias de revistas não são a mesma coisa. - dei de ombros. - Você fará algo no Juramento à Bandeira?
- Eu queria, mas acho difícil... Muitas pessoas.
- Certo. E como pretende fazer o príncipe me escolher?
O Chefe se remexeu no sofá.
- Lamento dizer que já está na hora de ir, minha querida. - ele se levantou, me estendendo a mão para me ajudar a segui-lo. Eu estava tremendo. Minha querida?
- Eu não sou sua querida. - respondi, levantando-me sem ajuda. - Não confunda nosso combinado com algo a mais, Chefe.
Ele riu fraco.
- Desculpe. - aquilo me fez encará-lo surpresa. Ele estava mesmo me pedindo desculpas? - Agora você precisa ir. Tenha bons sonhos.
Olhei para ele abismada.
- Você não respondeu todas as minhas perguntas.
- Quais delas, minha querida?
- Quantos homens?
- Acho que estamos perto dos mil.
Engasguei-me.
- E como pretende fazer o príncipe me escolher?
- Eu darei um jeito, pode confiar.
- Eu tenho mais uma pergunta antes de ir. - falei, vendo-o caminhar em direção a porta.
- E qual seria? - ele estava mesmo sendo gentil.
- Por que você me chamou aqui?
Ele riu.
- Queria saber o que tinha achado do anel. E queria dizer que infelizmente não nos veremos mais até o Juramento à Bandeira acabar. Mas não se preocupe, acharei um jeito de manter o contato. - ele sorriu. - Além disso, não podia perder a chance de vê-la nesse vestido pessoalmente.
- E precisava me tirar do castelo no meio da noite por isso? - fiz a pergunta de forma retórica, já voltando-me em direção a saída, passando por ele e ignorando qualquer elogio como se não tivesse ouvido.
- Boa noite, minha querida.
- Boa noite, Chefe. - falei, passando pela porta sem olhar para ele.
- ?
- Sim? - falei, virando-me para ele já pronta para descer a escada.
- Pode me chamar de Antony.
Como é? O que ele disse?
Estava tão confusa que preferi não responder, virando-me e descendo os degraus sem prestar qualquer atenção à minha volta. Minha querida? Antony? Esse era o nome dele, então? O que tudo aquilo significava? Será que o Chefe estava mesmo nutrindo sentimentos por mim? Sentia minha cabeça girar com tudo aquilo. Nada fazia sentido. Nada.
Voltamos pelo mesmo caminho, com a única diferença sendo o caminhão agora cheio. O que facilitou para eu me segurar enquanto andávamos pelas ruas da Capital. Escutei quando passamos novamente pelos portões do castelo e então paramos.
- Vamos, não podemos descer na cozinha. - o mesmo soldado de antes, o qual não me seguiu até o encontro com o Chefe, falou, abrindo a caçamba do caminhão para mim. Ainda estávamos do lado de fora do castelo, em uma parte que eu não conhecia. Desci do caminhão apressada, quase caindo, mesmo com a ajuda do homem. - Por aqui. - ele me puxou até a garagem, claramente com pressa, me instruindo a entrar no mesmo corredor que usamos na hora de sair. - Você vai sozinha agora. Se te encontrarem no corredor, diga apenas que estava com fome. - ele disse, parecendo se despedir. Concordei, ainda meio chocada com o encontro, percebendo que toda a fome que eu tinha havia sumido.
Saí dos corredores dos criados sem qualquer problema, e decidi seguir até meus aposentos. Poderia falar sobre isso com amanhã. Explicaria o que aconteceu depois de uma boa noite de sono. Afinal, ele não esperava mesmo que eu fosse voltar ao baile. E a verdade é que eu não estava com cabeça para conversar sobre aquilo. Afinal eu não entendia nem o que aquilo significava.
Eu tentava repassar o encontro todo de novo, procurando algum sinal de que Serena estava certa. Será que eu estava subestimando o Chefe? Será que ele estava mesmo nutrindo sentimentos por mim? Não. Ele estava jogando comigo. O líder dos sulistas tinha planos e precisava de mim para torná-los reais, e ele, ingenuamente, achava que com bajulação, um banho e certos elogios, me ganharia.
Abri a porta do meu quarto me sentindo ainda trêmula. O que não melhorou quando, para minha surpresa, encontrei o quarto cheio. Meri, Elise e Cleo estavam sentadas na mesa, com um copo de água cada, parecendo preocupadas.
- Meninas? - perguntei, aproximando-me após fechar a porta.
- Senhorita , você está bem? - elas se levantaram juntas, claramente felizes e surpresas por eu ter aparecido, ignorando toda a etiqueta e caminhando até mim para uma rápida avaliação. - Estávamos tão preocupadas! Onde você estava?
Mas antes que eu pudesse respondê-las, a porta abriu de forma brusca, chamando nossa atenção.
- ? Você está bem? - tinha a respiração um pouco pesada, como se tivesse corrido até ali. Além da expressão preocupada e os olhos atentos, como se tentasse entender tudo apenas me encarando.
- Sim. Eu estou bem. - menti. A verdade é que mesmo com a distração daquelas pessoas em meus aposentos, eu ainda sentia-me trêmula. Além do frio da noite, não conseguia esquecer o sorriso e os galanteios do Chefe. Mas ao invés de protestar, o príncipe simplesmente adentrou o quarto e me abraçou. Sem qualquer cerimônia. Sem qualquer aviso. Ele apenas deu alguns passos em minha direção e me prendeu entre seus braços.
- Eu fiquei tão preocupado. Você está tão gelada. - ele disse, soltando-me o suficiente apenas para colocar as duas mãos em volta do meu rosto e me encarar. Por um segundo achei que ele ia me beijar. estava próximo demais, com as mãos fazendo um discreto carinho em minhas bochechas, enquanto encarava fixamente meus lábios. Mas então lembrou-se de onde estava, da plateia que nos encarava e se recompôs. - Senhoritas, podem pegar um chá para nós?
O príncipe soltou meu rosto, me fazendo relutar internamente, antes de pegar minha mão e me indicar a cama. Eu deveria sentar ali. Suspirei. não estava facilitando as coisas, não sabia dizer se minhas mãos tremiam pelo frio, pelo Chefe, ou por ele ter ficado tão perto.
- Sim, Alteza. - e logo as três sumiram de vista. Parecendo incrivelmente aliviadas.
- O que aconteceu? O que você foi fazer fora dos muros?
- Como você sabe? - e então eu lembrei do rastreador. - Digo, como você percebeu que eu saí do castelo?
- Vim aqui lhe avisar sobre Natalie e então encontrei o quarto vazio. Com um bilhete dizendo que você estava na enfermaria. Procurei lá, depois pela cozinha, no fim, falei com suas criadas... Ninguém fazia ideia de onde você estava, então fui até o rastreador. Imagine a minha surpresa ao descobrir que você está saindo da quitanda, depois perdemos o sinal, estávamos indo atrás de você quando apareceu aqui.
Assenti.
- E então? O que aconteceu?
- Os sulistas apareceram, eu tentei não ir, ninguém tinha avisado nada. Mas... Não tive muita escolha. - lamentei, sentando-me derrotada na cama. Voltando à realidade do que havia acabado de acontecer.
- Presumi que fosse. Apesar de torcer para o rastreador estar com defeito. - ele disse lamentando. - Por que eles vieram sem avisar antes? Achei que mandavam cartas.
- Eles mandavam. Pelo menos enquanto Drew estava lá. Agora um homem vestido de soldado simplesmente apareceu. O Chefe disse que o baile ajudou muito, então deve ter sido uma ideia de última hora… - respirei fundo. - Ele disse que haviam mandado alguém atrás de mim no baile, mas eu meio que apareci aqui sem ninguém pedir. - falei, vendo o príncipe assentir. - Então ele me levou para fora do castelo. Fui dentro da caçamba do caminhão de frutas, o que pode ter atrapalhado o rastreador, eu acho. Eu… Eu não acredito que eles me tiraram do castelo tão fácil, .
- Eu sei. Sinto muito. - o príncipe suspirou, esfregando uma mão na outra, nervoso. - Eu lhe prometo que isso não vai se repetir. Você tem certeza de que está bem?
- Sim. O Chefe está cada vez mais amigável. - falei irônica.
- E o que ele queria?
- Eu… - antes que eu pudesse responder, Elise entrou no cômodo sozinha, sorridente e tímida. Servindo duas xícaras de chá quente sobre minha mesinha, preferindo deixá-las ali, junto com o bule. Depois, em completo silêncio, fez uma reverência e saiu.
- Já contou para elas que eu sei? Sabe... Sobre ser dama de companhia.
- Ainda não. - falei, sorrindo só com a lembrança. - Tenho que resolver algumas coisas antes.
me olhou curioso, mas eu sabia que ele era cavalheiro demais para perguntar.
- Então… O que aconteceu na quitanda, ?
- O nome do Chefe é mesmo Antony? - eu sei que foi uma pergunta ridícula. Sei que não era a pessoa certa para comunicar a novidade do Chefe, mas eu, no fundo, estava torcendo para ele simplesmente estar mentindo para mim. Simplesmente torcendo para aquela sensação horrível que fazia meu corpo tremer fosse apenas algo da minha imaginação.
- Achamos que sim, digo, é o que temos no registro aqui no castelo. Mas ninguém o chama assim há anos. Como você sabe disso, ?
Suspirei. Passando a mão no rosto para secar um suor que não existia.
- Eu sei, porque ele me pediu para chamá-lo assim.
- Ele pediu? - a surpresa de só fez tudo piorar. - Ele não deixa ninguém o chamar assim. Quero dizer, ninguém com exceção de você.
Suspirei. Levantando-me do lado de e seguindo até o chá. Preferindo sentar-me na cadeira para bebericar o mesmo. Pelo menos eu só havia provado o vinho.
- Foi tudo muito estranho. Parecia que ele queria só me ver. Era como se não tivesse nada de importante para comunicar.
- Nenhuma das vezes realmente teve, não é?
- Sim, mas… - estava certo, tudo que foi conversado pessoalmente com o Chefe podia ser feito por cartas, com exceção, do juramento de sangue, que eu sinceramente preferia que não tivesse acontecido. Levei minha mão à discreta cicatriz que tinha na outra palma, passando o dedo ali. Já estava totalmente fechado, deixando apenas uma pequena e sobressalente linha.
- Ele tocou em você? - eu conseguia ver o quanto estava se esforçando para soar calmo.
- Não. É claro que não. - falei, mas então me lembrei do beijo em minha mão. - Mas ele foi legal. Nos serviu vinho e era como se ele quisesse impressionar.
engoliu em seco.
- Você pode me dizer exatamente o que aconteceu? - seu tom já não estava mais tão controlado.
- Quando eu cheguei aqui… - e então eu contei tudo. Literalmente tudo. Contei sobre o local, sobre a chantagem com o dono da quitanda, sobre a garagem, os portões e, claro, tudo o que eu descobri sobre o exército do Chefe, ou devo dizer Antony?
O príncipe me escutou atento, sem me interromper nenhuma vez. O que me deixou um pouco incomodada, ele não ia mesmo comentar?
- E então eu entrei aqui, encontrei com as meninas e menos de um segundo depois você entrou correndo pela porta. - falei, tomando mais um gole do chá.
- Desculpe por isso. Não fui muito educado, mas estava mesmo preocupado. - ele disse sem jeito, me fazendo sorrir.
- Eu fico feliz que tenha vindo. E principalmente que tenha sentido minha falta. - abri ainda mais o sorriso.
- Foi sorte, . Eu queria dizer que não, mas foi. - ele suspirou. - Mas eu vou lidar com isso. Com tudo isso. Amanhã vou falar com Serena, com os assessores… As coisas vão mudar. Eu prometo.
Assenti. Sem saber como responder aquilo.
- Minha mãe ficou admirada com a sua ideia sobre Natalie. - ele disse, quebrando o silêncio. - O que fez meu pai ser facilmente convencido. - ele riu, me fazendo rir fraco também. - Ícaryo e a família vão embora assim que amanhecer e Natalie está basicamente confinada no próprio quarto. O que a fez chorar de alívio.
A ideia me fez rir.
- Obrigada por fazer isso por mim. - falei, vendo-o se levantar da minha cama e caminhar até a cadeira à minha frente, sentando-se.
- Na realidade você estava certa, . Não me entenda mal, eu teria lutado pela ideia por você, mas eu não precisei. Foi mesmo uma boa saída. Meus pais ficaram assustados com a coragem de Ícaryo e felizes por fazerem esse favor aos amigos. Allyce é amiga da minha mãe, então qualquer coisa que evitasse o filho dela de ser levado à forca, seria feito.
- Eu imaginei.
- Foi mesmo inteligente. - ele concordou, me analisando com os olhos.
- Você não vai acreditar. - falei, revirando os olhos ao lembrar da cena, estava mesmo indignada com tudo aquilo. Anne ergueu uma das sobrancelhas, parecendo ainda mais curiosa, enquanto sentava em minha cama para esperar Meri terminar de me arrumar.
- Foi tão ruim assim? - ela perguntou, ajeitando a postura ao sentar-se no colchão mole.
- Foi pior. - respondi, encarando-a pelo reflexo do meu espelho, já que eu permanecia sentada de frente para o mesmo enquanto Meri terminava de arrumar meu coque.
Resolvi contar tudo para Anne. Eu realmente detalhei para minha amiga o que havia acontecido desde que Ícaryo interrompeu minha conversa com , até seu “convite” despretensioso. Eu confiava em Anne e estava feliz por desabafar, ainda mais porque ela e Meri, que escutava tudo enquanto finalizava o penteado, acharam tão absurdo quanto eu. Eu estava certa, aquilo não havia sido uma mera cantada, não na nossa opinião, pelo menos.
- Nossa, que bom que não fui falar com ele. - ela disse afetada, lembrando de quando eu sugeri que ela deveria ir atrás de Ícaryo.
- Tem razão. Melhor não seguir meus conselhos. - falei, o que fez minhas duas amigas rirem.
- Você contou para o ? Ele me disse que vocês conversaram. - dava para ver na expressão de Anne que ela tentava parecer indiferente, despretensiosa, mas soube naquele momento que minha conversa com o príncipe era o principal motivo de sua visita.
- Não contei. Ele só ficaria mais irritado e, querendo ou não, não é motivo para expulsar Ícaryo daqui. - suspirei. - Ou seja, achei que traria mais problemas do que soluções.
- Tem razão. Além do mais, vocês acabaram de se acertar... - ela estava evitando ser invasiva, mas estava claro para mim que Anne queria falar sobre o príncipe.
- Mais ou menos, Anne. - respondi, aceitando o assunto. - Eu sinceramente ainda estou chateada com tudo. realmente errou ao levar Samantha à cabana, ele deve ter ficado com muita raiva de mim para fazer aquilo. Então… Eu não sei. Essa é a verdade. Mas conversamos sim e foi bom. Apesar de eu ainda estar incrédula, parece que estamos bem, ou, no mínimo, nos acertando. Afinal, não é exatamente uma vantagem para mim acabar com nossa amizade.
- Ele disse por que ele fez o que fez?
- Ele me disse que eu o faço se “sentir mal”. - admiti fazendo as aspas com as mãos, apesar de saber que aquilo não era exatamente o que parecia, ainda era um absurdo pensar que eu, de alguma forma, o fazia mal.
- Mas você entendeu o que ele quis dizer, não é? - Anne não estava nem um pouco surpresa com a notícia, provando que havia sido sincero com ela, pelo menos um pouco.
- Sim. - suspirei. - Mas ainda é algo péssimo de se ouvir. - dei de ombros, rindo fraco, sem humor. - Não é como se eu realmente fosse alguém sem ele, Anne. Vamos combinar que, mesmo que os motivos do príncipe sejam reais, o que ele acha que eu faria? - encarei Anne, tentando descobrir se ela tinha uma resposta para minha pergunta.
- Não sei se é exatamente sobre o que você faria, . - ela disse, me olhando sério pelo reflexo. - É sobre quem você é e quem será. Seus números, seu apoio... O povo adora você, provavelmente muito mais do que adora .
- Não é verdade.
- Você sabe que é. Os números provam isso.
- As pessoas do castelo adoram você, senhorita . As pessoas querem que você seja a escolhida, apesar de não saberem a verdade, elas estão inconformadas que o príncipe esteja preferindo outras. - Meri resolveu falar, me deixando surpresa e feliz por sua ousadia, afinal ela não tinha a mesma intimidade com Anne. Talvez minha amiga estivesse se sentindo mais perto de ser uma dama de companhia a cada dia.
- Eu não pedi por isso.
- Eu sei. Mas também não. - Anne falou. - Imagine como deve ser complicado disputar com você.
- Mas nós não estamos disputando, somos uma dupla. Estamos do mesmo lado! - disse, incrédula.
- Eu sei, mas as pessoas não sabem. Elas estão preferindo você e sabe. Você viu o que ela disse? - Anne apontou para Meri. - As pessoas do castelo estão falando mal do príncipe porque ele não a escolheu ainda. Dá para entender o incômodo dele, não é? Ainda mais depois que você o rejeitou.
- Talvez sim. - engoli em seco, ainda magoada por aquilo. Era sério que se sentia, de certa forma, diminuído por mim? – Mas, mesmo assim, nós conversamos depois que eu disse para ele convidar outra pessoa, ele não parecia mais irritado. Ele disse que não se relacionaria com outra Selecionada depois que eu pedi para ele chamar alguém. Então o único motivo que sobra é meramente seu ego.
- Não sei, talvez seja. Talvez esteja usando sua atitude como desculpa para as dele. Ou talvez, uma situação tenha se somado a outra... veio falar comigo hoje à tarde, contou da conversa de vocês… Mas ele não disse nada sobre algum outro motivo além do ciúmes óbvio.
- Outra justificativa ridícula, ciúmes de quem? Ele que saiu com outra pessoa, não eu.
Anne riu fraco.
- Você tem razão, na verdade, o príncipe ficou mal por você não ter ciúmes. - ela corrigiu. - Mas já conversamos sobre isso e você sabe que foi uma ideia ruim. Além disso, você foi legal com ele. - ela disse, esboçando um sorriso. - Então acho que você percebeu que ele sabe que errou.
- Que escolha eu tinha? - revirei os olhos, mas Anne riu.
- Você gosta dele. - ela tentou.
- Muito menos agora. - brinquei, vendo-a rir enquanto concordava.
- É justo.
- Claro que é! - falei firme, mas contente por aquilo. Anne, apesar de sempre tentar ver o lado de , ainda era minha amiga e concordava comigo ou, no mínimo, entendia meus sentimentos. E eu gostava disso, gostava de ter alguém que entendia melhor do que eu. Gostava de ter alguém que sabia sobre o que o príncipe sentia.
- Você está pronta, senhorita. - Meri interrompeu-nos, me fazendo levantar da cadeira e caminhar até o espelho. Eu já tinha visto o vestido, mas precisava admitir que o decote ficava incrivelmente mais bonito com meu cabelo preso no coque.
O vestido escolhido pelas minhas criadas era mesmo lindo, o azul habitual havia sido trocado por um azul tão claro que beirava o branco, o que deixava minha pele com um tom maravilhoso. Mas o que era mesmo incrível naquela peça de roupa era o corpete com um decote em V com alças finas que seguiam por toda as minhas costas até o início da saia, em minha cintura. Deixando toda a extensão das minhas costas à mostra. A saia leve parecia flutuar enquanto eu caminhava, fazendo os pequenos detalhes brilhantes cintilarem a cada movimento.
- Eu amei! - Anne sorria, quando se levantou para olhar mais de perto meu vestido.
- Você está linda, senhorita. - Meri concordou, olhando as opções de joias que tínhamos à disposição. - Quer usar um colar?
- Eu acho que não precisa. - Anne comentou. - O colar só tiraria atenção do que importa. - ela disse, dando um sorriso bobo. Meri riu.
- A senhorita tem razão. - minha criada disse a Anne, me entregando um lindo par de brincos.
- Obrigada. - aceitei, colocando os brincos antes de admirar mais uma vez meu reflexo. Minha amiga tinha mesmo razão, aquele decote e colo desnudos valorizavam bem meu corpo.
- Você está mesmo incrível, . Vai deixar impressionado. - Anne disse, encarando nosso reflexo no espelho. Ela estava tão bonita quanto eu, com o belo corpo delineado por um vestido vermelho divino, dando um toque sexy ao look. Olhando para nós duas no enorme espelho, eu tinha certeza de que estávamos prontas para a realeza. Estávamos prontas para enfrentar o baile, os convidados, as câmeras e tudo o que uma vida no castelo significava. Ali, éramos apenas eu e ela com vestidos impecáveis e sorrisos implacáveis. Me senti forte, bonita e sedutora. Apesar da cor clara quase angelical do meu vestido, eu sabia que o decote unido às costas desnudas me deixava em outro patamar.
- Nós duas estamos. - sorri, olhando para ela.
- Estamos mesmo. - ela riu, olhando para si mesma no espelho de novo.
- Pronta?
- Pronta! - ela disse empolgada, rindo.
Juntas, sorridentes e conversando animadas sobre nossas roupas, descemos para o Grande Salão. Era possível ouvir a música por praticamente todo o andar inferior, deixando claro que o baile já havia começado. Anne ainda falava animada sobre como se sentia bem com as roupas do castelo quando dois guardas abriram a porta do salão para nós. Entramos admirando tudo. Era impressionante como um baile de última hora podia ficar tão fantástico. Mesmo com pouco tempo, o castelo havia providenciado decoração, garçons, banda e vários convidados. Era surreal.
Aquele baile não perdia nada para o outro, mesmo, pelo que eu sabia, tendo sido programado ainda naquela tarde. Mas eu conseguia entender, afinal grande parte das pessoas do almoço estavam lá, já que eram parte da corte do país. Estava claro a facilidade em comunicar os convidados. A decoração era incrível, mas ao mesmo tempo simples, pois eram peças extraordinárias, mas em relativa pequena quantidade.
Além dos nobres da região, os assessores reais também permaneciam perambulando por ali, com suas famílias, e eu também conseguia, olhando por cima, encontrar as damas da rainha. Era incrível imaginar que todas aquelas pessoas viviam pelo castelo, como parte da corte, seja realmente morando nele ou nas mansões na redondeza. A questão era que havia gente demais ali, suspirei, imaginando todas aquelas pessoas querendo algo de mim e quando fôssemos os soberanos. O que faríamos?
Além das pessoas que eu conseguia reconhecer ou, no mínimo, supor a identidade, havia vários outros convidados, dentre eles fotógrafos, jornalistas e até famosos, os quais eu só seria capaz de identificar se lesse mais revistas. O Grande Salão estava confortavelmente cheio.
Percebi, pouco tempo depois, a família real juntando-se a nós e, quase que imediatamente, Samantha aproximando-se de . Suspirei. Apesar de ter sido sincero comigo sobre o que significava sua relação com Samantha, eu tinha certeza de que ele não havia contado para ela.
Como se tivesse percebido, bem naquele instante Susane me chamou para perto, sorrindo ao me encontrar, fazendo questão de me apresentar diversas das pessoas à sua volta. Muitas das quais eu conhecia apenas pelos estudos de Mariee. Eu gostava daquilo, da sensação tranquila de que Susane me passava ao conversar e me inteirar com os convidados, percebi que ela estava fazendo seu papel de dama de companhia, só que comigo. Ali, soube que, assim que fosse princesa, pediria para Susane me indicar alguém para ser minha dama, alguém como ela, pois, talvez, nenhuma das minhas escolhas até então faria aquilo tão bem quanto a mulher.
Nossa conversa só melhorou quando a rainha Ariele resolveu se unir a nós, fazendo com que grande parte das mulheres do baile ficassem por perto, apenas para apreciar a presença da rainha. Eu estava feliz por finalmente aprender a prestar atenção às coisas à minha volta, começando, por fim, a perceber o que me casar com podia significar. Era evidente os olhares sobre a rainha, os comentários, os sorrisos e a energia que parecia circundar Vossa Majestade. Todos ali estavam contentes apenas por sua presença, por seu leve cumprimento de longe ou sorriso simpático. A rainha era admirada e ainda sim ela estava calma enquanto ria com Susane sobre uma história que a última contava.
A conversa só teve fim quando o rei Jadson pediu licença para levar sua esposa para dançar, o que arrancou sorrisos contentes das damas da rainha, que pareciam conhecer incrivelmente bem o casal. Entretanto, o que realmente fez aquelas mulheres suspirarem foi quando se aproximou de nós, aproveitando a deixa do pai, e me convidou para a pista. Seu sorriso travesso me deu vontade de revirar os olhos quando eu disse sim.
- Você fez de propósito. - comentei baixo, vendo rir enquanto colocava sua mão em minhas costas, começando a me conduzir pela pista. Aquela seria uma dança normal, nada da coreografia que eu e Samantha fizemos com a família real no primeiro baile, provando que aquele baile, na realidade, era uma festa íntima, algo simples, menos formal ou significativo.
- Do que você está falando? - ele se fez de desentendido, me fazendo sorrir com ele.
- Você me convidou ao mesmo tempo que seu pai chamou sua mãe de propósito.
- Está insinuando que eu propositalmente fiz todas as pessoas do baile perceberem que eu faço questão de ter a primeira dança com você? - ele disse, fingindo. - Mas é claro que não. Está muito enganada, senhorita.
- Você é um bobo.
- Bem, ser bobo é muito melhor que babaca, não é?
Aquilo me fez rir.
- Além do mais, tenho certeza de que todos os cavalheiros desse baile vão querer dançar com você, ainda mais usando esse vestido, achei que devia ser o primeiro. - ele sorriu travesso.
- Até parece. - ri.
- Você está maravilhosa, .
- Obrigada. - sorri, deixando me girar no meio da pista, depositando novamente sua mão nas minhas costas desnudas. Eu gostava daquilo, da sua proximidade, do seu toque.
- Como você está? - ele perguntou, claramente contente por eu ter aceitado seu galanteio.
- De verdade?
- Sim.
- Confusa. - respondi, rindo da sua expressão. - Mas muito melhor da dor de cabeça, obrigada pelo remédio.
- De nada. Mas o que você quer dizer com "confusa"?
- O que aconteceu nos últimos dias foi novidade para mim. E eu sei que já conversamos, e eu realmente lhe desculpo, mas eu ainda não sei como me sinto. Então acredito que não há forma melhor de expressar do que com “confusão”. - ri fraco.
- Eu entendo.
- Mesmo?
- Sim. Foi novidade para mim também.
- O quê? Beijar duas mulheres praticamente no mesmo dia? - resolvi brincar.
- Não. Quero dizer, isso também. - ele riu. - Mas estava falando sobre como me senti com tudo isso.
- Pelo menos você sabe como se sente.
Aquilo fez me olhar surpreso, interpretando mal minha fala. Quero dizer, no fundo ele estava certo, eu tive dúvidas sobre meus sentimentos por ele por um instante, mas não deixaria ele saber. Suspirei.
- Não me olhe assim. Você entendeu o que eu quis dizer. Você mentiu para mim. Depois de tudo o que aconteceu… A única coisa que eu sempre lhe pedi foi para ser sincero, . É difícil… - fiz uma pausa, respirando fundo - É difícil não odiar você.
- Eu sei. Sinto muito, . Saiba que eu vou me redimir. - ele garantiu. Sem parecer chateado pela minha resposta. E eu estava grata por aquilo, estava grata por ele me entender e aceitar minhas reclamações, afinal eu estava mesmo me esforçando para simplesmente não ignorá-lo. Ou pelo menos achava que estava. Talvez, no fundo, e não tão no fundo assim, eu simplesmente não quisesse afastar .
Eu e ficamos dançando por mais algumas músicas, vendo a pista de dança lotar. Aquilo era bom. Rodopiar pelo salão com o ritmo da música era algo que eu realmente conseguia apreciar, ainda mais com parecendo se esforçar para me fazer rir. Estava feliz que, apesar de tudo, estávamos tentando voltar ao normal.
- Sinto muito, . Mas agora acho que preciso ir atrás das outras meninas. - ele disse com um sorriso triste.
- Claro. Eu entendo. - lhe retribui, fazendo uma reverência ao príncipe assim que saímos da pista.
Eu estava satisfeita por parar de dançar um pouco, sentia meus pés doloridos dentro do salto. Além disso, queria algo para molhar a garganta já seca, afinal eu havia conversado muito antes da dança. E foi com uma taça de espumante nas mãos que notei que a Selecionada que escolheu para dançar depois de mim foi Anne. Ponto para o príncipe. Aquilo inevitavelmente me arrancou um sorriso.
- Vejo que a primeira dança foi sua. - Samantha soltou de forma pouco alegre parando ao meu lado, olhando, assim como eu, para Anne e que conversavam animados enquanto dançavam.
- Não só a primeira, não é? - resolvi retrucar. Samantha havia sido muito má com Anne no dia em que contou sobre seu beijo com . Então eu realmente não estava com muito humor para ela.
- Você não vai tirá-lo de mim. - Samantha ameaçou, aproximando-se ainda mais. Pelo seu tom baixo eu sabia que ela estava tentando parecer simpática aos olhos das pessoas à nossa volta.
- Não vou mesmo. - disse sorrindo, vendo-a erguer a sobrancelha surpresa. - Afinal, não é de nenhuma de nós, Samantha, lembre-se disso.
Vi os olhos dela escurecerem de raiva, mas antes que Samantha pudesse dizer qualquer coisa, e Aurora se uniram a nós.
- Como estão, senhoritas? - o príncipe mais novo perguntou, olhando para nós um pouco desconfiado. E foi só olhar para Aurora ao seu lado que eu entendi o porquê, a loira olhava para Samantha de forma pouco amigável, como se soubesse tudo o que ela tinha dito segundos antes. Sorri, feliz por minha amiga vir me socorrer.
- Muito bem, príncipe . - Samantha respondeu de forma angelical, fazendo uma discreta reverência ao namorado de Aurora. - Obrigada por perguntar.
olhou com descrença para a atitude da mulher, o que fez Aurora visivelmente segurar o riso e, se eu conhecia bem a mulher, o revirar de olhos. Samantha estava se provando cada vez mais manipuladora, parecendo moldar-se perfeitamente para a situação, independente de qual fosse. Aquela cena me fez pensar em como Samantha era quando estava com . Qual era o comportamento que ela e, pelo jeito ele também, julgava o ideal. Como ela se comportava para fazer o príncipe herdeiro beijá-la?
- E você, senhorita ? - ele perguntou, me fazendo olhar para o homem novamente.
- Bem, obrigada. - sorri.
- Fico contente. - ele sorriu, olhando para mim e Samantha de forma engraçada. A desconfiança dele era óbvia para mim. - E então, estão gostando da festa, senhoritas?
, Aurora, eu e Samantha ficamos conversando de forma cordial por alguns minutos até a última pedir licença para sair, claramente irritada por Lauren ter sido convidada a dançar com antes que ela. Apesar de tentar disfarçar, Samantha deixava muito claro seus sentimentos depois de algumas taças de espumante.
- Meu irmão criou um monstro. - falou, enquanto olhávamos Samantha caminhar até um garçom, pegando mais uma taça e bebendo um longo gole.
- Você não faz ideia. - eu comentei, revirando os olhos.
- O que ela queria com você? - Aurora perguntou.
- Nada demais. Apenas avisar que eu não iria roubar dela.
- Se ela soubesse a verdade… - ria junto com a namorada
- Ela sabe.
- Como? - Aurora foi mais rápida que o namorado.
- Eu disse a ela que não era de ninguém, tornando meio difícil eu roubá-lo dela. - sorri de forma vitoriosa por ter pego os dois, afinal a verdade era exatamente aquela.
- Não sei se eu concordo. - comentou, rindo fraco pelo que eu disse.
- Eu espero que concorde, . Porque se acha que já é da , não devia ter beijado outras garotas por aí. - Aurora disse brava, claramente brincando com o namorado enquanto lhe passava uma lição. Testando-o. - Não concorda?
- Claro que sim! - ele respondeu rápido, rindo. Me fazendo rir também. A sintonia e química dos dois era mesmo admirável.
- Vocês são incríveis. - falei, feliz pela intimidade dos dois não só entre eles, mas comigo. e Aurora eram verdadeiros amigos. - Mas se me dão licença, eu estou faminta.
- Você não vai encontrar nada por aqui. Eu, se fosse você, ia direto para a cozinha. - falou, antes que eu pudesse me afastar.
- Por um acaso, você quer me meter em encrenca, ?
- Claro que não. Pode confiar. Eu já passei por isso, vá por aquela porta ali. O corredor leva direto na cozinha. - ele sorriu, apontando para um canto afastado no salão. Precisei olhar duas vezes para perceber que havia uma porta ali. - A não ser que você aceite algumas torradinhas para saciar sua fome.
- Não mesmo. - falei rindo. Eu estava mesmo com fome, logo meu estômago começaria a fazer barulho, o que seria vergonhoso demais. Repreendi Ícaryo, o qual eu mal tinha visto durante o baile, por ter me feito sair da recepção sem almoçar. Afinal, a fatia de bolo de Elise não era o suficiente para substituir o almoço. - Vou confiar em você.
Resolvi seguir a dica de , caminhando para o canto do salão até uma pequena e bem disfarçada porta. No caminho, precisei parar para algumas fotos, que um dos jornalistas pediu. Depois resolvi disfarçar, conversando com alguns nobres que reconheci do café da manhã, e negando um ou dois convites para a pista de dança, até finalmente conseguir chegar à porta, que parecia realmente parte da parede do Grande Salão, pois mantinha o padrão com os boiseries ornamentados. Provavelmente aquela porta era muito usada quando os eventos continham um buffet, o que, infelizmente, não era o caso do baile.
Olhei em volta, garantindo que ninguém estava mesmo prestando atenção em mim e que o vaso com a vegetação da estação conseguia me cobrir o suficiente, antes de abrir a porta, me arrependendo no instante que o fiz. Do outro lado da porta, no corredor mal iluminado e pouco decorado, encontrei Ícaryo e Natalie se beijando. Tive que piscar algumas vezes para garantir que a imagem era mesmo real, mas infelizmente nada mudou. Ícaryo continuava com seu corpo colado ao de Natalie, enquanto a mesma tinha as costas apoiadas na parede do corredor, entre os braços do homem. Suas mãos passeando apressadas pelo cabelo dele.
- Mas como...? - soltei surpresa, chocada demais com aquilo. Meu cérebro, apesar de ter confirmado o que via, não conseguia processar tudo. Era mesmo verdade? Aquilo não podia ser real, ou podia?
O som das minhas palavras, misturado a música mais alta do baile e a repentina iluminação fez os dois pararem de se beijar e me encararem imediatamente, obviamente assustados ao serem descobertos. Ícaryo me olhou confuso, com a boca borrada de vermelho devido ao batom de Natalie. Conseguia ver em seus olhos a lentidão para entender o que estava acontecendo, demorando um pouco para se afastar da mulher, provavelmente com mais álcool no corpo que deveria. Ao mesmo tempo, Natalie me olhava pálida, certa do que aquilo significava. O desespero espantado em seu rosto, misturado com a vergonha da cena, fazia meu coração bater ainda mais forte. Como ela pôde?
- , eu… - ela tentou, mas não havia o que dizer. Como ela explicaria aquilo?
- Me desculpe, eu não deveria ter vindo aqui. - falei rápido, querendo apagar a imagem de seus corpos colados contra a parede, ou pior, colados um no outro. Fechei a porta com uma rapidez incrível, antes mesmo que qualquer um dos dois pudesse protestar sentindo minhas mãos levemente suadas e minha respiração pesada. O que Natalie havia feito?
Encostei-me na parede lateral à porta, com o coração fora do compasso, tentando controlar minha respiração. Natalie e Ícaryo poderiam ser mortos. Aquilo era uma traição ao país, estava claro no regulamento da Seleção. Fiquei aliviada ao correr os olhos pelo salão e ver que e Aurora estavam ocupados demais conversando com uma das damas da rainha para prestar atenção em mim, afinal eles eram os únicos que sabiam que eu estava ali. Respirei fundo. Depois procurei pelos fotógrafos e garanti que nenhum deles estava por perto com sua câmera, nem mesmo o que havia tirado fotos minha alguns minutos antes. Estava tudo bem, ninguém havia visto. Continuei correndo os olhos pelas pessoas, tentando captar qualquer movimento que demonstrasse mais interesse que o normal, inclusive, dos poucos guardas que por ali faziam sua ronda. Suspirei, colocando a mão no peito, tentando desacelerar as batidas mais um pouco.
Eu estava pronta para sumir entre a multidão e esquecer completamente o que eu havia visto naquele corredor, quando percebi dois olhos em minha direção. caminhava até mim com uma expressão preocupada e confusa, claramente tentando entender o que eu estava fazendo ali. Pela sua expressão, ele até tinha me visto abrir ou fechar a porta. Suspirei. Por que não me contentei com alguns aperitivos?
Eu sabia que não conseguia esconder meu espanto, o que Natalie e Ícaryo haviam feito era digno de pena de morte. Além de que, obviamente, aquilo não podia ser ignorado tão facilmente, Ícaryo havia passado totalmente dos limites, ele não estava mais insinuando coisas, estava fazendo. Mesmo assim sorri sem jeito para , vendo-o se aproximar, como se tentasse falar que estava tudo bem, eu até já pensava em alguma desculpa para dar ao príncipe, mas tudo desmoronou quando Natalie e Ícaryo resolveram ir atrás de mim, ambos saíram do corredor apressados, com uma expressão que entregava o que havia acontecido. Mas pelo menos o homem havia limpado o batom da boca e Natalie arrumado seu penteado.
- , eu… - Natalie começou, mas calou-se assim que percebeu que eu encarava , que vinha até nós, agora com uma expressão bem menos confusa no rosto e passos mais apressados. Ele sabia. tinha razão, conhecia muito bem as intenções de Ícaryo, porque em vez de surpreso, ele caminhava até nós irritado. - , por favor… - Natalie implorou baixinho, incapaz de terminar, pois já estava perto o suficiente para ouvir.
- O que está acontecendo aqui? - usava seu tom autoritário para falar conosco, nos alcançando em poucos passos. Suspirei, dessa vez eu nem podia reclamar de seu jeito, podia?
- Nada. - Ícaryo respondeu rápido, mas sua pose superior provocativa havia sumido, dava para ver que ele estava nervoso.
- Não perguntei para você. - respondeu grosso, lançado um olhar ameaçador para o homem que o fez se retrair um pouco, sem se importar em parecer educado, depois virou-se, olhando para mim. Ele queria que eu respondesse. - ?
Olhei de para Natalie, que ao contrário do príncipe, não tinha sequer coragem de me olhar nos olhos, ela fitava o chão como se pudesse abrir um buraco embaixo dos seus pés e sumir ali. Suspirei. Depois olhei para Ícaryo, que pelo menos parecia arrependido de ter sido pego, mas eu sabia, pelo pouco que eu conhecia o homem, que ele não estava realmente arrependido do beijo, apenas de ter sido flagrado. Respirei fundo mais uma vez, tentando decidir o que seria melhor fazer. Olhei novamente para o príncipe, sabendo que ele aguardava, o mais paciente que podia, alguma resposta minha, ou melhor, uma confissão óbvia do que ele sabia que eu tinha presenciado.
- Eu acho que aqui não é o lugar ideal para conversarmos. - comentei, sabendo que agora que estava conosco, alguns olhos estavam em nossa direção.
pareceu surpreso por eu simplesmente não falar tudo o que havia acontecido, ele estava pronto para eu simplesmente soltar ao mundo: “Ícaryo beijou Natalie”, mas eu não faria aquilo. Depois da inicial surpresa, o príncipe pareceu perceber que eu estava certa. Não importava o que eu fosse falar, ali não era o lugar ideal.
- Vamos lá para fora. Os três. - ele disse por fim, parecendo se esforçar para manter a pose séria e superior. Eu sinceramente não gostava dela.
Concordamos e em silêncio caminhamos os quatro em direção a saída. me ofereceu o braço, enquanto andávamos com Natalie e Ícaryo a nossa frente, sem coragem sequer de se olharem.
- Alteza, uma foto? - um dos fotógrafos nos parou, mas gentilmente recusou o flash, o que deixou o homem decepcionado, mas com apenas um elogio para minha roupa, ele nos deixou seguir.
- Eu falei que você estava maravilhosa. - ele falou baixo, em meu ouvido, mas seu rosto não havia suavizado nem um pouco. Eu apenas assenti, incapaz de tirar a cena que eu havia visto da mente, será que eu estava tomando a decisão certa?
Natalie, Ícaryo, e eu saímos pela porta principal do Grande Salão, a qual foi aberta e fechada logo depois por dois guardas. Assim que nos vimos sozinhos no corredor, soltou meu braço e olhou para mim, enquanto Ícaryo e Natalie achavam algo interessante para olhar no chão, à espera de algum testemunho. Eu não conseguia imaginar o que se passava na mente deles, mas só a ideia do que aconteceria se eu falasse a verdade fazia todo meu corpo tremer.
- Poderíamos falar a sós, Alteza? - tentei, sabendo que podia me arrepender. Natalie parou de fitar o chão para me olhar assustada, sem entender a minha atitude. Ícaryo me olhou surpreso, mas ao mesmo tempo parecia entender que eu tentaria mudar seu destino. Ali quase desisti, aquele homem não merecia minha ajuda. Mas ao olhar para , que me encarava não apenas surpreso, mas até um pouco irritado, eu soube que era a melhor decisão. era um homem gentil, mas ainda era o príncipe herdeiro e isso significava não só dever, como responsabilidades, principalmente com a lei. - Por favor.
respirou fundo, não uma, mas duas vezes.
- Ícaryo e Natalie para seus aposentos. Nenhum dos dois tem permissão de sair. Devo encontrá-los em alguns minutos. - ele disse sério, cedendo ao meu pedido. - E não vamos fingir que eu não sei o que aconteceu.
Natalie e Ícaryo concordaram e saíram apressados da frente do príncipe, antes que ele mandasse prendê-los imediatamente. Algo que eu sabia que faria se eu falasse a verdade. Respirei fundo, esperando que ele não ficasse bravo comigo, no final.
- Podemos ir lá fora? - pedi.
assentiu, mas não disse nada enquanto colocava a mão em minhas costas e me conduzia para fora do castelo. Ali ele não estava sendo gentil, como antes, ele estava apenas me conduzindo, talvez de forma levemente protetora, para fora do castelo. A sensação da sua mão em minhas costas enquanto caminhávamos pelo jardim, era completamente diferente da sensação enquanto dançamos.
- O que aconteceu? Por que você não disse nada? Você precisa me contar o que viu, . - ele finalmente disse, ainda irritado, quando me conduziu para um banco bem escondido no jardim. Ali ninguém podia nos ver ou nos ouvir, nem mesmo os guardas parados de sentinela na porta, ou as pessoas curiosas nas janelas, caso houvesse alguma. Respirei fundo, fechando os olhos ao sentir o vento da noite de Ynter. Meu vestido era mesmo lindo, mas ali claramente não era o mais apropriado.
- Você sabe o que eu vi. - falei triste, olhando para ele que ainda estava de pé.
- Você precisa testemunhar. Não entendi por que você não o fez, inclusive.
- Eu vou, se você me pedir. - falei baixo, tentando manter a calma. Afinal era de Natalie que estávamos falando, ela era minha amiga. Talvez não a minha melhor amiga, mas uma amiga. E a traição que ela cometeu... O resultado era horrível. - Mas não acho que seja a escolha mais sábia.
- Como?
- Acho que você só sairá prejudicado se admitir o que aconteceu. - falei baixo. - E ninguém mais viu.
- Não estou entendendo, . - ele finalmente sentou ao meu lado, a curiosidade superando a irritação.
- Se você assumir o que aconteceu, afetará a relação de seus pais com os amigos, deixará Ícaryo envergonhá-lo de qualquer maneira e ainda terá que machucar Natalie, uma Selecionada. Além de que pode afetar sua relação com Ílea, pois Natalie é de grande ajuda nessa parte e Ícaryo é cidadão de lá, não é? E você precisa deles para a guerra.
- Eu não posso ignorar isso, .
- Não quero que ignore. Acho que você deve chamar sua família e expulsar Ícaryo imediatamente. Bani-lo da corte, se quiser.
- Mas com que pretexto?
- Ter dito para mim que tinha certeza de que você não me escolheria e que eu deveria morar com ele em Ílea, pois além dele não ignorar os números, como você está fazendo, ele veio aqui para seguir a tradição do pai.
- Como é?
- Em outra situação ele poderia dizer que eu interpretei mal, se é que isso é possível. Mas nesse caso eu duvido muito, além do mais, você pode falar o que ele fez com Natalie para todos eles, não é? A família de Ícaryo ficará grata por ele ser apenas expulso. Já imaginou como os amigos de seu pai ficariam com os castigos de traição dados ao filho?
- Por que você não me contou que ele te convidou para ir à Ílea com ele? - disse, ignorando todo o resto por um instante.
- Não queria fazer cena na sua recepção. Depois não contei simplesmente porque você achou que eu estava defendendo-o em vez de você. - revirei os olhos. Aquilo fez concordar e rir levemente, parecendo um pouco menos irritado.
- Acho que ninguém recebeu tantos pedidos de casamento na vida. - ele brincou.
- Eu nunca recebi um pedido de casamento, . - respondi, encarando-o. Eu sabia o que ele queria dizer, afinal Ícaryo e o Chefe tinham insinuado algo e ele tinha combinado isso com Serena, mas ninguém nunca me perguntou. Minhas palavras fizeram pensar.
- Você tem razão. - ele admitiu, um pouco triste.
- Sobre tudo? - perguntei esperançosa.
- Não sei. E Natalie?
- Acho que você deve ser sincero com ela, repreendê-la. Até colocá-la em supervisão. E então, se for do seu interesse, eliminá-la depois do Juramento à Bandeira. Eu sei que você ia ficar com ela por causa dos benefícios políticos, mas sair junto com as outras é muito melhor do que ser expulsa sozinha sem explicação. Ou ainda, ser castigada em praça pública.
- Você está certa, . Mas não é certo ignorar algo assim. Pode abrir precedentes.
- Ignorar o que?
- Uma Selecionada beijando outro cara. - ele disse revoltado, o que fez meu coração dar um salto ao lembrar de Drew.
- É sério que você está ofendido assim?
- Não. Mas é a lei.
- Mas você não tem provas.
- Você viu!
- Mas eu poderia ter lhe dito que não.
parou para pensar. Ele me encarava surpreso enquanto pensava. E eu conseguia entender. Aquilo era um teste para nós. Estávamos decidindo juntos algo político, algo importante. Exatamente como deveríamos fazer como reis. Eu acreditava que aquilo ditaria como eu e seríamos como casal.
- Você está certa. - ele disse por fim, me fazendo sorrir, mesmo que discretamente. - Mas preciso confirmar com minha família antes. Eu falarei a verdade para eles sobre Ícaryo, então acho justo que eles opinem sobre tudo.
- Acho uma boa ideia. Além disso, para o que você precisar, estarei aqui. - falei, ficando de pé, achando que ele iria atrás dos pais imediatamente. - Mas testemunhar é a última coisa que quero fazer. - admiti, com um sorriso triste.
- Vou levar isso em consideração. - ele garantiu.
- Obrigada. - falei, já virando-me para voltar ao castelo.
- , espere. - o príncipe pediu, segurando minha mão. - Eu quero lhe dar uma coisa.
- Me dar? - perguntei, na dúvida se havia entendido certo, mas assentiu.
- Hoje mais cedo na recepção, quando você me encontrou na escada, eu menti. Não fui buscar o papel, fui buscar isso. - e então tirou uma pequena caixinha de veludo do bolso. Uma caixinha de joia. - Estava criando coragem para lhe dar.
- Mas o quê…?
- Não é uma aliança. - ele apressou-se em dizer. - Mas é um anel.
Estranhei aquilo, a caixinha preta em sua mão, estendida para mim enquanto ele permanecia sentado, na expectativa de eu pegar o objeto. Eu sabia que estávamos mesmo escondidos ali, sabia que o único lugar que permitia uma visão mais clara de nós, era do jardim da rainha, o qual se encontrava completamente vazio àquela hora da noite, mas ainda me vi olhando em volta com medo de sermos vistos. O que aconteceria se alguém visse aquela cena? Mesmo que esse alguém fosse apenas um guarda, que fofocasse a cena pelo castelo até alguém interpretar aquilo como me escolhendo? Ou se algum espião sulista visse tudo, interpretando errado e me obrigando a me casar com imediatamente? Qualquer uma das ideias me assombrava, mas eu sabia que não podia recusar, que ignorar a caixinha estendida em minha direção significaria mais para que um simples “não aqui, não agora”. Então peguei a caixinha, curiosa com o anel que encontraria ali dentro.
- É um aparador. - ele disse, rindo pelo termo usado, claramente aliviado por eu aceitar seu presente. - É para você usar junto com o anel sulista e, toda vez que olhar, se lembrar que eu estou com você. Para protegê-la.
Peguei o anel na caixinha de admirada, o anel era lindo. Apesar de bem fininho, ele tinha pequenos cristais em toda a sua circunferência. Eu conhecia aquele tipo de anel, além de lindo era bem confortável de usar. Coloquei no meu dedo, vendo sorrir com a cena.
- É incrível. - eu disse, olhando para o anel em meu dedo e depois para o príncipe. - Obrigada.
- Desculpe ter demorado tanto para entregar. - ele disse, piscando um dos olhos.
- Não se preocupe. - sorri.
- Uma dúvida, .
- Sim?
- Por que você foi até aquela porta? - Eu tive que rir.
- Porque estava atrás de comida. Não almocei e não deu tempo de comer muita coisa antes de vir para o baile.
- É sério?
- Sim, Alteza. Demora muito mais para fazer cabelo e maquiagem do que apenas colocar um terno. - provoquei.
- Mas vale a pena. - ele retribuiu, sorrindo de forma travessa.
- Obrigada. - falei, sentindo meu rosto esquentar apesar do frio. Anne tinha razão, esse vestido tinha sua magia.
- É apenas a verdade. - ele sorriu. - Já que está com fome, . Vou deixá-la livre para ir aos seus aposentos ou ir direto para a cozinha, se quiser. Eu gostaria de lhe acompanhar, mas preciso ir atrás de meus pais agora.
Fiquei extremamente grata por não precisar voltar para aquela sala movimentada, afinal a imagem de Ícaryo e Natalie grudados um no outro ainda assombrava meus pensamentos, principalmente porque logo depois eu me lembrava dos lábios de Drew colados nos meus.
Me despedi de no pé da escada, vendo-o entrar nas portas do Grande Salão, enquanto eu subia as escadas em direção aos meus aposentos. Preferi chamar uma das garotas do que aparecer na cozinha, já tinha tido experiências ruins demais tentando chegar lá. Mas percebi depois que a ideia foi péssima.
Cheguei em meus aposentos encontrando a porta aberta e um soldado dentro dele.
- Está tudo bem aqui? - perguntei atônita com a cena. O soldado estava literalmente escrevendo um bilhete na minha mesa.
- Nossa, você foi rápida. - ele comentou, parecendo um pouco surpreso com minha presença.
- Rápida? Do que você está falando?
- Você recebeu um bilhete para vir aqui, não?
- Claro que não! O que está acontecendo aqui, soldado?
Então o homem riu. Parecendo entender o que estava acontecendo.
- Eu não sou um soldado. Sou um rebelde sulista, me respeite, mulher. Agora vamos, o Chefe está lhe esperando.
- Quê? - apesar da confusão, logo depois minha mente entendeu e processou tudo. Alguém teria me encontrado no baile e me dito para ir até meus aposentos encontrar um rebelde sulista se eu não tivesse ido ao jardim com o príncipe, e mais, se eu não tivesse subido por livre e espontânea vontade. - Você não acha que eu vou para a floresta agora, não é?
- Não, obviamente não. Mas vamos. Assim ganhamos alguns minutos.
- Vão sentir minha falta. - tentei.
- Não vão. Escrevi um texto para você. - ele sorriu, mostrando o papel que estava em cima da minha mesa. - Agora, vamos.
- Espere, eu vim aqui porque precisava trocar de brincos, não irei embora sem fazê-lo. - falei, soando a mulher superficial que eu sabia que ele já achava que eu era, caminhando rapidamente até minha caixa de joias atrás do anel enviado pelo Chefe. Junto dele, peguei um par de brincos qualquer, trocando-o sem nenhum esforço. Após a troca e com o anel dos sulistas no dedo, aceitei, sem escolha, caminhar com o soldado pelos corredores, até que percebi que ele estava me levando por um caminho que eu não conhecia.
- Onde estamos indo?
- O castelo tem várias saídas. Estou lhe levando para a garagem. - ele explicou.
- Para a garagem? O Chefe está na garagem?
Aquilo fez o homem rir de forma pouco amigável. Suspirei.
- Não, ele está lá fora. Agora chega de perguntas.
O tom de voz do homem me fez ficar em silêncio, mas assim que chegamos à garagem eu percebi que estava completamente encrencada. Havia vários veículos estacionados ali, desde carros e caminhões, até um ônibus. Mas o único que tinha a luz acesa e um motorista esperando, era o caminhão de verduras.
- Entre aqui e fique quieta. - o sulista me indicou a caçamba do caminhão de verduras, me ajudando a entrar ali. Estava claro que ele odiava a ideia de me ajudar, até de tocar em mim, mas ele sabia que eu não seria capaz de subir em um caminhão com um vestido de baile.
Após garantir que eu estava em pé, ele se despediu, fechando a caçamba e me trancando no espaço escuro. Senti o gelo da parede metálica em minhas costas nuas quando me apoiei ali, respirando fundo algumas vezes. Tentando ficar calma. Os sulistas estavam me levando para fora do castelo. Será que eu estava sendo sequestrada?
Respirei fundo mais uma vez. Eu precisava manter a calma. Apesar de estar sozinha na caçamba de um caminhão escuro, estava tudo bem. Eu não podia surtar ou brigar. Estava tudo bem. Eles confiavam em mim. Aquilo era algo que eu queria, afinal eu era uma sulista. Repeti a frase mentalmente várias vezes, até que senti o motor do caminhão ligar.
Andamos devagar por um curto tempo, me obrigando a me segurar nas paredes metalizadas até que o caminhão parasse. Involuntariamente tranquei a respiração.
- A rainha pediu coisas frescas para o café da manhã de amanhã. Parece que teremos mais gente. Dá para acreditar? - escutei a voz entrecortada pela caixa metalizada vindo lá de fora, sabia que o motorista estava conversando com alguém, que depois percebi ser o guarda responsável por abrir o portão. Ouvi algumas risadas e uma resposta que fui incapaz de entender, antes de começarmos a andar novamente. Respirei aliviada. Entretanto, alguns minutos de estrada depois, percebi que talvez fosse melhor ter sido descoberta.
Eu estava literalmente apoiada em uma das paredes do caminhão quando o motor foi desligado e a porta da cabine foi aberta, sendo fechada logo depois com um baque. Arrumei a postura, ficando feliz por poder ficar em pé sem problemas. Meus olhos arderam com a luz assim que a caçamba foi aberta, havíamos chegado em algum lugar.
- Tudo certo, princesa? - o motorista perguntou, rindo da própria piada. Me segurei para não revirar os olhos.
- Não! Vocês estão malucos me tirando do castelo uma hora dessas. - falei grosseira, já aceitando a ajuda para descer do caminhão. Afinal, eu ainda era um deles.
- Você sai para ver os nortistas, não é? Estamos usando a mesma estratégia.
- Sim, mas pelo menos é dia. - resmunguei.
Percebi que estávamos mesmo estacionados na quitanda quando me deparei com a enorme logo pintada na parede, o que me fez olhar confusa para o homem ao meu lado. Afinal, estávamos mesmo atrás de comida?
- Ele está lá em cima. - o sulista indicou, me mostrando uma escada que eu nem havia notado ali.
- Só que me faltava. - resmunguei, sabendo que deveria agir daquela forma, e então segui escada acima com o motorista atrás de mim. Precisei segurar o vestido longo com as duas mãos para subir aquele espaço estreito e sem corrimão com segurança. Naquela hora me arrependi da roupa usada, ali, o decote e as costas à mostra eram algo totalmente inadequado. Suspirei.
Os sulistas estavam alojados em um apartamento enorme, localizado em cima da quitanda, que logo supus ser do dono da mesma. Antes de eu chegar ao topo da escada, consegui escutar várias pessoas enchendo o caminhão com caixas que eu imaginei estarem cheias de verduras. Certo, pelo menos eles eram cuidadosos.
- Pode abrir. - o sulista falou, me fazendo abrir a porta destrancada no topo da escada, me dando uma visão completa da sala do apartamento que além de grande era muito confortável. Eu conseguiria até apreciar a decoração se o lugar não estivesse cheio. Havia quase 20 homens ali, distribuídos por todo o cômodo como se estivessem em uma reunião, como se nenhum deles imaginasse que eu fosse aparecer. O Chefe estava sentado em um grande sofá, junto com mais dois homens, enquanto outros dois ocupavam as cadeiras laterais. Na cozinha havia mais cerca de cinco homens, enquanto o restante estava em pé distribuído pelo local, todos parecendo envolvidos em algum assunto interessante.
- , que bom que você veio. - o Chefe ficou de pé, parecendo a deixa para os demais saírem pela porta que eu imaginava levar para o restante da residência. Em segundos, eu e o Chefe éramos os únicos na sala. Respirei fundo. Já havia ficado sozinha com ele antes, inclusive eu mesma havia solicitado o encontro. Não tinha por que ser diferente.
- Eu tinha opção? - perguntei ríspida, mas estendendo minha mão para cumprimentar o homem. O qual a beijou. Pisquei algumas vezes, na dúvida se aquilo estava mesmo acontecendo.
- Não tinha. - ele riu fraco, pouco se importando com minha atitude grosseira. - Sinto muito pela correria, mas ouvi dizer que vocês terão mais convidados logo. E, sinceramente, o baile ajudou muito. - ele sorriu, me indicando sentar no sofá enquanto fazia o mesmo. Concordei, ficando o mais longe do homem que o móvel permitia. - Você está magnífica por sinal.
Me segurei muito para não revirar os olhos, enojada. Me contentando a dar um sorriso amarelo. Eu sentia minha pele exposta queimar, como se cada parte minha estivesse sendo observada. O que realmente estava, já que, ao contrário dos nobres, homens como o Chefe não tinham a decência de segurar os olhos, mas estava grata se ele fosse capaz de segurar as mãos.
- Sim. O castelo vai lotar logo. - falei, ignorando qualquer elogio que pudesse existir.
- Por isso lhe chamei hoje. - ele sorriu, parecendo não notar. - Percebi que gostou do anel. - ele disse, me fazendo automaticamente olhar para o brilhante em meu dedo, o qual, no momento, estava acompanhado pelo anel de . Suspirei.
- Nenhuma mulher recusa uma joia. - disse óbvia. - Mas acho que você está perdendo a cabeça. E se alguém desconfiar? Por um acaso você está querendo me matar?
- É claro que não, . - ele riu. - Como eu disse, é apenas um símbolo da nossa união. - ele deu um sorriso de lado, como se gostasse da dupla interpretação de suas palavras. O príncipe tinha razão, o Chefe estava mesmo querendo que eu lhe interpretasse mal. Aquilo me fez pensar em falando com sua família e como eu estava perdida por ter recebido uma dispensa do baile. Respirei fundo. De que adiantava um rastreador se ninguém estava me procurando? - Gostaria de uma taça de vinho?
- Na verdade não. Eu gostaria de voltar em segurança para meus aposentos. Ficar fora do castelo, ainda mais de noite, não é aconselhável.
- Você está segura comigo.
Ri irônica, quase amarga. Aquela risada pelo menos não foi fingida.
- Você só pode estar brincando. Segura?
- , você precisa confiar em mim. Se vamos nos casar, temos que realmente confiar um no outro. Não acha? Se vamos trabalhar juntos e comandar os sulistas precisamos nos entender. - aquilo me fez piscar algumas vezes confusa. Que pose era aquela? Quem era aquele homem à minha frente?
Olhei para o Chefe de forma mais atenta, na claridade da sala, com o banho e a barba feita, o Chefe parecia um homem completamente diferente do bárbaro que havia me feito jurar com meu sangue em uma fogueira. Na realidade, se eu o encontrasse nas ruas da minha Província eu diria que ele era bem normal, apresentável e até um pouco bonito. Não que eu pudesse sequer o achar agradável, conhecendo suas crenças e atitudes, mas eu percebi que ele parecia mais humano.
- Você ameaçou meu amigo. - eu disse, na defensiva. - Jamais me entenderei com atitudes assim.
- Mas o libertei, não foi?
- Você matou Mariee.
- Mas foi por um bem maior. Por favor, ... Me dê um crédito. Eu já machuquei você? Te coloquei em risco?
- Está me colocando em risco agora, me expondo dessa maneira.
- Já disse que está segura, precisa confiar em mim.
- Não ameaçar me matar não gera confiança. Acredito que estamos do mesmo lado, mas você já me enganou uma vez. Não pense que com joias e um banho você me fará mais sua amiga.
Ele riu, parecendo não só achar graça das minhas palavras, mas gostar delas.
- Eu sabia que aqui era melhor que na floresta. - ele respirou fundo. - Certo, vamos fazer assim então: temos mais alguns minutos antes do caminhão sair. Aceite uma taça de vinho e prometo responder qualquer pergunta sua.
- Não quero vinho. - comentei, arrumando a postura, indicando que para a conversa eu estava disposta. Havia muita coisa que eu gostaria de saber sobre o Chefe e os sulistas.
O Chefe sorriu, me pedindo para esperar enquanto se dirigia a cozinha, servindo rapidamente duas taças de vinho branco. Se eu não imaginasse que ele havia invadido o lugar, diria que aquela era sua casa há anos. Quando o homem voltou, entregou-me a taça, a qual aceitei certa de que iria bebê-la, jamais.
- Então, o que você quer saber?
- Como vocês vieram parar aqui?
- Ameaçamos o dono da quitanda. - ele deu de ombros, como se fosse algo simples. - Acho que teremos que sair amanhã.
- Ótimo. Me sinto muito melhor agora. - falei, revirando os olhos, irônica. Se ele queria me agradar, aproximar ou me tornar uma aliada mais forte, estava errando feio.
- Confiança requer sinceridade. Lamento que não goste da verdade.
- Você tem razão. Eu não gosto.
- Próxima pergunta? - ele me encarava enquanto bebia um longo gole de sua taça.
- Como vocês entraram no castelo na última vez?
- Seu amigo não lhe contou?
- Não perguntei a ele.
O Chefe sorriu. Como se tivesse certeza de que minha relação com Drew tivesse simplesmente desmoronado. Queria que ele estivesse errado, mas mesmo depois do encontro com meu amigo no abrigo, eu não tinha tanta certeza.
- Fizemos uma abertura em um canto do muro, que fica muito coberto pelas árvores. A família real não consegue cuidar de toda a floresta, ainda mais com o pessoal reduzido.
- Entendi. E então vocês carregaram todos aqueles móveis?
- Sim. Apesar de estarmos acampados em poucos homens, somos um exército considerável, .
- Considerável?
- Sim.
- Quantos homens?
- Difícil dizer. - ele respondeu, mas eu tinha certeza que ele sabia exatamente quantos homens comandava. - Você não vai beber?
- Não. Eu falei que eu não queria.
- É seguro. Não quero matar você. - ele disse, pegando a taça da minha mão. - Veja. - E então ele tomou um longo gole da minha taça, me entregando-a novamente. - Agora não faça desfeita e beba.
Respirei fundo. E molhei os lábios. Não podia irritá-lo, podia?
- Obrigado. - ele disse contente. - E então? Está nervosa para o Juramento à Bandeira?
Então ele sabia.
- Um pouco. Não gosto muito de tanta atenção.
- Então os últimos dias devem ter sido difíceis para você. - ele disse, fazendo graça.
- Matérias de revistas não são a mesma coisa. - dei de ombros. - Você fará algo no Juramento à Bandeira?
- Eu queria, mas acho difícil... Muitas pessoas.
- Certo. E como pretende fazer o príncipe me escolher?
O Chefe se remexeu no sofá.
- Lamento dizer que já está na hora de ir, minha querida. - ele se levantou, me estendendo a mão para me ajudar a segui-lo. Eu estava tremendo. Minha querida?
- Eu não sou sua querida. - respondi, levantando-me sem ajuda. - Não confunda nosso combinado com algo a mais, Chefe.
Ele riu fraco.
- Desculpe. - aquilo me fez encará-lo surpresa. Ele estava mesmo me pedindo desculpas? - Agora você precisa ir. Tenha bons sonhos.
Olhei para ele abismada.
- Você não respondeu todas as minhas perguntas.
- Quais delas, minha querida?
- Quantos homens?
- Acho que estamos perto dos mil.
Engasguei-me.
- E como pretende fazer o príncipe me escolher?
- Eu darei um jeito, pode confiar.
- Eu tenho mais uma pergunta antes de ir. - falei, vendo-o caminhar em direção a porta.
- E qual seria? - ele estava mesmo sendo gentil.
- Por que você me chamou aqui?
Ele riu.
- Queria saber o que tinha achado do anel. E queria dizer que infelizmente não nos veremos mais até o Juramento à Bandeira acabar. Mas não se preocupe, acharei um jeito de manter o contato. - ele sorriu. - Além disso, não podia perder a chance de vê-la nesse vestido pessoalmente.
- E precisava me tirar do castelo no meio da noite por isso? - fiz a pergunta de forma retórica, já voltando-me em direção a saída, passando por ele e ignorando qualquer elogio como se não tivesse ouvido.
- Boa noite, minha querida.
- Boa noite, Chefe. - falei, passando pela porta sem olhar para ele.
- ?
- Sim? - falei, virando-me para ele já pronta para descer a escada.
- Pode me chamar de Antony.
Como é? O que ele disse?
Estava tão confusa que preferi não responder, virando-me e descendo os degraus sem prestar qualquer atenção à minha volta. Minha querida? Antony? Esse era o nome dele, então? O que tudo aquilo significava? Será que o Chefe estava mesmo nutrindo sentimentos por mim? Sentia minha cabeça girar com tudo aquilo. Nada fazia sentido. Nada.
Voltamos pelo mesmo caminho, com a única diferença sendo o caminhão agora cheio. O que facilitou para eu me segurar enquanto andávamos pelas ruas da Capital. Escutei quando passamos novamente pelos portões do castelo e então paramos.
- Vamos, não podemos descer na cozinha. - o mesmo soldado de antes, o qual não me seguiu até o encontro com o Chefe, falou, abrindo a caçamba do caminhão para mim. Ainda estávamos do lado de fora do castelo, em uma parte que eu não conhecia. Desci do caminhão apressada, quase caindo, mesmo com a ajuda do homem. - Por aqui. - ele me puxou até a garagem, claramente com pressa, me instruindo a entrar no mesmo corredor que usamos na hora de sair. - Você vai sozinha agora. Se te encontrarem no corredor, diga apenas que estava com fome. - ele disse, parecendo se despedir. Concordei, ainda meio chocada com o encontro, percebendo que toda a fome que eu tinha havia sumido.
Saí dos corredores dos criados sem qualquer problema, e decidi seguir até meus aposentos. Poderia falar sobre isso com amanhã. Explicaria o que aconteceu depois de uma boa noite de sono. Afinal, ele não esperava mesmo que eu fosse voltar ao baile. E a verdade é que eu não estava com cabeça para conversar sobre aquilo. Afinal eu não entendia nem o que aquilo significava.
Eu tentava repassar o encontro todo de novo, procurando algum sinal de que Serena estava certa. Será que eu estava subestimando o Chefe? Será que ele estava mesmo nutrindo sentimentos por mim? Não. Ele estava jogando comigo. O líder dos sulistas tinha planos e precisava de mim para torná-los reais, e ele, ingenuamente, achava que com bajulação, um banho e certos elogios, me ganharia.
Abri a porta do meu quarto me sentindo ainda trêmula. O que não melhorou quando, para minha surpresa, encontrei o quarto cheio. Meri, Elise e Cleo estavam sentadas na mesa, com um copo de água cada, parecendo preocupadas.
- Meninas? - perguntei, aproximando-me após fechar a porta.
- Senhorita , você está bem? - elas se levantaram juntas, claramente felizes e surpresas por eu ter aparecido, ignorando toda a etiqueta e caminhando até mim para uma rápida avaliação. - Estávamos tão preocupadas! Onde você estava?
Mas antes que eu pudesse respondê-las, a porta abriu de forma brusca, chamando nossa atenção.
- ? Você está bem? - tinha a respiração um pouco pesada, como se tivesse corrido até ali. Além da expressão preocupada e os olhos atentos, como se tentasse entender tudo apenas me encarando.
- Sim. Eu estou bem. - menti. A verdade é que mesmo com a distração daquelas pessoas em meus aposentos, eu ainda sentia-me trêmula. Além do frio da noite, não conseguia esquecer o sorriso e os galanteios do Chefe. Mas ao invés de protestar, o príncipe simplesmente adentrou o quarto e me abraçou. Sem qualquer cerimônia. Sem qualquer aviso. Ele apenas deu alguns passos em minha direção e me prendeu entre seus braços.
- Eu fiquei tão preocupado. Você está tão gelada. - ele disse, soltando-me o suficiente apenas para colocar as duas mãos em volta do meu rosto e me encarar. Por um segundo achei que ele ia me beijar. estava próximo demais, com as mãos fazendo um discreto carinho em minhas bochechas, enquanto encarava fixamente meus lábios. Mas então lembrou-se de onde estava, da plateia que nos encarava e se recompôs. - Senhoritas, podem pegar um chá para nós?
O príncipe soltou meu rosto, me fazendo relutar internamente, antes de pegar minha mão e me indicar a cama. Eu deveria sentar ali. Suspirei. não estava facilitando as coisas, não sabia dizer se minhas mãos tremiam pelo frio, pelo Chefe, ou por ele ter ficado tão perto.
- Sim, Alteza. - e logo as três sumiram de vista. Parecendo incrivelmente aliviadas.
- O que aconteceu? O que você foi fazer fora dos muros?
- Como você sabe? - e então eu lembrei do rastreador. - Digo, como você percebeu que eu saí do castelo?
- Vim aqui lhe avisar sobre Natalie e então encontrei o quarto vazio. Com um bilhete dizendo que você estava na enfermaria. Procurei lá, depois pela cozinha, no fim, falei com suas criadas... Ninguém fazia ideia de onde você estava, então fui até o rastreador. Imagine a minha surpresa ao descobrir que você está saindo da quitanda, depois perdemos o sinal, estávamos indo atrás de você quando apareceu aqui.
Assenti.
- E então? O que aconteceu?
- Os sulistas apareceram, eu tentei não ir, ninguém tinha avisado nada. Mas... Não tive muita escolha. - lamentei, sentando-me derrotada na cama. Voltando à realidade do que havia acabado de acontecer.
- Presumi que fosse. Apesar de torcer para o rastreador estar com defeito. - ele disse lamentando. - Por que eles vieram sem avisar antes? Achei que mandavam cartas.
- Eles mandavam. Pelo menos enquanto Drew estava lá. Agora um homem vestido de soldado simplesmente apareceu. O Chefe disse que o baile ajudou muito, então deve ter sido uma ideia de última hora… - respirei fundo. - Ele disse que haviam mandado alguém atrás de mim no baile, mas eu meio que apareci aqui sem ninguém pedir. - falei, vendo o príncipe assentir. - Então ele me levou para fora do castelo. Fui dentro da caçamba do caminhão de frutas, o que pode ter atrapalhado o rastreador, eu acho. Eu… Eu não acredito que eles me tiraram do castelo tão fácil, .
- Eu sei. Sinto muito. - o príncipe suspirou, esfregando uma mão na outra, nervoso. - Eu lhe prometo que isso não vai se repetir. Você tem certeza de que está bem?
- Sim. O Chefe está cada vez mais amigável. - falei irônica.
- E o que ele queria?
- Eu… - antes que eu pudesse responder, Elise entrou no cômodo sozinha, sorridente e tímida. Servindo duas xícaras de chá quente sobre minha mesinha, preferindo deixá-las ali, junto com o bule. Depois, em completo silêncio, fez uma reverência e saiu.
- Já contou para elas que eu sei? Sabe... Sobre ser dama de companhia.
- Ainda não. - falei, sorrindo só com a lembrança. - Tenho que resolver algumas coisas antes.
me olhou curioso, mas eu sabia que ele era cavalheiro demais para perguntar.
- Então… O que aconteceu na quitanda, ?
- O nome do Chefe é mesmo Antony? - eu sei que foi uma pergunta ridícula. Sei que não era a pessoa certa para comunicar a novidade do Chefe, mas eu, no fundo, estava torcendo para ele simplesmente estar mentindo para mim. Simplesmente torcendo para aquela sensação horrível que fazia meu corpo tremer fosse apenas algo da minha imaginação.
- Achamos que sim, digo, é o que temos no registro aqui no castelo. Mas ninguém o chama assim há anos. Como você sabe disso, ?
Suspirei. Passando a mão no rosto para secar um suor que não existia.
- Eu sei, porque ele me pediu para chamá-lo assim.
- Ele pediu? - a surpresa de só fez tudo piorar. - Ele não deixa ninguém o chamar assim. Quero dizer, ninguém com exceção de você.
Suspirei. Levantando-me do lado de e seguindo até o chá. Preferindo sentar-me na cadeira para bebericar o mesmo. Pelo menos eu só havia provado o vinho.
- Foi tudo muito estranho. Parecia que ele queria só me ver. Era como se não tivesse nada de importante para comunicar.
- Nenhuma das vezes realmente teve, não é?
- Sim, mas… - estava certo, tudo que foi conversado pessoalmente com o Chefe podia ser feito por cartas, com exceção, do juramento de sangue, que eu sinceramente preferia que não tivesse acontecido. Levei minha mão à discreta cicatriz que tinha na outra palma, passando o dedo ali. Já estava totalmente fechado, deixando apenas uma pequena e sobressalente linha.
- Ele tocou em você? - eu conseguia ver o quanto estava se esforçando para soar calmo.
- Não. É claro que não. - falei, mas então me lembrei do beijo em minha mão. - Mas ele foi legal. Nos serviu vinho e era como se ele quisesse impressionar.
engoliu em seco.
- Você pode me dizer exatamente o que aconteceu? - seu tom já não estava mais tão controlado.
- Quando eu cheguei aqui… - e então eu contei tudo. Literalmente tudo. Contei sobre o local, sobre a chantagem com o dono da quitanda, sobre a garagem, os portões e, claro, tudo o que eu descobri sobre o exército do Chefe, ou devo dizer Antony?
O príncipe me escutou atento, sem me interromper nenhuma vez. O que me deixou um pouco incomodada, ele não ia mesmo comentar?
- E então eu entrei aqui, encontrei com as meninas e menos de um segundo depois você entrou correndo pela porta. - falei, tomando mais um gole do chá.
- Desculpe por isso. Não fui muito educado, mas estava mesmo preocupado. - ele disse sem jeito, me fazendo sorrir.
- Eu fico feliz que tenha vindo. E principalmente que tenha sentido minha falta. - abri ainda mais o sorriso.
- Foi sorte, . Eu queria dizer que não, mas foi. - ele suspirou. - Mas eu vou lidar com isso. Com tudo isso. Amanhã vou falar com Serena, com os assessores… As coisas vão mudar. Eu prometo.
Assenti. Sem saber como responder aquilo.
- Minha mãe ficou admirada com a sua ideia sobre Natalie. - ele disse, quebrando o silêncio. - O que fez meu pai ser facilmente convencido. - ele riu, me fazendo rir fraco também. - Ícaryo e a família vão embora assim que amanhecer e Natalie está basicamente confinada no próprio quarto. O que a fez chorar de alívio.
A ideia me fez rir.
- Obrigada por fazer isso por mim. - falei, vendo-o se levantar da minha cama e caminhar até a cadeira à minha frente, sentando-se.
- Na realidade você estava certa, . Não me entenda mal, eu teria lutado pela ideia por você, mas eu não precisei. Foi mesmo uma boa saída. Meus pais ficaram assustados com a coragem de Ícaryo e felizes por fazerem esse favor aos amigos. Allyce é amiga da minha mãe, então qualquer coisa que evitasse o filho dela de ser levado à forca, seria feito.
- Eu imaginei.
- Foi mesmo inteligente. - ele concordou, me analisando com os olhos.
Capítulo 27 - Soldados
Só pela luz e brisa entrando pela janela, eu soube que minhas criadas haviam me deixado dormir até mais tarde. Apesar de eu conseguir sentir a movimentação delas pelo meu quarto, fiquei com os olhos fechados por mais alguns minutos, apenas apreciando estar ali. Apreciando o calor que vinha dos raios de sol que passavam pelas cortinas parcialmente abertas e até mesmo o discreto barulho das minhas amigas nos seus afazeres matinais. Eu estava realmente cansada, pois não havia percebido nada daquilo até então.
- Bom dia, meninas. – disse sorridente, abrindo os olhos a tempo de ver Elise dar um pulo assustada, fazendo Meri rir, mesmo que disfarçadamente.
- Bom dia, . – Elise disse afetada, também rindo, com a mão no peito devido ao susto. – Dormiu bem?
- Muito bem, obrigada! - falei, segurando a risada, afinal não era meu objetivo assustar. - O que está acontecendo hoje que passamos do horário? – perguntei, sentando-me na cama e me espreguiçando, sentindo o restinho do sono gostoso deixar meu corpo.
- Nada. O príncipe liberou o café da manhã e disse que podíamos deixar as Selecionadas dormindo. - Elise disse, estrategicamente olhando para meu armário em vez de para mim. Apesar de saber que ela estava ocupada organizando meus vestidos, senti que aquilo significava alguma coisa.
- Ele inclusive passou aqui, há alguns minutos. - Meri completou.
- Passou aqui? Por quê?
- Queria vê-la, mas não quis que a acordássemos. - Elise tentou disfarçar, mas não adiantava, eu sabia que havia algo errado. A postura das duas e a forma que desviavam a atenção de mim… Era óbvio que nenhuma das duas estava agindo normalmente. Eu já conhecia aquelas mulheres o suficiente para ler suas ações.
- Certo… Agora me contém o que vocês estão escondendo. - pedi, tentando não usar um tom autoritário, rindo da expressão de inocência de ambas, provando que eu estava certa. Ficava me perguntando se Cleo, que não estava no meu quarto devido a suas tarefas com o vestido do juramento, teria conseguido esconder melhor que elas. - Não tentem me enganar.
Então Elise olhou para Meri, claramente repreendendo-a por ter dito que o príncipe havia passado, mas a segunda apenas deu de ombros, deixando claro que ela só tinha dito a verdade.
- E então? – perguntei de novo, afinal nenhuma das duas havia me respondido.
- O príncipe que quer lhe explicar, senhorita. – Elise tentou.
- Me explicar o que?
- Você tem um guarda particular agora. – Meri falou, claramente incapaz de me esconder algo.
- Como? – a minha surpresa também era esperada pelas duas, que depois de praticamente um mês de convívio comigo, já me conheciam o suficiente para saber que aquela notícia não seria bem-vinda. Então eu finalmente consegui entender toda aquela recusa em me contar o que estava acontecendo, já que elas sabiam que eu ficaria insatisfeita.
- As outras Selecionadas também tem. – Elise garantiu, mas eu suspirei.
- Até que demorou. – resmunguei, finalmente me levantando da cama. Eu sabia o porquê de os guardas estarem ali. Eu conseguia lembrar a preocupação de na noite anterior e de suas promessas de que tudo ficaria bem, de que eu ficaria segura. Eu realmente esperava que o príncipe tivesse outras opções, mas talvez não houvesse mais nenhuma. – Só espero que não seja alguém insuportável.
- Não é, senhorita. – Meri garantiu rápido, deixando evidente em sua expressão que ela, na verdade, achava meu novo guarda particular no mínimo interessante.
- Certo. Vou acreditar em você. – falei, rindo de suas bochechas levemente vermelhas. – Podem deixar que eu preparo meu banho, vocês estão muito ocupadas nos últimos dias.
- Sem chance. – Elise disse, já indo em direção ao banheiro comigo, ocupando-se em preparar tudo. - Estamos aqui para isso.
Quase uma hora depois eu já estava pronta, sentada na varanda ocupada com uma xícara de chá e o livro dado pela rainha Ariele, eu já estava quase terminando a biografia da primeira rainha de Ynter. Enquanto isso, Elise terminava de organizar o quarto sozinha, já que Meri foi até Cleo ajudá-la com o vestido. Faltava apenas cinco dias para o Juramento à Bandeira e, com todos os acontecimentos no castelo, elas estavam atrasadas.
- Senhorita, precisa de algo mais? – Elise interrompeu-me, já no último capítulo.
- Não. Pode ir, Elise. Antes que esse vestido decepcione vocês. – eu brinquei. – Vocês sabem que eu não me importo se ele não ficar pronto, não é? Podemos simplificá-lo muito.
- Não se preocupe. – Elise riu. – Nós não estamos tão atrasadas assim, mas você sabe como é Cleo, ela queria que ele ficasse pronto com muita antecedência, para ajustarmos tudo.
- Tudo por causa de uma competição... – joguei no ar, rindo.
- Claro que não, . Tudo por sua causa. Queremos agradecer o que você fará por nós. – ela sorriu, tomando a liberdade de sentar na cadeira ao meu lado, que havia sido colocada ali para eu esticar meus pés, algo que eu não fiz. – Você mudará nossas vidas.
- Vocês entendem que ainda pode dar tudo errado, não é? – perguntei, mas o sorriso estava preso aos meus lábios. Eu estava mesmo feliz por aquilo, por elas terem aceitado a ideia e terem entendido a mudança que isso significava.
- Sim, mas só a opção... É uma honra.
- Elise, posso lhe fazer uma pergunta?
- Claro, , qualquer uma.
- E seu marido? Você já pensou sobre isso?
- Já sim, senhorita. Eu não contei a ele, como você pediu, mas eu já pensei. Eu amo Robson e farei de tudo para conseguir que ele suba de casta também. Eu perguntei para alguns conhecidos, principalmente soldados, e não é contra a lei, sabe? O casamento já foi feito e permanece. Trabalharei para a senhorita com muito orgulho até poder comprar uma casta para ele, mesmo que não seja uma Dois.
- Você tem certeza? Não quero que faça nada que vá prejudicá-la.
- Absoluta, . Mudar de casta vai afetar minha geração inteira, mesmo que nesse caso meus filhos fiquem com a casta menor, eu terei dinheiro para sustentá-los sem problema nenhum. Não preciso de luxo, . O castelo é meu lar e, enquanto você permitir, continuará sendo.
- E o que você acha sobre Meri e Cleo? Elas têm alguém?
- Meri tem o irmão, senhorita. Ela disse que vai ajudá-lo com dinheiro também. O namorado que ela tinha, já não tem mais, pelo que parece. E isso não a incomodou. – ela ressaltou, quando viu minha reação. – Cleo é um pouco sozinha aqui, . A família dela não gostou muito quando ela conseguiu trabalhar aqui, afinal já foi uma forma de abandono para eles. Quem trabalha no castelo, vive no castelo. Então acho que ela está mesmo maravilhada.
Antes que eu pudesse responder, Elise foi interrompida por uma batida na porta, fazendo-a sorrir cúmplice para mim antes de ir atender. Analisei a cena um pouco nervosa, os sulistas não viriam novamente, não é?
- Certo, obrigada soldado Grey. – ela disse, fechando a porta e sorrindo ao me ver encarando-a da sacada. - Você tem um almoço com o príncipe em meia hora.
Sorri, mais pela alegria de Elise do que por qualquer outra coisa. Era perceptível que elas torciam ainda mais por mim e que eventos como aquele só lhe davam esperanças. Consegui convencer Elise que podia gastar alguns minutos terminando de ler o livro, antes de me levantar e deixá-la retocar minha maquiagem já boa e pentear meu cabelo que permanecia em um coque praticamente intacto. Sendo assim, eu estava perfeitamente apresentável quando bateu na porta.
- Alteza. – Elise se reverenciou antes de abrir totalmente a porta e me deixar encará-lo. tinha um belo sorriso nos lábios, mas bastava olhar para sua postura para saber que algo o incomodava. Ele parecia nervoso, provavelmente prevendo minha reação ao saber da notícia, afinal eu tinha certeza de que sabia que eu não gostaria dos guardas. Entretanto, depois da noite anterior, a ideia de ter alguém me vigiando 100% do tempo já não me parecia tão horrível.
- Bom dia. – ele disse, cordial. – Você está linda, .
- Obrigada, Alteza. – respondi estranhando aquela atitude. Eu usava um vestido rodado simples, rosa bebê, de alças finas e aplicações na saia. Eu tinha certeza de que já havia me visto em roupas muito mais bonitas que aquela, como a da noite anterior. - Mas agradeça a Elise, que depois de eu estar pronta desde cedo, me fez retocar tudo. – falei, revirando os olhos de forma teatral, rindo junto com o príncipe.
- Pois bem. – ele se virou para Elise, que ainda permanecia em pé, segurando a porta aberta. – Eu agradeço, senhorita Elise, por me lembrar como eu sou um homem de sorte. – ele deu um sorriso brincalhão.
- É uma honra, Alteza. – Elise fez uma reverência novamente e, apesar de eu não conseguir ver seu rosto, eu sabia que havia um enorme sorriso ali. Não sei se era a intenção de , mas eu sabia que, para Elise, ele havia acabado de confirmar que me escolheria.
- Então vamos? – o príncipe me olhou, ainda parecendo feliz pelo próprio comentário. Foi impossível não sorrir com a cena, afinal o príncipe herdeiro estava orgulhoso de seu galanteio. Aquilo me fazia imaginar como era a vida amorosa de antes da Seleção.
- Sim. – concordei, sorrindo e despedindo-me de minha amiga enquanto aceitava o braço de para caminharmos juntos. - E aonde vamos? – perguntei assim que Elise fechou a porta.
- Suas criadas falaram algo sobre novos guardas?
- É claro que sim. – respondi óbvia e ri quando assentiu, nem um pouco surpreso.
- Eu supus que isso ia acontecer. Apesar de ter pedido para deixarem por minha conta.
- Elas sempre estarão do meu lado, Alteza.
- Fico feliz por isso. – ele sorriu de forma verdadeira.
- E então? Guardas? - segui com até as escadas, estranhando quando ele indicou que deveríamos subir e não descer.
- É necessário, . – ele disse, arrumando a postura. estava mesmo incomodado com algo. E pela forma descontraída que falava sobre os guardas, senti que podia ser outra coisa.
- Você está bem?
- Sim. – ele deu de ombros, como se não entendesse o motivo da pergunta. – Você terá um guarda com você o tempo todo a partir de hoje, . Compreende isso? – era evidente para mim que a resposta da minha pergunta não havia sido totalmente sincera, mas se não queria falar sobre aquilo, acreditava que era meu dever respeitar.
- Sim, eu… Eu sinceramente não gosto, mas ao mesmo tempo sei que é o melhor. Sei que é mais seguro.
- Você tem razão. Sei que não gosta de ser vigiada, mas depois de ontem à noite... Estamos com muitos guardas no castelo e ainda sim encontraram uma brecha para te tirar daqui. O que é completamente inadmissível. – ele respirou fundo, cansado. - A partir de hoje teremos um guarda responsável por cada Selecionada, ainda mais porque precisava achar um jeito de ficar de olho em Natalie. – ele disse, sorrindo sem os dentes. Concordei. Não havia pensado nisso. Enquanto eu, Anne, Aurora, Lauren e Samantha teríamos uma guarda para nossa proteção, Natalie teria um para impedir que ela fizesse mais uma burrada.
- Tudo bem. – falei, colocando a mão levemente sobre a de , o qual ainda tinha o braço preso ao meu, tentando confortá-lo. - Eu concordo.
- Fico feliz. - ele sorriu de lado, como se partilhasse uma piada interna, feliz por eu ter sido tão fácil. - Eu e Serena decidimos lhe apresentar todos os guardas hoje. Afinal, precisamos fazer escalas para não deixar faltar nenhum horário. Não queremos que ninguém entre disfarçado, por isso, todo mundo saberá quem são seus guardas. – ele dizia calmamente. - Você não será pega desprevenida, . Todos os homens aqui dentro foram escolhidos por mim e Serena a dedo. Decidimos cuidar disso juntos.
Olhei para sem entender o motivo dele enfatizar tanto o nome da rebelde, então apenas concordei quando ele parou em frente a porta que eu sabia levar para a sala de reuniões. Engoli em seco instintivamente. Aquela sala me dava um pouco de arrepios.
Assim que abriu a porta, eu senti meus lábios se abrirem um pouco em sinal de surpresa, além de Serena, havia cinco homens ali, todos uniformizados com o uniforme da guarda real, lado a lado, o único problema é que um deles era Drew. Pisquei algumas vezes. O que Drew fazia ali?
- ! – Serena se aproximou, me dando um abraço assim que entrei na sala. Algo que ela sempre fazia quando queria cochichar algo em meu ouvido. – Ele insistiu. – ela disse tão baixo que nem , ao meu lado, pode ouvir. – Como você está?
- Bem, e você? – perguntei, querendo revirar os olhos. Eu não ligava quanto Drew havia insistido, o que ele estava fazendo no castelo como membro da guarda real?
- Estou sim, obrigada. Mas você tem certeza de que está bem? Soube que você teve grandes aventuras ontem à noite. – ela disse, mesclando a preocupação com a brincadeira. – Temos que conversar sobre isso depois.
- Sim, tenho certeza. Obrigada. - falei, deixando claro meu desgosto. Não conseguia crer que ela era capaz de fingir que estava tudo bem, muito menos que ela deixaria Drew, a pessoa que eu lutei para manter viva, fazer parte da guarda real. Aquilo era inadmissível.
Serena fingiu não notar meu tom rude, sorrindo para mim e voltando a encarar os cinco homens parados lado a lado. Aproveitando a deixa, olhei para erguendo a sobrancelha. Era sério que ele, justo ele, deixaria Drew fazer parte da minha guarda? que sabia sobre os sentimentos de Drew e que sabia que ele havia sido um sulista. Entretanto, mesmo com meu olhar, o príncipe não demonstrou qualquer coisa, nenhum sinal de desculpas ou arrependimento. Ele só me olhou, imponente, sério e indiferente. Ótimo. estava sendo o futuro rei em frente aos seus homens e eu até conseguia entender, mas precisaria me esforçar mais para me acostumar com as diferentes personalidades.
- , esses são os soldados: Grey, Prince, Allen, Miller e, como você já sabe, Samek. – , que claramente não falaria nada na frente dos homens, tomou a liberdade de me apresentá-los. Suspirei. Aquilo estava mesmo acontecendo? Será que eu teria dito para que Drew admitiu gostar de mim, se eu soubesse que aquele momento chegaria? Será que se eu tivesse contado ao meu amigo que sabia sobre seus sentimentos, ele teria insistido em estar ali?
Respirei fundo. sabia a verdade e mesmo assim aceitou Drew, eu não pedi por aquilo. Ao mesmo tempo, meu amigo sabia sobre o que acontecia entre mim e o príncipe e resolveu aparecer. Logo, eles deveriam arcar com as consequências de suas escolhas. Entretanto, eu não estava disposta a sacrificar Drew. Não se eu achasse que ao meu lado ele corria algum tipo de perigo. Respirei fundo, assentindo para e sorrindo para os homens à minha frente, decidindo lidar com Drew mais tarde. Após olhar todos eles com mais atenção, percebi que conhecia dois deles. Por um segundo precisei olhar duas vezes, mas então eu tive certeza.
- Soldado Prince e Muller, se não me engano, vocês já salvaram minha vida uma vez. – falei, já sorrindo. – Estou certa? - Drew saiu de sua pose e olhou para eles de soslaio, fingi não notar. Talvez meu amigo não tivesse certeza do que o esperava.
- São eles. – confirmou, mostrando um sorriso pela primeira vez desde que entrou naquela sala. – Na verdade, é por isso que estão aqui.
- Fico feliz. Quero dizer, espero que estar aqui seja um tipo de promoção. – brinquei, arrancando risada dos dois. - Obrigada. Não agradeci como deveria, então muito obrigada, de verdade. – falei, sorrindo para eles, e estendi a mão para Fred. Fred Prince e Gabe Muller foram os responsáveis por me tirarem da floresta no primeiro ataque sulista.
Fred olhou para minha mão um pouco assustado, estranhando aquela atitude tão íntima, mas então sorriu, apertando-a forte.
- Pode contar conosco, senhorita.
- Obrigada. – falei novamente, soltando a mão de Fred e pulando o soldado Allen para cumprimentar Gabe Muller.
- Pode mesmo. – Gabe sorriu, também apertando minha mão. Sorri de volta, realmente feliz por ter escolhido eles.
- Soldado Grey, certo? – perguntei para o primeiro homem na linha, o qual eu não conhecia, mas pelo nome supus ser o guarda que Meri achava “legal”. Conseguia entendê-la, o soldado Grey, que descobri se chamar Kevin, era um homem jovem, mas um pouco mais velho que Drew, loiro, alto e de olhos castanhos. Era mesmo bonito, o que claramente não passou despercebido por minha amiga. – Muito prazer.
O homem também apertou minha mão, sorrindo cordial. O soldado do meio, Kyle Allen fez o mesmo, parecendo o mais velho entre eles. E então eu parei na frente de Drew, com ao meu lado.
- Drew. – cumprimentei, sorrindo. – Não sabia que havia treinado para ser soldado.
- Não treinei. – ele disse, dando de ombros. – Mas passei nos testes.
- Pois é, o soldado Samek é um novo recruta. – interveio. – É um prazer. – ele disse, estendendo a mão para Drew. Notei então que era a primeira vez que eles estavam se vendo. O que me surpreendeu e muito.
- Alteza. – Drew cumprimentou, aceitando o aperto de mão, mas sem fazer qualquer reverência.
- Então... ... O que acha? – Serena interveio, fazendo todos olharem para ela, automaticamente dando motivo para Drew e soltarem as mãos. – Kyle aqui também é um dos nossos. Acho que o príncipe deve ter comentado que decidimos dividir sua proteção.
Olhei para o soldado Allen, ele era um nortista também então. O que me fez, por um segundo, me perguntar se aqueles homens sabiam toda a verdade. Será que eles tinham noção de quem estavam protegendo? Bem, Drew e Kyle com certeza tinham.
- Achamos mais seguro. – comentou, antes que eu pudesse perguntar como eles conseguiram colocar dois nortistas na guarda real. – Fred e Gabe já provaram seu valor, Kevin é um amigo muito próximo, – o soldado Grey sorriu para mim quando o príncipe falou sobre ele – Serena coloca sua mão no fogo por Kyle e, bem, você conhece Drew.
Eu realmente fiquei impressionada com a capacidade de de parecer tão neutro e indiferente a toda aquela situação. Eu realmente cheguei a pensar que ele não se importava com a presença de Drew ali. Será que eu teria que aprender a agir assim para ser princesa?
- Eu gostaria de agradecer a todos. – sorri. – Prometo que não vou dar muito trabalho.
Drew e soltaram uma risada fraca ao mesmo tempo. O que fez ambos se olharem e ficarem em silêncio imediatamente, claramente infelizes por compartilharem da piada.
- Já vimos do que a senhorita é capaz, senhorita . – Gabe falou, sorrindo e, de forma leve e inteligente, quebrando o clima.
- Gabe tem razão, senhorita . Aquele dia na floresta teve muita atitude da senhorita.
Sorri, assentindo. Talvez eles tivessem razão, talvez naquele dia minha atitude idiota tivesse mesmo surtido efeito, mas eu sabia que seria imprudente fazer novamente.
- Certo. Acho que acabamos por aqui. – Serena comentou. – Eu realmente queria conversar com você, . Além disso, Kyle e Drew ainda precisam resolver algumas coisas lá no abrigo.
- Na verdade, eu tenho um almoço preparado para nós. – o príncipe interveio. – Acho que precisa entender como as coisas serão a partir de agora.
Olhei para o príncipe confusa, percebendo que quando ele dizia “nós”, havia incluído Serena.
- Certo, tudo bem. – Serena disse, concordando.
- Vocês já têm a escala. Estão liberados. – disse, fazendo os homens, com exceção do soldado Grey, saírem pela porta. Drew apenas sorriu para mim, claramente se segurando para não se aproximar, antes de seguir seus novos parceiros.
- Imagino que a escala comece com você, soldado Grey. – falei tentando soar simpática.
- Sim, senhorita.
- Pois bem, então bem-vindo à minha vida. – disse, ainda sorrindo, apesar da minha felicidade claramente não ser uma das maiores. Mas minha atitude arrancou uma risada de Serena.
- Isso que você disse que seria fácil.
- Está errada. Eu disse que não daria muito trabalho, o que é, na minha opinião, longe de ser fácil. – brinquei, piscando um dos olhos para a mulher. Afinal, eu realmente achava que não daria muito trabalho me acompanhar pelo castelo, mas se eles esperavam ser bem-vindos a ponto de eu convidá-los para um chazinho, estavam enganados.
***
estava falando sério quando disse que queria me atualizar sobre tudo. Saímos da sala de reuniões grande e metalizada para uma sala um pouco menor, dessa vez decorada como eu imaginava que seria uma sala de reuniões dentro de um castelo. A sala, que ficava cerca de cinco portas para o outro lado do corredor, era mobiliada basicamente com uma mesa circular para umas seis pessoas e um aparador mais ao canto, além de três grandes janelas que ocupavam toda a parede oposta à porta. No resto, a decoração combinava com os corredores do castelo, com um lustre, alguns quadros e cortinas grossas que, para a minha sorte, estavam completamente abertas, permitindo uma vista do jardim. Na mesa, nosso almoço nos esperava, pelo menos eu supus que sim, já que havia três pratos, cobertos cada um por um cloche, organizados juntos a taças e uma garrafa de vinho.
Assim que estávamos devidamente servidos, dispensou o mordomo e pediu para o soldado Grey esperar do lado de fora. Enquanto comíamos, o príncipe contou tudo o que estava planejando com Serena. Percebi que incluir nortistas na minha guarda particular foi mais uma exigência da mulher do que um combinado, pois a nortista claramente não confiava mais na guarda real.
Só que também não. Ele e o soldado Grey ficaram muito amigos durante as aulas de treinamento de luta do príncipe, e dizia sem nem hesitar que colocaria sua vida nas mãos de Grey e, por esse motivo, ele era o chefe do meu grupo. Então, considerando o histórico de Fred e Gabe com os sulistas, todos os meus guardas estavam do meu lado. Aquilo realmente me fez relaxar. Além disso, me passou como seria a organização não só dos meus guardas, como de todos os responsáveis pelas Selecionadas. Ficou extremamente claro que apesar de serem bons guardas, os guardas das outras meninas não haviam passado pela mesma análise que os meus. Aurora também tinha nortistas consigo e Natalie estava sendo bem limitada na sua circulação pelo castelo, mas eu basicamente deveria confiar apenas nos meus guardas.
- Além disso, temos que conversar sobre o Juramento à Bandeira. – falou, olhando-me nos olhos, preocupado. – Você acha que o que o Chefe disse é verdade?
- Não. – respondi sem hesitar. – Digo, ele estava mesmo tentando ser simpático e falou a verdade sobre a ameaça ao verdureiro, mas não acho que seja tão simples relacionado ao Juramento à Bandeira.
- Ele falou mesmo para você chamá-lo de Antony? – Serena intrometeu-se, claramente querendo fazer aquela pergunta desde o momento que me viu.
- Sim. – respondi, olhando para , que dessa vez pelo menos parecia levemente envergonhado por ter contado tudo tão rapidamente, repreendendo-o. - Mas eu obviamente não vou chamar.
- Talvez você devesse.
- Como é? - perguntei incrédula com a resposta da rebelde.
- Acho que seria mais seguro. - ela disse, dando de ombros. - Já pensou o que ele faria se fosse rejeitado?
- Nada, Serena. Vocês escutaram quando eu disse que expliquei muito bem a minha situação com o Chefe, não é? Além do mais, ele sabe que eu preciso virar rainha antes dele pensar em se casar comigo. - falei, irritada. Eu estava cansada daquilo.
- Sim. Mas ainda assim, , você precisa cuidar como o trata.
- Eu cuido. - disse, simplesmente. , pelo menos, não expressava nenhuma opinião sobre o assunto. - O que faremos a respeito do Juramento à Bandeira?
- O Juramento à Bandeira, como sempre, terá a presença dos nobres e do público. É impossível barrar a entrada das pessoas, mas facilita o controle das armas. Não sei se existe a chance de eles agirem, nesse caso. - falou, claramente aceitando minha deixa para tocar no assunto.
- Muitas das pessoas que virão serão nortistas. - Serena afirmou. - Estamos nos preparando para ficar na fila desde cedo.
- Isso é bom. - assenti. - Mas é sério que as pessoas ficam na fila para entrar?
- Sim! E o resto do povo, que não consegue entrar, fica vendo tudo lá de fora. A cidade fecha, . Em qualquer evento real é assim. As pessoas vão às ruas e nós televisionamos tudo ao vivo, nesse caso. - o príncipe parecia empolgado, feliz.
- Ao vivo? - só a ideia de fazer algo errado na frente do país todo, me fazia vacilar.
- Não se preocupe, vai dar tudo certo. - garantiu, sorrindo. Suspirei. A rainha tinha razão, seria um tipo de rei, e até de marido, que ajuda sua rainha.
- Se os sulistas entrarem, o país todo saberá que eles existem. - falei, mesmo sabendo que provavelmente e seu governo já haviam pensado naquilo.
- Só se eles nos atacarem. O que não vai acontecer. - ele afirmou.
- Eu acho que nesse caso, o príncipe tem razão. - Serena falou, me tranquilizando.
- E sobre o exército dos sulistas. Vocês acham que eles têm mesmo mil homens?
- Acho que tem mais. - Serena respondeu primeiro. - Se ele lhe admitiu mil, deve ter no mínimo dois mil.
- Como?
- Concordo. Estamos analisando os dados que temos, os nortistas têm muita informação também. Estamos supondo dois mil homens. - admitiu.
- É muita gente. - engoli em seco, só imaginando o que seria ser traidora de um exército de dois mil homens.
- Nós somos três mil, . - Serena afirmou. - Você tem um exército de três mil pessoas ao seu lado.
Olhei para ela abismada.
- Hoje, no total, por todo o país, temos cerca de cinco mil soldados alistados. Claro que muitos não lutam mais e não podemos deixar as Províncias sem segurança, mas ainda é muita gente. - o príncipe explicou.
- Se temos tantas pessoas, por que os sulistas acham que podem acabar com o governo?
- Eles não acham. Digo, não na força bruta. Eles precisam de outra opção. Foi por isso que vieram atrás de você. - Serena falou como se explicasse para uma criança.
- Você também? - perguntei, encarando-a.
Serena respirou fundo.
- Não. Fomos atrás de você para fazer o príncipe aqui firmar nosso acordo, já tínhamos decidido nosso lado, nosso objetivo. - ela disse, sem vergonha. - Já tínhamos um plano. E você foi parte dele. Você e, em outra realidade, Aurora.
Pisquei algumas vezes, concordando. Eu já sabia daquilo, então por que ouvir Serena dizendo me deixava tão chateada? Eu sabia que era apenas uma moeda de troca, apenas algo para obrigar o príncipe a se comprometer. Mas ao mesmo tempo, enfrentar tudo o que estava se tornando a minha vida para ser apenas uma garantia, pesava mais do que eu havia imaginado.
- Eu entendo... Temos algo mais para conversar? - perguntei, já retirando o guardanapo do colo para me levantar. Eu não estava brava e, também, não queria me rebelar contra Serena e , mas eu estava cansada. Eu simplesmente estava cansada daquilo, dos sulistas, da realeza e das armações. Eu queria, pelo menos por um segundo, paz.
- Você não terminou de comer, . - disse, assim que percebeu que eu deixaria a mesa.
- Terminei sim. - falei, mantendo meu melhor sorriso. - Estou satisfeita, obrigada. E então?
- Eu só gostaria de conversar com você a sós depois. - a rebelde disse, deixando claro que no momento não havia nada para dizer. Eu conseguia ver na expressão de Serena que ela não estava contente com minha atitude, mas eu sinceramente não ligava, não naquele momento.
- Alteza?
- Pode sair, . - ele disse derrotado, parecendo sem vontade de insistir. Concordei, eu estava cansada daquilo tudo. Cansada da noite anterior, da politicagem e dos guardas. Estava farta dos rebeldes, incluindo os do norte. Serena, que deveria estar do meu lado, não se preocupou em impedir Drew de vir para o castelo, nem de me avisar com antecedência sobre o assunto. Mostrando que ela estava do meu lado apenas quando era o mesmo que o dela. Eu sabia que estava sendo birrenta, mas sinceramente? Naquele momento eu não ligava.
- Tenham um bom almoço.
Levantei-me da mesa cuidando para não parecer tão irritada, sorri novamente e saí em direção a porta, encontrando o soldado Grey a minha espera do lado de fora.
- Você podia ter sido mais delicada. - eu e o soldado Grey conseguimos ouvir falando com Serena pela porta.
- Eu fui sincera. Foi o que ela pediu para fazermos.
O homem ao meu lado não expressava qualquer coisa, mas eu sabia que ele havia ouvido, não só aquela parte, como provavelmente toda a nossa conversa. Respirei fundo, caminhando em direção ao meu quarto, sentindo-o ao meu encalço. Serena tinha razão. Eu queria a sinceridade de todos eles, mas a realidade é que, a verdade às vezes dói. Apesar de ter dormido muito mais durante a manhã, eu me sentia cansada. Obviamente eu ainda não havia me recuperado do dia anterior, de Ícaryo e Natalie, da conversa com e com o Chefe, ou seria Anthony?
Percebi que com a sequência de eventos eu não tive tempo sequer para sentar e refletir sobre o que tudo aquilo significava. Sobre tudo o que havia acontecido em tão pouco tempo. Não tinha conseguido digerir tudo o que havia dito, nem o que significava aquele anel recém-adquirido em meu dedo.
havia me dado um presente, logo depois de ter afirmado que não gostava de Samantha ou Lauren. O príncipe havia deixado claro que, apesar de ter mentido para mim, estava arrependido e eu acreditava nele. também havia seguido minha ideia sobre Natalie, a qual havia beijado Ícaryo, o que me deixava orgulhosa, não só dele, como de nós. Ícaryo, que me usou para afetar o príncipe, nem estava mais no castelo, saiu antes mesmo que eu acordasse naquela manhã, e Natalie, que poderia ter sido morta, estava bem, presa ao próprio quarto, mas muito bem. E havia o Chefe, que conseguiu me levar para fora do castelo no meio da noite sem nenhum problema. Aquilo era aterrorizante. Era meio ridículo saber que aquilo era mesmo possível, que apesar de dúzias de guardas naquele castelo, alguém conseguia sair daquela forma.
Ainda havia o encontro que foi estranho. Era como se o Chefe tivesse mudado completamente. Ele parecia preocupado, não apenas com as aparências, mas com minha opinião sobre ele. Era como se ele quisesse me agradar, como se ele realmente acreditasse que nós teríamos um futuro e que matar a família real era apenas um obstáculo no nosso caminho. Apesar de estar feliz por ser melhor tratada e ter menos chance de ser morta pelos sulistas, nada era mais aterrorizante que as chances de me casar com aquele homem. Engoli em seco.
E por fim, mas não menos importante, havia Drew, que além de ter me beijado escondido no castelo e ter descumprido diversas leis reais, fazia parte da minha guarda particular. Suspirei. Os próximos dias no castelo seriam difíceis.
- Obrigada. - falei para o soldado Grey, que havia acelerado o passo para passar na minha frente, e abria a porta dos meus aposentos para mim.
- De nada, senhorita. - ele disse sorridente, me deixando entrar antes de fechar a porta atrás de mim.
Meu quarto estava vazio. Apesar de estar com certa pena do trabalho extra que as meninas haviam criado para si, eu estava contente por ficar tão sozinha nos últimos dias. Qualquer mínimo intervalo que elas encontravam entre manter meu quarto limpo e me arrumar, as três corriam para fazer o vestido.
Assim que abri mais as cortinas para ter acesso não apenas a luz, mas ao vento vindo lá de fora, eu tive uma ideia. O dia estava incrivelmente bonito e, pelo que a rainha havia dito, não teríamos tarefas até o Juramento à Bandeira, por isso, apesar de ter muito o que pensar, eu decidi que tiraria a tarde para mim. Estava farta de tentar entender , Drew e até o Chefe. Estava cansada de ouvir Serena me dando lições e criando desculpas para justificar todas as suas decisões duvidosas. Estava cansada de lembrar de com as outras Selecionadas e sua indiferença perto de Drew. Estava cansada daquilo tudo. E foi por esse motivo que peguei o segundo livro enviado pela rainha, o qual era literalmente uma história de ficção, o lençol da minha cama arrumada e saí porta afora.
- Percebi que sua presença me dá ideias novas, soldado Grey. - falei para ele sorridente, caminhando feliz em direção ao jardim segurando um livro e um lençol embolado. O soldado Grey me seguiu, sem dizer uma palavra.
Fiquei feliz por aquilo. Achava que ele barraria minha ida ao jardim, mesmo sendo início da tarde, mas ao contrário disso, o soldado Grey caminhou comigo até um canto longe da entrada do castelo, perto de algumas árvores que nos davam sombra, e me ajudou a esticar o lençol sobre a grama seca. Minutos depois eu me encontrava deitada no lençol, curtindo o calor e o vento de Ynter, ocupada com o livro enviado pela rainha, enquanto o soldado Grey me protegia apoiado em uma árvore.
A sensação era maravilhosa e o livro também. A rainha havia escolhido uma história de ficção muito parecida com a Seleção que vivíamos, mas nas páginas escritas pelo homem que não me recordo o nome, o príncipe herdeiro não tinha um evento televisionado para escolher sua futura princesa, mas sim pretendentes da sua corte. Era incrível como aquele livro me fazia esquecer o mundo em que eu vivia.
O sol já estava mais fraco quando escutei o bipar do pager do soldado Grey, eu já havia passado da metade do livro e já conseguia entender por que a rainha havia me dado ele, o príncipe herdeiro do livro estava em dúvida entre duas donzelas: uma que lhe fazia querer uma vida fora do castelo, com aventuras e regalias, e outra que lhe mostrava não apenas seus deveres como príncipe, mas os prazeres que aquilo podia lhe proporcionar. Eu estava torcendo para que o príncipe herdeiro percebesse que o que importava mesmo era o amor, mas só por a rainha ter me enviado o livro, eu já imaginava quem ele iria escolher. Havia acabado de terminar um dos capítulos quando vi o soldado Grey arrumar a postura e tirar o pager do bolso do uniforme, sua expressão ao ler o que estava escrito no pequeno visor foi levemente engraçada.
- Tudo bem?
Ele me olhou surpreso, como se não tivesse percebido que eu, apesar de ainda segurar o livro aberto, o encarava.
- Sim, estão só checando. - ele falou, colocando o pager novamente no uniforme e arrumando a postura. - Não se preocupe, é normal. Na realidade, isso vai acontecer sempre, senhorita . - ele explicou. - Eu sou o responsável pela sua segurança, então eu sempre vou confirmar com meus homens se vocês estão bem. Todos já estão cientes disso e o pager vai basicamente ajudar nisso, temos alguns códigos também. E se algum dia não recebermos resposta do homem com você, iremos atrás imediatamente.
- Mas você acha que eles podem não ser confiáveis?
- Não, senhorita. - ele afirmou sem hesitar. - Mas algo pode acontecer com você e seu guarda. - ele disse como se fosse óbvio e até que era, mas não tinha cogitado a hipótese até aquele momento. Eu achava que só a presença daqueles homens seria o suficiente, mas eu já havia visto os sulistas matarem para conseguir o que queriam, não tinha dúvidas que fariam novamente.
- Eu… - parei, sem saber como completar a frase. Como eu responderia aquilo? Estava longe de querer que as pessoas corressem risco por minha causa ou minhas escolhas.
- Não se preocupe, senhorita. Nós somos treinados para isso. Além do mais, achamos que os sulistas não tentarão entrar em contato com a senhorita conosco aqui, pois poderia, sabe, estragar seu disfarce. - ele disse, me provando que o soldado Grey tinha completa consciência do que estava acontecendo.
- Então vocês sabem a verdade…
- Sim, senhorita .
Concordei com a cabeça. Respirando fundo.
- Então por que vocês concordaram com isso?
- É o nosso trabalho, senhorita.
- E antes? Qual era seu trabalho, soldado Grey?
- Eu fazia parte da guarda particular do príncipe .
- É sério?
- Sim, senhorita. - ele disse, tentando não sorrir com minha surpresa.
- Deve ser chato sair da guarda de um príncipe para cuidar de uma Selecionada. - lamentei.
- Na verdade, senhorita . Eu fui promovido, sou o chefe da sua guarda, então estou bem feliz pelo trabalho, além do mais, raramente passa tardes no jardim. - ele disse rindo. - Mas é claro que jamais admitirei ter dito isso. - ele completou, me arrancando risadas.
- Seu segredo está seguro comigo, soldado Grey. - prometi.
- Os seus também, senhorita .
Sorri, feliz por aquela nova intimidade que havia criado com o soldado Grey, o chefe da minha guarda. Continuei a ler o livro por mais um tempo, até ser avisada por Grey que devíamos voltar para meus aposentos, pois além de estar perto de escurecer, eu deveria me arrumar para o jantar.
- Soldado Grey? - chamei-o, esperando para andar lado a lado enquanto caminhávamos em direção ao castelo.
- Sim?
- Posso lhe fazer uma pergunta?
- Claro, senhorita.
- O que faz para se divertir?
O homem ergueu uma das sobrancelhas com a pergunta, claramente surpreso.
- Acho que ele vai à biblioteca, algumas vezes já o vi querendo cavalgar ou jogando algo com o príncipe , mas não tenho certeza, senhorita.
- Entendi, obrigada. - sorri, confusa com a resposta, sem saber o que pensar daquilo.
***
- Você tem certeza?
- Sim, . Por que você acha que eu estou tão nervosa? - Aurora perguntou rindo, enquanto descíamos as escadas junto com Anne.
- Não precisa ficar, ela vai amar vocês.
- E se não gostar? Sempre achei que seria assustador conhecer a família de meu namorado, mas quando eles fazem parte da realeza, é muito pior. - Aurora falava agitada e apesar de eu saber que muito daquilo era exagero e nervoso, eu conseguia entender seus sentimentos.
- Você não precisa pensar assim, é apenas a tia dos príncipes, mais ninguém. - Anne tentou.
- Não é apenas a tia de , é a, muito provavelmente, próxima rainha de Kouris. - Aurora retrucou, revoltada.
- Falando nisso, como será que anda o rei de Kouris? - perguntei.
- Muito mal, pelo que falou. Acham que ele não dura nem até o final deste ano. - Aurora claramente estava muito mais por dentro dos assuntos da família real que eu.
Concordei, afinal eu lembrava de nossas aulas e da princesa Mikaelly, irmã do rei Jadson, isto é, pai de . Eu sabia que Mikaelly havia se casado com Kalel, segundo filho e príncipe de Kouris, um país que ficava em outro continente, e que vivia por lá. Além disso, eu sabia que o irmão mais velho de Kalel, o qual não me recordava o nome, tinha uma doença terminal e estava quase no fim da vida, mesmo sendo um pouco mais novo que o rei Jadson, o que tornava o príncipe Kalel e sua esposa a princesa Mikaelly, tia de , os próximos na linha do trono. O que eu claramente não sabia é como exatamente andava a saúde do rei de Kouris.
- Então é muito gentil da parte deles virem até aqui por causa do Juramento à Bandeira, devem estar felizes por aproveitar um pouco. - falei, sorrindo para Aurora. - Além disso, você é incrível. Você estudou para estar aqui, Aurora. E duvido muito que a tia de vá reprovar você e mesmo que isso aconteça, ela mora em Kouris.
Aurora e Anne riram, concordando comigo. E então, juntas, entramos no Salão de Refeições, o qual estava muito mais festivo que normalmente. Dava para ver que seria um jantar importante só olhando a mesa posta e os vasos de flores decorando a mesma, além de três ou quatro garçons de pé apenas esperando a hora de servir. Entretanto, as únicas pessoas que estavam ali eram Samantha e Lauren sentadas lado a lado, conversando.
- Boa noite, garotas. - Aurora falou, fazendo ambas sorrirem em nossa direção, tentando parecer simpáticas. Suspirei.
- O baile ainda é um problema? - perguntei baixo para Anne, assim que nos sentamos.
- Você não faz nem ideia. - ela respondeu também baixo. - Falando nisso, onde você estava o dia todo?
- No jardim. - dei de ombros. - Por quê? O que eu perdi?
Nessa hora Aurora deu uma risada baixa, me fazendo notar que eu havia perdido muita coisa. Depois, mais tarde, quando todos já estavam sentados à mesa e comendo, descobri, conversando baixo com Aurora e Anne que ambas passaram o dia todo decorando a suíte de Aurora, além de terem uma conversa pouco amistosa com Lauren, quando elas se esbarraram no corredor. Além disso, havia levado Aurora para um passeio alguns minutos antes do jantar, enquanto foi conversar com Anne no quarto da mesma. Claramente foi um dia cheio.
- Mamãe, posso ir brincar? - Kai, o filho mais novo da tia de , falou alto, chamando não só a atenção da mãe, como de todos na mesa.
- Você já terminou de comer, querido?
- Já sim, mamãe. Estava muito gostoso. - ele disse, sorridente.
- Então fale para tia Ari, agradeça o jantar. - ela disse, indicando a rainha Ariele com os olhos.
- Obrigada tia, estava muito gostoso. - ele disse obediente.
- Que bom que gostou, Kai. - a rainha disse, sorrindo de orelha a orelha.
- Agora posso ir, mamãe? - ele perguntou, arrancando uma risada de todos.
- Nós podemos levar ele para brincar. - ofereceu.
- É uma ótima ideia. - a rainha pareceu feliz e então olhou para nós, Selecionadas. - Por que você não leva as meninas e seus primos para a Ala Nordeste, filho? Lá é mais confortável, com certeza. Logo podemos servir vinho.
pareceu surpreso com a atitude da mãe, mas logo concordou, levantando-se e nos convidando a fazer o mesmo. , pelo menos por parte da irmã de seu pai, tinha quatro primos, todos homens. Kaleb, que parecia um pouco mais velho que e foi o responsável por dar a mão a Kai, o caçula que eu acreditava ter uns cinco anos, e os gêmeos idênticos Kael e Kaleo, que deveriam ter a minha idade. Todos parecendo bem familiarizados com o castelo e a família real de Ynter.
- ? - escutei Natalie me chamando baixo, ficando para trás enquanto todos os jovens caminhavam em direção a Ala Nordeste. Era engraçado acompanhar as Selecionadas e seus guardas, que acabavam, mesmo que discretos, formando um volume a mais no grupo. - Você tem um minuto?
- Claro. - falei, desvencilhando-me de Anne, a qual sorriu ao deixar-me com Natalie e seguir com o grupo. - Você está bem?
Natalie havia passado o jantar em silêncio, falando apenas quando era extremamente necessário. Algo que eu obviamente entendia, afinal ela não era exatamente bem-vinda ali e, apesar de saber que para todos nada havia mudado, eu conseguia ver a diferença na mulher. Natalie usava menos joias e maquiagem, seu vestido era simples e claro, seu cabelo estava preso em um coque discreto e basicamente tudo a ajudava a passar despercebida. Ela queria ser o mais invisível possível.
- Sim, estou. Eu só queria agradecer por tudo. Você… Você salvou minha vida, . - as últimas palavras saíram quase como um sussurro.
- Eu… Não se preocupe. - falei, sem saber qual história havia compartilhado com ela.
- O príncipe disse que você não quis testemunhar. - ela disse baixo. - Eu sei que ele sabe a verdade, . É meio impossível não saber, mas, mesmo assim… Não sei como você conseguiu, mas sou infinitamente grata a você por isso. - ela afirmou.
- Eu gosto de você, Natalie. - falei, por fim. - Não sei o que a fez cometer aquele erro, mas acho que todos nós erramos na vida. E você merecia uma segunda chance. - sorri triste.
- Você será uma princesa exemplar, . Espero que enxergue isso. - ela disse, sorrindo de verdade. Natalie já havia dito que não estava exatamente no jogo e que ela imaginava que eu ganharia, mas ali… Era como se ela tivesse certeza de que eu era a melhor opção.
- Obrigada. - sorri, sentindo meu rosto corar. - Agora vamos?
- Na verdade, pode dizer que eu estava com dor de cabeça? Não acho que minha presença seja necessária.
- Eu… - eu pensei em negar, em falar para Natalie que ela estava errada, mas engoli as palavras antes que elas saíssem. - Claro, tudo bem.
Natalie percebeu minha atitude e sorriu cúmplice.
- Boa noite, . Obrigada novamente, espero um dia poder lhe retribuir de alguma forma.
- Boa noite, Natalie. - falei, vendo-a seguir em direção às escadas com seu guarda atrás de si.
- A senhorita gostaria de ir a Ala Nordeste? - Grey, que ainda era o responsável por mim e havia presenciado toda a cena, me perguntou. Respirei fundo, olhando para meu guarda e então para as escadas por onde Natalie seguiu. Eu não tinha muita opção, não é? Concordei. Sim, eu iria para a Ala Nordeste.
A Ala Nordeste era como a família real gostava de chamar seu corredor do entretenimento que descobri, com uma ajuda de Grey, que basicamente comportava o cinema, duas ou três salas de jogos e um pequeno salão com um bar, onde estavam, nesse momento, , , seus primos e as Selecionadas. Percebi que em um espaço lateral, perto da porta, estavam todos os guardas à espera de sua protegida. Suspirei.
Assim que o soldado Grey abriu a porta para mim, nos deparamos com Kai correndo, enquanto ria alto, em nossa direção. Ele fugia de , que o perseguia de forma brincalhona e só parou quando o menino estrategicamente se escondeu atrás da minha saia volumosa, com apenas a cabeça à vista de seu perseguidor. Eu conseguia sentir suas mãozinhas segurando forte o tecido de meu vestido.
- Você não vai me pegar, eu estou seguro. - o pequeno disse, ainda me usando como barreira de proteção.
- Você tem certeza de que está? - , que me olhava sorrindo, ameaçou pegar Kai.
- Claro que ele está! - eu disse firme para . - Além de mim, o protegendo, temos o soldado Grey. - falei, olhando para o homem que concordou dando um discreto sorriso para o pequeno.
- Viu? Você nunca vai me pegar, primo . - Kai disse certo de si.
- Vou sim. Uma hora você vai ter que sair daí, não é?
A cara de Kai fez todos que apreciavam a cena rirem, ele parecia ter sido pego em uma armadilha. Mas então eu me virei levemente, para contar um segredo para o pequeno atrás de mim. - Vou segurar ele e você corre.
Apesar de ter falado um pouco mais baixo, eu sabia que , parado em pé a poucos centímetros de mim, havia escutado.
O pequeno assentiu, empolgado.
- Um. Dois. Três. Vai! - e então eu coloquei gentilmente as mãos sobre os ombros de , sem fazer qualquer força para mantê-lo parado em minha frente enquanto o pequeno Kai corria salão adentro rindo, claramente se divertindo muito.
Depois de ver o menino se esconder atrás de uma poltrona vazia, e discretamente olhar em nossa direção dando um ok com o polegar, olhei para que me encarava de uma maneira engraçada. Ele parecia feliz, surpreso e, ao mesmo tempo, admirado.
- Você está livre, prisioneiro. - eu disse de forma teatral, soltando seus ombros.
- Eu não teria tanta certeza. - ele disse, sorrindo de lado, antes de pedir licença e começar a procurar de forma fingida Kai pelo salão. Não teria tanta certeza? Do que ele estava falando?
Olhei para o soldado Grey esperando alguma explicação para aquelas palavras, já que ele havia presenciado toda a cena, mas como um bom soldado, ele permanecia neutro. Dei de ombros, decidindo deixar aquilo de lado e então analisei a cena no salão. Anne e Aurora conversavam animadas com no canto, todos com suas taças de bebida na mão. Samantha e Lauren riam de forma exagerada com Kaleb nos sofás, depois que raciocinei, consegui entender a cena. Se tudo seguisse como o combinado, o pai de Kaleb viraria rei, o que tornaria o mesmo o herdeiro do trono. Revirei os olhos.
continuava brincando com Kai, agora o príncipe tentava de forma bem engraçada se esconder do pequeno, enquanto os gêmeos estavam sentados em uma mesa perto da janela jogando um jogo que eu bem conhecia. Decidi me aproximar deles.
Dominó era um jogo clássico que se jogava em no mínimo duas pessoas e no máximo quatro, um dos poucos jogos que sobreviveu ao longo dos anos e guerras. Formado por peças duplas, com números variando de zero a seis, o jogo tinha como principal objetivo acabar com as peças da mão primeiro que os adversários. Era um jogo de sorte e estratégia ao mesmo tempo e, pelo menos atualmente, não era muito comum entre as mulheres. O que, nesse caso, só fazia minha mãe ter mais interesse em aprender e, consequentemente, me ensinar.
Apesar da senhora estudar e ensinar tudo o que uma dama deveria ser, ela também tinha seus caprichos, sendo jogos um deles. Como minha mãe sempre aproveitou os livros da biblioteca em que trabalhou por alguns anos, antes de se dedicar a educar eu e Victoria, ela acabou aprendendo coisas diferentes, entre elas o dominó, aproveitando, quando crescemos o suficiente para entender as regras do jogo, para jogar conosco.
- Se chama dominó. - Kael, o gêmeo mais sorridente, comentou assim que eu me aproximei da mesa, me tirando dos meus pensamentos. Eu sequer os cumprimentei antes de parar ao lado da mesa e vê-los jogar.
- Como?
- Dominó. O jogo se chama dominó.
- Ah, eu sei. - falei dando de ombros.
- Sabe?
- Sim. Já joguei algumas vezes. - resolvi dizer. Apesar de ser um jogo extremamente voltado para o sexo masculino, não era exatamente proibido mulheres jogarem.
- Você sabe jogar? - Kaleo parecia mesmo surpreso.
- Um pouco.
- Então jogue conosco.
- Não, imagine. Não se preocupe, ficarei feliz em apenas observar.
- Nada disso! Jogar em duplas é muito melhor! - Kaleo afirmou. - Ei, ! - ele disse alto, chamando atenção de todos. - Vem jogar!
, que ainda brincava com o primo mais novo, nos olhou confuso antes de falar para o pequeno ir até e caminhar em nossa direção.
- Vocês querem jogar? - ele perguntou, ainda um pouco confuso.
- Sim, a senhorita sabe jogar. - Kael afirmou, parecendo feliz com isso.
- É sério? - o príncipe herdeiro de Ynter estava surpreso.
- Sim. - disse, quase me arrependendo de tê-lo feito.
- Bom dia, meninas. – disse sorridente, abrindo os olhos a tempo de ver Elise dar um pulo assustada, fazendo Meri rir, mesmo que disfarçadamente.
- Bom dia, . – Elise disse afetada, também rindo, com a mão no peito devido ao susto. – Dormiu bem?
- Muito bem, obrigada! - falei, segurando a risada, afinal não era meu objetivo assustar. - O que está acontecendo hoje que passamos do horário? – perguntei, sentando-me na cama e me espreguiçando, sentindo o restinho do sono gostoso deixar meu corpo.
- Nada. O príncipe liberou o café da manhã e disse que podíamos deixar as Selecionadas dormindo. - Elise disse, estrategicamente olhando para meu armário em vez de para mim. Apesar de saber que ela estava ocupada organizando meus vestidos, senti que aquilo significava alguma coisa.
- Ele inclusive passou aqui, há alguns minutos. - Meri completou.
- Passou aqui? Por quê?
- Queria vê-la, mas não quis que a acordássemos. - Elise tentou disfarçar, mas não adiantava, eu sabia que havia algo errado. A postura das duas e a forma que desviavam a atenção de mim… Era óbvio que nenhuma das duas estava agindo normalmente. Eu já conhecia aquelas mulheres o suficiente para ler suas ações.
- Certo… Agora me contém o que vocês estão escondendo. - pedi, tentando não usar um tom autoritário, rindo da expressão de inocência de ambas, provando que eu estava certa. Ficava me perguntando se Cleo, que não estava no meu quarto devido a suas tarefas com o vestido do juramento, teria conseguido esconder melhor que elas. - Não tentem me enganar.
Então Elise olhou para Meri, claramente repreendendo-a por ter dito que o príncipe havia passado, mas a segunda apenas deu de ombros, deixando claro que ela só tinha dito a verdade.
- E então? – perguntei de novo, afinal nenhuma das duas havia me respondido.
- O príncipe que quer lhe explicar, senhorita. – Elise tentou.
- Me explicar o que?
- Você tem um guarda particular agora. – Meri falou, claramente incapaz de me esconder algo.
- Como? – a minha surpresa também era esperada pelas duas, que depois de praticamente um mês de convívio comigo, já me conheciam o suficiente para saber que aquela notícia não seria bem-vinda. Então eu finalmente consegui entender toda aquela recusa em me contar o que estava acontecendo, já que elas sabiam que eu ficaria insatisfeita.
- As outras Selecionadas também tem. – Elise garantiu, mas eu suspirei.
- Até que demorou. – resmunguei, finalmente me levantando da cama. Eu sabia o porquê de os guardas estarem ali. Eu conseguia lembrar a preocupação de na noite anterior e de suas promessas de que tudo ficaria bem, de que eu ficaria segura. Eu realmente esperava que o príncipe tivesse outras opções, mas talvez não houvesse mais nenhuma. – Só espero que não seja alguém insuportável.
- Não é, senhorita. – Meri garantiu rápido, deixando evidente em sua expressão que ela, na verdade, achava meu novo guarda particular no mínimo interessante.
- Certo. Vou acreditar em você. – falei, rindo de suas bochechas levemente vermelhas. – Podem deixar que eu preparo meu banho, vocês estão muito ocupadas nos últimos dias.
- Sem chance. – Elise disse, já indo em direção ao banheiro comigo, ocupando-se em preparar tudo. - Estamos aqui para isso.
Quase uma hora depois eu já estava pronta, sentada na varanda ocupada com uma xícara de chá e o livro dado pela rainha Ariele, eu já estava quase terminando a biografia da primeira rainha de Ynter. Enquanto isso, Elise terminava de organizar o quarto sozinha, já que Meri foi até Cleo ajudá-la com o vestido. Faltava apenas cinco dias para o Juramento à Bandeira e, com todos os acontecimentos no castelo, elas estavam atrasadas.
- Senhorita, precisa de algo mais? – Elise interrompeu-me, já no último capítulo.
- Não. Pode ir, Elise. Antes que esse vestido decepcione vocês. – eu brinquei. – Vocês sabem que eu não me importo se ele não ficar pronto, não é? Podemos simplificá-lo muito.
- Não se preocupe. – Elise riu. – Nós não estamos tão atrasadas assim, mas você sabe como é Cleo, ela queria que ele ficasse pronto com muita antecedência, para ajustarmos tudo.
- Tudo por causa de uma competição... – joguei no ar, rindo.
- Claro que não, . Tudo por sua causa. Queremos agradecer o que você fará por nós. – ela sorriu, tomando a liberdade de sentar na cadeira ao meu lado, que havia sido colocada ali para eu esticar meus pés, algo que eu não fiz. – Você mudará nossas vidas.
- Vocês entendem que ainda pode dar tudo errado, não é? – perguntei, mas o sorriso estava preso aos meus lábios. Eu estava mesmo feliz por aquilo, por elas terem aceitado a ideia e terem entendido a mudança que isso significava.
- Sim, mas só a opção... É uma honra.
- Elise, posso lhe fazer uma pergunta?
- Claro, , qualquer uma.
- E seu marido? Você já pensou sobre isso?
- Já sim, senhorita. Eu não contei a ele, como você pediu, mas eu já pensei. Eu amo Robson e farei de tudo para conseguir que ele suba de casta também. Eu perguntei para alguns conhecidos, principalmente soldados, e não é contra a lei, sabe? O casamento já foi feito e permanece. Trabalharei para a senhorita com muito orgulho até poder comprar uma casta para ele, mesmo que não seja uma Dois.
- Você tem certeza? Não quero que faça nada que vá prejudicá-la.
- Absoluta, . Mudar de casta vai afetar minha geração inteira, mesmo que nesse caso meus filhos fiquem com a casta menor, eu terei dinheiro para sustentá-los sem problema nenhum. Não preciso de luxo, . O castelo é meu lar e, enquanto você permitir, continuará sendo.
- E o que você acha sobre Meri e Cleo? Elas têm alguém?
- Meri tem o irmão, senhorita. Ela disse que vai ajudá-lo com dinheiro também. O namorado que ela tinha, já não tem mais, pelo que parece. E isso não a incomodou. – ela ressaltou, quando viu minha reação. – Cleo é um pouco sozinha aqui, . A família dela não gostou muito quando ela conseguiu trabalhar aqui, afinal já foi uma forma de abandono para eles. Quem trabalha no castelo, vive no castelo. Então acho que ela está mesmo maravilhada.
Antes que eu pudesse responder, Elise foi interrompida por uma batida na porta, fazendo-a sorrir cúmplice para mim antes de ir atender. Analisei a cena um pouco nervosa, os sulistas não viriam novamente, não é?
- Certo, obrigada soldado Grey. – ela disse, fechando a porta e sorrindo ao me ver encarando-a da sacada. - Você tem um almoço com o príncipe em meia hora.
Sorri, mais pela alegria de Elise do que por qualquer outra coisa. Era perceptível que elas torciam ainda mais por mim e que eventos como aquele só lhe davam esperanças. Consegui convencer Elise que podia gastar alguns minutos terminando de ler o livro, antes de me levantar e deixá-la retocar minha maquiagem já boa e pentear meu cabelo que permanecia em um coque praticamente intacto. Sendo assim, eu estava perfeitamente apresentável quando bateu na porta.
- Alteza. – Elise se reverenciou antes de abrir totalmente a porta e me deixar encará-lo. tinha um belo sorriso nos lábios, mas bastava olhar para sua postura para saber que algo o incomodava. Ele parecia nervoso, provavelmente prevendo minha reação ao saber da notícia, afinal eu tinha certeza de que sabia que eu não gostaria dos guardas. Entretanto, depois da noite anterior, a ideia de ter alguém me vigiando 100% do tempo já não me parecia tão horrível.
- Bom dia. – ele disse, cordial. – Você está linda, .
- Obrigada, Alteza. – respondi estranhando aquela atitude. Eu usava um vestido rodado simples, rosa bebê, de alças finas e aplicações na saia. Eu tinha certeza de que já havia me visto em roupas muito mais bonitas que aquela, como a da noite anterior. - Mas agradeça a Elise, que depois de eu estar pronta desde cedo, me fez retocar tudo. – falei, revirando os olhos de forma teatral, rindo junto com o príncipe.
- Pois bem. – ele se virou para Elise, que ainda permanecia em pé, segurando a porta aberta. – Eu agradeço, senhorita Elise, por me lembrar como eu sou um homem de sorte. – ele deu um sorriso brincalhão.
- É uma honra, Alteza. – Elise fez uma reverência novamente e, apesar de eu não conseguir ver seu rosto, eu sabia que havia um enorme sorriso ali. Não sei se era a intenção de , mas eu sabia que, para Elise, ele havia acabado de confirmar que me escolheria.
- Então vamos? – o príncipe me olhou, ainda parecendo feliz pelo próprio comentário. Foi impossível não sorrir com a cena, afinal o príncipe herdeiro estava orgulhoso de seu galanteio. Aquilo me fazia imaginar como era a vida amorosa de antes da Seleção.
- Sim. – concordei, sorrindo e despedindo-me de minha amiga enquanto aceitava o braço de para caminharmos juntos. - E aonde vamos? – perguntei assim que Elise fechou a porta.
- Suas criadas falaram algo sobre novos guardas?
- É claro que sim. – respondi óbvia e ri quando assentiu, nem um pouco surpreso.
- Eu supus que isso ia acontecer. Apesar de ter pedido para deixarem por minha conta.
- Elas sempre estarão do meu lado, Alteza.
- Fico feliz por isso. – ele sorriu de forma verdadeira.
- E então? Guardas? - segui com até as escadas, estranhando quando ele indicou que deveríamos subir e não descer.
- É necessário, . – ele disse, arrumando a postura. estava mesmo incomodado com algo. E pela forma descontraída que falava sobre os guardas, senti que podia ser outra coisa.
- Você está bem?
- Sim. – ele deu de ombros, como se não entendesse o motivo da pergunta. – Você terá um guarda com você o tempo todo a partir de hoje, . Compreende isso? – era evidente para mim que a resposta da minha pergunta não havia sido totalmente sincera, mas se não queria falar sobre aquilo, acreditava que era meu dever respeitar.
- Sim, eu… Eu sinceramente não gosto, mas ao mesmo tempo sei que é o melhor. Sei que é mais seguro.
- Você tem razão. Sei que não gosta de ser vigiada, mas depois de ontem à noite... Estamos com muitos guardas no castelo e ainda sim encontraram uma brecha para te tirar daqui. O que é completamente inadmissível. – ele respirou fundo, cansado. - A partir de hoje teremos um guarda responsável por cada Selecionada, ainda mais porque precisava achar um jeito de ficar de olho em Natalie. – ele disse, sorrindo sem os dentes. Concordei. Não havia pensado nisso. Enquanto eu, Anne, Aurora, Lauren e Samantha teríamos uma guarda para nossa proteção, Natalie teria um para impedir que ela fizesse mais uma burrada.
- Tudo bem. – falei, colocando a mão levemente sobre a de , o qual ainda tinha o braço preso ao meu, tentando confortá-lo. - Eu concordo.
- Fico feliz. - ele sorriu de lado, como se partilhasse uma piada interna, feliz por eu ter sido tão fácil. - Eu e Serena decidimos lhe apresentar todos os guardas hoje. Afinal, precisamos fazer escalas para não deixar faltar nenhum horário. Não queremos que ninguém entre disfarçado, por isso, todo mundo saberá quem são seus guardas. – ele dizia calmamente. - Você não será pega desprevenida, . Todos os homens aqui dentro foram escolhidos por mim e Serena a dedo. Decidimos cuidar disso juntos.
Olhei para sem entender o motivo dele enfatizar tanto o nome da rebelde, então apenas concordei quando ele parou em frente a porta que eu sabia levar para a sala de reuniões. Engoli em seco instintivamente. Aquela sala me dava um pouco de arrepios.
Assim que abriu a porta, eu senti meus lábios se abrirem um pouco em sinal de surpresa, além de Serena, havia cinco homens ali, todos uniformizados com o uniforme da guarda real, lado a lado, o único problema é que um deles era Drew. Pisquei algumas vezes. O que Drew fazia ali?
- ! – Serena se aproximou, me dando um abraço assim que entrei na sala. Algo que ela sempre fazia quando queria cochichar algo em meu ouvido. – Ele insistiu. – ela disse tão baixo que nem , ao meu lado, pode ouvir. – Como você está?
- Bem, e você? – perguntei, querendo revirar os olhos. Eu não ligava quanto Drew havia insistido, o que ele estava fazendo no castelo como membro da guarda real?
- Estou sim, obrigada. Mas você tem certeza de que está bem? Soube que você teve grandes aventuras ontem à noite. – ela disse, mesclando a preocupação com a brincadeira. – Temos que conversar sobre isso depois.
- Sim, tenho certeza. Obrigada. - falei, deixando claro meu desgosto. Não conseguia crer que ela era capaz de fingir que estava tudo bem, muito menos que ela deixaria Drew, a pessoa que eu lutei para manter viva, fazer parte da guarda real. Aquilo era inadmissível.
Serena fingiu não notar meu tom rude, sorrindo para mim e voltando a encarar os cinco homens parados lado a lado. Aproveitando a deixa, olhei para erguendo a sobrancelha. Era sério que ele, justo ele, deixaria Drew fazer parte da minha guarda? que sabia sobre os sentimentos de Drew e que sabia que ele havia sido um sulista. Entretanto, mesmo com meu olhar, o príncipe não demonstrou qualquer coisa, nenhum sinal de desculpas ou arrependimento. Ele só me olhou, imponente, sério e indiferente. Ótimo. estava sendo o futuro rei em frente aos seus homens e eu até conseguia entender, mas precisaria me esforçar mais para me acostumar com as diferentes personalidades.
- , esses são os soldados: Grey, Prince, Allen, Miller e, como você já sabe, Samek. – , que claramente não falaria nada na frente dos homens, tomou a liberdade de me apresentá-los. Suspirei. Aquilo estava mesmo acontecendo? Será que eu teria dito para que Drew admitiu gostar de mim, se eu soubesse que aquele momento chegaria? Será que se eu tivesse contado ao meu amigo que sabia sobre seus sentimentos, ele teria insistido em estar ali?
Respirei fundo. sabia a verdade e mesmo assim aceitou Drew, eu não pedi por aquilo. Ao mesmo tempo, meu amigo sabia sobre o que acontecia entre mim e o príncipe e resolveu aparecer. Logo, eles deveriam arcar com as consequências de suas escolhas. Entretanto, eu não estava disposta a sacrificar Drew. Não se eu achasse que ao meu lado ele corria algum tipo de perigo. Respirei fundo, assentindo para e sorrindo para os homens à minha frente, decidindo lidar com Drew mais tarde. Após olhar todos eles com mais atenção, percebi que conhecia dois deles. Por um segundo precisei olhar duas vezes, mas então eu tive certeza.
- Soldado Prince e Muller, se não me engano, vocês já salvaram minha vida uma vez. – falei, já sorrindo. – Estou certa? - Drew saiu de sua pose e olhou para eles de soslaio, fingi não notar. Talvez meu amigo não tivesse certeza do que o esperava.
- São eles. – confirmou, mostrando um sorriso pela primeira vez desde que entrou naquela sala. – Na verdade, é por isso que estão aqui.
- Fico feliz. Quero dizer, espero que estar aqui seja um tipo de promoção. – brinquei, arrancando risada dos dois. - Obrigada. Não agradeci como deveria, então muito obrigada, de verdade. – falei, sorrindo para eles, e estendi a mão para Fred. Fred Prince e Gabe Muller foram os responsáveis por me tirarem da floresta no primeiro ataque sulista.
Fred olhou para minha mão um pouco assustado, estranhando aquela atitude tão íntima, mas então sorriu, apertando-a forte.
- Pode contar conosco, senhorita.
- Obrigada. – falei novamente, soltando a mão de Fred e pulando o soldado Allen para cumprimentar Gabe Muller.
- Pode mesmo. – Gabe sorriu, também apertando minha mão. Sorri de volta, realmente feliz por ter escolhido eles.
- Soldado Grey, certo? – perguntei para o primeiro homem na linha, o qual eu não conhecia, mas pelo nome supus ser o guarda que Meri achava “legal”. Conseguia entendê-la, o soldado Grey, que descobri se chamar Kevin, era um homem jovem, mas um pouco mais velho que Drew, loiro, alto e de olhos castanhos. Era mesmo bonito, o que claramente não passou despercebido por minha amiga. – Muito prazer.
O homem também apertou minha mão, sorrindo cordial. O soldado do meio, Kyle Allen fez o mesmo, parecendo o mais velho entre eles. E então eu parei na frente de Drew, com ao meu lado.
- Drew. – cumprimentei, sorrindo. – Não sabia que havia treinado para ser soldado.
- Não treinei. – ele disse, dando de ombros. – Mas passei nos testes.
- Pois é, o soldado Samek é um novo recruta. – interveio. – É um prazer. – ele disse, estendendo a mão para Drew. Notei então que era a primeira vez que eles estavam se vendo. O que me surpreendeu e muito.
- Alteza. – Drew cumprimentou, aceitando o aperto de mão, mas sem fazer qualquer reverência.
- Então... ... O que acha? – Serena interveio, fazendo todos olharem para ela, automaticamente dando motivo para Drew e soltarem as mãos. – Kyle aqui também é um dos nossos. Acho que o príncipe deve ter comentado que decidimos dividir sua proteção.
Olhei para o soldado Allen, ele era um nortista também então. O que me fez, por um segundo, me perguntar se aqueles homens sabiam toda a verdade. Será que eles tinham noção de quem estavam protegendo? Bem, Drew e Kyle com certeza tinham.
- Achamos mais seguro. – comentou, antes que eu pudesse perguntar como eles conseguiram colocar dois nortistas na guarda real. – Fred e Gabe já provaram seu valor, Kevin é um amigo muito próximo, – o soldado Grey sorriu para mim quando o príncipe falou sobre ele – Serena coloca sua mão no fogo por Kyle e, bem, você conhece Drew.
Eu realmente fiquei impressionada com a capacidade de de parecer tão neutro e indiferente a toda aquela situação. Eu realmente cheguei a pensar que ele não se importava com a presença de Drew ali. Será que eu teria que aprender a agir assim para ser princesa?
- Eu gostaria de agradecer a todos. – sorri. – Prometo que não vou dar muito trabalho.
Drew e soltaram uma risada fraca ao mesmo tempo. O que fez ambos se olharem e ficarem em silêncio imediatamente, claramente infelizes por compartilharem da piada.
- Já vimos do que a senhorita é capaz, senhorita . – Gabe falou, sorrindo e, de forma leve e inteligente, quebrando o clima.
- Gabe tem razão, senhorita . Aquele dia na floresta teve muita atitude da senhorita.
Sorri, assentindo. Talvez eles tivessem razão, talvez naquele dia minha atitude idiota tivesse mesmo surtido efeito, mas eu sabia que seria imprudente fazer novamente.
- Certo. Acho que acabamos por aqui. – Serena comentou. – Eu realmente queria conversar com você, . Além disso, Kyle e Drew ainda precisam resolver algumas coisas lá no abrigo.
- Na verdade, eu tenho um almoço preparado para nós. – o príncipe interveio. – Acho que precisa entender como as coisas serão a partir de agora.
Olhei para o príncipe confusa, percebendo que quando ele dizia “nós”, havia incluído Serena.
- Certo, tudo bem. – Serena disse, concordando.
- Vocês já têm a escala. Estão liberados. – disse, fazendo os homens, com exceção do soldado Grey, saírem pela porta. Drew apenas sorriu para mim, claramente se segurando para não se aproximar, antes de seguir seus novos parceiros.
- Imagino que a escala comece com você, soldado Grey. – falei tentando soar simpática.
- Sim, senhorita.
- Pois bem, então bem-vindo à minha vida. – disse, ainda sorrindo, apesar da minha felicidade claramente não ser uma das maiores. Mas minha atitude arrancou uma risada de Serena.
- Isso que você disse que seria fácil.
- Está errada. Eu disse que não daria muito trabalho, o que é, na minha opinião, longe de ser fácil. – brinquei, piscando um dos olhos para a mulher. Afinal, eu realmente achava que não daria muito trabalho me acompanhar pelo castelo, mas se eles esperavam ser bem-vindos a ponto de eu convidá-los para um chazinho, estavam enganados.
estava falando sério quando disse que queria me atualizar sobre tudo. Saímos da sala de reuniões grande e metalizada para uma sala um pouco menor, dessa vez decorada como eu imaginava que seria uma sala de reuniões dentro de um castelo. A sala, que ficava cerca de cinco portas para o outro lado do corredor, era mobiliada basicamente com uma mesa circular para umas seis pessoas e um aparador mais ao canto, além de três grandes janelas que ocupavam toda a parede oposta à porta. No resto, a decoração combinava com os corredores do castelo, com um lustre, alguns quadros e cortinas grossas que, para a minha sorte, estavam completamente abertas, permitindo uma vista do jardim. Na mesa, nosso almoço nos esperava, pelo menos eu supus que sim, já que havia três pratos, cobertos cada um por um cloche, organizados juntos a taças e uma garrafa de vinho.
Assim que estávamos devidamente servidos, dispensou o mordomo e pediu para o soldado Grey esperar do lado de fora. Enquanto comíamos, o príncipe contou tudo o que estava planejando com Serena. Percebi que incluir nortistas na minha guarda particular foi mais uma exigência da mulher do que um combinado, pois a nortista claramente não confiava mais na guarda real.
Só que também não. Ele e o soldado Grey ficaram muito amigos durante as aulas de treinamento de luta do príncipe, e dizia sem nem hesitar que colocaria sua vida nas mãos de Grey e, por esse motivo, ele era o chefe do meu grupo. Então, considerando o histórico de Fred e Gabe com os sulistas, todos os meus guardas estavam do meu lado. Aquilo realmente me fez relaxar. Além disso, me passou como seria a organização não só dos meus guardas, como de todos os responsáveis pelas Selecionadas. Ficou extremamente claro que apesar de serem bons guardas, os guardas das outras meninas não haviam passado pela mesma análise que os meus. Aurora também tinha nortistas consigo e Natalie estava sendo bem limitada na sua circulação pelo castelo, mas eu basicamente deveria confiar apenas nos meus guardas.
- Além disso, temos que conversar sobre o Juramento à Bandeira. – falou, olhando-me nos olhos, preocupado. – Você acha que o que o Chefe disse é verdade?
- Não. – respondi sem hesitar. – Digo, ele estava mesmo tentando ser simpático e falou a verdade sobre a ameaça ao verdureiro, mas não acho que seja tão simples relacionado ao Juramento à Bandeira.
- Ele falou mesmo para você chamá-lo de Antony? – Serena intrometeu-se, claramente querendo fazer aquela pergunta desde o momento que me viu.
- Sim. – respondi, olhando para , que dessa vez pelo menos parecia levemente envergonhado por ter contado tudo tão rapidamente, repreendendo-o. - Mas eu obviamente não vou chamar.
- Talvez você devesse.
- Como é? - perguntei incrédula com a resposta da rebelde.
- Acho que seria mais seguro. - ela disse, dando de ombros. - Já pensou o que ele faria se fosse rejeitado?
- Nada, Serena. Vocês escutaram quando eu disse que expliquei muito bem a minha situação com o Chefe, não é? Além do mais, ele sabe que eu preciso virar rainha antes dele pensar em se casar comigo. - falei, irritada. Eu estava cansada daquilo.
- Sim. Mas ainda assim, , você precisa cuidar como o trata.
- Eu cuido. - disse, simplesmente. , pelo menos, não expressava nenhuma opinião sobre o assunto. - O que faremos a respeito do Juramento à Bandeira?
- O Juramento à Bandeira, como sempre, terá a presença dos nobres e do público. É impossível barrar a entrada das pessoas, mas facilita o controle das armas. Não sei se existe a chance de eles agirem, nesse caso. - falou, claramente aceitando minha deixa para tocar no assunto.
- Muitas das pessoas que virão serão nortistas. - Serena afirmou. - Estamos nos preparando para ficar na fila desde cedo.
- Isso é bom. - assenti. - Mas é sério que as pessoas ficam na fila para entrar?
- Sim! E o resto do povo, que não consegue entrar, fica vendo tudo lá de fora. A cidade fecha, . Em qualquer evento real é assim. As pessoas vão às ruas e nós televisionamos tudo ao vivo, nesse caso. - o príncipe parecia empolgado, feliz.
- Ao vivo? - só a ideia de fazer algo errado na frente do país todo, me fazia vacilar.
- Não se preocupe, vai dar tudo certo. - garantiu, sorrindo. Suspirei. A rainha tinha razão, seria um tipo de rei, e até de marido, que ajuda sua rainha.
- Se os sulistas entrarem, o país todo saberá que eles existem. - falei, mesmo sabendo que provavelmente e seu governo já haviam pensado naquilo.
- Só se eles nos atacarem. O que não vai acontecer. - ele afirmou.
- Eu acho que nesse caso, o príncipe tem razão. - Serena falou, me tranquilizando.
- E sobre o exército dos sulistas. Vocês acham que eles têm mesmo mil homens?
- Acho que tem mais. - Serena respondeu primeiro. - Se ele lhe admitiu mil, deve ter no mínimo dois mil.
- Como?
- Concordo. Estamos analisando os dados que temos, os nortistas têm muita informação também. Estamos supondo dois mil homens. - admitiu.
- É muita gente. - engoli em seco, só imaginando o que seria ser traidora de um exército de dois mil homens.
- Nós somos três mil, . - Serena afirmou. - Você tem um exército de três mil pessoas ao seu lado.
Olhei para ela abismada.
- Hoje, no total, por todo o país, temos cerca de cinco mil soldados alistados. Claro que muitos não lutam mais e não podemos deixar as Províncias sem segurança, mas ainda é muita gente. - o príncipe explicou.
- Se temos tantas pessoas, por que os sulistas acham que podem acabar com o governo?
- Eles não acham. Digo, não na força bruta. Eles precisam de outra opção. Foi por isso que vieram atrás de você. - Serena falou como se explicasse para uma criança.
- Você também? - perguntei, encarando-a.
Serena respirou fundo.
- Não. Fomos atrás de você para fazer o príncipe aqui firmar nosso acordo, já tínhamos decidido nosso lado, nosso objetivo. - ela disse, sem vergonha. - Já tínhamos um plano. E você foi parte dele. Você e, em outra realidade, Aurora.
Pisquei algumas vezes, concordando. Eu já sabia daquilo, então por que ouvir Serena dizendo me deixava tão chateada? Eu sabia que era apenas uma moeda de troca, apenas algo para obrigar o príncipe a se comprometer. Mas ao mesmo tempo, enfrentar tudo o que estava se tornando a minha vida para ser apenas uma garantia, pesava mais do que eu havia imaginado.
- Eu entendo... Temos algo mais para conversar? - perguntei, já retirando o guardanapo do colo para me levantar. Eu não estava brava e, também, não queria me rebelar contra Serena e , mas eu estava cansada. Eu simplesmente estava cansada daquilo, dos sulistas, da realeza e das armações. Eu queria, pelo menos por um segundo, paz.
- Você não terminou de comer, . - disse, assim que percebeu que eu deixaria a mesa.
- Terminei sim. - falei, mantendo meu melhor sorriso. - Estou satisfeita, obrigada. E então?
- Eu só gostaria de conversar com você a sós depois. - a rebelde disse, deixando claro que no momento não havia nada para dizer. Eu conseguia ver na expressão de Serena que ela não estava contente com minha atitude, mas eu sinceramente não ligava, não naquele momento.
- Alteza?
- Pode sair, . - ele disse derrotado, parecendo sem vontade de insistir. Concordei, eu estava cansada daquilo tudo. Cansada da noite anterior, da politicagem e dos guardas. Estava farta dos rebeldes, incluindo os do norte. Serena, que deveria estar do meu lado, não se preocupou em impedir Drew de vir para o castelo, nem de me avisar com antecedência sobre o assunto. Mostrando que ela estava do meu lado apenas quando era o mesmo que o dela. Eu sabia que estava sendo birrenta, mas sinceramente? Naquele momento eu não ligava.
- Tenham um bom almoço.
Levantei-me da mesa cuidando para não parecer tão irritada, sorri novamente e saí em direção a porta, encontrando o soldado Grey a minha espera do lado de fora.
- Você podia ter sido mais delicada. - eu e o soldado Grey conseguimos ouvir falando com Serena pela porta.
- Eu fui sincera. Foi o que ela pediu para fazermos.
O homem ao meu lado não expressava qualquer coisa, mas eu sabia que ele havia ouvido, não só aquela parte, como provavelmente toda a nossa conversa. Respirei fundo, caminhando em direção ao meu quarto, sentindo-o ao meu encalço. Serena tinha razão. Eu queria a sinceridade de todos eles, mas a realidade é que, a verdade às vezes dói. Apesar de ter dormido muito mais durante a manhã, eu me sentia cansada. Obviamente eu ainda não havia me recuperado do dia anterior, de Ícaryo e Natalie, da conversa com e com o Chefe, ou seria Anthony?
Percebi que com a sequência de eventos eu não tive tempo sequer para sentar e refletir sobre o que tudo aquilo significava. Sobre tudo o que havia acontecido em tão pouco tempo. Não tinha conseguido digerir tudo o que havia dito, nem o que significava aquele anel recém-adquirido em meu dedo.
havia me dado um presente, logo depois de ter afirmado que não gostava de Samantha ou Lauren. O príncipe havia deixado claro que, apesar de ter mentido para mim, estava arrependido e eu acreditava nele. também havia seguido minha ideia sobre Natalie, a qual havia beijado Ícaryo, o que me deixava orgulhosa, não só dele, como de nós. Ícaryo, que me usou para afetar o príncipe, nem estava mais no castelo, saiu antes mesmo que eu acordasse naquela manhã, e Natalie, que poderia ter sido morta, estava bem, presa ao próprio quarto, mas muito bem. E havia o Chefe, que conseguiu me levar para fora do castelo no meio da noite sem nenhum problema. Aquilo era aterrorizante. Era meio ridículo saber que aquilo era mesmo possível, que apesar de dúzias de guardas naquele castelo, alguém conseguia sair daquela forma.
Ainda havia o encontro que foi estranho. Era como se o Chefe tivesse mudado completamente. Ele parecia preocupado, não apenas com as aparências, mas com minha opinião sobre ele. Era como se ele quisesse me agradar, como se ele realmente acreditasse que nós teríamos um futuro e que matar a família real era apenas um obstáculo no nosso caminho. Apesar de estar feliz por ser melhor tratada e ter menos chance de ser morta pelos sulistas, nada era mais aterrorizante que as chances de me casar com aquele homem. Engoli em seco.
E por fim, mas não menos importante, havia Drew, que além de ter me beijado escondido no castelo e ter descumprido diversas leis reais, fazia parte da minha guarda particular. Suspirei. Os próximos dias no castelo seriam difíceis.
- Obrigada. - falei para o soldado Grey, que havia acelerado o passo para passar na minha frente, e abria a porta dos meus aposentos para mim.
- De nada, senhorita. - ele disse sorridente, me deixando entrar antes de fechar a porta atrás de mim.
Meu quarto estava vazio. Apesar de estar com certa pena do trabalho extra que as meninas haviam criado para si, eu estava contente por ficar tão sozinha nos últimos dias. Qualquer mínimo intervalo que elas encontravam entre manter meu quarto limpo e me arrumar, as três corriam para fazer o vestido.
Assim que abri mais as cortinas para ter acesso não apenas a luz, mas ao vento vindo lá de fora, eu tive uma ideia. O dia estava incrivelmente bonito e, pelo que a rainha havia dito, não teríamos tarefas até o Juramento à Bandeira, por isso, apesar de ter muito o que pensar, eu decidi que tiraria a tarde para mim. Estava farta de tentar entender , Drew e até o Chefe. Estava cansada de ouvir Serena me dando lições e criando desculpas para justificar todas as suas decisões duvidosas. Estava cansada de lembrar de com as outras Selecionadas e sua indiferença perto de Drew. Estava cansada daquilo tudo. E foi por esse motivo que peguei o segundo livro enviado pela rainha, o qual era literalmente uma história de ficção, o lençol da minha cama arrumada e saí porta afora.
- Percebi que sua presença me dá ideias novas, soldado Grey. - falei para ele sorridente, caminhando feliz em direção ao jardim segurando um livro e um lençol embolado. O soldado Grey me seguiu, sem dizer uma palavra.
Fiquei feliz por aquilo. Achava que ele barraria minha ida ao jardim, mesmo sendo início da tarde, mas ao contrário disso, o soldado Grey caminhou comigo até um canto longe da entrada do castelo, perto de algumas árvores que nos davam sombra, e me ajudou a esticar o lençol sobre a grama seca. Minutos depois eu me encontrava deitada no lençol, curtindo o calor e o vento de Ynter, ocupada com o livro enviado pela rainha, enquanto o soldado Grey me protegia apoiado em uma árvore.
A sensação era maravilhosa e o livro também. A rainha havia escolhido uma história de ficção muito parecida com a Seleção que vivíamos, mas nas páginas escritas pelo homem que não me recordo o nome, o príncipe herdeiro não tinha um evento televisionado para escolher sua futura princesa, mas sim pretendentes da sua corte. Era incrível como aquele livro me fazia esquecer o mundo em que eu vivia.
O sol já estava mais fraco quando escutei o bipar do pager do soldado Grey, eu já havia passado da metade do livro e já conseguia entender por que a rainha havia me dado ele, o príncipe herdeiro do livro estava em dúvida entre duas donzelas: uma que lhe fazia querer uma vida fora do castelo, com aventuras e regalias, e outra que lhe mostrava não apenas seus deveres como príncipe, mas os prazeres que aquilo podia lhe proporcionar. Eu estava torcendo para que o príncipe herdeiro percebesse que o que importava mesmo era o amor, mas só por a rainha ter me enviado o livro, eu já imaginava quem ele iria escolher. Havia acabado de terminar um dos capítulos quando vi o soldado Grey arrumar a postura e tirar o pager do bolso do uniforme, sua expressão ao ler o que estava escrito no pequeno visor foi levemente engraçada.
- Tudo bem?
Ele me olhou surpreso, como se não tivesse percebido que eu, apesar de ainda segurar o livro aberto, o encarava.
- Sim, estão só checando. - ele falou, colocando o pager novamente no uniforme e arrumando a postura. - Não se preocupe, é normal. Na realidade, isso vai acontecer sempre, senhorita . - ele explicou. - Eu sou o responsável pela sua segurança, então eu sempre vou confirmar com meus homens se vocês estão bem. Todos já estão cientes disso e o pager vai basicamente ajudar nisso, temos alguns códigos também. E se algum dia não recebermos resposta do homem com você, iremos atrás imediatamente.
- Mas você acha que eles podem não ser confiáveis?
- Não, senhorita. - ele afirmou sem hesitar. - Mas algo pode acontecer com você e seu guarda. - ele disse como se fosse óbvio e até que era, mas não tinha cogitado a hipótese até aquele momento. Eu achava que só a presença daqueles homens seria o suficiente, mas eu já havia visto os sulistas matarem para conseguir o que queriam, não tinha dúvidas que fariam novamente.
- Eu… - parei, sem saber como completar a frase. Como eu responderia aquilo? Estava longe de querer que as pessoas corressem risco por minha causa ou minhas escolhas.
- Não se preocupe, senhorita. Nós somos treinados para isso. Além do mais, achamos que os sulistas não tentarão entrar em contato com a senhorita conosco aqui, pois poderia, sabe, estragar seu disfarce. - ele disse, me provando que o soldado Grey tinha completa consciência do que estava acontecendo.
- Então vocês sabem a verdade…
- Sim, senhorita .
Concordei com a cabeça. Respirando fundo.
- Então por que vocês concordaram com isso?
- É o nosso trabalho, senhorita.
- E antes? Qual era seu trabalho, soldado Grey?
- Eu fazia parte da guarda particular do príncipe .
- É sério?
- Sim, senhorita. - ele disse, tentando não sorrir com minha surpresa.
- Deve ser chato sair da guarda de um príncipe para cuidar de uma Selecionada. - lamentei.
- Na verdade, senhorita . Eu fui promovido, sou o chefe da sua guarda, então estou bem feliz pelo trabalho, além do mais, raramente passa tardes no jardim. - ele disse rindo. - Mas é claro que jamais admitirei ter dito isso. - ele completou, me arrancando risadas.
- Seu segredo está seguro comigo, soldado Grey. - prometi.
- Os seus também, senhorita .
Sorri, feliz por aquela nova intimidade que havia criado com o soldado Grey, o chefe da minha guarda. Continuei a ler o livro por mais um tempo, até ser avisada por Grey que devíamos voltar para meus aposentos, pois além de estar perto de escurecer, eu deveria me arrumar para o jantar.
- Soldado Grey? - chamei-o, esperando para andar lado a lado enquanto caminhávamos em direção ao castelo.
- Sim?
- Posso lhe fazer uma pergunta?
- Claro, senhorita.
- O que faz para se divertir?
O homem ergueu uma das sobrancelhas com a pergunta, claramente surpreso.
- Acho que ele vai à biblioteca, algumas vezes já o vi querendo cavalgar ou jogando algo com o príncipe , mas não tenho certeza, senhorita.
- Entendi, obrigada. - sorri, confusa com a resposta, sem saber o que pensar daquilo.
- Você tem certeza?
- Sim, . Por que você acha que eu estou tão nervosa? - Aurora perguntou rindo, enquanto descíamos as escadas junto com Anne.
- Não precisa ficar, ela vai amar vocês.
- E se não gostar? Sempre achei que seria assustador conhecer a família de meu namorado, mas quando eles fazem parte da realeza, é muito pior. - Aurora falava agitada e apesar de eu saber que muito daquilo era exagero e nervoso, eu conseguia entender seus sentimentos.
- Você não precisa pensar assim, é apenas a tia dos príncipes, mais ninguém. - Anne tentou.
- Não é apenas a tia de , é a, muito provavelmente, próxima rainha de Kouris. - Aurora retrucou, revoltada.
- Falando nisso, como será que anda o rei de Kouris? - perguntei.
- Muito mal, pelo que falou. Acham que ele não dura nem até o final deste ano. - Aurora claramente estava muito mais por dentro dos assuntos da família real que eu.
Concordei, afinal eu lembrava de nossas aulas e da princesa Mikaelly, irmã do rei Jadson, isto é, pai de . Eu sabia que Mikaelly havia se casado com Kalel, segundo filho e príncipe de Kouris, um país que ficava em outro continente, e que vivia por lá. Além disso, eu sabia que o irmão mais velho de Kalel, o qual não me recordava o nome, tinha uma doença terminal e estava quase no fim da vida, mesmo sendo um pouco mais novo que o rei Jadson, o que tornava o príncipe Kalel e sua esposa a princesa Mikaelly, tia de , os próximos na linha do trono. O que eu claramente não sabia é como exatamente andava a saúde do rei de Kouris.
- Então é muito gentil da parte deles virem até aqui por causa do Juramento à Bandeira, devem estar felizes por aproveitar um pouco. - falei, sorrindo para Aurora. - Além disso, você é incrível. Você estudou para estar aqui, Aurora. E duvido muito que a tia de vá reprovar você e mesmo que isso aconteça, ela mora em Kouris.
Aurora e Anne riram, concordando comigo. E então, juntas, entramos no Salão de Refeições, o qual estava muito mais festivo que normalmente. Dava para ver que seria um jantar importante só olhando a mesa posta e os vasos de flores decorando a mesma, além de três ou quatro garçons de pé apenas esperando a hora de servir. Entretanto, as únicas pessoas que estavam ali eram Samantha e Lauren sentadas lado a lado, conversando.
- Boa noite, garotas. - Aurora falou, fazendo ambas sorrirem em nossa direção, tentando parecer simpáticas. Suspirei.
- O baile ainda é um problema? - perguntei baixo para Anne, assim que nos sentamos.
- Você não faz nem ideia. - ela respondeu também baixo. - Falando nisso, onde você estava o dia todo?
- No jardim. - dei de ombros. - Por quê? O que eu perdi?
Nessa hora Aurora deu uma risada baixa, me fazendo notar que eu havia perdido muita coisa. Depois, mais tarde, quando todos já estavam sentados à mesa e comendo, descobri, conversando baixo com Aurora e Anne que ambas passaram o dia todo decorando a suíte de Aurora, além de terem uma conversa pouco amistosa com Lauren, quando elas se esbarraram no corredor. Além disso, havia levado Aurora para um passeio alguns minutos antes do jantar, enquanto foi conversar com Anne no quarto da mesma. Claramente foi um dia cheio.
- Mamãe, posso ir brincar? - Kai, o filho mais novo da tia de , falou alto, chamando não só a atenção da mãe, como de todos na mesa.
- Você já terminou de comer, querido?
- Já sim, mamãe. Estava muito gostoso. - ele disse, sorridente.
- Então fale para tia Ari, agradeça o jantar. - ela disse, indicando a rainha Ariele com os olhos.
- Obrigada tia, estava muito gostoso. - ele disse obediente.
- Que bom que gostou, Kai. - a rainha disse, sorrindo de orelha a orelha.
- Agora posso ir, mamãe? - ele perguntou, arrancando uma risada de todos.
- Nós podemos levar ele para brincar. - ofereceu.
- É uma ótima ideia. - a rainha pareceu feliz e então olhou para nós, Selecionadas. - Por que você não leva as meninas e seus primos para a Ala Nordeste, filho? Lá é mais confortável, com certeza. Logo podemos servir vinho.
pareceu surpreso com a atitude da mãe, mas logo concordou, levantando-se e nos convidando a fazer o mesmo. , pelo menos por parte da irmã de seu pai, tinha quatro primos, todos homens. Kaleb, que parecia um pouco mais velho que e foi o responsável por dar a mão a Kai, o caçula que eu acreditava ter uns cinco anos, e os gêmeos idênticos Kael e Kaleo, que deveriam ter a minha idade. Todos parecendo bem familiarizados com o castelo e a família real de Ynter.
- ? - escutei Natalie me chamando baixo, ficando para trás enquanto todos os jovens caminhavam em direção a Ala Nordeste. Era engraçado acompanhar as Selecionadas e seus guardas, que acabavam, mesmo que discretos, formando um volume a mais no grupo. - Você tem um minuto?
- Claro. - falei, desvencilhando-me de Anne, a qual sorriu ao deixar-me com Natalie e seguir com o grupo. - Você está bem?
Natalie havia passado o jantar em silêncio, falando apenas quando era extremamente necessário. Algo que eu obviamente entendia, afinal ela não era exatamente bem-vinda ali e, apesar de saber que para todos nada havia mudado, eu conseguia ver a diferença na mulher. Natalie usava menos joias e maquiagem, seu vestido era simples e claro, seu cabelo estava preso em um coque discreto e basicamente tudo a ajudava a passar despercebida. Ela queria ser o mais invisível possível.
- Sim, estou. Eu só queria agradecer por tudo. Você… Você salvou minha vida, . - as últimas palavras saíram quase como um sussurro.
- Eu… Não se preocupe. - falei, sem saber qual história havia compartilhado com ela.
- O príncipe disse que você não quis testemunhar. - ela disse baixo. - Eu sei que ele sabe a verdade, . É meio impossível não saber, mas, mesmo assim… Não sei como você conseguiu, mas sou infinitamente grata a você por isso. - ela afirmou.
- Eu gosto de você, Natalie. - falei, por fim. - Não sei o que a fez cometer aquele erro, mas acho que todos nós erramos na vida. E você merecia uma segunda chance. - sorri triste.
- Você será uma princesa exemplar, . Espero que enxergue isso. - ela disse, sorrindo de verdade. Natalie já havia dito que não estava exatamente no jogo e que ela imaginava que eu ganharia, mas ali… Era como se ela tivesse certeza de que eu era a melhor opção.
- Obrigada. - sorri, sentindo meu rosto corar. - Agora vamos?
- Na verdade, pode dizer que eu estava com dor de cabeça? Não acho que minha presença seja necessária.
- Eu… - eu pensei em negar, em falar para Natalie que ela estava errada, mas engoli as palavras antes que elas saíssem. - Claro, tudo bem.
Natalie percebeu minha atitude e sorriu cúmplice.
- Boa noite, . Obrigada novamente, espero um dia poder lhe retribuir de alguma forma.
- Boa noite, Natalie. - falei, vendo-a seguir em direção às escadas com seu guarda atrás de si.
- A senhorita gostaria de ir a Ala Nordeste? - Grey, que ainda era o responsável por mim e havia presenciado toda a cena, me perguntou. Respirei fundo, olhando para meu guarda e então para as escadas por onde Natalie seguiu. Eu não tinha muita opção, não é? Concordei. Sim, eu iria para a Ala Nordeste.
A Ala Nordeste era como a família real gostava de chamar seu corredor do entretenimento que descobri, com uma ajuda de Grey, que basicamente comportava o cinema, duas ou três salas de jogos e um pequeno salão com um bar, onde estavam, nesse momento, , , seus primos e as Selecionadas. Percebi que em um espaço lateral, perto da porta, estavam todos os guardas à espera de sua protegida. Suspirei.
Assim que o soldado Grey abriu a porta para mim, nos deparamos com Kai correndo, enquanto ria alto, em nossa direção. Ele fugia de , que o perseguia de forma brincalhona e só parou quando o menino estrategicamente se escondeu atrás da minha saia volumosa, com apenas a cabeça à vista de seu perseguidor. Eu conseguia sentir suas mãozinhas segurando forte o tecido de meu vestido.
- Você não vai me pegar, eu estou seguro. - o pequeno disse, ainda me usando como barreira de proteção.
- Você tem certeza de que está? - , que me olhava sorrindo, ameaçou pegar Kai.
- Claro que ele está! - eu disse firme para . - Além de mim, o protegendo, temos o soldado Grey. - falei, olhando para o homem que concordou dando um discreto sorriso para o pequeno.
- Viu? Você nunca vai me pegar, primo . - Kai disse certo de si.
- Vou sim. Uma hora você vai ter que sair daí, não é?
A cara de Kai fez todos que apreciavam a cena rirem, ele parecia ter sido pego em uma armadilha. Mas então eu me virei levemente, para contar um segredo para o pequeno atrás de mim. - Vou segurar ele e você corre.
Apesar de ter falado um pouco mais baixo, eu sabia que , parado em pé a poucos centímetros de mim, havia escutado.
O pequeno assentiu, empolgado.
- Um. Dois. Três. Vai! - e então eu coloquei gentilmente as mãos sobre os ombros de , sem fazer qualquer força para mantê-lo parado em minha frente enquanto o pequeno Kai corria salão adentro rindo, claramente se divertindo muito.
Depois de ver o menino se esconder atrás de uma poltrona vazia, e discretamente olhar em nossa direção dando um ok com o polegar, olhei para que me encarava de uma maneira engraçada. Ele parecia feliz, surpreso e, ao mesmo tempo, admirado.
- Você está livre, prisioneiro. - eu disse de forma teatral, soltando seus ombros.
- Eu não teria tanta certeza. - ele disse, sorrindo de lado, antes de pedir licença e começar a procurar de forma fingida Kai pelo salão. Não teria tanta certeza? Do que ele estava falando?
Olhei para o soldado Grey esperando alguma explicação para aquelas palavras, já que ele havia presenciado toda a cena, mas como um bom soldado, ele permanecia neutro. Dei de ombros, decidindo deixar aquilo de lado e então analisei a cena no salão. Anne e Aurora conversavam animadas com no canto, todos com suas taças de bebida na mão. Samantha e Lauren riam de forma exagerada com Kaleb nos sofás, depois que raciocinei, consegui entender a cena. Se tudo seguisse como o combinado, o pai de Kaleb viraria rei, o que tornaria o mesmo o herdeiro do trono. Revirei os olhos.
continuava brincando com Kai, agora o príncipe tentava de forma bem engraçada se esconder do pequeno, enquanto os gêmeos estavam sentados em uma mesa perto da janela jogando um jogo que eu bem conhecia. Decidi me aproximar deles.
Dominó era um jogo clássico que se jogava em no mínimo duas pessoas e no máximo quatro, um dos poucos jogos que sobreviveu ao longo dos anos e guerras. Formado por peças duplas, com números variando de zero a seis, o jogo tinha como principal objetivo acabar com as peças da mão primeiro que os adversários. Era um jogo de sorte e estratégia ao mesmo tempo e, pelo menos atualmente, não era muito comum entre as mulheres. O que, nesse caso, só fazia minha mãe ter mais interesse em aprender e, consequentemente, me ensinar.
Apesar da senhora estudar e ensinar tudo o que uma dama deveria ser, ela também tinha seus caprichos, sendo jogos um deles. Como minha mãe sempre aproveitou os livros da biblioteca em que trabalhou por alguns anos, antes de se dedicar a educar eu e Victoria, ela acabou aprendendo coisas diferentes, entre elas o dominó, aproveitando, quando crescemos o suficiente para entender as regras do jogo, para jogar conosco.
- Se chama dominó. - Kael, o gêmeo mais sorridente, comentou assim que eu me aproximei da mesa, me tirando dos meus pensamentos. Eu sequer os cumprimentei antes de parar ao lado da mesa e vê-los jogar.
- Como?
- Dominó. O jogo se chama dominó.
- Ah, eu sei. - falei dando de ombros.
- Sabe?
- Sim. Já joguei algumas vezes. - resolvi dizer. Apesar de ser um jogo extremamente voltado para o sexo masculino, não era exatamente proibido mulheres jogarem.
- Você sabe jogar? - Kaleo parecia mesmo surpreso.
- Um pouco.
- Então jogue conosco.
- Não, imagine. Não se preocupe, ficarei feliz em apenas observar.
- Nada disso! Jogar em duplas é muito melhor! - Kaleo afirmou. - Ei, ! - ele disse alto, chamando atenção de todos. - Vem jogar!
, que ainda brincava com o primo mais novo, nos olhou confuso antes de falar para o pequeno ir até e caminhar em nossa direção.
- Vocês querem jogar? - ele perguntou, ainda um pouco confuso.
- Sim, a senhorita sabe jogar. - Kael afirmou, parecendo feliz com isso.
- É sério? - o príncipe herdeiro de Ynter estava surpreso.
- Sim. - disse, quase me arrependendo de tê-lo feito.
Capítulo 28 - Soldado Samek
- Eu não acredito nisso! - Kaleo disse alto, parecendo realmente surpreso quando eu coloquei minha última peça na mesa, ganhando o jogo pela terceira vez. Dava para ver em sua expressão o quanto aquilo era irreal para ele, mostrando claramente o quanto ele havia me subestimado.
- E ganhamos de novo... - o príncipe disse encostando-se na cadeira ao gabar-se, ele estava claramente contente ao provocar o primo competitivo. parecia mesmo feliz, e até orgulhoso, com as consecutivas vitórias.
- Na verdade, quem ganhou foi a senhorita . - Kael disse, corrigindo o primo. - Você sabe que ela está carregando você.
- Você está certo, Kael. - disse, dando de ombros. - Mas eu e somos uma dupla, então nossas conquistas são compartilhadas. - ele disse sorrindo vitorioso ao olhar para mim. Senti que sua frase poderia ter uma dupla interpretação, mas fingi não notar.
- Eu ainda estou achando isso inacreditável. - Kaleo disse, olhando para mim admirado. Sorri, dando de ombros. - Você é realmente boa. - Seu tom ainda estava surpreso.
- Obrigada. - falei, sentindo-me levemente envergonhada. Eles estavam certos, apesar de eu e jogarmos em dupla, eu quem havia feito a maior parte das estratégias durante o jogo, afinal eu era mesmo boa. Na primeira rodada eu propositalmente tranquei a mesa, ou seja, eu tornei impossível qualquer pessoa adicionar mais peças. Sendo assim, a dupla ganhadora era baseada na somatória dos pontos restantes em nossa mão, os quais, pelo que eu havia analisado no jogo, faziam eu e ganharmos. Já na segunda vez coloquei uma peça que fez Kaleo pular à vez e ganhar, nos fazendo ganhar novamente como dupla. E na terceira e última vez, fui a primeira a acabar com as peças da mão. - Eu falei que sabia jogar.
- Você disse que sabia um pouco. - Kael defendeu sua dupla.
- Admitam: ela é melhor do que vocês. - brincou, fazendo Kael olhar para o primo com uma cara feia. Eu sabia que a família de era gentil e legal demais para ficar irritada de verdade, mas nem isso impedia o incômodo de ter a masculinidade afetada. Suspirei.
- , não exagere. - chamei sua atenção, repreendendo-o. Afinal ele não precisava provocar tanto, eu não queria causar uma cena por causa de um jogo qualquer. Além disso, os primos do príncipe eram bons adversários.
- O que está acontecendo? - perguntou, aproximando-se com Aurora ao seu lado, nos interrompendo antes que o príncipe mais velho pudesse me responder.
- é muito boa no dominó. Então nós ganhamos todas as partidas. E agora ela está brava comigo, porque eu estou deixando claro para Kael e Kaleo que ela é melhor que eles. - respondeu rápido, olhando diretamente para mim na última frase. Apesar da atitude do príncipe, eu gostava de vê-lo tão descontraído na presença de sua família. parecia outra pessoa ali, o tom mais informal, as brincadeiras bobas… Ele parecia normal.
- Não é isso... Eu só tive sorte. - tentei.
- Ela ganhou três partidas seguidas. - Kael reclamou, mas ao mesmo tempo deixou claro que estava falando a verdade.
- Eu e ganhamos. - falei novamente, o que fez todos os garotos rirem.
- é o pior de nós no dominó. - Kaleo disse rindo.
- Ah, então vocês me deram uma dupla ruim? - falei séria, cruzando os braços na frente do peito, fingindo estar brava e tentando a todo custo mudar de assunto. Dominó ainda era um jogo majoritariamente masculino, não queria chamar tanta atenção para minhas habilidades. - Que coisa desonrosa, senhores...
- Eu não sou tão ruim assim. - o príncipe herdeiro se defendeu.
- Nós achamos que vocês estavam no mesmo nível, então faria sentido. - Kael tentou se defender.
- A realidade é que vocês queriam vencer facilmente. - eu disse, olhando feio para gêmeos à mesa.
- E vocês supuseram que ela era ruim por ser mulher. - Aurora, que ainda estava de pé ao lado do namorado, comentou. - E vocês claramente se deram mal, porque ela é melhor que vocês.
Olhei repreensiva para Aurora, praticamente conseguindo escutar a lição que minha mãe daria se ela soubesse daquilo: “ , eu lhe ensinei esse jogo para você se divertir em casa. Você precisa saber se portar em público”.
- A senhorita tem razão. - Kaleo concordou com Aurora. - Mas não é culpa nossa, a senhorita é uma raridade. É a única mulher que joga dominó que eu conheço.
- Como se isso fosse algo bom. - Samantha lançou, aproximando-se de nós com Lauren ao seu encalço, pelo que eu sabia, Anne e Kaleb estavam brincando com Kai.
- Eu acho. - Kaleo respondeu, sem se importar ao responder Samantha no mesmo tom grosseiro que ela havia usado. A mulher, por sua vez, não disse nada.
- Vamos jogar mais uma, ? - Kael convidou, estrategicamente ignorando a cena. Sorri para ele, grata por ele não querer dar atenção às palavras de Samantha. Estava mesmo feliz pelos primos de serem tão legais, mas então olhei em volta. Todos estavam ao nosso redor, prontos para ver mais um jogo e tirar suas próprias conclusões, prontos para analisar cada mínimo movimento meu, mas eu não gostava daquilo. Eu não queria atenção, não queria disputar e, principalmente, não queria dar mais munição para a guerra que as Selecionadas haviam declarado.
- Eu agradeço o convite, mas já estou ficando cansada. Acho que vou me retirar. - falei, já ficando de pé, o que fez todos os homens sentado à mesa fazerem o mesmo.
- Você tem certeza? - perguntou, parecendo entender meu desconforto. Entretanto não pude responder, pois Kai, o primo mais novo, chamou a atenção de todos na sala.
- Eu quero ir junto. - Kai disse, coçando os olhinhos. - Quero ir junto com a senhorita . - O sono fazia sua voz ficar ainda mais fofa.
Kai parecia chateado por ter parado de brincar quando todos os adultos resolveram se reunir ao redor da mesa, algo que lhe fez perceber que já estava com sono.
- Tudo bem, eu levo você. - Kaleo e Kael responderam juntos, deixando o clima levemente constrangedor, afinal ficou um pouco claro que não era apenas Kai que eles gostariam de acompanhar.
- Acho que eu e Aurora vamos nos retirar também. - disse, recebendo concordância da mulher.
- Eu também. - Anne afirmou, terminando de beber sua taça.
- Acho que encerramos por hoje, então. Todos nós podemos acompanhar as senhoritas aos seus aposentos. - apesar de não ter tido muito contato do primo mais velho dos príncipes, senti que ele contava uma piada. Na verdade, após ver seu sorriso em minha direção, eu tive certeza de que ele tinha entendido aquela cena do mesmo jeito que eu. Respirei fundo.
- Parece ótimo. - concordou, deixando claro que todos nós devíamos sair.
Assim que o príncipe herdeiro de Ynter declarou o fim da noite, nós seguimos em direção a saída. Kael puxou a cadeira para facilitar minha passagem, enquanto dava mais um gole em seu vinho e Kaleo terminava de bebê-lo praticamente virando toda a taça. Tudo parecia bem, até que, enquanto caminhávamos em direção a porta, presos em uma conversa sem importância, Samantha acidentalmente derramou sua taça de vinho em mim.
- Ah, . Eu sinto muito! - ela disse de forma teatral. - Eu não queria arruinar seu vestido. Eu juro!
Foi ali que eu percebi que havia sido de propósito. Não sei se foi o tom ou a escolha das palavras, mas eu simplesmente sabia que ela havia derramado propositalmente o líquido em mim.
- Não se preocupe. - suspirei, vendo o líquido tinto escorrer do corpete em direção a saia, molhando-me inteira. Fiquei na dúvida se ela havia tomado um gole sequer daquilo.
- Você podia ser mais cuidadosa, Samantha. - Lauren ralhou, me defendendo. O que me fez olhar para ela espantada.
- Eu já disse que foi sem querer. - Samantha respondeu saindo um pouco da sua pose elegante.
- Venha, , vamos limpar um pouco disso no banheiro. - Aurora chamou, indicando o banheiro que eu não conhecia até então, como uma boa amiga, Anne nos seguiu.
- Eu não acredito que ela fez isso. - Anne falou assim que fechou a porta do banheiro atrás de si, ajudando Aurora a pegar toalhas de papel para limpar o excesso do vinho antes que pingasse no chão.
- Eu acredito. - Aurora disse, revirando os olhos.
- Eu teria achado que foi sem querer, se ela não tivesse usado uma frase tão cruel. - disse, dando de ombros.
- É inveja pura, tinha razão quando disse que o príncipe criou um monstro. - Aurora disse, me fazendo rir ao lembrar da cena no baile.
- Se esse fosse o pior monstro que eu preciso lidar. - suspirei.
- Sobre isso, … - Anne falou, fazendo uma expressão preocupada na hora. - Sobre ontem à noite…
- É verdade que os sulistas te tiraram do castelo e o Chefe mandou você chamá-lo pelo nome? - Aurora, ao contrário de Anne, foi direta.
- Como você sabe?
- Serena decidiu ser sincera comigo. No fim das contas estamos mais seguras sabendo a verdade. - Aurora disse, dando de ombros.
- Nós conversamos. - Anne confirmou.
- Nós?
- Eu, Aurora, Serena, e .
- É sério? - apesar de não entender bem o porquê, aquilo me incomodou.
- Todos queremos proteger você, . - Aurora explicou, notando minha insatisfação.
- Vocês se encontraram para falar sobre mim?
- Sim.
- E sobre os rebeldes. - Anne completou tentando, inutilmente, melhorar a situação.
- E ninguém pensou em me convidar? - falei, soando grossa. Eu estava mesmo incomodada com aquilo, as pessoas podiam simplesmente sentar para falar sobre mim sem minha presença? Conversar sobre o Chefe, sobre os rebeldes e sobre minha vida, sem mim?
- Eles acharam que era o melhor, . - Aurora contou. - Ninguém falou nada que você já não saiba.
- Tudo bem, mas, mesmo assim, a minha presença era um incômodo?
Antes que qualquer uma das duas pudesse me responder, ouvimos uma batida na porta.
- Senhoritas, vocês estão bem? - pela voz, sabia que era .
- Estamos. - respondi alto. - Na verdade, acho que já terminamos por aqui. Obrigada pela ajuda, meninas. - eu disse, claramente soando irritada, apesar de me esforçar para não ser grossa com elas. Depois, abri a porta, deparando-me com e nos aguardando.
- Desculpem incomodar, mas vocês demoraram um pouco. - falou, assim que me viu.
- Não se preocupem, Altezas. Já terminamos por aqui. Boa noite. - falei, passando por ambos sem maiores cumprimentos, seguindo para a porta já aberta, apenas sentindo o soldado Grey ao meu encalço quando parti corredor a fora. Todos os outros convidados já haviam partido.
***
- ? Acorde, querida. - Meri disse um pouco mais alto, colocando a mão em meu ombro de forma gentil.
- Bom dia. - disse antes mesmo de abrir os olhos, eu sabia que a luz iria me incomodar. - Já estou acordada.
- Não está. Você quer me enganar. - ela disse rindo, indo em direção ao interruptor para apagar a luz ao me ver colocando a mão sobre os olhos, tentando inutilmente facilitar para minhas pupilas se depararem com a claridade.
- Obrigada. - falei, piscando algumas vezes e sentando na cama, agora sentindo-me mais desperta.
- Vejo que você se divertiu ontem. - ela disse sorrindo, apontando para o meu vestido sujo com o vinho, que agora estava pendurado em um cabide.
- Se você acha divertido quando viram, propositalmente, vinho em você. - revirei os olhos, me lembrando da cena.
- É sério? Quem fez isso?
- Samantha.
- E o príncipe não falou nada?
- O que você acha, Meri? Ela disse que foi sem querer…
- Que megera.
- Tudo bem, o pior é que eu duvido muito que dê para salvar o vestido.
- Não tem problema, senhorita. Você terá um vestido novo para substituir esse em breve.
- Não precisa substituir o vestido, Meri. Vocês já estão tendo muito trabalho com o vestido do Juramento à Bandeira. Você sabe que eu posso viver com um vestido a menos, além do mais, tem vestido no armário que eu ainda nem usei.
- Falando nisso, vamos estrear um deles hoje?
- Hoje?
- Sim… A recepção no jardim para a família do rei é agora de manhã. Você precisa ir para o banho rapidamente, senhorita.
Suspirei. Depois de toda a cena que eu fiz na noite anterior, nem me lembrava mais da recepção. Não estava a fim de tanta movimentação, muito menos uma que incluía não apenas nossos convidados de Kouris, mas vários nobres da região.
Concordei com Meri e parti para o banho rapidamente, ajudando-a não só na tarefa de me despir, mas como a de lavar meu cabelo.
- Meri, posso lhe fazer uma pergunta?
- Claro, . O que foi?
- Alguém contou para vocês onde eu estava na noite do baile? Quando ninguém me achou?
- Não, senhorita... Mas não cabe a nós saber ou perguntar.
- Eu sei… - respirei fundo, sabendo que ela tinha razão. - Só para confirmar.
- Por quê, ? Gostaria que soubéssemos de algo? - Meri perguntou, percebendo minha insatisfação com sua resposta.
- O que aconteceu naquele dia é um segredo, Meri. Um segredo que eu compartilhei com o príncipe, e ele contou para várias pessoas sem a minha permissão.
- Mas por que ele fez isso?
- Parece que foi para a minha segurança e das pessoas à minha volta.
- Mas isso não é bom?
- Se esse fosse o verdadeiro motivo, ele deveria ter contado para vocês.
- Senhorita , se me permite dizer, não acho que o príncipe lembraria de nós nesse caso.
- O que quer dizer?
- Nós somos suas criadas, .
- Vocês são minhas amigas e ele sabe disso.
- Talvez ele realmente saiba, , mas não sei se ele compreende. Você consegue me entender? - ela perguntou, estendendo-me a toalha.
- Eu não sei. - suspirei, entendendo o que Meri queria dizer, mas em dúvida se era essa a realidade.
- Posso lhe fazer uma pergunta, ?
- Claro.
- Você disse para o príncipe que era segredo?
Olhei para Meri surpresa. Eu havia dito?
- Não. Eu não disse.
- Então talvez ela tenha feito realmente o que achava mais certo para a segurança das pessoas pelas quais ele é responsável. E apenas não contou para nós, porque achou que você contaria ou simplesmente porque achou que não era necessário que nós soubéssemos.
- Talvez você esteja certa. - lamentei, não apenas pela possível verdade em suas palavras, mas pela minha atitude na noite anterior. Precisava falar com Anne e Aurora.
Saí do quarto apressada, usando o tempo curto para acelerar os passos e ignorar a presença de Drew, que, pelo que parecia, era meu guarda naquela manhã.
- Bom dia! - ele disse empolgado, apesar de eu conseguir ver o desconforto em sua postura.
- Bom dia, soldado. - eu disse já seguindo rápido em direção às escadas.
***
Cheguei na recepção que seria no jardim alguns minutos atrasada. A família real ainda não estava lá, mas boa parte dos convidados sim, inclusive as Selecionadas. Encontrei, no canto da grande tenda, Anne e Aurora, juntas, rindo de algo. Suspirei, eu precisava mesmo conversar com elas. Apesar de ter realmente ficado chateada com a ideia das minhas amigas conversando sobre minha vida em uma reunião oficial, eu sabia que nem tudo era exatamente sobre mim, mas sim sobre o que a existência dos rebeldes sulistas e do Chefe podia significar para todas nós.
Antes que eu pudesse me aproximar das duas, Serena caminhou em minha direção com um sorriso falso no rosto. Eu conhecia a mulher o suficiente para saber que ela não estava contente comigo.
- Bom dia, senhorita .
- Bom dia, senhora. - falei, esboçando um sorriso cordial. - Como está?
- Estou bem, obrigada. Podemos conversar? - ela disse baixo, claramente querendo privacidade.
Olhei para Anne e Aurora, que agora nos olhavam curiosas. Eu queria conversar com elas primeiro, tentar entender o que estava acontecendo, e, principalmente, me desculpar. Elas eram minhas amigas, talvez as únicas que eu tinha.
- É importante. - Serena ressaltou, me fazendo concordar e seguir com ela para longe das minhas amigas, me contentando com um sorriso de longe, que ambas corresponderam de forma discreta. Sentamos em um banco escondido e bem isolado, quase impossibilitando a visão da tenda, e então a mulher me encarou de forma séria.
- O que aconteceu? - perguntei, ficando mais preocupada.
- É isso que vim lhe perguntar, . - Serena suspirou parecendo cansada. - O que você prometeu aos sulistas?
- Como assim? Eu lhe disse. Te contei todos os detalhes, Serena.
- O que você fez quando ele pediu para chamá-lo pelo nome?
- Nada, Serena. Eu fingi que não ouvi, ou sei lá. Eu jamais vou chamar aquele homem pelo nome.
- Eu acho que ele gosta mesmo de você, . - ela disse, despejando as palavras em minha direção.
- Ele não gosta, eu já lhe disse isso. - falei, me segurando para não revirar os olhos.
- Você recebeu um buquê ontem.
- Eu? Não recebi não.
- Recebeu, . Acontece que ele foi barrado pela segurança. Mas você recebeu um buquê de um homem chamado Antony.
- Como? Mas que absurdo! Como ele teve coragem de fazer isso? Era óbvio que os guardas não deixariam chegar em mim.
- Concordo com você.
- Então qual o sentido?
- Marcar território. Avisar os nortistas, os guardas… Ninguém pode provar que é dele, mas os funcionários falam.
- Mas isso pode colocar minha vida em risco!
- Não acho que seja esse o caso. O bilhete foi bem escrito, ele parece um mero fã para quem não sabe a verdade. Provavelmente ele achou que você receberia no fim das contas.
- Será que não é um código?
- Não é, nós conferimos.
- Mas se você sabe que não é um código, sabe que eu não falei ou combinei nada. Por que me chamou aqui?
- Porque eu realmente acho que o Chefe pode gostar de você. E eu acho isso perigoso.
- Por quê?
- , você entende que você não pode ofendê-lo, não é? Você não pode se virar contra ele, pois caso vocês quebrem a aliança ele pode querer matá-la.
- Ele jamais faria isso.
Serena negou com a cabeça, como se não concordasse com nada do que eu dizia. Como se minha ignorância e teimosia a irritasse.
- Pense comigo, . - ela disse, parecendo se esforçar para manter a paciência. - Esqueça o que você acha, por um minuto.
- Tudo bem.
- Imagine que o Chefe realmente goste de você. Que ele queira se casar com você. E então ele, de alguma forma, deixa esse algo a mais claro para você. O que você faria?
- Eu diria que não foi isso que combinamos. E que ele está passando dos limites.
- Certo. - ela assentiu. - Agora imagine que ele não goste da recusa. Que a rejeição faça com que ele fique tão revoltado que a chance de se casar com você para virar rei acabe. Que ele perceba que você não quer ficar com ele de verdade. O que você acha que ele faria?
E então eu entendi. Serena estava certa. Se o Chefe tivesse reais sentimentos por mim e eu o recusasse de alguma forma, todo nosso combinado poderia ir por água abaixo. Fazendo com que eu me tornasse não só uma inútil para ele, como uma traidora. Ele poderia facilmente se livrar de mim. Percebi que Serena me encarava em busca de algum sinal de que eu concordava com ela.
- O que eu faço? - disse por fim, derrotada. Eu finalmente entendia Serena e o que os possíveis sentimentos do Chefe por mim poderiam significar.
- Não diga "não" para ele.
- Isso não é uma opção, Serena.
- Certo. Eu imaginei que você diria isso. - ela riu fraco, parecendo mais contente agora que eu concordava com ela. - Você não pode mais ficar sozinha, . O Chefe precisa ser incapaz de entrar em contato com você.
- Eu…
- , você não pode mais fugir disso. O que você fez no almoço ontem é um luxo que não lhe pertence mais. Você precisa enfrentar os obstáculos em vez de correr deles. Precisa aceitar que sua vida nunca mais será a mesma.
Suspirei. Ela estava certa.
- O que você tem em mente? Digo, eu já tenho cinco novos guardas.
- Você precisa colaborar. Participar das conversas importantes, não ficar exposta no jardim com apenas um dos guardas de vigia. Não pode mais ficar sozinha no seu quarto, por exemplo.
Suspirei. Serena estava certa, como o próprio soldado Grey havia deixado claro, algo podia acontecer com a minha segurança. Não apenas comigo, mas com os homens que deveriam me proteger.
- Tudo bem… - concordei, sentindo-me derrotada. Eu não gostava nada daquilo, mas não havia opção. Não se tratava apenas da minha segurança, mas das pessoas à minha volta, das pessoas que eu me importava.
- Quando você for princesa , a sua vida será assim. Você sabe, não é?
- Eu sei, mas eu achei que tinha mais tempo.
Serena estava pronta para discordar de mim, eu sabia que ela achava que o meu tempo era praticamente nulo. Mas talvez pelo desespero que eu expressava, ela apenas concordou, sorrindo fraco.
- Eu vou estar aqui, . Não importa quanto seja o seu tempo. Você pode contar comigo.
Eu sabia que Serena realmente acreditava que estaria do meu lado em todas as situações, mas eu tinha certeza de que se ela tivesse que escolher entre mim e seu povo, ela não pensaria duas vezes em me abandonar. E como eu poderia culpá-la por isso?
Serena, assim como , e até Aurora, pertencia a um grupo seleto que tinha a lealdade como principal legado. Eles estavam ali para servir seus iguais, para protegê-los e proteger sua causa a qualquer custo, mesmo que esse custo fosse eu. Suspirei. E eu? A qual grupo eu devia minha lealdade? Qual grupo eu protegeria com minha vida, sem nem hesitar?
- E Drew?
- O que você quer saber? - Serena perguntou, entendendo que aquele era um assunto que eu não gostava.
- Por quê? Por que você o deixou vir?
Ela suspirou.
- Porque ele é bom. Você pode não acreditar, mas os sulistas o transformaram. Drew não é mais o garoto em cima da árvore, .
- Talvez ele realmente não seja. Mas ainda assim ele é Drew. E eu não posso perdê-lo.
Serena assentiu lentamente, nem um pouco surpresa.
- Mas você precisa respeitá-lo, . Ele abriu mão de tudo por você. O mínimo que pode dar para ele é algum motivo para continuar.
- Viver a própria vida não é motivo suficiente?
- Para você é?
- Como?
- Eu não acredito que vou falar isso. Mas… - ela respirou fundo. - O que te impede de desistir? De falar para o príncipe que você não quer isso e ir para casa… E, por exemplo, casar-se com Drew? O que te impede, ?
Parei, encarando Serena. Ela estava certa. O que me impedia? Porque não era amor por , isso eu tinha certeza. Mas então o que?
- É meu dever… Você sabe muito bem Serena que meu papel é estar nessa Seleção desde o momento em que minha mãe engravidou. No momento em que a família real anunciou seu primogênito e minha mãe foi capaz de ter uma filha para se encaixar na regra.
- Mas você já está aqui. Ninguém da sua família venceu. Se você for embora hoje, já vai ter feito sua parte.
- Se eu for embora hoje, quem vai fazer o que eu faço? Quem vai usar símbolos nortistas na frente do país todo? Quem vai sair na madrugada para acalmar os sulistas? Aurora? Samantha? Quem sabe a Natalie? - falei revoltada, incapaz de acreditar que Serena via outra opção a não ser a que tínhamos.
- Ninguém vai. Ninguém é capaz de fazer o que você faz, . - Serena não tinha nenhuma dúvida disso. Ela não estava querendo me substituir, sequer achava que encontraria outra pessoa se precisasse, ela parecia apenas querer entender. - Mas ainda assim eu pergunto: o que não te deixa largar tudo?
- É simples, eu tenho responsabilidade com o que eu me comprometi a fazer. Além disso, eu não desejaria para ninguém tudo isso, Serena… Eu me importo com as pessoas que estão metidas nisso.
Então Serena sorriu.
- Drew se importa com você. Ele se comprometeu apenas com uma única pessoa: você.
- Mas eu não quero custar tudo para ele, Serena! - senti meus olhos marejarem. - Não quero ser a pessoa que o impede de ser quem ele quiser.
A rebelde segurou minha mão.
- Drew está aqui porque ele quer. Mandá-lo embora será contra a vontade dele. Ele quer te proteger, . E escute o que eu estou lhe dizendo: Drew Samek é capaz disso. Pedir para ele ir embora, é impedir ele de fazer o que quer.
- Mas eu quero protegê-lo.
- Eu acho que você precisa conversar com Drew sobre isso, .
Concordei, secando a pequena lágrima que chegou a escorrer por minha bochecha.
- Eu vou. E se eu convencê-lo a ir embora, quero que você o deixe ir.
- Eu prometo.
- Obrigada. - falei, ficando de pé. Claramente havíamos terminado ali. - Agora eu preciso conversar com Anne e Aurora.
- E . E Drew. - Serena completou, fazendo uma discreta reverência antes de sair. Eu sabia que ela estava apenas me provocando.
Esperei alguns minutos antes de partir em direção a tenda, encontrando Anne e Aurora bebericando suas bebidas em uma mesa próxima de onde estavam anteriormente. Elas sorriram quando perceberam que eu estava me aproximando.
- Eu sinto muito. - falei assim que me aproximei delas, ignorando qualquer tipo de cumprimento. - Me desculpem, eu fui uma tola. - completei, sentando-me com elas.
- … Você não precisa se desculpar. - Anne foi a primeira a responder. - Nós não achamos que poderia se sentir excluída, mas depois de ontem conseguimos entender.
- Anne está certa. Nós vamos dividir tudo com você, . - Aurora continuou. - Qualquer coisa que quiser saber. Não percebemos que estávamos guardando segredos de você. Achamos que você sabia da reunião e só não queria se chatear mais.
- Sentimos muito de verdade por não ter te incluído. Achamos que era mais fácil, que você tinha coisas demais para pensar. Mas você estava certa…
Suspirei. Estava extremamente grata por elas aceitarem minhas desculpas tão facilmente. Eu também conseguia entendê-las, eu nem sempre era fácil de conversar.
- Vocês não precisam me incluir em tudo. - Anne e Aurora me olharam desconfiadas. - É sério! Eu confio em vocês e não vou deixar uma reunião mudar isso. Na realidade, eu estou feliz por vocês saberem das coisas. Fica mais fácil. - falei, segurando suas mãos, tentando mostrar naquele pequeno gesto o quão eu me sentia mal. - Peço desculpas pela forma que me comportei. Fui ridícula e sinto muito.
- Você não foi ridícula, . - Anne falou, mas riu com a descrença que lhe encarei. Eu sabia que havia feito uma cena desnecessária, igual fiz na reunião com e Serena.
- Certo. Talvez um pouquinho. - Aurora corrigiu a amiga, fazendo todas nós cairmos na gargalhada. Eu gostava da capacidade de Aurora de ser sincera comigo.
- Eu fui bastante. Mas tudo é novidade para mim, então…
- Nós desculpamos você. - Anne garantiu, fazendo Aurora concordar com a cabeça. Era isso, nossa amizade estava firme novamente.
- Obrigada.
- E então? O que você quer saber? - Aurora perguntou baixo.
- Não sei… Vocês sabem de tudo?
- Sabemos sobre o Chefe, sabemos sobre seus guardas e que dois são nortistas… - Anne começou a listar.
- Sabemos de tudo. - Aurora garantiu.
- Sabem que Serena acha que o Chefe gosta mesmo de mim?
Anne e Aurora se entreolharam.
- Sabemos que ela tinha suspeitas…
- Ele me enviou flores.
- Como?
- Sim. Serena disse que eu preciso cuidar muito para não deixar o Chefe perceber que nosso acordo pode não se realizar. Digo, se ele gostar mesmo de mim e eu deixar claro que o desprezo… Ele pode querer cancelar o casamento mesmo que a ideia de ser rei ainda esteja disponível. Entendem?
- Ela acha que ele gosta tanto de você a ponto de dar mais importância para a rejeição do que para o cargo de rei? - Aurora estava chocada.
- Sim. Ela acha.
- E o que você vai fazer a respeito disso? - Anne também estava incrédula.
- Sinceramente? Torcer para a ideia da Serena de não me deixar sozinha por nem um segundo funcione. Assim não vou mais precisar me encontrar com ele.
Antes que minhas amigas pudessem responder, um guarda anunciou a chegada da família real e seus convidados especiais. Nos levantamos imediatamente, como mandava a etiqueta, prontas para receber nossos soberanos.
O rei Jadson vinha acompanhado da rainha Ariele, com a princesa Mikaelly e o príncipe Kalel ao lado. Logo atrás, vinham e Kaleb, os primogênitos de cada casal e então, vinha acompanhado dos gêmeos e de Kai, que dava a mão para um dos irmãos. A postura ereta das duas famílias, misturada com seus passos completamente sincronizados e roupas impecáveis, deixava a visão completamente deslumbrante. Não demorei para perceber que a família do rei Jadson usava o habitual azul real em suas vestes, enquanto a família de Kouris tinha um verde escuro nas roupas. A única que se diferenciava de todos era a princesa Mikaelly, que usava um vestido rodado que misturava na saia o azul e o verde dos seus dois reinos. Sabia que quando ela virasse rainha, o azul de Ynter sairia de suas roupas, mas eu fiquei feliz por ela ter usado essa oportunidade para fazer uma homenagem ao seu país natal. Os jornalistas que captavam a recepção por fotos, com certeza estavam animados.
- É incrível, não é? - Aurora disse, parecendo animada para estar naquele lugar, ao lado do namorado.
- Um pouco assustador. - admiti.
- Você vai ficar perfeita ali . - Aurora garantiu, me fazendo dar de ombros. Talvez nas fotos sim, talvez para os jornais e câmeras, eu realmente fosse a princesa perfeita ao lado de , mas será que na realidade as coisas seriam mesmo assim?
Não conseguia evitar pensar no meu casamento com o príncipe herdeiro de Ynter e o que isso significaria para o meu futuro. Ainda mais depois das palavras de Serena: “Quando você for princesa , a sua vida será assim.”. Eu sabia que mudaria tudo, sabia que as câmeras estariam prontas para captar cada momento meu, mas será que os guardas também? E os funcionários do castelo e os nobres da região? Será que um dia eu estaria pronta para ter os olhos de TODOS sobre mim?
Estava tão perdida em meus pensamentos, que só percebi que , e Kaleb se aproximaram de nós, quando o rosto do príncipe herdeiro de Ynter ocupava todo meu campo de visão. Estávamos sendo convidadas para dançar, sendo Anne a escolhida por Kaleb. Fiquei feliz por aquilo, pelo futuro herdeiro de Kouris escolher uma “estrangeira” ou invés de Samantha ou Lauren, já que Natalie estava indisposta para participar naquela manhã. Não sabia quanto tempo demoraria até as pessoas acharem que ela estava mesmo com alguma doença séria, já que ela não havia participado da metade dos últimos eventos.
Percebi, já na pista de dança, que os gêmeos dançavam com Samantha e Lauren. Logo a maioria dos convidados estava girando no ritmo da música tocada pela banda.
- Como você está? - perguntou, conduzindo-me entre os diversos casais. Já estávamos na segunda música juntos.
- Bem.
ergueu uma das sobrancelhas, deixando claro que duvidava de mim.
- Conversei com Anne e Aurora. Tivemos um desacordo ontem no banheiro, mas já resolvemos.
- Fico muito feliz.
- Serena conversou comigo hoje também, sobre minha segurança. Ela disse que não devo mais dormir sozinha nos meus aposentos, nem passar tardes no jardim apenas com um dos meus guardas.
- E o que você disse para ela? - o príncipe não parecia surpreso com a atitude da rebelde.
- Você também pensa como ela?
- Digamos que ela tem bons argumentos, os quais não posso ignorar completamente.
Concordei. Era exatamente o que eu pensava. Não queria acreditar em Serena, mas seus pensamentos tinham lógica, uma lógica que me causaria sérios problemas se ignorada.
- Então ela convenceu nós dois. - afirmei, vendo assentir, parecendo aliviado. - No fim, meus guardas farão parte da minha vida afinal.
não disse nada, parecendo apenas pensar em minhas palavras.
- , posso lhe fazer uma pergunta?
- Claro, qualquer uma.
- Por que você permitiu que Drew viesse? - olhei para os olhos do príncipe, esperando ver algum sinal do que ele sentia ali. - Depois de tudo o que conversamos.
não hesitou por um segundo sequer, parecia que ele havia pensado muito sobre aquilo.
- Porque se o que você me contou for verdade. Se ele arriscou tudo se unindo aos sulistas para resgatar você, não há ninguém em que eu confie mais para protegê-la, .
- Mas eu não o quero aqui. Você pensou nisso? Pensou no que eu arrisquei para mantê-lo a salvo?
Dessa vez engoliu em seco, como se a verdade que eu lhe disse fosse algo que lhe incomodasse.
- Não há nada que valha mais que sua vida para mim, . Nada. Isso inclui a vida do seu amigo, seus desejos e até a relação de vocês dois. - o príncipe disse sério, parando de dançar apenas para garantir que eu estava prestando atenção em suas palavras. Eu estava grata pelo barulho da música misturada com os saltos na pista de dança, impedissem qualquer um de ouvir o que dizíamos. - Você não sabe como me machuca a ideia de ver você indo embora ao lado dele, mas ainda assim, prefiro a minha ruína do que a sua.
Pisquei algumas vezes, perplexa com aquilo. Como o príncipe que caminhou comigo até a sala de reuniões para me apresentar meus guardas podia ser tão indiferente, enquanto o homem à minha frente me dizia palavras tão surpreendentes?
- Eu não vou. - eu disse, por fim. Mas não pareceu entender o que eu estava falando. - Eu não vou embora com ele.
sorriu, parecendo verdadeiramente feliz com minhas palavras. Mesmo que eu tivesse certas dúvidas se ele realmente acreditava nelas. Eu sabia que o príncipe herdeiro queria confiar em mim e que ele acreditava que eu estava sendo sincera, mas no fundo tinha medo de que eu mudasse de ideia. E, sinceramente, eu também.
- Mas ainda sim, eu não gosto da ideia de tê-lo aqui. Eu não estou disposta a sacrificar tanto quanto você, .
- Ele é um homem crescido, . Acredito que possa tomar as próprias decisões. Só não me peça para ser o tolo que não vai aceitar a ajuda dele, porque eu preciso dela. Você não está segura aqui. Não sei como, mas nada do que eu fiz foi o suficiente para te manter segura.
Neguei com a cabeça, incrédula. parecia ter ciúmes de Drew, mas ainda sim estava disposto a tê-lo aqui, mesmo achando que Drew me levaria embora com ele. Não conseguia acreditar que o príncipe tinha tão pouca fé em mim e que ignorasse tão profundamente meu desejo de manter Drew vivo. Minha segurança não tinha nada a ver com ou Drew, mas sim com o Chefe e a disputa idiota dele.
- Não vou lhe pedir para mandá-lo embora. Mas quero que aceite sua saída quando eu convencê-lo a partir.
sorriu fraco, como se não acreditasse que eu convenceria Drew, mas ao mesmo tempo parecendo gostar da minha autoconfiança.
- Tudo bem.
- Obrigada, Alteza. - disse, fazendo uma reverência antes de sair da pista. A música havia acabado e eu e não dançávamos mais.
Assim que deixei a pista, peguei a taça do espumante que estavam servindo e a virei inteira. Ainda era de manhã, então o álcool da bebida era mínimo, mas o suficiente para me dar a coragem que eu queria. Precisava só achar Aurora para ter mais informações para meu plano.
***
Assim que todos terminaram de dançar e comer, a recepção foi encerrada, para dar espaço aos próximos eventos do dia: caça e prova do buffet para o Juramento a Bandeira no Salão das Mulheres.
Sorri com a ideia de ter mais oportunidades para conversar com Aurora e Anne sobre meu plano para tirar Drew do castelo, já que na recepção passamos o resto do tempo socializando com os nobres da região, que pareciam muito interessados na futura esposa do príncipe , o que me impossibilitou de tocar no assunto. Seguimos para o Salão das Mulheres junto das outras selecionadas, da rainha Ariele, da princesa Mikaelly e algumas outras nobres da região, incluindo as damas da rainha.
- Não deveria ter comido tanto no café. Não acredito que vamos provar mais comida. - Anne comentou, levando a mão ao estômago cheio.
- Não se preocupe, me falou que essa prova é, na realidade, apenas uma desculpa para bebermos e conversarmos mais, enquanto os homens vão caçar. - Aurora explicou, dando de ombros. - O buffet vai ter todas as opções possíveis.
- Quando vocês forem parte da realeza, espero que me convidem para eventos como esse. - Anne pediu baixo, tendo que ficar quieta quando entramos no salão, já que ali podíamos ser ouvidas devido a música baixa que vinha de um piano no local. A dama que o tocava usava um vestido deslumbrante branco, deixando-a angelical.
- A música é linda. - Aurora disse, vendo para onde eu olhava.
- Sim. Ela é muito boa.
- Bem-vindas, senhoras e senhoritas. - a rainha Ariele ergueu a voz, fazendo todas ficarem em silêncio para ouvi-la. - Fiquem à vontade para aproveitar a música e um tempo a sós. Aqui é nosso refúgio.
Então todas nós rimos, afinal era refúgio dos homens que ela se referia. Dos filhos, irmãos, pais, maridos e pretendentes de todas ali.
- Eu adoro esse lugar. - Aurora contou, partindo para um canto do salão, onde a vista da janela mostrava os homens montando em seus cavalos. Ali de cima conseguia reconhecer , , o rei e até os gêmeos de Kouris, além de um ou outro nobre. Era engraçado analisar os homens juntos, era evidente que a postura deles mudava, que as brincadeiras ficavam mais bobas e o linguajar mais solto. Afinal, um nobre jamais subiria atrás de outro em um cavalo apenas para segurar o da frente por trás e se jogar no chão, levando a vítima junto, como fez com Kael ou Kaleo, ali de cima era difícil de reconhecê-los.
- Você acha que eles vão mesmo virar a família real de Kouris? - Anne perguntou, parecendo notar a mesma cena que eu.
- Acho que sim. Digo, é como a linhagem funciona, não é? - dei de ombros.
- Sim. E daí terá uma Seleção para Kaleb. Uma um pouco mais rápida, acredito eu, já que ele está acima da idade.
- Mais rápida do que a de ? - Anne perguntou para Aurora, fazendo as duas rirem.
- Talvez não. - ela riu, olhando para mim.
- Deve ser assustador. - eu disse, achando Kaleb no meio de tantos nobres e soldados. - Passar a vida achando que era um príncipe qualquer, para então virar herdeiro, parte principal da linhagem do trono.
- Deve mesmo. Mas é como nós, ninguém tinha certeza de que entraria na Seleção. Tudo o que o futuro nos espera agora é completamente inesperado. - Anne disse, me fazendo olhá-la sem saber como agir. Nunca foi dessa forma para mim. E então olhei para a Aurora, apesar da incerteza, ela sabia muito bem o que a esperava se fosse parte da Seleção.
- Bem, eu posso dizer que está um pouco diferente do que eu esperava. - ela disse, rindo.
- Eu esqueço que só eu estou aqui por pura sorte.
- Você está aqui porque é incrível, Anne. - eu disse.
- Estou aqui porque precisavam de uma estrangeira para agradar outros estrangeiros. Mas eu não me importo com isso. Serei eternamente grata por ter sido selecionada.
- Você já sabe o que quer fazer? - perguntei, percebendo que jamais havia pensado sobre o futuro de Anne.
- Serei uma Dois para sempre. Encontrarei algum marido bom o suficiente para aceitar viajar comigo e sustentar minha família. Se não, serei uma solteirona com um emprego, não ligo também. Só quero ajudar minha família.
- Tem algum nobre que chamou sua atenção?
Sabia que Aurora estava falando dos bailes que tivemos, mas ainda sim me era estranho uma Selecionada de pensar em se casar com outra pessoa. Mas ao mesmo tempo Anne tinha certeza de que não seria escolhida, não apenas por sua opinião sobre sua nacionalidade, mas por sua confiança no acordo do príncipe comigo.
- Não exatamente… Quero dizer, tem alguns que não são descartáveis, mas não teve ninguém que chamou minha atenção realmente.
- Acho que fica mais fácil quando você não é mais parte da Seleção.
- Sim. Algo que não vai demorar muito. - Anne parecia triste, mas de uma forma conformada. Sinceramente, de uma forma muito mais conformada que a minha. Eu apenas ignorava o fato que após o Juramento à Bandeira, que aconteceria em quatro dias, eu estaria sozinha naquele castelo com Samantha.
- Você poderá voltar logo. Será sempre bem-vinda aqui, como uma nobre e nossa amiga.
Concordei com Aurora, mas já estava olhando novamente pela janela, vendo os homens partirem em seus diversos cavalos em direção a floresta. Além dos nobres, diversos guardas acompanhavam a caçada, provavelmente para garantir a segurança da família real.
- Aurora, posso lhe fazer uma pergunta?
- Claro. Sobre o quê?
- Sobre os nortistas. - respondi o mais baixo que podia. Fazendo Aurora concordar comigo, após olhar em torno do salão para garantir que ninguém prestava atenção em nós. - Como vocês escolhem a função de cada um?
- Depende muito. Algumas pessoas já tinham as funções quando eu cheguei. Outras vão mudando ao longo dos anos, ou porque envelhecem, ou porque se machucam. Algumas chegam recrutadas devido a uma habilidade específica, então já tem um objetivo quando chegam… Realmente depende muito.
- Você foi recrutada para ser uma Selecionada? - Anne também parecia interessada em conhecer mais sobre o grupo.
- Sim e não. Eu já era uma rebelde antes, mas muito jovem. Não tinha muitas funções. Mas ser uma Selecionada não foi ideia minha, eu só estava na idade e tinha capacidade de estudar algumas coisas.
- E existem cargos específicos? Ou as pessoas acabam fazendo o que é necessário?
- Os dois. Temos nossa diretoria, como Serena e vários outros líderes. Temos pessoas que cuidam da base, como cozinheiros, ajudantes, guardas… Alguns trabalham com as próprias profissões, como médicos, enfermeiros, professores… E tem pessoas que são chamadas para a tarefa que surge, como eu.
Concordei com a cabeça. Eu podia convencer Drew facilmente então. Ele poderia ter qualquer função, com exceção da diretoria, com a minha ajuda.
- Posso perguntar o motivo da curiosidade?
- Queria entender como funciona tudo. Até que ponto vai o poder de decisão de Serena…
Aurora não parecia acreditar totalmente em minha resposta, mas eu não havia mentido. Ia oferecer algo para Drew torcendo para Serena aceitar lutar por aquilo por mim. Eu estava realmente acreditando que minha aliança com ela seria o suficiente. Antes que Aurora pudesse protestar e perguntar mais, a rainha Ariele nos chamou para se aproximar da grande TV no salão.
- Obrigada pela atenção, senhoras. - ela disse com um belo sorriso, quando percebeu que todas já estávamos confortáveis em frente a TV. Havia vários pufes e sofás a mais naquele dia, para comportar todas as convidadas. - Como o Juramento à Bandeira está próximo, resolvi mostrar para as nossas queridas Selecionadas um pouco do que está por vir. Acredito que a maioria aqui se lembre de quando eu jurei amor ao nosso País, mas preciso admitir que estou nostálgica nesses dias e adoraria compartilhar com vocês esse dia novamente.
- Foi tudo tão lindo! - uma das nobres disse, fazendo as demais concordarem.
- Obrigada. - a rainha sorriu, não parecendo nem um pouco incomodada por ter sido interrompida. - E para nossa sorte, tudo foi televisionado!
E então rimos. A rainha Ariele claramente havia passado pelo mesmo nervoso que eu, Aurora, Anne, Natalie, Lauren e Samantha estávamos passando. O problema não era a cerimônia, mas os milhares de espectadores vendo tudo ao vivo pela TV.
- Dito isso, fico feliz de lhes apresentar, jovens senhoritas, o Juramento à Bandeira que fiz há alguns anos.
E então batemos palmas empolgadas, enquanto a rainha saía da frente da enorme televisão e uma de suas damas dava o play na gravação. A imagem era incrível, mesmo se passando há mais de 20 anos, eu conseguia reconhecer a capela, os detalhes nas paredes e teto e até alguns dos nobres que apareciam na visão.
A câmera focava a capela por trás, nos mostrando o palco com quatro grandes tronos, o corredor com cadeiras laterais e a decoração. Além de diversos nobres entrando para se acomodar e assistir tudo de perto.
O apresentador, que eu não reconhecia a voz, parecia muito empolgado falando sobre o Juramento à Bandeira, as Selecionadas que restavam na Elite da Seleção do príncipe Jadson e dos diversos nobres que prestigiavam a cerimônia. Parando de falar apenas quando trombetas soaram e a família real entrou, os avós de e eram impressionantes lado a lado e apesar de eu lembrar apenas de tê-los vistos nos livros que estudei, era como se eu tivesse vivido na pele seu reinado. Famosos pela paz e festas, eles pareciam até sérios demais caminhando pelo enorme corredor. Seguidos por seus dois filhos, o, na época, príncipe Jadson e a princesa Mikaelly, ambos parecendo bem felizes pela comemoração.
Assim que chegaram ao palco e tomaram seus tronos, iniciou-se o discurso do rei. Nessa hora percebi a rainha Ariele respirar mais fundo, parecendo ter voltado para aquele dia há tantos anos. Ela estava feliz, mas ao mesmo tempo nervosa, como se ainda estivesse esperando ser chamada para caminhar na enorme capela.
As palavras do rei foram breves, ele agradeceu a presença de todos e desejou maravilhosas festividades para todos os presentes, antes de permitir o início da celebração.
Não reconheci a primeira moça a ser chamada, mesmo as câmeras tendo focado em seu rosto quando entrou na capela. A jovem demorou alguns segundos para perceber que deveria sorrir, mas assim que o fez caminhou de forma graciosa pelo extenso corredor, parando em frente ao palco. Nessa hora, tivemos uma troca de câmeras, permitindo-nos ver de perto seu rosto enquanto reverenciava os monarcas, percebi que seus olhos não focavam muito no príncipe.
Depois, conforme mandava o protocolo, ela virou-se para as bandeiras ao seu lado e estendeu a mão direita.
"Eu, Elizabeth Kristen, juro amor e fidelidade à minha pátria. Juro respeitar, proteger e enaltecer meu povo e as maravilhas de Ynter. Juro lealdade ao rei, à rainha e seus descendentes, protegendo-os com meu sangue e amor."
Após dizer as palavras, ela reverenciou nossas bandeiras e então caminhou de volta pelo corredor, parando no último banco, de pé, aguardando suas companheiras. Depois de Elizabeth Kristen, veio mais uma mulher que repetiu seus passos, parecendo mais empolgada que Elizabeth ao realizar as reverências. Era legal analisar isso, além de ver os sorrisos e a forma que tudo aparecia na TV, conhecer e entender a situação das meninas era uma forma de pensar em como agir, sobre o que eu podia ou não demonstrar. Eu definitivamente precisaria me preocupar bastante com minha postura e expressão quando fosse minha vez, pois as câmeras captavam tudo, e qualquer deslize podia ser mal interpretado.
A terceira Selecionada eu conhecia. Allyce, mãe de Ícaryo, apareceu na filmagem, parecendo completamente em paz ao caminhar pela capela. Será que ela sabia que sua querida amiga seria a escolhida? Ou ela ainda imaginava ter chances com o nobre príncipe herdeiro?
Olhei novamente para a rainha Ariele, apenas a tempo de vê-la suspirar quando seu nome foi chamado. A rainha entrou com uma postura impecável e um sorriso deslumbrante. Apesar de eu saber que a rainha teve dificuldades em política e história, eu soube, olhando aquele vídeo, que sua angelicalidade, bondade e beleza vieram com ela. A rainha parecia flutuar naquela capela, com seu vestido rosa claro, brilhando a cada passo. Sua reverência, ao contrário da primeira Selecionada, foi totalmente vidrada no príncipe Jadson e o Juramento saiu como uma certeza quando a mesma proferiu. Ela sabia, ali eu tive certeza de que a rainha Ariele sabia que seria a escolhida, que definitivamente faria tudo pelo País e seus monarcas.
Por fim, a Selecionada Ariele caminhou até seu lugar ao lado das companheiras, dando a deixa para o rei levantar-se, dando boas-vindas às novas nobres de seu reino.
E então a televisão parte para imagens das pessoas na rua comemorando, das meninas se abraçando felizes por serem parte daquilo, dos nobres conversando… A cerimônia havia sido muito bonita e um sucesso, agora era hora de comemorar as belas jovens inseridas na nobreza.
Depois disso houve algumas entrevistas, mas nenhuma das pessoas era uma Selecionada, o que me deixava muito tranquila. Eu sabia que os nobres estavam indo para o baile que teriam após o Juramento, para comemorar o ingresso das jovens no seu mundo.
- Esse foi um ótimo dia. - a futura rainha de Kouris, princesa Mikaelly, parecia realmente feliz. Será que ela já sabia que a rainha Ariele seria sua futura cunhada? Mãe de seus sobrinhos?
Pela primeira vez analisei a princesa atentamente. Apesar de mais nova que a rainha Ariele, a princesa Mikaelly demonstrava seriedade. Sua classe, provavelmente adquirida pela criação, dava a impressão de que ela já estava no trono, governando seu país. Era como se ela fosse feita para estar ali, ao lado da rainha, rindo com ela das memórias que tinham de anos antes. Eu até conseguia ver um pouco do rei Jadson nas expressões da mais nova, o ar nobre, quase sobrenatural.
- E então, senhoritas, vamos provar a comida?
Aproveitei o convite da rainha para colocar meu plano em prática, pedindo licença para minhas amigas antes de sair quase que de soslaio. A rainha estava ocupada demais para notar minha saída e eu não pretendia demorar, por isso não me preocupei em avisá-la de meu paradeiro.
Assim que passei pela porta, todos os guardas que aguardavam suas Selecionadas enquanto conversavam, mais ao canto, se calaram, endireitando a postura.
- Perdi minha pulseira na recepção, soldado. Poderia me ajudar a procurar?
Drew apenas assentiu, indicando que eu deveria seguir em direção ao jardim. Suspirei. Era como se estivéssemos retrocedendo completamente na nossa amizade, lotados de escolhas das quais não gostávamos.
Segui em direção ao jardim, escolhendo procurar perto de onde conversei com Serena, torcendo para a privacidade ser o suficiente.
- O que você quer? - Drew disse assim que começou a olhar no chão atrás de uma pulseira que eu tinha escondida no meu decote.
Olhei para ele chocada. Ele me conhecia mesmo bem.
- Quero saber o que você está fazendo aqui. - disse, usando o mesmo tom pouco amistoso que ele.
- Procurando sua pulseira. - ele respondeu, me fazendo encará-lo incrédula a tempo de ver o sorriso vitorioso em seu rosto.
- Eu quero saber o que você estava fazendo no castelo. Você deveria estar no esconderijo nortista. - disse irritada. Aquilo não ia funcionar, Drew não me venceria com seu sorriso sapeca ou brincadeiras descontraídas. Voltei a encarar a grama à procura da pulseira, com medo de que estivessem nos olhando.
- Vim proteger você. - ele disse, sequer olhando na minha direção.
- Eu não quero que você me proteja.
- Não cabe a você decidir.
- Como é? - falei, dessa vez dando minha total atenção a ele.
- Você ouviu o que eu disse. - ele também parou de encarar o chão. Os olhos de Drew estavam tão diferentes do que eu lembrava, era como se toda a inocência tivesse evaporado.
- Eu estou tentando salvar sua vida. - tentei.
- E eu a sua.
- De que adianta morrer tentando salvar minha vida? Tudo o que eu fiz para proteger você terá sido em vão!
Eu sabia que estava falando mais alto que devia, e sabia também que qualquer um que olhasse para nós poderia suspeitar, mas naquele momento eu não me importava. Drew não podia ser tão ingênuo.
- Não pedi que você colocasse sua vida em risco por minha causa. - ele disse com o maxilar trincado, claramente irritado por minhas palavras. Mas eu não ligava, aquela era a verdade.
- Digo o mesmo. Não te pedi para se aliar aos rebeldes sulistas para me tirar do castelo. Eu aceitei meu destino no dia que anunciaram meu nome no Jornal Oficial.
- Eu não podia desistir de você tão fácil.
Engoli em seco. Eu ainda não estava acostumada com aquilo. Drew era meu amigo e só.
- Agora você já sabe a verdade. Então pode ir embora, não tem por que ficar. - respondi, torcendo para que ele entendesse aquilo. Drew já havia dito que gostava de mim e que ter se aliado aos sulistas era para tentar me salvar. Mas eu não tinha mais salvação agora e jamais poderia me casar com ele, mesmo se eu o amasse desse jeito.
- Eu não vou deixá-la.
- Mas eu quero que você deixe. Já conversei com e Serena, eles vão te liberar dos seus serviços reais. E eu posso negociar com Serena um cargo maior entre os rebeldes, já que você não quer voltar para casa. Mas aqui não é seguro, Drew. E eu não estou disposta a deixá-lo morrer.
- Não é você quem decide. - ele disse simplesmente, ignorando qualquer opção que eu tenha lhe dado.
- Você é meu guarda. Sou eu quem decido sim.
- Você sabe que não é verdade. - Drew estava sério, frio. Era como se ele não se importasse de verdade. Era como se ele estivesse indiferente. Era como . Aquilo fez meu coração parar por um segundo. O que o castelo e a vida próxima a realeza haviam feito com Drew Samek?
- Drew, você não pode estar falando sério… Por favor! - tentei, sentindo os olhos se encherem de água. Não queria Drew ali. Não queria vê-lo se tornando aquele homem. Não queria que a guerra, a dor e a desesperança tirasse sua vontade de viver. Drew tinha um futuro sem mim, uma família para formar, uma esposa para conhecer, um trabalho para construir. Respirei fundo, contendo as lágrimas.
- Me desculpa, . Mas eu não posso ir embora. - ele disse, demonstrando um pouco do homem que eu sabia que ele era. Drew tentou se aproximar, mas eu dei um passo para trás. Eu não ia aceitar suas desculpas, eu estava cansada delas. Era como se eu vivesse fazendo tudo para os outros, tudo para mantê-los em segurança, à toa. Tudo para Drew desperdiçar por um capricho.
- Não. Você está errado! Você pode ir embora, na realidade, você deve! Não tem nada te impedindo de partir… Pelo contrário, eu estou praticamente te implorando para sair, para ficar seguro e ter uma vida boa. - respirei fundo. - Eu quero que você viva e seja feliz. Eu estou lutando tanto, Drew. Estou lutando para te manter a salvo. - senti minha voz falhar, eu estava muito próxima de chorar. Mas Drew estava sério, imponente. Não importava o que eu queria para ele, não mais.
- … - Ele começou, mas eu sabia que ele iria discordar de mim. Eu sabia que ele ia menosprezar o que eu queria e ignorar o que eu estava praticamente implorando para ele fazer. Eu tinha certeza de que Drew simplesmente não se importava com o que eu pensava.
- Não. Eu já entendi. Se você quer morrer, saiba que a culpa é totalmente sua. Eu não tenho absolutamente nada a ver com isso! - disse, abaixando-me para pegar a pulseira falsamente. Aproveitando para tirá-la do meu vestido. - Obrigada pela ajuda, soldado.
E então caminhei em direção ao castelo, os passos pesados e apressados, sentindo um Drew derrotado me acompanhar de longe. Eu deveria voltar para a prova do buffet, mas apenas segui em direção aos meus aposentos, fechando a porta com força na cara de Drew antes de começar a chorar copiosamente. Serena e tinham razão, Drew estava decidido. O homem que conversava comigo em cima da árvore não existia mais. O meu amigo havia partido.
Segui em direção ao banheiro, ligando a água na esperança de não ser ouvida. Mas sabia que era tarde, ele já havia escutado meus soluços. Sentei ao lado da banheira, encostando minhas costas no azulejo frio, abraçando as pernas na tentativa de me proteger daquele sentimento. Da perda. Da incapacidade de fazer algo por alguém que eu amava.
Quando Meri chegou, provavelmente a pedido de Drew, eu ainda deixava a água escorrer enquanto chorava agachada no chão gelado do cômodo. Não sabia quanto tempo já estava ali.
- ? O que aconteceu? - Meri se abaixou, sua expressão preocupada me encarava com a testa franzida.
- Eu… - Eu ia negar, tentar dizer que estava tudo bem, mas talvez pela primeira vez, apenas abracei Meri e continuei a chorar, sentindo seus braços me apertarem forte. Eu estava tão cansada, me sentia tão próxima de desistir… Não de verdade, não importava o que acontecesse, eu não teria coragem de acabar com e seu reinado, ou com Serena e suas chances de mudança, mas ali, nos braços de Meri, mesmo que por um segundo, eu quis. Quis largar tudo e aceitar o marido que minha mãe escolhesse para mim, assim, apesar de ter uma vida inteira infeliz e sem propósito, eu estaria salva. Eu e todas as pessoas que eu amava.
- Eu estou aqui com você. Vai ficar tudo bem. - ela repetia baixo, tentando inutilmente me acalmar. Mas Meri estava errada, mesmo que eu tivesse convencido Drew a sair do castelo, ele ainda seria um nortista, lutando em uma guerra que não devia. Minha família ainda estaria em perigo, por ter uma princesa traidora como parente. Todos, absolutamente todos à minha volta estariam em perigo, incluindo Meri.
- Não vai. - neguei com a cabeça, afastando Meri para olhar em seus olhos. - Desde que anunciaram meu nome no Jornal Oficial minha vida já estava acabada. - eu disse baixo, tentando segurar os soluços. - Mas as outras pessoas estão em perigo, Meri. Todos à minha volta…
Meri entendeu. Percebi que ela sabia mais do que deixava transparecer, pois sem eu precisar explicar nada, Meri apenas assentiu, claramente entendendo ao que eu me referia.
- , você vai mudar o nosso mundo. - ela disse, olhando em meus olhos, enquanto segurava minhas mãos levemente trêmulas. - E não tem honra maior do que fazer parte disso. Não existe nada em meu futuro que seja mais gratificante do que estar ao seu lado, vendo-a conquistar coisas por nós. Mesmo que eu morra amanhã, eu estou feliz por poder ajudá-la. Por saber que de alguma forma, eu estou fazendo o mundo melhor. Porque eu estou do seu lado.
Pisquei algumas vezes, compreendendo lentamente as palavras de Meri.
- Obrigada. - disse por fim, incapaz de falar qualquer outra coisa. Apesar das lágrimas caírem de forma mais lenta, eu ainda sentia a nebulosidade que o choro havia causado em minha mente, mas ao mesmo tempo, as palavras de Meri eram claras como o sol. Respirei fundo. Eu tinha que estar pronta. Não havia tempo para me lamentar, eu precisava proteger as pessoas à minha volta. Mesmo que Drew não quisesse sair, mesmo que ele decidisse ficar no castelo, eu ainda era responsável pela sua segurança, da mesma forma que era pela de minha família, amigas e criados. Da mesma forma que eu seria do meu povo, quando me casasse com .
***
Cerca de algumas horas depois, eu estava renovada pelo banho e aguardava ansiosamente o jantar, o que veio acompanhado de uma bela e inesperada carta de rainha.
"Senhorita ,
Espero que esteja bem. Lamento que tenha tido que se retirar de um evento tão agradável, mas infelizmente há males que não conseguimos superar.
Peço que se cuide e vá a enfermaria se necessário, nossos médicos estão aqui para lhe atender a qualquer hora.
Dito isto, lamento dizer que perdeu parte do treinamento do nosso Juramento. Mas acredito que consiga estudar com suas amigas, com ajuda desta carta.
Melhoras!
Com carinho,
Rainha Ariele"
E então, preso por um delicado clip, havia outro papel, também escrito com a bela caligrafia da rainha.
"Eu, , juro amor e fidelidade à minha pátria. Juro respeitar, proteger e enaltecer meu povo e as maravilhas de Ynter. Juro lealdade ao rei, à rainha e seus descendentes, protegendo-os com meu sangue e amor."
Era isso. Eu faria o Juramento à minha bandeira, ao meu país, ao meu reino e a minha mais provável futura família.
Jantei sentada a mesa ocupada com meu pedaço de papel, eu já havia decorado o Juramento e treinado mentalmente a entonação de cada palavra, eu queria soar firme, decidida… Queria soar nobre.
- E ganhamos de novo... - o príncipe disse encostando-se na cadeira ao gabar-se, ele estava claramente contente ao provocar o primo competitivo. parecia mesmo feliz, e até orgulhoso, com as consecutivas vitórias.
- Na verdade, quem ganhou foi a senhorita . - Kael disse, corrigindo o primo. - Você sabe que ela está carregando você.
- Você está certo, Kael. - disse, dando de ombros. - Mas eu e somos uma dupla, então nossas conquistas são compartilhadas. - ele disse sorrindo vitorioso ao olhar para mim. Senti que sua frase poderia ter uma dupla interpretação, mas fingi não notar.
- Eu ainda estou achando isso inacreditável. - Kaleo disse, olhando para mim admirado. Sorri, dando de ombros. - Você é realmente boa. - Seu tom ainda estava surpreso.
- Obrigada. - falei, sentindo-me levemente envergonhada. Eles estavam certos, apesar de eu e jogarmos em dupla, eu quem havia feito a maior parte das estratégias durante o jogo, afinal eu era mesmo boa. Na primeira rodada eu propositalmente tranquei a mesa, ou seja, eu tornei impossível qualquer pessoa adicionar mais peças. Sendo assim, a dupla ganhadora era baseada na somatória dos pontos restantes em nossa mão, os quais, pelo que eu havia analisado no jogo, faziam eu e ganharmos. Já na segunda vez coloquei uma peça que fez Kaleo pular à vez e ganhar, nos fazendo ganhar novamente como dupla. E na terceira e última vez, fui a primeira a acabar com as peças da mão. - Eu falei que sabia jogar.
- Você disse que sabia um pouco. - Kael defendeu sua dupla.
- Admitam: ela é melhor do que vocês. - brincou, fazendo Kael olhar para o primo com uma cara feia. Eu sabia que a família de era gentil e legal demais para ficar irritada de verdade, mas nem isso impedia o incômodo de ter a masculinidade afetada. Suspirei.
- , não exagere. - chamei sua atenção, repreendendo-o. Afinal ele não precisava provocar tanto, eu não queria causar uma cena por causa de um jogo qualquer. Além disso, os primos do príncipe eram bons adversários.
- O que está acontecendo? - perguntou, aproximando-se com Aurora ao seu lado, nos interrompendo antes que o príncipe mais velho pudesse me responder.
- é muito boa no dominó. Então nós ganhamos todas as partidas. E agora ela está brava comigo, porque eu estou deixando claro para Kael e Kaleo que ela é melhor que eles. - respondeu rápido, olhando diretamente para mim na última frase. Apesar da atitude do príncipe, eu gostava de vê-lo tão descontraído na presença de sua família. parecia outra pessoa ali, o tom mais informal, as brincadeiras bobas… Ele parecia normal.
- Não é isso... Eu só tive sorte. - tentei.
- Ela ganhou três partidas seguidas. - Kael reclamou, mas ao mesmo tempo deixou claro que estava falando a verdade.
- Eu e ganhamos. - falei novamente, o que fez todos os garotos rirem.
- é o pior de nós no dominó. - Kaleo disse rindo.
- Ah, então vocês me deram uma dupla ruim? - falei séria, cruzando os braços na frente do peito, fingindo estar brava e tentando a todo custo mudar de assunto. Dominó ainda era um jogo majoritariamente masculino, não queria chamar tanta atenção para minhas habilidades. - Que coisa desonrosa, senhores...
- Eu não sou tão ruim assim. - o príncipe herdeiro se defendeu.
- Nós achamos que vocês estavam no mesmo nível, então faria sentido. - Kael tentou se defender.
- A realidade é que vocês queriam vencer facilmente. - eu disse, olhando feio para gêmeos à mesa.
- E vocês supuseram que ela era ruim por ser mulher. - Aurora, que ainda estava de pé ao lado do namorado, comentou. - E vocês claramente se deram mal, porque ela é melhor que vocês.
Olhei repreensiva para Aurora, praticamente conseguindo escutar a lição que minha mãe daria se ela soubesse daquilo: “ , eu lhe ensinei esse jogo para você se divertir em casa. Você precisa saber se portar em público”.
- A senhorita tem razão. - Kaleo concordou com Aurora. - Mas não é culpa nossa, a senhorita é uma raridade. É a única mulher que joga dominó que eu conheço.
- Como se isso fosse algo bom. - Samantha lançou, aproximando-se de nós com Lauren ao seu encalço, pelo que eu sabia, Anne e Kaleb estavam brincando com Kai.
- Eu acho. - Kaleo respondeu, sem se importar ao responder Samantha no mesmo tom grosseiro que ela havia usado. A mulher, por sua vez, não disse nada.
- Vamos jogar mais uma, ? - Kael convidou, estrategicamente ignorando a cena. Sorri para ele, grata por ele não querer dar atenção às palavras de Samantha. Estava mesmo feliz pelos primos de serem tão legais, mas então olhei em volta. Todos estavam ao nosso redor, prontos para ver mais um jogo e tirar suas próprias conclusões, prontos para analisar cada mínimo movimento meu, mas eu não gostava daquilo. Eu não queria atenção, não queria disputar e, principalmente, não queria dar mais munição para a guerra que as Selecionadas haviam declarado.
- Eu agradeço o convite, mas já estou ficando cansada. Acho que vou me retirar. - falei, já ficando de pé, o que fez todos os homens sentado à mesa fazerem o mesmo.
- Você tem certeza? - perguntou, parecendo entender meu desconforto. Entretanto não pude responder, pois Kai, o primo mais novo, chamou a atenção de todos na sala.
- Eu quero ir junto. - Kai disse, coçando os olhinhos. - Quero ir junto com a senhorita . - O sono fazia sua voz ficar ainda mais fofa.
Kai parecia chateado por ter parado de brincar quando todos os adultos resolveram se reunir ao redor da mesa, algo que lhe fez perceber que já estava com sono.
- Tudo bem, eu levo você. - Kaleo e Kael responderam juntos, deixando o clima levemente constrangedor, afinal ficou um pouco claro que não era apenas Kai que eles gostariam de acompanhar.
- Acho que eu e Aurora vamos nos retirar também. - disse, recebendo concordância da mulher.
- Eu também. - Anne afirmou, terminando de beber sua taça.
- Acho que encerramos por hoje, então. Todos nós podemos acompanhar as senhoritas aos seus aposentos. - apesar de não ter tido muito contato do primo mais velho dos príncipes, senti que ele contava uma piada. Na verdade, após ver seu sorriso em minha direção, eu tive certeza de que ele tinha entendido aquela cena do mesmo jeito que eu. Respirei fundo.
- Parece ótimo. - concordou, deixando claro que todos nós devíamos sair.
Assim que o príncipe herdeiro de Ynter declarou o fim da noite, nós seguimos em direção a saída. Kael puxou a cadeira para facilitar minha passagem, enquanto dava mais um gole em seu vinho e Kaleo terminava de bebê-lo praticamente virando toda a taça. Tudo parecia bem, até que, enquanto caminhávamos em direção a porta, presos em uma conversa sem importância, Samantha acidentalmente derramou sua taça de vinho em mim.
- Ah, . Eu sinto muito! - ela disse de forma teatral. - Eu não queria arruinar seu vestido. Eu juro!
Foi ali que eu percebi que havia sido de propósito. Não sei se foi o tom ou a escolha das palavras, mas eu simplesmente sabia que ela havia derramado propositalmente o líquido em mim.
- Não se preocupe. - suspirei, vendo o líquido tinto escorrer do corpete em direção a saia, molhando-me inteira. Fiquei na dúvida se ela havia tomado um gole sequer daquilo.
- Você podia ser mais cuidadosa, Samantha. - Lauren ralhou, me defendendo. O que me fez olhar para ela espantada.
- Eu já disse que foi sem querer. - Samantha respondeu saindo um pouco da sua pose elegante.
- Venha, , vamos limpar um pouco disso no banheiro. - Aurora chamou, indicando o banheiro que eu não conhecia até então, como uma boa amiga, Anne nos seguiu.
- Eu não acredito que ela fez isso. - Anne falou assim que fechou a porta do banheiro atrás de si, ajudando Aurora a pegar toalhas de papel para limpar o excesso do vinho antes que pingasse no chão.
- Eu acredito. - Aurora disse, revirando os olhos.
- Eu teria achado que foi sem querer, se ela não tivesse usado uma frase tão cruel. - disse, dando de ombros.
- É inveja pura, tinha razão quando disse que o príncipe criou um monstro. - Aurora disse, me fazendo rir ao lembrar da cena no baile.
- Se esse fosse o pior monstro que eu preciso lidar. - suspirei.
- Sobre isso, … - Anne falou, fazendo uma expressão preocupada na hora. - Sobre ontem à noite…
- É verdade que os sulistas te tiraram do castelo e o Chefe mandou você chamá-lo pelo nome? - Aurora, ao contrário de Anne, foi direta.
- Como você sabe?
- Serena decidiu ser sincera comigo. No fim das contas estamos mais seguras sabendo a verdade. - Aurora disse, dando de ombros.
- Nós conversamos. - Anne confirmou.
- Nós?
- Eu, Aurora, Serena, e .
- É sério? - apesar de não entender bem o porquê, aquilo me incomodou.
- Todos queremos proteger você, . - Aurora explicou, notando minha insatisfação.
- Vocês se encontraram para falar sobre mim?
- Sim.
- E sobre os rebeldes. - Anne completou tentando, inutilmente, melhorar a situação.
- E ninguém pensou em me convidar? - falei, soando grossa. Eu estava mesmo incomodada com aquilo, as pessoas podiam simplesmente sentar para falar sobre mim sem minha presença? Conversar sobre o Chefe, sobre os rebeldes e sobre minha vida, sem mim?
- Eles acharam que era o melhor, . - Aurora contou. - Ninguém falou nada que você já não saiba.
- Tudo bem, mas, mesmo assim, a minha presença era um incômodo?
Antes que qualquer uma das duas pudesse me responder, ouvimos uma batida na porta.
- Senhoritas, vocês estão bem? - pela voz, sabia que era .
- Estamos. - respondi alto. - Na verdade, acho que já terminamos por aqui. Obrigada pela ajuda, meninas. - eu disse, claramente soando irritada, apesar de me esforçar para não ser grossa com elas. Depois, abri a porta, deparando-me com e nos aguardando.
- Desculpem incomodar, mas vocês demoraram um pouco. - falou, assim que me viu.
- Não se preocupem, Altezas. Já terminamos por aqui. Boa noite. - falei, passando por ambos sem maiores cumprimentos, seguindo para a porta já aberta, apenas sentindo o soldado Grey ao meu encalço quando parti corredor a fora. Todos os outros convidados já haviam partido.
- ? Acorde, querida. - Meri disse um pouco mais alto, colocando a mão em meu ombro de forma gentil.
- Bom dia. - disse antes mesmo de abrir os olhos, eu sabia que a luz iria me incomodar. - Já estou acordada.
- Não está. Você quer me enganar. - ela disse rindo, indo em direção ao interruptor para apagar a luz ao me ver colocando a mão sobre os olhos, tentando inutilmente facilitar para minhas pupilas se depararem com a claridade.
- Obrigada. - falei, piscando algumas vezes e sentando na cama, agora sentindo-me mais desperta.
- Vejo que você se divertiu ontem. - ela disse sorrindo, apontando para o meu vestido sujo com o vinho, que agora estava pendurado em um cabide.
- Se você acha divertido quando viram, propositalmente, vinho em você. - revirei os olhos, me lembrando da cena.
- É sério? Quem fez isso?
- Samantha.
- E o príncipe não falou nada?
- O que você acha, Meri? Ela disse que foi sem querer…
- Que megera.
- Tudo bem, o pior é que eu duvido muito que dê para salvar o vestido.
- Não tem problema, senhorita. Você terá um vestido novo para substituir esse em breve.
- Não precisa substituir o vestido, Meri. Vocês já estão tendo muito trabalho com o vestido do Juramento à Bandeira. Você sabe que eu posso viver com um vestido a menos, além do mais, tem vestido no armário que eu ainda nem usei.
- Falando nisso, vamos estrear um deles hoje?
- Hoje?
- Sim… A recepção no jardim para a família do rei é agora de manhã. Você precisa ir para o banho rapidamente, senhorita.
Suspirei. Depois de toda a cena que eu fiz na noite anterior, nem me lembrava mais da recepção. Não estava a fim de tanta movimentação, muito menos uma que incluía não apenas nossos convidados de Kouris, mas vários nobres da região.
Concordei com Meri e parti para o banho rapidamente, ajudando-a não só na tarefa de me despir, mas como a de lavar meu cabelo.
- Meri, posso lhe fazer uma pergunta?
- Claro, . O que foi?
- Alguém contou para vocês onde eu estava na noite do baile? Quando ninguém me achou?
- Não, senhorita... Mas não cabe a nós saber ou perguntar.
- Eu sei… - respirei fundo, sabendo que ela tinha razão. - Só para confirmar.
- Por quê, ? Gostaria que soubéssemos de algo? - Meri perguntou, percebendo minha insatisfação com sua resposta.
- O que aconteceu naquele dia é um segredo, Meri. Um segredo que eu compartilhei com o príncipe, e ele contou para várias pessoas sem a minha permissão.
- Mas por que ele fez isso?
- Parece que foi para a minha segurança e das pessoas à minha volta.
- Mas isso não é bom?
- Se esse fosse o verdadeiro motivo, ele deveria ter contado para vocês.
- Senhorita , se me permite dizer, não acho que o príncipe lembraria de nós nesse caso.
- O que quer dizer?
- Nós somos suas criadas, .
- Vocês são minhas amigas e ele sabe disso.
- Talvez ele realmente saiba, , mas não sei se ele compreende. Você consegue me entender? - ela perguntou, estendendo-me a toalha.
- Eu não sei. - suspirei, entendendo o que Meri queria dizer, mas em dúvida se era essa a realidade.
- Posso lhe fazer uma pergunta, ?
- Claro.
- Você disse para o príncipe que era segredo?
Olhei para Meri surpresa. Eu havia dito?
- Não. Eu não disse.
- Então talvez ela tenha feito realmente o que achava mais certo para a segurança das pessoas pelas quais ele é responsável. E apenas não contou para nós, porque achou que você contaria ou simplesmente porque achou que não era necessário que nós soubéssemos.
- Talvez você esteja certa. - lamentei, não apenas pela possível verdade em suas palavras, mas pela minha atitude na noite anterior. Precisava falar com Anne e Aurora.
Saí do quarto apressada, usando o tempo curto para acelerar os passos e ignorar a presença de Drew, que, pelo que parecia, era meu guarda naquela manhã.
- Bom dia! - ele disse empolgado, apesar de eu conseguir ver o desconforto em sua postura.
- Bom dia, soldado. - eu disse já seguindo rápido em direção às escadas.
Cheguei na recepção que seria no jardim alguns minutos atrasada. A família real ainda não estava lá, mas boa parte dos convidados sim, inclusive as Selecionadas. Encontrei, no canto da grande tenda, Anne e Aurora, juntas, rindo de algo. Suspirei, eu precisava mesmo conversar com elas. Apesar de ter realmente ficado chateada com a ideia das minhas amigas conversando sobre minha vida em uma reunião oficial, eu sabia que nem tudo era exatamente sobre mim, mas sim sobre o que a existência dos rebeldes sulistas e do Chefe podia significar para todas nós.
Antes que eu pudesse me aproximar das duas, Serena caminhou em minha direção com um sorriso falso no rosto. Eu conhecia a mulher o suficiente para saber que ela não estava contente comigo.
- Bom dia, senhorita .
- Bom dia, senhora. - falei, esboçando um sorriso cordial. - Como está?
- Estou bem, obrigada. Podemos conversar? - ela disse baixo, claramente querendo privacidade.
Olhei para Anne e Aurora, que agora nos olhavam curiosas. Eu queria conversar com elas primeiro, tentar entender o que estava acontecendo, e, principalmente, me desculpar. Elas eram minhas amigas, talvez as únicas que eu tinha.
- É importante. - Serena ressaltou, me fazendo concordar e seguir com ela para longe das minhas amigas, me contentando com um sorriso de longe, que ambas corresponderam de forma discreta. Sentamos em um banco escondido e bem isolado, quase impossibilitando a visão da tenda, e então a mulher me encarou de forma séria.
- O que aconteceu? - perguntei, ficando mais preocupada.
- É isso que vim lhe perguntar, . - Serena suspirou parecendo cansada. - O que você prometeu aos sulistas?
- Como assim? Eu lhe disse. Te contei todos os detalhes, Serena.
- O que você fez quando ele pediu para chamá-lo pelo nome?
- Nada, Serena. Eu fingi que não ouvi, ou sei lá. Eu jamais vou chamar aquele homem pelo nome.
- Eu acho que ele gosta mesmo de você, . - ela disse, despejando as palavras em minha direção.
- Ele não gosta, eu já lhe disse isso. - falei, me segurando para não revirar os olhos.
- Você recebeu um buquê ontem.
- Eu? Não recebi não.
- Recebeu, . Acontece que ele foi barrado pela segurança. Mas você recebeu um buquê de um homem chamado Antony.
- Como? Mas que absurdo! Como ele teve coragem de fazer isso? Era óbvio que os guardas não deixariam chegar em mim.
- Concordo com você.
- Então qual o sentido?
- Marcar território. Avisar os nortistas, os guardas… Ninguém pode provar que é dele, mas os funcionários falam.
- Mas isso pode colocar minha vida em risco!
- Não acho que seja esse o caso. O bilhete foi bem escrito, ele parece um mero fã para quem não sabe a verdade. Provavelmente ele achou que você receberia no fim das contas.
- Será que não é um código?
- Não é, nós conferimos.
- Mas se você sabe que não é um código, sabe que eu não falei ou combinei nada. Por que me chamou aqui?
- Porque eu realmente acho que o Chefe pode gostar de você. E eu acho isso perigoso.
- Por quê?
- , você entende que você não pode ofendê-lo, não é? Você não pode se virar contra ele, pois caso vocês quebrem a aliança ele pode querer matá-la.
- Ele jamais faria isso.
Serena negou com a cabeça, como se não concordasse com nada do que eu dizia. Como se minha ignorância e teimosia a irritasse.
- Pense comigo, . - ela disse, parecendo se esforçar para manter a paciência. - Esqueça o que você acha, por um minuto.
- Tudo bem.
- Imagine que o Chefe realmente goste de você. Que ele queira se casar com você. E então ele, de alguma forma, deixa esse algo a mais claro para você. O que você faria?
- Eu diria que não foi isso que combinamos. E que ele está passando dos limites.
- Certo. - ela assentiu. - Agora imagine que ele não goste da recusa. Que a rejeição faça com que ele fique tão revoltado que a chance de se casar com você para virar rei acabe. Que ele perceba que você não quer ficar com ele de verdade. O que você acha que ele faria?
E então eu entendi. Serena estava certa. Se o Chefe tivesse reais sentimentos por mim e eu o recusasse de alguma forma, todo nosso combinado poderia ir por água abaixo. Fazendo com que eu me tornasse não só uma inútil para ele, como uma traidora. Ele poderia facilmente se livrar de mim. Percebi que Serena me encarava em busca de algum sinal de que eu concordava com ela.
- O que eu faço? - disse por fim, derrotada. Eu finalmente entendia Serena e o que os possíveis sentimentos do Chefe por mim poderiam significar.
- Não diga "não" para ele.
- Isso não é uma opção, Serena.
- Certo. Eu imaginei que você diria isso. - ela riu fraco, parecendo mais contente agora que eu concordava com ela. - Você não pode mais ficar sozinha, . O Chefe precisa ser incapaz de entrar em contato com você.
- Eu…
- , você não pode mais fugir disso. O que você fez no almoço ontem é um luxo que não lhe pertence mais. Você precisa enfrentar os obstáculos em vez de correr deles. Precisa aceitar que sua vida nunca mais será a mesma.
Suspirei. Ela estava certa.
- O que você tem em mente? Digo, eu já tenho cinco novos guardas.
- Você precisa colaborar. Participar das conversas importantes, não ficar exposta no jardim com apenas um dos guardas de vigia. Não pode mais ficar sozinha no seu quarto, por exemplo.
Suspirei. Serena estava certa, como o próprio soldado Grey havia deixado claro, algo podia acontecer com a minha segurança. Não apenas comigo, mas com os homens que deveriam me proteger.
- Tudo bem… - concordei, sentindo-me derrotada. Eu não gostava nada daquilo, mas não havia opção. Não se tratava apenas da minha segurança, mas das pessoas à minha volta, das pessoas que eu me importava.
- Quando você for princesa , a sua vida será assim. Você sabe, não é?
- Eu sei, mas eu achei que tinha mais tempo.
Serena estava pronta para discordar de mim, eu sabia que ela achava que o meu tempo era praticamente nulo. Mas talvez pelo desespero que eu expressava, ela apenas concordou, sorrindo fraco.
- Eu vou estar aqui, . Não importa quanto seja o seu tempo. Você pode contar comigo.
Eu sabia que Serena realmente acreditava que estaria do meu lado em todas as situações, mas eu tinha certeza de que se ela tivesse que escolher entre mim e seu povo, ela não pensaria duas vezes em me abandonar. E como eu poderia culpá-la por isso?
Serena, assim como , e até Aurora, pertencia a um grupo seleto que tinha a lealdade como principal legado. Eles estavam ali para servir seus iguais, para protegê-los e proteger sua causa a qualquer custo, mesmo que esse custo fosse eu. Suspirei. E eu? A qual grupo eu devia minha lealdade? Qual grupo eu protegeria com minha vida, sem nem hesitar?
- E Drew?
- O que você quer saber? - Serena perguntou, entendendo que aquele era um assunto que eu não gostava.
- Por quê? Por que você o deixou vir?
Ela suspirou.
- Porque ele é bom. Você pode não acreditar, mas os sulistas o transformaram. Drew não é mais o garoto em cima da árvore, .
- Talvez ele realmente não seja. Mas ainda assim ele é Drew. E eu não posso perdê-lo.
Serena assentiu lentamente, nem um pouco surpresa.
- Mas você precisa respeitá-lo, . Ele abriu mão de tudo por você. O mínimo que pode dar para ele é algum motivo para continuar.
- Viver a própria vida não é motivo suficiente?
- Para você é?
- Como?
- Eu não acredito que vou falar isso. Mas… - ela respirou fundo. - O que te impede de desistir? De falar para o príncipe que você não quer isso e ir para casa… E, por exemplo, casar-se com Drew? O que te impede, ?
Parei, encarando Serena. Ela estava certa. O que me impedia? Porque não era amor por , isso eu tinha certeza. Mas então o que?
- É meu dever… Você sabe muito bem Serena que meu papel é estar nessa Seleção desde o momento em que minha mãe engravidou. No momento em que a família real anunciou seu primogênito e minha mãe foi capaz de ter uma filha para se encaixar na regra.
- Mas você já está aqui. Ninguém da sua família venceu. Se você for embora hoje, já vai ter feito sua parte.
- Se eu for embora hoje, quem vai fazer o que eu faço? Quem vai usar símbolos nortistas na frente do país todo? Quem vai sair na madrugada para acalmar os sulistas? Aurora? Samantha? Quem sabe a Natalie? - falei revoltada, incapaz de acreditar que Serena via outra opção a não ser a que tínhamos.
- Ninguém vai. Ninguém é capaz de fazer o que você faz, . - Serena não tinha nenhuma dúvida disso. Ela não estava querendo me substituir, sequer achava que encontraria outra pessoa se precisasse, ela parecia apenas querer entender. - Mas ainda assim eu pergunto: o que não te deixa largar tudo?
- É simples, eu tenho responsabilidade com o que eu me comprometi a fazer. Além disso, eu não desejaria para ninguém tudo isso, Serena… Eu me importo com as pessoas que estão metidas nisso.
Então Serena sorriu.
- Drew se importa com você. Ele se comprometeu apenas com uma única pessoa: você.
- Mas eu não quero custar tudo para ele, Serena! - senti meus olhos marejarem. - Não quero ser a pessoa que o impede de ser quem ele quiser.
A rebelde segurou minha mão.
- Drew está aqui porque ele quer. Mandá-lo embora será contra a vontade dele. Ele quer te proteger, . E escute o que eu estou lhe dizendo: Drew Samek é capaz disso. Pedir para ele ir embora, é impedir ele de fazer o que quer.
- Mas eu quero protegê-lo.
- Eu acho que você precisa conversar com Drew sobre isso, .
Concordei, secando a pequena lágrima que chegou a escorrer por minha bochecha.
- Eu vou. E se eu convencê-lo a ir embora, quero que você o deixe ir.
- Eu prometo.
- Obrigada. - falei, ficando de pé. Claramente havíamos terminado ali. - Agora eu preciso conversar com Anne e Aurora.
- E . E Drew. - Serena completou, fazendo uma discreta reverência antes de sair. Eu sabia que ela estava apenas me provocando.
Esperei alguns minutos antes de partir em direção a tenda, encontrando Anne e Aurora bebericando suas bebidas em uma mesa próxima de onde estavam anteriormente. Elas sorriram quando perceberam que eu estava me aproximando.
- Eu sinto muito. - falei assim que me aproximei delas, ignorando qualquer tipo de cumprimento. - Me desculpem, eu fui uma tola. - completei, sentando-me com elas.
- … Você não precisa se desculpar. - Anne foi a primeira a responder. - Nós não achamos que poderia se sentir excluída, mas depois de ontem conseguimos entender.
- Anne está certa. Nós vamos dividir tudo com você, . - Aurora continuou. - Qualquer coisa que quiser saber. Não percebemos que estávamos guardando segredos de você. Achamos que você sabia da reunião e só não queria se chatear mais.
- Sentimos muito de verdade por não ter te incluído. Achamos que era mais fácil, que você tinha coisas demais para pensar. Mas você estava certa…
Suspirei. Estava extremamente grata por elas aceitarem minhas desculpas tão facilmente. Eu também conseguia entendê-las, eu nem sempre era fácil de conversar.
- Vocês não precisam me incluir em tudo. - Anne e Aurora me olharam desconfiadas. - É sério! Eu confio em vocês e não vou deixar uma reunião mudar isso. Na realidade, eu estou feliz por vocês saberem das coisas. Fica mais fácil. - falei, segurando suas mãos, tentando mostrar naquele pequeno gesto o quão eu me sentia mal. - Peço desculpas pela forma que me comportei. Fui ridícula e sinto muito.
- Você não foi ridícula, . - Anne falou, mas riu com a descrença que lhe encarei. Eu sabia que havia feito uma cena desnecessária, igual fiz na reunião com e Serena.
- Certo. Talvez um pouquinho. - Aurora corrigiu a amiga, fazendo todas nós cairmos na gargalhada. Eu gostava da capacidade de Aurora de ser sincera comigo.
- Eu fui bastante. Mas tudo é novidade para mim, então…
- Nós desculpamos você. - Anne garantiu, fazendo Aurora concordar com a cabeça. Era isso, nossa amizade estava firme novamente.
- Obrigada.
- E então? O que você quer saber? - Aurora perguntou baixo.
- Não sei… Vocês sabem de tudo?
- Sabemos sobre o Chefe, sabemos sobre seus guardas e que dois são nortistas… - Anne começou a listar.
- Sabemos de tudo. - Aurora garantiu.
- Sabem que Serena acha que o Chefe gosta mesmo de mim?
Anne e Aurora se entreolharam.
- Sabemos que ela tinha suspeitas…
- Ele me enviou flores.
- Como?
- Sim. Serena disse que eu preciso cuidar muito para não deixar o Chefe perceber que nosso acordo pode não se realizar. Digo, se ele gostar mesmo de mim e eu deixar claro que o desprezo… Ele pode querer cancelar o casamento mesmo que a ideia de ser rei ainda esteja disponível. Entendem?
- Ela acha que ele gosta tanto de você a ponto de dar mais importância para a rejeição do que para o cargo de rei? - Aurora estava chocada.
- Sim. Ela acha.
- E o que você vai fazer a respeito disso? - Anne também estava incrédula.
- Sinceramente? Torcer para a ideia da Serena de não me deixar sozinha por nem um segundo funcione. Assim não vou mais precisar me encontrar com ele.
Antes que minhas amigas pudessem responder, um guarda anunciou a chegada da família real e seus convidados especiais. Nos levantamos imediatamente, como mandava a etiqueta, prontas para receber nossos soberanos.
O rei Jadson vinha acompanhado da rainha Ariele, com a princesa Mikaelly e o príncipe Kalel ao lado. Logo atrás, vinham e Kaleb, os primogênitos de cada casal e então, vinha acompanhado dos gêmeos e de Kai, que dava a mão para um dos irmãos. A postura ereta das duas famílias, misturada com seus passos completamente sincronizados e roupas impecáveis, deixava a visão completamente deslumbrante. Não demorei para perceber que a família do rei Jadson usava o habitual azul real em suas vestes, enquanto a família de Kouris tinha um verde escuro nas roupas. A única que se diferenciava de todos era a princesa Mikaelly, que usava um vestido rodado que misturava na saia o azul e o verde dos seus dois reinos. Sabia que quando ela virasse rainha, o azul de Ynter sairia de suas roupas, mas eu fiquei feliz por ela ter usado essa oportunidade para fazer uma homenagem ao seu país natal. Os jornalistas que captavam a recepção por fotos, com certeza estavam animados.
- É incrível, não é? - Aurora disse, parecendo animada para estar naquele lugar, ao lado do namorado.
- Um pouco assustador. - admiti.
- Você vai ficar perfeita ali . - Aurora garantiu, me fazendo dar de ombros. Talvez nas fotos sim, talvez para os jornais e câmeras, eu realmente fosse a princesa perfeita ao lado de , mas será que na realidade as coisas seriam mesmo assim?
Não conseguia evitar pensar no meu casamento com o príncipe herdeiro de Ynter e o que isso significaria para o meu futuro. Ainda mais depois das palavras de Serena: “Quando você for princesa , a sua vida será assim.”. Eu sabia que mudaria tudo, sabia que as câmeras estariam prontas para captar cada momento meu, mas será que os guardas também? E os funcionários do castelo e os nobres da região? Será que um dia eu estaria pronta para ter os olhos de TODOS sobre mim?
Estava tão perdida em meus pensamentos, que só percebi que , e Kaleb se aproximaram de nós, quando o rosto do príncipe herdeiro de Ynter ocupava todo meu campo de visão. Estávamos sendo convidadas para dançar, sendo Anne a escolhida por Kaleb. Fiquei feliz por aquilo, pelo futuro herdeiro de Kouris escolher uma “estrangeira” ou invés de Samantha ou Lauren, já que Natalie estava indisposta para participar naquela manhã. Não sabia quanto tempo demoraria até as pessoas acharem que ela estava mesmo com alguma doença séria, já que ela não havia participado da metade dos últimos eventos.
Percebi, já na pista de dança, que os gêmeos dançavam com Samantha e Lauren. Logo a maioria dos convidados estava girando no ritmo da música tocada pela banda.
- Como você está? - perguntou, conduzindo-me entre os diversos casais. Já estávamos na segunda música juntos.
- Bem.
ergueu uma das sobrancelhas, deixando claro que duvidava de mim.
- Conversei com Anne e Aurora. Tivemos um desacordo ontem no banheiro, mas já resolvemos.
- Fico muito feliz.
- Serena conversou comigo hoje também, sobre minha segurança. Ela disse que não devo mais dormir sozinha nos meus aposentos, nem passar tardes no jardim apenas com um dos meus guardas.
- E o que você disse para ela? - o príncipe não parecia surpreso com a atitude da rebelde.
- Você também pensa como ela?
- Digamos que ela tem bons argumentos, os quais não posso ignorar completamente.
Concordei. Era exatamente o que eu pensava. Não queria acreditar em Serena, mas seus pensamentos tinham lógica, uma lógica que me causaria sérios problemas se ignorada.
- Então ela convenceu nós dois. - afirmei, vendo assentir, parecendo aliviado. - No fim, meus guardas farão parte da minha vida afinal.
não disse nada, parecendo apenas pensar em minhas palavras.
- , posso lhe fazer uma pergunta?
- Claro, qualquer uma.
- Por que você permitiu que Drew viesse? - olhei para os olhos do príncipe, esperando ver algum sinal do que ele sentia ali. - Depois de tudo o que conversamos.
não hesitou por um segundo sequer, parecia que ele havia pensado muito sobre aquilo.
- Porque se o que você me contou for verdade. Se ele arriscou tudo se unindo aos sulistas para resgatar você, não há ninguém em que eu confie mais para protegê-la, .
- Mas eu não o quero aqui. Você pensou nisso? Pensou no que eu arrisquei para mantê-lo a salvo?
Dessa vez engoliu em seco, como se a verdade que eu lhe disse fosse algo que lhe incomodasse.
- Não há nada que valha mais que sua vida para mim, . Nada. Isso inclui a vida do seu amigo, seus desejos e até a relação de vocês dois. - o príncipe disse sério, parando de dançar apenas para garantir que eu estava prestando atenção em suas palavras. Eu estava grata pelo barulho da música misturada com os saltos na pista de dança, impedissem qualquer um de ouvir o que dizíamos. - Você não sabe como me machuca a ideia de ver você indo embora ao lado dele, mas ainda assim, prefiro a minha ruína do que a sua.
Pisquei algumas vezes, perplexa com aquilo. Como o príncipe que caminhou comigo até a sala de reuniões para me apresentar meus guardas podia ser tão indiferente, enquanto o homem à minha frente me dizia palavras tão surpreendentes?
- Eu não vou. - eu disse, por fim. Mas não pareceu entender o que eu estava falando. - Eu não vou embora com ele.
sorriu, parecendo verdadeiramente feliz com minhas palavras. Mesmo que eu tivesse certas dúvidas se ele realmente acreditava nelas. Eu sabia que o príncipe herdeiro queria confiar em mim e que ele acreditava que eu estava sendo sincera, mas no fundo tinha medo de que eu mudasse de ideia. E, sinceramente, eu também.
- Mas ainda sim, eu não gosto da ideia de tê-lo aqui. Eu não estou disposta a sacrificar tanto quanto você, .
- Ele é um homem crescido, . Acredito que possa tomar as próprias decisões. Só não me peça para ser o tolo que não vai aceitar a ajuda dele, porque eu preciso dela. Você não está segura aqui. Não sei como, mas nada do que eu fiz foi o suficiente para te manter segura.
Neguei com a cabeça, incrédula. parecia ter ciúmes de Drew, mas ainda sim estava disposto a tê-lo aqui, mesmo achando que Drew me levaria embora com ele. Não conseguia acreditar que o príncipe tinha tão pouca fé em mim e que ignorasse tão profundamente meu desejo de manter Drew vivo. Minha segurança não tinha nada a ver com ou Drew, mas sim com o Chefe e a disputa idiota dele.
- Não vou lhe pedir para mandá-lo embora. Mas quero que aceite sua saída quando eu convencê-lo a partir.
sorriu fraco, como se não acreditasse que eu convenceria Drew, mas ao mesmo tempo parecendo gostar da minha autoconfiança.
- Tudo bem.
- Obrigada, Alteza. - disse, fazendo uma reverência antes de sair da pista. A música havia acabado e eu e não dançávamos mais.
Assim que deixei a pista, peguei a taça do espumante que estavam servindo e a virei inteira. Ainda era de manhã, então o álcool da bebida era mínimo, mas o suficiente para me dar a coragem que eu queria. Precisava só achar Aurora para ter mais informações para meu plano.
Assim que todos terminaram de dançar e comer, a recepção foi encerrada, para dar espaço aos próximos eventos do dia: caça e prova do buffet para o Juramento a Bandeira no Salão das Mulheres.
Sorri com a ideia de ter mais oportunidades para conversar com Aurora e Anne sobre meu plano para tirar Drew do castelo, já que na recepção passamos o resto do tempo socializando com os nobres da região, que pareciam muito interessados na futura esposa do príncipe , o que me impossibilitou de tocar no assunto. Seguimos para o Salão das Mulheres junto das outras selecionadas, da rainha Ariele, da princesa Mikaelly e algumas outras nobres da região, incluindo as damas da rainha.
- Não deveria ter comido tanto no café. Não acredito que vamos provar mais comida. - Anne comentou, levando a mão ao estômago cheio.
- Não se preocupe, me falou que essa prova é, na realidade, apenas uma desculpa para bebermos e conversarmos mais, enquanto os homens vão caçar. - Aurora explicou, dando de ombros. - O buffet vai ter todas as opções possíveis.
- Quando vocês forem parte da realeza, espero que me convidem para eventos como esse. - Anne pediu baixo, tendo que ficar quieta quando entramos no salão, já que ali podíamos ser ouvidas devido a música baixa que vinha de um piano no local. A dama que o tocava usava um vestido deslumbrante branco, deixando-a angelical.
- A música é linda. - Aurora disse, vendo para onde eu olhava.
- Sim. Ela é muito boa.
- Bem-vindas, senhoras e senhoritas. - a rainha Ariele ergueu a voz, fazendo todas ficarem em silêncio para ouvi-la. - Fiquem à vontade para aproveitar a música e um tempo a sós. Aqui é nosso refúgio.
Então todas nós rimos, afinal era refúgio dos homens que ela se referia. Dos filhos, irmãos, pais, maridos e pretendentes de todas ali.
- Eu adoro esse lugar. - Aurora contou, partindo para um canto do salão, onde a vista da janela mostrava os homens montando em seus cavalos. Ali de cima conseguia reconhecer , , o rei e até os gêmeos de Kouris, além de um ou outro nobre. Era engraçado analisar os homens juntos, era evidente que a postura deles mudava, que as brincadeiras ficavam mais bobas e o linguajar mais solto. Afinal, um nobre jamais subiria atrás de outro em um cavalo apenas para segurar o da frente por trás e se jogar no chão, levando a vítima junto, como fez com Kael ou Kaleo, ali de cima era difícil de reconhecê-los.
- Você acha que eles vão mesmo virar a família real de Kouris? - Anne perguntou, parecendo notar a mesma cena que eu.
- Acho que sim. Digo, é como a linhagem funciona, não é? - dei de ombros.
- Sim. E daí terá uma Seleção para Kaleb. Uma um pouco mais rápida, acredito eu, já que ele está acima da idade.
- Mais rápida do que a de ? - Anne perguntou para Aurora, fazendo as duas rirem.
- Talvez não. - ela riu, olhando para mim.
- Deve ser assustador. - eu disse, achando Kaleb no meio de tantos nobres e soldados. - Passar a vida achando que era um príncipe qualquer, para então virar herdeiro, parte principal da linhagem do trono.
- Deve mesmo. Mas é como nós, ninguém tinha certeza de que entraria na Seleção. Tudo o que o futuro nos espera agora é completamente inesperado. - Anne disse, me fazendo olhá-la sem saber como agir. Nunca foi dessa forma para mim. E então olhei para a Aurora, apesar da incerteza, ela sabia muito bem o que a esperava se fosse parte da Seleção.
- Bem, eu posso dizer que está um pouco diferente do que eu esperava. - ela disse, rindo.
- Eu esqueço que só eu estou aqui por pura sorte.
- Você está aqui porque é incrível, Anne. - eu disse.
- Estou aqui porque precisavam de uma estrangeira para agradar outros estrangeiros. Mas eu não me importo com isso. Serei eternamente grata por ter sido selecionada.
- Você já sabe o que quer fazer? - perguntei, percebendo que jamais havia pensado sobre o futuro de Anne.
- Serei uma Dois para sempre. Encontrarei algum marido bom o suficiente para aceitar viajar comigo e sustentar minha família. Se não, serei uma solteirona com um emprego, não ligo também. Só quero ajudar minha família.
- Tem algum nobre que chamou sua atenção?
Sabia que Aurora estava falando dos bailes que tivemos, mas ainda sim me era estranho uma Selecionada de pensar em se casar com outra pessoa. Mas ao mesmo tempo Anne tinha certeza de que não seria escolhida, não apenas por sua opinião sobre sua nacionalidade, mas por sua confiança no acordo do príncipe comigo.
- Não exatamente… Quero dizer, tem alguns que não são descartáveis, mas não teve ninguém que chamou minha atenção realmente.
- Acho que fica mais fácil quando você não é mais parte da Seleção.
- Sim. Algo que não vai demorar muito. - Anne parecia triste, mas de uma forma conformada. Sinceramente, de uma forma muito mais conformada que a minha. Eu apenas ignorava o fato que após o Juramento à Bandeira, que aconteceria em quatro dias, eu estaria sozinha naquele castelo com Samantha.
- Você poderá voltar logo. Será sempre bem-vinda aqui, como uma nobre e nossa amiga.
Concordei com Aurora, mas já estava olhando novamente pela janela, vendo os homens partirem em seus diversos cavalos em direção a floresta. Além dos nobres, diversos guardas acompanhavam a caçada, provavelmente para garantir a segurança da família real.
- Aurora, posso lhe fazer uma pergunta?
- Claro. Sobre o quê?
- Sobre os nortistas. - respondi o mais baixo que podia. Fazendo Aurora concordar comigo, após olhar em torno do salão para garantir que ninguém prestava atenção em nós. - Como vocês escolhem a função de cada um?
- Depende muito. Algumas pessoas já tinham as funções quando eu cheguei. Outras vão mudando ao longo dos anos, ou porque envelhecem, ou porque se machucam. Algumas chegam recrutadas devido a uma habilidade específica, então já tem um objetivo quando chegam… Realmente depende muito.
- Você foi recrutada para ser uma Selecionada? - Anne também parecia interessada em conhecer mais sobre o grupo.
- Sim e não. Eu já era uma rebelde antes, mas muito jovem. Não tinha muitas funções. Mas ser uma Selecionada não foi ideia minha, eu só estava na idade e tinha capacidade de estudar algumas coisas.
- E existem cargos específicos? Ou as pessoas acabam fazendo o que é necessário?
- Os dois. Temos nossa diretoria, como Serena e vários outros líderes. Temos pessoas que cuidam da base, como cozinheiros, ajudantes, guardas… Alguns trabalham com as próprias profissões, como médicos, enfermeiros, professores… E tem pessoas que são chamadas para a tarefa que surge, como eu.
Concordei com a cabeça. Eu podia convencer Drew facilmente então. Ele poderia ter qualquer função, com exceção da diretoria, com a minha ajuda.
- Posso perguntar o motivo da curiosidade?
- Queria entender como funciona tudo. Até que ponto vai o poder de decisão de Serena…
Aurora não parecia acreditar totalmente em minha resposta, mas eu não havia mentido. Ia oferecer algo para Drew torcendo para Serena aceitar lutar por aquilo por mim. Eu estava realmente acreditando que minha aliança com ela seria o suficiente. Antes que Aurora pudesse protestar e perguntar mais, a rainha Ariele nos chamou para se aproximar da grande TV no salão.
- Obrigada pela atenção, senhoras. - ela disse com um belo sorriso, quando percebeu que todas já estávamos confortáveis em frente a TV. Havia vários pufes e sofás a mais naquele dia, para comportar todas as convidadas. - Como o Juramento à Bandeira está próximo, resolvi mostrar para as nossas queridas Selecionadas um pouco do que está por vir. Acredito que a maioria aqui se lembre de quando eu jurei amor ao nosso País, mas preciso admitir que estou nostálgica nesses dias e adoraria compartilhar com vocês esse dia novamente.
- Foi tudo tão lindo! - uma das nobres disse, fazendo as demais concordarem.
- Obrigada. - a rainha sorriu, não parecendo nem um pouco incomodada por ter sido interrompida. - E para nossa sorte, tudo foi televisionado!
E então rimos. A rainha Ariele claramente havia passado pelo mesmo nervoso que eu, Aurora, Anne, Natalie, Lauren e Samantha estávamos passando. O problema não era a cerimônia, mas os milhares de espectadores vendo tudo ao vivo pela TV.
- Dito isso, fico feliz de lhes apresentar, jovens senhoritas, o Juramento à Bandeira que fiz há alguns anos.
E então batemos palmas empolgadas, enquanto a rainha saía da frente da enorme televisão e uma de suas damas dava o play na gravação. A imagem era incrível, mesmo se passando há mais de 20 anos, eu conseguia reconhecer a capela, os detalhes nas paredes e teto e até alguns dos nobres que apareciam na visão.
A câmera focava a capela por trás, nos mostrando o palco com quatro grandes tronos, o corredor com cadeiras laterais e a decoração. Além de diversos nobres entrando para se acomodar e assistir tudo de perto.
O apresentador, que eu não reconhecia a voz, parecia muito empolgado falando sobre o Juramento à Bandeira, as Selecionadas que restavam na Elite da Seleção do príncipe Jadson e dos diversos nobres que prestigiavam a cerimônia. Parando de falar apenas quando trombetas soaram e a família real entrou, os avós de e eram impressionantes lado a lado e apesar de eu lembrar apenas de tê-los vistos nos livros que estudei, era como se eu tivesse vivido na pele seu reinado. Famosos pela paz e festas, eles pareciam até sérios demais caminhando pelo enorme corredor. Seguidos por seus dois filhos, o, na época, príncipe Jadson e a princesa Mikaelly, ambos parecendo bem felizes pela comemoração.
Assim que chegaram ao palco e tomaram seus tronos, iniciou-se o discurso do rei. Nessa hora percebi a rainha Ariele respirar mais fundo, parecendo ter voltado para aquele dia há tantos anos. Ela estava feliz, mas ao mesmo tempo nervosa, como se ainda estivesse esperando ser chamada para caminhar na enorme capela.
As palavras do rei foram breves, ele agradeceu a presença de todos e desejou maravilhosas festividades para todos os presentes, antes de permitir o início da celebração.
Não reconheci a primeira moça a ser chamada, mesmo as câmeras tendo focado em seu rosto quando entrou na capela. A jovem demorou alguns segundos para perceber que deveria sorrir, mas assim que o fez caminhou de forma graciosa pelo extenso corredor, parando em frente ao palco. Nessa hora, tivemos uma troca de câmeras, permitindo-nos ver de perto seu rosto enquanto reverenciava os monarcas, percebi que seus olhos não focavam muito no príncipe.
Depois, conforme mandava o protocolo, ela virou-se para as bandeiras ao seu lado e estendeu a mão direita.
"Eu, Elizabeth Kristen, juro amor e fidelidade à minha pátria. Juro respeitar, proteger e enaltecer meu povo e as maravilhas de Ynter. Juro lealdade ao rei, à rainha e seus descendentes, protegendo-os com meu sangue e amor."
Após dizer as palavras, ela reverenciou nossas bandeiras e então caminhou de volta pelo corredor, parando no último banco, de pé, aguardando suas companheiras. Depois de Elizabeth Kristen, veio mais uma mulher que repetiu seus passos, parecendo mais empolgada que Elizabeth ao realizar as reverências. Era legal analisar isso, além de ver os sorrisos e a forma que tudo aparecia na TV, conhecer e entender a situação das meninas era uma forma de pensar em como agir, sobre o que eu podia ou não demonstrar. Eu definitivamente precisaria me preocupar bastante com minha postura e expressão quando fosse minha vez, pois as câmeras captavam tudo, e qualquer deslize podia ser mal interpretado.
A terceira Selecionada eu conhecia. Allyce, mãe de Ícaryo, apareceu na filmagem, parecendo completamente em paz ao caminhar pela capela. Será que ela sabia que sua querida amiga seria a escolhida? Ou ela ainda imaginava ter chances com o nobre príncipe herdeiro?
Olhei novamente para a rainha Ariele, apenas a tempo de vê-la suspirar quando seu nome foi chamado. A rainha entrou com uma postura impecável e um sorriso deslumbrante. Apesar de eu saber que a rainha teve dificuldades em política e história, eu soube, olhando aquele vídeo, que sua angelicalidade, bondade e beleza vieram com ela. A rainha parecia flutuar naquela capela, com seu vestido rosa claro, brilhando a cada passo. Sua reverência, ao contrário da primeira Selecionada, foi totalmente vidrada no príncipe Jadson e o Juramento saiu como uma certeza quando a mesma proferiu. Ela sabia, ali eu tive certeza de que a rainha Ariele sabia que seria a escolhida, que definitivamente faria tudo pelo País e seus monarcas.
Por fim, a Selecionada Ariele caminhou até seu lugar ao lado das companheiras, dando a deixa para o rei levantar-se, dando boas-vindas às novas nobres de seu reino.
E então a televisão parte para imagens das pessoas na rua comemorando, das meninas se abraçando felizes por serem parte daquilo, dos nobres conversando… A cerimônia havia sido muito bonita e um sucesso, agora era hora de comemorar as belas jovens inseridas na nobreza.
Depois disso houve algumas entrevistas, mas nenhuma das pessoas era uma Selecionada, o que me deixava muito tranquila. Eu sabia que os nobres estavam indo para o baile que teriam após o Juramento, para comemorar o ingresso das jovens no seu mundo.
- Esse foi um ótimo dia. - a futura rainha de Kouris, princesa Mikaelly, parecia realmente feliz. Será que ela já sabia que a rainha Ariele seria sua futura cunhada? Mãe de seus sobrinhos?
Pela primeira vez analisei a princesa atentamente. Apesar de mais nova que a rainha Ariele, a princesa Mikaelly demonstrava seriedade. Sua classe, provavelmente adquirida pela criação, dava a impressão de que ela já estava no trono, governando seu país. Era como se ela fosse feita para estar ali, ao lado da rainha, rindo com ela das memórias que tinham de anos antes. Eu até conseguia ver um pouco do rei Jadson nas expressões da mais nova, o ar nobre, quase sobrenatural.
- E então, senhoritas, vamos provar a comida?
Aproveitei o convite da rainha para colocar meu plano em prática, pedindo licença para minhas amigas antes de sair quase que de soslaio. A rainha estava ocupada demais para notar minha saída e eu não pretendia demorar, por isso não me preocupei em avisá-la de meu paradeiro.
Assim que passei pela porta, todos os guardas que aguardavam suas Selecionadas enquanto conversavam, mais ao canto, se calaram, endireitando a postura.
- Perdi minha pulseira na recepção, soldado. Poderia me ajudar a procurar?
Drew apenas assentiu, indicando que eu deveria seguir em direção ao jardim. Suspirei. Era como se estivéssemos retrocedendo completamente na nossa amizade, lotados de escolhas das quais não gostávamos.
Segui em direção ao jardim, escolhendo procurar perto de onde conversei com Serena, torcendo para a privacidade ser o suficiente.
- O que você quer? - Drew disse assim que começou a olhar no chão atrás de uma pulseira que eu tinha escondida no meu decote.
Olhei para ele chocada. Ele me conhecia mesmo bem.
- Quero saber o que você está fazendo aqui. - disse, usando o mesmo tom pouco amistoso que ele.
- Procurando sua pulseira. - ele respondeu, me fazendo encará-lo incrédula a tempo de ver o sorriso vitorioso em seu rosto.
- Eu quero saber o que você estava fazendo no castelo. Você deveria estar no esconderijo nortista. - disse irritada. Aquilo não ia funcionar, Drew não me venceria com seu sorriso sapeca ou brincadeiras descontraídas. Voltei a encarar a grama à procura da pulseira, com medo de que estivessem nos olhando.
- Vim proteger você. - ele disse, sequer olhando na minha direção.
- Eu não quero que você me proteja.
- Não cabe a você decidir.
- Como é? - falei, dessa vez dando minha total atenção a ele.
- Você ouviu o que eu disse. - ele também parou de encarar o chão. Os olhos de Drew estavam tão diferentes do que eu lembrava, era como se toda a inocência tivesse evaporado.
- Eu estou tentando salvar sua vida. - tentei.
- E eu a sua.
- De que adianta morrer tentando salvar minha vida? Tudo o que eu fiz para proteger você terá sido em vão!
Eu sabia que estava falando mais alto que devia, e sabia também que qualquer um que olhasse para nós poderia suspeitar, mas naquele momento eu não me importava. Drew não podia ser tão ingênuo.
- Não pedi que você colocasse sua vida em risco por minha causa. - ele disse com o maxilar trincado, claramente irritado por minhas palavras. Mas eu não ligava, aquela era a verdade.
- Digo o mesmo. Não te pedi para se aliar aos rebeldes sulistas para me tirar do castelo. Eu aceitei meu destino no dia que anunciaram meu nome no Jornal Oficial.
- Eu não podia desistir de você tão fácil.
Engoli em seco. Eu ainda não estava acostumada com aquilo. Drew era meu amigo e só.
- Agora você já sabe a verdade. Então pode ir embora, não tem por que ficar. - respondi, torcendo para que ele entendesse aquilo. Drew já havia dito que gostava de mim e que ter se aliado aos sulistas era para tentar me salvar. Mas eu não tinha mais salvação agora e jamais poderia me casar com ele, mesmo se eu o amasse desse jeito.
- Eu não vou deixá-la.
- Mas eu quero que você deixe. Já conversei com e Serena, eles vão te liberar dos seus serviços reais. E eu posso negociar com Serena um cargo maior entre os rebeldes, já que você não quer voltar para casa. Mas aqui não é seguro, Drew. E eu não estou disposta a deixá-lo morrer.
- Não é você quem decide. - ele disse simplesmente, ignorando qualquer opção que eu tenha lhe dado.
- Você é meu guarda. Sou eu quem decido sim.
- Você sabe que não é verdade. - Drew estava sério, frio. Era como se ele não se importasse de verdade. Era como se ele estivesse indiferente. Era como . Aquilo fez meu coração parar por um segundo. O que o castelo e a vida próxima a realeza haviam feito com Drew Samek?
- Drew, você não pode estar falando sério… Por favor! - tentei, sentindo os olhos se encherem de água. Não queria Drew ali. Não queria vê-lo se tornando aquele homem. Não queria que a guerra, a dor e a desesperança tirasse sua vontade de viver. Drew tinha um futuro sem mim, uma família para formar, uma esposa para conhecer, um trabalho para construir. Respirei fundo, contendo as lágrimas.
- Me desculpa, . Mas eu não posso ir embora. - ele disse, demonstrando um pouco do homem que eu sabia que ele era. Drew tentou se aproximar, mas eu dei um passo para trás. Eu não ia aceitar suas desculpas, eu estava cansada delas. Era como se eu vivesse fazendo tudo para os outros, tudo para mantê-los em segurança, à toa. Tudo para Drew desperdiçar por um capricho.
- Não. Você está errado! Você pode ir embora, na realidade, você deve! Não tem nada te impedindo de partir… Pelo contrário, eu estou praticamente te implorando para sair, para ficar seguro e ter uma vida boa. - respirei fundo. - Eu quero que você viva e seja feliz. Eu estou lutando tanto, Drew. Estou lutando para te manter a salvo. - senti minha voz falhar, eu estava muito próxima de chorar. Mas Drew estava sério, imponente. Não importava o que eu queria para ele, não mais.
- … - Ele começou, mas eu sabia que ele iria discordar de mim. Eu sabia que ele ia menosprezar o que eu queria e ignorar o que eu estava praticamente implorando para ele fazer. Eu tinha certeza de que Drew simplesmente não se importava com o que eu pensava.
- Não. Eu já entendi. Se você quer morrer, saiba que a culpa é totalmente sua. Eu não tenho absolutamente nada a ver com isso! - disse, abaixando-me para pegar a pulseira falsamente. Aproveitando para tirá-la do meu vestido. - Obrigada pela ajuda, soldado.
E então caminhei em direção ao castelo, os passos pesados e apressados, sentindo um Drew derrotado me acompanhar de longe. Eu deveria voltar para a prova do buffet, mas apenas segui em direção aos meus aposentos, fechando a porta com força na cara de Drew antes de começar a chorar copiosamente. Serena e tinham razão, Drew estava decidido. O homem que conversava comigo em cima da árvore não existia mais. O meu amigo havia partido.
Segui em direção ao banheiro, ligando a água na esperança de não ser ouvida. Mas sabia que era tarde, ele já havia escutado meus soluços. Sentei ao lado da banheira, encostando minhas costas no azulejo frio, abraçando as pernas na tentativa de me proteger daquele sentimento. Da perda. Da incapacidade de fazer algo por alguém que eu amava.
Quando Meri chegou, provavelmente a pedido de Drew, eu ainda deixava a água escorrer enquanto chorava agachada no chão gelado do cômodo. Não sabia quanto tempo já estava ali.
- ? O que aconteceu? - Meri se abaixou, sua expressão preocupada me encarava com a testa franzida.
- Eu… - Eu ia negar, tentar dizer que estava tudo bem, mas talvez pela primeira vez, apenas abracei Meri e continuei a chorar, sentindo seus braços me apertarem forte. Eu estava tão cansada, me sentia tão próxima de desistir… Não de verdade, não importava o que acontecesse, eu não teria coragem de acabar com e seu reinado, ou com Serena e suas chances de mudança, mas ali, nos braços de Meri, mesmo que por um segundo, eu quis. Quis largar tudo e aceitar o marido que minha mãe escolhesse para mim, assim, apesar de ter uma vida inteira infeliz e sem propósito, eu estaria salva. Eu e todas as pessoas que eu amava.
- Eu estou aqui com você. Vai ficar tudo bem. - ela repetia baixo, tentando inutilmente me acalmar. Mas Meri estava errada, mesmo que eu tivesse convencido Drew a sair do castelo, ele ainda seria um nortista, lutando em uma guerra que não devia. Minha família ainda estaria em perigo, por ter uma princesa traidora como parente. Todos, absolutamente todos à minha volta estariam em perigo, incluindo Meri.
- Não vai. - neguei com a cabeça, afastando Meri para olhar em seus olhos. - Desde que anunciaram meu nome no Jornal Oficial minha vida já estava acabada. - eu disse baixo, tentando segurar os soluços. - Mas as outras pessoas estão em perigo, Meri. Todos à minha volta…
Meri entendeu. Percebi que ela sabia mais do que deixava transparecer, pois sem eu precisar explicar nada, Meri apenas assentiu, claramente entendendo ao que eu me referia.
- , você vai mudar o nosso mundo. - ela disse, olhando em meus olhos, enquanto segurava minhas mãos levemente trêmulas. - E não tem honra maior do que fazer parte disso. Não existe nada em meu futuro que seja mais gratificante do que estar ao seu lado, vendo-a conquistar coisas por nós. Mesmo que eu morra amanhã, eu estou feliz por poder ajudá-la. Por saber que de alguma forma, eu estou fazendo o mundo melhor. Porque eu estou do seu lado.
Pisquei algumas vezes, compreendendo lentamente as palavras de Meri.
- Obrigada. - disse por fim, incapaz de falar qualquer outra coisa. Apesar das lágrimas caírem de forma mais lenta, eu ainda sentia a nebulosidade que o choro havia causado em minha mente, mas ao mesmo tempo, as palavras de Meri eram claras como o sol. Respirei fundo. Eu tinha que estar pronta. Não havia tempo para me lamentar, eu precisava proteger as pessoas à minha volta. Mesmo que Drew não quisesse sair, mesmo que ele decidisse ficar no castelo, eu ainda era responsável pela sua segurança, da mesma forma que era pela de minha família, amigas e criados. Da mesma forma que eu seria do meu povo, quando me casasse com .
Cerca de algumas horas depois, eu estava renovada pelo banho e aguardava ansiosamente o jantar, o que veio acompanhado de uma bela e inesperada carta de rainha.
"Senhorita ,
Espero que esteja bem. Lamento que tenha tido que se retirar de um evento tão agradável, mas infelizmente há males que não conseguimos superar.
Peço que se cuide e vá a enfermaria se necessário, nossos médicos estão aqui para lhe atender a qualquer hora.
Dito isto, lamento dizer que perdeu parte do treinamento do nosso Juramento. Mas acredito que consiga estudar com suas amigas, com ajuda desta carta.
Melhoras!
Com carinho,
Rainha Ariele"
E então, preso por um delicado clip, havia outro papel, também escrito com a bela caligrafia da rainha.
"Eu, , juro amor e fidelidade à minha pátria. Juro respeitar, proteger e enaltecer meu povo e as maravilhas de Ynter. Juro lealdade ao rei, à rainha e seus descendentes, protegendo-os com meu sangue e amor."
Era isso. Eu faria o Juramento à minha bandeira, ao meu país, ao meu reino e a minha mais provável futura família.
Jantei sentada a mesa ocupada com meu pedaço de papel, eu já havia decorado o Juramento e treinado mentalmente a entonação de cada palavra, eu queria soar firme, decidida… Queria soar nobre.
Capítulo 29 - O Sonho Dele
Era impressionante o que aquele vestido fazia com minhas amigas, era como se ele significasse para elas o futuro que tinham certeza que as esperava, como um pequeno gostinho do que estava por vir. Cleo era de longe a mais orgulhosa, o brilho nos seus olhos enquanto me via girar em frente ao espelho dos meus aposentos era de se admirar, era óbvio que ela estava apaixonada pelo que havia criado.
- Está quase perfeito. - Susane disse, segurando de leve os poucos centímetros de tecido extra em minha cintura, eu claramente havia perdido um pouco de peso desde que tiraram minhas medidas.
- É maravilhoso! - eu estava deslumbrada. O vestido era mesmo incrível, muito mais bonito do que sua versão em desenho. Eu me sentia tão bem nele, que quase conseguia esquecer completamente a tarde do dia anterior, quando chorei copiosamente abraçada a Meri. Afinal vestida nele, eu parecia outra pessoa ou, pelo menos, me sentia outra pessoa. Seu tom de azul era diferente de tudo o que eu já havia usado. A cor combinava perfeitamente com o tom do meu cabelo, o que, misturado com a sensação de flutuar em uma nuvem, causada pela saia rodada de tule, me dava a certeza de que eu estava bonita. O decote com duas alças finas era discreto, ideal para uma cerimônia séria, deixando toda a atenção para a fenda, uma novidade nos meus vestidos. A abertura que seguia até um pouco acima do meu joelho era quase imperceptível quando eu estava parada, mas eu sabia que daria um toque chique e ousado quando eu caminhasse pelo corredor da capela. Exatamente o que Susane e minhas amigas queriam: elegância e um toque a mais.
- Você está mesmo linda, . - Meri garantiu, tentando segurar a empolgação e se manter plena. Eu estava orgulhosa dela, dava para ver que ela estava se esforçando para parecer mais com uma dama de companhia a cada dia. Além disso, de alguma forma, percebi que Meri sabia mais sobre mim do que deixava transparecer.
- E ainda faltam os bordados. - Cleo contou, parecendo animada para o resultado final, lembrando-me que o croqui feito com a senhora Lemma contava com bordados em toda a extensão do tecido, o que ficaria divino e muito diferente do tecido liso do momento.
- Vai dar tempo?
- Sim. Eu consigo arrumar esse tecido extra - ela disse, se referindo ao corpete - e fazer os bordados em três dias, com folga.
Concordei com a cabeça, respirando fundo. Tínhamos três dias. Em três dias eu estaria em frente às câmeras, ao vivo, com a chance de os sulistas estragarem tudo. O Chefe não havia dado mais nenhum sinal de vida, com exceção do buquê, o que me deixava preocupada, mas ao mesmo tempo com uma leve esperança de que ele deixaria o evento passar sem nenhum acontecimento.
- Agora precisamos decidir acessórios, maquiagem e cabelo. - Susane disse, partindo em direção às gavetas atrás das minhas joias.
- Deixo você decidir. - falei fazendo todas rirem, deixando claro, mesmo sem intenção, que não estava animada para a escolha.
Depois de quase duas horas, Susane Lemma e meu trio de futuras damas de companhia haviam escolhido meu look completo. Desde a cor da sombra, até o penteado e as joias reais que eu usaria, tudo estava decidido. Havíamos testado diversas combinações até chegarmos na ideal.
- Obrigada por tudo, senhora Lemma. - agradeci, vendo Susane sair orgulhosa dos meus aposentos, enquanto Cleo e Meri seguiam para os bordados do vestido e Elise terminava de arrumar a bagunça que havíamos feito.
Assim que me vi sozinha com Elise, deitei na cama cansada. Como uma prova de vestidos podia ser tão demorada? Eu estava acostumada a provar vestidos, mas o que fazíamos em casa não chegava nem perto das preparações e testes de Susane, ela simplesmente queria ver tudo e pensar em praticamente todas as possibilidades.
- O que você achou do vestido? - Elise perguntou, arrumando cada um dos colares em seu lugar, inclusive o escolhido.
- É incrível, mais incrível do que o desenho. Vocês se superaram.
- Cleo fez a maior parte, como você já deve ter percebido, ela ama fazer isso, de verdade. Se ela pudesse, tenho certeza de que seria uma grande estilista.
- Queria que ela pudesse ser.
- Tenho certeza que ser dama de companhia da princesa é uma honra ainda maior, senhorita. - Elise disse e eu até concordava com ela. A posição tinha mais prestígio, mas duvidava que Cleo gostasse mais de prestígio do que de seguir seu sonho.
- Acho que sim.
Antes que Elise pudesse continuar, fomos interrompidas por uma batida, o que a fez sorrir cúmplice antes de caminhar até a porta. Elise parecia mesmo feliz pela oportunidade que ela e suas amigas estavam tendo, o que me deixava muito grata, mas eu ainda queria poder fazer mais.
- Alteza. - Elise fez uma bela reverência, abrindo um pouco mais a porta, revelando o príncipe herdeiro com um sorriso sincero.
- Bom dia. - ele disse para Elise, antes de olhar em minha direção, sorrindo ainda mais quando me viu levantar da cama e caminhar em sua direção.
- , bom dia. - disse, me aproximando da porta, fazendo com que Elise simplesmente saísse em direção ao banheiro, enquanto entrava em meus aposentos, deixando a porta levemente aberta atrás de si.
- , bom dia. Você está maravilhosa. - ele disse sorridente.
- Obrigada. Tivemos a prova do vestido do Juramento à Bandeira hoje, então testamos algumas coisas. - falei, me referindo ao cabelo levemente encaracolado que tinha preso em um rabo alto e a maquiagem um pouco mais marcada, apesar de não ser exatamente a que eu usaria no dia.
- Estou ansioso para ver o vestido ganhador, boatos que será o seu. - ele disse, rindo assim que demonstrei surpresa. Eu jamais acharia que o príncipe saberia desse tipo de coisa. - O que foi? Eu sei do que acontece na minha Seleção.
- Estou impressionada.
- Fico feliz. Não é sempre que consigo impressionar você.
- Não sei se eu diria isso. - disse, sorrindo de leve, dando a entender que o príncipe já havia me impressionado algumas vezes antes. Mas, na realidade, eu não me lembrava de nenhuma. não era exatamente previsível, mas nas vezes que eu ficava surpresa com ele, não eram necessariamente boas.
- Você gostaria de dar uma volta pelo jardim?
- Claro, seria ótimo. - aceitei, esperando que Elise estivesse me ouvindo sair, para não ficar preocupada. Como eu estava pronta, apenas aceitei o braço de enquanto saímos e meu guarda da vez fechava a porta atrás de nós.
Drew não era mais meu guarda naquela manhã, e sim o outro nortista, o qual me cumprimentou apenas com um aceno de cabeça, antes de caminhar bem afastado atrás de mim e . Ele era o mais velho dos meus guardas, mas ao mesmo tempo parecia o menos experiente no assunto, ou, no mínimo, o mais incomodado com a presença do futuro rei.
- E então? Como você está? Falou com seu amigo? - também pareceu perceber o sumiço de Drew.
- Por quê? Ele disse algo?
- Não. Mas minha mãe comentou que você teve que sair ontem à tarde durante a prova do buffet.
- Eu… Me desculpe por isso. - falei, incapaz de achar uma justificativa cabível para o que eu havia feito.
- Tudo bem. Minha mãe ainda acha que você estava se sentindo mal. Mas você foi falar com ele, não foi?
- Fui. Mas como todos imaginavam, não funcionou. - percebi que a alegria de ver meu vestido havia sumido completamente ao lembrar de Drew e da idiotice que ele estava fazendo. Mesmo passando boa parte da noite tentando entender meu amigo, eu ainda não conseguia aceitar o porquê de ele estar escolhendo aquela vida.
- Você precisa de segurança, . - disse calmo, percebendo minha irritação e tentando explicar o inexplicável. Não havia motivo algum que tornasse certo Drew Samek estar ali.
- Você está certo. Mas minha família e meus amigos também, . Eu não estou disposta a me proteger a custas deles. Eu jamais vou me escolher quando a outra opção for eles. Você entende? - falei baixo. Eu tinha que cuidar muito com o que eu diria na frente do meu guarda nortista, que apesar de distante, podia ouvir nossa conversa com um pouco de esforço.
- Sim, mas…
- Não. - falei interrompendo-o, fazendo-nos parar no meio da escada, a diferença dos degraus facilitando o contato visual. - Me desculpe, Alteza. Mas você precisa entender de verdade isso. Se pretende que eu me torne princesa, precisa entender que eu não vou admitir perder alguém que eu amo no processo. Isso seria demais. - sussurrei, apesar de saber que o único perto de nós era o nortista.
- Você não vai.
- Você não pode garantir isso, muito menos com Drew.
- Tem razão. Eu não posso. Mas se eu puder evitar de alguma forma, eu te prometo que irei.
- Você pode. - falei firme. - Pode expulsar Drew e mantê-lo em segurança longe daqui, longe do Chefe e da guerra. - tentei, mas sabia que era inútil.
- Você sabe que eu não posso fazer isso.
- Eu sei que você não quer, o que é diferente de não poder. - disse, voltando a seguir para o jardim.
- …
- Não, tudo bem. Eu já entendi que você não fará nada a respeito, mas quando eu falo de proteger minha família eu falo sério e isso inclui Drew e minhas criadas.
- Alguém mais? - ele perguntou rindo, tentando descontrair.
- Você. Se você morrer e me deixar com o trono, acredite, eu vou achar uma forma de acabar com você no além. - falei, entrando na brincadeira. Eu precisava parar de tentar convencer a expulsar Drew, afinal não adiantaria convencer o príncipe sem convencer meu amigo, se não ele apenas acharia outra forma de ficar em perigo.
riu. Ele riu de verdade, me fazendo rir também.
- Estou confuso… - ele disse, ainda rindo. - Isso foi um elogio ou um insulto?
- Foi a verdade. E eu estou falando sério. - eu disse, mas não estava séria, na verdade, a risada de era contagiante, ainda mais quando misturada com a brisa do jardim. - Mas se você quer um elogio, aqui vai: você parece bem mais feliz com seus primos aqui.
- Eu estou, eles me permitem esquecer um pouco tudo o que está acontecendo.
- Eu queria que minha família fizesse isso comigo. - falei, rindo levemente. - Eu os amo, mas…
- Você acha que vai mudar algo agora que você conseguiu?
- Eu não sei. Acho que sim, mas ao mesmo tempo, não vou ver muito eles, não é? Minha família não pode morar aqui em meio a uma guerra, então…
- Você gostaria? - perguntou, meio surpreso. - Que sua família morasse aqui no castelo?
- Na verdade, não. - falei, rindo fraco. - Mas ao mesmo tempo, acho que minha mãe seria bastante útil em algumas coisas. Porém, sendo sincera, espero que a sua mãe me ajude em tudo.
- Ela vai, . Minha mãe está ansiosa para esse momento, inclusive. Acho que ela se sente um pouco sozinha depois que eu e crescemos, nossas tarefas não são mais as mesmas. Mas com você será diferente.
- Eu acho que sua mãe será uma mentora melhor do que a minha, então…
- , o quanto você gosta de surpresas? - perguntou, parecendo não se importar em cortar o assunto.
- Como assim?
- Considerando que um dia serei seu marido, acho que é uma pergunta bem relevante. - ele disse, claramente brincando comigo.
Olhei para ele em desaprovação, mas não consegui evitar rir de , talvez ele estivesse certo. No fundo, eu sabia muito pouco sobre o homem com quem iria me casar.
- Acho que não. Eu prefiro saber das coisas e me preparar para elas.
- Faz sentido. - o príncipe disse, parecendo fazer uma nota mental da sua nova descoberta sobre mim. - Então preciso te contar algo. Seria uma surpresa, mas…
- Pode contar.
- Você precisa manter segredo.
- Pode deixar, sou boa nisso.
- Eu sei que sim. - ele disse, parecendo um pouco chateado por me fazer guardar tantos segredos na vida.
- Então me conte logo. - já estava ficando ansiosa com a demora de . Talvez eu não gostasse nem um pouco de surpresas.
- As famílias das Selecionadas chegarão para o Juramento amanhã de manhã. Achei que seria bom um tempo para matar a saudade.
- Minha família está vindo?
- Sim. Todos eles. - o príncipe me encarava desconfiado. - Isso é bom, não é?
- É sim. - falei, mas eu estava em dúvida se era totalmente verdade. Será que eu queria lidar com a senhora andando pelo castelo? Dela torcendo para a filha ganhar? Não estava pronta para incluir minha mãe nas pessoas com as quais eu teria que lidar naquela Seleção. - Eu agradeço que tenha me contado, eu com certeza vou precisar me preparar.
- Não se preocupe, eu vou estar aqui para ajudar você. - ele disse, sorrindo como se fosse muito. - Agora… Antes de lidar com a sua família, o que acha que lidar com a minha? - olhei para confusa. - Nós vamos almoçar no terraço, Aurora também irá… O que você acha de se juntar a nós?
- Seus tios sabem sobre nosso acordo?
- Sim. Todos sabem, desde que chegaram aqui. Por quê?
- Não sei, achei que era mais confidencial.
- É bastante confidencial, mas na realidade as pessoas já sabem que eu tenho uma escolhida, não lembra? Saíram notícias informando a Selecionada vencedora mais de uma vez, com diferentes mulheres. Então mesmo que alguém vaze a informação, só será oficial quando vier de mim.
Concordei com a cabeça, em dúvida do que poderia responder neste caso. Eu entendia , sabia que a fofoca corria solta e que o único canal oficial era realmente a palavra do príncipe herdeiro, dono da Seleção, mas ao mesmo tempo a lista de pessoas que sabiam sobre nosso acordo estava cada vez maior. E manter um segredo com tantas pessoas sabendo era incrivelmente difícil.
- E então? O que acha de um almoço no terraço?
- Acho que podemos ir. - sorri para o príncipe, respondendo para ele exatamente o que estava esperando.
- Ótimo! - o futuro rei não se preocupou em esconder a empolgação. Me guiando de volta ao castelo. Respirei fundo enquanto subíamos as escadas para o terceiro andar. Era isso, eu teria um almoço com a minha futura família.
***
Assim que chegamos no terraço descobri que eu e éramos os últimos a chegar, o que significava que a família real e seus convidados já estavam confortavelmente distribuídos pelo espaço esperando a hora de sentar na enorme mesa, a qual não estava ali na última vez que estive.
- Pronta? - perguntou, me vendo assentir antes de seguir comigo para seus pais. O rei e a rainha estavam sentados junto com a princesa Mikaelly e o príncipe, agora herdeiro, Kalel, cada um com um copo de bebida na mão.
- Majestades, Altezas. - cumprimentei o grupo com uma bela reverência, agradecendo por nenhum deles se levantar para me cumprimentar, deixava a situação menos constrangedora e formal.
- Fico feliz que tenha se unido a nós, senhorita . - o rei falou, dando um sorriso discreto, sem perder a pose de soberano. Os demais apenas concordaram, cumprimentando-me com sorrisos e acenos.
- Obrigada pelo convite, Majestades. - agradeci, enquanto pedia licença para nos levar ao outro grupo. Seus primos, e Aurora, estavam sentados de forma menos formal em torno de uma mesinha pequena, onde estavam apoiados os copos. Kai, o caçula, brincava no chão em cima de uma toalha de piquenique com lego, enquanto os demais pareciam largados em suas cadeiras.
- , você veio! - foi o primeiro a me notar, ficando de pé e já oferecendo sua cadeira para mim, enquanto pegava novos assentos. Aceitei, fazendo todos os homens, exceto Kai, se levantarem quando me uni a eles na roda.
- Bom dia a todos.
Os cumprimentos foram diversos, mas nada foi tão acolhedor quanto o garçom me trazendo um copo do drink que eles tomavam. Bebi três longos goles, precisava daquilo.
- Que delícia. - falei ao terminar de beber, percebendo que era algo que eu não conhecia antes.
- É de Kouris, se chama Conhaque. É feito com nossas frutas da estação, então não é sempre que tem em Ynter. - Kaleb falou parecendo orgulhoso, claramente vangloriando-se de seu país.
- Com “nem sempre”, ele quer dizer “nunca”. - Kaleo brincou, também querendo mostrar a superioridade do seu povo.
- Eles estão certos. - disse, olhando para mim, enquanto sentava ao meu lado na cadeira que havia trazido para si. - No quesito bebidas, Kouris é mesmo incrível.
- Nas bebidas, nos jogos, nas festas… - Kaleb provocou.
- Agora nos costumes e tradições, ganhamos de longe. - defendeu-se.
- E na educação. - acrescentou, recebendo o revirar de olhos dos primos.
- Você só diz isso porque nasceu para ser rei. - Kael defendeu-se. - Eu nasci para ser o príncipe depois do príncipe que vem depois do príncipe. - ele brincou, já que realmente, antes da iminente morte do tio, os gêmeos estavam bem longe da linha do trono.
- Mas logo você será como eu. - disse, referindo-se ao cargo de irmão mais novo do príncipe herdeiro, o segundo na linhagem do trono, enquanto o filho mais velho não cria sua própria linhagem. - Então precisa aprender a se comportar.
- Vocês não tiveram treinamento? - perguntei espantada. Como era possível com uma mãe como a princesa Mikaelly? Até eu tive treinamento.
- Mais ou menos, o básico para lidar com a nobreza, afinal sempre somos convidados para os eventos reais. Mas nada perto do que esses dois tiveram. - Kaleb respondeu, indicando e , parecendo um pouco incomodado com a verdade.
- Mas ainda sim é alguma coisa, não é? - Aurora comentou, sorrindo. - Eu não tive muito treinamento, mas estou aqui.
Naquele momento me perguntei se os primos de sabiam sobre os nortistas, mas logo percebi que não. Pelo menos aquele segredo era secreto.
- Mas mesmo vocês, damas da Elite, recebem um intensivo. Nós estamos atrasados até nisso. - Kael reclamou, mas senti que ele estava exagerando. Apesar da pose mais descontraída, eu tinha certeza de que ele saberia se portar como um príncipe. Agora eu ficaria insegura de me portar como um rei, como seria o futuro de Kaleb.
- Mas vocês têm tempo. - falei, dando de ombros. - Talvez os pais de vocês não tenham tanto, infelizmente, mas até chegar a sua vez…
Todos concordaram comigo, mas eu sabia que eles não estavam sendo totalmente sinceros. Percebi, mais uma vez, que eu estava sendo ingênua em relação ao meu futuro e o quanto significava ser a futura rainha. Kaleb e os gêmeos pareciam mais preocupados com o fardo de se tornar parte oficial da família real do que eu mesma.
Continuamos conversando entre risadas até que fomos convidados para nos sentar. ajudou-me a levantar, apesar de eu não precisar, e puxou a cadeira da mesa para que eu me sentasse, conforme mandava a etiqueta.
O rei se sentou em uma das pontas da mesa, enquanto a rainha ao seu lado direito. O futuro casal de Kouris estava ao lado esquerdo do rei, sendo sua irmã a mais próxima do soberano. Eu sabia que quando os tios de fossem os reis de Kouris, o homem estaria na ponta oposta, mas neste momento o lugar era de , comigo ao seu lado direito. estava bem à minha frente e sorria de forma engraçada, enquanto Aurora, ao seu lado, parecia muito feliz por estar ali.
Ao meu lado estava o filho mais velho da princesa Mikaelly, Kaleb, e ao lado dele o mais novo, Kai, que parecia entretido com o brinquedo que tinha em mãos. Já entre Aurora e a rainha, estavam os gêmeos.
Assim que todos os presentes se sentaram à mesa, doze garçons se aproximaram, servindo cada um dos presentes com outro tipo de bebida e depois a entrada. Seria uma refeição daquelas.
- E então, senhoritas, como está sendo a Seleção para vocês? - A princesa Mikaelly perguntou para mim e Aurora depois que todos já estavam servidos, apesar da mesa grande, estava claro que todos tentavam conversar um só assunto, como uma bela família. Por isso, todos estavam ouvindo quando respondemos.
- Eu diria que bem surpreendente. - Aurora disse, olhando para , o que fez todos rirem. Afinal ela estava ali por , inicialmente.
- E você, senhorita , o que está achando?
- É uma experiência única, Alteza. Acabamos tendo a oportunidade não apenas de conhecer pessoas incríveis, - falei, querendo me referir não apenas a , mas a todos na mesa. - mas de conhecer nós mesmas.
- E você está contente com quem descobriu ser?
Percebi que a princesa Mikaelly estava mesmo interessada em mim e, provavelmente, em tudo o que meu acordo com significava. Talvez os primos dos príncipes não soubessem toda a verdade, mas pela forma com que a princesa me olhava, eu tive a certeza de que ela sabia. O que não era exatamente uma surpresa, já que a princesa Mikaelly, antes de tudo, era irmã mais nova do rei de Ynter.
- Na realidade sim, Alteza. Com os ensinamentos da rainha e da senhora Mariee, acho que um dia, se permitir, serei uma boa princesa. - respondi o que eu achei que Mikaelly queria ouvir, mas percebi que não havia um pingo de mentira em minhas palavras.
- Pelo que ouvi de você, a senhorita será muito mais. - a princesa disse sorrindo. Apesar do tom da princesa ser cordial em todas as perguntas, percebi que após minhas respostas eu havia a conquistado de verdade. A futura rainha de Kouris estava feliz com a futura princesa do seu reino de nascença e eu estava feliz por ter sido aprovada, apesar de nem perceber que precisava.
- Obrigada, Alteza.
- E a caça, como foi ontem? - ela perguntou, mudando o foco da conversa para os homens.
Percebi, apenas pelas respostas, que todos da mesa adoravam a ideia de caçar na floresta. Até o rei, que ainda permanecia sério, soltou-se mais com o assunto. As histórias eram engraçadas, fazendo todos na mesa rirem, até Kai.
- Mamãe, na próxima vez eu posso ir? - Kai perguntou, depois de ouvir o pai contar sobre uma brincadeira que os gêmeos fizeram durante a caçada.
- Na próxima? Mas você ainda é muito jovem.
- Sério? Em qual eu vou poder ir então?
- Daqui há dez anos. Pode ser?
- Dez anos? - ele olhou para as mãos, usando todos os dedos para ver se dez parecia muito ou não. - Tudo bem. Eu posso esperar.
- Mas você vai ter que treinar muito se quiser ser bom como nós. - disse, provocando o pequeno.
- Eu já sou bom. Só sou muito jovem. - Kai afirmou muito certo de si, fazendo todos rirem. O pequeno tinha tanta certeza de que ninguém teve coragem de contradizê-lo.
- Viu? Fala o que quer, escuta o que não quer. - Kael brincou com o primo.
- E você também é bom dançando? - a rainha Ariele perguntou para o sobrinho.
- Não. Isso não. - ele disse fazendo uma careta engraçada.
- Mas um príncipe precisa saber dançar. - a mãe de Kai explicou, mas não foi o suficiente para o pequeno querer aprender a dançar. Com certeza ele passaria por isso em algum momento, afinal, como disse a princesa Mikaelly, um príncipe precisa saber dançar, mas ainda não era a hora.
- Então você não vai participar da festa que teremos amanhã? - perguntou, provocando o pequeno.
- Não, vou ficar com a Lili. - ele contou. Mais tarde descobri que Lili era sua babá, responsável por cuidar do pequeno não só em casa, como nas viagens que ele fazia.
O resto do almoço foi tranquilo e mais legal do que eu pensava. A família de era agradável e bem menos formal quando não estava com convidados, pelo menos, sentada ali, eu me sentia quase como uma extensão da família.
E isso continuou quando os dois casais mais velhos se retiraram junto com Kai, o caçula. Deixando , , os primos de Kouris, eu e Aurora sozinhos no terraço.
- E então, senhorita , quer jogar dominó? - Kael perguntou, enquanto seguíamos para outra mesa, deixando os funcionários do castelo se preocuparem em tirar as louças.
- Não, muito obrigada.
Minha recusa decepcionou um pouco, mas logo e Kaleb formaram uma dupla contra os gêmeos, deixando Aurora preocupada em aprender a jogar. Fazendo com que me conduzisse para a ponta do terraço que nos dava uma vista incrível de parte do reino separada por uma parede de vidro e uma considerável privacidade dos demais.
- E então? O que você achou do almoço?
- Foi bem agradável. Obrigada por me convidar.
- Mesmo com as perguntas da minha tia? - ri, assim como o príncipe. Então ele também havia percebido a curiosidade da princesa Mikaelly.
- Sim. Só espero que as respostas tenham agradado.
- Acho difícil não agradar, minha tia só queria ver com os próprios olhos tudo que meus pais falaram sobre o futuro de Ynter.
- Você quer dizer: sobre mim.
- Quero dizer: sobre nós.
Assenti, não era estranho os reis buscarem a opinião da princesa Mikaelly, afinal antes de ser a próxima rainha de Kouris, ela era a princesa de Ynter. Uma princesa que conhecia as dificuldades da monarquia de Ynter, talvez até mais que a rainha Ariele.
- Só espero que as expectativas não sejam tão altas.
- Não se preocupe, nós vamos dar um jeito em tudo.
- E eles? - perguntei, olhando para os primos de . Será que eles dariam conta dos cargos que os esperavam?
- Kouris vive em paz, . Apesar da tristeza da muito próxima morte do rei, ele está doente há um tempo, as pessoas já esperam que meu tio assuma o trono. Não será uma troca complicada.
- E a nossa? Digo, a sua. Será uma troca complicada?
parou por um segundo, olhando para o horizonte, Ynter se estendia muito além do que podíamos ver, mas eu sabia que pensava em todo o seu país.
- Meu pai está ansioso para que eu assuma o trono, . Serena tinha razão, ele está cansado. - o príncipe suspirou, como se a ideia o atormentasse há um tempo. - Eu só não sei se estou pronto.
Aquilo me surpreendeu, para mim sempre esteve pronto, apesar de ainda ser um príncipe, sempre consegui ver um rei nele. Sua pose superior e indiferente, o ar nobre, a postura protetora, tinha a postura de um líder.
- Eu não quero ser o rei que levou o país à guerra. - ele disse por fim.
- Mas seu pai quer que você assume antes da guerra? Mas não vamos nos casar depois?
Eu sabia que um rei não podia assumir sem uma rainha, a tradição era específica demais. parecia lamentar enquanto a realidade ficava clara para mim. Serena tinha razão, eu não tinha muito tempo. Pelo que parecia, eu sequer tinha algum tempo. O rei Jadson estava se preparando para a guerra, ele só foi interrompido pelo ataque sulista, se não ele já teria todos os aliados e estaria pronto para passar o trono para , pronto para fazê-lo escolher sua esposa. Será que teria a Seleção e o casamento mais rápidos da história?
- , posso lhe fazer uma pergunta?
- Claro.
- É um pouco constrangedora, então tudo bem se você não quiser responder. Mas foi uma pergunta que Kaleb me fez e eu percebi que não sabia a resposta.
- Kaleb? - percebi que não estava disposto a continuar nosso assunto. Estava grata, na realidade, pois eu precisava de mais tempo para processar o que aquilo significava.
- Sim. Quando o tio de Kaleb, o rei de Kouris, morrer, minha tia e seu marido vão se tornar os soberanos.
- Sim, eu sei disso.
- E Kaleb terá que fazer uma Seleção logo. Digamos que terá bastante pressão para ele achar uma esposa.
- Sim, eu sei, as meninas falam das coisas.
O príncipe riu, parecendo um pouco interessado no que suas Selecionadas falavam sobre seu primo, o futuro príncipe herdeiro de Kouris, mas não interessado o suficiente para fugir da pergunta.
- Kaleb está nervoso com isso, ele tem seus motivos pessoais… Mas a questão não é essa. Kaleb me perguntou como eu consegui convencê-la a se casar comigo mesmo você não gostando de mim.
- Mas eu gosto de você. - falei, mas me olhou incrédulo. - É verdade, , eu não odeio você. - falei rindo. Eu sabia que o príncipe se referia a amor, casamento e a um “gostar” muito maior do que a afeição que eu consegui criar por ele. Mas a questão é que ele não estava sendo claro.
- Mas não me ama. Você não tem sentimentos por mim a ponto de se casar comigo por causa deles.
- Nós não temos. - lembrei-o. - Mas casamento não é apenas isso, . Principalmente para nós, mulheres.
- O que quer dizer?
Respirei fundo.
- Eu não posso falar por todas as mulheres, muito menos pelas de Kouris, que nem conheço a tradição, mas quantas garotas da Seleção entraram por amor? Entraram porque você olhou para suas fotos e achou que poderia amá-las de verdade?
- Poucas. - ele disse, me surpreendendo, afinal eu achava que a resposta seria “nenhuma”.
- E quantas destas poucas você acha que se inscreveram porque amavam você? Por que tinham reais sentimentos pelo homem que viam pelas câmeras?
piscou para mim algumas vezes.
- Mas minha mãe amou meu pai. O casamento deles foi por amor.
- Porque eles tiveram muita sorte. E talvez Kaleb também tenha, mas se ele não tiver… Não acho que seja o fim.
- O que você quer dizer?
- , Kaleb é alguém que poucas mulheres conhecem... Quando os pais dele assumirem o trono, as pessoas vão vê-lo na TV por no máximo uma dúzia de vezes antes dele anunciar a Seleção. As meninas vão se inscrever por diversos motivos, mas poucas serão por amor. E depois que ele escolher as mais bonitas ou interessantes, ele estará traçando um destino para elas que termina em casamento, fama e dinheiro. Sabe quantas Selecionadas terminam sem um marido?
- Quase zero.
- Nenhuma, e olha que Mariee nos apresentou todas. Nem da Seleção do seu pai e nem da do seu avô. Tenho certeza de que a maioria das meninas que você expulsou já estão comprometidas. Nós não temos a opção de escolher alguém que amamos, nós precisamos casar por dinheiro, por status ou apenas para não desonrar nossa família. Se eu não me casar com você, me casarei com algum dos seus nobres.
parecia chocado com o que eu dizia, mas eu sempre soube, após meu nome estar na Seleção, que meu futuro não incluía um casamento por amor.
- , Aurora veio aqui pelos rebeldes, Anne vai conseguir pelo menos sustentar sua família, mas você a chamou pela sua nacionalidade. Natalie veio por um favor à família dela, para estreitar laços. Eu estou aqui porque nossos ancestrais nos obrigaram. Lauren e Samantha, imagino que seja pela beleza…
- Aurora e encontraram o amor.
- Sim. E eu fico muito feliz por eles. Mas desde o início da Seleção eu sabia meu futuro. E eu sempre disse que você poderia procurar um diferente para você. - eu falava rápido. - Mas se Kaleb tem medo de não encontrar alguém apenas porque não irá encontrar o amor, acho que ele pode ficar tranquilo. A única coisa que ele precisa fazer, é torcer para alguma das Selecionadas não se apaixonar por algum dos seus nobres e aceitar o destino que uma princesa tem. O que, se me permite dizer, não deve ser muito difícil, Natalie, Samantha e Lauren aceitariam se casar com você sem amor, num piscar de olhos.
- Acho que você está certa. - ele disse, mas não parecia nem um pouco contente com isso. Era como se eu tivesse tirado dele uma esperança, uma crença que o acompanhava desde sempre.
- Você esperava uma resposta diferente, não é?
Então olhou para mim, seus olhos realmente fixos nos meus. Era como se ele me analisasse, como se me lesse antes de responder, como se buscasse em mim o ponto fraco, mas eu estava firme em minhas convicções e seria muito difícil me mostrar um futuro diferente.
- Eu esperava. - admitiu.
- O que você esperava?
- Eu não sei… - começou, seus olhos se afastaram dos meus no mesmo instante.
- Por favor, não minta para mim.
Então o príncipe me encarou novamente, seus olhos estavam diferentes, mas eu não sabia explicar o que havia ali. Não saberia dizer o que se passava na mente de , sem que ele me contasse. Mas uma coisa eu sabia, ele iria me falar a verdade.
- Eu não esperava ser a menos pior das opções. - ele disse, parecendo bastante irritado. - Eu sempre soube que havia outras motivações para você decidir se casar comigo, , mas eu sonhava, não, eu sonho com uma esposa que goste do castelo, que goste dos luxos que eu tenho para oferecer. Eu gostaria de uma esposa que, no mínimo, sentisse o privilégio que é ser a futura rainha. E, para ser sincero, eu comecei a Seleção querendo amor. E eu ainda quero, mesmo sabendo que talvez não consiga. Eu quero o que meus pais têm. Quero ter alguém me apoiando nos dias difíceis, alguém que me acolha, que me escute e que esteja lá para mim. Eu quero alguém que me complete, que me entenda apenas no olhar, que me ame tanto que estaria disposta a enfrentar qualquer coisa ao meu lado. - ele terminou, respirando fundo. E então percebeu o que tinha feito. percebeu que havia deixado escapar uma verdade que ele negava para si mesmo desde o início do nosso acordo, desde o momento que eu havia lhe dito que eu o aceitaria sem amor. percebeu qual era o seu sonho.
- Você pode ter tudo isso. - eu disse baixo, incapaz de encará-lo nos olhos, envergonhada pela verdade da pessoa que eu não era e não poderia ser. - Mas eu não sou capaz de lhe dar isso, . Eu sinto muito, mas não vou mentir para você.
E então eu saí. Sem despedidas, cortesias, reverências e educação. Eu apenas me virei e caminhei o mais lento que meu nervosismo permitia em direção à saída, agradecendo imensamente por não me chamar. Eu desci as escadas do terraço calma, mas assim que alcancei os degraus que me levariam para meu quarto, as lágrimas caíram. Eu estava contente por ter sido sincero comigo, mas eu jamais esqueceria seu tom naquele momento, o príncipe estava descontente comigo, estava descontente por eu ser eu. Ele queria uma princesa que eu não poderia ser, mas ele a merecia e o país também. Percebi que não importava o quanto me esforçasse, o quanto estudasse e me doasse, eu jamais seria o suficiente, porque eu jamais seria o sonho dele.
Meu soldado se mantinha distante, com uma distância tão respeitosa que eu duvidava que ele fosse capaz de me ouvir chorar, estava grata por isso. Eu estava certa de que chegaria aos meus aposentos segura, mas eu estava no último dos lances da escada que me levaria até meu quarto quando Samantha me viu. Não foram apenas as lágrimas que chamaram a atenção da mulher, mas o fato de eu estar descendo do terceiro andar, o andar proibido para as Selecionadas, o andar da família real.
- Ele te mandou embora, não foi? - ela disse sem nenhuma dúvida, imaginando que o fato de eu estar chorando e saindo do andar da família real indicava que havia me expulsado da Seleção. Entretanto, eu não estava totalmente certa da resposta para aquela pergunta, então eu não neguei. Apenas encarei Samantha enquanto as lágrimas escorriam, agora totalmente silenciosas, pelo meu rosto. - Eu sabia que uma hora ele ia perceber que você é boa demais para ser verdade. Na próxima vez não vou nem precisar jogar vinho em você.
E então ela saiu, com seu guarda a seguindo, me deixando parada nos degraus da escada, com meu soldado atrás de mim. Será que era isso? Será que havia percebido que eu era uma mentira? Que ele acreditava que eu era capaz de dar muito mais para ele do que eu realmente era?
- Senhorita? - o soldado nortista chamou, incomodado de estar parado nos degraus. Ele estava certo, não precisava que ninguém mais me encontrasse ali.
- Desculpe. - disse baixo, antes de continuar a seguir até meu quarto.
Se Samantha estava certa eu não saberia dizer, mas percebi que não havia motivo para as lágrimas. Eu sempre fui muito clara com o príncipe sobre o que eu poderia oferecer para ele e sempre lhe dei a liberdade de mudar nosso acordo se fosse preciso. Então se havia percebido que o amor era mais importante que nosso acordo, eu estava bem com isso. Eu faria exatamente o que disse a ele, me casaria com o primeiro nobre que minha mãe escolhesse. Seria que precisaria lidar com Serena e com os sulistas, os quais me esqueceriam quando eu fosse mandada para casa. Seria ele que teria que negociar outra mulher no meu lugar, não eu.
A única coisa que eu teria que fazer, é explicar para minhas amigas que o futuro com o qual elas sonharam já era. Mas dependendo do nobre que minha mãe encontrasse eu poderia ajudá-las, tirá-las do castelo, talvez oferecer uma vida melhor como governantes da minha casa. Além disso, eu tinha certeza de que havia dito para as três que tudo poderia dar errado, que toda a ideia poderia sumir mais rápido do que surgiu, então não havia muito o que fazer. Serena tinha razão, eu podia simplesmente desistir de tudo.
***
Eu teria continuado em meu quarto lendo o último livro da rainha, já que o segundo eu havia finalizado, descobrindo que o final era exatamente como eu imaginava, quando Aurora e Anne bateram na porta.
- , como você está? - Anne perguntou, sentando em minha cama, depois que Elise abriu a porta para as duas e se retirou.
- Estou bem. - respondi, em dúvida de qual desculpa havia dado para os presentes no almoço depois do meu desaparecimento.
- Anne diz sabe sobre o almoço. - Aurora contou. - E que você e discutiram.
Ergui as sobrancelhas surpresa, em dúvida de como Aurora sabia.
- Todo mundo viu. Não dava para ouvir, mas a linguagem corporal era óbvia. - Aurora contou dando de ombros, pelo menos eles não haviam escutado. Mas o que importava? Provavelmente escolheria outra pessoa para assumir o cargo e todos seguiram bem. - Você tem certeza de que está bem?
- Sim. Nós não falamos nada demais. Conversamos sobre um assunto que já existe há algum tempo, nós apenas discordamos. - afirmei, torcendo para ser o suficiente. - Mas o que vocês duas vieram fazer aqui? Acredito que não estejam aqui apenas por isso.
A minha pergunta pareceu empolgar as duas, lembrando-as do principal motivo de terem ido me visitar. Eu estava grata por nenhuma delas perguntar demais, já que eu não tinha muita certeza do que havia acontecido entre mim e o príncipe e, sinceramente, não sabia o que iria acontecer depois.
- Viemos te convidar para ajudar na decoração da minha suíte. - Aurora contou empolgada. - Nós queríamos ver se você estava bem, não me entenda mal, mas...
Eu ri da sua preocupação.
- Eu estou bem, não foi nada demais. Amigos brigam às vezes. - eu disse, ignorando a expressão de descrença das duas quando chamei de "amigo". Eu sabia que elas queriam que fosse algo a mais, assim como o príncipe, mas não era possível. Era um sonho fantasioso. - E sobre o convite: eu adoraria.
- Então vamos logo, temos uma longa tarde pela frente. Os móveis já estão todos lá, agora falta a parte divertida. - Aurora disse ficando de pé no mesmo instante e já me oferecendo a mão para me ajudar a sair da cama.
Anne apenas ria da empolgação da nossa amiga, enquanto conversávamos sobre o tipo de decoração que Aurora queria em seus aposentos e do conforto que a cama precisava ter. Afinal aquele quarto seria o espaço dela por vários anos, pois ela e não tinham a pretensão de sair do castelo tão cedo. De acordo com o combinado com Serena, Aurora precisava ficar por perto.
Eu estava rindo com minhas amigas durante todo o caminho, mas nenhuma distração iria me impedir de ver entrando com Samantha em seu escritório, no mesmo corredor dos aposentos de Aurora. Apesar de Anne e Aurora entrarem no quarto sem ver o herdeiro, meus olhos se cruzaram com os de por um instante o suficiente para eu perceber sua expressão culpada. Entretanto, antes que ele pudesse ver minha reação ou demonstrar qualquer tipo de arrependimento, passei pela porta e a fechei atrás de mim. Se a amava, ele estava fazendo a escolha certa. Eu só não conseguia entender por que não me sentia feliz ao me livrar do fardo que a monarquia me traria.
- Você está bem? - Anne perguntou, parecendo perceber meu desconforto.
- Sim, apenas uma dor nas costas. - menti. Apesar de não querer esconder nada das minhas amigas, eu não estava pronta para conversar sobre o que havia acontecido entre mim e o príncipe.
- Sem desculpas para não trabalhar hoje, senhorita . - Aurora brincou rindo, dava para ver que estava mesmo empolgada com seu futuro quarto e, muito provavelmente, com sua vida ao lado de .
- Não se preocupe, estou aqui para servi-la. - falei junto com uma exagerada reverência, fazendo com que ela e Anne começassem a rir.
- Venha, deixe eu lhe mostrar tudo.
Assim que Aurora começou a me mostrar o lugar, eu percebi como aqueles aposentos eram grandes. A suíte de Aurora era três vezes os meus aposentos, sem contar com a pequena antessala que tinha na entrada e o escritório do outro lado.
- É enorme! - falei impressionada. O quarto já estava todo mobiliado, com uma gigante cama com dossel, mesinhas de canto, uma mesa um pouco maior, uma penteadeira e muitos armários, além de duas poltronas para leitura. A antessala contava com dois sofás, algumas poltronas e uma mesinha de centro, enquanto o escritório tinha uma mesa grande com cadeiras, poltronas e uma estante vazia que ocupava toda a parede.
Eu concordava que Aurora precisava muito dar seu toque pessoal aos aposentos, porque além da cama arrumada e cortinas grossas não havia nada ali.
- Eu preciso decorar tudo, mas já me sinto em casa.
Sorri para ela, feliz por minha amiga, mas incapaz de não pensar sobre o meu futuro: será que um dia eu me sentiria em casa no castelo? Demorei apenas alguns segundos para perceber que não importava mais, logo estaria indo embora a procura de outro lugar para viver. Enquanto Samantha assumia o fardo de lidar com a monarquia, os rebeldes nortistas e os sonhos do príncipe.
- Então vamos começar logo. - Anne mandou empolgada, seguindo com Aurora para o catálogo real e algumas revistas que ambas tinham separado.
Sentamos na grande mesa do escritório de Aurora e rapidamente começamos a ter ideias, descobri que gostava muito mais de arrumar quartos do que pessoas. Era extremamente divertido definir com Anne e Aurora a cor dos tapetes, quadros, cortinas e flores que seriam adicionados ao quarto. Além dos porta-retratos, pufes, almofadas, jogos de cama e tudo o que os costureiros do castelo podiam oferecer. Nas nossas mentes todos os espaços vazios começavam a encher.
Estávamos empolgadas, sem sentir o tempo passar, até que Aurora foi chamada para uma prova do vestido do Juramento à Bandeira. Pelo que parecia, todas as criadas estavam empolgadas com a ideia de ganhar e muito atarefadas com o prazo curto. Como não fazia sentido continuar sem a dona do quarto, Anne e eu decidimos seguir para nossos aposentos para descansar até o jantar.
Assim que cheguei ao quarto acompanhada de outro dos meus guardas, um dos que havia me carregado no dia do ataque sulista, encontrei com Meri limpando as coisas. Percebi que a ideia de não me deixar sozinha era mesmo real e, apesar de sentir falta de respirar um pouco, eu preferia muito mais a companhia de Meri do que alguma comunicação do Chefe.
Como eu não queria pensar em e no que havia acontecido no almoço e nem em Samantha e seu comentário na escada, decidi seguir para o livro. As páginas eram basicamente um relato sobre uma jovem que passou vários anos viajando entre províncias com outros colaboradores de uma organização beneficente fazendo caridade.
Parecido com um diário, a jovem contava não apenas sobre as províncias, mas sobre as pessoas que moravam lá e, principalmente, sobre as dificuldades que as castas menores enfrentavam. Já nos primeiros capítulos ela havia encontrado casos de frio em alguns lugares e calor extremo em outros, além de fome, sede e doenças de diferentes tipos, muitas das quais a medicina já tinha descoberto uma cura. Apesar de ser um livro pesado, eu estava realmente gostando de entender um pouco mais sobre todo o país, mesmo que ele não fosse mais parte direta do meu futuro. Havia muitas coisas ali que eu não fazia ideia e que nem mesmo o intensivo de Mariee teve tempo de nos ensinar. Só parei de ler o livro quando Meri me obrigou a me preparar para o jantar.
A mesma estava retocando a minha maquiagem quando escutamos a batida na porta, minha amiga pediu licença e foi verificar.
- Senhorita, parece que tiveram um problema com o vestido da senhorita e estão a chamando na sala de costura. - Drew disse para Meri, fazendo-a ficar instantaneamente nervosa.
- Mas eu não posso deixar a senhorita sozinha. - ela disse para o soldado, como se esquecesse por um segundo que eu estava ouvindo.
- Eu ficarei com ela, não se preocupe. - Drew disse, fazendo com que Meri olhasse para mim em busca de aprovação.
- Pode ir, eu termino por aqui. - disse, me referindo a maquiagem para o jantar.
- Muito obrigada, senhorita . Soldado. - e então ela saiu apressada, deixando eu e Drew sozinhos em meus aposentos, pelo menos o soldado teve o cuidado de deixar a porta aberta, preservando o mínimo das aparências.
- É mentira, não é?
- O príncipe realmente a expulsou? - Drew perguntou, ignorando completamente minha pergunta, mas respondendo mesmo assim. Claramente ele havia mentido para Meri para nos deixar a sós.
- Não sei.
- Como assim você não sabe? - ele disse se aproximando. Eu, por minha vez, peguei o pincel do blush e continuei o trabalho de Meri, tentando parecer o mais indiferente possível.
- Nós apenas discutimos. Não posso afirmar nada. - tentei de novo.
- Sabe o que significa se ele te expulsar, não sabe?
- Significa que eu terei que aceitar o casamento que minha mãe escolher para mim. Isso se ela já não tiver um candidato na manga. - falei, olhando para Drew pela primeira vez.
- Eu posso me candidatar.
- Achei que queria ser soldado.
- …
- Não tente. Você está se iludindo. - disse grossa, incapaz de encará-lo mesmo pelo espelho. - Eu sou uma Selecionada agora, faço parte da Elite… Acha mesmo que minha mãe vai aceitar que eu me case com você? Você é um soldado, Drew. Mesmo que agora seja um Dois, ainda assim não tem o prestígio que minha mãe quer.
Aquilo doeu. Conseguia ver a ferida se formando dentro de Drew, conseguia vê-lo lutando para processar minhas palavras.
- Você poderia pedir.
- Eu poderia, mas não funcionaria. Eu não tenho mais um futuro desejável, Drew. Eu não tenho mais salvação. Minha mãe jamais vai deixar eu escolher meu marido.
- A menos que ele seja o futuro rei.
- Por que você se importa? Está ocupado demais tentando morrer. - falei, ficando de pé para encará-lo. Drew estava há poucos passos de mim, mas eu conseguia sentir sua raiva. - Estar aqui é perigoso, Drew. Estar perto de mim é perigoso.
Como se provasse que eu estava certa, escutamos passos no corredor. Senti meu coração acelerar na hora, mas Drew estava calmo, ele apenas arrumou a postura, enquanto eu voltei para o espelho, a tempo de nos encontrar assim quando chegou na porta.
- O que está acontecendo aqui? - ele perguntou, olhando para mim e para Drew diversas vezes.
- Cleo teve um problema com o vestido e precisou de reforços. - falei, ficando de pé, sentindo minhas mãos levemente trêmulas.
- Alteza. - Drew disse, fazendo uma leve reverência. - Acredito que a senhorita não precise mais de mim, com licença. - e então ele seguiu para a saída. Eu sabia que as palavras de Drew tinham um duplo significado, assim como as minhas tiveram antes. Drew não estava seguro perto de mim não apenas por causa do Chefe, mas devido aos seus sentimentos conflitantes. Meu amigo estava certo, eu poderia pedir para minha mãe. Eu havia chego mais longe na Seleção que qualquer um de nossa família, talvez isso bastasse.
- Obrigado, soldado. - disse, propositalmente reforçando o título de Drew. Meu amigo olhou para mim, seus olhos dizendo tudo o que sua boca não podia, ele ainda tinha esperança, ele ainda achava que poderia me convencer, ainda mais porque estava óbvio que estava ali para me expulsar. Aquilo doía. Drew era um amigo incrível e, pelo que eu via, havia se tornado um homem admirável, mas eu não podia estragar ainda mais sua vida, não podia jogar nele tudo o que eu estava vivendo. E se Serena estivesse certa? E se o Chefe fosse atrás de mim mesmo sem o título como opção? Drew era um Dois agora, poderia casar com mulheres ótimas, não precisava mais de mim.
- Boa noite, . - disse cauteloso, fazendo-me tirar os olhos da porta pela qual Drew saiu e olhar para ele.
- Boa noite, Alteza. - eu disse, com dúvida do que deveria fazer, então apenas me curvei levemente.
Eu definitivamente não sabia dizer em que patamar minha relação com estava e nem como eu me sentia em relação a isso. Não tinha certeza se estava conformada com o futuro que eu teria ou se estava com raiva do príncipe por não ter me ouvido, afinal eu tinha sido muito clara sobre minha realidade. Se o sonho dele era tão importante assim e seus sentimentos por Samantha eram reais, por que ele havia me feito passar por tanta coisa?
Ao mesmo tempo que eu me sentia pronta para qualquer destino, ficava me perguntando se não poderia encontrar algo muito pior me esperando fora dos muros do castelo. Além disso, será que eu estava pronta para fracassar? Apesar de eu saber que jamais poderia dar o tipo de relacionamento que queria, será que as pessoas à minha volta, as quais eu prometi diferentes coisas, aceitariam isso como uma desculpa? Será que sem o príncipe, Drew conseguiria me entender porque eu não podia me casar com ele?
- O jantar no Salão de Refeições foi cancelado. - ele disse assim que voltei a encará-lo, parecendo perceber que eu estava pronta para ir jantar.
- Ah, tudo bem. Eu…
- Gostaria que jantasse comigo. - ele simplesmente cuspiu as palavras, como se estivesse em dúvida se deveria dizê-las de verdade.
Olhei para ele surpresa, incapaz de esconder meu choque. Achava que estava cancelando a minha ida ao jantar para não precisar explicar para sua família o que havia acontecido entre nós, não para me expulsar em um jantar a dois.
- Você aceita? - ele precisou perguntar, pois eu estava perdida demais tentando entender tudo para respondê-lo de prontidão.
- Eu… Tudo bem. - afinal, eu não tinha mesmo escolha, não é? Eu era uma propriedade do príncipe enquanto estava ali.
- Espero que não se importe, mas eu reservei o terraço.
- Não, sem problemas. - dei de ombros, aceitando seu convite para seguirmos em direção ao terraço. Era engraçado o príncipe querer me expulsar no mesmo lugar em que me contou sobre a verdade dos seus sonhos, sobre o mesmo lugar que estávamos horas antes e que tudo pareceu desmoronar.
Seguimos em silêncio escadas acima, com o líder dos meus soldados e amigo de ao nosso encalço. Me fazendo perguntar como Drew conseguiu fazer a troca tão rapidamente, ou se ele havia invadido a ronda do colega. Entretanto, não importava mais, agora eu só precisava lidar com o príncipe e me arrumar para ir embora.
Era estranho a tensão que tinha entre nós, as dúvidas e palavras não ditas que deixavam o ar pesado. Chegamos no terraço sem falar absolutamente nada um para o outro, nem a maravilhosa vista lá de cima foi o suficiente para um assunto entre nós.
- Por favor. - ele disse, quando puxou a cadeira para que eu sentasse na única mesa arrumada dali.
- Obrigada. - falei, vendo-o contornar a mesa para sentar à minha frente, aproveitando e servindo, ele mesmo, o vinho em nossas taças. Percebi, naquele momento, que não havia mais ninguém ali, nem para nos servir as bebidas.
- Eu que agradeço por ter aceitado o convite. - ele disse indecifrável, era como se eu conseguisse ver o príncipe tomando cuidado a cada movimento que fazia, como se ele tivesse medo de que eu fosse surtar com ele, como ele fez comigo.
- Eu só não sei por que você me chamou até aqui para confirmar o que já me disse, . Eu entendo seus motivos, não se preocupe comigo. - falei, tentando soar o mais calma que podia. Ele precisava entender que eu aceitaria meu novo destino, aceitaria retirar o rastreador e seguir minha vida.
O príncipe me olhou de forma engraçada, era como se ele não gostasse do que eu falava, mas ao mesmo tempo não parecia surpreso por estar ouvindo. Talvez ele não estivesse com medo da minha reação no fim das contas.
- Você acha que eu quero acabar com o nosso acordo, não acha?
- Você não quer? - percebi que a única pessoa surpresa era eu.
- Não, eu não quero.
- Então eu não estou entendendo.
suspirou.
- O que eu te disse é a verdade. Não vou mais fingir que não é, . Mas nós estamos presos um ao outro e eu sei que você sabe disso. E mesmo se eu gostasse de outra garota, algo que não é verdade, achei que você soubesse que eu não sou o tipo de homem que se rende aos caprichos.
- Mas você deveria. Não acho que amor seja um capricho no seu caso.
- Mas no seu caso, você acha que é. - ele afirmou, sabia como eu pensava. - Eu quero ter o que meu irmão e meus pais têm, mas não acho que exista outra pessoa que possa me proporcionar isso.
- O que quer dizer?
me olhou de verdade por um instante. Era como se ele não soubesse como eu reagiria às suas próximas palavras e estava em dúvida se deveria dizê-las. Por um segundo achei que o príncipe me diria que esperava que eu pudesse lhe proporcionar o casamento que desejava, mas eu não conseguia. O tipo de sentimento que e Aurora tinham, eu jamais havia sentido por alguém.
- ?
Ele negou com a cabeça, afastando qualquer pensamento que pudesse ter tido ali.
- No meu caso também é um capricho, . Eu preciso e quero colocar as necessidades do meu povo acima das minhas. - ele disse derrotado. - Me desculpe ter agido com você daquela forma no almoço, mas ouvir o que eu significo para você é um pouco… Difícil.
- Eu sempre fui sincera com você quanto a isso.
- Eu sei, você tem razão.
- Mas ao mesmo tempo eu entendo você ter dito tudo o que disse. - respirei fundo antes de continuar. - Eu quero me desculpar por ter saído daquela forma… Eu sempre te dei a liberdade para tomar a melhor decisão para você e isso não mudou, se você quiser escolher Samantha, eu tiro o rastreador e fingimos que nada aconteceu.
negou com a cabeça, sorrindo de forma discreta.
- Eu segui você.
- Como?
- Depois que saiu do terraço, eu fui atrás de você. Preciso admitir que fiquei parado por alguns segundos confuso, mas eu fui atrás de você e então ouvi Samantha.
- Ela acha que você me expulsou.
- Pelo jeito, você também achava. - esperou alguma reação minha, mas não havia muito o que dizer. Eu cheguei a pensar mesmo que me mandaria para casa junto com Anne após o Juramento da Bandeira. - Mas não foi só isso que eu ouvi. Escutei Samantha admitindo que derramou o vinho propositalmente em você naquele dia.
- Ah. - eu nem lembrava que ela havia admitido isso.
- Você sabia, não é?
- Digamos que combina bem com Samantha esse tipo de atitude.
- Por que não me contou?
- Eu não tinha como provar, por que contaria?
- Mesmo que eu não pudesse fazer nada, eu acreditaria em você.
Olhei para claramente duvidando de sua afirmação. Eu sabia que o príncipe gostava de Samantha, mesmo que fosse apenas uma leve afeição, ela estava ali e eu não seria a pessoa que colocaria isso em prova.
- O que você falou para ela?
- Disse que não iria fazer nada porque você não havia relatado o ocorrido daquela forma, mas que se ela fizesse algo do gênero novamente, com qualquer Selecionada, iria para casa no mesmo instante.
Quis revirar os olhos, mas apenas concordei. havia escutado da boca de Samantha o que ela havia feito comigo e a mesma não ganhou nada além de uma conversa. Tinha certeza de que duvidaria de mim se eu tivesse contado minhas suspeitas sobre ela.
- Depois do Juramento ela irá embora.
Aquilo já era um pouco mais surpreendente.
- Você não precisa eliminá-la só por minha causa.
ia responder, mas fomos interrompidos por garçons trazendo o jantar. Após a distração, o príncipe estrategicamente mudou de assunto, preferindo falar sobre a manhã seguinte ao invés de Samantha.
- Você está ansiosa para a chegada de sua família?
- Eu diria que estou mais nervosa do que ansiosa. - ri. - Você não tem ideia de como minha mãe pode ser intensa.
- Eu estou empolgado para conhecê-los. A família que irá ganhar a Seleção, você sabe que você acabará com a tradição, não sabe?
- Sei, pelo menos para as próximas gerações. Fico imaginando como minha mãe vai lidar com isso, quando acontecer.
- , você sabe que precisa contar para eles amanhã, certo? Não pode esperar. Não seria seguro.
Olhei para , vendo-o beber mais um gole do vinho entre as mordidas. Ele estava certo. Apesar de ele ter me garantido que faria o máximo para proteger as pessoas que eu amava, eu não podia correr o risco de deixar minha família no escuro.
- Eles irão perguntar de qualquer maneira. Acredito que os guardas devem estar incomodando. - falei, lembrando da desculpa que havia dado para minha irmã após o ataque sulista.
- E a você? Os guardas estão te incomodando?
- Não mais do que o esperado. - admiti. Tirando Drew, eu conseguia ignorar a existência deles na maioria das vezes. - E você?
- Eu?
- Sim. Acha que vamos falar apenas sobre mim?
Ele riu.
- O que você quer saber?
- Qualquer coisa. Você vai voltar a viajar? Seu pai ainda fala muito sobre a guerra? Temos alguma atualização? Alguma previsão?
E então percebeu do que minhas perguntas se tratavam, não era apenas sobre ele, mas sobre nós. Eu lembrava do que ele tinha dito no almoço, de que talvez nós tivéssemos que nos casar antes da guerra. O que significava que meu tempo dependia da organização do rei.
- Depois do Juramento à Bandeira irei para Ílea com meu pai. Eles já estão nos esperando, ansiosos para ver o que temos a oferecer. Meu pai e os assessores estão tramando estratégias, não apenas de aliados, mas de formas de agir com os combates. - ele disse, deixando o resto entre linhas. Assim que o rei e seus assessores definissem tudo com Ílea, seria a nossa vez.
- E o que vocês têm a oferecer?
- Para Ílea?
- Sim.
- Nosso principal trunfo sempre foi o casamento de , mas como você já sabe, não é mais uma opção.
- Vocês usaram com os nortistas, ainda foi um trunfo.
- Foi o que falamos para meus pais. - disse, rindo um pouco. - Mas agora temos apenas terras e dinheiro para oferecer.
- Mas os Ileanos sabem disso, afinal todos viram o anúncio de .
- Sim, eles sabem. - concordou. - Mas ainda tem o meu casamento.
- Você acha que eles podem pedir para você se casar com alguém de lá?
riu.
- Você quer mesmo evitar nosso casamento a qualquer custa, não é? - apesar da risada, eu sabia que aquilo o deixava chateado.
- Não é isso. Eu só estou tentando entender. Apesar de ter aprendido bastante sobre política, nunca sobre trunfos de guerra.
- Eles podem querer alguma coisa em troca do apoio. Algum discurso. Algum assessor… Nosso casamento também significa um novo rei e isso dá bastante coisas para discutir. Mas eles conhecem as leis e tradições de Ynter, o meu casamento não é uma opção, seria até ofensivo.
- Entendo. Então quando for, só não prometa algo absurdo, como o nosso primogênito em troca de algumas tropas. - falei, lembrando de um conto antigo onde uma moça troca seu primeiro filho com um duende para se tornar rainha.
A lembrança da história faz rir.
- Não se preocupe.
- E os ataques às vilas? - lembrei, aproveitando para guiar o assunto. Ainda havia coisas sobre o almoço que não queria discutir.
- Reduziram consideravelmente.
- Alguma ideia do motivo?
- Eu e Serena temos nossas opiniões.
- Pode me contar?
- Eu acho que eles estão se organizando para algo maior. Talvez estejam estranhando a calma nortista… Já Serena acha que o Chefe está fazendo por você.
- Isso não faz nenhum sentido, o Chefe sabe que esse tipo de informação é confidencial e que eu jamais teria acesso.
- Sim. Mas Serena espalhou um boato dizendo que os ataques nortistas acabaram porque eles têm um aliado no castelo. Se isso chegou ao ouvido dos sulistas, eles sabem que é você e então, na opinião de Serena, ele quer oferecer mais.
- Que ótimo. - falei irônica, eu, com toda a certeza, não queria estar mais envolvida com os rebeldes.
- Pelo menos é bom, as pessoas estão mais seguras. - ele tentou amenizar.
Olhei para , me sentindo envergonhada por pensar só em mim. Não importava qual era o motivo do Chefe, o fim dos ataques era mesmo uma conquista, mesmo que no fundo eu sentisse arrepios com qualquer tipo de sentimento vindo do sulista.
- Desculpe, você tem razão.
- , ele jamais vai tocar em você. - o príncipe me garantiu, de repente toda a brincadeira e descontração haviam sumido. falava sério. - Você sabe disso, não sabe?
Eu não sabia. Mesmo com a minha segurança praticamente triplicada com a descoberta das possíveis intenções do Chefe, eu não conseguia me sentir segura o suficiente. Eu sabia que aquele homem seria capaz de matar para conseguir o que queria, ainda mais em uma guerra.
- Eu sei. - menti.
Ele concordou. Voltando sua atenção para o jantar e nos deixando em silêncio por alguns segundos. Respirei fundo, tentando absorver todas as informações que tinha recebido. não iria me mandar embora, afinal, ele estava decidido a viver como eu, decidido a ter um casamento sem amor. E apesar de entender isso, eu não conseguia tirar da mente o que ele me disse naquele mesmo terraço durante o almoço. Será que eu era a escolha certa para o príncipe?
- No que você está pensando? - ele perguntou, parecendo rir da minha cara de espanto.
- No que você me disse no almoço. - admiti. Mesmo não querendo falar sobre aquilo, sabia que aquela era a hora. Eu não podia decidir o que eu faria, se eu não soubesse as pretensões do príncipe.
- Eu sinto muito, . Não apenas pelo que eu disse, mas a forma com que eu disse. A culpa não é sua. Eu sei que você sempre foi clara comigo, eu só pensei que… - ele suspirou. - Eu não sei o que eu pensei.
- Será que não a culpa é minha mesmo? Será que se eu tivesse me recusado a entrar na Seleção você estaria preso a mim?
- Eu estaria preso aos nortistas de qualquer forma. Talvez eu estivesse preso a senhorita Aurora, imagina que fim eu teria nessa situação? Que fim meu irmão e até a senhorita Aurora teriam? - não esperou eu responder. - Eu estou feliz por ser você minha opção, . E espero que um dia você possa ficar feliz por eu ser a sua.
Pisquei algumas vezes, lembrando das diversas vezes que havia dito que faria o máximo para me fazer feliz em nosso futuro.
- Eu gosto do castelo. - admiti, deixando-o confuso. - Você disse que queria uma esposa que gostasse do castelo e eu gosto. Eu estava triste por ir embora daqui, quando achei que você ia me expulsar. - expliquei. Eu não percebia antes, mas a verdade era que o futuro que me oferecia parecia bem melhor do que eu tinha imaginado.
- Fico feliz. - ele falou sincero.
- E eu entendo o privilégio do cargo que você está me dando, mas eu tenho medo de ser demais. - falei, referindo-me mais uma vez do que ele havia dito no almoço. - Não me entenda mal, , eu sei o valor que ser a futura princesa tem, eu só não sei se consigo dar conta. Mas eu vou te apoiar, eu sei que esse será meu papel. E mesmo que nosso futuro seja apenas estratégico, eu vou te apoiar. Talvez não do jeito que você sonha, mas prometo que farei o máximo para estar ao seu lado. Farei o máximo para ser uma boa princesa e depois rainha. Eu vou cuidar do castelo, das pessoas, das festas e de você. Eu sei que não é exatamente o seu sonho e que talvez todo o esforço do mundo não seja o suficiente, mas eu não quero que você ache que eu não vou me esforçar, porque eu vou.
olhou para mim por um instante. Nossos olhos se cruzaram e ficamos em silêncio por um momento, era como se tudo tivesse parado para ouvir minhas palavras. O príncipe parecia surpreso, processando tudo aos poucos, enquanto eu só o deixava pensar. Eu sentia meu coração batendo rápido, surpreso com tudo o que eu tinha deixado escapar. parecia achar que eu seria uma princesa apenas de faixada, que eu deixaria as responsabilidades de lado e que eu não valorizaria as pessoas do castelo, os nobres ou o reino. Mas eu jamais faria isso. Quando aceitei o acordo de Serena, aceitei sabendo o que significava para o meu país. E eu jamais seria capaz de abandonar uma responsabilidade tão grande, mesmo não a querendo.
- Obrigado. - ele disse, segurando minha mão por cima da mesa, fazendo um choque percorrer todo o meu corpo com o ato. Suspirei. - Eu não sei mais o que dizer além de: obrigado.
Eu sorri. Aquilo era o suficiente.
- Não se preocupe com isso.
Minha declaração foi o suficiente para qualquer tensão entre nós desaparecer, deixando o resto da noite extremamente agradável. Aproveitei para contar para o príncipe tudo o que podia sobre minha família, afinal, logo o príncipe teria que lidar com eles. Paramos de conversar apenas quando percebemos que estávamos passando do horário e teríamos um grande dia em algumas horas.
- Está quase perfeito. - Susane disse, segurando de leve os poucos centímetros de tecido extra em minha cintura, eu claramente havia perdido um pouco de peso desde que tiraram minhas medidas.
- É maravilhoso! - eu estava deslumbrada. O vestido era mesmo incrível, muito mais bonito do que sua versão em desenho. Eu me sentia tão bem nele, que quase conseguia esquecer completamente a tarde do dia anterior, quando chorei copiosamente abraçada a Meri. Afinal vestida nele, eu parecia outra pessoa ou, pelo menos, me sentia outra pessoa. Seu tom de azul era diferente de tudo o que eu já havia usado. A cor combinava perfeitamente com o tom do meu cabelo, o que, misturado com a sensação de flutuar em uma nuvem, causada pela saia rodada de tule, me dava a certeza de que eu estava bonita. O decote com duas alças finas era discreto, ideal para uma cerimônia séria, deixando toda a atenção para a fenda, uma novidade nos meus vestidos. A abertura que seguia até um pouco acima do meu joelho era quase imperceptível quando eu estava parada, mas eu sabia que daria um toque chique e ousado quando eu caminhasse pelo corredor da capela. Exatamente o que Susane e minhas amigas queriam: elegância e um toque a mais.
- Você está mesmo linda, . - Meri garantiu, tentando segurar a empolgação e se manter plena. Eu estava orgulhosa dela, dava para ver que ela estava se esforçando para parecer mais com uma dama de companhia a cada dia. Além disso, de alguma forma, percebi que Meri sabia mais sobre mim do que deixava transparecer.
- E ainda faltam os bordados. - Cleo contou, parecendo animada para o resultado final, lembrando-me que o croqui feito com a senhora Lemma contava com bordados em toda a extensão do tecido, o que ficaria divino e muito diferente do tecido liso do momento.
- Vai dar tempo?
- Sim. Eu consigo arrumar esse tecido extra - ela disse, se referindo ao corpete - e fazer os bordados em três dias, com folga.
Concordei com a cabeça, respirando fundo. Tínhamos três dias. Em três dias eu estaria em frente às câmeras, ao vivo, com a chance de os sulistas estragarem tudo. O Chefe não havia dado mais nenhum sinal de vida, com exceção do buquê, o que me deixava preocupada, mas ao mesmo tempo com uma leve esperança de que ele deixaria o evento passar sem nenhum acontecimento.
- Agora precisamos decidir acessórios, maquiagem e cabelo. - Susane disse, partindo em direção às gavetas atrás das minhas joias.
- Deixo você decidir. - falei fazendo todas rirem, deixando claro, mesmo sem intenção, que não estava animada para a escolha.
Depois de quase duas horas, Susane Lemma e meu trio de futuras damas de companhia haviam escolhido meu look completo. Desde a cor da sombra, até o penteado e as joias reais que eu usaria, tudo estava decidido. Havíamos testado diversas combinações até chegarmos na ideal.
- Obrigada por tudo, senhora Lemma. - agradeci, vendo Susane sair orgulhosa dos meus aposentos, enquanto Cleo e Meri seguiam para os bordados do vestido e Elise terminava de arrumar a bagunça que havíamos feito.
Assim que me vi sozinha com Elise, deitei na cama cansada. Como uma prova de vestidos podia ser tão demorada? Eu estava acostumada a provar vestidos, mas o que fazíamos em casa não chegava nem perto das preparações e testes de Susane, ela simplesmente queria ver tudo e pensar em praticamente todas as possibilidades.
- O que você achou do vestido? - Elise perguntou, arrumando cada um dos colares em seu lugar, inclusive o escolhido.
- É incrível, mais incrível do que o desenho. Vocês se superaram.
- Cleo fez a maior parte, como você já deve ter percebido, ela ama fazer isso, de verdade. Se ela pudesse, tenho certeza de que seria uma grande estilista.
- Queria que ela pudesse ser.
- Tenho certeza que ser dama de companhia da princesa é uma honra ainda maior, senhorita. - Elise disse e eu até concordava com ela. A posição tinha mais prestígio, mas duvidava que Cleo gostasse mais de prestígio do que de seguir seu sonho.
- Acho que sim.
Antes que Elise pudesse continuar, fomos interrompidas por uma batida, o que a fez sorrir cúmplice antes de caminhar até a porta. Elise parecia mesmo feliz pela oportunidade que ela e suas amigas estavam tendo, o que me deixava muito grata, mas eu ainda queria poder fazer mais.
- Alteza. - Elise fez uma bela reverência, abrindo um pouco mais a porta, revelando o príncipe herdeiro com um sorriso sincero.
- Bom dia. - ele disse para Elise, antes de olhar em minha direção, sorrindo ainda mais quando me viu levantar da cama e caminhar em sua direção.
- , bom dia. - disse, me aproximando da porta, fazendo com que Elise simplesmente saísse em direção ao banheiro, enquanto entrava em meus aposentos, deixando a porta levemente aberta atrás de si.
- , bom dia. Você está maravilhosa. - ele disse sorridente.
- Obrigada. Tivemos a prova do vestido do Juramento à Bandeira hoje, então testamos algumas coisas. - falei, me referindo ao cabelo levemente encaracolado que tinha preso em um rabo alto e a maquiagem um pouco mais marcada, apesar de não ser exatamente a que eu usaria no dia.
- Estou ansioso para ver o vestido ganhador, boatos que será o seu. - ele disse, rindo assim que demonstrei surpresa. Eu jamais acharia que o príncipe saberia desse tipo de coisa. - O que foi? Eu sei do que acontece na minha Seleção.
- Estou impressionada.
- Fico feliz. Não é sempre que consigo impressionar você.
- Não sei se eu diria isso. - disse, sorrindo de leve, dando a entender que o príncipe já havia me impressionado algumas vezes antes. Mas, na realidade, eu não me lembrava de nenhuma. não era exatamente previsível, mas nas vezes que eu ficava surpresa com ele, não eram necessariamente boas.
- Você gostaria de dar uma volta pelo jardim?
- Claro, seria ótimo. - aceitei, esperando que Elise estivesse me ouvindo sair, para não ficar preocupada. Como eu estava pronta, apenas aceitei o braço de enquanto saímos e meu guarda da vez fechava a porta atrás de nós.
Drew não era mais meu guarda naquela manhã, e sim o outro nortista, o qual me cumprimentou apenas com um aceno de cabeça, antes de caminhar bem afastado atrás de mim e . Ele era o mais velho dos meus guardas, mas ao mesmo tempo parecia o menos experiente no assunto, ou, no mínimo, o mais incomodado com a presença do futuro rei.
- E então? Como você está? Falou com seu amigo? - também pareceu perceber o sumiço de Drew.
- Por quê? Ele disse algo?
- Não. Mas minha mãe comentou que você teve que sair ontem à tarde durante a prova do buffet.
- Eu… Me desculpe por isso. - falei, incapaz de achar uma justificativa cabível para o que eu havia feito.
- Tudo bem. Minha mãe ainda acha que você estava se sentindo mal. Mas você foi falar com ele, não foi?
- Fui. Mas como todos imaginavam, não funcionou. - percebi que a alegria de ver meu vestido havia sumido completamente ao lembrar de Drew e da idiotice que ele estava fazendo. Mesmo passando boa parte da noite tentando entender meu amigo, eu ainda não conseguia aceitar o porquê de ele estar escolhendo aquela vida.
- Você precisa de segurança, . - disse calmo, percebendo minha irritação e tentando explicar o inexplicável. Não havia motivo algum que tornasse certo Drew Samek estar ali.
- Você está certo. Mas minha família e meus amigos também, . Eu não estou disposta a me proteger a custas deles. Eu jamais vou me escolher quando a outra opção for eles. Você entende? - falei baixo. Eu tinha que cuidar muito com o que eu diria na frente do meu guarda nortista, que apesar de distante, podia ouvir nossa conversa com um pouco de esforço.
- Sim, mas…
- Não. - falei interrompendo-o, fazendo-nos parar no meio da escada, a diferença dos degraus facilitando o contato visual. - Me desculpe, Alteza. Mas você precisa entender de verdade isso. Se pretende que eu me torne princesa, precisa entender que eu não vou admitir perder alguém que eu amo no processo. Isso seria demais. - sussurrei, apesar de saber que o único perto de nós era o nortista.
- Você não vai.
- Você não pode garantir isso, muito menos com Drew.
- Tem razão. Eu não posso. Mas se eu puder evitar de alguma forma, eu te prometo que irei.
- Você pode. - falei firme. - Pode expulsar Drew e mantê-lo em segurança longe daqui, longe do Chefe e da guerra. - tentei, mas sabia que era inútil.
- Você sabe que eu não posso fazer isso.
- Eu sei que você não quer, o que é diferente de não poder. - disse, voltando a seguir para o jardim.
- …
- Não, tudo bem. Eu já entendi que você não fará nada a respeito, mas quando eu falo de proteger minha família eu falo sério e isso inclui Drew e minhas criadas.
- Alguém mais? - ele perguntou rindo, tentando descontrair.
- Você. Se você morrer e me deixar com o trono, acredite, eu vou achar uma forma de acabar com você no além. - falei, entrando na brincadeira. Eu precisava parar de tentar convencer a expulsar Drew, afinal não adiantaria convencer o príncipe sem convencer meu amigo, se não ele apenas acharia outra forma de ficar em perigo.
riu. Ele riu de verdade, me fazendo rir também.
- Estou confuso… - ele disse, ainda rindo. - Isso foi um elogio ou um insulto?
- Foi a verdade. E eu estou falando sério. - eu disse, mas não estava séria, na verdade, a risada de era contagiante, ainda mais quando misturada com a brisa do jardim. - Mas se você quer um elogio, aqui vai: você parece bem mais feliz com seus primos aqui.
- Eu estou, eles me permitem esquecer um pouco tudo o que está acontecendo.
- Eu queria que minha família fizesse isso comigo. - falei, rindo levemente. - Eu os amo, mas…
- Você acha que vai mudar algo agora que você conseguiu?
- Eu não sei. Acho que sim, mas ao mesmo tempo, não vou ver muito eles, não é? Minha família não pode morar aqui em meio a uma guerra, então…
- Você gostaria? - perguntou, meio surpreso. - Que sua família morasse aqui no castelo?
- Na verdade, não. - falei, rindo fraco. - Mas ao mesmo tempo, acho que minha mãe seria bastante útil em algumas coisas. Porém, sendo sincera, espero que a sua mãe me ajude em tudo.
- Ela vai, . Minha mãe está ansiosa para esse momento, inclusive. Acho que ela se sente um pouco sozinha depois que eu e crescemos, nossas tarefas não são mais as mesmas. Mas com você será diferente.
- Eu acho que sua mãe será uma mentora melhor do que a minha, então…
- , o quanto você gosta de surpresas? - perguntou, parecendo não se importar em cortar o assunto.
- Como assim?
- Considerando que um dia serei seu marido, acho que é uma pergunta bem relevante. - ele disse, claramente brincando comigo.
Olhei para ele em desaprovação, mas não consegui evitar rir de , talvez ele estivesse certo. No fundo, eu sabia muito pouco sobre o homem com quem iria me casar.
- Acho que não. Eu prefiro saber das coisas e me preparar para elas.
- Faz sentido. - o príncipe disse, parecendo fazer uma nota mental da sua nova descoberta sobre mim. - Então preciso te contar algo. Seria uma surpresa, mas…
- Pode contar.
- Você precisa manter segredo.
- Pode deixar, sou boa nisso.
- Eu sei que sim. - ele disse, parecendo um pouco chateado por me fazer guardar tantos segredos na vida.
- Então me conte logo. - já estava ficando ansiosa com a demora de . Talvez eu não gostasse nem um pouco de surpresas.
- As famílias das Selecionadas chegarão para o Juramento amanhã de manhã. Achei que seria bom um tempo para matar a saudade.
- Minha família está vindo?
- Sim. Todos eles. - o príncipe me encarava desconfiado. - Isso é bom, não é?
- É sim. - falei, mas eu estava em dúvida se era totalmente verdade. Será que eu queria lidar com a senhora andando pelo castelo? Dela torcendo para a filha ganhar? Não estava pronta para incluir minha mãe nas pessoas com as quais eu teria que lidar naquela Seleção. - Eu agradeço que tenha me contado, eu com certeza vou precisar me preparar.
- Não se preocupe, eu vou estar aqui para ajudar você. - ele disse, sorrindo como se fosse muito. - Agora… Antes de lidar com a sua família, o que acha que lidar com a minha? - olhei para confusa. - Nós vamos almoçar no terraço, Aurora também irá… O que você acha de se juntar a nós?
- Seus tios sabem sobre nosso acordo?
- Sim. Todos sabem, desde que chegaram aqui. Por quê?
- Não sei, achei que era mais confidencial.
- É bastante confidencial, mas na realidade as pessoas já sabem que eu tenho uma escolhida, não lembra? Saíram notícias informando a Selecionada vencedora mais de uma vez, com diferentes mulheres. Então mesmo que alguém vaze a informação, só será oficial quando vier de mim.
Concordei com a cabeça, em dúvida do que poderia responder neste caso. Eu entendia , sabia que a fofoca corria solta e que o único canal oficial era realmente a palavra do príncipe herdeiro, dono da Seleção, mas ao mesmo tempo a lista de pessoas que sabiam sobre nosso acordo estava cada vez maior. E manter um segredo com tantas pessoas sabendo era incrivelmente difícil.
- E então? O que acha de um almoço no terraço?
- Acho que podemos ir. - sorri para o príncipe, respondendo para ele exatamente o que estava esperando.
- Ótimo! - o futuro rei não se preocupou em esconder a empolgação. Me guiando de volta ao castelo. Respirei fundo enquanto subíamos as escadas para o terceiro andar. Era isso, eu teria um almoço com a minha futura família.
Assim que chegamos no terraço descobri que eu e éramos os últimos a chegar, o que significava que a família real e seus convidados já estavam confortavelmente distribuídos pelo espaço esperando a hora de sentar na enorme mesa, a qual não estava ali na última vez que estive.
- Pronta? - perguntou, me vendo assentir antes de seguir comigo para seus pais. O rei e a rainha estavam sentados junto com a princesa Mikaelly e o príncipe, agora herdeiro, Kalel, cada um com um copo de bebida na mão.
- Majestades, Altezas. - cumprimentei o grupo com uma bela reverência, agradecendo por nenhum deles se levantar para me cumprimentar, deixava a situação menos constrangedora e formal.
- Fico feliz que tenha se unido a nós, senhorita . - o rei falou, dando um sorriso discreto, sem perder a pose de soberano. Os demais apenas concordaram, cumprimentando-me com sorrisos e acenos.
- Obrigada pelo convite, Majestades. - agradeci, enquanto pedia licença para nos levar ao outro grupo. Seus primos, e Aurora, estavam sentados de forma menos formal em torno de uma mesinha pequena, onde estavam apoiados os copos. Kai, o caçula, brincava no chão em cima de uma toalha de piquenique com lego, enquanto os demais pareciam largados em suas cadeiras.
- , você veio! - foi o primeiro a me notar, ficando de pé e já oferecendo sua cadeira para mim, enquanto pegava novos assentos. Aceitei, fazendo todos os homens, exceto Kai, se levantarem quando me uni a eles na roda.
- Bom dia a todos.
Os cumprimentos foram diversos, mas nada foi tão acolhedor quanto o garçom me trazendo um copo do drink que eles tomavam. Bebi três longos goles, precisava daquilo.
- Que delícia. - falei ao terminar de beber, percebendo que era algo que eu não conhecia antes.
- É de Kouris, se chama Conhaque. É feito com nossas frutas da estação, então não é sempre que tem em Ynter. - Kaleb falou parecendo orgulhoso, claramente vangloriando-se de seu país.
- Com “nem sempre”, ele quer dizer “nunca”. - Kaleo brincou, também querendo mostrar a superioridade do seu povo.
- Eles estão certos. - disse, olhando para mim, enquanto sentava ao meu lado na cadeira que havia trazido para si. - No quesito bebidas, Kouris é mesmo incrível.
- Nas bebidas, nos jogos, nas festas… - Kaleb provocou.
- Agora nos costumes e tradições, ganhamos de longe. - defendeu-se.
- E na educação. - acrescentou, recebendo o revirar de olhos dos primos.
- Você só diz isso porque nasceu para ser rei. - Kael defendeu-se. - Eu nasci para ser o príncipe depois do príncipe que vem depois do príncipe. - ele brincou, já que realmente, antes da iminente morte do tio, os gêmeos estavam bem longe da linha do trono.
- Mas logo você será como eu. - disse, referindo-se ao cargo de irmão mais novo do príncipe herdeiro, o segundo na linhagem do trono, enquanto o filho mais velho não cria sua própria linhagem. - Então precisa aprender a se comportar.
- Vocês não tiveram treinamento? - perguntei espantada. Como era possível com uma mãe como a princesa Mikaelly? Até eu tive treinamento.
- Mais ou menos, o básico para lidar com a nobreza, afinal sempre somos convidados para os eventos reais. Mas nada perto do que esses dois tiveram. - Kaleb respondeu, indicando e , parecendo um pouco incomodado com a verdade.
- Mas ainda sim é alguma coisa, não é? - Aurora comentou, sorrindo. - Eu não tive muito treinamento, mas estou aqui.
Naquele momento me perguntei se os primos de sabiam sobre os nortistas, mas logo percebi que não. Pelo menos aquele segredo era secreto.
- Mas mesmo vocês, damas da Elite, recebem um intensivo. Nós estamos atrasados até nisso. - Kael reclamou, mas senti que ele estava exagerando. Apesar da pose mais descontraída, eu tinha certeza de que ele saberia se portar como um príncipe. Agora eu ficaria insegura de me portar como um rei, como seria o futuro de Kaleb.
- Mas vocês têm tempo. - falei, dando de ombros. - Talvez os pais de vocês não tenham tanto, infelizmente, mas até chegar a sua vez…
Todos concordaram comigo, mas eu sabia que eles não estavam sendo totalmente sinceros. Percebi, mais uma vez, que eu estava sendo ingênua em relação ao meu futuro e o quanto significava ser a futura rainha. Kaleb e os gêmeos pareciam mais preocupados com o fardo de se tornar parte oficial da família real do que eu mesma.
Continuamos conversando entre risadas até que fomos convidados para nos sentar. ajudou-me a levantar, apesar de eu não precisar, e puxou a cadeira da mesa para que eu me sentasse, conforme mandava a etiqueta.
O rei se sentou em uma das pontas da mesa, enquanto a rainha ao seu lado direito. O futuro casal de Kouris estava ao lado esquerdo do rei, sendo sua irmã a mais próxima do soberano. Eu sabia que quando os tios de fossem os reis de Kouris, o homem estaria na ponta oposta, mas neste momento o lugar era de , comigo ao seu lado direito. estava bem à minha frente e sorria de forma engraçada, enquanto Aurora, ao seu lado, parecia muito feliz por estar ali.
Ao meu lado estava o filho mais velho da princesa Mikaelly, Kaleb, e ao lado dele o mais novo, Kai, que parecia entretido com o brinquedo que tinha em mãos. Já entre Aurora e a rainha, estavam os gêmeos.
Assim que todos os presentes se sentaram à mesa, doze garçons se aproximaram, servindo cada um dos presentes com outro tipo de bebida e depois a entrada. Seria uma refeição daquelas.
- E então, senhoritas, como está sendo a Seleção para vocês? - A princesa Mikaelly perguntou para mim e Aurora depois que todos já estavam servidos, apesar da mesa grande, estava claro que todos tentavam conversar um só assunto, como uma bela família. Por isso, todos estavam ouvindo quando respondemos.
- Eu diria que bem surpreendente. - Aurora disse, olhando para , o que fez todos rirem. Afinal ela estava ali por , inicialmente.
- E você, senhorita , o que está achando?
- É uma experiência única, Alteza. Acabamos tendo a oportunidade não apenas de conhecer pessoas incríveis, - falei, querendo me referir não apenas a , mas a todos na mesa. - mas de conhecer nós mesmas.
- E você está contente com quem descobriu ser?
Percebi que a princesa Mikaelly estava mesmo interessada em mim e, provavelmente, em tudo o que meu acordo com significava. Talvez os primos dos príncipes não soubessem toda a verdade, mas pela forma com que a princesa me olhava, eu tive a certeza de que ela sabia. O que não era exatamente uma surpresa, já que a princesa Mikaelly, antes de tudo, era irmã mais nova do rei de Ynter.
- Na realidade sim, Alteza. Com os ensinamentos da rainha e da senhora Mariee, acho que um dia, se permitir, serei uma boa princesa. - respondi o que eu achei que Mikaelly queria ouvir, mas percebi que não havia um pingo de mentira em minhas palavras.
- Pelo que ouvi de você, a senhorita será muito mais. - a princesa disse sorrindo. Apesar do tom da princesa ser cordial em todas as perguntas, percebi que após minhas respostas eu havia a conquistado de verdade. A futura rainha de Kouris estava feliz com a futura princesa do seu reino de nascença e eu estava feliz por ter sido aprovada, apesar de nem perceber que precisava.
- Obrigada, Alteza.
- E a caça, como foi ontem? - ela perguntou, mudando o foco da conversa para os homens.
Percebi, apenas pelas respostas, que todos da mesa adoravam a ideia de caçar na floresta. Até o rei, que ainda permanecia sério, soltou-se mais com o assunto. As histórias eram engraçadas, fazendo todos na mesa rirem, até Kai.
- Mamãe, na próxima vez eu posso ir? - Kai perguntou, depois de ouvir o pai contar sobre uma brincadeira que os gêmeos fizeram durante a caçada.
- Na próxima? Mas você ainda é muito jovem.
- Sério? Em qual eu vou poder ir então?
- Daqui há dez anos. Pode ser?
- Dez anos? - ele olhou para as mãos, usando todos os dedos para ver se dez parecia muito ou não. - Tudo bem. Eu posso esperar.
- Mas você vai ter que treinar muito se quiser ser bom como nós. - disse, provocando o pequeno.
- Eu já sou bom. Só sou muito jovem. - Kai afirmou muito certo de si, fazendo todos rirem. O pequeno tinha tanta certeza de que ninguém teve coragem de contradizê-lo.
- Viu? Fala o que quer, escuta o que não quer. - Kael brincou com o primo.
- E você também é bom dançando? - a rainha Ariele perguntou para o sobrinho.
- Não. Isso não. - ele disse fazendo uma careta engraçada.
- Mas um príncipe precisa saber dançar. - a mãe de Kai explicou, mas não foi o suficiente para o pequeno querer aprender a dançar. Com certeza ele passaria por isso em algum momento, afinal, como disse a princesa Mikaelly, um príncipe precisa saber dançar, mas ainda não era a hora.
- Então você não vai participar da festa que teremos amanhã? - perguntou, provocando o pequeno.
- Não, vou ficar com a Lili. - ele contou. Mais tarde descobri que Lili era sua babá, responsável por cuidar do pequeno não só em casa, como nas viagens que ele fazia.
O resto do almoço foi tranquilo e mais legal do que eu pensava. A família de era agradável e bem menos formal quando não estava com convidados, pelo menos, sentada ali, eu me sentia quase como uma extensão da família.
E isso continuou quando os dois casais mais velhos se retiraram junto com Kai, o caçula. Deixando , , os primos de Kouris, eu e Aurora sozinhos no terraço.
- E então, senhorita , quer jogar dominó? - Kael perguntou, enquanto seguíamos para outra mesa, deixando os funcionários do castelo se preocuparem em tirar as louças.
- Não, muito obrigada.
Minha recusa decepcionou um pouco, mas logo e Kaleb formaram uma dupla contra os gêmeos, deixando Aurora preocupada em aprender a jogar. Fazendo com que me conduzisse para a ponta do terraço que nos dava uma vista incrível de parte do reino separada por uma parede de vidro e uma considerável privacidade dos demais.
- E então? O que você achou do almoço?
- Foi bem agradável. Obrigada por me convidar.
- Mesmo com as perguntas da minha tia? - ri, assim como o príncipe. Então ele também havia percebido a curiosidade da princesa Mikaelly.
- Sim. Só espero que as respostas tenham agradado.
- Acho difícil não agradar, minha tia só queria ver com os próprios olhos tudo que meus pais falaram sobre o futuro de Ynter.
- Você quer dizer: sobre mim.
- Quero dizer: sobre nós.
Assenti, não era estranho os reis buscarem a opinião da princesa Mikaelly, afinal antes de ser a próxima rainha de Kouris, ela era a princesa de Ynter. Uma princesa que conhecia as dificuldades da monarquia de Ynter, talvez até mais que a rainha Ariele.
- Só espero que as expectativas não sejam tão altas.
- Não se preocupe, nós vamos dar um jeito em tudo.
- E eles? - perguntei, olhando para os primos de . Será que eles dariam conta dos cargos que os esperavam?
- Kouris vive em paz, . Apesar da tristeza da muito próxima morte do rei, ele está doente há um tempo, as pessoas já esperam que meu tio assuma o trono. Não será uma troca complicada.
- E a nossa? Digo, a sua. Será uma troca complicada?
parou por um segundo, olhando para o horizonte, Ynter se estendia muito além do que podíamos ver, mas eu sabia que pensava em todo o seu país.
- Meu pai está ansioso para que eu assuma o trono, . Serena tinha razão, ele está cansado. - o príncipe suspirou, como se a ideia o atormentasse há um tempo. - Eu só não sei se estou pronto.
Aquilo me surpreendeu, para mim sempre esteve pronto, apesar de ainda ser um príncipe, sempre consegui ver um rei nele. Sua pose superior e indiferente, o ar nobre, a postura protetora, tinha a postura de um líder.
- Eu não quero ser o rei que levou o país à guerra. - ele disse por fim.
- Mas seu pai quer que você assume antes da guerra? Mas não vamos nos casar depois?
Eu sabia que um rei não podia assumir sem uma rainha, a tradição era específica demais. parecia lamentar enquanto a realidade ficava clara para mim. Serena tinha razão, eu não tinha muito tempo. Pelo que parecia, eu sequer tinha algum tempo. O rei Jadson estava se preparando para a guerra, ele só foi interrompido pelo ataque sulista, se não ele já teria todos os aliados e estaria pronto para passar o trono para , pronto para fazê-lo escolher sua esposa. Será que teria a Seleção e o casamento mais rápidos da história?
- , posso lhe fazer uma pergunta?
- Claro.
- É um pouco constrangedora, então tudo bem se você não quiser responder. Mas foi uma pergunta que Kaleb me fez e eu percebi que não sabia a resposta.
- Kaleb? - percebi que não estava disposto a continuar nosso assunto. Estava grata, na realidade, pois eu precisava de mais tempo para processar o que aquilo significava.
- Sim. Quando o tio de Kaleb, o rei de Kouris, morrer, minha tia e seu marido vão se tornar os soberanos.
- Sim, eu sei disso.
- E Kaleb terá que fazer uma Seleção logo. Digamos que terá bastante pressão para ele achar uma esposa.
- Sim, eu sei, as meninas falam das coisas.
O príncipe riu, parecendo um pouco interessado no que suas Selecionadas falavam sobre seu primo, o futuro príncipe herdeiro de Kouris, mas não interessado o suficiente para fugir da pergunta.
- Kaleb está nervoso com isso, ele tem seus motivos pessoais… Mas a questão não é essa. Kaleb me perguntou como eu consegui convencê-la a se casar comigo mesmo você não gostando de mim.
- Mas eu gosto de você. - falei, mas me olhou incrédulo. - É verdade, , eu não odeio você. - falei rindo. Eu sabia que o príncipe se referia a amor, casamento e a um “gostar” muito maior do que a afeição que eu consegui criar por ele. Mas a questão é que ele não estava sendo claro.
- Mas não me ama. Você não tem sentimentos por mim a ponto de se casar comigo por causa deles.
- Nós não temos. - lembrei-o. - Mas casamento não é apenas isso, . Principalmente para nós, mulheres.
- O que quer dizer?
Respirei fundo.
- Eu não posso falar por todas as mulheres, muito menos pelas de Kouris, que nem conheço a tradição, mas quantas garotas da Seleção entraram por amor? Entraram porque você olhou para suas fotos e achou que poderia amá-las de verdade?
- Poucas. - ele disse, me surpreendendo, afinal eu achava que a resposta seria “nenhuma”.
- E quantas destas poucas você acha que se inscreveram porque amavam você? Por que tinham reais sentimentos pelo homem que viam pelas câmeras?
piscou para mim algumas vezes.
- Mas minha mãe amou meu pai. O casamento deles foi por amor.
- Porque eles tiveram muita sorte. E talvez Kaleb também tenha, mas se ele não tiver… Não acho que seja o fim.
- O que você quer dizer?
- , Kaleb é alguém que poucas mulheres conhecem... Quando os pais dele assumirem o trono, as pessoas vão vê-lo na TV por no máximo uma dúzia de vezes antes dele anunciar a Seleção. As meninas vão se inscrever por diversos motivos, mas poucas serão por amor. E depois que ele escolher as mais bonitas ou interessantes, ele estará traçando um destino para elas que termina em casamento, fama e dinheiro. Sabe quantas Selecionadas terminam sem um marido?
- Quase zero.
- Nenhuma, e olha que Mariee nos apresentou todas. Nem da Seleção do seu pai e nem da do seu avô. Tenho certeza de que a maioria das meninas que você expulsou já estão comprometidas. Nós não temos a opção de escolher alguém que amamos, nós precisamos casar por dinheiro, por status ou apenas para não desonrar nossa família. Se eu não me casar com você, me casarei com algum dos seus nobres.
parecia chocado com o que eu dizia, mas eu sempre soube, após meu nome estar na Seleção, que meu futuro não incluía um casamento por amor.
- , Aurora veio aqui pelos rebeldes, Anne vai conseguir pelo menos sustentar sua família, mas você a chamou pela sua nacionalidade. Natalie veio por um favor à família dela, para estreitar laços. Eu estou aqui porque nossos ancestrais nos obrigaram. Lauren e Samantha, imagino que seja pela beleza…
- Aurora e encontraram o amor.
- Sim. E eu fico muito feliz por eles. Mas desde o início da Seleção eu sabia meu futuro. E eu sempre disse que você poderia procurar um diferente para você. - eu falava rápido. - Mas se Kaleb tem medo de não encontrar alguém apenas porque não irá encontrar o amor, acho que ele pode ficar tranquilo. A única coisa que ele precisa fazer, é torcer para alguma das Selecionadas não se apaixonar por algum dos seus nobres e aceitar o destino que uma princesa tem. O que, se me permite dizer, não deve ser muito difícil, Natalie, Samantha e Lauren aceitariam se casar com você sem amor, num piscar de olhos.
- Acho que você está certa. - ele disse, mas não parecia nem um pouco contente com isso. Era como se eu tivesse tirado dele uma esperança, uma crença que o acompanhava desde sempre.
- Você esperava uma resposta diferente, não é?
Então olhou para mim, seus olhos realmente fixos nos meus. Era como se ele me analisasse, como se me lesse antes de responder, como se buscasse em mim o ponto fraco, mas eu estava firme em minhas convicções e seria muito difícil me mostrar um futuro diferente.
- Eu esperava. - admitiu.
- O que você esperava?
- Eu não sei… - começou, seus olhos se afastaram dos meus no mesmo instante.
- Por favor, não minta para mim.
Então o príncipe me encarou novamente, seus olhos estavam diferentes, mas eu não sabia explicar o que havia ali. Não saberia dizer o que se passava na mente de , sem que ele me contasse. Mas uma coisa eu sabia, ele iria me falar a verdade.
- Eu não esperava ser a menos pior das opções. - ele disse, parecendo bastante irritado. - Eu sempre soube que havia outras motivações para você decidir se casar comigo, , mas eu sonhava, não, eu sonho com uma esposa que goste do castelo, que goste dos luxos que eu tenho para oferecer. Eu gostaria de uma esposa que, no mínimo, sentisse o privilégio que é ser a futura rainha. E, para ser sincero, eu comecei a Seleção querendo amor. E eu ainda quero, mesmo sabendo que talvez não consiga. Eu quero o que meus pais têm. Quero ter alguém me apoiando nos dias difíceis, alguém que me acolha, que me escute e que esteja lá para mim. Eu quero alguém que me complete, que me entenda apenas no olhar, que me ame tanto que estaria disposta a enfrentar qualquer coisa ao meu lado. - ele terminou, respirando fundo. E então percebeu o que tinha feito. percebeu que havia deixado escapar uma verdade que ele negava para si mesmo desde o início do nosso acordo, desde o momento que eu havia lhe dito que eu o aceitaria sem amor. percebeu qual era o seu sonho.
- Você pode ter tudo isso. - eu disse baixo, incapaz de encará-lo nos olhos, envergonhada pela verdade da pessoa que eu não era e não poderia ser. - Mas eu não sou capaz de lhe dar isso, . Eu sinto muito, mas não vou mentir para você.
E então eu saí. Sem despedidas, cortesias, reverências e educação. Eu apenas me virei e caminhei o mais lento que meu nervosismo permitia em direção à saída, agradecendo imensamente por não me chamar. Eu desci as escadas do terraço calma, mas assim que alcancei os degraus que me levariam para meu quarto, as lágrimas caíram. Eu estava contente por ter sido sincero comigo, mas eu jamais esqueceria seu tom naquele momento, o príncipe estava descontente comigo, estava descontente por eu ser eu. Ele queria uma princesa que eu não poderia ser, mas ele a merecia e o país também. Percebi que não importava o quanto me esforçasse, o quanto estudasse e me doasse, eu jamais seria o suficiente, porque eu jamais seria o sonho dele.
Meu soldado se mantinha distante, com uma distância tão respeitosa que eu duvidava que ele fosse capaz de me ouvir chorar, estava grata por isso. Eu estava certa de que chegaria aos meus aposentos segura, mas eu estava no último dos lances da escada que me levaria até meu quarto quando Samantha me viu. Não foram apenas as lágrimas que chamaram a atenção da mulher, mas o fato de eu estar descendo do terceiro andar, o andar proibido para as Selecionadas, o andar da família real.
- Ele te mandou embora, não foi? - ela disse sem nenhuma dúvida, imaginando que o fato de eu estar chorando e saindo do andar da família real indicava que havia me expulsado da Seleção. Entretanto, eu não estava totalmente certa da resposta para aquela pergunta, então eu não neguei. Apenas encarei Samantha enquanto as lágrimas escorriam, agora totalmente silenciosas, pelo meu rosto. - Eu sabia que uma hora ele ia perceber que você é boa demais para ser verdade. Na próxima vez não vou nem precisar jogar vinho em você.
E então ela saiu, com seu guarda a seguindo, me deixando parada nos degraus da escada, com meu soldado atrás de mim. Será que era isso? Será que havia percebido que eu era uma mentira? Que ele acreditava que eu era capaz de dar muito mais para ele do que eu realmente era?
- Senhorita? - o soldado nortista chamou, incomodado de estar parado nos degraus. Ele estava certo, não precisava que ninguém mais me encontrasse ali.
- Desculpe. - disse baixo, antes de continuar a seguir até meu quarto.
Se Samantha estava certa eu não saberia dizer, mas percebi que não havia motivo para as lágrimas. Eu sempre fui muito clara com o príncipe sobre o que eu poderia oferecer para ele e sempre lhe dei a liberdade de mudar nosso acordo se fosse preciso. Então se havia percebido que o amor era mais importante que nosso acordo, eu estava bem com isso. Eu faria exatamente o que disse a ele, me casaria com o primeiro nobre que minha mãe escolhesse. Seria que precisaria lidar com Serena e com os sulistas, os quais me esqueceriam quando eu fosse mandada para casa. Seria ele que teria que negociar outra mulher no meu lugar, não eu.
A única coisa que eu teria que fazer, é explicar para minhas amigas que o futuro com o qual elas sonharam já era. Mas dependendo do nobre que minha mãe encontrasse eu poderia ajudá-las, tirá-las do castelo, talvez oferecer uma vida melhor como governantes da minha casa. Além disso, eu tinha certeza de que havia dito para as três que tudo poderia dar errado, que toda a ideia poderia sumir mais rápido do que surgiu, então não havia muito o que fazer. Serena tinha razão, eu podia simplesmente desistir de tudo.
Eu teria continuado em meu quarto lendo o último livro da rainha, já que o segundo eu havia finalizado, descobrindo que o final era exatamente como eu imaginava, quando Aurora e Anne bateram na porta.
- , como você está? - Anne perguntou, sentando em minha cama, depois que Elise abriu a porta para as duas e se retirou.
- Estou bem. - respondi, em dúvida de qual desculpa havia dado para os presentes no almoço depois do meu desaparecimento.
- Anne diz sabe sobre o almoço. - Aurora contou. - E que você e discutiram.
Ergui as sobrancelhas surpresa, em dúvida de como Aurora sabia.
- Todo mundo viu. Não dava para ouvir, mas a linguagem corporal era óbvia. - Aurora contou dando de ombros, pelo menos eles não haviam escutado. Mas o que importava? Provavelmente escolheria outra pessoa para assumir o cargo e todos seguiram bem. - Você tem certeza de que está bem?
- Sim. Nós não falamos nada demais. Conversamos sobre um assunto que já existe há algum tempo, nós apenas discordamos. - afirmei, torcendo para ser o suficiente. - Mas o que vocês duas vieram fazer aqui? Acredito que não estejam aqui apenas por isso.
A minha pergunta pareceu empolgar as duas, lembrando-as do principal motivo de terem ido me visitar. Eu estava grata por nenhuma delas perguntar demais, já que eu não tinha muita certeza do que havia acontecido entre mim e o príncipe e, sinceramente, não sabia o que iria acontecer depois.
- Viemos te convidar para ajudar na decoração da minha suíte. - Aurora contou empolgada. - Nós queríamos ver se você estava bem, não me entenda mal, mas...
Eu ri da sua preocupação.
- Eu estou bem, não foi nada demais. Amigos brigam às vezes. - eu disse, ignorando a expressão de descrença das duas quando chamei de "amigo". Eu sabia que elas queriam que fosse algo a mais, assim como o príncipe, mas não era possível. Era um sonho fantasioso. - E sobre o convite: eu adoraria.
- Então vamos logo, temos uma longa tarde pela frente. Os móveis já estão todos lá, agora falta a parte divertida. - Aurora disse ficando de pé no mesmo instante e já me oferecendo a mão para me ajudar a sair da cama.
Anne apenas ria da empolgação da nossa amiga, enquanto conversávamos sobre o tipo de decoração que Aurora queria em seus aposentos e do conforto que a cama precisava ter. Afinal aquele quarto seria o espaço dela por vários anos, pois ela e não tinham a pretensão de sair do castelo tão cedo. De acordo com o combinado com Serena, Aurora precisava ficar por perto.
Eu estava rindo com minhas amigas durante todo o caminho, mas nenhuma distração iria me impedir de ver entrando com Samantha em seu escritório, no mesmo corredor dos aposentos de Aurora. Apesar de Anne e Aurora entrarem no quarto sem ver o herdeiro, meus olhos se cruzaram com os de por um instante o suficiente para eu perceber sua expressão culpada. Entretanto, antes que ele pudesse ver minha reação ou demonstrar qualquer tipo de arrependimento, passei pela porta e a fechei atrás de mim. Se a amava, ele estava fazendo a escolha certa. Eu só não conseguia entender por que não me sentia feliz ao me livrar do fardo que a monarquia me traria.
- Você está bem? - Anne perguntou, parecendo perceber meu desconforto.
- Sim, apenas uma dor nas costas. - menti. Apesar de não querer esconder nada das minhas amigas, eu não estava pronta para conversar sobre o que havia acontecido entre mim e o príncipe.
- Sem desculpas para não trabalhar hoje, senhorita . - Aurora brincou rindo, dava para ver que estava mesmo empolgada com seu futuro quarto e, muito provavelmente, com sua vida ao lado de .
- Não se preocupe, estou aqui para servi-la. - falei junto com uma exagerada reverência, fazendo com que ela e Anne começassem a rir.
- Venha, deixe eu lhe mostrar tudo.
Assim que Aurora começou a me mostrar o lugar, eu percebi como aqueles aposentos eram grandes. A suíte de Aurora era três vezes os meus aposentos, sem contar com a pequena antessala que tinha na entrada e o escritório do outro lado.
- É enorme! - falei impressionada. O quarto já estava todo mobiliado, com uma gigante cama com dossel, mesinhas de canto, uma mesa um pouco maior, uma penteadeira e muitos armários, além de duas poltronas para leitura. A antessala contava com dois sofás, algumas poltronas e uma mesinha de centro, enquanto o escritório tinha uma mesa grande com cadeiras, poltronas e uma estante vazia que ocupava toda a parede.
Eu concordava que Aurora precisava muito dar seu toque pessoal aos aposentos, porque além da cama arrumada e cortinas grossas não havia nada ali.
- Eu preciso decorar tudo, mas já me sinto em casa.
Sorri para ela, feliz por minha amiga, mas incapaz de não pensar sobre o meu futuro: será que um dia eu me sentiria em casa no castelo? Demorei apenas alguns segundos para perceber que não importava mais, logo estaria indo embora a procura de outro lugar para viver. Enquanto Samantha assumia o fardo de lidar com a monarquia, os rebeldes nortistas e os sonhos do príncipe.
- Então vamos começar logo. - Anne mandou empolgada, seguindo com Aurora para o catálogo real e algumas revistas que ambas tinham separado.
Sentamos na grande mesa do escritório de Aurora e rapidamente começamos a ter ideias, descobri que gostava muito mais de arrumar quartos do que pessoas. Era extremamente divertido definir com Anne e Aurora a cor dos tapetes, quadros, cortinas e flores que seriam adicionados ao quarto. Além dos porta-retratos, pufes, almofadas, jogos de cama e tudo o que os costureiros do castelo podiam oferecer. Nas nossas mentes todos os espaços vazios começavam a encher.
Estávamos empolgadas, sem sentir o tempo passar, até que Aurora foi chamada para uma prova do vestido do Juramento à Bandeira. Pelo que parecia, todas as criadas estavam empolgadas com a ideia de ganhar e muito atarefadas com o prazo curto. Como não fazia sentido continuar sem a dona do quarto, Anne e eu decidimos seguir para nossos aposentos para descansar até o jantar.
Assim que cheguei ao quarto acompanhada de outro dos meus guardas, um dos que havia me carregado no dia do ataque sulista, encontrei com Meri limpando as coisas. Percebi que a ideia de não me deixar sozinha era mesmo real e, apesar de sentir falta de respirar um pouco, eu preferia muito mais a companhia de Meri do que alguma comunicação do Chefe.
Como eu não queria pensar em e no que havia acontecido no almoço e nem em Samantha e seu comentário na escada, decidi seguir para o livro. As páginas eram basicamente um relato sobre uma jovem que passou vários anos viajando entre províncias com outros colaboradores de uma organização beneficente fazendo caridade.
Parecido com um diário, a jovem contava não apenas sobre as províncias, mas sobre as pessoas que moravam lá e, principalmente, sobre as dificuldades que as castas menores enfrentavam. Já nos primeiros capítulos ela havia encontrado casos de frio em alguns lugares e calor extremo em outros, além de fome, sede e doenças de diferentes tipos, muitas das quais a medicina já tinha descoberto uma cura. Apesar de ser um livro pesado, eu estava realmente gostando de entender um pouco mais sobre todo o país, mesmo que ele não fosse mais parte direta do meu futuro. Havia muitas coisas ali que eu não fazia ideia e que nem mesmo o intensivo de Mariee teve tempo de nos ensinar. Só parei de ler o livro quando Meri me obrigou a me preparar para o jantar.
A mesma estava retocando a minha maquiagem quando escutamos a batida na porta, minha amiga pediu licença e foi verificar.
- Senhorita, parece que tiveram um problema com o vestido da senhorita e estão a chamando na sala de costura. - Drew disse para Meri, fazendo-a ficar instantaneamente nervosa.
- Mas eu não posso deixar a senhorita sozinha. - ela disse para o soldado, como se esquecesse por um segundo que eu estava ouvindo.
- Eu ficarei com ela, não se preocupe. - Drew disse, fazendo com que Meri olhasse para mim em busca de aprovação.
- Pode ir, eu termino por aqui. - disse, me referindo a maquiagem para o jantar.
- Muito obrigada, senhorita . Soldado. - e então ela saiu apressada, deixando eu e Drew sozinhos em meus aposentos, pelo menos o soldado teve o cuidado de deixar a porta aberta, preservando o mínimo das aparências.
- É mentira, não é?
- O príncipe realmente a expulsou? - Drew perguntou, ignorando completamente minha pergunta, mas respondendo mesmo assim. Claramente ele havia mentido para Meri para nos deixar a sós.
- Não sei.
- Como assim você não sabe? - ele disse se aproximando. Eu, por minha vez, peguei o pincel do blush e continuei o trabalho de Meri, tentando parecer o mais indiferente possível.
- Nós apenas discutimos. Não posso afirmar nada. - tentei de novo.
- Sabe o que significa se ele te expulsar, não sabe?
- Significa que eu terei que aceitar o casamento que minha mãe escolher para mim. Isso se ela já não tiver um candidato na manga. - falei, olhando para Drew pela primeira vez.
- Eu posso me candidatar.
- Achei que queria ser soldado.
- …
- Não tente. Você está se iludindo. - disse grossa, incapaz de encará-lo mesmo pelo espelho. - Eu sou uma Selecionada agora, faço parte da Elite… Acha mesmo que minha mãe vai aceitar que eu me case com você? Você é um soldado, Drew. Mesmo que agora seja um Dois, ainda assim não tem o prestígio que minha mãe quer.
Aquilo doeu. Conseguia ver a ferida se formando dentro de Drew, conseguia vê-lo lutando para processar minhas palavras.
- Você poderia pedir.
- Eu poderia, mas não funcionaria. Eu não tenho mais um futuro desejável, Drew. Eu não tenho mais salvação. Minha mãe jamais vai deixar eu escolher meu marido.
- A menos que ele seja o futuro rei.
- Por que você se importa? Está ocupado demais tentando morrer. - falei, ficando de pé para encará-lo. Drew estava há poucos passos de mim, mas eu conseguia sentir sua raiva. - Estar aqui é perigoso, Drew. Estar perto de mim é perigoso.
Como se provasse que eu estava certa, escutamos passos no corredor. Senti meu coração acelerar na hora, mas Drew estava calmo, ele apenas arrumou a postura, enquanto eu voltei para o espelho, a tempo de nos encontrar assim quando chegou na porta.
- O que está acontecendo aqui? - ele perguntou, olhando para mim e para Drew diversas vezes.
- Cleo teve um problema com o vestido e precisou de reforços. - falei, ficando de pé, sentindo minhas mãos levemente trêmulas.
- Alteza. - Drew disse, fazendo uma leve reverência. - Acredito que a senhorita não precise mais de mim, com licença. - e então ele seguiu para a saída. Eu sabia que as palavras de Drew tinham um duplo significado, assim como as minhas tiveram antes. Drew não estava seguro perto de mim não apenas por causa do Chefe, mas devido aos seus sentimentos conflitantes. Meu amigo estava certo, eu poderia pedir para minha mãe. Eu havia chego mais longe na Seleção que qualquer um de nossa família, talvez isso bastasse.
- Obrigado, soldado. - disse, propositalmente reforçando o título de Drew. Meu amigo olhou para mim, seus olhos dizendo tudo o que sua boca não podia, ele ainda tinha esperança, ele ainda achava que poderia me convencer, ainda mais porque estava óbvio que estava ali para me expulsar. Aquilo doía. Drew era um amigo incrível e, pelo que eu via, havia se tornado um homem admirável, mas eu não podia estragar ainda mais sua vida, não podia jogar nele tudo o que eu estava vivendo. E se Serena estivesse certa? E se o Chefe fosse atrás de mim mesmo sem o título como opção? Drew era um Dois agora, poderia casar com mulheres ótimas, não precisava mais de mim.
- Boa noite, . - disse cauteloso, fazendo-me tirar os olhos da porta pela qual Drew saiu e olhar para ele.
- Boa noite, Alteza. - eu disse, com dúvida do que deveria fazer, então apenas me curvei levemente.
Eu definitivamente não sabia dizer em que patamar minha relação com estava e nem como eu me sentia em relação a isso. Não tinha certeza se estava conformada com o futuro que eu teria ou se estava com raiva do príncipe por não ter me ouvido, afinal eu tinha sido muito clara sobre minha realidade. Se o sonho dele era tão importante assim e seus sentimentos por Samantha eram reais, por que ele havia me feito passar por tanta coisa?
Ao mesmo tempo que eu me sentia pronta para qualquer destino, ficava me perguntando se não poderia encontrar algo muito pior me esperando fora dos muros do castelo. Além disso, será que eu estava pronta para fracassar? Apesar de eu saber que jamais poderia dar o tipo de relacionamento que queria, será que as pessoas à minha volta, as quais eu prometi diferentes coisas, aceitariam isso como uma desculpa? Será que sem o príncipe, Drew conseguiria me entender porque eu não podia me casar com ele?
- O jantar no Salão de Refeições foi cancelado. - ele disse assim que voltei a encará-lo, parecendo perceber que eu estava pronta para ir jantar.
- Ah, tudo bem. Eu…
- Gostaria que jantasse comigo. - ele simplesmente cuspiu as palavras, como se estivesse em dúvida se deveria dizê-las de verdade.
Olhei para ele surpresa, incapaz de esconder meu choque. Achava que estava cancelando a minha ida ao jantar para não precisar explicar para sua família o que havia acontecido entre nós, não para me expulsar em um jantar a dois.
- Você aceita? - ele precisou perguntar, pois eu estava perdida demais tentando entender tudo para respondê-lo de prontidão.
- Eu… Tudo bem. - afinal, eu não tinha mesmo escolha, não é? Eu era uma propriedade do príncipe enquanto estava ali.
- Espero que não se importe, mas eu reservei o terraço.
- Não, sem problemas. - dei de ombros, aceitando seu convite para seguirmos em direção ao terraço. Era engraçado o príncipe querer me expulsar no mesmo lugar em que me contou sobre a verdade dos seus sonhos, sobre o mesmo lugar que estávamos horas antes e que tudo pareceu desmoronar.
Seguimos em silêncio escadas acima, com o líder dos meus soldados e amigo de ao nosso encalço. Me fazendo perguntar como Drew conseguiu fazer a troca tão rapidamente, ou se ele havia invadido a ronda do colega. Entretanto, não importava mais, agora eu só precisava lidar com o príncipe e me arrumar para ir embora.
Era estranho a tensão que tinha entre nós, as dúvidas e palavras não ditas que deixavam o ar pesado. Chegamos no terraço sem falar absolutamente nada um para o outro, nem a maravilhosa vista lá de cima foi o suficiente para um assunto entre nós.
- Por favor. - ele disse, quando puxou a cadeira para que eu sentasse na única mesa arrumada dali.
- Obrigada. - falei, vendo-o contornar a mesa para sentar à minha frente, aproveitando e servindo, ele mesmo, o vinho em nossas taças. Percebi, naquele momento, que não havia mais ninguém ali, nem para nos servir as bebidas.
- Eu que agradeço por ter aceitado o convite. - ele disse indecifrável, era como se eu conseguisse ver o príncipe tomando cuidado a cada movimento que fazia, como se ele tivesse medo de que eu fosse surtar com ele, como ele fez comigo.
- Eu só não sei por que você me chamou até aqui para confirmar o que já me disse, . Eu entendo seus motivos, não se preocupe comigo. - falei, tentando soar o mais calma que podia. Ele precisava entender que eu aceitaria meu novo destino, aceitaria retirar o rastreador e seguir minha vida.
O príncipe me olhou de forma engraçada, era como se ele não gostasse do que eu falava, mas ao mesmo tempo não parecia surpreso por estar ouvindo. Talvez ele não estivesse com medo da minha reação no fim das contas.
- Você acha que eu quero acabar com o nosso acordo, não acha?
- Você não quer? - percebi que a única pessoa surpresa era eu.
- Não, eu não quero.
- Então eu não estou entendendo.
suspirou.
- O que eu te disse é a verdade. Não vou mais fingir que não é, . Mas nós estamos presos um ao outro e eu sei que você sabe disso. E mesmo se eu gostasse de outra garota, algo que não é verdade, achei que você soubesse que eu não sou o tipo de homem que se rende aos caprichos.
- Mas você deveria. Não acho que amor seja um capricho no seu caso.
- Mas no seu caso, você acha que é. - ele afirmou, sabia como eu pensava. - Eu quero ter o que meu irmão e meus pais têm, mas não acho que exista outra pessoa que possa me proporcionar isso.
- O que quer dizer?
me olhou de verdade por um instante. Era como se ele não soubesse como eu reagiria às suas próximas palavras e estava em dúvida se deveria dizê-las. Por um segundo achei que o príncipe me diria que esperava que eu pudesse lhe proporcionar o casamento que desejava, mas eu não conseguia. O tipo de sentimento que e Aurora tinham, eu jamais havia sentido por alguém.
- ?
Ele negou com a cabeça, afastando qualquer pensamento que pudesse ter tido ali.
- No meu caso também é um capricho, . Eu preciso e quero colocar as necessidades do meu povo acima das minhas. - ele disse derrotado. - Me desculpe ter agido com você daquela forma no almoço, mas ouvir o que eu significo para você é um pouco… Difícil.
- Eu sempre fui sincera com você quanto a isso.
- Eu sei, você tem razão.
- Mas ao mesmo tempo eu entendo você ter dito tudo o que disse. - respirei fundo antes de continuar. - Eu quero me desculpar por ter saído daquela forma… Eu sempre te dei a liberdade para tomar a melhor decisão para você e isso não mudou, se você quiser escolher Samantha, eu tiro o rastreador e fingimos que nada aconteceu.
negou com a cabeça, sorrindo de forma discreta.
- Eu segui você.
- Como?
- Depois que saiu do terraço, eu fui atrás de você. Preciso admitir que fiquei parado por alguns segundos confuso, mas eu fui atrás de você e então ouvi Samantha.
- Ela acha que você me expulsou.
- Pelo jeito, você também achava. - esperou alguma reação minha, mas não havia muito o que dizer. Eu cheguei a pensar mesmo que me mandaria para casa junto com Anne após o Juramento da Bandeira. - Mas não foi só isso que eu ouvi. Escutei Samantha admitindo que derramou o vinho propositalmente em você naquele dia.
- Ah. - eu nem lembrava que ela havia admitido isso.
- Você sabia, não é?
- Digamos que combina bem com Samantha esse tipo de atitude.
- Por que não me contou?
- Eu não tinha como provar, por que contaria?
- Mesmo que eu não pudesse fazer nada, eu acreditaria em você.
Olhei para claramente duvidando de sua afirmação. Eu sabia que o príncipe gostava de Samantha, mesmo que fosse apenas uma leve afeição, ela estava ali e eu não seria a pessoa que colocaria isso em prova.
- O que você falou para ela?
- Disse que não iria fazer nada porque você não havia relatado o ocorrido daquela forma, mas que se ela fizesse algo do gênero novamente, com qualquer Selecionada, iria para casa no mesmo instante.
Quis revirar os olhos, mas apenas concordei. havia escutado da boca de Samantha o que ela havia feito comigo e a mesma não ganhou nada além de uma conversa. Tinha certeza de que duvidaria de mim se eu tivesse contado minhas suspeitas sobre ela.
- Depois do Juramento ela irá embora.
Aquilo já era um pouco mais surpreendente.
- Você não precisa eliminá-la só por minha causa.
ia responder, mas fomos interrompidos por garçons trazendo o jantar. Após a distração, o príncipe estrategicamente mudou de assunto, preferindo falar sobre a manhã seguinte ao invés de Samantha.
- Você está ansiosa para a chegada de sua família?
- Eu diria que estou mais nervosa do que ansiosa. - ri. - Você não tem ideia de como minha mãe pode ser intensa.
- Eu estou empolgado para conhecê-los. A família que irá ganhar a Seleção, você sabe que você acabará com a tradição, não sabe?
- Sei, pelo menos para as próximas gerações. Fico imaginando como minha mãe vai lidar com isso, quando acontecer.
- , você sabe que precisa contar para eles amanhã, certo? Não pode esperar. Não seria seguro.
Olhei para , vendo-o beber mais um gole do vinho entre as mordidas. Ele estava certo. Apesar de ele ter me garantido que faria o máximo para proteger as pessoas que eu amava, eu não podia correr o risco de deixar minha família no escuro.
- Eles irão perguntar de qualquer maneira. Acredito que os guardas devem estar incomodando. - falei, lembrando da desculpa que havia dado para minha irmã após o ataque sulista.
- E a você? Os guardas estão te incomodando?
- Não mais do que o esperado. - admiti. Tirando Drew, eu conseguia ignorar a existência deles na maioria das vezes. - E você?
- Eu?
- Sim. Acha que vamos falar apenas sobre mim?
Ele riu.
- O que você quer saber?
- Qualquer coisa. Você vai voltar a viajar? Seu pai ainda fala muito sobre a guerra? Temos alguma atualização? Alguma previsão?
E então percebeu do que minhas perguntas se tratavam, não era apenas sobre ele, mas sobre nós. Eu lembrava do que ele tinha dito no almoço, de que talvez nós tivéssemos que nos casar antes da guerra. O que significava que meu tempo dependia da organização do rei.
- Depois do Juramento à Bandeira irei para Ílea com meu pai. Eles já estão nos esperando, ansiosos para ver o que temos a oferecer. Meu pai e os assessores estão tramando estratégias, não apenas de aliados, mas de formas de agir com os combates. - ele disse, deixando o resto entre linhas. Assim que o rei e seus assessores definissem tudo com Ílea, seria a nossa vez.
- E o que vocês têm a oferecer?
- Para Ílea?
- Sim.
- Nosso principal trunfo sempre foi o casamento de , mas como você já sabe, não é mais uma opção.
- Vocês usaram com os nortistas, ainda foi um trunfo.
- Foi o que falamos para meus pais. - disse, rindo um pouco. - Mas agora temos apenas terras e dinheiro para oferecer.
- Mas os Ileanos sabem disso, afinal todos viram o anúncio de .
- Sim, eles sabem. - concordou. - Mas ainda tem o meu casamento.
- Você acha que eles podem pedir para você se casar com alguém de lá?
riu.
- Você quer mesmo evitar nosso casamento a qualquer custa, não é? - apesar da risada, eu sabia que aquilo o deixava chateado.
- Não é isso. Eu só estou tentando entender. Apesar de ter aprendido bastante sobre política, nunca sobre trunfos de guerra.
- Eles podem querer alguma coisa em troca do apoio. Algum discurso. Algum assessor… Nosso casamento também significa um novo rei e isso dá bastante coisas para discutir. Mas eles conhecem as leis e tradições de Ynter, o meu casamento não é uma opção, seria até ofensivo.
- Entendo. Então quando for, só não prometa algo absurdo, como o nosso primogênito em troca de algumas tropas. - falei, lembrando de um conto antigo onde uma moça troca seu primeiro filho com um duende para se tornar rainha.
A lembrança da história faz rir.
- Não se preocupe.
- E os ataques às vilas? - lembrei, aproveitando para guiar o assunto. Ainda havia coisas sobre o almoço que não queria discutir.
- Reduziram consideravelmente.
- Alguma ideia do motivo?
- Eu e Serena temos nossas opiniões.
- Pode me contar?
- Eu acho que eles estão se organizando para algo maior. Talvez estejam estranhando a calma nortista… Já Serena acha que o Chefe está fazendo por você.
- Isso não faz nenhum sentido, o Chefe sabe que esse tipo de informação é confidencial e que eu jamais teria acesso.
- Sim. Mas Serena espalhou um boato dizendo que os ataques nortistas acabaram porque eles têm um aliado no castelo. Se isso chegou ao ouvido dos sulistas, eles sabem que é você e então, na opinião de Serena, ele quer oferecer mais.
- Que ótimo. - falei irônica, eu, com toda a certeza, não queria estar mais envolvida com os rebeldes.
- Pelo menos é bom, as pessoas estão mais seguras. - ele tentou amenizar.
Olhei para , me sentindo envergonhada por pensar só em mim. Não importava qual era o motivo do Chefe, o fim dos ataques era mesmo uma conquista, mesmo que no fundo eu sentisse arrepios com qualquer tipo de sentimento vindo do sulista.
- Desculpe, você tem razão.
- , ele jamais vai tocar em você. - o príncipe me garantiu, de repente toda a brincadeira e descontração haviam sumido. falava sério. - Você sabe disso, não sabe?
Eu não sabia. Mesmo com a minha segurança praticamente triplicada com a descoberta das possíveis intenções do Chefe, eu não conseguia me sentir segura o suficiente. Eu sabia que aquele homem seria capaz de matar para conseguir o que queria, ainda mais em uma guerra.
- Eu sei. - menti.
Ele concordou. Voltando sua atenção para o jantar e nos deixando em silêncio por alguns segundos. Respirei fundo, tentando absorver todas as informações que tinha recebido. não iria me mandar embora, afinal, ele estava decidido a viver como eu, decidido a ter um casamento sem amor. E apesar de entender isso, eu não conseguia tirar da mente o que ele me disse naquele mesmo terraço durante o almoço. Será que eu era a escolha certa para o príncipe?
- No que você está pensando? - ele perguntou, parecendo rir da minha cara de espanto.
- No que você me disse no almoço. - admiti. Mesmo não querendo falar sobre aquilo, sabia que aquela era a hora. Eu não podia decidir o que eu faria, se eu não soubesse as pretensões do príncipe.
- Eu sinto muito, . Não apenas pelo que eu disse, mas a forma com que eu disse. A culpa não é sua. Eu sei que você sempre foi clara comigo, eu só pensei que… - ele suspirou. - Eu não sei o que eu pensei.
- Será que não a culpa é minha mesmo? Será que se eu tivesse me recusado a entrar na Seleção você estaria preso a mim?
- Eu estaria preso aos nortistas de qualquer forma. Talvez eu estivesse preso a senhorita Aurora, imagina que fim eu teria nessa situação? Que fim meu irmão e até a senhorita Aurora teriam? - não esperou eu responder. - Eu estou feliz por ser você minha opção, . E espero que um dia você possa ficar feliz por eu ser a sua.
Pisquei algumas vezes, lembrando das diversas vezes que havia dito que faria o máximo para me fazer feliz em nosso futuro.
- Eu gosto do castelo. - admiti, deixando-o confuso. - Você disse que queria uma esposa que gostasse do castelo e eu gosto. Eu estava triste por ir embora daqui, quando achei que você ia me expulsar. - expliquei. Eu não percebia antes, mas a verdade era que o futuro que me oferecia parecia bem melhor do que eu tinha imaginado.
- Fico feliz. - ele falou sincero.
- E eu entendo o privilégio do cargo que você está me dando, mas eu tenho medo de ser demais. - falei, referindo-me mais uma vez do que ele havia dito no almoço. - Não me entenda mal, , eu sei o valor que ser a futura princesa tem, eu só não sei se consigo dar conta. Mas eu vou te apoiar, eu sei que esse será meu papel. E mesmo que nosso futuro seja apenas estratégico, eu vou te apoiar. Talvez não do jeito que você sonha, mas prometo que farei o máximo para estar ao seu lado. Farei o máximo para ser uma boa princesa e depois rainha. Eu vou cuidar do castelo, das pessoas, das festas e de você. Eu sei que não é exatamente o seu sonho e que talvez todo o esforço do mundo não seja o suficiente, mas eu não quero que você ache que eu não vou me esforçar, porque eu vou.
olhou para mim por um instante. Nossos olhos se cruzaram e ficamos em silêncio por um momento, era como se tudo tivesse parado para ouvir minhas palavras. O príncipe parecia surpreso, processando tudo aos poucos, enquanto eu só o deixava pensar. Eu sentia meu coração batendo rápido, surpreso com tudo o que eu tinha deixado escapar. parecia achar que eu seria uma princesa apenas de faixada, que eu deixaria as responsabilidades de lado e que eu não valorizaria as pessoas do castelo, os nobres ou o reino. Mas eu jamais faria isso. Quando aceitei o acordo de Serena, aceitei sabendo o que significava para o meu país. E eu jamais seria capaz de abandonar uma responsabilidade tão grande, mesmo não a querendo.
- Obrigado. - ele disse, segurando minha mão por cima da mesa, fazendo um choque percorrer todo o meu corpo com o ato. Suspirei. - Eu não sei mais o que dizer além de: obrigado.
Eu sorri. Aquilo era o suficiente.
- Não se preocupe com isso.
Minha declaração foi o suficiente para qualquer tensão entre nós desaparecer, deixando o resto da noite extremamente agradável. Aproveitei para contar para o príncipe tudo o que podia sobre minha família, afinal, logo o príncipe teria que lidar com eles. Paramos de conversar apenas quando percebemos que estávamos passando do horário e teríamos um grande dia em algumas horas.
Capítulo 30 - Família
Acordei antes que Elise, a responsável por mim naquela noite e, consequentemente, manhã, chamasse. Precisava admitir que a conversa com na noite anterior misturada com a chegada da minha família havia dificultado muito meu sono. Eu estava nervosa.
Eu não conseguia identificar como me sentia com tudo que havia descoberto. Era como se eu finalmente entendesse que o acordo estava selado e que as consequências disso estavam chegando, começando por minha família. Além disso, mesmo depois de dizer que seguiria sem seus sonhos, eu ainda tinha dúvidas: Será que estávamos fadados a um futuro infeliz? Será que o príncipe se arrependeria de ter preferido a política aos seus sentimentos, sejam eles quais fossem? Respirei fundo, sentindo um aperto desconhecido no peito.
- Bom dia, . - Elise disse ao sair do banheiro, surpresa por me encontrar de olhos abertos.
- Bom dia, Elise. - disse, sentando-me na cama enquanto espreguiçava-me.
- Dormiu bem?
- Nem perto disso. - lamentei. - Você soube que as famílias das Selecionadas estão vindo?
Elise riu, parecendo não ficar surpresa ao perceber que eu sabia do segredo, apenas achar graça.
- Soube sim, os aposentos dos seus pais e sua irmã e marido já estão prontos.
- É sério?
- Sim. Eles são responsabilidade nossa também.
- Mas e o vestido? - perguntei preocupada, fazendo minha amiga rir novamente.
- Você está parecendo a Cleo. Ela virou a noite para terminar.
- Devíamos ter abandonado o bordado.
- Não se preocupe, , vai valer a pena. - ela afirmou. - Agora vamos para o banho aproveitar que você acordou cedo.
Como eu fazia todas as manhãs, tomei um banho rápido e me preparei para o café, ajudando Elise o máximo que ela me permitia. Eu gostava desses momentos, o silêncio era confortável e, de alguma forma, apenas a presença dela já era o suficiente para me alegrar.
Quase na hora de ir, recebi um bilhete de , avisando para esperar pelo café da manhã no Salão das Mulheres. Apesar do bilhete não dar nenhum outro tipo de informação, eu sabia que significava que minha família já estava no castelo, esperando para fazer uma surpresa. Respirei fundo, sentindo o coração acelerar.
- Nervosa? - Elise perguntou.
- Bem mais do que eu esperava.
- Sua família deve estar muito feliz. - ela disse, me fazendo assentir, mas será que era verdade?
- Imagino que sim. - dei de ombros, tentando analisar com os olhos de minha mãe tudo o que havia acontecido desde que eu havia chegado ao castelo. - É difícil imaginar o que eles acompanham tendo acesso apenas às revistas e TV.
- É impossível que não estejam orgulhosos. - ela disse, parecendo minha irmã. Vic sempre via o lado bom das coisas, principalmente da nossa mãe.
- Acho que você vai se surpreender quando conhecer eles. - disse, tentando parecer menos amarga.
Antes que Elise pudesse responder, fomos interrompidas por uma batida na porta. Anne estava me chamando para o café, pois ela sentia que havia algo de importante nos esperando no Salão das Mulheres. Sorri, me esforçando ao máximo para guardar o segredo até que fosse a hora certa. Assim que entramos no salão, encontramos apenas Natalie em uma das poltronas, parecendo relaxada ao chegar mais cedo.
- Bom dia. - Anne disse, aproximando-se da mulher. - Você sabe por que estamos aqui?
Natalie olhou para mim antes de responder, deixando claro para mim que, além de saber sobre nossas famílias, ela também sabia que eu sabia.
- Não tenho certeza. Deve ser algo do Juramento à Bandeira… Talvez a rainha queira que a gente treine uma última vez. - a ideia pareceu murchar Anne, mas o fato de Natalie guardar o segredo dizia muito sobre ela.
- Pode ser mesmo. - minha amiga resolveu se sentar, perdendo um pouco da empolgação inicial.
Continuamos ali, sentadas no Salão das Mulheres até que Samantha, a última Selecionada, chegasse. Pelo humor das demais, Natalie e eu éramos as únicas que sabiam a verdade. Samantha, Aurora, Anne e Lauren estavam apenas esperando qual seria a lição do dia dada pela rainha.
- Bom dia, senhoritas. - a rainha disse assim que entrou, todas nós já estávamos de pé, após ouvir as portas se abrindo, a espera dela. - Que bela manhã, não é mesmo?
- Bom dia, Majestade. - respondemos juntas, com uma bela reverência.
A empolgação da rainha era óbvia e me deixava menos nervosa. Se a rainha estava contente em receber as famílias das Selecionadas em sua casa, por que eu não estaria?
- Gostaria de convidar todas para uma recepção no jardim. Temos convidados extremamente importantes hoje. - ela disse, indicando que deveríamos segui-la para o lado de fora. Respirei fundo, eu estava pronta.
Eu via a dúvida e curiosidade entre as Selecionadas enquanto caminhávamos atrás da rainha, mas assim que as portas se abriram, revelando a tenda repleta de nossos familiares, tudo se iluminou na hora.
- Mãe! - Anne, que estava ao meu lado, apressou os passos surpresa, assim como Lauren, Aurora e Samantha. Apesar de não ser uma surpresa encontrar meus pais, Vic e Arnold me esperando, não consegui conter a emoção de encontrar minha irmã com os braços esticados para um abraço.
- , que saudades! - ela disse, como se brigasse comigo ao mesmo tempo que ria com seus braços envolta de mim. - Você deu poucas notícias.
- Deu mesmo. - minha mãe disse, abraçando-me assim que Vic me soltou. Minha mãe apertou forte, como se fosse o suficiente para compensar os dias longe. Logo depois meu pai colocou seus braços em volta de nós, fazendo com que Vic se juntasse no abraço quádruplo desajeitado. Depois que nos soltamos, meu pai deu um último abraço. Arnold, o marido da minha irmã, também me abraçou, parecendo mais confortável comigo depois que me tornei uma igual, uma Dois.
- Você está tão bonita, . - minha mãe disse, me fazendo rodar para mostrar o vestido novo. Elise havia me aprontado bem sofisticada naquela manhã, parecendo ser o suficiente para orgulhar os olhos treinados de minha mãe.
- Obrigada!
- Mas ainda assim parece meio cansada. - meu pai disse, me analisando com os olhos de um médico. - Você anda dormindo bem?
- Sim, pai. - menti.
- Devem ser as festas. - minha irmã disse rindo, sendo o suficiente para arrancar risada de todos e tirar os olhos clínicos dos dois sobre mim. Era incrível como Victoria sabia lidar bem com meus pais, algo que eu nunca aprendi.
- É verdade. - minha mãe concordou, olhando a recepção embaixo da tenda. - Aqui é muito bonito, devem haver diversos eventos.
- Isso que você ainda não viu o Salão Principal. - falei, vendo-a conter a empolgação de forma elegante, minha mãe jamais perderia a pose em um castelo.
- Nós veremos hoje à noite. Terá um baile. - ela disse. - Viemos preparados, inclusive.
- Estou feliz que estejam aqui, mãe. - disse sincera, todo o nervosismo que eu sentia simplesmente evaporou. Minha família estava feliz comigo, feliz pelo que eu havia conquistado e feliz pelo que eu estava proporcionando para eles.
- Com licença. - disse, aproximando-se.
- Alteza. - minha família inteira disse em uníssono, fazendo uma reverência perfeita em sincronia, o que não passou despercebido por , que me olhou levemente impressionado. Eu apenas sorri, aquilo não era nada. - Obrigado por nos receber. - meu pai completou, como o patriarca da família .
- É um prazer conhecê-lo, senhor . - disse, estendendo a mão para meu pai, que a apertou firme, sentindo-se feliz por estar falando com o príncipe.
- O prazer é todo meu, Alteza. Gostaria de apresentá-lo à minha esposa, Candice , e a minha filha mais velha, Victoria. Este é seu marido, o prefeito da nossa Província. - o orgulho que meu pai sentia do seu genro era evidente na voz.
- Arnold. Claro. Me lembro de você. - disse, apertando a mão do homem antes de beijar a mão de minha mãe e Vic.
- Obrigada pela hospitalidade, Alteza. - minha mãe disse, fazendo mais uma leve reverência em sinal de respeito.
- Imagine. Estou realmente feliz de conhecê-los, temos muito o que conversar. Na realidade, gostaria de convidá-los para o almoço mais tarde. O que acham?
- Seria uma honra, Alteza. - meu pai disse, sorrindo abertamente.
- Ótimo. Um criado irá buscá-los quando for a hora. Agora se me dão licença, tenho que cumprimentar os outros convidados. - disse, me fazendo notar que a minha família foi a primeira que cumprimentou. - , até o almoço. - ele disse, pegando minha mão e a beijando, o que foi o suficiente para fazer os olhos de minha mãe praticamente saltarem das órbitas.
- Até o almoço, . - falei sorrindo, aceitando o joguinho do príncipe. Ele queria que minha família percebesse que nós tínhamos, no mínimo, intimidade.
- O que foi isso? - minha mãe perguntou assim que se afastou o suficiente.
- Você o chama pelo nome? Ele te chama pelo nome? - Vic falou, claramente chocada.
- Nós somos amigos. - afirmei, como se fosse o suficiente.
- Amigos? - minha mãe perguntou descrente.
- Deixe ela, Candice. - meu pai pediu.
- Depois você vai me contar tudo. - minha mãe avisou, aceitando a distração da família de Aurora e Anne se aproximando, a primeira acompanhada pelo príncipe , pela rainha e pelo rei.
Após todas as apresentações, reverência e sorrisos, nós nos sentamos para o café. A família de Anne aproveitou para sentar perto de nós, pois nem todos os convidados eram capazes de se comunicar com eles com tanta facilidade, o que me deixou extremamente contente. Estava feliz pelos critérios rigorosos de educação da minha mãe se mostrarem tão acolhedores naquele momento.
***
- É um belo quarto, . - Candice disse, ao sentar-se completamente ereta na ponta da minha cama, depois de ter vasculhado tudo. Apesar dos meus aposentos não terem um hall como os futuros aposentos de Aurora, Elise deu um jeito de deixar o ambiente bem aconchegante para minha mãe e Vic, com um chá preparado na minha mesinha e almofadas fofas nas cadeiras.
- O castelo todo é deslumbrante. O que aparece nas entrevistas ou fotos não é nem um terço desse lugar. - falei, tentando soar o mais receptiva que podia, era estranho estar em um lugar que minha mãe não controlava totalmente.
- Falando nisso, eu não mudaria nada na decoração do castelo. Não sei porque disse aquilo na sua entrevista. - minha mãe disse, e apesar de soar repreensiva, não parecia realmente chateada. Talvez o fato de eu citar seu nome, na minha primeira entrevista, em rede nacional, tenha sido positivo para sua posição na alta sociedade.
Era absurdo como aquilo parecia tão distante. Apesar de eu ter usado a piada como pretexto para me aproximar de e entregar uma carta enviada pelos nortistas há praticamente um mês, sentia que fazia uma eternidade. Jamais seria capaz de cogitar o caos que minha vida havia se tornado, ainda mais em tão pouco tempo. No dia daquela entrevista eu tinha certeza que não seria princesa, muito menos aliada nortista e espiã dos sulistas. Mas se eu soubesse, teria feito diferente?, suspirei, sabendo que não importava mais.
- Foi uma piada, mãe. Ninguém achou que fosse verdade.
- E o que é verdade? O príncipe realmente já tem uma escolhida? Ele já contou para vocês e está mantendo a Seleção apenas para divertir o povo? Porque se for isso, temos que conversar sobre suas opções para o futuro.
Olhei para Vic, que se ocupava com as joias da minha penteadeira, com um ar desesperado, esperando que ela me ajudasse como normalmente fazia. Victoria conseguia lidar com nossa mãe infinitamente melhor que eu.
- Mãe, se soubesse quem é a escolhida, já teria nos contado. - Vic disse, achando que estava ajudando, mas na realidade ela só me comprometia mais. - Estou mais preocupada com os rebeldes sulistas. - ela disse baixo, como se alguém pudesse nos ouvir. Pelo que eu sabia, Drew estava do outro lado da porta, mas nada daquilo era um segredo para ele. Além disso, depois da nossa última conversa, ele sequer me olhava nos olhos. Foi educado e sorridente ao cumprimentar minha família, mas depois voltou a ser o guarda que foi escolhido para ser. Impenetrável. - Eles realmente estão atrás de você?
- Não exatamente. - falei, tentando ao máximo não mentir. Por que minha família não podia falar de vestidos, joias e futilidades na única vez em que me ajudaria? - É uma longa história e precisamos nos preparar para o almoço.
Meu alerta foi o suficiente para Candice seguir em direção ao banheiro para conferir a aparência. Apesar de Elise, Cleo e Meri estarem dispostas a nos ajudar, eu não estava pronta para apresentar minha mãe a elas. Não tinha certeza do motivo.
- O príncipe parece gostar de você. - Victoria provocou-me, aproveitando que estávamos praticamente sozinhas, cutucando minha cintura levemente.
Revirei os olhos, como fazia quando éramos menores.
- E seu amigo Samek do outro lado da porta? Ele não veio aqui por você, não é? - Vic sussurrou.
- É claro que não. Acho que ele sempre quis defender o reino. Além de ser uma forma de subir de casta. - dei de ombros, mentindo de verdade para minha irmã pela primeira vez desde que ela chegou. - Como somos da mesma Província, o príncipe achou uma boa ideia me dar um rosto amigo.
- O príncipe parece realmente gostar de você. - ela provocou novamente.
- Mas e você? Como está a vida de filha única?
- Filha única? Nossa mãe fala sobre essa Seleção o tempo inteiro, você parece mais presente agora do que antes. - ela disse rindo, aproveitando o espelho de corpo todo para arrumar o visual.
Apesar de Vic estar brincando, a verdade em suas palavras doeu. Eu estava feliz por deixar minha mãe orgulhosa, mas eu era tão ruim antes?
- Fico imaginando como vai ser depois.
- Depois do quê? - apesar da pergunta inocente de minha irmã, fingindo-se de desentendida, soube, por sua expressão através do espelho, que Victoria estava desconfiada. Ela não estava errada, eu realmente não sabia como seria depois de eu virar princesa, mas ainda não estava pronta para compartilhar aquilo com minha irmã.
- Depois que eu me casar e ela não tiver mais poder sobre mim. - respondi óbvia, aceitando o silêncio de Vic como resposta, já que minha mãe abriu a porta do banheiro. Apesar de Vic ser alguns anos mais velha, eu lembrava claramente de quando ela saiu de casa e da inveja que senti da sua liberdade.
- Deixe-me arrumar seu cabelo, . - Candice pediu, já partindo para a escova em cima da mesinha. Apesar do penteado de Elise mais cedo estar intacto, sentei na poltrona, deixando minha mãe fazer seu trabalho.
Além do cabelo, minha mãe só aceitou ir encontrar com meu pai e o marido de Vic depois de retocar minha maquiagem. Me deixando impecável à espera de . O príncipe demorou apenas alguns minutos para bater em minha porta, mas pareceu uma eternidade. Eu estava nervosa.
- . - ele cumprimentou com um sorriso brincalhão, ainda parecendo orgulhoso de sua brincadeira no jardim. - Está ainda mais bonita do que antes.
Agradeci, apesar de ter mudado apenas o penteado. Era estranho falar com sabendo que Drew estava a alguns passos, nos dando uma privacidade falsa.
- Está pronta?
- Na realidade, podemos conversar?
- Agora?
- Sim, por favor. - pedi, indicando que o príncipe entrasse em meu quarto vazio.
- Está tudo bem? - ele perguntou enquanto eu fechava a porta, não antes de ver Drew apoiado na parede do outro lado do corredor, me encarando de forma enigmática.
- Está, mas você acha que devemos contar tudo para minha família agora no almoço? - perguntei, apesar de já saber a resposta.
- Achei que tínhamos concordado sobre isso. - parecia confuso.
- Nós concordamos em contar para eles, mas não achei que seria no primeiro momento possível. - eu disse, deixando transparecer meu desconforto.
- O que te deixa nervosa? Você teme pela reação deles?
- Sim. - suspirei. - Eu sei que minha mãe vai ficar feliz com o casamento, mas a parte dos rebeldes? Eu não faço ideia do que esperar. Ela já me perguntou se você realmente tem uma escolhida e está usando a Seleção como distração para o povo. Ela já quer discutir o meu futuro.
tentou não rir, mas uma risada fraca escapou, me fazendo rir um pouco também, apesar de ainda não gostar da ideia, era engraçado como minha mãe fez questão de falar sobre meu casamento no primeiro momento possível, assim como planejou.
- , eu entendo o seu medo, mas você precisa ser justa com sua família. - disse, o mais calmo que pôde. - Eles merecem saber a verdade, merecem entender os guardas em suas portas e o perigo que você corre. Eles precisam de tempo para se preparar para as mudanças e, mais ainda, precisam de tempo ao seu lado para tirar todas as dúvidas. Eu sei que está com medo, mas eu estou pensando no melhor para você. Espero que você entenda isso… Assim como você me mostrou como lidar com Ícaryo, quero lhe mostrar como lidar com seus pais. - ele disse, esperando eu assentir antes de continuar. - Agora você pode lidar apenas com sua família, discutir coisas importantes, sem a mídia, a burocracia e as normas no seu colo. Eles podem digerir as coisas antes dos boatos, das decisões e do governo intervir em tudo. Eu sei como é ter os assessores cobrando a todo instante, aproveite esse momento de paz.
Pisquei algumas vezes, não podia estar mais certo. Mesmo que eu temesse a reação da minha mãe, seria infinitamente mais fácil lidar com ela agora, do que se ela descobrisse por meio de um anúncio oficial.
- Você tem razão.
- Só tem uma coisa, .
- O quê?
- Temos um termo de confidencialidade, um termo que os impede de compartilhar qualquer informação… O mesmo que você assinou para entrar aqui. Precisamos pedir para que assinem antes de contarmos sobre tudo, pois serão revelados muitos segredos. Segredos que intervêm na segurança do país.
- Não precisamos dar detalhes. - falei, demonstrando meu desconforto com a ideia. Como eu podia fazer isso com eles?
O termo é inegociável, desculpe. Eles terão que assinar depois de qualquer maneira, vem junto com a nova casta. - disse, dando de ombros. Eu conseguia entender como um termo de confidencialidade podia ser normal na família dele, mas na minha?
- Tudo bem. - falei, derrotada. Por que no fim sempre parecia que eu não tinha escolha? Respirei fundo. Eu precisava confiar na experiência de , até porque, precisaria da ajuda dele para lidar com meus pais.
- Eu posso falar sobre essa parte, se você quiser.
- Não, pode deixar comigo.
- Você decide, . Hoje o almoço é sobre você. - queria demonstrar apoio, talvez dizer que não estava tomando uma decisão por mim como já fizera tantas vezes, mas, apesar de eu saber que o príncipe tinha razão, não consegui evitar passar todo o caminho até o terraço sentindo que ele estava me forçando a fazer aquilo. Pelo menos Drew não nos acompanhou. Teria que lidar com ele mais tarde, claramente ele havia percebido que eu não havia sido expulsa, mas será que ele entendia por que havia marcado aquele almoço?
Assim que entrei de braços dados com o príncipe, minha mãe, meu pai, Vic e Arnold se ltaram de suas cadeiras. Os garçons já haviam servido vinho para os convidados durante a espera.
- Senhores, senhoras, fico feliz em vê-los novamente. - disse alegre, sorrindo.
- Alteza. - todos cumprimentaram, reverenciando como mandava a etiqueta.
- Espero não tê-los feito esperar muito, mas tive um imprevisto. - ele disse, justificando minha demora.
- Não se preocupe, Alteza. O vinho já foi uma ótima companhia, saberia dizer de qual região este é? - meu pai disse, fazendo seu papel.
olhou para o garçom, que trouxe uma taça para cada um de nós antes mesmo do príncipe precisar pedir. Aceitei a minha e virei um longo gole enquanto via provar para responder meu pai. Percebi os olhos atentos de minha irmã.
- Sul, provavelmente uma garrafa de uns 30 anos. - o príncipe disse, deixando meu pai surpreso. Apesar de continuarem falando sobre as uvas e a data de fabricação do vinho, fomos nos acomodando na mesa. Minha família havia deixado uma das pontas para , assim como seu lado direito para mim. Ao meu lado estava minha mãe, enquanto meu pai sentava na outra ponta e Vic e Arnold na sequência, lado a lado.
Os garçons aproveitaram para nos servir a entrada, enquanto minha mãe aproveitou alguma deixa da conversa para elogiar o castelo, claramente querendo livrar qualquer suspeita da sua imagem que eu possa ter criado na primeira entrevista.
Apesar de eu saber que meus pais estavam nervosos, conseguia ver como éramos bons naquilo, a conversa fluía fácil, com assuntos de interesse do príncipe mas nem um pouco íntimos ou constrangedores.
Estávamos finalizando a sobremesa quando discretamente fez sinal para que eu tocasse no assunto principal daquele almoço. Suspirei, concordando. Eu precisava fazer aquilo, não por , mas pelas pessoas sentadas à minha frente.
- Mãe, pai, nós precisamos conversar. - eu enfim disse, tentando mostrar na minha voz o quanto o assunto era sério. - Quero falar principalmente sobre os guardas lá em casa.
Minha família assentiu, parecendo pouco surpresa com o assunto. Estava claro que eles esperavam por uma explicação melhor.
- Eu não contei à Vic naquele dia porque se trata de um assunto de segurança do Estado, um assunto que para vocês saberem é necessário assinar um termo. - falei, achando ser o melhor caminho para explicar o documento que, com um gesto de mãos de , o garçom trouxe para nós. não falou nada, aceitando o caminho que eu seguia.
- Claro, tudo bem, filha. - meu pai disse, pegando o documento e passando os olhos antes de assinar.
- Os senhores podem ler com calma. - o príncipe disse, parecendo temer a pouca explicação que eu havia dado. Mas que escolha minha família tinha? Eles seriam obrigados a assinar aquilo em pouco tempo.
- Nós não nos interessamos por fofoca, Alteza. Só queremos a verdade. - Vic disse, fazendo assentir depois de receber quatro documentos assinados e entregar para o garçom, o qual saiu do terraço e, como já era de se esperar, não voltou.
- A verdade é difícil, Vic. - eu finalmente disse, vendo seus olhos surpresos unirem-se aos dos meus pais. Até Arnold parecia desconfortável com minhas palavras. - Os rebeldes sulistas estão realmente atrás de mim. Não porque me pegaram sem querer em um ataque, mas porque fizeram o ataque para me encontrar. E eles quase conseguiram. - falei, preferindo esconder meus machucados.
- O que isso quer dizer, ? - meu pai perguntou, claramente preocupado com a segurança de sua família, incluindo a minha.
- Eu estou lidando com eles. Nós estamos. - eu disse, olhando para que assentiu, permanecendo calado e me dando espaço para prosseguir. - De forma resumida, eles querem me tornar rainha e então atacar a família real, me deixando sozinha com o trono. O Chefe deles acha que pode ser rei assim. Ele acha que pode acabar com todos e se casar comigo.
- Como é? - minha mãe perguntou chocada, sua etiqueta não sendo o suficiente para esconder o choque e desprezo por minhas palavras.
- É um plano ambicioso, mas possível. - disse, parecendo se esforçar para me deixar prosseguir com a conversa.
- Mas por que eles acham que você faria isso? Por que se casaria com esse homem? Digo, depois de ser rainha. - minha mãe perguntou horrorizada, parecendo querer deixar o assunto do meu primeiro possível casamento para depois.
- Porque eu disse que faria. - admiti. - Prometi ajudá-los para salvar a vida de Drew.
A cada nova informação eu parecia deixá-los ainda mais confusos, então resolvi falar toda a verdade de uma vez.
- Quando vim para cá, Drew foi enganado por eles… - falei, engolindo em seco, as palavras se formando em minha mente. Eu contaria tudo? - Como Drew sabia que eu não queria vir para a Seleção, aceitou se unir aos rebeldes sulistas para me tirar daqui. Drew queria me salvar. Mas os rebeldes usaram ele. Era tudo mentira. Depois, usaram nossa amizade para me obrigar a me aliar a eles, mas para minha sorte, eu e já vínhamos conversando há um tempo, então pude ser sincera com o príncipe. No fim, salvei Drew e fiz os rebeldes do sul acharem que eu estou do lado deles, mas quando acabo me encontrando com eles, consigo informações para o governo.
- , isso é… - mas meu pai foi incapaz de continuar.
- Isso não é nem metade. - eu disse. - Ainda temos que falar sobre os rebeldes nortistas.
- Eles estão atrás de você também? - minha mãe estava abismada.
- Não. Eles estão do nosso lado, de verdade. Desde que eu entrei na Seleção eles vieram atrás de mim, porque pelo meu sobrenome sabiam que eu estaria aqui. - admiti, vendo minha mãe lamentar por um segundo o motivo de tudo isso, mas logo continuei a falar e ela só conseguia se esforçar para absorver a verdade. - Mas eles não querem violência, eles e tem planos parecidos para o futuro. Planos que me incluem. Para satisfazer os nortistas, eu e vamos nos casar.
E então eu disse. Ficamos em silêncio à espera da reação deles. Eu sabia que se tivesse iniciado a conversa pela notícia, nesse momento teríamos comemorações, brindes e abraços emocionados. Mas eu comecei pela verdade, pelo perigo que havia me envolvido e pelo peso do meu destino. Minha família não podia comemorar. E eu não queria que comemorassem.
- Você vai ser princesa, então. - minha irmã disse, parecendo absorver as palavras. - Mas como você vai evitar que os rebeldes do sul te façam cumprir o que você prometeu?
Olhei para , pedindo com os olhos que ele explicasse.
- Sabemos que é muito para assimilar e espero que saibam que estamos cuidando da segurança de todos vocês, principalmente da . Eu não deixarei que nada aconteça com ela. - disse, garantindo algo que eu sabia que ele não tinha como cumprir totalmente. E então continuou, respondendo Vic: - Nós estamos nos preparando para entrar em guerra com os sulistas, se necessário.
Era necessário. Mas, assim como eu, estava tentando amenizar a situação.
- Uma guerra civil? - foi a primeira vez que Arnold falou. - Por isso mais recrutamentos? É disso que se trata o ataque às vilas?
apenas assentiu, esperando a reação dos demais, mas eu percebi que não viria.
- Quando a guerra for anunciada, os sulistas vão perceber que eu não consigo mais cumprir o que eles pediram, vão achar que eu me rebelei contra eles ou vão esperar que eu dê informações importantes. De todo o jeito, eu, vocês, todos serão um alvo. Vocês vão precisar se esconder, se mudar, se proteger… - eu disse, chegando no ponto principal da conversa: o futuro deles. - E eu realmente sinto muito por isso. - disse, sentindo a voz falhar. Eu não queria acabar com a vida da minha família.
pegou na minha mão por cima da mesa, um gesto que não passou despercebido por minha família. Era isso. Eu seria princesa, depois rainha, além de uma traidora. Apesar de estar lidando com aquilo havia tantos dias, ver a surpresa da minha mãe e o desespero de Vic, que segurava a mão do marido, partiu meu coração. Não era o futuro que eles esperavam e nem de perto era o futuro que eu pretendia dar para eles.
- Se houvesse alguma opção mais segura, se eu pudesse voltar atrás, eu faria. faria. Mas realmente não temos outra opção. - falei rápido, implorando que entendessem que eu jamais quis prejudicá-los.
- Você espera que a gente vá viver onde? E Arnold? Ele ainda tem alguns anos de mandato. Nós sabíamos que nossa vida mudaria se você ganhasse a Seleção, mas se esconder? - Vic disse, parecendo chateada com toda a situação. - Por que você prometeu isso para eles?
- A situação não mudaria. - disse, incapaz de esconder o desconforto na voz. Eu sabia que no fundo Vic não queria me culpar por tudo o que estava acontecendo, mas naquele momento era exatamente o que ela estava fazendo. - Os rebeldes do sul vieram atrás da por minha causa. salvou minha reputação e do meu governo mais de uma vez. O acordo que ela fez para salvar seu amigo foi uma forma inteligente de tirar proveito de uma situação que já era desfavorável. - ele disse firme, soando o soberano que sabia que era. - Sobre a moradia de vocês, temos diversas opções de residências reais para acolhê-los durante a guerra, locais menores, preciso admitir, mas ao mesmo tempo seguros. Após o fim da guerra, vocês poderão escolher qualquer residência que interessar nas regiões do castelo.
- Obrigado. - meu pai disse, parecendo o suficiente para calar Vic e minha mãe. Ele havia decido.
- Sobre o futuro de Arnold, gostaria de conversar com o senhor sobre algumas opções de promoção que tenho em mente, permitindo que fique próximo de sua esposa e futuramente, que ambos fiquem próximos de . - disse para meu cunhado, me surpreendendo. Não conversamos sobre aquilo, mas pela certeza do príncipe na proposta, eu sabia que ele já havia pensado e discutido opções com o rei. - Caso o senhor tenha algum pedido, podemos discutir também.
- O senhor já me deu tudo o que eu podia pedir, Alteza. - meu pai respondeu sem hesitar. - Deu segurança para minha família. Eu e Candice estaremos disponíveis para a futura rainha o quanto for preciso. - ele então olhou para mim. Meu pai estava falando de mim. Eu era a futura rainha. A futura rainha do meu pai.
- Ele tem razão. - minha mãe disse, pegando minha mão. Expressando pelo aperto forte tudo o que eu sabia que não diria na frente do príncipe. Minha mãe estava com medo, com medo por ela e por mim.
- Eu acho que é o melhor mesmo. - Vic disse, deixando para lá qualquer contrapartida a ideia. Ela parecia ter percebido o mesmo que eu: não havia outra opção.
Meu pai sorriu, o que foi o suficiente para nós três respirarmos fundo. Se meu pai estava confiante, nós também estávamos. Arnold estava calmo, parecendo aceitar a promoção e a mudança de casa como algo a adicionar na agenda. Talvez fosse seu lado político falando. Percebi pelo relaxamento na postura de que a tensão pela reação da minha família havia sumido, estávamos bem.
- Então, apesar dos pesares e das dificuldades, gostaria de desejar as boas-vindas a nossa família vossa Alteza. E agradecer por ter escolhido nossa filha como futura soberana deste reino. - meu pai disse, erguendo sua taça, parecendo extremamente satisfeito.
sorriu, agradecendo o senhor e já pegando sua taça para o brinde. O clima de celebração atingiu minha mãe, que pegou sua taça, fazendo com que eu, Vic e Arnold fizéssemos o mesmo.
- Que e o príncipe tenham um futuro feliz, seguro e duradouro. - minha mãe disse, rindo ao frisar pela segurança, finalizando o brinde e bebendo um longo gole.
sorriu para mim antes de molhar os lábios. Vic sussurrou algo para o marido e segurou sua mão, a proposta de parecia ser satisfatória para ambos.
- Obrigada por compreenderem. - eu disse, me sentindo aliviada e assustada ao mesmo tempo. Eu estava extremamente contente por minha família ter aceitado tudo no fim das contas e por sua educação na frente de evitar qualquer tipo de pergunta constrangedora, mas eu sentia minha mão tremer levemente ao levar a taça aos lábios. Era isso então? Eu estava brindando o meu futuro como princesa? - Lembrem-se que ainda é segredo. Eu e não temos pressa para acabar com a Seleção, esse tempo está sendo útil para planejar ações com os rebeldes.
Meu comentário foi a deixa que Arnold precisava para perguntar para sobre os novos recrutamentos, os rebeldes e a guerra. Como se tratava de curiosidades históricas, mesmo que atuais, e sobre nossa segurança, não precisou muito para meu pai começar a opinar no assunto deles. Em pouco tempo, eu, minha irmã e mãe pedimos licença e seguimos para os sofás, cada uma com sua taça. Respirei fundo.
- Me desculpe por aquilo, é só… - Vic parecia envergonhada, mas eu a entendia, mesmo ela sendo incapaz de finalizar a frase.
- Não se preocupe. Eu sei que é muita coisa. - suspirei.
- Você está bem? - Vic perguntou assim que nos sentamos, o tom em sua voz indicava uma preocupação genuína.
- É difícil. - admiti, percebendo que não queria fingir que estava tudo bem para minha família. - se preocupa comigo e nós estamos conversando um pouco mais sobre as coisas, mas ele ainda é o príncipe e - respirei fundo - eu conheço ele há poucos dias.
- Ele parece gostar de você. - minha mãe disse. Nessa hora nós três olhamos em direção a mesa. Apesar do assunto sério, eu conseguia ver a postura receptiva do meu pai e até de , eles estavam bem com a nova relação que haviam descoberto entre si.
- Ele não gosta. - afirmei, deixando minha mãe e Vic confusas. - Nosso acordo é sobre rebeldes e apoio político. Não tivemos tempo para algo mais.
- Vocês terão. - Candice disse, parecendo esperançosa para o futuro.
- Provavelmente sim.
- Vocês já têm alguma data?
- Não, não temos pressa em anunciar nada. Eu e ele não estamos prontos… Eu não estou pronta para virar princesa. - admiti. Vendo Vic e minha mãe concordarem, será que era isso que ela esperava quando preencheu a ficha de inscrição por mim? - Mas não precisamos de data, o objetivo é que vocês comecem a se organizar para sair de casa assim que voltarem. Podem dizer que vão viajar, visitar algum primo distante… Só não digam para onde vão. O ideal é que vocês já estejam instalados antes de anunciarmos o casamento. Vai ser bem mais fácil. Podemos dizer que as negociações com o novo cargo de Arnold obrigaram vocês a mudar de cidade, tanto faz.
- Você não quer que a gente fique aqui com você? - minha mãe perguntou. Não saberia dizer se ela estava chateada por eu ter que passar por tudo sozinha ou pelo prestígio e destaque que ela perderia.
- Não é seguro. Os sulistas conseguem entrar aqui. - falei baixo, como se estivesse com medo de ser ouvida, mesmo que apenas e minha família estivessem ali.
- Aqui no castelo? - minha mãe também sussurrou. - Como isso é possível?
- Não sabemos ainda. O príncipe está tentando descobrir. O rei já sabe sobre tudo, então está mais fácil agora…
- O rei sabe que você é a escolhida?
- Sabe, mãe.
- Então eles saberão quem somos no baile de hoje à noite? - apesar de ficar feliz com a reação de minha mãe na conversa do almoço, eu não podia esquecer que ela ainda era Candice .
- Eles não vão falar nada mãe, é segredo. - Vic logo disse. - Além disso, vai ser a rainha um dia, não é nada demais.
Sorri. O comentário de Vic foi o suficiente para fazer minha mãe se acalmar e lembrar que havia problemas muito maiores do que a convivência dela com a família real. Mas ao mesmo tempo eu sabia que ela estava se perguntando se o vestido que trouxe era o suficiente para o seu novo posto.
- Certo, me desculpe. - minha mãe disse, fingindo deixar o assunto de lado. - O que dizia sobre os sulistas?
- Não sabemos muito, Drew tem ajudado bastante, mas depois que tirei ele de lá, os sulistas foram obrigados a mudar as estratégias.
- E os nortistas? Também entram aqui?
- Sim, mas eles são convidados agora. No início eram apenas infiltrados, agora são parceiros. - disse, preferindo manter a identidade de Aurora e Serena em segredo.
- E você concorda com eles?
- Sim, até que sim. Eles acreditam e lutam por muitas coisas que eu já acreditava.
- Como o quê? - minha mãe perguntou.
- Como não precisar ter o futuro decidido ao nascimento. - disse, aproveitando a deixa para cutucá-la. Apesar da minha Casta não ter decidido meu futuro, meu sobrenome havia e era basicamente a mesma coisa. Eu nasci para estar na Seleção.
- Espero que você esteja contente com isso agora. - Candice respondeu exatamente como faria antes, sem dúvidas de que estava fazendo o certo. Apesar de eu estar muito mais confortável com minha realidade naquele terraço como jamais estive, eu estava longe de estar contente por ela. Eu gostava de , vê-lo deixando meu pai satisfeito e orgulhoso sentado em uma mesa com Vossa Alteza Real o Príncipe Herdeiro me deixava em paz, mas lembrar de Drew em algum lugar pelos corredores, de Serena no abrigo e do Chefe invadindo comércios locais me dava um embrulho no estômago conhecido.
- Acho que devemos descansar para nos preparar para mais tarde. - Vic disse, poupando-me de responder aquilo.
Minha mãe concordou, aproveitando a deixa para ficar de pé e chamar meu pai. Respirei fundo, tentando entender o lado dela. Eu conseguia ver só pela postura dela indo até a mesa que ela estava feliz e orgulhosa por estar ali, mas será que ela não entendia o custo de tudo aquilo?
- Muito obrigada pelo almoço, Alteza. - escutei meu pai dizer, me fazendo ltar e seguir até eles, Vic também já estava ao lado de Arnold, o almoço havia acabado.
Sorri ao me despedir deles, prometendo que logo os encontraria. Mas assim que minha família saiu do terraço, suspirei, sentando no sofá. Eu estava cansada e confusa, ao mesmo tempo que estava grata por ter sido sincera e mais ainda, por ter se oferecido para fazer aquilo comigo, eu sabia que nos próximos dias haveria diversas perguntas.
- Como se sente? - perguntou, sentando-se ao meu lado.
- Exausta. - eu disse, jogando-me ainda mais no sofá e fechando os olhos, de forma levemente teatral. - O que você achou?
- Eles são surpreendentes, . Acho que eu nunca conheci pessoas tão prontas para isso. - ele disse, me fazendo rir.
- Você avalia as pessoas com base na capacidade de se tornarem parte da sua família?
- Não, mas eles sim. - o príncipe riu, dando de ombros. - Acho que eles reagiram bem, dentro do possível.
- Na sua frente sim. - disse, suspirando ao lembrar do comentário da minha mãe. - Mas foi bom, dá a eles tempo para pensar antes de me bombardearem com perguntas.
- Seu pai me fez algumas perguntas sobre sua segurança, ele entende de algumas coisas.
- Ele deve estar preocupado.
- Eu também estou.
- Com eles?
- Não. Depois do que conversamos com Serena, não acho que sua família seja de alguma utilidade para os sulistas, principalmente em meio a uma guerra, mas você…
- Você acha que o Chefe vai pensar que eu tenho alguma relação com a guerra?
- Não. O mais óbvio é ele pensar que você está tão surpresa quanto ele… você sabe que mulheres raramente se envolvem nesses assuntos, além disso, nosso casamento ou noivado será extremamente recente, ou você ainda será uma Selecionada… - ele acrescentou, mas sabíamos que era a opção menos provável - É difícil dizer, mas não vejo formas do Chefe achar que você sabe algo sobre a guerra.
Suspirei, sentindo a cabeça latejar.
- Mas se ele achar que eu não tenho relação com a guerra, vai querer informações? Não faria muito sentido, pois eu, na teoria, não as teria.
- Não sei dizer. Mas é o que eu faria. Ou usaria você como arma para atacar o inimigo. - ele disse, sentando-se na poltrona mais próxima. - Ele pode pedir para você nos matar, .
- Não faria sentido, você precisa virar rei antes. - eu disse, rindo ao perceber o que estava falando. também riu, concordando. - Só se ele agir contra seu pai.
Assim que eu percebi o quanto minhas palavras faziam sentido, me assustei, temendo pela vida do rei. Eu obviamente não seria capaz de matá-lo, mas de repente tinha certeza de que os sulistas achariam uma forma. , entretanto, não se abalou, claramente ele já havia pensado nisso.
- Sabemos que é uma opção. Isso apressaria minha coroação e automaticamente o casamento. Faria sentido vendo o lado dos rebeldes, mas… - ele respirou fundo. - Meu pai quer me passar o trono antes, . Antes de oficializarmos a guerra contra os rebeldes.
- Nesse caso, o Chefe terá exatamente o que quer. Só resta saber se ele verá a guerra como uma traição ou oportunidade.
- Pode ser qualquer um dos dois, mas ainda acho pouco provável que ele pense que você tem relação com isso. O Chefe não confiaria essas informações a você, então ele não deve achar que o governo ou os nortistas dariam. O que me preocupa é ele usá-la para vencer a guerra. Não apenas para matar a família real, mas como arma de troca. Entende o que eu quero dizer?
Precisei pensar por alguns segundos. Eu entendia o que queria dizer e eu realmente acreditava que o Chefe seria capaz de me sequestrar e obrigar a baixar as armas, mas o governo jamais faria isso, não por uma mulher qualquer, mesmo que princesa. Se o Chefe achasse que eu havia me rebelado contra ele, nosso acordo teria fim e eu seria oficialmente uma traidora, mas se eu fosse uma fonte de informações, o que ele faria?
- A gente poderia dizer para ele que eu tenho informações.
- Como assim? - não havia entendido minha ideia.
- Se eu fosse útil para eles sendo Selecionada ou princesa, eles não me achariam uma traidora, nem correria o risco de me tirar do castelo para pedir por algo, porque eu seria mais útil exatamente onde estivesse. Depois de ganhar a confiança do Chefe, podemos preparar uma armadilha, podemos fazer ele acreditar em mim e então nós o derrotaríamos.
- … - ele claramente não achava uma boa ideia, sequer parecia acreditar que eu seria capaz.
- Pense bem. É o mais seguro para todos. É o mais fácil. O Chefe não me sequestraria, porque eu seria mais útil aqui no castelo do que com ele, e não acharia que eu era uma traidora, porque eu daria informações assim que descobrisse. - a ideia parecia perfeita em minha mente, cada peça se encaixando. - Eu realmente poderia ser fonte de informações. Eu falaria para ele o que você me pedisse. E usaríamos isso contra ele. Nas primeiras informações deixaríamos ele sair ganhando, talvez até na segunda, até que um dia ele cairia em uma armadilha, a guerra poderia acabar antes de começar.
- Não. - ele disse simplesmente, ficando de pé. - Você não vai voltar a encontrar aquele homem, . Muito menos em meio a uma guerra. Ele te mandou uma aliança.
- Mas é o mais seguro. - falei lógica.
- Não tem nada de seguro você enviar informações ao líder da maior organização contrária ao governo, . - ele disse, a irritação transparecendo na voz. O soberano calmo e inexpressivo sequer parecia existir.
- O que é mais seguro, me manter trancada no castelo?
- Você pode ir morar com seus pais.
- É sério? E daí além de me colocar em risco, vamos colocar um alvo em toda a minha família? Se eu for embora do castelo, sendo Selecionada, ou princesa, o Chefe vai ter certeza absoluta que eu sou uma traidora.
negou, balançando os cabelos.
- Você não vai voltar a ver o Chefe. - ele afirmou, grosso, a irritação já o consumindo.
- Você claramente não está pensando direito. Eu não quero ir. Você entende isso, não é? - falei, ficando de pé, cansada da forma com que estava sendo tratada. - Só que não vejo uma saída melhor. Se der certo, você acaba com os rebeldes sulistas e pode ter um reino de paz. Os ataques acabam, as ameaças acabam… tudo acaba antes de começar.
- Eu… - começou parecendo lutar uma batalha interna. - E se der errado? Daí o que eu faço?
- Daí você usa minha morte como desculpa para se rebelar, justifica a guerra e tira toda a credibilidade daquele homem. - eu disse simplesmente, sem vacilar.
- , você sabe que isso é loucura.
- Eu sei. Mas tudo o que fizemos desde que nos conhecemos é loucura, .
O príncipe piscou, incapaz de falar qualquer coisa enquanto me encarava. Eu estava certa. Ser sequestrada no primeiro dia de Selecionada, entregar uma carta rebelde ao vivo, me aliar aos nortistas, usar símbolos de apoio, me aliar aos sulistas no meio de um sequestro, fazer um Juramento de sangue para salvar a vida do meu melhor amigo, prometer me tornar princesa na calada da noite… tudo era uma completa loucura.
- Eu preciso ir, minha família está no castelo e não quero deixá-los muito tempo sozinhos. Obrigada pelo almoço, Alteza.
***
Assim que cheguei ao andar das Selecionadas, fui instruída por um dos guardas escalados para a proteção extra das famílias a seguir para o Salão das Mulheres. Suspirei. Eu estava contente pela chegada da minha família e pelo clima de festividade que havia invadido o castelo, mas naquele momento eu só queria ir para meu quarto e pensar.
- Obrigada. Eu só gostaria de trocar os sapatos. - falei para ele, justificando minha entrada no corredor ao invés de seguir escadas abaixo.
Ele assentiu, usando o rádio para avisar para minha escolta o que eu estava fazendo. Suspirei. Sabia que era o trabalho dele, mas eu só queria ficar sozinha. Queria pensar. Pensar no almoço, pensar na guerra, no casamento e em Drew. Eu sabia que havia destruído nossa relação, que havia o rebaixado ao cargo e a algo inferior a mim. Mesmo que nada do que eu tenha dito seja a forma como eu pensava, eu sabia que havia acertado em cheio. Eu não merecia seu carinho ou sua amizade, mas naquele momento a única coisa que eu queria era subir com ele em cima da árvore e chorar em seus braços, lamentando por tudo. De repente ir para a Seleção havia se tornado o menor dos meus problemas, agora eu temia por vidas. Temia pela vida dele, pela vida da minha família e pela vida de milhares de pessoas que morreriam em meio a guerra. Vidas inocentes. E eu era capaz de temer mais por aquelas vidas do que pela minha.
Abri a porta do meu quarto em meio às lágrimas, sentindo-as me consumirem assim que vi que estava sozinha. Eu estava farta daquilo, farta de me sentir sufocada pelo mundo, farta de me encontrar em um canto vazio chorando pela vida que parecia ter me engolido. Eu tinha decidido aceitar o casamento com , eu sabia que esse seria meu dever no dia em que fui escolhida, só não estava pronta para tanto. Eu estava com muito medo. Estava com medo de não conseguir convencer o Chefe, estava com medo de encontrá-lo novamente, estava com medo de estar errada. Mas eu estava com mais medo ainda de viver uma guerra. E, mesmo que não conseguisse admitir, o que mais me apavorava dentre todas as ideias era me casar com e me tornar princesa.
- ? - escutei Drew chamar, encarando-me pela porta com seu uniforme todo engomado, enquanto eu tentava inutilmente secar as lágrimas. - Você está chorando?
- Não. - falei, mas era claramente uma mentira. Eu também estava farta daquilo, de ter que mentir para todos o tempo todo, porque a verdade era ruim demais.
- O que aconteceu? - ele perguntou, ignorando minha resposta e qualquer sinal de cautela quando entrou nos meus aposentos e me abraçou.
Apesar de eu ter controlado as lágrimas com sua chegada, ter seu corpo forte envolvendo o meu e apresentando um acalento que eu sabia que não merecia, eu simplesmente desabei. Drew tinha cheiro de casa, de conforto e de segurança. Eu não queria fazer aquilo com ele, não queria usar meu melhor amigo e brincar com os seus sentimentos, mas eu simplesmente não tinha mais forças para afastá-lo. Eu precisava dele. Eu estava tão farta de tudo.
- Por que você veio aqui? - perguntei, sabendo que os soluços me impediam de ser clara.
- Com sua família aqui, nossos turnos aumentaram. Estou com você quase todo o tempo. Os outros vão cuidar do seus pais, Vic e Arnold. - ele respondeu calmo, não deixando transparecer na voz como se sentia com aquilo. Tentei respirar fundo. Eu queria saber. Queria que Drew deixasse claro como ele se sentia com tudo o que estava acontecendo, eu queria entender o que se passava na mente teimosa dele.
- Não hoje. - falei, esforçando-me para soltá-lo. - No castelo. Por que você veio aqui?
- , eu já disse…
- Então por que não foi embora quando te pedi? - as lágrimas já escorriam mais lentas, o desespero nebuloso dando lugar a raiva. Eu estava com raiva de Drew, raiva por ser tão imprudente e teimoso. Estava com raiva por ele não ter me ouvido, não ter valorizado o quanto eu me esforcei para salvá-lo, estava com raiva por ele escolher a mim ao invés dele.
- … - ele disse baixo, dando um passo para se aproximar novamente.
- Não. - pedi, indicando que ele parasse. - Eu quero saber a verdade. Eu implorei para que fosse embora.
- Eu não posso deixá-la.
- Por quê? Eu não mereço você, Drew. Não mereço sequer sua amizade. - respirei fundo, percebendo o quanto eu estava certa. - Você está metido nisso tudo por minha causa e isso é errado. Você precisa ir embora.
- Você está errada. Você salvou minha vida, . - ele disse, se esforçando para manter a voz calma e baixa, bem diferente de como eu agia. - E eu não estou falando apenas dos sulistas, estou falando da vida que passamos juntos, do quanto eu me esforcei para ser bom para você. Do quanto eu cresci. Eu sou quem eu sou hoje, por sua causa.
- Do que você está falando?
Ele riu sarcástico.
- Estou falando das vezes que escolhi fazer o certo, porque era o que você faria. Das vezes que escolhi ser forte, rápido e maduro porque eu queria que você tivesse orgulho de mim. De como aprendi a amar, a respeitar e a valorizar com você. Estou falando do quanto você me fez melhor. - ele suspirou. - Eu já entendi que você não me ama de outro jeito, mas eu sei que você se importa comigo e eu me importo com você, não vou te deixar aqui sozinha.
- Eu quero que você vá embora. - pedi, a voz falhando pela emoção. Não queria ouvir nada daquilo. Drew estava certo, eu o amava. Eu não queria me casar com ele, mas a verdade é que eu não queria me casar com ninguém. Entretanto tinha um motivo para se sacrificar, para aceitar um casamento sem amor, para escolher uma esposa com limitações, Drew não. Drew podia ser feliz e ele merecia alguém que lhe desse tudo, principalmente amor. - Eu não quero que você esteja aqui quando tudo desmoronar. - admiti.
- Como assim, ?
Neguei com a cabeça, incapaz de falar algo sem voltar para as lágrimas incessantes. Precisava que Drew entendesse, precisava que ele fosse feliz.
- O que foi? - ele pediu novamente, seu corpo travado parecendo se esforçar para manter a calma.
- Eu vou me casar com ele. - eu finalmente disse. - Eu realmente vou me casar com ele. Isso significa que eu serei oficialmente uma traidora dos sulistas e uma moeda dos nortistas. E uma marionete do governo. - falei, sentindo-me derrotada pela verdade.
- Eu… - ele tentou, mas Drew sabia que eu falava a verdade e ele sabia que o futuro que me esperava era uma versão política do que eu temia, enquanto reclamava de minha mãe e da Seleção.
- Não temos mais o que fazer, Drew. escolheu os aliados e eu sou uma peça-chave nisso. Ele precisa vencer a guerra, ele precisa de mim. - admiti, percebendo que pela primeira vez eu não tinha nenhuma dúvida sobre aquilo. Eu me casaria com .
- Mas e você, ? - Drew perguntou, me olhando de uma forma que nunca o fizera antes. Meu amigo não estava apenas com raiva de mim, ele estava com pena e com medo.
- Eu?
- Sim. Do que você precisa?
Eu não sabia.
De repente percebi que jamais tinha me feito aquela pergunta. O que eu poderia querer no meio daquilo tudo? O que eu precisava para ser feliz? Eu não sabia. Entretanto, eu nunca soube. Nunca soube que profissão queria, que tipo de marido queria, que tipo de casa, que tipo de vida. Mas não importava, eu teria que me contentar com o que escolheram para mim. Ficar pensando em outras opções, quando já não existiam, não me serviria de nada.
- Preciso que você esteja a salvo. - falei, parecendo ser a única forma de conseguir que Drew fosse para casa. Assim eu teria uma pessoa a menos para me preocupar.
- Não, . - ele disse grosso, claramente irritado com a resposta. - Você precisa pensar em você um pouco. - O tom de voz aumentava a cada palavra. - Você precisa ficar segura. De que adianta significar tudo isso para tanta gente e morrer?
Ele me olhou. Drew esperava alguma reação minha, mas eu não sabia o que dizer. Eu não queria morrer, mas era uma possibilidade, não era? Eu sabia que o que eu tinha dito para era verdade, sabia que as minhas maiores chances eram agindo, que dependendo do quanto o Chefe estivesse disposto, nenhum muro de castelo seria capaz de segurá-lo. Mas eu não estava disposta a contar isso para Drew, afinal eu tinha certeza de que a primeira reação dele seria ficar e eu queria que ele partisse.
- , eu sei que você está em uma situação perigosa, mas você será a rainha deste País. Você precisa de amigos, de aliados, de pessoas que se importam com você antes de qualquer coisa. Precisa de alguém que não vá te pedir para ir a encontros no meio da noite ou trocar você por apoio, você precisa de alguém que pense na sua segurança. Porque nem você faz isso! - Drew passou as mãos pelo cabelo, esforçando-se para manter a calma. Me dando certeza: eu não podia falar das minhas intenções com ele. - E eu prometo a você que serei essa pessoa, mesmo que você não queira. Eu sempre estarei aqui para lutar por sua segurança e seus interesses. Posso conviver com a ideia de ser seu guarda para o resto da vida, mas eu não vou te deixar sozinha nesse castelo para morrer.
- Mas e você? - perguntei baixo, com medo não só de despertar mais raiva nele, mas também pela luta interna que havia dentro de mim. Drew estava certo, ninguém naquele castelo, nem mesmo meu futuro marido, estava mais preocupado comigo do que com o destino de milhares de pessoas e eu entendia isso, eu também concordava que milhares de pessoas valiam mais que uma, mesmo que essa uma fosse eu, mas ao mesmo tempo, saber que Drew estaria lá por mim era uma proposta que eu queria aceitar. Mas não podia. Meu melhor amigo não merecia o que me esperava no futuro.
- Eu poderia ter morrido em um ataque sulista qualquer. Ou, se desse sorte, sobreviveria até a guerra. Você sabe que eu assinei meu atestado de óbito quando me juntei ao Chefe. Tudo o que eu estou vivendo depois daquilo é lucro, . Lucro que eu gostaria de usar te ajudando. Lucro que você me deu. - ele disse, a voz agora um tom abaixo do normal. Drew realmente se sentia em dívida comigo, mas ele não precisava, não fiz o juramento ao Chefe esperando algo em troca de Drew, na realidade, fiz esperando que Drew fosse para casa na primeira oportunidade. Mas eu conhecia meu amigo, conhecia seus valores, sua índole e sua teimosia, eu sabia que perderia aquela discussão, assim como perdera todas sobre o tema até então.
- No momento que você tiver vontade de ir embora, você precisa me prometer que vai. Sem olhar para trás. No segundo em que você tiver dúvida se está disposto a passar por tudo o que tem pela frente, você irá voltar para nossa Província e aproveitar a vida pacata que sempre achamos que nos esperaria. - falei, deixando claro que não havia opções. Drew queria ficar, então teria que aceitar meus termos.
- Tudo bem. Não vai acontecer, mas se acontecer, eu irei. - ele disse, aceitando.
- Você também não pode se meter em riscos desnecessários. Você não vai para a guerra, afinal, eu não vou para a guerra. - falei, rindo ao notar minhas palavras.
- Feito. - ele nem precisou pensar.
- E em relação ao príncipe, estamos de acordo?
Apesar de não ser clara, Drew sabia do que eu estava falando. Entretanto, indo contra tudo o que eu esperava dele, ele sorriu, um sorriso de lado, malandro, um que eu já havia visto diversas vezes, sempre antes dele dar alguma ideia imprudente.
- Nós concordamos quando falamos que você precisa se casar com o príncipe por causa de rebeldes e do Estado. - ele disse, escolhendo as palavras com sabedoria.
- Drew…
- Eu sei, eu sei. Manterei um metro e meio de distância, vossa Alteza. - ele disse, fazendo uma reverência exagerada, o sorriso ainda presente nos lábios. - Com exceção de casos onde a senhorita precisará de mim mais perto, é claro.
Apesar de não estar acostumada com aquele tipo de insinuação vindo de Drew, não consegui fazer outra coisa a não ser rir. Não precisaria de Drew mais perto, então eu conseguia conviver com aquilo.
- Ótimo. Agora pare de me chamar assim. - falei, rindo. O desespero anterior sendo ofuscado totalmente pela familiaridade e sensação de conforto de ter Drew comigo. Sensação que só aumentou depois que percebi que ele realmente ficaria ali, pelo tempo que precisasse.
- Você vai falar para o príncipe?
- Sobre o quê?
Foi a vez de Drew me lançar um olhar óbvio.
- Ele te quis aqui. Quando pedi para que ele ordenasse que você fosse para casa, ele não quis. Então não acho que vamos ter problemas com isso.
Até Drew pareceu surpreso com a informação.
- Ele sabe que…?
- Não estaríamos tendo essa conversa se ele soubesse, o que fizemos é considerado traição. - falei antes que ele pudesse terminar. Apesar de ter dito para que Drew poderia ter algum tipo de sentimento por mim, isso não se compararia a beijá-lo, muito menos no castelo.
- Certo. - ele respirou fundo, contente por ter um segredo. - Agora você precisa ir para o Salão das Mulheres, as famílias estão lá para uma interação íntima antes de iniciarem os preparativos para o baile.
- Isso será ótimo. - a ironia na minha voz era impossível de não identificar. Eu não estava pronta para uma conversa com tantas pessoas, principalmente envolvendo minha família, mas eu precisava.
Troquei os sapatos, como havia dito que faria para o guarda no corredor e retoquei a maquiagem manchada pelas lágrimas antes de sair em direção ao Salão das Mulheres. O Drew que me esperava do lado de fora do corredor não era o mesmo que havia conversado comigo segundos antes, ali, a vista de todos, ele tinha uma postura exemplar, os braços atrás das costas e uma expressão séria, uma expressão típica para um guarda. Meu guarda. Sorri para ele, como normalmente não fazia, e dei um leve cumprimento de cabeça antes de seguir até o andar de baixo, sentindo-o ao meu encalço.
Caminhei lentamente até o Salão das Mulheres, tentando não apenas postergar minha chegada, mas também o momento que me separaria de Drew. Depois que parei de me irritar com sua presença atrás de mim, percebi que gostava muito de tê-lo por perto e saber que ele estava bem.
Era possível ouvir as conversas e a música do lado de fora do Salão, mas ainda sim fiquei surpresa com a quantidade de pessoas que encontrei do lado de dentro. Todas as mulheres das famílias das Selecionadas estavam ali, assim como a rainha e suas damas de companhia. O que me permitiu caminhar até vossa Majestade e cumprimentá-la com uma reverência ao mesmo tempo que sorria para Suzane, sentada ao seu lado.
- Boa tarde, senhorita . - a rainha disse, sorrindo verdadeiramente, deixando óbvio pelo olhar que sabia exatamente onde eu estava no almoço. - Fico feliz que tenha se juntado a nós, já tive o prazer de conversar com sua mãe e irmã, devo dizer que são mulheres adoráveis.
- Boa tarde, Majestade. Muito obrigada. - e então me despedi, sorrindo, antes de caminhar em direção a minha mãe e Vic, que conversavam no canto, próximo a janela, no final do salão. Só pelas expressões, eu sabia do que estavam falando.
Apesar de sorrir para Anne, Aurora, Natalie e suas famílias, não tive problemas em seguir diretamente para Victoria e nossa mãe, pelo visto todas estavam aproveitando o tempo para atualizar suas parentes.
- Vocês estão bem? - perguntei, aproveitando para me sentar em uma das poltronas vagas. O Salão fora novamente decorado para comportar com folga as convidadas.
- Sim, só estamos tentando processar tudo. - Vic disse, rindo fraco. - Sabíamos que existia uma chance de você ser a escolhida, já que ainda estava aqui, mas não achávamos que seria tão rápido, muito menos consideramos, você sabe, todo o resto. - assenti. Com a distância das pessoas mais próximas, misturada a música que era tocada por uma violinista no outro canto do Salão, ficava impossível que alguém nos ouvisse.
- Eu imagino.
- Achamos que o príncipe estava fazendo uma jogada de marketing quando ele disse na tv que já tinha uma escolhida.
- Ele estava. - respondi, vendo as duas me olharem confusas. - Quero dizer, é difícil de explicar e tudo aconteceu muito rápido, mas basicamente eu e decidimos que poderíamos nos casar por causa dos rebeldes nortistas, só que eu sempre achei que ele poderia mudar de ideia. Quando ele disse aquilo, não era para me anunciar de verdade, apenas para justificar a saída de tantas moças.
- E por que elas saíram?
- Por causa do ataque sulista.
- Eles queriam você mesmo? - minha mãe perguntou, aproveitando o assunto.
- Sim. - respirei fundo. - Parece que e seu governo tinham a pretensão de me escolher desde que viram meu currículo. É claro que existia a chance de se apaixonar por alguma garota, mas eles estavam prontos caso isso não acontecesse. Assim como o governo, os nortistas estavam de olho em mim, precisavam de alguém para fortalecer de vez a união entre e seus ideias. - falei, preferindo contar o mais perto da verdade que eu podia. - Então quando os nortistas deram sua cartada, o príncipe aceitou, então fomos capazes de definir de vez a relação entre os nortistas e o governo, eles estão totalmente conosco, agora. Só que no meio disso tudo, os sulistas souberam de uma ligação entre os nortistas e o príncipe e foi aí que agiram. Me pediram para espionar tanto quanto os nortistas, para eles. Aceitei, usando a oportunidade para salvar Drew e atualizar sobre os sulistas. - dei de ombros, sabendo que havia cortado diversos detalhes da situação, mas aquilo já era o suficiente para as duas entenderem que minha união com era totalmente política e que elas corriam perigo ficando na nossa Província.
- Você gosta dele? - Vic perguntou.
- Não o odeio. Estamos nos tornando amigos.
Ela concordou. Vic, ao contrário de mim, havia se apaixonado pelo marido no instante que o conhecera, mas eu esperava que ela entendesse minha situação.
- E vocês não tem prazo mesmo? - minha mãe parecia realmente interessada na minha vida.
- Não. Sequer acho que escolheremos… provavelmente vamos nos casar quando couber no calendário. Eu espero que ainda tenhamos alguns bons dias. não pode terminar a Seleção tão cedo, e ainda tem alguns compromissos para organizar a guerra. - falei tão baixo, que minha mãe e Vic tiveram que ler meus lábios. - Mas ao mesmo tempo, não consegue manter a Seleção e a guerra. Por isso que eu preciso que vocês se mudem o quanto antes.
- Sim. Vamos fazer isso. - minha mãe disse, parecendo disposta a cumprir seu dever sem reclamar.
- Obrigada, mãe. Obrigada a vocês duas.
- , eu… - ela engoliu em seco. - Eu quero que saiba que vamos estar aqui para você. - ela respirou fundo, parecendo ter dificuldade para deixar as palavras saírem. - Eu, seu pai e sua irmã. Sei que ser princesa não era exatamente seu sonho, mas é algo grandioso, . E coisas grandiosas requerem sacrifícios. Faremos isso com você.
- Obrigada, mãe. - falei, pegando em sua mão. Sabia que aquilo era o máximo de conforto que conseguiria dela e, por incrível que pareça, era o suficiente.
Vic sorriu, parecendo saber exatamente o que se passava na minha cabeça. Eu sabia que ela pediria mais detalhes depois, sabia que haviam coisas que ela não perguntaria na frente da nossa mãe, mas sabia também que ela estava tão certa daquilo quanto Candice. Elas estavam prontas para ser parte da família real, provavelmente mais prontas do que eu.
***
Ficou extremamente claro para mim que a rainha havia pensado em todos os detalhes quando, após uma caçada com os príncipes e o rei, os homens da família foram convidados a se unir a nós no Salão das Mulheres. Apesar de claramente interromperem alguns assuntos, os homens deixaram o ambiente ainda mais festivo, pois, junto deles, chegaram mais garçons, bebidas e aperitivos para satisfazer os estômagos vazios. Meu pai e Arnold estavam inteiramente satisfeitos com a tarde que tiveram, permitindo que todos os conversassem sobre algo que não envolvia o assunto discutido do almoço. Finalmente.
Não demorou muito para a família de Anne se juntar a nós, aproveitando, mais uma vez, a facilidade que tínhamos em falar com todos os convidados. Entretanto, na primeira oportunidade que teve, Anne me pediu para acompanhá-la até o banheiro.
- Com licença. - ela pediu em francês, aceitando acenos antes de sair me ldo consigo.
- O que foi? Está tudo bem? - perguntei, estranhando sua atitude.
- Eu que pergunto. - ela disse, sussurrando enquanto andávamos até o banheiro. - Como foi o almoço?
A surpresa por Anne saber sobre o almoço passou no instante que percebi que ela ainda era a confidente de .
- não contou? - lamentei o tom irritado no instante que percebi que havia saído de minha boca. - Desculpe, minha família está me sugando com isso.
- Eles não aceitaram bem? - Anne não parecia incomodada com minha atitude, o que me fez suspirar. Era por isso que Anne era minha amiga, a paciência dela compensava todas as minhas más atitudes.
- Na verdade aceitaram. Estou até chocada que conseguem estar no mesmo lugar que a família real sem surtar. Mas é tanta coisa para explicar, tanta expectativa para suprir. - falei, aproveitando a pia para umedecer o rosto.
- Você contou tudo?
- Resumidamente, sim. Minha família precisa se mudar, Anne. Eu preciso que eles entendam que não são flores que os esperam, mas armas.
- Eu sei que você pensa assim, mas você está fazendo algo incrível, . A sua família deve se orgulhar de você.
Aproveitei a frase de Anne para encarar o espelho, meu rosto agora já seco. Anne estava certa, a mulher que me olhava no reflexo seria a próxima princesa de Ynter. Seria o futuro da nação, o rosto que substituiria no futuro a rainha Ariele, mas por que eu não me sentia assim?
- Eles estão. - admiti. - Mas ainda assim é perigoso. Não vou me tornar princesa de forma calma, segura e repleta de sinos tocando, Anne. Eu vou fazer isso em meio a uma guerra.
- Mas ainda terá sinos tocando. - ela disse, provocando-me enquanto ria.
- Provavelmente. - falei, rindo também. - Mas e você? Como está sua família?
- Incrivelmente bem. Estão super orgulhosos e contentes, amando cada detalhe do castelo. - Anne riu, mas no fundo eu percebi que algo a incomodava.
- Eles acham que você será a escolhida?
- Acham. - ela admitiu, parecendo murchar um pouco. - Eu já disse que não é o caso, mas como eu ainda estou aqui… você sabe…
- Eu sei. - eu estava triste por Anne, triste por saber que a família dela esperava dela algo que ela não poderia dar. Eu sabia como era viver com esse anseio. - Você queria?
- O quê?
- Ser princesa.
Ela vacilou. Por um segundo Anne deixou transparecer parte do que sentia de verdade, mas logo o sorriso surgiu novamente.
- Nunca achei que fosse conseguir.
- Mas você queria… - tentei, esperando que ela pudesse ser sincera comigo como fui tantas vezes.
- Não me entenda mal, , Eu não quero roubar seu lugar, nem nada do tipo…
- Anne, se eu pudesse, te daria a coroa. - falei e apesar do aperto no peito inesperado, eu ainda sabia que era verdade. Mesmo que não fosse o ideal, Drew me esperando do lado de fora do banheiro era uma opção tão mais fácil e segura, tão mais simples… Era aquilo que eu queria, não era?
- Eu sei. Mas na verdade eu nem sei se quero realmente. Eu gosto daqui e gosto de …
Então ela parou, os olhos esbugalhados ao perceber o que havia dito.
- Eu não quis dizer romanticamente, só…
- Tudo bem gostar dele. - falei, dessa vez totalmente segura do que dizia. - é realmente especial.
- Mas eu…
- Anne, se para você é ruim estar aqui, é ruim me ouvir reclamar e falar de , eu posso parar nesse instante.
- Não, eu quero ajudar vocês. De verdade. - ela suspirou. - sempre foi o príncipe para mim e apesar de apreciar sua amizade, sei que parte de mim ainda vê o homem das revistas e suspira. Ele é melhor pessoalmente, você sabe. Mas foi claro comigo, . Ele quer minha ajuda para conquistar você. E não importa o quanto eu tente, jamais serei como você.
- O que quer dizer?
Anne riu.
- Eu quero dizer que seria incapaz de entrar na floresta no meio da noite e encontrar um exército de rebeldes, que seria incapaz de entrar em um caminhão e negociar o país com Serena. Jamais pensaria em soluções políticas como você. Eu não sou tão corajosa.
- Você poderia ser.
Anne riu fraco.
- Não poderia. Eu sequer acho que gostaria e está tudo bem. - ela deu de ombros, soando sincera. - Eu estou feliz com meu papel no mundo.
Pisquei algumas vezes percebendo que Anne tinha razão, talvez ela não conseguisse ser tão imprudente quanto eu, mas ela era algo que eu jamais seria: Anne era segura.
- Anne, quero que saiba que sempre vai ter um lugar aqui, se depender de mim. Sempre. - falei, abraçando-a de repente.
A conversa com Anne foi o suficiente para algo mudar em mim. Eu queria ser como ela, queria aceitar meu lugar no mundo, aceitar meu destino e entender o que as escolhas e promessas que fiz precisavam ser cumpridas. Eu seria princesa. Precisava aceitar isso de vez. Se quisesse mudar de ideia, tudo bem, mas seria uma escolha totalmente dele, porque a partir daquele momento eu estava 100% comprometida. O que significava que eu faria o que disse ao príncipe, trabalharia duro por informações dos sulistas, informações que poderiam acabar com a guerra antes dela realmente começar, porque eu não seria o tipo de princesa que espera escondida no castelo, não quando eu posso fazer muito.
Anne sorriu, percebendo a mudança de atitude e indicando para que voltássemos. Concordei, saindo do banheiro de cabeça erguida, mas vacilando no instante em que vi Drew apoiado na parede à minha espera, o guarda de Anne parado ao seu lado. O que ele faria?
Eu estava contente com a minha “escolha” de tê-lo comigo, mas também estava certa de que não podia deixá-lo saber do meu plano. Como eu faria tudo o que eu pretendia com Drew ao meu encalço?
Eu não conseguia identificar como me sentia com tudo que havia descoberto. Era como se eu finalmente entendesse que o acordo estava selado e que as consequências disso estavam chegando, começando por minha família. Além disso, mesmo depois de dizer que seguiria sem seus sonhos, eu ainda tinha dúvidas: Será que estávamos fadados a um futuro infeliz? Será que o príncipe se arrependeria de ter preferido a política aos seus sentimentos, sejam eles quais fossem? Respirei fundo, sentindo um aperto desconhecido no peito.
- Bom dia, . - Elise disse ao sair do banheiro, surpresa por me encontrar de olhos abertos.
- Bom dia, Elise. - disse, sentando-me na cama enquanto espreguiçava-me.
- Dormiu bem?
- Nem perto disso. - lamentei. - Você soube que as famílias das Selecionadas estão vindo?
Elise riu, parecendo não ficar surpresa ao perceber que eu sabia do segredo, apenas achar graça.
- Soube sim, os aposentos dos seus pais e sua irmã e marido já estão prontos.
- É sério?
- Sim. Eles são responsabilidade nossa também.
- Mas e o vestido? - perguntei preocupada, fazendo minha amiga rir novamente.
- Você está parecendo a Cleo. Ela virou a noite para terminar.
- Devíamos ter abandonado o bordado.
- Não se preocupe, , vai valer a pena. - ela afirmou. - Agora vamos para o banho aproveitar que você acordou cedo.
Como eu fazia todas as manhãs, tomei um banho rápido e me preparei para o café, ajudando Elise o máximo que ela me permitia. Eu gostava desses momentos, o silêncio era confortável e, de alguma forma, apenas a presença dela já era o suficiente para me alegrar.
Quase na hora de ir, recebi um bilhete de , avisando para esperar pelo café da manhã no Salão das Mulheres. Apesar do bilhete não dar nenhum outro tipo de informação, eu sabia que significava que minha família já estava no castelo, esperando para fazer uma surpresa. Respirei fundo, sentindo o coração acelerar.
- Nervosa? - Elise perguntou.
- Bem mais do que eu esperava.
- Sua família deve estar muito feliz. - ela disse, me fazendo assentir, mas será que era verdade?
- Imagino que sim. - dei de ombros, tentando analisar com os olhos de minha mãe tudo o que havia acontecido desde que eu havia chegado ao castelo. - É difícil imaginar o que eles acompanham tendo acesso apenas às revistas e TV.
- É impossível que não estejam orgulhosos. - ela disse, parecendo minha irmã. Vic sempre via o lado bom das coisas, principalmente da nossa mãe.
- Acho que você vai se surpreender quando conhecer eles. - disse, tentando parecer menos amarga.
Antes que Elise pudesse responder, fomos interrompidas por uma batida na porta. Anne estava me chamando para o café, pois ela sentia que havia algo de importante nos esperando no Salão das Mulheres. Sorri, me esforçando ao máximo para guardar o segredo até que fosse a hora certa. Assim que entramos no salão, encontramos apenas Natalie em uma das poltronas, parecendo relaxada ao chegar mais cedo.
- Bom dia. - Anne disse, aproximando-se da mulher. - Você sabe por que estamos aqui?
Natalie olhou para mim antes de responder, deixando claro para mim que, além de saber sobre nossas famílias, ela também sabia que eu sabia.
- Não tenho certeza. Deve ser algo do Juramento à Bandeira… Talvez a rainha queira que a gente treine uma última vez. - a ideia pareceu murchar Anne, mas o fato de Natalie guardar o segredo dizia muito sobre ela.
- Pode ser mesmo. - minha amiga resolveu se sentar, perdendo um pouco da empolgação inicial.
Continuamos ali, sentadas no Salão das Mulheres até que Samantha, a última Selecionada, chegasse. Pelo humor das demais, Natalie e eu éramos as únicas que sabiam a verdade. Samantha, Aurora, Anne e Lauren estavam apenas esperando qual seria a lição do dia dada pela rainha.
- Bom dia, senhoritas. - a rainha disse assim que entrou, todas nós já estávamos de pé, após ouvir as portas se abrindo, a espera dela. - Que bela manhã, não é mesmo?
- Bom dia, Majestade. - respondemos juntas, com uma bela reverência.
A empolgação da rainha era óbvia e me deixava menos nervosa. Se a rainha estava contente em receber as famílias das Selecionadas em sua casa, por que eu não estaria?
- Gostaria de convidar todas para uma recepção no jardim. Temos convidados extremamente importantes hoje. - ela disse, indicando que deveríamos segui-la para o lado de fora. Respirei fundo, eu estava pronta.
Eu via a dúvida e curiosidade entre as Selecionadas enquanto caminhávamos atrás da rainha, mas assim que as portas se abriram, revelando a tenda repleta de nossos familiares, tudo se iluminou na hora.
- Mãe! - Anne, que estava ao meu lado, apressou os passos surpresa, assim como Lauren, Aurora e Samantha. Apesar de não ser uma surpresa encontrar meus pais, Vic e Arnold me esperando, não consegui conter a emoção de encontrar minha irmã com os braços esticados para um abraço.
- , que saudades! - ela disse, como se brigasse comigo ao mesmo tempo que ria com seus braços envolta de mim. - Você deu poucas notícias.
- Deu mesmo. - minha mãe disse, abraçando-me assim que Vic me soltou. Minha mãe apertou forte, como se fosse o suficiente para compensar os dias longe. Logo depois meu pai colocou seus braços em volta de nós, fazendo com que Vic se juntasse no abraço quádruplo desajeitado. Depois que nos soltamos, meu pai deu um último abraço. Arnold, o marido da minha irmã, também me abraçou, parecendo mais confortável comigo depois que me tornei uma igual, uma Dois.
- Você está tão bonita, . - minha mãe disse, me fazendo rodar para mostrar o vestido novo. Elise havia me aprontado bem sofisticada naquela manhã, parecendo ser o suficiente para orgulhar os olhos treinados de minha mãe.
- Obrigada!
- Mas ainda assim parece meio cansada. - meu pai disse, me analisando com os olhos de um médico. - Você anda dormindo bem?
- Sim, pai. - menti.
- Devem ser as festas. - minha irmã disse rindo, sendo o suficiente para arrancar risada de todos e tirar os olhos clínicos dos dois sobre mim. Era incrível como Victoria sabia lidar bem com meus pais, algo que eu nunca aprendi.
- É verdade. - minha mãe concordou, olhando a recepção embaixo da tenda. - Aqui é muito bonito, devem haver diversos eventos.
- Isso que você ainda não viu o Salão Principal. - falei, vendo-a conter a empolgação de forma elegante, minha mãe jamais perderia a pose em um castelo.
- Nós veremos hoje à noite. Terá um baile. - ela disse. - Viemos preparados, inclusive.
- Estou feliz que estejam aqui, mãe. - disse sincera, todo o nervosismo que eu sentia simplesmente evaporou. Minha família estava feliz comigo, feliz pelo que eu havia conquistado e feliz pelo que eu estava proporcionando para eles.
- Com licença. - disse, aproximando-se.
- Alteza. - minha família inteira disse em uníssono, fazendo uma reverência perfeita em sincronia, o que não passou despercebido por , que me olhou levemente impressionado. Eu apenas sorri, aquilo não era nada. - Obrigado por nos receber. - meu pai completou, como o patriarca da família .
- É um prazer conhecê-lo, senhor . - disse, estendendo a mão para meu pai, que a apertou firme, sentindo-se feliz por estar falando com o príncipe.
- O prazer é todo meu, Alteza. Gostaria de apresentá-lo à minha esposa, Candice , e a minha filha mais velha, Victoria. Este é seu marido, o prefeito da nossa Província. - o orgulho que meu pai sentia do seu genro era evidente na voz.
- Arnold. Claro. Me lembro de você. - disse, apertando a mão do homem antes de beijar a mão de minha mãe e Vic.
- Obrigada pela hospitalidade, Alteza. - minha mãe disse, fazendo mais uma leve reverência em sinal de respeito.
- Imagine. Estou realmente feliz de conhecê-los, temos muito o que conversar. Na realidade, gostaria de convidá-los para o almoço mais tarde. O que acham?
- Seria uma honra, Alteza. - meu pai disse, sorrindo abertamente.
- Ótimo. Um criado irá buscá-los quando for a hora. Agora se me dão licença, tenho que cumprimentar os outros convidados. - disse, me fazendo notar que a minha família foi a primeira que cumprimentou. - , até o almoço. - ele disse, pegando minha mão e a beijando, o que foi o suficiente para fazer os olhos de minha mãe praticamente saltarem das órbitas.
- Até o almoço, . - falei sorrindo, aceitando o joguinho do príncipe. Ele queria que minha família percebesse que nós tínhamos, no mínimo, intimidade.
- O que foi isso? - minha mãe perguntou assim que se afastou o suficiente.
- Você o chama pelo nome? Ele te chama pelo nome? - Vic falou, claramente chocada.
- Nós somos amigos. - afirmei, como se fosse o suficiente.
- Amigos? - minha mãe perguntou descrente.
- Deixe ela, Candice. - meu pai pediu.
- Depois você vai me contar tudo. - minha mãe avisou, aceitando a distração da família de Aurora e Anne se aproximando, a primeira acompanhada pelo príncipe , pela rainha e pelo rei.
Após todas as apresentações, reverência e sorrisos, nós nos sentamos para o café. A família de Anne aproveitou para sentar perto de nós, pois nem todos os convidados eram capazes de se comunicar com eles com tanta facilidade, o que me deixou extremamente contente. Estava feliz pelos critérios rigorosos de educação da minha mãe se mostrarem tão acolhedores naquele momento.
***
- É um belo quarto, . - Candice disse, ao sentar-se completamente ereta na ponta da minha cama, depois de ter vasculhado tudo. Apesar dos meus aposentos não terem um hall como os futuros aposentos de Aurora, Elise deu um jeito de deixar o ambiente bem aconchegante para minha mãe e Vic, com um chá preparado na minha mesinha e almofadas fofas nas cadeiras.
- O castelo todo é deslumbrante. O que aparece nas entrevistas ou fotos não é nem um terço desse lugar. - falei, tentando soar o mais receptiva que podia, era estranho estar em um lugar que minha mãe não controlava totalmente.
- Falando nisso, eu não mudaria nada na decoração do castelo. Não sei porque disse aquilo na sua entrevista. - minha mãe disse, e apesar de soar repreensiva, não parecia realmente chateada. Talvez o fato de eu citar seu nome, na minha primeira entrevista, em rede nacional, tenha sido positivo para sua posição na alta sociedade.
Era absurdo como aquilo parecia tão distante. Apesar de eu ter usado a piada como pretexto para me aproximar de e entregar uma carta enviada pelos nortistas há praticamente um mês, sentia que fazia uma eternidade. Jamais seria capaz de cogitar o caos que minha vida havia se tornado, ainda mais em tão pouco tempo. No dia daquela entrevista eu tinha certeza que não seria princesa, muito menos aliada nortista e espiã dos sulistas. Mas se eu soubesse, teria feito diferente?, suspirei, sabendo que não importava mais.
- Foi uma piada, mãe. Ninguém achou que fosse verdade.
- E o que é verdade? O príncipe realmente já tem uma escolhida? Ele já contou para vocês e está mantendo a Seleção apenas para divertir o povo? Porque se for isso, temos que conversar sobre suas opções para o futuro.
Olhei para Vic, que se ocupava com as joias da minha penteadeira, com um ar desesperado, esperando que ela me ajudasse como normalmente fazia. Victoria conseguia lidar com nossa mãe infinitamente melhor que eu.
- Mãe, se soubesse quem é a escolhida, já teria nos contado. - Vic disse, achando que estava ajudando, mas na realidade ela só me comprometia mais. - Estou mais preocupada com os rebeldes sulistas. - ela disse baixo, como se alguém pudesse nos ouvir. Pelo que eu sabia, Drew estava do outro lado da porta, mas nada daquilo era um segredo para ele. Além disso, depois da nossa última conversa, ele sequer me olhava nos olhos. Foi educado e sorridente ao cumprimentar minha família, mas depois voltou a ser o guarda que foi escolhido para ser. Impenetrável. - Eles realmente estão atrás de você?
- Não exatamente. - falei, tentando ao máximo não mentir. Por que minha família não podia falar de vestidos, joias e futilidades na única vez em que me ajudaria? - É uma longa história e precisamos nos preparar para o almoço.
Meu alerta foi o suficiente para Candice seguir em direção ao banheiro para conferir a aparência. Apesar de Elise, Cleo e Meri estarem dispostas a nos ajudar, eu não estava pronta para apresentar minha mãe a elas. Não tinha certeza do motivo.
- O príncipe parece gostar de você. - Victoria provocou-me, aproveitando que estávamos praticamente sozinhas, cutucando minha cintura levemente.
Revirei os olhos, como fazia quando éramos menores.
- E seu amigo Samek do outro lado da porta? Ele não veio aqui por você, não é? - Vic sussurrou.
- É claro que não. Acho que ele sempre quis defender o reino. Além de ser uma forma de subir de casta. - dei de ombros, mentindo de verdade para minha irmã pela primeira vez desde que ela chegou. - Como somos da mesma Província, o príncipe achou uma boa ideia me dar um rosto amigo.
- O príncipe parece realmente gostar de você. - ela provocou novamente.
- Mas e você? Como está a vida de filha única?
- Filha única? Nossa mãe fala sobre essa Seleção o tempo inteiro, você parece mais presente agora do que antes. - ela disse rindo, aproveitando o espelho de corpo todo para arrumar o visual.
Apesar de Vic estar brincando, a verdade em suas palavras doeu. Eu estava feliz por deixar minha mãe orgulhosa, mas eu era tão ruim antes?
- Fico imaginando como vai ser depois.
- Depois do quê? - apesar da pergunta inocente de minha irmã, fingindo-se de desentendida, soube, por sua expressão através do espelho, que Victoria estava desconfiada. Ela não estava errada, eu realmente não sabia como seria depois de eu virar princesa, mas ainda não estava pronta para compartilhar aquilo com minha irmã.
- Depois que eu me casar e ela não tiver mais poder sobre mim. - respondi óbvia, aceitando o silêncio de Vic como resposta, já que minha mãe abriu a porta do banheiro. Apesar de Vic ser alguns anos mais velha, eu lembrava claramente de quando ela saiu de casa e da inveja que senti da sua liberdade.
- Deixe-me arrumar seu cabelo, . - Candice pediu, já partindo para a escova em cima da mesinha. Apesar do penteado de Elise mais cedo estar intacto, sentei na poltrona, deixando minha mãe fazer seu trabalho.
Além do cabelo, minha mãe só aceitou ir encontrar com meu pai e o marido de Vic depois de retocar minha maquiagem. Me deixando impecável à espera de . O príncipe demorou apenas alguns minutos para bater em minha porta, mas pareceu uma eternidade. Eu estava nervosa.
- . - ele cumprimentou com um sorriso brincalhão, ainda parecendo orgulhoso de sua brincadeira no jardim. - Está ainda mais bonita do que antes.
Agradeci, apesar de ter mudado apenas o penteado. Era estranho falar com sabendo que Drew estava a alguns passos, nos dando uma privacidade falsa.
- Está pronta?
- Na realidade, podemos conversar?
- Agora?
- Sim, por favor. - pedi, indicando que o príncipe entrasse em meu quarto vazio.
- Está tudo bem? - ele perguntou enquanto eu fechava a porta, não antes de ver Drew apoiado na parede do outro lado do corredor, me encarando de forma enigmática.
- Está, mas você acha que devemos contar tudo para minha família agora no almoço? - perguntei, apesar de já saber a resposta.
- Achei que tínhamos concordado sobre isso. - parecia confuso.
- Nós concordamos em contar para eles, mas não achei que seria no primeiro momento possível. - eu disse, deixando transparecer meu desconforto.
- O que te deixa nervosa? Você teme pela reação deles?
- Sim. - suspirei. - Eu sei que minha mãe vai ficar feliz com o casamento, mas a parte dos rebeldes? Eu não faço ideia do que esperar. Ela já me perguntou se você realmente tem uma escolhida e está usando a Seleção como distração para o povo. Ela já quer discutir o meu futuro.
tentou não rir, mas uma risada fraca escapou, me fazendo rir um pouco também, apesar de ainda não gostar da ideia, era engraçado como minha mãe fez questão de falar sobre meu casamento no primeiro momento possível, assim como planejou.
- , eu entendo o seu medo, mas você precisa ser justa com sua família. - disse, o mais calmo que pôde. - Eles merecem saber a verdade, merecem entender os guardas em suas portas e o perigo que você corre. Eles precisam de tempo para se preparar para as mudanças e, mais ainda, precisam de tempo ao seu lado para tirar todas as dúvidas. Eu sei que está com medo, mas eu estou pensando no melhor para você. Espero que você entenda isso… Assim como você me mostrou como lidar com Ícaryo, quero lhe mostrar como lidar com seus pais. - ele disse, esperando eu assentir antes de continuar. - Agora você pode lidar apenas com sua família, discutir coisas importantes, sem a mídia, a burocracia e as normas no seu colo. Eles podem digerir as coisas antes dos boatos, das decisões e do governo intervir em tudo. Eu sei como é ter os assessores cobrando a todo instante, aproveite esse momento de paz.
Pisquei algumas vezes, não podia estar mais certo. Mesmo que eu temesse a reação da minha mãe, seria infinitamente mais fácil lidar com ela agora, do que se ela descobrisse por meio de um anúncio oficial.
- Você tem razão.
- Só tem uma coisa, .
- O quê?
- Temos um termo de confidencialidade, um termo que os impede de compartilhar qualquer informação… O mesmo que você assinou para entrar aqui. Precisamos pedir para que assinem antes de contarmos sobre tudo, pois serão revelados muitos segredos. Segredos que intervêm na segurança do país.
- Não precisamos dar detalhes. - falei, demonstrando meu desconforto com a ideia. Como eu podia fazer isso com eles?
O termo é inegociável, desculpe. Eles terão que assinar depois de qualquer maneira, vem junto com a nova casta. - disse, dando de ombros. Eu conseguia entender como um termo de confidencialidade podia ser normal na família dele, mas na minha?
- Tudo bem. - falei, derrotada. Por que no fim sempre parecia que eu não tinha escolha? Respirei fundo. Eu precisava confiar na experiência de , até porque, precisaria da ajuda dele para lidar com meus pais.
- Eu posso falar sobre essa parte, se você quiser.
- Não, pode deixar comigo.
- Você decide, . Hoje o almoço é sobre você. - queria demonstrar apoio, talvez dizer que não estava tomando uma decisão por mim como já fizera tantas vezes, mas, apesar de eu saber que o príncipe tinha razão, não consegui evitar passar todo o caminho até o terraço sentindo que ele estava me forçando a fazer aquilo. Pelo menos Drew não nos acompanhou. Teria que lidar com ele mais tarde, claramente ele havia percebido que eu não havia sido expulsa, mas será que ele entendia por que havia marcado aquele almoço?
Assim que entrei de braços dados com o príncipe, minha mãe, meu pai, Vic e Arnold se ltaram de suas cadeiras. Os garçons já haviam servido vinho para os convidados durante a espera.
- Senhores, senhoras, fico feliz em vê-los novamente. - disse alegre, sorrindo.
- Alteza. - todos cumprimentaram, reverenciando como mandava a etiqueta.
- Espero não tê-los feito esperar muito, mas tive um imprevisto. - ele disse, justificando minha demora.
- Não se preocupe, Alteza. O vinho já foi uma ótima companhia, saberia dizer de qual região este é? - meu pai disse, fazendo seu papel.
olhou para o garçom, que trouxe uma taça para cada um de nós antes mesmo do príncipe precisar pedir. Aceitei a minha e virei um longo gole enquanto via provar para responder meu pai. Percebi os olhos atentos de minha irmã.
- Sul, provavelmente uma garrafa de uns 30 anos. - o príncipe disse, deixando meu pai surpreso. Apesar de continuarem falando sobre as uvas e a data de fabricação do vinho, fomos nos acomodando na mesa. Minha família havia deixado uma das pontas para , assim como seu lado direito para mim. Ao meu lado estava minha mãe, enquanto meu pai sentava na outra ponta e Vic e Arnold na sequência, lado a lado.
Os garçons aproveitaram para nos servir a entrada, enquanto minha mãe aproveitou alguma deixa da conversa para elogiar o castelo, claramente querendo livrar qualquer suspeita da sua imagem que eu possa ter criado na primeira entrevista.
Apesar de eu saber que meus pais estavam nervosos, conseguia ver como éramos bons naquilo, a conversa fluía fácil, com assuntos de interesse do príncipe mas nem um pouco íntimos ou constrangedores.
Estávamos finalizando a sobremesa quando discretamente fez sinal para que eu tocasse no assunto principal daquele almoço. Suspirei, concordando. Eu precisava fazer aquilo, não por , mas pelas pessoas sentadas à minha frente.
- Mãe, pai, nós precisamos conversar. - eu enfim disse, tentando mostrar na minha voz o quanto o assunto era sério. - Quero falar principalmente sobre os guardas lá em casa.
Minha família assentiu, parecendo pouco surpresa com o assunto. Estava claro que eles esperavam por uma explicação melhor.
- Eu não contei à Vic naquele dia porque se trata de um assunto de segurança do Estado, um assunto que para vocês saberem é necessário assinar um termo. - falei, achando ser o melhor caminho para explicar o documento que, com um gesto de mãos de , o garçom trouxe para nós. não falou nada, aceitando o caminho que eu seguia.
- Claro, tudo bem, filha. - meu pai disse, pegando o documento e passando os olhos antes de assinar.
- Os senhores podem ler com calma. - o príncipe disse, parecendo temer a pouca explicação que eu havia dado. Mas que escolha minha família tinha? Eles seriam obrigados a assinar aquilo em pouco tempo.
- Nós não nos interessamos por fofoca, Alteza. Só queremos a verdade. - Vic disse, fazendo assentir depois de receber quatro documentos assinados e entregar para o garçom, o qual saiu do terraço e, como já era de se esperar, não voltou.
- A verdade é difícil, Vic. - eu finalmente disse, vendo seus olhos surpresos unirem-se aos dos meus pais. Até Arnold parecia desconfortável com minhas palavras. - Os rebeldes sulistas estão realmente atrás de mim. Não porque me pegaram sem querer em um ataque, mas porque fizeram o ataque para me encontrar. E eles quase conseguiram. - falei, preferindo esconder meus machucados.
- O que isso quer dizer, ? - meu pai perguntou, claramente preocupado com a segurança de sua família, incluindo a minha.
- Eu estou lidando com eles. Nós estamos. - eu disse, olhando para que assentiu, permanecendo calado e me dando espaço para prosseguir. - De forma resumida, eles querem me tornar rainha e então atacar a família real, me deixando sozinha com o trono. O Chefe deles acha que pode ser rei assim. Ele acha que pode acabar com todos e se casar comigo.
- Como é? - minha mãe perguntou chocada, sua etiqueta não sendo o suficiente para esconder o choque e desprezo por minhas palavras.
- É um plano ambicioso, mas possível. - disse, parecendo se esforçar para me deixar prosseguir com a conversa.
- Mas por que eles acham que você faria isso? Por que se casaria com esse homem? Digo, depois de ser rainha. - minha mãe perguntou horrorizada, parecendo querer deixar o assunto do meu primeiro possível casamento para depois.
- Porque eu disse que faria. - admiti. - Prometi ajudá-los para salvar a vida de Drew.
A cada nova informação eu parecia deixá-los ainda mais confusos, então resolvi falar toda a verdade de uma vez.
- Quando vim para cá, Drew foi enganado por eles… - falei, engolindo em seco, as palavras se formando em minha mente. Eu contaria tudo? - Como Drew sabia que eu não queria vir para a Seleção, aceitou se unir aos rebeldes sulistas para me tirar daqui. Drew queria me salvar. Mas os rebeldes usaram ele. Era tudo mentira. Depois, usaram nossa amizade para me obrigar a me aliar a eles, mas para minha sorte, eu e já vínhamos conversando há um tempo, então pude ser sincera com o príncipe. No fim, salvei Drew e fiz os rebeldes do sul acharem que eu estou do lado deles, mas quando acabo me encontrando com eles, consigo informações para o governo.
- , isso é… - mas meu pai foi incapaz de continuar.
- Isso não é nem metade. - eu disse. - Ainda temos que falar sobre os rebeldes nortistas.
- Eles estão atrás de você também? - minha mãe estava abismada.
- Não. Eles estão do nosso lado, de verdade. Desde que eu entrei na Seleção eles vieram atrás de mim, porque pelo meu sobrenome sabiam que eu estaria aqui. - admiti, vendo minha mãe lamentar por um segundo o motivo de tudo isso, mas logo continuei a falar e ela só conseguia se esforçar para absorver a verdade. - Mas eles não querem violência, eles e tem planos parecidos para o futuro. Planos que me incluem. Para satisfazer os nortistas, eu e vamos nos casar.
E então eu disse. Ficamos em silêncio à espera da reação deles. Eu sabia que se tivesse iniciado a conversa pela notícia, nesse momento teríamos comemorações, brindes e abraços emocionados. Mas eu comecei pela verdade, pelo perigo que havia me envolvido e pelo peso do meu destino. Minha família não podia comemorar. E eu não queria que comemorassem.
- Você vai ser princesa, então. - minha irmã disse, parecendo absorver as palavras. - Mas como você vai evitar que os rebeldes do sul te façam cumprir o que você prometeu?
Olhei para , pedindo com os olhos que ele explicasse.
- Sabemos que é muito para assimilar e espero que saibam que estamos cuidando da segurança de todos vocês, principalmente da . Eu não deixarei que nada aconteça com ela. - disse, garantindo algo que eu sabia que ele não tinha como cumprir totalmente. E então continuou, respondendo Vic: - Nós estamos nos preparando para entrar em guerra com os sulistas, se necessário.
Era necessário. Mas, assim como eu, estava tentando amenizar a situação.
- Uma guerra civil? - foi a primeira vez que Arnold falou. - Por isso mais recrutamentos? É disso que se trata o ataque às vilas?
apenas assentiu, esperando a reação dos demais, mas eu percebi que não viria.
- Quando a guerra for anunciada, os sulistas vão perceber que eu não consigo mais cumprir o que eles pediram, vão achar que eu me rebelei contra eles ou vão esperar que eu dê informações importantes. De todo o jeito, eu, vocês, todos serão um alvo. Vocês vão precisar se esconder, se mudar, se proteger… - eu disse, chegando no ponto principal da conversa: o futuro deles. - E eu realmente sinto muito por isso. - disse, sentindo a voz falhar. Eu não queria acabar com a vida da minha família.
pegou na minha mão por cima da mesa, um gesto que não passou despercebido por minha família. Era isso. Eu seria princesa, depois rainha, além de uma traidora. Apesar de estar lidando com aquilo havia tantos dias, ver a surpresa da minha mãe e o desespero de Vic, que segurava a mão do marido, partiu meu coração. Não era o futuro que eles esperavam e nem de perto era o futuro que eu pretendia dar para eles.
- Se houvesse alguma opção mais segura, se eu pudesse voltar atrás, eu faria. faria. Mas realmente não temos outra opção. - falei rápido, implorando que entendessem que eu jamais quis prejudicá-los.
- Você espera que a gente vá viver onde? E Arnold? Ele ainda tem alguns anos de mandato. Nós sabíamos que nossa vida mudaria se você ganhasse a Seleção, mas se esconder? - Vic disse, parecendo chateada com toda a situação. - Por que você prometeu isso para eles?
- A situação não mudaria. - disse, incapaz de esconder o desconforto na voz. Eu sabia que no fundo Vic não queria me culpar por tudo o que estava acontecendo, mas naquele momento era exatamente o que ela estava fazendo. - Os rebeldes do sul vieram atrás da por minha causa. salvou minha reputação e do meu governo mais de uma vez. O acordo que ela fez para salvar seu amigo foi uma forma inteligente de tirar proveito de uma situação que já era desfavorável. - ele disse firme, soando o soberano que sabia que era. - Sobre a moradia de vocês, temos diversas opções de residências reais para acolhê-los durante a guerra, locais menores, preciso admitir, mas ao mesmo tempo seguros. Após o fim da guerra, vocês poderão escolher qualquer residência que interessar nas regiões do castelo.
- Obrigado. - meu pai disse, parecendo o suficiente para calar Vic e minha mãe. Ele havia decido.
- Sobre o futuro de Arnold, gostaria de conversar com o senhor sobre algumas opções de promoção que tenho em mente, permitindo que fique próximo de sua esposa e futuramente, que ambos fiquem próximos de . - disse para meu cunhado, me surpreendendo. Não conversamos sobre aquilo, mas pela certeza do príncipe na proposta, eu sabia que ele já havia pensado e discutido opções com o rei. - Caso o senhor tenha algum pedido, podemos discutir também.
- O senhor já me deu tudo o que eu podia pedir, Alteza. - meu pai respondeu sem hesitar. - Deu segurança para minha família. Eu e Candice estaremos disponíveis para a futura rainha o quanto for preciso. - ele então olhou para mim. Meu pai estava falando de mim. Eu era a futura rainha. A futura rainha do meu pai.
- Ele tem razão. - minha mãe disse, pegando minha mão. Expressando pelo aperto forte tudo o que eu sabia que não diria na frente do príncipe. Minha mãe estava com medo, com medo por ela e por mim.
- Eu acho que é o melhor mesmo. - Vic disse, deixando para lá qualquer contrapartida a ideia. Ela parecia ter percebido o mesmo que eu: não havia outra opção.
Meu pai sorriu, o que foi o suficiente para nós três respirarmos fundo. Se meu pai estava confiante, nós também estávamos. Arnold estava calmo, parecendo aceitar a promoção e a mudança de casa como algo a adicionar na agenda. Talvez fosse seu lado político falando. Percebi pelo relaxamento na postura de que a tensão pela reação da minha família havia sumido, estávamos bem.
- Então, apesar dos pesares e das dificuldades, gostaria de desejar as boas-vindas a nossa família vossa Alteza. E agradecer por ter escolhido nossa filha como futura soberana deste reino. - meu pai disse, erguendo sua taça, parecendo extremamente satisfeito.
sorriu, agradecendo o senhor e já pegando sua taça para o brinde. O clima de celebração atingiu minha mãe, que pegou sua taça, fazendo com que eu, Vic e Arnold fizéssemos o mesmo.
- Que e o príncipe tenham um futuro feliz, seguro e duradouro. - minha mãe disse, rindo ao frisar pela segurança, finalizando o brinde e bebendo um longo gole.
sorriu para mim antes de molhar os lábios. Vic sussurrou algo para o marido e segurou sua mão, a proposta de parecia ser satisfatória para ambos.
- Obrigada por compreenderem. - eu disse, me sentindo aliviada e assustada ao mesmo tempo. Eu estava extremamente contente por minha família ter aceitado tudo no fim das contas e por sua educação na frente de evitar qualquer tipo de pergunta constrangedora, mas eu sentia minha mão tremer levemente ao levar a taça aos lábios. Era isso então? Eu estava brindando o meu futuro como princesa? - Lembrem-se que ainda é segredo. Eu e não temos pressa para acabar com a Seleção, esse tempo está sendo útil para planejar ações com os rebeldes.
Meu comentário foi a deixa que Arnold precisava para perguntar para sobre os novos recrutamentos, os rebeldes e a guerra. Como se tratava de curiosidades históricas, mesmo que atuais, e sobre nossa segurança, não precisou muito para meu pai começar a opinar no assunto deles. Em pouco tempo, eu, minha irmã e mãe pedimos licença e seguimos para os sofás, cada uma com sua taça. Respirei fundo.
- Me desculpe por aquilo, é só… - Vic parecia envergonhada, mas eu a entendia, mesmo ela sendo incapaz de finalizar a frase.
- Não se preocupe. Eu sei que é muita coisa. - suspirei.
- Você está bem? - Vic perguntou assim que nos sentamos, o tom em sua voz indicava uma preocupação genuína.
- É difícil. - admiti, percebendo que não queria fingir que estava tudo bem para minha família. - se preocupa comigo e nós estamos conversando um pouco mais sobre as coisas, mas ele ainda é o príncipe e - respirei fundo - eu conheço ele há poucos dias.
- Ele parece gostar de você. - minha mãe disse. Nessa hora nós três olhamos em direção a mesa. Apesar do assunto sério, eu conseguia ver a postura receptiva do meu pai e até de , eles estavam bem com a nova relação que haviam descoberto entre si.
- Ele não gosta. - afirmei, deixando minha mãe e Vic confusas. - Nosso acordo é sobre rebeldes e apoio político. Não tivemos tempo para algo mais.
- Vocês terão. - Candice disse, parecendo esperançosa para o futuro.
- Provavelmente sim.
- Vocês já têm alguma data?
- Não, não temos pressa em anunciar nada. Eu e ele não estamos prontos… Eu não estou pronta para virar princesa. - admiti. Vendo Vic e minha mãe concordarem, será que era isso que ela esperava quando preencheu a ficha de inscrição por mim? - Mas não precisamos de data, o objetivo é que vocês comecem a se organizar para sair de casa assim que voltarem. Podem dizer que vão viajar, visitar algum primo distante… Só não digam para onde vão. O ideal é que vocês já estejam instalados antes de anunciarmos o casamento. Vai ser bem mais fácil. Podemos dizer que as negociações com o novo cargo de Arnold obrigaram vocês a mudar de cidade, tanto faz.
- Você não quer que a gente fique aqui com você? - minha mãe perguntou. Não saberia dizer se ela estava chateada por eu ter que passar por tudo sozinha ou pelo prestígio e destaque que ela perderia.
- Não é seguro. Os sulistas conseguem entrar aqui. - falei baixo, como se estivesse com medo de ser ouvida, mesmo que apenas e minha família estivessem ali.
- Aqui no castelo? - minha mãe também sussurrou. - Como isso é possível?
- Não sabemos ainda. O príncipe está tentando descobrir. O rei já sabe sobre tudo, então está mais fácil agora…
- O rei sabe que você é a escolhida?
- Sabe, mãe.
- Então eles saberão quem somos no baile de hoje à noite? - apesar de ficar feliz com a reação de minha mãe na conversa do almoço, eu não podia esquecer que ela ainda era Candice .
- Eles não vão falar nada mãe, é segredo. - Vic logo disse. - Além disso, vai ser a rainha um dia, não é nada demais.
Sorri. O comentário de Vic foi o suficiente para fazer minha mãe se acalmar e lembrar que havia problemas muito maiores do que a convivência dela com a família real. Mas ao mesmo tempo eu sabia que ela estava se perguntando se o vestido que trouxe era o suficiente para o seu novo posto.
- Certo, me desculpe. - minha mãe disse, fingindo deixar o assunto de lado. - O que dizia sobre os sulistas?
- Não sabemos muito, Drew tem ajudado bastante, mas depois que tirei ele de lá, os sulistas foram obrigados a mudar as estratégias.
- E os nortistas? Também entram aqui?
- Sim, mas eles são convidados agora. No início eram apenas infiltrados, agora são parceiros. - disse, preferindo manter a identidade de Aurora e Serena em segredo.
- E você concorda com eles?
- Sim, até que sim. Eles acreditam e lutam por muitas coisas que eu já acreditava.
- Como o quê? - minha mãe perguntou.
- Como não precisar ter o futuro decidido ao nascimento. - disse, aproveitando a deixa para cutucá-la. Apesar da minha Casta não ter decidido meu futuro, meu sobrenome havia e era basicamente a mesma coisa. Eu nasci para estar na Seleção.
- Espero que você esteja contente com isso agora. - Candice respondeu exatamente como faria antes, sem dúvidas de que estava fazendo o certo. Apesar de eu estar muito mais confortável com minha realidade naquele terraço como jamais estive, eu estava longe de estar contente por ela. Eu gostava de , vê-lo deixando meu pai satisfeito e orgulhoso sentado em uma mesa com Vossa Alteza Real o Príncipe Herdeiro me deixava em paz, mas lembrar de Drew em algum lugar pelos corredores, de Serena no abrigo e do Chefe invadindo comércios locais me dava um embrulho no estômago conhecido.
- Acho que devemos descansar para nos preparar para mais tarde. - Vic disse, poupando-me de responder aquilo.
Minha mãe concordou, aproveitando a deixa para ficar de pé e chamar meu pai. Respirei fundo, tentando entender o lado dela. Eu conseguia ver só pela postura dela indo até a mesa que ela estava feliz e orgulhosa por estar ali, mas será que ela não entendia o custo de tudo aquilo?
- Muito obrigada pelo almoço, Alteza. - escutei meu pai dizer, me fazendo ltar e seguir até eles, Vic também já estava ao lado de Arnold, o almoço havia acabado.
Sorri ao me despedir deles, prometendo que logo os encontraria. Mas assim que minha família saiu do terraço, suspirei, sentando no sofá. Eu estava cansada e confusa, ao mesmo tempo que estava grata por ter sido sincera e mais ainda, por ter se oferecido para fazer aquilo comigo, eu sabia que nos próximos dias haveria diversas perguntas.
- Como se sente? - perguntou, sentando-se ao meu lado.
- Exausta. - eu disse, jogando-me ainda mais no sofá e fechando os olhos, de forma levemente teatral. - O que você achou?
- Eles são surpreendentes, . Acho que eu nunca conheci pessoas tão prontas para isso. - ele disse, me fazendo rir.
- Você avalia as pessoas com base na capacidade de se tornarem parte da sua família?
- Não, mas eles sim. - o príncipe riu, dando de ombros. - Acho que eles reagiram bem, dentro do possível.
- Na sua frente sim. - disse, suspirando ao lembrar do comentário da minha mãe. - Mas foi bom, dá a eles tempo para pensar antes de me bombardearem com perguntas.
- Seu pai me fez algumas perguntas sobre sua segurança, ele entende de algumas coisas.
- Ele deve estar preocupado.
- Eu também estou.
- Com eles?
- Não. Depois do que conversamos com Serena, não acho que sua família seja de alguma utilidade para os sulistas, principalmente em meio a uma guerra, mas você…
- Você acha que o Chefe vai pensar que eu tenho alguma relação com a guerra?
- Não. O mais óbvio é ele pensar que você está tão surpresa quanto ele… você sabe que mulheres raramente se envolvem nesses assuntos, além disso, nosso casamento ou noivado será extremamente recente, ou você ainda será uma Selecionada… - ele acrescentou, mas sabíamos que era a opção menos provável - É difícil dizer, mas não vejo formas do Chefe achar que você sabe algo sobre a guerra.
Suspirei, sentindo a cabeça latejar.
- Mas se ele achar que eu não tenho relação com a guerra, vai querer informações? Não faria muito sentido, pois eu, na teoria, não as teria.
- Não sei dizer. Mas é o que eu faria. Ou usaria você como arma para atacar o inimigo. - ele disse, sentando-se na poltrona mais próxima. - Ele pode pedir para você nos matar, .
- Não faria sentido, você precisa virar rei antes. - eu disse, rindo ao perceber o que estava falando. também riu, concordando. - Só se ele agir contra seu pai.
Assim que eu percebi o quanto minhas palavras faziam sentido, me assustei, temendo pela vida do rei. Eu obviamente não seria capaz de matá-lo, mas de repente tinha certeza de que os sulistas achariam uma forma. , entretanto, não se abalou, claramente ele já havia pensado nisso.
- Sabemos que é uma opção. Isso apressaria minha coroação e automaticamente o casamento. Faria sentido vendo o lado dos rebeldes, mas… - ele respirou fundo. - Meu pai quer me passar o trono antes, . Antes de oficializarmos a guerra contra os rebeldes.
- Nesse caso, o Chefe terá exatamente o que quer. Só resta saber se ele verá a guerra como uma traição ou oportunidade.
- Pode ser qualquer um dos dois, mas ainda acho pouco provável que ele pense que você tem relação com isso. O Chefe não confiaria essas informações a você, então ele não deve achar que o governo ou os nortistas dariam. O que me preocupa é ele usá-la para vencer a guerra. Não apenas para matar a família real, mas como arma de troca. Entende o que eu quero dizer?
Precisei pensar por alguns segundos. Eu entendia o que queria dizer e eu realmente acreditava que o Chefe seria capaz de me sequestrar e obrigar a baixar as armas, mas o governo jamais faria isso, não por uma mulher qualquer, mesmo que princesa. Se o Chefe achasse que eu havia me rebelado contra ele, nosso acordo teria fim e eu seria oficialmente uma traidora, mas se eu fosse uma fonte de informações, o que ele faria?
- A gente poderia dizer para ele que eu tenho informações.
- Como assim? - não havia entendido minha ideia.
- Se eu fosse útil para eles sendo Selecionada ou princesa, eles não me achariam uma traidora, nem correria o risco de me tirar do castelo para pedir por algo, porque eu seria mais útil exatamente onde estivesse. Depois de ganhar a confiança do Chefe, podemos preparar uma armadilha, podemos fazer ele acreditar em mim e então nós o derrotaríamos.
- … - ele claramente não achava uma boa ideia, sequer parecia acreditar que eu seria capaz.
- Pense bem. É o mais seguro para todos. É o mais fácil. O Chefe não me sequestraria, porque eu seria mais útil aqui no castelo do que com ele, e não acharia que eu era uma traidora, porque eu daria informações assim que descobrisse. - a ideia parecia perfeita em minha mente, cada peça se encaixando. - Eu realmente poderia ser fonte de informações. Eu falaria para ele o que você me pedisse. E usaríamos isso contra ele. Nas primeiras informações deixaríamos ele sair ganhando, talvez até na segunda, até que um dia ele cairia em uma armadilha, a guerra poderia acabar antes de começar.
- Não. - ele disse simplesmente, ficando de pé. - Você não vai voltar a encontrar aquele homem, . Muito menos em meio a uma guerra. Ele te mandou uma aliança.
- Mas é o mais seguro. - falei lógica.
- Não tem nada de seguro você enviar informações ao líder da maior organização contrária ao governo, . - ele disse, a irritação transparecendo na voz. O soberano calmo e inexpressivo sequer parecia existir.
- O que é mais seguro, me manter trancada no castelo?
- Você pode ir morar com seus pais.
- É sério? E daí além de me colocar em risco, vamos colocar um alvo em toda a minha família? Se eu for embora do castelo, sendo Selecionada, ou princesa, o Chefe vai ter certeza absoluta que eu sou uma traidora.
negou, balançando os cabelos.
- Você não vai voltar a ver o Chefe. - ele afirmou, grosso, a irritação já o consumindo.
- Você claramente não está pensando direito. Eu não quero ir. Você entende isso, não é? - falei, ficando de pé, cansada da forma com que estava sendo tratada. - Só que não vejo uma saída melhor. Se der certo, você acaba com os rebeldes sulistas e pode ter um reino de paz. Os ataques acabam, as ameaças acabam… tudo acaba antes de começar.
- Eu… - começou parecendo lutar uma batalha interna. - E se der errado? Daí o que eu faço?
- Daí você usa minha morte como desculpa para se rebelar, justifica a guerra e tira toda a credibilidade daquele homem. - eu disse simplesmente, sem vacilar.
- , você sabe que isso é loucura.
- Eu sei. Mas tudo o que fizemos desde que nos conhecemos é loucura, .
O príncipe piscou, incapaz de falar qualquer coisa enquanto me encarava. Eu estava certa. Ser sequestrada no primeiro dia de Selecionada, entregar uma carta rebelde ao vivo, me aliar aos nortistas, usar símbolos de apoio, me aliar aos sulistas no meio de um sequestro, fazer um Juramento de sangue para salvar a vida do meu melhor amigo, prometer me tornar princesa na calada da noite… tudo era uma completa loucura.
- Eu preciso ir, minha família está no castelo e não quero deixá-los muito tempo sozinhos. Obrigada pelo almoço, Alteza.
Assim que cheguei ao andar das Selecionadas, fui instruída por um dos guardas escalados para a proteção extra das famílias a seguir para o Salão das Mulheres. Suspirei. Eu estava contente pela chegada da minha família e pelo clima de festividade que havia invadido o castelo, mas naquele momento eu só queria ir para meu quarto e pensar.
- Obrigada. Eu só gostaria de trocar os sapatos. - falei para ele, justificando minha entrada no corredor ao invés de seguir escadas abaixo.
Ele assentiu, usando o rádio para avisar para minha escolta o que eu estava fazendo. Suspirei. Sabia que era o trabalho dele, mas eu só queria ficar sozinha. Queria pensar. Pensar no almoço, pensar na guerra, no casamento e em Drew. Eu sabia que havia destruído nossa relação, que havia o rebaixado ao cargo e a algo inferior a mim. Mesmo que nada do que eu tenha dito seja a forma como eu pensava, eu sabia que havia acertado em cheio. Eu não merecia seu carinho ou sua amizade, mas naquele momento a única coisa que eu queria era subir com ele em cima da árvore e chorar em seus braços, lamentando por tudo. De repente ir para a Seleção havia se tornado o menor dos meus problemas, agora eu temia por vidas. Temia pela vida dele, pela vida da minha família e pela vida de milhares de pessoas que morreriam em meio a guerra. Vidas inocentes. E eu era capaz de temer mais por aquelas vidas do que pela minha.
Abri a porta do meu quarto em meio às lágrimas, sentindo-as me consumirem assim que vi que estava sozinha. Eu estava farta daquilo, farta de me sentir sufocada pelo mundo, farta de me encontrar em um canto vazio chorando pela vida que parecia ter me engolido. Eu tinha decidido aceitar o casamento com , eu sabia que esse seria meu dever no dia em que fui escolhida, só não estava pronta para tanto. Eu estava com muito medo. Estava com medo de não conseguir convencer o Chefe, estava com medo de encontrá-lo novamente, estava com medo de estar errada. Mas eu estava com mais medo ainda de viver uma guerra. E, mesmo que não conseguisse admitir, o que mais me apavorava dentre todas as ideias era me casar com e me tornar princesa.
- ? - escutei Drew chamar, encarando-me pela porta com seu uniforme todo engomado, enquanto eu tentava inutilmente secar as lágrimas. - Você está chorando?
- Não. - falei, mas era claramente uma mentira. Eu também estava farta daquilo, de ter que mentir para todos o tempo todo, porque a verdade era ruim demais.
- O que aconteceu? - ele perguntou, ignorando minha resposta e qualquer sinal de cautela quando entrou nos meus aposentos e me abraçou.
Apesar de eu ter controlado as lágrimas com sua chegada, ter seu corpo forte envolvendo o meu e apresentando um acalento que eu sabia que não merecia, eu simplesmente desabei. Drew tinha cheiro de casa, de conforto e de segurança. Eu não queria fazer aquilo com ele, não queria usar meu melhor amigo e brincar com os seus sentimentos, mas eu simplesmente não tinha mais forças para afastá-lo. Eu precisava dele. Eu estava tão farta de tudo.
- Por que você veio aqui? - perguntei, sabendo que os soluços me impediam de ser clara.
- Com sua família aqui, nossos turnos aumentaram. Estou com você quase todo o tempo. Os outros vão cuidar do seus pais, Vic e Arnold. - ele respondeu calmo, não deixando transparecer na voz como se sentia com aquilo. Tentei respirar fundo. Eu queria saber. Queria que Drew deixasse claro como ele se sentia com tudo o que estava acontecendo, eu queria entender o que se passava na mente teimosa dele.
- Não hoje. - falei, esforçando-me para soltá-lo. - No castelo. Por que você veio aqui?
- , eu já disse…
- Então por que não foi embora quando te pedi? - as lágrimas já escorriam mais lentas, o desespero nebuloso dando lugar a raiva. Eu estava com raiva de Drew, raiva por ser tão imprudente e teimoso. Estava com raiva por ele não ter me ouvido, não ter valorizado o quanto eu me esforcei para salvá-lo, estava com raiva por ele escolher a mim ao invés dele.
- … - ele disse baixo, dando um passo para se aproximar novamente.
- Não. - pedi, indicando que ele parasse. - Eu quero saber a verdade. Eu implorei para que fosse embora.
- Eu não posso deixá-la.
- Por quê? Eu não mereço você, Drew. Não mereço sequer sua amizade. - respirei fundo, percebendo o quanto eu estava certa. - Você está metido nisso tudo por minha causa e isso é errado. Você precisa ir embora.
- Você está errada. Você salvou minha vida, . - ele disse, se esforçando para manter a voz calma e baixa, bem diferente de como eu agia. - E eu não estou falando apenas dos sulistas, estou falando da vida que passamos juntos, do quanto eu me esforcei para ser bom para você. Do quanto eu cresci. Eu sou quem eu sou hoje, por sua causa.
- Do que você está falando?
Ele riu sarcástico.
- Estou falando das vezes que escolhi fazer o certo, porque era o que você faria. Das vezes que escolhi ser forte, rápido e maduro porque eu queria que você tivesse orgulho de mim. De como aprendi a amar, a respeitar e a valorizar com você. Estou falando do quanto você me fez melhor. - ele suspirou. - Eu já entendi que você não me ama de outro jeito, mas eu sei que você se importa comigo e eu me importo com você, não vou te deixar aqui sozinha.
- Eu quero que você vá embora. - pedi, a voz falhando pela emoção. Não queria ouvir nada daquilo. Drew estava certo, eu o amava. Eu não queria me casar com ele, mas a verdade é que eu não queria me casar com ninguém. Entretanto tinha um motivo para se sacrificar, para aceitar um casamento sem amor, para escolher uma esposa com limitações, Drew não. Drew podia ser feliz e ele merecia alguém que lhe desse tudo, principalmente amor. - Eu não quero que você esteja aqui quando tudo desmoronar. - admiti.
- Como assim, ?
Neguei com a cabeça, incapaz de falar algo sem voltar para as lágrimas incessantes. Precisava que Drew entendesse, precisava que ele fosse feliz.
- O que foi? - ele pediu novamente, seu corpo travado parecendo se esforçar para manter a calma.
- Eu vou me casar com ele. - eu finalmente disse. - Eu realmente vou me casar com ele. Isso significa que eu serei oficialmente uma traidora dos sulistas e uma moeda dos nortistas. E uma marionete do governo. - falei, sentindo-me derrotada pela verdade.
- Eu… - ele tentou, mas Drew sabia que eu falava a verdade e ele sabia que o futuro que me esperava era uma versão política do que eu temia, enquanto reclamava de minha mãe e da Seleção.
- Não temos mais o que fazer, Drew. escolheu os aliados e eu sou uma peça-chave nisso. Ele precisa vencer a guerra, ele precisa de mim. - admiti, percebendo que pela primeira vez eu não tinha nenhuma dúvida sobre aquilo. Eu me casaria com .
- Mas e você, ? - Drew perguntou, me olhando de uma forma que nunca o fizera antes. Meu amigo não estava apenas com raiva de mim, ele estava com pena e com medo.
- Eu?
- Sim. Do que você precisa?
Eu não sabia.
De repente percebi que jamais tinha me feito aquela pergunta. O que eu poderia querer no meio daquilo tudo? O que eu precisava para ser feliz? Eu não sabia. Entretanto, eu nunca soube. Nunca soube que profissão queria, que tipo de marido queria, que tipo de casa, que tipo de vida. Mas não importava, eu teria que me contentar com o que escolheram para mim. Ficar pensando em outras opções, quando já não existiam, não me serviria de nada.
- Preciso que você esteja a salvo. - falei, parecendo ser a única forma de conseguir que Drew fosse para casa. Assim eu teria uma pessoa a menos para me preocupar.
- Não, . - ele disse grosso, claramente irritado com a resposta. - Você precisa pensar em você um pouco. - O tom de voz aumentava a cada palavra. - Você precisa ficar segura. De que adianta significar tudo isso para tanta gente e morrer?
Ele me olhou. Drew esperava alguma reação minha, mas eu não sabia o que dizer. Eu não queria morrer, mas era uma possibilidade, não era? Eu sabia que o que eu tinha dito para era verdade, sabia que as minhas maiores chances eram agindo, que dependendo do quanto o Chefe estivesse disposto, nenhum muro de castelo seria capaz de segurá-lo. Mas eu não estava disposta a contar isso para Drew, afinal eu tinha certeza de que a primeira reação dele seria ficar e eu queria que ele partisse.
- , eu sei que você está em uma situação perigosa, mas você será a rainha deste País. Você precisa de amigos, de aliados, de pessoas que se importam com você antes de qualquer coisa. Precisa de alguém que não vá te pedir para ir a encontros no meio da noite ou trocar você por apoio, você precisa de alguém que pense na sua segurança. Porque nem você faz isso! - Drew passou as mãos pelo cabelo, esforçando-se para manter a calma. Me dando certeza: eu não podia falar das minhas intenções com ele. - E eu prometo a você que serei essa pessoa, mesmo que você não queira. Eu sempre estarei aqui para lutar por sua segurança e seus interesses. Posso conviver com a ideia de ser seu guarda para o resto da vida, mas eu não vou te deixar sozinha nesse castelo para morrer.
- Mas e você? - perguntei baixo, com medo não só de despertar mais raiva nele, mas também pela luta interna que havia dentro de mim. Drew estava certo, ninguém naquele castelo, nem mesmo meu futuro marido, estava mais preocupado comigo do que com o destino de milhares de pessoas e eu entendia isso, eu também concordava que milhares de pessoas valiam mais que uma, mesmo que essa uma fosse eu, mas ao mesmo tempo, saber que Drew estaria lá por mim era uma proposta que eu queria aceitar. Mas não podia. Meu melhor amigo não merecia o que me esperava no futuro.
- Eu poderia ter morrido em um ataque sulista qualquer. Ou, se desse sorte, sobreviveria até a guerra. Você sabe que eu assinei meu atestado de óbito quando me juntei ao Chefe. Tudo o que eu estou vivendo depois daquilo é lucro, . Lucro que eu gostaria de usar te ajudando. Lucro que você me deu. - ele disse, a voz agora um tom abaixo do normal. Drew realmente se sentia em dívida comigo, mas ele não precisava, não fiz o juramento ao Chefe esperando algo em troca de Drew, na realidade, fiz esperando que Drew fosse para casa na primeira oportunidade. Mas eu conhecia meu amigo, conhecia seus valores, sua índole e sua teimosia, eu sabia que perderia aquela discussão, assim como perdera todas sobre o tema até então.
- No momento que você tiver vontade de ir embora, você precisa me prometer que vai. Sem olhar para trás. No segundo em que você tiver dúvida se está disposto a passar por tudo o que tem pela frente, você irá voltar para nossa Província e aproveitar a vida pacata que sempre achamos que nos esperaria. - falei, deixando claro que não havia opções. Drew queria ficar, então teria que aceitar meus termos.
- Tudo bem. Não vai acontecer, mas se acontecer, eu irei. - ele disse, aceitando.
- Você também não pode se meter em riscos desnecessários. Você não vai para a guerra, afinal, eu não vou para a guerra. - falei, rindo ao notar minhas palavras.
- Feito. - ele nem precisou pensar.
- E em relação ao príncipe, estamos de acordo?
Apesar de não ser clara, Drew sabia do que eu estava falando. Entretanto, indo contra tudo o que eu esperava dele, ele sorriu, um sorriso de lado, malandro, um que eu já havia visto diversas vezes, sempre antes dele dar alguma ideia imprudente.
- Nós concordamos quando falamos que você precisa se casar com o príncipe por causa de rebeldes e do Estado. - ele disse, escolhendo as palavras com sabedoria.
- Drew…
- Eu sei, eu sei. Manterei um metro e meio de distância, vossa Alteza. - ele disse, fazendo uma reverência exagerada, o sorriso ainda presente nos lábios. - Com exceção de casos onde a senhorita precisará de mim mais perto, é claro.
Apesar de não estar acostumada com aquele tipo de insinuação vindo de Drew, não consegui fazer outra coisa a não ser rir. Não precisaria de Drew mais perto, então eu conseguia conviver com aquilo.
- Ótimo. Agora pare de me chamar assim. - falei, rindo. O desespero anterior sendo ofuscado totalmente pela familiaridade e sensação de conforto de ter Drew comigo. Sensação que só aumentou depois que percebi que ele realmente ficaria ali, pelo tempo que precisasse.
- Você vai falar para o príncipe?
- Sobre o quê?
Foi a vez de Drew me lançar um olhar óbvio.
- Ele te quis aqui. Quando pedi para que ele ordenasse que você fosse para casa, ele não quis. Então não acho que vamos ter problemas com isso.
Até Drew pareceu surpreso com a informação.
- Ele sabe que…?
- Não estaríamos tendo essa conversa se ele soubesse, o que fizemos é considerado traição. - falei antes que ele pudesse terminar. Apesar de ter dito para que Drew poderia ter algum tipo de sentimento por mim, isso não se compararia a beijá-lo, muito menos no castelo.
- Certo. - ele respirou fundo, contente por ter um segredo. - Agora você precisa ir para o Salão das Mulheres, as famílias estão lá para uma interação íntima antes de iniciarem os preparativos para o baile.
- Isso será ótimo. - a ironia na minha voz era impossível de não identificar. Eu não estava pronta para uma conversa com tantas pessoas, principalmente envolvendo minha família, mas eu precisava.
Troquei os sapatos, como havia dito que faria para o guarda no corredor e retoquei a maquiagem manchada pelas lágrimas antes de sair em direção ao Salão das Mulheres. O Drew que me esperava do lado de fora do corredor não era o mesmo que havia conversado comigo segundos antes, ali, a vista de todos, ele tinha uma postura exemplar, os braços atrás das costas e uma expressão séria, uma expressão típica para um guarda. Meu guarda. Sorri para ele, como normalmente não fazia, e dei um leve cumprimento de cabeça antes de seguir até o andar de baixo, sentindo-o ao meu encalço.
Caminhei lentamente até o Salão das Mulheres, tentando não apenas postergar minha chegada, mas também o momento que me separaria de Drew. Depois que parei de me irritar com sua presença atrás de mim, percebi que gostava muito de tê-lo por perto e saber que ele estava bem.
Era possível ouvir as conversas e a música do lado de fora do Salão, mas ainda sim fiquei surpresa com a quantidade de pessoas que encontrei do lado de dentro. Todas as mulheres das famílias das Selecionadas estavam ali, assim como a rainha e suas damas de companhia. O que me permitiu caminhar até vossa Majestade e cumprimentá-la com uma reverência ao mesmo tempo que sorria para Suzane, sentada ao seu lado.
- Boa tarde, senhorita . - a rainha disse, sorrindo verdadeiramente, deixando óbvio pelo olhar que sabia exatamente onde eu estava no almoço. - Fico feliz que tenha se juntado a nós, já tive o prazer de conversar com sua mãe e irmã, devo dizer que são mulheres adoráveis.
- Boa tarde, Majestade. Muito obrigada. - e então me despedi, sorrindo, antes de caminhar em direção a minha mãe e Vic, que conversavam no canto, próximo a janela, no final do salão. Só pelas expressões, eu sabia do que estavam falando.
Apesar de sorrir para Anne, Aurora, Natalie e suas famílias, não tive problemas em seguir diretamente para Victoria e nossa mãe, pelo visto todas estavam aproveitando o tempo para atualizar suas parentes.
- Vocês estão bem? - perguntei, aproveitando para me sentar em uma das poltronas vagas. O Salão fora novamente decorado para comportar com folga as convidadas.
- Sim, só estamos tentando processar tudo. - Vic disse, rindo fraco. - Sabíamos que existia uma chance de você ser a escolhida, já que ainda estava aqui, mas não achávamos que seria tão rápido, muito menos consideramos, você sabe, todo o resto. - assenti. Com a distância das pessoas mais próximas, misturada a música que era tocada por uma violinista no outro canto do Salão, ficava impossível que alguém nos ouvisse.
- Eu imagino.
- Achamos que o príncipe estava fazendo uma jogada de marketing quando ele disse na tv que já tinha uma escolhida.
- Ele estava. - respondi, vendo as duas me olharem confusas. - Quero dizer, é difícil de explicar e tudo aconteceu muito rápido, mas basicamente eu e decidimos que poderíamos nos casar por causa dos rebeldes nortistas, só que eu sempre achei que ele poderia mudar de ideia. Quando ele disse aquilo, não era para me anunciar de verdade, apenas para justificar a saída de tantas moças.
- E por que elas saíram?
- Por causa do ataque sulista.
- Eles queriam você mesmo? - minha mãe perguntou, aproveitando o assunto.
- Sim. - respirei fundo. - Parece que e seu governo tinham a pretensão de me escolher desde que viram meu currículo. É claro que existia a chance de se apaixonar por alguma garota, mas eles estavam prontos caso isso não acontecesse. Assim como o governo, os nortistas estavam de olho em mim, precisavam de alguém para fortalecer de vez a união entre e seus ideias. - falei, preferindo contar o mais perto da verdade que eu podia. - Então quando os nortistas deram sua cartada, o príncipe aceitou, então fomos capazes de definir de vez a relação entre os nortistas e o governo, eles estão totalmente conosco, agora. Só que no meio disso tudo, os sulistas souberam de uma ligação entre os nortistas e o príncipe e foi aí que agiram. Me pediram para espionar tanto quanto os nortistas, para eles. Aceitei, usando a oportunidade para salvar Drew e atualizar sobre os sulistas. - dei de ombros, sabendo que havia cortado diversos detalhes da situação, mas aquilo já era o suficiente para as duas entenderem que minha união com era totalmente política e que elas corriam perigo ficando na nossa Província.
- Você gosta dele? - Vic perguntou.
- Não o odeio. Estamos nos tornando amigos.
Ela concordou. Vic, ao contrário de mim, havia se apaixonado pelo marido no instante que o conhecera, mas eu esperava que ela entendesse minha situação.
- E vocês não tem prazo mesmo? - minha mãe parecia realmente interessada na minha vida.
- Não. Sequer acho que escolheremos… provavelmente vamos nos casar quando couber no calendário. Eu espero que ainda tenhamos alguns bons dias. não pode terminar a Seleção tão cedo, e ainda tem alguns compromissos para organizar a guerra. - falei tão baixo, que minha mãe e Vic tiveram que ler meus lábios. - Mas ao mesmo tempo, não consegue manter a Seleção e a guerra. Por isso que eu preciso que vocês se mudem o quanto antes.
- Sim. Vamos fazer isso. - minha mãe disse, parecendo disposta a cumprir seu dever sem reclamar.
- Obrigada, mãe. Obrigada a vocês duas.
- , eu… - ela engoliu em seco. - Eu quero que saiba que vamos estar aqui para você. - ela respirou fundo, parecendo ter dificuldade para deixar as palavras saírem. - Eu, seu pai e sua irmã. Sei que ser princesa não era exatamente seu sonho, mas é algo grandioso, . E coisas grandiosas requerem sacrifícios. Faremos isso com você.
- Obrigada, mãe. - falei, pegando em sua mão. Sabia que aquilo era o máximo de conforto que conseguiria dela e, por incrível que pareça, era o suficiente.
Vic sorriu, parecendo saber exatamente o que se passava na minha cabeça. Eu sabia que ela pediria mais detalhes depois, sabia que haviam coisas que ela não perguntaria na frente da nossa mãe, mas sabia também que ela estava tão certa daquilo quanto Candice. Elas estavam prontas para ser parte da família real, provavelmente mais prontas do que eu.
Ficou extremamente claro para mim que a rainha havia pensado em todos os detalhes quando, após uma caçada com os príncipes e o rei, os homens da família foram convidados a se unir a nós no Salão das Mulheres. Apesar de claramente interromperem alguns assuntos, os homens deixaram o ambiente ainda mais festivo, pois, junto deles, chegaram mais garçons, bebidas e aperitivos para satisfazer os estômagos vazios. Meu pai e Arnold estavam inteiramente satisfeitos com a tarde que tiveram, permitindo que todos os conversassem sobre algo que não envolvia o assunto discutido do almoço. Finalmente.
Não demorou muito para a família de Anne se juntar a nós, aproveitando, mais uma vez, a facilidade que tínhamos em falar com todos os convidados. Entretanto, na primeira oportunidade que teve, Anne me pediu para acompanhá-la até o banheiro.
- Com licença. - ela pediu em francês, aceitando acenos antes de sair me ldo consigo.
- O que foi? Está tudo bem? - perguntei, estranhando sua atitude.
- Eu que pergunto. - ela disse, sussurrando enquanto andávamos até o banheiro. - Como foi o almoço?
A surpresa por Anne saber sobre o almoço passou no instante que percebi que ela ainda era a confidente de .
- não contou? - lamentei o tom irritado no instante que percebi que havia saído de minha boca. - Desculpe, minha família está me sugando com isso.
- Eles não aceitaram bem? - Anne não parecia incomodada com minha atitude, o que me fez suspirar. Era por isso que Anne era minha amiga, a paciência dela compensava todas as minhas más atitudes.
- Na verdade aceitaram. Estou até chocada que conseguem estar no mesmo lugar que a família real sem surtar. Mas é tanta coisa para explicar, tanta expectativa para suprir. - falei, aproveitando a pia para umedecer o rosto.
- Você contou tudo?
- Resumidamente, sim. Minha família precisa se mudar, Anne. Eu preciso que eles entendam que não são flores que os esperam, mas armas.
- Eu sei que você pensa assim, mas você está fazendo algo incrível, . A sua família deve se orgulhar de você.
Aproveitei a frase de Anne para encarar o espelho, meu rosto agora já seco. Anne estava certa, a mulher que me olhava no reflexo seria a próxima princesa de Ynter. Seria o futuro da nação, o rosto que substituiria no futuro a rainha Ariele, mas por que eu não me sentia assim?
- Eles estão. - admiti. - Mas ainda assim é perigoso. Não vou me tornar princesa de forma calma, segura e repleta de sinos tocando, Anne. Eu vou fazer isso em meio a uma guerra.
- Mas ainda terá sinos tocando. - ela disse, provocando-me enquanto ria.
- Provavelmente. - falei, rindo também. - Mas e você? Como está sua família?
- Incrivelmente bem. Estão super orgulhosos e contentes, amando cada detalhe do castelo. - Anne riu, mas no fundo eu percebi que algo a incomodava.
- Eles acham que você será a escolhida?
- Acham. - ela admitiu, parecendo murchar um pouco. - Eu já disse que não é o caso, mas como eu ainda estou aqui… você sabe…
- Eu sei. - eu estava triste por Anne, triste por saber que a família dela esperava dela algo que ela não poderia dar. Eu sabia como era viver com esse anseio. - Você queria?
- O quê?
- Ser princesa.
Ela vacilou. Por um segundo Anne deixou transparecer parte do que sentia de verdade, mas logo o sorriso surgiu novamente.
- Nunca achei que fosse conseguir.
- Mas você queria… - tentei, esperando que ela pudesse ser sincera comigo como fui tantas vezes.
- Não me entenda mal, , Eu não quero roubar seu lugar, nem nada do tipo…
- Anne, se eu pudesse, te daria a coroa. - falei e apesar do aperto no peito inesperado, eu ainda sabia que era verdade. Mesmo que não fosse o ideal, Drew me esperando do lado de fora do banheiro era uma opção tão mais fácil e segura, tão mais simples… Era aquilo que eu queria, não era?
- Eu sei. Mas na verdade eu nem sei se quero realmente. Eu gosto daqui e gosto de …
Então ela parou, os olhos esbugalhados ao perceber o que havia dito.
- Eu não quis dizer romanticamente, só…
- Tudo bem gostar dele. - falei, dessa vez totalmente segura do que dizia. - é realmente especial.
- Mas eu…
- Anne, se para você é ruim estar aqui, é ruim me ouvir reclamar e falar de , eu posso parar nesse instante.
- Não, eu quero ajudar vocês. De verdade. - ela suspirou. - sempre foi o príncipe para mim e apesar de apreciar sua amizade, sei que parte de mim ainda vê o homem das revistas e suspira. Ele é melhor pessoalmente, você sabe. Mas foi claro comigo, . Ele quer minha ajuda para conquistar você. E não importa o quanto eu tente, jamais serei como você.
- O que quer dizer?
Anne riu.
- Eu quero dizer que seria incapaz de entrar na floresta no meio da noite e encontrar um exército de rebeldes, que seria incapaz de entrar em um caminhão e negociar o país com Serena. Jamais pensaria em soluções políticas como você. Eu não sou tão corajosa.
- Você poderia ser.
Anne riu fraco.
- Não poderia. Eu sequer acho que gostaria e está tudo bem. - ela deu de ombros, soando sincera. - Eu estou feliz com meu papel no mundo.
Pisquei algumas vezes percebendo que Anne tinha razão, talvez ela não conseguisse ser tão imprudente quanto eu, mas ela era algo que eu jamais seria: Anne era segura.
- Anne, quero que saiba que sempre vai ter um lugar aqui, se depender de mim. Sempre. - falei, abraçando-a de repente.
A conversa com Anne foi o suficiente para algo mudar em mim. Eu queria ser como ela, queria aceitar meu lugar no mundo, aceitar meu destino e entender o que as escolhas e promessas que fiz precisavam ser cumpridas. Eu seria princesa. Precisava aceitar isso de vez. Se quisesse mudar de ideia, tudo bem, mas seria uma escolha totalmente dele, porque a partir daquele momento eu estava 100% comprometida. O que significava que eu faria o que disse ao príncipe, trabalharia duro por informações dos sulistas, informações que poderiam acabar com a guerra antes dela realmente começar, porque eu não seria o tipo de princesa que espera escondida no castelo, não quando eu posso fazer muito.
Anne sorriu, percebendo a mudança de atitude e indicando para que voltássemos. Concordei, saindo do banheiro de cabeça erguida, mas vacilando no instante em que vi Drew apoiado na parede à minha espera, o guarda de Anne parado ao seu lado. O que ele faria?
Eu estava contente com a minha “escolha” de tê-lo comigo, mas também estava certa de que não podia deixá-lo saber do meu plano. Como eu faria tudo o que eu pretendia com Drew ao meu encalço?
Capítulo 31 - Baile com as Famílias
- Boa noite a todos! - a voz do rei continha uma satisfação que não se via com muita frequência, ele parecia genuinamente contente com o que estava proporcionando para o filho e suas Selecionadas. - Fico extremamente lisonjeado com a presença de todos. Apesar dos comentários de que meu filho está fazendo uma Seleção apressada, olhando para os rostos dentro desse salão, sei que ele fez uma escolha sábia. - ele riu galanteador, fazendo com que alguns nobres o acompanhassem. Era divertido ver o rei tão descontraído, fazendo brincadeiras acompanhado da família e amigos. Eu sabia que devido aos rebeldes, o rei andava extremamente preocupado, mas ali, com sua roupa de gala, e a esposa ao seu lado, parecia que tudo ficaria bem. - Espero que todos os familiares das nossas adoráveis Selecionadas se sintam bem-vindos, estamos ansiosos para tornar suas filhas parte da nobreza do nosso país.
Suspirei, sentindo, talvez exageradamente, que aquilo era uma indireta para . Uma indireta que dizia que quanto antes eu virasse nobre, antes o rei me tornaria princesa.
- Estamos mesmo. Sejam todos bem-vindos. - a rainha aproveitou a deixa e ergueu sua taça, finalizando ali o discurso do marido. Olhei mais atenta para o casal: ela e o rei estavam no centro do Salão Principal, mostrando o quanto aquele baile era uma comemoração íntima. O rei tinha a mão discretamente apoiada na cintura da esposa e não parecia incomodado com a atitude dela. Respirei fundo, precisava parar de procurar atitudes políticas em todo o lugar que eu olhasse.
e , que permaneciam perto dos pais, sorriam e ergueram suas taças, assim como todos nós. Era o brinde que indicava o início oficial do baile. Todos os convidados já estavam no local curtindo a música e as bebidas, e, depois do discurso, a comida e a pista estavam oficialmente liberadas, como exigia o protocolo. Mas antes que a banda voltasse a tocar, começou seu pequeno discurso:
- Estou muito animado com a chegada das famílias! É um prazer conhecer tantos rostos que eu apenas ouvi falar. - dessa vez, todo o salão riu. parecia alegre como o pai, me deixando em dúvida se era apenas a atmosfera do baile que os deixava contentes, ou se havia algo a mais, algo político. Suspirei, percebendo que estava fazendo novamente. Mas quem eu queria enganar? Estávamos a menos de dois dias do Juramento à Bandeira, o que significava que em poucos dias e o pai estariam em Ilea procurando uma forma de conseguir apoio para a guerra. Uma guerra totalmente política e que eu não podia ignorar. - Estamos prestes a oficializá-las como parte da nobreza e não podia ter mais orgulho das mulheres aqui hoje. Como sabem, eu já tenho a minha escolhida e, apesar de ser um segredo, sei que todas vocês serão de grande ajuda, não apenas para nossa futura princesa, mas para todo o nosso reino. Um brinde à Seleção!
E mais uma vez levantamos as taças, todos mais empolgados com a ideia de sua filha/irmã ser a futura princesa. Percebi que minha mãe e Vic se entreolharam discretamente, parecendo orgulhosas. Suspirei. Elas pareciam estar se acostumando com a ideia, o que era bom, mas também assustador. A cada dia eu percebia o quanto tudo era real, o que também indicava que eu deveria agir, se queria achar uma forma de evitar a guerra antes mesmo dela começar.
- Senhorita , gostaria de dançar? - perguntou, aparecendo no meu campo de visão, me fazendo desviar os olhos de minha família. Ele sorria de orelha a orelha, me lembrando do sorriso que deu no Jornal Oficial, no dia em que eu e Cornelius brincamos sobre seus pijamas, parecia que faziam séculos, mas eu sabia que eram apenas alguns dias.
- Claro. - sorri, mesmo não sendo exatamente o que eu gostaria. Eu sabia que todas as danças de abertura de haviam sido comigo, mas era a primeira desde que ele havia beijado Samantha e Lauren. E era a primeira que minha família assistia de camarote, o que me deixava mais nervosa do que gostaria.
Entretanto, eu sorri quando começou a me conduzir no ritmo da música. Percebi que além de nós, seus pais, e Aurora também dançavam. Depois dos primeiros acordes, a família de Kouris se uniu a nós na pista, os meninos dançando com as Selecionadas e a tia de com seu esposo. Notei que Natalie também estava ali, dançando com algum nobre.
- Você está bem? - perguntou, aproveitando o movimento extra para conversarmos. - Me desculpe por antes. Eu não quero mais brigar.
Olhei para ele surpresa. Eu também não queria mais discutir com , mas não esperava que ele admitisse o desejo tão abertamente. Muito menos ali, na frente de tantas pessoas. Eu sabia que ninguém conseguia nos ouvir com a música e os passos no salão, mas ainda sim me parecia tão íntimo. Suspirei, aceitando a deixa.
- Eu também não quero, mas eu quero ser ouvida, . É da minha vida que estamos falando. - falei baixo.
- Eu sei. Só que não posso deixá-la correr tantos riscos, . Ainda mais sem seu amigo lá.
Concordei. Eu sabia que não ia entender e não importava mais. Eu seria uma boa princesa e boas princesas lutavam pelo seu reino, sem se importar com o preço a pagar.
- Não quero que me trate como se eu nunca tivesse corrido riscos. - pedi, mas só pelo meu tom, sabia que havia vencido. Pelo menos era o que eu gostaria que ele pensasse.
- Eu prometo. - ele disse, mesmo sabendo que era uma promessa vaga. Eu tinha certeza que se contasse para o príncipe o plano que começava a se formar na minha mente, ele acharia uma forma de me proibir no mesmo instante.
- Obrigada. - sorri, sabendo que havia feito a escolha certa de palavras. Não havia prometido coisas que não poderia cumprir, sequer havia confirmado que minha ideia havia sido abandonada, apenas concordei com a opinião dele. Esperava que esse argumento funcionasse quando percebesse que eu estava tramando contra o Chefe, ignorando sua vontade.
- Sua família falou mais alguma coisa?
- Ainda não tivemos muito tempo para conversar, mas minha mãe e irmã parecem estar se acostumando com a ideia. Não estão reclamando, pelo menos. Meu pai e Arnold parecem bem satisfeitos.
assentiu com a cabeça, me fazendo respirar fundo. Era isso. Em dois dias, eu estaria jurando meu amor ao País, para então deixar minha família partir em busca de uma casa segura. Não conseguia evitar de me perguntar se era mesmo o certo, se o governo realmente seria capaz de mantê-los seguros. Algo em mim dizia que eles não seriam um alvo de qualquer maneira, mas outra parte queria desistir de tudo e deixá-los de fora.
- Eles foram ótimos, . - o príncipe parecia extremamente contente, me fazendo voltar ao assunto inicial.
- Até demais, não acha? Será que eles realmente entenderam?
- Acho que eles já estavam se preparando. Você não acha?
Eu achava. Apesar de saber que minha mãe tinha um plano B, eu sabia que minha popularidade havia dado esperanças a ela.
- E seus pais? Falaram algo?
- Estão contentes... Queriam marcar um almoço ou jantar, mas amanhã chegam mais convidados, então não será possível.
- Eu entendo. - concordei, expressando não tristeza, mas alívio. Não estava pronta para um almoço com minha família e os reis.
- Você sabe que esse almoço vai acontecer, em algum momento, não é? - o príncipe perguntou, rindo ao notar meu alívio.
- Sim, mas espero que ocorra depois que eu responder às diversas perguntas que devem estar surgindo na cabeça da minha irmã.
concordou, fazendo uma discreta reverência devido ao fim da música.
- Quer dançar mais uma? - ele perguntou, o sorriso de lado lhe dando um ar atrevido e divertido. Eu gostava daquilo, gostava do quanto havia deixado de lado seu jeito indiferente, pelo menos na maior parte do tempo.
- Nem pense nisso, é minha vez. - Kaleb, o príncipe mais velho e futuro herdeiro do trono de Kouris, apareceu. Claramente os pares seriam trocados, percebi que até a rainha Ariele dançaria com o cunhado, deixando a princesa Mikaelly dançar com o irmão.
- Tudo bem. - concordou rindo, percebendo que Lauren era sua próxima parceira.
- Senhorita . - Kaleb fez uma reverência, que eu imitei.
- Alteza.
E então começamos a dançar. Notei que a pista já estava mais cheia, indicando que vários convidados se uniram a nós na dança.
- Soube que minha pergunta gerou um desentendimento entre você e . - ele simplesmente disse, não parecendo se importar com rodeios.
- Não acho que tenha sido sua pergunta, acho que o problema foi minha resposta. - falei, envergonhada. Se havia contado do ocorrido, com certeza havia dito o porquê.
- A sua resposta ou a dele? - Kaleb levantou uma das sobrancelhas.
- Eu não sei. Mas acredito que ambos falamos a verdade e foi importante, então, obrigada.
Kaleb concordou, parecendo pensar na minha resposta por alguns segundos.
- Você acha que poderá se apaixonar por ele em algum momento?
Fiquei surpresa pela pergunta, mas estava claro que Kaleb era o tipo de pessoa que não tinha vergonha de perguntar o que queria. O que, sinceramente, era surpreendente, mas incrivelmente gratificante. Se ele não estava preocupado com as perguntas, eu não precisava ficar com as respostas.
- Eu espero que sim. - admiti.
- E se ele não lhe retribuir?
- Então eu terei que conviver com isso. Eu sei que não é apaixonado por mim e eu sei que não sou apaixonada por ele. Qualquer fruto que surgir disso acredito que seja vantajoso. - dei de ombros, afinal, eu já havia pensado naquilo. - Mas, se me permite dizer, prefiro me apaixonar por ele e não ser recíproco do que o contrário.
- Por quê?
- Porque eu sei lidar com meus sentimentos e frustrações, mas é muito difícil fazer isso com os sonhos de outra pessoa. - falei, sabendo que Kaleb iria entender.
- admitiu que você sempre foi sincera com ele. - ele disse, provando que eu estava certa. havia contado tudo ao primo, inclusive que eu havia dito claramente que não era o que ele havia sonhado e, muito provavelmente, jamais seria. E apesar de dizer para que aceitava ele deixar seus sonhos de lado, não conseguia ignorar o aperto no peito de ser a pessoa responsável, de não ser o suficiente. - Ele tinha esperanças, mas…
- Mas ainda sim, não foi o suficiente. Ainda sim, eu não sou o suficiente.
- Você é.
Neguei. Não precisava que ele tentasse me consolar.
- Não, eu não sou. Mas eu deixei isso claro para e espero que ele tenha aceitado. Eu não posso oferecer mais do que posso dar. E não acho justo fingir que sim. - disse firme, ignorando qualquer tremor que quisesse aparecer. Eu seria princesa, precisava aceitar que teriam decisões difíceis pela frente.
Kaleb pareceu refletir. Minhas palavras moldadas e encaixadas para a sua realidade. Eu sabia que ele estava com medo da sua Seleção, com medo do que viria quando ele tivesse que decidir rápido, quando as mulheres estivessem lutando por ele.
- Ele gostaria que fosse diferente. - Kaleb contou.
- Eu também. - dei de ombros. E Kaleb assentiu. Apesar de não saber exatamente o motivo de suas perguntas, percebi, provavelmente por instinto, que Kaleb achava que tinha mais chances de estar do meu lado do que do de , quando fosse a sua vez. Ele parecia mais preocupado em não ser o suficiente para sua princesa do que o contrário. Eu conseguia entendê-lo.
- Apesar de você achar que não é o que sonhou, acho que será uma princesa excelente, senhorita . - ele disse, fazendo uma reverência com o fim da música.
Sorri, apenas assentindo. Kaleb era diferente de todos que eu já havia conhecido. Ele não parecia ser tímido quando conversávamos, ele parecia interessado e confiante, mas era como se ele se contivesse quando estava em público, como se ele tivesse medo de mostrar quem era. Talvez o fardo de ser o príncipe herdeiro e futuro rei tivesse tirado a naturalidade dele, assim como fez com .
foi a minha quinta dança da noite, depois da Kaleb, dancei com os gêmeos de Kouris, os quais passaram suas respectivas danças fazendo perguntas sobre xadrez. Apesar de saber que eram pessoas diferentes, parecia que eu estava tendo um déjà vu enquanto dançava com Kael, que veio depois do irmão e praticamente quis saber as mesmas coisas. Era engraçado o quanto meu conhecimento do jogo os havia impressionado; esperava que minha mãe não soubesse dessa história.
- Como você está? - perguntou quando começamos a dançar.
- Bem, minha família parece estar aceitando bem. E você? Como foi com Aurora?
- Muito bem. - ele sorriu diferente, a lembrança de algo lhe iluminando os olhos. - Amanhã de manhã vou pedi-la em casamento. No café da manhã, com a família dela.
Sorri. Apesar de saber que não podia contar para Aurora, de repente tive vontade de correr até ela para comemorar. Aurora era minha amiga e eu sabia que ela ficaria muito feliz com isso.
- Você já falou com os pais dela?
- Sim. Eu estava com medo deles não gostarem, porque você sabe que eu não incluo uma coroa de rainha… mas não foi um problema, eles estão felizes com a futura rainha deles.
- Eles sabem sobre mim? - a surpresa me fez erguer um pouco mais a voz, mas a música misturada com os passos e barulho de todo o salão impediriam qualquer um de ouvir.
riu, nem um pouco surpreso com minha reação: - Eles são nortistas, lembra? - ele disse baixo, indicando que eu deveria fazer o mesmo. - Eles não sabem que é oficial, mas eles sabem que você é nortista agora. E eles sabem dos 80%, então estão bem esperançosos.
Assenti. Era óbvio que a família de Aurora também seria nortista e, pelo que eu vi na última vez que fui no abrigo, também era óbvio que eles sabiam sobre o acordo, pelo menos parte dele. Depois de uns segundos percebi que deveria sorrir para , afinal ele iria se casar.
- Isso é incrível! Você sabe… se casar. - falei, com uma empolgação genuína. Eu estava muito contente por e Aurora, seriam boas pessoas para ter por perto pelo resto da vida. Suspirei, um futuro distante passando brevemente pelos meus olhos. Um futuro com crianças, castelo e , ao lado do irmão e da princesa Aurora.
- Obrigado, . É só um pedido, uma forma de garantir que Aurora volte depois do Juramento e que, caso algo aconteça na guerra, ela será bem vista… - ele deu de ombros. Eu sabia que o casamento de demoraria mais para acontecer que o meu, primeiro porque ele obrigatoriamente teria que ser depois, e segundo, porque duvidava que o rei fosse apressar para casar no meio da guerra, como estava pensando em fazer com o irmão.
- Mesmo assim, é incrível. Parabéns!
- Obrigado. Eu realmente queria agradecer por tudo, . - ele disse baixo, a voz mais rouca, carregada de emoção. - Toda vez que paro para pensar o que seria de mim se Aurora fosse obrigada a ganhar o concurso… - ele parou, a ideia da mulher da sua vida casada com o irmão o assombrando. - Eu realmente agradeço.
- Não se preocupe, . Era algo que eu deveria fazer…
- Não era. Mas eu entendo porquê o fez e fico grato. Por tudo.
Concordei. tinha a mesma opinião que Serena, a opinião que parecia não entender porque não fui embora, porque aceitei todos os encontros e artimanhas dos rebeldes. No começo eu não sabia, quando Serena me perguntou pela primeira vez, era como se fosse óbvio, como se ficar fosse a única opção. Mas não era. Eu poderia ter ido embora, havia diversas formas de fazer isso, mas eu não queria. A verdade é que me casar com me dava a chance de fazer algo, de ser alguém, de ajudar… me casar com o príncipe me dava um objetivo e utilidade. E era o que eu queria. Ser marionete do meu marido era apenas uma forma de esconder meu verdadeiro medo: viver sem realizar algo.
Depois de , meu pai me chamou para dançar. Dançamos mais calmos, aproveitando a pista de dança agora lotada para diminuir o ritmo.
- Você está bem? - ele me perguntou, os olhos indicando tudo o que ele não podia falar com tantas pessoas em volta.
- Eu estou. Por incrível que pareça, eu estou.
Meu pai assentiu.
- Eu acho que estamos mais seguros com ele do que sem. - ele sussurrou.
- Nós estamos. - afirmei, sabendo o que meu pai queria dizer. Naquela altura, não me casar com seria perigoso. Ainda estaria nas mãos do Chefe, que pelo jeito me aceitaria como esposa sem a ideia de ser rei, e estaria frustrando os nortistas, o que não parecia ser uma boa ideia.
- Mas você não gosta dele. - meu pai disse, me surpreendendo. Nós teríamos aquele tipo de conversa?
- Não importa. Você sabe que eu teria que aceitar isso de qualquer maneira. - dei de ombros, olhando para minha mãe bebendo uma taça enquanto conversava com uma das damas da rainha. Parecendo feliz em nos ver dançando.
- Eu sinto muito. - ele disse, parecendo real. - Deveria tê-la impedido.
Ergui as sobrancelhas. Nunca achei que meu pai pensasse sobre isso, sequer achei que ele se importava. A surpresa era boa, mas eu sabia que meu pai não poderia, sabia que ele sequer conseguiria. Primeiro, porque não era do seu feitio se intrometer nos assuntos da minha mãe, o que significava, na criação das filhas. Segundo, porque, mesmo que tentasse, era uma tradição da família da minha mãe, era meu dever desde que fui concebida.
- Não deveria. Sempre foi assim. E sinceramente, agora não importa mais. Acho até que estou feliz por você não ter tentado, mas… - respirei fundo. - Você acha que eu serei uma boa…? - não completei, esperando que ele entendesse. Queria saber se meu pai achava que eu seria uma boa princesa, uma boa rainha, uma boa líder, esposa, mãe…
- Sua coragem e seu coração foram feitos para isso, . Você sempre quis fazer algo grande e não vejo nada mais significativo que isso.
Concordei. Grata por ter tido aquela conversa com meu pai. Eu concordava com ele, apesar de não ter a confiança que ele emanava.
- Obrigada. E obrigada por entender tão bem e ter facilitado. - falei, referindo-me à conversa de antes. Assim como meu pai não se intrometia nos assuntos de minha mãe, ela não fazia nas decisões dele. E com toda a certeza, onde morariam e como seriam protegidos era uma decisão dele.
- Eu falei sério ali. Quando você entrou… essa possibilidade sempre existiu. E se teremos uma guerra, nada melhor que estar seguro em uma residência real. - ele sussurrou, soando óbvio. - Eu estou orgulhoso, . Estou orgulhoso de tudo e todos que você conquistou…
Eu sabia que meu pai estava falando dos rebeldes. Por um momento, cheguei até a pensar que ele já poderia saber de sua existência antes mesmo de eu entrar na Seleção, afinal ele sempre foi antenado com esse tipo de coisa. Mas a realidade é que não importava e duvidava que ele fosse me contar se perguntasse.
- Eu não poderia deixar os nortistas sem apoio e precisava ajudar Drew. Eu…
- Você fez bem.
Meu pai me abraçou, aproveitando o fim da música. Eu não precisava continuar, ele simplesmente sabia porquê eu havia feito aquelas escolhas e estava orgulhoso.
- Vamos falar com sua mãe, ela está extremamente empolgada.
Aceitei ser conduzida para fora da pista de dança, percebendo que nunca havia tido uma conversa tão sincera e reveladora com meu pai. Provavelmente seria a única, mas havia valido a pena.
***
- A comida está maravilhosa. - Vic elogiou, provando o cardápio real escolhido para o baile, enquanto tomava mais um gole de sua taça, sentada à mesa ao lado de Arnold e nossa mãe.
Assim que a música baixou e o jantar foi servido, sentamos na mesa reservada para a família , deixando que os garçons responsáveis por nós nos servissem com a entrada, prato principal e em seguida, a sobremesa.
- Está mesmo. - minha mãe concordou, pegando um pequeno pedaço de sua torta. - Eu poderia facilmente me acostumar com isso.
Eu sabia o que aquilo significava, sabia que era uma indireta para mim, uma indireta que pedia para que ela ficasse no castelo ao invés de seguir para uma das casas da realeza, mas fingi não perceber.
- Nós teremos algo bem perto disso, querida. - meu pai disse, o tom suave escondendo a firmeza óbvia. Ele, ao contrário de mim, não estava disposto a ignorar o comentário escondido de minha mãe.
- Sim, e vocês também. - minha mãe concordou, olhando para Vic e o marido. - Chegou a falar com o príncipe, Arnold? - minha mãe olhava para o cunhado com a admiração de sempre, extremamente contente pelo partido que a filha conseguiu. Sabia que no momento em que incluíssemos , , Aurora e os reis naquela mesa, sua pose só iria ser amplificada.
- Sim, senhora . Estamos nos acertando. - Arnold sorriu. - O príncipe conhece bem meu trabalho e me deu opções realmente vantajosas. - dessa vez meu cunhado olhou para mim, falando o mais baixo que podia. Ninguém conseguiria nos ouvir ali, o salão estava lotado de mesas e falatório, e os garçons ficavam afastados, esperando serem chamados, mas eu estava contente pelo cuidado. Uma coisa em que a família parecia ser boa, era guardar segredo.
- Arnold sempre trabalhou bem. O namorado de só percebeu isso. - Vic disse aos sussurros, colocando a mão na do marido, orgulhosa.
- Ele não é meu namorado. - falei, mas pensando se era realmente verdade. Para as pessoas que importavam, no caso, a família real, Serena e minha família, era basicamente meu noivo, mas como eu poderia chamar de namorado alguém que eu sequer havia beijado e que beijava outras mulheres?
- Você entendeu. - Vic disse, mas não insistiu no assunto. Eu estava extremamente grata por aquilo, pois eu sequer sabia como continuar. Logo meu pai entrou no assunto, começando a perguntar a Arnold sobre as opções e o que ele estava pensando.
Pelo que eu acompanhei da conversa, meu pai e Arnold estavam pretendendo morar perto um do outro nesse momento inicial, principalmente a fim de garantir a segurança de Vic, em caso do prefeito precisar se ausentar para ajudar o rei. Apesar de gostar desses assuntos e de ficar curiosa para aprender com o meu pai o máximo que eu podia sobre os pontos que ele considerava cruciais, eu estava com a mente longe, com a mente focada na imagem que tive na pista de dança, onde e eu tínhamos uma família, uma família que vivia no castelo.
Arnold e meu pai só pararam de conversar quando Vic pediu para dançar, me dando a liberdade de pedir licença para tomar um ar. Eu estava gostando de estar com minha família, mas eu sentia que estava sem tempo para pensar. Com minhas criadas no meu quarto o tempo inteiro e com Drew sendo minha sombra, eu simplesmente não tinha conseguido ficar sozinha nem por um segundo.
Aproveitei que as portas-janelas para as sacadas estavam abertas naquela noite e caminhei para uma delas, uma totalmente vazia. Propositalmente, me coloquei em um lugar à vista de todos, de forma que Drew, meu guarda naquela noite, se obrigasse a ficar na porta, em vez de falar comigo.
Respirei o ar puro, sentindo a brisa gelada da noite arrepiar-me de forma agradável. Ynter raramente fazia um frio desagradável, por isso meu vestido de mangas compridas era o suficiente para aquela noite.
- Você vai se casar, . - sussurrei, sabendo que ninguém além de mim ouviria. - Você encontrou um marido que agrada sua mãe. Você vencerá a Seleção, a primeira da história.
Olhei em volta, vendo, nas sacadas ao lado, pessoas interessadas no que eu estava fazendo, mas nenhuma ficava perto o suficiente para ouvir ou sequer perceber que eu falava sozinha.
- Antes disso, você só precisa decidir como enganar o Chefe. - suspirei.
O objetivo do plano era muito claro para mim: achar uma forma do Chefe acreditar nas minhas informações, para assim que possível colocá-lo em uma armadilha fatal. Mas a única maneira de executar o plano sem saber resultaria em uma traição da minha parte, afinal, para ter a confiança do Chefe, eu precisaria oferecer informações reais. Mas com e seu exército despreparado seria perigoso, ou seja, não era uma opção. Então só me restava Serena. Esperava que ela fosse capaz de me dar uma informação valiosa o suficiente para o Chefe acreditar… Eu poderia falar que os nortistas estão mais abertos, depois do Juramento, já que seríamos menos garotas. Teria que bastar.
Satisfeita com minha ideia de onde começar a concretizar meu plano, virei-me de volta para o salão, vendo a família de Anne conversando tímida em sua mesa mais ao canto. Eles eram todos fisicamente parecidos, lembrando Anne em vários aspectos, mas principalmente na cor dos cabelos e olhos. Eram bonitos, uma beleza não convencional, uma beleza estrangeira, uma beleza de admirar, assim como Anne.
Apesar de estar evitando, foi impossível não lembrar da nossa conversa de antes em que Anne admitiu gostar de . O que eu deveria fazer? Ela era uma das minhas melhores amigas.
Pelo pouco que eu conhecia do código de amizade, sabia que amigas evitavam gostar do mesmo menino, mas ali era a Seleção, então essa regra obviamente não valia. Além do mais, eu não gostava de e Anne sabia disso, então eu deveria incentivá-la, não deveria?
Suspirei. Eu não queria incentivar a ter uma amante, mesmo que ela fosse Anne. Mas eu privaria minha amiga de viver um amor apenas pelas aparências? Se tivesse uma amante, então eu também poderia? Involuntariamente olhei para Drew, parado a alguns metros de distância, tentando me dar uma privacidade falsa. Neguei com a cabeça, não poderia fazer isso com ele. O que me fez perceber que também não poderia fazer aquilo com Anne. Ela merecia um marido por inteiro, não apenas nos bastidores. Mas será que ela concordaria comigo? Será que se tivesse opção, Drew preferia ser meu amante ao meu guarda?
Eu sabia que encarava Drew enquanto permitia meus pensamentos seguirem por caminhos perigosos. Eu não podia fazer aquilo, não com Drew. Envergonhada só por ter tido a ideia, tirei meus olhos do meu amigo a tempo de ver entre várias pessoas dançando na pista de dança. Bastou apenas que um dos nobres que tapava minha visão sentasse, para eu perceber que ele dançava com Anne. Respirei fundo. Eles pareciam felizes, rindo de algo. Senti um aperto no peito desconhecido. Será que eu estava com ciúmes? Mas como poderia? Eu sabia que seria meu marido, mas também sabia que ele não havia terminado a Seleção e que precisava dar atenção para todas as garotas… E considerando que Aurora não era mais uma opção e que Natalie teria a menor audiência possível, Anne era a melhor escolha.
Como se percebesse meu desconforto, Drew chamou minha atenção discretamente, perguntando apenas com um olhar se tudo estava bem. Assenti, querendo que ele se aproximasse, mesmo sabendo que não podia. Provavelmente prevendo minha atitude, Serena apareceu na sacada, olhando-me e me repreendendo. Apesar de eu não ter visto a mulher, soube que ela estava de olho em mim há algum tempo só pela forma que caminhava em minha direção em seu vestido longo, preto, chique e discreto. Não era sempre que a via em eventos como aquele, deixando-me surpresa com sua presença. Será que ela tinha algo para contar? Eu não estava exatamente atualizada já que, com minha família por perto, não tivemos oportunidade de conversar.
- Você não deve falar com ele em eventos assim. - ela disse, nem se dando ao trabalho de explicar que falava de Drew.
- As pessoas sabem que ele é da minha Província. - dei de ombros, tentando justificar o injustificável.
- Nem todas. E isso ainda não apareceu na mídia e acho que podemos deixar assim. Digamos que Drew está bem diferente.
Assenti. Serena estava certa e Drew sabia, por isso ele apenas sorriu de canto ao perceber que havia sido descoberto, permanecendo na sua pose de soldado.
- Alguma novidade?
- Nada do Chefe. Ele dispersou seus homens, não sei nem se ele está na Capital.
Não consegui disfarçar a cara de surpresa.
- Isso é inesperado, tinha certeza de que ele estaria tramando algo.
- Ele ainda pode estar, é difícil dizer. Devemos esperar tudo. E aqui, alguma novidade?
Como não cabia a mim contar sobre a surpresa de e não estava disposta a contar sobre Anne, resolvi mentir.
- Não. Mas quero sua ajuda em algo.
- No quê?
- Só posso contar se prometer não contar ao príncipe. - esperei pela reação de Serena, que me deu apenas um levantar de sobrancelhas antes de assentir. Eu precisaria acreditar nela. - Quero atrair o Chefe para uma armadilha.
- Como?
- Quero convencê-lo de que tenho informações importantes, para quando ele confiar em mim, cair em uma armadilha. Acabando com a guerra antes de começar. - falei, buscando qualquer sinal no semblante da mulher. - Para que ele confie em mim, preciso dar alguma informação real para ele. Quero que me ajude com isso.
Serena pareceu refletir.
- Você acha que vai ver ele de novo?
- Você acha que não?
- O príncipe está se esforçando bastante para evitar. - a rebelde olhou para Drew, que nos encarava sem disfarçar, fingindo estar me protegendo.
- Depois do Juramento o castelo estará vazio, duvido que ele não dê um jeito.
Serena não negou, ela sabia que eu tinha grandes chances de estar certa.
- Vai me ajudar?
- Podemos pensar em algo.
- não pode saber. Se ele souber, vai impedir. Eu já tentei.
- Eu não preciso contar ao príncipe tudo o que faço. - Serena deu de ombros, mas sua fala acendeu um alerta em minha mente; precisava me lembrar disso no futuro. Eu sabia que e Serena não eram totalmente abertos um com o outro, mas ao mesmo tempo eles estavam do mesmo lado, não estavam?
- Não pode contar para Drew também. - falei, fingindo não me importar com o que ela havia dito.
- Você acha que vai conseguir esconder dos dois? - a descrença dela era óbvia.
- Não preciso esconder meu encontro com o Chefe, só o plano.
Serena concordou, ficando em silêncio por alguns segundos, me deixando livre para pensar. Esperava mesmo que desse certo.
- Por que veio?
- Para dar suporte para a família de Aurora.
Concordei, me sentindo tola por não ter pensado nisso. Serena não estava no castelo só por mim, nunca esteve.
- disse que eles não ficaram chateados quando Aurora escolheu ele. - falei, incapaz de segurar.
- Não mesmo. Tivemos uma reunião sobre isso, antes daquela noite… Se você aceitasse ser a princesa de , nós só tínhamos a ganhar deixando Aurora com .
- E se eu tivesse dito não?
- Aurora teria que se sacrificar pelo grupo, se não ela e sua família seriam traidores.
- E o que isso significaria?
Serena, que antes encarava o jardim iluminado pelos postes reais, me encarou, a sombra apenas intensificando seu olhar sombrio.
- Só é possível ter uma organização tão grande assim com regras, . Regras que todos aceitam ao se unir a nós.
Concordei, sabendo exatamente o que Serena queria dizer.
- Fico feliz que tenha aceitado. Foi bem mais fácil te trazer até este ponto do que seria com Aurora.
- Sério?
- Sim. Ignorando completamente o fato de que e teriam que aceitar uma situação extremamente desagradável, o povo teria que amar Aurora. Com você, não tivemos que nos esforçar nisso.
- O Chefe cuidou disso.
- Não, . Você cuidou.
- Como?
- Você tinha fãs pelo sobrenome, tinha a admiração dos reis, ganhou fama com aquele broche no Jornal Nacional e a entrevista do pijama… sem contar os 80% que, acredite se quiser, não teve muito esforço nosso. - ela deu de ombros. - Realmente acho que boa parte foi votação nossa, mas nós não pedimos, as pessoas só quiseram participar.
Suspirei.
- Espero estar à altura disso tudo.
- Você estará. - Serena sorriu, realmente confiante. - Agora se me dá licença, preciso fingir que gosto de estar aqui.
E então a mulher saiu, caminhando confiante em direção ao salão. E apesar dela estar de costas para mim, eu soube que ela lançou um olhar ameaçador para Drew, lembrando-o de onde estava, apenas pela forma que ele reagiu. Serena era, afinal, a chefe dele.
Como se estivesse esperando Serena sair, minha irmã se aproximou, o marido preferiu esperar por ela dentro do salão, perto de Drew.
- Tudo bem? - perguntei, estranhando a atitude de Arnold.
- Tudo sim. Acho que a coisa de princesa subiu um pouco a cabeça dele. - Vic brincou, me deixando em dúvida se era mesmo verdade o que estava falando. - Nós estamos indo para o quarto, nossos pais já foram, senhora quer estar descansada para amanhã.
- Claro, sem problemas. - me apressei em dizer.
- Pensei em passar no seu quarto daqui meia hora. - Vic disse, me ignorando completamente.
- Agora?
- Sim, . Eu quero saber de tudo e você não vai contar na frente da nossa mãe.
- Tudo bem, estarei lá. - falei rendida, Vic estava certa. - Vou pedir para Drew avisar seu guarda, se não, ele pode barra-lá.
- Ótimo, estou ansiosa, irmãzinha.
Sorri, deixando-a seguir junto com Arnold para seus aposentos. Aquilo era estranho para mim, Vic e eu raramente combinamos de conversar sobre nossas vidas, simplesmente acontecia ou não. Por exemplo, eu sabia pouco sobre sua vida matrimonial, exatamente porque não perguntaria na frente de nossa mãe ou seu marido e jamais me senti confortável em chamá-la no canto apenas para perguntar. Pelo jeito deveria tê-lo feito.
Percebendo que eu teria que deixar o baile em meia hora, preferi voltar para o salão, aproveitar para ser vista mais um pouco antes de sair. Tinha que pelo menos falar com o príncipe.
- Devemos sair em meia hora, Vic vai no meu quarto para saber das novidades. Pode avisar o guarda dela? - pedi para Drew, evitando me aproximar muito.
- Isso é surpreendente.
- Sim, extremamente.
Drew concordou, me deixando seguir em direção à pista de dança. O baile já estava mesmo mais vazio, vários familiares já tinham se recolhido para os aposentos, deixando o baile para os mais jovens ou mais acostumados com tudo aquilo. Eu sabia que aquele baile havia sido feito para ser íntimo, pouco formal e o mais confortável para os familiares, mas ainda sim podia assustar quem não estava acostumado.
Assim que me aproximei da pista, o nobre Gateway me convidou para dançar, me fazendo rir enquanto conversávamos sobre sua filha e os novos penteados que ele havia aprendido a fazer. Eu gostava daquilo, de dançar tranquilamente com pessoas agradáveis. Sem a pressão de estar perfeita, sorrindo o tempo inteiro e com os holofotes voltados para mim, sabia que aquilo logo acabaria.
Como se lesse meus pensamentos, a música acabou, fazendo com que aparecesse e pedisse para dançar comigo. Algo que o praticamente tio não teve problemas em incentivar.
- Obrigada pela dança, senhorita .
- Eu que agradeço, senhor.
sorriu para o homem e me estendeu a mão, fazendo uma discreta reverência. Aceitei, fazendo o mesmo.
- Está tudo bem? - ele perguntou assim que começamos a dançar.
- Sim, por quê?
- Você sumiu…
- Eu estava na sacada, pensando. Precisava ficar sozinha um tempo, minha família está me sobrecarregando e o Juramento é daqui há dois dias… Amanhã já temos a prova final do vestido e isso é assustador. - admiti, escolhendo não falar sobre minha conversa com Anne de antes, apesar de ter pensando nisso no instante em que vi . Será que ela seria uma esposa melhor do que eu?
- Não se preocupe, . O Chefe não vai conseguir entrar aqui. Eu prometo.
- Mas e seus seguidores? É impossível de evitar.
- Você tem razão, mas armas são possíveis de evitar, todos os convidados serão revistados, inclusive selecionamos algumas criadas para fazer a revista feminina.
- Deveriam existir mulheres na guarda. - deixei escapar.
- Podemos pensar melhor sobre isso depois. - o príncipe disse sorrindo, como se gostasse da ideia de estudar possibilidades políticas no futuro, quando ele fosse rei.
- Você tem razão. E a parte de não ter armas é essencial. Eu não sei o que aquele homem pode fazer.
- O máximo que ele poderá fazer é assistir pela tv, e mandar alguns homens para analisar o local. Mas os nortistas também estarão aqui e em peso, você sabe disso. Qualquer ação dele seria tolice.
Assenti, esperando ser verdade.
- Todos os guardas pessoais vão estar trabalhando?
- Sim, com as famílias aqui nós precisamos. Sei que tem medo por seu amigo, mas… - neguei com a cabeça, fazendo-o parar.
- Não estou preocupada com Drew, estou preocupada com minha família. - admiti. - Conversei com ele, estou de acordo com a presença dele aqui.
ergueu uma sobrancelha, claramente em dúvida se deveria, ou sequer se gostaria, saber mais.
- Fico feliz. - ele simplesmente disse, me fazendo erguer uma das sobrancelhas de forma automática. sabia dos sentimentos de Drew sobre mim e ficava feliz com a presença dele? - Acredito que o termo melhor seja: aliviado. Sinto que você está mais segura com ele aqui.
Aquilo me fez rir levemente, concordando. Aliviado era mais perto do que eu esperava, apesar de perceber que no fundo quisesse que tivesse o mesmo sentimento em relação a Drew que eu tinha em relação a Samantha, Lauren e, recentemente, a Anne.
- Minha irmã pediu para ir ao meu quarto daqui a pouco, ela quer conversar.
- Isso é bom, não é?
- Sim, mas eu e minha irmã nunca tivemos esse tipo de intimidade. Quero dizer, não escondia as coisas dela de propósito, apenas não fazia questão de contar e ela não fazia questão de perguntar.
- Mas hoje ela fez.
Apesar de ter afirmado, eu concordei com a cabeça, como se respondesse a uma pergunta. Suspirei.
- Você acha que eu devo falar sobre tudo?
- Sim. - ele disse, sem qualquer dúvida.
- Sério? Achei que ia ouvir um sermão sobre segredos, segurança do País… coisas assim.
- … - baixou o tom, demonstrando discretamente um carinho que não podia passar percebido pelos olhos dos outros. - Você sabe que eu me preocupo com você e na forma como você lida com as coisas. Você precisa confiar sua vida para alguém e acho que sua irmã pode ser essa pessoa.
Concordei, mas de forma automática enquanto me girava no ritmo da música, demorando alguns segundos para perceber que ele estava certo. Não havia qualquer motivo para eu esconder a verdade da minha irmã. Ela provavelmente ficaria com medo, mas isso seria bom. Ter alguém com meus pais que soubesse de toda a verdade faria uma enorme diferença.
- Você tem razão. Muito obrigada. Preciso ir. - falei, aproveitando o fim da música para uma reverência rápida, mas digna, antes de sair apressada até meu quarto. Tinha que garantir que estaria lá quando Vic chegasse. Sorri para todos que encontrei pelo caminho, mas deixei o baile sem me despedir de Anne, Aurora ou Serena.
***
- Vou pedir para seu guarda nos avisar quando sua irmã sair. - Elise disse, despedindo-se ao deixar uma garrafa de vinho e duas taças em minha mesinha.
- Obrigada. - falei, nem tentando protestar. Eu sabia que não tinha mais o direito de dormir sozinha.
Servi a taça assim que Elise saiu, preferindo começar sem Victoria. Eu estava ansiosa e nervosa por aquilo. A ideia e permissão de para contar tudo a minha irmã me fez perceber que eu finalmente teria uma segunda opinião, finalmente eu poderia contar para alguém tudo sobre e, mesmo que eu quisesse ignorar, sobre Drew. Esperava que Vic estivesse disposta a ouvir e comentar.
Não demorou muito até baterem na porta, me fazendo largar a taça antes de abri-la e encontrar uma estranha comitiva: Drew, Victoria, Fred, que era o guarda da minha irmã naquela noite, e Arnold.
- Boa noite. - disse, a confusão clara em minha expressão.
- Boa noite. - Vic disse rindo. - Arnold quis me acompanhar até aqui, você sabe… por segurança.
- Ah, sim. - finalmente entendendo. - Nós a acompanhamos de volta depois. - falei, olhando para Drew antes de voltar para Arnold. Meu cunhado parecia realmente preocupado com as novas descobertas sobre os rebeldes.
- Seria ótimo. Obrigado, . - ele disse, fazendo uma discreta reverência.
- Boa noite, querido. Vou ficar bem. Garanto que o quarto de é um dos lugares mais seguros desse castelo. - Vic disse, perceptivelmente não compartilhando o medo do marido.
- Boa noite. - ele disse, o tom de voz mais sereno que o normal, beijando a testa de Vic antes de pedir licença e se retirar, com Fred o seguindo.
- Me desculpem. - Victoria disse assim que o marido ficou longe o suficiente. - Ele está se acostumando com a ideia.
- Fico feliz que esteja preocupado. - falei, abrindo espaço para Vic entrar, sorrindo para Drew antes de fechar a porta.
- Vinho? - Vic perguntou, partindo direto para a garrafa e a taça vazia.
- Eu tenho muito o que contar. - admiti.
- Eu quero saber de tudo. - ela disse, sentando em minha cama já com a taça cheia. - Pode começar pelo começo.
Concordei, sorrindo para Vic e pegando a minha taça, eu já havia tomado metade do líquido que havia ali.
- O começo é literalmente o primeiro dia. - falei - Eu fui pega antes mesmo de chegar ao castelo…
Vic era uma excelente ouvinte. Ela prestava atenção em cada detalhe e fazia perguntas realmente pertinentes, parando apenas algumas vezes para encher minha taça ou a própria. Era incrivelmente bom poder colocar tudo para fora. Poder falar sobre o sequestro nortista no primeiro dia da Seleção, sobre a arma, sobre o medo que eu sentia enquanto andava pelas ruas vazias, sobre a dor em meus pés. Pude falar sobre o trem, sobre Susane e o quanto ela lembrava nossa mãe. Falei sobre as outras Selecionadas, algumas que eu tinha que admitir que ainda não lembrava o nome. Depois falei sobre meu primeiro encontro com e o colar, falei sobre o bilhete e a entrevista, que a piada sobre nossa mãe era apenas um pretexto; expliquei sobre o encontro com os nortistas, sobre quando conheci Serena e a atitude desagradável dos guardas.
Então falei sobre o ataque sulista. E foi aí que eu chorei. Lembrar dos homens atrás de mim, das ameaças, do Chefe e dos socos… Era como se eu tivesse ignorado tudo aquilo para dar lugar a uma mulher que enfrentava os medos, uma mulher que aceitava fazer negócios com o mesmo grupo que ameaçou-a de tal forma que antes eu nem imaginava. E apesar dessa pessoa que eu estava fingindo ser ter me ajudado a seguir em frente, com Vic eu percebi o quanto ainda tinha medo. Medo de verdade. O quanto eu havia ignorado o perigo apenas para conseguir continuar. Eu sabia o que tinha feito, eu sabia que não tinha como voltar atrás. Mas lembrar que eu só estava ali porque dois guardas me acharam fazia minhas mãos tremerem.
- Eu sinto muito. - Vic disse quando percebeu que eu precisava de uma pausa antes de continuar, colocando nossas taças ao lado antes de me abraçar, deixando eu chorar copiosamente em seu ombro. O que eu havia feito com a minha vida? - Eu nem imaginava, …
Claro que ela não imaginava, eu escolhi assim. Eu escolhi não contar para minha família a verdade naquele dia, eu escolhi mentir sobre os guardas em suas portas. Assim como eu escolhi esconder do príncipe meus machucados e escolhi não dar detalhes a Anne. Eu me sentia sozinha, mas era tudo uma escolha minha.
- Você não tinha como saber. - falei, respirando fundo e secando as lágrimas. - Acho que ninguém sabia. Não de tudo, pelo menos.
- Você ainda tem essa mania, então?
- Mania?
- De esconder as coisas guardadas aí no fundo. - ela disse, apontando para meu coração.
- Acho que sim. - disse, rindo fraco.
- Sempre quis que você me contasse mais sobre sua vida. Mas você nunca pareceu querer. - ela disse, me deixando surpresa.
- Eu não achava que você queria saber. Ainda mais depois do Arnold, você sabe…
- Eu queria. Sempre vou me interessar pela sua vida, irmãzinha. - ela disse, me empurrando de leve, me fazendo tombar lentamente na cama. O álcool já mostrando alguns sinais, o que nos fez literalmente gargalhar. Os resquícios do choro se tornaram lágrimas de tanto rir.
- Que bom, porque eu ainda tenho muito a dizer. - falei, sentando-me novamente, percebendo que meu quarto chegou a girar por um momento.
- E eu muito a ouvir. - Vic disse, pegando nossas taças e enchendo mais um pouco. Já havíamos tomado mais do que meia garrafa.
- Depois desse ataque, foi quando os guardas chegaram lá em casa… - e então eu continuei. Falei sobre o segundo encontro com Serena, sobre o abraço que entregou meus machucados para a rebelde e os príncipes, sobre descobrir que eu não queria estar na Seleção, sobre como ele admitiu pela primeira vez que todos queriam que nós nos casássemos. Falei como na época achava uma opção improvável, apenas uma primeira impressão. Naquele dia, eu tinha certeza que se apaixonaria por alguma das Selecionadas, mesmo que restassem poucas. Falei sobre o sulista que me prendeu em um dos aposentos, expliquei sobre Cleo e o veneno, sobre como eu havia me tornado uma espiã sulista falsamente e uma espiã do governo de verdade. Apesar de saber que o álcool já deixava as coisas embaralhadas, Vic parecia entender muito bem. Chorou comigo quando eu contei sobre a morte de Mariee, encontrou a cicatriz na minha mão quando contei sobre como tirei Drew de lá e falou a primeira coisa que me surpreendeu desde que entrou no meu quarto:
- Eu tinha certeza que ele gostava de você. Sempre esteve tão óbvio.
Apesar da voz arrastada de Vic, ela conseguiu me explicar como nenhum menino aceitaria passar dias e dias comigo em cima de uma árvore falando sobre assuntos chatos, como ela mesmo disse, se não tivesse amor envolvido. Meninos gostavam de esporte e de fazer coisas de meninos, não de conversar e caminhar pelo bosque. Mesmo ficando surpresa, expliquei para Victoria que não importava mais. Então contei sobre a noite com Serena e , o acordo de casamento. Contei sobre o anel sulista e sobre o colar que me fez usar. Contei sobre Ícaryo e Natalie… Eu contei tudo o que eu podia, até que cheguei em Drew e Anne. E sobre o provável amor escondido de cada um. O que me fez lembrar do beijo, o que contei para Victoria tomando o último gole da garrafa, vendo-a fazer beicinho quando percebeu que não caía mais nenhuma gota.
- Podemos pedir mais uma. - falei, notando cada palavra mais arrastada que a outra. Era como se minha própria voz estivesse longe.
- Você sabe que não podemos. O que o príncipe vai pensar em você bêbeda? - ela disse, fingindo estar sóbria, mas falhando.
- Mas você não me disse o que fazer sobre Anne e Drew. - resmunguei, chateada por ela querer ir embora.
- Você sabe o que precisa fazer. Precisa ignorar tudo. Você vai se casar, . - Victoria de repente parecia brava.
- Não briga comigo! - pedi. - Eu te expliquei tudo. Não é possível que você ache que eu tinha alguma escolha.
Victoria percebeu o que havia feito e ficou de pé, usando a cama como apoio para ficar a minha frente, jogando todo o seu corpo em cima do meu.
- Eu tô orgulhosa de você, . Não fica triste. Mas essa é a verdade. Você vai ser princesa! - e então ela ergueu os dois braços, como se comemorasse. - Vem, vamos brindar isso!
- Não quero brindar a isso. - falei, mas aceitei ser puxada para ficar em pé. Mas assim que meus pés tocaram o chão, Vic me soltou. A levantada repentina misturada com a falta de coordenação e cognição me fizeram cair no chão, derrubando uma das cadeiras, a qual eu inutilmente tentei segurar.
- ! - Vic gritou assustada.
- O que aconteceu? - de repente Drew estava na minha frente, o rosto tão perto do meu que precisei piscar algumas vezes. O que ele estava fazendo ali? - Vocês estão bêbadas?
- Não!
- Sim! - Vic era realmente mais honesta que eu. Mas ela não parecia mais preocupada em ser vista bêbada, ela na verdade estava rindo.
- Pare de rir. - pedi. Ou pelo menos achava que havia feito, mas depois disso não apenas Vic estava rindo, como Drew também.
- Vamos, deixa eu te levantar. - Drew pediu, magicamente me colocando sentada na cama. Fazendo tudo girar mais uma vez.
- Temos que levar Vic para o quarto. Arnold gosta de mim agora e não quero estragar isso. - pedi para Drew, enquanto ainda segurava em seu uniforme, querendo não apenas que ele me ouvisse, mas também que tudo parasse de girar antes de eu soltá-lo.
- Arnold sempre gostou de você. - minha irmã resmungou, parecendo sentar na cadeira que ainda estava no lugar.
- Não. Ele me a-tu-ra-va. - falei, frisando cada sílaba para garantir que não ia esquecer de nenhuma.
- Ele só é tímido. - avisou.
Vic sabia que o marido dela era o prefeito da Província, não é? Ela sabia que ele era a pessoa mais famosa da cidade e que devia falar na frente de um monte de gente, certo? Ela realmente achava que eu ia acreditar nessa história de tímido?
- Vou pedir para trazerem água para vocês. - Drew disse, ignorando nossa conversa, e gentilmente tirando minha mão que ainda estava presa no seu colarinho. - Quer se deitar?
- Não, quero levar Vic para o quarto dela. - avisei e de forma imprudente balancei a cabeça em negativa, fazendo tudo girar novamente.
Drew pareceu prever que eu ia cair e com uma mão das minhas costas e outra atrás dos meus joelhos me levou até a cabeceira da cama, apoiando minhas costas na mesma.
- Nós vamos levar ela em segurança, mas antes vocês precisam tomar água. Tudo bem?
Nunca tinha ouvido Drew tão gentil.
- Tudo bem. Você vai buscar água, eu e Vic ficamos aqui. - assenti, apoiando minha cabeça na cabeceira e fechando os olhos. Queria que as coisas parassem de girar.
Percebi, enquanto estava de olhos fechados, que provavelmente era a primeira vez que eu ficava bêbada. Eu já havia bebido antes a ponto de ter o riso solto, mas não de cair no chão. E eu havia caído, não havia? Ou será que só tinha tropeçado e o álcool não tinha nenhuma ligação?
Abri os olhos quando ouvi o choque de Elise, que devia ter trazido a água.
- Aqui está, senhorita. - Drew disse, me estendendo um copo.
- Senhorita? - perguntei estranhando a forma como ele me chamou, mas aceitando mesmo assim. Tomei o copo todo, estava com sede.
- Tome mais um. - ele disse, pegando o copo da minha mão e enchendo novamente.
- Não quero. - falei, mas segundos depois estava tomando. Ele estava segurando o copo para mim?
- Temos que levar a senhora Victoria para seus aposentos. - Elise falou.
- Eu vou junto! - apressei em dizer, o que, de alguma forma, fez metade do meu copo de água cair sobre mim.
- ! - Drew disse, mas ele parecia ser o culpado. Ou era eu?
- Senhorita! - de repente era Elise que estava na minha frente, com algum tipo de tecido sobre o meu vestido.
- Não tem problema, é só água. - avisei, já querendo me levantar.
- Ela não pode andar pelos corredores assim. - Elise disse.
- Posso, sim. Victoria não pode ir sozinha até o quarto e Drew não pode me deixar sozinha. Tenho que ir junto. - expliquei.
- Eu fico com você. - Elise disse.
- Não pode. Não é seguro.
- Elise vai comigo. - Victoria disse, ficando de pé. - Tem mais guardas no corredor e meu quarto é perto.
- Não é certo.
- , vai ser vergonhoso se você andar molhada pelos corredores. Minha irmã não pode ser a princesa que andou molhada pelos corredores. - ela explicou, parecendo bem óbvia. - Vamos Elise, não me deixe tropeçar.
Elise e Victoria saíram do meu quarto, me deixando em pé, apoiada na cama, sem reação. Drew estava na minha frente, parecendo achar graça.
- Eu vou tomar banho.
- Como é?
- Esse vestido é pomposo demais e eu estou cheirando a álcool, vou tomar banho. - falei óbvia.
- Certo, mas você precisa esperar sua criada chegar.
- Não preciso. - falei, já levando as mãos para o botão atrás do meu vestido.
Em segundos Drew estava perto de mim, suas mãos segurando meus braços.
- , eu não posso deixar você fazer isso. - ele disse sussurrando, me fazendo olhar para cima para encontrar seus olhos vidrados no meu. - Vamos esperar por Elise.
- Eu posso fazer isso sozinha. - falei, mas ao mesmo tempo sentei na cama, fazendo com que ele se curvasse para não soltar meus braços.
- Você pode, mas não comigo aqui. - ele disse, parecendo rir quando eu percebi o que quase havia feito.
- Me desculpe, eu… - e então eu voltei a chorar. Não sabia porquê, mas além de envergonhada, eu estava triste. Não queria fazer aquilo com Drew. Eu estava feliz por ele estar ali para cuidar de mim, mas ao mesmo tempo me sentia mal por ele estar tão próximo, eu me sentia responsável por saber o que ele sentia.
- Você está chorando? Por que você está chorando?
Neguei. Não ia responder aquilo. Então ficamos ali, ele tentando me acalmar enquanto lágrimas escorriam do meu rosto, até que ele deu um salto para trás, ficando a uma distância segura antes de Elise passar pela porta.
- Ela está chorando? - Elise parecia preocupada.
- Ela está triste porque está bêbada. - Drew explicou, mas ele estava errado. Eu estava extremamente aliviada por poder chorar por tudo o que eu havia passado, sem me segurar. O álcool havia tirado qualquer sentimento de culpa que eu tinha por deixar as lágrimas escorrerem.
Suspirei, sentindo, talvez exageradamente, que aquilo era uma indireta para . Uma indireta que dizia que quanto antes eu virasse nobre, antes o rei me tornaria princesa.
- Estamos mesmo. Sejam todos bem-vindos. - a rainha aproveitou a deixa e ergueu sua taça, finalizando ali o discurso do marido. Olhei mais atenta para o casal: ela e o rei estavam no centro do Salão Principal, mostrando o quanto aquele baile era uma comemoração íntima. O rei tinha a mão discretamente apoiada na cintura da esposa e não parecia incomodado com a atitude dela. Respirei fundo, precisava parar de procurar atitudes políticas em todo o lugar que eu olhasse.
e , que permaneciam perto dos pais, sorriam e ergueram suas taças, assim como todos nós. Era o brinde que indicava o início oficial do baile. Todos os convidados já estavam no local curtindo a música e as bebidas, e, depois do discurso, a comida e a pista estavam oficialmente liberadas, como exigia o protocolo. Mas antes que a banda voltasse a tocar, começou seu pequeno discurso:
- Estou muito animado com a chegada das famílias! É um prazer conhecer tantos rostos que eu apenas ouvi falar. - dessa vez, todo o salão riu. parecia alegre como o pai, me deixando em dúvida se era apenas a atmosfera do baile que os deixava contentes, ou se havia algo a mais, algo político. Suspirei, percebendo que estava fazendo novamente. Mas quem eu queria enganar? Estávamos a menos de dois dias do Juramento à Bandeira, o que significava que em poucos dias e o pai estariam em Ilea procurando uma forma de conseguir apoio para a guerra. Uma guerra totalmente política e que eu não podia ignorar. - Estamos prestes a oficializá-las como parte da nobreza e não podia ter mais orgulho das mulheres aqui hoje. Como sabem, eu já tenho a minha escolhida e, apesar de ser um segredo, sei que todas vocês serão de grande ajuda, não apenas para nossa futura princesa, mas para todo o nosso reino. Um brinde à Seleção!
E mais uma vez levantamos as taças, todos mais empolgados com a ideia de sua filha/irmã ser a futura princesa. Percebi que minha mãe e Vic se entreolharam discretamente, parecendo orgulhosas. Suspirei. Elas pareciam estar se acostumando com a ideia, o que era bom, mas também assustador. A cada dia eu percebia o quanto tudo era real, o que também indicava que eu deveria agir, se queria achar uma forma de evitar a guerra antes mesmo dela começar.
- Senhorita , gostaria de dançar? - perguntou, aparecendo no meu campo de visão, me fazendo desviar os olhos de minha família. Ele sorria de orelha a orelha, me lembrando do sorriso que deu no Jornal Oficial, no dia em que eu e Cornelius brincamos sobre seus pijamas, parecia que faziam séculos, mas eu sabia que eram apenas alguns dias.
- Claro. - sorri, mesmo não sendo exatamente o que eu gostaria. Eu sabia que todas as danças de abertura de haviam sido comigo, mas era a primeira desde que ele havia beijado Samantha e Lauren. E era a primeira que minha família assistia de camarote, o que me deixava mais nervosa do que gostaria.
Entretanto, eu sorri quando começou a me conduzir no ritmo da música. Percebi que além de nós, seus pais, e Aurora também dançavam. Depois dos primeiros acordes, a família de Kouris se uniu a nós na pista, os meninos dançando com as Selecionadas e a tia de com seu esposo. Notei que Natalie também estava ali, dançando com algum nobre.
- Você está bem? - perguntou, aproveitando o movimento extra para conversarmos. - Me desculpe por antes. Eu não quero mais brigar.
Olhei para ele surpresa. Eu também não queria mais discutir com , mas não esperava que ele admitisse o desejo tão abertamente. Muito menos ali, na frente de tantas pessoas. Eu sabia que ninguém conseguia nos ouvir com a música e os passos no salão, mas ainda sim me parecia tão íntimo. Suspirei, aceitando a deixa.
- Eu também não quero, mas eu quero ser ouvida, . É da minha vida que estamos falando. - falei baixo.
- Eu sei. Só que não posso deixá-la correr tantos riscos, . Ainda mais sem seu amigo lá.
Concordei. Eu sabia que não ia entender e não importava mais. Eu seria uma boa princesa e boas princesas lutavam pelo seu reino, sem se importar com o preço a pagar.
- Não quero que me trate como se eu nunca tivesse corrido riscos. - pedi, mas só pelo meu tom, sabia que havia vencido. Pelo menos era o que eu gostaria que ele pensasse.
- Eu prometo. - ele disse, mesmo sabendo que era uma promessa vaga. Eu tinha certeza que se contasse para o príncipe o plano que começava a se formar na minha mente, ele acharia uma forma de me proibir no mesmo instante.
- Obrigada. - sorri, sabendo que havia feito a escolha certa de palavras. Não havia prometido coisas que não poderia cumprir, sequer havia confirmado que minha ideia havia sido abandonada, apenas concordei com a opinião dele. Esperava que esse argumento funcionasse quando percebesse que eu estava tramando contra o Chefe, ignorando sua vontade.
- Sua família falou mais alguma coisa?
- Ainda não tivemos muito tempo para conversar, mas minha mãe e irmã parecem estar se acostumando com a ideia. Não estão reclamando, pelo menos. Meu pai e Arnold parecem bem satisfeitos.
assentiu com a cabeça, me fazendo respirar fundo. Era isso. Em dois dias, eu estaria jurando meu amor ao País, para então deixar minha família partir em busca de uma casa segura. Não conseguia evitar de me perguntar se era mesmo o certo, se o governo realmente seria capaz de mantê-los seguros. Algo em mim dizia que eles não seriam um alvo de qualquer maneira, mas outra parte queria desistir de tudo e deixá-los de fora.
- Eles foram ótimos, . - o príncipe parecia extremamente contente, me fazendo voltar ao assunto inicial.
- Até demais, não acha? Será que eles realmente entenderam?
- Acho que eles já estavam se preparando. Você não acha?
Eu achava. Apesar de saber que minha mãe tinha um plano B, eu sabia que minha popularidade havia dado esperanças a ela.
- E seus pais? Falaram algo?
- Estão contentes... Queriam marcar um almoço ou jantar, mas amanhã chegam mais convidados, então não será possível.
- Eu entendo. - concordei, expressando não tristeza, mas alívio. Não estava pronta para um almoço com minha família e os reis.
- Você sabe que esse almoço vai acontecer, em algum momento, não é? - o príncipe perguntou, rindo ao notar meu alívio.
- Sim, mas espero que ocorra depois que eu responder às diversas perguntas que devem estar surgindo na cabeça da minha irmã.
concordou, fazendo uma discreta reverência devido ao fim da música.
- Quer dançar mais uma? - ele perguntou, o sorriso de lado lhe dando um ar atrevido e divertido. Eu gostava daquilo, gostava do quanto havia deixado de lado seu jeito indiferente, pelo menos na maior parte do tempo.
- Nem pense nisso, é minha vez. - Kaleb, o príncipe mais velho e futuro herdeiro do trono de Kouris, apareceu. Claramente os pares seriam trocados, percebi que até a rainha Ariele dançaria com o cunhado, deixando a princesa Mikaelly dançar com o irmão.
- Tudo bem. - concordou rindo, percebendo que Lauren era sua próxima parceira.
- Senhorita . - Kaleb fez uma reverência, que eu imitei.
- Alteza.
E então começamos a dançar. Notei que a pista já estava mais cheia, indicando que vários convidados se uniram a nós na dança.
- Soube que minha pergunta gerou um desentendimento entre você e . - ele simplesmente disse, não parecendo se importar com rodeios.
- Não acho que tenha sido sua pergunta, acho que o problema foi minha resposta. - falei, envergonhada. Se havia contado do ocorrido, com certeza havia dito o porquê.
- A sua resposta ou a dele? - Kaleb levantou uma das sobrancelhas.
- Eu não sei. Mas acredito que ambos falamos a verdade e foi importante, então, obrigada.
Kaleb concordou, parecendo pensar na minha resposta por alguns segundos.
- Você acha que poderá se apaixonar por ele em algum momento?
Fiquei surpresa pela pergunta, mas estava claro que Kaleb era o tipo de pessoa que não tinha vergonha de perguntar o que queria. O que, sinceramente, era surpreendente, mas incrivelmente gratificante. Se ele não estava preocupado com as perguntas, eu não precisava ficar com as respostas.
- Eu espero que sim. - admiti.
- E se ele não lhe retribuir?
- Então eu terei que conviver com isso. Eu sei que não é apaixonado por mim e eu sei que não sou apaixonada por ele. Qualquer fruto que surgir disso acredito que seja vantajoso. - dei de ombros, afinal, eu já havia pensado naquilo. - Mas, se me permite dizer, prefiro me apaixonar por ele e não ser recíproco do que o contrário.
- Por quê?
- Porque eu sei lidar com meus sentimentos e frustrações, mas é muito difícil fazer isso com os sonhos de outra pessoa. - falei, sabendo que Kaleb iria entender.
- admitiu que você sempre foi sincera com ele. - ele disse, provando que eu estava certa. havia contado tudo ao primo, inclusive que eu havia dito claramente que não era o que ele havia sonhado e, muito provavelmente, jamais seria. E apesar de dizer para que aceitava ele deixar seus sonhos de lado, não conseguia ignorar o aperto no peito de ser a pessoa responsável, de não ser o suficiente. - Ele tinha esperanças, mas…
- Mas ainda sim, não foi o suficiente. Ainda sim, eu não sou o suficiente.
- Você é.
Neguei. Não precisava que ele tentasse me consolar.
- Não, eu não sou. Mas eu deixei isso claro para e espero que ele tenha aceitado. Eu não posso oferecer mais do que posso dar. E não acho justo fingir que sim. - disse firme, ignorando qualquer tremor que quisesse aparecer. Eu seria princesa, precisava aceitar que teriam decisões difíceis pela frente.
Kaleb pareceu refletir. Minhas palavras moldadas e encaixadas para a sua realidade. Eu sabia que ele estava com medo da sua Seleção, com medo do que viria quando ele tivesse que decidir rápido, quando as mulheres estivessem lutando por ele.
- Ele gostaria que fosse diferente. - Kaleb contou.
- Eu também. - dei de ombros. E Kaleb assentiu. Apesar de não saber exatamente o motivo de suas perguntas, percebi, provavelmente por instinto, que Kaleb achava que tinha mais chances de estar do meu lado do que do de , quando fosse a sua vez. Ele parecia mais preocupado em não ser o suficiente para sua princesa do que o contrário. Eu conseguia entendê-lo.
- Apesar de você achar que não é o que sonhou, acho que será uma princesa excelente, senhorita . - ele disse, fazendo uma reverência com o fim da música.
Sorri, apenas assentindo. Kaleb era diferente de todos que eu já havia conhecido. Ele não parecia ser tímido quando conversávamos, ele parecia interessado e confiante, mas era como se ele se contivesse quando estava em público, como se ele tivesse medo de mostrar quem era. Talvez o fardo de ser o príncipe herdeiro e futuro rei tivesse tirado a naturalidade dele, assim como fez com .
foi a minha quinta dança da noite, depois da Kaleb, dancei com os gêmeos de Kouris, os quais passaram suas respectivas danças fazendo perguntas sobre xadrez. Apesar de saber que eram pessoas diferentes, parecia que eu estava tendo um déjà vu enquanto dançava com Kael, que veio depois do irmão e praticamente quis saber as mesmas coisas. Era engraçado o quanto meu conhecimento do jogo os havia impressionado; esperava que minha mãe não soubesse dessa história.
- Como você está? - perguntou quando começamos a dançar.
- Bem, minha família parece estar aceitando bem. E você? Como foi com Aurora?
- Muito bem. - ele sorriu diferente, a lembrança de algo lhe iluminando os olhos. - Amanhã de manhã vou pedi-la em casamento. No café da manhã, com a família dela.
Sorri. Apesar de saber que não podia contar para Aurora, de repente tive vontade de correr até ela para comemorar. Aurora era minha amiga e eu sabia que ela ficaria muito feliz com isso.
- Você já falou com os pais dela?
- Sim. Eu estava com medo deles não gostarem, porque você sabe que eu não incluo uma coroa de rainha… mas não foi um problema, eles estão felizes com a futura rainha deles.
- Eles sabem sobre mim? - a surpresa me fez erguer um pouco mais a voz, mas a música misturada com os passos e barulho de todo o salão impediriam qualquer um de ouvir.
riu, nem um pouco surpreso com minha reação: - Eles são nortistas, lembra? - ele disse baixo, indicando que eu deveria fazer o mesmo. - Eles não sabem que é oficial, mas eles sabem que você é nortista agora. E eles sabem dos 80%, então estão bem esperançosos.
Assenti. Era óbvio que a família de Aurora também seria nortista e, pelo que eu vi na última vez que fui no abrigo, também era óbvio que eles sabiam sobre o acordo, pelo menos parte dele. Depois de uns segundos percebi que deveria sorrir para , afinal ele iria se casar.
- Isso é incrível! Você sabe… se casar. - falei, com uma empolgação genuína. Eu estava muito contente por e Aurora, seriam boas pessoas para ter por perto pelo resto da vida. Suspirei, um futuro distante passando brevemente pelos meus olhos. Um futuro com crianças, castelo e , ao lado do irmão e da princesa Aurora.
- Obrigado, . É só um pedido, uma forma de garantir que Aurora volte depois do Juramento e que, caso algo aconteça na guerra, ela será bem vista… - ele deu de ombros. Eu sabia que o casamento de demoraria mais para acontecer que o meu, primeiro porque ele obrigatoriamente teria que ser depois, e segundo, porque duvidava que o rei fosse apressar para casar no meio da guerra, como estava pensando em fazer com o irmão.
- Mesmo assim, é incrível. Parabéns!
- Obrigado. Eu realmente queria agradecer por tudo, . - ele disse baixo, a voz mais rouca, carregada de emoção. - Toda vez que paro para pensar o que seria de mim se Aurora fosse obrigada a ganhar o concurso… - ele parou, a ideia da mulher da sua vida casada com o irmão o assombrando. - Eu realmente agradeço.
- Não se preocupe, . Era algo que eu deveria fazer…
- Não era. Mas eu entendo porquê o fez e fico grato. Por tudo.
Concordei. tinha a mesma opinião que Serena, a opinião que parecia não entender porque não fui embora, porque aceitei todos os encontros e artimanhas dos rebeldes. No começo eu não sabia, quando Serena me perguntou pela primeira vez, era como se fosse óbvio, como se ficar fosse a única opção. Mas não era. Eu poderia ter ido embora, havia diversas formas de fazer isso, mas eu não queria. A verdade é que me casar com me dava a chance de fazer algo, de ser alguém, de ajudar… me casar com o príncipe me dava um objetivo e utilidade. E era o que eu queria. Ser marionete do meu marido era apenas uma forma de esconder meu verdadeiro medo: viver sem realizar algo.
Depois de , meu pai me chamou para dançar. Dançamos mais calmos, aproveitando a pista de dança agora lotada para diminuir o ritmo.
- Você está bem? - ele me perguntou, os olhos indicando tudo o que ele não podia falar com tantas pessoas em volta.
- Eu estou. Por incrível que pareça, eu estou.
Meu pai assentiu.
- Eu acho que estamos mais seguros com ele do que sem. - ele sussurrou.
- Nós estamos. - afirmei, sabendo o que meu pai queria dizer. Naquela altura, não me casar com seria perigoso. Ainda estaria nas mãos do Chefe, que pelo jeito me aceitaria como esposa sem a ideia de ser rei, e estaria frustrando os nortistas, o que não parecia ser uma boa ideia.
- Mas você não gosta dele. - meu pai disse, me surpreendendo. Nós teríamos aquele tipo de conversa?
- Não importa. Você sabe que eu teria que aceitar isso de qualquer maneira. - dei de ombros, olhando para minha mãe bebendo uma taça enquanto conversava com uma das damas da rainha. Parecendo feliz em nos ver dançando.
- Eu sinto muito. - ele disse, parecendo real. - Deveria tê-la impedido.
Ergui as sobrancelhas. Nunca achei que meu pai pensasse sobre isso, sequer achei que ele se importava. A surpresa era boa, mas eu sabia que meu pai não poderia, sabia que ele sequer conseguiria. Primeiro, porque não era do seu feitio se intrometer nos assuntos da minha mãe, o que significava, na criação das filhas. Segundo, porque, mesmo que tentasse, era uma tradição da família da minha mãe, era meu dever desde que fui concebida.
- Não deveria. Sempre foi assim. E sinceramente, agora não importa mais. Acho até que estou feliz por você não ter tentado, mas… - respirei fundo. - Você acha que eu serei uma boa…? - não completei, esperando que ele entendesse. Queria saber se meu pai achava que eu seria uma boa princesa, uma boa rainha, uma boa líder, esposa, mãe…
- Sua coragem e seu coração foram feitos para isso, . Você sempre quis fazer algo grande e não vejo nada mais significativo que isso.
Concordei. Grata por ter tido aquela conversa com meu pai. Eu concordava com ele, apesar de não ter a confiança que ele emanava.
- Obrigada. E obrigada por entender tão bem e ter facilitado. - falei, referindo-me à conversa de antes. Assim como meu pai não se intrometia nos assuntos de minha mãe, ela não fazia nas decisões dele. E com toda a certeza, onde morariam e como seriam protegidos era uma decisão dele.
- Eu falei sério ali. Quando você entrou… essa possibilidade sempre existiu. E se teremos uma guerra, nada melhor que estar seguro em uma residência real. - ele sussurrou, soando óbvio. - Eu estou orgulhoso, . Estou orgulhoso de tudo e todos que você conquistou…
Eu sabia que meu pai estava falando dos rebeldes. Por um momento, cheguei até a pensar que ele já poderia saber de sua existência antes mesmo de eu entrar na Seleção, afinal ele sempre foi antenado com esse tipo de coisa. Mas a realidade é que não importava e duvidava que ele fosse me contar se perguntasse.
- Eu não poderia deixar os nortistas sem apoio e precisava ajudar Drew. Eu…
- Você fez bem.
Meu pai me abraçou, aproveitando o fim da música. Eu não precisava continuar, ele simplesmente sabia porquê eu havia feito aquelas escolhas e estava orgulhoso.
- Vamos falar com sua mãe, ela está extremamente empolgada.
Aceitei ser conduzida para fora da pista de dança, percebendo que nunca havia tido uma conversa tão sincera e reveladora com meu pai. Provavelmente seria a única, mas havia valido a pena.
- A comida está maravilhosa. - Vic elogiou, provando o cardápio real escolhido para o baile, enquanto tomava mais um gole de sua taça, sentada à mesa ao lado de Arnold e nossa mãe.
Assim que a música baixou e o jantar foi servido, sentamos na mesa reservada para a família , deixando que os garçons responsáveis por nós nos servissem com a entrada, prato principal e em seguida, a sobremesa.
- Está mesmo. - minha mãe concordou, pegando um pequeno pedaço de sua torta. - Eu poderia facilmente me acostumar com isso.
Eu sabia o que aquilo significava, sabia que era uma indireta para mim, uma indireta que pedia para que ela ficasse no castelo ao invés de seguir para uma das casas da realeza, mas fingi não perceber.
- Nós teremos algo bem perto disso, querida. - meu pai disse, o tom suave escondendo a firmeza óbvia. Ele, ao contrário de mim, não estava disposto a ignorar o comentário escondido de minha mãe.
- Sim, e vocês também. - minha mãe concordou, olhando para Vic e o marido. - Chegou a falar com o príncipe, Arnold? - minha mãe olhava para o cunhado com a admiração de sempre, extremamente contente pelo partido que a filha conseguiu. Sabia que no momento em que incluíssemos , , Aurora e os reis naquela mesa, sua pose só iria ser amplificada.
- Sim, senhora . Estamos nos acertando. - Arnold sorriu. - O príncipe conhece bem meu trabalho e me deu opções realmente vantajosas. - dessa vez meu cunhado olhou para mim, falando o mais baixo que podia. Ninguém conseguiria nos ouvir ali, o salão estava lotado de mesas e falatório, e os garçons ficavam afastados, esperando serem chamados, mas eu estava contente pelo cuidado. Uma coisa em que a família parecia ser boa, era guardar segredo.
- Arnold sempre trabalhou bem. O namorado de só percebeu isso. - Vic disse aos sussurros, colocando a mão na do marido, orgulhosa.
- Ele não é meu namorado. - falei, mas pensando se era realmente verdade. Para as pessoas que importavam, no caso, a família real, Serena e minha família, era basicamente meu noivo, mas como eu poderia chamar de namorado alguém que eu sequer havia beijado e que beijava outras mulheres?
- Você entendeu. - Vic disse, mas não insistiu no assunto. Eu estava extremamente grata por aquilo, pois eu sequer sabia como continuar. Logo meu pai entrou no assunto, começando a perguntar a Arnold sobre as opções e o que ele estava pensando.
Pelo que eu acompanhei da conversa, meu pai e Arnold estavam pretendendo morar perto um do outro nesse momento inicial, principalmente a fim de garantir a segurança de Vic, em caso do prefeito precisar se ausentar para ajudar o rei. Apesar de gostar desses assuntos e de ficar curiosa para aprender com o meu pai o máximo que eu podia sobre os pontos que ele considerava cruciais, eu estava com a mente longe, com a mente focada na imagem que tive na pista de dança, onde e eu tínhamos uma família, uma família que vivia no castelo.
Arnold e meu pai só pararam de conversar quando Vic pediu para dançar, me dando a liberdade de pedir licença para tomar um ar. Eu estava gostando de estar com minha família, mas eu sentia que estava sem tempo para pensar. Com minhas criadas no meu quarto o tempo inteiro e com Drew sendo minha sombra, eu simplesmente não tinha conseguido ficar sozinha nem por um segundo.
Aproveitei que as portas-janelas para as sacadas estavam abertas naquela noite e caminhei para uma delas, uma totalmente vazia. Propositalmente, me coloquei em um lugar à vista de todos, de forma que Drew, meu guarda naquela noite, se obrigasse a ficar na porta, em vez de falar comigo.
Respirei o ar puro, sentindo a brisa gelada da noite arrepiar-me de forma agradável. Ynter raramente fazia um frio desagradável, por isso meu vestido de mangas compridas era o suficiente para aquela noite.
- Você vai se casar, . - sussurrei, sabendo que ninguém além de mim ouviria. - Você encontrou um marido que agrada sua mãe. Você vencerá a Seleção, a primeira da história.
Olhei em volta, vendo, nas sacadas ao lado, pessoas interessadas no que eu estava fazendo, mas nenhuma ficava perto o suficiente para ouvir ou sequer perceber que eu falava sozinha.
- Antes disso, você só precisa decidir como enganar o Chefe. - suspirei.
O objetivo do plano era muito claro para mim: achar uma forma do Chefe acreditar nas minhas informações, para assim que possível colocá-lo em uma armadilha fatal. Mas a única maneira de executar o plano sem saber resultaria em uma traição da minha parte, afinal, para ter a confiança do Chefe, eu precisaria oferecer informações reais. Mas com e seu exército despreparado seria perigoso, ou seja, não era uma opção. Então só me restava Serena. Esperava que ela fosse capaz de me dar uma informação valiosa o suficiente para o Chefe acreditar… Eu poderia falar que os nortistas estão mais abertos, depois do Juramento, já que seríamos menos garotas. Teria que bastar.
Satisfeita com minha ideia de onde começar a concretizar meu plano, virei-me de volta para o salão, vendo a família de Anne conversando tímida em sua mesa mais ao canto. Eles eram todos fisicamente parecidos, lembrando Anne em vários aspectos, mas principalmente na cor dos cabelos e olhos. Eram bonitos, uma beleza não convencional, uma beleza estrangeira, uma beleza de admirar, assim como Anne.
Apesar de estar evitando, foi impossível não lembrar da nossa conversa de antes em que Anne admitiu gostar de . O que eu deveria fazer? Ela era uma das minhas melhores amigas.
Pelo pouco que eu conhecia do código de amizade, sabia que amigas evitavam gostar do mesmo menino, mas ali era a Seleção, então essa regra obviamente não valia. Além do mais, eu não gostava de e Anne sabia disso, então eu deveria incentivá-la, não deveria?
Suspirei. Eu não queria incentivar a ter uma amante, mesmo que ela fosse Anne. Mas eu privaria minha amiga de viver um amor apenas pelas aparências? Se tivesse uma amante, então eu também poderia? Involuntariamente olhei para Drew, parado a alguns metros de distância, tentando me dar uma privacidade falsa. Neguei com a cabeça, não poderia fazer isso com ele. O que me fez perceber que também não poderia fazer aquilo com Anne. Ela merecia um marido por inteiro, não apenas nos bastidores. Mas será que ela concordaria comigo? Será que se tivesse opção, Drew preferia ser meu amante ao meu guarda?
Eu sabia que encarava Drew enquanto permitia meus pensamentos seguirem por caminhos perigosos. Eu não podia fazer aquilo, não com Drew. Envergonhada só por ter tido a ideia, tirei meus olhos do meu amigo a tempo de ver entre várias pessoas dançando na pista de dança. Bastou apenas que um dos nobres que tapava minha visão sentasse, para eu perceber que ele dançava com Anne. Respirei fundo. Eles pareciam felizes, rindo de algo. Senti um aperto no peito desconhecido. Será que eu estava com ciúmes? Mas como poderia? Eu sabia que seria meu marido, mas também sabia que ele não havia terminado a Seleção e que precisava dar atenção para todas as garotas… E considerando que Aurora não era mais uma opção e que Natalie teria a menor audiência possível, Anne era a melhor escolha.
Como se percebesse meu desconforto, Drew chamou minha atenção discretamente, perguntando apenas com um olhar se tudo estava bem. Assenti, querendo que ele se aproximasse, mesmo sabendo que não podia. Provavelmente prevendo minha atitude, Serena apareceu na sacada, olhando-me e me repreendendo. Apesar de eu não ter visto a mulher, soube que ela estava de olho em mim há algum tempo só pela forma que caminhava em minha direção em seu vestido longo, preto, chique e discreto. Não era sempre que a via em eventos como aquele, deixando-me surpresa com sua presença. Será que ela tinha algo para contar? Eu não estava exatamente atualizada já que, com minha família por perto, não tivemos oportunidade de conversar.
- Você não deve falar com ele em eventos assim. - ela disse, nem se dando ao trabalho de explicar que falava de Drew.
- As pessoas sabem que ele é da minha Província. - dei de ombros, tentando justificar o injustificável.
- Nem todas. E isso ainda não apareceu na mídia e acho que podemos deixar assim. Digamos que Drew está bem diferente.
Assenti. Serena estava certa e Drew sabia, por isso ele apenas sorriu de canto ao perceber que havia sido descoberto, permanecendo na sua pose de soldado.
- Alguma novidade?
- Nada do Chefe. Ele dispersou seus homens, não sei nem se ele está na Capital.
Não consegui disfarçar a cara de surpresa.
- Isso é inesperado, tinha certeza de que ele estaria tramando algo.
- Ele ainda pode estar, é difícil dizer. Devemos esperar tudo. E aqui, alguma novidade?
Como não cabia a mim contar sobre a surpresa de e não estava disposta a contar sobre Anne, resolvi mentir.
- Não. Mas quero sua ajuda em algo.
- No quê?
- Só posso contar se prometer não contar ao príncipe. - esperei pela reação de Serena, que me deu apenas um levantar de sobrancelhas antes de assentir. Eu precisaria acreditar nela. - Quero atrair o Chefe para uma armadilha.
- Como?
- Quero convencê-lo de que tenho informações importantes, para quando ele confiar em mim, cair em uma armadilha. Acabando com a guerra antes de começar. - falei, buscando qualquer sinal no semblante da mulher. - Para que ele confie em mim, preciso dar alguma informação real para ele. Quero que me ajude com isso.
Serena pareceu refletir.
- Você acha que vai ver ele de novo?
- Você acha que não?
- O príncipe está se esforçando bastante para evitar. - a rebelde olhou para Drew, que nos encarava sem disfarçar, fingindo estar me protegendo.
- Depois do Juramento o castelo estará vazio, duvido que ele não dê um jeito.
Serena não negou, ela sabia que eu tinha grandes chances de estar certa.
- Vai me ajudar?
- Podemos pensar em algo.
- não pode saber. Se ele souber, vai impedir. Eu já tentei.
- Eu não preciso contar ao príncipe tudo o que faço. - Serena deu de ombros, mas sua fala acendeu um alerta em minha mente; precisava me lembrar disso no futuro. Eu sabia que e Serena não eram totalmente abertos um com o outro, mas ao mesmo tempo eles estavam do mesmo lado, não estavam?
- Não pode contar para Drew também. - falei, fingindo não me importar com o que ela havia dito.
- Você acha que vai conseguir esconder dos dois? - a descrença dela era óbvia.
- Não preciso esconder meu encontro com o Chefe, só o plano.
Serena concordou, ficando em silêncio por alguns segundos, me deixando livre para pensar. Esperava mesmo que desse certo.
- Por que veio?
- Para dar suporte para a família de Aurora.
Concordei, me sentindo tola por não ter pensado nisso. Serena não estava no castelo só por mim, nunca esteve.
- disse que eles não ficaram chateados quando Aurora escolheu ele. - falei, incapaz de segurar.
- Não mesmo. Tivemos uma reunião sobre isso, antes daquela noite… Se você aceitasse ser a princesa de , nós só tínhamos a ganhar deixando Aurora com .
- E se eu tivesse dito não?
- Aurora teria que se sacrificar pelo grupo, se não ela e sua família seriam traidores.
- E o que isso significaria?
Serena, que antes encarava o jardim iluminado pelos postes reais, me encarou, a sombra apenas intensificando seu olhar sombrio.
- Só é possível ter uma organização tão grande assim com regras, . Regras que todos aceitam ao se unir a nós.
Concordei, sabendo exatamente o que Serena queria dizer.
- Fico feliz que tenha aceitado. Foi bem mais fácil te trazer até este ponto do que seria com Aurora.
- Sério?
- Sim. Ignorando completamente o fato de que e teriam que aceitar uma situação extremamente desagradável, o povo teria que amar Aurora. Com você, não tivemos que nos esforçar nisso.
- O Chefe cuidou disso.
- Não, . Você cuidou.
- Como?
- Você tinha fãs pelo sobrenome, tinha a admiração dos reis, ganhou fama com aquele broche no Jornal Nacional e a entrevista do pijama… sem contar os 80% que, acredite se quiser, não teve muito esforço nosso. - ela deu de ombros. - Realmente acho que boa parte foi votação nossa, mas nós não pedimos, as pessoas só quiseram participar.
Suspirei.
- Espero estar à altura disso tudo.
- Você estará. - Serena sorriu, realmente confiante. - Agora se me dá licença, preciso fingir que gosto de estar aqui.
E então a mulher saiu, caminhando confiante em direção ao salão. E apesar dela estar de costas para mim, eu soube que ela lançou um olhar ameaçador para Drew, lembrando-o de onde estava, apenas pela forma que ele reagiu. Serena era, afinal, a chefe dele.
Como se estivesse esperando Serena sair, minha irmã se aproximou, o marido preferiu esperar por ela dentro do salão, perto de Drew.
- Tudo bem? - perguntei, estranhando a atitude de Arnold.
- Tudo sim. Acho que a coisa de princesa subiu um pouco a cabeça dele. - Vic brincou, me deixando em dúvida se era mesmo verdade o que estava falando. - Nós estamos indo para o quarto, nossos pais já foram, senhora quer estar descansada para amanhã.
- Claro, sem problemas. - me apressei em dizer.
- Pensei em passar no seu quarto daqui meia hora. - Vic disse, me ignorando completamente.
- Agora?
- Sim, . Eu quero saber de tudo e você não vai contar na frente da nossa mãe.
- Tudo bem, estarei lá. - falei rendida, Vic estava certa. - Vou pedir para Drew avisar seu guarda, se não, ele pode barra-lá.
- Ótimo, estou ansiosa, irmãzinha.
Sorri, deixando-a seguir junto com Arnold para seus aposentos. Aquilo era estranho para mim, Vic e eu raramente combinamos de conversar sobre nossas vidas, simplesmente acontecia ou não. Por exemplo, eu sabia pouco sobre sua vida matrimonial, exatamente porque não perguntaria na frente de nossa mãe ou seu marido e jamais me senti confortável em chamá-la no canto apenas para perguntar. Pelo jeito deveria tê-lo feito.
Percebendo que eu teria que deixar o baile em meia hora, preferi voltar para o salão, aproveitar para ser vista mais um pouco antes de sair. Tinha que pelo menos falar com o príncipe.
- Devemos sair em meia hora, Vic vai no meu quarto para saber das novidades. Pode avisar o guarda dela? - pedi para Drew, evitando me aproximar muito.
- Isso é surpreendente.
- Sim, extremamente.
Drew concordou, me deixando seguir em direção à pista de dança. O baile já estava mesmo mais vazio, vários familiares já tinham se recolhido para os aposentos, deixando o baile para os mais jovens ou mais acostumados com tudo aquilo. Eu sabia que aquele baile havia sido feito para ser íntimo, pouco formal e o mais confortável para os familiares, mas ainda sim podia assustar quem não estava acostumado.
Assim que me aproximei da pista, o nobre Gateway me convidou para dançar, me fazendo rir enquanto conversávamos sobre sua filha e os novos penteados que ele havia aprendido a fazer. Eu gostava daquilo, de dançar tranquilamente com pessoas agradáveis. Sem a pressão de estar perfeita, sorrindo o tempo inteiro e com os holofotes voltados para mim, sabia que aquilo logo acabaria.
Como se lesse meus pensamentos, a música acabou, fazendo com que aparecesse e pedisse para dançar comigo. Algo que o praticamente tio não teve problemas em incentivar.
- Obrigada pela dança, senhorita .
- Eu que agradeço, senhor.
sorriu para o homem e me estendeu a mão, fazendo uma discreta reverência. Aceitei, fazendo o mesmo.
- Está tudo bem? - ele perguntou assim que começamos a dançar.
- Sim, por quê?
- Você sumiu…
- Eu estava na sacada, pensando. Precisava ficar sozinha um tempo, minha família está me sobrecarregando e o Juramento é daqui há dois dias… Amanhã já temos a prova final do vestido e isso é assustador. - admiti, escolhendo não falar sobre minha conversa com Anne de antes, apesar de ter pensando nisso no instante em que vi . Será que ela seria uma esposa melhor do que eu?
- Não se preocupe, . O Chefe não vai conseguir entrar aqui. Eu prometo.
- Mas e seus seguidores? É impossível de evitar.
- Você tem razão, mas armas são possíveis de evitar, todos os convidados serão revistados, inclusive selecionamos algumas criadas para fazer a revista feminina.
- Deveriam existir mulheres na guarda. - deixei escapar.
- Podemos pensar melhor sobre isso depois. - o príncipe disse sorrindo, como se gostasse da ideia de estudar possibilidades políticas no futuro, quando ele fosse rei.
- Você tem razão. E a parte de não ter armas é essencial. Eu não sei o que aquele homem pode fazer.
- O máximo que ele poderá fazer é assistir pela tv, e mandar alguns homens para analisar o local. Mas os nortistas também estarão aqui e em peso, você sabe disso. Qualquer ação dele seria tolice.
Assenti, esperando ser verdade.
- Todos os guardas pessoais vão estar trabalhando?
- Sim, com as famílias aqui nós precisamos. Sei que tem medo por seu amigo, mas… - neguei com a cabeça, fazendo-o parar.
- Não estou preocupada com Drew, estou preocupada com minha família. - admiti. - Conversei com ele, estou de acordo com a presença dele aqui.
ergueu uma sobrancelha, claramente em dúvida se deveria, ou sequer se gostaria, saber mais.
- Fico feliz. - ele simplesmente disse, me fazendo erguer uma das sobrancelhas de forma automática. sabia dos sentimentos de Drew sobre mim e ficava feliz com a presença dele? - Acredito que o termo melhor seja: aliviado. Sinto que você está mais segura com ele aqui.
Aquilo me fez rir levemente, concordando. Aliviado era mais perto do que eu esperava, apesar de perceber que no fundo quisesse que tivesse o mesmo sentimento em relação a Drew que eu tinha em relação a Samantha, Lauren e, recentemente, a Anne.
- Minha irmã pediu para ir ao meu quarto daqui a pouco, ela quer conversar.
- Isso é bom, não é?
- Sim, mas eu e minha irmã nunca tivemos esse tipo de intimidade. Quero dizer, não escondia as coisas dela de propósito, apenas não fazia questão de contar e ela não fazia questão de perguntar.
- Mas hoje ela fez.
Apesar de ter afirmado, eu concordei com a cabeça, como se respondesse a uma pergunta. Suspirei.
- Você acha que eu devo falar sobre tudo?
- Sim. - ele disse, sem qualquer dúvida.
- Sério? Achei que ia ouvir um sermão sobre segredos, segurança do País… coisas assim.
- … - baixou o tom, demonstrando discretamente um carinho que não podia passar percebido pelos olhos dos outros. - Você sabe que eu me preocupo com você e na forma como você lida com as coisas. Você precisa confiar sua vida para alguém e acho que sua irmã pode ser essa pessoa.
Concordei, mas de forma automática enquanto me girava no ritmo da música, demorando alguns segundos para perceber que ele estava certo. Não havia qualquer motivo para eu esconder a verdade da minha irmã. Ela provavelmente ficaria com medo, mas isso seria bom. Ter alguém com meus pais que soubesse de toda a verdade faria uma enorme diferença.
- Você tem razão. Muito obrigada. Preciso ir. - falei, aproveitando o fim da música para uma reverência rápida, mas digna, antes de sair apressada até meu quarto. Tinha que garantir que estaria lá quando Vic chegasse. Sorri para todos que encontrei pelo caminho, mas deixei o baile sem me despedir de Anne, Aurora ou Serena.
- Vou pedir para seu guarda nos avisar quando sua irmã sair. - Elise disse, despedindo-se ao deixar uma garrafa de vinho e duas taças em minha mesinha.
- Obrigada. - falei, nem tentando protestar. Eu sabia que não tinha mais o direito de dormir sozinha.
Servi a taça assim que Elise saiu, preferindo começar sem Victoria. Eu estava ansiosa e nervosa por aquilo. A ideia e permissão de para contar tudo a minha irmã me fez perceber que eu finalmente teria uma segunda opinião, finalmente eu poderia contar para alguém tudo sobre e, mesmo que eu quisesse ignorar, sobre Drew. Esperava que Vic estivesse disposta a ouvir e comentar.
Não demorou muito até baterem na porta, me fazendo largar a taça antes de abri-la e encontrar uma estranha comitiva: Drew, Victoria, Fred, que era o guarda da minha irmã naquela noite, e Arnold.
- Boa noite. - disse, a confusão clara em minha expressão.
- Boa noite. - Vic disse rindo. - Arnold quis me acompanhar até aqui, você sabe… por segurança.
- Ah, sim. - finalmente entendendo. - Nós a acompanhamos de volta depois. - falei, olhando para Drew antes de voltar para Arnold. Meu cunhado parecia realmente preocupado com as novas descobertas sobre os rebeldes.
- Seria ótimo. Obrigado, . - ele disse, fazendo uma discreta reverência.
- Boa noite, querido. Vou ficar bem. Garanto que o quarto de é um dos lugares mais seguros desse castelo. - Vic disse, perceptivelmente não compartilhando o medo do marido.
- Boa noite. - ele disse, o tom de voz mais sereno que o normal, beijando a testa de Vic antes de pedir licença e se retirar, com Fred o seguindo.
- Me desculpem. - Victoria disse assim que o marido ficou longe o suficiente. - Ele está se acostumando com a ideia.
- Fico feliz que esteja preocupado. - falei, abrindo espaço para Vic entrar, sorrindo para Drew antes de fechar a porta.
- Vinho? - Vic perguntou, partindo direto para a garrafa e a taça vazia.
- Eu tenho muito o que contar. - admiti.
- Eu quero saber de tudo. - ela disse, sentando em minha cama já com a taça cheia. - Pode começar pelo começo.
Concordei, sorrindo para Vic e pegando a minha taça, eu já havia tomado metade do líquido que havia ali.
- O começo é literalmente o primeiro dia. - falei - Eu fui pega antes mesmo de chegar ao castelo…
Vic era uma excelente ouvinte. Ela prestava atenção em cada detalhe e fazia perguntas realmente pertinentes, parando apenas algumas vezes para encher minha taça ou a própria. Era incrivelmente bom poder colocar tudo para fora. Poder falar sobre o sequestro nortista no primeiro dia da Seleção, sobre a arma, sobre o medo que eu sentia enquanto andava pelas ruas vazias, sobre a dor em meus pés. Pude falar sobre o trem, sobre Susane e o quanto ela lembrava nossa mãe. Falei sobre as outras Selecionadas, algumas que eu tinha que admitir que ainda não lembrava o nome. Depois falei sobre meu primeiro encontro com e o colar, falei sobre o bilhete e a entrevista, que a piada sobre nossa mãe era apenas um pretexto; expliquei sobre o encontro com os nortistas, sobre quando conheci Serena e a atitude desagradável dos guardas.
Então falei sobre o ataque sulista. E foi aí que eu chorei. Lembrar dos homens atrás de mim, das ameaças, do Chefe e dos socos… Era como se eu tivesse ignorado tudo aquilo para dar lugar a uma mulher que enfrentava os medos, uma mulher que aceitava fazer negócios com o mesmo grupo que ameaçou-a de tal forma que antes eu nem imaginava. E apesar dessa pessoa que eu estava fingindo ser ter me ajudado a seguir em frente, com Vic eu percebi o quanto ainda tinha medo. Medo de verdade. O quanto eu havia ignorado o perigo apenas para conseguir continuar. Eu sabia o que tinha feito, eu sabia que não tinha como voltar atrás. Mas lembrar que eu só estava ali porque dois guardas me acharam fazia minhas mãos tremerem.
- Eu sinto muito. - Vic disse quando percebeu que eu precisava de uma pausa antes de continuar, colocando nossas taças ao lado antes de me abraçar, deixando eu chorar copiosamente em seu ombro. O que eu havia feito com a minha vida? - Eu nem imaginava, …
Claro que ela não imaginava, eu escolhi assim. Eu escolhi não contar para minha família a verdade naquele dia, eu escolhi mentir sobre os guardas em suas portas. Assim como eu escolhi esconder do príncipe meus machucados e escolhi não dar detalhes a Anne. Eu me sentia sozinha, mas era tudo uma escolha minha.
- Você não tinha como saber. - falei, respirando fundo e secando as lágrimas. - Acho que ninguém sabia. Não de tudo, pelo menos.
- Você ainda tem essa mania, então?
- Mania?
- De esconder as coisas guardadas aí no fundo. - ela disse, apontando para meu coração.
- Acho que sim. - disse, rindo fraco.
- Sempre quis que você me contasse mais sobre sua vida. Mas você nunca pareceu querer. - ela disse, me deixando surpresa.
- Eu não achava que você queria saber. Ainda mais depois do Arnold, você sabe…
- Eu queria. Sempre vou me interessar pela sua vida, irmãzinha. - ela disse, me empurrando de leve, me fazendo tombar lentamente na cama. O álcool já mostrando alguns sinais, o que nos fez literalmente gargalhar. Os resquícios do choro se tornaram lágrimas de tanto rir.
- Que bom, porque eu ainda tenho muito a dizer. - falei, sentando-me novamente, percebendo que meu quarto chegou a girar por um momento.
- E eu muito a ouvir. - Vic disse, pegando nossas taças e enchendo mais um pouco. Já havíamos tomado mais do que meia garrafa.
- Depois desse ataque, foi quando os guardas chegaram lá em casa… - e então eu continuei. Falei sobre o segundo encontro com Serena, sobre o abraço que entregou meus machucados para a rebelde e os príncipes, sobre descobrir que eu não queria estar na Seleção, sobre como ele admitiu pela primeira vez que todos queriam que nós nos casássemos. Falei como na época achava uma opção improvável, apenas uma primeira impressão. Naquele dia, eu tinha certeza que se apaixonaria por alguma das Selecionadas, mesmo que restassem poucas. Falei sobre o sulista que me prendeu em um dos aposentos, expliquei sobre Cleo e o veneno, sobre como eu havia me tornado uma espiã sulista falsamente e uma espiã do governo de verdade. Apesar de saber que o álcool já deixava as coisas embaralhadas, Vic parecia entender muito bem. Chorou comigo quando eu contei sobre a morte de Mariee, encontrou a cicatriz na minha mão quando contei sobre como tirei Drew de lá e falou a primeira coisa que me surpreendeu desde que entrou no meu quarto:
- Eu tinha certeza que ele gostava de você. Sempre esteve tão óbvio.
Apesar da voz arrastada de Vic, ela conseguiu me explicar como nenhum menino aceitaria passar dias e dias comigo em cima de uma árvore falando sobre assuntos chatos, como ela mesmo disse, se não tivesse amor envolvido. Meninos gostavam de esporte e de fazer coisas de meninos, não de conversar e caminhar pelo bosque. Mesmo ficando surpresa, expliquei para Victoria que não importava mais. Então contei sobre a noite com Serena e , o acordo de casamento. Contei sobre o anel sulista e sobre o colar que me fez usar. Contei sobre Ícaryo e Natalie… Eu contei tudo o que eu podia, até que cheguei em Drew e Anne. E sobre o provável amor escondido de cada um. O que me fez lembrar do beijo, o que contei para Victoria tomando o último gole da garrafa, vendo-a fazer beicinho quando percebeu que não caía mais nenhuma gota.
- Podemos pedir mais uma. - falei, notando cada palavra mais arrastada que a outra. Era como se minha própria voz estivesse longe.
- Você sabe que não podemos. O que o príncipe vai pensar em você bêbeda? - ela disse, fingindo estar sóbria, mas falhando.
- Mas você não me disse o que fazer sobre Anne e Drew. - resmunguei, chateada por ela querer ir embora.
- Você sabe o que precisa fazer. Precisa ignorar tudo. Você vai se casar, . - Victoria de repente parecia brava.
- Não briga comigo! - pedi. - Eu te expliquei tudo. Não é possível que você ache que eu tinha alguma escolha.
Victoria percebeu o que havia feito e ficou de pé, usando a cama como apoio para ficar a minha frente, jogando todo o seu corpo em cima do meu.
- Eu tô orgulhosa de você, . Não fica triste. Mas essa é a verdade. Você vai ser princesa! - e então ela ergueu os dois braços, como se comemorasse. - Vem, vamos brindar isso!
- Não quero brindar a isso. - falei, mas aceitei ser puxada para ficar em pé. Mas assim que meus pés tocaram o chão, Vic me soltou. A levantada repentina misturada com a falta de coordenação e cognição me fizeram cair no chão, derrubando uma das cadeiras, a qual eu inutilmente tentei segurar.
- ! - Vic gritou assustada.
- O que aconteceu? - de repente Drew estava na minha frente, o rosto tão perto do meu que precisei piscar algumas vezes. O que ele estava fazendo ali? - Vocês estão bêbadas?
- Não!
- Sim! - Vic era realmente mais honesta que eu. Mas ela não parecia mais preocupada em ser vista bêbada, ela na verdade estava rindo.
- Pare de rir. - pedi. Ou pelo menos achava que havia feito, mas depois disso não apenas Vic estava rindo, como Drew também.
- Vamos, deixa eu te levantar. - Drew pediu, magicamente me colocando sentada na cama. Fazendo tudo girar mais uma vez.
- Temos que levar Vic para o quarto. Arnold gosta de mim agora e não quero estragar isso. - pedi para Drew, enquanto ainda segurava em seu uniforme, querendo não apenas que ele me ouvisse, mas também que tudo parasse de girar antes de eu soltá-lo.
- Arnold sempre gostou de você. - minha irmã resmungou, parecendo sentar na cadeira que ainda estava no lugar.
- Não. Ele me a-tu-ra-va. - falei, frisando cada sílaba para garantir que não ia esquecer de nenhuma.
- Ele só é tímido. - avisou.
Vic sabia que o marido dela era o prefeito da Província, não é? Ela sabia que ele era a pessoa mais famosa da cidade e que devia falar na frente de um monte de gente, certo? Ela realmente achava que eu ia acreditar nessa história de tímido?
- Vou pedir para trazerem água para vocês. - Drew disse, ignorando nossa conversa, e gentilmente tirando minha mão que ainda estava presa no seu colarinho. - Quer se deitar?
- Não, quero levar Vic para o quarto dela. - avisei e de forma imprudente balancei a cabeça em negativa, fazendo tudo girar novamente.
Drew pareceu prever que eu ia cair e com uma mão das minhas costas e outra atrás dos meus joelhos me levou até a cabeceira da cama, apoiando minhas costas na mesma.
- Nós vamos levar ela em segurança, mas antes vocês precisam tomar água. Tudo bem?
Nunca tinha ouvido Drew tão gentil.
- Tudo bem. Você vai buscar água, eu e Vic ficamos aqui. - assenti, apoiando minha cabeça na cabeceira e fechando os olhos. Queria que as coisas parassem de girar.
Percebi, enquanto estava de olhos fechados, que provavelmente era a primeira vez que eu ficava bêbada. Eu já havia bebido antes a ponto de ter o riso solto, mas não de cair no chão. E eu havia caído, não havia? Ou será que só tinha tropeçado e o álcool não tinha nenhuma ligação?
Abri os olhos quando ouvi o choque de Elise, que devia ter trazido a água.
- Aqui está, senhorita. - Drew disse, me estendendo um copo.
- Senhorita? - perguntei estranhando a forma como ele me chamou, mas aceitando mesmo assim. Tomei o copo todo, estava com sede.
- Tome mais um. - ele disse, pegando o copo da minha mão e enchendo novamente.
- Não quero. - falei, mas segundos depois estava tomando. Ele estava segurando o copo para mim?
- Temos que levar a senhora Victoria para seus aposentos. - Elise falou.
- Eu vou junto! - apressei em dizer, o que, de alguma forma, fez metade do meu copo de água cair sobre mim.
- ! - Drew disse, mas ele parecia ser o culpado. Ou era eu?
- Senhorita! - de repente era Elise que estava na minha frente, com algum tipo de tecido sobre o meu vestido.
- Não tem problema, é só água. - avisei, já querendo me levantar.
- Ela não pode andar pelos corredores assim. - Elise disse.
- Posso, sim. Victoria não pode ir sozinha até o quarto e Drew não pode me deixar sozinha. Tenho que ir junto. - expliquei.
- Eu fico com você. - Elise disse.
- Não pode. Não é seguro.
- Elise vai comigo. - Victoria disse, ficando de pé. - Tem mais guardas no corredor e meu quarto é perto.
- Não é certo.
- , vai ser vergonhoso se você andar molhada pelos corredores. Minha irmã não pode ser a princesa que andou molhada pelos corredores. - ela explicou, parecendo bem óbvia. - Vamos Elise, não me deixe tropeçar.
Elise e Victoria saíram do meu quarto, me deixando em pé, apoiada na cama, sem reação. Drew estava na minha frente, parecendo achar graça.
- Eu vou tomar banho.
- Como é?
- Esse vestido é pomposo demais e eu estou cheirando a álcool, vou tomar banho. - falei óbvia.
- Certo, mas você precisa esperar sua criada chegar.
- Não preciso. - falei, já levando as mãos para o botão atrás do meu vestido.
Em segundos Drew estava perto de mim, suas mãos segurando meus braços.
- , eu não posso deixar você fazer isso. - ele disse sussurrando, me fazendo olhar para cima para encontrar seus olhos vidrados no meu. - Vamos esperar por Elise.
- Eu posso fazer isso sozinha. - falei, mas ao mesmo tempo sentei na cama, fazendo com que ele se curvasse para não soltar meus braços.
- Você pode, mas não comigo aqui. - ele disse, parecendo rir quando eu percebi o que quase havia feito.
- Me desculpe, eu… - e então eu voltei a chorar. Não sabia porquê, mas além de envergonhada, eu estava triste. Não queria fazer aquilo com Drew. Eu estava feliz por ele estar ali para cuidar de mim, mas ao mesmo tempo me sentia mal por ele estar tão próximo, eu me sentia responsável por saber o que ele sentia.
- Você está chorando? Por que você está chorando?
Neguei. Não ia responder aquilo. Então ficamos ali, ele tentando me acalmar enquanto lágrimas escorriam do meu rosto, até que ele deu um salto para trás, ficando a uma distância segura antes de Elise passar pela porta.
- Ela está chorando? - Elise parecia preocupada.
- Ela está triste porque está bêbada. - Drew explicou, mas ele estava errado. Eu estava extremamente aliviada por poder chorar por tudo o que eu havia passado, sem me segurar. O álcool havia tirado qualquer sentimento de culpa que eu tinha por deixar as lágrimas escorrerem.
Continua...
Nota da autora: Para mais novidades de Uma Outra Seleção, entrem no meu grupo do Facebook.
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