Última atualização: 30/08/2020

Capítulo Único



Era véspera de Ano Novo quando deu de cara com o caos que sua casa havia se tornado. Ao seu lado, com um olhar assustado e banhado em lágrimas, estava Yuna, sua filha de apenas oito anos, tão confusa quanto o pai. Não havia feito nada de errado daquela vez e, ainda assim, um fogaréu saía pela janela da cozinha que dava diretamente para o quintal.
Os gritos de comando do capitão dos Bombeiros pareciam apenas sussurros para ambos, sobretudo para que apenas se agarrava à criança com medo — muito medo — e sem reparar em nada mais ao redor.
Tudo começou quando ele decidiu fazer um jantar maneiro para a filha que passaria a virada de ano ao seu lado. Pensou que seria incrível entrar em 2020 com sua garotinha comendo coisas gostosas, tradicionais e saudáveis, mas sempre abrindo um momento para saborear guloseimas também. Yuna merecia. Era uma boa menina afinal.
Contudo, apesar de saber se virar bem na cozinha, decidiu seguir uma receita diferente que seu melhor amigo, , havia enviado — no fundo, sabia que nunca era uma boa ideia seguir os conselhos de , já que ele não era tão bom assim na cozinha (na verdade, ele não era nada bom na cozinha e queimava tudo que colocava as mãos).
Em algum momento de distração, quando percebeu que alguns ingredientes estavam errados, ele não percebeu que o fogo estava aceso e queimava o molho que tinha começado a fazer. Também não percebeu o pano de prato jogado ao lado da boca acesa do fogão. Também não percebeu que tudo estava indo pelos ares por conter uma garrafa de algo alcoólico pelas proximidades.
Quando se deu conta, sua cozinha estava coberta por uma fumaça preta e em chamas. Sua única reação foi pegar Yuna no colo e correr para o lado de fora. Por sorte, o celular estava em suas mãos e foi fácil ligar para o Corpo de Bombeiros pedindo por socorro.
A ajuda veio rápida e não deu tempo do fogo se alastrar tanto, mas sua casa estava um completo caos com vidros quebrados, cadeiras espalhadas e totalmente encharcada por conta da mangueira d'água dos bombeiros ligada a todo vapor para dissipar qualquer resquício de fogo.
— E agora, papai? — Yuna perguntou baixinho, se agarrando às pernas do maior.
— E agora você não diz nada para sua mãe — respondeu sério, abraçando a filha com carinho e cuidado.
Havia sido um susto e tanto; se Nayeon sequer desconfiasse que algo do tipo acontecera, entraria em pânico. Não que ela fosse o tipo de mãe paranoica e malvada, longe disso, era totalmente o oposto. Após o divórcio, a guarda compartilhada de Yuna foi feita sob uma calmaria incomum e, mesmo que as duas vivessem em Seul, e ele em Daegu, e a ex-esposa mantiveram a amizade.
Acontece que eles já eram amigos antes de terem qualquer tipo de relação amorosa. Com o tempo, acabou acontecendo e, depois de alguns anos de namoro, decidiram se casar. Após um ano de casamento, perceberam que não era bem assim. Não davam certo juntos como um casal, os horários não batiam e ainda teve a novidade da gravidez. ficou atordoado, porque já pensava em separação e tinha medo de como Nayeon iria reagir. No fim das contas, quando a gestação já estava nas últimas semanas, Nayeon sugeriu o divórcio e disse que ficaria tudo bem. E se fosse do interesse de , poderiam esperar Yuna completar seis meses para que ambos pudessem aproveitar a primeira fase da bebê, já que era a primeira filha de ambos — e não era novidade para ninguém que sempre sonhou em ser pai, assim como Nayeon sempre quisera ser mãe. Tudo saiu de forma simples e acabaram por esperar o aniversário de um ano de Yuna para assinarem a papelada e saírem da casa que haviam comprado juntos. Foi um ano cheio de aventuras e cercado de respeito — além, é claro, de algumas recaídas devido à carência, pois não tinham coragem de se relacionar com pessoas “da rua” enquanto não estivessem oficialmente separados.
No entanto, embora ainda tivessem uma relação incrível e de irmandade, Nayeon não ficaria nada feliz em descobrir que simplesmente ateou fogo em sua própria cozinha com uma garotinha de oito anos no recinto. Não parecia, mas Nayeon era uma mulher bem brava e fácil de se irritar; ela era muito carinhosa e sempre tentava ajudar, mas bastava um comentário atravessado ou que ela pudesse interpretar mal para uma carranca aparecer em suas feições bonitas, ainda mais quando era sobre Yuna — e a entendia totalmente, já que partilhava do mesmo sentimento.
— Não direi nada para ela, papai — Yuna murmurou. — Vai ser nosso segredo.
riu e puxou a menina para seu colo, abraçando-a com mais vontade e inspirando o cheirinho gostoso de xampu infantil misturado à fumaça que exalava de seus cabelinhos lisos e curtos. Ele estava feliz por estarem bem, e sabia que em breve, quando Nayeon voltasse à Daegu ou ele fosse à Seul, abriria o jogo com ela e contaria a história com calma e sempre frisando que conseguira tirar a garotinha de casa antes de qualquer acidente. Não gostava de fazer a filha mentir, ainda mais para encobrir suas falhas — que eram raras de acontecer, mas ainda aconteciam. Era um pai e, sobretudo, amigo muito fiel e sincero, mentir estava fora de cogitação. Mas, naquele momento, deveria ao menos omitir e segurar a informação por um tempinho. Até as festas de fim de ano passarem, não queria Nayeon batendo em sua porta no meio da madrugada para arrancar a filha de seus braços e lhe dar uma surra depois. Já estava bem grandinho para levar palmadas — e não queria perder sua maior preciosidade: Yuna.
se assustou ao perceber que um dos bombeiros estava parado ao seu lado. Ele era mais alto e segurava o capacete e uma das luvas na mão direita, enquanto, com a esquerda, secava resquícios de suor da testa bonita. Os cabelos eram pretos e bem penteados, nem pareciam que ficavam presos por um capacete pesado, apertado e feio. O cara parecia um deus e, por um segundo, quase engasgou com a própria saliva ao vê-lo sorrindo. Os lábios grossos partiram ao meio e mostraram duas fileiras de dentes brancos e perfeitamente alinhados.
— O incêndio já foi apagado — a voz suave escapou a boca bonita, deixando ainda mais atordoado. — Não causou muitos danos, acredito que o senhor só precisará comprar um armário de cozinha e um fogão novos. E alguns vidros, já que as janelas quebraram. Por sorte o fogo não alastrou por toda a casa, foi bom o senhor ter nos chamado tão rápido.
— Ah… Obrigado — conseguiu murmurar, coçando a nuca enquanto tentava segurar Yuna com mais firmeza. — É, foi sorte mesmo… Conseguir, você sabe, chamar vocês.
O bombeiro bonito, que percebeu um tempo depois que era o capitão, sorriu outra vez e abriu um pouco o macacão grande e grosso que vestia, tirando do interior da vestimenta um pequeno embrulho e estendeu-o em direção à Yuna. reconheceu ser um pirulito que ele costumava comprar para a filha desde que ela era bem menorzinha. A garotinha sorriu em seu colo e pegou o doce com cuidado.
— Muito obrigada — ela agradeceu baixinho, tendo as bochechinhas pintadas num tom claro de vermelho, mostrando-se tímida. — Meu pai costuma comprar desses para mim.
— Seu pai é um homem de bom gosto — o bombeiro piscou um dos olhos, ainda sorrindo. — Bem, é isso. Tome mais cuidado na próxima, senhor…?
. . Muito obrigado mais uma vez.
— Não há de que, . Não hesite em nos chamar caso aconteça algum outro acidente. E você, mocinha, não deixe mais seu pai se distrair na cozinha.
Com um sorriso e um afago fofo nos cabelos de Yuna, o capitão dos bombeiros saiu. E ficou petrificado, porque o cara era simplesmente lindo demais — e não era segredo para ninguém que ele era bissexual, sequer conseguia esconder seu interesse por homens quando perto de algum muito interessante, como naquele momento. Também não era segredo que, no fundo, não passava de um idiota. Dissera seu nome, mas não perguntou o do capitão.
Com um suspiro de pesar saindo dos lábios, decidiu que era hora de entrar em casa e encarar o pandemônio que aquele lugar havia se tornado nos últimos minutos. Não tinha muito o que fazer a não ser limpar e xingar em seus pensamentos — tudo que acontecia de errado em sua vida era culpa do melhor amigo e, quanto a isso, não havia dúvida alguma.

*

— Certo, deixa eu ver se entendi… — disse forma calma, enquanto andava pela cozinha semidestruída do melhor amigo.
Algumas horas haviam se passado desde o incêndio e a tarde já chegava ao fim em Daegu. Yuna estava tirando seu cochilinho e seguia limpando cada cantinho da casa, sentindo-se nervoso ao ver resquícios de coisas queimadas e o cheiro da fumaça que não deixava o ambiente, mesmo que ele jogasse todo tipo de produto de limpeza pelos cômodos
— Não há nada tão extraordinário para entender, largou a vassoura que tinha em mãos e segurou a própria cintura, como sua mãe costumava fazer quando ele aprontava. — Fui seguir a porcaria da sua receita e ateei fogo na minha própria casa. Você é uma negação na cozinha até quando está só passando uma receita.
— Depois de apagar o incêndio, o capitão dos bombeiros veio te cumprimentar e ele era muito, tipo, muito bonito e atraente? E ainda deu docinho para a Yuna? — encarou o amigo, ignorando o sermão que levava; não ligava por levar a culpa mais uma vez.
— De tudo o que falei, você só prestou atenção na parte do capitão?
— É claro, é o que importa — deu de ombros. — Você não se interessa por ninguém há uns bons meses e faz, o que, um ano desde seu último relacionamento sério?
? — o encarou desacreditado. — Eu acabei de me livrar de um incêndio e você quer falar sobre interesse humano e relacionamentos?
— Meu amigo, veja só: é fim de ano, você já fez a merda e já foi salvo — sentou sobre o balcão bambo da cozinha; o fogo havia chegado ali e destruído parte do móvel, fazendo-o quase cair e disfarçar logo em seguida. — Yuna está bem. Você está bem. Tudo acabou bem. O capitão fez um bom trabalho e foi muito simpático com você. Não faz mal algum a gente falar sobre a beleza do cara.
— Gostaria de saber o que diria se ouvisse você falar desse jeito — retrucou, voltando a pegar a vassoura para varrer o outro lado da cozinha.
— Ele concordaria comigo — afirmou. — Você sabe, não somos um casal ciumento e sempre estamos abertos para novas experiências. certamente daria um jeito de descobrir se o tal capitão beija homens. Ao contrário de você, que sequer perguntou o nome dele.
— Você não existe, cara. Sério.
— Existo e estou aqui para salvar sua vida amorosa que, convenhamos, é um completo fracasso.
— Minha vida amorosa não é um fracasso, só não encontrei a pessoa certa ainda.
, meu amigo, você sabe que a pessoa certa era a Nayeon. Só que nem com a pessoa certa deu certo. Então você precisa se esforçar mais.
— Eu não preciso de um relacionamento para ser feliz, !
— Não, claro que não. Sei bem disso. Mas você precisa transar para ser menos rabugento. E algo me diz que esse capitão é o que você precisa para relaxar pelos próximos cinco anos.
— E como diabos você espera que eu transe com o capitão dos bombeiros, ? O cara pode não curtir outros caras e eu só o achei atraente! — cuspiu entredentes, largando a vassoura outra vez. — Às vezes eu acho que o chupa tanto o seu pau que suga seu cérebro.
riu e desceu do balcão, pegando a vassoura e começando a ajudar o amigo que já tinha o rosto corado e o suor escorrendo por todas as partes do corpo.
me chupa muito, sim, você sabe — deu de ombros. — Mas, bem, você pode, sei lá, procurar o cara no batalhão do centro da cidade e dizer que quer agradecer. Ou sofrer outro incêndio.
— Você está se ouvindo? — perguntou de imediato, sem acreditar nas sugestões que saíam da boca do melhor amigo. — Sem condições. Eu desisto de você. Não quero mais você e seu marido na minha casa hoje à noite.
— Cara, mas é a verdade. Você só tem essas duas opções para descobrir o nome do capitão, se ele curte ou não homens e se você tem uma chance — o encarou seriamente. — E pelo amor de Deus, já não estava óbvio que eu e não viríamos para cá hoje a noite depois do pandemônio que você criou? Trate de tirar seu carro da garagem e dirigir com a Yuna até a nossa casa.

*

Quando a noite caiu, se arrumou e esperou Yuna terminar seu banho de princesa, como ela havia dito, para vesti-la com um conjunto de calça e blusa de mangas longas que dera de presente. O conjunto era todo branco com alguns detalhes prateados e deixavam a garotinha parecendo realmente uma princesa, além de muito bem agasalhada. a ajudou a pentear os cabelos curtos e, após colocar um par de brincos pequenos e um colar no pescoço perfumado, tirou uma sequência de fotos e enviou para Nayeon, que só faltou chorar ao ver a filhinha tão bonita daquele jeito.
poderia — e até preferiria — ficar admirando a filha que criava e cuidava com tanto zelo pelo resto da noite; entrar em 2020 tendo diante de seus olhos uma filha tão bonita e perfeita seria incrível, melhor que qualquer outra situação que pudesse estar. Amava aquela garota mais que qualquer coisa no mundo: Yuna era seu maior tesouro, o amor de sua vida, a pessoa que mais queria ver feliz em todo o Universo. Era, sim, um pai babão e choroso — havia um par de lágrimas rolando por suas bochechas apenas por olhá-la.
— Papai, para de chorar — a menina pediu enquanto soltava uma gargalhada gostosa e secava o rosto do mais velho com os dedos gordinhos. — Seu celular ‘tá tocando, deve ser o tio .
revirou os olhos por ter tido seu ‘momento paizão’ interrompido e tirou o celular do bolso.
— Já estou saindo de casa, , que inferno!
E com uma expressão levemente emburrada, segurou a mão de Yuna e seguiu para a garagem da casa. Infelizmente havia se rendido e aceitado ir para a casa do casal de amigos passar a noite de Ano Novo. Pelo menos teria a comida de , o meio irmão de que tinha acabado de chegar da capital e cozinhava como ninguém.
A entrada de 2020 não foi nada tão fora do habitual. Riram juntos, comeram e beberam a ponto de quase passar mal e Yuna dormiu dez minutos após a meia-noite — para a felicidade dos adultos, principalmente de e seus cabelos longos, que a pequena cismou que eram parecidos com os dela e dava para fazerem penteados parecidos. Foi uma noite tranquila, e achou que seria uma boa ideia caso dormisse ali com a filha, entretanto, os murmúrios e os sons de cama batendo contra a parede que saíam do quarto de e mostraram a ele que não havia sido boa ideia coisa alguma — mesmo que estivesse alcoolizado por conta das cervejas e dos drinks que decidira criar. No fim das contas, enrolou-se nos cobertores e em Yuna e esperou que os amigos acabassem com o showzinho particular para que finalmente pudesse dormir — tendo de aguentar os roncos de ecoando pelo quarto de hóspedes que era o único disponível para os três.

*

A primeira semana de Janeiro passou mais rápido do que esperava e o dia de levar Yuna de volta para Seul se aproximava. Ele não queria ter de se despedir da filha tão depressa, mas infelizmente era o combinado com Nayeon e não poderia falhar. Só tinha mais dois dias com a menininha e já era capaz de sentir saudade.
— Papai — Yuna o chamou de forma meiga. — Nós podemos brincar na neve?
ouviu a pergunta e espiou pela janela do quarto, vendo que a neve continuava a cair e isso fazia com que o quintal ficasse totalmente pintado de branco. E só de observar o ambiente, sentia preguiça. No entanto, não podia — na verdade, não conseguia — negar nada para a filha. Yuna havia se comportado naqueles dias ali, não quebrou nada, não trouxe nenhum animal de rua para dentro de casa — era um grande amante de animais, mas não tinha condições de cuidar de todos que via pela rua e que Yuna queria adotar —, não bateu em nenhum coleguinha e tudo o que queria naquele início de tarde preguiçoso era brincar um pouquinho na neve. Ele não tinha como negar. Sua neném merecia.
— Vamos lá, filhota.
Depois de ter a certeza que ambos estavam agasalhados o suficiente para encarar o mar de neve, saíram. Yuna logo correu para o meio do quintal, jogando-se no chão e começando a rolar pela neve, fazendo figuras com o corpo e rindo alto para o pai. apenas ria e achava fofo o fato da filha estar se divertindo tanto. Quando uma bola grande atingiu seu rosto, percebeu que não teria como fugir da garota, então apenas mergulhou nas brincadeiras.
Ficaram ali por algum tempo, até enxergar um parado em seu portão observando a cena. O amigo tinha um sorriso bonito na boca e se aproximou devagar, a fim de dar um susto na pequena Yuna que estava de costas para ele. A menina soltou um gritinho ao sentir-se ser levantada pelo padrinho e logo caiu na gargalhada, aproveitando a brincadeira que se iniciava. Era, sim, uma criança mimada — e muitíssimo amada, notava em momentos como aquele.
achava fofo demais quando chegava e via se divertindo tanto com a filha. Principalmente porque Yuna tinha o sorriso igual ao do pai, gengival, bonitinho e não parecia em nada com sua verdadeira personalidade. Ela sabia bem quando atazanar a vida alheia, assim como . No entanto, ele, como amigo, também sabia. E naquele dia em específico, já tinha um plano todo arquitetado na cabeça. Não conseguia esquecer a história do bombeiro bonitão porque não conseguia esquecer e, às vezes, ainda comentava sobre o homem. Ele precisava fazer alguma coisa, mesmo que fosse estúpido. Afinal, como dizia todas as vezes que brigavam: ele havia se tornado um adulto estúpido. Inteligente, mas, ainda assim, estúpido.
— Sabe, hyung... — começou depois de alguns minutos rolando pelo chão com Yuna, e ficou desconfiado; o amigo raramente o chamava de hyung.
— O que é que você quer, ? — perguntou sério, aproveitando que a filha estava distraída montando um boneco de neve.
— Hoje é o dia perfeito para você ir atrás daquele capitão dos bombeiros — soltou de uma só vez. — A Yuna logo vai voltar para Seul e você ficará sozinho e livre para aproveitar com um cara interessante.
— Você ainda não esqueceu essa história?
— Você não esqueceu essa história, acusou sem hesitar. — Acha que não vi seus olhares para a ‘tevê’ enquanto o cara dava uma entrevista falando sobre o incêndio terrível da semana passada? E é um ‘partidão’. e eu achamos que pode dar certo se você tentar investir.
— Você quer atear fogo na minha casa outra vez, , eu não vou fazer isso. Também não vou até o batalhão, pelo amor de Deus. Vai que o cara é casado com uma mulher e tem cinco filhos?
— E você prefere esperar até que se esbarrem pela rua por acaso?
— Acho que isso é o mais sensato…? Irmão, é sério, não faz o menor sentido. Por que vocês não podem esquecer isso? Foi só um interesse rápido. Já ouviu falar em ‘crush de resgate’? Foi quase isso, aprendi com a Stella de Chicago Fire.
— Você precisa parar de assistir essas séries urgentemente.
— É pura cultura e entretenimento. Você e que deveriam transar menos e assistir mais séries.
não respondeu de imediato, apenas encarou o amigo com uma careta esquisita demais. Se escutasse um absurdo daqueles, ele mesmo atearia fogo na casa de depois de roubar Yuna para si.
— Você sabe que o incidente na madrugada de ano novo foi apenas um deslize, certo? — perguntou. — Apenas aconteceu, não queríamos ninguém ouvindo nossa intimidade. Ainda mais você, o encalhado do grupo. Até está com uma namoradinha.
— Não estou encalhado, apenas solteiro por opção.
— Não sei mais o que fazer com você.
— Só cale a boca. Vamos para dentro fazer uma sopa e sair desse frio.
se levantou sem esperar uma resposta do amigo e gritou a filha, que estava abraçada ao seu boneco de neve. A garotinha pediu para o pai tirar uma foto para que a mãe pudesse ver e, depois de estar satisfeita com a imagem que reproduziu, obedeceu a ordem de entrar com um sorriso de orelha a orelha enquanto recebia milhares de elogios da mãe através de uma chamada de vídeo que ela mesma iniciou depois de enviar a foto.
Enquanto Yuna conversava com Nayeon, sentada na bancada da cozinha agora reformada, e cortavam os legumes e as carnes da sopa ao mesmo tempo que conversavam e recordavam a época de faculdade. Eles eram amigos desde a infância. era um moleque catarrento de uns nove anos quando chegou em Daegu com seu sotaque forte de Ilsan, e era um ano mais velho e igualmente catarrento e com um sotaque muitíssimo carregado de Daegu. Se encontraram pela rua enquanto corriam em busca de duas bolas diferentes que haviam rolado ladeira à baixo. Pegaram as bolas erradas e, assim, começaram a conversar e juntaram ambos os grupos de amigos para brincar pelas ruas do bairro. Acabaram o ensino fundamental ao mesmo tempo — já que sempre foi um garotinho inteligente e avançado, acabando por pular uma série na escola — e, sem ao menos notarem, haviam entrado para a mesma escola no ensino médio. Tiveram todas as aventuras que dois adolescentes polvorosos poderiam ter tido, e prestaram vestibular para o grupo SKY de universidades da Coreia — as três melhores, a santíssima trindade, como chamavam. Ambos foram aprovados na Universidade de Seul, a favorita, e lá conheceram , que veio se tornar o amor da vida de , e Nayeon, que foi o amor da vida de . Os casamentos de ambos os casais não demoraram a vir, sendo oficializados um ano após a graduação de todos — e infelizmente, e tiveram que fazer uma festa própria (e incrível) já que viviam em um país atrasado demais para aceitar casais homossexuais. Agora, cerca de dez anos depois, ainda continuavam firmes e fortes, um ao lado do outro, tendo encontros esporádicos e vivendo na cidade que tanto amavam — e que aprendeu a amar, já que era de Gwangju e fascinado por Seul (no entanto, havia se mudado apenas por ter recebido uma proposta de emprego que pagava quase dez vezes mais que o de Seul, e não por causa de como muitos costumavam dizer).
— Fogo! — a voz de Yuna interrompeu a conversa duradoura dos amigos, que faziam tudo no modo automático e sem prestar atenção em absolutamente nada ao redor. — Papai, fogo! — repetiu, finalmente acordando os dois adultos.
Como assim, fogo? Yuna? ? — A voz de Nayeon ecoou pela cozinha caótica, fazendo com que quase entrasse em curto circuito.
— Não, não, de novo, não! — murmurava enquanto tentava puxar um dos panos em chamas para jogá-lo sobre a pia, mas foi atrapalhado por um totalmente desengonçado que conseguiu derrubar as garrafas de vodca e uísque que compartilhavam sobre o lugar, fazendo com que a garrafa quebrasse sobre o fogo e alastrasse ainda mais. As panelas quentes foram de encontro o chão, assim como carnes e legumes semi-cozidos.
Quando se deu conta, não adiantava mais tentar jogar água porque o fogo não estava mais tão baixo, e ele só conseguia pensar no quão azarado era por estar perdendo sua cozinha pela segunda vez em menos de um mês por outro descuido.
— Bombeiros! Chamem os bombeiros! — Yuna gritou enquanto começava a correr para o lado de fora pela porta da cozinha, sendo seguida pelos mais velhos que gritavam um com o outro ao mesmo tempo em que puxavam os celulares.
Bombeiros? O que está acontecendo, Yuna? Cadê o seu pai? — Nayeon continuava a gritar através da vídeo-chamada.
— Desliga esse celular, Yuna! Depois falamos com sua mãe! — exigiu segundos antes de ser atendido na ligação de emergência.
— E se a casa explodir? — perguntou para si mesmo, em um tom alto demais, enquanto observava o estado caótico que a cozinha se encontrava.
Explodir? O que diabos vai explodir? — A voz de Nayeon fez-se presente novamente, e tomou a liberdade de puxar o celular da mão da pequena Yuna e encerrar a chamada. Lidariam com a amiga depois. E esperava que não perdesse o direito de ver a filha, assumiria a culpa do acidente se necessário.
Tão rápido quanto na primeira vez, o caminhão dos bombeiros chegou na residência de . O furdunço havia atraído a atenção de alguns curiosos, mas começaram a dispersar logo que notaram que se tratava de algo simples e que se repetia num curto intervalo de tempo. Não surpreendia ninguém da vizinhança que estivesse envolvido em algo do tipo. Não que ele se metesse em incêndios todos os dias, porém, bem, era , o cara que dormia com a casa toda aberta sem perceber, que esquecia o gás ligado e que já havia cansado de assustar a todos porque ficou trancado em seu escritório enquanto tinha um bolo ou frango no forno. Seria cômico, se não fosse trágico.
— Eu disse para você não se distrair — murmurou. — Foi planejado? Você estava querendo me sabotar?
— Com licença? — encarou o amigo. — Você acha que eu faria algo assim sabendo que: 1) iria prejudicar nossa janta; 2) com a Yuna presente e 3) só para sabotar você que já tem a vida sabotad
— Não seja idiota! — quase gritou, enquanto assistia a cena do dia 31 de Dezembro se repetir. — Você passou o dia dizendo que queria atear fogo na minha casa outra vez só para atrair o corpo de bombeiros!
— Sim, mas não quer dizer que eu planejei sabotar a porra do jantar! — rebateu e empurrou o amigo. retribuiu o empurrão. E Yuna apenas assistia toda a cena, olhando de um para o outro, sem entender o porquê de estarem se estapeando feito duas crianças bobas enquanto o capitão do corpo de bombeiros encarava-os extremamente curioso sobre tudo o que acontecia ao redor.
Um pigarro ecoou pelo ambiente, e só então e pararam de trocar tapas, empurrões e socos infantis.
— Está tudo bem, não precisamos fazer muito. Não foi um incêndio grave. Aliás, foi mais tranquilo que o da outra vez — o capitão disse devagar, de forma suave, quando recebeu a atenção dos dois adultos, que ainda insistiam pisar um no pé do outro de forma não tão disfarçada.
— Muito obrigado, capitão, e desculpe todo o incômodo, eu fiquei um pouco assustado — se explicou, tentando ser o mais educado e tranquilo possível; mas a beleza do capitão ainda mexia com sua cabeça. — E sabe como é, com crianças em casa, é sempre bom prevenir e não tentar apagar por conta própria.
O capitão sorriu simpático e agachou em frente à Yuna.
— Aposto que foi você quem revelou que o incêndio aconteceu — disse, puxando outro pirulito do interior da roupa grande e pesada.
— É claro, eles dois só sabem brigar — Yuna respondeu um tanto emburrada, mas aceitando o doce. Pirulitos eram sempre bem-vindos.
O capitão encarou os adultos de forma esquisita. Na verdade, toda aquela situação era esquisita. O dono da casa, , lhe soava um tanto quanto misterioso. A expressão sempre controlada e tranquila, mas, no fundo, sabia que ele estava em total surto e não conseguia entender o motivo de toda aquela zona. Ouviu dizer de alguns vizinhos fofoqueiros que situações estranhas como aquela sempre aconteciam; e estava começando a ficar receoso em relação à garotinha.
hyung — uma voz conhecida ecoou pelo espaço e fez com que o capitão se erguesse e se virasse em direção à voz, assim como e com expressões chocadas. — Está tudo certo, foi apenas um acidente doméstico e não danificou nada, era até mesmo algo simples de resolver. Foi apenas um susto.
?! — e gritaram em uníssono, enquanto Yuna sorria e corria em direção ao mais velho, abraçando-o pelas pernas.
— Sabia que você era um herói! — Yuna disse alegre, sem se importar se seus pés afundavam cada vez mais na neve fofa. riu e a pegou no colo com carinho, indo em direção ao seu superior e aos amigos.
— Vocês se conhecem? — o capitão perguntou um tanto quanto confuso.
— Ah, sim, é o meu cunhado, o engenheiro inteligente sobre quem te falei — explicou. — E este é , melhor amigo dele e um produtor musical genial. Ele dá aula aqui na universidade de Keimyung.
— Ah… Prazer em conhecê-los, sou , capitão do 52° batalhão do corpo de bombeiros de Daegu — o capitão sorriu, tentando ser simpático. — Não sei se é uma boa circunstância para apresentações, mas… — deixou a frase no ar.
ainda estava chocado por estar ali. Em sua mente, aquilo não fazia o menor sentido. Não lembrava do garoto ser bombeiro. Não seria possível ter se esquecido de algum comentário de , não é? Não, não podia ser, também estava confuso com a aparição do rapaz ali.
Entretanto, ao olhar para o melhor amigo, o notou pálido e sem fala. Conhecia aquela reação. ficava daquela forma quando mentia ou quando se esquecia de algo importante. E bastou que percebesse o olhar sobre si para que saísse dos arredores com um murmúrio xoxo de “com licença”. também se apressou em pegar Yuna do colo do cunhado e fuzilá-lo com os olhos. , no entanto, apenas se despediu de Yuna e acenou para , logo indo de encontro aos companheiros de trabalho no caminhão.
, porém, continuou parado de frente para , fitando-o com curiosidade.
— Que dia, né? — o capitão murmurou, enfiando as mãos nos bolsos do macacão.
— É… — engoliu a seco e mordeu o lábio inferior. — Olha, sei que isso tudo soa muito estranho, mas realmente não foi um incêndio proposital. Eu e meu amigo estávamos conversando e acabamos nos distraindo.
— E a sua filha? Ela estava por perto?
— Sim… Ela quem enxergou o que estava acontecendo — respondeu envergonhado, sentindo as bochechas corarem. — Mas, juro, eu cuido muito bem da minha princesa. Acidentes acontecem, e ela é minha prioridade sempre. Assim como da outra vez, fiz de tudo para tirá-la bem de casa. A propósito, logo ela estará voltando para a casa da mãe.
— Entendi… — fitou o céu por alguns segundos, deixando que os pequenos flocos de neve caíssem em sua testa. — Bom, tente tomar mais cuidado a partir de agora. Já que estará sozinho, sabe? Sua filha não vai mais poder salvar sua pele.
— É, eu vou tentar… — coçou a nuca, ainda sem jeito. — Aliás, -ssi… Vocês precisam escrever relatórios sobre os resgates, não é?
— Sim, precisamos.
— Ah… É que… Bom, eu sou divorciado da mãe da Yuna e… Não sei, dependendo de como vocês relatarem o que aconteceu aqui, eu posso ter algum tipo de complicação em relação à guarda compartilhada da minha filha?
deu uma risada fraca, entendendo onde o outro queria chegar. Compreendia a situação, mas também não queria cogitar ter de mentir para salvar a pele de um desconhecido que vivia ateando fogo na própria casa. Embora sentisse o coração doer com aquela possibilidade, por saber o quão importante seus relatórios eram por menores que os casos fossem, não pretendia mentir sobre nada. Relataria o que havia visto e era isso. Porém, quando fitou novamente, pôde enxergar o amor e carinho que seus pais sempre tiveram consigo. Pais também erravam, e muito, sabia. Então, automaticamente, acabou se compadecendo com a situação do homem à sua frente. Conversaria com seu mais novo recruta assim que tivesse oportunidade. parecia conhecer bem aqueles homens e era apegado à Yuna também.
— Você não vai perder a guarda da sua filha, -ssi — sorriu. — Acidentes acontecem, certo? Você mesmo disse. É isso que irei relatar, assim como meus bombeiros, caso necessário. Estamos um pouco cansados e sobrecarregados, acredito que ouviu falar sobre o incêndio da semana passada. Ainda estamos ocupados com toda a investigação e papelada… Às vezes, casos simples e de acidentes domésticos como o seu, sequer chegam a ser documentados. O primeiro talvez já esteja com os responsáveis acima de mim. Mas este… Acho difícil que se desenvolva; ele se assemelha a salvar um gatinho de uma árvore.
— Entendi. Muito obrigado, capitão. Fico mais tranquilo. Ouvi dizer que processos de incêndio sempre são muito bem avaliados para evitar repetições.
— Sim, são, sim. Mas fique tranquilo.
— Certo. Obrigado mais uma vez.
apenas retribuiu o sorriso que lhe era direcionado e virou-se para ir embora. Contudo, após alguns passos na neve fofa, voltou-se para com uma expressão esquisita no rosto bonito. Parecia em dúvida sobre o que falar. A verdade era que o capitão estava curiosíssimo em relação a ; ele parecia um cara legal e inteligente, apesar de também parecer doido. Era seu estilo de, no mínimo, amizade. Além de, é claro, ainda desconfiar de como o professor tratava a própria filha. A maioria dos predadores de crianças tinham uma carinha inocente. Ao menos era isso que tentava colocar na própria cabeça para explicar seu comportamento esquisito diante daquele homem. Já havia falado sobre relatórios do corpo de bombeiros, incêndios que investigava, crianças e, o pior de tudo: pegou-se admirando-o desde a primeira vez que o vira. Isso não era legal e o deixava ainda mais confuso.
— Você é amigo do cunhado do há muito tempo? — perguntou, por fim.
— Sim, desde criança — respondeu sem hesitar. — Sou amigo do irmão do , mas desde a faculdade.
— Ah. — sorriu, voltando a ficar sem jeito. É claro que ele era um amigo íntimo do casal, e é claro que ele sabia que o cunhado de era casado com um homem; e é claro que ele normalizava aquela situação e deixava a filha à vontade com e provavelmente com seu marido também. era, no mínimo, um homem de mente aberta e sem preconceitos.
— Juro que somos confiáveis, capitão, você pode perguntar ao .
— Oh, não é isso, não… — corou até às orelhas, e agradeceu por estar vestido com o uniforme grosso e grande dos bombeiros, que, além de esconder por completo seu corpo, escondia seu rosto quase totalmente também. — Desculpe se pareci invasivo ou desconfiado. Eu só… — pausou e respirou fundo, fechando e abrindo os olhos em seguida. — Você gostaria de sair para jantar qualquer dia? Me interesso bastante por produção musical, seria legal se pudéssemos conversar sobre.
E era isso, , apesar de tudo, queria chamar para um jantar. Não o conhecia, só o havia visto duas vezes, mas achou interessante. Sabia que pelo menos uma amizade poderia sair dali, e poderiam rir junto de e seu irmão e de toda aquela confusão.
sorriu para ele, tentando não parecer tão sem jeito quanto realmente estava e se preparou para responder, mas o toque alto do seu celular atrapalhou a conversa ao mesmo tempo em que gritava por novamente, informando que já haviam terminado e que tudo estava sob controle na residência do .
— Nayeon. Por favor. Pare de gritar. Não houve incêndio coisa nenhuma. A Yuna estava equivocada. Por favor, me deixe falar. Cale a boca, Nayeon. Pare de ameaçar tirar a Yuna de mim. Era apenas um pano de prato pegando fogo e o destruindo o resto da minha cozinha. Pare de falar um segundo — pausa. — Quem diabos te falou do acidente do dia 31? Eu vou matar o ! Não, Nayeon! Está tudo bem. Eu juro! Por favor, estou ocupado. Te ligo depois. Te amo.
riu baixinho do diálogo sem mesmo precisar ouvir o outro lado da chamada. Nayeon era a mãe de Yuna, deduziu, e estava preocupada.
— Eu aceito jantar com você, capitão.
entrou em casa com uma expressão diferente. Estava dividido entre ficar feliz e se sentir traído. No fundo, achava que tinha armado todo aquele circo, mas, ao mesmo tempo, achava que não. E estava feliz demais por ter o número do capitão em seu celular e um jantar marcado para dali a uns dias, quando estivessem disponíveis.
— E aí, está encrencado? — perguntou baixo, enquanto continuava arrumando a zona da cozinha. Yuna estava distraída em outra chamada de vídeo com a mãe na sala, quietinha.
— Nem um pouco, meu amigo. Agora, você…
— Ah, não, hyung, não vem com essa. Juro que não baguncei a cozinha de propósito. Foi acidental, você viu, confirmou, o capitão não vai te denunciar por nada e tudo está certo.
— E desde quando o é recruta do corpo de bombeiros e por que você não falou nada, estrupício?
— Eu não sabia! — se defendeu. — Quero dizer… Eu esqueci, de verdade. Estava muito ocupado com o trabalho, volta do recesso e tudo mais. Você sabe como é. Mas você ficou um tempão conversando com o capitão, o que aconteceu?
— Ele estava um pouco desconfiado em relação a mim e à Yuna — deu de ombros. — Mas, depois do pseudo sermão, ele me convidou para jantar. Aparentemente, ele tem um certo apreço por produção musical e quer conversar sobre isso. Sei lá, meio que quer ser meu amigo e falar sobre meu trabalho.
— Caralho, você é muito sortudo! O cara está te dando ‘maior mole’!
— Ele só me chamou para jantar e falar sobre música, .
— É claro, porque qualquer bombeiro vai apagar um incêndio numa casa pela segunda vez, vê um cara estranho, desconfia dele e chama para sair para papear sobre música e trabalho comendo uma comidinha gostosa. Com certeza, isso é super normal. Ele não tem interesse nenhum em, no mínimo, enfiar a língua na sua boca.
— Isso não importa. O fato é que você sabia que seu cunhado trabalha com ele, não disse nada e ficou agindo feito um maluco querendo atear fogo na porra da minha casa!
— Se eu não tivesse esquecido esse pequeno detalhe sobre o , o capitão não teria vindo aqui hoje. Veja pelo lado bom: você ao menos tem um encontro marcado. Se eu tivesse contado, você provavelmente teria arruinado tudo logo que eu conseguisse o número dele.
— Na moral? Vai se foder, ! Ele só veio porque você ateou fogo na cozinha!
— Vai você, cara! Não sabe lidar com a verdade! Já falei que não foi minha culpa!
— Vai para a puta que o pariu!
E passaram o resto do dia discutindo e arrumando a casa. Além de, é claro, terem tido que pedir pizza para acalmar os ânimos de Yuna, que, de repente, ficaram muito descontrolados.

*

Os dias voaram, para a infelicidade de . Logo que seus dias com Yuna se encerraram, ele teve de partir em direção à Seul com a pequena, para deixá-la sob os cuidados de Nayeon e a buscaria dali longas três semanas, que era o tempo que precisava para finalizar seus projetos em andamento. Aproveitou a filha ao máximo, e ainda chorou feito um garotinho na hora de se despedir — sentiria muita falta de ver Yuna todos os dias. Antes de ir embora outra vez, Nayeon, é claro, se responsabilizou por dá-lo um grande sermão a respeito dos incêndios que tanto tentara esconder. ainda tentou se defender, mas não teve jeito, Nayeon estava inspirada naquele dia. No fim das contas, acabaram abraçados e agradecendo pela presença um do outro em suas vidas e todo o carinho que nutriam por Yuna. entendia que todo o sermão de Nayeon era por pura preocupação, ele realmente entendia, então escutou quieto e permitiu-se apenas se desculpar e dizer que a amava, assim como amava Yuna, e que nunca deixaria algo como aquilo se repetir.
Logo após o almoço, já estava a caminho de Daegu, pensando na mensagem que recebeu do capitão :

“Podemos nos encontrar amanhã à noite?”


sentiu o coração palpitar e algo em sua barriga estava girando sem parar, deixando-o levemente enjoado e ansioso. Respondeu:

“Claro que podemos, estarei livre às 19 horas.”



A verdade é que não estaria livre coisa nenhuma, mas não poderia perder a oportunidade de sair com aquele cara. Mesmo que fosse para falar sobre música e seu trabalho; precisava se distrair, e era um homem agradável. Haviam trocado mensagens durante aqueles dias todos e era bem legal, ele sequer parecia o bombeiro ocupadíssimo de sempre, porque o respondia em poucos minutos, além de puxar muitos assuntos aleatórios também. Era interessante e engraçado. Tudo que mais prezava numa pessoa, principalmente para uma amizade. E era isso que estava conquistando naqueles dias: sua amizade. O que acontecesse depois seria mero brinde, um extra que ele aproveitaria demais, é claro, mas, ainda assim, um brinde.
A quem queria enganar? Ele queria aquele brinde. Mais do que tudo. Desde a primeira vez que vira aquele homem — e, céus, que homem!
Quando chegou em casa, fez questão de adiantar todos os trabalhos que tinha acumulado, a fim de realmente ficar livre no horário certo no dia seguinte. Trocou algumas mensagens com a filha naquele meio tempo e com os amigos, contando logo a novidade — o que fez com que se arrependesse imediatamente ao receber uma enxurrada de emojis vindo de , além de vários “ele está a fim de chupar sua língua!” de , e , que fora adicionado ao grupo recentemente, apenas enviou uma risadinha e um bichinho que não entendeu o porquê, mas deixou para lá.
O dia seguinte não demorou a chegar, mas demorou a passar. estava ansioso, não negava, fazia certo tempo que não saía com alguém — mesmo que para apenas uma amizade, o que não era o caso, ele sabia e fez questão de deixar bem claro durante as conversas seguintes. Aquele não era seu primeiro encontro, já tinha tido tantos que sequer poderia contar — tanto com homens quanto com mulheres. Ainda assim, a ideia de encontrar com um homem do porte de o deixava nervoso.
Embora não quisesse assumir, aqueles poucos dias de conversa foram o suficiente para perceber que eles combinavam em várias coisas, até naquilo em que não concordavam. No fim, acabavam dando risadas de tudo e ligavam um para o outro porque, de acordo com — ou melhor: , como insistia ser chamado —, eram velhos demais para aquele negócio de mensagens de texto e mandar áudio e esperar minutos por uma resposta era agoniante e chato. Então, acabavam em ligações de horas de duração todo fim de tarde ou noite, quando encerrava o expediente no batalhão e conseguia dar uma pausa nos projetos.
O grande dia chegou e às 19 horas em ponto, já estava em frente ao restaurante que combinara de encontrar o capitão. Ele já estava lá, trajando roupas claramente caras e de grife. Calças e sapatos pretos, uma camisa branca de gola alta e um sobretudo cinza por cima. Além de óculos de grau com armação grossa e os cabelos perfeitamente penteados para trás, deixando a testa bonita à mostra.
sentiu-se ir ao céu e voltar apenas com aquela visão. Não que ele estivesse feio, pelo contrário, gostava do inverno justamente porque podia sempre andar muito bonito, como costumava dizer. Também usava óculos de grau e sobretudo, porém preto, assim como a blusa de lã que vestia por baixo. As calças eram um jeans claro e apertado que valorizava suas pernas bem desenhadas, e nos pés calçava tênis brancos. Estavam complementares, de certa forma.
— Boa noite, cumprimentou cortês.
— Boa noite, sorriu.
— Vamos? Já fiz nossa reserva.
— Claro!
Entraram no estabelecimento e imediatamente se sentiram acolhidos de uma forma sobrenatural. Era um restaurante bonito e pequeno, aconchegante, que servia comida caseira. Assim que se sentaram, já fizeram os pedidos.
Diferentemente do que tinha achado — por pura insegurança —, a conversa fluiu bem. Falaram sobre trabalho, sobre crianças, sobre casamento, família, amigos e tudo o que vinha à cabeça. Quando a comida e as bebidas foram servidas, tudo pareceu ficar ainda melhor. Os pratos estavam deliciosos, o vinho que escolhera era incrível e finalizaram com várias doses de Soju. E foi aí que as coisas desandaram levemente.
O estágio de flerte se iniciou fortemente, e sentiu-se arrepiar ao ouvir o tom sussurrado da voz suave de . O olhar que o capitão lançava transbordava malícia, mas com uma pitada de respeito por trás, como se ainda não soubesse ao certo como investir. Não haviam falado sobre sexualidade nem nada do tipo; as coisas simplesmente rolaram, e não era como se fossem dois garotos inocentes que não sabiam das reais intenções por trás daquele jantar.
— Eu te achei um homem muito atraente logo de primeira — tomou coragem, finalmente colocando para fora um pensamento que o atormentava. — Mas meu maior erro foi comentar com , o cunhado de . Ele insistia em dizer que eu deveria ter ido ao seu batalhão ou ter ateado fogo em minha casa novamente.
riu alto, com sua risada esganiçada e que passou a achar tão fofa ao longo da noite.
— Então, quer dizer que seu segundo incêndio foi proposital? — perguntou.
— Acabei de dizer que te achei atraente à primeira vista e você me questiona sobre aquele maldito incêndio?
— É óbvio! — riu mais uma vez. — Preciso saber se não estou flertando com um psicopata.
— Te garanto que não está. Só sou um mero professor de uma universidade renomada e com um punhado de amigos em quem não posso confiar, porque eles só pensam em, literalmente, botar fogo na minha casa. Aliás, o incêndio não foi proposital. e eu estávamos cozinhando e nos distraímos ao relembrar alguns momentos da vida.
— Acredito em você, . Sei que é uma boa pessoa. Brincadeiras à parte, também te achei um belo homem logo que o vi. Não tem como não achar, para falar a verdade, você é muito bonito. Agora, depois de conversar contigo por horas, sei que também é inteligente e engraçado. Quase um combo perfeito.
— Só quase? — perguntou enquanto escondia um sorriso tímido.
— Sim, quase — se aproximou um pouco mais, ficando ao lado do outro. — Para ser um combo completo, só falta ter um beijo bom.
— Aí, capitão, você terá de provar para saber.
— Eu espero que possa provar ainda esta noite, professor .
riu um tanto sem jeito, jogando a cabeça para trás e escondendo o sorriso com a mão grande. o acompanhou nas risadas, sem tirar os olhos de seu rosto.
achava muito bonito. A pele branca, o cabelo escuro, os detalhes do rosto, o formato dos olhos, os dentes pequenos, o sorriso gengival, o corpo esguio, tudo. Poderia ficar horas e horas apenas o olhando, porém, queria e precisava provar de seu beijo naquela noite. Os lábios cheinhos chamavam sua atenção, precisava saber se eles tinham um gosto tão bom quanto aparentavam.
— Acho que perdi a prática do flerte, murmurou sem jeito, mas sorrindo.
— Para mim está ótimo assim, . Não é como se eu fosse o homem mais experiente do mundo, apesar da idade. Sou muito reservado.
— Por causa do trabalho?
— Não, porque faz parte da minha personalidade mesmo. Gosto de conhecer as pessoas antes de tentar qualquer coisa, mas com você está sendo diferente. Nos conhecemos há apenas alguns dias e já me sinto perdidamente encantado. Não quero perder tempo, nem esconder o que sinto.
— Acho que é melhor pedirmos a conta, antes que eu o beije aqui mesmo e cause um imenso desconforto nas pessoas deste restaurante.
— Eu também acho.
Após dividirem a conta, seguiram caminhando em direção à casa de que era a mais próxima. Poderiam ter pedido um táxi, mas acharam melhor caminhar. A neve ainda banhava a cidade e tudo parecia mais bonito. A decoração de Natal ainda se fazia presente em alguns estabelecimentos e algumas casas, o que dava um contraste bonito em meio àquele branco todo.
A caminhada não demorou mais do que vinte minutos, mas as roupas de ambos ficaram repletas de flocos de neve. Ao chegarem à casa de , adentraram o quintal vazio e ficaram por ali, rondando o local enquanto conversavam. Não queriam entrar, o clima frio os deixava à vontade, mesmo que dentro de casa houvesse aquecedor e bebidas quentes.
De repente, entre uma conversa banal e outra, sentiu um punhado de neve bater contra seu peito. E só então percebeu que iniciava uma pequena guerra de bolas de neve, que foi aceita com muito afinco. adorava aquele tipo de brincadeira, já que passava horas com Yuna fazendo aquele tipo de travessura — e não se importava se sempre acabava com um resfriado, normalmente valia à pena.
Retribuiu com uma bola maior, quase acertando o rosto de . Quando se deram conta, corriam pelo quintal feito duas crianças, rindo e tentando acertar um ao outro com neve e cócegas quando ficavam mais próximos. E como num filme clichê, tropeçou nos próprios pés e foi de encontro ao chão, levando consigo. No entanto, ao contrário do clichê, caíram embolados e não bonitinhos um por cima do outro. Bateram as cabeças uma na outra e, em seguida, contra a neve do chão.
E ficaram ali rindo, em gargalhadas altas que provavelmente incomodavam os vizinhos e nenhum dos dois parecia se importar. Feito duas crianças, rolaram pela neve, sujaram suas roupas e riram ainda mais. Pareciam embriagados, mas estavam sóbrios. Talvez levemente alterados por conta do álcool ingerido no restaurante, mas, ainda assim, sóbrios. Sabiam o que estavam fazendo e queriam aquilo. Era leve e divertido, e há anos nenhum dos dois tinha uma experiência parecida. Estava sendo bom, novo, gostoso e revigorante. Estava deixando com vontade de irem além, de aproveitarem mais, de se manterem juntos o máximo de tempo possível, por mais assustador que parecesse. Se sentiam conectados.
— A proposta de provar o meu beijo esta noite ainda está de pé? — perguntou baixo, logo que se acalmaram das risadas.
— Sim — respondeu enquanto o olhava, deitando-se ao lado de .
— O que está esperando, então, capitão?
— O seu pedido, professor.
sorriu e virou de lado, sem se importar se a neve estava lhe causando um frio imenso naquele momento. Esperava que o beijo e o calor de o esquentassem — sabia que iriam.
— Me beije, .
Ele não precisou pedir outra vez, assim como não obteve uma resposta verbal. No segundo seguinte ao pedido, os lábios grossos de encontraram os seus e tomaram-nos para si. O beijo foi calmo e doce, com uma pitada de vinho. Suave, como havia imaginado, e gostoso, mas muito gostoso mesmo, como esperava.
Não se importavam com a chuva de flocos que começou a cair sobre seus corpos jogados no chão, não se importavam com o frio; nada. Suas bocas coladas, os corpos próximos de forma íntima, o momento e as mãos frias tocando os corpos alheios, isso importava. O frio era apenas um detalhe, as condições em que estavam também. Sentiam-se aquecer aos poucos.
— Seu beijo é bom — sussurrou contra a boca de , já avermelhada. — Agora tenho certeza de que você é o homem perfeito.
não soube o que responder, nem precisava. Apenas permitiu que sua boca se moldasse à de novamente, iniciando um outro beijo. Em um segundo, sentiu que seu 2020 estava completo. No outro, teve certeza. Não queria se desprender de , mesmo que fosse cedo demais. E sabia que ele continuaria ao seu lado, nem que para isso um outro incêndio fosse causado.
sempre estaria ali para salvá-lo.





Fim



Nota da autora: Sem nota.



Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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