Se você já assistiu aquele filme sobre a seria patética, filha de Triton, que se apaixona por um humano e troca a vida de sereia pela chance de viver “felizes para sempre” ao lado dele, você provavelmente já me conhece.
Como todo filme de mocinha, sempre há um vilão, e daquela vez eu fui a escolhida. Afinal, alguém precisava fazer o papel da bruxa má, que tenta a todo custo atrapalhar os planos da mocinha sem juízo. Porém, esse foi o papel que colocaram em mim, já que eu nunca fui a vilã da história...

Eu, Irina, era uma das mais belas sereias dos sete mares. Cobiçada por muitos, minha família torcia para que eu fosse agraciada com um bom casamento para que nossa condição na sociedade subaquática melhorasse.
O que eles não sabiam era que outro ser das águas já havia conquistado meu coração.

Como o próximo na linha de sucessão ao trono, o príncipe Triton era o mais disputado dos pretendes, ainda mais depois do boato de que ele precisava escolher logo uma noiva. Muitas eram as jovens que vinham dos mais distantes reinos em busca da mera possibilidade do jovem príncipe admirá-la a distância. (Pobres tolas!)
Dono de um físico invejável, um cabelo castanho comprido, que chegava até pouco abaixo dos ombros, e levemente ondulado e um sorriso encantador, era quase impossível não se apaixonar pelo príncipe herdeiro depois de uma simples troca de olhares, e foi isso que aconteceu comigo. Assim que meu olhar pousou sobre Triton, anos atrás, em um dia de aula qualquer, eu tive certeza de que ele seria a minha ruína. E qual não foi a minha surpresa quando ele caminhou até mim e perguntou meu nome, assim que se sentiu observado por tempo demais?
- Sou Irina. – Respondi, colocando uma mecha de cabelo para trás, sem graça.
- Triton. – Ele respondeu.
- Eu sei. – Respondi no automático, sentindo minhas bochechas corarem e ouvindo ele rir de leve logo depois.

Aquele momento, caro leitor, foi o início da minha desgraça, e eu devia ter percebido.
Triton e eu fomos nos aproximando cada vez mais com o passar dos dias, graças aos esforços dele, até o dia que ele me chamou para sair. Sendo membro da família real, nosso encontro precisava ser às escondidas, uma vez que um escândalo nos envolvendo era tudo o que eles não precisavam. Um encontro virou outro, que virou outro, que virou outro... quando percebi, eu tinha um namorado às escondidas e as três palavras que todo apaixonado teme dizer haviam saído da minha boca, em uma ida ao cinema em uma tarde de domingo.
Era estranho não poder ter momentos de afeto público com Triton, mas a boba apaixonada que eu era aceitava até mesmo isso. Em meio a juras de amor trocadas sobre o luar, eu me sentia a mais sortuda das garotas. (Patética!)
Até o dia em que percebi que meu maior pesadelo havia se tornado realidade: o jovem príncipe havia feito uma declaração pública de que estava à procura de uma noiva.
Naquela noite, meu mundo caiu. Parte de mim, a parte tola e apaixonada, é claro, queria acreditar que ele me escolheria, ignorando todo o descontentamento que geraria na corte e em seus pais. Porém, foi minha mãe que me trouxe de volta à realidade.
- Agora que o boato se confirmou, quem sabe você para de brincar de faz de conta com o príncipe e passar a esquecer ele e a focar em outra coisa mais importante, como arrumar um noivo. – Minha mãe disse, depois de desligar a televisão e para em frente a ela, de braços cruzados e olhar severo.
E ela tinha razão. Eu precisava colocar em minha cabeça que sereias fora da alta sociedade nunca se tornam princesas e cumprir com o dever com minha família, arrumando um bom casamento.
Naquela noite, quando eu estava prestes a dormir, ouvi um barulho em minha janela, como o de conchas sendo arremessadas na mesma. Caminhei até a mesma e a abri, encontrando Triton escondido em meio à penumbra do andar inferior. Assim que me viu, ele sorriu sem graça e fez sinal com a mão para que eu descesse. Contrariada, mas decidida a dar um basta naquilo, atendi a seu pedido.
- Pelo seu olhar, imagino que viu meu pronunciamento... – Ele disse, assim que parei a sua frente, coçando a nuca, sem jeito.
- E há alguém em todo o reino que não? – Respondi rispidamente, deixando-o ainda mais constrangido.
- Em minha defesa, foram meus pais que me obrigaram.
- Você não pareceu questionar tal decisão, muito menos estar contrariado, enquanto sorria para as câmeras e repórteres mais cedo...
- Você sabe que eu te amo.
- E você sabe que isso aqui, nós, nunca daria certo, muito menos iria durar. Precisamos colocar um ponto final nisso. – Falei, começando a me distanciar e quase me virando para voltar para dentro de casa.
- Nós podemos esquecer todo o resto e fugir, ir para um lugar onde nada mais importaria, somente nós e nosso amor. – Triton diz, vencendo a pouca distância que eu havia colocado entre nós e ficando com o resto a centímetros do meu, me olhando nos olhos.
- Não finja que estaria disposto a essa loucura. – Eu o repreendo.
- Por você, eu faria. – Eu diz, segurando um de meus pulsos, me encarando mais intensamente, sério.
- Não faria, não. Você sempre deixou claro que sua família e a coroa eram o que mais lhe importava.
- Isso foi antes.
- Não minta para mim. – Digo, puxando meu pulso e me virando em direção a minha casa.
Em dois segundos, Triton deu a volta a nado em torno de mim e se posicionou novamente à minha frente.
- Me dê três dias! Em três dias, me encontre nos portões da muralha, à meia noite. Leve só o que precisar, o restante compramos depois. – Ele me deu um selinho rápido, antes de sair nadando apressado, nem me deixando contrariá-lo.

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Três dias nunca passaram tão devagar, e a cada minuto percorrido mais ansiosa eu estava. Ainda me parecia loucura tudo aquilo, principalmente a ideia de Triton largar tudo por mim, mas, naquela época, eu apenas conseguia ouvir meu eu emocional e acreditar que ele realmente faria aquilo.
Conforme a hora passava e meia noite se aproximava, mais inquieta eu me sentia. E quando o relógio marcou 23:50, saí de casa, tentando não fazer barulho e nem chamar a atenção, levando uma pequena mala apenas com o necessário, conforme Triton havia pedido.
Meia noite chegou e lá estava eu, no local combinado, escondida, esperando, com o coração tão acelerado que parecia querer sair de meu peito.
Meia noite e meia veio e eu continuava lá, esperando... Assim como quando olhei no relógio da praça central e vi que já passava de uma da manhã.
Quando já haviam se passado quando duas horas desde que eu estava esperando lá, decidi que era tempo demais para ficar esperando e fui até o castelo, tentar descobrir se havia acontecido algo.
Toda minha ansiedade havia dado lugar à tensão. E se Triton tivesse sido pego? Certamente o rei e a rainha ficariam furiosos e colocariam a culpa toda em mim, alegando que eu teria corrompido o jovem príncipe. Porém, assim que me aproximei dos portões do castelo, minha tensão começou a se dissipar e a dar lugar à fúria, à medida que era possível ouvir música alta, festiva e ver inúmeras luzes acesas no local. Escondida entre as algas do jardim real, pude ver Triton aos beijos com uma sereia ruiva, que julguei ser a filha do rei do mar leste, com o qual nosso rei tentava a todo custo fazer um acordo havia tempos. Exibindo sorrisos à multidão da festa, os pombinhos acenavam, à medida que se dirigiam para a carruagem real, provavelmente rumo à lua de mel.
Vida longa aos noivos! a multidão gritava, comemorando, transformando todos os sentimentos dentro de mim em ódio.
Eu havia sido enganada.
À medida que a carruagem real se afastava, mais o ódio em mim crescia, consumindo todo o meu ser. Quando Triton a beijou novamente, dessa vez um beijo mais intenso, visto que estavam já afastados de todo o público, senti algo se expandir dentro de mim e uma força sem igual tomar conta de todo o meu corpo. Não demorou muito para que meu exterior mudasse, enquanto uma explosão mágica acontecia à minha volta.
Triton havia despertado em mim algo extremamente raro: poderes mágicos.
Soltei uma risada alta e maléfica, que ecoou por longas milhas e assustou peixes e outros seres subaquáticos, fazendo-os nada às pressas para se esconderem.
A magia agora era parte de mim e eu me sentia mais completa do que já fui.

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Anos se passaram. Com minha mudança de aparência e os novos poderes, abandonei o nome Irina e me tornei Úrsula, e eu nunca mais tive qualquer contato com Triton. Não que isso significasse que eu não sabia mais nada sobre ele, pelo contrário. Graças aos meus fieis lacaios, eu sabia sobre cada movimento do atual rei; soube sobre sua coroação, sobre a morte de sua rainha (um deleite aos meus ouvidos fora essa notícia, diga-se de passagem. Imaginar a tristeza que ocorreu fora... maravilhosamente prazeroso) e sobre o nascimento de cada uma de suas sete filhas.
Enquanto ele brincava de casinha de luxo em seu castelo, eu me tornava uma grande e poderosa bruxa, descobrindo uma fonte inigualável de poder nos corações infelizes, como eu. Afinal, o que pode ser mais poderoso do que o desejo de mudar algo por alguém, do que a falsa esperança do “felizes para sempre” caso algo seja diferente? Claro que, uma vez assinado o contrato do feitiço, meus lacaios faziam de tudo para que o prazo da pessoa para conseguir seu “felizes para sempre” se esgotasse sem que ela realmente o obtivesse e logo sua alma vinha para mim, se tornando, assim, uma linda decoração ao meu “jardim” e um intensificador de meu poder.

Agora, imagine qual foi minha felicidade quando a princesa mais nova, a desmiolada da Ariel, clone de sua mãe esteticamente falando e dona de uma voz única em todo o reino, apareceu em minha casa, desejando pernas... Ai, corações infelizes... O desejo ardente da princesinha pelo humano a fez ignorar qualquer regra imposta pelo pai, especialmente a de nunca sequer passar perto de minha casa. E foi nesse desejo que eu vi a minha oportunidade de me vingar de Triton e de todo o sofrimento que ele havia me causado.
Ariel seria minha para sempre, e Triton pagaria caro por ter me humilhado.

Nota da autora: OLÁÁÁÁ!
Espero que estejam bem e que tenham gostado pelo menos um pouquinho dessa short.
Sempre achei que a Úrsula devia ter um passado triste e me vi na vontade de escrever algo sobre.
O final foi esse, porque sabemos como o filme acaba, certo?

Me contem o que acharam nos comentários, por favor, o feedback é bem importante!
Milhões de beijos, Ma

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