Finzalizada em: 29/01/2020

Capítulo 1 - Valentine, a que odeia Valentine's Day

Sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020, 8h20 A.M.

A data marcada no visor do despertador afirma: amanhece em Nova York o dia mais romântico do ano. O dia das juras eternas de amor, das flores e chocolates entregues de presente, dos restaurantes chiques lotados de mesas para dois, dos balões e cartões em formato de coração.
É Valentine’s Day.
Dava quase para sentir o cheiro do sentimento de amor que pairava no ar da cidade naquela manhã. Uma sensação sufocante, na opinião dela.
Para noventa e nove por cento dos novaiorquinos, 14 de fevereiro é o dia do amor. Mas, para Valentine Scott, esse é o seu aniversário. O dia mais irônico e emblemático da sua existência.
Sim, Valentine havia nascido no Valentine’s Day. Quando a tiveram, seus pais acharam que seria criativo fazer a referência no nome dela. Aquele sempre foi um dia especial para eles, assim como para todo casal, mas com a chegada da filha, 14 de fevereiro ganhou um significado muito maior: como se o amor deles também tivesse nascido naquele dia, de uma forma completamente nova, muito maior e mais forte.
Só havia um pequeno problema: a garota detestava aquela data.
Era irônico. O casal de ultrarromânticos acabou por ter uma filha avessa a qualquer ideia de romantismo – como toda boa aquariana, que adora dar o contra na vida. Para Valentine, o Valentine’s Day não passa de uma data superestimada e saturada de sentimentalismo clichê.
Não que ela carregasse alguma experiência traumática daquele dia. Na verdade, o amor havia desempenhado um papel bem pouco significativo na vida dela até agora. Valentine nunca precisou do amor de um homem para se sentir completa, e se orgulhava muito disso. Estava muito bem sozinha, obrigada. Ela teve seu último namorado aos dezessete, e depois disso, passou todos os Valentine’s Day sozinha: sem flores, sem chocolates, sem problemas.
Após interromper o toque do despertador, a moça levantou-se da cama ajeitando seus volumosos cachos no lugar. Vestiu-se e foi até a cozinha do estúdio em que morava, para encontrar Dylan tomando uma xícara de café bem ao lado de um cupcake com uma vela acesa.
- Bom dia, aniversariante do dia! – Exclamou o colega de apartamento da moça, abrindo um sorriso enorme ao vê-la.
- Quantos anos vai levar até você parar de me acordar com cupcakes cafonas no dia do meu aniversário? – Valentine rolou os olhos, mas sem conseguir conter um sorriso.
- Só enquanto isso te incomodar – Brincou o rapaz, envolvendo a amiga em um grande abraço de urso.
- Está na hora de eu me mudar – Ela brincou, fazendo Dylan rir. O rapaz esticou o bolinho para Valentine, que assoprou a pequena vela ao topo para apagá-la. Ele comemorou.
- Quais são seus planos para hoje, aniversariante? – Dylan perguntou, voltando a sentar-se em frente à bancada enquanto a amiga se servia de café.
- O mesmo de sempre: controlar a ânsia toda vez que passar por um casal estupidamente apaixonado durante o dia, e depois assistir Investigação Criminal comendo pizza no nosso sofá – A moça sorriu.
- Nada como a companhia de um bando de serial killers na TV para comemorar seus vinte e três aninhos – O rapaz ironizou, mordendo uma torrada.
Ah, outro detalhe: Valentine nunca fazia festa de aniversário. Primeiro, porque todos os restaurantes da cidade ficam sempre lotados com as reservas de jantares românticos. Segundo, porque as pessoas sempre têm encontros marcados no Valentine’s Day, e não apareceriam. E terceiro, porque ela já detestava aquele dia de qualquer forma.
- Sabe, algum dia desses vou organizar uma festa surpresa pra você – Dylan brincou após alguns segundos de silêncio. – Vou decorar a casa inteira com balões de coração e chamar todo mundo que você conhece, só para ver sua cara.
- Você realmente quer que eu me mude, não quer? – Valentine indignou-se e o amigo riu. – Já entendi sua estratégia. Sem mim aqui, você e o Cadu finalmente vão poder morar juntos.
- Não é você que nos impede de morar juntos, Tina. São os 7600 quilômetros que nos separam – Ele fez um biquinho triste.
- Mas pelo menos não hoje, né? – Valentine abriu lentamente um sorriso. – A que horas o voo dele chega?
- Nem sei. Vou estar preso no trabalho de qualquer jeito – Dylan fez uma careta e levantou-se para colocar sua louça na pia. – Mas vamos ver o show à noite, pelo menos.
- Você e seu brasileiro bonitão assistindo a um show romântico no Central Park agarradinhos? Tão bonitinho – A moça falou com a voz afetada, fazendo Dylan cerrar os olhos para ela.
- Tomara que quando você se apaixonar, vire a pessoa mais cafona e grudenta do planeta – Dylan a amaldiçoou, enquanto ganhava um beijo da melhor amiga que se preparava para sair. A garota riu, e logo sumiu pela porta da frente.
Valentine seguiu seu caminho como de costume, rumo a Manhattan. Pegou o metrô e em quinze minutos já estava no Rockefeller Center, o mar de prédios comerciais onde trabalhava. O percurso foi bom: apenas um pedido de namoro e dois buquês de flores cruzaram com ela. Por que os novaiorquinos precisam tanto de demonstrações públicas de amor, afinal?
Passando pela praça central, a moça estava a dez metros de entrar no prédio da empresa onde trabalhava. Foi quando um estranho invadiu seu caminho – algo que deveria ser bem comum em uma metrópole daquele tamanho – e lhe estendeu um bilhete.
- Feliz Valentine’s Day, senhorita! – A voz simpática do rapaz sorridente a frente dirigiu-se a ela - agora sim, algo bem incomum para uma cidade como Nova York.
Valentine ficou sem reação nos primeiros segundos, ao ver o papel-cartão roxo recortado em formato de coração esticado para ela. Confusa, decidiu pegá-lo, e logo o homem com óculos vermelhos de coração seguiu andando, como se nada tivesse acontecido.
Parada no meio da praça Rockefeller, Valentine analisou o cartão. No verso, havia uma mensagem escrita à mão, que dizia:

“Quando você menos esperar, o amor estará à sua frente. Basta saber onde procurar.”

A moça bufou, entortando a boca. Olhou em volta para procurar o rapaz usando os óculos de coração, e o viu mais ao centro da praça, entregando os mesmos cartões coloridos para outros estranhos que por ali passavam.
O que é que um cara de vinte e tantos anos fazia numa sexta-feira de manhã entregando cartões de Valentine’s Day aleatoriamente no Rockefeller Center? E ainda fazendo previsões imbecis como aquela? Ele não deveria estar trabalhando, ou então pagando caro para um florista entregar um buquê de rosas no escritório da namorada ao invés disso?
Não que aquilo fosse problema dela, mas Valentine achou o gesto do estranho realmente... estranho. Na verdade, naquele momento, ela era a estranha que estava parada no meio da praça lotada, então, era melhor ir logo para o escritório ou então se atrasaria.
A moça tratou de andar rápido até a portaria do prédio, para chegar a tempo de alcançar o elevador com a porta aberta. Enquanto subia para o vigésimo segundo andar, onde ficava o escritório de contabilidade onde trabalhava, Valentine continuou observando o rapaz dos óculos de coração no meio da praça, entregando seus bilhetes com uma alegria bem incomum. Ela negou com a cabeça, e então a porta do elevador se abriu no andar dela.

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Capítulo 2 - Dylan, o amante à distância

Ao ver a melhor amiga fechar a porta do apartamento e sair apressadamente, Dylan negou com a cabeça e sorriu em seguida. Como era possível que Valentine odiasse tanto assim o Valentine’s Day? Anos de convivência e ele nunca havia entendido.
Mas Dylan não conseguia deixar de amá-la, de qualquer forma. Não desde que os dois se conheceram na festa de boas-vindas da Universidade de Columbia. Há cinco anos, o loiro de grandes olhos azuis já sabia que aquela estudante de Contabilidade tinha mais teimosia escondida entre seus cachos afro do que a maioria das pessoas que conhecia. E, na verdade, aquela sempre foi uma das coisas preferidas de Dylan sobre ela. Não é à toa que eles se aturam dividindo aquele estúdio desde que ela era uma caloura, e não se mudaram mesmo depois de formados.
Os pensamentos nostálgicos de Dylan foram interrompidos por uma chamada de FaceTime que fez seu celular vibrar. Na tela do aparelho, uma foto dele abraçado com Cadu brilhava.
- Malas prontas para deixar esse calor maravilhoso e vir pra cá passar frio comigo? – O rapaz sorriu assim que viu o rosto do namorado aparecer do outro lado da tela.
- O calor do Rio já ficou pra trás, estou em São Paulo agora – Cadu sorriu de volta, esticando o celular para que a câmera mostrasse o aeroporto de Guarulhos bem atrás dele. – Meu voo sai em meia hora.
- Mal posso esperar – Os grandes olhos azuis de Dylan brilharam de saudades. – Qual a previsão de chegada?
- Devo estar em Nova York no fim da tarde – Explicou o rapaz com seu forte sotaque brasileiro. – A que horas você sai do trabalho?
- Provavelmente não a tempo de te pegar no aeroporto – Dylan fez uma careta e apoiou o celular na bancada. – Mas você pode me encontrar no Central Park quando chegar.
- Vamos assistir ao show de Valentine’s Day? – Cadu animou-se. Será a primeira vez dele passando a data em Nova York.
- E achou que eu iria perder um show gratuito do Kyle Beresford? – Dylan brincou, fazendo o outro rir.
- Você não está meio velho pra gostar dessas músicas, não?
- Das músicas talvez, mas você já viu aquele topete loiro natural que ele tem? – O garoto suspirou, fazendo Cadu fechar a cara.
- Muito engraçado – Ele desdenhou.
- Estou brincando. Não vou ter olhos para ninguém além de você hoje – Dylan aproveitou a oportunidade para flertar um pouquinho.
- Você é ridículo – Cadu brincou, rindo. – Estou com saudades.
- Eu também, meu amor – Dylan tombou a cabeça para o lado, e após alguns segundos de silêncio, voltou a falar. – Se Valentine estivesse aqui, já teria vomitado a essa hora.
- Ela está aí? Mande um feliz aniversário para ela – Cadu esticou o rosto para tentar encontrar a garota no vídeo.
- Ela já saiu, mas você pode dizer isso pra ela mais tarde – Dylan rodou na cadeira. – Eu preciso sair pro trabalho agora, tá bom? Faça uma boa viagem.
- Vou estar pensando em você o caminho todo.
- Meu Deus, você é tão maravilhoso, como é que consegui namorar você? – O rapaz franziu a testa, e Cadu deu risada. – Eu te amo, até depois.
- Também te amo – Cadu disse em português. – Bom trabalho.
Dylan soprou um beijo para a câmera do celular, e em seguida finalizou a chamada. Ele adoraria ficar jogando conversa fora o dia inteiro, mas precisava chegar à rádio antes das nove. Ainda bem que seu trabalho ficava só a algumas quadras de caminhada dali.
Todas as manhãs eram assim para Dylan e Cadu: tomar café da manhã juntos pelo FaceTime. Uma das maravilhas que a era da internet podia proporcionar a um casal que vive em continentes diferentes. Embora aquilo não chegasse nem perto da proximidade que os dois queriam ter, já era melhor do que as cartas do século passado.
Aquele modelo de relacionamento à distância existia há três anos, desde que Dylan havia voltado do intercâmbio que fez para o Brasil, logo antes de se formar. Foram seis meses no Rio de Janeiro, onde havia conhecido o moreno de cabelos cacheados e traços latinos com quem acabara de falar ao telefone. Cadu estava no último ano de Comunicação, assim como Dylan, e quando foram arranjados como dupla para um trabalho de Assessoria de Imprensa, foi amor à primeira vista.
Aos 24 anos, Dylan nunca tinha estado em um relacionamento por tanto tempo. Desde que havia feito as pazes com sua sexualidade, focara em curtir a vida e aproveitar a época da faculdade. Foi fazer intercâmbio justamente por isso, para se conhecer e conhecer novas pessoas. Se apaixonar nunca esteve nos planos dele – ainda mais por um brasileiro. E agora, os dois passariam o Valentine’s Day juntinhos em Nova York, e nada poderia ser melhor que isso.
Dylan chegou ao prédio da iHeartRadio em cima da hora para o início do jornal matinal. Entrou correndo no estúdio e deu de cara com Olivia finalizando o primeiro bloco musical da programação da manhã.

-(...) E atenção para as fãs novaiorquinas do músico Kyle Beresford! A iHeartRadio tem uma surpresa especial para vocês nesse Valentine’s Day. O cantor e compositor vencedor do Grammy de Música do Ano fará um show especial de dia dos namorados no Central Park hoje, às oito da noite. E a iHeartRadio vai escolher uma fã sortuda para ganhar um encontro romântico com Kyle logo antes da apresentação, e de quebra ganhar ingressos VIP (que já estão esgotados) para assistir ao cantor mais queridinho dos Estados Unidos! Que tal passar o Valentine’s Day ao lado do seu maior ídolo? Para participar, basta enviar um SMS para o número da iHeartRadio e fazer uma doação para a campanha da rádio em prol do Hospital Mount Sinai de Nova York. O resultado será anunciado aqui na rádio ao meio-dia, então, fiquem ligadas! Voltamos já com o jornal da manhã.

A fala da apresentadora deu lugar à vinheta da programação, e os microfones foram desligados. Olivia removeu os fones de ouvido e saiu de dentro da sala de transmissão, indo ao encontro de Dylan enquanto afofava seus cachos loiros no lugar.
- Bom dia, Dylan! Feliz Valentine’s Day – Disse a mulher próxima dos quarenta, deixando de lado a entonação de apresentadora de rádio.
- Bom dia, Olivia, feliz Valentine’s Day – Correspondeu o rapaz. – Grandes planos para hoje?
- Ah, o de sempre – Respondeu a outra. – Jantarzinho romântico e assistir filmes no sofá. E você? O Cadu vem pra cá?
- Vem sim – Dylan sorriu. – Chega no fim da tarde.
- Mal posso esperar para conhecê-lo – Olivia sorriu, e os dois ficaram em silêncio enquanto o apresentador do jornal dava entrada no programa.
- Tenho dó do coitado que vai receber as mensagens da promoção até o meio-dia – Brincou Dylan.
Olivia ficou o encarando com um sorriso amarelo.
- Olivia, não! – O rapaz se desesperou. – Você se lembra do que eu passei quando fizemos a promoção do Shawn Mendes, eu realmente...
- Eu sei, relaxa – A loira interrompeu o surto de Dylan. – Eu não faria isso com você outra vez. Mas preciso da sua ajuda com outra coisa, que pode ser mil vezes melhor, ou mil vezes pior que o que aconteceu da vez passada.
Dylan respirou fundo e encarou a chefe.
- E o que é?
- Preciso que você acompanhe o Kyle e a ganhadora da promoção no programa romântico que roteirizamos pela cidade.
- Sério? – O rapaz de olhos azuis disse sem emoção. Ele ainda não sabia dizer se aquilo era bom ou ruim. – Mas por quê?
- Porque não podemos deixar uma adolescente maluca com os hormônios à flor da pele sozinha com o astro pop mais cobiçado do momento – Olivia disse como se fosse óbvio. – Não outra vez.
- Pobre Shawn Mendes – Dylan desviou o olhar, relembrando o momento desagradável que presenciou durante o festival de Valentine’s Day da rádio no ano passado.
- Enfim, você pode fazer isso por mim, certo?
- Qualquer coisa por você, Olivia – Dylan sorriu, sendo correspondido pela apresentadora, que logo em seguida se retirou do estúdio.
O rapaz de grandes olhos azuis sentou-se à mesa de mixagem para fazer seu trabalho, e em vinte minutos o jornal matinal estava terminado. Dylan deixou o estúdio para um intervalo, e quando chegou do lado de fora, deu um salto ao checar o próprio celular: cinco ligações perdidas de Cadu, e mais sete mensagens.

“Amor, meu voo está atrasado! Erupção vulcânica no Chile. O vento trouxe as cinzas pra cá. Todos os aeroportos do sul do Brasil estão fechados. Não tem visibilidade pra voar. Sem previsão. Não sei se conseguirei chegar!”


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Capítulo 3 - Maya, a fã apaixonada

- É sério que você ainda ouve rádio no carro? – A garota virou-se para o homem no banco do motorista. – Você nunca ouviu falar em Spotify?!
- Spotify não tem notícias – Thomas sorriu para ela ao parar no sinal vermelho. – E eu quero começar meu dia bem-informado.
- Você é tão antiquado – Ela sorriu de volta, e seus olhos ficaram ainda mais puxados por causa do sorriso.
Maya sentia que aquele seria um ótimo dia, a julgar pela carona que havia conseguido. Esse era o maior benefício que o novo casamento de sua mãe havia trazido: seu meio-irmão, Thomas, sempre a poupava de uma caminhada matinal para a escola quando saia de carro.
- Gostei dos óculos, aliás – Maya continuou a perturbá-lo.
Thomas virou para ela e puxou a armação em formato de coração para que deslizasse pelo seu rosto, e ele pudesse encará-la com uma expressão engraçada.
- Vai entregar seus cartões de Valentine’s Day no Rockefeller Center?
- Sim, senhorita. Como sempre. – O homem voltou a guiar o carro pelo trânsito frenético de Nova York.
- Agora que somos irmãos, acha que vou ficar maluca que nem você? – A jovenzinha falou contendo o riso.
- Engraçado – Thomas freou bruscamente para brincar com ela. – Pensei que eu tinha ficado maluco porque tinha virado seu irmão.
Um refrão familiar soando timidamente no rádio fez com que Maya interrompesse as risadas, aumentando o volume do aparelho no painel do carro.

- E atenção para as fãs novaiorquinas do músico Kyle Beresford! – Disse a voz feminina que soava por cima de uma música do cantor. – A iHeartRadio tem uma surpresa especial para vocês nesse Valentine’s Day. Vamos escolher uma fã sortuda para ganhar um encontro romântico com Kyle logo antes da apresentação dele hoje no Central Park, e de quebra ganhar ingressos VIP (que já estão esgotados) para assistir ao cantor mais queridinho dos Estados Unidos! (...)

Os gritos que ecoaram pelo carro logo em seguida chegaram a assustar o taxista parado ao lado do carro de Thomas.
- Essa foi a última carona que eu te dei – O rapaz com óculos de coração disse, sério.
- Meu Deus do céu! Eu não acredito! Eu não acredito! – A adolescente ainda pirava no banco do passageiro.
Kyle Beresford era o sonho de consumo de qualquer garota de quinze anos. Mas, para Maya, aquele cantor de olhos azuis e topete loiro era o futuro amor da vida dela. Ganhar um encontro com ele no dia de Valentine’s Day parecia um sonho impossível demais, até para a imaginação dela. Mas ali estava sua oportunidade de ficar cara a cara com Kyle, no dia mais romântico do ano. Ela tinha que ganhar aquilo.
- Eu não acredito que...
- Cala a boca! – Maya interrompeu o irmão, aumentando ainda mais o volume do rádio.
- Para participar, basta enviar um SMS para o número da iHeartRadio e fazer uma doação para a campanha da rádio em prol do Hospital Mount Sinai de Nova York. O resultado será anunciado aqui na rádio ao meio-dia, então (...)
- Os pacientes do Mount Sinai nunca ficaram tão esperançosos com uma campanha de arrecadação antes – Thomas brincou, mas Maya não estava nem ouvindo. A garota teclava freneticamente no celular.
- Enviei – Anunciou ela, praticamente ofegante de tanta agitação. – Meu Deus, Thomas, dá pra imaginar? Eu e Kyle Beresford em um passeio romântico por Nova York... – Maya suspirava. – Seria meu sonho!
- Como seu irmão mais velho, acho que eu deveria ficar com ciúmes e fazer o papel de superprotetor – Thomas respondeu. – Mas prefiro te perguntar uma coisa: ainda sou antiquado por ouvir rádio no carro? – Ele lançou um sorriso, fazendo Maya rir e lhe dar um tapa no ombro.
Maya praticamente flutuou até a sala da sua primeira aula naquele dia. Mas ela não estava nem aí para química nem para cálculo estequiométrico: estava contando os minutos para o meio-dia, quando finalmente seria anunciada a ganhadora da promoção. Enquanto Maya não ouvia seu próprio nome na rádio, ocupava seu tempo sonhando com um encontro perfeito de Valentine’s Day com Kyle Beresford.
Não que ela já tivesse ido a muitos encontros no dia dos namorados. Na verdade, Maya nunca havia namorado. Seu relacionamento mais duradouro era o amor platônico que tinha por Kyle desde que o artista lançara seu primeiro álbum. As amigas de Maya também adoravam o cantor – mas ela era quem gostava mais, na opinião dela. As garotas planejavam ir ao show no festival de Valentine’s Day da iHeartRadio, mas Maya já tinha planos mais ambiciosos: assistir à apresentação de pertinho com os ingressos VIP da promoção, e de preferência, depois de ter feito Kyle se apaixonar por ela durante o encontro mais cedo.
Como seria estar perto dele? Será que ele era tão lindo pessoalmente quanto nas fotos do Instagram? Será que era cheiroso? Será que seria simpático, abriria a porta do carro para ela e elogiaria seus tênis all star? Será que Kyle gostaria dela?
A hora do almoço finalmente chegou. Após ser liberada da aula, a garota de olhos puxados se dirigiu para a cantina e sentou-se na mesa das amigas, e imediatamente colocou os fones de ouvido. Traindo um pouco a si mesma e ao que dissera mais cedo, pegou o celular e sintonizou-o à rádio para ouvir o resultado da promoção. Por enquanto, a iHeartRadio passava apenas comerciais.
Enquanto Maya aguardava, uma mensagem de Thomas desceu no painel de notificações do seu celular:

“Ei, só não fique chateada caso não ganhe a promoção do Lyle Bradworth. Você sempre pode ter um encontro maneiro de Valentine’s Day comigo (:”

Ler aquilo fez a garota sorrir ligeiramente. Thomas era um idiota, e ela o amava. Logo em seguida, a programação da rádio tomou de volta sua atenção, pois o locutor anunciou que a ganhadora da promoção já havia sido escolhida.
Maya batia os pés impacientemente debaixo da mesa do refeitório. Estava prestes a começar a roer as unhas cobertas de esmalte azul escuro. Mais alguns segundos de suspense, e então o resultado chegou.
- E a fã sortuda que foi sorteada dentre as milhares de participantes para ganhar um encontro com Kyle Beresford e ingressos VIP para a apresentação dele no Central Park é... Maya Tanaka!
O que se esperava era um grito ensurdecedor ainda mais alto do que aquele no carro mais cedo, suficiente para chamar a atenção de todo o colégio que estava presente na cantina. Porém, Maya não gritou. Ficou apenas paralisada, boquiaberta, enquanto as amigas a encaravam sem entender nada.
Ela realmente havia ganhado a promoção. Os gritos, claro, vieram alguns segundos depois, quando a informação foi parcialmente digerida. As três colegas que dividiam a mesa também foram responsáveis por parte da barulheira quando ficaram sabendo da notícia. Maya ia ter um encontro com Kyle Beresford, afinal! O grande amor da sua vida!
Essa é uma chance que não pode ser desperdiçada.

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Capítulo 4 - Luke, o reconquistador de ex

Luke não aguentava mais espetar pessoas com agulhas e depois tirá-las. Não que ser um acupunturista não fosse seu trabalho todos os dias – mas aquela era uma data especial, que estava o deixando particularmente ansioso. Nem a música de meditação ambiente na sua sala de trabalho o acalmava.
Finalmente o relógio do consultório marcava meio-dia. Hora do almoço, e hora de colocar seus planos em prática. O último paciente da manhã foi dispensado ainda meio sonolento após a sessão, e era isso. O homem de traços indianos retirou o jaleco branco e o colocou sobre a cadeira de qualquer jeito, e após uma rápida checada no celular, saiu apressado.
Primeiro, Luke correu até a floricultura que ficava do outro lado da rua para buscar o ramalhete de rosas amarelas que havia deixado encomendado pela manhã. Depois, andou algumas quadras até a loja de chocolates que ficava numa pequena galeria subterrânea, mas o tamanho da fila de namorados em busca de presentes de última hora o fez repensar a decisão. Luke, então, caminhou por mais alguns metros para ir até o Walmart e comprar lá mesmo uma caixa de bombons. Enquanto cruzava pelo Rockefeller Center, foi parado por um homem usando óculos com lentes em formato de coração.
- Feliz Valentine’s Day, amigo – O estranho sorridente lhe estendeu um papel-cartão verde com um bilhete escrito à mão, e logo saiu andando.

“O amor verdadeiro sempre merece uma chance. E você também.”

Luke nunca quis tanto acreditar em uma frase.
Algumas quadras para dentro do bairro e ele chegou até o Walmart, onde logo encontrou uma caixa de bombons de cereja em formato de coração, perfeita para a ocasião. De quebra, Luke acrescentou ao carrinho um ursinho de pelúcia que segurava uma cesta do tamanho perfeito para guardar os bombons.
- Alguém vai ficar muito feliz com a surpresa – A atendente do caixa disse de forma simpática enquanto passava os produtos na leitora.
- É, eu espero que sim – Luke riu, nervoso, alcançando o cartão de crédito dentro da carteira com dificuldade devido ao enorme buquê que segurava. – Mas também pode ser que ela jogue esses bombons na minha cara.
- E por que ela ficaria tão brava? – A moça riu, e estampou uma cara de desconfiança em seguida. – O que foi que você fez?
- Bom... ela é minha ex – Luke explicou com um sorriso sem graça. – Vou tentar conquistá-la de volta esta noite.
- Boa sorte, então – A atendente se solidarizou, entregando-lhe o recibo.
Bastaram duas quadras de passos no caminho de volta para que o homem na casa dos 30 se arrependesse de carregar todos aqueles presentes de uma vez. “Seria melhor ter deixado as flores no consultório primeiro”, pensou. “Ou então, ter comprado um urso menor”. Aquela ansiedade toda deveria estar impedindo seu raciocínio lógico.
Luke voltou ofegante ao prédio onde trabalhava. Subiu no elevador com dificuldade, e quando desceu em seu andar, decidiu parar no consultório que ficava logo na frente da porta para fazer uma pausa e aproveitar para jogar conversa fora. O secretário da terapeuta era um velho amigo seu.
- Meu Deus do céu – O rapaz que atendia do outro lado da bancada começou a rir, ao ver o enorme buquê de rosas amarelas ambulante entrar na sala antes do homem que o carregava. – Quem é que você vai tentar impressionar nesse Valentine’s Day? A rainha?
- Oi, Jeremy – Luke o cumprimentou com dificuldade, apoiando os presentes na mesa do amigo. – Como vão as coisas? – A voz soou normal agora sem o peso nos braços.
- Como sempre. Casais infelizes brigando, chorando e se separando – Jeremy sorriu largamente. Naquele consultório, trabalhava uma terapeuta de casais.
- Bem romântico – Luke pousou as mãos sobre a cintura e começou a encarar suas coisas na bancada. – O que me diz dos presentes? Muito clichês? Talvez eu use apenas as flores, ainda não sei.
- Não vejo nada demais em ser clichê... – O rapaz na casa dos vinte e cinco ponderou. – Mas não acha que essas rosas irão murchar até o fim do seu expediente?
O rosto de Luke congelou em uma expressão de desespero. Ele não havia pensado nisso.
- Puta merd... – Ele passou a mão pelos cabelos cacheados com força, mas interrompeu o gesto no meio do caminho. – Será que a dona da cantina do primeiro andar não me deixa guardá-las na geladeira até a noite? Talvez eu possa usar só algumas flores...
- Eu estou brincando, Luke – Jeremy riu do desespero do amigo. – Estamos em fevereiro, não está calor o suficiente para matar plantas. Eu acho.
- Eu espero que não – O homem pareceu nervoso. Jeremy ficou o observando por alguns segundos antes de voltar a falar.
- Deve ser uma garota incrivelmente importante pra te deixar assim tão ansioso... – O rapaz arqueou a sobrancelha.
- É o amor da minha vida, Jeremy – Luke suspirou. – E eu irei reconquistá-la hoje à noite, se eu não entrar em colapso até lá.
- A ex-namorada que te chutou e você nunca superou? – O recepcionista puxou na memória, e Luke assentiu com o orgulho levemente ferido. – Bom, você pode colocar algumas agulhas em si mesmo para ficar calmo.
- Eu queria poder – Lamentou-se o homem. – Será que a Claire tem um minuto para falar comigo? Precisava de uns conselhos dela.
- Ela deve estar quase terminando com o casal que está lá dentro, acho que em seguida ela tem um tempo.
- Ótimo – Luke respirou fundo, checando rapidamente o celular. – E você, o que vai fazer hoje à noite?
- Ah, provavelmente vou sair com alguns amigos. O romance não é muito para mim, sabe – Jeremy torceu o nariz e riu em seguida. – Quer ajuda para colocar essas coisas no seu consultório?
- Se você não estiver ocupado, eu aceito.
Prontamente, o rapaz deu um leve empurrão na bancada para que sua cadeira de rodas recuasse. Luke se sentiu ligeiramente mal por ter aceitado a ajuda – às vezes ele se esquecia da condição de Jeremy. O amigo pegou o grande urso de pelúcia, colocou no próprio colo e deslizou sua cadeira pela rampa de acessibilidade na porta do consultório. Os dois deixaram os enormes presentes na bancada de Luke, e em seguida voltaram para o consultório bem a tempo de encontrar Claire se despedindo do casal que acabara de atender.
- Feliz Valentine’s Day, Luke – A mulher ruiva o cumprimentou com a voz suave.
- Claire, eu preciso da sua ajuda – Ele soou um pouco desesperado. – Você tem um momento?
- Acredito que sim, o próximo casal só chega em quinze minutos, certo, Jeremy? – Ela checou com o recepcionista, e ele assentiu voltando a posicionar a cadeira atrás da bancada. – Do que se trata?
- Eu tenho um encontro hoje – Luke começou a explicar enquanto entrava na sala da terapeuta, que fechou a porta atrás de si. – E eu estou um pouco nervoso.
- Quantos anos você tem? – Claire se permitiu rir. Luke e ela dividiam aquele andar do prédio há tanto tempo que já estavam em um certo nível de intimidade.
- É que esse não é qualquer encontro, é com a minha ex-namorada – Ele se explicou. – Eu vou tentar conquistá-la de volta hoje.
- Aquela que terminou com você? – A terapeuta questionou. Toda vez que alguém mencionava aquilo, Luke se arrependia de ter comentado. – O que foi mesmo que aconteceu entre vocês?
- É uma longa história – O homem negou com a cabeça. – O que importa é que eu preciso convencê-la a reatar comigo, e não sei direito como fazer isso.
- Bom – Claire começou a pensar. – A primeira coisa que você precisa fazer é ser honesto com ela.
Luke engoliu seco.
- Também é importante ouvi-la para saber como ela se sente a respeito do relacionamento de vocês, qual a opinião dela sobre uma possível conciliação – Claire continuou, sentando-se atrás da própria mesa. – Vocês têm se falado ultimamente?
- Temos.
- E você acha que ela está reconsiderando?
- Talvez... – Luke pareceu confuso. – Se ela ouvir o que eu tenho a dizer, acho que ela irá reconsiderar.
- Bom, então o melhor que você pode fazer é falar tudo que estiver no seu coração, ouvir tudo que ela tem para dizer, e então, tomar a melhor decisão a partir disso – A terapeuta sorriu ternamente.
- Só isso? – A facilidade com que ela falou o surpreendeu.
- É o melhor que eu posso fazer por você no meu intervalo de almoço – Claire riu, retirando um sanduíche da segunda gaveta da mesa dela.
- Me desculpe – Luke se levantou imediatamente, rindo também.
- Tá tudo bem – Claire nem se importou.
- Eu vou indo agora. Obrigado pela ajuda, eu te devo essa.
- Não há de que. Boa sorte com ela! – A última frase foi gritada após uma mordida no sanduíche, enquanto ele fechava a porta da sala.
Luke jogou-se na cadeira de seu consultório, à espera do primeiro atendimento da tarde. Checou o celular mais duas ou três vezes antes de o paciente chegar. Encarou as flores e os chocolates no canto da sala uma última vez antes de voltar ao trabalho, e suspirou. Não havia nada que ele pudesse fazer agora, a não ser tentar relaxar com a música ambiente do consultório até que o fim do expediente chegasse.
Tomara que o bilhete que ele recebeu daquele cara na praça esteja certo.

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Capítulo 5 - Claire, a terapeuta de casais

- Mas você disse que ia tomar café com as suas amigas!
- Então! Por isso passei no salão antes para fazer as unhas!


Aquela era a terceira vez durante a sessão que o Sr. Evans mencionava a “escapada” da Sra. Evans no salão de beleza – o que ele estava convencido de que significava que ela estava o traindo. Na opinião de Claire, aquilo só significava que a Sra. Evans não era muito fã de dar satisfações ao marido sobre cada passo que dava, e que o Sr. Evans era um homem de meia idade com sérios problemas de confiança.
Aquele era um dos casais mais complicados a se consultar com a Dra. Claire. Claro que nenhum dos casais que ela atendia eram fáceis – afinal, se fossem, não precisariam de uma terapeuta de casais. Ela não poderia atestar em favor da Sra. Evans, pois não tinha provas de que ela realmente não traía o marido. O que ela podia fazer naquele momento era, como sempre, tentar apaziguar.
- Escutem – Ela interrompeu a discussão do casal com uma fala calma. Eles se silenciaram. – Estamos começando a andar em círculos aqui. O que eu vejo é que vocês dois estão precisando trabalhar um pouco o respeito com os limites do outro. Sr. Evans, o senhor tem que tomar cuidado para que seus problemas de autoconfiança não afetem a liberdade da sua esposa. Assim como você, Sra. Evans, poderia tentar ser mais compreensiva com as limitações do seu marido – Claire finalizou a frase com um sorriso suave.
Nem o marido nem a esposa estavam muito contentes com a ideia dela, mas pelos anos de experiência que Claire tinha com terapia de casais, ela considerava isso um bom sinal. Quando os dois ficam insatisfeitos, normalmente quer dizer que ambos foram forçados a reconhecer os próprios erros. E um casal dificilmente começa a ter problemas por culpa de um só.
Quando o Sr. e a Sra. Evans voltaram a discutir, Claire precisou segurar a vontade de rir. Aquele era, sem dúvidas, um jeito maravilhosamente irônico de passar o Valentine’s Day: mediando e consolando casais com relacionamentos à beira do colapso.
Era em momentos como esse que Claire agradecia aos céus pelo relacionamento que tinha. A ruiva de 40 anos passou tanto tempo analisando e contornando os erros e falhas de outros casais, que acabou aprendendo muito com seus pacientes.
Ser terapeuta de casais foi fundamental para que Claire estabelecesse uma relação tão sólida e saudável como a que tinha atualmente. Às vezes, seus clientes a questionavam sobre a vida conjugal dela, se ela era feliz a dois, e ela orgulhosamente respondia que sim. Mas, quando perguntavam se havia alguma receita mágica para ter o melhor relacionamento possível, ela não sabia responder. Claro, alguns ingredientes eram fundamentais: diálogo, confiança, respeito e amor. Mas aquela sintonia de casal, aquele brilho no olhar, Claire sinceramente não sabia responder de onde vinha. Ela só sabia o quanto era sortuda por ter todas aquelas coisas, já que conhecia inúmeros casais que lutavam tanto para consegui-las.
O momento de gratidão e paixão de Claire foi interrompido pelo casal conflituoso à frente dela. Já haviam se passado dez minutos desde que a sessão do Sr. e da Sra. Evans terminara, e aquela briga não pararia a menos que a terapeuta interrompesse.
- Por que vocês não pensam um pouco sobre o que falei e conversam novamente quando souberem o que dizer um para o outro? – Sugeriu atenciosamente a mulher. – Quero que me contem o resultado na nossa sessão de segunda-feira.
Ver aqueles dois levando a própria tempestade para o elevador do prédio fez Claire sentir uma mistura de alívio com pena. Enquanto ela acenava de forma simpática em despedida, viu seu secretário Jeremy voltando pelo corredor ao lado de Luke, o acupunturista que atendia no outro consultório.
- Feliz Valentine’s Day, Luke – A mulher ruiva o cumprimentou com a voz suave.
- Claire, eu preciso da sua ajuda – O homem de traços indianos soou um pouco desesperado. – Você tem um momento?
- Acredito que sim, o próximo casal só chega em quinze minutos, certo, Jeremy? – Ela checou com o recepcionista, e ele assentiu voltando a posicionar sua cadeira de rodas atrás da bancada. – Do que se trata?
Era engraçado o fato de as pessoas enxergarem Claire como uma espécie de conselheira amorosa por causa da profissão. Os amigos e colegas de trabalho dela sempre a procuravam quando precisavam de dicas para seus relacionamentos, o que ela achava muito engraçado.
Luke contou que estava desesperado para reatar com a ex-namorada, o que estava o deixando praticamente louco – de um jeito até que fofo. Mas ele realmente precisava se acalmar se queria ter uma conversa sobre um assunto tão sério com a moça. A ruiva se lembra de tê-la visto algumas vezes visitando Luke no trabalho, parecia adorável. E, se ele gostava tanto dela assim, Claire torcia para que desse tudo certo.
A conversa foi rápida, pois Claire precisava almoçar antes de o próximo casal chegar. Luke logo voltou para seu consultório, deixando-a com seu delicioso sanduíche de atum. Porém, a refeição da terapeuta foi novamente interrompida, desta vez pelo toque do celular. Quem ligava era “Amor”.
- Oi, querida – Disse Claire de boca cheia, colocando o sanduíche de volta na mesa. – Tudo certo?
- Tudo sim – Respondeu Olivia com a voz alegre. – Acabei de tirar um tempo aqui na rádio, pensei em ligar para a minha amada esposa. Está ocupada?
- Não, fiz uma pausa para almoçar – Claire limpou a boca com um guardanapo. – Feliz Valentine’s Day!
- Feliz Valentine’s Day, querida – Ela podia notar que Olivia sorria do outro lado da linha. – Saí mais cedo de casa hoje e não quis te acordar, mas precisamos combinar o que vamos fazer de especial hoje.
- Jantarzinho romântico em casa e depois maratona de filmes? – Claire sugeriu. Não que fosse uma surpresa, afinal, esse era sempre o programa delas.
- Perfeito. Devo sair da rádio no fim da tarde, não vão precisar de mim para cobrir o show no Central Park hoje. – A mulher de cachos loiros volumosos anunciou.
- Que maravilha – A terapeuta comemorou. – Te vejo em casa às sete, então.
- Até lá – A radialista se despediu. – Tenha um bom dia, amo você.
- Também te amo, pra você também – Dessa vez foi Claire quem sorriu, e em seguida desligou o telefone.
Claire e Olivia estavam juntas há doze anos. Se conheceram quando Claire foi dar uma entrevista para o jornal matinal da iHeartRadio sobre terapia de casais, e Olivia era quem estava apresentando o programa. Desde então, foi só felicidade. As duas mudaram-se para uma confortável casa no Queens quando completaram três anos de namoro, e casaram-se formalmente assim que foi permitido pela lei nos Estados Unidos, em 2015.
A terapeuta voltou a saborear seu sanduíche, satisfeita. Olivia foi muito gentil em ter ligado para ela no intervalo. Claire pensou em talvez passar numa floricultura antes de ir para casa, e levar para a esposa um buquê ou algo do tipo.
Mais uma vez, a vibração do celular interrompeu o almoço da ruiva, agora com uma mensagem. Mais precisamente, um recibo via SMS, de uma – olhe só – floricultura. Pelo número do cartão de crédito, Claire percebeu que se tratava da conta conjunta dela e de Olivia. O texto que acompanhava o recibo avisava que a encomenda feita na loja havia sido entregue ao destinatário.
Claire sorriu de lado, achando fofo. Foi quase uma transmissão de pensamento. Bastou que ela pensasse em comprar flores para Olivia, e a outra já havia feito o mesmo por ela. A terapeuta se levantou da cadeira e foi até a porta do consultório, abrindo-a em seguida. Na recepção, Jeremy lia um livro.
- Jeremy, chegou alguma coisa para mim? – Ela perguntou, chamando a atenção do rapaz que estava concentrado.
- Chegou sim, Dra. Claire – Ele estendeu para ela uma porção de cartas que o correio havia deixado.
A mulher achou estranho.
- Só isso? – Perguntou.
- Sim, senhora.
- Tem certeza? – Claire franziu a testa. – Não passou ninguém da floricultura?
- Não, senhora – Jeremy voltou-se para seu livro, mas após alguns segundos virou para Claire novamente, achando estranho. – Por quê?
- Por nada – A ruiva riu para disfarçar. – Talvez tenham errado o endereço. Obrigada, Jeremy.
Claire fechou a porta do consultório atrás de si, pensativa. Dificilmente a floricultura teria errado o endereço, afinal, só enviam a mensagem de confirmação quando o destinatário já recebeu a encomenda. Mas se a mensagem de confirmação chegou no celular dela e não no de Olivia, a esposa deveria ter perguntado para ela no telefone minutos atrás se as flores haviam chegado, certo?
Por alguns segundos, a terapeuta pensou em simplesmente deixar para lá. Mas, quando estava prestes a morder seu sanduíche novamente, aquela dúvida incômoda atingiu-a como um caminhão. Se as flores que Olivia comprou não eram para ela...
Então para quem eram?

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Capítulo 6 - Noah e Jessica, o casal de primeira viagem

Jessica olhou-se no espelho mais uma vez, alisando os cabelos loiros no lugar. Aquele era um dia especial, e ela precisava parecer bonita. Fechou a porta do próprio armário e dirigiu o olhar para o corredor do colégio, tentando ver se Noah já havia chegado.
O namorado-não-oficial dela estava bem ali, conversando com os amigos. Ele acenou alegremente quando notou que Jessica os observava. A garota, então, caminhou até Noah, que também veio ao encontro dela.
- Bom dia! – A adolescente disse com animação evidente.
- Bom dia, Jess – O rapaz de cabelos cacheados a cumprimentou com um sorriso carinhoso. – Tem Matemática na primeira aula?
Essa não era a primeira frase que ela esperava ouvir dele em um dia como aquele. Mas tudo bem, não é?
- Tenho, e você? – Jessica perguntou, mas já sabia que os horários deles batiam na primeira aula.
- Também – Noah sorriu, e então começou a andar pelo corredor em direção à porta, na esperança de que ela o acompanhasse.
Mas Jessica não se mexeu. O rapaz achou estranho e virou-se para ela.
- Você não vem? – Perguntou.
- Você não tem nada para me dizer? – Ela devolveu o questionamento.
- Tipo...?
Ok. Ele tinha que estar brincando.
- Você sabe que dia é hoje? – A moça cerrou os olhos.
- 14 de fevereiro – Noah afirmou, sem entender nada.
- E o que esse dia significa na cultura americana, Noah? – Jessica estava começando a ficar irritada.
- Eu deveria saber?
- É Valentine’s Day! – A garota disse um pouco alto demais. – Sabe? O dia em que casais comemoram seus sentimentos um pelo outro, trocam presentes, saem pra jantar!
- É hoje? – O rapaz olhava para Jessica com os dois olhos arregalados.
- Sim, é hoje, Noah! – Ela disse ainda mais alto do que da última vez. – E você deveria ter planejado alguma coisa ao invés de ficar aí me fazendo perguntas!
- Jess, podemos conversar sobre isso lá fora...? – Noah estava ficando sem graça. As pessoas no corredor já começavam a encará-los.
- Não, não podemos! Você se esqueceu do Valentine’s Day – A loira estava começando a ficar vermelha. – Quem é que se esquece de um dia como esse? Claramente você não deve se importar comigo...
- É claro que eu me importo, Jess, mas podemos sair daqui, por favor? – O rapaz disse baixo e esticou o braço para pegar a mão dela.
- Eu não vou a lugar nenhum! – Jessica afastou-se dele. – Aliás, quer saber? Estou terminando com você! – Ela saiu andando.
A escola inteira parou para observar a cena (não que quase todos já não estivessem olhando).
- Eu mereço alguém que me valorize! – Ela continuava a esbravejar, andando em direção à porta de saída. – Alguém que pelo menos tenha a capacidade de me preparar algo para...
Quando Jessica saiu pela porta de vidro no final do corredor, deu de cara com uma cena inesperada. Suas duas melhores amigas estavam do lado de fora do colégio segurando um enorme buquê de rosas vermelhas cada uma. Os amigos de Noah também estavam lá, e levantaram uma faixa enorme assim que a viram chegar. O cartaz dizia, em letras brancas, “Feliz Valentine’s Day, Jessica!”.
A garota que estava vermelha de raiva de repente ficou vermelha de vergonha. Ela virou-se para dentro do colégio, atônita, para encontrar um Noah encolhido e completamente sem-graça caminhando a passos lentos para o lado de fora.
Os amigos parados no jardim se entreolhavam, sem saber o que fazer com a faixa ou as rosas. Notando que todos estavam confusos e que um enorme grupo de pessoas estava observando a situação, Noah sentiu vontade de rir (de nervoso).
- Surpresa – O rapaz franzino disse, sem jeito, assim que alcançou Jessica. A moça encarou o chão. – Feliz Valentine’s Day.
- Noah, eu... – Ela não sabia o que dizer. – Me desculpe.
- Está tudo bem – Ele riu fraco. – Modéstia parte, eu atuei muito bem como o namorado desentendido – Brincou.
- É, você atuou – Jessica riu.
O sinal tocou, interrompendo brevemente a conversa. O som serviu para dispersar a pequena plateia que assistia à cena, e os colegas que haviam ajudado a preparar a surpresa também se retiraram.
- Me desculpe por ter surtado – Ela continuou. – É que você sabe que essas datas são muito importantes pra mim, e...
- E você quer que tudo seja perfeito, eu sei – Noah completou o raciocínio, com um sorriso de canto. – Esse dia é importante pra mim também. E não se preocupe, eu já planejei tudo. Isso se você não terminou comigo... – O garoto arqueou a sobrancelha, fazendo Jessica rir.
- Não, não terminei – Ela escondeu o rosto entre as mãos, envergonhada. – E eu amei a sua surpresa. Tenho certeza de que o resto do dia vai ser tão incrível quanto ela.
- Vamos torcer para que nada dê tão errado quanto a surpresa, não é mesmo? – Noah disse em tom de piada, mas na verdade estava tentando acalmar a si mesmo.
- Vai ser ótimo – Jessica afirmou com um sorriso, e beijou rapidamente o rapaz em seguida. – Obrigada.
- Você merece – Ele correspondeu. – Vamos?
- Vamos – Jess o pegou pela mão, e os dois saíram andando em direção à sala onde teriam aula de Matemática juntos. – Estou curiosa para ver o que você preparou para nós hoje.
- Tudo programado bem aqui – Noah respondeu, apontando para a própria cabeça. – Vai ser incrível, você vai adorar.
- Não vai me contar o que é?
- Não. Deixa de ser curiosa – Ele cutucou a ponta do nariz dela. – Você vai ver.
O casal riu junto, e depois entrou na sala.
Noah passou a aula toda pensando nos planos que havia feito para aquele dia. Claramente as expectativas de Jessica estavam altas – mais altas do que ele esperava. Aquele era o primeiro Valentine’s Day que eles passariam juntos, após cinco meses de relacionamento. Jess estava mais nervosa com o dia de São Valentim do que havia ficado com o aniversário dela no mês passado. Essas datas comemorativas pareciam mexer mesmo com ela.
Era pensando nisso que Noah havia feito a programação do dia dos dois tão cuidadosamente. Ele queria que tudo saísse perfeito. Começou um pouco conturbado, é verdade – mas as coisas iriam se encaixar. Afinal, aquele Valentine’s Day terminaria com a surpresa mais especial que Noah poderia fazer para Jessica. Aquela parte sim estava o deixando nervoso. Mas o que poderia dar errado?

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Capítulo 7 - Holly, a paqueradora virtual

Dar aula de artes para crianças não é uma tarefa simples. Dificilmente Holly saia do trabalho sem nenhuma mancha de tinta espalhada pelo corpo – com exceção da mecha azul que tinha no cabelo, a única proposital. Esse, infelizmente, não era um daqueles dias milagrosos. Enquanto os monstrinhos (que ela amava) saiam da sala para o intervalo do almoço, a professora passava um lenço umedecido no jeans rasgado para tentar remover os respingos de tinta amarela, sem muito sucesso.
- Professora, posso te perguntar uma coisa? – Uma de suas alunas, de bochechas rechonchudas, aproximou-se timidamente da mesa.
- Claro, Grace, o que foi? – Holly disse sem tirar os olhos dos respingos amarelos.
- Só garotas bonitas recebem cartões de Valentine’s Day? – A garota questionou.
A professora ergueu o rosto imediatamente, encarando a expressão de insegurança de Grace.
- Todos nós recebemos cartões e ganhamos pirulitos no início da aula – Holly estranhou, falando sobre a tradição da escola.
- Estou falando de cartões de amor. Só garotas bonitas os recebem no Valentine’s Day? – A menina insistiu. Aquilo cortou o coração da professora momentaneamente.
- Por que você acha isso, querida?
- Porque eu não recebi nenhum.
- Mas você é uma garota bonita – Ela contradisse.
- Não é assim que os garotos pensam.
- Bom, é o que eu penso – A mulher sorriu de lado. – E também penso que crianças da idade de vocês nem deveriam trocar cartões de amor no Valentine’s Day – Holly levantou-se da mesa, desistindo de limpar a calça manchada.
- Eu sei que não, mas...
- Grace, querida, você é muito nova para começar a se preocupar com essas coisas – A professora andou até ela e encarou-a nos olhos. – Deixe para se incomodar com os homens quando for uma mulher, ok?
- Tá bem... – A menina respondeu sem muita satisfação. Holly deu-lhe um abraço, e então Grace foi embora.
Aparentemente, o papo motivacional da professora não havia funcionado. Mas, também, nem ela própria sabia muito bem como lidar com essa coisa toda de Valentine’s Day. A data mexia com ela, de muitas formas. E não a ensinaram a dar conselhos amorosos na faculdade de artes.
Holly prendeu os cabelos morenos (e a mecha azul) em um coque usando um lápis, juntou suas coisas e trancou o ateliê. Caminhou até a sala dos professores em seguida, onde encontrou Janet, a professora de Inglês, tomando um café.
- Oi, Jan – As duas eram bem próximas. – Como estão as coisas?
- Eu estou ótima, e você? – A mulher de óculos redondos respondeu. – Senta aí.
Holly aceitou o convite, deixando seus livros e pincéis na mesa ao lado. Ela estava precisando dar uma respirada.
- Estou cansada, ansiosa e com os jeans favoritos cobertos de tinta – Holly disse num suspiro.
- E por que você veio dar aula usando seus jeans favoritos? – Janet perguntou rindo, pois deveria ser uma questão óbvia para uma professora de artes.
- Você tem razão. Acho que não estou raciocinando direito hoje – A morena de mecha azul esfregou os olhos com as mãos.
- Hoje é o dia, não é? – A amiga falou em um tom mais baixo.
- É, sim – Ela torceu a boca.
Há exatamente um ano, Holly passou por um término difícil. No último Valentine’s Day, seu namorado a pediu em casamento, e ela recusou. Não que ela não gostasse dele – ela o amava, e era o que fazia a situação tão complicada. Holly não é do tipo de mulher que se casa. Compromissos sempre foram um problema para ela – família complicada, pais separados, aquela coisa. Ele sabia disso. E não havia a consultado, nem mesmo por indiretas, se ela planejava se casar com ele. Pois é, não planejava. Ela não sabia ao certo onde queria chegar aos trinta e quatro, namorando com um cara por quatro anos, mas... não era em um casamento. E deu no que deu.
Ele preparou um pedido lindo: jantar romântico no terraço do prédio, luz de velas, pétalas de flores pelo chão. No meio da refeição começou a falar sobre o quanto a amava, o quanto ela havia mudado a vida dele – e até aí nada demais, pois ele sempre foi um cara bem romântico. Holly só percebeu qual era o rumo da conversa quando ele tirou de dentro do bolso uma caixinha. Foi horrível. Ela disse não. E só depois de começarem a discutir a relação no meio daquele cenário montado, ela descobriu que as famílias e os amigos dos dois estavam esperando no apartamento dele, com uma festa de noivado.
Foi ela quem teve que dar a notícia aos convidados, já que o noivo-que-não-ficou-noivo estava inconsolável no terraço. A mãe dele ficou decepcionada, as amigas dela, inconformadas. E, depois daquela decepção seguida de humilhação pública, não havia mais clima para continuar o relacionamento. A história chegaria a ser cômica se não fosse vista tão de perto – Holly era, em geral, uma pessoa bem-humorada. Ela esperava pelo dia em que, daqui a alguns anos, seria capaz de olhar para trás e rir daquilo, para que todos os Valentine’s Day da vida dela não fossem tão difíceis quanto aquele.
- E como você está com tudo isso? – Janet disse em tom de conforto, preocupada com a amiga. Ela era uma das convidadas da festa de noivado que deu errado, então sabia de tudo.
- Estou ótima – Holly falou alto, tentando manter o bom humor. – Aliás, eu tenho um encontro hoje.
- Jura? – A amiga disse surpresa, ainda sem se decidir se aquela parecia uma boa ideia ou não.
- Uhum – Ela sorriu rapidamente. – Eu me recuso a passar essa data sozinha, Jan. Ficar em casa me lamentando e assistindo filmes românticos enquanto me encho de sorvete não combina comigo.
- Bom, isso é verdade – Janet riu. – Ficar na fossa não é muito a sua cara.
- Pois é. Foi por isso que eu baixei essa belezinha aqui – Holly disse, desbloqueando o celular. Ela acessou um aplicativo cujo ícone era um coração vermelho. – “Valentine’s Date*”.
- Valentine’s Date? – A amiga torceu o nariz. – Que porcaria é essa?
- Um aplicativo de relacionamento para solteiros que não querem passar o Valentine’s Day sozinhos – A morena explicou. – Você entra, responde algumas perguntas básicas sobre você e o aplicativo te sugere solteiros de idade e localização próximas às suas que tenham características parecidas. Voilà, vocês marcam um encontro no Valentine’s Day e fazem companhia um para o outro.
Janet ficou encarando a expressão satisfeita de Holly com os olhos cerrados por alguns segundos.
- O que foi? – A professora de artes se sentiu recriminada.
- Você sabe o que eu acho de aplicativos de relacionamento, Holly – A outra se justificou. – Mas, se isso vai te impedir de passar a noite toda chorando por um macho, então que seja – Janet rolou os olhos. – E quem foi que você conheceu?
- Um cara de Manhattan – A morena começou a contar. – O nome dele é Joseph. Ele tem 32 anos, é curador de arte, gosta de cozinhar e, adivinha...
- Ele também curte aqueles artistas de rua novaiorquinos com nomes estranhos que você é apaixonada? – Janet falou com um pouco de tédio.
- Werc e Buff Monster, sim! – Holly comemorou. – Nós temos muita coisa em comum. E ele também odeia azeitonas.
- Bom, parece que é um match – A amiga sorriu. – Onde vocês vão se encontrar?
- Em um dos murais do Werc no Brooklyn. Depois vamos jantar em um restaurante tailandês ali perto, sugestão dele.
- Vai ser uma grande noite.
- É, talvez – Holly sorriu de lado. – Só quero sair e me divertir um pouco, sabe?
- E se você chegar lá e descobrir que o tal Joseph é um maníaco de 68 anos ou um sequestrador, pode me ligar – Janet sugeriu, fazendo a amiga rir.
- Obrigada, Jan. Eu ligo sim – Holly pousou a mão sobre a da colega por cima da mesa.
O papo das duas foi interrompido pelo som do sinal da escola tocando. Fim do recreio. Em segundos, o corredor antes silencioso foi tomado pelo som de risadas e conversas das crianças. Que ótimo, Holly nem teve tempo de almoçar.
- Lá vou eu – Janet disse levantando da mesa e pegando a bolsa. – Boa sorte hoje à noite.
- Te conto tudo na segunda – A morena sorriu.
O Valentine’s Day havia se tornado uma data traumática para Holly, mas ela estava confiante. Um pouco ansiosa também, mas confiante. Joseph realmente parecia um cara legal, e foi muito atencioso durante as quase duas semanas que passaram conversando através do aplicativo. Holly estava paquerando online, quem diria? E ela até gostava. Menos dor de cabeça para ela.
A mulher não sabia exatamente o que esperar, já que o “Valentine’s Date” é um aplicativo que, em tese, só te arranja uma companhia para passar o dia de São Valentim. Mas quem sabe, se Joseph fosse assim tão interessante quanto parecia, Holly e ele não pudessem visitar uma ou duas exposições de arte contemporânea por aí outro dia?

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*Date significa “encontro” em inglês.


Capítulo 8 - Grace, e o admirador secreto

Embora a professora Holly fosse muito legal, Grace não era a maior fã das aulas de artes. Ela encarava a própria escultura de argila, que deveria ser um vaso ou um pote, e via apenas uma massa disforme cheia de marcas de dedos. A garota de dez anos não fazia ideia do que seria quando crescesse – mas com certeza não seria escultora.
Frustrada, Grace olhou para a mesa do lado para ver o que as outras crianças estavam fazendo. Algumas das que mexiam com argila também haviam apostado em vasos, outras faziam animais ou belas árvores... Já os alunos que optaram por trabalhar com pintura tinham mais liberdade para imaginar: naves espaciais, praias paradisíacas e... corações?
Grace franziu a testa ao ver a pintura de Frankie, um fundo claro repleto de corações coloridos. Não lhe pareceu muito criativo, à primeira vista. A obra de arte só fez sentido quando Grace conseguiu ler o nome que estava escrito na parte debaixo do cartão.

Feliz Valentine’s Day!
Para: Amber
De: Frankie

Grace sobressaltou-se. Assim que a tinta secou um pouco, o garoto loirinho dono do cartão de corações começou a cutucar os amigos sentados ao redor dele para que passassem seu presente para Amber. A menina de cachos escuros sentada do outro lado da sala ficou surpresa ao recebê-lo, e sorriu.
Aquela cena causou uma sensação estranha em Grace. Observando melhor a movimentação, ela notou que Frankie não era o único a fazer um cartão de Valentine’s Day para a pessoa que gostava: seu amigo Ben também havia enviado um bilhete para Emily, que lia a mensagem junto com as amigas na mesa de trás; Michael fizera uma declaração para Rebecca, que enviara uma para ele de volta; até mesmo Lauren tinha escrito um cartão, que colocara na carteira de... Ricky.
Aquele rapazinho de cabelo espetado era quem fazia o coração de Grace palpitar, se é que ela sabia alguma coisa sobre esse sentimento. Ao ver que Ricky tinha recebido uma declaração de Valentine’s Day, Grace ficou momentaneamente triste e ligeiramente com raiva. Porém, pelo que ela pôde observar, o garoto ainda não tinha mandado um cartão para ninguém da sala.
Grace esperou. Ela detestaria admitir, mas esperou. Ficou a aula toda aguardando uma pintura de coração feita de guache chegar à sua mesa. Poderia ser de qualquer garoto – embora ela preferisse que fosse de Ricky. Mas o tempo passou, e nenhuma pintura chegou. Nem do garoto dos cabelos espetados, nem de ninguém. Até que o sinal do almoço bateu e todos saíram da sala felizes com seus cartões e declarações de amor, mas Grace ficou.
A menina virou-se de volta para sua mesa, encarando a escultura de argila defeituosa que havia feito. Amassou-a com o punho até virar apenas uma massa novamente.
Um bilhete! Era pedir demais? Agatha havia recebido três! Aquilo não era justo. Grace ficou chateada com aquela história toda de Valentine’s Day. Por que, afinal, ninguém tinha feito um cartão para ela? Qualquer razão que vinha à mente da menina a deixava ainda mais triste.
Enquanto refletia, Grace percebeu que a professora ainda estava na sala. Pensou em conversar com ela, já que Holly provavelmente havia passado por mais dias de São Valentim que ela.
- Professora, posso te perguntar uma coisa? – A garota aproximou-se timidamente da mesa.v - Claro, Grace, o que foi? – A mulher disse sem tirar os olhos dos jeans respingados de tinta que tentava limpar.
- Só garotas bonitas recebem cartões de Valentine’s Day? – Grace questionou.
- Todos nós recebemos cartões e ganhamos pirulitos no início da aula – A professora estranhou, falando sobre a tradição da escola.
- Estou falando de cartões de amor. Só garotas bonitas os recebem no Valentine’s Day? – A menina insistiu.
- Por que você acha isso, querida?
- Porque eu não recebi nenhum.
- Mas você é uma garota bonita – Holly sorriu.
A conversa com a professora não ajudou em muita coisa. Ela disse que Grace deveria se incomodar com homens apenas quando for uma mulher, e que crianças não devem trocar cartões de amor. Mas não respondeu à pergunta da mais nova.
Após o fim da aula, Grace foi caminhando para casa, como sempre. Apenas um pouco mais cabisbaixa do que o usual. Ela tinha quase certeza de que não havia recebido nenhum cartão porque os garotos da sala dela não a achavam bonita. Ela não tinha os olhos azuis de Emily nem as sapatilhas incríveis de Rebecca – mas, principalmente, não era tão magra quanto elas. E, aparentemente, isso era um problema.
Grace seguiu seu caminho por Manhattan pensando sobre todas aquelas questões. Mas enquanto passava pelo costumeiro Rockefeller Center, um estranho de óculos esquisitíssimos a parou.
- Olá! Você é a Grace? – Ele perguntou, a encarando com a armação em formato de coração saltando do rosto.
A menina se assustou. Não deveria parar no caminho de casa para conversar com estranhos. Ainda mais com um estranho tão... estranho.
- Você tem cara de Grace – O rapaz insistiu.
- Sou sim – Ela cedeu.
- Bom, eu tenho uma coisa pra você – Ele procurou algo no bolso, e logo esticou para ela um papel-cartão recortado em formato de coração. Parecia igual aos que ele carregava em sua cesta.
- O que é isso? – Grace questionou, desconfiada.
- É um bilhete. Normalmente eu não escolho quem os recebe, apenas entrego aleatoriamente, mas esse – O homem aproximou o cartão de si mesmo. – Foi encomendado para você por um admirador secreto.
Os olhos de Grace brilharam. Um admirador secreto?!
- Jura? – Ela estava prestes a pegar o papel da mão dele, porém parou. – Mas como você sabe que é para mim?
- Porque você é a Grace, uma garotinha de dez anos passando pelo Rockefeller Center na volta da escola hoje, às duas horas, carregando uma mochila estampada com morangos – Explicou o homem de óculos. – Exatamente como seu admirador secreto disse que seria.
Grace ficou encarando-o, um pouco assustada.
- Eu sei que parece o tipo de informação que um sequestrador de crianças teria, mas... – O homem riu de si mesmo, percebendo o quanto aquilo soava estranho. – Foi seu admirador que me contou, para que eu pudesse entregar isso a você.
Relutante, a menina decidiu pegar o cartão que o estranho dos óculos de coração lhe estendia.
- E quem é meu admirador secreto? – Perguntou.
- Se eu te contar, não vai ser mais secreto – O rapaz respondeu, divertido. – O suspense faz parte da graça do Valentine’s Day. Até mais, Grace! – E então ele saiu andando, para entregar mais bilhetes pela praça.
A garotinha ficou ali parada, ansiosa e um pouco nervosa. Quem será que havia pedido àquele cara para entregar o cartão a ela? Quem era seu admirador secreto? E o que ele havia escrito?
Sem mais suspense, Grace virou o papel-cartão amarelo para ler.

“Grace,
Acho você a garota mais inteligente e legal do mundo.
Feliz Valentine’s Day, de alguém por aí que gosta muito de você.”

Ela não conseguiu conter o sorriso. Alguém havia escrito um bilhete para ela! E a achava a garota mais inteligente e legal do mundo!
O resto do caminho para casa foi bem diferente daquele início melancólico. Alegre, Grace caminhava pela rua imaginando quem seria seu admirador secreto. Claro que ela tinha palpites, mas, lá no fundo, havia um nome em que ela depositava suas esperanças.
Será que era Ricky quem tinha procurado o homem dos óculos de coração para dar-lhe aquele cartão? Faria muito sentido, na verdade, já que ele não tinha presenteado ninguém na sala durante a aula de artes. Quem sabe o garoto fosse tímido, e por isso decidiu entregar sua mensagem através de outra pessoa.
A cabeça de Grace fervilhava de perguntas, e também de felicidade. Ela nunca havia recebido um cartão de amor no Valentine’s Day antes. Na verdade, ela não se lembra de algum garoto já ter demonstrado sentimentos por ela. E aquele reconhecimento a fez muito bem.
A menina chegou em casa saltitante, segurando o cartão amarelo na mão. Porém, quando estava prestes a encaixar a chave na fechadura da porta, notou que havia algo em cima do tapete de entrada.
Um pequeno buquê de tulipas laranjas amarradas com uma fita brilhante, e uma carta dentro de um envelope da mesma cor.
Surpresa e animada, Grace largou a mochila no chão da varanda, pegou as flores nos braços e abriu o envelope.

“Querida Grace,
Espero que tenha recebido o cartão do homem com óculos de coração.
Me desculpe por não entregar essas flores pessoalmente,
mas espero que logo você descubra quem eu sou.
Ficarei pensando em você o dia todo.
Com amor, do seu admirador secreto”

A garota de bochechas redondas deu um gritinho de felicidade. Recolheu as próprias coisas e entrou em casa, pensando em quando finalmente descobriria quem era seu Rick... admirador secreto. Será que ele revelaria sua identidade ainda hoje?

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Capítulo 9 - Maya, a fã apaixonada II

Assim que a aula terminou, Maya foi correndo para a frente do colégio pegar um Uber. Um dos produtores da iHeartRadio havia entrado em contato com ela via mensagem minutos depois do resultado da promoção, com instruções para que ela o encontrasse no Central Park, onde ocorreria o show mais tarde, para começar seu encontro com Kyle Beresford.
A adolescente ficou o caminho todo fazendo os exercícios de respiração que aprendeu na yoga para tentar se acalmar. A última coisa que ela queria era dar uma de fã maluca e surtar na cara do músico, pois isso estragaria qualquer chance de se darem bem. Além do mais, ela havia lido numa matéria da SugarPop que Kyle não gostava quando as garotas agiam assim perto dele.
O caminho até o Central Park parecia extremamente longo, e ao mesmo tempo passou num piscar de olhos. Logo, a adolescente de 15 anos e traços asiáticos já estava encarando a enorme estrutura do palco sendo montada na beira do lago, para o Festival de Valentine’s Day da iHeartRadio.
- Você é a Maya? – Um rapaz próximo dos 25 com grandes olhos azuis se aproximou da garota, usando um crachá da rádio. Ela assentiu. – Meu nome é Dylan, nos falamos por mensagem. Vou acompanhar você e o Kyle na programação de hoje – Ele explicou, simpático.
- Muito prazer, Dylan – Maya sorriu. O rapaz entregou a ela um crachá parecido com o dele, escrito “acesso total”. Ela quase pirou, mas manteve a pose.
- Venha, o Kyle está lá atrás. Ele acabou de passar o som com a banda, já deve estar pronto para irmos – Dylan falou, guiando a adolescente até as cortinas que separavam o espaço da plateia do backstage.
Àquela altura, as respirações de yoga não estavam mais funcionando. O coração de Maya estava à mil, as mãos dela suavam. A cada passo, a garota ficava mais ansiosa. “Tomara que eu não desmaie”, ela pensava.
Na parte de trás do palco, uma sala improvisada tinha uma placa na porta: “Kyle Beresford – somente pessoal autorizado”. Era o camarim dele. Após cumprimentar o segurança, Dylan bateu na porta suavemente duas vezes, e então abriu. Maya deu um passo adentro com as pernas bambas.
Lá estava ele. Com o cabelo loiro milimetricamente penteado para cima e usando óculos escuros de marca, Kyle Beresford, um rapaz alto e charmoso de dezoito anos, afinava seu violão sentado despretensiosamente no sofá de seu camarim.
Ela quase gritou. Depois, quase desmaiou. Mas tudo que Maya realmente fez foi ficar lá parada, com o queixo caído, sem conseguir dizer uma palavra ou mover um músculo. Ela estava cara a cara com o rapaz dos pôsteres no seu quarto, das músicas na sua playlist.
- Sr. Beresford, essa é a Maya – Dylan os apresentou, e o rapaz virou o rosto para encará-los. – Ela foi a ganhadora da promoção da rádio.
- Oi, Maya – A voz grave do garoto pronunciou. Meu Deus, ele disse o nome dela! – Meus parabéns.
Se não fosse pelo leve empurrãozinho que Dylan deu em suas costas, Maya teria ficado ali parada admirando Kyle pelo resto do dia. O rapaz colocou o violão de lado e se levantou, e ela caminhou até ele a passos pequenos para que se cumprimentassem com um abraço e um beijo no rosto.
- Podemos ir? – O produtor da rádio sugeriu, e os dois assentiram, seguindo-o para fora do camarim.
- Você fala? – O rapaz a encarou com seus olhos azuis encobertos pelas lentes dos óculos.
- Desculpe, eu... – Foi a primeira coisa que saiu da boca de Maya, junto com um riso nervoso. – Eu adoro suas músicas.
- Eu imaginei – Kyle sorriu de lábios fechados. Ele ficava lindo sorrindo daquele jeito.
- Bom, Kyle e Maya, sejam bem-vindos ao encontro de Valentine’s Day de vocês – Dylan parou de frente para eles e anunciou alegremente. – A primeira coisa que vamos fazer é dar um tradicional passeio de carruagem aqui pelo Central Park, um dos destinos mais românticos de Nova York. Prontos?
Maya não era a maior fã de cavalos, mas aquela era sua última preocupação no momento. Sentada na carruagem com Kyle, a adolescente digeriu lentamente a ideia de estar próxima dele, e em alguns minutos de passeio, a fã antes muda já estava bem mais à vontade com seu ídolo.
- É lindo aqui, não é? – A garota puxou papo. – Você já tinha andado de carruagem antes?
- Quando criança – Kyle respondeu. Os dois ficaram em silêncio em seguida.
- Você prefere Nova York ou Londres? – Maya questionou.
- Nova York. Eu nasci aqui.
- Sério? Eu também – A adolescente sorriu. – Ok, na verdade, eu já sabia que você tinha nascido aqui.
- Eu imaginei – Kyle permaneceu sério.
- Ok, vou te fazer perguntas sobre coisas que eu ainda não sei sobre você – Afirmou a menina, sem esperar que ele assentisse. – Você preferiria morar em um lugar superquente ou super frio?
- Frio...? – Ele não parecia tão certo assim.
- Boa escolha. Quem é o seu maior ídolo?
- John Lennon – Essa Kyle não precisou pensar.
- Se você fosse passar o resto da vida em uma ilha deserta, quais as três coisas que você levaria? – Ela parecia animada.
- Bom... papel, um lápis e meu violão – O garoto deu a primeira resposta que veio em mente. Eram muitas perguntas.
- Se você pudesse ter um superpoder, qual escolheria?
- Me teletransportar para não ter que viajar tanto de avião – Kyle disse e suspirou em seguida.
- Quando você vai lançar seu próximo álbum?
- Não tem data ainda.
- A sua música “When I Was There” é sobre a Christine Moore?
- O que? – Agora o rapaz passara de desinteressado para surpreso e levemente impaciente.
- É que na primavera passada todos os sites de fofoca falavam que vocês dois estavam namorando, o que é meio improvável na minha opinião já que você disse uma vez que prefere garotas morenas ao invés de loiras, por isso eu pensei que...
- Ok, eu não consigo fazer isso – Kyle interrompeu a garota imediatamente, com um ar irritado.
- O que foi? – Maya não entendeu sua reação, e ficou preocupada.
- Eu fui contratado para um encontro com uma fã, não para uma entrevista – O loiro bufou. – Existe alguma pergunta realmente relevante nessa sua lista, ou você baseou todas elas nas revistas de fofoca adolescente que lê?
A garota franziu a testa, processando aquilo que ouviu enquanto encarava a expressão insatisfeita de Kyle logo ao lado.
- Pare a carruagem – Maya disse ainda olhando para o rapaz, mas os cavalos continuavam andando. – Pare a carruagem!
Dessa vez, o senhor que dirigia o veículo ouviu e a obedeceu, sem entender nada. Quem também escutou a discussão foi Dylan, que estava mexendo em seu celular na carruagem de trás bem ao lado do segurança do músico.
Com a cara fechada, Maya desceu do veículo e cruzou os braços.
- As revistas de fofoca adolescente que eu leio esqueceram de mencionar um detalhe sobre você: o fato de ser um idiota – Ela disse com raiva, e saiu para o gramado do parque em seguida.
Confuso e afoito, Dylan desceu às pressas de sua carruagem. Olhou primeiro para a adolescente em nervos ao longe, e então se voltou para Kyle.
- O que foi que você fez? – Disse, sem paciência, para o loiro emburrado.
- Ela estava me enchendo de perguntas como se fosse uma jornalista – O músico rolou os olhos.
Dylan precisou contar até três antes de respondê-lo.
- Olha só, Kyle – O rapaz de olhos azuis começou. – Eu sei que ser o artista mais vendido do ano e o garoto mais cobiçado dos Estados Unidos deve ser difícil pra você. Mas a Maya não tem culpa da sua péssima vida cheia de sucesso. Eu entendo você ser grosso comigo, com o seu empresário e a sua banda como fez mais cedo, mas foram garotas como a Maya que te colocaram aqui, por isso eu acho que o mínimo que você poderia fazer é realizar o sonho de uma fã e cumprir o que seus agentes concordaram que você faria. Você não é o único aqui que está tendo um péssimo dia. – Dylan falou firmemente. Quando estava prestes a se retirar, voltou atrás. – E tira essa porcaria de óculos escuro.
Kyle pensou em responder à bronca de Dylan de uma forma bem malcriada, mas o rapaz de olhos azuis já estava longe demais para escutar. O músico bateu na lateral da carruagem, irritado. Kyle nem queria estar ali, e aqueles dois só estavam contribuindo para o seu já típico mau humor.
Vendo que o adolescente rebelde na carruagem não tinha a mínima intenção de limpar a bagunça que fez, Dylan se viu na obrigação de ser o adulto da situação e ir até o gramado falar com Maya. Olivia ia ter que pagá-lo dobrado por ter o metido naquilo. - Ei, Maya – O rapaz se aproximou com um tom ameno. Ao vê-lo, a garota limpou as lágrimas das bochechas na intenção de escondê-las. Dylan respirou fundo. – Olha, eu sei que o que Kyle tem de lindo, ele também tem de babaca. Eu teria te dito antes, mas você não acreditaria. Sei que deve ser bem decepcionante pra você.
- Eu tenho pôsteres dele em todas as paredes do meu quarto – Maya disse com a voz um tanto embargada. – Eu ganhei esse sorteio achando que esse seria o melhor dia da minha vida, e acabei descobrindo que passei os últimos dois anos admirando um babaca. Belo primeiro encontro de Valentine’s Day.
- É o seu primeiro encontro de Valentine’s Day? – A dor da garota soou ainda pior para Dylan agora. Ela assentiu. – Ah, Maya. Infelizmente eu não posso te garantir que o Sr. Antipático ali irá colaborar, mas prometo que vou fazer o meu melhor pra que o seu dia seja legal, pode ser?
- Eu duvido que você consiga, mas obrigada.
- Garota... desafio aceito – Dylan disse com a voz afetada, fazendo Maya rir. – Vamos continuar nossa programação? – Ela pareceu um pouco relutante. – Por favor, o meu salário depende disso.
- Tá, tudo bem – A menina cedeu, a contragosto. – Mas posso ficar na sua carruagem?
- Times Square, aqui vamos nós! – Dylan abraçou Maya por cima dos ombros, levando-a até o veículo. – Mas não deixe ele te ver chorar.

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Capítulo 10 - Valentine, a que odeia Valentine's Day II

Valentine já não aguentava mais ter que cruzar de um edifício para o outro, ainda mais usando aqueles saltos extremamente desconfortáveis. Já havia passado da hora de o setor jurídico da empresa ficar no mesmo prédio que o setor de contabilidade, para que poupassem a pobre contadora de cruzar a praça do Rockefeller Center três vezes só na hora do almoço por conta da papelada. Cada vez que Valentine chegava ao setor dos advogados, notava que faltava um documento ou assinatura e a mandavam de volta para sua sala. Burocracia é um saco.
Tudo só ficava pior quando a moça, sem paciência, olhava para o rapaz dos óculos em formato de coração, entregando seus bilhetes na maior alegria do mundo para quem passava pela praça. A felicidade sem explicação do mensageiro, que a princípio a deixara curiosa, estava começando a irritá-la.
- Feliz Valentine’s Day, senhorita! – O homem sorridente de barba loira e rala apareceu em seu caminho novamente, quando ela já estava na quarta viagem até o setor jurídico. – Ah, espere, eu já te dei um cartão antes.
- Sim, você deu – Valentine concordou, prestes a continuar sua marcha até o outro lado da praça. Mas parou. – Como é que você se lembra?
- Sua cara de brava é difícil de esquecer – O rapaz dos óculos brincou. – Dia difícil no trabalho?
- Dia difícil na vida – Ela acrescentou. Novamente, a moça pensou em seguir seu caminho, mas a curiosidade a impediu. – Vem cá, por que você faz isso? – Perguntou sem mais nem menos.
- Isso o quê?
- Entregar cartões de amor aleatoriamente.
- Ah – Ele sorriu. – Para fazer o dia das pessoas mais feliz.
Era uma resposta romântica demais para satisfazer Valentine.
- Mas você não deveria estar, tipo, no trabalho? – Questionou a morena de cabelos cacheados.
- Eu faço meu horário.
- Em que profissão isso é possível? – Ela franziu a testa.
- Eu sou fotógrafo.
- E por que um fotógrafo de vinte e...
- Vinte e nove – O mensageiro completou a estimativa dela sobre sua idade.
- Por que um fotógrafo de vinte e nove anos decidiu “fazer o dia das pessoas mais feliz” com mensagens genéricas em cartões de coração durante o Valentine’s Day? – Perguntou a garota, desconfiada.
- Sabe... é uma longa história – O rapaz coçou a nuca e sorriu. Ele fazia muito isso, aparentemente. – E por que uma moça de salto alto com uma pilha de papéis no colo andando de um lado para o outro parece detestar tanto assim esse dia, senhorita...?
- Valentine – Ela completou.
O homem dos óculos de coração não conseguiu fazer outra coisa senão rir.
- O nome da garota que odeia Valentine’s Day é Valentine? – Ele questionou, divertido.
- Sabe... é uma longa história – A morena disse num suspiro, e então seguiu andando para o prédio do outro lado da praça, encerrando o assunto.
Aquele era um sujeito esquisito, definitivamente. Porém, Valentine não conseguia pensar em outra coisa a não ser a pilha de processos e contas matemáticas que precisava finalizar. Passou o resto da sua tarde abarrotada de trabalho – mas pelo menos, aquela foi a última vez que teve de ir até o setor jurídico. Quando eram por volta de quatro da tarde, a supervisora da moça entrou em sua sala. “Mais trabalho”, foi o que Valentine pensou imediatamente. Mas estava enganada: a chefe havia lhe dado o resto do dia de folga, como presente de aniversário.
Ao menos uma notícia boa. Aliviada e com o resto da sexta-feira livre, Valentine livrou-se dos saltos e da saia envelope para colocar um casaco confortável e deixar aquele mar de prédios para trás.
Enquanto descia pelo elevador panorâmico do prédio, Valentine pousou os olhos mais uma vez sobre o homem dos óculos de coração na praça. Ele ainda estava lá, entregando seus cartões.
Ela não faria aquilo, certo? Não gastaria suas horas de folga do trabalho indo falar com o esquisitão dos cartões de Valentine’s Day.
Foi exatamente o que ela fez.
- Valentine! – O rapaz a cumprimentou alegremente assim que ela apareceu em seu caminho. – Gostei do moletom, bem melhor que aqueles saltos.
- Eu quero saber a história – Ela disse, e ele pareceu não entender. – Você me disse que sua motivação para os cartões era uma longa história, e eu quero saber.
O homem ergueu as sobrancelhas, surpreso com a atitude dela.
- Você primeiro – Ele sugeriu. – Sua história parece bem mais longa e interessante que a minha, Valentine que odeia Valentine’s Day.
Após um longo suspiro, a moça de cachos volumosos cedeu.
- Hoje é meu aniversário – Ela disse. – Meus pais me deram esse nome porque nasci em 14 de fevereiro de 1997. Eles adoravam a data, acharam que seria uma boa ideia. Mas não foi.
- E por quê?
- Porque eu não sou romântica – Respondeu Valentine. – E, com o tempo, comecei a pegar raiva desse dia.
- E por quê?
- Porque acho o Valentine’s Day uma data superestimada. E também porque não acredito que ela foi criada baseada no romance, amor verdadeiro ou qualquer uma dessas coisas que as pessoas adoram anunciar ao mundo no Instagram nesse dia. Acho que é simplesmente uma data em que floriculturas e fábricas de chocolate podem lucrar por terem criado essa obrigação para os casais de presentear o parceiro.
- Caramba – O rapaz riu mais uma vez, impressionado com a fala dela. – A vida foi irônica com você, Valentine que odeia Valentine’s Day.
- É, não me diga – A moça rolou os olhos. – E qual é o seu nome, cara esquisito dos cartões?
- Eu sou Thomas – O rapaz esticou a mão para um aperto, e ela correspondeu.
- Muito prazer, Thomas dos cartões de Valentine’s Day. Agora fala, qual é a sua?
Antes de começar a falar, o homem indicou para que os dois se sentassem em um dos bancos de madeira que ficavam na beira da praça.
- O nome da garota era Michelle – Ele iniciou a história. – A tradição de entregar cartões para desconhecidos no Valentine’s Day era dela, originalmente. Foi assim que nós nos conhecemos: quando ela me entregou um desses alguns anos atrás. Eu estava andando pela rua e lá estava ela, no meio de uma praça, usando óculos com lentes de coração. Eu também achei estranho. Perguntei a ela por que fazia aquilo, e ela me respondeu que era uma “gentileza aleatória”. Continuei achando estranho, mas como ela era gata, não me importei e a convidei para sair – Thomas disse sinceramente, e Valentine riu. – Ficamos noivos em três anos e meio. Era a mulher da minha vida. Mas aí, três meses depois, Michelle morreu em um acidente de carro.
- Meu Deus – A moça encarou o chão, sem jeito. – Sinto muito.
- É – Thomas deu de ombros. – Foi bem horrível. Mas ela era uma pessoa incrível, sabe. Me ensinou muito no tempo em que estivemos juntos. Inclusive, sobre as tais “gentilezas aleatórias”. Eu finalmente entendi o que ela queria dizer com aquilo, e é por isso que eu continuo a tradição dela. Todos os anos, desde que ela morreu, eu vou a uma praça de Nova York e entrego os bilhetes com mensagens de amor para estranhos, que tem as reações mais variadas. Mas quando ouço “nossa, você fez meu dia!”, ou então “esse é o único cartão que recebi hoje”, sei que estou fazendo o certo ao manter essa esquisitice. E sei que Michelle deve ficar feliz por isso, seja lá onde estiver.
Valentine ficou em silêncio, apenas encarando os olhos do rapaz por debaixo das lentes avermelhadas de coração. Ela não sabia direito o que dizer.
- Eu disse que era uma longa história – Thomas falou após alguns segundos para quebrar a quietude, e riu em seguida. – Veja, eu entendo o que disse sobre o Valentine’s Day ser uma data cheia de romantismo clichê e dinheiro gasto com chocolate e flores. Mas, da forma que eu vejo, esse dia não é sobre o amor romântico dos posts de Instagram, que é cafona e que acaba. O Valentine’s Day é sobre amor em todas as formas. Sobre demonstrar o quanto você se importa com as pessoas, e tanto faz se for um namorado, um amigo, um familiar ou até um completo estranho.
- Uau – Foi só o que Valentine disse. Após um longo tempo pensativa, voltou a falar. – Eu quero ver.
- Ver o que? – O rapaz perguntou, confuso.
- Ver isso que você disse. Ver o Valentine’s Day assim – Explicou a moça. – Dar um novo significado a esse dia.
- Você quer entregar cartões? – Thomas ficou surpreso.
- Quero.
O rapaz não disse mais nada, apenas riu e entregou a cesta com os papéis recortados para Valentine.
A sensação foi estranha, no início. A garota se sentia como uma completa idiota, parada lá no meio da praça. A primeira pessoa que ela abordou nem sequer ouviu o que ela disse, de tão baixo – foi ridículo. Do mesmo banco de madeira, Thomas observava Valentine tentar a sorte, e se divertia enquanto tentava motivar a moça dos cabelos cacheados fazendo joinhas com a mão.
- Quanto antes você começar, antes essa sensação estranha passa – Ele berrou para ela.
Ela pensou em desistir. Porém, quando entregou o primeiro cartão para uma senhora que passeava com o neto, sentiu-se motivada. Logo entregou o segundo cartão, e o terceiro. Uma garota que passou mal olhou para o que estava escrito no papel, apenas enfiou-o na bolsa. Um homem, por outro lado, agradeceu e ficou emocionado com o que estava escrito.
Durante as quase duas horas em que Valentine distribuiu mensagens no Rockefeller Center, as pessoas reagiram ao ato dela das mais diversas maneiras. Como uma dose extra de confiança, Thomas emprestou para ela seus óculos com lentes de coração, que pareceram atrair ainda mais atenção para a moça. Muitos acharam o ato dela engraçado – um grupo de amigas até a pediu uma selfie. Tudo que Valentine sabia era que entregar cartões com mensagens de amor era a coisa mais divertida que ela já havia feito em seu aniversário.
- E então? – Thomas perguntou, animado, ao ver a garota retornando com sua cesta de bilhetes praticamente vazia.
- Foi incrível e assustador ao mesmo tempo – A morena contou com uma mistura de emoções na voz, jogando-se no banco de madeira ao lado dele.
- Ainda odeia o Valentine’s Day?
- Não força a barra – Valentine franziu a testa, e os dois riram juntos em seguida. – Obrigada por isso.
- Pelo quê?
- Por me mostrar esse lado do meu aniversário que eu não conhecia. Isso que você faz é incrível – A garota sorriu. – Muito mais significativo do que flores, chocolates e fotos no Instagram. Eu adorei.
- Fico feliz – Thomas sorriu, e em seguida pegou de volta seus óculos de coração, devolvendo-os ao próprio rosto.
Antes que ele pudesse fazer qualquer coisa, Valentine virou-se para ele e o abraçou. O ato repentino o surpreendeu, mas o rapaz correspondeu. Conhecer aquela moça havia mudado o dia dele também.
-Agora eu tenho que ir – Disse ela após se desvencilhar do abraço, levantando-se do banco imediatamente.
- Aonde você vai? – Ele estranhou.
- Você me deu uma ideia – Valentine disse já se distanciando – E eu preciso correr.
- Ok... – Thomas notou que não era ele quem estava parecendo lunático agora. – Até mais!
- Até mais, obrigada! – Ela gritou. – Feliz Valentine’s Day!
- Feliz Valentine’s Day, Valentine – O rapaz disse com um sorriso, mesmo sabendo que ela não ouviria.
Correndo por entre a multidão de pessoas que saia do trabalho no Rockefeller naquele momento, Valentine sacou o celular com pressa e fez uma ligação.
- Oi, mãe! – Disse animada, assim que a mãe atendeu. – Eu mudei de ideia.
- Oi, filha... sobre o quê? – A mulher do outro lado não entendeu nada.
- Sobre o meu aniversário – A moça explicou. – Eu quero uma festa esse ano.
- Que ótimo, querida... Mas não acha que está um pouco tarde para decidir isso?
- É que eu aprendi que o Valentine’s Day é o dia do amor, então quero passá-lo com as pessoas que eu amo – Valentine sorriu, parando na escada do metrô para que o sinal não caísse. – E você e o papai são meus Valentines.
- Oh, filha... – A mãe riu do outro lado. – Nós adoraríamos comemorar com você.
- Ótimo. Como o Dylan está trabalhando, seremos só nós três. E eu tenho uma ideia – A moça sorriu, olhando para o sol que se punha entre os prédios.

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Capítulo 11 - Noah e Jessica, o casal de primeira viagem II

O sinal da última aula tocou, anunciando o fim dos estudos – e o começo das programações de Valentine’s Day. Animado e um tanto ansioso, Noah saiu da sala e correu para encontrar Jessica, que tinha Inglês no último período. Ela carregava os dois buquês de rosas que faziam parte da surpresa que ele havia preparado pela manhã.
- Quer ajuda com isso? – O rapaz ofereceu, mas Jessica não o entregou as flores.
- Eu levo os presentes, leva minha mochila. Obrigada – Ela sugeriu, e Noah acatou. – O casal atravessou o corredor e chegou até o lado de fora.
- Ok, parada aí – Disse ele, ajeitando as duas bolsas nas costas e alcançando o celular no bolso. – Você está linda carregando essas rosas, deixa eu tirar uma foto.
- Noah... – Jessica sorriu envergonhada, mas logo posou com os dois buquês.
- Espera, vai um pouco mais pra direita, a luz está melhor – Ele dirigiu e ela obedeceu, aproximando-se da árvore que ficava ali.
Assim que Noah clicou no botão para registrar o momento, viu algo caindo da árvore na direção do ombro direito de Jessica. Enquanto sorria na pose, a garota sentiu que algo escorria na mesma região do seu corpo.
- Jess, acho que um pombo...
- Sim, Noah, eu senti – O sorriso orgulhoso da garota se transformara numa cara amarrada. – Eu não acredito! Eu adoro essa blusa! – Exclamou, frustrada, encarando o cocô de pombo na peça.
- Vamos passar na sua casa e você troca de roupa, o que acha? – O garoto de cabelos cacheados sugeriu, de prontidão. – E aí continuamos nossa programação de Valentine’s Day.
Jessica concordou, mas a cara emburrada da garota não mudou. “Vai ser um ótimo dia”, Noah afirmou para si mesmo assim que os dois voltaram a caminhar. “Tudo vai dar certo”. Ele precisava dizer isso para começar a acreditar.
Como combinado, o casal desviou um pouco a rota planejada por Noah e passou na casa de Jessica, para que ela pudesse trocar a blusa suja e aproveitar para colocar seus buquês de rosa na água. Quando tudo já estava bem novamente e não havia flores ou mochilas para carregar, os dois adolescentes seguiram para o primeiro destino do planejamento do rapaz: a Times Square.
Todo ano, a icônica praça de Nova York ganha uma escultura gigante em formato de coração no Valentine’s Day – sempre de um jeito completamente diferente. Pelas fotos que Noah vira na internet, a desse ano estava incrível, e renderia um bom passeio romântico.
- Eu sempre quis que um garoto me trouxesse para ver a escultura, é sempre tão linda – Jessica falou animadamente, enquanto os dois caminhavam já próximos do destino. – Ótima escolha.
- Obrigado – Noah falou, satisfeito.
Eles ficaram em silêncio por alguns segundos.
- Quantas garotas você já trouxe aqui? – A moça perguntou, tentando fazer com que não parecesse nada demais.
- O que? – O rapaz achou estranho e riu. – Nenhuma.
- Ah, tá – Jess pareceu duvidar. – Você é do último ano, Noah. Vai me dizer que, com esses cachos, você nunca saiu com nenhuma garota no Valentine’s Day?
- Não, é sério – O garoto riu da acusação. – Você sabe que eu nunca namorei com ninguém antes.
A menção daquela palavra fez Jessica dar um sobressalto. Então era aquilo que os dois estavam fazendo? Namorando? Mas Noah não havia pedido. Ok, eles já estavam naquele lance há cinco meses, mas não era bem oficial. O que deixava Jessica um tanto ansiosa, para ser sincera.
Quando notou que usou aquela expressão, Noah também se inquietou. Por instinto, colocou a mão no bolso direito do casaco, para sentir ali o pacote prateado que tinha guardado. Por um momento, passou pela cabeça dele tirá-lo dali agora mesmo e fazer o que vinha planejando fazer há algumas semanas. Mas não, ele precisava esperar o momento certo para dar a Jessica aquele colar e pedi-la em namoro, oficialmente.
- Se você diz... – Jessica manteve a desconfiança. Mas quem poderia culpá-la, afinal? Ela estava no primeiro ano, e por isso não conhecia Noah há muito tempo. Além do mais, namorar era algo novo para ela também.
Felizmente, não foram necessários muitos passos no silêncio desconfortável que seguiu aquela conversa – a Times Square estava logo à frente. Porém, entre o casal de adolescentes e a tão falada escultura de coração, havia um mar de gente.
- Acho que muitos casais pensaram como eu – Disse Noah, ao olhar a multidão.
- Acho que metade de Nova York pensou – Jessica completou, surpresa com a visão.
O rapaz deu de ombros, e em seguida olhou para a garota com um sorriso. Esticou sua mão para ela, que a pegou, e logo os dois partiram para a praça na tentativa de conseguir um lugar perto da escultura.
É claro que a atração de Valentine’s Day atrairia muito público durante o Valentine’s Day – é para isso que ela foi feita. Mas bastaram alguns minutos de tentativas frustradas de adentrar na multidão para que Noah e Jessica notassem que havia algo errado ali. Eles não estavam nem perto de ver o grande coração, e a aglomeração estava começando a ficar apertada.
Jessica notou que a garota ao seu lado usava uma camiseta de um artista que ela não conseguiu identificar direito. Logo, outra moça passou com uma peça parecida.
- Noah, acho que tem alguém famoso aqui – Disse ela, tentando ficar na ponta dos pés para ver alguma coisa.
A loira mal conseguiu terminar a frase, e de repente uma parcela daquela multidão começou a gritar histericamente. Eles ouviram sirenes, e luzes policiais começaram a piscar no fim da rua.
- Não vamos conseguir passar – Jessica continuou, frustrada.
- Não quer nem tentar? – Noah sugeriu.
Pelo que conseguiram ver, aquela gente toda não sairia da praça tão rápido. Mesmo que o tal famoso logo fosse embora, ainda havia grande parte daquelas pessoas que estava lá pela estátua. “Terceiro erro do dia”, Noah pensou consigo, chateado.
- Deixa pra lá. – Jess deu de ombros. – Qual é o próximo item da sua lista?
- Bom – Ele parou para pensar. – Vamos precisar de uma bicicleta para chegar até lá.
Após desistirem de fazer a primeira parada da programação romântica, Jessica e Noah seguiram com os planos do garoto e alugaram uma bicicleta de dois lugares. No início foi um pouco difícil conciliar as pedaladas – o que acabou rendendo boas risadas para o casal. Depois de algumas tentativas os dois pegaram o jeito, e então seguiram ao próximo destino.
- Isso é muito divertido! – Jessica riu no banco da frente, controlando o guidão da bicicleta.
- Bem mais legal do que ir de metrô, não é? – Noah riu junto com ela.
- Ok, mas dessa vez você vai ter que me contar – Jess arqueou a sobrancelha. – Já que eu estou dirigindo, preciso saber para onde vamos.
- Ah, tá – O rapaz de cachos deu risada. Estragaria a surpresa, mas era um bom argumento. – Vamos ao Central Park.
- Noah! – A loira exclamou, divertida. – Então estamos indo para o lado errado!
- Claro que não, é pra lá que temos que ir – Ele estranhou.
- Não, o Central Park é pra lá – Jessica apontou na direção contrária. Ela começou a virar o guidão para dar meia volta.
- Não, Jess, temos que subir a avenida – O garoto esticou-se para empurrar o guidão de volta.
- Temos que descer – Ela virou para trás e deu um tapa na mão dele.
Enquanto ficavam naquela discussão, nenhum dos dois olhou para frente. Na intenção de tomar o controle da bicicleta, Jessica acabou virando muito bruscamente – o que, somado, não deu muito certo. Os dois acabaram perdendo o equilíbrio, e bateram de frente com um carrinho de caixas em movimento. Era um carregamento de vinhos.
Quem estava do outro lado da rua parou para olhar o líquido roxo escorrendo pelo asfalto. O carregador, que puxava o carrinho, estava indignado. Noah caiu de lado, ralando o braço e a palma da mão esquerda. Já Jessica, que estava no banco da frente da bicicleta, colidiu direto com as caixas. Um pedaço de vidro acabou cortando a perna esquerda dela, um pouco abaixo do joelho.
- Vocês estão bem? – O dono das caixas perguntou, preocupado, retirando a bicicleta de cima dos dois.
- Estou, eu acho... – Noah respondeu, atordoado. Ele olhou para Jessica, que estava com as mãos em cima do ferimento. – E você?
- Eu me cortei – A loira fez uma careta de dor.
O homem do carrinho ajudou a garota a se levantar, com um pouco de dificuldade, enquanto Noah sentou-se no meio-fio.
- O que foi? – Jessica perguntou ao rapaz, preocupada.
- Sangue... – Ele disse, sem virar-se para ela. - Eu não posso ver sangue...
A garota rolou os olhos. “Francamente, Noah” pensou encarando seu rosto pálido.
Por sorte, a dona do restaurante coreano que ficava na frente do local foi muito simpática e deixou Jessica entrar para limpar a perna machucada, tirar o sangue e o vinho que escorriam dela. Enquanto isso, Noah (já recuperado da tontura) e o dono das caixas ajeitaram a bagunça, e com a ajuda de algumas pessoas que passavam, retiraram os cacos de vidro da calçada. O casal acidentado pediu mil desculpas ao comerciante pelo carregamento perdido, e então seguiu seu caminho.
- Quando tive a ideia da bicicleta, eu imaginei que poderia dar um pouco errado – Noah disse à garota depois que tudo estava resolvido, na tentativa de alegrar o humor. – Mas isso realmente superou minhas expectativas.
- Eu te disse que era para descermos a avenida – Jessica não achou muita graça.
- Me desculpe – Ele ficou sem jeito. – É que eu achei que seria divertido.
- Não tem por que se desculpar – Ela sorriu de lado. – Sua intenção era boa.
- Tem certeza de que está tudo bem? – Noah perguntou pela milésima vez. – Talvez devêssemos ir ao hospital... – Ele ficava um pouco zonzo só de olhar o curativo improvisado todo vermelho na perna da garota.
- Não quero ir ao médico, quero ir para casa – Jessica disse, emburrada.
Noah parou na calçada.
- Para casa? – Ele murchou. – Mas eu ainda tinha planejado...
- Eu sei, Noah, e eu agradeço muito – Ela o interrompeu. – Você é um fofo. Mas, aparentemente, esse não é o nosso dia.
- Está bem... – Disse, decepcionado. – Você quer que eu peça um Uber pra você?
- Não precisa, eu pego o metrô.
- Eu vou com você.
- Não tem necessidade. Só quero dar uma volta, ok? – Jess se aproximou do garoto e deu-lhe um beijo no rosto.
Ela se preparou para ir embora, mas viu que Noah estava visivelmente chateado. Ela não podia fazer aquilo com ele.
- Seus planos incluíam jantar? – Ela questionou, e ele assentiu.
- Não precisamos ir se você não quiser – O garoto falou na defensiva.
- Não, eu quero. O que acha de me buscar às sete? Até lá já fiz um curativo decente nessa perna – Jessica sorriu torto.
- Combinado – Agora a voz do garoto estava mais feliz. Aquele era o momento do dia que mais importava para ele, afinal.
Jessica saiu pela calçada dando passadas levemente doloridas, por conta da queda e do machucado. Ela não queria fazer Noah se sentir mal – a história do planejamento de Valentine’s Day era realmente fofa. Mas estava tudo dando tão errado que ela não sentia mais vontade de continuar. O dia dos dois, que ela tanto esperou, já estava arruinado. Jess só queria ficar em casa – mas não ia dar um bolo nele assim. Ela estava decepcionada, mas nem era necessariamente com o que estava dando errado.
A garota caminhou algumas quadras, cabisbaixa. Chegando à estação de metrô correta, cruzou o Rockefeller Center, onde foi abordada por uma moça de cabelos afro usando uns óculos vermelhos esquisitos. Ela entregou-lhe um papel com algo escrito – deveria ser um panfleto ou algo assim, que Jessica aceitou por educação e logo enfiou na bolsa, sem nem ver.
Antes de entrar no subterrâneo, a garota olhou de relance para uma placa de informações. Ela sinalizava que o caminho para o Central Park era subindo a avenida.

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Capítulo 12 - Maya, a fã apaixonada III

O resto do passeio de carruagem foi uma maravilha: após a discussão, Maya mudou-se para o veículo de Dylan, e deixou Kyle emburrado com seu segurança no outro. O clima continuou no carro, quando os quatro deixaram o Central Park e foram em direção à Times Square, para a segunda parte do encontro do Valentine’s Day.
- A escultura está linda esse ano – Dylan se sentiu na obrigação de falar, para quebrar o silêncio mortal que permaneceu o caminho todo.
Maya admirava a obra de arte com os olhos puxados brilhando de encantamento. Em volta dela, vários casais apaixonados tiravam selfies e posavam para fotos. A movimentação de pessoas era intensa.
- O que acham de tirarmos uma foto? – O rapaz de olhos azuis sugeriu após alguns segundos.
Maya e Kyle se olharam com certa tensão. Eles teriam que passar o resto do dia juntos: Maya, porque prometeu que faria isso pelo emprego de Dylan; e Kyle, porque seus agentes assinaram um contrato. Que mal faria uma foto, certo?
Foi o músico quem tomou a atitude. Após um suspiro contido, deu um passo à frente e retirou os óculos escuros, guardando-os no bolso. Colocou-se ao lado de Maya, sem tocá-la, e os dois sorriram de forma forçada, mas suficientemente convincente.
- Prontinho – Foi Dylan quem tirou, e já tratou de adicionar a foto aos stories da rádio.
- Meu Deus, é o Kyle Beresford! – O rapaz ouviu uma voz feminina exclamar atrás de si. – Moço, você poderia tirar uma foto minha também, por favor?
Os quatro viraram-se para a adolescente, sem saber direito o que fazer.
- Claro – Dylan respondeu, afinal a garota já estava se posicionando para a foto, e entregara o celular na mão dele.
Maya se retirou imediatamente para que Kyle pudesse atender à fã. Assim que os dois sorriram para Dylan, outra menina apareceu.
- Kyle! – Ela gritou. – Ele está aqui!
O que a segunda menina disse chamou a atenção de outras duas que estavam caminhando perto dela. Uma delas sacou o celular prontamente, e filmou o rapaz atendendo a fãs perto da escultura de coração.
Não demorou muito para que uma espécie de fila fosse formada. Logo, Maya e Dylan foram engolidos pela pequena plateia de meninas que se reuniu perto da estátua, na esperança de conseguir um momento com Kyle Beresford. O loiro, por sua vez, estava um tanto perdido no meio daquelas pessoas.
- Sem puxar, senhorita – O segurança advertiu uma adolescente que tentava chamar a atenção do músico.
Dez minutos depois, a situação ficou impraticável. O que era uma pequena fila se transformara numa multidão de meninas de todas as idades, tirando fotos, gritando e empurrando para conseguirem enxergar melhor ou se aproximar mais.
- Vamos ter que sair daqui – O homem alto que protegia o rapaz disse para Dylan. – Elas não vão parar de vir.
- Vou ligar para o motorista vir nos buscar – Ele respondeu prontamente.
Assustada, Maya segurava no braço do produtor da rádio, desejando que aquele momento acabasse. Ela sabia que Kyle tinha uma legião de fãs – ela fazia parte desse grupo. Mas vê-las todas reunidas e tomadas pela euforia era assustador, de uma forma que o Instagram não demonstrava. Lá, elas eram apenas números.
- Pessoal, se afastem, por favor – O segurança teve que intervir, e interrompeu a sessão de fotos protegendo Kyle com o corpo. – Precisamos ir embora.
As fãs pareceram não gostar da ideia. Enquanto o músico pedia desculpas e tentava ser gentil, algumas garotas se irritaram. Os gritos ficaram mais intensos, e algumas pessoas passaram a empurrar. O carro da polícia já estava no fim da rua com a sirene ligada. O segurança precisou se esforçar para abrir caminho no meio daquele pessoal todo, protegendo Kyle e também trazendo Dylan e Maya junto dele.
- O motorista está muito longe, não vamos conseguir chegar lá – Dylan falou com dificuldade em meio aos gritos.
- Vamos entrar – O segurança apontou para uma loja de roupas que ficava perto dali.
Foi difícil, mas após alguns empurrões e puxões, os quatro conseguiram entrar no estabelecimento. Os lojistas ficaram abismados com a quantidade de garotas que se apoiavam nas vitrines e apontavam os celulares para o interior da loja – mas não poderiam expulsar os quatro. Por isso, desceram as portas de ferro internas, deixando o barulho lá fora. Ficaram todos presos naquele estabelecimento, e agora, só restava esperar a euforia passar.
- Vocês viram aquilo? – Maya disse, espantada. – Eu jurei que elas quebrariam o vidro...
- É sempre assim – Kyle falou, e ela virou-se para ele. Sua voz parecia triste e irritada. – Basta que uma delas poste qualquer coisa no Twitter e meu passeio já era.
- E quanto tempo isso leva pra parar? – A garota apontou para fora.
- Minutos, horas... depende – O rapaz sacou o próprio celular. – Se você tem Netflix aí, sugiro que assista.
- Já avisei o motorista que estamos presos, ele vai esperar na quadra de baixo para o encontrarmos quando pudermos sair – Dylan anunciou, e em seguida se retirou.
Ele e o segurança foram conversar com o gerente da loja sobre o ocorrido. Maya permaneceu encarando a porta de ferro, espantada, apenas ouvindo a barulheira que a multidão lá fora fazia. Após alguns instantes, Kyle voltou a falar.
- Desculpe por você ter que passar por isso – Ele disse, sem tirar os olhos da tela do telefone. – Com certeza esse não é o encontro que você esperava.
-Já não era o que eu esperava antes mesmo de estarmos aqui – A adolescente deu de ombros.
- É, desculpe por isso também – Kyle sorriu de lado. – Eu já deveria ter me acostumado.
- Com que?
- Com as pessoas querendo fazer perguntas e tirar fotos. É sempre isso que elas querem.
- Já pensou em pedir desculpas por ser grosso? – Ela soltou após alguns instantes.
- Me desculpe – Dessa vez foi o loiro quem deu de ombros.
Maya rolou os olhos e virou-se para sair dali.
- Não, é sério – Kyle largou o celular para segurar seu braço e impedi-la de ir embora. – Eu realmente sinto muito. Aquele cara, Dylan, ele tem razão. Eu fui um babaca com você, mas você não tem nada a ver com a bagunça da minha vida. Me desculpe por arruinar seu dia.
A garota ficou em silêncio por alguns instantes, processando aquilo.
- O dia de todos nós foi arruinado, mesmo – Ela soltou-se dele, e depois ficou mais algum tempo quieta. – Isso acontece mesmo o tempo todo com você?
- É... – Kyle entortou a cabeça. – Na maior parte do tempo eu estou trabalhando, na verdade. Mas quando não estou e tenho tempo pra sair, geralmente acontece algo do gênero.
- Deve ser bem chato – Maya fez careta.
- Há coisas piores.
- Com certeza há coisas piores do que ser um artista famoso – Ela ponderou e ele riu. – Mas elas te trataram como se fosse um objeto. Queriam tirar fotos com você do mesmo jeito que tiraram com a escultura de Valentine’s Day.
- Acontece.
- Me desculpe por te encher de perguntas daquele jeito – Ela titubeou, mas disse, sem graça. – Agora que estive do outro lado, vi que não é muito legal quando as pessoas surtam assim.
- Está tudo bem – Kyle sorriu de lado. – Eu reclamo, mas se não fosse pela histeria, meu trabalho não existiria.
Duas horas. Esse foi o tempo que a multidão levou para se dissipar na Times Square. Nesse meio tempo, cada um se entreteve como pôde em seu próprio celular, com poucas palavras trocadas. Quando finalmente conseguiram sair e chegar até o motorista da rádio, era quase fim da tarde – o que significava que boa parte da programação de Valentine’s Day tinha caído por terra.
- Bom, Maya e Kyle, devido ao horário, acho que só temos tempo de fazer mais uma parada – Dylan disse a eles do banco da frente. – O jantar.
- Estou morrendo de fome – O loiro disse. – Aonde vamos?
Quando eles chegaram ao lugar, Maya desejou internamente que tivesse passado em casa antes – afinal, ela ainda estava vestida do jeito que foi para a aula mais cedo. O restaurante era lindo: um terraço iluminado com cordões de lâmpadas e cheio de plantas, com uma vista incrível para o pôr do sol de Nova York. Ela nem queria saber quanto a iHeartRadio havia gastado naquela reserva.
- A mesa de vocês é aquela – Dylan indicou um local mais perto da beirada do terraço. – Eu e o Joey vamos pegar uma bebida no bar, e vocês... conversem aí. Temos uma hora até voltarmos para o show – Explicou o rapaz, então ele e o segurança se retiraram.
Kyle e Maya foram até a mesa indicada e se sentaram, um pouco desconfortáveis. Um garçom logo veio e tirou o pedido das bebidas, deixando-os sozinhos em seguida.
- Pelo menos aqui nenhuma multidão vai nos alcançar – Kyle brincou, olhando para baixo.
- Graças a Deus – Maya rolou os olhos. – Não sei como você aguenta. Eu teria ataques de claustrofobia.
- Faz parte do meu trabalho.
- Mas você poderia falar com as suas fãs sobre isso.
- Como assim? – Ele estranhou.
- Bom, conversar com elas – A garota tentou explicar. – Falar sobre essa euforia insana e sobre isso te incomodar.
- E você acha que elas me ouviriam? – Kyle fez careta, desacreditado.
- Eu acho. Se elas realmente gostam de você, ouviriam.
- Não sei. Acho que elas só querem que eu cante músicas de amor e mantenha o penteado no lugar – O rapaz riu de si mesmo. – Desde que eu fiz meu primeiro filme musical quando criança, é só isso que interessa ao público.
- É porque isso é tudo que você faz. Mas quem sabe se experimentasse fazer algo diferente... – Maya sugeriu, sem completar a frase.
- É, tem razão – O loiro pareceu realmente ponderar sobre aquilo. Mas, logo em seguida, negou com a cabeça. – Quer saber? Estou cansado de falar sobre mim. Já fizemos muito isso hoje. Vamos falar sobre você.
- Não sei se tem algo interessante para falar – Maya riu, achando estranho.
- Com certeza tem. Você sabe tudo sobre mim, mas eu não sei nada sobre você.
- Bom... – Maya arqueou as sobrancelhas. – Pode perguntar.
Kyle engoliu seco, pensando no que dizer. Dificilmente ele estava daquele lado da conversa.
- Ok. Qual é sua comida favorita? – Ele começou.
- Lasanha.
- E sua cor favorita?
- Laranja.
- Hm... – Kyle pensou em mais perguntas. – O que você quer estudar na faculdade?
- Eu penso em ser veterinária.
- Sério? Que legal – Ele empolgou-se. – Se eu fizesse faculdade, adoraria fazer veterinária. Em qual lugar do mundo você mais gostaria de morar?
- Itália.
- Ok... – O loiro parou para pensar. – Se você tivesse que passar o resto da vida em uma ilha deserta, quais as três coisas que levaria?
- Essa pergunta é minha! – Maya exclamou, lembrando do episódio da carruagem, e os dois riram juntos. – Um travesseiro, uma vara de pescar e... meu cachorro para me fazer companhia.
- Boa resposta – Kyle estava gostando daquele jogo. – O que um cara precisa ter para fazer você se apaixonar por ele?
“Ser você”, a resposta chegou à boca de Maya. Ela com certeza teria respondido isso se a pergunta viesse no início do dia.
- Bom... – Ela parou para pensar. – Acho que ser carinhoso e ter um bom senso de humor.
- Interessante – O loiro sorriu. – Qual o seu filme favorito?
Os dois continuaram conversando sobre Maya até o fim do jantar. A tensão no ar por causa da discussão no Central Park foi se dissipando ao longo do dia, e àquela altura, Kyle e Maya já pareciam amigos. Fazia tempo que o rapaz não parava para conhecer alguém novo daquele jeito. E a garota, por sua vez, estava achando divertidíssimo ser entrevistada. Agora sim, Kyle Beresford se parecia com o cara que ela imaginava.
Assim que os dois acabaram de comer, Dylan e o segurança os chamaram. Eles precisavam voltar para o Central Park, onde Kyle iria se apresentar no festival de Valentine’s Day.
- Não foi tão ruim assim, no fim das contas, foi? – Dylan perguntou a Maya enquanto os dois aguardavam no backstage, pois Kyle se preparava para a apresentação.
- Até que não – Maya deu de ombros. – Foi muito diferente do que eu esperava, é claro... mas foi legal.
- Que bom – Dylan sorriu, mas não parecia muito feliz. Afastando a cortina do backstage, ele notou que algumas fãs já estavam chegando ao local para guardar lugar no gramado do parque.
- Mas e você? – A garota questionou. – Passou o Valentine’s Day inteiro com a gente, não tem planos com ninguém?
- Bom... – O rapaz de olhos azuis suspirou. – Eu tinha. Meu namorado não mora aqui e estava vindo para me ver, mas... o voo dele acabou sendo cancelado.
- Não acredito! – A adolescente indignou-se. – De onde ele é?
- Pois é – Dylan disse, triste. – Ele é brasileiro.
- Ok, é de longe – Maya se surpreendeu.
- É sim. Mas nós passamos o ano todo separados, estamos acostumados – O rapaz riu fraco. – Eu só queria...
A conversa dos dois foi interrompida quando Joey, o segurança de Kyle, apareceu apressado na região do camarim. Ele parecia estar procurando alguma coisa e, a julgar pelo seu olhar preocupado, não havia encontrado.
- O que foi? – Dylan perguntou, preocupado.
- O Kyle sumiu – O homem grandalhão anunciou. – Não estamos o encontrando em lugar nenhum.
- Como assim, sumiu? – Maya indignou-se. – Para onde ele iria?
- Não faço ideia, nem a equipe – Explicou o segurança. – O celular dele está desligado.
Os dois jovens se entreolharam, atônitos.
- A Olivia vai me matar – Dylan gemeu, colocando a mão na testa.

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Capítulo 13 - Claire, a terapeuta de casais II

- Jeremy, cancele todas as minhas consultas hoje!
O rapaz na recepção preferiu nem argumentar, já que havia sido liberado mais cedo do trabalho. Claire agradeceu por isso, afinal não queria dividir com ninguém as suas suspeitas de que a esposa estava a traindo.
A terapeuta de casais que começara o Valentine’s Day tranquila e agradecida por seu relacionamento saudável e feliz, passou a tarde toda investigando a vida da esposa nas redes sociais e em todos os canais de informação que conseguiu pensar. Ela checou e-mails, extratos de cartão, tudo à procura de uma prova da traição de Olivia. Até as amigas do Facebook passaram por uma triagem, na tentativa de encontrar quem seria a destinatária das flores que a esposa havia comprado naquele dia.
Claire ainda não conseguia acreditar que a esposa havia sido capaz de fazer aquilo. O que será que tinha dado errado entre elas?! Será que Claire não estava dando atenção suficiente para ela? Será que estava ficando velha demais? De repente Olivia conheceu alguém no trabalho, afinal tantas pessoas passam pela rádio... Cada opção fazia Claire sofrer mais do que a outra.
Horas de investigação não trouxeram nenhuma resposta. Olivia era boa em esconder seus segredos, aparentemente. No fim do expediente, Claire foi dirigindo para casa, furiosa. Quando chegou, a loira de cabelos cacheados havia acabado de chegar da rádio, e estava estacionando na garagem. A ruiva sequer esperou que elas entrassem em casa.
- Oi, querida, como foi seu dia? – Olivia perguntou alegremente, até que viu a cara Claire, e então ficou assustada. – O que foi?
- Quem é ela? – Claire perguntou, entredentes.
- Ela? – A loira ficou confusa.
- Não faça essa cara, eu sei que você tem outra.
- Outra?
- Outra mulher, Olivia! Eu descobri – A ruiva se alterou.
- De onde você tirou essa ideia, Claire? – Respondeu estranhando, trancou o carro e caminhou em direção à porta.
- A mensagem chegou pra mim – Explicou, indo atrás dela. – O comprovante da compra.
- Que compra? – Olivia estava começando a ficar aborrecida. – Será que você pode falar frases completas, por favor?
- A compra das flores! Eles mandaram a entrega no meu celular! – A ruiva estava começando a gritar.
- Podemos conversar sobre essa história maluca lá dentro, por favor?
- Eu quero que você me diga agora, quem é ela?! – Bradou, assim que a esposa abriu a porta.
As duas mal tiveram tempo de entrar em casa, e já foram recebidas por uma garotinha saltitante, que vinha lá de dentro gritando alguma coisa alegremente.
- Mãe! Mãe! Eu tenho um admirador secreto! – Grace pulava, fazendo as bochechas rechonchudas pularem em seu rosto.
- Como é? – Claire perguntou, pois estava tão aturdida com a briga que não entendeu nada.
- Eu recebi hoje! Um moço na rua me entregou um cartão de um admirador secreto, e quando eu cheguei em casa, tinham flores me esperando na porta!
Claire virou-se para Olivia, que por sua vez virou-se para Claire. De repente, a loucura que a terapeuta estava falando pareceu fazer sentido com a loucura da qual Grace falava e saltitava.
- Você recebeu flores? – A ruiva perguntou, confirmando a informação. – A que horas era isso?
- Eu não sei, quando voltei da aula elas estavam esperando – Grace não estava entendendo mais nada.
Claire fez os cálculos, e olhou para o vaso de tulipas laranjas em cima do balcão da cozinha. Atônita, virou-se novamente para Olivia, com os olhos cheios de lágrimas. A radialista tinha uma expressão que misturava confusão, decepção e um pouco de divertimento ao mesmo tempo.
- Foi você? – Claire perguntou, simplesmente.
- Está me perguntando se comprei as flores para a Grace? – A loira questionou. – Sim, fui eu.
- O que?! – O queixo da garotinha foi ao chão.
A terapeuta escondeu o rosto nas mãos, incrédula. Seus ombros começaram a subir e descer, indicando que ela chorava.
- Eu fiz uma surpresa para a Grace no Valentine’s Day e você achou que eu estava te traindo?! – Olivia ergueu o rosto da esposa com o dedo indicador.
- Eu recebi uma mensagem da floricultura no meu celular – Claire secou os olhos com as costas da mão. – Que dizia que a sua encomenda tinha sido entregue. Eu fui até a recepção, mas não havia nada lá pra mim, então pensei que... me desculpe.
Olivia soltou um riso abafado, um tanto incrédula.
- Claire, em que mundo você vive? – A loira questionou. – Juro que não esperava isso de você.
- Você está brava?
- Talvez eu devesse – Olivia cruzou os braços. – Mas, na verdade, estou achando muito engraçado. Logo você, a terapeuta de casais, com problemas de confiança na esposa? – Ela riu em seguida.
- Eu sei – Claire soltou um riso abafado entre as lágrimas. – Eu surtei. Passei o dia inteiro investigando... Foi ridículo, me perdoa.
- Vem cá – A radialista abriu os braços para que Claire se encaixasse ali, e riu. Após alguns segundos abraçadas, Olivia se afastou para poder olhá-la nos olhos. – Eu nunca faria isso. Até me chateia um pouco você ter pensado que eu poderia te trair... Mas acho que isso só significa que precisamos de um pouco de terapia de casal, não é?
Claire riu, beijando Olivia nos lábios em seguida.
- Olá, será que alguém pode me explicar o que está acontecendo? – Grace interrompeu o momento das duas mães, impaciente.
Com um sorriso de canto, Olivia aproximou-se da garota.
- Você recebeu o cartão do homem com óculos de coração, não é? – Perguntou.
- Recebi. Foi você? – A voz de Grace soou um pouco decepcionada. A loira assentiu.
- No caminho para o trabalho, vi aquele rapaz no Rockefeller Center. Já o vi em lugares diferentes em outros Valentine’s Day, ele sempre faz isso, aparentemente. Então tive a ideia de te fazer uma surpresa, porque eu sei que você passa por ali na volta da escola. Pedi que ele entregasse a você um cartão especial, e encomendei flores para te esperarem quando chegasse em casa. Essas que a sua mãe achou que eram para uma amante – Ela riu.
- Então eu não tenho nenhum admirador secreto? – A garotinha sentou-se no sofá, com os olhos enchendo-se de lágrimas.
- Oh, querida – Olivia sentou ao lado dela. – Eu fiz isso achando que você ficaria feliz!
- Por que você está triste, Grace? – Claire perguntou, deixando as chaves da casa no balcão e indo para junto delas.
- É que eu pensei que alguém gostasse de mim – Ela limpou uma lágrima da bochecha esquerda.
- Eu gosto! – Olivia e Claire exclamaram ao mesmo tempo, confusas.
- Não vocês, algum garoto.
As duas mães se entreolharam.
- Aconteceu alguma coisa na escola hoje? – A terapeuta questionou.
- Os meus amigos estavam trocando cartões de Valentine’s Day, e eu não recebi nenhum – Grace soluçou.
- Mas, Grace, você só tem dez anos – Olivia sorriu de lado.
- Eu sei disso, mãe, mas todas as garotas da sala receberam um, e eu não – A garotinha estava indignada. – Os garotos não gostam de mim, e eu não sei se é porque eu sou gordinha, ou porque sou adotada, ou porque eu tenho duas mães, mas eles não gostam!
Claire e Olivia se entreolharam novamente.
As duas haviam adotado Grace há cinco anos. Desde aquela época, sabiam que chegaria o dia em que ela perceberia que não era comum ter duas mães, e que isso poderia vir a ser um problema quando ela crescesse, ainda mais por conta da adoção. Elas também haviam notado que a questão do peso parecia ter se tornado importante há alguns meses.
- Grace, olha... – Claire começou a falar. – Eu e sua mãe entendemos muito bem como é se sentir rejeitada. Nós também passamos por isso nas nossas vidas, várias vezes.
- Com o passar do tempo, nós entendemos que não podemos mudar quem somos – Olivia a complementou. – Nós duas nos amamos, mesmo que às vezes as pessoas não entendam isso. E é esse amor que nos mantém fortes.
- Sua mãe me ama do jeito que eu sou, e eu a amo do jeito que ela é. Essa é a maior prova que o mundo poderia nos dar de que está tudo bem sermos exatamente como somos. E o mesmo vale pra você, Grace, porque nós te amamos do jeito que você é.
- Exatamente. E eu te amo tanto que fiz questão de demonstrar isso hoje, te mandando cartões e flores – A loira sorriu, e pela primeira vez na conversa, Grace também. – Eu entendo que receber cartões da mãe pode não ser tão incrível quanto receber de um garoto, mas... – Ela brincou. – Eu falei sério naquelas cartas. Eu realmente te acho a garota mais inteligente e legal do mundo. Foi por isso que escolhi ser sua mãe.
- Eu também, Grace – Claire sorriu ternamente. – Mas, olha... ter o nosso amor, assim como ter o amor de um garoto, não vai ser suficiente para você a não ser que você se ame também. Porque aceitar quem nós somos também foi um processo difícil para mim e para sua mãe quando descobrimos que nós não amávamos do jeito que todos queríamos que amássemos. Mas aprendemos a entender isso.
- A questão é: você não precisa ser do jeito que um garoto espera, ou que o mundo espera. Você é você, e deve se amar do jeitinho que é. Assim como nós amamos você, entende? – Olivia questionou, e Grace assentiu com a cabeça.
Limpando as lágrimas, a garotinha ficou de pé e se aproximou das duas mulheres sentadas no sofá.
- Eu também amo vocês duas – Grace disse, abraçando uma das mães com cada braço. – E não importa se as outras crianças acham engraçado eu ter duas mães, eu não sinto vergonha. As pessoas podem dizer que está errado duas mulheres me adotarem, mas... vocês são a minha família, e são a melhor que eu poderia querer.
Com os braços envoltos na garotinha, Olivia e Claire encheram os olhos de lágrimas. As mãos livres das duas estavam dadas.
- Você é nossa família, Grace – Claire disse com a voz abafada pelo abraço, e então separou-se da garotinha para olhá-la nos olhos. – E você é linda, está bem? Nunca deixe que te digam o contrário.
- Isso mesmo, querida – Olivia concordou, passando as mãos pelos cabelos da filha.
- Está bem – Grace sorriu.
- E quanto ao Valentine’s Day... – Claire continuou, olhando para a esposa com cumplicidade. – Você ainda é muito nova para essa coisa de cartões românticos. Mas, daqui a alguns anos, quem sabe... Ao invés de esperar por receber um cartão, por que você não poderia enviar um?
A garota pareceu refletir sobre isso.
- Eu, mandar um cartão? – Grace ficou confusa.
- Claro, ué – Olivia entrou na conversa de Claire. – Por que você precisa ficar esperando que um garoto tome coragem? Tome você a iniciativa!
- E se ele não corresponder, qual o problema? Ao menos você tentou – A outra deu de ombros. – Você não precisa de garoto nenhum, mesmo.
- É, vocês têm razão – Ela começou a gostar daquela ideia. – Talvez eu pudesse fazer um cartão para o Ricky...
As duas mães arregalaram os olhos imediatamente.
- Quem é Ricky? – Questionou a ruiva.
- É um garoto da minha sala... Ele é muito legal, e eu pensei que ele pudesse ser o meu admirador secreto.
- Você pensou que ele era ou queria que ele fosse? – Olivia arqueou as sobrancelhas.
- É... – As bochechas redondas de Grace estavam começando a ficar coradas.
- Ok, ok – Claire começou a rir, e Olivia a acompanhou. – Quem sabe daqui a uns três ou quatro anos você possa pensar sobre mandar a esse Ricky um cartão, o que acha?
- Quatro anos?! – Grace arregalou os olhos, fazendo as duas rirem mais ainda.
- Acho que nós duas deveríamos bater um papo com a sua professora, inclusive – Olivia olhou para a esposa. – Essa história de cartões de amor na sala não está certa.
- E nem essa história de adoção, nem de duas mães, nem de ser gordinha – Claire completou. – Nós iremos resolver isso.
- Agora escute, garotinha apaixonada – Olivia mudou de assunto e dirigiu-se a filha, enquanto alcançava a própria bolsa que estava no balcão. – Sei que essa história de admirador secreto já causou bastante emoções na nossa família hoje, mas ele tem mais um presente para você, na verdade.
- Jura? O que é? – A menina ficou animada.
- Eu estava de bobeira lá na rádio, e por acaso me lembrei de um certo show que acontecerá hoje no Central Park, de um artista que você gosta muito... – A loira começou a enrolar, tirando três papéis de dentro da bolsa. No sofá, Claire segurava a risada, enquanto o sorriso de Grace aumentava a cada palavra que a mãe dizia. – Aí, eu vi essas belezinhas aqui dando sopa e pensei: por que nós três não inovamos um pouco a nossa programação de Valentine’s Day e, ao invés de passarmos a noite vendo filmes no sofá, não vamos assistir ao show do Kyle Beresford?
Grace começou a gritar de felicidade instantaneamente.
Ao ver os sorrisos da esposa e da filha, ficou claro para Claire o porquê de ter surtado mais cedo: ela tinha pavor de perder aquilo. Sua família era seu bem mais precioso, e a simples ideia de vê-la destruída mexeu muito com ela. Agora ela entendia seus pacientes: se preocupar também era um sinal de amor verdadeiro. E ela também precisava trabalhar um pouco sua autoconfiança.
Para Olivia, o sorriso de Grace fazia valer até mesmo a confusão com Claire mais cedo. Ela faria qualquer coisa para ver aquelas duas felizes, e para dar à filha todo o amor que ela merecia para crescer e ser a garota incrível que já era.
Rindo ao lado das duas mães, suas maiores referências no mundo inteiro, Grace entendeu que o Valentine’s Day não era necessariamente sobre o amor por um garoto. E entendeu também que ela não precisava de Frankie, de Ben, muito menos de Ricky: ela tinha Claire, Olivia e, mais importante: ela tinha Grace.

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Capítulo 14 - Holly, a paqueradora virtual II

Holly não queria admitir, mas estava um pouco nervosa. Após duas semanas de paquera online, conversando sobre arte e outros interesses que tinha em comum com Joseph, talvez ela tivesse começado a gostar dele. Afinal, era um cara simpático, educado e interessante, que sabia puxar papo e tinha muito em comum com ela. Por incrível que pareça, não era um tipo muito fácil de encontrar em Nova York.
A professora de artes chegou do trabalho e se arrumou rapidamente, colocando uma roupa confortável, passando seu batom vermelho e prendendo o cabelo num coque. Respirou fundo, piscou para si mesma no espelho e saiu. Foi até o Brooklyn, onde ela e Joseph haviam combinado de se encontrar, em frente ao mural de Werc, um dos artistas favoritos dos dois. Já era noite quando ela chegou ao local, e enviou para ele uma mensagem através do aplicativo Valentine’s Date, por onde se conheceram, avisando que já estava lá.
Holly esperou por cerca de quinze minutos, mas Joseph não respondeu nada. Talvez estivesse sem internet. A mulher começou então a vasculhar o grupo considerável de pessoas que visitava a obra à procura dele: um homem alto e loiro com nariz redondo e sem barba. Porém, Joseph não parecia estar em lugar nenhum.
A moça começou a ser atingida pela dúvida. Será que ele havia a abandonado ali? Será que, durante aquele tempo todo, estava apenas brincando com ela? Será que o perfil dele no Valentine’s Date era mesmo real, ou era alguém tentando pregar uma peça?
Enquanto enchia a cabeça de paranoias, a morena de mecha azul decidiu procurar um banco para sentar-se e esperar por Joseph. Porém, enquanto procurava por um com o olhar, acabou achando no meio da multidão uma pessoa que preferia não ter visto.
Era seu ex-namorado. Aquele que a pediu em casamento e ela recusou.
Passou pela cabeça de Holly simplesmente ignorar aquela troca de olhares e sumir no meio daquelas pessoas, mas era tarde demais: Luke já estava caminhando na direção dela. O que é que ele iria dizer a ela, afinal? “Olá, feliz aniversário de término”?
- Luke – A mulher forçou simpatia, ainda atônita por ver o acupunturista de traços indianos à sua frente. – Que surpresa te ver aqui...
Holly reparou que ele carregava um buquê de rosas amarelas nas mãos. Será que ele tinha um encontro? A situação acabara de ficar duas vezes mais esquisita.
- Holly, oi – Ele disse, ofegante. Porém, não parecia surpreso por vê-la ali. – Como você está?
- Estou bem, e você?
- Também estou – O acupunturista soava nervoso. – Eu... vim encontrar alguém.
Ok, agora realmente era impossível que aquela cena ficasse mais desconfortável.
- Que ótimo – A morena ergueu as sobrancelhas. – Parece que nós dois... seguimos em frente, então.
- Holly, eu...
- Eu também estou esperando uma pessoa, então, acho melhor eu ir – Ela o interrompeu e começou a caminhar (fugir). – Bom te ver.
- Espera – O homem disse com tanta urgência que ela obedeceu. – Você veio ver Joseph Davis, o cara que conheceu no aplicativo de encontros de Valentine’s Day.
Holly arregalou seus enormes olhos castanhos. Como é?
- De onde tirou isso? – Perguntou, estranhada, virando-se para Luke.
O homem de traços indianos a encarava com nervosismo e preocupação. Enquanto esperava por uma resposta, Holly reparou que ele carregava um buquê de rosas amarelas – as favoritas dela.
- Joseph Davis sou eu.
A mulher ficou sem reação. Um milhão de coisas passaram pela sua cabeça ao mesmo tempo, inclusive a ideia de socar a cara barbada de Luke ali mesmo.
- Você tá de brincadeira – Holly disse em negação, quase sem mexer os lábios.
- Não, não estou – Luke deu um passo em direção a ela, mas a moça se afastou. – Holly, eu... Eu imaginei que ficaria furiosa, mas antes de brigar comigo, queria que você me ouvisse.
- No momento não estou conseguindo formular nenhuma frase ofensiva o suficiente pra te xingar, então... – A morena cruzou os braços. – Pode me explicar que palhaçada é essa?
- Quando fevereiro começou, eu entrei em desespero. Sabia que o Valentine’s Day chegaria e me traria todas as lembranças do ano passado, que foi... – Luke nem completou a frase. – Fiquei sabendo do Valentine’s Date por um amigo, e resolvi experimentar. Passei horas procurando alguém com quem pudesse sair, mas não achei ninguém interessante. Até que apareceu um perfil. Vi que eu e a dona daquela conta admirávamos os mesmos artistas novaiorquinos, que gostávamos de ir aos mesmos lugares e fazer os mesmos tipos de programação romântica. Que pensávamos da mesma forma em relação à economia e política, tínhamos as mesmas convicções e até a mesma filosofia de vida – A mulher soltou um riso abafado. – Era o seu perfil, Holly.
- Isso não está acontecendo... – Holly passou as mãos pelo coque em seu cabelo, rindo de indignação.
- É verdade! Eu não planejei isso, eu juro – Luke argumentou. – Quis arremessar meu celular na parede por ter me mostrado você. Mas aí parei para pensar. O algoritmo do aplicativo te mostra pessoas parecidas com seu perfil, baseado nas perguntas que todos os usuários respondem quando criam a conta. E nossos perfis tinham 96% de compatibilidade. Ver aquilo me fez refletir sobre muita coisa. Me lembrou por que passei quatro anos namorando com você.
- Luke, para...
- Foi aí que tive a ideia idiota de curtir seu perfil e te chamar. Mas se você visse que era eu, claro, não iria aceitar. Por isso mudei meu nome para Joseph Davis e troquei minha foto, para criar um perfil falso – Enquanto ele falava, Holly negava com a cabeça.
- Realmente, foi a ideia mais idiota que você já teve – A moça cuspiu as palavras, irritada. – O que é que você estava pensando pra me enganar desse jeito? Me iludir, fingir ser outra pessoa? Dizer que era um curador de arte, que também odiava azeitonas...
- Me desculpe.
- Te desculpar? Você mentiu pra mim e arruinou a única chance que eu tinha de passar esse dia sem sofrer por você! – Holly exclamou. – Pela primeira vez desde que terminamos, eu me permiti procurar outra pessoa e pensar em alguém que não fosse meu ex-namorado, e agora você me vem com essa!
- Eu pensei que, se você lembrasse o quanto tínhamos em comum, também iria repensar a nossa relação, assim como eu repensei – Luke tentou se justificar. – Você também viu o que eu vi, Holly! Nós combinamos, nos demos tão bem durante essas duas semanas, do jeito que costumávamos fazer...
- Porque eu achei que você era outra pessoa, Luke! – Ela se exaltou.
- Pois é, mas era eu, e você se apaixonou por mim – Ele rebateu.
- Me apaixonar por você? Eu só queria uma companhia para me ajudar a esquecer você – Holly irritou-se.
Um senhor de idade interrompeu a conversa dos dois para perguntar se estava tudo bem. Só agora, o casal havia notado que estava em um espaço público discutindo a relação em alto e bom som. Após tranquilizarem o senhor, Holly e Luke se afastaram do mural de arte, para poderem gritar um com o outro longe do resto das pessoas.
- Me desculpe por ter mentido, ok? Mas quando eu vi, já tinha feito – Ele recomeçou a conversa.
- Ah, isso justifica tudo – Holly ironizou. – Isso não tem perdão, Luke!
- E me deixar ajoelhado naquele terraço um ano atrás tem? – O homem perdeu a paciência, fazendo com que ela se calasse. – Eu te enganei por duas semanas, Holly, você me iludiu por quatro anos me fazendo pensar que era o amor da minha vida!
- Eu nunca disse que me casaria com você – Holly retrucou.
- Mas também não disse que não casaria.
- Você nunca perguntou.
- Ah, não? Quando eu disse que queria conhecer o mundo com você, não foi isso que você entendeu? Quando falamos sobre morar juntos quando fizéssemos cinco anos de namoro, isso não passou pela sua cabeça? – Agora era Luke que estava sem paciência. – Qual é, Holly. Você sabe e eu também sei. Eu não estava vendo coisas quando li aquele relatório do aplicativo. Nós somos perfeitos um para o outro, mas você teve medo de enxergar.
- Medo? – Aquilo pareceu ofendê-la profundamente. – Você sempre soube da minha história, sempre soube o que aconteceu com os meus pais e recentemente com a minha irmã, e o motivo de eu nunca ter acreditado em casamento. Você achou que isso mudaria de uma hora para a outra?
- É, eu achei sim. As pessoas mudam.
- E te pareceu uma boa ideia convidar toda a sua família, toda a minha família e todos os nossos amigos para esperarem no seu apartamento enquanto você descobria se eu tinha mudado de ideia ou não? – Holly riu ironicamente.
- Ok, talvez não tenha sido a melhor decisão – Luke ponderou sem se intimidar. – Mas não é disso que eu estou falando. A questão é que nós dois...
O toque do celular de Holly interrompeu a discussão. Porém, até que ela se acalmasse para conseguir encontrar o aparelho dentro da enorme bolsa que carregava, ele parou de tocar. A mulher pensou em simplesmente ignorar o acontecido, mas assim que olhou para a tela, arregalou os olhos e seu queixo caiu.
- O que foi? – Luke perguntou, sem paciência.
- É uma emergência – Holly soou um tanto desesperada.
- Está tudo bem? – O homem deixou o tom de briga de lado e passou a ficar preocupado. – Aconteceu alguma coisa?
- Não é da sua conta. Eu tenho que ir – A morena disse, ríspida, jogando o celular dentro da bolsa e preparando-se para sair. – Feliz Valentine’s Day, Luke – Disse sem nenhuma sinceridade, e saiu correndo.
O homem indiano olhou para trás, vendo Holly sair em disparada e deixá-lo ali plantado. Aquele era o pior déjà vu que ele poderia ter.
O medo que assolou o acupunturista durante o dia todo havia se concretizado. Não tiveram desculpas, rosas ou chocolates que fizessem Holly repensar o relacionamento dos dois. Nem mesmo o apoio de Jeremy ou os conselhos da Dra. Claire ajudaram. Luke arremessou o buquê de flores que carregava no lixo, decepcionado.
Quem sabe aquilo fosse um recado do universo, mostrando a ele que precisava parar de correr atrás de Holly e superá-la. Afinal, ela havia o dispensado pela segunda vez seguida – estava começando a ficar ridículo. Não adianta insistir em alguém que se recusa a ser amada.

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Capítulo 15 - Noah e Jessica, o casal de primeira viagem III

- Decidi vir com o carro da minha tia dessa vez, para evitar novos acidentes e cortes na perna – Noah brincou e sorriu de lado, assim que Jessica abriu a porta do veículo para entrar.
- Boa ideia – A adolescente com curativo abaixo do joelho concordou, acenando para a mãe que a observava da janela. – Obrigada por me buscar.
- Faz parte da programação. Você está linda – O rapaz elogiou, e recebeu um rápido beijo nos lábios em resposta.
- Você também – Jessica sorriu. – Vamos?
O menino de cabelos cacheados dirigiu o caminho todo com as mãos suando ao volante. Ele estava nervoso, não só porque boa parte dos seus planos para o Valentine’s Day com Jessica tinham dado errado – mas porque a parte mais importante deles vinha agora.
As esperanças de Noah foram levemente renovadas quando os dois chegaram ao restaurante onde ele fizera a reserva. Por sorte, havia uma vaga bem na frente do lugar, como se estivesse esperando por eles.
O jovem casal entrou e a mesa já estava pronta para os dois – novamente, sem nada dar errado. Jess e Noah olharam o cardápio, pediram e a comida chegou rápida, certa e quentinha.
- Ufa – O rapaz disse baixo, mas queria ter apenas pensado.
- O que foi? – A garota estranhou.
- Nada – Ele riu. – É que está tudo certo, pela primeira vez no dia.
- Quem diria – Ela não achou tanta graça assim.
Noah observou enquanto a garota dava uma garfada nada animada em seu salmão com legumes.
- Você está bem? – Ele perguntou.
- Estou sim, só estou com dor na perna e um pouco cansada – Jess ficou alguns segundos em silêncio. – Não estou sendo uma boa companhia hoje, não é?
- Claro que está – Noah discordou imediatamente.
- Não precisa ser educado – A moça sorriu de lado. – Sabe, até acho que fui eu que atrai nosso azar hoje.
- Que besteira, Jess – O garoto riu de canto. – Eu adoro a sua companhia.
Noah colocou a mão no bolso do casaco, alcançando o pacote prateado que carregou consigo o dia todo. Ali estava o colar que ele daria para Jessica, para pedi-la em namoro oficialmente. E, já que tudo começou a dar certo magicamente, aquele parecia o momento perfeito para isso.
- É, eu sei que adora – Jessica disse num suspiro, como se não estivesse muito convencida.
Noah se reteve por um segundo.
- Como assim?
Dessa vez foi ela quem demorou para responder.
- Posso ser honesta com você? – A garota perguntou, fazendo o rapaz engolir seco. – Eu sei que você deve estar me achando um porre hoje, e inclusive, eu peço desculpas por isso. Mas eu não estou agindo assim por causa de tudo que deu errado no seu planejamento. É só que... – Ela suspirou, frustrada. – Noah, você realmente gosta de mim?
- Que pergunta é essa? – O rapaz sorriu, mas era por nervosismo. – É claro que gosto.
- É que normalmente, quando um garoto gosta de uma garota, ele... – Jessica se sentia idiota colocando isso pra fora. – Ainda mais quando os dois estão juntos há tanto tempo como nós, normalmente as coisas ficam... Mais sérias, entende?
Algo fez com que Noah largasse o pacote prateado de volta no próprio bolso.
- Jess, eu... – O rapaz não sabia mais o que dizer direito.
- Com licença, senhor – Um garçom apareceu para interromper seu raciocínio. – O seu carro está sendo guinchado lá fora.
Os assuntos emocionais teriam que precisar ficar para depois. Agora, Noah só conseguia pensar na bronca que levaria de sua tia por deixar o carro dela ser guinchado.
O garoto de cachos correu até o lado de fora e Jessica foi com ele, bem a tempo de verem o guarda de trânsito anotando a placa do veículo em seu bloquinho.
- Não sabe ler? – Disse rispidamente o homem de bigode, apontando para uma sinalização de “proibido estacionar” que Noah poderia jurar que não estava ali quando ele chegou.
- Boa noite, seu guarda, eu... – Ele não sabia o que dizer. – Me desculpe.
- Desculpar? – O homem começou a rir. – Peça desculpas ao governo de Nova York pagando sua multa, rapaz. Posso ver a documentação do carro?
- C-claro – Noah assentiu, indo desajeitadamente até o painel do veículo, já no guincho, para pegar a papelada no porta-luvas.
O guarda analisou os documentos um a um, desconfiado.
- Quantos anos você tem, garoto?
- Dezoito.
O homem de bigode não pareceu muito convencido.
- Onde está sua habilitação?
Noah colocou a mão no bolso traseiro da calça para alcançar a carteira. Porém, ela não estava lá.
- Deve estar aqui em algum lugar... – Ele começou a vasculhar o banco do carro desesperadamente, enquanto o guarda observava a cena com impaciência. – Jess, eu deixei com você?
- Não... – A menina respondeu, preocupada.
- E a sua identidade? – Questionou o oficial.
- Todos os documentos estão na minha carteira, senhor, mas aparentemente...
- Aparentemente você é um jovem que diz ter dezoito anos, embora eu duvide a julgar pela sua cara de bebê, dirigindo por Nova York sem habilitação e sem nenhum documento, estacionando um carro que não te pertence em local proibido – Ok, agora o guarda estava começando a ficar assustador. – E você, mocinha, tem documento?
Jessica entregou sua identidade para o oficial prontamente.
- Quinze anos – O bigodudo franziu a testa. – E ainda fez tudo isso na companhia de uma menor de idade, garoto?! Ok, eu vou ter que levá-los para a delegacia.
Noah e Jessica se entreolharam, desesperados. Não era possível, aquilo não estava acontecendo!
Não houve jeito. O oficial, que aparentemente estava tendo uma péssima noite, não abriu mão de arruinar a noite de Valentine’s Day do jovem casal. Levou Noah sob custódia e Jessica junto – claro, depois que ela pagou a conta do restaurante, já que o rapaz estava sem a carteira e, portanto, sem dinheiro.
- Isso é mesmo necessário? – Noah disse ao policial, apontando para as algemas que ele havia colocado em seus punhos.
- Se reclamar, te coloco numa cela – Ele não fez questão de ser simpático.
Após mais algumas rabugices do oficial de trânsito, que parecia muito amigo dos policiais do departamento, Jessica ligou para seus pais e Noah para sua tia, para que ambos pudessem ser liberados da delegacia. Porém, o garoto precisaria apresentar sua habilitação e seus documentos antes de sair, além de arcar com o valor do guincho, da multa pelo estacionamento irregular e pela falta da sua carteira de motorista.
- Eu realmente achei que as coisas não poderiam piorar – O rapaz disse, numa mistura de irritação e chateação, enquanto ele e Jess aguardavam a chegada dos responsáveis em uma sala. Agora ele definitivamente havia perdido o bom humor.
- Eu também – A garota respondeu no mesmo tom. Ela parecia bastante incomodada com o corte na perna. – Essa porcaria de curativo não está adiantando nada. Preciso ir logo pra casa e trocar, porque...
- Pelo menos não é você que está presa, Jessica – Noah disse sério. Ele nunca a chamava pelo nome.
- O que foi? – A menina estranhou.
- O que foi?! – O garoto sorriu, um tanto cínico. – Deu tudo errado, foi isso. Tudo que eu planejei: a surpresa no colégio foi péssima, a escultura da Times Square deu errado, o passeio de bicicleta arrebentou sua perna e eu fui guinchado e estou na cadeia! – Exclamou. – Eu tentei manter a positividade, eu realmente tentei, mas foi bem difícil com você me olhando com essa cara o dia todo.
- “Essa cara”? – Jess sentiu-se levemente ofendida. – E você queria que eu fizesse o que, fingisse que estava tudo bem e ficasse lá sorrindo?
- Não, Jess, eu... – Noah negou com a cabeça. – Eu só queria que, depois de ver todo o esforço que eu tive nesse Valentine’s Day, você não fizesse ainda mais exigências.
- Exigências?
- Como um pedido de namoro, por exemplo – Ele falou, direto. – Eu fiz de tudo para atender às suas expectativas elevadíssimas hoje, mas parece que nada é o suficiente pra você a não ser que eu te dê algum tipo de prova.
- Nós estamos saindo faz cinco meses, Noah, eu não acho que querer uma oficialização seja pedir demais – Jessica estava começando a ficar irritada. – Até porque, não sei se você percebeu, mas você irá se formar no fim do ano. Você vai pra faculdade, vai morar na Califórnia, que fica do outro lado do país, e eu vou ficar no colégio. Ou seja, não vamos mais nos ver.
- E você acha que eu vou pegar meu diploma e sair correndo de Nova York no dia seguinte? É por isso que precisa colocar um aviso de “indisponível” na minha testa?
A loira cerrou os olhos.
- Não, Noah, eu só preciso saber o que você realmente quer – Ela cerrou o maxilar. – Porque em todo esse tempo nós nunca conversamos sobre nós dois, e isso me deixa...
- Insegura? Eu notei.
- Sim, insegura, e acho que não há nada mais justo – Jess cruzou os braços.
- Então o que você quer é um rótulo? Quer que eu te diga que somos namorados pra que isso sirva como uma espécie de prova do que eu sinto por você, e pra que essa seja a sua garantia de que, no ano que vem, nós não iremos terminar? – Noah bufou, balançando as algemas nas mãos. – Eu te digo todos os dias o quanto gosto de você, Jessica, isso não é suficiente?
- Chega uma hora que apenas dizer não basta, você precisa demonstrar!
- Não dá pra apressar esse tipo de coisa assim! Não estamos numa corrida contra o tempo aqui, eu só estou tentando aproveitar o meu último ano de colégio com a garota que eu gosto, não importa se eu a chamo de namorada ou não!
- Viu só, pra você não faz diferença. É por isso que eu fico frustrada – Agora foi ela quem bufou.
- E pra você faz diferença demais, e é por isso que eu fico frustrado – Ele retrucou. – Toda data especial você coloca essa pressão enorme em mim, como se os únicos dias do ano em que o nosso relacionamento importasse fossem esses. Para sermos namorados, todos os outros dias do ano tem que contar, Jess. Tem que ser bom estarmos juntos, mesmo que seja em uma praça lotada ou numa delegacia. E parece que não é assim pra você.
- É porque eu sou desse jeito, Noah! Eu crio expectativas em cima das coisas, e ao mesmo tempo, eu sempre acho que vou me decepcionar – A menina desabafou. – Eu tenho essa sensação estranha de que a qualquer momento tudo vai dar errado, e as coisas boas que eu tenho vão desaparecer misteriosamente. E hoje foi assim. Tudo deu errado, e você não agiu conforme as minhas expectativas, então eu... me decepcionei, e por isso fiquei daquele jeito.
- Isso é egoísta, Jess, além de ser imaturo – O rapaz rolou os olhos.
- Você quer falar sobre maturidade? – Ela riu ironicamente. – Noah, você está no último ano e não consegue decidir o que quer com uma garota. Há cinco meses você me deixa nesse limbo, e quando decidi te perguntar, você ficou ofendido.
Os dois ficaram alguns instantes em silêncio.
- Sabe o que eu acho? – Jessica continuou, agora num tom mais ameno. – Eu acho que nem você sabe o que sente por mim. Você não sabe o que quer, e enquanto tenta descobrir, fica fazendo planos de Valentine’s Day, sendo fofo e engraçado comigo para me deixar confortável. Como se, involuntariamente, estivesse me compensando por não tomar nenhuma atitude.
- Eu não sei, Jess! – Noah levantou-se da cadeira onde estava sentado. – Você tem razão, eu não sei o que quero fazer. Porque quando o ano acabar eu vou embora, tudo na minha vida vai mudar, e qualquer atitude que eu tomar nesse meio tempo me parece perdida, porque eu não sei o que vai acontecer depois! – Com dificuldade por conta das mãos algemadas, o rapaz arrancou de dentro do bolso o pacote prateado. – Eu carreguei isso aqui o dia todo. É um colar que eu comprei pra você faz um mês, pra pedir você em namoro.
Jessica arregalou seus olhos azuis.
- Há um mês eu venho procurando o momento certo pra te dar isso. Depois de passar duas semanas levando o colar pra aula todos os dias e trazendo de volta porque não consegui tomar uma atitude, eu me convenci de que o momento certo seria o Valentine’s Day. Protelei até quando eu pude porque, no fundo, eu nunca tive certeza do que queria fazer. Eu só queria fazer, porque eu sabia o quanto você esperava por isso, e eu sentia a pressão de todo mundo em volta da gente: dos meus amigos, das suas amigas, da minha tia, de todo mundo.
Sem dizer nada, Jessica aproximou-se de Noah e pegou de sua mão o pacote prateado, para devolvê-lo ao bolso da jaqueta dele.
- Então não faça – Disse ela, e entortou o canto da boca num sorriso vazio em seguida. Seus olhos ficaram brilhantes por estarem marejados.
A atitude da garota deixou o rapaz sem reação. Em seguida, Jessica caminhou até a porta da sala em que estavam e a abriu.
- Meu pai chegou – Disse. – Até mais, Noah – E saiu.
O rapaz franzino de cabelos cacheados ficou sentado naquela sala isolada por mais uns vinte minutos, processando aquela conversa. Foi quando sua tia apareceu na delegacia, esbaforida, trazendo os documentos que ele precisava para ser liberado.
- Tia Holly – Noah soltou o ar, aliviado por vê-la.
A mulher de cabelos morenos e mecha azul correu até ele para abraçá-lo.
- Noah, meu Deus – Ela estava desesperada. – O que foi que houve?
- Todo o meu planejamento de Valentine’s Day foi um fiasco, seu carro foi guinchado por eu estacionar em um local proibido e andar sem carteira, e a Jessica terminou comigo – Resumiu o menino.
- Terminou com você? Mas eu pensei que você ia pedi-la em namoro hoje – A tia ficou indignada. Noah apenas mostrou para ela o pacote prateado, que ainda estava com ele. – Ah, querido, eu sinto muito – Ela o abraçou novamente.
Após apresentar os documentos necessários para os policiais, assinar alguns papéis e pagar as multas, as algemas foram retiradas e Noah foi liberado da custódia. Ele e Holly saíram da delegacia ainda um pouco atordoados, e sem carro. A mulher ainda se recuperava do susto, afinal, ela era responsável por Noah desde que ele veio morar com ela no ano passado após a separação dos pais.
- Me desculpe por atrapalhar seu encontro – O sobrinho disse enquanto caminhavam na calçada. Ele se lembrava de ouvir a tia comentar que iria sair com um cara que conheceu num aplicativo.
- Na verdade, você acabou me salvando, se quer saber – Holly sorriu de lado.
- Ué, por quê?
- Porque não tinha nenhum Joseph curador de arte do aplicativo – Ela contou. – Era o Luke.
- O Luke? – Noah assustou-se.
- Pois é – A tia fez careta. – Aparentemente ele me achou no Valentine’s Date e pensou que a nossa compatibilidade no aplicativo significava que deveríamos ficar juntos de novo.
- Nossa – O rapaz arregalou os olhos. – Sinto muito, tia Holly.
- Eu vou sobreviver – A mulher abraçou Noah de lado. – Eu só realmente não queria ir pra casa agora. Está cedo demais, e eu vou acabar caindo no sofá e assistindo comédias românticas na TV que vão me deprimir. O que acha de termos nosso próprio encontro de Valentine’s Day, já que nós dois andamos azarados no amor?
- Não sei se é bem isso que você queria, mas... – Disse o rapaz retirando algo de dentro da carteira que acabara de recuperar. – Essa era minha última surpresa para a Jessica. Eu tinha comprado ingressos para o festival de Valentine’s Day da iHeartRadio no Central Park. Pensei que seria romântico levá-la.
- Um pouco romântico demais se você quer saber – Holly fez uma careta, já que não estava muito no clima. – Mas, já que você está com os ingressos aí, acho uma pena desperdiçá-los. Vamos?

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Capítulo 16 - Bruce e Vivien, o amor renovado

Valentine passou em casa rapidamente apenas para trocar de roupa, antes de sair para comemorar de última hora o próprio aniversário ao lado dos pais. De repente, ela estava se sentindo muito empolgada com a data, e também com a ideia que teve para celebrá-la. O Valentine’s Day havia ganhado um significado completamente novo para a moça de vinte e três anos – tudo graças ao cara esquisito dos óculos de coração.
Após praticar as “gentilezas aleatórias” dos cartões e deixar a praça do Rockefeller Center, Valentine decidiu que comemoraria aquele aniversário ao lado das pessoas que mais ama. E para driblar a lotação dos restaurantes com jantares românticos, a jovem teve a brilhante ideia de fazer sua festa onde não precisaria de reservas: o Central Park. Afinal, ela e a família adoravam fazer piqueniques juntos lá quando ela era criança.
Tempos depois do pôr do sol, Valentine encontrou Bruce e Vivien no gramado do parque, já parcialmente ocupado pelas pessoas que guardavam seus lugares para assistir ao festival de Valentine’s Day. Atrás da plateia com ingressos VIP, famílias e grupos de amigos sentavam-se em toalhas e em cadeiras de praia para esperar o show. Pais e filha se juntaram a eles.
- A cho que a última vez que você autorizou uma comemoração para o seu aniversário foi quando tinha dez anos – O pai da garota comentou, divertido, enquanto comia um dos sanduíches naturais que a esposa havia preparado para o piquenique.
- Eu ainda me lembro da revolta de vocês quando eu não quis fazer uma festa aos onze – Valentine riu, apoiada sob o cotovelo na toalha que cobria o chão.
- Foi nesse o ano que você disse que ia entrar com um processo para mudar seu nome? – A mãe disse rindo e cobriu a boca com um guardanapo, e os outros dois a acompanharam.
- Eu sempre tive muita raiva dessa coisa de Valentine’s Day, não é? – A moça falou entre gargalhadas. – Por que será?
- Você nunca foi muito ligada a romantismo, filha – O pai de cabelos negros e grisalhos deu de ombros. – E sempre adorou ser do contra, também.
- Acho que à medida que você foi crescendo, isso foi se potencializando – A mãe completou. – Rebeldia adolescente.
- Aliás, será que podemos saber o que foi que houve de tão especial hoje para acabar com essa rebeldia? – Bruce arqueou as sobrancelhas.
- “Acabar” é uma palavra forte – A moça ponderou. – Digamos que eu conheci alguém que me fez enxergar esse dia de uma forma diferente, só isso.
- Alguém? – Agora foi a vez de Vivien encará-la com curiosidade. – Um rapaz?
- Não é o que você está pensando, mãe – Valentine rolou os olhos, divertida. – Eu simplesmente percebi que o Valentine’s Day é sobre mais que romance. É um dia para se passar com as pessoas que você ama, e por isso eu quis passar com vocês dois.
Bruce e Vivien se entreolharam e sorriram em seguida.
- Eu me lembro de quando eu era pequena e o papai chegava em casa com dois buquês de flores: um para a mamãe pelo Valentine’s Day e outro para mim pelo meu aniversário – A moça de cachos escuros continuou. – Eu me lembro que vocês dois sempre contavam a mesma história do primeiro Valentine’s Day que passaram juntos. Sobre como tudo deu absurdamente errado e isso, na verdade, acabou aproximando vocês dois pois foi divertido – Relembrou. – E eu também me lembro como sempre reforçavam o significado que essa data ganhou pra vocês dois quando eu nasci. Que era como se o amor de vocês tivesse renascido mais forte junto comigo, e aquela coisa toda – Ela falou essa última parte com a voz afetada, e os três riram em seguida. – Sempre admirei o romantismo entre vocês dois, embora eu não seja muito romântica. Acho até que isso me pareceu (e ainda parece) meio surreal, pois não sei se eu seria capaz de ter algo tão perfeito assim um dia.
O casal se entreolhou de novo, mas o sorriso que deram estava ligeiramente diferente do primeiro.
- Bem, já que você ficou tão interessada em romance de repente, acho que vale uma lição – Bruce disse para a filha sem tirar os olhos de Vivien. – O romance é muitas coisas, mas nunca é perfeito.
Valentine pareceu não entender, o que levou a mãe a contar para ela uma história de Valentine’s Day. Porém, não era sobre o primeiro dia de São Valentim que ela e o marido passaram juntos, como ela sempre fazia. Era sobre aquele dia mesmo, 14 de fevereiro de 2020.
Bruce e Vivien sempre foram um casal romântico e apaixonado, é verdade – e isso sempre chamou a atenção de muitas das pessoas que conviviam com eles. Porém, desde que a filha entrou na faculdade e saiu de casa, muita coisa mudou. O ritmo dos dois desacelerou, principalmente quando o pai de Valentine se aposentou da polícia. Como Vivien já atendia seus alunos de reforço escolar no próprio apartamento onde moravam, ela e o marido passaram a ficar muito mais tempo em casa.
Sem que o casal se desse conta, o relacionamento dos dois começou a esfriar. Após um ano, muita gente não acreditaria que aqueles eram os mesmos Bruce e Vivien. Ele já não trazia mais café na cama para ela todo dia, e ela já não preparava mais o jantar com tanto gosto para ele; os dois trocaram o baralho que jogavam juntos toda quinta à noite por assistir o noticiário no sofá; os beijos e os “eu te amo” foram ficando cada vez menos frequentes também.
Bruce e Vivien tiveram até uma briga feia uma vez, por um motivo bobo: a decoração da sala. Chegaram até a dormir brigados – coisa que nunca havia acontecido entre eles em tantos anos de relacionamento. Foi aí que decidiram que era hora de buscar ajuda. Aconselhados por uma vizinha do prédio, os dois marcaram um horário numa terapeuta de casais.
Dra. Claire era ótima, de acordo com a senhora que morava no apartamento 312. Bastariam algumas consultas semanais com a terapeuta de voz suave e cabelos ruivos para que Vivien e Bruce concertassem o que havia de errado e entrassem nos eixos novamente.
E lá foram eles. O horário do casal era às 13h daquele mesmo dia quatorze de fevereiro. O início de um processo de aprimoramento, que poderia levar algum tempo, mas que trazia otimismo para os dois. Porém, não foi assim que aconteceu. Sem dar nenhuma explicação, a terapeuta havia cancelado todas as consultas daquela tarde.
O casal próximo dos sessenta anos de idade já estava a caminho quando o recepcionista ligou avisando sobre a mudança. Àquela altura, eles não iriam voltar para casa. Ficaram sem plano algum, no meio da cidade de Nova York. E, na verdade, era disso mesmo que eles precisavam.
Sem nenhuma agenda definida e já fora do apartamento onde moravam, Bruce e Vivien se viram praticamente obrigados a fazer alguma coisa juntos. Afinal, era Valentine’s Day, e aquele costumava ser um dia muito especial para eles.
O casal decidiu então sair pela cidade, e fazer as coisas que sempre disseram que gostariam de fazer, mas nunca haviam colocado em prática. Primeiro, foram almoçar numa cantina italiana ali perto que já estava aberta há dois anos, mas eles nunca haviam provado. Depois, foram até o Museu de História Natural, pois Vivien nunca tinha o visitado – a maior gafe para qualquer novaiorquina que se preze. O terceiro passeio foi no Highline Park, um parque suspenso no meio da cidade, que os dois ainda não conheciam. E a tarde terminou logo em seguida com um café no Chelsea Market, pois há meses Vivien e Bruce diziam que queriam tomar algo diferente do mesmo Starbucks de sempre.
Aquela programação feita ao acaso acabou trazendo ao casal um esclarecimento. Enquanto se divertiam juntos experimentando coisas novas, os dois se esqueceram da preguiça, das brigas e da frieza. Eles eram Bruce e Vivien de novo.
Sem nem dar as caras no consultório, Dra. Claire foi bem assertiva no tratamento que aquele casal precisava: diversão compartilhada.
- Eu não sei se acho isso fofo ou se fico brava com vocês dois por não terem me contado que estavam com problemas – Valentine disse séria, assim que a mãe terminou de contar a história.
- Nós pretendíamos te contar hoje depois da sessão de terapia, já com alguma solução em mente – Vivien explicou. – Mas ela era bem mais fácil do que parecia.
- Depois de tomarmos café no Chelsea, fizemos uma última parada na nossa programação maluca antes de você nos ligar – O pai completou. – Conversamos muito sobre precisarmos sair da rotina e aproveitar o tempo que temos juntos, então decidimos que iremos viajar. Passamos em uma agência e reservamos passagens para a Itália em julho.
- Parece uma ótima ideia – Valentine ponderou. – Eu sempre disse a vocês que deveriam fazer essas coisas.
- É, acho que demoramos um pouco para nos acostumarmos com a ideia – Vivien refletiu. – Precisávamos entender essa nova fase da vida e do relacionamento também.
- Vocês têm certeza de que está tudo bem? – A filha preocupou-se, mas eles a tranquilizaram. – Eu amo vocês – Ela os abraçou em seguida.
- Também te amamos, Valentine – A mãe disse de forma terna. – Esse é outro significado para o seu nome, sabia? – Continuou após alguns segundos de silêncio. – Te chamamos de Valentine pois é assim que se chama a pessoa amada no Valentine’s Day. E naquele quatorze de fevereiro, você se tornou a pessoa mais amada das nossas vidas.
- Vocês são tão cafonas – A garota brincou como de costume, mas realmente havia achado fofo.
- Finalmente achei vocês! – Uma voz ofegante e carregada de um sotaque latino inconfundível exclamou atrás deles.
Valentine desvencilhou-se do abraço familiar para dar de cara com um rapaz de vinte e quatro anos, pele morena e rosto desesperado, mas ao mesmo tempo aliviado, que a encarava.
- Cadu! Você conseguiu chegar! – A moça de cachos gritou alegremente, e se levantou para abraçar o namorado de Dylan. – Como?!
- É uma longa história – Cadu ofegava. Dava para ver o quanto ele tinha sofrido para estar ali. – Sabe onde está o Dylan? Ele não responde minhas mensagens.
- Se você for até a produção do show lá na frente e perguntar por ele, o pessoal deve saber.
- Está bem, obrigado. Feliz aniversário, aliás – O rapaz disse com seu sotaque brasileiro e sorriu. Após abraçar a melhor amiga do namorado e cumprimentar os pais dela, Cadu saiu correndo em direção ao palco do festival.
Valentine não conseguiu conter a felicidade ao ver que o brasileiro havia chegado. Ela sabia o quanto significava para Dylan a vinda dele para os Estados Unidos. Seus pais e aqueles dois eram provavelmente os únicos casais do mundo de que a moça realmente gostava. Afinal, um amor gay, internacional e à distância não é para qualquer um.
Quem diria? Ao que parece, Valentine Scott não é tão anti-romance assim.

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Capítulo 17 - Dylan, o amante à distância II

Oito meses. Dependendo do ponto de vista, esse não é um período muito longo. Se estamos falando do tempo de vida de uma tartaruga ou da separação dos continentes, oito meses não são mais que um instante. Porém, se esse é o tempo que um casal passou sem poder se ver, oito meses representam uma pequena eternidade.
Fazia oito meses desde que Dylan e Cadu haviam se encontrado pela última vez. Em julho, o americano fez uma surpresa para o brasileiro no dia do seu aniversário, e apareceu no Rio de Janeiro para passar a semana. Desde então, o casal só se via pelo FaceTime, e só conversava através da internet.
Dylan procurou não pensar nisso quando recebeu a mensagem de Cadu, avisando-o sobre o atraso de seu voo por conta de uma erupção vulcânica em um país vizinho do Brasil. Procurou não pensar nas chances extremamente grandes de que o namorado não fosse conseguir passar o Valentine’s Day com ele naquele ano. De que eles não fossem conseguir matar os oito meses de saudade acumulada naquele dia.
Ao contrário, como uma boa pessoa positiva, Dylan respirou fundo e preferiu manter as esperanças. Antes de sair da rádio para seu intervalo de almoço, o rapaz de grandes olhos azuis ainda aproveitou uns momentos a sós para fazer um apelo.
- Deus, por favor, eu só quero ver meu namorado hoje – Ele dizia baixinho dentro do estúdio de áudio vazio. – Eu sempre disse que não queria me apaixonar, mas o Senhor teimou de colocar um cara lindo e incrível como o Cadu na minha vida, então nada mais justo do que eu poder passar o Valentine’s Day com ele, não acha? Afinal, ninguém mandou o Senhor me dar logo um namorado brasileiro que mora lá na outra ponta da América...
A oração nada trivial de Dylan foi interrompida pela vibração do celular em seu bolso. Era uma mensagem de Cadu.

“Não teve jeito, cancelaram o voo. Sinto muito =(“

Ele bem que poderia arremessar o celular na parede para extravasar a raiva, afinal, a sala de áudio tem isolamento acústico. Mas Dylan preferiu não fazer isso. Era hora do almoço, e ele precisava sair dali correndo para comer e logo em seguida ir ao Central Park para continuar o trabalho. O rapaz de grandes olhos azuis decidiu deixar para surtar de noite, quando estaria em casa e poderia chorar no colo de Valentine. Por ora, ele iria respirar fundo, colocar um sorriso no rosto e manter a simpatia de que precisava para trabalhar.
O pior castigo para alguém que não vai passar o Valentine’s Day ao lado do namorado é ter que ficar o dia inteiro como babá de um casal de adolescentes tendo encontros românticos pela cidade. Aquela era uma injustiça tão grande que, aos poucos, foi tirando o bom humor de Dylan – e eram poucas as coisas capazes de fazer isso.
Nem mesmo passear de carruagem pela paisagem verde do Central Park estava o animando. Na verdade, aquilo só o deixava pior, pois adoraria estar fazendo todos aqueles programas ao lado de Cadu – mas estava acompanhando Kyle e Maya. Enquanto esperava as horas passarem emburrado em sua carruagem, Dylan recebeu outra mensagem do namorado.

“Caiu uma tempestade agora a pouco. No jornal disseram que o vento dissipou parcialmente as cinzas de São Paulo. Minha companhia não tem mais voos para Nova York, mas talvez eu consiga um encaixe para Boston. Torce aí!”

Caso pegasse um voo para Boston como disse na mensagem (percurso que dura cerca de dez horas), o brasileiro ainda estaria a três horas de estrada de Nova York. Dylan fez as contas rapidamente, e não precisou de muito raciocínio para concluir: Cadu não chegaria a tempo para o Valentine’s Day.
Mas esse nem era o maior problema. A passagem do rapaz de volta para o Brasil estava marcada para o meio-dia de domingo. Seria um desperdício de tempo, além de uma loucura, vir até Nova York e ficar pouco mais de vinte e quatro horas.
Dylan não podia exigir que o namorado fizesse aquilo. Sim, ele queria mais do que tudo a companhia de Cadu naquele dia, mas adultos precisam usar a lógica ao invés do coração, às vezes. Principalmente quando falamos de um relacionamento à distância, onde o amor, por mais verdadeiro que seja, está limitado por quilômetros, tempo e dinheiro.

“Amor, sei que nós dois queremos muito nos ver hoje, mas não faça isso. Vai ser cansativo, custar caro e logo você terá que voltar. Fique no Brasil”

Não foi nada fácil digitar aquilo e apertar “enviar”. Mas era o certo a se fazer. Alguns minutos depois, Dylan recebeu uma resposta simples.

“Me desculpe. Amo você”

O rapaz de grandes olhos azuis mal teve tempo de lamentar a ironia da vida. Sua melancolia foi interrompida quando, logo em seguida, precisou socorrer o artista metido e a fã apaixonada em pé de guerra no meio do Central Park. Dylan ficou a um passo de estapear Kyle Beresford pela grosseria dele com Maya. Aparentemente, o loirinho achava que entendia o que era ter um péssimo dia. Mas ele não fazia ideia.
A situação piorou ainda mais quando Dylan, o casal e o segurança de Kyle ficaram presos em uma loja de roupas na Times Square por causa da multidão de fãs do cantor, que quase os sufocou do lado de fora. Aquele dia definitivamente tinha sido feito para testar a paciência de Dylan, e a sua capacidade de aguentar stress sem assassinar ninguém ao redor dele.
Apesar da mistura entre sua decepção no amor e os desastres no trabalho estarem ocupando 110% da sua capacidade cerebral, o rapaz passou aquele tempo ilhado na loja pensando no quanto Cadu havia se esforçado para ir vê-lo em Nova York – e no quanto isso era fofo.
Mesmo antes do cancelamento do voo e das cinzas do vulcão, já não estava sendo fácil para ele: primeiro, o brasileiro precisou juntar a grana para a passagem, que não foi pouca, já que o dólar é caro no Brasil; depois, Cadu precisou negociar a folga do trabalho com o chefe nada simpático dele, e pegar horas extras no fim de semana. Ele ficou plantado no aeroporto por horas e estava disposto a gastar mais dinheiro para conseguir embarcar em qualquer avião e ver Dylan. Para ele, não havia prova de amor maior do que aquela.
Mas havia sim. Na verdade, o brasileiro de cachos escuros ainda iria contabilizar alguns perrengues antes de provar seu amor na luta incansável para encontrar o namorado.
O aeroporto de São Paulo estava funcionando novamente, ainda que de forma reduzida. Alguns voos foram realmente cancelados – como era o caso do de Cadu – mas havia aviões levantando voo, e isso era suficiente para que o rapaz mantivesse a esperança. Fazendo suas pesquisas no saguão, ele concluiu que pegar o voo para Boston era sua melhor chance de chegar a Dylan – mas não havia mais assentos disponíveis para que ele transferisse sua passagem.
O jovem, então, saiu perguntando para quem estava em volta se alguém tinha passagem para aquele voo. Tentou convencer a pessoas a trocarem com ele, ofereceu pagar até o dobro do valor, mas ninguém aceitou. Cadu nem sabia se aquilo era possível, na verdade.
Era hora do plano B. O rapaz foi até o guichê da companhia aérea e, em meio a centenas de passageiros insatisfeitos, conseguiu ser atendido. Lá, descobriu que havia um voo de outra companhia (o único do dia) que estava partindo para Nova York em meia hora. Apostando na sorte, pediu a transferência. Porém, é claro, muita gente queria conseguir aquilo, então Cadu precisou contar à atendente toda a história triste e comovente do seu Valentine’s Day que havia dado errado, e recebeu a nova passagem em mãos.
Fazia tempo que o rapaz não corria tão rápido. Ele atravessou o aeroporto todo e foi o último passageiro a embarcar no voo, que já estava com as portas fechando. Mas o importante era: ele estava indo para Nova York, e iria encontrar Dylan naquele dia.
Com a correria das passagens, Cadu nem conseguiu avisar ao namorado que a viagem tinha dado certo. Apenas quando pousou, perto das dez da noite, é que ele conseguiu sinal de internet, mas Dylan não estava recebendo suas mensagens por algum motivo.
Cadu seguiu então para o Central Park, onde os dois haviam combinado de se encontrar originalmente. O rapaz ficou surpreso por ver que, àquela hora, o show ainda não havia começado. No gramado, Cadu cruzou com Valentine, que o indicou a produção do festival para que ele finalmente pudesse encontrar Dylan.
Quando deixaram o brasileiro entrar no backstage, de cara ele avistou o namorado com seus grandes olhos azuis cheios de preocupação, por alguma razão. Ele se aproximou para que Dylan o notasse.
A expressão antes transtornada do rapaz transformou-se em surpresa pura, imediatamente. O rosto de Cadu era o último que ele esperava ver ali.
- Como?! – Foi só o que Dylan conseguiu pronunciar, enquanto os dois corriam para um abraço forte e demorado.
- É uma longa história – Cadu riu, com a voz abafada nos ombros do namorado.
- Meu Deus... – O loiro ainda estava processando o acontecido. – Você foi pra Boston? Você dirigiu até aqui? Mas não ia dar tempo...
- Não precisei, deu tudo certo – O brasileiro manteve poucas palavras, pois queria apenas apreciar aquele momento. Ele lutara o dia todo para chegar até ali, afinal.
Os dois ficaram se olhando por alguns segundos, ambos um tanto extasiados pelo encontro. E então, se beijaram.
- Ok, olha – Dylan precisou interromper o beijo dos dois. Ele estava muito acelerado. – Você não sabe o quanto eu estou surpreso e feliz por te ver aqui. Mas o Kyle Beresford sumiu e ninguém acha ele em lugar nenhum, então eu estou realmente surtando.
- Sumiu? Como assim? – O moreno com sotaque latino estranhou.
- Boa pergunta. Eu preciso resolver isso porque meu emprego meio que depende desse moleque agora, então... você espera me espera aqui? – Dylan falou já se afastando, e Cadu apenas concordou. Porém, antes de sair correndo desesperado por entre as cortinas, o loiro retornou para beijar mais uma vez o namorado. – Você é incrível, obrigado por vir.

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Capítulo 18 - Maya, a fã apaixonada IV

O show de Kyle Beresford no festival de Valentine’s Day da iHeartRadio deveria ter começado há uma hora. Várias das atrações anteriores já haviam se apresentado novamente – o mágico, as equilibristas, a dupla de humoristas e a orquestra. As pessoas da plateia VIP já estavam começando a ficar impacientes, o público geral não entendia o que estava havendo. No backstage, a produção entrava em parafusos. Dylan não sabia mais o que fazer para manter as pessoas calmas, os agentes e empresários de Kyle estavam doidos atrás dele, mas ninguém o encontrava. E, no meio dessa confusão toda, estava Maya.
A garota de olhos puxados queria ajudar, mas não sabia muito bem como. Exceto pelo fato de ela ter uma vantagem sobre todos atrás daquele palco: Maya sabia tudo sobre Kyle Beresford.
Aquilo precisava dar a ela uma vantagem de alguma forma. Porém, durante o tempo todo em que ficou observando a loucura dos executivos atrás do garoto de dezoito anos, ela não formulou nenhum palpite sobre para onde ele teria fugido. Por que aquele tipo de informação não estava nas revistas que ela lia? Não que qualquer uma delas falasse sobre quem Kyle realmente era, de toda forma.
Foi aí que Maya teve um lapso de sabedoria. Enquanto passeavam de carruagem, antes da grosseria de Kyle, ele disse que seu maior ídolo era John Lennon. Seguir o palpite da adolescente seria atirar no escuro, mas não custava nada tentar. Maya puxou Dylan para um canto, contou sua ideia e sem demora os dois correram em disparada para o memorial de John Lennon, que ficava ali mesmo, no Central Park.
Dito e feito: lá estava o rapaz de topete loiro, com as mãos nos bolsos do figurino do show, olhando para o chão.
- O que você está fazendo aí?! – Dylan gritou de longe, indignado. – Você sabe quantas mil pessoas estão te esperando naquele palco nesse momento?!
Maya tocou no ombro dele, fazendo-o parar de andar.
- Quer que eu fale com ele? – Sugeriu, com a voz bem mais calma que a de Dylan.
- É melhor. Já é a segunda vez que fico a ponto de estapear aquele rosto lindo, e não estou nem a vinte e quatro horas convivendo com ele – O loiro bufou, fazendo Maya rir. – Vou ligar pra agente dele e dizer que o encontramos. Faça ele voltar, rápido – Enfatizou, e em seguida se afastou para falar ao celular.
- Você fez uma bagunça lá, sabia? – A asiática aproximou-se de Kyle, que só então virou-se para ela. – Estão todos doidos atrás de você.
- Não necessariamente porque estão preocupados, mas porque se eu não aparecer eles perdem dinheiro – O loiro deu de ombros e voltou a olhar para o círculo no chão.
Maya rolou os olhos. Ele nunca deixava de bancar a vítima.
- Tem muita gente lá que não está ganhando dinheiro algum. São seus fãs – Ela retrucou. – Eles vieram para te ver.
- Não, eles vieram para ver o Kyle Beresford – O rapaz a encarou.
- E você é quem? John Smith?
- Eu não quero cantar para aquelas pessoas, Maya. Vestir uma roupa que não é minha, cantar músicas sobre amores que eu não vivi para casais apaixonados que eu não conheço – Kyle estava frustrado. – Eu não sou nada daquilo, e ainda assim é daquilo que as pessoas gostam. Você, a multidão na Times Square e tudo que aconteceu hoje só me fizeram perceber isso.
Ouvir o garoto falando daquele jeito fez Maya perder a paciência.
- Kyle, olha só – Ela tentou não soar tão irritada. – Você pode não estar satisfeito com a sua vida, mas ela não é uma droga da forma que você faz parecer quando fala desse jeito. Sim, a indústria da música é uma merda, mas você tem uma coisa que muita gente no mundo gostaria de ter. Não é beleza, não é fama, não é um bando de adolescentes atrás de você: é uma voz. Tem pessoas te ouvindo. Então, se você não está feliz, fale. Se seus agentes vão ficar bravos com você ou se você vai perder seguidores, que se dane. Só pare de agir como se o mundo estivesse contra você e não tivesse nada que você pudesse fazer para mudar isso.
- É fácil pra você falar – O loiro entortou a boca, contrariado.
- Tem razão. É sim, porque eu não sou uma artista famosa – Maya continuou. – Mas eu acompanho você desde sempre, e garanto que qualquer garota como eu ficaria indignada e triste se passasse pelo que eu passei hoje. Não só porque você destruiu a imagem que eu tinha de você, mas porque eu vi o quanto essa imagem é falsa e te sufoca. Como sua fã, não gostei de te ver assim. Por isso, acho que o que você deveria fazer é ser mais honesto, só isso. E, se as pessoas por algum motivo não gostarem, então dane-se, você não precisa delas e essa fama não é pra você. Pegue todo o dinheiro que você já ganhou e vá fazer outra coisa, escrever suas músicas, ser você mesmo. Só não se transforme na superestrela mimada e egoísta que é grossa com fãs e os deixa esperando por horas em shows, porque seus fãs são os menos culpados dessa história toda. Eles te sufocam, te perseguem, te pedem fotos? Sim, mas é apenas porque gostam de você, e não porque lucram com o seu sucesso. Mude sua relação com eles.
- E como eu faço isso, alguma sugestão? – Kyle continuava contrariado, mas agora sua voz parecia um pouco mais amena.
- Quando entrei no seu camarim hoje mais cedo, você estava tocando alguma coisa no violão. Não era uma das suas músicas, porque acredite, eu reconheceria no primeiro acorde – Maya disse, fazendo o rapaz sorrir de canto. – Se me permite um palpite, acho que era algo que você escreveu, mas nunca lançou. Por que não começa o projeto Kyle Beresford 2.0 apresentando para o público músicas suas, de verdade? É um bom jeito de iniciar sua nova fase.
O loiro pareceu ponderar um pouco sobre o que ela disse.
- Agora, por favor, podemos voltar para o palco? Eu prometi ao Dylan que te levaria de volta – A adolescente insistiu.
- Está bem, eu vou – Kyle cedeu, fazendo Maya comemorar. – Obrigado por isso.
- Pelo quê?
- Por ser sincera comigo. Por ter me dado esse tapa na cara da maneira que ninguém tem coragem de dar, já que são pagos para serem legais comigo. Você deve ser uma das minhas únicas fãs de verdade por aí – A garota podia perceber a gratidão nos olhos azuis do rapaz, mesmo com a pouca iluminação do parque.
Lentamente, Kyle aproximou seu rosto do de Maya, encarando-a no fundo dos olhos. Ele foi chegando perto e mais perto, até que, sem nem saber muito bem por que fez aquilo, ela se afastou.
- Eu... – Maya não sabia o que dizer. Foi um momento um tanto surreal.
- Eu achei que você... – O rapaz estava muito confuso.
- Eu também achei – Ela o interrompeu. Após mais alguns segundos tentando entender o que estava acontecendo, ela riu. – Sabe, isso era o que eu mais queria no começo do dia. Era meu sonho há anos, na verdade.
- Mas...? – Kyle ainda esperava uma resposta que fizesse sentido.
- Mas eu queria beijar Kyle Beresford, e você me mostrou que ele não é real – A medida em que colocava seus sentimentos em palavras, eles começavam a fazer sentido para ela.
O garoto parecia magoado, e um pouco indignado também.
- Não é isso que eu quero dizer. O Kyle real me parece muito melhor do que o Kyle Beresford do Instagram e das revistas, mas... eu não o conheço – Maya franziu a testa. – Eu não conheço você. Por isso não posso estar apaixonada, entende?
- Acho que nós dois estamos muito confusos no momento – O loiro também ainda não tinha processado aquela situação direito. – Vamos voltar para o show?
- Vamos – A adolescente voltou aos eixos. – Me desculpe por isso...
- Tudo bem. Deve ser o primeiro fora que eu já levei na vida, é bom para eu cair na real – Kyle brincou, fazendo-a rir.
Maya abraçou-o em seguida, e ele correspondeu. Era uma situação improvável e bizarra, que nem parecia real. Mas, mesmo assim, após o abraço, os dois se entreolharam com carinho. Aquele dia havia mudado muita coisa na percepção dos dois adolescentes.
- Dá pra andarem logo, pelo amor de Deus?! – Dylan gritou a alguns metros de distância, desesperado. Os dois já haviam se esquecido de que ele estava lá.
Era hora do show.
Após uma série de broncas e olhares atravessados vindos de diversas pessoas da produção e da equipe, Kyle foi ao backstage e pegou seu violão. Normalmente, ele não sentia nada quando estava prestes a se apresentar, mas hoje, por alguma razão, estava nervoso. Com as mãos suadas, o garoto de dezoito anos subiu ao palco, e a plateia que antes estava impaciente o recebeu com aplausos calorosos. Kyle não sabia direito como se sentir, mas Maya o deixou um pouco melhor. De uma das primeiras fileiras VIP, ela sorria para ele enquanto o aplaudia.
Ao menos alguém ali naquele mar de pessoas que ocupavam o gramado do Central Park sabia quem ele realmente era. E, por ora, isso bastava.

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Capítulo 19 - Holly, a paqueradora virtual III

Holly passou o caminho todo da delegacia até o Central Park pensativa. Noah não estava muito diferente, afinal, os dois haviam tido experiências horríveis com seus encontros de Valentine’s Day, e cada um tinha seu próprio turbilhão de pensamentos para reorganizar. Faria bem aos dois darem um passeio juntos para se distraírem e se consolarem um pouco na companhia um do outro.
Holly e Noah chegaram ao Central Park um tanto atrasados para o horário do show principal, mas por sorte, a atração ainda não havia começado. Os dois se apressaram e passaram pelo gramado abarrotado de gente para chegarem até a área VIP da plateia, onde Noah havia comprado cadeiras. Como o show estava demorando para começar, Holly decidiu checar o Instagram para passar o tempo.
Entre stories de familiares e famosos, a mulher viu uma foto postada há meia hora por um amigo de Luke, onde o homem de traços indianos aparecia em um bar com o grupo. Holly conhecia o lugar, e sabia que ficava nas imediações daquela região do Central Park, praticamente dividindo calçadas. Ela faria questão de não passar por ali na hora de ir embora.
Rever Luke pessoalmente havia mexido muito com a morena de mecha azul. E descobrir que ele era o cara com quem ela vinha flertando nas últimas duas semanas – e por quem estava realmente interessada – piorava tudo mil vezes.
Holly não queria admitir, mas tinha ficado realmente a fim do tal Joseph. Não só porque eles tinham muitas coisas em comum, mas porque a conversa entre os dois fluía muito bem. Pessoalmente, a moça nunca tinha acreditado muito em aplicativos de relacionamento, achava que era coisa de adolescente. Acabou descobrindo que era possível sim gostar de alguém virtualmente – pena que era do seu ex-namorado.
Será que Luke, mesmo tendo tomado uma atitude ridícula e doida, tinha uma ponta de razão? Será que ele e Holly combinavam mesmo um com o outro? Será que o fato de o Valentine’s Date ter combinado os dois e de terem se dado tão bem naquele período realmente significava alguma coisa?
A cabeça de Holly já estava cheia de dúvidas outra vez. Não fazia muito tempo que a mulher tinha conseguido se livrar delas, aliás. O que havia feito com Luke no Valentine’s Day passado ainda a assombrava, pois ela nunca soube dizer se tinha tomado a decisão certa ao abandoná-lo naquele terraço.
Ela não quis admitir para Luke mais cedo, mas tinha medo do compromisso, sim. Seus pais passaram por uma separação muito difícil quando Holly era criança, e o mesmo aconteceu com a irmã dela, mãe de Noah, há um ano. A morena de mecha azul sempre disse a si mesma que casamento não era para ela, e achava que nem mesmo Luke mudaria aquilo. Agora ela já não tinha mais certeza.
- Eu já volto – Holly anunciou para o sobrinho, levantando-se da cadeira.
- Não demora, ou vai perder o show – Noah respondeu.
Sem ter certeza do que fazia, Holly caminhou até o palco e chamou um dos funcionários da produção do festival. Era um rapaz próximo dos vinte e quatro, loiro e com grandes olhos azuis. Holly contou a ele o seu plano, sem muita segurança na voz. O tal Dylan atendeu prontamente, e começou a mexer os pauzinhos para ajudar a morena. Ele nem pareceu ficar surpreso com o pedido dela.
Enquanto isso, depois do gramado e do outro lado da rua, o homem de traços indianos sorria com um copo na mão para tentar manter a simpatia ao lado dos amigos. Depois que tudo deu errado com Holly, Luke enviou uma mensagem contando para Jeremy sobre o acontecido, e o colega de trabalho o chamou para sair com um grupo de caras solteiros que os dois conheciam. Beber com os amigos costumava ser o melhor remédio para os dias ruins de Luke, mas naquele caso específico, ir para casa dormir parecia ser a melhor ideia. Mas ele precisava esperar até o show começar, no mínimo, para não ficar chato.
O tal artista adolescente começou a tocar, e era possível ouvir perfeitamente as músicas do bar onde ele estava. O garoto não era assim tão ruim, mas aquele grupo de solteiros não estava ali pelo show: só queriam beber, falar mal das ex-namoradas e, quem sabe, encontrar moças solteiras desiludidas o suficiente com o Valentine’s Day para lhes dar uma chance. Luke não estava naquele clima, nem de longe. Depois da quarta música, já começou a se despedir do pessoal, e dirigiu-se ao caixa para pagar a conta.
- A próxima canção que vou tocar é dedicada a alguém especial, a pedido de uma fã da plateia – Falou o rapaz loiro no palco, enquanto Luke abria a carteira. – Essa vai para Joseph Davis – O homem indiano se sobressaltou. – A Holly não está mais com medo.
O acupunturista ficou pensando por alguns instantes se tinha mesmo ouvido aquilo. Enquanto os acordes iniciais daquela balada acústica começavam, ele terminava o pagamento. Joseph Davis era seu nome falso no aplicativo Valentine’s Date, e quem dedicou aquela música se chamava Holly. Tem de ser uma coincidência, não é?

Love is a funny thing (amor é uma coisa engraçada)
Whenever I give it, it comes back to me (sempre que eu dou, ele volta pra mim)
And it's wonderful to be (e é maravilhoso estar)
Giving with my whole heart (dando com todo o meu coração)
As my heart receives (enquanto meu coração recebe)
Your love (seu amor)

Luke acenou para os amigos e saiu do bar, em seguida parando na calçada para pedir um Uber. Quando ergueu a cabeça para procurar o carro que vinha buscá-lo, levou um susto ao ver uma morena de mecha azul e grandes olhos castanhos parada bem na frente dele.
- Holly? – Disse o homem, espantado.
- Você tem razão – A moça falou. – Eu tenho medo... aliás, eu tenho pavor quando relacionamentos chegam ao próximo passo. Eu tenho medo do compromisso, do casamento, de tudo isso.
Luke continuava apenas a olhando com uma expressão de surpresa, sem entender o que estava havendo.
- E esse medo é uma das coisas mais estúpidas sobre mim. Eu não passei quatro anos da minha vida com você simplesmente pensando que continuaríamos namorados para sempre. De novo, você tem razão: nós somos perfeitos um para o outro, e eu sempre soube disso – Holly deu um passo à frente. – Foi por isso que eu me apaixonei pelo Joseph Davis: porque tudo nele me lembrava você. Porque ele conversava comigo sobre arte como você fazia, porque ele também queria viajar o mundo do jeito que eu e você sempre planejamos fazer.
O homem de traços indianos apenas pressionou a tela do celular para cancelar o Uber, sem tirar os olhos dela.
- Eu só destruí essa relação incrível que tínhamos porque tinha medo de acabar como meus pais ou a minha irmã. Mas nós não somos como eles. E agora eu vejo isso – Dessa vez, Holly deu um passo para trás. – Quando você tomou uma atitude, eu pirei porque estava protelando esse momento dentro de mim. Eu não estava pronta, mas agora, eu estou – E então, ajoelhou no chão. – Luke... quer casar comigo?
As pessoas que estavam em volta bebendo na calçada ou assistindo ao show foram à loucura. Começaram a torcer, bater palmas e filmar. Uma mulher de mecha azul no cabelo estava pedindo um homem de barba em casamento, bem ali, na rua do Central Park.
- Por favor, não use essa oportunidade para se vingar de mim pelo ano passado e me deixar aqui plantada – Holly riu olhando para ele do chão, com a voz um pouco nervosa.
Luke sorriu lentamente para ela, dando um passo a frente e pegando sua mão.
- Será uma honra me casar com você – Disse ele, suavemente, mas foi o suficiente para fazer todos à volta deles vibrarem.
Holly se levantou com a ajuda de Luke, e então os dois beijaram-se apaixonadamente, ao som de palmas e gritos. Não demorou muito para que a imagem dos dois estivesse no telão do festival, no palco à beira do lago. Toda a plateia os aplaudiu.
- Eu só não tinha um anel, então... Me desculpe – Disse Holly, divertida, ainda abraçada nos ombros do homem.
- Não se preocupe, devo ter um guardado em casa – Luke brincou de volta, e então se beijaram novamente.
Não houve uma só pessoa que não sorrisse ao ver a imagem do casal feliz no telão do palco. Ali mesmo, dentro do backstage, Dylan e Cadu apreciavam a cena abraçados, do mesmo jeito que ficaram o show todo. No gramado, Olivia, Claire e a filha Grace se divertiam com o fato de Luke estar no telão, afinal, Claire havia o aconselhado a respeito da namorada naquele mesmo dia mais cedo – e deu tudo certo, aparentemente. Até mesmo a nada romântica Valentine sorria, ao lado dos pais com quem estava aproveitando a noite. Noah, o sobrinho de Holly, mal podia acreditar que estava vendo a tia tomar aquela atitude na frente de tanta gente – ele estava muito orgulhoso dela. Enquanto se apresentava, Kyle sentiu-se entusiasmado como há tempos não fazia. Aquela era a música que Maya o viu ensaiar mais cedo, e sugeriu que ele tocasse. Finalmente uma música sua fazia sentido, de verdade.

When you love someone (quando você ama alguém)
Your heartbeat beats so loud (seu coração bate tão alto)
When you love someone (quando você ama alguém)
Your feet can't feel the ground (seus pés não sentem o chão)

We're gonna give ourselves to love tonight (vamos nos entregar ao amor essa noite)
Lifting up to touch the starlight (nos levantando para tocar a luz das estrelas)
And we will savor every second (e vamos saborear cada segundo)
We suspend together (que passarmos juntos)



*Música original: When You Love Someone – Jason Mraz

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Capítulo 20 - Noah e Jessica, o casal de primeira viagem IV

Tia Holly estava demorando uma eternidade para voltar de onde quer que tivesse ido, e o show principal estava uma hora atrasado. Impaciente, Noah começava a se arrepender de ter ido ao festival de Valentine’s Day.
Por que ir a um lugar como aquele sem ter um par para levar, afinal? Tinha sido uma péssima ideia. Noah só queria ir para casa e dormir o final de semana inteiro para não pensar em como seria olhar para Jessica na escola segunda-feira.
As duas cadeiras ao lado do rapaz estavam vazias. Uma pertencia a Holly, e a outra foi imediatamente preenchida por uma garota asiática um pouco mais nova que ele. O rosto dela parecia familiar, o que fez Noah sustentar o olhar.
- Me desculpe, esse lugar está ocupado? – A moça perguntou, alarmada, pensando que ele havia ficado bravo. – Eu nem notei...
- Não está, fica tranquila – O garoto de cabelos cacheados respondeu de imediato, tranquilizando-a. – Eu conheço você?
Foi a vez da adolescente encará-lo por alguns segundos.
- Você é o Noah, não é? – Ela questionou e ele assentiu. – Eu acho que nós dois estudamos na mesma escola. Eu sou a Maya.
- Ah, sim, Maya – A memória de Noah se refrescou. – Nós fazemos Geografia juntos, não é?
- Sim, e Educação Física também – Ela completou. – Você está no último ano, certo?
- Estou sim. E você é caloura – O rapaz lembrou.
- Você não tem uma namorada? Eu vi o climão que rolou no corredor do colégio hoje de manhã – Maya questionou. – Ela veio com você?
- Pois é... – Noah ficou desconfortável. – Nós não éramos namorados, e isso era um problema. Acabamos terminando antes mesmo de começar.
- Meu Deus, logo hoje? Eu sinto muito – Agora foi a vez da garota se sentir mal pela pergunta.
- Eu nem sei se eu sinto muito. Sabe quando você acha que quer muito uma coisa, mas quando chega lá, vê que não era aquilo que estava procurando?
Engraçado. Maya sabia exatamente como era aquela sensação.
- Um pouco frustrante, não é? – A asiática fez uma careta. – Mas prefiro pensar que isso acontece porque tem coisas melhores nos esperando no futuro.
- É, talvez – Noah torceu a boca. – E você, o que faz aqui? Veio com alguém?
- Eu ganhei ingressos na promoção da iHeartRadio – Contou a moça. – Ganhei isso e o pior encontro que terei na vida – Riu em seguida.
- Sério? Com quem?
- Com o músico que vai se apresentar, Kyle Beresford.
- Você teve um encontro com ele? – Noah estava impressionado. – E foi ruim? Mas esse cara é o sonho das meninas da nossa idade...
- Pois é. Sabe isso que você falou sobre quebra de expectativas? Então... – Maya sorriu de lado.
- Que péssimo.
Os dois ficaram em silêncio por alguns instantes.
- Pensando bem, eu acho que a gente estuda juntos há bastante tempo, na verdade – A garota puxou a memória novamente. – Eu me lembro de você no jardim de infância.
- Eu estava algumas turmas à frente, mas fazíamos teatro juntos – Noah complementou, recordando também.
- Exatamente! – Maya sorriu. – Eu me lembro que você era ótimo. Fez um belo trabalho interpretando o Peter Pan.
- Que engraçado. No fim do ano vou pra Califórnia para estudar Cinema – Contou ele, rindo de lado.
- Jura? Meu sonho é estudar na Califórnia – Ela revelou. – Quero fazer Veterinária lá para cuidar de animais marinhos.
- Que incrível – Noah estava impressionado.
Mais alguns segundos de silêncio.
- Não é engraçado que tenhamos passado tanto tempo juntos e ainda assim nunca paramos para conversar? – O garoto acrescentou, e Maya assentiu.
Sim, era engraçado. Maya tinha ido tão longe para achar o que procurava, mas talvez só precisasse olhar o que estava perto por uma nova perspectiva.

**

Jessica entrou no elevador e olhou-se no espelho, para poder limpar o rímel borrado acumulado debaixo dos olhos. No carro com o pai, ela havia chorado durante todo o trajeto da delegacia até em casa por causa de Noah.
Quando o elevador estava prestes a fechar, um homem apareceu no saguão e segurou a porta. Jess virou o rosto, tentando disfarçar as lágrimas perto do desconhecido. Porém, ela não conseguiu deixar de olhar para os enormes óculos com lentes em formato de coração que estavam no rosto daquele rapaz.
Jessica já tinha visto aqueles óculos antes, naquele mesmo dia. Porém, quem estava os usando era uma moça de cachos afro. A garota olhou para baixo, encarando a cesta que o vizinho do prédio carregava. Ainda havia cartões recortados em formato de coração ali, iguais ao que Jessica recebeu da moça na praça do Rockefeller Center, quando voltava do passeio frustrado de bicicleta. Quando chegou ao andar onde morava, antes de descer do elevador, o homem de óculos sorriu rapidamente para ela.
Após entrar em casa, Jessica procurou seu cartão dentro da bolsa. Por conta da tristeza e da raiva do momento, ela sequer leu o que estava escrito, e simplesmente enfiou o papel lá quando o recebeu. Após alguns segundos, a loira encontrou a folha rosa toda amassada, mas ainda legível.

“Alguém muito especial merece todo o seu amor no dia de hoje: você mesmo”

Os olhos de Jessica encheram-se de lágrimas novamente.
A garota sabia por que queria tanto que Noah a pedisse em namoro oficialmente. No fundo, não tinha nada a ver com querer uma segurança da parte dele já que o rapaz iria se mudar para fazer faculdade. Jess era extremamente insegura consigo mesma. Pensava que, sem um compromisso firmado, o garoto a largaria a qualquer momento, principalmente depois que se formasse. Isso porque, lá no fundo, Jessica achava que ninguém realmente gostaria dela um dia.
É por isso que ela se comportou de forma tão egoísta ao longo do dia, e também ao longo dos cinco meses que os dois passaram juntos. Jessica queria um namorado perfeito. Queria que Noah suprisse a necessidade que ela tinha de aceitação, que ele desse a ela todo o amor que ela não dava a si mesma. Mas não havia uma pessoa no mundo que pudesse fazer isso por ela.
Principalmente Noah. Assim como Jess, o rapaz também estava buscando entender o que realmente queria. Ele tinha a melhor das intenções, mas enrolou a garota em suas próprias dúvidas, deixando Jessica ainda mais insegura. Noah não estava pronto para amá-la, e ela não estava pronta para ser amada.
Aquele bilhete tinha razão: Jessica precisava, antes de qualquer coisa, amar a si mesma. Precisava enxergar-se como uma pessoa especial, digna desse sentimento. E, até conseguir fazer isso, não poderia exigir que outra pessoa a amasse. Jess não estava preparada para ter um relacionamento, e agora enxergava isso.
Após secar as lágrimas mais uma vez e vestir seu pijama, a adolescente ligou sua TV para assistir à transmissão do festival de Valentine’s Day no Central Park. Kyle Beresford já havia começado o show há alguns minutos, e estava apresentando uma música nova.

Oh, ain’t it nice tonight we got each other? (não é bom termos um ao outro esta noite?)
And I am right beside you (eu estou bem ao seu lado)
More than just a partner or a lover (mais do que só um parceiro ou amante)
I’m your friend (eu sou seu amigo)

When you love someone (quando você ama alguém)
Your heartbeat beats so loud (seu coração bate tão alto)
When you love someone (quando você ama alguém)
Your feet can’t feel the ground (seus pés não conseguem sentir o chão)
Shining stars all seem (parece que todas as estrelas brilhantes)
To congregate around your face (se reúnem ao redor do seu rosto)
When you love someone (quando você ama alguém)
It comes back to you (isso volta para você)

Jessica abraçou a si mesma, aproximando os joelhos do corpo na cama. Aquela música fazia todo o sentido para ela. A adolescente de cabelos loiros precisava ser sua própria companhia, sua própria amiga. Claro que isso levaria tempo e nem sempre seria fácil, mas o melhor amor que Jessica poderia receber naquele Valentine’s Day não era o amor de Noah ou de qualquer garoto: era o amor próprio.

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Capítulo 21 - Dylan, o amante à distância III

Depois de toda a loucura que passou ao longo do dia, Dylan mal conseguia acreditar ao olhar o gramado do Central Park tão vazio e pacífico após o fim do festival de Valentine’s Day. Tudo deu certo: Maya e Kyle não se mataram ao longo do encontro pela cidade, o show aconteceu como esperado mesmo com atraso. E a parte mais surreal e incrível de tudo isso era que, naquele momento, ele estava na companhia de Cadu.
- E o que faremos agora? – Perguntou Dylan, logo após os dois se despedirem de Valentine.
- Como assim? – O brasileiro estranhou, observando os funcionários da produção retirarem as cadeiras do gramado.
- Você voou por dez horas para estar aqui no Valentine’s Day. E, embora já tenha passado da meia-noite, pra mim o dia só acaba quando o sol nasce. O que significa que temos pelo menos seis horas para aproveitar nosso Valentine’s Day juntos – Explicou, e sorriu ao final.
- Bom, você é o novaiorquino, o que sugere que façamos? – Cadu sorriu de volta.
- Olha – O loiro ficou pensativo. – Eu passei o dia todo sendo babá de um casal de adolescentes em um programa romântico, e tudo que eu conseguia pensar era no quanto queria que você estivesse lá junto comigo – A frase fez Cadu sorrir. – O que acha de repetirmos o roteiro? Com algumas adaptações por causa do horário, é claro.
- Está ótimo pra mim. E quem sabe no caminho você possa me ensinar um pouco sobre as tradições do Valentine’s Day – O rapaz de traços latinos sugeriu.
- Ah, vocês não comemoram essa data no Brasil, não é? – Dylan se lembrou. – Pode deixar, eu explico tudo.
Seguindo os passos do encontro de ídolo e fã, Dylan e Cadu começaram seu passeio ali mesmo, pelo próprio Central Park. Infelizmente não era mais possível dar uma volta romântica de carruagem, mas andar entre as árvores ouvindo os grilos e olhando as estrelas também era bem agradável.
- Ok, então, o que exatamente é o Valentine’s Day? – Perguntou o brasileiro enquanto caminhavam.
- Dizem que o dia tem esse nome por causa de um bispo chamado Valentim. Teve uma época em que um imperador de Roma proibiu casamentos, pra que seus soldados ficassem focados na guerra, mas esse bispo unia casais apaixonados em segredo – Contou Dylan.
- Amor proibido, que fofo.
- Pois é. Mas quando descobriram, ele foi sentenciado à morte. Nessa parte há uma outra história envolvendo uma carta que ele teria deixado para a mulher que amava, ou algo assim, e ele teria assinado “Com amor, do seu Valentine”. É por isso que, no Valentine’s Day, a pessoa amada é chamada de Valentine.
- Então eu sou seu Valentine? – Cadu perguntou, e o loiro confirmou. – Adorei. Será que esse bispo realizou algum casamento entre dois soldados homens que se amavam, mas não podiam se casar?
- Não sei se ele era tão evoluído culturalmente assim, mas... – Dylan riu.
A segunda parada do passeio era a Times Square, para verem a escultura de coração preparada especialmente para a data. O local estava bem mais vazio àquela hora da noite do que estava quando as fãs de Kyle Beresford quase sufocaram Dylan.
- Ok, agora vamos às tradições de Valentine’s Day. A primeira delas é que normalmente você presenteia a pessoa que você ama com rosas e chocolates – Contou o rapaz de olhos azuis. – Porém, como eu não sabia que você chegaria a tempo e agora não há mais floriculturas ou bombonieres abertas, eu vou te pagar um cachorro-quente daquele carrinho ali – Dylan apontou para o food truck que estava estacionado na esquina.
- Está ótimo – Cadu respondeu rindo. Em seguida, começou a procurar algo no bolso do casaco. – Ah, eu ia te dar paçocas de presente, mas elas foram tomadas de mim na revista da imigração. Então eu te trouxe salgadinhos do avião.
- Ah não, eu amo paçocas – O loiro lamentou e riu em seguida, pegando o pacote de salgadinhos. – Obrigado.
Após comerem o cachorro-quente e apreciarem a escultura de coração à luz dos enormes telões da Times Square, já eram quase quatro da manhã. Hora de ir para casa.
- Ok, antes de irmos, uma última tradição de Valentine’s Day – O rapaz de olhos azuis falou. – Presentear a pessoa amada com um cartão de amor feito à mão.
- Como vamos fazer cartões agora? – Cadu franziu a testa.
- Simples. Usamos um guardanapo – Dylan ergueu as sobrancelhas, esticando o papel que havia embalado seu cachorro-quente. O brasileiro riu e começou a fazer o mesmo.
Dylan começou a escrever sua mensagem no guardanapo usando o saquinho de ketchup que havia sobrado, enquanto Cadu fazia seu cartão utilizando a mostarda que não usou em seu cachorro-quente. Em poucos segundos, eles compartilharam suas obras de arte.
- Minha nossa, está incrível – O de olhos azuis disse entre gargalhadas, ao olhar o desenho tosco que o namorado havia feito de dois bonecos de palito sorrindo com vários corações ao redor. – Somos nós?
- Sim, somos – Cadu ria também. – O que você escreveu aí?
- “Obrigado por vir. Você faz o Valentine’s Day e todos os meus dias mais felizes” – Dylan leu em voz alta, fazendo o outro tombar a cabeça e sorrir.
- Eu iria até a Lua para estar com você – Disse o brasileiro, e os dois beijaram-se em seguida.
- Bom, é isso – O loiro disse assim que os dois voltaram a andar. – Isso é um Valentine’s Day. Ou quase.
- Eu adorei – Cadu sorriu. – Agora é você quem tem que ir passar o Dia dos Namorados no Brasil.
- E o que acontece no Dia dos Namorados?
- A mesma coisa que acontece no Valentine’s Day, exceto que não é inspirado em nenhum bispo que casava pessoas em segredo, é só uma data onde floriculturas ganham grana mesmo – O brasileiro explicou e os dois riram. – É em 12 de junho.
- Eu estarei lá – Dylan respondeu. – Mas, só por segurança, vou comprar passagem para um dia antes – Brincou, fazendo Cadu dar risada.
Sem pressa alguma, o casal caminhou pelas ruas de Nova York conversando e aproveitando a companhia um do outro até chegarem ao estúdio de Dylan e Valentine, quase ao amanhecer. Era um tanto surreal para os dois estarem juntos naquele dia, depois de tantas coisas darem errado. Após oito meses, ali estavam eles: podendo rir, se tocar, se beijar, olhar nos olhos um do outro sem estarem separados por uma tela.
Pena que Cadu já iria embora tão rápido. Infelizmente, era sempre assim para eles. Meses e meses de saudade acumulada sendo compensados com poucos dias de amor intenso. Mas o sentimento durava, e era isso que importava. Principalmente depois de ver todo o esforço de Cadu para encontrá-lo naquele dia, Dylan teve mais certeza de que aquele era mesmo o homem da sua vida. E não importava se ele teria que morar no Rio de Janeiro ou se Cadu se mudaria para Nova York, eles dariam um jeito de ficar juntos. Contra todas as chances.
- Obrigado – Foi o que Dylan sussurrou, baixinho, ao deitar-se na cama ao lado do namorado com os primeiros raios de sol já atravessando as cortinas do quarto. O rapaz de olhos azuis agradeceu a Deus por ter atendido ao pedido que fez mais cedo, e levado Cadu até ele naquele Valentine’s Day. Então, fechou os olhos e sorriu.

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Capítulo 22 - Valentine, a que odeia Valentine's Day III

Até onde Valentine conseguia se lembrar, aquela havia sido a melhor comemoração de aniversário que ela tivera em anos. Tudo pareceu mais simples depois que ela entendeu o significado do Valentine’s Day, graças ao homem dos óculos de coração: esse é o dia do amor, e ela deve passá-lo com as pessoas que ama. É isso que ela fará todos os anos, daqui em diante – mesmo que os restaurantes fiquem lotados e muitas pessoas tenham encontros românticos marcados.
Conversar com os pais dela sobre romance também foi transformador para Valentine. Ouvir a história de como os dois estavam cansados da rotina e chegaram até a procurar uma terapeuta de casais a fez repensar muitas das convicções dela sobre o amor. Seus pais sempre foram um modelo de romantismo para ela, como se a relação que eles mantinham fosse perfeita e intocada. Perceber que não era fez com que a jovem, na verdade, admirasse ainda mais Vivien e Bruce como um casal. Eles tinham um amor real, imperfeito, mas o fato de ele sobreviver a adversidades era justamente o que atestava o quanto era um sentimento verdadeiro.
Após o término do show no Central Park, Valentine aguardou Dylan e Cadu na saída do backstage. Obviamente os dois iriam querer curtir o resto da noite juntos, mas a moça desejava apenas alguns momentos com o casal querido antes do dia terminar.
Após encontrá-los e conversar rapidamente sobre a viagem desastrosa de Cadu e os perrengues de Dylan com o astro adolescente, Valentine começou a fingir bocejos e disse que iria para casa descansar, para deixá-los sozinhos. Se despediu dos dois e foi até a calçada do Central Park, porém, não estava com o mínimo de sono. A empolgação com seu novo estado de espírito pró-amor a fazia querer aproveitar as últimas horas daquela noite, que de repente se tornara especial, de alguma forma.
Boa parte do público do festival já havia ido embora àquela altura. Enquanto esperava pela chegada do seu Uber na calçada quase vazia, Valentine viu um rapaz de cadeira de rodas parado em frente ao bar do outro lado da rua. Ele olhava para o celular um tanto impaciente, e estava sozinho.
- Você precisa de ajuda? – Ela disse, alto o suficiente para que ele a ouvisse.
- Não, está tudo bem – O rapaz respondeu no mesmo tom. – É que Ubers com acessibilidade são raros por aí, costumam demorar.
- Você está sozinho? – Valentine continuou um tanto preocupada.
- Meus amigos estavam muito bêbados para me esperarem, um deles ficou noivo de repente, coisa e tal... aí fiquei só eu – O moço deu de ombros.
- Você conhece o cara do pedido no telão? – Ela ficou surpresa. Decidiu atravessar a rua para poder conversar com ele sem precisar gritar.
- Conheço, sim, ele trabalha no consultório ao lado. Aquela era a ex dele – Agora o rapaz falava em tom normal. – Foi ela quem o pediu em casamento, acredita? Achei muito moderno.
- Bom, não sou muito fã dessas demonstrações românticas em público, mas ela foi bem corajosa – A moça ponderou.
- Você é muito gentil, senhorita, mas não precisa fazer isso – Ele sorriu de lado, acostumado com situações como aquela. – Eu consigo me virar.
- Ah, eu sei – Valentine negou com a cabeça. – Só vim até aqui porque não queria esperar sozinha do outro lado da rua. Meu motorista cancelou a corrida, e Nova York pode ser perigosa a essa hora, sabe.
O rapaz na cadeira de rodas pareceu ligeiramente surpreso com a naturalidade dela. Porém, antes que pudesse comentar, recebeu uma notificação em seu celular que o fez bufar.
- O que foi? – Valentine questionou.
- Não há nenhum motorista nas proximidades. Já é a quinta vez que eu tento – Ele explicou, frustrado. – Estou pensando em ir andando, Midtown East nem é tão longe assim.
- Que péssimo – A moça entortou a boca, olhando o próprio celular. – Nem os motoristas convencionais estão muito a fim de pegar corridas, aparentemente. É o segundo que cancela comigo.
- Pra onde você vai?
- Upper East – Ela disse.
- Bom... – O rapaz deu de ombros, ao notar que ela morava no bairro anterior ao dele. – Nova York pode ser perigosa a essa hora, você mesma disse. Ao invés de esperarmos uma eternidade pela tecnologia, podemos ir juntos, se quiser.
Valentine ponderou por alguns segundos. Era uma ideia aleatória.
- Não posso fazer muito para te proteger estando em uma cadeira de rodas, mas isso também significa que não sou uma ameaça pra você – Ele brincou.
A moça riu um pouco sem-graça.
- Está tudo bem, pode rir – O rapaz explicou. – Normalmente as pessoas ficam desconfortáveis quando faço piadas sobre a cadeira.
- Você faz essas piadas? – Ela achou estranho.
- Faço. Na verdade, sou o único que pode fazê-las de uma forma socialmente aceitável – Ele deu de ombros. – Se alguém que anda as fizer, fica maldoso.
Dessa vez, Valentine riu com mais sinceridade.
- Ok, então vamos – Ela disse logo em seguida, começando a andar pela calçada, e ele a acompanhou guiando a cadeira de rodas. – Qual o seu nome?
- Eu sou Jeremy – O rapaz se apresentou. – E você?
- Valentine.
- Como Valentine’s Day? – Ele ficou surpreso, e ela assentiu.
- Exatamente – A moça sorriu de lado. – É porque eu nasci nesse dia.
- Sério? Bom, meus parabéns – Jeremy a cumprimentou pelo aniversário.
- Obrigada.
- E o que uma moça como você faz sozinha no Central Park de madrugada durante o Valentine’s Day, que por acaso também é seu aniversário? – Ele ficou curioso. – Não veio com seu namorado?
- Não sou uma pessoa muito romântica – Ela respondeu. – E, mesmo se tivesse namorado, acho que não o traria aqui. Eu vim com meus pais.
- Valentine não é uma garota romântica? Estranho – Jeremy franziu o cenho.
- A grande ironia da minha vida.
- Deixa eu adivinhar: algum babaca partiu seu coração no ensino médio no Valentine’s Day?
- Não – Ela riu. – Eu só nunca gostei da data, mesmo.
- Eu entendo você – Disse o rapaz. – Também não sou muito fã de romance.
- Por quê?
- Bom, desde que vivo sobre rodas, o amor ficou um pouco complicado – Jeremy sorriu de lado.
- Me desculpe se estou sendo invasiva, mas...
- Acidente de carro quando eu tinha dezessete – Ele respondeu à pergunta antes mesmo de Valentine fazê-la. Era um pouco óbvia. – Os planos de jogar baseball pela universidade já eram.
-Sinto muito – A moça ficou um tanto sem-graça novamente.
- Não sinta. Eu estou vivo – Jeremy sorriu. Ele tinha um sorriso muito acolhedor. – Eu até que lido bem com a coisa, sabe. Não deixei que isso me impedisse de fazer nada. Eu trabalho, saio com meus amigos... Só não corro maratonas – Valentine riu, sem estranhamento dessa vez. – As garotas em geral gostam do meu senso de humor e admiram o fato de eu viver uma vida normal, mas... Elas não querem passar o resto da vida empurrando uma cadeira de rodas por aí, entende?
- Isso é péssimo – Valentine negou com a cabeça. Ela nunca tinha parado para pensar sobre como funcionava o romance para um cadeirante.
- Deve haver alguém por aí inteligente o suficiente para entender que essa belezinha aqui é só parte do meu charme – Disse Jeremy, com ar convencido, dando tapinhas nas braçadeiras da cadeira. – Um dia eu a acharei.
- Ela será uma garota de sorte – A moça respondeu, rindo.
Jeremy e Valentine caminharam juntos por cerca de meia hora até a casa dela. No caminho, falaram sobre si mesmos, seus trabalhos, aspirações e personalidades, superficialmente. O tempo pareceu voar enquanto o assunto fluía, entre risadas decorrentes das inúmeras piadas do rapaz a respeito da sua cadeira de rodas.
Valentine contou a ele sobre o rapaz dos óculos de coração e tudo que havia aprendido naquele dia, e Jeremy achou muito engraçado. Ele também contou que, motivado pelo seu acidente, fazia voluntariado em uma ONG que ensinava futebol a crianças com questões de mobilidade, e Valentine ficou encantada. Ela estava mesmo pensando em fazer trabalho voluntário – afinal, tinha acabado de reaprender o significado do amor e da gentileza com o próximo – e aquela parecia uma ótima oportunidade.
Os dois chegaram ao prédio de Valentine perto da uma da manhã.
- É aqui que eu fico – Disse ela, indicando onde morava. – Obrigada por me acompanhar.
- Não há de que, foi um favor mútuo – Jeremy disse e sorriu. – É bom andar por aí em boa companhia.
- É, sim – A moça sorriu de volta.
- Eu te ligo para combinarmos a sua visita à ONG, então.
- Isso, claro – Ela se virou, já subindo os primeiros degraus do edifício. – Boa noite, Jeremy. Foi um prazer te conhecer.
- O prazer foi meu. Boa noite, Valentine – Jeremy esperou que ela entrasse. – Ah, e feliz aniversário!
- Obrigada!
A garota abriu a porta da recepção e virou-se para acenar. Jeremy e Valentine sorriram um para o outro, e o rapaz olhou para trás algumas vezes antes de virar a esquina para ir embora. Havia algo de especial ali.
Valentine entrou no elevador do prédio sorrindo sem motivo e, assim que a porta fechou, começou a rir de si mesma.
O Valentine’s Day sempre foi um dia carregado de ironia para ela. Mas nenhum havia sido, nem de longe, tão irônico quanto aquele.

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Fim.


Nota da autora: Sem nota.


Essa fanfic é de total responsabilidade da autora. Eu não a escrevo e não a corrijo, apenas faço o script.
Qualquer erro no layoult ou no script dessa fanfic, somente no e-mail.


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