We Got a Secret - Especial de Natal





Eu estava nervosa.
Naquele momento, não importava que nos últimos dias tudo estivesse bem entre nós. Nem cem dias de tranquilidade poderiam me deixar mais calma para enfrentar os dias que se seguiriam ao lado de no Brasil.
Ele largou a revista que lia ao lado e pousou a mão sobre minha perna inquieta que martelava contra o chão do avião, tentando me acalmar. Meu olhar subiu de sua mão por todo o contorno de seu braço, até chegar em seu rosto, paciente e calmo.
- Por que você está tão nervosa? - Perguntou ele, achando um pouco engraçado - Não é como se eu já não conhecesse seus pais.
Sou obrigada a engolir em seco e pigarrear antes de respondê-lo, escondendo o rosto entre minhas mãos.
- Eles sempre sabem quando eu minto.
- Hey! - chamou ele, inclinando-se em minha direção e segurando meu rosto com convicção - Vai dar tudo certo! Calma.
Nós mantivemos nosso olhar conectado até o momento em que me virei para encarar a aeromoça, que começara a avisar pelo interfone que estávamos prestes a pousar e ditou todo o protocolo de voo. Eu expirei todo o ar de meus pulmões lentamente, mantendo os olhos fechados. ajeitou o cinto, segurando minha mão logo depois e deu um sorriso sincero quando a aeromoça passou conferindo se a obedecemos.

- Está pronta? - perguntou ele após um pouso tranquilo.
Concordei com a cabeça, um pouco alheia ao movimento e não me sentindo nem um pouco pronta de verdade. Ele esperou pacientemente que eu desse o primeiro passo, para só então colocar os óculos escuros e me acompanhar para fora do avião.
Ao chegarmos em terra firme, alcançou minha mão com a sua própria e entrelaçou os dedos nos meus. Fazia algum tempo que um gesto como aquele não parecia tão errado quanto parecia ali, em meu próprio país, prestes a encontrar meus pais.
- Pode ir encontrá-los, eu pego as malas. - disse ele quando entramos no aeroporto - Já te alcanço.
Mordi meu lábio inferior, nervosa, e ainda sem dizer uma palavra, direcionei-me com certa pressa à sala onde meus pais estariam esperando. Senti minhas mãos suando enquanto caminhava, mas esqueci do sentimento assim que entrei na sala reservada e vi mamãe correr até mim com os braços abertos e um sorriso brilhante no rosto. Papai chegou logo atrás dela, envolvendo nós duas de uma só vez em um abraço, e a saudade parecia ainda maior agora que podia tocá-los.
- Ai, meu Deus, eu estava com tanta saudade! - exclamou mamãe, tomando distância depois de longos segundos em que nossas bochechas ficaram grudadas uma na outra. - Você está tão linda!
- ! - ouvi papai cumprimentar, e todos nos viramos para encarar o garoto vestido com uma camisa despojada, que largou no chão as várias malas que conseguia carregar e sorridentemente alcançou a mão para apertar a de meu pai, que o puxou para um abraço tipicamente brasileiro.
Eu sorri, nervosa.
- Bem vindo! Estou tão feliz por você estar aqui! - minha mãe sussurrou ao abraçá-lo, testando o inglês quase esquecido pela falta de uso.
- Deixe-me ajudá-lo com isso... - papai se ofereceu, pegando duas das malas do chão, e agradeceu, também baixinho, por estar em um país onde o seu idioma não é a língua-mãe.
Mamãe jogou um dos braços ao meu redor, e juntos nós quatro caminhamos em direção ao carro, estacionado em lugar especial para que conseguíssemos sair com o mínimo possível de pessoas nos reconhecendo.
A conversa no carro seguia descontraída, com meus pais perguntando a quais eram as expectativas dele para os dias em que ficaria no Brasil e com os três trocando ideias sobre os possíveis lugares para conhecer. Ele parecia animado durante todo o percurso. Extremamente educado, rindo nos momentos adequados e mantendo o tom de voz em um nível convincente. Era incrível como os anos o haviam transformado em um bom ator.
- Você está tão quieta, filha... - mamãe observou em meio a um momento de silêncio.
Fui pega de surpresa.
- Estou morrendo de cansaço. - respondi, e não estava mentindo. - O voo é muito cansativo. Não sei como aguenta fazer isso tantas vezes por semana.
esticou o braço e pousou ele sobre o banco, envolvendo minhas costas.
- Você tem viajado tanto quanto eu. - ele observou, mantendo os olhos sobre mim, mesmo com os vai-e-vens do carro em movimento.
- Não tanto quanto você. - encolhi os ombros - De qualquer forma, vou chegar em casa e dormir por um dia inteiro.

- Vocês querem fazer um lanche? - minha mãe ofereceu, assim que abri a porta da garagem para a cozinha, e nos deu espaço para passar. - Tomar um banho, ou dormir?
- Vou tomar um banho e só volto a ficar disponível em 24 horas. – resmunguei, andando em direção ao meu quarto.
- Obrigada, Sra. . - agradeceu assim que entrou - Mas nós comemos durante o voo. Posso tomar um banho também?
- Claro, . É só seguir a , o quarto de vocês já está arrumado.
Eu já estava no meu quarto a essa altura, mas dei um passo para trás até o corredor para poder encarar a cena assim que minha mãe parasse de falar.
- Ela disse "o quarto de vocês"? - perguntei a quando ele já estava bem próximo a mim.
Ele concordou com a cabeça, sem entender.
Voltei a caminhar em direção à sala e encontrei minha mãe já sentada no sofá, ao lado de meu pai.
- Qual é o quarto de ? - perguntei, em português.
- Ah, filha. - ela riu, visivelmente sem graça - Vocês podem dormir juntos. Já estão morando juntos de qualquer forma, não é?
Comecei a sentir minhas bochechas queimarem, mas não conseguia dizer o que se passava pela minha mente. O que era bom, porque eu estava prestes a questionar aonde os princípios dela haviam parado enquanto estive fora. Só porque era uma celebridade ela achava que...? Sorri amargamente e voltei a passos secos até o quarto, onde dei de cara com separando suas roupas.
- O que aconteceu?
- Ela nunca. Nunca deixou que eu dormisse com nenhum dos meus exs namorados. - bati a porta atrás de mim e segui imediatamente para o banho.
- Acho que ela gosta de mim! - ouvi ele gritar do outro lado da porta, com certo humor na voz.

Quando voltei ao quarto vestida com meu pijama mais confortável, dei de cara com aninhado em minha cama, já adormecido. Fiquei de joelhos ao seu lado e tentei reanimá-lo, com sacudidas gentis.
- Que foi? - ele gemeu, segurando uma de minhas mãos para impedir que eu continuasse tentando acordá-lo, sem abrir os olhos e visivelmente entregue ao cansaço.
- Você não vai tomar banho?
- Depois. - ele arrastou as palavras ao responder, se ajeitando novamente e aquietando-se.
Meus olhos analisaram todo o quarto. Tudo parecia extremamente igual desde que estivera ali pela última vez, tornando fácil a tarefa de adormecer em um ambiente familiar.

Quando abri os olhos, já estava extremamente escuro. Chequei o horário no celular e descobri que falhei em minha promessa de dormir vinte e quatro horas. Mas conseguira dez. Espreguicei-me com um pouco de dor nas costas após doze horas em um avião e outras dez deitada. Quando me virei, sentei-me, surpresa, na cama, por encontrar o lado de bagunçado e vazio e as luzes do banheiro ainda apagadas.
Após lavar o rosto, vesti o roupão e caminhei a passos preguiçosos até a cozinha, para encontrar sentado à bancada conversando animadamente com minha mãe, que mexia no fogão e já estava um pouco mais solta com o inglês. Os cabelos dele estavam molhados e quando cheguei perto, percebi que ele cheirava a sabonete. Eu me aproximei por suas costas e o abracei preguiçosamente, descansando minha cabeça em seu ombro e roubando um dos salgados em seu prato.
- Olá, Bela Adormecida. – cumprimentou ele gentilmente, usando o apelido de sempre e puxando-me para seu lado, circundando minha cintura com seu braço.
- Você não estava brincando quando falou em desmaiar... - mamãe fez piada, arrumando os pratos em cima da bancada.
- Ela sempre faz isso. - respondeu antes que eu o fizesse.
- Os fusos horários e voos me deixam exausta. - expliquei mais uma vez, puxando o banco para que eu me sentasse ao lado de - Vai uns dias pra eu me acostumar. Faz tempo que você está acordado?
negou com a cabeça e se escorou na mesa, me encarando.
- Tomei um banho e me ofereci para ajudar sua mãe, mas ela negou.
Soltei uma risada sincera e provoquei:
- Acho ótimo você não ter ajudado. Dessa forma meu jantar está garantido.
Levantei-me, batendo as mãos uma na outra e fui até mamãe para ver qual seria o jantar.
- Eu passo quatro meses fora e quando chego em casa sou recebida com salmão? - perguntei irritada, em português.
Mamãe arregalou os olhos, como se eu estivesse sendo grosseira.
- está aqui também. - ela sussurrou.
- Mas eu passei quatro meses longe do Brasil! Eu só queria um prato de feijão com arroz. - reclamei mais uma vez, desanimada.
estava curioso ao meu lado, sem entender uma palavra do que dizíamos.
- Você foi presenteado com um prato de salmão com alguns acompanhamentos. A comida de verdade foi adiada para amanhã. – expliquei.
- Salmão é comida de mentira?
- Você vai achar quando provar o almoço de amanhã. - dei de ombros, depois me dirigi à minha mãe: - Amanhã eu quero feijão, arroz, frango e batata.
- Nós comemos tudo isso na última vez que fomos a um restaurante brasileiro. - falou - Não faz tanto tempo assim.
Comecei a balançar a cabeça e ergui o dedo indicador para ele, em aviso.
- Não ouse comparar a comida brasileira de um restaurante estrangeiro à comida da minha mãe.
Minha mãe riu, extasiada com o elogio.
- Vocês não podem ir embora. Passem o réveillon com a gente! - ela suplicou, direcionando-nos um olhar doce.
- Temos que passar com a família do também, mamãe. Eles não se veem há um tempo.
- É tão corrido, não é, ? - ela suspirou - Quando mandei a para esse negócio, pensei que só ficaria um mês longe dela, e olha aí... Ela está morando em Londres agora, sem perspectiva de voltar para casa.
Eu e trocamos olhares silenciosos.
- Hummm! - meu pai exclamou ao atravessar a porta - O cheiro está ótimo.
- Pode se sentar, querido. Eu já vou servir.
O jantar transcorreu tranquilo e divertido. Ao contrário do que imaginei, meus pais estavam descontraídos, e em nenhum momento deixamos escapar algo que os fizessem desconfiar da veracidade de nosso relacionamento. Na maior parte do tempo, eu e contamos sobre os lugares em que havíamos estado nos últimos meses. Nós dois estávamos tão acostumados um ao outro, diferentemente da primeira vez em que ele esteve lá, que nossos toques e piadas eram naturais e verdadeiros, e ao contrário de quando chegamos ao Brasil, ali eu não conseguia ficar ao lado dele sem tocá-lo.
Após se oferecer para lavar a louça e eu secar, meus pais resolveram deitar. Já passava de meia-noite quando me sentei no sofá, com as pernas encolhidas mexendo no celular. se sentou ao meu lado e procurou por um filme na televisão, sem sucesso.
- Essa noite vai ser longa. - ele comentou, jogando o controle ao seu lado e deitando a cabeça para me encarar.
Concordei com outro movimento de cabeça, jogando o celular ao lado também.
- Você faz bem o papel de namorado-família. - elogiei, usando seu ombro como apoio para o meu braço e jogando meu cabelo para o lado - Fiquei assustada quando não te encontrei no quarto.
não me olhou.
- Eu gosto da sua família. Especialmente sua mãe. Ela me contou algumas coisas sobre você.
Continuei encarando-o, agora desconfiada.
- O que ela contou?
Ele sorriu, presunçoso.
- Ela me contou que você tinha vários pôsteres nossos na parede quando era mais nova. E que você costumava varrer a casa cantando e dançando ao som de todas as nossas músicas.
Abri a boca imediatamente após ele falar "pôsteres", por já saber aonde tudo aquilo chegaria. Comecei a balançar a cabeça descrente, mas deixei que ele terminasse em seu tom de deboche.
- Traidora. - acusei minha mãe assim que ele parou de falar, mas não me defendi, porque nada era mentira.
Ele sorriu, espreguiçando-se.
- O que vamos fazer agora?
Suspirei, sem nenhuma ideia em mente.
- Não sei. O que você sugere?
- Nós podíamos fugir.
Sorri com a perspectiva.
- Para onde?
encolheu os ombros, levantando e me puxando pela mão.
- Vamos dar uma volta. Eu não tive tempo de conhecer sua cidade da última vez.
Encarei o relógio na parede mais uma vez. Meia noite e meia de uma quarta-feira, não haveria muita gente na rua. Se nos disfarçássemos bem, fôssemos aos lugares certos e tivéssemos sorte, ninguém nem sequer nos reconheceria.

Trinta minutos depois, estava dando ré no carro de papai vestida a caráter. Depois de alguns meses naquele meio, me vi obrigada a aderir a ideia de e comprar roupas que me permitissem sair de casa sem que me reconhecessem. Naquele dia, escolhi as calças cargo escuras e tênis brancos com uma regata também branca, coloquei uma boné na cabeça e amarrei meu cabelo com duas chiquinhas que caíam por meus ombros. Eu adorava me fantasiar para nossas saídas furtivas quando nenhum de nós dois aguentava ficar em casa. Eu e sempre combinávamos nossos looks quando saíamos juntos e nossas fantasias já eram piada entre os fãs, porque ele fazia questão de postar uma foto sempre que conseguíamos sair sem sermos reconhecidos. Naquela noite, ele estava com roupas folgadas e um boné maior que sua cabeça, tornando impossível que eu olhasse para ele sem rir.

- Para onde? - perguntou ele, segurando o aparelho GPS em mãos.
- Não vamos precisar de GPS. Eu sei o caminho.
- Você… - começou ele, tentando demonstrar certo orgulho em seu tom - Garota de cidade grande. Quem diria.
Passei a mão por sua cabeça, arrancando dele seu boné, ao que ele reagiu imediatamente, tomando-o de volta, e juntos nós rimos. ergueu a música que tocava na rádio do carro e abriu as janelas, observando as construções e paisagens pelas quais passávamos.
- Não parece natal. - ele comentou, quando avistamos a primeira casa enfeitada com luzes, a cabeça balançando de um lado para o outro.
- Por que não?
- Onde está a neve? O frio insuportável de dezembro? As esculturas de gelo e as pistas de patinação?
Ele continuaria com a longa lista de um natal típico do norte do planeta, se eu não começasse a rir.
- Você está no Brasil! No Rio de Janeiro! Você não pode esperar ver neve por aqui. Além do mais, estamos no verão.
- É interessante namorar uma brasileira. - dizia ele, agora me encarando e reprimindo um sorriso com sua piada. - É interessante conhecer uma nova cultura e um pouco de geografia.
Eu parei o carro há algumas quadras de nosso destino e me virei para ele, a expressão bastante séria para que ele entendesse que eu não estava brincando.
- Deixe-me explicar uma outra coisa sobre a nossa cultura…
Analisei de cima a baixo e fui consertando as coisas que podia. Ajeitei seu boné para que ele parecesse o mínimo possível com , tirei o anel de seu dedo anelar, a pulseira de prata de seu pulso, bem como o colar de seu pescoço. Ao fim, ele me encarou sem entender nada.
- Por que você está estragando meu disfarce? - perguntou ele, massageando o pulso onde a pulseira costumava ficar antes de eu guardá-la em nosso guarda-volumes.
- Você está no Rio de Janeiro, meu amor. É assim que vivemos aqui. - sorri para ele, e continuei em tom de aviso, o dedo indicador erguido em sua direção - Nada de celular. Nenhuma foto. Deixe a carteira no carro. Não queremos que a notícia de você no Brasil vaze graças a um assalto, não é?
Ele concordou com a cabeça e fiquei satisfeita ao perceber que consegui deixá-lo em alerta. Mesmo assim, tentei tranquilizá-lo:
- Tá tudo bem. É só você aprender a sair por aqui e nós não vamos morrer.
- Morrer?
Comecei a rir do tom assustado implícito na voz de . Dei a partida e logo estávamos às margens da Lagoa no Parque do Cantagalo e a árvore de natal flutuante se erguia majestosa a nossa frente. Pelo canto dos olhos, vi se ajeitar em seu banco para enxergá-la melhor, interessado, enquanto nos aproximávamos cada vez mais.
Eram poucas as pessoas andando por ali àquela hora da madrugada e eu não tinha certeza se o lugar estar deserto me tranquilizava ou me deixava assustada. Enquanto decidia, continuei dirigindo por toda a extensão da pista, ao que reclamou, impaciente:
- Você não vai estacionar?
- Não sei se é uma boa ideia. Você é muita responsabilidade para eu arriscar… O mundo vai me odiar se algo acontecer com você.
soltou uma risada forçada pela boca.
- Nós vamos descer. Não há a menor chance de eu vir para o Rio de Janeiro no Natal e aceitar não descer no Parque do Cangalo. Comecei a rir, tampando a boca com uma das mãos.
- Que foi?
- É Cantagalo, . - corrigi.
- Foi isso o que eu disse. Agora estacione.
Eu o obedeci, mas não deixei de sentir certo receio quando o carro parou e eu girei a chave na ignição. Olhei em todas as direções antes de permitir que ele descesse, mas só enxerguei uma ou duas pessoas há mais de um quilometro de nós. Atrás, não muito distante, policiais estavam de guarda e eu agradeci aos céus, ficando um pouco mais tranquila.
- Ok. Mas tem que ser rapidinho, não podemos sair dos arredores do carro, e se alguém suspeito se aproximar de nós há menos de 500 metros, nós voltamos calmamente e vamos embora. Tá bem?
revirou os olhos e eu reprimi minha vontade de estapeá-lo. Era obvio que ele não tinha ideia de como era o Rio de Janeiro. Fiz um pedido silencioso a Deus para que nada acontecesse e abri a porta ao mesmo tempo que ele. Os sons da natureza, da água e do vento batendo nas folhas das arvores promoveram imediatamente uma estranha sensação de paz. Eu sorri, observando a árvore azul com linhas douradas naquele momento e as suas luzes refletidas na lagoa. O vento embaraçava meus cabelos, mas eu não me importava.
Fechei a porta do carro e caminhei para me escorar no capô junto de , que com as mãos no bolso, parecia relaxado enquanto analisava todos os lados do lugar, impressionado com as palmeiras, as montanhas, a água e as luzes da cidade combinadas com o céu estrelado que se erguia acima de nós.
- É uma paisagem que não se vê todo dia. - ele murmurou, com o rosto virado para o lado contrário a mim, e eu tive que prestar atenção redobrada para entender o que ele dizia.
Não fiz comentário nenhum.
- Você não sente saudade? Não temos isso em Londres.
Mesmo que meu rosto não estivesse voltado para ele, senti que estava me encarando. Ele não disse mais nada, mas não tirava os olhos de cima de mim, me pressionando para que eu respondesse. Eu sabia que aquele sentimento não era atemporal, mas naquele exato momento, sentia como se o Brasil fosse o lugar certo para estar, morar e viver. Por um breve segundo de paz, eu não queria voltar a Londres. Queria curtir a brisa fresca que contrastava com o calor que ainda emanava do asfalto, queria chegar em casa e ter minha mãe me esperando com comida pronta e meu pai para um abraço carinhoso, queria ter uma amiga para quem ligar quando quisesse tomar um sorvete ou assistir um filme no cinema. Eu não estava reclamando de Londres - eu amava Londres. Mas naquele exato momento, senti saudade do Brasil, mesmo estando ali.
- O Brasil é mesmo lindo. - ele continuou, quando percebeu que eu não responderia, e começou a remexer em seu bolso, deixando-me imediatamente alerta.
- O que você está fazendo? - perguntei ao ver tirar o iPhone do bolso, ignorando meu tom de aviso - Guarda isso! O que eu falei?
- Shhhhh! - ele fez, colocando o dedo indicador em frente à boca e sorrindo - Vamos tirar uma foto e ir embora. É um bom jeito de contar para o mundo todo que vim passar o natal com você, não é?
Eu o encarei, pouco convencida de que aquilo era uma boa ideia, mas me rendi. Nós nos viramos para que a árvore ficasse atrás de nós e esticou o braço com o celular à nossa frente. Tirei o boné e deitei minha cabeça em seu ombro, dando um sorrisinho para a câmera, que piscou diversas vezes focando em mim e com a árvore brilhante às nossas costas. Nós analisamos juntos as primeiras imagens, e eu logo o obriguei a voltar para o carro enquanto ele resistia tanto quanto podia.
- E agora? – perguntei, ao ouvir as portas se fecharem.
- Sou todo seu. Leve-me para onde quiser.
- Eu quero te levar pra casa! – disse, com uma risada, enquanto dava ré no carro e avançava pela avenida, mostrando a ele minha mão, que tremia - Eu nunca estive tão tensa na minha vida!
- Nem quando assinou o contrato para namorar comigo? - ele provocou, segurando em meus dedos e rindo. - Eu lembro de você bastante tensa naquele dia também.
Revirei os olhos e arranquei meus dedos de suas mãos para firmá-los no volante novamente.
- Sua vida não estava em perigo quando assinei o contrato. A ideia de sairmos à noite foi bem inconsequente… Já imaginou se você morre de bala perdida no Rio de Janeiro?
- Acho que quando falei com o Will sobre a vinda ao Brasil, ele falou alguma coisa sobre eu estar proibido de sair à noite para pontos turísticos. - comentou despreocupadamente, mas eu praticamente parei o carro de supetão quando pisei no freio para encará-lo, descontente.
- Sem chances de você postar essa foto! - falei, e tomei o celular de suas mãos, continuando exasperada: - Ele vai me ligar imediatamente e me passar um sermão sobre como eu estou atentando contra a sua vida! Eu sei qual é a fama do Rio de Janeiro no exterior. Não quero o seu manager enlouquecendo comigo mais uma vez.
começou a rir ao meu lado, tentando tomar o celular de volta.
- Relaxa. Eu só vou postar a foto amanhã, quando estivermos a caminho do hotel. Não queremos que ninguém saiba que estou aqui antes disso, de qualquer forma. - ele encarou a pista à nossa frente quando devolvi o celular - Aonde estamos indo?
- Para casa.
Ele começou a discutir ao meu lado sobre o quanto eu estava sendo estraga prazeres e começou uma defesa elaborada, me convencendo de que nosso tempo é escasso e que se fizéssemos tudo direitinho, não enfrentaríamos nenhum problema. Ele praticamente implorava quando estávamos há apenas alguns quilômetros de casa, alegando que gostou do ar fresco do Rio de Janeiro e que queria aproveitar a temperatura confortável antes de morrermos de calor no dia seguinte, ou de frio quando voltarmos a Inglaterra para o réveillon, e aceitou sem pensar duas vezes quando sugeri que ficássemos pelo meu bairro, em uma das praças onde meus pais costumavam me levar quando criança.
- É bonito aqui também. - comentou ele quando estacionei na pequena praça.
O lugar estava levemente decorado com luzes de natal em seus arbustos, troncos de árvores e anjos luminosos em lugares estratégicos. Por estar decorada, havia um segurança alto e corpulento que se aproximou de nós assim que percebeu que planejávamos ficar ali. Eu e trocamos olhares quando ele se aproximou.
- Ele vai nos reconhecer. - sussurrou baixinho.
Sorri, balançando a cabeça. Era uma aposta que eu e fazíamos sempre que alguém com 30 anos ou mais se aproximava de nós. Eles nos reconheceriam ou não? Na Inglaterra, 99% dos casos se aproximavam justamente para uma foto, para mostrar aos filhos ou qualquer desculpa do gênero, ali eu tinha certeza de que não era o caso.
- Aposto que não. - sussurrei de volta quando ele já estava bem próximo de nós.
- Boa noite. - disse o segurança, a voz grossa e intimidadora - Não é um pouco tarde para vocês estarem aqui?
estava em silencio, sem entender nada, a expressão preocupada enquanto o guarda falava, obviamente em português. Eu sorri da forma mais simpática que podia.
- Um pouco. Mas ele não é do Brasil, - disse, indicando com um aceno de cabeça - e suplicou para que eu lhe mostrasse o Rio de Janeiro. Esse é o lugar mais seguro e perto de casa pra sair à noite. Você acha que tem problema? É perigoso?
O cara à minha frente encarou de cima a baixo antes de me responder, gesticulando com a cabeça e um pouco mais receptivo - brasileiros e sua eterna curiosidade por estrangeiros. - Não. Aqui é bem calmo. Vou ficar de olho em vocês de longe de qualquer forma. Me chamem se precisarem. - disse ele, já se retirando, e levantando a mão para um leve aceno de despedida.
me encarou ao vê-lo longe suficiente.
- Ganhei! Você vai ter que aceitar que não é tão famoso por aqui. - provoquei, rindo, e alcancei a mão com a palma exposta. - Me pague dez libras.
cerrou os olhos, um sorriso convencido tomando seus lábios.
- Não sou famoso entre homens com mais de 30 anos. - ele me corrigiu, batendo em minha mão aberta à sua frente e a segurando para me puxar enquanto continuava a andar - Não vou pagar nada. Não entendo português. Ele pode ter pedido por uma foto e você respondido que não era um bom momento. Eu nunca saberei.
Parei de andar imediatamente, rindo da imaginação fértil do garoto que segurava minha mão, e fingindo me sentir ultrajada por ele considerar que eu fosse capaz de mentir para ele sobre isso.
- Não sou do tipo que mente para ganhar dez libras, . - disse, apoiando a mão livre na cintura.
Ele balançou a cabeça, agora desistindo de tentar me puxar e se virando para me encarar.
- Eu sei que não. Você é do tipo que mente para ganhar de mim.
Ele esperava enquanto considerava sua resposta.
- É uma acusação justa. Mas eu não menti dessa vez. Você me deve dez libras.
tirou a carteira do bolso e me olhou desconfiado antes de tirar uma nota de dez libras de dentro dela e me entregar.
- O café da manhã é por sua conta amanhã.
- Não mesmo. Vou comprar seu presente de natal com esse valor.
Nós voltamos a andar a passos lentos, ele de costas bem em minha frente para poder continuar me encarando.
- Eu sei que você já comprou. - ele sorriu, presunçoso.
Ergui as sobrancelhas para ele enquanto me sentava no balanço do parque infantil da praça.
- Sabe? Como?
- O Daily Mail tirou algumas fotos suas na Regent St., carregando um monte de sacolas. Espero que a minha seja a da Calvin Klein.
Ele estava sorrindo em pé à minha frente, e eu suspirei, deixando meus ombros caírem.
- É realmente impossível fazer qualquer tipo de surpresa, não é?
não teve tempo de responder, pois nossos celulares apitaram no mesmo momento. - Até que demorou. - disse ele quando nós dois tiramos nossos aparelhos do bolso para checar.
Era no nosso grupo de mensagens.
“Como está o Brasil?”
sentou no balanço ao meu lado e esticou o braço para que a câmera do celular fosse capaz de enquadrar nós dois, e respondeu com nossa foto.
: Não acredito que vocês estão usando regatas! Está 2ºC aqui agora.
: Quem vestiu vocês para o clipe de Crazy In Love by Beyoncé?
deixou escapar uma risada ao meu lado.
: A . Quem mais seria?
: É isso que estão te ensinando na faculdade de moda, ?
: Vocês não deveriam estar dormindo? São tipo, cinco da manhã aí agora.
nos respondeu com uma foto. Na imagem estão os três no banco traseiro de um carro, sorridentes e com os olhos pesados. A explicação chega logo depois.
: Nós viemos para a mesma boate hoje. Estamos indo para casa nesse momento.
: Pappz sentiram falta de vocês.
: Eu não senti a deles.
: Onde está o ?
: Voou para casa essa tarde.
: Engraçado eles ainda não terem encontrado vocês no Brasil.
: Nunca achei que pudesse amar tanto esse país, haha. Vão dormir. Estamos desligando o celular.
nem esperou pelas respostas, bloqueou o aparelho e o guardou no bolso, depois me encarou, esperando que eu fizesse o mesmo. Me despedi dos garotos e segurei o meu em mãos, porém sem mexer. Nós ficamos conversando por mais alguns minutos, nos balançando levemente. comentou sobre como tudo estava dando certo e sobre como meus pais não pareciam ter desconfiado de nada até então. Ficamos em silêncio algumas vezes, mas isso não nos incomodava - eu e havíamos chegado em um ponto em que era totalmente ok ficarmos em silêncio um ao lado do outro.
Já passava das quatro da manhã quando voltamos para casa.
- Eu vou sentir falta disso quando tudo terminar. - comentou despreocupado assim que deitamos em minha cama. - Minha vida acalmou bastante depois de você.
Direcionei a um sorriso forçado, mas não o respondi. Em vez disso, desliguei o abajur ao meu lado e me deitei em silêncio com as palavras “quando tudo terminar” ecoando em minha cabeça.

Quando acordei no dia seguinte, novamente não encontrei ao meu lado. Aquilo não deveria me incomodar tanto, uma vez que eu sempre acordava depois dele, mas incomodava. O que ele poderia estar fazendo em uma manhã de véspera de Natal na minha casa?! Tomei um banho e quando caminhei por todos os cômodos, só encontrei mamãe na cozinha.
- Onde está o ? - perguntei, levemente preocupada, e nenhuma resposta me vem à cabeça.
Mamãe virou de onde estava para me olhar e sorri, simpática.
- Bom dia, florzinha. Ele foi com seu pai buscar seus avós.
Franzi a testa e me sentei na banqueta, servindo uma xícara de café e processando a informação. Não me sentia bem com a ideia de e meus avós, e logo mais com toda a minha família. Ainda estava analisando o que é que me deixava tão descontente sobre o assunto quando mamãe murmurou de onde estava:
- Ele é tão bom, filha! Não achei que seria uma boa ideia namorar um músico, mas vocês ficam muito bem juntos.
Parei a xícara a meio caminho da boca e encarei minha mãe, que sorria sozinha enquanto escolhia as folhas de alface para o almoço. Ela estava sorrindo por causa do meu namoro com ? Aquela cena e aquela frase, que agora ecoava em minha cabeça, me embrulhavam o estômago. Como se não bastasse, ela logo continuou:
- Seu pai está encantado. Achou ele divertido e responsável… Bem diferente do que a mídia mostra, não é? Vocês têm que vir mais vezes para cá. Hoje no café seu pai falou em levá-lo para pescar da próxima vez… ficou bem animado com a ideia.
Desisti de tomar café e larguei a xícara sobre a bancada de forma pouco gentil e recebo um olhar de repreensão de mamãe. Abri a boca para respondê-la, mas minha cabeça ainda estava processando a informação: ficou animado com a ideia de voltar ao Brasil e ir pescar com meu pai? não voltaria ao Brasil. jamais iria pescar com meu pai. O nosso contrato acabaria em dois meses, e…
- Ele é… - comecei a dizer, e tenho que engolir em seco antes de completar - Ele é muito bom mesmo.
E saí da cozinha, pois não queria continuar a escutá-la e nem discutir o meu futuro ao lado de , pois não existiria um futuro além de dois meses para nós dois.

Não demorou muito para que eles chegassem. Estava no meu quarto arrumando algumas roupas quando abriu a porta sem cerimônias, se aproximou de mim e me roubou um beijo, para logo depois se jogar em minha cama, alegre demais.
- Seus avós são o máximo! Eles são bem velhinhos e… Fofos.
Ele riu de si mesmo por usar uma palavra pouco heterossexual para descrevê-los e antes que eu pudesse respondê-lo, vovô e vovó apareceram na porta com grandes sorrisos nos lábios, se aproximando de mim sem cerimônias e me envolvendo em um abraço apertado cheio de exclamações sobre saudade e sobre como eu estava bonita.
Vovô me largou para observar, olhando para o garoto agora sentado em minha cama:
- Que garoto bonito você foi encontrar para namorado, hein? Não entendi uma palavra do que ele disse, mas tenho certeza que é um bom garoto. Você não escolheria alguém ruim para anexar à família, não é?
Meus avós riram simpáticos para , que sorriu para eles sem entender nada e com uma expressão curiosa no rosto. Eles avisaram que iriam para a cozinha ajudar meus pais com o almoço e fecharam a porta atrás de si, nos deixando para trás. perguntou quase imediatamente:
- O que eles disseram?
Eu o repreendi com o olhar antes de dar as costas a ele para voltar a dobrar minhas roupas.
- Que você não deveria ser tão cínico com velhinhos tão fofos! - soltei, irritada.
ficou em silêncio por um segundo, surpreso com a violência com que cuspi as palavras.
- O quê? - ele disse, e eu senti a incompreensão em sua pergunta.
Respirei fundo, tentando manter a voz em um tom amigável.
- Por que você foi buscá-los? Por que foi acompanhar meu pai?
deu de ombros, ainda sem entender absolutamente nada.
- Seu pai me convidou e eu aceitei. Não entendi seu mau humor… Já tomou café da manhã?
Virei-me para ele, irritada. Ele adorava ligar meu mau humor ou minhas reclamações a falta de refeições. Mas aquele não era o momento para suas piadinhas. Ele ainda esperava por minha explicação, mas como se explica a alguém que ele tem que deixar de ser tão legal e encantador com sua família quando a maioria das pessoas só esperam exatamente isso dele? Então deixei o assunto morrer e não voltou a perguntar, deixando-me feliz por ele estar de bom humor o suficiente para evitar uma discussão comigo.
Meu segundo dia no Brasil não estava sendo tão tranquilo quanto o primeiro. Mesmo com o dia ensolarado e o almoço ao ar livre nos fundos do nosso quintal, senti-me ansiosa durante todos os momentos em que estava por perto e com todas as risadas compartilhadas por ele e minha família, todas as piadas internas que estavam se criando e sobre como meus avós faziam um esforço enorme para se comunicar com ele, pedindo para que traduzíssemos suas conversas e até arriscando uma palavra ou outra, assim como também arriscou algumas frases em português. Ao final do almoço, ele já havia aprendido a elogiar a comida de minha mãe em português e a dizer que agora ele entendia a minha saudade de sua comida.
Todos nós resolvemos nos deitar um pouco antes de nos arrumarmos para seguir até o hotel que havia reservado para que festejássemos o dia - era o presente dele para minha família: Uma festa em um hotel de luxo com um pedaço de praia privada. Deitei-me sem dizer uma palavra e virei de costas para ele. me ignorou, totalmente alheio ao meu descontentamento.

Com meu celular despertando às 15h30, deixei dormindo e segui para o banheiro me arrumar. Eu já estava com os cabelos secos e a maquiagem quase totalmente pronta quando ele acordou e pareceu supor que eu estava de melhor humor ao entrar no banheiro e me abraçar por trás, me obrigando a largar o delineador em cima do balcão para que não borrasse.
- Bom dia. - brincou ele, preguiçosamente e com os olhos ainda fechados.
Ele beijou meu rosto e voltou para o quarto arrastando os pés. Fechei meus olhos, momentaneamente conquistada por seu gesto tão simples e resolvendo baixar a guarda pelo menos até o dia seguinte. Eu queria um ótimo natal para mim, para ele e para toda minha família.
Quando saí do banheiro, já usando o vestido branco de tecido cintilante e o sapato dourado, , que estava de costas arrumando a gola da camisa levemente azul, se virou e abriu um sorriso brilhante ao me ver.
- Estou feliz em ser seu acompanhante essa noite. - disse ele, segurando em minha mão e fazendo com que eu girasse para que ele pudesse me analisar de todos os ângulos.
- Você tem sorte mesmo. - respondi, soltando uma leve risada quando terminei a volta e ele me puxou pela cintura, fazendo com que nossos corpos se chocassem um contra o outro de maneira desengonçada.
Arrumei a gola que ele deixou mal dobrada e juntos sorrimos, cúmplices.

Enquanto meu pai dirigia até o hotel, resolveu postar nossa foto do dia anterior, e durante o trajeto, acompanhamos juntos os milhares de comentários que imediatamente tomaram conta da foto - que em sua maioria, ficaram divididos entre a surpresa por estar comigo no Brasil e os elogios e risadas sobre a fantasia escolhida dessa vez, bem como desejos de feliz natal para nós dois.
Quando chegamos ao salão de festas, lembrei do quanto minha família era grande: Ali estavam crianças correndo de um lado para o outro, e tios, e primos, que, com as taças de champagne em mãos, viraram-se para nos olhar quando atravessamos a porta, e começaram a festejar a chegada dos anfitriões. está ao meu lado durante todo o tempo, sorrindo de forma educada e escutando paciente enquanto algumas pessoas arriscavam um péssimo inglês. Ele usava as palavras que sabia vez ou outra: “Olá. Tudo bem com você?”, ou esperava que eu traduzisse algumas das frases. Quando parei para cumprimentar um casal de primos que eu não via há tempos e que me recebiam animados, se distanciou, avisando que iria guardar os presentes, e demorou a voltar, pois meu pai logo o engajou em uma conversa com meus tios.
A noite transcorria muito melhor do que eu esperava. Na maior parte do tempo, eu me esquecia de que estava ali ou de qualquer preocupação que eu pudesse ter. Era bom poder rever as pessoas que eu não via desde a minha infância ou desde que eu havia partido para Londres. A maioria parece feliz pelas coisas estarem dando certo para mim na Inglaterra, falando sobre como eles contam a todo mundo que têm uma sobrinha ou prima que namora , faz moda e alguns editoriais de revista. Todos eles prometem me visitar cedo ou tarde, e eu assentia com simpatia a cada um dos comentários.
Já era quase meia noite quando fui deixada sozinha na sacada do salão de festas. A pequena praia estava ali à minha frente, as ondas engolindo a areia e eu deixando meu cabelo solto voar com a brisa que batia contra eles quando se aproximou com duas taças de champagne em mãos e me entregou uma.
- É o paraíso aqui, não é? - ele falou, os braços envolvendo minha cintura enquanto ele apoiava sua cabeça na minha, fazendo com que eu me sentisse minúscula.
- É. - concordei, e ri da sensação e de como parecia natural que estávamos ali abraçados.
- Hey! Adivinha? - ele parecia animado e virou meu corpo para que eu ficasse de frente para ele - Convidei seus pais para passar o ano novo com a gente na Inglaterra.
Eu demorei um pouco para entender, mas senti meus lábios perderem o sorriso enquanto o encarava.
- Por que você faria isso?! - meu tom de voz soava exatamente como me sentia: descontente, e vi a expressão de se tornar confusa mais uma vez. Acertei um tapa em seu braço - Pare de ser tão legal com eles!
- Qual é o seu problema? Achei que você gostaria de ter eles por perto por mais tempo. Você parecia muito feliz até agora.
Senti que ele ficara impaciente. Não desfez o abraço, mas endureceu o maxilar e olhava para o lado contrário. Eu não podia culpá-lo: Quem é que faz esse tipo de pedido para o namorado ou para qualquer pessoa que seja? Ser legal não deveria ser considerado um problema, afinal. Principalmente quando o discurso é “pare de ser legal com minha família”. É por isso que resolvi, mesmo contra minha vontade, explicar.
- Eles vão se apaixonar por você. E você vai quebrar o coração deles! - falei baixinho, mas continuei olhando para seu rosto, que evitava me encarar - Você sabe o quanto é difícil ter alguém na sua vida e depois ela simplesmente não estar mais lá?
Senti meu rosto corar quando terminei de falar, e quase me arrependia das palavras que saíram de minha boca. Eu tinha entendido o que me irritava tanto, finalmente. Respirava fundo esperando que ele me respondesse e tendo plena consciência do coração batendo com força contra meu peito.
- Você está falando deles ou de si mesmo? - ele perguntou, e finalmente virou o rosto para me encarar, seus olhos estavam duros e não existiam vestígios de humor ou provocação em suas palavras.
Touché. Era difícil manter a compostura, mas eu me esforçava. Tive que pensar rápido em uma resposta irônica, que é como eu costumava me defender nesses momentos.
- Você é inacreditável. - falei com um risinho, afastando-me de seus braços e balançando a cabeça para desviar meu olhar do dele.
Um silêncio horrível se instalara sobre nós e eu tinha certeza que estava analisando e se perguntando se o que eu disse poderia mesmo ter ligação com o que ele pensou que eu queria dizer. Na verdade, eu mesma estava confusa com o que aquelas palavras poderiam significar. Engoli em seco, pensando em qualquer outra coisa que eu podia fazer para aliviar o peso do que eu havia dito, mas fui salva pela aproximação de meu pai. deu um sorriso forçado a ele, que não pareceu notar.
- Eu estava contando à que vocês não quiseram se juntar a nós na Inglaterra. - se precipitou, envolvendo minha cintura com o braço esquerdo, mas eu não queria seu braço ali agora, por isso fiquei rígida e desconfortável - Ela estava a ponto de ir falar com vocês sobre isso.
Pigarreei baixinho e sorri docilmente para meu pai, que começou a falar assim que abri a boca:
- Você sabe o quanto nossos fins de ano são agitados com as campanhas da agência, filha. Não podemos sair sem um planejamento… - papai se explicou - Mas já prometi ao que, para o natal do ano que vem, nós faremos um esforço para estar lá com vocês.
Virei meu rosto para , não me importando com o risco de que meu pai percebesse que lhe direcionava um olhar de “O que foi que eu disse?” e de que não estava contente com a perspectiva de um planejamento para eles irem até Londres. mordeu o lábio e, pelo menos agora, eu tinha uma chance de que ele considerasse o que eu falei somente como preocupação com meus pais.
- É claro. Será um prazer receber vocês. - respondeu, mas parecia desconfortável - Com licença, vou ao banheiro.
Assenti com a cabeça e assisti a ele dar as costas a mim e a papai e se distanciar. Meu pai me abraça e beija minha testa: “Vamos entrar? A troca de presentes já deve estar começando”.

- É quase meia noite! - meu pai anunciou quando atravessamos a porta para dentro do salão novamente, chamando a atenção de todos - Eu não sei vocês, mas eu já ganhei o meu presente…
Ele sorriu, chamando por minha mãe, que se juntara a nós. Nós envolvemos nossos braços um no outro enquanto meu pai começava um discurso sobre o quanto ele gostava do natal e como ele estava agradecido pela família ter conseguido, por mais um ano, se reunir.
- É claro que esse ano temos um agradecimento especial a fazer… - ele disse, dessa vez em inglês, erguendo a taça em direção a , que estava à nossa frente escutando as palavras de papai - Bem-vindo à família, . E obrigado por essa ótima festa, está tudo lindo. Feliz Natal a todos nós!
acenou com a cabeça e ergueu a taça em resposta, tomando um gole da mesma e andando em nossa direção quando papai o chamou, com um aceno de mãos. Todos ao nosso redor começaram a bater palmas e alguém gritou ao fundo: “JÁ É MEIA NOITE!”, fazendo com que as pessoas ao nosso lado automaticamente começassem a sorrir e a trocar abraços.
Mamãe e papai se abraçaram primeiro, de forma que eu e sobramos. Nós nos encaramos um pouco sem jeito antes de sorrirmos um para o outro - naquele momento nenhuma discussão se encaixava entre nós dois. diminuiu o um passo de distância que nos separava, e eu não resisti à vontade de jogar meus braços ao redor de seu pescoço. Ele riu do gesto pouco cuidadoso e envolveu minha cintura com seus braços também. Nós dois sussurramos um Merry Christmas” e quando nos distanciamos, passou a língua pelos próprios lábios, e eu vi seus olhos percorrerem cada traço do meu rosto, fazendo com que eu me sentisse completamente exposta. Senti ele soltar um dos braços em minha cintura enquanto o outro continuava firme onde estava. Ele colocou uma das mechas do meu cabelo atrás de minha orelha e segurou meu pescoço antes que sua boca encontrasse a minha. Nossos lábios se encaixaram em um beijo gentil - e mesmo assim, senti uma enorme necessidade de manter a minha boca e meus braços exatamente onde estavam, tampouco sentia se distanciar, mas fomos interrompidos por mamãe e papai, que começaram a exclamar seus votos de feliz natal ao nosso lado e não havia outra escolha a não ser nos distanciarmos e abraçá-los também.
Meus pais nos entregaram nossos pacotes de presentes, e enquanto fui presenteada com um par de brincos, foi presenteado com uma pulseira de ouro branco. Em troca, nós dois lhes presenteamos com uma semana de estadia no hotel onde a festa estava sendo comemorada, com passe livre para todos os pacotes que o lugar oferecia - ideia de . Com os presentes em mãos, nós quatro nos juntamos e sorrimos para uma foto com o fotógrafo contratado e nos dispersamos para cumprimentar o resto das pessoas que ali estavam.
Quando terminei, vi que já estava na sacada, com o celular na orelha.
- Merry Christmas, mãe! - ouvi ele exclamar para o aparelho assim que me aproximei, e percebi que ele usava o tom de voz diferente que ele só usava com sua mãe - Eu sei que é tarde, mas acabou de dar meia noite aqui no Brasil. - pausa - Sim, eles estão todos aqui, são todos ótimos, foi bem legal. - pausa, e ele se virou em minha direção - Sim, ela está aqui do meu lado. - pausa - Ok, vou passar pra ela.
Sorri quando me entregou o celular.
- Feliz Natal, Sra. ! – exclamei, antes mesmo de cumprimentá-la.
- Feliz Natal, ! - ela desejou do outro lado, seu tom de voz estava animado e feliz, mas tinha certeza de que ela estava dormindo antes de atender o celular.
- Sinto muito por termos te acordado. - disse, rindo - não pôde esperar até amanhã de manhã.
- Não se preocupe, querida. Eu estava esperando pela ligação de vocês. Já está com tudo pronto para vir pra cá?
- Claro. Estou ansiosa!
- Traga seus casacos, porque está congelando! Nós pensamos um monte em vocês hoje por estarem no Brasil.
Soltei uma risada contra o aparelho.
- Da próxima vez, quem sabe você não venha junto, não é? Você vai amar aqui.
Ouvi a mãe de rir de volta pelo telefone e ergui as sobrancelhas quando me encarava.
- Vai ser um prazer, querida.
- Vamos fazer nossos planos durante o réveillon, então. Vou devolver o telefone ao , tá bem? Nos vemos logo!
- Ok. Amo você. - diz ela, e eu sorrio murmurando um “Love you too” antes de devolver o celular a .
Espero se despedir, e quando ele o fez, seus olhos se contraíram em minha direção. Ele andou até mim, e eu pouco entendia de seu olhar de julgamento enquanto ele me prendia contra a mureta que nos separava da faixa de areia, e abaixava o rosto para poder me olhar com o rosto levemente inclinado.
- Você é uma hipócrita. - ele disse, sua voz não visava provocar uma discussão, mas eu arregalei meus olhos mesmo assim.
Ele respirou fundo e arrastou os pés, aproximando ainda mais o corpo do meu. Antes de ele voltar a falar, permanecemos imóveis encarando um ao outro.
- Você vai quebrar o coração da minha mãe também. Ela ama você.
Comecei a rir, por sua acusação fazer sentido agora, e ele se juntou a mim com um sorriso de canto enquanto passava a mão por meus cabelos e os jogava para trás de meus ombros.
- É diferente. Não sei te explicar como, mas é. - tentei me defender ao senti-lo enrolar uma das mechas do meu cabelo com os dedos.
- Você vai quebrar o meu coração também. - ele continuou, ignorando minha frase anterior.
Senti uma onda gelada percorrer meu corpo e o sangue em minhas veias disparar. Tentei controlar minha expressão antes que ele desviasse o olhar para o meu rosto, mas ele não o fez. Estava estática em sua frente, esperando que ele falasse mais alguma coisa.
- Não vai ser fácil pra mim tampouco, . Mas nós não precisamos viver em guerra agora pra ter paz depois.
Engoli em seco, sabendo que ele tinha razão. Já fazia algum tempo que para mim estava difícil separar uma coisa da outra: às vezes, eu fazia tudo pelo contrato, e outras em que mesmo sem ninguém ao nosso lado, parecia certo que fôssemos nós dois ali, e era nesse momento em que eu surtava, porque parecia certo que estivesse ali com minha família, no meu país, comigo - e eu precisava ficar lembrando a mim mesma que era tudo passageiro, que tudo não passava da merda de um contrato. E mesmo quando eu achava que ele estava se sentindo da mesma maneira que eu, logo ele provava que não passava de um garoto centrado. Eu o invejava por isso.
Concordei com a cabeça, sentindo meu coração vacilar enquanto o fazia. Tentei um sorriso, que parecia ter funcionado, pois ele sorriu também.
- Olhe. - disse ele, tirando uma caixa de dentro do bolso e a abrindo antes que eu o fizesse - O seu presente de natal.
Dentro da caixa estavam duas alianças em prata, reluzentes mesmo à luz da lua. Eu ergui as sobrancelhas, tirando os dois anéis dali de dentro.
- Will mandou você comprar? Ele quer me dar uma aliança dois meses antes de nós terminarmos?
balançou a cabeça negativamente ao tomar um dos anéis de minhas mãos e segurá-lo, colocando lentamente o anel no meu dedo anelar da mão direita.
- Não é sobre o nosso namoro. E não tem nada a ver com o Will. - disse ele, oferecendo o mesmo dedo anelar de sua mão para que eu coloque o anel no dedo dele também - É sobre eu e você, e sobre tudo o que passamos desde que nos conhecemos.
Eu o encarei antes de empurrar o anel mais fundo em seu dedo, soltando uma leve risada pelo nariz e balançando a cabeça.
- Você ferra com a minha cabeça, . De verdade. Mas eu gosto.
Terminei de colocar o anel onde ele deveria ficar e entrelaçamos nossos dedos. Soltei um suspiro descontente, porque nossos dedos entrelaçados era mais uma das coisas que parecem certas para mim. encostou os lábios aos meus sem aviso e sussurrou contra meus lábios logo depois: “I love you”. Eu sorri em resposta, respondendo-o com a mesma frase – e tentando me convencer de que elas tinham sentidos diferentes para mim e para ele.


Fim



Nota da autora: Feliz Natal!! Depois de um ano sem escrever nada novo, fiquei feliz em escrever novas cenas desses dois! E tudo graças a cada um de vocês que mesmo depois de um ano inteiro continuaram esperando, pacientes, por isso. Obrigada! Em 2016 vai ter muito mais, prometo! Quero agradecer ao FFOBS por ter me convidado pra esse especial - vocês transformam um simples hobbie em um prazer maior ainda! Sou muito agradecida por vocês existirem e por todo o trabalho maravilhoso do site. E outro obrigada especial e pedido de desculpas à Vane, por ser tão paciente com os atrasos das minhas entregas – você é o máximo, sério! Amo ter você como beta. Espero ver todas vocês em 2016!



IMPORTANTE: Essa fanfic é um spin-off de Natal da fanfic We Got a Secret.

Nota da beta: Feliz Natal e próspero 2016 pra todxs vocês, gatinhxs! A nota é pequena, só pra responder rapidamente à Cami pelo recado. Eu que te agradeço por ser minha autora, amo WGAS, amo ler antes e amo ter você como amiga <3
E prxs leitorxs, se encontrarem algum erro na fic, me avisem! Meu e-mail se encontra no final da página. Beijinhos e tudo de bom pra vocês <3



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