Última atualização: 27/10/2024

Capítulo 1

AGATHA | AGORA
Manchester, Inglaterra.


Ela acorda como sempre: vomitando e tremendo.
Leva cerca de vinte minutos para ela compreender onde ela estava, e o que estava acontecendo. O zumbido intenso em seus ouvidos emudece tudo ao seu redor, sua pulsação se confunde com a memória traumática dos disparos. O coração dela ainda está acelerado, martelando de maneira nauseante contra sua caixa torácica; os instintos ainda em alta alerta, sensíveis e à espera do golpe iminente. A respiração pesada, irregular e rarefeita. A tosse que se segue é mais nervosa do que qualquer outra coisa, enquanto sua mente só registra, meio a parte do que está acontecendo, a falta de ar. Tudo está girando. Ela tenta respirar, mas quanto mais o faz, mais parece que falta ar. rola para o lado, sem perceber que acabou de enfiar sua mão na poça de vômito dela, tentando se colocar sentada, instintivamente buscando uma arma, qualquer coisa que pudesse usar para se defender enquanto o grito pelo nome de Beatriz morre em sua boca ao encarar diretamente a televisão ligada no que parecia ser um canal de segunda mão, ecoando o jornal matinal. A estática da televisão de tubo faz não apenas com que a imagem fique instável, como, igualmente, aumenta a sensação de desconforto do emudecimento de seus ouvidos. franze o cenho, tremendo, hiperventilando, inicialmente confusa por não estar compreendendo nada do que é dito, sentindo como se algo estivesse completamente errado, mas então ela percebe. Inglês. Porra! Manchester. Certo, certo! Ela havia se esquecido disso. Inglaterra, porra, ela estava na Inglaterra. Ótimo, porra, fantástico. Puta merda. fecha os olhos com força, ignorando o gosto horrível amargo de bile em sua boca enquanto se deixa senta para trás, esbarrando em sua mesa, e quase caindo para trás, se não fosse a perna de sua cadeira deitada no chão, de onde ela deveria ter caído na noite anterior após apagar completamente.
Ainda hiperventilando, ela faz uma careta para si mesma ao observar os indícios do próprio vômito em sua mão, praguejando baixo em português e buscando algo para limpar. Qualquer pano que ela encontre no meio do caminho serve como auxílio para que ela a limpe, cuspindo no chão antes de usar o antebraço para afastar as mechas revoltas de seu cabelo para longe de seus olhos e testa. Está encharcada de suor, e apesar de ter a sensação de sua pele estar febril, o suor é frio e a sensação ainda pior. Quer dizer, ela já havia caído dentro de um lago congelado antes, ela sabia como era a sensação de quase morrer congelada, e ainda assim, havia algo de completamente não natural no suor frio que a incomodava. tinha poucos medos, e certamente, a morte não era um deles, mas isso não significava que ela gostasse de sentir desconforto. Ela era maluca, não sádica. Não com ela mesma, pelo menos.
Puta merda, sua cabeça estava para explodir e ela ainda estava naquela maldita névoa desorientadora de puro medo e instinto. Ela pragueja outra vez, atingindo o próprio rosto com alguns tapas fortes, tentando aumentar sua adrenalina o suficiente para ela se concentrar em outra coisa. Havia aprendido que a dor era uma boa maneira de limpar sua mente, ao lhe oferecer algo prático para se concentrar. Não era a melhor solução, ela sabia, mas funcionava, então, foda-se. Os olhos dela disparam de um lado para o outro, as pupilas se contraindo enquanto se fixam na televisão ligada à sua frente. exala por entre os lábios, tentando se focar em ouvir algo. Uma das piores partes daquela merda, não era a desorientação, ou a sensação de que estava prestes a morrer, com as solas dos pés e as mãos formigando sem parar, e muito menos a sensação de descontrole de seu próprio corpo, como uma desconexão de seu corpo com sua mente, mas o ruído em seu ouvido, abafando tudo ao redor, enquanto ela só conseguia hiperventilar. Quanto mais tentava respirar, mais falta de ar lhe causava. Ela tenta se concentrar na televisão, parecendo estar submersa debaixo d’água inicialmente, antes de lentamente conseguir focar nos sons que o aparelho velho, decrépito e caindo aos pedaços, estava fazendo.
— [...] de acordo com o Parlamento Canadense, a ação foi necessária para manter a integridade do sistema de justiça. O Primeiro Ministro Canadense, David , informou esta manhã sobre as investigações ao escândalo de corrupção na bancada republicana no Parlamento, em seu discurso durante a abertura de um dos novos hospitais para crianças de baixa renda com doenças raras ou tratamento intensivo experimental. O Primeiro Ministro fez questão de frisar que… - A imagem muda de uma loira elegante envolta por roupas profissionais de âncora de jornal para um homem engravatado de rosto sério, concentrado, mas que estranhamente aparentava uma gentileza capaz de fazer o estômago de revirar. Tem olhos , cabelos grisalhos nas laterais, embora perfeitamente alinhados e loiros no topo, pendendo por seu rosto de galã grisalhos nas laterais, hollywoodiano, barba perfeitamente aparada, fazendo-o parecer mais novo, e com roupas impecáveis. não consegue conter um sorriso de desgosto e nojo que se espalha instintivamente por seus lábios, sabendo perfeitamente que as pessoas que tentam esconder-se por trás de um véu de perfeição, são as que mais tem algo a esconder. Ou talvez ela fosse apenas cínica demais. sequer presta atenção no discurso que o tal David faz.
Os olhos dela se encontram com os amendoados de Beatriz. Os olhos de Beatriz sempre haviam sido mais castanhos do que esverdeados, como mel, e sempre haviam sido mais doces que os dela. Olhos arregalados, braços cruzados à frente de seu corpo, mas os pulsos e as mãos estão faltando, os ossos expostos, a cabeça dela pende para o lado, pendurado em seu tronco de onde a espinha vertebral dela se projeta. E o sangue para todo lado. pisca os olhos rapidamente, encarando as próprias mãos enquanto sua respiração se torna insuportavelmente irregular. A notícia do tal Primeiro Ministro Canadense muda bruscamente para alguma coisa relacionada há algum conflito no Oriente Médio. Os gritos, o som da bomba explodindo, é demais para ela. tateia desesperadamente pelo controle da televisão, cegamente, sem se levantar de onde está, os músculos ainda travados, o corpo ainda tremendo. Ela pragueja baixo ao perceber que terá que se levantar, e então, com uma mistura de preguiça e pura incapacidade de mover-se com segurança e a certeza de que não iria cair sobre seu próprio peso cedendo a suas pernas, ela apenas joga o que acha ao seu lado na direção da televisão. Um chinelo, uma pedra, um pote com canetas esferográficas com cheiro de morango e outras frutas, com glitter, porque ela havia comprado por algum motivo quando estava bêbada demais para se lembrar do porquê.
— Porra - cospe outra vez, tacando sua cópia velha e rasgada de Memórias do Subsolo na direção de sua televisão, propositalmente para desligá-la da forma que dava. Quer dizer, o aparelho estava quebrado há meses, funcionava por intervenção sobrenatural ou divina - acredite no que quiser, embora estivesse mais inclinada a apenas acreditar que o aparelho funcionava por vontade própria. E a única forma de desligar era dando um tapa ou chute ou arrancar o cabo da tomada, mas se ela arrancasse a merda do cabo da tomada, o apartamento inteiro ficaria sem luz, porque sua vida era simplesmente incrível, não é? fecha os olhos novamente, apoiando a cabeça contra uma das pernas da cadeira derrubada, encarando o teto por um longo tempo, completamente envolvida em silêncio. Não era que ela gostasse de silêncio, na verdade sentia repulsa. A imprevisibilidade e a paranoia enviando-a para um estado de alerta pior e mais profundo na maioria das vezes, esperando de onde viria o próximo ataque ou quem iria agarrar seus cabelos dessa vez e arrastá-la para algum canto escuro. Igualmente, não era como se ela quisesse ouvir os dois filhos da puta gemendo em alto e bom tom, do outro lado de sua parede. Ao menos, era melhor do que ouvir os gritos de Beatriz, de novo e de novo e de novo, como acontecia todos os dias.
A cabeceira da cama bate ritmadamente contra a parede a esquerda de sua sala, estupidamente fina para o próprio gosto dela - afinal, pelo menos no Brasil, as paredes eram feitas de grossas camadas de tijolos, e isso ao menos abafava um pouco os ruídos. Sem a televisão para abafar o som, ela conseguiu ouvir os grunhidos e gritos agudos dos dois pervertidos que pareciam ter tempo para aquilo logo de manhã. não havia se dado ao trabalho de investigar muito sobre a vizinhança naquele maldito pardieiro, tudo o que havia tido como garantido era que ninguém faria perguntas ou era bisbilhoteiro o suficiente para querer saber quem ela era. Algo sobre gangues menores que eram subjugadas aos Blinders ainda, o que quer que aquela merda significasse para eles. O que não gostava e definitivamente não esperava era acabar sendo vizinha de dois idiotas filhas da puta ninfomaníacos. Além disso, tinha quase certeza que o exibicionismo era apenas uma tentativa de validação pessoal para confirmar que "sim, realmente, eram um casal muito apaixonado”, quando não havia substancia alguma além do sexo. Típico. encara o vazio a sua frente, se questionando pela primeira vez no dia, que porra ela havia feito com a própria vida.
— Puta que pariu, só pode ser brincadeira - aperta a ponte de seu nariz, tentando conter os tremores restantes de seu corpo, ou ao menos, mantê-los sob controle, antes de obrigar-se a levantar, meio cambaleando, meio rosnando consigo mesma, ao esbarrar pelos móveis no meio do caminho.
balança a cabeça de maneira negativa, genuinamente irritada, enquanto tentava afastar a sensação de torpor que a envolve, unindo as sobrancelhas, no máximo de determinação que ela possuía - o que por si só era mínimo - e então, agarrando um pé de cabra no canto de seu corredor, ela propositalmente acerta violentamente a parede. Mas os gemidos continuam. Então, xingando em alto bom tom, ela acerta a parede novamente, e de novo, e de novo, até fincar o pé de cabra, atravessando-o do outro lado. Um grito feminino em pânico e uma sequência de palavrões pouco criativos, a faz sorrir como o próprio diabo. Se era briga que o machão idiota procurava, então estava completamente aberta para enterrar a cabeça de merda dele no chão, com os próprios punhos.
— CALA BORA PORRA! - Ela grita, chutando a parede em um aviso, por pura raiva, antes de assoprar as mechas de seu cabelo para longe de sua boca, irritada, apoiando as suas duas mãos em seus quadris. Ela gira o pescoço, tentando aliviar a tensão em seu corpo, enquanto inspira com força, intensamente. O ar gélido queima suas narinas, ou talvez seja apenas o pó que a esteja incomodando, mas a alta da adrenalina e a raiva lhe dão ao menos um foco que não esteja voltado para Beatriz, e isso já lhe vale muito.
Pelo menos o ataque de pânico havia diminuído.
Ela podia sentir as mãos tremendo ainda, mas enquanto ela convencesse a si mesma que não estava sentindo nada, ela firmemente não iria sentir nada. Era um jogo perigoso e puramente estúpido que ela fazia consigo mesmo, mas o problema de seus ataques de pânicos era que eles não ocorriam de súbito. Eles ocorrem gradualmente, até um ponto de explosão. Ela podia sentir na maneira irregular que seu coração martelava contra sua caixa torácica, ou a maneira com que sua mente parecia presa em um manto esquisito de falsa estabilidade, sentindo a familiaridade do espaço, mas notando algo que não estava ali - algo que ela não estava vendo. Iria ficar pior, ela sabia, mas no momento? Bem, estava sob controle, e ela manteria assim. Por desprezo - a si mesma.
usa o antebraço para limpar a própria boca, ignorando os xingamentos e gritos do outro lado da parede. Ela puxa com força o pé de cabra da parede, observando o buraco que se abre no espaço, antes de abrir um sorriso torto, desgostoso e dando-lhe o dedo do meio ao ver alguém tentar espiar pelo buraco aberto. joga o pé de cabra sobre sua mesa próxima a janela, sem se importar com o fato de que ela erra feio e acerta o vidro da janela, criando uma bagunça de cacos no chão. caminha até seu banheiro minúsculo e apertado, fedendo a água sanitária e limão. Puta merda, um dia ela ainda se mataria naquela merda por misturar produtos químicos sem a preocupação de verificar se era adequado ou não fazê-lo. Um grunhido escapou por entre os lábios dela, quando ela calcula mal o espaçamento do degrau e tropeça para dentro, batendo o ombro na quina da bancada do gabinete do banheiro, e quase acertando a cabeça dela no box de vidro. fecha os olhos por um segundo, pensando em desistir de tudo simplesmente, e, simplesmente ficar ali pelo resto do dia, questionando novamente o que diabos havia feito com sua própria vida. Mas os espasmos suaves em suas mãos, cedendo lugar aos tremores anteriores, evidenciaram o começo da abstinência. Ela abre os olhos, obrigando-se a levantar-se e então apoia as duas mãos na pia, franzindo o rosto com a claridade que invade o banheiro.
Ela odiava as manhãs.
A água gelada a acerta como um soco certeiro, livrando-a de qualquer resquício de ressaca que ela poderia ter no momento, e um suspiro de alívio escapou por entre os lábios dela, quando ela cospe a água de sua boca após lavá-la. O gosto de menta ainda está em sua língua, quando os olhos se encontram com seu reflexo. Olheiras abaixo dos olhos, a pele mais pálida que o normal, meio doentia, os lábios com alguns machucados das peles que ela costumava arrancar inconscientemente na noite anterior enquanto se afogava na bebida sozinha. solta um chiado entre dentes desviando os olhos quase imediatamente, incapaz de se olhar no espelho, como se sua imagem a queimasse, e então abre a porta do armário em busca dos frascos dos remédios. Tateia meio cegamente, derrubando um dos frascos dentro da pia, mas para sua surpresa, todos estavam vazios.
prende a respiração. Merda!
Não, não, não, não!! Isso não poderia estar acontecendo! Não agora! Não hoje! Mas que caralho?! Então tudo cai no fundo de sua mente enquanto ela abre as gavetas do gabinete de seu banheiro, procurando na bagunça por mais um frasco. Ela não poderia estar sem aquela merda de remédio. Se estivesse, então… fecha os olhos com força, tentando silenciar o medo que começa a atingir e espalhar-se por seu peito como veneno, praguejando entre dentes. Ela não podia enfrentar Beatriz. Não agora. Nunca. Os dedos longos dela, meio tortos, buscam rapidamente por sua bagunça ali, jogando no chão alguns sabonetes, lenços umedecidos, absorventes internos, esmaltes velhos, sem se importar com o caos que estava construindo em seu banheiro. Sem se importar com nada que não fosse aquelas malditas pílulas. Ela exala de maneira afiada, por entre dentes, fechando os olhos com força, acertando um tapa por pura frustração na quina do gabinete, antes de enterrar o rosto em suas mãos. Que porra! Era só o que ela precisava! Era cuidadosa e costumava pegar mais doses do que deveria para garantir que não faltaria. Porra, porra, porra! Como ela havia deixado aquilo acontecer?! Puta que pariu! inspira uma única vez, negando com a cabeça, disparando na direção de seu quarto.
Ela se trocou rapidamente com a primeira roupa limpa que encontrou pelo caminho. Veste com uma careta a jaqueta de couro, seguido do boné esfarrapado escuro, prendendo-o em sua cabeça de maneira firme antes de puxar o gorro de sua jaqueta com um movimento rápido.
O vento gélido queima o rosto dela, fazendo seu nariz arder e sua respiração se tornar uma fumaça suave, esbranquiçada, ao escapar por entre seus lábios, ao passo que ela desce rapidamente as escadas decrépitas do pardieiro que ela vivia em Manchester, empurrando com um grunhido o portão de ferro, antes de preparar-se para andar, apenas para receber um golpe violento em sua cabeça. tosse, engasgando-se com a própria saliva, desorientada por um segundo, enquanto desaba no chão. Os olhos dela se arregalaram levemente enquanto encontram o rosto genuinamente irritado e desesperado, de um homem levemente truculento, com uma calvície bem evidenciada e uma expressão de filha da puta que havia acabado de ser pego em flagrante e não estava conseguindo dormir por conta disso, tentando segurar os braços dela. O instinto volta como uma memória muscular cravada em sua mente, e não percebe que reagiu até ter quebrado o nariz do idiota, e tê-lo preso contra a parede a sua frente, torcendo o braço dele nas costas, imobilizando-o enquanto a mão esquerda dela segura os cabelos dele com força, puxando a cabeça para trás para ver o rosto de seu quase agressor. O impulso gritando mais alto, ecoando para que ela acertasse repetidas vezes a cabeça do idiota contra os tijolos irregulares do prédio em que ela vivia. exala lentamente fazendo uma careta antes de empurrar o filho da puta para frente, soltando os cabelos dele, e chutando-o no meio das pernas apenas para descontar sua frustração. Os olhos percorrem momentaneamente o restante das pessoas que caminham por entre a calçada, unindo as sobrancelhas grossas e bem marcadas em uma expressão de poucos amigos ao perceber tardiamente que ela estava chamando mais atenção do que deveria. Ela exala novamente, a fumaça esbranquiçada de seu hálito projetando-se a frente de seus olhos, enquanto ela volta a encarar o maldito homem.
Senhor Andrews, desabado em seus próprios joelhos, segurando a virilha com dor, enquanto xinga até a última geração de . Talvez ela estivesse finalmente enlouquecendo. Talvez, fosse pura frustração. Ou, talvez, fosse simplesmente incredulidade, mas ela solta um riso nasalado, incrédula, cambaleando um pouco para trás enquanto apoia as duas mãos nos quadris, furiosa. Justo naquele dia, puta que pariu! Se algo mais desse errado, ela genuinamente iria considerar saltar da primeira ponte que encontrasse em seu caminho…
O senhor Andrews era um filho da puta na casa dos quarenta anos. Até poderia ser considerado alguém bonito, quando jovem, mas agora era uma desculpa medíocre de um homem branco e velho entrando na meia idade que, por algum motivo, estava desesperado para ter uma validação masculina em sua vida, ao agir como se tivesse quinze anos novamente. Não apenas isso, dormia com garotas de quinze anos também. estava na cola dele fazia sequer duas semanas, quando a Senhora Andrews, ou apenas Genevieve, como ela havia pedido para que a chamasse, havia entrado em contato com ela e pedido para que o investigasse, a fim de descobrir se ele a estava traindo ou não. A verdade previsível? É claro que sim. O problema era que esse maldito professor do ensino médio, estava a traindo com as alunas dele. E fale de ameaça a sociedade.
Ah puta que pariu, pau no cu do caralho. Para de falar, minha cabeça tá explodindo e você só tá piorando essa porra - corta, com pura impaciência, confundindo-se com os idiomas, e começando a falar em português, sua língua materna, antes de perceber o que estava fazendo e se corrigir para voltar a falar um inglês meio quebrado, devido sua irritação. contém o impulso de chutá-lo outra vez, colocando-se de cócoras para observar o homem gemendo de dor com o golpe que havia recebido, encarando-o com desprezo. Ela apoia os cotovelos nos joelhos dobrados, ajeitando o boné em sua cabeça novamente, antes de encará-lo com atenção. Andrews está vermelho, o rosto em uma mistura de vergonha, raiva e frustração, e tem claramente alguns arranhões frescos em seu rosto. bufa consigo mesmo, um sorriso torto surgindo por seus lábios, quase discretamente demais para ser percebido, enquanto ela supõe que, ao menos, Genevieve havia conseguido acertá-lo onde o doía mais: sua aparência. Bom para ela. — O que você quer, seu merda?
— Vadia!
sorri, erguendo uma sobrancelha.
— Ótima habilidade de observação, mas redundante — aponta com escárnio, divertindo-se sombriamente com a tentativa de ofensa daquele homem miserável. Não porque tivesse algo contra ele, apenas o fazia por passatempo. Palavras eram apenas palavras quando você não se importava. E … bem, fazia muitos anos que ela havia se importado com algo. — Vou assumir que toda essa tentativa de intimidação é por causa das fotos? Sabe, se vai trair a sua mulher com uma garota de 16 anos, que tem idade para ser amiga da sua filha, pelo menos, e ênfase no pelo menos, tenta ser discreto sobre, sabe? Fecha as janelas, cronometra entradas e saídas, evite câmeras e, não sei, encontre alguém que esteja na idade legal para ter sexo com você, não uma criança. - oferece um sorriso repleto de escárnio, encarando com uma ponta de diversão o homem ficar ainda mais vermelho que antes e gaguejar para tentar se defender. Em outro momento, ela teria se divertido muito em ver ele lutar para encontrar justificativas plausíveis, apenas pelo prazer de vê-lo escorregar em seus argumentos, e recusar-se a admitir o que todos sabiam: ele era medíocre. Uma desculpa patética de covardia que sequer merecia o nome que carregava. Mas porra ela só queria se livrar dele o quanto antes e continuar seu caminho até o porto. Não conseguiria começar seu dia se não estivesse com as merdas da pílulas a seu alcance, e, certamente, não iria conseguir dormir. — Corta a baboseira, parceiro, vai direto ao ponto.
— Eu ordeno que me dê as fotos sua puta! É o mínimo que você pode fazer por destruir meu casamento e minha carreira! ——— Rosna Andrews, tentando parecer corajoso. Mas conhecia monstros piores e muito mais assustadores que ele. Porra, ela era um monstro pior e mais assustador que a merda de um idiota que não conseguia manter seu pau dentro da calça quando via crianças. estreita os olhos, inclinando a cabeça suavemente para a direita, de maneira quase felina, enquanto os olhos se fixam firmemente no rosto de Andrews, analisando-o com cuidado, perigosamente inexpressiva, sem revelar uma emoção além dos desprezo característico que ela tratava a tudo e a todos.
— E eu faria isso porque…? - questiona, erguendo uma sobrancelha ao observá-lo com mais atenção ainda. Estava blefando, e isso não era sequer um questionamento, mas de repente considera as possibilidades por um segundo, imaginando que havia uma quantidade de dinheiro considerável que ela poderia usar para extorquir do maldito patético homem antes de se livrar dele. Além disso, querendo ou não, Andrews estava fodido, e nem havia percebido. não se considerava uma justiceira, muito menos estava inclinada a fazer algo de graça apenas pela bondade e bom moralismo. Não. Foda-se aquela merda. Mas, bem, ela tinha as fotos, e era claro para qualquer um que o juiz não demoraria muito para começar uma investigação criminal, já que seria pressionado, e estavam em época de eleição. Andrews havia atirado na própria cabeça, ela só estava entregando a arma.
— Porquê… porquê… porquê… porque é uso indevido de imagem! - Ele cospe, desesperado. franze o cenho com uma ponta de desprezo. Mais do que a hipocrisia, ela detestava a fraqueza que exibiam. Pessoas que não levavam suas posturas de merdas até o fim. Chame-a do que quiser, mas era uma fã assídua de consistência. Se você era um filho da puta, então que fosse até o fim, sem arrependimentos, ou julgamentos. Ela contém a vontade de rir, apertando os lábios em uma linha, enquanto estreitava os olhos, observando a oportunidade que se abria à sua frente. Andrews, agora, estava chorando. coloca-se de pé com um movimento econômico e elegante. Se ela tivesse ao menos um coração… - ! Escuta! Escuta! Eu faço qualquer coisa, qualquer coisa! Se Gen... se Genevieve apresentar essas fotos para o júri, eu não vou só perder tudo, minha carreira, meus filhos, eles… eles vão me mandar para cadeia! Sabe o que acontece com alguém indiciado por esse tipo de coisa… eles vão… eles vão… só me diz o que você quer, e eu faço! Eu prometo! Qualquer coisa!
— Implora.
alarga seu sorriso quando o vê se postar de joelhos à sua frente, realmente implorando, mas ela segura a risada. Por Deus, ele era mais patético do que ela havia imaginado que ele fosse capaz de ser. E agora, haviam pessoas que havia presenciado o desespero dele. Uma confissão, para todos os efeitos, não havia como ele negar se ele estava desesperado daquela forma. Como sempre, havia apenas entregado a arma para Andrews, ele quem havia puxado o gatilho. Idiota de merda. Os olhos de repousam por um breve momento nas câmeras que permeiam a rua, antes de voltar sua atenção para Andrews, desesperadamente tentando segurar os pulsos dela, como se fosse capaz de fazê-la compadecer-se. Mas bem, ele mesmo havia dito. Ela era só uma vadia.
— Por favor,
— Não. - diz calmamente, ajeitando a lapela de sua jaqueta de couro, antes de distraidamente examinar suas unhas com uma expressão contemplativa. Ela simplesmente odiava quando o esmalte descascava, simplesmente porque tinha algo dentro de si mesma que a impedia de retocar o espaço descascado; em vez disso, ela iria descascá-lo até que ficasse com a unha limpa novamente. Ela revira os olhos, arrancando um pouco do esmalte distraidamente com o canto da unha de seu polegar, antes de dar de ombros, com desdém para o Andrews, patético, ajoelhado e chocado com a recusa dela. Pessoas se sentiam tanto no direito de serem ajudadas após dizerem por favor. Como se ela fosse ajudar alguém... - Se quer as fotos originais, Sr. Andrews, seja esperto, me ofereça a quantia certa, e serão todas suas. Simples assim. Se não tem o dinheiro, não se incomode em vir atrás de mim - resmunga com desinteresse, indicando com o queixo na direção dele, antes de fazer menção de voltar a andar. Mas então, ela para. Estreitando os olhos e assumindo uma postura mais firme, perigosamente alerta. - Tenta de novo essa merda comigo, e vai acabar morto. E isso não é uma ameaça, é um aviso. Mantenha isso em mente, garotão.

•••

Na 6 St Anns Square ficava a antiga igreja St Ann’s. Um prédio consideravelmente grande com dois andares, e uma torre com um relógio ao lado da entrada da igreja. As paredes de tijolos evidenciaram a passagem de tempo, deixando os tijolos escurecidos, criando padrões irregulares, de tijolos desbotados, escurecidos e avermelhados recém trocados. Musgo espalhava-se nos cantos do gesso que decoravam as paredes. A porta dupla de madeira estava fechada, mas conseguiu ouvir o barulho suave do canto gregoriano enquanto empurrava-a para frente para abri-la. O cheiro de mirra e incenso atinge o rosto dela, fazendo o nariz dela arder enquanto os olhos dela percorrem o ambiente interno, observando os vitrais coloridos e elegantes, com imagem de santos que ela não conseguia acreditar e um deus que, se fosse real mesmo, estava longe de ser a concepção de uma criatura gentil, misericordiosa e amorosa. Quer dizer, chame-a do que quiser, mas se existia um deus a quem contavam ser: onisciente e onipresente, e via toda a desgraça e sofrimento que envolvia o mundo e não fazia nada, ou este não era onisciente, ou onipresente, ou, simplesmente não se importava. E se não se importava, significava que era apenas um desgraçado cruel como qualquer outro. Para que temer o inferno quando o paraíso parecia igualmente uma punição?
Mas não estava ali para orações, tampouco para buscar perdão - aquele navio já havia saído do porto há muito, muito tempo para ela. Não, longe disso. Estava ali por uma pessoa, e apenas isso. Ela aperta os lábios em uma linha tensa enquanto os olhos dela percorrem pelas fileiras de bancos de madeira escura. Pilares brancos se projetam nas laterais, levando ao segundo andar da igreja, e há imagens de santos de pelo menos um metro de altura de alguns momentos sacros, como a crucificação, a morte de cristo e outros momentos que genuinamente não tinha interesse algum de observar. exala por entre os dentes trincados, caminhando em direção a um púlpito largo próximo de um dos pilares brancos arredondados da igreja, observando a fileira de velas acesas. solta um riso baixo, desdenhoso e desagradado. Não eram velas de verdade, mas simulavam velas acesas, e para acendê-las, era necessário colocar algumas moedas. revira os olhos, retirando algumas moedas do bolso de sua jaqueta de couro, e então coloca uma por uma na pequena fenda no canto, a fim de ascender ao menos uma vela.
Mesmo que ela não acreditasse naquele tipo de merda, isso não significava que ela não poderia deixar de aproveitar aquilo a sua vantagem. Estava comprando tempo, tentando encontrar a melhor linha de ação para a situação em mãos. Anos nas Forças Especiais ao menos teriam que lhe servir algo. Mas estava falando de Ziyad Karam. Os olhos dela repousam nas costas do homem grisalho, calmamente lendo um livro pequeno enquanto a mão direita permanecia enrolada em um terço. Para todos os efeitos Karam era um homem comum. Evidentemente elegante e com uma postura impecável, que parecia evidenciar privilégios de uma vida que estava além da compreensão de . Quer dizer, ela lembrava-se de ter crescido em uma favela, e então… bem, então havia sido apenas um puro e desesperador pesadelo do qual ela tentava a qualquer custo esquecer. Ziyad Karam usava as roupas nos melhores cortes, das maiores grifes, não porque desejava ostentar seu dinheiro, mas simplesmente porque o dinheiro que possuía lhe comprava a autonomia de vestir-se discretamente, em ternos requintados que evidenciaram seu poder, mas que eram simples. Passavam a mensagem que desejava: efetividade. Os cabelos crespos agora já estavam todos brancos, mas apesar disso, e de algumas linhas de expressão em seu rosto, Ziyad Karam permanecia impecavelmente mais jovem do que deveria. Os óculos estavam presos na ponta de seu nariz enquanto ele entoava a oração, concentrado. Ele deveria ser mulçumano, mas era católico romano. Ele deveria ser letal, mas era um avô dedicado e presente. Ele deveria ser apenas mais um merda fanático que buscava justificativas divinas para a bunda desamparada de sua recusa a aceitar sua própria insignificância - porque todos eram insignificantes, apenas sacos de carne e água, à espera de uma falha para virar uma pilha de vermes, no entanto, era Doc, a porra do dono daquele país. Líder não apenas uma gangue, mas uma máfia inteira. O melhor no que fazia, é claro, porque se havia algo que Ziyad Karam não aceitava, era mediocridade.
hesita por um segundo, voltando a encarar as velas à sua frente, com uma sensação de desapego emocional crescente. É como se ela estivesse amortecida demais para sentir qualquer coisa que não fosse apenas um puro vazio. Uma indiferença profunda que se projetava como veneno por sua mente, mas que, a essa altura, era só um local familiar para ela. Ainda assim, naquela breve fração estúpida de segundos, ela sente-se tentada a fazer uma prece. Uma prece para Beatriz. Tentada a ver se, talvez estivesse errada, talvez, onde quer que a irmã gêmea estivesse, se era possível que… se Beatriz era capaz de… umedece os lábios secos, balançando a cabeça discretamente, de maneira negativa, praguejando consigo mesma. Estava sendo idiota, e perdendo tempo. Por anos, quando era pequena, havia esperado encontrar um maldito herói, e tudo o que havia recebido em suas mãos em troca por suas súplicas era apenas sangue, terror e uma constante contagem. Nada mais. Nenhum herói veio, e tampouco viria agora.
A verdade nua e crua? O mundo era uma merda, e as pessoas, piores ainda.
— Considerando que não é sequer uma devota, e muito menos alguém capaz de arrependimentos, , teria mais sucesso jogando moedas em uma fonte, do que aqui - A voz de Karam ecoa pelos ouvidos de de maneira baixa, concentrada e pomposa. O sotaque britânico pesado, de alguém que vivia no Chelsea, em Londres, e não em Manchester, e tampouco fazia parte de uma máfia. Mas as aparências nunca eram realmente o que apresentavam, eram? Os estalos do sapato de Karam contra o assoalho de madeira da igreja antiga param um pouco mais atrás dela, e une as sobrancelhas bem marcadas, em uma expressão defensiva, apesar de tudo. - Pensei que havia sido claro a você que não desejava mais ver o seu rosto outra vez, e, no entanto, aqui está você, parecendo uma merda, mas ainda respirando. Eu quero saber o porquê?
, dá um passo para trás, afastando-se do púlpito largo com as velas de mentira, e então volta-se para encarar Karam no fundo de seus olhos. Ela enfia as duas mãos dentro dos bolsos de sua jaqueta de couro, inclinando a cabeça para o lado, enquanto o avalia por um longo momento. Karam não se dá ao trabalho de sequer encará-la, ele sabe que ela não irá lhe fazer nada, estava em seu, teoricamente, contrato para ficar ali, mas ainda assim por um segundo, ela considera as possibilidades. Quebrá-lo seria fácil, até demais. Para alguém da idade dele, bastava dois golpes bem colocados na altura de seu abdômen, e um golpe na cabeça, e ele provavelmente teria algum ferimento irreversível no cérebro e estaria morto. Mas, igualmente, matá-lo seria a coisa mais idiota que ela poderia fazer, então trinca os dentes com força, assente para si mesma, tentando lembrar-se das regras que Edgar a havia ensinado desde que ela tinha oito anos.

Não cague onde você não tem a porra de um pano para se limpar.
— Meu remédio acabou. Preciso demais. Cortez é o único fornecedor nessa merda de cidade, mas ele responde a você - diz de maneira tensa, escolhendo as palavras com cuidado, enquanto fazia uma careta consigo mesma, ao dizer remédio, mas sem outra alternativa senão usar a palavra, ao menos ali. Ela revira os olhos quando Doc solta um chiado por entre os dentes dela, em advertência ao palavrão que ela diz. não se importa, mas igualmente não deseja chamar atenção para si mesma. Então, dá mais um passo para trás, dando espaço para que Karam possa se aproximar do púlpito com as velas, observando-o como um gato, atenta e tensa. Há uma ponta de desprezo nos lábios de Karam, e não pode deixar de sentir uma pontada direta em seu ego. O golpe é certeiro, e a faz sentir raiva imediatamente. Não por Karam ou pelo desprezo dele, mas por encontrar na expressão de Karam, o espelhamento do que ela pensava sobre si mesma. E puta merda, como odiava a sensação. O fracasso. A falha. O reconhecimento de que era desprezível e deplorável. Tão patética quanto. Mas obriga-se a engolir a frustração e a raiva, porque mais do que um ego ferido e orgulho de merda, ela precisava das pílulas.
— Por favor, você não precisa escolher suas palavras comigo. Sua metanfetamina acabou e, como qualquer outra viciada, você está desesperada por mais, mas suas ações a colocaram em uma posição desvantajosa comigo - Karam diz calmamente, com sua indiferença característica, e luta consigo mesma para não ceder a parte ruim de sua personalidade e estragar ainda mais as coisas. umedece os lábios, engolindo em seco, mas não o responde ao comentário de Karam. Karam para a frente do púlpito largo com as velas falsas, e por um breve momento, parece se esquecer de tudo que não seja sua prece. o observa com uma careta, desdenhosa, quando o homem leva as duas mãos em direção ao próprio rosto, unidas, fazendo uma oração baixa demais para se importar em tentar ouvir; ela admira a hipocrisia. O terço enroscado na mão dele, as contas de madeira contrastando com o prateado do metal das correntinhas que as prendiam no lugar, a cruz, igualmente prateada, oscilando para frente e para trás em uma quase zombaria. Então ele faz o sinal da cruz, tocando a testa, a barriga, e então os dois ombros, antes de retirar algumas moedas e acender ao menos quatro vê-las. Uma para sua filha, Catherine, e três para seus netos. Um menino, duas meninas. poderia ser muitas coisas, mas era uma boa investigadora. Os olhos dela não se desviam de Karam nem por um segundo. Ela o observa ajeitar a lapela de seu terno de grife em um corte excepcionalmente adequado e perfeccionista, antes dos olhos dele voltar a fixarem-se no seu. Ela não se deixa intimidar, mesmo que se tensione, permanece firme, sua expressão cuidadosamente estoica. - Agora, você veio até aqui afim de descobrir se eu teria um trabalho para você tentar se redimir. Minha pergunta, querida, é a seguinte: por que diabos eu precisaria de você?
— Porque eu ainda sou a melhor que você tem a disposição, Doc - diz com um tom de voz baixo, cauteloso. Não era que ela gostasse de ser arrogante, a verdade era que isto, no fim das contas, acabava como uma falha fatal para ela mesma, mas em determinados momentos, quando estava desesperada e não tinha mais escolha, ela precisava apelar, e isso significava lembrar a todos porque a chamavam de Butcher, no exército. cruza os braços por sobre os seios, trincando a mandíbula com força, sem perceber que estava prendendo a respiração instintivamente. Os olhos dela acompanham os mínimos movimentos de Karam, a espera de uma reação mais perigosa, uma reação explosiva, mas esta não vem. Ziyad Karam, apenas a encara em silêncio por alguns segundos, antes de deixar uma risada alta, intrigada, escapar por seus lábios. exala por entre seus dentes cerrados.
— Agora, isso é desespero.
não nega. Ele tinha um ponto. E por mais que ela desprezasse a ideia de ter que rebaixar-se a alguém como Karam, ou pior, ver-se prisioneira das vontades de outro idiota maluco com problemas de ego, pouco ela poderia fazer quando a pessoa que era responsável pela distribuição dos remédios que ela costumava a tomar para dormir e a metanfetamina vinha justamente dele. morde o interior de suas bochechas, observando por um momento, distraída, alguns idosos que se espalhavam pela igreja. Era consideravelmente curioso que, quando de cara com a própria mortalidade, todos encontravam algum tipo de fé. Neste aspecto, supôs que estivesse quebrada, porque havia ficado diante da morte muitas vezes, e em nenhuma vez encontrou algum tipo de espiritualidade, pelo contrário, havia apenas raiva. Uma revolta profunda e enlouquecedora, que a sufocava em momentos de vulnerabilidade. Ela queria colocar fogo no mundo inteiro, ela queria morrer e lutar com o próprio demônio, se isso lhe garantisse a possibilidade de ser vingada. Por tudo o que havia passado, mas no fim, isso sequer importava? Era uma causa perdida de começo, e a essa altura, ela estava cansada demais para sequer considerar fazer algo além de sobreviver.
— Qual é o trabalho? - É tudo o que ela pergunta, e pela primeira vez, durante a conversa toda, quando Karam a encara novamente, há um mínimo sorriso preso em seus lábios, satisfeito. odeia o que .


Capítulo 2

AGATHA | AGORA
Manchester, Inglaterra.


Sua cabeça estava explodido, e não havia nada que ela pudesse fazer para evitar.
Talvez fosse o ritmo insuportável, alto e marcado do techno eletrônico que ecoava pelo espaço, o bass tão marcado que conseguia sentir as vibrações pelo corpo inteiro, reverberando pelos dentes trincados e pelo crânio dela. A sensação de estar sendo sufocada, piorando em escalada ao observar pessoas dançando no meio da pista com luzes estroboscópicas, esfregando-se uma nas outras como se estivessem em algum tipo de transe. Strippers retirando sutiãs ou demonstrando suas habilidades com tassels vibrantes presos em seus mamilos, ou jogando os cabelos de um lado para o outro. Alguns idiotas em uma mesa cheirando cocaína, ou apenas bebendo até esquecerem seus nomes. Ou se era a merda da fadiga causada pela abstinência começando a afetá-la com mais intensidade. Sua boca estava amarga, os lábios secos, suas mãos tremendo enquanto ela segurava com mais força o copo de cristal com a gin tônica. Este era o problema de precisar daquela merda de remédio: os fantasmas que a seguiam se ela não o fizesse.
Os olhos se estreitam enquanto registram o fluxo contínuo de pessoas de um lado para o outro na boate, Boca do Inferno. Há uma sensação vertiginosa de desprezo dentro do peito de , que não consegue impedir de ao menos soltar um resmungo inteligível de desprezo quando alguém tenta aproximar-se dela. Não estava interessada em uma noite sem compromisso, especialmente porque não tinha paciência para lidar com outra pessoa que não fosse ela mesma, mas era mais do que isso, estava a trabalho ali. Não poderia foder as coisas à toa. Não desta vez. leva o copo em direção aos lábios dela, virando de uma vez, sentindo o álcool aquecer sua garganta enquanto suspirava pesado, exasperada consigo mesma.
Cortez - Karam diz simplesmente, pegando um folheto do púlpito com um interesse desdenhoso, enquanto apalpa distraidamente o bolso interno de seu casaco, em busca de seus óculos. analisa com cuidado a expressão do negro, as sobrancelhas se unindo enquanto ela registra o que ele havia dito. Puta que pariu! Se alguém lhe dissesse uma semana atrás que conseguir os remédios que ela precisava para continuar ao menos desligando a parte do cérebro dela que a matava todos os dias contaria com matar a pessoa que ela mais detestava, teria mandado você se foder e teria rido sozinha por horas. Não era apenas o universo rindo de sua cara, era Karam agindo estranhamente com um propósito que ela ainda não havia conseguido descobrir e isso, bem, isso era perigoso.
umedece os lábios com a língua, sem conseguir conter um pequeno sorriso que surge por seus lábios, petulante, e ao mesmo tempo, incrédula com o que ela escuta.
— Não me olhe assim, querida, ingenuidade não lhe cai bem.
— Pode me culpar? Quer dizer, é uma reviravolta no mínimo interessante - diz com um tom de voz divertido e ao mesmo tempo, cético. Era difícil comprar o que Karam estava falando quando sabia, em primeira mão, que, talvez, Cortez, o cafetão e dono de uma das divisões de Karam na cidade, responsável por redistribuir a cocaína e outras drogas nos quarteis mais leais de Karam, poderia ter feito para irritar o Rei do Crime da Inglaterra. cutuca o canto de sua boca com a língua, assentindo lentamente enquanto seu cérebro, acelerado pela tensão, adrenalina e fadiga da abstinência tentava compreender o que diabos estava acontecendo e porque Karam queria que matasse Cortez. cruza os braços por sobre os seios, trocando o peso de perna enquanto inclinava um pouco a cabeça para o lado, os olhos estreitados, atentos. Era uma armadilha. Não para Cortez, mas para . — O que ele fez? — questiona estrategicamente, fingindo-se de curiosa, mas ciente de que Karam não iria comprar seu falso interesse em algo que não lhe dizia respeito. Ainda assim, ela estava familiarizada com o prospecto daquele jogo, com as palavras doceis que se deveria dizer para conseguir extrair a informação necessária. dá de ombros singelamente deixando-se recostar em um dos pilares da igreja, observando atentamente Karam, tentando encontrar a abertura em sua postura impecável que lhe revelasse alguma coisa. Qualquer coisa... — Qual é, Karam? Se quer que eu o mate, pelo menos pode me dizer o motivo pôr o fazer.
— Como a putinha dos militares, eu presumi que você, de todos, não precisava de um motivo para matar alguém, , apenas seguir a ordem que lhe foi dada. Eu me equivoquei desta vez? — Karam responde de maneira cortante. obriga-se a morder sua língua para controlar sua raiva, que imediatamente espalha-se por seu corpo como uma onda quente e sufocante de fogo por suas veias. O gosto de seu próprio sangue é pungente por sua boca. precisa admitir, o filho da puta sempre tinha uma boa resposta para tudo, e àquela, igualmente, não mostrava apenas controle sobre ela, mas como igualmente um certo conhecimento que aterrorizava . Seu passado precisava ficar enterrado. tenciona a mandíbula com força, sustentando o olhar de Karam enquanto algo nele parece procurar alguma coisa em seu rosto. Ela se obriga a manter-se estoica. Obriga-se a reforçar aquela parede que a separava dos outros, que a prendia e a isolava de todos os outros, ciente do que significaria expor vulnerabilidade naquela merda de mundo que ela vivia. E todavia, ela não consegue impedir-se de afundar naquela maldita memória. Instintiva como o ato de respirar. lembra-se do maldito porão. Das paredes escuras e opressoras a sua mente, obscurecidas pelo mofo e manchas de sangue seco. Do cheiro pungente de merda, urina, sangue e carne putrefata de dias, sufocando-a lentamente. Acima de tudo, do silêncio gritante que ela simplesmente não conseguia fugir, não conseguia abafar por mais que tentasse, a tensão que pairava no ar enquanto ela se encolhia a qualquer ruído que pudesse ser ouvido do outro lado da porta. O desespero para conseguir alcançar a mão de Beatriz apenas para encontrá-la rígida, fria, imóvel... — Veja como um teste. Você estará provando para mim até onde a sua lealdade está, se é que algum dia você foi capaz de compreender o significado dessa palavra.
— Agora me ofendeu.
— E me ofende você agir como se você não soubesse que eu a conheço, - Karam corta bruscamente. Ela não se move, mas observar Karam deliberadamente caminhar em direção dela, a coloca, imediatamente em um estado de alerta gritante. Ela se obriga a permanecer parada, mesmo que seu corpo inteiro grite para que ela corra para o mais longe que ela conseguir. inspira fundo, prendendo a respiração quando Karam para frente de frente a ela. — Você é uma vadia egoísta que não se importa com ninguém além de si mesma, e tirando por sua óbvia covardia natural para lidar com situações complexas, você é boa em resolver o problema. - estreita os olhos ao tentar absorver a expressão impassível de Karam, mas então, o velho deixa um sorriso discreto, quase imperceptível de ser compreendido surgir por seus lábios. nunca sabia o que era pior, naquelas situações: quando Karam a ameaçava, ou quando ele sorria. — É por isso que eu gosto de você, . E é por isso que você irá fazer o que estou pedindo, sem mais questionamentos e hesitações. Estamos claros?
inclina a cabeça suavemente para a esquerda, considerando o que iria responder para Karam. Uma palavra em falso poderia colocar a cabeça dela a prêmio, e, honestamente, aquilo era a última coisa que ela desejava no momento. engole em seco, movendo sua mandíbula enquanto colocava suas duas mãos atrás de suas costas, em uma postura militar de sentido. A postura, a essa altura não passava de um eco instintivo, padronizado em sua memória sempre que aquela parte de si mesma, a parte que havia aprendido a servir e agir como soldado primeiro e depois questionar, despertava-se.
— Entendido?
— Sim, senhor
.
repousa o copo dela novamente sobre a bancada, inspirando fundo uma única vez, como se estivesse tentando se preparar mentalmente para o que vinha antes de se endireitar, estalando o pescoço. Porra ela estava travada para cacete o dia inteiro.
Merda. Ela odiava assassinatos.
Não porque ela tivesse algum tipo de moralidade de quinta em que matar era errado ou algum tipo de pecado - sejamos honestos, se houvesse uma maneira de gabaritar pecados, a essa altura, já estaria no final da lista, ou algo que não deveria fazer, longe disso. Era o trabalho que dava para matar. O trabalho que dava para localizar a vítima, então acertar um ponto vital sem fazer muita bagunça quando o sangue começasse a se esvair, porque, você faria bagunça se não tivesse completamente certeza de onde acertou. inclina sua cabeça para trás, em um martírio pessoal antes de preparar-se. Prontos ou não, lá vou eu. Eh, como se eu tivesse a porra de uma escolha, ela pensa.
desvia dos corpos dançantes perceptivelmente alucinados, puxando o capuz de sua jaqueta para cobrir sua cabeça e rosto, permitindo-se ser guiada apenas pelo movimento de terceiros, enquanto os olhos dela percorriam por todo o espaço. O cheiro de açúcar queimado, plástico, álcool, suor e fluídos corporais era pungente o suficiente para fazer o nariz dela arder, ou o ar estava apenas seco mesmo. desce algumas escadas, virando à esquerda, aonde a boate e bar se transformava em uma sequência de corredores apertados com inúmeras portas. Algumas estão completamente abertas com pelo menos oito corpos se movendo em sincronias um contra os outros, em um frenesi em busca de gozar o quanto antes; outras, estão completamente fechadas. Gemidos altos, suspiros, choramingo e engasgos ecoam, com corpos se movendo em sincronia. Uma pequena explosão de um homem amordaçado, se projeta para fora da porta a esquerda dela. Com a máscara de um coelho suja, e sem mais roupa nenhuma, com marcas nas costas de algum tipo de chicote e sua ereção na mão, ele passa por , empurrando-a para fora de seu caminho enquanto corria quase que por sua vida. Seguindo-o, um pouco atrás, algum filha da puta com calça de couro apertada, de cós baixo, com ombros largos e a máscara de lobo presa em seu rosto, ocultando completamente a visão que poderia se ter. Caminhava calmamente na direção do coelho em algum tipo de roleplay de caça, o que até seria apelativo, se não fosse esquisito para porra. Quer dizer, quem era ela para julgar fetiches, certo? Ah sim, a filha da puta que havia visto, então, ela meio que se sentia no direito de julgar de qualquer forma. revira os olhos, de tudo o que provavelmente estava acontecendo ali, “caça” não era exatamente o mais diferente ou surpreendente. Ainda assim, não são os corpos nus que chamam a atenção dela, e tampouco os rostos desconhecidos, apesar de parecerem ser o tipo de rostos que frequentavam lugares caros, e não as favelas e bares horríveis no sul da cidade; tampouco algumas prostitutas ainda dançando ou se esfregando em algum cliente em uma sala separada, e muito menos a música que martelava em sua cabeça de maneira pulsante e incomoda. Não. Não, longe disso, o que havia chamado a atenção de era o cheiro.
Sândalo, pimenta, cigarros e couro.
Familiar. Familiar demais, puta que pariu... une as sobrancelhas, inclinando a cabeça suavemente para o lado, e então lança um olhar desconfiado na direção da única outra alma viva que caminhava na direção contrária a qual ela estava seguindo no corredor, voltando de onde ela estava prestes a chegar. Suas roupas eram caras e elegantes, usava peças de grife, apesar de não terem marcas, calça de alfaiataria, sapatos italianos, anéis de ouro branco e prata espalhados pelos dedos longos e grossos; o relógio caro no pulso direito parecendo custar pelo menos a vida inteira de naquela maldita cidade. Usava uma blusa de manga longa, arregaçada nos antebraços fortes e firmes, exibindo algumas tatuagens que cobriam centímetros e mais centímetros de pele visível, a gola alta ocultava quaisquer visões que pudesse ter do pescoço, ou mandíbula dele, mas ela podia ver com facilidade os cabelos dele, longos, , estranhamente familiar. Ela já havia visto aqueles cabelos antes, a maneira com que caiam por sobre as orelhas, um pequeno brinco de argola preso na orelha esquerda. Havia algo de errado ali, muito errado.
O desconhecido usava uma máscara de Onni, vermelha escura, a bocarra larga com duas presas curvadas para cima, de uma tonalidade marrom clara, enquanto a parte inferior da borraca exibia apenas dois dentes menores. Os chifres, dois, um de cada lado, partindo das têmporas, se curvava para cima com pelo menos cinco centímetros de altura, tingidos de preto. Não eram as mesmas máscaras que os outros usavam naquela merda de lugar, esta não era simples. estreita os olhos, tencionando a mandíbula com força, enquanto ela passava pelo mesmo, os ombros esbarrando levemente com o movimento, mas não chegando a se tocarem. Há algo nele que a deixa não apenas desconfiada, mas insegura. A maneira com que os olhos dele, intensos, parecem familiar sob a iluminação precária do corredor estreito, fixando-se no rosto dela como se pudessem ler sua alma com facilidade, a maneira com que se estreitam e à cabeça se inclina um pouco para o lado, acompanhando fixamente os mínimos movimentos de , fixos, quase vidrados, enquanto ela passa por ele.
E o maldito cheiro... de onde ela o conhecia?
Merda...
Só havia uma resposta para aquilo, e era simples: ela estava alucinando outra vez.
Puta que pariu, sorte do caralho, merda, vai tomar no cu essa desgraça dos infernos! Ela precisava da porra do remédio logo! balança a cabeça como se quisesse tentar clarear seus próprios pensamentos antes de descer mais algumas escadas. Talvez fosse seu cinismo, o calcanhar de Aquiles aqui, ou as próprias alucinações causadas pela a abstinência, pouco poderia saber ou compreenderia no momento, mas se ela tivesse verificado por uma segunda vez seu ombro direito, teria percebido que o homem em questão, havia parado de andar no segundo em que ela havia passado por ele, acompanhando-a com os olhos desaparecer sala a dentro. Os punhos do mesmo se fechando com força, os nós dos dedos ficando pálidos. Perigo.
se depara com um grande salão aberto. Duas paredes e o teto eram feitos de piscinas com fundos transparentes, refletindo as mulheres e homens nus que nadavam por entre a água tingida de vermelho. engole em seco, sentindo os músculos de seu corpo se tencionarem, enquanto sua garganta ficava subitamente seca. Merda, ela odiava como aquilo parecia mais sangue do que água, maldito Cortez! tenta imediatamente ignorar a sensação de desconforto crescente, ao notar o reflexo da água vermelha espiralando ao redor, mas não consegue desligar a parte de seu cérebro que desperta ao fundo de sua mente a memória enterrada a camadas e mais camadas de tentativas de esquecer a verdade. O restante das paredes são feitas de espelhos. Luzes neon se espalham pelo chão, igualmente vermelhas, estranhamente mais claras do que deveria ter sido a intenção, mas não mudava o fato que estavam ali para acentuar um pouco mais o ambiente, merda. Havia até gelo seco espiralando pelo espaço, como se fosse necessário oferecer ambientações também para uma orgia. Algumas camas se espalham pelo espaço com mais ou menos 3 a 5 pessoas se movendo em sincronia. Duas strippers dançam ao ritmo marcado da música, agora mais lenta e sensual, deslizando e girando em bastões de ferro, igualmente mascaradas de pombinhas ou coelhos. Outros mascarados de cervos, patos, porcos, bois, macacos e até mesmo pandas, permaneciam em gaiolas suspensas no chão, enquanto um pouco mais ao fundo, no centro de tudo...
Cortez.
E lá estava o grande filha da puta, huh?
Sentado na porra de uma cadeira como se fosse um trono pessoal, enquanto assistia a cena com uma fascinação idiota presa no rosto. As calças amontoavam-se nos calcanhares dele, enquanto a mão acariciava para cima e para baixo sua ereção, enquanto assistia as cenas ao redor. Maldito voyeur. Mas quem era para julgar o fetiche alheio? Bem, a idiota que estava presenciando-o, certo? Então, nesse caso, ela se sentia sim no direito de julgar. bufou consigo mesma, um sorriso amargo surgindo por seus lábios, enquanto ela voltava sua atenção para uma garrafa de vodca abandonada sobre uma das mesas de apoio do espaço, cheirando instintivamente por um breve momento, tentando identificar se havia algum tipo de droga ali, já que manchas de pó branco se espalhavam pela mesa que ela havia encontrado a garrafa, mas não havia nada. Com uma careta, irritada consigo mesmo, ela a vira, sentindo o álcool queimar por sua garganta e aquecer seu corpo inteiro. Não era o suficiente, mas bem, uma ótima maneira de começar a funcionar.
— Não se cansa de ser patética, gatinha? - Beatriz sussurra no ouvido direito de , perigosamente real dessa vez. Ecoa como um ronronar, e, ao mesmo tempo, o ruído de unhas contra uma lousa. Arrepia os pelos da nuca dela, e envia uma onda de intensa de adrenalina por sua corrente sanguínea, gélida, como se lascas de gelos se desprendessem do fundo de sua alma e se movessem por seu sangue. Sua boca fica seca e ela tem a sensação vertiginosa de que irá vomitar. aperta com força o gargalo da garrada de vodca, os nós de seus dedos ficando pálidos com a força que ela imprime no gesto, mas não responde. Não é real. Beatriz não está de fato ali. É uma fantasia, ela sabe, mas não menos dolorosa. Uma ilusão causada por sua própria abstinência.
inspira fundo, tentando desligar aquela parte de sua mente, mas a risada de Beatriz, estranhamente desconexa e distante, envia mais uma onda de arrepios pelo corpo inteiro de , a fazendo engolir em seco, tentando desesperadamente encontrar uma maneira de silenciá-la. Pelo canto do olho, pode ver o fantasma de Beatriz sentado em uma das camas, pernas cruzadas, um sorriso afiado enquanto a cabeça dela pendia para a esquerda, em um ângulo não natural. O osso projetando-se para cima, embora, desta vez, Beatriz tivesse a mesma idade que . Os olhos castanhos doces de Beatriz, um completo oposto aos de . Ela prende a respiração, encarando fixamente o espelho.
— Você sabe que Karam te mandou aqui apenas para que você morra, certo? Ele não está querendo seus serviços, gatinha, ele só quer te matar. Você é um problema, para todo mundo, que diabos você achou que conseguiria aqui?
não responde. Ela sabe que Beatriz tem um ponto, e fazia muito mais sentido Karam a ter enviado para sua própria morte naquele maldito inferno, do que de fato, porque ele havia encontrado um resquício de misericórdia e havia oferecido a a chance de ao menos conseguir um pouco mais do remédio que ela precisava. Doc não tinha misericórdia. fecha os olhos com força, ela sabia que era uma armadilha desde o início, mas bem, havia ainda uma parte de sua mente que tinha a esperança de que fosse apenas uma possibilidade. Bem, era o que era, e pouco poderia fazer algo agora, se não executar a ordem que lhe foi dada. Morta ou viva, o trabalho iria fazer, isso você poderia ter certeza.
— Own, e pensar que este é o seu melhor? Que perda de tempo você é, gatinha.
prende a respiração, ignorando as provocações de Beatriz, enquanto marchava na direção de Cortez. O cheiro pungente de sexo, suor e algo estranhamente artificial, incomodando o nariz dela, ao puxar para fora de seu caminho um dos homens mascarados de coelho, observando-o inexpressiva, quando ela acerta com o fundo da garrafa de vodca, a cabeça do mesmo, observando-o desabar no chão, inconsciente. faz uma careta, os olhos dela erguem-se para encontrar os olhos de Cortez, que evidenciam uma surpresa por vê-la ali.
Claro, o cenário não era exatamente apelativo para - havia algo de repulsivo em ver o pau de Cortez tão de perto. força um sorriso verdadeiramente falso para Cortez, sem se importar em prestar um papel na frente de todos, de cordialidade e educação, já que o outro igualmente não era lá seu maior fã, inclinando a cabeça suavemente para o lado enquanto dava de ombros desdenhosamente, com uma ponta de tédio. solta o restante da garrafa no chão, estrategicamente chutando-a para trás, enquanto erguia as duas mãos para cima, para convir uma inocência da qual ela tampouco possuía.
— Impressionante. Quando eu penso que você não pode ficar pior, você sempre consegue me surpreender, Cortez.
Miguel solta um gemido baixo, meio uma risada, meio visível o desconforto, apesar de permanecer cinicamente agindo como se ela não estivesse ali ao recostar-se contra a cadeira que lhe servia quase como um trono pessoal enquanto assistia a orgia, languidamente movendo sua mão para cima e para baixo de seu pau em longas e lentas carícias - se por exibicionismo ou apenas para irritar , era difícil compreender, e tampouco ela poderia dizer que se importava muito com isso. o observa inclinar a cabeça para o lado, observando-a com uma expressão desdenhosa, apesar do sorriso preguiçoso preso aos lábios.
— Puta merda, o que cê quer aqui, hein? Achei que da última vez que a gente conversou, eu tivesse sido claro contigo, se não me desse o que eu queria, não precisava vir aqui.
estreita os olhos, erguendo o queixo levemente em um desafio silencioso enquanto os cantos dos lábios dela quase se curvavam em um meio sorriso desacreditado. Porra, ela odiava assassinatos pelo trabalho, mas o prospecto de finalmente dar a surra que Cortez merecia, era muito, muito tentador. Ainda assim, ela precisava pelo menos descobrir quais eram as intenções de Karam ao mandá-la para morte, e porque de repente Cortez e Karam estavam em lados opostos. Algo não estava certo ali, e não era nem idiota de não descobrir. Não porque faria alguma coisa, na verdade ela só queria saber para conseguir se mandar do meio daquela confusão o quanto antes. Quase três anos escondendo-se naquela maldita cidade, cuidadosamente mantendo-se fora dos radares e agindo pelas as sombras, ela havia se esforçado bastante para foder com tudo simplesmente porque dois idiotas estavam brigando de galo. Ou o que quer que isso significasse, meio que não se importava.
— Eu não vou dar para você, Miguel. Cê não é o meu tipo.
— Vá se foder, . Eu sou o tipo de todo mundo. Além disso, não é sobre comer você ou não, é sobre lealdade. Sobre submissão - Cortez resmunga, o sotaque mexicano levemente mais pesado do que o normal, denotando sua impaciência, fosse por simplesmente vê-la ali, ou por ter que lidar com ela. faz uma careta, com nojo. As merdas que ela tinha que ouvir as vezes... salubridade deveria ser um critério de se estar vivo a essa altura, huh? Cortez inclina a cabeça para trás, estreitando os olhos, ao observá-la. — Cê tá querendo mais do meu remédio né não? Porra, mas aí... ah, , nem mesmo você consegue ajudar a si mesma - Miguel solta uma gargalhada que atinge em cheio a alma de como lâminas em brasas. Sua alma não, pior, seu orgulho. abaixa lentamente as mãos, prendendo a respiração enquanto lançava um olhar ao redor das outras pessoas, tirando um breve tempo para analisá-las com cuidado. Três seguranças camuflados, presos nas jaulas, mas estão atentos. Há mais dois na cama à esquerda, mas assumindo que um penetra o outro enquanto o segundo tem seu pau chupado por uma das strippers que outrora dançava, era difícil que fossem perceber as intenções de até que ela já as tivesse executados. Altos, musculosos, mas não exatamente fortes. Eram mais aparência do que habilidade, e isso era estupido, se não imprudente. A cara de Cortez, huh? Bom. Bom, ela poderia trabalhar com isso. dá de ombros, tentando manter sob controle suas próprias emoções. Não fode com isso, ela pensa consigo mesma, exasperada. Ela queria arrebentar Miguel na porrada? Com certeza, nem por isso ela era estípida para fazer algo sem pensar ou calcular direito todas as possibilidades, engole em seco, dando instintivamente um passo para trás quando Miguel se coloca de pé. Um movimento discreto, quase imperceptível do pulso direito de e a mão dela repousa na pistola automática enterrada no cós de sua calça jeans, atrás de suas costas. Miguel por um segundo permite seu olhar percorrer pelo corpo inteiro de , que se coça para acertá-lo de uma vez. Não, ainda não... — Olha, eu tô me considerando muito bondoso hoje, então vou te dar uma chance de conseguir o remédio que você precisa. Viu? Eu sou um cara muito legal, então vamos fazer o seguinte: Você fica de joelhos agora, e usa essa boquinha adorável para....
A cabeça de Miguel explode.
arregala os olhos, congelando no lugar enquanto leva cerca de um minuto para que ela perceba o que diabos está acontecendo. Um disparo limpo, vindo da sua esquerda, certeiro, bem em sua testa, abrindo um buraco considerável. Sangue se choca contra o rosto de , respingando com alguns pedaços contra a pele dela, quente, pegajoso, e quase teria vomitado se não tivesse um problema maior. Puta merda. Fodeu. Fodeu para um caralho! O corpo de Miguel desaba no chão com um baque molhado contra o chão, e é somente aí que os gritos começam. arregala os olhos, lançando-se na direção do chão, instintivamente rolando por sobre seu ombro esquerdo, afim de desviar de quaisquer ataques vindo de suas costas, arrancando a pistola automática de sua calça e então a empunhando no segundo que ela se volta para trás.
O tempo parece desacelerar ao redor dela.
Sua respiração estava pesada, irregular, e seus ouvidos estavam zunindo. A sensação de adrenalina percorrendo sua corrente sanguínea parecia uma mistura de veneno e gelo, sufocante, acelerando seus batimentos cardíacos ao ponto que ela conseguia ouvir apenas sua pulsação. O tremor que atinge seu corpo é duramente suprido por ela enquanto ela empunhava a arma na direção do maldito homem com máscara de Onni. se tenciona no segundo que a arma se inclina levemente para a direita, agora, mirada na cabeça de , sua respiração se perdendo enquanto ela tentava buscar em sua mente de onde que o conhecia. Não, não, não, porra! De onde que ele era familiar?! De onde ela havia o visto anteriormente?! Ela começa a se questionar, mas então a realização a atinge como uma onda gelada e assustadoramente sufocante. Merda!
Não... não podia ser... mas ele...
E no entanto, lá estava. Os olhos queimando o rosto dela. A mistura de raiva e algo mais sombrio espiralando pelas íris familiares enquanto as pupilas se dilatavam. A postura impecavelmente errada e arrogante, segundando a arma apenas com a mão esquerda, como se o empuxo da arma não fosse nada para ele, os músculos firmes movendo-se por baixo de sua pele, marcadas com as inúmeras tatuagens, os cabelos platinados... merda, merda, MERDA! Como ela poderia ter sido tão idiota de não ter percebido aquilo antes. Ela havia achado que era apenas uma alucinação, mas ali, bem em frente dela, a última pessoa que queria encontrar naquele momento, o filho da puta descarado, maldito e infernal que ela havia jurado nunca mais ver outra vez em toda sua vida, parado a poucos passos de distancia dela, com a arma em mãos, apontando, agora, diretamente para . A merda do homem que havia fodido com a vida dela - de certa forma, depois de tantos anos. Porra, ...
Ele dispara.
solta um grunhido alto, lançando-se para a esquerda, afim de escapar da linha de tiro de , mas não consegue, porque a bala acerta de raspão o ombro direito dela. A arma de escapa de suas mãos. , rosna baixo, tentando conter sua própria raiva e frustração, disparando não na direção de , mas propositalmente na direção das paredes de vidro que compunham as piscinas eróticas e com tingidas de vermelha de Cortez. Gritos ecoam pelo espaço, mas nem mesmo presta atenção nisso. Os seguranças se livram da névoa de seus próprios prazeres ou realidade paralelas, e avançam na direção dos dois, e trinca os dentes com força, porque agora as coisas iriam ficar feias.
A intenção era matar Cortez de maneira limpa e se mandar antes que os seguranças percebessem o que havia acontecido. Isso geraria menos suspeita ao ocorrido, e mais suspeita dentro da própria instituição. Afinal, não importava quem havia matado Cortez quando era praticamente uma concepção pessoal e bem presente que competições sob o comando da parte narcótica das operações de Doc, eram rotativas e disputadas. Sempre haviam alguém disposto a assumir o lugar do predecessor. Era a cobertura perfeita. entrava, matava Cortez, saia, provava um ponto para Karam e então desapareceria novamente — talvez fosse para a Bahia de novo, sua terra natal, talvez fosse para São Petersburgo sem olhar para trás, não importava. Mas não. É claro que não! Porra não! precisava aparecer não é?! Filho da puta desgraçado! E como sempre, precisava fodê-la. Com a atenção dos seguranças agora nos dois, aquilo iria virar uma bagunça generalizada, e quaisquer chances que tinha de conseguir o remédio que ela precisavam, agora, estavam completamente descartadas.
Porra, !
avança no primeiro segurança dos cinco, agarrando-o pela mão e mordendo-o com força, os dentes fincando na carne e arrancando sangue, enquanto ela usa a mão esquerda para tencionar o pulso do segurança, quebrando-o, antes de atingir com violência no meio das pernas, e então apoiando o braço direito sobre o pescoço dele. usa toda a força que ela tem para empurrar a cabeça do segurança contra o encosto da cadeira, empurrando o segurança um pouco para trás, o suficiente para conseguir atingir o pescoço dele, ainda prendendo com a mão esquerda o braço do segurança, antes de passar o braço por cima da cabeça dela, fazendo-o curvar-se para frente e roubar a arma no coldre do segurança. Antes que mais alguém possa reagir, imediatamente dispara nos outros dois seguranças. Acerta consecutivamente: perna do segundo segurança, o peito do terceiro segurança, e então a cabeça do segundo segurança.
solta um grito baixo, girando o primeiro segurança em seus braços para usá-lo como escudo quando mais disparos quase a atinge de relance. arregala os olhos, agora genuinamente irritada. Ela ia matar aquele filha da puta desgraçado! Maldito dos infernos! empurra o corpo do primeiro segurança no chão, no momento em que os olhos dela se encontram com onde está, do outro lado da sala, despachando o último segurança de Cortez com um disparo preciso na cabeça e chutando-o com o desdém de sempre para fora de seu caminho.
Então, tudo fica em completo silêncio.
Tirando pela respiração irregular dos dois, e o eco abafado da música bem marcada pelas paredes, não há mais barulho de nada. trinca os dentes com força sentindo a raiva atingir sua corrente sanguínea como veneno enquanto voltava a empunhar sua arma roubada. Os olhos cintilam como os de um felino enquanto ela sente a raiva, impaciência, frustração e acima de tudo o desejo de vingança percorrer por seu corpo, como chamas, a consumindo lentamente, mas de maneira avassaladora enquanto ela jogava para o inferno a própria cautela e mirava na cabeça de . tenciona a mandíbula com força, observando-o com olhos fixos, intensos, sem deixar escapar nem mesmo os mínimos detalhes de sua postura.
Ela vê tudo.
Como o peito dele sobe e desce pela respiração pesada e irregular, evidenciando uma ponta de exaustão que não deveria estar afetando-o tanto assim - quase sorri com desgosto com a visão. Olha só, se o grande diabo não estava ficando velho a essa altura. Como ele estala o próprio pescoço com um grunhido baixo, antes de endireitar os ombros largos, a maneira com que leva a mão direita em direção ao próprio rosto e arranca a máscara de sua face sem muita cerimônia, jogando-a nos pés de , enquanto seus olhos finalmente encontram-se com os dela. engole em seco, sem perceber que sua respiração se perde em algum lugar de sua garganta por uma fração de segundos, mas imediatamente culpa ao fato dela estar com raiva e desesperada para acabar com a vida do desgraçado. Os dedos de se curvam tentadoramente ao redor do gatilho enquanto ela mantém o antebraço firme, certificando-se de não mover nem mesmo um milímetro sequer que a fizesse perder aquela merda de tiro. Não. Desta vez, estava na porra da mira dela, e a vida dele seria dela.
Era dela. Ele devia a ela, porra!
— Eu vou matar você - A voz de não é mais alta que um sussurro enquanto ela cospe as palavras como se queimassem em sua boca; como se fossem puro veneno. Não é uma ameaça. nunca fazia ameaças, era puramente e simplesmente um aviso. Ela iria matá-lo. Sua respiração está acelerada, e irregular, ela sente os músculos de seus ombros e braços tensos, sentindo o tremor traiçoeiro aumentar gradativamente enquanto ela segurava com mais e mais força a arma. Foda-se que ela estivesse tremendo, suas mãos não estariam.
Os olhos de nunca estiveram mais , quanto naquele momento. A cor profunda parecia se destacar ainda mais com a iluminação avermelhada daquela maldita sala de Cortez, que fazia com que notas de tons calorosos surgirem pelos olhos dele, mas não havia nada de quente em seu olhar. Não, longe disso. Sequer poderia dizer-se que havia uma alma por trás daqueles olhos - como se pudesse dizer quem tinha ou não uma alma. As pupilas dele se contraem antes de se dilatarem, enquanto algo sombrio percorre o rosto dele. odeia o que vê, porque percorre o corpo dela como chamas, seu coração dispara e ela pode sentir a adrenalina deixando-a mais atenta e sensível a tudo ao seu redor. E a pior parte? Ela não consegue desviar os olhos dos dele. Como se tudo estivesse desaparecendo ao seu redor, recolhendo-se a sua insignificância e desmanchando no plano de fundo. E então, há somente a sua frente, e a fúria enlouquecedora em seu peito. E não diz nada, por um longo momento, apenas a encara em completo silêncio. As sobrancelhas grossas dele se unem em uma expressão que parecia espelhar a raiva que sentia, mas havia algo a mais naquele olhar. Algo sombrio. Perigoso. Ameaçador. Como se ele estivesse a acusando de algo. Filho da puta. Se havia um mentiroso ali era ele, não ela. Se sequer tivesse medo dele...
Ele havia envelhecido. Os cabelos agora eram maiores do que antes, na altura de suas maçãs do rostos altas e elegantes, adornando a face dele, ainda . A mandíbula bem pronunciada, quadrada e cortante, agora era coberta por uma camada de barba bem aparada, porém mais grossa do que no passado, e talvez, fosse a iluminação, ou talvez seja simplesmente porque era boa em memorizar pequenos detalhes, mas, em meio ao tom levemente mais escuros de seus pelos faciais, ela podia ver alguns fios grisalhos já. Não muito, mas o suficiente para ter feito quase rir com desdém da passagem do tempo, se o olhar de não estivesse fixo nela daquela maldita forma.
a observa de cima a baixo, como se não desejasse escapar nenhum maldito detalhe, antes de parecer trincar sua mandíbula com um pequeno estalo, um músculo saltando no canto da mandíbula bem marcada e cortante como uma navalha dele, a raiva perceptível na maneira com que ele analisa, primeiro a arma que agora empunha, e então, o rosto dela. engole em seco, esperando que ele aponte novamente a arma dele para ela, mirando na merda de sua cabeça outra vez. Ele havia atirado da primeira vez, certo? Então que fizesse de novo! Ela espera que ele dê a ela a desculpa que ela desesperadamente tentava encontrar! Que ele lhe oferecesse a merda da justificativa que ela precisava para executá-lo ali, e agora. Ele iniciou. Ele começou toda aquela merda. Não ela. Ele. Mas é claro que ele não faria isso não é?! Era a porra de afinal! Ele nunca faria nada que fosse para facilitar a vida de . Não porque ele se importasse com ela, porque há muito tempo os dois já haviam estabelecido que não havia nada além de mutuo desprezo e ódio entre si mesmos, mas porque havia algo de sádico dentro dele que gostava de observá-la se contorcer. Que gostava de tortura-la até a beira da loucura. E puta merda, se ele não se usaria de tudo, se não se aproveitaria de tudo para conseguir aquilo.
o odiava.
— Tá esperando o que então, mon Coeur? Vá em frente, mate o seu marido - diz lentamente, o sotaque Cajun se sobrepondo em sua fala, fazendo com que as palavras soassem levemente mais ásperas, mais arrastadas e com o vago ritmo francês. Como um perigoso ronronar, estranhamente atraente, e, ao mesmo tempo, assustadoramente baixo e gutural para a fazer ter certeza que, seja lá quais eram as intenções dele, não eram boas. sente nojo pela maneira com que o corpo dela responde ao tom de voz dele. A familiaridade. O arrepio traiçoeiro. retira a munição de sua arma, jogando-a no chão, e com um sorriso torto, desprovidos de quaisquer traços de humor que não fosse apenas uma raiva cuidadosamente contida, afiado, ele estende os braços, abertos em paralelo, enquanto o olhar dele queima o rosto de em um desafio silencioso. O queixo levemente erguido, a expressão cínica evidenciando uma ponta de zombaria á .
Ele não acredita que ela vá atirar.
Está debochando de , provocando-a silenciosamente, seja pela maneira com que a olha, ou como exibe sua linguagem corporal a ela. não consegue conter um riso baixo, nasalado, desprovido de quaisquer traços de humor em sua voz, se não puro desprezo. Os olhos de acompanham até mesmo o mínimo movimento dele, buscando a pegadinha, buscando a armadilha que certamente a espera, sem perder absolutamente nada. Nunca mais. Oh, se o filho da puta não havia de fato a subestimado dessa vez.
não hesita. Ela atira.

•••

AGATHA | ANOS ANTES
Nova Orleans, EUA.
Tango na mira. Aguardando ordens.
desliga a linha geral de comunicação de seu rádio com um pequeno chiado, enquanto levava em direção aos lábios o chiclete que o Sargento Graham o havia oferecido mais cedo antes da operação em questão se iniciar. Coisa ruim, a pior que tinha, o gosto de melão era repulsivo, e comumente a fazia ter ânsia, lembrando a algo quente quando doces deveriam ter a impressão de serem gelados para , mas ainda assim, servia para conter sua própria ansiedade enquanto aguardava as suas ordens; então, para alguma coisa servia afinal. Não era muito, mas era o que precisava, e se tivesse que aturar um pouco do sabor de melão, pelo menos ela poderia se conformar posteriormente em poder limpá-lo de sua boca com alguma bebida alcoólica quando estivesse se retirando de volta para a base. exala lentamente, baixinho, voltando a inclinar a sua cabeça para a esquerda, afim de apoiar melhor sua sniper em seu ombro direito, enquanto mantinha o braço direito completamente estável, firme, quase com uma precisão cirúrgica. não poderia errar.
Puta merda, ela odiava o gosto de melão.
Os olhos dela acompanham atentamente os movimentos de seu alvo. Ziyad Karam. Homem difícil de encontrar se quer saber, mas bem, fazia parte da missão, e ela deveria cumpri-la, custasse o que custasse. aperta os lábios em uma linha, inspirando fundo enquanto observava o negro sorrir educadamente e cumprimentar um Capitão do exército afastado com uma ponta de desinteresse. A questão toda ali não era nem mesmo a corrupção óbvia em toda aquela situação, mas sim o vazamento de informações. Capitão Abbott havia sido destituído de sua posição fazia alguns meses, após ser flagrado em uma situação no mínimo comprometedora com um dos recrutas nos chuveiros. Não que aquilo não acontecesse com frequência, o problema foi Abbott ser pego. Isso e a sucessão de missões falhas dele deram a desculpa perfeita para que o Coronel Murray desse a Abbott a chance de se retirar silenciosamente de sua posição e manter um low profile em alguma outra base distante da de Londres. O idiota havia encontrado uma excelente oportunidade nos Estados Unidos, afinal, Abbott ainda era um soldado de elite, como , então não teria problemas em trabalhar em nome de outras pessoas se isso fosse pagá-lo bem. Mas quando Murray demitiu Abbott, Abbott saiu com os arquivos deles. E agora essa merda de arquivos estava nas mãos do pior criminoso de Nova Orleans.
Doc.
Mas a motivação de não era apenas o dever, e tampouco recuperar as informações dos outros soldados. Não, longe disso. tinha um único propósito e nada mais: fazer os arquivos dela sumirem de vez. A última coisa que precisava era que os militares finalmente começassem a conectar os pontos e descobrissem quem ela era de fato, e porque sua excepcionalidade com armas e combate não provinha de pura genialidade natural, e muito menos do treinamento intensivo de anos confinada a uma luta por sua própria sobrevivência sob a tutela de um completo maluco. Não. morreria primeiro antes de deixar que mais alguém descobrisse quem ela era de fato.
— Oi, Butcher. Há quatro horas de você. Fique esperta.
revira os olhos com a voz de Graham pelo rádio, mas não responde nada mais do que apenas um resmungo em concordância inteligível. move a mira de sua sniper na direção de onde Graham havia avisado para que ela ficasse vigiando, e observa o grupo de quatro homens de Doc caminhando rapidamente em direção a entrada do hotel temático e turístico de Nova Orleans, tencionando a mandíbula dela.
— Os tenho na mira, senhor.
Um chiado, e então, Tenente Logan diz:
— Verde, Butcher.
E não precisa ouvir mais nada. Os músculos dos ombros dela se tencionam, assim como o de seu antebraço direito, preparando-se para amortecer o repuxo da arma enquanto o indicador dela enrosca-se firmemente no gatilho. Ela é rápida e precisa, encontrando os momentos no meio das ações para executar os soldados de Doc, esperando-os se afastarem, ou então, virarem de costas para atingir com precisão a nuca ou a têmpora. Os corpos caem no chão com baques molhados e surdos, que ela não escuta, mas não precisa se preocupar por muito tempo, quando, através da mira, observa Graham e Harris dispararem pelas escadarias, retirando os corpos do caminho enquanto alguns civis, confusos e curiosos são orientados para se retirarem dali por um exasperado Walker.
— Boa, Butcher.
sente um pequeno sorriso se formar pelo canto dos lábios dela, mas ela não responde, voltando a mira de sua arma novamente para onde Doc e Capitão Abbott estavam. inspira novamente, ajeitando a arma em seu ombro direito novamente, enquanto unia as sobrancelhas concentrada. Ela tinha Abbott em sua mira. Posição perfeita, bastava apenas Tenente Logan autorizá-la e a ameaça seria completamente eliminada. Mas Logan só o faz três segundos tardiamente.
Quando a voz de Logan ecoa autorizando a executar o antigo Capitão das Forças Especiais, está congelada no chão, porque, naquele pequeno espaço de tempo, ela sente o peso de algo contra suas costas, pressionando-a contra o concreto do telhado em que ela estava escondida. O peso de uma pessoa, sobre si. Uma mão agarra os cabelos dela por sua nuca, um golpe brusco que praticamente puxa sua cabeça para trás, e um grunhido inconsciente escapa por entre os dentes cerrados de , enquanto a respiração cálida se choca contra a parte de trás de sua orelha direita, mandíbula e lateral do pescoço. Cheira a sândalo, pimenta e cigarros. A respiração é cálida contra sua pele, mas regular, controlada, e consegue sentir o cano frio de alguma coisa repousando na lateral do pescoço dela. contém um praguejar baixo, ao perceber que deveria se tratar de uma arma. Porra! Ela foi pega!
— Se você se mexer, eu vou explodir a sua cabeça, cher, então, seja uma boa garota, e fica parada. - A voz, carregada pelo sotaque cajun é baixa e gutural, como um ronronado e, ao mesmo tempo parece vibrar pelos ossos de de uma maneira inconveniente. Não é ruim de ouvir, mas não há nenhuma ameaça na maneira com que ele fala, apenas um aviso do que ele irá fazer. pode sentir os lábios dele pressionados contra a orelha dela, enquanto comanda-a a avisar seu time que ela havia perdido o alvo, mesmo que Abbott ainda estivesse na mira. A arma pressionada na lateral do pescoço dela é empurrada um pouco mais, o suficiente para machucar e lembrar do que estava em jogo.
Porra... agora ela estava fodida.


Continua...



Nota da autora: quando eu coloquei na descrição “Enemies to Lovers” eu realmente quis dizer Enemies. Apontar faca no pescoço um do outro é coisa de criança, que tal a gente tentar explodir a cabeça um do outro até o primeiro morrer?! Como eles vão virar lovers, qual é? Me dá um voto de confiança vai, confia no processo (eu não sei o que eu to fazendo, sendo honesta). Agora, alguns esclarecimentos rapidinho: esses dois protagonistas foram personagens de RPG que eu criei para jogar no X (grande erro, erro rude, erro feio e estupido, me arrependo perdidamente), especialmente o , com quem eu joguei há mais tempo; eu havia criado em conjunto com uma ex-amiga, a quem eu tinha muito carinho, e ainda tenho. Como envolve personagens de outras pessoas, eu não vou referenciar ninguém aqui, em respeito a eles, e afim de não trazer o que foi desenvolvido lá, para cá. Então, se você por acaso esbarrou com o personagem no X, não é o mesmo do daqui. Algumas coisas não vão poder ser ignoradas, como, por exemplo o fato dele ter uma irmã gêmea (sim, os dois PP’s tem irmãos gêmeos, eu sou criativa para um caralho, né?), mas aqui ela toma outra forma, então, se você por algum acaso for esta minha ex-amiga, e esbarrou com essa fic aqui, saiba que não tem problema se sentir atacada ou incomodada, isso é totalmente válido e eu entendo, mas do fundo do meu coração, a verdade verdadeira? Essa história NÃO TEM NADA HAVER COM VOCÊ. Não é um ataque a você, e muito menos, a sua personagem, e igualmente não é uma representação fiel da mesma, a única coisa que mantive é a presença e existência dela, e o papel que ela desempenha no passado dele, nem mesmo o nome será o mesmo aqui. Personagens, em histórias (não jogos), existem para cumprir funções, e para que exista história é necessário conflitos, e é somente isso. Não mais, não menos. E no mais? É isso aí, as pessoas mudam, crescem, se desencontram, se afastam e encontram outras no caminho, não há ninguém insubstituível, e, tá tudo bem, tudo certo. A única coisa que eu NÃO IREI jamais fazer comigo mesma, depois de tudo o que já vivi e passei, é forçar minha presença, onde já não me cabe mais ou sou bem vinda. É uma escolha minha, e apenas minha, e estou em paz com isso. E se você não tem ideia do que estou falando aqui, relaxa amg, só ignora ksksks. Enfim, triste. Esta fic é escrita de madrugada, quando estou sobrecarregada com estímulos externos e preciso de uma forma de me regular, portanto, perdão antecipado por incoerências, erros gramaticais e algumas confusões no texto, meu e-mail está sempre aberto para discussões e opiniões. Beijão para Ayleen, por ter comentado e lido, muito, muito obrigada minha querida!!

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
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