W.I.L

Última atualização: 01/12/2017

Capítulo 1

Não gosto de começar falando sobre o clima ou sobre as nuvens que permeavam o céu naquele início de manhã. São detalhes muito pequenos perto de todos os sentimentos que invadiram o meu corpo no momento em que eu o vi. Cabisbaixo e tristonho, talvez envergonhado pelo inchaço em seus olhos depois de ter chorado tanto. Eu não sabia nada além de seu nome, e o fato dele ser quase como um primo para mim só complicava as coisas: não tínhamos o mesmo sangue, mas ele seria criado sob os mesmos costumes.

parecia ter receio de tudo. Desde a sua chegada no aeroporto até os primeiros cumprimentos, seus olhos estavam sempre voltados ao chão, vez ou outra espiando nossos rostos apenas por necessidade. Ele sorria algumas vezes, mas de maneira fraca. Tão fraca que eu não sentia a mínima vontade de entender o porquê de ele estar sendo tão recluso em seu próprio mundo. Todos nós estávamos tristes! A morte de meu avô tinha afetado a família inteira. Uma família já com um histórico repleto de tragédias.
Observei o garoto durante o trajeto para casa. Minha mãe na direção, usando os óculos escuros que disfarçavam as suas olheiras, dirigindo devagar, enquanto a luz do sol brincava por entre as frestas das árvores no entorno da estrada; meu irmão mais novo, , no banco do carona, apertando a tela do celular, e os headphones pressionando seus ouvidos. e eu estávamos no banco de trás, ambos olhando para fora do automóvel, cada um em sua janela. Por vezes, eu tive vontade de fitá-lo e analisá-lo, uma mania que eu considerava feia, mas importante. Eu era um tanto quanto tímida, então observar os trejeitos dos outros fazia parte de meu comportamento. Era um ato que me trazia segurança e eu o fazia sem pensar duas vezes. Quando me dei conta, eu já reconhecia cada traço daquele rosto angelical e aparentemente frágil, já havia decorado o modo como ele respirava e até mesmo os gestos que fazia com as mãos. Mãos, eu tinha um facínio imenso por mãos bonitas e tinha mãos grandes e delicadas. Talvez ele nunca tivesse trabalhado no pesado, a julgar pelo conjunto: era magro e tinha jeito de quem passava a maior parte do tempo trancado em casa, lendo ou jogando. Não sabia bem se essas definições eram plausíveis, já que ele morava com meu avô. As únicas informações que eu tinha sobre a sua história haviam sido contadas por minha mãe, quando perdemos nossa tia num acidente de carro há quatro anos. A mãe de , irmã mais nova da minha mãe, estava voltando de algum lugar quando um caminhão cortou a faixa central da estrada e acertou o veículo em que ela estava em cheio.
Depois disso, o garoto passou a viver com meu avô. Virou o neto preferido dele, mesmo não tendo o sangue da família. Minha tia o adotara quando soube que ela era estéril. Muitos acharam que isso causaria um alvoroço na família, mas ele foi muito bem recebido e acolhido.
Na realidade, eu sentia muita pena dele por ter uma vida tão conturbada. Deveria estar se sentindo ainda mais perdido, já que estava se mudando mais uma vez. Agora que estava sozinho, não poderia continuar vivendo em Gwangju, uma cidade metropolitana. Mudar-se para Cheonan seria estranho no começo, mas ele não demoraria a se acostumar.
Pensei se deveria puxar assunto, porém, ele parecia disperso demais. Restava a mim apenas esperar a chegada em casa, que não demorou muito para acontecer. Cheonan era uma cidade grande, entretanto, morávamos na parte mais calma dela: um bairro quase isolado, onde as grandes áreas verdes ainda eram preservadas, sem chance de darem lugar ao concreto e ao clima acinzentado da ocupação do solo. Era calmo e oferecia o suficiente para que pudéssemos viver sem muitas preocupações. Isso era bem visível no caminho e, quando alcançamos o jardim em frente à nossa casa, me pareceu admirado.
Eu já estava acostumada com a visão, então demorei a entender que aquilo tudo era novo demais pra ele, que antes vivia em um sobrado no meio dos sons e paisagens urbanas. Seus olhos acompanharam cada detalhe, talvez indagando como ainda poderia existir um lugar como aquele: as árvores eram viçosas e altas; o jardim era repleto de curvas, desenhadas para proporcionar certo ritmo ao paisagismo; a casa era moldada em dois blocos e tinha um pé direito significativo, expondo janelas vistosas e límpidas. O menino saiu do carro impressionado, encarando a fachada como se estudasse a sua estrutura. Mal sabia ele que ainda havia muito mais a conhecer.
- Está tudo bem? - ouvi minha mãe perguntar. abriu o porta-malas e tirou a bagagem de nosso primo de lá, rumando com ela para dentro sem dizer uma palavra.
apenas balançou a cabeça, concordando. Abriu um pequeno sorriso, dando-me vontade de fazer o mesmo. Tinha algo nele que me deixava tranquila, apesar de seu comportamento ser tão retraído e incerto. Eu ficaria assim se estivesse em seu lugar, talvez com medo. Por essas e outras, algo dentro de mim pedia urgentemente para tomar uma atitude. Tentar ajudá-lo. Recebê-lo bem, pelo menos. Coisa que, até agora, só minha mãe estava fazendo.
Aproximei-me de meu primo e parei bem ao lado dele, fitando aqueles olhos agora perdidos.
- Mamãe me fez arrumar o quarto de hóspedes, - eu disse, tentando ser o mais gentil possível - Mas eu não terminei. Podemos fazer isso agora, o que acha?
O garoto mordeu o lábio, porém não disse nada, apenas assentiu mais uma vez. Nem me passou pela cabeça que ele poderia estar interpretando a minha fala num outro sentido mais... Indecente. A verdade era que eu não media as minhas palavras, por isso acabava por amedrontá-lo ainda mais.
Adentramos a casa, passando pelo hall e encontrando a sala de estar perfeitamente arrumada. estava descendo as escadas e finalmente tirara os fones dos ouvidos, deixando-os a mostra em seu pescoço.
- Levei suas coisas lá pra cima - ele disse, ligeiramente sem graça. Tínhamos conversado sobre a chegada de e meu irmão não havia se importado tanto com isso. Já éramos grandinhos o suficiente para compreender que havia muito espaço naquela casa e que nossa família jamais seria como as outras: cercada de tantos problemas. Era até esquisito pensar que alguém estava sendo incluído naquele lugar com tanta boa vontade.
Sabendo que não se moveria, eu tomei a drástica medida de puxá-lo pela mão.
- Vamos - eu apenas avisei e começamos a subir as escadas devagar. O garoto tropeçou uma vez por prestar atenção em alguns quadros pendurados na parede e eu soube que ele estava relembrando seu passado com ainda mais força ao bater o olho nas imagens de nosso avô e de minha tia. Na imagem de sua mãe adotiva, sorrindo conosco em algum feriado presenteado com uma reunião em família. Isso provocaria uma crise no garoto, então tratei de não deixá-lo parado ali. Teria mais tempo para admirar as lembranças, contudo, naquele instante, eu não queria vê-lo triste.
Alcançamos o corredor de acesso aos dormitórios e eu apresentei as portas a ele. Na direita, ficava o quarto de minha mãe, o quarto de meu irmão e o escritório. Na esquerda o quarto de hóspedes e o meu. Abri a primeira porta assim que soltei a mão do meu primo e sorri, pedindo que ele entrasse.
Era bem espaçoso e claro, mas as janelas estavam cobertas pela grossa cortina azulada. Apenas uma fresta no pé da mesma estava deixando a luz se infiltrar, desenhando um risco iluminado no carpete. Fiz dar pequenos passos em direção à cama, enquanto eu ia proporcionar a visão que o quarto dele possuía: ao puxar as cortinas para os cantos, a luz quase nos cegou pela velocidade com a qual invadiu o cômodo. Dali, podia-se enxergar a imensa área verde disposta em um jardim no estilo inglês, com suas irregularidades no desenho. As árvores altas direcionavam o seu olhar para as montanhas ao fundo, mostrando também algumas outras belas casas construídas na vizinhança. A extensão do terreno era enorme e eu adorava ficar horas espairecendo na varanda, contemplando aquela vista pra lá de inspiradora.
- Do seu quarto parece ainda mais bonito - eu disse, sentindo uma pontada de decepção. Escolhera o meu quarto exatamente por causa daquele detalhe - Por que não vem dar uma olhada?
O garoto respirou fundo e deu alguns passos em minha direção, parando ao meu lado. Pude ver quando sua boca se abriu um pouco, demonstrando mais uma surpresa. Não tinha como não achar aquela cena bela.
- É... Realmente... Muito bonito - disse e eu não consegui evitar sorrir ao escutar a sua voz. Era... Acolhedora. Como se me envolvesse e detesse qualquer mal exterior. Agora, mais do que antes, eu tinha vontade de ouvi-lo. Abri a boca para responder qualquer coisa e tentar iniciar um diálogo entre nós, mas meu celular escandaloso vibrou em meu bolso. assistiu enquanto eu pegava o aparelho e abria a mensagem que acabara de receber: estava lá embaixo, me esperando. Guardei o objeto de volta ao bolso da calça e sorri para meu primo.
- Fique à vontade, agora essa casa também é sua - eu disse e ele agradeceu com o tom de voz bem baixinho, quase inaudível - Vou te deixar sozinho agora.

Encostei a porta por educação e desci as escadas depressa, passando por meu irmão, que estava sentado no sofá da sala, jogando vídeo game. Logo alcancei a porta da frente, por onde tinha acabado de passar, e vi com as costas apoiadas no pilar que sustentava a varanda do escritório no andar de cima. Sorri sozinha ao notar que ele estava usando a jaqueta que ganhara de mim em seu último aniversário: era preta e tinha pequenos detalhes metálicos que o deixavam com cara de bad boy. Não que fosse muito o meu estilo, ou o dele. era um cara muito gentil. Era apenas um ano mais velho que eu e sabia me tratar muito bem. Talvez, por isso, eu não tivesse pensado duas vezes em aceitar o seu pedido de namoro alguns meses atrás. Ainda conseguia me lembrar do sorriso incontrolável que ele exibia nos lábios, apertando as minhas mãos por causa do nervosismo. Demorou uns dez minutos apenas para se confessar, às vezes gaguejando, coisa que não era do seu feitio. Não fizera nada de muito piegas, apenas pegou-me nos braços e me acolheu.
- Oi - eu disse simplesmente, caminhando de encontro às suas mãos, que estavam esticadas à mim. Ele então pegou em minha cintura, inclinando o rosto para receber o meu beijo. Eu adorava senti-lo seguro, sempre me passando as emoções que o invadiam num estalo. Ele se separou, curvando o canto da boca num sorriso.
- Resolvi passar antes de fazer a entrevista - ele disse e eu recobrei os sentindos.
- Ah, eu tinha me esquecido disso, desculpe - pedi, envergonhada. Deveria estar dando forças para que ele conseguisse a vaga que tanto queria - Você não está atrasado?
- Não, consigo chegar com tempo de sobra lá - ele respondeu, levando sua mão até meu rosto - Acho engraçado quando você fica nervosa assim...
- Só estou preocupada com você - eu respondi. Fazia dias que eu notara certa diferença nele - Ainda está sentindo dor nos braços?
- Isso já passou, prometo não carregar mais tanto peso - ele disse, enquanto piscava de forma sapeca - E tomei um bom café da manhã, antes que você me pergunte...
Não evitei rir desse comentário, afinal, era como se eu fosse uma namorada super protetora. me deu um último beijo e disse que precisava ir.
- Não quer entrar nem um pouquinho? - eu perguntei - Meu primo já está em casa, não quer conhecê-lo?
- Uma outra hora - ele deu de ombros - Eu preciso mesmo ir.
Assisti enquanto ele voltava ao carro, entrando no veículo e ligando o mesmo. Me batia uma pequena aflição por saber que ele estava almejando o sucesso ao se direcionar à entrevista de emprego para a qual ele tanto sonhou em ser chamado. Isso era ótimo, mas, se ele conseguisse, teria de se mudar para a cidade vizinha. Não que fosse muito longe: era possível chegar até lá de ônibus em uma hora e meia ou de carro em uma hora; mas eu ficaria dividida entre continuar em Cheonan e visitá-lo às vezes ou ir morar para perto dele, enfrentando toda uma mudança na minha vida.
Mudança. Essa palavra remetia imediatamente ao meu primo.
Acenei e voltei para dentro de casa, rumando para a sala de estar. Sentei-me ao lado de , sabendo que ele estava prestando atenção em mim, mesmo que seus olhos continuassem concentrados naquilo que a televisão lhe mostrava, enquanto apertava violentamente o controle do videogame em suas mãos. Tentei fingir que não queria nada demais, mas estava me remoendo para perguntar algumas coisas a ele, que percebeu meu quase desespero.
- Fale - ele disse, ainda sem me olhar. Respirei fundo.
- O que achou dele? - perguntei, referindo-me a .
- Quieto, parece ser bem na dele - meu irmão respondeu - Não tenho muitas lembranças de quando éramos pequenos.
Pensei nesse ponto, tentando resgatar as memórias em minha mente. Meu primo não tinha passado muito tempo conosco: quando éramos crianças, nos encontrávamos na casa de meu avô às vezes, mas ele sempre fora tão reservado que ficava o tempo todo sentado ao lado de minha tia, ou apenas observando as coisas. e eu éramos barulhentos juntos, quebrávamos qualquer coisa que caísse em nossas mãos. Às vezes eu me perguntava para onde teria ido toda essa energia, vendo que agora éramos tão mais calmos e obedientes.
- Você nem subiu pra falar com ele - eu disse e o garoto ao meu lado deu de ombros. Talvez não fosse hora de cobrá-lo por isso. Levantei-me e dei alguns passos em direção à escada.
- Onde você vai? - perguntou, dessa vez dando pause no jogo para me encarar, finalmente.
- Ver se precisa de alguma coisa - eu respondi e subi os primeiros degraus, esperando que ele ralhasse comigo, mas ele rolou os olhos e voltou a dar play no seu passatempo preferido.

Não que fosse do meu feitio ficar agradando um convidado, mas seria como um novo irmão pra mim dali em diante. Bati na porta e pedi licença para entrar. Meu primo simplesmente me fitou com o semblante mais doce que eu já havia visto e eu entendi que ele estava me permitindo invadir o seu momento de puro silêncio: escrevia algo em um caderno de páginas lisas, que ele deixou descansando na cama. Caminhei lentamente até perto dele e perguntei se queria ajuda para defazer as malas.
- Não precisa se preocupar tanto comigo - ele respondeu. Apesar das palavras rudes, pude perceber que não era essa a sua intenção - Ah, quero dizer, não quero te dar trabalho...
Eu sorri para que ele soubesse que eu estava fazendo aquilo de boa vontade.
- Deixei algumas caixas ali do lado, quer me ajudar a levá-las lá pra fora? - eu perguntei. Já que ele não parecia aceitar a minha ajuda, então eu estava pedindo auxílio dessa vez.
- O que tem nelas? - indagou, levantando-se da cama e caminhando até o canto onde os objetos estavam.
- Poeira e coisas velhas - eu respondi - Acredite, não tem nada de importante aí.
Eram apenas alguns objetos quebrados que eu tinha encontrado no quarto de hóspedes. Brinquedos velhos, utensílios de cabelo enferrujados... Coisas que as visitas esqueceram ali e que já não tinham nenhuma utilidade.
- E pra onde levamos isso?

Pela cozinha, era possível acessar o quintal na parte de trás da casa, exatamente aquele que dava acesso ao jardim que e eu podíamos ver de ambos os nossos quartos. Havia uma espécie de extensão do depósito, onde eram guardadas as coisas que nós não usávamos mais. Abri a porta da saleta e pedi para que meu primo deixasse as caixas lá. Eram apenas três e conseguimos levar tudo em duas viagens. Fechei a porta e agradeci pela ajuda, perguntando se ele não estava com fome ou sede. Não sabia o que dizer ou oferecer. Ele era quieto demais, o que me deixava constrangida.
- Por que não vamos andar por aí? - eu sugeri, apontando para o gramado que se estendia como um grande tapete até o horizonte - Assim você pode me contar um pouco como era em Gwangju.
fez cara de quem não sabia se seria uma boa ideia, mas não quis deixá-lo divagar muito sobre isso. Novamente peguei sua mão e quase o arrastei comigo, enquanto dava passos rápidos, sentindo o gramado me conter. Fazia tempo que eu não caminhava por ali, por pura preguiça. Preferia ficar observando as coisas da janela do meu quarto. Era igualmente bom, porém, a sensação de estar em contato com aquela brisa fria, com aquele chão macio... Era inexplicável. Por um instante eu me esqueci de meu primo e soltei sua mão, inspirando o ar puro enquanto pensava se estava se saindo bem na entrevista. Imaginei o sorriso dele no momento em que receberia a resposta e a provável proposta de trabalho. Ele era bom, sempre fora, e conseguiria o que queria. E eu talvez o perderia...
Murchei. Não gostava de perceber que eu estava sendo tão egoísta a ponto de querer que meu namorado ficasse preso a mim para todo o sempre. Ele era tão apto a correr atrás de seus sonhos que acabaria me deixando para trás, caso eu não me deixasse levar por esse magnetismo. Me faltava coragem, o elixir que eu tanto busquei na literatura, nas canções, nos filmes e até mesmo na internet, através de sites que encorajavam-me a ser uma pessoa melhor. Ler poesia já não fazia sentido pra alguém que não conseguia entender que a ação contava mais do que o planejamento. Eu me acabaria em meu próprio medo.
Parei de devanear quando escutei um som nada familiar e logo eu estava com os olhos arregalados observando aquele animal branco correr em nossa direção. Era um cão enorme e peludo que jogava suas patas pelo gramado com a língua para fora, como se tivesse corrido durante horas à procura do dono. Estava muito bem cuidado, o que me fez indagar de qual vizinhança ele vinha. Percebi que ele não pararia de correr e desviei de sua rota, deixando-o seguir na direção de . Ele simplesmente se abaixou e, quando o cão o alcançou, acariciou a cabeça do animal, agora parecendo imensamente dócil.
- Se você não tivesse chegado hoje, eu diria que esse cachorro é seu - eu disse, impressionada com o fato de que o cão parecia feliz ali - De onde será que ele veio?
- Não sei - riu. Levantou-se, mas o animal continuou ao seu lado, agora esticando a pata e tocando o joelho dele - Alguém deve estar vindo atrás dele.
Pensei no mesmo. Esperamos, mas não havia ninguém. Não existiam cercas ou muros nas divisas de terrenos, então qualquer vizinho poderia muito bem entrar no nosso jardim para procurar pelo cachorro. Mas isso não aconteceu.
- O que vamos fazer? - eu perguntei, notando que o animal estava com fome - Minha mãe não vai gostar nada disso.
O menino sorriu com um pouco mais de intensidade e meu coração de repente se sentiu estranho. Eu... Gostava do sorriso dele.
Engoli em seco, tentando expulsar esse pensamento tosco de minha mente e me assustei quando o cachorro deu um latido. Dois. Ele estava realmente querendo atenção.
Não demorou muito até meu irmão aparecer na saída da cozinha com alguma coisa nas mãos. Ele atraiu o cachorro e correu com ele até o fim do jardim, em seguida, atirando o objeto para longe. Com isso o animal desapareceu pela mata por onde antes havia chegado.
- ! - eu gritei com ele, brava por ele ter feito aquilo - O que você jogou pra ele?
- Era alguma coisa que estava na geladeira, não sei ao certo - ele disse - Assim ele volta pro dono.
- Mas não sabemos de onde ele veio - falou e nós o olhamos. Eu também estava com pena do cão. Na velocidade com a qual ele correu e, lembrando-me de como eram os terrenos de divisa, achei que ele poderia se machucar.
- Estava bem cuidado, ele tem dono sim - insistiu. Rolou os olhos e retornou para dentro da casa. De certo o latido o havia distraído de seu jogo.
ficou olhando para longe, esperando alguma movimentação suspeita. Mas não havia nada.
- É melhor entrarmos, está ficando frio - eu disse, com a voz mais compreensível possível. Meu primo então concordou e me acompanhou para dentro da casa.
(Betada por:Gabriella)



Capítulo 2

"Eu consegui!"

A simples mensagem que eu recebera de meu namorado só provava o quão brilhante ele era. Era óbvio que ele seria aceito e, apesar de todas as dúvidas e pensamentos negativos que eu tinha em mente, me senti imensamente feliz por ele.

"Eu sabia que você se sairia bem. Parabéns."

Era o que eu podia dizer. deveria estar muito contente consigo mesmo naquele momento. Pensei em mandar outra mensagem perguntando se ele viria me ver, mas pareceria uma cobrança. E eu gostava de sentir saudade, pois tornava o reencontro ainda melhor.

"Com você acreditando em mim, quem precisa de sorte?"

Eu ri sozinha. Ele realmente era fofo. Muito fofo. Tanto que eu estava rindo sozinha em meu quarto de novo. Respirei fundo, deixando o celular de lado e, ainda deitada, levei meu olhar até a janela. Já estava escurecendo e minha mãe estava terminando de preparar o jantar no andar de baixo. A preguiça estava me impedindo de levantar para descer até lá, então permaneci na mesma posição durante um bom tempo. Estava ficando um pouco mais frio também e senti a necessidade de ir pegar qualquer agasalho, então me levantei da cama e rumei até meu armário, abrindo-o. De lá tirei um pulôver marrom com xadrez argyle, o primeiro que estava pendurado nos cabides e quando o estava vestindo, meu celular tocou.
Achei que seria mais uma mensagem do meu namorado, então apressei-me e me joguei de bruços na cama, pegando o celular e checando a caixa de entrada. Não era meu namorado, mas, ainda assim, era bom.

"Oi, sumida, vou fingir que não quero ver você, já que você nem me procura mais... ".

Eu gargalhei. A mensagem fora enviada por , meu melhor amigo. Um cara totalmente fora de série. O único dentre todos os colegas do colegial com quem eu ainda mantinha algum tipo de contato. Certo, fazia algumas semanas que nós não nos falávamos: meu avô havia falecido e eu tive que acompanhar minha mãe e meu irmão na viagem à Gwangju, no velório, no enterro, em todos os processos que envolveram a 'adoção' de ... Era coisa demais com o que se lidar, e o tempo passou tão rápido que para mim foi quase imperceptível. Sempre que eu saía da minha rotina, eu me sentia perdida. Era como se estivesse viajando para a América e retrocedendo no tempo. Durante esse período, eu me vi num ambiente exclusivamente familiar e parecia saber que eu precisava ficar um pouco sozinha. Tanto que nem tentou falar comigo, apenas me pediu, antes de eu sair da cidade, "pra ligar quando estivesse de volta porque ele ia ficar com saudades". E eu sei que era errado, porém eu havia me esquecido completamente disso.
Digitei uma mensagem de volta.

"Me desculpeee. Mas eu já estou de volta. Quer passar aqui em casa?".

Eu sabia que sua resposta seria positiva e, ainda assim, estava esperando por ela. Alguém abriu a porta do meu quarto e nem precisei olhar para saber que era meu irmão. Ele sempre fazia isso, entrava de supetão como se minha mãe não tivesse ensinado que é necessário bater na porta antes. Eu já me cansara de brigar com ele por isso, então não mais me importava.
- Não vai descer pra jantar? - ele me perguntou e eu respondi com um resmungo. sentou-se na lateral da minha cama, virando o rosto para mim.
- O que foi? - eu quis saber e ri quando um sorriso despontou de seus lábios.
- Mamãe está fazendo seu prato preferido - ele disse, rolando os olhos - Parece que também gosta de Japchae.
Tive que rir da cara que ele estava fazendo. Japchae é um prato repleto de vegetais e meu irmão não costumava apreciá-lo tanto assim. Era nosso pai quem adorava brincar com os hashis enquanto temperava o prato e nos servia nas manhãs de sábado. Ele costumava deixar a mesa perfeitamente arrumada e, quando minha mãe podia almoçar em casa, sempre deixava um bilhete sob o prato dela. Lembrar disso fez meu coração doer e meu irmão sabia muito bem no que eu estava pensando.
- Já faz tempo, né? - sua voz ficou mais terna e eu balancei a cabeça em concordância.
Dois anos. Dois anos que se passaram lentamente. Perder meu pai daquela maneira havia me tirado a coragem que eu antes conseguia acumular. Ainda me recordava dos sons daquela noite, de como eu havia me desesperado ao pedir por socorro. Coisas que jamais sairiam da minha mente.
deve ter notado que eu estava devaneando e passou a mão por meus cabelos, carinhosamente.
- Não precisa ficar assim - ele disse. - A gente vai superar tudo isso...
- É...
Por mais que eu tentasse, ainda me sentia ferida por dentro diante de tantas perdas.

Desci as escadas e me senti melhor ao ver que estava tentando ajudar minha mãe na cozinha. Ia de um lado para o outro, sempre perguntando se tinha mais alguma coisa para fazer. Sua atitude prestativa enchia meus olhos. Era um bom menino, não conseguia pensar diferente.
Sentámo-nos e meu irmão contou sobre qualquer coisa que faria no colégio na semana seguinte. Às vezes, eu tinha inveja do fato de que ele ainda estudava. Parecia uma vida muito mais fácil e gostosa do que a minha. Minha mãe deu uma olhada no visor do celular, sabendo que teria que voltar ao hospital o quanto antes. Ainda assim comia com calma, como sempre fazia, aproveitando os poucos momentos que compartilhava com sua família. Quando eu olhava para ela, conseguia sentir e saber que seus pensamentos giravam em torno da lembrança de meu pai. Se ele estivesse vivo, talvez tivéssemos a chance de vê-la sorrir com um pouco mais de frequência.
terminou sua refeição primeiro, contudo, continuou na mesa, educadamente. Eu estava prestes a terminar quando ouvimos um barulho vindo do lado de fora. Meu irmão se levantou e correu para a cozinha para checar se algo havia caído.
- Ah, é aquele cachorro! - ele falou e nós nos levantamos para ir até lá.
Minha mãe ligou a luz de fora e lá estava o animal, molhado e tremendo por causa do frio que fazia lá fora. Pela mancha que havia no vidro, podíamos deduzir que ele tinha batido contra o mesmo. Os pêlos brancos estavam sujos e caídos e a pata esquerda parecia machucada - havia uma coloração avermelhada, quase marrom sobre os pêlos daquela região. O cachorro então se sentou e ficou nos observando, como se pedisse permissão para entrar.
- De quem ele é? - minha mãe quis saber. Meu irmão deu de ombros.
- Não sabemos, ele apareceu hoje de manhã - ele disse. Omitiu a parte em que ele o havia espantado, talvez por sentir-se culpado pelo estado do bichinho.
Nós não havíamos percebido, mas já tinha aberto a porta da cozinha e estava indo lá para fora. Quando dei por mim, ele estava acariciando a cabeça do cachorro e perguntando se estava tudo bem. A atenção que ele estava dando pro cão me comovia.
- , volte para dentro - minha mãe caminhou até a porta e o chamou. Estava preocupada com a temperatura do lado de fora da casa - Está frio demais aí, você vai ficar doente.
Meu primo acenou com a cabeça e sorriu. Passou a mão na cabeça do cão uma última vez e voltou para dentro, caminhando até a pia para lavar as mãos.
- Está machucado - alertou, esperando que alguém permitisse que ele fosse cuidar do animal. Entretanto, não foi o que aconteceu.
- Não podemos fazer nada - minha mãe disse - Ele vai ficar bem, é melhor irem dormir, porque está ficando tarde.
Senti que meu primo responderia, mas não teve coragem para isso. Ele era novo ali, talvez ainda sentisse que não tinha tal direito. Porém, eu poderia pedir para minha mãe para que, ao menos, déssemos um pouco de comida e água pro cachorro ali fora. Não sei por que não o fiz.

Não estava conseguindo dormir. Sentia-me culpada por não ter ajudado . Às vezes eu tinha certo receio de pedir as coisas à minha mãe, pois parecia que eu a estava desobedecendo. Essa era uma parte de mim que eu odiava: ser fraca para enfrentar as pessoas de quem eu mais gostava. Perto delas eu sentia a minha imunidade emocional cair, até zerar. Eu apenas dizia sim para tudo e todos, sabendo que os deixaria felizes se achassem que eu estava de acordo com seus pensamentos. Isso era errado.
Puxei o edredom até o meu nariz, forçando os olhos, como se chamasse pelo sono. Mas ele não vinha.
Cansei de esperar. Ficar me revirando nos lençóis só me deixaria mais nervosa, então me levantei, caminhando descalça até a janela. Afastei um pouco a cortina e apreciei a vista escura e quase totalmente negra dos fundos do terreno. As estrelas no céu iluminavam bem pouco comparado aos dias em que a lua estava cheia. Era mais bonito assim, o ar de mistério que me dava vontade de correr para o computador e escrever qualquer história absurda sobre poderes mágicos ou algo que eu pudesse publicar e me dar dinheiro. Era o que minha tia fazia. Lembrei-me de que a mãe de era escritora e eu deveria ter um livro dela em algum lugar na minha prateleira. Teria de procurar depois e mostrá-lo ao meu primo. Mesmo sabendo que ele deveria ter um exemplar special edition em mãos, seria uma boa maneira de fazê-lo ter boas lembranças do passado. Suspirei. Eu havia convivido por muito tempo com minha tia e sentia falta dela. Apesar de não tê-la visto tanto antes do acidente que a levara de nós, seu sorriso ainda estava presente em minha memória. Pensando nela, de repente me assustei ao ver um vulto branco correr pelo gramado no patamar abaixo de minha janela. Então notei que aquele cachorro branco parecia eufórico demais.
Curiosa como eu sou, peguei um casaco qualquer e calcei minhas pantufas azuis do Stitch, saindo do quarto e descendo as escadas silenciosamente. Logo alcancei a cozinha e acendi as luzes de fora, dando de cara com . Abri a porta de correr e saí.
- O que está fazendo? - eu perguntei, espiando para dentro da casa com medo de que alguém nos visse. Ele parecia não saber o que responder - Ah, tudo bem, eu não vou contar à ninguém...
Ele pareceu um pouco mais aliviado. Estalou os dedos e o cachorro logo parou ao seu lado.
- Uau, ele é bonito - eu falei, notando a alegria que o comportamento do animal transmitia e então percebi que ele estava bem diferente de algumas horas atrás - Não disse que ele estava machucado?
Havia sangue no pêlo branco, mas a expressão murcha do bichinho havia desaparecido. E o animal não parecia estar sentindo dor como antes.
- Acho que não foi com ele, deve ter trombado com algum outro bicho ferido - disse, agachando-se ao lado do cachorro, pediu a pata dele e sorriu ao ver que ele o obedecia. - Não sei como fazer para que ele vá embora.
Eu também não fazia ideia. Ter um cachorro estava fora de cogitação. O vento frio de repente fez meu corpo estremecer e eu envolvi meus braços em meu próprio corpo, cerrando os dentes. O garoto olhou pra mim.
- Se não se importa, eu dei água e um pouco de comida pra ele - disse, com medo de que eu o repreendesse - Desculpe por isso.
- Tudo bem - eu dei de ombros. Observei enquanto ele checava se o cachorro estava mesmo bem e, de repente, meu primo foi atacado por uma crise de tosse violenta. Levou a mão à boca e caiu sentado na grama, enquanto o cachorro parecia tão assustado quanto eu.
- , o que você tem? - eu corri para ajudá-lo, ajoelhando-me ao seu lado. Ele tossiu mais algumas vezes e parou, puxando o ar para seus pulmões como se fosse a coisa mais difícil a ser feita no momento. Sua pele estava quente e eu tive medo de que ele fosse ter um treco na minha frente. Eu já havia fraquejado numa situação parecida com aquela, não poderia acontecer de novo - !
Tentei segurá-lo pelos ombros e seus olhos estavam apertados, enquanto ele continuava tossindo. Senti que comecei a tremer e eu logo entraria em estado de choque, se não fosse pela repentina pausa na crise do garoto. Ele respirou fundo uma vez, o som forte do ar sendo inspirado causava-me um arrepio intenso. Achei que ele poderia desmaiar, mas não, apenas abaixou a cabeça, ainda tapando a boca com as mãos. O cachorro deu um latido e parou.
- ... - eu repeti seu nome e ele fitou as próprias mãos, notando que havia sangue nelas - Ah, meu Deus, seu nariz!
Sem pensar duas vezes, eu corri para dentro de casa e, como estava na cozinha, peguei alguns guardanapos. Voltei para onde meu primo estava e o fiz erguer o rosto para tentar conter o sangramento.
- Não sei o que está acontecendo. - falou, e eu o impedi de continuar.
- Por favor, fique quieto. - eu disse, sentando-me no gramado. Com um leve puxão, permiti que ele apoiasse as costas em meus joelhos e com isso ficasse um pouco mais confortável. Ele fechou os olhos enquanto segurava os guardanapos no nariz e eu toquei seu rosto, notando que sua pele estava muito quente - É melhor irmos lá pra dentro...
- Está tudo bem - insistiu. Descansou por mais alguns minutos, enquanto minha preocupação ia embora aos poucos. Talvez o frio tivesse lhe feito mal, pois eu não fazia ideia do tempo que ele passara cuidando daquele cachorro.
Respirei fundo e meus dedos curiosos começaram a mexer nos fios de cabelo de , que não se importou.
- Não me assuste assim. - eu pedi - Vou dizer pra minha mãe que você precisa de uns exames...
- Não. - ele, então, se levantou. Com cuidado, segurou o guardanapo manchado de sangue nas mãos - Não precisa fazer isso. Estou bem, deve ter sido o vento frio...
Meu primo fitou o cachorro e acariciou a cabeça do animal, enquanto sorria fraco. Seu rosto ainda estava um pouco manchado, então o apressei para que entrássemos. Desligamos as luzes de fora e subimos. Meu primo entrou em seu quarto e seguiu para o banheiro, onde lavou o rosto.
- Tem certeza de que está bem? - indaguei novamente. Era normal me preocupar excessivamente com as pessoas. Ele murmurou um sim e agradeceu - Então... Boa noite... E vê se não volta lá pra fora...
Ele sorriu e eu segui para a porta.
Algo dentro de mim dizia que havia alguma coisa errada naquilo tudo, entretanto, tal preocupação logo fugiu de minha mente.
Não seria justo que tantas coisas ruins se repetissem num período tão curto de tempo.


- Vocês têm um cachorro agora?
havia chegado em boa hora. Estávamos tomando o café da manhã quando ele tocou a campainha e se juntou a nós. Apresentei-o ao meu primo e nós subimos para meu quarto para conversar. Eu precisava da companhia do meu melhor amigo e sempre parecia saber disso. Ele me conhecia melhor do que ninguém.
- Dutch apareceu do nada, há dois dias. - eu disse, lembrando-me da situação - Desde então, não foi embora.
- Dutch? - repetiu o nome do cachorro. - Aposto que não foi ideia sua...
- escolheu o nome. - eu contei. - Não sei direito no que ele se inspirou.
- Você já falou do seu primo umas trinta vezes hoje...
Corei. Meu melhor amigo riu mais um pouco de mim, enquanto mexia em seu celular, deitado ao meu lado na cama.
- A culpa é sua por ter me feito esperar pela visita - eu reclamei, desviando o assunto. - Achei que viria ontem.
- Meu pai me deu folga hoje, apenas - ele contou. Esticou o corpo para largar o celular sobre o criado mudo - A loja anda tendo movimento..
- Isso é ótimo! - eu disse, sinceramente.
O pai de tinha uma loja de miniaturas e outros artigos para colecionadores. As vendas eram, em sua maioria, feitas pela internet. Isso não afetava tanto o consumo através do boca a boca, já que suas peças eram muito bem trabalhadas e escolhidas. Ter uma loja de artes e ir bem não era para qualquer um, mas as pessoas em Cheonan tinham bom gosto.
Embora eu soubesse que meu amigo tinha sonhos muito maiores do que permanecer na cidade herdando o comércio dos pais, ele era como eu, um tanto medroso e acomodado. Nossos antigos colegas de escola estavam na faculdade ou viajando e tentando formar suas vidas das mais variadas formas. Talvez ainda fosse cedo demais pra pensar nesse tipo de coisa.
O garoto se moveu na cama e encostou seu ombro no meu, virando o rosto pra olhar pra mim. Fitei-o, esperando pelo que iria dizer. Quando fazia aquela cara, significava que estava curioso com alguma coisa.
- Soube que está trabalhando fora - ele disse e eu concordei com um aceno de cabeça - Está tendo tempo pra te ver?
- Por enquanto, não. - eu respondi, sentindo a saudade me invadir. Não o vira desde que fora para a entrevista. - Ele está em fase de adaptação, não quero atrapalhá-lo.
Estivera evitando até mesmo telefonemas muito longos, com medo de que ele se esquecesse de que precisava descansar. Eu sabia muito bem que, alguns dias antes da morte de meu avô, meu namorado andava um pouco indisposto. Ainda assim, ele insistia em sair comigo e me levar para lugares que o deixavam ainda mais cansado - às vezes por caminharmos bastante ou pelo simples fato dele ter que dirigir. Eu dizia que preferia ficar em casa, porém tinha medo de que eu ficasse entediada. Ele estava sempre inventando coisas novas pra fazer.
Agora que agarrara a oportunidade de crescer profissionalmente, eu deveria apoiá-lo e impedi-lo de cometer qualquer bobagem, mesmo que isso envolvesse o fato de que nos veríamos cada vez menos.
pensou por um instante no que eu disse e logo emendou:
- Quer dizer que ele vai passar a morar lá? - perguntou - E vai voltar pra Cheonan nos fins de semana...?
- É melhor pra ele. - respondi. Por mais que isso doesse, ele não estava assim tão distante de mim. - Você me conhece, não sou egoísta a ponto de querer tê-lo comigo todos os dias...
- Não posso dizer o que estou pensando... - ele deixou escapar e eu o repreendi com o olhar.
Não podia culpá-lo. Já me acostumara com a sua velha mania de pensar em mim daquela maneira. Ele nunca escondera o que sentia por mim desde que havíamos nos tornado bons amigos durante o colegial. Na época, eu ainda não havia conhecido e me encaixava no pior dos estereótipos escolares: o sinônimo de perdedora no vocabulário ocidental. A popularidade de não o impediu de se aproximar de mim e, muito menos, de se apaixonar por mim. Graças a ele eu fui capaz de me livrar de certas perseguições que sofria de alguns colegas e concluir essa etapa tão conturbada da minha vida. Ele esteve do meu lado quando minha tia morreu e me deu força quando perdi meu pai, além de ter sido meu primeiro.
Primeiro amigo de verdade, primeiro amor. Primeiro beijo, primeiro...
Por essas e outras, eu não me sentia no direito de acabar com a ilusão que ele tinha de um dia ficar comigo de novo, vendo que seu respeito era tão grande. Era uma pena não poder correspondê-lo.
Levei seu comentário na brincadeira e baguncei seu cabelo, enquanto ele ria.
- Vai falar sobre seu primo de novo? - ele zombou, vendo que o assunto havia acabado. Cerrei os olhos e lhe dei um pequeno empurrão.
- Está com ciúme dele? - entrei na brincadeira e negou.
- Eu deveria? - ele insistiu e fingi estar pensativa.
Talvez ainda não.
(Betada por:Gabriella)



Capítulo 3

A falta de sono me importunava mais uma vez. Não conseguia deixar de me recordar do passado. Quando aquela data se aproximava, era impossível conter aquele tipo de sensação: um vazio imenso tomando conta da minha mente, como se a purificasse. Instantes depois, uma mancha negra se instalava na calmaria do meu ser e me dava altas doses de dor intensa. Dores não físicas que me entristeciam.
Quando isso acontecia, eu me levantava da cama no meio da noite, buscava por um cobertor que eu costumava usar quando era criança e ia até a sala de estar para me sentar no sofá e permanecer dentro da escuridão e do silêncio noturno. Muitas vezes acabava adormecendo ali mesmo, abrindo os olhos no dia seguinte enquanto minha mãe me sacudia, pedindo para eu ir para a cama.
E minha vontade não estava sendo diferente. Com o mesmo cobertor infantil, abri a porta de meu quarto e decidi descer. Fazia isso porque passara muito tempo com meu pai naquele lugar, ouvindo enquanto ele me contava suas histórias sobre as viagens que fizera antes de se casar com a minha mãe. As pessoas que ele conhecera, os prédios que visitara, os lugares que o fizeram ter um carinho especial por Cheonan, por sempre achar que seu lar era o melhor lugar para seu coração.
E seria o lugar onde ele permaneceria para sempre.
Suspirei, apertando o cobertor contra meu corpo e de repente bati em alguém.
- Ah! Que susto! - eu ralhei, tapando minha boca em seguida por quase ter gritado. - O que está fazendo?
estava parado no meio da escada. Tocou a tela do celular e a apontou pra mim.
- Estou sem sono - ele respondeu e fez uma cara engraçada quando reparou nos meus trajes - E você?
Eu deveria estar vermelha de vergonha, coisa que ele não notaria apenas com aquela luzinha. Sorri, tentando disfarçar meu constrangimento.
- Também estou sem sono - eu falei, encostando-me no corrimão como ele fizera. A luz do celular se apagou e nós ficamos em silêncio. Se não estivesse ouvindo o som de sua respiração, poderia jurar que ele não estava mais ali.
- O que fazia no escuro? - Eu quis saber. O garoto tocou a tela do aparelho mais uma vez.
- Eu dei uma olhada nas fotos - ele apontou para a parede e para os quadros. - E estava só... Pensando...
Sorri sozinha. Aquela era uma mania que costumava ter. Por vezes, eu o encontrara admirando as fotografias expostas na parede ou observando os álbuns que ele mantinha em seu quarto. Eram peças muito significativas pra ele.
A luz do celular se apagou, mas retomou a conversa.
- Como se sente depois disso tudo? - ele indagou. Minha mente estava concentrada na imagem de meu irmão naquele momento, por isso demorei a entender.
- Disso o quê? - perguntei.
- Nosso avô... O seu pai - ele explicou - Deve ser... Difícil...
Como se para ele também não fosse. Respirei fundo, sentindo o vazio me ferir de novo.
- Nós somos iguais, - eu disse, sinceramente - É estranho que tenhamos passado por situações tão parecidas...
Era o que eu pensava. Ele só não havia presenciado a morte da mãe adotiva, como acontecera comigo quando meu pai foi assassinado. Fora isso, a dor era a mesma. Meu primo iluminou a parede mais uma vez, concentrado nas fotos de minha tia. Isso me fez lembrar o quão incrível ela era, sempre tentando agradar os sobrinhos, chamando-nos para passear com ela e ocupar um pouco do seu tempo. Antes de adotar , ela nos visitava sempre e passava horas conversando com a minha mãe. Talvez sobre sua carreira, talvez sobre como se sentia sozinha. Depois de tanto tempo sem ela por perto, eu começava a imaginar como deveria ter sido difícil pra ela não se casar por medo. O fato de que era estéril lhe tirara toda a confiança necessária para se entrar num bom relacionamento.
Ainda assim, ela fora uma grande mulher.
O menino à minha frente fitou o chão e, quando a luz do aparelho se apagou de novo, eu reniciei a conversa.
- Eu lembro dela no dia em que nos conhecemos - eu disse, tendo isso em mente. - Minha tia elogiou muito o seu dom para o desenho...
Naquela manhã, quando a família havia decidido se reunir para receber o novo membro, minha tia chamou a mim e ao meu irmão para o centro da sala. Segurando os ombros de um garotinho tímido, que mal nos olhava nos olhos, ela o apresentou. "Esse é o primo de vocês, ", ela dissera, esboçando um sorriso que até hoje estava esculpido em minha memória. "Espero que cuidem bem dele", a advertência era quase toda para mim, já que meu irmão era bem mais novo. "Por que não sobem para desenhar? pode esboçar qualquer coisa que queiram", e assim ela nos incentivou a passar um tempo juntos.
Porém, e eu não entendíamos o receio que o garotinho conservava. Para nós, ele era mais como um amiguinho de escola. E para ele, nós éramos dois estranhos.
Eu esperava sinceramente que isso tivesse mudado.
deu um risinho sereno, porém continuou quieto. Ainda não se sentia à vontade.
- Às vezes ela me pedia pra ilustrar os seus livros - ele disse. - Ela... Me incentivava bastante...
Senti uma pontada estranha no peito ao pensar na vontade de chorar que ele deveria estar sentindo. As lembranças o pegavam em cheio, eu bem podia notar. Quis pegar em sua mão e puxá-lo para a sala comigo, dar-lhe um abraço apertado como meu irmão fazia quando eu me sentia mal. Entretanto, isso seria esquisito demais.
Apenas respirei fundo.
- Mudando de assunto, - eu comecei. - sobre aquela noite, quando o seu nariz começou a sangrar...
- Não foi nada - ele deu de ombros. Fora a terceira vez que eu perguntara sobre isso a ele em poucos dias, deveria achar que eu estava me preocupando à toa. - Eu estou bem.
- Tem certeza? - insisti. Não gostava nada do fato de que aquilo poderia ter acontecido mais vezes, sem que ninguém soubesse - Eu pareço ser uma chata, mas eu me preocupo com você.
- Obrigado por isso - ele disse. - E obrigado por não ter contado nada pra sua mãe.
- Ela não te deixaria em paz, acredite.
Ele riu do meu comentário. Apertei o cobertor contra meu peito quando senti o frio intensificar-se e decidi que seria melhor esquecer a ideia de me refugiar no sofá da sala. Fiquei mais um tempo em silêncio e, em seguida, avisei que eu estava subindo. Ele disse que faria o mesmo e, no escuro, caminhamos de volta ao andar superior. E no mais absoluto e improvável clichê, ao alcançar o último degrau, dei um pisão na ponta do cobertor que estava arrastando no chão. Foi tudo muito rápido: escorreguei e estava ciente de que ficaria com um belo machucado na testa, não fosse pela rapidez de meu primo. Quando me dei conta, eu estava segura o suficiente com as mãos apoiadas no corrimão da escada e os pés juntos em um dos degraus. Meus olhos estavam fechados e eu tremia levemente pelo susto. Quando os abri, pude notar que minhas mãos não só estavam apoiadas na madeira, como estavam uma de cada lado do corpo de . E as mãos dele estavam presas em minha cintura, impedindo-me de dar continuidade ao desequilíbrio.
- Está... Está tudo bem? - ele perguntou e eu controlei a minha vontade de rir por estarmos parados feito dois bobos naquela situação.
- Eu acho que sim... - respondi - Eu... Te machuquei?
E, então, o garoto finalmente notou que estávamos numa posição estranha. Ele me empurrou de leve, certificando-se de que eu não corria mais riscos de sair rolando escada abaixo e ajeitou os cabelos.
Graças a pouca luz que vinha do lado de fora e adentrava uma das janelas do segundo andar, pude ver ele recolhendo o cobertor e o esticando a mim.
- É melhor a gente dormir e evitar mais acidentes. - ele sorriu sem graça e eu retribui. Seguimos para os quartos, porém eu esperei até que ele fechasse a porta.
Tinha alguma coisa errada comigo.

Não acordávamos cedo nos fins de semana e não éramos nada religiosos, mas eu já estava pronta às nove da manhã, apenas apertando um pouco mais o laço do meu vestido cinza escuro. Iríamos à missa que citaria o nome de meu avô, lembrando-nos de que já havia se passado sete dias desde o seu falecimento. Eu tinha uma foto dele guardada na gaveta do criado mudo, junto a todas as outras fotos de familiares e amigos. Eu sabia que eles eram importantes para mim, mas, às vezes, queria saber demonstrar isso direito. Minha frieza me assustava um pouco.
Respirei fundo e ouvi o grito de minha mãe, vindo do andar de baixo, dizendo que estávamos atrasados.
Corri até minha cama, pegando minha bolsa de mão, e coloquei o celular de qualquer jeito dentro da mesma. Fui até a porta e saí. Quando a fechei, eu o vi, fazendo o mesmo. e eu ficamos nos encarando dos pés à cabeça. Eu não podia negar, estava admirada com o que via: meu primo vestido impecavelmente num terno e calça pretos, camisa branca fechada até a gola com uma gravata quase o sufocando. O cabelo estava penteado e ele me fitava como se eu fosse uma estranha. Ficaríamos o dia todo naquele estado se meu irmão não tivesse saído de seu quarto, também murmurando sobre o atraso. Ele desceu as escadas sem perceber o que estava acontecendo conosco e eu recobrei os sentidos. Apenas pisquei algumas vezes, como se tivesse acabado de acordar, e caminhei em direção a ele. Era irresistível e eu não consegui me conter. Elevei minhas mãos até sua gravata, afrouxando a mesma, e abri o último botão, livrando seu pescoço daquele aperto desnecessário. Ajeitei a gravata novamente e alisei a gola do terno, dando uma analisada no conjunto.
- Agora está perfeito - eu disse e as bochechas do meu primo coraram repentinamente.
Não fiquei para ver qual fora a reação seguinte dele, mas me senti imensamente envergonhada por ter feito aquilo. Essa mania de agir impulsivamente ainda me causaria grandes problemas.

Durante o trajeto eu espiei algumas vezes, enquanto fingia brincar com algum aplicativo no meu celular. continuava olhando para fora do carro, admirado com o caminho até o centro da cidade. Lembrei-me do que havia acontecido com o cobertor e em como ele deveria achar que tinha uma prima estúpida como eu. Comecei a pensar em todas as coisas que eu havia feito desde que ele chegara à nossa casa e percebi que eu estava dando um nó na cabeça dele: às vezes o ajudava como uma boa garota, às vezes o assustava com atitudes impensadas.
Não parecia ser uma imagem muito boa.
Quando minha mãe estacionou o carro ao lado de vários outros, demos de cara com grandes vitrais e uma pintura clara. Não havia mais lugares então ficamos em pé no fundo da igreja. Durante a missa, apoiei minhas mãos no banco, enquanto parecia atento aos sermões. Ele estava do meu lado, talvez prevendo que eu poderia sair dali a qualquer momento, já que não havia chegado. Meu olhar viajou por todas as cabeças do lugar, foi até o altar, onde o padre dizia palavras bonitas e finalmente repousou sobre a figura no outro lado do corredor. estava na mesma direção que a minha mãe, apenas alguns metros distante de mim. Ouvi a voz dizer o nome de meu avô e meu coração sentiu uma pontada. Ainda doía saber que ele havia partido, mas parecia doer ainda mais em meu primo. O mesmo abaixou a cabeça, também apoiando as mãos no banco de madeira à sua frente. Ele estava com os olhos fechados e eu podia notar que estava chorando. Minha vontade foi de correr até ele e abraçá-lo apertado, acolhê-lo. A mesma vontade que senti na noite anterior. Porém, minha mãe o pegou pelos ombros e lhe deu o apoio de que precisava. Consegui ler nos lábios dela "está tudo bem" e meu primo balançou a cabeça positivamente, limpando as lágrimas com uma de suas belas mãos. Nesse momento, percebi que ele era mais forte do que eu imaginava. Sua tristeza não poderia ser comparada à minha, embora eu também tivesse grandes motivos para me sentir assim. Entretanto, enfrentava as coisas de uma forma tão sutil, tão... Reservada. Fora a primeira vez que eu o vira tão frágil e isso rebateu dentro de mim num pensamento um tanto quanto simples: sua fraqueza estava muito bem escondida e, apenas ali, diante da incontrolável lembrança do nome da pessoa que mais cuidou dele, ela havia aparecido.
Meu corpo inteiro estremeceu.
- Está tudo bem? - me deu um leve susto e me guiou pela cintura para fora do local. A missa já havia terminado e eu ainda parecia prestar atenção apenas em . Minha mãe caminhava com a mão sobre os ombros dele, enquanto ele desviava os olhos de qualquer pessoa que o fitasse por curiosidade. Não eram poucas, o bairro inteiro já sabia da história de nossa família e tinham interesse em saber como era o filho adotivo da irmã mais nova de minha mãe.
Se fosse eu no lugar dele, essa pressão toda poderia me deixar em pedaços.
Mantive os olhos em meu primo durante um bom tempo e só me dei conta disso quando escutei uma voz conhecida chamando por meu nome.
- ! - corria em minha direção, parando na minha frente com um grande sorriso no rosto - Eu me atrasei, me desculpe...
Sem saber o que dizer, eu apenas retribui o sorriso e abri os braços para recebê-lo. Meu irmão esperou que a pieguice terminasse para cumprimentar o garoto. Eles eram bons amigos, acima de tudo.
- Você não me disse que viria - eu falei e meu namorado entrelaçou os dedos de sua mão nos meus.
- Eu tinha que estar do seu lado hoje - ele respondeu. E fora a coisa mais bonita que eu já havia escutado. Sorri sem jeito e o acompanhei, enquanto ele rumava na direção de minha mãe. Sempre cordial, ele parecia querer fazer tudo de forma correta. Aproximou-se e a cumprimentou, logo se deparando com meu primo. Era a minha vez de falar.
- Esse é - eu apontei e repeti o movimento - E este é , meu namorado.
sorriu com os lábios cerrados, apertando a mão que esticara em saudação. Ver os dois juntos fez meu estômago se revirar. Eu não devia estar tendo esse tipo de sensação, porém era incontrolável. Mantive os olhos sobre o semblante calmo de meu primo, tentando imaginar o que ele estava pensando naquele momento, mas eu não fazia ideia. Minha mãe sorriu e perguntou se queria almoçar em casa e mais do que depressa ele pediu permissão pra me levar pra almoçar com ele. Dera a desculpa de que fazia tempo que não saíamos juntos, mas isso não fora necessário: minha mãe nunca negava nada a ele.
Despedimos-nos, concordando que retornaríamos para o jantar e eu finalmente ignorei o olhar repentinamente curioso do outro garoto quando saí de mãos dadas com meu namorado. Eu estava tendo certa noção do porquê de estar pensando tanto em , entretanto, não queria afirmar isso a mim mesma.
Já bastava o clichê do cobertor, eu não precisava que minha vida se tornasse uma comédia romântica de sessão da tarde.

estacionou o carro na rua do parque onde costumávamos ir para andar de bicicleta. Em certas ocasiões, nos acompanhava e ficávamos o dia inteiro fora sem fazer nada. Era divertido e reconfortante, já que o lugar era muito bonito: havia algumas plantas trazidas de outras regiões e muitas árvores com flores coloridas. O campo era imenso e todo coberto pelo gramado verde. Às vezes, dava lugar a alguns conjuntos de arbustos vistosos e de coloração mais escura; às vezes era cortado por pequenos caminhos de pedras. Ao longe, quando não se ouvia mais o barulho do centro da cidade, havia um lago não muito extenso, mas bem desenhado. Não caminhamos até lá. Por causa do frio, decidimos ficar ao lado do carro, escutando alguma música que tocava no rádio. Observei a calmaria que era exposta sobre o parque e sorri por ter tantas lembranças boas dali: meu avô gostava de fazer piquenique quando vinha nos visitar, meu pai gostava de ficar lendo sob as sombras das árvores, minha mãe adorava tirar fotos de todo o verde, minha tia dizia buscar inspiração para escrever... Notando que eu me perdera em pensamentos, meu namorado esticou os braços, puxando-me para perto dele.
- Pense um pouco em mim também - ele disse, sorrindo enquanto eu ria de sua fala. - Eu sei que está lembrando do seu pai...
- E do meu avô - eu falei, suspirando. - Mas está tudo bem agora. Obrigada.
mordeu o lábio e usou uma das mãos para acariciar os meus cabelos.
- Não precisa me agradecer, eu disse que tinha que estar do seu lado hoje - ele repetiu. - Porque você precisa de mim...
- Quem disse que eu preciso de você? - eu entrei na brincadeira, fazendo careta pra ele, que continuou rindo.
- Está escrito bem aqui. - ele apontou pra minha testa e, em seguida, tocou meu rosto, aproximando-se. - E posso ler nos seus olhos...
Não me contive e acho que minhas bochechas ficaram até vermelhas. Ficar longe dele por tanto tempo o fizera parecer ainda mais atencioso do que já era. O garoto me fitou e eu pude sentir que estava tentando se desculpar por não termos nos visto nos últimos dias. Porém, não era preciso: ele estava seguindo um novo caminho e crescendo, e eu logo o acompanharia.
Ou não.
Tentei esquecer os pensamentos negativos quando senti seus lábios em contato com os meus. Suas mãos envolviam minha cintura como se quisessem me prender ali para sempre e, às vezes, eu sentia que era disso mesmo o que eu precisava. Já parara muitas vezes para pensar em nossa relação e talvez as coisas pudessem estar indo depressa demais, entretanto, não via problemas maiores nisso. era o melhor namorado do mundo e eu esperava pensar sempre assim.
(Betada por:Gabriella)



Capítulo 4

decidiu me levar pra casa já no fim da tarde, depois de passarmos um bom tempo namorando no parque e no carro. Lembrava a época em que havíamos descoberto um sentimento diferente um pelo outro e fugíamos do meu irmão, para que ele não desse com a língua nos dentes. Minha mãe nunca fora o tipo de mulher que controlava os filhos a rédeas curtas, mas eu tinha medo da reação dela quando soubesse que eu estava me envolvendo com alguém. Até então, eu nunca tivera um namorado, apenas ficara com um ou dois meninos no colégio, o que ela sempre me dizia ser normal.
Fico feliz que nunca tenha desconfiado sobre aquilo que aconteceu com quando ela não estava em casa.
O que me preocupava mesmo era ela reclamar sobre . Ele tinha quase a minha idade, apenas um ano de diferença, porém, esse um ano que passara fora do colégio, já o deixava com certa fama. Todos sabem que mães sempre insistem para que seus filhos coloquem os pés numa faculdade assim que se formam no ensino médio, entretanto, meu namorado não estudava. Ele estava tentando entrar em um bom lugar, mas também, na época, não trabalhava, o que o levava ao quesito dois da lista de bons genros, que toda mulher prepara mentalmente para suas filhas. Se o cara não estuda e não trabalha, o que ele faz da vida?
Por sorte, quando ele me pediu em namoro, já estava começando a encaminhar-se na direção de seu sonho. Estava obtendo ótimos resultados nos exames a que se submetia e havia conseguido um emprego que ainda o deixava ter tempo para mim.
Era uma pena o novo emprego tê-lo afastado.
Quando chegamos, estava brincando com Dutch na frente da casa. fez quase as mesmas perguntas que , com a diferença de que eu procurei não comentar muito sobre meu primo. Ele, aliás, apenas nos observou calado, talvez com medo de ainda ser um estranho. Fingi que não me importava com isso e subi com meu namorado para o quarto, para que continuássemos o que fazíamos antes.
Não demorou para nos deitarmos na cama, enquanto ele me beijava calorosamente, sem medo de sermos pegos. levantava um pouco a minha blusa quando insistia em deslizar suas mãos por minhas costas, muitas vezes elevando meu corpo junto ao dele. Senti meus lábios serem abandonados, então tomei a iniciativa e depositei beijos em seu rosto, descendo-os até seu pescoço. Ele tirou as mãos de minhas costas e as apoiou na cama, arfando, enquanto eu sentia o gosto de sua pele macia, exatamente como ele fizera comigo nas outras vezes. Achei que teria uma resposta além dos suspiros pesados que ele estava dando, porém ele parou de repente, com um breve gemido.
- O que foi? - indaguei, sentindo-o se distanciar. Colocara uma das mãos na cabeça e piscava os olhos com força - , está tudo bem?
Ele não respondeu, apenas deitou-se do meu lado, ainda com os olhos fechados. Respirou fundo algumas vezes e abriu os olhos, dando um sorriso fraco.
- Senti uma tontura tão forte - ele disse e eu toquei seu rosto, preocupada - Ah, estou bem... Já passou.
- Não pode me assustar assim. - eu reclamei. Estava prestes a comentar que todos naquele lugar pareciam querer me assustar de alguma forma, entretando, isso me faria tocar no nome do meu primo e eu tive medo de não conseguir parar de falar dele depois disso.
O garoto ao meu lado se recompôs e pediu desculpas. Pegou minha mão e pediu que eu me ajeitasse ao seu lado.
- Deve ser o estresse da mudança - explicou, voltando a falar de sua nova rotina. - Não estou tendo tempo pra descansar como deveria...
Significava que o clima tinha sido partido bem ali. Tive a negativa ideia de que não deveria ter sentido tanta saudade assim de mim. Certo, não podia culpá-lo por querer me contar sobre o novo emprego ou sobre o tempo que ele já não tinha, mas nós estávamos juntos agora, ele deveria tentar se controlar com esses assuntos.
Percebendo que eu apenas concordara com alguns resmungos, meu namorado fitou meus olhos e, com a mão livre, acariciou o meu rosto. Parecia querer me dizer alguma coisa, contar-me algum segredo. Esperei, mas ele não o fez. Apenas sorriu depois de dizer que me amava. E eu não fiz mais do que sorrir de volta.

O garoto foi embora logo depois do jantar e despediu-se de mim como se não fosse mais me ver. O abraço que ele me deu foi tão apertado que eu tive vontade de arrastá-lo para dentro e prendê-lo comigo para sempre. Eu sussurrei um "eu te amo" bem baixinho quando ele soltou minhas mãos e caminhou em direção ao seu carro. Entrou no veículo, deu a partida e acenou uma última vez antes de partir. Suspirei. Parecia estranho que eu estivesse sentindo aquele tipo de coisa, porém meu namorado deixara um vazio dentro de mim e eu já estava ansiando por nosso próximo encontro para que essa sensação passasse.
Com isso, acabei não prestando tanta atenção em e agradeci mentalmente por isso.


Pensei muito sobre como eu estava sendo deixada para trás com toda a mudança na vida de , mas tais indagações mentais não duraram por muito tempo, pois acabei adormecendo rapidamente. Logo, eu estava de volta à sala de estar, e tive a certeza de que estava sonhando quando vi meu pai descendo as escadas. O sorriso que ele me direcionou, o livro em suas mãos... Mirei o sofá e meu cobertor estava lá, pronto para ser usado. Meu pai não disse nada, apenas estendeu sua mão como se eu ainda fosse a menininha de seis anos pra quem ele lia alguma história naquela hora da noite. Corri o olhar para o relógio e ele indicava que já havia passado das nove. Senti uma vontade imensa de gritar e pedir que ele chamasse a polícia, mas eu não tinha controle sobre a minha própria figura. Era eu ali, entretanto, dentro de uma casca. Enclausurada em meu corpo sem poder mudar nada. E aconteceu tudo outra vez: o barulho do lado de fora, o andar de meu pai até a porta, a pergunta ao estranho que havia batido algo no chão do piso exterior. Eu andei até eles quando vi meu pai sair e, ao alcançar a abertura, ouvi aquele som. Repentino e alto, entrou por meus ouvidos como se tivesse cruzado o meu cérebro. Mas o tiro acertara o estômago de meu pai, que agora estava caído.
- Não! - acordei num sobressalto, dando de cara com a escuridão de meu quarto. Minhas mãos tremiam e eu imediatamente senti as lágrimas caírem descontroladas por meu rosto. Agarrei o lençol de minha cama, sentindo a dor que me tomava toda vez que tinha aquele sonho. Era sempre tão real quanto fora naquela noite e isso me destroçava. Inutilmente, tentei fechar os olhos e voltar a dormir, mas eu já deveria saber que não funcionaria.

Bati na porta e meu irmão a abriu com sua cara de sono. Quando notou que eu estava chorando, ele apenas abriu os braços e me recebeu. Sabia muito bem o que estava acontecendo: que eu tinha tido aqueles sonhos terríveis de novo e que não ia conseguir dormir se ficasse sozinha. Na primeira vez que resolvi bater na porta de seu quarto por ter tido aquele pesadelo, ele meio que se convenceu de que era uma boa companhia pra mim. Isso acabou nos aproximando, apesar de tudo.
- Aquilo de novo? - ele perguntou e eu concordei com um simples aceno de cabeça. Sentir o calor do corpo dele me fazia ficar um pouco mais calma - Vem, vamos dormir.
me puxou pela mão até sua cama e me deixou deitar primeiro, subindo no móvel um pouco depois. Ele puxou o edredom e nos cobriu, abraçando-me. Limpei as lágrimas que ainda insistiam em correr por meu rosto e respirei fundo várias vezes. A imagem de meu pai caído e ferido na frente de casa ainda era nítida demais. A arma sendo apontada para mim e os olhos daquele cara que, depois de quase atirar mais uma vez, correu o mais rápido que podia. Lembro-me de que o socorro demorou um bocado, um de nossos vizinhos tinha ouvido o barulho e ligado para a polícia. E eu fiquei o tempo inteiro agarrada a uma das mãos de meu pai, enquanto ele pressionava seu ferimento com a outra. Presenciei seus olhos me pedindo calma, sua boca deixando escorrer o fio de sangue, seu corpo que, já próximo do fim, começou a convulsionar-se. Não havia nada que eu pudesse fazer.
- Tem que parar de pensar tanto nisso. - pediu, de repente. - Só está te fazendo mal...
- Não tem sonhos com ele? - eu quis saber. Comigo era tão frequente...
- Às vezes. - ele respondeu, respirando fundo. - Mas ele nunca diz nada, apenas fica me encarando.
Mordi o lábio quando os resquícios do choro me abandonaram e parei pra pensar no quão parecidos meu pai e meu irmão eram. Ambos tinham essa personalidade reservada e calma e o fato de ter dito que sonhava com nosso pai o encarando me, fez recordar o quão expressivos os olhos dele eram. Um livro no qual conseguíamos ler os melhores e verdadeiros pensamentos de um pai.
- Vou acabar pegando no sono antes de você, de novo - riu, me lançando um risinho e, em seguida, bocejou. - Tenta não pensar mais nisso.
- Hum, obrigada - eu agradeci e toquei uma de suas mãos.


não estava mais lá quando abri os olhos no dia seguinte. Tinha dormido mais do que deveria e, quando chequei o relógio na mesinha de cabeceira dele, vi que já estava quase na hora do almoço. Espreguicei-me antes de me levantar e rumar para o meu quarto para fazer a minha higiene matinal e, ao passar pelo corredor, o cheiro de comida atiçou o meu olfato. Estranhei, pois não sabia que minha mãe voltaria tão cedo para casa. Na maioria das vezes ela aparecia no fim da tarde, descansava um pouco e voltava para o hospital. Coloquei qualquer casaco de tecido fino, vendo que não estava tão frio, e desci as escadas rumando para a cozinha. Para a minha surpresa, não era minha mãe quem estava preparando o almoço e sim meu primo. Estava cortando alguns vegetais quando notou a minha presença no cômodo.
- Ah, bom dia - ele disse e sorriu. Colocou o que tinha cortado dentro da panela que estava no balcão de mármore. Por ser uma panela específica, sabia exatamente o que ele estava fazendo.
- De onde tirou isso? - eu perguntei, pois fazia tempo que não comíamos sukiyaki, um prato tipicamente japonês.
- Sua mãe deixou um bilhete e as coisas estavam todas na mesa - respondeu, apontando para um papelzinho na bancada.
Meu irmão tinha ido para o colégio e eu me esquecera completamente de que ficaria sozinha em casa com . Minha mãe deve ter achado que meu primo poderia morrer de fome, pois antes era apenas eu quem ficava em casa e conseguia me virar bem sozinha.
Ajudei meu primo a terminar de cortar os vegetais e ele jogou tudo na panela, colocando alguns outros ingredientes dentro da mesma. Em poucos minutos nosso almoço já estava pronto para ser degustado. Sentei-me, pegando uma tigela pequena e hashis e vi o garoto fazer o mesmo do outro lado da mesa.
- A tia só tem folga nos fins de semana? - indagou, pegando um pouco do macarrão que descansava no escorredor, sobre um prato.
- Sim. E, uma vez por mês, ela consegue mais quatro dias extras.
Tais dias nem sempre eram aproveitados da maneira que deviam. Minha mãe geralmente arranjava uma desculpa para nos levar até a cidade, almoçávamos fora e depois passeávamos pelo parque. Uma vez por mês também visitávamos o túmulo de meu pai. Assim, seus dias de folga acabavam com ela na mesinha do escritório, revisando as contas.
- Já teve vontade de ser médica também? - meu primo quis saber e eu neguei veementemente.
- Ela trabalha demais. - eu respondi de forma brincalhona e riu comigo.- Acho que a profissão da sua mãe tem mais a minha cara.
- Literatura? - surpreendeu-se. - Quer dizer que você gosta de escrever?
- Nada que me leve ao nível "escritora". Eu preciso estudar muito mais para isso. - desabafei, lembrando-me dos testes que havia feito algumas semanas antes do falecimento de meu avô. Ainda estava esperando os resultados para saber quais eram as minhas chances de conseguir uma vaga em alguma boa universidade. - E você?
- Eu nunca sei o que escolher. - disse, provando um pouco da carne que colocara na panela. - Mas acho que é normal ter dúvidas, não é?



A porta do quarto de meu primo estava entreaberta. Bati de leve na mesma e ouvi sua permissão para entrar. estava mexendo em um caderno e acabara de descansá-lo sobre a mesinha de canto, próxima à janela. Caminhei até ele, esticando-lhe o livro sobre o qual eu havia comentado.
- Tem um autógrafo da sua mãe. - falei, sorrindo e abrindo na primeira página, mostrando a caligrafia de minha tia. Fora um dos primeiros livros lançados por ela e eu o ganhara quando tinha meus onze anos de idade. Cheguei a lê-lo algumas vezes quando fiquei mais velha e consegui compreender melhor os textos naquele nível.
- Obrigado - agradeceu, com seus olhos brilhando ao tocar naquela grande lembrança. - Eu não tinha um exemplar deste.
Ele se sentou na ponta da cama e começou a folhear o objeto, mostrando muito interesse. Seus dedos trocando as páginas, o olhar perdido sobre as palavras impressas, o breve sorriso despontando vez ou outra de seus lábios. Eu me senti completamente estranha quando notei que o estava admirando, parada ao seu lado como uma estátua. Respirei fundo e virei meu corpo na direção da janela, fingindo interesse na paisagem lá de fora. O que estava acontecendo comigo? Era como se algo dentro de mim doesse quando eu o fitava daquela maneira, quando o fitava como um laser durante uma cirurgia nos olhos. Talvez fosse o fato de que passara quase a semana inteira na companhia dele. Eu costumava me apegar muito facilmente quando as pessoas me davam certa abertura para isso e já estava se aproximando de algo que eu chamaria de amigo.
Estava começando a achar o silêncio um pouco constrangedor, quando Dutch começou a latir e eu agradeci mentalmente por esse cachorro existir. O garoto deixou o livro sobre a cama e parou ao meu lado, olhando para fora da janela, como eu fingia fazer.
- O que o Dutch tem? - ele perguntou e riu, dando meia volta, rumando para a porta - Vou dar uma olhada.
- Ok.
Ouvi seus passos enquanto ele descia as escadas e encostei as mãos no vidro da janela, vendo Dutch latindo e pulando. De repente, ele se direcionou à frente da casa e eu o perdi de vista. De certo tínhamos alguma visita. Decidi descer também, mas algo me chamou a atenção: o caderno no qual tanto mexia. Havia um lápis sobre ele e eu cheguei bem perto com a intenção de abri-lo. Mesmo sabendo que era errado mexer nas coisas dos outros sem permissão, eu peguei a ponta da capa e o movi, fazendo com que o lápis escorregasse para a mesinha. Sem tirar o caderno do lugar, comecei a folhear as primeiras páginas, surpreendendo-me com a qualidade dos desenhos. Um deles era um retrato perfeito de minha tia e tinha as palavras "Sinto sua falta." escritas no fim da folha. Algumas páginas continham desenhos de paisagens urbanas, certamente de Gwangju. Pulei algumas folhas e encontrei um desenho de Dutch com a pata ferida como tínhamos visto na primeira vez. Estranhei, porém o medo de ser pega estava me tomando e me fez virar as páginas mais depressa.
E foi então que eu me deparei com um retrato meu. Não um desenho de quando éramos crianças, ou tirado de uma foto, não. Tive a sensação de estar olhando para um espelho. Mais algumas folhas e mais desenhos meus. Um deles estava inacabado, inclusive. Minhas mãos não queriam parar de virar as páginas, contudo, ao escutar o som dos passos de meu primo voltando, obriguei-me imediatamente a fechar o caderno. Eu tremia e só o que pensei foi em sentar na cama e pegar o livro de minha tia para fingir que eu estivera lendo.
Quando entrou novamente no quarto eu não sabia como olhar pra ele.
- Seu amigo está lá embaixo, por isso Dutch estava latindo - ele disse, sorrindo.
- Ah, estou descendo - eu disse, colocando o livro de volta e me levantando depressa, sem sequer olhar para meu primo.

parecia muito à vontade enquanto brincava com Dutch. Estávamos no jardim conversando há algum tempo sobre qualquer assunto relacionado à cachorros. mencionou que em Gwangju não tivera a oportunidade de ter um animal de estimação tão grande e meu amigo, então, lembrou-se de outro assunto.
- Você é de Gwangju? - ele indagou, o fazendo concordar. - Vai rolar aquele Dream Concert lá, eu estava pensando em ir...
- Ah, um fanboy? - eu brinquei e deu de ombros.
- Girl groups me agradam. - ele respondeu e riu. - A gente podia ir junto, o que acham? Vai ser daqui duas semanas...
Pensei na possibilidade de sair um pouco de Cheonan e pareceu ser uma boa ideia.
- Você pode chamar o também. - meu amigo disse e emendou. - E vamos ter um guia, não é, ?
Meu primo riu da forma como o garoto o tratava, mesmo aquela sendo a primeira conversa deles. Mas aceitou o convite.
- Não é uma má ideia. - ele falou. - Já estou com saudade de Gwangju.
- Deixou alguma namorada lá, não foi? - brincou e o outro negou. - Ah, vai dizer que não frequentava aquelas baladas legais de Gwangju?
- Às vezes. - ele disse, dando de ombros. - Eu sempre passei mais tempo dentro de casa com o meu avô.
- Jogando xadrez? - meu amigo zombou mais um pouco, como se ele não ficasse horas montando cubos mágicos na loja.
- Desenhando - respondeu. E então fez a pergunta que estava entalada em minha garganta e que havia me mantido calada durante aquela parte da conversa:
- Ah, é? E o que você costuma desenhar?
nem pensou antes de responder, o que me deixou ainda mais sem reação.
- Tudo o que não sai da minha mente.
(Betada por:Gabriella)



Capítulo 5

O carteiro passou atrasado naquela tarde, entregando-me as correspondências. Levei tudo ao escritório, como sempre fazia e dei uma olhada nas papeladas, notando que um dos envelopes estava endereçado a mim. Tratava-se dos resultados dos testes que eu havia feito há algumas semanas e isso fez meu corpo inteiro estremecer de medo. Deixei o cômodo e fui até o meu quarto, largando o envelope sobre a cama. Não queria ver aquilo tão cedo, então peguei um casaco qualquer e desci, tentando, de qualquer maneira, esquecer isso. Tratava-se de meu futuro, claro, mas eu ainda o enxergava com ansiedade e negatividade.
Não havia mais ninguém em casa como de costume, apenas eu e , que brincava no jardim com Dutch. Rumei até a porta da cozinha e saí, indo até o depósito. De lá, tirei uma coleira e uma guia que fora usada há muitos anos, quando nossa família tentou criar um animal de estimação. Não dera certo e o primeiro e único cachorro que tive acabou sendo doado à uma das famílias da vizinhança. Me virei para meu primo e perguntei se ele topava um passeio.

Dutch era tão comportado que, por vezes, eu questionava à sobre qual seria a origem daquele cachorro. Era a primeira vez que estávamos saindo com ele e isso despertou certa curiosidade em nós dois. Talvez o verdadeiro dono de Dutch estivesse na janela de algumas das casas vizinhas e o reconhecesse. Isso seria bom e triste ao mesmo tempo, vendo que já tínhamos nos apegado a ele. Ainda assim, andamos por um bom tempo pelas calçadas, admirando a beleza dos jardins e prédios alheios. A maioria deles tinha apenas dois andares e sempre apresentavam grandes aberturas e gramados bem cuidados. A calma de Cheonan era visível e viver ali naquele bairro era realmente gratificante. Ainda que os olhos curiosos da vizinhança estivessem o tempo todo conectados em nós, o passeio estava sendo pra lá de agradável.
- Devíamos ter trazido um pouco de água, Dutch parece estar com sede. – o garoto disse, abaixando-se para acariciar o pêlo do cachorro, que mantinha a língua para fora.
- Podemos voltar. – falei, tirando o celular do bolso para ver quanto tempo havíamos levado para chegar até ali. – Só mais... Meia hora.
Assustei-me com isso, pois parecia que havíamos saído de casa há apenas alguns minutos. achou que era a melhor coisa a se fazer e, já estávamos prestes a dar meia volta, quando ouvimos a voz de uma mulher nos cumprimentando.
- Senhora Fong, boa tarde. – eu respondi, curvando-me e vi menino ao meu lado fazer o mesmo.
Sra. Fong era uma de nossas vizinhas mais antigas e também uma das que mais nos deram apoio e ajuda quando meu pai faleceu. Morava com o marido naquela grande casa, pois seus filhos estavam estudando em Seoul para serem músicos, e vez ou outra aparecia para conversar com a minha mãe. Notei que ela olhou para com interesse, já que ele ainda parecia ser assunto no bairro.
E não demorou nem um pouco para que ela confirmasse isso.
- Então este é o sobrinho que sua mãe tanto mencionou. – Sra. Fong disse, sorrindo. – Vejo que vocês agora têm um cachorro também...
- Ele apareceu lá em casa e nós... O adotamos. – respondi, e, em seguida, continuei. – A propósito, ele está com um pouco de sede, será que a senhora se importaria...
- Ah, de forma alguma – ela me cortou, entendendo o meu pedido sem que eu precisasse finalizá-lo. – Me acompanhem.
Pedi que fosse à frente com Dutch e os segui até a parte de trás da casa. Também havia uma grande extensão do jardim, porém, era um pouco diferente do que estávamos acostumados a ver. Senhora Fong cultivava flores e o desenho que elas faziam sobre o gramado era esplêndido. Poderia ser chamado de arte, inclusive. A mulher foi até a cozinha e voltou com uma vasilha cheia de água.
- Muito obrigado. – meu primo agradeceu e ela pareceu satisfeita em nos ajudar.
Enquanto Dutch bebia a água que lhe fora dada, Sra. Fong pediu que eu a acompanhasse até dentro da casa, pois ela queria me entregar algo que minha mãe havia esquecido ali em sua última visita. Tratava-se de um quadro pequeno feito com flores desidratadas que a Sra. Fong produzia como hobby.
- Sua mãe o encomendou e acabou esquecendo enquanto conversávamos na última vez. – ela disse, sorrindo. – Depois da morte do seu avô, não consegui tempo para visitá-los.
- Ah, está tudo bem. – eu falei, pegando o quadro com cuidado. – Direi à minha mãe que estive aqui.
- Certo. – ela deu tapinhas em meu ombro e caminhamos de volta à cozinha, para acessar a porta para o jardim. Entretanto, antes que eu pudesse sair, ela me parou, enquanto fitava . – Ele parece ser um bom garoto...
- Sim, ele é. – eu disse, sem entender o que ela queria. Sua mão voltou a tocar o meu ombro, deixando-me levemente desconfortável.
- Tem algo diferente nele, não tem? – ela perguntou e eu estranhei.
- Do que está falando, senhora Fong? – eu realmente não estava compreendendo a finalidade daquela conversa. E ela também não quis me explicar.
- Apenas cuide para que ele não faça nenhuma besteira. – ela avisou e voltou a sorrir como se nenhuma daquelas palavras tivesse sido proferida. Depois disso, nós saímos. Agradeci pela ajuda e ela se despediu de nós, depois de nos acompanhar de volta à rua.

e eu voltamos para casa, e já estava lá, jogando. Entramos pela cozinha e eu deixei o quadro das flores sobre o balcão de mármore, ainda pensando no que a senhora Fong havia me dito. Algo em seu tom de voz me fazia pensar nos boatos que deveriam estar correndo pelo bairro, como aconteceu quando minha tia decidiu adotar o garoto: as pessoas apareciam para perguntar a opinião de minha mãe sobre isso, para saber se o garoto não era, na realidade, fruto de alguma relação antiga de minha tia ou coisa do tipo. Embora Cheonan fosse uma ótima cidade para se viver nos parâmetros sociais e ambientais, ela tinha moradores que se interessavam demais na vida uns dos outros.
- Ah, vocês voltaram! - meu irmão exclamou, dando pause no jogo. Olhou para nós dois com curiosidade. - Eu procurei pela casa inteira...
- Demos um passeio com o Dutch. - eu expliquei. olhou para a cozinha, vendo o cachorro através da porta de vidro.
- Ele precisa de um banho... - ele comentou e concordou. E eu os ajudaria, se meu irmão não tivesse me lembrado de uma outra coisa - Aliás, mudando de assunto, tinha um envelope na sua cama...
Senti um frio percorrer o meu corpo e respirei fundo assim que avisei que subiria para ver do que se tratava a tal correspondência, deixando os dois sozinhos.

Antes de tomar coragem para abrir o envelope, eu chequei as mensagens em meu celular e não havia nada mais do que uma mensagem de , confirmando alguns detalhes da viagem que pretendíamos fazer para Gwangju. parecia ter se esquecido um pouco de mim, vendo que me mandara apenas uma mensagem de boa noite desde a sua última visita.
Isso não chegou a me deixar mal, eu nem ao menos conseguia pensar nele sem ficar ainda mais nervosa. Peguei o envelope nas mãos e o abri, finalmente pronta para ver os resultados. As colunas com explicações sobre o modo como a nota havia sido obtida estavam repletas de informações que eu imediatamente pulei. Estava procurando por um número mais exato e não palavras e vírgulas que só me deixariam mais tensa. Duas, três, quatro páginas depois e lá estava o quadrado apontando o resultado final. A essa altura eu já estava completamente irritada. E piorou quando encontrei aqueles dois algarismos.
Mesmo os resultados sendo razoáveis, eles me deixavam aflita. Eu precisava ser quase perfeita se quisesse mesmo conquistar alguma vaga. Então, por que eu estava me sentindo tão burra? 62% não colocariam nem a ponta do meu dedão em uma boa universidade. Continuei segurando o envelope nas mãos enquanto caminhava até a varanda do meu quarto, agora mirando a paisagem como se ela me engolisse: aquele lugar estava me fazendo sentir presa, sempre o mesmo aroma, sempre as mesmas cenas. Eu precisava sair dali, encontrar um rumo. Precisava encontrar algo que me fizesse parar de achar que eu era apenas uma garota como as outras, que acabaria morando em Cheonan para sempre, sozinha, enquanto meu namorado encontrava uma garota mil vezes mais responsável e com grande futuro.
Grandes perspectivas. Algo que, no momento, eu não tinha e não sabia como atingir. Porque tinha medo de mudar.
Sem querer eu fui tomada por uma enorme tristeza e o fato de ter ficado tanto tempo sem falar com meu namorado só piorava as coisas. Larguei o envelope sobre a cama, dessa vez jogando-o de qualquer jeito.
Só não havia me dado conta de que alguém estava me assistindo.
- ? - abriu a porta. No mesmo instante, gelei. Ele parecia preocupado com o que vira. - Está tudo bem?
- Está... Eu acho. - eu respondi, incerta. Vi meu primo caminhar até minha cama e olhar para os papéis ali bagunçados. Ele pegou cada uma das folhas com cuidado e as ajeitou, devolvendo tudo ao envelope - O que você...?
- Também recebi resultados de testes antes do nosso avô falecer. - ele esclareceu, sem olhar para mim - Notas razoáveis...
- Como as minhas. - eu emendei com um suspiro. Ele sorriu fraco.
- Não precisa ficar tão nervosa com isso. - disse, certamente por minha decepção comigo mesma estar visível. - Significa que está no caminho certo...
- Mas esse caminho é longo demais. - eu reclamei, sendo sincera.
me olhou em silêncio, ainda segurando o envelope nas mãos. Sentou-se na ponta de minha cama e acho que estava pensando em algo para me dizer. Naquele momento, eu não me importei em esperar. Senti que precisava ouvir algo que me deixasse um pouco mais tranquila ou menos... Embaraçada por me julgar tão incapaz. Se me visse naquele instante, ele me pegaria em seus braços e me diria que estava tudo bem. Que eu não deveria ter pressa. Que eu logo iria conseguir o que estava almejando.
Porém, conseguiu me surpreender.
- A gente nunca tem o que realmente merece. - ele disse, desviando seus olhos para as próprias mãos depois de descansar o envelope sobre a cama.
Poderia soar como um lamento, mas a voz usada por meu primo deu à frase um caráter de desabafo. De certa forma, era verdade. Nós não merecíamos sofrer com tantas perdas dentro da família, não merecíamos desconhecer as armadilhas postas em nosso caminho. Merecíamos encontrar o que todos procuravam e chamavam de felicidade, entretanto, era difícil demais. Nas condições em que eu estava, era quase impossível.
Todavia, meu primo, apesar de tudo isso, tinha algo que merecia. Ele tinha dons. O dom para o desenho, por exemplo, algo que ainda me deixava com vontade de enchê-lo com as questões que tiravam o meu sono.
- Posso te perguntar uma coisa? - eu falei e concordou com um aceno de cabeça. - Não é merecido você saber desenhar tão bem quanto minha tia disse?
Ele sorriu e fez um estalo com a boca, respondendo em seguida.
- Talvez, se eu tivesse a vontade de me tornar um profissional que trabalhe com isso...
- E não tem? - eu quis saber e ele deu de ombros.
- Eu não sei.
O garoto passou a mão pelos cabelos, ainda pensativo. Eu imaginei como ele deveria estar se sentindo confuso como eu e não tive outra alternativa senão sanar a dúvida que mais havia me incomodado desde que eu vira os desenhos em seu caderno. Parecia o momento ideal para que eu o interrogasse.
- . - eu disse seu nome, tomando cuidado com a velocidade de minha fala. - Aquilo que você disse ao , sobre os seus desenhos... Eu fiquei curiosa para saber como são os seus traços...
Mentir não era correto, mas eu realmente queria saber como meu primo reagiria àquela questão. Ele fora tão direto quando havia dito que desenhava o que estava em sua mente, que eu me senti completamente intrigada depois de ter visto meu rosto em muitas das páginas de seu caderno.
Ele baixou os olhos como se pensasse numa resposta. E demorou a voltar a falar.
- Talvez eu possa... Te mostrar alguns deles...
Eu o fitei e aguardei por mais alguma fala, entretanto, ele ficou quieto. E minha euforia interior não estava me ajudando a manter-me calma. Tanto que eu logo entreguei o meu deslize.
- . - eu o chamei novamente e comecei a explicar - Naquele dia, quando você desceu para ver o que o Dutch tinha... Eu... Eu abri o seu caderno sem permissão.
Meu primo continuou sem me encarar, porém, eu pude notar que ele ficou um tanto quanto paralisado. Não esperaria por isso, é claro. Eu seria a última pessoa que poderia mexer em suas coisas e nem eu mesma entendia porque havia feito aquilo.
- Você... Viu meus desenhos? - sua voz saiu em um tom baixo, o que fez eu me sentir um pouco mal.
- Me... Me desculpe por isso. - eu pedi, sem saber mais o que dizer. - Eu juro que não foi por mal. Mas depois disso tudo, eu... Eu não consigo pensar em outra coisa, não depois do que você disse.
O menino respirou fundo algumas vezes e se levantou, caminhando para perto de mim. Senti minhas pernas bambearem e eu comecei a tremer. Ele estava com as bochechas coradas e, de repente, me encarou de forma corajosa. O rosto sério parecia analisar a minha expressão, agora levemente assustada. Era como se estivesse me desenhando com seus olhos.
- ...
- Eu não menti. - ele disse calmamente. - Eu realmente não consigo tirar você da cabeça...
Conscientemente eu teria me afastado no instante em que meu primo elevou sua mão e tocou o meu cabelo. Contudo, não recuei. Fechei os olhos, enquanto sua voz entrava por meus ouvidos, causando-me uma sensação pra lá de estranha. Eu não queria entender, porque era bom demais.
- Desde que eu vim pra cá, sempre que tenho vontade de desenhar, eu traço as mechas do seu cabelo na folha em branco - seus dedos deslizaram por meus fios lentamente, logo os abandonando. Meu primo, então, os pousou em meu pescoço. - E faço o contorno do seu rosto com o grafite. - as pontas dos dedos correram até meu queixo, levantando-o. - Seus olhos são tão difíceis de representar, o brilho deles, a profundidade... Tão difíceis quanto a sua boca...
E, então, parou. Os lábios entreabertos, como se estivesse preparado para me beijar a qualquer momento. E realmente esperei por isso, porém pousou seus dedos sobre eles, como se eu fosse um livro em braile. Eu tinha certeza de que ele podia sentir a tremedeira que me tomava e cada vez ficava mais forte e então abri meus olhos, encantada pela forma como sua expressão me mostrava todo o interesse que tinha em mim.
- Você é linda...
Não fora por causa do adjetivo, mas sim pela forma como ele o pronunciou. Eu me vi inteiramente entregue no momento em que aproximou o seu rosto, entretanto, a mão que antes segurava meus lábios me deixou, e ele se deu conta do que estava fazendo. Afastou-se e seguiu em direção à porta, sem dizer mais nenhuma palavra.
Apesar da minha momentânea paralisia, não consegui deixá-lo ir embora daquela maneira.
- , espere! - eu pedi, e vi que ele parou antes de alcançar a saída do quarto. Nós dois permanecemos mudos por alguns segundos, até meu corpo permitir que eu avançasse. Dei alguns passos, parando na frente dele, do mesmo modo como estávamos antes. A diferença é que agora eu tinha muito mais controle sobre mim mesma - Eu...
- Você é mesmo linda...
O sorriso que eu vi despontar em seu rosto se desfez apenas porque eu me impulsionei para frente e selei nossos lábios, sentindo choques por todo o meu corpo. Surpreso, ele demorou em posicionar suas mãos em minha cintura e, quando o fez, eu me vi no direito de colar-me ainda mais a ele. "Tem algo diferente nele, não tem?" As palavras de Sra. Fong não poderiam fazer mais sentido. O modo como ele me aceitava, o jeito como suas mãos deslizaram por minha cintura, em contato com o tecido da blusa que eu estava usando, o som de sua respiração se alterando aos poucos. Tudo era muito diferente, mas de uma forma boa. Era como se fosse a primeira vez experimentando um beijo tão tranquilo e confortante como aquele, tão intenso e tão ingênuo, tudo ao mesmo tempo. E dentro de mim, algo estava gritando, lutando contra o meu medo natural com essas mudanças. Eu me sentia insegura por estar nos braços de meu primo, contudo, também me sentia protegida e livre.
E, mesmo tendo a convicção de que ficaria ainda mais confusa depois disso tudo, eu não consegui me controlar. Deixei que ele me guiasse e me empurrasse devagar. Minhas costas, então, encontraram a parede do meu quarto, fazendo-me ter uma estranha sensação provocada pelo contato com sua textura fria e o calor do corpo do garoto. Nos separamos por um instante, com os olhos ainda fechados, e ele mordeu o lábio, sem saber que eu estava o encarando. Era uma imagem pra lá de bonita e eu fechei minhas mãos no tecido de sua camiseta, amassando-a, tudo porque não queria que aquilo acabasse. Por alguma razão, algo me dizia que ele abriria os olhos, se afastaria e correria para fora dali o mais depressa possível, envergonhado por estar comigo daquela maneira. Assegurei-me de não deixar isso acontecer.
Quando abriu os olhos, porém, ele não fez nada além de fitar-me por alguns segundos e voltar a me beijar. Doce, calmo, curioso. Nós só paramos quando a risada alta de avisou que não estávamos sozinhos em casa. Soltar foi como deixar a minha sorte presa numa rede de caçar borboletas: estava ali, mas eu não saberia dizer por quanto tempo permaneceria.
Dutch deu um latido e riu outra vez. Seria melhor descermos depressa. Toquei meu rosto com as mãos, sentindo minhas bochechas queimarem e, o garoto a minha frente, se aproximou mais uma vez, depositando um beijo na minha testa.
- Estou sendo obrigado a cortar o clima. - disse. - Me desculpe por isso.

Desci para o jardim um pouco depois de meu primo. Tive que me recuperar da ruborização em meu rosto, para que meu irmão não desconfiasse de nada. Quando cheguei, os dois garotos estavam molhando Dutch com a mangueira, como se fossem duas crianças do primário vendo anfíbios pela primeira vez. Eu ri da cena, contudo, não tive como escapar e me juntei a eles.
Nada como um momento aparentemente feliz como aquele pra me afastar um pouco das dúvidas que, com toda certeza, preencheriam meu corpo durante toda a noite, mais uma vez.
(Betada por:Gabriella)



Capítulo 6

- Como assim não vai?
havia me ligado e conversávamos sobre a viagem à Gwangju. Contara a ele que havia feito a proposta e comentado sobre o Dream Concert, mas meu namorado não pareceu tão entusiasmado com isso.
- Não sei se é uma boa ideia - ele respondeu. Imaginei se ele estaria com ciúmes pelo fato de que o convite havia sido feito pelo meu melhor amigo, pois sabia o quanto éramos grudados um no outro, apesar do seu conhecimento ter parado nesse limite. Até onde eu me dera conta, ele não mantinha esse tipo de sentimento. Eu era muito mais ciumenta e, ainda assim, nossos níveis de preocupação para com a fidelidade um do outro eram extremamente calmos. Isso era ótimo vendo que eu tinha quebrado as regras primeiro.
Tentei não me recordar do rosto de sorrindo pra mim depois do que havia acontecido. Quando terminamos de dar banho em Dutch, eu subi imediatamente para o quarto e só desci para o jantar, evitando qualquer tipo de contato com meu primo. Não era medo e nem vergonha, disso eu tinha certeza. Só não queria que ele dissesse qualquer coisa que pudesse estragar o que tínhamos começado.
Suspirei diante da resposta de , pensando comigo mesma se ele estava certo ou não ao pensar daquela maneira. Viajar em sua companhia, com e com , ainda por cima, de repente pareceu confuso demais pra mim. Seria uma situação bastante constrangedora.
Mesmo assim, eu insisti:
- Faz tempo que não saio de Cheonan - eu falei - e a última vez que estive em Gwangju, bem... Foi pra enterrar o meu avô.
Lembrar daquilo era golpe baixo. Ouvi respirar fundo do outro lado da linha.
- Está bem, eu vou pensar - ele disse, deixando-me um pouco mais contente.
- Você vem me ver no fim de semana? - eu emendei, sentando-me em minha cama - Estou com saudade...
- Talvez - ele respondeu, incerto - Eu não posso prometer.
Pensei que estava interpretando mal o modo como nossa conversa havia se desenrolado, já que parecia estar negando todos os meus pedidos. Porém, eu não conseguia me desligar dos pensamentos que envolviam meu primo. Talvez eles estivessem me deixando neurótica quanto ao que eu esperava do meu namorado, então não dei muita importância à isso. Quando me despedi de , pedi que ele me ligasse mais vezes ou me mandasse alguma mensagem durante a noite, antes dele ir dormir.
- Eu te amo - ele disse e eu respondi no mesmo tom, com as mesmas palavras.
Quando desligou, deixei meu celular cair sobre a cama e um vazio imenso tomou conta de mim. Era como se eu estivesse perdendo alguma coisa e recebendo dúvidas numa troca equivalente. Não queria culpá-lo por me fazer sentir que a distância estava começando a atrapalhar o nosso relacionamento, até porque, eu também parecia mais fria que o normal com ele. Era muito diferente de quando tínhamos começado a ficar juntos... Eu já não tinha o brilho dos olhos dele nos meus e nem o mesmo entusiasmo para esperar uma visita sua. Sentia falta disso, embora soubesse desde cedo que não existia um 'para sempre'.

Não havia conversado com durante toda a manhã. Apenas trocamos algumas palavras como se fôssemos mais estranhos um para o outro do que nunca. Inventei que iria almoçar fora, pois queria ver , e deixei meu primo em casa, cuidando de Dutch. Peguei um táxi e fui para o centro da cidade. Almocei em uma das várias lanchonetes, sempre checando o visor do meu celular à espera de alguma mensagem de . Fora errado da minha parte mentir para poder sair de casa e evitar a presença de meu primo, então, para tornar isso algo um pouco menor, resolvi passar na loja do pai de para conversar com meu amigo.
Ele ficou feliz em me ver e sentou-se comigo numa das mesas antigas, talhada em madeira maciça. Contou-me sobre os preparativos para nossa viagem e eu o informei sobre a dúvida apresentada por , notando o pequeno sorriso em seu rosto.
- Não fique tão feliz, ele não confirmou ainda - eu falei, a fim de tirar uma com a cara dele. fez careta.
- Desculpe por não conseguir disfarçar - ele falou, ligeiramente desconcertado, mesmo sabendo que eu não me importava com isso. Mas, naquele momento, algo pareceu diferente. Falar sobre uma possível viagem sem a companhia de não me remetia às ideias ligadas às lembranças do meu primeiro beijo com , como de costume - por vezes ele tentara repetir o ato, até entender que eu estava realmente compromissada -, mas me fazia recordar do beijo com , tão fresco na memória, tão perturbador.
Senti meu rosto ficar vermelho.
- Nossa, eu não quis te deixar sem graça - brincou, esticando uma de suas mãos para tocar a minha bochecha. Eu me desvencilhei - Aconteceu alguma coisa?
- Não, por quê? - respondi de imediato e meu amigo riu.
- Você está esquisita.
Se eu não tivesse conhecimento sobre o que sentia por mim, talvez eu pudesse compartilhar meu nervosismo com ele e até pedir algum tipo de conselho. Mas, se eu o fizesse, ele certamente iria brigar comigo e se sentir mal. Com isso, desviei o assunto para a nossa viagem e ele acabou empolgando-se ao me contar alguns outros detalhes.

Tive uma tarde bastante agitada, se comparada com as demais tardes que eu passava ficando em casa. Aproveitei para visitar outras lojinhas da cidade e, assim, cheguei ao ponto de ônibus a tempo para voltar com meu irmão. Ele estranhou um pouco, mas não fez muitas perguntas.
Quando chegamos, Dutch estava sozinho no quintal, deitado sobre a grama verde. subiu para seu quarto e eu fiz o mesmo, parando na frente do quarto de . Ele não estava em nenhum outro lugar da casa, o que me fez imaginar se ele estaria desenhando naquele exato momento. Imaginar o que ele estaria desenhando. Quem. Balancei minha cabeça, rumando até meu quarto. Estava me sentindo mal por não me sentir mal. Era complicado demais.
Deixei a sacola, com a única compra que eu havia feito, na mesinha do computador e esperei até a hora do jantar. Só então eu desci, ainda sem olhar meu primo diretamente.
Minha mãe já tinha preparado a mesa e estava sentado numa das cadeiras, relaxado. Não pude não notar que ele parecia cansado, assim como estava mais cedo.
- Está tudo bem? - eu perguntei e ele concordou.
- Seu irmão precisa descansar um pouco mais - minha mãe disse e acariciou os cabelos dele com carinho - Não se preocupe.
Eu sorri, sentando-me ao seu lado e vi chegando, em silêncio. Por um instante, achei que ele diria alguma coisa, mas fora apenas impressão. Assim como eu, ele também estava evitando qualquer contato entre nós. Isso fez com que eu prestasse muito mais atenção na comida do que na conversa que minha mãe tentara estabelecer durante o jantar. Mesmo depois de ajudar a retirar as coisas da mesa e levar alguns pratos para a pia da cozinha, lavando minhas mãos, apenas passou por mim e saiu para o quintal, indo ao encontro de Dutch. Senti-me mal por estarmos nos comportado assim durante o dia inteiro, então decidi que deveria pedir desculpas. Talvez conversar. Deixar aquela sensação estranha pairando entre nós seria como criar ervas daninhas no pequeno muro que eu parecia estar construindo: eu me sentia bem com ele e ele talvez sentisse o mesmo estando comigo. Sendo parte da família.
Segui para fora, abrindo e fechando a porta sem muito alarde, para não chamar a atenção. e Dutch olharam para mim e eu sabia que ele esperaria que eu começasse. Respirei fundo, notando que minha mãe tinha acabado de chegar à cozinha e sorri fingindo que estava tudo bem.
- Eu acho... Que nós deveríamos conversar - eu falei e meu primo consentiu, levantando-se. Dutch sentou-se do seu lado - Sobre ontem...
- Devo confessar que eu tive medo desse momento - ele falou - Digo, agora, não medo por ontem...
- Você... Não vai dizer que foi errado? - eu questionei, surpresa pela reação dele - Que... Que a gente não deveria ter feito aquilo e...
- Você acha que foi errado? - ele me cortou, deixando-me sem palavras. Olhei para dentro da cozinha, vendo minha mãe terminar de enxaguar alguns pratos. caminhou até ela e eles trocaram algumas palavras. Ela secou as mãos e depositou um beijo no rosto de meu irmão. Quando os dois sumiram de vista, fui obrigada a retornar meu olhar a , que continuava parado no mesmo lugar.
- Eu tenho namorado - foi a primeira coisa que veio à minha cabeça, mas meu primo não demonstrou nenhum sinal de decepção quanto a isso - Eu... Eu deveria ser fiel a ele, certo?
- Você está sendo - disse, sério. Senti um tremor subindo pelas minhas pernas, como se eu fosse cair de joelhos a qualquer momento - Digo, naquele momento, você não foi, mas...
- Está mais confuso do que eu, não é? - Eu de repente tive vontade de questionar. concordou e sorriu fracamente, talvez envergonhado. Eu o fitei por algum tempo, sabendo que nós dois queríamos continuar o assunto, sem parecer que estávamos arrependidos. Eu não estava, mas não fui tão direta quanto ele:
- Não estou arrependido - ele disse, como se lesse meus pensamentos - Você está?
Pensei em mentir, mas não seria justo depois de tudo aquilo. Fora eu quem havia começado, olhando os desenhos dele sem permissão, comentando sobre isso enquanto o deixava sem respostas em seu próprio quarto, dando a ele a chance de ultrapassar alguns limites. A verdade era que eu não estava curiosa sobre os desenhos.
- Eu só... A gente... A gente se comportou de um jeito tão estranho hoje... - eu tentei formular uma justificativa, mas não estava encontrando as palavras certas. Ainda assim, compreendeu.
- Me desculpe - ele pediu - Eu deveria ter tomado a iniciativa de conversar com você antes.
Talvez fosse isso o que eu tivesse esperado desde que havia acordado. Mas eu ainda me sentia um pouco mal.
Sem saber mais o que fazer, eu desviei meus olhos de meu primo e fiz menção de voltar para dentro da casa, mas Dutch me impediu. Ele encostou o focinho gelado na minha mão, pedindo carinho. E foi nesse instante que eu me esqueci de todas as preocupações que pesavam sobre os meus ombros. Movi minha mão sobre o pêlo branco e macio da cabeça de Dutch e só percebi que estava próximo quando os dedos dele tocaram os meus.
- ... - eu disse, olhando para a mão dele que se dividia entre acariciar Dutch e tocar-me propositalmente. De repente meu primo pareceu tão confiante... Ele abriu um pequeno sorriso, notando o quão fragilizada eu estava. E não fora apenas para aproveitar a situação, afinal, ele fora muito sincero quando confessou o que sentia:
- A verdade é que, pra mim, não tem como isso ser errado...


Ajoelhei-me de frente para Dutch e ele deu a sua pata, recebendo um grão de ração como recompensa. Passei as mãos por seu pêlo branco, sorrindo enquanto parecia satisfeito em me mostrar como o seu cão de estimação era bem treinado. Levantei-me e Dutch sentou-se obediente, talvez esperando que o mandássemos fazer mais alguma coisa a fim de ganhar alguns petiscos.
- É como se eu tivesse criado ele desde filhote - disse e Dutch levantou uma das patas como se o entendesse - Nós somos parecidos nesse quesito.
A adoção. Não que isso o machucasse, mas saber que a pessoa que o criou não era sua verdadeira mãe deixava meu primo bem pensativo.
Não queria que ele começasse a se lembrar dessas coisas, então tratei logo de emendar uma fala um tanto quanto direta demais para poupá-lo.
- Tem outro quesito no qual vocês são bem parecidos - eu comecei e parei de frente para ele, fitando seus olhos inocentes - Eu gosto muito do Dutch...
O que significava que eu também gostava muito de . Achei que ele demoraria a entender, porém, foi mais rápido do que pensei. Só tive tempo de ver um pequeno sorriso tomar-lhe a face e, logo em seguida, seus lábios vieram de encontro aos meus. Parecia esquisito que estivéssemos nos beijando sem que qualquer uma de nossas mãos pudesse entrar em contato com qualquer parte de nossos corpos, tudo porque estávamos segurando um punhado de ração. E ele estava fazendo aquilo pela segunda vez, denunciando que me correspondia, mesmo isso sendo errado.
A conversa na noite anterior me deixara confusa, mas, ao mesmo tempo, havia tirado o peso da minha consciência. Certamente esse peso retornaria, mais cedo ou mais tarde, mas quando eu estava com , eu me esquecia.
Ele pausou o beijo e se afastou, rindo.
- Vamos voltar, assim podemos lavar as mãos e deixar o Dutch descansar - disse e eu concordei, mordendo o lábio enquanto o via caminhar até o cão, acariciando a cabeça do animal com todo carinho.
Dutch ficou no jardim enquanto e eu lavávamos as mãos e guardávamos os potes usados para carregar a ração do cachorro. Ia dizer algo sobre levá-lo para passear quando um barulho ecoou pela casa vazia. Vinha do andar superior e tive uma sensação ruim ao me lembrar de que apenas nós e estávamos em casa. Meu irmão acordara reclamando e decidira faltar ao colégio, alegando que não se sentia disposto. Antes que meu primo pudesse fazer qualquer pergunta do tipo 'que barulho foi esse?', eu corri escada acima, logo alcançando a porta do quarto de meu irmão. Quando a abri, encontrei-o ajoelhado no chão, os braços apoiados na cama como se ele tentasse evitar uma queda. Seu corpo movia-se de acordo com a respiração descompassada e ele parecia estar sufocando.
- ! - eu me ajoelhei ao seu lado, dando o apoio que ele precisava para soltar-se da cama - Ele não consegue respirar! , chame a ambulância!
Meu primo parecia em estado de choque, pois não se movia. Encarou-nos por alguns segundos, deixando-me ainda mais aflita.
- ! - eu gritei, em desespero. Ele não podia ficar ali parado! Nós precisávamos de ajuda! Ia levantar eu mesma quando ele se projetou até nós e tirou meus braços do corpo de , afastando-me de meu irmão como se eu atrapalhasse. Não tive tempo de questionar, começou a fazer um som estranho enquanto tentava puxar o ar para seus pulmões e meus olhos encheram-se de lágrimas ao imaginar o quanto aquilo estava doendo. Vi sentar-se no chão e puxar meu irmão para perto, posicionando suas mãos sobre o peito dele, abraçando-o. Os dois fecharam os olhos e eu estava tentada a intervir, mas não sabia como. Queria entender o que diabos ele estava fazendo. Tínhamos que levar ao hospital!
- ... - eu chamei, amedrontada, e ele parecia não me ouvir. Segurou o corpo de enquanto ele sofria o que parecia ser uma pequena convulsão e logo meu irmão parou, como se desmaiasse. Arregalei os olhos, sentindo um frio percorrer todo o meu corpo - O que você fez? - eu estava assustada. soltou o corpo de e se levantou, correndo para o banheiro. Imediatamente, eu me agarrei ao meu irmão, sentindo sua pele quente. Por um instante, achei que estaria morto - ? ?!
Eu o chacoalhei levemente e ele moveu os dedos, buscando pela minha mão. Quando a encontrou, agarrou-a com tanta força que pensei que meus dedos quebrariam. Ele puxou o ar para os pulmões sem problema algum, respirando fundo várias vezes enquanto recobrava os sentidos.
- O que... O que aconteceu? - ele perguntou, os movimentos sendo reparados aos poucos - ... Eu...
- Sente dor? Consegue respirar? - eu questionei, tocando seu rosto cansado - , como... Como...?
- Estou bem - ele respondeu simplesmente. Levou as mãos à cabeça, piscando os olhos com força - Apesar de não estar entendendo nada...
Eu também não estava.
Constatando que meu irmão estava seguro, eu corri para a porta do banheiro, abrindo uma fresta dela.
- ? - chamei e o escutei passando mal. Abri a porta depressa, tocando seus ombros, enquanto o rosto dele estava quase colado à pia de granito. Só então notei que o que ele expelia era sangue - Ah, meu Deus, , o que... O quê?
Suas mãos acionaram a torneira e a água lavou a coloração avermelhada da pia. pegou a toalha pendurada ali ao lado e a segurou contra a própria boca, virando-se para mim.
- Desculpe - ele disse, a voz abafada. Seus olhos estavam marejados.
- Desculpar? - eu ergui um pouco a minha voz, assustando-o - Será que você pode me dizer o que é que está acontecendo?
- É só sangue - ele respondeu, ainda segurando a toalha em sua boca - Às vezes acontece...
- E como você me explica a melhora súbita do meu irmão? – eu estava afobada. Na última vez em que acontecera, deveria ter uns doze anos de idade. Meu pai havia saído apressado carregando meu irmão para o carro enquanto tentava me explicar que ele estava tendo uma crise relacionada com algum problema pulmonar. Só pude vê-lo dois ou três dias depois, quando ele retornou do hospital.
então se rendeu às minhas perguntas.
- Ele estava passando mal, só fiz o que achei correto – ele disse – O que eu fiz foi...
- Incrível! – nos interrompeu, caminhando na direção de nosso primo - Não sei como fez isso, mas você... Você me curou...
- Não é bem assim – tentou desmentir, mas fora exatamente aquilo que meus olhos haviam visto. segurando meu irmão nos braços enquanto devolvia o ar a ele apenas com o seu toque – Eu não curei você...
- Então o que foi tudo isso? – eu perguntei. Já não aceitaria mais nenhum tipo de desvio em suas respostas - Por favor, , só quero entender o que está havendo...
Meu primo respirou fundo, notando que não poderia mais se esconder. Concordou em nos dizer a verdade e pediu para que voltássemos para o quarto. Sentamo-nos na cama de , esperando-o começar.
- Eu não curo as pessoas – ele falou, talvez ainda pensando nas palavras certas – Eu... Eu roubo as feridas delas...
- Por isso passou mal depois que a crise do meu irmão cessou? – eu quis saber e ele concordou.
- É como uma transferência... A dor que seu irmão sentia meio que passa para o meu corpo, mas numa outra intensidade – ele disse, tocando o próprio peito – Eu não o curei, apenas dividi seu sofrimento.
- Desde quando tem esse ‘poder’? – meu irmão mexeu os dedos no ar enquanto fazia a pergunta. sorriu fraco.
- Descobri na época em que estava no orfanato – ele respondeu – Um amigo meu tinha caído e ferido o rosto. Sangrava tanto que eu insisti para que chamássemos uma das tutoras, mas ele estava com medo de levar bronca por estarmos fora dos dormitórios. Sem pensar, pressionei o ferimento com o intuito de estancar o sangramento, mas a ferida acabou se fechando. Na hora, não aconteceu nada comigo, apenas ficamos surpresos. Porém, quando retornamos ao quarto, comecei a passar mal.
- E seu amigo não contou isso pra ninguém? – quis saber.
- Ele mesmo me pediu para manter segredo – explicou – Disse que seria perigoso se outras pessoas soubessem.
estava impressionado e eu sabia que ele queria fazer muitas outras perguntas, mas os dois finalmente repararam no meu silêncio.
- ... - meu primo chamou meu nome e eu o fitei, um pouco mais calma.
- , esse... Esse tipo de coisa... Não existe - eu falei, imensamente confusa com toda aquela repentina revelação. Vira coisas do tipo em filmes, em histórias fictícias que sempre terminavam com um final feliz. Ele não poderia estar falando sério.
esticou sua mão em minha direção, de certo tentando saber se eu sentia medo. Mas eu não me movi, deixando que seus dedos tocassem os meus como ele havia feito no dia anterior. De repente, tudo pareceu fazer sentido: a fala da senhora Fong, a mancha no pêlo de Dutch... Era difícil acreditar que algo assim pudesse mesmo ser real.
, ao contrário de mim, estava fascinado.
- Cara, além disso ser o máximo, vamos ter um segredo pra guardar à sete chaves - ele brincou, dando um tapinha no ombro de nosso primo - Mas e você? O mal estar passa assim, tão rápido?
- Depende - respondeu, sem me soltar - Às vezes se estende por dias...
Assim como as minhas dúvidas.
O som do carro de minha mãe chegando nos tirou daquela situação. pediu para que não contássemos nada daquilo pra ninguém e meu irmão e eu concordamos claramente. saiu do quarto, mas meu primo me impediu de fazer o mesmo.
- Eu não pretendia contar - ele disse, verdadeiro - Achei que era algo que você não precisava saber.
- Eu só... Estou um pouco assustada - eu confessei, mirando seus olhos. Apesar disso, não consegui deixá-lo daquela maneira. Toquei seu rosto e me aproximei o suficiente para abraçá-lo - Isso logo vai passar.
(Betada por:Gabriella)



Capítulo 7

Sentada na mesinha do computador, chequei alguns e-mails e coloquei qualquer música para tocar, preparando-me para o Dream Concert dali a alguns dias. Em meio àquela confusão toda com e o tal dom que ele possuía, e eu fingíamos que nada havia acontecido e procurávamos conversar sobre a viagem quando estávamos na presença de minha mãe. Ela teria folga durante o fim de semana e achava uma ótima ideia ter a casa inteira pra ela e o silêncio que vivia dizendo precisar. Tudo bem que agora tínhamos Dutch, mas ela até gostou de ter de cuidar dele durante os dias que passaríamos em Gwangju. Isso a distraia o bastante para não questionar o motivo pelo qual meu primo parecia um tanto quanto abatido.
Depois do jantar, subi com ele e lhe dei um novo abraço antes de me retirar. Sabia que ele estava com medo de que eu resolvesse me afastar depois de descobrir o seu segredo, mas algo dentro de mim pedia para me aproximar ainda mais. E por isso eu estava ali, rindo de mim mesma enquanto puxava a sacola com a compra que eu havia feito no dia anterior. Era pequena e branca e tinha o logo bonito da loja de tranqueiras da rua comercial de Cheonan, que ficava próxima à área onde, às vezes, alguns ídolos populares faziam fanmeetings. Dentro dela, havia um plástico azulado, que protegia o caderno de anotações que me chamara a atenção. Tinha as folhas coloridas como bloquinhos de post-its e eram lisas, sem linha alguma. Seu formato pequeno e sutil me deu a ideia de escrever toda a confusão que eu tinha dentro de minha cabeça com relação a , assim como ele fazia com seus desenhos. De repente essa ideia me pareceu tão infantil que eu não evitei gargalhar sozinha, enquanto folheava o caderno e procurava por uma caneta bonita na minha mesa. Abri em uma página qualquer e pensei em tudo o que estava acontecendo.

“Você pode salvar as pessoas.”

A tinta preta na folha de cor verde acalmou-me um pouco. De repente não pareceu tão patético como eu achei que seria. Voltei algumas folhas e resolvi escrever numa face amarela. Mas não seria sobre dessa vez.

“Queria ouvir a sua voz...”

Ainda esperava uma resposta de sobre a viagem e eu havia ficado um pouco chateada por ele não ter entrado em contato comigo, como eu havia pedido. Eu não estava merecendo tanta atenção, já que, de certo modo, estava desrespeitando nosso relacionamento ao passar tanto tempo com meu primo.
Mas eu sentia falta do meu namorado.
Descansei a caneta na mesa e fitei o caderno por um tempo, desistindo de continuar anotando as frases bobas que me vinham à mente. O papel de parede do meu computador era uma foto minha com , tirada em um de nossos passeios, e eu de repente senti muito a falta de momentos como aquele. Relaxei na cadeira, esticando os braços e fui surpreendida pelo toque do meu celular. Estava sobre a minha cama, então caminhei até lá para pegá-lo, não evitando sorrir ao ler o nome de na tela. Atendi como de costume, sentando-me em minha cama com as pernas cruzadas. Algo dentro de mim parecia ter se acendido, era tão... Engraçado.
- Desculpe por não ter ligado antes - ele pediu e eu disse que estava tudo bem e que sentia saudades - Eu te devo uma resposta também, não é?
- Não gosto do seu tom de voz - eu falei, emendando um risinho. De certa forma, e eu não sabia dizer por quê, ele estava me deixando nervosa - Por favor, diga que você vai pra Gwangju comigo...
Ele ficou quieto por alguns segundos, o que não era um bom sinal.
- ? - eu o chamei e pude ouvi-lo respirar fundo do outro lado da linha.
- Eu não vou - ele respondeu e emendou sua fala sem me dar brechas - Liguei pra te avisar sobre isso, mas tem outra coisa que eu preciso te falar...
Senti uma corrente gelada cortar-me ao meio e não queria acreditar que ele estava usando tais palavras. Elas só me levavam a pensar em apenas um final para a nossa conversa. Um final para nós. Rezei mentalmente para que estivesse enganada.
- Eu não vou te ver esse fim de semana - ele falou, depois do meu breve silêncio. Já estava sentindo um ferimento abrindo-se em alguma parte do meu corpo - Na verdade, eu não vou mais te ver...
Segurei o aparelho com força para evitar que ele caísse. Nesse momento eu já estava sentindo as lágrimas invadirem os meus olhos, porque, de uma forma ou de outra, eu já esperava por aquilo. Só não achei que viria assim, do nada, sem a companhia de uma discussão ou da revelação da traição por minha parte.
Eu não sabia o que dizer.
- As coisas se complicaram pra mim, eu ando sem tempo pra mim mesmo...
- ...
- Eu sei, eu sei, estou sendo um idiota por dizer isso pelo telefone - ele continuou, sem rodeios - Mas eu... Não posso mais te ver, entende? Estamos longe um do outro, isso... Isso não pode dar certo...
- Não fala assim - eu o cortei, achando a sua desculpa para lá de falha - , não faz isso...
- Me desculpe - ele estava decidido - Eu... Eu amo você, mas não posso te prender assim, eu... Não posso. Eu quero terminar...
- Mas eu não quero - eu falei, sem medo algum de insistir. Se ele ao menos me desse um motivo justo...
- , por favor - sua voz estava no mesmo tom, como se ele também estivesse controlando a si mesmo - não complique as coisas.
Mordi os lábios com força, engolindo as palavras que queriam sair dela. De repente comecei a sentir raiva daquela conversa. Se eu dissesse qualquer coisa, minha voz denunciaria o meu choro, e eu não queria parecer tão mal, mesmo isso sendo um orgulho imbecil. Ele me conhecia o suficiente para saber que eu estava desabando enquanto não dizia nada. E eu estava. Estava caindo.
- , eu sinto muito...
Não consegui me decidir entre engolir o choro e gritar com ele ou insistir, sendo dramática, então simplesmente desliguei e deixei o celular cair de minhas mãos como se eu não tivesse mais força para mantê-lo entre meus dedos. Era uma sensação que eu nunca havia tido. As pessoas sempre comparavam o fim de um namoro com a perda de alguém querido e eu sempre achei que seria igual. Mas, naquele momento, eu conseguia sentir a diferença. A intensidade com a qual eu parecia estar sendo esfaqueada várias e várias vezes não era tão forte como quando eu havia perdido o meu pai. Mas não ficava tão abaixo assim, como eu desejava que fosse. “Eu quero terminar”, não conseguia parar de pensar na voz dele me dizendo isso, “não complique as coisas...
Meu rosto estava fervendo e eu tive vontade de ir ao banheiro para lavá-lo, mas meu corpo estava travado. Só o que consegui fazer foi esticar as minhas pernas e deitar-me sobre a colcha macia. Não era como se fosse o fim do mundo, mas doía tanto que eu podia jurar que aquela não era eu, afinal, eu estava me comportando como todas as garotas que julguei em cada filme romântico que assisti.

Não sei por quanto tempo fiquei naquela posição, sentindo meu travesseiro encharcado e meu nariz trancado, como se eu estivesse gripada. Quando eu finalmente consegui parar de chorar, meus pensamentos imediatamente me causaram dores de cabeça. A música vinda dos alto falantes conectados ao computador ainda tocava quando alguém bateu na porta, chamando pelo meu nome.
- ? - era e senti meu peito doer ainda mais quando ele abriu uma fresta da porta, espiando para dentro do quarto.
Nós normalmente fazíamos isso todos os dias e depois passávamos horas conversando sobre qualquer coisa ou sobre o Dutch. Mas naquele momento, eu apenas queria e precisava ficar sozinha.
- Vai embora, - eu falei, puxando um travesseiro para cobrir parte do meu rosto. Minha aparência deveria estar horrível. Ainda assim, ele fez menção de abrir mais a porta e entrar e eu não tive outra escolha senão aumentar o meu tom de voz - Não, , vai embora!
Ele parou abruptamente e nós pudemos ouvir o som do carro de minha mãe chegando para o almoço.
- , o que você tem? - ele perguntou, preocupado. Porém, a raiva que eu estava sentindo em conjunto com a minha tristeza, me fez tomar uma atitude rude diante da situação.
- SAI DO MEU QUARTO! - eu gritei e joguei o travesseiro contra a porta, assustando-o. Meu primo fechou a mesma e eu me encolhi, empurrando a colcha e me enfiando embaixo da coberta.
Não sabia se chorava por estar triste ou com raiva de mim mesma por estar sendo tão fraca. Não se passaram nem cinco minutos e minha mãe bateu na porta do meu quarto. Ao contrário do que acontecera com meu primo, não pude gritar com ela. Não quando seus olhos pareceram me entender e ela abriu seus braços para me receber num forte abraço. Aos soluços, contei a ela que e eu tínhamos terminado de uma maneira rápida e sem sentido.
Ela apenas disse que tudo ficaria bem.

Peguei no sono e acordei faminta. Rumei até o banheiro e me olhei no espelho, encontrando uma imagem terrível. O que eu via de ruim não estava tanto na parte física - meus olhos estavam um pouco inchados e meu rosto estava vermelho -, mas sim dentro de mim mesma. Eu me sentia péssima por não ter tido uma reação mais corajosa diante do pedido de e por ter gritado daquele jeito com . Lavei o rosto e voltei ao quarto, mirando o celular largado sobre a cama. Toquei nele apenas para saber que horas eram e vi que havia muitas mensagens de . Ele não estava voltando atrás em sua decisão, apenas desculpava-se repetidas vezes e dizia que estava fazendo aquilo porque era melhor para nós dois. Se ele queria colocar isso na minha cabeça, eu o faria ser um vencedor. E para isso, eu deveria, antes de tudo, pedir desculpas ao meu primo.

Saí do meu quarto e parei de frente com a porta do quarto de . Levei minhas mãos ao rosto, pensando nas coisas que eu deveria dizer. Minha mente estava vazia e só repetia uma frase: peça desculpas, peça desculpas, peça desculpas. Ergui minha mão para bater na porta e o fiz duas vezes seguidas, sem receber nenhuma resposta. Ele deve estar bravo comigo, pensei, sentindo um amargo em minha garganta. Girei a maçaneta e abri uma fresta, como ele fizera mais cedo.
- ?
O quarto parecia estar vazio. Estava quase recuando quando escutei o som de meu primo tossindo vindo do banheiro. Com passos rápidos, eu fui até lá e o encontrei debruçado sobre a pia, mais uma vez cuspindo sangue.
- ! - eu o ajudei, trazendo uma toalha limpa, já que a que ele estava segurando parecia estar ensopada em líquido vermelho. Ele expeliu um pouco mais de sangue e a água que saía da torneira levou tudo embora. Meu primo limpou o rosto, respirando fundo e piscando os olhos. Parecia sentir dor e estar muito fraco, pois apoiava suas mãos na pia com muita força, como se fosse cair - Está tudo bem?
Ele concordou, soltando uma das mãos para segurar a toalha limpa contra sua boca. Fitava-me com uma expressão levemente assustada: talvez não quisesse que eu o estivesse vendo daquela maneira. Ele tossiu uma última vez, largando a toalha na pia em seguida, e ficou parado esperando que eu dissesse alguma coisa. Voltei meus olhos ao chão, envergonhada pelo que havia feito mais cedo, sabendo que ele deveria estar esperando um pedido de desculpas. E eu o faria, só precisava fazer minha voz ter coragem de sair novamente.
Enquanto mordia meus lábios, ainda pensativa, ergueu sua mão e tocou meu rosto, fazendo-me olhar para ele. E sorriu.
- Eu fiquei preocupado com você.
Senti a vontade de chorar invadindo-me mais uma vez. Minha mãe com certeza tinha contado o que estava acontecendo e meu primo deveria estar tão confuso quanto eu. Era impossível não relacionar o fim do meu namoro com às vezes em que e eu havíamos nos beijado. Talvez isso nos fizesse sentir certa culpa, mesmo estando claro que eu jamais contara nada sobre isso a ninguém. Fechei os punhos, tentando impedir que as lágrimas caíssem, mas algumas escapavam com rapidez. Meu corpo só relaxou quando meu primo me puxou para um abraço.
- Eu não queria ter gritado com você - falei, ouvindo minha voz trêmula. respirou aliviado, apertando seus braços contra mim - Me desculpe...
- Não tem problema - ele respondeu de forma compreensiva. Afrouxou o abraço, permitindo que eu o olhasse mais uma vez. Então eu toquei o seu rosto, vendo-o fechar os olhos, sentindo que ele ainda estava um pouco mal fisicamente.
- Está assim por causa do que fez pro meu irmão? - eu quis saber, lembrando-me de quando o vira sangrar no jardim, depois dele ter curado o ferimento de Dutch.
- Foi um pouco mais forte dessa vez - ele disse - Mas já está passando.
Seu rosto ainda estava um pouco pálido, apesar de quente. respirou fundo, enquanto eu movia meus dedos por sua bochecha e, em seguida, pegou minhas mãos, abrindo os olhos, e me guiou de volta ao quarto. Nós nos sentamos em sua cama e ele não me soltou, apenas sorriu fraco.
- Sente dor? - perguntei e ele concordou.
- Um pouco - indicou o peito com uma das mãos - Eu nunca tinha ajudado alguém num estado tão grave...
Pensar nisso fez minhas lembranças virem à tona: meu pai costumava cuidar muito bem de , como ele fazia comigo, embora se preocupasse muito mais com meu irmão. Quando éramos pequenos, houve uma época em que vivia no hospital e me diziam que era porque ele estava com a minha mãe, não porque estava doente. Depois de um tempo, compreendi que eles queriam me poupar de um sofrimento maior: não queriam que eu me preocupasse tanto com meu irmão, pois ele estava bem, apesar de tudo.
Eu não sabia o que pensava sobre isso, mas conseguia entender o que ele sentia. Há coisas que devem ser mantidas em segredo para não machucar os outros, porém, há segredos que não conseguem ser mantidos por muito tempo.
Meu primo pigarreou, tirando-me de minha distração.
- Sua mãe me contou o que aconteceu... Com o seu namorado - ele disse, o tom de voz incerto sobre questionar-me sobre isso ou não - Tem a ver com o que a gente...?
- Não, não tem - eu respondi imediatamente. Eu estava apenas reforçando o quão errada eu era naquela história toda, mas eu tinha que ser sincera - Eu não contei nada sobre nós para o . Eu nem ia, na verdade.
- Vocês... Terminaram mesmo? - ele perguntou e eu concordei.
Ainda era estranho pensar nisso. Há uma semana, e eu estávamos bem. Eu havia notado algumas diferenças em seu comportamento, por causa da mudança e do novo trabalho e rotina, mas eram coisas simples que não indicavam qualquer problema no nosso relacionamento. Não consegui não ligar a minha traição com isso: e se tivesse encontrado alguém? E se ele estivesse passando pela mesma situação, tendo dúvidas sobre seus sentimentos, agindo estranhamente porque se dera conta de que eu sou uma fracassada que vai ficar em Cheonan para sempre? Meus pensamentos só pioravam e eu os colocava em níveis cada vez mais baixos, tentando inventar um grande motivo para as palavras de meu - agora -, ex-namorado.
apertou mais suas mãos nas minhas e eu engoli o choro.
- Pode curar esse tipo de ferida também? - eu quis saber, referindo-me à dor que eu sentia. Dissera aquilo sem pensar nas consequências, mas elas não poderiam ter sido melhores.
Com um puxão leve, meu primo colou seus lábios nos meus, beijando-me rapidamente. Fora até mais do que o necessário para fazer-me voltar a sorrir, ainda que fracamente.
- Você sabe o que dizem, só o tempo pode curar isso - ele explicou, dando a entender que seu “poder” era apenas físico -, mas eu estou aqui, com você.



- Não volta pro jantar?
Estava falando com minha mãe pelo telefone. Ela havia ligado para saber se eu estava melhor e se tinha acordado para me alimentar. Ficara preocupada, dizendo que tinha conversado com e pedido para ele tomar conta de mim e para insistir em não me deixar ficar trancada no quarto, como ela imaginou que eu faria. Para sua surpresa, fora eu quem havia atendido à sua ligação e tinha certeza de que ela estava sorrindo do outro lado da linha.
- Algo me disse que eu precisava voltar para casa no horário do almoço, então troquei os turnos por hoje - ela explicou, esclarecendo o porquê de ter aparecido em casa mais cedo. Geralmente, ela almoçava no hospital mesmo, ou em algum restaurante ali por perto e só retornava à noite - Vocês vão ficar bem, certo?
- Sim, nós vamos - eu falei, sem expressar tristeza nenhum em minha voz - Daqui a pouco volta e nós podemos encomendar alguma coisa...
- Certo, agradeça seu primo por mim, ele me ajudou bastante hoje.
Despedi-me e desliguei, sentando-me na mesa da cozinha. O quadro com flores desidratadas da senhora Fong estava sobre um dos armários laterais, esquecido junto a alguns livros de receitas. Olhando para ele, recordei-me de seus comentários sobre e tive curiosidade em saber qual era o motivo para ela ter reparado daquela forma nele. Levantei-me e caminhei até o armário, pegando o objeto e o levando comigo escada acima. Havia um prego sobrando na parede e juntei a moldura com flores aos outros quadros ali dispostos. Minha vontade era visitar a senhora Fong e fazer algumas perguntas à ela.
Já no segundo andar da casa, passei reto pelo quarto de meu primo. Tínhamos conversado um pouco, mas ele tinha que descansar, com isso, abri a porta de meu quarto e decidi que faria o mesmo. Dutch também estava meio murcho e eu até tentara brincar um pouco com ele, mas ele preferiu deitar-se na sombra ao lado da porta da cozinha.
Fechei a porta do quarto e a primeira coisa que fiz foi procurar pelo meu celular. Havia largado-o em cima da cama e não estava com vontade alguma de ler as outras mensagens que poderia ter me enviado. Para minha surpresa, o celular estava vibrando naquele exato momento e o nome de meu namorado piscava na tela, junto a uma foto sua. Mas eu não quis atender e o motivo não foi o fato de que estava chateada com o que estava acontecendo, mas sim porque havia um desenho embaixo do aparelho. Numa das folhas lisas do caderno de , seus traços em grafite mostravam o meu rosto, acompanhado por um grande sorriso. Peguei o papel, notando que o desenho estava inacabado e, mesmo assim, continuava sendo perfeito. O celular cessou e eu virei a folha ao avesso, deparando-me com a caligrafia miúda de meu primo.

Por favor, sorria mais
(Betada por:Gabriella)



Capítulo 8

Saí bem cedo, deixando um bilhete na mesa da cozinha, avisando que estava fora com Dutch, para que meu primo não achasse que todos o havíamos abandonado. Não estava tão frio, mas eu me apertei dentro de um casaco comprido de cor vinho que eu encontrara em meu armário, um pouco amarrotado por ter sido esquecido lá dentro durante tanto tempo. Fora o último presente que eu ganhara de meu pai e eu o havia usado poucas vezes. Talvez fosse por isso que Dutch insistia em cheirar a barra da blusa, estranhando.
- Você está assim porque não chamamos o ? - eu perguntei e o cachorro fez um barulho engraçado com o focinho, como se espirrasse - Entenderei isso como um 'sim'...
Nós fizemos o mesmo caminho de sempre, pois o meu objetivo era ir até a casa da senhora Fong para conversar. Pensei muito em como abordá-la, mas a única conclusão a que cheguei foi a de que deveria simplesmente ir direto ao ponto. Ela sabia algo sobre meu primo, talvez algo relacionado ao 'poder' que ele possuía. Do contrário, não teria usado aquelas palavras na última vez em que nos viu. "Apenas cuide para que ele não faça nenhuma besteira". Eu estava ali para tirar essa dúvida.
Segurando a guia, fui com Dutch até a varanda da frente da casa da senhora Fong, notando que as janelas estavam fechadas. Toquei a campainha, mas ninguém apareceu para nos atender. Esperei um pouco, tocando a campainha mais uma vez, mas a casa estava vazia.

-x-

- Por que não me chamou pra ir com vocês? - quis saber. Sentou-se na lateral de minha cama e ficou observando-me enquanto eu guardava minha caderneta colorida na gaveta.
- Você sabe, precisa descansar - eu respondi, caminhando até ele e sentando-me ao seu lado. Meu primo suspirou, logo pegando numa de minhas mãos sem cerimônia alguma.
- Já não sinto mais nada - ele disse, direcionando-me um sorriso - Mas obrigado por se preocupar...
Seu rosto estava mais corado, demonstrando, junto à sua expressão, que ele não se sentia mais tão cansado como nos dias anteriores. ficou me olhando durante longos segundos e eu comecei a me sentir estranha com tamanha admiração. Sem graça, desviei meu rosto dele e me levantei, indo buscar o desenho que havia deixado sobre a mesinha do computador.
- Acho engraçado o modo como você me vê - eu falei, caminhando com o papel nas mãos.
- Como assim? - ele não entendeu. Parei próxima da cama, apontando para os traços do grafite.
- Eu pareço mais bonita no desenho...
Meu primo riu e fingiu analisar a figura e a mim. Mordi o lábio, abaixando a cabeça.
- Você tem que sorrir pra que eu possa comparar - ele brincou, mas eu não queria ficar mostrando os meus dentes, já que estava começando a ficar envergonhada. esperou alguma reação minha, mas eu não sabia o que dizer - ?
Era estranho me sentir daquela forma, tão indecisa e tão idiota por dentro. Como no dia em que me puxara para dançar naquela festa do colégio e me beijara pela primeira vez. Não, na verdade, estava sendo mais forte. Fora de tudo o que as pessoas já haviam descrito quando se tratava de estar perto de alguém especial.
Não sei por quanto tempo fiquei divagando sobre esse sentimento, mas fui libertada das indagações quando senti as mãos de meu primo me puxarem para perto dele. Elas pousaram em minha cintura e lá ficaram, enquanto os olhos dele chamavam pelos meus. Estava realmente desligada por não ter notado quando ele se levantou...
- Você me assustou! - eu disse e não sabia se o tocava ou se continuava com as mãos livres, gesticulando com o desenho em uma delas.
- Você estava distraída demais - ele ergueu uma das sobrancelhas - Eu sei que estava pensando no seu namorado...
De certa forma, sim, mas não como ele imaginava que fosse.
- Pare de pensar nele...
Fora o pedido mais sincero que eu já recebera. Encantada por isso, fechei os meus olhos e esperei que ele começasse. Deixei que ficássemos ainda mais próximos e ele depositou um beijo em meu rosto, surpreendendo-me. Ficou alguns segundos assim, roçando os lábios na minha bochecha, hora ou outra beijando-me mais algumas vezes, e eu tive vontade de abrir os olhos para vê-lo, mas não o fiz.
- ?
Minha voz saiu serena, um tom inevitável naquelas condições. Ele realmente sabia me fazer esquecer das preocupações.
E então finalmente senti sua boca na minha, pressionando os meus lábios calmamente, como se estivéssemos sendo filmados na cena de um drama. Eu soltei o papel e creio que ele caiu no chão enquanto minhas mãos curiosas agora se direcionavam para os cabelos e nuca de meu primo. Eu gostava do modo como ele era sutil e, assim, acabava deixando escapar a curiosidade que tinha em descobrir qual seria o melhor jeito de ser recepcionado. Parecia me estudar a todo o momento, como eu fizera quando ele havia acabado de se mudar: ambos decorando os trejeitos um do outro, as manias e os traços. Eu poderia não conseguir desenhá-lo perfeitamente num papel em branco qualquer, mas guardava a sua imagem em pensamentos blindados.
girou nossos corpos e minhas pernas encontraram o colchão, dando-me a dica sobre o que deveria acontecer a seguir. Por um instante, pensei em pará-lo, mas ele não me dava brechas para isso. Talvez não fosse nem a sua intenção, mas eu me deixei cair sobre a cama, trazendo-o comigo. Foi impossível não sorrir quando ele se separou um pouco de mim, talvez esperando que eu lhe desse permissão para continuar, já que tínhamos mudado levemente a situação e, pela minha expressão, ele logo soube que tinha liberdade pra isso.
- Me pergunto sobre o que pode acontecer em Gwangju... - ele disse, dando-nos um breve intervalo. Acariciei o seu rosto enquanto ele me fitava.
- Não sei se essa viagem foi uma boa ideia - eu falei, com medo de quebrar o clima - Eu meio que perdi a vontade de ir...
fez um biquinho engraçado e eu soube que ele estava pensando em algo pra dizer.
- Foi algo que eu disse? - perguntou e eu neguei imediatamente. Ele sorriu - Então não tem um motivo pra você ficar assim...
- Mas, ...
- - ele me cortou - Vai ser divertido.
Respirei fundo, ainda com dúvidas. Pensara em como seria estranho fingir que eu não me importava nem um pouco com o fim do meu namoro. Talvez um fim de semana de silêncio e monotonia me ajudasse a refletir sobre as mudanças.
Talvez não.
- Eu prometo que vou cuidar de você...
Meu primo voltou a me beijar enquanto eu fechava minhas mãos no tecido de sua camiseta, tentando mantê-lo ainda mais próximo de mim. Cuidar... A meu ver, ele já fazia isso há um tempo, preocupando-se comigo, tentando me entender... Era tão diferente de quando ele havia chegado a Cheonan, os olhos antes receosos que agora conseguiam ler-me com facilidade, o sorriso antes fraco que agora aquecia-me toda vez que me era direcionado.
Não enxergava mais os meus problemas quando estávamos juntos, portanto, não via razões para negar as suas carícias, mesmo achando que estávamos indo rápido demais.
E seria perfeito, porém, não estávamos sozinhos em casa.
estava parado ao lado da porta que ele acabara de abrir, cujo rangido havia chamado a atenção de e a minha. A princípio eu não soube o que fazer: meu primo saiu de cima de mim e se sentou sobre o colchão, enquanto meu irmão nos olhava como se tivesse visto fantasmas. Abri a boca para tentar me desculpar pela cena, mas ele nos deixou, certamente rumando para seu quarto.
Fora um tanto constrangedor e o silêncio que se instalou no quarto depois disso só piorou a situação. Eu me levantei, ajeitando a minha blusa, que estava amarrotada, e olhei para .
- Vai atrás dele? - ele quis saber e eu concordei. Realmente deveria ter uma conversa com meu irmão sobre aquilo.
- N-Não se preocupe - eu disse, ligeiramente nervosa.
mordeu o lábio e esticou suas mãos para tocar as minhas. Eu tremia um pouco, tanto pelo susto quanto pelo que fazíamos, mas me senti confortável ao notar que ele queria me passar certa segurança.
- Não é errado, lembra?

-x-

A porta do quarto de meu irmão estava aberta e eu o encontrei sentado na cama, enquanto fingia mexer em seu celular. Ele sabia que eu iria atrás dele para tentar me explicar e não disse nada até eu me sentar ao seu lado.
- Não é o que você está pensando - eu comecei e ele me cortou.
- Tudo bem - deu de ombros, olhando pra mim com uma expressão estranha no rosto - e você terminaram, estava... Te consolando...
- Ah, , não é isso - eu também o interrompi. Não queria que ele tivesse ideias erradas quanto à cena que presenciara - Eu... Eu gosto do .
Senti minhas bochechas ferverem e ele continuou apenas me olhando por mais um tempo. Nem eu mesma acreditava que aquilo estava acontecendo. Terminar com havia me deixado arrasada, mas era como se tal tristeza tivesse sido encaixotada e escondida.
- sabe disso? - ele perguntou e eu estranhei o fato dele estar mencionando meu amigo na conversa.
- Eu não disse nada a ele... Por quê?
- Ele acabou de me ligar, um pouco antes de eu... De eu pegar você e o no quarto - ele respondeu, usando uma das mãos para coçar a cabeça - Disse que tentou ligar pra você...
Mas meu celular esteve desligado até então. Ou sem bateria. Eu não tinha tocado nele desde que vira o desenho que havia deixado para mim. E não sentira falta do aparelho, até porque estava evitando a curiosidade de ler as novas mensagens que poderia ter me enviado. Isso fazia parte do "descomplicar as coisas", como ele mesmo havia dito, não exatamente com essas palavras.
- O que você disse pra ele? - eu quis saber. deu de ombros.
- Que você e terminaram - ele respondeu com naturalidade, mas, em seguida, ergueu uma sobrancelha - gosta de você, então eu disse a ele que poderia vir aqui hoje...
A segunda frase fazia sentido. A primeira, porém, assustara-me um pouco por ter sido dita por meu irmão.
- O que foi? - ele não entendeu.
- ... Gosta de mim? - eu repeti, como se não soubesse disso.
- Se disser que nunca percebeu, vou achar que tem coisa errada com você - ele brincou, fingindo que daria um peteleco na minha testa - Deveria ficar com ele ao invés de ficar com nosso primo...
- Por que está dizendo isso? - eu indaguei. Quer dizer que conseguia enxergar o que sentia, mas não via o mesmo em ? Seria isso?
- Pelo simples fato de que a mamãe vai matar vocês dois quando souber o que está acontecendo - ele falou, aliviando-me. Então era esse o problema que ele enxergava...
- Não tem nada que não se resolva com um bom diálogo - eu disse e meu irmão rolou os olhos. Conversar nunca fora o seu forte, pois na maior parte do tempo ele estava apenas ouvindo enquanto minha mãe e eu trocávamos palavras, quando apenas nós três convivíamos naquela casa. Até mesmo com nosso pai, estava sempre observando ao invés de juntar sua voz às nossas.
Por essas e outras, eu às vezes achava que ele conseguia entender tudo de maneira muito mais simples, o que soava como uma ótima qualidade para si próprio.
- Como vai ser na viagem? - ele voltou a falar - Digo, vai ser um pouco... Estranho, não é?
Havia pensado nisso quando conversava com e insistira para que ele fosse, e também quando falava com . Aceitar fazer essa viagem agora parecia ter sido uma decisão ruim. O fato de ter de sair da cidade me fazia recordar o dia em que me deixou para fazer a entrevista que lhe garantiu o passaporte para fora de Cheonan. Para fora da minha vida. Ainda que eu tivesse alguém do meu lado, ser largada assim me deprimia.
Não importaria quantos pedidos de desculpa ele enviasse, todas soariam rudes diante de todo aquele tempo que passamos juntos. Era quase que uma afronta aos cuidados e preocupações que nós havíamos dividido... Eu não o beijava por telefone, por que terminaria por telefone?
Em meio ao meu protesto interior, chamou minha atenção, levando-me de volta ao assunto.
- Eu... Pensei em não ir - eu disse - Talvez passar um tempo com a mamãe seja bom pra mim...
- Tá falando sério? - arregalou os olhos - Isso seria deixar a viagem ainda mais estranha pra gente...
- Ah, eu não sei - ergui minhas mãos, desnorteada. Eu estava mais confusa do que o normal e as perguntas de meu irmão não me ajudavam em nada. Ele percebeu que não adiantaria continuar e pediu desculpas por ter me atrapalhado.
- Eu é que preciso me desculpar por não ter dito nada... - falei e ele sorriu pra mim, pois tudo estava bem.
- Daqui pra frente, eu vou bater na porta antes de entrar... Combinado?

Saí do quarto de meu irmão quando ele me disse que ligaria de volta para para não deixá-lo tão preocupado. Disse a ele que estava tudo bem e que eu não teria problemas em receber meu amigo como sempre. Voltei ao meu quarto, mas não estava lá. Sobre a minha cama, havia apenas um bilhete.

"Minha vez de passear com o Dutch."

-x-

- Eu odeio te ver assim...
entrou em meu quarto sem nem ao menos bater na porta. Já estava quase na hora do jantar e eu tinha passado o fim da tarde sozinha. Ouvira quando e Dutch haviam voltado e também escutara a campainha. Minha mãe também já deveria ter chegado quando apareceu, pois ele demorou a subir para me encontrar.
Ele me viu sentada na cama e veio em minha direção, subindo no móvel. Suas mãos imediatamente repousaram-se sobre meus ombros e começaram a me massagear, como quando ficávamos sem nada para fazer e ele dizia que eu estava estressada. Dessa vez, porém, ele não ouviu nenhum riso meu.
- Liguei pro seu irmão e ele me contou o que aconteceu... - ele disse - Que história é essa de ficar em casa no fim de semana?
- pediu pra você me convencer a ir para Gwangju, certo? - eu quis saber e ele concordou com um resmungo - Eu não quero ir.
- Mas eu quero que você vá, independente do que o seu irmão disse - ele respondeu, usando seu tom de voz normal e calmo. Eu tinha certeza de que ele estava pensando em como levar a conversa sem precisar tocar no nome de e, pelo seu silêncio, estava encontrando dificuldades nisso - Por que decidiu mudar de ideia?
Usei a mesma resposta que havia dado ao meu irmão: a de que passar um tempo com a minha mãe seria bom. parou de movimentar suas mãos e forçou meu corpo de leve, fazendo-me olha pra ele.
- Isso não me convence - ele sorriu e me soltou, certo de que uma hora ou outra me faria concordar com ele.
E eu sabia que isso acabaria acontecendo, já que ele me conhecia tão bem. Algo dentro de mim parecia querer me fazer acreditar que eu deveria mesmo ficar em casa, mas algo também denunciava que isso era um tipo de pirraça. No fundo, eu queria que meu melhor amigo desse um jeito nessa minha indecisão.
E mesmo tendo , ainda havia coisas que apenas era capaz de fazer.
Senti certa culpa por estar me recordando das cenas vivenciadas ali mesmo, naquele quarto. estava de joelhos sobre a minha cama, enquanto me fitava do mesmo modo como fizera naquela tarde, há pouco mais de um ano.
- Pare de me olhar assim - eu pedi, deixando as palavras fugirem de minha boca.
Achei que ele não entenderia, mas ele sabia muito bem o que isso significava: desde sempre ele tentava me fazer acreditar no que ele sentia, apesar de eu ter me dado conta disso muito tarde. Quando eu começara a sair com , inclusive, dizia que queria me fazer trair meu namorado.
O que ele pensaria se soubesse que havia conseguido esse feito?
O olhar que lançava sobre mim tinha sua inocência, mas, devido às circunstâncias, estava mais aproveitador do que nunca.
Isso me fez rir.
- Eu deveria desistir de você - ele falou, fingindo estar chateado - Você sempre ri!
Mas eu não fazia por mal. Preferia levar tudo na brincadeira do que machucá-lo com a ilusão de que eu o correspondia numa mesma intensidade.
- Achei que estava preocupado comigo - eu brinquei, bagunçando o cabelo dele com uma de minhas mãos.
- Eu estou - ele falou - Tenho vontade de socar a cara do !
- Por ter terminado comigo? - eu queria que ele risse também, mas não estava conseguindo.
- Por ter ferido você - ele respondeu, mais sério do que normal. Talvez não quisesse fingir que estava tudo bem como eu fazia - Vocês pareciam estar felizes...
- Seria estranho dizer que nós estávamos? - questionei e ele respirou fundo. Não era fácil compreender certas mudanças - Ah, , deixa pra lá...
Olhei para o chão, voltando a pensar em . Talvez ele já estivesse bem, como eu estava. Ou talvez ele nem tivesse ficado mal, como eu ficara.
Ouvi se mexer e voltar a tocar nos meus ombros.
- Vamos para Gwangju? - sua voz entrou por meus ouvidos, soando um pouco mais contente - Vamos ver os grupos que a gente gosta, nos divertir...
- Okay - eu respondi - Não posso deixar meu irmão sozinho.
- Não era exatamente a resposta que eu queria - meu amigo zombou, inclinando-se para depositar um beijo em meu rosto. Suas mãos correram por meus braços como se fosse a coisa mais comum do mundo ele estar colando seus lábios em minha bochecha, justamente ali. Fechei meus olhos, imaginando-me com o uniforme do colégio, o som da respiração de em contato com a minha pele e toda aquela vontade que nós dois exalávamos por estar desfrutando o desconhecido. Naquela tarde, tinha valido a pena: em quem mais eu poderia depositar tanta confiança senão em meu melhor amigo?
E ele estava ali mais uma vez, não como em suas visitas habituais, onde passávamos horas deitados e apenas conversando sobre qualquer assunto banal. Não, estava ali e finalmente conseguia ter o que queria.
Senti sua mão mover-se por meu pescoço e foi inevitável não recebê-lo. Comparado à , ele era um pouco menos calmo em seus movimentos e, mesmo tendo estado com ele apenas uma vez, eu me lembrava muito bem de como era.
Não havia mudado em nada.
Ergui minhas mãos para apoiar-me em seu corpo, lembrando-me do modo como ele havia me conquistado naquela época. Singelo, sempre me defendendo das pessoas. e eu passamos aquela manhã toda nos olhando de forma diferente e quando ele veio para minha casa, para meu quarto, para minha cama... Naquele dia eu também ri dele, por estar tomando cuidado ao tirar as minhas roupas e porque nós dois éramos inexperientes.
Mas fora igualmente divertido.
Partimos o beijo e mantive meus olhos fechados por mais um tempo, esperando a próxima reação dele. simplesmente afastou-se, esboçando um sorriso abobalhado.
- Ainda é cedo pra pedir uma segunda chance, certo? - ele perguntou, já quase me induzindo a dar uma resposta positiva.
Mas eu apenas tentei recuperar o fôlego, afinal, não teria uma "segunda chance".
Porque estava tendo a primeira.
(Betada por:Gabriella)



Capítulo 9

- Olhe pra mim - disse, apontando a câmera para o meu rosto.
- Está me filmando por quê? - eu perguntei, rindo e erguendo a mão para tentar impedi-lo.
- Minha melhor amiga está indo viajar comigo...
Não importava o que eu fizesse, parecia não desgrudar de mim. Fora assim quando eu acordara naquela manhã e arrumara as minhas malas: a campainha tocando, os sons dos passos na escada e meu amigo batendo de leve e abrindo a porta do meu quarto para espiar e verificar se eu já estava pronta. Ele não tentou nada, mas era como se até o seu silêncio tivesse que ser compartilhado comigo. Sempre senti essa necessidade vinda dele, por tudo o que passamos e descobrimos, mas não daquele jeito. Até mesmo adentrou o meu quarto e saiu logo em seguida ao notar que estava lá.
Fiquei me perguntando se ele desconfiara de alguma coisa, afinal, e eu tínhamos nos beijado e eu bem pareci dispersa durante o jantar naquela noite.
Já estávamos no aeroporto, apenas esperando a chamada para o embarque no voo que nos levaria à Gwangju. O planejado era chegar cedo à casa que era de meu avô para deixar nossas coisas lá e seguir direto para o estádio onde seria realizado o Dream Concert, naquele mesmo dia. estava sentado numa das poltronas do salão de espera e mexia em seu celular enquanto e eu olhávamos as aeronaves pelos vitrais. Voltar à Gwangju num lugar com tantas lembranças me deixara um pouco receosa. Poderia ter usado isso como desculpa para permanecer em casa, mas eu já havia descartado a ideia: na última vez, no enterro de meu avô, aquela casa me pareceu lotada demais e vazia ao mesmo tempo. Não queria que essa fosse a última recordação guardada.
Uma voz feminina anunciou o nosso voo e seguimos para o portão de embarque. Ainda não tínhamos verificado a numeração das passagens, então foi uma surpresa e eu termos ficado ao lado um do outro. Sentamo-nos e acenou decepcionado por ter que ficar com meu irmão algumas poltronas à frente. Meu primo abriu o compartimento superior e guardou nossas bolsas lá dentro, voltando a se sentar.
Seria uma viagem curta, apenas uma hora dentro do avião, e estava me mostrando alguns desenhos que ele havia digitalizado e passado para seu aparelho celular.
- Gosto de quando você desenha o Dutch - eu disse, tocando na tela para ampliar alguns detalhes - É como se o pêlo dele estivesse em movimento...
- Ele não gosta muito - falou, brincalhão - Rasgou um dos meus desenhos quando o deixei subir para o meu quarto... Por isso resolvi digitalizar os outros...
Eu ri do comentário e ele continuou a passar os desenhos como slides. Desligou o aparelho quando anunciaram que estava tudo pronto para a decolagem, por isso não tive tempo de questionar sobre algo que havia chamado a minha atenção. Esperei até que estivéssemos no ar para mencionar a minha dúvida, com medo de que ele não quisesse responder. Ainda assim, eu o fiz.
- Quem era no último desenho? - eu indaguei, lembrando-me dos traços fortes que vira. Era um rosto longo e feminino, com os olhos bem delineados e de cabelos compridos. não demonstrou receio algum em me contar sobre ela.
- É um desenho meio velho - ele respondeu, sem desviar os olhos de mim - Ela era minha namorada.
- Ah... - não soube o que dizer. Era algo que antes eu não tivera a curiosidade de perguntar. era muito bonito, era óbvio que deveria ter tido muitas namoradas. E era mais óbvio ainda que elas deveriam ter sido todas lindas, pois a garota no desenho tinha um rosto quase perfeito. De repente me senti um pouco mal por não ter cogitado que estávamos indo de encontro com esse passado.
- ...?
- Vocês... Namoraram por muito tempo? - eu quis saber. Ele tinha conhecimento sobre , achei que teria o mesmo direito.
- Por quatro meses apenas - ele respondeu, dando de ombros - Já faz três meses que a gente terminou...
Mordi o lábio, pensando no que dizer. Algo nessa história me incomodava, mas eu não queria admitir que pudesse ser ciúmes. Era cedo demais pra isso.
- Foi ela quem terminou com você? - tentei não ser inconveniente, mas não sabia que impressão isso causaria.
- Foi.
Por não ter prosseguido, senti que meu primo não queria aprofundar-se no assunto. Desviei meus olhos para as poltronas do outro lado, fingindo prestar atenção em qualquer outra coisa ou pessoa. Fingindo também que aquela história não tinha mexido nem um pouco comigo. Inevitavelmente, eu estava tentando imaginar como teria sido o relacionamento de meu primo com aquela garota e qual teria sido o motivo para ela deixá-lo. Imaginar se ele teria feito algo para impedi-la de decidir-se pelo fim.
Se ele ainda sentia alguma coisa.
A mulher que estava sentada na poltrona ao lado olhou com cara feia para mim, obrigando-me a voltar a fitar meu primo, que estava sorrindo.
- Não precisa ter vergonha de perguntar esse tipo de coisa – ele disse. Talvez o assunto não o incomodasse como eu imaginei. mordeu o lábio, mudando repentinamente de expressão – Aliás, eu fiquei curioso também...
Esperei que ele continuasse e o vi espiando os bancos da frente.
- Já namorou o ?
Não sabia se ria ou se continuava quieta para disfarçar o pequeno susto que aquela pergunta havia me causado. Talvez estivesse certa em achar que ele estava desconfiando de alguma coisa. Fingi que aquilo era um absurdo.
- Ele é só meu melhor amigo – eu respondi, forçando um sorriso, mas abaixei a cabeça, como se estivesse mesmo interessada no folheto sobre como utilizar a máscara de oxigênio em caso de acidentes, que encontrava-se nas costas do banco da frente – Por quê...?
- Ele gosta de você – afirmou.
- Todo mundo diz isso – eu falei, esticando minha mão para tocar o panfleto, pronta para tirá-lo daquele compartimento e começar a lê-lo.
- Ele meio que... Deixa isso explícito – meu primo disse, levando sua mão até a minha, impedindo-me de continuar sendo patética. Seus dedos entrelaçaram-se aos meus – Você contou pra ele sobre... Nós?
Respirei fundo, dessa vez erguendo o meu olhar.
- Ainda não – respondi, sendo sincera – Faz pouco tempo que as coisas mudaram, não sei se seria uma boa ideia ele saber assim, tão de repente.
- Quer dizer que não posso te beijar durante a viagem? – ele fez bico, ligeiramente decepcionado.
- Nós podemos tomar cuidado – eu dei de ombros e ele espiou novamente, em seguida inclinando-se para depositar um selinho em meus lábios. Apressado, mas cuidadoso, eu não sabia ao certo como definir – Exatamente assim.
sorriu sem soltar a minha mão, deixando-me levemente nervosa por achar que poderia aparecer no corredor a qualquer momento. Assim como eu não contara sobre meu primo, também não abrira a boca para informar que meu melhor amigo tinha sido iludido por um beijo impulsivo algumas noites antes.
E não pretendia fazê-lo.

Conversamos sobre outros assuntos no decorrer do voo e fizemos uma boa aterrissagem em Gwangju.
Pegamos um táxi até a casa de meu avô, chegando mais cedo do que o imaginado. Os meninos tiraram as bagagens do porta-malas enquanto eu observava a fachada ainda limpa daquele velho sobrado. tirou as chaves da mochila, abriu o portão e caminhou para dentro do terreno, logo alcançando a porta principal. Tinha certeza de que estávamos tendo a mesma sensação ao pisar naquele lugar novamente: um misto de saudade, tristeza e alegria por todos os momentos familiares ali vividos.
- Estou em casa... - meu primo disse baixinho, olhando para o sofá da sala como se alguém estivesse sentado nele. Toquei o seu ombro serenamente - Eu... Costumava dizer isso pro nosso avô...
Assenti com a cabeça, virando-me para ajudar meu irmão. Peguei minha mala e a coloquei ao lado das outras, logo na entrada. parecia surpreso ao notar que a residência era tão extensa, e não era pra menos: os dois pavimentos eram espaçosos e muito bem mobiliados com a sutileza deixada pela minha avó. Quando ela veio a falecer, meu avô manteve tudo exatamente como ela gostava, sem tirar nada de seu devido e planejado lugar. Ele se acostumara com os aparadores e mesas de madeira simplórios, com os quadros dispostos nas paredes, com as cortinas em tons de caqui e o carpete bege. As dimensões dos móveis eram compatíveis umas com as outras e a escolha das cores em tons pastéis claros deixava os ambientes com a impressão de serem ainda maiores.
Como não tínhamos a intenção de deixar alheio às nossas lembranças, tratei de pedir para que subíssemos com as malas para nos dividir nos três quartos disponíveis. ficaria em seu quarto, obviamente, enquanto descansaria no quarto de hóspedes. e eu ficaríamos no quarto que era de meu avô.
- Está tudo bem assim? - meu primo quis saber e nós concordamos.

Ao contrário do que eu havia pensado, estar numa casa com tantas lembranças fazia eu me sentir bem. O silêncio e a camada de poeira sobre os móveis eram apenas um indicativo da solidão na qual meu primo estaria se não tivesse se mudado para Cheonan para morar conosco. deixou suas coisas num canto qualquer e deitou-se na cama, abrindo os braços.
- Eu gosto daqui, tem o mesmo ar tranquilo de casa - ele disse, e estava certo. Apesar do barulho da cidade ser diferente aos nossos ouvidos, ali dentro, era como se estivéssemos cercados pelas árvores e pelo aroma do interior - Só o que falta é o latido do Dutch.
Eu ri de seu comentário e pedi para que ele ligasse para nossa mãe, avisando que havíamos chegado bem. Enquanto isso, saí do cômodo e rumei para a segunda porta do corredor, batendo nela antes de abri-la.
estava olhando pela pequena janela de seu quarto, com as mãos nos bolsos da calça e um dos ombros apoiados na parede. Virou o rosto para mim quando me aproximei.
- Não é tão grande quanto a janela da nossa casa, mas tem uma vista interessante...
O fato de ele ter dito "nossa casa" me fez ter uma vontade imensa de acolhê-lo em meus braços e não soltá-lo nunca mais. Ao invés disso, apenas me coloquei ao seu lado, fitando a paisagem acinzentada, com alguns pontos de áreas verdes visíveis. De certo modo, era bonito.
- Não sei se me acostumaria a viver aqui - eu comentei, imaginando como seria se eu conseguisse entrar para alguma boa universidade, como pretendido desde que eu saíra do colégio.
- Não é tão estranho quanto parece - ele disse, de repente inclinando-se e apontando para um prédio de paredes brancas ao longe - Olha, aquela é minha antiga escola...
Sorri, totalmente sem graça por ele ter segurado minha cintura com sua mão livre, sem notar que estava fazendo isso. Era impossível não reparar no quanto ele estava feliz por "reencontrar" Gwangju, depois de semanas longe de sua habitual rotina. Olhei-o de lado e ele fez o mesmo, finalmente percebendo que estávamos próximos demais um do outro. Não que isso importasse agora que estar com ele parecia ser tão normal.
- Tem tantos lugares que eu quero te mostrar - ele falou, movendo seus dedos sobre o tecido da minha blusa - Mas tudo o que eu queria agora era ficar sozinho com você...
- Devo inventar uma desculpa pra não ir ao Dream Concert? - eu brinquei e meu primo riu.
- Você não é boa com disfarces, hein? - ele zombou, puxando-me levemente para depositar um beijo rápido em meus lábios. Ouvimos um barulho vindo do corredor e nos separamos imediatamente.
- Isso é divertido - ele sussurrou, indo se sentar na ponta de sua cama. Referia-se ao fato de estarmos nos escondendo daquela maneira, creio eu. Permaneci parada ao lado da janela, fitando as ruas movimentadas, até meu celular começar a tocar. Tinha me esquecido completamente de que o deixara ligado. Tirei o aparelho do bolso da blusa e vi o nome de no visor, ao lado do ícone de mensagens. Não quis ver mais nada, devolvi o aparelho ao bolso e avisei de que eu iria me preparar para o concerto.

estava tomando banho, então eu me sentei na cama, preparando-me para checar a última mensagem recebida. Eu o fazia sempre que ia dormir, tentando não me magoar ainda mais com meu ex-namorado. Mas era como se eu precisasse de suas palavras... Como se elas pudessem dar-me a explicação que não tivera coragem de dizer quando me ligara pela última vez.

"Me desculpe por ser um fraco que não consegue contar a verdade."

Fora a pior mensagem de todas, pois significava que ele escondia coisas de mim. Há quanto tempo? Por quê? Eu ficaria sem saber. Não conseguia respondê-lo por puro medo, tal qual era o receio que eu tinha de encontrá-lo de novo. Se ele me procurasse, eu certamente fugiria.
Meu irmão saiu do banheiro e eu larguei o celular na mesinha de cabeceira, fingindo que estava tudo bem.

-x-

Comprar os ingressos da arquibancada fora ideia de , tanto pelo preço, pois eram relativamente mais baratos, quando pelos assentos. Ficaríamos longe o suficiente dos famosos fãs saesang, que ocupavam as diversas fileiras da área vip e da pista, e teríamos um descanso nos horários de apresentação dos grupos que nos eram desconhecidos. Compramos lightsticks azuis por causa do último grupo a se apresentar e nos divertimos muito esperando pelo início do show. Era realmente um espetáculo, centenas de fãs cantando todas as músicas, meninas gritando e acompanhando os fanchants, os detalhes do palco e a animação dos artistas.
Era a primeira vez que íamos a um show tão grande e eu poderia zombar de , que sentara-se ao meu lado, por ele estar dando uma de fanboy quando seus grupos femininos estavam performando, não fosse por meu espírito fangirl que igualmente animou-se ao ouvir minhas músicas favoritas ao vivo.

Quando toda a agitação chegou ao fim, os refletores do local foram ligados e áudios variados dos artistas que tinham se apresentado começaram a ser tocados. Era muito mais difícil deixar o estádio, pois as filas de pessoas andavam lenta a cuidadosamente. De vez em quando me ajudava, guiando-me pelos ombros por entre a multidão, enquanto eu mentinha meus olhos em meu irmão. continuava falando sobre como sua bias fora ótima em chegar até a ponta do palco sem cair do mesmo.

As quase cinco horas que passamos fora nos deixaram exaustos e, dentro do táxi que nos levaria de volta, descansou sua cabeça em meu ombro. Paramos para comprar comida e e desceram.
- Está tudo bem? - eu perguntei, vendo que meu irmão tinha um expressão cansada.
- Foi muito bom, mas estou quebrado - ele respondeu, fazendo careta - Preciso de um bom banho.
- Eu também - eu disse e observei meu primo e meu amigo conversando enquanto esperavam na fila de um caixa.
- Nunca vi o tão feliz - comentou, com a cabeça ainda apoiada em mim.
- Não sabia que ele era tão fanboy assim - eu brinquei e meu irmão riu.
- Não é exatamente esse o motivo, você entendeu - ele deu a indireta, mas eu não estava com vontade de falar sobre aquele assunto de novo - Precisa contar pra ele que você e estão juntos...
E eu iria, mas não sabia quando.

-x-

A senhora Fong estava chorando no meu sonho.
O rosto cansado, as mãos paradas sobre o colo. Ela abria a boca e tentava dizer alguma coisa, mas som algum saia de sua garganta. Eu estiquei uma de minhas mãos para tocar o seu ombro e reconfortá-la, mesmo sem saber o motivo de suas lágrimas que, de repente, começaram a cair. Nós estávamos sentadas na sala de sua casa, mas os móveis estavam todos cobertos por lençóis brancos, como se ela fosse mudar-se de volta à China.
E então, ela disse o meu nome e seu marido apareceu na entrada do cômodo, sorrindo e vestindo roupas elegantes. Podia ler nos olhos dele as centenas de poesias que teriam regado o romance dos dois em todos os anos que passaram juntos. Sr. Fong, ao que eu me lembrava, era um homem reservado e bastante observador, que gostava de escrever e esculpir pássaros em madeira, tendo como hobby enfeitar o jardim da esposa, criando cenários com os quadros que ela fazia. Eles eram um casal arte muito admirado em nossa cidade.
Mas no sonho, ela parecia tão infeliz.
- Senhora Fong, o que está havendo? - eu disse, em seguida sentindo alguém tocar os meus ombros. Virei o rosto e vi olhando para mim.

"Apenas cuide para que ele não faça nenhuma besteira".

Abri os olhos, despertando e sentindo o braço de pesar sobre a minha cintura. Respirei fundo, estranhando as cenas que minha mente havia criado. Não sabia que estava tão preocupada com a Sra. Fong a ponto de sonhar com ela. E aquela frase...
Com cuidado, desvencilhei-me de meu irmão e levantei-me, rumando para fora do quarto. Desci as escadas, surpreendendo-me pela luz da cozinha estar acesa. Silenciosamente, direcionei-me até lá, pois estava com vontade de beber um pouco de água, e vi de costas, deixando um copo na pia.
- Não consegue dormir? - eu perguntei num tom de voz baixo, mas ele se assustou ainda assim. Colocou as mãos no peito e piscou os olhos várias vezes.
- Não é legal assustar os outros assim - ele reclamou, também tomando cuidado com o tom de sua voz - O que faz acordada?
- Só vim tomar um pouco de água - eu disse, rindo enquanto enchia meu copo.
ficou olhando para mim por um longo tempo, inclusive enquanto eu bebia o líquido incolor, tirando o incômodo da garganta seca com a qual eu havia acordado depois do sonho que tivera. Tinha algo que ele precisava me dizer e eu o conhecia bem para afirmar que ele não sabia como fazê-lo.
- Bom, eu vou voltar lá pra cima...
- Espera - ele pediu, dando alguns passos até mim - A gente pode conversar um pouquinho?
Não teria por que eu dizer não. Meu amigo respirou fundo quando me viu assentir e sorriu.
- Obrigado por ter vindo e emprestado a casa e tudo o mais - ele começou, o rosto ficando ligeiramente corado - Eu sei que você está passando por um momento ruim com o ...
- Eu deveria ter te contado antes, não é mesmo? - eu falei, referindo-me ao silêncio ao qual o submeti quando terminara o meu namoro - Você ficou preocupado comigo e eu nem me importei em te atender...
- Não tem problema - ele falou - Imagino como deve ser.
nunca namorara ninguém. Algumas garotas passaram por sua vida e talvez por seu quarto, assim como eu, mas ele nunca tivera um relacionamento sério. Às vezes, eu me sentia culpada quanto a isso. Desde a primeira vez que nos vimos, quando me mudei para Cheonan e para o colégio onde ele estudava, deixara claro que tinha interesse em mim. Com o passar do tempo, porém, acreditei que isso havia se tornado apenas uma forte amizade. Mas havia outros sentimentos envolvidos por parte dele... Sentimentos esses que eu, de certa forma, desprezei.
Ele mordeu o lábio, incerto sobre continuar a conversa, mas eu o fitei, esperando por suas próximas palavras.
- Me sinto um pouco mal porque fiquei feliz quando seu irmão me disse que você e tinham terminado - ele confessou - Me desculpe por isso, eu estava sempre insistindo em você, te enchendo...
- No seu lugar, eu sentiria o mesmo, - eu disse, compreensiva - Mas a culpa disso tudo é minha...
- Não fala assim - ele me cortou e me puxou para um abraço. Seu corpo estava quente, mas seu pijama estava frio, o que acabou causando uma sensação estranha durante esse contato - Eu não sei qual foi o motivo pro ter feito isso, mas ele não é o tipo de cara que gostaria de te ver pra baixo...
- Eu sei - eu falei e minhas palavras saíram como resmungos.
se separou, ainda segurando meus braços e encarando os meus olhos.
- Tem mais alguma coisa te incomodando, não tem? - ele quis saber. Tive vontade de abrir-me e revelar o que estava acontecendo entre meu primo e eu, mas não tive coragem. Neguei com um aceno de cabeça. - Tem certeza?
- Sim.
Respostas monossilábicas nunca foram a melhor alternativa e, como dissera , eu era péssima em disfarçar o que sentia, mas fora suficiente para . Ficamos em silêncio por alguns instantes, até ele achar que poderia repetir o que fizera alguns dias antes: inclinou-se para frente, guiando seus lábios até os meus, tocando-os levemente. Senti um nervosismo imenso invadir-me e não consegui permitir que aquilo continuasse, com isso, empurrei-o devagar.
- Não posso fazer isso, - eu sussurrei, fitando o chão como se ele não existisse. apenas entrelaçou seus dedos aos meus e completou:
- É melhor nós irmos dormir.
(Betada por:Gabriella)



Capítulo 10

As flores de pétalas amarelas eram as favoritas de minha tia, independente da espécie. E foram exatamente elas que escolheu para deixar sobre a lápide naquela manhã. Em silêncio, ele apenas juntou as mãos em frente ao seu corpo e fechou os olhos por alguns minutos. A brisa matinal movia os fios de seu cabelo, fazendo-me recordar daquele tímido que enfrentara mudanças drásticas em um curto espaço de tempo. Ele abriu os olhos devagar, fitando o nome da mãe na placa de mármore e a data. Assim como eu fazia sempre que visitava o túmulo de meu pai, era impossível não pensar na rápida conta dos anos vívidos e do tempo que já havia se passado desde a perda: anos que pareciam uma eternidade.
olhou pra mim como se perguntasse se estava tudo bem e eu apenas assenti, enquanto tocava o ombro esquerdo de .
- Eu passava aqui uma vez por semana, às vezes mais – ele disse, cabisbaixo – Ela deve ter sentido a minha falta...
- Quer ficar um pouco sozinho? – perguntei, vendo começar a distanciar-se. Estava indo na direção do túmulo de meu avô.
- Não, fique aqui – disse, elevando sua mão para tocar a minha e logo depois abaixar as mesmas. Seus dedos entrelaçaram-se aos meus enquanto eu me aproximava o suficiente para encostar minha bochecha em seu ombro, sentindo o cheiro bom que meu primo tinha. Ele não disse mais nada, mas era como se conversasse com a lembrança de minha tia, talvez dizendo a ela que estava tudo bem.
Lembrei-me das vezes em que ela sentava-se ao meu lado para contar-me qualquer história incrível, tirando-me do vazio que às vezes me invadia sem um motivo aparente. Ela me conhecia, tanto ou mais que minha própria mãe, e perdê-la fora realmente difícil. As semanas seguintes à tragédia levaram minha família a uma espécie de luto severo, no qual a insônia chegava a me dominar, acompanhado por pequenos mal estares. E embora eu soubesse que meu primo estava sofrendo muito mais, na época, não cheguei a me importar realmente com ele. Durante o velório eu o vira sempre ao lado de meu avô, amparando-o e sendo amparado, enquanto algumas pessoas o olhavam torto por ele ser adotado.
Naquela ocasião, não conversou comigo, mas lembro-me de que o encontrei no escritório do sobrado em Gwangju, sentado na mesinha de madeira, em silêncio. Tinha ido até lá depois que minha mãe sentou-se para conversar com meu avô na sala de estar e meu pai fazia o mesmo com do lado de fora da casa. A razão pela qual eu escolhera o escritório estava no fato de que as prateleiras de livros me eram muito atrativas.
E minha tia adorava passar horas lá dentro, escrevendo.
Tive receio quando encontrei o rapaz de olhos tristes, mas ele indicou a poltrona esverdeada com uma de suas mãos e eu me direcionei ao móvel, sentando-me. Os primeiros cinco minutos foram uma eternidade: sentia-me ligeiramente incomodada pela companhia de , por não conhecê-lo como deveria e por talvez não entender o que ele estava sentindo. Porém, a meia hora que passei ali praticamente voou depois disso.
Quando minha mãe nos chamou, colocando a cabeça para dentro do cômodo, certa de que estaríamos ali dentro, eu me levantei depressa e segui para a porta. A única coisa dita partira da minha boca: “Vamos, ”. O garoto respirou fundo antes de abandonar a cadeira onde estava e caminhou até mim, encarando-me.
E a partir daquele momento eu percebi que ele era parte da família, não ligado por laços físicos, mas sentimentais.

Segurei a repentina vontade de chorar e apertei a mão de com um pouco mais de força. Olhava para a cena e eu notei que ele deveria estar com vontade de ir embora. Tínhamos demorando um pouco em relação ao recado deixado à : o de que iríamos voltar em quarenta minutos.
- Vamos, ... – eu disse e ele respirou fundo, como há quatro anos, piscando algumas vezes antes de olhar pra mim como se também estivesse assistindo às mesmas memórias.
Caminhamos juntos até o túmulo de nosso avô, ficando ali por mais alguns minutos, tempo suficiente para demonstrar o respeito pela memória dele e a saudade que sempre nos tomaria.

Quando retornamos, estava deitado no sofá assistindo alguma coisa na televisão. Não era tão cedo e tivemos que improvisar alguma coisa para o almoço. A conversa ainda girava em torno do Dream Concert e de como era bom sair um pouco de nossa cidade.
- Nós podíamos sair hoje à noite, o que acham? – sugeriu, esboçando um sorriso no rosto – Você deve conhecer algum lugar legal, certo?
- Tem um clube bacana aqui perto – disse – apesar de cheio, é divertido...
- Apoio a ideia – acrescentou, erguendo o polegar para os outros dois garotos e eu o interrompi.
- Quem disse que você pode ir? – eu brinquei e ele fez careta.
- Você não vai bancar a irmã chata, vai? – ele zombou, pronto para começar uma de nossas briguinhas que nunca duravam mais do que um minuto.
Não era uma má ideia e e eu poderíamos dar um jeito de despistar , mesmo isso sendo estranhamente errado.

-x-

- Talvez a preta fique melhor – disse, abrindo a porta do quarto depois de três rápidas batidas. Eu o fitei com vontade de repreendê-lo.
- Que bom que eu estou vestida, não é? – eu brinquei e ele riu – Mandaram você vir me apressar?
Eu sabia que não. Também sabia que o fato dele ter aparecido assim, marotamente, significava que queria, talvez, continuar a conversa inacabada da noite anterior.
parou do meu lado, enquanto eu colocava o casaco cinza de volta na mala e me preparava para vestir o casaco preto que ele me “ajudara” a escolher.
- Você usa os meus presentes – ele disse, tocando o tecido macio.
- Digamos que você tenha bom gosto para dar presentes – eu falei, sem intenção de dar corda às suas investidas – E ainda serve, o que quer dizer que eu não engordei...
Meu amigo voltou a rir e eu me afastei, fingindo que queria me ver no espelho. Tive medo de que ele tentasse se aproximar e aparecesse, o que não seria nem um pouco interessante.
- Você está fugindo de mim – ele comentou, sentando-se na cama.
- De onde tirou isso? – eu questionei, fingindo que era mentira. De certo modo, eu estava tentando evitá-lo, mas não sabia fazer isso direito. Eu precisava de e o queria por perto.
- Eu não sei, você está me escondendo alguma coisa – ele falou – Eu sei disso, mas também sei que posso estar criando fantasias na minha cabeça...
- Eu aposto nessa segunda hipótese – tentei me fazer de desentendida, mas me conhecia muito bem.
- Tudo bem se não quiser me contar – ele deu de ombros – Eu andei forçando a barra, não foi?
- Um pouco – fui sincera. Não me incomodava em tê-lo no meu pé como o amigo birrento que às vezes ele era, mas suas segundas intenções deixavam-me sem saída.
- Prometo que hoje vai ser diferente.

-x-

O clube mencionado por meu primo ficava a quatro quadras da casa de meu avô. Era bem perto, mas pegamos um táxi, com medo de que algo nos distraísse no caminho e nos fizesse desistir de ir para lá. O lugar parecia pequeno, mas seu interior era bastante espaçoso. Como dissera, estava cheio.
Demoramos um pouco para nos acostumar com o volume da música e com a movimentação do local, mas logo tudo parecia naturalmente divertido.
Achei que ficaríamos a noite toda juntos, mas me puxou pela mão. Ao perceber tal movimento, segurou meu outro pulso, deixando-me entre os dois.
- Pra onde você vai? - perguntou, olhando pra mim como se eu estivesse novamente fugindo dele.
- Eu não sei - respondi sinceramente, sorrindo ao final - Só fique de olho no meu irmão, okay?
E me soltei dele, voltando a acompanhar . Nós andamos por entre as pessoas, tentando não nos perder no clube que não era tão pequeno. Alcançamos o balcão do bar e perguntou se eu queria beber alguma coisa. Optamos por não ingerir álcool, uma vez que viajaríamos na manhã seguinte, bem cedo. Correr o risco de perder a hora e ter de explicar o motivo à minha mãe acabou nos deixando um pouco mais obedientes quanto a curtir a noite fora: ela não poderia saber que eu havia levado meu irmão pra um lugar daqueles sem pedir a sua permissão primeiro. Procurei por ele, mas era quase impossível encontrá-lo no meio de tanta gente.
- Quer encontrar o seu irmão? – perguntou, falando alto em meu ouvido, devido à música alta do lugar. Eu concordei e ele se inclinou para depositar um beijo em meus lábios antes de me guiar por entre a pista. Por ser mais alto, avistou e conversando com algumas garotas perto do segundo bar.
Aliviada, eu deixei que meu primo me segurasse pela cintura e começasse a dançar comigo como se a pista fosse somente nossa. Não que a música ajudasse: o estilo era completamente diferente e eu não tinha noção de como me movimentar para acompanhar aquela batida. Isso não era um grande problema, uma vez que eu só precisava prestar atenção nos movimentos de , alheio ao som forte, apenas girando comigo e sorrindo.
E não éramos os únicos: outros casais pareciam desconectados do mundo, unidos enquanto entrelaçavam dedos, braços e corpos.
- Eu realmente não me importo se nos vir juntos – ele disse em meu ouvido e eu tive que pensar antes de responder.
- Acho que está na hora de ele saber sobre a gente.
Mesmo acreditando que meu melhor amigo não estava com a atenção voltada à pista de dança, meu coração ficava apertado ao pensar que eu poderia machucá-lo. Mas estava sendo ferido também, uma vez que eu o estava escondendo. Engoli o medo, fitando-o a fim de conseguir coragem e então eu o beijei, sem me importar se estava sendo assistida ou não.

Nós dançamos mais um pouco, notando que havíamos mesmo perdido meu irmão e meu amigo de vista.
estava prestes a me puxar para mais perto novamente quando alguém o tocou num dos ombros e antes de ele se virar para ver quem era, eu já conciliava os detalhes que me eram conhecidos. O rosto que eu via era o mesmo que fora desenhado por no retrato de sua ex-namorada. Cabelos longos e queixo fino, os olhos estavam pintados e eram muito expressivos pessoalmente. Ela sorriu e meu primo fez o mesmo, inclinando-se para depositar um beijo em seu rosto.
- Não sabia que você estava de volta! – ela falou alto por causa da música e ele riu – É bom te ver.
- É bom te ver também – ele respondeu, também falando alto. Pegou em minha mão, apresentando-me – Essa é minha prima, .
Eu sorri tentando parecer amigável e ela abaixou a cabeça rapidamente, em cumprimento.
- Meu nome é HeeYoung – ela gritou de volta – Sou amiga do .
Amiga. Uma série de palavras começou a se confundir em minha cabeça e nenhuma delas tinha a ver com “amiga”. A mão dela continuava tocando o ombro de meu primo, causando-me um mal estar súbito. Inventei que precisava ir ao banheiro e HeeYoung sugeriu me acompanhar, mas eu neguei, sumindo depressa da vista dos dois. Alcancei um corredor e me coloquei para dentro do toilet feminino, rumando diretamente para a pia. Por um instante, minha expressão acabou por assustar a mim mesma: eu parecia triste e, mesmo não havendo nada fisicamente errado com aquela imagem, era como se eu não tivesse coragem de voltar até meu primo enquanto ele estivesse ao lado daquela garota. Isso me levava aos pensamentos que me arruinavam, antes de dormir, indagando sobre ter outro alguém. Seria o único motivo para termos terminado daquela forma tão...
A porta bateu duas vezes e algumas garotas entraram rindo, falando qualquer coisa sobre homens mais velhos e eu me encolhi próxima da última pia, lavando minhas mãos e as secando antes de pedir licença e sair. Se ainda estivesse com sua amiga, seria melhor procurar por e . Dei apenas um passo para fora do banheiro, o suficiente para ser surpreendida por um rapaz que eu não conhecia e que de certo, estava me confundindo com alguém.
- Onde você pensa que vai? – ele disse, segurando um de meus pulsos quando tentei me desvencilhar. Usava uma roupa escura, assim como seus cabelos, bagunçados como se estivesse dançando há um bom tempo.
- Me desculpe, acho que tem alguma coisa errada aqui – eu falei, puxando meu pulso, mas ele insistiu em me manter presa – Eu não conheço você...
- Isso não é problema – ele falou, um sorriso despontando em seu rosto – Eu vi você entrar e fiquei aqui, esperando.
Respirei fundo, tendo um mau pressentimento. Pensei em empurrá-lo ou algo do tipo, mas ele pareceu notar que eu queria sair dali o quanto antes. Por esse motivo, apertou ainda mais o meu pulso, dessa vez tentando nos aproximar.
- Me solta – eu pedi e ele riu, imediatamente pegando meu outro pulso, encurralando-me na parede do corredor. Seu rosto estava quase se encostando ao meu quando eu pedi novamente para ele me deixar em paz, em vão.
- Você é muito bonitinha – fora a última coisa que eu ouvira, pois comecei a virar meu rosto o máximo que podia quando ele tentou me beijar uma vez – Não se faça de difícil – ele insistiu e eu continuei me debatendo, sentindo meus olhos encherem-se de água por não conseguir me livrar dele.
- Para com isso, por favor – eu gritei, fechando os olhos.
E então senti meus pulsos livres. Por um momento, meus joelhos pareceram paralisados, mas abri os olhos e vi o rapaz segurando o queixo com uma das mãos, enquanto parecia procurar alguma coisa para bater em meu primo, que me puxou rapidamente pela mão.
- Vamos sair daqui – ele disse, abrindo caminho entre as pessoas que dançavam. Saímos do clube, escondendo-nos em uma das esquinas – Você está bem?
- Estou, eu...
- Vamos pra casa – ele disse, espiando pelo caminho para ver se aquele cara não tinha ido atrás de nós.
- Eu preciso avisar o meu irmão e o ... – eu falei, pegando o celular no bolso de minha calça. Digitei rapidamente algo sobre estarmos voltando para casa e enviei a mensagem, seguindo .
Nós corremos tão depressa que acabou batendo com as palmas das mãos no portão da casa de meu avô, parando abruptamente. O estrondo ecoara pela varanda e ele me encarou, aflito. Estávamos ambos com a respiração alterada, tentando recuperar o fôlego ao puxar o ar para nossos pulmões com violência. Meu primo tirou a chave do bolso da calça e abriu a porta, permitindo que eu entrasse primeiro. Dei mais alguns passos rápidos e me joguei no sofá, exausta. Meu sedentarismo era evidente. Ouvi o clique da porta e vi meu primo jogar a chave sobre o aparador, encostando-se à parede e jogando a cabeça para trás. Parecia aliviado depois do que acontecera.
E, não sei por que motivo, senti uma vontade imensa de rir. Abaixei minha cabeça e o fiz baixinho, estranhando a mim mesma.
- O que foi? - perguntou. Ergui os olhos para fitá-lo - A gente quase morreu e você está rindo.
- Não exagera - eu falei, me controlando - Eu fiquei em choque e agora passou, deve ser isso...
A verdade era que aquilo nunca tinha acontecido comigo. Arriscar daquela maneira, ir a um lugar totalmente diferente dos que eu costumava frequentar. deveria estar se sentindo culpado por eu quase ter sido atacada por aquele garoto no clube, mas o descuido havia sido meu.
- Na próxima, chame uma amiga sua pra vir conosco - ele disse e pôs as mãos nos bolsos da calça, aparentando estar um pouco mais calmo - Fiquei com medo de que ele te machucasse...
Por um instante, eu também havia sentido isso. Mas aquele cara só estava tentando se divertir, ainda que tivesse sido grosseiro e deixado uma marca avermelhada nos meus pulsos. Se a amiga de não tivesse aparecido, nada daquilo teria acontecido. Mas se ele não tivesse interferido, talvez eu estivesse em uma roubada agora.
- Não aconteceu nada - eu falei e agradeci por ele ter me salvado - Obrigada por isso.
Ele sorriu. Gentil e encantador como sempre. Senti meu coração começar a saltar quando ele tirou as mãos dos bolsos e caminhou até mim. Fiz menção de me levantar do sofá, mas ele acenou com a cabeça, pedindo para que eu não me movesse. Aproximou-se da lateral do móvel e subiu no mesmo, logo apoiando as mãos uma de cada lado do meu corpo. Eu podia observar os contornos de seu belo rosto enquanto seus olhos me fitavam de perto, muito perto.
- Não sou tão frágil quanto você pensa - eu disse e ele mordeu o lábio. Queria que ele parasse de me olhar da forma como o fazia, mas não sabia como detê-lo. Com uma de minhas mãos, alcancei seu rosto e afaguei sua bochecha, arrancando-lhe um sorriso. Ele piscou algumas vezes e perguntou:
- Posso te beijar?
Era óbvio que não haveria uma resposta negativa. se aproximou, enquanto minha mão rumava para seu pescoço, e senti sua boca colar-se à minha com cuidado. A sensação era sempre boa, mas naquela noite estava sendo especialmente diferente. Talvez por conta da adrenalina sentida instantes antes ou por estarmos sozinhos. Talvez por ele estar intensificando seus movimentos como nunca fizera antes: certa coragem e ousadia me eram tangíveis e tudo o que eu pude fazer foi deixar que ele prosseguisse.
Meus dedos correram pelo tecido de sua camiseta e eu os deixei em algum ponto de suas costas, com minha mania de querer prendê-lo a mim, para que não fugisse. Para ter certeza de que aquilo não era um delírio. E ele fez o mesmo, um pouco atrapalhado por conta das almofadas que deixavam o espaço no sofá um pouco menor, desviando os beijos para meu rosto, prestes a começar a depositá-los em meu pescoço. Era como se fosse realmente o melhor momento para que aquele tipo de coisa acontecesse, porém, o toque de meu celular acabou nos atrapalhando, como em tantas outras vezes.
Eu não atenderia se não tivesse reconhecido o toque escolhido especialmente para meu irmão e, vendo que o havíamos abandonado no clube junto a , fiquei ligeiramente preocupada. Meu primo sentou-se do meu lado, descansando a cabeça no encosto do sofá enquanto eu olhava para meus próprios pés depois de pegar o aparelho e atendê-lo.
- Onde vocês estão? – perguntou, a voz dando a impressão de que estivera correndo – Estamos quase chegando em casa...
- Nós já estamos aqui dentro – eu respondi e respirou fundo antes de levantar-se e caminhar até a janela frontal – Estão vindo a pé?
- Não conseguimos achar um táxi vazio – ele falou e escutei uma voz diferente ao fundo.
Meu irmão de repente ficou mudo, mas continuei a ouvir ruídos.
- ? – eu o chamei, mas não houve resposta – ? Está tudo bem?!
E então um estrondo ecoou no lado de fora da casa e pelo celular. Era o portão da casa e parecia que havia sido arrombado. tentou ver o que estava acontecendo, mas não conseguia visualizar a cena.
- ?! Me responda! – eu gritei e ouvi o grito de , sentindo um repentino choque.
Meu primo abriu a porta, correu para fora e eu o segui, largando o celular em qualquer canto da sala.
- ! – meu irmão estava parado ao lado do portão com os olhos assustados enquanto segurava por um dos braços. Ver meu melhor amigo caído daquela maneira fez com que eu quisesse ajudá-lo a se levantar, mas havia sangue em suas roupas. Parei, vendo a sombra de um cara correndo ao longe, o mesmo cara que havia me perturbado no clube.
- precisa de ajuda! – disse e eu voltei a minha atenção a ele, abrindo caminho enquanto meu primo o ajudava a se levantar. Entramos na casa depressa, trancando a porta e colocando no sofá. Em seu braço esquerdo estava exposto um corte profundo, por onde ainda corria muito sangue.
- Esse cara nos seguiu e me atacou – explicou, piscando os olhos com força – Eu preciso ir para o hospital...
Concordei, procurando por meu celular, mas me impediu de encontrá-lo, encarando . Eu sabia o que ele queria dizer, mas não achava isso correto. Aquele era um segredo nosso e não precisava envolver-se. Apesar disso, sentou-se ao lado de meu melhor amigo, segurando a mão direita dele com cuidado.
- O que está fazendo? – reclamou devido à dor que sentia quando se mexia. apenas analisou o ferimento por alguns instantes.
- , não – eu falei, interrompendo-o – Ele precisa ir para o hospital...
- Não é uma boa ideia – ele respondeu – vão querer saber o que aconteceu...
- E nós vamos falar a verdade! – eu retruquei, achando que aquela não era a melhor maneira de resolver as coisas.
manteve uma das mãos atada à mão de e usou a outra para tocar o meu rosto.
- Eu posso fazer isso – ele disse, sorrindo, e fechou os olhos ao mesmo tempo em que fechava suas mãos em torno do corte no braço de . Meu amigo gritou como se o estivessem arrancando e teve que me segurar para que eu não me intrometesse. Não era uma cena nada bonita e tudo o que eu sentia era a vontade de pará-los. Isso faria mal para e parecia estar fazendo mal para também. Com a mão livre, meu amigo tentou afastar meu primo, sem sucesso. A dor parecia estar aumentando a cada segundo até cessar de repente, causando uma fraqueza visível em ambos.
fechou os olhos e desabou no sofá. me largou para ampará-lo e eu me certifiquei de que o ferimento em seu braço havia desaparecido, em seguida correndo atrás de quando ele se levantou abruptamente e correu para o banheiro. Acendi a luz do corredor e do cômodo, segurando-o pelos ombros enquanto o via expelir sangue pela boca duas ou três vezes. Ele tremia. Tremia e a temperatura de seu corpo parecia elevar-se. Peguei uma toalha limpa, ajudando-o a manter-se de pé enquanto limpava as manchas vermelhas em seu rosto.
- Não precisava fazer isso – eu disse, meus olhos prendendo algumas lágrimas. assentiu com a cabeça.
- Eu precisava sim – ele falou, respirando com certa dificuldade – Ele está bem agora, não está?
- Eu acho que sim – respondi, ainda preocupada.
- Vá vê-lo.
Mas eu não queria deixar meu primo sozinho, sabendo que ele não estava nada bem. Ainda assim, ele insistiu.
- vai querer entender o que aconteceu...
(Betada por:Gabriella)



Capítulo 11

- Vá ver o - repetiu, segurando a toalha contra sua boca.
Eu havia me recusado algumas vezes, mas ele insistia. Com o rosto virado para baixo, era como se ele me evitasse, tentando convencer-me, mas eu queria ficar ali, pois sabia que meu primo não estava bem. Ele fechou os olhos e eu entendi que estava preocupado, então dei um passo em sua direção e afastei a toalha com uma de minhas mãos, usando a outra para afagar sua bochecha esquerda.
- Obrigada por ajudá-lo – eu agradeci e impulsionei meu corpo para depositar um rápido beijo em seus lábios trêmulos. Deixei-o e, para a minha surpresa, estava no corredor.
- Está tudo bem? – perguntei, estranhando a sua expressão fechada. Meu amigo bateu levemente com as costas na parede como se procurasse por apoio.
- Então era esse o motivo – ele disse, deixando o ar escapar de sua boca como se contivesse uma risada irônica – Você realmente esteve me escondendo alguma coisa...
- , eu... – tentei começar, mas ele balançou a cabeça negativamente e rumou de volta à sala. Passei as mãos por meus cabelos e segurei a vontade de chorar, só então correndo atrás dele. apontou para as escadas e eu pedi que meu irmão fosse ver enquanto eu subiria para o quarto de hóspedes.
Como esperado, a porta estava trancada. Eu a forcei, fazendo barulho para que meu amigo soubesse que eu estava ali.
- , abre – eu pedi, dando batidas na madeira – Por favor, vamos conversar.
- Desde quando você deixou de me contar as coisas? – ele gritou de lá de dentro e pude notar a raiva em seu tom de voz. Ele deveria estar demasiadamente decepcionado.
- Me desculpe, por favor – eu disse – Abre a porta...
Mas ele não respondeu. Sabia muito bem o quanto o silêncio me machucava e estava usando isso contra mim naquele momento. Espalmei minhas mãos na porta, sem poder mais segurar o choro. Continuei pedindo para que ele me deixasse entrar e minha voz ficava cada vez mais embargada. Tão embargada que logo eu poderia afogar-me em minhas próprias súplicas. Ele estava certo em não querer me ver. Em se sentir traído. O que eu estava desmanchando não era simplesmente uma bonita amizade.
Eu o estava desmanchando.
- Eu tinha que ter contado antes, eu sei disso – falei baixinho, mais pra mim mesma – Não queria despejar tantos segredos de uma só vez...
O fato de ele ter descoberto sobre o poder de meu primo também era um peso sobre as minhas costas. A preocupação aumentava para todos os lados. Respirei fundo algumas vezes, quase desistindo: talvez não quisesse mesmo ouvir qualquer desculpa minha, talvez ele precisasse ficar um pouco sozinho. Retirei minhas mãos da porta e as deixei cair ao lado de meu corpo, dando um passo para trás. Porém, a maçaneta se mexeu e depois de ouvir o clique da mesma, engoli a vontade de me esconder em meu quarto, prestando atenção apenas ao rosto corado de . Ele não disse nada, só esticou uma das mãos e tocou minha bochecha. Pisquei lentamente, sentindo aquele contato como sendo a minha oportunidade de não deixar as coisas se perderem ainda mais, e o deixei escorregar os dedos por meu pescoço, sabendo que ele me puxaria para um abraço. Sentir seus braços em volta de mim nunca fora tão reconfortante como estava sendo naquele momento.
- Como seu melhor amigo, acho que tenho que te entender agora também.
Apertei meus dedos em sua camiseta, tentando passar através de gestos o quanto eu me sentia mal por ter escondido tudo aquilo.
- Me desculpe – eu repeti e ele se separou de mim, indicando o interior do quarto, como se pedisse para que eu entrasse. Dei alguns passos, acompanhando-o quando ele fechou a porta. Nós nos sentamos na cama, um do lado do outro. Usei as mangas da minha blusa para secar as lágrimas que haviam escorrido por meu rosto e não pude deixar de notar que os olhos de estavam um pouco vermelhos.
Aquilo me machucou ainda mais.
- Eu deveria ter desconfiado, certo? – ele perguntou, ironicamente – Estava tão óbvio que você escondia algo de mim...
- Eu não queria... Eu...
- O jeito como você olhou pra ele... – continuou, como se eu não tivesse dito nada - Nem para o você olhava assim...
Abaixei minha cabeça sem saber o que dizer. Talvez fosse melhor que ele despejasse toda a raiva que deveria estar sentindo, assim eu receberia o que merecia por não ter tido consideração por seus esforços como meu melhor amigo.
- Foi por isso que você terminou com ele, não foi? – ele quis saber – Você o estava traindo com o seu primo!
- Não! Não, eu não estava – eu respondi rapidamente – Por favor, não pense isso de mim...
- E o que mais eu pensaria? – ele arqueou as sobrancelhas, incrédulo. Com certeza estava me nomeando com os piores adjetivos possíveis – Eu beijei você ontem e você veio com a desculpa de que não poderia fazer isso... Me fez pensar que estava triste pelo fim do seu relacionamento... Mas você... Já tinha outra pessoa...
- Eu...
- Sempre repetiu que não podia me amar como eu amo você – ele reforçou e era como se estivesse querendo me destroçar. A verdade era que ele só estava expondo as coisas às quais eu o inserira – Agora eu sei por que...
- , pára – eu pedi – Eu não queria que a gente chegasse a esse ponto...
- Sabe o que deveria ter feito pra evitar isso, não é?
- Sim, eu sei – eu falei, erguendo meu rosto para fitá-lo. Ele estava olhando fixamente para mim, o tempo todo – Mas eu já disse, eu não tive coragem de estragar o que você sentia por mim.
gostar de mim era algo do qual eu me orgulhava. Quando as poucas meninas que conversavam comigo no colégio insinuavam algo do tipo, eu apenas abria um sorriso por achar que ter um melhor amigo apaixonado era a coisa mais fofa e legal do mundo. Eu me comportava como uma adolescente com pensamentos pequenos e me arrependia por ter sido assim. Quando eu cresci interiormente, percebi o sofrimento que poderia causar a nós dois, mas não quis cortar nossa relação por medo de perdê-lo ou de fazê-lo pensar que estava sendo usado. Ter perto de mim era algo do qual eu jamais abriria mão, afinal, ele também já era parte de mim.
Notando que ele não responderia, eu apenas voltei a abaixar minha cabeça, mordendo meu lábio para tentar controlar o choro. Cada pensamento meu parecia esvaziar-se depressa demais, o que não me dava tempo de pensar em novas palavras para usar. Era como se cada minuto em silêncio me distanciasse um pouco mais de meu melhor amigo, exatamente o que eu pensei estar evitando com todas aquelas omissões.
- Você é uma tonta – ele disse, em seguida passando um de seus braços por meus ombros – Eu já disse que nada vai mudar o que eu sinto por você... Acha que eu ainda estaria aqui depois de todos os foras que já levei?
- O que quer dizer? – eu de repente não estava entendendo o rumo da discussão.
- Que todas as vezes em que você falava do , eu sentia como se estivesse sendo deixado de lado – ele explicou –, mas aí eu parava para olhar para você e só o que eu via era que você estava bem... E que eu ainda fazia bem pra você...
Ele usou a outra mão para levantar meu queixo e meus olhos encontraram os dele, enxergando a sinceridade com a qual ele estava falando.
- Isso nunca vai mudar – ele completou – Eu olho pra você agora e sei que não tem como te deixar, mesmo que eu queira...
Eu não sabia como dizer aquilo, mas também sentia o mesmo.
- É a primeira vez que a gente briga desse jeito, não é?
Concordei silenciosamente. E esperava que fosse a última vez também, apesar de sentir que o clima já estava melhorando.
- Parece que nem pra brigar a gente presta – ele brincou, chegando um pouco mais perto de mim. Encostou sua testa na minha e respirou fundo uma vez. Achei que algo estava errado, mas ele só depositou um beijo demorado no meu rosto, nada além disso – Eu estou com raiva, mas não consigo descontar isso em você.
- Por que não? – perguntei.
- Não me faça dizer, você já sabe a resposta.

Ficamos mais um tempo juntos, mas já estava tarde demais. Expliquei um pouco sobre o que meu primo havia feito e como o corpo dele reagia toda vez que ajudava alguém, e pareceu ainda mais surpreso. Talvez a raiva que sentia tivesse algo a ver com o fato de que ele devia agradecimentos a , mas eu tinha certeza de que logo isso seria revertido em gratidão, uma vez que prometera guardar segredo quanto ao dom de meu primo.
Queira ou não, ele fora salvo de uma roubada.

-x-

estava se preparando para tomar banho quando retornei ao quarto usado por nós. Disse que fora descansar e que era melhor que eu fizesse o mesmo. Não questionou nada sobre , mas eu tinha certeza de que ele estava curioso quanto a isso, então resolvi deixá-lo a par do acontecido: contei sobre a conversa que tivera e disse que agora as coisas haviam sido esclarecidas. Meu irmão sorriu em compreensão e abriu os braços para me receber.
- É sempre melhor dizer a verdade – ele falou e eu concordei, aninhando-me ao seu lado.

Acordei com o despertador soando e me sentia um pouco cansada, mas algo dentro de mim parecia estar mais leve. estava largado ao meu lado, então me levantei com cuidado, rumando até o banheiro. Tomei um banho rápido e troquei de roupa, apressando-me para ajeitar minhas coisas nas malas. Chacoalhei o ombro do meu irmão, despertando-o, e ele fez careta antes de levantar-se.

tinha colocado sua mala sobre a cama e a estava fechando quando pedi licença para entrar em seu quarto. Seu rosto estava ligeiramente pálido, mas ele poupou o interrogatório, dizendo que se sentia bem.
- Só vou sentir falta daqui de novo – ele comentou e sorriu, aproximando-se de mim.
- Nós podemos voltar mais vezes – eu disse e ele balançou a cabeça positivamente antes de inclinar-se para me dar um beijo. Já estávamos prontos e, quando saímos do quarto, estava carregando sua mala para baixo. Ele olhou para nós dois, mas não disse nada.
- Já arrumou suas coisas? – meu primo perguntou e eu respondi que sim – Eu carrego tudo lá pra baixo...
- Não quero que se esforce depois de ontem... – eu disse, mas sabia que ele ficaria insistindo até me vencer pelo cansaço.
- vai me ajudar – ele falou, piscando um dos olhos.
Vencida, eu desci atrás de e o vi parado próximo à porta de entrada, mexendo em seu celular. Ele me fitou e sorriu timidamente.
- Eu sonhei com aquela nossa conversa – ele começou – Aquela de algumas semanas atrás... E você me disse que eu não deveria ter ciúmes do seu primo...
- Pois é, não deve – eu falei e ele riu.
- Como sempre, é algo que eu não posso controlar – ele zombou, mas havia pingos de verdade nessa sua brincadeira.
Pelo visto, não mudaria nunca.

Nós seguimos para o aeroporto e mais uma vez fomos separados na divisão de assentos do avião. Sentei-me com e dormimos durante boa parte da viagem, por conta do cansaço.
Nós chegamos no horário em Cheonan e logo telefonou para nossa mãe, querendo saber onde ela estava. Segundo ele, ela já estava no hospital e pediu para que voltássemos para casa de táxi, devido ao movimento no trabalho naquele horário. Saímos do aeroporto e acenou para um táxi. Ele nos ajudou com as malas e em seguida se despediu de meu irmão e de meu primo com apertos de mão. O olhar direcionado a fora de gratidão pelo que ele havia feito ao curar o ferimento causado na noite anterior. Pude ouvir um ‘obrigado’ vindo dos lábios de meu melhor amigo e não contive o meu sorriso. Abri meus braços para receber e ele me apertou em mais um de nossos abraços.
- Obrigado pela viagem – ele disse, movendo suas mãos pelas minhas costas, por sobre o meu casaco – Não teria sido divertido sem você.
- Obrigada por ter tido a ideia – eu falei e ele nos afastou um pouco, fitando o meu rosto – E me desculpe...
- Não – ele me cortou, colocando o dedo em frente à própria boca, em sinal de silêncio – Não vamos mais falar sobre isso, okay?
Concordei, soltando-me dele. chamaria outro táxi, já que estava próximo de sua casa. Nós entramos no veículo e eu acenei enquanto via a sua imagem distanciar-se. Sentia-me muito melhor agora que as coisas pareciam estar esclarecidas entre mim e meu melhor amigo: eu estava livre dos pensamentos ruins que me cercavam em todas as vezes que mentia para mim mesma por ter segredos para ele e o fizera entender, finalmente, que o que sentíamos um pelo outro era o suficiente para não nos afastarmos. Era nítido que ele saíra um pouco magoado de tudo aquilo, uma vez que o amor que ele dizia ter por mim ainda o machucava. Restava apenas esperar que tais ferimentos não fossem profundos demais.
- Está tudo bem? – a voz de tirou-me do devaneio e eu sorri, respondendo positivamente. Nós dois tínhamos nos sentado no banco traseiro do táxi, enquanto meu irmão digitava algo em seu celular no banco do passageiro.
Não demorou até chegarmos em casa, nos deparando com um silêncio absurdo e um Dutch contente, correndo em nossa direção. Ele imediatamente parou com as patas na cintura de , como se realmente estivesse querendo um abraço.
- Ei, garoto, também estava com saudade – meu primo disse e fez com que o cão se sentasse, enquanto ele se ajoelhava ao seu lado para fazer-lhe carinho.
Aproximei-me deles, tocando o pelo macio e branco de Dutch, que deu uma de suas patas para mim.
- Ainda tem tempo até o almoço – meu irmão comentou, checando as horas em seu celular – Acho que vou cair na cama e dormir até lá.
- É uma ótima ideia – disse, levantando-se – Estou cansado...
apenas esticou os braços e entrou em casa primeiro, seguindo diretamente para as escadas. Olhei para meu primo, tentando saber qual seria o nível do seu cansaço, e então ele veio até mim e pegou em minhas mãos. Dutch parecia estar apenas assistindo e eu me surpreendi quando me puxou para dentro, sem dizer nada. Nós subimos as escadas e a porta do quarto de meu irmão já estava fechada.
- ...? – eu tentei perguntar o que ele estava fazendo, mas ele apenas abriu a porta do seu quarto e nos colocou para dentro.
- Só me diga sim ou não – ele começou, soltando-me enquanto ainda mantinha umas das mãos na maçaneta interna da porta – Devemos continuar do momento em que paramos em Gwangju?
Franzi minhas sobrancelhas por não ter entendido o que ele queria dizer. Ouvi o clique da porta, notando que meu primo a estava trancando e, em seguida, eu senti seus braços me envolverem e seus lábios repentinamente encontrarem os meus. Quando dei por mim, minhas pernas estavam sendo levemente empurradas em direção à cama.
Pausei o beijo ficando de boca aberta para tentar perguntar alguma coisa, mas nenhuma palavra atreveu-se a sair da mesma. apenas sorriu, entendendo que eu estava ligeiramente confusa.
- Me diga se estou indo rápido demais – ele falou, afagando a minha bochecha. Fechei meus olhos para sentir melhor o seu toque e respirei fundo. Se aquilo estava realmente acontecendo, eu não deveria parar para pensar em nada mais. Primeiro, eu deveria prestar atenção à minha própria vontade que, aliás, estava totalmente a favor da vontade expressa por meu primo.
Ele se aproximou para me beijar novamente e eu o deixei tomar conta da situação. Logo as suas mãos deslizavam por debaixo da minha blusa, como havia sido na noite anterior, e eu finalmente compreendi o significado da palavra ‘continuação’ em sua frase. ainda estava me beijando até o momento em que eu me desvencilhei para não cair na cama por conta das minhas pernas já bastante bambas.
- Eu acho... – comecei, parando para recuperar um pouco o fôlego – Que nós não deveríamos fazer isso...
Meu primo apenas encostou sua testa na minha, levando uma das mãos para meu pescoço, fazendo seus dedos enroscarem-se aos meus cabelos.
- Assim como eu não deveria ter me apaixonado por você...?
Aquilo era golpe baixo. Deixei escapar um breve riso e não consegui mais esconder que eu o queria daquela mesma maneira. Abri meus olhos e ergui um pouco o rosto para beijá-lo, em seguida sentei-me na cama e subi pela mesma, deitando minha cabeça no travesseiro. Assisti enquanto meu primo me seguia, os cabelos caindo sobre os olhos, as mãos buscando apoio e amarrotando o lençol, uma de cada lado de meu corpo. Ele logo me alcançou e selou seus lábios aos meus novamente, dessa vez deixando-me sentir o peso de seu corpo. Mas ele era leve e fazia a situação ganhar esse mesmo adjetivo.
Movi minhas mãos para suas costas, levantando sua camiseta, mas ele não me deixou tirá-la primeiro. Antes disso, suas mãos já corriam pela minha blusa e, rapidamente, ele me ajudava a retirá-la.
- Estou em desvantagem – eu reclamei e ele riu, finalmente tirando a peça superior de seu corpo. Quando voltou a me beijar, senti o estranho contato de nossa pele. Estranho porque era algo novo para mim, que não havia imaginado como seria ter daquele jeito. Senti-lo tão intimamente.
A partir daquele instante, eu me esquecera completamente sobre qualquer perigo em sermos pegos juntos.

Quando abri meus olhos, eu estava sozinha no quarto.
- ? – chamei, mas não havia ninguém. Virei-me, segurando o edredom sobre o peito, ainda sentindo o perfume de meu primo em mim. Não pude deixar de sorrir feito uma boba ao me recordar do acontecido e tapei meu rosto com as mãos por sentir certa vergonha. Não fora a minha primeira vez, mas eu me sentia como uma menininha que despertara com o toque de um príncipe. me respeitara o tempo inteiro, sendo gentil comigo, preocupando-se em tornar o nosso momento algo único e agradável para ambos.
Só não entendi por que estava sozinha.
Depois de alguns minutos, resolvi sair dali. Peguei minhas roupas e as vesti, deixando o quarto dele para adentrar o meu. Tranquei a porta e me dirigi ao banheiro, colocando outras peças. A última coisa que eu queria era que meu irmão insinuasse algo a respeito do meu romance escondido com , principalmente se minha mãe estivesse em casa. Enrolei um pouco até perceber que já estava quase na hora do almoço.

Como imaginado, meu primo estava na cozinha, tentando preparar alguma coisa no fogão. O aroma estava ótimo e eu caminhei até lá, tocando seus ombros, enquanto ele estava de costas para mim.
- Ah, você acordou – ele disse e virou o rosto na minha direção – Bom dia...
Tive vontade de mordê-lo por causa da forma como olhou pra mim, mas, ao invés disso, apenas me afastei um pouco, vendo-o desligar o fogo e colocar a panela em que mexia na pia. Ele lavou as mãos e as secou num pano branco, que foi largado sobre o balcão de mármore.
- Pode me dizer por que eu acordei sozinha? – eu brinquei e acho que ele notou o meu tom, pois sorriu largamente antes de se aproximar de mim.
- Alguém precisava preparar o almoço – ele respondeu. Suas mãos correram por minha cintura, puxando-me para perto, e sua boca veio de encontro à minha.
E nem mesmo o cheiro da comida foi capaz de me impedir de prestar atenção ao cheiro que meu primo tinha.
- Ca-ham – ouvimos de repente e me soltou, voltando ao que fazia antes. estava na entrada do cômodo, fazendo careta – A mamãe também não costuma bater na porta e... Ah, não temos porta na cozinha...
Ele apontou para a estante divisória que indicava a entrada do lugar e, realmente, não havia portas separando a cozinha da sala de estar.
- Não seja chato, – eu resmunguei e puxei uma cadeira para me sentar enquanto o via ir para perto de . Meu irmão colocou uma de suas mãos no ombro de meu primo e os dois começaram a conversar sobre o prato que estava sendo preparado. Seria a minha vez de fazer algum jogo de palavras para zombar dos dois, mas o som do carro de minha mãe acabou por distrair-me. Ela nem ao menos prestou atenção num Dutch extremamente contente que tentou pular em suas pernas quando ela alcançou a porta que dava acesso através do jardim, o que indicava que estava preocupada. As únicas coisas que ela disse referiam-se à nossa viagem: perguntas simplórias sobre como fora o concerto, como estava a casa e a cidade. Tentei desviar o assunto algumas vezes, mas ela parecia não querer conversar sobre nada além das coisas boas do fim de semana. Dissera que o descanso fora ótimo, apesar de pouco. Que algumas coisas haviam acontecido e então tive coragem de perguntar por que ela estava com aquela expressão.
- Aconteceu alguma coisa enquanto estávamos em Gwangju?
Minha mãe fitou cada um de nós, como se analisasse a situação. Já estávamos quase terminando o almoço e estava claro que qualquer palavra seria bem vinda agora que ‘perder o apetite’ não poderia ser usado como desculpa. Imaginei que ela poderia estar pensando sobre as coisas que fizemos durante a viagem, talvez achando que a teríamos desobedecido ou coisa parecida. Ou talvez ela estivesse desconfiando de algo com relação a mim e a meu primo.
De repente, senti-me um pouco mal por estar escondendo isso dela. Porém, para minha surpresa, o que a deixara daquele jeito não tinha relação direta com nenhum de nós três.
- Ontem de manhã a senhora Fong deu entrada no hospital – ela disse, deixando o garfo que segurava no prato – Eu não estava lá, mas o marido dela me avisou sobre o ocorrido.
- A senhora Fong? O que aconteceu com ela? – eu quis saber, lembrando-me de que tinha ido a casa dela dias antes da viagem e encontrara tudo vazio.
- Ela teve um ataque cardíaco – minha mãe respondeu, respirando fundo – Ela parecia bem hoje de manhã, em vista ao estado de ontem, mas o quadro está piorando...
Saber disso fez meu coração se partir em pedaços. A senhora Fong não era tão velha, mas não era tão jovem para suportar um ataque como aquele e ficar sem sequelas. Tive a impressão de ouvir todas as coisas boas que ela me dissera desde que havíamos nos conhecido, como quando eu perdera meu pai e a encontrava na cozinha de casa, ajudando minha mãe. Ela às vezes parava o que fazia apenas para perguntar se eu estava bem e se lembrava de mim sempre que terminava um quadro de flores bonito.
- Por que não ligou pra mim? Nós teríamos voltado antes... – eu disse, ficando igualmente preocupada. Minha mãe esticou uma de suas mãos para tocar meu ombro.
- Eu não queria estragar o passeio de vocês – ela explicou, sendo sincera – Ela vai ficar bem, filha, não fique assim...
- E se ela não ficar? – eu indaguei, parecendo uma criança. Pensar em perder pessoas próximas só aumentava a tristeza presente em minhas memórias.
- Não pense assim – minha mãe falou – Logo ela vai se recuperar. Tenha esperança.
Engoli a vontade de chorar, mas não consegui não relacionar aquela frase à morte de meu avô: eu ouvira a mesma coisa e, dois dias depois, recebera a notícia de que ele havia falecido. Fora tão doloroso quanto saber que minha tia perdera a vida num grave acidente e tão terrível quanto ver meu pai sendo baleado.
Nenhum deles se recuperou, afinal.
E eu também não.
Pensei em dizer ou perguntar mais alguma coisa, mas notei que minha mãe estava tão arrasada quanto eu. Não seria certo deixá-la ainda pior.
- Eu... Posso visitá-la? – quis saber, mas minha mãe negou.
- Tudo o que podemos fazer é esperar – ela disse, tentando nos confortar.

Nós só não sabíamos que essa espera seria curta demais.
(Betada por:Gabriella)



Capítulo 12

estivera desenhando enquanto conversava comigo naquela mesma tarde. Seus olhos estavam presos ao papel, mas eu sabia que seus ouvidos estavam captando o som da minha voz. Eu não falei muito, apenas expressei o que sentia com relação à senhora Fong e ao estado de saúde dela.
- Ela vai ficar bem – ele disse, pausando o lápis para fitar a paisagem pela janela. O céu estava ficando nublado e Dutch começara a se agitar: seus latidos de repente ficaram mais rápidos, talvez indicando que uma tempestade estava se aproximando.
Eu abracei um dos travesseiros da cama de meu primo, deitada sobre o edredom, assistindo enquanto ele traçava levemente o grafite sobre a folha branca, copiando o que sua mente lhe mostrava. Dessa vez não era eu ou qualquer outra pessoa. Não era Dutch e nem nenhuma paisagem. Eram apenas linhas que se pareciam com algum fenômeno celeste, talvez o céu como ele imaginava.
- O que é? – eu perguntei por curiosidade. Ele observou o desenho por um tempo e disse que não sabia explicar – No que anda pensando? – eu indaguei, tentando ajudá-lo.
- No fato de que posso curar as pessoas – ele respondeu – Talvez seja essa a imagem dessa transferência? A dor passando de um corpo para o outro...?
Talvez.
Os dedos de meu primo criaram sombras em algumas partes do papel e ele esfregou a ponta do indicador para esfumaçar outro pedaço, dando o efeito desejado. Se não era daquele jeito, ali estava uma ótima forma de se entender o que acontecia quando ajudava alguém.
Mesmo depois de termos passado a manhã juntos, sua expressão demonstrava um ligeiro cansaço. Ele teimava em dizer que se sentia bem, mas estava óbvio que a consequência na ajuda a estava ali. Ele não cuspira mais sangue, mas sua pele estava um pouco pálida e seus lábios levemente rachados. levantou-se da cadeira onde estava sentado e descansou o papel e o lápis na mesinha de cabeceira antes de subir na cama e deitar-se ao meu lado. Uma de suas mãos imediatamente correu por minha cintura e ele aconchegou-se ali, roçando o nariz em um dos meus ombros. A porta estava aberta para não levantar suspeitas: minha mãe retornara ao hospital e meu irmão estava na sala de estar, jogando.
- Eu posso salvá-la – ele disse, de repente, e eu me assustei com tal fala. Isso passara pela minha cabeça, mas eu jamais deixaria que ele fizesse algo do tipo. Não quando já estava enfraquecido daquela maneira.
- Eu não deixaria você fazer isso – eu disse e ele respirou fundo – Estou falando sério, , você... Não pode...
- Por que não? – ele indagou – Ela é importante pra você, eu estaria fazendo algo bom...
- Você também é importante pra mim – eu retruquei – Seria como se eu tivesse que escolher entre um ou outro... Isso não é nem um pouco justo.
- Se eu fizer, não vou morrer...
- Como você sabe? – eu o interrompi. O que ele estava dizendo era um absurdo – O seu poder é maravilhoso, mas você tem um limite...
- Que eu nunca testei...
- ... – cortei-o novamente, dessa vez virando-me para encará-lo – Por favor, você tem esse dom por algum motivo que não é ficar desafiando o seu corpo. Você, melhor do que ninguém, sabe o que acontece quando cura alguém.
- Está parecendo o nosso avô falando – ele comentou e só então me passou pela cabeça que este segredo poderia ter sido guardado por mais alguém. vivera com meu avô por mais de quatro anos, o que implicaria no conhecimento de certos hábitos e também trejeitos.
- Vovô... Sabia sobre isso? – eu perguntei e meu primo concordou com um resmungo – Ele descobriu ou você contou?
- Eu contei – ele respondeu, falando com tranquilidade – Quando ele adoeceu pela primeira vez, eu meio que o curei, então tive que dizer toda a verdade.
- Adoeceu pela primeira vez? – eu estranhei. As notícias que havíamos tido não citavam nada do tipo: nosso avô teria passado mal alguns dias antes de falecer, nada ocorrera antes disso. Nada que nós soubéssemos...
- Era um segredo nosso, ele me fez prometer que não diria a ninguém e também me proibiu de usar o meu poder...
Isso explicaria o fato de não ter ajudado nosso avô quando ele foi parar no hospital pela última vez. Mas meu primo seria tão obediente a ponto de não salvar a pessoa que mais cuidava dele?
Meu pensamento foi imediatamente cortado pela sua fala.
- Se está pensando que eu não quis salvá-lo, bem, eu quis – ele falou, como se lesse a minha mente – Mas ele realmente foi severo quando me disse que eu deveria poupar a mim mesmo.
- O que ele fez pra te convencer? – eu quis saber. Minha curiosidade era grande demais.
- Disse que eu não podia mudar o destino dele – falou, respirando fundo uma vez antes de finalizar – E que ele estava indo ao encontro da mulher que ele amava.
De certa forma, isso aliviou um pouco a tristeza que infalivelmente me invadia sempre que eu pensava no meu avô. Passara alguns anos sozinho, perdera uma filha de forma trágica, vira o sofrimento da outra filha quando o genro veio a falecer... Talvez quando ele dizia que ter netos era um bom presente, ele estivesse agradecendo por ter alguém a quem cuidar. Eu nunca o ouvira falar muito de minha avó, apenas a citava nas conversas sobre a casa, mas já o vira parado, fitando algum porta retrato, como se toda a história estivesse sendo contada outra vez dentro de sua própria mente. Todos em nossa família eram assim: pensativos, às vezes misteriosos. Contendo grandes sentimentos apenas por achar que seria melhor assim.
De repente, riu.
- O que foi? - eu perguntei, estranhando. Ele olhou pra mim e parecia contente.
- Uma das coisas que ele sempre dizia era que graças à vovó, todas as mulheres da família seriam bonitas - ele respondeu - Não acho que ele estava mentindo...
- Por que lembrou disso agora? - eu quis saber e meu primo deu de ombros.
- Não quero falar de coisas tristes - com um suspiro, senti uma de suas mãos procurar pela minha e nossos dedos se entrelaçaram - Não depois de a gente ter ficado junto...
Tão inevitável quanto sorrir foi a tremedeira estranha, leve e gostosa que me invadiu. então se ajeitou na cama, sua boca vindo de encontro com a minha, seus olhos se fechando enquanto eu sentia uma vontade imensa de pedir licença apenas para trancar a porta. Mas eu não queria interrompê-lo. Não quando era tão seguro estar ali, não quando ele estava transformando o meu clima de preocupação em conforto. Tentei imaginar as coisas que ele estaria pensando, as vontades que ele estaria sentindo, as coisas que ele poderia estar querendo dizer mas não podia porque estava... Ocupado. Em meio a tantas notícias ruins, era bom saber que ele estava ali.


Já tinha escurecido quando minha mãe voltou para casa com uma expressão nada boa. Temi que ela dissesse que o estado da senhora Fong tinha piorado, mas a notícia que nos foi dada não era exatamente a que esperávamos: o estado de saúde dela havia melhorado muito, mas o marido dela sofrera um ataque semelhante. Assustei-me com isso, lembrando-me do sonho que eu havia tido e só me dei conta da situação quando minha mãe completou dizendo que ele não havia suportado e viera a falecer.
Não consegui dormir naquela noite, acabei acordando de madrugada e rumando para a escadaria, parando em frente ao quadro de flores que a senhora Fong havia feito para minha mãe. Fiquei um bom tempo sozinha, apenas me recordando do passado, de como ela me dera forças quando eu havia perdido meu pai... Queria correr para o hospital naquele instante para saber do que ela precisava, quais palavras ela queria ouvir, qual seria a melhor forma de demonstrar a minha gratidão por tudo o que ela havia feito por mim. Porém, tudo o que fiz foi esperar amanhecer.
Vendo-me novamente naquele cemitério, cercada por pessoas com olhares tristonhos e flores nas mãos, a vontade que tive foi a de correr de volta para o carro. Meus olhos encontraram o túmulo de meu pai e as lembranças do dia de seu enterro ficaram muito fortes. Quantas vezes mais eu teria de ir até lá para me despedir?
A pequena cerimônia aconteceu tranquilamente e logo as pessoas começaram a ir embora. Antes de entrar no carro, perguntei à minha mãe de poderia visitar a senhora Fong e ela concordou compreensivamente.

Senhora Fong estava num quarto comum, sozinha. Ela não estava dormindo, pois abriu os olhos no instante em que minha mãe adentrou o local.
- queria ver a senhora - minha mãe explicou e eu sorri, notando que ela fazia o mesmo - Vou deixá-las um instante.
Concordei, esperando até que ela saísse. Tinha outras coisas para resolver no hospital e pediu para que eu não demorasse muito ali dentro, uma vez que e também estavam esperando.
Como de costume, antes de me sentar na cadeira que estava ao lado da cama onde a senhora Fong repousava, perguntei se ela se sentia bem. Ela me disse que sim, apesar de ter o olhar recheado de tristeza, no qual não pude deixar de reparar. Apesar disso, senti como se ela estivesse conformada com o que havia acontecido.
Conformada até demais.
Lembrei-me do dia em que fui até a casa dela, levando Dutch comigo, e da pergunta que eu queria fazer, porém, não tinha ideia sobre como começar a nossa conversa. Algo me dizia que eu precisava estar ali e que havia coisas que eu deveria ouvir.
Inesperadamente, senhora Fong parecia pensar o mesmo: ela olhou mais uma vez para a porta, talvez se certificando de que não havia mais ninguém além de nós duas ali e então virou o rosto para mim numa expressão séria, diferente da que eu estava acostumada a ver.
- Acho que eu sei por que você está aqui – ela disse, como se a minha visita tivesse outra intenção senão demonstrar o meu respeito e gratidão.
- Eu vim porque fiquei preocupada com a senhora... – eu falei, mas ela me cortou.
- Eu sei disso, mas também sei que tem outra coisa – seu sorriso de repente ressurgiu de maneira fraca – Você fez muito bem, menina... É a única que vai acreditar em mim.
Estranhei. Senhora Fong era uma mulher sensata e estava sempre se abrindo em conversas sinceras com a minha mãe. Ao menos era isso o que eu imaginava. Por que alguém como eu, que vira muito pouco da vida, poderia ser a única a compreendê-la?
- Como assim? – eu questionei, deixando visível que não sabia do que ela estava falando. Senhora Fong respirou fundo uma vez antes de começar.
- Eu notei que você ficou pensativa depois que eu vi o seu primo – ela falou, fazendo-me recordar daquela primeira visita – Mas no instante em que eu o vi, eu percebi que ele era diferente. E você sabe, não sabe? Eles têm um segredo...
- Se... Segredo? – eu disse, gaguejando um pouco por conta da última frase – Eles quem?
- Seu primo e meu marido – ela respondeu, a voz falhando na menção ao senhor Fong – Você sabe o que eles fazem, não sabe?
Eu preferia que ela estivesse falando sobre eu ter algo com meu primo, uma atração ou amor como a que ela mantinha por seu marido, mas ela falava sobre o dom que tinha. Suas palavras estavam me mostrando que ele não era o único, o que fora uma surpresa.
- Eles podem salvar as pessoas – ela falou – Ele... Me salvou.
Engoli em seco, entendendo a informação. Esse fora o motivo para ela ter me alertado, pedindo para que eu cuidasse de . Levei uma de minhas mãos até meu rosto, sentindo-o quente. Mesmo tendo a resposta que eu queria, ainda precisava ouvir dela.
- Foi por isso que a senhora me pediu pra não deixar meu primo fazer nenhuma besteira?
- Eu pedi isso para o Jung também – ela comentou, chamando o marido pelo nome – Mas ele era tão teimoso...
- Senhora Fong... Eu sinto muito – eu declarei e ela esticou uma das mãos, pedindo para que eu a tocasse. Seus dedos estavam frios e seguraram fortemente a minha mão.
- Não sinta, eu nunca poderia impedi-lo – ela explicou, sorrindo enquanto uma lágrima escorria na lateral de um de seus olhos – Ele deu a vida dele por mim...
Era algo que eu nunca imaginaria. Minha mãe comentara que eles estavam preocupados com o estado dela, mas agora eu tinha certeza de que ela ficaria bem. Só não tinha certeza de como seria viver pensando que Jung poderia estar vivo, mas não quis perguntar isso a ela, com medo de feri-la.
Também não tive tempo de questionar mais nada, pois a porta abriu-se e minha mãe apareceu, pedindo licença. Ela disse que os filhos da senhora Fong haviam chegado e que eu precisava ir. Levantei-me e me despedi.
- Obrigada por ter vindo – Inny disse e achei estranho ler o nome dela na ficha que estava nas mãos de minha mãe, pois sempre a chamara de “senhora Fong”. Ela sorriu e eu acenei antes de sair. Seus filhos também tinham expressões serenas e eu me perguntei se eles também sabiam de alguma coisa. Mas não era preciso invadir os segredos familiares tão a fundo: eu já tivera a resposta de que precisava.

estava sentado ao lado de meu irmão numa muretinha no estacionamento aberto do hospital e levantou-se, vindo imediatamente até mim. Ele se conteve apenas quando viu a minha mãe e nós caminhamos juntos até o carro. Mesmo com tudo o que estava acontecendo, eu ainda me sentia estranha por estar tão perto dele sem poder demonstrar que estava contente com isso. Queria chegar em casa o quanto antes pra contar o que havia descoberto, mas a viagem pareceu um pouco mais longa que o normal. Talvez fosse a ligeira vergonha por estar na companhia de minha mãe, sabendo que eu estava escondendo dela a relação que eu agora tinha com : eu me senti um pouco desconfortável e acho que meu primo sentia o mesmo.

Nós iríamos almoçar e minha mãe retornaria ao hospital. e eu paramos no quintal para brincar com Dutch, enquanto meu irmão a ajudava na cozinha.
- Aconteceu alguma coisa? – meu primo quis saber, talvez porque eu estava calada demais. Olhei pra ele, tentando ter a mesma visão de senhora Fong, mas se eu não tivesse presenciado o uso do dom de , talvez eu nunca desconfiasse de nada.
- Você conhece mais alguém que tenha um poder como o seu? – eu perguntei e ele franziu o cenho, achando esquisito.
- Eu acho que não – ele respondeu – Por quê?
Vendo-o ajoelhado ao lado de Dutch, que agora estava sentadinho como se fosse da raça mais comportada do mundo, eu primeiramente me aproximei, sentando-me no gramado, de frente para os dois. Dutch esticou as patas da frente e deitou-se à vontade, como se gostasse de ficar nos ouvindo.
- Se lembra da primeira vez em que viu a senhora Fong? - eu perguntei e ele concordou com um aceno de cabeça - Quando ela me entregou o quadro de flores, ela me pediu pra não deixar você fazer nenhuma besteira...
- A senhora Fong tem o mesmo dom que eu? - ele questionou de imediato e eu neguei, balançando as mãos no ar.
- A senhora Inny simplesmente sabia que você era diferente - eu contei, usando as mesmas palavras que ouvira naquela manhã - Porque ela conviveu durante muitos anos com alguém assim...
desviou seu olhar por alguns instantes, talvez processando a informação como eu fizera. Não era algo fácil de assimilar.
- Então o marido dela...? - ele não terminou a frase.
- Entende por que tenho tanto medo de que você se machuque quando salva alguém? - eu aproveitei a deixa e expus o que sentia. Durante a viagem para Gwangju, o meu desejo era o de ajudar , mas usando os meios normais: levando-o ao médico, curando-o aos poucos. Estaria mentindo se dissesse que não era grata por ter diminuído e cessado o sofrimento de meu melhor amigo, porém, não me parecia justo que meu primo sangrasse depois de ter feito algo tão bom.
ficou quieto por um tempo, sabendo que eu me preocupava. Ele mesmo parecia um tanto chocado: o senhor Jung morrera tão de repente, talvez sem nem ter tido tempo de dizer qualquer coisa à senhora Inny.
- ...? - eu o chamei, notando que ele estava pensativo demais. Seus olhos voltaram a encontrar os meus.
- Eu também tenho medo, - ele confessou - Sabe quantas vezes eu recuei por causa disso? Acha que minha mãe estaria morta agora? Nosso avô...?
- Você não tinha que salvá-los - eu disse, sabendo que ele entendia que não podia mudar as coisas tão drasticamente.
- Mas eu quis - ele falou, controlando o choro. Seu rosto estava ligeiramente corado - E não pude.
Colocando-me em seu lugar, era fácil conhecer esse sentimento que era um misto de culpa e insatisfação. Se eu tivesse um poder como o dele, eu certamente o teria usado na noite em que meu pai fora baleado em frente a nossa casa. Mas como meu pai viveria depois disso, sabendo que sua vida, de certo modo, havia sido trocada pela vida de sua filha? O que ele iria dizer pra minha mãe quando ela estivesse chorando sobre o meu túmulo? Eram decisões difíceis demais.
abaixou a cabeça e Dutch colocou uma de suas patas sobre a perna dele.
- Não tem que se sentir mal por isso, a vida é injusta mesmo - eu disse, sem saber como animá-lo.
- Você está errada - ele falou - A vida não tem que ser assim.
Suas palavras rígidas apenas me fizeram ver o quanto ele sofria internamente com as tragédias de nossa família e de repente eu pareci ser a pessoa mais fria do universo.
Minha mãe abriu a porta de vidro da cozinha e nos chamou para almoçar, interrompendo o silêncio constrangedor que se instalara entre meu primo e eu. Foi como no primeiro dia em que eu reparei de verdade nele, no escritório da casa de meu avô, mas, dessa vez, nós realmente parecíamos dois estranhos.

Ajudei meu irmão com a louça e, distraída por ainda estar pensando na conversa que tivera com , não percebi que havia machucado um dos dedos da mão esquerda. Havia um corte pequeno, mas visível em meu indicador e eu senti uma dorzinha incômoda quando lavei o ferimento.
- Então o sangue na toalha era seu - comentou, mostrando uma manchinha na toalha que eu estava usando para secar os talheres. Eu fiz uma careta por conta da imagem e decidi subir para meu quarto e procurar por um esparadrapo ou coisa do tipo, mas chegou perto de mim, imediatamente erguendo sua mão para tocar a minha.
- Não, eu não quero que você faça isso - eu falei, desvencilhando-me dele - Por favor, está tudo bem...
Ele não disse nada. Eu subi depressa e estava na porta do meu quarto quando me alcançou. Ele me puxou pelo pulso, ignorando o pedido que eu havia feito. Repentinamente uma ardência surgiu na ponta do meu dedo e foi se alastrando até a palma de minha mão. Eu fechei os olhos ao senti-la: não era forte, mas eu queria que acabasse depressa. Tentei puxar meu braço novamente, mas meu primo me impediu. Quando a dor sumiu de repente, eu usei a mão livre para dar um tapa em seu ombro.
- Eu pedi pra não fazer isso! – eu disse, zangada. O corte na ponta do meu dedo não estava mais lá.
- É só um corte – ele falou, mas era como se ele estivesse me desrespeitando.
- Mas eu pedi pra você, - eu disse, sentindo as lágrimas invadirem os meus olhos – Não quero que você termine como... Como o senhor Jung...
- Eu sei que eu tenho limites, ...
- Isso não te impede de fazer uma besteira...
- Acha que o que o marido da senhora Inny fez foi uma besteira? - meu primo perguntou, sério.
Eu apenas respirei fundo uma vez e, antes de entrar em meu quarto e fechar a porta para que ele não me seguisse, respondi::
- Ela está sozinha agora.
(Betada por:Gabriella)



Capítulo 13

Fiquei sem falar com durante aquela tarde inteira e essa falta de comunicação duraria ainda mais tempo se ele não tivesse batido na porta do meu quarto em plena madrugada. Passava das duas da manhã quando meu silêncio autorizou a entrada dele no cômodo. Ouvi seus passos e sabia que ele estava chegando perto, então puxei o edredom até o pescoço, dando-lhe as costas. Eu estava sim um pouco brava depois do que ele havia feito, sarando o machucado em meu dedo quando eu havia pedido para que ele não o fizesse. Em parte, parecia uma birra minha, mas no fundo, eu me achava com a razão: um cortezinho como aquele poderia não causar dano algum, assim como poderia apenas contribuir com a fraqueza que ele ainda sentia depois de ter curado o ferimento no braço de .
Esperei, achando que meu primo iria dizer alguma coisa, mas, para a minha surpresa, senti que ele havia subido na cama e estava se deitando ao meu lado: o som da sua roupa em contato com o lençol me fez ter leves calafrios.
- O que está fazendo? - eu perguntei, contrariando a mim mesma, pois não queria ser a primeira a falar.
- Eu feri você com as minhas palavras - ele respondeu, ajeitando o edredom sem a minha permissão - E você me feriu com as suas - senti seu braço em minha cintura e fechei os olhos com força por ele estar tão próximo - Me desculpe.
Tentei manter aquele pensamento de que estava irritada o suficiente para ignorá-lo, mas foi impossível. Ele parecia estar querendo me curar psicologicamente, o que poderia ser ainda mais perigoso.
- Eu não quero falar sobre isso - eu disse e não me movi - E você não deveria estar aqui a essa hora.
- Não queria que você ficasse brava assim - ele lamentou, marotamente encostando a ponta do nariz no meu ombro.
- Já passou - eu deixei escapar, sentindo vergonha por não estar olhando para ele. Não que eu fosse enxergar muita coisa por conta da escuridão que tomava o meu quarto... - Não sou uma fraca por não conseguir ficar zangada com você por mais tempo?
- É, é sim - ele riu baixinho - Ainda bem.
Eu ri junto dele, deslizando minha mão pelo braço que ele mantinha em meu corpo, encontrando seus dedos e os entrelaçando aos meus como eu sempre gostava de fazer. ficou quietinho e, por um instante, achei que tinha adormecido.
- Você vai dormir aqui? - indaguei, sentindo um arrepio novo viajando dentro do meu corpo.
- Aham - ele respondeu com um resmungo.
Nem havia passado noite alguma comigo: às vezes ele ficava até mais tarde, mas acabava tendo que dormir no quarto de hóspedes, que agora pertencia a . Dizia ter receio da minha mãe, achando que estava faltando com respeito à ela e todas essas desculpas mais. Eu também nunca fora dormir na casa dele, o que, de repente, me pareceu estranho. Nós éramos namorados e estávamos juntos há tempo suficiente para criar essa intimidade, então por que nunca havíamos dividido uma noite de sono como um casal comum?
Se eu soubesse que era tão gostoso dormir do lado de alguém que a gente gosta... Era bem diferente de dormir ao lado de , por exemplo. Com eu me sentia igualmente protegida, mas tinha vontade de permanecer ali para sempre.
- Tem algum problema se eu ficar? - ele quis saber e bocejou em seguida.
- Não, se você for agora, eu vou sentir falta de alguma coisa aqui na cama - eu brinquei e ele depositou um beijo demorado em meu ombro, fazendo o mesmo ao percorrer o caminho até o meu pescoço. Não era justo nós estarmos com tanto sono.

Por sorte, minha mãe não costumava vir até o meu quarto de manhã, uma vez que ela saía cedo para trabalhar, então quando abri os olhos, dando de cara com meu primo adormecido ao meu lado, senti uma tranquilidade imensa. Ele era realmente muito bonito e eu tive vontade de traçar cada linha do seu rosto com a ponta dos meus dedos, como ele fazia quando delineava os meus retratos com lápis numa folha de papel. Respirava serenamente, coberto até o peito com o edredom, o que me fez imaginar como teríamos chegado àquela posição. Sem muita pressa e sem dar a mínima para o horário, eu me movi devagar, tentando não acordá-lo, e elevei uma de minhas mãos para afagar o seu cabelo, tão macio como o esperado. Se isso não soasse tão clichê, diria que ele era um anjo que havia sido enviado para mim, porque eu não podia negar que ele estava me salvando de alguma maneira.
Não soube dizer se fora por conta da saudade ou da raiva que deixara respingos em mim, mas eu de repente me lembrei de : do dia em que ele me chamou pra sair pela primeira vez; da festa onde ele me beijou pela primeira vez, dançando comigo no meio da sala de estar de um dos amigos de ; do primeiro dia na minha casa e da nossa primeira vez juntos. Eu me sentia tão bem junto dele, tão confiante e por que não dizer completa? A verdade é que pensar nele fazia crescer o medo que eu tinha de perder por qualquer motivo. Estava na hora das coisas boas permanecerem em minha vida.
Meu primo se moveu e eu toquei seu rosto, esperando-o abrir os olhos. Quando ele o fez, um sorriso sonolento despontou em seus lábios que logo quiseram avançar sobre os meus. Porém, era de manhã e tínhamos acabado de acordar, então tapei minha boca com uma mão, rindo.
- O que foi? - ele perguntou.
- Preciso escovar meus dentes - respondi e me levantei, caminhando até o banheiro. Amarrei meus cabelos com uma presilha qualquer que eu deixava sobre a pia e peguei minha escova, percebendo que meu primo havia me seguido. Vi pelo espelho quando ele se aproximou e pegou em minha cintura, depositando um beijo rápido no meu pescoço.
- Vou me arrumar - ele disse e saiu, largando-me com um sorriso bobo na cara.
Terminei o que tinha pra fazer e desci para a sala de estar. deveria estar no quarto dele ainda, pois a única coisa que encontrei foi o celular de meu irmão largado no sofá. estava sempre com o aparelho nas mãos, por isso estranhei o fato de ele tê-lo esquecido ali. Peguei o objeto para colocá-lo sobre a mesinha de centro, num lugar mais seguro, e ele vibrou, fazendo-me olhar para a tela. Era uma mensagem, mas não tinha nenhum nome de contato, apenas os números do telefone. Claro que fiquei curiosa, mas ignorei isso e deixei o celular sobre uma das revistas que minha mãe assinava e estava igualmente esquecida na mesa.
Já não era tão cedo e Dutch estava esperando na porta de vidro da cozinha, abanando o rabinho quando me viu. Eu saí, acariciando seu pelo enquanto ele parecia contente. Olhei para o céu, que estava escuro como nos dias anteriores e estranhei a chuva estar demorando tanto a cair.
Dutch deu um latido, tirando-me da distração e apareceu, carregando um potinho com ração.
- Está com fome? - ele perguntou e o cão correu em sua direção, obedecendo a ordem para sentar-se - Ele aprende as coisas bem rápido...
Eu sorri e fui brincar com eles. Dutch sempre ficava quieto quando e eu estávamos juntos, talvez por saber que nós passaríamos um bom tempo conversando sobre qualquer assunto aleatório. Apesar disso, ele parecia um pouco agitado.
- Deve ser porque contei que tínhamos discutido ontem - brincou, deixando o pote que carregava, no chão - Está tudo bem, Dutch, nós fizemos as pazes.
Não evitei rir. Meu primo levantou-se e veio até mim, roubando-me um beijo rápido.
- Viu? Ela não está mais zangada comigo - ele finalizou. Tentou voltar para o lugar onde estava, mas eu o segurei pela camiseta. Se as pessoas davam tanta importância ao beijo de boa noite, por que o beijo de bom dia não tinha esse mesmo peso?
entendeu o meu recado e, sem cerimônia, aproximou-se o suficiente para me beijar, doce e sutil. Aos poucos ele havia aprendido que podia dispor de um pouco mais de força, o que resultava sempre numa sensação diferente.

-x-

apareceu, cobrando a minha falta de atenção por não ter visto as mensagens que ele enviara para o meu celular. Desde que meu namoro com terminara, eu havia mesmo deixado de andar com o aparelho para cima e para baixo como fazia antes, pelo simples fato de que não queria mais ficar tentada em ler ou ouvir os recados que meu agora ex-namorado insistia em me enviar. Elas haviam diminuído bastante até o dia em que pararam de vez. Foi exatamente isso o que eu disse para meu melhor amigo, enquanto ele plugava um fio preto na televisão da sala, ligando-o à câmera que ele trouxera.
estava sentado no sofá apenas assistindo a conversa entre e eu, e meu irmão, que tinha chegado do colégio, estava descendo as escadas depois de trocar de roupa.
- Eu filmei algumas coisas na viagem pra gente rir um pouco - disse e, sem perceber, pegou em meu pulso, puxando-me para que nos sentássemos juntos no outro sofá. Olhei para , mas ele riu, deixando-me mais tranquila. Eu sabia que mesmo depois de tudo o que havia acontecido, não desistiria de mim: continuaria com suas brincadeiras cheias de segundas intenções, como fazia quando eu namorava .
Fora realmente divertido assistir às filmagens, inclusive relembrando como havia sido o Dream Concert. finalmente pareceu notar que seu celular estava largado sobre a mesinha e o pegou, imediatamente lendo a mensagem que estava indicada na tela. Eu apenas observei por curiosidade, mas não pude deixar de notar a expressão que ele havia feito: primeiro um pouco surpreso, depois ligeiramente triste.
- , está tudo bem? - eu quis saber e ele acenou positivamente com a cabeça, porém não disse nada, deixando-me desconfiada. Acabei não questionando mais nada, pois , com toda a liberdade que ele tinha, decidiu que deveríamos comer alguma coisa antes de ele ir embora.

- Seu amigo é engraçado - disse baixinho no meu ouvido, enquanto estávamos na cozinha.
- Não tem ciúmes dele? - eu perguntei e ele riu, negando - Deveria, ele tem ciúmes de você.
Embora tenhamos passado três dias juntos durante a viagem, e não se sentiam tão à vontade um com o outro. Mesmo que eu tentasse me sentar ao lado de meu primo na mesa, meu melhor amigo dava um jeito de me arrastar para perto de si. Às vezes ele se comportava como uma criança que não queria dividir o brinquedo com mais ninguém. Não que eu fosse um brinquedo, mas não havia melhor metáfora para explicar a situação.
Eu estava tão distraída com isso que só me dei conta do estado de meu irmão quando perguntou o que ele tinha.
- Estou com sono - respondeu.
Mas todos nós sabíamos que ele estava mentindo.

-x-

- Converse comigo - eu pedi, entrando no quarto de meu irmão um tempo depois de ter ido embora, e deu um suspiro pesado - O que é que você tem?
- Nada - ele respondeu simplesmente. Pensei em insistir mais um pouco, mas ele pegou o celular e deu uma olhada rápida no visor. Algo ali o incomodava, eu estava certa disso.
- Eu não vou sair daqui até você me dizer - eu avisei e me sentei na cama dele feito uma menina teimosa. Meu irmão bufou, mas não ficou bravo. Ao invés disso, veio até mim e se sentou do meu lado, apertando-me com seus dois braços. Senti que ele estava precisando de companhia quando encostou o queixo em meu ombro direito.
- Você gosta de verdade do , não é? - ele quis saber e eu respondi que sim - Como você descobriu isso?
Era difícil responder, já que nem eu mesma sabia.
- Talvez quando eu descobri que ele desenhava retratos meus - eu falei, lembrando-me do dia em que mexi nas coisas dele sem ordem.
- Ele te desenha? - perguntou, talvez achando isso esquisito.
- Ele desenha muito bem - eu comentei, sorrindo - Mas não desvie o assunto... Está interessado em alguém pra me perguntar isso?
Meu irmão suspirou e concordou.
- Eu queria ter certeza do que estou sentindo - ele começou a balançar nossos corpos como se tivesse alguma música tocando - Porque eu não sei o que fazer...
- Não sou a melhor pessoa pra te aconselhar - eu brinquei e ele riu de maneira fraca - É sério, quem ela é?
Meu irmão não disse nada de imediato. Soltou-se do abraço e olhou para as próprias mãos, que agora descansavam sobre suas pernas.
- Uma garota do meu colégio - ele falou e, pelo visto, não queria que eu soubesse quem era - Está me mandando mensagens porque nós brigamos esses dias...
- Vocês estão juntos então? - eu me surpreendi. Nunca tinha parado pra pensar que, mais cedo ou mais tarde, eu teria alguém pra chamar de cunhada. era mais novo que eu, o que me dava a ideia de que a proteção que ele me dava seria sempre exclusiva. Um pensamento egoísta de irmã.
- Mais ou menos - ele disse - Acho que ela gosta de outra pessoa...
Essa talvez fosse a pior dúvida dentre todas, achar que a pessoa de quem você gosta já tem alguém. Me vi nos primeiros dias depois do telefonema de e relembrei os pensamentos que me faziam indagar se ele tinha me trocado por uma garota mais bonita, mais sensata ou mais independente. Se ele estaria mais feliz com ela do que comigo. De certo modo, doía. Doía porque nós tínhamos uma história e, se ele realmente havia terminado comigo por causa de outro alguém, essa ferida ia demorar muito mais a ser cicatrizada. Era por isso que eu me recusava a saber: eu não lia suas mensagens até o fim, com medo de descobrir que estava certa. Com medo de que isso pudesse interferir na relação que eu criara com e que, por sinal, estava indo muito bem.
Além disso, havia . Mesmo que ele tenha aceitado meu namoro com e descoberto que eu estava com , ele ainda tinha esperanças.
Distraída, eu apenas notei o silêncio no cômodo quando o celular de meu irmão vibrou, indicando que havia uma nova mensagem. Ele a leu e suspirou.
- Talvez seja melhor ligar... - ele disse e achei melhor deixá-lo sozinho. Antes disso, murmurei um 'vai ficar tudo bem' e concordou, segurando o aparelho nas mãos, confiante de que a conversa que teria seria boa.
Eu estava torcendo por ele.

-x-

A chuva finalmente resolvera cair, mas a minha atenção estava voltada ao modo como estava me tocando. Eu não queria exceder nenhum limite, vendo que logo minha mãe estaria em casa, mas não conseguia impedi-lo de apertar-me cada vez mais ao seu corpo. Com a respiração alterada, ele pausou o beijo, fitando meus olhos, e acariciou meu rosto antes de levar sua mão até a minha nuca.
- Eu andei pensando e tem uma coisa que a gente precisa fazer - ele disse, concentrado em manter-se calmo. Eu estava tentando deter minhas mãos apenas em sua cintura, para evitar que ele ficasse animado demais.
- O quê? - perguntei, observando um sorriso surgir na ponta de seus lábios - , o que é?
Ele riu e voltou a me beijar, deixando-me preocupada. De certa forma, era até mais gostoso ficar com ele enquanto podíamos ser pegos a qualquer momento, porém, isso também me assustava. Movi minhas pernas, fazendo-o perceber que eu queria parar, mas ele ainda me prendeu por mais um tempo.
Quando finalmente nos separamos, eu me sentei, arrumando a blusa que estava toda amarrotada, e aproveitei para ajeitar os cabelos de meu primo, numa situação não muito diferente. Ele mordeu o lábio, respirando fundo.
- Pode me dizer agora - eu falei e ele sorriu. Levou suas mãos de volta à minha cintura, como se tivesse medo de que eu fugisse.
- Deveria ter sido a primeira coisa antes de termos... 'Dormido' juntos - ele começou e eu não tinha a menor ideia sobre o que seria - Eu ia comentar isso enquanto estávamos em Gwangju, mas aconteceram tantas coisas...
De repente, pensamentos ruins invadiram a minha mente.
- Tem algo errado que você queira me dizer, é isso? - eu questionei e ele me disse que não, não havia nada errado.
Eu estava apenas precipitando um sofrimento inexistente. riu da minha expressão preocupada.
- Eu só... Queria permissão pra chamar você de namorada - ele falou e, antes de eu realmente sentir aquilo como uma surpresa, achei piegas ele ter enrolado tanto pra me pedir isso.
Era embaraçoso, sempre era: o momento em que você assume que precisa da pessoa e tem que propor ou aceitar algum termo para marcar certa passagem no relacionamento. Eu tive vontade de rir, mas confesso que estava nervosa depois de ouvir aquela palavra. Parecia ser tão sério...
- Eu tenho que responder já? - eu brinquei e realmente não tive tempo de dizer mais coisa alguma. Os faróis do carro de minha mãe iluminaram a janela da frente e tratei de me recompor, como se e eu estivéssemos apenas conversando, distantes um do outro. Ele até mesmo sentou-se na outra ponta do sofá para disfarçar melhor, colocando uma almofada sobre o colo.
Minha mãe entrou em casa, deixando o guarda-chuva molhado na entrada e olhou para nós dois dizendo boa noite. Eu sabia que ela deveria ter tido um dia cheio, mas estranhei a sua expressão: cansada e um tanto quanto triste; ela parecia um pouco nervosa também, pois deixou a bolsa cair quando colocou as chaves no aparador próximo da entrada.
- Mãe, está tudo bem? - eu quis saber, falando ligeiramente alto por causa do barulho causado pela chuva e ela se aproximou.
- Preciso conversar com você - ela disse - Pode vir até o escritório comigo?
- Aconteceu alguma coisa? - eu achei esquisito ela querer falar comigo a sós.
- É um assunto importante pra você, filha - ela falou, olhando para por um instante. Aquilo fez meu sangue esfriar por medo: e se ela tivesse nos descoberto?
- Mãe... Tudo bem - eu insisti - Você pode falar comigo aqui mesmo, estamos em família...
Ela pensou antes de abrir a boca novamente e concordou em não criar particularidades. Na mente dela, talvez, meu primo poderia se sentir excluído ou coisa do tipo, o que ela jamais desejaria, pois prometera que o trataria como um filho. E eu a conhecia o suficiente pra saber que se o assunto dissesse respeito apenas a nós duas, ela não iria ceder com tanta facilidade.
- Mãe...?
- Por favor, me escute até o final - ela avisou - É sobre o .
(Betada por: Gabriella)



Capítulo 14

Ouvir aquele nome fez meu estômago revirar. Eu repentinamente tive um mau pressentimento, e esperei minha mãe sentar-se próxima à mim, antes de realmente começar a prestar atenção nela.
- Eu não sei o que foi que ele te disse quando vocês terminaram... - ela começou e eu engoli em seco, tendo vontade de interrompê-la para dizer o quão magoada ele tinha me deixado por não esclarecer os motivos de sua decisão - E eu deveria ter conversado com você sobre isso...
- Eu estou bem! - eu disse, sendo sincera - Eu... Aceitei a decisão dele.
De certa forma, fora isso mesmo o que havia acontecido. Minha mãe balançou a cabeça positivamente, compreensiva.
- Bom, eu o vi hoje, falei com ele... - ela explicou - E ele não queria que eu te dissesse nada a respeito...
- Do quê? - eu quis saber. Não havia razão para ela adiar tanto o assunto.
- está no hospital. - ela finalmente soltou - Eu não sei o que foi que ele te disse, mas ele está doente, .
A partir daí, eu não ouvi mais nada. As únicas palavras que invadiram a minha mente foram aquelas enviadas numa das mensagens de .
Me desculpe por ser um fraco que não consegue contar a verdade.
O que diabos ele tinha na cabeça para me esconder isso? Há quanto tempo ele o estava fazendo?
Fui invadida por muitas dúvidas e lembranças e não consegui voltar a prestar atenção em minha mãe até o momento em que ela me prendeu pelos ombros, sabendo que eu não estava nada bem.
- Filha, não importa o que aconteceu! - ela disse, olhando seriamente para mim - Ele tentou te poupar. De alguma forma, ele ainda gosta de você...
E meu coração respondeu batendo de maneira intensa e rápida. Minha mãe estava dizendo aquilo para me confortar, pois sabia o quanto e eu éramos felizes juntos. Ela vira a minha tristeza quando terminamos e recordava-se bem da alegria quando havíamos começado o namoro. Ela não estava fazendo por mal e, realmente, teria sido melhor que tivéssemos ido ao escritório para ter essa ‘conversa’, já que apenas me encarava sem expressão alguma.
- Você pode ir ao hospital para vê-lo, se quiser. - minha mãe falou e eu neguei com um aceno de cabeça, tentando me livrar das mãos dela, que me impediam de sair correndo - Você deveria...
- Eu... Eu não sei, mãe. - respondi, sentindo vontade de chorar. Estava nervosa e decepcionada, surpresa e triste ao mesmo tempo. Era como se tivesse decidido por mim e desacreditado no que eu sentia. Como se eu pudesse me tornar um estorvo na vida dele e ele na minha.
Abaixei a cabeça, tentando esconder o choro e minha mãe afrouxou as mãos, deixando-me livre. Levantei-me, sem coragem de olhar para meu primo e rumei até a escada, pisando com pressa nos degraus. Ouvi meu irmão chamar por meu nome quando passei em frente ao seu quarto, que estava com a porta aberta, mas não pude parar para atendê-lo. Entrei no quarto e fechei a porta, jogando-me sobre a cama como uma criança que acabou de receber um castigo por se comportar mal. Como no dia em que o telefonema de me deixou arrasada. “Eu quero terminar... Não complique as coisas...”
Não se tratava de complicar, na verdade, nenhum de nós dois estava tomando a decisão certa numa hora como aquela: ele por estar fugindo e eu por não ter insistido mais.
Embora eu soubesse que isso deveria ser posto de lado e que eu deveria juntar forças para ir vê-lo, como minha mãe havia me aconselhado, eu não conseguia não me sentir machucada. Eu nem ao menos sabia o que ele tinha, mas o tom de voz usado por minha mãe deixou bem claro que era algo grave. Se não fosse, ela teria vindo atrás de mim e dado continuidade ao assunto. Ao invés disso, a porta não se abriu e eu passei o resto da noite sozinha.

Acordei sentindo meu rosto ser acariciado e abri os olhos, que ardiam por eu ter passado um bom tempo chorando em silêncio, sem medo de encontrar sentado na ponta da cama. Minha cabeça doía levemente por não ter dormido bem e eu pisquei com força algumas vezes antes de finalmente ouvir a voz dele.
- Sua mãe está esperando por você.
Respirei fundo, segurando o edredom enquanto me sentava na cama, passando uma das mãos sobre o meu cabelo, apenas para ajeitá-lo levemente.
- Não sei se eu quero ir. - eu confessei e meu primo moveu-se em minha direção, deixando seu rosto bem próximo do meu - , me desculpe por ontem...
- Eu não vim atrás de você, porque eu sabia que seria melhor que você tivesse um tempo pra entender o que estava acontecendo. - ele explicou, sem que eu tivesse que perguntar - Não precisa se desculpar... ... É alguém importante pra você.
A pausa após o nome de meu ex-namorado me deixou ainda mais ferida, pois eu tinha certeza de que estava preocupado com o que eu sentia. No lugar dele, eu não saberia como reagir.
- Eu te devo uma resposta. - eu disse, tentando controlar a já conhecida vontade de desabar em lágrimas. Ele me interrompeu.
- Você tem que ir, eu disse que viria apenas te acordar e...
- . - eu o cortei dessa vez, voltando ao ponto onde eu estava – Não importa o que me diga, eu só preciso saber como vai ser se eu voltar com os olhos ainda mais vermelhos daquele hospital...
Meu primo não disse nada, apenas esperou que eu finalizasse.
- Preciso saber se estou te magoando, entende? - eu falei, sentindo as mãos dele me encontrarem - Se eu vou ser a sua namorada, então eu preciso saber se estou te fazendo bem...
Meu primo fechou os olhos, deslizando as mãos por meus braços até apoiá-las na cama, inclinando o rosto para encostar seus lábios nos meus tranquilamente, como se eu não estivesse prestes a me despedaçar conforme as palavras que poderiam surgir durante aquele pequeno diálogo. Por conta disto e por ter acabado de acordar, eu o impedi de continuar e me afastei, saindo da cama pelo lado oposto ao que ele estava.
Ele entendeu e riu, vindo atrás de mim enquanto eu abria a porta do banheiro e ia direto a pia para escovar os meus dentes. ficou parado, observando e, quando terminei e sequei o rosto com a toalha, ele se aproximou mais uma vez.
- Você está tão preocupada comigo quando deveria estar prestando atenção em si mesma. - ele disse, afastando o cabelo das laterais do meu rosto - Como não poderia me fazer bem?
De repente, eu tive vontade de sorrir por ele estar me dando a força e coragem de que precisava.
- . - me puxou para perto, abraçando-me - Eu amo você.
Um arrepio gostoso percorreu todo o meu corpo e eu não tive nenhuma dúvida ao respondê-lo.
- Eu te amo muito...

-x-

Conversei com a minha mãe durante todo o caminho e ela me contou um pouco sobre a doença que desenvolvera. Era leucemia, com um início abrupto e uma evolução rápida, o que o levou a ser internado dentro de tão pouco tempo. Seria um tratamento longo e cuidadoso que poderia ou não garantir o que os médicos chamavam de cura. Não uma cura total, mas uma melhora grandiosa. Segundo minha mãe, havia casos e casos e histórias com meios e finais diferentes.
Ainda era imprevisível, ela estava tentando me dizer.
Foi estranho quando ela estacionou o carro em sua vaga e quando entramos no hospital. Perguntei pela senhora Fong e minha mãe contou que ela ficaria mais algumas horas ali até receber alta. Seu estado de saúde havia melhorado quasecem por cento. Não quis atrapalhá-la então rumamos logo para a ala em que estava, mais exatamente para o quarto de número vinte e um, num corredor silencioso e menos movimentado. O quarto ao lado estava vazio e, quando passamos por ele, senti um frio repentino no estômago.
Estava com medo de olhar para . Com medo de que ele me mandasse ir embora.
- Eu vou entrar primeiro e avisar que você está aqui. - minha mãe disse e eu concordei, recostando-me à parede oposta da porta. Pensar que ele estava ali chegava a me dar calafrios. Ela retornou mais rápido do que imaginei – Ele está dormindo, talvez seja por conta do remédio...
Certamente, ela me pediria para voltar depois, mas eu a interrompi.
- Eu posso esperar? – indiquei o quarto com o dedo e a vi pensar um pouco antes de concordar com isso.

estava deitado na cama, no centro do quarto. Não havia muitos aparelhos ligados a ele o que, de alguma forma, passava a impressão de que ele estava apenas descansando. Minha mãe ficou um tempo parada na porta, talvez indagando se eu ficaria bem ali, o que me levou a pedir para que ela não se preocupasse. Quando a porta se fechou e o silêncio tomou conta do cômodo, eu respirei fundo, controlando a repentina vontade que tive de caminhar até e segurar em sua mão ou tocar-lhe o rosto. Como não queria acordá-lo, fui até o pequeno sofá recostado na parede adjacente à porta e me sentei. O som do móvel pareceu imitar o que eu estava sentindo: como se houvesse uma massa de ar presa dentro do meu peito, fugindo para fora quando a verdade caíra sobre mim com todo o seu peso. Meus olhos pausaram a observação sobre e passaram a vasculhar o conteúdo do quarto: além da cama e dos fios ligados aos poucos aparelhos, havia um armário baixo e pequeno e uma cadeira posta logo abaixo da janela. Esta última estava coberta por uma cortina leve e de tonalidade clara.
Não havia relógios na sala, o que me fez perder a noção sobre quanto tempo fiquei ali. estava como na última vez em que eu o vira, porém, um pouco mais magro. Suas bochechas estavam pálidas e seu cabelo estava amarrotado, murcho, por conta do tempo que passara deitado. As mãos imóveis também apresentavam uma coloração não muito bonita, deixando as veias dele muito mais visíveis.
Em minha mente, pairavam as perguntas que eu queria fazer e as respostas que eu imaginava que ele me daria. Pensava também na reação dele ao me ver. Será que me mandaria ir embora? Será que voltaria atrás?

A porta se abriu lentamente e a mãe de pediu licença. Falando baixinho, ela disse que minha mãe avisara sobre a minha visita e que só queria saber se o filho já havia acordado. Quando percebeu que ele ainda estava adormecido, ela direcionou um sorriso fraco a mim e nos deixou a sós novamente.
Mas o som da porta fez com que se movesse. Pude ver quando ele abriu os olhos, piscando várias vezes, e suas mãos finalmente pareceram ganhar vida. Olhei ligeiramente desesperada para a porta, pensando em chamar alguém ou simplesmente sair pela mesma, mas não consegui me levantar. Eu precisava ficar.
- ?
Ouvir meu nome com o som de sua voz fez meu coração disparar. Fazia tempo que eu não tinha aquele tipo de reação, pois não queria me lembrar de como era. havia me magoado e eu achara correto tentar esquecer tudo o que o envolvia, mesmo que isso fosse impossível. Mas, ao mirar seus olhos assustados, eu me controlei.
- ... Eu... Minha mãe, ela... Ela me contou a verdade – eu disse, gaguejando. O garoto apenas suspirou pesadamente – Por que você...?
- Eu não queria que você soubesse – ele me cortou, sem interromper nossa troca de olhares – Não queria que ficasse preocupada.
Injusto. Era essa a palavra que eu queria jogar na cara dele, mas não o fiz por conta da situação. Eu precisava entendê-lo antes de julgá-lo.
Voltamos a ganhar a companhia do silêncio até ele resolver falar outra vez.
- Você viu as minhas mensagens? – ele quis saber e eu concordei, pois não seria certo mentir.
- Eu tive pensamentos muito ruins depois de lê-las. – eu confessei – Desde quando me escondeu isso?
parou para pensar. Nós estivemos juntos por pouco tempo, mas fora o suficiente para estabelecer um grande laço de confiança. Por quanto tempo ele teria mentido pra mim, dizendo que estava tudo bem, que as dores de cabeça que ele sentia eram culpa do trabalho, que o cansaço que o tomava e à vezes o deixava indisposto era causado pela correria com as papeladas e com as noites em claro que ele gastara estudando? Por quantos dias ele se negou a sair comigo alegando estar ocupado com os pais e quantas foram as vezes em que nós estávamos juntos e não fazíamos mais do que conversar porque ele estava sentindo algum tipo de tontura?
Por que eu não fui capaz de perceber que havia algo por trás disso?
De repente, foi como se eu mesma tivesse errado por nós dois, pensando em motivos superficiais para o término do namoro, quando, na verdade, as coisas estavam claras e eu não fora capaz de enxergar...
Segurei as lágrimas a fim de não destruir o diálogo que finalmente havíamos criado.
- Eu descobri há dois ou três meses. – ele respondeu – Eu fiquei arrasado e não queria que você sentisse o mesmo...
- Isso... Isso é uma grande bobagem, . – eu repeli, engolindo as palavras mais uma vez ao notar que estava começando a despejá-las sem controle algum – Você não podia esconder isso de mim...
- Eu sei, me desculpe. – ele disse, mordendo o lábio – Eu inventei a história do trabalho e pedi para que meu tratamento fosse feito numa clínica na cidade vizinha, assim poderíamos nos distanciar... Só não achei que seria tão...
- Difícil? – eu completei e ele concordou.
- Você não me respondeu nenhuma vez e acho que eu nem deveria esperar por isso, mas... – ele respirou fundo antes de continuar – Eu sou um tolo... Você está aqui e eu só consigo te dar desculpas...
Eu não sabia o que dizer. Nós não éramos personagens de um seriado dramático e criar um segredo como aquele fora errado demais.
- Eu tive que voltar por não estar respondendo bem aos tratamentos. – disse com a voz fraca – Eu tive... Que vir para casa...
Uma lágrima escorreu por minha bochecha direita e eu tentei virar o rosto para que ele não a visse. O fato de ele referir-se à nossa cidade como ‘casa’ apenas contribuía para a dor interna que eu sentia. Significava mais do que apenas estar perto de sua família. Significava que ele estava sendo obrigado a retornar para tentar recuperar-se no lugar onde ele havia nascido e onde ele... Pausei meu pensamento, com medo do que minha imaginação pudesse fazer comigo.
- O que aconteceria se você não voltasse? – eu tive que perguntar – Era esse o seu plano?
- Nós não estaríamos passando por isso agora, não é?
- ...
- Por favor, vá embora. – ele pediu, como eu havia pensado que faria – Por favor, ...
- Eu não vou complicar as coisas. – eu finalizei por ele e me levantei, caminhando rapidamente até a porta. Eu a fechei com cuidado, apesar da vontade que tive em socá-la, e andei depressa para fora daquele lugar, desviando de um possível encontro com a minha mãe.
Alcancei o estacionamento sem saber que meu irmão estaria ali. Ele virou o rosto de imediato em minha direção e logicamente ficou preocupado. Pensei em voltar para dentro já que ele estava acompanhado de mais dois amigos, mas vendo-o caminhando até mim, não pude simplesmente lhe dar as costas.
- Achei que estaria no colégio. - eu disse com a voz embargada e ele pegou nos meus ombros.
- Eu acabei de sair. - ele respondeu - O que aconteceu?
Sem mencionar a minha expressão de choro, ele deixou que eu secasse as lágrimas na manga comprida de minha blusa, enquanto aguardava pela minha resposta.
- não está bem. - eu disse e não consegui continuar. A imagem dele deitado na cama do hospital havia sido gravada na minha mente. Pausada. Tudo contribuía para que eu me sentisse mal por não ter percebido que havia algo errado.
Que ele estava se afastando por um motivo muito mais forte.
- Vamos sair um pouco daqui. - disse, enquanto afagava meu rosto com uma de suas mãos. Contou-me que estava indo tomar um lanche com os amigos, mas que tinha pedido a eles para que o acompanhassem, pois sabia que me encontraria no hospital. Rapidamente, ele ligou para nossa mãe, avisando que iríamos embora para casa juntos depois de passar em algum café.
então me levou até seus amigos e os apresentou a mim enquanto caminhávamos para fora do estacionamento. O garoto se chamava e era muito bonito e a garota se chamava Evie e tinha um rosto muito bem desenhado. A compreensão dos dois me deixou admirada: eles pareciam saber o que estava acontecendo e, ainda assim, comportavam-se como se não estivessem vendo meu rosto inchado e vermelho. Nós encontramos um café aberto e visivelmente aconchegante, no qual escolhemos uma mesa para quatro, sentando-nos próximos da janela. Evie sentou-se do meu lado e não pude deixar de notar a maneira como a olhava: talvez ela fosse a garota de quem ele estava falando no outro dia e, se fosse, não hesitaria em dizer que poderia ser o cara por quem achava que Evie estava interessada. Ela, porém, não demonstrava interesse em nenhum dos dois, o que poderia ser o motivo para meu irmão estar tão preocupado.
Pedimos café e chá e eu fiz um grande esforço para comer alguma coisa, uma vez que algumas palavras não trocadas com ainda estavam entaladas em minha garganta. Prestei atenção à conversa de meu irmão com seus amigos, mas era impossível não pensar nas coisas que havia dito. “Eu não queria que você soubesse, não queria que ficasse preocupada”.
Ele só havia adiado tal fato.

-x-

e eu voltamos de ônibus para casa e ele não questionou nada no caminho, apenas colocou seus headfones e sorriu como se entendesse que eu precisava de mais um tempo para pensar antes de encarar .
Não pude negar que tive medo, imaginando que meu primo poderia se afastar de mim por achar que eu estava voltando para , mas o sentimento que de repente me invadiu era completamente diferente: havia se confessado para mim e eu lhe dera uma resposta positiva. O inchaço em meus olhos não seria motivo suficiente para tirá-lo de mim ou vice e versa.

Porque, pela primeira vez, eu estava decidida sobre o que deveria ser feito e tinha plena consciência de que, como sempre, tentaria usar o seu dom para diminuir o sofrimento de alguém.
Eu teria de ser muito forte para impedi-lo de fazer uma besteira.
(Betado por: Lila Zardetto)



Capítulo 15

- Como foi no hospital?
nem precisou de uma resposta. Eu tentei esconder que estava triste e ensaiei durante todo o caminho de volta para casa, mas de nada havia adiantado. Rumei em direção a ele, pronta para ganhar o abraço de que precisava, e meu primo me acolheu compreensivamente.
- e eu discutimos - eu contei, lembrando-me de que havia deixado o quarto depressa demais. Eu não ia conseguir ficar mais tempo ali, sabendo que corríamos o risco de nos machucarmos.
- Não fique assim - ele disse - tente se colocar no lugar dele.
- Foi nisso o que pensei o caminho inteiro - eu falei e respirei fundo, afastando-me um pouco de . Seus olhos estavam assistindo a mim com uma atenção absurda - Eu... tenho que voltar lá.
- Posso ir com você?
Por um segundo, a ideia de tê-lo ao meu lado me pareceu totalmente errada e devo ter expressado isso de alguma forma, pois mordeu o lábio, desconfiado.
- O que foi? - eu perguntei.
- Você não quer que eu vá... - ele falou e era verdade. Eu não saberia dizer exatamente o que estava se passando na mente dele naquele instante, mas poderia imaginar quais eram as ideias que poderia estar tendo - Olha, eu não vou fazer nada, se é isso o que você tanto teme.
- , não quero brigar com você - eu expliquei, largando-o e me jogando no sofá em seguida, mantendo os olhos em minhas próprias mãos, como se estivesse mesmo preocupada com o estado de minhas unhas. A última coisa de que precisávamos era de outra pequena discussão, como a que havíamos tido noites antes, e ele sabia disso, porém não passou pela minha cabeça que ele pudesse estar achando outra coisa da situação toda.
- Tudo bem se não quiser que saiba sobre nós – meu primo disse, ainda imóvel – também tem medo disso, não é?
Abri a boca para respondê-lo, mas não consegui encontrar nenhuma palavra. Eu não tinha pensado sobre isso, sobre o quanto as coisas haviam mudado e sobre como eu teria de informá-las a um que agora parecia tão distante de mim.
E é claro que não consegui dormir bem naquela noite, pensando em como seria se me pedisse para reconsiderar, para voltarmos ao que éramos... Se eu ficaria feliz com isso ou se me sentiria mal por ter “partido para outra” tão depressa. Só então eu compreendi que tinha dito sim a e que agora nós tínhamos algo realmente sério um com o outro.

Acordei com os latidos de Dutch, tendo a impressão de que ele estava dentro de casa fazendo alguma algazarra. Estiquei os braços e reparei que não era tão cedo: talvez eu tivesse demorado mais do que pensei a pregar os olhos.
Quando desci as escadas e alcancei a cozinha, estava lavando as mãos na pia enquanto Dutch pulava na porta de vidro, impaciente.
- O que está acontecendo? - eu perguntei e meu primo deu de ombros, desligando a torneira e secando as mãos num pano.
- Dutch está agitado, não sei o que ele tem - dizendo isso, parou do meu lado e nós dois encaramos o animal, que virou a cabeça como se não entendesse por que estávamos conversando enquanto ele esperava do lado de fora.
Continuei parada até o momento em que tocou meu rosto, tirando-me da distração.
- E você... Está melhor? - ele perguntou e eu fiz que sim com um aceno de cabeça, num gesto não muito convincente. Ele sorriu e tirou o celular do bolso da calça, puxando-me para fora da casa. Sentou-se no gramado, recebendo Dutch, que imediatamente abrigou-se no colo dele, e apontou para seu lado, pedindo para que eu me juntasse a eles.
- Dutch gosta de tirar fotos? - eu questionei e deu de ombros, notando que o cachorro parecia feliz. Eu me sentei ao lado dele e Ducth aproveitou a deixa para subir em meu colo também, ficando folgadamente aconchegado em nós dois.
- Acho que daria trabalho desenhar isso - disse e posicionou o celular no alto, à nossa frente, tentando enquadrar os três seres no visor.
Depois disso, avisou que sairia com Dutch, achando que assim poderia aquietar o animal que parecia mais eufórico que o normal, e eu ficara em casa ainda remoendo o que havia acontecido nas últimas horas. havia dito que voltaria mais cedo para casa, então estranhei quando a campainha tocou. Olhei para a porta e esperei que o som se repetisse para, só então, levantar-me do sofá e ir atender.
Com um sorriso tímido, me cumprimentou e perguntou se meu irmão já estava em casa. Eu respondi que não e o deixei entrar para que esperasse. Não me recordava bem se era a primeira vez que um amigo de meu irmão aparecia tão de repente, então não me incomodei com os olhares do garoto para com a casa. Ele logo encontrou a escadaria e a parede de quadros e apontou para a mesma, recebendo um aceno positivo meu para que fosse até lá.
subiu alguns degraus, visivelmente curioso com as diversas fotografias expostas.
- sempre fala sobre a família de vocês - ele disse enquanto seus olhos eram guiados pelas molduras - e ele fala muito de você...
Não evitei sorrir com o comentário. e eu quase nunca brigávamos e fazíamos a maioria das coisas juntos, embora estivéssemos um tanto quanto distantes nas últimas semanas. A princípio, ele não havia gostado da ideia de ter morando conosco, mas jamais comentara sobre isso depois da mudança de nosso primo. Como único homem da casa, talvez ele estivesse achando que perderia esse posto e ficaria para trás, já que era mais velho e, devido às circunstâncias, certamente ganharia mais atenção do que ele.
Respirei fundo, olhando para as nossas fotos e agradecendo mentalmente por termos uma boa relação como irmãos.
ficou parado por um tempo e eu me apoiei no corrimão, como fazia quando acordava no meio da noite e tinha saudade de ficar relembrando os momentos familiares ali gravados. De repente, eu senti falta de ficar perto do meu irmão.
- ... Anda um pouco estranho ultimamente - eu comentei, apenas averiguando se me diria alguma coisa a respeito - Como hoje... Ele já deveria ter chegado...
- Eu o vi mais cedo, conversando com a Evie, mas achei que já estivesse aqui - respondeu, justificando a sua presença - Não... Não tem nada errado... Eu acho.
Olhei para como se estivesse vendo . Soava como um triângulo amoroso no qual alguém sempre sairia magoado. Eu só não saberia dizer se era quem estava se ferindo ou se era um ótimo ator por não estar me passando esse sentimento. Quem sabe Evie fosse a única que pudesse estar tendo dores de cabeça entre os três.
E talvez meu pensamento tenha ido longe demais, já que, quando resolveu apoiar-se no corrimão como eu fizera, as pontas de seus dedos encostaram de leve na minha mão. Um toque acidental, eu pensei a princípio, mas então senti que ele deslizara sua mão completamente sobre a minha. Ainda estava admirando as fotos, como se não tivesse se dado conta do que estava acontecendo. Eu estava prestes a dizer algo quando a porta da frente se abriu e meu irmão apareceu, parando assim que viu o melhor amigo.
- O que está fazendo aqui? - ele perguntou e parecia furioso.
retirou sua mão e pareceu esquecer-se de que eu estava ali. Tentou responder, mas rolou os olhos e subiu as escadas depressa, passando por nós dois sem se importar com a nossa preocupação.
- , espera, cara - foi atrás dele e eu não soube explicar nem pra mim mesma que confusão toda fora aquela.
Escutei o estrondo causado pela batida da porta no andar superior, mas, depois disso, apenas alguns murmúrios ficaram audíveis. Fiquei parada, tentando pensar sobre qual seria a melhor alternativa e decidi esperar por meu primo na sala de estar. Rumei até o cômodo, sentando-me no sofá enquanto o silêncio tornava-se meu companheiro, ainda achando estranha a atitude de . Tive que repetir mentalmente que aquela cena fora realmente um acidente e que eu tinha coisas mais importantes nas quais focar meus pensamentos, o que pareceu dar certo, vendo que o tempo passou mais depressa do que eu esperava.
Agradeci pelos garotos ainda estarem trancados no quarto quando meu primo e Dutch apareceram. O cachorro ficou mais uma vez observando do lado de fora, enquanto entrava e lavava suas mãos na pia da cozinha. Eu já tinha me revirado no sofá e o estava fitando, esperando por saber que ele viria até mim. Com passos rápidos, ele se curvou e depositou um beijo rápido em meus lábios.
- Sua mãe está chegando.

-x-

estava sentado no banco de trás do carro, enquanto eu fingia observar o caminho pela janela do banco do passageiro. Ela perguntara sobre e omiti o fato de meu irmão estar discutindo com um amigo no quarto dele. Não ouvimos mais nada também e eu havia pedido a para que desse uma olhada para ver se estava tudo bem. Ele me disse que bateu no quarto e atendera, explicando que precisava ficar sozinho e que logo iria embora. Sem contrariá-lo, nenhum de nós dois abriu a boca e almoçamos normalmente, com a desculpa de que queríamos terminar tudo rapidamente para que eu pudesse ir ao hospital conversar com . Minha mãe sequer indagou os motivos para meu primo estar indo junto, parecia mais preocupada com outros assuntos, nos quais eu não quis me meter.
O corredor estava vazio e concordou em me esperar do lado de fora enquanto minha mãe e eu adentrávamos o quarto onde estava internado. Acordado, meu ex-namorado apenas olhou para mim uma vez antes de desviar o olhar para a janela exatamente como eu fizera no carro, dando-me uma vontade enorme de sair dali sem dizer nenhuma palavra. Controlei-me enquanto minha mãe checava a aparelhagem e perguntava algumas coisas a ele. Não pude deixar de notar que ele estava nervoso, talvez mais do que eu mesma: as suas mãos tremiam como as minhas e ele estava monossilábico.
Minha mãe escreveu alguma coisa na ficha ao pé da cama e caminhou até mim, levando uma de suas mãos à minha cabeça.
- Vou deixar vocês sozinhos para que possam conversar - ela disse e olhou uma última vez para , antes de rumar para a porta. Quando fechou a mesma, eu peguei uma cadeira que estava próxima do sofá no canto da parede e a coloquei ao lado da cama onde repousava, sentando-me, sem me importar se ele me ouviria ou não. Se ele olharia para mim ou não.
- - eu o chamei com receio, mas tinha que pedir aquilo se quisesse ficar em paz - me desculpe...
Ele não disse nada, fingindo que não estava se importando com as minhas palavras. Ainda assim, continuei.
- Eu pensei em tudo o que você me disse e acho que entendo por que não quis me contar a verdade - eu falei, ainda sem receber respostas - não posso mentir e dizer que não senti raiva...
- E agora está com pena, não é? - ele me interrompeu rudemente.
- É claro que não! - eu disse, sendo sincera. Dentre tudo o que eu sentia, pena era algo não incluso - , por favor, não quero mais discutir com você, eu... Eu nunca quis...
E ele sabia do que eu estava falando. Sobre nós. Sobre nós dois e todo aquele fim de namoro regado a mentiras e indecisões que o levaram a crer que eu ficaria bem se não soubesse de nada. Que eu não sofreria se um dia ele morresse e estivesse longe de mim. Que eu descansaria sem saber o real motivo para ele ter se afastado.
Por um tempo, achei que essas coisas aconteceriam, mas é complicado e difícil em demasia querer moldar o destino.
finalmente abandonou a janela e voltou seus olhos a mim. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, eu me manifestei primeiro:
- Eu só queria que você entendesse que essa não seria a melhor forma de me proteger...
Abaixei o rosto, tentando conter a vontade de chorar, pois dizer o que eu estava pensando nunca fora tão ruim. Queria dar uma bronca em e mostrar o quanto estava chateada, mas o que prevalecia era o quanto eu estava machucada. Sem perceber, levei minhas mãos até meus olhos e deixei que as lágrimas caíssem de novo, dessa vez em grande quantidade. Respirei fundo e engoli os soluços, limpando o rosto antes de erguê-lo levemente, me dando conta de que parecer a vítima não mudaria muita coisa.
- Droga, , você poderia ter me dito que estava passando por isso - eu completei e soube que ele diria algo. Esperei por um pedido de desculpas, por um conselho, por uma palavra de revolta... Porém, ele pareceu apenas lamentar para si mesmo.
- Eu poderia apenas não ter perdido você...
Ouvindo aquilo, tive certeza de que seria inútil discutir com pelo motivo que fosse. Sempre fora e sempre seria. Eu já deveria ter aprendido.
- Quantas conversas mais a gente vai ter que ter pra você pensar em me desculpar? - ele indagou e o movimento rápido de seus dedos me fez perceber que ele queria tocar minha mão, que estava próxima. - Eu não queria que fosse assim.
Cedendo, eu segurei a mão dele com cuidado, deixando o silêncio dizer que eu já pensara nisso e que eu já o fizera. Que ainda era alguém muito especial para mim e que não, ele não havia me perdido.

-x-

Quando voltamos para casa, subi as escadas e estava prestes a rumar para meu quarto quando passei pela porta dos aposentos de meu irmão e o vi sentado na cama, mexendo no celular, como sempre.
- , está tudo bem? - eu tive que perguntar, sentindo o olhar dele responder que sim e que ele queria conversar, o que foi contrário às suas palavras.
- Estou, sim - ele disse simplesmente, voltando a fitar o objeto em suas mãos.
- Tem algo que eu possa fazer? - eu insisti - Ouvir?
- Não, - ele falou sem ânimo - Obrigado.
Concordei e segui meu caminho, pensando em como eu estava sendo negligente por concordar em deixá-lo guardar segredos como estava fazendo. Sim, porque não havia explicação para sua mudança repentina de comportamento, principalmente quando eu mais precisava dele ao meu lado. Egoísta ou não, eu estava preocupada com e algo me fazia ainda mais curiosa agora que conhecia seus amigos. Tive medo que ele comentasse algo sobre e sobre o que ele havia visto na escada mais cedo – se é que ele havia reparado -, mas meu irmão não pareceu se importar com nada que não fosse o próprio dedo no visor do celular.

Abri a porta do meu quarto e sorri quando vi lá dentro, me esperando. Ele esticou os braços para mim e tudo o que eu fiz foi fechar os olhos e deixar que ele me aquecesse. Não tinha mais vontade de chorar como antes, porque as coisas pareciam ter sido resolvidas com , ao menos na parte que dizia respeito à doença dele. Eu não tinha comentado nada sobre meu primo e nem dado ilusões de que estava esperando ele reconsiderar e me pedir para voltarmos ao que éramos.
Isso não poderia acontecer, não quando eu me sentia tão bem com .
- Fico feliz que esteja melhor – ele me disse e eu ri baixinho.
- Eu prometi voltar ao hospital – eu contei, sem ter certeza de que seria uma boa notícia – para acompanhar , saber como ele está...
- É o que eu faria se estivesse no seu lugar – disse compreensivamente.
Com isso, eu ergui meu rosto para fitá-lo e seus olhos pareciam sorrir para mim. Ao notar que eu não diria nada, ele inclinou o rosto para frente e me beijou calmamente, com os braços ainda em minha cintura. Não tínhamos feito nada do tipo durante todo o dia e parecia que tínhamos ficado longe um do outro por uma eternidade. Porém, senti que ele me empurrou levemente quando ouviu algum barulho que minha mãe havia feito no andar inferior e isso realmente causou-me um mal-estar. Fiquei parada ainda próxima dele e decidi que deveria compartilhar o que estava sentindo com relação ao nosso namoro.
- ... Eu quero contar pra minha mãe sobre nós dois – eu fui direta – Parece... Parece que estou mentindo para ela, entende?
Ele concordou, talvez sentindo o mesmo. Namorar escondido poderia ser considerado algo divertido, mas sentir que eu estava fazendo algo errado me deixava realmente instável e o que eu mais queria era que isso não acabasse por atrapalhar nosso relacionamento.
- E se ela não aceitar? - quis saber, mordendo o lábio ao terminar a pergunta. Eu sorri por notar a sua preocupação, contente por ele se importar.
- Vai ficar tudo bem, é sério - eu garanti, uma vez que tinha certeza de que minha mãe não iria se opor a algo que estivesse me fazendo feliz.
Contudo, não foi possível conter a tensão durante o jantar e nem evitar os olhares que e eu trocamos. Meu irmão estava calado e terminou antes de todos, alegando estar com dor de cabeça. Meu primo ajudou minha mãe a recolher a louça e se ofereceu para lavar a mesma, dando a deixa para que eu a chamasse para a conversa que queria ter. Ela não estranhou, talvez achando que eu tinha muito o que comentar sobre e sobre toda aquela novidade, muitas vezes negativa, que tomara conta dos últimos dias. Pedi a ela para que fôssemos até o escritório e a primeira coisa que ela me perguntou foi referente à minha visita ao hospital.
- Eu não queria dizer nada, mas notei que havia algo estranho entre e você - minha mãe disse, com sua natural mania de mexer em sua papelada enquanto eu tentava imaginar se seria melhor eu me sentar na poltrona à frente da mesa ou permanecer em pé - mas hoje ele me pareceu bem menos... Preocupado, não sei...
- Nós tivemos uma pequena discussão na primeira visita - eu confessei, sentindo meu rosto começar a esquentar - Eu estava brava por ele não ter me contado a verdade...
- Eu entendo, filha - ela sorriu, finalmente aquietando as mãos. Puxou sua cadeira e sentou-se, olhando para mim. - Quer falar sobre isso? disse alguma coisa sobre vocês dois?
Suas palavras me faziam relembrar os dias em que eu começara meu namoro com e minha mãe insistia em me aconselhar por eu estar saindo com um cara um ano mais velho do que eu. Por ele ser o primeiro a pôr os pés em casa também, eu sabia que ela gostava de e que tinha um grande respeito por ele, o que era recíproco.
- Não, quero dizer... e eu estamos bem agora - eu falei, com medo de que ela pensasse que havíamos reatado - mas... Não é exatamente sobre ele, mãe... É sobre... Sobre mim.
Sua expressão não mudou e senti que deveria ir em frente.
- Eu não contei pra ninguém por medo de todos acharem que estou indo rápido demais - expliquei e ela ouviu atentamente - foi rápido, na verdade, mas penso se não foi algo que já estava aqui há mais tempo...
Talvez o que eu sentia por tivesse nascido quando nos vimos pela primeira vez, ou quando perdemos nosso avô e ficamos em silêncio no escritório da casa em Gwangju. Pensara nisso poucas vezes, por achar que não tinha tanta importância assim. - O que quer dizer? - eu sabia que ela estava compreendendo, mas parecia não ter certeza.
- Que talvez eu não volte com o - eu declarei com coragem - porque eu encontrei outra pessoa.
Não achei que tal frase soaria tão pesada, mas senti o impacto de minhas palavras em minhas costas. Eu já criticara outras pessoas por comportamento parecido, julgando-as por se contentarem tão facilmente com as coisas ou por encontrarem a chamada felicidade depressa demais. Para mim, antes, isso era algo impossível.
- Não posso mentir e dizer que não percebi certa mudança - minha mãe falou, séria - achei que te veria chorando por mais tempo por causa de , mas fico feliz que não tenha acontecido...
- Mãe...
- Quem ele é? - ela estava curiosa e eu podia ver em seus olhos que a surpresa seria grande. Mesmo desconfiando do meu comportamento e mesmo sendo mãe, ela certamente demoraria alguns segundos mais para engolir o que estava prestes a ser dito. Eu hesitei por um momento, o nome de meu primo preso na garganta como se fosse a coisa mais errada do mundo estar me envolvendo com ele. Respirei fundo sem desviar meu olhar e quando me senti preparada o suficiente, deixei que minha voz soasse:
- Um bom garoto, mãe - eu falei. - Estou namorando o ...
(Betada por:Madu Alves)



Capítulo 16

Era engraçado escutar minha mãe falando sobre meus relacionamentos mesmo quando a ouvinte era a senhora Fong, que estava muito bem e ficara realmente feliz com a nossa visita naquela manhã. Estava mexendo com uma moldura, preparando-se para criar um de seus novos quadros, rindo do modo como minha mãe estava contando sobre meu namoro com .
Surpreendera-me o fato de que ela havia aceitado bem a novidade, mesmo tendo ficado visivelmente espantada quando contei que meu primo já havia feito até mesmo o pedido antes de termos coragem de dizer a verdade para ela. Seus olhos me diziam claramente que ela estava curiosa em saber até onde nós tínhamos ido com essa história toda, mas ela não quis questionar, embora eu soubesse no que estava pensando. Tive a confirmação quando ela desceu comigo até a cozinha, encontrando , que terminava de lavar a louça, e minha mãe apenas pediu para que tivéssemos juízo. Meu primo sorriu, demonstrando que estava bem mais tranquilo e me abraçou sem cerimônia na frente dela.
Naquela noite, enquanto eu tentava pregar os olhos, minha mãe abriu uma fresta da porta do meu quarto para espiar o ambiente, como fazia quando eu era pequena, e eu tive que fingir que estava dormindo. Fora muito prudente pedir a que não fosse dormir comigo durante alguns dias.
- sempre teve juízo, você sabe disso, não é? - a senhora Fong disse e minha mãe riu com o comentário.
- A senhora é quase uma avó para ela - ela rebateu - vai defendê-la sempre.
Ouvir o diálogo entre as duas era divertido, mesmo eu sendo o assunto principal: e eu éramos tão importantes para Inny Fong quanto os seus próprios filhos e netos. E minha mãe, que sempre esteve tão próxima, já quase se comportava como sendo sua filha.
Ela disse algo sobre ser bastante reservado e que, até aquele momento, não havia dado trabalho algum para ela, para minha tia ou para meu avô. Apesar de isso ser algo bom, senti meu rosto esquentar levemente e agradeci mentalmente quando minha mãe levantou-se para ir ao banheiro. Inny olhou para mim com seus olhos pequeninos.
- Então dividiam mais de um segredo? - ela brincou, deixando-me ainda mais envergonhada. Era ótimo saber que ela estava tão bem a ponto de fazer piadinhas...
- Só mais esse, eu juro - eu disse e nós rimos juntas.
- Espero que ele seja menos teimoso que o Jung. - ela comentou, lembrando-se do marido. Sua expressão mudara levemente e eu soube que ela estava tentando não chorar quando mudou o assunto. - Soube do seu namorado... O outro, digo...
- ? - eu falei e ela concordou.
- Sua mãe me contou a história por cima... Está mesmo tudo bem?
- Está - eu menti, sabendo que havia coisas que não estavam correndo de forma desejada - só estou um pouco preocupada.
Inny notou meu tom de voz, mas não insistiu, pois minha mãe logo estaria retornando ao cômodo. O segundo segredo não era assim tão difícil de guardar.

-x-

estava me mostrando os novos desenhos que havia feito, dois deles baseados na foto que havíamos tirado com Dutch alguns dias antes. Pude notar que nenhum estava terminado e isso me pareceu um pouco estranho, principalmente por ele não ter reforçado alguns dos traços no desenho de seu próprio rosto.
- Deveria desenhar as suas - apontei para a folha que eu segurava e que continha o desenho das minhas mãos - elas são tão mais bonitas...
- Não sei me desenhar - meu primo disse, deixando o caderno sobre a mesa de centro da sala. Isso explicava os riscos fracos que o faziam parecer um fantasma ao meu lado no papel branco. - Quero dizer, eu consigo me retratar bem, mas é como se faltasse alguma coisa...
Olhei novamente para o desenho sem entender: todos os traços estavam ali, formando claramente o rosto bonito de meu primo, o mesmo rosto para o qual eu poderia passar horas olhando sem enjoar. Ele era lindo, tanto em grafite quanto em carne e osso. O que poderia estar faltando?
percebeu que eu estava analisando o desenho com muita paciência e encostou o ombro no meu, apontando para o papel.
- Não vejo brilho nos meus olhos - ele explicou - ao contrário dos outros rostos, o meu parece sem vida.
Para uma pessoa como eu, isso se devia aos riscos fracos em contraste com os traços bem marcados na folha, mas não estava falando apenas da imagem: tinha algo mais do que uma simples ponta de lápis criando formas em cima de sulfite, e talvez não houvesse uma palavra exata para expressar o que era.
- Eu não sei de onde você tirou isso – eu brinquei, deixando o papel sobre a mesinha de centro – não sabe o quanto seus olhos fazem bem pra mim...
estreitou os lábios e me fitou, como sempre fazia, curioso por essa minha última frase.
- Gosto de como você me olha – eu expliquei – tem mais vida do que imagina.
Dizer esse tipo de coisa tornara-se fácil desde que eu me livrara do medo de nos manter em sigilo: talvez eu estivesse escondendo mais do que imaginava.
sorriu timidamente sem esperar que eu o tocasse como fiz, deslizando minha mão sobre sua perna enquanto me aproximava para depositar um beijo em seu rosto. Ao invés de me afastar para checar a reação em sua expressão, eu simplesmente permaneci com a ponta do nariz encostada em sua bochecha, sentindo que ele não sabia o que fazer. Demorou um pouco até que ele movesse suas mãos para perto, ainda com receio de me tocar e eu não evitei sorrir ao perceber que aquela brincadeira estava séria demais para nós dois.
- Se lembra de quando disse que era difícil me desenhar? – eu perguntei, recordando-me da primeira vez em que meu primo me beijara – Você disse que eu era linda...
- Você é linda – ele repetiu, os dedos rumando lentamente até a minha cintura.
- E você é incrível! – eu elogiei, sabendo que apenas essa palavra não seria o melhor adjetivo para classificá-lo, ainda assim parecia grandiosa o bastante – Se acha que não há vida em seus olhos, é porque os estou roubando...
riu de minha sentença e eu finalmente me afastei, obrigada por conta de seus movimentos que logo estavam me puxando para perto mais uma vez, os lábios roubando um beijo rápido e partindo para a curva de meu rosto, alcançando meu pescoço em seguida. Abri a boca sem dizer nada e tentei posicionar minhas mãos de modo a não cair do sofá enquanto meu primo insistia em querer me deitar sobre o móvel e continuar me beijando ao mesmo tempo. A forma como estávamos sentados dificultou tal avanço e tivemos que parar e rir mais um pouco por essa nossa destreza física.
- Estou sempre cortando o clima – ele brincou e eu não consegui não achar isso fofo. Tirei um dos travesseiros que estavam nos atrapalhando e posicionei meu corpo de um jeito mais confortável, esperando que não estivesse mesmo pensando que o clima havia acabado. Ele entendeu e mordeu o lábio, primeiro acariciando meu rosto como se o estivesse traçando numa tela de pintura, depois movendo seus dedos até minha nuca, enroscando-os em meus cabelos. A junção disto com o gosto de sua boca contra a minha provocava a melhor sensação possível.
Me provocava.
De repente, eu tive a necessidade de descobrir se ele sentia o mesmo e deixei que minhas mãos curiosas erguessem um pouco a barra da camiseta que usava, causando-lhe um arrepio por estarem frias. A pele quentinha me fez esquecer o fato de que estávamos na sala de estar e poderíamos ser pegos a qualquer momento por meu irmão ou por minha mãe, embora fosse compreensível que nos deixar sozinhos resultaria em mais do que simples conversas.
já havia presenciado uma cena parecida, mas seria extremamente complicado se isso se repetisse, e minha mãe...
Porém, não era eu quem estava tendo esses pensamentos e sim meu primo, que parou num instante e respirou fundo antes de fitar meu rosto com um sorriso doce nos lábios.
- Não é melhor a gente subir?

-x-

Os dias passaram depressa depois que e eu começamos a sair juntos de casa, sem receio dos olhares que nos eram direcionados. Vez ou outra nós andávamos de mãos dadas, mas isso parecia provocação demais diante de comentários inevitáveis sobre “sermos primos” e “morarmos sobre o mesmo teto”, o que fora realmente esquisito de início. Aprender a não dar ouvidos a qualquer murmúrio fora uma vantagem, inclusive quando me acompanhava até o hospital em minhas várias visitas a . Ele geralmente me esperava no corredor ou na sala adjacente, de braços abertos e olhos atentos à minha tristeza, achando que seria melhor que meu ex-namorado não soubesse de nada devido a sua situação.

aparentava estar bem naquela tarde, mas não era sempre que seu sorriso aparecia quando eu estava presente: havia dias em que seu rosto apresentava uma expressão cansada, por causa do tratamento; havia dias em que eu não conseguia permanecer ao seu lado por mais de dez minutos, porque ele logo adormecia quando os remédios para dor faziam efeito. Nesses dias, eu me despedia sentindo uma pontada no coração, querendo ficar com ele por mais tempo, apenas para demonstrar o quanto eu ainda me importava.
- veio até aqui outro dia – disse e eu gostei de ele estar me contando isso – Acho que nunca tínhamos conversado por tanto tempo.
- E sobre o que falaram? – eu fiquei curiosa e ele deu um risinho.
- Sobre ele ter viajado com você para Gwangju – respondeu e tenho certeza de que se lembrou imediatamente de que tinha terminado comigo nessa época. – Prometeu me trazer algumas fotos, inclusive...
- Podemos voltar qualquer dia – eu sugeri e ele concordou, sabendo que eu dizia aquilo para tentar convencê-lo de que logo ele estaria bem e curado.
ficou em silêncio quando o relógio fez um barulho, indicando que mais uma hora havia se passado, talvez por saber que eu teria de ir embora. Mesmo que eu quisesse, minha mãe não me deixaria passar mais tempo ali, achando que eu poderia atrapalhar os cuidados que a mãe de tinha com ele.
- Essa sempre é a pior hora do dia – ele mencionou, sentando-se na ponta da cama, tomando cuidado com os fios que estavam ligados ao seu braço. Eu me levantei, empurrando a cadeira na qual eu estava sentada para o lado, e parei perto dele, pronta para mais uma despedida.
- Eu vou voltar amanhã – eu disse.
- E depois de um tempo vai embora de novo.
Engoli em seco e não sabia que resposta dar a ele. Não queria que aquilo se transformasse em uma nova discussão ou em uma conversa recheada de drama, uma vez que já tínhamos ultrapassado essa fase. , no entanto, parecia não querer me deixar ir e, como eu temia, juntara coragem para tocar no assunto que eu estava evitando até então.
- , já faz um tempo que eu tento te perguntar isso... – ele começou, impedindo-me de interrompê-lo por conta de seu tom – eu sei que nós terminamos... Eu... Eu terminei com você por um motivo estúpido. Mas acho que a situação mudou um pouco...
- ...
- Não, nós estávamos bem, certo? Eu nunca quis fazer você chorar por causa dessa minha covardia em esconder essa doença – ele continuou – eu só preciso saber o que vai acontecer... Com a gente... Se eu ainda vou ter você de volta...
Dizendo isso, sua mão puxou a minha e eu sequer pensei em fugir. tinha razão sobre querer entender em que ponto nós estávamos e se tínhamos que parar por ali ou seguir em frente. Ele tinha o direito de saber se eu continuaria ao seu lado como uma lembrança, como seu presente ou como o seu futuro... E a decisão era minha, porém, eu não tinha coragem para dizer que estava namorando outra pessoa em tão pouco tempo.
- Eu te amo e você sabe que isso não mudou nem um pouco – ele falou – e eu vou entender se você me disser que eu te machuquei e que por isso o que você sentia foi diminuído...
- Não, isso... Não é verdade – eu deixei escapar. Mentiria se concordasse com o contrário.
- Então por que sinto que não podemos mais ficar juntos?
Senti meus olhos encherem-se de lágrimas ao ouvi-lo e teria desabado se ele não tivesse me puxado para perto, abraçando-me com força. Assustada, eu apenas pensei em não machucá-lo, apoiando minhas mãos de forma que os fios continuassem seguramente presos a ele. Meu olhar recaiu sobre a janela, sem um ponto fixo a ser procurado e logo eu estava me afastando de para encará-lo.
- Acho que ainda não é hora de pensar nisso – ele balançou a cabeça negativamente e sorriu amarelo, erguendo uma das mãos para tocar o meu rosto – mas eu sinto falta de estar com você... Você... Sente falta da gente?
Ele estava tentando arrancar mais do que deveria, mas que culpa ele tinha?
- , eu... Não sei.
Olhei para baixo, tentada a sair depressa do quarto. Notando isso, fez o pedido que eu temia desde a primeira vez em que eu entrara naquele quarto. Algo que meu coração me impedia de negar, mesmo que minha mente me alertasse sobre o quão perigoso seria.
pediu que eu lhe desse um beijo e eu respirei fundo antes de fitar seus olhos para tentar dizer que não podia, porém, ao perceber a necessidade dele em ter essa lembrança revivida, meu corpo me guiou para mais perto, minhas mãos voltaram a se apoiar na beira da cama, meu rosto curvou-se para o lado e eu fechei os olhos, deixando que ele me alcançasse com seus lábios mornos e levemente rachados. Eu havia me esquecido de como era. Havia me esquecido de e relembrá-lo daquela forma era um choque.
Ao me afastar, abri os olhos e o vi ainda imóvel, como na primeira vez em que ficamos juntos.
- Obrigado – um sorriso surgiu em seus lábios e eu soube que deveria deixá-lo antes que ele abrisse os olhos, pois assim o meu gosto se faria presente por mais tempo.

estava ao lado da porta, as mãos abrindo-se rapidamente quando constatou que eu o fitava, tentando esconder que as tinha fechadas em punho instantes antes. Eu quis me desculpar, mas não o fiz, apenas pedi para que voltássemos para casa. Esconder que eu estava confusa com o ocorrido era impossível. Imaginar o que meu primo pensava de mim naquele momento também. Não importava o que significava para mim ou qual era o papel dele em minha vida: beijá-lo era a prova de que eu ainda tinha uma conexão forte o bastante com ele para trair . Seria covarde usar da desculpa de que eu agira por pena o que, aliás, era mentira.
Fora sorte estar falando com quando alcançamos o jardim e encontramos um Dutch muito contente pela visita. Meu amigo correu para me abraçar assim que me viu e nos direcionou um sorriso fraco, alegando que daria espaço para conversarmos, enquanto ele alimentava Dutch.
e notaram imediatamente que havia algo errado e fui puxada para dentro por meu amigo, sem ter tempo de reagir. Subimos as escadas e adentramos o meu quarto, deixando a porta aberta. Eu me sentei depressa na cama e fixei meu olhar no carpete, tentando controlar os milhões de maus pensamentos que me atingiam como o frio de uma noite de inverno: estava me odiando, estava ferido, não olharia nunca mais na minha cara...
- O que aconteceu? – perguntou, interrompendo tais questionamentos. Como sempre, ele era o primeiro para quem eu iria expor meu medo mais recente.
- Eu fui ver no hospital – eu falei, sem saber se deveria contar a história completa ou se seria melhor partir para as partes mais importantes dela. Optei pela segunda alternativa – eu não sei por que isso aconteceu, , não era pra acontecer...
- Do que você está falando? – meu amigo parecia ainda mais aflito depois que comecei a chorar – , o que foi?
Tentei conter as lágrimas, secando-as com as costas de minhas mãos, mas não estava adiantando. sentou-se do meu lado, segurando-me pelos ombros, os olhos focados nos meus, certamente sentindo vontade de arrancar a verdade de minha boca de qualquer maneira. Ele não gostava de me ver daquele jeito e sempre que eu engasgava em minhas explicações seu nervosismo parecia crescer junto ao meu desespero. Eu só precisava de alguns segundos para respirar e repetir as frases em minha mente para que não soassem tão erradas quanto elas pareciam ou eram.
- ...?
- Eu o beijei – eu disse e fechei os olhos ao relembrar a cena – eu beijei o ... E o ... Ele viu tudo...
abriu a boca, mas não disse nada, apenas deixou escapar alguns sons que demonstravam claramente o quão surpreso ele estava. Talvez minha primeira sentença fosse algo esperado, mas a segunda não. A segunda sentença fora um grande abalo, motivo suficiente para que ele compreendesse por que o clima parecia tão pesado quando eu havia chegado.
- Você o beijou ou ele te beijou... ? – estava com os olhos arregalados e apertava meus ombros com mais força que o normal, deixando-me ainda mais irritada comigo mesma.
- Fui eu... – eu respondi sinceramente – Ele me pediu e eu... Eu não consegui negar... , o que há de errado comigo?
Ele respirou fundo, pedindo para que eu parasse de chorar e deslizou suas mãos por meus braços, levando-me para perto. Senti sua testa encostar-se à lateral de minha cabeça e não evitei soluçar ao tentar conter meu choro.
- Não tem nada de errado nisso – ele falou, a voz mais séria que normal – e seu primo tem que entender que você e tinham uma história antes de ele aparecer...
- Mas e eu... Nós estamos namorando – eu contei com receio por não ter dito nada disso antes – oficialmente, quero dizer... Nós estamos juntos de verdade...
Meu amigo respirou fundo novamente, dessa vez deixando bem claro que fora atingido por essa novidade. Ele se afastou, mas continuou fitando meu rosto, causando-me um medo repentino. Se mais alguém sofresse por minhas atitudes, eu não saberia o que fazer.
- No lugar dele, eu entenderia – afirmou e cortou o assunto de forma brusca – por que não me contou que já estavam nesse nível?
- Me desculpe – eu pedi e rezava mentalmente para que não brigássemos como acontecera em Gwangju.
- Desde que veio pra cá, você se afasta de mim aos pouquinhos – ele lamentou, a voz ganhando um leve tom de irritação – eu não quero culpar ninguém, eu ainda estou aqui por você e você por mim, mas...
- , por favor...
- Não, eu já sei qual é o seu discurso – ele me interrompeu e mordi o lábio na tentativa de conter qualquer resposta desnecessária – isso não tem nada a ver com o que eu sinto...
- , eu não estou me afastando... – tentei e fui novamente cortada.
- Está, sim – ele disse, pegando em minhas mãos com força – mas não vou mesmo deixar isso acontecer.
Ele se levantou e me puxou consigo, indicando a porta.
- Converse com ele, se ele não entender, eu vou quebrar aqueles dentes mesmo sabendo que ele talvez possa se curar sozinho...

Saí do quarto sem entender o motivo pelo qual estava agindo daquela maneira e rumei até o início da escada. Estava prestes a descer pela mesma quando percebi que estava no quarto de meu irmão, conversando com ele. Meu nome surgindo no meio de algumas de suas frases fez com que eu me aproximasse da porta, que estava quase fechada.
E, como uma trapaceira, eu escutei parte do diálogo em completo silêncio: estava contando sobre o que vira no hospital e perguntara a meu irmão se ele achava que eu estava sendo obrigada a esquecer de por causa de sua doença. Eu escutara claramente sua pergunta sobre curar .
queria saber se ele corria o risco de me perder caso meu ex-namorado se recuperasse.
(Betado por: Madu Alves)



Capítulo 17


Meu melhor amigo não insistiu quando retornei ao quarto e expliquei que estava ocupado conversando com . Ele também não quis continuar com a nossa discussão e apenas comentou que tinha ido visitar um dia desses. Nós nos deitamos lado a lado em minha cama e passamos um bom tempo em silêncio, ambos mirando o teto, presos em nossos próprios pensamentos. Se eu fechasse os olhos, conseguia imaginar a expressão de desapontamento de meu primo... Conseguia imaginar-me em seu lugar, vendo a pessoa de quem ele gostava beijando outra. Seria como vê-lo beijando a HeeYoung, sua ex-namorada, cujo rosto ainda era claro em minha memória.
Respirei fundo, evitando o contato com meu amigo ao notar que ele estava virando o corpo para me olhar e senti que precisava contar a ele o que tinha ouvido.
- quer usar o poder de cura para salvar - eu disse, lembrando-me do diálogo entre os dois - ouvi parte da conversa dele com meu irmão...
- pode salvar ? - indagou de repente, tirando-me de meu devaneio. Eu respondi com um resmungo positivo - ele pode... morrer?
- Se ele ficou daquele jeito quando curou o seu braço, imagino que vá correr esse risco - eu me lembrei do sangue sendo expelido na pia e de como ficara impressionado com o ocorrido - por que ele está cogitando fazer isso quando eu o machuquei dessa maneira?
- Talvez ele ache que assim vai te fazer feliz - respondeu, pensando nas palavras corretas a serem aplicadas de modo a não parecer que estava concordando com a ideia, embora eu desconfiasse que isso parecia muito bom aos seus olhos.
- Não posso ser feliz se algo ruim acontecer com ele - eu tentei explicar e levantou outro ponto.
- E se algo acontecer com ? - Ele questionou, sabendo que eu não rebateria - estar doente não quer dizer que ele tem que morrer...
- Ele não vai - eu disse, pois era nisso que eu queria acreditar. suspirou.
- Você sabe que ele não está respondendo bem ao tratamento - comentou, fazendo-me sentir uma pontada forte no peito - eu não estou concordando com o que sugeriu, mas eu não vejo um motivo para impedi-lo...
- , não... - pensei em contar sobre o marido da senhora Fong, mas esse era um segredo dela que, a meu ver, eu não tinha o direito de dividir. Contara apenas a , por motivos óbvios - eu não quero que ele faça isso. Não quero que ele se arrisque. Não sabemos o que pode acontecer, os dois podem... os dois podem morrer...
Meu amigo pareceu entender o meu ponto de vista e pegou uma de minhas mãos, fazendo-me finalmente olhar para ele.
- Ele apenas sugeriu, não quer dizer que vá fazê-lo...

-x-

Podia ver nos olhos de minha mãe a desconfiança dela com relação ao silêncio na hora do jantar e torci para que não perguntasse nada a respeito, uma vez que eu ainda não tinha conversado com como pretendia. havia me feito prometer que eu não deixaria as coisas simplesmente correrem ou ele ia desistir definitivamente de estar ao meu lado: coisa que eu nunca havia escutado antes, ao menos não diretamente de sua boca.
Eu estava, porém, guardando minhas palavras e regando-as com certo receio de tomar a iniciativa de falar com meu primo, mas isso não mais funcionou depois que todos nós nos levantamos da mesa e subimos para o segundo andar. Eu fui a última e, achando que meu primo não falaria comigo, segui direto para o meu quarto. , porém, me puxou pelo pulso, fazendo-me parar antes disso, deixando-me aflita por não saber por onde começar.
E foi estranho por longos segundos, pois ficamos olhando um para o outro enquanto ele ainda me mantinha por perto. Lentamente meu rosto começou a esquentar e, por impulso, quase forcei meu pulso para me desvencilhar, mas não o fiz por achar que ele poderia entender tal gesto de forma errada. Seus olhos me diziam que ele estava chateado e não era para menos: ele me fitava como se quisesse perguntar o que eu realmente sentia por ele e por . Como se quisesse saber se não estava perdendo seu tempo.
Senti meus olhos ficarem marejados, mas não escondi meu rosto de meu primo. Pensar em chorar de novo causava uma ardência em meu rosto e me dava vontade de ceder aos meus joelhos trêmulos e ir de encontro com o chão: tive a impressão de estar realmente caindo quando me puxou para seus braços e eu me equilibrei confortavelmente nele.
- Ele também é importante para mim, – eu disse, a voz embargada e meu queixo apoiado em seu ombro.
- Eu sei – ele respondeu no mesmo tom, juntando mais os braços em torno de mim – eu vi.
- Me desculpe – eu pedi e não recebi resposta.
O corpo quente de meu primo em contato com o meu, trêmulo e amedrontado, o fez respirar fundo várias vezes. Atrevi-me a fechar os olhos e só os abri quando havia me afastado cuidadosamente.
- Você vai voltar para vê-lo? - Ele perguntou, deslizando a ponta dos dedos sobre minha bochecha - você vai voltar para ele?
Estava prestes a mostrar, mais uma vez, a minha indecisão quanto às respostas que deveria dar a ele, então policiei a mim mesma, tomando coragem de expressar o meu maior desejo: era com que eu estava e era com ele que eu gostaria de permanecer.
- Irei visitá-lo – eu disse – e você pode vir comigo, como sempre fez. Nós podemos contar a verdade a ...
- Não... Não é isso o que eu quero – ele falou, ainda acariciando o meu rosto – eu conversei com o seu irmão, eu perguntei a ele sobre como seria se eu... Se eu conseguisse salvar seu ex-namorado...
- , não – eu o cortei. Obviamente ele chegaria neste assunto mais cedo ou mais tarde – nós já discutimos tanto sobre isso, você sabe o que eu penso sobre o seu poder, já entendeu que não quero que você se arrisque.
Ele concordou com um aceno positivo de cabeça, mas demonstrava ser mais teimoso do que imaginei.
- Quero que fique bem, quero muito – eu disse sinceramente – e acredito que ele tenha forças para lutar contra essa doença...
- Ele realmente parece bem – comentou e eu engoli em seco, com medo de termos de voltar ao assunto principal de nosso ‘desentendimento’. Felizmente, foi como se o beijo entre e eu tivesse sido esquecido.

-x-

Acordara bem melhor ao ver que meu primo estava sentado próximo a janela de meu quarto, rabiscando em silêncio em seu caderno, sem nem perceber que eu já despertara. Fiquei um bom tempo assistindo-o até que achei que seria egoísta de minha parte continuar a admirá-lo secretamente como estava fazendo. Passou-me pela cabeça que ele teria feito isso comigo por um longo tempo, uma vez que meu sono parecera estar inacreditavelmente pesado, mas isso não me incomodava de maneira alguma. Movi meu corpo, criando um barulho proposital que fez abaixar o caderno e virar o rosto na direção da cama.
- Bom dia – ele disse, sorrindo depois de muito tempo. Eu respondi sonolenta e me levantei, rumando até o banheiro. Depois de alguns minutos, retornei ao quarto e fui até onde meu primo estava, deslizando minhas mãos por seus ombros. Ele virou o rosto para receber um beijo meu, o que me deixou ligeiramente assustada por ter achado que não voltaríamos a ter um clima tão bom. Na noite passada, o sono havia demorado a chegar por conta dos pensamentos ruins que eu estava tendo com relação ao meu namoro com .
- Está desenhando a paisagem da minha janela? – Eu perguntei ao espiar os riscos no papel.
- Fiquei pensando sobre como você se sente quando vê isso todas as manhãs – ele respondeu, apontando com o lápis para fora.
- E como acha que eu me sinto? – Eu quis saber. Soltei-me dele e encarei o quintal como fazia quando prestava atenção ao que o exterior de minha casa me mostrava.
- Livre – ele respondeu e curvou-se para descansar o caderno e o lápis no chão. Ouvi-o levantar-se da cadeira que havia posto ali para trabalhar a sua inspiração, mas não me virei para acompanhar os seus movimentos. Sabia que ele logo estaria próximo a mim e não demorou até que isso se confirmasse: abraçou-me pela cintura, gentilmente apoiando o queixo em meu ombro, enquanto continuava a falar – é diferente de Gwangju, que tem muitos prédios, mas eu também me sentia livre quando olhava pela janela de meu quarto. A paisagem de sempre que, inevitavelmente, acabou ganhando um pedaço de mim...
Eu jamais pensara daquela forma, mas, realmente, era possível ver um pouco de mim nas coisas que me cercavam. Porém, naquele momento, eu me perguntava se se sentia parte da nova paisagem que Cheonan era para ele ou se havia deixado essa parte na cidade grande de onde viera.
- E você? Como se sente? – Eu indaguei e ele respirou fundo.
- Preso – ele disse – mas é como se eu me libertasse a cada dia...
Não saberia dizer se ele se referia ao passado tão impregnado naquela casa, das lembranças que jamais desapareceriam e que também me mantinham prisioneira delas, mas seria a resposta que melhor se encaixaria no que ele descrevera sobre mim, primeiramente.
- Deve ter sido difícil mudar-se para cá – eu comentei e meu primo concordou.
- Ainda bem que eu não tenho medo de mudanças.

Depois do almoço, e eu fomos até o hospital com a minha mãe, como sempre fazíamos. Esperava que ele demonstrasse ciúme ou raiva pelo que havia acontecido no dia anterior, mas ele não mudara sua expressão compreensiva em momento algum, principalmente quando adentramos o corredor rumo ao quarto de e nos deparamos com uma movimentação fora do comum: alguns enfermeiros saíam depressa do quarto enquanto a mãe de estava encostada à parede apenas observando. Era como se ela nem piscasse. A preocupação era evidente em suas mãos trêmulas. Quando me viu, forçou um sorriso que acabou por cortar o meu coração. Algo estava errado.
- Ah, você veio querida – ela disse com a voz fraca – infelizmente não vai poder entrar para ver meu filho...
- Está tudo bem? – Eu quis saber e ela concordou.
- Eu acabei de sair do quarto – ela explicou e disse algo sobre ter tido complicações com o tratamento – ele está vulnerável à infecções, por isso estão restringindo as visitas.
Imaginei que minha mãe ainda não sabia disso, ou teria me contado antes de sairmos de casa. Uma enfermeira deixou o quarto de e usava uma máscara branca. Ela chamou a mulher ao meu lado e eu me despedi imediatamente, pois ficar ali seria ainda pior. Antes de sair, porém, a escutei dizer algo sobre ter passado mal, o que chegou a travar os meus pés por um instante.
Não precisei pedir nada a e ele compreendeu que deveríamos ir embora. Apenas avisei minha mãe que não esperaria por ela como fora combinado e que estaria com caso ela precisasse me encontrar por algum motivo.
A loja do pai do meu melhor amigo não ficava muito longe e e eu chegamos num bom momento: estava brincando com um cubo mágico enquanto seu pai assistia ao noticiário numa pequena televisão presa no alto de uma das paredes. Pude notar o sorriso satisfeito de meu amigo quando percebeu que eu estava acompanhada de meu primo, o que significava que tínhamos acertado as coisas como ele esperava que fizéssemos.
- Vocês vieram do hospital? – perguntou e eu disse que sim, mas que não havia visto . Expliquei a ele o que tinha acontecido e recebi um suspiro como resposta. Era como se ele quisesse dizer que já esperava por isso, coisa que eu nunca fizera desde que tivera conhecimento da doença de meu ex-namorado. Para mim, era difícil aceitar que ele estava sendo tomado cada vez mais por esse mal, que seu corpo estava enfraquecendo, que logo os seus cabelos começariam a cair e eu teria de usar uma máscara se quisesse conversar com ele como eu fazia.
Enquanto estava no corredor do hospital, ouvindo apenas um murmúrio vindo da conversa entre a enfermeira e a mãe de , eu fraquejei: distanciava-me delas e da porta do quarto, e pensava que poderia sim usar o seu dom para curar uma pessoa importante para mim. Eu fui egoísta, mas consegui abandonar tal ideia e repudiá-la quando meu primo pegou a minha mão, sem desconfiar de meus pensamentos. Não, ele não poderia fazer nada, pois isso o machucaria. O problema era que, parando para raciocinar, eu continuava sendo egoísta, pois toda a minha revolta interior era criada partindo do medo que eu tinha de sofrer. Do medo relacionado à dor que eu sentiria. Do medo de acabar ficando sozinha.
Era eu quem deveria poder curar as pessoas, assim, devolveria a vida que estava perdendo e teria o castigo merecido por apenas pensar em mim mesma.
- ? – me chamou e tanto ele quanto estavam observando a minha falta de atenção – sugeriu que fôssemos tomar um café...
- Ah, ah sim, vamos – eu disse e o pai de meu amigo sorriu, deixando-o tirar um tempo livre.
Nós fomos ao mesmo café para onde meu irmão me levara no outro dia e nos sentamos numa das mesas próximas da janela. comentava algo sobre a aproximação dos testes para as bolsas das universidades que logo começariam em todo o país e eu não estava nada contente por não estar me esforçando ou ligando para isso. Por um bom tempo estudar havia sido uma atividade contínua e motivadora, mas eu me tornara desleixada com esse costume depois da morte de meu avô. E não pretendia voltar a essa rotina tão cedo.
O som da porta abrindo-se me fez olhar rapidamente para a entrada do local e reparar em quem estava chegando: a bonita amiga de , Evie, e , que apenas acenou com a cabeça em cumprimento quando me viu. Os dois sentaram-se em uma mesa não muito distante e não pude deixar de voltar a pensar em como meu irmão estava diferente. Inconscientemente, tentei encontrar pistas que pudessem esclarecer o motivo para isso nos movimentos dos dois melhores amigos dele e não me surpreendi quando pegou uma das mãos de Evie, aparentemente desculpando-se por algo que havia feito. A garota tinha a expressão fechada, como se estivesse realmente zangada. Quis continuar a observá-los, mas estalou os dedos em frente ao meu rosto, assustando-me levemente.
- Não gosto de quando você fica aérea assim – ele disse – está tudo bem?
Eu respondi que sim e fingi esquecer as pessoas da outra mesa.

-x-

Já estava deitada quando bateu de leve na porta de meu quarto e entrou pela mesma, trancando-a logo depois. Pedi que ligasse a luz e quando o fez, notei que segurava duas folhas de papel nas mãos.
- É o desenho de hoje cedo? – Eu quis saber e ele deu de ombros, caminhando em direção à minha cômoda. Deixou os papéis embaixo de minha caderneta de páginas coloridas e pegou uma de minhas canetas, abrindo meu caderno sem a minha ordem. Ele escreveu alguma coisa ali dentro e fechou o mesmo, devolvendo tudo a seu devido lugar. Voltou a me encarar, dando passos lentos em direção à cama.
- Eu não vou contar o que é – ele falou – amanhã cedo você descobre.
Mordi o lábio de forma ansiosa, pois não esperava uma brincadeirinha dessa vinda de meu primo. Ele já estava de pijamas e impediu que eu me levantasse como eu pretendia fazer.
- Pare de ser curiosa – ele disse e apoiou as mãos na cama ficando suspenso sobre mim – você ficou pensativa o dia inteiro e eu não te enchi de perguntas, como eu queria.
Dei um riso forçado, mas ele sabia que eu estava preocupada. Eu não conseguia esconder.
- vai ficar bem – ele disse e eu respirei fundo, fitando-o nos olhos.
- Me dá medo quando você fala assim – eu confessei, erguendo minhas mãos até sua cintura – tenho a impressão de que está pensando em ir até lá para curá-lo...
- Eu não vou esconder de você que essa é a minha vontade – ele falou – eu realmente sinto que posso fazer isso... Eu quero...
- Mas eu não – eu o interrompi – você sabe o que pode acontecer, você viu como aconteceu com o senhor Fong...
- Não vamos falar sobre isso agora, está bem? – Ele pediu, mas senti que precisava reforçar o meu desejo e deixar claro que eu me decepcionaria se ele me contrariasse com algo tão sério.
- , preciso que você prometa para mim que não vai tentar nada – eu arrisquei e ele ouvia atentamente – me prometa que não vai ver sem mim.
- Eu prometo – ele disse e completou – prometo que não vou deixar você sozinha.
Isso, de certa forma, conseguiu me acalmar, mesmo sendo uma promessa tão vaga. Eu acreditava em suas palavras, mas algo dentro de mim deixava um rastro amargo de desconfiança em meu peito. sabia disso e evitou qualquer outro assunto aproximando-se de mim para depositar um beijo em meus lábios. Minhas mãos juntaram-se em suas costas e eu fechei os olhos enquanto o sentia abusar de nosso contato para tentar me fazer esquecer a pequena conversa que havíamos acabado de ter. E ele conseguia, ele sempre deixava a minha mente vazia para preenchê-la com os seus sons e sua imagem. Com tudo o que um dia seriam apenas lembranças gostosas e inesquecíveis.
- , vai mesmo estar sempre aqui? – Eu perguntei, sentindo os beijos descendo pelo meu colo. Suas mãos já subiam por baixo da camiseta que eu usava, mas eu estava atenta e à espera de sua resposta.
- Sempre.

Senti seus braços em torno de mim a noite toda, mas quando abri os olhos naquela manhã, não estava do meu lado como havia prometido. Isso já acontecera antes e eu sempre acabava por encontrá-lo no andar inferior, na cozinha, preparando algo para nós. Não era tão tarde assim e um café da manhã seria muito bem-vindo.
Desci as escadas estranhando o silêncio e realmente não havia ninguém, além de mim, para produzir qualquer tipo de som.
- ? – Eu chamei e não obtive resposta. Caminhei até a porta de vidro da cozinha e Dutch, que estava deitado na sombra, apenas olhou para mim sem se mover – está aqui fora?
Saí e verifiquei que não, ele também não estava ali. Voltei para dentro e, antes de subir as escadas, percebi que o quadro com flores dado pela senhora Fong estava torto. Eu o consertei e me distraí, levando um susto com o toque repentino e alto do telefone. Retornei à cozinha e o tirei do apoio, reconhecendo a voz de minha mãe do outro lado da linha. Esta, porém, demonstrava nervosismo.
- Mãe, o que aconteceu? – Eu perguntei e foi como se eu estivesse presa em um terrível e profundo pesadelo. Sem pensar duas vezes eu corri até meu quarto e fui direto até a mesinha onde havia deixado as folhas de papel na noite anterior.
- , por favor, me responda – o desespero de minha mãe era evidente, assim como o meu – , você está aí?
- Estou.
Apoiando minha mão livre sobre a mesa, eu abaixei a cabeça e deixei que as lágrimas caíssem sobre ela. De repente tudo o que minha mãe dizia ecoava e parecia não fazer sentido algum. Mesmo com a visão embaçada, eu conseguia entender o mistério por trás daqueles desenhos e o porquê de meu primo ter dito que eu os descobriria apenas pela manhã: na primeira folha, havia meu retrato; na segunda folha, havia um retrato dele, finalmente reforçado em traços escuros e fiéis. De alguma forma, os dois desenhos se completavam.
Ao abrir a caderneta, em uma das folhas amarelas, a tinta preta a manchava primeiramente com a minha caligrafia. “O que é o amor? ” escrevi, como uma inútil criança curiosa. Abaixo, estava a caligrafia de :

Eu e você”.
(Betado por: Lila Zardetto)



Capítulo 18

O telefone estava sobre a mesa, mas eu me virara para fitar qualquer coisa que não fosse aqueles desenhos. Minha cama ainda estava desarrumada e as lágrimas continuaram a cair pesadamente ao me recordar do que tínhamos feito e das coisas que havia dito para mim.
Ele está desacordado, não sabemos o que aconteceu..”, parte da fala de minha mãe ecoava em minha mente, e eu tinha plena certeza de que ela havia demorado um bocado em decidir se contaria isso a mim tão cedo e daquela forma. O único pensamento que crescia dentro de mim era o que dizia que meu primo não poderia ter feito àquilo comigo.
Minhas pernas amoleceram e me deixei cair sobre meus joelhos, usando a mão para apoiar-me no chão, como se tivesse sido golpeada. Chorava alto, pois ninguém estava em casa para me ouvir. Queria gritar e descontar a raiva que estava sentindo em algo, mas não tinha forças nem para sair de meu quarto naquele momento. Estava ficando, inclusive, difícil de respirar.
O telefone tocou mais uma vez, e eu só percebi o que era aquele som depois de um bom tempo. Sem ânimo algum, me levantei e o peguei sobre a mesa, já sabendo de quem se tratava. Minha mãe ficara preocupada com o meu estado e por eu ter desligado sem mais nem menos. Perguntou várias vezes se eu estava bem e eu mentia, dizendo que sim. Não perdi a oportunidade e avisei que estaria indo para o hospital e, mesmo contra a vontade dela, eu me despedi e corri para pegar um casaco. Descendo as escadas, liguei para um taxista e o esperei no jardim, deixando Dutch sozinho.
O caminho sempre parece mais longo quando você se sente desesperado por algum motivo, e foi exatamente assim, com o tempo brincando comigo, que eu passei o trajeto até o hospital. Com o pensamento preso em . Poderia ser um clichê; eu poderia acordar e perceber que aquilo tudo era apenas um pesadelo, porém a dor era real demais. Eu conseguia entender o que significava ter o mundo desmoronando sem meios de reagir ou conter a destruição.
Paguei a corrida, agradeci e, rapidamente, adentrei o hospital, procurando pela minha mãe. Ela já estava esperando por mim e abriu os braços para me receber, notando o modo como eu parei antes de lhe dirigir qualquer palavra.
- Onde ele está? – perguntei, e, acariciando o meu cabelo, ela disse que ele estava num quarto, no mesmo corredor do quarto de .
Meus pés pararam em frente à primeira porta e eu sinceramente não entendi o porquê de ainda estava acamado e desacordado. Minha mãe havia me dito que o quadro dele piorara inesperadamente, e que não tinha noção sobre o que poderia ter acontecido, uma vez que fora encontrado caído ao lado da cama de meu ex-namorado. Ela não quis fazer referência a nenhum ataque ou coisa do tipo, já que não sabia mesmo do que se tratava. E, se eu tentasse dizer a ela o que sabia, com certeza ela me encaminharia a ala de psiquiatria de imediato.
Meu primo estava exatamente no quarto ao lado, o que tornava tudo ainda mais doloroso. Entrar e vê-lo deitado, rodeado de fios e aparelhos; as mãos imóveis nas laterais de seu corpo; com os olhos fechados e os cabelos úmidos; era uma cena que eu tentava apagar da minha mente.
Voltei a chorar e minha mãe ficou com receio de me deixar sozinha quando um enfermeiro a chamou. Perguntou se eu ficaria bem enquanto ela ficasse fora por quinze minutos, no máximo. Eu concordei, ouvindo-a dar passos calmos até a porta. Eu não desgrudara os olhos de meu primo e, de repente, não queria mais sair dali.
- , você me prometeu. – eu falei baixinho, sentindo a voz tremer com aquelas palavras. – Você disse que não ia me deixar sozinha...
Fui para perto da cama e toquei a mão esquerda dele, que estava quase fria. O som irritante dos aparelhos me dava dor de cabeça, e fitá-lo desacordado daquele jeito me deixava imensamente infeliz.
- O que foi que você fez? – eu indaguei, interpretando o silêncio como uma resposta. – Você não podia... Não podia ter feito isso...!
Fechei os olhos com força, sentindo os dedos de meu primo entre os meus, não com o carinho de que precisava.
Puxei uma cadeira para perto da cama e me sentei, apoiando uma das bochechas sobre as costas da mão do garoto, enquanto ainda a segurava. Todos os mesmos pensamentos se repetiam em minha mente, reforçando o quão fraca eu estava sendo por me decepcionar com a atitude dele. não tivera a intenção de me ferir . Pelo contrário, ele insistira em considerar a possibilidade de curar , porque me vira sofrer. Porque sabia que eu não seria inteiramente feliz enquanto meu ex-namorado não estivesse bem.
Respirei fundo e me assustei quando fitei o rosto de meu primo: um fio de sangue escorria de seu nariz, fino e num vermelho vívido. Levantei-me depressa e corri para a porta, dando de cara com uma enfermeira que passava pelo corredor.
Informei a ela o que estava acontecendo e ela adentrou o quarto, apertando um botão atrás da cama.
- Preciso que fique lá fora, está bem? – ela foi gentil e eu concordei, saindo.
Quando minha mãe retornou e me viu parada no corredor, imediatamente achou que eu estava passando mal. Contei a ela que estava sangrando, e ela decidiu que seria melhor se eu não ficasse com ele até que tivessem um diagnóstico. Tentei ir contra, pois sabia que seria difícil encontrarem uma razão para o estado dele, porém, resolvi não me exaltar. Provavelmente acabaria desabando novamente.
- Descanse um pouco e eu te levo para casa. – anunciou. Aceitei e avisei que iria ao banheiro enquanto ela ajeitava as coisas.
Parei com as mãos em meu rosto, sem receio de que outras pessoas me vissem. Havia duas mulheres conversando baixinho sobre qualquer assunto que não era de meu interesse, entretanto, o espaço parecia vazio ainda assim. Olhei para o espelho e meus olhos estavam bem mais inchados do que imaginei. Enrolei os fios do meu cabelo para trás e me curvei para lavar o rosto, em seguida, secando-o com as toalhas de papel. Não sei por quanto tempo permaneci ali, apoiando as mãos na pia de mármore, cabisbaixa e tentando manter a respiração sob controle. As mulheres deixaram o recinto sem sequer perguntar se eu estava bem.
Dentro do bolso do meu casaco, meu celular começou a tocar. Vi a foto de meu irmão no visor e atendi apressadamente.
- ? – eu disse, contudo, não era meu irmão quem estava do outro lado da linha. - Não. – A voz masculina falou. – É o .
- ? – Estranhei. – Esse é o número do meu irmão...
- Eu sei. – ele falou – Ele deixou o celular comigo...
Pelo horário, os dois ainda deveriam estar no colégio, porém, não tive chance de perguntar algo relacionado a isso, pois o garoto voltou a falar antes que eu pudesse me pronunciar.
- Será que eu posso encontrar você? – Ele quis saber. – Está na sua casa?
- Não, eu... Eu estou no hospital. – eu respondi, achando o pedido muito esquisito. – Aconteceu alguma coisa? - Mais ou menos. – ele disse e não me deixou interrompê-lo. – Estou perto, chego aí em poucos minutos. – e desligou.
Pensei em ligar para casa, mas não havia ninguém desde que eu saíra de lá. Talvez quisesse perguntar algo sobre meu irmão ou sobre Evie. Talvez eles estivessem pregando uma peça em mim, por desconhecer os acontecimentos recentes. Eu não sabia no que pensar, apenas avisei minha mãe que tomaria um pouco de ar fresco no estacionamento, pois assim poderia me sentir um pouco melhor e ela sorriu fraco, concedendo.
Estava frio lá fora, e o menino não demorou a chegar, como havia dito ao telefone. Usava um casaco preto e não parecia estar vindo do colégio, pois não carregava nada consigo. Ele não sorriu quando olhou para mim e parecia preocupado.
- Aconteceu alguma coisa para você estar aqui? – perguntou antes de tudo, e eu neguei com um aceno de cabeça. – está bem?
- ? – Eu não entendi o que ele queria dizer. – Como assim? Vocês não estavam no colégio? Ainda está no horário das aulas...
Ele respirou fundo e olhou para o chão, visivelmente agitado. Tirou de um dos bolsos o próprio celular e procurou por algo para me mostrar. Quando o fez, o visor do aparelho exibia uma mensagem que, de tão inacreditável, tive de ler mais de uma vez para entender.
estava pedindo desculpas ao amigo, e dizia que não queria atrapalhar a vida do mesmo... Porque eles não eram apenas amigos. Eu demorei a olhar novamente para , quando ele tirou o celular de meu campo de visão. Quando o fiz, ele estava com uma expressão de muita tristeza.
- Eu traí a confiança do seu irmão, e agora ele me odeia. – ele disse, esticando o celular de para mim. – Ele me disse que ia fugir e eu não acreditei. Mas ele não apareceu hoje, não falou comigo. Deixou o celular na minha carteira e eu não... Eu não sei... - Abaixou a cabeça e eu me surpreendi ao notar que ele chorava. - Ele... Não pode ter fugido. – eu falei. – Me escute, ele deve estar no colégio... Em algum lugar aqui perto... - Ele voltou para casa. – uma voz feminina nos interrompeu. Quando desviei o olhar, vi Evie aproximando-se de nós. – Eu não deveria mais ajudar você, , porém... Eu quero ajudar o ...
Os dois de repente se olharam como se realmente tivessem o mesmo objetivo. Ela disse que seria melhor ele se apressar se quisesse resolver as coisas e o garoto voltou a olhar para mim, pedindo que eu fosse com ele.
Eu deveria negar, uma vez que estava lá dentro e eu queria ficar próxima a ele, por medo de que algo ruim pudesse acabar acontecendo. Contudo, não tive escolha. O pedido envolvia o meu irmão e talvez fosse o motivo por ele estar agindo estranhamente nas últimas semanas. Concordei e Evie encarregou-se de avisar minha mãe, dizendo que eu estaria voltando para casa com eles, pois o período de aulas havia terminado mais cedo. e eu dividimos um táxi e nos sentamos no banco de trás do veículo, cada um fitando a sua janela. Jamais imaginara que as perguntas que meu irmão fizera referiam-se a um garoto, e não à Evie, como eu havia pensado desde o início. Ele sofria, não apenas por não saber se era correspondido, mas também porque sentia que deveria esconder tal relação das outras pessoas, sempre tão munidas por um venenoso preconceito. De certo modo isso me deixava ligeiramente confusa, principalmente pelo que havia acontecido na última vez em que o menino ao meu lado aparecera lá em casa: não era novidade ele me olhar do jeito que fazia, outro detalhe que nunca me levaria a pensar que ele gostava de .
Ele ter pegado em minha mão enquanto admirávamos os retratos presos à parede da escada fora um tanto quanto inadequado e confuso. Isso foi esquecido, uma vez que eu tentava raciocinar e encontrar as palavras corretas para usar com meu irmão. O que eu diria a ele se ele realmente estivesse pensando em fugir? Que ele era menor de idade e que não poderia dar preocupações para a nossa mãe? Que ele agora era quase o único homem da casa, como havia sido, durante os dois anos, após a morte de nosso pai? Eu ainda não sabia e torcia para que ele estivesse apenas esperando por , sentado em seu quarto ou na sala de estar jogando vídeo game. - Talvez não seja da minha conta, entretanto, estava no hospital por causa de ?
A pergunta do garoto sentado ao meu lado me tirou de meus devaneios. Eu olhei para seu rosto e contei que era quem estava internado e inconsciente, por algum motivo desconhecido até para os médicos.
- Eu... Sinto muito. – ele disse, dando a entender que achava que meu primo estava morrendo. Não quis contrariá-lo e preferi continuar em silêncio, uma vez que não gostaria de usar minha voz para reforçar essa questão.
O táxi estacionou na frente de nossa casa e saímos do carro, encontrando Dutch ainda deitado no gramado. Passei uma das mãos em sua cabeça e abri a porta da cozinha, rumando imediatamente para o início da escadaria. Achei que estava me seguindo, todavia, ele parou de andar, como se estivesse com medo de subir.
- Você vem...? – eu o chamei. Ele apontou para cima, indicando que eu deveria ir primeiro, e eu o fiz. Subi os degraus e bati na porta do quarto de meu irmão, percebendo que a mesma estava aberta.
- , está aí? – eu perguntei e, não obtendo resposta, empurrei a porta de madeira, dando de cara com um meu irmão com um semblante tristonho, e paralisado por eu estar ali.
Ao lado da cama descansava uma mochila, que visivelmente seria usada na fuga. Ele não disse nada, apenas fitou meu rosto com os olhos arregalados.
- Você estava chorando? – ele quis saber, mas eu o interrompi. - Eu já sei de tudo... Sobre você. – eu disse, tentando demonstrar a minha compreensão. – E sobre ... Quando disse o segundo nome, porém, meu irmão pareceu irritado. Rapidamente pegou a mochila por uma das alças e fez menção de deixar o quarto, entretanto, eu o impedi, colocando as mãos em seu peito e pedindo para que ele esperasse.
- Só me diz: por que está fazendo isso? – eu indaguei, repetindo aquela frase pela décima vez naquela manhã. – Você ia fugir e deixar tudo pra trás? Quem te disse que essa é uma boa ideia?
- Ninguém. – ele respondeu e de repente segurou meus pulsos com certa força. – Assim como ninguém vai se importar quando eu for embora...
Ouvir aquilo me deixava furiosa e com vontade de bater em meu irmão, mas eu não tinha forças para isso. Ele simplesmente me jogou para o lado, soltando-me e rumando para a porta, sem a mínima vontade de me ouvir. Eu não tinha tempo para reclamar sobre sua violência repentina, então chamei seu nome mais uma vez e muito mais alto do que desejava, o que o fez parar por segundos suficientes para que pudesse prestar atenção ao meu pedido.
- Você não pode ir. – eu disse, sentindo o rosto ficar quente e os olhos marejados mais uma vez. – Nós nos importamos, ...
E então, ele riu, como se fosse um desconhecido, um lado dele que eu estava vendo pela primeira vez em minha vida.
- Você costumava se importar, na verdade. – ele ralhou, virando-se para me encarar – Porém, foi só o nosso primo vir para essa casa pra você começar a ligar apenas para ele. Aliás, depois de tudo o que aconteceu, você só tem olhos para si mesma!
Eu sabia que aquilo era verdade, por vezes pensara no quão egoísta eu era, martirizava-me e castigava-me mentalmente. Contudo, ouvir isso do meu irmão era ainda pior. Soava como se eu fosse um monstro, como se a culpa por todas as coisas ruins envolvendo a nossa família fosse minha. Como se eu o tivesse influenciado a deixar os problemas para trás.
Se eu havia feito isso, não tinha me dado conta e jamais entenderia. Todavia, não o deixaria cometer tal idiotice. Se eu fora egoísta, então eu deveria deixar de ser assim em algum momento. Mas eu não consegui. Não consegui, porque a única coisa capaz de fazê-lo desistir seria usar do meu egoísmo, mais uma vez.
- Você sempre perguntou se eu estava bem, entretanto, não conseguia enxergar que eu estava mentindo. – Ele continuou falando e aumentando seu tom de voz. – Eu mentia de uma forma tão imbecil, achando que você perceberia e que faria alguma coisa por mim, porém você estava tão preocupada em prevenir de chegar perto de , para impedir a própria dor, que não enxergou a minha.
- , me desculpe...
- Talvez eu esteja exagerando, eu sei. Contudo, a verdade é que você tem tanto medo de perder os outros, que prefere que eles sofram do seu lado a sacrificar a si mesma. – ele completou. – Eu não vou ficar, . pode estar morrendo, mas você ainda tem o e nosso priminho, que vai sempre curar as suas feridas...
Não conseguia me lembrar da última briga que tivera com meu irmão, porque já fazia anos que discussões nesse nível não aconteciam. Muitas vezes, nos desentendíamos por coisas bobas, e acabávamos fazendo as pazes rapidamente. Nada que o obrigasse a utilizar suas palavras duras diante de mim. Quando ele o fazia, significava que eu o ferira tão profundamente, que ele era obrigado a fazer o mesmo comigo.
O garoto que crescera comigo estava chorando, mas não conseguiu pedir desculpas como eu fizera, mesmo deixando claro que era isso o que queria antes de me deixar como planejara. E, quando ele saiu do quarto, eu me esgueirei até a cama dele e me sentei com o olhar e a mente perdidos. Se achava que eu não me importava mais com ele, o que minha mãe acharia, uma vez que, apenas ela parecia cuidar de mim, e nunca o contrário? Talvez eu tivesse me tornado um estorvo com todo o drama criado após a morte de meu pai. Eu era sempre a pobre menina que vira a tragédia, aquela para quem as pessoas direcionavam a atenção quando tocavam neste assunto, a que parecia sofrer mais do que os outros.
E odiava que pensassem assim.
Um estrondo no andar de baixo me fez despertar, porém, não me movi. pedira a minha ajuda e agora eu o deixara sozinho para resolver as coisas com meu irmão. Não queria me intrometer. Depois do que ouvira, não tinha coragem de descer e pedir mais uma vez para que meu irmão desistisse da ideia absurda de ir embora, então torcia para que o outro menino tivesse algum argumento forte para convencê-lo. Outro estrondo me fez começar a me preocupar com o que poderia estar acontecendo, mas escutei o som de passos apressados subindo as escadas e fitei a porta, esperando.
apareceu novamente, com um pouco de sangue no canto direito da boca, respirando pesadamente enquanto seus olhos ainda estavam marejados. Nós parecíamos dois idiotas encarando um ao outro quando apareceu logo atrás, com os cabelos bagunçados e com uma expressão de dor no rosto.
- Por que deixou que eu falasse aquelas coisas pra você? – perguntou, dirigindo-se a mim. – Por que não me contou? Por que não me disse o que estava acontecendo?
Ele estava quase gritando e eu não entendia. Os dois haviam brigado, então por que ele estava ali?
- ! – chamou. – Por que deixou que eu te machucasse assim?
Porque eu merecia, eu deveria responder. Entretanto, não conseguia pronunciar uma palavra sequer. Abaixei minha cabeça e não notei quando meu irmão se aproximou e me abraçou apertado, tão apertado que eu arregalei os olhos quando o ouvi repetir várias vezes o seu pedido de desculpas, agora audível o suficiente para fazer acalmar-se e sentar-se no chão. Ele inclusive sorriu, segurando o estômago como se tivesse levado um chute, dando a entender que tivera sucesso em fazer voltar atrás.
Certamente o menino havia contado sobre o estado em que encontrava-se, porque meu irmão não sabia que palavras usar para não denunciar o dom que nosso primo tinha. Ele apenas continuou pedindo perdão, dizendo que ele também estava sendo egoísta e prometendo que nunca mais pensaria em algo como aquilo.
- Está tudo bem – eu disse, tocando-o no rosto quando ele se afastou alguns centímetros. – Você mudou de ideia, é isso o que importa.

-x-

- Não vai voltar ao hospital? – perguntou, entrando em meu quarto sem bater na porta. - Não, mamãe prefere que eu fique em casa hoje. – eu respondi, passando a ele o pedido que minha mãe fizera no telefone, quando ela havia ligado logo após ter ido embora.
Meu irmão ainda mostrava-se arrependido por ter brigado comigo. Não poderia negar que as palavras usadas por ele haviam sido extremamente fortes, mas quem era eu para me sentir ofendida com a verdade? Se quisesse mudar as coisas, eu teria de começar comigo mesma e, de fato, meu irmão seria meu braço direito. Sempre fora, e eu esperava ser o mesmo para ele.
- Sobre hoje cedo... – começou, e eu apenas acenei para que ele parasse.
- Não precisa falar mais nisso. – disse e sorri verdadeiramente. – É sério, aquilo... Foi necessário. não queria acreditar nisso, entretanto, não insistiu. Caminhou até a cama e sentou-se ao meu lado. - Quando eu saí para o colégio, a porta do quarto do estava aberta. – ele contou. – Se eu soubesse que ele faria isso... Eu teria ido até lá para impedi-lo...
- Ele foi realmente esperto. – eu disse. Distrair-me como tinha feito na noite anterior, prometer que ficaria comigo, deixar os desenhos para tentar amenizar os meus sentimentos... O garoto havia pensado em todos os detalhes. - E ? – perguntou meu irmão. – Ele não teve mesmo nenhuma melhora?
Neguei com um aceno de cabeça. Perguntara isso novamente a minha mãe durante a ligação, e ela respondera que o quadro dele piorava.
- Tenho medo de que os dois... De que eles...
- Pare de pensar assim. – mandou, passando uma das mãos por meus cabelos. – Vai ficar tudo bem...
Um trovão acabou por cortar o nosso assunto, me fazendo encolher involuntariamente pelo susto. Não tinha percebido como o céu havia escurecido repentinamente, indicando que uma forte chuva cairia, provavelmente no fim da tarde. Olhei para e ele sorriu, compreendendo que velhos hábitos não deveriam ser perdidos, ainda mais num momento como aquele.
- Eu não vou sair daqui.

A chuva continuou a cair durante a noite e, quando minha mãe retornou do hospital, meu irmão e eu a esperávamos com o jantar quase pronto. Eu fora convencida a ajudá-lo, com a desculpa de que isso me distrairia pelo menos um pouco.
Sem novidades, nós comemos em silêncio, vez ou outra trocando algumas palavras normais sobre o dia, sem mencionar a tentativa de fuga de meu irmão ou a briga na qual isso resultara. Lembrava-me muito dos anos que passamos sem meu pai, quando ainda éramos apenas nós três naquela grande casa. O que tirou meus pensamentos dessa recordação foi o som da pata de Dutch, arranhando o vidro da porta da cozinha.
- O que foi, Dutch? – eu perguntei carinhosa. Ele choramingou, como se estivesse realmente me respondendo. Olhei para sua casinha e notei que ela estava molhada, assim como a área ao redor dela, que deveria estar protegida mesmo em dias de tempestade. Pensei no que poderia ser feito, mas deixá-lo ali fora seria quase desumano. Estava pronta para levar uma bronca ao deixar o cachorro entrar na cozinha, e informei o que tinha acontecido a minha mãe. – Será que ele pode dormir aqui dentro hoje?
Talvez ela ainda estivesse sentindo pena de mim, pois permitiu facilmente.
Peguei uma toalha qualquer e a esfreguei contra o pelo de Dutch, que se sacudiu. apareceu com um cobertor que, segundo ele, estava guardado há tempos em seu armário, e o deixou no tapete, no pé do sofá, indicando o espaço para que o cachorro se aconchegasse.
Por incrível que pareça, durante o tempo que levamos para limpar a cozinha e a louça, o cão permaneceu deitado e quieto, apenas nos observando. Subi para meu quarto, tomei um banho rápido, ajeitei minha cama – que permanecera desarrumada durante o dia inteiro – e, enrolada em meu cobertor, eu desci para a sala de estar.
- O que faz aqui? – eu ri quando vi meu irmão sentado no outro sofá e Dutch quase desmaiando de sono no cobertor.
- Eu sabia que você desceria. – respondeu e apontou para o cachorro. – A gente sabia, na verdade... E, como você tem medo de trovões...
Ele estava ali para me fazer companhia.
Engoli o choro que, como sempre, era desnecessário, e me ajeitei no sofá próximo a Dutch, notando que ele finalmente estava entregando-se ao sono que sentia. Acariciei seu pelo e, mesmo achando que seria difícil dormir, fechei os olhos, sentindo-me muito melhor.




Capítulo 19



O quarto de , assim como o de , parecia um baú lacrado, no qual apenas a água conseguia entrar. Visitas estavam proibidas, ao menos até que os médicos conseguissem encontrar alguma resposta que explicasse o estado no qual os dois se encontravam. Ainda assim, eu aguardava no corredor, vez ou outra na companhia da mãe de , igualmente preocupada.
Estava quase na hora do almoço quando apareceu e correu para acolher-me em seus braços, perguntando se eu estava bem e se havia alguma novidade. Tinha ligado para ele naquela manhã, enquanto ia com a minha mãe até o hospital, e contado como estava. Não mencionara o fato de que ele havia tentado salvar , pois minha mãe me encheria de perguntas, mas certamente entendera.
- Ninguém pode entrar até que descubram o que aconteceu – eu disse e ele respirou fundo, decepcionado.
- Não vão descobrir, só se a gente contar – ele disse, mas eu neguei – é, eu sei, não é seguro...
Meu amigo juntou-se a mim, sentando-se no banco do corredor silencioso. Ele segurou uma de minhas mãos enquanto assistíamos o vai e vem dos enfermeiros. Um deles sempre entrava no quarto de e saía sem dizer uma palavra. Tentei perguntar algo a ele, mas sempre era respondida com um “desculpe-me, você precisa falar com um dos médicos sobre isso”.
- Está aqui desde cedo? – indagou e eu disse que sim – comeu alguma coisa pelo menos?
- Minha mãe me obrigou a fazer isso – eu respondi e ele sorriu fracamente – aliás, obrigada por ter vindo...
- Deveria ter me ligado ontem mesmo – ele falou, mas eu estava tão atormentada por tudo que até me esquecera de fazê-lo. Apertando seus dedos com os meus com um pouco mais de força o fez compreender que eu ainda estava agradecendo por ele estar ao meu lado – escuta, vamos sair um pouco daqui...
- Não, , todo mundo vive me tirando daqui – eu reclamei, mas ele foi insistente.
- Só uma voltinha – ele pediu, já pronto para se levantar – aposto que você só levantou pra ir ao banheiro... Se bobear, sua mãe te trouxe algum lanche e você comeu aqui mesmo.
Rolei os olhos, porém não havia uma desculpa pronta que pudesse me ajudar a convencê-lo. puxou-me para perto e guiou-me para fora, onde o céu estava cinzento porque acabara de chover. Tive vontade de zombar dele uma vez que não havia um lugar seco onde pudéssemos nos sentar, mas fiquei quieta, apenas porque não estava me sentindo bem. Meu amigo continuava de mãos dadas comigo, procurando um bom assunto que pudesse nos tirar daquele drama todo que circundava o hospital. Parou de frente comigo, sorrindo.
- Eu já falei que odeio te ver assim, não é? – ele perguntou e eu concordei, lembrando-me de quando ele invadia meu quarto e me dava broncas caso eu estivesse triste – o problema é que não estou animado o suficiente pra colocar um sorriso no seu rosto...
Eu já tinha reparado nisso ao me atentar ao seu olhar.
- Me desculpe – ele pediu e eu me aproximei, depositando um beijo em seu rosto.
- Você está me ajudando mais do que nunca.

-x-

Dois dias haviam se passado quando finalmente pude entrar no quarto de para ficar um tempo ao lado dele. Minha mãe permitira o acesso, porém não me dera nenhuma informação sobre o quadro de meu primo ou se havia algum diagnóstico. Decidi que seria melhor não insistir ou ela acabaria tirando coisas que não deveria de mim. O mínimo resquício do segredo poderia nos colocar em maus lençóis, então me contentei em saber que ele não tivera novos sangramentos.
O rosto de meu primo estava pálido e, depois de horas sentada na cadeira ao lado da cama, ainda não me cansara de segurar sua mão e fitá-lo. Não havia sinal de sorriso como quando ele adormecia ao meu lado depois de uma longa conversa. Também não respirava como quando ficávamos sem silêncio, o peito subindo e descendo num ritmo gostoso e normal, não: havia uma espécie de chiado no inspirar e expirar, um ruído baixinho que não denotava a necessidade do uso de aparelhos para auxílio, mas que me preocupava.
Tudo me preocupava, aliás, desde a temperatura da sala até a dor que ele sentiria por ficar deitado por tanto tempo. Do som dos corredores, que eram poucos, até o barulho dos aparelhos. Dos olhos sempre fechados de até os dedos imóveis e pele morna. As mãos que eu tanto gostava de admirar agora não tinham vida. As mãos que me desenhavam, agora estavam paralisadas. Por vezes eu quis poder roubar todo o mau que o estava afastando de mim, arrancar dele a doença ou ferida assim como ele havia feito com os outros. Armazenar tudo dentro de mim mesma só para tê-lo olhando para mim novamente, nem que pra isso tivesse que me despedir para sempre. Apertar os dedos de sua mão suplicando por isso não adiantava: ele ainda estava inconsciente e desacordado.
Quando me dei conta do horário, senti um aperto profundo no peito por saber que teria de deixá-lo para voltar para casa com a minha mãe. Fora boa vontade dela deixar-me passar quase o dia todo ali dentro, oferecendo-se para almoçar comigo inclusive, sempre repetindo que tudo logo ficaria bem e que iria se recuperar depressa se eu não perdesse a minha fé nisso.
Antes de ir, levantei-me e cuidadosamente depositei um beijo nos lábios de , sem medo de levar bronca de algum enfermeiro caso me vissem fazendo aquilo. O fato de não saberem o que acontecera a ele os deixava receosos com todos os tipos de contato. Ainda assim, eu torcia para que sentisse a minha presença.
- Você vai acordar amanhã, certo? – sussurrei, passando uma das mãos pelo rosto de meu primo, sabendo que aquele seria o meu pensamento até meus olhos cederem ao sono. Com isso, saí do quarto e, antes de procurar por minha mãe, olhei pelo vidro da porta o interior do quarto de . Ele também dormia e eu fazia a mesma pergunta que direcionara a , porém, mentalmente. Minha mãe me encontrou primeiro, perguntando se eu estava pronta para ir e eu apenas a segui.

Em casa, como de costume, nos esperava com o jantar quase pronto e com um Dutch murchinho aguardando atenção na sala de estar. Aparentemente, a chuva estava de acordo com os acontecimentos, caindo estranhamente durante dias, alternando apenas entre uma garoa fina e gotas grossas durante boa parte da noite. Sem grandes reclamações, Dutch obteve permissão para ficar dentro de casa, o que, para minha mãe talvez significasse que ele me ajudaria sendo uma boa distração.
Era verdade, conversar com Dutch aliviava a dor que eu sentia e talvez estivesse sendo bom para ele também, uma vez que nunca o vira tão para baixo como estava. Eu repetia que logo estaria de volta e era como se eu estivesse realmente sendo compreendida.
- Você está tão triste quanto eu, certo? – eu perguntava e sentia a pata de Dutch arranhar o meu braço – mas ele vai voltar, está bem? Ele vai voltar logo...

-x-

Mesmo com muitos pensamentos ruins, eu tinha bons sonhos com .

Silencioso, ele sorria quando se aproximava de mim carregando seu caderno de desenhos. As folhas eram postas no chão liso e de madeira, uma ao lado da outra. Eu estava sentada numa cadeira simples e segurava uma rosa vermelha nas mãos, talvez a única coisa colorida em toda a cena. Distraída com a movimentação de meu primo, um dos espinhos acabava por me machucar e um fio exagerado e brilhante escorria por meu dedo indicador enquanto eu o fitava de forma assustada. de repente estava ao meu lado e erguia minha mão para curar meu ferimento, sorrindo enquanto a ardência passeava da ponta de meu dedo até meu pulso, seguindo por meu braço até cessar em meu ombro, no mesmo instante em que seus lábios pousavam sobre o mesmo. Meu primo seguia com os beijos, subindo-os por meu pescoço, serpenteando até encontrar a minha boca, na qual depositava com todo o carinho o selo final dessa brincadeira repentina. Ainda próximo, ele chamava por meu nome, repetindo-o como se fosse a palavra mais bonita do mundo. Como se eu fosse a pessoa mais importante da face da Terra.
Suas mãos me erguiam e me guiavam, uma em minha cintura, outra com os dedos entrelaçados aos meus, enquanto dávamos passos diante dos desenhos, como se fossem molduras numa parede de museu. Os rostos e sorrisos, os corpos e formas, paisagens e letras que pareciam contar uma história.
A nossa história.
Era como subir e descer as escadas de casa várias e várias vezes, dando de cara com os retratos e com as lembranças acumuladas em todos aqueles anos. A diferença estava no grafite e no papel branco, sempre tão reais, sempre tão sutis. No último desenho, desenhara a casa em Gwangju, a fachada perfeitamente representada como se tivesse sido tirada dos arquivos do arquiteto responsável pelo projeto. O lugar onde ele criara suas raízes e onde encontrara a sua família.
O lugar onde nós havíamos nos conhecido.
- – eu o chamava e ele apenas colava seu corpo ao meu, a boca roçando na ponta de minha orelha, as duas mãos agora me segurando como se eu fosse fugir – ?
- Saranghaeyo...

Antes de abrir os olhos, meus braços apertaram o cobertor contra meu corpo e eu fingi que estava realmente ali, criando a falsa sensação de que o ouviria dizer bom dia e de que receberia um beijo de lábios cerrados porque tínhamos acabado de acordar. Mas eu estava só e era impossível não fitar os desenhos sobre a mesa quando eu me levantava e caminhava em direção ao banheiro. Também era impossível não parar em frente à porta de seu quarto quando eu pretendia descer para a cozinha para verificar a origem dos sons que eu estava ouvindo. Ela estava fechada há três dias e eu não tivera coragem de entrar.

Fiquei surpresa quando, sentada numa cadeira, Inny Fong conversava com meu irmão que se servia de um pacote de salgadinhos. Ele estava apenas apoiado com os cotovelos sobre o balcão de mármore e sorria por alguma coisa que ela havia dito. Ao me ver, a expressão de ambos não mudou e eu agradeci mentalmente por não estarem demonstrando sentir pena por mim. estendeu o pacote para mim e eu neguei, pois acabara de acordar e estava sem um pingo de fome. Puxei uma cadeira e me sentei, olhando para fora e encontrando Dutch andando de um lado para o outro no jardim molhado. O guarda-chuva da senhora Fong descansava num canto próximo do exterior da porta e ela parecia ter chegado há um bom tempo.
- Como você está? – ela perguntou com sua voz serena – sua mãe me contou sobre ...
- É estranho, mas eu estou bem – respondi, olhando rapidamente para meu irmão. Ele também notara que o clima estava mais calmo do que imaginávamos que seria e eu estava chorando bem menos.
- Isso é bom – ela disse – eu soube sobre a proibição das visitas no hospital, então eu vim ver você aqui...
- Ah, já permitiram que eu entrasse para vê-lo – eu falei e ela sorriu – fiquei com medo de não poder ficar ao lado dele uma vez que disseram querer descobrir o que havia acontecido primeiro...
- Certamente, eles nunca saberão – senhora Fong disse e arregalou os olhos ao ouvi-la.
- Ela sabe sobre essa coisa de curar os outros – eu expliquei, mas meu irmão continuou com sua expressão de surpresa, talvez imaginando por que eu havia contado isso àquela mulher e não à nossa mãe. Como Inny não mencionou o marido dela, eu também não aprofundei o assunto.
Nós falamos mais um pouco sobre minha permanência no hospital e ela me recomendou ler para meu primo, pois assim o tempo passaria mais depressa e talvez fosse bom para ele ouvir a minha voz com mais frequência. “Posso apostar que você fica em silêncio a maior parte do tempo quando fica naquele quarto de hospital. Isso não é bom, faz você sentir vontade de chorar”. Ela estava certa. Também conversamos sobre o mau tempo e interrompeu dizendo que o preferia assim. “Tenho vontade de ficar o dia inteiro sob as cobertas”. Ele também estava certo. Mesmo ansiosa para que a tarde viesse depressa, a visita estava sendo tão adorável como Inny talvez planejasse. Nós estávamos até mesmo rindo de alguns comentários de meu irmão quando o telefone tocou e ele correu para atender. Escutou atentamente e, ao desligar, seu olhar veio de encontro com o meu.
- Parece que as coisas começaram a mudar – ele disse de repente – acordou.

-x-

Mesmo com a aparente e repentina melhora, não fora permitido que eu entrasse e conversasse com como ele mesmo havia solicitado aos médicos. Minha mãe pedira que eu entendesse que medidas ainda precisavam ser tomadas e que em breve eu poderia passar o tempo que quisesse perto dele, mas precisava ficar em observação. Com isso, adentrei o quarto de e, arrastando a cadeira para perto da cama, sentei-me descansando um livro sobre o meu colo. Não um livro qualquer, mas aquele com o qual eu o havia presenteado em seu primeiro dia em Cheonan. Eu o havia encontrado sobre a mesa, ao lado do celular e do caderno de desenhos, quando finalmente colocava meus pés para dentro do quarto de meu primo. havia dito que me acompanharia até o hospital e mandou mensagens para , certamente combinando um encontro, enquanto eu expliquei que precisava me aprontar antes de sairmos de casa. Inny pegou carona no táxi até sua casa e nos desejou sorte. Eu apenas segurei o livro com força, torcendo para que a ideia dela pudesse me ajudar a não me sentir tão derrotada.
Ao abrir na primeira página, a assinatura de minha tia me trazia a lembrança do dia em que eu ganhara aquele exemplar. E eu o lera apenas uma vez, a história sendo apenas uma recordação embaçada em minha mente: um homem nutrindo a saudade pela mulher que ele teve apenas uma vez e que jamais teria a chance de rever, a menos que encontrasse com a morte primeiro. Soava tão triste, mas na verdade era apenas uma história muito bonita, cujas palavras ficavam guardadas por semanas em sua mente. Achei que não saberia o enredo, mas estava enganada: logo nas primeiras palavras, tudo ficou muito claro para mim.
- Pernas cobertas por tecido escuro, camisa fechada por botões e adornos enegrecidos, até mesmo os cabelos tinham o mesmo tom da cortina noturna que lhe cobria o céu. Ele dançava alçando as mãos, num ritmo que era produzido apenas dentro de sua mente. Ele dançava para ela – eu li e parei, imaginando se tais palavras teriam sido produzidas num tempo similar com o qual elas eram lidas. Fitei por um momento, sentindo-me bem por estar lhe trazendo as palavras de sua mãe adotiva, a mulher que cuidara dele com o amor que ele merecia, e continuei a leitura – Solitário em meio às cadeiras antigas que seus clientes lhe mandavam restaurar, cobrindo o rosto com o chapéu branco e paletó amarelado pelo tempo, a música apenas aumentava e os acordes eram como destroços de um prédio demolido penetrando em cada centímetro de seu corpo. Era como ele se sentia quando tinha o que as pessoas chamavam de saudade...

Avançara algumas páginas naquela tarde, mesmo minha leitura sendo vagarosa. Vez ou outra, eu parava apenas para verificar se não estava sangrando ou se movendo. Esperava que ele acordasse, mas não fora surpresa ele continuar inconsciente. Quando minha mãe entrou no quarto para me chamar, a despedida mais uma vez rebaixou a esperança que eu sentia quando chegava, porque meu primo não apresentara melhora alguma enquanto eu estava com ele. Beijei-o na testa e saí cabisbaixa.
- Tive uma conversa com o médico responsável por – minha mãe disse de repente – disse que ele estava insistindo pela sua visita e consegui que você entrasse por alguns minutos...
- Mãe, como assim? – eu perguntei e ela indicou o quarto ao lado.
- está esperando – ela respondeu e completou – quinze minutos, está bem? Tenho certeza de que meu colega vai aparecer para verificar...
Sorri de seu comentário, afinal ela estava fazendo aquilo contra a vontade de algum dos outros médicos, e agradeci, rumando para a porta indicada. Entrei sozinha e estava deitado, com apenas o fio de soro preso ao seu braço. Não estava tão pálido quanto e não sorria, mas seus olhos me diziam que estava feliz por finalmente poder me ver.
- Eles me deram quinze minutos – eu comecei a explicar e ele balançou a cabeça uma vez, compreendendo – como você está?
- , eu não sei como dizer isso a você – ele falou e sua voz mostrava-me claramente a incerteza que tinha em se abrir – eu estou ótimo, eu realmente me sinto muito, muito bem... É como se toda a dor que eu sentia tivesse se dissipado milagrosamente...
Mordi o lábio, contente por saber que ao menos parte do plano de dera certo. certamente estava fora de perigo, apenas precisava recuperar-se do espanto criado com essa repentina melhora.
- E foi , , foi ele – disse de repente, talvez achando que eu não soubesse de nada – eu não sei como isso é possível, você não vai acreditar em mim, mas o seu primo... Ele me curou...
Meu pensamento dividiu-se entre fingir que eu o achava um louco por dizer um absurdo daqueles ou revelar que sim, realmente podia fazer esse tipo de coisa. Porém, pesando todas as coisas omitidas até então, ficara claro que eu não deveria esconder dele esse pequeno detalhe.
- , você logo vai sair desse quarto e nós vamos poder conversar melhor – eu disse – eu não tenho muito tempo aqui, mas eu sei o que fez. Quero dizer, não sei como ou por que ele pode curar as pessoas, mas sei que ele planejava fazer isso por você... Por mim...
- Então é verdade? – ele indagou repentinamente – quando ele me disse que eu não precisaria mais me preocupar?
- É – eu respondi, sentindo meu rosto começar a queimar – olha, não podemos falar sobre isso agora, está bem? Alguém pode nos ouvir... Eu... Eu prometo que eu vou explicar tudo, eu prometo que a gente vai sentar e conversar e...
- – ele interrompeu minha tagarelice – eu tentei impedi-lo. Principalmente quando ele me contou sobre vocês, eu tentei pará-lo...
E então eu não soube mais o que dizer. Era óbvio que havia revelado o que sentia, qual seria a sua desculpa para estar usando o seu poder de cura em alguém com quem ele não tinha os mínimos laços de amizade? só não merecia saber a novidade dessa forma.
- Eu sinto muito – ele disse e ouvimos batidas leves na porta, o que indicava que eu deveria sair. Pelo visto os quinze minutos tiveram de ser severamente reduzidos – eu não... Não quero que você me odeie.
- E por que eu faria isso? – eu quis saber, mas entendia o que ele estava sentindo – a única pessoa que merece ser odiada aqui sou eu... Me desculpe por não ter contado...
- Essa mania de não querer piorar as coisas – ele disse, como se lesse meus pensamentos – não parece, mas estou aliviado.
- , eu não sei o que dizer...
- Só... Volte pra me ver – ele pediu e eu concordei – Volte pra que a gente possa entender isso tudo juntos. Por favor.
(Betada por:Gabriella)



Capítulo 20

Não sabia ao certo o porquê de ter acordado tão cedo naquela manhã. Simplesmente não conseguira pregar os olhos novamente, depois de ter acordado para ir ao banheiro. Então, venci a preguiça e me vestira, descendo para comer alguma coisa. Dutch estava deitado no tapete da sala, e veio até mim ao notar que eu estava fazendo barulho na cozinha. Nós dividimos um lanche qualquer e eu fui até a sala de estar, jogando-me no sofá em que dormi. O cão sentou-se do meu lado, colocando a pata sobre um de meus braços.
- O que você quer? – perguntei e, como se entendesse, ele correu até a porta da cozinha e olhou para fora. Estava frio, mas o cachorro estava acostumado a passar o dia no jardim, brincando com as suas coisas e esperando companhia para tais atividades. Com no hospital, ele certamente sentia-se sozinho. – Passear?
Agitando o rabo no ar, era como se concordasse. Levantei-me, abrindo a porta para vê-lo correr para o lado de fora. Ele queria apenas se sentir livre por um instante, logo retornando e tocando meu joelho com o focinho, como se agradecesse.
- Sua casinha já está seca de novo. – eu disse e apontei. A chuva não mais invadira a área coberta pela marquise. Dutch cheirou toda a área e pareceu ter gostado de voltar para o seu cantinho. Deitou-se em um dos travesseiros novos que minha mãe havia comprado para ele, e tratei de repor sua água e o pote de ração. Feito isto, avisei que subiria para meu quarto e fiz carinho em sua cabeça coberta de pelo branco. Subi as escadas, porém meu destino era, na verdade, o quarto do meu primo. Quando retornava do hospital, deixava o livro escrito por minha tia sobre a cama de meu primo, apenas como uma desculpa para adentrar aquele cômodo da casa e obter lembranças. Ao abrir a porta, tive que ligar as luzes, pois as cortinas estavam fechadas. Dei passos curtos até a cama, e meus olhos correram para a mesinha no outro canto, mais exatamente para o caderno de desenhos. Meus pés me guiaram até lá e eu puxei a cadeira, sentando-me nela. Apoiei os pulsos na mesa e fitei o caderno por um tempo, até criar coragem para abri-lo.
Era engraçado como, instantaneamente, eu me recordara do primeiro dia em que havia visto os seus traços. Quando havia descido para verificar do que se tratava a euforia de Dutch e eu, mesmo sem permissão, folheara as páginas de seu caderno e me surpreendera com o dom que ele tinha em transformar riscos em formas, manchas em sombra... Ele captava os detalhes com uma precisão impressionante. Recordei-me da surpresa em ver um retrato meu em meio aos desenhos, depois outro e outro... A conversa com meu melhor amigo e a resposta que ele dera quando perguntara sobre o que ele gostava de esboçar. “Tudo o que não sai da minha mente”, ele dissera e, quando eu decidira contar a verdade sobre ter visto o seu caderno, o garoto explicara que, desde que havia se mudado para Cheonan, sentia vontade de me desenhar. “Você é mesmo linda”, falou, posicionando as mãos em minha cintura para me beijar pela primeira vez, guiando-me, até que meu corpo encontrasse com a parede, permitindo-me sentir seu corpo contra o meu, encurralando-me. Uma cena que eu sabia que fora bonita, mesmo tendo-a vivido de olhos fechados.
Era incrível como, de repente, ele havia se tornado alguém tão constante e importante em minha vida, através dos gestos, do toque de nossas mãos quando ainda pensávamos que não deveríamos ter nada um com outro; dos dias passados juntos brincando e passeando com Dutch, usando isso como desculpa para que nos conhecêssemos, para nos aproximássemos ainda mais.
Meu primo me beijara pela segunda vez no mesmo dia em que eu o vira livrar meu irmão da falta de ar absurda, que poderia tê-lo tirado de mim. Dividira seu segredo conosco, acreditando que nada estava errado. Ele me assustara, entretanto, fizera com que meu susto se transformasse em apoio.
Lembrei-me de quando havia gritado com ele, ao terminar com , e certamente não sabia se eu o estava culpando por isso ou não. Porém, quando pedi desculpas, ele insistiu que estava preocupado comigo. “Pode curar esse tipo de ferida também?”, eu havia perguntado e, mesmo esclarecendo que seu poder era apenas físico, a minha conclusão era que sim. Ele havia me ajudado como podia: pedindo por meus sorrisos, cuidando de mim o tempo todo, inclusive em nossa viagem à Gwangju.
Os desenhos que ele tinha daquela casa eram os mesmos que apareciam em meus sonhos. Havia desenhos da paisagem vista pela janela de meu quarto e do quarto onde ele estava, da cozinha e da sala de estar. Havia palavras rabiscadas em algumas folhas, coisas como “sinto medo de perder as pessoas” e outras confissões que remetiam imediatamente à minha tia e ao meu avô. Meu primo sentira tanto a perda dos dois, que nós evitávamos falar neles, como evitávamos falar de meu pai. Já sabíamos o bastante um do outro para entender os sentimentos fortalecidos durante aqueles anos.
Algumas das páginas do caderno estavam em branco, muitas delas marcadas por traços mais fortes feitos nas folhas anteriores. A última folha, porém, continha o seu nome e um recado que, de certo, havia sido escrito para o caso de eu estar ali: , como eu dissera a mim mesma, havia pensando em tudo antes de me deixar e encontrar no hospital. Pensara até mesmo nas atitudes que eu tomaria para tentar diminuir a falta que ele estava fazendo para mim.

Eu te amo, e tudo vai ficar bem se você souber disso; se acreditar que as minhas promessas serão cumpridas. Eu te amo e quero que você me ame para sempre. Queria ter escrito isso em outro lugar, mas sei que vai encontrar esse meu pedido. Desculpe-me por fazê-la acordar sozinha.”

Pensei em fechar o caderno, entretanto, ao invés disso, peguei uma de suas canetas e abri aspas abaixo de seu recado, escrevendo o que seria a minha resposta.

Saiba que houve um momento em que eu te odiei com todas as minhas forças, e foi quando você me fez abrir os olhos para o silêncio da casa, para o vazio na minha cama. Eu te odiei porque você havia dito que estaria comigo, e te odiei quando te vi deitado naquela cama de hospital, sem que eu pudesse fazer nada para reverter tal situação. Eu te odeio, , por não estar aqui agora e por esse recado estúpido que eu poderia nunca ter encontrado. Por que você me conhece tão bem? Por que sabe que eu iria folhear os seus desenhos, a procura de algo que me fizesse esquecer que posso perder você a qualquer minuto? Por que, ? Por que você não está aqui?

As últimas frases foram escritas com força, marcando o papel. Eu escreveria um livro de porquês, contudo, já era o suficiente. Um espaço sobrara no fim da folha e, um pouco mais calma, voltei a gravar as minhas palavras nela.

Por favor, acorde. Acorde, porque eu te amo.”.

Largando a caneta sobre a mesa, não me dei ao trabalho de fechar o caderno. Seria a primeira coisa que veria quando voltasse para casa. Porque ele voltaria.

Dutch estava agitado quando desci as escadas e o vi do lado de fora, arranhando o vidro da porta. Logo minha mãe e meu irmão estariam em casa, e eu ainda precisava adiantar algo para o almoço. Curiosa, saí por um instante, vendo o cachorro correr para o centro do gramado, latindo como se me chamasse e me pedisse para segui-lo. Uma garoa fina começava a cair e eu gritei para que ele voltasse, todavia, não adiantou: o cão, de repente, correu para mais longe, deixando-me preocupada.
- Está tentando fugir? – indaguei, seguindo-o por alguns metros. Ele estava tão acostumado conosco que não nos dava trabalho por nunca sair das nossas vistas, e sabia melhor do que ninguém que o terreno ao fundo do jardim era perigoso, pois fora lá que ele havia se machucado quando aparecera pela primeira vez. – Dutch!
Ele andava depressa como se procurasse por algo, e eu o estava seguindo, sem perceber que estava me afastando de casa. O solo já era diferente àquela altura, liso, por conta da garoa. As pedras eram maiores e a quantidade delas dobrava a cada passo, emitindo um barulho ao ter contato com a sola dos meus tênis. O animal parecia não se importar, seguindo em frente com o focinho baixo, pisando sem cuidado na terra e em algumas pedras cobertas por musgo.
- Dutch, volte aqui! – eu gritei mais uma vez e parei, esperando que ele ao menos olhasse para mim. O cachorro andou mais um metro e parou, choramingando. – Não tem razão pra gente andar por aqui, é perigoso! Ele olhou para mim e começou a andar de volta lentamente. Quando estava do meu lado, me virei e percebi que a garoa estava aumentando. Tomei cuidado para não escorregar nas pedras e, ainda assim, meu azar de repente resolvera me fazer companhia: uma das pedras estava solta e, devido ao seu tamanho, acabei me desequilibrando. Na hora, tentei procurar algo em que pudesse me escorar, porém, não havia nada ao meu redor e as árvores mais próximas estavam fora de meu alcance. Eu dei um grito pelo susto, e caí com os joelhos e as mãos no chão, deslizando por alguns centímetros por conta do desnível até então inútil para mim. Dutch afastou-se com o barulho, mas voltou a se aproximar quando eu, finalmente, consegui deter meu corpo de quedar ainda mais. Comecei a sentir dor, e ergui minhas mãos, para ver em que situação elas se encontravam. Eu estava sangrando e havia cortes nas palmas, certamente causadas pelas pedras pontudas do chão. Fora sorte estar usando uma calça grossa, o que protegeu a pele de meus joelhos, entretanto, infelizmente não fora suficiente para evitar a dor da batida.
Resmunguei de dor e o cão começou a latir alto, como se pedisse por ajuda. Tive que usar minhas mãos para criar impulso e me levantar dali, sentindo minha perna latejar. Eu tinha caído da pior maneira, e não sabia exatamente como havia conseguido aquele feito.
- ? – escutei ao longe, e reconheci a voz como sendo de meu irmão. Dutch ainda latia, e eu elevei minha voz para que ele pudesse me localizar. – Ah, caramba, ! Eu o vi parado um pouco distante, e, em seguida, vi rumando em minha direção. Ele fora tão rápido que, quando me dera conta, eu já estava sendo carregada. Pedia para que ele me pusesse no chão, pois aquela queda não havia sido digna de uma cena tão exagerada. Ainda assim, ele insistiu e acabou me levando para dentro de casa, deixando-me sentada no sofá da sala, enquanto meu irmão aparecia com a caixa de curativos, não utilizada há muito tempo.
- Mas o que é que você estava fazendo? – perguntou, tirando um pedaço grande de algodão e molhando-o no álcool, para pressioná-lo em uma de minhas mãos. Meus olhos ficaram marejados de imediato.
- Dutch correu para lá. – eu disse, tentando não gritar de dor. – Eu fui atrás dele, porque achei que estava fugindo...
- Se Dutch quisesse fugir, ele o faria usando a saída para a rua. – meu irmão me bronqueou e ele estava certo em ficar bravo. – Se bem que seria pior, um carro poderia ter te atropelado.
Rolei os olhos com a brincadeira, contudo, os espremi novamente quando ele resolveu entregar outro pedaço grande de algodão à , que repetiu o procedimento de limpeza do ferimento em minha outra mão. Ao contrário de , o garoto soprou minha mão algumas vezes, tentando amenizar a ardência. - Machucou os joelhos também? – meu irmão quis saber e eu neguei, dizendo que só os tinha batido, por isso doíam um pouco – Que bom que voltamos cedo para casa...
- Acha que eu não ia conseguir voltar? – Indaguei. – Foi só uma queda, .
- Você está sangrando. – Retrucou. – Isso não é legal.
Se não estivesse ali, certamente nós começaríamos uma daquelas discussões normais entre irmãos. Não quis mostrar nosso lado infantil ao “amigo”, então comecei a rir.
- Obrigada, meninos. – Agradeci, ainda fazendo careta. – Por favor, terminem isso depressa.

-x-

Não adiantou dizer a minha mãe que eu estava bem. Quando me levou ao hospital, fui obrigada a acompanhá-la, para que trocasse o curativo feito por meu irmão e seu “amigo”, e avaliasse o estado dos meus joelhos. Não fora nada de mais, como eu havia dito, entretanto, ela ficou mais calma apenas quando constatou isso por si mesma. Ao me liberar, avisou que eu poderia ir direto ao quarto de , pois havia recebido alta naquela manhã e tinha ido para casa com a mãe.
Perguntei a ela o que tinha acontecido para que os médicos tomassem aquela decisão e ela respondera que os exames dele não mais indicavam doença alguma, o que foi chamado de “verdadeiro milagre” por todos. Completara dizendo que meu ex-namorado ainda voltaria para outros exames, mas que estava livre da pressão e da solidão do quarto de hospital, podendo voltar para o aconchego de sua casa, o que o ajudaria ainda mais.
Eu estava realmente feliz com a notícia, porém me dei conta de que estava triste também, por dois motivos: por não ter ligado ou esperado por mim e por ainda estar inconsciente.
Depois de me sentar ao lado da cama de meu primo, como me acostumara a fazer em todas as tardes passadas naquele quarto, tive receio de tocá-lo. Minhas mãos estavam cobertas por curativos e, ainda assim, imaginei se os ferimentos reagiriam ao entrar em contato com ele. Não queria que seu dom fosse ativado ou coisa do tipo, podendo deixá-lo ainda mais fraco e, como não sabia se isso era possível ou não, decidi não arriscar. Apenas peguei o livro que trouxera comigo e o abri na parte em que havia parado, tendo certa dificuldade em virar as páginas e lendo em voz alta os jogos de palavras que minha tia havia composto.

-x-

Já estava quase na hora de ir embora, quando minha mãe bateu na porta do quarto e me fez perguntar mentalmente a razão por ela estar me chamando tão cedo. Quinze minutos eram preciosos quando se tratava de ficar perto de e eu me sentia mal quando me roubavam esse pequeno tempo.
- Posso ficar só mais um pouco, mãe? – eu pedi, porém, ela sorriu, negando.
- Tem uma pessoa que quer te ver.
Dito isto, fui obrigada a segui-la até sua sala, para encontrar um cabisbaixo, sentado no sofá branco. Minha mãe disse que nos deixaria sozinhos para conversar, como ele havia pedido, e fechou a porta.
- Oi. – cumprimentou, indicando o lugar ao seu lado. Respirei fundo antes de me sentar, incerta sobre como me comportar. Ele olhou diretamente para as minhas mãos. – O que aconteceu?
- Eu caí no jardim. – respondi, soando totalmente estúpida. – De joelhos e com as mãos no chão... Doeu um bocado.
- Mas está tudo bem? – ele parecia preocupado e eu disse que sim, estava tudo bem.
Desde a última vez em que o vira, sentia medo de trocar palavras com ele, entretanto, aquela era uma conversa que nós deveríamos mesmo ter.
começou pedindo desculpas mais uma vez por ter omitido sua doença e por ter terminado comigo por uma bobagem. Repetira sobre como ficara surpreso com o dom de e dissera que não contaria, nunca, a ninguém. Também dissera que entendia meus motivos para ter escondido dele o meu namoro com meu primo, uma vez que nossos argumentos eram parecidos: por desejarmos apenas proteger um ao outro.
- Faz tempo? – ele perguntou, referindo-se ao meu relacionamento com .
Eu neguei com um aceno de cabeça.
- Depois do seu telefonema, quando nós terminamos... – Eu contei. –... Nós percebemos que tinha alguma coisa... Alguma coisa diferente... - Vocês foram juntos para Gwangju, certo? – Indagou. – Talvez tivesse sido diferente se eu tivesse contado a verdade...
- – Chamei, com certo medo daquela conversa. – Não sei o que você pensou sobre tudo isso, mas eu queria ter contado sobre meu relacionamento, queria ter dito o que eu estava sentindo. Contudo, quando você me pediu aquele beijo... Eu não consegui, entende? Eu iria destruir as lembranças boas que você guardava de nós dois...
- Claro que iria. – Admitiu tristonho. – Quando seu primo apareceu naquela noite, eu nem conseguia respirar direito... Ele me pediu pra cuidar de você...
- Ele... Ele pediu isso? – perguntei, sentindo um nó na garganta. O garoto concordou.
- Disse que tudo ficaria bem, porém, eu nunca deveria deixar de cuidar de você.
Significava que tinha consciência e receio do que poderia acontecer com ele. Significava que ele estava esperando ter o mesmo fim que o Senhor Fong teve quando salvou Inny, o amor de sua vida.
- , você sabe por que ele me pediu isso, certo? – meu ex-namorado perguntou, mas não, eu não sabia. – Porque ele sabia que eu jamais me afastaria de você se não estivesse doente.
não quis complementar sua fala, todavia, seus olhos me diziam que havia mais um motivo: meu primo lhe fizera aquele pedido, porque sabia o que eu ainda sentia, sabia que eu ainda amava o rapaz a minha frente, e que estava preocupada com o estado de saúde dele. Imaginava que ele havia interferido em minha vida e que poderia devolver-me parte dela como era antes.
Mas as mudanças já faziam parte de mim e seria impossível reverter qualquer situação.
- Você o ama, não é? – perguntou. Eu não tive coragem para responder depressa, então ele elevou uma de suas mãos e tocou o meu rosto. – Você ainda me ama?
Pensei em pedir para que ele parasse, entretanto, as palavras não queriam sair. Puxei a mão dele para baixo e movi a cabeça lentamente para lhe dar um aceno positivo. Eu o amaria para sempre, porém de uma forma diferente.
- Eu também. – Falou. – E é por isso que eu acho que devemos fazer as coisas da forma correta dessa vez.
Não estava entendendo o que ele queria dizer com aquilo, então esperei até que continuasse.
- Nós não vamos ficar juntos, . – Ele disse, me surpreendendo. – Não vamos, porque logo vai acordar, e o que fez por mim só demonstra o quanto ele é apaixonado por você.
- Como assim?
- Ele me salvou devido ao que você sente por mim, mas, acima disso, ele me curou pelo que vocês sentem um pelo outro. – explicou claramente, controlando sua vontade de chorar, o que não era tão fácil para mim. – Não foi justo terminar nosso namoro daquele jeito, não foi justo te fazer sofrer daquela maneira... Então, vamos fazer isso certo agora...
Segurando minhas duas mãos entre seus dedos longos, olhou no fundo de meus olhos e se aproximou, encostando sua testa na minha. Podia senti-lo tremendo, criando a sensação de que ainda estávamos juntos como antes. Como no dia em que ele se confessou pela primeira vez e segurou minhas mãos daquele mesmo jeito, porém, com um sorriso no rosto.
- Eu te amo. – sussurrou, movendo seus dedos contra os meus e inclinando o rosto para roubar um beijo calmo de meus lábios. Fechei meus olhos, me perdendo em meio àqueles sentimentos, em meio ao tempo. O garoto pressionou meus lábios com um pouco mais de força, como se registrasse cada movimento, e agora eu também tremia.
Quando ele se afastou, abri meus olhos para encontrar os do menino a quem eu devia muitas explicações, contudo, que dispensava todas elas porque simplesmente acreditava que tinha de ser assim.
- Você vai sempre ser a responsável pelos melhores momentos da minha vida. – confessou, deslizando a ponta de seus dedos nos meus. – Mas é aqui que nosso relacionamento termina. Você me fez tão bem durante tanto tempo... Espero que guarde boas lembranças de mim também.
- Eu te amo, . – disse, deixando que minhas lágrimas caíssem. – Isso... Nunca vai mudar...
- Eu sei.
O abraço seria repetido inúmeras vezes no futuro, todavia, aquele beijo não. O último beijo que marcava a nossa decisão em seguir em frente. O último beijo que nos marcaria para sempre. Tive vontade de agradecer por ele estar sendo tão compreensivo e especial, entretanto, sua última fala fez com que minha voz desaparecesse de vez:
- logo vai voltar para você.




Capítulo 21

Deitada no sofá, eu acariciava os pequenos cortes em minhas mãos, vez ou outra desviando o olhar para um Dutch, sentado quietamente na porta da cozinha e fitando-me como se me pedisse desculpas por aquele estrago. Meus joelhos não doíam mais, e tudo pareceu apenas uma grande trapalhada minha, afinal, nosso cachorro deveria conhecer o jardim e o que havia além dele muito melhor do que qualquer outro naquela casa.
— Mamãe está atrasada hoje. — apareceu de repente, sentando-se no outro sofá. Sua observação não me parecia nada boa e eu esperava que o telefone não tocasse tão cedo, pois notícias ruins eram distribuídas toda vez que o som dele ecoava pela casa. — Está melhor?
Meu irmão me perguntava isso todos os dias, porém, naquele começo de tarde, eu estava realmente me sentindo diferente.
— Finalmente o mau tempo deu uma trégua — respondi. Ele inconscientemente olhou pela janela. — Eu sei que você prefere quando está nublado, mas...
— A gente precisa do sol, às vezes — completou rindo e esticando-se para pegar o controle remoto sobre a mesa. Ligou a televisão, começando a mudar os canais a procura de algo interessante para assistir. — andou perguntando de você também...
— Ah, é? E como vocês estão? — Incerta, quase me levantei, pensando em uma maneira de mudar de assunto ao deixar escapar a pergunta, contudo, meu irmão soltou mais um riso, indicando que eu não deveria me preocupar com isso.
— A gente brigou, mas agora está tudo bem — ele respondeu, dando de ombros. — É o tipo de coisa que tem que acontecer de vez em quando...
— O quê? Trocar uns socos? — brinquei, fazendo-o morder o lábio.
— É... — resmungou. — Ou qualquer outra coisa que ajude a clarear as ideias. Você sabe, quando se briga com alguém, a pessoa acaba não saindo da sua cabeça...
Imaginei se ele teria pensado sobre a nossa discussão e, de repente, soube que estava feliz por ele ter dito todas aquelas coisas a mim. Acima disso, estava feliz por meu irmão ter ficado e desistido de tentar se afastar dos problemas quando podia enfrentá-los facilmente. Encarei-o por um tempo e ele abandonou o controle remoto, indicando o lugar ao seu lado.
me mandou uma mensagem perguntando sobre você — disse quando me sentei junto a ele. — Acho que não acredita quando você diz que está tudo bem no telefone...
— E o que você respondeu? — perguntei, curiosa.
— Que podia confiar no tom da sua voz, porque já faz um tempo que você não chora.

-x-

Levara uma semana inteira para chegar às palavras finais do livro de minha tia. Fora impossível controlar as minhas lágrimas diante da história criada por ela. Enredos envolvendo a morte de um dos personagens principais, principalmente romances, sempre me deixavam triste quando meus olhos encontravam aquele ponto final.
Ainda estava com o livro sobre o colo, fechado e com a capa virada para baixo, limpando meu rosto com a manga de minha blusa, quando alguém bateu na porta com cuidado. Virei-me para ver quem era e me deparei com e seus olhos repentinamente assustados.
— O que aconteceu? — perguntou de imediato, fechando a porta atrás de si e aproximando-se, certamente referindo ao fato de eu estar chorando.
— Não é nada, foi o livro. — Eu indiquei o objeto com a cabeça e o garoto pareceu aliviado.
— Seu irmão me disse que estava tudo bem e, de repente, eu te encontro nesse estado — reclamou. — Eu tomei um susto!
— Eu percebi.
Apoiou uma das mãos no encosto da cadeira onde eu estava sentada e olhou para , como sempre fazia quando ia me ver no hospital. Meu primo continuava com a mesma expressão pálida e o corpo imóvel. Meu melhor amigo não o encarou por muito tempo, logo voltando a fitar o livro sobre as minhas pernas.
— O que tem de tão triste na história? — ele quis saber. Sorri amarelo e virei a capa para cima, deslizando a ponta dos dedos por sobre o nome de minha tia, logo abaixo do título da obra.
— O dançarino, que sente tanta saudade da mulher que ele ama, na verdade, está morto — contei, mesmo sabendo que o garoto talvez não entendesse. — E ele passou o livro todo achando que a tinha perdido no acidente...

O homem, então, se curva diante do rosto tristonho tão conhecido e relembrado; se curva diante da verdade, finalmente alcançando o sonho de ver a mulher que ele ama viva...

— Deveria ter escolhido outra coisa para ler — repreendeu, entretanto eu neguei.
— Gosto do jeito como minha tia escrevia — expliquei, fazendo-o compreender que eu estava com um livro familiar e importante nas mãos. — É triste, mas ela coloca a morte como uma coisa... Bonita.

Durante anos ele sofreu com o que sentia, sem se dar conta de que isso também a machucava. Ele não estava, de forma alguma, preso ao seu passado, porque podia tê-la o tempo inteiro ao seu lado. Podia tê-la eternamente, dançando ao som de seus murmúrios, eternamente.

— meu amigo me chamou, e as frases que pairavam em minha mente desapareceram. — Por que não damos uma volta? O clima está ótimo lá fora, tenho certeza de que não vai se importar...
Parecia ser uma boa ideia, contudo, algo me dizia que eu não deveria sair daquele quarto tão cedo.
— Prefiro ficar mais um pouco — eu disse, levantando-me e deixando o livro sobre o sofá no canto do cômodo, junto ao meu casaco.
— Posso te fazer companhia então? — ele quis saber e concordei.
— É claro que sim.
Sentamo-nos no sofá, lado a lado, e passou um dos braços sobre o meu ombro, olhando para meu rosto como se procurasse evidências de uma tristeza que, aos poucos, estava deixando de existir. Estava sendo, na verdade, substituída por uma sensação estranha de imensa esperança, pois, sempre que adentrava aquele quarto de hospital e me deparava com , algo dentro de mim repetia incansavelmente que ele abriria os olhos; que ele moveria as mãos para tocar as minhas; que ele diria o meu nome e voltaria para mim como havia dito.
— Não precisa me olhar assim — o repreendi, usando uma de minhas mãos para cutucar sua barriga. — Eu já disse que está tudo bem.
— Eu fico preocupado — disse, movendo seus dedos em meu ombro. — Você passa horas aqui dentro, lendo, esperando... Não consigo me acostumar com isso.
— Eu também não — revelei, sendo sincera. — Não vejo a hora de poder voltar para casa... Com ele.
Nós dois voltamos a olhar para e senti a mão de paralisar-se em contato com a minha pele, como se ele não estivesse nem um pouco à vontade com esse assunto repetitivo. Não podia culpá-lo por isso, certamente sentia o mesmo que eu: vontade de ajudar de alguma forma, mas sem ter nada a ser feito. Ele respirou fundo, desviando o olhar para as minhas mãos, agora tocando nelas e nos ferimentos à mostra.
— Já pedi pra você ser mais cuidadosa? — perguntou num leve tom de brincadeira.
— Hoje ainda não — respondi, o vendo sorrir.
Nós ficamos mais um tempo juntos, vez ou outra trocando algumas frases, até que ficou tarde e informou que precisava voltar para a loja. Levantou-se e me puxou para um abraço apertado, pedindo para que eu ligasse caso tivesse alguma novidade.
— Pode me ligar se não tiver novidades também — completou e rumou até a porta, deixando-me sozinha mais uma vez. Eu o acompanhei com os olhos e, quando o clique da porta soou, me virei, pronta para caminhar de volta à cadeira ao lado da cama de . Sentei-me e pensei na vontade que tinha de tocá-lo, mas o medo de feri-lo com os meus cortes, reativando o seu poder de alguma forma, voltou a me assombrar.
— Se você estivesse acordado, nós iríamos brigar por causa desses machucados, não é mesmo? — indaguei, imaginando-o tentar curar os cortes enquanto ouvia minhas reclamações para com tal ato. — Se estivesse acordado, daria uma bronca no Dutch?
Controlei a vontade de chorar por causa de tais pensamentos, como vinha fazendo há dias, e abaixei minha cabeça, apoiando-a no colchão. Fechei meus olhos e respirei fundo várias vezes. Minhas mãos, de repente incontroláveis, tremiam e eu tentava forçar a mim mesma a manter-me daquele jeito, mas fora inevitável: lentamente, meus dedos procuraram pela mão de meu primo e, ao encontrá-la, entrelaçaram-se desajeitadamente com os dedos alheios. Os cortes em contato com sua pele criavam uma sensação estranha. Não ardiam, como eu esperava que fosse acontecer, um sinal de que continuavam no mesmo estado, sem melhora alguma. Isso me aliviou e permitiu que eu segurasse o choro com mais afinco. Permaneci nessa mesma posição por alguns minutos, até ter a impressão de sentir um dos dedos de meu primo mover-se. Abri os olhos, assustada, e ergui minha cabeça, fitando sua mão junto à minha. Nada. Talvez eu estivesse ficando louca, pensei, porém, no segundo seguinte, senti o mesmo movimento.
...
Concentrada, esperei por um novo sinal e meu primo moveu sua mão, dessa vez de forma visível. Meu coração acelerou ao notar que não era uma alucinação e imediatamente voltei meus olhos ao seu rosto, à procura de algum outro sinal, mas o que encontrei não chegava próximo do que eu esperava: ele estava sangrando de novo, o fio de sangue escorrendo de seu nariz, manchando o travesseiro de capa branca. Abandonei sua mão e apertei o botão atrás da cabeceira do móvel, empurrando a cadeira de qualquer jeito para alcançar o corredor e pedir por ajuda. Acabei assustando as pessoas porque estava praticamente gritando. Voltei ao interior do quarto, chamando pelo nome de meu primo. Tentei chegar perto dele, mas fui impedida pelos braços de uma enfermeira. Ela me segurou com força, enquanto outros enfermeiros adentravam o local, pedindo para que eu me acalmasse. Entretanto, eu não podia, pois o corpo de começara a convulsionar. Assustada, tentei me desvencilhar dos braços daquela mulher, contudo, ela me arrastou para fora, aumentando o tom de voz. Ainda podia ver meu primo sendo segurado, seu corpo descontrolado sobre a cama, o sangue manchando o seu rosto, e os aparelhos soando como alarmes. Pensei que poderia, enfim, me aproximar quando a enfermeira me deixou, mas não me fora dado nem um segundo de vantagem, pois logo me senti presa por outra pessoa.
, por favor, para!
A voz de entrou em meus ouvidos e foi como se eu não pudesse mais me mover. A porta do quarto foi fechada e meu melhor amigo bateu com as costas na parede do corredor, tentando sustentar o meu peso quando meus joelhos amoleceram e minhas pernas ficaram bambas. Ele disse mais alguma coisa, mas eu não consegui entender.
Eu, certamente, não seria capaz de entender mais nada.


Quatro meses depois


As flores agora descansavam ao lado da placa com o nome de meu pai. Talvez elas fossem as últimas flores a serem deixadas ali por mim, até que eu pudesse retornar e repetir tal homenagem. Nos próximos meses, apenas as lápides de Gwangju seriam contempladas com tais arranjos.
Fiquei um tempo agradecendo por tudo o que eu havia aprendido através das mãos de meu pai. Tinha certeza de que ele estava orgulhoso de mim e que apoiava as mudanças em minha vida. Isso me dava certa confiança e permitia que eu não sofresse tanto com todas as lembranças que guardava.
— Pronta para voltar? — ouvi meu irmão perguntar, e concordei, virando o rosto para encará-lo. vinha logo atrás, sorrindo.
Nós três caminhamos até a saída do cemitério e o táxi que nos trouxera ainda nos estava esperando.
— chamei e ele me fitou. — Desculpe por fazê-lo nos acompanhar, não é o tipo ideal de encontro...
— Tudo bem. — Deu de ombros , colocando uma das mãos sobre o ombro de meu irmão. — Pode colocar a culpa no .
— Ei! — reclamou o outro, e nós rimos. então aproximou-se de mim, puxando-me para um abraço.
— Gwangju vai ser muito legal — ele disse. — Espero que você se dê muito bem por lá, de verdade.
— Obrigada — agradeci e ele se afastou timidamente. Antes disso, sussurrei por brincadeira. — Cuide do meu irmão, está bem?
riu e o garoto revirou os olhos. Entrei no táxi, deixando os dois se despedirem, pois, ao contrário de mim, ainda se encontraria todos os dias com o namorado. Disfarçadamente, eu os observei e não pude deixar de sorrir quando os dois trocaram um beijo rápido, um até logo e um olhar para lá de acolhedor. O motorista torceu o nariz com a cena, entretanto, fingi não perceber. sentou-se do meu lado. Quando o veículo partiu, nós dois acenamos para o garoto que ficara.
O celular vibrou no bolso do meu casaco, e o visor indicava uma mensagem de .

Não vou poder ir ao aeroporto amanhã para me despedir, mas sei que você vai ser muito feliz em Gwangju. Estude e alcance seus sonhos.”

Com um sorriso, estava prestes a guardar o aparelho novamente, porém ele vibrou em minha mão, indicando outra mensagem.

Vou te visitar assim que possível, para não morrer de saudade. Eu te amo.”

-x-

Dutch estava nos esperando no jardim, e pude ver a senhora Fong sentada na bancada da cozinha, conversando animadamente com a minha mãe e com . Meu melhor amigo foi o primeiro a me cumprimentar quando eu e adentramos a casa, e seu abraço apertado quase foi capaz de tirar os meus pés do chão.
— Estão preparando uma festa? — eu quis saber e ele concordou. A expressão era de alegria, mas também demonstrava certa tristeza pelo fato de eu estar me mudando para fora de Cheonan.
— Inny sugeriu que fizéssemos uma despedida — falou, apontando para os enfeites sobre a mesa. — Não acredito que você vai me deixar.
— Eu não vou te deixar — prometi, fazendo-o forçar um sorriso. — É sério, você pode vir morar comigo, se quiser. A casa do meu avô é grande o suficiente...
Eu fizera o convite antes, mas ele havia recusado, sob o argumento de não estar preparado para deixar o pai ou a cidade onde crescera. Ao contrário de mim, ele não tinha se saído tão bem nos exames dos vestibulares, o que dificultava a vontade de se aventurar em tal mudança.
não disse nada, apenas continuou com o braço envolto em minha cintura, enquanto minha mãe ria baixinho da cena. Tentei mudar o assunto.
— Vocês não deveriam se preocupar em fazer isso — eu disse, referindo-me à pequena festa. — Vou voltar sempre que puder, essa é a minha casa!
— Nós sabemos, querida — Inny Fong falou, de forma contente. — Mas é algo novo na sua vida, temos que aproveitar desde o começo.
Sorri verdadeiramente emocionada e avisei que subiria para o meu quarto para ver se não estava esquecendo-me de nada. já estava provando alguns dos quitutes encomendados, e decidiu se juntar a ele.

Mudar-me para Gwangju não fora uma decisão fácil, porém seria uma forma de me desprender das fortes recordações de Cheonan. Eu não me livraria delas de forma alguma, contudo, seria bom que elas tivessem um impacto mais ameno em minha vida. Com a aprovação nos testes e uma vaga garantida, Gwangju acabou se tornando uma excelente alternativa para a criação do meu futuro, até então totalmente incerto.
Subi as escadas devagar e não evitei parar em frente ao quarto de , fitando a porta e perguntando a mim mesma se eu deveria ou não entrar. Todos aqueles dias no hospital, todos os sustos. Um arrepio percorreu meu corpo ao me dar conta de que os meses haviam passado e a sensação nunca mudava; aquela vontade de esquecer os dias solitários e as lágrimas derramadas. Dei um passo na direção da porta, mas recuei. Talvez não fosse um bom momento.
Respirei fundo, voltando meus olhos ao chão, enquanto ainda conseguia ouvir o som das vozes no andar de baixo. Certamente, seria uma grande mudança.
— Já está pensando em desistir? — ouvi, erguendo o rosto na direção da porta do meu quarto.
— Você não deveria estar descansando? — perguntei, fazendo-o soltar um riso gostoso.
Com passos rápidos, eu o alcancei e seus braços se abriram para mim, fechando-se em torno de meu corpo, criando uma enorme sensação de proteção que eu não encontraria em mais ninguém. O cheiro de sua pele indicava que havia acabado de tomar banho, e eu me afastei ligeiramente, não sem antes depositar um beijo em seu pescoço, seguindo diretamente para seus lábios.
Beijar era mais do que sentir-me completa.
— Você demorou — ele disse quando nos separamos, e o puxei pela mão para dentro do quarto. — Fiquei com medo de querer sequestrar você.
— Acha que eu o deixaria fazer isso? — questionei, sentando-o em minha cama e postando-me ao seu lado. Ele não me deixou continuar, impulsionando o próprio corpo para me beijar mais uma vez, deslizando suas mãos por meus braços, com certeza ronqueando a si mesmo por não ter trancado a porta. Eu o impedi de continuar, pois havia gente demais na casa.
— Minha mãe estava tão preocupada sobre você viajar comigo amanhã — revelei. — Mas você não está tão fraco quanto ela pensa...
Meu primo mordeu o lábio, rindo, e segurou meu rosto entre suas mãos. As malas estavam feitas, o quarto parecia um pouco vazio. Significava que nós dois estávamos vivendo aquilo tudo juntos.
Ele fitou meus olhos com carinho e aproximou o rosto do meu.
— Vai ser divertido em Gwangju, não vai? — perguntou. Minha resposta podia não ser criativa, entretanto, não haveria outras palavras a serem ditas.
— É claro que sim, , é claro que sim.

O que é o amor?”

“Eu e você.







Epílogo

Tinha acabado de falar com pelo telefone, e estava começando a me preocupar com a demora de . Já tinha jantado e tomado banho, estudara para a aula do dia seguinte e arrumara os livros que meu primo havia deixado largados sobre a mesa da sala. Já estava quase mofando, sentada de qualquer jeito no sofá, tomando a décima xícara de chá. Eu usava um moletom folgado e uma calça jeans surrada. Era como se, de repente, estivesse morando sozinha naquela casa enorme.
Um sentimento estranho, pois mesmo quando estava ali, era cada um em um sofá lendo e fazendo os trabalhos de faculdade, ou juntos na cama no andar de cima, conversando ou namorando. Era diferente de quando ficávamos sozinhos em Cheonan, porque lá nós tínhamos a minha mãe e o meu irmão... Tínhamos a visita de e , às vezes...
Gwangju era uma ótima cidade e eu me acostumara muito bem, assim como meu primo. Eu tinha novos amigos, novas ocupações. Nós tínhamos tempo livre para sair e ficar juntos no parque, ir a shows ou simplesmente ficar em casa.
Era ótimo, contudo, muitas vezes parecia solitário.

Deixei a xícara sobre a mesinha e pensei nos poucos meses vividos ali, nas cenas do primeiro dia na casa que não era nova, mas que seria o nosso novo lar: largara as malas no chão e me arrastara para o andar superior, beijando-me e rindo comigo, porque não precisávamos mais nos preocupar em trancar a porta.
Eu fora feliz desde então; desde o dia em que meu primo me deu o maior susto de minha vida no hospital — o dia em que achei que realmente o perderia —, e seus olhos abriram-se, seus braços moveram-se e sua voz chamou por meu nome. Feliz desde o dia em que o recebera em Cheonan, e descobrira que ele pensava em mim de outra maneira, não apenas como sua prima. Desde o dia em que fomos apresentados, o dia em que ele entrou para a família.
Eu era feliz e esperava que ele também fosse. Ainda assim, algo estava faltando.
Meus olhos estavam cansados e quase adormecidos quando meu celular começou a tocar. Atendi imediatamente quando vi o nome de no visor.
— Estou chegando — avisou e suspirei aliviada.
— O que aconteceu? — eu perguntei, pois o atraso havia sido grande.
— Probleminhas com o táxi — ele respondeu e, de repente, estava rindo sozinho. — Abra a porta, tenho coisas demais pra carregar...
— Ok.
Desliguei, largando o aparelho sobre os livros na mesinha e corri para a porta da frente, destrancando-a. Um Dutch com patas sujas pulou sobre mim, me desequilibrando, porém fui rápida o bastante para me segurar no batente, sorrindo quando os olhos de pairaram sobre mim, preocupados com a recepção espelhada e inesperada do animal.
— Dutch estava com medo de subir no táxi — meu primo explicou, trazendo uma mala consigo, certamente com pertences do cachorro enviados por minha mãe. — Não sei por que, ele veio super tranquilo no avião.
— Ele estava sedado, — eu falei. — É normal ele estar um pouco assustado...
— Não parece mais assustado. — Riu e parou do meu lado, acariciando o pelo de Dutch com carinho. — Seja bem-vindo ao seu novo lar, Dutch, vamos lá, pode entrar!
O cachorro correu para a sala com focinho baixo, cheirando cada pedaço de seu novo terreno. Eu dei um passo para dentro, mas me impediu, deixando a mala no chão e segurando meu pulso.
— Ele vai ficar bem morando com a gente? — perguntei, e meu primo fingiu pensar seriamente no assunto.
— Claro, ele não vai nos deixar sentir sozinhos — respondeu, e era, de fato, uma sensação nova ali dentro. — Por que não apresentamos a casa ao novo morador?
Desviei meu olhar à Dutch, entretanto, meu primo me puxou novamente, colando seus lábios aos meus.
Realmente, não parecíamos mais solitários.
Aquela era a mudança de que precisávamos.



Fim



Nota da autora: Terminar uma fic é sempre estranho, porque parece que estou deixando alguma coisa para trás. Eu adorei escrever WIL. Ficou mais ou menos do tamanho que imaginei, por volta de vinte capítulos... Tenho que confessar que quando iniciei a escrita da fic, eu nem sabia como seria o final e resolvi não optar por algo muito dramático, porque eu ia ficar muito triste sem o priminho xD
Bom, obrigada a todos que tiveram paciência para ler e me deixem saber se gostaram ou não dessa história!
Vocês podem me mandar mensagens no twitter ou visitar meu blog.



Outras Fanfics:
Tonight Is Just One Night (EXO – Finalizadas)
When I Look To The Stars (Mcfly – Finalizadas)
15 Canções (McFly – Finalizadas)




Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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