Prólogo
viu mais uma oportunidade de cruzar a bola para o centro da área e o fez, mas já era tarde demais. Assim que o árbitro sinalizou o fim da partida com seu apito, ele caiu de joelhos na grama, exausto. Olhou em volta, assistindo aos jogadores portugueses comemorarem a classificação para a final, e não pôde evitar se sentir frustrado.
Era a primeira vez, em cinquenta e oito anos, que a Seleção participava de um dos principais torneios internacionais de futebol. Por si só, a classificação para a fase de grupos havia sido um grande feito. No entanto, era difícil lidar com a eliminação depois de uma campanha quase impecável ao longo daquela Eurocopa de 2016.
se pôs de pé para cumprimentar seus colegas e adversários cordialmente. Cristiano Ronaldo, autor de um dos dois gols que havia dado a vitória para a Seleção Portuguesa, o abraçou e disse algumas palavras de consolo. Fazia três anos que os dois, junto a Karim Benzema, formavam o trio de ataque do Real Madrid. Era um tanto estranho que eles estivessem em lados contrários, especialmente quando, pouco mais de um mês antes, haviam comemorado juntos a conquista da Champions League.
Quando Cristiano se afastou, os olhos de caíram nas arquibancadas lotadas por seus conterrâneos que haviam ido até a França apenas para prestigiar a ele e seus companheiros. Por maior que fosse sua decepção naquele momento, ela não superava o sentimento de dever cumprido. Sua consciência estava tranquila, porque ele sabia que tinha deixado a alma em campo não apenas naquela partida, mas em todas ao longo da temporada que havia sido uma das melhores de sua carreira até então, senão a melhor.
saudou a torcida junto aos outros jogadores da Seleção e se permitiu ser contagiado pela energia incrível que ela transmitia. Aquele troféu não seria deles, mas seu coração dizia que algo ainda mais especial estava por vir.
1. La Primera
Cualquiera con buena fe bien recibido es
No nos importa el color de tu piel
Pero quede claro que la camiseta blanca es
Hala Madrid - Santaflow
Enquanto observava as ruas de Madrid passarem depressa pela janela do carro em movimento, pensava sobre a volta de cento e oitenta graus que sua vida dera em apenas uma semana e mal acreditava que aquilo tudo, de fato, estava acontecendo. Sete dias antes, a treinadora do time de futebol feminino do Paris Saint-Germain estava em seu apartamento situado na capital da França, esparramada na cama com o notebook no colo, esboçando planos para a temporada que começaria dentro de algumas semanas, quando recebeu uma ligação de Zinédine Zidane.
Além de ídolo do futebol francês e técnico do Real Madrid desde o início daquele ano de 2016, Zizou era também irmão mais novo de Nourredine, pai de . Ela estranhou quando seu tio e padrinho começou a falar sobre um auxiliar técnico que pedira demissão para assumir um time da segunda divisão espanhola. Não entendia o que tinha a ver com aquilo tudo até escutar a proposta que quase a fez pisar em falso ao descer os degraus que levavam à sala de estar.
— Tenho acompanhado o trabalho incrível que você tem feito durante esses três anos treinando as meninas do PSG. Pra completar, ainda ganhou o campeonato francês duas temporadas seguidas. Acho que você é a pessoa perfeita pra ser minha nova assistente, . Topa?
— Você está brincando?
— Eu jamais brincaria com algo assim.
— Mas, tio... Uma mulher no Real Madrid? Isso vai dar certo?
— Eu quero os melhores no meu time, . Não me importa se é homem ou mulher, gordo ou magro, negro ou branco… O importante é ser competente.
— Tem certeza de que sou a pessoa mais adequada pra esse cargo?
— É claro que tenho, . Nos vemos em Madrid.
jamais conseguiria recusar um convite feito pelo responsável por ela ter se fascinado pelo futebol ainda na infância. O encanto pelo esporte era tão grande que, após se graduar em Psicologia, tomou a decisão de se especializar em Treinamento Tático e Técnico de Futebol pela Escuela Universitaria Real Madrid, dando início a uma carreira de treinadora que ela pretendia seguir pelo resto da vida. Mesmo com poucos anos de experiência, logo se firmou no futebol feminino francês, e ter a oportunidade de ingressar no futebol masculino sendo uma mulher era como viver um conto de fadas.
Mais do que seu tio, Zinédine Zidane era seu ídolo. Além de um grande jogador, o francês demonstrara ser também um grande técnico ao ganhar uma Champions League com apenas meia temporada no comando da equipe blanca. Para , trabalhar com ele não seria apenas um grande aprendizado, mas também uma honra.
não pensou muito antes de arrumar suas malas e voar para Madrid, onde morara durante os dois anos de especialização. Falava espanhol fluentemente e ficaria hospedada na casa do tio mais uma vez, portanto, não teria problemas para se readaptar à cidade. Acompanhada de Zidane, ela fora até o escritório de Florentino Pérez para assinar um contrato de dois anos que poderia ser renovado a qualquer momento. Todo o nervosismo que sentia se dissipou ao ser tão bem recebida. Ela era outra das tantas apostas ousadas do Presidente para que o Real Madrid fosse um clube pioneiro em mais um aspecto.
— Está nervosa? — Zizou perguntou, fazendo despertar de seus próprios pensamentos.
— Só um pouquinho — ela admitiu.
— Se eu não tivesse certeza de que você é capaz de fazer um bom trabalho, não teria te colocado nessa.
encarou o sorriso encorajador que ele tinha nos lábios enquanto conduzia o carro pelo portão da Ciudad Real Madrid e o retribuiu com outro antes de voltar os olhos novamente para a janela. Se deparou com uma placa de aproximadamente dois metros de altura que tinha o escudo do Real Madrid estampado e dizia “bienvenidos”. Era bom estar de volta depois de três anos, agora não mais como aprendiz, mas, sim, como profissional.
O carro foi estacionado na vaga do treinador no estacionamento do time principal e Zidane, ao desligar o automóvel, disse:
— Vamos, que temos muito trabalho pela frente.
saiu do carro com sua mochila do Real Madrid nas costas. Esperou que Enzo e Luca saíssem pelas portas traseiras e passou os braços pelos ombros deles, de forma que pudessem caminhar juntos pelo terreno do centro de treinamento.
— Vai ser interessante trabalhar com vocês durante essa pré-temporada, priminhos — disse, olhando de um para o outro com um sorriso de canto.
— Isso quer dizer que estamos ferrados? — Luca questionou, fazendo-a soltar uma gargalhada.
— Mais ou menos isso — ela brincou e, como resposta, recebeu uma careta.
Seguindo os passos do pai, os dois também jogavam futebol. Enquanto Enzo atuava como meio-campista no Real Madrid Castilla — o time de nível mais alto entre as categorias de base do clube merengue —, Luca era goleiro do Juvenil A, o time sub-19, e ambos estavam entre os onze garotos das categorias de base selecionados para participar das semanas de pré-temporada junto ao time principal. Alguns jogadores da primeira equipe do Real Madrid teriam as férias prolongadas, já que haviam participado da Eurocopa ou da Copa América com suas seleções nas semanas anteriores, então era uma ótima oportunidade para os mais jovens mostrarem à comissão técnica que estavam preparados para novos desafios.
Caminhando à frente deles, Zizou sorriu ao escutar as piadas e gargalhadas dos filhos e da sobrinha. Se tinha uma coisa que o deixava contente, era ter sua família e futebol reunidos em um combo só.
caminhava em direção à sala da comissão técnica, já um pouco familiarizada com os corredores do prédio que era como o quartel-general do time do Real Madrid. Era ali, na residência dos jogadores, que o time se reunia diariamente para treinar e ouvir atentamente às ordens do treinador ou para, simplesmente, passar um tempo juntos jogando FIFA, sinuca, ping-pong e conversa fora. Todos tinham também seu próprio quarto, onde passavam a noite nas vésperas das partidas disputadas no estádio Santiago Bernabéu. Aquele espaço de convivência era essencial para o crescimento da equipe, já que o bom relacionamento dos jogadores fora de campo os fazia ter uma atuação dentro de campo tão boa quanto.
— Esse clube anda muito bem frequentado, hein? — uma voz conhecida disse em um tom divertido, chamando a atenção de , que parou no meio do corredor e olhou para trás.
Com um sorriso brincando nos lábios, ela deixou os braços fortes de Karim Benzema a envolverem em um abraço apertado.
— Você está suado — a mulher reclamou, fazendo uma careta.
— Vai se acostumando. Isso aqui não é nada se comparado com o fedor que o vestiário fica depois de um bom dia de treino — o jogador brincou, rompendo o abraço, e riu com a expressão de nojo no rosto de . — Não acredito que você está novamente em Madrid, .
— Eu não acredito que estou novamente em Madrid — ela rebateu, sorrindo. Cruzou os braços e, presunçosamente, continuou: — E agora que sou assistente do seu treinador, chega de noitadas pra você.
Karim riu nasalmente, enquanto se lembrava da época em que costumava levá-la para boates madrilenhas.
— Vamos ver quanto tempo vai demorar pra você me chamar pra uma dessas noitadas — ele retrucou com um sorrisinho de canto, passando o braço pelos ombros de para guiá-la pelo corredor.
Os dois riram, ambos sabendo que era bem capaz de aquilo acontecer mesmo. Eles costumavam se divertir muito juntos, desde que foram apresentados por Zizou alguns anos antes, quando morava na casa do tio para fazer sua especialização e se formar como treinadora. Karim acabou se tornando um grande amigo seu, assim como Chloé, a ex-namorada dele que, agora, morava na França com a filha de dois anos que tinham.
— Ei, . Que bom que você voltou, já ia te ligar — Zidane falou assim que abriu a porta da sala e a adentrou seguida por Benzema. — Vamos reunir todos os jogadores que estão aí pra passar o roteiro da pré-temporada.
A mulher nem sequer teve tempo de responder, já que o tio terminou de dar o aviso e deixou a sala seguido por David Bettoni, Antonio Pintus e Javier Mallo, os outros membros da comissão técnica. Ela, então, os acompanhou até a sala de projeção, que, poucos minutos depois, estava com metade das cadeiras ocupadas por quase todos os jogadores que participariam daquela viagem para a América do Norte.
O taco acertou a bolinha branca, que voou pelo ar e foi parar há alguns metros de distância. sorriu com satisfação diante da tacada que acabara por aumentar ainda mais sua vantagem no jogo.
— Seu maldito — Aaron murmurou antes de se preparar para a jogada seguinte, que seria sua.
— Vai lá. Quero ver você superar essa — ele rebateu, rindo, e caminhou até o homem que, esparramado na grama, assistia aos dois amigos jogarem golfe.
Segurando o taco debaixo do braço, se abaixou para pegar uma garrafa d’água e a levou à boca. Ajeitou o boné, enquanto sentia o líquido gelado descer pela garganta e amenizar o calor daquele dia ensolarado. Quem o via ali, curtindo as férias com os amigos que cultivava desde a infância, jamais diria que ele era o mesmo que encantava o mundo inteiro fazendo belos gols pelo Real Madrid. Claro que, para isso, a pessoa precisaria viver completamente isolada do mundo, já que ali no país natal dele todos conheciam o astro do futebol que vinha ajudando a colocar a Seleção em meio às melhores da atualidade.
— Ei, — Ben chamou. Ainda com a garrafa d’água na boca, apenas murmurou qualquer coisa para dizer que ele podia prosseguir. — Está sabendo da novidade?
— Que novidade? — o jogador questionou, curioso, largando a garrafa na grama.
— O Real Madrid contratou uma mulher como nova assistente técnica. Só se fala disso na internet — ele respondeu, estendendo o celular. — Parece que ela é sobrinha do Zidane.
se esticou e pegou o aparelho da mão de Ben.
Uma reportagem estava aberta e os olhos dele automaticamente caíram na foto de uma mulher em um campo de futebol, com o cabelo preso em um rabo de cavalo e vestida com um casaco azul-marinho e vermelho, que ele imediatamente reconheceu como uniforme do Paris Saint-Germain. Leu por alto o texto que dizia que ela se chamava Zidane, que fora treinadora do time feminino do PSG e que, agora, como seu amigo dissera, passaria a vestir o uniforme do Real Madrid.
Não que o fato de a nova assistente ser mulher fosse, no final das contas, fazer muita diferença para , mas ele não podia negar que estava ligeiramente surpreso com aquela novidade. Nunca tivera um contato tão próximo com mulheres em nenhum dos clubes de futebol pelos quais passara, portanto, imaginava que ter uma presença feminina certamente seria uma experiência diferente.
Descendo a reportagem, se deparou com outra foto. Nessa, usava um vestido verde que contrastava com sua pele bronzeada, e seus fios de cabelo castanhos ondulados estavam soltos e volumosos. Posando ao lado de Zinédine e outras pessoas que ele julgou serem parentes deles, ela tinha um sorriso imenso no rosto, deixando à mostra seus dentes brancos e perfeitamente alinhados. Aquilo era apenas uma foto, mas era possível sentir o bom astral que a mulher transmitia.
— Ela é bonita pra caralho — a voz de Aaron disse, só então fazendo notar a presença do amigo ao seu lado. — Que sorte da porra você vai ter de trabalhar com uma mulher dessa, hein?
Enquanto ria baixo da admiração de Aaron e tentava disfarçar a sua própria, o jogador do Real Madrid devolveu o celular para o dono.
— Ela parece simpática — disse, fazendo o taco escorregar de debaixo do braço e o agarrou com a mão antes que ele fosse parar na grama.
— Sério, cara? Simpática? — Aaron questionou com incredulidade na voz e no rosto. — Vai dizer que você não achou ela gostosa?
— Sim, ela é muito bonita — ele rebateu, fazendo Ben gargalhar. — Você não devia falar assim, o que importa é que ela entenda de futebol e seja competente. A beleza é um mero detalhe.
— Blá blá blá competente — o outro debochou com uma voz forçadamente fina. — Quero ver você continuar tão indiferente assim quando estiver cara a cara com ela. Desde que terminou com a Emma você fica aí posando de bom moço que só pensa em trabalhar. Estou torcendo pra você ficar de quatro por essa tal de aí.
sentiu o rosto esquentar levemente e, com o taco em mãos, preferiu ignorar o amigo e se afastar para fazer a próxima tacada.
Há alguns meses ele já vinha aprendendo a conviver com toda aquela pressão que seus amigos faziam para que ele seguisse em frente, mais precisamente desde que terminara seu namoro. Não que ainda estivesse tentando superar o término, ele tinha certeza de que o que sentia por Emma ficara no passado, mas, depois de um namoro de oito anos, a verdade é que achava que havia perdido o jeito com as mulheres. Isso não era um problema para ele, já que estava na melhor fase de sua carreira como jogador, inteiramente focado no trabalho, e tinha a certeza de que, quando fosse o momento certo, apareceria uma mulher interessante em sua vida.
E seria burro demais se não soubesse que a assistente técnica do time com o qual ele tinha um contrato milionário e que, para completar, era sobrinha do treinador, definitivamente não poderia ser essa mulher.
O estômago de se revirava de ansiedade naquela manhã. Enquanto tomava banho, o desconforto sumiu conforme ela deixava pensamentos que não envolviam o Real Madrid nem a pré-temporada surgirem em sua mente, mas acabou por voltar quando ela, trajando o uniforme de assistente técnica, chegou na enorme sala de jantar da casa dos Zidane e Véronique anunciou que o jornal esportivo espanhol Marca publicara uma reportagem sobre sua contratação.
pegou o tablet que a madrinha lhe ofereceu e encarou a tela com um pouco de apreensão. Sentiu-se mais aliviada quando constatou que a reportagem começava falando sobre sua trajetória como treinadora e os títulos que conquistara no PSG, mas só até se deparar com um trecho que soava como uma clara alfinetada.
— Mas será que isso é o suficiente para ela estar entre os atuais campeões da Europa? Esperamos que esteja preparada para aguentar a pressão da torcida e mostrar que o sobrenome Zidane não tem tanto peso assim em seu sucesso — leu em voz alta e soltou um risinho irônico. — Isso é ridículo. Eles acham que o Real Madrid contrataria alguém só por ser parente do Zizou?
— Não liga pra isso, querida — Véronique disse, abanando o ar. — Pelo menos não enalteceram o fato de você ser mulher.
— Mas as pessoas estão fazendo isso, tia — respondeu em meio a um suspiro e deixou o tablet de lado. — Dei uma olhada nas redes sociais depois que a página do Facebook do Real Madrid anunciou a nova comissão técnica e vi um monte de comentários maldosos sobre o fato de eu ser mulher.
— Deixa entrar por um ouvido e sair pelo outro. Vão pegar no seu pé, principalmente agora no início, mas você tem que responder fazendo o seu trabalho, não pode deixar isso te afetar.
enfiou um pedaço de torrada na boca e se limitou a balançar a cabeça em concordância. Sabia que, se realmente queria mostrar ao mundo o quanto entendia de futebol, precisaria aguentar a pressão que seria inevitável.
— Buenos días, moças — Zizou falou, sorridente, ao passar pela porta da sala de jantar. Parecia estar de ótimo humor.
— Bom dia, meu amor — Véronique respondeu e levantou a cabeça quando o marido se aproximou para cumprimentá-la com um selinho.
— Oi, tio — falou e sorriu fraco, observando-o sentar-se na cadeira do topo da mesa.
— Que carinha é essa, ? — o homem questionou depois que se acomodou e fitou a sobrinha, logo notando seu aborrecimento.
— O pessoal do Marca insinuou que ela só foi contratada porque é sua sobrinha e, na internet, estão ironizando o fato de ela ser mulher — Véronique respondeu pela afilhada ao perceber o desânimo estampado em seu rosto.
— Relaxa, também falam isso sobre o Enzo e o Luca, que eles só estão tendo oportunidade no Real Madrid porque são meus filhos — Zidane falou e soltou uma risada debochada. — Nem eu mesmo sabia que influenciava tanto assim as decisões do clube. Devo ser muito foda.
riu enquanto colocava açúcar em seu café com leite.
— Mas isso você é mesmo.
Zizou piscou um olho, sorrindo.
— E já está na hora de se acostumarem com mulheres no futebol, né? Isso é ridículo — ele disse e checou rapidamente o relógio em seu pulso antes de servir o suco de laranja em um copo. — Cadê os garotos, hein? A gente precisa sair em quinze minutos e eles ainda não desceram pra comer.
— Vou apressá-los e aproveitar pra acordar o Théo e o Elyaz — disse Véronique, já se levantando da mesa, e subiu as escadas em busca dos quatro filhos.
Vinte minutos depois, Zizou, , Enzo e Luca estavam colocando suas bagagens no porta-malas do carro antes de se despedirem de Véronique. Devido aos minutos de atraso, Zidane acabou por dirigir rumo à Ciudad Real Madrid o mais rápido que a lei permitia e não demorou para que eles se juntassem aos outros jogadores dentro do ônibus que os levou para o Aeroporto de Madrid-Barajas, onde pegaram o avião para um voo de mais de oito horas até a primeira parada da pré-temporada: Montreal, Canadá.
O avião nada discreto do Real Madrid, decorado com os rostos dos grandes craques do time, aterrissou tranquilamente em terras canadenses. nem viu o tempo passar, já que metade do tempo estava gargalhando com as conversas divertidas dos jogadores; na outra metade, estava dormindo no ombro de Benzema. Ela podia perceber que eles policiavam as próprias palavras, especialmente os jogadores mais jovens, das categorias de base, mas, ao notarem como era o relacionamento dela com Karim, Enzo, Luca e com o próprio Zidane, começaram a relaxar e não se importar tanto assim com o fato de ela ser a única mulher presente.
Depois de desembarcar, o time foi guiado para um ônibus tão espalhafatoso quanto o avião, bastante parecido com o que eles utilizavam para se transportarem na Espanha, com o escudo do time estampado. Aquele ônibus chamava a atenção por onde passava. entrou logo depois de Benzema e se sentou ao lado dele. Já que foram dos primeiros a adentrar o ônibus, a maioria dos assentos ainda estavam vagos.
— É sério que você não vai desgrudar de mim por um segundo, ? — Karim questionou em um tom divertido, desenrolando o fio de seu headphone.
A mulher o fitou de olhos semicerrados e mostrou o dedo médio antes de se levantar e se jogar no assento da frente. Quando olhou para o lado, sorriu ao ver Mateo Kovačić a encarando com estranheza.
— Olá. Você vem sempre aqui? — brincou, fazendo o croata rir.
— Pode voltar, . Sei que você me ama — ela pôde ouvir a voz de Benzema dizer mesmo em meio ao falatório do ônibus, que se enchia cada vez mais.
— Não, obrigada. Prefiro a companhia do meu novo amigo, o Mateo.
Kovačić mostrou um sorriso cúmplice ao entender que aquilo tudo se tratava de implicância entre os dois e iniciou um assunto entre eles, perguntando se ele já havia estado no Canadá antes. Entretanto, quando James Rodríguez ocupou o lugar vago ao lado de Karim, ela desistiu de ignorar o amigo e ficou conversando com os três jogadores.
Conversa vai, conversa vem, ela descobriu que, depois que Mesut Özil foi vendido para o Arsenal, James se tornou o novo companheiro de balada de Benzema logo que chegou ao clube. O colombiano disse que ela deveria se unir a eles qualquer dia desses e garantiu que se daria muito bem com sua esposa Daniela. Tirando as zoações de Karim ao se lembrar de que a assistente técnica havia ficado com Özil em uma dessas saídas, mesmo que ela já tivesse cansado de dizer que estava bêbada e mal se lembrava da fatídica noite, a conversa que durou até que eles chegassem ao hotel foi bastante amigável.
Quando o ônibus parou, se assustou com o mar branco de pessoas que tomava a rua. Tinha consciência de que o Real Madrid era um clube popular em todo o mundo, mas, mesmo assim, se surpreendeu com a quantidade de madridistas que estavam ali para recepcioná-los em Montreal. pendurou a mochila nas costas e entrou na fila que se estendia por todo o corredor do ônibus e andava lentamente, conforme os jogadores saíam um a um.
— Sai, seu chato — ela disse quando sentiu duas mãos segurarem seus ombros e, sabendo que era Karim, os balançou com a intenção de se libertar.
— Foi mal, sei que você não gosta de lembrar do lance com o Mesut — o atacante falou próximo ao ouvido dela. — Só falo porque a aversão que você tem a ficar com jogadores de futebol é engraçada.
fez uma careta, mas não discordou. Aquilo era mesmo verdade e Benzema sabia mais do que ninguém, já que testemunhara tantas vezes ela dispensar jogadores quando os dois saíam ou viajavam juntos. Ela não queria ficar conhecida por ter pegado Fulano ou namorado Ciclano. Ser sobrinha de Zinédine Zidane já era rótulo suficiente para uma mulher que queria consolidar uma carreira no meio futebolístico.
— Talvez eu tenha ficado com um outro jogador também — ela confessou, dando uma olhadela para trás para observar a reação de Benzema. — Mas também não foi nada sério. Só uma noite.
— É sério? Eu conheço?
ignorou a pergunta e desceu a escadinha do ônibus, deixando o jogador curioso para trás. Caminhou em direção ao porta-malas do ônibus e pegou sua mala de rodinhas com um dos membros da equipe de apoio do Real Madrid. Não conseguiu entender o comentário dele sobre a bagagem ser pesada, pois a gritaria invadia seus ouvidos e ela quase não conseguia escutar seus próprios pensamentos.
Seguindo em direção à entrada do hotel, sentia os flashes dispararem e tentava manter a expressão mais simpática possível no rosto. Sabia que torcedores e jornalistas queriam fotos dos jogadores, não dela, e preferia não aparecer muito, mas também não queria passar a impressão de que era antipática. Afinal, ela tinha a simpatia de uma torcida para conquistar.
Assim que passou pela porta de vidro do hotel, um grito diferente dos demais chamou sua atenção e ela olhou para trás. Arregalou os olhos ao ver um rapaz pulando em cima de Benzema para, em seguida, ser puxado pelos seguranças. Ela nem notou que prendeu a respiração até Karim ser colocado para dentro do hotel às pressas e parar ao seu lado.
— Meu Deus, o que foi isso? — ainda chocada, ela perguntou, observando o jogador, um pouco irritado com aquele ataque repentino, ajeitar a roupa e a mochila que tinha nas costas.
No entanto, os lábios de Benzema se curvaram para cima quando ele percebeu quão engraçada deveria ter sido a cena que acabara de protagonizar.
— Bem-vinda ao Real Madrid, .
*Valdebebas: Projeto urbanístico na zona norte de Madrid. Inclui a ampliação da Institución Ferial de Madrid, a Ciudad de la Justicia de Madrid e o centro de treinamento do Real Madrid, nomeado de Ciudad Deportiva del Real Madrid (nome também encurtado para Ciudad Real Madrid). É comum que a Ciudad Real Madrid seja informalmente chamada de “Valdebebas”.
2. La Segunda
De esos que llegan una vez en la vida
Quiero tenerte aunque sea sólo un momento
Y si me dejas, tal vez todos los días
Aprender a Quererte - Morat
A segunda-feira começou cedo para o Real Madrid. Depois do café da manhã reforçado oferecido pelo hotel, o time se reuniu no ônibus e seguiu para o centro de treinamento do Impact de Montreal, clube de futebol canadense que havia cedido suas instalações para que a equipe madrilenha treinasse naquela semana de estadia na cidade. Na academia, os jogadores deram início aos trabalhos focados nos amistosos da pré-temporada, acompanhados pelo preparador físico italiano recém-contratado. Enquanto Antonio os instruía para a realização de exercícios de fortalecimento de musculatura, Zidane falava com os jornalistas na sala de coletiva de imprensa sobre os planos para os oito dias de treinamentos dobrados que se seguiriam. Pela manhã, aconteceriam treinos de condicionamento físico e, pela tarde, treinos táticos.
No campo, os dois assistentes técnicos já orientavam a equipe de apoio na organização de bolas, coletes, chuteiras, fitas musculares e todo o material que seria necessário.
— Fica tranquila, . Vai dar tudo certo.
, que posicionava barreiras que serviriam de obstáculos uma atrás da outra, olhou para David. O outro auxiliar técnico de Zizou sorria para ela, mas estava concentrado nas anotações que fazia em uma prancheta. Havia percebido seu nervosismo, pois estava extremamente quieta naquela manhã e, pelo pouco que a conhecia, já percebera quão comunicativa e extrovertida ela era.
— Eu sei, só está começando a cair a ficha que, agora, o trabalho vai começar pra valer — ela explicou e deixou os ombros caírem, se permitindo relaxar um pouco. Passou os olhos pelo campo e, ao focalizar os jornalistas e fotógrafos que se posicionavam do outro lado para registrar o treino, continuou: — Isso tudo é tão novo pra mim. É claro que meus anos no PSG me deram uma certa experiência, sei o que tenho que fazer, mas é tão estranho ter o mundo todo observando cada passo que a gente dá. Isso me deixa um pouco apreensiva. Os treinos do futebol feminino não têm nem metade dessa quantidade de jornalistas.
David continuou escrevendo no papel sobre a prancheta, definindo os exercícios que iriam compor os dois treinamentos do dia e em qual ordem os mesmos seriam realizados pelos jogadores, e se manteve em silêncio por alguns segundos.
— Sabe por que o Presidente apoiou a sua contratação? — ele questionou e , curiosa, balançou a cabeça em negação. — Quando Zizou surgiu com a ideia, a primeira coisa que o Florentino fez foi ligar para o presidente do PSG, que acabou te elogiando bastante e até disse que estava considerando a possibilidade de te transferir pra comissão técnica do time masculino. Isso o fez enxergar os pontos positivos, mas ele já estava completamente convencido a te contratar desde o momento que o Zizou disse que foi com ele que você aprendeu tudo sobre futebol.
abaixou o olhar com um sorriso nos lábios e fitou o casaco branco com o escudo do Real Madrid e detalhes em violeta e lilás, que, assim como toda a comissão técnica, ela vestia.
— E é a mais pura verdade — ela retrucou e riu baixo. — Quando eu era bem pequena e meus primos ainda não eram nascidos, meu tio me tratava quase como uma discípula.
— Pois é, ele comentou que te considera mais como filha do que como sobrinha — David disse, largando a prancheta e a caneta sobre uma caixa térmica que continha garrafas d’água. — Você e seus pais moraram em Bordeaux na época que ele jogava lá, né?
— Sim, meu pai fez questão de acompanhar o início da carreira dele de perto. Sempre foi um irmão mais velho super protetor — explicou e não conteve um sorriso ao se lembrar de como seu pai costumava pegar no pé do tio até mais do que seu avô, o pai deles. — E eu era a sobrinha com quem ele mais tinha contato, além de ser afilhada dele, então ele fazia questão de sempre ser muito atencioso comigo. Me levava pra acompanhar os treinos, jogos e tudo mais. Aprendi muito sobre futebol com ele, inclusive a parte tática, então, se eu decidi ser treinadora, com certeza ele tem tudo a ver com isso.
— É exatamente por isso que você não precisa se preocupar. Com isso aqui você pode se acostumar — o assistente falou, indicando os jornalistas com o polegar. — O Florentino sempre confiou muito no Zizou desde a época em que ele era jogador do Real Madrid e, agora que ele está se mostrando um excelente treinador, confia ainda mais. Se o Zizou te convidou pra esse cargo, é porque ele sabe que você vai dar conta. E, se você tem a confiança do técnico e do presidente, , já é meio caminho andado.
David piscou um olho antes de dar as costas e se aproximar do treinador de goleiros, que já estava trabalhando com Keylor Navas, Kiko Casilla, Rubén Yáñez, Álex Craninx e Luca Zidane. Para os goleiros, o trabalho árduo sempre começava mais cedo.
ficou ali por algum tempo, em pé no campo, sentindo os fracos raios de sol que escapavam por entre as nuvens que cobriam o céu nublado baterem em seu rosto e se convencendo de que David tinha razão. Talvez ela estivesse se importando com as críticas por ela ser mulher e sobrinha de Zidane mais do que deveria. Ela nem sequer havia começado a exercer sua função de assistente técnica e já estava tendo seu trabalho julgado, aquilo não fazia sentido. Se ela estava ali, pronta para trabalhar em um dos maiores clubes do mundo ao lado de grandes craques, fora porque havia estudado e se esforçado muito para aquilo, e não pelos seus belos olhos castanhos. Tudo que precisava era agarrar aquela oportunidade e aproveitá-la da melhor forma possível.
Quando dois braços a agarraram por trás e a tiraram do chão, levou um susto. Pelas luvas de goleiro que tinham as iniciais LZ gravadas no pulso, ela soube que era Luca.
— Me solta, menino — ela disse em meio a risos.
— Sabe do que me lembrei agora? — o garoto questionou após colocá-la de volta na grama.
— Ainda não leio pensamentos — debochou e riu quando o primo rolou os olhos. — Do que?
— De quando você chegava lá em casa e eu saía correndo e pulava no seu colo. Me bateu uma saudade.
— Também tenho saudade, mas naquela época você tinha metade da minha altura, agora é mais alto do que eu. Então, nem se atreva — ela disse em tom de alerta e soltou uma gargalhada.
Em seguida, notou que Zidane chegava ao campo e vinha na direção dos dois.
— Ei, . Tenho uma tarefa pra te passar.
— Pode falar, tio — a assistente disse, mas, ao se lembrar de que Zidane pedira para que ela evitasse chamá-lo assim quando estivessem trabalhando, se corrigiu: — Quer dizer, Zizou…
O mais velho riu e colocou a mão no ombro de .
— Durante os treinos táticos dessa semana, preciso que você fique focada em conhecer o estilo de jogo de cada jogador. Pode ficar livre pra fazer anotações, deixa que eu e o David vamos ficar encarregados de conduzir o treino — ele falou enquanto ela escutava atentamente. — Além disso, como o primeiro jogo vai ser contra o PSG e você conhece bem o time, quero que bote num papel tudo o que achar que possa ser útil e, ao longo da semana, a gente vai conversando e definindo como vamos arrumar o time pra essa partida.
Ela assentiu com a cabeça e, em seguida, caminhou na direção do prédio do centro de treinamento para buscar por papel, caneta e uma prancheta como a de David. Ao passar pelos jornalistas, sorriu e acenou na direção das câmeras fotográficas, que registraram o momento que logo cairia na internet.
adorava pedalar sob a luz da lua nas noites de verão. Era quase meia-noite e as ruas estavam vazias, o que, para ele, era excelente. Além do clima mais fresco, ele não precisava parar a cada dois metros para tirar fotos e dar autógrafos. Não que ele não adorasse receber o carinho dos torcedores, mas gostava de ter privacidade, especialmente quando ia para a cidade natal nas férias. E manter a boa forma era essencial, ainda mais quando estava vivendo o melhor momento de sua carreira. A temporada estava para começar e, se queria que fosse ainda mais incrível do que a anterior, precisava se esforçar para isso.
Depois de dar uma última volta no quarteirão, pedalou na direção da casa que havia comprado para seus pais quando recebeu seu primeiro salário como jogador profissional. guardou a bicicleta na garagem e adentrou a casa tirando os tênis de corrida. Estava tudo escuro, pois seus pais não estavam de férias como ele e já estavam dormindo, então ele acendeu a luz do hall de entrada e caminhou o mais silenciosamente possível na direção da escada. Quando pôs o pé direito no primeiro degrau, pôde enxergar a silhueta da mãe no segundo andar. Não se surpreendeu, pois, mesmo que ele morasse em outro país desde o fim da adolescência, sempre que estava na casa dos pais, Deborah não conseguia pregar os olhos até que ele voltasse de onde quer que tivesse ido.
— Oi, mãe. Cheguei — ele disse, subindo os degraus. Quando parou em sua frente, a segurou pelo rosto com a mão que não segurava o par de tênis e a beijou na bochecha.
— Quer que eu faça um lanchinho? Você deve estar morto de fome — Debbie ofereceu, prestativa.
— Não precisa, eu me viro. Vai descansar — respondeu e esboçou um sorriso. Admitia que adorava ser mimado pela mãe, mesmo que odiasse dar trabalho para ela ou qualquer outra pessoa.
— Tem certeza, filho? Posso arrumar alguma coisinha rápida de fazer, não tem problema — ela insistiu, o que fez com que o homem risse.
— Absoluta. Nem estou com fome, vou só achar uma besteirinha pra comer enquanto assisto ao jogo do Real Madrid.
— Jogo de futebol a essa hora? Vão jogar contra quem?
— É porque é nos Estados Unidos. Vai ser contra o PSG.
— Ah, é mesmo. Pré-temporada, né? — a mulher falou, se lembrando que, nos anos anteriores, o filho também havia disputado alguns jogos na América do Norte com o time. — Tudo bem, então. Boa noite.
— Boa noite.
Os dois seguiram juntos pelo corredor, até adentrar o quarto no qual costumava ficar durante as férias e fechar a porta. Largou os tênis no chão e tirou a roupa suada para tomar um banho rápido. Quando estava banhado e vestindo apenas um short de pijama, ele desceu até a cozinha e fez uma pipoca de microondas. Serviu um copo do suco de uva que encontrou na geladeira e foi para a sala, onde ligou a televisão e se esparramou no sofá. O canal de esportes já passava o pré-jogo e ele ficou assistindo aos colegas de time se aquecerem enquanto prestava atenção nos comentários que eram feitos pelos narradores e comentaristas, ouvindo seu nome ser citado diversas vezes.
Aproveitou para pegar o celular e abrir o Twitter para dar um sinal de vida aos seus seguidores madridistas.
gostava de estar perto da família e poder ter algum tempo de descanso, mas era tão estranho assistir ao Real Madrid pela televisão. Depois de três temporadas jogando pelo clube espanhol, ele já estava acostumado a fazer parte daquilo tudo. Mal podia esperar para voltar para Madrid e para o futebol.
Depois da semana de treinamento em Montreal, o Real Madrid partiu para o segundo destino da pré-temporada: Columbus, Estados Unidos. Os jogadores se preparavam no vestiário do Ohio Stadium, onde enfrentariam o Paris Saint-Germain no primeiro jogo da International Champions Cup, torneio amistoso que seria disputado entre o Melbourne Victory, clube australiano, e mais dezesseis clubes europeus; dentre eles, os grandes clubes que o mundo estava acostumado a ver na famosa Champions League. Apesar de as sedes do campeonato estarem distribuídas entre Austrália, China, Estados Unidos e Europa, o Real Madrid jogaria apenas em estádios estadunidenses.
estava eufórica e ansiosa, mal conseguia prestar atenção no espanhol enrolado do preparador físico italiano. O nervosismo, entretanto, acabou por abandoná-la no decorrer da semana, conforme os dias de trabalho iam se passando e ela se enturmando com os jogadores cada vez mais. O grupo era tão unido e receptivo que qualquer pessoa não precisaria de muito tempo para se sentir em casa, ainda mais ela, que costumava cativar as pessoas com facilidade. Já estava até tendo que lidar com as brincadeiras de Marcelo, que conseguia ser mais implicante do que Benzema, Enzo e Luca juntos. E nem imaginava que isso fosse possível.
Quando Antonio pediu licença e adentrou o vestiário para auxiliar os jogadores, deu meia volta e seguiu pelos corredores do estádio. Ela se recusava a entrar lá e se deparar com um monte de homens seminus, precisaria de tempo para se acostumar com isso.
— , vem aqui — ela escutou a voz do tio chamá-la.
Quando olhou para a direita, avistou Zizou, David e Unai Emery, espanhol que, apesar de não conhecer pessoalmente até aquele momento, sabia que era o novo técnico do PSG.
— Olá. Como vai? — falou, simpática, ao se aproximar dos três homens, e estendeu a mão para cumprimentar o ainda desconhecido.
— Finalmente estou conhecendo a famosa Zidane — o homem falou com um ar brincalhão.
— Estava falando pro Emery que você é a nossa arma secreta pro jogo de hoje — Zizou falou, fazendo rir.
— Você conhece meu time melhor do que eu, isso é um perigo — Unai brincou. Já havia sido informado de que, apesar de ser técnica do time feminino, tinha um contato muito próximo com o time masculino e, volta e meia, trocava figurinhas com o antigo técnico.
— Imagina, esse elenco é excelente. Por mais que a gente os conheça, os jogadores sempre acabam nos surpreendendo — destacou modestamente.
— Espero que consigamos surpreender vocês hoje — o espanhol rebateu, divertido. — A gente se fala mais tarde. Meus jogadores estão me esperando.
Depois de se despedir de Zidane com um abraço de lado, Unai Emery acenou para os outros dois e sumiu pelo corredor. Logo em seguida, Zizou e David também seguiram pelo mesmo caminho, mas dobraram o corredor na direção do vestiário do Real Madrid. fez o caminho contrário, que levava para o campo, e, após dar alguns passos, sentiu um braço passando por seus ombros.
— , vou fazer um gol pra você hoje — Karim falou, animado. — Pé ou cabeça? Como você prefere?
— Nossa, como você é engraçado, Benzema. Até parece que está podendo escolher como vai marcar — disse, rindo.
— Então é assim, é? — ele disse, soando ofendido. — Vamos apostar. O que eu ganho se fizer um gol?
— Não vai ganhar nada, é sua obrigação fazer gol — ela debochou e beliscou as costas do jogador.
— Cadê o espírito esportivo? Fico só imaginando como você tratava as suas jogadoras.
— Muito bem, se você quer saber — respondeu e mostrou a língua. — Mas você, se quiser o mesmo tratamento, vai ter que ralar muito.
A assistente acabou por não esperar pela respostinha desaforada que certamente viria, pois sua atenção voltou-se para os jogadores dos dois times que começaram a surgir no túnel que levava ao campo e, dentre os diversos rostos conhecidos, se deparou com o mesmo sorriso que ela viu ao acordar depois de uma das melhores noites de sexo de sua vida.
— Olha só quem eu encontrei aqui — disse o goleiro alemão Kevin Trapp antes de beijá-la na bochecha.
Benzema tirou o braço dos ombros da amiga e ficou apenas observando a cena. Não conhecia o goleiro do PSG.
— Oi, Trapp — disse, retribuindo o sorriso, e observou os olhos do rapaz a devorarem de cima a baixo. Agradeceu mentalmente por ele já tê-la visto sem roupas, pois o uniforme de assistente técnica certamente não a favorecia muito.
— Não acredito que você abandonou a gente pelo Real Madrid — ele acusou, fazendo a mulher rir.
— Não tinha como recusar uma proposta dessa vinda do meu próprio tio, né?
— Tudo bem, tudo bem… Mas só porque ele é o Zidane — Kevin brincou. — Tem um jeito de você se redimir. A gente pode fazer alguma coisa depois do jogo — acrescentou em um tom despretencioso.
não se surpreendeu com a proposta e sentia-se tentada a aceitar. Trapp era bonito e beijava muito bem, mas não queria cometer novamente o mesmo erro.
— A gente vai direto pro aeroporto, o próximo jogo é em Ann Arbor — ela disse com um falso desapontamento, sentindo o olhar de Karim, que ainda observava o desenrolar da cena sem se pronunciar, queimar sua pele.
Apesar de ser verdade, ela não aceitaria sair com o homem que fosse no meio de uma viagem à trabalho nem se tivesse oportunidade para tal.
— Então fica pra próxima — o alemão falou, mas não pareceu se importar com a resposta negativa. — Foi bom te ver, .
sorriu para Kevin uma última vez e o observou se afastar na direção do campo.
— Foi ele, não foi? O outro jogador que você pegou — Benzema acusou e soltou uma gargalhada. — Que merda, . Outro alemão?
— Isso é uma mera coincidência, ok? — ela se defendeu. — Foi na festa de confraternização do final da temporada passada. A gente se esbarrou, ele me ofereceu uma carona e, bom… Depois de algumas taças de champanhe, se um cara gato desse aparece querendo te levar pra cama, você não tem muita condição de recusar, né?
Karim fez uma careta, rindo, e deu uma corridinha para entrar no campo. Antes de se juntar aos companheiros de time, ele se virou para .
— Sou mais eu!
A assistente rolou os olhos, mas não conteve uma risada. Em seguida, também adentrou o campo para auxiliar no aquecimento dos jogadores e se arrepiou com os gritos da torcida, que já lotava o estádio quase completamente. Era incrível como, mesmo ali, no país em que o verdadeiro futebol não era tão popular assim, tanta gente amava o Real Madrid.
A primeira partida do Real Madrid na International Champions Cup não foi nada satisfatória. Erros inaceitáveis para o time que fora campeão da Champions League dois meses antes somados a uma boa atuação do Paris Saint-Germain resultaram em uma derrota por três a um que deixou Zizou de péssimo humor. O time não estava completo e os garotos do Real Madrid Castilla não estavam acostumados a enfrentar jogadores de nível tão alto quanto o de Edinson Cavani e companhia, mas ninguém gostou de começar a temporada daquela forma.
No segundo jogo da pré-temporada, disputado no University of Michigan Stadium, a equipe demonstrou uma relevante melhora contra o Chelsea. Com dois golaços de Marcelo e um de Mariano Díaz, o Real Madrid chegou a abrir uma vantagem de três a zero. Embora o belga Eden Hazard, que entrou no jogo no segundo tempo, tenha conseguido descontar o placar marcando dois belos gols, o time espanhol conseguiu uma vitória por três a dois convincente.
Para finalizar a pré-temporada, o time comandado por Zinédine Zidane ainda enfrentaria o Bayern München em um jogo que também marcaria o reencontro dos madridistas com Carlo Ancelotti, o técnico recém-contratado pelo clube alemão e que, como treinador do Real Madrid, havia conquistado La Décima, a Champions League aguardada por longos doze anos. Antes disso, entretanto, parte dos jogadores tinha outro compromisso, o evento de lançamento do terceiro uniforme da temporada 2016-2017, o que resultou em uma tarde de folga para o restante da equipe.
penteava os fios de cabelo úmidos na frente do espelho depois de tomar banho. Era final da tarde e ela havia passado algumas horas na piscina do hotel nova iorquino no qual eles estavam hospedados na companhia dos dois primos e outros jogadores.
— Só um minuto! — a assistente gritou na direção da porta do quarto ao ouvir três batidas.
Como estava apenas de roupas íntimas, se apressou em vestir uma calça jeans de cintura alta e uma blusa florida estilo cigana. Sentiu-se até um pouco estranha por não estar usando o uniforme do Real Madrid. Quando estava devidamente coberta, andou a passos apressados até a porta e a escancarou, logo se deparando com Karim Benzema e Sergio Ramos.
— Olha só, ela já está até pronta — Sergio disse. — A gente vai dar uma voltinha, . Vem também.
— Vou colocar um sapato — ela disse, adentrando o quarto, e pegou o par de Adidas Superstar que havia deixado próximo ao pé da cama. — Posso saber aonde vocês vão?
— Não sei, só andar pelas redondezas — Benzema respondeu.
terminou de calçar os tênis e foi até a mochila jogada em cima da poltrona pegar o celular e a carteira.
— Anda logo, mulher. O Luka e o Mateo estão nos esperando lá embaixo — Ramos falou, colocando a cabeça para dentro do quarto, e, em seguida, foi chamar o elevador, que já havia ido embora do andar.
— Meu Deus, Sergio. Pra que essa pressa toda? Nem parece que esperou nove meses pra nascer — a mulher disse enquanto batia a porta do quarto e andava até o elevador.
— Nasci com oito — ele rebateu, debochado, fazendo rir enquanto dava um tapa na nuca dele. — A gente precisa estar de volta no hotel na hora do jantar.
— Se não voltarmos para o jantar, o que acontece? — a assistente perguntou, curiosa, e foi a primeira a adentrar o elevador quando o mesmo chegou.
— Você não vai querer pagar pra ver — Ramos disse com um sorrisinho de canto.
estreitou os olhos e revezou o olhar entre os dois jogadores. Escorado na parede do elevador, Benzema prendia o riso.
— O que acontece? — ela insistiu.
— Sei lá, nunca desobedeci as ordens dos meus treinadores — Sergio respondeu, fazendo rolar os olhos e Karim gargalhar.
— Tirando aquela vez que você quis dar uma de toureiro e teve que pagar uma multa pro clube por ter arriscado a vida — ele acusou, fazendo o amigo rir.
— Foi só um desvio de percurso.
O elevador chegou ao térreo e os três se uniram aos croatas Luka Modrić e Mateo Kovačić. O grupo andou pelas ruas próximas ao hotel, parando em algumas lojas e tentando ser o mais discretos possível. sentia as bochechas doerem de tanto gargalhar com as besteiras que os quatro diziam e, também, de tanto sorrir para as fotos e vídeos que Sergio Ramos fazia questão de registrar para postar em suas redes sociais. A assistente aproveitou para postar algumas fotos em seu Instagram também, que estava abandonado há algumas semanas e tinha, a cada dia que passava, mais e mais seguidores madridistas.
No dia seguinte, o Real Madrid teve o último treino antes de enfrentar o Bayern München, jogo que venceu por um a zero com um gol do brasileiro Danilo. Zizou ficou satisfeito com o trabalho da equipe durante aquela pré-temporada, todos estavam confiantes de que a temporada 2016-2017 seria regada de vitórias.
Enquanto arrumava as malas, só conseguia pensar em quão incríveis haviam sido as últimas três semanas. Tinha um sentimento de dever cumprido no peito, mas este não superava o sentimento de que o trabalho estava apenas começando.
Era hora de voltar para Madrid e fazer história.
Véronique desceu as escadas apressadamente quando ouviu a porta se abrir e chegou ao hall de entrada a tempo de ver Luca adentrar a casa. O garoto precisou soltar a mala de rodinhas, já que foi envolvido em um abraço apertado pelos braços da mãe.
— Como foi o voo, filho? Correu tudo bem?
— Eu não estou conseguindo respirar, mãe — Luca brincou, fazendo-a soltá-lo ao mesmo tempo que rolava os olhos. Ele riu, dando de ombros, e voltou a segurar a alça da mala. — Foi tranquilo, deu tudo certo.
Enzo passou pela porta, atraindo a atenção de Véronique, e foi recepcionado com um abraço tão apertado quanto o que o irmão recebera antes.
— Cadê o pai de vocês e a ?
— Estão vindo aí, o pai está pegando o restante das malas — Enzo respondeu e logo viu a prima adentrando a casa — Olha ela aí.
abriu um enorme sorriso ao se deparar com a madrinha e largou a mala de rodinhas que puxava.
— Oi, tia! — ela exclamou com animação.
Diferente dos primos, não recebeu um abraço apertado, pois agarrou Véronique antes que ela pudesse fazê-lo.
— Como foi a pré-temporada, querida? — a mais velha perguntou, sorrindo.
— Valeu pela consideração, mãe! Pra gente você nem perguntou — Luca falou, fazendo as duas rirem.
— Quanta carência, hein? Depois vou querer saber de vocês também — Véronique disse, observando os dois filhos subirem as escadas, e, em seguida, voltou a fitar a sobrinha. — Me conta! Como foi?
— Foi tudo maravilhoso! — a assistente técnica respondeu e esboçou um sorriso quase maior do que o rosto. — O jogo contra o PSG foi péssimo, né? Mas os outros dois acabaram compensando. E os treinos foram ótimos, me dei bem com todo mundo.
— Claro que sim. Quem não gosta de você, ? — Véronique falou, rindo. — Estou tão feliz de te ver realizando seu sonho. Lembro daquela garotinha que ficava pra lá e pra cá atrás do Zizou e vejo você hoje… Estou até me sentindo velha.
— Até parece, tia. Você é uma menina — disse em um tom divertido. — Já volto pra gente conversar melhor, vou deixar minhas coisas lá em cima.
Ela subiu os degraus da escada com destreza e seguiu direto para o quarto, onde largou a mala e a mochila de qualquer jeito. Pegou o celular no bolso da calça para checar as novas notificações e, antes de descer para contar sobre a viagem em detalhes para a tia, decidiu postar um tweet.
Quando chegou no primeiro andar, não encontrou os tios. A porta estava aberta, então ela se aproximou para espiar o que acontecia no quintal da casa. Notou que o casal conversava com alguém que estava parado no meio fio, perto de um carro que não era o de Zizou. Olhando um pouco melhor, ela pôde reconhecer a pessoa. Era . Ela ainda não o conhecia pessoalmente e, como iriam começar a trabalhar juntos em dois dias, achou que seria educado aproveitar a oportunidade para se apresentar, então passou pela porta e se aproximou dos três.
— — Zizou começou ao notar a aproximação de —, deixa eu te apresentar a , minha sobrinha. É a nossa nova assistente técnica.
abriu um sorriso simpático conforme observava o jogador virar a cabeça para encará-la. Os olhos dele pousaram nos seus e sentiu-se hipnotizada. Eram olhos grandes e intensos que a faziam sentir-se exposta, como se ele estivesse lendo cada um de seus pensamentos.
Ela não se importaria de passar uma eternidade encarando aqueles olhos.
esboçou um sorriso quase imperceptível e simplesmente não conseguia parar de fitá-lo. Apenas conhecendo-o pessoalmente é que ela notara como algo nele era tão atraente e agradável de se admirar. Ele não tinha a mesma beleza que Kevin Trapp, por exemplo, que mais parecia um modelo de cuecas do que um jogador de futebol. Aquele tipo de homem que exalava sensualidade e que, ao observá-lo, tudo o que passava por sua cabeça é que ele ficaria ainda mais bonito com aquela carinha enfiada no meio de suas pernas. Não, muito pelo contrário, transmitia uma amabilidade que poucas vezes fora capaz de perceber na primeira vez em que pôs os olhos em alguém.
— Ei, muito prazer — o jogador disse, estendendo a mão.
piscou os olhos, demorando meio segundo a mais do que o normal para apertar a mão estendida.
— Olá, o prazer é meu — ela respondeu e sorriu, se esforçando para não deixar transparecer a confusão de pensamentos que rodeavam sua mente.
— Ele é nosso vizinho, — Zizou falou e a assistente o encarou ao mesmo tempo que soltava a mão de . — Mora a duas casas da nossa.
— Sério? Morar perto do treinador deve ser complicado — brincou, voltando a fitar o , e se deparou com os belos olhos dele ainda a observando.
— Um pouco melhor do que morar com ele, imagino — rebateu, fazendo os outros três presentes rirem. Voltando a se dirigir a Zizou, ele continuou: — Você acha que eu consigo jogar a Supercopa, Zizou?
— Não sei, vamos esperar pela avaliação dos fisioterapeutas. Lesões na coxa costumam ser um pouco chatinhas — o técnico respondeu, fazendo uma careta.
ficou apenas observando descrever as dores que estava sentindo, enquanto o tio, com toda sua experiência, dava algumas dicas de exercícios que poderiam acelerar a recuperação. Ela sentia vontade de participar da conversa, também conhecia lesões como aquela e, sem dúvida alguma, poderia contribuir positivamente, mas não conseguia pronunciar uma palavra sequer. Sentia uma vontade ainda maior de conhecer , de se sentar com ele e discutir sobre futebol. De conhecê-lo, de ouvir sua história e dizer que o achava um jogador fora de série, um dos melhores do mundo.
Ou, talvez, só quisesse ter aqueles olhos a fitando intensamente mais uma vez.
3. La Tercera
Que describan esta sensación
Aunque juegues tú conmigo
Jugamos los dos
Sin Palabras - La Musicalité
— Vamos passear, Athos?
fez um carinho rápido na cabeça do labrador e o puxou para prender a guia à coleira, enquanto o animal latia para ela.
— Ele gosta mais de você do que dos meninos, sabia? — Véronique disse em um tom divertido ao adentrar a sala de estar e ver como o cachorro da família estava animado.
— A gente se dá muito bem mesmo, né garoto? — a mais nova falou, se inclinando para beijar o topo da cabeça do cão. Em seguida, voltou-se para a tia, que se acomodava no sofá. — Vou dar uma caminhada e aproveitar pra levar ele pra passear. Tudo bem?
— Está bem, . Mas não vá perder a hora do almoço, hein?
— Pode deixar, tia. Eu jamais me arriscaria a despertar a fúria de Zinédine Zidane, sei bem como ele faz questão de que todo mundo participe das refeições em família — ela retrucou, rindo, e saiu da casa puxando Athos consigo.
O céu estava aberto naquela manhã e sentia seu humor em tão bom estado quanto o clima de Madrid. Ela estava contente por ter a oportunidade de retomar sua antiga rotina de caminhar pelas redondezas da casa dos tios na companhia de Athos, exatamente como costumava fazer nos anos em que morara ali até se mudar para Paris.
A família Zidane era proprietária de uma casa em Los Lagos, uma das zonas da urbanização residencial La Finca, onde moravam diversos futebolistas do Real Madrid e do Atlético de Madrid, além de grandes empresários espanhóis. Repleta de mansões, campos verdes e lagos muito bem cuidados, La Finca proporcionava um ambiente agradável, segurança e a privacidade que seus moradores desejavam. adorava caminhar pelo condomínio sem destino, apenas pensando em bobagens e apreciando a paisagem. Sentia falta daquela tranquilidade no bairro movimentado onde morava em Paris.
Conforme caminhava pela grama, notava um ou outro carro importado passando pelo asfalto, mas não dava muita importância. Athos era um cachorro grande e forte que ficava enlouquecido quando via campos tão extensos como os de Los Lagos, e ela precisava utilizar toda sua força para impedir que o labrador saísse em disparada.
— Calma, Athos! Já vou te deixar brincar.
Enquanto tentava acompanhar os passos apressados do cachorro, alguém passou correndo a alguns metros de distância e chamou a atenção de . Seu olhar cruzou com o de , que, sem desviar de seu caminho, apenas acenou com uma das mãos para ela. sequer notou que seus pés pararam de se movimentar, estava distraída demais fitando as costas largas e definidas de , conforme o jogador se afastava. Apenas recobrou a consciência quando um puxão a levou ao chão, fazendo-a soltar um grito antes de cair de cara na grama. Durante a queda, ela acabou soltando a guia de Athos, que finalmente se viu livre para sair correndo.
rolou na grama e, fitando o céu, deixou uma gargalhada escapar pela garganta. Não estava acreditando que havia acabado de protagonizar uma cena típica de comédia-pastelão por causa de alguns músculos. Até parecia que ela nunca tinha visto um homem sem camisa antes.
— Você está bem? — questionou, surgindo ao seu lado. Segurava Athos pela guia.
— Estou, e você? — rebateu em um tom divertido.
O jogador abriu um sorriso que mostrava os dentes, sem notar que percorria seu corpo de cima a baixo com os olhos, e estendeu a mão para ela. Aceitando a ajuda, a mulher agarrou a mão estendida e deixou que a puxasse para cima sem muito esforço. Ao ficar cara a cara com o , sentiu o mesmo sentimento estranho de dois dias antes, quando foi apresentada a ele, e as palavras simplesmente desapareceram de sua mente. Ela só esperava conseguir se acostumar com aquele olhar intimidador o mais rápido possível ou estava ferrada.
A solução que ela encontrou para disfarçar o desconforto foi baixar os olhos para fitar o labrador.
— Acho que encontramos alguém mais rápido do que você, Athos — disse, acariciando o pelo do cachorro, e sorriu ao ouvir a risada de . Segurou a guia, puxando o labrador para si, e voltou a encarar o homem. — Obrigada, .
— Considere isso como minhas boas-vindas pra você — ele respondeu, sorrindo, e foi se afastando a passos curtos. — A gente se vê amanhã no treino.
sorriu uma última vez e o observou voltar a se exercitar, correndo para longe. Soltando um suspiro, ela fitou o cachorro.
— Se a gente for encontrar ele sem camisa toda vez que sairmos pra passear, acho melhor você começar a cooperar comigo, viu? — ela falou, rindo, e se abaixou para soltar a guia da coleira do cachorro. — Vamos brincar, seu pestinha.
Athos não levou nem um segundo para sair correndo pela grama, não deixando outra opção para a não ser se juntar à brincadeira.
A tigela vazia foi preenchida com uma porção de salada de frutas que julgou ser o suficiente para sustentá-la até o almoço, já que havia tomado um café da manhã reforçado em casa. A assistente técnica atravessou o refeitório com um destino certo, a mesa onde Luka Modrić, Toni Kroos e comiam e conversavam, e se acomodou na cadeira ao lado da de Luka.
— Bom dia, garotos — ela disse, sorridente, e deu a primeira colherada na salada de frutas. Depois que engoliu o que tinha na boca, encarou o alemão sentado à sua frente e estendeu a mão. — Ainda não nos conhecemos. Sou , mas pode me chamar de .
— Toni Kroos — o jogador respondeu de boca cheia e apertou a mão dela.
— Se ele não dissesse que se chama Toni Kroos eu nem ia saber, hein? — brincou, cutucando Modrić com o cotovelo, e acabou por fazê-los rirem.
— Mesut me falou bastante sobre você — o alemão disse em um tom despretensioso.
— Posso saber o que o Özil andou falando de mim? — ela rebateu, estreitando os olhos em desconfiança.
O sorrisinho que surgiu nos lábios de Toni a fez ter certeza de que ele sabia mais do que ela gostaria que soubesse.
— Nada demais, só que vocês já se divertiram bastante juntos — ele respondeu, dando de ombros, e Luka soltou uma gargalhada.
— Se divertiam até demais, né ? Pelo menos umas duas vezes por mês ele aparecia morto de sono nos treinos por ter curtido a noite com você e o Karim — o croata falou com diversão estampada no rosto.
— Para de mentir, Luka. A gente nunca voltava tarde! — se defendeu. — Se ele aparecia morto nos treinos, não era culpa minha. Não tenho absolutamente nada a ver com o que ele fazia da vida dele depois que a gente ia embora.
— Acho que tem alguém querendo se explicar demais — Toni disse, implicante, fazendo-a rolar os olhos.
Pela primeira vez desde que sentou-se à mesa, olhou para , que mexia no celular distraidamente, e, em seguida, o observou pedir licença e se levantar. Toni e Luka não deram muita atenção, já haviam dado início a uma nova conversa que não fez muita questão de participar. Estava um pouco decepcionada por não ter sequer tido a chance de puxar qualquer assunto que fosse com e preocupada de ele ser tão calado assim sempre.
Depois de comer a salada de frutas e esperar Luka e Toni terminarem de tomar o café da manhã, ela os acompanhou até o campo de treinamento. Aos poucos, os jogadores foram chegando e começando a se aquecer e a brincar com as bolas.
Apenas quando Zidane chegou, todos se juntaram em torno dele para ouvi-lo dar as primeiras coordenadas sobre como seria a preparação do time para o jogo da Supercopa da Europa, o primeiro desafio da temporada que teriam dali a dois dias. Apesar do pouco tempo que teriam, já estava tudo planejado, inclusive os onze jogadores que provavelmente iniciariam a partida como titulares. havia juntado algumas informações sobre a pré-temporada do Sevilla, time que enfrentariam, e tal material havia sido de muita utilidade para o técnico definir as possíveis táticas que seriam utilizadas no jogo. Ninguém esperava que fosse ser um confronto fácil, pois a pré-temporada nunca era o suficiente para fazer o time pegar ritmo de jogo depois das férias.
— , quero que você trabalhe com Kroos e hoje — Zizou falou ao se aproximar da sobrinha, enquanto coletes eram distribuídos para metade dos jogadores. — Eles estão voltando hoje, então é melhor que peguem mais leve do que o restante do time.
prontamente concordou com a ordem do tio e caminhou na direção de um grupo de jogadores.
— Você e você — ela disse, apontando para e, em seguida, para o alemão. — Venham, vocês vão treinar comigo hoje.
Os dois jogadores acompanharam e foram orientados a darem prosseguimento ao aquecimento. Para começar, a assistente técnica os instruiu a darem algumas voltas pelo campo e se juntou a eles na corrida. Apesar de concentrada na atividade física, ela não conseguia deixar de se sentir intimidada pela presença de ao seu lado e não conseguia entender o que estava acontecendo. Era apenas um jogador como qualquer outro, porém, mesmo assim, ele destoava completamente do resto da equipe e não tinha ideia do porquê.
Ela bem que tentou, mas não conseguiu se conter em observá-lo de canto de olho quando, lá pela terceira ou quarta volta no campo, puxou o agasalho que fazia parte do uniforme de treinamento para cima e revelou a camisa sem mangas que usava por baixo. A peça foi jogada para a lateral do campo e quis morrer quando percebeu que admirava os braços definidos do jogador.
Aquilo já estava passando do absurdo para o ridículo. Ela não podia ficar abalada daquela forma por um jogador do clube que havia a contratado, um colega de trabalho.
— Vamos pros obstáculos? — disse subitamente, chamando a atenção dos dois jogadores, e indicou algumas estacas que estavam enfileiradas na grama.
foi na direção dos obstáculos, enquanto Toni a acompanhou até uma caixa térmica e cada um pegou uma garrafa d’água. O alemão deu algumas goladas no líquido e largou a garrafa no chão, logo indo se juntar ao amigo, e o seguiu enquanto ainda bebia a água.
— Você joga futebol, ? — Kroos questionou com curiosidade, se esgueirando para desviar das estacas enquanto corria.
A assistente não conteve uma risada. Em toda sua vida havia se deparado tantas vezes com pessoas que duvidavam que ela realmente soubesse jogar futebol que já nem se ofendia mais, achava até divertido ver a surpresa nos rostos alheios quando ela pegava uma bola. Além do mais, sabia que Toni não havia perguntado por maldade, apenas estava curioso.
— Desde que aprendi a andar — respondeu, sorrindo.
— Mas você nunca foi jogadora profissional, né? — Toni rebateu, se aproximando, e roubou a garrafa da mão da mulher, a fazendo abrir a boca em sinal de indignação.
— Posso saber quando te dei tanta intimidade? Te conheci hoje! — ela exclamou, tentando soar irritada, mas seu semblante denunciava que estava achando graça da situação. Toni apenas deu de ombros. — Nunca pensei em jogar profissionalmente e nem acho que jogo tão bem assim, sempre fui muito melhor na parte tática. Quando eu era criança, já gostava de assistir partidas de futebol e dar palpites sobre o que os técnicos tinham que mudar nos times.
— Legal… — ele falou e bebeu a água da garrafa despreocupadamente e, em seguida, a devolveu à dona. — Pretende treinar um time masculino?
— É minha intenção — respondeu, sorrindo. — Estou aqui pra aprender e mostrar que as mulheres podem trabalhar com os homens também no futebol masculino. Se um homem pode comandar um time de mulheres, por que não o contrário?
— Será que você vai ser a primeira técnica do Real Madrid? Vou poder dizer pra todo mundo que tive a honra de ser treinado por Zidane — Toni brincou, fazendo-a rir.
— Então vamos começar seguindo as ordens da Zidane. Que tal? — a assistente falou e deu um empurrão no loiro. — Chega de papo furado. Vai treinar, Toni Kroos!
O alemão se fingiu de amedrontado e voltou a se unir a , correndo por entre os obstáculos de treinamento.
sequer notou que, enquanto o parecia totalmente focado no exercício que realizava, na verdade escutava atentamente a conversa entre ela e Toni. E estava louco para conhecer mais a respeito do seu envolvimento com o futebol.
O futebol era tão intrínseco ao cotidiano de sua família que nem sequer imaginava como seria sua vida sem ele. Nos fins de semana, era comum que todos se reunissem no estádio ou em frente à televisão. Além das festas e almoços, que sempre terminavam em uma pelada no quintal. Ela havia crescido com a ideia de que o futebol tem esse poder de unir as pessoas e de provocar as mais variadas emoções.
possuía uma conexão tão forte com o esporte que nunca conseguira acompanhar apenas um clube, aquele time do coração que todo fanático por futebol tem. Em certa época de sua vida, por ter nascido em Marselha, ela costumava dizer que torcia pelo Olympique de Marseille, mas estava sempre de olho em todos os grandes times europeus. Talvez tivesse um carinho especial pela Juventus e pelo Real Madrid, clubes em que seu tio tivera uma passagem marcante, no entanto, desde criança, sabia que o futebol seria mais do que um passatempo para ela um dia.
No final das contas, torcia era pelo bom futebol.
Como em todo início de temporada, o último campeão da UEFA Champions League estava enfrentando o último campeão da UEFA Europa League, disputando o troféu da Supercopa da Europa; o Real Madrid e o Sevilla, respectivamente. O confronto entre os dois clubes espanhóis, que acontecia no Lerkendal Stadion, na Noruega, estava sendo duríssimo.
O placar foi aberto pelo Real Madrid com um belo gol de Marco Asensio, mas o Sevilla acabou empatando o jogo com um gol do italiano Franco Vázquez no final do primeiro tempo. Apesar de os jogadores e a equipe técnica demonstrarem certa tranquilidade no vestiário durante o intervalo, o segundo tempo não começou mais fácil do que o primeiro. Ao passar dos 60 minutos de jogo, Zizou gastou duas das três substituições com a entrada de Modrić e Benzema para tornar o time um pouco mais ofensivo, mas nem isso parecia estar funcionando.
Quando ouviu o apito do árbitro soar logo após uma falta na grande área cometida pelo zagueiro Sergio Ramos, ela soltou um longo suspiro e passou as mãos pelo rosto. Um pênalti era tudo o que eles não precisavam naquela altura do jogo. Seus olhos imediatamente se cruzaram com os de Zizou.
— Chama o James! — o técnico gritou e ela, prontamente, se levantou do banco e correu pela lateral do campo na direção dos jogadores que se aqueciam.
— Ei, James! Você vai entrar — falou para o colombiano e agarrou o colete e o casaco que ele jogou em sua direção depois de se despir das peças.
Enquanto o ajudava a se preparar para a substituição, pôde ver de relance o jogador do Sevilla converter o pênalti e sair para a comemoração. Em seguida, ela voltou para o seu lugar no banco de reservas.
Zizou deu as instruções necessárias para o colombiano, que logo estava entrando no jogo no lugar de Mateo Kovačić. O croata cumprimentou o técnico e passou pelo banco cumprimentando um a um dos membros da equipe, até sentar-se ao lado de , que lhe estendeu uma garrafa d’água.
— Obrigado — ele disse e levou a garrafa à boca.
— Que dificuldade, hein? — a assistente disse, assistindo James roubar a bola e fazer sua primeira participação no jogo.
— Esse goleiro resolveu que hoje é dia de brilhar — Mateo reclamou e jogou a garrafa no chão, demonstrando sua frustração por ter tido tantas chances de gol perdidas.
A cada minuto que passava, a partida se tornava mais complicada, mas nenhum dos jogadores do Real Madrid estava disposto a se dar por vencido. O árbitro deu três minutos de acréscimo que foram aproveitados ao máximo. No último minuto, Lucas Vázquez cruzou a bola para Sergio Ramos cabecear e mandá-la para o fundo da rede, exatamente como havia feito no minuto noventa e três da final da Champions League de 2014. Seus gols de cabeça nos instantes finais de jogos importantes já estavam virando tradição.
O zagueiro sequer se importou de estar jogando contra o clube onde iniciou sua carreira e correu pelo campo para comemorar. Sentia como se tivesse ido do inferno ao céu em poucos minutos.
O empate injetou ânimo nos jogadores do Real Madrid com o fim do tempo regulamentar. Foi no segundo tempo da prorrogação que Dani Carvajal tomou a bola quase no meio de campo, passou correndo por quatro jogadores do Sevilla e marcou um gol que deixou todos de boca aberta.
O estádio norueguês, lotado de madridistas, explodiu em comemoração.
Quando o apito final soou, sentia como se estivesse dentro de campo durante toda a partida. Estava exausta depois da avalanche de emoções que aquele jogo havia trazido. Apesar disso, estava com um sorriso de orelha a orelha estampado no rosto e dando abraços apertados em cada um dos jogadores.
Na fila para receber a medalha de ouro, Benzema vinha atrás dela, a sacudindo de um lado para o outro pelos ombros, e só conseguia rir e pensar que aquele sentimento de ganhar seu primeiro título com o Real Madrid era maravilhoso.
— Vai se acostumando, . Esse é o primeiro de muitos — Zizou falou quando, já de volta ao gramado, se aproximou da sobrinha com o troféu da Supercopa da Europa em mãos.
— Mal posso esperar, tio! — ela exclamou, abraçando o técnico de lado, e sorriu para os fotógrafos.
Em seguida, Karim Benzema e Raphaël Varane se uniram aos dois para uma foto de apenas franceses.
— Ah, não! Não acredito que você está seca, ! — Marcelo exclamou com duas garrafas d’água em mãos.
saiu correndo em meio a gargalhadas pelo vestiário.
— Me ajuda, Álvaro! — ela disse e segurou os ombros de Morata para utilizá-lo como um escudo.
— Eu molho os dois, não tem problema — o brasileiro falou, sacudindo as garrafas, que mais molhavam Álvaro do que .
— Para, cara! — o espanhol exclamou aos risos, tampando o rosto com os braços.
De surpresa, Sergio Ramos surgiu por trás deles e estourou uma garrafa de champanhe, logo a sacudindo pelo vestiário e fazendo todos se dispersarem.
— Que bosta, Ramos! Agora vou ficar fedendo a champanhe — disse, irritada, passando as mãos pelos fios de cabelo molhados pela bebida.
— Bem feito, viu? Não me deixou jogar água em você — Marcelo debochou e mostrou a língua.
— Fica chateadinha não, . Não é todo dia que se ganha um troféu, né? — Sergio falou, piscando um olho, e estendeu a garrafa de vidro para ela. — Faça as honras.
rolou os olhos, mas aceitou a garrafa e deu uma longa golada no champanhe para, em seguida, devolvê-la ao espanhol.
— Ei, galera! Vamos invadir a coletiva do Zizou? — Marcelo sugeriu, empolgado.
— Você só tem ideias magníficas — disse e soltou uma risada.
— Opa, opa! Só se for agora — Sergio Ramos falou, largando a garrafa de champanhe em cima de um banco.
acabou seguindo Marcelo, Ramos e Morata, que recrutaram mais alguns jogadores para a missão. O grupo adentrou a sala de coletiva, quebrando a tranquilidade com gritos de “campeones, campeones, oe oe oe!” que fizeram Zizou parar de responder uma pergunta para gargalhar. ficou na porta da sala, apenas observando os jogadores subirem no tablado para pular em volta do técnico e molhá-lo com garrafas d’água. Foi impossível controlar os risos quando viu Álvaro Morata levar um tombo em meio à algazarra. Tão repentinamente quanto entraram, eles saíram da sala de coletiva após divertirem os jornalistas.
De volta ao vestiário, viu Benzema tirando foto com o troféu e entrou na fila. Quando sua vez chegou, posou com a taça, sua medalha de ouro e um sorriso contagiante nos lábios. Depois de entregar o troféu para Dani Carvajal, aproveitou que parte dos jogadores já seguia para o ônibus e os acompanhou.
Para passar o tempo, decidiu abrir o Instagram e postar a foto que havia acabado de tirar. Testou todos os filtros diversas vezes até escolher seu favorito e digitou uma legenda.
Após publicar a foto, ela rolou a página para conferir as postagens das pessoas que seguia e uma em especial chamou sua atenção. Era sorrindo na frente de uma televisão, que passava o momento em que o capitão Sergio Ramos levantara o troféu.
fora um dos jogadores cortados da lista dos que viajariam para a Noruega, já que havia tido pouco tempo de treino desde que voltara das férias e ainda não tinha adquirido o ritmo necessário, além de estar sofrendo de dores leves na coxa direita. teve vontade de apertar a tela do celular, de tão fofa que achou a atitude do jogador de, mesmo de longe, mostrar seu comprometimento com a equipe. Precisava admitir que sentira falta da presença marcante do durante aqueles dois dias, mesmo que ele trocasse pouquíssimas palavras com ela.
curtiu a foto e voltou a rolar a página pelas publicações recentes. Algum tempo depois, duas novas notificações surgiram no aplicativo e ela clicou para conferi-las.
Foi inevitável que um sorriso bobo surgisse em seus lábios.
curtiu sua foto.
4. La Cuarta
Y que estemos los dos solos
Dando tumbos por Madrid
Sin nada que decir
Porque nada es importante
Cuando hacemos los recuerdos
Por las calles de Madrid
Tu Mirada Me Hace Grande - Maldita Nerea
Quando se é de um dos maiores clubes de futebol do mundo, a cobrança faz com que nenhum tempo possa ser desperdiçado. Os olhos do mundo estão voltados para o seu trabalho e qualquer tropeço, por menor que seja, é capaz de gerar um estresse sem tamanho. O time tem a obrigação de se entregar de corpo e alma e, para isso, precisa trabalhar dia e noite. Os dias de jogo, em especial, são ainda mais corridos.
não demorou a se acostumar com a rotina que não era mais leve nem mesmo aos domingos. Naquele, em especial, o Real Madrid enfrentaria a Real Sociedade pela primeira rodada de LaLiga da temporada e o time teria um dia bastante atarefado com a viagem para San Sebastián e alguns compromissos prévios à partida.
Depois de a família Zidane se reunir na sala de jantar para tomar o café da manhã, Zizou, e Luca — que havia sido escalado para se unir ao primeiro time mais uma vez, já que o goleiro Keylor Navas estava lesionado — se dirigiram para a Ciudad Real Madrid, onde o time se encontraria antes de se deslocar até o Aeroporto de Madrid-Barajas. Quando chegaram ao centro de treinamento, só tiveram tempo de deixar o carro estacionado em uma das vagas reservadas para a primeira equipe e já foram se juntar aos jogadores que, conforme chegavam, iam se acomodando no ônibus.
A viagem até o aeroporto era curta, então adentrou o automóvel desejando bom dia aos presentes e se jogou no primeiro assento vago que viu.
— Bom dia, Isco — ela disse, sorrindo simpática para o jogador sentado ao seu lado.
— E aí, ? — o espanhol respondeu, levantando os olhos do celular apenas para retribuir o sorriso.
Para passar o tempo, também pegou o celular e abriu o aplicativo do Candy Crush, que nunca falhava em distraí-la mesmo que jogasse aquele bendito joguinho há anos.
— Já te mostrei meu filho? — Isco questionou quando ela começava a jogar a fase que não conseguia passar de jeito nenhum.
— Desde quando você tem idade pra ter filho, garoto? — rebateu em um tom divertido, mas estava realmente surpresa.
— Você não sabe de nada. Ele fez 2 anos semana passada. — Ele riu quando a assistente arregalou os olhos.
— Com quantos anos você teve esse filho? Quinze? — ela exagerou.
— Aí você também está pegando pesado, né? Eu já tinha 22 quando ele nasceu — Isco respondeu e estendeu o celular para , que, como sempre acontecia, acabou largando a fase do Candy Crush pela metade.
Era um vídeo do filho de Isco brincando com uma bola de futebol. O garotinho ainda andava com dificuldade, mas já dava alguns chutes bastante firmes na bola.
— Que gracinha! Esse nasceu com o futebol no sangue, hein? — disse, sorrindo, e devolveu o aparelho ao dono. — Qual é o nome dele?
— Francisco.
— Ah, mentira. É Francisco Júnior? — ela questionou e o espanhol meneou a cabeça, concordando. — Por que jogador de futebol adora colocar o próprio nome no filho?
— Um nome tão bonito desse a gente tem que passar adiante, né? — Isco brincou, fazendo a mulher rolar os olhos e rir.
— Você é metido pra caramba!
Karim Benzema, que adentrava o ônibus, parou ao lado de para beijá-la no topo da cabeça antes de seguir seu caminho. Ela sorriu em resposta e logo notou que, atrás dele, vinha . Seus olhos se encontraram aos dele e ambos sorriram um para o outro.
Algumas semanas haviam se passado desde que o Real Madrid conquistara a Supercopa da Europa e a amizade de e não havia tido uma grande evolução. Na verdade, ela nem sequer considerava o relacionamento entre eles como uma amizade. Não que quisesse desesperadamente ser amiga do , mas, para ela, que sempre fora uma pessoa comunicativa até demais, estava sendo perturbador não saber como agir quando ele estava por perto. A interação entre eles nunca passava de "bom dias", das curtidas no Instagram que trocavam de vez em quando e de uma instrução ou outra que passava para a mando de Zidane. O camisa onze nunca parecia muito interessado em bater papo com , diferente de todos os outros jogadores, e aquilo a deixava bastante intrigada e sentindo-se cada vez mais curiosa a respeito dele. Mesmo que fosse tão acessível quanto qualquer outro, parecia fora de alcance.
Alguns minutos depois, o time inteiro já havia chegado e o ônibus pôde sair em direção ao aeroporto. Como de costume, eles foram deixados em frente ao avião do clube para não gerar confusão e atrapalhar o embarque e desembarque das pessoas que chegavam ou saíam de Madrid. Mesmo assim, eles sempre acabavam chamando a atenção dos funcionários do aeroporto e, até adentrarem o avião, paravam para tirar fotos e dar autógrafos.
sentou-se na janela, decidida a tirar um cochilo até que pousassem na cidade de San Sebastián, localizada no norte da Espanha, mas, quando Toni Kroos sentou-se ao seu lado, percebeu que isso seria uma missão impossível.
— Como vai a vida, ? — o alemão perguntou com um sorriso travesso nos lábios.
A chegada ao hotel foi agitada, pois uma multidão de torcedores estava à espera do Real Madrid. Era por volta do meio-dia, então os jogadores e comissão técnica não perderam tempo e foram direto almoçar um cardápio rico em carboidratos. Depois de estarem devidamente alimentados, Marco Asensio, Álvaro Morata e Mariano Díaz foram os três jogadores escalados para a sessão de autógrafos que o clube organizava em toda cidade que visitavam para os jogos fora de casa.
Entediada, acabou indo até o salão onde os três jogadores estavam sentados em uma mesa comprida e iam atendendo a fila enorme de torcedores. Ela observava de longe, quieta. Não sabia quão conhecida já era entre a torcida, mas preferiu não arriscar chamar a atenção para si. Era divertido observar os rostos entusiasmados das pessoas ao falarem com os três futebolistas, especialmente as crianças. Ela só conseguia pensar que, para os jogadores, devia ser gratificante poder fazer o dia de pessoas que os admiravam tanto com gestos tão simples.
O time voltou a se reunir no fim da tarde para que pudessem se encaminhar para o Estadio Municipal de Anoeta e, enfim, fazer o que mais gostavam: jogar futebol. Nas idas para os estádios, o ônibus costumava ser um pouco mais silencioso do que em outras viagens que a equipe fazia, pois todos preferiam se recolher e manter a concentração antes dos jogos. Alguns gostavam de ouvir música, outros só observavam as ruas da cidade passarem pelas janelas. estava inserida no segundo grupo, já que era sua primeira vez em San Sebastián e estava curiosa a respeito da cidade.
Conforme o ônibus se aproximava do estádio, mais e mais torcedores da Real Sociedad surgiam, lotando a rua de camisas listradas em azul e branco. se divertia com os gestos obscenos que eles faziam para as janelas, mesmo que o vidro escuro não permitisse a visão do que acontecia do lado de dentro. O que seria do futebol sem a rivalidade? Desde que não fossem atacados, estava tudo certo. Era até engraçado.
O ônibus os deixou dentro das dependências do estádio e, então, todos seguiram para o vestiário. Os onze jogadores escalados para serem os titulares naquela primeira partida de LaLiga da temporada foram os primeiros a vestirem o uniforme com a camisa roxa de aquecimento pré-jogo e, junto a Antonio, se apressaram para ir ao campo. Os titulares sempre tinham mais tempo de aquecimento com o preparador físico do que o restante do time.
andava distraidamente, observando os corredores com paredes decoradas com o escudo da Real Sociedad, e, ao descer as escadinhas que levavam ao túnel, sentiu dois toques no ombro esquerdo. Como já estava se acostumando com as brincadeiras bobas dos jogadores, ela olhou para o lado contrário e, como imaginava, encontrou o culpado.
— Que foi, Benzema?
— Caramba, você é tão sem graça. Não cai em uma — ele falou, caminhando ao lado da assistente na direção do campo. — Acho que nem vou jogar hoje — acrescentou, desapontado.
— A dor na coxa piorou?
— Na verdade, não. Mas o Jaime acha melhor não arriscar que piore — ele respondeu, se referindo ao fisioterapeuta do time.
— Não tem problema. Você assiste ao jogo do meu ladinho — brincou e passou o braço pelas costas do amigo, o abraçando pela cintura.
— Única parte boa de ficar no banco — Karim rebateu em um tom divertido e abraçou pelos ombros, a puxando para si.
— Estamos atrapalhando? O casalzinho aí quer privacidade? — Morata disse em um tom de voz alto ao passar ao lado deles, acompanhado de Lucas Vázquez, e gargalhou.
— Se está incomodado, é só olhar para o outro lado — Benzema retrucou e, quando adentraram o campo, soltou para correr atrás de Álvaro para lhe dar um peteleco na orelha.
A assistente técnica riu ao ver os dois correrem pelo campo até Karim desistir e ir se juntar aos jogadores que seriam titulares e já estavam há alguns minutos por ali. Ela seguiu pelo mesmo caminho para comandar o aquecimento ao lado dos outros membros da comissão técnica antes de todos voltarem ao vestiário para colocar o terceiro uniforme, que era preto com detalhes roxos e seria utilizado pela primeira vez naquele jogo, e ouvir as últimas instruções do técnico.
ficou encantada com a energia que Zizou transmitia. O francês fez questão de, na porta do vestiário, abraçar cada jogador que saía em direção ao campo. Ela sabia como era importante que o treinador fizesse os jogadores se sentirem importantes, independente de serem titulares ou não. Afinal, todos faziam parte do time e iriam perder ou ganhar o jogo juntos.
Mesmo sabendo que perderia o início da partida, decidiu ir até o banheiro ou sua bexiga explodiria a qualquer momento. Quando, finalmente, chegou ao campo, se surpreendeu ao encontrar os jogadores do Real Madrid comemorando em meio a algumas vaias. A torcida estava repleta de torcedores do time adversário, os madridistas eram uma pequena parcela.
— Mas já? Quem fez o gol? — ela perguntou ao sentar-se ao lado de Benzema no banco de reservas.
— . Um golaço de cabeça.
arregalou os olhos minimamente em sinal de surpresa e procurou pelo , que voltava para a saída de bola com um sorriso enorme no rosto que a fez sorrir junto. Ela estava contente por eles terem conseguido sair na frente com pouco mais de um minuto de jogo, mas lamentou por ter perdido o gol de .
O Real Madrid dominou o jogo a partir de então. Álvaro Morata e Toni Kroos eram os jogadores que mais conseguiam chances de ampliar o placar, mas, só na reta final do primeiro tempo, Marco Asensio marcou o segundo gol. O segundo tempo seguiu no mesmo ritmo, apesar de o placar permanecer o mesmo. No entanto, quando machucou o tornozelo ao saltar para uma disputa de bola alta, Sergio Ramos e Marcelo acabaram se estranhando com alguns jogadores da Real Sociedad e uma pequena confusão foi formada.
Enquanto era atendido por Jaime, que se certificou de que ele conseguisse jogar os minutos finais da partida, o árbitro se meteu no meio da briga e acalmou os ânimos. A bola voltou a rolar e, no último minuto de jogo, marcou mais um gol.
sentiu um frio na barriga ao ver o jogador dar uma corridinha que demonstrava o tamanho de seu cansaço em sua direção. Só percebeu que prendia a respiração quando abraçou Jaime, que estava sentado ao seu lado, fazendo-a soltar o ar com força conforme um pequeno sorriso surgia em seus lábios.
estava dedicando o gol ao fisioterapeuta, já que, sem a ajuda dele, não teria tido condições de continuar em campo e, consequentemente, aquele terceiro gol não existiria.
Na volta para o vestiário, Zizou fez questão de repetir o gesto de abraçar os jogadores um a um, os parabenizando pelo excelente jogo. É claro que recebeu uma felicitação diferenciada, pois havia feito dois gols logo em seu primeiro jogo da temporada e, sem dúvida alguma, havia sido o melhor jogador em campo.
A assistente técnica também o abraçou, apesar de ter sido um abraço mais rápido do que ela gostaria. Foi um abraço quase tímido, na verdade, já que havia tirado a camisa para trocar pela de um jogador do time adversário.
odiava o silêncio, mas a visão de à sua diagonal, vestindo um terno preto, a deixava sem palavras.
Os dois estavam sozinhos no jatinho do presidente do Real Madrid que os levaria até Mônaco para a cerimônia de sorteio de grupos da Champions League. Esperavam por Zidane, Cristiano Ronaldo e, é claro, pelo próprio presidente Florentino Pérez. Os cinco representariam o clube, mas Cristiano e , em especial, estavam entre os três finalistas do prêmio de melhor jogador da Europa e seriam homenageados.
— Está nervoso? — questionou e sentiu-se até aliviada por, finalmente, ter quebrado aquele maldito silêncio.
tirou os olhos de uma revista de esportes que folheava e permitiu que eles encontrassem os da francesa. Ela jamais imaginaria que ele fingia estar muito mais interessado naquela revista do que realmente estava. Não fitá-la mais do que o apropriado estava sendo um desafio.
Alguns minutos antes, assim que pôs os olhos nela, quase não conseguiu disfarçar quão encantado ficou. Ele não sabia se era o vestido elegante que cobria todo seu corpo ou os fios de cabelo ondulados que estavam soltos, não presos em um rabo de cavalo como de costume.
A única coisa que sabia era que estava estonteante.
— Por que eu estaria nervoso?
Diante da falta de expressão no rosto do , não soube dizer se aquele questionamento havia sido irônico ou não. Por muito pouco não se arrependeu por não ter mantido a boca fechada.
— Quer dizer, por causa do sorteio? Ou por causa do prêmio? — ele se corrigiu, notando sua própria falta de simpatia.
— Sei lá, pelas duas coisas — ela murmurou, dando de ombros.
— Talvez eu esteja um pouco ansioso por conta do prêmio, mas estou tranquilo em relação ao sorteio. Estou curioso, claro, mas não me importo muito com o grupo em que vamos cair. A gente tem obrigação de encarar qualquer adversário com a mesma seriedade.
sorriu quase imperceptivelmente, achando graça da postura séria de . Mais parecia que ele estava respondendo a perguntas de um jornalista no meio de uma entrevista. Na verdade, a postura dele era sempre aquela, extremamente educado e comprometido com o trabalho.
— Isso é verdade. Às vezes a gente pensa que um time é fraco e entra com uma postura mais relaxada só pra acabar levando uma bela de uma rasteira — ela falou, rindo.
— É ingenuidade entrar num jogo com essa mentalidade.
— Muita ingenuidade — ela concordou. — Um time do tamanho do Real Madrid não pode nem cogitar a possibilidade de agir assim.
Enquanto terminava de falar, a figura de Cristiano Ronaldo adentrou o jatinho. Ele estava tão bem vestido quanto o e a assistente técnica sentiu-se até um pouco tonta com tanta elegância em um espaço tão pequeno. Sem contar os perfumes fortes que eles usavam que se misturaram no ar. Se ambos, normalmente, tinham presenças bastante marcantes, arrumados daquela maneira tinham ainda mais.
— Opa. Qual é o assunto? — Cristiano questionou com um sorriso nos lábios, sentando-se na poltrona em frente à de .
— Oi, Cris — ela falou, sorrindo, e abanou o ar. — Nada demais. Perguntei pro se ele está nervoso com o sorteio e com o prêmio que vocês estão concorrendo, mas ele é um cara durão.
tentou se manter séria, mas acabou rindo e os dois jogadores a acompanharam.
— Estou tranquilo também — Cristiano disse, dando de ombros. — Quem você acha que vai ganhar?
— Não sei, vocês dois tiveram um ano excepcional tanto no Real Madrid quanto nas seleções, é complicado dizer. Mas estou torcendo pelos dois. Apesar de que, caso o Griezmann ganhe, também não vou achar ruim — ela confessou, piscando um olho.
— Você ouviu isso, cara? Ela está dizendo que vai confraternizar com o rival — o português falou com uma indignação exagerada, olhando para , que apenas riu.
— Não exagera — retrucou, rindo levemente. — Eu jamais ficaria chateada de ver um conterrâneo ganhar um prêmio de melhor jogador da Europa, mesmo sendo de um clube rival. E o Antoine merece. Ele teve uma temporada incrível.
— Sei…
Cristiano estreitou os olhos, fazendo-a rir.
Zidane surgiu acompanhado de Florentino Pérez em seguida e os três se levantaram para cumprimentá-los.
— Fico feliz que tenha aceitado o convite — Florentino falou, sorrindo, ao apertar a mão de .
— Eu que agradeço por me dar a oportunidade de acompanhar vocês — ela disse com um sorriso simpático no rosto antes de voltar a se sentar.
— Você está belíssima. Certamente não puxou seu tio em nada — o Presidente brincou.
— Infelizmente, tenho que concordar. — Zizou riu, se sentando no assento vago ao lado da sobrinha. — A puxou a mãe. Minha cunhada era modelo quando mais jovem.
— Obrigada pelo elogio, mas você também é lindo, tio — retrucou.
— Ela é cega, coitada — ele brincou, fazendo todos rirem, e pôs a mão livre sobre a dela.
O piloto não demorou a anunciar que eles decolariam em instantes. A viagem de quase duas horas até Mônaco contou com um papo bem leve sobre futebol, como não poderia deixar de ser.
O ex-futebolista Clarence Seedorf remexeu as bolinhas de plástico que restavam no pote número 1 e escolheu uma delas. Depois de abri-la, tirou um papel de lá de dentro, o desdobrou e mostrou para a câmera.
— Real Madrid — ele disse o nome de seu ex-clube com um sorriso no rosto.
Em seguida, foi a vez de Ian Rush, ex-jogador de futebol galês de retirar uma das bolinhas do pote que estava sob seu comando.
— F — ele leu após desdobrar o pedaço de papel que retirou de dentro da bola e mostrá-lo na direção da câmera para que todos soubessem em que grupo o Real Madrid estaria.
descruzou as pernas conforme espiava Cristiano Ronaldo, que estava sentado ao seu lado.
— Espero que F seja a sua letra da sorte — ele sussurrou.
Ela apenas riu e voltou a cruzar as pernas, mas dessa vez deixou por cima a perna que anteriormente estava por baixo, buscando por uma posição mais confortável. Já estava ali há algum tempo, sentada ao lado dos três finalistas do prêmio de melhor jogador da Europa, e, mesmo a poltrona sendo bastante macia, a cerimônia ainda demoraria a acabar.
Os trinta e dois clubes que disputariam a UEFA Champions League daquela temporada foram divididos em quatro potes de acordo com a ordem de classificação. O dos clubes classificados em primeiro lugar nas suas respectivas ligas nacionais, além do Real Madrid, o atual campeão, era o primeiro pote a ser sorteado para que fosse definido qual time seria o cabeça-de-chave de cada grupo. Em seguida, os outros potes também seriam sorteados até que os oito grupos estivessem completos. O evento contava com a participação de ex-futebolistas de sucesso, como Ruud van Nistelrooy, Thierry Henry, Clarence Seedorf, Roberto Carlos e Ian Rush, que eram os responsáveis por definir o destino dos clubes naquela primeira fase do torneio.
Quando o sorteio foi concluído e já sabia que teria que estudar o Borussia Dortmund, o Sporting e o Légia Varsóvia mais a fundo, já que seriam os primeiros adversários do Real Madrid, deu-se início à entrega dos dois prêmios da noite, o de melhor jogadora e o de melhor jogador da Europa da última temporada.
Ada Hegerberg, Amandine Henry e Dzsenifer Marozsán foram as jogadoras finalistas de 2016 e não pôde deixar de lamentar por não ver nenhuma das garotas com quem trabalhou no Paris Saint-Germain entre elas, embora soubesse que as três mulheres em cima do palco mereciam estar ali. Ángel María Villar, o atual presidente da UEFA, foi chamado ao palco para anunciar a grande vencedora. O nome de Ada Hegerberg foi dito no microfone e, com um sorriso enorme, a jovem norueguesa do Olympique Lyonnais pegou o prêmio e agradeceu a todos os jornalistas que votaram nela.
A vez dos homens chegou e, após um vídeo com grandes momentos da temporada dos três finalistas, Antoine Griezmann, Cristiano Ronaldo e subiram ao palco. O presidente da UEFA, mais uma vez, foi chamado para anunciar o grande vencedor. Ángel María Villar abriu o envelope e leu o nome de Cristiano Ronaldo. O resultado não fora tão surpreendente assim, afinal. Além de ganhar La Undécima Champions League com o Real Madrid, o português fora também campeão da Eurocopa, seu primeiro grande título coma Seleção de Portugal.
ficou feliz ao vê-lo fazer um rápido discurso emocionado, mas estava contente também por e Antoine. Ambos haviam trabalhado muito para estarem naquele palco.
Quando a cerimônia foi encerrada, seguiu junto a Zidane e Florentino Pérez em direção aos três jogadores, que desciam do palco e eram parabenizados por pessoas da platéia. Ao avistar Antoine a alguns passos de distância, ela se aproximou e o cutucou no ombro.
— Parabéns, Petit Prince — ela falou, o puxando para um abraço forte, mesmo que tivesse o cumprimentado no início da cerimônia com um outro tão apertado quanto. — Ainda vou te ver ganhando um montão de prêmios.
— Você sabe que eu odeio esse apelido, né? — o jogador murmurou, referindo-se à maneira como costumava chamá-lo, mesmo que eles nem tivessem tanta intimidade. Eles haviam se conhecido por intermédio de Benzema.
— Qual seria a graça de te chamar assim se você não odiasse? — questionou, rindo, e soltou Griezmann do abraço a tempo de vê-lo rolar os olhos.
— Valeu, — ele disse, sorrindo. — Vamos combinar um campeonato de FIFA só de franceses lá em casa, uh? Eu, você, Benzema, Varane, Lucas e Gameiro.
— Real Madrid contra Atlético de Madrid? É só marcar, querido — ela rebateu, piscando um olho.
— Fechado. Viu minha namorada por aí? — Antoine questionou, olhando à sua volta.
— Sua namorada está aqui? — perguntou, também olhando para os lados.
— Sim, perdida em algum lugar — ele respondeu, rindo.
viu Zidane acenar de longe para que ela se juntasse a ele e aos outros.
— Meu tio está chamando ali — ela disse ao mesmo tempo que fazia sinal de que já estava indo. — A gente se vê em Madrid, Anto. Manda um beijo pra sua namorada.
— Pode deixar. Diz pro Zizou que eu mandei um abraço também.
estalou um beijo na bochecha de Griezmann e caminhou a passos apressados, puxando a barra do vestido longo para cima. Quando se aproximou de seus companheiros de equipe, foi convidada a tirar uma foto com todos do Real Madrid presentes. Ela se posicionou entre Zidane e e sorriu para as diversas câmeras que estavam registrando o momento.
Em seguida, pôs a mão no ombro de , chamando a atenção do jogador para si.
— Ei, , parabéns! — ela exclamou, sorrindo. — Sinto muito por você não ter ganhado, mas ficar entre os três melhores é excelente.
— Obrigado, — ele respondeu e a francesa não deixou de notar que aquela era a primeira vez que ele a chamava pelo apelido.
E ela precisava admitir que seu apelido havia soado muito bem saindo por aqueles lábios.
Ainda mais quando ele a fita de maneira tão penetrante.
— Seus olhos são tão bonitos — ela deixou escapar e arregalou os seus próprios minimamente, assustada.
soltou uma risada sem graça e, antes que pudesse agradecer pelo elogio, foi pego de surpresa pelos braços de o envolvendo em um abraço. Ele a abraçou de volta sem saber muito bem como reagir, mas ela logo se afastou. Não sem antes sorrir uma última vez.
a observou ir até Cristiano para parabenizá-lo pelo prêmio e agradeceu mentalmente quando Zizou chamou seu nome e se aproximou para cumprimentá-lo, senão ele provavelmente continuaria a encarando daquela forma boba para sempre.
Era véspera da segunda rodada do Campeonato Espanhol, o primeiro jogo em casa da temporada. O Real Madrid enfrentaria o Celta de Vigo no Santiago Bernabéu e, depois de passarem a tarde treinando no estádio, o ônibus levou a equipe de volta para a Ciudad Real Madrid, onde eles passariam a noite concentrados. já estava familiarizada com seu quarto na residência do time principal, pois ia até lá para tomar banho e descansar entre um treino e outro, mas seria a primeira vez que dormiria ali.
O ônibus parou em frente à residência e todos os jogadores e corpo técnico entraram pela porta de vidro. A maior parte seguiu para o andar dos quartos para deixar suas coisas e descansar um pouco até a hora do jantar.
Caminhando pelo longo corredor, prestava atenção na conversa de Benzema e James sobre carros, mas não fazia a mínima questão de opinar; ela não entendia absolutamente nada de qualquer tipo de automóvel. Como seu quarto vinha antes, parou em frente à porta de madeira clara e os deixou seguirem pelo corredor. Pôs o dedo indicador sobre o leitor biométrico e esperou meio segundo até que a porta estivesse destrancada e, então, ela pudesse adentrar o aposento.
Todos os trinta quartos eram idênticos, exceto pela vista da sacada, já que metade deles era voltada para um dos campos de treinamento e a outra para o estacionamento. O de era voltado para o campo.
Ao adentrar as dependências, o jogador ou membro da comissão técnica se deparava com um pequena sala de estar com televisão, um sofá de três lugares e, ao fundo, uma porta de vidro para ir até a varanda. À direita, um portal levava ao quarto propriamente dito, onde tinha uma cama de casal e um banheiro. Nada muito grande ou extremamente elaborado, mas o suficiente para deixar qualquer pessoa nova que chega à equipe de boca aberta.
Foi exatamente assim que ficou na primeira vez que pisou em seu quarto.
Ela largou a mochila que levava nas costas no sofá e foi até a cama, onde se jogou no colchão macio. Aproveitou o tempo livre para mandar mensagens para sua família, que não via desde a última vez que fora a Marselha nas férias e alguns amigos também de sua cidade natal. Durante a maior parte do tempo, ficou conversando com Fifi — o nome dela era Joséphine, na verdade, mas exigia que todos a chamassem pelo apelido —, uma amiga da época da escola que estava noiva. ficou tão entretida com Fifi lhe contando sobre os preparativos para o casamento que, quando se deu conta, já estava na hora do jantar.
— Você vai adorar o cardápio de hoje, — Benzema falou assim que ela adentrou o refeitório.
olhou para o prato de Karim e abriu um sorriso enorme.
— Oba! Paella! — exclamou, animada.
O jogador riu e se sentou em uma mesa com James, Isco e Varane.
A francesa pegou um prato e se serviu de uma porção generosa da mistura de arroz e frutos do mar. Ela era completamente louca pelo prato tipicamente espanhol desde a primeira vez que o experimentara em uma viagem para Valencia com os pais, quando era apenas uma menina. Em seguida, foi se juntar ao grupo de jogadores que falava alto enquanto comia.
— , já votou em mim pra capa do FIFA 17? — James questionou assim que a assistente sentou-se ao seu lado.
— Para com isso, cara. Parece político pedindo voto pra todo mundo — Isco debochou de boca cheia.
James Rodríguez era um dos jogadores que estavam concorrendo a estrelar a capa do FIFA 17, que seria lançado no mês seguinte. A votação estava acontecendo pela internet e qualquer um podia votar.
— Votei ontem, James — respondeu, dando uma garfada na comida para, em seguida, levar o garfo à boca.
— Mas e hoje? Dá pra votar uma vez por dia — o colombiano rebateu.
— Ah, sério? Pensei que só podia uma vez — a mulher disse, deixando seus olhos vagarem para a entrada do refeitório quando notou uma movimentação. — Daqui a pouco voto de novo. Pode deixar.
adentrava o refeitório acompanhado de Luka Modrić e, sem nem se dar conta, acompanhou com os olhos eles irem até o buffet. Ela continuou a comer, dividindo a atenção entre os jogadores que dividiam a mesa com ela e os dois recém-chegados.
Luka foi o primeiro a terminar de servir o prato e, após correr os olhos por todo o refeitório, foi na direção da mesa mais animada e sentou-se de frente para a assistente técnica.
— E aí, galera? — o croata disse, sorridente.
— Já votou em mim pra capa do FIFA 17? — James prontamente questionou e riu ao perceber quão empenhado em ganhar a votação ele estava.
— Claro que sim, tenho votado todo dia — Luka respondeu para a satisfação do colombiano.
, então, notou que acabava de se servir e, assim como o amigo, analisou todo o refeitório. Seus olhos encontraram com os dela por um segundo e já estava esperando que ele fosse se juntar a eles, mas, para sua decepção, ele seguiu para a outra mesa e sentou-se com Mateo Kovačić e Toni Kroos.
Ela riu baixo, como se estivesse dizendo a si mesma que não se importava com aquilo. sabia que também andava para cima e para baixo com Toni e Mateo, mas, depois de ter sido evitada o dia inteiro, era impossível não pensar que ele não seguira Luka por causa de sua presença.
Ela não conseguia entender. No dia anterior, na viagem para Mônaco, podia jurar que , finalmente, daria abertura para que eles pudessem interagir mais um com o outro. Mas, ao retornarem para Madrid, tudo parecera voltar ao normal.
Mais ridículo do que sempre dar um jeito de não chegar perto dela, era o tanto que ela estava se importando com isso.
bufou, irritada consigo mesma, e voltou a comer, mesmo que a paella até tivesse perdido a graça naquela altura do campeonato. Não pôde evitar olhar para a outra mesa de tempos em tempos e, na maioria das vezes, seu olhar cruzava com o de .
5. La Quinta
De la manera en que me bailas, tú a mi
Y así me gustas, tú a mi
De la manera en que me bailas, tú a mi
Me Gustas - Maluma
— Vou te fazer um convite e não aceito não como resposta.
se assustou quando a voz de Benzema adentrou seus ouvidos e tirou os olhos do celular para fitá-lo bem à sua frente.
— Convite? Lá vem… — ela disse, desencostando-se do carro de Zidane.
— Vamos sair? Pelos velhos tempos — o jogador falou com um sorriso persuasivo nos lábios.
— Hoje? — a assistente questionou e, quando viu Karim assentir, abriu a boca, chocada. — Acabamos de voltar de um jogo e você ainda tem pique pra ir pra farra?
— Qual é, ? Hoje é sábado e amanhã é dia de folga. Vamos aproveitar.
Os olhos da mulher vagaram pelo estacionamento da Ciudad Real Madrid, avistando parte dos jogadores entrando em seus carros e indo embora para suas casas depois de uma vitória trabalhosa por 2x1 no Santiago Bernabéu contra o Celta de Vigo. A maioria deles viajaria no dia seguinte para se juntarem às suas seleções, já que naquela semana aconteceria a parada internacional. Diferente deles, ela poderia relaxar mais do que o habitual naqueles dias, já que o trabalho com os jogadores que não haviam sido convocados seria mais físico do que técnico.
ponderou a oferta de Karim. Já fazia mais um mês que ela estava trabalhando com o Real Madrid e, durante aquelas semanas, não saíra nem sequer uma vez para se divertir. O máximo que fazia era jantar em restaurantes com seus tios e primos. Ela, definitivamente, merecia um pouco de diversão.
— Tudo bem — respondeu, por fim, dando de ombros.
— Eu sabia que você não ia me decepcionar — Karim disse, animado, e piscou um olho. — Está esperando o Zizou, né?
— Sim, ele disse que ia trocar uma palavrinha com o Presidente.
— Vem comigo, então. Eu te levo pra casa.
Benzema saiu andando e, sem questionamentos, o seguiu.
Antes de entrar no carro, avistou saindo pela porta da residência dos jogadores. Acenou quando ele a encarou de volta e, em seguida, se acomodou no banco do carona, ao lado de Benzema.
— Você não está nem aí por não ter sido convocado, né? — ela questionou e virou a cabeça para encarar o atacante, que ligava o carro.
— Eu não posso fazer nada se o Deschamps vai continuar insistindo nessa implicância que tem comigo — Karim respondeu e deu de ombros enquanto manobrava o carro pelo estacionamento. — Aliás, posso sim. Curtir minha folga — acrescentou em um tom divertido.
Benzema precisou parar o carro, pois o de Nacho estava impedindo a sua passagem, e buzinou impacientemente.
— O Deschamps vai acabar te convocando mais cedo ou mais tarde, ele sabe que não tem um atacante francês melhor do que você atualmente — disse e acabou soltando uma gargalhada quando viu o braço de Nacho sair pela janela do automóvel para, em seguida, mostrar o dedo médio para Karim.
Nacho deixou o estacionamento, permitindo que o francês fizesse o mesmo.
— Eu até gostaria de voltar a ser convocado, mas não estou desesperado por isso — ele disse, sinceramente. Sabia que o único jeito de convencer o técnico da Seleção Francesa era mostrando seu valor ali no Real Madrid, o que ele já vinha fazendo.
O carro saiu pelo portão da Ciudad Real Madrid e Karim pegou a avenida em alta velocidade.
— Chamou mais alguém pra ir com a gente? — questionou com curiosidade.
— O James, mas ele vai viajar pra Colômbia de madrugada e preferiu não ir — o jogador respondeu, esticando o braço para apertar o botão que iniciava uma playlist de músicas em modo aleatório.
Ailleurs, do rapper francês Black M, começou a tocar.
desviou os olhos para a janela e observou as belíssimas construções de Madrid passarem tão rapidamente que mal conseguia identificar do que se tratava cada prédio.
— Será que dá pra você ir mais devagar? Não estou a fim de morrer — disse, fazendo Karim bufar e diminuir a velocidade do carro.
Quando se perdeu em pensamentos, ela não entendeu por que veio à sua cabeça como um flash.
A casa noturna estava lotada naquela noite de sábado e Me Gustas, do Maluma, tocava a toda altura nas caixas de som. , que já nem sabia há quanto tempo estava na pista de dança, rebolava no ritmo da música ao mesmo tempo em que a cantava a plenos pulmões. Desde que morara pela primeira vez na Espanha e passara a ter mais contato com a cultura espanhola e latino-americana, reggaetón se tornara seu estilo musical favorito. Ela adorava a boa energia que a batida transmitia.
Benzema surgiu ao seu lado com o celular e o segurou de forma que a câmera focalizasse os dois, como se fossem tirar uma selfie. pôde ver a bolinha vermelha piscando, indicando que um vídeo estava sendo gravado, mas, devido ao álcool que corria em seu sangue, nem questionou. Apenas continuou dançando e cantando, fazendo graça para a câmera.
— Vou mandar esse vídeo no grupo pra zoar os caras — Benzema falou alto para que pudesse ser escutado em meio ao som alto, rindo. — Quer beber alguma coisa? — questionou no ouvido de .
— Por favor. Estou morta de sede!
Os dois se encaminharam para o bar e se sentaram lado a lado em dois bancos, se escorando no balcão. não conseguiu escutar o que Benzema pediu para o barman, mas confiava no gosto dele para bebidas e não se importou.
— Que grupo é esse, hein? — ela questionou, observando Karim mexer no celular.
Pôde ver um grupo do WhatsApp aberto e, chegando o rosto mais perto da tela, descobriu que se chamava Galácticos ⚽.
— Ah, é o grupo que a gente criou pra falar merda — ele respondeu, digitando uma legenda para o vídeo e, em seguida, enviou o arquivo.
— E por que eu não estou aí? — rebateu com ultraje.
— Esse grupo é só dos jogadores, não adicionamos ninguém da comissão técnica — Benzema explicou, guardando o celular no bolso interno da jaqueta. — Mas posso perguntar pros caras se eles se importam de você participar.
— É bom perguntar mesmo. Pelo visto, esse grupo é muito mais divertido do que aquele que me colocaram.
Logo em seguida, o barman voltou com dois copos de uma bebida colorida. sequer quis saber qual era o conteúdo, deu uma golada generosa e sentiu a garganta arder. Tossiu, no intuito de se livrar do desconforto.
— Vai com calma, — Karim falou, rindo.
Depois de esvaziar o copo, a assistente se pôs de pé e se enfiou na pista de dança mais uma vez. O outro, notando seu estado alcoólico, imediatamente a seguiu antes que a perdesse de vista.
— Cómo tú te llamas, yo no sé. De donde llegaste, ni pregunté — cantava Hasta El Amanecer, do Nicky Jam, conforme dançava de forma divertida.
O sorriso travesso que brincava em seus lábios deixava claro que ela tinha consciência de que estava atraindo olhares de todos os lados e estava mais do que satisfeita com isso. Olhou em volta e, por dois segundos, jurou ter visto a devorando com os olhos. Precisou olhar uma segunda vez para constatar que o homem que a fitava com desejo, apesar de bastante atraente, não tinha nada a ver com o .
A animação que corria por todo seu corpo se evaporou em um instante, dando lugar a um sentimento ruim que não soube definir. A vontade de estar ali na pista de dança sumiu e ela saiu de lá a passos apressados, sendo seguida por um Benzema completamente confuso.
— Era só o que me faltava — disse, passando as mãos no rosto, quando eles estavam em uma área menos tumultuada da boate.
— O que aconteceu? — Karim questionou.
soltou um longo suspiro ao fitar os olhos confusos do amigo e deu um passo para frente para abraçá-lo. As mãos do jogador instintivamente foram parar em sua cintura e ela deitou a cabeça no ombro dele.
— Acho que tô precisando dar uns beijos em alguém — ela disse, sem querer revelar o motivo.
— Isso é um convite? — ele perguntou, rindo levemente.
tocou o pescoço de Benzema com os lábios, o fazendo fechar os olhos, e fez um caminho de beijos suaves até roçá-los suavemente nos dele.
— Não seria uma má ideia — ela sussurrou —, mas você não deveria me dar corda.
A tensão quase palpável que havia se instalado entre os dois foi quebrada quando se afastou.
— Não vejo problema nenhum — Karim falou com um sorriso de canto.
— Sei que não. Você é um safado — ela disse, arrancando uma risada dele, antes de dar meia volta. — Vamos? Acho que já deu por hoje.
tinha quase certeza de já ter escutado aquela música. Possivelmente no vestiário, quando algum de seus colegas de time resolviam brincar de DJ, mas não tinha a mínima ideia de qual era o nome ou de quem a cantava. O que ele podia afirmar era que ela soava muito bem saindo pelos lábios de naquele vídeo de menos de um minuto que ele já assistia pela milésima vez.
Pela manhã, havia viajado para se concentrar com a Seleção para dois jogos das eliminatórias da Copa de 2018. Enquanto esperava pela hora do voo, acabou pegando o celular para se distrair e reparou que havia um monte de mensagens não lidas do grupo do WhatsApp que fazia parte junto com o restante dos jogadores do Real Madrid. Ao abrir a janela, descobriu que o motivo de toda aquela movimentação no grupo tinha sido um vídeo enviado por Benzema no início da madrugada.
A curiosidade acabou falando mais alto e imediatamente deu play no vídeo. O rosto de Karim surgiu na tela e, pelo ambiente pouco iluminado e música alta que tocava, concluiu em meio segundo que aquilo se tratava de uma boate. A câmera se movimentou até focalizar um segundo rosto, o de .
A mulher sorria enquanto cantava junto com a música e se movimentava graciosamente, se insinuando para a câmera. contemplou cada detalhe do rosto de e o decote ousado da blusa que ela vestia. Para variar, ela estava linda. Era incrível como, toda vez que olhava para a francesa, sentia como se nunca houvesse visto uma mulher tão bonita quanto ela.
Desde então, ele estava vendo e revendo aquele vídeo. Benzema nem sabia, mas havia conseguido o que queria. estava morrendo de inveja por não ser ele ali ao lado de , a assistindo dançar de forma tão envolvente.
Algumas vozes adentraram o vestiário e bloqueou o celular e o jogou dentro da mochila que estava ao seu lado no banco.
— Mr. — um de seus colegas de seleção falou.
— E aí, cara? Como foram as férias? — ele questionou, levantando-se para cumprimentar cada um dos recém-chegados com um abraço. Não os via há praticamente dois meses, quando foram eliminados da Eurocopa.
— Aproveitei pra caramba. Por mim, estava aproveitando até agora, mas temos que trabalhar, né? — ele brincou, fazendo rir.
O vestiário foi se enchendo e todos se preparavam para dar início ao primeiro treino daqueles dias em que estariam reunidos e focados em garantir a vaga da Seleção na próxima Copa do Mundo.
calçava as chuteiras com os pensamentos bem longe dali. Claro que era grato por poder defender a camisa de sua seleção, mas, pela primeira vez em sua vida, ele estava ansioso para que os dias passassem rapidamente para que pudesse voltar para Madrid. sabia que estava seguindo por um caminho sem volta, mas não podia evitar. o fazia sentir-se desnorteado em meio àqueles sentimentos que despertava nele.
Como já esperava, o trabalho da semana se desenrolou em ritmo lento e arrastado.
folheava um livro de Raúl González, um dos maiores ídolos do Real Madrid de todos os tempos e que ela havia tido a oportunidade de conhecer por intermédio de seu tio, já que os dois jogaram juntos entre 2001 e 2006. Estava sentada em um dos sofás da sala de convivência da residência do time com a cabeça apoiada no ombro de Benzema, que navegava na internet pelo celular. Exceto por alguns jogadores que mexiam nos computadores distribuídos pela sala, o ambiente estava bastante calmo, mas era possível ouvir a algazarra que o restante do time fazia na sala de jogos. A ideia do dia havia sido a realização de um torneio de ping-pong e não conseguia entender como eles tinham energia para aquilo depois de um dia inteiro de treinamento intenso. Ela, que apenas dava instruções junto a Zidane e o resto da comissão técnica, estava exausta e só pensava em descansar para o jogo do dia seguinte, a estreia na Champions League contra o Sporting de Portugal.
Ela fechou o livro em meio a um suspiro e o largou sobre a mesa de centro, bem ao lado dos pés cruzados que Benzema repousava desleixadamente ali. Em seguida, voltou a se recostar no sofá.
— Karim — chamou após alguns minutos fitando o nada.
Estava evitando conversas mais profundas com o amigo desde o dia em que haviam ido à boate, pois não queria ter que mencionar , mas precisava de uma visão de fora para saber se aquela agonia que vinha sentindo tinha algum fundamento ou era apenas coisa de sua cabeça.
— Que foi? — o jogador questionou sem tirar os olhos do Instagram.
— Acho que o não vai muito com a minha cara — desabafou e Karim a fitou de imediato.
— Por quê? — ele questionou, chocado, com a voz um tanto esganiçada.
— Sei lá! Nunca fiz nada pra ele — a mulher prontamente se defendeu.
— Não. Por que você acha que ele não vai com a sua cara? — Benzema voltou a questionar, se corrigindo.
— Porque ele sempre me evita. Quando eu chego, ele sempre dá um jeito de sair de perto. Se chego primeiro, ele nem se aproxima — explicou, demonstrando quão confusa estava com aquelas atitudes. — Juro que não estou exagerando. É só você reparar.
— Deve ser só coincidência, não vejo motivo pra qualquer um do time não gostar de você. E ainda mais o ! Nem consigo imaginar ele tendo inimizade com alguém — Karim disse, rindo. — Você deve estar estranhando a personalidade dele. Ele é meio fechado mesmo.
— Não é isso, tem outros jogadores que também são menos extrovertidos e sempre vêm falar e brincar comigo. O Kovačić, por exemplo. O Coentrão, o Asensio, o Nacho… — falou, enumerando com os dedos. — Eu realmente não entendo por que o age assim comigo.
— Desculpa, , mas acho que você está viajando. Quer ver? Vamos fazer um teste — Benzema disse e chamou Rubén Yáñez, que passava pelo outro lado da sala, seguindo na direção da sala de jogos. — Vê se o está aí, Rubén? Se estiver, pede pra ele dar um pulinho aqui.
O goleiro assentiu e continuou seu caminho, enquanto arregalou os olhos na direção de Karim.
— O que você vai fazer? — questionou, espantada.
— Só vou chamar ele pra sentar aqui com a gente pra bater um papo.
Menos de um minuto depois, surgiu na sala de convivência e a assistente jurou que seu coração sairia pela boca a qualquer momento.
— Me chamou? — questionou, revezando o olhar entre os dois sentados no sofá.
— Senta aqui com a gente, cara — Benzema falou, apontando para o sofá vazio do outro lado da mesa de centro. — A gente estava aqui conversando sobre golfe, mas a não entende muito bem como funciona. Aí lembrei que você adora e sabe mais do que eu. Podia explicar pra ela, né?
Os olhos de continuaram a ir de Karim para e, inconscientemente, ele franziu o cenho. Estranhou aquele convite repentino do francês, ele nunca o chamava para bater papo assim, sem mais nem menos. O fato de a francesa parecer desconfortável apenas o intrigou ainda mais.
— Claro, beleza. Eu só vou… — o falou, apontando para a porta da sala com a cabeça. — Só vou pegar um chá ali no refeitório.
Assim que ele deu as costas e saiu da sala de convivência, se virou para o amigo.
— Eu não te disse?
— Que foi, mulher? Ele vai voltar — Benzema falou, rolando os olhos.
realmente voltou alguns minutos depois, segurando a xícara de chá que tinha costume de tomar toda noite e acompanhado por Toni Kroos e Luka Modrić, o que só fez cutucar Karim como se estivesse mostrando que tinha razão. O atacante não deu muita importância, pois, para ele, ela estava exagerando.
Luka se jogou no outro sofá e o se sentou ao seu lado.
— Deixa eu sentar aí — Toni disse, dando alguns tapinhas na lateral da perna da assistente.
bufou, mas acabou chegando para o lado e ficando espremida entre o alemão e Benzema.
— Dá pra acreditar que amanhã já começa tudo de novo? — Modrić falou, deitando a cabeça no encosto do sofá.
Todos ficaram em silêncio por alguns segundos, sabiam que o croata se referia à Champions League. Claro que a cada nova temporada que começava a esperança do time se renovava e todos ambicionavam todos os títulos possíveis, mas a final de 28 de maio de 2016 contra o Atlético de Madrid ainda estava viva na memória de todos, como se tivesse acontecido uma ou duas semanas antes. Era impossível controlar a ansiedade ao pensar que no dia seguinte eles dariam partida a uma nova jornada que poderia acabar da mesma forma, com todos levantando a Orelhuda e cantando Hala Madrid ...y nada más até perderem a voz.
— Acho bom vocês ganharem de novo, hein? Quero colocar uma Champions no meu currículo — disse em um tom divertido.
— Você veio para o time certo — Kroos rebateu, piscando um olho.
— A por La Duodécima! — Luka berrou, engrossando a voz e levantando o punho no ar, o que fez a francesa rir. — De quem vai ser o primeiro gol?
— Cristiano Ronaldo — ela disse sem pestanejar.
— Valeu pela consideração — Benzema falou, ofendido. — Vou até me retirar depois dessa.
— Não, fica aqui! — exclamou, o segurando para impedi-lo de ir embora. — Eu confio no seu potencial, Karim, mas a gente não pode ignorar a Lei do Ex, né? Todo jogador acaba marcando contra o ex-time só pra ficar aquele climão.
— Sei… — ele disse, olhando de canto para a amiga, mas acabou se sentando novamente. — A gente tá mesmo sem moral, .
voltou a se recostar no sofá, rindo, e olhou para o , que estava sentado confortavelmente com as pernas abertas e apoiando a xícara no espaço vazio do sofá entre elas. Ela não pôde evitar subir o olhar desde as coxas torneadas, levemente descobertas graças ao short que ele vestia, até alcançar os olhos dele.
a observava.
— O gol pode até ser do Cris, mas a assistência vai ser minha — ele disse em um tom divertido, olhando de para Benzema, mas logo desviou a atenção para a xícara e tomou mais um gole do chá.
Karim e se entreolharam e o primeiro sorriu de canto. Havia notado a troca de olhares entre os dois.
— Eu tô fodido mesmo, ninguém me leva a sério nesse time — ele brincou, fazendo uma careta.
Modrić acabou por mudar o assunto para a goleada por sete a zero do Barcelona sobre o Celtic, que havia acontecido mais cedo e provavelmente seria o jogo mais comentado daquela primeira rodada da Champions League. Karim ficou tão envolvido na conversa com Kroos e Modrić sobre os sete gols marcados pelo time rival que se esqueceu completamente da desculpa que usara para que se aproximasse e nem sequer notou que ele se manteve calado o restante do tempo em que estiveram ali, além de evitar retribuir os olhares nada discretos de .
A assistente técnica, por outro lado, percebeu e não gostou muito. Dessa vez, foi ela quem pediu licença e se retirou.
Que era humanamente impossível escutar o hino da Champions League e não sentir cada mísero pelo de seu corpo se arrepiar sabia muito bem, já havia passado por isso inúmeras vezes, mas o sentimento de escutá-lo do gramado do Estadio Santiago Bernabéu lotado era indescritível. Muito ela havia sonhado com aquele momento e mal podia acreditar que ele, enfim, estava acontecendo. Tudo ficava ainda mais mágico estando sentada no banco do atual time campeão da competição, ao lado de Zinédine Zidane.
Quando o apito do árbitro soou pelo estádio, percebeu o tamanho de seu nervosismo. Teve que se esforçar para não roer as unhas e se manter impassível a cada finalização dos jogadores do Sporting, que começou o jogo com uma intensidade impressionante. E, a cada defesa de Kiko Casilla, ela berrava mentalmente que lhe daria um beijo na boca depois do jogo. Não que fosse beijá-lo, de fato, só precisava extravasar a adrenalina. Para seu alívio, as instruções que Zidane gritava da beira do campo pareceram surtir efeito, fazendo o time português perder seu protagonismo aos poucos, conforme o Real Madrid ia se impondo e conseguindo mais jogadas favoráveis, apesar de os gols ainda parecerem distantes.
foi até Zizou e colocou a mão no ombro dele para chamar sua atenção.
— Talvez seja melhor o voltar pra esquerda — ela começou, falando no pé do ouvido do tio e com a mão tapando a boca para evitar que sua fala chegasse ao conhecimento de quem não devia. — O Marcelo sai pro jogo e toca pra ele ou pro Modrić. Vai ficar mais fácil de a bola chegar ao Cristiano ou ao Karim, porque os jogadores do Sporting de lá são mais lentos do que os daqui.
Zidane ponderou a sugestão de sua assistente por um momento e assentiu com a cabeça.
— Vamos tentar — disse e gritou por , logo fazendo gestos que orientavam o jogador a trocar de lado, enquanto voltava a se sentar junto aos suplentes no banco.
O jogo passou a fluir mais facilmente com a modificação, a velocidade de estava sendo melhor aproveitada.
— Isso! — exclamou, juntando as mãos, quando Marcelo roubou a bola e deu um passe longo para . Os olhos dela se arregalaram conforme via o escorregar pela grama junto a um adversário, ambos mirando a bola. — Ai, droga.
levantou-se em um salto, preocupada ao ver se contorcer de dor. O árbitro parou o jogo e levantou as mãos para chamar a equipe médica do Real Madrid. O fisioterapeuta levou alguns minutos para atender o jogador na lateral do campo, mas logo liberou para voltar para o jogo e retornou ao banco com sua maleta em mãos.
— Não é nada muito sério, ele levou uma joelhada no quadril — Jaime tranquilizou Zizou, que já estava prestes a mandar James Rodríguez ou Lucas Vázquez para o aquecimento. — Vamos observar se a dor vai atrapalhar o desempenho dele antes de desperdiçar uma substituição.
Zidane concordou e voltou a atenção para a partida, enquanto se afundou no banco, sentindo-se aliviada por não ter acontecido algo mais grave com .
Quando o primeiro tempo foi encerrado, caminhou junto aos outros jogadores rumo ao vestiário, mantendo sua mão no local atingido pelo joelho do jogador do Sporting e uma careta de dor no rosto. observava com tanta apreensão o fisioterapeuta amparar o com um saco de gelos que nem estava prestando atenção nas novas orientações que o treinador ilustrava no quadro branco do vestiário.
Os minutos de intervalo se passaram em um piscar de olhos e a equipe já se preparava para voltar ao campo, mas ela notou que havia ficado para trás, ainda sentindo dores no quadril. Em vez de seguir na direção do campo, deu meia volta.
— , precisa de alguma coisa? Algum remédio? — questionou atenciosamente.
— O Jaime já me deu um analgésico — o jogador respondeu, sentado no banco, de costas para o armário que tinha uma foto sua. Nem sequer levantou os olhos para encará-la.
— Você está bem pra continuar jogando? A gente pode ver uma alternativa.
— Claro que estou. Não é como se eu nunca tivesse sentido dor antes — rebateu, incomodado, jogando o saco de gelos de qualquer jeito no chão.
— Não parece, viu? — falou, cruzando os braços, e soltou uma risada fraca.
— Ainda bem que você não é fisioterapeuta, né?
Ela ficou sem reação diante do deboche expresso na fala e voz do , que apenas se levantou e foi na direção da porta do vestiário. Antes que ele saísse, entretanto, foi mais rápida e correu para se colocar em sua frente e impedir a passagem.
— Posso saber qual é o seu problema comigo? — ela questionou, sentindo a irritação crescer dentro de si, o fazendo andar um passo para trás. — Que merda, eu estou aqui pra te ajudar e você vem com cinco pedras na mão.
— … — ele disse em meio a um suspiro, fechando os olhos.
— Eu já reparei que você não vai com a minha cara, mas poderia pelo menos ter a decência de confiar no meu trabalho. Você sabe o quanto eu estudei pra estar aqui?
Os dois ficaram se encarando por alguns segundos e franziu o cenho.
— Eu não vou com a sua cara?
— Você me evita de todas as maneiras possíveis, não adianta negar — disse, bufando. — É porque eu não sou um homem? É isso? Você acha que mulher não entende de futebol?
suspirou longamente, com uma mão na cintura e a outra secando o suor da testa.
— Não é esse o problema…
— Então você admite que me evita, é? — ela retrucou, cruzando os braços.
Os olhos de nunca haviam parecido tão intimidantes para ele antes. Não sabia o que responder. Não podia, simplesmente, dizer que, quando ela estava por perto, ele não conseguia prestar atenção em mais nada e aquilo vinha o enlouquecendo pouco a pouco.
— O segundo tempo vai começar — foi o que disse, por fim.
não o impediu de voltar para o campo dessa vez, pois realmente já estava em cima da hora do recomeço da partida. Apenas bufou e fez o mesmo caminho que ele.
A última metade do jogo não foi menos complicada do que a primeira. Logo nos primeiros minutos do segundo tempo, Bruno César abriu o placar para o Sporting, fazendo o Real Madrid correr atrás de um empate. A bola parecia não querer entrar. Até mesmo um chute de Cristiano Ronaldo de cara para o gol bateu na trave, o que acabou fazendo a expressão fechada no rosto de se intensificar ainda mais. Estava incomodada com a derrota que parecia iminente e também com . E ela nem sabia por que, afinal, ser tratada com tanta indiferença por ele a incomodava tanto.
Que aquele fosse para o inferno e levasse toda sua falta de educação junto!
Quando foi substituído por Lucas Vázquez faltando mais de vinte minutos para o jogo acabar, não fez questão de cumprimentá-lo, diferentemente do restante do banco.
Nos minutos finais de jogo, para o alívio de toda a equipe, Cristiano Ronaldo acabou marcando um gol de falta contra seu ex-clube, e um gol de Álvaro Morata nos acréscimos garantiu que o Real Madrid começasse a Champions League com uma vitória. Sofrida, mas que os fez deixar o estádio com o sentimento de dever cumprido.
não estava muito contente, no entanto. Sabia que precisava se retratar com , parar de agir daquela maneira estapafúrdia. Dirigindo para casa depois de sair da Ciudad Real Madrid, uma ideia surgiu em sua mente.
6. La Sexta
Te regalo el cielo y una puesta de sol
Te regalo sonrisas pa’ que opaques el sol
Y no puedo sacarte de mi mente
Te Regalo - Ádammo
— Fala aí, Pepe. Eu tô bonito pra caramba, não tô?
— Também não precisa exagerar, né, Marcelo? Eu tô bem mais.
— Por favor, vocês dois. Meu nome é Toni Elegância Kroos.
teve que rir quando chegou no campo de treinamento e se deparou com o trio de jogadores se exibindo em seus ternos.
— Isso é uma sessão de fotos ou uma competição de beleza? — ela debochou.
— Dá uma opinião feminina aqui pra gente, — Pepe disse, chamando a assistente com um aceno de mão. Apontando para os dois colegas e para si mesmo, questionou: — Quem tá mais bonito?
— Os três estão muy guapos — ela respondeu, piscando um olho.
— Pode dizer quem tá mais bonito, não tem problema — Kroos tranquilizou. — Cedo ou tarde eles vão precisar aceitar que sou o cara mais pintoso desse time.
— Que autoestima invejável, hein? — disse em meio a risos. — Sinto muito por cortar o teu barato, Toni, mas prefiro o Cristiano.
— Fala sério, . Pensei que você fosse menos previsível do que isso — o alemão rebateu, desapontado. — Todo mundo acha o Cristiano Ronaldo bonitão, até eu acho. Ele não conta.
— Ah, ele não conta? Desculpa — ela disse, rindo, e virou a cabeça quando Varane parou ao seu lado. — Minha escolha é o Rapha, então. Olha que menino bem feito.
O francês sorria enquanto segurava seu rosto com uma das mãos, apertando suas bochechas.
No entanto, os outros três não aceitaram a resposta e continuaram a discutir quem estava mais bonito para tirar as fotos oficiais com os ternos Hugo Boss, a marca que vestiria o Real Madrid por mais uma temporada. Quando Toni Kroos falou que a cor da gravata até combinava com a cor de seus olhos, ela se convenceu de que eles ficariam eternamente naquele debate e saiu de perto às gargalhadas.
Sendo a única mulher da equipe, estava vestida com um modelo feminino do mesmo terno que os homens vestiam, só que com uma calça mais justa e saltos altos, além de estar sem a gravata azul-marinho.
— Todo mundo bem arrumado e você aí todo esculachado — disse, parando na frente de Benzema, e puxou as abas do paletó dele para fechar um dos botões. — Não sabe se vestir, não?
— Estava esperando minha mãe vir me ajeitar — ele retrucou com deboche. Quando esfregou as mãos no paletó, alisando o tecido, pediu em tom malicioso: — Mais pra baixo, por favor.
— Vem cá, quanto tempo faz que você não transa? — ela questionou, olhando torto. — Fica aí abrindo as pernas pra mim. Já te disse mil vezes que não sou da tua laia.
— Eu estou abrindo as pernas pra você? Eu? — ele falou, apontando para si mesmo, e soltou uma gargalhada. — Até onde me lembro, não fui eu que quase te agarrei na boate.
— E você está se achando o gostosão, né? — disse, rolando os olhos. — Fique sabendo que quando fico bêbada só faço coisas idiotas.
— Nem adianta implorar pelo meu corpinho, eu tenho saído com uma garota.
cruzou os braços e o analisou, curiosa.
— Ah, é? Que garota?
— É uma modelo espanhola, se chama Lola Fernández. Ela é gostosa — Karim disse, sincero, fazendo-a balançar a cabeça em negação.
— Eu preferia quando você namorava a Chloé e era um rapaz de família.
— Olha a hipocrisia, . Você também não é nenhuma santinha — ele acusou.
— Isso é uma injustiça. Eu nem fiquei com ninguém desde que voltei pra Madrid.
Benzema apenas riu levemente e lançou um olhar enigmático para ela antes de ir em direção ao ponto do gramado onde havia sido montada toda a estrutura para que as fotos fossem tiradas. Os jogadores já estavam sendo arrumados em suas posições pela equipe de fotografia.
ficou para trás, intrigada, e levou um susto quando sentiu um dedo cutucar sua cintura, mas sorriu para Modrić ao vê-lo passar ao seu lado. Não deixou de reparar que, para variar, o croata estava acompanhado de .
As coisas estavam ainda mais frias com o depois da pequena discussão que tiveram no vestiário do Santiago Bernabéu. Ele até parecia tentado a se aproximar dela de vez em quando, mas sempre perdia a coragem, e o orgulho de não a deixava dar o primeiro passo.
Quando foi perceber, ela estava o analisando de cima a baixo e vendo quão bem o terno havia ficado nele. Marcelo, Pepe e Toni que a desculpassem, mas ela havia acabado de achar o grande vencedor. Não tinha como qualquer um deles competir com a bunda redondinha de dentro daquela calça.
— God bless Hugo Boss — ela murmurou para si mesma antes de ir se posicionar ao lado de Zizou para as fotos de toda a equipe.
O Real Madrid estava tendo uma semana bastante atarefada com três jogos do campeonato espanhol. Um deles havia sido uma vitória por dois a zero sobre o Espanyol, disputado no dia anterior, e ainda tinham mais duas partidas a serem realizadas. Mesmo tendo voltado de Barcelona no final da noite, de manhã o time se reunira para dar início aos treinos que visariam o jogo contra o Villarreal. Em início de temporada, sempre era preferível manter os bons resultados do que descansar.
O refeitório ainda estava vazio quando foi almoçar, já que ela decidira antecipar a refeição para adiantar o trabalho da parte da tarde. A mando de Zidane, teria que assistir aos quatro jogos do campeonato disputados até aquele momento pelo próximo adversário e tomar notas sobre o time. O Villarreal era um dos clubes que volta e meia brigavam pelo topo da tabela e exigia um cuidado redobrado.
A assistente já estava finalizando sua refeição quando alguns dos jogadores que permaneceriam trabalhando na Ciudad Real Madrid pela tarde adentraram o refeitório, enchendo o ambiente com um falatório e cheiro de desodorante masculino. Eles não teriam treino pela tarde, então tinham a liberdade de escolher entre dar continuidade ao trabalho de condicionamento físico por ali mesmo ou na academia particular que todos tinham em suas residências.
Com o garfo a caminho da boca, parou, surpresa, quando viu arrastar a cadeira e se sentar de frente para ela. Ele colocou sobre a mesa uma caixinha retangular de um tom bem claro de rosa que era mantida fechada por uma fita da mesma cor.
Os dois se encararam por alguns segundos. estava bastante confusa a respeito daquela nova abordagem do jogador.
— É pra você — ele anunciou, indicando a caixa com o queixo.
— Pra mim? — ela questionou, revezando o olhar entre o embrulho espalhafatoso e os belos olhos que a fitavam com ansiedade.
— É um pedido de desculpas, na verdade — disse. — Eu reconheço que não tenho me esforçado pra ser legal com você.
— Que bom que sabe — rebateu sem se preocupar de soar grossa, mas acabou soltando um suspiro enquanto largava os talheres dentro do prato. — Mas não precisava comprar um presente, .
— Foi a forma que encontrei pra me desculpar, não quero que você fique com uma má impressão de mim — ele explicou, cogitando pela primeira vez a possibilidade de aquela ter sido a ideia mais boba que poderia ter tido. — Abre. Acho que você vai gostar.
deu de ombros e pegou a caixinha para desamarrar o laço. Estava curiosa para saber o que encontraria lá dentro. Ao abrir a tampa, entretanto, encontrou mais uma caixa. Essa outra era preta de veludo. Antes de abri-la, encarou mais uma vez e não soube decifrar a expressão no rosto dele.
Ela entreabriu a boca em sinal de admiração quando se deparou com um colar dourado que tinha como pingente a miniatura de uma bola de futebol, também dourada e com algumas pedrinhas que davam um toque de elegância ao acessório. Era um colar bastante delicado e feminino.
— Que lindinho — ela disse com um sorriso singelo nos lábios, passando a ponta do dedo indicador sobre o pingente. — Agora eu posso dizer pra todo mundo que tenho uma Bola de Ouro, uh?
— Que droga. Você conseguiu uma antes de mim — brincou, fazendo-a rir, e sorriu ao notar o quanto a mulher parecia ter gostado do presente.
— Só mais duas e eu alcanço o Cris — ela rebateu em um tom brincalhão. — Obrigada, . Eu adorei.
— Que bom, não foi a tarefa mais fácil do mundo conseguir esse colar — ele disse, rindo. — Mas é sério, . Me desculpa por ter sido um babaca naquele dia. Eu estava frustrado por não conseguir jogar direito, a dor no quadril estava me matando. Não foi minha intenção desmerecer o seu trabalho em momento algum.
balançou a cabeça positivamente com um sorriso de canto. Acreditava na veracidade do arrependimento do jogador, pois conseguia ver a sinceridade nos olhos dele.
— Desde que você não volte a fugir de mim como se eu tivesse alguma doença contagiosa… — ela disse e fez uma careta, enquanto guardava a embalagem do colar de volta na caixinha de presente.
baixou os olhos, sem graça, e riu baixo.
— Prometo que não vou.
— Então estamos resolvidos, — disse, deixando o presente de lado, e piscou um olho. — Você não vai servir seu prato? Eu te faço companhia.
— Não, eu vou pra casa — ele respondeu, olhando à sua volta e vendo alguns de seus colegas servindo seus pratos e sentando-se para comer.
— Você já está fugindo de mim — ela acusou, mas a risada que soltou em seguida deixou claro que era apenas uma brincadeira.
— Não estou, eu juro. Mas ainda estou cansado pelo jogo de ontem, prefiro me exercitar em casa mesmo.
— Ok, vou te liberar. Mas não se acostume.
O riu e, então, se despediu antes de se levantar e ir embora.
terminou a refeição sem tirar os olhos do embrulho, pensando sobre a atitude simpática do jogador. Ela estava contente e torcia para que aquela interação agradável entre os dois se mantivesse dali em diante.
Depois de deixar a louça suja com a moça da limpeza, ela estava saindo do refeitório quando, de repente, Karim surgiu na sua frente.
— O que é isso aí que o te deu?
— Não te interessa — respondeu, rolando os olhos, e desviou dele para alcançar a porta.
Antes que isso acontecesse, Benzema puxou a caixinha de sua mão e saiu correndo. Ela foi atrás, mas não conseguiu alcançá-lo antes de Karim adentrar uma sala qualquer.
— Abre essa porta, Benzema! — berrou ao mesmo tempo em que batia na porta com força. — Eu vou te matar, seu intrometido!
Dois minutos de muita gritaria depois, o francês finalmente abriu a porta e devolveu o presente de , mas não sem antes levar um soco mais forte do que o esperado no braço.
— Caralho! — Karim esbravejou, passando a mão no local atingido. — Pra que esse drama todo por causa de um colar?
— Não é por causa do colar, é pela sua falta de respeito — disse, arrumando o embrulho que Benzema havia fechado de qualquer jeito.
— Por que o … — ele começou, mas, subitamente, se interrompeu e começou a gargalhar.
A gargalhada dele soava por todo o corredor e apenas o encarava sem entender nada. Quando, finalmente, parou de rir, ele a encarou com uma expressão de espanto.
— Você dois estão juntos?
— Vai se foder, Benzema!
Depois de lançar um olhar mortal, saiu andando na direção de seu quarto. Ainda teria que assistir aos quatro jogos do Villarreal. Não tinha tempo para as palhaçadas de Karim.
O ambiente no estádio estava excelente naquele fim de tarde, mas mal acreditava que estava na ilha de Gran Canaria depois da que provavelmente havia sido sua semana mais cansativa desde que chegara ao Real Madrid e não poderia aproveitar a belíssima cidade de Las Palmas, pois estava ali para enfrentar o time de mesmo nome.
Apesar de algumas boas oportunidades, o jogo não parecia muito favorável para o time madridista. Talvez fosse o estádio completamente amarelo que contribuísse para os jogadores se sentirem intimidados, talvez fosse o empate por um a um contra o Villarreal de três dias antes que ainda estivesse entalado na garganta de todo o time do Real Madrid… A alegria durou apenas cinco minutos depois que Marco Asensio abriu o placar na reta final do primeiro tempo, pois logo Las Palmas empatou.
passara o primeiro tempo sentada entre Lucas Vázquez e Danilo, despejando seus descontentamentos a respeito da partida nos ouvidos dos dois. No segundo tempo, no entanto, todos os suplentes foram para o aquecimento e ela se viu sozinha e preocupada com o andamento da partida. Se sentia um pouco mais tranquila ao ver Zidane dando instruções para os jogadores da beira do campo, pois sabia que ele tinha tudo sob controle.
Volta e meia seus olhos caíam sobre e ela se pegava distraída, admirando a facilidade com que ele tocava na bola e criava ótimas jogadas, fazendo uso de sua velocidade. Enquanto isso, mexia distraidamente no colar com que havia sido presenteada e vinha usando constantemente, apesar de, na maioria das vezes, ele ficar escondido pelo uniforme de assistente técnica. Brincar com o colar vinha se tornando uma mania e, ter por perto, um hábito.
estava descobrindo aos poucos como a companhia dele era agradável e como as constantes gozações dele com Modrić e Kroos eram diversão garantida. não era dos jogadores mais expansivos do time, como era fácil de identificar, mas se soltava mais dentro de seu grupo de amigos. Ela já tinha notado que, quando não sabia muito bem o que falar, ele ria. estava rindo o tempo todo e ela achava isso adorável.
— , o que você acha de o Karim entrar no lugar do Morata? — Zidane perguntou ao sentar-se ao lado da sobrinha, a fazendo se sobressaltar e tirar os olhos de .
— Por que não no lugar do Asensio? — ela questionou, se ajeitando no banco. — As jogadas estão sendo criadas, o que está sendo mais complicado é conseguir finalizar. De repente, tendo o Morata e o Benzema como referência, fica mais fácil desse bendito gol sair.
Zizou meneou a cabeça positivamente e foi se sentar ao lado do outro assistente técnico, que tinha em mãos um bloco com vários rabiscos.
Alguns minutos depois, Zidane chamou Karim e deu as devidas instruções para que o atacante entrasse no jogo. Em seguida, o jogador puxou o colete e o agasalho para cima e arremessou as duas peças em um banco qualquer. o observou sentar-se ao seu lado para arrumar as caneleiras dentro dos meiões, acompanhando todos os movimentos do francês.
— Boa sorte — ela disse, fitando o perfil do jogador.
— Desistiu de me ignorar? — ele debochou, esticando os meiões, e se levantou.
— Não enche, Karim. Só faz um gol, ok? — rolou os olhos, o fazendo sorrir.
— Vou fazer um gol pra você. Mesmo que esnobe minha amizade — ele disse em um tom divertido e se inclinou para depositar um beijo em sua testa antes de ir até a beira do campo esperar que o árbitro autorizasse sua entrada.
O jogo acabou em um empate por dois a dois, graças aos dois gols que ambas as equipes acabaram por fazer no final do segundo tempo, mas Karim Benzema cumpriu sua palavra, fez um gol para e recebeu um abraço apertado depois do fim do jogo. E também um tapa estalado no braço ao brincar que era melhor ela se afastar, já que os observava do outro lado do vestiário e ele não queria arrumar problemas com o colega.
— Com quem você está conversando? — questionou, espiando a conversa do WhatsApp de Théo, que estava sentado ao seu lado no sofá.
— Minha namorada — o garoto respondeu, para a surpresa da prima, sem tirar os olhos do celular.
— Como é que é? — ela exclamou com a voz esganiçada. — Desde quando você tem idade pra namorar?
Théo a lançou um olhar entediado, mas não disse nada. Apenas voltou a digitar com destreza no aparelho.
ficou boquiaberta, o observando. Em sua cabeça, o primo era apenas uma criança, apesar dos 14 anos de idade. Lembrava-se com clareza do dia em que ele nascera, pouco antes da Copa do Mundo de 2002. Ela fora com os pais visitar Véronique na maternidade e fora uma das primeiras pessoas a pegá-lo no colo. Ela ainda o via como o garotinho que ficava atrás dela e dos irmãos mais velhos para participar das brincadeiras.
— Tio, sabia que seu filho tá namorando? — questionou quando viu Zizou adentrar a sala de estar acompanhado de Véronique, seu avô e sua avó.
— Ele já apresentou ela pra gente — Zizou respondeu, rindo da expressão chocada no rosto dela enquanto ele e os outros três se acomodavam nos sofás para um descanso pós-almoço.
— Qual é o problema, ? Deixa o menino namorar — Malika, a mãe de Zinédine, disse. — Você devia fazer o mesmo, viu? Na sua idade, eu já era casada e tinha três filhos.
— Minha própria avó me chamando de encalhada — murmurou, rolando os olhos.
— Não estou te chamando de encalhada, até porque você é uma moça bonita e deve ter vários namoradinhos — ela disse, fazendo-a rir. — Não sei o que os jovens de hoje em dia têm contra compromisso sério.
— Deixa ela, mãe — Zizou defendeu a sobrinha, rindo levemente. — É bom que ela se concentre no futebol. Está me ajudando pra caramba lá no Real Madrid.
— O trabalho também é importante, mas eu quero ser bisavó — Malika disse e soltou um longo suspiro. Ser a neta mais velha tinha suas desvantagens. — Filho, algum dos seus jogadores é solteiro? Assim, poderíamos unior o útil ao agradável.
arregalou os olhos enquanto Zinédine gargalhava.
— Não queremos distrações, uh? — ele disse, piscando um olho em sua direção.
— Foi só uma sugestão. — Malika riu ao ver o rolar de olhos da neta.
, em seguida, se levantou do sofá no qual estava sentada e acomodou-se no espaço vago ao lado dela.
— Vem cá, vó. Vamos tirar uma selfie em vez de ficar falando besteira.
Após chegarem em casa depois de uma manhã de treinamento, e Zinédine se surpreenderam com a visita de Malika e Smail, que haviam acabado de chegar da França e passariam alguns dias em Madrid. O almoço de domingo acabou sendo mais animado do que normalmente, com parte da família Zidane reunida.
Depois de mais algum tempo conversando com os tios e avós a respeito de coisas que não tinham nada a ver com sua vida amorosa, ela subiu para o quarto. O Real Madrid viajaria para a Alemanha ainda naquela noite para enfrentar o Borussia Dortmund pela Champions League na terça-feira seguinte e ela precisava tomar banho e terminar de arrumar a mala.
Já parcialmente vestida com o traje formal Hugo Boss, organizava apenas o essencial para os dois dias que passaria fora na mala aberta em cima da cama. Antes que o trabalho estivesse concluído, entretanto, ela acabou sentada no colchão e distraída com o celular.
Respondia algumas mensagens de amigos quando notou a notificação de mensagem direta no Instagram e, ao abrir, descobriu ser de .
sorriu. Só então notou que, na selfie que tinha tirado com a avó, sua Bola de Ouro estava bastante evidente, graças ao decote em V da blusa que vestia.
Rindo, ela digitou mais uma mensagem em seguida.
Quando a próxima mensagem chegou, veio acompanhada de uma foto de um cenário bem parecido com o que tinha à sua frente. Uma mala aberta e arrumada pela metade. A diferença era que a mala estava esparramada em cima de um tapete.
A gargalhada que escapou pela garganta de preencheu o quarto.
✔ Carteira e celular
✔ Terno Hugo Boss
✔ Uniformes do Real Madrid
✔ Pijama
✔ Meias e cuecas
✔ Tênis e chuteiras
✔ Itens de higiene pessoal
✔ O shampoo especial que eu tenho certeza que você usa
✔ Os gols que você vai fazer contra o BVB
— ? — a voz de Zizou exclamou do corredor, logo após algumas batidas na porta. — Você está pronta? A gente precisa sair em 20 minutos.
— Só estou terminando de arrumar a mala, tio!
— Ok!
Ao ouvir os passos de Zidane se distanciarem pelo corredor, ela voltou a atenção para a tela do celular.
As arquibancadas do Signal Iduna Park estavam completamente vazias, o que contribuía para os sons das chuteiras se chocando contra as bolas e o falatório e as gargalhadas ecoarem por todo o estádio. Já era noite em Dortmund e o Real Madrid realizava o último treino prévio à segunda partida da fase de grupos. Devido à presença da imprensa, os jogadores apenas corriam e brincavam com as bolas para o reconhecimento do gramado, a parte tática já estava totalmente decidida.
Até , que geralmente preferia assistir às brincadeiras dos jogadores, acabou entrando na rodinha para participar. Só era permitido dar um toque na bola por vez e, quem deixasse a bola cair, era eliminado. Ela estava indo bem, já que era boa em embaixadinhas, e se divertia cada vez mais, conforme a roda ia diminuindo e as risadas aumentando.
— Isso não vale, Marcelo! — ela exclamou quando não conseguiu esticar a perna o suficiente e a bola passou direto. — Você mandou a bola alta só pra eu não conseguir pegar.
— A culpa não é minha se você não tem mais uns 20 centímetros de perna — o brasileiro debochou, rindo. — Você pode nos dar licença pro jogo continuar, por favor?
— Você que devia sair!
Aos risos, Marcelo foi até a assistente e a agarrou pelas pernas. Todos riam assistindo ao jogador levá-la para longe da rodinha enquanto ela berrava para ele colocá-la no chão. Depois que Marcelo a soltou e retornou para a brincadeira com Cristiano e , os outros dois finalistas, ela acabou se jogando na grama. Estava cansada e com um leve desconforto na panturrilha esquerda.
fitava as estrelas do céu de Dortmund quando, poucos minutos depois, sentou-se ao seu lado.
— Eu não acredito que você perdeu! Esperava que honrasse a minha eliminação — ela falou, fazendo-o rir.
— Prometo que a próxima eu ganho — ele disse com um sorriso nos lábios. — Você é boa.
— Eu sou uma Zidane. O que você esperava? — rebateu em um tom divertido.
— Até pensei que você fosse ganhar.
— Tudo culpa do Marcelo! — exclamou, fazendo uma careta. — Mas eu também estou morta e precisando de uma massagem nas pernas.
— Não sou tão bom nisso quanto o Jaime, mas posso ajudar — ofereceu.
Apesar da vontade de aceitar a proposta totalmente inesperada, ela riu.
— Agradeço a preocupação, mas não precisa.
sorriu de canto e se esticou para puxar as pernas da francesa, que deu um gritinho de susto. De frente para , ele esticou as pernas dela sobre suas coxas e começou a deslizar as mãos pelas panturrilhas, fazendo-a sentir um alívio imediato.
— Eu não perguntei se precisava.
sorriu e fechou os olhos, apreciando a firmeza das mãos grandes dele. Desejou que os toques fossem diretamente em sua pele, não sobre o tecido da calça.
— Eu vou ficar mal acostumada desse jeito — disse, sorrindo.
— Não tem problema.
Ela abriu os olhos e encontrou o sorriso de . Não foi fácil parar de fitar os olhos dele e voltar a observar as estrelas enquanto recebia a massagem.
7. La Séptima
Pura intensidad para amar y odiar
Soy humana, muy humana
La verdad, esto es lo que hay
Soy Humana - Chenoa
Karim caminhou por entre as espreguiçadeiras da área de lazer do hotel Don Carlos, um dos mais famosos de Marbella, cidade do sul da Espanha conhecida por suas belas praias. Vestia apenas uma bermuda com estampa de abacaxis, que não se conteve em dizer quão brega era assim que pôs os olhos nele algumas horas antes. Nas mãos, tinha dois copos decorados com uma rodela de laranja na borda cada um e cheios até a boca de um drinque de um tom amarelo chamativo. Sentou-se na espreguiçadeira ao lado da que a amiga estava deitada confortavelmente, mexendo no celular, e a entregou um dos drinques.
— Cadê a Lolita? — questionou antes de sugar um pouco da bebida pelo canudinho, fazendo o jogador abrir um sorriso de lado, achando graça do apelido.
— Cansou de ficar aqui pegando sol e foi pro spa — ele respondeu, dando de ombros, e bebeu um gole generoso do drinque.
Aproveitando a parada internacional para amistosos das seleções e jogos das eliminatórias para a Copa do Mundo, fora com seus tios e primos passar alguns dias em Marbella. Benzema, que ainda não havia conseguido convencer o técnico Didier Deschamps de que merecia uma vaga na Seleção Francesa, aproveitou para acompanhá-los e convidou Lola, sua quase namorada, para ir junto.
não soube o que pensar da modelo espanhola em um primeiro momento. Na primeira oportunidade que teve depois que todos se acomodaram em seus quartos no hotel, chamou Karim no canto e perguntou se ele estava louco, já que a garota mal parecia ter completado os 20 anos de idade, e ele acabou confessando que nem sabia quantos anos ela tinha. Lola era muito simpática, o que acabou fazendo-a se acostumar com a presença dela, mas pôde jurar que a viu se insinuando para Enzo e Luca quando todos estavam se refrescando na piscina.
— Larga esse celular e vai desfilar esse corpão por aí, mulher — Benzema falou. — Tem um monte de espanhol querendo conhecer as maravilhas francesas.
— Estou bem aqui — ela respondeu, tirando os olhos do aparelho apenas para encarar o jogador e rir.
Karim ficou observando-a mexer os dedos pela tela do celular. Ela vestia um biquíni rosa claro que contrastava com sua pele já bronzeada, graças ao seu tom de pele moreno. A parte de cima era um tomara que caia em estilo cigana. Ele vinha estranhando o comportamento dela, que, em seu estado normal, já estaria cheia de sorrisos e jogando charme para os caras musculosos que também estavam por ali aproveitando o sol forte.
— Manda um abraço pro — ele disse em um tom debochado.
— Vai se ferrar, Benzema. — rolou os olhos.
Ela jamais admitiria, mas ele tinha razão. Apesar de, naquele exato momento, estar respondendo uma mensagem de sua amiga Fifi, vinha trocando mensagens constantemente com nos últimos dias. Na maior parte do tempo, eles conversavam sobre futebol, mas sempre acabavam falando também de música, cinema e até mesmo sobre suas famílias. Era divertido como um assunto puxava o outro.
A notificação de uma nova mensagem de surgiu na tela e clicou para trocar de janela.
baixou a foto e se deparou com a mesma garotinha que já havia visto em outras fotos que ele lhe enviara. Georgia, a filha mais velha da irmã de , estava toda suja de farinha e brincando com forminhas de biscoito.
— Quando você vai admitir que está rolando o maior clima entre vocês? — Karim questionou, fazendo-a bloquear o celular e deixá-lo de lado, desfazendo o sorriso que nem havia percebido que tinha nos lábios.
— Não tem clima nenhum — ela respondeu e segurou o canudo para beber mais um pouco do drinque, que, aliás, estava uma delícia. Em seguida, deixou o copo em cima de uma mesinha ao seu lado. — Ele apenas se retratou comigo e, agora, estamos virando amigos.
Benzema estreitou os olhos, desconfiado, conforme terminava de beber seu drinque e, em seguida, colocou o copo vazio ao lado do de .
— Já que o é só seu amigo — ele começou, soando levemente irônico —, então você não vai se importar de ir a uma balada mais tarde e arranjar uma companhia pra noite, né?
— Se aparecer alguém interessante, nenhum problema — rebateu e pegou o copo novamente para bebericar a bebida e não ter que ficar encarando o sorrisinho irritante que Karim esboçava. — Mas eu não vou pegar ninguém só pra provar qualquer coisa pra você — acrescentou entre um gole e outro.
— Já está dando desculpinha — o jogador zombou e recebeu o dedo médio como resposta.
— Vai procurar a Lolita e para de me azucrinar, Benzema.
deixou o copo quase vazio em cima da mesinha novamente e se levantou. Quando se inclinou para pegar o celular e um livro que havia levado na intenção de ler, mas que acabou deixando de lado, sentiu a mão de Karim estalar em sua bunda e imediatamente o encarou com uma expressão ofendida.
— É exatamente o que eu vou fazer. Você sabe, aproveitar aquela banheira de hidromassagem que tem lá no quarto — ele disse com um sorriso malicioso. — E você devia fazer a mesma coisa. Prometo que não falo nada pro .
Antes que pudesse xingá-lo, Benzema saiu rindo. Ela apenas bufou e vestiu a saída de praia de um tecido branco quase transparente antes de seguir pelo mesmo caminho, enquanto checava o celular.
adentrou o hotel rindo e digitou uma resposta, tomando cuidado para não esbarrar em nada nem em ninguém.
A assistente subiu até o quarto para tomar uma ducha rápida e colocar uma roupa confortável e, em seguida, foi em busca de seus primos, que estavam no salão de jogos. Ficou por lá jogando sinuca com os garotos até a hora da partida, quando voltou para o quarto e se jogou na cama para assistir a Seleção enfrentar a Seleção Austríaca.
O jogo terminou em um empate por dois a dois e sem gols de . nem notava que, cada vez que surgia na tela, um pequeno sorriso tomava conta de seu rosto.
— Por que eu não posso ir com eles? — Elyaz questionou, emburrado, seguindo os pais para fora do restaurante japonês.
— Porque você tem 11 anos e não vão te deixar entrar — Zinédine explicou sem rodeios e bagunçou o cabelo do filho mais novo.
— Prometo que amanhã a gente passa o dia todinho juntos, tá bom? — falou, se inclinando para ficar da altura do primo, e segurou seu rosto com as duas mãos para depositar um beijo na bochecha dele, deixando uma marca do batom uva que havia retocado depois da refeição.
— A gente pode ir jogar futebol na praia — o garoto sugeriu com um pequeno sorriso que demonstrava seu interesse por aquela proposta.
meneou a cabeça, assentindo, mas riu quando viu o tio respirar fundo, demonstrando não ser muito fã da ideia. Quando viajava com a família, Zizou preferia ficar em lugares mais reservados e evitar a exposição, pois, mesmo depois de se aposentar como jogador, o francês nunca saía da mira dos paparazzi.
— Vou pensar no seu caso — ele disse, passando um braço pelos ombros de Elyaz e o outro pela cintura da esposa. Théo os esperava, impaciente, a alguns metros de distância, louco para se jogar na cama e passar o restante da noite jogando FIFA. — Tenha juízo vocês três, viu? — acrescentou em um tom paternal, revezando o olhar entre os dois filhos mais velhos e a sobrinha.
, Enzo e Luca se entreolharam, rindo.
— Eu sempre tenho juízo, tio.
— Eu sei que você tem, mas não custa nada lembrar.
— Cuida dos meus bebês, — Véronique brincou antes de se despedir deles e, em seguida, acompanhar o marido e os dois filhos mais novos até o carro alugado que estava estacionado próximo ao restaurante de comida japonesa onde haviam decidido jantar naquela noite.
entrelaçou os braços nos de Enzo e Luca e os três caminharam pela calçada na direção da multidão que formava uma fila para entrar na Olivia Valère, uma casa noturna de Marbella conhecida internacionalmente e que não podia ficar de fora do roteiro de quem visitava a cidade e queria se divertir até o dia raiar. Os olhos de buscavam por Karim e Lola em meio a tantos rostos desconhecidos. Eles haviam combinado de se encontrar na entrada da boate depois do jantar em família e sabia que os dois já estavam por ali, pois tinha sido avisada via WhatsApp.
Em poucos minutos de busca, os três encontraram o jogador aos beijos com a namorada, e não se importou de interromper o amasso quando se aproximou e beliscou a barriga do amigo e cutucou a cintura de Lola. O grupo conversou animadamente pelos dez minutos que ficou na fila até entrar no estabelecimento lotado e iluminado por luzes rosas, roxas e azuis.
A música tocada pelo DJ adentrou os ouvidos de , fazendo crescer dentro dela a vontade de se misturar àquele mar de desconhecidos e dançar até não aguentar mais ficar em pé. Ela já conhecia o local, havia estado ali em outras oportunidades com amigas e, inclusive, uma vez com Karim, Chloé, a ex-namorada dele, e Alejandro, um mexicano que conheceu ali mesmo, em Marbella, e com quem ficou durante os cinco dias que duraram aquela viagem que fez com o casal.
Os cinco caminharam até o bar, decididos a começar a noite com alguma das bebidas oferecidas pela casa. ajudou os primos a escolherem seus drinques, já que era a primeira vez deles ali, e aproveitou para também fazer seu pedido ao barman, que a lançou um olhar penetrante antes de dar as costas para preparar as bebidas. Ela apenas riu, jogando o cabelo para o lado.
Mesmo sendo abraçada de lado por Luca, conseguia sentir os diversos olhares que recebia, o que a fez ter certeza de que o conjuntinho de top cropped e saia curta de cintura alta que vestia havia sido uma ótima escolha para a noite. Se pegou imaginando se seria a primeira vez que iria embora daquela casa noturna sem ter beijado uma boca sequer, já que sentia-se na obrigação de fazer companhia aos primos, mesmo que os dois tivessem idade suficiente para se virarem e, inclusive, decidirem se divertir com qualquer uma das mulheres que jogavam charme para eles.
Depois que o barman voltou com os pedidos e os três se deliciaram com suas bebidas, puxou Enzo e Luca para a pista de dança, sem se importar com Karim e Lola, que se beijavam ardentemente entre um gole e outro nos drinques que tinham em mãos.
— Sigues bailando reggaeton, ton, ton — cantava, se movendo no ritmo de uma versão remixada de Traicionera, de Sebastian Yatra. — Y no te importa para nada lo que sienta el corazón. Solo te importa el pantalón, lon, lon.
Mesmo um pouco acanhados, Luca e Enzo acompanhavam os passos da prima e gargalhavam quando ela berrava “TRAAAICIONEEERA” como se sua vida dependesse disso.
A animação de não diminuiu durante as oito ou nove músicas que se seguiram e, apenas quando sentiu a boca seca, ela comunicou a Enzo que iria até o bar. Luca, que era um pouquinho mais atirado que o irmão mais velho, estava conversando com um grupo de três garotas e dois garotos em uma mesa próxima de onde eles dançavam e tinha certeza de que ele acabaria ficando com a garota que estava sem par.
Ela pediu um drinque para o mesmo barman de mais cedo e, enquanto aguardava, sentiu um braço encostar no seu. Jogou os fios de cabelo para um lado só, pois estava morrendo de calor, e, durante o movimento, pôde constatar que o homem que estava ao seu lado era o DJ que tocava antes de ser substituído por outro. Ele tinha uma aparência tipicamente espanhola com seus olhos e cabelo castanhos, além das sobrancelhas grossas e cílios longos. O rapaz piscou um olho, sorrindo de lado, e imediatamente quis beijá-lo.
— Você dança bem — ele disse próximo ao ouvido dela, fazendo um pequeno sorriso brotar nos lábios de .
— Quer dizer que o DJ estava me assistindo dançar, é?
— Você deve saber que chama a atenção — o rapaz retrucou, dando de ombros, e apoiou um cotovelo no balcão, ficando de frente para a mulher. — Meu nome é Javier. E o seu?
— , mas você está autorizado a me chamar de — ela disse, piscando um olho e fazendo o DJ rir baixo.
— Você não é espanhola, né? — questionou, mostrando-se curioso.
— Não, sou francesa com ascendência argelina — respondeu ao mesmo tempo que sorriu em agradecimento para o barman, que voltou não apenas com sua bebida, mas também com a de Javier.
— Espera aí — o espanhol disse, a analisando de cima a baixo. — Você é Zidane?
— Desde que me entendo por gente — ela respondeu e não pôde evitar uma risada.
— Eu sou madridista desde que me entendo por gente — Javier rebateu em um tom divertido. — O seu tio é um gênio.
— Concordo. — sorriu e bebeu um longo gole da bebida. — Ei, você não quer sair daqui? A gente pode conversar melhor sobre a genialidade do meu tio.
O DJ sorriu de canto ao perceber as segundas intenções de , que mordeu o lábio inferior quando o viu menear a cabeça em concordância.
Os dois foram até uma área mais calma, onde alguns casais se atracavam em sofás brancos, e se acomodaram em um deles. Perderam a noção do tempo conforme conversavam sobre futebol e outros assuntos aleatórios enquanto bebiam. nem se importava com a mão de Javier roçando sua coxa vez ou outra. Ela sentia o efeito do álcool correr em suas veias, o que acabou a fazendo concordar em conseguir uma camisa autografada por algum dos jogadores para o DJ, mas não estava bêbada o suficiente para passar o número de seu celular quando ele pediu por um contato. O seguiu no Twitter e falou para ele mandar seu endereço por mensagem direta, prometendo que enviaria a camisa por correio assim que possível.
Depois disso, não demorou mais do que poucos minutos para os dois estarem entregues a um beijo sedento. Não que a conversa estivesse ruim, mas esperava ansiosamente pelo momento que poderia comprovar suas suspeitas de que ele beijava bem. E ela não se equivocara. O clima foi esquentando aos poucos, conforme eles se beijavam com cada vez mais vontade, mas não passaram de algumas mãos bobas.
precisou acabar com a festa quando percebeu que já estava ficando tarde demais e, infelizmente, não teria como passar de beijos naquela noite.
— Eu tenho que ir. Preciso achar meus primos — ela disse, ajeitando a saia.
— Filhos do Zizou? — Javier questionou e ela assentiu.
— E ele está no hotel esperando pela gente — falou e riu ao vê-lo arregalar os olhos. — O Benzema também está por aí.
— E por que você não me falou antes?
— Você preferia bajular o meu tio e o Benzema a ficar aqui comigo? — ela questionou, esboçando um sorriso esperto.
Javier acompanhou até a saída da casa noturna e esperou ela mandar mensagens e ligar para os primos e Karim. Quinze minutos depois, os três e Lola saíram pela porta e, antes de ir de encontro a eles, beijou o espanhol uma última vez.
— O DJ, ? Sério? — Benzema questionou e ela apenas riu, entrelaçando seu braço ao de Enzo.
Puxou o mais novo consigo e Luca os acompanhou.
— Que isso fique entre a gente, priminhos — ela falou, piscando um olho, e os dois riram antes de o trio adentrar um táxi.
O vestiário do time visitante do Estadio Benito Villamarín estava em completa desordem depois do jogo contra o Real Betis, em Sevilha. Os jogadores do Real Madrid comemoravam a goleada por seis a um fora de casa ao mesmo tempo em que se despiam para tomarem cada um sua ducha pós-jogo. adentrou o local desviando das peças de uniforme, chuteiras e garrafas d’água espalhadas pelo chão e fez uma careta quando o cheiro desagradável que preenchia o ambiente adentrou suas narinas.
— Esse vestiário tá com cheiro de chulé — ela disse com a voz fanha, pois apertava o nariz com dois dedos.
— Isso é cheiro de macho — Pepe zoou com a voz grossa.
— Eu tenho pena das esposas de vocês — a assistente rebateu, balançando a cabeça negativamente. Em seguida, entretanto, ela abriu um sorriso exagerado e piscou os olhos repetidas vezes na direção de Cristiano Ronaldo. — Quem será que vai me dar uma camisa linda dessa pra eu acrescentar à minha coleção? Roxo é minha cor favorita.
Cristiano entortou a boca e soltou o ar em uma lufada ao perceber as intenções de , mas levantou as mãos sujas de lama, já que o gramado estava excessivamente molhado e isso contribuía para a sujeira ser ainda maior.
— Vem cá. Me ajuda a tirar essa camisa — disse ele.
o encarou com desconfiança por alguns segundos, mas, ao vê-lo de mãos levantadas e indicando a barra da camisa, ela percebeu que ele falava sério e, então, se aproximou. Um sorriso malicioso surgiu nos lábios dela conforme puxava a camisa do português para cima e o ajudava a tirá-la, fazendo graça para os jogadores que assistiam a cena e gargalhavam.
— Eu devia ter gravado a sua cara, — Marcelo disse, ainda rindo, e a francesa acabou o acompanhando na risada.
— Não acredito que acabei de tirar a roupa de ninguém mais, ninguém menos do que CR7! — ela exclamou em um tom brincalhão. — E, se eu tinha qualquer chance de que ele tirasse a minha também, agora já não tenho mais.
Cristiano apenas saiu rindo na direção dos chuveiros e desvirou a camisa do avesso, e, em seguida, a jogou por cima do ombro.
voltou, fazendo o caminho reverso, já de banho tomado. Foi até sua mochila, que estava aberta em cima do banco, e organizou suas coisas com cuidado para fechar o zíper. Ao avistar a assistente técnica aos risos com Isco e Sergio Ramos, ele pendurou a mochila nas costas e se aproximou dela.
o encarou ao notar sua aproximação e se surpreendeu quando ele estendeu a camisa roxa para ela.
— Você falou mais cedo que queria uma pra sua coleção — falou, fazendo a mulher esboçar um sorriso sem graça.
— Eu pedi pro Cris a dele — ela disse, levantando a mão que segurava a camisa.
, que só então notou a outra camisa idêntica a que ele segurava, sentiu-se bobo.
— Ah, eu não sabia...
Quando ele foi recolher a mão, no entanto, foi mais rápida e puxou a camisa para si.
— Mas até parece que eu vou recusar uma camisa de , né? — ela disse em um tom divertido. — Eu aproveito e dou a do Cris pra um amigo que está me perturbando por uma camisa do Real Madrid. Você podia autografar pra ele, né?
assentiu com um aceno de cabeça e foi até o quadro branco cheio rabiscos feitos por Zizou e voltou com uma caneta preta. O jogador pegou a caneta e foi até o banco que circundava todo o vestiário para apoiar a camisa na madeira.
— Como ele se chama?
— Javier — respondeu e não conteve uma careta.
Estava arrependida de ter dado corda para o tal DJ em Marbella, pois ele vinha mandando mensagens diretas no Twitter insistentemente, cobrando a camisa que ela prometera. Era por isso que, na maioria das vezes, ela preferia não manter contato com os caras com quem ficava. Às vezes ela tinha a sensação de que eles só se interessavam pelo fato de ela ser sobrinha de Zinédine Zidane.
E isso era extremamente decepcionante.
Depois de escrever algumas poucas palavras na camisa, o a devolveu para .
— Obrigada, . Você é um amor — ela disse com um sorriso meigo nos lábios. — E é o único jogador cheiroso desse time também.
Toni, que passava por eles no caminho para o banho, ouviu sua fala e esfregou a testa suada no braço da assistente.
— Que nojo, Kroos! — ela exclamou com uma careta e passou a mão pela pele úmida. — Vamos sair daqui, por favor. Eu peço pro Cris autografar a camisa depois.
saiu do vestiário, puxando consigo, e os dois caminharam pelos corredores do estádio. O jogador parou na zona mista para responder algumas perguntas de repórteres, mas logo estava adentrando o ônibus que os levaria para o aeroporto e sentando-se ao lado da francesa.
Os dois ficaram em silêncio por algum tempo, enquanto respondia a vigésima mensagem que Javier havia lhe enviado no dia anterior, questionando sobre a bendita camisa, e avisou que, até o fim da semana, ele a teria em mãos.
Em seguida, bloqueou o celular, o jogou de qualquer jeito dentro da mochila, e soltou um longo suspiro.
— Estou morta e nem acredito que amanhã a gente tem que estar cedinho em Valdebebas porque tem jogo da Champions daqui a dois dias.
— O calendário está bem apertado, né? — falou e recebeu um murmúrio em concordância como resposta.
— Tem jogo a cada dois ou três dias, isso é muito desgastante — completou e sentiu-se confortável o bastante para deitar a cabeça no ombro do , que escorregou no banco para ambos pudessem se acomodar melhor.
— E olha que a Copa del Rey nem começou ainda — ele disse e riu fraco, subindo uma das mãos até os fios de cabelo da assistente presos em um rabo de cavalo, fazendo-a fechar os olhos para apreciar o carinho.
— E eu já quero me matar — ela disse após alguns segundos em silêncio. — Onde que eu estava com a cabeça quando aceitei fazer parte dessa loucura?
— Você vai se acostumar — rebateu, com um sorriso nos lábios.
Os dois continuaram na mesma posição por algum tempo, apenas apreciando a presença um do outro, até Karim Benzema adentrar o ônibus chamando por .
— Tá sabendo que um site de fofocas falou sobre a nossa noite no Olivia Valère? — ele perguntou, balançando o celular no ar. — Já faz alguns dias, mas minha mãe viu ontem e me mandou o link. Ela veio tirar satisfação por eu não ter contado sobre a Lola ainda.
— Falaram o quê? — questionou, curiosa, e se esticou para pegar o aparelho estendido pelo francês.
— Nada de útil. Descobriram que o Zizou foi passar uns dias com a família em Marbella e um paparazzo viu a gente entrando na boate e ficou à espreita — Karim contou, escorado no banco em frente ao que estava sentado, enquanto passava os olhos pelo texto. — Eles já descobriram a ficha completa da Lola. Tem coisa aí que nem eu sabia!
— Você reparou que ela só namora jogador de futebol? — ela questionou, levantando os olhos a tempo de ver o amigo dar de ombros. — Presta atenção. Não confio em modelo que fica caçando jogador de futebol.
— Eu só estou curtindo, não tenho a mínima intenção de me casar e ser feliz pra sempre com ela.
— Ela que tem que tomar cuidado com você, pelo visto — falou, soltando uma gargalhada, e voltou a ler o texto todo pomposo do site de fofocas espanhol.
— Mas a minha parte favorita é o final. — Karim riu alto.
Os poucos jogadores que já estavam acomodados no ônibus olharam, curiosos, assim como Zizou, que acabava de chegar. arregalou os olhos quando entendeu sobre o que ele falava. No final da matéria, tinha uma foto em que ela se despedia de Javier em frente à boate.
— E também descobriram tudo sobre o DJ que você pegou. Viu? — o francês falou. — Ele se chama Javier Moreno, né?
O sangue de gelou quando ela sentiu se desencostar de seu braço e ajustar a postura no banco. Ela bufou, irritada, e devolveu o celular.
— A gente não tem a mínima privacidade — esbravejou, cruzando os braços.
— Não vale a pena se estressar, . Infelizmente, estamos sujeitos a isso na posição que ocupamos — Karim tentou consolar, apesar de também ter seus momentos de revolta quanto ao mesmo problema.
Em seguida, ele foi se sentar ao lado de James Rodríguez e deixou com seus próprios pensamentos. Logo ela, que prezava pela discrição, agora tinha fotos na internet com a mão de um cara que nunca mais veria na vida em sua bunda e a língua enfiada em sua boca.
— É o mesmo cara da camisa? — perguntou.
Não havia entendido a história por completo, já que o diálogo entre os franceses se desenrolara na língua materna dos dois, mas ele conseguira ver a foto e o nome "Javier" não passara despercebido.
— É só um carinha com quem eu fiquei lá em Marbella que estava mais interessado em conseguir uma camisa autografada do que em mim. Nada demais.
Ele murmurou qualquer coisa e manteve-se em silêncio. No avião, durante o voo de volta a Madrid, sentou-se ao lado de Luka Modrić.
8. La Octava
Cuanto tiempo para ser amigos
Cuantas cosas que llevarme al viaje contigo
Sin saber lo que sabrás de mi
Sin saber si volveré al suelo
Cosas Que No Sé De Ti - María Villalón
não costumava abrir os olhos e se levantar da cama de má vontade, pois sabia que era privilegiada por trabalhar com o que sempre sonhou. Era até bastante satisfatório pensar que teria um longo dia pela frente, mas, naquela manhã em especial, ela se pegou desejando dormir até a hora do almoço. Tendo em mente que precisava estar na Ciudad Real Madrid em menos de meia hora para o primeiro treino para a partida contra o Legia Warszawa, time polonês que o Real Madrid receberia em sua casa na terceira rodada da Champions League, ela vestiu o uniforme de assistente técnica, prendeu o cabelo em um rabo de cavalo, se jogou no banco do passageiro do carro de Zizou e não abriu a boca durante todo o caminho até o centro de treinamento.
Enquanto tomava o café da manhã no refeitório para fazer seu estômago parar de roncar, sentia a irritação borbulhar dentro de si e sua cabeça latejar de dor. Até mesmo os risinhos de Álvaro Morata, Dani Carvajal, Nacho Fernández e Isco Alarcón, que assistiam a vídeos bobos em um tablet na outra ponta da mesa comprida, estavam a tirando do sério. A assistente estava no auge da TPM, mas certo de olhos bonitos e azuis que, aparentemente, havia voltado a ignorá-la também tinha a ver com todo aquele mau humor.
— Ei, não era pra vocês estarem treinando? — ela questionou, atraindo a atenção dos quatro espanhóis para si, depois de uma risada alta de Carvajal fazê-la sentir uma pontada na cabeça.
— Ainda faltam dez minutos pro treino, — foi Morata quem respondeu.
— Vocês já pararam pra pensar que o Cristiano talvez seja o melhor jogador do mundo porque começa a treinar uma, duas horas antes do resto do time? — ela disse com uma seriedade que espantou os jogadores. — Ele já está lá no campo há um tempão, enquanto vocês estão aí vendo baboseiras na internet. E olha que ele nem precisa mais provar nada pra ninguém, bem diferente de vocês.
Carvajal e Nacho se entreolharam, enquanto Isco desligava o tablet e Morata se limitava a baixar os olhos e prender o riso. Os quatro se retiraram do refeitório sem dizer mais nada e soltou um suspiro de alívio por, finalmente, o ambiente ficar em quase completo silêncio.
Ela terminou de comer e, ao se levantar, arrastou a cadeira com mais força do que o necessário e saiu caminhando rumo ao campo de treinamento. Enquanto esperava o restante do time se juntar aos jogadores que já se aqueciam e conversavam de forma descontraída, dava pequenos toques nas bolas espalhadas pela grama distraidamente, o que a fez se assustar quando dois braços a agarraram com força por trás.
— Que merda, Benzema! Dá pra tirar as mãos de mim? — esbravejou.
Ele a largou de imediato e franziu o cenho, estranhando aquela reação exagerada. Costumava cumprimentá-la exatamente daquela forma quase todos os dias pela manhã e ela, geralmente, apenas ria.
— Eu não sabia que a TPM te deixava nessa doçura toda, .
— TPM é o cacete! — ela exclamou, sentindo ainda mais raiva por saber que Karim tinha razão. — Meu tio veio chamar minha atenção por causa daquelas malditas fotos.
— Ah, é por isso que você tá desse jeito? — o jogador disse despreocupadamente. — São só fotos, elas não definem quem você é.
— Pode ser que pra você ter sua vida pessoal sendo divulgada na internet não tenha nada demais. Que todo mundo saber que você saiu com a Rihanna alimente seu ego — disse, fazendo gestos exagerados com as mãos, o fazendo soltar uma gargalhada. — Mas isso não é normal, ok? Eu quero que as pessoas falem de mim por causa do meu trabalho, não porque eu me agarrei com um DJ em uma boate.
— Relaxa, . Daqui a pouco ninguém se lembra disso — ele falou, abanando a mão no ar. — Mas o Zizou te deu esporro mesmo, é?
— Não foi um esporro. Ele só falou pra eu ter mais cuidado e não deixar me fotografarem. Você sabe como ele sempre foi extremamente discreto — ela explicou, suspirando. — E eu concordo totalmente com ele.
— Entendi… — Karim murmurou. Por um instante, observou a feição emburrada de , que tinha os braços cruzados e fitava algum ponto qualquer do outro lado do campo. — Não precisa ter ciúmes da Rihanna, você dá de dez a zero nela.
rolou os olhos, o fazendo sorrir com satisfação e abrir os braços para abraçá-la, mas foi impedido de concretizar a ação quando ela colocou o braço na frente.
— Sai fora — ela murmurou e caminhou para longe de Benzema, que ficou para trás, rindo.
O treino começou com todos os jogadores se alongando e correndo de uma linha lateral até a outra diversas vezes. A assistente, que nem sempre os acompanhava no aquecimento, fez questão de aproveitar a corrida para extravasar um pouco da irritação que ainda sentia.
Quando todos estavam devidamente aquecidos, Zidane os chamou para se reunirem em um círculo e passou algumas instruções que os assistentes técnicos David e complementaram com o que haviam observado da série de jogos do Legia Warszawa que vinham assistindo desde a semana anterior.
— , a gente vai começar o treino com cruzamentos e chutes a gol, ok? — Zizou disse, analisando as anotações em sua prancheta. Levantou a cabeça para fitar a sobrinha, que assentiu com a cabeça. — Você fica responsável pelo grupo do Kiko.
O time foi divididos em três grupos e, seguindo a ordem do treinador, reuniu os cinco jogadores com os quais treinaria em frente a um dos gols do campo de treinamento. Kiko Casilla ajeitava as luvas, se posicionando debaixo da trave, enquanto ela orientava os outros sobre o que eles teriam que fazer. O primeiro jogador sairia com a bola e driblaria o segundo para cruzar a bola para o terceiro, que, de frente para o gol, chutaria ou cabecearia para a rede ou para o goleiro defender.
Danilo foi o primeiro e conseguiu passar por Nacho com facilidade, mas fez uma careta de descontentamento quando ele cruzou a bola quase na altura dos pés de Asensio, que chutou a bola para o fundo da rede.
— Essa bola precisa ser mais alta, Danilo. Lembra que durante o jogo vai ter um zagueiro ali — ela alertou o brasileiro e apontou para Fábio Coentrão, indicando que ele seria o próximo.
O português saiu com a bola e também não teve grande dificuldade para driblar Nacho, além de realizar o cruzamento na altura perfeita. A assistente, entretanto, não chegou a ver a cabeceada de Isco, pois outra bola atingiu em cheio suas costas.
A ardência que sentiu na pele foi instantânea, assim como a irritação que correu por todas suas veias até chegar a seus olhos e que a impulsionou a virar para o grupo de jogadores que treinava com Zizou no gol ao lado, buscando pelo autor daquele chute.
— Tá tudo bem, ? — Sergio Ramos questionou, preocupado, se aproximando da francesa. Mas a voz dele pareceu tão distante que ela o ignorou.
Os olhos de já estavam pregados em , que se aproximava com a culpa estampada no rosto.
— Qual é o seu problema? — ela berrou antes mesmo que ele pudesse se desculpar, o fazendo parar no meio do caminho, assustado. — Você ganha uma fortuna e não sabe nem cruzar a merda de uma bola direito?
Naquela altura, a equipe inteira parou para assistir à cena. Estavam todos espantados com a explosão da assistente.
— Ele pegou mal na bola, — Zizou defendeu o jogador ao se aproximar.
— E eu que tenho que pagar por causa da incompetência dele? — ela rebateu, levando uma das mãos ao local atingido.
— Vem, vamos botar um gelo aí. — Ele passou um braço pelos ombros da sobrinha e fez sinal para que os jogadores voltassem a treinar antes de levá-la até o banco na lateral do campo. — Está tudo bem com você? — questionou com preocupação, fazendo-a se sentar. — Foi só uma bolada, . Não precisava fazer esse escândalo.
— Foi mal, tio. Estou um pouco estressada hoje — ela disse e bufou, passando as mãos pelo rosto. — É a TPM.
— Toda vez que você estiver na TPM vai ser assim?
— Não, isso não vai se repetir — falou categoricamente, abaixando a cabeça.
— É bom que não se repita mesmo — Zizou disse em tom de alerta, o que a fez suspirar por insatisfação consigo mesma. — Vou pedir pro Jaime ver qual é a situação das suas costas e arranjar gelo pra você.
assentiu e observou o tio pegar o celular no bolso para mandar uma mensagem para o fisioterapeuta, que estava trabalhando com Modrić na academia naquele dia. Ela sabia que teria que lidar com a dor por alguns dias, não era a primeira vez que levava uma bolada de um jogador profissional e já conhecia os estragos que poderiam ser feitos.
Depois de almoçar no refeitório na companhia de Benzema, o único que teve coragem de se aproximar depois de sua explosão durante o treino, subiu para seu quarto na residência dos jogadores. Continuaria trabalhando na Ciudad Real Madrid pela tarde, mas precisava tomar banho e descansar um pouco. A dor leve que sentia no útero começava a incomodar, mas, pelo menos, a irritação de anteriormente havia ido embora.
De banho tomado, vestiu apenas a calça do uniforme de assistente técnica e o top Adidas que costumava usar por baixo da camisa e se jogou na cama de cabelos molhados. Se esticou para alcançar o controle da televisão no criado mudo e ligou o aparelho na Real Madrid TV, que, naquele momento, passava um resumo sobre o último jogo do time de basquete do clube madridista.
Fechou os olhos enquanto escutava os jornalistas comentarem sobre a partida, mesmo que não se interessasse muito por basquete, e estava prestes a pegar no sono quando escutou algumas batidas na porta. Bufou, imaginando ser Karim, e se levantou para abrir a porta.
No entanto, para sua surpresa, quem estava parado no corredor com as mãos no bolso da calça jeans e exalando um perfume delicioso não era o atacante francês, mas sim .
Os olhos dele a fitavam com uma cautela que fez abrir e fechar a boca em duas tentativas de se pronunciar.
— Posso entrar? — ele questionou quando percebeu que ela estava sem reação.
aumentou a abertura da porta e deu espaço para que ele adentrasse o quarto.
— Senta aí — disse, apontando para o sofá, e fechou a porta em seguida.
subiu os olhos pelo corpo atlético de , que estava mais à mostra do que ele costumava ver normalmente.
Ela nem sequer notou, pois estava ocupada demais tentando lidar com a vergonha que sentia por ter sido tão grossa com ele mais cedo. Estava arrependida, principalmente, por tê-lo chamado de incompetente. Afinal, ele era e sabia fazer com uma bola muito mais do que um simples cruzamento.
— A bolada foi sem querer, . O Sergio tentou roubar a bola e acabou me atrapalhando.
— Relaxa, está tudo bem. É claro que não foi por querer — ela disse, se sentando no sofá ao lado dele. — Que deve pedir desculpas sou eu por ter reagido daquela maneira. Não estou em um dos meus melhores dias.
— Confesso que fiquei um pouco assustado. Pensei que você ia me bater — o brincou, fazendo-a gargalhar. — Mas não tem problema. Eu te machuquei?
— Ainda está meio dolorido, mas amanhã já vou estar pronta pra outra — ela respondeu, piscando um olho. — O Jaime passou aquele sprayzinho mágico.
— Posso ver?
se virou e puxou os fios de cabelo para um só lado, de forma que suas costas ficassem expostas. Ela pôde perceber a aproximação do jogador e sentiu um arrepio correr pelo corpo quando os dedos dele tocaram sua pele de leve.
— Está meio vermelho — ele disse, alisando o local atingido.
— Você fez uma obra de arte aí, uh? — ela brincou, virando o rosto a tempo de ver a careta de descontentamento de .
Ficou petrificada ao perceber quão próximos eles estavam.
— Desculpa — ele sussurrou, admirando de perto as feições delicadas do rosto de .
— Já desculpei — ela disse em resposta e esboçou um sorriso singelo.
sentiu dentro de si a mesma sensação deliciosa que sempre a tomava toda vez que os olhos de a observavam como se, no mundo inteiro, só existissem eles dois.
— Sei que eu já disse isso — ela começou, levando uma das mãos até o queixo do jogador —, mas seus olhos são lindos.
sorriu enquanto apreciava o carinho que a francesa fazia em sua barba rala e ela não pôde deixar de imaginar como seria ter aqueles lábios colados aos seus.
— Você que é linda, — ele falou, fazendo-a se arrepiar. — O seu sorriso é contagiante. Dá vontade de sempre estar por perto absorvendo a energia positiva que você transmite.
Ela ficou sem palavras por longos segundos.
— Ei, estou entendendo o que você está fazendo — disse em um tom divertido e semicerrou os olhos, optando por uma resposta descontraída. — Você precisa de mais do que umas palavras bonitinhas pra me conquistar, viu, ?
— Apertar sua bunda? — ele retrucou com um sorrisinho de canto, entrando na brincadeira.
A francesa arregalou os olhos e esboçou uma expressão exageradamente chocada.
— Isso foi muito ofensivo.
— Estou só brincando — falou, rindo. — Falando nisso, admito que fui um babaca ontem ao te ignorar durante a viagem de volta. Eu fiquei um pouco chateado por você não ter dito a verdade sobre o tal Javier. Pensei que fôssemos amigos.
— É que fiquei sem graça de dizer que prometi uma camisa autografada do Real Madrid pra um cara que só ficou comigo por causa do meu sobrenome — explicou, fazendo uma careta. — Eu só queria me livrar dele o quanto antes.
— Eu não acredito que ele tenha ficado com você só por causa do seu sobrenome — ele disse cautelosamente. — Quer dizer, você é legal e bonita. Ser sobrinha do Zidane é um mero detalhe.
— Acredite se quiser, mas isso é mais comum do que você imagina. — Ela soltou uma leve risada. — Na verdade, eu não me importo muito com isso. Digamos que eu… Prefira não me apegar a ninguém mesmo.
fez uma careta e tentou decifrar o que se passava pela cabeça de enquanto ele a fitava durante os segundos de silêncio que se seguiram.
— Então você prefere não ter relacionamentos amorosos mais sérios? — ele arriscou questionar.
— Mais ou menos isso — respondeu, dando de ombros. — Eu nunca fui de me apaixonar fácil, sabe? Sempre fui muito focada em estudar e correr atrás de ser treinadora, apesar de até ter tido dois namorados quando ainda morava em Marselha.
meneou a cabeça, assentindo. Era interessante eliminar parte das dúvidas que tinha a respeito de , apesar de ainda ter outras tantas.
— E você? — ela questionou antes que ele se pronunciasse, mostrando-se curiosa.
— Eu namorei com minha melhor amiga de infância por oito anos, foi minha única namorada até o momento — ele respondeu, fazendo-a arregalar os olhos. — A gente terminou no início do ano e, desde então, tenho preferido manter o foco apenas no futebol.
— Oito anos?! — a mulher exclamou. — Isso soa como uma vida inteira pra mim. Meu namoro mais longo durou dois anos e meio.
— Pois é. — riu baixo. — O namoro chegou num ponto em que precisávamos decidir se a gente se casava ou terminava. E achamos que era melhor cada um seguir o seu caminho.
— Posso perguntar por quê?
— A gente se deu conta de que o único sentimento que ainda nos unia era a amizade — ele explicou sem delongas. — Foi um término tranquilo. O que foi ótimo pra todo mundo, porque nossas famílias são bastante próximas.
— Que bom — disse, sorrindo, e soltou um suspiro em seguida. — Os meus términos, em compensação, não foram tão amigáveis assim. O primeiro foi na adolescência. Ele era ciumento pra caramba e a gente vivia brigando. Já o segundo, era meu melhor amigo antes mesmo de começarmos a namorar. Ainda nos encontramos de vez em quando, porque temos amigos em comum, mas acabamos nos afastando depois que vim continuar meus estudos pra ser técnica aqui na Espanha.
Uma movimentação na varanda interrompeu a conversa. se levantou para destravar a porta de vidro e o outro a seguiu.
— Vocês estão me espionando ou é impressão minha? — ela questionou com as mãos na cintura ao se deparar com Kroos, Modrić, Kovačić e Benzema.
— A ideia foi do Karim — Toni disse, sendo o primeiro a tirar o corpo fora, já que era o dono do quarto ao lado e dividia a varanda com a assistente técnica.
O atacante francês deu um soquinho no braço dele por ter revelado a verdade em vez de inventar uma desculpa qualquer.
— Eles disseram que o tinha vindo falar com você, então achei melhor vir prezar pela integridade dele, ok? — Benzema se defendeu e analisou e de cima a baixo. — Mas, pelo visto, está tudo certo.
— Não vou nem falar nada — ela disse, respirando fundo. — Eu preciso tirar um cochilo antes de voltar a trabalhar. A gente se fala depois, tá? — falou, se voltando para o .
— Pode ir. Eu vou embora pelo quarto do Toni — ele respondeu, piscando um olho, e se aproximou para beijá-lo na bochecha.
— Até amanhã, bando de fofoqueiros — ela disse para os outros antes de adentrar o quarto novamente e fechar a porta que dava acesso à varanda.
apenas riu, balançando a cabeça de um lado para o outro, e passou pelos amigos na intenção de ir embora. Acabou sendo seguido até a garagem pelos quatro, que não o deixaram entrar no carro sem que ele antes fizesse um resumo sobre a conversa com . Ficaram um pouco desapontados por saber que ela nem sequer o xingara.
Aquela noite estava sendo uma novidade para , mas ela estava adorando ver o lado mais íntimo de seus colegas de trabalho. Não imaginava que Toni Kroos, por exemplo, que estava sempre agindo feito um bobalhão, conseguia fazer seu filho parar de fazer bagunça com apenas um olhar. Era até bastante surpreendente presenciar tal cena.
Naquele mesmo dia, havia assinado o contrato que estendia seu tempo como jogador do Real Madrid até o ano de 2022. Como Modrić e Kroos haviam renovado seus contratos também naquele mês, os três decidiram que seria divertido comemorarem juntos em um jantar na casa de Luka. acabou também convidando , já que a amizade dos dois vinha crescendo cada vez mais. O que, inclusive, fazia Benzema choramingar sobre estar sendo trocado nos ouvidos da francesa, que apenas ria.
estava se dando muito bem com Vanja e Jessica, as esposas de Luka e Toni, respectivamente. Mesmo que tivesse acabado de conhecê-las, as duas eram tão simpáticas e receptivas que ela já se sentia batendo papo com duas velhas amigas, enquanto o trio de jogadores assistia a uma partida de futebol americano na televisão depois de todos se empanturrarem de pizza e Coca-Cola. O cardápio havia sido escolhido por Luka depois de Toni insistir que eles precisavam aproveitar a ocasião para sair da dieta saudável estabelecida pelo nutricionista.
— Alguém quer vinho? É italiano, uma delícia — Vanja ofereceu e foi a primeira a aceitar. A entregou uma taça vazia e a encheu pela metade com a bebida. — Quer também, ?
— Não, obrigado. Eu não bebo — ele disse, esboçando um pequeno sorriso.
— É mesmo. Tinha me esquecido — ela falou antes de se afastar para servir o vinho para os outros.
— Sério que você não bebe? — questionou, surpresa.
— Sim — o jogador respondeu, rindo. — Não é por nenhum motivo especial, é só o gosto não me atrai muito. Nunca gostei nem de cerveja.
— Então quer dizer que você nunca tomou um porre?
— Nunca.
Ela concordou com a cabeça e baixou os olhos para a taça de vinho que segurava, lembrando-se das incontáveis vezes que bebeu além da conta e acabou por fazer um monte de besteiras das quais sempre se arrependia depois. Levou a taça à boca, decidindo que aquele seria todo o álcool que iria ingerir naquela pequena reunião.
Alheia à conversa sobre vinhos que acabou se desenrolando na sala de estar dos Modrić, parou para observar Ivano, o filho mais velho de Luka, brincar com uma bola de futebol junto a Ema, sua irmãzinha, e Leon, o filho de Toni. As perninhas curtas de Ema e Leon os impediam de roubar a bola de Ivano, que ria e os driblava sem qualquer dificuldade. Amelie, a filha de apenas três meses de Toni Kroos, dormia um sono pesado no colo da mãe.
A francesa terminou de beber o vinho e deixou a taça vazia em cima da mesa de centro antes de se inclinar para desafivelar e tirar o par de sandálias pretas de salto que calçava.
— Eu quero jogar também — ela falou, se aproximando das crianças. — Vanja, tem algum problema se a gente for lá pra fora?
— Não, . Podem ir sim.
Ela, então, pegou a bola e chamou as crianças para acompanhá-la até o quintal enorme que era possível ver pela porta de vidro. Antes de pisar na grama, entretanto, fez sinal para que se juntasse a eles.
— Nós quatro contra ele. O que vocês acham? — ela perguntou para as crianças, apontando para assim que ele apareceu na parte externa da casa e os três assentiram veemente.
— Por que eu tenho que formar um time sozinho? — ele perguntou, indignado.
— A saída de bola é sua — rebateu, rindo, e jogou a bola para ele.
acabou se voluntariando para defender um dos dois pequenos gols que Ivano tinha, enquanto as três crianças tentavam tirar a bola de sem muito sucesso. O jogador se divertia jogando a bola de um pé para o outro, apenas impedindo que eles a pegassem. Depois de alguns minutos dessa enrolação, saiu do gol e caminhou a passos decididos na direção dele.
— Ei, isso não vale! — ele exclamou quando ela o agarrou, o impedindo de se movimentar.
— Vai, gente! Faz o gol!
Ivano chutou a bola na direção do gol vazio e correu para comemorar junto a Leon e Ema.
Em meio a risos, ficou nas pontas dos pés para estalar um beijo na bochecha de antes de soltá-lo, mesmo que soubesse que, se ele realmente quisesse, teria feito isso por conta própria.
— Esse troféu vai ter que ficar pra próxima, .
— Eu vou esperar pela revanche — ele retrucou, piscando um olho.
se afastou, rindo, e se ajoelhou na grama para receber um abraço em grupo de seus companheiros de time.
— Está entregue — disse ao parar o carro em frente à casa dos Zidane.
— Muito obrigada — falou, passando os olhos pela fachada da casa sem notar qualquer movimentação, e o encarou antes de esboçar um pequeno sorriso. — Pela carona e também pela noite. Foi muito divertida.
— Já está convidada para as próximas. Faltou você conhecer a namorada do Mateo.
— É só marcar. Vou adorar conhecê-la — ela disse, piscando um olho, e soltou o cinto de segurança antes de se inclinar para abraçá-lo desajeitadamente. — Mais uma vez, parabéns pelo novo contrato. Foi mais do que merecido, o Real Madrid não vai querer perder um jogador incrível como você.
— Obrigado, — respondeu, retribuindo o abraço de forma carinhosa.
Os dois se afastaram minimamente e aproveitou a proximidade para depositar um beijo demorado em sua bochecha. Se afastou em seguida, mas o rosto de ainda estava próximo e os olhos dele a fitavam com uma intensidade que a deixou sem reação. Ele inclinou a cabeça e desceu o olhar por seu rosto até chegar nos lábios pintados com um batom marrom. Ela sentiu o coração dar um salto dentro do peito ao notar que o rosto do jogador se aproximava. Já conseguia sentir a respiração dele se misturar à sua própria e a vontade de beijá-lo apenas cresceu ainda mais.
Quando as bocas roçaram uma na outra, o celular de apitou duas vezes seguidas, fazendo-a se afastar bruscamente de , assustada.
— Meu Deus — ela soltou em meio a um longo suspiro e desviou os olhos para a rua deserta do condomínio.
O silêncio se instalou entre os dois por algum tempo, até quebrá-lo com uma risada baixinha.
— Sabe por que eu te evitava nas primeiras semanas? — ele questionou.
— Por quê? — Ela o encarou com curiosidade.
— Eu me sentia intimidado. Além de ser muito diferente ter uma presença feminina no time, eu não conseguia prestar atenção em mais nada quando você estava por perto. Ainda não consigo — confessou, fazendo morder o lábio inferior e fitar a bolsa que repousava em suas coxas. — Sei que é antiético, porque trabalhamos juntos, mas, cada vez que eu te vejo, sinto uma vontade imensa de te beijar.
sentiu um frio na barriga que se espalhou por todo seu corpo e levantou os olhos até os de .
— Eu queria mandar a razão pro inferno e te beijar, mas não posso fazer isso com você. Me envolver com jogadores de futebol sempre foi algo que procurei evitar, apesar de já ter acontecido duas vezes. E você não é como os caras com quem eu costumo sair, sabe? Gosto muito de você e não quero correr o risco de acabar te magoando.
Ela quis, mais do que nunca, saber o que estava se passando pela cabeça do , mas a expressão em seu rosto era impassível. Ele apenas concordou com a cabeça.
— Tudo bem — falou, esboçando um sorriso fraco.
abriu a boca para respondê-lo, mas o toque de seu celular a interrompeu.
— É o Karim — ela anunciou ao pegar o aparelho e, em seguida, aceitou a chamada.
— Você não lê suas mensagens?
— Estou chegando em casa. Te ligo daqui a pouco, ok?
— Tá bom, mas anda logo. É importante.
— Espera cinco minutos — ela disse antes de desligar o celular e voltar a guardá-lo dentro da bolsa. Encarou , que a observava atentamente, e suspirou. — Não fica chateado comigo, por favor — pediu em tom de súplica.
— Claro que não — ele garantiu. — Você está certa. Isso pode acabar complicando as coisas.
— Até amanhã — disse, sorrindo.
— Até — escutou o jogador dizer antes de sair e bater a porta do automóvel.
Ela não esperou para ver o carro de se afastar, caminhou pelo jardim enquanto buscava pelo chaveiro jogado no fundo da bolsa e, depois de encontrá-lo, abriu a porta de entrada da casa tentando fazer o mínimo de barulho possível. Notou que a luz da cozinha estava acesa e caminhou até lá, onde encontrou Véronique preparando um chá para o marido, que estava com insônia.
— Boa noite, tia — ela disse, esboçando um sorriso desanimado quando se sentou em um dos bancos do balcão ilha.
— Que carinha é essa? Aconteceu alguma coisa?
— Quase beijei o agora, quando ele veio me deixar em casa. E ele confessou sentir alguma coisa por mim. — sentiu o coração bater mais forte ao se lembrar das palavras ditas pelo .
— Você corresponde esses sentimentos?
Encarando os olhos atenciosos de Véronique, ela se permitiu, pela primeira vez, pensar nas coisas que vinha sentindo desde que conhecera .
— Talvez... — admitiu. — Mas nós trabalhamos juntos e ele é um dos jogadores mais badalados atualmente. Não quero que um relacionamento amoroso acabe ofuscando meu trabalho, sabe? Já está sendo difícil provar que não estou no Real Madrid por causa do meu sobrenome, ainda vou ter que provar que também não tem nada a ver com o fato de me relacionar com um dos craques do time? Não sei se aguento ter que lidar com mais isso.
— Você não pode pensar só nos pontos negativos. Será que não vale a pena encarar isso tudo por alguém legal?
— Sinceramente, não sei até que ponto vale a pena. Nós, mulheres, temos sempre que estar provando alguma coisa. Pros homens é muito mais fácil.
— Deixa as coisas acontecerem naturalmente, . É o único conselho que posso te dar.
— Não conta pro meu tio, tá? Nem sei se estou gostando mesmo dele ou se é só uma atração boba.
— Pode deixar — Véronique respondeu com um sorriso cúmplice nos lábios.
— Preciso ir dormir. Já está tarde e amanhã vamos viajar para Varsóvia.
Depois de desejar boa noite à tia, pegou sua bolsa e subiu as escadas.
Trocou a roupa que vestia por um pijama confortável e se acomodou debaixo do cobertor. Só então se lembrou de que havia prometido retornar a ligação de Karim. Por sorte, deixara o celular sobre o criado-mudo antes de se deitar e só precisou esticar o braço para alcançá-lo. Dentre as notificações, encontrou as duas mensagens de Karim que a impediram de fechar a noite fazendo uma besteira das grandes.
respirou fundo enquanto clicava no contato do jogador para iniciar uma chamada. Sabia que Chloé era um assunto bastante complicado para Karim.
Ele conhecera a enfermeira francesa pouco depois de o Real Madrid contratá-lo no verão de 2009 e os dois tinham um relacionamento cheio de altos e baixos, graças às polêmicas em que ele sempre acabava se envolvendo. tentava se manter neutra, já que, em 2011, ao se mudar para Madrid pela primeira vez, se tornou bastante próxima ao casal e sempre ficava no meio do fogo cruzado.
Depois de alguns términos e voltas, Chloé engravidou e Karim a pediu em casamento, mas, poucos meses depois de Mélia nascer, os dois terminaram definitivamente quando boatos de que o atacante estaria tendo um caso às escondidas com uma jornalista esportiva vieram à tona. Ele se viu obrigado a admitir que os rumores eram parcialmente verdadeiros, que realmente se envolvera com a tal jornalista, mas não havia sido exatamente uma traição, pois acontecera durante um curto período em que os dois estiveram separados.
Para a Chloé, no entanto, foi a gota d’água que faltava para que o copo transbordasse. Ela estava exausta de fazer parte de um relacionamento que lhe trazia mais aborrecimentos do que momentos de paz e não tirava a razão dela. Apesar de testemunhar o arrependimento de Karim quando ele se deu conta de que havia a perdido de vez, ela via como Chloé se desgastava em prol do amor que sentia por Benzema para ganhar quase nada em troca.
A filha de 2 anos era a única ligação que os dois ainda tinham e Benzema jamais havia superado o término, apesar de não demonstrar isso normalmente.
— Até que enfim — ele disse ao atender logo no primeiro toque.
— Me diz que você não está realmente enchendo a cara — falou em um tom preocupado. — Você precisa se apresentar amanhã cedo em Valdebebas. Não queremos escândalos, certo?
— Não bebi nem metade do que eu gostaria, mas só porque a Lola está dormindo lá no quarto e eu não estou a fim de dar explicações.
— Por favor, Karim, tenha juízo — ela disse em meio a um suspiro. — Me conta essa história direito. Tem tempo que não falo com a Chloé.
— Segundo minha mãe, ela está com um cirurgião do hospital em que trabalha.
— Eu sei que não é isso que você gostaria de ouvir, mas a Chloé tem o direito de seguir em frente.
— É claro que ela tem, mas o que custava dar uma chance pro pai da filha dela?
— A milésima chance, né? — rebateu, rindo. — Acho que não cabe a mim te julgar. Sou sua amiga e quero que você seja feliz, mas você procurou por isso, Karim. Você teve um milhão de chances e precisou ver a Chloé desistir do relacionamento de vocês pra se dar conta do quanto gosta dela. Agora não adianta chorar. Ou você desiste e parte pra outra, ou dá tempo ao tempo, mostra pra ela que você mudou e espera por uma chance.
— Já tem dois anos que eu tô esperando por uma chance.
— E o que você fez pra que ela te desse essa chance? Saiu com um monte de mulheres? — questionou com uma dureza que quase fez Karim se arrepender de tê-la procurado para desabafar.
— Eu sei que eu sou um merda, .
— Você não é um merda — ela disse, compreensiva. — Não tem nada de errado em querer se divertir com várias pessoas sem compromisso, mas você não pode ter isso e também ter alguém te esperando em casa. É uma escolha que você precisa fazer.
— É, você está certa...
— Pensa nisso, mas sem encher a cara, ok? — disse em um tom espirituoso.
— Tá bom — Benzema murmurou. — Nem sei por que eu estou tão preocupado assim. E daí que ele é cirurgião? Não deve ser mais bonito do que eu.
não pôde conter uma gargalhada.
— Tenho certeza de que não.
— Ei, e posso saber onde a senhorita estava a essa hora da noite?
— Na casa do Modrić com o e o Kroos. Eles resolveram fazer uma reuniãozinha pra comemorar as renovações de contrato e me convidaram.
— Eu gostava mais quando o te ignorava e você passava mais tempo comigo.
— De novo essa história de que estou te trocando por ele? — ela questionou em meio a risadas.
— Mas não tá?
— Claro que não — ela rebateu e, em seguida, respirou fundo. — Eu quero te contar uma coisa, mas você precisa prometer que não vai me zoar.
— Eu prometo, mas só porque hoje não estou num bom dia.
— Palhaço — murmurou, escutando o jogador gargalhar do outro lado da linha. — Acho que estou a fim do .
— Agora me conta uma novidade — Karim disse, rindo. — Sei disso desde que você veio com aquele papo de que ele não ia com a sua cara. Você nunca se preocupou em agradar ninguém. Nunca te pressionei pra saber, mas eu sei que rola algo entre vocês.
— Mas não rola nada além de amizade — ela prontamente se defendeu.
— Eu quis dizer que rola um interesse mútuo. Olha, isso é fofoquinha de criança de primário, mas que se foda. — Ele estalou a língua no céu da boca de maneira impaciente. — O Toni me contou que o está de quatro por você. O próprio que falou, mas não com essas palavras, imagino eu.
se virou no colchão, enfiando metade do rosto no travesseiro.
— Ele me disse. A gente quase se beijou hoje.
— Sério? Por que quase?
— Porque eu meio que disse que é melhor a gente não se envolver dessa maneira — ela confessou e mordeu o lábio inferior.
— Por que você disse isso?
— Porque trabalhamos juntos e vou ter que encará-lo no dia seguinte — respondeu com obviedade. — Sair com alguém do time está fora de cogitação. Além disso, ele não parece ser o tipo de cara que curte sexo sem compromisso e eu não posso oferecer mais do que isso. Não quero correr o risco de magoá-lo.
— Você realmente quer minha opinião?
— Por favor.
— Seja honesta com ele e se peguem de uma vez. Não tem coisa pior do que tensão sexual. Te garanto que o não é nenhuma boneca de porcelana.
— Por que não parece tão simples na minha cabeça?
— É normal se sentir assim quando a gente se depara com algo novo.
Tais palavras ditas por Karim não saíram da cabeça de mesmo depois de a ligação ser finalizada. Ela tentou manter distante de seus pensamentos, mas, naquela noite, acabou sonhando que se atracava com ele no vestiário depois de um grande jogo.
No sonho, o beijo dele era delicioso.
E ela queria tanto comprovar se de verdade também era.
9. La Novena
Si estoy cerca de ti
La vida se convierte en juego de niños
Cuando tú estás junto a mí
No Importa Que Llueva - Efecto Pasillo
guardou a bolsa de maquiagem dentro da mala e se certificou de que não estava se esquecendo de nada antes de se retirar de seu quarto na residência do time principal do Real Madrid. Vestia seu terninho Hugo Boss, o traje oficial para as viagens da Champions League, assim como todos os jogadores e outros membros da comissão técnica. Depois de fechar a porta, notou que Karim vinha em sua direção pelo corredor. Estava distraído com o celular, então a francesa pigarreou para chamar sua atenção e ele imediatamente tirou os olhos do aparelho e esboçou um belo sorriso.
Também sorrindo, envolveu Karim em um abraço apertado. Estava com muita vontade de fazer isso desde o dia anterior, quando conversaram pelo celular sobre Chloé e ela também acabou se abrindo a respeito de . Não que tivesse qualquer dúvida a respeito de ele ser um grande amigo, mas a amizade deles era tão descontraída que, às vezes, se esqueciam de que podiam também contar com o ombro amigo um do outro.
— Por favor, me diz que você não está deprimido. Não vou saber lidar com um Karim Benzema deprimido.
— Pensei que você soubesse que pra mim não tem tempo ruim — ele falou, esboçando um sorriso safado. — Sexo matinal cura qualquer sofrimento, sabia?
— Eu não preciso ficar sabendo dessas coisas — ela rebateu com uma careta. — Nem sei por que ainda me preocupo com você.
— Qual é o assunto? — James questionou quando surgiu ao lado dos dois, também vestido com o terno Hugo Boss e puxando uma mala de rodinhas.
— Sexo matinal — Karim respondeu e recebeu um olhar divertido do colega.
— Não precisa falar da sua vida sexual também, ok? — disse e saiu andando pelo corredor, sendo seguida pelos dois jogadores.
— Ela só tá dizendo isso porque não tem com quem fazer — Benzema disse e, em resposta, ela mostrou o dedo médio sem se dar ao trabalho de encará-lo, arrancando gargalhadas da dupla atrás de si.
No caminho até o primeiro andar, Karim, num ato de cavalheirismo, a fez lhe entregar a mochila que ela levava nas costas e a carregou até o ônibus do clube que estava à espera dos jogadores para transportá-los até o aeroporto.
não pôde evitar passar os olhos pelos bancos já ocupados e se decepcionou ao constatar que não estava ali. Ainda não havia cruzado com ele desde que chegara com Zizou à Ciudad Real Madrid meia hora antes e, mesmo que repetisse mentalmente o contrário, estava bastante ansiosa por vê-lo. Acabou escolhendo sentar-se no banco vago ao lado de Raphaël Varane, já que Karim e James conversavam animadamente e, pelo visto, o bate papo se estenderia por um longo tempo.
— E aí, Rapha? Tudo bem?
— Tudo, e com você? — ele respondeu, tirando os fones do ouvido.
— Tudo bem também. Como a Camille está? Tudo certo com o neném?
— Ela tem tido muitos enjoos, mas o bebê está ótimo e enorme. Fizemos uma ultrassonografia anteontem — Varane disse com um brilho nos olhos que fez sorrir junto. — Não vejo a hora de poder segurar meu filho.
— Eu posso imaginar a ansiedade de vocês. Já decidiram qual vai ser o nome?
— Pior que ainda não. A Cami fez uma lista enorme, mas não conseguimos chegar a um consenso — ele respondeu, fazendo uma careta.
— Vai acabar sendo mais um Júnior nesse time — comentou, rindo, e olhou pela janela, pensativa. — Eu ainda não penso em ter filhos, mas tenho algumas opções. Frédéric e Patrick, por exemplo. Gosto muito de Victor também.
— E pra menina?
desviou os olhos de Raphaël, reflexiva. Não que pensasse sobre o assunto com frequência, mas, sempre que considerava a possibilidade de ser mãe um dia, se imaginava jogando bola no quintal com um garotinho e o levando para assistir aos treinos e jogos do time que estivesse comandando. Ela poderia fazer o mesmo com uma menina, é claro, mas só então se deu conta de que sua mente nunca a mostrava como mãe de uma menina. Talvez fosse por ter crescido rodeada pelo sexo masculino, já que a maioria de seus primos eram garotos e sempre tivera mais amigos do que amigas. Era provável que, em seu subconsciente, pensasse que não seria uma boa mãe para uma menina.
— Não sei, talvez... Charlotte? — ela disse, encolhendo os ombros.
— Charlotte é bonito.
— Estou muito feliz por vocês dois, Rapha. Lembro que quando te conheci vocês eram bem novinhos, nem falavam de casamento ainda, agora já estão aí formando uma família linda. Desejo toda felicidade do mundo pra vocês.
— Obrigado, — o jogador disse, sorrindo, e foi puxado para um rápido abraço de lado.
— O que você está ouvindo aí? — ela perguntou, mudando de assunto, e apontou para o celular de Raphaël.
— Stromae.
— Também quero escutar! — pegou um dos lados do fone de ouvido, e, ao reconhecer ta fête, uma de suas músicas favoritas do cantor belga, não se conteve em cantar junto enquanto fazia uma dancinha.
Toni Kroos, que acabava de adentrar o ônibus, parou ao se deparar com a cantoria e ficou observando-a sem entender sequer uma palavra em francês que saía pela sua boca.
— Que foi? — ela questionou com um sorriso divertido.
— Isso daqui não é The Voice não, garota — ele disse em um tom debochado.
— Vá ver se estou na esquina, Kroos — a francesa disse, se inclinando para acertá-lo com um tapa estalado no braço tatuado, e o observou se acomodar no banco próximo à janela da mesma fileira, mas do outro lado do ônibus. — O Leon e a Amelie são tão bonitinhos, nem parecem seus filhos.
— Pode falar o que quiser, tenho espelho em casa e sei muito bem que sou lindo — Toni brincou, dando de ombros, e soltou uma gargalhada exagerada e debochada.
Contudo, sua atenção se voltou para e Cristiano Ronaldo, que acabavam de chegar ao ônibus rindo e gesticulando enquanto conversavam, e ela sentiu o coração bater um pouco mais forte. Se esforçou para não encará-los tão indiscretamente, mas acabou levantando a cabeça para cumprimentá-los com um sorriso quando os dois passaram por seu banco. Cristiano seguiu para o fundo do ônibus para sentar-se próximo a Marcelo, Pepe e Coentrão, mas ficou por ali mesmo e se sentou ao lado de Kroos.
sentiu uma enorme vontade de engatar uma conversa com ele sobre o primeiro assunto que surgisse em sua cabeça, pois precisava descobrir se algo mudaria depois da noite anterior e sentiu-se nervosa de imaginar que pudesse voltar a ser ignorada. No entanto, como os jogadores chegavam aos poucos e passavam pelo corredor que os separava, acabou deixando para depois.
logo estava entretido em uma conversa com Toni e, para ela, só restou prestar atenção nas músicas do Stromae que saíam pelo fone de ouvido de Varane por todo o caminho até o aeroporto.
Acabou nem notando que lhe lançava olhares de canto de olho enquanto concordava com tudo o que Kroos dizia sem realmente prestar atenção.
A tranquilidade que a equipe teve durante a viagem até Varsóvia sumiu como em um passe de mágica quando o trabalho árduo começou. Depois do almoço, a comissão técnica se reuniu para discutir a respeito dos últimos preparativos para a segunda partida contra o time polonês Legia Warszawa, ainda pela fase de grupos da Champions League, enquanto os jogadores estavam concentrados na academia do hotel sob a supervisão dos preparadores físicos. No final da tarde, toda a equipe foi para o Stadion Wojska Polskiego, onde o jogo seria disputado, para um treino de reconhecimento de campo e se exercitaram até a lua despontar no céu.
Mesmo com a cabeça na partida importante do dia seguinte, os jogadores conversavam descontraidamente, como de costume, e o ambiente no refeitório do hotel era agradável enquanto todos jantavam.
já havia finalizado a refeição e estava distraída com o celular, conversando com sua amiga Fifi depois de ter tido uma extensa discussão a respeito das sobremesas polonesas oferecidas pelo hotel com Zidane e Antonio Pintus, um dos preparadores físicos. Ela procurou por uma sobremesa mais leve, já que havia se alimentado muito bem, e acabou escolhendo kisiel, uma geleia bastante líquida feita de frutas e com alguns pedaços de morango mergulhados nela.
Assim que enviou a mensagem, uma nova notificação apareceu na tela e ela se surpreendeu ao ver quem era o remetente.
Os olhos da assistente imediatamente foram parar na outra ponta da mesa comprida na qual metade do time estava jogando conversa fora. a fitava com uma expressão divertida no rosto e, em resposta, ela apenas balançou a cabeça de um lado para o outro, tentando reprimir o sorriso que ameaçou surgir em seus lábios, mas sem muito sucesso.
Em seguida, voltou para a janela da conversa com a amiga, que dizia que cancelaria tudo se ela não pudesse ir ao casamento. Fifi era um pouco dramática às vezes.
As duas acabaram se despedindo logo depois, já que Joséphine anunciou que ainda precisava terminar de ler alguns artigos para o mestrado em Literatura Francesa.
Enquanto isso, outra mensagem de apareceu na tela.
riu baixo e estava prestes a desafiá-lo quando outra mensagem chegou.
Ela não pôde conter uma careta.
A francesa fitou o jogador mais uma vez, a tempo de assisti-lo ler sua mensagem e digitar uma nova.
Surpresa com a resposta, ela voltou a encará-lo depois de ler a mensagem. a observava com seriedade, mas logo ele quebrou o contato visual e fingiu prestar atenção na história que Luka Modrić contava. pôde jurar que ele parecia um pouco chateado.
Ela ficou encarando a tela do celular por meio minuto antes de, finalmente, enviar uma resposta.
O celular de vibrou em cima da mesa e ele o pegou para ler a mensagem que acabara de chegar. Respirou fundo enquanto respondia e preferiu não retribuir o olhar que sentia sobre si. Apagou e reescreveu a mensagem algumas vezes antes de enviá-la.
piscou os olhos, tentando absorver as palavras que havia acabado de ler. Não podia acreditar que ele realmente havia entendido o que ela dissera daquela maneira.
era diferente dos caras com quem ela costumava ficar, mas era de um jeito bom. Com aquilo, ela só estava querendo dizer que se importava com ele.
— Aconteceu alguma coisa, ? — Zinédine questionou, a fazendo tirar os olhos do aparelho. — Você está olhando pro celular como se estivesse vendo um fantasma.
— Não é nada demais — ela o tranquilizou e, em seguida, se levantou. — Vou me recolher. Com licença.
Quando se virou para deixar o refeitório, sentiu duas mãos a segurarem pela cintura. Ao girar, deu de cara com Karim.
— A gente vai ver um filme no quarto do Marcelo.
— Daqui a pouco eu subo.
Ele concordou com a cabeça antes de ir embora do refeitório acompanhado por Varane, James, Pepe e, é claro, Marcelo.
seguiu pelo mesmo caminho, saindo no corredor extravagante do hotel. O piso era vermelho com detalhes em azul-marinho e, pendurados nas paredes, tinha dezenas de quadros com molduras douradas. Ela desbloqueou o celular e leu mais uma vez a mensagem enviada por antes de digitar uma resposta.
Logo depois, guardou o celular no bolso fronteiro da calça do uniforme e seguiu para a área do hotel que ela tinha certeza de que estaria vazia àquela hora da noite, apesar de a piscina ser coberta e aquecida. Não estava errada, realmente não havia ninguém por ali, mas, por precaução, escolheu o pufe redondo mais distante da entrada para se sentar. Alguns minutos depois, pôde ouvir o som de tênis se arrastando contra o chão e virou a cabeça para observar a aproximação de .
— , você entendeu tudo errado — ela declarou assim que ele se sentou ao seu lado.
— Então me explica — ele pediu, a fitando nos olhos.
— Para começar, não te dei um fora. É que tenho meus objetivos muito claros, sempre tive. Você deve me entender, também batalhou muito pra se tornar um jogador de futebol, até precisou se mudar pra outro país quando era só um garoto — ela disse e respirou fundo, enquanto observava o jogador desviar os olhos dos seus, assentindo com a cabeça. — Tenho consciência de que ser sobrinha do Zizou me abriu muitas portas ao longo de toda minha vida, mas não foi fácil entrar num meio que é dominado pelos homens e ser levada a sério. É comum pensarem que mulheres gostam de futebol para chamar a atenção dos caras — desabafou. — Desde que terminei a faculdade de Psicologia e decidi que realmente ia investir no meu sonho de ser técnica, penso que é melhor não me envolver com jogadores. Quero ser respeitada e que as pessoas confiem no meu trabalho, não que minha vida amorosa ofusque a competência que sei que tenho.
Um silêncio desconfortável se instalou entre eles e tentava decifrar a expressão no rosto de , que, de braços cruzados, apenas fitava o par de tênis Adidas que calçava.
— Você não vai dizer nada? — questionou, fazendo-o levantar os olhos para fitá-la.
— Não me parece que qualquer coisa que eu venha a dizer possa fazer diferença — ele disse, dando de ombros.
— Provavelmente não, mas você entendeu que tenho motivos importantes pra evitar me envolver com você nesse momento, certo? — ela questionou, observando a expressão neutra dele com atenção.
— Claro que entendi que você tem outras prioridades, . Já percebi que você é uma mulher determinada. — Ele respirou fundo ao se dar conta de que aquilo só o fazia se sentir ainda mais atraído por ela. — Eu só queria entender o que tenho de tão diferente dos outros caras.
— Você não é um cara qualquer. Gosto de você e dessa amizade que tá crescendo aos pouquinhos — ela explicou com um pequeno sorriso nos lábios. — Eu não me importo nem se vou voltar a ver os caras com quem saio. Na maioria das vezes, rezo pra nunca mais encontrá-los na minha vida — admitiu, rindo levemente. — Não posso e não quero te tratar desse jeito se, um dia, acontecer algo entre a gente.
— Você não curte compromisso? — questionou, ignorando o frio que sentiu na barriga quando seu subconsciente interpretou as palavras dela como se a possibilidade de eles terem alguma coisa existisse, mesmo que mínima.
— Não tenho aversão nem nada do tipo. Só tem sido mais fácil ter relacionamentos casuais — respondeu, dando de ombros. — Nós, que trabalhamos com futebol, não podemos nos prender a lugar nenhum, e não me sinto no direito de obrigar alguém a largar tudo e ir pra outro país comigo. Foi por isso que terminei com meu ex-namorado. Desde então, prefiro ficar na minha, solteira, e de vez em quando sair com caras que não buscam nada sério também.
meneou a cabeça, demonstrando ter compreendido seu raciocínio, e os dois caíram em alguns segundos de silêncio.
— Te contei que já fiquei com dois jogadores de futebol porque quis ser honesta com você — ela disse. — Uma hora ou outra você podia ficar sabendo e ia pensar que isso de não ficar com jogadores foi só uma desculpinha pra tirar o corpo fora, mas juro que não. Nas duas vezes eu me arrependi assim que me dei conta do que tinha feito — disse e fez uma careta.
— Um deles foi o Özil, né? O Toni me contou — acrescentou ao notar a surpresa no rosto de .
— Que fofoqueiro! — ela rebateu com indignação exagerada, mas acabou deixando escapar uma risada baixa.
— E quem foi o outro? — ele perguntou, se esforçando para soar o mais despretensioso possível. — Karim?
A gargalhada de soou por toda a área da piscina.
— Por que você pensa que eu e ele já tivemos algo? Somos apenas amigos.
— Porque estão sempre juntos — explicou, dando de ombros, e não pôde evitar sentir um pequeno alívio ao ter sua dúvida sanada.
— A gente se aproximou quando vim pra Madrid fazer minha especialização em Treinamento Tático e Técnico de Futebol. Eu ainda não era fluente em espanhol, então ele me ajudou muito no processo de adaptação. Meus tios e meus primos também me apoiaram, claro, mas, por meses, ele foi o único amigo que eu tinha aqui. A Chloé também, a ex-namorada dele. Tenho o Karim como alguém da minha família, nunca rolou nada entre a gente.
meneou a cabeça em sinal de compreensão, também havia tido a mesma experiência de chegar em um país novo, sem saber falar o idioma, e precisou se adaptar o mais rápido possível. Em seu caso, fora Luka Modrić quem dera todo o apoio necessário, já que os dois eram amigos desde quando jogavam juntos no Tottenham Hotspur, o clube que ambos defenderam até serem vendidos para o Real Madrid. A transferência de Luka, entretanto, havia acontecido uma temporada antes e ele já estava mais habituado à capital espanhola.
— Quem foi o outro jogador? — ele questionou, dessa vez sem se importar de demonstrar sua curiosidade.
— Kevin Trapp, goleiro do PSG. Eu nem tinha muita intimidade com ele, mas, na confraternização do final da temporada, acabei bebendo champanhe demais e fazendo besteira — respondeu, soltando um longo suspiro. — Com o Mesut também não foi nada planejado. A gente saía juntos às vezes... Eu, Karim, Chloé e ele. Um dia acabou acontecendo.
desviou os olhos para a água límpida da piscina. Se pegou perguntando a si mesmo se existia alguma possibilidade de, algum dia, beijar .
— Me chamaram pra ver um filme lá no quarto do Marcelo. Nessa altura, já deve estar pela metade, mas não tá a fim de ir? — ela questionou, quebrando o clima levemente constrangedor que havia se instalado, e observou assentir silenciosamente.
— Posso te fazer uma pergunta? — ele perguntou antes que ela se levantasse.
— Quantas você quiser — ela rebateu, piscando um olho.
— Se eu não fosse jogador de futebol? Isso faria diferença?
sentiu o coração bater com um pouco mais de força enquanto refletia se deveria ser honesta ao responder aquela pergunta.
— Mesmo assim, eu ainda pensaria duas vezes antes de enfiar os pés pelas mãos. Você ainda seria alguém que quero ter por perto — respondeu, sorrindo. — Só que, nesse caso, a gente não se conheceria, né?
A partida contra o Legia Warszawa terminou em um empate bobo que deixou a equipe inteira do Real Madrid frustrada. Os espanhóis chegaram a estar vencendo o jogo por dois gols de vantagem marcados por e Cristiano Ronaldo, mas, no decorrer da partida, o time foi perdendo o ritmo e a concentração, o que acabou permitindo que os poloneses virassem o jogo para três a dois. Um gol de Mateo Kovačić nos minutos finais garantiu que eles voltassem para Madrid com um ponto, o que já era melhor do que voltar com ponto nenhum, mas o objetivo de garantir o primeiro lugar do grupo estava ficando cada vez mais distante e ninguém estava satisfeito com isso.
chegou em casa pela madrugada acompanhada do tio. O caminho do aeroporto até La Finca havia sido desconfortavelmente silencioso. Zinédine parecia tranquilo, como usualmente, mas o conhecia bem o suficiente para saber que seu silêncio se devia ao fato de ele estar maquinando soluções para evitar que o ocorrido no jogo daquele dia voltasse a se repetir, já que eles tinham que manter o foco para partidas importantes em outras duas competições, além das da Champions League, e ainda teriam o Mundial de Clubes no mês seguinte. Ela não estava em situação muito melhor, sentia-se tão culpada quanto o restante do time e, mesmo exausta, precisou tomar um chá de camomila para dormir, pois sua cabeça estava a mil.
Às 8h da manhã seguinte, se levantou da cama estranhamente disposta. Trocou o pijama por uma legging, top e casaco Adidas e calçou os tênis de corrida com a intenção de aproveitar a manhã de folga para correr pelas redondezas e pôr as ideias no lugar antes de se reunir com a comissão técnica na Ciudad Real Madrid para começarem a debater sobre os preparativos para o próximo jogo do calendário.
Depois de comer duas fatias de pão integral com manteiga acompanhados de um copo de suco de laranja, ela precisou lutar contra o espírito livre de Athos para conseguir prender a guia à coleira e saiu de casa puxando o labrador consigo. Ignorando as nuvens carregadas que davam a certeza de que choveria até o final do dia, colocou os fones nos ouvidos e caminhou na direção da casa de Karim Benzema, que morava a dez minutos da família Zidane, no mesmo condomínio, enquanto cantarolava a música que escutava.
Tocou a campainha repetidas vezes para ter certeza de que Karim escutaria mesmo se ainda estivesse dormindo e, em alguns minutos, a porta se abriu. No entanto, o rapaz sem camisa e com a cara amassada de sono que surgiu à sua frente não era o Benzema que esperava encontrar.
— Não sabia que você estava em Madrid, Gressy — disse, sorrindo para um dos dois irmãos de Karim que ela conhecia dentre os oito que ele tinha no total.
— E aí, ? — ele falou com a voz arrastada e aumentou a abertura da porta. — Entra aí.
aceitou o convite e, puxando Athos consigo, acabou não reparando que, depois de bater a porta atrás de si, Gressy deu uma bela conferida em sua bunda.
— Seu irmão tá no quarto?
— Acho que sim. Fiquei jogando FIFA até tarde e acabei dormindo pela sala — ele respondeu e, em seguida, um sorriso travesso surgiu em seus lábios. — Cada vez que te vejo você está mais bonita. Como isso é possível?
Uma risada escapou pela garganta de . Não era exatamente uma novidade que Gressy desse em cima dela. Ela costumava simplesmente ignorar as investidas. Mesmo que ele já fosse um homem naquela altura, ainda o enxergava como o garoto que conhecera uns anos antes com os mesmo estilo de roupa e corte de cabelo do irmão mais velho.
— E você cada vez mais abusado — rebateu em um tom divertido. — Toma conta do Athos por cinco minutinhos enquanto vou chamar o seu irmão?
— Vou ganhar o que em troca? — ele questionou com malícia, descendo os olhos por seu corpo.
— Obrigada, eu sabia que você não se negaria a fazer esse favor — ela disse e soltou uma gargalhada enquanto se virava para ir na direção da escada.
Gressy riu, apreciando o rebolado de ao subir os degraus, antes de chamar o cachorro para segui-lo até a sala de estar. Mesmo que Karim jurasse de pés juntos que nunca tivesse dormido com ela, ele achava que era impossível ser apenas amigo daquela mulher.
No andar de cima, bateu na porta do quarto de Karim e, como não obteve resposta, segurou a maçaneta e a abriu lentamente. O quarto estava escuro, pois as cortinas impediam a luz de entrar pelas janelas. Mesmo assim, conseguia ver Karim vestido apenas com uma cueca vermelha e somente com uma das pernas escondida pelo cobertor. Adentrou o cômodo sem se preocupar muito em fazer silêncio, mas o jogador sequer se moveu.
Pensou em acordá-lo do modo convencional, apenas chamando seu nome, mas achou que seria divertido usar a ponta de seu rabo de cavalo para fazer cócegas pelo seu colo e rosto. Quando os fios de cabelo roçaram o nariz dele, Karim levou uma das mãos ao rosto e acabou soltando uma risada, o fazendo abrir os olhos.
— ? — ele perguntou, confuso, com a voz embargada de sono. — O que tá fazendo aqui?
— Vim te acordar, guapo — ela respondeu em um tom brincalhão. — Aliás, você fica muito bem de cueca vermelha.
— É porque você ainda não me viu sem — Benzema rebateu, rindo levemente, e se virou para alcançar o celular no criado-mudo e conferir as horas. — Você tá louca? Não são nove da manhã ainda!
— Até você colocar uma roupa e tomar café da manhã já vão ser quase dez — disse, colocando as mãos na cintura.
— Por que eu faria isso mesmo?
— Porque eu quero sua companhia pra correr — ela falou com uma doçura forçada e pretensiosa.
— Sério, ? Estou morto por causa do jogo de ontem — ele retrucou, esparramado no colchão.
— Não seja preguiçoso. Só estou te chamando pra dar uma volta.
Karim soltou um longo suspiro antes de se livrar do cobertor para se levantar da cama. Mesmo que preferisse dormir por mais uma ou duas horas, não custava nada aceitar o convite.
— Vou te esperar lá embaixo — falou, sorrindo, e estalou um beijo na bochecha dele antes de deixar o quarto.
Quando adentrou a sala de estar, encontrou Gressy dormindo no sofá. Sentou-se em uma poltrona e Athos, que estava deitado no chão, se aproximou para apoiar a cabeça ao lado de seu joelho. Ela ficou acariciando o topo da cabeça do labrador enquanto fitava o olhar que suplicava para sair daquela casa e correr livremente pelas redondezas.
Foi impossível não se lembrar dos olhos de pendindo por uma chance.
Depois que explicou os motivos que tinha para não se envolver com ele naquele momento, dois dias antes, nenhum dos dois voltou a tocar no assunto. No entanto, desde então, o clima entre eles estava diferente. Não de um jeito ruim, apenas diferente. Apesar de agirem normalmente um com o outro, era como se tivessem criado uma cumplicidade depois de abrirem o jogo. Ela tinha cada vez mais certeza de que não conseguiria ser apenas amiga dele por mais muito tempo.
Perdera a conta de quantas vezes pegara os olhos do a observando durante o dia anterior. Tanto no hotel, enquanto se preparavam para a partida, quanto no vestiário antes e depois do jogo. Não conversaram muito durante o voo de volta, mas estiveram sentados lado a lado o tempo todo com a companhia de Marcelo, que não mantinha a boca fechada por mais do que dois minutos e os fazia rir o tempo todo.
ainda podia sentir o corpo de colado ao seu ao se despedirem com um abraço apertado quando chegaram ao Aeroporto de Madrid-Barajas. A verdade é que não conseguia parar de pensar em como seria se simplesmente ignorasse seus temores e desse a chance pela qual ele implorava sem sequer abrir a boca, pois seus olhos tratavam de dizer tudo.
Benzema não demorou a aparecer na sala, também vestido de Adidas de cima a baixo.
— Por que esse moleque tá dormindo aqui?
— Ele disse que passou a noite jogando FIFA — respondeu e o jogador balançou a cabeça negativamente antes de ir até o irmão e cutucá-lo, fazendo-o despertar meio abobalhado.
— Vai pra cama. Eu e a vamos sair pra correr. Quando voltar, eu te acordo pra gente ir almoçar.
Karim foi para a cozinha tomar um café da manhã rápido e logo estava saindo pela porta de casa seguido por e o labrador dos Zidane. Ele pegou a guia de Athos e os dois desceram a rua, correndo lado a lado em um ritmo lento.
— Isso é quase um passeio em família. Eu, você e o nosso cachorro — ele falou em tom de zoação e o empurrou levemente com o ombro enquanto ria. — Seja sincera. O que você acha da Lola?
Ela virou a cabeça para fitá-lo, sem perder o ritmo da corrida, e deu de ombros.
— O que eu acho em que sentido?
— Estou pensando em pedir ela em namoro — Karim revelou, fazendo-a levantar as sobrancelas, surpresa. — Quer dizer, o que a gente tá tendo já é um namoro, mas quero chamá-la pra jantar e fazer um pedido oficial.
— Então você está mesmo gostando dessa garota?
— Acho que sim. A gente tem se dado bem, não só na cama — o atacante respondeu com um sorriso de lado.
— Não fui muito com a cara dela no início — confessou. — E o fato de ela só se envolver com jogadores de futebol não ajuda muito, mas ela não me parece ser uma má pessoa. Se vocês estão se dando bem, acho que vale a pena fazer uma tentativa.
— Ela não conta muito sobre ela, a família, como era a vida antes de vir pra Madrid… Mas eu vejo que por trás daquele mulherão tem uma garota cheia de sonhos e que não tem medo de correr atrás deles. E isso é algo que eu admiro em você, na Chloé…
— Sério que você acabou de me comparar com sua ex-namorada e sua atual peguete? — ela rebateu, rindo.
— Por que não posso comparar? Quis dizer que você e a Chloé são mulheres importantes na minha vida. Quem sabe a Lola também não pode vir a ser?
sorriu, compreendendo que havia sido uma comparação genuína.
— E a Chloé? Desistiu?
— Não sei, . — Benzema suspirou. — Queria que a gente tivesse volta, mas não me sinto no direito de forçar a barra, ainda mais agora que ela tá comprometida. Talvez seja melhor eu, simplesmente, desistir e seguir em frente.
— Essa é uma atitude bastante madura — ela disse, sentindo um misto de pena e orgulho. Sabia que aquela era uma decisão difícil para ele.
O silêncio os envolveu. Enquanto o jogador sentia-se estranho por admitir em voz alta que talvez estivesse desistindo da única mulher com quem, até então, ele se imaginava formando uma família, pensava no quanto ele havia amadurecido desde que os dois se aproximaram e se tornaram amigos.
— Por que você nunca tentou nada comigo? — questionou com curiosidade, quebrando o silêncio. — Você não tem muitas amigas. Fora sua mãe e suas irmãs, sou a única mulher que é próxima e você nunca levou pra cama.
— Já pensei na possibilidade algumas vezes — ele confessou e não conteve uma risada quando ela semicerrou os olhos. — Nunca tive amizade com mulheres, . Foi com você que descobri que posso ter a mesma camaradagem que tenho com os caras com uma mulher. Se você tivesse dado abertura alguma vez antes de nos tornarmos amigos, talvez eu tivesse dado em cima de você, mas não foi o caso e eu te respeito muito.
estava tão surpresa que, por algum tempo, não soube o que dizer.
— Não imaginava que nossa amizade era importante ao ponto de mudar seus conceitos em relação às mulheres — ela disse com um sorriso.
— Esse seria o momento perfeito pra gente se beijar e descobrir que somos apaixonados um pelo outro — Karim brincou, fazendo soltar uma gargalhada —, mas meu discurso iria pelo ralo e você já está apaixonadinha pelo .
Ela rolou os olhos enquanto tentava conter o sorriso que surgiu em seus lábios com a mera menção de .
— Como estão as coisas com ele, falando nisso?
— Tivemos uma conversa bem honesta — respondeu, dando de ombros. — Expliquei meus motivos, mas decidi que vou deixar rolar. Percebi que é perda de tempo querer fugir da atração que estou sentindo por ele.
— Não dou duas semanas pra vocês estarem se pegando. — Karim soltou uma gargalhada. — Que dia é hoje? Vamos apostar.
— Vai se foder — ela disse em meio a risos.
— Quer almoçar comigo, Lola e Gressy?
— Pode ser. Só não sei se vai ser pior aturar você e a Lola se beijando o tempo todo ou o seu irmão dando em cima de mim, mas eu supero.
Benzema gargalhou.
— Eu vou meter a porrada naquele moleque se ele ficar te enchendo o saco. Já falei mil vezes que você não é pro bico dele.
soltou uma risada irônica, olhando para Karim de cima a baixo.
— E desde quando é você quem decide pra quem devo dar ou não?
— Ah, … Meu irmão não, por favor — ele disse com uma careta que a fez rir.
— Você sabe que, se eu quisesse ficar com ele, não daria a mínima pra sua opinião, né?
— Pior que sei — Karim respondeu e piscou um olho com um sorriso divertido no rosto.
— Que cara é essa? — Luka Modrić perguntou ao se aproximar de , que estava apoiado na grade e tinha os olhos fixos em um ponto da pista do circuito de kart Carlos Sainz Center. Seguiu o olhar do amigo e riu ao constatar o que ele observava. — Você não está com ciúmes da com o instrutor, né?
o lançou um olhar cortante.
Os dois ainda estavam vestidos com o macacão próprio para kart fornecido pela Audi, apesar de os capacetes que eles seguravam anteriormente já terem sido deixados de lado depois da sessão de fotos. Os jogadores do Real Madrid, a comissão técnica e o presidente estavam ali para o evento anual organizado pela empresa automobilística alemã. Como era uma das principais patrocinadoras do clube, a Audi, em toda temporada, presenteava toda a equipe com um automóvel, sendo o modelo da escolha de cada um.
Os jogadores que iriam participar da corrida já estavam se ajeitando nos karts que, para identificação, tinham seus nomes e números que costumavam levar na parte dorsal da camisa durante os jogos do Real Madrid. Os que haviam preferido se preservar para o jogo do dia seguinte e apenas assistir à corrida, como e Luka, estavam reunidos na parte de fora da pista.
— Não estou com ciúme — ele disse entre dentes, frisando a última palavra de modo que deixava claro quão absurda aquela ideia era. — Essa cena é que tá ridícula. O cara tá dando em cima dela desde que a gente chegou aqui.
— Pior é que tá mesmo, eu também percebi — Luka disse, rindo. — Sinto te informar, mas não é porque ela não quis nada contigo que não pode querer com outro.
— Isso não tem nada a ver comigo — rebateu, mostrando-se ofendido. — Ele está aqui trabalhando, não pra ficar dando em cima da nossa assistente técnica.
— A sabe se virar, deve estar acostumada com esse tipo de situação.
soltou um longo suspiro, voltando a atenção para e o instrutor. É claro que ele sabia que ela não era nenhuma donzela indefesa. Mesmo assim, não pôde evitar sentir-se incomodado por vê-la receber aqueles olhares maliciosos e sendo cobiçada feito um pedaço de carne. odiava ver mulheres sendo tratadas daquela forma.
Ele se surpreendeu quando a viu abrir um sorriso enorme e dar um abraço rápido no instrutor. Sabia que era o jeito dela com todo mundo, mas foi impossível que a indignação não crescesse ainda mais quando viu as mãos do instrutor tocarem sua cintura.
Foi um abraço rápido, pois, em seguida, correu na direção de e Luka e subiu na grade para passar uma perna após a outra para o outro lado.
— Mario vai arranjar um macacão pra eu participar da corrida — ela anunciou, empolgada, e estendeu o próprio celular na direção de . — Segura pra mim, por favor?
Ele pegou o aparelho sem dizer nada e fitou suas costas conforme ela se afastava na direção do vestiário.
— Deve estar sendo uma tortura ser apenas amigo dela — Luka falou, fazendo-o soltar um longo suspiro.
— Não sei mais o que fazer pra tirar ela da minha cabeça. Isso não pode ser normal.
— Claro que é — o outro rebateu, rindo. — Ela é como um mundo novo que você tá descobrindo. É normal ficar um tanto obcecado com a ideia.
— O mais estranho é que ela é muito diferente da Emma, totalmente fora da minha zona de conforto, mas, quando estou perto dela, é como se eu nunca tivesse me sentido tão confortável em toda minha vida. Isso não faz sentido nenhum — disse e não pôde evitar uma risada, afinal, a situação seria cômica se não fosse trágica. — Mesmo ela não querendo ficar comigo, meio que me encoraja a não desistir.
— Eu acho que ela tem interesse em você também. É que a preocupação dela no momento tá sendo se firmar no time, mas acho que é só questão de tempo — Modrić afirmou, piscando um olho.
Poucos minutos depois, voltou vestindo o macacão branco e vermelho da Audi.
— Luka, roubei seu capacete. E vou roubar seu kart, .
— É todo seu.
Depois de mostrar um sorriso divertido, ela ficou nas pontas dos pés para estalar um beijo na bochecha do e, mais uma vez, pulou a grade para voltar para a pista e ir até o kart que Mario, o instrutor, já havia preparado para ela.
Era a primeira vez que corria de kart e não demorou mais do que meia volta para descobrir que não levava jeito para a coisa. Mesmo largando em segundo lugar, os jogadores que vinham atrás dela não tiveram qualquer dificuldade para ultrapassá-la. Mesmo assim, a corrida foi bastante divertida e proporcionou muitas gargalhadas tanto para os corredores quanto para os espectadores, especialmente por conta da rivalidade entre Ramos e Nacho, que acabaram subindo no pódio em primeiro e segundo lugar. A terceira posição ficou para Mariano Díaz, que não foi tão bem nas primeiras corridas, mas, na final, acabou superando Álvaro Morata e Lucas Vázquez, que não ficaram nem um pouco contentes por isso.
— Você é muito ruim, — Karim debochou quando ela se aproximou, tirando o capacete.
— Eu nunca tinha corrido de kart antes — ela se defendeu enquanto desfazia o coque que tinha feito de qualquer jeito e ajeitava os fios de cabelo.
— O melhor de tudo é ver o em último lugar — Kroos falou, rindo e apontando para o telão no qual os nomes dos corredores estavam aparecendo em ordem de chegada.
— Vocês não têm nenhum direito de me zoar, ficaram com medinho de correr. — piscou um olho antes de seguir para o vestiário, que logo estava uma completa confusão.
Os jogadores tiraram os macacões que haviam vestido sobre suas roupas e foram guiados para um palco. Toda a equipe foi se acomodando nos bancos que haviam sido enfileirados para que pudessem se sentar e esperar que seus Audis fossem trazidos.
Antes de se juntar a Zizou e ao outro assistente técnico, foi até e pediu pelo celular, que ainda não havia pegado de volta. O jogador tirou o aparelho do bolso do casaco e o devolveu à dona com uma impassibilidade que a deixou intrigada. Todos estavam ansiosos pela chegada dos carros, conversando sobre quais modelos haviam escolhido, mas era o único que parecia não querer estar ali. Ela acabou concluindo que aquela seriedade toda era fruto do cansaço, já que eles haviam treinado pela manhã e, depois do evento, ainda voltariam para a Ciudad Real Madrid para se concentrarem para a partida do dia seguinte contra o Leganés. Jamais passaria por sua cabeça que tinha algo a ver com o fato de o instrutor de kart tê-la parado no caminho do vestiário até o palco para conversar por dois ou três minutos com uma proximidade desnecessária.
O primeiro Audi já chegava pela pista quando sentou-se ao lado de Zizou. Era o Audi Q7 de Mariano. O espanhol desceu do palco para ir até o carro e, antes de adentrá-lo, posou para as diversas câmeras que registravam o evento com um sorriso bobo no rosto. Aquela era sua primeira temporada no time principal do Real Madrid e, definitivamente, ele tinha que confessar que fazer parte daquela equipe era ainda melhor do que parecia ser de fora.
O desfile de Audis continuou por mais meia hora e as escolhas dos automóveis acabava por mostrar um pouco das personalidades dos jogadores. A maioria optou pelo Audi Q7, um modelo leve, bem equipado, pequeno por fora e grande por dentro. Os mais ousados, como Cristiano Ronaldo, Karim Benzema e Zinédine Zidane, preferiram o motor mais potente do Audi RS6.
O Audi RS Q3 branco de foi um dos últimos a serem anunciados. Como não entendia nada de carros, acabou escolhendo o modelo que achou mais bonito, apesar de seus primos terem insistido para que ela ficasse com um Audi RS7.
Ela não havia comprado um carro novo desde que se mudara novamente para a Espanha e seu antigo carro ainda estava na garagem do prédio no qual morara durante os três anos em que estivera em Paris. Para falar a verdade, não estava sentindo falta dele, já que tinha carona para onde precisasse ou quisesse ir. Mesmo assim, quando se sentou no banco de seu mais novo automóvel, teve certeza de que ele seria seu grande companheiro pelas ruas de Madrid.
— Cadê o ? — questionou quando se aproximou do trio que jogava Uno na sala de jogos e roubou um amendoim do pacote que estava no colo de Mateo Kovačić.
— Na piscina — Luka respondeu sem perceber que Toni Kroos, ao seu lado, tentava espiar suas cartas.
— A essa hora? — ela questionou, estranhando o fato de estar nadando depois do jantar, apesar de aquilo explicar o motivo de não ter recebido respostas para as mensagens que havia enviado para ele quinze minutos antes.
— Não sabia que existia hora pra nadar — Toni zoou e soltou uma gargalhada quando a francesa lhe mostrou o dedo do meio.
— Boa noite pra vocês — ela disse, dando meia volta.
Acenou para Isco, Marco Asensio, Álvaro Morata e Dani Carvajal, que assistiam a Lucas Vázquez e Nacho disputarem uma partida de ping-pong, e se retirou da sala, seguindo pelos corredores que levavam até a enorme piscina coberta que os jogadores tinham à disposição na residência.
se alongava, imerso na água. Não demorou a notar a presença de , mas não interrompeu o exercício de levantar e abrir as pernas, uma de cada vez.
— Finalmente achei o bonito — ela disse, parando na beira da piscina de braços cruzados. — Você sumiu depois do jantar, nem veio falar comigo.
— Não quis atrapalhar a sua conversa com o Karim — ele explicou, fazendo-a rolar os olhos.
— Você não atrapalharia, a gente não estava conversando sobre nada importante — ela disse e, em seguida, adotou uma expressão preocupada. — Você está com alguma dor?
— Não. Por quê? — perguntou, franzindo o cenho em sinal de confusão.
— Sei lá, estou te achando meio abatido desde hoje à tarde, no evento da Audi — respondeu, atraindo o olhar dele para si. — E agora você está aí se alongando na piscina, pensei que pudesse estar tentando se recuperar de alguma dor pro jogo de amanhã.
— Está tudo bem. Só vim me distrair mesmo — respondeu, esboçando um sorriso.
— Posso te fazer companhia? — ela questionou e ele apenas deu de ombros.
Os olhos do se arregalaram minimamente quando a viu puxar a camisa para cima, revelando o top preto que usava por baixo. Em seguida, ela segurou o cós da calça e a abaixou, ficando apenas com a calcinha boxer também preta que costumava usar para praticar esportes. A calça foi largada de qualquer jeito no chão junto com a camisa, enquanto ele sentia as bochechas esquentarem e tentava não olhar para seu corpo mais do que o apropriado.
não se importou nem um pouco de estar com tanta pele à mostra. Desceu a escada de ferro para adentrar a piscina com a maior naturalidade do mundo. Ao tocar os pés no chão, prendeu os fios de cabelo em um coque para evitar que a água os atingisse, pois não queria ter que lavá-los e secá-los antes de dormir.
Ela balançava os braços pela água suavemente, conforme caminhava lentamente pela piscina, na direção de , e aproveitava para admirá-lo, já que ele estava concentrado no exercício e não a olhava de volta.
Só não sabia que, na verdade, ele apenas fingia estar concentrado.
— É um costume você entrar na piscina de roupas íntimas ou posso me sentir privilegiado? — após algum tempo em silêncio, questionou com um sorrisinho de canto quase imperceptível, fazendo-a rir alto.
— Pode se sentir privilegiado — respondeu, ainda rindo.
Ele fitou o sorriso que achava tão bonito e desceu os olhos para seu colo.
— Você gostou mesmo da Bola de Ouro que eu te dei, uh?
— Adorei — ela disse, levando uma das mãos até o pingente dourado. — Representa o que eu mais gosto no mundo, que é o futebol. Eu praticamente não tenho tirado do pescoço.
sorriu com satisfação. Já tinha reparado que ela usava bastante o colar, mas era bom saber que o presente que ele havia lhe dado vinha ganhando um valor sentimental. Porém, a cena que o incomodava desde mais cedo não saía de sua cabeça e ele soltou um longo suspiro antes de tomar coragem para tocar no assunto.
— Uma coisa que aconteceu durante o evento me deixou um pouco irritado — ele confessou, se agachando até que estivesse com a água batendo no queixo, e franziu o cenho.
— O quê?
— O instrutor de kart dando em cima de você sem delicadeza nenhuma — respondeu, bufando, e a surpresa tomou conta do rosto da francesa. — Foi rude.
— Eu realmente não esperava por isso — disse, rindo levemente. — Eu levo na esportiva, sabe? Em certas situações, é o melhor a se fazer. Eu estava ali a trabalho e o cara não fez a mínima questão de respeitar isso, só que não ia adiantar nada eu me estressar. Também não posso ser hipócrita porque, muitos dos caras que peguei até hoje, enxerguei apenas como um corpo gostoso e não agi muito diferente disso.
a fitou por algum tempo e tentou desvendar o que se passava pela cabeça dele, mas não conseguiu chegar a nenhuma conclusão.
— Não precisa se estressar por isso, tá? Eu sei contornar esse tipo de situação — ela falou ao perceber que ele continuaria em silêncio. — Ele até pediu meu número, e sabe o que eu disse?
— O quê? — ele questionou, sentindo o mesmo incômodo de mais cedo voltar com menos intensidade.
— Pra ele pedir pro meu tio — respondeu e, em seguida, sua gargalhada ecoou por toda a área da piscina. acabou rindo junto. — Eu falei brincando, é claro, mas acho que ele entendeu o recado.
Ela deu alguns passos até estar em frente ao jogador e flexionou os joelhos, afundando na água, para que sua cabeça ficasse na mesma altura da dele. Seus braços passaram por cima dos ombros largos de , puxando-o para um abraço.
Mesmo que ele estivesse um pouco surpreso com aquela atitude inesperada, suas mãos foram parar na cintura de .
— Por que isso? — ele perguntou em um tom divertido, envolvendo o tronco dela com os braços.
— Não posso mostrar que estou agradecida por você ter tomado minhas dores?
— Pode, ué.
— Então cala a boca. — Ela o soltou do abraço, mostrando a língua.
— É assim, é? — disse, fingindo estar ofendido, e pegou no susto quando puxou as pernas dela para cima, a fazendo soltar um gritinho ao mesmo tempo que caía para trás na água.
— Caramba, ! Eu não queria molhar o cabelo!
— Existe uma coisa chamada secador de cabelo. Já ouviu falar? — ele rebateu em um tom debochado e soltou uma risada divertida.
— Você vai secar pra mim, por acaso? Porque eu estou morta e pretendia tomar uma ducha e me jogar na cama — disse com uma falsa irritação enquanto se permitia boiar na água sem medo de molhar o cabelo, já que ele estava quase completamente molhado mesmo.
— Se isso for te deixar feliz, eu seco.
— Eu vou cobrar, viu?.
Ela, então, prendeu a respiração e afundou na água.
começou a andar pela piscina, exercício que o auxiliava a manter a forma para correr com velocidade dentro do campo, enquanto nadava de um lado para o outro, ainda submersa na água.
Quando ela subiu para buscar ar, viu que ele estava de costas e voltou a mergulhar para nadar em sua direção. O tomou um pequeno susto ao sentir duas mãos afastando suas pernas uma da outra e riu ao ver a assistente passar entre elas por baixo d’água. Antes que ela se afastasse, se abaixou para segurá-la pelos tornozelos, fazendo-a se debater para se livrar de suas mãos.
— Você quer que eu morra afogada? — ela exclamou ao voltar à superfície e finalmente a soltou para que ela pudesse ficar de pé.
Enquanto ria, ele não notou o sorriso travesso que surgiu nos lábios de . Ela se aproximou e levou uma das mãos até a parte de trás da cabeça de para, em puxão, tirar o elástico que prendia seu cabelo em um coque.
Os fios de cabelo do caíram feito uma cascata, mas ele logo tentou juntá-los com as mãos.
— Ah, não! Me deixa ver seu cabelo! — exclamou e, em seguida, soltou uma gargalhada ao mesmo tempo que se jogava na água para nadar para longe quando percebeu que tentaria pegar o elástico de volta.
— Me devolve, — ele falou, tentando manter a seriedade, mas sem muito sucesso. A observou alcançar o outro lado da piscina e dar um impulso para se sentar na borda.
— Por que você tá sempre com o cabelo preso?
— Talvez seja pelo mesmo motivo que você está quase sempre com o cabelo preso também. Não dá pra deixar solto porque atrapalha.
— Ok, mas qual é o problema de me deixar ver como seu cabelo fica solto? — ela questionou, cruzando os braços.
— Porque ele não tá legal.
— Eu sou e acho que fico feio só porque meu cabelo tá desarrumado — falou com uma voz grossa e divertida, fazendo-o rir.
, finalmente, tirou as mãos do cabelo, deixando os fios compridos caírem livremente. Os olhos de o analisavam atentamente, o que o deixou um pouco sem graça e curioso a respeito do que se passava na cabeça dela.
sorriu e esticou o braço para lhe devolver o elástico. Já estava conformada. O acharia bonito de qualquer jeito.
— Você deveria usar o cabelo solto às vezes — disse, dando de ombros, e se levantou, indo até suas roupas para pegá-las no chão. — Quero você em vinte minutos no meu quarto pra secar meu cabelo.
Em vinte e cinco, estava lá. No entanto, depois de quase chorar de rir de suas tentativas frustradas de se entender com o secador de cabelo, pegou o aparelho de sua mão e fez o trabalho sozinha.
10. La Décima
Caminando relajada entre la gente
Yo te quiero así
Y me gustas porque eres diferente
La Bicicleta - Carlos Vives ft. Shakira
O Derbi madrileño tinha um gostinho especial para os seguidores dos dois maiores clubes de Madrid desde sempre, mas era impossível negar que a rivalidade entre o Real Madrid e o Atlético de Madrid havia crescido ainda mais depois de ambos disputarem duas finais da UEFA Champions League com apenas dois anos entre uma e outra. As vitórias conquistadas pelo Real Madrid depois de duas partidas desgastantes esquentaram bastante a rixa entre os dois clubes.
Os times madrilenhos estavam se encontrando pela primeira vez desde o jogo em que o Real Madrid se consagrara campeão da UCL pela décima primeira vez, quase seis meses depois, e o clima pesado no túnel, onde os jogadores já se preparavam para entrar em campo, era quase palpável apesar de todos se cumprimentarem amistosamente.
Seguindo os jogadores suplentes, Zizou e o restante da comissão técnica na direção do campo, cutucou a cintura de Antoine Griezmann quando passou por ele no corredor. Continuou seu caminho, mas não sem mostrar um sorriso discreto para antes de subir os degraus que levavam para o gramado do Estadio Vicente Calderón.
O apito do árbitro soou pelo estádio para o início de uma disputa intensa. Durante os primeiros dez minutos de jogo, o Atlético de Madrid conseguiu dominar a bola e aproveitar os espaços para armar boas jogadas. O Real Madrid, porém, não se deixou abalar e logo se encontrou na partida e começou a atacar com mais frequência, o que assustou a torcida rojiblanca que lotava as arquibancadas e fazia muito barulho.
Foi em uma falta batida por Cristiano Ronaldo que a bola foi desviada pela barreira e o goleiro Jan Oblak ficou impossibilitado de impedir o primeiro gol do Real Madrid. A pequena torcida madridista presente no estádio vibrava enquanto os jogadores vestidos de branco corriam para a comemoração junto a CR7 com o famoso grito “SÍIIII”, que havia se tornado a marca registrada do português e do restante do time.
Depois do intervalo, o jogo recomeçou tão intenso quanto o primeiro tempo havia terminado. Algumas faltas mais duras geravam pequenas discussões e acabavam em cartão amarelo para os dois lados. Tanto o time da casa quanto o visitante tinham grandes oportunidades de gol, o que fazia quase pular do banco de dois em dois minutos, especialmente no momento em que uma cabeceada de passou bem perto do gol. O placar de um a zero durou até metade do segundo tempo, quando Cristiano Ronaldo recebeu uma falta na grande área do zagueiro Stefan Savić ao chegar para uma boa jogada e foi ele mesmo quem converteu o pênalti em gol.
se levantou do banco para comemorar e caiu na gargalhada quando Karim a abraçou com força e a rodou no ar.
— Vai terminar de se aquecer! — ela falou quando foi colocada no chão novamente e o empurrou pelo braço. — Vai, anda logo. Daqui a pouco você vai entrar.
Karim a puxou em meio a risos até a lateral do campo, onde outros jogadores se aqueciam. ficou por ali assistindo ao jogo próxima ao gol do Atlético de Madrid com os suplentes, que mais se distraíam com as jogadas de ataque do Real Madrid do que faziam os exercícios de alongamento.
Luka Modrić iniciou um contra-ataque roubando a bola e a passando para Isco, o que fez não apenas , mas toda a equipe do Real Madrid olhar para o lance com expectativa. O espanhol adiantou a bola para , que a ajeitou com a cabeça e abusou de sua velocidade para, na corrida, superar Juanfran, o lateral-direito do Atlético de Madrid, e cruzar a bola para Cristiano Ronaldo marcar seu terceiro gol do dia e completar um hat-trick histórico em pleno Vicente Calderón.
O banco quase inteiro correu na direção de Cristiano, comprovando que o sabor da vitória realmente é ainda mais doce quando provado na casa do rival.
Depois que o apito do árbitro soou, sinalizando o fim da partida, o contraste dos ânimos de cada time era mais do que evidente. Enquanto os madridistas festejavam a vitória importantíssima que haviam acabado de conquistar, os colchoneros estavam frustrados e até um pouco irritados com o resultado.
cumprimentou companheiros e adversários por todo o caminho até o túnel e não pôde deixar de reparar em conversando com Griezmann. Antes de virar o corredor na direção do vestiário do time visitante, viu também Kevin Gameiro, outro jogador francês do Atlético de Madrid, se unir aos dois.
O vestiário já estava uma confusão quando passou pela porta e foi impossível não rir levemente quando se deparou com a cantoria de Marcelo e Pepe ao redor de Cristiano Ronaldo. Foi até suas coisas e se sentou no banco, imediatamente sentindo todos os músculos de seu corpo relaxarem. Libertou seus pés da chuteira e dos meiões e respirou fundo antes de soltar um longo suspiro. Sentia-se verdadeiramente exausto depois daquele jogo.
Revirou a mochila em busca do celular e encontrou inúmeras mensagens de familiares e amigos o parabenizando pela vitória, o que fez um sorriso surgir em seus lábios. Respondeu rapidamente seus pais e sua irmã, deixando as outras para quando estivesse no conforto de sua casa, e guardou o aparelho novamente assim que Lucas Vázquez parou na sua frente, estendendo a bola da partida e uma caneta permanente. Depois que deixou sua assinatura, a bola continuou rodando de mão em mão para que todos pudessem autografá-la para Cristiano Ronaldo, que a levaria para casa como recordação dos três gols marcados, como manda a tradição.
demorou a perceber que seus olhos sempre iam parar na porta, esperando encontrar . Quando notou, se levantou, bufando, para ir tomar uma ducha. Pelo visto, ele era o único que estava estranhando o fato de a assistente técnica estar consolando os rivais em vez de estar ali, comemorando junto ao seu time.
Só foi ver novamente quando adentrou o ônibus do Real Madrid, depois de parar na zona mista para responder algumas perguntas de jornalistas. Ela estava em pé ao lado do banco em que Luis Llopis, o treinador de goleiros, estava sentado e os dois batiam um papo animado. A assistente logo percebeu sua chegada e se pôs na sua frente para impedir sua passagem.
— Qual é a senha? — ela questionou, pondo as mãos na cintura.
Um riso escapou pelos lábios de enquanto ele encarava o outro homem e balançava a cabeça negativamente.
— Hala Madrid — Luis sussurrou de uma maneira divertida
— Claro que não é Hala Madrid, seria muito óbvio — rebateu, fazendo uma careta, e os dois riram. — Você tem três chances.
, de surpresa, a abraçou, prendendo seus braços. Mesmo que ela tenha tentado resistir, não teve qualquer dificuldade de empurrá-la pelo corredor do ônibus até chegar na altura em que os dois costumavam se sentar. As gargalhadas preencheram o ambiente.
— Você não sabe brincar — disse e ele apenas deu de ombros enquanto se acomodava no banco próximo à janela.
colocou sua mochila no chão, entre as pernas, um convite mudo para que ela se sentasse no assento vago ao lado.
— Vai mudar de lado agora, é? — ele perguntou, apontando para a camisa do Atlético de Madrid que segurava, quando ela se acomodou no banco.
— Minha coleção de camisas de futebol não tem preconceitos — ela respondeu, piscando um olho.
— Você tem alguma da Seleção ?
— Uma do Ryan Giggs da década de 90. Estou precisando de uma mais recente, mas não sei como poderia conseguir. Você tem alguma ideia? — questionou em um tom debochado.
— Serve uma daquele tal de ? — ele perguntou, entrando na brincadeira.
— Eu preferia uma do Aaron Ramsey, mas pode ser.
rolou os olhos, rindo.
— Vou pedir pros meus pais trazerem uma das que usei na Euro na próxima vez que vierem me visitar.
— Até lá a gente vai pensando no que eu posso te dar em agradecimento — disse em um tom sugestivo e riu levemente quando ele desviou os olhos. — Confesso que adoro te deixar sem graça.
riu nasalmente, observando a movimentação do lado de fora pela janela, e se xingou mentalmente por simplesmente não conseguir responder a brincadeirinha de .
Os dois caíram em silêncio, mas o falatório dentro do ônibus ia aumentando pouco a pouco, conforme o restante do time ia chegando.
— Vem cá, e que assistência foi aquela? — questionou após algum tempo.
— Eu cogitei a possibilidade de chutar pro gol, mas vi o Cris livre e não pensei duas vezes antes de passar pra ele. Que bom que deu certo — disse e mostrou um sorriso tão adorável que ela acabou sorrindo junto.
— Esse jogo foi um jogaço.
Ela tomou a liberdade de deitar a cabeça no ombro do . Inspirou o aroma gostoso que exalava do cabelo úmido dele e fechou os olhos. Quase pegou no sono durante o caminho até a Ciudad Real Madrid de tão confortável que estava.
estava comendo uma porção de salada de frutas na sacada do refeitório, aproveitando os fracos raios solares, quando o celular que estava em seu colo vibrou. Deixou a colher dentro da tigela para pegar o aparelho e abrir a nova mensagem que havia chegado.
Respondeu com um simples “ok” e voltou a comer.
O domingo tinha sido bastante tranquilo, com parte dos jogadores na academia se recuperando do jogo do dia anterior contra o Atlético de Madrid, outros na sala de fisioterapia ou na piscina. Os que não haviam jogado estavam no campo com Zidane em um treino bem leve. Ela passara a maior parte da tarde na sala de projeção, analisando os últimos jogos do Sporting de Portugal, que seria o adversário do próximo confronto que teriam pela Champions League.
Quando terminou de comer a salada de frutas, deixou a tigela com um dos funcionários responsáveis pela limpeza do refeitório e subiu para o andar dos quartos a fim de trocar o uniforme por outra roupa. Encontrou Karim, , Luka e Toni, todos já de banho tomado e vestidos com roupas casuais.
— Já estão indo embora? — ela questionou, atraindo as atenções para si.
— Eu estou, não sei eles — Toni respondeu, indicando os colegas.
— Meu primo me chamou pra assistir ao jogo do Castilla. Alguém quer ir?
— Não vai dar, — Luka disse com pesar. — Meus sogros estão lá em casa.
— Também não posso. Vou levar a Jess pra um jantar romântico — Toni falou, piscando um olho.
— Desde quando você é romântico? — perguntou, debochada.
— Eu sou muito romântico com a minha florzinha, a mais bela do jardim. — Ele não conseguiu segurar a risada ao vê-la soltar uma gargalhada.
— Você é muito brega — ela disse ainda em meio a risos. — E vocês dois? — perguntou a Karim e
— Por mim... — respondeu, dando de ombros.
Benzema, no entanto, jogou a cabeça para trás e soltou um longo suspiro.
— Tenho escolha?
— Você me ama tanto que não tem coragem de recusar um convite meu — falou, rindo. — A gente se encontra lá embaixo em quinze minutos.
Ela foi até seu quarto para trocar o uniforme por uma calça jeans, uma blusa e um casaco de lã, já que o frio de Madrid começava a se intensificar, principalmente ao anoitecer, e desceu para ir até a sala de Zizou convencê-lo a também ir ao jogo do Real Madrid Castilla, como Luca pedira. precisou desligar o monitor do computador para fazê-lo largar as táticas que ele estava planejando de forma quase obsessiva.
Como combinado, e Karim estavam em frente à porta de vidro da residência, a esperando. Os quatro subiram em um carrinho de golfe e se dirigiram para o Estadio Alfredo Di Stéfano, ali mesmo no centro de treinamento.
O estádio com capacidade para cerca de seis mil espectadores havia nascido junto com a Ciudad Real Madrid, uma década antes, para sediar as partidas oficiais do time de maior nível entre todas as categorias de base do Real Madrid. Vez ou outra, também era usado para os treinos abertos do time principal. Seu nome era uma homenagem para Alfredo Di Stéfano, La Saeta Rubia, considerado um dos melhores jogadores da história do futebol mundial por muitos e, pela grande maioria dos madridistas, o melhor jogador de toda a história do Real Madrid.
O jogo já havia começado e as arquibancadas não estavam tão cheias, o que possibilitou que eles fossem para as cadeiras da área VIP sem causar muito alvoroço.
— Mudou de ideia? — Véronique perguntou ao marido depois que ele a cumprimentou com um beijo rápido nos lábios e ocupou a cadeira vaga ao seu lado.
— A me arrastou até aqui pelos cabelos — Zinédine brincou, fazendo a sobrinha gargalhar com a frase que não fazia muito sentido, já que ele era careca.
— Querido, quando você vai aprender que nessa família quem manda são as mulheres? — ela falou em um tom espirituoso e deu um abraço rápido em . — Vocês dois também vieram arrastados?
— Você tem alguma dúvida, Véronique? — Karim a cumprimentou com um beijo em cada lado do rosto.
— Chamo eles pra vir assistir um jogo de futebol e se divertir e é assim que eles retribuem. Tá vendo, tia? — falou, fazendo uma careta. — Só tá faltando você, . Aproveita a oportunidade.
— Não, vim porque eu quis mesmo — ele respondeu, rindo.
disfarçou o sorriso que despontou em seus lábios com um rolar de olhos. Avistou Luca sentado na primeira fileira e Elyaz próximo a ele, debruçado na grade que separava a arquibancada do campo, e desceu os degraus.
— Por que você não está no campo? — perguntou para Luca antes de beijá-lo na bochecha.
— Joguei com o Juvenil A mais cedo — ele explicou. Apesar de ter subido para o Real Madrid Castilla no início da temporada, Luca ainda disputava partidas importantes do seu antigo time, do qual costumava ser o goleiro titular.
— Cadê o Théo? Não me diga que não veio ver o Enzo jogar pra sair com a namoradinha — disse, pondo as mãos na cintura.
— Se você já sabe, pra que perguntou? — Luca respondeu, rindo, e ela apenas balançou a cabeça de um lado para o outro antes de se aproximar do primo mais novo.
— Que saudade do meu bebezinho — falou, o apertando em um abraço por trás.
A correria vinha fazendo com que ela mal visse os primos mesmo que morassem todos na mesma casa.
— Sai, ! Me deixa ver o jogo! — Elyaz reclamou, tentando se desvencilhar de seus braços.
grudou os lábios na bochecha dele e estalou um beijo antes de libertá-lo.
— Como tá o jogo? — ela questionou, olhando para o campo a tempo de ver Enzo roubar a bola do adversário.
— Eles estão perdendo de um a zero — o garoto respondeu com os olhos vidrados na jogada que estava sendo criada pelo irmão mais velho.
— Já? — ela questionou, espantada. — Eu vou subir. O pai de vocês, Benzema e também vieram assistir ao jogo.
Os dois não deram muita importância, então ela fez o caminho de volta e se acomodou na cadeira vazia entre e Karim. Pouco depois, o UD Logroñés marcou o segundo gol da partida.
— A gente podia fazer alguma coisa mais tarde — sugeriu, fazendo tirar os olhos do campo para fitá-lo com curiosidade.
— O que você sugere? — ela questionou, sentindo um frio na barriga ao se imaginar a sós com fora do ambiente de trabalho.
— Estava pensando em andar de bicicleta. Gosto de pedalar à noite.
— Eu topo — ela respondeu, sorrindo, e voltou a atenção para o jogo.
ficou chateada quando o jogo acabou e um Enzo cabisbaixo veio de encontro a eles. Os garotos do Castilla acabaram por perder o primeiro jogo depois de terem ficado invictos por sete rodadas. A derrota foi bastante amarga com um placar de quatro a zero.
— Lleva, llévame en tu bicicleta. Óyeme, , llévame en tu bicicleta — cantava, pela milésima vez, La Bicicleta, de Carlos Vives e Shakira, trocando o nome do cantor pelo do só para fazê-lo rir. — Como eu amo essa música!
— Acho que percebi — ele rebateu em um tom divertido.
Os dois pedalavam lado a lado pelas ruas desertas da zona de Los Lagos, desfrutando de uma lua cheia de tirar o fôlego.
— Eu tenho uma foto com a Shakira no meu quarto lá em Marselha, na casa dos meus pais. Eu tinha uns 15 anos — comentou com um saudosismo que fez sorrir. — Foi quando a turnê dela da época passou por Madrid e ela assistiu a um jogo no Santiago Bernabéu. Se não me engano, foi contra o Atlético. Eu era muito fã dela nessa época, então meu tio mexeu os pauzinhos pra me ajudar a conhecer ela. Uma pena ter virado torcedora do Barcelona depois que se casou com o Piqué, né? — Ela fez uma careta, fazendo-o rir.
— Você não é mais fã dela?
— O fanatismo ficou na adolescência, mas não respondo por mim se eu encontrá-la pessoalmente de novo — ela respondeu, soltando uma gargalhada, e virou a bicicleta na direção da ciclovia que beirava um dos tantos lagos da urbanização em que ambos moravam. — E você? Que tipo de música gosta?
— Não gosto de um tipo específico, escuto o que estiver em destaque na Apple Music — respondeu, dando de ombros, e o olhou como se estivesse cara a cara com um extraterrestre.
— Me lembre de te apresentar umas músicas.
— Tá bom. — Ele riu.
— Vamos ali embaixo. — freou a bicicleta e fez o mesmo.
Os dois deixaram as bicicletas apoiadas em uma árvore e desceram a grama em declive.
— Eu e Karim saímos pra correr outro dia e achamos essa ponte. Se a paisagem é linda de dia, imagino que de noite seja ainda mais.
Os dois caminharam juntos até alcançarem a ponte de madeira e andaram pelas tábuas até atingirem mais ou menos a metade do caminho até o outro lado do lago.
se debruçou sobre a grade e parou para observar o céu estrelado e limpo de nuvens que, junto ao reflexo da lua na água e às árvores que podiam ser vistas ao longe, contribuía para um cenário magnífico. Prometeu para si mesma que faria passeios como aquele mais vezes, pois chegava a ser um pecado morar em um local tão bonito e não aproveitar a paisagem maravilhosa que ele oferecia.
— Você sente falta da sua cidade? — ela perguntou ao sentir o braço de encostar no seu quando ele também apoiou os antebraços na grade da ponte.
— Um pouco — ele respondeu, com o olhar perdido ao longe, após alguns segundos de reflexão. — Mas não é como se eu quisesse voltar, sempre soube que teria que ir pra outros lugares se quisesse viver de futebol.
— Às vezes me sinto mal por não sentir a mínima vontade de voltar pra Marselha — confessou e encarou seu perfil. — Tenho saudade da minha família e dos meus amigos, mas visitar eles de vez em quando é o suficiente pra mim. Mesmo tendo nascido e crescido lá, nunca senti como se fosse minha casa.
— Aqui você se sente em casa? — questionou, atraindo o olhar dela para si.
— Pior que sim — ela falou baixo, como se estivesse revelando um de seus maiores segredos. — Sei que a minha estadia em qualquer lugar sempre vai ser passageira por causa da minha profissão, mas gosto daqui. Foi difícil ir embora da primeira vez.
Imersa na intensidade dos olhos do , soube que a próxima vez que tivesse que deixar Madrid também não seria fácil. Naquele momento, não conseguia parar de pensar em como seria se e ela se envolvessem e algum dos dois fosse para outro time. Talvez usar sua carreira como desculpa para adiar que isso acontecesse fosse uma maneira que havia encontrado de esconder o medo que tinha de criar laços e ter que lidar com a perda no futuro.
— Estou curiosa pra saber como foi o jantar do Karim com a Lola — disse, mudando de assunto. — Acredita que ele me mandou um monte de fotos pra eu ajudá-lo a escolher a roupa?
— Sério? — perguntou em meio a risos e ela assentiu.
— Espero que dê tudo certo, porque ele tá bem empenhado em fazer dar certo — ela falou, sorrindo. — Tira uma foto minha?
pegou o celular no bolso do casaco e lhe entregou. Fez uma pose com os cotovelos apoiados na grade da ponte e sorriu para a foto que logo registrou.
Enquanto eles faziam o caminho de volta até onde haviam deixado as bicicletas, ela digitou uma legenda e postou a foto na sua conta do Instagram.
estava estirado no campo do Estádio José Alvalade. Era como se estivesse em uma realidade paralela. Não escutava o árbitro gritar pela equipe médica do Real Madrid e nem mesmo a torcida do Sporting Clube de Portugal, que cantava alto para apoiar seus jogadores. Suas mãos seguravam seu tornozelo e ele tentava lidar com a dor forte que sentia.
No entanto, a dor não era maior do que sua frustração. Ele já jogava futebol há tempo suficiente para saber que aquela lesão provocada por um choque com um jogador adversário lhe custaria caro.
Estava tão alheio ao que acontecia à sua volta que, posteriormente, não soube dizer o que falou para Cristiano Ronaldo, Isco e Lucas Vázquez quando eles se aproximaram, preocupados, assim como toda a equipe.
Depois de uma rápida avaliação, a equipe médica constatou que precisaria ser substituído e o acompanharam para fora do campo enquanto Zidane já conversava com David e a respeito das mudanças imediatas que fariam no time para suprir a falta dele. Marco Asensio, que se aquecia desde o início do segundo tempo, foi o escolhido para entrar no lugar do .
— Vou ver como ele tá — avisou ao tio quando viu caminhar com dificuldade na direção do túnel, acompanhado pelo fisioterapeuta, e deu uma corridinha para alcançá-los. — Quão séria é essa lesão, Jaime?
— Só os exames vão dizer — ele respondeu, mas a preocupação estampada em seu rosto dava certa ideia do que os resultados diriam.
Ela os acompanhou até o vestiário e, chegando lá, Jaime foi pegar uma bolsa de gelo e a deixou sozinha com .
— O Zizou pode precisar de você — ele disse quando os dois se sentaram no banco.
— Vou te fazer companhia até o Jaime voltar.
O silêncio se instalou no vestiário por algum tempo. o observava se esticar para massagear o tornozelo dolorido com uma careta estampada no rosto.
— Estou com medo — ela confessou.
— Medo de quê? — ele questionou, intrigado.
— De essa lesão te deixar de fora do Mundial. Você vai fazer muita falta pro time.
— Só pro time que eu vou fazer falta? — perguntou com um sorrisinho de canto.
Vê-la preocupada o trazia certo conforto e fazia com que ele deixasse um pouco de lado a sensação de estar apavorado.
riu baixo e mordeu o lábio inferior, mas não teve tempo de pensar em uma resposta, pois logo Jaime estava passando pela porta mais uma vez, o que fez com que ela se colocasse de pé.
— Cuida bem dele, tá?
— Pode deixar — o fisioterapeuta respondeu, piscando um olho, antes de ela voltar para a partida, que, apesar da ausência de , terminou em uma vitória por dois a um para o Real Madrid.
— Estamos bem fodidos — foi o que Zinédine Zidane falou ao adentrar a sala de reuniões. Se jogou em uma das cadeiras da mesa redonda, soltando um suspiro frustrado. — Os resultados dos exames do saíram, ele sofreu uma luxação traumática nos tendões. Vai precisar operar o tornozelo e vão ser três ou quatro meses de recuperação.
— Que merda — David Bettoni murmurou, passando as mãos pelo rosto. — A gente vai dar um jeito. O Lucas é uma boa opção pra substituir ele.
— A gente tem que dar um jeito nisso.
estava em choque. Já esperava que o fosse levar certo tempo para se recuperar, mas pensava em um ou dois meses na pior das hipóteses. Três ou quatro era tempo demais.
Ela levantou os olhos das folhas de papel A4 rabiscadas que estavam em cima da mesa e encarou o tio do outro lado da mesa. Se sentiu estremecer por dentro ao encontrá-lo a fitando com intensidade, como se estivesse lendo cada pensamento que passava por sua mente.
— O que você trouxe pra gente, ? — Zizou questionou, indicando as folhas.
— Eu pensei em alguns esquemas pra partida contra o Sporting de Gijón — ela respondeu, mexendo nas folhas para se encontrar entre os diversos rabiscos e anotações que havia feito enquanto assistia a alguns jogos do próximo adversário.
— Ótimo. Mostra pra gente.
A assistente, seguindo a ordem do técnico, falou sobre os pontos fortes e fracos que observou no time asturiano e apresentou para a comissão técnica algumas propostas de esquemas táticos para aquele jogo, já pensando na ausência de . A reunião durou pouco mais de meia hora e acabou sendo bastante produtiva. A formação da equipe estava praticamente definida e os planos para o treino do dia seguinte também.
Quando todos se levantaram de suas cadeiras para se retirarem da sala de reuniões, juntou as folhas de papel e também se levantou.
— Espera um minutinho, — Zinédine falou e ela voltou a se sentar.
Enquanto observava os homens saírem um a um pela porta, sentia uma mistura de curiosidade e apreensão dentro de si. Zizou não era de chamá-la para conversas particulares, muito pelo contrário, gostava de manter todos os membros da comissão técnica muito bem informados sobre tudo o que estava acontecendo. Não mantinha segredos com ninguém.
A não ser que não tivesse a ver com o time.
Quando o viu se levantar para ocupar a cadeira vazia ao seu lado, teve certeza de que a conversa, de fato, não tinha a ver com o time.
— Quero te fazer uma pergunta — ele disse cautelosamente.
— Pode fazer — ela rebateu, sentindo a tensão crescer dentro de si.
— Você e o … O que tá acontecendo entre vocês dois?
piscou os olhos algumas vezes. Aquilo era algo que nem ela mesma tinha a resposta.
— Por que tá perguntando isso? — questionou com o intuito de clarear a mente e ganhar tempo.
— Porque eu reparei que vocês estão bem próximos e quero saber se é só amizade ou algo a mais — Zinédine falou, analisando a expressão impassível no rosto da sobrinha. — E se eu tenho motivos pra me preocupar.
— Não tá rolando nada entre a gente, mas eu não vou mentir pra você. Não é apenas amizade — ela respondeu, sincera.
— Quando decidi te chamar pra trabalhar com a gente, eu sabia que isso poderia vir a acontecer. Sou homem e também fui jogador de futebol. Sei que quem joga em times grandes às vezes acaba pensando que é dono do mundo e que pode conseguir qualquer coisa em um estalar de dedos, inclusive mulheres. Eu testemunhei coisas que você nem imagina — ele falou, mas fez uma careta ao se dar conta de que estava de frente para uma mulher, não para a garotinha que o pedia para levá-la consigo aos estádios. — Talvez imagine. Você não é nenhuma criança e também já está nesse meio há tempo suficiente. Mesmo assim, me preocupo.
— Não precisa, tio. não é esse tipo de jogador — afirmou em tom tranquilizador. — Desde o dia em que a gente se conheceu, ele sempre me respeitou bastante. Não apenas ele, mas o time inteiro.
— Fico mais tranquilo. — Zizou respirou fundo. — Não vou me meter, . Acho que vocês dois são bem grandinhos e sabem o que estão fazendo, mas eu espero que isso não afete o time.
— Claro — ela logo tratou de dizer. — Gosto muito da companhia do , mas meu trabalho é e sempre será minha prioridade.
— É bom ouvir isso. Não que eu esperasse algo muito diferente, ou não teria feito questão de ter você de assistente técnica.
— Você não vai se arrepender por isso — disse, sorrindo.
— Sei que não. — Zizou piscou um olho antes de puxar a sobrinha para um abraço.
Depois de deixar a sala de reuniões, foi até a sala de fisioterapia e encontrou sozinho, deitado em uma das macas com o tornozelo machucado para o alto.
Ele a observou se aproximar a passos lentos até estar ao seu lado, analisando o pé imobilizado.
— Sinto muito — ela disse, quebrando o silêncio, e suspirou longamente. — Já estou sabendo que você vai ter que ser operado.
— Tá tudo bem, os médicos optaram pela cirurgia pra acelerar o processo de recuperação — ele falou, dando de ombros, mostrando-se já conformado com a lesão.
— Você vai precisar ficar de três a quatro meses fora mesmo?
— O Jaime acha que dá pra diminuir esse tempo de recuperação pra mais ou menos dois meses e meio, mas vamos ter que trabalhar bastante pra isso — ele explicou e esboçou um sorriso, sentindo-se um pouco aliviada por descobrir que havia aquela possibilidade.
— Quando vão operar esse tornozelinho?
— Próxima terça-feira em Londres. Vai ser com um cirurgião que é especializado nesse tipo de lesão — disse e, ao se mexer para ajustar a posição em que estava, gemeu baixo de dor. — Nossos médicos vão supervisionar tudo.
— Então você vai estar em boas mãos — disse, sorrindo, e pôs a mão na perna levantada do jogador para acariciar sua pele.
— A parte chata é que vou precisar ficar dez dias em repouso — ele disse, fazendo uma careta de descontentamento. — Vou pra casa dos meus pais.
— Então você só vai voltar pra Madrid quando a gente já estiver no Japão?
— Parece que sim — o respondeu, simplesmente, e riu da expressão de choque no rosto de .
— Você vai ficar uns vinte dias sem ver a minha ilustre pessoa — ela brincou para descontrair o clima pesado que podia sentir desde que adentrara a sala de fisioterapia.
— Eu vivi muito bem sem te conhecer até poucos meses atrás — ele rebateu com deboche.
— Que grosseria! — exclamou, cruzando os braços para se fingir de ofendida, mas acabou soltando uma risada.
— Você sabe que estou só brincando — falou, sorrindo.
— Como sou um amor de pessoa, admito que você vai fazer falta lá no Japão.
— Você não vai ter tempo de perceber que não estou lá. Vai estar muito ocupada comemorando o título.
— Deus te ouça.
Depois de enviar a mensagem, jogou o celular dentro da bolsa e saiu do quarto apressadamente, batendo a porta com certa força. Percorreu o corredor a passos largos enquanto vestia a jaqueta jeans desajeitadamente.
— Está indo aonde com essa pressa toda? — Véronique perguntou ao cruzar com a afilhada na escada, olhando-a de cima a baixo e notando quão desconjuntada ela estava.
— Vou dar uma carona pro até o aeroporto — anunciou, descendo os degraus, e parou no pé da escada para encarar a mais velha, que usava um vestido elegante, sapatos de salto e, com as mãos na cintura, lhe fitava de uma maneira maternal. — Depois a gente conversa, tia. Já estou atrasada. Beijinho e bom jantar pra vocês!
— Obrigada, mas dirija com calma! — Ela pôde ouvir a voz de Véronique exclamar quando já alcançava a porta de entrada e respondeu com um “pode deixar” antes de sair de casa.
foi até a enorme garagem da casa dos Zidane, que comportava os três carros de Zinédine e Véronique, além dos dois de Enzo e Luca e, agora, também o dela. Adentrou o Audi branco, girou a chave na ignição e saiu de ré para a noite de Madrid.
Estava em frente à casa de em menos de um minuto, já que eram praticamente vizinhos. Ele a esperava escorado no batente da porta, distraído, mas logo voltou à realidade quando a buzina alta soou por toda a rua. Ele guardou o celular no bolso interno da jaqueta antes de fechar a porta de sua casa e puxar a mala de rodinhas na direção do carro.
destravou o porta-malas para que ele pudesse deixar suas coisas e, enquanto isso, tentou dar um jeito no cabelo úmido que havia penteado de qualquer jeito antes de sair de casa, olhando seu reflexo no retrovisor interno do carro. não demorou a abrir a porta do passageiro e segurou a bolsa que ela havia jogado no banco poucos minutos antes para que pudesse se acomodar.
— Me desculpa pelo atraso — falou, se inclinando para cumprimentá-lo com um beijo em cada lado do rosto. — Acabei cochilando e acordei em cima da hora.
— Falei que não precisava me dar carona — ele disse em um tom desaprovador, colocando o cinto de segurança.
— Para de reclamar — ela rebateu, esticando o braço para colocar uma música para tocar sem tirar os olhos do caminho que levava em direção ao portão do condomínio.
Se permitiu aumentar a velocidade, já que as ruas estavam livres, e soltou uma gargalhada quando reconheceu a música que se iniciava.
— Esses garotos de novo — o disse, fazendo-a rir.
— Não seja malvado, . Eles não fizeram nada pra você.
— Já não basta a gente escutar essa música todo dia no vestiário?
A canção em questão era Reggaetón Lento, da boyband latina CNCO, que havia bombado na Espanha no último mês. Vinha sendo presença constante na trilha sonora do vestiário do Real Madrid, o que fazia reclamar sempre que ela começava a tocar. Não que realmente se importasse, muito pelo contrário; adorava ver dançando toda vez que ela tocava, na maioria das vezes junto a James Rodríguez e Marcelo.
— Quando a música é boa, não me canso de ouvir.
Ele apenas sorriu enquanto a observava cantarolar a música, mesmo que concentrada em pegar a avenida que os levaria até o aeroporto.
— Você nem parece francesa. Só gosta de música em espanhol.
— Eu comecei a me interessar pela Espanha quando meu tio veio jogar no Madrid, isso influenciou bastante, mas eu também sempre achei que músicas em espanhol soam muito bem.
— Soam mesmo — concordou, apesar de não ter o costume de ouvir músicas em espanhol por conta própria, e sentiu algo vibrar dentro da bolsa de que estava em seu colo. — Acho que seu celular vibrou.
— Deve ser mensagem nova. Dá uma olhada, por favor?
Ele abriu o zíper e demorou a encontrar o aparelho dentro da bolsa bagunçada, já que, na pressa, as coisas haviam sido jogadas lá dentro de qualquer jeito. Quando o pegou, apertou o botão para verificar as notificações.
— É do Karim. — O nome do colega de equipe foi a única coisa que conseguiu entender em meio àquelas palavras desconhecidas. — E está em francês.
aproveitou que havia acabado de parar em um sinal vermelho para pegar o celular e ler a mensagem do amigo. Rolou os olhos antes de devolver o aparelho para e, em seguida, arrancar com o carro novamente.
— Ele disse que a Lola foi pra Itália participar de um desfile e perguntou se quero fazer alguma coisa. Diz que estou indo te levar ao aeroporto e depois penso no caso dele. Pode falar que é você.
murmurou em consentimento e enviou a mensagem com o que a assistente técnica havia lhe pedido para dizer, sem deixar de acrescentar que era ele quem estava digitando. A resposta não demorou a chegar, dessa vez em inglês.
— Ele perguntou desde quando você é minha motorista — falou, rindo.
— Diz pra ele não se meter na vida dos outros — falou sem conseguir conter o riso.
Continuou dirigindo e não pôde evitar dar uma espiada no jogador de canto de olho enquanto ele mexia em seu celular.
— Ele pediu pra você ligar quando estiver voltando pra casa. — O bloqueou o celular e o colocou dentro da bolsa.
— O Karim me ama demais.
Alguns minutos depois, os dois chegaram ao Aeroporto de Madrid-Barajas e um silêncio esquisito os envolveu. Só então, quando o papo descontraído acabou, a ficha deles pareceu cair.
teria uma cirurgia importante pela manhã e ficaria meses sem fazer o que mais gostava e incapaz de ajudar o time em jogos que poderiam decidir os troféus que eles levantariam ou não no final da temporada. Preferia não pensar em nada disso e apenas focar sua mente em se recuperar o quanto antes da lesão, como vinha fazendo desde o dia em que precisou ser substituído por conta da pancada, mas sabia que teria semanas complicadas pela frente.
também estava chateada. Achava injusto que ele levasse aquele banho de água fria logo quando estava em um momento tão bom de sua carreira, além de estarem às vésperas do Mundial e aquilo significar que ele perderia as partidas e toda a festa que fariam no caso de conquistarem a vitória. Também estava tão acostumada em tê-lo por perto quase diariamente que seria estranho olhar para os jogadores e não vê-lo junto a Luka, Mateo e Toni, ou até mesmo a Karim, já que percebera que os dois andavam mais próximos ultimamente.
— Boa sorte com a cirurgia. — sorriu, sentindo o otimismo superar qualquer outro sentimento que estivesse sentindo naquele momento. — Tenho certeza de que vai dar tudo certo.
— Obrigado — falou, também mostrando um sorriso em resposta. — E boa sorte lá no Japão.
— Prometo que vou estar com a sua medalha de campeão do mundo na próxima vez que a gente se encontrar.
— Vou esperar ansiosamente. Melhor eu descer, já está em cima da hora do voo.
— Ei, me dá um abraço antes.
Ele riu levemente e deixou que a francesa o envolvesse em um abraço forte que transmitia todos os seus sinceros votos de que tudo corresse bem. Antes de se afastarem, sentiu o beijo estalado que ela deu em sua bochecha.
o observou abrir a porta como que em câmera lenta. Mordeu o lábio inferior conforme um sentimento estranho crescia dentro de si e se dava conta de que não queria deixá-lo ir.
Não sem antes fazer uma coisa.
— .
Ele se virou, com um pé na calçada e o outro ainda dentro do carro, com um olhar curioso. Seus batimentos cardíacos se tornaram mais acelerados ao focalizar os olhos castanhos da francesa, tão intensos, o fitando. Sentiu-se vulnerável e totalmente entregue a ela.
se inclinou e grudou suas bocas de uma maneira impaciente, porém, ao mesmo tempo, inocente e repleta de carinho. Os dois ficaram algum tempo apenas com os lábios colados, enquanto assimilavam o que estava acontecendo, até tomar a iniciativa de passar a língua timidamente pelo contorno de seus lábios. Aquela foi a deixa que ela precisava para aprofundar o beijo.
O estômago de se revirava conforme ela descobria que o beijo que tanto queria experimentar era ainda melhor do que o imaginado. Ele beijava de uma maneira tão calma e ao mesmo tempo intensa, exatamente as sensações que transmitia apenas com sua presença. Quando ela se afastou lentamente, abriu o sorriso mais bonito de que se lembrava de ter recebido.
— Me avisa quando estiver em Londres.
Ele assentiu, um pouco atordoado por conta daquele beijo inesperado, e, finalmente, saiu do carro. Foi até o porta-malas pegar suas coisas e deu um último aceno para antes de dar meia volta e se dirigir para o saguão do aeroporto.
Ela o assistiu se afastar enquanto se esforçava para ignorar que todas as certezas que tinha construído ao longo de toda sua vida pareciam estar indo embora por ralo abaixo. Era assustador que um beijo pudesse deixá-la tão bagunçada por dentro e sentindo-se sem o controle da situação. Era a primeira vez que um cara conseguia tal proeza.
E o pior era que estava se sentindo incrivelmente bem com isso.
11. La Undécima
Viviendo entonces una distorsión
Y me enfadé con el mundo
Malditos complejos que siempre sacan lo peor
16 Añitos - Dani Martín
Após um voo longo de mais de treze horas, o Real Madrid finalmente estava no Japão.
Os três últimos jogos haviam tido resultados positivos, incluindo um empate no último minuto da partida contra o Barcelona em pleno Camp Nou, com um gol de cabeça de Sergio Ramos, que acabou tendo sabor de vitória. Todos se sentiam confiantes e dispostos a voltar para casa com o troféu do Mundial de Clubes da FIFA. O sentimento se intensificou ainda mais quando se depararam com o aeroporto lotado de japoneses os saudando com cartazes, camisas do time e muita gritaria. A loucura era ainda maior na entrada do hotel luxuoso em que a equipe ficaria hospedada na cidade de Yokohama, especialmente quando os jogadores se aproximavam dos torcedores para distribuir alguns autógrafos assim que saíam do ônibus um a um.
O Royal Park Hotel fazia parte da Landmark Tower, o segundo edifício mais alto do Japão com seus setenta e três andares. Além de lojas de grife, os hóspedes também tinham um fitness club com piscina aquecida, sala de aromaterapia, academia e salão de beleza à sua disposição. Podiam experimentar um pouquinho da cultura japonesa em uma sala de chá, na qual era feita toda uma cerimônia tradicional para servir a bebida. A cereja do bolo eram os quartos confortáveis com uma vista incrível de toda a Baía de Yokohama.
Os olhos de brilhavam ao admirar a decoração luxuosa do hotel no caminho até o andar em que o time ficaria. Os quartos eram duplos e seu roommate seria Karim Benzema, como ela fez questão de solicitar quando as duplas estavam sendo definidas.
Assim que os dois adentraram o quarto, se livrou dos sapatos de salto e colocou a mala em cima de uma das camas para pegar o uniforme de assistente técnica. Não via a hora de trocar o terninho Hugo Boss por uma roupa mais confortável.
— Tem conversado com o ?
— Sim — ela respondeu, lançando um olhar desconfiado na direção de Karim.
Ele riu baixo enquanto afrouxava o nó da gravata. Era engraçado vê-la responder monossilabicamente a perguntas que envolviam , especialmente depois de tê-lo beijado.
Benzema ficara sabendo no mesmo dia, quando os dois se encontraram depois de ter deixado o no aeroporto. Pôde perceber que ela lutava internamente com a satisfação por ter feito o que tanto queria e a apreensão de ter complicado as coisas. Desde que a conhecera, ela era era daquele jeito. Tinha os pés fincados no chão e não tomava decisão nenhuma sem antes pensar e repensar sobre as consequências pelo menos umas mil vezes. Sendo uma pessoa impulsiva na maioria das vezes, aquilo o irritava um pouco, mas era justamente por essa característica que ele sabia que, um dia, Zidane estaria entre os melhores treinadores de futebol do mundo.
— Como ele tá? — questionou, abrindo os botões da camisa social branca que, em seguida, também tirou.
— Bem. Tá de repouso na casa dos pais — ela respondeu, observando Karim se livrar do cinto. — É sério que você vai ficar pelado na minha frente? — perguntou quando o viu abrir a calça.
— Não temos intimidade suficiente pra isso? — ele rebateu, debochado.
se limitou a rolar os olhos e pegar suas coisas antes de se trancar no banheiro e abafar as risadas de Karim.
— Abre pra mim, tio?
desviou os olhos do jornal televisivo que passava na TV para encarar Max.
— Sua mãe deixou? Tá quase na hora do almoço — questionou, pegando o pacote de M&M’s.
— Ela deixou, sim.
— Olha lá, hein?
pegou um punhado de M&M’s e devolveu o pacote para o sobrinho. tinha certeza de que Vicky, sua irmã, não tinha o mínimo conhecimento a respeito daquilo. Max era uma criança de 5 anos bastante espertinha. De qualquer maneira, estava apenas exercendo seu papel de tio que fazia todas as vontades dos sobrinhos por não vê-los com a frequência que gostaria.
— Quer ver algum desenho?
— Eu queria jogar bola — o menino falou com a boca cheia de M&M’s.
— Nisso eu não posso te acompanhar — respondeu, apontando para o tornozelo enfaixado. — Mas posso te fazer companhia, pode ser?
Como resposta, recebeu um sorriso enorme que mostrava a ausência de um dente.
Enquanto ele se levantava com o apoio das muletas, Max correu escada acima. Pouco depois, voltou com uma Brazuca, a bola oficial da Copa do Mundo de 2014 e também sua favorita.
— Ei, mocinho. Aonde você vai? — Vicky perguntou ao vê-lo cruzar a cozinha feito uma bala, saindo pela porta que levava para o quintal dos fundos.
— A gente vai jogar bola — respondeu ao surgir no cômodo, atraindo não apenas a atenção de sua irmã, que descascava alguns legumes, mas também a de sua mãe, que ajudava Georgia, sua sobrinha mais velha, a fazer um bolo.
— Você tem que descansar, meu filho! — Deborah falou, preocupada.
— Só vou fazer companhia pra ele. Você vem também, Gia?
Mesmo que adorasse ajudar a mãe e a avó na cozinha, a garota não pensou duas vezes antes de largar tudo e ir se juntar ao tio e ao irmão no quintal da casa de seus avós.
A cirurgia nos tendões do tornozelo direito de havia sido realizada com sucesso. Assim que foi liberado pelo Dr. James Calder, o jogador voou de Londres para , sua cidade natal, onde decidiu passar os dias de repouso até estar apto a voltar para Madrid e, então, dar início à fisioterapia. Passar o dia inteiro sentado no sofá com a perna para cima, assistindo televisão, estava sendo uma tortura. O que fazia o tempo passar mais rápido era a presença de Georgia e Max, já que Vicky os levava todos os dias depois da escola.
Enquanto assistia às duas crianças brincarem com a bola na grama do quintal, ambos mostrando que também já haviam sido contagiados pela paixão pelo futebol, sentiu o celular vibrar dentro do bolso fronteiro da bermuda e pegou o aparelho. Um sorriso despontou em seus lábios conforme passava os olhos pelo conteúdo da mensagem que havia acabado de receber.
Ele não demorou a respondê-la, pois esperava ansiosamente por aquela mensagem desde quando estava indo dormir na noite anterior e comunicou que o time estava embarcando no avião que os levaria para o Japão.
Os gritos e gargalhadas de seus sobrinhos o fizeram levantar os olhos. Ele riu ao ver Max irritado por não conseguir roubar a bola de Georgia, que se divertia com a situação. Além da facilidade que tinha por ser mais velha que o irmão, a garota era realmente boa jogando futebol. O aparelho em suas mãos logo vibrou mais uma vez e roubou sua atenção.
também vinha contribuindo para que seus dias de repouso na casa dos pais fossem menos entediantes.
Eles conversavam pelo WhatsApp quase o dia inteiro, sempre que ela tinha tempo para pegar o celular e responder as mensagens que mandava o tempo todo comentando sobre coisas banais que via na televisão ou na internet, suas duas principais distrações naqueles dias de puro tédio. A francesa, por sua vez, mandava diversas fotos e vídeos dos treinos ou das zoações entre os jogadores.
Mesmo distante, estava sempre por dentro do que vinha rolando na Ciudad Real Madrid e sentindo-se próximo não apenas aos seus companheiros de time, mas também a . Era um sentimento estranho. Parecia que, mesmo sem vê-la há dias, eles nunca haviam estado tão próximos antes.
Nenhum dos dois havia comentado até então sobre o beijo, o que, de certa forma, o confortava. Em primeiro lugar, porque ele sentia vontade de cavar um buraco e enterrar sua cabeça toda vez que lembrava da forma patética com que saíra do carro, desnorteado demais para conseguir formular uma frase coerente, mas também porque não queria vê-la arrependida por tê-lo beijado.
Não esperava, genuinamente, que a amizade deles evoluísse para algo a mais do dia para a noite. Pelo pouco que já conhecia de , sabia que ela não mudaria de ideia por causa de um beijo que acontecera no calor do momento. Por ora, apenas queria ser alguém importante para ela. Queria poder repetir aquele beijo que, apesar de ter beijado apenas uma boca antes, ele arriscaria dizer que fora o melhor de sua vida, mas não tinha pressa de que isso acontecesse. Para ele, a presença de era o suficiente naquele momento.
Apenas desejava que a semana passasse em um piscar de olhos para revê-la logo.
Na manhã seguinte, acordou com a barulheira que Karim fazia no banheiro enquanto tomava banho e quase se arrependeu por tê-lo escolhido para dividir o quarto com ela durante a estadia em Yokohama em vez de Raphaël Varane, que certamente não escutaria música alta enquanto ela ainda dormia. Porém, quando ele saiu do banheiro vestindo apenas a calça do uniforme, ficou tudo bem. Mesmo que fosse seu melhor amigo, ainda era um cara gostoso sem camisa infestando o quarto com um perfume masculino delicioso.
O primeiro dia oficial do Real Madrid no Japão foi bastante atarefado. Enquanto os jogadores trabalhavam na academia com os preparadores físicos, a comissão técnica se reuniu para definir como seriam os três dias de treino que teriam antes da partida contra o time mexicano Club América na semifinal do Mundial de Clubes. No final da tarde, a equipe toda foi para o Nippatsu Mitsuzawa Stadium, estádio do Yokohama F.C., onde deram início ao treinamento com bola.
Ainda era de manhã na Europa e um dos funcionários responsáveis pelas mídias sociais do Real Madrid chamou a atenção de todos para dizer que a revista francesa France Football havia acabado de anunciar que Cristiano Ronaldo era o vencedor de 2016 da tão prestigiada Bola de Ouro. Já era a quarta que ele ganhava. Não foi exatamente uma surpresa depois de ele ter sido campeão da Champions League e da Eurocopa, mas o time inteiro se surpreendeu quando Juan mostrou as fotos divulgadas pela revista, nas quais o português posava com o troféu.
— Não acredito que você ganhou a Bola de Ouro e não falou nada para a gente! — exclamou com indignação quando finalmente chegou sua vez de cumprimentá-lo, o fazendo rir, e o envolveu em um abraço apertado. — Parabéns, Cris! Você mereceu tanto esse prêmio!
— Obrigado, — ele disse, sorrindo. — Que graça teria se todo mundo já soubesse antes de anunciarem oficialmente?
Logo Cristiano teve sua atenção tomada por Álvaro Morata e outros jogadores que ainda não haviam o parabenizado.
Como já era sabido previamente que, no dia em que seria anunciado o jogador escolhido como o melhor do mundo de 2016, Cristiano Ronaldo estaria no Japão para disputar o Mundial de Clubes com o Real Madrid, representantes da France Football haviam ido até a sala de troféus do Estadio Santiago Bernabéu na véspera da viagem do time para entregá-lo o prêmio e fazer algumas fotos oficiais. Cristiano Ronaldo, sua família, os organizadores do prêmio e a diretoria do Real Madrid eram os únicos que sabiam que ele era o ganhador antes do anúncio oficial.
A Bola de Ouro tinha voltado a ser um prêmio apenas da France Football, que encerrara sua parceria com a FIFA depois de seis anos. A expectativa era que CR7 vencesse também o The Best, novo prêmio de melhor jogador do mundo da FIFA que teria sua primeira edição realizada no mês seguinte.
Depois que o treino foi finalizado e a equipe retornou ao Royal Park Hotel, todos foram para o restaurante jantar e comemorar a conquista de Cristiano. Quando Sergio Ramos surgiu segurando um bolo que imitava o troféu de melhor jogador do mundo, flashes dispararam para registrar a homenagem preparada pelos confeiteiros do hotel.
O camisa sete deixou o bolo sobre a mesa em que estava sentado na companhia dos portugueses e brasileiros do time para cumprimentar o capitão com um abraço rápido, e não conteve a risada quando seus colegas pediram que ele fizesse um discurso. Ele, então, pôs o dedo indicador nos lábios para pedir silêncio.
— Eu só quero agradecer a todo mundo pelo carinho, especialmente aos meus companheiros de time. Não teria ganhado essa quarta Bola de Ouro se não fosse a ajuda de vocês. Vamos manter o foco e lutar até o final pra levar mais esse troféu pra casa e mostrar que o Real Madrid tá no topo do mundo. Hala Madrid! — Cristiano exclamou, finalizando o curto discurso em meio a palmas e gritaria. Olhou para o bolo com um sorriso divertido nos lábios. — Quem quer um pedaço da minha Bola de Ouro?
foi a primeira a deixar o restaurante e subir para o quarto. Estava conversando com por mensagens de texto depois de enviar um vídeo da baderna que fizeram no restaurante do hotel e preferia fazer isso com mais privacidade e conforto. Depois de trocar o uniforme pelo pijama, deitou-se em sua cama e continuou a ler as mensagens de sobre as peripécias dos sobrinhos, o que a fazia recordar as de seus primos mais novos que moravam em Marselha e, consequentemente, sentir saudades deles.
Algum tempo depois, Karim entrou no quarto e, depois de revirar a mala em busca de um short, deixou a bagunça para trás e se trancou no banheiro. Em poucos minutos, saiu de lá de roupa trocada, se jogou no colchão e ficou observando digitar freneticamente no celular.
— Tá falando com o ? — ele questionou, fazendo-a apenas assentir com a cabeça. — Não é possível que vocês tenham tanto assunto assim. Espera aí, vocês não ficam trocando mensagem de sacanagem, né?
levantou os olhos do celular para encará-lo e soltou uma risada.
— É claro que não, palhaço.
Karim soltou uma gargalhada enquanto ajeitava o travesseiro sobre a cabeça.
— Pelo visto o só é rápido dentro do campo mesmo — ele zoou mais para implicar com do que por qualquer outro motivo e, como resposta, recebeu o dedo médio. — Manda uma foto sexy. Vai que ele se inspira.
— Você é ridículo — ela murmurou, rolando os olhos, mas acabou rindo da sugestão.
— Não seja cruel. O cara se lesionou, teve que fazer uma cirurgia, vai ficar meses sem jogar e, pra completar, quando finalmente consegue te beijar, fica na vontade. Ele merece uma foto pra aguçar a imaginação — o jogador disse em um tom divertindo. — Vai dizer que não tem nenhuma foto assim no celular? Eu tenho várias numa pasta com senha.
— Não acredito que você tem um acervo de nudes! — exclamou em meio a risos.
Benzema se levantou e foi até a poltrona onde havia deixado o celular junto às roupas que usava anteriormente.
— Não são nudes, são só fotos pra despertar a curiosidade e criar um clima — ele explicou, piscando um olho, e voltou para a cama enquanto pelas fotos no aparelho.
— Guardar esse tipo de foto de si mesmo soa um pouco narcisista.
— Eu guardo as que recebo também. Só não te mostro porque tem algumas que são pesadas.
— As suas não são?
— Não, porque tenho medo de postarem na internet. Quer ver?
— Você lembra que tem uma namorada agora?
— Quer ver ou não? Não me importo de te mostrar — Karim disse, dando de ombros. — São só fotos. Nada que você não tenha visto antes.
Apesar de um pouco desconfiada, pegou o aparelho. Se ele não achava que tinha problema, não seria ela quem acharia.
Passou o dedo pela tela e se assustou com a quantidade de fotos que tinha naquela pasta, mas sentiu um pequeno alívio ao constatar que o conteúdo das imagens realmente não era nada que já não tivesse visto antes. Karim volta e meia postava fotos sem camisa, malhando, curtindo um dia de sol ou descansando dentro de casa mesmo. Apenas pretextos para exibir seu corpo. As fotos eram um pouco mais provocantes do que as que ele costumava publicar na internet, mas, ainda assim, nada muito diferente.
— Eu adoro a sua cara de “sou gostoso e sei disso” — disse, rindo, analisando uma foto em que o jogador estava de frente para o espelho de seu closet sem camisa e com a calça jeans aberta.
Quando se deparou com uma das fotos seguintes, ela se jogou para trás no colchão em meio a um ataque de risos.
— Que foi? — Karim questionou, rindo mesmo que sem saber por quê.
— Tem uma foto em que você está com a barraca armada — explicou, se recompondo. — A cueca é branca ainda por cima.
— Essa é recente, eu já estava ficando com a Lola.
— Ok, não quero detalhes. Na verdade, preciso esquecer que vi essa foto.
— Até parece que nunca viu um pau duro antes — ele disse, estalando a língua no céu da boca. — Sei que sou bem dotado, mas também não é pra tanto.
— Não vi nada demais.
— Nunca reclamaram, muito pelo contrário — Karim disse, esboçando um sorriso safado.
apenas rolou os olhos, rindo discretamente, e pegou o próprio celular. Viu que havia recebido mensagens novas não apenas de , mas também do grupo que tinha com seus cinco melhores amigos de adolescência. Fifi e Margot estavam tentando marcar uma reunião do grupo no Natal, já que ela aproveitaria os dias de folga para visitar os pais em Marselha. No entanto, ignorou as mensagens e abriu a galeria de imagens.
foi descendo a pasta que guardava as fotos da câmera até chegar nas tiradas em junho e julho, época em que esteve fazendo um tour pela França para acompanhar os jogos da Seleção Francesa durante a Eurocopa.
Logo encontrou a foto que procurava, na qual estava no hotel em Saint-Denis, na véspera da final em que a Seleção Francesa saiu derrotada por um a zero pela Seleção Portuguesa no Stade de France. Era uma selfie que mostrava seu rosto pela metade e mal dava para ter certeza de que realmente era ela ali, já que o quarto estava pouco iluminado e o que a foto evidenciava eram seus seios fartos cobertos por um sutiã rendado cor de vinho, a sua favorita para lingeries.
— Essa é a única que tenho aqui — ela disse, alcançando o aparelho para Karim. — Foi pro Matt Pokora que eu mandei. Acho que nem te contei que eu saí com ele durante a Euro, né?
Ainda era engraçado lembrar que havia tido um affair com o cantor francês pelo qual todas as garotas morriam de amores na adolescência, inclusive ela.
— Como isso aconteceu? — Benzema questionou, surpreso.
— Ele se aproximou pra falar com meu tio na abertura e a gente começou a bater papo. Acabou que trocamos nossos números e, como ele também acompanhou todos os jogos da Seleção, a gente saiu algumas vezes entre um jogo e outro.
— Um romance de Euro.
— Podemos chamar assim — ela disse, rindo. — Depois disso, a gente acabou se desencontrando. A turnê dele começou e eu tive que ir pra Madrid.
— Eu não sei o que vocês veem nesse cara. A Chloé adorava ele — Karim falou, fazendo uma careta.
— Ele é bonito, simpático e ainda canta bem. — deu de ombros. — Você não disse nada sobre minha foto.
— Acho que você deveria mandar pro .
— Do nada? Você é maluco — ela disse em meio a risos.
— É só apertar o botão de compartilhamento e está feito.
imediatamente se pôs sentada, alarmada.
— Me dá esse celular.
Karim riu, se jogando para fora da cama, e saiu em disparada na direção do banheiro. Ela correu atrás, mas, antes que conseguisse alcançá-lo, ele trancou a porta.
— Se você enviar essa foto pro , eu vou te matar! — exclamou, ouvindo as risadas vindas do outro cômodo.
estava terminando de arrumar a mala quando ouviu o celular apitar em cima do criado-mudo e, sentado na cama, apenas estendeu o braço para pegá-lo. Se surpreendeu quando descobriu que era uma mensagem de , pois, pela demora em respondê-lo, pensou que ela tivesse caído no sono. Viu pela notificação que se tratava de uma imagem e, imaginando que fosse uma das fotos cômicas de seus companheiros de time que ela vinha enviando com frequência nas últimas duas semanas, abriu a conversa com uma agilidade proporcional à sua curiosidade.
Quando a foto apareceu diante de seus olhos, no entanto, nenhuma gargalhada escapou por sua garganta. Suas bochechas esquentaram e o choque foi tão grande que ele se engasgou com a própria saliva e começou a tossir desesperadamente.
Ele, definitivamente, não esperava encontrar uma foto em que estava apenas de sutiã e que seus seios eram destaque. A falta de legenda também não ajudava a esclarecer os fatos. Ele só conseguia pensar que aquela foto tinha ido parar em seu celular por engano. O pior de tudo é que não fazia ideia do que escrever em resposta.
E se não tivesse sido apenas um engano? Deveria elogiá-la? Deveria mandar uma foto sua em troca? simplesmente não sabia como agir, era a primeira vez que recebia tal tipo de foto. Não que suas conversas com sua ex-namorada fossem sempre castas, já que os dois passavam bastante tempo longe um do outro quando ele estava concentrado com o time ou com a seleção e, muitas vezes, a saudade falava mais alto, mas Emma era ainda mais tímida do que ele. Em todos os oito anos em que estiveram juntos, nunca havia o surpreendido com tamanha ousadia.
— Filho, trouxe um lanchinho pra você comer antes de ir pro aeroporto.
levou um pequeno susto quando viu a mãe adentrar o quarto com uma bandeja que continha um sanduíche e um copo de suco de laranja e rapidamente bloqueou o celular e o largou sobre o colchão.
— Não precisava, mas obrigado — ele falou, se recompondo, e mostrou o sorriso menos forçado que conseguiu.
— Não importa se precisava ou não, me deixa exercer meu papel de mãe — Debbie disse em um tom divertido, deixando a bandeja sobre a cama.
— Só que eu já tenho 27 anos e posso me virar sozinho. — pegou o copo para dar um longo gole no suco para limpar a garganta e disfarçar o nervosismo. — Espero que você não fique me servindo o tempo todo lá em Madrid, senão vou me arrepender de ter chamado você e meu pai pra passarem uns dias na minha casa.
— Quando você tiver filhos, vai me entender — ela rebateu, piscando um olho. — Precisa de ajuda com a mala?
— Não, já terminei de arrumá-la.
— Então vou tomar banho e me arrumar, tudo bem?
— Pode ir tranquila, mãe.
Ele acompanhou Deborah caminhar na direção da porta e se retirar do cômodo antes de voltar os olhos para o celular jogado de qualquer jeito ao seu lado. O aparelho começou a tocar e o nome estampado na tela o fez estremecer por dentro.
— Oi, .
— ... — ela murmurou do outro lado da linha antes de soltar um longo suspiro. — Foi mal, eu acabei te mandando essa foto sem querer.
O absorvia as palavras de enquanto encarava o pôster emoldurado de Ryan Giggs, seu maior ídolo na infância, durante um jogo do Manchester United em 1995. O tinha pendurado na parede de seu quarto na casa dos pais para que nunca se esquecesse de que, um dia, havia sido apenas um menino cheio de sonhos.
— Você errou a conversa? — ele, de repente, se viu perguntando, sentindo algo parecido com decepção.
— Exatamente. Quer dizer, eu queria mandar a foto pra uma amiga minha pra mostrar esse sutiã novo que eu comprei numa loja aqui do hotel, mas, na hora de compartilhar, acabei selecionando a sua conversa. Desculpa mesmo.
pôde ouvir uma gargalhada ao fundo que foi abafada por algumas palavras pronunciadas por . Não as entendeu, mas, pela entonação, interpretou como um xingamento em francês.
— Desculpa, isso foi pro Karim. Espera só um minuto — ela falou e, poucos segundos depois, o jogador pôde ouvir uma porta batendo. — Pronto.
— — começou, cautelosamente —, você vai me desculpar, mas essa foto não parece uma foto que alguém enviaria pra uma amiga.
Por alguns segundos, tudo o que conseguiu escutar vindo do outro lado da linha foi um silêncio incômodo.
Ele até podia não ter muita experiência em receber fotos sensuais, mas conseguia identificar perfeitamente o teor provocativo de uma. não ter enviado aquela fotografia especialmente para ele era compreensível, já que, apesar de terem se beijado, os dois não eram nada além de amigos e sequer haviam conversado sobre o beijo até então. Mas, se a intenção dela era enviar para outro cara, não tinha por que inventar uma história qualquer para ele cair feito um bobo. Gostaria que ela pelo menos falasse a verdade.
— Tá, é óbvio que não foi isso que aconteceu... — a francesa finalmente falou, quebrando o silêncio. — Foi o Karim que te enviou pra implicar comigo. Só isso mesmo.
— Hum… — murmurou. — E por que você não falou de uma vez?
— Porque eu não quis admitir o ridículo da situação. — Ela soltou uma risada seca. — A cena foi realmente patética. Ele ameaçou que ia te mandar essa bendita foto e saiu correndo pra se trancar no banheiro, mas eu não achei que fosse realmente fazer isso. Só depois que ele me devolveu o celular que fui ver que a merda estava feita e quis matá-lo. Parecia que a gente tinha 13 anos.
riu, pois não pôde evitar imaginar a cena, e acabou rindo também. Ela nunca conseguia ficar brava com Karim por muito tempo.
— Pelo menos deve ter sido engraçado.
— Tem certas pessoas que a gente tá ferrado se der intimidade. O Karim é uma delas.
— E vocês têm mesmo bastante intimidade, né? — Ele fez uma careta discreta ao perceber que sentia uma pequena inveja do companheiro de equipe em relação à afinidade que ele e tinham.
— Infelizmente, sim — ela respondeu, rindo.
— Você ficou incomodada por eu ter visto essa foto? — questionou com medo da resposta que receberia. — Quer dizer, a gente não tem muita intimidade e...
— Eu não vejo nenhum problema em o cara que estou a fim ver meus peitos — disse em um tom divertido, o cortando, e soltou uma risada —, o problema é que essa foto é antiga e eu enviei pra outro cara, com quem eu já nem falo mais, e era pra ter sido deletada há muito tempo. Sou uma mulher bem resolvida, posso muito bem tirar uma foto de lingerie, ou até mesmo pelada se eu quiser, e mandar pra quem for. Não preciso que meu amigo idiota faça isso por mim.
Na falta do que dizer, apenas riu sem graça. Gostaria de ter coragem de aproveitar o gancho para fazer alguma brincadeirinha maliciosa, mas fazia com que ele se sentisse um garoto virgem de 15 anos.
— Você não precisa ficar sem jeito por nada do que eu disse, — ela disse ao notar seu silêncio. — Sei que a gente não conversou sobre isso ainda, mas eu te beijei porque achei que era um momento propício pra isso. Era algo que eu tinha vontade de fazer já há algum tempo e quis te mostrar que tenho um carinho por você e estaria torcendo pela sua recuperação mesmo de longe. E tá tudo bem. Eu não quero que fique um climão entre a gente quando nos reencontrarmos.
— Você sempre me deixa sem saber o que dizer — falou, rindo levemente.
— Eu confesso que acho isso sexy. — soltou uma gargalhada. — Os caras geralmente são tão previsíveis. De você, nunca sei o que esperar.
— Eu sou mais previsível do que você pensa — ele respondeu, sorrindo.
— O que você responderia se eu não tivesse ligado pra explicar sobre a foto?
— Eu ainda estava pensando — ele admitiu. — Além de você ter me pegado de surpresa, nunca tinha recebido uma foto assim antes.
— Nem uminha? — ela perguntou com admiração.
— A Emma é muito tímida…
— Ela foi a única mulher com quem você se envolveu até hoje? Eu não tinha parado pra pensar nisso.
— Eu tinha 18 anos quando a gente começou a namorar, mas já ficávamos vez ou outra desde quando eu tinha 16 — contou um pouco envergonhado. Sempre era um pouco custoso admitir que havia dado seu primeiro beijo aos 16 anos, quando a maioria de seus amigos já havia tido tal experiência desde, pelo menos, os 13. — Eu gostava da Emma, não me arrependo de nada que vivemos juntos, mas confesso que foi muito cômodo me relacionar com minha melhor amiga. Minha autoestima nunca foi das maiores.
— Por quê? — perguntou com estranheza, pois, de onde ela vinha, metade dos garotos jogava futebol apenas para chamar a atenção das garotas. E sempre dava certo.
— Minhas orelhas — confessou, rindo levemente. — Eu sempre fui muito zoado por causa delas. Até cortava o cabelo de um jeito que disfarçasse, mas não adiantava muita coisa. Mesmo hoje em dia, depois de ter feito cirurgia plástica, ainda me zoam pra caramba. É só procurar na internet que você vai achar um monte de comparações com macacos e a taça da Champions League.
acabou deixando uma risada escapar pelos lábios, enquanto balançava a cabeça de um lado para o outro.
— Desculpa por rir disso, , mas é tão ridículo que tudo o que a gente pode fazer é levar na esportiva. Eu tinha um sério problema de autoestima quando era mais nova também — ela contou, o surpreendendo. o intimidava tanto com sua beleza e segurança que era difícil imaginá-la diferente. — Teve esse garoto por quem eu tinha uma quedinha antes de começar a ficar com meu segundo namorado. Nunca fomos grandes amigos, mas ele era da minha turma na escola e também gostava muito de futebol, então conversávamos bastante. Eu levei um tempão pra criar coragem pra contar que gostava dele e, quando fiz isso, ele disse que não tinha a mínima chance de rolar algo entre a gente, porque ele era a fim de outra garota da nossa turma que não era uma tábua como eu. Exatamente com essas palavras — disse, rindo levemente. — Isso me afetou muito na época, porque eu já tinha dificuldade pra me achar bonita com meus seios pequenos e aquele idiota só piorou a situação.
— Que babaca — murmurou.
— Quem me ajudou a superar isso foi o Jérémy, ele era um dos meus melhores amigos na época e acompanhou toda a história triste. Foi ele que me ajudou a enxergar que eu não me resumia aos meus seios pequenos. A gente começou a namorar pouco depois disso.
O não pôde evitar se lembrar da foto dos seios de .
— Você fez implante de silicone? — perguntou mesmo que a resposta fosse óbvia.
— Sim, quando fiz 21 anos. Foi o presente que minha mãe me deu de aniversário. Eu tinha aprendido a me aceitar do jeito que era, mas quis fazer a cirurgia mesmo assim e não me arrependo. Me sinto muito mais confiante hoje em dia.
soltou um longo suspiro, estava bastante chocado com todas aquelas informações novas sobre e por se dar conta de que eles talvez não fossem tão diferentes quanto ele pensava.
— É até engraçado imaginar que alguém teria a coragem de te dar um fora — disse, fazendo-a gargalhar do outro lado da linha.
— Eu também estou aqui pensando no tanto de corações que você deve ter quebrado ao longo da vida por não ter arriscado ficar com outras garotas por causa dessa insegurança boba.
— Até parece, né? — murmurou em meio a risos e acabou rindo junto.
— Vou desligar agora, preciso dormir. Sem contar que estou sentada no chão do banheiro e o chato do Karim está batendo na porta dizendo que quer cagar — ela falou em meio a risos, fazendo-o rir também. — Já se foi o tempo que ele media as palavras pra falar comigo.
— Eu preciso desligar também, daqui a pouco tenho que ir pro aeroporto. É hoje que volto pra Madrid.
— Sério? Pensei que você só começaria a fisioterapia depois do Mundial, já que o Jaime veio com a gente.
— Na verdade, a gente combinou de eu começar o tratamento com minha outra fisioterapeuta de confiança, a Lalie.
— Quem é essa? — questionou, confusa, já que na equipe médica do Real Madrid não tinha nenhuma mulher e também não se lembrava de ter nenhuma Lalie dentre os profissionais que trabalhavam com Jaime em sua clínica.
— Amelie Loew. O Modrić trabalhava com ela na época em que jogávamos no Tottenham e foi graças a esse trabalho por fora que o desempenho dele melhorou consideravelmente e ele acabou despertando o interesse do Real Madrid — explicou. — Ela acabou se tornando nossa amiga e, inclusive, é madrinha da filha do Luka.
— É mesmo, agora estou me lembrando que a Vanja comentou que a madrinha da Ema estava acompanhando o caso do Schumacher. É ela, né?
— Isso, ela mesma — o jogador disse e sorriu ao se lembrar da amiga e do quanto parecia com ela às vezes. — Vocês precisam se conhecer, aposto que vão se dar muito bem.
— Vou adorar conhecê-la — falou e, em seguida, berrou algumas palavras em francês. — Espera só um minuto. Vou liberar o banheiro pro insuportável do Karim — disse e pôde ouvir mais palavras que não entendeu. — Pronto.
— A gente se fala amanhã? — ele falou, checando o relógio em cima do criado-mudo e constatando que precisava terminar de ajeitar suas coisas de uma vez.
— Claro. Provavelmente só vou responder quando acordar, mas me manda uma mensagem quando estiver em Madrid, tá?
— Mando sim — ele falou, sorrindo. — Boa noite, .
— Boa viagem, .
Alguns minutos depois de finalizar a ligação, quando terminava de checar sua bagagem, seu celular apitou e ele o pegou para encontrar uma nova imagem de . Nessa, ela estava com o cabelo espalhado pelo travesseiro e fazendo uma careta, sem decote ou sutiã à mostra.
A gargalhada de ecoou pelo quarto ao ler a legenda, mas a verdade era que, entre as duas fotos, essa era a favorita dele.
— Eu tenho um pouco de pena de você. Não deve ser fácil aturar esses garotos.
gargalhou ao ver Maite, a irmã mais nova de Nacho, ter seus fios de cabelo bagunçados pelo irmão em resposta ao comentário que fez.
— Lidar com eles é fácil, mas, às vezes, preciso dar uns puxões de orelha… — ela disse, piscando um olho.
— A é a rainha das patadas, quando tá inspirada faz a gente até se arrepender de ter nascido — Álvaro Morata se queixou, jogado contra o encosto do sofá preguiçosamente.
— Aposto que ela tem motivos pra isso. Vocês só têm tamanho, no fundo são uns moleques — Marta disse, balançando a cabeça de um lado para o outro, e cutucou a cintura do irmão caçula.
— Eu sou legal pra caramba, não dou nem metade dos esporros que vocês mereciam — se defendeu. e soltou
— Imagina se desse todos os que a gente merece então — Nacho falou, fazendo-a rir.
Os jogadores do Real Madrid estavam aproveitando uma tarde de folga depois da vitória por dois a zero contra o Club América no dia anterior. A visita dos familiares havia sido liberada por Zidane e todos estavam um pouco mais relaxados por terem superado a semifinal sem grandes problemas, apesar de já pensarem na final que aconteceria em dois dias.
Depois de um almoço descontraído com os tios e os primos, viu Nacho e Álvaro com suas irmãs no saguão do hotel e se juntou a eles para conhecê-las e bater um papo que acabou sendo bastante divertido, já que ambas eram tão espirituosas quanto os dois. Perdeu a noção do tempo conforme escutava as espanholas narrarem algumas histórias engraçadas e vergonhosas dos irmãos e só voltou à realidade quando seu celular vibrou ao receber uma mensagem de bom dia de .
O sorriso que surgiu em seus lábios foi instantâneo.
Ela pediu licença e digitou uma resposta enquanto caminhava na direção dos elevadores. Quando tirou os olhos da tela do celular, no entanto, a cena que viu à sua frente fez o sorriso bobo que estampava seu rosto sumir.
perguntou a si mesma desde quando Luca e Lola eram próximos a ponto de estarem conversando tão próximos e cheios de sorrisinhos.
Ela olhou para os lados, em busca de Karim, mas as únicas pessoas conhecidas que encontrou foram Marco Asensio e Lucas Vázquez com seus pais, então se aproximou do primo e da modelo e não deixou de notar que Lola deu um passo para longe de Luca quando notou sua presença.
— Ei, , nem nos falamos hoje — ela disse, abrindo um sorriso que mostrava seus dentes brancos e perfeitos.
— Olá. Cadê o Karim?
— Ele foi pra sala de massagem, disse que precisava dar uma relaxada — Lola respondeu, dando de ombros. — Ainda bem que o Luca estava por aqui pra me fazer companhia, né?
— É, você esteve muito bem acompanhada. — deu dois tapinhas no rosto do primo, que sorriu timidamente.
— Vou voltar pro restaurante — Luca disse. — Meu pai e minha mãe ainda estão lá?
— Acho que sim. Pelo menos estavam na última vez que os vi — ela respondeu, entrelaçando seu braço ao dele. — Vamos, priminho. Eu te acompanho até lá.
— Vou aproveitar a deixa pra ir em busca do meu namorado — Lola disse, se afastando em direção dos elevadores.
guiou Luca pelo caminho que os levaria até o restaurante do hotel enquanto refletia sobre a cena que havia acabado de ver. Talvez estivesse se preocupando à toa, mas Luca, assim como seus outros primos, era como um irmão mais novo. Se sentia na obrigação de protegê-lo, mesmo que ele já tivesse 18 anos e soubesse se virar sozinho.
— Pensa bem antes de fazer qualquer besteira, tá?
— Quê? — Luca questionou, levemente assustado.
— Você sabe muito bem do que estou falando — ela rebateu. — Isso não é uma bronca, eu sei que deve ser meio impossível não se encantar pela beleza dela, mas lembre-se de que é a namorada do Karim.
— ! — ele exclamou, ofendido.
— Só estou falando isso porque não é a primeira vez que vejo ela se insinuando pra você — ela disse, passando o braço pela cintura do primo. — Eu te amo, tá?
Luca sorriu fraco, desviando o olhar, e soltou um longo suspiro.
Ela conhecia aquele garoto desde o dia em que ele viera ao mundo e alguma coisa na expressão em seu rosto lhe dizia que o conselho talvez tivesse vindo tarde demais.
Luka Modrić passou a bola para Lucas Vázquez, que a devolveu para que ele desse um chute forte na direção do gol. Sogahata, o goleiro do Kashima Antlers, a espalmou e Karim Benzema aproveitou o rebote para enfiar a bola no fundo da rede. Aos nove minutos de jogo, o Real Madrid acabava de abrir o placar da final do Mundial de Clubes.
pulou de seu assento, assim como os jogadores suplentes e outros membros da comissão técnica, e gritou em comemoração. Viu Karim desviar dos companheiros para correr na direção do banco e abriu os braços para recebê-lo com um abraço apertado.
— Satisfeita? — ele questionou em um tom divertido.
— Nem um pouco. Vai lá fazer mais! — Ela o empurrou com as mãos em meio a gargalhadas.
A ansiedade para a partida fizera com que os dois ficassem até tarde conversando. insistiu para que Karim prometesse que faria pelo menos um gol para ajudar o time a conquistar o título sem maiores dramas. Apesar de apenas ter dito que faria o possível, parte da promessa já estava cumprida. A parte de serem campeões, no entanto, acabou se tornando cada vez mais complicada conforme os minutos passavam.
O Kashima Antlers conseguiu arrumar a marcação e acabar com o domínio praticamente total do Real Madrid. Depois de ótimas chances para os dois lados, o time japonês conseguiu o empate no final do primeiro tempo.
No vestiário, conforme Zidane dava instruções para o segundo tempo fazendo rabiscos no quadro branco e apontando para cada um dos jogadores, todos os escutavam atentamente. Estavam um pouco preocupados por perceberem que a partida não seria tão simples quanto parecera nos primeiros vinte e cinco minutos.
— Vamos lá, garotos! Não quero ver ninguém desanimar. Se precisar, vamos buscar essa vitória até o último segundo de jogo — Zizou disse, batendo uma mão na outra, incentivando os jogadores a voltarem para o campo de cabeça erguida e preparados para o que estivesse por vir. — Lembrem-se de que o Real Madrid não se rende nunca!
As palavras de motivação de Zinédine Zidane acabaram tendo mais importância do que ele pensou que teriam ao proferi-las, pois os japoneses viraram o jogo para dois a um ainda no início do segundo tempo. O Real Madrid não demorou a voltar a manter o jogo empatado com um pênalti cobrado por CR7, mas, apesar de boas chances terem sido criadas, o gol que poderia garantir a vitória parecia não querer sair de forma alguma.
e David Bettoni analisavam o jogo do banco de reservas e, juntos, tentavam encontrar alguma solução que fizesse a bola passar pelo goleiro japonês. Sugeriram para Zizou a substituição de Lucas Vázquez por Isco, que acabou participando de ótimas jogadas. Entretanto, a partida parecia estar se encaminhando para a prorrogação e a comissão técnica acabou optando por segurar as três substituições que ainda restavam.
Ninguém esperava, mas aquele acabou sendo mais um jogo que o Real Madrid mostrou que a esperança não morre antes do apito final. Haviam tido diversas oportunidades para provar isso em 2016 e, no último jogo do ano, não poderia ser diferente.
nem sequer teve tempo de perceber que seu coração estava prestes a sair pela garganta quando a prorrogação começou, gritava para todos os reservas se manterem aquecidos e já pensava na possibilidade de o jogo ir para os pênaltis, apesar de desejar com todas as forças não ter que pegar as anotações que havia feito sobre as cobranças de pênalti do Kashima Antlers que assistira no dia anterior.
Um alívio correu por todo seu corpo quando Cristiano Ronaldo virou o jogo para três a dois logo no início da prorrogação com um passe de Karim. A vontade de correr para abraçá-los foi gigante, mas a assistente foi até Zizou para dar algumas sugestões para que eles pudessem segurar aquele placar até o fim do jogo, e todas acabaram por serem bastante úteis, já que o time japonês continuou a pressionar e buscar por mais um gol. Graças a Keylor Navas, nenhuma das tentativas caía na rede.
Cristiano foi o grande herói da noite ao marcar o quarto gol do Real Madrid, e, além de garantir que o troféu do Mundial de Clubes fosse para Madrid, conseguiu algo que apenas Pelé conseguira fazer até então: um hat-trick em uma final de Mundial de Clubes. Eles só precisaram manter o controle do jogo e evitar que os japoneses marcassem mais gols até o fim do segundo tempo da prorrogação. Quando o apito do árbitro soou, o time inteiro se sentiu mais leve.
Em meio à gritaria dos jogadores que invadiam o campo para cumprimentarem seus companheiros, viu Zizou surgir em seu campo de visão e se deixou ser abraçada.
— Obrigada por permitir que eu faça parte disso, tio — ela falou, o envolvendo com seus braços.
— Você não tem que me agradecer. Está aqui porque merece.
— Mesmo assim eu vou continuar te agradecendo pelo resto da minha vida.
Zinédine beijou a testa da sobrinha antes de se afastar com um sorriso no rosto para ir felicitar seus jogadores.
jamais conseguiria descrever o sentimento que a atingiu quando Florentino Pérez, o presidente do Real Madrid, passou a medalha de ouro por sua cabeça.
— Oi, — a voz de disse, saindo rouca pelo alto-falante do celular da assistente técnica do Real Madrid.
— Te acordei? — ela perguntou, mordendo o sorriso ansioso que despontou em seus lábios.
— Pra falar a verdade, sim, mas eu já teria que acordar daqui a pouco de qualquer forma.
— Me desculpa por ter roubado alguns minutos do seu sono, mas prometo que vai valer a pena. Você pode abrir a porta da sua casa pra mim?
O silêncio durou alguns segundos, o que fez com que precisasse prender o riso. Ela tinha certeza de que estava confuso do outro lado, tentando entender o que estava acontecendo.
— Caramba, pensei que vocês fossem chegar mais tarde — ele disse, finalmente. — Espera dois minutinhos. Já estou descendo.
— Tá bom — ela respondeu, sorrindo, e finalizou a ligação.
estava bastante cansada por ter passado catorze horas dentro do avião e, se conseguira dormir durante três, havia sido muito. Era impossível pregar os olhos com um monte de jogadores felizes e bêbados comemorando a conquista de mais um título. Ela mesma participara da bagunça até se jogar em um assento próximo a Zinédine, Véronique e seus quatro primos, onde tentou descansar, sem muito sucesso, até pousarem em Madrid.
Quando chegou à casa dos tios às quase 8h da manhã, tudo o que precisava fazer era se jogar na cama e dormir até estar com as energias renovadas, mas ela estava louca para cumprir a promessa que havia feito três semanas antes, então trocou o uniforme do Real Madrid por uma calça jeans e um casaco preto Adidas e, antes de sair de casa, pegou na mala a medalha que havia pedido ao presidente Florentino Pérez, ainda no estádio em Yokohama. Enquanto caminhava pelo condomínio, ela repetia mentalmente que aquilo tudo não era apenas uma desculpa para ver logo.
tentava ignorar a ansiedade que sentia, quando, finalmente, a porta da casa do se abriu e o revelou com os olhos inchados de sono e fios de cabelo bagunçados, vestindo uma camiseta branca básica, uma calça de moletom cinza e com uma bota ortopédica na perna lesionada. Foi inevitável que seus olhos não percorressem o corpo do jogador de cima a baixo, conforme ela se dava conta de que ele realmente estava ali na sua frente, muito mais alcançável do que estivera nas últimas semanas.
deu um passo à frente e envolveu em um abraço apertado que prontamente foi retribuído e durou alguns longos segundos. Os dois se abraçaram em silêncio, sem precisarem dizer qualquer coisa para deixar claro que estavam contentes por estarem juntos novamente.
— Você lembra do que eu te disse antes de você viajar, né? — ela questionou, se afastando com um sorriso estampando seu rosto, e pôs a mão no bolso do casaco. — Eu trouxe uma coisa que te pertence.
riu, já sabendo o que era, e a observou tirar o objeto dourado lentamente de dentro do bolso.
— Sério que te deixaram trazer minha medalha? — ele perguntou, rindo.
— Esse sorrisinho lindo que eu tenho é bastante persuasivo, meu bem — brincou, piscando um olho. Em seguida, passou a medalha que segurava pela cabeça dele. — Parabéns.
— Pra ser bem sincero, não estou me sentindo tendo feito parte dessa conquista — falou, fazendo uma careta, ao mesmo tempo que contemplava a medalha de ouro pendurada em seu pescoço —, mas obrigado.
— Se você repetir isso, eu não respondo por mim. Claro que você fez parte. Ajudou o time a ganhar a Champions e, se não fosse isso, ninguém teria ido lá pro Japão disputar esse bendito Mundial de Clubes.
— Tá bom, você tem razão — ele falou com um sorriso estampando seu rosto e puxou a porta ainda mais, dando passagem para ela. — Entra aí.
aceitou o convite e, enquanto batia a porta atrás de si, não pôde evitar de reparar na decoração moderna bastante diferente da decoração da casa de seus tios, que era mais clássica, apesar de as duas serem enormes.
— Foi sua ex quem decorou a casa? Desculpa, mas você não tem cara de que teria esse bom gosto todo.
— Na verdade, eu comprei essa casa do Kaká e tá tudo praticamente igual a quando eu me mudei pra cá — admitiu, a fazendo rir ao constatar que, no final das contas, estava certa. Em seguida, um barulho vindo da cozinha chamou a atenção deles. — Acho que minha mãe tá preparando o café da manhã.
— Me leva até lá. Quero conhecer seus pais — disse, animada. — E a sua amiga fisioterapeuta também. Ela ainda tá passando uns dias aqui?
— Tá, sim. Já deve estar acordada há muito tempo, a Lalie é paranoica com os horários dela — ele disse, rindo, e a chamou para segui-lo pela casa. — Ela tem ido fazer yoga pelo condomínio todo dia bem cedo e, quando volta, me acorda pra começar a tortura. Estou sofrendo na mão dela, — dramatizou, fazendo-a soltar uma gargalhada.
— Nem conheço a Lalie e já adoro ela — ela rebateu em um tom divertido.
Os dois adentraram a cozinha, encontrando Deborah na frente do fogão.
— Não sabia que teríamos visita, vou ter que fazer mais panquecas — ela disse com um sorriso simpático, abaixando o fogo.
— Não precisa se incomodar, já tomei café da manhã. Só vim fazer uma visita rápida pra entregar a medalha de campeão do mundo do seu filho — falou, retribuindo o sorriso, e estendeu a mão para cumprimentá-la. — Sou Zidane. É um prazer conhecer a senhora.
— O prazer é meu, querida. Pode me chamar de Debbie. — Ela revezou o olhar entre a francesa e o filho, desconfiada. Havia percebido que andava distraído com o celular muito mais do que o normal e até tentou tirar alguma informação de Lalie, já que os dois eram amigos e ela poderia saber de alguma coisa, mas tudo o que conseguiu descobrir fora a respeito da amizade que nascera entre ele e Zidane. — Meus parabéns pela vitória. O jogo foi emocionante, meu coração veio parar na garganta.
— É, foi mesmo emocionante. Ainda bem que deu tudo certo — rebateu, rindo, e Debbie voltou para o fogão para terminar as panquecas.
— Vocês não devem ter chegado de viagem há muito tempo, né? Você parece cansada.
— Pra ser bem sincera, estou morta — ela respondeu com um sorriso cansado nos lábios e passou as mãos pelo rosto, preocupada de sua aparência estar pior do que pensava.
— Meu pai já acordou, mãe? — perguntou.
— Ele estava tomando banho, mas acho que já deve ter acabado.
— Vou lá em cima chamar ele pra te conhecer, . Já volto.
Ela balançou a cabeça, concordando, e observou o jogador se retirar do cômodo. Em seguida, se aproximou do balcão ilha e apoiou o cotovelo ali enquanto observava Deborah colocar as panquecas já prontas em um prato.
— disse que você tem paparicado bastante ele desde a cirurgia — comentou, sorrindo.
— Ele não gosta muito, mas eu paparico mesmo. — Debbie soltou uma risada, lançando um olhar rápido na direção da francesa. — Ele nunca foi de se deixar abater por causa desses obstáculos que surgem ao longo da vida, mas essa lesão mexeu com todo mundo. O mínimo que eu posso fazer pelo meu filho é dar toda a assistência que ele precisa nesse momento complicado da carreira dele.
— É, esse apoio é muito importante. Essa lesão foi bem pesada não só pra ele, que vai ter que ficar um tempo sem jogar. É um desfalque e tanto pro time também. Tá todo mundo torcendo pela recuperação dele o quanto antes — falou, suspirando. — Tenho certeza de que vai dar tudo certo, o Jaime é excelente e a Lalie, pelo que me disseram, também é uma ótima fisioterapeuta. Ele está em boas mãos.
— Sim, isso é o que me deixa mais tranquila.
O rápido diálogo entre as duas foi interrompido quando , que acabou encontrando o pai no meio do caminho até o segundo andar da casa, passou novamente pela porta da cozinha.
— , esse é o meu pai — ele falou, apontando para o homem que vinha logo atrás.
— Se você não dissesse, eu jamais saberia. Você nem é a cara dele, hein? — ela debochou, desencostando-se do balcão. — Muito prazer, Sr. .
— Sem formalidades, por favor. Pode me chamar de Frank — o homem disse com um sorriso simpático. — Não acredito que finalmente estou conhecendo a famosa sobrinha do Zidane que entende mais de futebol do que muito homem por aí.
— Imagina, ainda tenho muito o que aprender — falou, rindo levemente.
— Deve estar sendo uma experiência e tanto ser auxiliar do seu tio.
— Está mesmo. Nunca acreditei que realmente pudesse ter uma oportunidade como essa, e olha que eu sempre fui de sonhar alto.
— Você ainda vai longe. Tenho certeza — Frank falou, piscando um olho.
— Deus te ouça — falou, sorrindo. Os pais de , além de muito simpáticos, pareciam pessoas simples e muito agradáveis, ela logo entendeu por que ele era tão adorável. — Bom, espero que a gente possa se ver novamente e conversar com mais calma outra hora. Agora realmente preciso ir pra casa descansar. Me leva até a porta, ?
Ele assentiu e esperou que ela se despedisse de seus pais para acompanhá-la até a entrada da casa. Quando chegaram ao hall, a porta se abriu, revelando uma morena de cabelo comprido preso em um rabo de cavalo. As curvas de seu corpo, destacadas pela calça legging, causaram uma pequena inveja em .
— Não acredito que você já está de pé sem eu ter precisado te arrastar pra fora da cama — a desconhecida falou, deixando o tapetinho para a prática de yoga encostado à parede. Com as mãos livres, tirou os tênis e as meias. Só então notou a presença de ao lado de e um sorriso de lado despontou em seus lábios. — Ah, agora tudo faz sentido. Você deve ser a , né?
— E você é a Lalie.
— Eu mesma — ela falou, simpática, e cumprimentou com um aperto de mão. — Finalmente estamos nos conhecendo. Ouvi falar bastante de você.
— Ouviu? — a francesa questionou, notando o jeito divertido com que Amelie olhou para . Ele estava levemente corado, o que a fez sorrir discretamente.
— Claro, quando o Real Madrid te contratou só se falava disso — Lalie respondeu, prendendo o riso. — Já foi um grande avanço a Eva Carneiro fazer parte da equipe médica do Chelsea, mas foi ainda mais legal te contratarem como assistente técnica. Tenho certeza de que isso vai ajudar a abrir a mente das pessoas e, consequentemente, as mulheres vão ter mais espaço no futebol masculino. E, pelo que falam, você tem tudo pra crescer nesse meio. Já te admiro muito por isso.
a encarava um pouco surpresa. Percebera que ela estava implicando com e não esperava que o foco fosse se voltar para suas conquistas profissionais.
— Obrigada. Eu realmente espero poder fazer as pessoas acreditarem que uma mulher pode comandar um time de futebol masculino. Por enquanto, sei que um monte de gente ainda acha que o Zizou só me escolheu pro cargo por ser meu tio — disse, revirando os olhos.
— Eu enxergo o fato de ele ser seu tio de outra forma. Ele não te colocaria no fogo cruzado se não tivesse plena certeza de que você é competente, ia preferir te proteger e deixar bem longe disso tudo — Lalie falou e, em seguida, se voltou para o amigo. — O que você acha, ?
— Da parte do jogadores nunca rolou esse tipo de pensamento. A gente confia cegamente no Zizou.
— Não vejo a hora de todo mundo pensar como vocês.
— O papo tá ótimo, mas vou subir pra tomar um banho. E você, moço, vai se preparando que daqui a pouco a gente começa a ralação. O Jaime disse que vai aparecer aqui pela tarde — a fisioterapeuta falou com uma firmeza que fez perceber o quanto ela realmente levava o trabalho a sério. — Até mais, .
As duas trocaram sorrisos e Lalie seguiu na direção da escada. Ao passar pelas costas da francesa, fingiu estar dando um beijo apaixonado em sua própria palma da mão, apenas para implicar com , que arregalou os olhos e deu as costas para ela, caminhando na direção da porta.
— Lalie! — chamou, virando-se e fazendo a mulher estancar no primeiro degrau da escada enquanto prendia o riso. — Hoje é aniversário do Benzema e ele vai dar uma festa na casa dele à noite. Se quiser, vai com o .
— Agradeço o convite, mas não fica chato? Nem conheço ele.
— Te garanto que não tem nenhum problema.
— Vou ver, então. — Ela mostrou um último sorriso antes de seguir escada acima.
Os outros dois ficaram se encarando por algum tempo. , com um sorriso quase imperceptível nos lábios, aproximou seu rosto do de , que sentiu o coração bater mais forte com a expectativa de beijá-la mais uma vez. No entanto, por mais que desejasse sentir os lábios do sobre os seus novamente, ela desviou o rosto para depositar um beijo demorado em sua bochecha.
ficou estancado onde estava, sem reação, e a observou abrir a porta por conta própria.
— Até mais tarde, campeão — ela falou, piscando um olho, antes de sair da casa.
12. La Duodécima
Somos inocentes, la culpa es del alma
Y me escapé con otro amanecer
Me arrepentiré, pero esta vez prefiero equivocarme sola
Todo No Es Casualidad - India Martínez
— Vou pegar uma cerveja. Alguém quer? — perguntou, se levantando do pufe em que estava sentada. — Ou melhor, você quer, Lalie? Posso pegar outra coisa pra você, .
— Estou bem — ele disse, levantando o copo de chá gelado ainda pela metade, o que fez a francesa rir nasalmente.
— Vou com você — Amelie falou, sorrindo e pondo-se de pé. — Não consigo ficar parada por muito tempo, preciso esticar as pernas.
— Não tem ninguém te prendendo aqui — o jogador rebateu em um tom debochado. Sabia que as duas só estavam sentadas ali para fazerem companhia a ele, pois, apesar de já poder apoiar o pé no chão mesmo ainda usando a bota ortopédica, havia sido instruído pelo médico a evitar esforçar o tornozelo operado mais do que o necessário.
— Perdeu o amor à vida? — Ela fingiu estar ofendida. — Ele é grosso assim com você também, ?
— Às vezes, é sim, mas deixa ele comigo.
abriu a boca, indignado, fazendo-as rir.
— Tá, podem ir lá falar mal de mim. Ou pegar cerveja, como queiram chamar — ele ironizou.
— O que eu tenho pra falar, digo na cara, fofo — disse, tentando soar séria, mas não pôde evitar os risos. — Vamos, Lalie.
As duas, atraindo alguns olhares, cruzaram a enorme sala de estar de Karim Benzema, que resolvera encher sua casa de amigos e não tão amigos assim para comemorar seu vigésimo nono aniversário com uma festa que não tinha hora para acabar, exatamente como ele adorava.
agradeceu mentalmente ao ver e Amelie passarem pela porta de entrada pouco mais de meia hora antes, pois não estava com muita paciência para os amigos de Karim que insistiam em dar em cima dela mesmo que não tivessem abertura para isso. Gressy também estava mais persistente do que o normal, mas ela acabava relevando e somente rebatia com piadas. A chegada do e de sua fisioterapeuta acabou sendo a desculpa perfeita para se sentar junto a eles, longe da confusão, e ficar apenas batendo um papo descontraído.
pegou duas cervejas no freezer e as colocou em cima do balcão. Enquanto usava um abridor que estava por ali para abri-las, sentiu-se incomodada com o silêncio que se instalou entre ela e Amelie. Era a primeira vez que as duas ficavam sozinhas e ela não demorou a notar que Lalie era de se soltar mais com pessoas com as quais tivesse mais intimidade.
— Vocês demoraram. Achei que nem fossem vir — ela comentou, despejando o conteúdo da garrafa em um copo.
— O bonitão realmente não queria vir — Lalie disse, entregando o amigo, e pegou o copo de cerveja que estendia. — Quando fui avisar que já estava pronta, encontrei ele deitado no sofá, assistindo televisão. Acredita? Falou que ninguém do time viria e que não estava no clima pra festas.
riu, servindo outro copo de cerveja. realmente não havia dado certeza se iria e ela imaginara que ele fosse tentar fugir, mas esperava que as diversas mensagens que mandou ao longo do dia insistindo para que ele fosse ao aniversário de Karim despertasse uma vontade, mesmo que fosse mínima. Nem que fosse somente para que passassem um tempo juntos depois de três semanas se comunicando apenas pelo celular.
— E eu não sou do time? — perguntou retoricamente, fazendo uma careta.
Dando uma golada na bebida, seus olhos se focaram no outro lado da sala lotada, onde ainda estava sentado no pufe e observava sem muito interesse as pessoas que passavam de um lado para o outro e conversavam alto para que pudessem se entender em meio à música alta de um rapper francês que tocava. Karim apareceu, em seguida, e os dois jogadores se cumprimentaram com um abraço.
— Foi exatamente o que perguntei. Tive que te usar como argumento e aposto que nenhum outro seria tão eficaz.
O olhar divertido que Amelie lançou enquanto bebia seu copo de cerveja fez rir baixo e ter certeza de que ela sabia, pelo menos por alto, sobre o que estava rolando entre os dois. O que, de forma alguma, era estranho, já que eles pareciam ser bastante amigos.
Ela voltou os olhos para o novamente e, dessa vez, no lugar de Benzema, encontrou Jesé Rodríguez, ex-jogador do Real Madrid que havia sido vendido para o PSG no início da temporada. Se pegou sorrindo junto ao sorriso aberto que tinha nos lábios enquanto os dois conversavam.
Em seguida, levou o copo de cerveja até a boca e deu uma golada generosa para conter a vontade de tirar informações de Amelie.
— Por que ainda não levou o lá pra cima? — Karim Benzema perguntou, ocupando todo seu campo de visão ao surgir do outro lado do balcão. — Você sabe que qualquer um dos quartos tá liberado pra vocês. Menos o meu, é óbvio.
— Você tá bêbado, para de falar besteira. — Ela olhou rapidamente para Lalie, sem saber se ela entendia alguma coisa de francês.
— Pra falar a verdade, estou bêbado desde ontem — ele pontuou e, finalmente notando a presença da desconhecida, a analisou de cima a baixo. — Acho que não te conheço.
— Essa é a Lalie, fisioterapeuta e amiga do e do Modrić.
— Feliz aniversário — Amelie falou, sorrindo, e cumprimentou Karim com um aperto de mão. — E me desculpa por invadir sua festa.
— Se é amiga dos meus amigos, é minha amiga também — ele falou, piscando um olho.
No segundo seguinte, duas mãos femininas puxaram seu rosto e ele demorou meio segundo para se dar conta de que a boca que se uniu à sua pertencia à Lola.
rolou os olhos e se conteve para não repetir a ação quando a modelo quebrou o beijo e as encarou com uma falsa expressão de surpresa no rosto.
— Oi, garotas. Não vi que vocês estavam aí.
Ela se limitou a rir baixo em resposta, se recusando a acreditar que Lola realmente havia acabado de marcar território em Karim Benzema. Já tinha a apresentado à Lalie mais cedo e foi impossível não reparar a forma com que a espanhola a avaliou de cima a baixo.
— está nos esperando. Depois a gente se fala, tá? Joyeux anniversaire, mon amour.
Depois de estalar um beijo na bochecha de Karim, piscou um olho na direção de Lola e, junto a Lalie, deu a volta no balcão para cruzar a sala de estar, desviando das pessoas que conversavam e dançavam por toda parte.
— Você por aqui, Bichito? — questionou, pronunciando o apelido de Jesé espirituosamente.
Ele abriu um largo sorriso ao reconhecê-la. Os dois haviam se conhecido por intermédio de Benzema quando o espanhol era apenas um garoto e ainda jogava pelo Real Madrid Castilla.
— Já estava aqui me perguntando onde você estava — ele disse, rindo, e se levantou para cumprimentá-la com um abraço.
— Que história é essa de ir pro PSG justo quando volto pra Madrid? Tá fugindo de mim?
— Nem me fale. Quase não acreditei quando fiquei sabendo que você seria a nova assistente técnica.
— Você tá morando onde? Estou querendo alugar meu apartamento em Paris pra não deixá-lo parado. Ele é super confortável.
— Estou louco pra voltar pra Espanha e você vem me oferecer apartamento em Paris? — Jesé rebateu com uma careta.
— Como assim? — questionou em meio a risos. — Não tá gostando do PSG?
— O problema não é o PSG. É um clube legal, cheio de jogadores fodas… Só que eu não me sinto em casa, sabe? — Ele soltou um longo suspiro. — Se tudo der certo, vou ser emprestado pro Las Palmas na janela de inverno. A gente tá negociando.
— É uma pena, mas acho que você tá certo. Não adianta se forçar a ficar em um lugar onde você não se sente bem.
— Eu disse isso pra ele — comentou, chamando a atenção para si. — Se adaptar a um país novo já é complicado demais. Se ele não está se sentindo parte do time, isso vai acabar sendo uma tortura.
— Se eu tivesse esse poder todo, fazia o Florentino te contratar de volta — brincou, fazendo-os rir.
— Eu vou ficar bem, não se preocupe — Jesé disse, esboçando um sorriso. — Foi bom rever vocês, mas minha namorada tá me esperando. A gente tá ali no quintal com um casal de amigos, depois vai lá pra eu te apresentar a ela.
— Daqui a pouco apareço por lá — falou, piscando um olho.
Depois que Jesé Rodríguez se afastou, ela se sentou no pufe em que estava anteriormente.
— Senta aí, Lalie — ela indicou o espaço vago ao lado de e bebeu o restante da cerveja em seu copo.
— Acho que vou embora.
— Já? Fica mais um pouco, eu peço pro Karim tirar essas músicas estranhas que ele gosta e botar umas mais legais pra gente dançar.
— Eu amo dançar, mas deixa pra outro dia — Amelie falou com um sorriso cansado nos lábios. — O dia hoje foi bem cheio, passei horas conversando com o Jaime sobre o tratamento do bonitinho aí. Eu vim mais em solidariedade, já que ele não tá podendo dirigir. Você leva ele embora mais tarde?
— Pode ir descansar, prometo que deixo ele são e salvo em casa. A gente sai pra dançar qualquer dia desses — disse, piscando um olho.
Ficou em dúvida se era apenas uma desculpa de Lalie para deixá-los sozinhos, mas, a verdade era que ficar a sós com seria interessante.
— A gente te leva até lá fora — falou, mas Lalie pôs a mão em seu ombro, o impedindo de se levantar.
— Imagina, não quero que faça esforço à toa. Eu sei me virar e vou me despedir do amigo de vocês por educação — ela disse. — Bom, isso se a namorada dele não me matar com o olhar primeiro — completou, fazendo soltar uma gargalhada.
— É só fingir que nem é com você. Já ouviu falar que cão que ladra não morde? Ela também era assim comigo no início, agora a gente se dá bem. O Karim não tem olhos pra outra mulher desde que eles começaram a ficar, não tem sentido isso.
Amelie, então, se despediu dos dois e sumiu por entre as pessoas.
— O que você acha de a gente explorar a casa do Benzema? — brincou, se levantando, e apontou para o corredor que levava à cozinha e a um quintal lateral à casa. — Ali do lado tem uns sofás e deve estar mais calmo. Vamos torcer pra não ter gente se pegando.
riu, aceitando a mão que ela lhe ofereceu para ajudá-lo a se levantar.
— Você vai visitar seus pais no Natal? — questionou, quebrando o silêncio confortável que havia os envolvido, e apenas meneou a cabeça, concordando, enquanto terminava de mastigar a torrada de pão integral acompanhada de queijo, presunto, pepino e pimentão.
Enquanto comiam alguns tira-gostos típicos da Espanha, os dois conversavam e observavam, pela porta de vidro, as luzinhas pisca-pisca que iluminavam toda a parte externa da residência de Karim e os faziam se sentir em clima natalino.
— Vou, mas a gente nunca faz grandes comemorações porque meus avós paternos são muçulmanos e meu pai só começou a comemorar o Natal depois que se casou com minha mãe. Ela é católica — explicou, tomando um gole de chá gelado. Já havia tomado algumas garrafas de cerveja e, como não pretendia se embebedar naquela noite, decidiu acompanhar . — Não sigo nenhuma das duas religiões, pra ser sincera, mas, desde que saí de casa, aproveito o feriado pra ir pra Marselha visitar eles, meus avós e meus amigos. Às vezes visito os parentes da minha mãe em Lille também.
— Eu sempre passo o Natal em . As festas de fim de ano são inegociáveis na minha família — ele comentou, rindo levemente. — Meus avós fazem questão de reunir todo mundo.
— Eu adoro quando a minha família inteira se reúne assim também, mas geralmente é no aniversário do meu avô ou no da minha avó. Também gosto quando sou só eu e meus pais, a parte ruim é que sempre rola alguma briga.
— Como assim? — perguntou, curioso. — Você não costuma falar muito deles.
— Não tenho muito o que falar, meus pais não são tão legais quanto os seus — respondeu, dando de ombros. — Não que eles sejam pessoas ruins, mas a nossa relação é um pouco complicada. Existem assuntos muito mais legais, você não vai querer ouvir sobre isso.
— Não precisa falar se não quiser, mas agora você me deixou curioso pra entender melhor essa história. Eu já tinha reparado que você sempre fala muito mais dos seus tios e primos quando fala da sua família.
Ela mordeu o lábio inferior enquanto fitava os olhos atenciosos de . A verdade é que não gostava muito de falar sobre os pais, era um assunto que preferia evitar até mesmo com Karim, com quem se sentia à vontade para falar sobre quase qualquer coisa, mas achava que o merecia ter sua pergunta respondida. Ele nunca havia se recusado a falar sobre qualquer coisa, até mesmo assuntos que ela percebia que não eram os seus favoritos.
— Como você já sabe, meu pai é um dos irmãos mais velhos do Zizou. Ele conheceu minha mãe com uns 20 e poucos anos, ela era modelo e um pouco famosa lá na França na época. O romance deles foi bem rápido, em uns dois ou três meses já estavam de casamento marcado. Eles não demoraram a se casar, mas minha mãe estava no auge da carreira e não queria ter filhos naquele momento. Na verdade, não queria ter filhos nunca. — Ela soltou uma risada fraca. — O início do casamento deles foi bastante conturbado por isso. Meu pai sempre quis ter um monte de filhos e não queria perder tempo. Só dois anos depois que minha mãe acabou cedendo e topou ter um filho.
— E então você nasceu — completou, ainda absorvendo as palavras de e, inconscientemente, ligando os pontos e tentando adivinhar como seria a continuação daquela história.
— Exatamente. O grande problema é que, no final das contas, nenhum dos dois acabou ficando realmente satisfeito com meu nascimento. Minha mãe teve que abandonar a carreira dela e meu pai, por sua vez, preferia ter tido um filho homem.
— Sério? — Ele não disfarçou o espanto.
— Acredite se quiser. Ouvi isso da boca dele algumas vezes — respondeu. Alguns momentos de sua infância e adolescência passou por sua cabeça, especialmente as vezes que tentava agradar seus pais fazendo o que eles queriam e, mesmo assim, nunca se sentia uma filha boa o suficiente. — Meu pai teve uma criação machista. Ao mesmo tempo que ele preferia não ter tido uma filha, também não gostava que eu agisse feito um moleque. Para ele, futebol é coisa de homem. Ele só não me impediu de ser criada nesse meio por causa do meu tio. Acho que ele e meus outros tios se sentem em dívida com o Zizou por ter sido ele quem ajudou a condição financeira de toda a família melhorar quando se tornou jogador profissional. Minha mãe também nunca aprovou meu envolvimento com futebol, ela queria que eu fosse modelo também — falou, bufando, mas acabou soltando uma risada. Sempre que se lembrava das incontáveis vezes que sua mãe tentara empurrá-la para concursos de beleza, desfiles e ensaios fotográficos, preferia rir a ficar com raiva. — Não ter o apoio dos meus pais é algo que não aprendi a lidar até hoje. Minha esperança é fazê-los mudar de ideia com minhas conquistas como treinadora.
— Eu não esperava que seu relacionamento com eles fosse tão complicado assim — falou, sinceramente. Ele sempre havia sido muito próximo aos pais, tinha os dois como seus melhores amigos, as duas pessoas com quem ele poderia contar em qualquer momento de sua vida e que apoiavam seus sonhos mesmo quando ele próprio achava que era loucura. Não conseguia sequer imaginar como deveria ter sido para ir em busca do que desejava contra a vontade de seus próprios pais. — Sabe de uma coisa? Eu não os conheço, mas, se eles ainda não perceberam que é isso que te faz feliz, se darão conta disso mais cedo ou mais tarde e vão acabar ficando contentes por você estar realizando seu sonho.
— Espero que sim. Acho que nunca vou me sentir completa se isso não acontecer.
assistiu aos olhos de se tornarem preocupados pouco a pouco, conforme sua própria visão ia se borrando devido às lágrimas que começaram a se acumular.
— Ah, … — Ele soltou um longo suspiro. — Se era pra ficar assim, não precisava ter me contado sobre seus pais.
— Só fico um pouco chateada porque queria que minha relação com eles fosse mais parecida com a que tenho com o Zizou e a Véronique, mas tá tudo bem.
— Mas você tá chorando.
passou os dedos em volta dos olhos para secar as lágrimas e não pôde evitar rir da frustração estampada no rosto dele.
— Pronto, já passou — ela falou, deitando a cabeça no encosto do sofá.
Os dois se encararam por longos segundos até levar uma de suas mãos ao rosto dela.
— O que eu posso fazer pra você se sentir melhor? Quer que busque uma cerveja? Um drinque?
esboçou um sorriso e pôs a mão sobre a de que acariciava sua bochecha.
— Eu quero um beijo.
Sentiu o coração acelerar com aqueles imensos olhos azuis que a faziam estremecer de cima a baixo a analisando atentamente.
O polegar de tocou seu lábio inferior suavemente. Os dois nem sequer piscavam tamanho era o magnetismo que os envolvia. Mais do que nunca, ela quis beijá-lo até o ar parecer escasso.
Ele deslizou o dedo por seus lábios pintados de vermelho, fazendo-a fechar os olhos enquanto apreciava o carinho. Toda sua atenção estava concentrada naquele toque ao mesmo tempo inocente e cheio de segundas intenções. Ela entreabriu os lábios e deu uma mordidinha leve na ponta do polegar do .
aproximou seu rosto lentamente até que suas bocas se encontrassem da forma que ambos tanto quiseram repetir.
se permitiu ser beijada. Deixou ele ditasse o ritmo do beijo que os envolveu de tal maneira que a confusão do outro lado do corredor passou a parecer distante. Algum tempo depois, um selinho demorado encerrou o beijo e ela abriu os olhos para encontrá-lo a observando.
Os dois ficaram se encarando até a porta de vidro ser aberta e os chamar a atenção. Gressy adentrou a casa acompanhado por dois caras que não conhecia, mas se lembrou de tê-los visto mais cedo. Os três trouxeram, do quintal, um cheiro forte e característico de maconha.
O Benzema mais novo pareceu um pouco surpreso ao vê-los tão próximos um do outro, mas logo desviou o olhar e seguiu junto a seus amigos na direção do corredor.
e se entreolharam, sorrindo. Foi ela quem tomou a iniciativa para outro beijo, puxando-o pela nuca.
Dentre as inúmeras opções de lazer e entretenimento que o luxuoso hotel Atlantis Dubai oferecia, e os primos optaram pelo parque aquático naquela tarde. Não que fosse a opção preferida da assistente técnica do Real Madrid, que só queria aproveitar os dias de folga para descansar o máximo que pudesse, mas pegar sol na beira de uma piscina sem companhia alguma era solitário demais. Em vez de se unir aos primos e também escorregar pelos enormes tobogãs, preferiu ficar de lado, somente os observando fazer bagunça, tirando fotos e sendo a carregadora oficial de celulares.
Farid, outro dos irmãos do pai de , havia combinado com Zinédine de ambos viajarem com suas famílias para Dubai, onde passariam alguns dias, incluindo o Natal. decidira ir junto, pois estava com saudade do tio e de Mehdi, Drisse e Ryad, seus primos, e não perderia a oportunidade de aproveitar a companhia deles até a véspera de Natal, quando iria para Marselha visitar seus pais.
Com os cotovelos apoiados em uma grade, ela checava distraidamente o grupo Galácticos ⚽, que estava mais movimentado do que de costume naquela semana, já que os jogadores do Real Madrid estavam curtindo seus dias de folga cada um em uma parte do mundo e faziam questão de compartilhar muitas fotos e vídeos uns com os outros por ali.
Em uma das fotos, Luka Modrić estava andando de camelo com a esposa e os filhos. Ele também estava passando uns dias em Dubai com a família e alguns amigos croatas, incluindo Mateo Kovačić e sua namorada Izabela. Outra mostrava Sergio Ramos e seis amigos, todos vestidos com macacões verdes com capuz. riu ao descobrir que a intenção deles era se fantasiar de tartarugas. Logo abaixo, encontrou cinco fotos de Karim em Miami com Lola e quatro amigos e não pôde deixar de rolar os olhos com o exibicionismo do amigo, ainda mais sabendo que, por mensagem privada, ele tinha enviado mais umas vinte.
Descendo mais um pouco a conversa, viu uma foto em que Marco Asensio estava com três amigos em frente a uma árvore de Natal enorme em Praga e sorriu. Marco era um dos jogadores mais jovens do time e a assistente tinha um carinho enorme por ele, gostava de ver sua dedicação nos treinos e como ele parecia sempre muito contente quando Zizou demonstrava a confiança que tinha nele.
Em seguida, surgiu na tela uma foto de Karim apoiado ao capô de um carro com uma pose bem marrenta, de braços cruzados.
Ela acompanhou por alto as diversas mensagens dos outros jogadores perguntando a respeito do carro novo de Karim, sem muito interesse. Em certo ponto da conversa, o nome de apareceu e, como se estivesse todo iluminado por luzinhas, logo atraiu sua atenção. Sem perder tempo, baixou o vídeo que ele havia acabado de enviar.
Era um vídeo de poucos segundos no qual se exercitava na cadeira extensora em uma academia em . Os músculos de suas pernas estavam bem evidentes e suas coxas quase totalmente à mostra pelo short que, provavelmente, foi subindo conforme o exercício ia sendo realizado. ficou de boca aberta. As pernas de sempre lhe chamavam a atenção e, de vez em quando, ela se pegava as admirando. Mandar um vídeo daqueles era um golpe baixíssimo.
Ela mordeu o lábio inferior ao enviar a mensagem, controlando o riso.
abriu a boca, indignada, e soltou uma gargalhada não apenas pela repetição de olhinhos, mas também com o comentário audacioso de Toni Kroos.
ria abertamente naquela altura e precisou ajustar a alça da bolsa de praia pendurada em seu ombro para que ela não escorregasse e caísse no chão.
Em seguida, foi até a conversa de e digitou uma mensagem.
Ao voltar para o grupo, ela soltou uma gargalhada quando se deparou com a mensagem enviada por Benzema.
enviou a mensagem, rindo, e abriu a conversa de mais uma vez ao ver que ele havia falado mais alguma coisa.
O olhar de se perdeu ao longe, onde seus primos estavam, e um sorriso bobo tomou conta de seus lábios. Estava bastante satisfeita com a forma que sua relação com vinha evoluindo aos pouquinhos. Ainda eram apenas amigos, mas dois amigos que ficaram trocando beijos e carícias por uma hora ou mais na festa de Benzema, até ambos admitirem o cansaço que sentiam. Continuaram conversando diariamente mesmo que um estivesse em Dubai e o outro em . O clima estava melhor do que nunca e ela até o sentia um pouco mais solto do que antes.
— , vem tirar uma foto com a gente — Elyaz falou ao se aproximar, molhado de cima a baixo.
Ela sorriu antes de abraçá-lo de lado e acompanhá-lo até onde os outros estavam.
— Finalmente nossa prima favorita deu o ar da graça — brincou Mehdi, que era o mais velho dos primos de , pouco menos de dois anos mais novo do que ela.
— Eu sou a prima favorita de vocês, é? Deixa a Lohenna e a Inès ficarem sabendo disso — ela disse, rindo, se referindo às duas primas. As três eram a minoria feminina entre todos os treze netos de Smail e Malika Zidane.
— Você acha que a gente não diz isso pra elas também? — Enzo falou e recebeu um tapinha na testa como resposta de .
Ela pediu que um funcionário do parque aquático tirasse uma foto de todos eles. Se posicionou entre Luca e Drisse, passando os braços pelos ombros dos dois, apesar de ser mais baixa do que ambos, e sorriu para a foto que logo estaria postada em sua conta do Instagram com a legenda “Famille ❤️”.
observava distraidamente Luca, Drisse e Ryad alimentarem um filhote de tigre com uma mamadeira quando olhou para o lado e viu outro filhote, este de tigre branco, correndo pela grama exatamente em sua direção. Foi impossível guardar o grito apavorado para si enquanto se escondia atrás de Enzo e Mehdi. A cena fez todos caírem na gargalhada.
— Calma, ele é manso. É um dos filhotes mais mimosos que temos aqui — o funcionário do zoológico disse, entregando uma mamadeira para que Enzo o alimentasse.
— Eu sei. É que não é todo dia que a gente vê um tigre correndo desesperadamente na nossa direção — rebateu, fazendo-o rir.
— Quer tentar? — Enzo questionou.
Hesitante, ela se aproximou e segurou a mamadeira. O tigre apoiou as patas dianteiras em sua barriga, conforme sugava o leite que saía pelo bico avidamente, e até arriscou algumas carícias atrás da cabeça do felino. Ele parecia faminto.
O programa escolhido para o seu último dia em Dubai fora uma visita ao Dubai Zoo. Depois de verem uma variedade enorme de mamíferos, répteis, aves e, inclusive, terem dado uma volta pelo aquário, eles foram convidados a conhecer uma área restrita onde poderiam alimentar os tigres e leões mais mansos, além de poderem ver de pertinho os filhotes.
Quando o leite acabou, devolveu a mamadeira para o funcionário e o deixou levar o tigre de volta para a jaula. Se sentou em uma cadeira ao lado de Véronique, que alimentava outro filhote.
Elyaz, que estava agachado, acariciando o pelo do animal, se aproximou da prima quando notou sua presença e apoiou o queixo em seu joelho.
— Queria que você passasse meu aniversário com a gente, — ele falou, fazendo um bico.
Estava emburrado desde o café da manhã, quando descobrira que ela tinha um voo para Marselha às 21h e perderia seu aniversário de 11 anos, que seria um dia depois do Natal.
— Eu também queria, mas meus pais ficariam chateados — ela disse, passando a mão pelos fios de cabelo dele carinhosamente.
— Por que o tio Noureddine e a tia Sylvie não vieram pra Dubai também?
— Eles estão na Itália e só voltam pra casa amanhã. Não fica chateado, a gente pode comemorar quando estivermos todos em Madrid na semana que vem.
— Fazer o quê? — Elyaz suspirou, fazendo-a rir e se inclinar para depositar um beijo no topo de sua cabeça.
— Elyaz! — Zizou chamou a alguns metros de distância de onde eles estavam e, quando obteve a atenção do filho, apontou para um carrinho de golfe que estava sendo pilotado por um chimpanzé vestido com uma camiseta e um short. — Vem dar uma volta.
O garoto levantou e saiu correndo para se juntar ao pai, aos irmãos mais velhos e aos primos. A cena era hilária, além de inusitada, para quem observava de fora. E o pior era que o chimpanzé dirigia bem, apesar de devagar.
— Você não tá muito no clima de ir pra Marselha, né? — Véronique perguntou. Tinha percebido, desde o dia anterior, que não parecia nem um pouco ansiosa para deixar Dubai.
— Estou animada pra matar as saudades de todo mundo, não estou a fim é de me estressar com minha mãe — ela respondeu, soltando um longo suspiro.
— Ah, … Você tem que aproveitar o tempo com seus pais, quase não vê eles. Sei que sua mãe, às vezes, é uma pessoa difícil, mas tente entendê-la. No fundo, ela só quer o melhor pra você.
— O problema é que nossas noções de “melhor” são completamente diferentes. Já sei que ela vai ficar me perturbando com aquela história de virar modelo.
— É só desconversar. Não perca seu tempo discutindo em pleno Natal.
— Eu vou tentar, mas não prometo nada — disse, mostrando um sorriso forçado para a tia.
O assunto foi interrompido quando Zizou se aproximou.
— Vamos, meninas? — ele questionou, oferecendo as duas mãos para ajudá-las a se levantarem. — Já arrumou sua mala, ?
— Deixei tudo arrumado antes de a gente sair do hotel.
— Os meninos querem conhecer o Burj Al Arab — Zinédine falou, referindo-se ao mais famoso hotel de Dubai. — Acho que dá tempo de a gente jantar por lá e depois ir te levar ao aeroporto.
— Por mim, está ótimo.
Ele abraçou as duas de lado e as guiou na direção em que os outros os esperavam.
Como em todas as noites de véspera de Natal que os três não visitavam os parentes de sua mãe em Lille, estava reunida com os pais na sala de jantar. Sobre a toalha de mesa vermelha, estavam as travessas com fígado de ganso, marmelada de cebola, ostras e, como prato principal, peru com castanhas. Uma ceia natalina que enaltecia a culinária francesa.
Como em todas as noites de véspera de Natal — tanto as passadas em Marselha quanto as em Lille —, sentia-se deslocada. Olhar à sua volta e ver a casa onde morou até os 21 anos de idade repleta de enfeites natalinos fazia seu estômago se embrulhar. Não que tivesse algo contra o Natal em si, muito pelo contrário. Costumava ser seu feriado favorito quando criança, mas, conforme crescia e percebia o teatro que vivia durante aquela data, passou a sentir-se incomodada. De que adiantava ter uma família reunida para celebrar o nascimento de Jesus Cristo se, em todos os outros dias do ano, eles não tinham aquele mesmo companheirismo?
— Como estão as coisas em Madrid? — Nourredine perguntou.
— Ótimas — ela respondeu, esboçando um sorriso. — Vocês sabem como adoro a Espanha.
— Pelo visto, vai ficar por lá mais um bom tempo, né?
— Só o tempo vai poder dizer, pai, mas espero que sim.
— Eu achei que o Zizou estava louco quando te chamou pra ser assistente dele — ele comentou, distraidamente, enquanto cortava um pedaço do peru com uma faca.
— Por que ele estaria louco? — questionou, franzindo o cenho. — Se ele sabia que eu era uma pessoa competente o bastante pra assumir esse cargo, por que não me contrataria?
— Eu não quis dizer que você não é competente, .
— É, mas pareceu.
— Eu só estava falando que, com tão pouco tempo no cargo de técnico, talvez fosse melhor esperar mais um pouco pra revolucionar o futebol — Nourredine disse, enfatizando as últimas palavras com um leve sarcasmo. — O Zizou sempre teve isso de querer ser diferenciado.
— Deve ser por isso que ele foi um dos melhores jogadores da história do futebol e, agora, já é um dos melhores técnicos do mundo — ela rebateu, fazendo-o rir nasalmente.
— Pensei que você fosse auxiliar, não advogada do seu tio.
— Vocês podem parar de falar de futebol só um pouquinho? — Sylvie perguntou antes que pudesse abrir a boca para retrucar o comentário debochado e os três acabaram caindo em um silêncio.
Quando se inclinou para pegar uma ostra, ela percebeu que era observada pela mãe e lançou um olhar indagador.
— Você lembra do meu amigo Emmanuel?
— Aquele diretor de publicidade da Sandro? — perguntou, concentrada em soltar a ostra da concha com um garfo e, em seguida, colocou uma pitada de molho de pimenta.
— Sim, mas ele está na Le Coq Sportif agora — Sylvie disse, a observando virar o conteúdo da concha dentro da própria boca. — Como seu nome tem sido bastante comentado na mídia, ele pensou em te chamar pra participar da campanha da próxima coleção.
— Mãe, já conversamos mil vezes sobre isso — Ela bufou. — Eu nem levo jeito pra isso.
— Custa alguma coisa ajudar o Emmanuel? É uma marca esportiva, tem tudo a ver com você.
— Sinto muito, mas ele vai ter que convidar outra pessoa.
pegou a taça de champanhe ainda cheia e deu uma golada generosa, deixando-a pela metade.
— Da próxima vez, vou mandar o recado pela Véronique — Sylvie murmurou, fazendo-a levantar os olhos para encará-la.
— O que você tá querendo dizer com isso?
— Que quando a Véronique te pede qualquer coisa, você não pensa duas vezes antes de largar tudo e ir atendê-la, mas pra sua própria mãe você não pode fazer um favor sequer.
— Talvez seja porque a Véronique não insiste em me pedir coisas que eu não gosto de fazer — rebateu em um tom irônico.
— Mas não foi a Véronique que te carregou por nove meses na barriga e que abdicou de um monte de coisas pra te criar.
— Por que, em vez de descontar as suas frustrações em mim, você não fala essas coisas pra ele? — ela disse, apontando para o pai. — Eu não pedi pra nascer. Não fui eu que te pressionei a ter um filho por pensar que engravidar uma mulher é prova de masculinidade.
— Me respeita, — a voz grossa de Nourredine disse com firmeza, fazendo-a lançar um olhar irônico em sua direção.
— Só eu que tenho que respeitar vocês? O respeito não deveria ser recíproco?
— Pode ir parando com isso, . Você não tem mais idade pra bancar a adolescente rebelde — Sylvie falou.
— Eu deveria ter ficado em Dubai, só venho pra cá pra me aborrecer.
— Se é para nos tratar dessa maneira, era melhor ter ficado por lá mesmo.
A reação de à resposta da mãe foi arrastar a cadeira para trás.
— Pode deixar, ano que vem eu passo o Natal na puta que pariu, mas não piso nessa casa!
— ! — Nourredine gritou em advertência.
— Com licença.
Ela se retirou da sala de jantar e subiu a escada sentindo um nó na garganta que se apertava cada vez mais, mas só se permitiu derramar algumas lágrimas depois de passar pela porta de seu antigo quarto e batê-la com mais força do que o necessário. Se jogou na cama sem se importar com o vestido dourado curto e de mangas longas que subiu consideravelmente com o movimento.
Ficou alguns minutos ali, deitada e chorando copiosamente, deixando toda a frustração que sentia em relação aos pais ser extravasada.
Pegou o celular na mesa lateral e resolveu ligar para , já que ele dissera para ela ligar quando tivesse um tempo livre. No entanto, ele não atendeu. Tentou ligar também para Karim, porém, não obteve maior sucesso. Pensou em tentar falar com alguma de suas amigas francesas, mas acabou desistindo. Elas, provavelmente, estariam curtindo a véspera de Natal com suas famílias e, além disso, as veria dentro de pouco mais de duas horas numa reunião com seu grupo de amigos da adolescência no apartamento de Jérémy, seu ex-namorado.
Um pouco mais calma, abriu o Instagram. Se deparou com diversas fotos que mostravam as pessoas que seguia reunidas com famílias e amigos e parecendo muito mais contentes do que ela se sentia naquele momento, mas que, mesmo assim, a fizeram se distrair.
Abriu um sorriso quando se deparou com uma foto de Zinédine, Véronique e seus quatro filhos em frente à árvore de Natal do hotel Atlantis Dubai, onde estivera hospedada até o dia anterior e deixou uma curtida antes de descer a página.
A imagem seguinte chamou sua atenção, havia sido postada por Vicky, a quem tinha seguido no Instagram há alguns dias. A foto mostrava toda a família reunida e seus olhos foram atraídos por sentado no sofá como ímãs. Apesar de simples, vestido com uma calça justa preta, camisa social branca e a bota ortopédica no pé direito que já estava virando parte de seu visual, se pegou desejando estar junto a ele naquele momento. estava tão lindo.
Só então notou a mulher que estava sentada ao seu lado e como ela parecia estranhamente familiar. Ao mesmo tempo em que percebeu que uma das mãos dela repousava sobre o joelho do , se lembrou que a conhecia de outras fotos. Era Emma, sua ex-namorada.
sentiu um gosto amargo na boca conforme, em seu peito, crescia um sentimento que havia experimentado poucas vezes na vida, apesar de, em nenhuma delas, ter admitido nem ao menos para si mesma. Ciúmes.
Estava com ciúmes de não pelo simples fato de a família dele estar passando a véspera de Natal junto à de Emma. Eles eram amigos há tanto tempo que aquilo provavelmente era algo normal. Os ciúmes que sentia era por eles combinarem tanto um ao lado do outro. Sentia-se como uma intrusa, alguém que mal havia chegado e estava se metendo no meio de uma história de amor que tinha tudo para voltar a ser realidade a qualquer momento.
Naquele instante, entendeu por que não havia atendido sua chamada. Ele estava ocupado demais com a ex-namorada.
Ela fechou o aplicativo, decidida a não se torturar ainda mais com aquela foto, e ligou para Fifi.
— Oi, .
— Você ainda tá na casa dos seus pais? — questionou mesmo que o falatório que ouvia ao fundo já respondesse sua dúvida.
— Sim, por quê?
— Eu briguei com os meus, mas não quero falar sobre isso — respondeu, fazendo uma careta. — Queria saber se você já está indo lá pro apartamento do Jérémy. Eu pensei em ir pra lá mesmo que ainda esteja longe do horário que a gente marcou, mas não quero ser a primeira a chegar.
— Eu vou demorar pra sair daqui, ainda vou esperar o Florian vir me buscar — Fifi respondeu, referindo-se ao namorado, que também era um dos amigos de —, mas a Margot já está por lá.
— Ótimo. Então logo mais a gente se vê.
— Nem acredito! Depois de cinco fucking meses. Acho que nem lembro mais da sua cara.
— Para de drama, Fifi. Até daqui a pouco.
— Beijinho.
desligou o celular, rindo levemente, e se sentou na penteadeira para retocar a maquiagem.
Quando passou pela sala de jantar para avisar os pais que estava de saída, se deparou com os dois comendo o famoso Bêche de Noël, um bolo em forma de tronco recheado com frutas e castanhas, a sobremesa natalina tradicional na França, Bélgica, Canadá e em diversos outros países francófonos. Uma fatia estava servida em um terceiro prato, mas o fato de amar aquela sobremesa não foi o suficiente para que ela deixasse o orgulho de lado e se sentasse com os pais para comê-la.
— Você não acha que tá exagerando? — Margot perguntou quando voltou da cozinha americana com um copo de vodca com suco de cereja. — A cada quinze minutos você tá com uma bebida diferente na mão.
— E não fiquei nem tonta ainda, sinal de que tenho que beber mais — ela respondeu, debochada, ao sentar-se ao lado da amiga no sofá.
Era mentira, no entanto, não estava tão sóbria quanto parecia.
— Vai sobrar pra mim dar banho em bêbada, porque, pelo jeito que a Fifi e o Florian estão se agarrando ali no canto, daqui a pouco estão indo embora.
— É só você arranjar alguém pra dar uns pegas também — sugeriu, dando de ombros, e olhou para o grupo de seis rapazes que conversavam e bebiam enquanto jogavam videogame. — Por que não fica com o Rémy pelos velhos tempos? Ele tá gostoso com a barba por fazer.
Margot a encarou, ultrajada, e tirou o copo ainda pela metade de sua mão.
— Me dá esse copo. Você só pode estar muito bêbada pra estar falando que o Rémy tá gostoso.
— Você ficou com ciúmes? — ela perguntou em meio a risos. — Relaxa, não faz meu tipo pegar ex das minhas amigas. Até porque eu ainda torço pra vocês voltarem.
— Tá louca? É tão ridículo quanto torcer pra você e o Jérémy voltarem a namorar.
— Claro que não é a mesma coisa. Jérémy e eu é algo que ficou totalmente no passado, já o Rémy ainda arrasta um caminhão por você.
— Você, definitivamente, tá louca. — Margot deu uma golada generosa na vodca de cereja. — Vou pegar um desse pra mim porque está uma delícia.
riu levemente, observando-a se levantar e seguir em direção à cozinha.
Talvez não fosse algo tão óbvio assim, mas ela era uma pessoa bastante observadora — o que até a levaria a ser uma boa psicóloga se tivesse seguido a profissão — e percebia, em pequenas falas e ações, que Rémy, apesar de ainda guardar rancor pelo pé na bunda que havia levado há dois anos, não havia superado o sentimento tão forte que os ligava um ao outro. Margot, por sua vez, mesmo tendo terminado o namoro com a desculpa de que eles haviam caído na rotina, não parecia ter deixado aquele sentimento no passado também.
torcia, genuinamente, que os dois ficassem juntos novamente um dia, afinal, foram eles que fizeram com que ela, Jérémy, Fifi e Florian se tornassem amigos no início do Ensino Médio e não se desgrudassem até o final da faculdade, mesmo cada um fazendo um curso universitário diferente. Houve uma época em que, além de um grupo de amigos, eles eram também três casais. Ela própria e Jérémy não estavam mais juntos há cinco anos, mas Fifi e Florian estavam de casamento marcado. gostaria de ver Margot e Rémy seguirem pelo mesmo caminho.
Ela assistia, distraidamente, ao jogo de corrida que Rémy disputava com um dos quatro amigos de Jérémy que também tinham sido convidados para a reunião natalina, quando percebeu que alguém havia se aproximado do sofá. Ao levantar os olhos, constatou que quem estava ali era o dono do apartamento.
— , você pode vir comigo? — Jérémy perguntou, fazendo-a franzir o cenho.
— Tá — foi tudo o que ela disse antes de se levantar.
Assim que se pôs de pé, a sala de estar pareceu girar diante de seus olhos. Ela os fechou e respirou fundo, esperando que a tontura passasse. Quando reabriu as pálpebras, os móveis e quadros pendurados nas paredes estavam de volta aos seus devidos lugares. Seguiu Jérémy pelo apartamento, provavelmente andando não tão graciosamente quanto pensava estar, mas sua maior preocupação naquele momento era quão estranha e inusitada aquela situação estava sendo.
Apesar de se verem vez ou outra por conta dos amigos em comum, e Jéremy não tinham mais uma amizade como no passado. Ela sempre teria um carinho especial por ele, que havia sido seu melhor amigo um dia, mas sabia que havia o magoado ao terminar o namoro para ir cursar sua tão sonhada pós-graduação em Madrid. Ela admitira que não via um futuro com ele. Não se sentia no direito de diminuir a distância que ele mantinha.
Os dois adentraram o quarto de Jérémy. estivera ali poucas vezes, já que ele havia se mudado para aquele apartamento apenas um mês antes de eles terminarem, mas se lembrava de como o cômodo costumava ser e foi impossível não perceber as mudanças. De um lado estava a cama de casal e o guarda-roupa; do outro, todos os equipamentos de fotografia que ele sonhava em ter e comprara ao longo dos anos, além de algumas caixas de papelão. Mesmo que já soubesse que o ex-namorado tinha conseguido se estabelecer como fotógrafo de moda e publicidade, que era o que ele tanto desejava, se sentiu contente por ver todos aqueles equipamentos que ela não tinha ideia de para que serviam, mas que apostava terem custado uma nota.
Ela deu meia volta e o encontrou encostado na porta, de braços cruzados. A forma com que ele a observava fez um arrepio correr por seu corpo. Depois de cinco anos sendo tratada com tanta indiferença, era como se ele fosse um completo estranho, mas, naquele momento, pôde ver traços do rapaz por quem fora apaixonada um dia, seu melhor amigo, a pessoa que esteve ao seu lado em momentos bons e ruins e que apoiara seu sonho sem imaginar que seria trocado por ele.
Se lembrou da foto que viu mais cedo de ao lado da ex-namorada, com quem ele parecia ainda se dar bem mesmo depois do término, e desejou ter tido a mesma maturidade ao terminar com Jérémy.
— Sinto muito — disse em meio a um suspiro, deixando os ombros caírem. — Não era minha intenção que nos tornássemos dois estranhos um para o outro.
— Você tá feliz com o que conquistou até agora? — ele perguntou, analisando atentamente a mulher que costumava ser seu mundo quando era apenas uma garota. Ela meneou a cabeça, assentindo. — Então tá tudo bem, . É isso que importa.
— Eu sempre soube que, mais cedo ou mais tarde, o nosso namoro teria um fim, porque sempre achei que você merecesse alguém que estivesse inteiramente com você — ela disse com sinceridade —, mas a gente podia ter continuado sendo amigos e sei que a culpa foi minha. Agi como se eu mandasse sozinha no nosso relacionamento.
— Eu acho que não conseguiria ser seu amigo naquela época. Não apenas pelo orgulho ferido, mas também pelo que eu sentia por você. De qualquer forma, não vale a pena remoer o passado. O que importa é que nós dois estamos realizando cada um o seu sonho.
— Espero que possamos ser amigos novamente um dia. Até porque vamos ser os padrinhos do primeiro filho da Fifi e do Florian, né? Eles prometeram — acrescentou em um tom espirituoso.
— É claro que vamos. — Jérémy riu. Os dois diziam aquilo para o casal que estava prestes a se casar desde os 16 ou 17 anos, quando ainda nem eram namorados. — Na verdade, não te chamei aqui pra gente ter esse tipo de conversa. Quero te devolver uma coisa que te pertence.
— O quê? — ela questionou, curiosa.
Ele foi até uma das caixas de papelão espalhadas pelo chão e pegou algo. Quando a entregou o objeto, descobriu que era um álbum de fotografias. O abriu sem ter muita certeza do que encontraria ali dentro.
Uma risada escapou por sua garganta quando se deparou com uma foto de si mesma aos 20 anos com um vestido curto e justo. A pose sexy a fazia parecer uma jovem mulher segura de si, mas só ela mesma sabia quão sem graça estava ao tirar aquela e as outras fotos que completavam o álbum.
— Não acredito que você ainda tem essas fotos! — ela exclamou em meio a risos, passando as páginas e vendo suas roupas irem mudando e diminuindo de quantidade, até que, nas últimas, estava apenas de lingerie.
— Claro que ainda tenho, elas me ajudaram a conseguir meus primeiros trabalhos.
— Eu melhorei bastante com o tempo, né? — rebateu, fazendo uma careta ao se lembrar de que só aceitou tirar aquelas fotos depois de o ex-namorado passar semanas insistindo para que ela fosse sua modelo.
— Você sempre foi linda — Jérémy pontuou, sincero. — Sinto muito por ter falhado na missão de te fazer acreditar nisso.
— Você não falhou, Jerry — disse carinhosamente, o fitando nos olhos. — Você foi importante pra eu me tornar quem eu sou hoje. Talvez tenha sido a pessoa mais importante.
Ele mostrou o sorriso que deixava os olhos dele pequenininhos e costumava fazer sentir borboletas no estômago, mas que, agora, apenas trazia recordações de bons momentos vividos no passado.
— Sei que você odiou ter tirado essas fotos, mas vou me mudar e estou me desfazendo de algumas coisas. Decidi só manter os arquivos digitais pro meu portfólio.
— Vai morar onde? — ela perguntou, curiosa, pondo o álbum fechado debaixo do braço.
— Paris. Vou morar com minha namorada — Jérémy respondeu, fazendo-a levantar as sobrancelhas, surpresa.
— Você e a Laure ainda estão juntos? É que ela não está aqui hoje, pensei que tivessem terminado.
— Ela foi visitar a família em Nice. Já vamos fazer três anos juntos e concordamos que é a hora certa pra juntar as escovas — ele explicou em um tom divertido que fez rir nasalmente.
— Desejo que vocês dois sejam muito felizes.
— Obrigado. — Ele sorriu.
Quando os dois voltaram a se unir ao restante do pessoal na sala de estar, Fifi chamou para ser sua dupla no FIFA contra Florian e Rémy, como nos velhos tempos. As duas escolheram o Real Madrid, enquanto os rapazes preferiram o Manchester United. Pela falta de prática, as duas acabaram perdendo por uma goleada que arrancou muitas gargalhadas de todos os presentes.
Enquanto assistia Florian e Jérémy jogarem contra dois dos rapazes que ela não lembrava como se chamavam, sentiu a bexiga cheia e resolveu dar um pulinho no banheiro. Abriu a primeira porta de uma só vez e levou um susto com a cena que encontrou lá dentro.
Um dos amigos de Jérémy — exatamente o que havia achado mais bonito entre os quatro — estava em pé em frente à privada com as calças arriadas e urinava depois de beber incontáveis garrafas de cerveja. Ele a fitou parada na porta, curioso, mas não pareceu se afetar com a intromissão.
— Desculpa — ela disse antes de fechar a porta.
Se apoiou na parede e não pôde evitar rir consigo mesma. Por sorte, estava bêbada demais para sentir-se envergonhada.
A porta não demorou a voltar a se abrir e o rapaz saiu de dentro do banheiro devidamente vestido.
— Eu deveria ter trancado a porta — ele disse, rindo levemente.
— Tudo bem, eu também deveria ter perguntado se o banheiro estava ocupado — ela respondeu, dando de ombros, e entrou no banheiro. Se certificou de que a porta estava trancada para evitar outra situação constrangedora como aquela.
Depois de fazer tudo o que precisava dentro do banheiro, se surpreendeu ao encontrar o amigo de Jérémy escorado na parede do corredor, de braços cruzados.
— Você ainda não tinha terminado de usar o banheiro?
— Tinha, só fiquei te esperando pra me apresentar devidamente — ele falou com um sorriso de canto. — Meu nome é Ken.
— Eu sou . Muito prazer. — Ela o cumprimentou com um aperto de mão. — Você é amigo do Jérémy?
— Sim, sou rapper e o Jerry tem me dado uma moral como meu fotógrafo oficial.
— Sério? — desceu o olhou de cima a baixo. Apesar de ter um estilo despojado, Ken não se parecia muito com os amigos rappers de Karim, quase todos com o ego do tamanho do mundo. Ela até poderia estar errada, mas ele parecia um cara normal. — Legal. Eu trabalho com futebol.
— É, eu sei. — Ele riu levemente. — Quer beber alguma coisa e bater um papo?
— Por que não? — ela disse, dando de ombros.
Entre um drinque e outro, descobriu que Ken conhecera Jérémy na festa de aniversário de uma famosa modelo francesa e constatou que ele realmente era um cara tranquilo, apesar de não ser de muitas palavras, o que o fazia parecer até um pouco misterioso. Conforme o nível de álcool aumentava, mais curiosa ela ficava a respeito dele.
Antes que pudesse se dar conta, estava aceitando a carona oferecida por Ken.
Quando, finalmente, todos os convidados da ceia de Natal deixaram a casa dos pais de , já era de madrugada. Ele desejou boa noite para Deborah, Frank e também para Vicky e Richard, seu cunhado, e subiu para o quarto. Seus sobrinhos já estavam no décimo sono no quarto de hóspedes naquela altura, ansiosos para que a manhã chegasse logo e pudessem abrir seus presentes de Natal.
O jogador estava morrendo de sono, mas não tinha se esquecido de que combinara de falar com mais cedo, então a primeira coisa que fez ao adentrar o quarto foi procurar pelo celular. Ao encontrá-lo, tirou a bota ortopédica do pé e se sentou confortavelmente na cama. Encontrou uma chamada perdida da francesa de quatro horas antes e se xingou mentalmente por ter deixado o celular no quarto durante toda a noite.
Só então se deu conta de que, em Marselha, era uma hora a mais do que em . Como sabia que ela iria se encontrar com os amigos depois de jantar com os pais, retornou a ligação, torcendo para que ainda estivesse acordada.
O celular chamou diversas vezes e, quando ele estava prestes a desistir, ouviu a voz conhecida sair pelo alto-falante.
— Pensei que tinha se esquecido de mim — disse em um inglês com sotaque francês carregado que o fez franzir o cenho. Pôde escutar a leve risada dela em seguida. — Acho que tô mais bêbada do que eu pensava.
Ele riu levemente do jeito bastante franco dela.
— Feliz Natal — falou com um leve sorriso nos lábios.
— Obrigada, feliz Natal pra você também — ela disse e, por um instante, um silêncio um pouco desconfortável se instalou. — Eu te liguei mais cedo.
— Eu vi. Sei que pedi pra você me ligar, mas estava uma confusão aqui na casa dos meus pais e acabei deixando o celular no quarto. Foi mal por isso.
— É, você provavelmente estava ocupado demais pra falar comigo.
— Como foi a ceia com seus pais? — ele perguntou, atencioso, e pôde ouvir um longo suspiro do outro lado da linha.
— A gente pode se falar amanhã?
— Você tá ocupada? Desculpa.
Antes que ela respondesse, escutou ao fundo uma voz masculina proferir algumas palavras em francês. disse algo em resposta com a voz abafada.
— É, agora sou eu que tô ocupada.
parou por um momento, estranhando quão diferente soava naquela ligação. Ela estava distante, parecia não querer falar com ele.
— Você tá com alguém aí, né?
O silêncio sepulcral no outro lado da linha o fez ter certeza de que havia entendido sobre a que tipo de “alguém” ele se referia.
— Sim — ela murmurou antes de soltar um longo suspiro.
Uma onda de decepção envolveu e tudo que ele conseguiu proferir foi um riso desacreditado. Naquele momento, sentiu como se toda a cumplicidade que havia surgido entre ele e durante o último mês fosse fruto de sua imaginação.
— A minha noite não foi das melhores, acabei enchendo a cara e aí apareceu esse amigo do Jérémy...
— Você não me deve explicações — ele disse, a cortando. — É só que… É frustrante, sabe? Eu sei que você não tem nenhum compromisso comigo, mas eu pensei que a gente estivesse começando algo.
— Não me odeia, por favor — ela choramingou.
— Você precisa decidir o que quer, — ele rebateu, arrependido por ter retornado a ligação e estar tendo aquela conversa em plena madrugada do dia 25 de dezembro com bêbada e na companhia de outro cara. — Eu não quero te pressionar, mas também não posso ficar aqui esperando por algo que não vai acontecer.
— Só não espere de mim mais do que eu posso te oferecer — ela disse em um fio de voz que denunciava que estava chorando. — Eu não sou como a Emma.
— O que você tá querendo dizer com isso?
— Eu deixei claro desde o início que eu não sou como a Emma.
— É melhor você aproveitar a sua noite, . Essa conversa não tá fazendo sentido. Tchau.
Sem esperar por resposta, encerrou a ligação e escorregou no lençol até deitar a cabeça no travesseiro.
Fitou o teto enquanto refletia sobre as palavras de . Não conseguia entender por que Emma tinha sido colocada na roda se ele jamais havia comparado as duas. Sabia que a francesa era um tipo de mulher com quem não estava acostumado a lidar, que o intimidava, mas aquilo não era exatamente um problema, porque, para ficar com ela, estava disposto a superar as diferenças.
A sensação que tinha era de que estava apenas procurando por uma desculpa para fugir.
Ele voltou a desbloquear o celular e digitou uma mensagem para Amelie, que, além de fisioterapeuta, vinha sendo também uma espécie de conselheira amorosa nas últimas semanas.
Largou o celular no colchão antes de se levantar para colocar um pijama. Tentou espantar de seus pensamentos as imagens de um cara que nem sequer gostava de da forma que ele gostava experimentando os beijos que, uma semana antes, era ele quem provava.
No entanto, foi algo inevitável.
— Cheguei, família! — berrou ao adentrar a casa silenciosa, fazendo Enzo, que havia ido buscá-la no aeroporto, gargalhar. — Cadê todo mundo?
— Devem estar jantando.
— Como assim eles não nos esperaram?
Os dois foram até a sala de jantar, onde encontraram os outros cinco moradores da casa sentados em volta da mesa farta.
— , até que enfim você chegou! — Elyaz exclamou assim que notou a chegada dos dois que faltavam e se levantou para dar um abraço apertado na prima.
— Feliz aniversário atrasado — disse e beijou a bochecha do garoto. — Nem acredito que meu bebê já tá com 11 anos.
Elyaz revirou os olhos, fazendo-a rir, e voltou a se sentar ao lado de Théo.
— A gente mergulhou com golfinhos ontem — ele comentou enquanto ela depositava beijos nas bochechas de Théo e Luca.
— Não acredito que perdi isso.
— Bem feito! Não quis ficar com a gente em Dubai!
— Isso é jeito de falar, Elyaz? — Zinédine repreendeu o caçula, mas não pôde evitar uma risada.
— Tudo bem, tio — disse em meio a risos. — Não sei se você tá merecendo, já que anda muito abusadinho, mas a gente pode fazer alguma coisa amanhã depois que eu e seu pai voltarmos do treino. O que acha?
— Vamos jogar boliche! — Elyaz exclamou, animado.
— Boliche de novo? — Théo retrucou, fazendo uma careta. — A gente podia ir correr de kart.
— Dois votos pro kart — Luca falou com a boca cheia de comida, levantando o braço.
— Pena que vocês não são os aniversariantes da semana pra terem direito de escolha, né? — rebateu, rindo. — Então amanhã a gente vai ao boliche, beleza?
— Oba!
e Enzo se sentaram à mesa e serviram seus pratos. Enquanto comiam, Elyaz fez questão de contar cada detalhe dos dias em Dubai que a prima perdeu por ter ido passar o Natal em Marselha.
Os garotos foram se retirando um a um da mesa, conforme terminavam de comer, até que se viu sozinha com os tios. Continuou comendo silenciosamente uma fatia de pudim de leite enquanto juntava coragem para contá-los sobre o desentendimento com os pais durante a ceia natalina.
— Seu pai me ligou no Natal — Zizou disse, quebrando o silêncio, fazendo-a levantar os olhos. — E contou que você disse umas coisas não muito legais pra eles.
— E, agora, vocês vão me dar um esporro por isso?
— Não pretendo te dar um esporro porque acredito que você tenha se dado conta sozinha de que pegou pesado — ele falou tranquilamente e apenas desviou os olhos, permanecendo em silêncio.
— Eu sei que exagerei, ok? Mas é muito chato que meus próprios pais nunca me apoiem, nem se sintam orgulhosos pelas minhas conquistas.
— Você não pode afirmar com essa certeza toda que eles não se orgulham.
— Desculpa, tio, mas eles estão demonstrando da forma errada então — rebateu, cruzando os braços. — Um diz que você é doido por ter escolhido uma mulher pra fazer parte da sua equipe, a outra não desiste de me oferecer trabalho de modelo.
— O Nourredine disse isso? — Zinédine perguntou, rindo.
— Pelo visto, ele te contou a história pela metade.
— , ele não tem a cabeça tão aberta quanto a minha. E olha que ele melhorou muito depois que se casou com a sua mãe, viu? No início do casamento, ele ainda tentou fazer com que ela parasse de trabalhar e virasse dona de casa — ele comentou em tom de reprovação, mostrando que não concordava com o jeito do irmão mais velho. — Você tem que relevar as besteiras que ele diz. Concordo que com pequenas atitudes você pode tentar mudar as opiniões dele, mas não é com ignorância que vai conseguir isso.
— Você precisa ter mais paciência com sua mãe também. Fiquei muito decepcionada com você, — Véronique disse em um tom sério, finalmente se pronunciando depois de passar o jantar inteiro quieta, fazendo-a sentir um nó se formar na garganta. — Não é sua obrigação fazer tudo o que ela pede, mas você pode recusar com mais delicadeza. Eu não admitiria que nenhum dos meus filhos falasse que prefere ir pra puta que pariu a passar o Natal na minha casa.
— É, foi desnecessário dizer isso — murmurou.
— Que bom que você sabe. Eu fiquei realmente chateada, não esperava isso de você, uma mulher feita.
não disse nada, sabia que estava errada e precisava ser mais paciente e respeitar os pais. Não importava que eles também tivessem suas parcelas de culpa, ainda eram seu pai e sua mãe.
— Mãe, pai, eu vou dar uma saída — Luca disse, surgindo na porta da sala de jantar.
— Aonde você vai? — Véronique questionou como usualmente.
— Vou sair com uma garota.
Zinédine e Véronique concordaram sem dar muita importância, não era algo de outro mundo que Luca saísse com uma garota, mas percebeu a vergonha estampada no rosto dele e isso a intrigou. Se fosse Enzo, talvez não ligasse também, mas Luca, desde bem novo, sempre foi o mais saidinho de seus primos.
— Eu vou subir, tá? — ela falou para os tios depois que o garoto deu meia volta e sumiu de suas vistas. — Preciso desfazer a mala e descansar.
— Tudo bem. — Zizou sorriu.
Véronique também esboçou um sorriso, o que a deixou mais tranquila.
pegou a mala que deixara no pé da escada e subiu para o quarto. Antes de qualquer coisa, pegou o celular e mandou uma mensagem para Karim.
Como ele estava online, não demorou a responder.
fechou os olhos e passou pelo rosto a mão que não segurava o aparelho enquanto desejava que Lola realmente estivesse com as amigas.
Em seguida, digitou outra mensagem.
Poucos segundos depois que a mensagem foi visualizada, o toque de seu celular soou pelo quarto e ela imediatamente atendeu a ligação.
— Que merda você fez, ?
Ela soltou um longo suspiro antes de começar a narrar a história desde o momento em que pousou em Marselha na véspera de Natal.
Depois de dez dias de folga, os jogadores voltaram a se reunir na Ciudad Real Madrid. Todos estavam ainda mais agitados do que o normal, falando e gargalhando alto pelas instalações do clube. envolvia todo mundo em um abraço apertado conforme fazia o caminho até a sala de fisioterapia, tanto os jogadores quanto os funcionários com quem convivia diariamente. Tinha um sorriso aberto no rosto, mas, por dentro, sentia os nervos à flor da pele. Estava indo de encontro a , que trabalhava com Jaime e Amelie, dando prosseguimento à recuperação do tornozelo lesionado.
Ela não sabia o que esperar daquele reencontro depois da última conversa que tinham tido pelo celular, especialmente pelo fato de ele ter desligado sem dar a chance de ela se explicar melhor. Estava tão bêbada e com os pensamentos confusos que, na verdade, havia achado que tinha sido melhor assim.
Ela parou em frente à sala de fisioterapia com uma sacola em mãos e respirou fundo antes de abrir a porta calmamente.
— Com licença — disse e as três cabeças se viraram em sua direção.
— E aí, francesinha? — Jaime falou, simpático, se aproximando para cumprimentá-la com um abraço rápido. — Aproveitou os dias de folga?
— Deu pra descansar — respondeu e esboçou um sorriso sem graça ao notar que , sentado em uma das macas, encarava os próprios pés, enquanto Amelie, em contrapartida, a lançava um olhar não muito amigável.
— Que bom, porque daqui até o final da temporada vai ser dureza.
— Faz parte, né? — ela disse, dando de ombros. — Oi, Lalie.
— Oi.
— , posso falar com você rapidinho? — perguntou com cuidado.
— Tem a ver com o clube ou com a recuperação dele? — Amelie rebateu com uma seriedade que a assustou.
— Não — respondeu, desconcertada.
— Então, por favor, nos dê licença. Estamos ocupados agora e não vejo que outro assunto poderia ser mais urgente do que a volta do ao campo.
As duas ficaram se encarando e a tensão podia ser sentida pelos quatro presentes. Enquanto procurava pelas palavras que simplesmente não vinham à sua mente, Amelie não relaxava a postura intimidadora, Jaime assistia à cena assustado e passava as mãos pelo rosto.
— Tá tudo bem, Lalie — ele disse, ficando de pé no chão. — Eu vou aproveitar pra pegar alguma coisa pra comer lá no refeitório.
— Ok, mas quero você de volta em dez minutos. Não estou aqui de brincadeira.
O jogador riu baixo e deu um soquinho no braço de Jaime antes de convidar para segui-lo com apenas um olhar.
Os dois saíram juntos da sala de fisioterapia e percorreram o corredor lado a lado.
— Eu trouxe um presente de Natal pra você — falou, optando por iniciar a conversa de forma cautelosa, e estendeu a sacola. a pegou e, de lá de dentro, tirou uma caixa que logo descobriu ser a embalagem de um perfume. — Não sei se você vai gostar, essa fragrância tem um toque árabe. Mistura açafrão, rosa, limão, bergamota e alguma outra coisa que não lembro de cabeça. É bem diferente, mas é deliciosa.
— Obrigado — ele disse, esboçando um pequeno sorriso, e recolocou o perfume na sacola. — Eu também comprei uma coisa pra você, tá lá em casa.
meneou a cabeça, assentindo, mas sem realmente se importar. Não havia comprado aquele perfume com a intenção de receber algo em troca, apenas quis mostrar que se lembrou dele enquanto esteve em Dubai.
Os dois se fitaram em silêncio até que ela soltou um suspiro frustrado.
— Eu não queria que ficasse esse clima estranho entre a gente. Sinto muito, sei que enfiei os pés pelas mãos. E também sei que isso vai soar como uma desculpa esfarrapada, mas eu briguei com meus pais, resolvi encher a cara e não estava pensando nas consequências de nada naquela noite.
— Não sei se quero conversar sobre isso agora, — disse, sincero. Ainda estava chateado, apesar de ver que ela parecia verdadeiramente arrependida. — Nesse momento, meu foco tá totalmente voltado pra minha recuperação.
— Tudo bem, eu não quero te atrapalhar. Só quero que você saiba que não rolou nada demais, porque eu não conseguia parar de pensar em você. Antes mesmo de você me ligar. Eu não faço cerimônia pra transar com ninguém, não encaro o sexo sem compromisso como um tabu, mas uma coisa que nunca conseguiria fazer é dormir com alguém gostando de outra pessoa — ela disse, simplesmente, encarando os olhos chocados de . — Bom, é isso. Quando quiser conversar, você sabe onde me encontrar.
Sem esperar por resposta, deu meia volta e seguiu na direção da academia, onde os jogadores se condicionavam fisicamente para a volta aos treinos.
ficou estático, observando-a se afastar, mais uma vez sem saber o que pensar sobre as atitudes da francesa.
O penúltimo dia do ano estava sendo uma loucura.
Depois de um treino aberto aos torcedores que lotou o Estadio Alfredo Di Stéfano pela manhã, toda a equipe realizou uma visita aos hospitais de Madrid da rede Sanitas, com a qual o Real Madrid mantinha uma parceria, para levar presentes para as crianças internadas, como era costume em todo final de ano. Era o momento de o time esquecer as competições e se preocupar apenas em colocar sorrisos nos rostos de meninos e meninas que, mesmo tão jovens, precisavam ser fortes para lidar com a enfermidade que os acometiam.
Para fechar os compromissos do dia e estarem liberados para curtir o Réveillon nos dois dias de folga que teriam, os jogadores estavam se reunindo junto à primeira equipe de basquete e à diretoria do clube para um jantar de confraternização.
dirigiu seu Audi pelas ruas de Madrid e, ao passar pelo portão que levava ao estacionamento do Estadio Santiago Bernabéu, desceu do automóvel e entregou a chave para um dos manobristas que estavam ali de plantão. Em seguida, foi guiada até o camarote presidencial, onde todos iam chegando aos poucos e se dividindo entre as cinco mesas redondas que estavam dispostas pelo local.
Assim que saiu do elevador, ela atraiu inúmeros olhares. Além de ser uma das poucas mulheres presentes, estava deslumbrante em seu vestido verde musgo de mangas longas que ia até um pouco acima de seus joelhos. Ela desfilou sobre seus saltos, cumprimentando seus companheiros de equipe, os jogadores do time de basquete que conhecia apenas de vista e funcionários do clube.
Seus olhos cruzaram com os de , que a observava desde que a avistou saindo do elevador, e o cumprimentou com um sorriso que logo foi retribuído.
Dois dias haviam se passado e ainda esperava pacientemente que ele a procurasse para que eles voltassem à normalidade, mas, apesar de sentir falta da proximidade que tinham criado, estava respeitando o espaço dele. O que a confortava era que o clima não estava tão ruim assim, pois ele a cumprimentava sempre que eles passavam um pelo outro nos corredores da residência do Real Madrid e, no refeitório, ela sempre o pegava a observando de longe. Às vezes sentia como se tivessem voltado à estaca zero, quando tentava se aproximar dele sem sucesso, mas o sentimento era completamente diferente dessa vez e sabia que era só questão de dar tempo ao tempo.
Ela parou próxima à mesa quatro e cumprimentou também Karim Benzema, Raphaël Varane, Luka Modrić, Mateo Kovačić e Toni Kroos com sorrisos e acenos.
— O Zizou deixou você usar esse vestidinho aí? — Toni questionou em um tom divertido, olhando a francesa de cima a baixo.
— No dia que eu precisar da permissão de alguém pra usar um vestido, vocês podem me internar.
— É isso aí, . O que é bonito é pra ser mostrado e apreciado mesmo — Karim zoou do outro lado da mesa, levantando uma taça de champanhe.
— Não uso roupa nenhuma pra ser apreciada. Uso porque me sinto bem e bonita.
A mesa ficou em total silêncio até, alguns segundos depois, ela soltar uma gargalhada, se divertindo com o espanto nos rostos dos jogadores. Não havia se ofendido tanto quanto tinha parecido, até que gostava de atrair olhares por estar bonita e bem vestida.
Ela, então, deu meia volta e passou nas outras mesas para cumprimentar o restante dos jogadores antes de ir para a da diretoria, onde tinha seu lugar gentilmente reservado entre Zinédine Zidane e o presidente Florentino Pérez.