19. La Decimonovena
Que es tu corazón bondad
Respetas mi espacio vital
Me escuchas bien atento
Y besas con cariño cada parte de mi cuerpo
Girasoles — Rozalén
— Tenho a impressão de que meu pai não tá entendendo nem metade do que o seu tá falando — disse enquanto espiava a sala de estar da casa do namorado, onde os pais de ambos estavam entretidos em uma conversa depois do almoço em que os seis finalmente puderam se reunir.
— Claro que tá entendendo, ele fala bem inglês — garantiu , se apoiando preguiçosamente no balcão ilha da cozinha.
— Mais ou menos, né? Ele conseguia se virar pra resolver as coisas quando era agente do meu tio, mas o inglês dele sempre foi meia boca.
— Meu espanhol não é dos melhores, então não posso julgar. Você que leva jeito pra aprender outros idiomas, né? Fala francês e é boa no inglês e no espanhol também.
— Graças à desenvoltura da minha língua — disse em um malicioso, fazendo-o rir. — Essa foi horrível, né? Acho que tô andando muito com o Toni.
— Você tá pegando o senso de humor dele mesmo — ele disse, se pondo ereto, e a puxou gentilmente pela cintura. — Mas acho que preciso que você me recorde dessa desenvoltura da sua língua.
— Já se esqueceu de Marbella, é? — ela questionou com um sorriso divertido.
— O que aconteceu em Marbella, não precisa ficar em Marbella. Pode e deve rolar aqui em Madrid também.
— Não vou nem contestar, porque eu concordo plenamente.
Os dois riram antes de abraçar pelo pescoço e colar suas bocas para um beijo que foi correspondido com o mesmo fervor que ela depositou no ato. As mãos dele escorregaram por suas costas até adentrarem os bolsos traseiros de sua calça jeans, enquanto as línguas se movimentavam em uma sincronia que era ela quem ditava.
— Que tal se a gente fugir? — o perguntou quando o beijo foi quebrado, encostando sua testa na de .
— Fugir pra onde? — ela perguntou sem entender.
— Qualquer lugar onde eu possa te beijar sem a sensação de que seu pai vai aparecer a qualquer instante — ele respondeu, fazendo-a jogar a cabeça para trás ao soltar uma gargalhada.
— Não me diga que você tem medo do meu pai.
— Ele é muito sério — admitiu, fazendo uma careta. — Não é tão ridículo assim, é?
— Fica tranquilo, ele trata de igual pra igual todo mundo que tem um pênis entre as pernas — rebateu, rolando os olhos.
— Você é muito dura com seu pai.
— Agora vai defender o sogrão — ela disse, sua voz transbordando ironia, e o empurrou de leve, o fazendo soltá-la.
— Não tô defendendo ele, mas é que vocês dois têm que conversar. Já te falei.
— Você, meu tio, minha tia… — enumerou e soltou um longo suspiro. — Pra quem tá de fora, é fácil dizer, mas só eu sei como ele é cabeça-dura.
— E você não é também? — retrucou e quase se arrependeu quando recebeu um olhar cortante.
— Muito obrigada pelo apoio.
Ela fez menção de se retirar da cozinha, mas foi impedida de concluir a ação quando a abraçou por trás.
— Não precisa ficar brava. Eu te amo mesmo assim — ele brincou com a intenção de descontrair.
— Você acha mesmo que eu sou cabeça-dura?
— É um pouco teimosa sim, principalmente em relação aos seus pais, mas eu não te julgo por isso. Foi você quem conviveu com eles a vida toda e deve ter motivos pra agir assim, mas… — ele falou e esboçou um meio sorriso — alguém precisa ceder, .
Ela suspirou e se soltou do abraço antes de ir se sentar em um dos bancos em frente ao balcão.
— Pelo menos eu já dei um passo em relação à minha mãe — ela falou quando ocupou o banco ao lado. — Foi bem estranho quando ela apareceu no meu quarto hoje de manhã.
— Por que estranho?
— Sei lá, foi diferente — disse e um longo silêncio se seguiu, enquanto recordava a cena de mais cedo, quando seus pais chegaram a Madrid pela manhã. — Ela me abraçou e disse que sentiu saudades. Acho que a conversa que a gente teve por telefone quebrou o muro de gelo que nos separava. Tô entendendo melhor algumas atitudes dela depois de descobrir aquelas coisas.
— Eu acho que o caminho é esse. Tentar compreender o que passa na cabeça deles.
— Que droga de psicóloga eu seria se exercesse a profissão, hein? — riu nasalmente.
— Não acho, você lê as pessoas muito bem. É que, nesse caso, é algo que te magoa, então deve ser mais trabalhoso enxergar com um olhar neutro.
Ela encarou as próprias unhas e balançou a cabeça, concordando. Seus pais sempre foram um assunto muito difícil para ela lidar, mesmo depois de adulta. As coisas até pareciam tranquilas às vezes, mas, no mínimo sinal de que poderiam desandar, ela já se armava com escudo e espada, pronta para atacar quando necessário. Tinha consciência de que não era a atitude correta, muito menos para uma mulher feita e dona do próprio nariz, mas não era algo que conseguia evitar. Em alguns momentos, nem tinha certeza se o que a irritava mais era a falta de compreensão por parte de Nourredine e Sylvie ou sua própria falta de competência de ser a filha que eles queriam ter.
— Como que a gente estava se pegando e, de repente, veio parar nesse assunto? — ela perguntou e um sorriso divertido estampou o rosto de .
— A proposta de fugirmos ainda tá de pé.
— A gente tá no meio de uma reunião com nossos pais, seu doido.
— Nossa missão era promover o encontro dos quatro, eles podem continuar por conta deles daqui em diante.
— É falta de educação ir embora assim, do nada. O que seus pais vão pensar de mim?
— Nada além de que você faz o filho deles muito feliz.
— Cara de pau — disse, rindo, e se inclinou para beijá-lo na boca.
Depois de trocarem um beijo rápido, os dois se juntaram aos pais novamente na sala de estar, onde o ambiente estava bastante descontraído.
— É amanhã que sai a convocação da seleção, ? — Frank perguntou.
— Sim, o treinador até me ligou ontem pra perguntar se eu já tô bem pra ser convocado.
— Você já tá jogando normalmente, né? — questionou Nourredine.
— É, já tô pronto pra outra — ele brincou.
— Nem pense em arrumar outra lesão agora que estamos entrando na reta final da temporada — disse em um tom ameaçador, fazendo-o rir.
— Esse namoro de vocês começou em meio a uma confusão, hein? — comentou a mãe de .
— Pra falar a verdade, acho que essa lesão foi o que deu um empurrãozinho pra ficarmos juntos — ela disse e trocou um olhar com o namorado, que concordou.
— Pois é, eu estava aqui contando pra Sylvie que o ficou cheio de segredinhos no celular quando passou uns dias lá em casa, se recuperando da cirurgia. Nem conversava com a gente direito — Debbie falou e riu levemente.
— Ops, acho que sou a culpada.
Eles continuaram envolvidos em uma conversa bastante agradável até o final da tarde daquele dia de folga para o time do Real Madrid, que havia vencido o Real Betis na noite anterior, mas sem a presença de , que tinha cumprido o primeiro dos dois jogos de suspensão que pegara por causa do cartão vermelho recebido na partida contra Las Palmas.
não poderia nem descrever o alívio que sentiu após aquele encontro. Ela temia que não desse certo juntar seus pais e os e isso a deixaria muito decepcionada. Não saberia explicar por que, mas era importante, para ela, que os quatro se dessem bem. Inconscientemente, desejava que, ao contrário do relacionamento de seus pais, o dela com fosse perfeito em todos os aspectos possíveis.
— Eu nunca me senti tão baixinha na minha vida — falou, provocando algumas risadas, enquanto cumprimentava parte dos jogadores do time de basquete do Real Madrid.
Depois de um trabalho leve no ginásio para a recuperação muscular dos jogadores, Zizou decidiu fazer algo diferente. Já tinha conversado anteriormente com Pablo Laso, o treinador da equipe de basquete, a respeito da possibilidade de os dois times se reunirem para uma troca de figurinhas e aquele parecera o dia perfeito.
Todos se reuniram no pavilhão de treinamento da equipe de basquete na Ciudad Real Madrid e, enquanto os jogadores de ambas as equipes disputavam uma partida com times mistos na quadra, a equipe de mídias sociais registrava o momento em fotos e vídeos que logo estariam na internet. Não apenas o presidente Florentino Pérez gostava daquela interação entre os principais times do clube, mas os próprios jogadores se divertiam também. As comissões técnicas de ambas as equipes estavam reunidas em um canto, assistindo à partida e conversando sobre a paixão em comum que todos tinham: o esporte.
Em certo momento, a bola caiu próxima ao pé de , que se abaixou para pegá-la. Ela fez uma gracinha, quicando a bola no chão, e a arremessou para Felipe Reyes, o capitão do time de basquete, como se fosse fazer uma cesta.
— Quer jogar? Meu time tá com um a menos — ele perguntou, simpático, e ela ponderou o convite por alguns segundos.
— Pode ser — respondeu, dando de ombros, e arregaçou as mangas do casaco ao adentrar a quadra.
se juntou ao time de Reyes, o time contrário ao de , que estava no de Sergio Llull, e bastou ela tocar na bola pela primeira vez para que o partisse para cima dela. Ela soltou um gritinho e deu as costas para o namorado, protegendo a bola com seu corpo. a cercou por trás em meio a risos e, por ser mais alto, não teve dificuldade em esticar o braço e dar um tapa na bola, a tomando para si.
— Ei, isso não é justo! — a francesa reclamou enquanto , em meio a risos, saiu quicando a bola pela quadra.
correu, o seguindo, e jogou seu corpo contra o dele, dando um empurrão com o ombro que o fez se desequilibrar e perder a posse da bola. Ela se adiantou para pegá-la e a jogou na direção de James Rodríguez, que estava em seu time.
— Isso vale? Cadê o juiz pra expulsar ela do jogo? — disse , implicante, e mostrou a língua em resposta.
A partida terminou com uma vitória do time de Reyes e ela aproveitou a oportunidade para pedir ao jogador que a ensinasse a realizar o arremesso corretamente. No entanto, mesmo o espanhol mostrando exatamente como flexionar os joelhos e saltar, além da movimentação ao arremessar a bola, ela não conseguiu fazer nem uma cesta em suas tentativas.
— Desisto. Eu nunca fui boa em basquete mesmo — falou, conformada, e uma ideia passou por sua cabeça em seguida. — Será que consigo de costas?
— Se acertar, eu pago um jantar pra você e pro no restaurante que vocês quiserem — Toni Kroos falou com um ar zombeteiro.
— Eu vou cobrar, hein? — ela falou antes de se posicionar e se concentrar para arremessar a bola.
Quando a jogou para trás de qualquer jeito, Toni arregalou os olhos. Ela se virou rapidamente, pensando ter acertado a cesta, mas ele logo começou a gargalhar por tê-la enganado.
— Não foi dessa vez, francesinha.
— Você fez tudo certo, só precisa praticar — disse Sergio Llull e esboçou um sorriso em agradecimento.
— Ok, vou pensar na possibilidade de aprimorar meu talento. Vai que eu descubro que tô no esporte errado? — ela brincou, rindo.
Depois de o treino um pouco fora do comum ser finalizado, e deixaram a Ciudad Real Madrid juntos no carro do , seguindo o de Raphaël Varane. O primeiro filho dele com sua esposa Camille tinha nascido durante a viagem do casal para Marbella e estava louca para conhecê-lo.
— Olá, mais nova mamãe — ela disse ao adentrar a casa dos Varane, encontrando Camille terminando de amamentar o filho.
— Oi, . Tudo bem?
— Tudo ótimo, e com você? Esse bonitinho tá dando muito trabalho? — perguntou, se sentando no braço da poltrona para observar o bebê de perto.
— Que nada, por enquanto tem sido um anjinho — respondeu Cami enquanto admirava o rostinho do filho com um brilho nos olhos.
— Ele só dorme, chora e mama — brincou Varane. — Pra falar a verdade, não temos conseguido dormir direito, mas, como isso tudo ainda é novidade, levantamos às 3h da manhã com um sorriso de orelha a orelha quando ele chora.
— Que papais babões você tem, hein? — disse espirituosamente para o menino, que a fitava com os olhinhos curiosos. — Posso segurar ele, Cami?
— Claro. — Ela, cuidadosamente, entregou-lhe o bebê.
— Faz tempo que não pego um recém-nascido no colo — comentou, rindo levemente. — Oi, pequeno Ruben. Você é uma gracinha, sabia?
estava um pouco de lado, pois os outros três se comunicavam em francês, mas tinha uma noção do que estava acontecendo, especialmente quando viu a namorada falar com uma vozinha fina com o bebê. Não pôde evitar sorrir enquanto observava a cena. Não era novidade que levasse jeito com crianças, pois já tinha a visto interagir com os filhos de Kroos, Modrić e também com seus sobrinhos, mas, por algum motivo, vê-la segurando um bebê recém-nascido o fez imaginar como seria se, um dia, eles dois tivessem um filho. Tais pensamentos permaneceram em sua cabeça mesmo depois que deixaram a casa de Varane e seguiram rumo a La Finca.
Um silêncio confortável preenchia o automóvel. estava quieta, um pouco cansada, observando as ruas pela janela, quando escutou o namorado chamá-la pelo apelido e virou a cabeça para fitá-lo.
— Você pretende ter filhos? — ele questionou com naturalidade, como um assunto corriqueiro.
— — ela começou, rindo levemente —, até, sei lá, três meses atrás, eu não tinha a intenção nem de firmar um relacionamento com alguém tão cedo.
— Mas nunca pensou na possibilidade?
— Ah, em algum momento da minha vida já pensei no assunto — respondeu, dando de ombros. — Acho que vai demorar, mas eu quero ter filhos sim. Só não tenho muita certeza de que vou ser uma boa mãe.
— Tá brincando, né? As crianças te adoram.
— Se dar bem com crianças é diferente de colocar uma no mundo e ensinar a ser uma pessoa do bem. É muita responsabilidade.
— É verdade, mas eu acho que você faria um ótimo trabalho.
esboçou um sorriso em resposta à confiança que parecia sinceramente depositar nela.
— Eu não vou nem te fazer a mesma pergunta, você tem toda a pinta de quem quer formar uma família — falou, fazendo o namorado rir nasalmente.
— Isso é ruim?
— De forma alguma, ainda mais conhecendo a família da qual você veio. Eu não esperaria menos do que você querer ter filhos e passar os mesmos ensinamentos que seus pais te passaram pra eles. O mundo precisa de mais seres humanos como vocês — ela disse, sincera, e sorriu.
— Teve uma época que Emma e eu tentamos, mas já estávamos distantes na época, então não deu em nada. Pouco depois terminamos. Eu pensei que um filho poderia melhorar as coisas entre nós.
— Acho que o pior erro que se pode cometer em um relacionamento é tentar salvá-lo com uma criança.
— Me dei conta disso a tempo — ele falou, rindo sem graça.
— Mas por que você levantou esse assunto? O neném do Varane despertou seu instinto paternal? — perguntou, sorrindo, e o observou dar de ombros.
— É, eu fiquei pensando como seria se tivéssemos um filho.
— Já pensou se essa criança odiasse futebol? Seria engraçado — ela disse e soltou uma risada que fez rir junto. — Mas acho que seria ainda pior se quisesse ser jogador. Imagina a pressão que sofreria por ser filho do e sobrinho-neto do Zidane. E se ainda fosse afilhado do Benzema?
— Eu não queria estar na pele do… Qual seria o nome dele?
— Gosto de Patrick e Victor — falou, dando de ombros.
— Victor é legal — ele disse, sorrindo. — Eu não queria estar na pele do Victor.
— Seria melhor se tivesse o gênio mais parecido com o seu, porque seria um príncipe, nem ligaria pras críticas.
— Se fosse parecido com você, usaria as críticas como motivação pra mostrar pra todo mundo que pode ser melhor do que eu, Zizou e Karim juntos.
Os dois riram e se encararam por alguns segundos quando parou o carro em frente à cancela do condomínio.
— É, acho que, se eu e você tivermos filhos, vamos colocar pessoas incríveis no mundo — constatou e pôde notar os olhos do namorado sorrirem. Isso a fez sentir um frio gostoso na barriga.
— Também acho.
adentrou o condomínio quando a passagem foi liberada e os dois permaneceram imersos em um silêncio até ele estacionar o carro na garagem de casa.
— Mas e se fosse uma menina? — ele perguntou, abraçando-a de lado quando os dois caminhavam até a porta de entrada.
— Poderia ser jogadora de futebol também, ué. Seria a melhor do mundo.
— Às vezes eu tenho vontade de matar o Rémy. Não sei por que ele precisa ser tão irritante.
— Vocês ainda vão acabar se casando um dia.
Era sábado à noite e conversava com Margot pelo celular enquanto passava a mão livre pelos fios de cabelo de distraidamente em um carinho. Fazia pouco tempo que o casal tinha voltado de Bilbao, onde o Real Madrid havia disputado uma partida contra o Athletic Club. O time madridista deixou o estádio San Mamés com mais três pontos conquistados no campeonato espanhol, além de ter sido o jogo de volta de depois das duas partidas de suspensão. Seus olhos estavam perdidos na televisão ligada, mas ela nem prestava atenção no filme que o tinha escolhido para assistir.
— Eu pensei que você fosse minha amiga! Para de desejar desgraça pra minha vida.
— Ai, Margot… Só tô falando a verdade. Essa implicância toda que vocês têm um com o outro é amor enrustido.
— Se eu o amasse tanto assim, não teria terminado nosso namoro.
— Você não terminou por não gostar dele, mas, sim, porque sentiu a necessidade de viver outras experiências. É diferente.
— Só porque tá aí vivendo seu conto de fadas com o príncipe , agora pensa que entende tudo de amor.
— Mais ou menos isso — concordou em meio a risos. — Mas não foi pra dar conselhos amorosos que eu te liguei, foi pra perguntar se você quer passar uns dias aqui em Madrid semana que vem. Vou ter mais de uma semana de folga, porque os jogadores vão disputar umas partidas com suas seleções.
— Só tá me convidando porque o vai jogar com a Seleção e você não vai poder ficar se pegando com ele dia e noite, né?
— Que injustiça! Não é nada disso, tô com saudade de você.
— Sendo assim, posso pensar no seu caso.
— Ah, vem sim, Margot. Vai que o cara que vai te fazer esquecer o Rémy de uma vez por todas é um espanhol?
— Vou fingir que não escutei tamanho absurdo, Zidane.
soltou uma gargalhada e olhou de relance para o namorado, só então notando que ele estivera a encarando durante todo aquele tempo.
— Que foi? — ela perguntou, afastando um pouco o celular da boca.
— Ei, não me ignora pra falar com seu namoradinho não — Margot debochou ao escutá-la se dirigir a em inglês.
— Nada, só tô te olhando — ele respondeu com um pequeno sorriso nos lábios e deu de ombros.
— Então você vem mesmo, Margot? Posso pagar sua passagem se precisar.
— Aí a coisa muda de figura — ela disse em um tom divertido. — Tô brincando, não precisa. Só vou ver se dá mesmo pra tirar uns dias de folga lá no trabalho.
— Tenta vir na terça, aí tem amanhã e segunda pra resolver as coisas.
— Beleza, mas amanhã já te dou a resposta.
— Ok. Vou desligar então, hoje o dia foi cansativo. Boa noite.
— Boa noite. Manda um abraço pro .
— Mando sim — disse, rindo levemente. — Tchau.
Ela finalizou a chamada e deixou o celular sobre o criado-mudo antes de se voltar para novamente.
— Margot te mandou um abraço — falou, encontrando os olhos dele ainda a fitando como se ela fosse a coisa mais interessante do mundo. — Por que tá me encarando desse jeito?
— Você fica tão sexy falando francês — ele respondeu, fazendo-a rir.
— Você acha?
— Na verdade, você fica sexy de qualquer jeito — falou, subindo a mão com a qual ele a abraçava pela cintura até um dos seios dela, coberto apenas por uma camiseta larga da Adidas. Passou suavemente o polegar pelo bico, mostrando suas intenções, e fazendo o mesmo se enrijecer.
— Você não tá cansado? Correu feito um condenado no jogo — disse, surpresa por ele estar sugerindo fazer sexo naquela noite em que ela pensou que apenas fossem ficar deitados juntinhos, descansando e apreciando a presença um do outro. No entanto, seu corpo já começava a dar sinais de que ela queria o mesmo que ele.
— Nem um pouco.
— Acho que eu criei um monstro — ela brincou, rindo levemente. — Onde foi parar aquele que morria de vergonha de transar comigo?
— Não era vergonha, era só… cautela.
— Tinha medo que eu te atacasse?
— Pelo contrário — falou genuinamente. — Eu cheguei num ponto que só conseguia pensar em transar com você, já estava ficando louco.
— Uau — disse, soltando um risinho. Estava admirada por vê-lo falar abertamente sobre seus desejos de quando ainda não eram namorados. — Nossa primeira vez correspondeu às suas expectativas?
— Foi ainda melhor do que eu imaginei — ele falou e deu uma pausa de poucos segundos, na qual ponderou suas próximas palavras antes de continuar. — Eu nunca te contei isso, mas, logo na primeira semana que começamos a trabalhar juntos, você chamou minha atenção, e... bom, eu já estava há vários meses sem dormir com ninguém, então… eu tive um sonho — confessou, um pouco sem jeito.
— Um sonho erótico?
— Era um dos motivos pelos quais eu te evitava. Eu lembrava do sonho toda vez que te via.
— Hm… — murmurou e mordeu um sorriso enquanto deslizava suavemente as unhas pela nuca do namorado. — Me conta como foi esse sonho.
compreendeu a intenção dela e sentiu a adrenalina correr pelo corpo só de repassar, em sua mente, as cenas com as quais havia sonhado.
— Eu cheguei no meu quarto em Valdebebas e você estava lá. Veio até mim e me deu um beijão. De repente, suas roupas sumiram e você ficou... completamente nua — ele narrou sem pressa, enfiando uma das mãos sob a camiseta que vestia, e a deslizou suavemente pela barriga e cintura dela antes de ir descendo. — Eu fui beijando todo o seu corpo até que… — disse, acariciando o ponto quente entre as pernas dela, sobre o tecido fino da calcinha.
Um sorriso brincou nos lábios de sem que ela desviasse os olhos dos dele, mas os dois saíram da bolha em que estavam quando uma batida na porta os sobressaltou.
— ? ? — a voz de Amelie chamou do corredor.
Ele se afastou e enfiou o rosto no travesseiro macio, frustrado. riu da reação dele e respirou fundo, se recompondo.
— Pode entrar, Lalie! — exclamou, se ajeitando sob o cobertor.
— Atrapalhei vocês? — ela perguntou, pondo apenas a cabeça para dentro do quarto, e murmurou algo incompreensível contra o travesseiro.
— Não, tudo bem. Precisa de alguma coisa?
— O Cris tá vindo me pegar pra gente ir jantar. Vocês não querem ir também?
— Não queremos, não!
— ! — o repreendeu, rindo. — Obrigada por chamar, Lalie, mas vamos ficar por aqui mesmo, descansando. Podemos combinar outro dia.
— Tudo bem — ela disse e não pôde evitar soltar um risinho. — Podem continuar… o que estava rolando aí.
Amelie sumiu tão rápido quanto apareceu, os deixando novamente sozinhos. Por alguns segundos, o único som que preencheu o quarto foi o da televisão ligada, até que soltou um suspiro audível.
— Eu estava indo tão bem... — ele lamentou.
— Estava mesmo — falou, rindo levemente. — Eu andei pensando e… Você podia ir me encontrar em Paris depois do seu jogo contra a Irlanda, para aproveitarmos juntos os últimos dias da pausa pros jogos internacionais. O que acha?
— Claro. Por que não?
— Combinado. Mas ainda quero saber como seu sonho terminou — ela disse, deitando de lado na cama, e entrelaçou suas pernas às do namorado antes de guiar uma das mãos dele até sua bunda. — Me mostra.
nada respondeu, apenas grudou seus lábios aos de em um beijo sedento ao mesmo tempo que puxou a peça íntima sob sua mão para baixo.
O shopping, mesmo sendo um dos principais de Madrid, estava tranquilo naquela tarde de quarta-feira. e Margot tinham decidido dar um passeio por ali depois do almoço e entravam e saíam de diversas lojas, o que contribuía para que a quantidade de sacolas que elas levavam crescesse cada vez mais.
— Pensei que você fosse celebridade aqui em Madrid — Margot comentou quando as duas caminhavam pelo corredor do shopping, olhando algumas vitrines.
— Não é todo mundo que conhece os auxiliares dos times — respondeu, dando de ombros. — Chamo mais atenção quando tô com , sozinha é bem tranquilo.
— Mas os espanhóis são de assediar muito?
— Jogadores de futebol no geral até que não, dá pra fazer coisas pela cidade quase como uma pessoa comum. Os torcedores procuram eles mais no centro de treinamento e no estádio mesmo. Acho que cantores e outras celebridades sofrem mais.
— Que bom, porque o parece ser bem tranquilo — observou Margot e meneou a cabeça, concordando.
— Tranquilo até demais pro meu gosto — ela brincou, rindo levemente.
— Tinha mesmo que aparecer alguém pra te botar na linha — a outra debochou e riu quando fez uma careta, reprovando o comentário. — Você nem tem saído à noite mais, né?
— Pior que não, eu e praticamente só saímos pra jantar — respondeu, só então notando como sentia falta de dançar a noite toda, sem se preocupar com mais nada além de só deixar a pista de dança quando seus pés não aguentassem mais. — Posso te levar numa boate mais tarde. O que acha? Vejo se o Karim e a Lalie também querem ir. Vai ser divertido.
— Benzema ainda tá fora da Seleção?
— E nem vai voltar tão cedo. Não com o Deschamps no comando.
— Que pena, mas ele se mete em cada furada também, hein?
— Acho que aprendeu a lição depois de tanta polêmica — disse, distraída com as vitrines, e uma ideia estalou em sua cabeça ao avistar a loja que nem sabia que estava procurando, mas que era tudo o que ela precisava naquele momento.
— Gostei da ideia de a gente sair. Já tenho onde usar meu vestido novo — disse Margot, levantando uma das sacolas que segurava.
— Daqui a pouco mando uma mensagem pros dois então. Antes, vamos dar um pulinho ali na Victoria's Secret. vai me encontrar em Paris no fim de semana, quero comprar umas coisinhas.
— Hm — murmurou Margot em um tom malicioso —, tá planejando matar o coitado do do coração.
piscou um olho com um sorriso travesso estampado no rosto e entrelaçou seu braço ao da amiga, a puxando consigo na direção da loja. Uma vendedora as recepcionou e, após dizer que estava em busca de lingeries, as levou até o setor da loja em que a coleção nova estava exposta.
A dupla gastou quase uma hora na loja e, além de quatro conjuntos novos de lingerie, saiu de lá também com uma camisola transparente de renda, uma loção corporal e um perfume. Estava tão ansiosa para usar suas comprinhas com dali a alguns dias que não pôde se controlar e, enquanto ela e Margot se arrumavam para ir à boate, pegou o celular e digitou uma mensagem para ele.
Esperou, inquieta, pela resposta enquanto terminava de fazer a maquiagem em frente ao espelho. O aparelho logo vibrou.
não pôde evitar rir de sua inocência. Tirou a lingerie azul clara que comprara de dentro da sacola da Victoria's Secret e foi até o closet, onde se despiu do pijama que estava usando enquanto não tomava uma decisão sobre a roupa que usaria para sair. Vestiu o conjunto de calcinha e sutiã que contrastava com seu tom de pele e voltou para o quarto. Margot, que fazia escova no cabelo, assobiou ao vê-la.
— Por muito pouco eu não duvidei da minha sexualidade nesse momento.
— Ridícula — disse, rindo, e estendeu o celular para a amiga. — Tira uma foto minha, por favor.
— Você tá pretendendo mandar nudes pro seu namorado? — questionou Margot e ela meneou a cabeça, assentindo, com um sorriso divertido nos lábios. — Adorei.
apagou a luz do quarto, deixando apenas a do closet acesa, e fez uma pose de costas, apoiada no batente da porta do banheiro, de forma a fazer com que o que mais chamasse atenção na imagem fosse sua bunda, moldada pela parte de baixo da lingerie.
— Você é profissional — disse Margot antes de se aproximar e devolver o celular para ela.
riu levemente e, satisfeita com o resultado, voltou a acender a luz do quarto antes de abrir a conversa de mais uma vez.
Ele estava online, curioso, e não demorou a responder.
A foto foi enviada e, junto dela, a legenda: “Isso é só uma prévia do que te espera em Paris 😏”.
Em , os olhos do se arregalaram ao ver do que se tratava a imagem que tinha acabado de receber e, imediatamente, ele bloqueou a tela do celular. Olhou em volta para ter certeza de que seus colegas de seleção não estavam por perto e voltou a ligar o aparelho para enviar uma resposta.
A verdade é que ficou bastante frustrado por estar tão longe enquanto ela estaria linda, rebolando na pista de dança e com aquela lingerie por baixo da roupa.
prometeu para si mesma que não tocaria no celular até estar de volta em casa ou acabaria cedendo à tentação de trocar mensagens com . A intenção era aproveitar que ele estava longe, concentrado com a Seleção , para curtir a noite com os amigos. Fazia mais de ano que ela e Margot não saíam juntas, algo que costumava ser frequente quando ela ia a Marselha na época que treinava o time feminino do PSG, e a oportunidade precisava valer a pena. Seguida por Amelie, Karim e, é claro, Margot, adentrou a mesma casa noturna onde havia comemorado seu último aniversário com as pernas expostas pela saia curta de cintura alta e cheia de vontade de beber e se acabar na pista de dança.
O primeiro destino do grupo, naturalmente, foi o bar e cada um dos quatro saiu com um drinque em mãos. Se sentaram em uma área à parte, repleta de sofás e mesinhas, onde podiam conversar enquanto estudavam o local.
— Ei, Lalie, vamos achar um espanhol pra Margot — anunciou, cruzando as pernas.
— É claro! Tem alguma preferência? — a fisioterapeuta perguntou, deixando a taça sobre a mesinha.
— Acho que eu tenho capacidade de arranjar alguém por minha conta — Margot retrucou, rolando os olhos, e deu um longo gole em seu drinque.
— Deixa de ser chata, vamos nos divertir — disse, dando um tapinha no braço da amiga, e apontou para um grupo de rapazes que conversavam perto do bar. — Que tal aquele moreno de jaqueta de couro?
— Uau — Lalie falou, admirada. — O que tá ao lado dele também não é de se jogar fora, hein?
— Não faz muito meu tipo. Nenhum dos dois — disse Margot e, em seguida, recebeu olhares descrentes das outras duas. — É sério. São bonitos, mas nada demais.
— Eu devia ter pensado que sair com três mulheres seria uma furada — falou Karim, arrancando gargalhadas delas. — Alguém quer alguma coisa do bar?
— Traz mais um desse pra mim, por favor — pediu, mostrando a taça já praticamente vazia, e deu um último gole antes de entregá-la para o amigo.
Benzema foi até o bar, voltou e as três continuaram a comentar sobre os caras que frequentavam a Banloo naquela noite por longos minutos, enquanto bebiam e curtiam as músicas que tocavam.
— O que você acha daquele de camisa azul? — perguntou. — Não o de calça jeans. O outro, que tem a barba bem cheia.
— Acho que ele deu uma olhadinha pra cá. Vai fundo, Margot — Lalie disse, rindo.
— Não faz meu tipo.
— Qual é o seu tipo então? — Karim indagou, tirando os olhos da tela do celular. — Já é o milésimo cara que você diz que não faz.
chegou a abrir a boca, mas, antes que pudesse dizer qualquer coisa, foi interrompida.
— Zidane, ai de você se falar o nome daquele idiota — Margot disse, lançando um olhar cortante para a amiga, que soltou uma gargalhada.
— Eu nem ia dizer nada.
— Ah, então isso tudo tem a ver com um amor mal resolvido? — questionou o atacante do Real Madrid, finalmente entendendo por que estava tão empenhada em arranjar uma companhia para a amiga. Levantou o copo como em um brinde. — Bem-vinda ao clube.
— É, mas é um caso menos complicado do que o seu. Só depende de ela admitir que ainda gosta do Rémy — explicou, dando de ombros.
— O amigo de vocês? — Karim perguntou, surpreso.
— É, ele e a Margot namoraram quando mais novos.
— E o que aconteceu? Por que terminaram? — questionou Lalie com curiosidade.
— Porque o namoro estava chato, os dois acomodados, e eu estava a fim de beijar outras bocas. — Os três riram da maneira sucinta com que Margot expôs a situação.
— É um bom motivo — Benzema a apoiou.
— O problema é que, mesmo depois de anos separados, eles ainda se gostam e vivem implicando um com o outro — falou e riu, balançando a cabeça negativamente ao se lembrar de como os dois amigos costumavam agir, sempre se alfinetando e fazendo de tudo para chamarem a atenção um do outro.
— Conversa com ele antes que seja tarde demais, Margot. Tô te falando por experiência própria — ele disse honestamente.
— Deus me livre! — ela exclamou ao mesmo tempo que fez o sinal da cruz. — Eu não gosto mais dele, a que cisma com isso.
— É sério, eu vou rir tanto no dia que você e o Rémy voltarem. Enquanto esse dia não chega, vamos nos divertir um pouquinho. Tô cansada de ficar aqui sentada. — se levantou, ajeitando a saia no corpo.
— Aleluia! Pensei que ninguém ia tomar a iniciativa — Lalie falou e foi a primeira dos outros três a se levantar também.
A pista de dança estava lotada e, para variar, o que tocava era reggaetón. Não que qualquer um dos quatro fosse reclamar, pois, mesmo Margot, que não entendia nem metade do que as músicas diziam, logo estava mexendo o corpo de acordo com a batida tipicamente latina.
se permitiu esvaziar a mente enquanto dançava, tarefa que foi facilitada pela quantidade considerável de álcool que já tinha ingerido até então. Naquele momento, não queria se lembrar de todos os jogos importantes para os quais o time precisava se preparar a partir da semana seguinte e muito menos das questões mal resolvidas que tinha com os pais, suas duas principais dores de cabeça nos últimos dias. Mesmo que acompanhada por Karim, Margot e Lalie, tomou aquele momento para si, abusando do gingado de seus quadris para rebolar até começar a sentir as primeiras gotas de suor se formarem.
Estava tão concentrada em seus próprios movimentos que só notou os olhares que recebia de um homem que estava bem ao seu lado, com um grupo de amigos, quando esbarrou o braço no dele sem querer. virou a cabeça na direção do rapaz, esboçou um meio sorriso, se desculpando, e continuou a dançar. Entretanto, poucos segundos depois, se sobressaltou ao sentir o corpo dele bem próximo ao seu.
— Quer beber alguma coisa? — a voz grossa perguntou ao pé de seu ouvido, a fazendo se arrepiar ao sentir o hálito fresco bater em sua pele quente.
— Não, obrigada — foi o que respondeu mesmo que, de fato, estivesse morrendo de sede. Tentou manter a cordialidade, mas sem dar abertura para outra investida. O homem pareceu entender, pois proferiu um “tudo bem” e saiu de perto.
Ela riu consigo mesma e se aproximou de Karim, se apoiando no ombro dele. O chamou para ir até o bar e avisou Margot e Lalie, que apenas concordaram e seguiram envolvidas pela música que tocava. Os dois pediram cada um uma cerveja e se recostaram no balcão enquanto bebiam.
— Não viu ninguém interessante por aí? — perguntou, escorregando para mais perto do jogador, que parou com o copo a meio caminho da boca.
— Nem reparei. Hoje tô só acompanhando vocês mesmo — ele respondeu, a olhando de canto de olho, e deu uma golada na bebida gelada.
— Te chamei pra se divertir, não pra tomar conta da gente.
— Tô me divertindo com vocês — rebateu com um sorrisinho esperto.
— Saiu com alguém do Rendezvous esses dias? — ela perguntou, presumindo que aquele era o motivo de ele não querer ficar com ninguém naquela noite.
— Essa semana não, tô dando um tempo — Karim respondeu, dando de ombros, e estranhou a resposta.
— Um tempo?
— Você vai me achar maluco se eu disser que sair com um monte de mulheres diferentes perdeu a graça?
se surpreendeu e encarou os olhos hesitantes do melhor amigo por alguns segundos, mas logo um sorriso despontou em seus lábios.
— Claro que não, tudo nessa vida é fase. Às vezes é legal ficar com um monte de gente, às vezes o sexo não é o suficiente... — respondeu, dando de ombros. — Engraçado que eu estava pensando sobre isso ainda pouco, porque um cara chegou em mim ali na pista.
— Eu vi você dispensando ele.
— Se fosse outra época, eu estaria com a minha língua na garganta dele nesse momento. O cara era muito gato — confessou, fazendo Karim rir levemente. — Isso me fez reparar que não senti falta de ter alguém pra beijar hoje, fosse um desconhecido, caso eu estivesse solteira, ou mesmo meu namorado. Beber e dançar na companhia dos meus amigos já tá fazendo valer a saída.
— Mas é porque você já tem alguém pra fazer sexo quando quiser, não? — ele perguntou e deu alguns goles na cerveja enquanto refletia sobre aquilo.
— Talvez, mas eu não acho que é só isso. Eu me sinto numa fase diferente da minha vida. Acho que a mesma coisa tá acontecendo com você depois de se dar conta de como a Chloé te fazia bem.
— Mas a Chloé não quer mais saber de mim — Benzema rebateu com ironia.
— É, mas daqui a pouco vai aparecer alguém. Não vou fazer todo aquele discurso de novo — disse, revirando os olhos, o fazendo soltar uma risada.
O assunto foi encerrado e pouco depois Lalie surgiu do meio da multidão e se juntou a eles, pedindo um drinque ao barman.
— Cadê a Margot? — perguntou ao olhar em volta e perceber que a outra não a acompanhava.
— Encontrou o espanhol dela — a fisioterapeuta respondeu com um sorrisinho sugestivo nos lábios.
Parte da família Zidane estava reunida na casa de Zinédine e Véronique para comemorar o aniversário de 22 anos de Enzo. A sala de estar estava uma confusão, todos espalhados pelo cômodo, conversando e degustando os comes e bebes providenciados pelos anfitriões. Na televisão, passava o jogo da Seleção contra a Irlanda, uma partida que valia três pontos nas eliminatórias para a Copa do Mundo que seria disputada no ano seguinte. Enzo e seus amigos quiseram jogar videogame, mas acabou por tomar conta da TV e não podia conter a euforia toda vez que via seu namorado driblar os adversários e chutar a bola na direção do gol.
Ela só desviou os olhos da televisão quando viu Luca adentrar a casa acompanhado por uma garota baixinha de cabelos compridos e não levou mais do que meio segundo para juntar A com B e concluir que aquela era a tal Beatriz. Observou o primo guiá-la pela sala de estar, a apresentando a cada um por quem os dois passavam, até, por fim, pararem em frente a ela.
— Essa é a , minha prima.
— Olá — falou com um sorriso simpático e se pôs de pé para cumprimentar a garota com um beijo em cada lado do rosto. — Beatriz, né? Muito prazer.
— O prazer é meu. O Luca fala bastante de você.
— Ele também fala bastante sobre você — ela rebateu, piscando um olho, e não pôde deixar de notar o rosto da mais nova ficar levemente avermelhado enquanto, nos lábios dela, despontou um sorrisinho sem graça. — Ah, essa daqui é a Margot — acrescentou quando viu a amiga se aproximar com uma taça de champanhe. — Senta aí, gente. está jogando com a seleção.
— Como tá o jogo? — Luca perguntou enquanto se acomodava no sofá ao lado de Beatriz.
— Uma porcaria — Margot respondeu sem muito interesse, pois não era a maior fã de futebol.
— Não tá uma porcaria nada. Eles estão pressionando bastante a Irlanda, mas o bendito gol não sai de jeito nenhum. Ah, agora vai!
A empolgação de acabou chamando a atenção de toda a sala para a televisão. O árbitro tinha acabado de apitar uma falta a favor da Seleção .
— Daí é gol — Zinédine falou da rodinha em que estava com os irmãos, conversando. — É bem onde o gosta.
Tal fato ficou evidente na confiança com que o pegou a bola para cobrar a falta. O juiz mostrou o cartão amarelo para o jogador adversário antes de demarcar o limite da barreira com o spray, enquanto estudava o posicionamento do goleiro e dos jogadores adversários. Ele tomou a distância necessária, respirou fundo ao ouvir o apito do árbitro soar, e deu uma corridinha antes de chutar a bola.
— Ai, que droga — murmurou e afundou no sofá, frustrada, quando o goleiro espalmou a bola, a tirando de jogo pela linha de fundo.
— Bea, quer beber alguma coisa? — ouviu Luca perguntar da outra ponta do sofá.
— Pode ser refrigerante.
O jogo se aproximava do fim e, percebendo que o mesmo estava fadado a terminar com o placar zerado, acabou se conformando e dividindo sua atenção, que estava inteiramente voltada para a televisão até então, com a reunião que acontecia à sua volta. Viu Luca voltar e entregar um copo para Beatriz, que agradeceu com um sorriso, e vez ou outra observava os dois, que estavam envolvidos em uma conversa paralela a todo o resto dos presentes.
Era impossível não sorrir e se alegrar com a cena. estava aliviada por vê-lo se esforçar para seguir em frente e deixar Lola de uma vez por todas no passado, permitindo que uma garota legal entrasse em sua vida. Não teve muitas oportunidades de conversar com Beatriz e conhecê-la melhor naquele dia, mas Luca vinha a mantendo informada ao longo das três semanas em que os dois estavam se encontrando com frequência e já havia garantido que ela tinha algo especial que ele não sabia explicar.
Eles acabaram levando três encontros para dar o primeiro beijo, mas as coisas estavam acontecendo naturalmente desde então. Ainda não era um namoro, com o pedido e a aliança de compromisso sobre os quais Luca havia pedido a opinião da prima alguns dias antes, mas ele já se sentia à vontade para levá-la ao aniversário do irmão com a família toda reunida, por exemplo. Bea, como carinhosamente era chamada pelo garoto, vinha fazendo muito bem a Luca, inclusive o ajudando a lidar melhor com a lesão no ombro e todo o tempo que levaria para se recuperar. só tinha motivos para acolher a garota de braços abertos.
No final da noite, se sentou na varanda para comer um pedaço do bolo de aniversário de Enzo enquanto trocava mensagens com . Ele parecia bastante desapontado com o empate, vendo a situação começar a se tornar complicada para que a Seleção conseguisse a tão sonhada vaga para disputar a Copa do Mundo, e ela tentou enviar algumas palavras de consolo. Eles também combinaram os últimos detalhes para se encontrarem no dia seguinte em Paris antes de se despedirem.
Ela acabou ficando por ali mais alguns minutos, curtindo o friozinho da noite, enquanto pensava em tudo e nada ao mesmo tempo.
— Ei, menina. Tá fazendo o que sozinha aqui fora?
A voz feminina fez olhar na direção da porta de vidro.
— Observando a noite — respondeu, esboçando um sorriso fraco.
— Então vou te fazer companhia — Lila disse e ocupou uma das cadeiras vagas. — Como estão as coisas lá no Real Madrid?
— Por enquanto, saindo melhor do que eu pensava. Só tô um pouco preocupada com a Champions. Não sei se você viu que a gente caiu com o Bayern no sorteio das quartas de final.
— Eles também devem estar preocupados por terem caído com o Real Madrid.
— Pensando por esse lado… — falou, rindo levemente. — Mas faz parte, né? Estou em um dos maiores clubes do mundo, tenho que saber lidar com esses jogos.
— É assim que se fala. Eu tô muito feliz de ver você seguindo pelo caminho que sempre quis e fazendo um ótimo trabalho. O Zizou, falando de como tem sido trabalhar com você, chega a ficar com os olhos brilhando de orgulho.
— Não que tenha sido muito difícil, olha os jogadores que a gente tem... Mas tô satisfeita de estar atingindo as expectativas de quando fui contratada.
— Você ainda vai longe, . Pode ter certeza — Lila falou, segurando a mão da sobrinha estendida sobre a mesa, e as duas sorriram uma para a outra. — Fiquei sabendo sobre a conversa que você teve com a sua mãe. Véronique me contou.
— Tia Vero é uma fofoqueira — murmurou , pega de surpresa pela mudança brusca de assunto.
— A gente conversa sobre você às vezes. Fico preocupada, , você sabe que eu nunca fui a maior fã da sua mãe.
— Ela não colabora muito.
— Eu sempre soube que a Sylvie se casou com o Nourredine por interesse, mas ele estava cego, de quatro por ela, e não escutou ninguém. A gente acabou a aceitando com o tempo, ainda mais depois que você nasceu, a princesinha da família…
Lila tinha um sorriso maternal ao recordar a época do nascimento de e a alegria que aquele bebê trouxe consigo ao vir ao mundo. Havia sido a primeira neta de Smail e Malika, a primeira sobrinha dos irmãos de Nourredine, e isso fez com que ela fosse muito paparicada até o nascimento de Mehdi, seu primo, quando tinha quase dois anos de idade.
— Uma filha que nenhum dos dois queria realmente — acrescentou e soltou um longo suspiro. — Ela diz que passou a amá-lo com o passar do tempo, mas… será? Sinto mais do que nunca que vivi em meio a uma farsa durante a minha vida inteira.
— Você não tem que tomar pra si os problemas de casal dos seus pais. Eles são bem grandinhos, já eram quando decidiram se casar e nenhum dos dois obrigou o outro a nada.
— Eu sei, mas não consigo simplesmente ignorar. Sempre julguei minha mãe por ter abandonado os sonhos dela por vontade do meu pai, e ele por ser tão machista. Agora descubro que esse casamento foi como uma salvação pra vida dela. Não sei se devo sentir pena deles ou o quê… Por um lado, me sinto decepcionada; por outro, culpada. Eu tô bem confusa, tia.
— Você não tem que odiar, nem sentir pena dos seus pais. Muito menos se culpar por qualquer coisa. Foram escolhas que eles fizeram — Lila falou com um meio sorriso. — Vejo mais como uma oportunidade de ter uma relação melhor com eles daqui pra frente.
— É, já foi bem diferente quando eles vieram conhecer os pais do semana passada. Quer dizer, em relação à minha mãe — acrescentou, fazendo uma careta. — Acho que ela finalmente caiu na real que eu tenho opiniões e gostos diferentes dos dela e que isso nunca vai mudar. Com meu pai foi a mesma coisa de sempre. Tenho vontade de conversar, mas não sei como chegar nele. Nunca soube.
— Tudo tem seu tempo, . Um passo de cada vez.
esboçou um sorriso em agradecimento às palavras da tia, com quem ela tinha uma ótima relação também, e se despediu antes de subir até o quarto. Margot estava tomando banho depois de ter refeito a mala para ir embora no dia seguinte e aproveitou para arrumar a sua também. As duas pegariam um voo juntas para Paris e ela ficaria em solo parisiense enquanto a amiga pegaria outro para Marselha.
Lila ainda ficou mais alguns minutos na varanda, perdida em pensamentos. Quando se levantou para adentrar a casa, estava determinada a procurar Nourredine quando voltasse para Marselha. Precisava ter com ele a conversa que nenhum de seus irmãos tinha coragem por ele ser o mais velho e não permitir a intromissão de ninguém em sua vida. Ela tinha seus motivos para não gostar de Sylvie. Motivos que, pelo bem de , preferia que ficassem escondidos debaixo do tapete como ao longo de todos aqueles anos, mas esperava que as coisas pudessem mudar. Para ela, era nítido que, por trás daquela mulher segura e determinada que tinha se tornado justamente por causa da falta de apoio dos pais, tinha uma garotinha que só queria poder se espelhar em Nourredine e Sylvie e ser motivo de orgulho para eles.
— Mãe, pai, tô indo pro aeroporto — falou ao descer a escada com uma mochila nas costas e seus pais não demoraram mais do que cinco segundos a aparecer no hall de entrada da casa.
— Vai com Deus, meu filho — disse Debbie, o envolvendo em um abraço apertado. — Manda um beijo pra .
— Mando sim — ele respondeu, sorrindo, e se aproximou de Frank para se despedir dele também com um abraço. — Tchau, pai.
— Tem certeza de que não quer uma carona?
— Tenho, não precisa se incomodar.
— Não é incômodo nenhum, mas não vou brigar com sua teimosia. Se cuida.
— Sempre me cuido — disse em um tom divertido. — Até a próxima.
mostrou um sorriso fechado para os pais antes de deixar a casa deles. Um táxi já o esperava, então ele adentrou o automóvel e baixou o vidro da janela para dar um último aceno antes de o motorista arrancar. No entanto, o caminho que ele indicou não foi o do aeroporto, e cerca de cinco minutos depois o carro parou em frente a uma bela casa de dois andares.
Depois de pagar a corrida, ele desceu do táxi e passou pelo portão aberto antes de caminhar calmamente até a porta de entrada e tocar a campainha. Ele ficou impaciente, olhando para os próprios pés, e, quando a porta foi aberta pouco mais de um minuto depois, seus olhos subiram para encontrar uma expressão que ele não foi capaz de decifrar no rosto de Emma.
— Oi — ele falou, mostrando um sorriso forçado.
— Ei, , entra — ela respondeu, indicando o interior da casa.
Entrou na casa que costumava ser seu refúgio nas viagens que fazia à cidade natal sempre que possível, onde ele e Emma podiam manter a privacidade como casal, e que, com o fim do namoro, acabou deixando para a ex-namorada. Foi inevitável não notar que o sentimento de acolhimento não tomou seu peito como acontecia no passado, mesmo que tudo estivesse exatamente igual. Ele não pertencia mais àquela casa.
— Não posso demorar muito, meu voo sai em menos de duas horas.
Emma o observava atentamente, estava bastante curiosa desde mais cedo, quando recebera a mensagem em que ele diz que precisavam conversar.
— Fique à vontade — ela disse, apontando para a sala de estar. — Quer beber alguma coisa?
— Não precisa, obrigado — ele respondeu e deixou a mochila sobre uma poltrona antes de se sentar ao lado de Emma no sofá.
Os dois ficaram se encarando por longos segundos, ambos com a mesma sensação de que estavam diante de um estranho, não de alguém que era um grande amigo há tantos anos.
— Como você está, Emma? — perguntou, quebrando o silêncio, e ela riu levemente.
— Acho que você não veio até aqui pra perguntar como estou, né? Pode ir direto ao ponto, não tem problema.
— Ter um assunto específico pra falar não me impede de querer saber se está tudo bem com você — ele falou, um pouco surpreso por se deparar com uma acidez que não conhecia.
— Faz um tempão que a gente nem se fala direito — Emma falou, levantando os ombros como se já tivesse se conformado com aquilo.
— Desculpa, é que foi tanta coisa acontecendo nesses últimos meses…
— Tudo bem, . Eu sabia que isso aconteceria quando você… encontrasse alguém — ela disse, desviando os olhos para as próprias mãos, que estavam bastante inquietas. — Sobre o que quer conversar?
— O salão de beleza… — ele respondeu cautelosamente. — Não me leve a mal, estarei à disposição pra qualquer coisa que vocês precisarem, mas não posso mais me envolver como quando a gente namorava.
— Com isso, você tá querendo dizer que...
— Que eu pretendo parar de ajudar com as despesas regularmente. O salão é seu, essa casa também, quanto a isso não precisa se preocupar. Você é uma pessoa muito importante pra mim, te considero da minha família.
Um silêncio tomou o ambiente. Angustiado, esperou por uma reação de Emma, que precisou de um tempo para se entender com os pensamentos e sentimentos que a tomaram.
— Você nem imagina como dói te ouvir falando isso. Sou especial, mas não o suficiente pra dividir a vida com você — ela enfim disse, deixando transparecer toda sua tristeza em seu tom de voz. — Eu estive do seu lado desde sempre, apoiei o seu sonho, te vi crescer... E, agora, você mal conheceu essa francesa e está feliz com ela de uma maneira que nunca foi comigo.
ficou sem palavras por um momento. Era a primeira vez que Emma se abria verdadeiramente desde que os dois não eram mais um casal, dando a entender que não estava tão bem quanto aparentava, e ele não tinha ideia do que falar ou fazer.
— Por favor, não leva pra esse lado — ele pediu em tom de súplica. — Nosso namoro foi especial enquanto durou, você foi meu primeiro amor, só não era pra ser. Você merece alguém que tenha mais a oferecer do que eu, alguém que te ame inteiramente.
— Eu sei que mereço, mas isso não faz doer menos — ela disse e riu levemente, um riso amargurado. Passou as mãos pelos olhos, secando as lágrimas que por pouco não caíram, e se recompôs. — Tudo bem, acho que a gente consegue tocar o salão com nossas próprias pernas. Minha mãe que é exagerada às vezes, você sabe, mas pretendo tomar as rédeas pra fazer funcionar.
— Obrigado por entender.
— De nada — Emma falou, mostrando um sorriso fraco. — Vai lá, . Você vai acabar perdendo o voo.
Meio hesitante, o jogador se levantou e voltou a pendurar a mochila nas costas antes de seguir a ex-namorada até a porta.
— Você vai ficar bem, né? — perguntou, desconfortável com toda a situação.
— Espero que sim — foi o que ela respondeu com um sorriso triste.
Os dois ficaram se encarando por alguns segundos e, de repente, as lágrimas que Emma tanto se esforçou para controlar escorreram por suas bochechas. sentiu um aperto no peito com a cena, mas, antes que pudesse tomar qualquer iniciativa de confortá-la, ela o puxou pela nuca e grudou os lábios aos dele.
O jogador ficou petrificado por um momento, sem saber como agir diante daquela situação totalmente inesperada, mas recobrou a consciência ao sentir o gosto de bebida alcoólica invadir sua boca.
— Emma, por favor… — disse, a afastando delicadamente.
— Desculpa — ela falou de olhos arregalados e deu um passo para trás, levando uma das mãos à boca.
Antes que pudesse dizer qualquer coisa, ela se virou para o lado e vomitou.
— Mon ami, mon amour, mon amant, j'ai juré.
Paradis Secret, da cantora francesa Jenifer, saía da caixa de som e cantava junto enquanto tomava um longo e relaxante banho de banheira com uma taça de champanhe que vez ou outra bebericava ao lado.
Mais cedo, quando adentrou seu apartamento na capital francesa, foi impossível ignorar as caixas empilhadas em um canto da sala de estar, então aproveitou a tarde livre para guardar seus pertences que tinham chegado de Marselha há algumas semanas, as roupas e objetos que ficavam em seu antigo quarto. Separou também duas caixas com coisas para doação e anotou mentalmente que as levaria para alguma instituição na segunda-feira, antes de voltar para Madrid. Por sorte, a moça que ia uma vez por semana para manter o imóvel limpo e arejado tinha estado ali no dia anterior, então ela não encontrou o apartamento abafado e com o típico cheiro desagradável de ambiente fechado por muito tempo.
Com tudo em seu devido lugar, , então, decidiu que era hora de cuidar de si mesma e se preparar para a chegada do namorado. Ela estava disposta a mostrar todo seu romantismo naquela noite, e não apenas por sentir que estava devendo momentos assim a , mas também por estar tomada pela vontade de preparar algo especial para os dois.
Saiu do banheiro enrolada em uma toalha e com outra na cabeça, protegendo seus fios de cabelo encharcados. Buscou pela loção hidratante adquirida na Victoria's Secret dias antes dentro da mala que ainda não tinha sido desfeita e passou a mesma por todo o corpo. Em seguida, vestiu sua nova lingerie de cor preta com um robe longo por cima e, antes de pegar o secador de cabelo, alcançou o celular que tinha deixado sobre a cama para checar quanto tempo faltava para o voo de pousar em Paris. Para seu espanto, encontrou seis ligações perdidas do próprio e imediatamente apertou o botão para iniciar uma chamada.
— Alô.
— Só vi suas ligações agora, esqueci de tirar o celular do silencioso. Onde você está?
— Espero que não fique chateada, mas tô em ainda. Acabei perdendo o voo.
— Não vou ficar chateada, alguma coisa grave deve ter acontecido.
— É… — murmurou do outro lado e pôde ouvi-lo soltar um longo suspiro. — Não vai dar pra contar em detalhes agora, mas eu vim na casa da Emma conversar sobre o salão e… Ela estava bêbada. Começou a passar mal, não parava de vomitar, tive que ficar cuidando dela e perdi o horário do voo.
— Hm, entendi — disse sem saber exatamente o que achar a respeito do acontecimento. — Como ela tá agora? — acrescentou ao perceber que talvez tivesse soado um pouco grossa.
— Dormindo. Demorei pra conseguir falar com a mãe dela, mas ela tá vindo e, saindo daqui, vou pro aeroporto ver se consigo um voo pra Paris.
— Deixa pra amanhã, . Não vai fazer diferença. Melhor descansar e amanhã vir com calma.
— Vou ver o que faço. Acho que a Nancy chegou, depois a gente conversa melhor.
— Tudo bem.
— Eu te amo, — o falou, a surpreendendo.
— Também te amo. Fica bem.
finalizou a ligação e ficou longos segundos com o olhar perdido. Naturalmente, estava um pouco frustrada por saber que seus planos tinham fracassado com aquele contratempo. Também estava um pouco preocupada com toda a situação, especialmente pela aflição que pôde sentir no tom de voz do namorado. Mas, como seria inútil ficar criando hipóteses, ela secou o cabelo e ligou para um delivery de comida japonesa. Já estava dentro de seus planos que o jantar fosse sushi e decidiu manter essa parte mesmo sem .
Depois de algumas taças de vinho, só foi notar que pegou no sono no sofá da sala de estar quando, no meio da madrugada, o toque do celular soou pelo ambiente e a despertou. Com as pálpebras teimando em se manterem fechadas, tateou a mesa de centro e levou o aparelho ao ouvido sem nem olhar no visor o nome de quem estava ligando.
— Oi — murmurou, sonolenta.
— , eu tô em frente ao seu prédio.
A francesa levou longos segundos para absorver as palavras, mas, ao se dar conta de que era do outro lado, se levantou em um pulo.
— Espera aí, vou abrir pra você — disse, indo até o interfone. — Pronto. Meu apartamento é no quinto andar.
— Ok, tô subindo.
deixou o celular de novo sobre a mesa de centro e foi esperar o namorado na porta. Bastou vê-lo sair do elevador para seu coração bater mais forte, evidenciando a falta que ela tinha sentido dele durante aqueles poucos dias que ficaram separados.
— Você é teimoso, hein? — disse, balançando a cabeça em negação, mas foi impossível conter o sorriso que prontamente foi retribuído.
— Não foi sacrifício nenhum vir te ver — falou, adentrando o apartamento, e a cumprimentou com um beijo terno nos lábios. — Alguém andou bebendo vinho por aqui.
— Só um pouquinho — ela respondeu, rindo levemente. — Você deve estar querendo tomar um banho.
— Seria ótimo.
segurou a mão de e o guiou escada acima enquanto ele analisava o ambiente desconhecido até então.
— Seu apartamento é bonito — ele disse, admirado com o imóvel que parecia ter saído de uma revista sobre decoração em estilo francês.
— Eu mesma que decorei.
— Uau, é sério?
— Ok, tive uma ajudinha da internet.
— Mesmo assim… — disse, dando de ombros. — Quando você se mudar de vez lá pra casa, a gente pode reformar tudo. O que acha?
— Tá me chamando pra morar com você, é? — ela rebateu em um tom divertido ao mesmo tempo que os dois adentravam a suíte.
— Seria só pra oficializar, você já tá lá quase sempre.
— Vou pensar no seu caso — falou, piscando um olho. — Pode deixar suas coisas onde quiser, vou encher a banheira enquanto isso.
Deixou no quarto e foi até o banheiro, onde preparou a água com sais de banho. Pouco depois, ele se juntou a ela e a envolveu com os braços por trás.
— Tá usando alguma coisa aí embaixo? — ele perguntou em um sussurro e depositou um beijo no ombro dela.
— Uma lingerie nova.
— Aquela?
— Não, uma outra que comprei junto. Fazia parte dos meus planos pra essa noite. se afastou, soltando um suspiro.
— Desculpa por isso. De verdade — disse e apenas esboçou um meio sorriso.
O jogador se despiu completamente e adentrou a banheira, afundando quase que completamente na água de temperatura tão agradável.
— Acho que vou ficar aqui pra sempre — falou, fazendo-a rir.
se sentou na beira da banheira e ficou apenas o observando tomar um banho relaxante por algum tempo, até decidir quebrar o silêncio.
— , o que aconteceu?
— Eu aproveitei que estava em e fui conversar com a Emma sobre deixar de arcar com as despesas do salão.
— Você não fez isso só por causa do que eu te falei, né?
— Não, eu realmente achei que era o certo a se fazer — garantiu, dando de ombros. — Bom, foi uma conversa bem rápida, na verdade. Só que eu estranhei a postura da Emma, ela ficou na defensiva o tempo todo. E, depois que falei sobre não ajudar mais com o salão regularmente, ela… falou sobre não ter sido suficiente mesmo estando ao meu lado desde sempre. Que eu mal te conheço e sou mais feliz com você do que fui com ela.
A verdade é que não se surpreendeu nem um pouco. Tinha visto com os próprios olhos, no rosto de Emma, que ela ainda tinha sentimentos que iam muito além da amizade por . De certa forma, ficou feliz pela honestidade do namorado mesmo que visivelmente estivesse temendo a reação que ela teria.
— E como você se sente em relação a isso? — foi o que perguntou com tranquilidade.
— Horrível — confessou, um pouco mais à vontade. — Porque, até certo ponto, ela tem razão, e eu nunca quis fazer alguém sofrer desse jeito.
— Tá tudo bem, todo mundo já partiu alguns corações na vida — ela brincou, o fazendo rir levemente, mas sem realmente achar graça. — Talvez ela esperasse que você fosse querer reatar o namoro um dia e, por causa disso, ainda não tinha conseguido seguir em frente. Agora, vendo que você já está em outra, deve ter caído a ficha. Quando ela se permitir se apaixonar por outra pessoa, vai se arrepender de não ter se esforçado pra seguir em frente antes — disse, dando de ombros. — E essa questão de tempo de namoro é relativa. Às vezes, também acho que tudo aconteceu muito rápido entre nós. Não tínhamos nem uma amizade ainda e já estávamos tendo DR e você me dando presentinho — falou, rindo levemente. — Agora, não temos nem três meses de namoro, você falou de eu ir morar na sua casa e, incrivelmente, não me assustei com a ideia. Só temos uma conexão diferente e tá tudo bem. Não tem por que nos desesperarmos por isso.
— Eu sei, mas me sinto culpado. Não sei se fui egoísta de querer manter a minha amizade com a Emma em vez de me afastar, mas ela nunca disse que não queria terminar. Muito pelo contrário, me apoiou quando me abri com ela.
— Se ela tivesse dito qualquer coisa, você teria continuado o namoro por pena. Acredito que ela não quis isso.
não retrucou, apenas assentiu com a cabeça, pois tinha razão. Se Emma tivesse dito aquelas mesmas palavras antes, quando ele ainda não tinha conhecido e se apaixonado pela atual namorada, eles provavelmente ainda estariam juntos, porque ele não teria coragem de simplesmente ir embora.
— Só que aconteceu outra coisa. Uma coisa meio chata — ele acrescentou enquanto o encarava atentamente. — Eu não tinha percebido que a Emma estava bêbada até ela… me beijar.
respirou fundo antes de suspirar longamente.
— Isso é bem chato mesmo — disse, passando as mãos no rosto, mas logo retomou a compostura. — Ok, vou tentar lidar com o fato de meu namorado ter beijado a ex com maturidade.
— É óbvio que eu a afastei, né? — ele rebateu, um pouco ofendido. — Ela estava com um gosto horrível de álcool na boca, foi aí que as atitudes estranhas que ela teve fizeram sentido.
— Você também acha o gosto do meu beijo horrível quando bebo?
— , por favor. É claro que não.
— Você não me convenceu.
— O seu beijo é ótimo, eu juro.
— Certo… — disse, disfarçando um sorriso. — Foi aí que ela começou a passar mal?
— É, nem deu tempo de dizermos nada depois que eu a afastei, porque ela começou a vomitar e não parou mais.
— Que situação...
— Eu tô me sentindo realmente péssimo.
— Ah, , não tem motivo pra isso. Você foi sincero o tempo todo, ainda se preocupa com ela mesmo agora que nem estão mais juntos… Correr atrás da própria felicidade não é um crime.
— É, você tem razão — ele respondeu em meio a um suspiro. — Só espero que a Emma não fique sofrendo. Ela não merece isso.
— Ela vai ficar bem — disse e esboçou um pequeno sorriso antes de se inclinar para beijá-lo nos lábios. pôs as mãos em sua cintura e ela logo percebeu a intenção dele. — Se você me puxar pra dentro da banheira, não vai comer o sushi que sobrou da minha janta.
— Ok, só porque eu não dispensaria sushi por nada nesse mundo.
— Que bom, agora já sei como te chantagear quando for necessário.
— Isso é golpe baixo.
piscou um olho antes de se levantar para buscar uma toalha. Em seguida, desceu para arrumar a bagunça que tinha deixado e, depois de lavar a louça suja, voltou à sala de estar e encontrou já vestido com uma roupa confortável, próximo à enorme janela, observando a vista de Paris que ela tinha dali do quinto andar do prédio.
— Quer comer ou prefere só dormir? — perguntou, parando ao lado dele.
se voltou para ela e se aproximou. Sem dizer nada, puxou lentamente o laço do robe que vestia e o mesmo se abriu, revelando o conjunto de lingerie que ela usava.
— Esse é o traje que você costumava usar em casa quando morava sozinha ou vestiu especialmente pra mim?
— O que você acha? — ela perguntou com um sorrisinho de canto.
— Prefiro pensar que foi pra mim.
— Claro que foi pra você, mon amour — disse, deslizando as unhas suavemente pelos braços dele. — Não te falei que tinha planos pra essa noite?
— Quais eram seus planos?
— Um jantar bem romântico à luz de velas… E, depois, fazer amor nesse tapete sob a luz do luar até o dia raiar — falou em um tom de voz muito sensual que o fez se arrepiar.
Não que, em sua opinião, ela não esbanjasse sensualidade mesmo quando nem era a intenção, mas, quando o robe deslizou até o chão, os olhos dele se escureceram de desejo. Não apenas porque ela estava linda e sexy na lingerie, o fazendo ansiar tocar cada pedacinho daquele corpo, mas também porque ele ficou encantado por descobrir que tinha criado todo um clima para aquela noite.
puxou a camiseta que vestia para cima, o despindo da peça, e, enfim, o beijou.
estava concentrada em fazer algumas anotações sobre o jogo que o Real Madrid disputaria no fim de semana seguinte contra o Alavés, para a reunião que teria com Zinédine e David Bettoni dali a alguns minutos, quando a porta da sala da comissão técnica se abriu em um rompante, a fazendo dar um pulinho na cadeira.
— Que susto, Karim! — exclamou, pondo a mão no peito dramaticamente.
— Acho que finalmente encontrei o amor da minha vida — foi o que ele falou ao puxar uma cadeira para se sentar.
— Você tá bêbado? — perguntou, rindo.
Benzema apenas estendeu o celular. Ela pegou o mesmo e, na tela, se deparou com um perfil do Rendezvous. A mulher se chamava Susana e, pelo que dizia a descrição, era dançarina.
— Não era você que estava dando um tempo na pegação? — perguntou, debochada.
— Olha essa mulher, ! — ele falou energicamente, apontando para o aparelho. — Nem tinha visto esse match. Descobri porque ela falou comigo ontem.
— Acho que fui eu que curti o perfil dela. Essas fotos não me parecem estranhas.
— Obrigado! — Karim exclamou e segurou o rosto da amiga para estalar um beijo em cada bochecha dela. — Você achou o amor da minha vida.
— Acho que você já passou da idade de aprender a diferenciar amor de tesão — disse e soltou uma gargalhada.
— Eu chamei ela pra sair — ele rebateu, ignorando a brincadeira. — Na próxima sexta. Fiz uma reserva no Las Mil y una Noches.
— Tomara que resulte em pelo menos uma boa foda pra você não se frustrar muito. Você é maluco, Karim.
— Eu tô zoando, né? — Ele deu um tapinha na testa dela. — Mas bem que ela podia ser o amor da minha vida mesmo. A gente formaria um casal bonito, não acha?
— Pra falar a verdade, ela é bonita demais pra você.
— Cala a boca, eu sou o cara mais bonito que você conhece — Karim retrucou, indignado, e pegou o celular de volta.
— Por acaso você se chama ? — rebateu em tom debochado.
— Tá me zoando, né? O amor é cego mesmo — ele falou, rolando os olhos. Se levantou em seguida e caminhou em direção à porta. — Depois a gente se fala. Vou pra academia malhar esse corpinho pra minha dançarina.
— Coitada, nem sabe onde tá se metendo.
Benzema mostrou o dedo do meio antes de sair da sala, batendo a porta atrás de si. Deixou para trás uma que não sabia se ria do amigo ou se chorava por ele. Preferiu torcer para que aquele encontro desse certo, nem que fosse por apenas uma noite mesmo.
20. La Vigésima
Se ha dado cuenta que tenerte
Es mucho más que tener suerte
Y llegas con la tormenta
A demostrarme que sin duda
Con tu paraguas bailaré la lluvia
Más Que Suerte - Beatriz Luengo ft. Jesús Navarro
Como em todo dia de concentração, a residência dos jogadores do Real Madrid estava movimentada naquela noite prévia à partida contra o Alavés, referente ao segundo turno do campeonato espanhol. Pouco antes do horário de se recolherem, cada um em seu quarto, a equipe se dividia entre o refeitório, a sala de jogos e a sala de convivência, onde encontrou Karim esparramado em um dos sofás, concentrado demais no celular para notar sua aproximação. Ela chegou por trás, discretamente, e se inclinou até sua boca quase encostar no pé do ouvido dele.
— Bu.
— Boa tentativa.
— Sem graça — ela rebateu, fazendo uma careta, e deu a volta no sofá para sentar-se ao lado dele. — Ei, você ainda não me contou como foi o encontro com o amor da sua vida — disse, debochada.
Os lábios de Benzema se curvaram em um sorriso extasiado, como se a simples menção à noite anterior o fizesse revivê-la em suas lembranças. não teve qualquer dificuldade para entender o que aquele sorrisinho significava.
— Que mulher, ! — ele falou, fazendo-a rir.
— Onde vocês foram? Naquele restaurante árabe mesmo?
— Isso, fomos no Las Mil y una Noches, e depois passamos a noite juntos.
— E o que mais? Me conta. — Ela se voltou para o amigo, se acomodando mais confortavelmente no sofá.
— Ah, ... Não vou ficar narrando pra você essas coisas.
Por maior que fosse a intimidade entre os dois, Karim costumava ser discreto quanto às suas conquistas amorosas e sabia disso, mas ele tinha se mostrado tão empolgado com aquele encontro que ela não pôde conter a curiosidade.
— Mas vocês conversaram? Se conheceram melhor? Ou só a pegação que foi boa mesmo?
— As duas coisas — ele respondeu, rindo levemente. — Deu pra conversar bastante. Ela é muito simpática e… elegante. Sei lá, não sei explicar, mas a gente se deu bem. A conversa foi agradável, um assunto foi puxando o outro.
— Que bom, Karim — disse com um sorriso sincero, percebendo que ele estava em um estado de ânimo melhor do que o dos últimos tempos, o que a deixou feliz. Em seguida, viu sair da sala de jogos e acenou na direção dele. — Mon amour, senta aqui com a gente.
— Qual é o assunto? — o questionou, se sentando na ponta da mesa de centro, em frente ao sofá em que os outros dois estavam acomodados, e estendeu o pacote de amendoim que tinha em mãos na direção deles. Karim negou, mas pegou um punhado antes de devolver o pacote.
— O encontro do Karim com a dançarina do Rendezvous.
— Ah, é mesmo. Como foi lá? — , curioso, perguntou para o colega.
— Foi ótimo, até melhor do que eu esperava. Valeu mesmo pela ideia, cara. — Benzema mostrou o polegar e ele piscou um olho em resposta.
olhou de um para o outro, estranhando aquela camaradagem toda entre os dois.
— Que ideia?
— Alugar uma suíte presidencial no Eurostars pra eles passarem a noite — respondeu antes de jogar uma porção de amendoim para dentro da boca.
— Você deu essa ideia pra ele? — perguntou, surpresa.
— O Karim que perguntou o que poderia fazer pra impressioná-la — ele disse, dando de ombros.
— E por que você nunca me levou pra passar a noite numa suíte presidencial no Eurostars?
— Eu já te levei pra Marbella. E também teve aquela noite em Zurique — pontuou e ela apenas rolou os olhos, sem argumentos para protestar. Especialmente sobre a noite em Zurique, que tinha sido a primeira deles.
— Ok, e vocês acharam que esfregar notas de euro na cara da mulher no primeiro encontro era uma ideia brilhante? — perguntou, debochada.
— Falando assim, não parece muito — ele admitiu em meio a risos.
— E posso saber por que você pediu ajuda pra ele e não pra mim, que sou sua amiga? — ela perguntou, se voltando para o outro.
— Ele é meu amigo também — Benzema respondeu em um tom de obviedade. — E a ideia definitivamente não foi ruim. Acho que posso dizer que ela tá no meu top 3.
— Você não presta — retrucou, rindo. — A pergunta que não quer calar... Vão sair de novo?
— Se ela quiser… E eu acho que ela não é doida de não querer — ele falou com um sorrisinho maroto, fazendo-a rir.
— A humildade mandou lembranças.
— Ela pareceu gostar tanto quanto eu. Até dançou dança do ventre pra mim.
— Dança do ventre?
— Nesse restaurante que a gente foi sempre tem apresentações de dançarinas do ventre, aí ela comentou que teve que aprender quando trabalhou com a Shakira e eu fiquei duvidando de propósito, pra ela me mostrar mesmo, mas não esperava que ela fosse se levantar e ir dançar com a moça que estava se apresentando.
— Mentira! Essa garota já tem meu respeito — disse, admirada. — E minha inveja também. Eu não acredito que ela já foi dançarina da Shakira!
— Você nunca dançou dança do ventre pra mim — falou, implicante, batendo o joelho no da namorada de leve.
— Mas dancei Shakira — ela rebateu, piscando um olho. — Acabei de lembrar que ainda não liguei pra minha tia, é aniversário dela hoje.
— A Véronique? — Karim perguntou.
— Não, a Lila — disse, se pondo de pé. — Vou pro meu quarto. Vocês dois vão ficar aí?
e Karim decidiram acompanhá-la e o trio subiu sem pressa para o andar dos quartos. se despediu do namorado com um beijo demorado em frente à porta do quarto dele e seguiu pelo corredor com o amigo.
— Fala a verdade — disse, parando ao lado de Benzema enquanto este colocava o polegar sobre o leitor biométrico para destravar a porta de seus aposentos. — Por que você pediu ajuda pro ? Vocês não são amigos a esse ponto.
— Não costumávamos ser amigos a esse ponto — ele a corrigiu. — Temos conversado mais desde que vocês estão juntos. É normal os laços se estreitarem agora que temos alguém importante nas nossas vidas em comum, né?
— Isso é verdade. — deu de ombros, considerando a explicação plausível. — Enfim, boa noite.
— Não fica com ciúme, tá? Você ainda é minha parceira número um — ele brincou, a fazendo rolar os olhos, e os dois se despediram com um abraço rápido. — Boa noite.
— Se eu fosse você, chamaria a dançarina pra sair de novo. Esse primeiro encontro parece ter sido bom o suficiente pra valer um segundo.
— Com certeza vou chamar.
Karim ficou observando a amiga se afastar e soltou um suspiro antes de, enfim, adentrar o quarto. Não teve coragem de admitir, mas tinha achado que seria uma boa ideia pedir dicas a um cara que soubesse envolver uma mulher mais profundamente do que ele próprio aparentemente sabia. E era a evidência de que tinha condições de ser esse cara a quem ele poderia recorrer. Além de, é claro, a conexão que os dois tinham no ataque do Real Madrid realmente estar, aos poucos, se transferindo para fora do campo também.
O WiZink Center, arena multiuso de Madrid, estava lotado. No palco, Bruno Mars animava a noite com sua mais recente turnê. abraçava por trás enquanto os dois assistiam ao show e, ao lado, estavam Luca e Beatriz em uma situação bastante parecida. Na fileira de trás, estava Théo acompanhado de Carla, sua namorada, e, na da frente, Enzo com dois amigos e o irmão caçula Elyaz.
— Ai, meu Deus. Eu amo essa! — exclamou quando reconheceu a canção que se iniciava. Era Versace On The Floor.
— Você já disse isso pra aproximadamente todas as músicas que ele cantou até agora — brincou próximo ao ouvido da namorada, seu queixo apoiado no ombro dela, de forma a facilitar o entendimento em meio à música alta.
— O que eu posso fazer se esse cara só faz música boa?
— Não sabia que você gostava do Bruno Mars.
— Quem não gosta do Bruno Mars?
Definitivamente, nenhuma das quinze mil pessoas que estavam presentes na arena naquele momento, aproveitando a visita do cantor americano à Espanha, se enquadravam nesse grupo.
Quando entregou seu ingresso para a funcionária do WiZink Center ao adentrar o local horas antes, deixara de lado os pensamentos sobre ter que acordar cedo no dia seguinte, pois o time necessitava se preparar para a partida contra o Leganés que teria em dois dias e, também, que precisava estudar os últimos jogos do Atlético de Madrid, já que o segundo Derbi madrileño da temporada seria disputado no final da semana. Cantou junto, participando do coro que entoava os grandes sucessos de Bruno Mars e dançou ao som das músicas mais animadas. Saiu do show de alma lavada e com tanta fome que a ideia de Luca de irem a uma hamburgueria foi muito bem recebida.
, que sempre seguia rigorosamente a dieta do nutricionista em prol de manter o condicionamento físico, escolheu o maior e mais suculento hambúrguer que viu no menu. ficou com um mais modesto, mas não hesitou em pedir também uma porção de batatas fritas.
Três conversas paralelas se desenrolaram enquanto o grupo se alimentava. Uma entre Enzo e os amigos, que acabaram se sentando na mesa ao lado por falta de espaço, outra entre Théo e a namorada, e, por último, uma envolvendo , , Luca, Beatriz e, ocasionalmente, Elyaz, que estava mais preocupado com o joguinho do celular do que em se socializar.
— O que você faz da vida, Bea? — perguntou quando os comentários sobre o show, que vinham sendo feitos por todo o caminho até ali, acabaram.
— Fala sério, . Não vai querer fazer interrogatório agora, né? — retrucou Luca, que descansava um braço sobre o encosto da cadeira em que Beatriz estava sentada.
— Eu quero conhecê-la melhor, com licença. Você só me falou sobre como a Bea é bonita e beija bem — ela rebateu em um tom debochado, fazendo o namorado rir e o jovem casal à sua frente, naturalmente, ficar um pouco sem graça.
— Sério, como você aguenta essa daí, ? — o garoto perguntou e o deu de ombros.
— Na verdade, eu também não sei.
— Deve ser um sacrifício enorme, né? — disse , lançando um olhar irônico para ele ao mesmo tempo que espalmou uma das mãos em sua coxa.
— O único sacrifício é resistir ao seu charme — ele respondeu com um ar levemente galanteador, fazendo-a rir e beijá-lo rapidamente.
Quando se voltou novamente para os outros dois, ela se deparou com um rolar de olhos de Luca, apesar de ele ter um sorrisinho nos lábios, e com a admiração nos olhos de Beatriz, o que a fez sorrir.
— Enfim… — disse, abanando o ar, e mordiscou uma batata frita. — Você estuda, Bea?
— Faço faculdade de Marketing.
— Que legal! Tenho saudade da época de universitária — falou com um sorriso nostálgico nos lábios.
— Qual curso você fazia? — ela perguntou, se mostrando interessada em conhecer melhor a prima que Luca tanto admirava.
— Sou formada em Psicologia.
— Sério? Nunca passou pela minha cabeça que você fosse psicóloga.
— Pois é, dá pra acreditar? — disse , rindo levemente, e bebeu um gole de refrigerante. — Eu pensei em fazer Educação Física, mas, na época, não tinha certeza se realmente seria possível ser treinadora de futebol, que era o que eu realmente queria, então optei por Psicologia. Não me arrependo, gosto dessa área também e ter essa formação me ajuda muito no que faço hoje. No final das contas, tô lidando com pessoas e é um ponto muito positivo ter embasamento pra ajudar os jogadores a trabalharem o lado emocional pra poderem entrar em campo com segurança.
— Imagino que seja bem importante mesmo — Bea pontuou. — Digo isso até porque eu tô fazendo uma disciplina de Psicologia do Consumidor que é bem complexa e vejo como é essencial entender as cabeças das pessoas.
— E tem umas cabecinhas que são bem complicadas de entender — ela falou, espirituosa.
Bea deu continuação à conversa, perguntando para como era ser a única mulher em meio a tantos caras e ocupar uma posição pioneira no futebol masculino de elite. O bate papo se estendeu por algum tempo e eles até aproveitaram para pedir sobremesas, mas logo se deu conta de que metade daquelas pessoas tinha aula no dia seguinte, fosse na escola ou na faculdade, além de ela própria, e seus primos mais velhos terem treino em Valdebebas pela manhã, e decretou que era hora de ir embora.
Depois de deixarem Beatriz na porta de casa, eles seguiram para La Finca e, como o trânsito de Madrid àquela hora da noite estava bastante fluido, em poucos minutos o carro de estava parado em frente à casa dos Zidane.
— Vão entrando, vocês dois. Eu já vou — disse .
— Tchau, garotos — ele falou e Luca e Elyaz se despediram antes de descerem do automóvel. O restante do pessoal tinha ido embora no carro de Enzo, que já estava estacionado junto aos outros da casa.
— Essa é a hora que a gente dá uns amassos no carro antes de você ir embora? — perguntou em um tom divertido, fazendo rir levemente.
— Ah, , nem dá ideia… — ela respondeu, mordendo um sorriso.
— Quer ir lá pra casa? — ele perguntou em um tom de voz baixo e envolvente.
— Hoje não, tá?
— Sério que você vai ter coragem de recusar meu convite?
— Eu preciso descansar e sei que, se for pra sua casa, isso não vai acontecer.
— A gente pode dormir juntinhos, prometo que vai ser maravilhoso.
— O problema é que você tá muito gostoso com essa jaqueta preta e eu me conheço. A última coisa que vou querer é dormir se for pra cama com você agora — ela admitiu francamente, medindo o namorado de cima a baixo com um sorrisinho de canto.
— Posso te ajudar a relaxar e ter uma ótima noite de sono depois — ofereceu. Se livrou do cinto de segurança e, em seguida, se inclinou para distribuir alguns beijinhos no pescoço dela, que fechou os olhos, apreciando o carinho.
virou o rosto e grudou suas bocas. a correspondeu e sorriu em meio ao beijo quando sentiu a mão dela subir até sua nuca, onde ela passou as unhas suavemente.
— Gostou da ideia dos amassos no carro, né? — ele disse algum tempo depois, quando o beijo foi quebrado e os dois se afastaram. Ela riu levemente em resposta.
— Adorei, mas deixa eu ir embora antes que isso vire uma rapidinha no carro — ela brincou, pendurando a bolsa no ombro, e fez menção de abrir a porta, mas ele pegou sua mão e a segurou ternamente.
— , você pensou na minha proposta de se mudar lá pra casa? — perguntou, fazendo-a levantar os olhos para seu rosto e estudá-lo por alguns segundos.
— Foi pra valer? Pensei que você só tivesse jogado a ideia no ar pra gente amadurecer mais pra frente.
— Claro que foi pra valer.
— Nesse caso, ainda tenho que pensar — ela admitiu, encolhendo os ombros.
— Sei que você gosta de dar um passo de cada vez e pensar muito bem antes, mas não vai mudar muita coisa, já que vai continuar perto dos seus tios. E eu nem acho que morar juntos seja um passo tão grande assim, olha quão envolvidos já estamos nesse relacionamento…
Um silêncio pairou entre os dois. Foi inevitável que certos pensamentos, resultantes da insegurança que sentia em relação ao futuro, não passassem pela mente de . Ela logo tratou de cortá-los, pois não queria dizer algo que pudesse originar outra discussão sobre o assunto.
— Você tem razão — ela concordou com um meio sorriso —, mas a gente conversa com mais calma sobre isso outra hora, tudo bem?
— Ok, mas pensa de verdade sobre o assunto, tá?
— Prometo que vou. Até amanhã.
se inclinou para estalar um beijo nos lábios dele e, em seguida, saiu do carro. Buscou o chaveiro dentro da bolsa e abriu a porta de casa, mas, antes de entrar, observou manobrar o carro e os dois trocaram um aceno antes de ele seguir para a residência vizinha.
As luzes apagadas, então ela tirou as botas que calçava e segurou uma em cada mão enquanto andava na ponta dos pés. Antes de alcançar a escada, no entanto, notou a luz da cozinha acesa e foi até lá.
— Ainda acordada, tia? — disse ao encontrar Véronique.
— Vim fazer um chá pro seu tio. Pra variar, ele tá com insônia.
— Imagino. Daqui pro final da temporada a gente só vai ter jogo complicado.
— Vocês precisam se acalmar, essa tensão toda não vai levar a lugar nenhum.
— É verdade, mas é complicado — falou e suspirou, cansada.
Ela ficou em pé na porta da cozinha, observando a madrinha despejar a água que tinha acabado de ferver em duas xícaras.
— Vai querer um chazinho também? — Véronique questionou, sentindo o olhar da sobrinha sobre si.
— Não, obrigada — respondeu e se aproximou alguns passos. — Tia, o me chamou pra morar com ele.
— Que ótimo, — ela falou, virando a cabeça em sua direção, e mostrou um sorriso sincero.
— Você não acha que é, hm… precipitado?
— Eu diria isso se vocês tivessem 17 anos de idade — Véronique disse, rindo levemente. — Os dois já têm maturidade suficiente pra isso. Se vocês se gostam de verdade, não é precipitado.
— É, acho que sim — falou e se sentiu mais tranquila apenas por ver a convicção e naturalidade com que a tia opinou sobre o assunto. — Ainda tá sendo um pouco difícil, mas, depois da nossa última briga, prometi pra mim mesma que, pelo menos em relação a ele, vou tentar deixar as coisas rolarem sem ficar pensando no que pode acontecer no futuro.
— Não que eu esteja te expulsando daqui, mas por que não começou a organizar a mudança ainda? — Véronique brincou, fazendo-a rir.
— Vou considerar a sério a possibilidade. Boa noite, tia. Amanhã o dia vai ser longo.
— Boa noite, querida.
subiu para o quarto e a primeira coisa que fez foi se despir do vestido soltinho que vestia. Prendeu o cabelo em um coque em seguida e parou em frente ao espelho do banheiro para limpar o rosto com um lenço demaquilante. Se pegou cantarolando uma de suas tantas músicas favoritas de Bruno Mars enquanto pensava sobre a noite divertida que tinha tido com algumas das pessoas mais importantes de sua vida e, também, sobre o convite de . De fato, como ele tinha dito, não seria uma mudança drástica em nenhum sentido. Ali não era sua casa de qualquer forma, mas, sim, de seus tios, e morar juntos não tornaria o relacionamento deles mais sério do que já era.
Depois de tomar uma ducha rápida e vestir um pijama, quando olhou para a cama arrumada, sentiu falta de . O silêncio do quarto a incomodava também. Era ridículo, para alguém que tinha morado sozinha por três anos, se sentir daquela forma, mas a verdade é que ter o namorado sempre consigo já tinha se tornado parte da rotina. Mesmo que estivessem juntos há pouco tempo, tudo tinha acontecido de forma intensa demais.
Ela se acomodou sobre o cobertor e fechou os olhos. Pensou que fosse dormir rapidamente de tão exausta que se sentia, mas isso não aconteceu. Ficou se virando de um lado para o outro, buscando por uma posição que fosse confortável o bastante para fazê-la cair em sono profundo, mas nenhuma delas parecia tão boa quanto dormir aconchegada ao corpo de .
tateou o criado-mudo e pegou o celular. A luz do aparelho incomodou seus olhos, mas ela ignorou isso e buscou pelo contato do namorado antes de levar o celular ao ouvido.
— Você não precisava dormir? — questionou em um tom acusatório quando atendeu a ligação após alguns toques.
— Eu estava pensando… — começou, ignorando a pergunta. — Vamos supor que eu aceite morar com você.
— Só uma suposição, né? — ele rebateu, debochado.
— Sim, só uma suposição — ela disse, rindo. — Você vai fazer aquelas panquecas pra mim sempre que eu estiver com desejo? E fazer massagem nos meus pés todo dia antes de dormir?
— Sempre que você quiser.
Ela escutou a risada do namorado do outro lado da linha e isso a fez sorrir.
— Talvez não seja uma má ideia, a gente morar juntos...
— Confia em mim, — pediu e ela sabia que ele não se referia apenas a juntar as escovas, mas ao relacionamento deles no geral. Que, juntos, eles fariam mais aquele passo dar certo.
— Eu confio. E obrigada.
— Pelo que, exatamente?
— Por não ter desistido de mim. Você teve algumas oportunidades — ela disse, soltando um risinho sem graça. — Acho que as músicas românticas do Bruno Mars me deixaram sentimental.
— Não tem por que agradecer. Você é uma mulher incrível, eu não te deixaria escapar — ele brincou. — Isso quer dizer que posso abrir espaço no meu closet pra você?
— Acho que sim.
— Acha ou tem certeza?
— Tenho certeza, pode abrir espaço — falou com maior convicção.
— Agora sim, bem melhor — respondeu, a fazendo sorrir.
— Não tenho muita coisa aqui na casa dos meus tios além de roupa, mas vou levando aos pouquinhos.
— Fique à vontade, a casa também é sua agora.
As palavras dele, tão simples e ao mesmo tempo significativas, fizeram sorrir. Eles ficaram quietos por algum tempo, nenhum dos dois com vontade de finalizar a ligação, mas ela acabou quebrando o silêncio com um bocejo.
— Passa aqui amanhã pra irmos juntos pra Valdebebas?
— É você quem manda.
— Então tá combinado. Boa noite, mon amour.
— Boa noite, .
O apito de Zinédine Zidane soou pelo campo, sinalizando o fim do jogo-treino.
— Tá ótimo por hoje, pessoal — ele falou enquanto parte dos jogadores se livrava dos coletes de treinamento e outros iam até o membro do staff que distribuía garrafas d’água. — Agora quero que vocês descansem e estejam preparados pra amanhã. A gente se vê às 20h no Bernabéu pra concentração.
encarava as anotações na prancheta. O esquema tático desenhado contava com Keylor Navas no gol; a defesa típica com Sergio Ramos e Pepe de centrais e, nas laterais, Marcelo e Carvajal; no meio-campo, Casemiro, Toni Kroos e Luka Modrić; e, para fechar, o tridente de confiança de Zizou no ataque: , Karim Benzema e Cristiano Ronaldo, a famosa BBC. Salvo por algum contratempo, aqueles seriam os onze jogadores titulares da importante partida contra o Atlético de Madrid no dia seguinte, uma vitória necessária para que o Real Madrid mantivesse a tranquilidade no caminho que estava sendo trilhado rumo à conquista do campeonato espanhol naquela temporada.
— — Zinédine chamou, a fazendo tirar os olhos do papel —, quero que você analise o jogo de amanhã pensando no do Bayern. Os titulares provavelmente vão ser os mesmos, então a gente vai precisar corrigir as falhas no treino de segunda e é melhor otimizar o tempo.
— Ok, Zizou, pode deixar — ela respondeu, piscando um olho.
sentia um friozinho na barriga só de pensar nas quartas de final da Champions League, estava sedenta pelo jogo contra o Bayern München. Sem dúvidas, seria o maior desafio como assistente técnica do Real Madrid dentre todos os que tivera até aquele ponto da temporada. O time alemão, como sempre, era um dos favoritos ao título europeu e ela sabia que eliminá-los seria um passo enorme em direção à final e faria o que estivesse ao seu alcance para ajudar a equipe a alcançar esse objetivo.
Os jogadores se dispersaram e foram, aos poucos, se retirando do campo de treinamento utilizado naquele dia. seguiu o fluxo, mas, ao avistar o namorado, desviou do caminho pelo qual seguia e se aproximou, tocando o braço dele de leve.
— Vai almoçar em casa? — perguntou quando ele virou a cabeça em sua direção.
— Acho que não, . Devo comer por aqui mesmo, mas não agora. Eu, Karim e Cristiano vamos ficar mais um tempo aqui no campo, treinando umas coisas.
— Vão fazer hora extra? — ela brincou.
— A gente achou que é melhor treinar um pouco mais, nos últimos jogos ficou faltando um pouco de sintonia.
— Acho ótimo, treinar nunca é demais. Vou adiantar umas coisas então e te esperar pra almoçar. Me avisa quando estiver indo pro refeitório.
— Ok — concordou e se despediu com um sorriso antes de se retirar do campo.
se uniu aos dois colegas e o trio passou os vinte minutos seguintes batendo bola e ensaiando as jogadas pretendidas por Zizou, que valorizavam a posse e o toque de bola. Os três se entendiam muito bem dentro de campo, até porque jogavam juntos há mais de três temporadas, e as coisas costumavam fluir com facilidade para que eles quebrassem as defesas dos times adversários, mas as duras críticas que vinham recebendo nas últimas semanas estavam causando um certo incômodo. O próprio Zidane estava satisfeito com o rendimento do time no geral e sempre defendia seus jogadores nas coletivas, mas , Benzema e Cristiano sabiam que podiam melhorar.
pegou uma garrafa d’água na caixa térmica e se sentou em cima de uma bola para observar, de longe, Cristiano cobrar faltas. Karim se juntou a ele em seguida, se jogando na grama. Exaustos, os dois ficaram em silêncio por longos segundos, apenas assistindo ao camisa sete, que, vez ou outra, fazia algum sinal positivo ou negativo, buscando pela aprovação dos companheiros.
— E aí? Animado pra vida de casado? — Benzema perguntou em um tom espirituoso, fazendo-o rir levemente.
— Quem me dera. Minha vontade era de pedir a em casamento mesmo. Só que ela provavelmente sairia correndo.
— Não tenho tanta certeza disso. Ela te adora — ele disse, dando de ombros. — Mas é sério? Você já pensa em casamento?
— Acho que, depois de ficar tantos anos com a mesma pessoa, as coisas se tornaram mais práticas — explicou. — Mas eu sei que a precisa de tempo. Não tenho medo de cair de cabeça num relacionamento, porque esse é o normal pra mim. Já pra ela, não é bem assim, né?
— Não mesmo. Confesso que no início eu não achei que esse lance de vocês fosse ficar tão sério.
Cristiano Ronaldo se uniu a eles em seguida, interrompendo o papo momentaneamente, e abriu a caixa térmica.
— Acabou a água — anunciou, fazendo uma careta descontente, e estendeu a garrafa pela metade. — Valeu.
— Por que não achou que fosse ficar sério? — ele perguntou, retomando o assunto.
— Do que vocês estão falando? — Cristiano questionou curiosamente e também relaxou na grama, sentado de frente para os dois, enquanto bebia um longo gole de água.
— Meu namoro com a .
— Você achou que o namoro deles não ia dar certo? — indagou o português sem disfarçar a estranheza, dessa vez diretamente para Benzema, que coçou a cabeça, ponderando como explicar seu raciocínio sem dar margem para ser mal interpretado.
— Sei lá, vocês são bem diferentes — disse, dando de ombros. — Nunca vi a se comprometer assim com alguém. Pensei que ia rolar um conflito de interesses depois que... aliviassem a tensão sexual — acrescentou em um tom malicioso, o fazendo soltar um risinho.
— A gente teve algumas divergências mesmo, a é muito teimosa às vezes — comentou e, em seguida, passou as mãos pela testa, secando o suor, enquanto refletia sobre as palavras do amigo. — Ela realmente não se envolveu com ninguém depois do ex? Só casualmente?
— É, não teve nada muito sério com ninguém mesmo. Foi uma opção que ela fez, focar única e exclusivamente nos estudos e na carreira. E os caras que ela pegava queriam a mesma coisa, só sexo, então…
— Foram muitos?
— Cara, tem certas coisas que é melhor não saber — ele respondeu e não conteve uma risada. — A gente saía bastante alguns anos atrás e a sempre ficava com alguém. Foi pouco depois de ela ficar solteira, então acho que queria aproveitar a liberdade também, sabe? Depois que ela foi pra Paris, a gente perdeu um pouco o contato, então não sei te dizer se ela teve alguém lá. De qualquer forma, se teve, não foi nada sério o bastante pra durar.
— O engraçado é que ela foi pra Paris bem quando eu vim pra Madrid, né?
— Caramba, é mesmo. — Karim levantou as sobrancelhas, surpreso, ao se dar conta daquele fato sobre o qual nunca tinha parado para pensar. — Se você tivesse chegado uma temporada antes, provavelmente teriam se conhecido. A sempre tinha aulas práticas aqui em Valdebebas.
— É verdade, mas talvez não adiantasse muita coisa, porque ele tinha uma namorada, né? — Cristiano pontuou.
— É, acho que foi melhor assim. Talvez ela nem fosse querer nada comigo nessa época aí. Quase que não quis agora — completou, fazendo uma careta, mas riu consigo mesmo. Ele não tinha achado nem um pouco engraçado, alguns meses antes, escutar da boca de que ele não era como os caras com quem ela ficava. Tal comentário foi péssimo para sua autoestima na época, no entanto, agora que os dois estavam juntos, parecia algo irrelevante. — A gente teve uma briga feia porque ela tem medo do que pode vir a acontecer no futuro, de ter que abrir mão de uma boa oportunidade em outro time. Na verdade, ela deixou bem claro que nosso relacionamento nunca seria a prioridade se ela se visse numa situação assim.
— E você realmente acha que ela te largaria pra ir pra outro país sem pensar duas vezes? — perguntou um Karim desacreditado.
— Pra falar a verdade, eu não sei. — O deixou os ombros caírem, o que acabou demonstrando que, na verdade, sua opinião sobre o assunto era bem pouco otimista. — Prefiro não pensar muito nisso.
— Não conheço a assim, mais intimamente — Cristiano começou, reflexivo —, mas vejo como ela é determinada, chegou aqui tomando conta do pedaço, sem medo nenhum de dar palpites. O fato de ser mulher e nova na equipe não fez diferença nenhuma. Ter alguém provavelmente não é uma prioridade na vida dela, mas, veja bem, se ela topou tentar algo com você, quer dizer que é algo negociável — ele expôs seu raciocínio e deu de ombros. — Essa também nunca foi uma prioridade na minha vida, mas, quando surge uma mulher interessante… — acrescentou e um sorriso de canto surgiu em seus lábios.
— A Lalie é bem interessante mesmo — Karim debochou, o fazendo rir. — Falando nela, como vai ser agora que você e a vão morar juntos, ?
— Ah, ela já ficou querendo ir embora, mas falei que não tem nada a ver, ela pode ficar quanto tempo quiser lá em casa. A também não se incomoda nem um pouco, muito pelo contrário, adora ter uma companhia feminina. A Lalie que é boba e sempre fica achando que tá atrapalhando a gente — ele disse, revirando os olhos, e Cristiano, por sua vez, riu levemente.
— Ela se preocupa demais mesmo — ele disse com um sorriso nos lábios, balançando a cabeça negativamente. — Imaginem eu sendo prestativo, fazendo de tudo pra despertar o interesse da Lalie... E ela toda preocupada de estar me incomodando. Não foi nada fácil.
— Ela foi a última pessoa que percebeu que você estava a fim dela — falou, rindo ao se lembrar que, para completar, a amiga ainda pensava que Cristiano Ronaldo era gay.
— Pra falar a verdade, isso só me incentivou ainda mais.
— Será que vou ficar apaixonadinho que nem vocês dois? — Karim perguntou em um tom divertido.
— Sinto te informar, mas você já está no caminho. Não para de falar de quão incrível a Susi é — respondeu, o fazendo rir.
— Ainda não é pra tanto, mas a Susi é incrível mesmo.
— Quem é essa? — Cristiano perguntou.
— Uma dançarina que eu conheci no Rendezvous. A gente já saiu duas vezes.
— Dançarina, uh? Nada mal. — O português esboçou um sorrisinho maroto em aprovação. — Não vou ficar com inveja, a Lalie é ótima dançarina.
— Vocês não são os únicos, eu também já tenho minha dançarina particular — disse, piscando um olho, e se pôs de pé enquanto os outros dois riam.
— Estamos com sorte ou ferrados, depende do ponto de vista — Karim falou, também se levantando.
— Fale por você. Eu nunca me senti tão sortudo na vida.
E era a mais pura verdade. Apesar de, às vezes, ainda se sentir inseguro em relação a , aquela mulher tinha causado uma reviravolta em sua vida e ele não trocaria isso por nada.
Meses antes, apesar de ter acabado de ganhar sua segunda Champions League com o clube espanhol, estava decidido a fazer daquela temporada a sua última chance de triunfar individualmente. Ele queria estar entre os melhores jogadores do mundo. Queria ser o melhor de todos. E conquistar a tão prestigiada Bola de Ouro parecia algo cada vez mais distante enquanto estivesse ali, à sombra de Cristiano Ronaldo. Tinha aprendido muito com o português e seus outros colegas, mas sentia que precisava mudar de ares. Isso até a nova assistente técnica chegar e fazê-lo, aos poucos, mudar de opinião.
sabia que não podia pautar seu bem-estar em outra pessoa, mas tinha o ajudado a reencontrar a vontade de trabalhar duro e, também, a fazê-lo acreditar em si mesmo novamente. Agora, todos aqueles pensamentos de antes já pareciam algo distante. Ele achava que podia conquistar o que desejava ali mesmo, na Espanha, e já não tinha mais qualquer intenção de deixar o Real Madrid.
Os três jogadores, enfim, se encaminharam para o vestiário. Depois de tomar uma ducha rápida, vestiu uma roupa comum e jogou a mochila nas costas antes de se despedir dos colegas e sair em busca da namorada. Ele fazia o caminho até a sala da comissão técnica quando a avistou de longe, conversando com um homem que também vestia o uniforme do Real Madrid.
diminuiu o ritmo de seus passos na direção dos dois e não pôde evitar analisar a cena que se desenrolava. Não soube identificar o que, em um primeiro momento, mas, apesar de ter prometido para si mesmo que não bancaria o namorado ciumento toda vez que visse acompanhada por um desconhecido, algo o incomodou. Antes de estar próximo o bastante para ter sua presença notada, entendeu que era o fascínio com que ela contemplava o discurso que o homem fazia, cheio de gestos. Não precisou compreender uma palavra das que ele pronunciava em um espanhol desenvolto para saber que o assunto que os entretia era futebol.
A voz do homem, que deduziu que trabalhasse em alguma das categorias de base do Real Madrid, visto que não era um dos membros da comissão técnica do time principal, foi morrendo aos poucos com sua aproximação e tal reação fez olhar curiosamente para trás. Um sorriso despontou em seus lábios ao vê-lo.
— Vocês já se conhecem? — ela perguntou, puxando pela mão, e revezou o olhar entre os dois.
— Ainda não — disse o espanhol, simpático, em um inglês cheio de sotaque, e estendeu a mão. — Sou Álvaro Benito, treinador do Juvenil C. Muito prazer, .
— Igualmente — ele respondeu, o cumprimentando com um aperto de mão. — Sinto muito por ter interrompido a conversa de vocês.
— Tudo bem. Já aluguei a demais por hoje — Benito disse em um tom divertido.
— Imagina, pode me procurar sempre que quiser trocar uma ideia — respondeu, abanando ar. — E vamos combinar aquele bate papo com os meninos mesmo. Será um prazer.
— É só me mandar uma mensagem quando tiver um tempo livre.
— Pode deixar, eu te aviso. Passando o jogo contra o Bayern, acho que as coisas ficam mais tranquilas. — piscou um olho. — Até mais.
Álvaro acenou em despedida antes de puxar consigo pelo corredor. Naturalmente, ele foi tomado pela curiosidade de saber mais sobre o que os dois estavam tramando, mas logo perguntou se o treino extra com Benzema e Cristiano tinha sido satisfatório e este foi o assunto que os envolveu durante o caminho até o refeitório e enquanto serviam cada um o seu prato.
— Que bate papo é esse que você estava combinando com o tal Álvaro Benito? — finalmente perguntou quando os dois se sentaram frente a frente em uma das mesas.
— Ele me convidou pra ir conversar com os meninos do Juvenil C — respondeu antes de colocar a primeira garfada na boca e mastigou e engoliu a porção de comida antes de continuar. — Disse que eles acham incrível que uma mulher faça parte da comissão técnica do time principal. Muito fofos, né?
— Hm… — ele murmurou e ficou em silêncio por algum tempo enquanto comia. — E será que o Zizou vai gostar de saber que a auxiliar dele anda de conversinha com outro treinador? — brincou, fazendo-a rir.
— Meu tio sabe que sou fiel a ele, engraçadinho. O Álvaro é um contato que eu preciso manter, ele sabe muito sobre futebol e sobre o Real Madrid. Foi canterano, sabia? Chegou a jogar com o time principal também, mas teve que se aposentar como jogador bem cedo por causa de uma lesão no joelho. Uma pena, já vi uns vídeos dele no YouTube e era ótimo jogador — comentou e deu uma pausa para beber um longo gole do suco de uva. — Então ele ficou muito frustrado e se afastou do futebol, montou uma banda e foi o que ele fez da vida por um bom tempo… Há poucos anos que decidiu voltar, primeiro como comentarista, e depois tirou a licença pra ser treinador.
— Você disse que ele tem uma banda? — questionou sem disfarçar a surpresa, o que a fez soltar uma risada.
— Dá pra acreditar? Pior que ele parece ser bom na música também, mas seria um desperdício, ele realmente entende muito de futebol.
— Deve entender muito mesmo, você já é tão fã que sabe a biografia inteira do cara.
— Desculpa, tô empolgada demais, né? — disse, fazendo uma careta, e o jogador riu levemente.
— Só um pouquinho, mas pode ficar à vontade.
— É que eu adoro ter com quem conversar sobre futebol, ainda mais alguém que pensa de um jeito bem parecido com o meu. Porque futebol não é uma ciência exata, né? Tem mil jeitos diferentes de organizar um time no campo e vai do gosto de cada um achar o que é melhor ou pior — ela disse, dando de ombros. — Enfim, ele acha que a gente tem que incentivar o Karim a sair ainda mais da área, que ele é genial quando vai pro meio-campo ajudar a criar jogadas, porque ocupa espaços que outros não têm a intuição de ocupar. E, com isso, acaba sendo mais produtivo deixar o trabalho de fazer os gols pra você e pro Cris. Também acho que a gente tem que trabalhar em cima desse raciocínio, mesmo que a maioria dos torcedores não entenda o que a gente tá fazendo porque quer um número nove que faça gols.
— É, tem funcionado. Talvez seja uma boa estratégia. Gosto de dar assistências, mas ainda mais de fazer gols.
— Pois é, e o Karim é muito generoso nesse sentido, não se importa de não ser o cara que estampa a capa do jornal por ter sido quem chutou a bola pro gol, então vamos ver se dá pra implementar isso melhor.
Depois de finalizar a refeição, o casal deixou o refeitório, ambos caminhando lado a lado.
— Quer aproveitar essas horinhas que a gente tem até ter que voltar pra concentração pra levar mais um pouco das suas coisas lá pra casa? — perguntou.
— Acho melhor arrumar aquela bagunça que a gente deixou no closet primeiro, senão vai ficar muito confuso. Pensei em fazer isso agora de tarde.
Eles tinham começado a mudança de no dia anterior, levando peças de roupa que ela não costumava usar no dia a dia. Não haviam definido uma data para ela estar oficialmente instalada na casa do , mas tinham combinado de fazer isso aos poucos, sem pressa, e em duas ou três semanas estariam, enfim, morando juntos.
— Você já chegou fazendo bagunça, hein? Quero nem ver como vai ser — zoou.
— Não fui eu que fiquei com preguiça de terminar de organizar as coisas — ela se defendeu, o fazendo rir.
— Então faremos a sua vontade, mademoiselle.
riu de seu francês forçado e, como resposta, recebeu um tapinha em sua bunda antes de ser abraçada de lado e guiada em direção ao estacionamento.
O jogo contra o Atlético de Madrid terminou em um a um. Um resultado justo, já que nenhum dos dois times dominou completamente a partida, mas pouco satisfatório para o Real Madrid, que teve sua vantagem em relação ao Barcelona, segundo colocado do campeonato, reduzida em dois pontos. No entanto, pelo nível de dificuldade do Derbi madrileño, sair com um empate não era a pior das hipóteses.
— Aquele campeonato de FIFA era pura lorota, hein? — disse em um tom divertido ao cruzar com Antoine Griezmann, autor do gol do Atlético de Madrid, perto do vestiário do time visitante do Santiago Bernabéu.
Uma expressão de culpa estampou o rosto do jogador e ele encolheu os ombros.
— Ainda tô tentando conciliar o videogame com trocar as fraldas cagadas da Mia.
— Que pai dedicado — ela rebateu em meio a risos.
— Juro que até o fim da temporada eu marco uma reuniãozinha lá em casa, tá?
— Não espero menos do que isso. Até o filho do Varane que nasceu mês passado eu já conheço e a sua ainda não.
— A Erika ia trazer ela hoje, mas acabou desistindo — Antoine comentou, dando de ombros. — Falando nisso, a gente vai se casar nas férias.
— E você me fala isso do nada, garoto? Cadê meu convite?
— Calma, ainda vou mandar — ele disse, rindo. — Pro Karim e pro Rapha também, mas vai ser um casamento relativamente pequeno, não vou chamar todo mundo da Seleção.
— Acho bom não esquecer da gente — falou em um falso tom ameaçador enquanto o outro já se afastava em direção ao vestiário.
— Não vou. Depois a gente conversa melhor, . Tenho que correr pra ducha, fui escalado pra falar com os jornalistas na zona mista.
— Até mais, Petit Prince — ela debochou e Griezmann fez uma careta em reação ao apelido que odiava. — Ou Principito, né? Já que estamos na Espanha.
— Eu prefiro nenhum dos dois.
seguiu o caminho até o vestiário de sua equipe em meio a risos. Ela gostava muito de Antoine e, inclusive, lamentava que, mesmo morando na mesma cidade agora, só conseguissem se encontrar quando o Real Madrid enfrentava o Atlético de Madrid. Acabava sendo algo inevitável, já que cada time tinha seu próprio calendário e, os jogadores, cada um a sua vida.
Minutos mais tarde, ela estava apoiada no carro de , respondendo algumas mensagens, quando o viu chegar ao estacionamento do estádio junto a Karim. Com a aproximação dos dois, a fragrância intensa de um perfume que ela sabia não ser do adentrou seu nariz.
— Pra que esse cheiro todo?
— Tô indo me encontrar com a Susi — Benzema respondeu, piscando um olho.
— Agora tá explicado — disse, sorrindo, e ele a beijou na bochecha antes de se afastar na direção da Ferrari estacionada ao lado do Audi de . — Bom encontro.
— Pra vocês também — ele falou com um sorriso divertido e, em seguida, adentrou o automóvel.
franziu o cenho em dúvida e se voltou para .
— O que ele quis dizer com isso?
— Que você não vai fugir de mim hoje — disse ele com simplicidade, dando de ombros.
— Desde quando eu fujo de você? — Ela cruzou os braços, indignada.
— , você passou a semana inteira fugindo de mim.
— Mas não foi de propósito, . Essa semana que foi corrida pra caramba.
— É, mas amanhã é dia de folga — falou e a puxou delicadamente pelos braços, a fazendo descruzá-los —, então hoje a senhorita é toda minha.
— Você realmente acha que eu iria me opor? — ela perguntou com um sorrisinho nos lábios, que logo foram cobertos pelos do namorado.
Um beijo apaixonado depois, o casal estava acomodado dentro do carro, deixando o Santiago Bernabéu em meio à típica confusão de torcedores.
— Aonde estamos indo? — indagou, tomada por um misto de curiosidade e ansiedade.
— Trocar de roupa e pegar umas coisas em casa — respondeu, recebendo um olhar ainda mais curioso. — Vamos passar a noite fora.
Decidir em qual dos restaurantes do Hotel Puerta América jantar foi a parte mais complicada da noite. Bastante fácil, para o casal, foi se sentar em uma das mesas do restaurante escolhido, que oferecia um ambiente bastante aconchegante na parte coberta do terraço e boa comida. A sobremesa ficou para a parte descoberta, onde os dois se acomodaram em um sofá para observar o céu estrelado de Madrid.
Depois que o garçom levou as taças vazias, abraçou de lado. Ela, que usava um vestido azul-marinho bem justinho que deixava suas pernas e braços de fora, aproveitou para se aninhar junto ao corpo dele para se aquecer.
— Doeu? — perguntou, quebrando o silêncio que os envolvia.
— O quê?
— Passar uma noite sem trabalhar que nem uma doida.
— Engraçadinho. — estreitou os olhos e riu suavemente. — Não é como se fosse um sacrifício, eu trabalho com o que mais gosto.
— Seu namorado merece um pouco de atenção também.
— Meu Deus, , a gente se vê todo dia.
— Ambiente de trabalho não conta, né?
— A gente vai enjoar da cara um do outro desse jeito — ela falou, rindo. — Não me importo se a gente der essas escapadas mais vezes.
— Que bom, porque pretendo que vire rotina — falou, esboçando um pequeno sorriso, enquanto seus dedos deslizavam suavemente pelo braço dela.
— Ajudar o Karim com os encontros dele te inspirou, é? — ela perguntou em um tom espirituoso.
buscou pelos olhos de e, silenciosamente, os fitou por longos segundos.
— Você me inspira — disse com naturalidade, fazendo com que, junto a um friozinho na barriga, um sorriso despontasse em seus lábios.
— Desse jeito eu vou ficar me achando.
Ele riu nasalmente e, em seguida, levou a mão ao queixo da namorada para guiar lábios dela em direção aos seus.
Minutos depois, conferia o mapa do hotel no hall dos elevadores enquanto aguardava , que tinha ido ao banheiro, quando foi interrompida pelo próprio.
— Vamos?
— Tem um lounge bar no último andar — comentou, se voltando para o namorado.
— Eu ia mesmo sugerir que a gente fosse lá. Tá cedo ainda.
— Você sabe como conquistar uma mulher — brincou, arrancando uma gargalhada dele, que ofereceu a mão para que ela segurasse antes de os dois entrarem no elevador.
No fundo, preferia que o destino deles fosse a suíte presidencial que tinha reservado para que eles passassem a noite, mas ver eufórica com um Bloody Mary na mão, dançando ao som da música que o DJ tocava, fez valer o pequeno sacrifício. Era uma das coisas que ele mais admirava nela, a capacidade de se divertir demasiadamente com tão pouco e sem dar a mínima importância para as pessoas ao redor.
Enquanto revezava o olhar entre a vista ampla da cidade de Madrid proporcionada pela altura do prédio e a namorada dançando a dois metros de distância, ele quase achou que sua presença tinha sido esquecida.
— Tanto drinque delicioso e você aí bebendo água — falou ao ocupar o banco do outro lado da mesa alta.
— Com gás — acrescentou e riu levemente quando ela rolou os olhos. — O que você tá tomando?
— Um drinque chamado Paloma.
— Tá querendo experimentar todos os coquetéis que o bar oferece?
— Quem me dera — ela disse com um sorriso travesso nos lábios —, mas não queremos que eu saia daqui em coma alcoólico, certo?
— Definitivamente, não — ele concordou, rindo. — Quero você bem consciente pra daqui a pouco.
Os olhos de , perdidos na paisagem que o vidro mostrava enquanto ela se deliciava com a bebida, fitaram com curiosidade. Os dois se encararam por longos segundos, como se estivessem lendo os pensamentos um do outro. Assim que esvaziou o copo, ela se pôs de pé.
— Só mais um drinque e sou toda sua — disse, o fazendo sorrir.
Como prometido, o tempo que os dois levaram para ir embora foi o mesmo que precisou para matar a caipirinha sugerida pelo barman, já que ela não conseguia se decidir entre as tantas opções que o bar oferecia. E bastou a porta bater atrás deles ao chegarem à suíte para estarem envolvidos em um beijo ardente.
empurrou pelo primeiro ambiente do quarto, uma pequena sala de estar, e a fez se sentar no encosto do sofá. Em meio aos beijos, as mãos dele delinearam seu corpo até alcançarem o zíper do vestido, o qual ele não pensou duas vezes antes de abrir e puxar para baixo.
O beijo foi quebrado quando os dois precisaram de ar e, mesmo ofegante, ele embrenhou os dedos pelos fios de cabelo de e desceu os lábios para o pescoço dela. Os deslizou até os seios descobertos e sua língua brincou com o mamilo eriçado de um deles. Ela, com os reflexos comprometidos pela quantidade considerável de álcool que tinha ingerido naquela noite, apenas fechou os olhos e soltou um longo suspiro, se deleitando com as sensações que a língua de a proporcionava.
Ele a beijou nos lábios, um selinho rápido, antes de segurar sua mão e guiá-la pelo quarto.
ficou boquiaberta quando eles chegaram ao segundo ambiente, onde não tinha nada além de uma cama de casal, dois criados-mudos e uma parede inteiramente de vidro que permitia que as luzes de Madrid iluminassem o quarto. Ela tirou um pé do par de sandálias após o outro e se despiu do vestido, que acabou ficando pelo chão. Se aproximou do vidro em seguida, hipnotizada pela paisagem.
— A vista daqui é magnífica.
— A daqui também.
Atraída pela voz de , se virou e o encontrou sentado ao pé da cama. Os olhos dele cobiçavam seu corpo sem qualquer pudor.
voltou da cozinha com uma xícara de chá e a deixou em um mísero espaço da mesa de centro que não estava ocupado pelas tantas folhas de papel espalhadas sobre o vidro. Se sentou sobre o tapete em seguida e respirou fundo antes de apertar o botão de play e voltar a assistir o jogo entre Bayern München e Borussia Dortmund que estava pausado na tela do computador.
Fazia quase duas horas que a assistente técnica estava ali, imersa nas anotações que fazia sobre o clássico alemão que tinha sido disputado no dia anterior com canetas coloridas, pois, apesar dos tantos aplicativos disponibilizados pelo clube para este fim, ela sentia que conseguia organizar melhor os pensamentos da maneira tradicional. Enquanto isso, estava a pouco mais de um metro de distância, sentado confortavelmente no sofá, assistindo ao Masters Tournament, um dos principais campeonatos de golfe profissional.
— Parece que a Emma tem saído bastante com as amigas — ele comentou, fazendo-a levantar os olhos do notebook para fitá-lo. Os dele estavam focados no celular, que ele tinha pegado para publicar sobre o torneio de golfe nas redes sociais. — Elas postaram umas fotos no Instagram.
— Que bom — ela respondeu sem muita certeza do que dizer. — Quer dizer… Isso é bom, né?
— Acho que é ótimo — disse , sincero.
— Ela vai descobrir que ser solteira é legal também.
— Melhor do que namorar? — ele indagou e conteve o riso ao perceber que era pura implicância da parte dele.
— As duas coisas têm seus pontos positivos — ela falou, dando de ombros.
— E negativos.
— Tudo na vida tem um lado positivo e um lado negativo.
— Sei… — murmurou com um falso ar de desconfiança, mas esboçou um pequeno sorriso antes de voltar a atenção para a tela do celular.
— Você tem falado com ela?
— Não, achei melhor dar um espaço. É melhor que ela me procure quando se sentir à vontade.
assentiu com um murmúrio e desviou o olhar para os minutos finais do jogo que rolava na tela do computador. Os dois voltaram a ficar em silêncio pelos minutos seguintes, até a partida entre o próximo adversário do Real Madrid na Champions League e um de seus maiores rivais terminar.
— Você bem que podia largar isso aí e assistir esses jogos comigo, né? — ela falou, atraindo a atenção do namorado para si. — Ainda quero rever os das oitavas. Não inteiros, mas os melhores momentos pelo menos.
— Ah, — disse em meio a um suspiro. — Você sabe que não gosto de ficar pensando em futebol no meu tempo livre.
— Não entendo como um jogador de futebol pode odiar assistir futebol e gostar tanto de ver essa chatice aí.
— Ei, não fala assim do meu golfe — ele falou, ofendido, e soltou uma gargalhada.
Ela jogou o corpo para trás, apoiando as mãos no tapete, e ficou o observando por algum tempo. Ele estava de braços cruzados, os olhos vidrados na televisão, e, por mais que não entendesse nada de golfe e nem fizesse questão de mudar isso, não podia negar que achava adorável vê-lo sempre tão empolgado com o esporte.
Enquanto o admirava, sentiu um frio gostoso na barriga e sorriu consigo mesma. Sentado no sofá, com cara de sono e o cabelo preso de qualquer maneira, vestindo uma bermuda de moletom e uma camiseta branca lisa, nem parecia uma das maiores estrelas do futebol mundial. Era apenas um cara comum, que gostava de jogar futebol, fanático por golfe, e fazia panquecas deliciosas. E que beijava muito bem, além de outras coisas, ela precisava acrescentar. A noite anterior ainda estava bastante fresca na memória de e ela se sentia quente apenas por recordar os momentos vividos no Hotel Puerta America.
Depois de pegar a xícara sobre a mesa de centro e tomar o restante do chá, ela se levantou e foi até o sofá, onde se sentou ao lado do namorado. Ele a abraçou de lado em um gesto automático, mas não desviou a atenção da televisão.
fitou seu perfil e esboçou um pequeno sorriso antes de se inclinar e beijá-lo suavemente na bochecha. Desceu os lábios até o pescoço dele, distribuindo beijinhos, mas, apesar de fazer um carinho em seu braço em resposta, não pareceu se abalar muito.
— Nem se eu balançar os peitos na sua cara você tira os olhos dessa televisão, né? — ela disse em um tom divertido, o fazendo rir.
— Ainda gosto mais dos seus peitos do que de golfe — ele respondeu com tamanha naturalidade que foi impossível segurar a risada.
— Fui ingênua de pensar que você era todo santinho, hein? Você não é de falar muito, mas só Deus sabe o que passa nessa cabecinha aí.
— Que fique claro que isso foi um prejulgamento seu. Eu não iludi ninguém.
— Qualquer coisa que eu falava fazia você ficar todo vermelho.
— Isso não quer dizer que eu seja um santo, só não tô acostumado a ser tão… direto como você.
— Confesso que eu acho esse seu jeito uma gracinha — disse , o fazendo rolar os olhos.
Ela se perdeu em seus próprios pensamentos enquanto acompanhava às jogadas do torneio de golfe com atenção, especialmente as do espanhol Sergio García, um golfista que admirava muito e, inclusive, já tivera a oportunidade de conhecer pessoalmente, já que ele era também um fiel madridista. Qualquer que fosse o pensamento que tomasse a mente de , sempre acabava dando espaço para a partida que o Real Madrid teria dali a três dias.
— Você não tá nem um pouquinho nervoso pra esse jogo contra o Bayern?
— Um pouco ansioso, mas não nervoso. É só um jogo.
— Eu tô um pouco nervosa — ela admitiu.
— Acho que é normal, você ainda tá se habituando a partidas desse tipo.
— Cada vez que o Robben cortar pra esquerda vai ser um susto — brincou, o fazendo rir. — Mas tô confiante. A gente tem conseguido bons resultados.
— Exatamente — falou, esboçando um sorriso, e beijou os lábios dela rapidamente. — Prometo que vou fazer um gol pra você.
— Não espero menos do que isso, mon amour — ela disse e piscou um olho antes de se pôr de pé. — Vou terminar de fazer minhas anotações. Temos muito trabalho pela frente.
voltou a se ocupar com seus deveres de assistente técnica e continuou a alimentar seu fanatismo por golfe. Nenhum dos dois reparou, mas aquela era a primeira das muitas tardes de domingo que passariam daquela maneira. Juntos, mas cada um ocupado com suas coisas.
A noite caiu em Munique e a temperatura, que estivera bastante agradável durante o reconhecimento de campo do Real Madrid no Allianz Arena, também. se encolheu dentro do agasalho e deu uma última olhada para o céu nublado que cobria a cidade bávara antes de deixar a sacada e voltar para o clima aconchegante do quarto que Karim Benzema e James Rodríguez dividiam no hotel em que o Real Madrid estava hospedado.
— A vista daqui é mais bonita do que a do meu quarto. Isso é muito injusto — comentou, fazendo uma careta descontente, e se sentou sobre o colchão macio de uma das camas. Na outra, estavam os dois jogadores entretidos com o celular de um deles. — O que vocês estão aprontando aí?
— Criando o perfil do James no Rendezvous — Karim respondeu. — Tá, escolhe umas quatro ou cinco fotos pra botar aí agora. Também dá pra escrever uma descrição se quiser.
— Ah, não acredito. Você também? — deu um tapa na própria testa, mas, em seguida, uma espécie de estalo na mente a fez olhar para o colombiano com espanto. — Ei, espera aí. Cadê a Dani nessa história?
— A gente tá se divorciando — James falou e, notando os olhos arregalados dela, esboçou um sorriso sem graça.
— Por essa eu não esperava. O que aconteceu?
— Não foi por nenhum motivo específico, as coisas só... esfriaram um pouco.
— Caramba, James. Sinto muito mesmo.
— Não sinta, a gente vai ficar melhor assim — ele disse com a convicção de quem, na verdade, queria convencer a si próprio e mostrou um sorriso consolador.
— E a filhinha de vocês? Como tá lidando com essa situação? — questionou, atenciosa.
— Pra falar a verdade, acho que ela ainda não tá entendendo muito bem o que tá acontecendo, mas eu e a Dani combinamos de não deixar nada disso afetar a Salo.
— Elas vão continuar morando em Madrid?
— Por enquanto sim, mas provavelmente vão passar um tempo na Colômbia quando a temporada acabar — James comentou, soltando um longo suspiro. — Já sei que vou ficar morrendo de saudade, mas é melhor pra ela ficar com a mãe.
— Essa é a pior parte — Benzema pontuou com a autoridade de quem já tinha vivido aquilo na pele.
— Imagino que seja bem difícil, mas com o tempo as coisas vão se ajeitando e vocês criam o hábito de ela vir passar um tempo com você de vez em quando e tudo mais. Karim está aí para servir de exemplo.
— É, agora ir pra Paris ver a Mélia ou receber ela aqui já é um costume.
— James, pensa pelo lado positivo. Pelo menos você não tem medo da sua ex — falou em um tom zombeteiro, arrancando uma risada do colombiano e um olhar entediado do outro.
A brincadeira foi o suficiente para o clima pesado se esvair e, agradecido pelo apoio dos dois, James voltou a atenção para o aplicativo mais uma vez e aproveitou a presença feminina de para pedir ajuda na escolha das fotos que estampariam seu perfil.
— Já vai partir pro ataque agora que tá solteiro? — perguntou, rindo.
— Eu falei pra ele que pode ser uma boa distração.
— Karim sempre dando ótimos conselhos pros amigos — ela debochou.
— Você não faria a mesma coisa se terminasse com ?
— Talvez — ela confessou após refletir superficialmente sobre o assunto durante poucos segundos. Não sabia se era certo ou errado, mas concluiu que, se seu namoro um dia chegasse ao fim, ela provavelmente preferiria seguir em frente a ficar sofrendo. — Fiquei brincando com o do Karim e não posso negar que é divertido ficar analisando o perfil das pessoas, mas, pra ser sincera, não sei se eu me daria bem usando esse app pra mim mesma. Acho que ficaria escolhendo demais.
— Tô me sentindo um pouco estranho por estar solteiro depois de tanto tempo, ainda mais por ter começado a namorar a Dani tão novo — James admitiu —, mas acho que vai ser mais prático conhecer outras mulheres com esse aplicativo.
— O lado negativo é que, às vezes, as pessoas acabam se limitando à beleza, eu acho. Se bem que na balada não é muito diferente, né? — disse, rindo, e parou por dois segundos, reflexiva. — Estar sóbrio enquanto se está dando os likes me parece uma vantagem. De cara limpa, eu não teria ficado com alguns babacas com quem já fiquei — falou, fazendo os outros dois rirem.
O celular de vibrou dentro do bolso do casaco e ela o pegou. Já tinha praticamente certeza de que era perguntando por seu paradeiro, mas se surpreendeu quando viu de quem era a mensagem que tinha acabado de chegar e, ainda mais, quando leu as palavras estampadas na tela do aparelho.
Ela ficou petrificada, encarando o celular.
— Tá tudo bem, ? — indagou James, preocupado ao vê-la empalidecer.
— Tá sim, é só… — ela respondeu em um fio de voz e levantou os olhos para encarar Karim, que também a observava com atenção. — É só meu pai me desejando boa sorte contra o Bayern.
— Seu pai? — ele questionou, surpreso.
— Pois é — murmurou e riu sem humor. — Será que tenho que me preocupar?
— Se preocupar por quê? — o colombiano perguntou sem entender, já que não sabia a respeito da relação da assistente técnica com os pais.
— Meu pai não é muito a favor de eu trabalhar com futebol — ela se limitou a dizer para encurtar a história. — Ele nunca me desejou boa sorte pra um jogo antes.
— Bom, então é verdade que pra tudo tem uma primeira vez — disse James, dando de ombros.
— É, parece que sim.
ficou alheia à conversa dos outros dois pelos minutos seguintes, cujo assunto principal voltou a ser o Rendezvous, enquanto refletia sobre a mensagem inesperada do pai. Se limitou a respondê-lo com um “obrigada 😊” e só retornou à realidade quando avisou por uma mensagem que já estava no restaurante do hotel. Ela, Karim e James, então, deixaram o quarto e foram se unir ao restante da equipe.
A primeira pessoa que viu ao adentrar o restaurante foi o , que estava próximo à porta, distraído com o celular, enquanto aguardava por sua chegada. abriu os braços quando a viu se aproximar, a convidando para um abraço, e envolveu o corpo dela.
Ela se permitiu relaxar com a cabeça apoiada em seu ombro e, algum tempo depois, estalou um beijo em seu pescoço antes de se afastar. Ela pegou o celular no bolso do casaco e abriu a janela da conversa com o pai antes de mostrá-lo a mensagem.
— Meu pai me desejou boa sorte. Dá pra acreditar nisso? — perguntou enquanto os olhos de analisavam as palavras em francês que a tela do aparelho mostravam. — Ele nunca tinha me desejado boa sorte pra nada relacionado a futebol antes. Até porque o que ele mais queria era que não desse certo e eu desistisse.
— Você poderia ter aproveitado a deixa pra puxar um assunto qualquer com ele.
— Que assuntou, ? Não tenho assunto nenhum com meu pai.
— O jogo de amanhã, por exemplo — ele respondeu com obviedade.
— Eu tô achando isso muito estranho — falou, desconfiada, e deu uma última olhada na mensagem antes de voltar a guardar o celular.
— Talvez ele e sua mãe tenham conversado e decidiram pegar mais leve — sugeriu .
— Será?
— Não sei, . É só um palpite — ele disse, rindo levemente. Apesar de lamentar a situação, a verdade é que achava que ela ficava encantadora quando deixava transparecer todas as dúvidas que tinha em relação aos pais. — Você já falou com Zizou? Ele conhece seu pai muito melhor do que eu.
— Deixa pra lá — ela falou, abanando o ar. — É só uma mensagem, né? Não tem por que fazer tempestade em copo d’água.
— Também acho — opinou, mostrando um sorriso fechado. Envolveu o rosto de com as mãos e depositou um beijo terno nos lábios dela. — Só aceita o desejo de boa sorte.
— Tá bom — ela disse em meio a um suspiro, mas, por fim, sorriu de volta.
— Ok, vamos jantar — ele falou e segurou a mão dela antes de guiá-la até o buffet.
Definitivamente, o primeiro tempo da partida não foi como ninguém do Real Madrid gostaria. Oportunidades de gol não faltaram, mas todas devidamente interrompidas pelo goleiro Manuel Neuer. Foi o Bayern München quem saiu na frente com um gol de Arturo Vidal, uma cabeceada indefensável para Keylor Navas. Os alemães ainda tiveram a chance de ampliar o placar com um pênalti polêmico, marcado em um lance interpretado pelo árbitro como mão de Dani Carvajal e que indignou os madridistas, que alegaram que a bola, na verdade, teria batido no peito do lateral direito. No entanto, os protestos não duraram muito, pois, ao cobrar a penalidade máxima, Vidal mandou a bola por cima do gol.
Apesar de o cenário não ter sido dos melhores nos primeiros quarenta e cinco minutos, a tranquilidade de Zizou contagiou o restante da equipe e o ambiente no vestiário durante o intervalo estava bastante ameno.
Enquanto o treinador proferia palavras de motivação e instruções para os jogadores, se distraiu quando seus olhos capturaram a cena paralela que se desenrolava do outro lado do vestiário. estava sentado em um banco, com o meião arriado, e o fisioterapeuta Jaime aplicava um spray em sua panturrilha. Ela imediatamente caminhou até os dois e se agachou em frente ao namorado.
— O que você tá sentindo? — perguntou em um tom preocupado.
— Nada demais, só um desconforto — ele respondeu com uma careta de dor.
— É a perna direita — observou e trocou um olhar com Jaime. Fora justamente o tornozelo direito o operado por alguns meses antes e ela não pôde evitar relacionar aquela dor na panturrilha à lesão há pouco superada.
— Esse desconforto é normal. Ele ficou muito tempo sem jogar e voltou com força total — o espanhol explicou. — A gente só tem que prestar atenção pra poder fazer o tratamento adequado, caso seja necessário.
— Vou falar pro Zizou te substituir — ela anunciou, se pondo de pé.
— Não, ! — exclamou ao mesmo tempo que a segurou pelo pulso, a impedindo de se afastar. — Não é nada demais, dá pra jogar.
— Pra que se arriscar? A gente pode muito bem entrar com o Marco ou com o Lucas no segundo tempo.
— Eu quero jogar — ele disse, firme, fazendo-a baixar a guarda. — Já conversei com o Jaime e tá tudo bem. Você não precisa me proteger.
Ele encaixou a caneleira rapidamente antes de voltar a subir o meião. Se levantou em seguida, mas permaneceu no mesmo lugar ao sentir o toque leve dos dedos de em seu braço.
— Faça como quiser, mas promete que, se você sentir que tá piorando, vai me avisar?
— , não é a primeira vez que jogo com dor.
— Promete, — ela insistiu, o fazendo virar a cabeça para fitar os olhos dela, que o encaravam com intensidade.
— Se vai te deixar feliz… — ele disse e suspirou. — Prometo.
Satisfeita, permitiu que ele seguisse junto aos outros jogadores para fora do vestiário e foi conversar com Zinédine e David sobre aquele imprevisto. Os três concordaram que a melhor opção seria substituí-lo por Marco Asensio e mandaram o espanhol para o aquecimento assim que chegaram ao campo para o recomeço do jogo.
ficou surpresa ao perceber a frieza que estava conseguindo manter desde que o apito do árbitro soou pelo estádio, indicando o início do jogo. Era como se ela soubesse que, no momento certo, as coisas começariam a funcionar para eles e, das tantas finalizações de Karim Benzema e Cristiano Ronaldo, pelo menos uma entraria no gol. E foi exatamente o que aconteceu logo no início do segundo tempo, quando um cruzamento de Carvajal levou a bola aos pés do camisa sete, que empatou o jogo.
A francesa volta e meia buscava por para que pudesse se certificar de que estava tudo bem, e foi em um desses momentos que os olhos dele se encontraram com os dela. Ele estava acompanhando o jogo a passos calmos, com os ombros caídos em sinal de desistência, e não precisou fazer qualquer sinal para que captasse a mensagem. Ela foi até Zizou e comunicou que ele tinha pedido para ser substituído.
A substituição não tardou a acontecer, pois Asensio já se encontrava devidamente aquecido, e, ao sair do campo, trocou algumas palavras com o treinador antes de ocupar o banco vago ao lado de . Ela lhe entregou uma garrafa d’água e esboçou um sorriso desanimado, mas nem teve tempo de dizer nada, pois Amelie se aproximou em busca de mais detalhes a respeito do desconforto que ele sentia na panturrilha. Antes de Lalie voltar para junto da equipe médica, seus olhos se encontraram com os de e foi o suficiente para que ela percebesse quão frustrada a fisioterapeuta estava.
Pouco depois, o Real Madrid ficou com um jogador a mais em campo quando Javi Martínez foi expulso. Aproveitando um Bayern desestabilizado, o time espanhol cresceu na partida e o gol de virada que foi sendo amadurecido aos poucos finalmente saiu. Mais um de Cristiano Ronaldo. Dessa vez, foi Marco Asensio, que havia entrado muito bem no jogo, quem cruzou para o português colocar a bola no fundo da rede.
sabia que de nada adiantaria se preocupar naquele momento, pois só poderia ter uma dimensão exata da lesão no dia seguinte, quando fosse submetido a exames, mas não pôde evitar transparecer a decepção por não ter feito parte da vitória fora de casa tão importante para o Real Madrid. Se sentiu um pouco melhor pela presença de ao seu lado no ônibus que os levou para o aeroporto e, também, no avião. Ela também estava preocupada, mas disfarçou muito bem puxando assuntos aleatórios.
Na manhã seguinte, já estava firme e forte na Ciudad Real Madrid, pois o trabalho precisava continuar. Na sala da comissão técnica, ela separava informações sobre o Sporting de Gijón, o próximo adversário que o Real Madrid encararia antes do jogo de volta das quartas de final da Champions League.
A porta se abriu, chamando sua atenção, e, na pequena fresta, surgiu a cabeça de Zinédine Zidane.
— Ei, . Só pra avisar que já cheguei e vou trocar uma palavrinha com o Florentino na sala de reunião. Se quiser dar um pulinho lá depois...
— Tudo bem, daqui a pouco apareço por lá — ela falou, esboçando um sorriso. — Tio?
— Oi?
— Você tem conversado com meu pai?
— Faz uns dias que não falo com ele. Por quê?
— É que ele me mandou uma mensagem anteontem, desejando boa sorte no jogo. Estranhei um pouco, porque ele não é disso.
— O coração do seu pai é mais mole do que você pensa, — Zizou falou, piscando um olho. — Vai ver tá caindo a ficha de que você tá fazendo história.
— Acho mais fácil ele ter sido abduzido e trocado por um impostor.
— Eu não sei por que ainda te levo a sério — ele rebateu, soltando uma gargalhada. — Ok, depois a gente cria mais teorias do que pode ter acontecido com o Nourredine.
Ao se ver sozinha mais uma vez, olhou as horas no canto da tela do computador e percebeu que, naquela altura, o resultado dos exames de já deveria ter saído. Arrastou a cadeira para trás e pegou o celular sobre a mesa antes de deixar a sala e sair caminhando pelos corredores vazios da residência dos jogadores, que tinham ganhado uma manhã de folga, na direção do departamento médico.
Ela pôde ouvir uma porta bater e, assim que virou o corredor, se deparou com o .
— E aí? Como foi? — ela perguntou, mas ele, a passos apressados, passou direto.
— A gente conversa depois — foi tudo o que disse antes de virar a esquina entre os dois corredores e sumir de vista.
ficou abobalhada diante daquela atitude inesperada do namorado, mas logo saiu do transe quando a porta do departamento médico se abriu e, de dentro da sala, saíram Jaime e Amelie.
— Gente, foi tão ruim assim? O nem quis falar comigo — ela disse, ainda um pouco confusa.
Os dois fisioterapeutas se entreolharam com uma expressão não muito boa estampada em seus rostos.
— Estiramento de grau um no músculo sóleo, da panturrilha, com presença de edema — Jaime respondeu, simplificando o diagnóstico que não teve dificuldade de compreender, já que conhecia as lesões mais comuns do futebol. O músculo afetado tinha sido um dos três responsáveis por sustentar o corpo e movimentar o pé, e a presença de edema, inchaço decorrente do acúmulo de líquidos, significava que a funcionalidade do músculo estava minimamente limitada. — Exatamente o que eu estava desconfiando. Foi uma lesão causada pelo esforço exagerado que ele tem feito, já que corre pra caramba em campo. Foi muito tempo sem jogar, os músculos dele não estavam preparados o suficiente.
— É inadmissível a gente ter deixado isso acontecer — Amelie acrescentou, soltando um suspiro exausto. — Era nossa obrigação ter visto essa lesão chegando.
— Lalie — ele começou, pacientemente, se voltando para a colega de trabalho —, é um jogador importante, o Zizou tem total confiança nele, era impossível evitar que ele jogasse. Não foi culpa sua, minha ou dos preparadores físicos. Isso acontece, é uma lesão comum em jogadores que voltam de tratamentos tão longos como esse pelo qual ele passou.
— Desculpa, Jaime, mas não comigo. É meu trabalho como fisioterapeuta garantir que os jogadores estejam em perfeitas condições. Tô sendo paga pra isso. Se algo assim acontece, é porque eu não fui competente o bastante. — Um silêncio desconfortável se instaurou no ambiente quando ela se calou, pois os outros dois podiam perceber quão desapontada ela estava e sabiam como a fisioterapeuta era exigente consigo mesma. — Bom dia pra vocês.
Depois de soltar um suspiro impaciente, Lalie saiu andando pelo corredor. encarou Jaime e lamentou com um sorriso sem graça.
— Fica tranquila, . vai ficar bem. A Lalie também — ele acrescentou, rindo levemente.
— Quanto tempo de recuperação?
— Vamos trabalhar com duas semanas — ele respondeu e, em seguida, fez uma careta. — Apesar de ele não ter ficado muito satisfeito, porque, além de perder o jogo de volta contra o Bayern, é provável que perca El Clásico também.
— Caramba, é verdade — falou e passou as mãos no rosto, já imaginando as dores de cabeça que teria por conta daquela lesão de em um momento crucial da temporada.
— Seria bom você conversar com ele, . Não adianta ter pressa agora que a merda já está feita.
— É, vou fazer isso — ela disse. — Obrigada, Jaime. Vou passar a notícia triste pro Zizou.
Enquanto fazia o caminho de volta, ela pegou o celular e tentou falar com o namorado, mas, como imaginava, ele não atendeu. Talvez nem estivesse com o celular por perto. , então, seguiu sua intuição e pegou o rumo da área onde ficava a piscina. Um sorriso satisfeito despontou em seus lábios quando viu sentado na beira, de costas, com os pés mergulhados na água. Se aproximou e se sentou ao lado dele, de pernas cruzadas, se fazendo ser notada.
Os dois permaneceram daquele jeito por longos minutos, com os olhos perdidos na água e sem dizer nada. preferiu esperar que ele se sentisse confortável para conversar.
— Tô sentindo como se estivesse dando murro em ponta de faca — finalmente disse algum tempo depois.
— O por quem me apaixonei é persistente. Ele não acharia que uma lesão de duas semanas de recuperação é tão ruim assim — ela falou de maneira descontraída, o empurrando levemente.
— Justamente as duas semanas em que vamos jogar contra o Bayern e o Barça — ele retrucou, amargurado. — Eu deveria mostrar que sou um jogador à altura desses jogos importantes.
— Como se você já não tivesse mostrado isso mil vezes pra todo mundo. Vão ter outros jogos importantes ainda nessa temporada.
A verdade é que já não estava tão chateado quanto minutos antes, quando Jaime e Lalie explicaram o que tinha acontecido em sua panturrilha. Ele sabia que era capaz de superar mais aquele obstáculo. O único medo que tinha, na verdade, era de ficar tantas vezes ausente que o time acabasse se acostumando a jogar sem ele. Se tornar um jogador descartável seria a pior coisa que poderia lhe acontecer.
— Que merda, hein? Foi namorar logo um cara que só sabe se lesionar toda hora — ele brincou e riu levemente, sem muito humor.
— Mon amour, eu estaria preocupada se meu namorado não comparecesse na hora H, isso sim.
— Pelo menos nesse quesito ainda não tô decepcionando, né?
— Você não tá decepcionando em aspecto nenhum. Para de bobeira — ralhou. — A gente pode combinar uma coisa. Se você levantar essa bundinha maravilhosa daí e for lá começar o tratamento sem ficar cheio de pensamentos negativos, eu realizo um desejo seu quando você for liberado pra jogar.
— Qualquer desejo? — questionou, soando bastante interessado na proposta.
— Qualquer um — ela respondeu, dando de ombros. — Tô querendo dizer na cama, tá? Se você vier com um pedido que não tenha a ver com sexo, eu vou dar um tapa na sua cara — acrescentou, rindo.
— Não necessariamente na cama, né?
— Por que eu sinto que deveria ter imposto limites?
— Agora já era — ele falou em um tom debochado e beijou rapidamente os lábios dela.
, no entanto, não o deixou se afastar.
— Estamos juntos nessa, tá? — ela disse antes de o envolver em um beijo de verdade.
fechou os olhos e se permitiu ser tomado pela paz que saber que ele tinha ao seu lado, o apoiando, o fazia sentir. Aquela francesa ter entrado em sua vida era muito mais do que sorte.
21. La Vigesimoprimera
Bajando por toda tu piel
Oh, sé que quieres que me quede
Enredarte en mis piernas es lo que quieres
Downtown - Anitta ft. J Balvin
Ao estacionar seu carro atrás do que costumava usar no dia a dia, ainda se sentia em pleno Santiago Bernabéu lotado. As canções entoadas pela torcida madridista ecoavam em sua cabeça mesmo que a partida contra o Bayern München já tivesse acabado há horas, e ela não podia evitar as cantarolar. Adentrou a casa silenciosa, olhando de um lado para o outro em busca do namorado, e, diante da falta de sinal da presença dele no andar térreo, subiu os degraus agilmente. Também não o encontrou no quarto, mas notou a luz do banheiro acesa.
saía do banho quando o pegou de surpresa ao abraçá-lo pelo pescoço sem se importar com as gotas de água que escorriam por seu corpo.
Ela o puxou para um beijo, que foi correspondido de imediato. As mãos dele desceram para sua cintura e acabaram por esquecer a toalha que foi parar no chão.
Suas bocas se separaram algum tempo depois, quando ambos estavam ofegantes, e um sorriso que ia de orelha a orelha despontou no rosto de .
— Nem acredito que estamos na semifinal!
— Achei que o motivo dessa felicidade toda era por estar com saudade de mim — falou, rindo levemente, e pegou a toalha para terminar de se enxugar.
De fato, o casal estava sem se ver desde o dia anterior, quando se concentrou com o time e ele, descartado da convocação por estar lesionado, ficou em casa e abriu mão de ir ao jogo para se manter focado nas duras sessões diárias de fisioterapia que vinha fazendo.
— Isso também — ela rebateu e seus olhos desceram pelo corpo que tinha pele demais à mostra para ser ignorado. Não sabia se era por ainda estar agitada com a vitória acirrada daquela noite ou por estar há dias sem fazer sexo com o namorado, mas sentiu vontade de acabar com a seca ali mesmo, sobre a pia do banheiro. — Você podia ter me esperado para a gente tomar banho juntos.
— Eu estava louco por um banho, mas posso me redimir providenciando um lanche pra gente.
— Por favor. Estive tão envolvida com os preparativos pro jogo que nem almocei hoje.
— Eu imaginei. — sorriu.
— Como foi seu dia?
— Produtivo. Jaime falou que a recuperação tá evoluindo bem.
— Que bom. Tomara que você seja liberado pra jogar a primeira partida das semifinais.
— Na verdade, minha intenção é estar pronto pra enfrentar o Barcelona no sábado — ele admitiu e franziu o cenho.
— Acho que tá muito em cima, não? — ela rebateu enquanto começava a se despir. — Você não imagina como estou aliviada depois desse jogo. Foi o mais estressante da temporada até agora. Me sinto até mais leve.
— Você merece relaxar um pouco. Trabalhou duro — disse e se aproximou para depositar um beijo em seus lábios.
— Eu bem que queria fazer uma proposta indecente — confessou, o fazendo rir —, mas acho que o melhor jeito de comemorar essa classificação é com uma longa noite de sono.
— Estarei te esperando na nossa cama. — Ele piscou um olho, amarrando a toalha na cintura.
— Que seja pelado, por favor.
saiu do banheiro aos risos e entrou no box também rindo consigo mesma. Quando saiu do banho minutos depois, encontrou a esperando na cama, como prometido, com dois sanduíches. Ela vestiu apenas uma calcinha confortável e os dois se alimentaram enquanto debatiam a partida de mais cedo.
Ninguém esperava que aquele jogo contra o Bayern fosse ser mais fácil do que o realizado em Munique na semana anterior, mas também não imaginavam que teria tantas reviravoltas.
O primeiro tempo foi marcado pela falta de gols, o que mantinha o Real Madrid em vantagem com a vitória conquistada fora de casa, mas um pênalti de Casemiro sobre Robben na segunda metade da partida acabou por mudar a trajetória daquele desfecho que se configurava até então. Lewandowski não desperdiçou a oportunidade e marcou o primeiro gol do time alemão. Algum tempo depois, Casemiro se redimiu ao cruzar a bola para Cristiano Ronaldo marcar de cabeça e incendiar o jogo. No entanto, logo após a saída da bola, a defesa madridista se atrapalhou e Sergio Ramos fez um gol contra que igualou o placar agregado.
Pouco antes da prorrogação, o Bayern ficou com dez jogadores após a expulsão de Arturo Vidal e sugeriu a Zizou uma mudança tática que fizesse valer aquela vantagem. O resultado veio com mais dois gols de Cristiano Ronaldo, um deles resultante de uma jogada individual incrível de Marcelo. O brasileiro poderia ter colocado a bola na rede, mas foi generoso e preferiu passá-la para que o camisa sete marcasse seu centésimo gol na Champions League.
O sentimento que tomou quando o apito do árbitro soou, finalizando a partida, era algo que ela jamais esqueceria. Mesmo se eles tivessem sido eliminados, ela estaria satisfeita com o esforço realizado por toda a equipe não apenas durante os mais de cento e vinte minutos de jogo, mas ao longo de todos os dias em que estiveram focados em se preparar para encarar um dos times mais fortes da Europa. Estar a três partidas de se tornarem os grandes campeões europeus da temporada a fazia querer trabalhar ainda mais.
— Quem você prefere pegar nas semifinais? — perguntou, já de olhos fechados, com a cabeça deitada sobre o peito de .
Os dois estavam prontos para dormir, mas ainda conversavam baixinho, ambos morrendo de sono.
— A gente nem sabe todas as opções ainda — ele rebateu.
Real Madrid e Atlético de Madrid, que havia vencido o Leicester, ainda eram os únicos times classificados para a fase semifinal, já que as outras duas partidas das quartas de final aconteceriam no dia seguinte.
— Mas dá pra ter uma ideia. Acho muito difícil que o Barcelona consiga reverter o três a zero que tomou da Juve semana passada, então vamos assumir que quem vai passar é a Juve… Entre Borussia Dortmund e Monaco, eu tenho minhas dúvidas, mas fico com o Monaco — conjecturou. — Entre Atlético de Madrid, Borussia e Monaco, quem você prefere?
— Tanto faz — respondeu e riu levemente quando a namorada bufou.
— Eu prefiro o Monaco, só pra gente dar um pulinho na França. Apesar de que aquele menino, o Mbappé, me deixa um pouco tensa.
— Pra que time você torce lá na França mesmo?
— Eu costumava dizer que meu time era o Olympique de Marseille, mas a verdade é que, a minha vida inteira, torci pelos times em que meu tio jogava. Hoje em dia, torço pelo time que paga meu salário.
— Justo — disse antes de os dois caírem em alguns segundos de um silêncio que ele mesmo foi o responsável por quebrar. — Foi diferente te ver pela televisão hoje.
— A TV me deixa assim tão feia?
— Até parece — ele respondeu, rindo. — Eu aposto que tem um monte de cara que só assiste aos nossos jogos pra te ver.
— Só na sua cabeça que alguém assistiria a um jogo de futebol inteiro pra me ver por um milésimo de segundo, lá no fundo.
— Eu veria.
— Você é doido, não vale.
— Por você.
sorriu quando ele depositou um beijo em sua testa e só foi perceber que logo em seguida caiu no sono quando acordou horas depois, sozinha na cama. havia deixado uma mensagem no celular, avisando que já tinha ido para Valdebebas com Lalie para mais um dia intenso de fisioterapia e condicionamento físico.
Na sexta-feira, depois da primeira parte do treinamento intenso que teriam naquele dia, o refeitório da residência dos jogadores estava lotado na hora do almoço. O time quase inteiro estava reunido, assistindo ao sorteio que definiria a fase semifinal da Champions League.
Os palpites de acabaram por se concretizar. Além do Atlético de Madrid, os outros times classificados haviam sido a Juventus e o Monaco.
Todos os olhos estavam atentos na televisão quando a bolinha que continha o nome do Real Madrid saiu e, por ironia do destino, a sorteada em seguida guardava o nome do clube vizinho. Mais uma vez, o destino deles se cruzaria com o do Atlético de Madrid.
terminou de comer e foi até a sala da comissão técnica para contar a novidade ao tio. Para sua surpresa, o encontrou acompanhado por .
— Tô atrapalhando?
— Não, a gente só está conversando sobre a possibilidade de ele jogar contra o Barcelona — Zizou respondeu, fazendo um gesto para que ela se juntasse a eles.
— Vocês estão brincando, né? — ela rebateu, desacreditada. — Isso é muito arriscado, nem deu tempo de ele se recuperar direito.
— Eu tô me sentindo bem, — falou. — Se o Zizou quiser que eu jogue, estou pronto pra isso.
— Você não vai morrer se perder um clásico na vida — ela disse, indignada.
— É um jogo importante, pode estar valendo LaLiga dessa temporada.
— Sei muito bem disso, mas não é como se não tivéssemos vários jogadores que podem te substituir. Se poupando, você vai estar ajudando o time muito mais.
— Lena… — Zinédine tentou falar, mas foi cortado pelo .
— Eu já falei que você não precisa me proteger — ele disse, encarando-a com um olhar firme e decidido. — Aqui, eu sou , jogador do Real Madrid, não seu namorado. As minhas decisões são apenas minhas.
— Estou falando como assistente técnica do time, não como sua namorada — rebateu, cruzando os braços.
— Não me leve a mal, , mas a sua opinião não importa muito. Quem tem o poder de decisão aqui não é você, é o Zizou.
— Gareth… — o treinador tentou quebrar a tensão que crescia entre os dois mais uma vez, mas foi novamente ignorado.
— Olha só, , você sabe muito bem que eu me preparei muito pra estar aqui, não aceito que ninguém menospreze a minha função — disse sem alterar o tom de voz, mas seus olhos evidenciavam quão ofendida estava.
— Não estou menosprezando ninguém — tentou se defender, assustado com o rumo que eles estavam tomando.
— Forçar a barra pra jogar nesse momento pode agravar a lesão e você sabe muito bem disso. Vai agir feito um moleque mimado a troco de quê?
— ! — Zizou exclamou, finalmente obtendo a atenção dos dois. — Calma, eu já conversei com o Jaime e sei muito bem quais são os riscos. Ainda não decidi com qual escalação vamos entrar pra enfrentar o Barça, mas você pode ficar tranquila que vai ser uma decisão tomada com os pés no chão.
olhou de um para o outro e soltou uma risada irônica.
— Pelo visto a decisão já foi tomada, né? Espero que dê tudo certo e vocês possam apontar o dedo na minha cara depois, mas saibam que eu não concordo e vou continuar não concordando. — Ela caminhou a passos duros na direção da porta, mas parou com a mão na maçaneta. — Ah, caímos com o Atleti no sorteio.
Sem esperar por resposta, saiu da sala, batendo a porta atrás de si, e proferiu alguns palavrões em francês baixinho enquanto atravessava os corredores que levavam ao departamento médico.
— Jaime — falou, adentrando a sala de fisioterapia sem bater na porta —, não tem nada que você possa fazer pra impedir essa loucura de o jogar contra o Barcelona?
— Os resultados dos exames que fizemos foram bons e o próprio disse que está bem pra jogar — ele falou, encolhendo os ombros, mas a expressão em seu rosto deixava claro que ele discordava daquela decisão tanto quanto ela. — Lavo minhas mãos.
Amelie, que também estava presente, rolou os olhos. não sabia, mas aquele vinha sendo o principal assunto entre os dois a manhã inteira.
— Mas isso não está certo! — ela exclamou.
— Exatamente — Lalie concordou. — É inaceitável que a gente, como fisioterapeutas de atletas de elite, permita que isso aconteça. Uma coisa tão básica como essa. É óbvio que ele ainda não está pronto pra jogar.
— É claro que eu concordo com você duas, caramba — Jaime falou, impaciente. — Também acho que ele deveria esperar mais uns dias pra voltar a jogar, mas a decisão não é minha. Já fiz tudo o que cabia a mim. A última coisa que quero é arranjar problema com o Zizou.
— Você tá sendo covarde. Não é possível que não se sinta mal por estar tomando essa posição — disse Amelie em tom de reprovação.
— O futebol é isso, um monte de homens tomando decisões idiotas o tempo todo — ele rebateu, rindo levemente, com a intenção de descontrair. Não se sentia muito confortável em meio a duas mulheres como aquelas duas enfurecidas. — Torço muito pra que isso mude, mas, infelizmente, vocês ainda são minoria aqui.
— O ainda vai me deixar maluca — falou, passando a mão no rosto, e bufou antes de se retirar.
A voz de dizendo que sua opinião não importava, porque não era ela quem tinha o poder de decisão, veio à sua cabeça. “Quem ele pensa que é pra falar assim comigo?”, pensou, irritada, mas ignorou a vontade que tinha de dizer poucas e boas para o namorado e foi se dedicar aos últimos preparativos para El Clásico. Ela já tinha obrigações demais como assistente técnica, não precisava ter uma dor de cabeça que era da alçada da equipe médica.
se limitou a soltar um longo suspiro quando, antes de o time deixar a concentração na Ciudad Real Madrid rumo ao Santiago Bernabéu, Zinédine anunciou os onze jogadores que seriam titulares no jogo contra o Barcelona. Dentre eles, como já era esperado, estava . Ela havia prometido para si mesma que não opinaria mais sobre o assunto. Nem tinha por que fazer isso, já que suas opiniões pareciam ser descartáveis. Apenas jogou a mochila sobre o ombro e saiu da sala de projeção, onde o time estava reunido. No ônibus, optou por se sentar ao lado de Luis Llopis, o treinador de goleiros, com quem sempre tinha conversas ao mesmo tempo divertidas e enriquecedoras do ponto de vista profissional, e não próxima ao namorado, como de costume. Não que estivesse ignorando , até tinham tomado o café da manhã juntos na sacada do refeitório, mas o clima entre eles não estava dos melhores, já que não era capaz de esconder seu descontentamento por completo.
Durante o tempo em que estiveram no vestiário, antes e depois de os jogadores saírem para o aquecimento prévio à partida, pegou a observando de longe inúmeras vezes. Quando se pôs ao lado de Zizou e David Bettoni no corredor para cumprimentar cada um dos jogadores na saída para o campo, tradição que seguiam em todos os jogos disputados, ela se surpreendeu quando o ignorou sua mão estendida e depositou um beijo estalado em seus lábios. Não soube como interpretar tal gesto, mas não demorou a se dar conta de que aquele não era o momento para tentar decifrar o que se passava pela cabeça de . Eles estavam prestes a jogar uma das partidas mais decisivas da temporada.
Por natureza, El Clásico sempre era um jogo especial. A rivalidade histórica entre Real Madrid e Barcelona, considerada uma das maiores do mundo, tornava o clima que envolvia o estádio diferente. Sair sem a vitória não era opção para nenhum dos dois times, fosse qual fosse o cenário, mas aqueles três pontos que estavam em jogo naquele dia poderiam fazer a diferença na tabela no final do campeonato espanhol.
sabia que seria um jogo difícil de conter os ânimos. Não apenas porque estavam prestes a enfrentar um time que contava com os jogadores extraordinários que Messi e Iniesta eram, mas também porque o Barcelona tinha sido eliminado da Champions League no meio da semana pela Juventus. Eles não tinham mais nada a perder agora que a chance de serem campeões europeus não existia mais e precisavam se apegar ao campeonato nacional. Sendo um dos maiores clubes da Espanha e do mundo, os culés não se contentariam apenas com a Copa del Rey, da qual já eram finalistas.
Os primeiro cinco minutos de jogo foram quase que completamente dominados pelo Real Madrid. Conforme a orientação dada por Zidane, os jogadores utilizaram o toque de bola para criar algumas jogadas de perigo. No entanto, o cenário não demorou a se tornar mais equilibrado conforme o Barcelona crescia na partida.
estava ainda mais observadora naquele dia e não pôde deixar de notar como o tio, que era uma pessoa tranquila por natureza, estava estranhamente inquieto, mesmo que o Real Madrid ocupasse uma posição confortável na tabela, três pontos na frente do Barcelona e com um jogo a menos disputado. A indecisão de Zizou sobre ficar em pé na beira do campo ou se sentar nos bancos reservados à comissão técnica chegava a incomodá-la.
O jogo começou a esquentar quando as oportunidades de gol se tornaram constantes. De um lado, Keylor Navas fazia belas defesas; do outro, Ter Stegen não ficava para trás. Nesse ritmo, o placar não demorou a ser aberto. Depois de um escanteio para o Real Madrid, Casemiro aproveitou o rebote para colocar a bola na rede, fazendo a torcida madridista explodir em comemoração.
No entanto, o gol que deveria tranquilizar o Real Madrid serviu como combustível para o time rival. Cinco minutos de pressão foram o suficiente para o Barcelona empatar o jogo com um gol de Lionel Messi.
Quando a bola voltou a rolar, Zinédine se sentou entre os dois auxiliares para discutir as mudanças táticas que eles fariam para segurar aquele empate até o intervalo. escutava o debate entre os dois homens ao seu lado, mas as palavras entravam por um ouvido e saíam pelo outro. Sua atenção estava no campo, mais precisamente em . Desde o início do jogo, ele estava sendo tão participativo que ela quase se esquecera de toda a polêmica dos dois dias anteriores. Vê-lo caminhando pela grama foi o que fez sua preocupação vir à tona. Ela o observava atentamente e viu o momento exato em que o se deu por vencido e se jogou na grama, levando as mãos à região da panturrilha, onde sentia uma dor forte.
— tá caído — disse, soltando um longo suspiro quando o jogo foi interrompido e, , rodeado pelos colegas de time.
Zizou levantou os olhos da prancheta para a cena que se desenrolava no campo. A seriedade que estampava seu rosto desde o apito inicial não se alterou.
— Marco! — ele chamou, se virando para a fileira de trás.
Enquanto Marco Asensio fazia um rápido aquecimento com Antonio Pintus e se preparava para entrar na partida, deixou o campo mancando e nem sequer olhou para o banco de reservas antes de sumir pelo túnel.
Quando se levantou para fazer o mesmo caminho que ele, passou pela equipe médica e viu Amelie alterada, se recusando a ir atrás de . Não se surpreendeu, pois, se tinha alguém que havia se indignado ainda mais com a imprudência de liberá-lo para jogar, certamente havia sido ela.
adentrou o vestiário logo depois de e se fez notar pelos passos apressados.
— Se veio jogar na minha cara que estava certa, não precisa nem perder seu tempo — ele disse, se sentando no banco.
permaneceu sem reação em um primeiro momento. Por mais que tivesse deixado sua opinião bem clara, ela não queria sair com a razão. Não se isso significasse ele se machucar novamente.
— Que tipo de pessoa você pensa que eu sou? — perguntou em um tom levemente magoado que não passou despercebido.
soltou um longo suspiro desanimado e buscou pelos olhos de . Eles ficaram se encarando por longos segundos, sentindo o clima pesado que os rodeava, até serem interrompidos por Jaime. Ela não tinha certeza se sua presença era bem-vinda, mas ficou ali, enquanto ele era amparado pelo fisioterapeuta, dando o apoio silencioso que sabia que ele precisava naquele momento.
— , volta pro campo — a voz de Zidane ecoou pelo vestiário, atraindo a atenção dos três. — O árbitro me expulsou. Vou te passar algumas orientações no intervalo.
Chocada, ficou encarando o tio enquanto ele rabiscava a lousa branca, proferindo uma infinidade de palavrões em francês.
— Por que você foi expulso?
— Vai logo, !
Depois da partida que terminou com a vitória do Barcelona, se ofereceu para dirigir o carro de até em casa. Sem outra alternativa, ele se acomodou no banco do passageiro e ficou de boca calada por todo o caminho. Estava envergonhado demais para falar qualquer coisa. , por sua vez, também não se esforçou para quebrar o silêncio. Não tinha forças para dizer nada. Se sentia mentalmente esgotada.
Zidane havia sido expulso por reclamar calorosamente depois que o árbitro fez vista grossa para uma falta sofrida por Cristiano Ronaldo dentro da área adversária. Ela e David Bettoni assumiram o comando do time a partir das orientações que receberam no intervalo, mas o trabalho em conjunto não foi o suficiente para evitar as reviravoltas que aconteceram no segundo tempo. O Barcelona virou o placar que estava em um a um até então, James Rodríguez marcou um gol para voltar a deixar o jogo empatado e Sergio Ramos foi expulso. Mais um gol de Messi decretou a vitória culé por três a dois.
ainda conseguia sentir o clima fúnebre do vestiário os acompanhando mesmo quando já dirigia pelas ruas de La Finca. Eles ainda continuavam com um jogo a menos e bastaria ganhá-lo para voltarem à primeira posição, mas ninguém gostava de perder para o rival em seu próprio estádio, diante de sua torcida.
Ela estacionou o carro na garagem de casa e os dois desceram do mesmo ainda em silêncio.
— Acho que eu vou dar um pulo na casa do Karim — ela disse, atraindo o olhar de para si. — Você vai ficar bem?
Só Deus sabe o quanto ele se esforçou para não pedir que ficasse em casa naquela noite, o fazendo companhia. No entanto, apenas deu de ombros e a observou descer a rua sem fazer nada para impedi-la. Não se sentia no direito de fazer isso.
Quando adentrou a casa, encontrou Lalie descendo os degraus da escada com uma mochila pesada nas costas.
— Aonde você tá indo?
— Vou pra casa do Luka.
— Você já tinha combinado isso com ele?
— Não, eu decidi agora.
— Lalie…
— , é melhor a gente não se falar agora. Você sabe que quando fico nervosa digo o que não devo. — Amelie suspirou longamente e, finalmente, levantou a cabeça para fitá-lo. Só então ele notou a preocupação em seus olhos. — Tá com muita dor?
— Não, Jaime deu um jeito. Pelo menos até a gente fazer os exames amanhã.
— Ok, então. Boa noite.
também não fez nada além de observar a amiga sair pela porta.
Quando olhou à sua volta e percebeu quão silenciosa e sem vida a casa estava, quis chorar. Tinha se acostumado com a presença de e Lalie, as duas sempre tão falantes e bem humoradas, nem se lembrava mais de como era ter apenas a si mesmo como companhia.
Poucas vezes em sua vida ele se sentira tão mal como se sentia naquele momento. E não era para menos. Sua teimosia tinha espantado duas pessoas que queriam nada além de seu bem-estar.
decidiu que precisava de álcool para relaxar e não deixou Karim em paz até ter uma garrafa de gim em mãos. Serviu um copo generoso e a ofereceu para ele, que negou, dizendo que alguém precisava ficar sóbrio. Ela não deu a mínima importância, muito pelo contrário, achou ótimo ter a garrafa só para si. Enquanto falava sem parar, foi colocando um pouco mais da bebida no copo diversas vezes até desistir de tamanha formalidade e passar a dar goladas diretamente no gargalo. Conforme a quantidade de álcool ingerido aumentava, sua irritação crescia proporcionalmente.
— Sabe o que é engraçado? Quando se trata de sexo, a é gostosa, foda pra caramba, um mulherão! — ela esbravejou com ironia. — Já na hora de ouvir um conselho sensato da , a coisa muda de figura. Afinal de contas, mulher nem entende de futebol, né?
Benzema prendeu o riso. Estava se controlando para não gravar o desabafo da amiga para que pudesse debochar da cara dela futuramente, depois que ela se acertasse com .
— Eu não acho que ele pense assim, — disse e a observou se levantar e deixar a garrafa de gim pela metade sobre a mesa de centro com uma força desnecessária, resultando em um barulho que ecoou pela sala de estar. — Aonde você vai?
— Embora. Me recuso a ficar aqui ouvindo você defender esse cretino.
— Não tô defendendo ninguém, só tô falando a verdade — falou, perplexo, mas também achando graça da situação. — O cara tá de quatro desde que te conheceu. É claro que ele te admira e tem consideração por você profissionalmente. O grande problema é que tá frustrado por causa dessas lesões e fazendo as coisas sem pensar direito.
nada disse em resposta, apenas pegou o celular que havia sido jogado de qualquer jeito sobre o sofá quando chegou à casa de Karim e o colocou no bolso da calça.
— Me dá uma carona até em casa?
— Senta aí, . Fica mais um pouco.
— Não, ele tá me devendo uma boa foda. Já tem umas duas semanas que a gente não faz nada além de se beijar.
— Dormindo juntos quase todos os dias? Que autocontrole invejável — Karim disse, debochado.
— É só você trabalhar feito um condenado que não vai ter ânimo pra mais nada além de dormir quando for pra cama. — bufou com irritação. — Pra depois ter todo seu empenho menosprezado e ser obrigado a escutar que...
— Chega, por favor! — ele exclamou, a interrompendo, e se levantou para procurar a chave do carro, que logo encontrou na estante. — Eu te levo, mas como vai ser? Você pretende chegar em casa e dizer “vamos transar?”, é isso?
— Não, eu vou dizer: “vamos transar”. Como uma ordem, não um convite — ela respondeu, o fazendo soltar uma gargalhada em resposta quando os dois saíram para a noite que estava bastante agradável naquele final do mês de abril.
— E de onde veio esse desejo todo? Até dois minutos atrás estava querendo matar o coitado do .
— O jogo virou — ela respondeu, piscando um olho, fazendo o amigo rir.
Karim deixou na porta de casa em menos de dois minutos e, sem conseguir conter as gargalhadas, esperou pacientemente até ela acertar a chave na fechadura antes de arrancar com o carro. Não sem antes ter o dedo médio de levantado em sua direção como resposta.
Ela adentrou a casa e, um pouco zonza, subiu a escada segurando com firmeza no corrimão. Caminhou sem pressa pelo corredor até chegar ao quarto principal e abriu a porta calmamente, mas a verdade é que seu coração batia ansiosamente por causa das cenas que sua mente fantasiava. A luz que irradiava do celular, iluminando o rosto de , era o que impedia o cômodo de estar em breu total. Ela adentrou o quarto, sentindo o olhar curioso sobre si, e o encarou ao parar em frente à cama. Ele parecia surpreso.
Sem quebrar o contato visual, desceu o zíper do casaco e tirou a peça, a largando de qualquer jeito pelo chão. Em seguida, tirou os tênis com as pontas dos pés e se despiu também da calça e da camisa que compunham o uniforme. Os olhos do desceram por seu corpo ainda coberto por um dos conjuntos de roupa íntima mais sem graça que ela tinha no armário, apesar de confortáveis, mas foi o suficiente para ela se sentir a mulher mais sexy do mundo.
A verdade é que ela não tinha ideia do que estava fazendo. Estava magoada, sabia que os dois precisavam conversar, mas tudo o que ela queria, naquele momento, era esquecer tudo aquilo. O desentendimento, a nova lesão que eles ainda nem sabiam qual nível de gravidade tinha, a derrota para o Barcelona...
— Lena… — tentou falar, deixando o celular sobre o criado-mudo, mas foi cortado.
— Se eu não tenho poder de decisão no time, pelo menos aqui na cama tenho que ter, né? — falou, soltando um risinho irônico, e subiu de joelhos na cama. Engatinhou até estar sobre ele. — Eu não quero conversar, quero transar.
— Você tá bêbada? — ele perguntou ao sentir o forte cheiro de álcool quando o hálito quente dela bateu contra seu rosto.
— E excitada — ela respondeu com um sorriso travesso nos lábios. — Você também tá. Eu te conheço.
observou, desconfiado, puxar o short do pijama que ele vestia para baixo. Sinceramente, ele nem sequer esperava que ela voltasse para casa ainda naquela noite; propondo que fizessem sexo, muito menos. Só conseguia pensar que estava prestes a receber algum tipo de punição. Se era essa a intenção, já era tarde demais para fugir, porque, antes mesmo de ela envolver seu membro e começar a masturbá-lo, ele já estava duro.
colou suas bocas e o puxou para um beijo que, de inocente, não tinha nada. As mãos de , ávidas por contato, subiram por suas costas, a fazendo se arrepiar dos pés à cabeça, e despiram seus seios do sutiã com destreza. Ela se afastou, quebrando o beijo com uma mordidinha no lábio inferior dele, e rolou para o espaço vazio no colchão.
— Você sabe o que eu quero… — disse, sugestiva, descendo as mãos pela própria barriga. — Daquele jeitinho que só você sabe…
Os olhos dele, em meio à escuridão do quarto, se perderam na silhueta de quando a mão dela adentrou a única peça que a impedia de estar completamente nua. Ele a assistiu se tocar prazerosamente, rebolando e emitindo os sons já tão familiares que nunca falhavam em enlouquecê-lo.
subiu o short do pijama que estava na altura de suas coxas, voltando a vesti-lo, e fez o contrário com a calcinha da namorada antes de se pôr entre as pernas dela.
Aquele, definitivamente, não era o jeito que ele imaginava que a noite terminaria, mas, de maneira alguma, estava achando ruim. Dar prazer à mulher por quem era completamente apaixonado era quase uma honra.
Ele decidiu aproveitar a oportunidade e transformá-la em um pedido de desculpas. Não sabia se compreenderia dessa maneira, mas quis mostrar que se importava com ela, com o que ela pensava, com seu bem estar. Que nunca seria diferente disso. A conversa, eles teriam no dia seguinte; antes, todo e qualquer sentimento negativo seria descarregado ali, em uma transa arrebatadora.
22. La Vigesimosegunda
Y aunque nunca te lo dije antes, te extrañé
Fuiste tú quien decidió alejarse
El porque ya no es tan importante
Y aunque nunca lo pediste, ya te perdoné
Ya Te Perdoné - Ventino
Passava do meio-dia quando acordou, sozinha na cama, depois de ter dormido feito pedra. Sua cabeça parecia prestes a explodir a qualquer momento. Levou alguns minutos para encontrar dentro de si a coragem de se levantar, mas enfim se espreguiçou, sentindo alguns músculos pelo corpo doloridos, e foi ao banheiro. Se assustou ao encarar seu reflexo no espelho. Sua aparência não negava o tamanho do porre tomado na noite anterior.
Juntou os fios de cabelo embaraçados de qualquer jeito e os prendeu com um elástico de que encontrou sobre a pia. Seu estômago roncava tão alto que ela desistiu de tomar banho antes de se alimentar. Após fazer sua higiene matinal e se vestir com um short jeans e a primeira camisa que encontrou pelo quarto, percorreu a casa silenciosa para chegar à cozinha.
— Bom dia.
— Boa tarde — rebateu com um sorrisinho de canto enquanto picava uma cenoura.
— Não é à toa que estou morrendo de fome.
— Se puder esperar mais um pouquinho, o almoço tá quase pronto.
— O que você tá fazendo?
— Macarrão com frango e legumes.
sentiu água na boca apenas com o aroma delicioso que pairava no ar. Não era sempre que cozinhava para eles, mas a comida dele nunca a decepcionava. Enquanto tomava um analgésico que pegara na caixa de remédios com um gole de água, não pôde deixar de reparar que ele estava de banho tomado, apesar de vestir apenas a calça de um pijama.
— Quer ajuda? — ela perguntou ao terminar de lavar o copo na pia.
— Não precisa. Já estou acabando aqui.
se encostou no balcão ilha e ficou o observando mexer no fogão. Deixou um risinho escapar ao notar as costas repletas de arranhões. Era fato que a pele clara dele favorecia o surgimento de manchas avermelhadas, mas ela sabia, graças aos flashes da madrugada agitada que tiveram, que pegara pesado. No entanto, não se arrependia de nada. Eles precisavam mesmo extravasar todo aquele estresse. Seus seios doloridos e a leveza que emanava de indicavam que, para ele, também havia sido uma transa terapêutica.
Quando o macarrão ficou pronto, os dois se sentaram para almoçar. Por longos minutos, comeram em silêncio, apenas trocando olhares vez ou outra.
— Lalie já foi para Valdebebas? — perguntou ao dar falta da fisioterapeuta.
— Não sei. Ela dormiu na casa do Luka.
— Por quê?
— Você não foi a única que ficou uma fera comigo — respondeu, soltando um risinho sem humor.
o analisou enquanto ele tomava um gole de água e comia o resto de macarrão que tinha em seu prato. Inevitavelmente, o clima se tornou um pouco pesado.
— Na verdade, pensei que você também fosse dormir fora — ele disse, levantando os olhos para estudar a expressão em seu rosto.
— Não vou negar que a ideia passou pela minha cabeça.
— , eu queria te pedir desculpas...
— Deixa pra lá, . — Ela abanou o ar, fazendo pouco caso. — Sei que essa temporada tem sido dura por causa dessas lesões que quebraram a ótima fase em que você estava no ano passado. Você provavelmente não quis, de fato, desmerecer a mim ou a Lalie.
— Não mesmo — ele negou com convicção. — Eu só queria jogar. É pra isso que me pagam.
— Eu sei, mas é necessário ter paciência. Espero que tenha aprendido a lição.
— Eu aprendi, mas estou tentado a te deixar com raiva mais vezes.
O sorriso de canto que estampava o rosto dele fez rir.
— Você não vale nada — ela falou, se pondo de pé ao terminar de comer. — Obrigada pelo almoço. Estava uma delícia.
Beijou os lábios de rapidamente antes de subir para tomar banho.
Assim que os dois chegaram à Ciudad Real Madrid uma hora mais tarde, foram avisados na portaria que Zidane estava reunindo o time inteiro na sala de projeção. Não estranharam que ele quisesse se pronunciar sobre a expulsão do dia anterior antes de a equipe se dispersar pelo centro de treinamento para a realização de exercícios regenerativos.
Foram recebidos pelo próprio Zizou, que apenas desejou boa tarde e os convidou a entrar. se sentou na primeira fileira com os outros membros da comissão técnica, e se juntou a Toni e Luka. As conversas paralelas que preenchiam o ambiente cessaram quando Isco, o último a chegar, passou pela porta seguido pelo técnico.
Zinédine, como de costume, parecia bastante tranquilo ao parar em pé, na frente da sala.
— Primeiramente, quero me desculpar pela atitude que tive ontem — ele disse, sendo o centro das atenções. — Independente de ter tido razão ou não ao reclamar com o árbitro sobre o pênalti não marcado, eu devo ser o primeiro a manter o controle. Tenho que dar o exemplo.
— Você não precisa se desculpar por nada, Zizou. Essas coisas acontecem — Sergio Ramos falou não apenas por si, mas pelos outros também. Como capitão, ele costumava representar todos os jogadores em situações como aquela. — Qual é o planejamento para o próximo jogo, já que você vai estar suspenso?
— Foi para falar sobre isso que chamei vocês. Serei substituído pela na partida contra o Deportivo. É ela quem vai preparar o jogo e tomar todas as decisões pertinentes. Espero contar com a colaboração de vocês.
o encarava, admirada. Não esperava substituí-lo, muito menos ter seu aval para comandar o time da maneira que achasse mais conveniente. Zidane estaria proibido de ficar no banco, mas isso não o impedia de instruir a ela e Bettoni previamente. Levou algum tempo até se dar conta de que ele realmente falava sério.
— Fique à vontade, . Já dei o meu recado, agora é com você — ele disse, ocupando um assento vago da primeira fileira.
— Tem certeza? — ela questionou, ainda desconfiada.
— Absoluta. Daqui até o próximo jogo você é a nossa treinadora.
se pôs de pé sob o olhar encorajador do tio e se voltou para os jogadores. Sentiu um frio na barriga por estar naquela posição, com um time inteiro esperando por suas ordens. No entanto, tão rápido quanto se manifestou, a hesitação se dissipou. Apesar de inesperada, aquela era uma oportunidade de ouro para que ela conseguisse dar mais um passo na carreira. Não entendia por que Zizou tomara aquela decisão, mas sabia que estava mais preparada do que nunca.
— Fui pega de surpresa assim como vocês — ela falou espirituosamente com as mãos no bolso da calça —, mas acho que posso adiantar que provavelmente vou manter as rotações para esse próximo jogo. Dar descanso para os que jogaram ontem e minutos para os que não jogaram. Se o Zizou não tiver mais nada a acrescentar, podemos ir para o treino regenerativo.
— Até depois de amanhã, você quem manda — ele disse, piscando um olho.
— Então vou liberar vocês agora, mas, antes de encerrarmos os trabalhos do dia, quero me reunir com vocês lá no campo para dar algumas orientações para o treino de amanhã. Já que vai ser o único, precisamos aproveitar o tempo que vamos ter juntos da melhor maneira possível.
Sem qualquer tipo de objeção, os jogadores deixaram a sala de projeção aos poucos. esperou todos saírem para falar com Zinédine.
— Tio, se é por causa do nosso desentendimento a respeito da escalação do para El Clásico...
— Não é só por isso — Zizou disse, a interrompendo. — Você está fazendo um ótimo trabalho e merece essa oportunidade, .
— Sendo assim, tudo bem. Prometo que não vou te decepcionar.
— Tenho certeza de que não vai — ele falou antes de beijá-la na testa.
Assim que os viu saírem da sala, se levantou do sofá em que estava sentado na sala de convivência e se aproximou dos dois. Zidane apenas esboçou um sorriso e se retirou, deixando-os a sós.
— Pena que vou perder esses seus três dias como treinadora — falou, arrancando um risinho de .
— Se concentra em fazer os exames e começar o tratamento que está ótimo.
— Falando nisso, acho que vou precisar reconquistar minha fisioterapeuta.
— Vai ser moleza. É impossível resistir aos seus olhos azuis, mon amour — brincou, entrelaçando sua mão a dele.
— Experiência própria? — ele rebateu em um tom divertido.
— Não tenha dúvidas.
Eles trocaram um selinho antes de caminharem lado a lado pelo corredor até terem que se separar. foi dar início ao extenso trabalho que teria pelos dois dias seguintes na sala da comissão técnica, enquanto se encaminhou ao departamento médico, onde, mais uma vez, seria submetido a uma série de exames.
A surpresa foi geral quando a porta se abriu e quem surgiu não foi Zinédine, mas, sim, Zidane. Ignorando os olhares confusos, ela se sentou atrás da mesa que a separava dos jornalistas como se o fizesse frequentemente.
— Bom dia. Vamos começar a coletiva de imprensa com Zidane, que substituirá Zinédine Zidane no jogo de amanhã — anunciou o mediador. — Todos têm direito a uma pergunta. Peço que se identifiquem com seu nome e o do meio que estão representando.
Por alguns segundos, o único som que se escutava era o clique das câmeras fotográficas. Aquela tensão deixava um pouco apreensiva. Ela costumava se sair bem nas coletivas quando era treinadora do time feminino do PSG, mas ser a porta-voz do Real Madrid, mesmo que extraordinariamente, era uma situação completamente diferente. Via seu tio responder a perguntas traiçoeiras toda semana e apenas desejava ter o mesmo jogo de cintura que ele.
— Alfonso Torres, ao vivo para a Real Madrid TV — o primeiro jornalista falou, fazendo-a se sentir um pouco mais tranquila ao ver um rosto conhecido. — Olá, . Como o time se encontra física e mentalmente para enfrentar o Deportivo La Coruña? Obrigado.
— Você também por aqui, Alfonso? — ela disse espirituosamente, aproximando o rosto ao microfone. — Estamos bem e concentrados unicamente no jogo que temos para disputar amanhã. Vamos dar o nosso melhor e tentar somar os três pontos.
— Bom dia. Sou José García, de La Sexta — disse uma voz grossa que vinha do fundo da sala. — Acho que ninguém esperava que você fosse substituir o Zidane no jogo de amanhã, uma vez que o primeiro auxiliar é o Bettoni, nem que estaria na coletiva prévia. Como essa decisão foi tomada?
— Nós três sempre trabalhamos em conjunto, mas alguém precisa se comunicar com os jogadores durante a partida e o Zizou me designou a fazer isso no lugar dele. Tanto o Bettoni quanto eu estamos prontos para ajudá-lo no que for necessário. — ajeitou a postura na cadeira, sem se deixar abalar pelo olhar intimidante do jornalista. Imaginava que sua competência para estar à frente do Real Madrid naquela partida fosse ser colocada à prova. — Sobre ser eu a vir falar com vocês hoje, nós apenas achamos que faria mais sentido, já que ele estará nos bastidores amanhã. Eu sei que está sendo decepcionante me ver aqui, mas não fiquem com saudades do Zizou, está bem? Não pretendo roubar o lugar dele.
Satisfeita com sua resposta, ela aproveitou o curto intervalo entre uma pergunta e outra para beber um gole de água e sorriu discretamente por trás da garrafa ao escutar alguns risos.
— Carlos Peña, do Marca. Quero te perguntar sobre a nova lesão do . — A menção ao a fez olhar atentamente para o rapaz. — Você acha que está sendo feita uma má gestão das lesões ou foi apenas uma casualidade?
— Lesões fazem parte da vida dos jogadores e, às vezes, é impossível evitar. Nesse caso, talvez tenha sido uma decisão precipitada sob um ponto de vista, mas era um jogo importante e o se sentia bem para jogar. Ele acabou se machucando, infelizmente, mas são riscos que precisamos enfrentar. Além disso, é normal jogadores terem alguns probleminhas depois de voltar de uma lesão grande como a que ele teve. Não é o fim do mundo, ele vai estar de volta em breve.
A coletiva de imprensa continuou sem nenhum transtorno. foi perguntada mais algumas vezes a respeito da escalação de contra o Barcelona, apontada como imprudente pelos jornalistas, e as contornou com respostas bastante parecidas com a primeira. Se dependesse dela, as coisas teriam ocorrido de uma maneira diferente, mas era capaz de compreender que, às vezes, a pressão fazia com que decisões não tão boas tivessem que ser tomadas.
— Pablo León para Movistar Plus — disse o seguinte jornalista. — Podemos esperar por um Real Madrid mais com a sua cara amanhã?
— Eu vou estar na beira do campo passando as orientações para os jogadores, então acho que vai ser inevitável não ter uma coisinha ou outra que tenha mais a ver com meu estilo de jogo. Mas, repito, nossa comissão técnica trabalha em conjunto e eu não pretendo roubar o lugar do Zizou ainda.
— Ainda? — ele rebateu, rindo.
— Posso mudar de ideia até o final dessa coletiva — ela respondeu com uma falsa seriedade, dando de ombros.
— Esteban Hernández, de El Mundo.
— Não estou te vendo, Esteban. — passou os olhos pelas fileiras e acenou com a cabeça, esboçando um sorriso simpático, quando viu o braço levantado.
— Com a expulsão do Zidane e essa derrota para o Barcelona em um jogo tão importante, talvez esse seja o momento mais duro para o Real Madrid nos últimos meses. Você se sente na obrigação de ganhar o jogo de amanhã por isso?
— De maneira alguma. — se permitiu rir abertamente, consideravelmente mais relaxada do que em relação ao início da entrevista coletiva. — Minha obrigação é fazer um bom trabalho e tentar guiar o time em direção à vitória. Vamos visitar um estádio complicado, então não espero que seja um jogo fácil. O futebol é uma caixinha de surpresas.
Como tinha se tornado costume desde que Zinédine Zidane se tornara treinador do Real Madrid, as duas últimas perguntas foram em francês. agradeceu pela atenção dos jornalistas durante aqueles vinte minutos e se retirou para ir de encontro ao seu tio e David Bettoni, que a aguardavam na sala da comissão técnica.
— “Segurança, frescor e simpatia” — na frente do computador, David leu em voz alta a reportagem que havia acabado de ser publicada no diário Marca. — “As sensações transmitidas por Zidane em sua coletiva surpresa foram as melhores possíveis”.
— Tá de brincadeira que já escreveram sobre a coletiva? — ela disse, chocada, sentando-se à mesa redonda em que os três costumavam passar horas discutindo sobre o time. Naquele momento, o tampo estava repleto de papéis. — Eu fui bem?
— Acho que a chamada dessa notícia responde a sua pergunta — Zinédine rebateu, piscando um olho.
sorriu em resposta e baixou os olhos para anotações sobre o jogo do dia seguinte.
— Vamos fechar a escalação?
— Estou de folga — ele disse em um tom espirituoso.
— Desse jeito, vou acabar roubando seu lugar mesmo — ela falou, rindo. — Das formações que trabalhamos hoje, gosto da 4-1-4-1. A tendência é eles jogarem mais recuados, então acho que temos que entrar ofensivamente pra matar o jogo.
— Eu acho ótimo. Colocaria o Kovačić pra proteger a defesa e fazer a conexão com a linha de quatro da frente.
— Estava pensando em entrar com o Kova mesmo. De centro-avante, Karim ou Álvaro?
— Álvaro. Você pode dar alguns minutos para o Mariano no segundo tempo e poupar o Karim.
não demorou a ter os nomes dos onze jogadores que iniciariam a partida rabiscados em um papel. Como prometido, tivera liberdade para trabalhar com o time e estava bastante confiante com o planejamento que fizera para enfrentar o Deportivo de La Coruña. Zizou nunca admitiria, mas ela sabia que era uma maneira de ele demonstrar que confiava nela, apesar da divergência de opiniões que haviam tido e, eventualmente, voltariam a ter. A última coisa de que gostaria era decepcioná-lo.
Por causa da coletiva, pulara o almoço e só se deu conta disso quando sentiu o estômago roncar. Depois de comer um sanduíche natural no refeitório, foi até a piscina, onde , submerso na água, fazia alguns exercícios sob a supervisão de Jaime e Amelie.
— Tudo certo por aqui, pessoal? — ela perguntou, chamando a atenção dos três.
— Parabéns, . Sua coletiva foi genial! — disse Jaime.
— Vocês viram?
— Você acha que seu fã número um perderia esse momento? — Ele indicou , que sorria discretamente, fazendo-a rir. — Tá nervosa pra amanhã?
— Acredita que não? — ela respondeu honestamente. — Só fiquei um pouco apreensiva com essa coletiva quando meu tio falou pra eu ir no lugar dele hoje de manhã. Não tinha ideia de que tipos de perguntas me fariam.
— Mas você se saiu bem. Pelo que vi no Twitter, as pessoas te acharam muito carismática.
— Que bom. Tentei ser o mais natural possível. — sorriu, observando concentrado nos exercícios regenerativos, enquanto Lalie o monitorava e fazia anotações. — Como está essa panturrilha?
— Melhorando. — Ele parou, ofegante. — Tudo bem se a gente der uma pausa de dez minutos?
Jaime deu de ombros, concordando, e os dois encararam Amelie, esperando por uma manifestação de sua parte.
— Você que sabe — ela respondeu, inexpressivamente, sem tirar os olhos da prancheta.
viu soltar um suspiro frustrado e, só então, notou que Lalie estivera calada até aquele momento, algo que não era nem um pouco habitual. Ela não parecia chateada ou irritada, apenas indiferente. estava tão focada no jogo do dia seguinte que não havia se inteirado sobre como ficara a relação dos dois depois de toda a confusão que resultara na nova lesão do . Tudo o que sabia era que Lalie passara mais uma noite na casa de Luka.
saiu da piscina e se secou superficialmente com uma toalha antes de jogá-la sobre um ombro. Convidou a segui-lo com um olhar e a guiou pelo corredor.
— Lalie ainda tá chateada com você ou é impressão minha? — ela questionou.
— Parece que meus olhos azuis não têm muito poder sobre ela. — riu levemente, fazendo-a rir também. Seu olhar se perdeu no vidro que os permitia enxergar o extenso campo de treinamento. — Eu odeio decepcionar as pessoas. A sensação é horrível.
As palavras dele soaram tão genuínas que sentiu um aperto no peito.
— Vocês conversaram?
— Ela mal tem falado comigo. A situação só não está mais constrangedora porque tem o Jaime pra quebrar o gelo.
— Vai ficar tudo bem, . — Ela o puxou para um abraço, sentindo as gotículas de água que cobriam seu tronco desnudo ao tocar sua pele. — Vejo que a Lalie leva muito a sério o trabalho dela. Essa situação deve ter sido frustrante, mas ela vai superar também.
— Espero que sim.
— Você se importa se eu não te esperar hoje? Quero ir pra casa descansar pra amanhã — ela disse, se afastando.
— Claro que não. Eu arranjo uma carona.
— A gente se vê mais tarde então.
se despediu com um beijo estalado em seus lábios e se retirou.
O grande dia chegou e, apesar de ter acordado mais cedo do que o necessário, ficou conversando com na cama e se levantou mais tarde do que deveria. Enquanto terminava de colocar seus pertences na mochila que levaria consigo para a cidade de La Coruña, equilibrou o celular com o ombro e esperou até escutar a voz de sua mãe sair pelo alto-falante.
— Oi, mãe! Não posso demorar, mas precisava te ligar para desejar feliz aniversário antes de sair para o aeroporto. Hoje é dia de jogo.
— Obrigada, . Que bom que você teve um tempinho.
— Espero conseguir dar uma escapadinha para ir a Marselha te dar um abraço em breve.
— Seria ótimo, mas não tem problema. Venha quando puder. Sei que sua vida é muito corrida.
— Corrida é pouco — respondeu, rindo levemente.
— Como você está? Fiquei sabendo que seu tio foi suspenso e você vai substitui-lo.
— Pra falar a verdade, estou muito ansiosa. Vai ser uma experiência e tanto.
— Aposto que sim.
olhou na direção da porta do banheiro quando surgiu com apenas uma toalha na cintura e os fios de cabelo soltos e úmidos.
— É sua mãe? — ele perguntou, e ela assentiu. — Posso falar com ela?
— Mãe, quer falar com você pra desejar feliz aniversário.
— Que gentil! Passa o celular pra ele.
— Então já vou me despedir de você, tudo bem? Mas te ligo amanhã e a gente conversa com mais calma.
— Pode ligar quando quiser. Não precisa ser apenas no meu aniversário.
riu, compreendendo a indireta, e desejou parabéns para a mãe mais uma vez antes de entregar o aparelho a . Terminou de arrumar suas coisas enquanto o observava conversar confortavelmente com Sylvie por alguns minutos e foi impossível não sorrir com a cena.
— É melhor você correr se quiser uma carona até Valdebebas. Preciso sair daqui a dez minutos — disse quando ele devolveu o celular a ela.
— Merda. — arrancou a toalha do corpo, a jogou sobre a cama e foi até o closet vestir o uniforme de treino.
— Foi querer agradar a sogra… — falou em um tom espirituoso.
— Ela tem que gostar de mim. Vai saber quando vou precisar de uma aliada… — ele respondeu, fazendo-a rir.
— É só andar na linha!
Em meia hora, eles estavam passando pelo portão da Ciudad Real Madrid. Desceram do Audi branco de e caminharam em direção ao ônibus que aguardava pela chegada do time em frente à residência dos jogadores.
— Eu não acredito que vou perder seu primeiro jogo como treinadora de um time masculino — falou quando os dois pararam para se despedir.
— Na verdade, eu treinei um time juvenil masculino quando fazia a especialização, mas entendi o que você quis dizer. Não dá nem pra comparar — ela disse, rindo levemente. — Se Deus quiser, você vai ter outras oportunidades.
Se inclinou para beijá-lo rapidamente, mas, antes que pudesse se afastar, ele a segurou pela cintura e aprofundou o beijo. Ela sorriu contra os lábios dele e não se opôs àquele gesto repleto de carinho.
— Que pouca vergonha! — Marcelo debochou, fazendo-os se afastarem. — Hoje você é a treinadora, . Tem que dar o exemplo — acrescentou, rindo, antes de subir no ônibus.
Ela rolou os olhos e, em seguida, sorriu para .
— Se comporte até eu voltar — brincou, caminhando até o ônibus.
— Boa sorte!
jogou um beijo no ar e entrou pela porta dianteira. Metade dos assentos já estavam ocupados e um falatório enchia o ambiente.
— Bom dia — falou ao passar por Zinédine e David, que estavam sentados lado a lado.
— Preparada? — Zizou perguntou, esboçando um sorriso.
— Mais do que nunca. — Ela piscou um olho e seguiu pelo corredor do ônibus.
Escolheu a primeira dupla de assentos vagos que viu e se sentou à janela. Se permitiu relaxar os músculos no banco confortável e, apesar de o caminho até o Aeroporto de Madrid-Barajas ser curto, pegou os fones de ouvido sem fio dentro da mochila e a deixou no chão, entre suas pernas. Como teria um milhão de coisas para fazer quando pisasse em solo corunhês, aproveitaria a viagem para ouvir música e se concentrar.
Poucos minutos depois, Benzema entrou no ônibus e ocupou o lugar vago ao seu lado. sorriu em resposta quando ele piscou um olho e os dois permaneceram em silêncio por algum tempo.
— Eu não vou jogar hoje, né? — pôde ouvi-lo perguntar em meio às vozes de Prince Royce e Shakira.
abaixou o volume de Deja vu e, quando olhou para o lado, viu Karim de olhos fechados.
— Só se as coisas não saírem como estou planejando.
— Que bom, porque eu estou morto. Dormi nem cinco horas nessa madrugada.
— Susi tem alguma coisa a ver com isso?
— A culpa é toda dela — Karim admitiu, fazendo-a rir.
— Em véspera de jogo? Você já foi mais responsável do que isso.
— Eu sei. — Ele finalmente abriu os olhos e a encarou. — Essa mulher tá me fazendo agir feito um adolescente.
— Quando vou conhecê-la? — perguntou, sorrindo discretamente.
— Não sei. A gente tá em final de temporada e ela tá envolvida com os ensaios para a turnê do Enrique Iglesias.
— Além de trabalhar com a Shakira, ela trabalha com o Enrique Iglesias?
— Você tá morrendo de inveja, né? — ele questionou em meio a risos.
— É claro que estou! — ela exclamou dramaticamente. — Há quanto tempo vocês estão saindo mesmo?
— Deve ter quase um mês — respondeu Karim, tentando se lembrar da data exata de seu primeiro encontro com Susana, mas não obteve sucesso. — Parece mais na minha cabeça. Tá sendo muito intenso.
— Entendo muito bem o que você quer dizer.
riu suavemente, desviando os olhos para a janela do ônibus que se colocava em movimento. Também não parecia que ela estava há apenas poucos meses com .
— Será que vai dar certo?
— Se depender da minha torcida… — ela respondeu, sincera, e mostrou um sorriso para o amigo.
Os dois times entraram em campo e encontraram as arquibancadas do Estadio de Riazor lotadas pela torcida deportivista. cumprimentou Pepe Mel, técnico do Deportivo de La Coruña, e se sentou no banco de reservas ao lado de David Bettoni. Apesar das câmeras que a seguiam desde o corredor dos vestiários, ela, vestindo o costumeiro uniforme de auxiliar técnica, tentava agir como se fosse um dia de jogo como qualquer outro.
Assim que o apito do árbitro soou, os jogadores do Real Madrid adiantaram a marcação para pressionar o time adversário no ataque, conforme a última orientação que dera a eles ainda no vestiário. O primeiro gol saiu antes de o relógio chegar ao primeiro minuto de jogo. Danilo roubou a bola e a passou para Isco, que a colocou nos pés de Morata para que ele finalizasse o lance.
Os gritos de comemoração dos madridistas presentes foram engolidos pelas vaias que preencheram o estádio. se levantou em um pulo, aplaudindo seus jogadores, e gritou da beira do campo para que eles mantivessem aquele ritmo.
Minutos se passaram e o Real Madrid continuou controlando o jogo como se estivesse em casa. A ótima conexão entre cada setor do time era expresso por meio de jogadas muito bem trabalhadas. O segundo gol, de autoria de James Rodríguez, não demorou a ser marcado.
não voltou a se sentar no banco durante a primeira metade da partida, estava sempre dando orientações e movendo os jogadores para abafar qualquer tentativa de ataque do time adversário. Com dois gols de desvantagem, chegar ao campo contrário se tornou uma missão quase impossível para o Deportivo.
A primeira complicação que o Real Madrid teve no jogo aconteceu com um lançamento que, finalmente, fez a bola passar pela linha de meio de campo. Com a equipe inteiramente no ataque, a defesa madridista não se recompôs a tempo de evitar o primeiro gol do time anfitrião. bufou, frustrada, e despejou uma série de instruções para que o controle do jogo fosse retomado. Depois de uma ótima jogada individual de Isco, que estava sendo um dos maiores destaques da partida, um gol de Lucas Vázquez fez com que eles fossem de consciência tranquila para o intervalo.
— Garotos, prestem atenção aqui — disse depois que o time inteiro chegou ao vestiário. — Vamos tirar o pé do acelerador por algum tempo para tentar segurar esse três a um e evitar outros sustos como o que tivemos. James e Isco, quero vocês um pouco mais recuados, ajudando o Kova a proteger a defesa.
Ela aproveitou para beber água e chupar uma pastilha para a garganta. Estava tão desacostumada a ficar na beira do campo aos berros que seu condicionamento vocal já não era mais o mesmo.
O segundo tempo aconteceu conforme o planejamento de . As substituições e mudanças táticas feitas por Pepe Mel não foram o bastante para neutralizar o Real Madrid, que havia diminuído a ofensividade, mas ainda comandava a partida. James marcou o quarto gol; Isco, o quinto. Não foram os últimos gols da partida. O Deportivo marcou mais um e Casemiro completou o placar de seis a dois nos minutos finais.
foi a primeira a sumir pelo túnel quando o apito do árbitro sinalizou o fim do jogo. A passos apressados, foi até o vestiário e esperou na porta para cumprimentar cada um dos jogadores exatamente como ela, Zidane e Bettoni faziam depois de cada partida. Daquela vez, no entanto, foi um pouco diferente. Não era apenas ela que saudava os jogadores pelo excelente trabalho, eles também a felicitavam.
— Magia! — ela exclamou aos risos e envolveu Isco em um abraço. — Você salvou minha vida hoje.
— Eu não te deixaria na mão, .
Com o sentimento de dever cumprido, pegou o celular dentro da mochila que deixara sobre um dos bancos mais cedo. Riu consigo mesma ao se deparar com notificações que levaria horas para checar uma a uma. Ignorando todas elas, apenas digitou uma mensagem para .
Ela voltou a guardar o celular dentro da mochila quando Emilio Butragueño, o diretor de relações institucionais do Real Madrid, comunicou que a acompanharia até a sala de coletiva de imprensa. A porta do vestiário se abriu antes que eles deixassem o local e, na sua frente, surgiu Zinédine, que estivera na arquibancada ao longo de toda a partida.
— , tem alguém aí fora querendo te ver — ele falou sem dar chance de ela dizer qualquer coisa.
— Quem?
— Vá conferir com seus próprios olhos.
A única pessoa que passava pela cabeça de naquele momento era , mesmo que não fizesse sentido ele estar ali. Sua surpresa foi ainda maior quando saiu do vestiário e não encontrou apenas uma pessoa, mas duas.
— O que vocês estão fazendo aqui? — ela perguntou, olhando de seu pai para sua mãe. — Espera aí. Você estava na Espanha quando a gente se falou hoje de manhã?
— Estava no aeroporto, aguardando o horário do voo — Sylvie admitiu com um sorriso divertido no rosto.
— Isso está muito errado. Eu que deveria fazer uma surpresa para você no dia do seu aniversário!
— Hoje também é um dia importante para você.
sorriu e abraçou a mãe. Foi apenas naquele momento que percebeu o quanto gostaria de ter seus pais presentes no estádio, mesmo que nem sequer houvesse pensado em convidá-los. Aceitar a ausência deles em momentos importantes de sua vida não significava que este era seu desejo.
Ela cumprimentou também Nourredine com um abraço apertado. Apesar de não dizer nada, ele a abraçou de volta. Sabia que ele jamais colocaria em palavras o que estava sentindo, porque fazia parte de sua personalidade, mas foi o suficiente para que ela explodisse de felicidade por dentro.
— Odeio interromper o momento — disse Emilio —, mas temos que ir para a coletiva, .
— Eu já volto — ela falou para os pais antes de segui-lo.
Entrou na sala de coletiva de imprensa do Riazor com um sorriso no rosto e sua simplicidade não se alterou ao notar os olhares admirados que recebia dos jornalistas. O adversário havia sido um time que lutava contra o rebaixamento, mas isso não tirava o mérito de por ter contribuído para que o Real Madrid jogasse uma de suas melhores partidas da temporada, apresentando um futebol de excelência.
— Acabei de chegar à casa dos meus tios e você não vai acreditar... — falou quando atendeu a ligação, sentando-se em um banco na varanda, longe do falatório da sala de estar. — Meus pais estão aqui!
— Eu sei.
— Sabe? — ela questionou, franzindo o cenho.
— Sua mãe me falou que iria ao jogo quando falei com ela hoje de manhã.
— Por que você não me disse?
— Porque ela me pediu pra guardar segredo — ele respondeu com obviedade, fazendo-a rolar os olhos.
— Vem pra cá. Minha tia organizou um jantar pra comemorar o aniversário da minha mãe.
— Tem certeza? Não quero atrapalhar.
— Você também faz parte da família Zidane agora. É melhor ir se acostumando — disse, rindo.
chegou alguns minutos depois e encontrou reunida com seus pais, tios e primos na sala de jantar em um clima bastante descontraído.
— Como a não sabia que você estava vindo para a Espanha, tomei a liberdade de comprar um presente — ele disse ao cumprimentar Sylvie, lhe entregando a sacola que segurava. — Espero que goste.
— Não precisava se incomodar com isso, mas obrigada. — Ela mostrou um sorriso simpático.
— O que você comprou? — perguntou, curiosa.
— Deixa a sua mãe abrir — ele rebateu, piscando um olho, e depositou um beijo estalado em seus lábios antes de se sentar à mesa, ao seu lado.
Sylvie foi o centro das atenções ao abrir o presente, que era um kit de loções hidratantes. sorriu, observando-a agradecer mais uma vez a pela gentileza. Sentia-se feliz por vê-los se dando bem.
O jantar foi farto e contou com o melhor da culinária francesa. Como não podia deixar de ser, a partida do dia foi o assunto que os acompanhou durante a refeição e perdurou até todos se acomodarem na sala de estar para continuar o bate-papo mais confortavelmente.
— Gente, sabe aquele meme do Drake? — Elyaz perguntou, atraindo todas as atenções para si. — Colocaram meu pai na parte de cima, sendo rejeitado, e a na parte de baixo — acrescentou, mostrando a imagem na tela do celular.
— Eu assinei minha própria sentença ao colocar a no meu lugar. Ninguém vai me querer de volta agora — Zinédine disse, espirituoso.
— Até parece! — rebateu aos risos.
— Já viu o que os jornais estão comentando sobre você, ? — questionou Enzo.
— Não olhei nada ainda. Estão falando coisas boas?
— A maioria, sim — ele disse, rolando a tela do celular. — Por exemplo: “O plano B do Real Madrid é muito melhor do que se poderia imaginar. Sob o comando de Zidane, o time reserva ofereceu uma exibição de luxo na vitória por seis a dois sobre o Deportivo”.
— Não sei por que eles continuam insistindo nessa história de Real Madrid B. — Zizou soltou um suspiro cansado. — Tem coisa melhor do que ter várias opções pra montar o time sem perder a qualidade?
— Eu tive que responder sobre isso na coletiva — comentou, deitando a cabeça no ombro de .
— “Não existe realmente um time A e um time B. Estamos todos no mesmo barco, respondeu ” — Théo leu em seu celular.
— Estou pensando em te mandar a todas as coletivas, — brincou Zinédine. — Além de dar boas respostas, os jornalistas ficaram encantados com a sua simpatia.
— Tive a quem puxar, né? — ela disse, piscando um olho.
pegou o celular no bolso dianteiro da calça e o desbloqueou. Em seguida, abriu o Twitter e digitou seu próprio nome na busca. Viu diversos comentários positivos, mas, como imaginava, alguns maldosos também.
Cutucou , que tentava acompanhar a conversa em francês entre Zizou e Nourredine, e mostrou a tela do celular para ele.
Acompanhando o tweet, tinha uma foto de dois anos antes em que estava de biquíni, em uma de suas viagens a Dubai com os tios, que havia sido roubada de seu Instagram.
— Me sinto um pouco melhor agora — debochou, fazendo-a rir.
— Só acho que poderiam deixar meus peitos fora disso.
A conversa paralela entre o casal foi cortada quando Véronique se aproximou do sofá em que eles estavam sentados.
— , vem comigo rapidinho? Você também, .
Mesmo que desconfiados, os dois se levantaram e a seguiram escada acima. Foram guiados até a suíte principal da casa, onde se depararam com uma caixa de papelão grande aberta sobre a cama.
— Eu comprei esse trio de vasos em um leilão beneficente. — Véronique pegou uma das peças de porcelana. — Eles são italianos e bastante antigos. Pelo que me disseram, de meados do século dezenove.
— Eles são lindos — disse, admirando os vasos que tinham uma pintura trabalhada em tons vibrantes.
— Quero que fiquem com eles. Morar juntos foi um passo muito importante que vocês deram no relacionamento e merece um presente à altura.
— Eu nem sei o que dizer, tia. Esses vasos devem ter custado uma fortuna — ela falou, impressionada.
— Dinheiro não é problema, . Eu queria dar algo especial para a casa de vocês.
— Então, obrigada. — Ela riu levemente, trocando um olhar com .
— Já temos os primeiros itens da nossa nova casa — ele falou em um tom divertido.
— Vocês estão planejando se mudar? — Véronique perguntou, voltando a acomodar o vaso junto aos outros dentro da caixa forrada.
— Não, mas eu disse para a que podemos reformar os cômodos, deixar tudo mais com a nossa cara.
— Ele descobriu que eu tenho talento pra decoração quando conheceu meu apartamento de Paris.
Véronique estava prestes a concordar que havia feito um ótimo trabalho quando uma voz a interrompeu.
— Desde quando vocês estão morando juntos?
Os três olharam para a porta, onde Sylvie, apoiada no batente, os observava.
— Faz algumas semanas — respondeu e não foi capaz de sustentar o olhar quando notou a decepção nos olhos da mãe. — Na verdade, ainda estou me mudando para a casa do aos poucos.
— Por que você não me falou?
— Você sabe como esse mês foi corrido...
Junto ao silêncio que se seguiu, surgiu um clima bastante pesado. buscou pelos olhos da namorada, preocupado, ao perceber o teor do diálogo dela com a mãe, realizado na língua materna das duas, mesmo que sem entendê-lo completamente.
— Às vezes, nem eu mesma acredito que fui eu quem te carregou durante nove meses na barriga.
— Não é para tanto, Sylvie — Véronique falou, rolando os olhos. — Você mora em outro país, está mais distante, e tem uma filha que está sempre ocupada. É natural que demore um pouquinho mais a saber das novidades.
— O mais engraçado é que você nunca esteve distante, mesmo que em outro país. Ela sempre te procurou por livre e espontânea vontade. — Sylvie soltou um riso magoado. — Você poderia ter esperado até amanhã pra dar esse presente a eles, em vez de tirar a minha filha de perto de mim sorrateiramente em pleno dia do meu aniversário.
— Você está brincando, né? Eu que dei a ideia de você vir passar seu aniversário com a em Madrid e abri as portas da minha casa!
— Eu cansei dessa sua necessidade de mostrar pra todo mundo que é a esposa, a mãe, a tia, a madrinha perfeita. Nós duas sabemos que não é bem assim. No fundo, você é igualzinha a mim.
— Eu não sou perfeita, mas, definitivamente, também não sou igual a você. — Véronique riu sarcasticamente.
— Tem certeza? Até onde eu sei, você também vive às custas do seu marido.
— Se eu abdiquei de sonhos que tinha quando jovem, foi porque meu maior sonho se tornou formar uma família com o Zinédine depois de conhecê-lo. Eu conquistei isso e sou muito feliz. Agora, me diga você… — Ela encarou a outra com desdém. — Valeu a pena abrir mão de tudo por dinheiro?
— Você não sabe o que está falando.
O tom rude das palavras de Sylvie alarmaram . A discussão seguia por um caminho perigoso.
— Mãe, tia, por favor… Vocês não têm motivo nenhum pra falar assim uma com a outra — ela disse, tranquila, tentando acalmar os ânimos.
— Eu tenho, . Você não sabe nem metade da história — disse Véronique.
— Será que alguém pode me explicar então? Eu queria muito que vocês se dessem bem. Acho que mereço entender por que, pelo visto, isso nunca vai acontecer.
— Se você nunca soube pela minha boca, é porque, como mulher, eu ainda tenho um pouquinho de respeito pela sua mãe.
— Mãe?
fitou seus olhos, esperando que ela se pronunciasse. Sylvie deu alguns passos para dentro do quarto e passou as mãos pelos cabelos longos e lisos que estavam sempre impecáveis.
— Eu me interessei pelo seu tio antes de conhecer seu pai — ela revelou, fazendo Véronique soltar uma gargalhada debochada.
— Na verdade, você perseguiu meu marido por meses mesmo sabendo que ele era comprometido. Até que arranjou um plano B quando descobriu sobre o irmão solteiro que trabalhava pra ele.
nem sequer teve tempo de processar a novidade, pois Zizou surgiu na porta do quarto e, logo atrás dele, estava seu pai com o olhar duro como ela não se lembrava de já ter visto um dia.
— Isso é verdade, Sylvie?
Os olhos de sua mãe se arregalaram quando a voz grossa ecoou pelo cômodo.
— Nourredine… — ela falou, se virando.
— Não — ele a interrompeu. — Eu prefiro que você não diga nada.
Em seguida, sumiu pelo corredor, deixando o ambiente envolto em um silêncio ensurdecedor.
fitou os olhos perdidos de enquanto um milhão de coisas passavam por sua cabeça, mas todas elas evaporaram de sua mente quando Sylvie se virou na direção de Véronique em um rompante.
— Calma, mãe — disse, se colocando entre as duas.
— Espero que esteja feliz!
— Não me culpe pelas suas escolhas — Véronique disse sem que sua costumeira serenidade fosse alterada.
Sem dizer mais nada, Sylvie deu meia volta e quase trombou em Zinédine ao se retirar do quarto. O som de seus saltos se chocando contra o chão com firmeza ecoou pela casa e foi sucedido pelo barulho seco de uma porta batendo.
observou Véronique se ocupar em fechar a caixa de papelão e soltou um longo suspiro.
— Vocês poderiam me explicar o que aconteceu? — perguntou, revezando o olhar entre os tios.
— Eu acho melhor você conversar com a sua mãe, . Não quero dar motivos pra ser acusada de estar tentando colocar você contra ela — Véronique falou. — Eu vou guardar os vasos. Você e podem pegá-los outra hora.
Zizou, apesar de não se pronunciar, parecia ter a mesma opinião que a esposa.
— O dia não precisava terminar assim — disse antes de sair do quarto.
A frustração se alastrou por seu corpo ao escutar as vozes alteradas de seus pais, abafadas pela porta fechada do quarto em que os dois estavam hospedados. Era possível contar nos dedos de apenas uma de suas mãos quantas vezes havia presenciado uma discussão entre eles em toda sua vida. Ela desceu até o andar térreo da casa e parou no pé da escada, sem saber para onde ir. Tinha vontade de ir para casa descansar depois do longo dia que tivera, mas não queria fazer isso antes de ter certeza de que seus pais ficariam bem.
— O que aconteceu, ? — questionou, confuso.
Ela estava tão desorientada que não havia notado que ele a acompanhava.
— Depois eu te explico, ok?
A movimentação no topo da escada atraiu a atenção dos dois. Sylvie desceu os degraus apressadamente e passou por eles sem levantar os olhos, saindo pela porta principal da casa.
— Desculpa por ter te feito, mais uma vez, presenciar as confusões da minha família sem entender nada — disse com um sorriso sem graça. — Você pode ir embora se quiser. Eu preciso falar com minha mãe.
Os dois foram até o quintal frontal e se despediu com um beijo no topo da cabeça dela antes de seguir para casa.
se aproximou a passos cautelosos da mãe, que estava parada no meio do jardim, até estar perto o bastante para ver seus olhos avermelhados, iluminados apenas pelas luzes externas.
Sylvie observava o céu estrelado silenciosamente. Seu rosto estava impassível, mas uma lágrima solitária rolou por sua bochecha.
— Eu odeio me sentir sendo julgada por todo mundo — ela disse.
— Não estou te julgando — falou, sincera. — Pra mim, essa parte do seu passado não muda nada.
Talvez fosse diferente em outra época, mas, depois de descobrir pelo que a mãe tinha passado quando mais jovem, antes de abandonar a carreira de modelo, não se sentia no direito de apontar as atitudes erradas que ela tivera. A vida, se ainda não o fizera, seria encarregada disso.
— Seu pai nunca mais vai ter respeito por mim.
— Eu vou falar com ele.
— Isso não é problema seu, .
— Eu sei, mas estou aqui pra te ajudar — ela disse, tocando o ombro da mãe de maneira tranquilizadora. — Posso te levar a um lugar?
Sylvie, curiosa, finalmente a fitou. Foi o suficiente para esboçar um pequeno sorriso e pegar a chave do carro no bolso da calça.
— Filha, eu estou de salto.
— É só tirar. — deu de ombros e desceu a grama em declive com destreza, graças aos tênis apropriados para a prática de esportes que usava. — Anda, mãe. Eu prometo que não conto pra ninguém que você andou descalça por aí — acrescentou, espirituosa.
Sylvie, meio à contragosto, tirou as sandálias pretas e as segurou na mão. pressionou os lábios um contra o outro, prendendo o riso, quando ela caminhou cuidadosamente pela grama com medo de escorregar. Não pôde evitar se lembrar de quando fora até ali encontrar-se com no Ano Novo. Também usava sandálias de salto alto e não teve qualquer dificuldade para descer. Embora fosse vaidosa como sua mãe, era muito mais aventureira do que ela.
— Eu não sei pra que esse mistério todo — disse Sylvie.
— Você já vai ver.
esperou que ela recolocasse as sandálias e a puxou pela mão em direção à ponte.
— Foi aqui que eu e começamos a namorar — disse enquanto cruzavam o lago e parou no meio do caminho, se aproximando da grade.
— Aqui? — Sylvie olhou em volta com estranheza, fazendo-a rir.
— Oficialmente, foi em um restaurante, no dia seguinte — disse, sabendo que era esse o cenário que ela tinha em mente —, mas nos encontramos aqui pra conversar na virada do ano. Acabou virando um lugar especial porque sempre passamos por aqui quando saímos pra andar de bicicleta pelo condomínio.
— É um lugar bonito... Tirando aquela descida — ela acrescentou, apontando para trás.
soltou uma gargalhada e a encarou, notando que ela estava mais relaxada agora que estavam apenas as duas.
— Mãe, eu quero que você me explique sobre o que a tia Vero falou de você perseguir meu tio — disse tranquilamente. — Não é pra te pressionar, só não quero ter que tirar minhas próprias conclusões.
Sylvie encarou o lago silenciosamente por um momento e suspirou.
— Quando eu percebi que a única solução era arranjar um marido com uma boa condição financeira, coloquei na minha cabeça que seria um jogador de futebol. Saí com alguns, mas foi Zinédine que chamou a minha atenção, porque era a grande revelação da época. Eu não queria qualquer um, queria o melhor. — Ela riu levemente. — Eu sempre dava um jeito de descobrir os eventos e festas em que ele estaria. Sabia que ele era comprometido, mas esposas e namoradas nunca tinham sido um problema pra eu conseguir o que queria antes — admitiu, um pouco sem graça.
— Por favor, seja sincera. Vocês tiveram algum envolvimento? — perguntou, curiosa e ao mesmo tempo temerosa.
— Claro que não. Você realmente acha que Zinédine seria capaz de trair a Véronique? — Sylvie respondeu, soltando uma risada debochada. — Em um desses eventos que eu ia só pra encontrá-lo, conheci seu pai. Ele pediu meu número e acabei passando apenas por educação. Não queria nada de início, mas aceitei sair com ele algumas vezes, porque ele me levava a lugares chiques e me dava um monte de presentes caros. Quando percebi, estava deixando a ideia de me envolver com seu tio de lado.
— Então você não nutre nenhum tipo de sentimento pelo meu tio, né?
— Não, mas, por muito tempo, eu fiquei imaginando como seria ter tido ele de marido em vez do seu pai — ela confessou, desviando os olhos para o lago. — Até que eu me dei conta de que não precisava ter um casamento perfeito como o dele e da Véronique pra ser feliz. Sei que jamais vão acreditar em mim, mas o que sinto por Nourredine é amor de verdade.
— Então é por isso que você e tia Vero não se dão bem — pensou alto, finalmente encaixando as peças que estiveram soltas durante sua vida inteira.
— Não tinha como sermos melhores amigas depois disso tudo, né? — Sylvie riu levemente. — Ela e Lila tentaram boicotar meu casamento, insinuando que eu estava com Nourredine só por interesse. Não posso negar que elas estavam certas naquele momento, mas, pra minha sorte, ele é teimoso pra caramba e nunca deu ouvidos a ninguém.
— Tia Lila sabe sobre isso?
— Ela e Véronique sempre foram muito próximas. Eu aposto que fui e ainda sou tema de muitas conversas delas.
pensou em Zizou. Apesar de tudo, ele não parecia ter nada contra sua mãe.
— Acha que meu pai e meu tio vão brigar por causa disso?
— Do jeito que Nourredine é machista? Sem chance! Seu tio não teve culpa de nada mesmo, mas ele sempre vai colocar a culpa na mulher qualquer que seja o contexto. Você nem imagina as coisas que tive que escutar quando tentei conversar com ele.
sentiu um aperto no peito ao ver os olhos de Sylvie se encherem de lágrimas. Vê-la chorar era estranho. Não era algo que acontecia com frequência, já que ela sempre tentava se mostrar superior a tudo e a todos.
— Não fica assim, mãe. Vai ficar tudo bem quando você explicar os motivos que te levaram a fazer isso.
— Estou apenas colhendo o que plantei — ela disse com a voz embargada, secando as lágrimas fugitivas com as pontas dos dedos. — Eu espero que você possa me perdoar por não ter sido uma mãe melhor. No fundo, sou agradecida a Véronique por ter assumido esse papel na sua vida.
— Ei, olha pra mim. — a segurou pelos ombros, fazendo-a encará-la. — Poderíamos ter tido um relacionamento melhor, mas sei que isso foi culpa minha também. Eu te amo exatamente assim, com todos os seus defeitos. Sei que você também não liga para os meus.
— Que defeitos? — Sylvie rebateu, rindo. — Eu tenho muito orgulho de você. Além de ter se tornado uma mulher maravilhosa, vai ser também uma ótima treinadora.
sentiu um nó se formar na garganta e a envolveu em um abraço afetuoso. Mesmo que houvesse sido de uma maneira torta, aquele era o momento com que sonhava desde que se entendia por gente. Ter pelo menos um de seus pais demonstrando ter orgulho de sua carreira com todas as letras era mais importante do que ela jamais conseguiria pôr em palavras.
— Quer dormir lá em casa hoje? — perguntou ao se afastar.
— Acho melhor eu ir para um hotel. Não quero atrapalhar você e .
— Você não vai nos atrapalhar — disse, sorrindo. — Vamos. Eu te empresto uma camisola e você nem precisa mais olhar pra cara do meu pai hoje.
As duas fizeram o caminho de volta até o carro em silêncio. Quando, alguns minutos depois, entraram na casa, puderam escutar o som da televisão que vinha da sala de estar. convidou Sylvie a segui-la até lá e as duas encontraram sentado no sofá.
— Minha mãe vai dormir aqui, tudo bem?
— Claro. Fique à vontade, Sylvie — ele respondeu, sorrindo.
— Tá cedo ainda. Quer assistir a um filme com a gente? — perguntou à mãe.
— Eu prefiro ir dormir. Só quero que esse dia acabe logo — ela respondeu, sincera.
— Mas é seu aniversário…
— Sem o seu pai não tem graça.
assentiu, observando o sorriso triste que estampava o rosto dela.
— , eu vou ajudá-la a se acomodar em um dos quartos de hóspedes. Já volto.
Elas subiram até o segundo andar e pegou uma camisola no closet da suíte principal que dividia com o namorado e, em seguida, mostrou para a mãe o quarto em que ela poderia ficar.
— Boa noite. Se precisar de qualquer coisa, pode me chamar.
— Obrigada. — Sylvie esboçou um pequeno sorriso. — Eu fico contente de ver que você encontrou alguém que te respeita e tem condição de te fazer muito feliz.
— Ele já me faz — falou, sorrindo de volta, e deixou o quarto.
Voltou a se juntar a na sala de estar, se jogando preguiçosamente no sofá.
— Minha vida é um drama.
— O que aconteceu?
— O que você entendeu dessa confusão toda?
— Só que sua mãe ficou chateada porque você não contou que estamos morando juntos — respondeu e recebeu um olhar surpreso.
— Foi assim que começou mesmo. Como você sabe?
— Eu não sei francês, mas sei interpretar a situação.
— Minha tia tentou me defender e as duas começaram a discutir. — soltou um longo suspiro. — Elas nunca se deram bem. Eu pensava que era porque minha mãe tinha ciúmes do relacionamento que eu tenho com minha tia, mas o buraco é mais embaixo.
Ela, então, contou para o namorado tudo o que descobrira naquele dia, acrescentando as recentes descobertas que fizera a respeito da breve carreira de modelo de sua mãe.
— Você pretende fazer alguma coisa em relação a isso tudo? — perguntou após assimilar toda a história.
— Preciso ter uma conversa muito séria com meu pai. Não é que eu esteja querendo acobertar minha mãe. Concordo que as atitudes dela não foram boas, mas sinto que ela está arrependida de verdade. Ele tem todo o direito de querer se separar dela, se quiser, mas não de humilhá-la.
— Eu também acho. Até porque existe você, que vai conectá-los pelo resto da vida. Eles precisam, pelo menos, manter o respeito um com o outro.
No dia seguinte, foi até a casa dos tios para tentar conversar com Nourredine, mas descobriu que ele havia voltado para Marselha no primeiro voo que conseguiu. Sylvie ficou arrasada e decidiu que passaria alguns dias em Lille, na casa de sua irmã, para que os dois pudessem esfriar a cabeça.
23. La Vigesimotercera
Lo que empezamos tenemos que terminar
Volvamos a hacer el amor como aquel día
Llévame al cielo a volar
Adrenalina - Wisin, Jennifer Lopez, Ricky Martin
Quando o horário do almoço chegou, pausou a partida entre Real Sociedad e Granada que assistia na tela da sala de projeção. Deixou o caderno com as anotações que fazia de lado e foi até o refeitório da residência dos jogadores, que estava praticamente vazia naquele dia de folga do time principal. Como não tinha pressa de voltar ao trabalho, levou algum tempo para decidir qual seria sua refeição do dia. Por fim, serviu um prato de peixe, batatas e uma salada variada.
Enquanto comia tranquilamente, aproveitou para responder algumas mensagens que estavam pendentes desde o dia anterior, mas teve sua atenção desviada para a porta do refeitório, que se abriu e revelou Álvaro Benito. Ela o cumprimentou com um sorriso e, em resposta, ele piscou um olho antes de ir se servir.
O treinador do Juvenil C se juntou a poucos minutos depois, sentando-se na cadeira vaga em sua frente.
— Pensei que vocês tinham o dia livre hoje — ele disse, fazendo-a bloquear o celular e encará-lo.
— Teoricamente, sim, mas estou adiantando as coisas para o treino de amanhã.
— Zidane está bem servido de auxiliares.
— Modéstia à parte, tenho que concordar — ela falou em um tom espirituoso.
— Não tem por que ser modesta mesmo. — Álvaro deu uma pausa para levar uma garfada do conteúdo de seu prato à boca. — Semana passada você mostrou que não está de brincadeira a todo mundo que ainda tinha qualquer tipo de dúvida em relação à sua contratação. Inclusive, gostei muito da sua ousadia. A forma como o time entrou em campo depois de uma derrota pesada contra o Barça foi de aplaudir de pé.
— Obrigada — disse, sorrindo, e limpou a boca com um guardanapo ao terminar de comer. — Você não tem ficado pra trás, né? Fiquei sabendo que seu time ganhou a liga com cem gols e nenhuma derrota.
— Ser um técnico insuportável com os jogadores dá seus frutos — ele disse, rindo.
— Tá brincando, né? Você tem cara de ser daqueles treinadores que o time inteiro ama — ela falou, fazendo-o dar de ombros.
— Você teria que perguntar para os garotos. Falando nisso, aquele bate-papo ainda tá de pé?
— Hoje seria ótimo. É dia de treino?
— Daqui a dez minutos — Álvaro respondeu ao checar o relógio de pulso.
— Pelo visto, não nos encontramos por acaso. — piscou um olho.
Quando Álvaro terminou de comer, os dois saíram do prédio e subiram em um carrinho de golfe. Enquanto cruzavam a Ciudad Real Madrid, conversavam sobre a partida da véspera contra o Atlético de Madrid, uma vitória por três a zero que colocava o Real Madrid a um passo da final da Champions League.
Quando chegaram ao campo em que aconteceria o treino do Juvenil C, riu levemente ao ser encarada por vinte e quatro pares de olhos com uma mistura de surpresa e curiosidade. Cumprimentou Diego, o segundo treinador, e Jesús, o preparador físico, com um aperto de mão.
— Acho que a nossa convidada dispensa apresentações, né? — disse Álvaro em um tom divertido.
— Bom dia, meninos — ela falou, simpática. — Antes de qualquer coisa, tenho que dar os parabéns para o melhor time da base do Real Madrid. E ai de vocês se alguém de fora ficar sabendo que eu disse isso! — acrescentou, arrancando algumas risadas.
— , conta um pouquinho sobre como é ser a única mulher em um time masculino. Eles têm muita curiosidade.
— Não é tão ruim quanto poderia ser, mas não vou negar que, às vezes, é complicado lidar com tanta testosterona. — riu. — Ainda bem que agora tenho a Lalie, nossa fisioterapeuta, pra me dar um apoio moral.
Por quinze minutos, ela respondeu com muita honestidade e boa vontade diversas perguntas sobre sua trajetória no futebol e, inevitavelmente, sobre a influência que seu tio tivera nela. Era uma ótima oportunidade de mostrar àqueles garotos de 17 anos que fariam parte da próxima geração do futebol que mulheres não apenas poderiam, como deveriam estar entre eles.
Se retirou para que Álvaro, Diego e Jesús pudessem dar início ao treino e retornou à sala de projeção da residência do time principal, onde ainda teria muito o que fazer até dar o dia de trabalho por encerrado. O Real Madrid precisava conseguir uma vitória na partida que disputaria no fim de semana para se manter no caminho para a conquista do campeonato espanhol.
Entre uma partida e outra que assistiu para analisar o esquema tático do Granada, resolveu ligar para Sylvie. As duas vinham se falando todos os dias desde que ela fora para Lille.
— Oi, mãe. Tudo bem por aí? — disse ao escutar a voz dela do outro lado da linha. — Qual é a novidade de hoje? — perguntou em um tom divertido, já que, a cada ligação, sua mãe tinha algo novo para contar sobre seus parentes.
— A namorada de Paul está grávida — Sylvie falou, referindo-se ao ex-marido de sua irmã. — Suas primas adoraram a novidade. Pelo andar da carruagem, daqui a pouco você também vai ser irmã mais velha aos 30 anos.
— Você pretende fazer uma fertilização in vitro e não me falou nada? — rebateu, debochada.
— Não, estou falando sobre seu pai ter um filho com uma nova namorada. Se eu fosse você, já ia me preparando pra ter uma madrasta quase da sua idade.
— Pra isso, ele precisa se divorciar primeiro, né? — ela perguntou, rindo levemente do drama que sua mãe estava fazendo.
— Pelo visto, não vai demorar muito pra isso acontecer. Ele não atendeu uma ligação minha até agora.
— Mãe, você sabe que não precisa implorar pelo perdão de ninguém, né? — cruzou as pernas, se acomodando melhor no assento. — Por pior que tenham sido suas atitudes no passado, meu pai não tem o direito de te humilhar. Fugir pra Marselha também não foi uma atitude muito madura da parte dele.
O silêncio que se seguiu a fez perceber que Sylvie não pensava daquela forma. Sabia que, por mais que sua mãe fosse capaz de identificar o machismo presente nas atitudes de Nourredine, ela também havia tido uma criação machista e acreditava que o lugar da mulher era abaixo do homem.
— Você tentou falar com ele?
Ao perceber a tentativa dela de desviar do assunto, soltou um longo suspiro.
— Ainda não. Sinceramente, não tive nem vontade de procurá-lo depois que ele foi embora sem dizer nada.
— Eu vou pra casa amanhã. Já comprei minha passagem.
— Promete que não vai deixá-lo te ofender novamente? Se você quer se tornar uma pessoa melhor, isso inclui tomar as rédeas da sua vida. Você já se rebaixou demais por causa do meu pai.
— Eu gosto dele, …
— E você acha que ele pode te tratar da maneira que quiser por isso?
Antes que Sylvie respondesse, a porta da sala de projeção se abriu, atraindo a atenção de .
— Posso entrar? — Zinédine perguntou.
— Mãe, preciso desligar — ela disse ao mesmo tempo que fazia um sinal para que o tio se aproximasse. — Tenho que voltar ao trabalho.
— Tudo bem. Eu te ligo assim que chegar a Marselha.
— Boa viagem. E pensa no que eu te falei, tá?
— Obrigada.
finalizou a ligação, tentando não se importar com o sentimento ruim que aquela conversa rápida com Sylvie deixara em seu peito, e observou o tio se sentar no assento ao lado.
— Era pra você estar em casa, descansando — ele disse em tom de reprovação.
— É pra isso que existem as férias. E elas ainda não chegaram — ela rebateu, esboçando um sorriso divertido.
— Como sua mãe está?
— Bem, na medida do possível. Ela vai voltar pra Marselha amanhã.
Zizou meneou a cabeça, concordando, e um breve momento de silêncio se seguiu. o encarava nos olhos, notando uma leve preocupação que, normalmente, ele não deixava transparecer.
— Véronique está muito arrependida de ter trazido à tona algo que tinha ficado no passado — ele, enfim, falou, fazendo-a suspirar.
Ela ainda não tinha conversado com nenhum dos dois a respeito daquilo e, no fundo, sabia que era porque estava fugindo do problema inconscientemente. Era como se quisesse ficar apenas com a versão de sua mãe. Entendia que a vida havia a levado a fazer coisas das quais ela se arrependia, mas não tinha certeza de que queria saber como essas coisas haviam afetado outras pessoas, especialmente se tratando de seus tios.
— Meu pai tinha o direito de saber — falou, encolhendo os ombros. — Eu só acho que ele tem que aprender a dialogar com a gente.
— Eu concordo, mas, se ele não consegue enxergar isso, não tem muito o que a gente possa fazer. — Zinédine disse sem disfarçar a frustração. — Seus pais vão se resolver, . O que eu preciso saber é se você está bem. Isso é o mais importante pra mim.
— Pode ficar tranquilo quanto a isso, tio. Estou um pouco decepcionada com toda essa situação, mas faz tempo que não tenho ilusões a respeito dos meus pais. Só quero que nós três possamos ter uma boa relação.
— Ótimo — ele disse, se pondo de pé. — Agora, desliga isso e vamos embora.
— Mas estou juntando as informações que vamos precisar pra nossa reunião.
— Eu tenho tudo sob controle para o jogo. Vá para casa descansar.
Percebendo que não era apenas uma sugestão, mas, sim, uma ordem, desligou os aparelhos e colocou o caderno debaixo do braço ao segui-lo para fora da sala. Na verdade, trabalhar era o que estava mantendo sua cabeça ocupada, já que também estava em Valdebebas, realizando seu tratamento com Jaime e Lalie. Em casa, ela ficaria à mercê de suas preocupações.
— Vamos jogar futebol? — de repente, se viu perguntando ao tio, que a olhou com estranheza. — Faz tanto tempo que não jogamos juntos, por diversão...
— Quem perder vai ter que pagar um mico que o outro vai escolher.
— Tá falando sério? — ela perguntou em meio a risos.
— Só pra deixar mais interessante. — Ele piscou um olho. — Vá na frente para o campo. Vou pegar uma bola no almoxarifado.
No dia seguinte, Zizou tentou fugir de pagar sua própria aposta, mas fez questão de que, no vestiário, para o time inteiro, ele cantasse Felices los 4, do Maluma, que vinha liderando as paradas musicais desde a semana anterior.
Diferentemente da partida de ida, em que o Real Madrid jogou confortavelmente em sua casa, conquistando uma vitória com “V” maiúsculo e mais um hat-trick de Cristiano Ronaldo, o Atlético de Madrid começou o segundo jogo com muita intensidade. Os primeiros minutos foram marcados por ótimas defesas de Keylor Navas e disparos de Fernando Torres bloqueados por Sergio Ramos e Raphaël Varane.
Apesar do cenário pouco favorável, estava tranquila, sentada no banco ao lado de David, enquanto Zinédine acompanhava os lances da beira do campo. Os três esperavam um início exatamente como aquele, já que os colchoneros precisavam de pelo menos três gols para levar o jogo para a prorrogação. No entanto, ela soltava um suspiro frustrado toda vez que algum dos jogadores do Real Madrid perdia a bola, o que estava acontecendo com maior frequência do que deveria.
Em um escanteio favorável ao Atlético de Madrid, o placar foi aberto. Uma cabeceada de Saúl indefensável que fez o Vicente Calderón ir à loucura. Zizou tentou animar seus jogadores, mas a partida recomeçou com a mesma pressão por parte do time da casa. Poucos minutos depois, em um lance perigoso, Varane fez uma falta em Torres dentro da grande área e foi Griezmann quem cobrou o pênalti, marcando o segundo gol do jogo.
Zinédine proferiu algumas orientações para Luka Modrić e Toni Kroos quando os jogadores voltavam para a saída da bola e cruzou o olhar com o de . Mesmo que ele não tivesse dito nada, foi o suficiente para que ela começasse a rabiscar em um papel alternativas para que eles conseguissem passar pela defesa tão consistente do Atlético e marcar o gol de que precisavam urgentemente para que pudessem respirar aliviados.
Conforme os minutos se passavam, o clima se tornava gradativamente mais pesado. O Real Madrid começava a adentrar o campo adversário, mas os lances eram interrompidos com faltas. A cada golpe sofrido por Luka ou Isco, Zizou ficava mais irritado pela ausência do cartão amarelo.
se levantou do banco e caminhou pela lateral do campo, observando uma nova jogada de ataque do Atlético de Madrid. Antes que a bola pudesse seguir na direção do gol, Casemiro cortou o chute de Antoine Griezmann, tirando-a pela linha de fundo. podia ouvir palavras nem um pouco amistosas sendo proferidas atrás de si por torcedores rojiblancos, mas não as absorvia. Sua mente estava a mil por hora, tentando encontrar uma solução imediata para a situação que estava sob controle, mas poderia se complicar a qualquer momento.
O banco inteiro do Real Madrid se pôs de pé quando, em uma dividida de bola aérea, Diego Godín chocou o ombro contra a nuca de Cristiano Ronaldo. Uma confusão se formou em volta do árbitro, que autorizou a equipe médica a entrar no campo para atender o português e sacou o cartão amarelo do bolso para mostrá-lo ao zagueiro uruguaio, pela falta, e a Sergio Ramos, por reclamação.
voltou a se sentar ao lado de David Bettoni e viu Zizou falar com Marcelo na beira do campo. Sabia que ele estava instruindo o lateral esquerdo a subir para o ataque. A bola voltou a rolar em seguida e, aos poucos, o Real Madrid começou a atacar com mais frequência.
Na reta final do primeiro tempo, Cristiano, com pressa, cobrou um saque lateral, colocando a bola nos pés de Karim Benzema. Savić, Giménez e Godín tentaram o encurralar, mas ele conseguiu se infiltrar entre os três e conduziu a bola pela linha de fundo antes de recuá-la para Toni Kroos.
, assim como todos os jogadores reservas do Real Madrid, saltou do banco em um pulo antes mesmo de o alemão chutar a bola para o gol. Oblak defendeu, mas Isco não desperdiçou o rebote e marcou o gol que eles tanto buscavam, fazendo com que os gritos de comemoração dos madridistas presentes no estádio superassem a festa da torcida colchonera.
No intervalo, o vestiário foi tomado por um clima bastante descontraído. se aproximou de Karim e conteve a vontade que tinha de abraçá-lo ao vê-lo tirar a camisa encharcada de suor.
— Como você fez aquilo? — ela questionou, boquiaberta.
— Não tenho a mínima ideia — ele admitiu, rindo, e pegou uma toalha para secar o tronco. — Na hora, eu só pensei que o pior que poderia acontecer era a jogada terminar em um escanteio, o que seria algo bom também.
— Eu não acreditei quando você passou pelos três. Pra falar a verdade, não estou acreditando até agora — acrescentou em meio a risos.
— Isso que dá não confiar em mim — Karim disse, debochado, e arremessou a toalha molhada em sua direção.
— Que nojo, Benzema! — ela exclamou, jogando a toalha de volta para ele.
O segundo tempo não foi mais fácil do que o primeiro, mas o placar de dois a um não se alterou. Quando o árbitro apitou o fim da partida, a torcida do Atlético de Madrid, apesar da eliminação, entoava seus cânticos orgulhosamente, enquanto o time do Real Madrid comemorava a classificação para a segunda final europeia consecutiva debaixo de uma chuva forte que começara a cair em Madrid nos minutos finais de jogo.
vestia um casaco impermeável, mas sentia seu cabelo preso em um rabo de cavalo cada vez mais encharcado ao caminhar pelo campo, felicitando os jogadores. Da equipe adversária, fez questão de cumprimentar Diego Simeone, que estava entre os treinadores que mais admirava, e seus colegas franceses, Antoine Griezmann e Kevin Gameiro. Logo se afastou, respeitando o espaço deles, e parou para observar o setor da arquibancada em que os madridistas festejavam aquele feito histórico. Caiu na risada quando Lucas Vázquez a abraçou de um lado, Marco Asensio do outro, e os acompanhou até o túnel.
A primeira pessoa em que seus olhos caíram ao adentrar o vestiário foi , que, embora lesionado, havia comparecido ao Vicente Calderón para prestigiar seu time. Os dois trocaram um sorriso, mas a atenção do foi tomada pelos companheiros que se aproximavam para cumprimentá-lo com abraços e soquinhos, então foi até um canto para tirar o casaco molhado e pegar uma toalha.
Depois de enxugar a água que pingava do rabo de cavalo, a colocou sobre os ombros e se assustou ao pegar o celular e se deparar com mais de setecentas mensagens no WhatsApp, a maioria delas recebidas do grupo que tinha com seus amigos de adolescência. Não se deu o trabalho de ler a conversa inteira, mas viu que Rémy exigia ingressos para a final. Enquanto digitava uma mensagem garantindo que eles estariam na partida contra a Juventus, o outro time finalista, sentiu duas mãos segurarem sua cintura, por trás.
— Parabéns — sussurrou ao pé de seu ouvido e depositou um beijo em seu pescoço, fazendo-a sentir um arrepio correr por todo o corpo.
— Parabéns pra você também! — se virou na direção dele com um sorriso no rosto. — Terceira final de Champions... Nada mau, hein?
Ele encolheu os olhos com um pequeno sorriso nos lábios e subiu uma das mãos até sua bochecha, acariciando-a.
— Você tá gelada.
— Não deu pra fugir da chuva — ela disse, fazendo uma careta. — Você vai cuidar de mim se eu ficar doente, né?
— Se não ficar também — ele rebateu, piscando um olho.
não foi embora com o time, preferiu voltar para casa com , de carro. Ela foi dirigindo até La Finca e não pôde deixar de reparar em como ele estava pensativo, observando, pela janela, a chuva que caía do lado de fora. Os dois subiram para o quarto ao chegarem e, enquanto tirava o casaco, ficando apenas com a camiseta do uniforme, ela o observou se jogar na cama. Se aproximou e ficou por cima dele, se apoiando nos cotovelos.
— Acho melhor você tomar um banho quente — falou, envolvendo seu corpo com os braços.
— Você vem comigo? — ela perguntou em um tom sugestivo, com a boca roçando a dele.
— Eu jamais recusaria esse convite.
Ela sorriu, fitando os olhos que tanto diziam sem que ele precisasse proferir nem sequer uma palavra.
— Me conta o que está se passando nessa cabecinha — falou, caindo deitada no colchão macio quando seus braços se cansaram de suportar seu peso. — Pra um finalista da Champions, você não parece muito feliz.
suspirou e levou algum tempo para se pronunciar.
— Eu sonhei tanto com essa final desde que escolheram pra sediá-la. Não consigo pensar em um cenário mais perfeito pra disputar uma final de Champions League do que na minha casa, com minha família e meus amigos presentes.
— E você conseguiu.
— Esse é o problema — ele disse e soltou uma risada amargurada. — Eu não consegui, porque estive lesionado em um monte de jogos. Pra completar, existe a possibilidade de eu nem jogar essa final.
— Eu já te disse que não é assim que as coisas funcionam. Todo jogador é importante em um time, não apenas os onze que estão em campo — falou seriamente, incomodada por vê-lo tão pessimista. — Quanto a jogar a final, não é o que seus fisioterapeutas acham. Jaime disse que você deve estar bom até o fim do mês. Como o jogo é dia três, deve dar tempo.
— A minha recuperação pode não acontecer da maneira esperada. Eles não podem prever o futuro.
— Se você quer um conselho, apenas faça a sua parte. Pelo menos você vai poder ficar em paz consigo mesmo se não der certo.
— É claro que vou continuar trabalhando, agora mais do que nunca, mas é frustrante. Essa temporada tinha tudo pra ser a melhor da minha vida.
— C'est la vie, mon amour — ela disse, rindo levemente. — Às vezes, o caminho é meio torto, mas a chegada faz valer a pena.
— Eu espero que você tenha razão — falou, soando resignado.
— Eu sempre tenho razão — rebateu espirituosamente. — Vamos tomar banho?
— Só tomar banho? — ele perguntou com um sorrisinho.
— Você tem mais coisas em mente? — Ela o olhou com um misto de curiosidade e malícia.
— Com certeza. Por onde quer que eu comece?
— Tirando minha roupa.
As risadas dos dois ecoaram pelo silêncio da casa.
— Não era pra ter soado como uma piada — se pôs de pé e estendeu as mãos para ajudá-lo a se levantar.
— Eu ri porque estava pensando exatamente nisso — falou, levando as mãos à barra da camiseta dela.
— Que bom que estamos em sintonia.
Ela sorriu e ergueu os braços para ajudá-lo a despi-la.
Todos os olhos estavam vidrados no palco. Antonio Díaz, mais conhecido como El Mago Pop, fazia seus melhores números de mágica a convite de Luca Zidane, que, naquele ano, escolhera comemorar seu aniversário no salão de espetáculos de um renomado restaurante da região central de Madrid.
— Eu odeio shows de ilusionismo. — foi forçada a dar uma pausa para tapar o rosto com as mãos ao soltar um espirro. Em seguida, agradeceu com um sorriso pelo lenço de papel que lhe ofereceu. — Não consigo aproveitar a apresentação sem tentar desvendar os truques. É agoniante!
— Vocês, trouxas, insistem em tentar explicar a magia — disse Toni Kroos, debochado, abraçando a esposa de lado do outro lado da mesa que os dois casais dividiam.
— Não ter recebido sua carta de Hogwarts é seu trauma de infância, Toni Malfoy? — ela rebateu, fazendo tanto Jessica quanto rirem.
— Quem disse que não recebi? Pra sua informação, eu precisei fugir de lá pra ser jogador de futebol. E eu sou da Grifinória, tenha mais respeito.
— Então você não era bom o bastante no quadribol, Toni Potter?
— Eu daria um bom apanhador se não tivesse medo de altura.
riu, rolando os olhos, e bebericou a taça de vinho. Em sua opinião, aquela noite divertida entre uma partida e outra viera bastante a calhar. Pelo menos por algumas horas, apesar da presença de um monte de jogadores do Real Madrid Castilla e do Juvenil A que volta e meia se aproximavam para falar com ela, e Toni, seus pensamentos estavam bem longe do futebol. Nem mesmo o resfriado que viera junto com a classificação para a final da Champions League fora capaz de mantê-la em casa.
Aplausos e exclamações de surpresa ecoaram pelo local quando mais um truque inacreditável foi finalizado.
— Vem comigo ao banheiro, Jess? — perguntou, pegando a bolsa carteira sobre a mesa antes de se pôr de pé.
As duas cruzaram o salão e adentraram o banheiro feminino enquanto comentavam sobre os truques de ilusionismo.
— Se eu soubesse, teria trazido o Leon — Jessica falou, referindo-se ao filho mais velho. — Ele ama shows de mágica.
— Eu também não sabia, Luca tinha me dito que contrataria uma banda. Provavelmente não deu certo e essa foi uma ideia de última hora. — deu de ombros. — Você poderia descer o zíper, por favor? — pediu, virando-se de costas.
Ao adentrar um dos boxes, ela puxou as mangas do macacão preto e o abaixou até a altura dos joelhos para que pudesse esvaziar a bexiga, que estava cheia devido às taças de vinho que tomara. Enquanto voltava a se vestir, escutou a porta do banheiro se abrir e reconheceu a voz de Véronique quando ela cumprimentou Jessica.
— Oi, tia — disse ao sair do cubículo. — Fecha aqui pra mim?
Véronique se aproximou e subiu o zíper do macacão.
— Você está doente? — ela perguntou ao vê-la fungar.
— É só um resfriado, mas já estou melhorando.
— Espero que não esteja colocando o trabalho à frente da saúde.
— Pode ficar tranquila quanto a isso. — esboçou um pequeno sorriso e foi até a pia lavar as mãos.
— Será que a gente poderia conversar?
Encarou Véronique pelo espelho e, apesar da expressão neutra que ela tinha no rosto, notou que havia uma súplica em seus olhos. Naquele momento, soube que não poderia mais fugir daquela conversa.
— Quer ir na frente, Jess? Vou trocar uma palavrinha com a minha tia e já vou também.
— Está bem. Foi bom te ver, Véronique.
A alemã se despediu com um sorriso e se retirou.
— Pode falar — disse, pegando o batom na bolsa.
— Você não prefere dar uma volta e tomar um drinque?
Ela concordou com um sorriso e, depois de retocar a cor de vinho em seus lábios, seguiu a tia pelo restaurante que tinha vários ambientes além do salão de espetáculos, onde estava acontecendo a festa de aniversário de Luca, e as duas chegaram a uma área descoberta constituída por um bar, algumas mesas e sofás. Foram recepcionadas por um garçom, que as acompanhou até um sofá, mostrou o cardápio de drinques e se afastou após cada uma fazer seu pedido.
Um silêncio confortável se instalou enquanto as duas observavam o local moderadamente movimentado. A noite estava bastante agradável, fazendo querer ficar ali para sempre.
— Karim não quis vir? — Véronique perguntou casualmente.
— Ele tinha um compromisso.
— Pensei que tivesse a ver com aquela confusão toda entre Luca e ele.
— Não, os dois já superaram isso. O compromisso do Karim, inclusive, é com uma mulher com quem ele tem saído.
— Fico aliviada de ouvir isso. — Alguns segundos de silêncio se seguiram até ela soltar um longo suspiro. — Eu reparei que você tem me evitado.
a encarou, surpresa com o comentário arremessado de uma só vez em sua direção, mas o garçom quebrou a tensão que começava a se formar ao chegar com os drinques. Ele os entregou a elas e não demorou a deixá-las a sós mais uma vez.
— Eu tenho estado ocupada — , enfim, disse e bebeu um longo gole da bebida de sabor adocicado. Não era exatamente a verdade, mas também não era uma mentira.
— Não tem problema, . Eu entendo que você esteja chateada.
Dessa vez, não contestou. Fitou os olhos compreensivos de Véronique e se deu conta de que aquela hesitação não fazia sentido. Se tinha alguém no mundo com quem tinha liberdade para se abrir, era sua madrinha.
— Isso ainda te incomoda mesmo depois de tantos anos, né? — perguntou, observando-a atentamente.
— Sempre esteve entalado na minha garganta — ela admitiu. — Eu e Zizou temos um ótimo relacionamento, mas é claro que passamos por algumas crises ao longo dos anos. A primeira delas foi nessa época.
— Eu gostaria de ouvir sobre essa história do seu ponto de vista.
Véronique tomou um longo gole do drinque, deixou a taça sobre a mesa de apoio em frente ao sofá e se voltou para , cruzando as pernas.
— Tudo começou quando encontrei um bilhete nas coisas dele. Tinha um número de telefone e, embaixo, estava escrito “Sylvie Leroux”. Eu já tinha escutado esse nome antes. Sua mãe era um pouco conhecida na França pelos trabalhos que fazia e por ter tido um… affair com um empresário famoso — ela disse cautelosamente. — Ele estava começando a frequentar festas e eventos do mundo do futebol e foi o suficiente para que eu pensasse besteira. Nós tivemos uma discussão nesse dia, mas ele jurou que não tinha feito nada, que pegou aquele guardanapo por educação e tinha se esquecido de jogá-lo no lixo.
— E você acreditou nele, certo?
— Nunca desconfiei do Zizou, ou não estaria com ele há tantos anos, mas eu era uma menina — Véronique soltou um risinho sem graça —, tinha medo de ele se encantar por alguma dessas tantas mulheres com quem ele passou a ter contato ao se tornar jogador profissional. E sua mãe sempre foi muito atraente…
— Eu nunca vi meu tio olhar pra outra mulher como olha pra você — disse, fazendo-a sorrir.
— A partir desse dia, ele passou a me contar sobre toda mulher que se aproximava, para que eu não acabasse descobrindo por boatos de revistas de fofoca. Ele não dizia abertamente que namorava porque eu tinha muita vergonha de aparecer.
— Minha mãe continuou insistindo, né?
— Por meses. Zizou sempre me contava quando a encontrava, mas um dia eu vi com meus próprios olhos. Foi na festa de aniversário de um colega de time dele que namorava uma modelo da mesma agência que a Sylvie. Ela se aproximou quando o viu sozinho. Eu vi de longe, mas só toquei no assunto no carro, quando estávamos voltando pra casa, e acabamos brigando.
— Meu tio deu atenção pra ela?
— Não, mas eu estava cega pela minha insegurança e não tinha ninguém pra me aconselhar. Minha própria mãe dizia que ele ia me largar na primeira oportunidade que tivesse. — Véronique rolou os olhos.
revezou o olhar entre o drinque que segurava e os olhos dela enquanto, em sua cabeça, voltava ao passado. Não ao passado que o depoimento da tia se referia, em que nem sequer era nascida, mas, sim, o que vivera quando mais nova. Um dia, também quase se afogara em sua própria insegurança. Uma situação quase inevitável em uma sociedade que obriga homens e, em especial, mulheres a seguirem padrões de beleza e de comportamento.
— Como foi quando vocês descobriram que ela estava saindo com meu pai? — perguntou e bebericou o drinque.
— Inacreditável. As intenções dela ficaram claras.
— Ninguém disse a ele quem ela era?
— Ele a apresentou pra família como noiva e não era como se esperasse a aprovação de alguém. — Véronique deu de ombros. — Zizou não quis se envolver, até porque não tinha acontecido nada de fato. Lila foi a única que tentou alertá-lo, mas Nourredine pensou que era apenas ciúme de irmã.
— Sabe de uma coisa, tia? — falou, respirando fundo. — Minha mãe admitiu que se casou com ele pra ter uma vida financeiramente estável. Eu jamais faria o mesmo e, num primeiro momento, me pareceu a coisa mais absurda do mundo, mas eu não vim de uma família humilde como a dela. Tive a oportunidade de estudar na melhor escola da cidade e em uma das melhores universidades do país. Muitas portas se abriram pra mim por causa do meu sobrenome. Se não estivesse ganhando dinheiro com o futebol, estaria exercendo minha profissão de psicóloga. Não estou dizendo que foi certo, mas ela não tinha muitas opções e escolheu a mais fácil. — A cada palavra proferida, ela se sentia mais leve. — Além disso, não é como se meu pai tivesse sido uma vítima nessa história. Ele se aproveitou do status de irmão e agente de um jogador de futebol em ascensão pra sair com uma mulher bonita. Ele tinha outros atributos pra apresentar a ela, mas o que ofereceu foi o dinheiro. O que ele queria?
— É verdade — disse Véronique, parecendo um pouco admirada pelo discurso tão convicto. — Eu não gosto da Sylvie e da maioria das atitudes dela, mas também não a odeio. Na verdade, tenho um pouco de pena.
— Por que você aceitou ser minha madrinha?
— Não tive muita escolha, eu era a única católica da família — ela respondeu, mas logo deixou escapar uma risada ao vê-la semicerrar os olhos. — Aceitei porque eu quis. Senti uma conexão forte com você desde o dia que te peguei no colo pela primeira vez.
sentiu-se aliviada e reconfortada pela resposta. Chegara a duvidar da genuinidade da afinidade que, apesar de não serem parentes de sangue, elas tinham. Seu maior medo era que Véronique tivesse assumido aquele papel de uma espécie de segunda mãe por uma rivalidade com Sylvie.
— Tudo bem se eu não escolher um lado, né?
— Eu nunca te pediria isso — Véronique falou, soando ultrajada. — Eu e Sylvie nunca vamos ser melhores amigas, mas ela é sua mãe. Você, mais do que ninguém, sabe que sempre te incentivei a ser mais tolerante com ela para que vocês se dessem bem.
As duas conversaram até terminarem seus drinques e, então, decidiram retornar ao salão.
— Onde vocês se meteram? — Luca perguntou assim que o segurança abriu a porta para que elas adentrassem a área reservada.
— Estávamos nos divertindo — Véronique respondeu em um tom brincalhão.
— Desculpa se minha festa está chata — ele rebateu ironicamente, fazendo-as rirem. — Venham, vamos tirar uma foto de família.
não quis participar quando viu apenas Zinédine e seus três outros filhos os esperando, mas Luca fez questão de que ela estivesse naquela fotografia. Minutos depois, ela voltou para a mesa com os olhos marejados por saber que não era apenas ela que tinha os tios como pais e os primos como irmãos; eles também a consideravam parte da família.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntou quando ela se sentou ao seu lado.
— Ela tá emocionada com a minha beleza — Toni brincou ao vê-la secar as lágrimas dos cantos dos olhos.
— Na verdade, estou triste de ter que olhar para a sua cara — ela rebateu, mas acabou rindo em seguida.
— , acho melhor a gente desistir — Marcelo falou com as mãos na cintura, exausto depois das duas sessões de treino do dia.
— Só mais uma tentativa, vai!
— A última — ele decretou.
— Case, ainda está gravando, né? — perguntou a Casemiro, que apenas mostrou o polegar em sinal afirmativo enquanto filmava a cena de longe, com o celular dela.
La Novena, o nono título da Champions League conquistado pelo Real Madrid, completava quinze anos e ela estava determinada a recriar o gol de voleio emblemático marcado por Zidane na final contra o Bayer Leverkusen. Segundo , não existiam duas pessoas mais perfeitas para isso do que Marcelo, lateral-esquerdo brasileiro assim como Roberto Carlos, o responsável pela assistência; e ela mesma, uma Zidane. No entanto, nenhuma das incontáveis tentativas havia sido bem-sucedida até aquele momento. Nas poucas vezes em que ela conseguia acertar a chuteira na bola, ou errava a pontaria ou a bola ia parar nas mãos de Keylor Navas, recrutado para ficar no gol.
Marcelo respirou fundo, se concentrando, antes de realizar o cruzamento. observou a bola traçar um arco no ar como que em câmera lenta e levantou a perna esquerda para chutá-la. Dessa vez, Keylor não se esforçou para impedir que a bola entrasse no gol pelo seu lado direito, caindo na rede.
e Marcelo correram um em direção ao outro e se abraçaram em meio a gargalhadas, comemorando o feito.
— Ficou bom? — ela perguntou, indo até Casemiro.
— Digamos que dá pra dar uma nota seis pra passar direto — ele brincou, lhe entregando o celular.
mostrou a língua, mas, ao assistir o vídeo, achou que, na verdade, ele fora bastante generoso ao dar aquela nota. O chute de voleio havia saído bastante desajeitado, já que ela era destra, não ambidestra como seu tio.
— Bom, foi o melhor que a gente conseguiu — ela disse, dando de ombros.
Enquanto acompanhava os três jogadores para fora do campo de treinamento, ela cortou o vídeo para postá-lo no Instagram.
Enquanto digitava a legenda, viu de relance Marcelo, Casemiro e Keylor cumprimentarem Florentino Pérez. Após confirmar a postagem da publicação, ela guardou o celular no bolso da calça e abriu um sorriso simpático.
— Oi, Presi. Como você está?
— Melhor agora, sendo recebido com toda essa simpatia — ele disse em um tom espirituoso, fazendo-a rir levemente. — E você?
— Estou bem.
— Posso roubar alguns minutos seus?
— Quantos você quiser — respondeu, atenciosa.
— Vamos ao meu escritório.
Tentando disfarçar a curiosidade que a tomou, ela seguiu Florentino até o corredor em que ficava as salas da comissão técnica, de reuniões e também a da presidência. Já estivera ali algumas vezes, mas sempre acompanhando Zidane. Foi impossível não sentir um frio na barriga enquanto um milhão de motivos para que o Presidente quisesse conversar com ela passavam por sua cabeça.
— Fique à vontade — ele falou, convidando-a a sentar-se antes de ocupar a cadeira do outro lado da mesa. — Você já deve ter escutado falar sobre o sheik que é presidente do Málaga, certo?
— Sim, lembro quando ele comprou o clube e contratou vários reforços.
Alguns anos antes, Abdullah Al Thani, empresário pertencente à família real do Qatar, havia iniciado um projeto ousado após comprar o clube malaguenho por muitos milhões de euros. Com contratações importantes como as de Júlio Baptista, Van Nistelrooy, Santi Cazorla, do técnico Manuel Pellegrini e também de Isco, que era uma jovem promessa na época, o Málaga chegou às quartas de final da Champions League. se lembrava muito bem disso tudo, inclusive do jogo polêmico em que eles foram eliminados pelo Borussia Dortmund com uma virada nos acréscimos. Só não sabia em que ponto dessa história ela entraria.
— Com o rebaixamento deles para a segunda divisão confirmado, ele pretende fazer uma renovação no time e entrou em contato comigo — Florentino falou. — Ele queria saber sobre as possibilidades de te contratar como técnica.
levou alguns segundos para absorver a informação.
— Por essa eu não esperava — disse, soltando um risinho sem graça. — O que você disse a ele?
— Que essa contratação depende mais de você do que de mim. Eu adoraria que continuasse com a gente, mas não posso te prender como auxiliar enquanto existem outros clubes dispostos a abrir um espaço maior para você.
— Está nas minhas mãos, então? — ela questionou e o Presidente concordou.
— Zidane também já está sabendo e tenho certeza de que vai apoiar seja qual for a sua decisão. Como iremos enfrentar o Málaga na última rodada de LaLiga, você vai ter a oportunidade de falar com o Al Thani pessoalmente.
A conversa não se estendeu muito, já que Florentino tinha um compromisso. saiu da sala da presidência pensativa e apenas cruzou o corredor para entrar na da comissão técnica. Zizou estava lá e tirou os olhos do computador para fitá-la.
— Eu adorei a homenagem — ele disse com um sorriso divertido. — De quantas tentativas vocês precisaram?
— Eu parei de contar depois da quinta — ela respondeu, rindo, e se sentou à mesa redonda. — Não ficou lá essas coisas, mas o que vale é a intenção.
— Não achei ruim, levando em consideração que a sua perna esquerda é péssima.
— Também não precisa me humilhar, né? — falou, o fazendo rir, mas, na realidade, não ficou nem um pouco ofendida. Ele tinha razão. — Eu acabei de conversar com o Florentino.
— Pelo visto, vou perder minha auxiliar mais rápido do que eu pensava — Zinédine disse, desligando o computador, e, em seguida, se juntou a ela na mesa.
— Qual é a sua opinião sobre essa proposta?
— Sinceramente? É ótima. Estamos falando de um clube grande, que tem uma boa estrutura e onde dinheiro não é problema. O desafio de levar o time de volta à primeira divisão também é interessante e seria uma experiência enriquecedora.
— Eu também acho — admitiu e soltou um longo suspiro.
— Além do mais, Málaga é uma boa cidade para viver e você ainda estaria perto de Marbella para dar uma escapadinha sempre que quisesse — Zizou acrescentou, piscando um olho.
No fundo, ela sabia que aquela era uma proposta irrecusável devido a todos aqueles fatores citados por seu tio e mais alguns, mas também existia um importante motivo que poderia fazê-la recusar a oferta. Alguns meses antes ela nem sequer o colocaria na balança, mas, agora, as coisas tinham mudado. Em Málaga, ela não teria ao seu lado.
Durante toda sua vida, trabalhara duro em prol do sonho de ser um jogador de futebol. Ele havia sido um garoto tímido que odiava chamar a atenção; por causa disso, costumava surpreender a todos que o viam com uma bola nos pés pela primeira vez. Esses eram os únicos momentos em que ele não se importava de ter uma porção de pares de olhos o observando. Desde muito novo, ele sabia que havia nascido para entreter as pessoas jogando futebol.
No entanto, sempre tivera plena consciência de que o talento por si só não era o suficiente para tornar alguém uma estrela de qualquer esporte que fosse. Com muito trabalho e alguns sacrifícios, ele chegara até o clube em que sonhara jogar desde menino e conquistara o troféu que mais desejava logo em sua primeira temporada. Mesmo com duas Champions League e uma Copa del Rey no currículo, suas ambições aumentavam mais a cada dia que se passava, conforme ele crescia como jogador de futebol e, também, como pessoa. queria, pela primeira vez, vencer LaLiga, da qual o Real Madrid estava a um passo de se tornar campeão, no fim de semana. Desejava ter a oportunidade de disputar uma Copa do Mundo com a Seleção , bem como queria, pelo menos por uma temporada, ser o jogador de maior destaque do mundo para ganhar a tão prestigiada Bola de Ouro.
Eram muitos os seus anseios e sabia que, a cada passo que desse, novos surgiriam. Naquele momento, no entanto, tudo o que ele desejava era poder jogar a final da Champions League em . Até mais do que ganhar a partida, ele queria pisar no campo do Millennium Stadium e fazer o que melhor sabia na presença das pessoas que acompanharam seus primeiros passos no futebol e o apoiaram incondicionalmente.
Desde que fora abatido por aquela nova lesão, essa vinha sendo sua maior motivação para levantar da cama na primeira hora da manhã e, com ou sem , ir para a Ciudad Real Madrid. As sessões de fisioterapia com Jaime ou Amelie — às vezes, com os dois — eram árduas e o deixavam exausto no final do dia, mas lhe davam cada vez mais confiança para continuar o processo de recuperação.
A dedicação de Lalie, em especial, vinha sendo muito importante. Por iniciativa dela, os dois voltaram às boas depois de uma conversa bastante honesta em que tanto um quanto o outro despejaram suas frustrações. Havia sido um alívio, para , descobrir que ela não estava tão decepcionada com ele quanto parecia. Na verdade, a fisioterapeuta estava frustrada por não ter sido capaz de evitar as duas últimas lesões que, em sua cabeça, não tinham por que acontecer. Ela levava seu trabalho muito a sério e estava bastante confiante de que ele estaria em plena forma, à disposição de Zidane para disputar a final da Champions League.
Mais um dia de trabalho chegava ao fim e se permitiu relaxar na maca, de bruços, enquanto recebia uma massagem esportiva, importante para sua reabilitação. Enquanto fazia uma sequência de manobras de massagem em seus músculos das panturrilhas, Amelie lhe contava sobre o incidente que acontecera entre ela e Dolores, a mãe de Cristiano Ronaldo. Tal encontro, que tinha sido pior do que o esperado, a deixara apreensiva.
— Quem é você e o que fez com minha amiga? — questionou, debochado, com a voz abafada pelo braço em que repousava a cabeça. — Eu não acredito que você tá com vergonha de conhecer a mãe do Cris, Lalie.
— Vai dizer que você não ficou nem um pouquinho apreensivo ao encontrar com os pais da pela primeira vez?
— Um pouco, mas porque eu não sabia se ia conseguir me comunicar com eles.
— Então… Multiplica por cinco após o mico que eu paguei. — Lalie soltou um longo suspiro. — Acabei — disse, estalando a palma da mão em uma das nádegas do .
— Vou contar pra minha namorada que você fica dando tapas na minha bunda — ele disse, se pondo sentado.
— Vá em frente. Sei que ela não vai ligar. — Amelie deu de ombros.
— Pior que não vai mesmo — disse, rindo levemente. — Por que você está tão hesitante em conhecer a mãe do Cristiano?
Ela o encarou por alguns segundos, enquanto arrumava a pequena bagunça que os dois haviam feito na sala de fisioterapia.
— Porque ela já não foi com a minha cara... — admitiu.
— Como você sabe? Você saiu correndo! — ele exclamou, indignado.
— Não foi correndo, foi andando rápido. Pelo que tenho notado, ela é dessas mães corujas e superprotetoras. Não sei se estou preparada pra lidar com esse tipo de problema, caso essa mulher não vá com minha cara.
— Eu acho que você está se preocupando à toa. Tenho certeza de que vocês vão se dar bem. Até eu tenho me dado bem com meus sogros e olha que nem falamos o mesmo idioma.
— Talvez eu esteja mais preocupada do que o necessário com isso mesmo. — Lalie cruzou os braços e se encostou na maca ao lado. — Como está a situação entre os pais da , falando nisso?
— Ela disse que não melhorou muito. A Sylvie voltou pra casa, mas o Nourredine tem ficado mais na casa dos pais dele.
— Que situação chata, hein? Como ela está com isso tudo?
— Preocupada, mas não quer se envolver. Eu acho que ela está certa — falou, dando de ombros, e desceu da maca.
— É um problema de casal — Lalie concordou. — E como estão as coisas naquela casa sem mim?
— Confesso que estou sentindo a sua falta.
— Até parece — ela rebateu, rindo alto. — Nem deve lembrar que eu existo enquanto vive sua vida de casado com a .
— Isso eu não posso negar. — Ele encolheu os ombros, rindo levemente. — Mas os meses que você passou lá em casa foram legais.
— Até que a experiência de ser sua roommate foi boa — ela disse com um sorriso divertido.
— Digo o mesmo. — sorriu. — Eu vou tomar uma ducha. Não posso demorar pra ir embora, hoje é aniversário de um dos primos da .
— Todo dia um primo da faz aniversário.
— É que são muitos — ele disse em meio a risos e se despediu dela com um abraço.
Quando chegou em casa, encontrou no escritório, com uma mala pequena cheia de livros aberta no chão.
— Não é hoje o aniversário do seu primo? — ele perguntou ao adentrar o cômodo. Esperava encontrá-la pronta para ir ao boliche, onde Theo havia escolhido comemorar seu aniversário de 15 anos, não vestindo um short jeans e uma regata como se não tivesse qualquer compromisso.
— Vou trocar de roupa assim que terminar de guardar esses livros — ela respondeu enquanto os separava em pilhas sobre a mesa, organizando-os pelo nome do autor, em ordem alfabética. — Essa é a última mala que faltava trazer da casa dos meus tios.
— Isso quer dizer que, agora, a sua casa é oficialmente aqui?
— Acho que sim. — sorriu. — Bom, uma metade da minha vida está aqui e a outra em Paris.
— E seu coração? Dizem que lar é onde seu coração está — acrescentou, fazendo-a soltar uma risada contagiante, e foi incapaz de manter a seriedade.
— Me desculpe, mon amour, mas isso é muito brega.
— Era a oportunidade perfeita pra dizer o quanto me ama. Eu vou me lembrar disso! — ele ameaçou, fingindo estar ofendido, e se aproximou para beijá-la na bochecha.
— Eu já disse que nem estaria com você se não te amasse — ela rebateu com um sorrisinho nos lábios, dando de ombros.
apenas sorriu, enquanto percorria os olhos pelos livros sobre a mesa. Não poderia negar que lidar com o jeito de viver um relacionamento ainda era um desafio para ele, mas sabia que ela era romântica à sua maneira.
— Eu tenho curiosidade de ler esse livro do Guardiola.
— É muito bom. Mostra não apenas as ideias e os métodos de trabalho dele, mas também quem ele é como pessoa.
levou o exemplar consigo até o sofá, que ficava próximo à janela, onde se sentou para folheá-lo. Sua leitura em espanhol não era fluida o bastante para que ele pudesse lê-lo do início ao fim confortavelmente, mas, enquanto organizava os livros na estante, ele aproveitou para ler alguns trechos e anotou mentalmente que compraria uma edição em inglês posteriormente.
Sua atenção, no entanto, não demorou a ser atraída pela movimentação de . Por algum tempo, ele permaneceu contemplado-a como nunca se cansaria de fazer. Não havia sido algo muito planejado, mas era reconfortante vê-la ocupar sua casa aos poucos, tornando-a um espaço dela também. O escritório, por exemplo, sabia que ela aproveitaria muito mais do que ele, que apenas o utilizava para reuniões esporádicas com seu agente.
Um sorriso enviesado surgiu em seu rosto quando ele notou que , ao perceber que estava sendo observada, passou a demorar mais tempo do que era necessário ao se agachar para esvaziar a mala, empinando a bunda em sua direção. Acabou sendo o suficiente para fazê-lo imaginar que outras utilidades dar à mesa grande e espaçosa que era a atração principal do cômodo.
— Será que seu primo vai ligar se a gente se atrasar um pouquinho? — perguntou, se pondo de pé.
soltou um risinho, observando-o se aproximar. Pegou o livro de sua mão e se virou para colocá-lo na estante.
— Por que a gente se atrasaria? — ela rebateu.
a encurralou contra a estante, por trás.
— Quem mandou me provocar? Agora vai ter que ir até o fim — disse, beijando suavemente um de seus ombros.
— Eu só estava arrumando meus livros — ela disse inocentemente, mas não emitiu qualquer objeção quando ele a virou e a puxou pela nuca, unindo suas bocas em um beijo intenso.
empurrou até a mesa e a colocou sentada sobre o tampo de vidro preto.
— Juro que eu não tinha intenção nenhuma de transar agora — ela disse, ofegante, quando o beijo foi quebrado —, mas eu não aguento quando você me olha daquele jeito.
— Se você soubesse o poder que tem sobre mim… — Ele deixou a frase morrer e voltou a beijá-la.
Suas mãos, ágeis, a despiram em meio a carícias atrevidas. Apressados demais para se importarem com preliminares, eles deram uma nova utilidade ao escritório. A melhor delas.
Quase uma hora depois, estava mexendo no celular, sentado na ponta da cama, esperando terminar de fazer a maquiagem discreta que combinava com a roupa despojada que ela escolhera vestir para ir ao boliche. Quando notou a aproximação dela, levantou os olhos.
— Tá pronta?
— Estou, mas preciso te contar uma coisa antes de a gente ir.
Ele a fitou por alguns segundos, notando as hesitação em seus olhos.
— É uma notícia boa ou ruim?
— Depende do ponto de vista. — riu levemente e olhou para seus tênis Adidas Superstar por alguns segundos antes de voltar a encará-lo. — Na segunda, o Florentino me chamou pra conversar e disse que o presidente do Málaga entrou em contato com ele. Não é uma proposta oficial ainda, mas ele tem interesse em me contratar.
— Pra ser técnica do time principal? — perguntou, surpreso, e sentiu um frio na barriga ao vê-la concordar. — Se isso aconteceu na segunda-feira, por que você não me contou antes?
— Não tive coragem — ela admitiu.
— Mas essa é uma ótima notícia, !
— Eu sei, mas tô confusa…
— Seja qual for a sua decisão, a gente vai dar um jeito — ele disse com convicção, mas, quando notou que ela não parecia muito convencida, suspirou. — É sério, , eu não quero ser um obstáculo na sua vida. Muito pelo contrário. Meu maior desejo é te ajudar a crescer.
— Vamos ver o que vai acontecer... — Ela esboçou um pequeno sorriso. — Antes disso, tenho que me preocupar com os dois últimos jogos da temporada.
— É, uma coisa de cada vez.
— Vamos? Daqui a pouco meus tios vão começar a ligar pra saber por que a gente não chegou ainda.
a acompanhou até o carro e se acomodou no banco do carona. Antes de sair com o automóvel da garagem, ele a puxou para um beijo. Sua intenção não era apenas confortá-la, mas também fazer si mesmo acreditar que tudo ficaria bem.
Nenhum dos dois voltou a tocar em tal assunto naquela noite, mas, enquanto jogavam boliche com a família Zidane e os amigos mais próximos de Theo, a incerteza que tinham quanto a um futuro bastante próximo continuou rondando seus pensamentos.
Não era uma final, mas o clima em La Rosaleda era de decisão na última rodada do campeonato espanhol. Zinédine havia convocado o plantel inteiro do Real Madrid para enfrentar o Málaga, inclusive os jogadores lesionados e Enzo Zidane, que, apesar de pertencer ao Castilla, vinha treinando com o time principal frequentemente nos últimos tempos. Eles estavam a uma vitória de se consagrarem campeões e Zizou queria que o time completo vivesse aquele momento que todos foram importantes para fazer acontecer.
O estádio estava lotado, não apenas de madridistas que haviam viajado para celebrar o trigésimo terceiro título da liga espanhola do Real Madrid, mas também de malaguistas que nem mesmo o rebaixamento impedia de enaltecer as cores de seu clube. O ambiente estava tão impressionante que sentiu um arrepio correr por todo o corpo quando chegou ao campo. Ela se pegou imaginando diversas vezes ao longo da partida se, na temporada seguinte, aquela seria sua torcida.
Dois minutos de jogo foi o tempo que Isco precisou para fazer mágica. Ele passou a bola para Cristiano, que se infiltrou por entre dois zagueiros, driblou o goleiro e abriu o placar. A parte branca da arquibancada explodiu em comemoração, assim como o banco de reservas.
O Málaga não se abalou. Continuou a pressionar a defesa madridista e teve diversas oportunidades de empatar o jogo que foram impedidas pelas mãos de Keylor Navas. Era como se o Real Madrid estivesse destinado a ser campeão e nada nem ninguém fosse capaz de impedir que isso acontecesse.
O gol que garantiu “LaLiga de Zidane”, como os jornais noticiariam no dia seguinte, saiu no segundo tempo, após um escanteio que Toni Kroos cobrou. Sergio Ramos chutou para o gol, mas o goleiro defendeu. No rebote, Karim Benzema colocou a bola na rede. Todo o banco do Real Madrid já estava de pé nos minutos finais de jogo e, assim que o apito do árbitro soou, o campo foi invadido pela festa madridista.
continuou sentada por um breve momento, sem assimilar que havia conquistado seu primeiro título no futebol masculino. Se levantou quando Zinédine a chamou para apresentá-la a Míchel, treinador do Málaga e um importante ex-jogador do Real Madrid das décadas de mil novecentos e oitenta e mil novecentos e noventa.
— Essa é a minha arma secreta — Zizou disse em um tom divertido, a abraçando de lado.
— Parabéns! Não apenas pelo título, mas pelo pioneirismo também. — Míchel estendeu a mão para cumprimentá-la. — Que você tenha uma carreira de muito sucesso.
— Muito obrigada! — agradeceu com um sorriso simpático.
Zidane foi cumprimentar cada um dos jogadores e a levou consigo para o meio da comemoração que acontecia no campo. ainda estava com a cabeça na partida, mas foi impossível não se deixar contagiar pelos homens que mais pareciam meninos, festejando entre si e com a torcida.
Karim foi o primeiro a notar sua presença e abriu os braços, convidando-a para um abraço. Ela o envolveu pelo pescoço e deixou que ele a tirasse do chão.
— Eu não acredito que nós conseguimos! — exclamou, sendo girada no ar.
— Pelo visto, você é pé quente, — Karim brincou quando a soltou.
— Você tinha alguma dúvida? — ela rebateu com as mãos na cintura.
— Ei, eu quero um abraço também — falou ao se aproximar dos dois.
— Vem cá, mon amour. — sorriu e o puxou para um abraço.
Ele também a levantou por alguns segundos, mais discretamente do que Benzema, e precisou de autocontrole para não beijá-lo na frente dos tantos fotógrafos e cinegrafistas que circulavam pelo campo, registrando o momento.
— Pega leve na comemoração, hein? — ela alertou.
— Já não basta a Lalie me vigiando? — ele disse, fazendo uma careta, e apontou para trás de si.
A alguns metros dali, Amelie estava no meio da bagunça que Isco, Álvaro Morata e outros espanhóis faziam. Como se sentisse que estava sendo observada, olhou na direção deles e apontou com dois dedos para seus próprios olhos e, em seguida, para , fazendo o casal rir.
Por iniciativa de Lucas Vázquez e Sergio Ramos, os jogadores se juntaram para jogar Zidane para o alto como forma de demonstrar o carinho e a admiração que tinham por ele. Ao lado de onde a baderna acontecia, ficou rindo sozinha por ver o tio, vestido socialmente, naquela situação.
— Acho que a ficou com inveja, galera! — Pepe exclamou quando Zizou foi liberto e foi o suficiente para que os jogadores a encurralassem.
— Você vai se arrepender disso, Pepe!
Apesar de soltar alguns gritinhos, temendo se estatelar na grama, se deixou contagiar pela diversão e fez questão de cumprimentar cada um dos jogadores e todos os profissionais que os acompanhavam em cada uma das partidas antes de se retirar do campo.
No caminho para o vestiário, cruzou com Florentino Pérez e se viu obrigada a parar quando ele a chamou.
— , esse é Abdullah Al Thani — ele disse, indicando o homem que o acompanhava.
— Olá! Muito prazer — ela falou cordialmente, cumprimentando o presidente do Málaga com um aperto de mão.
— Prazer em conhecê-la também. Sei que o Florentino já adiantou que tenho uma proposta para te fazer, mas gostaria de saber se você está aberta a ouvi-la.
— Sim, eu tenho interesse — respondeu, sentindo o estômago se revirar ao externalizar aquilo pela primeira vez.
— Vamos marcar uma reunião para depois da final da Champions?
— Combinado.
não ouviu mais nada do que os dois presidentes conversaram entre si quando seu olhar se cruzou com o de , que seguia para o vestiário junto a outros jogadores. Não fazia sentido, mas ela sentiu algo parecido com culpa naquele momento. Sua sensação era de que estava tomando decisões pelas costas do namorado, por mais que ele tivesse deixado claro que a apoiaria em qualquer circunstância.
Ela pediu licença a Florentino e Al Thani e retomou o caminho que fazia anteriormente. Encontrou o vestiário tomado por uma algazarra. Em meio à bagunça de uniformes, chuteiras, toalhas e garrafas vazias, os jogadores entoavam “¡A la Cibeles, nos vamos a la Cibeles!”.
A noite estava apenas começando.
Como se receber a visita do madridismo fosse um desejo da deusa Cibele, inclusive a temperatura amena que fazia naquele início de madrugada havia sido um convite para que as pessoas saíssem às ruas da capital espanhola. Não que, se fosse diferente, esse detalhe pudesse inibir a ânsia dos madridistas de celebrar o título recém-conquistado. Nem mesmo as poucas horas de sono que teriam antes de ir trabalhar ou estudar na manhã daquela segunda-feira que se iniciava — se é que alguém conseguiria dormir — fora um obstáculo.
O ônibus que seria utilizado para a comemoração estava parado em frente a uma das entradas privativas do Santiago Bernabéu, isolado por um cordão de segurança, à espera dos jogadores. Eles chegavam aos poucos, ainda mais animados depois do voo agitado de Málaga até Madrid, e subiam para ocupar seus lugares na parte superior e descoberta. Em poucos minutos, toda a equipe se direcionava à Plaza de Cibeles em um ritmo lento, já que dezenas de torcedores escoltavam o ônibus enquanto agitavam bandeiras e cachecóis no ar.
estava fascinada com aquilo tudo. Era a primeira vez que vivia algo tão íntimo e intenso com a torcida desde que chegara ao Real Madrid no verão anterior. Na verdade, em sua vida, nunca experimentara algo parecido até então. Havia sido campeã do campeonato francês feminino com o Paris Saint-Germain por dois anos seguidos, mas não era muito justo comparar as dimensões das comemorações que vivenciara em Paris com aquela.
Sua atenção, que estava totalmente voltada para as pessoas que os saudavam por onde passavam, foi despertada quando ela sentiu os ombros serem cobertos. Olhou para trás e encontrou sem a jaqueta que, minutos antes, vira no corpo dele.
— Não precisa, mon amour. Nem está frio — disse, fazendo menção de lhe devolver a peça de roupa, mas ele a impediu.
— É melhor se agasalhar. Você mal se recuperou do resfriado.
Ela esboçou um sorriso em agradecimento e não se opôs, mesmo que estivesse bastante confortável com apenas a camisa comemorativa do título.
Karim se juntou a eles com dois copos descartáveis vermelhos e estendeu um deles para , que o encarou com desconfiança.
— O que é isso?
— Álcool.
— Agora sim a festa está completa! — ela exclamou, rindo, e reconheceu o cheiro de cerveja antes mesmo de levar o copo à boca e deixá-lo pela metade em uma golada generosa.
Conforme se aproximavam da Plaza de Cibeles, o policiamento crescia proporcionalmente ao alvoroço. Uma multidão os aguardava ao redor da famosa fonte que representa a deusa Cibele em uma carruagem puxada por leões. Desde a década de mil novecentos e setenta, os madridistas tinham a tradição de comemorar seus títulos ali. Mais do que um ponto de encontro, especialmente depois das cinco ligas conquistadas consecutivamente na segunda metade dos anos oitenta, a deusa se tornara um símbolo do clube.
Todos desceram do ônibus e subiram na passarela construída provisionalmente em torno da fonte. apertou a jaqueta contra o corpo ao olhar em volta e ver a quantidade de pessoas que estavam ali para vê-los. Não por sentir frio, mas em reação ao clima acolhedor que dominava o local. O hino do clube parou de tocar quando Sergio Ramos pegou o microfone para proferir algumas palavras de agradecimento à torcida pelo apoio ao longo do campeonato que fora tão disputado.
— Agora, contamos com vocês em ! — ele exclamou em meio à gritaria.
O microfone continuou passando de mão em mão e , aproveitando aquela interação entre jogadores e torcedores que a fazia se arrepiar inteira, gravou algumas histórias para o Instagram. Karim a interrompeu ao passar o braço por seus ombros, fazendo-a olhar para o celular que ele levantava com a câmera frontal apontada na direção deles. Ela abriu um sorriso, posando para a foto, e ele começou a rir.
— É uma live, !
— Por que não me avisou? — ela rebateu, beliscando a cintura dele. — Campeones, campeones! Oe, oe, oe! — cantou para a câmera, se unindo ao coro que ecoava pela Plaza de Cibeles.
Despacito começou a tocar enquanto o time percorria a passarela, contornando a fonte. não pôde evitar cantar junto, se movendo no ritmo da música. Viu Marcelo e James fazendo, com os braços, uma coreografia engraçada que lembrava a de Macarena, e se uniu aos dois. Uma rodinha se formou em volta deles e logo desistiu de tentar imitar os passos improvisados para dançar livremente, se deixando levar pelo momento.
Nacho se aproximou com o microfone e o colocou próximo à sua boca.
— Pasito a pasito, suave suavecito. Nos vamos pegando, poquito a poquito — ela cantou antes de sair rindo para perto de .
Ela o abraçou de lado e se aconchegou junto a ele para assistir aos capitães subirem até a escultura da deusa Cibele pela passarela. Ao som de We Are The Champions, do Queen, Sergio e Marcelo colocaram uma bandeira do Real Madrid com as cores da Espanha em volta do pescoço da Deusa e, ao redor da cabeça dela, um cachecol.
— Já acabou? — perguntou, desacreditada, ao ver os jogadores se despedindo da torcida.
— Você já viu que horas são? — rebateu, rindo.
— Mas passou tão rápido!
— Amanhã à tarde tem mais, — Zidane falou, próximo ao casal. — Vamos fazer uma visita à prefeitura.
— Eu preferia ficar aqui até amanhecer, mas tudo bem. Daqui a duas semanas a gente volta. — Ela piscou um olho, fazendo os dois rirem.
não deixou passar a oportunidade de pegar mais um copo de cerveja antes de subir para o segundo andar do ônibus. Se recostou contra o peito de , que a envolveu pela cintura, se unindo à conversa descontraída entre ele, Toni e Jaime.
O caminho de volta foi mais rápido, já que o motorista dirigia em uma velocidade maior do que na ida. Tranquilo, no entanto, não muito. Eles precisavam, volta e meia, se agachar para desviar dos galhos das árvores ao longo da avenida Paseo de la Castellana. teve uma crise de riso quando Álvaro Morata, com os reflexos comprometidos pelo álcool ingerido ao longo da noite, levou uma galhada na testa.
— Pelo jeito, você vai entrar em coma alcoólico se a gente ganhar a Champions também — ela disse, debochada, enquanto descia a escada do ônibus logo atrás dele.
— Não estou tão bêbado assim.
— Tudo bem que você não é muito normal mesmo quando está sóbrio, mas você deu um carrinho no homem! — falou, indignada, se lembrando da cena quase inacreditável de Álvaro derrubando um segurança do Santiago Bernabéu, sem mais nem menos, quando eles chegaram do aeroporto mais cedo.
— Foi engraçado, né? — ele rebateu, prendendo o riso.
— Sua mãe deve ter sofrido quando você era criança — ela respondeu e não pôde evitar soltar uma risada ao sair do ônibus e se deparar, na entrada do estádio, com o mesmo segurança de que comentavam.
Depois de um banho quente e relaxante, encontrou o quarto tomado pela fragrância de pêssego de uma das diversas loções corporais que passava na pele diariamente, antes de dormir. Sinal dela, no entanto, não havia nenhum. Assim que saiu no corredor, pôde ouvir uma música animada ao longe, do tipo das que ela costumava colocar para preencher o silêncio. Ao seguir o som e a única luz acesa no andar térreo da casa, descobriu que estava na cozinha.
— Não vai dormir hoje? — perguntou, vendo-a abrir uma garrafa de cerveja.
— Ainda estou em clima de festa — ela disse, encolhendo os ombros.
— Vou fazer um chá pra te acompanhar. — riu quando a viu fazer uma careta engraçada.
Ele colocou um pouco de água para ferver em uma chaleira elétrica e se encostou na pia, observando . Ela pegou um pacote de amendoins no armário, cantarolando a música que saía do celular que estava sobre o balcão, e despejou o conteúdo em uma vasilha.
A chaleira apitou e, só então, desviou os olhos dela.
— Aquele homem que estava com o Florentino era o presidente do Málaga, né? — ele questionou, despretensioso, derramando a água quente em uma xícara. Em seguida, mergulhou o saquinho de chá.
— O próprio — respondeu, sentando-se em um dos bancos. — Combinamos de ter uma reunião depois da final da Champions, mas não quero pensar nisso agora — acrescentou, fazendo-o entender que deveria mudar de assunto.
Por mais curioso que estivesse a respeito da conversa que ela tivera com Abdullah Al Thani, compartilhava daquele sentimento. Os dois caíram em um momento de silêncio enquanto ele colocava açúcar no chá antes de levar a xícara consigo para o balcão.
— Você tem planos para as férias? — perguntou, se sentando ao lado de .
— Por enquanto, só pretendo passar alguns dias em Marselha. Meu pai vai fazer aniversário e, já que meu avô e o Zizou também fazem em dias próximos, os três decidiram comemorar juntos — ela explicou. — Por quê? Você tá planejando alguma coisa?
— Eu vou participar de um evento de golfe na última semana de junho. Seria legal se você fosse, mas tudo bem se preferir fazer outra coisa...
— Seu jeito de fazer um convite é péssimo. Nem parece que realmente quer minha presença.
acabou rindo junto quando ela soltou uma risada alta.
— Não vou te obrigar a participar de algo que você não gosta — ele se justificou, dando de ombros.
— Eu gosto de você. Não é o suficiente pra querer ir? — rebateu, sorrindo, e deu uma pausa para bebericar a cerveja. — Eu adoraria que você fosse comigo pra Marselha também.
— É claro que eu vou. Já que vamos ter praticamente o mês inteiro livre, acho que dá tempo de fazermos outra viagem, só nós dois. O que acha de Los Angeles?
— Eu amo L.A.!
Os dois continuaram fazendo planos para as primeiras férias que passariam juntos e, ao acabarem com os amendoins e cada um com a sua bebida, decidiram ir para o quarto.
A playlist que revelara ser a que ela costumava colocar para tocar no vestiário, depois das vitórias do time feminino do PSG, ainda soava pela casa. ria, a assistindo fazer uma dancinha divertida ao som de Adrenalina, parceria entre Wisin, Jennifer Lopez e Ricky Martin, enquanto subia a escada logo atrás dela. Seus olhos estavam vidrados nos movimentos que o corpo de fazia. Por mais descontraído que o momento fosse, ele não podia evitar sentir-se seduzido pelo pijama curto de seda que ela vestia.
Quando alcançaram o último degrau, a segurou pelo pulso e a puxou para junto de si. o encarou, surpresa, mas ele a beijou antes que ela dissesse qualquer coisa. A prensou contra a parede do corredor e acariciou um dos seios dela, por cima da blusa de alças finas, fazendo-a soltar um gemido que foi abafado pelo beijo intenso em que os dois estavam envolvidos.
mordiscou o lábio o inferior de , encerrando o beijo, e os dois ficaram se encarando por longos segundos. Seus rostos ainda estavam próximos, fazendo com que as respirações ofegantes de ambos se misturassem.
Um sorriso de canto despontou no rosto de .
— O que foi isso? — ela questionou, deixando um risinho nasal escapar.
— Sei lá, me deu vontade de te beijar.
passou o polegar pelos lábios ligeiramente avermelhados dela, que apenas o deixavam ainda mais sedento por beijá-la. Com uma mistura de determinação e delicadeza, grudou suas bocas mais uma vez e desceu as mãos pelo corpo de , puxando o quadril dela de encontro ao seu.
Um estrondo ecoou pelo corredor, fazendo-os se separarem. Havia sido causado pelo celular de ao cair no chão. Eles se entreolharam com o desejo estampado nos olhos e nenhum dos dois se preocupou com o estado do aparelho, que, agora, tocava Waka Waka.
A troca de olhares foi quebrada por , que enterrou a cabeça na curva do pescoço de , distribuindo beijos molhados pelo local. A sentiu deslizar as mãos por seus braços e, no exato momento em que ele a tocou entre as pernas, ela arranhou levemente sua pele com as unhas. Ele escorregou as mãos até a parte de trás das coxas dela e a ergueu, fazendo-a entrelaçar braços e pernas ao redor de seu corpo.
A voz de Shakira continuou soando pela casa quando os dois foram para o quarto, deixando para trás o celular, que ficaria esquecido no chão do corredor até a manhã seguinte. deitou sobre a cama impecavelmente arrumada e a despiu de uma só vez do short e da calcinha, enquanto ela própria se livrava da blusa. Ele distribuiu beijos ansiosos pela pele macia, que exalava o aroma adocicado de pêssego, e deslizou a língua provocantemente pelas partes internas das coxas, que se contraíam em expectativa.
Os suspiros contidos que escapavam da garganta de o faziam sentir a cueca cada vez mais apertada. Ele não costumava ter pressa, gostava de desfrutar cada segundo dos momentos íntimos que os dois dividiam, mas, por algum motivo, sentia uma necessidade quase incontrolável de estar dentro dela naquele instante.
Quando se afastou com a intenção de se despir, foi mais rápida. Ela escorregou para a ponta da cama e, encarando-o de uma maneira tão intensa que o fez sentir um arrepio correr pelo corpo inteiro, abaixou sua bermuda. fechou os olhos, permitindo que ela estimulasse sua ereção com toques ousados. A cama não demorou a estar toda desarrumada. Eles não pouparam a euforia que levavam consigo desde La Rosaleda até que ela se esvaísse por completo, dando lugar à exaustão.
Algum tempo depois, a música que vinha do corredor finalmente parou de tocar. Em meio ao silêncio, se viu incapaz de manter distantes os pensamentos que haviam se tornado frequentes desde quando soubera que existia a possibilidade de ir para o Málaga na temporada seguinte. Ele sentia o corpo dela aninhado junto ao seu e desejava que aquele momento durasse para sempre. Por mais que soubesse que a distância não precisava ser um obstáculo, aquele seria o primeiro grande desafio do relacionamento deles. Seu maior medo era de que eles não conseguissem superá-lo.
— .
— Hã? — ela murmurou, sonolenta.
considerou a possibilidade de pedi-la em casamento. Naquele exato momento. Ele idealizava um cenário um pouco mais romântico quando pensava sobre o assunto, mas a certeza de que era aquilo que ele desejava o faria abrir mão de um pedido mais pomposo, com anel de noivado e tudo que tivesse direito. No entanto, tinha plena consciência de que não seria justo nem com ela nem consigo mesmo. Seria como colocá-la contra a parede e não era isso que ele queria.
— Eu te amo — foi o que ele disse.
— Eu também te amo — respondeu e, graças ao seu tom de voz, notou que ela sorria.
De uma coisa não podia reclamar: estava sendo incrível viver aquilo tudo ao lado de . Quando finalmente conseguiu pegar no sono, os primeiros raios de sol do dia já despontavam no céu.
24. La Vigesimocuarta
Somos más de once, queremos gritar
Yo te sigo por donde me pidas
Por toda la vida te voy a alentar
Del Estadio Al Cielo - Morat
Fazia uma tarde ensolarada em Madrid, proporcionando o cenário perfeito para o churrasco a céu aberto organizado por Zinédine Zidane em um dos campos de treinamento da Ciudad Real Madrid. Pelo gramado, estavam dispostas mesas com guarda-sol para comportar todos os jogadores e seus convidados, além de um tobogã inflável para entreter as crianças. Era uma espécie de confraternização de final de temporada que, aparentemente, havia se tornado tradição desde o ano anterior.
se assustou quando uma bola passou ao lado de sua cabeça assim que pisou no campo, fazendo-a olhar para e começar a rir.
— Cuidado, Enzo! — Marcelo, da mesa em que estava sentado com sua família, repreendeu o filho.
— Desculpa — o menino disse com uma expressão de culpa e saiu correndo para pegar a bola e voltar a jogar com Cristiano Ronaldo Júnior.
— Deixa ele, Marcelo. — abanou a mão no ar. — Não podemos reprimir o desenvolvimento dos nossos futuros craques — acrescentou, piscando um olho.
— Também acho, mas vou estar ferrado se alguém levar uma bolada.
Ela riu e acenou para Clarice, a esposa dele, antes de puxar pela mão. Os dois fizeram uma parada na mesa que Zinédine e Véronique dividiam com Florentino Pérez para cumprimentá-los, mas foi na direção da que Karim estava, acompanhado por uma mulher de cabelos tingidos de loiro que batiam na altura dos ombros, que seguiram.
— Tem lugar pra gente nessa mesa? — indagou, tirando os óculos escuros.
A bolha em que o mais novo casal se encontrava foi estourada e os dois pares de olhos se voltaram para ela.
— Até que enfim! — Karim falou, se pondo de pé.
— Culpa do , que ficou trocando de roupa um milhão de vezes.
— Minha culpa?
apenas riu da indignação dele, como se não tivesse sido ela quem experimentara pelo menos cinco looks diferentes até se decidir por uma calça jeans de cintura alta e um top cropped florido, e cumprimentou Benzema com um abraço apertado.
— Você já foi melhor em se arrumar rápido — ele debochou.
— Pior que é verdade. Acho que perdi o jeito depois que passei a andar de uniforme o tempo todo — ela rebateu, dando de ombros. — Não vai nos apresentar sua acompanhante?
Karim se voltou para a mulher, que também havia se posto de pé e os observava com curiosidade, e deslizou a mão pelo braço dela até entrelaçar seus dedos de uma maneira carinhosa.
— Susi, essa é a , a amiga francesa de quem te falei.
retribuiu o sorriso simpático que Susana tinha nos lábios e se aproximou para cumprimentá-la com dois beijos no rosto.
— Espero que ele não tenha falado muitas coisas ruins sobre mim — disse, fazendo-a rir.
— Na verdade, ele falou muito bem. — Susana trocou um olhar divertido com Benzema. — Disse que tem você como uma irmã.
— Ah, que bonitinho! — apertou a bochecha do amigo e, em seguida, entrelaçou o braço ao de , puxando-o para mais perto. — Esse é meu namorado, .
Depois que Karim e Susana cumprimentaram também o , os dois casais se sentaram à mesa. não se conteve e logo perguntou sobre o show de estreia da nova turnê de Enrique Iglesias realizado no dia anterior. Karim, ao trocar mensagens com ela pela manhã, apenas falara sobre a after party em que ele e a dançarina começaram, oficialmente, a namorar depois de transarem no banheiro da casa noturna. Quanto a essa parte, ela talvez preferisse ter continuado na ignorância.
— A gente sempre fica com um friozinho na barriga no primeiro show, mas saiu tudo conforme os ensaios — Susi respondeu.
— Eu posso imaginar. Estreias sempre causam um pouco de insegurança. — pegou um copo de Coca Cola com o garçom que se aproximou com uma bandeja de bebidas, enquanto , como de costume, optou por um copo d’água. — Como está a agenda de vocês agora?
— A partir de semana que vem, vamos rodar os Estados Unidos.
— Vai ter show em Los Angeles? Eu e estamos pensando em passar alguns dias lá.
— Se não me engano, temos um show lá na segunda semana da turnê. Posso arranjar ingressos para a área VIP se coincidir com a viagem de vocês.
— Boa sorte, — Karim falou, pondo a mão no ombro dele de forma a confortá-lo. — Parece que você vai passar as férias ouvindo Enrique Iglesias.
— Espero que você vá me visitar também. — Susana sorriu, segurando a mão dele que estava sobre a mesa.
— Boa sorte pra você também. — levantou o copo como que em solidariedade ao francês, fazendo as duas mulheres rirem.
— Bailandoooo — cantou para implicar com o amigo. — O que você pretendia fazer nas férias antes de começar a namorar?
— Combinei de ir pra Miami com a minha galera — Benzema respondeu e ela fez uma careta de reprovação.
— Se eu fosse você, acompanharia a Susi na turnê inteira. Confia em mim, vai ser muito mais divertido.
— Ela sente ciúmes dos meus amigos — ele esclareceu para Susana, debochado.
— Até parece! — retrucou, rolando os olhos. — Você se junta com esses caras pra fazer besteira e depois vem chorar no meu ombro.
— Que besteiras que eu faço? — Karim cruzou os braços.
— Melhor a gente mudar de assunto enquanto é tempo. — Ela riu e tomou um gole do refrigerante. — Como você virou dançarina profissional, Susi?
Susana olhou de um para o outro, rindo, e arrumou o cabelo antes de começar a falar.
— Eu fazia aulas de dança desde criança, até que tive a oportunidade de fazer um teste pra uma turnê da Shakira. A partir daí, não parei mais.
— Qual turnê?
— Oral Fixation.
— É a minha favorita até hoje! — exclamou, empolgada. — Deve ser incrível trabalhar com a Shakira.
— É maravilhoso! A energia que ela transmite é impressionante.
Karim olhou para , que o encarou de volta.
— Meu amigo, acho que nós sobramos — ele disse alto para que as duas escutassem.
— Você acha? Eu tenho certeza — sorriu.
apenas jogou um beijo no ar na direção deles e continuou a fazer um monte de perguntas sobre a carreira de Susana, enquanto os dois optaram por uma conversa paralela. Mas só até Raphaël Varane chegar com sua esposa Camille e Ruben, o filho deles, roubar todas as atenções.
A primeira impressão que tivera de Susi fora de que ela não podia combinar mais com o que Karim buscava naquela fase mais madura em que estava entrando. Apesar de exercer uma profissão que exige exposição, a espanhola parecia bastante discreta, além de uma mulher bem resolvida. Se o relacionamento dos dois seria duradouro, ela não poderia saber, mas desejava que sim. E que as duas pudessem se tornar boas amigas também.
— Ah, meu Deus! Que coisa mais fofa!
já havia perdido as contas de quantas vezes exclamara tal frase, mas não podia evitar. Cada foto da infância de que Deborah lhe mostrava era mais encantadora do que a anterior.
Zizou havia a liberado para viajar um dia antes do restante do time para que ela pudesse assistir à final da Champions League feminina, que seria entre o Paris Saint-Germain e o Olympique Lyonnais. Já que estava em e tinha a tarde livre, ela achara que seria educado fazer uma visita aos sogros. Frank estava no trabalho, mas Deborah a recebera com muita satisfação.
— Essa é Catherine, minha sobrinha — a mãe de falou, apontando para a garotinha que estava com ele e Vicky na fotografia. — Isso foi no aniversário de dois anos dele.
— Eu deveria ter vindo aqui sem o antes. Olha quanta fofura eu estava perdendo!
Um celular tocou sobre a mesa de centro, interrompendo o momento, e Deborah o pegou.
— Falando nele… — ela disse ao ver o nome que estampava a tela.
Só então, se deu conta de que deixara o celular dentro da mochila, que estava junto com o restante de sua bagagem no hall de entrada da casa. Se bem conhecia , ele devia estar impaciente, esperando por notícias.
Depois de trocar algumas palavras com o filho, Debbie lhe estendeu o aparelho.
— Olá, mon amour. — deixou o álbum de fotos de lado. — Eu me distraí conversando com a sua mãe e acabei me esquecendo completamente de te avisar que já tinha chegado.
— Eu percebi.
— Adivinha o que ela está me mostrando — disse, esboçando um sorriso cúmplice para Deborah.
— Fotos de quando eu era criança — respondeu sem pestanejar.
— Como você sabe?
— Eu saí dessa barriga, — ele respondeu, fazendo-a rir. — Pode ver tudo, menos as da minha adolescência, tá?
— Posso saber por quê?
— Não que eu seja o homem mais lindo do mundo hoje em dia, mas eu tento andar na moda, pelo menos. Quando era adolescente, nem isso. Não vamos arriscar que você se desapaixone.
— Para de besteira! — rebateu em meio a risos. — Ainda não vi nada da sua adolescência por aqui.
— Não deve ter muitas, eu odiava tirar foto.
— Você era lindo e continua lindo. Eu sei que só fica dizendo isso para que eu te elogie.
— Não, digo porque eu tenho espelho em casa mesmo — ele retrucou, rindo. — Tenho que ir, o treino já vai começar. Bom jogo e diz para os seus amigos que eu mandei um abraço.
— Pode deixar!
— Ah, eu vou te mandar os contatos do Aaron e do Ben por mensagem, ok?
— Por favor, senão vai ser impossível achá-los no estádio.
continuou vendo fotos antigas da família e conversando com Deborah por um longo tempo, até Vicky mandar uma mensagem dizendo que estava no Elevens e as duas decidirem ir encontrá-la. O bar esportivo que havia aberto em sua cidade natal ficava a três quarteirões da casa dos pais dele, então as duas decidiram ir a pé mesmo.
Foi uma caminhada bastante agradável. pôde conhecer um pouco do bairro onde o namorado crescera, incluindo alguns locais que marcaram sua infância. Como a escola em que, graças ao talento nato para o futebol, ele era obrigado a seguir regras impostas pelo professor de Educação Física para não ser tão injusto com seus colegas de turma. Deborah também mostrou onde ele costumava jogar com os amigos. Na época, não passava de um espaço aberto, mas havia sido transformado em um campo com toda a infraestrutura necessária graças a uma generosa doação que fizera para a prefeitura. Era a primeira vez que tinha uma conversa mais longa e pessoal com a mãe dele, o que a possibilitou descobrir coisas que ninguém mais saberia contar com tanta propriedade.
Finalmente pronto e aberto ao público, o Elevens havia ficado incrível. O local tinha diversas televisões espalhadas por toda parte, cada uma passando um esporte diferente, e a decoração era composta por chuteiras e camisas autografadas por e outros jogadores importantes para a história do futebol, como Pelé e Maradona. Tinha até uma réplica da taça da Champions League, que, evidentemente, era o título mais especial conquistado pelo até então. não pôde deixar de imaginar como o bar, que não estava muito movimentado naquele momento, ficaria em dois dias.
Vicky ocupava uma das mesas mais afastadas e, para a surpresa tanto de quanto de Deborah, estava acompanhada por Emma e um desconhecido.
— Que bom te ver por aqui, ! — a irmã mais velha de se levantou para cumprimentá-la com um abraço.
— Nós vamos indo — Emma anunciou, se pondo de pé assim como o homem que estava sentado ao lado dela.
— Vocês não precisam ir embora se for por minha causa — disse, sincera. — Eu nem posso demorar muito. Ainda tenho que passar no hotel para deixar minhas coisas antes de ir para o estádio.
— Na verdade, já estávamos de saída mesmo — ela esclareceu, esboçando um sorriso sem graça. — Obrigada pelos ingressos, Vicky.
Só então, notou que Emma tinha dois bilhetes da final da Champions League em mãos. Esperou os dois se despedirem de Vicky e Deborah e apenas mostrou um sorriso antes de observá-los, para a sua surpresa, se retirarem do bar de mãos dadas.
— Vou aproveitar que estou aqui para ver com o Charles, nosso gerente, como as coisas estão indo nesses primeiros dias de funcionamento — Debbie comunicou. — Fique à vontade para provar o que quiser do menu, .
Em seguida, ela se afastou em direção aos fundos do estabelecimento.
— Me desculpe por isso — Vicky disse com um sorriso culpado, convidando a se sentar. — Se eu imaginasse que você viria nos visitar hoje, tinha combinado com a Emma mais tarde.
— Não tem por que se desculpar. Admito que só fiquei um pouco surpresa porque não sabia que a Emma estava com alguém.
— Isso é novidade pra mim também, fiquei sabendo hoje. Mas vamos falar do que realmente interessa. — Ela juntou as palmas das mãos, abrindo um sorriso animado que, por meio segundo, fez pensar que era quem estava em sua frente. — Ansiosa para o grande dia?
— Você nem imagina o quanto! Depois da semifinal, parece que as semanas duraram uma eternidade.
— Já peço desculpas por abusar do meu privilégio de ser cunhada da assistente técnica, mas preciso saber… Meu irmão vai jogar? — Vicky perguntou, fazendo-a rir.
— Não de início, já que tem apenas uma semana que voltou a treinar. Vai depender do andamento do jogo, mas meu tio sabe como essa final é importante pra ele e pretende deixá-lo entrar em campo nem que seja nos minutos finais.
— Você não sabe como é bom ouvir isso. — Ela soltou um suspiro aliviado e sorriu. — Quer comer ou beber alguma coisa?
deu uma olhada rápida no menu que estava sobre a mesa e pediu uma porção de batatas fritas para as duas dividirem enquanto conversavam. Apesar de muito curiosa, não pediu mais detalhes sobre o namoro de Emma. O importante era saber que ela estava seguindo em frente. Imaginava que a novidade faria muito bem a também.
Ainda bem nova, havia aprendido que não deveria largar todas as suas expectativas nos ombros de outra pessoa, nem deixar que acontecesse o contrário. Não parecia muito justo, ter que suportar o fardo de ser responsável por fazer alguém feliz. Ela desejava, genuinamente, que Emma fosse capaz de encontrar a própria felicidade sem depender de mais ninguém para isso.
— Eu espero que esse silêncio não seja sinal de nervosismo — disse ao adentrar o vestiário do Paris Saint-Germain no City Stadium.
Um sorriso divertido surgiu em seus lábios quando as jogadoras reagiram com exclamações de surpresa. Primeiramente, ela cumprimentou Patrice Lair, o treinador que a substituiu depois de sua saída do time, e a comissão técnica dele. Não deixou de se desculpar pela invasão antes de um jogo tão importante, mesmo que estivesse acompanhada pelo presidente do clube. No entanto, foi impossível manter a compostura enquanto circulava pelo vestiário, abraçando as jogadoras uma a uma. Em meio a alguns rostos novos que a encaravam com curiosidade, a maioria delas parecia bastante contente com a visita inesperada. Seria impossível não ser tão querida depois dos três anos tão intensos em que todas haviam trabalhado arduamente, fazendo o time feminino do PSG começar a se destacar a nível não apenas francês, mas europeu também.
— Prometo que não vou atrapalhar mais do que já atrapalhei, mas quero que saibam que eu fiz questão de vir prestigiar vocês hoje porque estou muito orgulhosa — ela disse, com todas as atenções voltadas para si, e esboçou um sorriso encorajador. — E espero que vocês estejam também. Independente do resultado do jogo de hoje, não foi fácil chegar aqui e isso já é motivo de comemoração. Vocês com certeza estão muito bem lideradas — acrescentou, indicando Patrice —, então entrem naquele campo e se divirtam.
saiu do vestiário um pouco emocionada, pois foi inevitável não se lembrar do seu início no PSG. Não tinha muitas experiências além de alguns estágios que tivera que cumprir ao longo do curso de Treinamento Tático e Técnico de Futebol, mas a vontade de colocar todo seu conhecimento em prática era enorme. Ela admitia que achava loucura Nasser Al-Khelaifi apostar em uma treinadora tão novata, apesar do currículo incrível composto pela Escuela Universitaria Real Madrid e diversos cursos que a capacitavam a liderar equipes. O presidente do clube parisiense dizia que era exatamente de alguém como ela que eles precisavam, que trouxesse frescor e ambição para o projeto que ele tinha em mente. No entanto, jamais esqueceria dos olhares desconfiados que recebera ao adentrar o vestiário no primeiro dia de treino. Ela não culpava as jogadoras, que, em sua maioria, tinham a mesma idade que a sua ou eram mais velhas. Provavelmente teria a mesma reação se descobrisse que seria treinada por alguém de quem não conhecia nada além do sobrenome mundialmente famoso.
Tal contexto não demorou a mudar, é claro, conforme teve a oportunidade de mostrar que não estava para brincadeira e cada um dos objetivos foram sendo alcançados. Depois da dura eliminação nas semifinais na temporada anterior, chegar à final da Champions League seria o próximo, se ela não houvesse tido a oportunidade de ir para o Real Madrid em busca de outros desafios. Era impossível se manter alheia àquilo tudo.
não se demorou a subir para a arquibancada dos camarotes, mas ainda não havia nem sinal de seus amigos e dos de . Checou o celular e encontrou uma mensagem que Aaron havia acabado de mandar para avisar que ele e Benjamin estavam a caminho. Entretanto, quando foi enviar um áudio para Margot, perguntando pelo paradeiro dela e dos outros, parou no meio da ação ao notar a aproximação de alguém.
Levantou os olhos e imediatamente reconheceu o homem que estava em pé, a encarando com um sorriso nos lábios. Era Matt Pokora, o cantor francês com quem vivera um romance passageiro no ano anterior, durante a Eurocopa na França.
— Bem que eu imaginei que fosse te encontrar por aqui.
ficou o observando por alguns segundos, desacreditada demais para dizer qualquer coisa.
— O que você está fazendo aqui? — ela soltou a primeira coisa que veio à sua cabeça quando se deu conta de que o silêncio estava começando a ficar longo demais.
— Acho que o mesmo que você.
relaxou a postura quando escutou a risada dele, notando que soara um pouco rude.
— Desde quando você gosta de futebol feminino? — questionou, convidando-o a se sentar no assento vago ao seu lado.
— Desde o dia em que você me deu uma aula sobre por que devemos prestigiar também as mulheres que trabalham com futebol.
— Pensei que não tivesse dado a mínima importância para as coisas que conversamos — disse, sincera, sem se preocupar em disfarçar a admiração. Mais uma vez, Matt riu.
— Você estava errada — ele garantiu com um ar divertido. — Como você está, ?
— Bem, e você?
Enquanto encarava o par de olhos que a fitava de uma maneira analítica e até mesmo um pouco invasiva, suas mãos, inquietas, brincavam com o celular.
— Eu posso me sentar em outro lugar se estiver te atrapalhando.
— Não precisa. Só estou um pouco surpresa de te ver por aqui. — Ela cruzou as pernas e olhou para o campo, onde os times do PSG e do Lyon já haviam dado início ao aquecimento. — Você não era torcedor do Olympique de Marseille?
— Sou, mas eu não perderia uma final francesa da Champions. Vim assistir à masculina também.
— Então quer dizer que você gosta mesmo de futebol…
— Pelo visto, foi você quem não levou nossas conversas muito a sério.
preferiu não dizer nada, mas o risinho que soltou deixou claro que ele tinha razão. Matt não parecia ofendido ou chateado, muito pelo contrário. Sua postura leve e divertida se manteve intacta. Só por isso, ela não se sentiu mal por talvez ter deixado subentendido que pensava que as conversas deles haviam tido o único propósito de levá-los para a cama.
— Você veio sozinho? — perguntou para impedir que um silêncio constrangedor tivesse a chance de se instalar.
— Hoje, sim. Alguns amigos meus vêm só para a outra final.
— Machistas — ela cantarolou, fazendo-o rir. — Meus amigos estão chegando, você pode ficar com a gente se quiser.
— Aquela galera da Euro?
— Eles e mais dois daqui de .
— Por mim, está ótimo. — Matt deu de ombros e, parecendo bastante à vontade, se recostou no cadeira confortavelmente.
Quando seus amigos finalmente chegaram, ficaram bastante surpresos ao encontrá-lo ali, mas os cinco o cumprimentaram como se o cantor fizesse parte do grupo. De certa maneira, havia pertencido ao longo das quatro semanas que estivera com ele. Apesar disso, na primeira oportunidade que teve, Margot chamou ela e Fifi para irem ao banheiro.
— O que o Pokora está fazendo aqui? — ela perguntou assim que estavam longe o suficiente para que nenhum dos homens a escutasse.
— Veio assistir aos jogos — respondeu, dando de ombros. — Eu também tomei um susto quando ele surgiu, do nada, na minha frente.
— Por um momento, pensei que tivesse acontecido alguma coisa entre você e .
— E você acha que eu o chamaria pra me consolar?
— Eu faria exatamente isso se tivesse o Pokora nos contatos do meu celular.
encarou Margot, desacreditada, e se voltou para a outra amiga.
— Fifi, como é ser a única sensata desse trio? — perguntou, fazendo-a rir.
As três não foram realmente ao banheiro, mas ficaram alguns minutos conversando no camarote que alugara para a partida.
— Eu nunca fiquei com um cara que tenha saído com alguma de vocês duas antes, mas tudo pode ter uma primeira vez, né? — Margot perguntou, esboçando um sorrisinho malicioso.
— Vai fundo — respondeu, dando de ombros.
— Vai dizer que não deu nem uma vontadezinha?
— Tá vendo isso aqui? — ela perguntou, mostrando a tela do celular rachada para as amigas.
— Como você fez isso? — Fifi perguntou.
— Deixei ele cair no chão no meio de um amasso com meu namorado outro dia. Acho que não preciso dizer mais nada, né?
deu o assunto como encerrado e Margot e Fifi, rindo, a seguiram de volta para a arquibancada.
No caminho, elas encontraram Aaron e Benjamin perdidos, procurando por . Ela os apresentou para todo mundo e os dois não demoraram a se sentirem completamente à vontade em meio ao grupo, que passou a falar em inglês para incluí-los nas conversas.
Aquele clima amistoso fez esquecer o frio na barriga que sentia anteriormente, mas apenas até a bola rolar. O domínio foi do PSG no início da partida, mas o Lyon reverteu o cenário aos poucos. A segunda parte foi mais equilibrada, o que fez com que o tempo regulamentar acabasse sem que o placar fosse aberto. O cansaço falou mais alto na prorrogação e, para o desespero de , o jogo foi levado para os pênaltis. Estar do lado de fora, sem poder fazer nada para ajudar, a deixava com os nervos à flor da pele.
As cobranças das penalidades chegaram às goleiras com o placar empatado em seis a seis. A polonesa Katarzyna Kiedrzynek, do Paris Saint-Germain, chutou a bola para fora, e foi a francesa Sarah Bouhaddi que decidiu a partida ao converter o último pênalti em gol, dando a vitória para o Lyon.
Por mais que soubesse que uma partida de futebol decidida nos pênaltis fosse uma loteria, não pôde evitar sentir-se decepcionada. Era ainda mais frustrante chegar tão perto, jogando tão bem quanto o rival, e ter que se contentar com o segundo lugar. Pensou em descer até o vestiário novamente para consolar as jogadoras, mas achou melhor apenas mandar uma mensagem para as que mantinham contato com ela pelas redes sociais.
Depois da entrega das medalhas e do Lyon levantar a taça pelo segundo ano consecutivo, Matt Pokora os convidou para irem ao hotel em que ele estava hospedado e ninguém pensou duas vezes antes de aceitar. Muito menos , que não queria ficar sozinha no hotel que o Real Madrid havia reservado para a estadia em . Ainda era cedo, então o grupo acabou com a calmaria do bar quase vazio ao chegar.
, assim como toda a mesa, tinha sua atenção totalmente focada em Matt Pokora enquanto bebia seu terceiro ou quarto drinque. Seus pensamentos estavam um pouco embaralhados. Ela não prestava atenção em nada do que o cantor dizia, mas pensava em quão impressionante era que ele fosse o centro das atenções sem precisar fazer o mínimo esforço. Apesar de ter ficado muito famoso em toda a França depois de integrar uma boyband formada em um programa de televisão quando era apenas um garoto, ele tratava todo mundo com muita simpatia. Era um cara bonito, com um corpo legal, cheio de tatuagens e muito carismático.
E ela se sentia enojada de si mesma por enumerar mentalmente o que achava atrativo nele enquanto estava em casa, cansado depois de um dia de treino e, provavelmente, esperando que ela desse notícia. Desde que estava oficialmente com o , era a primeira vez que sentia atração por outro homem. Não sabia quão errado era isso, mas começou a questionar tão intensamente seu próprio caráter que precisou pedir licença e se afastar do grupo por alguns minutos.
Ela caminhou pelo hotel luxuoso, admirando o ambiente ao mesmo tempo que buscava por um local tranquilo em que pudesse falar com o namorado. Foi atraída para um salão ao lado da recepção que possuía uma parede de vidro que mostrava a Baía de . Antes que pudesse se dar conta, estava com o celular grudado ao ouvido, sentindo toda e qualquer incerteza se dissipar completamente ao escutar a voz do namorado enquanto admirava a paisagem.
— Oi, mon amour. Viu o jogo?
— Só consegui ver algumas partes, mas que pena que não deu para o PSG ganhar. Foi bem equilibrado, né?
— Muito. Isso torna a derrota ainda mais frustrante. — soltou um longo suspiro.
— Infelizmente, faz parte — lamentou. — Ainda está com o pessoal?
— Sim, eles quiseram sair para beber.
— Eu aposto que a ideia foi do Ben ou do Aaron.
— Meu bem, a ideia poderia ter partido de qualquer um dos meus amigos também. Inclusive, de mim — ela disse em meio a risos. — E você?
— Vendo um filme qualquer na TV enquanto crio coragem de ir para aquela cama que parece grande demais sem você.
— Não fala isso que eu fico com vontade de pegar o primeiro voo pra Madrid.
— Eu não reclamaria. — sorriu ao escutá-lo soltar um risinho. — Acho melhor a gente desligar. Não quero ficar te ocupando.
— Mas fui eu que liguei!
— Eu sei, mas depois o Ben e o Aaron vão ficar me zoando por não te deixar socializar — ele explicou, fazendo-a rir.
— Eles provavelmente estão bêbados demais pra sentirem minha falta.
A conversa durou mais alguns minutos, até desligar o celular com o sorriso que apenas era capaz de colocar em seus lábios.
— Pensei que tivesse fugido.
Ela olhou para o lado e encontrou Matt Pokora encarando-a com um olhar divertido.
— Que motivo eu teria pra fugir?
— Você que tem que me dizer.
— Só vim dar uma volta — ela respondeu, dando de ombros. — A vista daqui é linda, né?
— Isso porque você não viu a do meu quarto.
Alguns segundos de um silêncio um tanto constrangedor se seguiram, até a risada de Matt fazer o clima voltar a ficar leve.
— Eu juro que isso não foi uma cantada. É que eu estou no último andar.
— Sei — murmurou com um sorriso contido.
— Confesso que fiquei esperando pela sua ligação, mas eu entendi o recado.
Em um primeiro momento, não soube o que responder. Não tinha como dizer que, para ela, aquela aventura que envolvia ficar com o cara que estampava as revistas teen de sua adolescência havia acabado quando a Seleção Portuguesa derrotara a Francesa na final da Eurocopa. Para ser honesta, nem pensava que Matt tivesse pedido para que ela ligasse para ele quando retornasse à França depois das férias por nenhum motivo além de ser educado.
— Minha vida virou de pernas para o ar depois da Euro — foi o que ela, por fim, respondeu.
— Eu fiquei muito feliz por você. Achei genial o Zidane te chamar pra ser auxiliar dele — ele disse, soando bastante sincero. — Você tá namorando agora, né? Vi, no seu Instagram, algumas fotos com o .
— Pois é, não foi só na parte profissional que minha vida sofreu mudanças — respondeu, rindo levemente.
— É realmente uma pena, porque eu gostaria muito de repetir o que rolou entre a gente — Matt falou com tanta naturalidade que ela não se surpreendeu, apenas rolou os olhos com um sorriso nos lábios. — Mas eu me contento com uma conversa sobre a sua primeira temporada no Real Madrid — acrescentou, piscando um olho, e a convidou a se sentar em um banco.
Ainda estavam na véspera, mas o clima da grande final da temporada já dominava a Ciudad Real Madrid naquela manhã. Era a terceira vez que passava por aquilo, mas o frio na barriga era exatamente o mesmo que sentira na primeira.
Garotos das categorias de base do clube haviam formado um corredor para se despedirem do time principal em frente à residência dos jogadores, que, em seus ternos Hugo Boss, cumprimentavam a todos com um high five antes de subirem no ônibus. estava muito concentrado. Assim que se acomodou no assento, pegou o celular e conectou os fones de ouvidos para ouvir música no caminho para o aeroporto. Não teve muito tempo de sossego, no entanto, pois, assim que o ônibus saiu, o aparelho vibrou em sua mão.
Ele riu ao ler a nova mensagem do grupo que tinha com seus dois melhores amigos de longa data, imaginando que Aaron se referia a Margot.
Não foi nem um pouco surpreendente saber daquilo. Não apenas a vida amorosa de Aaron, mas a de Ben também era tão agitada que nem conseguia acompanhá-las. Os dois não eram como ele, que preferia ter um relacionamento estável em vez de vários casinhos.
não pôde evitar rir da mensagem que Benjamin mandou ao entrar na conversa, sabendo que era bem capaz de ele ter se interessado por Margot também.
Ao ler aquele nome que, para ele, era novidade, não entendeu nada. Não tinha ideia de que algum amigo de além dos que já conhecia estava em também. Antes que pudesse tirar a dúvida, mais uma mensagem entrou no grupo, deixando-o ainda mais confuso.
não se conteve e jogou aquele nome de que nunca escutara falar na ferramenta de busca do celular. “Matthieu Tota, popularmente conhecido como Matt Pokora ou apenas M. Pokora (Estrasburgo, 26 de Setembro de 1985) é um cantor, compositor e produtor francês de ascendência polonesa”, era o que dizia o artigo da Wikipédia.
Outro dos primeiros resultados da pesquisa era uma notícia publicada meia hora antes em um site francês. abriu a página e usou a tradução automática do navegador para descobrir o que ela dizia. Era sobre o cantor ter estado na final da Champions League feminina. Tinha, inclusive, uma foto dele conversando com na arquibancada para ilustrar, mas o que realmente o pegou de surpresa foi o trecho que dizia que os dois tinham tido um affair durante a Eurocopa do ano anterior.
Não se surpreendeu com o fato de ter saído com ele. Afinal, ela sempre fora bastante honesta sobre ter tido diversos relacionamentos casuais e isso estava longe de ser um problema. O que ele não entendia era por que ela, apesar de ter tido oportunidade, não havia citado aquele nome em momento algum.
aproveitou a manhã livre para dormir até mais tarde. Depois de tomar uma ducha, pediu um café da manhã reforçado e só foi pôr os pés para fora do quarto quando o relógio marcou 13h. No saguão do hotel, ficou observando a confusão do lado de fora pelas paredes de vidro enquanto batia um papo agradável com uma recepcionista muito simpática.
A algazarra feita pelos torcedores que lotavam a rua cresceu ainda mais quando o ônibus do Real Madrid parou em frente ao Mercure Hotel. Zinédine Zidane foi o primeiro a passar pela porta, puxando uma mala de rodinhas, e sorriu ao ver .
— Quero todo mundo no restaurante daqui a uma hora. Em duas, vamos para o estádio — ele disse antes de beijá-la na bochecha.
— Estou ótima, tio. Obrigada por perguntar — ela rebateu, debochada, fazendo-o rir.
— A gente conversa melhor daqui a pouco. — Ele piscou um olho e se afastou.
Um a um, os jogadores adentravam o prédio e paravam para cumprimentar antes de irem ao balcão pegar o cartão do quarto.
— Que carinha de ressaca, hein? — Karim falou com um sorriso divertido e a abraçou rapidamente. — Bebeu muito ontem?
— Mais do que eu pretendia.
— Acho que não foi pra isso que o Zizou te deu um dia de folga.
colocou o indicador nos lábios, como que pedindo para ele guardar segredo.
— Cadê meu namorado?
— Tá vindo aí, mas é melhor ter paciência — ele respondeu, parando atrás de Nacho na pequena fila que havia se formado no balcão. — Desde que a gente pousou, o teve que parar a cada dois metros pra tirar fotos com torcedores.
Karim tinha razão, pois levou alguns minutos para , finalmente, aparecer. O sorriso que estampava o rosto dele era tão genuíno que ela não pôde evitar sorrir junto. Fazia algumas semanas que não o via tão alegre e leve como ele aparentava se sentir apenas por estar cercado por sua gente.
— Estou um pouco preocupada. Será que o príncipe de vai ter um tempinho pra mim nesses dois dias? — perguntou espirituosamente, fazendo-o rir levemente antes de depositar um beijo rápido e estalado em seus lábios. — Vou te esperar ali perto do elevador.
Ela parou em frente a uma parede espelhada para checar sua aparência, que, de fato, não era das melhores. Ajeitou somente o cabelo solto e ainda um pouco úmido, pois, quanto às olheiras, não poderia fazer nada. Pelo reflexo, viu Toni Kroos se aproximar.
— O único jeito de melhorar isso aí é nascer de novo.
— Não é o que o acha. — piscou um olho e se virou para cumprimentá-lo com um abraço.
— Fazer o que se o amor é cego?
— A Jess é a prova viva disso, né?
— Por favor, . Olha esses olhos azuis — Toni disse, indignado, indicando o próprio rosto com a mão que não segurava a mala.
— Já vi melhores — ela rebateu com desdém. Em seguida, apontou para ao vê-lo se aproximar. — Os do meu namorado, por exemplo.
— Eu não vou ficar aqui discutindo sobre olhos com alguém que já ficou com o Özil — o alemão falou, adentrando o elevador quando as portas se abriram.
— Você é muito ridículo, Kroos! — riu e olhou para a tempo de vê-lo balançar a cabeça negativamente, já acostumado com as bobeiras dos dois.
O trio subiu até um dos andares que foram inteiramente reservados para o Real Madrid e cruzou o corredor enquanto os dois jogadores buscavam pelos números de seus quartos.
— Isso é tipo um fetiche seu, ? — Toni perguntou subitamente.
— Tenho alguns, mas de qual você está falando? — ela retrucou em um tom divertido. Sabia que viria mais zoação pela frente.
— O Mesut tem olhos grandes. Já o , orelhas… — ele disse, fazendo-a gargalhar.
— Tem outra coisa dele que é grande também.
— Ah, não! — Ele fez uma careta de nojo.
— Estou apenas sendo justa — ela disse ainda em meio a risos.
— Eu não sei se vocês lembram, mas ainda estou aqui. — riu levemente e parou em frente a uma das portas, já inserindo o cartão na fechadura eletrônica.
— Eu vou te ignorar, . Você não sabe brincar — Toni disse, abrindo a porta ao lado.
jogou um beijo no ar para o alemão e adentrou o quarto quando deu espaço para que ela entrasse primeiro. Familiarizada com as acomodações que eram idênticas às suas, foi até a janela e afastou a cortina para olhar a rua lá embaixo. A movimentação ainda era intensa, pois os torcedores aguardavam pelo momento em que o time do Real Madrid passaria por ali mais uma vez.
Ela se voltou para dentro do cômodo novamente e viu deixar o paletó sobre uma das duas poltronas que decoravam o ambiente.
— Fiquei sabendo sobre o Aaron e a Margot — ele comentou, afrouxando o nó da gravata. — Ele veio me cobrar por nunca ter falado dela.
— Sério? — riu. — Confesso que já tinha passado pela minha cabeça apresentá-la para ele ou para o Ben, mas não quis forçar a barra. Nem conheço eles dois direito.
— Acha que tem futuro?
— Conhecendo a Margot, eu diria pra ele não ter muita esperança — ela disse, sincera, e foi se sentar na ponta da cama. — Mas eles se deram muito bem, então, quem sabe?
— Não sei se eu quero que eles fiquem juntos — falou enquanto desabotoava a camisa. — Eu quero ser o único a ter uma namorada francesa.
jogou a cabeça para trás, rindo.
— Você vai continuar tendo exclusividade, porque a sua namorada é francesa de origem argelina — acrescentou, piscando um olho.
Enquanto o observava terminar de se despir, alguns segundos de silêncio se seguiram.
— Minha mãe disse que o Elevens ficou lotado de franceses depois do jogo — falou, ajeitando as peças do terno Hugo Boss sobre a poltrona com cuidado, mesmo que funcionários do hotel fossem pegá-las mais tarde para devolvê-las devidamente passadas no dia seguinte. — Pensei que fosse levar o pessoal lá.
— Deveríamos ter ido mesmo, mas vou falar pra eles irem depois do treino — ela disse, dando de ombros. — Falando nisso, ficou tudo tão lindo! Pena que não vai dar tempo de você ver pessoalmente.
— Só vou conseguir fazer uma visita nas férias, mas tudo bem — ele respondeu, abrindo a mala no chão para pegar o uniforme de treinamento. — Como meus pais estão acompanhando tudo de perto, eu fico tranquilo.
— Emma estava no bar ontem de tarde, quando eu fui com a sua mãe. Vicky a chamou para entregar os ingressos.
a encarou, ligeiramente surpreso, enquanto vestia a calça.
— Eu pedi para ela separar um par de entradas para Emma e Nancy — esclareceu. — Achei que seria educado, já que elas estão entre as pessoas que acompanharam minha carreira desde o início e me apoiaram.
— Justo. — deu de ombros. — Eu só acho que existe a possibilidade de que a Nancy não seja a acompanhante dela.
— Como assim?
— Aparentemente, Emma está saindo com um cara. Ele estava no Elevens com ela.
— Ela tem um primo que é muito próximo. Será que não era ele?
— A Vicky confirmou.
Ela observou atentamente , pensativo, desviar os olhos para a camisa que segurava antes de vesti-la.
— Por essa eu não esperava — ele reconheceu algum tempo de silêncio depois.
— Que bom que ela realmente está seguindo em frente, né?
— Ótimo, na verdade — falou, sincero. — Fico até aliviado.
— Eu imagino. — esboçou um sorriso e, em seguida, jogou o corpo para trás, se deitando na cama. — Vem ficar aqui comigo um pouquinho.
— Zizou vai cortar as nossas cabeças se a gente perder a hora — respondeu, fazendo-a rir levemente.
— Coloca o alarme do seu celular pra tocar. Eu faria isso, mas deixei o meu no quarto, carregando.
De olhos cerrados, o escutou se movimentar pelo quarto até sentir o colchão afundar quando ele se sentou. Encarou os olhos azuis que a observavam e não pôde conter um sorriso.
— Eu quero um beijo de verdade — disse, voltando a fechar os olhos.
Um, dois, três, quatro, cinco foram os segundos que contou mentalmente até sentir o corpo de sobre o seu. Os lábios dele não demoraram a beijá-la com calma, fazendo-a desejar ficar ali para sempre.
No entanto, o tempo passou num piscar de olhos. A equipe quase inteira já estava reunida no restaurante quando eles desceram. foi se sentar na mesa comprida que ocupava o centro do salão, a dos jogadores, e se juntou à comissão técnica para ouvir as últimas orientações que Zidane tinha para ela antes do treino de reconhecimento de campo.
tateou cada um dos bolsos da mochila e bufou, frustrada, por não encontrar nada que pudesse usar para prender o cabelo. Contornou a rodinha de jogadores que, ao som de uma playlist de reggaetón, brincavam com uma bola no centro do vestiário e foi para a área de fisioterapia.
— Mon amour, tem um elástico de cabelo extra aí? — perguntou ao se aproximar da maca em que Jaime alongava os músculos de .
Ele mostrou o elástico que, por precaução, costumava levar enrolado em volta do polegar como se fosse um anel, mas, em seguida, puxou a mão para impedir de pegá-lo.
— Nada nessa vida é de graça — ele disse espirituosamente.
— É melhor a gente acertar a conta depois, em respeito ao Jaime — ela rebateu, piscando um olho.
— Agradeço pela consideração — o fisioterapeuta falou, concentrado na manobra de alongamento que realizava na perna esquerda do .
Quando finalmente lhe entregou o elástico de cabelo, juntou os fios de cabelo e os prendeu em um rabo de cavalo alto.
— Merci.
— Mais tarde a gente conversa — ele rebateu com um sorriso de canto.
— Pessoal, vamos começar o treino em dez minutos — avisou em um volume de voz alto para que todos os jogadores que estavam se alongando com a equipe de fisioterapia escutassem e, em seguida, retornou para o outro ambiente do vestiário. — Meninos, dez minutos! — acrescentou para os que estavam ali antes de se dirigir para o campo.
O movimento era intenso no Millennium Stadium naquele início de noite. Não fazia muito tempo que a Juventus havia ido embora do estádio e, enquanto Zinédine Zidane e os capitães Sergio Ramos e Marcelo participavam da última coletiva de imprensa, o staff do Real Madrid preparava o campo para o treino que aconteceria sob os olhares atentos de fotógrafos e jornalistas do mundo todo. A arquibancada mais próxima ao túnel de vestiários estava ocupada por familiares e amigos do time, algo que achou excelente até ter sua conversa com os preparadores físicos interrompida diversas vezes pelas gozações de seus amigos. O estádio que era, principalmente, utilizado pela Seleção de rugby, tinha a maioria de seus setores vazios e o teto retrátil fechado, o que fazia os gritos de Rémy irem longe.
Ela observava as arquibancadas, imaginando como seria vê-las lotadas no dia seguinte, quando notou a aproximação de alguém. Era um dos integrantes da equipe de produção do documentário que o Real Madrid lançaria caso conquistasse o décimo segundo título europeu, como vinha sendo feito desde o décimo.
— O que você espera dessa final, ? — o homem que ela não sabia como se chamava questionou, segurando uma câmera voltada em sua direção.
— Que seja uma grande partida — ela respondeu, dando de ombros. — Pra isso, temos que entrar em campo orgulhosos por termos chegado até aqui, mas com humildade, porque ainda não ganhamos nada. Se tiver que ser, a vitória é consequência.
— Seus pais devem estar muito orgulhosos de você, né?
— Eu espero que sim. — riu levemente.
Foi a resposta mais honesta que pôde dar, já que Nourredine e Sylvie, aparentemente, estavam ocupados demais para mandar uma mensagem. Não que esperasse algo diferente, mesmo que os dois tivessem demonstrado apoiar sua carreira depois da partida em que ela havia substituído Zizou.
Zidane chegou ao campo pouco depois e ficou batendo papo com ex-jogadores do Real Madrid, como Roberto Carlos, Raúl, Míchel Salgado, Luís Figo, dentre outros, que estavam presentes devido a uma ação de marketing da UEFA. Aos poucos, os jogadores foram surgindo e, com o time reunido, o treino começou.
De início, como de costume, foram formados dois círculos para a realização dos rondos. ficou responsável por supervisionar o grupo que, em sua maioria, era composto por espanhóis, enquanto David se ocupou com o dos estrangeiros. O clima era de descontração em ambos. A bola passava de pé em pé enquanto os dois jogadores do centro tentavam roubá-la em meio a muitas canetas e risadas. Nem parecia que eles estavam a vinte e quatro horas da partida mais importante da temporada.
Depois da realização de alguns exercícios de velocidade sob o comando dos preparadores físicos, distribuiu coletes para metade do time e Zizou apitou uma partida em apenas uma das duas partes do campo. A cada cinco minutos, ele fazia uma troca de jogadores entre as duas equipes apenas para confundir os curiosos. A verdade era que o time titular que enfrentaria a Juventus, assim como o esquema tático, já estava decidido desde o último treino fechado em Madrid.
Os jogadores praticaram cruzamentos e finalizações para encerrar os trabalhos do dia e, então, foram liberados para passar algum tempo com seus familiares antes de retornarem ao hotel.
— , eu sou seu fã — Florian disse quando se aproximou da placa de publicidade para dar um pouco de atenção aos amigos, que ocupavam a primeira fileira da arquibancada. — É impressionante te ver mandando e desmandando em um monte de homens.
— Você só tá dizendo isso porque não jogava futebol com ela. Aqui, ela ainda respeita a autoridade do Zizou. No nosso time, queria mandar mais do que o técnico — Rémy falou, fazendo-a rir.
— A culpa não era minha se vocês não sabiam jogar em equipe. Alguém tinha que colocar ordem naquela bagunça — ela se defendeu.
— Eu te perdoo se você me apresentar para o Karembeu — ele disse, indicando o ex-jogador do Real Madrid e da Seleção Francesa, que estava junto às outras lendas do futebol.
— Não tenho intimidade com ele. Serve o Kroos? — questionou, rindo, ao ver o alemão com Jessica e os filhos a poucos metros de distância.
Sem se importar com a resposta de Rémy, ela chamou por Toni, convidando-o a se aproximar.
— Esses são meus amigos da escola — disse antes de apresentar cada um dos cinco a ele.
Toni Kroos rapidamente se tornou o centro das atenções de Jérémy, Florian e, principalmente, Rémy. Até mesmo Fifi e Margot, que não gostavam de futebol tanto quanto e os rapazes, quiseram tirar uma foto com o jogador que era um dos maiores craques do momento.
— E aí, pessoal? — Karim chegou, os cumprimentando com simpatia e dando a deixa para Kroos se despedir e retornar para junto de sua família.
pôde ouvir Rémy pedindo para que Benzema o apresentasse para Christian Karembeu, mas acabou por não prestar atenção na resposta quando viu, de longe, conversando com os pais, a irmã e o cunhado e se distraiu com a cena. Cogitou ir até eles, mas, como já havia os cumprimentado mais cedo, preferiu não atrapalhar o último momento que o namorado teria com seus familiares antes da final tão sonhada.
Passava das 21h quando a equipe voltou para o hotel. Depois do jantar, o grupo se dispersou. Alguns permaneceram no restaurante, jogando conversa fora, enquanto outros, assim como , optaram por se recolher em seus respectivos quartos e descansar para o dia longo que teriam.
Ela havia acabado de tomar um banho relaxante, buscando pensar em qualquer coisa que não fosse a partida do dia seguinte, quando saiu do banheiro com a toalha na cabeça e vestida com o pijama que, na verdade, era formado por um short confortável qualquer e um top. Enquanto pegava o secador de cabelo dentro da mala, pôde distinguir uma batida na porta em meio ao som da televisão, que passava a reprise de um jogo de rugby. Não se surpreendeu quando encontrou parado no corredor.
— A que devo a honra da sua visita? — questionou em um tom divertido, dando espaço para ele entrar no quarto.
— Vim te fazer uma proposta.
o encarou, desconfiada, e saiu pelo quarto procurando por uma tomada.
— Então faça. Sou toda ouvidos.
— Lembra que você disse que realizaria um desejo meu quando eu voltasse a jogar?
— Pelo que me lembro, isso foi antes de você insistir para jogar contra o Barcelona e se lesionar de novo. — Ela riu e se agachou para ligar o secador em uma tomada que estava escondida pelas duas poltronas.
— Não estabelecemos nenhum tipo de regra — rebateu com um sorriso esperto e piscou um olho. — Agora que estou recuperado pra valer, quero meu desejo sendo atendido.
— O que você tem em mente?
— Que você passe a noite comigo hoje — ele disse com simplicidade.
não pôde conter uma gargalhada, enquanto deixava o secador sobre uma das poltronas para ficar com as mãos livres para tirar mais um pouco do excesso de água do cabelo com a toalha.
— Você lembra que vai jogar a final da sua vida amanhã, né?
— Claro que sim.
— Então você já sabe qual vai ser a minha resposta.
— Por favor, .
Ela soltou um longo suspiro e largou a toalha também sobre a poltrona antes de encarar , que, curiosamente, tinha um sorriso divertido estampado no rosto.
— Você tá me zoando, né?
— Claro que não! Eu queria que esse dia fosse inesquecível.
— É uma proposta tentadora, mas estamos em ambiente de trabalho. Meu tio não implica com o nosso namoro porque sabe que sou muito responsável nesse sentido. Com que cara vou olhar pra ele depois?
— Ninguém precisa saber.
— Eu vou saber — falou, rindo, e pegou o secador de cabelo. — Se quiser, podemos passar as férias inteiras na cama, mas hoje não vai rolar.
— Não existe nenhuma maneira de te fazer mudar de ideia?
— Não.
fez uma careta e deixou os ombros caírem em sinal de derrota.
— Posso, pelo menos, ficar aqui um pouquinho?
— É bom se comportar, senão chamo os seguranças — disse em um falso tom de ameaça, apontando para o telefone do quarto.
— Você não teria coragem — ele retrucou, rindo.
— Melhor não pagar pra ver.
— Você é cruel.
— E você é doido.
O barulho gerado pelo secador os forçou a ficarem calados durante os minutos em que alternou o ar quente com o ar frio até que seus fios de cabelo estivessem quase secos. Ela desligou o aparelho, fazendo com que o único som que preenchia o silêncio do cômodo fosse o da televisão, e pegou um óleo capilar dentro da necessaire que levava consigo nas viagens.
— Vicky me contou sobre o namorado da Emma — falou, atraindo seu olhar. — Eles se conheceram na festa de casamento de uma amiga dela. Ele é escocês.
— Se eu soubesse que tinha caras bonitos assim na Escócia, teria feito uma viagem pra lá quando era solteira — disse casualmente, segurando o riso que quis escapar, enquanto espalhava um pouco do produto pelo cabelo.
— Não tem ninguém te prendendo. — Ele deu de ombros, fingindo indiferença.
— Você sabe que estou brincando, não precisa ficar com essa cara. — Ela riu levemente, notando a expressão fechada dele.
— O que me surpreendeu é que faz só umas três semanas que eles se conheceram e já estão juntos.
— , e a gente? — perguntou em meio a risos.
— Não fomos tão rápidos assim! — ele exclamou, indignado. — Levamos meses até dar o nosso primeiro beijo.
— Porque tentamos resistir, né? Se as circunstâncias fossem outras, teríamos ficado na primeira semana da temporada. Pra quem viu de fora, deve ter parecido um pouco rápido.
— Só achei um pouco estranho porque a Emma não é assim, de se abrir tão fácil.
— Às vezes, as coisas acontecem de uma maneira um pouco diferente da que estamos acostumados — ela falou e foi até o banheiro estender a toalha molhada. Quando retornou ao quarto, encontrou um pensativo, com o olhar perdido no jogo de rugby. — Você deve estar estranhando porque é mesmo um pouco esquisito ver um ex iniciando um novo relacionamento. Essa é a primeira vez que você está passando por isso, então é compreensível. Não tem problema nenhum, desde que você seja sincero comigo se isso te incomodar mais do que deveria.
continuou encarando a televisão silenciosamente por algum tempo até, enfim, se pronunciar.
— Também gostaria que você fosse sincera. Estou até agora esperando você me contar que esteve ontem com um cantor francês com quem, segundo um site de fofoca, já teve alguma coisa.
Tais palavras atingiram em cheio. Ela o fitou, surpresa, e não soube decifrar qual era o intuito dele ao trazer aquele tema à tona. Independente de qual fosse, o sentimento de ser colocada contra a parede não era agradável.
— Não preciso te contar sobre cada homem com quem esbarro por aí.
— Eu concordo e não estou te exigindo isso, mas, em momento nenhum, você citou o nome dele, sendo que vocês até foram para o hotel em que ele está hospedado. Se encontrá-lo não tivesse significado nada, acho que você não teria evitado me falar sobre isso.
— Isso não te dá o direito de dizer que não sou sincera.
— Então vá em frente — falou, cruzando os braços. — Me explique o que aconteceu.
— Não te devo explicação nenhuma — rebateu, firme. Não estava gostando nem um pouco da postura dele.
— Ok. — Ele soltou um risinho sarcástico. — Só me avisa antes, se resolver relembrar o que quer que vocês tenham tido.
— Pode deixar — ela concordou, observando-o caminhar em direção à porta, o que apenas a deixou ainda mais irritada. — Mando até um vídeo pra você saber em primeira mão e não precisar ficar procurando na internet sobre a minha vida sexual.
— Boa noite — foi apenas o que disse antes de deixar o quarto.
não saberia dizer quanto tempo permaneceu encarando a porta, desacreditada, mas, ao se dar conta disso, apagou a luz e se deitou na cama. Fitou o teto enquanto tentava definir qual era sua parcela de culpa, pois tinha consciência de que, apesar de não gostar da ideia de dar satisfação para ninguém, talvez não tivesse feito a coisa certa ao omitir a presença de Matt. Por outro lado, estava bastante irritada com por ele ter ido pesquisar sobre algo tão pessoal na internet em vez de perguntar diretamente a ela.
Antes que seu orgulho a fizesse desistir da ideia, se levantou, trocou o short pela calça do uniforme e colocou o casaco por cima do top. Desligou a televisão antes de sair do quarto e, decidida, ignorou o elevador e subiu para o andar de cima pelas escadas de emergência do prédio. Bateu na porta de o mais discretamente que conseguiu para que o barulho não ecoasse pelo corredor, e esperou pacientemente até ele surgir apenas de bermuda e com o coque que usava constantemente no cabelo bagunçado, denunciando que estava deitado antes de ela chegar.
— Podemos conversar com a maturidade que sei que nós dois temos?
Ele não disse nada, mas a deixou entrar e ligou a luz do quarto quando fechou a porta.
— Admito que deveria ter te falado sobre o Pokora e sinto muito por isso — disse, sincera, e deixou escapar um suspiro antes de continuar —, mas você tem que concordar que não abordou o assunto de uma forma muito bacana também, colocando a minha honestidade em prova.
— O que você queria que eu pensasse? — falou em um volume de voz baixo que evidenciava seu arrependimento. — Os garotos falaram de um cantor que eu não sabia nem da existência e ainda tive que fingir que estava ciente de tudo pra não ter que admitir que não me comunico direito com minha própria namorada.
— Não seja tão dramático — ela rebateu, rindo. — Eu não combinei de me encontrar com um cara pelas suas costas. Foi por acaso, assim como quando o conheci na abertura da Euro.
— E teve um affair com ele… — ele disse ironicamente.
— Você poderia ter me perguntado em vez de olhar na internet. Isso sim configura falta de comunicação.
desviou o olhar, parecendo envergonhado.
— Eu conversei bastante com ele ontem, mas não aconteceu nada além disso, se é essa a sua preocupação — esclareceu ao perceber que o namorado não diria nada. — A gente até comentou de você.
— Eu sei que você jamais faria isso, . Me desculpe por ter dado a entender o contrário.
— Ainda bem, senão nem teria sentido estarmos juntos.
— Mas você poderia ter comentado, se não tinha problema nenhum...
— Eu acho que fiquei com medo de que você pensasse besteira. — Ela soltou um risinho sem graça. — Confesso que fiquei um pouco surpresa de encontrá-lo, mas juro que não significou nada. Ficar com ele foi meio que realizar um capricho de adolescência, sabe? Pra mim, foi só um passatempo mesmo, tanto que fiquei de ligar pra ele quando voltasse pra Paris depois das férias e nunca liguei.
esperou por uma resposta, qualquer que fosse, mas se manteve em silêncio por algum tempo. Já estava pensando em um plano B que envolveria suas técnicas de sedução quando, finalmente, a voz dele ecoou pelo cômodo.
— Na verdade, você não ligou pra ele porque já sabia que ia me conhecer.
Os dois se encararam e notou que, apesar de ter forçado uma seriedade na afirmação, os olhos dele tinham um ar descontraído. Ela riu levemente e cruzou os braços.
— Agora, me diz uma coisa… Aquela proposta ainda tá de pé?
Ninguém entendeu o pedido de Zinédine Zidane de que o time inteiro se reunisse na sala de conferência do hotel quando, em teoria, eles estavam prestes a sair para o estádio. Todos perguntavam a o motivo daquela reunião de última hora ao cruzar a porta, mas ela sempre dava a mesma resposta, com um sorriso enigmático:
— Surpresa.
Assim que todos os jogadores estavam acomodados nas cadeiras, fechou a porta e se sentou na primeira fileira, junto aos outros membros da comissão técnica.
— Não temos muito tempo, então vou ser rápido — Zidane falou, checando o relógio de pulso. — Nós preparamos uma coisa com a ajuda das famílias de vocês. Sabemos que finais costumam ser decididas por detalhes e, muitas vezes, esses detalhes não dependem de nada além de uma coisa que vem daqui de dentro. — Colocou a mão sobre o lado esquerdo do peito. — Espero que isso inspire vocês.
Ele levantou o polegar para um funcionário do hotel que estava no fundo da sala, operando o computador, e, então, ocupou a cadeira vaga ao lado de . Um vídeo se iniciou na tela em frente a eles e todo mundo se deu conta do que se tratava quando Sergio e Marco, filhos de Sergio Ramos, apareceram. “Boa sorte, papai!”, eles disseram em coro antes de darem lugar para uma foto da infância de Dani Carvajal em que ele estava com o pai e a mãe.
Não era novidade que, para Zizou, a família vinha à frente de qualquer coisa. Desde sua época de jogador, ele se mostrava para o mundo como uma pessoa muito ligada aos pais, aos irmãos e, posteriormente, à namorada que viera a se tornar esposa e mãe de seus filhos. Como técnico, não poderia ser diferente. A ideia surgira despretensiosamente, em meio a uma conversa com e David. Os três concordaram que sensibilizaria os jogadores de uma maneira positiva e, com a ajuda da equipe de comunicação do clube, a colocaram em prática.
Os dez minutos que se seguiram foram de emoções variadas. As imagens dos jogadores com seus familiares arrancaram sorrisos, algumas lágrimas e, como não poderia deixar de ser, brincadeiras e risadas. Como, por exemplo, quando uma selfie de e trocando um selinho apareceu na tela. Havia sido tirada em um dia qualquer de folga em que eles estavam em casa, vendo uma série na televisão, e a escolhera propositalmente para vê-lo envergonhado com as zoações. Em alguns momentos, apenas ficavam todos em completo silêncio, entretidos com seus próprios pensamentos.
Quando o vídeo foi finalizado, a equipe, então, se encaminhou para o ônibus ainda mais motivada do que antes. foi uma das últimas a subir e se sentou em um dos poucos assentos vagos, ao lado de Karim.
— Tá nervoso? — questionou, tomando cuidado para não amassar o terno Hugo Boss que usava ao se acomodar.
— Não com o jogo — ele respondeu, fazendo-a encará-lo com um olhar torto.
— Com o que, então?
— A Chloé veio com a Mélia.
— Essa história de novo? — disse com indignação. — Você não está com a Susi agora?
— Vai ser a primeira vez que vou ver a Chloé desde a nossa última discussão. Estou com um pouco de medo de tudo voltar à tona — Benzema admitiu e fez uma careta.
— Se você estiver com a Susi por gostar dela de verdade, não apenas para esquecer a Chloé, isso não vai acontecer.
— Esse é exatamente o problema. Estou com medo de descobrir hoje que estou apenas me enganando.
— Acho que você está se preocupando à toa, Karim — ela disse, sincera, pois realmente não pensava que aquela incerteza dele tinha algum fundamento. — Foca no jogo, por favor. Precisamos ganhar.
— Prometo que vou tentar. Mudando de assunto — ele acrescentou e, como se fosse contar um segredo, se aproximou dela —, a galera tá sabendo que você dormiu com o .
Pega de surpresa pela informação, arregalou os olhos.
— Como descobriram?
— Morata viu você saindo do quarto dele hoje de manhã — Karim respondeu aos sussurros, mesmo que não tivesse ninguém por perto que entendesse francês.
— E precisava contar pra todo mundo? Eu vou matar esse garoto — murmurou, irritada.
— Qual é o problema de ficarem sabendo?
— Fazer sexo em plena concentração não é algo muito profissional, né?
— Relaxa. Ninguém vê problema nisso. — Ele deu de ombros, fazendo pouco caso. — Tá sendo divertido ver o , que sempre foi todo certinho, brincando com o perigo desde que você entrou no time.
— Sinal de que ele não era tão certinho quanto vocês pensavam.
— Talvez seja isso. Você só despertou a fera.
Apesar de não ter gostado muito de saber que, mais uma vez, tinha sido assunto de fofoca do time, ficou aliviada por ter sido pega no flagra no corredor do hotel. Ela não saberia onde enfiar a cara se algum dos vizinhos de quarto de tivesse escutado alguma coisa que não deveria, em hipótese alguma, ultrapassar aquelas quatro paredes.
O caminho do hotel até o Millennium Stadium levou o dobro do tempo despendido no dia anterior, pois as ruas de estavam lotadas de madridistas. Era uma visão que chegava a ser impressionante. A sensação era de que estavam a caminho do Santiago Bernabéu em dia de Quedada Blanca*.
O celular de vibrou em sua mão enquanto ela seguia o fluxo do time em direção ao vestiário de visitante, que havia ficado para o Real Madrid. Ela olhou o visor e, para sua surpresa, viu o nome de Nourredine.
— Oi, pai — ela disse ao aceitar a chamada, parando em um corredor que não estava tão tumultuado e não tinha nenhuma câmera registrando a chegada dos times finalistas por perto.
— Está ocupada?
— Não, pode falar.
— Eu só queria... te desejar boa sorte — ele falou, soando ligeiramente hesitante. — Mesmo que você não precise muito.
— Obrigada — respondeu, rindo levemente. — Você e minha mãe poderiam ter vindo.
Breves segundos de silêncio se seguiram antes de Nourredine pigarrear, nitidamente desconfortável.
— Eu pensei nisso, mas as coisas ainda estão estranhas entre nós dois.
— Pai, vocês não podem continuar nessa situação. — Ela deixou um suspiro frustrado escapar. — Quando eu for pra Marselha, a gente conversa.
— Você não vai fazer minha cabeça, . — Ele soltou um risinho sarcástico.
— Eu não quero fazer a cabeça de ninguém, até porque nem cabe a mim opinar. Só quero que vocês se resolvam. Não podem continuar morando na mesma casa sem olharem um para a cara do outro para sempre.
— Se você quer saber, eu só não a mandei ir embora porque ela não tem para onde ir.
— Não é a colocando pra fora de casa que as coisas vão se resolver — rebateu em tom de reprovação. — Mas a gente conversa melhor sobre isso pessoalmente, ok? Tenho outro assunto pra tratar com você também. Agora, eu preciso desligar.
— Certo.
— Obrigada por ter ligado.
O agradecimento havia sido sincero. gostara de ter recebido uma ligação do pai, mas não soube definir a sensação com que guardou o celular no bolso. Ela retomou o caminho que fazia anteriormente, rumo ao vestiário, e se deparou com Toni Kroos.
— Um dia, eu vou esperar pra descer do ônibus só pra ver por que você demora tanto.
— Vou ser o primeiro a sair nesse dia — ele rebateu, piscando um olho, e ela apenas deu um tapinha na nuca dele em resposta.
Assim como os jogadores e os outros membros da comissão técnica, exceto Zidane, foi trocar o terno Hugo Boss pelo uniforme. A movimentação no vestiário era intensa enquanto todos começavam a se preparar para a partida. Os fisioterapeutas davam uma atenção extra para os titulares, que, em poucos minutos, saíram ao campo para o aquecimento sob a supervisão dos preparadores físicos.
, que sempre acompanhava os aquecimentos para passar para Zizou qualquer informação que pudesse ser importante, se arrepiou ao passar pelo túnel e encontrar as arquibancadas já quase completamente lotadas. Havia estado em jogos importantes de futebol, como finais de Copa do Mundo e, inclusive, da Champions League, mas o que sentia naquele momento, não sendo apenas uma mera espectadora, era completamente diferente.
Keylor Navas no gol. Sergio Ramos e Raphaël Varane, a dupla de zagueiros habitual. Marcelo na lateral esquerda e, na direita, Dani Carvajal. Luka Modrić, Casemiro e Toni Kroos formando o meio campo. Isco um pouco mais adiantado, os conectando com o ataque formado por Cristiano Ronaldo e Karim Benzema. Era essa a escalação do Real Madrid que soava pelo estádio em meio a aplausos e exclamações de aprovação enquanto eles seguiam as ordens de Antonio Pintus.
Com o fim do aquecimento, todos se encaminharam para o túnel. avistou seus amigos, a família de e, também, os irmãos de Karim com Chloé e Mélia. O viu acenar na direção deles e, no corredor do vestiário, apressou o passo para alcançá-lo.
— E aí?
— Não senti nada — ele respondeu, rindo levemente.
— Não falei? — Ela o empurrou de leve, sorrindo. — Acho que eu mereço um gol dedicado a mim.
— Veremos.
O clima do vestiário ficou um pouco diferente com o retorno dos titulares. O horário marcado para o início da partida se aproximava e os jogadores, enquanto trocavam o uniforme de aquecimento pelo segundo de jogo, de cor púrpura, se cumprimentavam e diziam palavras de incentivo uns para os outros.
viu Enzo em um canto, apenas observando o ambiente, e se aproximou, estendendo a mão para cumprimentá-lo com um high five. Ele estava entre os jogadores descartados para a partida, mas havia sido selecionado por Zizou, mais uma vez, para viajar com o time.
— Já vou logo avisando. Se a gente vencer, eu vou ficar de olho. Você ainda não tem idade pra beber — brincou.
— Eu já tenho 22 anos, — ele rebateu, rindo.
— Pra mim, você sempre vai ser um garotinho.
Ela segurou o rosto do primo e depositou um beijo estalado na bochecha dele.
A abertura, que ficara por conta do Black Eyed Peas naquele ano, passava na televisão. Apesar de olharem para a tela vez ou outra, ninguém prestava realmente atenção na apresentação, pois Zinédine, David e davam as últimas orientações para os jogadores. Antes de todos se dirigirem para o campo, os três se colocaram na porta do vestiário e abraçaram cada um dos vinte e cinco jogadores.
O imponente hino da Champions League soou pelo Millennium Stadium para recepcionar os dois campeões europeus que reeditavam a final de 1998, ocasião em que o Real Madrid conquistou sua sétima copa. Juntos, possuíam treze títulos. Onze deles pertenciam ao clube merengue; os dois restantes, à Juventus. Em aproximadamente noventa minutos — um pouco mais, caso a partida se estendesse para prorrogação e pênaltis —, um dos dois teria uma Orelhuda a mais em sua sala de troféus.
O pontapé inicial foi dado e os italianos não demoraram a demonstrar que não estavam dispostos a desperdiçar aquela nova oportunidade de serem novamente campeões da Champions League, já que, dois anos antes, haviam sido derrotados pelo Barcelona na final. Eles roubavam a bola toda vez que o Real Madrid tentava chegar ao ataque e procuravam por Gonzalo Higuaín, que teve a primeira grande oportunidade de abrir o placar logo nos minutos iniciais. Keylor Navas fez uma bela defesa e mais algumas até o partida se tornar mais equilibrada.
Em uma saída de bola, Toni Kroos a levou para o campo contrário e a passou para Karim Benzema, que encontrou Cristiano Ronaldo livre. Ele deu um passe para Dani Carvajal e recebeu a bola de volta para marcar o primeiro gol da partida em um chute que caiu fora do alcance de Gianluigi Buffon. A torcida madridista, assim como o banco de reservas, explodiu em comemoração enquanto o português proferia o seu famoso bordão: “calma, eu tô aqui!”.
Ninguém esperava que a Juve se rendesse tão facilmente, então Zizou aproveitou para dar novas instruções com o intuito de corrigir problemas que ele e seus assistentes haviam constatado naqueles primeiros vinte minutos de jogo. No entanto, em sete minutos, os italianos chegaram em um ataque que foi mortal. O zagueiro Leonardo Bonucci fez uma inversão de bola para a esquerda ao ver Alex Sandro bem posicionado. O lateral esquerdo brasileiro passou a bola para Higuaín, que a dominou e assistiu o voleio de Mario Mandžukić. Navas não pôde impedir o golaço de empate que fez os bianconeros festejarem com euforia.
— Aproveitem bem esses minutos para se recuperar, garotos — Zidane falou quando o time retornou ao vestiário no intervalo. — Nos falamos daqui a pouco.
Os jogadores ficaram conversando entre si, enquanto se reidratavam e secavam o suor para trocar o uniforme usado no primeiro tempo por um limpo. se sentou debaixo do armário de James Rodríguez, que tinha sido um dos descartes para a partida, sem se importar de estar rodeada por homens seminus. Depois de uma temporada inteira, ela fora forçada a se habituar em ver os mais desinibidos apenas de cueca. Ela checava as anotações que fizera, vendo se tinha algum ponto importante a ser levantado antes de voltarem ao jogo, quando , o dono do armário seguinte, se sentou ao seu lado.
— Já vai começando a se aquecer — disse a ele. — Você, provavelmente, vai ser a primeira substituição. Pra alegria dos seus conterrâneos.
— Achei que fosse pra sua alegria — rebateu com um sorriso divertido.
— Isso eu não preciso nem dizer. Estou morrendo de saudade de ver essas pernas em ação — ela admitiu, fazendo-o rir.
Em seguida, Zizou se colocou no centro do vestiário, atraindo todas as atenções para si.
— É uma final, então é uma partida difícil para eles também, certo? — ele começou. — É por isso que, defensivamente, temos que estar mais agressivos. No bom sentido da palavra. É importante estarmos mais agressivos quando não temos a bola para fazer com que eles recuem. Já quando estivermos com a posse da bola, temos que ter paciência e jogar por fora, como treinamos ao longo da semana. Marcelo e Dani devem subir e obrigar eles a defender.
— Também é importante que o Casemiro ajude na marcação quando eles dois subirem — acrescentou. — O gol do Mandžukić saiu porque recuamos demais depois do gol do Cris, então o pensamento tem que ser partir pra cima com ou sem a bola.
— Não vai ser fácil, vamos sofrer, mas temos que fazer eles sofrerem também e pensar que o gol sempre vai chegar mais uma vez. Vamos, campeões! — O treinador bateu palmas, incentivando seus jogadores.
Posteriormente, ainda teria quem dissesse que Zinédine Zidane não passava de um grande sortudo, mas o Real Madrid, no segundo tempo, mostrou para o mundo inteiro que o futebol estava vivendo a sua Era.
Em um ataque do time espanhol, Alex Sandro tirou a bola da grande área com um chute, sem pensar muito, e acabou deixando-a livre para um disparo de longe de Casemiro, que pegou a todos de surpresa. O grito de gol escapou pela garganta dos madridistas antes mesmo de a bola cair na rede. O Real Madrid não permitiu que a Juventus se recuperasse e, apenas três minutos depois, Cristiano Ronaldo marcou mais um, se tornando o artilheiro da Champions League pelo quinto ano consecutivo.
Como havia informado, foi a primeira substituição. Ele entrou no lugar de Karim e foi ovacionado, fazendo-a sentir um nó na garganta. Não havia existido um momento sequer em que ela tivesse duvidado de que ele estaria naquela final. Apesar de não ter sido da maneira sonhada, como titular, tinha conseguido. E ela não poderia estar mais orgulhosa e apaixonada por aquele .
Marco Asensio foi o responsável por colocar a cereja no bolo com um gol nos minutos finais de jogo, mostrando que a geração seguinte também tinha estrela, e correu em direção à arquibancada para festejar com o pai e o irmão.
nem viu o fim da partida ser sinalizado, pois estava ocupada demais rindo de Kiko Casilla, que havia roubado a placa eletrônica do quarto árbitro e a balançava acima da cabeça com o número doze à mostra. Quando foi se dar conta de que eles, oficialmente, eram campeões europeus, estava sendo tirada do chão por Karim.
A primeira pessoa por quem procurou em meio à confusão, antes mesmo de , foi Zizou. Ainda não sabia se continuaria ou não no time, mas ela seria eternamente grata ao tio pela oportunidade que tinha tido e por toda a confiança que ele depositara nela. Apesar da vontade de chorar, não se permitiu derramar uma lágrima sequer. Seu sorriso mal cabia no rosto quando pegou a medalha de ouro e se uniu ao time para sair na foto que acabava de entrar para a história do futebol.
Não apenas porque o Real Madrid era o primeiro clube a sair vitorioso por dois anos seguidos na era moderna da Champions League, mas também porque Zidane era a primeira mulher a fazer parte de uma comissão técnica campeã e inspiraria muitas outras a seguirem seus sonhos.
— Ela já está aqui, madridistas! La Duodécima! — A voz de Miki Nadal saiu pelos alto-falantes. Um palco estava montado provisionalmente no centro de um Santiago Bernabéu completamente lotado e imerso em um espetáculo de luzes para a celebração dos dois títulos conquistados na temporada. — ¿Cómo no te voy a querer? — ele puxou a canção que era uma das mais tradicionais da torcida madridista.
— ¿Cómo no te voy a querer? — o público o acompanhou em coro. — Si fuiste campeón de Europa por duodécima vez.
O time do Real Madrid estava na beira do campo, apenas esperando para entrar em cena. Todos bastante eufóricos, apesar do cansaço inevitável decorrente da final tão intensa disputada no dia anterior e dos compromissos que tiveram no final da tarde daquele mesmo dia. Depois de terem feito mais uma visita à deusa Cibele e à prefeitura de Madrid, a última parada havia sido no estádio que fora cenário para tantos momentos marcantes do clube desde a sua fundação. No que dependesse deles, continuaria sendo.
— Não nos resta mais nada a não ser fazer essa merecidíssima homenagem a essas lendas, a esses jogadores que nos fizeram sonhar e tornaram possível que estejamos aqui hoje, celebrando La Duodécima — o apresentador do 90 minuti, programa de humor da Real Madrid TV, falou ao microfone e um forte clamor ressoou nas arquibancadas. — Em menos de um ano e meio à frente desse time, ele foi capaz de nos fazer alcançar a glória como campeões do mundo, supercampeões da Europa, campeões da liga e duas vezes campeões da Europa. À frente do melhor time do mundo, um ídolo do madridismo e o melhor treinador do mundo: Zinédine…
— Zidane! — os mais de oitenta mil torcedores completaram em uma só voz.
O técnico francês cruzou uma passarela em direção ao palco, saudando a torcida. A cena fez se lembrar da última partida dele como jogador do Real Madrid, em maio de 2006, na qual a família inteira estava presente. Era impressionante como, depois de mais de uma década e tendo assumido outra função no clube, ele ainda fosse tão querido por aquela gente.
— Mas o míster não está sozinho. — Miki seguiu com a apresentação. — Ele tem uma super equipe que o ajuda a fazer de nós madridistas tão felizes. Vamos aplaudir o corpo técnico de Zinédine Zidane! David Bettoni, Zidane, Luis Llopis, Antonio Pintus e Javier Mallo.
tomou a dianteira, desfilando com elegância pela passarela, enquanto cumprimentava os torcedores. Naquele dia, para o bem de seus pés, tinha trocado o habitual scarpin preto que costumava usar com o terninho por uma uma ankle boot de salto grosso. Acompanhada pelos outros integrantes da comissão técnica, subiu no palco, se juntando ao tio.
Um a um, os jogadores foram apresentados por Miki Nadal e receberam o carinho da torcida. Marcelo e Sergio Ramos foram os últimos, encarregados de levar as taças de LaLiga e da Champions League e oferecê-las aos madridistas. A festa foi encerrada com uma volta de honra em que os amigos e familiares se juntaram aos jogadores.
A família de tinha ficado em , então foi natural que ele se aproximasse de , seus tios e primos. Ela mostrou um sorriso quando ele passou o braço sobre seus ombros, a abraçando de lado, e os dois contornaram o campo juntos. Era uma noite especial demais para eles se preocuparem em evitar demonstrações públicas de afeto.
*Quedada Blanca: É como a torcida do Real Madrid chama os encontros com hora marcada, nas ruas de Madrid, para recepcionar o time na chegada ao Santiago Bernabéu em dias de partidas importantes.
Extra: Campeones
Every single one's got a story to tell
Everyone knows about it
From the Queen of England to the hounds of hell
Seven Nation Army - The White Stripes
Junho de 2017
O arrependimento me tomou por completo assim que bati a porta do quarto da ao sair. A vontade de voltar e esclarecer as coisas era enorme, mas a vergonha que eu sentia não me permitiu. Eu sabia que havia perdido a razão, insinuando que ela estava escondendo alguma coisa de mim.
Subi para o andar de cima e dei graças a Deus por não cruzar com nenhum dos meus colegas pelo corredor, nem com algum funcionário do hotel que talvez me abordasse para pedir uma foto. Eu odiava ter que forçar simpatia quando não estava num bom estado de espírito. Nem me dei o trabalho de ligar a luz do quarto. Assim que o adentrei, tirei a camiseta e me deitei na cama apenas com a bermuda de moletom que vestia.
Fechei os olhos e inspirei o ar com força antes de soltá-lo em um suspiro frustrado, enquanto pensava em quão idiota eu era. Mal podia acreditar que tinha me desentendido com minha namorada antes de um dia tão importante para nós dois porque havia me deixado levar pelos ciúmes. Pois é, de novo. Por mais que soubesse que não existia qualquer motivo coerente para isso, ter ciúme da era algo que eu não conseguia evitar às vezes. Nem sempre deixava transparecer, porque, apesar de ciumento, eu era um cara sensato que não tinha a mínima intenção de se tornar um namorado possessivo. Mas acontecia. Talvez fosse porque, no fundo, eu a achasse incrível demais para mim. Não era como se eu fosse o cara mais bonito do mundo. Ou o mais carismático. Ou o mais divertido. De vez em quando, eu tinha a sensação de que, mais cedo ou mais tarde, ela ficaria entediada e iria embora.
Bom, isso de fato aconteceria se eu continuasse agindo feito um moleque inseguro.
No entanto, nada disso passava pela minha cabeça quando estávamos juntos. Só eu, ela e o sentimento que nos unia em um laço cada vez mais forte. Era impossível imaginá-la olhando para outro cara da maneira que me olhava. Mostrando o meu sorriso para outro. parecia me achar tão incrível quanto eu a achava. Para mim, era isso o que importava.
Eu estava prestes a pegar o celular para mandar uma mensagem, implorando pelo perdão dela se fosse necessário, quando ouvi uma batida na porta que fez minha barriga se contrair em expectativa. Eu não precisava de uma confirmação para saber que era ela.
Me levantei e, ao abrir a porta, me deparei com os olhos castanhos e confiantes da me encarando.
— Podemos conversar com a maturidade que sei que nós dois temos?
Apenas dei espaço para ela entrar no quarto e liguei a luz no interruptor, deixando que minhas ações falassem por si mesmas.
— Admito que deveria ter te falado sobre o Pokora e sinto muito por isso — ela disse, parecendo sincera, e suspirou —, mas você tem que concordar que não abordou o assunto de uma forma muito bacana também, colocando a minha honestidade em prova.
— O que você queria que eu pensasse? — retruquei em um volume de voz baixo para dar a entender que, apesar do meu questionamento, estava baixando a guarda. — Os garotos falaram de um cantor que eu não sabia nem da existência e ainda tive que fingir que estava ciente de tudo pra não ter que admitir que não me comunico direito com minha própria namorada.
— Não seja tão dramático. — Ela riu. — Eu não combinei de me encontrar com um cara pelas suas costas. Foi por acaso, assim como quando o conheci na abertura da Euro.
— E teve um affair com ele… — complementei, rolando os olhos.
— Você poderia ter me perguntado em vez de olhar na internet. Isso sim configura falta de comunicação.
Me senti um pouco bobo, porque tinha razão. Como uma pessoa pública, deveria passar pela minha cabeça que uma informação daquele tipo, jogada na internet, poderia nem ser verdade. Antes de qualquer coisa, eu deveria ter falado com ela.
— Eu conversei bastante com ele ontem, mas não aconteceu nada além disso, se é essa a sua preocupação. A gente até comentou de você.
A encarei, um pouco surpreso.
— Eu sei que você jamais faria isso, . Me desculpe por ter dado a entender o contrário.
— Ainda bem, senão nem teria sentido estarmos juntos.
— Mas você poderia ter comentado, se não tinha problema nenhum...
— Eu acho que fiquei com medo de que você pensasse besteira. — Ela soltou um risinho que, para mim, soou como se estivesse demonstrando certo constrangimento em admitir aquilo. — Confesso que fiquei um pouco surpresa de encontrá-lo, mas juro que não significou nada. Ficar com ele foi meio que realizar um capricho de adolescência, sabe? Pra mim, foi só um passatempo mesmo, tanto que fiquei de ligar pra ele quando voltasse pra Paris depois das férias e nunca liguei.
Eu me senti mal naquele momento. Quero dizer, mais do que já estava me sentindo. havia passado por cima de seu orgulho — coisa que eu tivera algumas oportunidades de ver como era difícil acontecer — e se justificado a respeito de algo que ela não tinha nenhuma obrigação, porque o passado de sua vida amorosa não me dizia respeito. E tudo isso por puro capricho meu.
Decidi que daria o assunto por encerrado, sem mais perguntas. Eu não tinha ideia do que, exatamente, passara pela cabeça dela ao encontrar o tal do Matt Pokora. Não sabia se ela teria ficado com ele novamente se não tivesse um compromisso comigo, e muito menos se, de alguma forma, a resposta desse questionamento teria a influenciado a não falar sobre a presença dele. Mas eu não queria e, principalmente, não precisava saber.
— Na verdade, você não ligou pra ele porque já sabia que ia me conhecer — brinquei, tentando parecer sério.
Ela me analisou por alguns segundos e riu, cruzando os braços.
— Agora, me diz uma coisa… — falou com o tom sedutor que sempre fazia eu me arrepiar. — Aquela proposta ainda tá de pé?
— Sempre — respondi, piscando um olho.
se aproximou e passou os braços pelo meu pescoço. Eu a abracei de volta, pela cintura.
— Parece que meu plano pra te fazer aceitar dormir comigo deu certo — eu disse em um tom divertido.
— Então quer dizer que foi tudo uma armação e você não ficou realmente morrendo de ciúme do Pokora? — ela questionou, debochada.
— Você nunca vai saber a verdade — eu falei e, em seguida, puxei o casaco dela para cima.
ergueu os braços para me ajudar a despi-la da peça do uniforme, revelando o top que ela vestia quando eu estivera no quarto dela. Era preto, básico e pouco sensual se comparado com as diversas lingeries que eu constantemente tinha o prazer de vê-la usar, mas aquela francesa nunca precisava de muito para me deixar de quatro por ela.
Busquei seus lábios com urgência e, conforme nos beijávamos, a guiei em direção à cama. Não demoramos muito a nos despir completamente em meio a beijos e carícias, até sermos capazes de sentir o calor que emanava do corpo um do outro. Deslizei minha língua pelo pescoço dela, descendo em direção ao vale entre os seios, e lambi um dos mamilos até senti-lo enrijecer. estremeceu debaixo de mim. Ela amava quando eu brincava com eles, mas, certamente, não mais do que eu.
Continuei explorando o território já bastante conhecido que era a pele dela e cheguei ao meio de suas pernas. Olhei para cima e sorri de lado ao encontrá-la me observando com olhos ansiosos.
— Vamos ver quão forte é seu autocontrole.
— Pega leve, mon amour.
O final da frase dela saiu em meio a um suspiro, quando minha língua a tocou. mordeu a própria mão para abafar os gemidos que, por mais que ela quisesse conter para não correr o risco de alguém nos escutar, escapavam por sua garganta enquanto eu a estimulava. Eu não queria apressar as coisa, então voltei a subir por seu corpo e tirei a mão que estava em sua boca para enfiar meu polegar entre seus lábios, que o sugaram de uma maneira tentadora.
No final das contas, a noite terminou exatamente da maneira que eu desejava.
Quando acordei no dia seguinte, meus olhos se depararam com o rosto sereno da . Ri levemente ao perceber que minha mão segurava um dos seios dela e a escorreguei para a cintura. Eu gostava de observá-la dormir, porque era o único momento do dia em que ela transmitia tranquilidade. Em todos os outros, era como um furacão que chegava arrasando tudo — em particular, minha sanidade. Não nego que, para mim, era bastante satisfatório saber que eu era a única pessoa a conviver com aquele outro lado dela. Me sentia especial.
— , acorda — falei em um sussurro calmo, fazendo-a despertar sem muita dificuldade. — É melhor você ir para o seu quarto. Daqui a pouco o pessoal vai começar a acordar.
— Merda — ela xingou baixinho e não pude evitar rir.
Toda vez que era acordada por mim ou pelo alarme do celular, proferia uma série de palavrões em francês que eu não entendia. Daquela vez, pelo menos, tinha sido em inglês.
Levou pelo menos uns cinco minutos até ela, enfim, se levantar e começar a desfilar nua pelo quarto, recolhendo suas peças de roupa e as vestindo.
— Até daqui a pouco — falou com a voz rouca de sono antes de depositar um beijo estalado nos meus lábios e se retirar.
Fiquei mais algum tempo na cama até criar coragem de me levantar também. Tomei uma ducha rápida e coloquei o uniforme de treino antes de descer para o restaurante. O café da manhã não era obrigatório, então o local estava pouco movimentado quando cheguei. Me servi de cereais e leite e fui me sentar na mesa dos jogadores.
— Bom dia — falei para ninguém em específico.
— Não tão bom quanto o seu — Luka rebateu com um sorrisinho, fazendo-me franzir o cenho.
— Moleeeque transanteee — Marcelo cantarolou em o que presumi ser português e Pepe soltou uma gargalhada alta.
Notei que Modrić também ria, mas de uma maneira mais comedida.
— O quê? — perguntei sem entender nada.
— Nada não. — Marcelo abanou a mão no ar, fazendo pouco caso, e trocou um olhar com Pepe antes de os dois, mais uma vez, caírem na gargalhada.
— É de mim que vocês estão rindo? — questionei, apesar de estar convencido de que era exatamente isso.
— Que isso, cara! Longe de mim! — Pepe falou, tentando soar sério, mas sem muito sucesso.
Olhei para Luka, que tomava um iogurte e me encarava com um olhar divertido.
— Não vai me dizer o que tá acontecendo? Pensei que você fosse meu amigo.
Ele olhou para os lados e se inclinou para a frente, se aproximando de mim.
— O Morata viu a saindo do seu quarto.
— Vocês não perdem uma, hein? — falei, sentindo minhas bochechas esquentarem levemente quando eles voltaram a rir, e suspirei. Provavelmente sobraria para mim quando descobrisse que tínhamos sido pegos no flagra. Isso se já não tivesse descoberto.
— Tem certeza de que é a gente que não perde uma? — Luka rebateu em meio a risos.
— Nem vem! É a primeira vez que dormimos juntos em uma concentração.
— Primeira? Eu duvido! — Marcelo, que havia acabado de ser pôr de pé, falou com as mãos na cintura.
— Pior que é verdade — respondi, dando de ombros.
— Sei… — Ele me lançou um olhar desconfiado e deu meia volta, caminhando até a porta. — A sem-vergonha está vindo aí — acrescentou em um sussurro alto e, então, saiu no corredor.
Não pude evitar soltar uma risada. Eu achava Marcelo uma figura e tanto. Poucos segundos depois, adentrou o restaurante acompanhada por Asensio e Carvajal e trocamos um olhar cúmplice que Luka e Pepe provavelmente notaram, mas continuaram cada um na sua.
— Quem for terminando de comer, vai indo para o salão no final do corredor. Antonio e Javi já estão à espera de vocês. Avisem os que forem chegando — falou, pegando apenas uma maçã antes de se retirar.
Assim que terminei meu desjejum, segui a orientação dela e fui para o local indicado, onde ficamos, por alguns minutos, envolvidos com um trabalho bem leve com a bola. A primeira preparação do dia para a grande final que iríamos disputar em algumas horas.
Aquela deveria ser a quinta vez que eu ajeitava o nó da gravata em frente ao espelho. Mais para passar o tempo do que por uma real necessidade. Responder as mensagens de boa sorte que não paravam de chegar ao meu celular não havia sido o suficiente para me distrair daquele frio na barriga que eu sentia. Na verdade, o tinha intensificado.
Uma nova mensagem chegou ao grupo Galácticos ⚽, chamando minha atenção. Era pedindo para que, assim que prontos, nós, jogadores, fôssemos ao primeiro andar do hotel. Vesti o paletó e dei uma última checada à minha volta, conferindo se não estava me esquecendo de nada, e saí do quarto puxando minha mala.
Parei para tirar fotos com alguns funcionários ao chegar no primeiro andar e agradeci as palavras de apoio com um sorriso simpático. Vi mais adiante, parada em frente a uma porta, e caminhei em sua direção. Como sempre, ela estava maravilhosa com o modelo feminino do mesmo terno Hugo Boss que eu e os outros jogadores vestíamos para os compromissos da Champions.
— Zizou quer falar uma coisinha com vocês antes de irmos para o estádio — falou quando me aproximei.
— O quê? — perguntei, curioso.
— Surpresa.
Dei de ombros e passei pela porta, descobrindo que se tratava da sala de conferência do hotel. Me acomodei em uma fileira qualquer do meio, já que havia sido o primeiro a chegar, e aguardei pacientemente até todos os meus colegas se juntarem a mim aos poucos.
— Não temos muito tempo, então vou ser rápido — Zizou falou ao se colocar na frente da sala, checando o relógio de pulso. — Nós preparamos uma coisa com a ajuda das famílias de vocês. Sabemos que finais costumam ser decididas por detalhes e, muitas vezes, esses detalhes não dependem de nada além de uma coisa que vem daqui de dentro. — Colocou a mão sobre o coração. — Espero que isso inspire vocês.
Os filhos de Ramos surgiram na tela em nossa frente, dizendo "¡Buena suerte, papi!". Em seguida, no lugar deles, apareceu a foto de um menino de cabelos lisos e aloirados com um homem e uma mulher que presumi serem seus pais. Apenas soube que era Carvajal porque Lucas e Morata não perderam a oportunidade de zoá-lo.
Alguns vídeos curtos e diversas fotos das famílias de todo o time foram sendo mostrados, um após o outro, na tela. Minhas, foram três fotos. Uma em que eu estava vestido com a camisa do Real Madrid quando tinha uns 11 anos e nem sequer imaginava que meu sonho pudesse realmente se tornar realidade. Na segunda, eu estava com meus pais e minha irmã. Eu me lembrava perfeitamente daquele momento. Havia sido minutos depois de receber a notícia da minha primeira convocação para a Seleção principal, aos 16 anos. A última era uma bastante recente de mim e , em um dia em que estávamos de folga, assistindo alguma coisa na televisão que eu já nem me lembrava mais. Naquela, estávamos nos beijando, mas tínhamos tirado mais umas dez sorrindo e fazendo caretas. Ri levemente, rolando os olhos, quando começaram a me zoar.
— Moleeeque transanteee — Marcelo, da fileira de trás, cantarolou a mesma musiquinha de mais cedo que eu não tinha ideia do que significava. Alguma besteira, provavelmente.
Logo que o vídeo chegou ao fim, nos encaminhamos para o ônibus. Me sentei na última fileira, no assento da janela, e o lugar ao meu lado foi ocupado por Luka. Nenhum de nós dois abriu a boca, no entanto, assim como a maioria do pessoal. O silêncio costumava prevalecer antes de jogos importantes. Não demoramos a sair rumo ao Millennium Stadium, percorrendo as ruas que eu conhecia tão bem e estavam tomadas por madridistas. Eu podia ver cartazes com meu nome e pela multidão e a sensação era indescritível.
Quando chegamos ao estádio, desci do ônibus e segui o restante do time. Avistei em um canto, falando no celular. Por um momento, por causa da seriedade estampada no rosto dela, pensei que pudesse ter acontecido alguma coisa, mas me tranquilizei ao vê-la rir. Segui direto para o meu armário ao adentrar o vestiário e deixei minha mochila sobre o banco para vestir o uniforme e me preparar para a partida, mesmo que fosse começar no banco de reservas.
Esperei os onze que seriam titulares liberarem a área de fisioterapia ao saírem para o aquecimento no campo e fui até lá.
— Qual de vocês dois vai ter a honra de fazer uma massagem em mim? — perguntei em um tom divertido, me aproximando de Jaime e Lalie.
— Deita aí — minha amiga falou, indicando a maca.
Enquanto Lalie fazia uma massagem tonificante para aquecer a musculatura das minhas pernas, me concentrei na minha própria respiração. Eu não tinha um ritual pré-jogo definido como muitos dos meus companheiros de equipe. Esvaziar a mente e focar toda minha atenção apenas na partida que tinha para disputar costumava ser o suficiente.
A movimentação do vestiário cresceu com o regresso dos titulares. Agradeci a Lalie pela massagem e voltei ao meu armário. Me sentei no banco para vestir os meiões e as chuteiras, enquanto escutava o discurso de Zizou. As palavras de incentivo de alguém como ele, um cara que havia marcado época como jogador, eram muito importantes. Mais do que nos orientar, ele nos dava confiança.
Me levantei quando a equipe inteira se juntou no centro do vestiário.
— ¡Uno, dos y tres, Madrid! — exclamamos todos juntos, como tradicionalmente fazíamos antes de cada partida, e nos dispersamos.
Peguei uma garrafa d’água e me encaminhei para a porta do vestiário. Abracei rapidamente Zizou e Bettoni e encontrei me encarando com um sorriso nos lábios. Ela me envolveu num abraço apertado e estalou um beijo na minha bochecha. Pensando bem, talvez eu tivesse adquirido um ritual pré-jogo ao longo daquela temporada sem nem ao menos me dar conta.
A recepção que tivemos ao adentrar o campo foi tão calorosa que fez eu me arrepiar. Escutei pessoas gritarem meu nome da arquibancada e mostrei o polegar como forma de cumprimento antes de me sentar no banco de reservas.
Depois de todo o protocolo que precisava ser seguido, o apito do árbitro soou pelo estádio, autorizando o início do jogo.
Nós tínhamos noventa minutos para mostrar para o mundo inteiro que ainda éramos os melhores da Europa.
Fui o primeiro a chegar ao vestiário quando o primeiro tempo acabou. O placar estava empatado em um a um. O nosso gol havia sido marcado por Cristiano e, o da Juventus, por Mandžukić. Tinham sido dois golaços. Deixei a garrafa d’água pela metade no meu armário e aproveitei para passar no banheiro. Quando voltei, encontrei debaixo do armário de James.
— Já vai começando a se aquecer — ela disse quando me sentei ao seu lado. — Você, provavelmente, vai ser a primeira substituição. Pra alegria dos seus conterrâneos.
— Achei que fosse pra sua alegria — brinquei.
— Isso eu não preciso nem dizer. Estou morrendo de saudade de ver essas pernas em ação.
Eu ri, mas nosso curto diálogo foi interrompido quando Zizou parou no centro do vestiário.
— É uma final, então é uma partida difícil para eles também, certo? — ele começou, atraindo a atenção de todo mundo. — É por isso que, defensivamente, temos que estar mais agressivos. No bom sentido da palavra. É importante estarmos mais agressivos quando não temos a bola para fazer com que eles recuem. Já quando estivermos com a posse da bola, temos que ter paciência e jogar por fora, como treinamos ao longo da semana. Marcelo e Dani devem subir e obrigar eles a defender.
— Também é importante que o Casemiro ajude na marcação quando eles dois subirem — acrescentou, fazendo-me encará-la. — O gol do Mandžukić saiu porque recuamos demais depois do gol do Cris, então o pensamento tem que ser partir pra cima com ou sem a bola.
Para ser bem sincero, eu nem escutei o que Zizou falou depois disso. Por mais acostumado que eu estivesse com a presença da no time, ainda ficava um pouco embasbacado ao vê-la dar opiniões e até mesmo algumas ordens com bastante confiança. Ela não se intimidava pelo cargo de auxiliar, muito menos por ser a única mulher de uma comissão técnica que comandava um monte de homens. O fato de ser tão segura de si, um dos motivos de eu ter me encantado por ela tão facilmente, ainda me causava uma enorme admiração.
— Que foi? — perguntou ao notar que eu a observava.
— Nada — respondi, fazendo-a rir levemente.
Eu, Asensio e Kovačić fomos nos aquecer logo no início do segundo tempo. Minha atenção ficou dividida entre os exercícios que Antonio nos orientava a fazer e o que rolava dentro do campo. Confesso que, quando estávamos atacando, o aquecimento ficava um pouco de lado.
Em um desses momentos, uma bola tirada de dentro da área por Alex Sandro acabou sobrando para Casemiro, que surpreendeu o estádio inteiro com uma bomba. Meus olhos provavelmente estavam arregalados enquanto acompanhavam a trajetória da bola até o gol como que em câmera lenta. Quando a rede balançou, saí correndo pela beira do campo até onde o time inteiro se reuniu para comemorar com Case.
A euforia por estarmos de novo na frente no placar foi tão grande que eu, Kova e Marco tivemos dificuldade em voltar a nos concentrar no aquecimento. Mal tivemos tempo, na verdade, porque três minutos depois Cristiano marcou mais um. Ele veio correndo na nossa direção e quase atropelou Antonio, que acabou sumindo em meio ao abraço coletivo.
As coisas estavam saindo tão bem que Zizou demorou a mexer no time. Não que eu estivesse achando ruim, mas ficava mais ansioso por entrar em campo a cada minuto que passava. Quando chamou meu nome, nem precisou dizer mais nada. No mesmo instante, tirei o colete e o casaco e me sentei no banco para colocar as caneleiras, enquanto escutava as orientações que ela me dava.
— E o mais importante... — falou, me entregando uma garrafa d’água. — Aproveite o seu momento.
— Obrigado.
Mostrei um sorriso para ela antes de beber e jogar um pouco do líquido gelado no rosto.
Foi no lugar de Karim que entrei. O cumprimentei rapidamente e corri para me posicionar para uma cobrança de falta a nosso favor. Eu podia ouvir os aplausos direcionados a mim que vinham das arquibancadas, mas eles pareciam muito distantes. Bastava entrar em campo para que eu me desconectasse completamente de tudo que estivesse do lado de fora das quatro linhas.
A falta cobrada por Kroos não deu em nada, já que a defesa da Juventus cortou a jogada, mas tivemos várias oportunidades de gol. Inclusive, uma delas foi minha. Acabou não dando certo, porque Bonucci chegou na bola antes de mim. Quem não desperdiçou a chance que teve foi Asensio, marcando o nosso quarto gol nos minutos finais. Pelo jeito, ninguém seguraria esse garoto!
Aquele sentimento do qual eu nunca me cansaria explodiu em meu peito assim que o apito do árbitro sinalizou o fim da partida. O de ser campeão. Levantei os braços com as mãos fechadas em punho e cerrei os olhos com força, apreciando os gritos de comemoração que rompiam pelo estádio. Quando os abri novamente, olhei para o banco de reservas e pude ver e Zizou se abraçando antes de Casemiro surgir na minha frente e tampar completamente minha visão. Depois de abraçá-lo em meio a risos, caminhei pelo campo cumprimentando os jogadores da Juve e trocando mais um monte de abraços com meus companheiros de time.
Quando me viu, correu em minha direção e pulou em meus braços.
— Você conseguiu!
— Nós conseguimos — falei, sorrindo, ao colocá-la de volta no chão.
— Somos o casal mais foda do futebol ou não somos?
— Você só descobriu isso agora?
— Eu já sabia, mas ninguém pode contestar a partir de agora.
Ela esboçou um sorriso divertido e se afastou para cumprimentar o restante do pessoal.
Formamos um corredor para que os jogadores da Juventus o cruzassem ao subir no palco que havia sido montado no centro do gramado. Na nossa vez de pegar as medalhas, não pude deixar de olhar ansiosamente para a Orelhuda. Eu não via a hora de segurá-la pela terceira vez.
— Adivinha quem vai lá pra casa hoje de novo — Aaron disse discretamente no meu ouvido.
— Margot? — questionei e ele concordou com a cabeça.
— Eles voltam pra França amanhã, então tenho que aproveitar mais um pouquinho, né?
— É isso aí. — Eu ri, empurrando-o de leve com o ombro.
Depois de levantarmos a taça, nossas famílias e amigos tinham sido autorizados a entrar no campo. Fiz questão de chamar Aaron, Ben e alguns colegas nossos que estavam presentes. Era um momento único não apenas para mim, mas para eles também.
Enquanto esperávamos pela nossa vez, ficamos observando posar para os fotógrafos com os amigos dela como se fossem um time de futebol. Rémy, Jérémy e Florian estavam agachados e, atrás deles, estavam ela, Margot e Fifi em pé. A taça tinha sido colocada na frente, em destaque.
Eu e os caras tiramos uma foto bem patriota, com a bandeira do nosso país que Chris tinha levado para mim. Me enrolei nela quando me retirei do campo, seguindo em direção ao vestiário. No corredor, encontrei meus pais e minha avó, e recebi um abraço apertado de cada um deles.
— Olá, Debbie e Frank! Como vocês estão? — se aproximou para cumprimentar meus pais.
— Vó, essa é a , minha namorada — falei, puxando-a pela mão.
— Muito prazer em conhecer a senhora — ela disse com um sorriso simpático.
— O prazer é meu — minha avó falou, cumprimentando-a com um abraço. — Como você é bonita!
— Obrigada. — riu levemente.
— Eu tenho bom gosto, vó — eu disse, piscando um olho.
— Quando vocês vêm nos visitar? — minha mãe nos perguntou.
— Antes de irmos para a Celebrity Cup — respondi, abraçando minha namorada de lado.
— Você também gosta de golfe, ? — questionou meu pai.
— Não, mas a convivência com o seu filho vai acabar me tornando golfista profissional — ela respondeu, nos fazendo rir.
Depois de nos despedirmos dos três, eu e seguimos para o vestiário. O local estava uma confusão. Além da bagunça, uma música alta tocava em meio ao falatório.
— Opa, é hoje que eu vou ficar mais louca do que o Morata! — soltou uma risada alta, indo até a mesa de bebidas.
Eu ri comigo mesmo, balançando a cabeça negativamente, e fui até meu armário. Enquanto tirava as chuteiras, a vi abrir uma garrafa de champanhe e molhar quem estava por perto em meio a gargalhadas. Em seguida, ela veio até mim cantando e dançando ao som da música que tocava.
— Haciéndotelo así, así, así... Así como te gusta, baby. — Tomou uma golada generosa da bebida do gargalo mesmo e me ofereceu a garrafa. — Servido?
— Não, obrigado.
Me pus de pé, jogando a toalha sobre o ombro. me encarou com um olhar intenso e bebeu um pouco do champanhe. Fiquei curioso para saber quais eram os pensamentos dela naquele momento. Antes que pudesse perguntar, no entanto, ela se aproximou e me beijou. Senti o gosto que estava longe de ser um dos meus favoritos quando a língua dela tocou a minha, mas nem me importei. Apenas a puxei pela cintura.
— Que pouca vergonha é essa? Tem crianças no recinto!
Nos separamos e olhamos na direção da voz, encontrando Toni com o filho no colo.
— A gente não pode nem dar um beijinho no próprio namorado em paz — brincou e se aproximou deles. — Bate aqui, Leon! — disse, estendendo a mão para trocar um high five com ele.
— Se comportem, vocês dois. Disseram que o Rei tá vindo aí — Toni comunicou e deixou a garrafa de champanhe sobre o banco disfarçadamente, nos fazendo rir.
Além do rei Juan Carlos, recebemos mais um monte de visitas de pessoas importantes e famosas no vestiário antes de irmos para o aeroporto. Por incrível que pareça, a viagem de avião foi bastante calma, apesar do falatório incessante. Acho que estávamos todos exaustos.
— Eles formam um casal tão bonitinho, né? — falou, indicando Zizou e Véronique nos assentos ao lado dos que nós estávamos. Eles cochilavam apoiados um no outro.
— Não mais do que a gente — rebati, fazendo-a rir levemente.
— Acho que estou um pouco bêbada — ela disse em meio a um bocejo. — E com sono.
— Deita aqui no meu ombro. Eu te acordo quando a gente chegar.
— Ele trabalhou duro para ganhar a Champions com o Real Madrid em sua casa. O melhor anfitrião que La Duodécima poderia ter. Ontem, pelo Millennium Stadium, passou El Expreso de ! Agora, são três Champions com o Real Madrid. …
— !
Cruzei a passarela, acenando na direção das arquibancadas lotadas do Santiago Bernabéu. As palmas que eu recebia abafavam a música que tocava. Seven Nation Army, do White Stripes. Eu não sabia como ela tinha se tornado trilha sonora dos estádios de futebol pela Europa inteira, mas, tendo uma melodia tão marcante, era fácil de entender o porquê.
Subi no palco que fora montado no meio do campo, me juntando ao pessoal que já tinha sido apresentado antes de mim. Já era a terceira vez que eu participava de uma celebração daquela magnitude e, para ser sincero, ainda era impressionante estar inserido na grandiosidade do Real Madrid. Agradeci a Deus por não ter que falar no microfone de novo, como acontecera no ano anterior, quando comemoramos La Undécima. Parte da minha timidez havia sido superada ao longo dos meus anos como jogador de futebol profissional, com as diversas coletivas de imprensa, entrevistas, comerciais e sessões de foto que eu era obrigado a participar, mas falar para milhares de pessoas provavelmente nunca seria uma situação em que eu me sentiria muito confortável.
Depois que o time inteiro foi devidamente apresentado, descemos para dar uma volta pelo campo com nossos familiares. Abracei de lado para caminharmos juntos e recebi um de seus belos sorrisos em resposta. Eu tinha convidado meus pais, Vicky, Richard e as crianças para participarem da comemoração, mas eles ainda não estavam de férias e acabaram preferindo ficar em mesmo. De qualquer forma, não era apenas a mulher com quem eu desejava formar uma família. Além de ser quem dormia e acordava ao meu lado, era a pessoa em quem eu buscara apoio no último ano. Quem me fizera sair da minha zona de conforto e tornara meus dias menos monótonos com sua espontaneidade. Eu não podia mais imaginar minha casa sem as coisas dela espalhadas por todo canto ou sem o reggaetón tocando alto. Melhor dizendo, a nossa casa. Ela já era minha família.
— Você não tem a sensação de que isso tudo é um sonho? — ela perguntou, desviando os olhos das arquibancadas para me encarar.
— Toda vez — respondi, rindo levemente. — Sabe o que acabei de reparar? Não tiramos uma foto com a taça, só nós dois.
— Caramba, é verdade. Ela tá com quem?
Olhamos em volta e a encontramos com Luka, Vanja e os filhos deles. Quando eles a liberaram, seguramos cada um em uma alça e posamos para o fotógrafo.
— É a filha de vocês? — Toni perguntou em um tom zombeteiro, apontando para a taça da Champions League.
Apenas mostrei meu dedo do meio para ele, que soltou uma gargalhada. Eu já tinha aceitado que minhas orelhas seriam motivo de zoação para o resto da minha vida.
Chegar em casa no final da noite foi ao mesmo tempo confortador e melancólico. Eu precisava muito descansar, mas não queria que as comemorações acabassem.
— Eu vou ligar para o presidente do Málaga amanhã e ver se ele pode me receber na terça — falou enquanto tirávamos os sapatos no hall de entrada.
— Pretende voltar no mesmo dia? Ou já vai ficar por lá e me abandonar de uma vez? — questionei, fazendo-a soltar uma risada alta.
— Não vou te abandonar, mon amour. Vou voltar no mesmo dia.
— Então podemos ir pra L.A. na quarta. O que acha?
— Perfeito — ela respondeu e voltou sua atenção para as correspondências que haviam sido deixadas sobre o aparador pela senhora que trabalhava lá em casa.
— O que é isso? — perguntei ao vê-la pegar um envelope decorado.
— É o convite de casamento do Griezmann.
— Você vai?
— Acho que não, senão a gente vai acabar passando mais tempo no avião do que aproveitando as férias.
— Pra confraternizar com o rival, ainda por cima. Não vale a pena — brinquei.
— Fica na sua. Se eu fosse, você iria comigo.
— Eu não consigo nem me imaginar no casamento do Griezmann.
— Nem eu — ela admitiu, rindo, e largou o envelope junto aos outros. — Acho que vou dormir o dia inteiro amanhã.
— É uma ótima ideia.
Em seguida, ela veio até mim e deu um beijo estalado em meus lábios antes de segurar a minha mão e me puxar em direção à escada.
25. La Vigesimoquinta
When you're not around, me quiero contigo
Todo cambió, is the right feel
Dime qué hacía antes de estar contigo"
Contigo - Mala Rodríguez
se lembrava com clareza da primeira vez em que estivera no museu do estádio de La Rosaleda, em seu último verão com Jérémy. Sabendo da exposição inaugurada pelo Malaga no final do ano anterior, aproveitara a viagem de carro pela Costa del Sol para conhecê-la. Naquela época, visitar estádios e salas de troféus era seu passeio turístico favorito. Desde que o futebol deixara de ser apenas uma brincadeira para se tornar sua maior paixão, ela tinha preferência pela parte técnica e tática, mas a histórica também a fascinava. Como alguém que tinha o objetivo de ser treinadora, ela sabia como era importante conhecer o contexto em que se dera a criação de um clube e toda sua trajetória ao longo dos anos para entender o presente. A história era a base de tudo.
Naquele dia de um passado não tão distante — que, na verdade, parecia ter sido há uma eternidade —, havia cruzado aquele mesmo corredor que mostrava uma linha do tempo dos mais de cem anos da história do Malaga, apresentando as diversas reestruturações sofridas pelo clube, os troféus conquistados e seus momentos marcantes. Enquanto traduzia algumas coisas do espanhol para o francês para Jérémy, jamais imaginaria que, anos mais tarde, estaria ali novamente, mas não como uma mera visitante.
— Com licença — disse uma voz feminina, fazendo-a tirar os olhos da foto em que a filha de 10 anos do prefeito da época dava o pontapé inicial de honra, na inauguração de La Rosaleda, em setembro de 1941, antes da partida entre Malaga e Sevilla. — O Presidente já está livre para atendê-la.
A mulher a acompanhou até a sala da presidência, onde Abdullah Al Thani a recebeu, na porta, com a mesma simpatia do dia em que os dois haviam sido apresentados por Florentino Pérez.
— Fique à vontade — ele disse, indicando a área mais acolhedora da sala, onde ficavam algumas poltronas e sofás em volta de uma mesa de centro. — Aceita alguma coisa para beber?
— Um suco de laranja bem geladinho seria ótimo. Está calor hoje. — se sentou, deixando a bolsa ao seu lado, sobre o sofá.
— Água para mim, Soraya. Por favor.
A secretária de Al Thani assentiu e se retirou da sala, fechando a porta atrás de si.
— Antes de qualquer coisa, gostaria de parabenizá-la pela conquista da Champions League — ele falou, se acomodando na poltrona que ficava na diagonal de . — Foi um grande jogo!
— Obrigada — ela agradeceu, esboçando um sorriso. — O jogo foi mesmo muito bom. A Juve também é um excelente time.
— O segundo tempo foi uma aula de futebol. Que temporada impressionante vocês fizeram, hein?
— Foi bem cansativa também, mas valeu a pena. Agora a gente pode descansar de consciência tranquila.
— Se ainda não souber onde passar as férias, será muito bem-vinda nos hotéis da minha rede. Tenho vários pela Espanha inteira, inclusive aqui em Málaga.
— Seria um prazer, mas já tenho tudo planejado.
— Então fica o convite para uma próxima oportunidade.
Soraya retornou com uma bandeja, os serviu com destreza e pediu licença mais uma vez.
— Bom, vamos ao que interessa — Al Thani começou, assim que a porta da sala se fechou. — Como você está sabendo, vamos disputar a segunda divisão na próxima temporada. Por conta disso, teremos muitas baixas importantes e precisamos de alguém para iniciar um projeto completamente novo, com o objetivo de retornar à primeira divisão. Eu conversei com o Nasser e recebi ótimas recomendações suas.
sorriu com a menção ao presidente do Paris Saint-Germain, com quem tinha uma ótima relação, e bebeu um gole de suco de laranja para se refrescar.
— O trabalho que eu fiz com o time feminino do PSG teve uma proposta bastante parecida — falou, apoiando o copo sobre a mesa de centro. — O rebaixamento tinha sido evitado por muito pouco na temporada anterior, então Nasser queria uma renovação completa, com o objetivo de competir com o Lyon, que esteve por anos numa posição bastante cômoda. Não ganhamos nada no primeiro ano, como já era de se esperar, mas incomodamos bastante eles e terminamos o campeonato em segundo lugar.
— Ele me disse que não sabia mais o que fazer, até que alguém falou de você e ele decidiu arriscar, mesmo que parecesse loucura à primeira vista.
— Para ser sincera, eu mesma achei loucura — ela admitiu, rindo levemente. — Talvez não desse tão certo se fosse hoje em dia, mas o contexto do futebol feminino francês daquela época exigia mais que se conhecesse o cenário do que uma longa experiência. E eu conhecia bem, sempre acompanhei o campeonato. O diretor esportivo da época sabia disso e me indicou. Outro ponto importante foi ter conseguido reunir uma comissão técnica que me complementava.
— Confesso que estou numa situação bastante parecida aqui. Acho que precisamos de uma revolução completa. Como a mídia tem falado bastante de você, principalmente depois do jogo em que você substituiu o Zidane, pensei: por que não? — o Presidente falou em um tom descontraído, levantando os ombros. — A experiência que você teve no Real Madrid seria muito bem-vinda.
— Não vou negar que o que você está me propondo é um desafio e tanto — falou, sincera —, mas isso é muito tentador, porque eu adoro desafios — completou com um sorriso divertido nos lábios.
— Esse é o espírito. — A risada de Al Thani ecoou pela sala. Ele se levantou, indo em direção à mesa. — Vamos falar de valores?
Voltou a se sentar na poltrona em seguida, com alguns papéis em mãos.
Quando deixou La Rosaleda uma hora mais tarde, tinha uma decisão a tomar a respeito da proposta que já não era apenas da boca para fora. Passou o endereço de um restaurante das redondezas para o taxista e, inevitavelmente, se perdeu em pensamentos enquanto observava as ruas de Málaga passarem pela janela. Apesar do calor que começava a se intensificar com a aproximação do verão, ela requisitou uma mesa na parte externa do estabelecimento que já conhecia da viagem de anos antes. O dia ensolarado estava bonito demais para não ser aproveitado ao ar livre.
Após passar os olhos pelas opções listadas no menu que o garçom lhe entregou, escolheu um prato composto por salmão, batatas e verduras. Para acompanhar, pediu que ele trouxesse o melhor vinho rosé que eles tinham. O vai e vem de pessoas na praça atraiu seu olhar quando o rapaz pediu licença e sumiu pela porta de vidro, mas ela não prestava realmente atenção no ambiente à sua volta. Sua mente estava ocupada demais, começando a enumerar as tantas coisas que poderiam dar errado se ela aceitasse ser a treinadora do Malaga.
Como, por exemplo, não ser capaz de montar um time à altura da competitividade de LaLiga 123, que ela sabia ser enorme.
Não ser bem recebida pela torcida.
Ou pior, pelos jogadores.
Era uma oportunidade de dar um salto e tanto em sua carreira, mas ela tinha medo de acabar caindo no meio do precipício.
Não tinha como negar que outra de suas preocupações era que a distância física provocasse um afastamento também emocional entre ela e . As coisas tinham acontecido de uma maneira tão intensa entre os dois, por estarem acostumados a se ver praticamente todos os dias desde que se conheciam, que a possibilidade de que o relacionamento deles esfriasse tinha que ser considerada. Conhecendo a si mesma, sabia que essa possibilidade era enorme. Querendo ou não, acabaria se envolvendo de corpo e alma com o trabalho e deixando a vida pessoal de lado. Ela terminara com Jérémy pelo mesmo motivo. Se pudesse escolher, preferia um rompimento que acontecesse subitamente do que ver seu namoro se desgastar com o tempo. A ideia de retribuir o amor de alguém com sofrimento a apavorava.
— Com licença. — A voz do garçom pegou de surpresa, fazendo-a voltar à realidade. — Te assustei? Me desculpe.
— Não tem problema. Eu que estava distraída — ela respondeu, rindo levemente, e o observou despejar o líquido de cor rosada na taça. — Obrigada.
Depois de bebericar o vinho, deixou a taça sobre a mesa e pegou o celular dentro da bolsa. Não perdeu a oportunidade de tirar uma foto do local em que estava, com o Teatro Cervantes de fundo, para, quem sabe, enviar para Jérémy depois. Naquele momento, só tinha uma pessoa com quem ela queria falar.
— Oi — disse ao atender a ligação depois do primeiro toque.
— Oi — ela respondeu sem saber muito bem o que dizer. Talvez só quisesse ouvir da boca dele que tudo ficaria bem. — Liguei pra avisar que estou almoçando num restaurante que fica perto do estádio, e vou dar uma volta pelas redondezas enquanto espero o horário do voo.
— Tudo bem. Como foi a reunião?
— Ótima. Ele quer fazer uma renovação. Parece que muitos jogadores vão sair, então vou poder montar um time com a minha cara.
— Você já aceitou?
— Não, eu falei que ia pensar e conversar com meu agente. Ele não precisa saber que eu não tenho um ainda — falou, rindo, e o escutou rir também do outro lado da linha. — O trabalho vai ser grande, então preciso dar uma resposta, no mais tardar, até o final do mês.
— Em termos financeiros, foi uma boa proposta?
— Ele me ofereceu quase o triplo do que eu ganho como auxiliar no Real Madrid.
— Ah, … Por que não aceitou de uma vez?
— Dinheiro não é tudo, .
— Me diz um motivo que você possa ter para recusar.
— Você? — ela deixou escapar e se arrependeu no momento em que o escutou suspirar.
— … Eu já te falei que, no que depender de mim, isso não vai mudar em nada o nosso relacionamento. Além do mais, eu odiaria ser o motivo de te fazer desperdiçar uma oportunidade como essa.
— Não é só isso. Eu também tenho medo de dar um passo maior do que as minhas pernas.
— Caramba, o dia de hoje vai entrar pra história!
— Por quê? — perguntou, rindo do tom divertido dele.
— Ver você insegura em relação ao trabalho é novidade pra mim.
— Ah, para! É claro que fico insegura às vezes. Estar inserida no futebol masculino ainda é algo novo. Tenho a sensação de que as coisas estão acontecendo rápido demais.
— Eu já esperava que oportunidades não fossem demorar a surgir. Você é a única treinadora no meio de um monte de treinadores. Acho que é normal que acabe se destacando e despertando o interesse das pessoas.
— O problema é que o destaque também vai ser gigante se eu não fizer um bom trabalho. Ainda corro o risco de fechar as portas para outras mulheres. Você entende que é muita responsabilidade?
— É claro que entendo, mas eu confio em você.
não pôde evitar esboçar um sorriso.
— Minha comida chegou — disse ao ver o garçom passar pela porta de vidro.
— Bon appétit — falou, fazendo-a rir levemente. — Eu vou te buscar no aeroporto.
Ela se despediu do namorado e desligou o celular, deixando-o sobre a mesa. Antes de começar a comer, soltou um longo suspiro. Se pegou desejando que pedisse que ela ficasse em Madrid, para não ter que ser a responsável por tomar aquela decisão. De qualquer maneira, não sabia se o usaria como desculpa para ficar ou se o acusaria de estar impedindo seu crescimento profissional para poder ir embora sem a culpa de deixá-lo para trás. O fato de ele ser tão compreensivo só tornava as coisas ainda mais difíceis.
— Please excuse me, I don't mean to be rude... But tonight I'm fucking you! — a plenos pulmões, cantava junto com Enrique Iglesias, que se apresentava com sua equipe de músicos e dançarinos para o público que lotava o Staples Center.
A semana na cidade dos anjos vinha sendo como uma fuga da realidade desde o primeiro dia. Ela e estavam, na verdade, hospedados em um hotel espetacular em Beverly Hills e passavam a maior parte do tempo na piscina, sem nenhuma culpa. Além do desejo de desanuviar a mente e se esquecer de que tinha uma decisão importante a tomar, estava empenhada em conseguir o bronzeado perfeito para contrastar com o vestido verde que comprara em uma das algumas saídas deles, que eram todas para fazer compras.
Tinha descoberto algo curioso sobre naquela viagem: que ele gostava de comprar roupas ao ponto de sair das lojas cheio de sacolas. Não que achasse ruim, muito pelo contrário. A respeito de si mesma, descobrira que adorava vê-lo entrar e sair do provador com peças que o deixavam ainda mais atraente. E, principalmente, de fazer comentários só para vê-lo sem graça, mesmo que ele já estivesse acostumado e nem ficasse mais tão sem graça assim.
Aquele sábado fora o dia mais atípico até então, pois os dois haviam tido a companhia de Karim, que chegara a Los Angeles pela manhã e ficara hospedado no mesmo hotel que eles para que, à noite, os três fossem juntos ao show do Enrique Iglesias.
— You're so damn pretty! If I had a type, then baby it would be you — cantou, segurando o rosto de , que estava debruçado no parapeito da arquibancada da área VIP. Estalou um beijo na bochecha dele, que apenas riu e a observou fazer uma dancinha divertida quando o refrão chegou novamente.
Karim estava logo ao lado, ocupado demais em rir de sua empolgação para prestar atenção no que acontecia no palco. No entanto, isso mudou quando Tonight (I'm Fuckin' You) chegou ao fim e Duele El Corazón começou. Não que tivesse preferência pela segunda música, sabia que a troca de dançarinos fora o que atraíra a atenção dele. Susana estava no meio do grupo que entrou em cena, com um figurino diferente do que vestia anteriormente, mas também bastante sensual, cheio de transparências. Ao vê-la se mover no ritmo que possuía uma maior influência latina, teve certeza de que Karim tinha, sim, uma música favorita agora.
Estaria mentindo se dissesse que não ficara boquiaberta ao ver Susi em ação logo na abertura do show, embora imaginasse que ela fosse mesmo uma ótima dançarina para trabalhar com cantores tão famosos. Ainda assim, suas expectativas tinham sido superadas. Em cima do palco, a mulher reservada e até mesmo um pouco tímida que conhecera no churrasco de confraternização dava lugar a outra que era o completo oposto. As outras dançarinas não ficavam para trás, mas a espanhola se fazia ser notada, movendo seu corpo tão graciosamente e esbanjando sensualidade. não sabia se existia algum tipo de hierarquia entre os dançarinos, mas era dela que Enrique, volta e meia, se aproximava enquanto cantava, como se fosse a musa inspiradora de suas músicas.
Não pôde segurar a risada quando olhou para o lado e viu Karim hipnotizado, olhando para o palco.
— Fecha a boca, senão a baba vai escorrer — disse ao pé do ouvido dele, fazendo-o esboçar um sorriso de lado.
surpreendeu ao abraçá-la por trás, balançando-a no ritmo da música, e os dois ficaram dançando juntos até o show ser encerrado.
— Susi pediu para a esperarmos aqui — Karim falou enquanto digitava alguma coisa no celular.
— Vou aproveitar pra me sentar um pouco. Estou morta. — adentrou o salão da área VIP e deixou seu corpo relaxar no estofado macio de um sofá. Os outros dois não demoraram a se sentar cada um de um lado seu. — Ah, meu Deus! Como eu amo vocês! — Passou os braços pelos ombros deles, puxando-os para mais perto.
— O que deu em você? — Karim perguntou em meio a risos, enquanto se limitou a rir.
— Eu espero que vocês saibam que são minhas duas pessoas favoritas no mundo inteiro — ela continuou, ignorando a reação deles.
— Mas eu sou o favorito, né? — o rebateu em um tom divertido.
— Ah, não! Sou eu que aturo ela há mais tempo.
— Os dois estão no mesmo nível, ok? — beijou a bochecha de Karim e, em seguida, deu um selinho no namorado.
— Ei, por que beijou ele primeiro? — questionou, fingindo estar ofendido.
— Porque sou o favorito! — o outro retrucou e soltou uma gargalhada.
Ela apenas rolou os olhos, rindo, e os soltou.
A área VIP estava praticamente vazia quando Susana surgiu a passos apressados, com os cabelos úmidos, vestindo uma calça jeans e uma camiseta cinza lisa. Karim foi o primeiro a se pôr de pé para recebê-la com um beijo suave. Em seguida, ela cumprimentou também e .
— Estão com pressa de ir embora? Pensei em levar vocês ao camarim do Enrique.
— Por mim, tudo bem — disse, dando de ombros. Benzema e também não demonstraram qualquer objeção, então Susi os convidou a segui-la pelos corredores da arena. — O Enrique é madridista, né?
— Sim! Ele fez questão de conhecer o Karim no dia do show de abertura da turnê.
— Imaginei que fosse. O pai dele jogou no Madrid quando era novo, até sofrer um acidente de carro e acabar virando cantor.
— Eu jamais imaginaria que Julio Iglesias tinha sido jogador do Real Madrid — Susana admitiu, rindo levemente. — Mas não sou um bom parâmetro. Não entendo nada de futebol.
— Fala sério, Susi! — Uma voz feminina atraiu a atenção deles quando passaram pela porta do vestiário, que, como puderam ver, estava bastante movimentado em seu interior. — Você vai assim à festa?
Com metade do corpo escondido atrás da porta, estava uma mulher apenas de toalha. pressionou os lábios um no outro, prendendo o riso, ao notar que havia desviado os olhos, sem graça.
— Eu não vou à festa, mas qual é o problema da minha roupa? — Susana perguntou com as mãos na cintura.
— Um pouquinho sem graça, né? — a outra respondeu, fazendo-a rolar os olhos.
— Gente, essa é minha amiga Belinda. Ela é dançarina também.
— Ah, agora entendi por que você saiu correndo quando o show acabou — Belinda falou, só então parecendo notar que Susi estava acompanhada. — Pena que a festa de hoje é só pro pessoal da equipe.
— Que festa é essa? — Karim perguntou à namorada.
— É uma after party para encerrar a primeira parte da turnê, já que vamos ter alguns dias de folga.
— Se quiser ir, não tem problema…
— Eu não teria combinado de jantar com vocês se fizesse questão de ir. — Susana deu de ombros. — Se divirta, amiga.
— Você também! — Belinda falou com um sorriso travesso.
Enrique Iglesias os recebeu no camarim como se fossem todos velhos amigos. Não apenas Benzema, com quem já tinha trocado algumas palavras semanas antes, mas e também. Entretanto, o bate-papo não durou muito, já que o cantor precisava atender alguns fãs antes de marcar presença na after party.
Os dois casais encerraram a noite no restaurante do hotel com um jantar tranquilo e combinaram de se encontrar na piscina, pela manhã, ao se despedirem no elevador.
Assim que acordou, escolheu um dentre os biquínis que tinha levado consigo para a viagem e o vestiu junto com uma saída de praia. Enquanto esperava trocar de roupa e fazer sua higiene matinal, enviou uma mensagem de texto para Karim, perguntando se ele e Susi já estavam acordados. Para sua surpresa, ele respondeu que estavam na piscina.
— Vocês madrugaram, hein? — falou ao se aproximar dos dois, acompanhada pelo namorado. Se abaixou para cumprimentar o amigo com dois beijos no rosto e, em seguida, Susana, que estava tomando sol na espreguiçadeira ao lado.
— Por mim, estaria dormindo até agora — Benzema disse, bocejando.
— Eu preciso acordar cedo pra ter a sensação de que aproveitei o dia ao máximo — Susi explicou, rindo levemente.
— Eu sou assim também… — disse , atraindo um olhar injuriado de .
— Tem certeza disso?
— Nas férias. Você não me deixou completar. — Ela o empurrou de leve com o ombro, rindo. — Já tomaram café da manhã?
— Ainda não. Estávamos esperando vocês dois — respondeu Karim.
— Então vamos lá. Estou começando a ficar com fome.
Os quatro foram até a área coberta em que ficava um bar e algumas mesas, mas não se demoraram muito. Logo estavam de volta à piscina para aproveitar a manhã ensolarada em que nenhum dos quatro pretendia fazer outra coisa além de pegar sol, nadar e jogar conversa fora.
tirou a saída de praia, ficando apenas com o biquíni roxo que possuía tiras pretas nas laterais da parte de baixo. Protegeu todas as áreas da pele que era capaz de alcançar com o protetor solar e pediu para ajudá-la a passá-lo nas costas. Depois, decidiu aproveitar a piscina ainda vazia e chamou Susi para dar um mergulho.
Enquanto as duas nadavam para se refrescar, e Karim ficaram sentados, conversando como bons amigos. De vez em quando, entre um mergulho e outro, se pegava olhando na direção deles. Não tinha sido levada muito a sério no dia anterior, mas estar na companhia dos dois a fazia se sentir em casa mesmo que do outro lado do oceano. Era impossível não parar para pensar em como seria não ter mais Karim por perto também, caso aceitasse a proposta do Malaga. Depois de três anos em que se viam apenas eventualmente, a amizade deles tinha sido retomada com força total.
— , pega uma limonada pra mim, por favor? — pediu, tomando impulso para se sentar na beira da piscina.
Ele foi até ao bar e, em alguns minutos, retornou com um copo decorado com rodelas de limão.
— Obrigada, mon amour.
— De nada — respondeu, se abaixando para depositar um beijo estalado em seus lábios antes de contornar a piscina e voltar à conversa com Karim.
tomou um gole da bebida gelada e notou a aproximação de Susana.
— Você e estão juntos há quanto tempo? — ela perguntou, apoiando os braços na borda da piscina.
— Uns seis meses? — respondeu sem muita certeza, enquanto fazia as contas mentalmente. — Aliás, nem isso. Começamos a namorar no Ano Novo.
— Tá de brincadeira, né? Eu pensei que tivessem anos de namoro!
— Nos conhecemos no ano passado, no início da temporada — ela explicou, rindo levemente. — Eu nem planejava entrar em um relacionamento sério, mas acabou acontecendo. Não tem muito como fugir quando a gente se apaixona.
— Sei bem como é. — Susi suspirou, olhando para o outro lado da piscina.
— Desculpa a pergunta indiscreta, mas você usava o Rendezvous só pra sexo casual?
— Na verdade, Karim foi o primeiro cara que conheci por lá com quem saí, mas a minha intenção era exatamente essa quando comecei a conversar com ele — ela admitiu, fazendo rir. — Meu último relacionamento foi um pouco complicado.
— Posso perguntar o que aconteceu?
— Fui traída. — Susi soltou uma risada sem humor. — Pelo menos isso me ajudou a abrir os olhos e perceber que tinha um relacionamento nem um pouco saudável. Pra você ter uma ideia, ele queria que eu largasse a dança, porque é profissão de puta. Eu ficava chateada, mas pensava que ele estava no direito de pedir isso, sabe?
— Entendo perfeitamente. Nunca tive um relacionamento assim, mas já testemunhei alguns.
— Hoje, vejo que ele nem gostava de mim. Só queria uma mulher bonita pra exibir nos eventos que ia todo fim de semana.
— Ele é famoso?
— Não, mas é empresário.
— E babaca nas horas vagas — falou ironicamente, fazendo-a rir. — O importante é que agora você está tendo a chance de conhecer alguém legal — acrescentou com um sorriso nos lábios.
A outra sorriu de volta e elas caíram em um silêncio confortável.
— Pronto — disse a voz feminina que saía pelo porteiro eletrônico.
— Oi, vó. É a — ela disse e, em seguida, pôde escutar o portão ser destravado.
empurrou o portão com a mão que não estava ocupada segurando três sacolas de lojas diferentes, e a seguiu pela escada estreita e cercada por plantas. Malika os esperava na porta de entrada da casa, com um sorriso aberto no rosto, e a envolveu em um abraço que foi retribuído de uma maneira um pouco desajeitada.
— Até que enfim você trouxe seu namorado aqui!
— Antes tarde do que nunca, né? — brincou e riu quando Malika puxou para um abraço, deixando-o um pouco assustado com a recepção mais calorosa do que esperava.
O aroma inconfundível, que sempre lhe trazia a sensação de estar retornando à infância, veio com tudo quando eles adentraram a casa em que seus avós moravam desde o início dos anos noventa, quando Zinédine a comprou ao começar a se firmar como jogador de elite. Era uma mistura dos cheiros de lavanda, café e da comida que sua avó estivesse preparando no momento.
— Eu trouxe presentes dos Estados Unidos! — disse, animada, levantando as sacolas, mas as deixou sobre uma poltrona para abraçar seu avô, Smail.
Apresentou a ele, a seu tios, Madjid e Nora, e a seus primos, Inès e Nassim. Por último, ela abraçou e desejou Feliz Dia dos Pais a Nourredine.
— Cadê minha mãe? — perguntou ao notar a ausência de Sylvie.
— Em Paris — ele respondeu, voltando a se sentar no sofá.
— O que ela foi fazer em Paris? — rebateu, surpresa, e ele apenas deu de ombros com indiferença. — Pai, que história é essa?
Nourredine se manteve em silêncio, assim como o restante dos presentes.
— , venha me ajudar na cozinha.
o olhou uma última vez antes de seguir Malika até o cômodo ao lado.
— Desde quando minha mãe está em Paris? — questionou sem demora, ansiosa por um esclarecimento. — Nos falamos ontem e ela não me disse nada.
— Faz alguns dias. — Sua avó apoiou as mãos no balcão e soltou um longo suspiro. — Seu pai deu até o final do mês para ela sair de casa.
precisou de um tempo para absorver a informação. A voz de Nourredine ecoou em sua cabeça, dizendo que somente não a mandaria embora porque Sylvie não tinha para onde ir. Semanas antes, ao escutar as palavras dele, ditas com mágoa, não imaginou que tivessem que ser levadas a sério. Não era apenas uma atitude imatura. Era cruel também.
— Meu pai enlouqueceu?
Fez menção de dar meia volta, mas parou no lugar em que estava quando Malika tocou seu braço.
— , hoje é Dia dos Pais.
Ela encarou os olhos suplicantes da avó e, por respeito a ela e Smail, não retornou à sala de estar. Além de idosos, eles apreciavam ter os filhos e netos por perto mais do que qualquer coisa na vida. A discussão que provavelmente teria com o pai se, naquele momento, insistisse em lhe perguntar sobre Sylvie faria muito mal aos dois. Ainda por cima, não os levaria a lugar algum.
— Engraçado, né? Era pra ele estar explodindo de felicidade — falou sarcasticamente.
— Vai pondo a mesa enquanto eu termino de fazer as coisas por aqui — Malika desconversou, colocando uma pilha de pratos de porcelana em suas mãos.
Enquanto arrumava a mesa para a refeição, teve tempo suficiente para se lembrar da promessa que tinha feito para si mesma. Se tratava de deixar que seus pais se resolvessem por conta própria, independente de qual fosse o desfecho. Em sua opinião, um pouco de conversa e honestidade poderia resolver tudo, ainda mais se tratando de um relacionamento de tantos anos, mas isso tinha que partir deles. Talvez os dois precisassem mesmo de um tempo afastados para enxergar as coisas com mais clareza.
— Vai ficar tudo bem — disse ao se aproximar, alisando suas costas carinhosamente.
— Espero que sim.
esboçou um pequeno sorriso antes de puxá-lo para um beijo rápido, que foi interrompido pela chegada de Malika.
— , diga para que ele pode se sentar onde preferir — ela falou, colocando uma travessa de batatas gratinadas sobre a mesa.
O almoço de Dia dos Pais, mesmo que com menos da metade dos Zidane reunidos, transcorreu envolto por um clima bastante agradável que fez relaxar aos poucos. Não queria desperdiçar uma das poucas vezes ao ano em que via seu tio Madjid e a família dele. Depois da refeição, entregou os presentes que tinha comprado em Los Angeles. Inès fez questão de experimentar o vestido que ganhara imediatamente, então as duas subiram a escada em caracol e se trancaram em um dos quartos de hóspedes da casa.
— Eu amei! Acho que vou com ele à festa.
sorriu, observando-a se admirar no espelho. O vestido acinturado possuía a parte de cima preta e a saia estampada com flores nos tons de rosa e lilás. Como imaginara que aconteceria, a peça caiu perfeitamente bem no corpo de menina que estava se transformando em mulher.
— Para falar a verdade, comprei pensando nessa possibilidade mesmo. Achei a sua cara e não sabia se você já tinha algum vestido para a festa.
— Eu estava em dúvida entre dois que tenho, mas esse é muito mais bonito. Obrigada, !
Quando voltou para o andar inferior, encontrou Malika mostrando os porta-retratos espalhados pelos móveis da sala de estar para e se aproximou dos dois, rindo.
— Você não está entendendo nada, né? — perguntou ao namorado.
— Estou, sim! — respondeu, empurrando-a de leve com o ombro. — Aquela, por exemplo, é de algum torneio de futebol que você participou.
Na foto para a qual ele apontava, exibia uma medalha de ouro, vestida com o uniforme do time em que jogava. De fato, tinha sido tirada depois de um torneio escolar que participara.
— Aquele ali no fundo é o Rémy.
— Sua avó me falou. Está vendo como dá pra gente se entender?
— Nessa daqui, está com o pequeno Luca — Malika disse, indicando uma fotografia em que ela segurava o primo ainda bebê no colo. — Querida, diga ao que estou muito feliz que ele tenha vindo nos visitar. Já fazia tanto tempo que você não trazia um namorado para conhecermos que isso é quase um evento — acrescentou, brincalhona, fazendo-a soltar uma gargalhada.
— Eu me recuso a dizer a segunda parte! — fez uma careta. — Minha vó disse que está muito feliz com a sua visita, .
— Eu também estou feliz por estar aqui — ele falou, abraçando Malika de lado.
sorriu, contente por vê-lo tão à vontade logo no primeiro contato com a matriarca da família Zidane. Apesar de normalmente ser mais reservado, não estava surpresa. Aquele era o jeito de sua avó, sempre muito carinhosa e acolhedora com todo mundo.
Sua atenção foi desviada quando o celular de Nourredine tocou. Ele foi até a pequena área externa, onde Malika cultivava algumas plantas, para atender a ligação. Ela aproveitou a oportunidade para se aproximar lentamente. Pôde escutá-lo combinar de encontrar alguns amigos mais tarde, ainda naquele dia, e esperou pacientemente até vê-lo finalizar a chamada.
— Gostou do relógio? — perguntou, fazendo-o levantar os olhos em sua direção. Referia-se ao presente de Dia dos Pais dele, um Apple Watch.
— Sim, obrigado. Vai ser muito útil para os meus exercícios.
mostrou um sorriso para ele e deu um passo à frente.
— Pai, será que a gente pode conversar?
— Se tiver a ver com a sua mãe…
— Não tem. Pode ficar tranquilo — garantiu antes que ele concluísse.
— Então pode seguir em frente.
— Bom, é o seguinte... Eu recebi uma proposta do Malaga. Já tive até uma reunião com o presidente e percebi que preciso de um representante, alguém para me orientar e me ajudar com essa parte mais burocrática.
— Zizou comentou comigo. Onde entro nessa história? — Nourredine cruzou os braços, mostrando-se interessado.
— Sei que você nunca foi muito a favor de me ver trabalhando com futebol, mas tem trinta anos de experiência com isso e seria ótimo se pudesse me ajudar.
— Ainda penso que esse não é um ambiente pra mulheres — ele disse, sincero —, mas já entendi que nada vai te fazer mudar de ideia. E, aparentemente, está dando certo.
— Pode ser que eu nunca passe de uma treinadora mediana, mas é isso que quero para a minha vida. Não cheguei até aqui pra desistir.
Por longos segundos, Nourredine a fitou em silêncio, e ela não tinha ideia do que se passava na cabeça dele. Seu pai sempre seria uma incógnita.
— Eu vou contatar alguns jornalistas — ele, enfim, disse. — A primeira coisa de que precisamos é que todo mundo saiba que você está negociando com o Malaga, se queremos fechar um bom negócio. Ou até mesmo pra receber outras propostas.
— Então você vai mesmo ser meu agente?
— Se é isso que você quer…
— Obrigada, pai. Isso é muito importante pra mim.
se sentiu aliviada. Fazia algumas semanas que aquela ideia povoava seus pensamentos, mas não tinha muita certeza de que ele aceitaria. Mesmo correndo o risco de se decepcionar, decidiu arriscar. Por algum motivo, ele parecia mais conformado em vê-la como treinadora.
— se deu bem com a sua avó, né? — Nourredine falou, indicando o interior da casa.
Malika tinha terminado de mostrar os porta-retratos a , mas, de alguma maneira, tentava manter uma conversa com ele.
— Quem não se dá bem com ela? — riu levemente.
— Da sua parte, isso é sério ou apenas um passatempo?
— Meu namoro? — ela perguntou, e ele meneou a cabeça, concordando. — Não é só um passatempo. Eu gosto dele.
— Ele te trata bem?
— Claro que sim, pai. Sei que você o conhece pouco, mas o é exatamente isso aí. Ele é uma pessoa muito honesta.
— Certo.
encarou Nourredine sem se importar em disfarçar a estranheza diante daquelas perguntas. Ele nunca tratara nenhum de seus namorados mal, mas também nunca havia demonstrado qualquer tipo de preocupação em relação a seus relacionamentos amorosos. Era algo inédito e bastante curioso.
— Eu só queria saber uma coisa, sobre a minha mãe... — ela disse, arriscando a sorte. Encarou o silêncio dele como uma autorização para prosseguir. — Você escutou o que ela tinha a dizer?
— , eu não consigo mais olhar para a Sylvie sem me lembrar que ela deu em cima do meu irmão, como se fosse uma…
Nourredine preferiu não completar a frase, mas ela captou a mensagem perfeitamente.
— Tudo bem — disse em meio a um suspiro. — Não quero me intrometer, só espero que você esteja muito certo do que está fazendo.
Os dois fitaram um ao outro por algum tempo. Ao perceber que ele não diria nada em resposta, apenas voltou para o lado de , que sorriu e passou um braço por seus ombros, puxando-a para perto de si.
estava de olhos fechados, enquanto a maquiadora espalhava a sombra por suas pálpebras com um pincel macio, quando ouviu a porta do quarto se abrir.
— Com licença. — Escutou a voz de Margot ecoar pelo cômodo. — Estamos todas vestidas por aqui, certo?
— Nada que você nunca tenha visto — ela brincou, apesar de estar com o corpo coberto por um roupão. — Você chegou cedo.
— Tenho uma coisa pra te contar.
— Boa ou ruim?
— Eu diria que desesperadora.
riu levemente e aproveitou que a maquiadora tinha se afastado para encarar a amiga. Se não a conhecesse há tantos anos, não diria que ela parecia abalada, vestida elegantemente com um vestido longo cor de vinho e com luzes recém-feitas no cabelo. No entanto, foi impossível ignorar a angústia refletida nos olhos dela.
— Pode começar, se não se importar de compartilhar com a Pauline também.
— Fique à vontade, minha boca é um túmulo. — A maquiadora fez um gesto como se estivesse fechando os lábios com um zíper. — Fecha os olhos de novo, . E tenta não se mexer, por favor.
Ao sentir a ponta do delineador deslizar perto de seus cílios, segurou com maior firmeza nos braços da cadeira para se manter imóvel. Pôde ouvir Margot soltar um suspiro e se sentar na cama.
— No fim de semana passado, o Rémy apareceu lá em casa do nada, querendo conversar. Ele basicamente se declarou pra mim. Disse que nunca me esqueceu completamente e me pediu uma chance.
precisou de muita força de vontade para não arregalar os olhos. Para sua sorte, Pauline era muito boa no que fazia e não demorou a finalizar o delineado.
— O que você respondeu?
— Nada, porque ele não me deu tempo. Só pediu pra que eu pensasse com calma e o procurasse depois.
— Eu chamei ele para a festa.
— Eu sei — Margot disse sem esconder a ansiedade que sentia. — Vai ser impossível agir como se nada tivesse acontecido.
— Você já tem uma resposta pra dar pra ele?
— Esse é o problema… Não — ela assumiu. — Me envolver novamente com ele não era uma possibilidade que eu considerava de fato, mas fiquei mexida depois de ele ter me procurado. Você acha que eu devo dar uma chance?
— Eu não tenho que achar nada — falou, rindo. — Se você tem dúvidas quanto a dizer um “sim” de cara, ou até mesmo um “não”, é melhor expor isso pra ele. Vocês precisam dialogar, coisa que não fizeram quando terminaram e muito menos depois disso.
— É, você tem razão.
— Será que ele tomou essa atitude por causa do Aaron?
— Você acha?
— Nos dê sua opinião, Pauline. Margot tem um ex-namorado que é nosso amigo, vive implicando com ela, e resolveu se declarar justamente depois de ela ter ficado com um amigo do meu namorado.
— Isso não faz sentido, ele já me viu ficar com um monte de caras!
— Foram casos de uma noite só? — a maquiadora questionou, e Margot hesitou, mas acabou confirmando com a cabeça.
— Mas esse também foi.
— É possível que ele tenha achado que poderia se tornar algo sério dessa vez.
— É o que eu acho — concordou. — Você não pretende ficar com o Aaron de novo, mas vocês vão voltar a se ver eventualmente. O contexto é um pouco diferente. Acredito que foi o empurrãozinho que faltava.
O quarto caiu em silêncio enquanto a maquiadora concluía seu trabalho, mas quase podia escutar os pensamentos de Margot, tamanha era a tensão que ela emanava. Não estava surpresa com a situação, pois já esperava que aquele dia pudesse chegar. Nunca fizera questão de esconder isso.
Depois de guardar suas coisas na maleta, Pauline pediu licença e se encaminhou para o quarto em frente, onde Inès e Lohenna se arrumavam. tirou o roupão e aproveitou a ajuda de Margot para colocar o vestido com cuidado, evitando amassar o tecido. Calçou também as sandálias antes de ir até o espelho antigo, que ficava no canto do quarto, para conferir seu visual completo.
Ao se ver com o vestido verde, de estilo mullet e cheio de babados, se sentiu ainda mais bonita do que quando o experimentara em Los Angeles. A maquiagem era simples, já que a festa aconteceria de dia, e seu cabelo estava preso em um coque apertado, deixando seu colo à mostra.
Uma batida na porta acabou por atrair sua atenção.
— Podemos entrar? — Lila perguntou, pondo apenas a cabeça para dentro do quarto.
— Claro que sim, tia! — concordou e a viu adentrar o cômodo seguida por Véronique. — Uau, vocês estão maravilhosas!
— Olha quem fala! — ela disse com as mãos na cintura. — Você também está linda, Margot.
— , você sabe se a Sylvie pretende vir à festa? — Véronique perguntou após cumprimentá-la com dois beijos no rosto.
— Ela não respondeu minhas mensagens, mas acredito que não vai ter clima pra isso.
— É melhor assim — Lila disse, e ela concordou com a cabeça em meio a um suspiro. — Vamos descer, garotas? Os convidados já começaram a chegar.
Organizada na área externa de uma mansão, em Marselha, a comemoração que reuniria todas as ramificações da família Zidane e amigos próximos estava apenas começando. Uma pista de dança se destacava no ambiente, localizada no centro do extenso gramado e rodeada por mesas. O bosque que cercava a propriedade era um charme à parte.
Parando no topo da escada que conectava a mansão ao jardim, fez uma pose exagerada ao ver o fotógrafo apontar a câmera em sua direção, como se estivesse em um tapete vermelho, e Margot se uniu à brincadeira. As duas desceram a escada aos risos e caminharam de braços entrelaçados pela grama, seguindo em direção à rodinha formada por e alguns de seus primos. Ela mal reparou nos olhos dele percorrendo seu corpo lentamente, pois estava ocupada demais o admirando no terno cinza escolhido para a ocasião. Se aproximou com um pequeno sorriso nos lábios e o beijou.
— Eu também senti saudades, — Luca disse ironicamente, fazendo-a encará-lo ao se afastar do .
— É impressão minha ou está rolando uma crise de ciúmes aqui?
— Não é ciúme, é indignação. Você não vê a gente há um tempão e cumprimenta justamente o primeiro!
— Ele está morrendo de ciúme — esclareceu a situação para , rindo, e deu alguns passos na direção de Luca. — Vem cá, cosita. Você sabe que eu te amo.
— Agora, não quero mais — ele rebateu, tentando se esquivar, mas ela segurou o rosto dele e o beijou na bochecha.
— Sabe o que é engraçado? Quando você está com a Bea, nem lembra que eu existo — ela falou em uma postura divertida, com as mãos na cintura. Em seguida, cumprimentou Beatriz e seus outros primos.
fez questão de apresentar para todo mundo, mesmo que soubesse que ele não seria capaz de decorar tantos nomes árabes em tão pouco tempo. De cara, ele se deu muito bem com Mehdi, seu primo mais velho que jogava em divisões mais baixas do futebol francês. Ele e a noiva, com quem se casaria no outono, acabaram até convidando eles dois e Margot para dividir uma mesa quando o almoço começou a ser servido.
— Olha quem chegou. — indicou as duas portas imensas que davam para o jardim e levou a taça de vinho aos lábios, escondendo um sorriso.
Margot olhou para trás em reflexo e se encolheu na cadeira ao ver Rémy.
— Eu devia ter bebido mais umas duas dessa — falou, pegando a taça de champanhe pela metade sobre a mesa.
— É só o Rémy, Margot.
— Isso é culpa sua, . — Ela bufou, irritada. — Falou tanto que a gente ia acabar voltando um dia que olha só no que deu!
— Vou começar a falar todo dia que vou ganhar a Copa como treinadora da Seleção... Quanto tempo será que leva pra acontecer?
— Isso mesmo, vai debochando...
Rémy foi parabenizar Zinédine, Nourredine e Smail, o que fez Margot respirar aliviada por mais alguns minutos, mas logo se juntou a eles. Com seu bom humor de sempre, ele cumprimentou todo mundo, inclusive Margot, espantando qualquer indício de constrangimento.
Com o passar do tempo, a festa foi se tornando cada vez mais descontraída, mas a pista de dança ainda estava vazia. Théo, Enzo, Drisse, Ryad e Jorhiam foram os responsáveis por inaugurá-la, imitando os passos de Bruno Mars ao som de Uptown Funk. Todo mundo parou o que fazia para assistir à pequena apresentação. podia apostar que a ideia partira de Théo, que fizera aulas de dança quando mais novo e era o que mais se divertia nas festas da família.
— Vamos dançar, Margot! — Ela se pôs de pé quando a música se aproximava do fim, contagiada pela animação dos primos. — Vem, anda logo! — acrescentou ao reconhecer Moves Like Jagger, do Maroon 5.
Margot fez sinal para que ela aguardasse, enquanto acabava com metade de mais uma taça de champanhe em apenas uma golada. a puxou em direção à pista de dança já se movendo no ritmo da música, e as duas se enfiaram no meio dos garotos.
— Aquele cretino está mais bonito do que o normal, né? — Margot falou ao pé do ouvido de , enquanto as duas dançavam.
— Acho que são seus olhos, amiga — respondeu também próximo ao ouvido dela, rindo.
Aos poucos, mais pessoas foram para a pista de dança, animando ainda mais a festa. Véronique foi uma delas. Com uma taça de champanhe na mão, se juntou a e Margot.
Algumas músicas depois, já começava a sentir algumas gotas de suor escorrendo pela nuca, então decidiu sair para pegar alguma coisa para beber. Ela caminhava de volta para a mesa quando seus olhos caíram na pessoa que acabava de chegar ao jardim. No topo da escada, estava Sylvie, com um vestido vermelho de decote ombro a ombro, que moldava seu corpo com um tecido justo que pendia até o chão. Sem pressa, ela desceu cada um dos degraus com sua típica postura elegante.
olhou em volta, constatando que não era a única que tinha a atenção inteiramente voltada para Sylvie. Não era de se estranhar, já que ela estava deslumbrante. Mudou seu rumo sem pensar duas vezes.
— Mãe, o que você veio fazer aqui? E o que é isso? — perguntou, só então notando que ela segurava um envelope.
Sylvie a encarou, analisando-a de cima a baixo.
— Eu sou uma Zidane, não sou? E vou ser pra sempre, porque sou sua mãe. Então tenho o direito de estar aqui.
— Tudo bem, mas qual é a necessidade de ficar provocando a fera?
— Estou mais consciente do que nunca dos meus atos, . A propósito... Não que isso seja uma novidade, mas você ficou linda com esse vestido.
Ela esboçou um sorriso antes de sair caminhando pela grama, em direção à mesa em que Nourredine estava com seus pais, irmãos e cunhados, como se estivesse em um dos desfiles de moda que costumava participar quando jovem.
demorou alguns segundos para entender a situação, mas, quando isso aconteceu, imediatamente fez o mesmo caminho que a mãe.
— Feliz aniversário, Nourredine — pôde escutá-la dizer em um tom cínico ao mesmo tempo que deixava o envelope sobre a mesa. — Aí dentro está a petição de divórcio. O meu advogado vai entrar em contato com o seu, então você pode repassá-la pra ele, mas achei que gostaria de recebê-la em mãos.
Assim como todos que estavam por perto e puderam ouvir as palavras ditas por Sylvie, ficou petrificada diante da cena.
Nourredine encarou o envelope por alguns segundos antes de levantar os olhos na direção dela.
— Eu não acredito que você veio mesmo fazer essa ceninha na frente da minha família — ele disse, rindo sem humor. — Ok, você já deu o seu recado. Agora, será que pode se retirar, por favor?
— Você está me expulsando? — Sylvie rebateu com um sorriso debochado, cruzando os braços.
— Sim, eu tenho o direito de não querer você na minha festa.
Ninguém ousou se pronunciar enquanto os dois se fitavam. A tensão que os rodeava era tão forte que era quase palpável. se deu conta, naquele exato momento, que o casamento de seus pais talvez não tivesse salvação.
Nourredine arrastou a cadeira para trás e segurou Sylvie pelo braço ao se pôr de pé. De imediato, Zizou e Farid se levantaram também.
— É melhor você me soltar — ela disse entredentes. — Eu sei o caminho.
— Então vá embora de uma vez — ele retrucou, se afastando —, ou eu vou ser obrigado a chamar os seguranças.
— Mãe, por favor — suplicou, tocando o ombro dela.
Sylvie meneou a cabeça quase imperceptivelmente, concordando, e se pôs a andar em direção à escada a passos largos. deu uma corridinha para acompanhá-la e a seguiu até o interior da mansão.
— Por que você não tentou conversar com ele em vez de fazer isso? — perguntou, fazendo o som que ecoava pelos corredores amplos e silenciosos, o dos saltos se chocando com força contra o piso de madeira, cessar.
Sylvie se virou para ela, mostrando seus olhos que brilhavam, cheios de lágrimas.
— Eu cansei de ser humilhada. Cansei! — ela exclamou, gesticulando de maneira frenética. — Eu não sou a única que cometeu erros na vida pra ser tratada desse jeito.
— Eu concordo, mas você só está piorando a situação.
sentiu um nó na garganta enquanto a observava tentar secar, inutilmente, as lágrimas que escorriam pelo rosto.
— Sabe de uma coisa, ? Estou arrependida de não ter me soltado das amarras do seu pai antes — Sylvie disse um pouco mais calma, mas com a voz marejada. — Passei uns dias na casa daquele meu amigo, Emmanuel, e tivemos a ideia de abrir uma agência de modelos. Ainda estamos analisando as possibilidades, porque queremos que seja um negócio inovador, mas acho que pode dar certo.
— Mãe, isso é ótimo! — falou, sincera. — Eu adoraria te ver trabalhando com o que você gosta.
— Não me vejo trabalhando com outra coisa. E seria legal poder oferecer aos modelos condições de trabalho melhores do que as que tive na minha época.
— Então você pretende se mudar de vez pra Paris?
— Se essa ideia for pra frente, provavelmente vou passar bastante tempo por lá.
— Você pode ficar no meu apartamento se quiser. Seria bom até pra não mantê-lo fechado por tanto tempo.
— Eu agradeceria. — Sylvie esboçou um sorriso fraco, em meio às lágrimas. — Preciso aprender a andar com minhas próprias pernas e, infelizmente, seria impossível ao lado do seu pai.
A conversa foi interrompida quando o som de passos se aproximando atraiu a atenção delas. surgiu com um semblante preocupado que se suavizou ao vê-las.
Sylvie puxou para um abraço apertado do mesmo tipo dos que, até recentemente, elas haviam trocado pouquíssimas vezes. Se despediu do com um sorriso e um aceno, de longe, e se retirou.
manteve seu olhar perdido no corredor por onde ela havia sumido até sentir o toque suave das mãos de em seus ombros.
— Eles vão se divorciar — declarou, sem esboçar qualquer tipo de sentimento, fosse positivo ou negativo, em relação a isso.
— É uma pena, mas, se é o que eles querem… Vai ser melhor pra todo mundo.
Ela apenas soltou um longo suspiro em resposta.
— Quer dançar? — perguntou ao pé de seu ouvido, fazendo-a se virar para encará-lo.
— Desde quando você me chama pra dançar?
— Faço qualquer coisa pra colocar um sorriso no seu rosto.
As palavras dele foram o suficiente para fazê-la sorrir.
Era a terceira vez que chegava ao fim de um parágrafo e se dava conta de que não havia prestado atenção em nem sequer uma palavra das que acabara de ler. Deixou o Kindle de lado, desistindo de colocar a leitura em dia naquele momento, e se deitou na toalha estendida sobre a grama. Admirou o céu aberto e com poucas nuvens por incontáveis minutos. O único som que ouvia era o do taco colidindo contra as bolas, que se dissipava pelo extenso campo de golfe particular que tinha no quintal de casa. Pensar que ele realmente havia investido em algo tão grandioso ainda a assombrava na mesma proporção da primeira vez em o escutara comentar sobre o assunto. Parecia absurdo até mesmo para alguém que era sobrinha de Zinédine Zidane e estava acostumada com grandes empreendimentos.
Situado nos arredores de , o campo de golfe de estava em construção há quase dois anos, quando ele comprara aquelas terras com a intenção de ter uma casa de campo em que pudesse se refugiar — e praticar seu hobby favorito, é claro — sempre que tivesse um tempo livre. Mesmo sem estar concluído, o que ainda levaria longos meses para acontecer, o local já cumpria seu papel.
se virou de lado, apoiando-se no cotovelo, e ficou observando concentrado em treinar para The Celebrity Cup, o torneio de golfe entre celebridades de que ele participaria. Ela precisava admitir que aquele estava longe de ser seu programa favorito para o último fim de semana das férias, mas não era de todo ruim. O pequeno esforço valia a pena se fosse para vê-lo fazer algo com tanto prazer.
Sem que se desse conta, seus olhos pararam de prestar atenção nos movimentos que fazia com o taco e se perderam no corpo dele, coberto apenas por um short de banho.
não acreditava em amor à primeira vista, aquele retratado em livros e filmes românticos, mas a sensação que tinha dentro de si era de que algo havia se encaixado no momento em que estivera cara a cara com e seus olhos azuis pela primeira vez. Ela se viu sentindo aquela ânsia de desvendá-lo, que crescia mais a cada vez que tentava se aproximar e ele não permitia.
Era um pouco engraçado admitir isso, mas, se havia sido o jeito mais retraído do que despertara sua curiosidade, fora a aparente indiferença dele que terminara de lhe desestabilizar por completo. O que mais a impressionava era que seus sentimentos em relação a ele não haviam se amenizado com o tempo. A atração física e emocional que sentia era a mesma, senão maior.
— Você deve estar morrendo de tédio — disse, indo até a bolsa de tacos que estava na parte traseira do carrinho de golfe para trocar o taco que usava por um outro. — Se quiser, podemos ir pra mais tarde.
— Te garanto que estou bastante entretida por aqui. — desceu os olhos pelo corpo dele, fazendo-o rir. — O que esse taco faz de diferente? — indagou, se pondo sentada.
— Aquele outro que eu estava usando é para distâncias longas. Esse, para distâncias curtas. Ele dá mais precisão.
— Me ensina a fazer uma tacada?
— Por que o interesse agora?
— Curiosidade. — Ela deu de ombros. — Já pensou se eu aprendesse a jogar golfe e ficasse melhor do que você?
— Não me surpreenderia se isso acontecesse, já que você é cheia de talentos. — sorriu. — Vem cá.
se levantou, enquanto ele posicionava uma bola para a tacada, e se aproximou.
— Segura o taco com a mão esquerda e coloca a mão direita um pouco mais abaixo — ele falou, lhe entregando o taco. Ela assim o fez, se posicionando com os pés paralelos, como via os golfistas fazerem normalmente. — Agora, flexiona um pouquinho os joelhos. Pronto, essa é a posição correta.
— E agora? Tem um jeito certo de bater na bola?
— Pra fazer o swing, você vai levantar o taco, girando apenas os ombros e o quadril. Depois, você vai descer três vezes mais rápido pra bater na bola.
— Só isso?
— Não é só isso, mas tenta fazer uma tacada para a gente ver o que precisa melhorar.
se concentrou, alinhando a extremidade do taco à bola. Seguindo as orientações, levantou o taco e fez o caminho de volta mais rapidamente. No entanto, a bola se manteve intacta, porque o que ela acertou foi apenas a grama.
— Para de rir! — exclamou, batendo com o taco de leve na perna de , apesar de ela própria estar rindo também. — Falando, parece muito mais fácil.
— É assim mesmo no início. Tenta de novo.
tentou mais uma vez, mas acertou a grama novamente, levantando um pouco de terra.
— Meu Deus, acertar essa maldita bolinha é mais difícil do que eu pensava!
— Calma, . É questão de prática — disse, rindo. — Deixa eu te ajudar.
Ele se posicionou atrás dela e colocou as mãos por cima das suas.
— Desse jeito é que não vou aprender nada mesmo — ela brincou, fazendo-o rir.
— Dobra um pouco os joelhos.
— Assim? — fingiu seriedade ao flexionar ligeiramente os joelhos, empinando a bunda mais do que o necessário de encontro ao quadril dele.
— Assim está perfeito — ele falou em um tom risonho. — Pra um bom swing você tem que relaxar. Deixa a gravidade guiar o movimento do taco e relaxa os pulsos na hora de bater na bola — explicou enquanto guiava as mãos de , ensaiando uma tacada. — E o mais importante: não tira os olhos da bola!
se afastou para que ela arriscasse mais uma vez. Um pouco mais de concentração somada às novas dicas fez a terceira tentativa ser bem-sucedida. O taco atingiu a bola, mandando-a para longe. soltou um grito de comemoração, largando o taco na grama, e pulou em cima dele, que a abraçou em meio a risos.
— Eu não disse? Você consegue aprender se praticar.
— E se o professor não ficar me seduzindo, né? — ela rebateu, fazendo-o rir.
Ele deu um beijo estalado em seus lábios, depois se afastou para pegar mais uma bolinha branca na cesta.
voltou a se sentar sobre a toalha. Pensou em retomar a leitura do livro de María Dueñas, mas observá-lo praticar tacadas enquanto comia batatas chips acabou sendo mais interessante. Não por causa do golfe. Definitivamente.
Algum tempo depois, se sentou ao seu lado e roubou algumas batatas do pacote. Ficou a encarando em silêncio e ela apenas retribuiu o olhar. Era um daqueles momentos em que não precisavam dizer nada para se entenderem. Foi ele quem deu o primeiro passo para iniciarem um beijo, e a deitou lentamente na toalha que cobria a grama. Suas pernas se entrelaçaram, aproximando seus corpos, e nenhum dos dois se importou com o fato de estarem no meio de um campo aberto.
sorriu em meio ao beijo quando sentiu uma das mãos de adentrar sua regata, a levantando até a altura de seus seios. Ele os acariciou e, em resposta, ela embrenhou os dedos no cabelo dele, bagunçando o coque da maneira como nunca se cansaria de fazer.
Apesar de estarem absortos nos carinhos que trocavam, não puderam se desconectar completamente da realidade por causa do toque do celular que se sobressaiu em meio à calmaria do ambiente.
— Deixa tocar — falou antes de descer os lábios até seu pescoço.
, no entanto, tateou a toalha em busca do aparelho.
— É meu pai — anunciou após ler o nome na tela. — É melhor eu atender. Pode ser importante.
Ele soltou um suspiro frustrado, mas também conformado, e se afastou, continuando inclinado sobre ela.
— Oi, pai.
— , acabei de receber uma ligação do Al Thani. Ele quer uma resposta.
— O problema é que ainda não cheguei a uma conclusão — ela respondeu, encarando os olhos de , que a observavam com curiosidade.
— Você precisa se decidir. Ele está começando a ficar impaciente, e com razão. Não é como se tivesse todo o tempo do mundo. Se você negar, vai ter que contatar outras pessoas.
— Eu sei, mas é que quanto mais eu penso nisso, mais fico em dúvida.
— Em uma hora, vou te ligar de novo, e você vai precisar ter uma resposta pra me dar. Se for positiva, nós iremos a Málaga amanhã mesmo pra você assinar o contrato.
deixou o celular de lado ao finalizar a ligação e soltou um longo suspiro.
— Al Thani está nos pressionando por uma resposta — disse ao namorado. — Meu pai me deu uma hora pra eu tomar uma decisão definitiva. Se eu aceitar, iremos a Málaga amanhã.
pegou o aparelho sobre a toalha e o estendeu a ela.
— Liga pra ele e diz que você aceita.
— Se fosse tão fácil assim, eu já teria feito isso.
— Você é que está complicando. — Ele riu. — Se é por medo de fracassar, faz parte. Independente do que acontecer nesse tempo que estiver lá, você vai sair de cabeça erguida, porque vai ter dado o seu melhor. Se é por causa do nosso namoro... , eu prometo que a gente vai se ver toda semana. Você pode ir a Madrid quando eu não conseguir te visitar, e vice-versa. A gente tem o privilégio de poder viajar sempre que quiser. Isso não é motivo pra você deixar de ir.
continuou encarando os olhos determinados dele. Nenhum dos dois havia tocado naquele assunto desde o início das férias. Estavam vivendo dentro de sua própria bolha, em um acordo mútuo e silencioso de aproveitarem aqueles dias sem se preocuparem com o futuro, mas deixara sua opinião mais do que clara desde o início. Se ele estava confiante de que a distância não afetaria o relacionamento deles, ela precisava acreditar nisso também.
— Ok, você venceu. — pegou o celular e digitou uma mensagem para Nourredine. “Pode reservar as passagens”, ela dizia. — Está feito.
— Espero não ter esse trabalho todo pra te convencer a aceitar meu pedido de casamento também — falou, fazendo-a levantar os olhos, surpresa com o comentário. — Calma. Isso ainda não é um pedido de casamento. Eu não abriria mão de um jantar romântico.
riu, rolando os olhos.
— Bom, já que vou assinar o contrato amanhã, não vou poder te acompanhar no evento.
— Era por isso que você não queria aceitar a proposta, né? Só pra me ver jogando golfe.
— É um motivo justo, né? Eu acho bem sexy — falou, fazendo-o esboçar um sorriso de canto. Sem quebrar o contato visual, escorregou uma das mãos até o cós do short jeans que ela vestia e abriu o botão. — Agora entendi por que você dispensou seus funcionários.
— Alguma objeção? — ele rebateu, descendo o zíper.
Ela o empurrou, fazendo-o se deitar. Passou uma perna por cima do corpo dele e se sentou sobre o quadril.
— Mon amour, você nunca mais vai pisar em um campo de golfe na sua vida sem lembrar de hoje.
Ela se pôs de pé para tirar o short sob o olhar cobiçoso de . Retornou à posição anterior em seguida e se inclinou para a frente para beijá-lo.
A tranquilidade das férias estava chegando ao fim, mas estava tudo bem fugir da realidade por mais algumas horas, até o pôr do sol oferecer o cenário ideal que aquele momento pedia.
No dia seguinte, estava no Aeroporto de Madrid-Barajas, esperando pela aterrissagem do voo que vinha de Marselha, quando seu celular tocou. Para sua surpresa, era Florentino Pérez.
— Oi, Presi — disse ao aceitar a chamada. — A que devo a honra da sua ligação?
— Olá, . Eu gostaria de conversar com você o mais rápido que for possível. De preferência, antes de você assinar o contrato com o Malaga.
— Se tivesse demorado mais um pouco, seria tarde demais. Hoje é seu dia de sorte. — Ela tentou soar espirituosa, apesar de, por dentro, estar sentindo o café da manhã se revirar no estômago. — Tenho um voo pra Málaga daqui a pouco.
— Onde você está agora?
— Em Madrid, no aeroporto.
— Você poderia me encontrar no Bernabéu? Prometo que não vai se arrepender.
— O que você me pede sorrindo que eu não faço chorando, Presi?
Assim que Nourredine chegou, contou sobre a ligação de Florentino. Os dois decidiram adiar o voo para Málaga e se dirigiram ao Santiago Bernabéu.
Na sala da diretoria, enquanto o esperavam finalizar uma ligação importante, podia ver Florentino sentado à mesa presidencial através do vidro. Ansiosa para ouvir o que ele tinha a dizer, ficou caminhando ao redor da mesa redonda em que aconteciam as reuniões entre os dirigentes. De um lado da sala, estavam expostas as doze Copas da Europa conquistadas pelo time de futebol ao lado das nove do time de basquete, além do troféu de melhor clube do século XX. Do outro, pendurados na parede, retratos de todos os presidentes do clube desde o primeiro deles, Julián Palacios.
Ela se lembrou de quando estivera ali um ano antes, acompanhada por Zizou, para assinar o contrato de assistente técnica do time principal. Era impressionante pensar em como uma temporada tinha o poder de mudar as coisas. A história representada naquelas paredes, que talvez lhe tivesse intimidado em um primeiro momento, agora já lhe era tão familiar que ela se sentia à vontade naquele lugar como se estivesse em casa. Independente do rumo que sua vida estava prestes a tomar, sabia que sua passagem pelo Real Madrid tinha a transformado para sempre.
Alguns minutos depois, Florentino pôs o telefone na base e, do outro lado do vidro, fez um sinal para que e Nourredine entrassem em seu escritório.
— Me desculpem pela demora. Essa época é sempre uma loucura, com as saídas e chegadas de jogadores — disse Florentino, os cumprimentando com apertos de mão. — Sentem-se, por favor — acrescentou, indicando a mesa quadrada de oito lugares em que costumava receber seus convidados. — Peço desculpas também por ter ligado de última hora, mas não teve outro jeito. Ainda não anunciamos oficialmente, mas Santiago Solari foi desligado do clube hoje, pela manhã. O que significa que precisamos de um novo treinador para o Real Madrid Castilla. — Ele deu uma pausa, esboçando um sorriso de canto. — Ou uma nova treinadora.
As sobrancelhas de se arquearam em surpresa.
— Você quer que eu treine o Castilla? — ela questionou, ainda absorvendo as palavras dele.
— Já tem um tempo que venho pensando nessa possibilidade, mas ainda não tinha certeza se manteríamos o Solari ou não. Quero que saiba que é a primeira das minhas opções.
— Me falar isso é golpe baixo — disse, fazendo-o rir. — Eu me sinto muito honrada, Presi. De verdade.
— A honra seria minha de continuar a ter você aqui no clube. Eu vi com meus próprios olhos como seu trabalho foi importante para ganharmos, principalmente, LaLiga, que é uma competição tão longa e que exige um olhar mais minucioso, jogo a jogo. Tenho certeza de que a sua metodologia cairia feito luva na nossa equipe filial. Sem contar que você conhece o time principal, sabe das necessidades dele. É importante mantermos e, inclusive, melhorarmos essa integração entre os dois times. O que me diz?
olhou para o lado, buscando apoio em Nourredine.
— Nós te daremos uma resposta até o final da tarde — ele disse a Florentino.
No táxi, rumo a La Finca, ela decidiu com o pai que, também até o final da tarde, daria uma resposta a Al Thani. Se tivessem que ir a Málaga, o fariam no dia seguinte.
Nourredine ficou na casa do irmão caçula, onde passaria a noite, e passou em casa apenas para deixar a mala.
— Ei, garoto! — exclamou ao passar pelo portão da casa dos tios e ser recebida por Athos.
A porta da frente se abriu, revelando a porto-riquenha que trabalhava para os Zidane desde que a família se mudara para a Espanha, em 2001.
— Olá, — ela disse com um sorriso simpático. — Seu pai está lá em cima, tomando banho.
— E meus tios?
— Eles foram para Ibiza. Voltam no domingo.
— Por favor, avisa meu pai que vou dar uma volta com o Athos?
— Pode deixar! Vou pegar a guia dele pra você.
Carmen entrou na casa e retornou em seguida. mostrou um sorriso em agradecimento e prendeu a guia à coleira do labrador antes de sair pelo portão, puxando-o consigo.
Como de costume, a zona de Los Lagos estava bastante silenciosa e tranquila, contrastando com a maneira como se sentia internamente. Ela odiava ter que tomar decisões, porque não podia evitar pensar em cada detalhe até ter certeza de que não iria se arrepender, no futuro, da escolha que fizesse. Apesar de saber que não era assim que a vida realmente funcionava, possuía aquela necessidade de ter tudo sob seu controle para manter-se tranquila. Era uma característica de sua personalidade da qual, um dia, ela esperava se desapegar um pouco.
perdeu a noção do tempo enquanto caminhava, sem rumo, pelas ruas vazias do condomínio. Por mais que se dedicasse ao futebol com tanto afinco justamente para abrir portas, não esperava, naquele momento, se ver com mais duas delas escancaradas. Talvez tivesse razão ao dizer que o fato de ser mulher a fazia se destacar em meio a outros treinadores, ela só não sabia se isso era algo positivo. Já bastava o sobrenome de peso que carregava. Não queria ter ou deixar de ter oportunidades por causa de seu sexo, mas, sim, por sua competência.
Quando foi se dar conta, estava perto do local que, sem querer, se tornara especial depois de servir de cenário para mais de um momento marcante dos últimos meses de sua vida. Desceu o declive, segurando a guia de Athos com firmeza, mas, em vez de caminhar até a ponte que cruzava o lago, se sentou na grama.
— Senta! — O labrador imediatamente obedeceu ao seu comando. — Bom garoto — disse, afagando o pescoço dele.
Por longos minutos, ela permaneceu com o olhar perdido no céu azul refletido nas águas calmas do lago. O silêncio apenas não era total porque, vez ou outra, um carro passava próximo dali. Um suspiro escapou pelos lábios de e ela fitou os olhos escuros do cachorro, que a observava como se estivesse ciente do dilema em que ela se encontrava.
— O que você acha que eu devo fazer? Aceitar a proposta do Malaga ou a do Florentino? — externalizou os questionamentos que fazia a si mesma, em pensamento. — Ou será que devo continuar trabalhando com meu tio por mais um ano ou dois?
Ela ficou o encarando por algum tempo, como se, de fato, estivesse esperando por uma resposta, e deixou escapar uma risada quando Athos quebrou o contato visual e deitou na grama. Pegou o celular no bolso da calça jeans, só então se dando conta de que estava sentada em cima dele. Suspirou, aliviada, ao constatar que não precisaria trocar o aparelho que tinha apenas três semanas de uso. A primeira coisa que fez ao desbloqueá-lo foi abrir a conversa com , mas ficou apenas encarando a foto dele, uma que ela tinha o obrigado a tirar, pois ele não trocava a foto de perfil há mais de um ano.
— Você acredita que eu já estou com saudade dele, Athos? Isso é ridículo, a gente se viu hoje de manhã!
desejou ter o superpoder de fazê-lo ficar online com a força do pensamento, mas “visto por último hoje às 09:11” continuou embaixo do nome de . De qualquer maneira, achou que seria melhor não comentar sobre a possibilidade de treinar o Real Madrid Castilla que havia caído em seu colo antes de tomar uma decisão.
Ela aproveitou que estava com o celular na mão para tirar uma foto, enquadrando Athos e um pedaço do lago. Ao abrir a galeria, seus olhos acabaram sendo atraídos para as imagens anteriores. Seu polegar fez a tela descer pelas dezenas de fotografias de suas primeiras férias com . Algumas bonitas, outras nem tanto, mas todas capazes de arrancar um sorriso bobo seu.
A mão livre de segurou o pingente que ela levava consigo quase sempre. Sua Bola de Ouro. Ela jamais esqueceria do dia em que teve seu almoço interrompido pelo para ser presenteada com aquele colar. Um pedido de desculpas que não esperava realmente receber, muito menos daquela maneira. Um gesto simples, mas muito significativo. Agora, ela podia ver com clareza que havia sido naquele dia que se tornara alguém importante em sua vida.
Aquele acessório representava o início do relacionamento deles, o momento em que cada um dos dois colocou um pé para fora de sua zona de conforto. Representava o ponto em que os caminhos deles se cruzaram.
Naquele momento, a única certeza que tinha era de que queria continuar sua trajetória ao lado de . Ter o apoio dele e apoiá-lo, assim como já vinham fazendo. Desejava que ele acompanhasse cada degrau que ela subisse em sua carreira, assim como esperava vê-lo conquistar coisas grandes de perto.
A verdadeira Bola de Ouro, por exemplo. Tinha consciência de quão difícil era que aquele feito se tornasse realidade, mas quem poderia saber o que o futuro reservava para eles?
— Eu não sei a quem estou querendo enganar — disse em meio a um suspiro, finalmente admitindo para si mesma o que, em seu coração, já estava mais do que claro.
Ela não queria ir para Málaga e era por isso que tinha adiado tanto tomar aquela decisão.
Desde que tinha idade suficiente para entender que, por causa de seu pai, sua mãe abrira mão de uma carreira e, mais do que isso, da própria individualidade, via Sylvie como uma mulher fraca. Véronique também, por mais que fosse uma ótima mãe, tia, madrinha. Por muitos anos, a maior certeza que tivera fora a de que nunca colocaria homem nenhum à frente de seus sonhos. Ela não queria ficar à sombra de alguém enquanto tinha um mundo inteiro lá fora, esperando para ser desbravado.
No entanto, não ficou surpresa ao perceber que não estava decepcionada consigo mesma por estar abrindo mão de uma oportunidade profissional que poderia alavancar sua carreira por causa de um namorado. Não era seu único motivo para querer permanecer em Madrid, mas o principal. Ela não tinha mais um olhar tão radical quanto àquele assunto depois de, finalmente, entender as escolhas de Sylvie, as de Véronique, e, principalmente, de encontrar alguém que, pouco a pouco, a fizera começar a questionar todas as certezas sobre a vida que tinha até o momento.
se pegou olhando o Instagram distraidamente, ainda perdida naqueles pensamentos. Uma história chamou sua atenção, causando um estalo em sua mente. Não por causa do conteúdo, que era apenas um prato de comida bem elaborado, mas, sim, pelo autor da postagem. Foi impossível não se lembrar das várias conversas que tivera com ele sobre esquemas táticos de futebol, sempre que os dois se esbarravam na Ciudad Real Madrid. Mesmo sem ter muita certeza do que estava fazendo, digitou uma mensagem direta e a enviou.
Álvaro Benito respondeu alguns minutos depois, convidando-a para tomar cerveja e comer tapas em La Latina, um bairro da região central de Madrid em que os bares e clubes noturnos não tinham hora para fechar.
Antes mesmo de descer do táxi, viu Álvaro em frente ao bar em que haviam combinado de se encontrar. Ele estava rodeado por um grupo de pessoas, conversando e tirando algumas selfies, mas se despediu delas assim que a viu se aproximar.
— Então você é mesmo um rockstar — ela brincou após cumprimentá-lo com dois beijos no rosto.
— Rockstar é um termo um pouco pesado — Álvaro riu —, mas é mais seguro subirmos para o terraço. Se ficarmos aqui, vai ter sempre alguém interrompendo.
concordou e o seguiu até o interior do estabelecimento. No caminho entre a entrada e a escada, mais algumas pessoas o cumprimentaram e uma moça pediu para tirar uma foto com ele.
— Pelo visto, sua banda é bem famosa — ela disse quando os dois se acomodaram em uma mesa colada ao parapeito.
— Um pouco — ele admitiu modestamente. — Era uma das que liderava o cenário pop punk do país nos anos 2000.
— Mas a banda ainda existe, né? Ou acabou de vez?
— Existe, mas o nosso ritmo diminuiu drasticamente. É um pouco difícil de conciliar com os meus trabalhos relacionados ao futebol.
— Posso imaginar. Como foi que você tomou essa decisão de deixar de lado uma coisa em que já estava consagrado pra começar do zero em outra?
Enquanto os dois saboreavam as cervejas e os croquetes de presunto que pediram, Álvaro contou mais detalhes de sua história, que conhecia por alto.
Não fazia muito tempo que ele havia subido para o time principal do Real Madrid quando uma lesão grave no joelho o afastou dos campos. Depois de ser operado, ele retornou ao futebol, mas continuou a ter problemas frequentes que o impediam de evoluir. Entre uma cirurgia e outra, foi à música que ele se agarrou ao começar a se dar conta de que nunca seria a grande estrela do futebol que sonhara ser. Aos poucos, o violão que ganhara do pai foi substituindo a bola. Quando decidiu se aposentar prematuramente, aos 27 anos, já tinha escrito um número suficiente de canções para gravar o primeiro álbum da banda que formara com dois amigos.
Os anos que se dedicara exclusivamente ao Pignoise haviam sido intensos e inesquecíveis, mas, depois de uma década, Álvaro sentiu que era a hora de fazer as pazes com o futebol. Além de participar eventualmente de programas esportivos como comentarista, ele iniciou seus estudos para investir em uma carreira como treinador de futebol e começou a dar seus primeiros passos. No Real Madrid, havia passado pelos times do Alevín B, do Cadete A e do Juvenil C até chegar ao Juvenil B.
— Já falei demais. Agora é a sua vez — Álvaro disse e tomou um longo gole de cerveja. — Você disse que tem uma proposta... Qual seria ela?
se recostou na cadeira e respirou fundo.
— Fui chamada pra ser treinadora do Malaga.
— Eu ouvi falar. Os jornalistas estão criticando bastante, né?
— Estão? Tenho me mantido distante da internet nessas férias.
— É melhor continuar assim. Não vai acrescentar nada na sua vida ouvir, desculpa o termo, esse monte de merda — ele falou, fazendo-a rir. — Mas não é só você que está sendo criticada, Al Thani também. Principalmente ele, na verdade.
— Por estar colocando o time na minha mão?
— Mais ou menos isso.
— Enfim… — abanou o ar, fazendo pouco caso. — Eu recusei. Florentino me chamou pra treinar o Castilla e, nesse momento, quero ficar aqui em Madrid.
— Uau, parabéns — Álvaro disse, admirado. — Conheço muito treinador de La Fábrica* que não vai gostar muito de ficar sabendo disso.
— Espero que você não seja um deles.
— Te garanto que não. Sei que o Florentino sempre sabe o que está fazendo, por mais que a gente não entenda no momento.
— Que bom que você pensa assim, senão não teria sentido estarmos aqui. — Ela riu levemente. — Você deve estar se perguntando o que tem a ver com isso.
— Pra ser bem sincero, estou mesmo.
— É o seguinte... Não tenho mais uma comissão técnica. A que eu tinha se desmanchou quando vim trabalhar com meu tio e cada um seguiu seu rumo. De qualquer maneira, quero contar com pessoas que conheçam bem o futebol espanhol e vão se adequar melhor ao que o time precisa. O único deles que penso em chamar é o preparador de goleiros, porque ele é ótimo e acho que cairia bem. — comentou sob o olhar atento de Álvaro. — Foi então que eu pensei em você. Pelas conversas que já tivemos, vejo que pensamos de uma maneira bem parecida e acredito que nos daríamos bem trabalhando juntos. Seria incrível te ter como segundo treinador e poder contar com a sua experiência como técnico e, inclusive, como ex-canterano do Real Madrid. É importante que os garotos tenham por perto o exemplo de alguém que subiu os mesmos degraus que eles até chegar no time principal. Se você não se importar de ser comandado por uma mulher...
Álvaro a fitou por alguns segundos e soltou o ar em uma risadinha.
— Eu não tenho problema nenhum com isso. Você não sabia que o futuro é feminino?
— O presente — ela rebateu em um tom divertido, piscando um olho. — Você acha que é uma boa ideia?
— Eu teria que pensar melhor sobre o assunto pra te responder isso, mas parece promissor. Recentemente, andei estudando os jogos do PSG com você no comando. Gosto de analisar o trabalho de outros treinadores e entender as decisões que eles tomam — ele explicou. — Acho que temos mesmo uma visão parecida do futebol e poderíamos aprender muito um com o outro. Não posso negar que estou surpreso, mas fico feliz que tenha se lembrado de mim.
— Então a bomba está na sua mão agora — concluiu, arrancando uma risada dele.
— Eu vou conversar com os caras que trabalham comigo, ok? Já que você tem um preparador de goleiros em mente, posso indicar um preparador físico. Acho importante a gente ter um readaptador também.
— A gente? Quer dizer que já somos um time? — ela questionou com um sorriso divertido.
— Não posso garantir que minha resposta vai ser positiva, mas estou considerando a possibilidade.
— Podemos combinar o seguinte — começou com maior seriedade. — Vou precisar resolver umas coisas fora do país e pretendo voltar na segunda. Na terça, vou começar a trabalhar em um novo projeto para o Castilla. Você poderia se juntar a mim pra ver o que pretendo fazer e se bate com o que planeja pra sua carreira.
— Perfeito.
— Ótimo.
Os dois se encararam por algum tempo, sorrindo, até que suas risadas quebraram o breve momento de silêncio.
— Mais uma cervejinha? — Álvaro questionou, chamando o garçom.
— Acho que vou embora. Está ficando tarde.
— Hoje é sexta.
— Faz parte de ter um namorado . Acho que peguei o costume dele de dormir cedo independente do dia da semana.
No entanto, decidiu ficar mais um pouco. Enquanto tomavam mais uma cerveja, foi sua vez de contar sua história. Do futebol, o assunto pulou para música. Apesar da preferência por estilos diferentes, o papo foi longe. ficou curiosa para ouvir a banda dele, então Álvaro pegou o celular e lhe mandou um link para que ela pudesse escutar depois.
Quando chegou em casa, tomou um longo banho de banheira, depois vestiu uma camisola de seda e se acomodou na cama. Ficou tentada a ligar para , mas descartou a possibilidade. Queria contar a novidade pessoalmente e, se falasse com ele, não conseguiria se controlar. Apenas enviou uma mensagem dizendo que estava em Madrid, devido a um contratempo, e que assinaria o contrato no dia seguinte.
Viu a notificação de mensagem direta de Álvaro e a abriu. O link a redirecionou para o aplicativo do YouTube, onde assistiu ao videoclipe de uma música chamada Sube a mi cohete. Achou engraçado vê-lo alguns anos mais jovem, de All Star e boné na cabeça, mas a música passava uma mensagem bonitinha. Ele cantava sobre seguir contra a corrente, desprender os pés do chão e ir para o espaço. Cantava sobre não ter medo de sonhar.
não sabia exatamente de onde surgira aquela ideia de chamá-lo para ser seu segundo treinador, mas sentia que ele era a pessoa ideal para isso. Seus pensamentos haviam se clareado no exato momento em que se dera conta de que treinar o Malaga não era seu destino. Pelo menos não naquele momento. Agora, tudo parecia simples. Ela encontraria alternativas, caso a resposta dele fosse negativa, mas esperava que Álvaro aceitasse “subir em seu foguete”.
A bola passou de raspão pelo pé direito de , mas ele não fez o mínimo esforço para impedi-la de entrar no mini-gol. Georgia correu pela grama do quintal, comemorando, e pulou nos braços de Frank.
— Ah não, tio! Você deixou a Gia fazer gol!
— Eu não tenho culpa se sou um péssimo goleiro — rebateu, disfarçando o riso ao ver Max de braços cruzados, emburrado. — Não precisa ficar com essa cara. A gente vai virar!
Ele passou a bola para o sobrinho, reiniciando o jogo, e saiu do gol para ajudá-lo a ultrapassar a irmã mais velha, que ficava cada vez melhor no futebol. Depois de driblar Georgia, ele largou a bola para que Max a chutasse. Frank abriu as pernas disfarçadamente, deixando-a cair na rede.
— Que golaço! — exclamou, estendendo a mão para trocar um high five com o garoto.
A porta que conectava a cozinha ao quintal se abriu e a cabeça de Deborah surgiu pela fresta.
— Crianças, vou cortar o bolo — ela disse e, em seguida, retornou para o interior da casa.
riu consigo mesmo, observando Georgia e Max cruzarem o quintal e subirem os degraus correndo para entrarem na casa também.
— Só um bolo de chocolate pra fazer esses dois largarem o futebol.
— Você não era muito diferente — Frank disse, sorrindo, e caminhou alguns passos até parar em sua frente.
— O que foi? — questionou, notando que os olhos dele o analisavam.
— Você sabe que pode conversar comigo sobre qualquer coisa, né?
— Claro que sim, pai. Por que está falando isso?
— Eu te conheço. Sei que algo está te preocupando.
não fez questão de negar as suspeitas de Frank, pois sabia que seria em vão. Junto com sua mãe, ele era uma das pessoas que mais o conheciam no mundo inteiro. Ele apenas fitou os olhos do pai e se permitiu ser contagiado pela segurança que eles lhe transmitiam desde que se entendia por gente. Deborah costumava ser sua confidente na maioria das vezes em que ele sentia a necessidade de conversar com alguém, mas nunca havia tido qualquer dificuldade para se abrir com Frank também.
— É a ... — disse em meio a um suspiro. — Ela está agindo de um modo estranho desde que foi para a Espanha assinar o contrato com o Malaga. Posso estar errado, mas tenho a impressão de que ela vai terminar comigo.
— Por que ela faria isso? Vocês estão se dando tão bem!
— Porque ela sempre deixou claro que namorar à distância é um problema. Estava tudo bem antes de ela ir. Do nada, começou a me evitar, a demorar horas pra responder minhas mensagens. Sem contar que não me ligou nenhuma vez desde sexta.
— Ela não vem pra hoje ainda?
— Pra terminar pessoalmente? — rebateu, mas sua afirmação soou mais como uma indagação. Percebeu que Frank disfarçou uma risada.
— Ok, digamos que você esteja certo. Vai aceitar isso calado? Não vai tentar mostrar pra ela que vocês podem ficar juntos, independente do rumo que as carreiras de vocês tomarem?
— Já falei isso mil vezes, pai. — riu sem humor. — O problema é que a é muito teimosa. Não sei o que esperar.
— Então fale duas, três, quatro mil vezes. Até ela entender.
— Sempre tentei mostrar que vou apoiá-la em qualquer situação e que podemos ser felizes juntos, mas não sei se é o suficiente — ele desabafou. — Às vezes tenho medo de que ela desista e pule pra fora do barco.
— Toda vez que tenho oportunidade de conversar com a , vejo que ela tem interesse em se aproximar da gente. Se não estivesse tão empenhada quanto você, não se daria o trabalho.
— Eu sei, mas… — levantou e deixou os ombros caírem, sem saber o que dizer.
— Você está vendo coisa demais por causa de uma insegurança que não faz sentido. Será que não está esperando demais de si mesmo?
— Por que vocês dois estão demorando tanto? — Deborah perguntou da porta, interrompendo a conversa.
— Já estamos indo — Frank anunciou. Em seguida, se aproximou de e colocou a mão em seu ombro. — Seja persistente. É o único conselho que posso te dar. Você nunca foi de abandonar as coisas em que acredita, então não tem por que ser diferente agora.
Eles caminharam até a porta. Debbie ainda estava lá, de cenho franzido.
— Está tudo bem?
— Sim, mãe. Não precisa se preocupar. — sorriu e beijou o topo da cabeça dela.
Depois de comer um pedaço do bolo de chocolate, ele pediu licença e subiu para seu antigo quarto. Se esparramou na cama e ficou encarando o teto, pensando sobre as palavras ditas por Frank. Que, volta e meia, ele se sentia inseguro em relação a não era novidade, mas será que isso acontecia porque ele esperava demais de si mesmo?
Naquele momento, se sentia de mãos atadas, como se estivesse à mercê do que quer que ela decidisse. Para investir em sua carreira, já havia rompido um namoro antes. Por que, daquela vez, seria diferente? O que ele tinha de especial para fazê-la mudar de opinião, se ela mesma admitira que achava que o namoro deles possuía prazo de validade?
Talvez ele realmente esperasse demais de si mesmo.
abriu os olhos, se deparando com a escuridão do cômodo, e, só então, percebeu que pegara no sono. Se espreguiçou antes de calçar o par de tênis que havia deixado ao pé da cama, e foi ao banheiro para escovar os dentes e ajeitar o cabelo. Assim que saiu no corredor, escutou a voz de em meio ao falatório que vinha do primeiro andar e se perguntou por quantas horas havia dormido.
A cena que encontrou na sala de estar arrancou um sorriso seu. estava sentada no tapete, ajudando Georgia e Max a montarem o quebra-cabeça dos filmes clássicos da Disney que os dois haviam levado para eles dos Estados Unidos.
— Por que ninguém me chamou? — ele perguntou, se fazendo ser notado.
imediatamente se pôs de pé, abrindo um sorriso que fez seu coração acelerar.
— Fui ao seu quarto, mas você estava dormindo tão profundamente que fiquei com pena de te acordar — ela explicou e o beijou rapidamente, nos lábios. — Preciso conversar com você.
As quatro palavras foram o suficiente para sentir uma sensação estranha dentro de si.
— Ok. Vamos dar uma volta.
— A gente pode ir também, tio? — Max levantou em um pulo.
— Não, senhor! Vocês vão pra cama daqui a pouco — Vicky falou, e ele voltou a se sentar no tapete, mas com uma careta descontente no rosto.
— Vou colocar o tênis — disse.
a seguiu até o hall de entrada com as mãos no bolso. Enquanto a esperava, viu a bola de futebol que seus sobrinhos haviam deixado por ali. A rolou para si com o pé e, em seguida, a impulsionou para cima para segurá-la com as mãos.
Fazia uma noite agradável do lado de fora, com um céu aberto e estrelado.
— Pra que a bola? — A voz de se sobressaiu em meio ao silêncio que tomava a rua, visto que o bairro em que os moravam era essencialmente residencial e os moradores costumavam se recolher cedo.
— Pensei em te levar ao campo em que eu jogava quando criança.
— A Debbie me mostrou, na outra vez em que estive aqui.
Os dois caminharam lado a lado até o campo em um silêncio que não era totalmente confortável, mas que também não chegava a ser incômodo.
— Por que você me evitou ao longo do fim de semana inteiro? — perguntou, largando a bola na grama.
brincou com ela, despreocupadamente, por alguns segundos, jogando-a de um pé para o outro, até levantar os olhos em sua direção.
— Eu recusei a proposta do Malaga.
Ele a encarou, chocado, ao absorver suas palavras.
— Mas você confirmou quando perguntei se tinha dado tudo certo com a assinatura do contrato.
— Eu realmente assinei um contrato ontem, mas não foi com o Malaga — ela admitiu, rindo levemente. — Florentino me ofereceu o Real Madrid Castilla.
— Sério?
— Eu tinha acabado de chegar a Madrid quando ele me ligou pra dizer que precisava falar comigo. Fui até o escritório dele com meu pai e ele me fez o convite. Era por isso que eu estava te evitando. Queria estar olhando nos seus olhos quando te contasse que vou ficar em Madrid.
abriu a boca duas vezes, mas não soube o que dizer.
— Eu não esperava por isso — falou na terceira tentativa.
— Tenho consciência de que recusar treinar o time principal de um clube com tanta tradição feito o Malaga foi loucura. Ainda mais porque eu poderia montar o time da maneira que quisesse. No Castilla, não vou ter muita autonomia, mas não é uma alternativa tão ruim assim. Não tenho muita experiência no futebol masculino e, mal ou bem, vou estar seguindo os passos do meu tio — disse, encolhendo os ombros. — Tenho que ser sincera com você. Também coloquei nosso namoro na balança. Ainda não me sinto preparada pra manter um relacionamento à distância.
— Eu não queria que tomasse decisão nenhuma por minha causa.
— Mais do que por você, fiz essa escolha por nós — ela falou com uma determinação que o fez sentir um arrepio correr pelo corpo. — Eu já estava até procurando apartamento pra alugar em Málaga, mas o que realmente queria era ficar perto de você. Pelo menos agora, que estamos começando a construir nosso lar. Foi um pouco difícil admitir isso pra mim mesma, porque vai contra todos os meus princípios. — Soltou um risinho. — A vida me fez querer ser e me tornou uma mulher autossuficiente. Eu poderia perfeitamente continuar sozinha, mantendo apenas relacionamentos casuais, a questão é que encontrei alguém com quem quero estar.
O coração de batia mais enlouquecidamente dentro de seu peito a cada palavra proferida por . Ele viu, mesmo com a fraca iluminação noturna, os olhos dela se encherem de lágrimas, que logo estavam escorrendo pelas bochechas.
— Eu que devia estar chorando depois dessa declaração de amor — brincou, fazendo-a sorrir.
— Estou chorando porque estou feliz — ela disse, secando o rosto com as pontas dos dedos. — Feliz por perceber que abrir mão de algumas coisas não é o fim do mundo. Que também posso ser feliz seguindo por caminhos que não estavam no meu planejamento.
andou alguns passos, se aproximando dela, e a envolveu em um abraço. o abraçou de volta, se aconchegando junto ao seu corpo.
— Não vou deixar você ficar abrindo mão de muitas coisas, porque foi justamente por essa mulher toda decidida que me apaixonei.
A resposta dela não veio em forma de palavras, mas, sim, em um abraço ainda mais apertado. levantou a cabeça e o encarou de perto.
— Mon amour, seus olhos são os mais lindos que já vi na minha vida — ela disse, finalmente, depois de um tempo, fazendo-o soltar um risinho. — Já que estamos aqui e hoje é o último dia oficial das minhas férias, vamos jogar um pouquinho — disse, se afastando com a bola no pé. — Crossbar Challenge?
— Quem ganhar escolhe onde vamos passar o recesso de fim de ano.
— Ah, não! Você vai querer passar o Natal jogando golfe.
— Se quiser fazer outra coisa, é só ganhar — ele rebateu, dando de ombros, com um sorriso divertido nos lábios.
*La Fábrica: Termo pelo qual as categorias de base (ou cantera) do Real Madrid são conhecidas popularmente.
Epílogo
— Você nunca vai enjoar dessa música, né?
apenas negou com a cabeça, sem deixar de acompanhar as vozes de Shakira e Carlos Vives em La Bicicleta. riu levemente, com os olhos voltados para o trânsito, e diminuiu a velocidade do carro ao se aproximar da entrada da Ciudad Real Madrid, acenando para alguns torcedores que estavam por ali.
Assim que ele parou o automóvel no estacionamento do time principal, saiu com a mochila pendurada em apenas um ombro. Ainda cantarolando a música que já não tocava mais, ela se aproximou de Toni Kroos, que havia acabado de chegar também, e bateu o quadril de leve no dele.
— Nossa, mas que alegria em me ver!
— Bom dia pra você também — ela disse, fazendo-o rir, e caminhou em direção à residência dos jogadores.
Seguida por e Toni, subiu até o refeitório, que estava bastante movimentado com a chegada do time para o reconhecimento médico.
— Acabei de descobrir que a melhor parte de voltar das férias é ver esse monte de homem bronzeado — ela falou em um tom divertido, arrancando algumas risadas.
— Você tirou as palavras da minha boca, — Lalie disse, se levantando da mesa em que tomava o café da manhã para cumprimentá-los.
— Esse comentário foi meio desnecessário. — fez uma careta descontente, fazendo as duas rirem.
— , que história é essa de que você vai abandonar a gente? — Isco perguntou, de braços cruzados, atraindo sua atenção para a mesa.
— Pensei que fôssemos uma piña — Lucas Vázquez disse, fingindo estar magoado.
— Ah, não me façam ficar com a consciência pesada! — ela falou dramaticamente. — Se ficarem com saudade das minhas broncas, é só irem até o campo ao lado — acrescentou, rindo.
Depois de ficar conversando com os jogadores por alguns minutos, se despediu de todos com um sentimento estranho no peito. Não tinha parado para pensar, até aquele momento, em como sentiria falta de fazer parte daquele grupo tão unido. Se retirou do refeitório e fez o caminho já bastante conhecido até a sala da comissão técnica do time principal.
— Bom dia — disse ao abrir a porta. — Só vim dar um oi pra vocês.
— Eu ainda tinha esperança de que você voltaria atrás e continuaria sendo minha assistente — Zidane falou, se levantando para abraçá-la. — Nada pessoal, Gutiérrez — acrescentou em um tom descontraído.
— Seja bem-vindo, Guti — falou, esboçando um sorriso simpático para o novo auxiliar técnico.
— Obrigado. Prometo que vou tentar te substituir à altura — ele respondeu, piscando um olho.
— , quero que escolha seis jogadores de linha do Castilla pra viajar com a gente na pré-temporada. De goleiro, quero levar o Luca. Seria ótimo se pudesse me passar os nomes depois do treino.
— Vou pensar no seu caso, tio — ela disse, contendo um sorriso.
Acenou para David Bettoni também e se retirou. Álvaro, Jesús, Paul e Fernando, seus novos companheiros de comissão técnica, a aguardavam para dar início aos trabalhos. Os cinco tiveram uma primeira reunião que, apesar de curta, deixou ainda mais otimista. Ela sentia um frio na barriga conforme os guiava até o vestiário, mas sabia que era mais por estar empolgada do que por qualquer outra coisa.
O falatório que tomava o ambiente cessou assim que eles cruzaram a porta. se colocou no centro e notou que os mais de vinte pares de olhos a fitavam com curiosidade. Não pôde evitar esboçar um sorriso conforme reconhecia cada um dos jogadores das fichas e vídeos que tinha analisado cuidadosamente.
Era um elenco formado por garotos de muito talento, mas que ainda estavam em formação e dependiam de suas orientações para crescerem no futebol profissional. Uma responsabilidade e tanta, pois sonhos de uma vida inteira estavam em jogo. Por mais que isso a assustasse, se sentia mais preparada do que nunca.
Fim.
BDO me proporcionou madrugadas muito divertidas, como a em que escrevi a cena em que a Lena descobre sobre a existência do Rendezvous. Muitas dores de cabeça também, até conseguir encaixar cada detalhe da história. Só Deus sabe como foi difícil dar um desfecho pra Sylvie e pro Nourredine, por exemplo. Não sei se fez sentido, se passei pano pros closes errados ou se eu mesma dei algum close errado, mas foi o melhor que pude fazer.
BDO me fez cruzar o caminho de pessoas que eu provavelmente não conheceria de outra maneira. Me trouxe amizades que vou levar pro resto da vida e outras com que eu talvez perca o contato com o fim da fic, mas que certamente vão estar guardadas na minha memória pra sempre.
BDO me ajudou a evoluir como escritora. Quando comecei a escrever essa fic, apesar de ter feito um planejamento um pouco maior do que tava acostumada, eu mal sabia o que tava fazendo. A história tem alguns detalhes que, se estivesse começando a escrevê-la hoje, eu mudaria. Por outro lado, BDO também me ajudou a entender que isso faz parte. Que história nenhuma sai perfeita de primeira, o importante é a gente dar o nosso melhor.
Eu não poderia deixar de falar também de Alaina Zidane. Uma protagonista que foi criada pra representar aquele sonho de adolescente de que falei anteriormente, mas que acabou mostrando que mulheres podem ocupar o espaço que elas quiserem. Mesmo que, no mundo real, ainda seja algo meio distante vê-las ocupando cargos importantes num time de futebol masculino. Além disso, a Lena me ajudou a me desconstruir em alguns aspectos que me fizeram, inclusive, abrir a mente pro futebol feminino. Hoje, me incomoda um pouco que BDO tenha passado a ideia de que ela só vai ser bem-sucedida no dia em que comandar um time masculino de expressão.
Fica aqui meu agradecimento a todo mundo que deu uma oportunidade a BDO de novembro de 2016 (quando comecei a postar) pra cá, e que ainda vai dar no futuro. É realmente incrível saber que tanta gente gostou da minha história, inclusive pessoas que nem acompanham futebol ou que passaram a acompanhar depois de ler a fic. Volta e meia aparece alguém me dizendo que se tornou madridista e/ou fã do Bale ou do Benzema por causa de BDO e não sei nem o que pensar sobre isso de tão surreal que é.
E, se você é culé, meus parabéns por ter chegado até aqui! hahahaha.
Ele nunca vai ver isso (e espero que nunca veja mesmo hahaha), mas vou deixar meu muito obrigada ao Bale. Por ter me inspirado a escrever BDO, que seria completamente diferente se o protagonista fosse outro (e isso quase aconteceu), por me entreter jogando futebol e por ser alguém tão admirável fora do campo também. Minha missão de transmitir a palavra de Gareth Bale não acaba por aqui!
Sobre a possibilidade de BDO ter uma continuação: sim, existe. Tenho muitas ideias, mas acho melhor não prometer nada. Foi por isso que preferi terminar esses 25 capítulos sem deixar nada em aberto. Sinto que essa história precisa descansar um pouco e também quero estar “livre” pra me aventurar em outras.
Mas não vou negar que um comentário fofito sempre pode ser uma motivação hehe.
Pra fechar essa nota gigante, vou deixar aqui um convite pro grupo do Facebook, se você não tá lá ainda. Em breve postarei novidades sobre uma nova história que já vem nascendo aos pouquinhos. Qualquer notícia que possa vir a existir sobre BDO2 também será postada por lá em primeira mão.
Obrigada e até mais! 💜