Envio: Março de 2021

Capítulo Único

abriu os olhos quando sentiu sua mão formigar, dormente com o peso que estava sobre ela. Piscou algumas vezes para que seus olhos se acostumassem e focasse no local em que estava mesmo sabendo exatamente onde se encontrava. Tinha dormido sobre seus papéis de composição, mais uma vez, já era a terceira noite seguida que a pianista ficava sobre o piano até adormecer.
Levantou à cabeça sentindo seu pescoço reclamar, será que dessa vez tinha adquirido um torcicolo? Não seria uma surpresa. Para tirar a prova, inclinou o pescoço lentamente para o outro lado, quando conseguiu completar o movimento, vibrou internamente, não foi dessa vez que ficara com o pescoço paralisado.
Espreguiçou os braços e empurrou para trás o banco em que sentava, colocou-se de pé, sentindo o corpo pesar e ao mesmo tempo o estômago roncar, fazia quantas horas que não comia? não tinha certeza.
Conforme caminhava até a cozinha, identificou algo grudado em sua bochecha, levou os dedos até o local e puxou a folha com várias cifras escritas, sem prestar atenção no que de fato era, jogou a folha no chão, não deixando com que isso a impedisse de seguir seu caminho até a pequena cozinha para preparar uma comida decente.
Weber era pianista de uma das maiores sinfônicas do mundo a Gremiors. A orquestra estava se preparando para uma apresentação no Shakespeare’s Globe Theatre*, eles seriam a primeira sinfônica a fazer um concerto completo de músicas autorais naquele teatro, um dos maiores do mundo. O repertório estava quase completo, exceto pela música de abertura que não conseguiam encaixar nenhuma, por esse motivo, decidiu que precisava se afastar para compor a música que daria início a apresentação.
Viajou de Londres para o interior da Suíça, seu país natal, escolheu a cidade de Zurobio*, a sua preferida, escolheu uma cabana e decidiu que só sairia dali quando sua música estivesse pronta, e ali estava haviam exatos treze dias.
verificou ao seu redor quando chegou à cozinha, procurando o que comer, nada do que viu fez com que seu estômago aplaudisse, não comia algo gostoso há tempos, assim como não tomava nada alcoólico e pensando nisso, decidiu que sairia para beber. Quando estava entrando na cidade, lembrava-se de ter visto um pub, ou algo do tipo, iria se certificar.
Após um bom banho e de escolher roupas confortáveis - não era adepta a usar o que a incomodasse - a pianista saiu da cabana. Seu carro estava estacionado a poucos centímetros da porta de entrada, por isso não teve dificuldade em correr até ele, quando sentiu o vento gelado cortar seu corpo. Poucos minutos atrás do volante foram o suficiente para que a morena chegasse no local que estava localizado na entrada da pequena cidade.
entrou no pub agradecendo pelo aquecedor. Já que esfregava suas mãos ao próprio corpo, ainda não suportava o clima, mesmo tendo vivido sua vida toda nele. Caminhou para o balcão do bar, queria uma bebida quente e forte, talvez assim conseguisse se animar para voltar ao trabalho logo mais.
A mesa que estava perto do balcão, era animada, quatro rapazes conversavam fazendo bastante barulho, os gestos das mãos eram exagerados, arrancando um sorriso simples de , que tinha as mãos agora no balcão, esperando ser atendida.
– Eu cansei de explicar a diferença, . – desviou o olhar ao ouvir a voz um pouco irritada. – Continue achando isso ou o que quiser. Você é um idiota.

A mesa mais uma vez explodiu em gargalhadas.
– Ainda bem que suas mãos raciocinam mais rápido que seu cérebro, senão você morreria de fome. – Um homem loiro que falava mais alto que o necessário, para o gosto de , deu um tapa na cabeça do outro homem.

rolou os olhos, adolescentes e suas crises existenciais. Poucos segundos depois o uma mulher se aproximou da pianista, tinha um sorriso gentil e usava roupas de cor preta.
– Já sabe o que vai querer?
– Sim, quero um absinto,* no capricho.

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virou mais um gole da cerveja enquanto ria, por causa do movimento que fazia com os lábios um pouco do líquido escorreu pelos cantos da boca.
Seu maxilar doía tamanha era a quantidade de rodadas em que liberava risadas sinceras e alegres. Quando recebeu o convite de Nick para comemorar o aniversário de um conhecido, pensara seriamente em recusar, não era adepto a festas e comemorações longas, pelo contrário sempre fora muito focado e disciplinado, entretanto, aquela temporada estava lhe arrancando todas as estribeiras, não sabia como acabaria a temporada e se teria alguma equipe para correr na próxima.
Sabia que seu inconsciente estava precisando de uma válvula de escape, ou então surtaria, tamanho era seu estresse. Por esse motivo aceitou e desde que havia colocado os pés naquela cidade, não se arrependeu por nenhum instante.
– Cara, vamos virar tequila. – Um Son totalmente embriagado se aproximou com uma garrafa e dois copos.
– Mas é claro que sim. – Concordou animado ao ver o amigo enchendo os copos. Sobre seus ombros conseguia enxergar Nick conversando com uma moça no bar e soltando inúmeras gargalhadas, parecia que todos estavam mesmo se divertindo.
– Em cima, ao lado, ao meio e em dentro. – Disse o outro de maneira embolada, tinha quase certeza que não era daquela forma que pronunciava, mas quando sentiu o outro bater o copo no seu, deu de ombros e virou por completo o líquido.

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– Parece que eu conheço você a anos. – Nick disse, apoiando o braço nos ombros de . – Coisa de vidas passadas, sabe? Quando eu vi você entrando, pensei, é a minha irmã. – Contou.

Todos estavam visivelmente bêbados, mas Nick parecia um pouco melhor, ainda não havia vomitado, ao contrário de , que se sentia enjoada apenas com o hálito alcoólico do russo.
– Você...eu te considero...– Declarou ele. – Você faz essas suas coisas...o que você faz mesmo?
– Toco, eu toco piano. – Respondeu com certa dificuldade com sua língua enrolada pela bebida.
– Então, você toca e eu...eu sou russo. A gente tem uma conexão. – Nick apontou para si mesmo e para em seguida. – Eu sinto...porque os outros...falsos, todos falsos...

Durante seu discurso, Nick abraçou pelo pescoço um de seus amigos, não se lembrava do nome dele. O homem cambaleou um pouco e tinha os olhos caídos, dormiria a qualquer momento, então, Nick o fez tomar o conteúdo de seu copo, afim de animar o amigo.
– Viu? É disso que você precisa. – Falou ele enquanto observava o homem virar o conteúdo do copo até a última gota. – O segredo é beber para melhorar.
– Eu estou bem, estou novo. – O homem disse piscando os olhos e cambaleando um pouco em seguida.
– Cara, eu amo você. – Nick começou a se declarar para ele de repente e aproveitou a deixa para sentar-se e apoiar a cabeça no balcão.

Nunca mais vou beber, ela pensou, sentia-se tonta, o bar inteiro rodava, as pernas não eram firmes, e o cheiro dos drinks reviravam seu estômago. Por melhor e mais divertido que noite tivesse sido, precisava ir para casa, queria vomitar em paz, em um banheiro limpo, se deitar sem se preocupar com o que fariam com ela, fugir antes que bebesse mais e precisasse ir para o hospital.
– Não é, Gina? – Nick a cutucou de repente.
– O que? – levantou o olhar para os dois homens. – Meu nome é .
– Eu falei com ele...falei que vocês dois...eu amo vocês, amo você, cara. – Declarou abraçando o outro homem.
– Eu te amo também, Nick. – O homem segurou o rosto de Nick nas mãos e olhou em seus olhos. – Eu quero vomitar.

Antes que Nick pudesse responder ou que o homem vomitasse, uma mulher que estava com o grupo surgiu com um par de algemas cobertas por uma pelúcia cor de rosa. O grupo gritou e comemorou, em seguida, a mulher roubou um beijo rápido do amigo de Nick, que não estava sóbrio sequer para negar, e entregou as algemas e a chave para Nick, pedindo que ele a algemasse ao homem bêbado.
Nick arregalou os olhos e sorriu, como uma criança que tem uma ideia travessa. apenas rolou os olhos, se a mulher soubesse das intenções do homem, jamais se algemaria a alguém que pretendia passar o resto da noite abraçado ao vaso sanitário para vomitar.
– Eu aposto que você não é capaz de ficar algemado com alguém. – Nick falou ao homem.
– Que? – Ele franziu o cenho e cambaleou mais um pouco. – Por que eu faria isso?
– Porque eu duvido que você consiga. – Nick piscou.
– Pode me algemar com ele. – A mulher que havia trago as algemas pediu.
– Não, é para ele só. – Nick negou. – Eu aposto, aposto o que você quiser que você não consegue ficar algemado a alguém.
– Eu quero vomitar. – Ele lembrou. – Vou poder vomitar algemado?
– Vai. – Nick sorriu. – Vai.
– Que coisa idiota. – resmungou e os olhares dos três se voltaram para ela.
– Eu duvido...– Nick sorriu gatuno.
– Não, não vou...
– Eu sei, você não consegue, né? – Nick provocou. – Não é todo mundo que consegue ficar algemado com alguém quando está bêbado.
– Eu consigo, não estou bêbada. – se defendeu. – Mas não vou.
– Você está bêbada sim. – O homem também a provocou.
– Não estou. Vou provar. – Negou e pôs-se de pé, em seguida dobrou um joelho, ficando sobre apenas um pé para provar seu estado. – Viu?
– Mas eu duvido que você aguente ficar algemada. – Nick provocou de novo. – Vai ser legal, engraçado. – Disse num soluço.
– Então por que você não se algema a ele? – inquiriu.
– Ora, alguém tem que ficar com a chave, não é? – Nick gargalhou.
– Isso é muito idiota. – resmungou.
– Você não consegue. – Nick provocou.
– Ela não consegue, pediria para abrir em dois minutos.
– Quem pediria? Você? Está falando de você, não é? – pôs as mãos na cintura, enfezada.
– Você. Eu duvido que você aguente ficar uma hora algemada. – O homem a provocou.
– Eu passo noites inteiras trabalhando, consigo ficar o quanto quiser algemada a alguém. – Retorquiu a pianista.
– Não consegue não, vai pedir para abrir rapidinho. – Ele a provocou.
– Com alguém como você, qualquer um pediria.
– Você está pedindo para perder, não é? – Ele sorriu e sentiu a cabeça esquentar de irritação.
– Nick. – Chamou o outro. – Pode algemar, vou mostrar para ele quem é que vai rir por último.

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Alguns raios de sol queimavam e esquentavam a pele fria da pianista, como se a derretesse aos poucos. puxou o cobertor para cima, tentando se proteger da luminosidade, mas sua mão esquerda ficou presa a algo, como se amarrada a um peso. Franziu o cenho e abriu os olhos, piscando algumas vezes até se acostumar a claridade, sua cabeça doía, tinha tido uma bebedeira daquelas.
Puxou o braço e percebeu uma algema, coberta por uma pelúcia cor de rosa. , o que foi que você fez, pensou ela franzindo o cenho e sentindo estômago congelar. Na outra ponta da algema, um punho masculino, mão grande e braço longo, quem quer que fosse, estava de costas para ela. puxou o braço algemado, tentando se soltar e acordá-lo, mas o homem sequer se moveu.
– Hey! – Chamou depois de alguns instantes. – Acorde.

Vagarosamente o homem se movimentou, parecia uma flor desabrochando tamanha era sua lentidão. Primeiro, esticou a coluna, depois os braços, bocejou demoradamente e então virou-se para . Quando seu olhar encontrou o olhar assustado da mulher, e a algema em seu punho a ligando ele, o homem gritou e tentou se afastar, mas tudo que conseguiu foi cair da cama. Por causa de seu peso e da algema, puxou a pianista que caiu sobre ele.
– Ai. – resmungou. – Mais cuidado!
– O que está acontecendo? Quem é você? Eu fui sequestrado? – Ele desatou a perguntar, tinha os olhos arregalados e agitados.
– O que? Acha que eu te sequestrei? – franziu o cenho. – Claro que não, idiota. – Negou rolando os olhos. – Eu não sei o que aconteceu, só sei que acordei algemada a um ogro.
– Ogro não. – Ele apertou os lábios. – O que você queria que eu fizesse? Me assustei. Imagina, acordar algemado a alguém...parece aquele filme, se beber não case.
– Já terminou? Podemos nos livrar disso agora ou você ainda tem mais coisas para falar? – Questionou irritada, levantando o punho para ele.

Os dois ficaram de pé com dificuldade, os movimentos precisavam ser ordenados e trabalho em equipe era tudo que não queriam a àquela altura.
– Onde eu estou? – Ele quis saber enquanto corria os olhos pelo lugar.
– Na minha casa. – bufou. – Quer dizer, não é bem a minha casa, é só uma cabana que aluguei por um tempo, para trabalhar em paz.
– Viu, só? E você ainda negou ter me sequestrado.
– Por favor, acha mesmo que eu teria sequestrado você? Pare, nem sei quem você é. – Ela rolou os olhos, cruzando os braços sobre o peito em seguida.
– Não sabe? – O homem arregalou os olhos. – Como assim não sabe quem eu sou?
– Pronto, agora ele vai ter complexo de estrela. – Provocou balançando a cabeça negativamente.
– Em que mundo você vive?
– No meu, ué. E talvez você nem seja tão importante assim, tão famoso quanto pensa. – disse com um risinho.
. – Ele lhe ofereceu a mão e arqueou uma sobrancelha, observando com cuidado o homem a sua frente.
. – Respondeu ao apertar a mão dele.
– Espera, eu me lembro de você, de ontem...seu nome não era Gina? – Ele coçou a cabeça confuso.
– Não, não era. – Ela negou enfezada e então pôs-se a pensar sobre a noite passada. – Noite passada...eu fui a um bar, tinha muita gente lá...
– Tinha mesmo. – assentiu.
– Eu me lembro de você. – contou com brilho no olhar. – Você é o cara que queria vomitar.
– É, aliás, acho que ainda quero. – pousou a mão sobre o abdômen.
– Nem sonhe em vomitar aqui dentro! – arregalou os olhos e se afastou da cama, puxando o homem com ela. – E eu quero fazer xixi.
– O que? Como isso? Quer fazer xixi comigo? – franziu o cenho confuso, acompanhando a mulher que o puxava.
– Claro que não, seu tarado. – Ralhou enquanto abria a porta do pequeno banheiro, se dando conta de que o vaso sanitário era longe demais da porta para que ele ficasse do lado de fora. – Aí meu Deus!
– É como dizem, nada melhor para estreitar laços do que fazer xixi com alguém. – provocou.
– Você está louco se pensa que vou fazer xixi com você aqui dentro. – desdenhou. – Eu consigo esperar até que a gente encontre essa maldita chave.
– Eu duvido. – Ele riu, enquanto fingia procurar a chave dentro de uma lata, levantando sua tampa rapidamente.

bufou e deixou o pequeno cômodo pisando firme, irritada com o visitante indesejado. Puxando consigo, ela começou a revistar os cobertores em busca da maldita chave. Pior do que acordar ao lado de um homem sem sequer se lembrar o que houve, era acordar algemada a esse homem, principalmente se fosse um tão irritante quanto aquele.
Estavam revirando o quarto pela segunda vez, lutava bravamente para conter sua bexiga quando , que pouco ajudou na busca começou a provocá-la:
– Sabe no que estou pensando, Gina? – Questionou sério.
– É e eu não sei se quero saber.
– Em cachoeiras. – Falou sorrindo e trincou os dentes. – Sabe, toda aquela água caindo, indo embora...o barulho...se lembra de como é o barulho, ? – precisou conter o riso diante a expressão irritada da mulher e o jeito com que ela juntou os joelhos, tentando conter a vontade de urinar. – Acho que é tipo assim, xiiiiiiiiiiiiiiiiii...– Vocalizou tentando imitar o som das águas.
– Eu odeio você! – gritou enquanto corria ao banheiro. – Fique aí, de costas. Não se atreva a olhar.
– Claro, parceira. – levantou as mãos em rendição, mas não conseguiu conter o riso.
– Você é uma péssima pessoa, Estevan. Péssima. – repreendeu irritada.
, , querida. – Ele a corrigiu erguendo o dedo indicador.
– Como se eu ligasse. – Desdenhou rolando os olhos. – Por que você queria tanto assim me ver fazer xixi? Que coisa mais sádica, cruel, sabia?
– Primeiro, queridinha, não queria te ver fazer xixi, até porque, não estou vendo agora...– Explicou e na mínima menção a se virar, o obrigou a dar-lhe as costas novamente com um grito. – Calma, calma...– Pediu numa gargalhada. – Eu não quero ver você nessa situação, só gosto de vencer apostas, sou competitivo.
– Vamos apostar quanto tempo vai demorar até que eu bata em você? – propôs se aproximando dele.
– Mesmo assim eu ganharia. – gabou-se e revirou os olhos mais uma vez, caminhando para fora do banheiro. – Ou, querida, as mãos? Vai lavar as mãos. Que nojo!

– Precisa ter alguma chave. – choramingou revirando a bolsa, jogada num canto perto da porta. – Vamos, chavinha, apareça.
– O que aconteceu noite passada? – cruzou os braços pensativo, puxando o punho da mulher.
– Algo bem idiota, com certeza. Será que você se incomodaria em ajudar? – Ela perguntou sarcasticamente.
– Você tem um grampo aí?
– Grampo?
– É. – Ele sorriu. – Já vi fazerem isso em um filme, sempre funciona.
– Não vai funcionar, é um truque. – balançou a cabeça negativamente. – Não vai.
– Para de ser ranzinza, Gina. – provocou e se aproximou dela, esticando as mãos e segurando a cabeça de .
– Que droga você acha que está fazendo? – Questionou chocada.
– Procurando o grampo, ora. – Ele deu de ombros, em seguida, arrancou um dos grampos do penteado da noite passada que a mulher ainda ostentava. – Viu, nunca se sabe o que dá para encontrar no cabelo de uma mulher.

piscou maroto, apoiou o pé calçado com uma meia amarela na cadeira, depois começou a cutucar a algema com o grampo. mordeu o lábio, tentando conter o riso, a combinação das meias amarelas, e o esforço que ele fazia para abrir as algemas o deixava parecendo uma sátira do 007 muito ruim.
– Será que eu devia tomar meu café enquanto você tenta? – o provocou. – Afinal, você tem todo tempo do mundo, não é?
– Ah, fique quieta. – resmungou. – Pelo menos eu estou tentando.
– Meu sobrinho de dois anos teria ideia melhor.
– Ah, é? E qual a sua brilhante ideia? – Ele quis saber com cara de poucos amigos.
– Uma chave de fenda, uma faca, qualquer coisa...– riu entredentes, debochando da escolha dele e se dirigiu a cozinha.
– Você tem que parar de sair por aí me puxando assim. – Reclamou. – Eu tenho opinião própria.
– Você está na minha casa, sua opinião não conta. – rolou os olhos enquanto enchia um copo com água e procurava um analgésico.
– Um para mim também, por favor. – Ele pediu. – Já te disseram que para alguém do seu tamanho, você é extremamente mal educada?
– Do meu tamanho? – gargalhou, entregando a ele um copo e o medicamento. – É fácil julgar as pessoas daí de cima, não é? Slenderman. – Provocou e ele arregalou os olhos.
– Slenderman? Por favor, quantos anos você tem? Seis? Tem altura de alguém com seis anos, mesmo. – Ele devolveu.
– Quem é o infantil agora? – levantou o nariz.
– Você. – acusou.
– Eu não estou usando as meias amarelas do Ronald Mcdonald.
– Que abuso! – Reclamou. – Isso é trabalho querida, trabalho. Vestir a camisa da empresa, ou da empresa antiga... – Defendeu pensativo.
– Claro, o cheiro horrível do seu cabelo é bem parecido com o daquela lanchonete horrorosa. – rolou os olhos, deixando de dar atenção ao homem para beliscar um pedaço de pão de batata.
– Já chega...– Ele deu de ombros e tateou os bolsos em busca do celular. – Vou pedir o resgate, não aguento mais dois minutos com você.

– Fora da rede. – leu no visor assim que o acendeu. – Não, não brinque comigo agora, Steve Jobs.
– O que? – arregalou os olhos e puxou pela cabana, em busca de seu celular.
– Me diga que tem sinal. – Ele pediu. – Sem rede. – Disse caindo sentada sobre o pequeno sofá. – Não acredito. Ai, e agora?
– Para sua sorte, eu sou um motorista muito rápido. Um piloto muito bom, você deve saber. – sorriu de canto e puxou até a porta, planejando sair da cabana e ir até a cidade. – Deve ter algum chaveiro neste fim de mundo.

Quando girou a maçaneta, abrindo a porta, seus olhos se espantaram ao perceber a quantidade de neve acumulada, cobrindo toda extensão que seus olhos alcançavam, além da neve que caía sem se preocupar com a necessidade dos dois de deixar aquela cabana. O frio do lado de fora os congelou até os ossos, por isso, com olhos arregalados, os dois mais que depressa fecharam a porta, escondendo-se atrás dela.
– Sabe, não sei quanto a você, mas eu nem estou com tanta pressa assim. – Ele falou e deu de ombros baixando as sobrancelhas e torcendo para baixo os cantos da boca.

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– Isso só pode ser um grande sonho idiota. – murmurava enquanto olhava para o celular, não era possível que em pelo século vinte e um, e com aparelhos modernos, ainda poderiam ficar sem sinal. – Eu não posso ficar sem sinal, preciso pegar um voo em doze horas.
– Você é um reclamão, eu tenho que pegar um voo em doze horas e ainda preciso terminar de compor, ou seja, bem mais ferrada que você.
– Ah, Gina, mas é claro! Me desculpe a insolência de rebaixar seu compromisso profissional ao meu, um pobre plebeu no castelo da grande princesa Gina! – Ironizou o piloto com a voz afetada, a musicista rolou os olhos irritada, ainda estava cedo ou já podia matar aquele idiota?
– Ao invés de você estar reclamando tanto, deveria colocar essa joça que tem no pescoço para pensar, isso se você sabe fazer isso. Nós precisamos achar uma forma de sair daqui.

respirou fundo e olhou ao redor tentando identificar onde é que estavam e o que poderia fazer para conseguir alguma ajuda. Não poderiam ficar de braços cruzados sem fazer nada, tinha uma corrida para disputar, se não comparecesse aquela corrida, sua carreira estava acabada e ele ainda nem havia sido campeão mundial ainda.
– Vamos sair, venha. – Anunciou o homem começando a caminhar, sentiu o corpo ser arrastado e firmou os pés no chão, impedindo-o de prosseguir. – Qual é o seu problema? – Bufou irritado.
– Como assim vamos sair?
– Saindo. Caminhando com os pés até a porta e depois sair, simples assim. Mas é uma mágica super nova, imagino que você não deva conhecer. – A ironia em sua voz fez com que se xingasse mentalmente, como foi capaz de se aproximar desse cara? Culpa da bebida, para não estar mais em nenhuma situação parecida, valia até a pena prometer não beber nunca mais.
– Está uma nevasca lá fora ou se esqueceu do primeiro momento que abriu a porta?
– Gina, eu não posso ficar aqui! Eu tenho que me apresentar em outro país para correr, se o celular não funciona, precisamos achar alguma coisa que funcione. – Explicou com gestos insistentes.
– Eu também já disse que não posso ficar aqui, só que tem uma nevasca lá fora, não podemos sair simplesmente andando por aí!
– Nós vamos de carro. – Disse o óbvio e cruzou os braços sobre o peito, por causa das algemas teve o corpo puxado para frente.
– Então preciso me agasalhar, não quero morrer congelada dando uma de Jack.
– Ainda bem que você será o Jack, pois eu serei a Rose e não vou te ceder meu pedaço de madeira.
– Você é insuportável. – Ela saiu pisando firme em direção a sua mala onde vestiria vários casacos para se esquentar e não daria nenhum para aquele idiota, ele iria morrer congelado junto com sua língua gigante.

não conseguiu vestir nenhuma roupa de frio, pois as algemas não permitiam que as roupas entrassem, então pegou vários lenços para enrolar no pescoço e jogar sobre os ombros, enquanto gargalhava da tentativa dela para se esconder do frio.
– Eu odeio você, vamos logo sair daqui e achar essa bendita chave.
– Claro, madame. – Ainda com um sorriso nos lábios ele seguiu a moça, abriram a porta da cabana e saíram de casa, ignorando a quantidade absurda de neve que se amontoava não pista, demoraram alguns segundos para conseguir chegar ao carro, por causa do piso escorregadio, mas enfim chegaram ao veículo. – Graças a Deus, vamos logo.
– Espera, cadê meu carro? Eu fui para o bar com ele ontem. – Estava confusa.
– Não faço ideia, sei que esse é o meu e provavelmente viemos nele. – Abriu a porta do motorista e sentou-se no volante, permaneceu parada observando o homem que uma irritação clara. – Qual é o problema dessa vez.
– Não posso entrar.
– Por qual motivo?

rolou os olhos e permaneceu seria, balançando levemente a algema que a impedia de rodear o carro para assumir o banco do carona.
– Droga. – Resmungou ele, antes de sair do carro.

entrou pelo banco do motorista, se arrastou até conseguir passar para o outro lado e finalmente se acomodar no banco de couro, foi puxado para seu assento, assim que tudo parecia correto, ligou a chave na ignição e deu partida no carro.
– Espero que você saiba dirigir, sou muito nova para morrer.
– Ah, querida. Eu dirijo para viver, é o que faço de melhor.
– Dirigir é sua profissão?
– Sim, sou piloto de fórmula um.
– Não corra, por favor, vá devagar. – Fechou os olhos com o pedido.
– Você tem medo? – desviou os olhos da estrada para encarar a morena, estava com os olhos fechados e as duas mãos cerradas no pulso.
– Não.
– Então não se importa se eu fizer isso, certo? – Girou o volante e começou a fazer ziguezagues com o carro, deu um gritinho e permaneceu rindo.
– Não, não, não, isso não está acontecendo, isso não pode ser verdade. – A voz alta e assustada fez arquear a sobrancelha, será que tinha medo assim ao extremo?
– Está bem, vou parar não precisa ter um ataque de pelancas.
– O quê? Não é isso, olha ao seu redor. Está tudo fechado.

fez o que a moça disse e girou os olhos pela cidade, não havia nenhum estabelecimento aberto, tudo que existia na cidade, nem uma alma viva, quase a cidade fantasma de The Walking Dead.*
– Eu não estou acreditando nisso. – Pisou no feio com brutalidade, fazendo o carro parar rapidamente.
– Que dia é hoje? – Uma luz estralou em sua mente, não podia ter se esquecido daquela data.
– Dezenove de junho. – Ele respondeu rápido, sabia a data daquela semana, pois tinha um compromisso com sua equipe.
– Merda, mil vezes merda.
– O que foi?
– É Stadsfödelsedag* – Resmungou irritada. abriu a porta do carro e saiu ligeira, sem se preocupar com que foi praticamente arrastado para fora devido às algemas que os prendiam. – É aniversário da cidade, não vai tem nada aberto. É totalmente sagrado.
– Mentira. – Ele bufou. – E agora o que vamos fazer.
– Eu sei de um lugar que podemos ir. – Depois de pensar um pouco, abriu um lindo sorriso antes de começar a caminhar.

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– Você poderia parar de me arrastar por aí como um cachorrinho? – franziu o cenho, puxando o pulso com força, fazendo girar o pescoço para vê-lo melhor.
– Poderia, se você não se comportasse como um. – Disse apertando os lábios numa careta impaciente.
– Ah, claro. Você sai por aí, andando como se não houvesse amanhã e a culpa é minha? – questionou incrédulo.
– Bom, não sei se você se lembra, mas tenho um compromisso importante. – voltou a andar. – Preciso me apresentar depois de amanhã e ainda não consegui sequer terminar a abertura.
– E quando isso se tornou minha culpa? – Indagou ele andando atrás dela, apressado.
– Quando acordamos algemados, mais cedo.
– Muito engraçada, Gina. – Ele ironizou e ela rolou os olhos. – Eu tenho meus compromissos também, sabia?
– Como eu poderia esquecer? Você fala disso o tempo todo.
– Ah. – estacou no lugar, chocado. – E você não? Você é realmente um poço de elegância. Amém que só vou ficar perto de você por algumas horas, imagina só ter que conviver com você, ficar perto...ser casado com você. Que destino terrível.
– Fique sabendo você, que se eu fosse casada com você, envenenaria seu café. – declarou enquanto subiam na passarela de madeira do píer.
– E se eu fosse seu marido, eu beberia o café. – retorquiu.

voltou-se para ele, tinha na ponta da língua os palavrões e ofensas perfeitas para aquele momento, mas quando seus olhos encontraram o do homem, percebeu algo diferente. estava embasbacado, maravilhado com a paisagem a sua frente. O lago esverdeado brilhava com o toque dos raios solares, que saíam das frestas entre as nuvens e aqueciam a neve nas pedras, criando sutis quedas d’água, alguns pássaros sobrevoavam a água congelada, procurando alimento.
– Uau. – sorriu. – Acho que essa é uma das coisas mais lindas que eu já vi na vida.
– Eu sei, amo esse lugar. – baixou a guarda e também se voltou a paisagem.
– Parece uma pintura...meu Deus, que perfeição. – sorriu e acompanhou a musicista, se sentando na borda do píer.
– Queria saber algum proverbio chinês interessante e reflexivo para usar agora. – confessou sorrindo fraco. – Me parece um bom momento.
– Não é possível entrar nas mesmas águas de um rio duas vezes. – disse, contemplando a paisagem. – Acho que é do Aslan, crônicas de Nárnia, sabe?
– Sei. – sorriu. – Conheço uma de Shakespeare, as falhas dos homens eternizam-se no bronze, as suas virtudes escrevemos na água. Meu pai costumava dizer isso para mim.
– Parece mesmo um conselho de pai. – Ele encarou os pés, balançando-os sobre o gelo e inclinou a cabeça. – Talvez de um pai que cobre muito a perfeição.
– Por que diz isso? – arqueou uma sobrancelha.
– Você. Posso ler isso em você. – Ele sorriu. – Quem, além de alguém extremamente perfeccionista e cheia de autocrítica alugaria uma cabana isolada e ficaria lá por vários dias, sozinha, compondo? Talvez aquele personagem de O Iluminado, mas sabemos o que houve com ele.
– Querer dar o melhor de mim quer dizer que tive pais que exigiam que eu fosse a melhor?
– Diga que eu estou errado, querida? – arqueou uma sobrancelha, a desafiando.

desviou o olhar, suspirou e sorriu sem mostrar os dentes, por mais estranho que fosse, ele estava mesmo certo. Preferiu contemplar a paisagem, esperando que a vontade repentina de contar toda sua vida ao homem passasse.
– Meu pai é maestro. – Sorriu com sua falha. – Ele sempre disse que menos que o ótimo não era o suficiente. – riu, contente por ter feito uma leitura correta e apoiou o peso do tronco nos braços, encarando a mulher. – Mas isso não é ruim, não. Eu aprendi a ser ótima, tanto que sou tida como uma revelação da minha geração.
– E era isso que você queria ser?
– Claro, eu sempre amei música. – voltou a encarar o lago congelado. – É como se eu pudesse alcançar a mais pura e verdadeira paz. Quando eu toco, permito que todo sentimento que há em mim se vá, me esvazio, transformo coisas boas, alegrias, ou frustrações e tristezas em música, em melodias...me emociona.
– Que bom, seria uma pena se não fosse assim. – Ele sorriu.
– E você? – questionou.
– O que tem eu? Eu não toco nada...quer dizer, toco o terror quando necessário. – ironizou.
– Você foge, não é? Foge do que não quer responder com ironia.
– Claro que não, quem te disse isso? – Indagou de olhos arregalados.
– Sua postura ficou tensa, seus olhos, seu histórico de...– gargalhou. – Só estou brincando, não sei ler pessoas, só partituras. – Admitiu e expirou aliviado. – Eu ouvi isso num filme. Mas a pergunta não foi brincadeira, o que você faz?
– Sou famoso. – Respondeu sorrindo ladino.
– Mentira. – sacudiu a cabeça.
– É sério, sou famoso. Falam sobre mim sempre na TV. – gargalhou e deixou o corpo cair sobre o piso de madeira do píer.
– E o que você faz para ser famoso? Porque não vi ninguém te reconhecer aqui. – acusou, deitando-se ao lado dele.
– E por que você acha que eu vim para essa cidade? – piscou. – Eu precisava de um tempo longe tudo, para pensar, refletir...
– Sobre o que?
– Mulher, eu não te conheço direito, acha que vou te mostrar minha alma pelada assim? – Questionou sorrindo, girando o rosto para olhá-la.
– Pois acho. – o provocou.
– E está certíssima. – Ele gargalhou voltando a encarar o céu. – Sabe quando você carrega o peso do sonho de muita gente em você? Das expectativas de muita gente?
– Imagino. – curvou o canto da boca.
– Pois é...eu devo tudo, tudo que tenho e sou a minha família, eles se sacrificaram muito para que eu alcançasse meus sonhos. Eu não estou reclamando, claro que não. – suspirou.– É só que...é como se eu tivesse que lidar com o dobro de cobrança, entende? O dobro de dúvida, o dobro de expectativas...se eu falhar, não falho sozinho.
– Imagino que seja um fardo difícil de carregar.
– E é, principalmente num meio tão competitivo. A pressão para se estar no auge, estar com um lugar garantido é gigante. – Ele girou o corpo, apoiando a cabeça na mão e o cotovelo no chão. – É estressante, gera ansiedade, medo...como se a qualquer momento tudo pelo que eu lutei fosse jogado fora.
– Olha, eu não sei muito sobre isso de ser famosa ou sobre você. – sorriu empática. – Mas se você chegou onde está, mesmo com tanta coisa conspirando contra, deve significar que é bom. Quando algo pertence a você, não existe nada no mundo capaz de te impedir de tê-lo.
– Até que para alguém surtadinha, você tem bons conselhos. – Ele riu. – É isso que diz aos seus namorados?
– Cala a boca. – o empurrou de leve e voltou a encarar o céu.
– Qual é, me conta. Como você termina com eles? Aposto que você escreve uma música para cada um. É a filha do Beethoven com a Taylor Swift. – Provocou.
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– Eu não aguento mais andar. – Resmungou .
– Nós não demos dez passos, você é uma sedentária. – sorriu ao olhar para a mulher, o semblante dela demonstrava cansaço, o rosto estava vermelho e algumas gotas de suor se aglomeravam na testa.
– Eu não estou acostumada a andar, aliás, qual o motivo da gente andar se viemos no seu carro?
– Precisamos tentar achar alguém, , de carro seria mais complicado. – Explicou o piloto de forma cordial e a pianista o encarou com ar de surpresa. Será que havia escutado direito?
?
– É o seu nome, não é?
– Você me chama de Gina. – Parou de caminhar fazendo com que o homem parasse também, observando o sorriso divertido que se formava nos lábios dela, pela primeira vez no dia percebeu os olhos de brilhavam sobre o sol batendo em suas pupilas, os cabelos escuros formavam alguns cachos nas pontas deixando o rosto dela bastante angelical.
– Prefere Gina? – não respondeu somente permaneceu sorrindo, ela não sabia mais o que preferia. Vendo que a mulher não havia se pronunciado o piloto sorriu. – Eu posso chamar dos dois, prefere Gina ou Gina? – Piscou maroto.
– Credo, os dois são horríveis, . – Cruzou os braços com um mini bico, mordeu o interior da bochecha, quando ela se tornou tão adorável? Pensou consigo mesmo.
– Vamos comer alguma coisa? Estou faminta.
– Está bem, vamos. Depois continuamos a andar, onde vamos já que é aniversário da cidade?
– Tem umas barracas de comida na praça Gëueth*, eu adoro o Fondue de queijo*.
– Eu nunca comi.
– Você disse que adoro vir nessa cidade e nunca comeu a comida mais famosa que existe nesse lugar?
– Eu te disse que venho aqui, por que ninguém me conhece. – Encolheu os ombros. – Como você conhece tanto dessa cidade?
– Eu nasci na Suíça, em Zurique. – Explicou remexendo o pulso, já estava sentindo a dormência por causa das algemas. – Quando era mais nova, eu e meus pais vínhamos muito aqui, gostávamos de acampar, por isso eu sei onde ficam as coisas.

Os dois chegaram a uma praça grande, árvores verdes e floridas emolduravam o ambiente deixando tudo mais bonito, o sol brilhava sobre as folhas claras e o vento balançava os galhos, era uma cena tão bela que mais uma vez se encontrou estarrecido com o quão formoso aquela pintura se formava diante de seus olhos.
– Tem algum lugar nessa cidade que seja feio? – era puxado por para se aproximar da barraca onde eles comeriam o Fondue de queijo.
– Tudo aqui é encantador. – Ela virou a cabeça para trás olhando para o francês por cima dos ombros, o sol iluminou o rosto de mostrando como ela tinha uma beleza encantadora. – Olá! Boa tarde! – cumprimentava com um sotaque perfeito. – Por favor, nós queremos um Fondue de queijo.
– Boa tarde! Sejam bem-vindos ao Thüsk*, vocês desejam some...Isso é uma algema?

Os olhos arregalados da atendente denunciavam a surpresa aparente em seu rosto, enquanto corria os mesmo pelo rosto dos dois procurando por respostas ou então para identificar se ela estava sendo refém do homem ao seu lado.
– Pois é, sabe como é, né? Fantasias. – respondeu com um sorriso maroto e também levantando o braço para mostrar os pelos cor de rosas de sua algema. – Geralmente as mulheres gostam de algemas durante a noite, mas a fantasia da minha garota é caminhar com algemas durante o dia. Só me resta obedecer.

– Ok. Vai ser somente um Fondue de queijo? – assentiu rápido e garçonete não esperou para assistir nenhuma cena bizarra entre o casal, somente se afastou com o pedido.
– Você é maluco? – O tom de voz mesclava seriedade e divertimento.
– Ah, qual é? Você viu a cara dela? Foi hilária. – Se defendeu gargalhando.
Os dois sentaram-se um uns banquinhos mais afastados, onde conseguiriam conversar tranquilamente. ) olhava o movimento das árvores, que se moviam sobre a brisa da cidade, enquanto prendeu seus pensamentos na feição do rosto dele, o dia inteiro passaram se provocando e implicando com a situação em que enfrentavam, isso a impediu que observar quem de fato ele era, como se parecia e como havia traços belos em seu rosto.
– Qual a sua história, piloto? De quem está fugindo? – virou o rosto para ela, franzindo o cenho ao escutar a pergunta.
– Como assim?
– Você disse sobre somente uma pessoa ser exigente quando aluga uma cabana, mas você vem para cá pelo fato das pessoas não te conhecerem, então claramente está evitando as pessoas.

soltou um barulho pela boca, parecido com um assobio.
– Estou passando por um momento complicado na profissão. – Iniciou uma explicação sob os olhos curiosos de . – Estou correndo por uma equipe e o pai de um outro piloto, Stroll, vai comprar essa equipe e vai dar ao Stroll o meu lugar. Isso tem me deixado triste.
– Ok, mas quem é Stroll e o pai dele? Eu sinto muito, mas não consegui entender. – Encolheu os ombros um pouco envergonhada por não entender nada sobre a profissão do homem em sua frente.

deu enorme sorriso ao perceber a ingenuidade dela referente ao seu esporte, diferente das pessoas que conviviam ao seu redor, tentando a todo o momento arrancar informações sobre seu futuro.
– Stroll é um piloto de Fórmula Um, assim como eu. Hoje ele corre por uma equipe chamada Williams, minha equipe é a Force India. – Ele explicava devagar e acabou apoiando a cabeça na mão para focar seus olhos no piloto. – O pai do Stroll é muito rico, ele vai comprar a Force India e vai dar meu lugar para o Lance.
– A gente odeia o Lance, então? – emitiu um sorriso na tentativa de descontrair.
– Pior que não. – Resmungou. – Somos bons amigos e ele não tem culpa disso. O que me deixa triste ao extremo, é quando eu me lembro do sacrifício que foi para eu chegar até aqui... – Confessa. – Minha família nunca foi rica, quando eu decidi que queria pilotar carros, meus pais sacrificaram tudo para isso. Tudo que eles sonhavam, tudo que haviam planejado fico de lado, o que importava para eles era meu sonho. – Os olhos encheram de água à medida que as lembranças invadiam sua mente. – Me lembro que uma vez não tínhamos muito dinheiro, então meus pais foram morar em um trailer, para que economizássemos e eles pudessem me manter longe e eu conseguir treinar. E agora parece que tudo vai se acabar.
– Na verdade, não. – sentiu empatia por ele, podia facilmente entender como era decepcionar quem acreditou em você. – Não existem outras equipes para onde você possa ir?
– Existem, mas eu não acredito que eu vá conseguir, todas já tem os seu pilotos oficias.
– Olha, eu não entendo nada de Fórmula um. – Sorriu. – Mas uma coisa eu sei, nossos pensamentos são os que nos move. Se você não acreditar que vai conseguir ninguém vai.
– Mas não é assim que funciona. Eu dependo de outras pessoas para conseguir uma vaga.
– Então dê o seu melhor e deixe que eles vejam do que é capaz. A única coisa que pode fazer é ser o melhor que consegue, com todas as suas forças. Quando eu decidi entrar para a escola de música, foram os piores dias da minha vida, durante os primeiros meses, toda noite eu falava que no outro dia jamais voltaria, mas no dia seguinte eu estava lá de novo. Eu coloquei em meu coração, que mesmo querendo desistir, eu não podia. Eu dei o meu melhor, mesmo acredito que eu não iria suportar. – Ela uniu as duas mãos e pegou as dele. – Mas eu suportei, e você vai suportar.

olhou para as mãos que estavam unidas e depois recuou os olhos para , o rosto dela brilhava e o sorriso doce que tinha nos lábios, transmitiu a ele paz.
– Você mesmo disse que não entende de Fórmula Um, como sabe que eu suporto?
–V ocê tem um sonho, . Nossos sonhos são o que nos movem de verdade. Você lutou muito para chegar até aqui, eu não acredito que vai desistir depois de tudo que passou. Você precisa acreditar e então vai conseguir.
– Acredita mesmo nisso?
– Sim. – Apitou animada. – Tenho certeza que irei ligar a TV e assistir você correr.
document.write(Esteban)) gargalhou animado e mordeu o interior da bochecha, o coração em seu peitou pulou em alegria e especulação. Não soube decifrar o que estava sentindo, mas soube que nos poucos minutos que estava ali com ela, se sentiu mais em casa, do que dentro de seu próprio carro. Talvez algo interessante estivesse nascendo daquele encontro algemado.
– Então a senhorita vai começar a assistir minhas corridas?
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– Eu sempre achei que a suíça fosse queijo, chocolate e dinheiro. – comentou enquanto deitava o corpo no banco, apoiando a cabeça nas pernas esticadas de . – Mas também tem paisagens bonitas, além das outras coisas para comer. Eu fui num restaurante...
– Vocês franceses são sempre folgados assim? – Ela o interrompeu com olhos arregalados encarando o piloto.
– O que? – arqueou uma sobrancelha. – Ah, está falando disso? – Perguntou apontando para si. – Eu te acompanhei no banheiro enquanto você fazia xixi, por que não posso descansar no seu colo? Eu tô cheio, Gina. – Provocou sorrindo.
– Vai voltar a errar meu nome de propósito? – torceu os lábios num bico e cruzou os braços sobre o peito, ignorando a presença do piloto.
– Já te disseram que você fica uma gracinha brava? – Ele implicou.
– Vou te sufocar se disser qualquer outra coisa nos próximos cinco segundos.
– Nossa, por que esse mal humor todo?! – resmungou e resolveu a deixar em paz, concentrando sua atenção no céu azul e limpo.

O dia parecia estar passando depressa e no final das contas, não era tão ruim assim ficar algemado a . Ela era inteligente, gentil, engraçada, ácida, aguçava sua inteligência, o provocava a pensar, em menos de vinte e quatro horas havia contado a ela o que quase nunca contava. Era como se tudo fluísse, sem explicação ou regra, apenas funcionava.
– Como é isso de ser música? – Ele quis saber curioso, tentando puxar assunto. – Você vive disso? É como o Vivaldi, Beethoven e Strauss?
– Até que você não é tão cru quanto parece. – sorriu e rolou os olhos. – Bom, eu estudo música desde pequena, já mencionei sobre minha família. Toquei em pequenas bandas, festas, depois fui crescendo, fui admitida pela sinfônica juvenil, depois na Basel Sinfonietta, na sinfônica de Berna e na orquestra da Suíça Romanda, até chegar onde estou hoje.
– Nossa. – girou o corpo para olhar o rosto da mulher. – E pagam bem?
– O suficiente. – gargalhou.
– Se você não fosse pianista, o que seria? – Ele perguntou.
– É difícil, eu nunca me imaginei fazendo outra coisa que não fosse isso. – refletiu por alguns instantes, relembrando seu percurso profissional em busca da resposta para aquela pergunta. – Florista. – Declarou num sorriso.
– Florista?
– É. – confirmou e ele riu. – Não ria, é uma profissão séria e muito legal.
– Eu aposto que sim. – dobrou um cotovelo, acariciando sutilmente e de forma automática o antebraço da pianista.
– Eu sempre amei flores, me sentia bem no meio delas. – A mulher suspirou saudosa. – Minha mãe tinha um jardim lindo, com todas as cores de rosas que imaginar. Sempre estava carregado, sempre cheio de flores, até mesmo no inverno algumas resistiam...acho que me sentiria perto dela.
– Faz muito tempo que vocês não se veem? – Ele quis saber.
– Minha mãe morreu há sete anos.

Nenhum dos dois soube o que dizer, quase nunca alguém sabe o que falar quando o silêncio sufocante se instaura depois de uma coisa daquelas. Falar da morte, da morte de alguém próximo, geralmente fazia com que os outros não soubessem como reagir. Muitos apenas sorriam tristes, outros mudavam de assunto, mas quase todo se sentiam desconfortáveis.
não podia culpar , os assuntos sempre morriam quando as feridas eram abertas, ela não o julgava.
– Eu sinto muito. – Disse ele por fim.
– Eu sei, agradeço. – sorriu sem mostrar os dentes, encarando a relva verde que despontava em meio a neve branca que começava a derreter e suspirou. – Eu sinto falta dela, sinto todos os dias. As vezes acordo com vontade de contar algo, de perguntar algo, mas não posso mais...mas continuo enchendo a caixa de e-mails dela. – Confessou sorrindo. – Eu penso em largar tudo, me mudar para a cidade que minha mãe cresceu e ficar lá, com um jardim bonito, ignorando a existência do mundo.
– Parece solitário. – observou. – Não se incomoda em ficar só?
– Eu já estou só.

levantou o tronco, enquanto tentava manter o contato visual, girou o corpo e ficou novamente frente a ela.
– Quando perdemos quem amamos, essas pessoas nunca nos deixam de verdade. Eu sei que é bobo eu citar uma frase de Harry Potter, mas é a mais pura verdade. – Ele sorriu quando sorriu. – Além disso, você é brilhante, cheia de luz...não conseguiria ficar sozinha nas montanhas, esse final de semana é a prova.
– Você tem razão. – Concordou sorrindo.
– E sabe de uma coisa? Não precisa se isolar sozinha para ter um jardim florido.
– Não? – arqueou uma sobrancelha.
– Não. – Confirmou. – Em todo lugar sempre tem aquele grupo de senhoras que se reúnem para trocar mudas de plantas, você vai se encaixar rapidinho.
– Idiota. – o empurrou pelo ombro levemente e sorriu.

Quando aquele homem irritante havia se tornado aquele outro homem fofo e engraçado? Ela se perguntava. aos poucos desarmava a pianista, trazendo uma simplicidade e leveza que nem sempre ela podia ou conseguia acessar, ele era transparente, fresco. era como um daqueles filhotes de gatinhos adoráveis que mesmo depois de fazer a maior bagunça, você só consegue adorá-los.
Além de ser um homem alto e bonito, com sorriso aberto, o que já o tornava o tipo preferido de mais da metade das mulheres do mundo. Nos últimos tempos a pianista sentia falta de jogar tempo fora falando de trivialidades, sentar sentindo a brisa, fazer coisas sem se programar, viver pura e simplesmente. Mas naquele dia, graças a , estava sentindo o gosto do que é viver e não apenas existir.
– Eu tive uma ideia. – declarou num rompante, pulando do banco. – Precisamos voltar a cabana.
– Por que? Aqui está gostoso. – Ele reclamou.
– Confia em mim? – esticou a mão livre para ele, o olhando com expectativa.
– Confio. – sorriu de canto e agarrou a mão dela, sendo puxado para cima em seguida.
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– E é isso. – declarou sorrindo depois que seus dedos deixaram a teclas do piano.

Os olhos da pianista brilhavam, a emoção de enfim compor aquela música a deixa em êxtase, mas mais que isso, sentia a presença doce e tranquila de sua mãe, como se assim como , ela estivesse ali assistindo à execução daquela obra.
a observava atento, com olhos brilhantes, tomado pela docilidade da melodia e pelo amor que transbordava daquele piano.
– E então, o que achou? – quis saber.
...eu...eu nunca vi coisa tão linda em toda a minha vida. – Respondeu emocionado.
– Obrigada. – Ela agradeceu encarando as teclas. – Graças a você. Quando falamos da minha mãe...também no dia de hoje...revisitando todos esses lugares que íamos juntos...obrigada, . Obrigada, mas não só por me ajudar a ter inspiração para essa música – segurou a mão de com firmeza e doçura. – mas por me ajudar a encontrar algo dentro de mim que esteve guardado, escondido. Obrigada por me ajudar a me reconectar com a minha mãe.
– Que isso...– Ele desviou o olhar envergonhado. – Como vai se chamar? Já sabe? – Perguntou, tentando mudar o foco da conversa.
– Que bom que perguntou. – riu, estava muito mais relaxada, em paz. – Pensei em o jardim de Rosemary, ou o amanhecer, mas confesso que tem um título piscando na minha cabeça, amor ideal.
– Amor ideal. – repetiu. – Combina com a música, amor materno...eu gostei.
– Eu também.
– Eu poderia ficar ouvindo isso pelo resto da minha vida. – piscou sorrindo.

O piloto estava sentado ao lado de , quase auxiliando a pianista a tocar, graças as algemas que usavam, mas se contentou em observá-la de perto, perto demais. Devagar e sutilmente os dois se aproximaram, ainda embalados pela emoção do momento, pela melodia linda e doce de , pelo sorriso transbordante de , quando se deram conta, estavam próximos demais, perto demais, prestes a se tocarem através dos lábios.
E então, sorriu, baixou a cabeça e desviou o olhar.
– Talvez nós estejamos mais emotivos do que imaginávamos. – Ela gracejou.
– É, provavelmente. – sorriu, permitindo se afastar e recostar o corpo numa poltrona.
– Esse é o poder da arte, ela transforma todos. – se espreguiçou e pôs-se de pé. – Ela pode tocar até os mais rebeldes, como nós.
– Nós somos rebeldes? – Quis saber divertido.
– E não acha? – riu. – Nós somos, mas somos crianças perto dos outros. Quer um exemplo? – Perguntou e o viu assentir. – Michelangelo Merisi, ou como ele é conhecido, Caravaggio.
– O que tem ele?
– Ele era um pintor brilhante, talentoso, mas teve uma vida difícil, depois se perdeu por seu estilo de vida, era brigão e bêbado, amante da esbórnia. Matou um nobre e precisou fugir. E mesmo com tudo isso, ele ainda pintava tão majestosamente...– Ela suspirou. – Levante, vamos sair. – Ordenou a ele.
– E ele fugiu para sempre? – perguntou curioso, levantando-se.
– Depois de ser muito caçado, ofereceram uma recompensa pela cabeça dele e também disseram que ele seria perdoado se pintasse para um outro nobre. – Contou. – Vamos, vamos, se apresse.
– Eu já vou. – bufou.
– Eu estou em sentindo revigorada. – sorriu enquanto girava a maçaneta.
– Escute. – chamou-a antes de passarem pela porta.
– Sim.
– Eu não quase beijei você por estar emocionado com o momento ou a música. – sorriu de canto.
– E por que foi, então? – apenas percebeu o que havia dito quando ouviu as palavras saindo de sua boca.
– Por que eu queria beijar.
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– Termina a história do Michelangelo para mim? – pediu.
– Qual Michelangelo? – sorriu, observando o homem enquanto caminhavam.
– Não a tartaruga ninja. – Ele riu.
– Quando tudo isso acabar, vou te matricular num curso de história da arte. – Ela o empurrou levemente pelo ombro.
– Sabe, eu acho que posso gostar. – deu de ombros. – Toda essa imersão, você compondo, falando de arte...eu acho que iria gostar.
– Olha só, achei que você não ligasse para nada disso. – o provocou sorrindo.
– Eu? Eu não disse isso. – Fingiu. – Imagina só se eu falaria uma coisa dessas. – gargalhou, acompanhado por .
– Mas pode parar de enrolar e me contar as histórias do Micky? – Pediu ele, puxando mais para perto.
– Micky? – A pianista arqueou a sobrancelha.
– É, sabe como é...sinto uma conexão com ele. – Explicou.
– Conexão do caos. – ironizou e rolou os olhos. – Tá bem, tá bem. Bom, eu acho que parei quando ele descobre que vai ser perdoado, não é? – assentiu. – Então, ele soube que seria perdoado por... – Os olhos de se concentraram no rosto dela e a cena ficou muda.

Sua concentração era tamanha que não podia usar de seus outros sentidos, seu foco estava inteiramente na íris castanha esverdeada de , os lábios rosados e redondos. Era uma mulher linda, talvez uma das mais lindas que o piloto tinha visto na vida. Aos poucos, toda implicância e azedume iam sendo dissipados, dando lugar a certa admiração e conforto em estar na presença dela, até vontade de beijá-la ele tivera.
sentia empatia pela pianista inteligente, engraçada e delicada, aos seus dilemas e cobranças da família, a toda pressão que sofria para ser a melhor sempre, sua dor e saudade pela falta da mãe. era bonita e talvez, se ele pudesse escolher alguém para ficar um dia todo acorrentado, seria ela.
– Entendeu? – repetiu a pergunta, tirando de seu transe.
– Ah, sim. Entendi. – Assentiu ele, mesmo sem fazer ideia do que havia entendido.
– Para mim, ele é um dos melhores. Mas eu confesso que Epígonos me toca muito, principalmente com o Gaulês Suicida. Me toca o fato dele provavelmente ter matado a esposa e depois se suicidado, é uma espécie de ato de amor. – desatou a falar.
– E como ela é? Nunca vi. – Admitiu enquanto continuavam a caminhar.
– Bom, ela é a escultura de um guerreiro que começa a enterrar sua espada em seu próprio peito, enquanto olha para trás em postura desafiadora e ainda segura com o braço esquerdo uma mulher, que acredito eu, esposa dele, que está falecendo. É linda, absolutamente.
– Parece meio mórbida. – Comentou ele.
– Romeu e Julieta também é meio mórbido. – lembrou.
– É, e fica pior quando você descobre que eles eram adolescentes. – riu.
– Querido, na época deles, se casar aos treze anos era tão comum quanto gostar de vinho, gatos e Van Gogh hoje em dia. – lembrou numa risada.
– Ainda assim, não deixa de ser estranho.
– Você precisa ver o Rapto de Proserpina, Bernini fez com o mármore coisas incríveis. – Falou ela.
– Como você sabe tanto sobre isso? Por que, sinceramente...– A pergunta de fora interrompida pelos latidos de um cão que passeava com seu dono.

Rapidamente os dois procuraram com o olhar a fonte do ruído. O cão e seu dono caminhavam distraidamente pela calçada, mas o que lhes chamou atenção foi a frente luminosa do estabelecimento atrás deles. Com o cair da noite, bares e alguns restaurantes acendiam suas fachadas, abriam suas portas e colocavam mesas nas calçadas. Aquela fachada em especial chamou a atenção da dupla.
. – apontou. – Não é o bar que estávamos ontem? Não é ele?
– Eu não acredito! É sim. – Ele sorriu. – Caramba. Vem, tenho certeza que o Nick vai estar lá. Ele aprontou tudo isso, ele tem que resolver. – sorriu e puxou , atravessando a rua, em direção ao bar.
– Ei, mas porque ele estaria lá? Ainda é cedo. – quis saber confusa.
– Ora, porque ele é o dono. – Respondeu num sorriso.

Quando a porta foi aberta, e encontraram o salão quase vazio, além dos garçons, apenas um grupo de cinco pessoas ocupava os fundos do bar. O pequeno grupo, assim que percebeu a chegada dos dois, sorriram e levantaram os braços em comemoração, reconhecendo a dupla.
, até que enfim. – Um homem com camisa social branca disse ao se aproximar. – Eu procurei você por toda a cidade. Por acaso se esqueceu dos seus compromissos?
– Oi. – O piloto cumprimentou um pouco tonto com a chuva de palavras. – Eu fiquei sem sinal e tive um contratempo também. – Falou erguendo o braço com as algemas. – A propósito, esta é , uma mas melhores pianistas que o mundo já viu. – Apresentou sorrindo para e ela sorriu de volta.
– Ah, claro. Olá. – O homem respondeu com pressa. – Por que você ainda está com isso?
– É feriado, não achamos um chaveiro e não conseguimos abrir sozinhos. – explicou, seguindo até a mesa do grupo.
– É porque eu tenho a chave, linda. – Nick balançou a chave diante dos olhos deles.
– Não acredito que estava com você o tempo todo! – bufou.
– Por que nos deixou ir para casa algemados? – indagou com as mãos na cintura.
– Vocês que quiseram. Não se lembra? – Nick franziu a testa. – Vocês ficaram apostando, não quiseram se soltar.
– Você é sempre competitiva, não é? – provocou a mulher, sorrindo ladino.
– E você nunca aceita perder. – Ela piscou sorrindo.

Estavam próximos novamente, os rostos a menos de trinta centímetro de distância. Os olhares se conectaram mais uma vez e sorriam junto com os lábios, sincronizados, ligados, passeando entre as írises e a boca um do outro.
– Anda com isso. – O homem chamou. – Temos horário. Houve uma mudança de planos e eu preciso que você embarque em uma hora.
– Eu já vou, já vou. – esticou a mão para ele. – Vai poder ir ao banheiro agora. – Disse sorrindo.
– É, eu vou. – riu.– Mas confesso que vai ser estranho sem a sua companhia irritante.
– Vamos mesmo fazer isso, não é? – se certificou.
– Você não quer? – apertou os lábios ansiosa.
– Você quer? – Ele repetiu.
– Mas você precisar vencer uma corrida. – sorriu depois de alguns instantes em hesitação.
– E você precisa se apresentar, fazer todo mundo chorar com aquela música linda. – Ele sorriu.
– É. – expirou sorrindo.
– Eu queria...– Os dois disseram juntos.
– Que sintonia...– desviou o olhar.
– É o que a intimidade faz. – piscou. – O que você ia dizer?
– Nick, a chave. – O homem desconhecido pediu ao russo, que lançou a chave. – O braço, . – Pediu e puxou o pulso de para enfim desvencilhar o piloto das algemas.
– Eu...– se perdeu na profundidade dos olhos da pianista mais uma vez, respirou fundo, tinha medo de estar sendo um bobo, de estar fantasiando. talvez não estivesse sentindo o mesmo que ele, ela era inteligente, prática, com certeza não. – Deixa para lá. – Expirou tímido. – E você, o que ia dizer?
– Nada de mais. – Ela desviou o olhar. Se ele não havia dito nada, talvez fosse melhor assim. Nunca daria certo mesmo, era famoso e ela era...era a . – Cuidado para não se algemar a alguém mais perigoso. – Ela brincou enquanto sentia o peso frio da algema deixar seu punho.
– Não, eu tenho um padrão alto agora. – Ele riu. – Só vou aceitar se ela for uma pianista clássica ou se for fã de Berini. Você também, cuidado com quem faz amizades em bares, olha só esse péssimo exemplo de hoje.
– Ah, é verdade. Que ser humano terrível. – ironizou.
– O pior deles. – concordou.

Os dois tentavam protelar ao máximo o momento da despedida, não tinham mais certeza se queriam ir, se queriam mesmo se separar depois daquele dia. O primeiro impulso de ambos ao verem Nick e as chaves fora de correr, se esconder e continuar do jeito que estavam, conversando, se conhecendo, experimentando coisas novas. Mas junto ao homem que insistentemente lembrava de seus compromissos, a vida real com seus dilemas batiam a porta, precisavam deixar aquela fuga, aquele oásis para voltar a realidade.
– Então é isso...– falou depois de algum tempo em silêncio.
– É, parece que sim. – assentiu. – Estamos livres, finalmente.
– Estamos. Livres, sim. – sorriu sem mostrar os dentes.
– Vamos, . – O homem começou a guiar o piloto para a porta.
– Tchau, ! – Nick gritou e acenou.
– Adeus. – levantou uma das mãos, timidamente, e acenou.
– Adeus, . – repetiu enquanto era praticamente arrastado para fora pelo homem.

Os dois se observaram pela última vez, andava até a porta de costas, focado em , que girou o corpo para acompanhar sua partida. Quando enfim alcançou a porta, ele parou, ainda olhando para a pianista e sorriu, o sorriso bonito, grande e iluminado que descobriu naquele dia frio e completamente incomum em sua pacata existência, e que ela ainda não podia compreender, mas que havia mudado sua vida para sempre.




Absinto: Bebida típica da Suiça.
Shakespeare’s Globe Theatre: Teatro inglês, um dos maiores do mundo.
Zurobio: Cidade fictícia, criada para desenvolvimento da história.
The Walking Dead: Seriado americano que retrata um apocalipse zumbi.
Stadsfödelsedag: Aniversário da cidade, comemorado na nossa cidade fictícia, é o dia em que a cidade foi criada, comemora-se com vigor essa data.
Gëueth: Praça fictícia criada para nossa cidade.
Fondue de queijo: Comida típica da Suíça.
Thüsk: Estabelecimento fictício da nossa cidade.




Fim...?



Nota da autora: Essa fanfic faz parte do projeto Drive to Survive, um projeto no qual 11 autoras apaixonadas por Fórmula 1 se reuniram para escrever uma short para cada piloto do grid, divulgando e homenageando esse esporte incrível. Vários pilotos já tiveram suas histórias contadas e você pode acompanhá-las aqui Shortfics - Fórmula Um assim como encontrar as próximas shorts.
Agora recebemos de coração aberto o nosso bibelô francês Esteban Ocon, mas em breve todos os pilotos da temporada de 2020 terão uma história para chamar de sua, todas feitas com muito amor.
Esperamos que curtam nossa proposta e embarquem nesse mundo com a gente.
Não esqueçam de deixar aquele comentário no final e motivar uma autora a sempre continuar.
Beijos e até a próxima! <3

Nota: Minha gente, que trabalhera! Talvez essa tenha sido a short mais complicada de entregar. A vida adulta chega na voadora, a gente não tem nem tempo de pensar no que fazer. Mas é com muita gratidão que liberamos ao mundo esse bebê, a história ficou muito gostosinha, com gostinho de quero mais, e a pergunta que fica é: Será que teremos?
A fic é pra exaltar a F1 e ao bebê francês Esteban Ocon, muso injustiçado, e pra embalar isso tudo, nada melhor que Tom Walker. Essa short foi inspirada no videoclipe da música You and I, do Tom, vale a pena conferir e também todas as outras músícas dele que são mais que incríveis.
O Projeto tá finalizando e tamo aí com muita Gratiluz para agradecer a oportunidade de diversão e crescimento.
Obrigada, parceira de jornada, Lori, sem ti nada disso seria possível.



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