Contador:
Fanfic finalizada em agosto de 2013

— Setembro —


Joguei todo meu peso sobre o sofá, fazendo a cerveja respingar um pouco no tapete sem eu notar. Oliver, sentado ao meu lado, reclamou de algo que eu não ouvi, pois a música estava ensurdecedora no apartamento de Theo. Os pais dele estavam passando o fim de semana no campo, enquanto fazíamos uma social mais reservada na cobertura deles. Vinte convidados, cada um pagava sua bebida.
– Tem alguma coisa vibrando! – gritou Oliver, olhando ao redor. Levantei uma das almofadas, descobrindo o celular de Theo ali. “Lucile” estava no visor, e eu não fiz questão de chamá-lo para atender.
– Não é nada – disse, mal humorado. Oliver deu de ombros, erguendo o iPhone e balançando no ar para chamar a atenção do dono.
– Theo! Ô seu viado, olha pra cá!
– Nem se preocupa, ela vai ligar de novo até ele atender – virei a garrafa, tomando um gole grande demais.
– Então é bom que ele atenda, né? – indagou meu amigo, mas eu o ignorei. Andava impaciente o bastante com aquele assunto, não queria descontar na pessoa errada.
Levantei-me para trocar de música, logo depois Theo estava do meu lado, abraçando-me pelos ombros, já bêbado.
– Ei, você viu meu celular? – falou, perto demais de mim. Estendi a mão entre seu rosto e minha orelha, afastando-o.
– Tá com o Oliver – respondi, abaixando o volume para que pudéssemos conversar normalmente.
– Ela ligou? Lucile? – fiquei em silêncio, escolhendo alguma música do Gorillaz. – Hein, ? Tenho que avisar a ela que a vem, não vai rolar.
Parei e respirei.
– Eu sou sua secretária, por acaso? – ralhei, o cenho franzido.
– Eu só te fiz uma pergunta – ele retorquiu, dando um passo de distância. – Qual é, cara?
– E eu te fiz outra – sorri, cínico.
– Não, fala logo, o que tá rolando? – Theo gesticulou com a mão livre, uma vez que segurava um copo descartável com cerveja na outra. – Faz dias que você tá assim, o que é?
– Não é nada – menti, andando de volta para o sofá, sendo seguido.
– Uma porra que não é nada! – ele falou mais alto, puxando-me pelo ombro para que eu me virasse para ele.
– Não me toca – grunhi e empurrei sua mão, xingando a mim mesmo por começar a perder a cabeça. Aquilo não tinha nada a ver comigo.
– O que foi? – ouvi Oliver perguntar, olhando-nos com confusão em seu rosto.
– O tá de piranhice – disse Theo, seu tom de voz tão confuso quanto.
– Ah, vai se foder, me deixa em paz – fechei os olhos, tentando me controlar. Eu não devia me irritar com aquilo, não podia. não tinha nada a ver comigo, ela era só uma amiga. Só uma amiga. Namorada do Theo, não minha. Ele devia se resolver com ela, com Lucile e com quem mais fosse. Eu achar errado o que ele fazia não deveria interferir em nada.
– Que porra foi que te deu?! Tá maluco?!
– Não, não tô – mas era difícil continuar fazendo vista grossa daquele jeito, passando por cima de princípios meus. Principalmente depois de tanto álcool. – Eu tô cansado de ter que ficar acobertando as tuas merdas, isso, sim.
– Como assim? É só por isso?
– Não é só isso, Theo – senti que, a partir dali, não conseguiria me conter mais. – É você me ligar de madrugada pra eu confirmar pra sua namorada que estávamos juntos em algum lugar, enquanto você comia a prima dela. É você ficar se aproveitando da condição financeira de uma garota simplesmente por babaquice, porque dinheiro nunca te faltou. É você ficar me comprometendo com coisa que eu tô pouco me fodendo só pra não se queimar. Eu cansei, cara, já deu. Ou você termina com uma das duas...
– Ou o quê?! – Theo me interrompeu, e notei que a música parara de tocar e mais pessoas prestavam atenção em nós dois. – Agora fala, ou o quê?! Vai contar pra ela, é?! Você nem tem por que reclamar, isso não tem nada a ver contigo.
– Finalmente você enxergou isso! – ergui as mãos, sendo sarcástico. – Se puder fazer o favor de parar de me meter nessas porras, eu agradeço. Não preciso passar por mentiroso pra .
– Você tá a fim dela? – seu tom de voz não era o mesmo, não era petulante. Eu não sabia qual seria sua reação independente da minha resposta, mas o circo já estava armado, de qualquer forma.
– E se eu estiver? – a pergunta ficou no ar, enquanto eu ainda não havia me decidido se era o melhor a dizer. Nervoso demais comigo mesmo, mal vi quando Theo veio pra cima de mim e me acertou em cheio.
– Encosta um dedo nela e eu acabo com você – ele rosnou, o dedo apontado na minha cara ao tempo em que eu me recuperava da porrada no olho. – Nem pense em chegar perto dela, tá me ouvindo?!
– Que porra é essa, Theo?! – Oliver me segurou por um dos braços, ajudando-me a me erguer. Coloquei a mão no bolso por instinto, atrás do canivete suíço que usava de chaveiro. Antes que eu sacasse a lâmina, senti meu pulso ser torcido. – Solta isso!
Olhei novamente para Theo, que era afastado de mim por outras pessoas.
– Fora daqui, seu traidor – gritava, o rosto vermelho de raiva. Desnorteado, fui arrastado de costas por Oliver e mais alguém para fora do apartamento, sendo praticamente jogado dentro do elevador.
– O que você tem na cabeça? – disse Ethan, como puder reconhecer, quando senti meu olho arder, mais úmido que o normal. Não o respondi, atordoado com o excesso de informações e tão pouco tempo para processar. O corte no supercílio escorrendo sangue não ajudava em nada, embora eu inutilmente tentasse estancá-lo com a palma da mão.
– Tá sangrando muito? – perguntou Oliver, e eu respondi com uma careta. – Por que você foi falar um negócio desses?
– Ah, dane-se – foi a única coisa que consegui pensar. Dane-se o que eu tinha falado e o que ia acontecer depois. Dane-se se Theo era um babaca e, principalmente, dane-se a . Era culpa dela o que acabara de acontecer, nada teria acontecido se ela não existisse.
Saí do prédio limpando o rosto com a manga da camisa. Tinha acabado de fazer uma grande merda que não seria esquecida da noite pro dia, e eu provavelmente sairia como o vilão da história. O pior seria ter de cruzar com Theo nos corredores da faculdade e engolir a raiva em nome do meu orgulho já ferido. Eu havia acabado de perder uma amizade por causa de uma garota.


— Novembro —


Sete horas.
Não eram sete da manhã, nem sete da noite. Eram sete horas trancado em uma biblioteca, sendo infernizado pela memória de que a pior prova da matéria mais ferrada estava para acontecer em menos de 24hs. Nunca na história eu tinha passado tanto tempo estudando, porém não podia correr o risco de reprovar na última matéria que faltava antes da monografia. Um semestre a mais na conta significava um ano antes dos planos que havia feito até então.
Eu já não entendia mais uma palavra sobre Gestalt, efeito da sobrecarga de conteúdo. Estava exausto e ainda era 18h. Meu celular vibrava periodicamente por causa dos eventos em que me convidavam no Facebook – todos eram recusados na hora –, já que era fim de semestre e meus amigos já estavam todos livres. Do meu círculo social, somente eu ainda tinha compromissos com a faculdade, ainda mais no sábado de manhã. Não era exatamente minha culpa pelo meu sistema imunológico ser fraco e eu acabar de cama por uma semana devido à dor de garganta, motivo das provas ficarem para as duas últimas semanas.
Digo, talvez. A culpa era minha por ter esquecido o casaco no dia em que a temperatura caiu repentinamente para doze graus. Até os quinze eu aguentava bem com uma camisa por cima da camiseta, doze, não. Eu só achava que aguentava, até acordar na segunda quase morrendo de febre e dor.
Parecia um daqueles casos em que sua mãe diz “Isso vai dar errado”, mas você não ouve. Minha mãe sempre avisava para andar com um casaco na mochila, entretanto, era inviável levar uma mochila enquanto saía com uma garota. Ainda mais sendo A garota, aquela que seus amigos juram que você nunca ficaria – e nem mesmo eu acreditei quando isso aconteceu. O único defeito dela foi querer dar a volta no parque, pois parque significa árvores, que são sinônimos de umidade e, portanto, frio. E eu perdi uma prova importante por causa disso, agora estava estudando como um condenado para recuperar.
Mas, confesso, eu queria estar em todos os eventos que me apareciam com os meus amigos. Com A garota. Não que eu fosse o abre-alas de todas as festas e bares, mas eu geralmente estava lá. Sempre fui o cara que se dá bem com pouco esforço, eu ia para as festas e tirava notas boas. Ter que lutar tanto para um resultado positivo me parecia incomum, não era eu. Ainda assim, eu estava ali, porque não queria reprovar, para, nos semestres seguintes, ser um Engenheiro Civil com carreira em ascensão.
420 minutos. Já estava na hora de parar. Guardei meu material, vesti meu casaco e saí. Apesar de querer ir ao cover de The Beatles que estava acontecendo num pub não muito longe, o cansaço dos estudos caía nos meus ombros de tal modo que eu só queria saber da minha casa. A rota da noite era o travesseiro.
Mais uma vez o celular vibrou, era uma mensagem de Heather, A garota. “Hey, vai ver os Bootlegs*? x” Eu sabia que me arrependeria, mas não respondi. Depois inventaria alguma desculpa. Respirei fundo, passando uma das mãos pelo cabelo enquanto voltava a caminhar, o iPod já ligado.
Atravessei o pátio da universidade meio aéreo, desviando das pessoas que caminhavam mais lentamente em direção ao estacionamento. Em uma dessas, senti esbarrar em alguém e parei, então percebi que eu não havia esbarrado, a pessoa que me tocara. Ergui o olhar para a dona da mão sobre o meu ombro, descobrindo .
– Oi, ! – eu mal a ouvi, por conta do volume da música. Retirei um dos fones, sorrindo por educação a ela. – Desculpe, não vi que estava de fones.
– Sem problemas – balancei a cabeça levemente, saindo do meio do caminho e parando de frente a ela. – E aí, como vai a vida?
– Meio doida, meio chata – ela deu de ombros. – E a sua? Faz tempo que não te vejo.
– Pois é... Acabei me afastando do Theo, ele deve ter te contado o porquê – fiquei um pouco sem graça. Fazia uns dois meses que tinha discutido com Theo por uma besteira que ele tinha feito, e não contaria justamente para a garota que ele tinha sacaneado. Não sem sondar e ver se ela já sabia da história toda.
– Na verdade, nós terminamos há um tempo – disse , deixando um ar de constrangimento entre nós dois. Ela sabia. – Ele é um babaca.
– Acontece nas melhores famílias – tentei fazer graça, xingando-me mentalmente logo depois. Surpreendentemente, ela riu.
– Ei, vai fazer o que agora? – perguntou, ainda sustentando aquele sorriso de fim de risada.
– Por favor, não diz que você quer ir ao cover dos Beatles – fiz uma careta, levando-a a rir novamente, mais baixo.
– Não, não! – replicou, os olhos levemente mais fechados por culpa das maçãs do rosto elevadas. – Lembra aquele livro que eu te prometi, O Grande Gatsby? – assenti com a cabeça. – Então, eu finalmente achei depois da mudança, não quer pegar?
– Você se mudou? – questionei em retórica, vendo-a confirmar.
– Vim pra um dos dormitórios, tava saindo bem caro morar em Portsmouth e estudar aqui. Enfim, vamos?
Concordei, e durante cinco minutos conversamos menos que quando nos encontramos, imersos em um silêncio que me acanhava. Nós não éramos melhores amigos, talvez só amigos. Eu conhecia Theo desde o começo da faculdade, entramos no mesmo período e acabamos nos tornando amigos. chegou bem depois na história, era caloura de outro amigo nosso e foi apresentada a nós dois em uma festa. Theo sempre escolhia primeiro com que garota ficaria, o que o deixava sempre com as “melhores”. Surpreendentemente, ela não tinha escolhido Heather naquele dia, e sim . “Cansei de exercícios por hoje, vou pelo caminho mais fácil”, dissera antes de chegar até a caloura, sem nem me perguntar o que eu achava. O que foi bom, porque eu estava tentado a dizer a verdade e admitir que eu também queria ficar com , pois ela fazia o meu tipo. No fim, os dois foram para o apartamento dele e tornaram a se ver dias depois, desencadeando o namoro. Eu cheguei em duas meninas durante a noite, fiquei com as duas – não ao mesmo tempo – e fui embora podre de bêbado.
Embora naquele dia eu tenha ficado vidrado na , depois passou. Eu me acostumei a tratá-la como a namorada do Theo e parte do círculo social da gente. Arriscaria até dizer que eu era quem ela mais tinha afinidade, conversávamos sobre mil coisas, às vezes nos excluindo do assunto geral da mesa quando íamos a um pub. E agora não conseguíamos sustentar o mesmo tópico por mais que cinco minutos.
– Pode reparar na bagunça – ela brincou, abrindo a porta para eu passar. O quarto era duplo, mas não havia sinais da colega de . – Eve já deve ter ido pra casa e nem se despediu, que vaca!
Olhei ao redor, vendo sobre a escrivaninha um post-it que peguei e entreguei à dona do quarto antes de me sentar na cama arrumada. A garota leu, andando em direção ao armário na parede oposta à que me encostei.
– Ela me pagou a aposta! – disse, animada, olhando-me por cima do ombro e mostrando o papelzinho colado na porta do indicador. Arqueei a sobrancelha em resposta. – Ela duvidou que eu fosse chutar Theo – ouvi sua explicação, ao tempo em que ela rapidamente se virava para o armário e o abria –, se eu fizesse isso, ela me daria uma garrafa de vinho do porto – mostrando-me uma garrava verde escura, ela novamente sorria. – Levou quase uma vida pra me pagar.
– Você realmente gostava dele, né? – perguntei, desconfortável. Nunca gostei de falar de outra pessoa pelas costas, geralmente tocava o foda-se, mas tinha muita vontade de comentar o quanto estava cansado da prepotência de Theo. Ele era um cara legal e ótimo amigo, contanto você não discordasse dele. Meu erro (ou acerto, nunca saberei) foi ter feito exatamente isso.
– Sim – sua voz não hesitou –, mas gosto mais de mim mesma. Não aceito ser feita de idiota. Ele achava o quê? Ia ficar comigo, se encher de presentes caros, comer a minha prima nas horas vagas e tudo continuaria bem?
Desviei o olhar, não muito animado com o assunto. Eu sabia de tudo, incluindo as vezes que era referida como “boa pra casar, mas não pra outras coisas”, mas só me abstive da situação. Quando finalmente tive peito para encarar Theo e dizer que ele devia terminar, acabei com um soco no olho e menos um amigo. Por sorte havia mais pessoas no recinto, ou eu não teria me contido e não sei o que aconteceria. Era melhor mesmo Oliver ter me segurado, eu poderia ter feito um estrago bem grande, caso ele não estivesse lá.
– Desculpe, você não precisa ouvir isso – ela pigarreou, deixando a garrafa sobre a escrivaninha. – Aliás, por que vocês não se falam mais?
– Ah... Foi por causa de um trabalho, acho – menti rapidamente, surpreendendo-me por não gaguejar. – Não lembro mais.
– Por um momento eu jurava que era por minha causa – um segundo antes de ela abaixar o rosto, eu vi seus olhos de lince me espreitando e achei ser ilusão minha. – Digo, você sabia e queria me ajudar.
Murmurei um “Hm”, imóvel, observando-a procurar o livro. Ainda vestida com as luvas, cachecol e toda a parafernália de frio, parecia menor que o normal. Eu me lembrava dela mais alta, imponente; talvez o tempo sem nos falarmos me fizesse fantasiar em cima da sua imagem. De nítida, eu só tinha a lembrança dos detalhes que ela insistia em reclamar, dentre tantos, os olhos que se abriam demais por qualquer coisa, as orelhas que não eram pequenas o bastante, ou ainda como ela tinha que tirar mil fotos antes de sair boa em uma, pois não era fotogênica. Como se alguém realmente se importasse com a foto de perfil da namorada.
Ela era tão... menina, cheia de inseguranças sobre si mesma sem se recordar de que não importava metade daquelas coisas. Tão comum, ao contrário de Heather – que sim, era bem perto de perfeita, e não era puxação de saco. Por mais que eu tentasse achar razões plausíveis para o interesse de Theo, a única realmente válida era que ele não queria mesmo fazer esforço. Não que ela fosse fácil, ele que era bom de lábia. Tão bom que conseguiu esconder por quatro meses que andava pegando duas primas ao mesmo tempo.
– Aqui – tirando-me dos meus pensamentos, o livro estava estendido à minha frente. – Cuide com carinho, mais que eu mesma teria.
– Farei isso – sorri, levantando-me com O Grande Gatsby em mãos e fazendo menção de ir embora.
– Fica um pouco, faz realmente muito tempo que não conversamos direito! – seus dedos enroscaram meu pulso como um recém-nascido que reage ao toque de alguém. – A gente abre o vinho.
– Tenho minha última prova amanhã.
– Ainda é cedo.
– Vou acordar de ressaca – fiz uma careta.
– É só beber pouco – deu de ombros. Seu rosto sustentava o ar de expectativa, e por mais que eu não quisesse me deixar levar, seus argumentos eram bons.
– Ok, eu fico – em resposta, ela guinchou, animada, abraçando-me rapidamente. Ri de sua reação, tornando-me a sentar.
Abrimos o vinho – muito bom, por sinal – ligamos uma caixa de som e dissipamos toda a névoa de timidez que ainda restava. Expliquei-lhe por que teria prova no sábado de manhã, como andavam as coisas com Heather nas últimas semanas e os preparativos para a monografia. Ainda no meio do curso, continuava animada com a faculdade, aspirações de carreira e essa besteira que pessoas de Humanas são tão otimistas. Era até engraçado vê-la jurar que não queria que chegasse ao fim da graduação por conta da saudade, enquanto eu contava os dias para me formar riscando a parede do quarto como um presidiário.
– Mas que mal lhe pergunte – ela deu um gole no vinho, estendendo a garrafa para mim –, essa Heather... Ela te faz feliz?
Parei a garrafa no meio do caminho, já com a boca encostada, e arqueei a sobrancelha. estava atenta, sentada na cama de frente à que eu estava, inclinada para frente em sinal de interesse no que ouviria. Talvez fosse alguma fixação dela, pois desde que nos conhecemos ela quis que eu tivesse alguém a quem me apegar. Eu não forçava barra com ninguém, saía até mais de uma vez com meninas que não me despertavam tanto interesse sexual porque eram boas companhias, pelo menos, e tive um namoro legal de um ano e meio que terminou por causa da minha ex, que me dizia que não era tão boa quanto eu merecia. Vai entender.
– Por que a pergunta?
– Nada de mais – um sorriso não tão sóbrio apareceu em seu rosto. – É só que você parece triste.
– Todo mundo é triste até que se prove o contrário – pisquei com um só olho, virando a garrafa. Já tinha perdido a noção de quanto tinha bebido daquela garrafa, mas já não ligava mais às 20h, quando tomei aquele último mililitro. – É sério, não me olhe assim!
– Então se explique – pediu , retirando o casaco pesado e jogando no mesmo canto em que as luvas e o cachecol estavam antes. Prestei atenção no ato por tempo demais, até lembrar que devia falar novamente.
– Leve em conta que a tristeza, a princípio, é a ausência da felicidade – senti meu celular vibrar no bolso da jaqueta e o pesquei em um instante. – Nós não estamos o tempo todo felizes, porque a felicidade é pontual. Tem que ter um significado pra ela ser verdadeira – ao olhar o visor, vi que era uma mensagem de Heather e ignorei, no entanto, ao voltar a atenção para , vi que ela também notou que alguém falava comigo. – Então se não temos uma razão pra isso, não estamos felizes. Se não estamos felizes, estamos tristes.
– Você não vai responder? – ela apontou para o celular, neguei com a cabeça. – Hm. E a indiferença?
– É um mecanismo da felicidade pra atenuar a tristeza – respondi prontamente, um pouco confuso se havia feito sentido. – Ficamos tão preocupados em sermos felizes que usamos essas expectativas em cima do nosso estado natural, amenizando a tristeza.
– Como você tem tempo pra pensar nesse tipo de coisa? – ela riu, levantando-se e, em seguida, sentando-se ao meu lado.
– Demoro muito pra cair no sono. Ou é isso, ou tocar uma – sua gargalhada continuou a ecoar, e logo após meu ombro virou abrigo para sua cabeça. Eu segurei a respiração para não assustá-la. – Já tá com sono?
– Não – seu tom de voz era debochado. – Eu realmente senti sua falta, .
Abracei por um dos ombros, apertando-a brevemente. Se horas antes eu havia reclamado do silêncio, agora já tinha me acostumado. Gostava, até. Já tínhamos falado tanto, sobre tantas coisas, que as próximas que viriam seriam apenas adicionais em cima do que era realmente indispensável para voltarmos ao patamar de amizade que estávamos antes. Não precisávamos mais de justificativas para ausências, tampouco de análises sobre o comportamento do outro para não cometer um deslize. Quer dizer, quase. ?”, li rapidamente no celular. Digitei “Desculpe, não vou poder. Prova amanhã” em resposta.
– Você não respondeu a minha pergunta – ouvi a garota ao meu lado murmurar, assustando-me. Guardei o celular em um milésimo de segundo. – Ela te faz feliz?
– Sim.
– Com base na sua teoria? Felicidade verdadeira? – senti sua cabeça se mexer, tendo agora seus olhos direcionados aos meus.
– Isso realmente importa? – ri, nervoso.
– Pro que eu quero, sim.
não sorriu. Não desviou o olhar, enrubesceu ou deu qualquer sinal de que estava nervosa, pelo contrário. Estava muito firme sobre o que queria, e ela me queria. Por um instante eu congelei, incerto sobre o que fazer, mas aos poucos voltei a mim, momentos antes de me aproximar dos “lábios finos demais” dela. Seus dedos mornos tocaram o meu pescoço, muito mais quente, causando-me um calafrio que subiu por todas as vértebras. Segurei sua cintura em seguida, ajeitando-nos um de frente para o outro. Ela estava tão calma e certa do que fazia que não parecia ser a primeira vez que nos beijávamos. Quando parti o beijo, ainda um pouco atônito, riu da minha cara.
– Ok, o quão bêbada você tá? – fui obrigado a perguntar, estranhando sua reação.
– Você nunca beijou uma garota na vida? – ela zombou, fazendo-me franzir o cenho. – Não vem com essa de “você bebeu”, eu tô ótima e não vou me arrepender de nada, para com esse medo. Me agarra, . Me beija de verdade.
Um segundo para pensar, cujas frações se dividiram entre espanto, desconfiança, aceitação e alívio. Um segundo para avançar em direção a um corpo que emanava desejo, envolvendo-me em uma nuvem de frisson de forma inócua, tal qual eu mal notei. De supetão fui arrastado e cegado pela minha própria vontade de acatar à ordem de , apressado e sedento. Descontrolado. Ela me permitira deixar o comedido de lado, para que eu me libertasse da sombra do ex-Theo que me bloqueara a passagem a ela. E era tudo sua culpa; por tê-lo deixado se aproximar, por não ter me notado, por dar importância demais a mim enquanto eu mal conseguia olhá-la sem sentir vergonha de mim mesmo.
Era, também, culpa minha por abaixar a cabeça e fingir sempre que não existia nada, por olhá-la com cobiça e disfarçar com simpatia, por guardar por meses o desejo que eu mal conseguia reprimir, mas que continuava lá, dentro de mim, em estado latente. Agora transbordando pelos nervos, todos descoordenados ao menor toque da causadora daquilo.
Eu beijei sua boca, o canto de sua bochecha, a raiz dos seus cabelos da nuca e todos os locais em que me atrevia chegar perto e ela não se importava. Expus sua pele ao frio que não sentíamos, deixando-me vulnerável por igual. Encaixei-me ao seu corpo “imperfeito” com a sensação de ausência de mim, e o sexo parecia irreal. Abraçá-la, suado e exausto sob o edredom, era somente uma dose homeopática de verdade em cima da minha própria surpresa e incredulidade.
– Espero que isso não estrague nada – quebrei o quase silêncio do quarto, ainda ouvindo nossas respirações altas e sentindo o sangue circular mais rápido dentro de mim. Eu precisava provocar uma resposta que calasse o resto de negação que existia na minha cabeça.
– Você já estragou há muito tempo – disse , de olhos fechados. Sorriu quando eu a encarei, percebendo minha movimentação. – Se tem uma coisa boa que aquele babaca fez, foi me abrir os olhos sobre isso. Diz a verdade, – suas íris surgiram por entre as pálpebras preguiçosas, cravadas nos meus olhos. – Por que você se preocupava tanto comigo?
– Porque eu gosto de você, ué – respondi, subitamente nervoso com o contra-ataque. – E eu sabia de tudo, queria me redimir de alguma forma.
– Brigando com um dos seus melhores amigos? – ela arqueou uma das sobrancelhas, parecendo satisfeita com o rumo da conversa.
– Ele não era tão bom assim, no fim das contas...
– E ele estava com ciúmes de mim – sua voz saiu cantarolada, de repente parecendo uma história a qual narrava para nós dois. – Ele disse que acabaria com você, se chegasse perto de mim. E que isso nunca ia acontecer, porque ele não deixaria. O bravo herói tinha desafiado o vilão, mas acabou ferido. No olho e no orgulho.
– Como você sabe de tudo isso?
– A mocinha estava indo ao castelo pedir pela liberdade dela – ouvi uma risadinha, como se eu a tivesse feito cócegas. – Ela acabou ouvindo o segredo do herói, mas fingiu que não sabia, porque estava confusa.
– Então por que ela continuou presa ao vilão? – virei-me de lado, de frente para o seu perfil.
– Porque ela também não é tão boa assim, no fim das contas – concluiu , usando a minha frase. – Ela quis punir o vilão filho da puta com um belo par de chifres na frente dos amigos dele. Uma pena que o herói não estava lá.
Ergui as sobrancelhas, surpreso. Não era como se eu tivesse uma imagem de virgem imaculada de , inclusive, sabia muitas histórias suas que a deixariam rezando o Rosário seguidas vezes, mas também não esperava uma reação à altura do que Theo havia feito. Principalmente pelo fato de ela insinuar que queria trair o ex-namorado comigo, o ex-melhor amigo. Na frente de todo mundo.
– Por que essa cara? – ela riu mais uma vez, beijando-me rapidamente. – Você me conhece, sabe que eu faço esse tipo de coisa quando dá na telha.
– Não, não é por isso – meneei a cabeça. – É porque... eu. Digo, você sabia de tudo. Me sinto um pouco envergonhado, não sei.
– Como se precisasse – senti seus lábios sobre o meu peito, e logo em seguida ela se aninhou em mim. – Eu me sentia mais à vontade pra falar sobre mim com você que com o meu próprio namorado, e você me tratava mil vezes melhor que ele, que já me tratava bem, mas com segundas intenções. Não foi muito difícil fazer as contas e ver o que era melhor pra mim.
– Mas ele é o senhor perfeito...
– Eu não tô atrás de perfeição, eu quero alguém legal pra passar o tempo – seus dedos acariciavam meu peito, e eu não conseguia me segurar por muito tempo sem sorrir.
– Não tá atrás de perfeição e fica botando defeito em si mesma onde não tem – impliquei, tendo uma razão para rir. soltou um grunhido, como fazia todas as vezes que alguém fazia piada dela.
– É diferente, você sabe – rebateu, erguendo a cabeça para me olhar. E ficamos ali, um encarando o outro, com meios sorrisos e a sensação de que parecia bom demais para ser verdade. – Dorme aqui – abri a boca para lhe responder. – Ah não, nem vem com desculpa, . Eu moro do lado da faculdade, e você pode acordar mais tarde pra fazer a prova, até.
– Vai ser difícil dormir contigo depois de tudo isso – deslizei minhas mãos para sua cintura, apertando-a e trazendo-a em minha direção.
– Posso te ajudar com isso, talvez – seus braços se enfiaram por baixo dos meus, deixando tronco sobre tronco, pele sobre pele. Eu não sabia qual força misteriosa, se é que havia alguma, era responsável pelo magnetismo de sobre mim, mas era obrigado a dizer que estava entregue a ela. Ou talvez não existisse nada disso, só a vontade dela de arriscar, afinal, era eu quem não sabia de nada. Minha única certeza era que, por seis meses, guardei para mim o sentimento de que eu devia ter ido pra casa com ela daquela festa. Toda a enrolação seria evitada se eu dissesse “Não” a um babaca naquela época. Ela seria minha muito antes.
Mas, pensando melhor, há males que vem para bens. Nós podíamos somente ter ficado e depois nunca mais nos falado. Apesar de ter doído – no olho e no orgulho –, o soco talvez fosse parte do caminho até eu chegar a . De qualquer forma, eu estava feliz pelo agora. Genuinamente feliz.

— Dezembro —


“Não há intensidade de ardor ou de euforia que possa desafiar aquilo que um ser humano é capaz de armazenar em seu fantasmagórico coração.”**
– Adoro esse trecho – ouvi a voz cantarolada de atrás de mim, levando-me a fechar o livro, usando o indicador como marca-páginas. Olhei por cima do ombro, vendo-a caminhar com uma sacola para a cozinha. – Você não vai acreditar em quem eu encontrei no caminho pra cá.
– Quem? – falei mais alto, de forma que ela pudesse me ouvir. Durante as férias, sem muito o que fazer devido às provas na última semana que cancelaram minha viagem à Alemanha, me convidara para passar um tempo em Portsmouth, na casa dos seus pais. Os dois trabalhavam no comércio até o fim da tarde, o que nos dava tempo de sobra para aliviar as tensões do disfarce de “somos só amigos”.
– Theo – respondeu ela, voltando para a sala e batendo no meu pé, que estava apoiado sobre a mesa de centro. A mãe dela faria pior em seu lugar, por sorte estávamos sozinhos. – Ele estava com Lucile, andando pelo centro.
– Fico tão feliz de saber – ironizei, pondo o livro de lado, agora com um marca-páginas de verdade.
– Ele perguntou de você – apontei para mim mesmo, rindo sem humor. Ela sentou ao meu lado, pondo a mão sobre o meu joelho. – Parece até que vocês nunca brigaram.
– Aposto que, se eu tivesse sacado o canivete, seria diferente.
– Com certeza, você poderia estar na cadeia por agressão – riu, e fui obrigado a concordar. – Mas sabe qual o único lado bom de isso tudo?
– Existe algum? – arqueei a sobrancelha, vendo-a assentir.
– Se vocês não tivessem brigado, eu nunca teria certeza sobre nós dois – ela concluiu, com um sorriso leve no rosto. – Eu morria de medo de admitir, mas eu tinha uma paixãozinha platônica por você.
– Que gracinha – falei em tom infantil, apertando suas bochechas. Ela me deu um tapa fraco, sem jeito. – Ainda bem que eu nunca passei por isso.
– Ah, não? – ela parecia ofendida. Neguei com a cabeça, segurando o riso. – Tem certeza?
– É muito fácil usar Filosofia pra explicar tudo, vocês de Humanas são impossíveis – debochei. – O nome disso é Física pura e aplicada. É o calor em estado latente, depende da quantidade de massa pra mudar de líquido pra vapor.
– Cala a boca, – disse , rindo brevemente antes de me dar um selinho. – Você tem teorias demais pra coisas tão simples.


* The Bootleg Beatles é uma banda de tributo aos The Beatles, original de Londres, criada em 1980.
** Trecho de O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald.


FIM


Nota da autora: Oi :)
Short escrita pra troca de fics do grupo de Leitoras Cobaias no facebook, eu tirei a Bih Hedegaard (autora de Two is Better Than One) e ~suei~ pra fazer EL. Não tá 100% como eu queria, mas pelo menos agradou a ela, então tô liberando pra vocês também. hihi
Enfim, não vou falar mais porque não tenho o que falar. HUE Se tiver algum erro ou reclamação, pode mandar também. E é isso!
xxo Abby





Outras Fanfics:
Longfics:
Theater - McFly / Finalizadas
[/independentes/t/theater.html]

Shortfics/oneshots e Ficstapes:
I L.G.B.T.? - LGBTQ / Em andamento
[/independentes/i/ilgbt.html]
Theater: Three Little Words - Especial All Stars 2014 / Finalizada (Spin-Off de Theater)
[/independentes/t/theaterthreelittlewords.html]
05. I Want it All - Ficstape #001: Arctic Monkeys – AM / Finalizada
[/ficstape/05iwantitall.html]
02. Lola - Ficstape #011: McFly – Memory Lane / Finalizada
[/ficstape/02lola.html]
07. Jealous - Ficstape #020: Beyoncé – Self-Titled / Finalizada
[/ficstape/07jealous.html]
Mesmerized - Especial Dia do Sexo (The Wanted) / Finalizada
[/independentes/m/mesmerized.html]
Falling Away with You - Restritas - Originais / Finalizada (ATENÇÃO: Conteúdo sensível, suicídio.)
[/independentes/f/fallingawaywitu.htm]
Famous Last Words - LGBTQ / Finalizada (ATENÇÃO: Conteúdo sensível, suicídio. Releitura da fic acima.)
[/independentes/f/famouslastwords.htm]
Fear of Sleep - McFly / Finalizada
[/independentes/f/fearofsleep.htm]
Second Heartbeat - Restritas - Bandas (McFly) / Finalizada
[/independentes/s/secondheartbeat.htm]
Reminiscences - Originais / Finalizada
[/independentes/r/reminiscences.htm]
He's Got You High - Originais / Finalizada
[/independentes/h/hesgotyouhigh.htm]
She's Got You High - Originais / Finalizada
[/independentes/s/shesgotyouhigh.htm]
Farewell - Especial de Agosto 2013 / Finalizada
[/independentes/f/farewell.html]
Give Me a Reason - Especial FFAwards 2013 / Finalizada (Spin-Off de Give Me Novacaine)
[/independentes/g/givemeareason.html]

Todo e qualquer erro, seja de escrita ou html, deve ser enviado diretamente para mim em awfulhurricano@gmail.com. Não use a caixa de comentários, por favor.


comments powered by Disqus