Give Me a Reason

por Abby
Fanfic finalizada em dezembro de 2012

Prólogo

 Seu nariz coçava e ardia. Cada vez que o ar passava, o cheiro de ferrugem era recordado; estava sangrando. Seria uma dor insuportável, se estivesse em total sobriedade. No lugar que estava, no entanto, as sensações da carne não existiam. A dor não passava de utopia, um verbete sem uso em um dicionário lotado de lacunas. Aquela era a realidade alternativa que, ainda que só ele soubesse disso, tinha orgulho em viver. Aquele era seu mundo. Seu paraíso particular.


Capítulo Único

 Havia ali um horizonte. Representado por uma linha tão tênue que só se notava por causa dos raios de luz batendo sobre a água serena e refletindo em sua superfície, fazendo-a tomar a cor laranja. Acima da delgada linha, um tom de rosa chá que se erguia e se fundia ao anil, para então se tornar azul profundo. As nuvens, invejosas da beleza do céu, quiseram ter as mesmas cores. E todos, céu, nuvens, água e horizonte, aguardavam ansiosamente que o sol, esplendor de luz, se escondesse além de onde os olhos de poderiam ver. Era fim de tarde, em um pôr-do-sol à beira mar.
 A maresia presente delatava a brisa que tocava sua pele alva. Um aroma agradável para seu nariz machucado podia ser sentido perfeitamente. Seu coração batia acelerado sem razão aparente, até que seus olhos se puseram sobre ela. A comparação piegas fazia todo sentido naquele momento: dormia como um anjo. De toda, perfeição. Sobre seu peito e sob seus braços.
 Ele apertou seu abraço, temendo que suas forças se fossem sem que pudesse senti-la mais perto, com o sangue correndo em sincronia com o seu. O perfume de jasmim que seus finos fios de cabelo emanavam fora suficiente para acalmar o desespero de perdê-la. Ela estava ali. Sua continuava consigo. Era dele por completo, sem ressentimentos, sem pena, sem culpa. Era tudo como no início.
 E, como no início, quando a garota acordou, sorriu para ele. Um sorriso tímido, que não diminuía a alegria que tinha por estarem juntos. enxergava em seus olhos cintilantes a profundidade dos sentimentos puros que lhe pertenciam. Fez-se escravo das íris claras por conta da luz intensa da tarde. Havia tanto a dizer que as palavras se perderam umas entre as outras. Tudo que ele pensou se resumira em uma sentença:
“Felicidade”, sussurrou, e acresceu seu sorriso. Se ela soubesse da supremacia que, para ele, aquela palavra tinha sobre as outras...
“Também estou feliz, ”, disse, olhando-o como se o penetrasse a alma e desvendasse seus mistérios. “Nós finalmente conseguimos. Você finalmente conseguiu.”
 Ele quis perguntar “O quê?”, porém a resposta o levaria ao porquê, e não queria justificativas; o passado já não importava mais. De que era relevante pensar no que ficou para trás, quando o presente era a maior dádiva que lhe poderia existir? Com havia aprendido a amar, de uma maneira torta e confusa, e era amado na mesma proporção. Não existia o que contestar, nada para questionar.
“Senti sua falta”, grasnou, dando voz ao seu interior. Ela repousou sua cabeça novamente sobre o tronco dele, apertando-o em seus braços finos.
“Você não sabe o significado que a saudade teve pra mim nesse tempo”, murmurou, acalentando o peito nu do garoto com as pontas dos dedos. Desenhava espirais sobre o lado esquerdo, sentindo a pulsação forte por baixo da pele macia. “Perdi parte da minha vida quando me vi sem você. Qualquer punição seria pouca pra aliviar a tristeza e a culpa que sentia. Estava podre, oca, morta. Acho que só existia lixo dentro da carcaça que é o meu corpo.”
“Não fala mais isso!” ralhou, em tom baixo, sentindo em suas vísceras a angústia que ela descrevia. “Nunca mais.” Seus dedos foram levados aos fios de jasmim, que respondiam ao afago que ela dava. Aquela era, decerto, sua droga favorita. Cada vez que a inspirava, via-se mais distante, em uma nova órbita. O corpo se fazia leve, a mente cada vez mais limpa. O silêncio, a claridade...
“Me lembro do nosso primeiro beijo.” a garota quebrou o silêncio, erguendo-se e separando-se dele, em seguida se sentando de costas à paisagem. A luz dourada do Sol por trás de sua silhueta a deixava novamente angelical; uma imagem divina ao mundo surreal de . Ele sorriu, aguardando que ela terminasse. “Você parecia tão distante, tão impossível de se alcançar. Como se você estivesse sobre um pedestal, tão alto que minhas mãos não chegavam perto nem dos seus pés.” O semblante dela ao descrever era de um sonhador. A história que partilhavam era um sonho. Um conto de fadas urbano. “E eu queria tanto chegar até lá que não aceitava o seu desprezo. Insisti, persisti, sei lá, até conseguir te ter.” Se existia alguma certeza, era a que se enchia de paixão ao falar sobre eles. Seu sorriso, cada vez maior, era a prova real. “Foi estranho o jeito que ganhei a sua atenção naquela noite, mas enfim a tive.” Os dedos delicados procuraram os dele, entrelaçando-os. “Foi o melhor acontecimento da minha vida.”
“Se você soubesse como eu estava tentando te proteger ao te afastar daquele jeito...” confessou o garoto, não correspondendo às atitudes dela. Levantou-se, sentando ao lado de , porém de frente ao mar. Expor-se daquela maneira não era de seu feitio, sempre existiria uma barreira afastando-o do mundo. “Não queria que ninguém vivesse parte do que eu vivo, porque sei como é horrível. Ainda mais pra você.”
“Eu não sou nenhuma boneca de porcelana”, resmungou ela, censurando-o. Quantas vezes mais teria que repetir a ele que não era frágil como pensava?
“Mas também não foi feita pra viver como eu, será que nunca vai entender?” insistiu o garoto, vendo-a negar com a cabeça. “Não era eu quem estava no pedestal, e sim você. Eu fico por baixo, cada vez mais me afundando, e não você. A sua vida está distante, superior à minha. Eu só fico ali, às margens, invejando o seu brilho e sua forma, perguntando a mim mesmo quando seria capaz de ser alguém digno a viver contigo.”
“Se você se preocupa tanto com dignidade, me desfaço da minha. Não me serve de nada nessa vida de marionete que eu tenho”, fugindo ao olhar dele, ela sugeriu. Mordeu o lábio inferior, controlando a enxurrada de emoções que a atacava. “Não dá pra aguentar minha antiga rotina depois de já ter ido ao extremo. Eu voltaria a ser fraca, maltrataria a mim pra não ter que me lembrar o quão monótona é a minha vida.”
“Não faça isso, .” ele pediu, pondo sua mão sobre o rosto delicado, fazendo-o virar-se para ele mais uma vez. Os olhos da garota agora cintilavam por causa das lágrimas que os orleavam. A face madura dos anos passados o fazia recordar aquela garota do colegial. Fizera tanto tempo, ela mudara tanto... E ainda assim continuara a mesma. “Não conseguiria ver você de novo daquele jeito, é como se eu olhasse no espelho e visse a destruição que eu causei.”
“Isso porque somos um só.” disse ela, com um sorriso lânguido rasgando-lhe o rosto, criando a mesma melancolia em . “Assim como Catherine Earnshaw* disse, existe, ou deveria existir, um outro eu para além de nós próprios. Há sempre alguém tão igual a mim quanto eu mesma, e vivo pensando nesse alguém. Não por prazer, como não sou prazerosa para mim mesma, mas como parte de mim. Você e eu, , somos uma única alma em corpos distintos. Não precisamos ficar longe um do outro.”
, para!”, ele bradou, sentindo a bile subir e corroer sua garganta, então voltando para o lugar ao qual não devia ter saído. “Para de ser otimista, para de tentar aliviar e diminuir os meus erros!” Seus olhos arderam e o ar lhe faltou, porém o garoto continuou firme. “Só eu sei o quanto estou atolado nessa lama que me joguei, e sei também que você não merece ir pro mesmo lugar que eu. Ficamos separados porque não quero que você me acompanhe em um caminho incerto.” A boca seca parecia rachar a cada palavra dita, novamente ele sangrava. “Não quero que você sinta pena ou desgosto de mim, muito menos que você, algum dia, morra por causa de algum vagabundo que vá atrás de mim. Não aguentaria te ver tão baixo quanto eu! Compreende isso, porra!”
sentiu medo. O rosto aterrorizado trouxe a culpa à tona. Ele teve a sensação de ter o peito perfurado, fazendo seu coração bater sem ritmo, exposto ao ar e prestes a explodir. O ar pesava em seus pulmões, a bile oscilava. Dor. Seu corpo doía. Seu mundo se desfazia e sua garota continuava lá, presa. estava perdendo a única pessoa que ainda o restava, mesmo que em outra realidade. Sua imagem turva se distanciava, e ainda que ele corresse, não a alcançaria. Os pilares que sustentavam aquele paraíso particular caíam um por um. Ele voltava a ser uma completa ruína.

Epílogo

 As pálpebras pesadas se abriram, revelando as bilhas envolvidas por vermelho sangue. O cenário que aqueles olhos viram foi o de um quarto de pintura envelhecida e luz precária, que sua mente nem mesmo se lembrava. levantou o corpo pesado e úmido de suor, mal tendo tempo para pensar quando sentiu o refluxo levar até sua boca um líquido asqueroso que logo expeliu. As gotas frias sobre a pele quente faziam seus cabelos grudarem-se à testa. O odor de ferrugem e vômito eram insuportáveis, tão nojentos quanto ele mesmo.
 Como ele pôde se enganar, achando que teria as mesmas chances de ter sua garota da mesma maneira? Ainda era o mesmo filho da puta drogado, um sujo, impuro, inglório. Indigno de ter qualquer afeto de qualquer pessoa. Ele continuaria tendo que recorrer à cocaína para chegar até uma ilusão, a minutos de felicidade. Porque ainda não lhe existia uma razão concreta para acreditar em si mesmo. Não mais.



*Catherine Earnshaw: protagonista do livro "O Morro dos Ventos Uivantes", de Emily Brontë.


FIM



Nota da autora: Alô, vocês!
Uma pequena homenagem a Give Me Novacaine, minha fic favorita. Muito obrigada ao capeta da Mariana e a emo da Daniela pela fic mais polêmica e intrigante que já li!
Pode parecer estranho uma fic a partir de outra, mas sabe quando você gosta tanto de algo que, meses depois, ainda continua pensando naquilo? Não, não é assim comigo. É pior. rs As autoras sabem - e como sabem! - o quanto sou obcecada por essa estória, mesmo não a acompanhando fielmente por problemas que não vem ao caso :)
Enfim, Give Me a Reason não é spoiler de GMN, é só uma projeção do que eu imagino após um possível fim das personagens, ou seja, uma separação. Não que eu saiba o fim da fic (quem me dera :9 HSDFADSJK), mas prevejo algo parecido pelas experiências que já vi e ouvi. Então, a partir do que eu acho que acontecerá, escrevi essa espécie de 'sonho' do nosso bad boy favorito, anos depois de tudo ter acontecido. :D
Então é isso, espero que tenham gostado!
xxo Abby

Nota da beta-reader: Abby é uma das minhas escritoras favoritas, e eu simplesmente acho incrível o jeito que ela tem com as palavras... Cada pequena emoção é descrita de modo tão intenso que me obriga a tirar o chapéu, levá-lo ao peito, ajoelhar-me e fazer uma oração: "Santo Deus que está nos céus, permita que a Abigail nunca pare de escrever!"
Sério, Fabiane, parabéns mesmo. GMAR foi uma das shortfics top de linha, e obrigada por me entregar essa pequena para betar *-* como sempre, acho incrível que você confie em mim para isso, mas não me resta nada além de me sentir emocionada! Haha
xx. Marii-Marii





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