Lótus
Lótus: Esse tipo de flor possui oito pétalas, que estão relacionadas com as oito direções do espaço.
Por esse motivo, elas costumam ser também consideradas como o símbolo do novo caminho e da harmonia cósmica.
05 de outubro de 2021, Birmingham – Inglaterra
West Midlands Rehabilitation Centre
– Eu nem consigo acreditar que você já está indo. – Maisie choramingou, esfregando as costas da outra enquanto a sufocava em um abraço apertado.
Era tarde do último dia da terapeuta ocupacional em uma das maiores e mais conceituadas clínicas de reabilitação de Birmingham, Inglaterra. A terapeuta era responsável por recuperar desde crianças queimadas, crianças com deficiência, ou acidentadas de alguma forma, até adultos com as mais diversas lesões neurológicas ou traumato-ortopédicas. Trabalhava na companhia de seus dois melhores amigos da época da faculdade: a terapeuta Maisie Winslet, uma inglesa baixinha e com espírito mais alternativo do que a maioria, com grandes olhos brilhantes e humor deturpado, e Louis Thompson, um médico de quase trinta anos que não era levado a sério por parecer ter pouco menos que vinte.
O trio se formara durante os últimos anos da faculdade, enquanto tentavam sobreviver às provas finais e a dívida estudantil. Vivendo os últimos anos como estudantes, aproveitando as festas, os jogos e sendo apenas mais três pontos na imensidão de universitários do país.
Maisie e , apesar de estarem no mesmo ano, não eram exatamente amigas até serem forçadas a trabalharem juntas, como dupla de atendimentos.
Inicialmente, fora o inferno na Terra. As duas, com suas diferenças, enlouqueciam o estudante de medicina que as acompanhava nos atendimentos, Louis. Mas entre discordâncias sobre planos de tratamento e atividades, as duas descobriram que até mesmo água e óleo podiam se misturar se feito do jeito certo. E depois disso, nunca mais haviam se separado. Nem de Louis.
Depois da faculdade, graças a influência da família de Louis, os três estavam empregados na clínica, atuando juntos, mas agora como melhores amigos. O trabalho interdisciplinar e multidisciplinar exercido pelo trio era destaque na clínica, e através disso, Louis, e Maisie somavam publicações científicas em seus nomes.
A rotina perfeita, no trabalho perfeito, com o trio dos sonhos durou cinco anos, até que considerasse a ideia de se mudar. A princípio, a decisão da britânica não havia sido muito bem recebida pelos amigos, principalmente por Maisie, que considerava um desperdício de talento e ofensa pessoal a saída da terapeuta da equipe. Mas almejava perseguir seus próprios objetivos. Depois da faculdade, atuar com reabilitação não era sua primeira opção, mas antes que pudesse perceber, já estava contratada, cuidando de síndromes do túnel do carpo. Ela queria mais, queria perseguir seus objetivos, seus sonhos da época da faculdade, queria trabalhar com jovens e adolescentes, queria atuar principalmente com esportes. Era seu sonho.
não era conhecida por se acostumar com as coisas ou ser contrária a mudanças, até mesmo sua aparência a enjoava, era figurinha conhecida nos salões de beleza de Birmingham.
Por isso, quando encontrou por acaso o e-mail de uma de suas professoras, sugerindo uma vaga de emprego em outro país, com a possibilidade tão almejada de trabalho junto a atletas, a terapeuta se permitiu ser impulsiva e disse sim.
Apesar da surpresa, frustração e negação, os amigos, aos poucos, cederam a ideia e se tornaram os maiores apoiadores de . Conheciam a amiga e sabiam que a decisão era tão difícil para ela quanto para eles, embora a melhor a ser feita, por isso a acompanharam em todos os passos, até o fim.
– Eu também não, passou mais rápido do que pensei. – sorriu contra os ombros da amiga. – Estou sem dormir há umas quatro noites por causa da ansiedade.
– Já sabe o que vai fazer lá? Com quem vai trabalhar? – Maisie perguntou, afastando-se um pouco da amiga, que se sentou em uma das cadeiras disponíveis da sala de descanso.
– Não sei quase nada, é tudo um grande mistério. – suspirou um sorriso envergonhado. – Ainda nem conheço meu chefe, mal sei o nome dele ou dela. – Confessou.
– Está brincando? – Maisie arregalou os olhos, apoiando o corpo em uma das bancadas reservadas para o café.
– Não, eu juro. – sorriu mais uma vez, depois arrastou alguns papéis que estavam sobre uma mesa próxima e passou a dividir com eles sua atenção. – Eu só sei o último nome, Vierula, e a razão social. Minhas reuniões sempre foram com outras pessoas. Tudo que sei é que ele trabalha com atletas de ponta, alto rendimento, gente com muita grana, mas que agora quer expandir, mas sabe-se lá o que vou fazer.
– Com quem será que você vai trabalhar? – Maisie se empolgou, sentando–se na mesa com a outra e apoiando os cotovelos, com olhar cheio de expectativas.
– Nas reuniões eles mencionaram alguns jogadores de hockey no gelo e algumas tenistas. – contou, erguendo os olhos para a amiga. – Pilotos também.
– Que legal! Esportes que fazem sentido para sua atuação. – A outra piscou, sorrindo.
– Não sei...– A terapeuta riu nervosa e balançou a cabeça negativamente. – Eu não sei nada sobre hockey ou tênis...imagine, e se eles me perguntarem alguma coisa? Ou se acharem que não sirvo para o trabalho porque não sei uma das regras principais do esporte? – externou sua mais recente preocupação, erguendo os ombros tensionados.
– Que besteira. – Maisie negou com a cabeça, esticando as mãos sobre a mesa, até que alcançasse as mãos da amiga. – Se te conheço bem, você vai chegar lá com todas as regras desses esportes decoradas, assim como as principais lesões. E eu, sinceramente, não acho que te recrutaram para isso. Você sabe como tratar uma lesão de flexor longo de polegar, não sabe? – assentiu com a cabeça, apertando os lábios num sorriso fechado. – Está vendo? Ele recrutou a melhor terapeuta ocupacional desse hemisfério. Não há com o que se preocupar. – Ela cantarolou sorridente.
– Vou torcer para que você esteja certa, então. – sorriu apertando os lábios, direcionando a amiga um olhar de gratidão.
– Por que não fui convidado para essa reunião? – Louis se fez ser ouvido, estava parado na porta, de pé, com o cenho franzido e uma sobrancelha arqueada.
– Porque aqui é o espaço seguro, sem médicos. – Maisie provocou rolando os olhos e os outros dois sorriam.
– Já está pronta para ir, bonitinha? – O médico perguntou, esfregando rapidamente o braço de ao se aproximar das duas.
– Sim, mas não posso pensar muito nisso para controlar a ansiedade.
– Vamos sentir sua falta aqui. – Louis sorriu amoroso. – Eu não vou suportar ficar com a Maisie, ela é péssima. Já tomou o café que ela faz? – Ele provocou e foi empurrado pela outra terapeuta, que fez careta.
– Eu espero que minha nova equipe seja pelo menos um por cento do que vocês são. – projetou o lábio inferior.
– Desculpe, mas não vai ser possível. Somos únicos. – Maisie levantou o queixo orgulhosa e Louis apontou para a colega, numa confirmação silenciosa.
– Tem tempo para mais um caso? É rápido. – O médico sorriu, entregando a mulher um prontuário, cortando o assunto.
– Oba! Meu último caso e eu estou fazendo hora extra no meu último dia, espero que me paguem muito bem por isso. – brincou, folheando o prontuário em busca de informações. – O que temos?
– Homem, trinta e dois anos, se cortou com uma garrafa de vinho, preciso que avalie a cicatrização. – O médico explicou. – É simples, mas quero aproveitar você o máximo possível.
– Não vou sentir falta de traduzir sua letra horrível nos prontuários. – A terapeuta ironizou enquanto li as folhas. – O que você quis dizer aqui? Isso é um o ou um c? – Questionou, apontando para um trecho do documento e mostrando–o ao médico.
– Ah, é um c, c de cirúrgico. – Louis riu abafado, franzindo o cenho, esforçando–se para entender a própria letra. – Houve uma lesão muito pequena no tendão do abdutor curto do polegar, como um leve arranhão. Mas ele usa as mãos para viver, estou preocupado com a formação de aderências e também tem um pouco de edema. Pode avaliar para mim? Confio no que disser.
– Claro, chefe. – Ela piscou e sorriu, ficando de pé. – Meu último novo paciente.
– Sala dois. – Louis avisou enquanto a terapeuta saía pela porta.
ajeitou a máscara ao rosto e com os prontuário em mãos, cruzou o grande corredor que a levaria até as salas de atendimento. Tocava as paredes vez ou outra, sentindo a energia do prédio pela última vez, tentando memorizar as sensações, a cor das paredes, a decoração, o cheiro que tinha, enquanto se lembrava de todos os momentos que havia passado entre aquelas paredes. Encontrou alguns pacientes e outros membros da equipe pelo caminho, ocupados com seus afazeres no vaivém normal e cotidiano de uma clínica do tamanho aquela, e cumprimentou a todos com um aceno e sorrindo com os olhos.
Definitivamente sentiria falta dali, sequer havia partido e já sentia o peito apertar. Morreria de saudade de seus amigos, da família, de seus restaurantes favoritos, do humor péssimo de seus vizinhos, da música ruim que alguns insistiam em ouvir assim que o sol nascia. Sentiria falta dos festivais que sempre aconteciam em Birmingham, das lojas favoritas e de vez ou outra precisar atravessar gravações externas de Peaky Blinders antes de chegar ao trabalho. Ah, Birmingham...
Assim que alcançou a ala de atendimentos, a terapeuta direcionou–se a sala preparada e separada para paramentação. Higienizou as mãos com álcool, retirou a máscara e a descartou, substituindo por outra nova, fechou os últimos botões do jaleco, separou e vestiu um dos aventais, amarrando com firmeza, fazendo o mesmo com sua touca. E enfim estava pronta para cruzar a última porta que a separava de seu último paciente, em seu último dia no trabalho dos sonhos.
Higienizou as mãos de novo, bateu duas vezes na porta e girou a maçaneta.
– Boa tarde. – Cumprimentou sorrindo com os olhos.
– Boa tarde. – O homem respondeu, virando o corpo para ver a mulher.
Ele estava sentado à mesa, com a mão direita sobre o colo, usava máscara e um suéter creme estampado. Enquanto se aproximava, voltou a folhear o prontuário rapidamente, buscando o nome do paciente. Não era comum começar um atendimento assim, mas por alguma razão desconhecida ou pegadinha do destino, havia se esquecido daquele grande detalhe e agora, diante ao paciente, não se lembrava de seu nome.
– Senhor..., olá. – Sorriu, mas antes que seus olhos pudessem alcançar o homem, voltaram para o documento novamente.
?
?
?
repetia em sua mente, mal podia acreditar no que estava acontecendo, não podia ser real, devia ser só uma coincidência estranha. Seus olhos então correram para a figura do homem que a encarava num misto de confusão e impaciência. Era mesmo ele, ou alguém que tinha o mesmo nome e a mesma aparência. Apesar da máscara, era impossível não ser, conhecia aqueles traços, era basicamente a fundadora do fã clube do piloto finlandês de Fórmula Um. era seu piloto favorito, não havia um dia em que a terapeuta ocupacional inglesa não tivesse notícias sobre ele, sobre as corridas dele, sobre a vida dele ou que passassem sem defende-lo nas redes sociais de homens que acreditavam que mulheres não eram capazes de gostar do esporte.
Acorde, , seu cérebro implorou. Precisava se controlar, ali não estava a fã de Fórmula Um e seu ídolo, mas a terapeuta ocupacional e seu paciente. coçou a nuca e tossiu, como se tentasse sinalizar que ainda estava ali, esperando. A terapeuta, então, conseguiu retomar o controle sobre seu corpo, balançou a cabeça e limpou a garganta, tentando se concentrar. Era hora de adotar a persona terapeuta profissional, inabalável e concentrada.
– Desculpe. – Pediu engolindo seco. – Senhor . Sou , terapeuta ocupacional, o doutor Thompson me pediu para vê-lo.
– Certo, ele me disse. – concordou com um aceno.
deixou o prontuário sobre a mesa e se sentou do outro lado, higienizando as mãos mais uma vez.
– Então, soube que houve um acidente, posso ver sua mão? – Pediu sorrindo com os olhos.
– Claro. – O homem esticou o braço devagar.
– Que susto, não é? Você, machucar logo a mão. – Disse ela sorrindo, fazendo muito esforço para se conter, mesmo que não funcionasse.
– É...um pouco de azar. – Ele respondeu hesitante.
– Pelo menos não temos corrida nos próximos dois finais de semana, seria uma pena você não correr. Eu provavelmente surtaria. – Quando a terapeuta se deu conta, já havia dito.
mordeu a língua e se xingou internamente, não respondeu, apenas acenou com a cabeça e concentrou o olhar em sua mão. Que estúpida, pensou, concentre-se, concentre-se, não é hora de dar vexame.
Quando terminou de retirar as faixas da mão do piloto, encontrou a ferida bem cicatrizada, sem sinal de inflamação, apenas com um pouco de edema nas bodas, mas nada fora do normal. Abrindo uma das gavetas da mesa de atendimento, encontrou seus kits para a avaliação de sensibilidade. Filamentos coloridos com espessuras diferentes, que serviam para avaliar o grau de sensibilidade e outros pequenos objetos de texturas variadas e tamanhos diferentes.
– Vou testar sua sensibilidade aqui, tudo bem? Não vai poder ver. – Avisou e o homem assentiu com a cabeça mais uma vez.
Mal podia acreditar que estava com a mão de seu maior ídolo e crush entre as suas, tocando-a, segurando. Mal podia esperar para deixar a sala, pegar seu celular e contar para todo mundo o que havia acontecido. Queria gritar, dar pulinhos e comemorar, tudo isso enquanto torcia para que suas mãos não suassem mais que o normal, ou que tremessem. puxou em sua direção uma pequena placa que ficava sobre a mesa, antes usavam uma venda, mas isso não era possível por causa da pandemia, então usariam uma pequena placa que impedia que o paciente visse onde estava sendo tocado.
– Sente isso? – Perguntou enquanto tocava ao redor do ferimento com um pedaço de algodão.
– Sim, sinto.
– E agora, o que me diz? – Quis saber ela, utilizando um dos filamentos mais finos.
– Sim. – Respondeu e uniu as sobrancelhas.
– O que foi? Algum incômodo? – o examinou com o olhar, alerta.
– Não, é só que...parece diferente, quando você toca uma parte ou outra. – Explicou ele, encarando a mão.
– Isso é normal. Perceba a diferença. – A terapeuta piscou, tirando de seu kit um pedaço áspero de tecido e tocando a ponta de um dos dedos do piloto. – Preste atenção em como sente e como estou tocando. – Pediu e ele assentiu. – Agora veja. – tocou ao redor da cicatriz da mesma forma que havia tocado o dedo dele.
– Ai. – reclamou e puxou sutilmente a mão, num reflexo.
– Está tudo bem, é normal que a sensibilidade esteja diferente, esse é um tecido novo. – Explicou estendendo a própria mão, num pedido silencioso para que o homem fizesse o mesmo e a devolvesse a mão. – O que você sentiu? Dor?
– Não, está mais para um incômodo. – Ele contou, deixando a mão sobre a mesa de novo. – Uma sensação esquisita.
– Provavelmente vai desaparecer com o tempo, não se preocupe. Agora, dobre seu polegar para dentro, assim. – Pediu a terapeuta, afastando a placa e mostrando para ele como fazer. – Não precisa se preocupar, faça no seu limite.
– Incomoda um pouco. – Admitiu.
– Não precisa ter medo de abrir a cicatriz, não vai acontecer. De zero a dez, quanto é o incômodo? – quis saber, apoiando a mão do piloto, para que ele não compensasse o movimento.
– Dois. Queima um pouco embaixo da cicatriz. – Os olhos azuis intensos de tocaram os da terapeuta. – Será que o corte realmente não afetou mais nada que não sabemos.
ficou presa nos maravilhosos tons daqueles olhos, lindos olhos azuis, nunca havia visto olhos tão bonitos e intensos tão de perto, esqueceu por alguns instantes que ela era a terapeuta e que devia dizer alguma coisa.
– Não, não acho. – Negou balançando a cabeça rapidamente, tentando retomar a concentração. – Você tem mexido a mão ou cuidado dela como um bebê recém-nascido?
– Acho que um pouco dos dois. – Ele confessou apertando os olhos e riu abafado.
– Às vezes, , durante a cicatrização a pele gruda nos outros tecidos, atrapalha o movimento e causa essa sensação que está sentindo. – Explicou sorrindo, mesmo que ele não pudesse ver, por causa da máscara. – E nós precisamos que sua cicatriz tenha tanta aderência quanto pneus slick em pista molhada. – Ela brincou.
– Entendi. – riu também.
– Me desculpe pela piada, é que...bom, sou fã do esporte. – confessou, levantando os ombros e sorrindo com os olhos. – Não sei se deixei transparecer.
– Não, você foi muito sutil. – ironizou sorrindo com os olhos.
– Eu estou tentando, juro. Não é todo dia que temos a chance de atender um ídolo. – falou animada, distraindo-se um pouco de seu atendimento. – Eu mal posso acreditar que você está aqui...claro que preferiria que não, porque imagino que deve ter se preocupado com sua lesão, mas que bom que está. – A terapeuta desatou a falar, enquanto o homem apenas concordava. – Quer dizer, além de todos os problemas atuais, uma lesão...mas não, que bom que não, e é um coisa simples.
– Obrigada, obrigada mesmo. – Ele agradeceu quando teve a primeira chance de abrir a boca.
– Não precisa agradecer, é sério. É uma honra para mim. – garantiu, tocando o peito.– Nem posso explicar o quanto estou feliz. Eu sei que você deve ouvir isso o tempo todo, mas estamos com você, eu estou com você. Mesmo com todas aquelas coisas que aconteceram, sabe? Não terem comemorado sua vitória...e quando o Lewis Hamilton não seguiu a estratégia da equipe? Nossa, é muito frustrante. E Mônaco? Como a equipe quer cobrar bons resultados se não conseguem fazer o mínimo?
– Eu não...– tentou falar.
– E o Russell no final da temporada passada? As pessoas acham que qualquer um pode vencer com aquele carro, e isso é a coisa mais estúpida que eu já escutei. – voltou a falar sem parar e apenas assentia educadamente. – E será que ele é realmente tão bom assim? Eu posso pensar em pelo menos cinco outros nomes. E eles simplesmente desconsideram tudo isso quando julgam, desconsideram a falta de apoio da equipe, que nitidamente tem um favorito. Além é claro da situação com o campeonato desse ano, cobrando como se você tivesse algum tipo de responsabilidade. Ainda desconsideram a pressão psicológica e tudo que...– limpou a garganta, tentando interrompe-la.
– Eu realmente estou focado nesta temporada e nas próximas corridas, não em resultados que não posso mudar. – Sentenciou ele, emburrado.
– Claro, claro, tem razão. Tem toda razão. – concordou animada, voltando a olhar para a mão dele e movimentar seu polegar levemente. – Nesse resto de ano e no próximo, em outra equipe, talvez seja o ano de realmente ir à caça, sabe? Não como um filhote, mas como um lobo crescido...de ser mais selvagem, mais firme...como seus antepassados vikings, sabe?
– Vikings não são finlandeses. – respondeu num tom levemente austero e direto. – E eu sei como devo me comportar e como fazer meu trabalho.
engoliu seco, não teve coragem para olhar nos olhos do homem. Quem é que não sabe que os vikings são da Dinamarca, ? Indagou a si mesma. Uma gigantesca bola fora.
– Desculpe, você tem razão. Me excedi. – Pediu e agradeceu por estar tão paramentada que dificilmente seria reconhecida por ele caso por algum milagre se reencontrassem. – Me desculpe, não falei por mal.
não respondeu.
– Deve continuar mexendo seu polegar, sempre respeitando seu limite e não force, mas não deixe de fazer. Isso deve reduzir e evitar a aderência. A sensibilidade vai passar também, tente tocar superfícies com texturas diferentes, algodão, tecidos ásperos. E continue com os exercícios, logo vai estar totalmente recuperado. – orientou, ainda roxa de vergonha, enquanto ajeitava as faixas na mão do piloto.
– É só isso? Estou liberado? – quis saber.
– O doutor Thompson vai vir vê-lo mais uma vez, vou chama-lo. – Avisou depois de arrumar a mesa tão rápido quando uma volta em um circuito de Fórmula Um, enquanto se levantava. – E mais uma vez, me desculpe, eu realmente sinto muito.
– Tudo bem. – Ele deu de ombros.
caminhou para a porta de cabeça baixa, se pudesse, cavaria um buraco no chão para de esconder. Tinha tido a chance dos sonhos, o momento perfeito, mas obviamente estragaria tudo. Era a sua cara estragar tudo por falar demais, por não conseguir pensar antes de dizer.
– Obrigada. – agradeceu.
– Não por isso. – respondeu num sussurro e deixou a sala, quase correndo.
O mais rápido que pode, retirou toda aquela tralha e a descartou, chamou Louis e juntou suas coisas, partindo a passos rápidos para o estacionamento. Sem conseguir levantar o olhar, com medo de cruzar com o piloto finlandês ou com qualquer um que soubesse de seu fracasso ou da imensa vergonha que nunca mais esqueceria.
– Ei, garota. Onde vai com tanta pressa? – Maisie a interceptou, a terapeuta a estava aguardando na entrada do estacionamento, sentada no banco do motorista de uma caminhonete alta que contrastava com a altura de Maisie. – Entre aqui.
– Vou fugir do país. – contou chateada, correndo para se esconder dentro do carro da amiga. – Eu definitivamente estraguei tudo.
– Do que está falando? O que aconteceu? – Ela quis saber, enrijecendo a postura.
– Esse paciente, era um piloto de Fórmula Um. – Contou, empalidecida, com as mãos apertando o assento do carona e o lábio inferior projetado numa careta de choro.
– É, eu sei. – Maisie sorriu, atraindo um olhar confuso de . – Louis te chamou por isso, nós sabemos que você adora as corridas, era um presente de despedida.
Ao ouvir aquelas palavras, a terapeuta choramingou e escorreu pelo banco, ainda mais incrédula com seu lapso de falta de profissionalismo e língua grande.
– O que foi? Não foi legal? Ele te tratou mal? – Maisie se preocupou.
– Não, não, não. – A terapeuta se lamentou cobrindo o rosto com as mãos. – Eu. Eu comecei a falar várias coisas, acho que acabei ofendendo ele. Sabe como eu sou, falo sem pensar.
– Ai, ai, ai. – A outra balançou a cabeça negativamente e franziu os lábios. – Foi muito ruim? Numa escala em que errar o nome dele é igual a um e xingar a família dele é dez.
– Talvez entre cinco e sete. Mas eu sou fã dele desde...sei lá desde quando, e agora ele certamente me odeia. Preferia quando não me conhecia.
– Ah, então não foi assim tão ruim. – Maisie amenizou enquanto dava partida no carro e manobrava, tentando sair da garagem. – E ele nem vai se lembrar de você, deve ouvir esse tipo de coisa o tempo todo. Pense positivo, provavelmente ele nunca saberá que você é você, graças a máscara e tudo isso. Não precisa desse drama todo.
– Não é drama, é a realidade. Que morte horrível. – suspirou. – Eu só quero um hambúrguer bem grande e uma morte lenta.
Maisie sorriu e sacudiu a cabeça, sentiria falta dela.
06 de outubro de 2021, Birmingham – Inglaterra
Casa de
Sair de casa, deixar seu país, seus amigos, sua cultura e tudo mais que conhecia não era uma tarefa fácil. Principalmente rumo a um país tão diferente como o futuro lar de . Segundo o e-mail que recebera naquele fim de noite, a terapeuta iria para Mônaco, o principado que por muitas vezes se misturava com a França e Itália. Para a fã de Fórmula Um que vivia dentro dela, era um sonho se tornando real. Andar pelas ruas com a chance mais que possível de encontrar um piloto, ou alguém da equipe, um ex-piloto ou chefe de equipe. Era mais que mágico, apesar de ter destruído seu sonho de fanfiqueira com seu piloto favorito , o que ainda a deixava vermelha ao lembrar, mesmo tendo acontecido horas atrás.
Mônaco exalava luxo e riqueza, precisou usar de todas suas técnicas de controle e manejo de ansiedade para não surtar com sua situação. Era uma inglesa comum, não tinha roupas caras ou estilosas, não tinha o corpo bronzeado ou cabelos loiros impecáveis, ou silicone. Talvez, com seu novo salário, pudesse comprar e viver sua vida como uma pessoa rica. Se imaginava em partidas de tênis durante as tardes quentes, passeios de iate durante as manhãs, drinks em bares de hotéis no início da noite e festas animadas e caras até o dia amanhecer.
Faria exercícios, academia, teria um corpo digno para ostentar biquínis, talvez fizesse bronzeamento artificial. Silicone parecia uma ideia muito convidativa, talvez preenchimento labial. , que estava deitada sobre sua cama, aproveitando o máximo que pudesse de seu conforto, ficou de pé e se dirigiu ao espelho grande no canto do quarto.
Não se parecia em nada com uma garota de Monte Carlo, vestia uma calça de moletom puída e já descolorida pelo tempo, meias grandes demais para seus pés e um moletom da faculdade. No rosto, óculos de grau de armação cor de rosa, e o cabelo estava preso em um coque desajeitado. riu de si mesma, “Quem você quer enganar, ?” Precisava de uma intervenção do esquadrão da moda, de uma boa esteticista e talvez, nascer de novo, se quisesse se parecer com uma garota de Monte Carlo.
– Bom, é isso que temos. – Riu, passando as mãos no rosto, tentando limpar a oleosidade da testa. – Você vai se tornar a esposa que vai ao pilates no meio da tarde e depois busca os filhos com roupa de academia? – Se perguntou em voz alta, virando-se para ter uma visão melhor de seu corpo. – Vai passar os dias em eventos beneficentes, ou viajando por aí? Postando sobre sua rotina de treinos e acompanhando seu marido a qualquer lugar que ele vá? – encarou a si mesma no espelho, tentando se imaginar com aquela rotina, mas falhou e gargalhou. – Quem eu quero enganar? – Negou com a cabeça, ainda sorrindo e voltou para cama, recuperando o saco de pipoca que estava apoiando a um dos travesseiros. – Como disse Cher, mãe, eu sou o homem rico.
negou com a cabeça, ainda se divertindo com seus pensamentos e ligou a TV. Pipoca, chocolate, batata frita, um belo hambúrguer ou uma pizza grande e seu seriado favorito preenchiam qualquer necessidade que a inglesa tivesse, em Birmingham ou em Mônaco.
11 de outubro de 2021, Mônaco
O Principado de Mônaco é uma cidade-estado soberana ao sul da França, banhada pelo mar Mediterrâneo. Fundado e comandado pela Família Grimaldi, ficava a menos de vinte quilômetros a leste da cidade de Nice, não que a uma referência fizesse sentido, não conhecia Nice. Mônaco também era o segundo menor Estado do mundo, atrás apenas do Vaticano, e é o estado com a densidade populacional mais alta do mundo, e também tinha uma família real, Sua Alteza Sereníssima, o Príncipe Alberto II do Mônaco era quem comandava.
Em Mônaco, os habitantes nativos eram minoria. E haviam os grandes cassinos, pouquíssimos impostos e muito incentivo fiscal. Uma vez disseram que é mais fácil que um camelo passe pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus. Em resposta, os ricos se uniram e criaram Mônaco.
Aquilo era óbvio enquanto arrastava as malas para a saída do aeroporto do principado. Tinha um endereço gravado no celular, e caso o celular descarregasse, tinha escrito em dois pedaços de papel, um estava no bolso e o outro na carteira. Caso algo acontecesse com os papeis, também o tinha memorizado, só por precaução. O endereço era de um apartamento reservado por seu novo chefe para ela, uma casa completamente desconhecida.
O tradutor também estava a postos, aberto na tela do celular, não falava mais que dez palavras em francês, embora tivesse se empenhado nos últimos dias a aprender. Torcia para que a história sobre o inglês ser a língua mais falado no mundo fosse verdade.
Estava cansada, com fome, mal dormira no avião por causa de uma criança que chutava seu assento insistentemente durante todas as horas de viagem.
Tinha aquele frio na barriga, o medo de que tudo desse errado e as milhares de possibilidades de fracasso, embora soubesse se tratar de um sintoma da ansiedade. Mas agora precisaria lembrar a si mesma disso sempre, antes tinha Louis e Maisie para se ocupar da tarefa, mas agora estava só.
Não estar próxima aos amigos era algo novo desde a faculdade, uma realidade completamente desconhecida. Quando se mudou para fazer faculdade, aprendeu a conviver com a distância da casa dos pais, com a distância do suporte que eles lhe davam, embora constantemente se flagrasse se culpando por tê-los deixado sozinhos. Mas mesmo longe da família, não estava só, tinha amigos e algum apoio. Agora, longe da família, de sua cultura e de seus amigos, estava completamente sozinha, cem por cento, zero.
Quando Louis e Maisie a acompanharam até o aeroporto, os dois pareciam pensar sobre isso também. Como terapeutas, as duas não podiam evitar considerar o quão problemático seria para viver em um lugar se qualquer tipo de vínculo, sem nenhum tipo de rede de apoio formal ou informal. Sem seus referenciais culturais, históricos e familiares.
Mas a vida era assim, precisava dar aquele passo, sair de sua zona de conforto. Muitos haviam feito o mesmo antes dela, conseguiria também, era nisso que tinha que acreditar.
– Oi, com licença. – A terapeuta se aproximou de um taxista de meia idade, que auxiliava uma mulher a retirar do carro sua bagagem. – O senhor está livre? – Perguntou em inglês e o homem respondendo com um rosnado não muito simpático.
– Não? Certo. – se encolheu, assentiu e tentou procurar outro táxi.
Alguns passos e outro carro estava estacionado, e do lado de fora, o motorista segurava uma placa com o nome de quem esperava. Havia uma fila extensa deles, motoristas de táxis com suas placas e aparentemente os ricos haviam monopolizado também os taxistas.
Andou um pouco mais, se amaldiçoando por não ter escolhido um vestido e salto alto, em vez de moletom e calça jeans. Os taxistas livres pareciam ter um ataque sempre que a terapeuta dizia a primeira palavra em sua língua materna, ou apenas por olharem e perceberem ser pobre. Péssimo dia para não ser uma loira com silicone e bronzeado em dia.
digitou algumas coisas no tradutor rapidamente antes de se dirigir ao último táxi estacionado, empenhada e fingindo estar segura de si. O motorista era jovem, alto, moreno e tinha cabelos curtos castanhos, estava recostado sobre seu carro como quem passa a tarde com os amigos.
– Excuse, j'ai bison d'un taxi. – Pediu por um taxi, tentando soar firme, e o taxista sorriu com os olhos, depois a olhou dos pés à cabeça e esticou a coluna.
– Oui, m'dame. – Ele piscou.
O motorista parecia manter uma expressão irônica no rosto, mas a terapeuta não tinha certeza, o rosto dele estava coberto por uma máscara. Depois de ajuda-la com as malas, enquanto tentava fingir ser inatingível e rica, o taxista cordialmente abriu a porta do carro e acenou com a cabeça.
– Estrangeira. – Ele chamou com voz serena, causando choque a inglesa. – É melhor tomar cuidado por aí, nem todo taxista pode estar interessado em bisontes. – Ele piscou, baixou a cabeça e depois a encarou outra vez, arqueando uma sobrancelha.
não respondeu, apenas baixou os óculos escuros e se jogou no banco traseiro do táxi, torcendo para que o banco a engolisse.
Strike um.
11 de outubro de 2021, Mônaco
Apartamento de
– É um apartamento no terceiro andar, mãe, não acho que tenha risco de ser invadido pela janela. – respondeu para a mais velha, ao telefone.
– Mesmo assim, é melhor manter as janelas bem fechadas a noite. – Lisa, sua mãe, reforçou.
– Mãe, eu não estou fazendo isso pela primeira vez, lembra? Já moro sozinha desde a faculdade. – Lembrou a terapeuta.
– Mas no seu próprio país, isso é diferente.
expirou pesadamente e balançou a cabeça negativamente, não tirava razão da mãe, mas não era como se não soubesse de todas aquelas coisas.
– Mãe, eu sempre me virei sozinha, sempre fui independente. Não é agora que isso vai mudar, certo? Eu sei me virar. – Disse, mas mordeu a língua em seguida, arrependida do tom rude. – Olha, eu entendo sua preocupação, mas pode ficar tranquila. Acho que essa deve ser a cidade mais protegida do mundo.
– Mesmo assim. Você está longe de todo mundo, sozinha...
– Mãezinha, acabei de chegar ao apartamento, só tive tempo de tirar os tênis, mas depois de amanhã vou ter a primeira reunião com meu chefe, não vou ficar sozinha. Prometo que vou deixar o celular ligado sempre, e sempre avisar sobre o que estou fazendo. – Prometeu.
– Vou esperar. – Falou a mãe, um pouco contrariada.
– Como estão as coisas aí? – tentou mudar de assunto, enquanto caminhava pelo pequeno apartamento, olhando a vista das janelas.
– Tudo bem. Todos bem.
– Certo. Me avise caso aconteça alguma coisa, certo? Não tentem esconder nada para não me preocupar. – Pediu.
– Tá, tá bem.
– Tenho que desligar, preciso comer, desfazer as malas, conhecer minha nova casa. – sorriu.
– Tudo bem, um beijo. – A mãe se despediu.
– Tchau, mãe.
jogou-se sobre o sofá, cansada.
Mal havia passado pela porta quando recebera a ligação de sua mãe. Entendia a preocupação de sua família, mas não era como se fosse uma caloura na arte de morar só. Sabia todos os truques, todas as táticas de segurança para mulheres que viviam sozinhas e apostava tudo que tinha que Mônaco devia ser muito mais seguro do que sua antiga vizinhança.
O novo apartamento era pequeno, duas pessoas transitando e a casa já teria sua lotação esgotada. Tinha um pequeno quarto, uma cozinha integrada a sala, um banheiro que parecia ter sido construído no tempo dos apóstolos de Jesus, e apenas isso. Nada de varanda, jardim ou quarto extra. As janelas da sala e do quarto tinham vista para os prédios vizinhos, que pareciam tão antigos quanto o dela. As cortinas eram tão antigas quanto e transparentes, não protegeriam do sol ou de olhares espiões.
encarou sua nova casa, tentando respirar o ar da cidade, que entrava pela janela aberta, imaginando como poderia deixar o espaço com sua cara. Talvez flores aqui e ali, quadros, mas sequer sabia que existiam aquele tipo de lojas em Mônaco. Tudo parecia tão caro e chique, que o único lugar a encontrar objetos decorativos que coubessem em seu orçamento seria a lojinha de souvenires do aeroporto.
12 de outubro de 2021, Mônaco
Era fim de uma tarde ensolarada em Mônaco, o sol era convidativo para caminhadas e o clima ameno, a brisa do mar Mediterrâneo tornava passeios pela cidade o melhor programa do dia. havia pisado pela primeira vez em terras monegascas no meio da tarde do dia anterior, e ainda não havia tido tempo para explorar a cidade, seu bairro e todo o resto.
Como terapeuta ocupacional, entendia a importância de estar conectada ao território e todos os recursos que ele oferecesse, apesar de, em seu caso, serem recursos extremamente caros. Escolheu jeans, tênis e camiseta, a primeira escolha sempre que mirava no conforto. Tentaria se parecer com francesas despretensiosas, nada de maquiagem, cabelos soltos e roupa simples, torcendo para enganar.
Caminhava devagar, olhando a paisagem, do outro lado da rua em que estava podia ver o mar, a marina com seus iates e lanchas, o sol fazendo o mar se transformar em ouro líquido bem diante de seus olhos. Passava por calçadas simples, com vasos grandes onde estavam plantadas pequenas árvores com florezinhas coloridas aos seus pés, ora palmeiras e outras plantas com folhas diferentes, tropicais. As lojas pareciam simples lojas comuns, e talvez aquele fosse o segredo de Mônaco, tudo era absurdamente caro, mas parecia não ser. Uma ao lado da outra, Gucci, Valentino, Hermés, Lalique, Prada, pareciam lojas pequenas, com a mesma cara se olhada de fora, mas não se atreveu a entrar. Tudo parecia ainda mais chique se olhado de perto, as fachadas pintadas de cores neutras, misturadas a referências neorromânticas, neoclássicas. Era cenário de filme, de um filme chique e com muitas pessoas ricas.
No bolso, a inglesa sentiu o celular vibrar, o nome de Maisie e uma foto da inglesa de cabelo castanho acendia a tela.
– Desculpe, mas a senhorita não pode atender agora? Quer agendar um horário? – brincou ao atender e ouviu a amiga rir do outro lado.
– Eu sou VIP, sua chefe não te avisou? – Fingiu, entrando na brincadeira.
– É que a lista de prioridades mudou desde que a sede se tornou Mônaco. – tentou forçar o melhor tom de tédio e indiferença.
– Você é uma desonra para a raça, ! – Maisie rosnou do outro lado, fazendo a amiga gargalhar distraída e se chocar com um transeunte qualquer que passava ao seu lado.
– Pardon. – A inglesa tentou dizer em seu francês arranhado e carregado de sotaque, baixando a cabeça envergonhada. – Viu o transtorno que me causa? Atropelei algum rico agora. – Resmungou.
– Cuidado para não cair na rua e ser fotografada. – Maisie gargalhou do outro lado da linha.
– Existem tantos famosos aqui que eu duvido que alguém perceba que eu caí. Poderia ficar estirada no chão por dois anos. – Contou sorrindo. – Esse é um ponto positivo, os negativos são que eu preciso falar francês e além de não saber nada e só passar vergonha, ainda acho horrível. E todo mundo aqui parece tão rico e tão chique, nunca me senti tão pobre em toda minha vida. Hoje de manhã, olhei pela janela e do outro lado da rua, tenho certeza que era o Bono, do U2 que estava fazendo uma caminhada. E agora já é final de tarde aqui, estou andando despretensiosamente como se fosse rica e cruzei com o Novak Djokovic, o tenista. Ele estava saindo de um restaurante japonês e passou por mim como se não fosse famoso.
– É sério? – Maisie se sobressaltou, animada. – Será que é com ele que vai trabalhar?
– Não tenho ideia. – deu de ombros, enquanto olhava alguns carros caríssimos estacionados. – Mas é estranho, é como se ninguém fosse famoso ou rico, como se todos fossem normais em um mundo onde os rios são de ouro e as árvores de diamantes da Tiffany. – Brincou a terapeuta.
– Ótimo dia para encontrar um sugar daddy. – Maisie sugeriu divertida. – E o apartamento? É bom? – Quis saber, era a primeira vez que as duas conversavam depois da chegada de ao principado de Mônaco.
– Menor que o meu aí, mas bem mais caro. Ontem entregaram um piano com ajuda de um guindaste, para um dos meus vizinhos no meio da noite. – Contou.
– É o preço do sucesso, querida.
– Cada vez que erro a pronuncia do francês me pergunto se estou mesmo disposta a pagar esse preço. – sorriu, parando frente a vitrine minimalista da Prada. – Nota para quando você vier me visitar, o calor aqui é pegajoso, o ar tem sal demais e tudo é absolutamente muito caro. Ah, e claro, a água é péssima para o cabelo, muito, muito péssima. Faz vinte quatro horas que cheguei e meu cabelo já pediu clemência.
– Com esse argumento você acabou de me convencer. – Maisie riu abafado. – Quando começa a escrever sua carta de demissão?
– Eu acho que primeiro preciso conhecer minha chefe, não? – mordeu o lábio inferior, voltando a caminhar. – Vou vê-la amanhã cedo.
– Sua chefe? No feminino? – Maisie estranhou.
– É, apenas sei o último nome, tenho liberdade poética para acreditar que ela é uma mulher incrível, inteligente e que se formou em alguma das instituições mais renomadas do mundo. – sorriu, dando de ombros.
– Eu adorei, até vale a pena se for. Onde coloco meu currículo? – Maisie brincou e as duas gargalharam.
Gladíolo
Gladíolo: Esse tipo de flor pode ser encontrado com várias cores e em comum têm apenas o formato de uma espada.
Por essa razão, o gladíolo é considerado como a flor da luta, da lealdade e da fidelidade.
09 de outubro de 2021, Lathi - Finlândia
Isku Areena
No faceoff os Pelicans levaram a melhor. , o capitão, recebeu de Otto Nieminen, o ala direito, e conduziu o disco rapidamente até a saída da zona defensiva do time de Lathi. se viu perto demais de um dos defensores do time rival, teve tempo suficiente para lançar o disco para Topi Jaakola, um dos defensores do Pelicans, antes que fosse empurrado com violência contra a proteção, causando um grande estrondo. acompanhou com o olhar Topi passar o disco para Aleks Haatanen, ala esquerda, que o conduziu, cercado por três jogadores rivais até o final da zona neutra.
Ao entrar na zona ofensiva, Aleks encontrou Otto Nieminen à sua direita, um pouco adiantado e sozinho, à sua esquerda dois rivais e atrás deles, o capitão. Aleks deu um tiro certeiro na direção de Otto, que recebeu bem o disco e avançou a toda velocidade em direção ao gol. O ala era seguido de perto por todo time rival, mas nada foi suficiente para impedir o tiro único e certeiro do jogador finlandês, que acabava de marcar um short-handed. Ponto para os Pelicans. Foi o que disseram no alto-falante da Isku Arena. estava preso com seu taco engatado no de um jogador defensivo rival, o capitão não viu o gol, mas ouviu a comemoração dos amigos e ergueu o olhar para o telão no teto, e quando entendeu o que acontecia, ergueu seu taco e comemorou.
– Wo-hoo! – Gritou, apressando-se em se aproximar dos companheiros de time, com um sorriso grande nos lábios.
se juntou a Otto Nieminen, Aleks Haatanen, Topi Jaakola e Matias Rajaniemi, que se abraçavam no canto do gelo, enquanto We’re gonna win, de Bryan Adams tocava nos quatro cantos da arena.
– Bom trabalho, irmão! – Aleks parabenizou e gritou o mais alto que pode em seguida, fazendo os companheiros do time rirem alto.
– Eu amo vocês, pessoal! – O capitão gritou também, bateu a cabeça contra a de Otto Nieminen. – Wo-hoo! Isso foi incrível, Otto!
– Bom trabalho, pessoal! – Matias também comemorou.
– Obrigada, pessoal. – Otto celebrou.
Enquanto a arbitragem se preparava para o novo faceoff para que a partida recomeçasse, a linha dos Pelicans era trocada. ainda sorria com leveza enquanto deslizava até o banco.
– Wo-hoo. Isso foi incrível. – Ainda comemorava ele.
O capitão se juntou ao banco de reservas, cumprimentando os companheiros de time que entravam em seus lugares.
– Que grito, huh, Aleks? – riu.
– O grito, vadia. – Haatanen devolveu, sem prestar muita atenção no capitão, que abriu a boca, chocado, para em seguida sua expressão se transformar em um sorriso malicioso.
– Meu Deus, isso foi tão sujo...– provocou, acompanhando a movimentação do amigo com os olhos, mantendo o sorriso sujo.
– É o que você merece. – Aleks retorquiu.
– Sabe, eu tenho a melhor coisa que você provavelmente vai ver bem aqui. – implicou e o amigo respondeu lançando sobre ele uma toalha encharcada de suor.
Três para o Sport Vaasa e quatro para os Pelicanos de Lathi, dez minutos era o tempo que faltava para o fim do terceiro período. Os pontos da noite tinham sido feitos por: Topi Jaakola, o defensor havia aberto o placar nos primeiros cinco minutos do primeiro período. Em seguida, dois jogadores do Vaasa, e o primeiro período terminou com vantagem para os visitantes.
O segundo tempo fora marcado por pontos de Waltteri Merelä, o ala da segunda linha havia acertado a rede duas vezes, trazendo o empate para o time da casa. Mas nos últimos segundos do segundo período, o Vaasa conseguiu um empate milagroso, deixando a decisão para o terceiro período. Três a três.
Agora, após o acerto de Otto Nieminen, a linha era formada por Miika Roine, ala esquerda, Janos Hari como central e Waltteri Merelä como ala direita, Santtu Kinnunen e Mikko Kousa da defesa estavam no gelo. O entrosamento entre os jogadores daquela linha era admirável, e certamente dificultava a vida dos defensores rivais.
Waltteri Merelä estava inclinando para frente, segurando o taco com firmeza, olhos no árbitro prestes a lançar o disco, preparado para uma resposta motora rápida e eficiente. O disco mal tocara o gelo, num movimento ágil, Waltteri o direcionou para Janos Hari, que esperava mais atrás. Hari tentou levar o disco até o canto esquerdo do gelo, na zona neutra, mantendo a posse, mas fora espremido contra a proteção por três jogadores rivais, até que Santtu enfiasse seu taco entre eles e conseguisse puxar o disco. O defensor guiou o disco por uma grande extensão, passando por trás do goleiro e escapando de um encontrão bruto com outro jogador que tinha como objetivo lança-lo contra a proteção. Os movimentos precisavam ser rápidos e calculados, precisava desviar da fúria dos jogadores rivais enquanto encontrava um companheiro livre.
Ao redor do goleiro estava uma confusão pelo lado direito, todos os dez jogadores de linha estavam aglomerados ali, se acertando com seus tacos, cercando Santtu. Mas um pouco atrás, pela esquerda, Waltteri estava livre e fora do campo de visão do goleiro e dos jogadores rivais.
Santtu usou toda destreza que tinha para passar o disco para o ala, mesmo sendo jogado contra a proteção no ato. Waltteri recebeu e com apenas um movimento, atirou o disco no fundo da rede, sem qualquer chance para o goleiro, que caiu no gelo derrotado. Cinco a três.
– Yeah! – Waltteri comemorou, erguendo o taco e correndo em direção aos companheiros.
– Você é o cara! Você é o cara! – Santtu gritou, abraçando o amigo.
– Bom trabalho, pessoal! Bom trabalho. – Janos parabenizou enquanto Bryan Adams ressoava em seus ouvidos outra vez.
Merelä deslizou até o banco de reservas, e com a mão erguida tocou rapidamente as mãos dos companheiros que ali estavam. Muitos já sentados sobre o muro, aguardando para entrarem no gelo.
– Esse foi dos bons! Woo! – gritou ao cumprimentar Waltteri, que sorriu e tomou seu lugar no banco, enquanto ia para o gelo em seu lugar e o jogo recomeçava.
09 de outubro de 2021, Lathi - Finlândia
Isku Areena
O Lathi Pelicans era mais do que apenas um time de hockey de uma cidade no sul da Finlândia, era uma família, uma ideia, um legado. O time profissional finlandês integrava a Liiga, a Liga de Elite Finlandesa, principal liga profissional de hockey no gelo da Finlândia e uma das seis ligas fundadoras da Liga dos Campeões de Hockey, o torneio das principais equipes das ligas de primeira linha de países de toda a Europa.
O Pelicans fora fundado em 1891, como Viipurin Reipas, em Viipuri cidade russa localizada na divisa entre Finlândia e Rússia. Após a Guerra de Inverno, entre a Finlândia e União Soviética, disputando o controle sobre a cidade, que surgia como um importante porto e a quarta maior cidade da Finlândia, Viipuri foi tomada pela União Soviética.
Durante a Guerra de Inverno, mais de setenta mil pessoas foram evacuadas de Viipurin para outras partes da Finlândia. A Guerra de Inverno foi concluída pelo Tratado de Paz de Moscou, que transferiu Viipurin e toda Carélia ao controle soviético, e mais uma vez os finlandeses que ainda estavam na cidade eram evacuados para outras regiões do país. A revolta dos evacuados fomentou sua união e formação de uma importante força política que buscou apoio da Alemanha nazista contra a União Soviética. Como resultado, a Finlândia e a Alemanha nazista lutaram do mesmo lado na Segunda Guerra Mundial.
Em 1941, Viipurin foi capturada pelas tropas finlandesas, e o governo da Finlândia anexou formalmente a cidade junto com as outras áreas perdidas no Tratado de Paz de Moscou. No entanto, esta anexação não foi reconhecida por nenhum estado estrangeiro, nem mesmo pela Alemanha.
Mas na Guerra de Continuação, entre a Alemanha Nazista e Finlândia contra a União Soviética, a cidade voltou ao domínio finlandês.
Em 1942, cerca de 70% dos evacuados da Carélia finlandesa já haviam retornaram após a reconquista para reconstruir suas casas saqueadas, mas foram novamente evacuados após a ofensiva soviética do Exército Vermelho. No Armistício de Moscou, de 19 de setembro de 1944, entre Finlândia, Reino Unido e União soviética, encerrou-se a Guerra da Continuação, restaurando o Tratado de Paz de Moscou. A Finlândia retornou às fronteiras estabelecidas pelo Tratado de Paz e cedeu mais terras do que o tratado originalmente exigia. E com o tratado de paz de Paris de 1947, a Finlândia renunciou a todas as reivindicações de Viipurin.
Assim, o time de hockey fundado em 1891, com as guerras foi forçado a se mover dentro das fronteiras finlandesas. Em 1945, o Viipurin Reipas mudou-se oficialmente para Lathi, a nova cidade natal dos evacuados de Viipurin.
E desde lá, a equipe havia passado por intensas transformações, mudanças no nome, rebaixamentos, retorno ao grupo de elite, problemas financeiros, declínios, êxodo de jogadores para ligas estrangeiras, principalmente a NHL, uma liga nacional com times dos Estados Unidos e Canadá.
Durante a temporada de 2018-19, os Pelicans alcançaram sua segunda posição e total de pontos mais altos em sua história, terminando em terceiro lugar, com cento e quatro pontos. Classificando-se para a Liga dos Campeões de Hockey pela primeira vez. No entanto, os Pelicans ficaram desapontados nas quartas de final, com uma eliminação pelo HIFK. Na Liiga, na temporada de 2019-20, a equipe começou a cair gradualmente na classificação após um início promissor e, finalmente, após uma decepcionante sequência de apenas quatro vitórias em dezesseis jogos, o técnico fora substituído por Petri Matikainen, o homem responsável por levar o time quase a glória na temporada anterior.
Mas a equipe ainda se mantinha com seu principal problema, financiamento. A saída encontrada fora a venda de ações da equipe para grandes investidores finlandeses e amantes do esporte, atletas aposentados e cidadãos ilustres do país. Estava funcionando. Na temporada de 2021–22 a equipe estava forte, jogadores formados no time agora voltavam com mais experiência. Quanto ao investimento recebido, os Pelicans de Lathi estavam entre os cinco times mais ricos da Liiga, com maiores investimentos na infraestrutura. Se na temporada anterior, os azuis conseguiam uma vitória a cada dez jogos, agora os números eram de aproximadamente oito vitórias a cada dez partidas.
De maneira isolada, os números do elenco formado por Lauri Pöyhönen, o diretor-gerente e Petri Matikainen, o treinador, eram ainda mais animadores. O goleiro principal, Atte Tolvanen, tinha recordes impressionantes e estava entre os cinco goleiros menos vazados na temporada. Durante a atual temporada, dos vinte e três jogos disputados, em quinze o time de Lathi saiu vitorioso, perdeu em cinco das partidas e venceu três no over time ou shoot out . Distribuídos entre as linhas estavam as outras joias da coroa dos Pelicanos. Aleks Haatanen, Waltteri Merelä, Santtu Kinnunen e . Os quatro jogadores de linha eram, sem dúvida as maiores estrelas na nova fase do time. O defensor Santtu Kinnunen, depois de uma temporada no Florida Panthers retornou a equipe com excelentes números, seis gols e nove assistências, além de armar ótimas jogadas e ser brilhante no quesito roubo de disco.
O ala direito, Aleks Haatanen também era um dos nomes que mais apareciam nos noticiários e colunas de esporte sobre o assunto. O jogador de vinte e um anos era o que muitos chamam de garçom, suas assistências eram precisas e poucas eram as vezes em que o jovem não conseguia domínio sobre o pequeno disco preto. Na conta de Haatanen estavam treze gols e o surpreendente número de dezoito e oito assistência na temporada. Mas se Aleks era o garçom, não havia cliente mais satisfeito que . O central e capitão do time tinha em sua conta vinte e cinco gols e quinze assistências. era detentor de inúmeros recordes em sua carreira, era o jogador com recorde de mais pontos consecutivos em uma sequência de jogos fora de casa, estava entre os maiores pontuadores da Liiga. Era um jogador forte, do alto de seus um metro e noventa e um, com quase cem quilos de músculos, era de muita eficiência nos combates corpo a corpo pelo disco, além de organizar jogadas limpas e efetivas. No mundo ou na Finlândia, todos os olhares estavam voltados para o pivô de Lathi.
E se era uma estrela fixa ao firmamento do time, outra despontava no oriente, Waltteri Merelä. O ala direito era a aposta do time para o retorno aos playoffs, e cumpria bem seu papel, com dezessete gols. Waltteri se movia bem pelo gelo, mas destacava-se principalmente por sua velocidade, e acompanhado por Santtu, a dupla não costumava perder chances de contra-ataques ou gols em short-handed. Com um elenco tão misto e estrelado, muitas eram as histórias sobre competitividade entre os jogadores, rixas entre os centrais ou entre as principais estrelas. Era tudo mentira, mas o assunto constantemente aborrecia o time nas entrevistas após os jogos.
– No jogo de hoje Waltteri Merelä marcou três vezes, enquanto esse foi seu quinto jogo sem marcar. Como você enxerga isso?
– Vejo como uma vitória para o time. – respondeu de forma direta.
Por mais extrovertido e bem-humorado que fosse com o time ou em sua vida pessoal, diante câmeras o central adotava características que lhe renderam o apelidos de homem de gelo, sempre inabalável, pouco expressivo e direto.
O responsável pelas assessoria de imprensa do time apresentou outro jornalista, que se ergueu para fazer um pergunta.
– , como você julgaria a nova conformação de hoje. Diria que as mudanças de linha fizeram diferença na partida de hoje?
– Conseguimos boas chances...– Hesitou enquanto pensava. – Aah...e alcançamos a zona de ataque muitas vezes. Foi um jogo bem rápido...bem forte...aah...acho que é cedo para dizer o que funcionou ou não. – Falou ele, levando a mão até o boné, coçando a lateral da cabeça por cima do tecido. – Temos mais jogos para testar.
Dizendo isso, o atleta se despediu com um aceno de cabeça e se afastou dos jornalistas. No corredor estavam alguns outros jogadores, aguardando por sua vez de participar da coletiva de impressa.
– Atte. – Alguém chamou o goleiro, que seria o próximo.
Atte cumprimentou o amigo quando se cruzaram no corredor, virando a aba do boné de para trás, despertando um sorriso leve na feição marmorizada do central.
– Bom jogo. – cumprimentou Waltteri, que também aguardava por sua vez. – O último foi uma jogada ótima. Achei que Santtu tentaria avançar e tentar um tiro.
– Eu também. – Waltteri assentiu sorrindo. – Sabe, eu estava quase atrás do gol, não sabia se ele conseguia me ver. Tinha toda aquela confusão na frente dele. – Merelä explicou, gesticulando com as mãos.
– Mas ele te viu? Pensei que fosse um rebote. – Comentou .
– Viu, nós treinamos jogadas assim depois do último jogo. Levamos dois assim, goleiro adiantado e alguém livre no ponto cego. – Contou.
– Claro. Eu me lembro. Três a seis, perdemos. – Lembrou o central, com uma careta frustrada.
– Eu tenho pesadelos até hoje com aquele uniforme vermelho. – Waltteri riu nasalado.
– É, mas agora eu aposto que para cada pesadelo que teve, o Sport Vaasa terá três a mais com você. – Brincou , terminando a frase com uma gargalhada, acompanhada por Waltteri.
09 de outubro de 2021, Lathi - Finlândia
– Aí vem ele! – e Aleks ergueram os copos de cerveja quando perceberam a aproximação de Atte Tolvanen, que enfim havia chego ao bar.
– Demorou tempo demais arrumando o cabelo hoje, Atte. – Aleks zombou.
– Espero que tenham pedido uma cerveja para mim. – O goleiro resmungou ao se sentar na mesma mesa que os dois estavam, nos fundos do bar.
– Viemos vestidos em sua homenagem. – abriu um sorriso, estufando o peito para que o amigo pudesse reconhecer sua marca estampada no moletom que usava, e Aleks fez o mesmo. – INTO Scandinavian Clothing estampado em nossos corações.
Atte baixou os ombros e riu abafado.
– Eu amo vocês. – Declarou.
– Sabemos disso. – Aleks piscou, erguendo a mão para um garçom. – Tudo para ajudar os amigos.
– O que vocês fizeram? – Atte ergueu uma sobrancelha.
– Como assim? Nada. – uniu as sobrancelhas, jogando sutilmente a cabeça para trás.
– Por que acha que fizemos algo? Saímos do mesmo lugar que você. Do jogo. – Aleks alegou ao mesmo tempo em que uma caneca de cerveja era deixada sobre a mesa, para Atte.
– Porque conheço meus inimigos. – Atte os analisou com olhos estreitos, enquanto os outros dois trocavam olhares divertidos e bebiam suas cervejas. – E vocês não são nada confiáveis.
– Irmão, relaxe. – piscou, esticando-se para tocar o ombro de Tolvanen. – Estamos em um bar, depois do jogo em que você foi brilhante, tomando nossa cerveja e usando as roupas da sua marca. Tudo está perfeito.
– É, não é como se algum de nós estivesse querendo sair com a sua irmã. – Aleks deu de ombros.
– Vocês estão querendo sair com a minha irmã? – O goleiro arregalou os olhos, quase cuspindo a cerveja que bebia.
– Não. Não. Tô não. – negou rápido com a cabeça.
– Não fiquei tímido, . – Aleks piscou para o central. – Sabe como ele é travado com essas coisas, não sabe? – Perguntou a Atte.
– Olha, , nós somos amigos há anos e tal...mas a minha irmã...– Atte inclinou-se sobre a mesa, tentando ser o mais respeitoso que conseguia naquela situação.
– O que? Claro que não. – também se aproximou da mesa. – Eu não quero sua irmã, Atte. – Falou com certo desespero na voz, com sobrancelhas erguidas. Com a mesma expressão que alguém com alergia a frutos do mar deve ter quando insistem que ele prove um prato com camarão. – Nada contra, mas não quero não.
Atte estreitou o olhar encarando , depois procurou Aleks, que assistia a cena com um sorriso quase demoníaco no rosto e os observava por debaixo das sobrancelhas.
– Não é estranho que um quase adolescente toque o terror na gente? – Atte franziu o cenho, apontando com o polegar para , que tinha os lábios repuxados em uma careta impaciente para Haatanen.
– Quase adolescente, não. – Aleks ergueu um dedo. – Tenho vinte e um anos.
– Devíamos sair com pessoas da nossa idade. – rolou os olhos e Atte assentiu, enquanto Aleks virava de uma vez o conteúdo de seu copo e erguia a mão, chamando sorridente ao garçom.
A amizade quase improvável nascera quando Aleks Haatanen se tornara profissional, alguns anos antes. Atte e tinham dois anos de diferença, mas na prática aquilo não significava nada, os dois eram amigos desde a infância, quando os pais de se mudaram de Viipurin, na Rússia, para Lathi, na Finlândia. Desde a escola os amigos eram inseparáveis, fosse nos jogos de hockey, nos banhos na água congelante do lago ou em qualquer coisa que fizessem. Onde estava , estava Atte. Por obra do destino, os dois estavam juntos mais uma vez, jogando no time da casa e fazendo história entre as paredes da Isku Arena.
Quando Haatanen passou a integrar o time profissional, e Atte o acharam peculiar, diferente dos outros. Aleks era desinibido, não tinha qualquer bom senso ou senso de ridículo, um humor complexo e perigoso e uma habilidade invejável com o taco. A dupla não teve o que todos chamam de poder de escolha, Aleks era fã de , a presença do central no time fora o ponto decisivo para que o ala acertasse com os Pelicanos. Do dia para noite Aleks se tornara sombra da dupla, seguindo-os em todos os lugares, no gelo ou fora dele.
Primeiro, à força, mas depois era como se a dupla sempre tivesse sido um trio. Aleks era cinco anos mais jovem que e sete anos mais jovem que Atte, isso fazia do jogador uma espécie de irmão caçula pentelho e super sádico. O sadismo que faltava nos outros dois era abundante no mais jovem. Atte era mais sério, estava preocupado com seus investimentos, sua marca, a carreira, seus estudos e tudo que pudesse lhe ajudar a se tornar uma pessoa melhor. era o que muitos chamam de cão do trio, era doce, carinhoso, sempre empolgado com tudo que os amigos faziam, embora diante câmeras ou para assuntos que envolvessem o trabalho, tivesse criado uma casca protetora com o passar dos anos.
Talvez as características dos três, combinadas entre si fosse o que fazia tão sólida aquela amizade.
12 de outubro de 2021, Lathi - Finlândia
Lago Vesijärvi
lançou o galho o mais forte que conseguiu, para perto da margem do lago e assistiu Felix, seu cão e amigo, correr para busca-lo. Era uma das coisas que mais gostava de fazer nas folgas, passear com seu cão, aproveitando a natureza exuberante de Lathi nas trilhas, perto do lago. Não havia nevado ainda, apesar do clima frio, e Felix mal podia passar meia hora sem destruir um móvel ou um tênis, a saída era os passeios. Não que reclamasse, também amava passar algum tempo longe do celular, emaranhado entre o silêncio da natureza e a algazarra de seu cachorro. O Aussie Bernedoodle de quase um ano tinha temperamento dócil, pelagem preta e branca e era fruto do isolamento durante a pandemia de Covid-19. mal piscara e Felix estava de volta com seu galho meio encharcado. se abaixou, acariciando a cabeça do animal, recebeu o galho e o lançou outra vez, mas agora em outra direção, mais para perto do bosque. Ainda tinha o olhar preso ao cachorro quando seus ouvidos captaram o som característico do motor de uma caminhonete conhecida. virou o rosto para a estrada, Atte se aproximava devagar, usava boné e tinha um braço apoiado a janela de modo despreocupado.
o assistiu estacionar de qualquer jeito, descer do carro e caminhar até ele com as mãos dentro dos bolsos frontais do moletom cinza de sua marca que usava. Enquanto se aproximava, Felix retornou com seu galho, entregando-o ao dono.
– Felix te trouxe para passear? – Atte brincou ao se juntar ao amigo, baixando-se um pouco para acariciar o cão, que pulava em suas pernas.
– É dia de folga. – sorriu fraco, baixando a cabeça. – O que faz aqui? Achei que tivesse muito trabalho hoje.
– Eu tinha. – O goleiro deu de ombros. – Mas fiquei entediado, resolvi dar uma volta. Fui até sua casa e quando não te achei, imaginei que estivesse aqui.
– Pois é. – concordou, em seguida atirou o galho para longe outra vez.
– O que você tem feito nas folgas? – Tolvanen perguntou quando se pôs a acompanhar que caminhava devagar na direção que havia lançado o galho.
– Sei lá. – O central deu de ombros. – Acho que estou sempre tão ocupado com o trabalho, que quando tenho algum tempo sozinho quero aproveitar para fazer vários nadas.
– Defina nada. – Pediu o outro sorrindo.
– Ah...– Hesitou. – Assisto coisas que gosto, cozinho, aprendo coisas novas.
– Seus hobbies de obsessão? – Atte provocou, empurrando-o pelo ombro e sorriu.
– Não deixam de ser hobbies. – Falou, abaixando-se para receber o galho trazido por Felix, mas não o lançou. – Mas, e você? Está tão sem trabalho que resolveu se preocupar com o meu tempo livre?
– Estou precisando de inspiração para a próxima coleção. – Confessou o goleiro.
– E achou que fosse encontrar em mim. – sorriu inflando as bochechas.
– Não, seu estilo é colorido demais. Esses chapéus, as estampas, é meio adolescente que faz sucesso no Tiktok. – Apontou Atte, para o moletom roxo e o bucket hat da mesma cor que o central usava, e o lançou um olhar ofendido. – É só a verdade, companheiro. – Piscou. – Eu gosto de coisas mais neutras, minimalistas.
– O que você quer então?
– Conversar com meu melhor amigo, liberar a mente para que minha criatividade volte a florescer.
– Você fala como um coach. – implicou.
– Tecnicamente eu sou, fiz um curso. – Respondeu Atte, e o amigo o acertou com o cotovelo nas costelas, fazendo o goleiro rir. – Quando foi que ficou tão antissocial, ?
– Eu não lido bem com coachs. – Brincou ele. – Nem com goleiros.
– Você está muito estressado. – Atte apoiou as mãos nos ombros do amigo, sacudindo levemente. – Aleks e eu tivemos uma conversa. – estreitou o olhar ao ouvir aquela frase. – Você devia arrumar uma namorada.
– Ah, não. – apressou o passo. – Não. Nem comece.
– Aleks diz por farra, pura diversão, mas eu não posso discordar dele. – Atte tentou acompanha-lo. – Já faz quanto tempo desde a última vez?
– Não importa quanto tempo faça. Eu não estou disponível. – disse pausadamente. – Meu foco é outro, não preciso de relacionamentos me distraindo.
– Você não pode viver para o trabalho, também. – Atte parou de andar. – Principalmente aqui. – o imitou, e devagar, depois de respirar fundo, voltou-se para o amigo.
– O que você quer dizer?
– Você sabe. – Tolvanen se aproximou. – Sabe que devia estar na NHL há muito tempo. Sabe que por mais que o Pelicans seja o time no nosso coração, não dá para ficar aqui para sempre.
– Ah, para...– desviou o olhar.
– É sério, parceiro. – Tolvanen apoiou uma das mãos nos ombros de outra vez, a fim de capturar sua atenção. – Não quer se abrir a vida, a novos relacionamentos por estar focado no trabalho? Tudo bem, posso entender isso, embora não concorde. Mas aí vai precisar se concentrar realmente no trabalho.
Íris
Íris: A íris é considerada como a flor da fé, do recomeço e da esperança.
14 de outubro de 2021, Mônaco
se apoiou a parede da academia para tentar retomar minimamente o ritmo de sua respiração. O treino havia sido intenso demais e se sentia realmente cansado.
– Você devia ter acompanhado a lesão comigo e com o pessoal da equipe, não com profissionais externos. – Antti, seu preparador e amigo falou, atirando sobre ele uma toalha.
– Eu sei disso, você já disse, mas eu não estava aqui, estava lá. – Explicou o piloto, enxugando o rosto. – Foi lá que levei os pontos, tirei os pontos...não vi problema. Foi tudo muito discreto também. Só houve esse episódio...– Riu abafado com a lembrança.
– Hoje em dia qualquer pessoa que pensa entender de Fórmula Um acha que está capacitada para falar. – Antti Vierula, finlandês, amigo íntimo e preparador físico de , torceu os lábios em reprovação.
– É, no início eu fiquei um pouco desconfortável, mas achei que não teria nada de mal em ouvi-la, mas as coisas mudaram de caminho rápido demais. – Disse o piloto.
– É por isso que eu sempre digo para evitar profissionais externos, somente em casos de necessidade. Quem essa mulher pensa que é para falar aquilo? Como se você fosse algum tipo de frouxo...– Antti balançou a cabeça negativamente e encarou o chão. – Eu tenho uma equipe, tenho profissionais para isso. Para auxiliar você a ser o melhor sempre.
– É, e eu agradeço. – sorriu educado, sem mostrar os dentes, pegou uma garrafa de água e foi até a janela, observar a vista para o mar Mediterrâneo.
– Aliás, eu preciso apresentar a você uma pessoa que vai trabalhar com a gente agora. Na verdade, não sei se vocês vão se ver muito, ela vai ficar com o time de hockey, como combinamos...
Antti dizia, mas não prestava tanta atenção, preferia se concentrar nas cores diferentes que o céu tomava, tons de rosa, laranja e azuis, misturados numa aquarela brilhante. Era início da manhã e a grande Mônaco ainda não estava tão movimentada quanto costumava ser algumas horas mais tarde. Estavam em um local com vista privilegiada para o mar, a marina e os barcos. Se olhasse bem, podia encontrar seu barco no ancoradouro, junto a outros semelhantes a ele na cor e tamanho.
Constantemente se cansava do barulho da carreira, das luzes e flashes, e sempre que isso acontecia, se refugiava no barco por alguns dias ou horas. No mais completo silêncio, apenas o mar e seus pensamentos, nada do ritmo acelerado de todos os dias. Ainda com olhar preso à marina, percebeu que Antti não falava mais, e ouviu a porta ser aberta. Instantes depois duas vozes se misturavam, a de Antti e uma que lhe era um pouco familiar. O piloto lamentou quando Antti o chamou para o apresentar a quem quer que fosse, porque se pudesse decidir, ficaria observando aquela vista pelo resto do dia.
O deu um longo gole em sua garrafa de água e secou o rosto mais uma vez, girando em seu próprio eixo e deu alguns passos, para encontrar a figura desconhecida.
– Não. – Disse num ímpeto. – Não, você não. – Ele arregalou os olhos, completamente chocado.
– ? – Antti indagou confuso, o encarando com as sobrancelhas juntas.
– O-ou. – mordeu o lábio inferior com força, sentindo o estômago gelar.
Não precisava que explicassem, sabia exatamente o que estava acontecendo. Por alguma pegadinha do destino, que àquela hora devia estar dando risadas as custas dos dois, e estavam novamente frente a frente.
Para , o dia que tinha tudo para começar maravilhosamente havia se transformado em uma série de infortúnios. O infortúnio número um: Vierula, seu chefe, era um homem e não uma mulher; o número dois: aparentemente seu principal cliente e chefe era ninguém menos que o finlandês presidente do clube de seus odiadores, possivelmente a pessoa que mais detestava no mundo. Mas diferente do dia infeliz na clínica, tinha os cabelos arrumados e não usava toda aquela parafernália de proteção, vestia suas roupas comuns, jeans, um suéter chique que fora presente de natal e uma máscara de cor neutra, nada de estampas ou roupas estranhas. Parecia uma mulher de respeito, do cabelo arrumado até a ponta de sua bota, não entendia como o piloto a podia reconhecer.
– O que aconteceu? Vocês já se conhecem? – Antti questionou, olhando de um para o outro, perdido.
– Espera, como você sabe que eu sou...eu? – quis saber, tocando o próprio peito.
– Os olhos. – respondeu, ainda sério e um pouco desconfortável.
– Nossa, você se lembra dos meus olhos? – repetiu surpresa e agitada, não conseguindo conter um suave sorriso que se formou em seus lábios. Mas desviou o olhar rapidamente, não dando importância a ela.
– Ela...é ela...– O piloto hesitou. – A mulher que eu te falei. Da clínica na Inglaterra. – Contou e apertou os olhos, encarando o chão, tentando pensar em maneiras para ter seu antigo emprego de volta.
– A mulher que disse que você era frouxo? – Antii encarou com olhar fulminante.
– Ei, não disse isso. – A terapeuta se defendeu, unindo as sobrancelhas. – Não disse, disse muitas coisas, mas isso não.
– É, ela não usou essa palavra. – concordou, levantando o ombro e maneando a cabeça.
– Eu estou resumindo tudo que ela disse em apenas uma palavra. – Vierula acusou, cruzando os braços sobre o peito.
– Mas está resumindo errado, eu jamais diria isso sobre ele. – tentou se defender de novo.
– Não importa. – O homem deu de ombros. – Entendo que não queira trabalhar com ela, ...vamos resolver isso da forma mais rápida. – Disse ao piloto e depois se voltou para com expressão severa. – Eu e você. – Falou, apontando para , que arregalou os olhos assustada.
– Como assim? Do que você está falando? – O piloto franziu o cenho, alarmado.
– Não vejo como ela pode continuar integrando nossa equipe.
Ótimo, , brilhante, conseguiu, pensou ela. Será que entro para o livro dos recordes com essa demissão?
– Tudo bem, não precisa ser tão...duro. – amenizou. – Ela já me pediu desculpas, e de qualquer forma, não vai trabalhar comigo. Não vai, não é? Não vamos trabalhar juntos? – Quis se certificar e o encarou, chocada com o temor estampado no rosto sem máscara do finlandês.
– Não, ela ficaria com os Pelicans, na Finlândia. – Antti deu de ombros, coçando o queixo.
– Finlândia? – repetiu erguendo as sobrancelhas e permitindo que seu queixo caísse, encarando os homens que apenas a ignoraram.
– Não pode demiti-la. Isso nem seria justo. – argumentou. – Não foi nada tão sério a esse ponto, de todo jeito.
– Finlândia. – sussurrou para si mesma, encarando o chão e tentando se convencer de que tudo era um grande erro ou pegadinha.
– Mesmo depois de tudo...não sei, acho que isso pode gerar algum problema no time. Muitos comentários. – Antti sussurrou, fingindo se importar com o fato da terapeuta estar o escutando.
– É uma fã, é normal. – lembrou. – Ela fica lá em Lathi, com os Pelicans e eu aqui, com você. Tudo resolvido. Não precisamos causar problema.
– Ela é boa e foi bem recomendada, talvez você tenha razão. – Antti ponderou, observando a inglesa pelo canto dos olhos. – Tudo bem, , você fica. Graças a generosidade do .
– E eu devia agradecer? – soou mais sarcástica do que planejara, ainda estava estática com o efeito que a palavra Finlândia lhe causara.
– Talvez...seria educado. – devolveu, surpreso pelo tom da mulher.
– Obrigada, senhor . – fingiu sorrir. – Mas espera aí. Eu acho que entendi errado, você não disse Finlândia, disse? – Sorriu nervosamente, mesmo que coberto pela máscara e viu os dois homens se entreolharem.
14 de outubro de 2021, Mônaco
Apartamento de
– Calma, não surta. – Louis pediu, tentando acalmar a amiga ao telefone. – Respira fundo, devagar.
– Eu não quero respirar, Louis. Eu quero cometer um assassinato! – gritou, chutando o sofá azul da sala. – Eu quero tortura-lo, cortá-lo em pedacinhos com uma faca cega, até que ele morra de dor.
– E aí iria para a cadeia. Não é uma forma muito inteligente de gastar o réu primário. – O médico tentou brincar.
– Eles pensam que sou um tipo de brinquedo? Que podem jogar de um lado para o outro? Quer dizer, primeiro Mônaco, e agora por um capricho daquele babaca, eu vou ter que ir para a Finlândia? – estava revoltada, irada, com sangue nos olhos após a reunião com seus novos chefes. Por sorte, antes que fizesse alguma besteira, Louis ligou. – O que eu vou fazer na Finlândia? Por que ele só não me demitiu?
– Não tenho essa resposta, bonitinha. – o médico tentou amansar a amiga, usando de seu tom mais doce. – Talvez não quisesse ser processado, ou tivesse medo de você ir a imprensa.
– Eu devia mesmo ir. – choramingou de ódio, enquanto chutava o sofá outra vez, depois se jogou nele, cansada de viver.
– Escuta, você pode deixar isso para lá, também. – Disse o médico. – Pode fingir que nada aconteceu, se demitir e voltar para nós.
Por alguns segundo a terapeuta considerou aquela questão. Não precisava admitir um riquinho babaca e seu preparador lhe dando ordens, mandando e desmandando sobre sua vida sem qualquer empatia, não tinha que se sujeitar a isso. Mas ao mesmo tempo, antes de se mudar para Mônaco havia assinado um contrato, vendido suas coisas e entregado seu apartamento. Caso decidisse voltar, não teria um lar para o qual voltar.
Teria que viver com Maisie e Louis por algum tempo, ou pior, voltar para a casa dos pais e começar tudo outra vez, todo progresso de cinco anos jogado no lixo. E ainda precisaria lidar com os olhares, com os comentários que fariam, “eu te avisei”, “sabia que aceitar emprego em outro país não seria uma boa ideia”, “se tivesse me escutado...”, “dissemos que não ia dar certo”.
– Definitivamente não. – falou com os olhos arregalados, apavorada com os comentários que se formavam em sua mente. – Não. Eu não vou voltar atrás, não posso. Nunca. Não. Eu posso lidar com e Antti Vierula me dando ordens no sigilo, mas não com os olhares da minha família, das pessoas que conheço.
– , ninguém vai te julgar. – Louis tentou convencê-la. – Você não pode fazer uma coisa que não quer apenas por medo do que as pessoas vão pensar.
– Quem está na chuva é para se molhar, não é? – A inglesa tentou disfarçar.
– Você pode ficar na minha casa, ou na casa da Maisie. Podemos até arrumar um canto no almoxarifado da clínica para você, se quiser. – Brincou ele. – Não vai ser uma caminhada da vergonha.
– Vai, você sabe que vai, no fundo sabe. – esfregou os olhos com as costas da mão livre, depois tentou ajeitar os cabelos. – Eu não vou voltar atrás, Louis. Não posso.
– Não me parece uma boa ideia. – O médico fez um barulho contrariado com a boca. – Não precisa aceitar por orgulho. Pense bem, é um país mais longe, com um idioma que você não fala, costumes diferentes.
– Eu posso aprender, como estava tentando aprender francês. – Alegou.
– ...não pode fazer algo que não quer apenas por não querer desapontar pessoas, ou por buscar validação e aprovação.
– Quando virou meu terapeuta? – Ela riu, tentando contornar a situação. – Eu tô bem, Louis. Sério. Só estou com raiva, mas vou ficar bem. Vai passar e eu sei me cuidar. Sempre fui independente, isso não vai mudar agora.
mal podia acreditar no que estava acontecendo, parecia um pesadelo bizarro e sem fim. Primeiro, se mudar para outro país com língua e hábitos completamente diferentes, passando por todo tipo de perrengue existente; segundo, quase ser demitida no primeiro dia por questões antigas com seu chefe e que agora era seu mais novo piloto mais odiado na Fórmula Um; terceiro, ser obrigada a se mudar para um iglu na Finlândia se quisesse continuar empregada ou lidar com os olhares estreitos e caretas de desaprovação da família.
Teria que refazer a mala, se despedir da casa que estava se esforçando para amar, arrumar tudo de novo e ir para outra casa qualquer, sem nem ideia do que iria encontrar. Fora informada antes de sair da presença dos chefes, que a equipe de Antti prepararia um apartamento para ela, assim como prepararam em Mônaco. Mas o problema não era esse, era sequer saber que raios tinha na Finlândia, não sabia nada do país, não sabia seu idioma, seus costumes, um grande zero. Sentia-se tão frustrada e irritada que parecia prestes a chorar, tudo parecia dar errado. Em menos de setenta e duas horas sua vida tinha virado de cabeça para baixo, como se dentro de um liquidificador sem tampa, batendo enlouquecidamente e espirrando coisas para todo lugar.
Parte sua, uma parte que a terapeuta gostaria de enforcar se pudesse, estava chocada e feliz por ter a defendido de seu novo chefe carrasco e não a ter demitido, por ter se lembrado de seus olhos. Mas outra parte, a mais inteligente e sensata, estava completamente desapontada por ser forçada a se mudar para, literalmente, o fim do mundo apenas para não incomodar um homem. Aquilo era demais para uma fã aguentar, muito além do que era demais, na verdade. Jamais poderia imaginar que seu piloto favorito fosse alguém tão imaturo, tão mimado a ponto de exilá-la em outro país longe o suficiente para que não a visse mais.
– Só pense com calma, tá?! – Louis disse. – Pode desistir a hora que quiser.
– Obrigada, amigo. Vou me lembrar disso.
– Se cuida, eu amo você e não vá presa. – Ele implicou, fazendo a inglesa sorrir.
– Também te amo.
14 de outubro de 2021, Lathi – Finlândia
Centro de Treinamentos do Pelicans
mirou o fundo da rede e com precisão acertou o disco com seu taco. Com a força da jogada, o central tocou o chão com o joelho direito, enquanto acompanhava com o olhar a trajetória do biscoito preto em direção aos fundos da rede. Em silêncio, acompanhando os movimentos do resto do time, o capitão deslizou até o canto direito do rinque, buscando outro disco perdido por ali e o trazendo para perto da trave outra vez. Aproveitava para deslizar o máximo que podia, velocidade era um dos seus pontos fracos e sabia que precisava melhorar.
Era grande e pesado, não que a maioria dos praticantes daquele esporte não fosse assim também, mas no número trinta e quatro do Pelicans aquelas características ressoavam diferente. Tinha resistência contra os choques, conseguia se manter com o disco, com firmeza, mesmo quando encantoado por jogadores rivais. Mas não era um dos mais velozes do time, com duas toneladas de esforço a mais que a maioria, conseguia estar entre os cinco mais rápidos, mas ainda não era suficiente.
Não fazia a linha “eu quero ser o melhor do time”, desde o início, ser uma referência, um atleta quebrador de recordes não era o que almejava. Mas gostava de fazer o melhor que podia sempre, e assim, o resto era pura consequência. era perfeccionista consigo mesmo, se cobrava ser o melhor, não o melhor do time ou da liga, mas o melhor que pudesse ser, até a última gota de suor. Tudo que fazia era em nome do grupo, ser o melhor capitão que o grupo merecia, o melhor central para que pudesse auxiliar o time a voltar para a Liga dos Campeões de Hockey.
Por isso as horas a mais de treino, o tempo passado estudando adversários, pensando em jogadas, treinando na academia. Nem sempre se pode nascer com todos os dons, mas nada nunca impediu ninguém de se esforçar para obtê-los.
– Terminem com os discos e chega por hoje. – Petri, o treinador, gritou, batendo palmas para chamar a atenção do grupo.
– Até que enfim. – Aleks passou por , deslizando em direção a saída e o central sorriu.
– . – Petri chamou, acenando para o capitão.
expirou e deslizou até o treinador de cabeça baixa, sentia-se cansado, mas seu plano era continuar no gelo por mais algum tempo e a conversa com Petri atrapalharia isso. Ao se aproximar, o central ergueu o rosto, olhando para o outro homem, que tinha uma das mãos apoiadas a proteção do banco de reservas.
– Como se sente? – Perguntou o mais velho.
– Bem. – uniu as sobrancelhas rapidamente, mas logo voltou a relaxar a face.
– Você sabe melhor que ninguém da situação do próximo jogo, huh? – Petri fez uma pergunta retórica e viu o central apertar os lábios e inclinar sutilmente a cabeça para trás, esperando e analisando, queria vendo onde exatamente o técnico pretendia chegar. – É um número importante se der certo. Caso tudo funcione como deve, vai ser mais um recorde quebrado.
– Eu sei. – assentiu com a cabeça, baixando-a rapidamente e enrugando o nariz, ao se dar conta que o treinador trazia à tona o assunto do novo recorde de número de gols que o central podia quebrar no próximo jogo.
– Vamos fazer o máximo para que tudo dê certo e que você tenha uma noite boa, mas sobretudo, o objetivo da noite será vencer. Certo? – Outra pergunta descabida e o capitão torceu suavemente um dos cantos dos lábios, num meio sorriso incrédulo. – Vamos fazer nosso melhor e tentar conseguir as duas coroas. – Petri finalizou, batendo nas costas do jogador e acenando com a cabeça. – É só isso.
assentiu e se afastou.
Não entendia porque as vezes algumas pessoas pareciam receosas em lhe falar, era um jogador como qualquer outro, nada daquilo era necessário. Não era necessário também, que o treinador viesse lhe lembrar se tratar de um esporte coletivo. No próximo jogo, contra o SaiPa Lappeenranta, se marcasse, teria seu nome entre os maiores do time, alcançando o quarto lugar no quesito jogadores com mais gols da história do time numa série de cinco jogos consecutivos em casa. Ao todo, tinha cento e noventa e sete gols durante sua carreira com a camisa azul dos pelicanos de Lathi.
Mas era óbvio que não exigiria que todas as jogadas o tivessem como alvo apenas para ultrapassar um número, sabia que teria milhões de chances para isso. Seu objetivo era ajudar o time a ir o mais longe possível, talvez chegar aos playoffs, com muita ousadia, talvez vencer e se sagrar campeão.
Se imaginar como tipo de jogador com estrelismo, que mantem a atenção concentrada sobre seu umbigo lhe fazia rir.
– , quer ouvir uma piada? – Aleks surgiu ao seu lado, assim que o capitão entrou no vestiário.
– Qual é? – Incentivou, já prevendo que se arrependeria, enquanto procurava seu espaço para se sentar.
– Você dá atenção a ele, por isso ele é assim. – Atte o repreendeu, torcendo a boca em clara reprovação.
– O que faz uma piada se tornar uma piada de pai? – Aleks Haatanen indagou, encarando os dois com expectativa.
– Quando ela fica muito idiota? – Atte arqueou uma sobrancelha, enquanto tentava pensar.
– Quando ela vai embora e nunca mais volta. – Aleks ergueu as sobrancelhas, com um sorriso sádico no rosto, capturando as reações dos amigos.
Atte não se moveu, mas um de seus olhos piscou de modo involuntário, tinha a boca aberta, ensaiou dizer algo, movendo os lábios, duas vezes, mas não teve reação.
– É boa, né? – Haatanen balançou a cabeça positivamente, sorrindo, enquanto assentia, apenas porque não conseguia dizer mais nada.
15 de outubro de 2021, Mônaco
Apartamento de
– Então é isso aí, garota. – disse a si mesma, respirando fundo e olhando mais uma vez para cada canto da sala. – É só mais um apartamento. Nada especial. Você mal alguns dias nele. – Tentava convencer a si mesma.
Estava com as malas prontas, aguardando junto a porta, já havia chamado o táxi e não havia mais nada que representasse a terapeuta naquele apartamento de meio metro. Apesar do período breve, tinha se apegado a ideia de viver ali, desde que saíra da Inglaterra, todas suas expectativas eram direcionadas ao pequeno principado e a vida nele. E agora, basicamente, tinha todas suas expectativas e planos trucidados, amassados, triturados como em uma máquina e pisoteados sem qualquer cuidado.
certamente tinha um lugar reservado no hall das pessoas com péssimo caráter. Se não bastasse se sentir péssima e frustrada por seus planos de festas, iates, martinis e roupas caras, ainda se sentia traída por tudo aquilo ser culpa de seu maior ídolo. Antigo maior ídolo, repetiu em seus pensamentos. Mal podia esperar para torcer contra o finlandês na próxima corrida, para que lhe furassem o pneu, para que chovesse dentro de seu carro, que rasgasse sua roupa favorita ou que seu sapato furasse em meio a um evento importante.
Mas era perigoso, estava indo justamente para o país dele, seu covil. Seria apedrejada por todos caso descobrissem sobre seu ranço, e pior, se as pessoas para qual fossem trabalhar soubesse...estaria morta. Entraria por uma porta e sairia por outra.
Talvez fosse melhor ter aceitado o conselho de Louis e pedido demissão, evitaria o transtorno de se mudar para a Finlândia apenas para ser demitida e sair de lá escorraçada.
– Adeus sofá azul horrível. – tocou o sofá, permitindo que seus dedos sentissem a textura do tecido do móvel. – Adeus cortina feia. – Despediu-se, aproximando-se da janela. – Adeus vista. Adeus prédios velhos, céu azul e sol. – Choramingou tocando o vidro, colando o nariz na janela. – Adeus mar Mediterrâneo, lojas chiques que nunca fui, iates que nunca vou, silicone que não vou precisar mais, bronzeamento artificial...adeus boates badaladas, festas...
suspirou quando ouviu a notificação do celular, o táxi já devia a estar esperando. Arrastou-se até a porta, olhando por sobre os ombros para o pequeno apartamento, que a àquela hora da tarde era iluminado por raios de sol que atravessavam o vidro da janela.
– Adeus, vida em Mônaco. – Despediu-se em tom fúnebre, abrindo a porta e olhando para trás mais uma vez, antes de apagar a última luz e fechar de vez aquele ciclo. – Adeus.
respirou fundo, apagou a luz e trancou a porta, arrastando as malas consigo, sem olhar para trás. Chamou o elevador e esperou alguns segundos até que a caixa metálica abrisse as portas em seu andar. Haviam várias mensagens não lidas em seu celular, dos pais, irmãos, dos amigos, todos curiosos sobre a mudança e um pouco preocupados, cada um à sua maneira, sobre como o futuro da terapeuta seria.
Outra notificação, a inglesa conferiu a tela, podia ser seu motorista avisando que havia desistido e que procurasse outro, era literalmente o que faltava. Mas para sua surpresa, um e-mail com arquivos de seu novo trabalho, a inglesa fingiu estar prestes a vomitar e rolou os olhos ao ler o remetente, mas achou melhor abrir.
Senhorita ,
Estão anexados a este e-mail a cópia de seu contrato de locação do apartamento em Lathi, favor nos reenviar depois de assinado. Estão anexados também sua passagem para a Finlândia, voucher para táxi e alimentação durante o trajeto, endereço do apartamento e da Isku Arena.
A pedido da equipe do time, seguem também alguns arquivos prévios sobre a situação dos jogadores, a equipe do clube e outras informações que julgamos serem essenciais para início.
A senhorita é aguardada na Isku Arena na próxima segunda-feira, às nove horas, para uma reunião com o sr. Janne Laukkanen – diretor executivo e com o sr. Lauri Pöyhönen – diretor gerente do Lathi Pelicans.
Desejamos boa sorte e boas-vindas ao maior time de hockey da Finlândia.
Bem-vinda à família Pelicans.
– Mas que p...
16 de outubro de 2021, Lathi - Finlândia
Isku Areena
– Vamos! – Waltteri cumprimentava cada um dos companheiros de time na saída do túnel. – É nossa noite, Santtu. – Bradou ao tocar a mão calçada de luva do amigo defensor que passava por ele.
– Vamos lá! – Jasper Patrikainen, um dos goleiros, gritou, pulando sobre o ala direita. – Estou usando minha meia da sorte e sentindo que vamos ter um ótimo jogo. – Anunciou ele, pendurado a Waltteri enquanto caminhavam em direção ao gelo.
– A que você não lava a meses? Vamos vencer se jogarmos ela sobre os caras, não vai ficar ninguém no gelo, ou nas arquibancadas e na arena. – Implicou Merelä, vendo o amigo franzir o rosto em uma careta de reprovação.
– Não venha me pedir ajuda quando estivermos perdendo de quatro a zero.
– Estão falando da meia de novo? – Otto Nieminen, outro ala, se meteu na conversa assim que os dois alcançaram o gelo. – Ouvi dizer que detectaram níveis altos de radiação, estão vindo para levar o Jasper.
– Não se pode brincar com coisa séria, legal? – Patrikainen reclamou enfezado. – Não culpem a mim se os deuses do hockey não quiserem estar ao lado de vocês essa noite.
– Não importa o que estejam fazendo. – Mikko Kousa, o calvo defensor se aproximou deles de repente, com ao seu lado, assim que ouviram a conversa dos três. – Ninguém toca nas meias desse homem. – Advertiu cismado, Waltteri e Otto o miraram confusos. – Uma vez eu lavei minhas meias da sorte, era um jogo olímpico. Perdemos de dez a zero. – Contou ele, assombrado, piscando um olho involuntariamente enquanto arqueava as sobrancelhas de modo assustador.
– É sério? – Waltteri piscou uma vez, devagar e Otto desviou o olhar e baixou a cabeça, tentando disfarçar o riso. – É só uma superstição boba.
– Nunca é só uma superstição boba. – admoestou, puxando de dentro o uniforme a corrente prateada com uma hamsá pendurada, que sempre usava, e em seguida arqueando as sobrancelhas para eles.
– Viu, só? Eu disse. – Jasper deslizou para mais perto de e Mikko, encarando os amigos. – Nunca se pode brincar com essas coisas.
– Okay, mas isso é bem diferente de usar uma meia fedida por meses. – Otto argumentou.
– Anos, eu nunca lavei. – Jasper corrigiu, e os amigos fizeram careta.
– Não se lavam meias da sorte. – Atte Tolvanen passou por eles, dando sua opinião e chamando a atenção do grupo e do capitão, que o seguiu, afastando-se do assunto.
– A nova geração me assusta às vezes. – brincou, sorrindo e o amigo o imitou.
– Viu quem está aí? – Perguntou o goleiro, maneando a cabeça em direção a arquibancadas.
– Sim. – acompanhou o olhar de Atte, sorrindo fraco para os pais, sentados em seus lugares.
Os pais de , que viviam em Viipurin, nem sempre podiam estar presentes nos jogos dos filhos, mas vez ou outra davam o ar da graça. tinha adoração pela família, os amava enlouquecidamente e seu maior temor sempre fora o de decepcioná-los. O casal estava junto há quase trinta anos e tinham três herdeiros, duas mulheres e , o filho do meio.
Ivan e Ema estavam sentados em um dos lugares reservados à família, e acenaram sorrindo para assim que perceberam o olhar do filho. sentiu um desconforto o atingir por dentro, como uma pontada no coração. Não marcava há alguns jogos e sabia que, por trás das cortinas, o assunto era seu jejum de gols. Não se importava com a pressão externa, lidava bem com aquilo, mas com os pais era diferente, eles estavam ali, haviam dirigido e se esforçado para assistir aquela partida, precisava fazer algo para deixá-los orgulhosos e não desapontá-los.
– Relaxa. – Atte deslizou de costas, fitando o amigo e percebendo a mudança em seu semblante. – Vai ser um bom jogo, vai quebrar o jejum de gols. – Piscou, enquanto acertava alguns discos espalhados pelo gelo, se aquecendo. – Sua esquerda. – Tolvanen apontou para uma família que segurava um cartaz junto ao vidro, onde podia ser lido Fã Nº 1 de ..
sorriu para o garoto, que usava um uniforme pelo menos três vezes maior que o seu tamanho, depois arrastou um disco que jazia solitário no gelo até perto de onde o menino e sua família estavam e o segurou nas mãos. Aproximou-se da proteção e jogou, com cuidado, o disco por sobre ela. O menino o segurou com carinho junto ao peito, sorrindo grande e assentiu, sorrindo de volta.
É, vai ser um bom jogo, pensou o central.
16 de outubro de 2021, Lathi - Finlândia
Lathi.
Que diabos era Lathi? Pensava enquanto analisava a paisagem. Que diabos ia encontrar naquele país esquecido, a geladeira da Europa.
A Finlândia era um país no norte da Europa, fazia fronteira com a Suécia a oeste, com a Rússia a leste e com a Noruega ao norte, enquanto a Estônia está ao sul através do Golfo da Finlândia. O novo lar de era também, surpreendentemente, o oitavo maior país da Europa em extensão e o país menos densamente povoado da União Europeia. A língua materna de quase toda a população é o finlandês, e a segunda língua oficial, o sueco, nenhuma das que a terapeuta dominava.
O país foi uma parte da Suécia e em 1809, um Grão-Ducado autônomo dentro do Império Russo. A Declaração de independência da Finlândia foi feita em 1917 e seguida por uma guerra civil, guerras contra a União Soviética e a Alemanha nazista e por um período de neutralidade oficial durante a Guerra Fria.
Parecia um paraíso perdido, um lugar inteligente, verde, confortável e bom para se viver, se não fosse pelo clima de geladeira e pela língua diferente. Na Finlândia o sul costumava ficar coberto de neve de três a quatro meses por ano, e o Norte, até sete meses durante o inverno. A estação era extremamente rigorosa, podendo atingir temperaturas glaciais, com baixas de até menos quinze graus em janeiro e fevereiro ao sul, e menos trinta ao norte. Mal ou bem, Lathi ficava ao sul, como a maioria das cidades importantes. Seu nome significa baía em finlandês e Lathi ficava há mais ou menos uma hora de trem ou carro de distância de Helsinque.
Fora pouco mais de sete horas de voo, primeiro de Mônaco para a França, depois da França para Helsinque. Ao desembarcar, um táxi gentilmente aceitou a viagem até Lathi. poderia ter pego um trem, mas preferiu não correr o risco, não sabia falar, ler, sequer gesticular em finlandês, nem mesmo a pronúncia era parecida com sua língua. Achou por bem se garantir e não correr mais riscos, enfrentando a viagem de cerca de uma hora de táxi até seu novo lar, ao menos por hora.
Estava cansada, fora uma longa viagem, emocionalmente falando, seu corpo pedia por descanso, e assim que se sentou no banco traseiro do táxi, deu início a uma guerra violenta para manter os olhos abertos. Era difícil, o movimento do carro nas estradas lisas e margeadas de verde, a penumbra do dia que estava terminando, o calor aconchegante dentro do carro. Sabia que se dormisse ali, podia nunca mais acordar e acabar sendo devolvida à família dentro de um saco preto, mas o cansaço era maior do que podia aguentar. Então, devagar e depois completamente, adormeceu com a testa encostada ao vidro da janela.
18 de outubro de 2021, Lathi - Finlândia
Centro de Treinamentos do Pelicans
– Onde está o Merelä? – Foi a primeira coisa que Petri perguntou ao adentrar como um furacão na sala de conferências, onde os jogadores estavam reunidos.
– Deve ter perdido a hora, o garoto merece, fez um jogo excelente ontem. – Topi Jaakola, um dos defensores, tentou amenizar o lado do ala – Comemorações as vezes vão até muito tarde quando se tem vinte e poucos.
– Mas eu tô bem aqui. – Aleks Haatanen reclamou, cruzando os braços sobre o peito, enfezado.
– Você não marcou três gols sábado. – Atte implicou, sorrindo com deboche e sussurrando na direção do mais jovem.
– Alguém encontre ele e o acorde, nem que seja com um balde de gelo. – O treinador ignorou a defesa de Topi e tomou seu lugar no centro do time. – Bom, não há muito o que falar. Fizemos boas jogadas, muitas boas chances, pressionando até o fim e aproveitando toda falha da defesa deles. Vamos manter o ritmo e tentar seguir esse padrão. Bom trabalho Santtu, Atte, Miika Roine e Merelä que não está aqui. Agora vamos em frente, temos outro jogo amanhã e não temos tempo para conversa. – O treinador bateu palmas, com intuito de dispersar o time.
– A segunda linha parece inspirada. – Atte sussurrou, aproximando-se de assim que ficaram de pé. – Quanto tempo até que alguém leve Waltteri para outra liga? – Indagou ele, arqueando uma sobrancelha e rolou os olhos, entediado.
– Ah, claro. Pessoal. – Petri os chamou de volta, fazendo com que os que já alcançavam o corredor dessem meia volta. – Quase me esqueci. Teremos um novo membro no time, uma pessoa vinda da Inglaterra. – Contou e os jogadores se entreolharam, aquela era uma boa notícia. – É uma mulher. – O time se entreolhou outra vez, agora com um pouco mais de estranhamento. – Uma terapeuta ocupacional.
Os que conseguiam disfarçar, mantiveram suas expressões surpresas, os que não tinham essa capacidade, denunciavam sua confusão pelo modo com que franziam o cenho e entortavam a boca, o capitão e seu amigo goleiro faziam parte do segundo grupo.
– O que exatamente é isso? Acham que não estamos ocupados o suficiente? – Janos Hari, outro central, indagou com um sorriso fraco nos lábios.
– Não preciso de terapia também. – Mikko Kousa, da defesa, também se fez ser ouvido.
– Bom, é um pedido especial de , e ele, pessoalmente a enviou. – Petri enfatizou, a fim de esconder que ele, assim como o resto do time, não fazia ideia do motivo da presença daquela profissional. – Só vamos dar uma chance, fazer o máximo e acolher como sempre fazemos. É isso, estão dispensados. Podem ir para suas atividades. – O treinador balançou uma das mãos e outra vez, os jogadores tomaram rumo para fora.
Amor Perfeito
Amor Perfeito: Ela é um símbolo do amor romântico,amor verdadeiro, a paixão eterna e infinita.
18 de outubro de 2021, Lathi - Finlândia
Apartamento de
O elevador era pequeno, mal caberiam quatro pessoas ali, mas era melhor que subir quatro andares de escadas. O prédio parecia bem conservado, embora não aparentasse ser novo, ficava em uma área silenciosa e residencial, com outros prédios de aspecto tão impessoal quanto. Kirveskatu 10, 15800 Lahti, Finlândia, era o que dizia o e-mail, e onde o taxista misteriosamente a havia acordado na noite anterior. Cinco graus célsius, segundo o termômetro do táxi. O motorista não a ajudara com as malas, nem ele e nem ninguém e a àquela hora da noite tudo parecia demasiado silencioso.
O apartamento tinha duas portas, a primeira era de madeira envernizada, com fechadura, olho mágico, campainha e um espaço para correspondência e para o nome dos novos moradores, onde estava escrito de forma preguiçosa, com uma letra garranchada e à caneta. A segunda porta ficava logo atrás da primeira e não fazia sentido nenhum para a terapeuta inglesa, que a princípio, pensou se tratar de algum tipo de pegadinha. Era branca, lisa e com uma fechadura simples, as portas eram divididas por um mini hall de cerca de um metro.
Uma vez dentro do apartamento, à esquerda havia o interfone e um armário com espaço para casacos e sapatos, e à direita uma porta de madeira envernizada que abriu com curiosidade, era um banheiro pequeno e desorganizado, com vaso sanitário, lavatório e chuveiro, havia também uma máquina lava e seca, mas sem banheira. O hall de entrada era um pequeno corredor que levava ao resto do apartamento, as paredes eram de tijolos pequenos e pintados com uma cor que a fazia lembrar da espuma de cappuccinos, como o exterior do prédio. deixou as malas ali e caminhou devagar, tocando as paredes com as pontas dos dedos, sentindo a energia do lugar. No fim do corredor a cozinha ficava à direita, com uma bancada que parecia servir para separar o cômodo do resto da casa. A bancada era escura, sobre ela luminárias pendentes um pouco empoeiradas, e à direita dela a pia e fogão, com exaustor e armários sobre e sob a pia. Havia também uma janela grande de vidro, que iluminava o pequeno cômodo, à esquerda dela, outros armários e ao lado deles, uma geladeira grande.
Do lado esquerdo do corredor, uma sala relativamente ampla, com duas janelas grandes, uma TV e um belo e confortável sofá branco. Impessoal, mas confortável. Atrás do sofá, uma mesa de jantar redonda com cinco lugares, de madeira. Do outro lado, outra porta, ali era o quarto, amplo e iluminado por outras três janelas grandes, uma atrás da cama, e duas outras na parede oposta a porta, uma cama de ferro grande e alta. Dentro do quarto haviam outras duas portas, uma que se abria para um closet grande e iluminado, com armários do chão ao teto e um grande espelho. A outra se abria para um banheiro mais amplo, com banheira, outro espelho grande e uma sauna, que tomava metade do banheiro.
Não era completamente diferente do antigo apartamento da terapeuta, talvez por diferenças pontuais, detalhes no posicionamento de móveis e eletrodomésticos, e divisão dos cômodos. Podia ser pior, pensava a inglesa a todo momento, sempre podia.
Naquela noite, não se preocupou com a decoração ou com qualquer coisa relativa ao apartamento, sua única preocupação era com a limpeza do lugar e sobre como dormiria. Não se atrevia a deitar-se naquela cama sem saber a quanto tempo aquele colchão estava ali. Então, estendeu seu maior casaco sobre o sofá e dormiu ali, só percebeu que o dia havia amanhecido quando os primeiros raios de sol invadiram a sala e incomodaram seus olhos. Estava com fome, mas não havia nada em casa, apenas barrinhas de cereal, suco de caixinha e biscoitos na bolsa, e aquele fora seu café da manhã antes de tomar um bom banho, escolher uma roupa decente e sair para sua reunião.
O endereço da arena estava no GPS, segundo o aplicativo, levaria onze minutos a pé, e estava com seus tênis mais confortáveis, então resolveu arriscar.
16 de outubro de 2021, Lathi - Finlândia
caminhava por uma das ruas de Lathi, observando as centenas de prédios que iam de cinza a marrom, absolutamente todos. As ruas eram limpas, vazias e arborizadas, tudo parecia tão limpo, nada de poluição visual ou fora do lugar. Os letreiros e placas faziam a terapeuta se sentir uma analfabeta cega, não poderia encontrar um café ou uma farmácia se sua vida dependesse daquilo. Os carros iam e vinham, um trem devia estar passando em algum lugar próximo e o frio era de matar.
Devia estar na Isku Arena a pelo menos uma hora, mas já havia entregue sua vida e destino a Deus, estava completamente perdida, apesar da resiliência em fazer e refazer o trajeto várias vezes, mas a àquela altura já não saberia mais nem mesmo voltar para casa. Tudo que restava a inglesa, além de um celular descarregado e dedos congelados, era vagar pelas ruas até fosse salva por uma ambulância depois de desmaiar, ou que a polícia a levasse. Enquanto isso, tentava fingir não estar perdida, analisando quantos tons de marrom e cinza os finlandeses conheciam e fingindo plenitude, embora seu semblante denunciasse outra coisa.
Cabisbaixa e tonta de tanto andar, distraidamente invadiu o caminho de uma bicicleta, quase causando um acidente sério quando o ciclista invadiu a rodovia para desviar da transeunte tapada. O ciclista, um jovem loiro de olhos azuis e cabelo bonito disse algumas coisas em finlandês, mas , que ainda não sabia nada na língua nativa do país, apenas juntou as sobrancelhas e uniu as mãos na frente do corpo.
– Desculpe. – Pediu, tentando enfatizar sua vergonha.
– Não fala minha língua? – O rapaz constatou com simplicidade.
– Ai meu Deus! – A terapeuta comemorou, esticando a coluna com a pequena surpresa, vendo uma luz no fim do túnel. – Não, não falo nada. Que bom que você me entende. – Ela riu aliviada
– Entendo. – O outro sorriu com os olhos, por causa da máscara que usava.
– Me desculpe, mesmo. Eu não tive intenção, estava distraída demais, não vi você. – Explicou ela, juntando as mãos novamente, um tanto mais aliviada.
– Tudo bem, acontece. – O rapaz deu de ombros, se ajeitando a bicicleta e firmando os dois pés no chão.
sorria, enquanto o ciclista se perguntava o que aquela mulher estava esperando para liberar o caminho. Mas para a terapeuta inglesa, aquela era sua única salvação, então ponderava sobre pedir ajuda a um estranho, não podia piorar sua situação, não é? Pensou.
– Desculpe, mas eu...é que preciso de ajuda, se puder... – Disse e o rapaz não negou, mas também não assentiu, então ela continuou. – Você por acaso sabe onde fica a Isku Arena? Sabe, hockey e essas coisas. – Perguntou incerta, apertando os olhos.
– Se eu conheço? – O ciclista gargalhou.
Em seguida afastou as mãos da bicicleta e começou a abrir o casaco escuro e grande que usava, deixando ligeiramente alarmada, ponderando qual seria o momento certo para correr. Mas quando o pesado casaco foi afastado, a terapeuta percebeu um uniforme de hockey preto e azul, com o símbolo dos Pelicans no centro.
– Obrigada, Deus! – Comemorou de novo, quase com um pulinho. – Você é dos Pelicans? Que sorte!
– Sou, porque? – O rapaz pareceu sorrir, vestindo o casaco novamente.
– Eu estou atrás de vocês. Quer dizer, não literalmente, mas estou. – sorriu nervosamente, coçando a testa. – É que eu devia estar na arena há algum tempo, mas me perdi...é tudo tão igual. – Lamentou.
– Mas e as placas? – Ele lembrou, mas no instante seguinte se corrigiu. – Não conseguiu ler. – Assentiu e o acompanhou, sorrindo envergonhada. – Quem é você?
– . – Sorriu esticando a mão. – Sou a nova terapeuta do time.
– Sério? Que surpresa. – O rapaz estreitou o olhar e pareceu sorrir. – Não sabia que teríamos gente nova. De qualquer forma, seja bem-vinda. – Ele acenou.
– Obrigada. – Ela sorriu, desviando o olhar rapidamente, torcendo que o estrago com ainda não tivesse alcançado aquela lado do planeta.
– Vamos, eu te acompanho, estou indo para o treino. – Ele acenou e saltou da bicicleta, passando a caminhar, empurrando a bicicleta na direção oposta à que se dirigia anteriormente. – Aliás, meu nome é Waltteri. Waltteri Merelä. – Sorriu.
– Isso é um nome comum por aqui? – Ela franziu o cenho, surpresa. – E que quase literalmente me persegue. – sorriu, guardando as mãos no bolso depois de ajeitar a máscara no rosto e afastar o cabelo dos olhos.
– Depende do ponto de vista. – Waltteri riu distraído.
– Estamos muito longe? – A terapeuta quis saber.
– Está vendo aquelas árvores logo ali? – Ele apontou com o queixo. – É atrás delas. Você vai curtir, é um lugar bacana.
– É, tenho certeza que sim. – Concordou educada.
– Você gosta de hockey, então? – Waltteri puxou assunto.
– Nossa, muito, adoro hockey. – Mentiu, encenando um sutil soco no ar, embora não soubesse exatamente porque fazia. – Se tem uma coisa que gosto é de hockey. Com certeza.
– Ah, que bom. Você vai gostar do time, o nosso capitão, o é muito legal, e os outros caras...– Waltteri contava animado, enquanto tentava repetir o nome do capitão, acostumando sua língua aos novos sons.
Não era tão ruim, Lathi parecia uma cidade calma, um pouco chata, mas calma. Era bem mais fria que Mônaco e bem mais séria, mas mesmo assim ainda parecia ser um bom lugar. Definitivamente, a pior parte seria a língua, sua boca parecia se recusar a pronunciar corretamente qualquer sílaba e também havia o fato de todos parecerem estar tão preocupados com suas próprias vidas que não se incomodavam com alguém perdido no frio, mas talvez fosse só impressão.
Enquanto caminhavam próximos a rodovia, fora apresentada por Waltteri a uma escola, e após mais alguns minutos caminhando, a dupla tomou um acesso lateral, deixando a rodovia principal. As laterais eram arborizadas e quase silenciosas, o único som a ser ouvido eram os carros apressados que cortavam aquela rodovia.
– E aqui estamos nós. – O jogador anunciou assim que viraram em uma rua à esquerda, numa decida sutil na estrada e lá estava a entrada da arena, uma estrutura enorme e cinza, sem arquitetura chocante, simples, rodeada de árvores e com um estacionamento grande do lado direito do a arena.
– Lar doce lar. – suspirou, antes de sorrir e seguir Waltteri para dentro da arena.
Dentro da arena, todos que cruzavam o caminho dos dois cumprimentavam o jogador, pareciam acolhedores, simpáticos. Waltteri a guiou por corredores largos e bem iluminados, aquecidos e até acolhedores. A medida com que se aproximavam do coração da arena, podiam ouvir o vozerio agitado e alegre que parecia atravessar paredes. Depois de subirem alguns lances de escadas e passarem por mais alguns corredores, alcançaram um grupo de pessoas que conversavam distraídos no idioma local no meio de um corredor.
– Essa é a minha deixa, vou para o vestiário. – Waltteri avisou, piscando. – O treinador está ali, conversando com aqueles dois. O diretor executivo e o gerente. – Indicou com o olhar.
– Obrigada, mesmo. Você me salvou hoje. – agradeceu e o jogador assentiu, se afastando.
Aquela era a hora, não sabia o que esperar depois dos últimos acontecimentos. Se seu novo carrasco chefe tivesse contado sobre a situação com , provavelmente seria a recém contratada mais odiada do país. Os homens, dois bem vestidos, com ternos escuros que pareciam ser caros e cabelos alinhados, e o outro vestia roupas de treino, nada tão elegante ou profissional, nada tão executivo.
– Com licença. – Disse ela ao se aproximar um pouco vacilante, atraindo a atenção dos três homens. – Boa tarde. Eu sou . – Se apresentou tentando soar confiante.
– Ah. – Um dos homens balbuciou, analisando a mulher com cuidado. – Tínhamos uma reunião há duas horas atrás.
– Eu sei, sinto muito. – A terapeuta tentou manter o timbre firme. – Me perdi na cidade.
– Tudo bem. – Ele anuiu, embora um pouco incerto. – Janne Laukkanen, e esses são Lauri Pöyhönen, nosso diretor-gerente e Petri Matikainen, nosso treinador. – Apresentou-os apontando com o queixo.
– É um prazer. – Tentou sorrir com os olhos, enquanto apertava as mãos dos homens.
– Estou de saída agora, mas volto em uma hora e então podemos nos reunir. Enquanto isso, Petri pode apresentar você aos jogadores. – Janne aconselhou rapidamente e despediu-se com um aceno e se foi, junto com Lauri, sem qualquer chance de dizer qualquer coisa.
– , não é? – Petri, o treinador, quis confirmar. Era um homem loiro com barba rala, alto e magro, rosto marcado.
– Sim, mas pode me chamar só de . – Ela sorriu, tentando disfarçar a timidez e vergonha pelo atraso.
– Venha, vou te apresentar ao time. Eles estão no vestiário se preparando para o treino. – Contou, guiando a terapeuta pelo corredor. – Então, você é a novidade. – Brincou ele.
– Novidade? – fingiu não entender.
– É, o novo recurso. Terapeuta ocupacional. – Petri riu entredentes. – Há pouco tempo mal tínhamos equipe médica, e agora temos uma terapeuta.
– Imagino que seja algo novo, mas não se preocupe, logo as minhas competências ficarão claras e...– tentou explicar, mas Petri a interrompeu.
– Não precisa me explicar. Sabemos que deve ser boa coisa, não te mandaria para cá se não fosse. – O treinador acenou com a cabeça e mordeu o lábio, pensando em qual seria a reação do treinador se soubesse o motivo de ter sido exilada para Lathi. – Só me preocupo se meus atletas estarão bem e com a cabeça focada para os jogos.
– Eu garanto que vou fazer o meu melhor para isso. – A terapeuta afirmou. – O melhor possível ou impossível.
18 de outubro de 2021, Lathi - Finlândia
Centro de Treinamentos do Pelicans
amarrava com cuidado os patins, ajeitando o cadarço para que ficassem bem firmes nos pés, apertando com um nó em um e depois no outro. O time se organizava para o treino no gelo do dia, antes do almoço. O clima era descontraído no vestiário, com jogadores indo e vindo de um lado para o outro, seminus, vestidos ainda com suas roupas normais ou já paramentados para o treino, ou como vieram ao mundo, sem se importar com quem quer que estivesse presente no recinto.
O vestiário tinha as cores azul, cinza e laranja, as cores do time, misturadas a madeira envernizada que separava cada baia e que dava tom aos bancos acolchoados com um tecido que imitava couro azul. Alguns jogadores se vestiam em silêncio, cuidando de suas próprias vidas, ou pensando nas que haviam deixado em casa, outros faziam piadas e se provocavam, implicando sobre o tamanho disso e daquilo, sobre como era torto ou sobre quem conseguia dar o maior arroto. A outra parte tentava conseguir o apoio da parte quieta do time contra os baderneiros e zombadores, mas não pareciam ter muito sucesso. O cheiro era de suor, meias sujas, desodorante masculino e spray analgésico.
Depois de terminar com seus patins, ficou de pé, no seu canto, e tomou nas mãos um de seus tacos, batendo-o no chão duas vezes, era seu ritual. Como se com isso, algo dentro de si fosse ligado, uma engrenagem que o ajudava a se concentrar nos treinos.
O capitão estava de costas para a porta e para o time, inclinando a cabeça sobre o ombro esquerdo e depois o direito, rodando os ombros, tentando relaxar os músculos. Fora desperto e arrancado de seu estado concentrado quando Janos Hari, sentado próximo a , o cutucou com o taco, apontando com a cabeça para a porta. se virou e enquanto fazia isso, ouviu o assovio conhecido e as palmas de Petri, o treinador, e então parou. Petri estava parado diante deles, com as mãos abertas e gesticulando, como sempre, ao falar, mas havia algo completamente diferente naquele vestiário. Atrás do treinador estava uma mulher, uma figura de pouco mais de um metro e setenta, cabelos em um tom diferente do loiro comum no país, queixo erguido e olhar firme. A mulher vestia um suéter grosso de lã e um casaco cinza, uma touca preta, jeans e tênis, mas sua postura carregava naturalmente um ar profissional que contrastava com a escolha de roupas dela.
– Pessoal, preciso da atenção de vocês. – O treinador começou a dizer, mas os olhos de não saiam da mulher junto a ele. Os olhos dela estavam voltados para o time, mas não parecia vê-los. – Quero apresentar o mais novo membro da nossa equipe. Direto da Inglaterra, , a nova terapeuta do time. – Petri apresentou e o capitão estreitou o olhar rapidamente, analisando-a melhor.
– Terapeuta ocupacional do time. – A mulher deu um passo à frente e o corrigiu, erguendo o dedo indicador e olhando para Petri. Seu tom de voz talvez denunciasse o sorriso que a máscara que usava devia estar escondendo.
Petri arqueou uma sobrancelha, surpreso com a correção, enquanto o time se encarregava de manter o silêncio constrangedor no vestiário. tossiu, tentando limpar a garganta, e aproximou-se mais um pouco do grupo, ficando alguns centímetros a frente do técnico e unindo as mãos na frente do corpo. Certo, inglesa, você tem minha atenção, o capitão disse a si mesmo por pensamento, admirado com a postura dela.
– Eu sou a nova terapeuta ocupacional do time. – Ela falou com seu tom suave e manso, notou que quando o fez, a terapeuta pareceu buscar o olhar de um jogador especifico, que sorriu de volta e acenou com a cabeça. Waltteri Merelä era o único sorrindo e estreitou os olhos para isso. – É um prazer enfim conhece-los.
– Bom, poderia te dizer todos os nomes agora, mas não sei se adiantaria alguma coisa. – O treinador voltou a falar, e quando o fez, Janos, Atte e Mikko Kousa sorriram com certo deboche, o capitão afastou o olhar da recém-chegada rapidamente, para repreendê-los com um olhar mais duro. – . – Chamou Petri, apontando para onde estava, ainda de pé e com os braços cruzados sobre o peito. Devagar, o central afastou o olhar dos companheiros de time e mirou o treinador e a terapeuta. – , nosso capitão.
acenou com a cabeça, tentando se manter sério, não esperava ser apresentado daquela forma, devia ser algo mais pessoal, quem sabe pelo menos um aperto de mão. Não soube o que fazer, queria ter feito mais, mas não podia parecer tocado na frente do time. A terapeuta acenou de volta, balançando a cabeça uma vez.
– O resto você consegue aprender sozinha. – O treinador continuou e ela assentiu. – Temos treino agora, assista um pouco. Vai me ouvir muito gritando seus nomes.
18 de outubro de 2021, Lathi - Finlândia
Centro de Treinamentos do Pelicans
O treinador andava rápido, atravessando corredores largos, com várias portas, ora movimentados ora vazios. Parecia concentrado, ou apenas sério, ou apenas finlandês. queria fazer perguntas, mas tinha medo de ser invasiva, havia lido durante o voo sobre a frieza dos finlandeses e temia desrespeitá-los, mesmo reconhecendo que os ingleses não eram um povo exatamente quente. A medida com que se aproximavam do vestiário, puderam ouvir o vozerio agitado e alegre que parecia atravessar paredes. O treinador também pareceu notar e piscou para , levantando os ombros.
Logo a dupla alcançou o vestiário e por alguns instantes, o time pareceu não os notar, alguns falando animados sobre qualquer coisa que não podia compreender por causa da barreira da língua, outros absortos em seu próprio mundo. Enquanto Petri batia palmas e assoviava, chamando atenção do time, tentava encontrar o olhar de Waltteri, o rapaz que a havia ajudado antes. Era um pouco intimidador se enxergar praticamente sozinha em um espaço cheio de homens, também não estava acostumada a se meter em vestiários, entre meias sujas e uniformes suados. O cheiro do lugar era péssimo, e os homens seminus a obrigava a encarar a pequena faixa de trinta centímetros que ligava o teto as paredes, desviando o olhar dos atletas, mas ainda os dando impressão de prestar atenção ao grupo.
– Pessoal, preciso da atenção de vocês. – O treinador começou a dizer, enquanto tentava se concentrar e permanecer firme ao lado dele. – Quero apresentar o mais novo membro da nossa equipe. Direto da Inglaterra, , a nova terapeuta do time. – Petri olhou para o lado, onde se mantinha parada, congelada, encarando os homens estranhos, absortos no discurso do treinador.
– Terapeuta ocupacional do time. – corrigiu, dando um passo à frente e erguendo o dedo indicador um pouco incerta, mas sem pensar muito antes de fazer, como sempre.
O treinador arqueou uma sobrancelha e o time a encarou em completo silêncio constrangedor e esquisito. tentou limpar a garganta, era péssima naquele tipo de situação e a cada segundo que passava, odiava mais tudo e todos que a tinha levado a aquele momento.
– Eu sou a nova terapeuta ocupacional do time. – Se apresentou dando mais um passo, ousadamente e com muito esforço para que sua voz não soasse trêmula, unindo as mãos na frente do corpo e torcendo os dedos de modo ansioso. – É um prazer enfim conhece-los. – Mentiu e enfim conseguiu encontrar o par de olhos azuis que procurava, Waltteri estava sentado em um banco, sorrindo e já vestido com o uniforme do time, a terapeuta sutilmente ergueu as sobrancelhas para o finlandês, que sorriu e acenou com a cabeça.
Ao menos um rosto conhecido entre as feições masculinas estranhas e ameaçadoras por natureza. correu os olhos pelo time, tentando parecer confiante, mas sua vozinha interior gritava o contrário, travando uma luta interior intensa sobre correr gritando ou fingir um desmaio. A terapeuta não sabia o que fazer com as mãos, nem como se comportar diante a tantos olhares curiosos, e torcer os dedos já estava ficando constrangedor.
– Bom, poderia te dizer todos os nomes agora, mas não sei se adiantaria alguma coisa. – Petri falou outra vez e alguns jogadores sorriram com certo deboche que captou pelo canto dos olhos. – . – Ele chamou e apontou para um homem alto como os outros, mas mais largo, de cabelos escuros e expressão de desdém, que estava de pé e com os braços cruzados na frente do corpo. Segundo a linguagem corporal, aquilo não devia ser um bom sinal, pensou ela. – , nosso capitão. – O homem olhava para o outro lado enquanto o treinador falava, segunda bandeira vermelha, e quando ouviu seu nome, virou o rosto devagar em direção a .
acenou com a cabeça, os lábios unidos em algo que podia ser um quase sorriso irônico, ou uma expressão de puro desdém. O modo com que os olhos do capitão estavam estreitados fez pensar se ele não sabia de toda sua história com um dos donos do time e a estava julgando em silêncio, como os gatos fazem. Ava acenou com a cabeça, de forma rápida e depois voltou seu olhar ao treinador, incomodada com a forma estranha que o capitão a mirava e com os olhares e sorrisos de deboche de outros jogadores.
– O resto você consegue aprender sozinha. – O treinador continuou. – Temos treino agora, assista um pouco. Vai me ouvir muito gritando seus nomes.
assentiu.
Poucas coisas na vida podem ser tão desconfortáveis quanto estar em um lugar estranho, com pessoas estranhas, sem entender o que dizem e o que estão fazendo. se sentia um peixe fora d’água, mais especificamente, um peixe jogado para morrer sobre o gelo. Fechava as mãos com força, tentando canalizar sua ansiedade e incômodo, vez ou outra se apoiava no muro de proteção que cercava o gelo e era obrigada a fingir normalidade sorrindo quando um jogador passava por ela. Estava perto do banco de reservas, tentando manter uma expressão séria e concentrada, como se entendesse o que os atletas estavam fazendo, mas a quem queria enganar? Até mesmo os nomes dos jogadores eram quase impossíveis pronunciar.
Não duraria uma semana.
Já se imaginava de volta à clínica, implorando por seu emprego e torcendo com muita intensidade por qualquer um que corresse contra . Péssima ideia aceitar o trabalho, péssima ideia vir para Finlândia, devia ter ficado em Mônaco e arranjado um emprego de garçonete ou coisa do tipo. Finlândia... Que droga.
estava debruçada sobre a proteção do banco de reservas, assistindo ao treino do time, que consistiam, até então, a os jogadores dominando os discos enquanto corriam entre obstáculos, tentando acertar as redes no fim. Estava distraída, encarando o gelo e pensando em como não conseguia chegar a nenhuma solução para seus problemas, e sobre como não saberia voltar para casa sozinha ou que não teria uma cama limpa para se deitar e chorar, até que percebeu a aproximação de um dos jogadores.
Fez uma breve pausa para orações, implorando a Deus para que se tornasse invisível e que ele não viesse até ela, torcendo para que aquele homem miserável mudasse de ideia, mas não funcionou. O jogador apoiou os cotovelos no muro de proteção e retirou seu capacete de modo despreocupado, observando os companheiros de time em suas atividades por algum tempo, em completo silêncio.
Por alguns instantes, pensou que ele estivesse ali apenas para descansar, se recuperar do ritmo pesado do treino e que nem a tivesse notado, mas obviamente não era o caso.
– Inglaterra, então. – O jogador disse entre meio um suspiro, sem muita empolgação e devido o silêncio da terapeuta, ele inclinou o rosto para olhá-la e maneou a cabeça, com um quase sorriso de canto.
– É. Sim. Inglaterra. – Ela assentiu rápido, usava máscara, mas ele não.
– O que faz alguém da Inglaterra vir para cá? – Ele perguntou outra vez, voltando a encarar o treino, dando-lhe as costas novamente.
– Contas a pagar? – respondeu sem pensar.
Era isso que fazia quando estava nervosa, falava coisas sem pensar, sem qualquer filtro. Péssimo, , ela se repreendeu em pensamento e mordeu a língua, baixando a cabeça. O jogador riu abafado e ainda apoiado no muro, girou o corpo, encarando-a.
– A sinceridade é tudo, não é? – Ironizou, rindo de modo sincero. – . – Ele ergueu o queixo num cumprimento.
– O capitão. – se deu conta, com as peças se unindo em sua cabeça, a conversa primeira com Waltteri e o jogador apresentado no vestiário.
– É o que dizem. – mantinha o olhar preso ao rosto de , enquanto a terapeuta se esforçava com muito afinco para evitar o contato visual. Felizmente, embora tardio, suas preces foram ouvidas e os dois ouviram o nome de sendo chamado de volta ao treino. – A gente se esbarra por aí. – O capitão piscou e grunhiu um “okay”.
Depois, se afastou, deslizando de forma despreocupada, olhando para trás algumas vezes.
Seria uma longa, bem longa temporada.
18 de outubro de 2021, Lathi - Finlândia
Centro de Treinamentos do Pelicans
Enquanto o time atravessava uma trilha de obstáculos até alcançar a trave, não conseguia executar muitos movimentos sem que seus olhos voltassem para a figura feminina no banco de reservas. O central tentava se posicionar de modo quase inconsciente para que parecesse mais alto, mais forte, ou até mais bonito aos olhos dela, mesmo sem entender exatamente o porquê. A terapeuta se mantinha séria, as vezes acompanhava o treino com atenção, as vezes acenava quando alguém passava por ela, e no resto do tempo estava com olhos presos ao gelo, pensativa.
Era o capitão, pensava, precisava se apresentar direito, conversar, garantir que ela soubesse seu nome. De algum modo, queria ser notado por ela e vê-la mais de perto. Mas se era pura curiosidade profissional ou algo mais, ainda não sabia.
Ignorou a fila para atravessar os obstáculos e deslizou até o banco de reservas de modo despretensioso, ainda não tinha certeza sobre o que queria dizer ou como queria dizer, ou se devia dizer algo. A atmosfera o deixava nervoso. apoiou os cotovelos no muro de proteção, de costas para , que ao contrário do esperava, não sorriu ou o cumprimentou, apenas baixou a cabeça em silêncio. retirou seu capacete, fingindo não se importar com a postura da terapeuta, mantendo os olhos no time, tentando passar uma imagem de bom capitão, observador, em completo silêncio.
– Inglaterra, então. – perguntou, depois de travar e vencer sua luta interna, mas sua hesitação foi denunciada quando um suspiro escapou de sua garganta no momento em que tentara falar e respirar ao mesmo tempo.
A terapeuta não respondeu, ansioso, inclinou o rosto, buscando seu olhar e maneou a cabeça, com um quase sorriso de canto, quase implorando internamente por atenção.
– É. Sim. Inglaterra. – A recém-chegada assentiu rápido, evitando o contato visual.
– O que faz alguém da Inglaterra vir para cá? – insistiu, voltando seu olhar para o treino, dando-lhe as costas, inseguro.
– Contas a pagar? – respondeu direta e virou o rosto para ela, sorrindo chocado e curioso.
A inglesa baixou a cabeça e maneou negativamente, riu abafado e ainda apoiado no muro, girou o corpo, mirando-a de frente. Havia algo realmente diferente naquela mulher, o central apenas não tinha identificado, ainda.
– A sinceridade é tudo, não é? – Ironizou sorrindo grande. – . – Ele se apresentou, erguendo o queixo e a olhando nos olhos, com um sorriso satisfeito no rosto.
– O capitão. – pareceu reconhece-lo e se sentiu tomado por um misto de vaidade e satisfação.
– É o que dizem. – sorriu, ainda a fitando, mas a terapeuta parecia se esforçar muito para evitar o contato visual.
ainda a observava, tentando adivinhar o resto do rosto que a máscara escondia, tentando imaginar se a postura da inglesa era mesmo aquela ou se tudo era apenas a timidez da chegada. Independente disso, a terapeuta parecia ter personalidade, embora aparentemente não fosse muito aberta ou quisesse falar com o capitão, o que era triste na opinião de . Infelizmente, antes que tivesse chance de tentar outro assunto, ou ao menos chamar a atenção dela de outra maneira, os dois ouviram o nome de sendo chamado de volta ao treino.
– A gente se esbarra por aí. – O capitão piscou, embora não quisesse mesmo ir, e sussurrou algo parecido com “okay”, sem qualquer animação.
Depois, se afastou, voltando para junto do grupo, mas sem deixar de olhar para trás, para .
Seria uma longa, bem longa temporada.
Margarida
Margarida: Conhecida por muitos como a flor da inocência,
a margarida, devido à sua cor, também é considerada como a flor da pureza.
18 de outubro de 2021, Lathi - Finlândia
Centro de Treinamentos do Pelicans
Recomeçar não era uma tarefa fácil, nunca era.
No cenário de parecia ainda pior, tudo era estranho e desconhecido. E para piorar, não era como se aquilo fosse uma escolha do coração, fora forçada a se mudar, forçada a começar aquele trabalho, um trabalho cujo não se sentia sequer minimamente preparada para realizar. O time não parecia exatamente aberto a sua chegada, com exceção do capitão com olhar estranho e de Waltteri, ninguém havia sido muito simpático em sua recepção.
Não os culpava, podia ser estranho receber alguém de repente, ainda mais quando se tratava de um profissional que ninguém conhecia, ou sabia sobre o trabalho que realizava. Mas isso era sua parte racional e saudável pensando, porque em sua cabeça, de forma recorrente, era exibido o filme em que a desmascarava frente a todos. Viveria com aquele pânico, não que se importasse muito com o emprego, mas queria a qualquer custo evitar a humilhação e desaprovação por parte de todos aqueles homens.
O dia já havia sido denso e cansativo demais, depois de ser forçada a assistir treinos infinitos no gelo, tivera a reunião com os dirigentes, que servira para nada além de contar a história do time e enfatizar o quanto estavam felizes e satisfeitos com a nova fase financeira do Pelicans. Talvez pensassem que de algum modo, poderia levar aquelas informações para o piloto, dono de parte do clube. sorriu fraco e sacudiu a cabeça, pensando em quão ingênuos deviam ser se estavam pensando mesmo assim.
– Hey, ! – Alguém a chamou de repente, atraindo a atenção da terapeuta, que atravessava estacionamento distraída.
Dois metros à frente estava Waltteri Merelä com seus olhos azuis e cabelo impecável, acenando da janela de uma SVU preta. caminhou até ele, ajeitando a máscara ao rosto.
– Estava pensando se não quer uma carona. – Ele sorriu com os olhos, mas estava sem máscara, o que fez a inglesa se perguntar sobre qual devia ser o problema daquela gente com máscaras.
– Você estava de bicicleta, não estava? – Ela franziu o cenho, com uma careta confusa e ele riu.
– Sim, está na mala. – Contou apontando para trás com o queixo. – Tivemos um jogo bom sábado, saí com o pessoal e deixei o carro. Mas e aí, quer a carona?
mordeu os lábios, indecisa, sabia que não podia ficar aceitando caronas estranhas por aí, mas não estava segura se conseguiria chegar em casa sozinha e estava cansada demais para andar. Além disso, Waltteri era a pessoa menos estranha naquele país naquele momento, não havia mal em aceitar a carona do jogador, certo? Dizia ela a si mesma, por fim, convencendo-se.
– Certo. – sorriu. – Aceito.
Waltteri pulou do carro e acompanhou a terapeuta até o lado do passageiro, abrindo a porta para ela gentilmente,e depois voltando ao seu lugar, enquanto pensava sobre a fama dos finlandeses frios e fechados não passar de um mito.
– Foi uma noite intensa, ontem. – Waltteri voltou a falar, assim que deu partida no carro. – Perdi a hora e quando fui procurar meu carro, ele já não estava lá, precisei vir de bicicleta e me atrasei algumas horas tentando me lembrar onde tinha estacionado. – Narrou ele, rindo.
– Talvez tenha sido o dia do atraso por aqui, então. – concordou.
– Deve ser por isso que todos estavam tão estressados. – Disse o jogador, com um sorriso simpático. – Onde vai ficar? – Waltteri indagou assim que o carro alcançou a rodovia principal, a que tinha uma escola.
– Kirveskatu. – repetiu o nome da rua que havia memorizado e depois riu envergonhada. – É assim mesmo? A pronúncia está certa? Não xinguei ninguém sem querer, não é?
– Não, você está bem. Pronúncia perfeita. – Ele piscou.
– Ainda estou me acostumando com essas coisas, com endereços, nomes de coisas...– Confessou. – Aliás, preciso saber sobre o horário de funcionamento das lojas aqui, preciso comprar lençóis e comida, e coisas, e limpar o apartamento. Será que alguns vendedores falam inglês?
– Eu não faço ideia. – Merelä riu pelo nariz. – É urgente?
– Muito urgente. – enfatizou, gesticulando e girando-se no banco, para vê-lo melhor. – Cheguei ontem à noite e dormi sob um casaco. Eu me sinto uma sem teto, mas com teto.
– Bom, se quiser, posso te ajudar nisso. – Merelä se ofereceu.
– Não, imagina. – negou com a cabeça. – Eu já estou abusando da sua boa vontade, não posso aceitar.
– Relaxa, . – Waltteri sorriu balançando a cabeça. – Nós vamos fazer compras.
– Eu não quero mesmo te incomodar. – A inglesa insistiu, mas o jogador apenas negou com a cabeça, concentrando-se na rodovia, e se deu por vencida. – Então pelo menos me faça outro favor. – Pediu e ele a mirou. – Não me chame de , me chame de . Só . – Merelä assentiu e os dois sorriram, talvez o dia não estivesse sendo completamente um desperdício.
18 de outubro de 2021, Lathi - Finlândia
Apartamento de
– Italianos devem odiar os finlandeses e agora eu entendo o porquê. – riu alto assim que a porta de seu apartamento fora aberta. – Pizza com abacaxi? Quer dizer, eu tenho certeza que algum italiano enfarta toda vez que alguém pede uma dessas.
– Você sabia que a pizza foi inventada na China, não é? – Waltteri arqueou uma sobrancelha, entrando logo atrás dela com caixas e sacolas penduradas nos braços.
– Não a pizza, só a massa. Eles inventaram a massa. – corrigiu, e depois de pendurar sua bolsa, casaco e touca no armário do corredor, voltou-se para Merelä. – Me deixa te ajudar com isso. – Pediu, tirando o peso das mãos do jogador.
– , vocês ingleses literalmente tem chouriço, feijão e pão frito no café da manhã. – Waltteri rolou os olhos, enquanto tirava os casacos. – Não é exatamente seu lugar de fala.
– É, mas esse é o ponto, nós temos nossa própria culinária gordurosa e horrível, mas não estragamos invenções de outros países. – Ela argumentou, separando a caixa de pizza das outras sacolas de compras e colocando sobre a bancada. – Me sinto tão mais preparada agora. – A inglesa sorriu ao tirar de outra sacola um frasco de álcool com borrifador e ergue-lo para o jogador.
– É um apartamento legal. – Ele comentou, aproximando-se da cozinha, analisando o espaço, depois de tirar seu casaco, mas ainda com sua touca branca.
– Eu acho que tem potencial. – assentiu, imitando-o. – Gosto das paredes de tijolos, tem uma boa estética.
Enquanto Waltteri conhecia a sala de e conferia a vista da janela, a terapeuta desempacotava alguma louça e talheres, higienizava tudo com álcool e servia a pizza e o refrigerante. Haviam sido compras proveitosas, Waltteri gentilmente tinha traduzido rótulos e intermediado conversas com vendedores, e agora tinha edredons, mantas, lençóis, alguns pratos e talheres, duas panelas, quatro copos e alguns mantimentos.
Apesar de ser estranho ter um homem semidesconhecido em seu apartamento, se sentia segura. O atleta do Pelicans era mais jovem que a inglesa três anos, mas tinha uma aura madura e bem resolvida e nunca era ruim fazer amigos, principalmente se tratando de um país onde sequer possuía domínio da língua.
– É legal, só precisa de uma limpeza. – Waltteri comentou, voltando para junto da inglesa. – Deve ter poeira do meteoro que matou os dinossauros nesse apartamento. – Ele disse e gargalhou.
– Achei que vocês finlandeses não soubessem rir. – Implicou ela, ao servir a pizza.
– Hey, isso é quase preconceituoso. Xenofóbico. – Merelä reclamou, trancando a expressão, fingindo estar aborrecido. – Finlandeses tem um ótimo senso de humor, ótimas piadas, nós só não gostamos de contato físico. É diferente. E somo objetivos, sem muito açúcar. – Completou, abrindo a lata de refrigerante e brincando com o lacre entre os dedos.
– Ou qualquer outro tempero, não é? – provocou e Waltteri atirou o lacre da lata de refrigerante, sobre ela.
Em instantes, os dois estavam prestes a realizar a primeira refeição no novo apartamento. encarou a bancada com seus poucos utensílios de cozinha e a refeição da noite, em seguida respirou fundo, dizendo a si mesma por pensamento que aquela seria a primeira de muitas. Depois, ergueu os olhos para Waltteri e sorriu, o jogador a acompanhou com seu sorriso branco perfeito, e em seguida, ergueu sua lata de refrigerante.
– A você e a nova casa. – Propôs ele.
– A mim e a nova casa. – repetiu, erguendo sua lata também e brindando com seu novo amigo, em sua nova casa.
19 de outubro de 2021, Lappeenranta - Finlândia
Kisapuisto
Era dia de jogo.
Todo time estava deixando o gelo depois do último aquecimento para voltarem em seguida, quando a partida teria seu início. O jogo era fora de casa, contra o SaiPa Lappeenranta, em Kisapuisto, na cidade de Lappeenranta, a cerca de duas horas de distância de Lathi. Apesar da folga curta de apenas um dia após a vitória contra o Sport Vaasa, o time parecia tranquilo e motivado para a partida. O corredor era tomado por risos, gritos, cantorias e brincadeiras entre os jogadores e a comissão técnica do time.
– Merelä. – Jasper Patrikainen se aproximou do amigo. – Apostei dinheiro em você, não me decepcione.
– Apostou em mim? – Merelä franziu o cenho, sorrindo chocado.
– Por que apostou nele? – Otto Nieminen reclamou. – Sabe, seria bom ter o apoio dos meus amigos, pelo menos. – O ala cruzou os braços sobre o peito, emburrado.
– Mas você tem, eu te apoio totalmente. – Jasper piscou, abraçando-o de lado. – Quem não te apoia é a minha grana.
– Não implique com ele. – Santtu, que ouvia a conversa em silêncio, caminhando na frente de Waltteri, advertiu. – Ou vão leva-lo para ver a inglesa.
– Isso seria ruim? – Fora vez de Jasper unir as sobrancelhas em uma careta confusa.
– Eu não iria querer. – Santtu deu de ombros e Otto assentiu em silêncio, enquanto Waltteri negou com a cabeça.
– Vocês deviam dar uma chance a ela. – Pediu, atraindo o olhar chocado dos três. – O que foi?
– Como assim dar uma chance? – Otto indagou, fazendo aspas invisíveis com as mãos.
– Dar uma chance, ué. – Waltteri ergueu os ombros. – Estão criando resistência e ainda nem a conhecem. é legal.
– Espera, espera aí. – Santtu parou de andar bruscamente, travando o fluxo de atletas no corredor e encarando o amigo ala. – Você fez o que?
– Não fiz nada. – Waltteri negou, tentando sair do meio dos amigos e destravar o congestionamento. – Eu só estou dizendo que todos deviam dar uma chance a ela. é engraçada, simpática, vocês vão gostar dela.
– Assim como você. – Jasper completou, com certa malícia no tom de voz.
– Não foi o que eu falei. – Merelä respondeu e deu-lhe as costas, deixando o trio baratinado.
Atrás dos três, misturado ao resto do time, se encontrava outro jogador, tão perdido e confuso quanto os outros sobre a fala de Waltteri Merelä, tentava encontrar algum sentido naquelas palavras. Então, sua intuição estava certa, havia mesmo algo entre Merelä e . No dia anterior, quando fora apresentada ao time, a inglesa pareceu buscar o olhar do ala. Certamente os dois deviam se conhecer fora dali, o que para o central, era minimamente estranho e alarmante, mesmo que não entendesse o porquê.
Subitamente, se viu irritado com Merelä por nenhum motivo razoável, como se de repente, o companheiro de time se tornasse um tipo de rival, foco de todo seu ranço e impaciência.
19 de outubro de 2021, Lappeenranta - Finlândia
Kisapuisto
Depois de um dia intenso de trabalho, lendo e traduzindo documentos e anotações inelegíveis do finlandês para sua língua materna, tinha mais um grande desafio: participar da conversa do técnico com o time antes da partida da noite.
Era difícil memorizar os nomes, as posições, o que cada posição tinha como objetivo e o que seu trabalho podia contribuir para evolução, melhorar os resultados. Os nomes dos jogadores pareciam trava-línguas, diferenciar um do outro parecia ainda mais impossível. Quase todos, com exceção ao capitão, eram loiros e tinham olhos azuis, uns mais baixos, uns mais altos, rostos finos, rostos redondos, com barba ou sem, era um desespero.
Aos poucos, o time entrava no vestiário, assistia do corredor, só entraria quando Petri, o técnico, também fizesse. Detestaria ver mais homens desconhecidos nus, ou se meter em meio a toda aquela testosterona sem que fosse de extrema necessidade.
– Ansiosa para o primeiro jogo? – Petri perguntou, encarando os próprios pés, com as mãos nos bolsos do paletó.
– É, eu... – hesitou. – Muito, sabe como é. Super ansiosa e animada. – Mentiu, fingindo um sorriso sem jeito por debaixo da máscara.
– É bom que veja o jogo aqui, vai saber os pontos fortes e fracos para começar a trabalhar junto com o Jakkos e a fisioterapia. – Falou pensativo.
– Eu espero que sim. – mentiu outra vez, embora não completamente. – Eu mal posso esperar.
– Vamos, eles já estão atrasados. – Chamou o técnico, depois de algum tempo em silêncio e a inglesa apenas assentiu e o seguiu.
Dentro do vestiário, os atletas já estavam vestidos, se concentrando para a partida. Petri cumprimentou a todos, um por um, sussurrando coisas, dando batidinhas nas costas e encorajando. sorriu e acenou para os que a notavam, até que Merelä se aproximou, ajeitando o uniforme.
– Nervoso? – Ela sorriu.
– Com frio na barriga, sempre fico. – O ala confessou.
– Oi, vocês dois. – Outro jogador se juntou a eles, direcionando a um olhar analítico e talvez um pouco especulativo. Era alto, tinha cabelos loiros escuros e grandes, penteados para trás, olhos castanhos e rosto quadrado, com a testa um pouco mais larga que o queixo.
– , esse é Jasper Patrikainen. Goleiro. – Apresentou Waltteri e sorriu com os olhos, acenando com a cabeça.
– Certo, é um prazer conhece-lo, Jasper.
– É, é isso aí. – Ele piscou. – E vocês, já se conhecem? De onde se conhecem? – Jasper quis saber.
– Waltteri me ajudou a chegar na arena ontem, e me ajudou com algumas coisas na casa nova. – A terapeuta sorriu, desviando o olhar do goleiro para o ala. – Na verdade ele salvou minha vida.
– Então vocês são tipo...íntimos, então. – Concluiu Jasper, fazendo arregalar os olhos e Waltteri balançar a cabeça negativamente. – Hey, Otto, Santtu. – O goleiro chamou os amigos, que conversavam distraídos no outro canto do vestiário. – Eles são íntimos. Eu venci a aposta. – Jasper contou sem qualquer cerimônia e sentiu que desmaiaria a qualquer momento.
– Ah, droga. Te devo cinquentinha. – Otto reclamou, enquanto Santtu estreitava o olhar em direção a Waltteri.
– Como você consegue fazer isso em tão pouco tempo? – Santtu indagou.
– Mas eu não fiz nada. – Waltteri negou. – Jasper está exagerando.
– Quer dizer que eu não perdi a aposta? – Otto Nieminen apertou os olhos, olhando de Waltteri para Jasper.
– Vocês fizeram uma aposta sobre mim? – perguntou boquiaberta, e Santtu ergueu um ombro, como quem deseja dizer que sente muito.
– Não exagerei nada. – Jasper se defendeu. – Ela disse que você a ajudou a ir para a arena, que ajudou com a casa nova...
– Caramba, Merelä, quem tem limites é município. – Otto zombou. – Você não perde tempo.
– Por favor, quantos anos vocês têm? Doze? – Merelä rolou os olhos.
Enquanto os quatro jogadores argumentavam sobre a relação da inglesa com o jogador, sentia a pressão cair se vendo em meio àquela bagunça. Sentindo-se exposta e assustada, até uma aposta a envolvendo os jogadores haviam feito.
– Idiootit!(Idiotas!) – Santtu chamou a atenção dos amigos ao perceber a expressão acuada no rosto da terapeuta, e sua postura corporal assustada, encolhida e com ombros caídos. – Nossa, vocês são realmente péssimos. – Ele balançou a cabeça negativamente. – Não os leve a mal, , são uns idiotas. Eu me chamo Santtu, Santtu Kinnunen. O idiota maioral é o Jasper Patrikainen, o babaca insensível é Otto Nieminen, e você já conhece pateta que é Waltteri Merelä.
não respondeu.
– Santtu tem razão. – Waltteri voltou-se para ela. – Desculpe por isso. Jasper não está acostumado a lidar com seres humanos. – Tentou amenizar, mas foi empurrado pelo ombro por Patrikainen.
– Vocês fizeram uma aposta sobre mim? – Era o que ecoava na mente de desde que ouvira as palavras saindo dos lábios deles.
Os quatro se entreolharam, como se envergonhados por terem sido flagrados em uma posição muito constrangedora, o que de fato era.
– Não é o que você está pensando. – Otto ergueu as mãos, na defensiva, e a inglesa estreitou o olhar.
– É, tipo...– Jasper coçou a nuca, hesitando na resposta. – Parece ruim, mas não é tão ruim assim.
– Bom, estou esperando uma explicação. – cruzou os braços sobre o peito, irritada.
– Ansiosamente. – Waltteri completou, encarando os amigos, que se entreolharam.
– Certo. – Jasper tossiu, limpando a garganta. – Pode ser que...não é nada demais...mas talvez, só talvez, pode ser que a gente tenha apostado que o Merelä estava dando em cima de você. Sabe, interessado. Pode ser que tenha se passado na nossa cabeça, nada sério. – Ele enrolou.
– Por que vocês pensariam isso? – questionou, encarando Merelä, que apertou os lábios um pouco angustiado, sem saber o que dizer.
– Não é culpa dele. – Otto interveio. – Waltteri só nos disse que você era legal, e que devíamos dar uma chance antes de criar barreiras. Foi só uma interpretação errada. – Confessou envergonhado.
– Qual é o problema de vocês? – balançou a cabeça, encarando-os, completamente pasma.
– Acredite, eu sempre me faço a mesma pergunta. – Santtu torceu os lábios, inflando a bochecha.
não respondeu, sem se despedir ou pedir licença, se afastou deles, saindo do vestiário sob o olhar atento dos quatro e de alguns outros jogadores.
– É, você tinha razão, Waltteri. – Jasper sorriu, apoiando-se ao ala. – Ela é legal, quero ser amigo dela.
19 de outubro de 2021, Lappeenranta - Finlândia
Kisapuisto
O terceiro tempo começava com um faceoff e com os visitantes levando a melhor. Num ágil movimento, conseguira agarrar o disco e lança-lo por debaixo das pernas do central rival, Aleks Haatanen recebeu e avançou pela zona neutra carregando o disco com velocidade. Mas o ala da equipe de Lathi foi desarmado com ajuda de um encontrão de um dos defensores rivais, que o jogou no gelo de modo covarde. Quatro a dois, com os Pelicans em desvantagem, os ânimos estavam a flor da pele, era o fim de uma sequência de vitórias, caindo fora de casa com um placar vergonhoso. Por isso, quando Aleks fora derrubado as cabeças entraram em ebulição. Num piscar de olhos, Topi Jaakola, um dos defensores, e Otto Nieminen, o outro ala, partiram para cima do jogador rival, com empurrões, acuando-o contra a proteção, enquanto Aleks ainda estava deitado no gelo, sem conseguir se levantar por causa da confusão de patins.
No segundo seguinte, três jogadores do SaiPa Lappeenranta já estavam envolvidos na confusão, um deles trocava socos com Matias Rajaniemi, outro defensor do Pelicans que havia se juntado a briga. O árbitro tentava afastar os jogadores dos dois times, enquanto Matias perdia seu capacete por causa de um soco. e o alguém do SaiPa se empenhavam para afastar os dois que brigavam. Não por se incomodarem com a briga, mas porque a equipe de Lathi tinha pressa para que o jogo recomeçasse.
Custou, mas a briga estava resolvida e Matias, junto a dois jogadores rivais, estavam de fora, era mais um power play para a equipe azul de Lathi.
A linha foi substituída, , Otto, Aleks e Topi voltaram para o banco, para que Waltteri, Janos, Miika e Santtu fossem para o gelo. O clima ainda continuava tensionado, mais pancadas que o normal, a frustração estampada nas feições de cada jogador sempre que um passe era mal executado, ou que perdiam a posse. Os atletas bufavam, olhavam para o teto como em busca de uma resposta, batiam com o taco no gelo, chutava a proteção, gritavam, tentando externalizar o que sentiam.
Santtu Kinnunen, brilhantemente, interceptou o disco na zona de defesa e o levou consigo até a zona de ataque, quando encontrou Merelä livre e lançou. Waltteri Merelä recebeu o disco e, antes do confronto direto com um defensor rival, atirou para o central, Janos Hari, que passou por alguns outros jogadores, correndo por trás da trave, e depois lançando outra vez para Santtu. O defensor tentou um tiro rápido e limpo, estava livre e não tão distante, mas o disco ressoou na trave e voltou para o gelo, sendo dominado pelo SaiPa. A tensão continuava a crescer, dez minutos já haviam se passado com chances frustradas do time visitante. O goleio do SaiPa havia acabado de fazer uma defesa importante, e no contra-ataque todo time laranja estava na zona de defesa dos Pelicans, quatro defensores estavam no gelo junto a Janos Hari. Uma confusão no vinco, na frente da trave, uma briga intensa e barulhenta de tacos e depois a torcida da casa comemorando. Cinco a dois. Santtu bateu o taco com tamanha força na lateral da proteção que a peça se dividiu em dois.
No banco de reservas, os jogadores, angustiados, se penduravam à proteção, sentados, esperando sua deixa para entrar em campo e tentar fazer alguma coisa para mudar aquele resultado desastroso. Era terrível. Os olhos de corriam do telão para o gelo, e depois para o telão outra vez, enquanto o atleta tentava encontrar brechas na defesa firme do SaiPa. Waltteri estava sentado, havia voltado do gelo a pouco, o ala tentava se hidratar, pendurado ao taco, enquanto assistia a derrota do time.
O tempo parecia correr e era como se houvesse uma proteção invisível cobrindo a trave do time da casa, impedindo que qualquer coisa passasse pelo goleiro. As jogadas aconteciam, mas desviavam para cima, para o lado, desafiando as leis da física e do esporte.
O nervosismo tomava conta dos atletas, a ansiedade também. Estavam no último minuto de jogo, o cronômetro começava sua contagem de segundos quando ao entrar na zona ofensiva, lançou o disco para Waltteri, que estava à sua direita, um pouco adiantado e sozinho, à sua esquerda dois rivais e atrás deles, Janos Hari. Waltteri, depois de empurrar um pouco o disco, devolveu o passe com um tiro certeiro na direção de , que recebeu bem o disco e avançou a toda velocidade em direção a trave. O capitão era seguido de perto por todo time rival, que rapidamente se aglomerou junto ao goleiro. Na confusão de pernas, tacos e disco que batiam contra os tacos e voltava, para depois se chocar contra a trave e voltar para outro taco, o cronômetro zerou. Fim de jogo. Vitória do time da casa.
Os jogadores de Lathi se ergueram e deixaram o gelo em silêncio, cabisbaixos, enquanto o SaiPa se reunia ao redor do goleiro, cumprimentando e o parabenizando.
19 de outubro de 2021, Lappeenranta - Finlândia
Kisapuisto
apenas havia percebido o fim do jogo quando as pessoas ao seu redor se levantaram e começaram a sair em silêncio. Se alguém perguntasse qualquer coisa sobre a partida da noite, não saberia dizer sequer o número de gols feitos. Parte sua se culpava por isso, outra parte culpava a ansiedade pela procrastinação. Estava incomodada e chateada com o fato de estar em um país diferente, trabalhando com atletas pouco receptivos em um esporte sobre o qual nada sabia.
Passara todo jogo remoendo o que tinha acontecido no vestiário, a aposta e os comentários idiotas de quatro dos atletas. Pensou que talvez pudesse ser amiga de Waltteri, mas aparentemente, todo ser humano com esse nome não era bom caráter. Estava decepcionada e se sentindo sozinha outra vez, além de traída. Depois do fim da partida, cruzou com o loiro de olhos azuis nos corredores, mas evitou qualquer contato, correndo o mais rápido possível para o carro onde Jakkos, o fisioterapeuta, e mais alguns a aguardavam.
não dirigia, e para sua sorte, os membros da equipe médica não costumavam viajar no ônibus do time com o resto da comissão técnica e a inglesa agradeceu aos céus por isso. Odiaria passar quase duas horas em um ônibus com o time, principalmente enquanto pensava sobre as apostas e piadas que o time deviam fazer sobre ela quando a terapeuta não estava por perto.
Perder era sempre péssimo, mas perder quando se deu até a última gota de sangue, era pior ainda. Havia um ditado, se conhece a capacidade, a força de um grupo baseado na quantidade de suor em suas camisas, e naquela noite havia muito suor. Mas nada suficiente para que voltassem para Lathi com uma vitória.
O clima no vestiário não havia sido dos melhores, lembrava o clima arrasador e melancólico de quando se perde uma grande final. Todos estavam de cabeças baixas, sem acreditar que aquilo de fato havia acontecido, desejando fechar os olhos e acordar em suas casas, e tudo se tratar de um sonho ruim.
O time se organizava para deixar a arena, arrastando-se corredor a fora, em direção ao estacionamento e ao ônibus azul e preto do clube. Atte estava com seus fones, e caminhava ao lado de Aleks, cabisbaixo e atrás deles, , o último da fila, também com seus fones de ouvido. O capitão olhou ao redor, buscava pessoas muito específicas, que desde o fim do jogo não via. Waltteri Merelä havia passado por ele, tinha sido o primeiro a entrar no ônibus junto com Santtu Kinnunen, seguidos por Otto Nieminen e Jasper Patrikainen. Os quatro estavam sempre juntos, assim como Atte, Aleks e , e eram eles que conversavam com a terapeuta nova no vestiário antes do jogo, e era com eles que o central esperava encontra-la, mas não estava ali.
liberou uma das orelhas, puxando o fone para baixo e tocou o ombro dos amigos, tentando atrair sua atenção.
– Com quem a terapeuta foi embora? – Perguntou sem rodeios assim que os dois lhe dirigiram atenção.
Atte franziu o cenho e Aleks estreitou o olhar, depois os dois trocaram um olhar confuso, e em seguida, cúmplice.
– E o que isso te interessa? – Aleks arqueou uma sobrancelha.
– Só estou perguntando. – fingiu, dando de ombros. – Só para confirmar se todos estão aqui.
– Não sabia que isso era função sua. – Atte disse, sem dar muita importância.
– Eu sou o capitão, tudo é minha função.
– Vi ela entrando no banheiro com o goleiro do SaiPa. – Aleks soprou, ajeitando a touca na cabeça.
– O que? Como assim? – questionou, olhando para trás ansioso, mas quando ouviu o riso nasalado de Aleks, rolou os olhos e bufou.
– Precisava ver sua cara, . – Haatanen implicou, aproximando-se dele e o abraçando de lado. – Os olhos arregalados, ficou até pálido. O medo estampado no olhar do marido traído.
– Não viaja. – rolou os olhos, enquanto Atte ria baixo.
– Você tá afim dela? – O goleiro perguntou, encarando os dois por sobre o ombro.
– Eu não.
– Eu odeio como ele sempre acha que é um bom mentiroso, e como fica enrolando antes de contar a verdade. – Aleks reclamou.
– Tá legal, venceram. – ergueu as mãos, rendido. – Achei ela bonita. Foi só. – Mas nenhum dos dois respondeu, num incentivo silencioso para que ele continuasse. – Ela é bonita, achei ela bonita e falei com ela naquele dia. Foi só isso, é sério. E ela nem me deu bola, mal olhou para mim. – Contou o capitão.
– Ela dá bola para o Merelä. – Aleks apontou. – E para o grupo dele.
– O grupo dele é o time. – Atte corrigiu o mais novo, dando-lhe um tapa fraco atrás da cabeça. – Eles devem se conhecer fora daqui, Lathi é um lugar menor do que parece.
deu de ombros, sem saber o que responder ou se queria responder alguma coisa.
– Ela é nova, e para ela deve ser só um monte de homens aleatórios. – Aleks, em um de seus raros momentos de sabedoria, disse. – Ela nem deve saber quem é quem, talvez só converse com eles porque eles a procuraram. Relaxa. – Haatanen abraçou o central pela cintura. – E se você realmente quiser a mulher, vai ter que se esforçar. São muitas opções, você precisa ter um diferencial.
– Diferencial? – o olhou com curiosidade.
– É, sabe, algo que ela só encontre em você. Que te separe dos outros. – Aleks explicou.
– Ele é moreno, é o capitão. Precisa de mais que isso? – Atte perguntou.
– Acredite, se eu fosse uma mulher, precisaria bem mais que isso. – O mais jovem respondeu, com um sorriso sacana nos lábios rosados.
– E se eu não me importasse? – pensou alto, atraindo a atenção dos dois. – Eles foram até ela, você disse. E se eu fizer o contrário? Tipo psicologia reversa?
– É uma piada? – Atte arqueou uma sobrancelha.
– Não, na verdade faz sentido. – sorriu empolgado. – Se todo mundo falar com ela e quiser chamar a atenção dela, o único a não fazer vai chamar sua atenção de verdade.
– Esperto. – Aleks assentiu. – Vai despertar nela aqueles gatilhos de aprovação.
– Não é bem nisso que pensei. – maneou a cabeça, discordando.
– Você não pode estar falando sério. – Atte parou de andar, e tocou o peito do capitão com dois dedos. – Você não está falando sério, está?
– Por que não? – ergueu os ombros.
– Você vai ignorar a mulher que está interessado achando que assim vai fazer ela te notar e gostar de você? – O goleiro repetiu, com olhos arregalados e olhar incrédulo, enquanto Aleks sorria maquiavélico.
– Basicamente. – estalou a língua, sorrindo de canto.
Gerânio
Gerânio: Flores coloridas, consideradas como o símbolo do sentimento.
20 de outubro de 2021, Lathi - Finlândia
Apartamento de
esticou as pernas e braços até ouvir seus ossos estalarem, estava cedo, algo perto das oito, o quarto era atingido por raios solares fracos, que esquentavam ao menos um pouco o quarto, mas não o suficiente. A playlist matinal que usava como despertador começava seu trabalho, ocupando o quarto silencioso com os acordes suaves de follow the sun, de Xavier Rudd, o dia estava começando, preguiçoso como um gato.
Era quarta-feira, dia seguinte à derrota do time fora de casa, uma derrota que mal tinha prestado atenção, distraída com seu celular. Na noite anterior, frustrada com seu pretendente a amigo, Waltteri, a inglesa havia comido todo o estoque de biscoitos e sorvete que tinha comprado no dia anterior, na companhia dele. Além disso, a casa estava um caos, bagunçada e cheirando a poeira, a sensação que a terapeuta tinha era a de habitar um sarcófago. A cereja do bolo era sua angustia e ansiedade em relação ao trabalho no time, não sabia por onde começar, estava perdida, confusa, em um turbilhão de ideias e medos que eram piorados pela bagunça da casa.
Depois de se alongar, arrastar-se para o banheiro e lavar o rosto, a terapeuta partiu rumo a cozinha, precisava de um pouco de café para que sua alma voltasse ao corpo. Teria o dia livre para trabalhar em casa, se habituando ao time e ao ambiente, cuidar de sua mudança. Na cozinha, abriu os armários, só então percebendo que não havia comprado o essencial para preparar a primeira refeição do dia: café. Ao abrir a geladeira descobriu que só teria algumas fatias de queijo seco e iogurte desnatado para o café da manhã. O dia estava começando bem, resmungou a si mesma enquanto olhava a rua lá fora, pensando se valeria a pena enfrentar o frio em busca de um estômago cheio.
não teve muito tempo para pensar, antes do interfone tocar. Após refletir por longos segundos sobre atender ou não, a terapeuta cedeu.
- Sim.
- Sou eu, Waltteri. – O jogador finlandês disse do outro lado e arregalou os olhos, sobressaltando-se, esperaria que sua mãe aparecesse àquela hora da manhã, mas não Waltteri Merelä.
- O que? O que está fazendo aqui? Não são nem oito da manhã. – questionou.
- Será que podemos conversar? Queria me desculpar por ontem.
- Está desculpado. Se era só isso, pode ir. – A inglesa respondeu, ainda estava magoada e no fundo, queria soar rude e mostrar a ele o quanto estava chateada.
- Por favor, ...- Waltteri miou. – Eu posso explicar. Por favor. – Pediu outra vez.
olhou para o caos em que seu apartamento estava, para a bagunça que ela mesmo estava vendo em si, através do reflexo na janela, os cabelos pareciam não ser penteados há meses, a pele oleosa, e o pijama esfarrapado estava pedindo pela aposentadoria. Não sabia se devia ceder e ouvir o jogador, se enganou em dar-lhe atenção antes, Waltteri era só mais um atleta infantil e bobo fazendo apostas idiotas. Mas por outro lado, estava frio, muito frio, e Merelä era o mais próximo que tinha de um amigo, talvez e só talvez, valesse a pena dar a ele uma chance de pelo menos se explicar. também queria ouvir, merecia uma resposta.
Depois de bufar, contrariando a si mesma, apertou o botão que abria o portão para o visitante. Em seguida, correu para o banheiro, tentando se ajeitar minimamente, escovou os dentes e prendeu os cabelos, mas não teve tempo de trocar o pijama, logo Waltteri já estava a porta.
A terapeuta abriu a primeira e depois a segunda porta, encontrando o jogador de pé, mãos no bolso do casaco e sorriso culpado. Ao seu lado, os três a quem fora apresentada na noite anterior, que ela reconheceu como Otto, Santtu e Jasper. Os três sorriam como crianças pegas em flagrante depois de quebrar uma janela. torceu os lábios em uma careta incrédula e tentou fechar a porta, mas Waltteri a impediu, colocando uma de suas pernas no caminho.
- Não pense que me incomodo em machucar sua perna, porque não me incomodo. – Ameaçou ela.
- Certo. Certo. Você tem razão. – Merelä ergueu as mãos, rendido. – Desculpe por isso, mas é que se eu dissesse que estávamos todos aqui, você não deixaria a gente subir.
- Não deixaria mesmo. – Enfatizou ela, cruzando os braços sobre o peito, envergonhada pelo estado em que os jogadores a estavam vendo.
- Queríamos nos desculpar, . – O mais baixo, com rosto mais redondo e barba cheia disse, atraindo o olhar da terapeuta. – Todos nós.
- É, foi uma coisa bem estúpida o que fizemos. – Santtu completou, o mais alto e com traços mais duros.
- Mas não é tão ruim quanto parece. – Jasper sorriu ao dizer, mas foi sutilmente empurrado por Waltteri.
- O que estamos tentando dizer é que sentimos muito. – Merelä falou, acentuando o sentido de suas palavras com o olhar que dirigiu a inglesa, que sequer se moveu.
- Não fizemos uma aposta sobre você, jamais faríamos isso. – Otto voltou a falar. – Só estávamos provocando Waltteri, achávamos que ele se apaixonaria ou coisa assim. – , que começava a amolecer, emburrou outra vez. – Mas não que isso seja certo, não é. Sabemos que não é. – Otto se corrigiu.
- A gente é um pouco idiota, mas não queríamos que isso te magoasse. – Jasper coçou a nuca, envergonhado. – Pode nos perdoar?
encarou os quatro homens parados diante dela, pensando sobre o que a ação de terem vindo se desculpar, numa manhã gelada de folga, significava. A inglesa expirou e inspirou profundamente, sob os olhares atentos deles e então disse:
- Eu perdoo vocês. – Declarou em um meio sorriso, e os quatro comemoraram com um tipo de aperto de mãos que parecia específico entre eles. – Mas eu juro, que se houver mais alguma coisa, ou outra aposta...
- Não. De jeito nenhum. - Waltteri se aproximou, sorrindo elegantemente. Tudo nele era elegante e bonito, pensou consigo mesma. – E nós temos uma prova. Uma ação da embaixada da boa vontade. – Ele sorriu, enquanto a inglesa franzia o cenho.
- Alguém aí pediu por uma faxina? – Santtu sorrindo, ergueu um esfregão que estava escondido atrás do grupo, e encontrou espaço entre Waltteri, e a porta, entrando no apartamento sem se importar com convite=.
- Tem café da manhã também. – Jasper imitou o amigo, passando pela porta com algumas sacolas em mãos, que até aquele instante a inglesa não havia reparado. – E o Otto roubou flores de um vizinho dele. – Apontou com o polegar para trás, enquanto Otto, que o seguia e erguia um vaso com uma plantinha verde, sorridente, trancava a expressão ao ouvir a palavra roubo ser atrelada a si.
- Espero que isso consiga compensar. – Waltteri falou, sorrindo fraco.
- Vocês não podem fazer uma aposta idiota me envolvendo e achar que por limparem a minha casa, tudo está resolvido. – apertou os lábios em uma linha fina, falando sério.
- Não é só limpar a casa, tem café da manhã também. – Waltteri brincou, mas em seguida endireitou a postura. – Eu sei. Nós sabemos. É só que não queria que pensasse que somos um bando de idiotas. – O jogador ergueu os ombros. – Até somos, mas não desse jeito e não assim. Eu realmente sinto muito.
- É bom que sinta. – balançou a cabeça negativamente. – Vem, entra logo. Eu estou morrendo de fome e você tem um banheiro inteiro para limpar. – Falou, ainda fingindo-se zangada, mas um pouco menos azeda e Waltteri sorriu grande, seguindo-a para dentro do apartamento onde uma intensa faxina começava a ser feita.
20 de outubro de 2021, Lathi - Finlândia
Casa de
Era uma bela vista a que tinha de sua varanda.
A casa estava localizada em uma zona mais afastada do centro de Lathi, entre muitas árvores, isolada, como sua mãe gostava de dizer. Segundo suas irmãs, se Crepúsculo fosse um filme europeu, aquela seria a casa da família de Edward Cullen. Durante os dias, quando estava no silêncio, o único som ouvido era o dos pássaros, o farfalhar das árvores movidas pelo vento, os animais silvestres que vez ou outra apareciam por ali, curiosos com as luzes.
A casa tinha fachada acinzentada, portas pretas e vidros escuros, minimalista e grande, como gostava. Ficava em um terreno alto, ainda mais frio e de lá, da piscina grande e de borda infinita nos fundos, o atleta conseguia ver o mar e algumas montanhas nevadas. Toda decoração da casa se mantinha nos mesmos tons, preto, cinza e branco, o minimalismo deixava tudo com aspecto ainda mais refinado, haviam móveis de ferro fundido e madeira escura, cimento queimado nas paredes e chão.
Era uma casa fora dos padrões para jogadores de hockey da Liiga, mas feliz ou infelizmente, não era apenas o time que sustentava o central. tinha inúmeros contratos publicitários na Finlândia e Rússia, algumas parcerias até no México, país de sua mãe. Tudo isso o elencava como jogador mais bem pago do país, no meio dos mais bem pagos que não estavam na NHL.
Em seu castelo, o príncipe de Lathi vivia só, com exceção de seu cachorro, Felix. Gostava daquela paz, até preferia. Adorava estar entre o time, entre seus amigos, mas sua paz e seu espaço eram sagrados. Se não tivesse um tempo para si, o estresse ia para o alto e tudo desandava, não conseguia sequer pensar. Vivia, por isso, em um constante conflito, por amar tanto sua própria companhia e a infindável lista de coisas que podia fazer ou aprender, só saía de casa se realmente quisesse, sendo que muitas vezes precisava se forçar a ir.
Não era uma vida nada ruim.
Viver rodeado de pessoas, mas ter seu lugar de paz quando quisesse descansar, dormir, viver.
Os pais moravam na Rússia, mudaram-se para lá depois de muitas décadas em Lathi, e , apesar de amar o país, preferiu permanecer na Finlândia. Seria bom certa distância, espaço, a chance de não ser observado por absolutamente ninguém, cobrado por absolutamente ninguém, não ter que dar conta da expectativa de ninguém. Precisava disso, muito.
Amava os pais de todo coração, era fato. Tinha profunda admiração pela família, muitas vezes trocando passeios com amigos e encontros com garotas, por tardes de passeios em família, ou apenas para ficar em casa e ouvir a mãe contando sobre como sua semana tinha sido enlouquecedora. Mas aos poucos, principalmente a medida com que ia envelhecendo, percebia que precisava de espaço e que se continuasse tão junto dos pais, nunca conseguiria separar onde terminava e onde seus pais começavam.
20 de outubro de 2021, Lathi - Finlândia
Apartamento de
Estavam todos espalhados pela sala recém limpa de . Agora haviam vasos com plantinhas, cactos e outras florezinhas coloridas, fora isso, nada de especial ou que desse a cara da terapeuta ao lugar, mas ao menos estava limpo. A TV sintonizada, tudo no lugar.
Waltteri cochilava em um dos cantos do sofá, com a cabeça caindo sobre o ombro e pernas cruzadas, Otto mudava de canais como uma criança entediada, enquanto Jasper jogava um jogo qualquer em seu celular que fazia um barulho irritante. Depois da intensa faxina, os quatro haviam feito uma refeição restauradora preparada pela inglesa e agora se recuperavam, descansando do esforço. Na cozinha, assistia Santtu Kinnunen lavar sua louça, pensando sobre como era bom ter pessoas por perto outra vez. Não eram Maisie ou Louis, mas eram pessoas que pareciam se importar e querer ajudar.
Santtu era parecido com Waltteri, mas diferente. Parecia, vez ou outra, ser mais jovem que Merelä, e tinha a pele um pouco menos transparente que a do primeiro, os cabelos não eram do mesmo tom de loiro acinzentado que Waltteri. Se Waltteri lembrava um príncipe encantado, com seus traços delicados e esculpidos, o típico galã dos filmes românticos clichês, Santtu seria o cavaleiro com armadura brilhante. Os traços fortes, postura imponente, olhar sério e concentrado pareciam amenizadas quando ele sorria, um sorriso doce e que parecia verdadeiro.
- E eu...terminei. – Anunciou o defensor, erguendo as mãos vazias e sorrindo.
- Acho que isso foi tão valoroso quanto marcar no final do campeonato. – brincou e o jogador riu nasalado.
- É, só que aqui é mais fácil. – Santtu apoiou-se a pia e cruzou os braços sobre o peito, balançando a cabeça negativamente.
- Obrigada pela ajuda. – agradeceu, fazendo menção a louça. – E por todo o resto. Acho que se não fosse por vocês, eu levaria uma semana para arrumar tudo aqui.
- Não esquenta, era o mínimo depois do que rolou. – O finlandês deu de ombros. – Além disso, é assim que se começa uma amizade. – Piscou.
- Então somos amigos agora?
- Claro, você é amiga do Waltteri, que é nosso amigo. Amigos do Waltteri, são nossos amigos.
- Obrigada, é muito gentil da parte de vocês. – sorriu. – É bom conhecer pessoas novas, principalmente quando se muda para um lugar completamente novo.
- Você vai se acostumar, as pessoas aqui são legais. – Santtu garantiu. – Eu sou muito legal, leve isso como modelo. – Brincou, apontando para o peito e enfatizando o eu da frase.
- É, claro, estou vendo isso. – desdenhou, teatralmente e ele gargalhou, para em seguida, aproximar-se da bancada, perto de e escorar o corpo, observando a sala, onde os amigos descansavam. – Já pensou no que vai fazer para deixar isso aqui a sua cara?
- Não. – Ela confessou, expirando uma risada. – Na verdade preciso pensar nisso. Talvez um pouco de arte, quem sabe alguns quadros, objetos engraçados, mas que não sejam bobos. Almofadas peludinhas. Quem sabe...- Disse ela.
- Podemos deixar o Otto aqui, se você gostar de Star Wars. – Santtu sugeriu. – Ele é um Chewbacca perfeito.
- Eu estou ouvindo, Santtu. Caipira. – Otto resmungou irritado, da sala, enquanto e Santtu gargalharam.
21 de outubro de 2021, Lathi - Finlândia
Centro de Treinamentos do Pelicans
Era quinta-feira, dia de voltar aos treinos.
O último jogo havia sido marcado por uma derrota e por mais questionamentos quanto a qualidade de . Jornalistas se amontoavam para perguntar ao time e ao técnico suas opiniões sobre o jogador, na internet um alagamento de comentários do tipo “superestimado”, “Merelä é melhor que você”, “Fora ”. Com o tempo, o antes sorridente, aberto e comunicativo fora reservado apenas aos mais próximos, como uma espécie de proteção diante todo aquele ódio e cobranças que desde sempre fora exposto.
Quando começou, não era nada além de um garoto que não sabia nada da vida, perdido com o assédio de todos, sem entender a dimensão de seu talento e o quanto aquilo traria mudanças para sua vida. Mas aos poucos, com o passar dos anos, a aclamação não era proporcional as cobranças e críticas, e qualquer passo, brincadeira, foto, sorriso de era maldado, mal interpretado e ridicularizado.
Por isso, e apesar de dentro daquela couraça habitar o velho gentil e brincalhão , o que a maior parte da população via era apenas o concentrado, silencioso e sério . A estrela silenciosa, como alguns fãs gostavam de chamá-lo.
No time, em partes era assim, além de tentar se manter alerta e concentrado por causa de sua posição, não se sentia à vontade com todos do elenco. Alguns ainda não havia tido chance de conhecer, ou tempo, preferia se manter em sua zona neutra, observando cuidadosamente. Era em partes o caso da nova terapeuta, .
arrancaria todos os cabelos da cabeça se pudesse, tamanha ansiedade que a inglesa lhe causava apenas por existir. Não havia sequer uma semana em que a mulher estava entre eles, e a sensação que o central tinha era a de terem se passado meses. Alguma coisa em o atraía e mesmo que parte sua lutasse contra o sentimento, outra parte já havia se entregue a , mesmo que ela não soubesse.
Era estúpido e idiota, na opinião de , estar tão obcecado por alguém que não havia trocado sequer mais de cinco palavras. Mas o que podia fazer? Era o que sentia.
Desde o instante em que pusera seus olhos sobre pela primeira vez, algo se iluminou, como se sua intuição lhe dissesse que a terapeuta se tornaria parte importante de sua vida, mesmo que não fizesse nenhum sentido. Era idiota, bobo, coisa de adolescente, pensava ele. Mas mesmo tentando racionalizar e cristalizar em sua cabeça o quão fantasioso era tudo aquilo, simplesmente não conseguia. Precisava saber mais sobre ela, ouvir sua voz até que a memorizasse e memorizasse todos seus trejeitos e sotaques, queria saber quais suas músicas favoritas, quais seus sonhos, como acordava pela manhã e o principal, o que a inglesa achava dele.
No meio do caminho haviam dois obstáculos perigosos, o primeiro, o fato de fazer parte de um time. Se , por acaso, se interessasse por alguém do trabalho, seria difícil se destacar em meio a tantos outros iguais ou melhores que ele. O segundo obstáculo, era Waltteri Merelä e seus amigos, obviamente haviam algo entre ele e a inglesa. A opção para superar o primeiro obstáculo, fingir completo e total desdém por , infelizmente, impedia que o central ultrapassasse o segundo e mais perigoso, Merelä. Era um jogo de azar, e confiava que em sua mão, logo conseguiria somar vinte e um.
Era hora de seu show, embora por dentro, quisesse sorrir aberto para a terapeuta, assim como Santtu Kinnunen fizera quando passou pela porta, juntando-se a eles durante a musculação. Os cabelos estavam soltos, mas escondidos atrás das orelhas, vestia um moletom branco do time, jeans e tênis, pouca ou nada de maquiagem e mesmo assim estava tão linda que pensou que poderia passar a vida toda a observando.
cumprimentou a todos com acenos e sorrisos com os olhos, ela não usava máscara e pela primeira vez seu rosto estava totalmente exposto. Era lindo, traços fortes mas delicados e se sentiu tomado por uma imensa vontade de vê-lo mais de perto. Depois, se dirigiu a um grupo específico de jogadores, do lado oposto ao de , Santtu e Jasper Patrikainen, que sorriram e fizeram brincadeiras que o central não pode ouvir, mas que notou terem feito a terapeuta sorrir.
- Olha ela aí. – Aleks se aproximou, deslizando sorrateiro para o lado de e soprando em seu ouvido. – E quem diria, ela tem seus favoritos.
- Isso devia me ajudar ou me fazer sentir pior? – arqueou uma sobrancelha, mas não o olhou, seu olhar continuava fixo a inglesa.
- Eu não sei não...- Aleks esfregou as unhas ao peito, de modo despreocupado. – Acho que alguém foi mais esperto que você.
- O que? Do que tá falando? – o encarou, chocado, mas Aleks apenas deu de ombros.
- Você vai ficar sentado aqui, ou vai fazer alguma coisa? – Provocou o mais jovem.
respirou fundo, um pouco impaciente e irritado com a fala do amigo, depois correu os olhos pelo local, percebendo-se que Waltteri e Otto Nieminen estavam prestes a se juntarem aos outros. O central dirigiu a Aleks um olhar hostil e jogou uma toalha sobre o ombro, caminhando a passos firmes para uma das esteiras, ao lado de , atravessando o caminho de Waltteri, que o cumprimentou com um aceno.
Era agora ou nunca, disse o capitão a si mesmo, respirando fundo e tomando toda coragem que sequer pensou que precisaria para aquela situação.
Devagar, aproximou-se de e dos outros, em direção as esteiras. Quando a terapeuta percebeu a aproximação do central, voltou-se para ele e sorriu. Um sorriso tão dócil que fez com que repensasse, naquele curto período de tempo, seu plano cerca de dez vezes, mas o capitão se manteve firme. Ao passar por ela, manteve o queixo erguido, fitando as esteiras, ignorando completamente a inglesa, enquanto gritava por dentro. o acompanhou, girando em seu eixo para vê-lo, só parou de sorrir quando seus olhos estavam sob as costas do central, e então franziu o cenho, confusa.
Enquanto respirava fundo, concentrando-se em ignorar a terapeuta, mantinha a expressão torcida em uma careta de confusão, depois, analisou a academia, sem graça, baixou o olhar e disfarçou o fato de ter sido ignorada, voltando-se aos outros quatro atletas, como se nada tivesse acontecido.
- , ...- Aleks aproximou-se deles, cantarolando, ignorando os olhares incrédulos e ameaçadores que dirigia a ele.
- Olá. – A inglesa sorriu simpática, e talvez um pouco surpresa.
- Não tive a chance de me apresentar, e não quero deixar que meus companheiros tomem posse de você assim, tão fácil. – Ele provocou, arqueando uma sobrancelha para os outros quatro do time.
- Não sou uma coisa para que tomem posso. – sorriu de canto e esticou, em seguida, a mão direita para Aleks. – Mas tem razão, ainda não fomos devidamente apresentados. .
- Haatanen, Aleks, mas pode me chamar de Hade. – Se apresentou, batendo os cílios e com um sorriso contido, observando-a com cuidado.
- Vou me lembrar disso. – devolveu o mesmo olhar analítico e desafiador de Aleks, deixando alarmado.
- Então, vocês já se conheciam. – Aleks apontou para o grupo e a terapeuta, depois cruzou os braços sobre o corpo.
- Não, na verdade não. – respondeu antes que os atletas tivessem chance. – Os conheci essa semana, assim como os outros.
- Curioso. – Haatanen maneou a cabeça, e naquele instante, um desesperado buscou o olhar de Atte Tolvanen do outro lado da academia. – Podia jurar que já se conheciam há anos, ou até que fossem...íntimos.
- Não, está enganado. – Waltteri coçou a nuca, desviando o olhar.
- Waltteri me deu uma carona para casa na segunda, e ontem ele, Santtu, Otto e Jasper me deram uma mão com a mudança. – explicou, tentando imaginar o que o tom e as perguntas de Aleks deviam significar.
- Sempre me choco sobre como meus colegas podem ser prestativos. – Hade ironizou.
- O que quer dizer, Haatanen? – Santtu endireitou as costas, e Aleks apenas projetou o lábio inferior em um sorriso inocente, depois deu de ombros.
- Como estão? Tem algum tipo de treino novo rolando aqui? – Atte Tolvanen surgiu entre eles, interrompendo qualquer resposta ou provocação, apertando os ombros de Aleks com mais força que o necessário e sorrindo para o grupo, para alivio do capitão, que já suava frio, caminhando na esteira ao lado.
- Não ainda. – sorriu, acenando com a cabeça. – Acho que também não fomos apresentados.
- Atte Tolvanen. – O goleiro sorriu educado.
- Claro, o goleiro que tem uma marca. É um prazer, Atte. – sorriu e o sorriso de Atte se intensificou dez vezes quando ela mencionou sua marca de roupas.
- Como sabe? – Perguntou com um sorriso torto.
- Ah, eu...meio que...procurei por vocês no Instagram. – confessou, sem jeito, hesitante e o capitão, que ouvia tudo, sentiu o coração parar, imaginando o que a terapeuta poderia ter encontrado em seu perfil. – Gostei das roupas, aliás.
- É, você fez mesmo o dever de casa. – Atte afastou-se de Aleks e se aproximou um pouco mais de . – Deve ser por isso que todos gostam de você tão fácil.
- Bom, isso é você quem está dizendo. – Ela riu abafado, inclinando a cabeça sobre o ombro.
- Não, é verdade. – Tolvanen sorriu, cruzando os braços e endireitando a postura. – Todos já estão falando muito bem de você, e mal tem uma semana.
- Não me iluda assim, Atte, tenho ego frágil. – brincou, inclinando-se sutilmente em direção ao loiro e forte goleiro.
Atrás de Atte, Aleks encarava a cena, ora com olhos sobre o goleiro, ora sobre , que parecia paralisado com a interação do amigo e da terapeuta. Enquanto Atte e trocavam sorrisinhos e elogios, pensava em saídas, no que podia fazer para encerrar aquela conversa quem nem mesmo devia ter começado.
Otto, Waltteri, Jasper e Santtu pareciam igualmente confusos com a interação repentina dos dois, e se entreolhavam vez ou outra, garantindo que todos pensavam o mesmo sobre.
não conseguiu pensar muito antes de agir, repentinamente, pulou da esteira, passando pelo grupo. O central ignorou a todos, mantendo o olhar o mais alto que conseguia, graças a sua altura, mas propositalmente, esbarrou com força em Atte, que sorria distraído para , divertindo-se com uma fala qualquer da inglesa, fazendo com que o goleiro de deslocasse com o impacto.
- Opa. – ergueu as sobrancelhas e apertou os lábios, fazendo menção ao encontrão com o capitão.
- Opa. – Atte riu sem jeito, coçando a nuca. – Opa.
21 de outubro de 2021, Lathi - Finlândia
Apartamento de
A primeira coisa que a terapeuta fez ao pisar dentro de casa, foi procurar o celular perdido dentro da bolsa e atender a ligação de Louis, que tentava se comunicar com a amiga pela terceira vez naquele dia.
- Espero que ninguém tenha morrido ou ido preso. – disse, arrancando as botas sem jeito, com o celular apertado entre o ombro e a cabeça.
- Aqui não, mas achei que você tivesse sido abduzida. – O médico respondeu do outro lado.
- Foi uma semana tensa, e ainda nem é sexta. – riu. – Esqueci de responder as mensagens, sinto muito, vou tentar ser mais...atenta? – Perguntou a si mesma, de modo retórico e ouviu o amigo rir do outro lado.
- O que você tem feito?
- Bom, tudo aqui acontece muito rápido. Eu cheguei na segunda e já me perdi na cidade, depois um dos jogadores se ofereceu a ir comigo às compras. – Contou enquanto abria a geladeira em busca de uma lasanha congelada. – Depois tivemos um jogo e o time perdeu, e no dia seguinte, nossa folga, alguns jogadores vieram aqui me ajudar com a faxina no apartamento. – evitou contar muitos detalhes, sabia que o amigo ficaria preocupado.
- Como assim? Você chegou ontem e já está recebendo jogadores em casa? , eles são confiáveis? – Louis indagou, sobressaltado. – Nunca te disseram para não receber pessoas estranhas em casa?
- Louis, todos são estranhos para mim. – Ela riu, tentando amenizar a preocupação justificada do amigo. – São caras do time, eles vieram aqui, me ajudaram a limpar e acho que estamos construindo uma amizade.
- Eu não sei, não confio neles. – Falou o inglês.
- É óbvio, você não os conhece. – riu, enquanto enfiava a lasanha congelada no microondas. – Mas são boas pessoas, todos parecem simpáticos. Alguns ainda me olham um pouco torto, seja por ser inglesa ou por estar no meio deles, mas a maioria é legal.
- Eu não sei se fico feliz por estar se saindo bem, ou preocupado com sua falta de noção e facilidade em confiar nas pessoas.
- Louis, querido...- riu mais uma vez e suspirou. – Eu estou aqui, preciso me entregar a experiência. – Disse, jogando-se sobre o sofá.
- Só tome cuidado para quem se entrega. – Alertou ele outra vez, fazendo-a revirar os olhos.
- Tá bem, pai. Vai dar certo. – Provocou. – Acho que é questão de tempo até todos me tratarem como um deles, até o capitão. – divagou sobre o capitão e central do time ao dizer.
- O que tem ele? Está te perturbando? Causando problemas?
- Não, Louis, relaxa. – Negou. – Ele...é que eu achei que seria fácil me relacionar com ele, principalmente porque foi um dos primeiros a falar comigo quando cheguei, mas ele...sei lá...- A terapeuta hesitou. – Parece que fiquei invisível, hoje ele nem me cumprimentou ou olhou para mim. Até tentei, mas ele me ignorou na cara dura. Talvez não seja só comigo, ele se chocou com um dos goleiros e nem pediu desculpas, acho que é meio babaca, grosseirão.
- E ainda dizem que os finlandeses são simpáticos...
- A maioria deles, sim. – riu nasalado. – Mas esse cara...
- O que tem ele? – Louis quis saber.
- Tem alguns atletas tão educados e gentis, a maioria deles na verdade. Parece que estou em uma seleção de atores para um filme de príncipes. – Contou sorrindo. – Mas esse...
- Em terra de príncipes, o capitão é a fera. – O médico completou, fazendo a terapeuta rir alto.
- É, acho que sim. A fera, um capitão gancho...quem sabe? – desatou a falar, mais para si mesma do que para o amigo. – Mas também, pode ser algo comigo, talvez ele não goste de mim. Waltteri disse que ele era legal, será que fiz algo? Ou ele soube sobre o que aconteceu em Mônaco? Eu até olhei as redes sociais dele, mas ele não posta nada há décadas, foto de perfil ele está de costas, e o resto são fotos antigas, ou fotos de cachorro. Será que tem alguma chance de ele ter descoberto sobre Mônaco? O que acha?
- Acho que você está paranoica e mais estranha que o normal. – Louis observou.
- Para com isso.
- É sério, . Você devia se cuidar e não ficar recebendo qualquer pessoa em casa, nem ficar se preocupando com Mônaco.
- Eu não consigo, sempre tenho pesadelos em que e Antti Vierula aparecem na arena e me desmascaram em frente a todos. – Confessou.
- Amiga, vou procurar contatos de terapeutas em Lathi e te encaminhar. Você precisa de psicólogo, urgente. – Louis alertou, mas riu.
- Talvez, talvez.
- Preciso ir agora, tenho um paciente importante. – Avisou ele. – Por favor, se cuide. Tenha cuidado.
- Não se preocupe, vou ficar bem. Eu sempre fico. – Garantiu . – Sempre fico.
21 de outubro de 2021, Lathi - Finlândia
Centro de Treinamentos do Pelicans
Aproveitando uma rápida brecha em que o goleiro estaria sozinho, terminando de se ajeitar para ir embora, e Aleks entraram sem jeito, pisando duro e com queixos erguidos. estava à frente, com os olhos fixos em Atte, que a essa hora já respirava fundo e apertava a ponte do nariz com os dedos, sentado em um canto, no fundo do vestiário. Atrás de , Aleks o imitava, tentando parecer do mesmo tamanho do central, como um irmão caçula que imita o irmão mais velho.
- Aí, vacilão. – Aleks chamou, tomando a frente da situação, mas o ignorou.
- Qual é a sua? – questionou, em um tom menos agressivo do que o usado por Aleks e Atte ficou de pé, de cabeça baixa.
- Eu sei, eu sei o que pareceu. – Explicou-se ele, erguendo as mãos na altura do peito, defensivamente. – Mas não é nada disso.
- Não é o que parece. – Aleks voltou a falar e lhe pediu com o olhar, para que se calasse.
- Ele tem razão. – não estava exaltado, seu tom de voz era calmo e suave, e para Atte, que lhe conhecia como a palma da mão, aquilo significa que no fundo, o central estava verdadeiramente perturbado com o que tinha acontecido.
- Escuta. – Atte suspirou, aproximando-se um pouco mais do amigo e tocou-lhe o ombro. – Eu me empolguei, ela é simpática, mas foi só isso, eu juro. Não tem interesse, não quis dar abertura ou coisa assim.
- Sua postura lá dizia outra coisa. – passou uma das mãos no rosto, suspirou, inclinou a cabeça e depois voltou a erguer o olhar. – Tudo dizia outra coisa.
- É, você tem razão...tem razão. – Atte se afastou, dando-lhe as costas, precisava pensar em uma forma de fazer com que os amigos acreditassem nele.
- Você não foi muito inteligente dando ideia para a mulher que o está caído, não é? – Aleks ironizou, e o goleiro lhe dirigiu um olhar duro. – O que? É a verdade. Você estava lá todo derretido, só porque ela valorizou seu ego, falando da marca. Enquanto ela falava que tinha te visto no Instagram.
- Não lembro de a conversa envolver você, Aleks. – Atte disse com os dentes apertados. – Não me importo se nos der licença.
Enquanto os amigos discutiam, pensava consigo mesmo, lembrando-se do momento com ajuda das palavras de Aleks. Ele tinha razão, não fora Atte quem começou aquilo, mas sim , falando da marca do goleiro, dizendo que havia visitado suas redes sociais, talvez ela estivesse interessada nele. Não seria a primeira vez que uma mulher havia preferido Atte, em toda adolescência e durante a vida adulta aquilo era comum. Atte era mais bonito, o cabelo loiro e os olhos azuis o faziam parecer um desses príncipes de filmes, e ele era inteligente, tinha ido para a faculdade e sabia falar sobre qualquer assunto, era mais que só o jogador de um time qualquer, de uma liga qualquer, em um canto qualquer do leste europeu.
Não podia culpa-la por, entre todos, se interessar por ele, ou por ele e outros, e não por . Ser o menos interessante e o menos favorecido fisicamente não era culpa de Atte, de Waltteri ou de qualquer outro. Estava sendo inocente e estúpido ao pensar que alguém como ela, linda, inteligente, importante, estrangeira, teria olhos para entre tantas outras opções melhores. E ninguém, além de si mesmo, tinha culpa daquilo.
- Já chega Aleks. – interveio, antes que Aleks fizesse outra provocação ao amigo goleiro.
- Mas eu só estou começando. – Hade sorriu malicioso.
- Já chega. – suspirou, sob olhar atento de Atte. – Olha, cara...são todos livres e sem impedimentos, vocês podem fazer o que quiser, não é da minha conta.
- Oi? ? Ficou maluco? – Atte indagou, com expressão confusa e surpresa.
- Não, estou sendo bem sensato, eu acho. – Confirmou o central, pensativo, apoiando as costas em uma parede.
- Tá legal, eu fiquei um pouco confuso agora. – Aleks se aproximou. – A gente não está bravo com o fura-olho? – Questionou ele, mas Atte lhe empurrou com o ombro.
- Não, não existe razão. – assentiu. – é livre, e ela vai gostar de outras pessoas, quer eu queira ou não. – Ele deu de ombros, fingindo não se importar. – Se não for o Atte, vai ser o Waltteri...eu não me importo.
- Não importa? – Aleks e Atte se entreolharam, confusos e preocupados. – Até ontem você estava interessado nessa mulher, agora, num passe de mágica ela não importa mais? – O goleiro indagou.
- É, isso aí. – assentiu. – Onde há concorrência, eu sou desistência. – Dizendo isso, o central colocou as mãos nos bolsos do moletom que usava e deixou o vestiário, dando as costas aos amigos, sem se importar com as grandes interrogações em suas faces.
Tulipas amarelas
Tulipas amarelas: As tulipas são flores que expressam amor fervoroso, e o significado varia de acordo com a cor: as amarelas significam amor sem esperança..
03 de novembro de 2021, Lathi - Finlândia
Centro de Treinamentos do Pelicans
Era quarta-feira e o time estava de volta a Isku arena para retomar os treinos após o jogo de segunda e a folga de terça. Duas semanas haviam se passado desde a derrota para o SaiPa Lappeenranta, e após o fracasso fora de casa, o time somava quatro vitórias no tempo normal, duas vitórias no tempo extra, quatorze pontos foram conquistados pelo time. Os jogadores tinham números igualmente bons, e fizeram ótimo trabalho nos seis jogos.
estava de volta nas graças do público, depois de marcar sete gols em seis jogos, colunas esportivas só lhe faziam elogios. Profissionalmente estava focado, concentrado, em um ótimo momento, mas na vida pessoal, estava ainda mais recluso e silencioso. Nas duas semanas que haviam se passado havia saído e tomado cerveja pelo menos três vezes com Hade e Atte, mas apenas para que os dois não montassem acampamento em sua casa. Na realidade, queria ocupar a cabeça com outras coisas, queria ficar sozinho, não queria ver, conversar ou se relacionar com ninguém. Estava cansado e sem ânimo para socializar, só queria silêncio. Uma longa jornada de silêncio, apenas com seus interesses e paz.
Talvez seu súbito interesse por fosse mais profundo do que o atleta imaginara a princípio. Ir contra todas as suas expectativas e os momentos idealizados era difícil, principalmente depois de se imaginar em centenas de cenários diferentes com a terapeuta. Ao mesmo tempo, se odiava por estar tão emocionado, devia ser a carência falando mais alto, só isso explicaria o que sentia.
Mas carência ou não, era que era de fato muito para ele, e era óbvio que nunca seria escolhido por ela, por isso, era mais fácil deixar o caminho livre para os companheiros de time. Não queria se distrair, criando rixas que só existiam em sua cabeça, competindo inconscientemente com outros atletas por uma mulher.
A escolha era óbvia, em um time com Waltteri Merelä, Atte Tolvanen e tantos outros caras mais inteligentes e bonitos, não era nem de longe uma opção. Sempre fora assim, sempre fora diferente dos amigos, durante quase toda a vida, e todos sempre se empenharam em deixar bem claro. Durante a infância, era o garoto gordinho e desengonçado, com rosto sempre suado, moreno e com nariz diferente, sempre destoando dos olhos azuis e cabelos prateados do resto da turma. Seu pai era russo, mas aparentemente os traços latinos da mãe eram mais fortes, sempre foi o diferente, o patinho feio entre os amigos.
Na primeira parte de sua adolescência, ainda desengonçado pelo estiramento próprio daquela fase, tudo pareceu piorar, principalmente tendo alguém como Atte Tolvanen ao seu lado. Atte era popular, bonito, todas as garotas queriam sair com ele, todos queriam ser amigos dele. Nessa época mudou do time principal de hockey para um dos times da base do Pelicans.
Na segunda parte da adolescência as coisas começaram a mudar, agora era um adolescente alto, com cabelo legal, músculos forjados pelos treinos de hockey e conhecido na cidade por ser uma das promessas do Pelicans. Pela primeira vez, era mais notado que Atte, que começava como um dos goleiros do time de , mas sem tanto destaque. Pela primeira vez, ele era a primeira opção e pensou que podia se acostumar a viver daquela maneira. Começou a namorar, estava rodeado de amigos, tudo era mais fácil para o astro , tudo era uma estrada de ouro, lisa e rodeada de aplausos e árvores de rubi.
E então, veio a formatura e o contrato com o time principal.
Tudo se intensificou, era a vida perfeita, passou a ser conhecido por princípe de Lathi, o jovem e promissor, que em breve estaria vestindo a camisa de algum time grande da NHL. E embora aquele não fosse o principal plano de na época, a ideia também passeava por sua cabeça antes de dormir. A vida era perfeita, Atte também estava no time, jogavam juntos, e apesar da má fase da equipe, os atletas tinham seu destaque. habitava sua nova mansão, tinha seu próprio chef de cozinha, sua equipe de marketing, seus representantes, pessoas para cuidar de cada instante de seu dia e de cada parte de sua carreira, vivendo em seu próprio olimpo, como deus do hockey em um país que o idolatrava. Contratos publicitários, fama, dinheiro e mais dinheiro, fãs, mas nada disso vem só, junto com o mundo dos sonhos, pela primeira vez descobria o preço de ser quem era.
O que acontecia de modo subliminar e suave antes de sua contratação para a equipe principal, se intensificou e transformou-se em um verdadeiro Golias após assinar aquele contrato. Primeiro as críticas pesadas quando não conseguia fazer pontos ou um bom jogo, críticas mais pesadas do que as que o jogador fazia a si mesmo. Depois, haviam um fotógrafo em cada canto em que estava, perto da casa dos pais, na saída dos treinos e jogos, nas ruas, e cada movimento era fotografado e espalhado em redes sociais. Sua família, namorada, amigos, todos eram expostos.
sempre fora alguém extremamente crítico consigo mesmo, perfeccionista, se cobrava mais que qualquer treinador. O ritmo de cobranças da mídia, o assédio dos torcedores por bons resultados, os insultos que recebia quando o time perdia, tudo contribuía para que a personalidade autocrítica de se tornasse ainda mais dura e adoecedora. Os torcedores o amavam quando o time vencia, mas o odiavam três vezes mais quando perdia, como se fosse responsável único pelo fracasso. Fosse nas derrotas durante o campeonato, nas derrotas nos playoffs ou no rebaixamento, era culpado, o inimigo. Aos poucos, tais situações minavam a confiança do jovem promissor atleta, assim como seu bom humor.
Nunca, nem mesmo durante o rebaixamento, passara pela cabeça de mudar de equipe, amava o time e não se sentia pronto para deixa-lo. O apoio que recebia de toda comissão técnica e dos colegas de equipe também favorecia sua decisão. Apesar disso, tudo era caos e confusão em sua vida. Sua namorada já não estava tão satisfeita, sempre se queixava do mau humor, da falta de tempo de , enquanto tudo que o central mais queria era apenas paz e silêncio. O namoro acabou antes que seu contrato com o clube completasse dois anos.
Um pouco mais solitário, um tanto mais melancólico, decidira se concentrar na equipe e fazer o máximo que podia para que os Pelicans voltassem a sua glória. Enquanto o jogador se concentrava em fazer boas partidas, a mídia o criticava por seus erros e pelos erros que inventavam, fazendo com que se fechasse ainda mais. Nem parecia o mesmo jovem atleta de quando assinara o contrato, não tinha paciência com jornalistas e suas perguntas tendenciosas e provocativas. As entrevistas eram monossilábicas, evitava qualquer contrato comerciais em que precisasse sorrir muito, falar muito, e evitava contratos comerciais no geral.
A gota que fizera seu balde transbordar, contudo, não estava relacionada a sua carreira. Um dia, após beber um pouco além da conta na festa de aniversário de um parente, encontrou, pela manhã, dezenas de fotos suas e de seus familiares. Fotos em que o atleta aparecia bêbado, malvestido ou sem camisa, com expressões esquisitas, totalmente exposto e vulnerável. Além destas, descobriu que há tempos, fotos que publicava despretensiosamente em redes sociais eram usadas pelas pessoas como motivo de piadas. Piadas sobre como era diferente, sobre como seu nariz era esquisito, sobre como ele era uma pessoa feia, sobre como era esquisito, ou os outros milhares de apelidos, memes e piadas com fotos suas.
desejou morrer, desaparecer.
Não pode olhar nos olhos das pessoas por duas semanas, tal qual era sua vergonha. Talvez as pessoas não tivessem noção de quão mal podiam fazer a alguém compartilhando aquele tipo de imagem, ridicularizando na internet alguém que só tentava ser normal. chorou, como o adulto ridicularizado e exposto, mas também como a criança ferida que ainda tinha dentro de si.
A partir daquele acontecimento tornava-se outra pessoa, evitava o máximo se expor em qualquer ambiente, se esforçava para manter sua vida fora dos holofotes a todo custo. Sua vida pessoal era uma incógnita para todos, nenhum detalhe era vazado, e escolhia a dedo as pessoas que convivia, sendo ainda mais crítico e seletivo. Tornou-se uma pessoa menos simpática, não sorria sempre, quase nunca, mantinha-se sério, fechado, respondia quando era perguntado, e apenas o que lhe era perguntado. Não era o cara mais agitado, nem o mais animado do time, ficava em silêncio quase sempre. Mal se impunha nos treinos, preferia se calar a criar qualquer conflito, enquanto tentava dar seu sangue pela equipe.
O novo esteve entre seus amigos e familiares mais próximos, até perceber que podia confiar e que seus muros não precisavam estar sempre erguidos. Assim, haviam o velho, gentil e simpático, agradável e engraçado com os amigos mais chegados, família e com o time, e o novo , sisudo, fechado, monossilábico e inatingível para os demais. gostava assim, gostava de ser visto como a pessoa que não se importa, que é inalcançável e inatingível, principalmente porque se havia uma coisa que era, era alcançável e atingível.
Aquela era uma das razões definitivas para esquecer e deixar para lá. A ideia de tentar chamar sua atenção era estúpida e provavelmente só funcionasse em filmes, já era bem grandinho para saber que a vida real não era tão bonita. Era estupidez, em todos os sentidos da palavra e da ideia, inocência demais considerar que em algum momento se interessaria por alguém como ele. Pensava isso quando cruzou com Waltteri Merelä no estacionamento, o ala trancava o carro e sorriu e acenou para o capitão quando o viu. sorriu de volta e estava prestes a fazer uma brincadeira inocente, quando de trás do carro surgiu a mais recente razão de sua ansiedade: . A terapeuta ria de qualquer coisa e fazia uma piada sobre prender o casaco para fora do carro. Estava bonita, com um sorriso grande e sereno, bochechas rosadas e olhos apertados a medida com que sorria.
congelou e sua expressão se transformou no instante em que seus sentidos entenderam que era real e não uma miragem. acenou e sorriu, cumprimentando o capitão, mas só conseguiu apertar os lábios e seguir em frente, de modo robótico, programado. Se apressou em direção a entrada da arena, tentando controlar o ritmo de sua respiração e rezando para que nenhum dos dois tivesse percebido sua fuga.
03 de novembro de 2021, Lathi - Finlândia
Centro de Treinamentod do Pelicans
- . – Jasper chamou a terapeuta, atravessando em sua frente enquanto caminhava pelo corredor, distraída com uma mensagem de Maisie em seu celular. – Social, na minha casa. – Intimou ele, estalando os dedos em direção a inglesa.
- Como é? – franziu o cenho e sorriu.
- É, sabe? Vamos beber, fazer churrasco e hambúrgueres. Vai ser divertido. – O goleiro sorriu grande. – Waltteri vai estar lá.
- Onde eu vou estar? – Merelä, que caminhava logo atrás, fora do assunto, quis saber ao ouvir seu nome.
– Na minha casa, na social.
– Acabei de ser intimada. – piscou, sorrindo para o ala. – É seguro ou eu devo inventar uma desculpa?
– É tranquilo. – Waltteri sorriu frouxo, aproximando-se mais. – Mas na dúvida, deixe uma amiga avisada e peça para ela te ligar fingindo ser sua avó que foi atropelada por uma rena. Algo assim. – Sugeriu fazendo a terapeuta rir alto.
– Depois eu quem sou idiota, não é? – Jasper rolou os olhos.
Enquanto os três riam no corredor, e Aleks Haatanen passaram por eles, a dupla caminhava em silêncio na direção oposta. olhava para frente, fingiu não os ver, enquanto Aleks encarou os três com olhos estreitos, do modo constrangedor que só ele conseguia. acompanhou o olhar dele, mas os dois atletas ao seu lado pareciam não ter percebido o quão sugestivo Aleks havia sido. Ao mesmo tempo, reconhecia que podia estar sendo um pouco paranoica, principalmente depois da primeira conversa com Haatanen e sua fala sobre qualquer coisa mais íntima que pudesse estar acontecendo entra a inglesa e Waltteri.
– Você vai convidar o resto do time? – quis saber, olhando para trás, por sobre os ombros, para a dupla.
– Provavelmente, não. Ou sim. Nunca saberemos. – Jasper de divertiu, enquanto olhava algo em seu celular.
– Nem sempre fazemos coisas juntos. – Merelä explicou. – Já deve ter percebido que temos algumas divisões. Na verdade, divisão é a palavra errada, eu chamo de grupo de convivência.
– Isso é normal, são muitos rostos. Normal não serem todos melhores amigos. – deu de ombros, tentando segurar sua curiosidade.
– Quando chega alguém novo, costuma querer se juntar aos nomes mais famosos e conhecidos, mas isso passa. – Contou ele.
– Como por exemplo? – perguntou sem pensar, mas em seguida mordeu a língua, pensando que talvez não fosse de bom tom para alguém que diz amar hockey não saber quem são os atletas de maior nome no time. – Quero dizer, porque eu não acompanho tanto o hockey da Finlândia, sabe? – Tentou corrigir, mas Waltteri deu de ombros.
– Definitivamente . – O ala contou com um sutil sorriso orgulhoso. – Ele quebra recorde atrás de recorde, pontua mais que todos, é ótimo na defesa e infalível no ataque. É o maior nome do time hoje e da Liiga. Por isso que pessoas como Aleks, que são mais jovens, se aproximam dele. Me lembro de ser fã dele quando ele ainda jogava pelo time da escola.
– Ninguém me contou sobre isso. – comentou, achando interessante aquela história, enquanto olhava por sobre o ombro, conferindo se o central ainda estaria por ali.
– Ele é uma estrela desde que começou a jogar, todos que gostam de hockey são um pouco fãs dele. – Waltteri continuou, visivelmente empolgado. – Quando entrei, depois que consegui consistência e bons resultados, começaram a nos comparar. Sabe como são essas coisas, a mídia e tudo mais. – Contou. – Criaram uma rivalidade que só existia na cabeça das pessoas. Mas até hoje nos incomodam com perguntas idiotas sobre isso.
– Ele parece sério, distante.
– Quem? ? – Waltteri a olhou com sobrancelhas unidas, assentiu. – Não, não. É só o jeito dele, é concentrado, focado e não gosta de distrações. Às vezes fica no próprio mundo, tentando criar jogadas, ver no que pode melhorar, é o jeito dele. O que faz dele especial. Logo ele vai estar tão falante com você, quanto eu sou. – Sorriu o ala e o imitou.
04 de novembro de 2021, Lathi - Finlândia
Centro de Treinamentos do Pelicans
Mais um dia de trabalho na fria Lathi, havia acordado com um invejável bom humor, apesar do céu fechado e pessoas que em sua maioria se comportavam como gatos ranzinzas. Mais um bom dia no trabalho, reunida junto ao time e ao resto da equipe na sala de treinos, realizando exercícios de fortalecimentos específicos e alguns, de recuperação. Teriam uma série de jogos importantes por vir e todos estavam animados, cheios de gás e motivação para os treinamentos do dia.
auxiliava Otto com um alongamento de quadríceps femoral, mas prestava pouca atenção ao atleta de cabelo loiro e bochechas grandes, mal ouvia o que Otto lhe falava. Estava concentrada em alguém do outro lado da sala. Nos últimos dias, assim que o frenesi e ansiedade quanto a sua chegada passaram, a inglesa teve tempo para refletir sobre o comportamento do central dos Pelicans com mais profundida. Após ser um dos primeiros do time a tentar ter algum contato, no dia em que chegara a arena, parecia simplesmente não a notar. Sequer a olhava quando se cruzavam e parecia nunca estar presente junto aos outros jogadores, não parecia socializar com o resto do time.
Não que estivesse com algum tipo de curiosidade específica, mas achava imprescindível para a execução de seu trabalho que tivesse uma boa relação com todos do time, inclusive e principalmente o capitão. Por isso, observava a distância alongar os músculos adutores da coxa de modo concentrado. Observando-o com cuidado, percebeu que por mais diferente que fosse dos demais, também tinha sua beleza. Não era loiro como os outros, sua pele era morena e os cabelos eram de um castanho quase preto, os olhos também eram diferentes, não eram azuis ou verdes como os dos outros, eram de um tom diferente, lembrava o tom de marrom esverdeado que as folhas ficam quando caem no final do outono, e eram arredondados, o rosto longo e anguloso, com mandíbula definida. Os cabelos eram compridos o suficiente para que escapassem do capacete que ele usava nos jogos, formando sutis ondas, quase cacheadas. Além disso, era alto, enorme, e exibia músculos definidos em todo corpo, das pernas até o tronco e braços, e embora não fosse algo que reparou a princípio, era mais avantajado de bunda que a própria terapeuta.
Até que era bem bonito e atraente, pensou a inglesa, mas em seguida sacudiu a cabeça, tentando se livrar das imagens que seu cérebro criara contra sua vontade. Mas fato era, o capitão do time a deixava curiosa. Em seu primeiro dia, a inglesa poderia prever que seria uma presença constante em sua vida no time, e até torceu para que não fosse, mas agora talvez se arrependesse levemente.
Ao mesmo tempo, todos os discursos de Waltteri sobre como o central era simpático e boa pessoa faziam imaginar se o problema não estava com ela. Algo em que a fizesse desagradável aos olhos de . Talvez ele soubesse sobre sua situação com e talvez a estivesse julgando em silêncio, se preparando para contar tudo aos outros. Pare , é paranoia sua, a terapeuta ouviu a voz de Louis em sua cabeça automaticamente, e sorriu com isso.
Independente da razão, trabalhavam juntos e teriam que conviver, e não era como se fosse possível a dormir mais noites se perguntando porque se tornara invisível a . Tomada por essa sensação impulsiva e desprendida de julgamentos, resolver deixar de vez Otto e saciar sua curiosidade, dirigindo-se à . sorria, falando alguma coisa qualquer em finlandês para alguém que reconheceu ser Atte Tolvanen, o goleiro. O goleiro estava sentado, se recuperando se seus exercícios, enquanto estava com o corpo no chão, se alongando com ajuda de um rolo. Assim que Atte, que estava de frente para a inglesa notou sua expressão, murmurou algo para e se afastou o mais rápido que pode, talvez na intenção de fugir de algum exercício. E ao ouvir o que quer que Atte tinha dito, o capitão parou de sorrir e adotou uma expressão mais séria, mantendo seu olhar no chão.
– Oi. Precisa de alguma ajuda com o exercício, ? – perguntou a , mantendo um sorriso nos lábios.
– Não, eu tô okay. – Respondeu o central ainda de cabeça baixa, sem se importar em cumprimenta-la de volta.
– Tem certeza? – insistiu, não cederia tão fácil.
– Absoluta. – Ele respondeu entredentes, como se impaciente.
– Como você está hoje? – resolveu investir um pouco mais pesado, sentando-se onde antes Atte estava sentado. Queria ao menos entender a razão da resistência do central, descobrir se tinha algo a ver com algum outro finlandês detestável que não era jogador de hockey ou se o problema era mesmo ela.
– Eu estou bem. Ótimo, . – Respondeu. – Pode ir para o Nieminen, antes que ele se machuque tentando fazer sozinho.
precisou de alguns segundos para compreender a fala do capitão, e quando o fez, sua boa se abriu, revoltada e indignada com o comentário sobre Otto.
– Então é assim que vai ser? – Indagou, prestes a iniciar uma rebelião, e enfim conseguiu que erguesse os olhos para ela. A princípio o olhar do capitão fora de confusão, depois surpresa. – Eu só estou tentando fazer o meu trabalho por aqui. Achei que como capitão fosse querer colaborar.
– E eu estou fazendo o meu. – retrucou, apontando com o queixo para Otto, do lado oposto da sala.
Quando a inglesa olhou para o ponto indicado por , encontrou Otto se amordaçando sem querer com a ajuda de uma faixa elástica.
– Vá cuidar do Nieminen, . Eu estou ótimo. – disse outra vez.
Definitivamente ele a odiava, mas além de não ter argumentos naquele momento, ainda precisava agir antes que Otto se machucasse sozinho. Ao contrário do que gostaria, precisou empinar o nariz, estufar o peito e fazer o que o central dizia. Mas não poderia deixar aquilo daquele jeito, como se o capitão tivesse ganho aquela rodada, sem pensar muito, chutou o rolo com o qual se apoiava para fazer seu alongamento, fazendo com que o corpo do atleta fosse ao chão. Embora o impacto não fosse grande pelo fato de já estar no chão, tendo os braços como apoio, preferiu não olhar para trás para ver sua reação.
Ao menos agora teria razão para detesta-la.
04 de novembro de 2021, Lathi - Finlândia
Centro de Treinamentos do Pelicans
– Você acha que eles se recuperam até o jogo? Não sei quantos dias são de licença. – Atte perguntou, distraído, enquanto conversava com sobre os afastamentos por Covid-19 do time rival para o próximo jogo.
– Acho que não, só divulgaram essa semana, acho que devem ser uns sete dias. – respondeu. – Hoje temos que testar de novo?
– Sim, sempre, esqueceu? – Atte disse ao secar o rosto com uma toalha, após finalizar sua sessão de aquecimento, sentando-se ao lado de , que contava sussurrando o tempo que ficaria em prancha.
– Será que não posso burlar? Não saí de casa esse final de semana, nem vi meus pais. Não vi ninguém. – Tentou argumentar o central.
– Há, há, certamente você pode, . – Atte ironizou, acertando as costas do amigo com uma toalha, fazendo o rir e relaxar os braços, caindo no chão sem jeito. – Como você está com essa coisa da estrangeira. – Sondou o goleiro após alguns instantes em silêncio.
– Do que está falando? – estreitou o olhar, disfarçando seu desconforto com aquele assunto, enquanto tentava retomar sua posição.
– Ah, você sabe. – O goleiro apoiou os cotovelos nos joelhos e se inclinou na direção do amigo, para que pudesse falar mais baixo. – Você parece mudar de ideia como vento quando se trata dela, e eu te conheço o suficiente para saber que você nunca muda de ideia sobre nada tão rápido.
– Não viaja. – Pediu o central, dando de ombros. – Não existe nada, não tem como mudar de ideia sobre algo que não existe.
– Você pode fingir para o Hade, mas não para mim. – Atte voltou a falar. – Te conheço desde sempre. É fácil ver que está desconfortável.
– Não estou não. – interrompeu seu exercício, puxando um rolo para apoiar seu quadril, contrariado com a acusação do amigo.
– Claro que está. – Atte reforçou.
– Não.
– Você nem a cumprimenta, . Além disso, só socializa com o time quando ela não está por perto. Mais óbvio que isso, só se você usasse uma faixa.
– Você está exagerando. – negou. – Não é assim, não mesmo. Eu só estou na minha, concentrado como sempre. Como eu disse que ficaria.
– Então tudo bem se eu chegar nela? – O goleiro provocou e como esperado, recebeu um olhar incrédulo de instantaneamente. – Está vendo como não é exagero? – Atte piscou vitorioso.
– Okay, Atte. – bufou, dando-se por vencido. – Você tem razão e eu não quero falar disso. – Sentenciou, e viu o amigo erguer as mãos em rendição.
Já era estranho cruzar ocasionalmente com nos corredores e encontrar com ela na arena durante os dias, não precisava tornar tudo pior fazendo dela um assunto frequente. Já tinha entendido que seria melhor deixar para lá, seguir a vida e esquecer a ideia fantasiosa de ter alguma chance com a terapeuta. vivia em seu próprio mundo, e jamais estaria nele, então era melhor se acostumar.
Talvez soasse como covarde sequer tentar, mas não valia o esforço. Tentar, se esforçar, dar tudo de si para ser notado, tentar impressionar a inglesa, sendo que provavelmente ela já tinha alguém, e o pior, alguém do time. Seria péssimo para seu lugar de capitão do time se tentasse flertar com a garota de Waltteri. De qualquer modo, já estava escrito que o melhor que poderia fazer era permanecer o mais longe possível de . Quanto mais longe dos olhos ela estivesse, mais longe do coração estaria também.
– E se a gente fizesse uma viagem de pescaria? Ou um bom dia na sauna? Sua sauna é ótima. – Atte propôs, fazendo rir alto.
– Está se convidando para a minha casa?
– Não, até porque não preciso de convite. Só estou avisando dos meus planos. – O goleiro deu de ombros.
– E se eu já tiver planos para a minha sauna? – olhou para o amigo, sorrindo.
– Ignore tudo e não surta, ela está vindo para cá. – Atte avisou de repente, com olhos arregalados.
– Ela? Ela quem? – sentiu o estômago gelar, mas o amigo não o respondeu, apenas se levantou e fugiu o mais rápido que pode. – Atte? Quem?
pensou em se levantar e seguir Atte, mas de soslaio percebeu a aproximação de , e não daria mais tempo de fugir. Pensou em fingir um desmaio, fingir não falar inglês, não fazia ideia do que falaria e não sabia se estava disposto a descobrir. Sentia o sangue lhe faltar no corpo e o ar aos pulmões, cair de boca diante dela não parecia algo digno do capitão do time, então apoiou os cotovelos no chão, enquanto o quadril ainda estava amparado pelo rolo e baixou a cabeça, encarando fixamente e com muito interesse o piso da sala.
– Oi. Precisa de alguma ajuda com o exercício, ? – Foi o que ela perguntou, repentinamente ao se aproximar. Seu timbre era alegre, como se estivesse afim de ser amistosa, podia imaginar o sorriso nos lábios dela.
– Não, eu tô okay. – Respondeu ainda de cabeça baixa, do modo mais mecânico que existe, apenas por não conseguir ter qualquer controle sobre suas cordas vocais.
– Tem certeza? – insistiu e quis chorar, estava sendo muito difícil controlar a vontade de olhar e sorrir para ela como um bobo.
– Absoluta. – Respondeu ele da forma que pode, sentindo seu tom de voz mudar, como o de um menino que entra na puberdade.
– Como você está hoje? – parecia empenhada em manter uma conversa, e para desespero do central, se sentou onde antes estava Atte, aproximando-se mais dele. Rapidamente se passou pela cabeça do central a ideia de ceder, conversar e falar sobre o que quer que ela quisesse ouvir. Mas subitamente foi envolvido pela lembrança de que aquele era apenas o trabalho dela, que não estava ali por ter qualquer curiosidade sobre ele, ou por querer conhece-lo melhor. A inglesa só precisava falar com todos para garantir que tudo ia bem. E ao se lembrar disso, o capitão vestiu sua couraça outra vez.
– Eu estou bem. Ótimo, . – Respondeu sem pensar muito e lutando para soar convincente. De relance, percebeu que no canto oposto da sala, Otto Nieminen parecia mais que atrapalhado com seus exercícios. – Pode ir para o Nieminen, antes que ele se machuque tentando fazer sozinho. – Disse sem pensar, ainda evitando olhá-la.
– Então é assim que vai ser? – Ela indagou depois de alguns segundos em silêncio e quanto ergueu os olhos, percebeu que talvez tivesse tomado a pior das piores decisões. – Eu só estou tentando fazer o meu trabalho por aqui. Achei que como capitão fosse querer colaborar. – Falou ela, parecendo decepcionada e irritada ao mesmo tempo.
– E eu estou fazendo o meu. – respondeu na defensiva, acuado pelo tom dela, e culpado por sua resposta. Felizmente, ao buscar por qualquer apoio, em desespero, encontrou Otto que tentava se matar com a ajuda de uma faixa elástica do outro lado da sala. E um pouco aliviado, apontou com o queixo para ele, atraindo a atenção de para Nieminen. – Vá cuidar do Nieminen, . Eu estou ótimo. – disse outra vez, sentindo o coração disparar, torcendo para que se afastasse.
A expressão no rosto de dava impressão de que seria chutado a qualquer instante, sem qualquer pena. Talvez tivesse sido uma péssima ideia ser tão incisivo, se antes não tinha chances com , agora ela provavelmente o odiaria. De alguma forma, talvez fosse bom que ela o detestasse, assim não precisaria fugir dela, a inglesa se encarregaria de evita-lo ao máximo. ergueu o queixo, estava irada, quase era possível ver fumaça saindo de suas orelhas. Provavelmente ela o teria socado se estivesse em pé, ou se fosse mais fácil de alcançar, mas como não pode fazer, para descontar sua raiva, e de forma justa na opinião de , a inglesa chutou o rolo com o qual se apoiava, fazendo com que o corpo do atleta fosse ao chão. O impacto não fora forte, mas sentiu um pequeno choque e alguma dor quando sua pelve tocou o chão sem muito jeito. lhe deu as costas sem qualquer cerimônia, enquanto apertava os lábios e os olhos, devido a dor e tentava disfarçar para os que estavam ao redor o que havia acabado de acontecer.
Ao menos agora teria uma razão para detesta-lo.
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Louro-da-Montanha: Ela é belíssima, mas por baixo daquele exterior delicado bate o coração de um assassino. Se consumido em grande quantidade, pode causar ataque cardíaco..
04 de novembro de 2021, Lathi - Finlândia
Centro de Treinamentos do Pelicans
Se fosse possível a algum ser humano explodir de raiva, teria seus pedaços espalhados por toda aquele centro de treinamentos. A inglesa mal conseguia pensar sem que uma brutal vontade de arrancar os olhos de a dominasse. Nada justificaria o modo rude com o qual o atleta a tinha tratado, nenhum estresse ou até mesmo se soubesse de seu passado com . Era a primeira vez que a terapeuta sofria com tratamento tão desagradável por parte de um dos atletas, e nem mesmo poderia reclamar com qualquer pessoa sobre isso.
Assim que salvou Otto de sua tentativa de suicídio culposo, se dirigiu ao banheiro, precisava de algum tempo sozinha para organizar as ideias, e garantir que não choraria de raiva em público. Precisava também de o maior tempo possível na ausência de , se o time ainda quisesse contar com os serviços do capitão. Ao encarar seu reflexo no espelho, percebeu os olhos vermelhos e a veia que lhe saltava o pescoço, sinais de sua irritação. Tudo indicava que seria logo visitada por uma intensa enxaqueca causada pelo momento de estresse, e amaldiçoou mais uma vez por isso. A inglesa jogou um pouco de água fria no rosto, se apoiou a pia e fechou os olhos e tentou contar até cem o mais devagar que conseguia, buscando um pouco de calma.
– Inglesinha. – Uma voz cantarolou do lado de fora do banheiro, mas ignorou. – Inglesinha... – Alguém chamou outra vez.
A princípio, a terapeuta pensara ser Jasper, mas se fosse o caso, ele já estaria dentro do banheiro a àquela altura, e sua voz era conhecida o suficiente para que a inglesa notasse. respirou fundo, pensando que se fingisse não estar ali, quem quer que estivesse a chamando desistiria e iria embora. Pareceu funcionar, já que no segundo seguinte não havia mais barulho algum, a não ser o da respiração pesada da terapeuta. Ao menos era o que pensava até ser surpreendida pela entrada repentina e despreocupada de Aleks Haatanen no banheiro feminino. O finlandês parecia despreocupado e relaxado, como se entrasse em seu vestiário.
– Espero que não esteja interrompendo nada. – Ele sorriu antes de se sentar sobre a pia. – Você não me respondeu.
– Haatanen, isso é o banheiro feminino, você não devia estar aqui. – alertou com olhos sutilmente arregalados.
– Nem você. – Ele deu de ombros, estava relaxado, um dos pés não tocava o chão por causa do modo com que ele estava sentado, Aleks balançava a perna com certa preguiça, como se estar ali o entediasse ou se estivesse totalmente relaxado.
– Do que está falando? Só parei alguns minutos para vir ao banheiro. – A terapeuta sentiu o sangue esquentar outra vez. – Por acaso está controlando meu trabalho também?
– Calmita, . – Aleks ergueu as mãos em sinal de rendição, mas mantendo nos lábios o sorriso de escárnio. – Não é bem sobre isso que estava falando.
– Seja direto, Haatanen. – Ordenou ela, ignorando os sorrisos dele.
– Hade, me chame de Hade. – Lembrou ele projetando o lábio inferior. – Por que todos vocês sempre pensam mal de mim antes que eu tenha chance de fazer algo ruim de verdade? Qual é, só vim aqui saber como você estava.
– Saber como eu estava. – repetiu cautelosa, não confiava no ar malicioso natural de Aleks, mas não sabia bem porquê.
– É. – O jogador deu de ombros, levantando-se da pia e se aproximando da terapeuta. – Eu vi o que rolou lá dentro com o . Não o leve a mal, ele só não sabe falar com mulheres...fica nervoso que só.
– não pareceu nervoso, muito pelo contrário. – cruzou os braços sobre o peito e baixou o olhar, cedendo a Aleks rapidamente.
– Mas eu sei que ele está gritando internamente até agora, confia. – Ele piscou, sorrindo de canto. – só é meio...ogro. Sabe, essa coisa de morar sozinho nas montanhas transformou ele numa versão limpinha do Shrek.
– Não justifica a forma com que ele falou comigo. – ergueu o olhar. – E além disso, não vou tratar desse assunto com você.
– Por que não? Existe algum pré-requisito para fazer parte do seu clube da Luluzinha? – Aleks alfinetou, direcionando a ela um olhar que a inglesa sabia bem o significado. – Eu não sou tão alto quanto Santtu? Ou não tão bonito quanto Waltteri?
– Não tem nada a ver com isso, Aleks. E por favor, pare de fazer piadas maliciosas com os outros jogadores. – usou seu tom mais sério e firme, mas que não gerou efeito qualquer em Aleks.
– Assim como o , eu só quero ser amado. – Zombou ele, brincando com uma escova de cabelos que ficava disponível no banheiro sobre a pia, enquanto sorria com deboche. – Mas já me cansei. – Aleks expirou entediado. – Vim só deixar meu ombro amigo, mas me cansa ter que ficar provando minhas intenções. Boa sorte com o da próxima vez. – Falou ele e começou a se afastar, dando as costas para .
– Certo, espere. – Pediu a inglesa, após respirar fundo. Após o modo com que fora tratada por , a última coisa que queria era ser grosseira gratuitamente com alguém. – Me desculpe. Agradeço a gentileza.
– Não há de que. – Aleks girou em seus calcanhares, sorrindo grande. – Estou sempre as ordens para ajudar um amigo. – Disse, e franziu o cenho, confusa com o gênero utilizado por ele na palavra amigo.
– Bom, obrigada. – Falou. – Eu acho...– sussurrou, apenas para si mesma.
– Certo, já chega. Eu realmente estou entediado, vou voltar para o treino. – Avisou ele, apontando para trás de si com o polegar enquanto fazia careta. – E , o pode ser meio resistente, mas ele sempre se rende no final. E sabe uma coisa que sempre faz com que ele fique de bom humor? – Aleks sorriu arqueando as sobrancelhas, pensou sobre o quanto sua expressão era estranha. – Bombons de coco e Pizza com abacaxi. Ele ama. Mais. Que. Qualquer. Coisa. – Disse pausadamente e outra vez deu as costas para , sem se importar em se despedir.
Bombom de coco e Pizza de abacaxi...
Que fosse para o inferno com bombons, pizzas e tudo que tivesse direito, pensou.
07 de novembro de 2021, Viipuri - Rússia
Casa dos
Era domingo, mais especificamente a hora do almoço, e a soma da cultura russa a cultura latina faziam com que os almoços de domingo dos fossem únicos. vivia só em uma região pouco afastada do centro de Lathi, enquanto sua família morava na mesma alameda cheia de árvores frondosas e verdes, na mesma casa antiga que nascera, em Viipuri. Ao contrário da maioria das casas, havia um grande jardim nos fundos, com várias espécies de rosas e outras flores coloridas que não sabia nomear, mas que adorava apreciar o perfume. De manhã, quando estava na casa dos pais, amava encher sua xícara de café bem quente e com açúcar, ainda de pijamas coberto por seu roupão favorito, e se sentar no jardim. Adorava ouvir os pássaros em suas primeiras revoadas do dia, sentir o cheiro das flores, ver as abelhas passeando cobertas de pólen amarelo, tão pesadas que mal podiam voar. O cheiro familiar da grama molhada pelo orvalho da noite, o reflexo do sol nas gotinhas de água, e o prazer de expirar e assistir sua respiração se transformar em uma nuvem quente e densa, em vez de desaparecer invisível.
Era confortável, tranquilo.
podia ter esses momentos em casa também, e as vezes tinha, mas em Viipuri era diferente, como se a atmosfera da cidade ajudasse na composição do sentimento de pertencimento. Uma vez ouvira que quando se saí de casa pela primeira vez, nunca mais se tem um lar, mas o central descordava, sempre teria a velha casa em Viipuri como seu lar, não importava quanto tempo passasse.
E cada almoço ali o fazia cristalizar mais aquela certeza. A mãe terminava algo na cozinha, o pai estava de pé, na sala, fingindo não prestar atenção a reprise do jogo na TV. Só Alicia estava em casa, Inessa estava em uma viagem de trabalho, a irmã mais velha era um dos destaques russos no golfe, e recentemente sua popularidade crescia mais e mais no esporte. entendia aquele movimento, se orgulhava da irmã por isso, mas não deixava de temer a parte ruim de tudo aquilo. Conhecia bem como a fama e reconhecimento podiam ser traiçoeiros, por isso tentava se manter por perto, e quando possível, orientava a irmã no que ela lhe permitia.
Alicia era a mais nova, ainda estudava e tentava viver uma vida normal, aproveitando uma adolescência saudável e sem questões que não devia fazer parte da vida de uma garota de dezessete anos. Para o almoço, ela ajudava a pôr a mesa, mas parava a cada três minutos para conferir novas mensagens no celular. preferiu ignorar, não estar com ânimo para alfinetar Alicia, argumentar com adolescentes era cansativo, e ele não era uma das pessoas mais pacientes com aquele tipo de situação. Então, só fingiu que não estava vendo e continuou a posicionar os talheres da forma com que sabia que a mãe gostava.
– Posso te fazer uma pergunta? – Alicia se fez presente de repente, após um longo tempo rolando a tela de seu celular.
– Depende. – respondeu sem afastar os olhos da mesa, fingindo não se interessar.
– De que? – Ela devolveu, colocando uma das mãos na cintura e o fitando de modo não muito amigável ou paciente.
– Depende do tipo de resposta que você quer. – Respondeu endireitando o corpo e olhando para a irmã, segurando os talheres como um buque prateado.
– Você sabe quem do time namora e quem é solteiro, não é? – Quis saber ela, alternando um pouco seu tom de voz para algo mais suave.
– Você não pode. – respondeu sem pensar, ignorou o olhar de protesto da irmã e voltou a se concentrar na mesa.
– Você não é o meu pai! – Alicia se zangou, compreendendo do que o irmã falava e conclusão silenciosa tirada por ele.
– Graças que não. – Falou ele, erguendo as sobrancelhas e expirando de modo teatral.
– Eu logo vou fazer dezoito anos, .
– Esquece, Alicia. Não vou te apresentar para ninguém do time. – Sentenciou o central, tentando colocar um ponto final no assunto.
– Desde quando você precisa me apresentar para alguém? – Disse ela, erguendo um dos ombros e piscando com deboche.
– Você o que? – arregalou os olhos e não conseguiu manter sua boca fechada. – O que você fez? Com quem está falando?
– Por que vocês estão discutindo agora? – A mãe perguntou ao se juntar a eles.
– Alicia está conversando com homens mais velhos. – Denunciou , apontando para a irmã, ainda em choque.
– Não estou não! É mentira. – A mais nova se defendeu, enraivecida com a denúncia do irmão, não queria envolver os pais na conversa.
– Alicia, nós já não tivemos essa conversa? – A mãe a dirigiu um olhar compreensivo mas repreensivo na mesma medida.
– São só os caras do time dele! – Acusou ela, apontando para o irmão.
– O que tem os caras do Pelicans? – O pai também entrou no assunto. – Aliás, acabei de ver um pouco da reprise do jogo de ontem. – Falou batendo com orgulho nas costas do filho. – Bom jogo. Vocês estão muito bem. A segunda linha também está ótima. Todas estão.
– É, estamos trabalhando duro. – respondeu, imitando o pai e ignorando o conflito que instaurara.
– Eu também acho. – Alicia completou com um sorriso sarcástico nos lábios.
– Você não tem idade para isso! – Fora vez de apontar para a irmã, repreendendo-a.
– Não tem idade para quê? Não tem idade para gostar de hockey, filho. – O pai indagou, completamente desorientado.
– Você é velho, . Santtu e Waltteri não. – Falou ela, cruzando os braços sobre o peito, e sentiu a pressão cair.
– Os dois são muito bons, fizeram muitos pontos no jogo de ontem. – O pai comentou.
– Não. Não. Você não vai sair com eles. Eles não. – Negou, enfatizando com um movimento negativo de cabeça.
– Eu gosto do Waltteri, ele parece ser muito gentil. – A mãe também disse, ignorando a expressão chocada de .
– Será que ninguém está me ouvindo aqui? – Indagou ele, chamando a atenção de todos para si.
– Claro que estamos, filho. – A mãe respondeu, e de soslaio viu o pai assentir com a cabeça.
– É que ninguém concorda com seus pensamentos medievais, . – Alicia falou, vitoriosa.
– Que pensamentos? – O pai perguntou a mãe, num quase sussurro.
– Alicia está saindo com Waltteri, do time do . – Contou a mãe, do modo que havia entendido toda aquela história.
Enquanto a irmã se revoltava, tentando argumentar com os pais, que agora pareciam concordar com quanto a ideia de se relacionar com pessoas do time do irmão, o central deixou-se cair sobre uma das cadeiras, expirando fundo, assistindo os argumentos de Alicia, e se perguntando o que Waltteri Merelä tinha de tão especial para que todas as pessoas ficassem encantadas por ele.
07 de novembro de 2021, Lathi - Finlândia
Apartamento de
– Então está decidido, nós pegamos um avião e você nos encontra no aeroporto. – Maisie comemorou a decisão batendo palmas, o cabelo rosa estava preso em um coque feito de qualquer jeito, a terapeuta estava apoiada pelos cotovelos, deitada sobre a cama enquanto realizava uma chamada de vídeo junto a e Louis.
– Eu vou me concentrar em decorar melhor a casa para vocês, principalmente a sala. – brincou, enquanto levava a boca uma colher cheia de manteiga de amendoim. A inglesa estava em seu sofá, encolhida em um ninho de cobertores e mantas, com uma caixa de pizza e um pote de manteiga de amendoim em seu colo, dividindo espaço com o computador. – Espero que vocês gostem muito do meu sofá. É branco. – Sorriu dando alguns tapinhas no estofado.
– Não acredito que vou sair da Inglaterra num voo de três horas, para dormir no sofá. – Louis se revoltou fazendo careta, equilibrava o celular próximo ao espelho, enquanto se barbeava.
– O que eu posso fazer? Meu chefe só me oferece apartamento de um quarto só, e nem é em um prédio chique. – A terapeuta deu de ombros e projetou o lábio inferior. – Ontem eu achei o cadáver de um rato no encanamento do banheiro. Ele era meu colega de quarto, dormia dentro da máquina de lavar. Posso te oferecer a vaga dele, mas não sei se você ficaria confortável. – fingiu falar sério.
– Estamos resolvidos, Louis fica na sala e eu durmo na cama grande com a . – Maisie fingiu beijar o ombro, enquanto sorria grande.
– Pensando assim, é uma ideia melhor. – Louis coçou a barba, fingindo estar pensativo. – ronca alto demais.
– Hey! – Protestou ela, arqueando as sobrancelhas no momento em que levava uma fatia de pizza a boca. – Louis, você está automaticamente desconvidado.
– Isso aí, . Vamos, expulse ele e dê espaço para que um de seus novos amigos bonitões durmam no sofá no lugar do Louis. – Maisie mordeu o lábio inferior ao falar, e o médico rolou os olhos.
– Achei que você estivesse com desejo genuíno de me visitar, Maisie. – cruzou os braços na frente do peito, como se ofendida, fazendo a amiga gargalhar do outro lado da tela, e Louis cobrir o rosto ao sorrir.
– É claro que quero. – Falou ela. – Mas também quero conhecer esses jogadores de quem tanto fala.
– Estamos falando do capitão Fera? – Louis arqueou as sobrancelhas, empolgado. – Eu poderia fazer um estudo de caso com ele.
– Não, não estamos falando de ninguém. – Fora vez de rolar os olhos, não queria entrar naquele assunto, no maldito assunto . A terapeuta sentiu o bom humor esvair por seus dedos ou ouvir aquele nome.
– Claro que estamos. – Maisie aproximou-se da tela, tentando olhar melhor para a amiga. – Você sempre fala dele quando conversamos, sobre como ele te ignora, sobre como você não o entende, como ele não fala com você. – A outra tentou imitar teatralmente o tom da amiga.
– É verdade, fala comigo também. – Louis confirmou com um aceno.
– Gente, não. Ele é só mais um cara no time, mas não é único. – tentou argumentar. – Eu sempre falo do Waltteri, do Santtu.
– Argh, eu não quero saber desses. – Maisie fez careta, balançando a mão em direção a câmera. – Eles são legais e bonitos, sem defeitos, já sei. Quero saber do que não presta, moreno misterioso. É disso que eu gosto.
– Eu sempre digo que mulheres não gostam de caras legais, eis aí a prova. – Louis rolou os olhos outra vez, enquanto esfregava loção pós-barba no rosto. – Mas a maluca da Maisie tem razão. Também quero saber as novidades sobre ele.
– Não tem novidades, gente. – empurrou os cobertores e a comida, estava se sentindo agoniada com o assunto e com todo aquele calor dos tecidos sobre si que perdera até o apetite.
– Nem profissionalmente? – Maisie arqueou uma sobrancelha, analisando a outra.
– Como assim? – hesitou, congelando a expressão.
– É, profissionalmente, ora. Você disse que não queria saber de nada sobre ele, que não queria nem mesmo vê-lo, mas ainda é terapeuta no time em que ele é capitão, vocês vão ter que socializar. Você está pessoalizando.
– Não, ele já deixou claro que não quer socializar. – Sentenciou , cruzando os braços em frente ao corpo como uma criança birrenta. – Não vou dirigir a palavra a aquele...aquele...boçal. – Falou, na dificuldade de achar uma palavra melhor, ou pior.
– Você mudou mesmo...– Louis soprou, atraindo um olhar confuso da terapeuta. – A que eu conheci jamais desistiria de um paciente. – Ele sabia que estavam apelando, mas naquele momento não se importava muito.
– Ele não é meu paciente, Louis. – Negou a terapeuta, unindo as sobrancelhas, irritada.
– É, de alguma forma é sim. – Maisie reforçou, mantendo uma expressão mais séria do que a que costumava usar.
– Se lembra daquele estágio naquela clínica de saúde mental? – Louis perguntou, atraindo a atenção das amigas. – Se lembra de como os pacientes eram resistentes a participar de qualquer coisa que você propunha? Eles sempre achavam que era besteira. – Lembrou ele e assentiu, sentindo as lembranças a atingirem.
– Odeio dizer isso, e odeio esse cara por me fazer dizer isso, mas Louis tem razão. Ele é alguém resistente, talvez seja o que mais precisa de você. – Maisie argumentou, adotando um timbre mais dócil. – A que eu conheço jamais desistiria de alguém.
– É, até apanhar de paciente você já apanhou. – Louis deu de ombros. – Que diferença vai fazer uma fera mal humorada?
08 de novembro de 2021, Lathi - Finlândia
Centro de Treinamentos do Pelicans
Uma segunda-feira fria e com vento forte e sibilante era o que esperava os habitantes de Lathi naquela manhã. E apesar do clima pouco convidativo para um início de semana de trabalho, estava motivada. A conversa com os amigos a tinha motivado e lhe dado uma lufada de ar nova e fresca, estava com seu lado profissional aflorado e cheio de gás. Maisie e Louis estavam certos, estava mais que pessoalizando a postura de , imaginando que algo na forma em que o atleta a tinha tratado poderia ser mais que profissional. Pensando novamente, após a conversa com os amigos, ria de sua inocência boba. Era óbvio que nem todos aceitariam tão fácil mais alguém na equipe, uma mulher e sobretudo estrangeira. E precisava se lembrar de que não eram colegas de trabalho como os colegas de escritório, embora odiasse de todas as formas aqueles que se apoiavam em hierarquização de saberes, entendia que a relação ali era diferente. Era uma profissional diferente, sua relação com os jogadores também seria diferente, e tudo bem se alguém tivesse certa resistência no início. Como bem lembrara Louis, já havia passado por coisa bem pior.
Todas as peças começaram a fazer sentido para , e ao se lembrar quase como mágica do conselho de Haatanen, a inglesa decidiu que conquistaria . Construiria com o capitão um vínculo tão forte e sólido, que poderia até escrever um artigo sobre e enviar as revistas e periódicos ingleses para publicação. Felizmente, graças a Waltteri, havia conhecido uma pizzaria que funcionava vinte e quatro horas por dia, e que ficava no caminho até a Isku Arena. Primeiro, fez uma visita ao estabelecimento, comprando as duas mais bem recheadas pizzas de abacaxi que a casa tinha, após, entrou em uma agradável lojinha de chocolates que havia descoberto recentemente, por indicação de Santtu. Ali certamente encontraria os melhores bombons de coco de toda Finlândia.
estava animada como um estudante em seu primeiro dia de estágio, imaginando qual seria a reação do capitão ao receber aqueles presentes. Pensando em como ele se surpreenderia, adorando a surpresa e se abrindo para uma possível vinculação. Tentava prever e utilizar de todo seu arcabouço teórico para pensar em explicações para as cenas que criava na mente, tentando estar preparada para qualquer coisa.
Ao chegar a arena, seus passos nos corredores eram quase saltitantes, tamanha sua empolgação. Sabia que naquele dia estaria reunido junto ao técnico e executivos do time, tratando dos resultados dos últimos jogos. O mais depressa que pode, se dirigiu a sala de reuniões para espera-los, não queria que se juntasse aos outros, gostaria que aquele momento fosse mais íntimo, para que conseguisse capturar toda as emoções do atleta. Assim que chegou a sala, a terapeuta colou os ouvidos a porta, tentando escutar qualquer sinal de que a reunião estivesse sendo finalizada.
Após longos minutos, ouviu o arrastar de cadeiras característico do fim de reuniões e risos mais descontraídos. Sem pensar duas vezes, bateu a porta e sem se importar com a permissão, a abriu, colocando-se para dentro. Os olhos dos três homens se dirigiram para a figura da terapeuta, que mal conseguia equilibrar a bolsa, duas caixas de pizza e uma caixa de bombons nas mãos.
– . – Lauri Pöyhönen, o diretor-gerente, arqueou uma sobrancelha, enquanto Petri, o técnico a observava com cautela, e a olhava com a cabeça inclinada sobre o ombro, como um cãozinho confuso. – O que é isso?
– Ah, bem...– ofegou, disfarçando o nervosismo com um sorriso. – Bem, eu trouxe um presente para o . Soube que ele estaria aqui, então...espero não estar interrompendo nada.
– Presente? Para mim? – apontou para o próprio peito, confuso.
– É, é sim. – sorriu, dando alguns passos para mais próximo do trio. – Eu acho que é importante que haja uma boa relação entre todos nós. O time, nós todos. – Falou ela, gesticulando com o dedo indicador, apontando para si e para o jogador.
– Tem certeza? Para mim? – perguntou outra vez, e sentiu vontade de sorrir com sua súbita inocência e hesitação quase infantil dele.
– Sim, claro. – A inglesa sorriu outra vez.
– Me deixe te ajudar. – Petri pediu, aproximando-se de e a ajudando com as caixas, colocando-as sobre a mesa.
Os quatro se posicionaram em volta da mesa, mas apenas se sentou, o jogador parecia ansioso com a surpresa, e pela primeira vez, sentia-se feliz e realizada na presença do atleta.
– Bom, espero que esteja do seu gosto. – Falou antes de erguer a tampa das caixas de pizza.
se concentrou em analisar qualquer micro expressão que tomasse o rosto do central, por isso, assim que a caixa foi aberta, conseguiu captar com exatidão a transformação nas feições dele. Primeiro, sorriu, um sorriso ansioso e genuinamente doce, mas com duração de apenas alguns segundos, para em seguida sua expressão se transformar em uma careta confusa e decepcionada, depois numa feição marmorizada, onde não se podia ver qualquer traço de emoção.
Diante a expressão do capitão, buscou os olhares dos outros dois homens, de pé atrás de , tentando compreender o que se passava. Por ironia ou sadismo do destino, os dois tinham expressões parecidas. A mesma expressão que se tem alguém após presenciar um colega levar uma bronca pesada do chefe. estava angustiada e nervosa com o silêncio mal-educado que se instaurara na sala, e ainda mais com o olhar decepcionado no rosto de .
– E então? – Indagou ela, com os olhos injetados, demonstrando sua ansiedade.
trocou olhares com os outros dois homens antes de responder, como se quisesse dizer que o quer que estivesse prestes a fazer, não seria inteiramente sua culpa.
– Eu agradeço. – Disse ele de modo direto.
– Mas? – incentivou.
– Eu detesto pizza com abacaxi. – Ele respondeu sem hesitar, e sentiu o queixo cair, o estômago cair junto e o chão se abrir.
– Não, não...mas...– A inglesa tentou dizer, tentando entender o que é que havia dado errado, sacudindo a cabeça negativamente e revisitando as palavras de Haatanen, tentando entender o que havia confundido.
– É, já é um fato conhecido por aqui. – Petri sorriu de modo doce, tentando amenizar a derrota da terapeuta. – Mas acontece, pizza com abacaxi é uma paixão geral, é mesmo difícil descobrir quem não gosta.
– Mas foi uma bela atitude, . – Lauri sorriu também, embora aparentasse sentir uma forte pontada de vergonha alheia.
– Mas é que...eu...que droga. – desistiu de argumentar, batendo uma vez com a palma da mão em sua testa, balançando a cabeça negativamente e inclinando-a.
– Obrigada, . – Pela primeira vez, ouviu o jogador usar de um tom quase doce ao se referir a ela. a olhava nos olhos, e em seus lábios parecia se formar um quase sorriso. Talvez nem tudo estava perdido. – O pessoal do time vai adorar a pizza.
– É, tem razão. – Disse Petri, apertando os ombros de . – E o que tem na outra caixa?
– Ah, claro. – Lembrou-se , sorrindo. – A sobremesa. – Disse, revelando bombons de aparência deliciosa.
– Nossa. – sorriu verdadeiramente enquanto escolhia um bombom.
– Você pensou em tudo, não é? – Lauri piscou, e sentiu-se útil, sentiu que seu planejamento não havia sido totalmente em vão, apesar do erro na escolha da pizza.
Antes de dar a primeira mordida, sorriu para a inglesa, parecia relaxado, acessível, diferente de como sempre parecia. Enquanto assistia o capitão provar o chocolate e oferecer aos outros homens, pensou sobre o que Waltteri dissera, talvez aquele fosse o verdadeiro , e ele parecia mesmo alguém bom.
– Isso é tão bom...– Falou enquanto ainda mastigava. – É diferente, o sabor...do que são esses bombons? Parece com...
– Coco. – e disseram ao mesmo tempo, ela com um sorriso tranquilo e ele com olhos levemente arregalados.
– Droga. – se pôs de pé em um salto, e antes que pudesse pensar, Petri já oferecia a ele um guardanapo, onde o capitão cuspiu o chocolate que tinha em sua boca.
– O que? – arqueou as sobrancelhas, chocada com a atitude nada educada dele. – O que está acontecendo? Está ruim?
– Eu sou...– tentou falar, mas foi interrompido por um ataque de tosse. – Alérgico a coco. – Disse antes de voltar a tossir.
sentiu o sangue congelar, o coração parar de bater e o chão sumir outra vez, mas agora não parecia que voltaria tão rápido quanto da primeira vez. A inglesa assistiu em câmera lenta a Petri e Lauri guiarem para fora da sala, ambos com olhares irritados e preocupados, enquanto o capitão parecia tentar tossir o estômago. A inglesa não sabia o que fazer, adoraria desaparecer naquele momento. Se odiava por ter dado ouvidos a Aleks Haatanen e por ter se prestado a aquele papel ridículo. Na tentativa estúpida de criar vínculos com o capitão, havia quase cometido um assassinato e agora provavelmente tudo estava perdido de vez.
Enquanto era guiado para fora, olhava para a inglesa por sobre o ombro, talvez chocado com a tentativa de homicídio, talvez planejando uma vingança, e a cada olhar do capitão que recebia, queria poder morrer.
Crisântemo
Crisântemo : Em muitas culturas é a flor por excelência para se enfeitar caixões de defuntos.
08 de novembro de 2021, Lathi - Finlândia
Centro de Treinamentos do Pelicans
– Tem mais alguma coisa que queira colocar, ? – Lauri indagou arqueando uma das sobrancelhas.
– Não.
O capitão respondeu rápido. Tinha sim coisas a colocar, achava que o time podia avançar mais, se adiantar, não ficar esperando ataques. Tinham um grupo forte, poderiam bater de frente com qualquer equipe da Liiga se acreditassem nisso e confiassem. Mas, depois de várias tentativas frustradas durante aquela reunião de se fazer ouvido, estava desmotivado, não sentia vontade de se impor e argumentar sobre seu ponto de vista, preferia a paz do conformismo.
O dia estava frio, tudo que queria era voltar para junto do time e treinar o máximo de horas que lhe permitissem. Não havia tido uma noite muito boa, muitos sonhos aleatórios e que lhe rendera sono leve e nada de descanso. Seus olhos pesavam e precisava se conter para não bocejar a cada minuto.
– Bom, então acho que isso é só. – Lauri se pôs de pé, afastando a cadeira, e os outros dois o imitaram. – Vamos conversando. Tenho certeza que os nossos resultados tendem a melhorar muito.
– Vamos trabalhar duro para isso. – Petri concordou, esticando a mão para cumprimentar o gerente.
– Logo estaremos conversando sobre o próximo recorde do , huh? – Lauri riu alto, esticando a mão para cumprimentar , que sorriu amarelo.
Ainda estavam no burocrático e desnecessário ritual de despedidas quando alguém bateu a porta, e antes que fosse autorizado, enfiou-se sala a dentro. franziu o cenho e inclinou a cabeça sobre o ombro com a visão de . A terapeuta usava um vestido verde menta e um casaco pesado cor de rosa, os cabelos estavam presos em um coque com parte da franja solta, caindo sobre as bochechas. Ela tinha em mãos duas caixas que pareciam ser de pizza e outra menor, diferente, junto a sua bolsa, e parecia equilibrar tudo com alguma dificuldade. conteve o primeiro impulso que teve, evitando ir ao encontro dela e a auxiliar com todas aquelas coisas.
– . – Lauri arqueou uma sobrancelha. – O que é isso?
– Ah, bem...– sorriu grande, parecia sem ar, talvez tudo aquilo que carregasse estivesse pesado, e pensando nisso, quase não pode conter o impulso de ir até ela outra vez. – Bem, eu trouxe um presente para o . Soube que ele estaria aqui, então...espero não estar interrompendo nada.
– Presente? Para mim? – tocou o peito, não devia ter escutado bem. Certamente não havia escutado certo.
– É, é sim. – sorriu outra vez, dando alguns passos para mais próximo do capitão. – Eu acho que é importante que haja uma boa relação entre todos nós. O time, nós todos. – Ela gesticulou com o dedo indicador, apontando para si e para o jogador, enquanto fingia não estar prestes a gritar de empolgação.
– Tem certeza? Para mim? – Ele perguntou mais uma vez, não podia acreditar que a inglesa tinha mesmo feito aquilo, pensado em tudo aquilo para ele.
– Sim, claro. – Ela sorriu outra vez e sentiu seu interior desmanchar, tinha certeza que se tocasse o lábio sentiria estar babando.
– Me deixe te ajudar. – Petri pediu, tomando frente e a ajudando com as caixas, colocando-as sobre a mesa.
Enquanto as caixas eram postas à mesa, se sentou em uma das cadeiras disponíveis, encarando os presentes e a terapeuta, não podia desviar os olhos dela. Estava encantado, mal acreditando no que seus olhos mostravam. Jamais imaginou, em nenhuma de suas fantasias antes de dormir, que algo como aquilo poderia acontecer. , trazendo presentes para ele. Ele. . Nenhum outro, ele.
– Bom, espero que esteja do seu gosto. – Ela disse diretamente para o capitão, erguendo a tampa da caixa de pizza como se fosse um truque de mágica fantástico, e assistia com tanta expectativa nos olhos quanto uma verdadeira criança em um show de mágica.
não sabia o que esperar, o cheiro de pizza lhe tomava os sentidos e despertava no capitão uma fome que nem sabia ter. Quando abriu a caixa, o cheiro de pizza os atingiu como soco, mas assim que os olhos de alcançaram a massa dentro da caixa, toda empolgação e entusiasmo fugiram de seu corpo. A expectativa se transformou em frustração e decepção, quando o central viu em sua frente uma grande pizza recheada com fatias de abacaxi, seu estômago reclamou instantaneamente. Não havia nada pior para do que comidas doces e salgadas misturadas, e principalmente era inconcebível que se comesse pizza com abacaxi. A única maneira das duas coisas estarem em seu estômago ao mesmo tempo, era se uma delas fosse em forma de suco.
, apesar de frustrado, não teve coragem de erguer os olhos e encarar , estava profundamente envergonhado por admitir que não gostava e não comeria.
– E então? – indagou, olhando para o central, e comovido com aquele olhar, até tentou olhar outra vez para a pizza.
ergueu os olhos e trocou olhares com Petri e Lauri, buscando alguma ajuda diante daquela situação.
– Eu agradeço. – O central falou após tomar coragem, de modo direto.
– Mas? – incentivou, arqueando as sobrancelhas.
– Eu detesto pizza com abacaxi. – Confessou tentando disfarçar a vergonha, enquanto via de soslaio a expressão desapontada e chocada de . Nunca mais a terapeuta dirigiria a palavra a ele, pensava.
– Não, não...mas...– A inglesa tentou dizer, lutando com as próprias palavras, e a cada sílaba se sentia pior.
– É, já é um fato conhecido por aqui. – Petri sorriu, tentando amenizar o clima. – Mas acontece, pizza com abacaxi é uma paixão geral, é mesmo difícil descobrir quem não gosta.
– Mas foi uma bela atitude, . – Lauri sorriu também.
– Mas é que...eu...que droga. – se deu por vencida, batendo a mão na testa, frustrada e inclinando a cabeça, balançando negativamente. Vendo a cena, pensou se realmente não conseguiria comer ao menos uma fatia de pizza.
– Obrigada, . – Disse o central, inclinando-se um pouco sobre a mesa para vê-la melhor, tentando enfatizar o quanto sentia através do olhar. – O pessoal do time vai adorar a pizza. – Falou, tentando trazer algo positivo para a situação.
– É, tem razão. – Disse Petri, apertando os ombros do capitão. – E o que tem na outra caixa?
– Ah, claro. – O semblante de se iluminou rapidamente e ela sorriu. – A sobremesa. – Contou, revelando bombons de aparência deliciosa, alguns com cobertura e outros sem, organizados delicadamente dentro de uma caixa forrada com papel dourado.
– Nossa. – sorriu verdadeiramente enquanto escolhia um bombom, gostava de chocolate, e estava feliz em conseguir agradar a terapeuta ao menos um pouco.
– Você pensou em tudo, não é? – Lauri piscou, e sorriu ao ver sorrindo.
Antes de dar a primeira mordida, sorriu para a inglesa, sentia-se bem, relaxado, até feliz. Talvez devesse deixar tudo aquilo para trás, deixar de ignorar , ser o bobo que sentia profunda vontade de ser. Afinal, a mulher havia trago pizza e chocolate para ele, ignorá-la parecia a ideia mais idiota da face da terra. Não que só parecesse agora, mas junto ao plano mirabolante, estava sua insegurança e a certeza de que seria melhor ficar o mais afastado possível de . O que havia começado com uma ideia idiota, adolescente, ganhou força com a insegurança do central, mas que agora já não parecia fazer qualquer sentido.
– Isso é tão bom...– elogiou sorrindo e o correspondeu, o central sentia o gosto do chocolate, aproveitando o sabor do creme sem pressa. – É diferente, o sabor...do que são esses bombons? Parece com...
– Coco. – e disseram ao mesmo tempo, ela com um sorriso tranquilo e ele com olhos levemente arregalados, sentindo o sangue congelar, quase que literalmente.
– Droga. – ficou de pé rapidamente e antes que pudesse pensar, Petri já o estava oferecendo um guardanapo para que pudesse se livrar do chocolate que tinha na boca.
– O que? – arqueou as sobrancelhas, assustada com a movimentação exagerada do técnico e gerente, que cercavam como se fosse um bebê recém-nascido que engasgara pela primeira vez. – O que está acontecendo? Está ruim?
– Eu sou...– tentou falar, mas foi interrompido por um súbito ataque de tosse que o fez inclinar o corpo. – Alérgico a coco. – Disse antes de voltar a tossir, já sentindo seu corpo responder a ingestão, mesmo mínima, dos bombons.
Mais que depressa, Petri e Lauri guiaram o central para fora da sala, enquanto tossia e sentia a garganta fechar e o corpo inchar. Enquanto isso, não conseguia desviar o olhar da terapeuta, mesmo a olhando por sobre os ombros. A expressão culpada e chocada de o tocava quase tanto quanto o fato de a terapeuta ter preparado toda aquela coisa para ele. Coisas essas que, uma ele odiava, outra tinha potencial de mata-lo, mas que mesmo assim, eram presentes dela. havia pensado naquilo especialmente para ele, mal podia acreditar. Enquanto era arrastado sala a fora, não conseguia parar de sorrir, talvez até fosse pelo inchaço já bem perceptível em seu rosto que seus lábios se esticavam, mas daria créditos ao gesto de , única e exclusivamente e a sua felicidade. E aquilo fazia com que o capitão não conseguisse parar de sorrir (mesmo que realmente não pudesse parar devido os lábios estarem esticados e inchados).
11 de novembro de 2021, Lathi - Finlândia
Centro de Treinamentos do Pelicans
estava com um terrível mal humor.
Talvez consequência da reação adversa a vacina tomada recentemente, sentia o braço dolorido e estava prestes a explodir a qualquer instante, ou fosse apenas reflexo de mais uma semana puxada e cansativa no trabalho, ou todo o caos de sua tentativa de homicídio ao capitão que ainda não havia processado. se orgulhava de ser uma pessoa equilibrada, calma quase sempre, mas quando algo atravessava sua órbita, quando alguma coisa realmente a tirava do sério, não ficava bonito. Imploraria por ficar no silêncio de seu apartamento ouvindo apenas o som dos carros passando apressados na avenida, ou os pássaros que vez ou outra apareciam. Fingindo estar em coma, sem ver qualquer pessoa ou ser vivo, mas infelizmente não tinha mais direito a esse luxo.
Estava no centro de treinamentos, num espaço barulhento e muito iluminado, acompanhando alguns atletas em exercícios de recuperação depois das últimas partidas. A parte boa era que quase todos falavam inglês razoavelmente, a parte ruim é que quase todos falavam inglês razoavelmente. Não podia simplesmente ignorar e não responder, precisava participar das conversas e estar presente, mesmo que seus pensamentos estivessem ainda sob os cobertores em sua cama macia.
Já havia estreitado laços o suficiente com alguns membros do time, Waltteri era um deles, sempre solícito e alegre, atencioso e gentil, explicando piadas, servindo como uma espécie de ponte entre o time, a cidade e a terapeuta forasteira. Santtu Kinnunen, Jasper Patrikainen e Otto Nieminen completavam seu novo grupo de amigos, e alguns outros do time também se esforçavam para serem gentis, sempre perguntando sobre a atuação da terapeuta junto ao time, dando dicas de lugares para ir em Lathi, apresentando restaurantes e bares, convidando-a para tardes em saunas e festas com muita cerveja. Aos poucos simpatizava com eles, e começava a se sentir em algo parecido com casa.
– Vamos logo com isso, Otto. – A terapeuta tentou estimular o defensor que fazia uma série de abdominais. – Vai ficar enrolando até o próximo jogo?
– Não enche, . – O jogador bufou, esforçando-se para respirar mais fundo, o suor escorria por suas têmporas.
– Ainda faltam dez. Eu estou contando. – Falou, encarando-o por sobre o ombro, enquanto se dirigia a Waltteri, estava de péssimo humor, e adorava descontar fazendo os atletas suarem.
– E aí? – O atacante loiro cumprimentou, enquanto realizava seu treino de fortalecimento para membros superiores. o cumprimentou de volta com um aceno de cabeça. – Ainda com as reações da vacina? – O atleta riu abafado da careta da terapeuta, visível mesmo com máscara.
– Prestes a começar uma terceira guerra mundial. – Ela respondeu sem muito ânimo, correndo os olhos pelo ambiente e percebendo um par de olhos fixos sobre ela, acompanhando seus movimentos. Waltteri riu de sua resposta, mas não percebeu a desatenção da inglesa.
Quando em seu primeiro dia o capitão e central do time a procurara, trocando três palavras, pensou que firmaria um tipo de relação estável de trabalho, mas estava muito enganada. Desde então, o astro dos Pelicans parecia agir como se não se importasse com a presença da terapeuta. Vez ou outra, nos primeiros dias, o atleta ainda sorria um pouco, acenava e até cumprimentava com um bom dia ou boa tarde, mas aquilo fora ficando cada vez mais escasso. Nas últimas semanas a única coisa que conseguia do jogador eram olhares enigmáticos que pareciam não dizer absolutamente nada, principalmente após a intoxicação do central e sua dispensa de dois dias dos treinos por causa dos malditos bombons. fugia sempre que corria risco de encontra-lo, aquela manhã era a primeira em que se viam, e apenas por a inglesa não consegui fingir estar doente. Também ainda não havia tido chance de ser dura com Haatanen quanto a sua pegadinha de péssimo gosto, havia passado toda semana fugindo dos olhares de todos, se preparando para quando precisasse vê-los outra vez.
, por outro lado, continuava agindo como sempre, mantendo no rosto o olhar que a inglesa gostava de chamar por “o olhar de quando se descobre um segredo sujo de alguém e se pretende usar contra aquela pessoa.” O homem unia as sobrancelhas de modo com que seus olhos ficavam estreitos, o rosto sempre relaxado, o queixo erguido e os lábios em uma linha, sutilmente repuxados nos cantos, como se quisesse aguardar o momento correto para sorrir, relevando que sabia mais do que dizia.
Unido a isso, era quase sempre silencioso e contido, concentrado, não provocava risos como alguns outros atletas, nem era o primeiro a gritar e fazer brincadeiras antes dos jogos. Parecia seletivo ao escolher com quem demonstraria suas emoções e definitivamente a terapeuta não estava neste grupo seleto. Tal fato fazia com que a inglesa se perguntasse sobre quem mais do time devia saber sobre sua tentativa de homicídio contra o central.
– Quer beber mais tarde? Pode ajudar. – Sugeriu Waltteri, chamando a atenção da inglesa.
– Pode ser, tanto faz. – deu de ombros e se aproximou um pouco do jogador. – Tem alguma coisa errada comigo? – Sussurrou.
– O que? Não. Só o de sempre. – Merelä provocou, sorrindo depois de desmanchar sua expressão confusa. – Mas isso já não dá para consertar.
– Por que é que ele fica me olhando, então? – ignorou a brincadeira, apontando com o olhar para o capitão. – Você sabe de alguma coisa? Alguém comentou alguma coisa com você? – Sondou ela.
Waltteri interrompeu seu exercício e se esticou, procurando a pessoa que se referia.
– ? – Merelä arqueou uma sobrancelha, depois deu de ombros. – Ah, ele é assim mesmo. Na dele. Você vai se acostumar, já te disse isso.
– Me acostumar com alguém me encarando sem dizer nada? Não. Não vou não. – torceu os lábios contrariada, tentando disfarçar e observar de soslaio. – Ele me odeia, tenho certeza. – Falou e Waltteri gargalhou.
– Não seja boba. – Disse ele, aproximando-se um pouco mais da amiga. – Ele é um pouco mais fechado que os outros, mas também é muito receptivo, deve estar te analisando para ver se é boa pessoa. Para fazer amizade depois. – Merelä sorriu.
– Mas ele já falou comigo. – lembrou. – Algumas vezes.
– Então ele está espreitando. – Waltteri grudou seu ombro ao da inglesa, secando o rosto com uma toalha. – Coisa dos caras do ataque, sabe. A gente fica por aí, espreitando a oportunidade chegar para...atacar. – Waltteri enfatizou a última palavra, aumentando o tom de voz e cutucando a cintura dela de repente, fazendo saltar de susto.
– Quem o gatinho está espreitando para atacar? – Janos Hari, outro ala do time, entrou no assunto provocando Merelä, que rolou os olhos teatralmente.
– Deve estar falando da tigela de mingau. – Atte Tolvanen, o goleiro com quem havia conversado em outro momento completou, fazendo o time rir alto, depois, se aproximou mais de Waltteri e bagunçou seus cabelos.
– Não ofendam nosso gatinho. – Otto falou mais alto, do outro canto da academia, recuperando o fôlego depois de seus exercícios. – Graças ao Merelä e ao , temos mais pontos do que a maioria dos outros times da liga.
– Graças ao maestro, , infalível em seus tiros. Nosso atirador, o príncipe de Lathi. – Aleks Haatanen encenou com as mãos uma arma longa, fingindo buscar mira.
– E ao nosso gatinho, Merelä, que um dia vai se tornar um leão, forte e bravo. – Jasper completou.
– Acho que seria melhor lobo, estamos no meio do gelo. – brincou cruzando os braços, sentindo em seguida a aproximação de Atte e sorrindo para ele, apertando os olhos.
– O que acha, , leão ou lobo? – Atte Tolvanen quis saber voltando-se ao capitão do time, tentando trazê-lo para a conversa, já que ele permanecia distante, sem participar do assunto, completando sua série de exercícios acompanhado pelo fisioterapeuta.
– Acho que essa é a última das nossas preocupações. – Respondeu ele em um tom firme, mas tranquilo, concentrado.
O grupo o ignorou, voltando as piadas sobre a pouca idade de Waltteri, mas antes de voltar a se concentrar no assunto novamente, olhou por sobre os ombros, ainda sentia aquela sensação de estar sendo observada. E lá estava , com olhos fixos as costas da terapeuta, seu rosto estava inclinado e ele a observava por debaixo das sobrancelhas, enquanto secava o pescoço com uma toalha. O atacante se mantinha com aquela expressão indecifrável, enigmática, que não significava absolutamente nada e que as vezes fazia a terapeuta imaginar uma centena de coisas e hiperventilar. Provavelmente o capitão já tinha conhecimento sobre sua questão com seu chefe tirano e que agora, somado ao incidente com os bombons, construía em silêncio um dossiê contra ela.
resolveu não afastar o olhar, estava se sentindo um pouco mais corajosa naquela manhã, talvez pelo combustível do mau humor. Resolveu encarar , seriam como carros de Fórmula Um disputando uma posição importante na pista, parede ou vitória, alguém teria que tirar o pé para que não batessem, e desta vez, a inglesa não estava disposta a baixar a cabeça. Queria ver como ele reagiria, se ficaria inibido, ou se demonstraria qualquer sinal de qualquer coisa. manteve o olhar fixo aos olhos castanhos do capitão, e depois de alguns segundos, percebendo a insistência da terapeuta, arqueou uma sobrancelha de modo desafiador, e sorriu de canto. sentiu-se tomada por um breve pânico, virando-se para frente o mais rápido que pode e sentindo o coração palpitar, pelo que julgava ser um susto. Tudo bem, pensou dando-se por vencida, afinal, não havia nada de errado em baixar a cabeça de vez em quando.
12 de novembro de 2021, Lathi - Finlândia
Centro de Treinamentos do Pelicans
O time voltava ao vestiário de forma barulhenta, fazendo piadas, rindo de qualquer coisa e um ou outro cantarolava uma canção antiga e constrangedora como se fosse noite de karaokê. Eram os últimos treinos antes de uma série de jogos importantes e tudo indicava que seriam jogos difíceis, do tipo que todos saem cheios de hematomas e talvez com dentes ou um ou mais ossos fraturados.
Mas apesar disso, o clima entre a equipe era bom. estava de volta após sua breve licença de dois dias, completamente recuperado de sua alergia boba a coco. Às vezes, em vários momentos do dia, se flagrava pensando em e naquela situação constrangedora e engraçada. Tentar presentear alguém com justamente duas coisas como aquelas, se compadecia com a inglesa, achava graça. Não havia ficado com qualquer espécie de rancor, o efeito fora justamente o oposto. tinha desistido de tentar, tentava cristalizar na cabeça que nunca teria chances com e que ela certamente já tinha outra pessoa. Mas após aquele incidente, algo juvenil e maluco havia acendido outra vez dentro do central, motivando-o a seguir com sua ideia boba de conquista-la.
O plano agora talvez não fosse ignorá-la, não completamente pelo menos. amou com todas as forças a reação da inglesa quando havia sorrido para ela, na sala de treinamentos. parecia fugir de , pelo que ele julgava ser vergonha ou raiva, mas após a terapeuta manter o contato visual, somente desviando quando resolveu sorrir, tinha mudado tudo. Talvez fosse ingenuidade voltar a insistir, mas depois de todos aqueles acontecimentos, não abriria mão da tentativa.
- Devíamos beber alguma coisa em algum bar na cidade deles. – Aleks Haatanen sugeriu, ainda de pé sobre seus patins, apoiando-se ao central e trazendo-o a conversa.
- Muito inteligente. – Otto Nieminen respondeu do outro lado do vestiário, sentado sob seu nome, arrancando os patins sem muito jeito. – Para quebrar os ossos que não forem quebrados no jogo? – O resto do time riu da pergunta do defensor.
- Só por diversão. – Aleks continuou. – Seria legal. – Deu de ombros.
- Adolescentes...- Topi Jaakola sacudiu a cabeça negativamente.
- Ninguém tem culpa que aposentaram os outros e esqueceram de você no time, Topi. – O capitão implicou, empurrando suavemente o defensor com o ombro enquanto entrava no vestiário.
- Eu chamo isso de experiência. – Topi respondeu fingindo desdém.
- Assim como os antigos hebreus. – continuou, enquanto arrancava o uniforme, fazendo o resto do time gargalhar.
- Não adianta tentar, Topi. – Waltteri aproximou-se sorrindo, com o capacete debaixo do braço. – Nós da nova geração nos apropriamos disso aqui. – O jogador gesticulou com uma mão, apontando para o vestiário.
parou de prestar atenção à conversa, concentrando-se em se despir e descansar do treino pesado.
- Quer jogar um pouco mais tarde? - Atte Tolvanen perguntou, aproximando-se com uma toalha sobre o ombro, se escorando perto de onde se despia devagar.
- Se você ainda não se cansou de perder...- deu de ombros, fingindo não se importar, enquanto se sentava. – Na minha casa ou na sua?
- Qual é a de vocês? O que estão marcando sem me convidar? – Aleks se enfiou no meio dos dois, tomando seu lugar ao lado de , debaixo do grande número trinta e quatro.
- está tentando me levar para casa dele. – Atte brincou. – Ele acha que sou fácil como você.
- ? Acho difícil. – Aleks torceu os lábios, esfregando uma toalha nos cabelos loiros molhados de suor. – Ultimamente ele não tem tido olhos para mim, não sei se teria para você. – Zombou e Atte arregalou os olhos, depois riu abafado enquanto baixava a cabeça e balançava negativamente, disfarçando o sorriso.
- Não me diga que voltamos a ativa com aquela pessoa. – O goleiro sussurrou, tentando evitar que qualquer pessoa ao redor percebesse sobre o que falavam. – Nem com aquela ideia.
- Não voltamos. – obedeceu, erguendo os olhos para ele.
- Mentiroso. – Atte cruzou os braços sobre o peito.
- Você quem pediu para não dizer. – O capitão piscou. – Estou de volta ao jogo, vai funcionar. Na verdade, já está funcionando. Consigo sentir. É um bom plano. – Contou, estalando a língua e piscando mais uma vez, orgulhoso.
- Claro. Ignorar completamente alguém é realmente uma boa forma de demonstrar interesse. – Aleks apontou, rolando os olhos e arrancando seus patins. – Ativando gatilhos de rejeição. Quem foi o ser cruel que sugeriu isso mesmo? – Ironizou ele.
- Eu sorri para ela hoje, precisava ver como ela reagiu. Ficou vermelha e.... – Contou , como se fosse um grande acontecido. – E ela me comprou pizzas e bombons.
- Ele está brincando, não é? – Atte perguntou a Aleks que levantou os ombros, fingindo não saber de nada além do que o central os havia contado anteriormente sobre aquele fato. – Por favor, me diga que ele está brincando. Deve ter batido a cabeça muitas vezes, mas talvez ainda haja solução. Você era alérgico aos bombons dela, lembra?
- É, e daí? Só uma alergia boba. – balançou os ombros. – Eu estou motivado e confiante. O time tem muitas opções, é gente demais, precisava de um diferencial para chamar atenção e eu consegui. Agora preciso gerenciar.
- Dias atrás você tinha desistido, . – Atte lembrou, com uma expressão mais séria.
- É, mas foi burrice. Não se desiste do jogo antes que ele acabe. – O central sorriu grande.
- Às vezes eu penso que isso é culpa dos livros ou dos filmes que ele vê. – Aleks suspirou, conferindo as unhas de modo quase teatral. – É a única explicação.
- Já pensou que ela pode te detestar porque vai pensar que você a detesta? – Atte indagou. – Isso se ela já não pensa, não é? Já que, importante ressaltar, ela quase tentou te envenenar.
- Seria um dano colateral. – ergueu o ombro e torceu o canto dos lábios.
- Okay, ignorando todos os danos colaterais que podem acontecer nessa sua ideia sinistra...digamos que ela mordeu a isca e veio até você?
- Eu ainda não planejei essa parte, mas vou. – confessou, ficando de pé. – Questão de tempo.
- Gostava mais de você quando não era um personagem de filme clichê adolescente. – Atte apontou com o queixo.
- Besteira. – desdenhou. – Eu continuo o mesmo, só tenho um novo interesse. Um bom novo interesse.
- Eu acho fofo. – Aleks interveio. – Vai funcionar? Não sabemos. É a pior ideia que alguém já teve em décadas? Certamente. Mas é de que estamos falando. Se ele consegue marcar três vezes no jogo de estreia, ele consegue conquistar nossa nova terapeuta.
Atte encarou o amigo com sobrancelhas juntas, se perguntando em que momento havia batido a cabeça com força suficiente para fazê-lo ter aquele tipo de ideia.
- Obrigada. Obrigada pelo apoio. – sorriu, abraçando Aleks pelo ombro. – Vai dar certo. – piscou para Atte. – Confia.
Jacinto branco
Jacinto branco: Na linguagem das flores, o jacinto significa 'tristeza', podendo também significar coração alegre. Com relação às cores, o jacinto branco indica doçura.
13 de novembro de 2021, Lathi - Finlândia
Centro de Treinamentos do Pelicans
– E como estão as coisas na clínica? Ainda se lembram de mim por aí ou sou só uma lembrança? – perguntou, olhando de soslaio para a tela do celular apoiado em um vidro de álcool, na bancada, enquanto a terapeuta organizava a sala.
– Não, ninguém nem notou que você foi embora. – Maisie ironizou do outro lado, enquanto almoçava comida japonesa. – Claro que sim, sua boba. Por exemplo, eu já não aguento mais olhar para a cara do Louis sem poder falar mal dele com você.
– Ai. – A terapeuta baixou os ombros, girando o corpo para frente da tela e puxando a máscara que usava para o queixo. – Nem faz ideia do quanto sinto falta disso. Até das implicâncias passionais de vocês dois.
– O que? Os finlandeses não são tão engraçados? – A outra quis saber, ignorando o comentário da amiga.
– Não, não é isso...– Ela hesitou, apoiando os cotovelos a bancada, aproximando-se da tela. – Eles são sociáveis, entendem e dão risadas das minhas piadas, fazem suas próprias piadas, são acolhedores, mas não é a mesma coisa. Mesmo com Santtu, Otto, Waltteri e Jasper que já são como meus amigos. Acho que na verdade eu só sinto falta do meu trio. – Confessou com um sorriso triste e Maisie projetou o lábio inferior do outro lado da tela, se compadecendo ao sofrimento da amiga.
– Em um mês o idiota do Louis e eu vamos chegar aí, e eu não vou querer saber de depressão e coisas para baixo. – Brincou Maisie, estalando os dedos teatralmente.
– Mal posso esperar, mesmo. – sorriu. – Os trabalhos com o time tem sido intenso, fisicamente, emocionalmente...eles estão pressionados por conta de um novo patrocínio. A equipe tem sido reestruturada e as cobranças por resultados estão complicadas. Se não fosse por isso, eu iria até aí. Acho que preciso do ar do nosso reino, já não aguento esse clima de geladeira.
– Aqui não está diferente, amiga. – Maisie comentou, comendo mais um pouco de seu almoço. – Pelo menos aí você tem todas essas novidades. Nunca fica tedioso.
– Pode ser. – A terapeuta assentiu, ajeitando a postura. – Mal conheci todos os jogadores ainda.
– Alguém interessante? – Maisie sondou.
– Do que está falando? – A terapeuta arqueou uma sobrancelha e inclinou a cabeça sobre o ombro. – Já te falei sobre eles.
– É, eu sei. – Maisie rolou os olhos. – Mas você disse dos amigos que fez, do moreno malvado que está te dando problemas no trabalho, mas não falou de ninguém que fosse interessante para algo mais. Não me diga que está na Finlândia a dois meses e ainda não conheceu ninguém, nem mesmo no time ou fora dele?
– Claro que não. – gargalhou surpresa. – É trabalho. E além disso, eu estou emocionalmente indisponível, meu foco não é esse, você sabe. – Lembrou baixando o olhar e subitamente pensando no central do time, embora não entendesse bem o porquê. Tudo que mais queria era que não existisse, já bastava ser obrigada a cruzar com ele vez ou outra, não precisava pensar também.
– Então por que você fez essa cara? – Maisie sorriu acusatória. – Você não me engana. Pode estar longe, mas não me engana. O que é que está acontecendo aí?
– Não está acontecendo nada, é sério. – tentou argumentar, tomando o telefone em mãos e dando as costas para a bancada.
– Eu sei. Sei que um nome se passou pela sua cabeça. Conheço você. – Maisie aproximou o celular do próprio rosto, tentando captar toda micro expressão facial da amiga. – Não acredito que você se encantou com alguém e não me contou, sua vaca.
– Tá, talvez tenha passado um nome, mas não é do jeito que está pensando. – confessou, expirando frustrada.
– Me conta logo, ! Quem é ele e o que vocês andam fazendo no escuro?
– Não é nada disso, relaxe. – desdenhou, rindo da reação da outra. – Acho que quando falei sobre o quanto estou comprometida com meu trabalho, minha cabeça viajou para .
– Esse é o moreno que não presta? – Maisie quis saber e assentiu com a cabeça. – Eu sabia! Você está saindo com um cara do time, mas que safada! Sabia que seria questão de tempo para ficar com o moreno. Eu sabia. Preciso ligar para o Louis. – A outra ajeitou a postura, estava agitada e animada com suas conclusões, ansiosa para contar tudo ao médico. – Me conte logo tudo sobre ele.
– Não é nada disso. Hey! Está confundindo as coisas. – A inglesa sacudiu a cabeça negativamente, tentando argumentar com a amiga que mal parecia ouvi-la. – É só que...é estranho. Acho que todo mundo no time gosta de mim, exceto ele. E eu não estou pessoalizando dessa vez, ao menos eu acho que não. – contou sussurrando, garantindo que ninguém a ouviria.
– Como assim? É impossível não gostar de você. – Maisie franziu o cenho, mudando a expressão animada para outra mais pensativa e confusa.
– Eu não sei. – ergueu os ombros, desanimada. – Ele fica me encarando sem dizer nada, como se tivesse algo errado comigo. E quando eu tentava sorrir ou acenar, ele me ignorava. Segui o conselho de vocês, tentei ser simpática, levei pizza com abacaxi e bombom de coco. Ele odeia pizza com abacaxi e é terrivelmente alérgico a coco. – Contou chateada, e viu Maisie morder o lábio, compreendendo a frustração da amiga.
– Mas , pizza com abacaxi é realmente de se esperar...quem em sã consciência gosta disso?
– Um amigo dele, do time, me disse que não havia nada no mundo que o deixasse mais feliz do que essas duas coisas. – Contou a terapeuta.
– Parece que você caiu em uma pegadinha de muito mal gosto. – Maisie observou, levando um pouco mais de seu almoço a boca. – Que babaca. Esse cara deve detestar o moreno.
– É . O nome é . – corrigiu a amiga. – Não chame ele assim, é estranho. – Pediu e viu Maisie dar de ombros.
– Para mim ele sempre será o moreno misterioso e de caráter duvidoso. Mas deixe isso para lá, me conte: como ele reagiu depois de você tentar mata-lo. – Quis saber a outra, rindo pelo nariz.
– Não tem graça. – torceu os lábios, afastou-se da bancada e se sentou sobre uma das macas. – Ele ficou afastado por dois dias por causa da reação alérgica, parece que foi mesmo sério. Eu fugi dele o máximo que pude, mas ontem ele estava treinando junto com os outros.
– E aí?
– E aí que eu percebi que ele estava me encarando e tentei encarar de volta, ele sorriu e eu quase me escondi. – Confessou encabulada, e Maisie gargalhou. – Acho que é para me irritar, ele deve querer se vingar.
– É enigmático demais para o meu gosto, mas deve ser o seu tipo de cara. – Maisie provocou, fazendo a amiga rir. – Ou ele só é míope. Um míope metido.
– Acredito nessa opção.
– Mas é curioso, eu estou em cólicas para descobrir o que se passa na cabeça dele, imagino que você também. É um daqueles caras que te prendem e você nem entende porque. – Disse a inglesa de cabelo rosa, e assentiu. – Mas pelo menos, se ele não deu queixa de você, deve ter entendido que o incidente do bombom não foi proposital.
– Acho que sim, acho que ninguém mais no time sabe. Ou se sabem, foram discretos o suficiente para não me constranger. – ponderou. – O que só reforça minha ideia de que ele está maquiavelicamente planejando sua vingança. – Falou a terapeuta e Maisie riu abafado do outro lado.
– Como ele é? É bonito pelo menos? – A amiga quis saber. – Para valer todo esse estresse.
– Não tem muito o que dizer, não fico reparando nele – disfarçou, já havia sim reparado, mas não gostaria de admitir a Maisie. – Ele é alto, tem rosto expressivo, sorriso bonito, do tipo muito bonito, mesmo que quase nunca sorria para mim. Os olhos são castanhos, parece ser engraçado com todos, exceto comigo. E é inteligente também, a estrela do time, é alto...– sorriu fraco quando Maisie gritou de empolgação.
– E isso é porque não repara. Você está interessada nele, sua safada. Me conte logo, ! Pare de me enrolar. – Ordenou a outra.
– Não é assim, não é nada assim. Talvez seja algum tipo de complexo de rejeição respondendo a ele. – Ela tentou se justificar, dando de ombros e desviando o olhar. – Mal trocamos algumas palavras, como eu poderia ter interesse em alguém assim?
– Isso nunca impediu ninguém.
– Não, não venha com essa. – ameaçou, levantando o indicador em direção a câmera. – Ainda mais sobre , a pessoa mais grosseira e rude, desagradável e arrogante da cidade. O fato de conseguir minimamente descreve-lo a você só significa que tenho olhos. De resto, não significa absolutamente nada. Nadinha.
– Claro, não mesmo. – Maisie balançou a cabeça negativamente, debochando.
– Não adianta tentar me juntar a alguém, Maisie querida. Não vai acontecer, eu não vou me apaixonar. – piscou satisfeita enquanto a outra ria. – Nem por ou por qualquer outro homem, não vou me apaixonar por nenhum finlandês. – Garantiu e a amiga rolou os olhos. – Agora, se me der licença tenho muita coisa de forasteira na Finlândia para fazer.
– Ela mente que nem sente. – Maisie deu de ombros.
– Adeus, sua insuportável! Até nunca mais! – despediu-se, desligando o celular e apertando-o contra o peito.
Sentia tanta falta da amiga, que até mesmo suas brincadeiras e implicâncias sem fundamentos aquecia seu coração. Obviamente Maisie estava errada sobre o capitão dos Pelicans e sobre todo o resto. Não estava ali para se apaixonar, estava para trabalhar e o último lugar em que procuraria um marido era na Finlândia, detestaria ficar para sempre no país tendo consciência do gigante mundo que habitava.
E principalmente com , não seria burra para em um mundo tão grande, se apaixonar justamente por alguém tão desprezível e desnecessário. Talvez fosse só isso, um complexo de rejeição ativado pelos gatilhos de , o que se somava as inúmeras bandeiras vermelhas ligadas a ele. Era até cômico. , interessada em . A inglesa riu abafado ao pensar no quão absurdo aquela frase soava.
13 de novembro de 2021, Lathi - Finlândia
Centro de Treinamentos do Pelicans
Após o almoço e a conversa com Maisie, planejava sair mais cedo, ir ao mercado e comprar qualquer comida hipercalórica para passar a noite de folga. Mas seus planos foram frustrados quando Petri, o técnico, a convidou a assistir o último treino antes da partida do dia. A terapeuta ainda não sabia como agir diante ao técnico devido ao incidente dos bombons de coco, então não encontrou escolha senão aceitar o convite.
estava no gelo, assim como todos os outros, mas parecia concentrado, dando a algum respiro, um tempo sem seus olhares incisivos e cheios de julgamento silencioso.
– . – Petri chamou a terapeuta que assistia ao treino do banco de reservas, acenando com a mão para que ela se aproximasse, e diminuiu a distância entre ela e a proteção do rinque. O treinador franziu o cenho e chamou mais uma vez, Petri estava distante do banco, de pé no meio do gelo.
– É que eu não sei patinar. – A inglesa explicou com um sorriso amarelo, apoiada a proteção e o treinador bufou.
– Você está na Finlândia agora. – Ele disse assim que se aproximou, sem muita doçura. – Já devia ter aprendido.
– Vou cuidar disso. – Garantiu sem graça.
– Acha que Nieminen está bem para o jogo? Depois da lesão? – Petri perguntou de repente e ergueu as sobrancelhas, pega de surpresa.
Alguns dias antes, Otto havia lesionado um músculo durante a tentativa de defender o time de um ataque, assim lhe fora contado. E após alguns dias de recuperação, o atleta fora liberado pela equipe. Mas nunca imaginou que Petri pediria qualquer opinião ao parecer seu sobre o jogador.
– Eu? Eu...Otto? – Gaguejou ela, sentindo o sangue lhe sumir da face.
– Sim, . Você. – O treinador a encarou. – Desaprendeu sua própria língua também? Quero mais opiniões sobre as condições dele de aguentar um jogo difícil.
– Ele...bom, ele...– tossiu para limpar a voz e esticou a coluna, tentando soar confiante. – Ele está bem fisicamente. Na minha opinião.
O treinador apertou os lábios e fez um barulho engraçado com a língua, voltando a encarar o time e a inglesa o imitou. Precisava desesperadamente soar convincente ao técnico, principalmente após manchar sua reputação ao tentar assassinar o central e capitão do time.
– Olhe ele, olhe o que ele está fazendo. – Petri indicou com o queixo.
– É, como eu disse, ele está bem. – apontou com a mão espalmada, tentando sorrir sem parecer suspeita.
– Ele está péssimo, . – O treinador voltou o rosto na direção da terapeuta. – Ele não movimenta os pés, está devagar e toda hora enfia o taco entre as pernas.
– Mas fisicamente ele está ótimo. – A inglesa tentou contornar, sorrindo fraco e sem graça, erguendo o polegar, como sinal de positivo.
O treinador estreitou o olhar e uniu as sobrancelhas, encarando a terapeuta em silêncio, quase incrédulo, depois voltou sua atenção ao treino, gritando o nome de alguns jogadores.
Strike Um, . Pensou consigo mesma. O técnico parecia não comprar o jogo da terapeuta e a medida com que situações como aquela aconteciam, parecia ficar mais nítido que ela não tinha qualquer conhecimento sobre hockey.
– . – Petri chamou o capitão do time e acenou para que se aproximasse.
Os ombros de caíram instantaneamente, já se imaginava trucidada por mais alguém que rapidamente perceberia sua farsa, ou que até mesmo já a tivesse descoberto. Um segredo como aquele nas mãos de alguém com sede de vingança seria uma tragédia. parecia gostar menos ainda da presença da terapeuta, ao contrário dos outros, nem mesmo se deu ao trabalho de cumprimenta-la. E depois de suas suspeitas sobre o que ele devia saber e de todo acontecido, tinha ainda mais aversão a vê-lo.
– Como você está para o jogo? – O treinador perguntou assim que o astro do time deslizou até ele, ignorando completamente a presença de , dando as costas para ela sem qualquer traço de educação.
– Okay. – respondeu rápido, franzindo o nariz e com os olhos no treino, apoiando-se ao taco como se não tivesse qualquer interesse naquela conversa.
– Como está sentindo o time? – O treinador perguntou outra vez, e resolveu tentar analisar o comportamento de , aproveitando a proximidade.
– Talvez devêssemos tentar jogadas mais rápidas. – O jogador disse depois de fungar. – Acho que vai ser um jogo rápido e nós estamos devagar. Mais ofensivo e não esperar o ataque.
– Acha que estamos pouco ofensivos? – O treinador levantou uma sobrancelha.
– Eu acho que sim, nos dois últimos jogos. Poderíamos ter atacado mais. – falou sem emoção, como quem responde que horas são ao ser perguntado, e ergueu um ombro.
– Não acho que tenha sido. – Petri retorquiu e levantou os ombros, franzindo o nariz mais uma vez, do jeito despreocupado e inatingível, com olhar longe, como se a conversa fosse sobre discordar da possibilidade de chuva. Talvez não fosse o único desafeto de no time, pensou a terapeuta. – . – Petri chamou para participar da conversa repentinamente, e a inglesa engoliu em seco. – Você viu os jogos. Achou que estávamos pouco ofensivos?
sentiu o sangue fugir do rosto, a língua ficar presa e o olhar quente do treinador sobre si. a olhou de soslaio rapidamente, mas antes que fosse possível estabelecer qualquer contato visual, o homem desviou o olhar. parecia focado em ignorar a inglesa, independente do assunto ou situação, e talvez achasse que qualquer opinião vinda de era irrelevante.
– Eu...– A terapeuta hesitou, sentindo a respiração desregular. – Eu não sei se sou a melhor pessoa, não sou muito técnica. – Tentou escapulir sorrindo sem graça.
– O que você achou, ? – Petri repetiu, não desistiria de enfiar naquela cilada.
tentou pensar o mais rápido que pode em um modo para sair daquela situação.
– Eu acho que não. Foi o que a partida pediu. – Respondeu rápido, imitando a fala de Petri, já que graças aos céus fora abençoada com o talento de improvisar. O treinador desviou a atenção para , que lançou a um rápido olhar estreito.
– Eu entendo que sua percepção de dentro do jogo seja diferente, e que essa frustração aconteça. – O treinador voltou a falar. – Tem alguma coisa sobre esses jogos e sobre os próximos que queira dizer?
negou com a cabeça, e com dois tapas no ombro, o treinador o despachou de volta ao treino.
– Às vezes é complicado. – Petri comentou.
– Se é. – assentiu.
E o dia, mais uma vez tinha sido salvo graças a gambiarra comunicativa.
13 de novembro de 2021, Lathi - Finlândia
Apartamento de
Ava comia a terceira taça de sorvete de morango, era tarde e tinha a noite de terça-feira de folga. O Pelicans estava fora, jogando uma partida contra outro time que a terapeuta inglesa não fazia ideia de como se chamava e que não era capaz de sequer pronunciar o nome. Estava se esforçando para entender mais daquele esporte, mas a cada passo dado em direção a enfim compreender suas regras, tudo parecia ficar ainda mais confuso. Era fã de futebol e de Fórmula Um, entender hockey não devia ser uma missão tão impossível.
Estava certa de que se depois de anos de analfabetismo esportivo, decidisse de repente entender regras como o impedimento no futebol, ou qualquer regra na Fórmula Um, talvez tivesse a mesma dificuldade. Ajudaria se houvesse alguém a quem pedir ajuda, alguém para explicar cada passo dos jogos, mas não daria o braço a torcer nunca. Jamais admitira não saber ou não entender nada sobre hockey. Não sabia bem a razão, só que não queria, de modo algum, precisar de explicações e transmitir a imagem de uma mulher do exterior que não sabia direito o que fazia, embora não fosse mentira. Já carregava todo tipo de estereótipo por ser estrangeira e mulher, não precisava que aquilo tudo fosse validado ao admitir não fazer ideia do que se tratava um icing.
– Então são cinco. – Constatou, enquanto anotava em seu bloco as informações que aprendia pela tela do computador.
Na tela, informações de jogadores, regras, posições e a reprise do mundial de hockey de dois mil e dezenove, no jogo entre Canadá e Estados Unidos.
– Espera. Não eram cinco? Que galera é essa? – A inglesa arregalou os olhos quando a transmissão começou a listar os jogadores escalados para aquela partida.
respirou fundo e tentou limpar a mente, comendo mais um pouco de seu sorvete. Talvez se insistisse um pouco mais, conseguiria compreender que diabos estava acontecendo naquela partida.
Quando o jogo recomeçou, a terapeuta suspirou um pouco aliviada, vendo que eram realmente apenas cinco jogadores nas duas linhas e o goleiro. A partida era até fácil de compreender, embora o disco fosse quase impossível de acompanhar, mesmo com os óculos, mal podia vê-lo. apertava os olhos instintivamente a cada choque entre os jogadores, anotando que aparentemente não haviam faltas naquelas situações, ao contrário do que ocorria no futebol. As substituições também não eram iguais, mal podia contabilizar quem havia sido substituído por quem e quantas vezes os mesmos jogadores estavam em campo, e os árbitros também pareciam não notar.
Compreender aquela partida exigia muito esforço de seus últimos cinco neurônios remanescentes. Houve então uma pausa, os jogadores voltaram ao banco de reserva, não soube a razão, mas rapidamente, o jogo foi reiniciado. Alguns minutos depois, outra pausa e então o jogo começou mais uma vez, mas agora outro de outro lugar completamente afastado do centro do campo ou do que quer que fosse chamado aquela pista de gelo. fechou o computador irritada por não entender absolutamente nada.
– Chega. Eu não preciso disso. – Disse a si mesma. – Não preciso. Eu não preciso passar por isso. – Resmungou ela, encolhendo as pernas sobre o sofá. – Esporte idiota.
15 de novembro de 2021, Lathi - Finlândia
Centro de Treinamentos do Pelicans
Era início da tarde da segunda-feira.
Havia sol além do frio e do amontoado de neve que já ocupava as calçadas e ruas de Lathi e apesar do clima de iglu, era um dia bonito. Um dos pontos positivos da cidade no sul da Finlândia era que não importava quão frio estivesse, o dia sempre estaria lindo. A natureza era exuberante, bela, mas de um jeito diferente e único, só encontrado em terras Suomi. se organizava, havia chego a pouco no centro de treinamentos na Isku Arena. Teria uma tarde puxada de trabalho, depois do jogo de sábado não deveria ver nenhum jogador, usaria o dia para se organizar e planejar a próxima semana, até que os atletas retomassem suas atividades após a breve folga.
De touca, com um moletom da loja do time e cabelo solto, a terapeuta inglesa caminhava sem muita pressa, estava relaxada e tranquila. Não precisava saber regras daquele jogo idiota para lidar com lesões, nem veria Lauri, ou Petri ou , seria um belo dia. De manhã fora desperta por sua playlist matutina, depois um pássaro perdido pousou em sua janela e para o almoço, um resto de lasanha congelada da noite anterior e refrigerante. Era um bom dia, ótimo dia.
– . – Petri Matikainen, o treinador, acenou com a cabeça e sorriu com os olhos, ajeitando a máscara ao rosto assim que entrou no espaço que costumava atender os atletas, disfarçando sua surpresa ao encontrar o técnico ali.
– Oi. – A inglesa cumprimentou rápido e apanhou um pouco de álcool para higienizar as mãos em um dispenser na porta, e de soslaio percebeu que Petri não a aguardava sozinho. Talvez tivesse cantado vitória cedo demais. – Olá, pessoal. – Cumprimentou antes de realmente descobrir quem compunha o pequeno grupo que estava na sala de reabilitação.
Ali estavam quatro pessoas, sendo três delas as únicas que em oração pediu para não ver naquele dia: Petri, o treinador, Lauri Pöyhönen, o diretor-gerente, Jakkos, o fisioterapeuta e uma figura de pouco mais de um metro e noventa e cabelos escuros, se destacando por não usar máscara e sentado em uma das cadeiras altas, . Os quatro homens encararam com certa expectativa, enquanto a terapeuta considerava seriamente dar alguns passos para trás e correr.
– O que foi? – Tentou disfarçar sua hesitação esfregando as mãos com álcool em gel.
– Como assim o que foi? Não assistiu ao jogo sábado? – O fisioterapeuta admirou-se, arqueando uma sobrancelha.
– Vi. Mas é claro. – mentiu, tentando soar convincente e sorrir ao mesmo tempo. – É óbvio que vi. Sempre assisto. Amo hockey. Nossa. Vi muito.
– Queremos mais opiniões sobre a lesão do . – Lauri explicou e assentiu, tentando não demonstrar seu desespero. – Peço desculpas por não ter te acionado antes, mas as coisas ainda estão um pouco confusas em relação as suas competências.
Esporte idiota. xingou em pensamento, enquanto torcia para que nenhum conhecimento que pudesse ter sido adquirido na última partida fosse útil a sua avaliação.
– O que os médicos disseram? – A terapeuta quis saber depois de respirar fundo e tentar manter o foco, aproximando-se. Era hora de abstrair de todo seu desconforto e vergonha, ser profissional.
– Uma luxação, redução fechada e imobilização gessada. – Jakkos contou, esticando as radiografias e outros exames de imagem à terapeuta, que começou a analisar com cuidado, colocando vez ou outra contra a luz.
– Lesão ligamentar ou...?
– Possível ligamentar. – O fisioterapeuta respondeu, sob olhares confusos de , Lauri e Petri, que pareciam perdidos, fora do assunto dos dois.
– Quando será a cirurgia? – perguntou, ainda com os olhos presos a imagem do punho de ). Quando ninguém respondeu, a inglesa ergueu o olhar, encarando os homens de pé junto ao jogador. – Quando será a cirurgia?
– Essa é a questão. – Jakkos cruzou os braços sobre o peito e uniu as sobrancelhas.
– Como assim? Vai haver uma cirurgia, não é? – expirou um riso sem graça.
– acha que consegue passar a temporada sem fazer, a recuperação levaria meses, nós estamos tentando tomar a melhor decisão sem que haja prejuízo. – Petri explicou o que o fisioterapeuta não pudera.
inclinou um pouco a cabeça, encarando os quatro homens com olhar de quem espera que anunciem se tratar de uma piada.
– O que? – apertou rapidamente os olhos.
Fez-se silêncio.
– Ele não pode jogar com uma lesão ligamentar. Além disso, a fratura não se recupera assim, na maioria dos casos esse tipo de fratura e onde ela está não se resolve sem intervenção cirúrgica. Vocês não podem estar falando sério. – pôs as mãos na cintura e uniu as sobrancelhas, encarando os homens. – O médico concordou com isso?
– Ele disse que talvez não seja necessário, que talvez só a redução fechada seja suficiente. – Jakkos contou.
– É, e pode gerar uma necrose ou sei lá. – Quando disse, percebeu que arregalou os olhos.
– E pode não acontecer nada disso. – Jakkos lembrou. – Como fisioterapeuta, já vi coisa parecida. Foi só colocar no lugar e pronto. Sem necessidade de uma intervenção tão invasiva.
– Eu não vou nem responder isso. – balançou a cabeça negativamente. – Então é isso? Vão todos pagar para ver só para manter ele no time?
– Não é tão simples, . – Lauri chamou a atenção da terapeuta para si, enfiando as mãos no bolso da calça social que usava.
– Já temos duas baixas, uma fratura de punho realmente séria e uma distensão. Não seria bom perder mais ninguém. – Petri falou sem muito rodeio. – E se acha que consegue, estou com ele.
– E em qual universidade os dois se formaram? – retorquiu sem paciência, e sem dar tempo de resposta aproximou-se do gerente do time. – É perigoso. O que esperam? Observação até que algo mais grave aconteça? Continuar como se nada tivesse acontecido?
– Se a equipe médica acha que pode não ser necessário uma cirurgia, se o Jakkos também acha possível e se concordar, não tem o que eu diga. – Lauri se esquivou e o encarou incrédula. – Só precisamos de uma reabilitação segura e rápida.
– É sério? – questionou outra vez, atônita com a postura dos homens.
– Eu consigo, estou bem. – fez-se ser ouvido pela primeira vez. – Só estou um pouco dolorido ainda, mas já estive pior.
o observou, o jogador parecia decidido, embora houvesse uma faísca de receio em seus olhos, diferente da postura armada e superior de sempre, o central parecia curioso e atento. Os outros três homens pareciam satisfeitos com a resposta do atleta, mas não . balançou a cabeça negativamente pela milionésima vez durante aquela conversa e puxou um banquinho, sentou-se nele e se aproximou de . Era o tipo de terapeuta que sempre defende considerar a opinião e vontade dos pacientes em primeiro lugar, mas naquela situação não sabia se voltar a jogar depressa era uma decisão de ou apenas ceder à pressão.
– Pago para ver. – Falou ela e os homens a olharam com curiosidade.
A terapeuta esticou a mão num pedido silencioso para que o atleta a oferecesse também a sua. Quando o fez, tentou avaliar sua mão apesar da tala, com cuidado absoluto.
– Pronto? – indagou ao capitão e ele assentiu.
esticou e flexionou sem fazer força e devagar os dedos da mão direita de , que estavam fora da tala e o jogador prendeu a respiração. A terapeuta percebia as várias vezes em que apertava rapidamente os olhos sempre que seus dedos eram esticados ou flexionados por ela, e embora sutil, repuxava o braço e apertava os dentes. Ainda com o rosto voltado para a mão de , olhou para os homens que assistiam tudo e não evitou o olhar irônico que estampou sua feição.
– É recente. – tentou se explicar, olhando para a terapeuta. – Eu vou ficar bem. Me machuquei sábado, mas vou ficar bem. – Ele foi firme, dirigindo a ela um olhar sério que lhe causava uma sutil ruga entre as sobrancelhas. – Eu consigo.
– Vai dar certo, . – Petri bateu nas costas da terapeuta.
– Você tem certeza disso? Quer mesmo fazer desse jeito? – ignorou os outros, gostaria de tentar convencer que aquela provavelmente não era uma ideia muito boa.
– Tenho. Tenho sim. – O capitão confirmou de novo, assentindo uma vez com firmeza.
– E então? – Lauri indagou.
fez silêncio e os observou por alguns instantes, depois expirou profundamente.
– Continuo não concordando. – Falou ela depois de algum tempo. – Mas aparentemente isso não muda nada.
– Vai dar certo, . – Petri repetiu, sorrindo um pouco.
– É bom que sim. – respondeu mal-humorada.
– E agora? – O gerente perguntou.
– Agora, se ninguém não profissional tiver mais nenhuma opinião a dar, gostaria de tentar fazer meu trabalho. – A inglesa respondeu de forma dura, fazendo os quatro homens se entreolharem surpresos e incrédulos.
Jakkos, Petri e Lauri começaram a se despedir de enquanto se afastou um pouco, para deixar as coisas prontas para iniciar a avaliação. Tentando respirar fundo e colocar as ideias no lugar, lutando para controlar o ranço de ser contrariada pela primeira vez no emprego novo. Talvez estivessem mesmo certos e nenhuma intervenção mais invasiva fosse necessária, mas talvez por seu passado na clínica, estivesse acostumada a garantir com cem por cento de certeza que nada fugiria do controle. Também estava acostumada ao contato direto com os cirurgiões e não ficar sabendo de tudo através de um fisioterapeuta com interesses dúbios.
Enquanto se despedia dos outros e se ajeitava na cadeira, Ava preparava tudo que precisaria para avaliar a lesão do jogador e construir seu plano. Mais uma coisa estava sendo incluída em sua lista de prós e contras do novo emprego, a equipe médica. se aproximou de mais uma vez, sentando-se em seu banquinho com rodinhas. Quando cruzou o olhar com o atleta, viu apertar os lábios, como quem diz que entendia sua irritação, mas que não podia fazer muita coisa a respeito.
– Quantas variantes novas você já criou? – questionou, vendo-o franzir o cenho. – Coloque a máscara, terror da OMS.
Ordenou afastando os olhos dele e sorriu, tirando a máscara do bolso e ajeitando-a no rosto com alguma limitação por causa do punho direito, perdendo a postura de sempre, inatingível e superior. esticou-se para alcançar um vidro de álcool e despejou na mão esquerda dele, depois higienizou suas próprias mãos mais uma vez.
Como se toda aquela situação já não fosse estressante o suficiente, precisava ser do outro lado. Tantos jogadores, e justo ele. , por algum tempo, havia se esquecido de toda aquela coisa esquisita que emanava do jogador número trinta e quatro. Estava inclinada a ignorar os últimos e todos acontecimentos, adotando uma postura extremamente profissional, mas sem ser dócil e compreensiva ou amorosa como costumava ser com seus pacientes. Não fazia ideia de como agir na presença de , aquela era a primeira vez em que ficariam a sós dependendo um do outro, e aparentemente nenhum dos dois estava confortável ou sabia o que fazer.
– Na sua opinião, por quanto tempo vou ter que ficar imobilizado? – Ele quis saber, ao contrário do esperado o central havia desistido, aparentemente, de seu voto de silêncio.
– Muitas semanas. – respondeu enfezada.
Droga, , que tipo de profissional é você? Que tipo de terapeuta não respeita a decisão do paciente? se perguntou quando sua consciência a atingiu com um soco no estômago.
No mesmo instante, expirou profundamente e baixou a cabeça.
– Desculpe. – Pediu, balançando a cabeça negativamente. – É que...– Expirou derrotada. – Não importa, não tem explicação. Só me desculpe. – ergueu o olhar para , que assentiu calado. – Isso depende muito, e eu ainda não faço ideia de com que exatamente estamos lidando. – A inglesa tentou sorrir e deixar seu tom de voz mais sereno.
– Acha mesmo uma má ideia não fazer a cirurgia? – quis saber depois de algum tempo em silêncio.
o olhou nos olhos e tentou escolher bem o que dizer.
– De onde eu venho as coisas são diferentes. Desculpe se te assustei com o que disse, acho que preciso controlar meu espírito. – explicou e percebeu que aquela era a segunda vez em menos de dez minutos em que se desculpava com . – Se o médico concordou, tudo deve ficar bem.
Houve outro longo silêncio enquanto anotava algumas coisas em seu bloco de papel. queria falar mais, mas estava tão tomado de preocupação e incerteza por causa daquela lesão idiota que não sabia o que podia dizer. Queria que dissesse mais sobre sua opinião, queria saber tudo que estava em risco ou não. Não que aquilo o fizesse mudar de ideia, mas ao menos não seria um tiro no escuro.
, por outro lado, anotava rápido tudo que se lembrava sobre aquele tipo de lesão, tentando ignorar o ambiente, os olhos de sobre si e a tensão estranha que se mantinha ali. Por alguma razão boba, parecia ter uma espécie de branco, como os que tinha nos primeiros atendimentos depois da faculdade. Como se não soubesse o que estava fazendo, como se não tivesse feito a mesma coisa milhares de vezes.
– Eu...– começou a falar, ainda com atenção voltada para o papel. – Não há muito o que fazer enquanto estiver imobilizado. Quero conversar melhor com Jakkos e com os médicos para pensar com mais propriedade num plano.
– E enquanto isso? – perguntou atento.
– Você não pode deixar de mexer o braço, certo? – sorriu com os olhos, não um sorriso muito grande, apenas um educado, e assentiu. Pela forma com que um de seus olhos se estreitou, talvez estivesse sorrindo de canto. – Precisa mexer tudo que não está imobilizado. Mas sem forçar, vá devagar, principalmente com a mão, sem pressa para voltar logo.
– Você não concorda mesmo com isso, não é? – sondou, a postura de o deixava inseguro.
– Eu lidava com outro tipo de coisa antes daqui. – Contou ela, tentando controlar o ímpeto de xingar a comissão técnica e o fisioterapeuta. – Não sou da escola de Jakkos. Mas se você quer assim, respeito sua decisão.
deu de ombros, concentrando-se em elevar a mão de a fim de evitar inchaços. O jogador ora a observava, ora encarava a parede a sua frente, de modo despretensioso, enquanto a terapeuta analisava outras articulações e sensibilidade.
– Aposto que Jakkos e os outros vão ficar pensando no que disse, principalmente depois da resposta que deu. – voltou a falar depois de algum tempo, encarando uma parede a sua frente.
– Como assim? – franziu o cenho, confusa, mas sem desviar o olhar do punho do central.
– Sua resposta. – Ele fez um barulho parecido com o que as pessoas fazem ao rir abafado, mas por causa da máscara, a inglesa não podia ter certeza. – Sobre onde ele tinha se formado.
– Ah, essa resposta. – sentiu a barriga gelar.
No momento que dissera não havia percebido o que exatamente havia pulado de sua boca, mas com a menção de , sentiu um frio na barriga. Mais uma vez era vítima de seu talento de falar sem pensar. Primeiro, toda situação com , depois com Antti Vierula, agora com o treinador, o fisioterapeuta, o gerente e com a maior estrela do time e seu arqui-inimigo em potencial. A primeira coisa que faria ao chegar em casa seria buscar por um novo emprego, algo em seu interior dizia que não demoraria muito até que fosse convidada a se retirar da equipe pela porta dos fundos. Já podia imaginar Lauri em uma ligação importante com Mônaco para tratar da nova terapeuta. Que triste fim.
– Foi corajoso. – elogiou, dirigindo o olhar a ela.
– Eu não sei se usaria essa palavra. – A inglesa sorriu amarelo, pensando em quais lugares poderia procurar por uma vaga.
– Eu concordo, aliás. Só para...só para você saber. – continuou e uniu as sobrancelhas, tirando sua concentração sobre as regras do seguro desemprego, observando a tentativa desengonçada dele, mesmo sem ter certeza sobre o que exatamente ele se referia.
– Okay... – A inglesa expirou. – Obrigada, eu acho.
– É que é bom. Ser sincero é sempre bom. – O jogador não conseguia parar de falar, e começou a pensar no quão estranho ele parecia e que talvez tivesse uma lesão de cabeça envolvida. – Firmeza e defender seu argumento. É bom. Acho que faz todo sentido.
– Você está bem? – arqueou uma sobrancelha quando o percebeu o atleta falando com certa agitação e a gesticulando com a mão boa, e abriu a boca, mas achou melhor não dizer nada, apenas fechou os olhos e expirou um riso envergonhado.
– Desculpe, eu...eu acho que bati a cabeça em algum lugar entre ontem e hoje. – Falou, enrubescendo e sem encará-la.
– Talvez isso seja mais grave do que a lesão na mão. – expirou um riso breve. – Pela fala desconexa e por estar falando comigo. – Ela balançou a cabeça, sorrindo, enquanto ele a observava atento. – , de quem nunca sei o que esperar. – Disse depois de uma pequena pausa.
mordeu a língua assim que a frase pulou de sua boca, não sabia porque havia dito algo tão idiota, mas pelo menos estava rindo. Se era dela ou por causa dela, ainda não sabia. E o plano de tratá-lo sem açucar também estava arruinado, a enlouqueceria. A ignorava completamente e depois desatava a falar como uma criança empolgada?
– É o meu charme. – Falou ele atraindo o olhar da terapeuta. – É assim que chamo atenção.
– Como exatamente você consegue chamar atenção de uma pessoa a ignorando? – , ainda sentada, parou o que estava fazendo para prestar atenção em sua resposta, incrédula.
– Viu como funciona? – arqueou uma sobrancelha de modo desafiador e riu alto, inclinando a cabeça para trás.
– E o que te faz pensar que chamou minha atenção? – Fora vez de direcionar ao central um olhar sarcástico.
– Não me diga que você diz aquilo de nunca saber o que esperar para todos que se sentam aqui. – brincou e fora vez de ficar corada.
– O tempo todo. – Ela zombou, desviando o olhar e dando de ombros. – Sabe como é.
a encarou e ergueu o rosto, encontrando os olhos dele. Por alguma razão ainda desconhecida os dois permaneceram conectados, talvez pelos tons de diferentes castanhos esverdeados dos olhos dela que agora o jogador podia perceber, ou talvez pela forma diferente com que ele unia as sobrancelhas que ela notara, ou só por curiosidade, por estarem tendo uma conversa normal e estarem perto um do outro pela primeira vez.
– Você mente muito mal, .
Rosas vermelhas
Rosas vermelhas: A Rosa vermelha significa o ápice da paixão, o sangue e a carne. Para os romanos as rosas eram uma criação da Flora (deusa da primavera e das flores). Quando uma das ninfas da deusa morreu, Flora a transformou em flor e pediu ajuda para os outros deuses. Apolo deu a vida, Bacus o néctar, Pomona o fruto, as abelhas se atraíram pela flor e quando Cupido atirou suas flechas para espantá-las, se transformaram em espinhos e, assim, segundo o mito diz ter sido criada a Rosa.
20 de novembro de 2021, Lathi - Finlândia
Isku Areena
Era sábado, dia de jogo.
Uma das novidades sobre o hockey era o intenso calendário de jogos que os times tinham. No futebol, mais de dois jogos na mesma semana era algo quase impensável, os jogadores estariam muito cansados e o risco de lesão aumentaria muito. Enquanto no hockey, principalmente por causa dos atrasos no calendário devido a pandemia, aquela exceção parecia ter se tornado regra. Aquela era uma das centenas de coisas que jamais conseguiria aceitar ou entender sobre o esporte.
O calendário da semana que havia se passado e da próxima era intenso, com muitos jogos fora de casa, mas naquela noite de sábado, os Pelicans jogariam na Isku Arena.
Depois do susto com a lesão de Mäkelä e as indagações de Jakkos quanto ao último jogo, resolveu tentar se fazer presente na partida, mesmo que apenas corporalmente. Precisava convencer o time de que realmente se interessava pelo esporte, e o jeito meio mais seguro de fazê-lo era frequentando os jogos. Parte por temer ter sua farsa desmascarada, parte por querer ocupar a cabeça o máximo que pudesse. Sua mente não conseguia descansar, maquinando infinitamente sobre o encontro com o capitão lesionado. As diferentes posturas do central com a terapeuta a deixavam ainda mais curiosa, se sentia um detetive tentando resolver o enigma psicológico de um criminoso. Nada na postura de Mäkelä fazia sentido, e isso a transportava para um eterno ciclo onde seu único pensamento durante o dia era o capitão, mesmo que fosse na intenção de desvendá-lo.
Não havia contado sobre o atendimento para os amigos, sabia o que Maisie diria e não queria que a amiga criasse teorias sobre estar interessada no jogador. Também não havia contado porque ainda se esforçava para não falar sobre o assunto, na tentativa de que isso a ajudasse a não pensar sobre.
Como sempre, sua fuga favorita era seu trabalho e agora, mais que nunca, havia muito a se fazer. Por isso se devia a decisão de assistir ao jogo da Isku Arena, queria sentir a energia dos torcedores, tentar se apaixonar pelo esporte, se motivar. E parecia estar funcionando, estavam com a casa lotada, torcedores de azul e preto por toda parte, entoando hinos e ensaiando gritos da torcida. Uma avalanche de fãs dos pelicanos, sorrindo e comemorando a partida em casa e a boa fase da equipe. O mascote, um pelicano gigante e musculoso, agitava os torcedores que já estavam acomodados em seus lugares.
Depois de ir ao vestiário para um rápido cumprimento ao grupo, se afastou em busca de seu lugar, unindo-se a finlandeses felizes num sábado à noite de hockey. Era tocante a energia dos corredores por onde os jogadores passariam antes de entrar no gelo. Sentindo aquelas coisas poderia até se apaixonar por aquele esporte que há alguns meses a deixava de cabelo em pé, pensou.
– . – Alguém a cumprimentou, surgindo no corredor ao seu lado de repente, fazendo-a sobressaltar.
– . – A inglesa se assustou tocando o peito e o jogador riu abafado, baixando a cabeça.
usava jeans, tênis branco, um moletom escuro e uma touca preta que do modo que se dobrava sobre a testa dele, revelava o brinco prateado de argola pequena na orelha e parte do cabelo que lhe cobria a nuca, com as pontas desordenadas e levemente enroladas. correu os olhos pelo homem rapidamente e de modo disfarçado, percebeu certa semelhança em suas roupas. também usava jeans, tênis branco e um moletom, a diferença era que seu moletom exibia a estampa do pelicano de Lathi. A cor de sua touca era diferente, era cinza, mas também revelava os pequenos brincos que a terapeuta usava, e seu cabelo estava solto, caindo sobre seus ombros. lembrou de sua mãe e tentou imaginar o que ela diria, talvez seria uma boa ideia prestar mais atenção a suas roupas na próxima vez.
– Para onde está indo? – Quis saber , despertando de seus pensamentos.
– Assistir ao jogo. – Ela respondeu como se fosse óbvio e também por ainda sentir certa incerteza sobre como se portar na presença do central.
– No meio da multidão? – franziu o cenho e parou de andar.
– E tem modo melhor de fazer isso? Sentindo a torcida, a energia, vibrando junto. – Disse a terapeuta e o jogador sorriu. – E no meio da multidão é muito forte, eu vou, no máximo, ficar perto. Não gosto muito de multidões.
– Perto. – assentiu sorrindo sarcástico. – Entendi.
– Pode ir comigo se quiser, ou pode assistir da área VIP. Inalcançável. – o provocou sorrindo e voltou a andar. – Imagino que não esteja acostumado a assistir ao jogo de pé, ou de algum outro modo desconfortável. Isso é só para os torcedores de verdade. – Provocou, lembrando-se de todas situações catastróficas que havia passado para assistir uma partida de futebol.
– Quem disse a você que eu sou o cara da área VIP? – a acompanhou dando de ombros, caminhando a seu lado. – E só para constar, prefiro meu lugar de sempre, no gelo.
– Bom, cada um com seus problemas, não é? – fingiu não se importar e tentou conter o riso frouxo e irônico que insistia em ficar preso em seus lábios, enquanto apontava com o olhar para o punho imobilizado de .
sorriu de volta e sacudiu a cabeça negativamente. Os dois seguiram até alguns lugares que costumavam ser separados para as famílias, perto do banco de reservas, mais próximos ao rinque, lugares que estavam vazios. No caminho, fora cumprimentado algumas vezes e fotografado outras tantas, mas depois de algum tempo estavam enfim sentados em seus lugares, esperando que o jogo começasse.
Era absolutamente estranho para ambos estarem sentados um ao lado do outro, principalmente depois de tantas idas e vindas que atravessam juntos, mas separados. Depois de toda incerteza e insegurança por parte de Bradley, e toda raiva e frustração do lado da terapeuta inglesa. Era impensável para os dois que em menos de uma semana teriam duas experiências como aquelas, juntos, conversando, sem se ofenderem ou sem estarem armados, prontos para se atacar ou se defender. Era diferente também o modo como se sentiam, ansiosos e nervosos, sem conseguir tirar dos lábios o riso frouxo toda vez que se olhavam, mesmo que se soslaio e se percebiam sentados, juntos, prestes a assistir uma partida de hockey.
– Tem muitas partidas de hockey de onde você veio? – puxou assunto, mesmo incerto se devisa fazê-lo.
– E eu sei lá. – respondeu sem pensar, estava empolgada com a movimentação da torcida, esquecera por alguns instantes seu disfarce. – Quer dizer, não onde eu morava. Sabe como é, tinha que assistir pela TV. – A terapeuta tentou disfarçar e assentiu sem parecer desconfiar.
A não era comum assistir uma partida da arquibancada, seu lugar era no gelo, com seus irmãos, marcando pontos, com o taco nas mãos. Sentia-se estranho apenas assistindo, sempre era assim, em todas as ocasiões em que precisava se ausentar sentia-se como se estivesse fora do lugar. O punho imobilizado completava a sensação desconfortável, no caminho até os lugares do lado de fora do gelo, fora perguntado diversas vezes sobre seu pulso, sobre quando voltaria aos jogos e, Deus sabia o quanto ele queria ter alguma resposta para dar, mas não era tão simples.
Torcia apenas para que não fosse tão grave, que se sentisse bem logo e que pudesse voltar a ocupar seu posto no time, sem mais prejuízos para os Pelicans. A situação era complicada, todos estavam no limite e a cobrança por bons resultados era um fardo pesado a se carregar, precisava estar preparado para ajudar a equipe no que fosse preciso. Enquanto isso, tentava não pensar nas muitas possibilidades ruins e não incomodar a equipe médica a cada dez minutos com perguntas sobre sua recuperação.
Mas de algum jeito misterioso e maluco, a lesão tinha um lado bom. Seu plano de ignorar a nova terapeuta inglesa do time, a fim de capturar sua curiosidade e atenção, havia falhado de milhões de maneiras diferentes, e por fim, entendera que não podia ignorar quem o ajudaria em sua recuperação. Além disso, estava tão ansioso por informações e emocionado em seu último encontro que simplesmente não pôde manter a postura de sempre e se fingir desinteressado, ou não ficar abobado na presença de Bekker. A ocasião da pizza e bombons havia feito com que metade das barreiras de Bradley se descontruíssem, e ver de perto a postura e personalidade de , suas piadas e sarcasmos haviam derrubado o resto de seus muros. era ainda mais interessante de perto, era engraçada, irônica, não tinha medo de dizer o que pensava e não parecia ser do tipo que abaixa a cabeça para alguém.
E ao ver a terapeuta presente para o jogo daquela noite, o capitão decidira de uma vez por todas desistir daquele jogo idiota, por mais interessante que fosse perceber as expressões irritada da inglesa em resposta ao seu desdém. Queria falar com , conversar sobre o jogo, sobre seu punho, fazer piadas sobre estarem com praticamente as mesmas roupas. Sabia que precisava se conter para não parecer um menino emocionado, mas não podia ficar completamente indisponível, nem queria.
Agora os dois estavam juntos, sentados lado a lado, prestes a assistir uma partida de hockey, ainda era estranho, mas por outro lado, interessante. parecia animada e era provocante tê-la sentada ali, precisava se vigiar o tempo todo para não começar a falar como um adolescente ou a agir como um idiota por apenas estar perto dela.
Enquanto a terapeuta se distraía tirando fotos da arena e publicando em seu Instagram, direcionou sua concentração para o gelo pela primeira vez desde que haviam se sentado ali. O time se aquecia e vez ou outra, quando algum o notava, acenava para ele. Atte e Aleks treinavam alguns tiros juntos em um canto e quando se movimentaram, perceberam o amigo sentado do lado de fora do rinque. Atte e Aleks se cutucaram, Aleks tinha um sorriso incrédulo no rosto, enquanto Atte estava com a boca aberta e olhos arregalados. Quando se aproximaram de e , o capitão dos Pelicans arqueou uma sobrancelha sugestivamente e indicou a terapeuta distraída para os outros dois, depois mandou um beijo no ar para eles, fazendo-os rir.
– Era o Atte Tolvanen ali? – quis saber, esticando-se para enxergar melhor o banco de reservas, mas os jogadores já haviam voltado para o vestiário.
– O que? Não. Não era não. – desconversou e estreitou os olhos, confusa, depois deu de ombros.
– Será que ainda vai demorar? Queria comprar um refrigerante. – A terapeuta comentou, olhando para o horário no telão no centro da arena.
– Refrigerante?
– É, é que eu não bebo não. – piscou.
apertou os lábios num quase sorriso e assentiu uma vez, direcionando o olhar para outro ponto qualquer da arena. o observou por alguns instantes, era inesperado estarem lado a lado assistindo um jogo, principalmente quando até dias atrás, o jogador ainda fizesse questão de ignorar sua presença. Talvez fosse algo na água do lugar, ou a pancada em sua cabeça forte demais. Mas independente da razão, era bom ter uma companhia, talvez pudesse imitar suas reações e falas, assim teria algo a dizer sobre o jogo caso perguntassem. Imitaria , seria sua sombra, prestaria atenção em suas reações, trejeitos, falas e tudo que fosse sobre o jogo, seria no dia seguinte a mais perfeita torcedora do Pelicans que já existiu.
Os times voltaram ao gelo e rapidamente tudo estava organizado, após os rituais de entrada e de hinos a partida teve seu início. Era fácil entender, cinco de cada lado, disputando o disco com seus tacos, dando encontrões e jogando o jogador oponente no chão ou contra a proteção sem que os árbitros dissessem qualquer coisa. mantinha os olhos atentos em , desviando apenas quando o jogador percebia e a encarava, confuso. vibrava com as chances de pontuação, murmurava quando o goleiro oponente fazia um bom trabalho, apertava os lábios, agitava as mãos, assoviava e gritava vez ou outra, acompanhando o resto da torcida. Mas era contido, nada muito barulhento, os movimentos e sons que o jogador fazia eram mínimos, se a inglesa não estivesse atenta a ele, mal perceberia suas expressões.
Quando jogadores começaram a pular do banco de reserva para o rinque, a inglesa se concentrou em , olhando do gelo para o jogador, captando toda e por menor que fosse expressão de seu rosto.
– Por que é que está me olhando assim? – indagou de repente sem olhá-la, pegando de surpresa.
– Eu não tô te olhando não. – Mentiu, olhando para frente e torcendo os lábios enquanto estreitava o olhar, balançando a cabeça negativamente.
– Não era você que me olhava a cada dois segundos desde que o jogo começou? – arqueou uma sobrancelha, encarando-a como uma mãe que espera que o filho assuma a janela quebrada. – Estranho, eu poderia jurar. – Ironizou.
– Não sei não, . – ergueu as sobrancelhas, fingindo o máximo que podia. – Acho que está meio paranoico.
sacudiu a cabeça negativamente e riu baixo, incrédulo, voltando a se concentrar no jogo, o imitou.
Logo, um tiro que o goleiro rival interceptara e a partida recomeçou com um face-off, percebeu a inglesa dividindo sua atenção entre ele e o que acontecia na partida, mas queria flagrá-la, por isso esperou com paciência. Mais uma vez, minutos depois, quando o time marcou pontos pela primeira vez, aguardou paciente até que fizesse o mesmo que na vez anterior, e quando fez, a surpreendeu, fazendo se assustar.
– Não estava olhando, é? – acusou.
– E-eu não...– expirou derrotada e abriu a boca algumas vezes, tentando dizer algo, mas falhou e baixou os ombros. – Tá legal, você venceu, eu estava. Feliz? Agora não enche. – A inglesa jogou os cabelos na direção do capitão, torcendo os lábios em um bico e olhando para o gelo.
– Feliz não é a palavra que eu escolheria. – implicou. – Por que estava me olhando? Está me espionando para o Petri? – Ele questionou, usando a primeira coisa que lhe viera a mente.
– Hein? Por que eu faria isso? – inclinou a cabeça sobre o ombro, confusa. – Espera, alguém espiona para o Petri?
– Por que estava vigiando minhas reações, então? – indagou outra vez.
– Não estava nada. – A terapeuta desviou o olhar rapidamente, olhando do jogador para qualquer outro canto da arena.
– Estava sim.
– Claro que não. Não, não estava. – Tentou se defender, mas já a encarava como se soubesse de tudo. – Sei lá, achei você bonito. – Mentiu, desviando mais uma vez o olhar e deu de ombros, voltando a encarar o jogo.
abriu a boca, mas não disse nada, permaneceu imóvel, com os olhos vagando por qualquer lugar, atônito.
– É o que que é?
– Cara, você é bem chato, sabia? – tentou fugir do assunto, queria que ele se calasse, mas o tiro parecia ter saído pelo lugar errado.
– E você é bem estranha, . – riu sem humor, ainda espantado e a terapeuta o encarou, surpresa. – Bem estranha.
Os dois ficaram em silêncio por alguns instantes, depois de enfim romperem o contato visual, se voltaram para a partida, mas continuavam se vigiando vez ou outra pelo canto dos olhos.
– Mas que...– xingou baixo quando a partida foi paralisada, rompendo o ciclo de vigília dos dois.
– O que? O que foi? – , instintivamente, quis saber, olhando do gelo para o homem ao seu lado.
– Não viu o que aquele cara fez com o taco? – apontou para o gelo, balançando a cabeça negativamente, reprovando o acontecido.
– E-eu vi. Quer dizer, não, alguém entrou na minha frente bem na hora. – tentou se explicar.
– . – tocou um dos ombros da terapeuta depois de a encarar de olhos estreitos e apontou para o gelo. – Não existe, literalmente, ninguém entre você e o gelo.
– Um jogador. – Ela mentiu, erguendo um ombro e desviando o olhar.
– Você mente muito mal, . – a analisou desconfiado.
fingiu que não estava ao seu lado e fixou o olhar ao gelo, sentia sua personalidade criada para o novo trabalho se esfacelar e quebrar em milhões de pedaços. aparentemente era esperto, o que a surpreendia de certa forma. Mas fato era que o jogador já havia percebido algo estranho na inglesa, e agora, precisaria se esforçar muito para manter qualquer dúvida longe. Esporte idiota, xingou em pensamento.
, por sua vez, tentava pensar em possíveis razões para todas as reações estranhas da terapeuta. era transparente, era fácil perceber quando estava mentindo se olhasse do jeito certo. Gostava de pensar que a razão para ela o estar encarando fosse realmente tê-lo achado bonito, mas alguém como a terapeuta não admitira aquilo tão fácil se fosse mesmo verdade.
A atenção dos dois voltou a ser capturada pela partida quando uma briga teve início. A expressão de não era das melhores, e ao notar, uma luz se acendeu sobre . Era muito incerto, mas valia a tentativa.
– Conseguiu ver quem começou a briga? – Ele perguntou e apenas negou com a cabeça, como uma criança confusa. – Espero que seja um dos nossos. – Disse o capitão e o encarou como se o capitão a tivesse xingado a mãe.
– O que disse?
– É, sabe, se for um dos nosso e ele conseguir tirar alguém por isso, é melhor, não acha? – Mentiu ele, analisando a reação da terapeuta. – Aí teríamos um power play e uma chance de shoot out.
– Ah...é. – assentiu, tentando controlar a expressão chocada, mesmo que não fizesse ideia sobre o que é que falava. – Com certeza.
abriu a boca, pasmo e piscou algumas vezes com olhar atônito preso a terapeuta, que sentiu-se empalidecer devido a reação dele.
– Em que açougue você aprendeu sobre hockey? – Ele a indagou chocado.
não respondeu, apenas se manteve imóvel encarando a feição chocada do jogador, que ora piscava, ora estreitava o olhar.
– Como é que você... – começou a falar de novo, mas subitamente percebeu. E então sua boca aberta transformou-se em um sorriso mudo, congelado, combinando com os olhos que analisavam a pálida terapeuta. – Você não sabe. Não sabe sobre hockey. Não sabe, não é?
sentiu o ar lhe faltar e o rosto congelar, depois, quando conseguiu, desviou o olhar, ergueu as sobrancelhas e suspirou, voltando a encarar o jogador que permanecia imóvel, com a mesma expressão de quem descobre a fórmula da Coca-Cola.
– Você não sabe. – Ele repetia para si mesmo.
– Já terminou? – indagou, adotando um estado mais reativo, buscando fugir de qualquer bronca que a desse, ou olhares de decepção.
– Você enganou todo mundo direitinho. – riu nasalado, apontando para a inglesa que se mantinha séria, com expressão fechada.
– Feliz agora? Pode correr e contar para todo mundo. – bufou, cruzou os braços sobre o peito e torceu os lábios em um bico.
estava chocado por aquela revelação, e conseguia sentir-se, de algum modo, vitorioso por ter descoberto aquele segredo. Não entendia porque havia escondido algo tão simples, não era como se a vida de alguém dependesse disso. Talvez pegasse mal inicialmente, mas nada que não pudesse ser resolvido.
a encarava, ainda pasmo e sorridente, enquanto mantinha-se fechada, com expressão de poucos amigos e encarando os próprios pés. O jogador respirou fundo, compadecendo-se da postura da inglesa, que parecia realmente envergonhada, e suspirou. Ainda a observando, apoiou os cotovelos nos joelhos e inclinou o tronco para frente, em silêncio, enquanto tentava pensar no que fazer.
– Se ninguém sabe, não vão ficar sabendo por mim. – Disse ele depois de algum tempo, atraindo a atenção da terapeuta.
, devagar, girou o corpo na direção do jogador, buscando seu olhar e fez o mesmo. Depois de alguns instantes, ele apertou os lábios e torceu um canto, num quase sorriso sutil.
– Obrigada. – sussurrou.
– Posso perguntar o porquê de ter mentido? – ainda a fitava com curiosidade.
– Acho que nem eu sei a razão. – expirou chateada, baixando os ombros. – Só não quis admitir que precisava de ajuda, eu acho. – Confessou ela, torcendo para baixo o canto dos lábios. – Ou que achassem que sou uma estrangeria que não sabe nada de hockey, e também por ser mulher. E todas essas coisas juntas.
– Ah, claro. – assentiu, e em seguida encarou o chão e riu abafado, sendo empurrado levemente pelo ombro por .
– Como percebeu?
– Não é como se você soubesse disfarçar mito bem. – O capitão implicou, endireitando a coluna. – E você faz essa coisa com os olhos quando mente. – Explicou, apontando para os próprios olhos com dois dedos.
– O que? Que coisa?
– Essa coisa. – tentou imitar os desvios de olhar característicos de quando mentia. – Sabe? Essa coisa com os olhos.
– Eu não faço isso. – Ela negou com uma gargalhada. – Você está completamente vesgo agora. Eu não faço isso.
– Faz, claro que faz. – Ele insistiu, também sorrindo.
– Espera, não. Não faço isso. – uniu as sobrancelhas, mantendo o riso frouxo. – Eu faço? Eu fico com os olhos assim? Que coisa horrível. – tocou o próprio rosto, encenando uma careta envergonhada, fazendo também rir alto. – ...– suspirou, tentando recuperar-se depois das risadas, mas ainda com os olhos sobre . – Eu nunca sei o que esperar de você.
expirou um riso presunçoso e se recostou ao seu assento, esticando um braço sobre o encosto da cadeira da terapeuta e apoiando o tornozelo direito sobre o joelho esquerdo.
– O que foi? – sorrindo, o empurrou pelos ombros mais uma vez, acompanhando o movimento dele.
– Vai me dizer que sempre diz isso para todos, de novo? – Ele a encarou com uma sobrancelha desafiadoramente arqueada.
– Você é muito presunçoso.
– É, eu tento. – deu de ombros.
ainda o encarava sorrindo, pasma com a facilidade e simplicidade nas conversas com , como se fosse natural. Era estranho que o único cara do time que a ignorava, aparentemente por puro capricho, parecia ser um dos que de forma mais simples tinha mais conexão. Era fácil estar ao lado dele e de algum modo maluco, seguro.
estava feliz, era uma das poucas situações onde estava verdadeiramente feliz, mesmo estando fora do gelo em um dia de jogo. Não conseguiria dizer em que momento ou depois de qual palavra aquele tipo de sensação boa havia começado, mas ela estava ali, presente. Estava sorrindo sem parar ao lado de e nem mesmo entendia porque. Era inteligente e espontânea, divertida e linda, era do time, mas isso não justificava. tinha algo a mais, algo a mais que capturava estranhamente. Como quando você é criança e está na praia e encontra uma concha bonita, não há forma de saber quantas pessoas já passaram por aquela concha, mas para você ela é especial. Algo na forma com que a luz do sol reflete em suas cores, ou o formato, ou a rigidez. Aquela concha que estava ali, entre as outras, num dia comum de sol, se torna a sua concha especial. E quando percebe, você cresceu, mas ainda mantem a concha junto a si, e sempre que a encontra é invadido por sensações boas e um saudosismo gostoso.
Não, não seja tão emocionado, pediu a si mesmo, em pensamento, mas seus olhos ainda estavam em , com seu cabelo volumoso e brilhoso e seus olhos brilhantes. Será que era sua concha especial? se perguntou, mas em seguida, balançou a cabeça incrédulo consigo mesmo, no instante em que o som alto demais para não ser prejudicial a audição avisava o fim do primeiro período.
– O que aconteceu? – perguntou, sentindo-se leve por enfim poder perguntar a alguém e tirar suas muitas dúvidas sem peso na consciência.
– Fim do primeiro período. – Ele respondeu com simplicidade.
O jogador a observou em silêncio por dois segundos, pensando na situação estranha que havia se colocado ao fingir ser fã de hockey. E pensando nisso, uma ideia o ocorreu e ele sorriu.
– O que foi? – A inglesa perguntou curiosa, olhando-o por cima dos ombros.
– Vem, vou te ajudar. – Disse ele.
se ajeitou em seu assento, aproximando-se mais da terapeuta e indicando com o olhar para que fizesse o mesmo. O homem apoiou os cotovelos nos joelhos e inclinou o corpo para frente, o imitou.
– Me diz o que sabe. – Pediu ele, a olhando com doçura.
– São cinco jogadores. E vocês brigam, não existe regras de substituições e é isso. – Confessou sorrindo amarelo, diante o olhar chocado do jogador. – O que foi? Eu sou a garota do futebol e da Fórmula Um, essas regras de vocês são muito confusas. – Tentou se justificar.
– Okay, é oficial. – expirou pesadamente. – Você me assusta.
– Mas eu posso ser ótima aluna. – garantiu, tocando o joelho do outro, atraindo sua atenção. Não podia perder aquela chance. – Por favor.
– Certo, vamos tentar fazer um milagre. – limpou a garganta, disfarçando o pequeno susto ao ser tocado por ela. A terapeuta não precisava pedir por favor, abriria um curso inteiro sobre hockey apenas para se ela pedisse. – Certo...você gosta de futebol, talvez consiga entender por associação. – Ele começou a explicar, olhando para frente, para caso de estar vergonhosamente vermelho e assentiu. – O objetivo é claro, não precisa que te explique. Precisa?
– Não, isso eu sei. Fazer o disco passar pelo goleiro. – respondeu, feliz por saber pouco mais que zero.
– Já é alguma coisa. – maneou a cabeça. – São cinco na linha, dois de defesa e três de ataque. Ala direita e esquerda e o central.
– Não tem mesmo limite de substituição? – quis confirmar.
– Não, mas tem limite de tempo no gelo, então meio que você precisa sair em alguns momentos. Se o time está perdendo e precisam de mais jogadores para um ataque, você entra. Sabe, é sem complicação, se precisa fortalecer a defesa, ou atacar com mais força... – deu de ombros.
– Mas, se é assim, quem controla? Sabe, para que não haja um time com mais jogadores que outro. – Ela tornou a perguntar, mas apenas desviou o olhar rapidamente e ergueu as sobrancelhas, franziu o nariz e depois voltar a olhá-la sugestivamente. – Ah, entendi. Beleza. Que beleza.
– Geralmente as equipes respeitam. – tentou justificar, sorrindo de canto com a expressão graciosa dela.
– E vocês podem mesmo brigar?
– Não. – Ele riu abafado. – Não, MMA é outro esporte, está confundindo. – Brincou e o empurrou pelo ombro, fazendo careta e os dois riram. – Você pode usar os ombros, troncos e quadril para atacar e roubar o disco, mas é só isso. Se tirar sangue de alguém, é punido, se brigar é punido, se usar o taco contra algo que não seja o disco, é punido.
– Você me pegou direitinho quando disse aquilo da briga, não é? – estreitou o olhar, enfim entendendo a jogada de e ele sorriu vitorioso mais uma vez. – O que aconteceria se você estivesse errado sobre mim?
– Bom, aí eu teria que me desculpar e teria mais uma razão para falar com você. – respondeu rápido, olhando profundamente nos olhos da terapeuta e arqueando uma sobrancelha. sentiu o rosto esquentar e virou-se para frente.
– Eita. – A inglesa murmurou, instintivamente e sorriu.
Os dois ficaram em completo silêncio até que os jogadores retornassem ao gelo para o segundo período.
– Está vendo como eles ficam antes de começar? – apontou para os jogadores organizados na linha central, aguardando o início da partida, frente a frente, e assentiu. – Quando o jogo precisa ser reiniciado, é com o face-off, toda vez que o jogo é parado, recomeça com um face-off. O árbitro vai jogar o disco e a partida começa. – Ele explicava e enquanto o ouvia, assistia os movimentos em tempo real.
– O que? O que foi isso? Por que parou? – buscou o olhar de quando o jogo foi paralisado depois de alguns minutos e ele sorriu.
– Se chama offside, que é quando um jogador recebe de dentro da zona ofensiva o passe de um jogador que estava dentro da zona defensiva ou da zona neutra. Você só pode entrar no campo adversário se o disco entrar primeiro. Se não for assim, fica fácil. – Ele piscou. – Tenta associar com o impedimento do futebol.
– Por que eles estão fazendo aquilo? – A inglesa apontou para a movimentação dos jogadores para um dos pontos de face-off fora da zona de ataque.
– Aqueles pontos vermelhos no gelo são as zonas de face-off. – explicou com paciência. – Dependendo de qual seja a razão para a interrupção do jogo, a partida recomeça em uma dessas áreas. – Enquanto explicava, tirou o celular do bolso e buscou por uma imagem do rinque, mostrando-a para . – Os pontos vermelhos são as áreas de face-off. A linha vermelha marca o centro do gelo, os dois espaços divididos pelas linhas azuis, perto da linha central são as zonas neutras. E as zonas defensivas e ofensivas são essas na frente dos gols, é intuitivo e não é muito diferente do futebol. Pense na zona neutra como o meio de campo, e o resto fica fácil. – Explicou o capitão e assentiu, atenta.
– Como no futebol.
– Isso, como no futebol. – sorriu, dedicando algum tempo para observá-la. – Bom. – tossiu, limpando a garganta, tentando retomar sua postura. – Há também o icing, que é quando um jogador dispara o disco para longe, atrás da metade de seu campo, sem ser necessariamente um passe. Se o disco cruzar a linha vermelha final do outro lado, é um icing. Mas se o for feito na direção do gol e se o disco entrar, é ponto. Outra exceção é que uma equipe que está sofrendo o power play não está apta a receber a punição do icing e pode isolar o disco sem problemas. – ainda a olhava, enquanto mantinha uma expressão um pouco confusa em seu semblante. – Pense nisso como um escanteio, ou algo assim. Existem algumas variações, mas é melhor deixar para outra aula. – Ele sorriu.
– Faz sentido. – sorriu, tocada pela paciência de . – O que é o shoot out que mencionou naquela hora?
– Se o jogo ficar empatado, tem outro tempo, como se fosse a prorrogação. Chamamos de overtime, se ninguém marcar no overtime, vamos para o shoot out, que é como se fossem pênaltis. Quem marcar mais, vence. – explicou. – Mas não é como no futebol, isso acontece em quase todos os jogos. Nos playoffs não temos os shoot out.
– Por que não? Não seria mais óbvio? – inclinou a cabeça sobre o ombro.
– São as regras, não sei porque é assim, só sei que são.
– E isso de power play?
– Isso é a vantagem, quando um time recebe punições e os jogadores são penalizados a ficar fora dos jogos por alguns minutos, isso depende do tipo de punição, o outro time tem vantagem. Podem ficar até três contra cinco, sem contar com o goleiro.
– São expulsos, como no futebol. – concluiu.
– Não, não é como no futebol. – sorriu balançando a cabeça. – Às vezes sim, podemos ser suspensos, mas não é assim. A gente só fica de fora por alguns minutos e depois voltamos. – Ele deu de ombros e franziu a testa, confusa.
– Aí outra coisa que não faz sentido. – A terapeuta balançou a cabeça. – E isso de power play, era mais fácil dizer que é uma vantagem.
– Mas não teria a mesma graça. – se recostou mais uma vez a seu assento, sentindo-se invadido por uma onda incontestável de confiança. – Eu por exemplo, em relação a nós, prefiro usar power play a basicamente dizer vantagem.
– E nesse caso, quem estaria em power play? – entrou no jogo, sentindo o coração acelerar com aquela fala.
Em momentos como aquele, parecia se divertir estreitando a distância entre eles, aproximando-se de modo preciso, permitindo que prestasse mais atenção a seus traços. estava perigosamente perto e o perfume masculino e fresco do jogador tomava o olfato de . Era possível ver com exatidão sua pele lisa, as sobrancelhas grossas, os olhos castanhos que de repente pareciam ter uma cor nunca vista antes e, Deus...como era difícil resistir a eles.
20 de novembro de 2021, Lathi - Finlândia
Apartamento de
apertou o corpo de contra o elevador, puxando os fios de cabelo da nuca do jogador, arranhando-o suavemente, enquanto beijava seu pescoço. sorriu e em seguida segurou o rosto de com uma das mãos, tornando a beijá-la, não tinha muita delicadeza, apenas sede e fome, estavam famintos. No segundo seguinte tinha as mãos dentro do moletom e camisa que usava, a sensação da pele macia e quente do jogador, atrelado a rigidez do corpo definido e atlético dele era muito, muito animadora. Enquanto ainda estavam com os lábios unidos, as portas do elevador se abriram e, sem se preocupar com a possibilidade de algum transeunte no corredor, os dois saíram agarrados e ainda aos beijos. Fora vez de apertar o corpo de contra a parede com alguma pressa e beijar o pescoço da inglesa com voracidade, enquanto suspirava, já ofegante.
era mais de vinte centímetros mais alto que a terapeuta inglesa, com isso, enquanto estavam se beijando ou quando os lábios rosados e macios de estavam em seu pescoço, precisava ficar na ponta dos pés.
– Não repare...na bagunça. – Ela pediu enquanto tateava os bolsos e suspirava com o toque quente dos lábios de contra sua pele.
– Não...– tentou falar, beijando a mandíbula de , até que alcançasse sua boca. – estou preocupado.
se arrastou pela parede, ainda sendo pressionada pelo corpo grande de , que ora mantinha suas mãos na cintura dela, ora em sua nuca, imitando a ação anterior de e puxando com cuidado os cabelos da terapeuta. Quando enfim encontrou a porta, iniciou uma série de tentativas para abri-la.
– É que eu moro sozinha. – A terapeuta insistiu, quando finalmente conseguiu abrir as portas, puxando para dentro rapidamente.
– Meus olhos estão fechados. – garantiu quando interrompeu o beijo para erguer , que enlaçou a cintura do homem com suas pernas, enquanto a beijava o pescoço e empurrava a porta com uma das pernas. – Onde?
– Bem ali. – apontou para trás de si, onde ficava a porta de seu quarto, depois de soltar o lábio inferior de que estava preso entre seus dentes. – É que...você pode pensar que eu...eu sou uma pessoa...– tentava dizer entre beijos, de forma ofegante.
– . – afastou-se rapidamente, interrompendo a inglesa. – Você poderia calar a boca? – Pediu, também ofegante, assim que alcançaram o quarto.
, com a boca entreaberta, tentando respirar, assentiu e em seguida fora jogada sobre a cama, assistindo arrancar o moletom pela cabeça com ajuda da mão boa e avançar sobre ela.
– Vai ser uma longa noite. – Ela ofegou.
– Pode apostar.
Cravo vermelhos, claros e escuros
Cravos vermelhos, claros e escuros: Esse tipo de flor simboliza fascínio e distinção. Tons vermelhos mais claros de cravos são frequentemente usados para transmitir admiração, já os cravos com tons mais escuros expressam sentimentos mais profundos de amor e carinho.
21 de novembro de 2021, Lathi - Finlândia
Apartamento de
Um feixe de luz começou a esquentar o rosto de , fazendo-a piscar algumas vezes e abrir os olhos. Parte da cortina estava aberta o suficiente para que a luz invadisse o quarto escuro, tateou a cama até alcançar a mesa de cabeceira, mas não encontrou seu celular. Ergueu a cabeça e esticou-se um pouco para fora da cama, encontrando o jeans que usava na noite anterior jogado pelo avesso no chão, com seu celular ainda no bolso. Oito e sete, mostrou a tela assim que a terapeuta desbloqueou o aparelho.
A inglesa suspirou e deixou o corpo cair na cama, buscando uma posição confortável para que voltasse a dormir. Fora surpreendida quando sentiu um braço cair sobre si e a puxar para perto, depois, alguém beijou seu ombro desnudo. Por alguns segundos, sentiu o coração parar e o sangue congelar nas veias, mas depois as memórias da noite passada voltaram a sua cabeça como uma enxurrada e ela suspirou parcialmente mais aliviada.
– Bom dia. – sussurrou com voz de sono, contra a pele das costas da terapeuta, sem abrir os olhos. – Que horas são?
– Não são nem oito e meia. – virou o rosto na direção dele, deixando-se afundar no travesseiro. – Devíamos voltar a dormir. – Falou baixinho e viu se ajeitar na cama, afastando-se um pouco dela, deitando com uma das mãos sobre a barriga, ele apenas assentiu, ainda de olhos fechados.
o analisou um pouco.
Nunca tiveram um homem acordando em sua cama, ao seu lado. Era assustador ter ali, respirando serenamente, não o conhecia bem o suficiente para traze-lo para sua casa. Sentia-se um pouco estúpida e impulsiva, mas ao mesmo tempo, por que não? Teve vontade, muita vontade, parecia alguém gentil e era bom falar com ele – mesmo que noite anterior fosse apenas a segunda vez em que realmente conversaram. Além disso, era uma mulher solteira e adulta, podia lidar com aquilo.
Por outro lado, se perguntava sobre o que pensaria dela por ter cedido tão facilmente, ou melhor, sequer ter oferecido alguma resistência. Será que seria tão errado ter a chance de aproveitar uma noite com um homem solteiro e bonito? se perguntava, sentindo ser esmagada pela ansiedade e pelos milhões de questionamentos que brotavam em sua cabeça.
Não teve muito tempo para refletir por causa do despertador, que resolveu começar seu trabalho, chamando atenção de .
Sua versão do passado havia programado o aparelho para tocar músicas de sua playlist matutina pela manhã, assim a terapeuta não se sentiria tão só na terra nova. se agitou, tentando encontrar o aparelho e o desligar antes que acordasse o visitante, mas enquanto a inglesa tateava desesperadamente a mesa de cabeceira , ria abafado ao seu lado, ainda de olhos fechados.
– A música. Pode deixar. – A tranquilizou, afagando suas costas nuas. – Até que não é muito ruim.
– Desculpe. – pediu envergonhada, enfiando o rosto no travesseiro mais uma vez e sorrindo fraco. aproximou-se dela mais uma vez, ficando de lado e beijou suas costas três vezes, enquanto também sorria.
– Pare de pedir desculpas, eu quem estou invadindo sua cama. – Ele sorriu e descobriu que a sensação do hálito quente do jogador contra sua pele nua era muito boa.
– Nesse contexto, quem de nós está em power play? – Ela brincou, falando abafado.
– Eu não quero me comprometer. – riu, sua voz rouca era ainda melhor que a voz normal. – Por que está com o rosto enfiado no travesseiro? – Ele quis saber, a olhando de cenho franzido, com o cabelo em completo caos e lábios inchados pela noite de sono – ou quase.
– Eu acho que estou com mal hálito. – Confessou e ele gargalhou. – E não lavei o rosto ainda.
– Eu acho que tenho chicletes aqui, em algum lugar. – Lembrou ele, ainda rindo.
se inclinou para fora da cama, procurando suas roupas e quando o fez, aproveitou para olhar o corpo do jogador, prestando mais atenção a seu tronco definido, aos braços, a tatuagem nas costas, ombro e braço direito. Era diferente de o ver nos uniformes de jogos, com todos aqueles equipamentos e volumes, ali era um homem de corpo quente e grande, uma companhia. Também era diferente vê-lo daquela forma, seminu em sua cama, com o rosto amassado, olhos estreitos de sono, o cabelo era uma bagunça e a voz ainda mais rouca, com o sorriso mais lindo do universo todo.
– Aqui está. – ofereceu um chiclete a e depois jogou um na boca.
– Isso é uma boa ideia. – A terapeuta assentiu, tentando ajeitar os cabelos e sobrancelha, riu abafado, a observando com olhos ainda sonolentos. – O que foi?
– Você preocupada. – Falou e depois estalou a língua. – Está linda agora. – baixou o olhar, sentindo o rosto esquentar, e aproximou-se rapidamente beijando o seu rosto uma vez.
– Qual é, , isso devia te suspender por uns dois jogos. – Brincou ela fazendo careta.
– Se eu puder passar o tempo de suspensão aqui, até que valeria a pena. – devolveu e os dois riram.
– Satisfaça minha curiosidade, por favor. – pediu, deitando-se com a barriga para cima, aninhando-se a , que rapidamente lhe beijou o topo da cabeça e passou a acariciar a pele da inglesa, onde sua mão boa alcançava. – Como o que me ignorou desde que cheguei aqui e que parecia me odiar, se tornou o que quer passar o tempo de sua punição na minha cama?
riu pelo nariz, nem mesmo ele conseguia entender como tudo havia acontecido tão rápido e porque havia decidido seguir aquele plano tão infantil, ou porque havia estado tão inseguro sobre tentar qualquer coisa com .
– Eu não te ignorei desde o início, fui falar com você no seu primeiro dia. – a corrigiu, voltando a fechar os olhos. Queria aproveitar a sensação de acordar ao lado dela, de a ter junto a si, memorizar. – E aí você me deu aquela incrível resposta, sobre estar aqui para pagar as contas. – Ele riu.
– Ai meu Deus. – e riram e a terapeuta tentou esconder o rosto no peito do jogador. – Não te culpo por ter escolhido me ignorar depois disso.
– Não foi assim. – Falou o central e ergueu um pouco a cabeça para vê-lo. – Eu gostei de você. Já tinha gostado quando interrompeu e corrigiu o Petri, quando ele estava te apresentando ao time. – citou e contou consigo mesma que haviam sido duas bolas fora no mesmo dia. – Eu só queria chamar sua atenção. – Confessou ele, um pouco sem jeito.
– Chamar minha atenção? – apoiou-se ao peito de e levantou a cabeça, atraindo a atenção do jogador, que abriu os olhos. – Então aquilo que disse quando machucou o pulso era sério?
– Era uma ideia idiota. – Assumiu ele torcendo os lábios envergonhado, desviando o olhar e ergueu as sobrancelhas, surpresa. – Mas eu precisava tentar de algum jeito.
– . – sentou-se, segurando um cobertor na frente de seu corpo. – Está dizendo que não só me ignorou completamente, mas foi grosseiro e hostil por estar interessado em mim? – A inglesa estava perplexa.
– Eu sei que não foi uma coisa muito madura. – Confirmou ele, dobrando o cotovelo e apoiando uma mão atrás da cabeça, evidenciando os músculos. – Mas eu sou um jogador de hockey, não somos muito conhecidos por ser inteligentes. E eu tinha que ter um diferencial. – sorria tímido, como uma criança.
– , eu realmente nunca sei o que esperar de você. – balançou a cabeça negativamente, sorrindo, e sorriu grande.
– Eu já disse o quanto amo quando você diz isso?
– Não, não me lembro se já teve oportunidade. – sorriu quando foi puxada pelo jogador para cima de .
– Eu amo. – Ele repetiu, rolando sobre ela e ficando por cima, ainda sorrindo e apoiando a mão boa ao lado da cabeça da inglesa.
– Só me prometa uma coisa. – pediu, abraçando o corpo dele, ainda olhando em seus olhos. – Da próxima vez que quiser que eu saiba algo, é só dizer. – Os dois riram.
– Não é tão efetivo. Você nem teria me notado se não fosse meu plano ruim. – deu de ombros, estava por cima, sentia o hálito fresco de chiclete dela, conseguia ver cada detalhe de seu rosto, sentir as texturas e curvas do corpo da terapeuta.
– Acredite, se você não tivesse fraturado o punho e tivesse falado comigo naquele dia e na noite passada...– a interrompeu.
– Não estaríamos aqui agora? – Ele quis saber, curioso.
– Não, não sei se alguma coisa poderia impedir estarmos aqui agora. – Os dois sorriram e rapidamente seus lábios já estavam unidos outra vez.
21 de novembro de 2021, Lathi - Finlândia
Apartamento de
– Sabe, , fico feliz que não tenha se tornado um cozinheiro. – reclamou, inclinando o corpo sobre o balcão que separava a sala de jantar da pequena cozinha e o jogador a olhou. – Eu estou prestes a morrer de fome, não sei se vou aguentar até amanhã, que é quando a comida vai ficar pronta.
– Seria mais rápido se você tivesse comida de verdade em casa. – Ele devolveu, voltando a se concentrar nas panelas. – Do que você vive? Comida congelada e suco de morango?
– Essa é, literalmente, a base da minha dieta. – piscou, fazendo careta e ele riu pelo nariz, balançando a cabeça negativamente.
– Você precisa de uma intervenção, .
– Essa é apenas uma das coisas que preciso. – piscou, enfatizando o número e a encarou surpreso. – O que? Você é o único que pode flertar?
– Estou curioso. – se escorou a pia, cruzou os braços sobre o peito desnudo e encarou a terapeuta. – Do que mais precisa?
– Ah, eu preciso de muitas coisas...– mordeu a ponta da língua e ergueu as sobrancelhas.
riu abafado e baixou a cabeça, balançando negativamente, depois se aproximou de , passando pelo outro lado do balcão. usava a calça da noite anterior e apenas isso, enquanto , usava seu moletom do time e um short curto de malha fria que costumava vestir para dormir. , ao se aproximar, tocou os dois joelhos da terapeuta inglesa e afastou suas pernas, pegando desprevenida, fazendo-a prender a respiração. Depois, se aproximou mais, posicionando-se entre as pernas dela.
– Do que você precisa, ? – Ele repetiu e perdeu as palavras, com as mãos espalmadas na pele quente do peito do jogador, olhando boquiaberta para onde suas mãos estavam e depois para o rosto de . – Estou esperando dizer.
a olhava com os olhos estreitos, com o mesmo olhar semicerrado e penetrante de sempre, e mantendo os lábios rosados em uma linha fina, enquanto apertava com força as coxas da inglesa. tinha a boca entreaberta, encarando o jogador sem conseguir se mover, não entendia como ele fazia aquilo, deixando-a totalmente vulnerável. Não eram íntimos, fora apenas uma noite e mal podia manter a boca fechada quando perto daquele peitoral, dos lábios desenhados e rosados, mandíbula definida e quadrada, o brinco na orelha e as tatuagens...
– Para sua sorte, eu acho que sei exatamente o que quer, . – sussurrou, aproximando o rosto da orelha de de modo com que seus lábios roçassem a pele dela, depois sorriu ao notar o arrepio da terapeuta. – Almoço.
sorriu de forma inocente e se afastou, voltando para perto do fogão, enquanto se mantinha congelada, encarando o espaço vazio, mas que instantes antes estivera ocupado pelo central e capitão dos Pelicans.
– Isso não vale, . – virou-se para ele revoltada, com as mãos espalmadas sobre o balcão. – Você devia ser punido com pelo menos cinco jogos de suspensão por essa falta covarde.
– Diga isso na minha cara depois. – Ele gargalhou, misturando o conteúdo de uma das panelas.
– Olha, não é porque eu não consigo dizer nada quando você está sem camisa ou muito perto de mim, que eu não tenha nada a dizer. – tentou se defender.
– Gosto da sua sinceridade. – piscou, ainda sorrindo.
– É bom que isso esteja muito gostoso. E é bom que valha a pena. – cruzou os braços sobre o peito, enfezada.
– Vai valer. – Ele sorriu, terminando de servir o almoço em duas porções e logo colocou um prato frente a terapeuta. – Aí está. Poronkäristys. – Apresentou orgulhoso.
– Uau! – sorriu, salivando com o cheiro e aparência do prato. – A aparência desse prato que não sei pronunciar está ótima.
– E eu espero que o gosto também. – completou, sentando-se de frente para ela.
salivou com o cheiro do prato preparado por , haviam batatas assadas e um purê cremoso delas, um bom pedaço de carne grande e suculento, e um tipo de molho de frutas vermelhas. Não fazia ideia de como o central havia feito tanta coisa em tão pouco tempo, mas estava feliz em partilhar a cozinha com mais alguém, em ter alguém para cozinhar em seu lugar. Era uma das coisas que mais sentia falta vivendo sozinha em um país estranho e sem seus amigos e família.
A inglesa cortou um pequeno pedaço de carne e o levou a boca, sendo invadida pela suculência, cremosidade e a explosão de sabores, misturando o doce e salgado.
– Minha nossa! Isso é muito bom! Está muito bom. – Elogiou e sorriu grande, orgulhoso, baixando o olhar rapidamente, envergonhado. – O que é isso? – Perguntou, enfiando logo outro pedaço na boca.
– É rena. – Respondeu com simplicidade, provando o prato.
– O que disse? – repetiu a pergunta, não havia entendido bem a resposta do central.
– Rena. – Repetiu. – O mercado daqui do lado tem uns cortes ótimos, você é muito sortuda.
parou de mastigar no momento em que ouviu a resposta de , e pensou se seria muito rude se levantar e ir ao banheiro cuspir a carne que estava em sua boca.
– Essa cara. – gargalhou acusatório, erguendo o queixo. – Conheço essa expressão.
– Que expressoum? – tentou disfarçar a boca cheia, tentando engolir o almoço a força.
– A cara que as pessoas fazem ao descobrir que estão comendo as ajudantes do papai Noel. – continuou a comer, ainda rindo.
– Eu...– não conseguiu continuar.
– Não precisa disfarçar, , já peguei você. – levantou os ombros. – Mas tente, dê uma chance para as renas. Não é tão ruim, sei que vai gostar. É só esquecer de todas suas memórias infantis sobre o natal, papai Noel e sobre renas fofas e de nariz vermelho. – provocou e fez uma careta de nojo, engolindo a força o pedaço de carne em sua boca.
– Eu não tenho uma boa impressão sobre seu caráter, . – fez careta, fazendo-o rir.
– Foi mal, não resisti. – Ele gargalhou. – Mas é sério, é uma carne como qualquer outra. E a propósito, até o papai Noel ama carne de rena.
– Falar do papai Noel a cada três frases não ajuda muito, . – encarou o prato com expressão culpada. – Tudo que vejo aqui são pobres renas assassinadas.
– Elas não foram assassinadas. – fez careta e negou com a cabeça. – Aqui existem fazendas que criam renas para o abate, sabia?
– Oi? Está brincando?
– É verdade, e sabe o que mais? Vocês na Inglaterra tem pratos bem piores.
– Certo, quanto a isso não há discussão. – deu de ombros. – Mas não muda o fato de que é estranho. Bem estranho. Eu tenho consciência, sabe? Me sinto uma mistura do Grinch com aquele papai Noel assassino daquele filme de terror horroroso. – Ela lembrou, fazendo careta e encolhendo-se.
– Olha. – esticou uma mão sobre o balcão, tomando a mão da terapeuta. – Confie em mim, você se acostuma. Está gostoso e você precisa de energia. – Ele sorriu de modo doce.
– Mas que tarado. – abriu a boca. – Não pode parar de pensar nisso um pouco?
– , você precisa de energia porque só come comida congelada. – piscou duas vezes, sério e parecendo chocado com a fala da inglesa. – Se isso fosse só para transar, te daria um copo de vodca e um pouco de energético.
não respondeu, abriu a boca, apesar de muda e piscou algumas vezes, sentia-se um pouco envergonhada por sua fala. permaneceu sério, a encarando, depois, o jogador riu abafado e voltou sua concentração a seu almoço.
– Okay, você estava certa, era nisso que eu estava pensando quando disse. – Ele confessou sorrindo ladino e arregalou os olhos, sorrindo incrédula. – Mas você também precisa comer melhor.
– , saia da minha casa. – fingiu e ele gargalhou.
– Não vai mesmo comer?
– Eu só consigo pensar em renas fofinhas e no Bambi. – A inglesa choramingou torcendo a boca.
– Bambi? – franziu o cenho. – Mas ele não era um veado?
– Eu cresci detestando caçadores, agora estou sentada diante de um pedaço de rena com batatas.
– E essa deve ser a reação dos indianos ao verem você comendo um hambúrguer de boi, mas assim é a vida. – deu de ombros, entediado com o drama da terapeuta.
tentou dissociar a imagens dos pobres animais do pedaço suculento de carne em seu prato, mas falhou. Por mais cheiroso e apetitoso que parecesse, era muito estranho se alimentar de renas.
– Vou comer as batatas. – Declarou ela, e balançou a cabeça negativamente.
– Bom, posso comer sua parte se não quiser. – Disse ele e a terapeuta rolou os olhos, enquanto tentava separar as batatas no canto do prato.
Os dois continuaram a refeição em silêncio, vez ou outra se esquadrinhavam com o olhar, buscando algum sinal ou expressão diferente. aproveitava as batatas e a calda de frutas, enquanto finalizava sua rena até a última migalha. O silêncio não era constrangedor, nem mesmo com os olhares. Quando, por acaso, se cruzavam, erguiam suas sobrancelhas e sorriam, como se fosse a milionésima vez a dividir a mesa do almoço. a estava achando completamente apaixonante, mal podia manter os olhos longe por muito tempo, enquanto isso, tentava comer da forma mais educada que conseguia e se xingava mentalmente por não ter cozinhado algo que a inglesa gostasse.
– Sabe, , você não é o típico finlandês. – comentou depois de algum tempo, afastando devagar o garfo dos lábios e chamando a atenção de para si. – Pelo menos não como os que eu conheci até agora.
– Por que não? – Ele a encarou por debaixo das sobrancelhas. – Não vai mesmo comer isso?
– Não, aproveite. – sorriu, empurrando seu prato na direção dele. – Bom, porque é diferente. É mais caloroso, é diferente dos outros. Sem mencionar o fato de você ter cabelos e olhos castanhos, e não ser exatamente branco como a neve como a população daqui.
pensou por algum tempo antes de responder.
Não sabia bem o porquê de estar tão ansioso e nervoso naquela situação, tentando pensar e repensar todas suas atitudes frente a ela. Haviam passado a noite juntos e fora mais que perfeito, haviam se visto de formas inimagináveis, do avesso. A inglesa estava aberta e receptiva, apesar de odiar sua escolha de almoço e possivelmente acha-lo extremamente mal-educado por ter pedido para comer a parte dela. Comia mais quando estava nervoso e por mais que tivesse se arrependido assim que aquela pergunta idiota saíra de sua boca, não pode se conter.
– E então? – insistiu, inclinando um pouco a cabeça, buscando os olhos dele.
– Minha mãe é do México. – Respondeu sem pensar muito, de boca cheia.
– Ah, isso explica muita coisa. – sorriu. – Então você é um finlandês meio a meio?
– Russo. – corrigiu sem olhá-la, tentando comer não muito rápido para não parecer um esquilo ou coisa do tipo. – Meus pais moravam na Rússia quando eu nasci, então eu sou russo. Meu pai também é.
– É estranho. – riu, cruzando os braços sobre o balcão. – Mas pensando bem, a Rússia está mais perto da Finlândia do que a Finlândia está de Londres.
– É uma viagem de carro não muito longa. – levantou um ombro, sorrindo de canto.
– É uma mistura bem interessante. – concordou e fez silêncio por cinco segundos. – , você sempre me surpreende. – Falou, sabendo que provavelmente o atingiria com aquelas palavras.
E ao as ouvir, se derreteu como manteiga sobre uma torrada quente e sorriu abobado.
– Qual é a sua história, ? – Ele perguntou, depois de baixar os ombros e a olhar sorrindo com os olhos.
– Minha história?
– É. Você sabe várias coisas sobre mim, e além do fato de gostar do Bambi, não ter estômago forte e ter um gosto musical um tanto questionável, não sei muito sobre você. – Disse ele e pensou se o central omitira a questão sobre seu total desconhecimento sobre hockey por delicadeza ou por ter uma péssima memória.
– Não tem muito o que contar. – deu de ombros, correndo os olhos pela cozinha, afastando-os do jogador. – Eu sou de Birmingham, meus pais também, não temos uma história tão interessante.
– Qual é? Você pode melhorar isso. – Ele reclamou e viu negar balançando a cabeça. – Tem irmãos? O que você fazia antes de vir para cá?
– Tenho dois irmãos, um irmão mais velho, Josh. Ele é o irmão inteligente. – Contou. – E uma irmã caçula, Emily, ela é a irmã bonita.
– E você? – indagou curioso.
– Eu sou a . Só . – Sorriu sarcástica.
– Alguém tinha que ser a ovelha negra, não é? – brincou sorrindo, mas sua feição mudou ao perceber que não respondera sua brincadeira. – No caso, alguém sempre tem que ser, em todas as famílias. – Ele tentou se corrigir. – Não que você seja, você não seria uma ovelha negra. No máximo uma ovelha rosa, se houvessem ovelhas rosas.
– . – tocou a mão do jogador, chamando sua atenção. – Relaxe, foi uma boa piada. – Piscou e ele sorriu envergonhado, baixando a cabeça e sentindo as bochechas esquentarem. – Se eu não te conhecesse e soubesse que é um jogador de hockey agressivo, e visse esse tipo de cena agora, diria até que você tem sentimentos e ficou sem graça. – A terapeuta tentou sair da atmosfera constrangedora que havia se instaurado.
– Mas eu tenho sentimentos. – começou a dizer. – Espera, me acha um jogador agressivo? – Ele franziu o cenho de repente.
– Você não acha?
– Não, eu me acho bem normal. Bem na média. – respondeu concentrado.
– Então, você está me dizendo que...– Fora vez de ficar de pé e se aproximar do jogador, que girou o corpo para que os dois pudessem ficar frente a frente. manteve o tom sério e a encarou curioso, com o olhar estreito de sempre. – Está me dizendo que todo jogador de hockey transa daquele jeito?
a encarou boquiaberto, depois piscou algumas vezes.
– Meu Deus, isso foi péssimo. – Falou ele, provocando uma crise de risos envergonhados a terapeuta. – É sério, você devia parar com isso, porque foi muito ruim. É por isso que está solteira? Você é péssima flertando.
– Claro que não. – disse entre meio uma risada e outra, apoiando-se ao corpo do jogador. – Eu sei flertar muito bem.
– É, eu estou vendo. Você é implacável. – riu junto, sentindo-se relaxar um pouco, em seguida ficou de pé e abraçou o corpo da terapeuta. – Um filme e depois voltamos a programação normal? – Propôs, erguendo o corpo de com cuidado, por causa do punho imobilizado, e a terapeuta envolveu a cintura dele com suas pernas. – Estou cheio demais para atividades físicas.
– Isso é sua ideia de flerte eficiente? – o encarou incrédula, com as mãos apoiadas aos ombros nus dele.
– Não funcionou? – arqueou uma sobrancelha, mantendo a expressão séria e olhar estreito, gargalhou, jogando a cabeça para trás.
– Tudo bem, talvez seja melhor antes que a gente comece a falar muito sobre nossos traumas e se expor além do necessário.
– Existe coisas que você só ouve se tiver no seu colo. – gargalhou e em seguida, juntou seus lábios.
22 de novembro de 2021, São Paulo – Brasil
Autódromo de Interlagos
– Bom trabalho, . – Alguém o parabenizou, passando ao seu lado, o piloto finlandês sorriu de volta.
– Obrigada. – Agradeceu.
acenou e em seguida for parado por uma dupla de fotógrafos, que tiraram meia dúzia de fotos do piloto com o troféu de terceiro colocado do Grande Prêmio do Brasil. Era um dia bom, um domingo mais que especial e maravilhoso. Depois de uma intensa maré de azar, as coisas enfim pareciam melhorar. Após toda aquela pressão por bons resultados na perseguição de uma renovação com a Mercedes, a resposta final fora libertadora, mesmo não sendo a esperada.
No próximo ano não seria mais companheiro do heptacampeão inglês, teria uma casa diferente e suas costas estavam infinitamente mais relaxadas. O peso de ter seu futuro definido era leve, principalmente depois de um ano com tantas críticas, julgamentos e caos. Não estava mais preocupado, faria o melhor que pudesse pela equipe e só. Correr pela essência, sem o peso de precisar ser perfeito, sem precisar provar seu valor a qualquer custo e em cada movimento. Era enfim seguro, enfim havia paz.
– Bom trabalho! – Toto Wolff, chefe da equipe o parabenizou, aproximando-se dele. – Hoje foi um dia muito bom. Para todos nós.
– Eu ainda estou sentindo a ressaca da adrenalina. – sorriu. – Foi intenso lá.
– Estamos mais perto do título. Dos dois títulos. – Wolff abraçou pelo ombro enquanto os dois caminhavam pelo tumultuado paddock. – Cada ponto tem muito valor e você merece todo reconhecimento por essa virada no campeonato.
– É o que posso fazer pela equipe. – assentiu. – Fico muito feliz em ajudar no que consigo.
– Vamos sentir sua falta aqui. – Wolff confessou um pouco emocionado. – Uma pena não termos três assentos.
O piloto finlandês sorriu aberto e assentiu, enquanto pensava no quão sarcástica aquela afirmação parecia depois de todo percurso até ali. Não precisava sair se não o tivessem demitido, essa era a verdade, mas tudo já estava consumado, não adiantaria apontar a ironia naquela conversa. Não mais.
Wolff se desvencilhou e se afastou de quando se aproximaram de alguns outros jornalistas, o chefe se dirigiu ao grupo, enquanto tomou outro caminho, buscando o conforto das dependências da escuderia.
– Aí está ele. – Antti Vierula se aproximou, balançando-o pelo ombro. – Mais um pódio. Mais um troféu para a coleção.
– Acho que vou precisar de mais espaço na sala de casa. – brincou, erguendo o troféu.
– Foi uma corrida incrível. – Contou o outro. – Uma daquelas que vale a pena assistir milhões de vezes. Ultrapassagem nas últimas voltas? – Vierula assoviou. – Memorável!
apenas sorria e assentia, ouvindo os detalhes da corrida contados por Antti, mas sem desprender real atenção ao assunto. Cada dia que passava, aproximando-se do fim da temporada e de sua última corrida pela escuderia, as coisas pareciam ficar mais estranhas. Estranhas como quando você compra um café grande e ele termina cedo demais. Agridoce, ao mesmo tempo em que se sentia motivado e animado com a possibilidade de ser o primeiro piloto em um cenário completamente fora de sua zona de conforto, sentia que podia ter sido mais, que podia ter feito mais e fazer mais no futuro, se não lhe tivessem negado a chance.
– Se continuar assim, teremos um final de temporada daqueles que se comentam por anos. – Antti piscou.
– É o que espero. – Disse o piloto. – Quero férias. Relaxar, aproveitar a natureza e descansar. Recuperar as energias para o próximo ano e tudo que vai envolver a próxima temporada.
– Que tal férias na Itália? Alguma praia? – Sugeriu o outro. – Soube de um resort muito interessante no mar mediterrâneo.
desaprovou torcendo os lábios.
– Estava com algo diferente em mente. Vou para casa, na Finlândia. – Falou ostentando um sorriso saudoso. – Estou sentindo falta de jogar um pouco de hockey, esquiar. – olhou de soslaio para o amigo e preparador. – Aproveitar uma tarde de sauna com amigos. – Piscou sorrindo.
– Ah...isso que é vida. – Antti riu alto jogando a cabeça para trás.
– Eu mal posso esperar.
22 de novembro de 2021, Lathi - Finlândia
Centro de Treinamentos do Pelicans
Segunda-feira era o pior dia da semana, sem qualquer discussão. Tentar reacostumar o corpo a rotina diária de trabalho, acordar cedo demais para enfrentar um dia de neve pesado e frio cortante. Lathi era uma cidade realmente muito fria, sentia que qualquer momento veria um urso polar caminhando ao seu lado, um homem puxado por um trenó e atletas de inverno. O frio de Lathi fazia sentir saudade dos dias chuvosos e nublados nas terras da rainha. Infelizmente percebera tarde demais o quanto amava sua cidade. Mal podia esperar para suas férias, queria visitar seus amigos, sua família, ir a lugares mais quentes e onde falassem seu idioma.
Era cedo, o vento frio fazia a terapeuta xingar e amaldiçoar , onde quer que estivesse, esperava que seu pneu furasse e que seu aquecedor parasse de funcionar de repente. O estacionamento da Isku arena estava praticamente vazio, alguns carros nos fundos denunciavam que alguns jogadores já haviam chego para os treinos do dia. apertava as mãos na alça de sua bolsa, que estava atravessada em seu peito, enquanto respirava com alguma dificuldade por estar andando rápido demais, além da capacidade de seus pulmões e por estar de máscara. Vestia botas, uma touca, calças e muitos casacos pesados, os cabelos estavam soltos e completamente gelados e a máscara estava baixa, revelando a ponta de seu nariz e a boca, não conseguia respirar direito com aquilo.
– . – surgiu de repente ao lado dela, com sua bolsa de treino pendurada ao ombro e um sorriso doce. O jogador começou a caminhar ao lado da terapeuta de modo despreocupado.
– Qual é o seu problema com máscaras? – franziu o cenho e balançou a cabeça negativamente, riu abafado, jogando a cabeça para trás.
– Depois do nosso final de semana? – Ele arqueou uma sobrancelha.
– Não foi um final de semana , foi um domingo. – Ela o corrigiu. – E talvez uma noite de sábado.
parou de andar e abriu a boca, fingindo-se de ofendido.
– Então é isso que eu represento para você? – Encenou ele.
– Achei que tinha ficado implícito quando não liguei no dia seguinte. – piscou, olhando-o por sobre o ombro, entrando na brincadeira.
– Meus amigos sempre me disseram para não confiar em estrangeiras. – balançou a cabeça negativamente e expirou, voltando a acompanha-la.
Mas subitamente parou, empacando no lugar em que estava, se dando conta enfim de que estavam prestes a encontrar todo o time. A realidade enfim a atingira como um soco no rosto.
– A gente vai...tipo...vamos falar que...? – Ela indagou sem jeito, fazendo o central rir mais uma vez.
– Contar que você partiu meu coração? – brincou, puxando o gorro rosa claro de , e trocando o cinza que usava pelo da terapeuta, enquanto ela caminhava ao seu lado mais uma vez.
– Há, muito engraçado. – torceu os lábios e riu sem humor, tentando recuperar seu gorro, mas a diferença de altura do jogador para a terapeuta era um empecilho.
– Ninguém vai perceber. – Ele deu de ombros, desviando-se das tentativas dela, enquanto caminhava distraído. – A não ser que queira contar. – Ele baixou rapidamente as sobrancelhas, a encarando e estalou a língua, provocando-a.
– Eu? Não. Eu não...– gaguejou mais uma vez. – Eu, não...não sei. – riu baixo da hesitação dela. – Você quer contar?
– Você quer contar? – Ele repetiu.
– Mas você quer contar? – arregalou os olhos, parando de andar e segurando o antebraço livre de .
– Você quer? – Ele ergueu as sobrancelhas, divertindo-se com o quase desespero dela.
– Quem quer o que? – Santtu Kinnunen enfiou a cabeça entre os dois, olhando de um para o outro.
– Apostar no próximo jogo. – mentiu como um profissional, enquanto empalideceu.
– Eu só volto a apostar quando você voltar para o time. – Santtu disse.
– O que me diz, ? Eu volto logo? – arqueou uma só sobrancelha, provocando a inglesa.
– , você precisa fazer sua mágica logo. – Santtu tocou as costas da mulher, guiando-a para dentro e ignorando . – Nós precisamos do . Hoje eu quase fingi estar doente, só para não estar aqui para ouvir o que o Petri vai dizer. – O jogador fez careta.
– Fique descansado, Santtu. – expirou entediada. – Quanto mais rápido eu me livrar de , é melhor. – Disse ela e ouviu e viu, de soslaio, gargalhar.