Girassol
Girassol: “Flor do sol”, significa felicidade, calor, vitalidade e energia positiva.
Domingo, 05 de dezembro de 2021, Viipuri – Rússia
Casa dos null
A noite estrelada e fria era cortada pelo vento, que vez ou outra agitava as janelas com certa força, mas o barulho era abafado pelo som das vozes dentro de casa. Era tarde, depois do jantar, a mãe e o pai conversavam com Alicia sobre mais uma de suas ideias para sua festa de aniversário que se aproximava, enquanto null, jogado no sofá, rolava o feed de seu Instagram, buscando se entreter. Inessa estava fora, tinha saído com alguns amigos para aproveitar sua temporada na cidade.
null ainda não tinha certeza se dormiria na casa dos pais ou se pegaria estrada de volta para Lathi durante a noite. Se viajasse ainda naquele dia, poderia tentar encontrar null acordada, e mesmo se não fosse possível matar a saudade, dormiria em sua cama, em casa. Poderia acordar mais tarde no dia seguinte, ter uma manhã tranquila e depois ir para o treino. Estava tomado por uma preguiça invencível, tinha comido muito no jantar e suas forças estavam concentradas na digestão.
– E aí, bundão. – Inessa implicou assim que passou pela porta. A morena jogou os sapatos, casaco e a bolsa em um canto qualquer e se lançou sobre o sofá, caindo parcialmente sobre o irmão, deitando sua cabeça no abdômen dele.
– Já em casa? O que foi? Seus amigos te expulsaram? – null implicou, ignorando o peso da cabeça da irmã sobre sua barriga cheia.
– Não são eles que me expulsam, sou eu quem decide quando a noitada acaba. – Ela piscou sorrindo. – Quando você vai embora?
– Ih, Inessa. Saí fora, me deixe. – null rolou os olhos.
– Não é isso, idiota. – Inessa resmungou, girou o corpo e deitou-se de bruços no sofá. – Só estou perguntando que horas você vai para Lathi porque preciso de uma carona.
– Carona para que? – null estreitou o olhar.
– Porque vou para Lathi. Que pergunta idiota. – Ela rolou os olhos de novo. – Tenho umas reuniões de marketing lá, também quero aproveitar para rever velhos amigos.
– Sei...– Ele torceu os lábios desconfiado.
– Vai me dar carona ou não?
– Tanto faz, mas não sei quando vou sair. – Ele deu de ombros. – Pode ser hoje ou amanhã cedo.
– Ótimo. – Inessa sorriu, voltando a se deitar sobre a barriga do irmão.
null estava deitado no sofá com as pernas cruzadas e cabeça apoiada no braço lesionado, com a outra mão segurava o celular, rolando a tela. Mal podia esperar para repetir os exames e enfim se livrar de tudo aquilo, estava ansioso para voltar a jogar, ajudar seu time, recuperar a confiança dos parceiros e seu posto de capitão. Mas subitamente, o passeio desatento pela rede social se transformou em um passeio desconfortável e irritante. O central franziu o cenho e uniu as sobrancelhas, aproximou o celular do rosto para ver melhor, deu zoom na foto algumas vezes, tentando buscar algum sentido no post. Conferiu todos os marcados e arrastou para o lado, conferindo também as outras fotos do carrossel.
Tinha escutado por alto que null sairia com os caras do time no fim de semana, mas graças ao fim de semana na casa dos pais, aquele fato havia sumido de seus pensamentos. Tinha se esquecido completamente disso, só sendo lembrado pelas fotos publicadas pela inglesa em seu perfil na rede social. Seu estômago ficou frio de repente, assim como o sofá desconfortável, passando a ser um lugar extremamente ruim de se estar. Nas fotos o que parecia ser um passeio no lago que incluía uma foto de Santtu, Otto e Waltteri com camisas abertas bebendo cerveja. Além de fotos de comidas, fotos da cidade e fotos do que parecia ser um jantar. Não era nada demais, além da exposição desnecessária do abdomen de Waltteri Merelä, e não haviam fotos da terapeuta com um dos caras ou algo do tipo, mas de algum modo aquele passeio o tinha atingido.
null respirou fundo antes de voltar e olhar as fotos outra vez, tentando capturar algum detalhe que lhe houvesse passado desapercebido da primeira vez. As imagens haviam sido publicadas no perfil pessoal de Ava, com um emojis como legenda. null sentiu uma intensa vontade lhe atingir, queria ligar, mandar mensagem, perguntar sobre o que se tratavam as fotos, onde tinham ido, o que tinham feito. Sentiu também o ciúme lhe atingir como um soco, nunca havia saído para um passeio ou encontro com null, nunca a tinha levado para jantar ou para passear no lago, mas agora ela tinha feito isso com Merelä. E que droga era aquela foto, porque ele estava com a camisa aberta e sentado daquele jeito? E por que é que ele tinha que ser tão loiro e com olhos tão azuis?
– null! – Alicia gritou da cozinha, vindo até a sala com passos apressados e celular na mão. – O Waltteri Merelä está namorando?
– Eu não sei. – O central não lhe deu atenção, continuou encarando a tela do celular, mal-humorado.
– Por que está perguntando isso? – Inessa entrou no assunto, se sentando no sofá.
– Por causa disso. – A mais jovem entregou o celular para a irmã. – Ela postou as fotos e marcou ele em várias, depois ele repostou.
Nesse instante null fechou os olhos e deixou a cabeça tombar para trás, incrédulo no que estava acontecendo. Parecia um pesadelo. Alicia sabia quem era null, seguia a inglesa e monitorava a vida social dela. Queria que quando apresentasse null a família, o fato de trabalharem juntos fosse mantido sem segredo, não sabia como reagiriam, mas agora, tudo estava perdido.
– Mas ela marcou outras pessoas também. – Inessa comentou. – E o null curtiu.
– Eu o quê? – O central se sobressaltou. – Droga, foi sem querer. – Expirou, conferindo o que tinha feito em seu próprio celular.
– Eu sigo ela, ela trabalha com o time. – Alicia contou a irmã.
– Por que você fez isso? – null sentiu o ar faltar dos pulmões.
– Você conhece ela? – Inessa quis saber, encarando o irmão de olhos estreitos.
– Do que isso importa? – Ele questionou, ainda com olhos em Alicia. – Por que você seguiu ela?
– Porque eu não seguiria? – Alicia olhou para o irmão com sobrancelhas juntas.
– Eles estão juntos? – Inessa cutucou o central, que naquele momento sentia uma imensa vontade de gritar e ficar sozinho.
– Não. Não sei. Não. – null respondeu rápido, sem pensar muito, ainda afetado pelo fato da irmã já conhecer sua inglesa.
– Seria muito azar se logo agora ele começasse a namorar. Fala sério! – Alicia se afastou deles depois de recuperar o celular da mão da irmã, pisando firme.
– Merelä. – O central rosnou baixinho, enfiando as mãos nos cabelos, queria xingar o ala, mas não podia, não dentro de casa ou na frente das irmãs.
– Qual é a questão aqui, bundão? – Inessa se esgueirou para mais perto do irmão. – Porque claramente tem uma questão aqui.
– Cala a boca, não tem nada.
– Você sabe que se não me falar vou descobrir sozinha, não é? – Disse ela, erguendo uma das sobrancelhas. – Qual é o seu problema com Merelä?
– Nenhum, eu não tenho problema com o Merelä, meu problema é com vocês, que insistem em namorar pessoas do time. – Disse irritado, ficando de pé. – Meu problema é isso. Vocês.
– Sabe, entendo a Alicia ter esse crush no Waltteri Merelä. – Inessa, que agora conferia a foto pelo seu próprio celular falou sorrindo e erguendo as sobrancelhas. – Ele é um grande gostoso.
null levou uma das almofadas ao rosto para abafar o grito que não podia dar. Uma mistura de ciúmes de null, com ciúmes da irmã e antipatia por Merelä, que parecia ter voltado com força total depois daquele post.
– Dê seu jeito, Inessa, tô indo para Lathi. – Anunciou o capitão. – Agora.
Domingo, 05 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Apartamento de null null
No domingo à noite, null havia deixado a TV ligada em um episódio qualquer de The Office porque aquilo lhe fazia lembrar de null, enquanto na cozinha recheava e enfeitava cupcakes. Amava fazer cupcakes, mesmo não sendo a melhor das melhores na cozinha. Cupcakes era o que usava para demonstrar afeto, e também para os momentos em que estava ansiosa ou triste. Naquela ocasião, fazia cupcakes para presentear null no dia seguinte, quando o central voltasse de sua pequena viagem. Estava feliz e animada, ansiosa com o que o jogador diria, se ele gostaria da surpresa ou não.
Estava tão concentrada que quase não escutou a campainha. Terminou de cobrir o último bolinho com o creme de chocolate branco e colocou a bandeja na geladeira. Bateu as mãos sujas no avental que usava, tentou afastar os fios de cabelo que lhe caiam no rosto e foi até a porta. Talvez por estar tão concentrada em sua tarefa, nem percebeu que a pessoa não tinha tocado o interfone, e que já era algo perto das dez da noite. Estava distraída demais para raciocinar.
– null! – A inglesa sorriu grande e abriu os braços assim que encontrou a figura do central do lado de fora da porta.
null não respondeu, sem qualquer gentileza ou sorriso, avançou sobre ela, correspondendo ao abraço, colocando a mão saudável na base da coxa da inglesa, impulsionando-a para cima. null enlaçou a cintura do central com as pernas, beijando o rosto e pescoço do jogador, abraçando-o com força.
– Nem acredito que está aqui. Eu estava morrendo de saudades. – Declarou ela, sorrindo enquanto distribuía beijos pelo rosto dele.
– Sentiu minha falta? – Perguntou enquanto empurrava a porta, fechando-a com ajuda de um dos pés, e com null nos braços fazia o caminho que havia feito na primeira vez em que ficaram juntos naquele apartamento, até o quarto dela.
– Demais. Muito. Você não faz ideia. Morri de saudades do meu capitão. – Declarou segurando o rosto dele e o beijando na boca.
– Sentiu mesmo? – null ergueu uma sobrancelha, ainda sem sorrir. – Do seu capitão?
– Primeiro e único. – Ela respondeu umedecendo os lábios, sentindo o coração acelerar um pouco mais, olhando para os olhos e depois os lábios avermelhados de null. – Do meu null.
null a olhou nos olhos, depois maneou a cabeça.
– Diz isso de novo. – Pediu, entrando no quarto sem se importar em acender as luzes.
– Que você é o meu capitão? O meu null? – null sorriu contra os lábios dele, olhando para o jogador com malícia na penumbra do quarto.
– É. – Assentiu.
– Você é o meu capitão, null null. – null mordeu o lábio inferior do central puxando-o devagar entre os dentes. – Meu. Apenas. O meu capitão, o meu homem. Quer que te diga também, outra vez, o quanto eu estava sonhando com esse momento? De ver o meu capitão passando pela porta? Sentir seu cheiro, seu gosto...
– Quero ouvir você dizendo isso a noite toda. – O jogador sussurrou contra a pele do pescoço de null assim que a colocou na cama, deitando-se sobre ela. – Vamos fazer seus vizinhos descobrirem meu nome.
A inglesa riu abafado, olhando nos olhos do central e o beijando, enquanto null apoiava o antebraço da mão imobilizada ao lado da cabeça da terapeuta, e com a outra mão abria a calça que ela usava. Quando terminou, null se afastou, ergueu o corpo e de uma vez só puxou a peça, arrancando-a do corpo de null. Depois, voltou a se deitar sobre ela, apoiando novamente o antebraço imobilizado ao lado da inglesa e levando a mão saudável entre as pernas de null, fazendo com que ela arqueasse a coluna e respirasse fundo.
– Meu Deus. – Ela arfou.
– Não é Deus quem tá aqui. – Ele a repreendeu olhando em seus olhos, dando mais pressão e rapidez ao seu movimento. – Sou eu. Diz meu nome. – Ordenou.
– É o que você quer? – Ela perguntou, mordendo o lábio com força, aproveitando as sensações que aquele momento a causavam. – null...– null gemeu abafado enquanto null sorria, concentrado no que fazia.
Segunda-feira, 06 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Na segunda null não recusou a carona de null, principalmente porque já estavam atrasados demais para que a terapeuta fosse caminhando ou que esperasse outro tipo de carona. Decidiram passar em uma lanchonete qualquer que tivesse drive thru para saciar a fome matinal. null dirigia, relaxado e concentrado no trânsito, enquanto null pensava no quão sexy ele conseguia ficar daquele jeito, sério e segurando o volante com aquela firmeza, dirigindo com uma mão só. Ele era perfeito e enquanto assistia, a inglesa se imaginava em um momento a sós com aquele homem outra vez.
A chegada de null na noite anterior fora repentina, e para matar a saudade tinham tido a noite mais memorável de suas vidas, na opinião da inglesa. Uma noite quase inteira acordada e que havia resultado a null vários arranhões pelo corpo, e em null várias marcas arroxeadas. Também era desconfortável se sentar, a depender de como se sentava, e null pareceu perceber isso enquanto a terapeuta se remexia no banco do carona.
– Qual é o problema? – Ele a olhou rapidamente, voltando os olhos para um cruzamento em seguida, girando o volante com apenas uma mão enquanto conferia pelo retrovisor.
– Hoje está meio complicado ficar sentada. – Ela confessou mordendo o lábio envergonhada, e null riu abafado, balançando os ombros enquanto ria.
– Desculpe. – Pediu, alcançando uma das mãos dela e levando aos seus lábios, depositando um beijo suave. – Exagerei muito? – Ele a olhou.
– Tudo bem, só mais uma segunda comum. – null brincou dando de ombros, enlaçando os dedos nos do central, fazendo sorrir com sua brincadeira. – Como foi com seus pais? – Perguntou após alguns instantes.
– Foi okay, estava sentindo saudades. – Contou com um sorriso leve, estava com humor inabalável naquela manhã, sentindo-se invencível, quase como antes de sua lesão e da chegada da inglesa ao time, só que dez vezes melhor. – Minha irmã mais velha está comigo lá em casa, ela tinha que resolver umas coisas em Lathi.
– Que bom. – null respondeu admirando o capitão. – Você disse que sua mãe tinha feito perguntas sobre mim...– Enfim a inglesa introduziu o assunto que mais tinha curiosidade desde que null disse em ligação.
– Coisa de mãe, queria saber mais sobre você. – Ele respondeu enquanto entrava enfim na lanchonete.
– E você disse o que? – A terapeuta precisava de mais informações, estava agitada com a ideia de null e sua família falando sobre ela durante todo o fim de semana.
– Só respondi. – null deu de ombros. – Não foi nada demais, só queria saber de onde você era, como a gente se conheceu, há quanto tempo...essas coisas.
– Você contou?
– Não que a gente trabalha junto. – null respondeu rápido e em seguida se voltou para a null. – O que vai querer?
– Primeiro, que você me conte direito essa história. – Disse e null inclinou a cabeça, expirando impaciente. – Segundo, um café puro.
– Só isso? – Ele se certificou antes de fazer o pedido, e null assentiu, assistindo o central falar com o atendente em finlandês, sem entender quase nenhuma palavra graças ao sotaque carregado do que devia ser russo, que o central tinha.
– O que foi que você acabou de pedir? – null o observava com a cabeça inclinada sobre o ombro.
– Você precisa de umas aulinhas de finlandês. – Respondeu ele com um olhar pouco repreensivo, torcendo os lábios em reprovação, dando partida no carro, segurando o celular com uma mão e o volante com a outra do jeito mais sexy que alguém podia fazer.
– Ó, sim, quem poderia me fazer esse favor? – Encenou a inglesa, recostando-se no banco e levando uma das mãos a testa teatralmente.
– Peça ao Waltteri Merelä. – null respondeu sem pensar. Não gostava de admitir, mas ainda estava um pouco mordido com os últimos acontecimentos, mesmo depois da noite e mesmo estando em seu ótimo humor.
– Ele me ajudaria, sem pensar duas vezes. – null devolveu, sem perceber o verdadeiro tom do central, e no instante que disse, null a encarou de olhos estreitos.
– Ele te ajudaria, null? Sem pensar duas vezes? – Repetiu e a inglesa ergueu os ombros, surpresa. – Eu tô servindo pra quê aqui?
– Mas você quem disse para pedir a ele. – null riu, confusa e se divertindo com o que se deu conta de ser ciúmes do capitão.
null não respondeu, apenas negou com a cabeça enquanto abria a carteira e se inclinava um pouco para fora, para pagar o pedido, ignorando null, que mordia os lábios tentando controlar o riso. Quando null tornou a puxar o carro para onde os pedidos seriam retirados, a terapeuta levou os dedos até a nuca do central, afagando a cabeça dele.
– Você está com ciúmes do Waltteri? Por que?
– Quem disse isso? – Ele devolveu sem olhá-la. – Eu não sei do que está falando, null.
– Sabe, amor... – null puxou o queixo do central em sua direção, null não protestou, mas tinha uma expressão entediada e impaciente no rosto. – Existem algumas situações que te fazem ficar emburrado assim, e para o seu azar, eu já saquei quais são. – null rolou os olhos, ela estava jogando baixo o chamando de amor, mas não cederia. – Então, caso não tenha ficado claro o suficiente, é com você que eu estou, e Waltt ou qualquer pessoa nunca teria chances contra meu namorado capitão. – Declarou ela, beijando-o rapidamente depois de falar.
– Você acha que é assim? – null questionou tentando se manter sério, desistindo instantaneamente de seus ciúmes e aproveitando o momento, se importando apenas em controlar sua vontade de gritar e sair dançando pelo estacionamento da lanchonete por ela ter se referido a ele como “meu namorado capitão”.
– Como assim? – null sorriu fraco, confusa por sua tentativa não ter funcionado.
– Acha que pode sair por aí me chamando de namorado assim? Sem nem fazer um pedido digno?
– Um pedido? – Ela repetiu, rindo surpresa e feliz.
– É. – Ele continuou sério. – Eu nem fui comunicado. Não sou um homem fácil, null null, você nem falou das suas intenções ainda. – null disse, e no instante seguinte se esticou para pegar os pedidos com a atendente. – Ela acha que tudo é fácil assim. – Brincou, balançando a cabeça negativamente, entregando os pedidos a null e manobrando o carro usando apenas uma mão outra vez, já que a outra sustentava seu café com leite, levando o carro para o estacionamento vazio.
– O que você quer? Flores e um ursinho de pelúcia? – Perguntou null, entrando no jogo dele, segurando seu café e com os muitos pedidos dele no colo.
– Você debocha muito do meu romantismo, null null. – null negou com a cabeça outra vez, bebendo seu café e se divertindo com a situação.
– O que eu devia fazer? Me ajoelhar e te pedir em namoro?
– Você de joelhos é realmente uma bela visão. – O central respondeu e ao ser atingido por um tapa leve de null, riu elevando os ombros, como quem pergunta o que disse de errado. – O quê? É um elogio. Um elogio a uma de suas várias qualidades e talentos.
– Talentos sexuais, null null? – null virou-se para ele, tomando cuidado com como sentaria, fingindo estar irritada.
– Também, mas eu gosto bem desses. – Ele respondeu, inclinando-se para perto da terapeuta, deixando os rostos próximos o bastante para que quando falasse seus lábios roçassem a pele da bochecha de null.
– E do que mais? – null arqueou uma sobrancelha e mordeu o lábio inferior com força.
– Se eu começar a falar vamos nos atrasar mais, porque vou querer sair do campo das palavras e ir para o campo da ação. – null sussurrou. – Principalmente depois de ontem.
– Podemos fazer as duas coisas. – Ela sugeriu, olhando nos olhos dele, que por um segundo pareceram confusos, para no instante seguinte brilharem com o lapso da compreensão.
– Ey, Ey...wohoo... – Ele riu nervosamente, perdendo a postura e se derretendo no banco. – Quer fazer isso? Tipo... mesmo? Aqui? Assim?
– O quão concentrado você consegue ficar enquanto dirige e eu... – Ela arqueou uma sobrancelha, olhando-o nos olhos e sorrindo com malícia, mordendo em seguida a ponta da língua.
– Adoro quando você quer fazer check list das coisas que levariam a gente para a prisão. – null apertou os lábios, segurando o riso e ergueu os ombros, mas não conseguiu conter a risada por muito tempo, se sentia como um adolescente nervoso antes de fazer sexo pela primeira vez.
– Adoro como você quebra o clima. – null ironizou, rolando os olhos e ajeitando sua postura no banco, cruzando as pernas e tomando um pouco do seu café, afastando–se dele.
– Não. Espera. Não. – null se endireitou, tentando capturar a atenção dela novamente. – Eu gostei da ideia. A gente pode sofrer um acidente ou ir para a cadeia por atentado ao pudor? Sim, mas só se vive uma vez. – O jogador tentou retomar, apertando a coxa da inglesa.
– Já era, perdi a vontade quando você começou a rir. – null deu de ombros.
– null... null...amorzinho... – Ele choramingou, projetando o lábio inferior e quando null ouviu a terceira palavra o encarou com um sorriso incrédulo nos lábios. – Eu fiquei nervoso. – Admitiu sorrindo outra vez e ela o encarou, passando a língua pela bochecha, sorrindo e balançando a cabeça incrédula. – Suas ideias são muito acima da minha inocência. Você é muito pervertida. – Falou e viu a terapeuta abrir a boca, estupefata.
– Onde está o cara que chegou na minha casa ontem com aquela moral toda? – Ela tentou provocá-lo outra vez. – Ele fez o que fez e eu sou a pervertida?
– Era só marra, aparência. – Admitiu dando de ombros, já se sentia à vontade para admitir aquelas coisas, afinal, não era como se ela não soubesse que toda sua postura inabalável, duro e marreto fosse só capa, que na realidade null não passava de um garoto envergonhado, tímido e romântico. – Eu não sou um cara durão. Quer dizer, eu sou. Muito. Mas não nesse sentido. – Corrigiu rindo pelo nariz e erguendo o dedo indicador.
– Às vezes acho que você ficou preso na quinta série. – null rolou os olhos outra vez.
– Esse é o segredo de nós homens, querida, todos ficamos. – null deu de ombros e levou a mão livre até a mão livre da terapeuta, segurando-a e entrelaçando seus dedos.
– Você é irritante. – Ela negou com a cabeça outra vez, rindo abafado.
– Ontem eu fui irritante? – null arqueou uma sobrancelha e maneou a cabeça.
– Ontem... – null voltou seu olhar para ele e umedeceu os lábios com a ponta da língua, percebendo o olhar do central preso ao seu movimento. – Ontem você foi diferente.
– Ontem eu estava com ciúmes. – Justificou e viu null franzir o cenho rapidamente. – Merelä levou a minha mulher para jantar primeiro que eu, não gostei muito. – null sussurrou, aproximando-se da terapeuta e tocando a pele do pescoço dela com seu nariz.
– Acabo de sentir todo feminismo que habitava em mim sair pela janela, mas pode falar isso mais vezes. – null admitiu, deixando-se aproximar mais do central.
– Que eu senti ciúmes de você?
– Não, isso já é uma realidade com a qual estou me habituando. Me referi a outra parte.
null riu abafado contra a pele dela.
– Que você é a minha mulher? – Repetiu e no momento em que disse, levou a mão livre para a nuca da terapeuta, trazendo-a para mais perto.
– Eu poderia viver a vida toda com esse homem, a base de sexo e café. – null declarou, aproveitando a sensação, sentindo-se arrepiar com o toque e palavras dele.
– Vou cobrar essa promessa. – Ele tornou a sussurrar. – Só não consigo manter essa personalidade por muito tempo. – Confessou, fazendo-a rir e rindo junto.
– Você pode ser você mesmo, quando eu precisar desse alter ego, eu chamo.
– Alter ego? – null riu, enquanto null deslizava sua mão livre pela perna do jogador, em direção a coxa, fazendo ele se assustar brevemente com o movimento e acompanhar com o olhar.
– É, são dois. O null, gentil, engraçado, fofo e romântico. O que fica nervoso, que parece um adolescente virgem com a primeira namorada. – Explicou ela, mordendo o queixo do jogador entre as frases. – E o null. O que tem essa expressão de quem não liga para nada, inalcançável, inatingível, que tem total poder sobre mim. O que me fez implorar por mais ontem e me deixou sem conseguir sentar direito. – Falou, subindo um pouco mais a mão que passeava no corpo do central, atingindo enfim seu objetivo.
– Gostei disso. – Ele retribuiu o carinho que recebia levando a mão até a nuca da inglesa e puxando seu cabelo.
– É a combinação perfeita. – null sorriu voltando a beijar os lábios dele. – Para o null eu faço, literalmente, qualquer coisa.
– E eu faço qualquer coisa por você. – Ele declarou, olhando-a nos olhos.
– Por isso é uma combinação perfeita. – Sorriu a inglesa.
– Acho que acabei de ter uma ideia. – null deixou seu café no apoio da porta do motorista, em seguida resgatou as embalagens ainda fechadas que estavam no colo de null e as colocou no banco de trás, desprendeu o cinto da terapeuta e a puxou em sua direção. – Acho que você pode fazer uma coisa por mim agora.
Segunda-feira, 06 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Centro de Treinamento do Pelicans
A fachada acinzentada da Isku Areena começava a aparecer no campo de visão de null e null. O jogador dirigia com calma até o centro de treinamentos do Pelicans, estavam quase uma hora atrasados, alguns minutos não fariam diferença. Os dois comiam os pedidos de café da manhã e terminavam seus cafés, já frios. Prestando atenção na música que tocava no rádio, recuperando o fôlego depois das últimas atividades.
– Eu gosto dessa música. – null comentou distraída, com olhos presos na rua, mas sem realmente prestar atenção no que via.
– É boa, mas bem velha. – null assentiu, mordendo seu Voileipäkakut.
– O que é isso? Qual é o nome? – A inglesa perguntou, apontando para o que comiam, que parecia um tipo de bolo de aniversário, mas salgado.
– Voileipäkakut. – null respondeu rápido. – Tipo um bolo de sanduíches. Pode ser de carne, legumes, frango. A gente aqui come muito em aniversários, festas, mas eu amo comer pedaços assim no café da manhã.
– O nome é difícil demais para uma coisa tão simples e tão gostosa. – A terapeuta observou e null riu. – E a outra coisa?
– Eu vou te ensinar tudo depois. – Falou olhando para ela rapidamente, voltando os olhos para a rua em seguida. – O outro é Juustokakut. Basicamente cheesecake de limão. Pedi um a mais de tudo porque sabia que você ia mudar de ideia e eu ia ter que dividir os meus. – Falou ele sorrindo.
– Naquela hora não, mas depois de tudo, sim. Estou cansada, gastei muitas energias. – null riu, abrindo a embalagem da sobremesa e experimentando um pouco. – É bom.
– Foi uma ótima ideia aquilo. – null sorriu com doçura assim que estacionou o carro, esticando uma das mãos em direção a null, que entrelaçou seus dedos aos do central. – A gente devia fazer isso sempre.
– Transar no carro em um estacionamento de lanchonete, as oito e meia da manhã de uma segunda-feira? – null arqueou as sobrancelhas.
– É. – Assentiu ele animado. – Adrenalina, vivendo no limite. – Ele brincou erguendo as sobrancelhas enquanto sorria.
– Ou como dois adolescentes cheio de hormônios que não podem transar em casa. – null riu. – Não acha que nós estamos um pouquinho velhos para isso? – Perguntou aproximando o polegar do dedo indicador para enfatizar o “pouquinho”.
– Não sei, eu não fazia isso quando era adolescente. Estava ocupado jogando hockey. – null girou o corpo na direção da terapeuta, apoiando as costas na porta e rindo, recebendo dela uma garfada da torta de limão, depois arregalou os olhos teatralmente. – Não estou gostando desse seu caráter, null null. O que mais você fazia quando era adolescente?
– Te conto depois. – Ela riu junto. – Para não te assustar.
null riu, roubando a última garfada da torta, depois ajudando a inglesa a se livrar das embalagens, colocando-as no banco de trás. Em seguida, null levou a mão do jogador aos lábios e a beijou com delicadeza, depois começou a massagear a mão livre dele.
– Como você está? É um grande dia hoje. – null quis saber, sorrindo com doçura e viu o central apertar os dentes num sorriso infantil e nervoso.
– Ansioso. – Admitiu ele, fechando os olhos. – Acha que eles vão me liberar mesmo?
– Tudo indica que sim. – null sorriu e assentiu. – Meu parecer foi favorável a isso. – Contou ela. – Mas se alguém perguntar, eu nunca te disse isso. – null riu, fazendo-o rir abafado.
– Estou contando os minutos, os segundos. Não vejo a hora de voltar pro gelo. – Ele sorriu apoiando a cabeça no recosto do banco, respirando com suavidade. – Só preciso disso pra tudo ficar perfeito. – null sorriu enquanto o ouvia. – Tô ansioso para você me ver jogando também. – Confidenciou ele, girando o rosto para buscar o olhar da inglesa.
– Eu? Mas eu já te vi jogando. – null uniu as sobrancelhas confusa, levando uma mão até o rosto do central e afagando sua bochecha.
– Não, não direito. – null negou com a cabeça. – Você não entendia nada sobre hockey naquela época.
– Naquela época. – null repetiu torcendo os lábios e depois sorrindo. – Você diz como se fosse há anos atrás. – Falou e null a beijou nos lábios. – Eu aprendi muito com meu professor, mas não sou nenhuma especialista ainda.
– Mesmo assim, eu quero que me veja jogando, jogando como antes. – Disse ele com uma doçura quase infantil.
– Eu vou ver. Já fiz minha inscrição pro seu fã clube, vou estar com um cartaz no meio da torcida. – Brincou, fazendo-o rir.
null se inclinou em direção a inglesa, beijando-a com delicadeza e carinho, segurando o rosto dela com as mãos.
– Obrigado.
– Pelo quê? – Perguntou null.
– Por me apoiar. – Respondeu ele, roçando a ponta de seu nariz com o da inglesa. – Ficar do meu lado. Me ajudar a relaxar.
– Nossa, realmente, te ajudar a relaxar é uma tarefa muito penosa. – null riu, rolando os olhos. – Quase insuportável. – null sorriu contra os lábios dela. – Eu estou com você, para tudo, somos uma dupla. Mesmo null null sendo um ciumentinho irritante, às vezes. – Brincou apertando as bochechas dele, que riu envergonhado e sentiu o rosto esquentar.
– Eu tenho problemas pra dividir, sabe? – Devolveu null, no mesmo tom.
– Quem te disse que essa pessoa aqui tem que ser dividida? – null o olhou.
– Não sei, vai ver seu tipo é loiro simpático que te leva para jantar. – null maneou a cabeça e arqueou uma sobrancelha.
– Prefiro morenos românticos, com senso de humor questionável, que fingem me ignorar e me fazem comer carne de rena. – null sorriu, ergueu uma sobrancelha e o olhou nos olhos, tocando o rosto dele com a ponta dos dedos.
null sorriu e baixou a cabeça depois de alguns segundos em silêncio olhando nos olhos da inglesa.
– Já disse que sou apaixonado por você? – Falou depois de erguer os olhos outra vez.
– Acho que você mencionou uma vez, por telefone. – null fingiu dar de ombros. – Mas eu já tinha notado.
– Já tinha? – Ele riu, abraçando a inglesa e voltando a beijá-la.
– Você é pouco sutil. – Respondeu null. – Ficou bem na cara. Mas eu gosto de te ouvir admitir.
– Que sacana. – null riu, fazendo-a rir também, respirando fundo antes de continuar. – Eu tô apaixonado por você, null. Muito. Muito mais do que me lembro de já ter ficado apaixonado por alguém na vida. – Declarou, olhando a inglesa nos olhos. – Totalmente entregue. Agora você pode fazer o que quiser comigo. – Disse sentindo o estômago gelar, temendo a reação dela.
– Sendo assim, vou te deixar perto de mim. – null sorriu, beijando o central em seguida. – Sempre.
null sorriu grande, olhou para os lábios e depois olhos da inglesa, e a beijou outra vez.
– Apesar de amar ficar assim, perto de você, sendo abraçada por você. Alguém ainda precisa trabalhar. – null falou após algum tempo. – Eu preciso mesmo ir.
– Já?
– Para início de conversa, você também está atrasado. – null sorriu, ajeitando o cabelo e resgatando sua bolsa no banco de trás. – Segundo, nós não podemos ser vistos juntos, lembra? – Questionou, passando uma mão nos cabelos escuros dele, colocando os fios no lugar. – Você é lindo. – Sorriu ela e o jogador sorriu e a beijou outra vez.
– Você que é. – Respondeu ele. – Essa é a parte boa de estar atrasado, ninguém no estacionamento, só tem a gente aqui. – null apontou olhando para fora, onde outros carros estavam estacionados.
– É melhor não arriscar mais do que a gente já arrisca. – null alertou, tocando o rosto dele e roubando um beijo rápido antes de sair do carro. – Boa sorte, capitão. – Desejou.
– Faltou uma parte. – Alertou o central e viu null franzir o cenho assim que pisou fora do carro. null então sorriu e null pareceu perceber enfim, após alguns instantes, o que faltava na opinião do jogador, e riu pelo nariz.
– Boa sorte, meu capitão. Vou estar te esperando para as comemorações. – Ela piscou. – Melhor agora?
– Agora sim. – null assentiu com um sorriso mostrando todos os dentes. – Já que tô de quatro por você, mereço valorização.
– Cuidado, null. – null disse, adotando um tom mais sério, já fora do carro, inclinando-se para olhá-lo pela janela. – Essa coisa de ficar de quatro não deu muito certo ontem. – Brincou.
– Meu Deus, null null. – O capitão gargalhou, vendo-a sorrir e se afastar, olhando-o por sobre o ombro. – Que safada. – Ainda rindo o capitão negou com a cabeça.
A inglesa caminhou devagar até a porta do centro de treinamentos, olhando para o central por sobre o ombro, acenando para ele.
– É, null null... – Ele riu enquanto falava para si mesmo, dando partida no carro e conferindo as horas em seu relógio de pulso. – Você vai se casar com essa mulher.
Segunda-feira, 06 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Centro de Treinamento do Pelicans
– Aí está ela. – Aleks cantarolou assim que null passou pela porta.
– Aleks? O que você...– A voz da terapeuta falhou pelo susto, se dando conta do que o ala poderia ter visto.
– Petri está te esperando, você está atrasada. Ele perdeu o bom humor por sua causa. – Acusou Aleks, andando em direção aos longos corredores que levavam até o rinque e o vestiário, obrigando a inglesa a segui-lo.
– O quê? Comigo? Por que ele quer falar comigo? – null se apressou, mesmo que confusa. Eram muitas informações confusas.
– Ainda não é sua demissão. – Aleks disse e virou o rosto, olhando para null por sobre o ombro e sorrindo. – Infelizmente ainda não.
null resolveu não perguntar mais nada.
Não entendia a razão de Aleks estar à espreita, a esperando, e duvidava se o ala realmente não tinha visto qualquer cena comprometedora entre null e null, mas preferia não trazer aquele problema para si naquele momento. Decidiu por seguir Aleks em silêncio, sem provoca-lo ou dar brechas para que ele a provocasse.
O ala a levou até o rinque onde as partidas aconteciam, na Arena, onde os atletas estavam reunidos, vestindo roupas que costumavam utilizar nos exercícios comuns. O grupo estava reunido em um círculo junto a Petri, conversando algo, talvez estratégia. A cada passo dado em direção ao grupo, o coração da terapeuta acelerava mais por causa da ansiedade e curiosidade sobre o assunto que Petri poderia ter para tratar com a terapeuta logo pela manhã.
– Até que enfim, null. – Petri disse em voz alta assim que enxergou Aleks e null se aproximando. – Esqueceu o caminho para cá? – Questionou com as mãos no bolso.
– Eu tive um problema, lamento. – Justificou envergonhada. – O que está acontecendo? – Perguntou ela, correndo os olhos pelo grupo, tentando ler por suas expressões sobre o que se tratava.
– Se não estivesse atrasada saberia. – Petri continuou com seu tom austero de pai intransigente. – Primeiro, esse é nosso novo ala direita, Willy Mankinen. – Apresentou, apontando para um homem loiro, com cabelos grandes, olhos azuis e barba. – Essa é a nossa não pontual terapeuta ocupacional, null null.
– É um prazer. – null acenou com a cabeça e o jogador sorriu. – Desculpe pelo atraso outra vez.
– A outra coisa. – Petri chamou a atenção de null para si. O treinador tinha a expressão endurecida, mãos nos bolsos do casaco e uma expressão de impaciência. – Já que você tem esse costume horrível de querer assistir aos jogos, quando você decide assistir algum, de junto da torcida, agora tem um lugar entre eles.
null olhou confusa do técnico para o time, depois para o técnico outra vez.
– Como assim? Não entendi. – null uniu as sobrancelhas, acompanhando a movimentação de Petri, que se afastou do rinque e começou a subir as arquibancadas, em direção aos camarotes.
Santtu empurrou a terapeuta pelo ombro devagar, indicando com os olhos que null devia segui-lo.
– Considere uma oferta de paz. – Anunciou ele, falando enquanto subia, até que parou frente a uma cadeira coberta por um tecido azul. – Isso sou eu querendo fazer as pazes. – Petri falou, puxando de uma vez o tecido que cobria o assento. Quando fez, o time aplaudiu de onde estavam, e null encarou o grupo confusa, depois olhou para Petri e então, enfim, para o assento.
– Mas o que? – null coçou a testa, perdida.
– É um assento especial para você, null. – Petri rolou os olhos. – Não vê? – Ele apontou para as iniciais da inglesa desenhadas no assento preto. – null null.
– Mas por que? – Tornou a perguntar ela.
– Meu Deus, será que eu tenho que desenhar tudo por aqui? – Petri rolou os olhos e bufou impaciente.
– Não, não. Tudo bem. – null tocou o ombro do técnico. – Obrigada, foi uma surpresa e tanto. – A inglesa sorriu, inclinando a cabeça para analisar de novo o assento pintado de preto, uma cor diferente das dos outros assentos, e as iniciais da terapeuta desenhadas em dourado.
– Talvez isso te incentive a frequentar os jogos. – Ele alfinetou a olhando de soslaio.
– Mas eu frequento os jogos. – null se defendeu e Petri torceu os lábios.
– É uma oferta de paz. Sei que você é competente e boa no que faz, se não fosse não teria sido importada do seu pais para cá. – Petri falou, do jeito que falava com os jogadores depois dos jogos. – Eu te respeito.
– Isso é tipo um pedido de desculpas? Depois daquela nossa última conversa? – A inglesa apontou, ainda confusa.
– Não, não me lembro de ter pronunciado a palavra desculpa, é um tratado de paz. Ou melhor, uma oferta. – Petri corrigiu, em seguida afastou os olhos da inglesa e começou a descer em direção aos jogadores. – Vamos lá. Levem essas bundas para a sala de musculação antes de perder mais tempo aqui. – O treinador bateu palmas, agitando o time e ignorando a terapeuta.
Petri se afastou primeiro, null ainda perdeu algum tempo olhando para aquele assento especial, tentando entender o que aquilo significava e como devia reagir. Mas desistiu, não conseguia entender o que se passava na cabeça confusa do técnico do Pelicans, não perderia tempo tentando desvendar Petri Matikainen. Se ele queria fazer aquele tipo de agrado, receberia, mesmo desconfiando das verdadeiras intenções dele.
– É meio que um pedido de desculpas. – Waltteri sorriu assim que null desceu da arquibancada, chegando ao ponto onde antes os jogadores estavam reunidos. A maior parte deles já havia saído, e os poucos que ainda estava lá cumprimentavam a terapeuta com sorrisos e acenos.
– Waltt. – null sorriu de volta e Waltteri a abraçou. No instante em que os braços de Merelä a envolveram em um abraço apertado, os pensamentos da terapeuta viajaram até null e seu ciúme bobo.
– Ficou perdida na cidade de novo? – Ele perguntou, fazendo menção ao atraso da inglesa.
– Me atrasei para sair de casa, decidi tomar café da manhã na rua, mas deu tudo errado e me atrasei mais ainda. – Mentiu, parcialmente, enquanto começava a caminhar em direção a sua sala.
– Acontece. – Merelä sorriu, dando de ombros. – Não leve a sério o que o Petri diz, ele só estava muito ansioso para te mostrar o assento, acabou ficando mais nervoso que o normal.
– Já estou vacinada contra o mal humor dele. – null sorriu, olhando para Waltteri. – Embora não tenha entendido porque ele fez isso. – Ela deu de ombros. – Mas me conte, agora temos um cara novo? Não sabia que estávamos esperando alguém.
– É, foi uma surpresa boa. – Respondeu Waltteri. – Ele já tinha contrato com o Pelicans, mas estava emprestado a um outro time, foi convocado agora.
– Que bom. Novidades são sempre bem-vindas. – null sorriu. – Muito bom.
– Como você está?
– Bem, obrigada. – Respondeu a inglesa, sorrindo. – Eu estou bem. Você?
– Bem, muito bem. – Waltteri assentiu sorrindo de volta. – Foi divertido, sábado. A gente devia repetir mais vezes.
– É, devíamos. – Concordou null, tateando os bolsos em busca de suas chaves. – E talvez chamar mais pessoas do time também, o que acha? Podia ser legal. Tipo uma integração.
– É, ou podíamos...sei lá, só a gente. – Sugeriu ele, coçando a nuca, um pouco incerto e null ergueu os olhos.
– Só a gente. – Repetiu ela, lutando para não soar deselegantemente surpresa.
– É, poderíamos conversar melhor, sabe? Sem o Otto e o Jay causando com o jeito Otto e Jay de ser. – Merelä sorriu e null travou, sem saber o que responder.
– É, eles são...terríveis, não é? – null riu. – Mas não dá para dizer que não são animados e que nos divertem muito. – Merelä apenas assentiu. – Mas vamos marcar. Vamos combinar alguma coisa.
– Então tá. – O ala sorriu feliz.
– Eu preciso ir agora. – null avisou, apontando para trás, para a porta de sua sala. – A gente se esbarra.
– A gente se esbarra. – Ele repetiu, sorrindo.
null entrou e fechou a porta atrás de si.
– null, null... – A terapeuta disse a si mesma, balançando a cabeça negativamente enquanto ria, lembrando-se dos ciúmes do capitão do time. – Que besteira...
Dália amarela
Dália amarela: Transmite o vínculo duradouro e o compromisso entre duas pessoas. Seu significado pode variar a depender da cor, sendo a dália amarela símbolo de união recíproca e amor correspondido.
Segunda-feira, 06 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Centro de Treinamento do Pelicans
Após quatro semanas imobilizado, fora do seu habitat natural que era o gelo, enfim null null se sentia em casa novamente. A avaliação médica havia sido ótima, estava liberado para jogar, só precisaria passar por uma breve avaliação da equipe médica do time para definir como o retorno aconteceria, acertar pontas soltas, planejar seu retorno. Estava tão feliz que podia saltitar, literalmente. Enfim de volta ao gelo, enfim de volta ao jogo, enfim de volta ao posto de capitão.
Era o meio da manhã, estava com seu uniforme de treinos, com as duas mãos livres e desimpedidas, rumo a mais um dia de treinos físicos. Se sentia mais disposto que o normal para os treinos pesados e chatos, por estar infinitamente feliz com seu retorno, e para descarregar os sentimentos reprimidos depois da conversa com null. Estava tão entregue a inglesa que já não se importava em disfarçar seus sentimentos, não negava mais nada, e apesar de sentir frio na barriga quase sempre que estava em sua presença, admitia feliz estar apaixonado. Apesar disso, ainda tentava ser sensato e não fazer o que tinha vontade, como convidá-la para realmente morar junto, pedir em casamento ou coisas do gênero. Por isso, toda empolgação e animação deviam ser canalizadas para o esforço físico no trabalho.
A única coisa que deixava o central ressentido era não poder partilhar a razão de sua felicidade com o melhor amigo. Ainda não tinha certeza se inventar aquela mentira havia sido a melhor decisão, mas ao menos estavam tendo paz. Sem comentários, sem interferências do trabalho, sem outras chateações.
Enquanto atravessava a sala de treinamento, diferente da última ocasião, null era cumprimentado pelos jogadores, que acenavam, sorriam e perguntavam de seu retorno ao ver a mão livre do capitão. null sorriu e fez piada com todos que cruzaram seu caminho, se divertindo com cada brincadeira feita, aproveitando o momento.
– É o que estou pensando? – Atte abriu os braços e o sorriso quando viu o amigo se aproximando. – Temos nossa diva de volta?
– Vão ter que me engolir. – null respondeu o amigo, enquanto se apertavam em um abraço de urso.
– Isso é trabalho para outra pessoa. – Atte implicou, acertando um soco leve na barriga do central.
– Que isso, Atte... – Brincou null, rindo pelo nariz quando o amigo o empurrou pelo ombro. – Sua irmã não disse isso ontem. – Provocou.
– Já enjoei de você. – Atte fingiu depois de fazer careta, rolando os olhos e se sentando no chão, para em seguida dar início a uma série de abdominais. – Pode ir embora, para o diabo que te carregue.
null riu nasalado, baixando a cabeça e se concentrando enquanto decidia animado por onde começar.
– Como está a família? – O goleiro quis saber, atraindo a atenção do central novamente.
– Tudo bem, minha mãe ficou sentida porque demorei a voltar. – Contou rindo abafado.
– Eu disse a você. – Atte sorriu de volta. – Mas me surpreendi. Claro que tem isso de estar de volta ao time e tudo mais, mas você está muito bem. Acho que subestimei sua capacidade dessa vez.
– Eu te disse que a gente terminou bem. – null deu de ombros, mas em seguida procurou o amigo com os olhos. – Está falando daquela pessoa? – Atte assentiu em silêncio. – A gente terminou bem, sem motivos para ficar triste. E também, algum dia isso vai mudar, a situação, e enfim vamos poder ficar em paz.
– O quê? Eu entendi direito? – O goleiro cessou seu exercício para encarar o amigo.
– Não é você quem diz que fazer burrices está no meu sangue? Eu sou o null null. – O central deu de ombros, orgulhoso. – Teimosia é meu nome do meio, segundo dizem.
– Olha, a cada dia eu me surpreendo mais com você. – Atte riu incrédulo. – Mas acho que tem um ponto positivo nisso. Talvez fosse dela que você precisava para seguir em frente.
– Seguir em frente sobre o que?
– Aquela vaga na NHL. – O loiro ergueu o queixo e se sentou abraçando os joelhos flexionados. – Agora você tem um incentivo a mais. Ela não deve querer passar a vida aqui em Lathi, então serão dois incentivos, além do meu, claro.
– Sabe que... pensando assim... – null encarou o amigo com olhar pensativo e mãos na cintura. – Não me parece uma má ideia.
Os dois amigos riram juntos, só parando pela falta de ar e por causa da chegada de Aleks Haatanen.
– E aí. – Aleks cumprimentou os dois. O ala parecia incerto, um pouco envergonhado, analisando o central e o goleiro com o olhar ansioso.
– E aí, Aleks. – null cumprimentou o amigo com um abraço, para a surpresa de Aleks e Atte.
– Soube que você vai voltar. – Aleks falou com voz vacilante, ainda abraçando o central.
– Demorou demais. – Assentiu ele, afastando-se, mas mantendo uma mão sobre o ombro do ala.
– Que bom. Fico feliz que esteja de volta. Vai ser bom. – Haatanen balançou a cabeça.
– É, tudo de volta no lugar certo.
– Pois é, não é?! – Atte se pronunciou, atento ao momento.
– Aí, foi mal. – Aleks voltou a falar depois de alguns instantes de silêncio. – Sobre toda a coisa com a null e você. As coisas saíram do controle.
– Saíram do controle? – null olhava para Aleks com olhos estreitos e mandíbula tensionada, como algumas vezes olhava para Petri quando discordava do treinador.
– O que mais quer que eu diga? Eu estou pedindo desculpas. Não queria te matar. – Aleks ergueu os ombros e balançou a cabeça.
– É que eu não entendo porque você fez isso. Não entendo porque meu amigo fez isso. – null disse baixo, tocando o ombro de Aleks e olhando em seus olhos.
– Eu não queria que você me abandonasse por causa dela. – Aleks confessou enfim, sem pensar.
null encarou Aleks, sem esboçar qualquer reação, depois buscou o olhar de Atte, que também encarava o ala com expressão petrificada.
– Como é que é? Você tá... tá com ciúmes da null? – null indagou boquiaberto. – Aleks, eu não sei você, mas... eu gosto muito de mulheres. – null riu.
– Ah, cala a boca. – Aleks se irritou, desvencilhou-se com força do capitão e se afastou deles, trombando em todos que cruzavam seu caminho até a saída.
Segunda-feira, 06 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Centro de Treinamento do Pelicans
No fim da tarde null estava encarando a porta da sala de null.
Se reuniria ali junto com o resto da equipe médica e a terapeuta, para discutir seu retorno, quando poderia voltar aos treinos pesados e ao gelo para os jogos. Estava com uma ansiedade e nervosismo quase infantil, queria ter pensado em algo, um presente, um chocolate, qualquer coisa para surpreendê-la. O capitão passou a mão nos cabelos, tentou se ajeitar, respirou fundo enquanto pensava pela décima vez no que dizer ao encontrar a inglesa. Como evitar demonstrar seus verdadeiros sentimentos na frente dos outros. E quando enfim tomou coragem, enfiou-se pela fresta da porta.
– Com licença, null, posso entrar? – Perguntou ao colocar a cabeça para dentro da sala.
– Pode, claro. – null ergueu os olhos de suas anotações para encarar o central de modo confuso. – Por que está falando assim? Me chamando de null. – A terapeuta sorriu, inclinando a cabeça sobre o ombro.
– Achei que podia ter mais alguém aqui com você. – Ele explicou sorrindo sem mostrar os dentes, aproximando-se dela e a abraçando rapidamente, beijando o topo de sua cabeça.
– Como foi lá? – Ela perguntou com expectativa no olhar.
– Já posso voltar amanhã. – O central sorriu grande, sentando-se em uma das cadeiras reclináveis já tão conhecidas por ele, atraindo null para mais próximo.
– Isso é uma ótima notícia, null. – null sorriu grande, lançando-se sobre o pescoço do jogador, abraçando-o.
null tossiu, como quem tenta limpar a garganta ou chamar atenção de alguém, e null afastou o rosto para olhá-lo.
– Pra você é amor. – Ele a repreendeu, fingindo falar sério. – Capitão também pode servir em alguns momentos.
– Genérico demais. – null maneou a cabeça, torcendo os lábios numa careta.
– Não, não. Eu gosto. – null sorriu. – Aliás, a equipe médica de lá te elogiou. Disse que a recuperação foi mais rápida do que eles imaginaram que seria. – Contou ele, projetando o lábio inferior e assentindo com a cabeça.
– O que mais disseram sobre mim? – null quis saber, contente e surpresa.
– Falaram que fez diferença essa atenção mais especializada, que fisioterapeutas geralmente não conseguem ser tão eficientes com esse tipo de lesão. – Repetiu, orgulhoso da namorada. – E aí eu disse a eles que você me forçava a fazer muitos exercícios o tempo todo. Exercitar a força da minha mão aqui, no seu quarto...– Brincou desviando o olhar com uma malícia infantil.
null arregalou os olhos e desferiu um tapa leve na coxa do central, que riu com a reação dela a sua brincadeira.
– Não diga isso alto. – null o repreendeu enquanto null sorria, olhando para ela.
– Agora você vai poder aproveitar a versão completa de null null. – Disse ele ainda sorrindo e estreitando o olhar.
– O que quer dizer? – A terapeuta cruzou os braços na frente do corpo e o analisou.
– Agora eu tenho as duas mãos. – O capitão ergueu as mãos na altura do rosto. – Você vai notar a diferença.
– No que? Vai cozinhar mais rápido? Ou conseguir segurar mais sacolas de uma vez? – null implicou, fazendo com que ele estreitasse ainda mais o olhar e sacudisse a cabeça negativamente.
– Pode brincar. – null respondeu arqueando uma sobrancelha. – Mais tarde te mostro a diferença.
– Entendi. – null assentiu com a cabeça. – Acho que agora as coisas estão começando a fazer sentido para mim, sabe? – null se aproximou um pouco mais e apertou de modo delicado um dos ombros do capitão, massageando.
– Não, mas pode me contar. – Ele pediu, acompanhando com os olhos a movimentação dela e levando as duas mãos para a cintura da inglesa.
– No dia que nós tivemos aquela conversa, bem aqui, há quase um mês, você tinha acabado de se machucar. – Lembrou e null assentiu. – Antes disso você tinha aquela energia de babaca autocentrado, do tipo que tem adoração por si mesmo e nenhum tipo de simpatia ou carisma.
– Aí, essa doeu. – O capitão tocou o próprio peito, teatralmente.
– Acho que você é tipo... sabe aquelas histórias, a bela e a fera, a princesa e o sapo? – Enquanto null falava, null prestava atenção. – Em algum momento entre você se lesionar e vir até mim, a fera ou o sapo, ainda não escolhi, se transformou em um príncipe bonitinho.
– Bonitinho? – null expirou um riso nasalado e deixou o queixo cair para expressar sua incredulidade e discordância teatrais.
– E aí está o sapo outra vez. Ou a fera, se preferir. – null maneou a cabeça, sorrindo de canto e dando as costas para o central, para em seguida se apoiar a bancada, voltando a encará-lo.
– Você bem que tem cara de quem gosta dessas coisas. – O capitão maneou a cabeça, sorrindo de canto. – De quem gosta dos caras errados. Lá no carro, mais cedo, você falou isso, e eu acho que você já gostava de mim antes. – Ele ergueu as sobrancelhas, e null expirou um riso abafado e negou com a cabeça, afastando o olhar. – E eu prefiro fera, por favor. Não curto muito esse lance de sapos.
– De onde tirou que eu já gostava de você? – null estreitou o olhar e voltou a cruzar os braços frente ao peito.
– Rakkaani...– null sorriu erguendo o canto dos lábios, mantendo os olhos sobre null e disse com voz baixa e aveludada. – Eu só precisava olhar para você para te deixar vermelha e toda nervosa.
– De raiva. – Ela o corrigiu.
– E aquele lance dos bombons... vou te contar minha teoria...– null ficou de pé e devagar, começou a se aproximar de null, mas a chegada do resto da equipe impediu seus planos.
– null, null, que bom que já estão aqui. – Lauri os saudou sorrindo. – Estou muito ansioso pelas novidades. – Disse ele, balançando null pelo ombro e sorrindo, quanto null mordia o lábio parar contendo o riso, se divertindo da careta de null, que rolou os olhos.
Segunda-feira, 06 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Apartamento de null null
null estava sentada na cozinha, concentrada nas evoluções que precisava fazer sobre, principalmente, as mudanças na situação de null. Tudo já estava selado, null voltaria aos treinos regulares na terça-feira e se tudo corresse bem, estaria à disposição de Petri para o jogo de quinta-feira. Aparentemente tudo estava voltando aos trilhos, os dois iam bem no trabalho, bem na vida pessoal, bem enquanto um casal. As questões e pequenos conflitos do dia a dia não pareciam suficientes para abalá-los mais, e apesar do relativo pouco tempo, toda situação parecia ter mudado de figura. Para alívio dos dois.
Enquanto null trabalhava concentrada, criando um vinco entre suas sobrancelhas e com olhos fixos no computador, null cozinhava o jantar. A tentativa da noite seria carne de rena outra vez, a pedido de null, que havia decidido tentar de novo a iguaria local. null não conseguia se lembrar de outra ocasião onde estivesse se sentindo tão feliz em um momento tão simples. Mesmo depois de um dia puxado, estava só de shorts, cozinhando para sua garota.
Geralmente, em casa, contava com uma equipe responsável por sua dieta balanceada, contabilizando cada caloria consumida. Antes de null mal se lembrava da última vez que tinha ido para a cozinha, ou que havia se responsabilizado por cozinhar quase sempre. Os momentos naquela cozinha pequena estavam sendo, desde os momentos na cozinha da casa dos pais, os melhores momentos para o central. Antes de dormir, quando estava em casa sozinho, se flagrava revisitando aquelas situações, rindo das piadas, sentindo vergonha delas na maioria das vezes, se permitindo ser invadido pela onda e bons sentimentos que emanavam dos encontros com null null.
Enquanto mexia um creme de alho-poró, null se perdia analisando a mulher sentada a sua frente, séria e concentrada. Sentindo vontade de sorrir toda vez que ela falava sozinha, ou quando mexia o nariz ou projetava o lábio inferior. null era a mulher mais linda que já havia visto na vida, definitivamente. Por um breve momento, o central imaginou como seriam os filhos que talvez os dois poderiam ter.
– Que foi? – null afastou os olhos da tela por tempo suficiente para flagrá-lo a encarando com expressão abobada.
– Nada. – null mentiu, voltando a encarar a panela.
– Eu tenho visão periférica, capitão. – null sorriu sem mostrar os dentes e sem tirar os olhos da tela. – O que você estava pensando?
null riu pelo nariz.
– Pensando sobre o que te fez mudar de ideia e tentar carne de rena outra vez. – Mentiu ele, aproximando-se dela, fechando a tela do notebook e apoiando os cotovelos na bancada.
– E eu já te disse. – null bateu delicadamente a ponta do dedo indicador na ponta do nariz do jogador. – Se estou na chuva, quero me molhar. – Brincou, abrindo o computador outra vez. – No fim de semana, com o pessoal, fomos em um lugar que servia rena, estava com uma aparência ótima, mas não me senti segura o suficiente para comer.
– Te faltaram piadas motivacionais? – null brincou, olhando para ela.
– Engraçadinho. – Ela sorriu. – Eu só confio em comer o que você faz.
– Isso acabou de mudar nossa relação de patamar. – null endireitou a coluna, surpreso. – Waltteri zero, eu, um.
– Não seja bobo. – null negou com a cabeça, sorrindo.
– Você devia morar comigo. – Sugeriu o central sem olhá-la, dando as costas para a terapeuta e voltando para perto do fogão.
– Economizaria, não é? Já que você aparentemente não tem uma casa, vive na minha. – null fingiu falar sério e null a encarou colocando uma mão no peito, fingindo estar chocado. – Mas não sei se seria uma ideia muito boa. Você é muito bagunceiro. – null provocou e viu o jogador abrir a boca para protestar enquanto a encarava incrédulo.
– Eu sou bagunceiro? Meu closet é organizado por estação e cores. O seu closet viu uma organização pela última vez quando o último morador ainda vivia aqui. – Ele devolveu. – E isso é só um dos exemplos.
– Que mentira. – null negou com a cabeça, cruzando os braços sobre o peito. – Você é metódico, tem uma diferença. Metódico não é sinônimo para organizado.
– null, por favor. – null ergueu uma mão em direção a terapeuta, negando com a cabeça. – Você deixa o creme dental destampado na pia. A gente nem devia estar tendo essa conversa.
– Eu devia é te expulsar da minha casa. – A inglesa riu.
– Boa sorte com seu jantar. – null a olhou por sobre os ombros. – Já que além de todo o resto, eu cozinho melhor que você.
A inglesa atirou um pano de louças na direção do jogador, que desviou sorrindo. Logo os dois riram e voltaram a seus afazeres, o central com seu jantar e a terapeuta com seus relatórios.
– O que você sabe sobre o cara novo? – null perguntou depois de algum tempo.
– Mankinen? – null quis confirmar, olhando para a namorada, que assentiu. – Bom... é ala direito. Tem um irmão que é jogador também, mas joga em outra liga, o pai é um ex-jogador. É da Suécia ou Islândia, ou alguma coisa assim. – O central deu de ombros. – Não conheço muito bem.
– Qual o perfil?
– Não sei. – null ergueu os ombros. – Ele não é muito de confusão, não é um dos mais ofensivos também. Não disputa muito disco. Mais na ponta, eu acho. – Listou.
– Como acha que Petri vai organizar o time agora? Fiquei pensando nisso hoje. – null confidenciou, cruzando os braços e se apoiando a bancada, falando sob o olhar atendo do capitão. – Porque tem você de volta, o cara novo, as mudanças anteriores que ele já fez.
– Pensei nisso também. – Confessou null, provando um pouco de seu creme e oferecendo uma colher a null. – Mas acho que só vamos ficar sabendo no próximo treino tático. Acho que ele fica na segunda linha.
– No lugar do Waltteri? – null o interrompeu para perguntar, abrindo a boca para provar o creme que o namorado oferecia. – Caramba, isso tá muito bom.
– Eu sei o que tô fazendo. – null piscou, assentindo com a cabeça. – Eu acho que talvez ele possa ficar no lugar do Merelä. – null deu de ombros, deixando null maquinar em sua cabeça todas as possibilidades. – O Waltteri é coringa.
– Entre nós, como você organizaria? – Perguntou e ele a olhou, depois voltou a atenção para o forno, pensativo.
– Comigo o Aleks e o Waltteri, o Waltteri é rápido e o Aleks também, mas o Aleks é mais agressivo, consegue ligar a zona neutra com a zona de ataque. A gente junto não perde disco, consegue roubar junto com a defesa. – null fez uma breve pausa, refletindo um pouco mais. – Na segunda o Mankinen, o Miika Roine e o Janos Hari no centro. O Miika e o Janos são mais ofensivos, disputam mais, se o Mankinen estiver numa linha com alguém diferente, nunca vão chegar na zona ofensiva. Mas ele consegue ser criativo pra criar jogadas, o Miika e o Janos tem um pouco de dificuldade com isso.
– Onde vai pôr o Otto? – null perguntou, lembrando-se do ala e amigo que costumava ocupar a segunda linha.
– Com o Jasek como central, eles têm um entrosamento legal, gostava quando eles jogavam juntos antes. Eles pensavam bem em conjunto, e o Otto as vezes precisa de alguém para organizar a jogada para ele. E o Riihinen, para caso as coisas ficarem feias. – null completou.
– Não mexeria na defesa? – Questionou a terapeuta.
– Não, acho que não. Acho que a gente precisa renovar a defesa, ter mais opções, as que temos hoje são muito limitadas, mas não trocaria. Acho que como Petri organizou foi o melhor modo, principalmente considerando nossas opções.
– Certo, entendi. – null assentiu, voltando sua atenção para o computador, mas percebendo no segundo seguinte que null ainda a encarava de olhos estreitos e braços cruzados sobre o peito.
– O quê foi?
– Para quem achava que quem vencesse a briga no gelo teria um power play...– Ele sorriu aproximando-se dela. – Você até que melhorou. Tô orgulhoso, bem orgulhoso.
– E você me perguntou em que açougue eu tinha aprendido sobre hockey. – null riu pelo nariz. – Tsc, tsc, tsc... – Ela balançou a cabeça negativamente, ainda sorrindo e abraçando o central pela cintura quando ele se aproximou, enfiando-se entre as pernas dela, que estava sentada. – Você me pegou direitinho com essa.
– Como eu poderia imaginar que, na verdade, você não entendia nada de hockey? – null riu, segurando o rosto da inglesa.
– Foi um charme, um jogo de sedução. – null levantou um ombro e piscou. – Aposto que você se apaixonou bem aí.
O jogador gargalhou jogando a cabeça para trás, enquanto null o assistia, encantada com cada movimento do homem a sua frente.
– Já te contei que gostei de você desde o primeiro dia, quando corrigiu o Petri na frente do time e quando disse que estava aqui para pagar as contas. – null sorriu, afastando o cabelo do rosto da terapeuta.
– Se apaixonou nesse dia? – Ela quis saber, curiosa e null inclinou a cabeça, olhando em seus olhos.
– Você é do tipo que acredita em amor à primeira vista, null? – Indagou ele, fugindo do assunto, beijando a testa da terapeuta e se afastando dela.
null sorriu e balançou a cabeça negativamente, percebendo a manobra do capitão e dirigindo a ele um olhar que dizia isso. null a imitou, erguendo os ombros e a olhando como quem diz que não sabe exatamente o que dizer, voltando para o fogão.
– Aconteceu uma coisa um pouco estranha hoje. – O jogador tornou a falar depois de alguns instantes em silêncio, tirando a carne do forno. – Não me lembrei de te contar antes.
– Se for algum problema, prefiro que me conte depois do jantar. – null sorriu, ficando de pé, fechando o notebook e se livrando do trabalho. – Já está pronto?
– Já, eu sou muito eficiente. – Respondeu o central, referindo-se ao jantar. – Não é exatamente um problema. – null maneou a cabeça e ergueu um ombro. – Eu não sei o que pensar ainda.
– Me conte então. – null pediu, arrumando a mesa, enquanto null servia o jantar.
– Hoje o Aleks falou comigo. – Contou ele, levando os pratos até a mesa.
– Quer vinho? Abro uma garrafa para você. – Quis saber a inglesa, sentando-se e analisando o prato com carne de rena, creme de alho-poró e aspargos.
– Não. – Respondeu o jogador. – Ele me pediu desculpas, do jeito Aleks de ser, mas pediu.
– Sério? Do nada? Só pediu desculpas? – null franziu o cenho, levando um pedaço de aspargo à boca.
– É, estranho, não é? – null a olhou. – Ele pediu desculpas pelo que fez com a gente, disse que as coisas saíram do controle.
– E você?
– Eu falei que queria entender porque ele fez o que fez. – O central ergueu os ombros, levando a primeira garfada com a carne de rena a boca. – Anda, vai, prova aí. – Pediu, apontando com o queixo para o prato da inglesa.
null encarou o jogador, respirou fundo e então levou uma garfada com creme de alho-poró e carne a boca, mastigando devagar, sentindo a suculência e o tempero.
– Como a ajudante de Papai Noel ficou? – null provocou, rindo pelo nariz.
– Cala boca. – null o chutou por debaixo da mesa. – Sem piadas que vão me deixar triste.
– O Papai Noel que fica triste nessa situação, amorzinho, não você. – null continuou implicando, falando de boca cheia enquanto mastigava mais um pouco de comida.
– Estou a dois passos de ligar para sua irmã te buscar. Te devolver para ela, para sua mãe, para o Atte, para quem quer que seja. – Respondeu null, apontando para o central com o dedo indicador enquanto null tinha os olhos molhados de tanto rir.
– Está bom, pelo menos? – Ele quis saber quando enfim conseguiu parar de rir.
– Está, você até que não cozinha tão mal. – null ergueu os ombros.
– O próximo jantar é por sua conta. – O jogador apertou os lábios em uma careta incrédula e inclinou a cabeça sobre o ombro.
– É que você é o tipo de cara que não dá para elogiar muito. – Explicou a terapeuta, comendo um pouco mais da carne.
– Ou você não quer admitir que essa é simplesmente a melhor coisa que você já comeu na vida.
– Talvez. – null ergueu os ombros, fazendo o capitão sorrir vitorioso. – E você, qual foi a melhor coisa que você já comeu na vida? – Quis saber a inglesa, concentrada em seu prato.
– null null. – null respondeu e ergueu o rosto, com a boca cheia.
null abriu a boca, chocada, depois riu alto e chutou as pernas do namorado, que também ria.
– Que bom, então. – Falou ela, voltando a comer. – Podia ser alguma ex.
– Eu ainda tenho algum amor à vida. – null respondeu, se divertindo.
– Mas, sobre o Aleks, você não terminou. – null lembrou após alguns instantes, apenas saboreando o jantar, ignorando qual era o animal em seu prato.
– Você acha que... – null hesitou, baixando a cabeça como se estivesse envergonhado. – Acha que o Aleks pode ser... tipo, gay?
– O quê? De onde você tirou essa ideia? – null sorriu surpresa.
– É que hoje, quando perguntei porque ele tinha feito o que fez. O lance dos bombons. – Explicou null. – Ele disse que não queria que eu o abandonasse por sua causa. Uma coisa assim. – O central deu de ombros.
A inglesa percebeu em que chão estavam pisando, entendeu o conflito e que aquela, provavelmente, seria a primeira situação onde a vida profissional atravessaria a pessoal.
– Você é amigo dele, null. – null voltou a falar após alguns instantes em silêncio. – Se alguém pode saber se Aleks é ou não gay, é você, não eu. E também, isso é algo que faça diferença? Importa com quem ele se relaciona?
– Não, não. – O jogador negou com a cabeça. – Você não entendeu. É que... acho que ele sentiu ciúmes de você comigo. Como se...
– Okay. – null interrompeu o jogador e respirou fundo, deixando os talheres sobre a mesa. – Primeiro, ele dizer que tinha medo de ser substituído não significa que ele está apaixonado por você. Pessoas tem medo de serem substituídas em qualquer relação. Segundo, eu não posso falar sobre isso com você.
– Como assim? Por que não? – null uniu as sobrancelhas confuso e endireitou a coluna.
– Porque eu tive algumas conversas com Aleks durante nesses dias em que você estava fora. – Contou enfim. – Preciso reatar e criar vínculos com ele, só assim vamos poder trabalhar juntos no time depois de tudo que aconteceu. Nossa relação não pode interferir nesses vínculos.
– Tá, mas o que isso tem a ver? Você conversou com ele e agora está conversando comigo. – O capitão tentou argumentar.
– Tem a ver, porque eu não vou conseguir ser imparcial. – A terapeuta esticou uma mão sobre a mesa, alcançando a mão do central. – Mesmo que sem querer, as coisas podem se misturar. Então, o que posso dizer é que Aleks talvez esteja entendendo devagar as consequências das ações dele, assim como o que o levou a fazer o que fez. Mas essas razões são dele, estão enraizadas e talvez ele precise de mais tempo para entender tudo. Como vocês dois vão lidar com a amizade de vocês enquanto isso, é algo que só os dois podem decidir.
– Mas você sabe porque ele fez, então? – null estreitou o olhar.
– Eu tenho minhas suposições. E é só isso que posso dizer, e mesmo assim já estou dizendo demais. – null respirou fundo, passando as mãos no cabelo. – Essa é a questão ética que tinha medo.
– Não, não. Tudo bem. – null se esticou, puxando uma das mãos da inglesa e beijando o dorso com delicadeza. – Deixa isso pra lá. Não quero te colocar numa situação difícil.
– Eu já me coloquei. – A inglesa sorriu fraco. – Mas obrigada.
– Vamos mudar de assunto. – null sorriu. – Eu tenho um repertório novo de piadas sobre renas. – O capitão provocou, sorrindo e fazendo-a rir.
Segunda-feira, 06 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Apartamento de null null
– Tem certeza que você precisa ir embora? – null perguntou, apoiando-se à parede, assistindo null vestir os casacos para partir.
– Não me olhe assim. – Pediu ele, inclinando a cabeça sobre o ombro. – Felix deve estar sentindo minha falta. Além disso, minha irmã está sozinha em casa, só Deus sabe o que ela está fazendo lá.
– Tenho sentido que não há você suficiente para dividir em duas casas. – null sussurrou, chegando mais perto dele e o abraçando pelo pescoço.
– Está considerando a minha ideia de morar comigo? – null sorriu, abraçando a cintura da inglesa.
– Com um mês de relacionamento? Não. – Ela respondeu sorrindo e o jogador rolou os olhos. – Mas talvez sua irmã e eu tenhamos que conversar sobre uma guarda compartilhada.
– Acho que vou para Viipuri mais vezes. – null disse depois de roubar um beijo rápido da inglesa.
– Como assim? – null perguntou confusa, apoiando o peso do corpo na parede outra vez, desvencilhando-se do abraço do capitão.
– Se toda vez que eu for, quando voltar te encontrar assim, vai compensar mais do que ficar em Lathi. – O central brincou, apontando para a inglesa com o queixo e depois sorrindo.
– Bobo. – null sorriu, empurrando-o devagar com o ombro. – Não abuse da sorte.
A inglesa piscou e passou pelo jogador, adiantando-se para abrir a porta, apoiando-se nela e projetando o lábio inferior.
– Como você vai dormir sabendo que me deixou sozinha aqui? – Ela provocou, fazendo o jogador inclinar a cabeça para trás enquanto choramingava e ria ao mesmo tempo.
– Vem comigo. – Propôs o central. – Durma comigo. Não precisa dormir sozinha. – null se aproximou da inglesa, roubando um beijo e afagando a bochecha de null enquanto sussurrava. – Nem hoje, nem dia nenhum.
– Não me tente com essa proposta, jogador. – null sorriu.
– É uma ideia. – null ergueu os ombros. – Já estou indo. – Avisou, segurando o rosto da terapeuta e beijando a ponta de seu nariz.
– Não esqueça seus cupcakes. – Lembrou null, se arrastando para abrir a porta da frente.
– Nunca. – null se virou para pegar a caixa com cupcakes preparados por null, que estava sob o balcão. – Espero que a Inessa não veja, ou vai comer todos hoje mesmo. – O jogador riu, fazendo os passos que o afastavam de null e da porta.
– Tem cupcakes suficiente aí para os dois. – A terapeuta riu balançando a cabeça negativamente. – Não seja guloso.
null estava tão habituada com aquela rotina que nem se importava mais em conferir se havia alguém no corredor antes de abrir a porta. Um vizinho ou qualquer um que pudesse ligar os fatos, descobrindo que a terapeuta e o central eram um casal. Também não conhecia seus vizinhos, só sabia que nenhum deles era funcionário do Pelicans, e esse fato era suficiente para que sentissem paz e segurança nas saídas e chegadas.
Mas naquela noite, para surpresa da inglesa, havia algo de novo. No momento em que destrancou e abriu a porta, a porta do apartamento ao lado também foi aberta, e para surpresa de null, saiu de lá quem a terapeuta reconheceu por Willy Mankinen. null congelou onde estava e arregalou os olhos, enquanto Mankinen sorriu educado e a mulher que o acompanhava o imitou. Ao mesmo tempo, null tentava passar, curioso com o que acontecia do lado de fora, como um cachorro que tenta fugir de qualquer modo quando encontra a porta entreaberta.
– Mankinen? – A voz da terapeuta falhou.
– null, não é? – O jogador loiro esticou uma mão, cumprimentando null com um aperto.
– Me deixe ver. – null pediu quando null puxou a porta, tentando fechá-la atrás de si, escondendo o jogador. – O que está acontecendo?
– Que coincidência. – null riu nervosamente, tentando evitar que null fosse visto pelo casal.
– É. Muito. – Willy Mankinen assentiu, sorridente e simpático. – Você mora aqui então?
– É. Sim. E você também? – null perguntou ao mesmo tempo em que chutava null, que ainda insistia em tentar ver o que estava acontecendo.
– Ai, null. – O central reclamou, atraindo a atenção do casal a sua frente.
– Gatos. – A inglesa apontou para trás com o polegar, tentando disfarçar enquanto ria. – Sabe como é? Eles querem sair sempre que não podem. – Disse mais alto do que o normal, na esperança de que o namorado entendesse o recado.
– Na verdade, quem mora aqui é a minha namorada. – Mankinen apresentou enfim. – Essa é Laurel. – O jogador apontou com o olhar para a garota baixinha, de óculos com armação grossa e cabelos escuros que assistia a cena com expectativa.
– Oi, Laurel. – null sorriu, tentando disfarçar a tensão.
– Que bom conhecer alguém do prédio. – A garota sorriu de volta.
– Com certeza. É ótimo. – null sorriu entredentes, tentando disfarçar com a mão atrás das costas, empurrando null de volta para dentro.
– Me deixa ver o que está acontecendo. – Pediu ele outra vez. – Chega para lá. Quem está aí?
– Bom, então, é isso. – null assentiu com a cabeça. – Um prazer conhecer você, Laurel. – Despediu-se, andando para trás, acenando com a mão. – Tchauzinho, viu. Tchau. Adeus.
– Quem está aí fora? O que está acontecendo? – null a metralhava de perguntas.
– Fica quieto, pelo amor de Deus. – null ordenou entredentes, fechando a porta com o máximo de delicadeza que conseguia, evitando soar suspeita ou fazer muito barulho.
– Você me chutou. Por que você me chutou? – O jogador apontou para a perna, injuriado.
– Desculpe, foi sem querer. – null levou o dedo indicador aos próprios lábios e depois aos dele. – Mas faça silêncio. Fica com a boca fechada.
– Por que eu tenho que que ficar quieto? O que foi? – O central continuava falando alto, para o desespero da terapeuta, que tentava cobrir sua boca e afastá-lo da porta.
– Mankinen. Mankinen está no corredor. – null enfim contou e o capitão franziu o cenho, confuso.
– Quê? Que Mankinen? – Perguntou e null ergue as sobrancelhas de modo sugestivo. – Não. – O jogador enfim percebeu, arregalando os olhos. – Não, não pode ser. Como ele veio parar aqui? – null sussurrou chocado.
– Sei lá. – A inglesa ergueu os ombros.
– Quero ver. – Anunciou ele, dirigindo-se para a porta.
– null. – null tentou impedi-lo, mas não foi rápida o suficiente.
null abriu a porta devagar e olhou para o corredor, buscando a figura do outro jogador. Quando enfim o viu, temendo ser visto por ele, fechou a porta atrás de si, apoiando as costas na madeira e fazendo mais barulho do que devia e planejava.
– Não faça barulho. – null o repreendeu, falando baixo, enquanto null mordia o lábio inferior, tentando controlar a crise de risos que havia se apossado de si.
– Mankinen é seu vizinho. O que ele tinha que vir fazer aqui? – O central não conseguia parar de rir, e null foi contagiada pela crise de risos dele, quando o jogador se aproximou da terapeuta outra vez, os dois riam tanto que já não podiam sustentar o peso de seus corpos de pé, sentando-se no chão, perto da cozinha.
– Na verdade é a namorada dele. – null corrigiu, gargalhando. – Meu Deus, será que ele ouviu a gente? Será que ouviram? – A inglesa buscou os olhos do central.
– Não, não dá para ouvir. – null garantiu, tentando respirar. – Não dá, né? – Perguntou após dois segundos.
– A gente está ferrado. – null riu ainda mais, agora por estar nervosa. – Imagine o cenário, Mankinen conta que me ouviu gritando seu nome a noite toda.
– Ele pode achar que você tem algum tipo de fetiche, chamar seus namorados pelo nome do capitão do time da cidade. – Implicou o jogador, rindo.
– Seria engraçado se você também não gritasse meu nome a cada dois minutos quando está aqui. – A terapeuta devolveu, fazendo cócegas em null. – null isso, null aquilo, null venha para cama...null null.
– Pode dizer que foi o gato.
– Eu não sei quem vai cair nessa. – A terapeuta negou com a cabeça, sendo beijada pelo capitão. – Um gato moreno, tatuado, de um metro e noventa e voz grossa.
– Que sensual. É assim que você me descreve por aí? – null sorriu abobado.
– Cala a boca, gato. – null se impulsionou para o colo do jogador, sendo abraçada por ele. – Fica calado. – Pediu em voz baixa antes de beijá-lo outra vez.
Lírio do Vale
Lírio do Vale: O lírio do vale possui um significado intrínseco de felicidade, baseado em uma lenda muito antiga. Conta a lenda que a planta um dia se apaixonou por um animal, o rouxinol. O lírio gostava de ouvir o pássaro cantar todos os dias, alegrando tudo a sua volta, até que um dia ele não mais apareceu. A partir daí o lírio ficou muito triste e deprimido, até que em maio (estação que a planta floresce), o rouxinol voltou a cantar para o lírio, e este pôde florescer.
Segunda-feira, 06 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Casa de null null
Era bem mais tarde do que o previsto quando null null enfim conseguiu sair dos braços de null null e ir para casa naquela noite. Mesmo depois do fim de semana de crises internas suscitadas pela conversa com Atte, fazendo o central perceber o quanto já havia mudado sua rotina e vida no primeiro mês junto a inglesa, tudo estava na mais perfeita paz. Talvez não precisasse se importar com o fato de passar mais tempo no apartamento da terapeuta do que na própria casa, principalmente se estar lá o fazia tão bem. Talvez, como Atte gostava de lembrar, fosse bom se afastar um pouco dos pais, se afastar um pouco de suas raízes e entender que a cidade não era o último ou o único lugar no mundo.
Que tudo bem deixar um pouco de lado seus interesses e hobbies pessoais, o que costumava fazer sozinho, para criar outros em que pudesse estar ao lado dela.
Nas outras ocasiões onde também havia se apaixonado, não se lembrava de se sentir tão pleno, tão descansado, tão tranquilo. Talvez fosse coisa da idade, maturidade, não ter a cabeça cheia das possibilidades da fama, ou fotógrafos em seu encalço a cada passo dado. Era bom ter uma namorada de novo e era bom que ela fosse null null. Claro que por estarem nas posições que estavam, era impossível fazer coisas comuns a outros casais, como sair para jantar, passeios no parque ou outras coisas simples e românticas, mas até aquele momento, os dias que passavam no apartamento pequeno da terapeuta inglesa eram cheios de tanto significado quanto qualquer ouro lugar romântico.
null pensava sobre o assunto ao entrar em casa, cantarolando o refrão de Livin' On A Prayer, do Bom Jovi, brincando com as chaves, lançando-as para cima e as segurando, depois repetindo, e repetindo outra vez, subindo as escadas escuras que levavam até o quarto.
– E aí, bundão. – Inessa se fez presente surgindo na porta de um dos quartos, com braços cruzados sobre o peito e usando um pijama cor de rosa. – Se mudou e esqueceu de me avisar?
– Eu perdi a noção da hora, foi mal. – null se desculpou sem se importar em olhá-la, seguindo seu caminho até o quarto.
– É só isso? Não vai falar mais nada? – A irmã tornou a questionar, seguindo-o.
– O que mais você quer saber? Onde eu estava? Com quem? O que eu estava fazendo?
– Não. – Negou ela quando entraram no quarto. – Pelo seu cabelo molhado e o cheiro de shampoo kérastase, devia estar com alguma mulher. Não quero detalhes, não quero vomitar. – Inessa sacudiu uma mão na direção do irmão, com a outra fingiu colocar o dedo na garganta para forçar vômito.
– Só para você saber, eu não estava com alguma mulher, estava com a minha namorada. – O central contou orgulhoso, com um sorriso vaidoso nos lábios enquanto puxava o moletom que usava pelo pescoço.
– Claro. – A irmão balançou a cabeça negativamente. – É com ela que você está morando.
– Não estou. – Negou o central, enfiando-se no banheiro. – Ainda.
– Tá, tanto faz, me poupe dos detalhes. Eu nem quero saber. – Inessa inspirou, jogando-se na cama grande de null. – Então você volta amanhã?
– Volto para os treinos regulares. – O jogador respondeu, saindo do banheiro. – Devo voltar para o jogo de quinta, amanhã vou ficar assistindo.
– Está tudo bem com o seu pulso? Sem chances de precisar de mais tempo? – Inessa perguntou, sentando-se para olhar o irmão nos olhos.
– Ness...– null sorriu, aproximou-se dela e lhe beijou a testa. – Eu tô ótimo. Sério. A equipe do time foi perfeita, já me sentia bem há dias antes de me liberarem de verdade.
– É, eu soube que tem umas pessoas novas. – A jogadora de golfe comentou. – Alguém que veio da Inglaterra para trabalhar no time depois que ele foi comprado por aquele piloto.
– É, ela veio sim. – O central deu as costas para a irmã, fingindo procurar qualquer coisa no aparador em um dos cantos do quarto, para que Inessa não visse seu semblante ao falar de null.
– E ela é boa mesmo?
– Ela é ótima, tem experiência com lesões assim. Os médicos elogiaram o trabalho dela. E eu também. – Respondeu, tentando não se empolgar muito. – Com quem você falou? Sobre esse assunto?
– Ninguém importante. – Inessa deu de ombros. – Só um cara que era amigo de outra cara e que conhecia outro cara. Ele só sabia da contratação dela. – Contou e null assentiu em silêncio. – É a garota do Waltteri Merelä.
– Não, não é. – Negou rápido o jogador, sem pensar.
– É, é sim. É a garota das fotos. – A irmã continuou. – E pelo que soube, eles saem juntos sempre.
– Ela sai junto com vários do time, Santtu, Waltteri, Otto, Jasper, até comigo. – null rolou os olhos, impaciente, girando-se para olhar para a irmã.
– É por isso que ficou com ciúmes dela? Quando viu as fotos do passeio com Waltteri no fim de semana? – Inessa ficou de pé, analisando com cuidado as reações do irmão.
– Quem te disse que fiquei com ciúmes disso? – Mentiu o central, lutando contra suas expressões enfezadas involuntárias. – Eu não gosto da Alicia se metendo com os caras do time. Questões diferentes aqui.
– Não, não. – Inessa se aproximou mais. – Tem alguma coisa aqui. Minha intuição está dizendo.
– A senhora está louca. – null rolou os olhos e se afastou da irmã, fugindo de seu olhar inquisitivo.
– Você sabe que eu vou descobrir, não sabe? – Inessa cruzou os braços e arqueou uma sobrancelha.
– Boa sorte tentando. – Disse ele, deitando-se na cama e se cobrindo com uma manta grossa. – E Inessa, tente lá do seu quarto, tá legal? Amanhã vou ter um dia cheio. Tenha uma boa noite.
Terça-feira, 07 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Centro de Treinamento do Pelicans
Era terça-feira, null null estava voltando para sua sala após o almoço. Tinha planos para traçar para os próximos atendimentos, coisas que queria propor e tentar, experimentar com o grupo atual. Como todo dia, caminhava distraída, tocando as paredes do corredor com a ponta dos dedos, apenas sentindo o momento e o espaço. Aos poucos havia se habituado ao time, as rotinas, ao esporte, se encaixado tão bem que não parecia ter apenas alguns poucos meses junto ao Pelicans.
Estava ansiosa para receber a visita dos amigos, ansiosa para a retomada de null aos jogos, ansiosa para viver cada dia que pudesse junto ao capitão e junto ao time.
– Vamos conversar. Agora. – Aleks surgiu repentinamente ao lado de null, puxando a terapeuta pelo braço em direção a sala que a inglesa geralmente ocupava.
– Ei, o que acha que está fazendo. – null empacou no lugar, encarando o jogador com sobrancelhas juntas.
– Eu quero falar. – O ala repetiu impaciente.
– Aleks, que ótimo. – null sorriu rapidamente, após puxar o braço que o jogador segurava. – Mas não é assim que funciona. Você não pode me arrastar desse jeito, nem ter essa postura. Você não faz isso quando quer conversar com Jakkos, faz? – null arqueou uma sobrancelha.
– Eu nunca quero falar com Jakkos. – Aleks rolou os olhos.
– Tudo bem. Você é mal-educado independente do gênero, entendi. – null cruzou os braços sobre o peito. – Mas não vai funcionar assim comigo.
– Você devia agradecer o fato de eu estar aqui para te falar alguma coisa. – Aleks riu sem humor.
– Não, não devia não. – null se aproximou um pouco dele. – Você não está me fazendo um favor, Aleks. Nem eu te fazendo um. Volte para falar comigo quando você entender o meu papel aqui, e o seu também.
Dizendo isso, a terapeuta inglesa se afastou do jogador, dando-lhe as costas, deixando Haatanen sozinho no corredor. Sabia que poderia estar perdendo uma importante chance com o ala, mas não podia deixar que para isso Aleks ultrapassasse alguns limites. Mesmo que Haatanen nunca mais quisesse ouvi-la, não podia ceder ao jogo dele, deixar que ele tivesse a sensação de domínio, de controle, de que tudo girava de acordo com sua vontade, era preciso impor limites naquela relação, dar contorno.
null null entrou em sua sala, fechou a porta e apoiou o corpo na bancada, nos fundos, com olhos presos a porta. Esperando o que não sabia se viria.
– Eu posso entrar aqui, null null? – Aleks abriu a porta instantes depois, perguntando com tom pouco amigável, fingindo claramente uma simpatia que não tinha.
– Claro, Aleks. – null devolveu, respondendo com gentileza. – No que posso te ajudar?
– Será que você pode me ouvir agora ou é pedir demais? Extrapola o limite de coisas que você faz por dia? – Haatanen foi sarcástico, entrando na sala e fechando a porta atrás de si.
– Vou ignorar seu tom, Aleks. – null se aproximou do jogador, apontando para uma das cadeiras reclináveis e ocupando seu sempre usado banquinho de rodinhas. – Mas é a última chance. Eu posso te escutar agora.
Aleks rolou os olhos e bufou.
– Não quero sentar. – Falou. – Eu fiz o que você disse e não adiantou, na verdade só ferrou tudo. Agora estão achando que sou gay. – O jogador vomitou as palavras, andando de um lado para o outro enquanto falava, gesticulando muito, irritado e agitado.
– O que exatamente eu falei? – null arqueou uma sobrancelha, inclinando a cabeça sobre o ombro.
– Sobre falar com o null.
– Quer me explicar melhor o que aconteceu? – Incentivou a terapeuta, cruzando as pernas e apoiando uma das mãos no rosto e o cotovelo no joelho.
– Não, não quero mais falar com você. – Negou Aleks, gesticulando as mãos e baixando e levantando as sobrancelhas. – Eu ouvi você, falei o que você disse e só piorou tudo. – Acusou apontando para a inglesa.
– Aleks, você falar com null não é uma receita certa de que as coisas iriam se resolver. – null tentou explicar. – Depende de muitas coisas.
– Acontece que não resolveu nada, só piorou. Agora ele acha que eu sou gay e apaixonado por ele. – Haatanen fez careta, como se dizer aquelas palavras o enojassem.
– É, me lembro quando a gente conversou, você reagiu de modo parecido. – Lembrou a inglesa.
– Não vem com esse jogo. – Aleks balançou a cabeça negativamente e se sentou na cadeira reclinável, ainda demonstrando com ênfase sua irritação.
– Talvez ele não tenha entendido de primeira, assim como você. – null deu de ombros. – Mas a forma com que as pessoas entendem e interpretam o que dizemos não é responsabilidade nossa. Só o que fazemos e dizemos que é.
– E como isso me ajuda? – Aleks arqueou uma sobrancelha, olhando para a inglesa de soslaio.
– Como isso te ajuda, Aleks? – Ela devolveu. – Como ter dito o que disse a ele, como ter decidido dizer te ajuda?
– Não ajuda. – Respondeu. null manteve os olhos no jogador, sem dizer nada, assistindo Aleks correr os olhos pela sala e fica desinquieto outra vez. – Sei lá. Eu pedi desculpas, mas ele não achou o bastante, ele queria saber o porquê.
– E você disse? – null assentiu.
– Disse e agora ele acha que estava com ciúmes de você, apaixonado por ele. – Aleks contou com um suspiro frustrado e irritado, dando soquinhos na testa.
– Tentou explicar a ele que não era esse tipo de sentimento que tem?
– Não. – O ala respondeu rápido, recostando-se e cobrindo o rosto com o antebraço. – Não tô nem aí.
– Bom, se não está então o problema está resolvido. – null sorriu, atraindo a atenção dele. – Você disse a ele o que sentia, pediu desculpas e não está preocupado com o modo com que ele reagiu, porque o que importa é você ter dito.
– Não. – Aleks protestou, endireitando a coluna e null ergue as sobrancelhas. – Sim. Não sei. Eu tô confuso.
null se manteve em silêncio e se aproximou um pouco mais do jogador, que agora tinha a cabeça baixa e olhos no chão.
– Eu queria que ele tivesse entendido. Queria ficar bem com ele. Sinto saudades. – Confessou Aleks em um fio de voz.
– O que acha que pode fazer? – null perguntou, atraindo o olhar dele.
– Eu já falei. Já pedi desculpas. – Respondeu Aleks. – Não vou ficar correndo atrás. – O jogador balançou os ombros. – Ele não está nem aí.
– Por que diz isso?
– Porque sim. – Aleks voltou a falar olhando nos olhos de null. – Ele não me procurou.
– Acha que pode ter alguma razão para isso? – A inglesa perguntou.
– Talvez. – Haatanen balançou os ombros outra vez. – Só se ele ainda estiver chateado. Pode ser que esteja. null é sentimental.
– Mas você pediu desculpas e falou com ele, acha que não foi suficiente?
– Eu falei, mas falei do meu jeito. – Aleks pareceu pensar por alguns instantes, com olhos vagando pela sala. – Acha que eu devo falar com ele de novo? Explicar tudo?
– Você acha? – null devolveu erguendo as sobrancelhas.
– Acho que sim. Sim? – O ala uniu as sobrancelhas, incerto.
– Você tem essa resposta, Aleks, é uma decisão sua. Assim como é lidar com as consequências dela. – null começou a falar. – Mas independentemente do que resolva fazer, estou com você.
– Como assim? – Aleks franziu o cenho.
– Estou com você, te apoiando, sabe? Você não está sozinho. – Falou, segurando a mão do jogador, que desprendeu alguns segundos olhando para os olhos e depois para a mão de null.
– Então tá. – Fora apenas o que Aleks respondeu após um longo silêncio.
Sexta, 10 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Isku Areena
– E aí, Hermione. – Jasper sorriu, surgindo ao lado de null null nos corredores que levavam até o vestiário.
– Oi? – A inglesa o encarou confusa. – Do que me chamou?
– Hermione. – Jasper deu de ombros. – É porque ela é inglesa como você. – Explicou o goleiro e null sorriu balançando a cabeça negativamente.
– Como estão as coisas no vestiário? – Quis saber a terapeuta.
– Nada mal. – Jasper respondeu em seu tom calmo e relaxado de sempre, caminhando de modo despreocupado ao lado da amiga. – O null voltou, estamos confiantes. O jogo de terça foi duro para todo mundo.
– É, perder nunca é bom, mas fazer parte. – null respondeu, girando o rosto para olhar para o goleiro. – Acontece as vezes.
– Eu sei. Mas nem por isso fica mais fácil. – Falou e null assentiu. – A gente podia marcar alguma coisa no final de semana. – Sugeriu ele. – Vamos ter um fim de semana de folga.
– E pensar que eu estudei por anos para ter um emprego que não me fizesse trabalhar como um burro de carga. – null brincou, fazendo o amigo sorrir.
– Devia ter ido trabalhar em um escritório. – Jasper implicou, cutucando a cintura da inglesa com o dedo indicador. – Uma sauna. O que acha?
– Quem são os outros convidados? – Quis saber null, parando de andar assim que chegaram na porta do vestiário.
– Oi, dupla. – null null, vestindo o moletom do time, também parou ao lado deles, antes de entrar no vestiário.
– null. – null sorriu e acenou com a cabeça, enquanto Jasper cumprimentou o capitão com um aperto de mão e um abraço lateral.
– Eu não sei, só falei com você. – O goleiro deu de ombros. – Acabei de ter essa ideia maravilhosa.
– Que ideia maravilhosa? – null quis saber, olhando de Jasper para null.
– Sauna na sexta. – Respondeu a terapeuta, colocando as mãos nos bolsos traseiros do jeans que usava.
– Uau. – null riu. – É disso que tô precisando. Nem lembro a última vez que aproveitei uma boa sauna.
– Ouvi dizer que a sua é melhor do que a do Otto. – Jasper arqueou uma sobrancelha de modo sugestivo.
– A minha é perfeita. – O capitão enfatizou a última palavra, balançando a cabeça positivamente. – Na minha casa, na sexta?
– Marcado. – Jasper concordou, cumprimentando o capitão com um aperto de mão e outro abraço lateral.
– Espera, espera aí... – null chamou a atenção dos dois para si, que ainda permaneciam abraçados. – Vamos com calma para eu acompanhar o raciocínio. Primeiro, o que vocês usam em saunas aqui? Eu acho que nunca fui em uma sauna na vida.
– Como assim o que a gente usa? – null franziu o cenho, confuso.
– Ela é estrangeira. – Jasper sussurrou, sem desviar o olhar da terapeuta.
– Ah, claro... – O central enfim se deu conta, riu e deu dois tapinhas leves na testa. – Então, a gente não usa nada não. – Respondeu com simplicidade.
– Nada. – null riu chocada. – Nada como assim nada? Só uma toalha? Um biquíni talvez?
– Nadinha, null. – Jasper estalou a língua no céu da boca. – Tipo, nada mesmo...
– Mas... – O brilho nos olhos da terapeuta sumiu. – Mas...essas saunas são tipo...unissex ou coisa assim?
– O quê? Não. – null negou com a cabeça. – Quer dizer, sim. Na verdade não sei exatamente o que a palavra unissex significa.
– Cancele. Não vou não. – A terapeuta sacudiu a cabeça negativamente. – Nem pensar que vou entrar em uma sauna com todos vocês...nus. – null apertou os olhos e os lábios, como se tentasse afugentar a imagem criada por seu cérebro daquele momento.
Jasper e null gargalharam com a reação da inglesa.
– Relaxa, a gente usa uma toalha se for te fazer sentir melhor. – null brincou, ainda sorrindo, desvencilhando-se enfim de Jasper e colocando um braço sobre o ombro de null.
– Vou avisar ao Otto. Principalmente. – Jasper inflou as bochechas. – Nem a gente gosta de ver o Chewbacca do jeito que veio ao mundo. – O goleiro torceu os lábios em uma careta de repulsa e null o imitou. – Vou avisar ao pessoal.
Disse ele, afastando-se de null e null, que permaneciam na porta do vestiário, com null com braço sobre o ombro da terapeuta.
– Meu Deus. – A inglesa sacudiu a cabeça outra vez, fazendo o jogador rir pelo nariz. – Como eu vou conseguir olhar no rosto das pessoas depois disso?
– Você consegue olhar bem no meu. – null arqueou as sobrancelhas de modo sugestivo.
– É diferente, bobo. – null rolou os olhos e sorriu. – Como conseguiria olhar para o Waltteri, ou para...
– Ah, é, o Merelä vai estar também, não é? – null percebeu. – É, melhor ir vestida mesmo. Vamos escolher uma roupa que cubra o máximo de pele. – O jogador falou, puxando teatralmente a gola da blusa que a inglesa usava, a fim de tentar cobrir mais a pele dela.
– null. – null o repreendeu torcendo os lábios.
– O que? – null riu erguendo os ombros. – Só tô cuidando do que é meu. – Falou ele, olhando dos olhos para os lábios da inglesa, que riu abafado e cobriu o rosto com as mãos. – Aliás. – O central sorriu. – Queria comemorar meu retorno. Com você.
– Sua irmã ainda está na cidade? – null perguntou, afastando as mãos do rosto e mordendo o lábio inferior e o prendendo entre os dentes, capturando a atenção do central.
– Sim. – O jogador ergueu os ombros. – Mas não é sobre isso... – O capitão se perdeu ao prestar atenção na boca da inglesa. – Dá para parar de fazer isso? Eu não consigo me concentrar. – Pediu ele, inclinando a cabeça sobre o ombro, expirando pesadamente e depois sorrindo.
– O quê? O que eu estou fazendo? – null riu, perdida.
– Cínica. – null estreitou o olhar e negou com a cabeça, null sorriu, balançando a cabeça negativamente e mordendo o lábio outra vez. – Aí. Isso aí. Para de fazer isso. – O jogador apontou, fazendo a inglesa gargalhar.
– Tá, tá legal. – null ergueu as mãos em rendição. – Pode falar agora.
– Como eu estava tentando dizer antes de você tentar me seduzir com esse seu jogo baixo...
– Jogo baixo? – null ergueu as sobrancelhas e expirou um riso chocado.
– É, jogo baixo. – Assentiu null, e em seguida segurou uma das mãos da terapeuta. – null null. – Falou, tossindo em seguida, tentando limpar a voz. – Dorme lá em casa hoje. – Convidou ele, com expectativa no olhar.
– Na sua casa? Mas sua irmã está lá. – null uniu as sobrancelhas, sorrindo.
– É, mas vou pedir pra ela dar uma passeada. – null uniu os dentes, ansioso. – Depois quero te apresentar também.
– Que chique. – null se aproximou do central mais dois passos. – Eu gosto da ideia. – Disse sorrindo.
null sorriu aberto, mostrando todos os dentes, apertando os olhos.
– Eu...– O central começou a dizer.
– Pelo amor de Deus. – Atte enfiou o rosto entre os dois. – O que as duas inteligências estão fazendo? – Repreendeu o goleiro, falando baixo, mas demonstrando sua incredulidade e irritação.
null e null riram abafados, distanciando-se um pouco.
– Caramba. Bateu a cabeça de novo? – O goleiro indagou ao amigo, acertando um tapa fraco na nuca do central.
– Hoje ainda não. – null respondeu, apertando os lábios para conter o riso enquanto era arrastado para dentro do vestiário por Atte.
– Boa sorte. – null sussurrou, jogando um beijo no ar para o central, que ainda tinha os olhos sobre ela, mesmo sendo arrastado por Atte. null sorriu e devolveu o beijo.
– Eu tô vendo coisas, ou você voltou para sua ex? – Atte indagou assim que fez com que null se sentasse em sua baia, no vestiário.
– Tá vendo coisas. – null respondeu, encarando o amigo com seriedade.
– null, eu sei o que eu vi. E não adianta mentir para mim. – O goleiro cruzou os braços sobre o peito.
– Eu não tô mentindo, Atte. – null ergueu os ombros, ficando de pé e puxando o moletom pelo pescoço. – Não voltei com a minha ex.
– Então o que foi aquilo que eu vi? – O loiro colocou as mãos na cintura.
– Você viu uma conversa de duas pessoas. – null deu de ombros. – Para de criar fanfic.
– Criar fanfic? Eu não tô maluco ainda, null. – Atte estreitou o olhar. – Tem alguma coisa rolando aqui. – Acusou, colocando uma das mãos sobre o ombro do central e com a outra, bateu com o dedo indicador em seu peito.
– Tem, uma pessoa do time me desejou boa sorte.
– Palhaço. – Atte, ainda de olhos estreitos, negou com a cabeça, desconfiado da mentira do amigo.
– O pessoal vai lá em casa amanhã. – null contou. – Sauna. Que tal?
– Que pessoal? – O goleiro ergue a sobrancelha, começando a se aprontar para o aquecimento, deixando de lado, por hora, a mentira de null.
– Do time. Não sei exatamente. – O central deu de ombros. – Jasper deu ideia. null vai também.
– Ela vai? – Atte riu. – E para você tudo bem?
– O quê? Eu não sou um homem ciumento. – null piscou. – Mas vamos usar roupa. Para não assustar a estrangeira.
– Claro. Por isso. – Atte riu pelo nariz, atraindo um olhar confuso de null. – E não porque serão vários homens pelados com a sua garota entre eles.
– Amigo. – Fora a vez de null tocar o ombro do goleiro. – Me preocupa o tipo de coisa que você tem visto na internet.
– Tá bom. – Atte rolou os olhos.
null estava animado com o retorno, tão animado que a pequena desconfiança de Atte não o abalaria. Tudo estava ótimo, se sentia bem, confiante, pronto para dar seu melhor, como se aquele fosse o último jogo ou o mais importante de sua vida.
Mantinha a cabeça livre, concentrada, se paramentando para a batalha da noite. Tão concentrado que não percebeu a presença de Aleks, que ocupava a baia ao seu lado, se preparando para o jogo. null olhou para o amigo de soslaio, sendo tomado pelas palavras de null sobre o assunto, lembrando da conversa com Haatanen. Pensando se devia tomar iniciativa, puxar assunto, perguntar sobre o clima, falar do frio, ou só ignorar, esperando que Aleks desse o primeiro passo.
– Acho que a casa está cheia hoje.
– Que bom que voltou.
Aleks e null disseram ao mesmo tempo, girando para se olharem de frente.
– Também estou feliz em voltar.
– Está cheia porque você voltou.
Os dois falaram juntos outra vez, e null sorriu.
– Pode falar primeiro. – Disse o central.
– Não, tudo bem, eu meio que já falei. – Aleks respondeu, coçando a nuca.
– É... você...– null hesitou, engasgando-se com as palavras. – Você tá legal?
– Tô. Tô sim. – Aleks assentiu. – E você? O punho está consertado?
– É, tá sim. – null sorriu, flexionando o punho, mostrando ao ala. – Eu tô pronto para voltar.
– Que bom. – Aleks sorriu fraco, sem mostrar os dentes e baixou a cabeça.
null sabia que não precisava fazer o que pretendia fazer naquele momento, e que provavelmente, remexer naquele assunto seria burrice. Mas algo dizia que devia aproveitar a oportunidade e resolver aquela situação de uma vez por todas. Apesar de estarem no vestiário, naquele instante tudo estava calmo, estavam praticamente a sós ali, era a oportunidade perfeita.
– Aleks, eu... – null hesitou, tossiu, coçando a garganta. – Eu fiquei pensando naquilo que você me disse.
– Não, esquece isso... – Aleks expirou cansado, ensaiando dar as costas ao central. – Você entendeu tudo errado.
– Então me explica. – Pediu, atraindo o olhar surpreso de Aleks. – Me explica. Eu quero entender.
– Você quer?
– Você é meu amigo, Aleks. O que aconteceu... não posso dizer que não me magoou, porque magoou, mas não mudou o que eu sinto. Não sei se é bom ou ruim isso, mas é a verdade.
– Não era para ter sido assim. – Aleks falou após um breve silêncio. – Não queria.
– Então por que você fez? – null riu se humor, com expressão confusa. – Só por implicar com a null? Por não achar que...
– Você quer que eu fale ou quer falar? – Aleks indagou, interrompendo o capitão.
– Tá certo, tem razão. – null recuou, erguendo as mãos em rendição.
– Eu achei que você perguntaria. – Aleks voltou a falar. – Você sempre pergunta antes de comer, se tem ou não coco. Achei que perguntaria.
– Tá brincando, não é? – null arqueou uma sobrancelha.
– Foi infantil e idiota, eu sei. Me arrependi. E já pedi desculpas. – Respondeu Haatanen, sentando-se cansado e chateado.
– Eu não sei o que dizer.
– Não pedi para dizer nada. – Aleks devolveu. – Importa o que eu falo, o que você acha disso não muda nada pra mim. – O ala repetiu o que havia entendido do discurso da terapeuta.
– Caramba. – null expirou. – Não sei porque eu ainda tento resolver as coisas.
– É só não tentar. – Respondeu o outro.
null respirou fundo, observando o amigo, tentando entender onde a relação havia dado errado. Onde estava o problema, em que ponto as coisas tinham desandado para que chegassem naquele lugar.
– Eu não sei o que aconteceu, o que eu fiz para você ou o que a null fez... – O central voltou a falar, passando as mãos pelo cabelo escuro. – Não sei de onde... não sei porque você tá sendo um babaca.
– Porque eu sou um babaca, null. Não te contaram não? – Aleks riu com frieza, voltando a se arrumar. – Eu sou um idiota. Malvado. Burro. Babaca.
– Para com isso. – null negou com a cabeça.
– Não, porque é a verdade, não é? – Falou irritado, rindo com frieza, jogando o moletom no armário de qualquer jeito.
Num lapso de consciência, null se lembrou das palavras de null e de Aleks.
– Eu não ia te trocar por ela, nem por ninguém. – Disse o central, atraindo o olhar de Aleks.
– Ora, ora... – Aleks ironizou, vestindo sua armadura no momento seguinte.
– Cala a boca, Aleks. Cala a boca e começa a prestar atenção. – null ordenou, abraçando o amigo com força, pegando-o de guarda baixa. – Você é meu irmão. Eu amo você. E se nem você, tentando me matar, fazendo todas as coisas erradas, conseguiu mudar isso, não é mulher nenhuma que vai.
Aleks não respondeu, apenas correspondeu o abraço, surpreso.
– Eu não sei quais problemas você tem, só sei que devem ser grandes, mas não é assim que vai resolver. – null voltou a falar. – Eu preciso confiar nos meus amigos, e preciso confiar em que está comigo no gelo.
– Eu sinto muito. – Aleks disse depois de um longo silêncio, apertando os dentes.
– Tá, deixa isso pra lá. – null se afastou do ala, segurando-o pelo ombro e olhando em seus olhos. – Tá tudo bem. Só para de reagir assim, me atacando. Se eu não tô com raiva, não tem sentido você estar.
– É só isso? Você vai me perdoar assim? – Aleks hesitou.
– Eu já tinha te perdoado há muito tempo. – null sorriu de canto.
– Eu não sei o que dizer. – Aleks balbuciou.
– Então não diz nada. – null piscou, sorriu de lado e deu dois tapinhas nas costas de Aleks. – Vai se vestir. Hoje a gente vai estar na linha juntos, como sempre. – O central sorriu, empurrando o amigo pelo ombro, que sorriu confuso e surpreso com a reação do capitão.
Sexta, 10 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Isku Areena
null null tinha os olhos fixos e concentrados onde a seguir estaria o disco. Do outro lado, o central oponente, com olhar estreito, ora vigiando o número trinta e quatro do Pelicans, ora vigiando o disco. O árbitro lançou o pequeno biscoito de borracha preta, os tacos dos dois jogadores se chocaram, mas o central do Pelicans conseguiu puxar o disco, passando por debaixo das pernas, para Haatanen que esperava o passe bem atrás. Era o início do terceiro período, tudo igual na Isku Areena, dois para o Sport Vaasa, dois para o Pelicans. Aleks trouxe o disco para a zona neutra, passando entre um ala esquerda e um defensor do Vaasa, para em seguida dar o passe para Nieminen, livre à direita, que carregou o disco até a zona de ataque.
Santtu acompanhava a movimentação, a sua frente null se posicionava frente ao goleiro rival, a espera do passe. Sua posição era boa, livre de marcação. Otto deslizou o disco para Santtu, que devolveu para Otto, e mesmo Nieminen estando cercado pelo central e um defensor do Vaasa, escolheu por arriscar, sendo interceptado pelo goleiro.
Disco em jogo novamente, mais um faceoff, e mesmo null conseguindo a posse para seu time mais uma vez, a equipe de casa perdeu o disco. Santtu seguia o rastro do ala esquerda do time rival, tentando levar a disputa pelo disco para a proteção do gelo. Encurralado, o ala passou o disco para um dos defensores, que carregou para a zona defensiva do Pelicans, puxando para trás do gol. null usou de seu peso, jogando-se contra o defensor com violência, causando um forte estrondo e a recuperação do disco.
null deslizou com o disco até a zona neutra, furando bloqueios dos outros jogadores, até passar o disco para Topi, que perdeu a posse no lance seguinte. Os jogadores vestindo o azul céu do Pelicans tentaram alcançar o ala esquerda do Vaasa, mas não foram rápidos o suficiente, e graças ao tiro forte do jogador, o Vaasa estava na frente outra vez. A primeira linha deslizou desanimada para o banco, sendo substituída rapidamente pela segunda.
null se arrastou no banco, até chegar ao seu lugar, jogou um pouco de água na boca e depois cuspiu o líquido junto com pequenos pedaços da proteção que usava na boca, e que devido ao péssimo habito de mordiscar a peça, se desfazia. null inclinou o corpo para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos, com os olhos no gelo.
Faltavam sete minutos para o fim do terceiro período quando Willy Mankinen, atrás do gol recebia um passe de Mikko Kousa, e depois de buscar seus companheiros com o olhar, encontrou Waltteri Merelä livre frente ao gol. Willy deu o passe, Waltteri deu o tiro que deixou tudo igual outra vez. Merelä deslizou para o lado direito do gelo, sendo abraçado pelos companheiros de time.
– É isso! – Merelä celebrou, sendo abraçado pelo time. – É isso.
– Bom passe, Willy. – Mikko bateu no capacete do recém-chegado.
Pela primeira vez desde sua chegada ao time, null null estava junto a comissão técnica, no banco do Pelicans durante um jogo. A surpresa do time com a presença da terapeuta só não fora maior do que a de null e Petri, que quase tiveram que ter suas bocas fechadas com ajuda de outras pessoas ao verem a inglesa se juntando a eles antes do jogo.
Era uma experiência diferente, não sabia dizer ainda se era melhor do que estar junto a torcida, talvez as duas fossem incríveis na mesma medida. Estavam no final do terceiro período, a primeira linha estava de volta ao gelo e todo time estava tensionado. null já sabia o suficiente do esporte para entender algumas coisas e fazer análises superficiais das jogadas. Graças ao seu conhecimento sobre futebol, conseguia entender de tática, de jogadas e passes, perceber quando um jogador tinha problemas com isso, quando a defesa estava sendo facilmente vazada e outros problemas.
Percebia, graças a isso, que a defesa da primeira linha não estava sendo muito hábil, a troca de passes não era eficiente e o ataque rival sempre encontrava espaço, mesmo com null cobrindo e se ocupando mais em retomada de posse e em organizar o ataque do que finalizar jogadas. Percebia também que Otto não parecia consoante com o jogo dos outros dois de ataque. Foram sucessivas jogadas onde Nieminen podia ter dado passes para Aleks ou null, mas escolhera não fazer.
– Jakkos. – null chamou o fisioterapeuta, falando baixo, depois de mais um passe que Otto não havia dado. – É impressão minha ou Otto não está muito afim de um jogo de equipe hoje?
– Não é impressão não. – Jakkos respondeu, expirando contrariado. – Se ele continuar assim, vai ficar no banco.
– Acha? – null ergueu os olhos para ele.
– Atrapalhando o jogo do null? – Jakkos riu pelo nariz. – É tipo assinar sua carta de demissão.
null null apertou os lábios e os olhos ao mesmo tempo em que uniu as sobrancelhas, incomodada com o tom utilizado pelo fisioterapeuta ao falar do namorado. A terapeuta voltou seu olhar para o gelo, rastreando com atenção a movimentação de null. Viu o namorado correr até o fundo do rinque, em direção ao gol do rival, sendo empurrado e derrubado por um jogador oponente, causando um barulho estrondoso ao se chocar contra a proteção. null apertou os olhos, buscando com ansiedade null, certificando-se que ele ficaria de pé novamente.
O lance rendeu ao time um power play. Logo estavam null, Willy, Waltteri, Santtu e Aleks no gelo, com null no faceoff. Fora tudo muito rápido, o jogo estava no fim, o time se organizava no campo do rival, null com a posse do disco, depois Willy, depois Waltteri, depois null de novo, Waltteri para null e então, ponto. O Pelicans estava na frente, virando o jogo no último minuto. null inclinou o corpo para frente, comemorando com um grito solitário, depois sendo abraçado pelos companheiros de time. O time deslizou até o banco, cumprimentando os jogadores que lá estavam. Era a primeira vez que o central marcava após seu retorno.
null foi abraçada de lado por Jakkos, e conseguiu sorrir a distância para null quando ele voltou ao banco. Os telões da Isku Areena mostraram o sorriso do capitão, após seu segundo gol no jogo de retorno após lesão, e null sorriu junto, apaixonada, aprendendo como era ser a namorada do capitão.
Peônia vermelha
Peônia vermelha: A peônia vermelha é símbolo do amor. As flores podem dizer mais do que palavras, portanto, dar uma peônia vermelha a alguém é uma expressão do seu amor.
Sábado, 11 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Casa de null null
null e null estavam deitados na grande cama do quarto do central, em silêncio, apenas aproveitando a presença um do outro. Já era tarde, depois do jogo com vitória para o Pelicans, null havia levado null para conhecer sua casa pela primeira vez. O choque atingiu null null quando a inglesa se deu conta, talvez pela primeira vez, de que o null com quem dividia o banho em seu banheiro pequeno, era o ricaço jogador de hockey ídolo do país. Mas todas as inseguranças ativadas por se ver naquela mansão foram dizimadas quando null saiu da cozinha com uma caixa de pizza, o suco favorito da terapeuta, segurando o caule de uma rosa branca nos dentes, já que as mãos estavam ocupadas.
Depois de conversas aleatórias sobre o jogo e finalizarem até a última migalha de pizza, null resolveu que traria sorte apresentar seu quarto para a terapeuta seguindo a tradição de casais recém-casados. Então, com uma null que não conseguia parar de gargalhar nos braços, o capitão subiu as escadas que levavam até o segundo andar. E no quarto, misturados entre os lençóis e edredons que deviam custar o mesmo que um carro, null e null estavam. Agora já despidos, com cabelos bagunçados e cheios de hormônios felizes.
– Uma pergunta. – null null anunciou rompendo o silêncio entre os dois, rolando para cima do corpo do capitão e apoiando o queixo no peito do jogador.
– Manda. – null se ajeitou na cama, abraçando a cintura da inglesa e sorrindo fraco.
– Se nosso relacionamento fosse um filme?
– Pornô. – Ele respondeu rápido, sem pensar, e na mesma velocidade null lhe direcionou um olhar incrédulo. – Romance. Com certeza. Romance. Sem dúvidas. – Corrigiu, rindo abafado e sendo atingido por um tapa leve da namorada no peito. – O quê? – Ele riu erguendo as sobrancelhas.
– Idiota. – null riu, aninhando-se mais ao namorado.
– Não dá pra dizer que foi uma resposta ruim. Ou mentirosa. – null deu de ombros, afagando as costas de null, que estava deitada sobre seu peito.
– Se fosse uma cor? – Ela tornou a perguntar.
– Vinho. – Respondeu o jogador, olhando nos olhos da inglesa, afastando uma mecha de cabelo que lhe cobria um dos olhos. – Existe essa cor? – Quis se certificar, sorrindo.
– Existe. – null assentiu, divertindo-se. – Eu gosto dessa resposta. Se fosse um clima?
– Inverno. – null sorriu de modo doce, cruzando os dedos e das mãos sobre as costas da inglesa. – Não. Melhor. Seria um desses dias frios de chuva, com céu cinza e que dá vontade ficar deitado o dia todo.
– Eu tenho a suave impressão de que para você nosso relacionamento é meio gótico depressivo. – null brincou, desenhando com a ponta do dedo indicador o nome das irmãs que null tinha tatuado na região da clavícula, um de cada lado.
– Não, não...– null riu, negando com a cabeça. – É que as minhas melhores lembranças com você são assim... Acho que é intimista que fala.
– Qual é a sua melhor lembrança? – null perguntou curiosa, unindo as sobrancelhas e sorrindo.
null encarou a namorada, depois desviou o olhar e fechou os olhos, como se estivesse envergonhado. null riu e o cutucou, atraindo a atenção dele outra vez. null respirou fundo e encarou o teto, depois tornou a fechar os olhos.
– A primeira vez que a gente acordou junto na sua casa, de manhã, aquela conversa. – Falou ele, sorrindo abobado, mas mantendo os olhos fechados, sentindo as bochechas esquentarem. – Aquele dia, naquele posto, quando você foi se livrar das garrafas e ficou implicando comigo por gostar de The Office. E quando a gente estava comendo chocolates e rindo do pinguim de pelúcia.
– Niko. – null o interrompeu para corrigir.
– Claro, Niko. Nosso bebê. – null riu nasalado e null sentiu o coração esquentar, estranhamente, ao ouvi-lo dizer nosso bebê.
– São boas lembranças. – null sorriu apaixonada, esticando uma das mãos e afagando o rosto do central, que abriu os olhos. – Lembranças bonitas.
– E as suas? Você tem? – Quis saber em uma ansiedade e inocência quase infantis, que derreteram ainda mais o coração da inglesa.
– É claro. – null sorriu. – Quando cozinhou para mim pela primeira vez. Eu sempre lembro das piadas que fez naquele dia como se tivesse sido ontem. – null riu, virando o rosto para beijar a mão da inglesa que afagava sua bochecha. – Se lembra daquele episódio que me irritei porque você estava no celular enquanto falava comigo? – O jogador assentiu. – Depois, o fato de você ter ficado e ter tido paciência é uma das melhores lembranças. Me lembra sempre que você é alguém com quem...– null hesitou, tentando escolher bem as palavras. – Alguém que se importa.
– Eu me importo. – Assentiu ele e null ergueu um pouco o corpo para alcança-lo e o beijar.
– Eu posso fazer outra pergunta? – null perguntou depois de se deitar ao lado de null, virando-se de lado para olhá-lo.
– Você pode fazer a pergunta que quiser, Rakkaani. – null se virou de lado também, para olhar a namorada nos olhos.
– Quando você...quando você percebeu que estava apaixonado? – Perguntou sorrindo timidamente. – Eu já te fiz essa pergunta, mas você fugiu de mim.
– E você não desiste fácil das coisas, não é? – null riu pelo nariz, aproximando-se mais de null e a puxando para mais perto. – Acho que essa é uma das coisas que gosto em você. Entre tantas.
– E então? Vai responder ou me enrolar? – null insistiu, abraçando o jogador pelo pescoço e acariciando sua nuca.
– Eu não sei exatamente. – Mentiu ele, desviando o olhar. – Eu gostei de você desde a primeira vez que te vi, chegando naquele vestiário.
– Sabia que eu achei que você tinha me detestado naquele dia?
– Não, não mesmo. – null negou e riu nasalado. – Eu estava hipnotizado. – null fez uma breve pausa. – E com ciúme do Merelä, porque já naquele dia vocês já pareciam ter uma conexão. – Confessou, fazendo null rir alto.
– Eu nunca te contei como conheci o Waltteri, não é? – Disse ela e o central negou com a cabeça. – No meu primeiro dia aqui no Pelicans fiquei perdida na cidade. Eu não falava nenhuma palavra em finlandês...– null a interrompeu.
– Não mudou muito, então.
– Cala a boca. – null o acertou com um tapa leve no ombro, sorrindo enquanto voltava a abraça-lo no momento seguinte. – E então eu estava perdida, já tinha desistido de tudo, pronta para voltar para Inglaterra. Até que alguém quase me atropelou com uma bicicleta. Era o Waltteri. – null sorriu com a lembrança daquele dia. – Ele me ajudou a chegar até a Isku e no caminho não parava de falar.
– Típico. – null rolou os olhos.
– Ele falou de você. – A inglesa atraiu um olhar confuso de null. – Ele sempre falou bem de você, desde o primeiro dia. Na época que eu tinha certeza que você me odiava também.
– Tá, ele é bonitão, gente boa e ainda me elogia. Agora, por favor, me ajude e me dê algum defeito dele. – O jogador pediu e null negou com a cabeça, torcendo os lábios.
Fez-se silêncio enquanto null respirava e null passeava as mãos pelo ombro do jogador, acariciando com suavidade.
– Quando eu era criança...na verdade, acho que sempre foi assim, até que eu tivesse o destaque que tenho hoje no hockey, e mesmo assim, isso ainda acontece. – null começou a falar, atraindo a atenção da terapeuta outra vez e concentrando seu olhar em uma pequena marquinha que null tinha no rosto, evitando olhar nos olhos dela. – Você já deve ter notado, mas eu sou um pouco diferente do pessoal daqui, e de lá da Rússia também. Era meio difícil. Ninguém aceita muito bem essa mistura. – Embora null reconhecesse o tom sério do que null contava, ele parecia se esforçar para fingir ser algo sem importância, usando de ironia, sorrindo de canto enquanto falava e fazendo caretas engraçadas. – Eu nem era considerado russo de verdade. E depois aqui, sempre foi meio complicado. Meu nariz era diferente, minha cor era diferente, meu cabelo...tinha umas coisas com latinos que só fui entender depois de grande...com a minha mãe e minhas irmãs...– null expirou, ergueu as duas sobrancelhas e encarou a terapeuta. – Então eu meio que tenho essa questão com pessoas loiras e simpáticas demais. – Confidenciou.
– Obrigada por dividir comigo. – null falou, atraindo um olhar com sobrancelhas juntas por parte do central.
– Como assim?
– Não deve ser um assunto fácil para você, então, obrigada por confiar e dividir comigo. Fico feliz que tenha me contado. – null ergueu um ombro. – Deve ter sido complicado para você e suas irmãs crescerem assim.
– Você é uma caixinha de surpresas. – null ainda a encarava de modo confuso, mas sorriu. – É, foi um pouco. Eu era meio que a sombra estranha do Atte e por muito tempo ele foi meu único amigo. Tudo mudou depois que eu comecei a jogar de verdade, mas não porque as pessoas mudaram...enfim. – Ele deu de ombros, como se não desse a mínima para o que falava.
– Isso explica muita coisa, não é? – null comentou, passando uma das mãos nos cabelos do central, tentando organizar os fios.
– Você acha? – Quis saber ele.
– Eu acho sim. – Assentiu a inglesa. – Para mim, talvez explique porque você fica tão inseguro sobre o Waltteri. Com ciúmes dele, por exemplo.
– Não, o Merelä é outra coisa. – O capitão negou, ajeitando-se na cama e apoiando uma das mãos a cintura da terapeuta. – Eu sei que ele tem interesse, já te falei isso, amor. – O central ergueu os ombros. – Claro que se fosse alguém muito feio e chato seria mais fácil. Só que não tem nada a ver com isso.
– Tem a ver com o quê, então? – null se mexeu na cama, apoiando a cabeça no braço.
– Quando eu não falava com você antes. – Lembrou null.
– Eu não entendi. – null uniu as sobrancelhas confusa. – Achei que fosse porque queria chamar minha atenção. Você me disse isso. – null apertou os lábios e inflou as bochechas.
– Não totalmente. – Negou o capitão. – No início e depois que você apareceu com aqueles bombons e a pizza, sim. – null riu e a inglesa o imitou, abraçando-o com mais força. – Você se lembra de um dia em que conversou com Atte?
– Nossa, você vai ter que ser mais específico. – A terapeuta piscou duas vezes, negando com a cabeça.
– Foi no início de tudo, quando você chegou. – Começou a contar o jogador. – Eu vi vocês conversando e achei que era óbvio que não tinha chances. – null sorriu, concentrando seu olhar no ombro da namorada. – Porque tinha muita gente melhor, mais interessante, mais bonito, e era claro que você nunca ia me dar uma chance.
null beijou o jogador, pegando-o de guarda baixa. Depois se manteve com olhos fixos nos dele, afagando sua bochecha.
– Que coisa mais boba de se pensar, meu bem. – null disse. – Principalmente porque ninguém além de você nunca teve chances. – Ela riu e o central torceu o canto dos lábios em um sorriso sutil. – Até mesmo quando eu tinha certeza que você me odiava desde o primeiro dia. Você era o único que não saia da minha cabeça.
Os dois voltaram a ficar em silêncio outra vez, mas desta se encarando enquanto tocavam suavemente o rosto um do outo, memorizando as sensações do contato das peles. O calor, a textura, as sensações que o contato mínimo despertava. O jogador lutava internamente para conter o impulso de dizer tudo que sentia, tudo que já guardava em seu coração há muito tempo.
– Eu menti. – null anunciou após um período se remoendo sobre dizer ou não a verdade.
– Não me diga que você é casado. – null arregalou os olhos e depois sorriu.
– Ainda não, mas também não menti tanto assim. – Negou o jogador, virando-se e voltado a encarar o teto. – Menti quando falei que não sabia exatamente quando tinha ficado apaixonado por você. – O capitão ergueu o tronco, sentando-se na cama, e null o imitou, puxando o edredom para se cobrir. – Por favor não me odeie por isso. – Pediu rindo nervosamente e null sorriu, beijando as costas nuas do central.
– Estou ouvindo.
– Eu realmente fiquei bobo e talvez emocionado demais desde o início, do primeiro dia. Desde o primeiro dia que te vi e depois do primeiro dia com você. – Contou ele de olhos fechados. – Acho que tudo foi acontecendo devagar, tipo quando você vai na praia e só percebe que tá no fundo quando alguém te avisa? – null assentiu em um murmúrio. – Aí, quando eu não consegui mentir e te enrolar, dei uma surtada e o Atte me avisou que eu estava no fundo.
– Como assim me enrolar? – null inclinou a cabeça sobre o ombro.
– Quando você me perguntava coisas sobre a minha vida que eu não queria falar. – Disse, tomando coragem para olhar para a namorada por sobre o ombro. – Eu ficava irritado por não conseguir mentir, dizer qualquer coisa e te enrolar. – null riu pelo nariz. – E ficava com raiva por você fazer perguntas que eu não podia responder.
– Acho que acabo de me ofender um pouco. – A inglesa endireitou as costas. – Então... no início... você queria me enrolar? Eu achei que gostasse de mim...
– Não. Não. – null se virou rapidamente, segurando as mãos da namorada. – Não. Eu gostava. Gosto. Gosto muito. Sempre gostei. – Corrigiu ele. – Mas eu só... só não queria aceitar que gostava tanto. – Expirou ele, enquanto null se encostava na cabeceira da cama e o analisava com olhos estreitos.
– Mas então por que se irritar por não conseguir mentir?
– Porque você queria saber de coisas que eu não queria falar. – Justificou null. – Já deve ter percebido que eu não sou a melhor pessoa pra falar dessas coisas. – O jogador expirou, deitando-se novamente. – Eu não queria falar, mas também não queria não falar, porque sabia que te deixaria chateada. – null pensou por alguns segundos em silêncio, depois suspirou e se deitou outra vez, aninhando-se ao corpo do capitão, sendo abraçada por ele.
– Eu reconheço minha parte de culpa nisso. Mas preciso dizer que você tem tendência a complicar coisas fáceis.
– Isso eu sei que tenho. – Ele sorriu fraco. – Mas sabe de uma coisa? Tô até me sentindo bem te falando essas coisas. – null riu, apertando mais a terapeuta contra si.
– É mesmo? Por que?
- Porque agora você sabe. Sabe que não é nada com você, que é só esse monte de coisa que tenho na cabeça. – Respondeu null, num sorriso aliviado.
- Eu gosto de conhecer você. Acho que devia ter esperado mais e não ter te pressionado naquela época. – Disse a inglesa. – Se serve de alguma coisa, se pudesse voltar atrás, não faria. – O capitão beijou a testa de null duas vezes. – Mas null, o que te fez mudar de ideia? – null quis saber após um breve silêncio. – Sobre mim e sobre estar apaixonado. Porque não foi o sexo. – Brincou sorrindo e fazendo null sorrir.
– Aquele dia no gelo, no rinque. Eu achei que você fosse brigar, que íamos ter outra discussão, mas você deixou pra lá. – Lembrou null. – Ali me quebrou um pouco. E aí, naquele outro dia, no posto de combustível, com você enfiando as garrafas naquela máquina...eu só conseguia pensar no quanto você estava linda, no quanto era engraçada e interessante e no quanto eu queria ficar perto de você.
– Você se apaixonou por mim num posto de combustível? – null arqueou uma sobrancelha.
– Não, eu aceitei estar apaixonado num posto de combustível. – Corrigiu null, erguendo o dedo indicador. – Você não fica brava mesmo?
– Por que? – null riu abafado, beijando o peito nu de null. – Quando você começou a falar, sim. Mas eu entendi. E também, já te conheço o suficiente para imaginar que você não admitiria tão fácil estar apaixonado.
– Minha alma gêmea. – null sorriu, abraçando null apertado. – Mas ainda assim é meio estranho.
– O quê? Você estava acostumado com namoradas bravas e agressivas? Ou muito emocionais? – null riu, buscando o olhar dele. – Posso chorar se te fizer sentir melhor.
– Eu sou jogador de hockey, tô acostumado a apanhar em todos os sentidos...– null hesitou. Pela reação de null, mesmo com a inglesa dizendo estar tudo bem, estava tomado por uma grande onda de insegurança, pensando em que momento aquela conversar seria usada contra seu favor. – Eu acabei de falar que não queria me apaixonar por você e que enquanto estava com você, queria te enrolar e não consegui.
– null. – null sorriu, rolou sobre o namorado outra vez, apoiou as mãos sobre o peito de null e o olhou nos olhos. – Eu não posso dizer que não me fere um pouquinho saber disso. – null sorriu inclinando a cabeça sobre o ombro. – Que quando eu achei que estávamos ótimos, essa coisa se passava pela sua cabeça. Mas ao mesmo tempo...– A inglesa respirou fundo. – Você disse que não conseguiu fazer, porque se importava comigo. Que mesmo não querendo, se apaixonou. E a mesma pessoa que me disse essas coisas é a pessoa que escolheu comemorar a vitória depois de várias semanas fora do time comigo, enquanto o time está em algum bar na cidade. E é a mesma pessoa que sempre me traz comida, que me dá total atenção, que sempre esquenta o meu lado da cama quando vai se deitar primeiro que eu. Que sempre traduz tudo de finlandês pra mim...e tem tantas outras coisas... – A inglesa sorriu. – O que estou tentando dizer é que eu sei que você gosta de mim agora, que se importa comigo, então, não tenho motivos para me irritar ou chatear. Eu tenho você agora. É o suficiente.
– A gente devia casar. – null disse sem pensar depois de ouvir null, sentindo o coração mais que disparado, e as três palavrinhas se forçando para fora de sua boca.
– null. – null riu, apoiando a testa no ombro do capitão, que também ria.
– Esse é meu segredo, eu sou emocionado. Mas a gente realmente devia se casar. – Falou ainda rindo.
– Não era um segredo, você sabe, não é? – null ergueu o rosto.
– Como assim não era? Eu disfarço muito bem.
– Não. Não disfarça não. – A inglesa negou com a cabeça, apertando os lábios, enquanto o central a olhava com sobrancelhas unidas.
null e null riram juntos até que precisassem interromper as risadas para recuperar o ar. Então suspiraram e continuaram a se observar, aproveitando a atmosfera íntima e diferente que havia se instaurado ali. null ainda estava deitada sobre o corpo do central, olhando os detalhes de seu rosto, enquanto null contornava com as mãos as curvas do corpo da inglesa.
– Posso confessar uma coisa? – Perguntou e viu a mulher assentir mordendo o lábio inferior. – Eu tô muito feliz com você aqui. Eu gosto da sua casa, mas ter você na minha é diferente.
– Eu acho que entendo o que quer dizer. – null concordou, sorrindo e beijando-o, depois se afastou dele para deitar na cama outra vez, ajeitando o travesseiro enquanto falava. – Eu me sinto mais perto. Como se você estivesse me deixando...aproximar mais. Eu acho. – Falou devagar, pensando bem a escolha de palavras.
– Acho que é. – null deu de ombros, apoiando um braço atrás da cabeça e outro sobre o peito. – Eu me sinto mais seguro. Pelo menos um pouco.
– Seguro em relação a quê? – null quis saber.
– Ah, sei lá... – null coçou o queixo, pensando se devia ou não falar daqueles assuntos. Era madrugada e pessoas geralmente falam mais do que devem de madrugada. Mas independente da desculpa do horário, null ainda seria sua null pela manhã, e o que quer que dissesse ali não seria apagado e também, já tinha dito tanta coisa, que mais uma ou duas não faria diferença. – A gente.
– Tenho um pouco de raiva das suas antigas namoradas por terem te deixado tão traumatizado. – null falou e no segundo seguinte, ergueu os olhos para null.
– Não precisa. – null sorriu, puxando null para mais perto de si e beijando sua testa. – Só não me traumatize também. É o suficiente. – Ele riu pelo nariz.
– Não está nos meus planos. – null sorriu de volta. – Você tinha ou tem medo de quê? – null quis saber, ainda com olhos presos ao do central.
– Não tenho medo de namorar você. Não é isso. – null negou, tamborilando os dedos das costas de null. – É mais complicado.
– Tipo o quê? – Insistiu ela.
– Esse meio que eu vivo, o outro lado do hockey, o que não é no gelo ou no dia a dia de treinos. É muito tóxico. – Falou ele e agora, diferente das outras vezes em que havia tratado de um assunto sério como se não fosse nada, uma sombra cobria os olhos dóceis de null. – Eu já me quebrei muito por isso. É meio hipócrita falar porque esse mesmo meio me deu tudo isso, o reconhecimento no hockey me deu, mas é muito podre. Difícil. – Desabafou o capitão, expirando pesadamente. – Aqui não temos tanto esse assédio. Em Lathi é mais discreto. Outros times têm mais atenção, mas por ser um time menor, em uma cidade menor, aqui é mais calmo e as pessoas já se acostumaram comigo.
– Por isso você não se muda ou deixa o Pelicans? – A inglesa começou a unir as peças em sua cabeça.
– É. – Ele assentiu e em seguida expirou profundamente. – Se já foi ruim pra mim aqui, praticamente escondido do resto do mundo... imagine em outro time, ou em Helsinki, ou na NHL. – null fez uma breve pausa. – Atte leva como missão pessoal que eu saia daqui, mas ... – O central negou com a cabeça. – Antes eu não era do jeito que sou hoje, sabe? Era mais simpático, mais aberto. Minha família se mudou para cá quando eu era muito pequeno, então Lathi sempre foi a minha casa. Amava passear, aproveitar os bares, os shows, as festas, as trilhas e os lagos no verão. Era muito bom. – Contou saudoso, sorrindo de lado. – Lembra que disse que era meio complicado quando era criança, por causa...– O jogador hesitou propositalmente, olhando para null.
– Sim, claro. – Assentiu null.
– Como eu falei antes, sempre fui a sombra do Atte. Ele era o foco de tudo e eu era o... – null pensou um pouco, buscando em sua cabeça um exemplo bom o bastante. – Sabe o feioso? O Pugsley Addams, da Família Addams? – O central riu pelo nariz. – Eu era isso. Sempre foi assim e Atte e eu sempre fomos grudados. Não tenho mágoa do Atte por causa dessa época, antes que pergunte. – Justificou o capitão. – Mas aí, quando eu era adolescente tudo ficou muito pior. Pelo menos até os treinos de hockey fazerem efeito e eu passar da puberdade. – Sorriu. – Aí tudo começou.
– Se tornou o jogador popular. – null brincou.
– Meio que sim. – O capitão sorriu outra vez. – Tive mais destaque que Atte pela primeira vez, fui para o time profissional primeiro, fiquei mais bonitão, arrumei uma namorada. Depois tudo foi crescendo, tomando proporções muito maiores do que eu conseguia entender. Contrato com o time, formatura, grandes chances de ser draftado pra NHL. Eu era uma criança, não tinha muita maturidade para lidar com nada disso, mas estava aproveitando, como qualquer garoto de dezessete anos.
– Até que? – null incentivou com o namorado parou de falar e pareceu assistir ao filme de lembranças que sua mente construía.
– Até que eu provei o lado amargo disso tudo. A mídia, a pressão da torcida, das pessoas que falavam mal de mim o tempo todo...eu não lidei muito bem.
– Que ser humano lida? – null perguntou de modo retórico. – Ainda mais sendo tão jovem...essa pressão é muito difícil.
– Eu acho que fui me fechando...parei de sair, porque em toda esquina tinha alguém tirando fotos. Parei de sorrir sempre, de ser simpático nas entrevistas...– Narrou o jogador. – Eu sou chato comigo, me cobro muito e isso meio que piorou. Então além da pressão que eu mesmo me colocava, ainda precisava lidar com a pressão de todo mundo. Um dia falavam que eu era mimado, complexo de estrela, que queria que o treinador me obedecesse, no outro que era uma promessa furada, e no outro, se eu fizesse um bom jogo, que era o rei do hockey nacional. – null expirou uma risada sem humor. – Ainda fazem isso, mas eu não leio mais notícias sobre.
– Não consigo nem imaginar como deve ter sido duro passar por isso. – null apertou os lábios, acariciando o rosto do namorado.
– Foi mesmo. Acho que depois disso eu mudei, fiquei mais mal-humorado, mais fechado, menos alegre, menos sociável. Os jornalistas pareciam sempre querer me colocar contra o time, contra o treinador, criando coisas, inventando polêmicas, me induzindo ao erro nas entrevistas. Era meio cruel. Acho que ainda é, mas eu lido melhor hoje em dia. – null apertou um pouco o abraço, queria sentir null mais perto, se sentir confortável e seguro enquanto contava aquelas coisas, que para ele eram tão delicadas. – Terminei meu relacionamento nessa época. Ela não me aguentava mais e eu não aguentava mais discussões e problemas.
– Foi ruim?
– Isso não, isso na época foi um alivio. Ruim foi o que veio depois. – O central riu abafado. – Você falou que eu complico coisas fáceis. Não falava sobre isso com ela, mas ela não gostava muito dessa exposição também. No final ela queria atenção, queria discutir os problemas... – O central riu e olhou para namorada. – Viu? Esse problema é antigo. Não é só com você que eu sou uma droga.
– Você não é uma droga, null. – null discordou, dirigindo a ele um olhar repreensivo. – Só precisa aprender que não precisa passar por tudo sozinho, aparentemente. – null sorriu sem mostrar os dentes. – O que foi a coisa ruim que veio depois?
– Ah, claro. – O central se lembrou do que estava prestes a contar antes. – Nessa época tudo foi uma droga. Uma vez bebi demais numa festa de família, no dia seguinte fotos minha estavam por toda internet. Mas não só essas, outras fotos, fotos que eu tinha postado em alguma rede social, fotos tiradas enquanto eu estava distraído...eu meio que virei um meme. Só que não era engraçado. Piadas sobre mim, sobre minha aparência, meu nariz...– null riu outra vez, mas pelo tom de voz do jogador, null notou o quanto aquilo ainda doía.
– Te levou para sua infância e adolescência, não é? – null supôs e viu null assentir com a cabeça.
– Não é porque eu tenho trauma de relacionamentos. Os meus não foram todos ótimos, mas não em traumatizaram tanto. – Falou o capitão. – Eu tenho trauma das pessoas. De tudo isso que a fama traz. Eu achei, nessa época, que podia ser só eu, me mostrar como eu era, e tudo que recebi foram coisas ruins. Sempre pode acontecer de novo. E eu sei também, que quando sou bom e venço, sou russo, ou um finlandês honorário, mas quando perco... tem umas coisas muito ruins que falam. – Ele riu outra vez, voltando a encarar o teto.
– Não te julgo por se proteger. – null disse, colocando os cabelos atrás da orelha. – É um outro lado de ser quem você é que é realmente tóxico. Lamento que tenha sido assim. – A inglesa expirou pesadamente. – Gostaria de ter te conhecido antes, de talvez poder te proteger dessas coisas todas.
null sorriu, olhou para a namorada e a beijou na testa outra vez, depois bocejou.
– Não preciso de proteção, Rakkaani. – Negou ele. – Não inverta os papéis. Eu te protejo, não o contrário. – Falou o capitão, e sua fala causou na terapeuta uma careta de discordância. – Causa e consequência. Não reclamo de viver aqui nessa casa, não é? Nem de ser quem eu sou...então, existem coisas que a gente precisa aceitar. – Disse, sentindo-se estranhamente relaxado. – Mas pelo menos agora você tem resposta pras perguntas que me fazia no início.
– Peço desculpas de novo por ter te perturbado tanto com essas perguntas idiotas. – null sentia-se extremamente culpada.
– Não, deixa isso pra lá. – Negou o jogador, bocejando outra vez. – Eu não curto muito falar dessas coisas. Mas me sinto bem falando com você. Amanhã te conto mais.
– Eu agradeço por dividir comigo isso também, imagino que não deve ser fácil ficar lembrando. – null sorriu.
– Uhumm. – null murmurou, fechando os olhos outra vez.
– Eu entendo agora, acho que muito fez sentido para mim. – A inglesa tornou a falar, deitando de barriga para cima e encarando o teto. – Tudo, desde o início. E o mais interessante é que quando eu perguntava sobre isso, você nunca mentiu, ou foi rude ou coisa do tipo. Mesmo se tratando de um assunto sensível para você. Eu fico lisonjeada, sabe? Acho que apesar de estar com outra versão de null essa noite, essa versão ricaça que eu não conhecia. – A inglesa riu pelo nariz. – Me sinto mais conectada. Mais perto. E ao mesmo tempo, corrobora o que eu já sinto, o que eu já penso. E me dá certeza de que me apaixonei pela pessoa certa e que...eu...eu amo a pessoa certa. – null confessou com voz um pouco trêmula, evitando olhar para null, mas com a ausência de resposta dele, buscou o olhar do central. – Não sei se ficou claro, mas acabei de dizer que eu amo você. – Falou outra vez, mas quando os olhos alcançaram o central, null respirava de modo sereno e parecia dormir profundamente. – null? – null sacudiu o central, que não se moveu. – Não acredito que você dormiu. – A terapeuta sacudiu a cabeça negativamente, sorrindo. – Bom, boa noite, null null. Eu amo você. – Falou, beijando a testa do capitão suavemente.
Sábado, 11 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Casa de null null
Já devia estar perto de amanhecer.
null estava deitada de lado, encarando a mesa de cabeceira e a porta do quarto, enquanto null dormia tão profundamente que a terapeuta podia ouvir seu ronco. A perna do jogador e um dos braços estavam sobre a inglesa, mantendo-a perto, como null sempre fazia quando dormiam juntos. Como se null fosse um tipo de travesseiro que facilitava o sono dele. Mas se o central dormia bem, null null mal conseguia fechar os olhos.
Não entendia bem o motivo de sua insônia, se sentia cansada, mas a mente não desligava, os pensamentos não diminuíam seu fluxo. Estava feliz com a demonstração de confiança e vulnerabilidade de null, contando a ela todas aquelas feridas pessoais e importantes. Talvez por isso não pudesse fechar os olhos. Sentindo o calor do corpo do namorado, não podia parar de pensar no quanto devia ser difícil para ele ser quem era.
Apesar do modo pouco sério e despretensioso com que null havia contado, imaginava que toda a situação devia ter sido muito pior, muito mais insuportável. Ser uma pessoa filha de imigrantes, com todo estigma que aquele grupo carregava, não era fácil. O preconceito, provável xenofobia, somado ao fato de ser só uma criança e todas as questões próprias daquela fase. Conseguia olhar para null através de outra lente. O engraçado, prestativo e romântico, mas também escorregadio, misterioso, defensivo e fechado em tantos momentos, era alguém frágil, inseguro, com confiança ferida, enterrado sob montanhas de julgamentos e críticas, protegido por outras montanhas de armaduras.
Queria ter o poder de voltar no tempo, poder para o proteger de tudo aquilo, e também de não o ter pressionado no início de tudo.
null pensava sobre as confidências daquela noite quando um barulho no corredor chamou sua atenção. Devia ser o cachorro, Felix, a quem ainda não tinha sido apresentada. Mas o barulho se repetiu, seguido por passos no corredor e o que pareciam ser sussurros. Segundo null, sua irmã passaria a noite fora de casa, e até onde sabia, cachorros não sussurravam. null se desvencilhou do abraço do jogador com cuidado e saiu da cama. Envolveu o corpo seminu com o moletom de null e caminhou silenciosamente até a porta. Abriu-a e colocou a cabeça para fora, no corredor, a tempo de flagrar uma cena inesperada. Uma mulher, com um robe branco de seda, no final do corredor, perto das escadas, despedia-se com um abraço caloroso e um beijo de cinema de um homem alto e loiro que null reconheceu de imediato.
O homem segurava os tênis nas mãos, para que não fizesse barulho, e assim que desceu as escadas, a mulher girou em seu próprio eixo, caminhando de volta para seu quarto. Quando a mulher morena se deparou com null congelada a porta, arregalou os olhos e abriu a boca.
– Eu sabia! – Apontou com o dedo indicador. – Sabia que era você. – Inessa gargalhou vitoriosa. – Eu conheço meu irmão como a minha mão, e ele ainda tem a audácia de querer me enganar.
– Espera, o quê? – null franziu o cenho.
– Eu sabia que você era a namorada misteriosa. Sabia que tinha algo entre vocês. O jeito que ele falava, o jeito que ele morreu de ciúmes do Waltteri. Eu sabia. – Inessa deu alguns pulinhos, gargalhando e comemorando o fato de estar certa. A golfista falava alto e logo despertou o irmão mais velho.
– O quê? O que foi? – null surgiu na porta com olhos arregalados e cabelo bagunçado.
– Eu sabia, bundão! Sabia que era ela! – Inessa ainda comemorava. – Quando você vai entender que não pode mentir para sua irmã mais velha? O que não me contam, eu descubro sozinha, eu sonho, aparece para mim.
– Tá, Inessa, já chega. – null rolou os olhos depois de passar as mãos pelo cabelo, tentando alinhar os fios. – Descobriu. Tá feliz? – Expirou derrotado.
– Espera. – null atraiu a atenção dos dois irmãos, ainda tentando entender a cena que tinha visto instantes antes. – Aquele com você era o Atte? – Perguntou confusa, tentando ligar os pontos em sua cabeça.
Inessa abriu a boca mas não disse nada, null arregalou os olhos e encarou a irmã boquiaberto.
– Eu não acredito nisso. Não acredito. – null negou com a cabeça, sentindo o sangue esquentar.
– Não, claro que não. – A morena negou balançando a cabeça de modo nervoso. – Era outro cara.
– Não, era o Atte. – null voltou a falar, ainda um pouco confusa. – Eu conheço o Atte Tolvanen.
– Não acredito que você e o Atte estão juntos outra vez. – null falou enfezado. – Não acredito que minha irmã e meu melhor amigo estão me traindo de novo.
– Não é nada disso, null. – Inessa tentou explicar enquanto levava as mãos a testa, massageando as têmporas. – E você? Estava me vigiando? – Indagou, dirigindo-se a null.
– Não. – Negou surpresa a terapeuta. – Eu não consegui dormir, ouvi um barulho no corredor e fui ver o que era.
– Como assim? – null encarou a namorada. – Você ouviu um barulho e não me chamou?
– Por que eu chamaria você? – null arqueou uma sobrancelha. – null, eu sei me virar, não preciso de ajuda. – null expirou um sorriso.
null torceu os lábios em desaprovação, para em seguida se lembrar da razão de estar irritado.
– Eu não acredito que você e o Atte... – Tornou a dizer.
– Qual o problema de eles estarem juntos? – null indagou, interrompendo o namorado.
– É, bundão, qual o problema? – Inessa cruzou os braços sobre o peito e encarou o irmão, saindo da posição defensiva de antes e adotando uma mais combativa
– Atte é um cara legal, me parece. – null sorriu fechado para Inessa. – E seu melhor amigo. Nem tem o mesmo problema que nós dois temos.
– O problema... o problema... – null perdeu as palavras, nervoso.
– O problema é que você não cuida da sua vida. – Inessa completou zangada.
– Nem você da sua. – null devolveu.
– Intrometido. – Inessa brigou.
– Vai cuidar da sua vida, Inessa. – null agitou uma das mãos.
– Vá você cuidar da sua. – A irmã disse de volta.
– Ei, vocês dois. – null se colocou no meio deles. – Podem parar? Caramba, parecem duas crianças.
– Ela começou. – null acusou com o dedo indicador no rosto da irmã.
– Eu? Você que é insuportável. – Inessa se defendeu.
– Caramba. Vocês dois. Chega. – null falou de modo mais duro. – Amanhã vocês conversam. Boa noite, Inessa, foi um prazer te conhecer... mesmo... mesmo desse jeito. – null sorriu envergonhada, empurrando um null enfezado de volta para o quarto. – E você, vamos logo para cama. Ande. Não fica parado aí.
Inessa acenou com a cabeça quando foi cumprimentada por null, e em seguida se dirigiu a passos duros para seu quarto. Enquanto null se esforçava para enfiar null dentro do quarto, já que o central parecia disposto a ir atrás de Atte naquele momento e tirar algumas satisfações.
– Eu não acredito que ele fez isso. A única. A única coisa que eu pedi. – null reclamava gesticulando e com tom de voz exaltado. – Justamente a única coisa que pedi. Era o nosso trato, nunca dormir com a irmã do outro. Era só isso. Não era tão difícil. – null andava de um lado para o outro, enquanto null assistia a cena com olhar incrédulo. – E é assim que ele trata uma amizade de mais de vinte anos. Dormindo com a minha irmã. Na merda da minha casa. Na minha casa.
– null. – null chamou, mas o jogador não pareceu a ouvir. – null. – Chamou mais alto, enfim conseguindo que o central olhasse para ela. – Dá para parar?
– Não dá. Não é da sua irmã que estamos falando. – Ele respondeu emburrado.
– Até onde eu me lembro, sou a irmã de alguém também. – null cruzou os braços sobre o peito. – Sua irmã é uma adulta, Atte é um adulto. Você não tem que se meter no assunto. Pare de agir como um garoto mimado e ciumento. – null falou sério, enquanto null se sentava na cama. – Qual é o problema da sua irmã sair com alguém legal e interessante? Que ela queira? Aposto que você ia odiar que ela ou sua outra irmã quisesse se meter nos seus relacionamentos.
– É diferente, null. – null tentou argumentar. – Diferente porque é o Atte. Ele é do time. Eu sei o que os caras do time falam das garotas.
– Nossa, então eu devia começar a me preocupar. – null ironizou, voltando a cruzar os braços sobre o peito.
– Não. Você não. – null negou depressa. – Eu nunca falaria qualquer coisa sobre você.
– E você acha que o Atte falaria sobre a sua irmã? – A inglesa arqueou uma sobrancelha. – Você não conhece o seu melhor amigo?
null não respondeu, apenas deixou o corpo pender sobre a cama, ainda irritado.
– Escute. – null o chamou, se arrastando em sua direção e se deitando ao lado dele, amenizando um pouco o tom de voz. – Você tem medo? Okay, tenha uma conversa franca com seu melhor amigo sobre as intenções dele com a sua irmã. Ouça o que ela tem a dizer sobre os sentimentos por ele, se existe algum ou não. Mas ouça. Só ouça. É a vida deles, e por mais que você queira proteger sua irmã, ela é uma mulher adulta e livre, tem direito de fazer as escolhas dela. Você não pode cercear dessa maneira.
– O que significa cercear? – null perguntou após um breve silêncio, fazendo a terapeuta sorrir.
– Só controle seus ciúmes, tá? Deixe sua irmã viver a vida dela. Até onde sei, você não é pai dela. – null beijou a bochecha de null. – Tudo bem?
– Tá, vou tentar. – Respondeu ainda chateado.
– Ótimo. – null sorriu. – Agora vamos dormir. E null. – null chamou e se inclinou para que pudesse falar perto da orelha do jogador. – Se falar alto desse jeito comigo outra vez, você vai para o hospital e eu para prisão. – null sorriu quando o namorado a olhou com olhos arregalados. – Boa noite, amor. – Disse, beijando a testa dele.
Sábado, 11 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Casa de null null
Devagar null sentiu retomar controle sobre o próprio corpo a medida com que despertava. Primeiro se mexeu, mudando a posição do braço direito, sentia câimbras por ter dormido sobre o membro. Depois ajeitou a cabeça no travesseiro, sentindo algo lhe incomodar o nariz, fazendo cócegas. Abriu os olhos, que arderam com o pequeno feixe de claridade que escapava da cortina, e descobriu se tratar de uma pequena mecha do cabelo de null. null se lembrou então de toda noite anterior e sorriu, aproveitando para analisar a beleza da mulher ao seu lado, adormecida.
null, por alguma razão, sempre parecia irritada quando estava dormindo, o que era gracioso na opinião do jogador. O corpo quente estava perto de null, com as pernas entrelaçadas as suas, duas mãos sob o travesseiro, respirando suavemente.
null se sentia diferente naquela manhã. Talvez por ter contado a ela coisas que geralmente relutava em dividir com qualquer outro ser humano. Se sentia um pouco mais leve, como se um peso que nem sabia carregar tivesse saído de suas costas. Estava, depois de muito tempo, confiando em alguém outra vez, se entregando de verdade e de modo consciente, confiando que era a coisa certa a se fazer. Havia sido uma noite muito intensa, cheia de emoções, mas talvez aquela entrasse para o grupo de memórias favoritas. E agora que já tinha dado o primeiro passo, não queria parar, queria contar a null todas as coisas de sua vida, sua infância inteira, como foi seu primeiro ano como profissional, como havia sido sua vida depois de profissional com o draft. Queria contar tudo, queria que ela soubesse de tudo.
– Por que está me olhando dormir? – null sussurrou de repente, com voz de sono, sem abrir os olhos, atraindo a atenção do jogador.
– Porque você fica feia dormindo. – null mentiu e viu a namorada abrir os olhos, surpresa.
– Como é?
null riu abafado e beijou a terapeuta, rolando por cima dela.
– Você podia ficar aqui pra sempre. – Disse ele contra a pele do pescoço de null. – Acordar com você é uma das melhores coisas.
– Qual é o resto da lista? – null quis saber, abraçando o corpo dele.
– Acordar na manhã de natal na casa dos meus pais, vencer os playoffs, o dia do meu aniversário. – Listou o capitão, beijando o pescoço da terapeuta entre cada item da lista.
– Mesmo eu sendo feia quando durmo? – null riu.
– Ah, pare... – null negou com voz manhosa. – Você sabe que é mentira. É impossível você estar feia. Essa chance nem existe. – Falou e null riu, beijando o ombro de null.
– Eu também gosto de acordar com você. – Falou, envolvendo o tronco do jogador com uma das pernas. – É como acordar com um gato, mas gatos não são tão carinhosos.
– Por isso eu prefiro cachorros. – null disse ao erguer o rosto, segurando com uma das mãos a perna da inglesa que envolvia sua cintura.
null não disse nada, apenas manteve o sorriso bobo nos lábios e os olhos no capitão.
– Vem morar aqui. Comigo. – Pediu ele, balançando a cabeça uma vez após dizer. – Vem.
– null... – null mordeu o lábio inferior. – Não me faça propostas que não posso aceitar. Ainda. – O jogador rolou os olhos.
– Não sabia que era tão apegada ao apartamento.
– Não sou. Em Lathi só sou apegada a três coisas. – Falou, acariciando o rosto do central. – Ao time, aos meus amigos e a você. Não nessa ordem. – null sorriu, fazendo com que null a imitasse. – Mas talvez ainda seja cedo. Eu gosto do que a gente tem, estou feliz. Não quero apressar as coisas e correr o risco de dar errado.
– A única coisa que pode dar errado é ficar longe você. – Voltou a falar o jogador, pondo-se a beijar o ombro da terapeuta. – Se quiser me dar algum presente de natal, essa é a dica.
– É sério? – null gargalhou.
– É. – null ergueu a cabeça, sorrindo de modo infantil. – Mas eu também gosto de chocolate.
Prímula
Prímula: A simbologia que essas belas espécies carregam é a expressão dos sentimentos sem medo.
Sábado, 11 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Casa de null null
Depois de tomarem um café da manhã preguiçoso entre os cobertores caros do central, null resolveu explorar a recém descoberta mansão do namorado, enquanto null preparava tudo para a chegada dos companheiros de time. A casa ficava em uma espécie de colina isolada, um pouco distante do centro e dos bairros mais movimentados e povoados. Sem vizinhos próximos, rodeada por árvores e com uma bela vista para o centro da cidade, o lago e até a Isku Areena. O lugar era gigantesco, as paredes do lado de fora eram acinzentadas, como cimento queimado e com vidros escuros completando a extensão das paredes, dando vista para a área externa. A porta da frente era preta e gigantesca, do tipo que só se encontram em mansões. Na entrada havia um pequeno jardim perto da porta e dentro da casa, e perto da enorme sala de jantar também estava um jardim com plantas de aparência exótica e que pareciam ter custado caro. Das janelas era possível ver uma quadra de tênis, uma garagem três vezes maior do que as convencionais e uma piscina com borda infinita e vista para a cidade.
A decoração era minimalista e elegante, cores sóbrias, a inglesa tinha receio de quebrar qualquer coisa e evitava passar perto. Certamente muito dinheiro havia sido gasto para contratar o profissional responsável por aquela decoração. Haviam obras de arte em vários pontos, mas nada muito conceitual, obras simples e sem pretensão de chamarem atenção, em sua maioria esculturas que ficavam sobre os móveis. Na grande sala, pendurada a parede, sobre o sofá, haviam um quadro grande e de pintura abstrata, mas era o único. No corredor alguns quadros, mas de caricaturas de null, ou de sua família, artes feitas sobre um gol específico, mas apenas isso. As obras eram misturadas com troféus do esporte, individuais ou coletivos, uniformes especiais pendurados em quadros, discos, placas, menções, fotos de família. Fotos de família demais para a casa de um homem solteiro de vinte e poucos anos.
Outro detalhe que a inglesa não imaginava encontrar, ao menos não naquela intensidade, era a decoração de natal. A casa parecia a casa do Papai Noel. Guirlandas por todos os lados, meias na lareira, uma árvore de natal que devia ter mais de três metros de altura ocupando um grande canto da sala. Presentes de todos os tamanhos e formatos estavam sob a árvore, haviam itens de decoração sobre as mesas, aparadores, portas, no corrimão da escada, em todo canto que se olhasse, se veria o natal ou algo que remetesse a data festiva.
Tudo na casa surpreendia null. Conseguia se lembrar exatamente de seu choque quando o carro de null se aproximou do lugar. Nunca fizera ideia do quão rico null null era. Principalmente depois de passar quase todo tempo com o jogador em seu apartamento pequeno e antigo, com null cozinhando para ela como um cara normal. Era esquisito, como se de repente percebesse que não sabia quase nada sobre o homem com quem dividia a cama.
Nunca havia estado na casa dele antes, não conhecia quem o central era na intimidade com os amigos ou com outras pessoas. Tudo que sabia de null era como ele se comportava quando estavam a sós. Aquilo talvez significasse algo, talvez mais uma bandeira vermelha, como Maisie gostava de dizer. Talvez graças ao tipo de relação que tinham, proibida, isso nem poderia ser visto como um problema, afinal, os dois escolheram aquele caminho. Apesar de pensar e entender sobre todas essas coisas, a situação gerava incômodo em null.
– Está fazendo menos seis graus lá fora. – null falou ao sentir a presença de alguém. Estava de costas, encarando a área externa da casa através da grande porta de vidro da sala, segurando sua caneca de café. – Tem certeza que o pessoal do time vai vir para a sauna?
– Isso nunca foi um impedimento. – Inessa respondeu, atraindo a atenção de null, que girou em seu próprio eixo para olhá-la.
– De-desculpe. – null gaguejou. – Pensei que fosse...
– Meu irmão. Eu sei. – Inessa completou, sorrindo fraco e se aproximando da inglesa. – Então você é a namorada. – Falou a golfista, unindo-se a null, observando o lado de fora através do vidro.
– Bom, não sei se sou a namorada de qual você fala, mas... eu sou uma namorada. – null sorriu nervosa. Não fazia ideia de como agir na presença da irmã de null, principalmente após a cena da noite anterior.
– Só tem você, caso ainda haja dúvida. – Inessa respondeu após sorrir sem mostrar os dentes e sem olhar para a inglesa. – E há muito tempo não tinha ninguém. Só não esperava que fosse nessa situação. – Inessa fez uma breve pausa. – Alguém do time.
– Não sei se já tiveram essa conversa, mas nós dois entendemos as consequências disso. – null tentou justificar, girando o corpo para olhar para a null mais velha. – Foi algo que fugiu do nosso controle, desde sempre.
– Não precisa justificar para mim. – Negou Inessa, ainda como se algo muito interessante estivesse do lado de fora. – Confio que meu irmão não tomaria nenhuma decisão que colocasse em risco a carreira dele. E se por acaso fez, foi por um motivo muito importante. E ao contrário dele, não me meto nas escolhas dos meus irmãos.
– Entendo. – null respirou fundo e imitou a mulher, endireitando a coluna.
– Você veio da Inglaterra, não é? Para trabalhar com o time, eu soube. Por causa do piloto que comprou parte da equipe. – Inessa perguntou e null sentiu o estômago congelar, talvez null realmente nunca soubera sobre sua situação com null, mas talvez a outra null sim.
– Sim. Por que pergunta? – null devolveu, ansiosa.
– Curiosidade. – Inessa a olhou pela primeira vez desde que havia iniciado aquela conversa, mas só rapidamente. – null é um idiota, mas é meu irmão mais novo. Se você acha ele protetor, é porque ainda não me conheceu. – Inessa voltou os olhos para a inglesa novamente, mas se demorando um pouco mais dessa vez. – Homens são agressivos, mas mulheres costumam ser vingativas.
– Eu entendi o recado. – null assentiu, intimidada pelo olhar estreito da jogadora de golfe. – A última coisa no mundo que quero é magoar o seu irmão. Eu o amo, de verdade.
– Isso o tempo vai dizer. – Inessa analisou null mais uma vez, olhando-a de cima a baixo.
– Eu sei um pouco das coisas pelas quais ele já passou, null me contou. – null tornou a falar. – Não sou uma aventureira, ou alguém que está interessada na fama dele. Eu gosto do seu irmão e só.
– Que bom, null null. – Inessa enfim afastou os olhos de null, voltando-se para fora outra vez. – É sempre bom ter uma aliada.
Aquela era uma situação completamente inédita para a terapeuta inglesa. Sentia-se intimidade por Inessa, confusa e com vontade correr dali. Sabia que era importante manter uma boa relação com a irmã de seu namorado, e que na posição de Inessa, faria o mesmo por null, defendendo-o.
– Então... – null tossiu, tentando deixar a voz mais limpa. – Atte.
– É, longa história. – Inessa ergueu os ombros. – Em um dia ele só era o pirralho amigo do meu irmão mais novo, e então no dia seguinte era um finlandês de mais de um metro e oitenta e olhos azuis. Para certas coisas não se pode dizer não. – Inessa riu, inclinando a cabeça sobre o ombro.
– Eu sei bem. – null gargalhou, concordando com a cabeça. – Há quanto tempo estão juntos?
– Não estamos. – Inessa deu as costas para a porta de vidro e se recostou a ela, cruzando os braços sobre o peito. – Idas e vindas. Meu irmão não ajudou muito no processo. – A morena suspirou. – Atte está concentrado em sua carreira, em sua marca, em sua vida. E eu também.
– Mas ele estava aqui ontem. – null pontuou, com algum otimismo. – Talvez seja uma nova chance?
– Você é fofa. – Inessa olhou para a terapeuta e sorriu como quem sorri para uma criança pequena que diz alguma besteira. – Mas a realidade não é tão simples quanto parece. – A golfista suspirou, balançando a cabeça negativamente, como se afastasse pensamentos da mente. – O time sabe de você e null?
– Não, nem podem. – null negou com a cabeça, tomando o resto de café que restava em sua caneca, e fazendo careta ao provar o líquido frio. – É uma questão ética delicada. Algumas pessoas sabiam, como Atte, por exemplo, mas agora, para todos os efeitos, null e eu terminamos.
– E como vocês pretendem explicar você ter dormido aqui? – Inessa arqueou uma sobrancelha.
– Ah... bem, eu... a gente não tinha pensado nisso. – null coçou a nuca, desconcertada, enquanto Inessa balançava a cabeça negativamente.
– Dia de sauna, baby! – null entrou na casa falando alto. – Oi, feiosa. – Cumprimentou a irmã ao se aproximar das duas. – Oi, linda. Por que você ainda está vestida assim? Logo o pessoal do time vai chegar. – Quis saber ele, colocando as mãos na cintura de null, que vestia a mesma roupa do dia anterior, no jogo, e a olhando nos olhos.
– Acho que não vou encarar essa. – null negou apertando os lábios. – Estou... sabe... naqueles dias.
– Que desculpa péssima. – null negou com a cabeça e torceu os lábios. – Qual é? Vai ser legal.
– Eu vou ficar mais confortável aqui, fazendo companhia para a sua irmã. – Disse a inglesa.
– Ah, não...– null choramingou. – É sério? Não quer mesmo? Aconteceu alguma coisa?
– Não, tudo bem. – null sorriu, beijando o namorado rapidamente. – Eu só não estou afim e também, tive essa surpresinha hoje pela manhã. – Sussurrou ela.
– Uma pena, mas se você quer assim... – null deu de ombros. – Vou terminar de me arrumar. – Avisou, beijando-a novamente.
Ao se afastar, null se esticou para bagunçar os cabelos de Inessa ao passar por ela, e subiu as escadas assoviando uma música qualquer que null não pôde reconhecer.
– Nunca vi um dia de sauna animar tanto alguém assim. – null comentou, sorrindo com a cena que acabara de ver.
– Não é o dia de sauna, é você. – Inessa falou, atraindo um olhar confuso de null. – Alguns anos atrás ele era assim o tempo todo, dentro e fora do gelo, com todos. Mas é bom vê-lo assim de novo.
– Deve ter sido difícil para vocês também. – null comentou. – Ele me contou um pouco das coisas que aconteceram.
– Contou? – Inessa analisou a terapeuta outra vez, com incerteza. – Ele está mesmo apaixonado.
– Ele disse que sim, pelo menos. – null ergueu os ombros, sorrindo, tentando disfarçar a euforia que a tinha atingido.
– Vocês combinam. – Inessa falou, voltando a sua postura anterior, encarando a área externa. – Só para você saber.
null sentia que podia cantar e dançar, mesmo sendo péssima nas duas coisas, só pela felicidade que sentia. Era simples, estava na casa de seu namorado, havia tido uma breve conversa com a irmã dele, mas mesmo assim se sentia incrivelmente feliz. Talvez a confirmação de Inessa de que null realmente estava apaixonado, ou talvez a golfista achar que os dois combinavam. Não tinha muitas amigas em Lathi para conversar sobre aquelas coisas, e os amigos do time, por melhor que fossem, não rendiam aquele tipo de assunto e nem podiam, já que não podiam sequer saber sobre a existência do namoro.
Mas era bom. Muito bom.
Depois de falar com Inessa, null resolveu procurar null, precisavam combinar uma história para quando o time chegasse e a encontrasse ali com as mesmas roupas do dia anterior. null não encontrou o namorado no quarto, então o chamou no corredor, torcendo para que null a ouvisse. Suas preces pareceram ser atendidas quando null a chamou de um dos cômodos, no fim do corredor. Ao entrar, null se deparou com o que parecia ser um tipo de quarto de jogos, uma TV enorme, videogames, sofás confortáveis, uma mesa de sinuca e haviam alguns instrumentos musicais pendurados a parede.
– Oi. – null sorriu como uma criança quando viu a namorada entrar no cômodo. – Estava procurando uma coisinha. – Falou, erguendo um boné cinza na direção da terapeuta e depois colocando na cabeça.
– A gente precisa combinar uma versão sobre eu estar aqui...– null se perdeu em sua fala enquanto analisava os instrumentos musicais expostos. – O que é tudo isso? Você toca? – Quis saber, apontando para uma guitarra pendurada a parede.
– Eu finjo. – null sorriu, colocando o boné e se aproximando da terapeuta. – Nunca te disse?
– Não. – null negou balançando a cabeça.
– Que isso... que crime... – Brincou ele, caminhando até a parede e escolhendo uma das guitarras. – Quer ver? – Perguntou, olhando para ela por sobre o ombro, voltando para junto da namorada com uma guitarra vermelha.
– Claro. – null sorriu, se sentando em um dos sofás e cruzando as pernas.
Enquanto null se preparava, a inglesa assistia e pensava sobre como ele ficava bonito com aquela guitarra nas mãos. Era como reavivar suas fantasias adolescentes de namorar um astro do rock, ou algum cara de uma banda qualquer. Ao mesmo tempo era outra versão do namorado que ainda não conhecia, e a cada pedaço dele que descobria, mais se apaixonava.
– Eu não sou muito bom, então não cria expectativas. – Anunciou ele, sorrindo de canto, envergonhado. – Me deixe pensar em alguma coisa. – Disse enquanto dedilhava alguns acordes.
null começou a tocar e levou apenas alguns segundos para que null reconhecesse os acordes de Sultans Of Swing, e ao contrário do que o namorado dissera, ele era muito bom.
– Dire Straits. – Disse null, reconhecendo uma de suas músicas favoritas. null apenas assentiu com a cabeça, sorrindo enquanto se concentrava em executar com perfeição as notas da música.
– Você gosta? – Ele quis saber.
– É uma das minhas favoritas.
– Olhe só, essa parte. – Anunciou ele, antes de dar início ao solo final de Sultans Of Swing.
null tinha as sobrancelhas unidas, tensionadas pela concentração, os ombros também pareciam um pouco enrijecidos, provavelmente pela energia que desprendia nos dedos para a construção das notas. Uma das pernas do jogador estava apoiada firmemente ao chão, enquanto a outra estava apoiada ao sofá, com o joelho flexionado e a guitarra apoiada a coxa. A medida com que ele tocava, seus ombros se moviam para cima e para baixo, enrijecidos, enquanto os dedos ágeis tocavam com perfeição um dos solos mais memoráveis da história do rock.
– Não é perfeito, mas... – Falou ele ao terminar, com um sorriso doce nos lábios, abraçando a guitarra.
– Eu achei muito bom. – null elogiou e null se inclinou em sua direção, beijando-a rapidamente nos lábios. – Mais um talento escondido. O que mais vou descobrir até o final do dia?
– Imagine se viesse morar aqui, então. – null riu, provocando-a novamente. – O potencial de descobertas.
– É sério, null. – null riu, negando com a cabeça.
– Pare de me chamar assim. – Resmungou o central, voltando a dedilhar a guitarra. – Você está brava comigo?
– Não. – A inglesa sorriu.
– Então não me chame assim. – Pediu ele, projetando o lábio inferior. – Seja um pouco romântica.
– Certo, amor. – null sorriu, puxando o namorado para mais um beijo. – Não sei se alguém já disse, mas você fica extremamente sexy enquanto toca. – A inglesa sussurrou.
– Mais um fetiche que vou adorar explorar. – null gargalhou, jogando a cabeça para trás. – O que você costuma ouvir? – Perguntou, voltando a dedilhar a guitarra.
– Muita coisa. – null respondeu, recostando-se de modo mais relaxado. – Pearl Jam, Radiohead... – null a interrompeu.
– Eu sei uma do Pearl Jam. – Falou ele.
null pareceu errar o primeiro acorde, parou, fechou os olhos, pensou um pouco e depois voltou a postura concentrada de antes. E no instante seguinte, null reconheceu o solo de Alive, uma de suas músicas favoritas da banda americana Pearl Jam. Era perfeito. Ele tocava com paixão, com a mesma vibração que a música exigia, fosse nos movimentos das mãos, fosse na forma com que ele balançava a cabeça, bagunçando os cabelos escuros protegidos pelo boné.
– Eu te convidaria para o quarto agora se não fossem as circunstâncias. – null falou, mordendo a ponta da língua.
– Não precisa, isso aqui já é um quarto. – null apontou para o cômodo com o dedo indicador, assim que terminou o solo principal de Alive.
– Com quantas pessoas você já transou aqui, null null? – null indagou com olhos estreitos.
– Nenhuma, terminei de fazer esse cômodo em outubro desse ano. – Ele deu de ombros, sendo atingido por um tapa suave de null na perna. – Eu fui sincero. – Justificou, segurando o riso.
– Idiota. – A inglesa riu, negando com a cabeça.
– Se quiser fazer a estreia... – Sugeriu ele, erguendo uma das sobrancelhas.
– As pessoas vão chegar, ainda nem sabemos como vamos explicar o fato de eu já estar aqui, e você quer nos causar mais problemas? – null sorriu, puxando as pernas para cima do sofá e abraçando os joelhos.
– Não aguento mais isso. – null bufou, jogando-se no sofá ao lado da inglesa. – Ter que ficar escondendo, fugindo, não poder fazer nada...
– É, eu sei. – null concordou, apoiando a cabeça no ombro do central. – É péssimo para mim também. Como se a gente estivesse fazendo algo de errado. – null suspirou enquanto se aninhavam mais confortavelmente ao namorado. – De fato é, mas...
– Não devia ser. – null reclamou chateado. – Ninguém tem culpa do que aconteceu. A gente não está fazendo nada de errado.
– É, mas eu não poderia... é uma questão complicada. Atravessa meu olhar sobre você, sobre as coisas ao seu redor e eu deveria ser imparcial. – null disse a ele e null entrelaçou os dedos aos da inglesa. – Não estou fazendo o que devia fazer, então...
– Então o quê? – null girou o rosto para olhar melhor para a namorada, enquanto ela apoiava a cabeça no sofá, olhando para a parede a sua frente.
– Talvez o certo seja eu buscar outro caminho.
– O que quer dizer?
– Quero dizer que não está certo isso, eticamente eu não posso estar ocupando a posição que estou e estar envolvida com você. – Falou a terapeuta e null a interrompeu.
– Você não está falando de terminar, está? – Perguntou depois de engolir em seco.
– Não. – null sorriu e puxou o rosto do jogador para beijá-lo. – A gente já tentou e não deu muito certo, lembra? – Sorriu contra os lábios dele e o beijou quando ele fez o mesmo. – Mas eu estou entendendo que não estou certa do jeito que as coisas estão.
– Mas o que você quer fazer? Sair do time? – null quis saber, roçando o nariz na bochecha da inglesa e segurando o rosto dela com as mãos.
– Eu não sei ainda, ou melhor, não tenho certeza. – Ela respirou fundo. – Tudo mudaria se eu fizesse. Eu teria que sair do apartamento, procurar outro emprego aqui ou voltar para a Inglaterra...
– Não teria. – null a interrompeu. – Você vai vir morar aqui comigo, não vai pra longe de mim, a gente vai ficar junto aqui. Você nem precisa trabalhar se não quiser.
– E ser a garota de null null? Resumida a isso? – null o beijou, mas se afastou, voltando a apoiar a cabeça em seu peito. – Quando eu fui para a faculdade, foi porque queria fazer algo maior com a minha vida. Queria fazer diferença na vida das pessoas. Acho que me afastei um pouco disso e dos meus sonhos quando fui para a clínica com meus amigos, mas me tornar só a mulher de alguém... – null negou com a cabeça, sorrindo. – Não conseguiria.
– Qual era seu sonho? – null quis saber, curioso com aquela parte da namorada que não conhecia. – Antes de tudo.
– Crianças. – null sorriu, erguendo os olhos para ele e sorrindo. – Eu trabalhei por um tempo com crianças órfãs, desde bebês até adolescentes... eu amava. – Contou com brilho nos olhos. – Mas pagava pouco e eu precisei procurar outra coisa, porque ideais ainda não estavam pagando contas. – Disse ela e o namorado riu abafado, invadido pela lembrança da primeira conversa com a terapeuta. – As pessoas não fazem ideia do quanto faz diferença no desenvolvimento dos bebês, eles serem embalados, receberem colo...e as crianças maiores...para o desenvolvimento delas é tão importante o investimento afetivo e o apoio... – null sorriu e expirou. – Desculpe, eu sempre me empolgo quando entro nesse assunto.
– Não, não... – null tomou o rosto de null outra vez e a beijou. – É bonitinho. – O jogador sorriu com doçura. – Você se iluminou falando disso, o brilho nos olhos...– O central a beijou de novo. – Quero te apresentar um lugar. Acho que você vai gostar.
– É mesmo? – Perguntou curiosa, sorrindo. – Quando?
– Logo. – Respondeu ele, a abraçando com força. – Sempre vou lá, principalmente nessa época do ano.
– Combinado então. – null sorriu.
null aproveitou para dar na namorada um beijo molhado e longo, do tipo de beijo que se precisar interromper para respirar. Mas aproveitando cada segundo, puxando null para junto de si, enquanto a inglesa puxava com suavidade as mechas mais longas de cabelo que escapavam do boné e formavam cachos na nuca do jogador.
– Eu ia sofrer muito a sua falta no time. – Sussurrou o central contra a pele do rosto e depois pescoço da terapeuta. – O pessoal também. Fazia tempo que a gente não recebia alguém tão legal na equipe. Mas eu acho que você devia seguir seu sonho. Sem pensar duas vezes.
– Obrigada, eu agradeço. – null sorriu, beijando o lado da cabeça do namorado. – Mas não sei... já arrisquei muito vindo para cá. Deixar um bom emprego, como no Pelicans, para um que pode não ser a melhor das escolhas...talvez eu fosse mais realizada, mas...
– Do quê você tem medo? – null ergueu os olhos, com sobrancelhas juntas, olhando para os olhos arredondados e grandes de null.
– Não sei. – Ela ergueu os ombros. – Dos eu te avisei.
– Não, não... – null se endireitou e puxou a inglesa para junto de si. – Você não pode ficar com esse tipo de ideia. Se não der certo, você tenta de novo. É assim com a gente, por exemplo. – Falou ele, gesticulando com uma das mãos na tentativa de fazê-la entender seu ponto. – Às vezes a gente deixa um bom time, em uma boa fase e vai se arriscar em outro sem saber o que vai encontrar. Se der certo, ótimo, se não, aprendizado e seguimos para o próximo time.
– É diferente... – null o interrompeu.
– Por que? Por que somos jogadores e temos algum dinheiro? – null negou com a cabeça. – A gente tem medo de dar errado também, de as pessoas terem razão... essas coisas. Mas, null null. – Chamou-a, atraindo os olhos da inglesa para si. – Você tem os seus amigos, como sempre diz. Os da Inglaterra, e eu acho que eles iam te apoiar. Tem os amigos daqui, que também iriam. E tem a mim. – O central sorriu. – E eu sei que qualquer coisa que você queira fazer, vai fazer muito bem, vai ser brilhante e ótima, mesmo que em algum lugar na sua cabeça, ache que não. Se for atendendo pacientes em uma clínica, ou jogadores estrangeiros de um esporte que você não conhece, ou com crianças órfãs. Você vai se sair muito, muito bem. Definitivamente vai ser a melhor terapeuta ocupacional que essa galera já viu. – Brincou o central, sorrindo.
null não disse nada, apenas sorria apertando os lábios.
– O que foi? – null quis saber.
– Obrigada. – Agradeceu a inglesa.
– Não por isso. – null sorriu timidamente, beijando a bochecha de null.
– Obrigada mesmo, null. – Tornou a dizer ela e ele sorriu. – Obrigada. – Disse outra vez antes de beijá–lo.
Quando os convidados para aquele dia de sauna chegaram já passava da hora do almoço, e então null entendeu porque null tinha preparado tanta comida. Primeiro Atte e Aleks, que pareceu tão surpreso em encontrar null quanto estava a inglesa. Logo o resto do time também se uniu ao pequeno grupo, até mesmo Petri estava entre os convidados, e null agradeceu aos céus por não ter que ver o homem na sauna. Inessa estava na área externa, misturada aos convidados, e só faltava Waltteri, Jasper, Otto e Santtu para que o time ficasse completo.
– Aí está você. – null falou ao cruzar com null na sala. – Estava te procurando.
null estalou a língua no céu da boca e estreitou os olhos.
– Besteira, sabe que é só estralar os dedos que eu chego. – Sussurrou o jogador, a olhando com olhos estreitos, tirando null de seu centro.
– Não é hora de brincadeira. – A terapeuta tentou soar séria. – Você está lembrando do combinado?
– Tô. – null rolou os olhos. – Você veio de Uber. Saquei. Eu sei. – Afirmou o capitão, puxando o celular do bolso e conferindo as horas. – Dá tempo de a gente dar uma fugidinha para o quarto. – Sugeriu, sorrindo ladino.
– O Petri está na sua casa. – null rosnou. – Dá para levar a situação a sério?
– Mas eu tô. – Ele se defendeu, sorrindo com malícia. – Eu até tô falando baixo.
null acertou o namorado com um tapa fraco no braço, mesmo que ele ainda sorrisse. null estava feliz, animado, havia cuidado de cada detalhe daquela tarde, os petiscos, a arrumação, a limpeza da sauna, mesmo que não diretamente. O capitão tinha funcionários para cada tarefa, só tinha orientado como queria e qual seria o cardápio do dia. Era uma situação diferente para a inglesa, um contexto diferente, até null parecia diferente. No dia a dia, a terapeuta sempre o via de uniforme, fosse os de jogos ou de treinos, ou usando shorts ou calça de moletom, sem camisa, ou completamente nu. Mas naquele dia null usava uma camiseta preta que devia ser dois números maiores do que o que ele devia usar, com uma estampa colorida, um tipo de caricatura de si mesmo. O que era estranho, na opinião da terapeuta inglesa. Tinha trocado o boné e agora usava um bucket hat lilás, shorts da mesma cor e chinelos.
null usava a mesma calça jeans e o mesmo casaco, mas para disfarçar – ou tentar – tinha substituído a blusa que usava antes por uma jersey que estampava o número e nome do namorado, sob a promessa dele de que tiraria da namorada mais tarde.
Um último carro se aproximou e null respirou fundo, tentando não soar culpada.
– Não esqueça do que combinamos. – Pediu a null.
– Não vou. – O central rolou os olhos. – Mas você tá dando mole, parece que acabou de assaltar um banco.
– Não estou. Eu estou tentando ficar tranquila. – Protestou null.
– É, mas você mente mal, null null. – null sorriu e piscou, arrancando de null um sorriso bobo com a lembrança ativada por aquelas palavras, antes de se aproximar da porta e a abrir. – Agora a festa tá completa. – Disse ele ao cumprimentar os recém-chegados.
Um por um os últimos convidados entraram, cumprimentando o anfitrião com abraços laterais ou apertos de mão.
– null. – Waltteri sorriu de canto, confuso. – Como você chegou aqui?
– É, a gente até passou na sua casa. – Jasper contou, abraçando a inglesa e apoiando um braço em seus ombros.
– Eu peguei um Uber. – Mentiu, sorrindo sem jeito. – Não quis incomodar.
– Nunca é um incômodo. – Merelä enfatizou sorrindo de lado, mas dessa vez, sem demonstrar confusão, olhando nos olhos da inglesa, que correspondeu o sorriso.
– Pelo menos você chegou cedo. – Santtu comentou, um pouco mais atrás de Waltteri, ao lado de null.
– Onde está o Otto? – Quis saber null, ao perceber a ausência do amigo.
– Parece que ele teve um compromisso com a namorada. – Merelä respondeu, erguendo os ombros e colocando as mãos nos bolsos da calça.
– Vocês não querem ir lá fora não? – null interrompeu depois de tossir, atraindo a atenção de todos, apontando para a área externa. – Todos já estão lá.
O trio recém-chegado assentiu, seguindo o caminho indicado pelo anfitrião para fora, junto a null. Santtu atrasou o passo, ficando ao lado da inglesa no percurso até o lado de fora.
– Eu perdi algum capítulo? – Sussurrou o defensor.
– Não sei do que está falando, Santtu. – null mentiu, tentando soar desinteressada.
– Tá legal. – Kinnunen deu de ombros, para a alegria de null, que não sabia como despistar para o único amigo que realmente sabia de tudo.
– Qual é o problema com Otto? – null tentou mudar de assunto.
– Queria saber também. – Santtu disse. – Ele não é o maior fã do null, talvez seja por isso.
– Ontem no jogo, ele não parecia interessado em dar passes quando era para o null. – Lembrou a terapeuta inglesa.
– Acho que todo mundo percebeu isso. – Santtu suspirou, baixando os ombros. – Mas eu não vou me meter. Ele é meu amigo, posso aconselhar se ele permitir, mas os problemas dele com o capitão têm que ser resolvidos entre ele e o capitão.
– Você está bem? – null parou de andar, atraindo a atenção do defensor.
– Eu tô. – Santtu assentiu, abraçando a inglesa pelos ombros e voltando a caminhar com ela ao seu lado, rumo a área externa. – Só tô com fome. – Sorriu.
– Aí, tenta dar uma disfarçada. – Atte falou ao se aproximar de null, que sentado ao lado de Aleks, não desviava os olhos de onde null, Santtu, Jasper e Waltteri estavam, gargalhando e comendo. – Ainda não ficou claro para todo mundo que você tá com ciúme.
– Cala boca, Atte. Agora não. Hoje não. – null rebateu de mau-humor, bufando.
A felicidade que sentia nas últimas horas era tanta que o central havia se esquecido de que teria que assistir sua garota ao lado do cara que tinha interesse nela. E por mais que null negasse, era nítido como Merelä a olhava, sorria para ela, como ele passava as mãos nos cabelos várias vezes, ou ficava flexionando os braços sem parar. Sentia menos insegurança em relação a Merelä depois de tudo que haviam conversado, mas mesmo assim, não havia sido suficiente para acabar com seus ciúmes. null tinha namorado, mas Merelä não sabia e nem podia saber, e aquilo irritava mais a null do que perder um gol pronto.
– Odeio dizer... – O goleiro hesitou. – Não, na verdade eu adoro estar certo. – Falou sorrindo. – Eu avisei que seria má ideia, não é? Isso porque ela ainda nem tirou a roupa.
– Não enche, Atte. – null ficou de pé, dando as costas para o grupo que parecia estar se divertindo mais que os outros, sentando-se emburrado em outro lugar, frente aos amigos. – Se não pode ajudar, não piore.
– Eles só estão rindo. – Aleks observou. – Dá para chegar lá e dar uma misturada. – Sugeriu.
– Eu não vou lá. – O central negou emburrado. – Não quero atrapalhar a diversão do clube dos cinco.
– Tecnicamente eles são quatro, hoje. – Aleks pontuou, recebendo um olhar duro de null, erguendo seu copo em seguida, com quem diz que não dirá mais nada.
– Dessa vez acho que você conseguiu quebrar mais um recorde, null. – Atte tornou a falar, depois de dar um longo gole em sua cerveja, o goleiro tocou o ombro do amigo, ainda de costas para o resto dos convidados. – Trouxe sua ex e o cara que sempre teve ciúmes para dentro da sua casa, para curtir uma sauna bem na sua frente. – Atte riu abafado. – Se te serve de consolo, todos vão usar roupa hoje. Olha, Merelä precisa contar o segredo dele com as mulheres...– Provocou o goleiro, antes de se afastar, deixando null com ainda mais raiva.
null se sentia completamente deslocada, nem mesmo rir das histórias de Jasper parecia a ajudar a relaxar. Estava sendo bem recebida pelo time, todos riam e faziam piadas, mas com o absoluto respeito de sempre. Ainda não estavam na sauna, estavam do lado de fora, bebendo cerveja e comendo queijos e carne de rena assada, para variar. E felizmente o que mais a preocupava não aconteceria, não iria para a sauna com o time por estar menstruada. Mas sentia os ombros doerem de tensão, todos do time estavam ali, o que dobrava sua preocupação em ser descoberta como namorada de null null.
null tentava fugir dos olhares de todos e das interações, servindo-se de um pouco mais de água, afastada do grupo de amigos, quando Aleks se aproximou.
– Surpresa em me ver aqui? – Perguntou o ala.
– Na verdade, sim. – null respondeu depois de tomar um pouco de sua água, preparando-se para a qualquer ataque ou acidez que pudesse vir do jogador. – Mas fico feliz que esteja.
– Eu não entendi também. – Confidenciou ele, dando de ombros, para surpresa de null. – Ele só me desculpou e deixou para lá. Me convidou para vir e foi isso.
– Bom, você achou que ele não se importava...estava errado, então. – null sorriu, dirigindo-se a um banco de madeira, mais afastado dos outros, sendo acompanhada por Aleks. – Como você está com tudo isso?
– Sei lá. – O ala ergueu os ombros. – Acho que parece que é uma pegadinha. Não estou confiante. – Respondeu ao se sentar ao lado da inglesa.
– Você o conhece bem. – A inglesa apontou com o queixo para o central, de costas, do outro lado. – Acha que ele faria esse tipo de coisa?
– Não. – Respondeu Aleks. – Mas é que não faz sentido ele me perdoar assim. Foi muito fácil.
– Aleks, querido. – null suspirou, girando o corpo para que pudesse encará-lo de frente. – Às vezes na vida somos ensinados, de modo incorreto, que precisamos merecer amor, merecer que as pessoas gostem de nós. Mas não é verdade. – null esticou a mão, segurando a de Aleks. – Eu acho que ele gosta de você, e mesmo o que aconteceu sendo algo grave e que o magoou, ele é capaz de te perdoar. Porque ele não gosta de você porque você é perfeito, bom, ou coisa do tipo. Ele gosta de você porque você é você. – Falou a terapeuta, sorrindo.
Aleks assentiu em silêncio.
Os dois permaneceram sentados em silêncio, null deixava o olhar vagar pelas pessoas ali presentes, enquanto Aleks encarava o chão.
– Só para saber... – Aleks fez uma breve pausa, olhando para os olhos de null. – Sinto muito que não tenha dado certo entre vocês dois. Você é legal. Acho que ele precisava de alguém assim na vida. – Falou, apertando os lábios em um sorriso rápido.
null sorriu de volta, assistindo Aleks se levantar e se afastar. Arrebatada por um orgulho que não conseguia identificar a origem, se era por conseguir ter uma diálogo tranquilo com Aleks, ou se era por saber que o ala e o central haviam enfim se resolvido.
Depois da conversa com Aleks, a terapeuta se afastou educadamente do grupo, buscando Santtu Kinnunen, que estava só em um canto, atento a tela do celular. null se aproximou do amigo, que estava de costas, de pé, distraído.
– Posso ficar aqui reclusa com você? – Perguntou e Santtu sorriu ao notar a amiga, a abraçando de lado. – Era melhor eu ter ficado em casa.
– Eu estava mesmo pensando sobre como você devia estar. – Disse ele, atraindo um olhar confuso da inglesa.
– Como assim?
– Bem, a irmã dele está aí, não é? – Santtu apontou com o queixo. – Não sei se ele contou, mas...
– Ah, sobre isso... – null suspirou. – Eu só quero ir para casa. – Desabafou. – É muita coisa para lidar, toda essa gente aqui. Fico preocupada se alguém fizer alguma piada sobre nós dois.
– Pense positivo, pelo menos agora vocês não estão mais juntos e não precisa lidar com isso. – Santtu deu de ombros e null engoliu em seco, sentindo a culpa por sua mentira a atingir como um soco e vergonha por ter falado demais.
– Mas ainda é estranho e mesmo não sendo mais o caso, se descobrirem pode nos gerar problemas. – null se desvencilhou do abraço, ocupando o espaço na frente do defensor.
– Relaxa. É só um dia com o time na casa do seu ex. Você vai superar. – Santtu riu.
– Eu não devia ter vindo, foi uma péssima ideia. Devia ter pedido ao Otto para me convidar para o encontro dele. – null choramingou, Santtu riu pelo nariz e abraçou a amiga.
– Se você quiser ir para casa, a gente vai. – Sugeriu ele, com empatia. – Eu ligo pro Otto e vamos nós quatro para a casa dele.
– Não, tudo bem, não quero ser estraga prazeres. – null balançou a cabeça negativamente, afastando-se do abraço outra vez. – Todos estão se divertindo, eu fico até o final, desde que o mais longe possível do seu capitão.
– Não sei se notou, mas nem todos. – Santtu soprou.
– De quem está falando? – null levantou as sobrancelhas.
– null está com uma cara péssima. – Comentou, apontando para o central com o queixo. null estava do outro lado, perto das bebidas, com Aleks ao seu lado e olhos sobre a terapeuta e Santtu, mas o capitão desviou o olhar quando null o flagrou.
– Ele tem ciúmes do Waltteri. – Disse null sem pensar. – Acha que ele gosta de mim e que teria chances comigo.
– Namorar uma vez alguém do time, acontece. – Santtu ergueu o dedo enquanto falava. – Mas duas? Aí já é burrice, minha irmã. – Implicou ele, se divertindo.
– Para, não tem graça. – null também riu, empurrando o amigo pelo ombro. – Nunca rolaria nada entre Waltteri e eu. Isso é viagem da cabeça dele.
– Será? – Santtu arqueou uma sobrancelha.
– Como assim, será? – null devolveu, confusa.
– Vou pegar uma bebida, pensa aí.
– Santtu. Volte aqui e me explique isso. – A inglesa bateu um dos pés no chão.
– Bebida. – O defensor ergueu o corpo, afastando-se da amiga e a ignorando por completo.
Miosótis
Miosótis : Significa recordação, fidelidade e amor verdadeiro. É também conhecida como “Não-me-esqueças”
Sábado, 11 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Casa de null null
Ainda estavam do lado de fora, comendo como se não estivessem quase congelando. Os hábitos dos finlandeses nunca seriam normais para a inglesa. Não conseguia conceber a ideia de ficarem ali, do lado de fora, sendo que podiam estar agasalhados, tomando chocolate quente ou chá dentro de casa. Inessa ainda estava lá, conversando com Aleks e Waltteri, null parecia ocupado também, com Petri e Janos. Enquanto isso, null aproveitava os instantes sozinha, sem precisar falar ou se comunicar com qualquer outro ser vivo. Protegida, ao menos por alguns minutos, da possibilidade de se entregar em qualquer ato falho.
Enquanto estava em um dos cantos, apoiada a uma parede, conferia as últimas fotos da galeria para passar o tempo, até dedicar sua atenção em uma foto em especial. Era null, deitado com a guitarra sobre si, dedilhando alguma coisa que naquela altura a inglesa já não lembrava o que era. O primeiro impulso da terapeuta foi o de publicar a imagem, era o que faria em qualquer outra circunstância, mas antes de fazer, hesitou e ponderou sobre postar a imagem em sua rede social. Era livre e desimpedida, nunca disse com todas as letras ao time ser solteira, e se postasse do jeito certo, talvez não reconhecessem a figura do jogador. Na foto, null ampliou o suficiente para que o braço tatuado do central ficasse de fora, assim como detalhes do quarto e o rosto de null. A foto fazia a linha privado, mas não secreto.
Sabia que ao postar aquela imagem perguntas surgiriam, mas se agarrava ao direito de não as responder. Talvez null se irritasse ou chateasse com a exposição, mas aquela era a única forma que a inglesa conseguia pensar em dizer, sutilmente, que não estava mais só. Depois da noite e manhã incríveis que estava tendo na presença do namorado, sentia crescer a vontade de dizer ao mundo que estavam juntos. E como essa vontade não se era possível realizar no momento, só restava encontrar outras alternativas.
null respirou fundo e enfim publicou o storie com a imagem e uma das músicas que seu capitão havia tocado naquela manhã. Em seguida jogou o celular no bolso e tentou se concentrar em qualquer detalhe na cena a sua frente, não queria ver a reação das pessoas ao seu post, nem ter chance de repensar e apagá-lo. A terapeuta correu os olhos pelo grupo, até parar - inconscientemente - em null null.
null conversava qualquer coisa com Petri, e ria. null não se cansava em admirar aquele sorriso, ou a forma com que null unia as sobrancelhas antes de rir, ou como inflava as bochechas. Era o homem mais perfeito do mundo na sua opinião. Perfeito, lindo, gentil, inteligente, interessante, sensível, romântico e todas as outras coisas que compunham a lista interminável de qualidades de null null. Era fato que estava apaixonada, perdidamente, e a cada instante passado na presença do jogador a fazia ter certeza de que o amava. De que null era a pessoa certa, mesmo com seus defeitos e bandeiras vermelhas, como Maisie gostava de chamar.
null acompanhou a movimentação do central. Após alguma piada – possivelmente suja – Petri se afastou para pegar outra bebida, deixando null a sós, ainda rindo do que quer que o treinador tivesse dito. No momento sozinho, null retirou o celular do bolso e pareceu conferir alguma coisa no aparelho. Primeiro, o capitão franziu o cenho, depois maneou a cabeça, em seguida pareceu querer conferir mais de perto o que quer que estivesse vendo na tela. Logo, ergueu o olhar e buscou os olhos da terapeuta inglesa do outro lado. null ergueu as sobrancelhas e inflou as bochechas, apertando os lábios em um sorriso fechado e surpreso. Em seguida as bochechas de null ficaram tão vermelhas quanto morangos maduros e o jogador pareceu não ter mais uma posição confortável. Trocava o apoio dos pés, colocava as mãos na cintura, ria nervosamente, coçava a nuca, encarava o chão e depois o céu.
Aquilo durou até que Petri voltasse para junto dele outra vez, e foi quando null, ainda afetado, pediu licença, entrando em casa rapidamente e dirigindo um olhar muito especifico a null ao passar por ela.
null achou melhor fingir não o ter notado, principalmente porque Petri e mais alguns acompanharam a movimentação do capitão para dentro de casa. null ria internamente, lembrando-se da reação engraçada do namorado e analisando consigo mesma sobre segui-lo ou não. Podia pedir cobertura para Inessa, o time estava tão concentrado em beber e comer que mal notaria sua ausência. Mas antes de tomar a decisão, Petri se materializou ao lado da terapeuta inglesa, erguendo as sobrancelhas enquanto sorria.
– Então, dia de sauna. – Cumprimentou o treinador.
– É, é o que me disseram. – null sorriu sem jeito, não fazia ideia de que assunto teria com o treinador fora do trabalho.
– É bom que veio, null. – Petri sorriu de modo mais doce. – Você não perde por se misturar, fazer amizades.
– Eu concordo. – Assentiu a inglesa, sorrindo de volta. – Mas já sou amiga de vários do time.
– É, eu sei disso. – Petri expirou um riso educado. – Waltteri, Santtu, Otto, Patrikainen, null...
– E Otto, e vários outros. – null o interrompeu torcendo o lábio em uma careta de desaprovação, em seguida desviando o olhar para onde os outros se serviam. – Nomear nunca é uma boa ideia, Petri, sempre se pode esquecer alguém.
– Seu namorado deve ficar enciumado com isso. – Petri tornou a falar, atraindo um olhar confuso pela parte de null. – Você, trabalhando tão perto e sendo amiga de todos esses jogadores. – O treinador sorriu, mas não pareceu sorrir de modo genuíno, a inglesa mal pôde interpretar o que aquele sorriso significava.
– Namorado? Do que está falando? – null balançou a cabeça rapidamente, perdida, e projetou o lábio inferior ao mesmo tempo em que cruzava os braços sobre o peito. Havia poucos minutos que tinha feito a publicação, era quase impossível que Petri tivesse visto, principalmente porque o treinador não estava entre seus seguidores.
– Eu imagino que tenha um namorado, ou não? – Sondou Petri, arqueando uma sobrancelha. null precisou de esforço para conter a expressão de surpresa que queria tomar posse de seu rosto ao perceber o que o treinador estava fazendo.
– Por que, Petri? Tem alguém para me apresentar? Algum filho ou parente da sua esposa? – null arqueou a sobrancelha, devolvendo o mesmo riso frouxo que o treinador havia vestido ao fazer aquela pergunta.
– Eu não. – Petri negou, afastando-se um pouco, girando o corpo a fim de olhar para o mesmo lugar onde esteve antes o olhar da inglesa, mas sem titubear ou perder seu tom. – Só querendo conhecer com quem trabalho.
– Jeito tendencioso de tentar. – Devolveu a inglesa, sentindo-se um pouco mais irritada.
– Não, não...talvez você tenha entendido errado. – Petri tentou justificar, colocando uma das mãos sobre o ombro de null, que dirigiu o olhar para a mão do homem e depois para seu rosto.
– Provavelmente. – null arqueou uma sobrancelha, direcionando ao treinador um olhar pouco amigável, até que Petri retirasse a mão de seu ombro. – Com licença.
null não esperou que Petri a respondesse, apenas seguiu em frente, em direção ao interior da casa. Estava pasma, surpresa, chocada em como no final todos eram iguais, independente da nacionalidade, posição ou cargo. Gostaria de contar aquilo para alguém, mas se fosse falar com os amigos da Inglaterra, não poderia contar durante aquela tarde, e se fossem os amigos do time, temia como seria sua reação, já que se tratava do treinador. Pensou em contar a null, mas seria mais alguém para o central ter ciúmes, além de possivelmente abalar a relação do jogador com Petri. Merda. null xingou mentalmente, enquanto subia as escadas rumo ao quarto de null, aquela era mais uma parte ruim de namorar alguém do trabalho.
null abriu a porta do quarto sem pensar, só precisava de algum lugar, de alguns instantes sozinha para refletir sobre o que tinha acabado de acontecer e elaborar sobre. Não estava acuada, se sentindo mal ou coisa do gênero, apenas surpresa e um pouco ofendida. Num rompante, sem avisar, a inglesa sentiu ser tirada do chão por alguém que a abraçou de lado. Não demorou muito para que null reconhecesse o dono daquele cheiro e toque, era null quem a pegava desprevenida. null se agarrou aos ombros do central, tentando não fazer muito barulho.
– null! O que está fazendo? – Quis saber a terapeuta, tentando segurar o riso enquanto null fechava a porta e a carregava para a cama.
– O que você tá fazendo? – null indagou sorrindo assim que o corpo da inglesa atingiu a superfície macia da cama, caindo sobre ela. – Ficou doida? Postando aquilo.
– Eu só queria achar um jeito para que todos soubessem que eu tenho alguém. – Confessou, segurando o rosto dele enquanto sorriam.
– Que você tem alguém? – Ele repetiu.
– Que eu sou de alguém. – null sussurrou, olhando nos olhos do central, e o assistiu fechar os olhos, suspirar e sorrir.
– Eu fico maluco quando você faz isso. – Confessou null, erguendo o tronco para que pudesse puxar a camiseta que usava, lançando-a em qualquer lugar.
– null. – null tentou o repreender, apoiando o tronco nos braços, com cotovelos dobrados sobre a cama. – O que está fazendo?
– O que te parece que estou fazendo? – Ele arqueou uma sobrancelha, enquanto se levantava e arrancava os shorts sem muito jeito. – Comemorando.
– Não. – null gargalhou. – Não dá para fazer isso agora. Péssima ideia.
– Mas é claro que dá. – O capitão voltou sua concentração para null, que ainda estava sobre a cama. – Vamos, amor, me ajuda aí. – Pediu em um sussurro, aproximando-se da terapeuta.
– Você... não faça assim, você sabe que eu nunca consigo negar quando você faz isso. – null tentou se afastar, arrastando-se para longe dele.
– Isso o quê?
– Sussurrar. – Respondeu a terapeuta inglesa. – Não sussurre para mim.
– Tá bem, não vou. – Garantiu ele, sorrindo fechado, causando estranhamento em null. – Vamos do outro jeito então.
null o encarou confusa por alguns segundos, até que null a puxasse pelas pernas para próximo dele, sem se importar em ser delicado, causando uma crise de risos interminável em null. Em seguida, o central a ajudou a se despir, intercalando as risadas dos dois com beijos.
– Isso é muito errado. – null falou baixo.
– Eu não ligo. – null disse contra a pele do pescoço da inglesa. – Eu tô muito apaixonado por você.
– Uau. É sério? – null riu, enlaçando as pernas a cintura do capitão.
– Nossa, demais. – null ria enquanto falava, erguendo os ombros, como se não estivesse entendendo ou acreditando no que sentia no momento. – Muito.
– Muito mesmo?
– Muito. Nossa. Muito. – null ainda sorria, abraçando o corpo de null. – Mas agora pare de falar e me ajuda a tirar esse sutiã de uma vez.
Depois de muito mais tempo do que seria aconselhável, null e null se vestiam devagar, despreocupados com o cenário que podiam encontrar assim que deixassem aquele quarto. Estavam sendo displicentes, nem um pouco cuidadosos, mas talvez, de modo inconsciente quisessem ser descobertos para enfim conseguirem viver o relacionamento de forma plena. Fazer o que tinham vontade, não precisar esconder ou viver nas sombras, fingindo não estarem sentindo o que sentiam.
null estava na frente do grande espelho do banheiro, tentando organizar o cabelo quando o central entrou no pequeno cômodo, beijando sua cabeça de modo demorado e a puxando contra si.
– Rapidamente passou pela minha cabeça mandar todo mundo embora e ficar só com você aqui. – Confidenciou null, sorrindo e fazendo a inglesa sorrir também.
– A gente tem muito tempo para aproveitar, isso não é necessário. – null riu, ajeitando a calça jeans sob o olhar de null, que estava encostado na pia, de braços cruzados, a assistindo. – O que foi? – Quis saber a inglesa ao notar o olhar do namorado sobre si.
– Nada. – Ele negou, afastando o olhar e inclinando a cabeça. – Só tô feliz. Contemplando você.
– Você sempre foi romântico assim ou aprendeu com o tempo? – null sorriu derretida, abraçando o pescoço do jogador, que sorriu e envolveu a cintura da terapeuta em um abraço apertado.
– Jogadores de hockey também amam, null null. – null sorriu a olhando nos olhos, depois a beijou com delicadeza. – E tem sido bom pra mim ter você aqui, perto. Tem me feito bem. – O central se declarou, apoiando a testa na testa de null.
– Idem. – A inglesa sorriu apaixonada, de olhos fechados. – Você provavelmente foi a melhor coisa que me aconteceu. – Confessou beijando-o rapidamente e depois se afastando. – Mas não posso ficar te deixando com ego ainda mais inflado.
– Ego ainda mais inflado? – null riu jogando a cabeça para trás. – Adoro como você consegue se declarar e tentar me ofender na mesma frase.
– Tecnicamente, foram frases diferentes. – null riu erguendo dois dedos e deixando o banheiro, seguida por null, que ainda ria. – Aliás.
– Não gosto desse seu aliás, sempre vem seguido de algo que não é muito legal. – O capitão apertou os lábios em uma careta entediada e se jogou na cama, apoiando o peso do corpo nos braços estendidos.
– Dessa vez acho que você não vai mesmo gostar. – null deu de ombros e cruzou os braços sobre o peito. – Você falou com Atte? Sobre ontem?
– Ah, não. Por favor, null. – null expirou e deixou o tronco cair sobre a cama, fechando os olhos. – O dia está muito bom, não me lembre de coisas ruins.
– Você sabe que vai ter que lidar com isso, não sabe? – A terapeuta se aproximou um pouco mais, garantindo estar no campo de visão do namorado, mesmo que ele estivesse com olhos fechados. – Seja conversando com o Atte, seja lidando com seus ciúmes e deixando a sua irmã em paz.
– Desde quando você é defensora da Inessa? – null abriu os olhos e arqueou uma sobrancelha.
– Eu não sou. – Negou a inglesa, sentando-se ao lado dele na cama. – Mas não espere que eu coloque panos quentes quando vejo que você é o errado na história.
– Eu? Errado? – null se sentou, encarando a namorada com olhar incrédulo. – Desculpa aí, mas você não sabe de nada. Não sabe do que tá falando.
– null. – null apertou os lábios, repreendendo-o. – Sua irmã não interferiu no seu relacionamento comigo, muito pelo contrário, ela não disse sequer uma palavra, mesmo sabendo de tudo que está em jogo. Por que você tem direito de interferir no dela? – null expirou e balançou a cabeça negativamente, indignado com o posicionamento da namorada. – Veja, não vou interferir mais ou ficar enchendo sua cabeça com isso, a não ser que seja muito necessário. Só pense nisso, está bem? – null deu dois beijos rápidos na têmpora do capitão, ainda enfezado. – Vou descer.
– Tá, eu vou depois. – Respondeu em um tom que denunciava o quanto se sentia injustiçado e ressentido.
– Ei. – null o chamou e segurou seu rosto, fazendo com que ele a olhasse. – Não complique coisas simples. Nem se concentre só nas ruins. – Pediu, beijando-o. – Tem uma sauna e amigos te esperando lá embaixo.
null sorriu e null assentiu, torcendo os lábios de canto como quem aceita a situação, mesmo descontente. Mas enquanto a inglesa se aproximava da porta, alguém do outro lado chamou pelo capitão.
– null?
Era Aleks. null arregalou os olhos e congelou onde estava, null também ficou mais alerta, ainda sentado, encarou a porta, torcendo para que tivesse se lembrado de ter a trancado. Os dois se olharam sem saber o que fazer, em súbito desespero pela chance de serem pegos. Levou alguns bons e longos segundos até que null conseguisse oxigenar seu cérebro e pensar no que fazer.
– Sim. – Respondeu o central, e quando null o olhou com olhos arregalados, null ergueu os ombros, como quem diz que não sabe mais o que poderia fazer.
– Está tudo bem? Você sumiu. – Quis saber Aleks do outro lado da porta. – Estão te esperando para ir para a sauna.
– E-eu tô. – null respondeu com alguma hesitação. – Molhei minha camisa com cerveja, vim trocar. Já estou descendo. – Mentiu e enquanto falava, levou o dedo indicador aos lábios, num pedido silencioso para que null não fizesse barulho.
– Ah. – Aleks pareceu não duvidar. – E a null? Você a viu? Ela sumiu também.
– Não. – null respondeu rápido. – Deve estar com a minha irmã, com Felix, ou com os amigos dela... ou perdida na casa. – null tentava conter o riso e disfarçar a voz, enquanto null o encarava pasma com o potencial do namorado para mentir e ria – silenciosamente – da situação e do susto.
– É, pode ser... o Merelä deu uma sumida também. – Aleks pensou alto. – Mas não deve ser nada demais, tá legal? Eles nem devem estar juntos. – Aleks tentou concertar, sabia do histórico de ciúmes do melhor amigo.
null ergueu as sobrancelhas outras vez e apontou para a porta, enquanto se unia a null, abraçando o namorado.
– Tudo bem, Aleks... eu tô tranquilo. – null respondeu, correspondendo o abraço de null. – Já vou descer. Obrigada por me chamar.
Aleks não respondeu e o casal fez silêncio, esperando que o som de passos no corredor diminuísse e Aleks enfim alcançasse as escadas. Quando isso aconteceu, null e null puderam enfim rir o que seguravam.
– Quer dizer que todos já sabem dos seus ciúmes? – null riu, surpresa com a situação. – Que vergonha, null null.
– Todos não, só o Aleks e o Atte. – Respondeu null, abraçando mais forte a namorada. – Eles participaram da época que eu achava que vocês tinham alguma conexão. – Contou, rolando os olhos enquanto null negava com a cabeça e sorria.
– Bom, agora todos devem estar achando que dei uma fugida com o Waltteri, quando na verdade eu estava aqui, trocando fluídos com você. – null tocou o peito do namorado com o dedo indicador e ergueu as sobrancelhas.
– Meu amor, nunca mais, na vida, repita isso. – null pediu, segurando o rosto de null e rindo. – Essa foi a coisa mais estranha que eu já ouvi vindo de você. – O central gargalhou.
– O que? Mas não é mentira. – null também riu, colocando as mãos por sobre as dele.
– Transando. Fazendo sexo. Fazendo amor. – null começou a listar. – Posso falar os que são mais sujos também, mas você me conhece, eu sou do time dos românticos. – null deu de ombros, sendo beijada pelo capitão em seguida. – Mas até que é bom... essa sensação.
– Que sensação. – null quis saber.
– De estar com você quando todo mundo acha que não estou. – Ele falou, sorrindo vaidoso.
– Você nunca para de se gabar, não é? – null tornou a sorrir, null a beijou e enfim começou a se afastar, também ainda sorrindo.
– De ter você? Nunca. – Disse, abrindo a porta e colocando parte do corpo para fora, observando se o corredor estava vazio. Antes de sair de vez, null apoiou uma das mãos no batente e ficou parado ali por alguns instantes, tomado pelos pensamentos que pareciam o ter invadido de repente, como uma nevasca forte e impetuosa. – Rakkaani. – Chamou, atraindo a atenção de null.
– Sim, amor. – null respondeu, erguendo os olhos para ele e o encontrando com um sorriso bobo e olhar sonhador.
– Sabe, pensando sobre aquilo que a gente conversou hoje de manhã, sobre novas coisas... eu... – Ele sorriu. – Helsinki ou outro lugar não me parecem muito assustador agora se você também estiver. – Declarou, pegando a terapeuta inglesa desprevenida.
– Mesmo? Tipo... sair de Lathi? – null não tinha certeza se havia entendido corretamente, parecia um tipo de sonho ou coisa fantasiosa. As palavras do capitão a tinham feito o coração disparar e um sorriso ainda maior tomar seu rosto. – E tudo que isso causaria? Essa coisa da fama, da mídia...
– É, tipo sair de Lathi, do Pelicans... – null confirmou, depois maneou a cabeça, parecendo ainda pensar sobre que o estava dizendo. – Talvez seja um tempo bom pra pensar sobre. Mudar de ares. Assumir uma nova fase na vida...
– Planejar um futuro. – Completou a inglesa, o interrompendo.
– É. – null sorriu. – Planejar um futuro. – null começou a se afastar devagar, andando de costas para garantir não quebrar o contato visual. – Eu ia gostar disso.
– Também ia. – Respondeu null, sorrindo e sentindo o coração esquentar e transbordar.
– Beleza. – null sorriu do modo que null mais gostava, com os lábios e com os olhos, com sinceridade, um sorriso que denunciava que ele estava realmente contente. – Beleza.
Devagar, null começou a se afastar, olhando por sobre o ombro vez ou outra, sorrindo para a terapeuta que não conseguia reagir diante daquelas palavras. Pensar em um futuro? null estava mesmo pensando sobre fazer aquilo? Encarar tudo que havia fugido a vida toda? Sair de Lathi, do Pelicans, deixar tudo aquilo para buscar outras coisas em outros lugares ao lado dela?
Era demais. Aquilo era muita coisa. Aquilo significava tudo.
Enquanto olhava os amigos dentro da sauna, rodeados pela fumaça quente e pelas risadas, null tomava consciência do que havia dito há poucos instantes para a namorada. Não que estivesse arrependido ou que aquilo fosse algum tipo de blefe ou mentira, algo dito por impulso na força do momento. Era real, e se deparar com o fato de ter sugerido aquilo, de ter pensado sobre, sem que null ou ninguém tivesse provocado, pedido ou até sugerido, era assustador.
Por anos seu conforto era Lathi e o Pelicans, não se imaginava deixando a cidade que tanto amava e o time de coração para se mudar. Obviamente jamais faria aquela escolha por dinheiro, não era assim, sabia que o dinheiro não era tudo. Sonhava em trazer glórias ao seu time, o Pelicans, ao seu grupo, não se importava em glórias individuais, prêmios, salários milionários ou qualquer outra coisa semelhante. Jamais deixaria o Pelicans por se tratar de um time menor, não queria fama ou reconhecimento para além do gelo, queria apenas jogar seu jogo, aquilo bastava.
Mas agora, tudo estava diferente.
Agora null estava na questão. Agora o fato dos dois trabalharem juntos no Pelicans os impedia de viver aquele relacionamento do jeito que idealizavam, do jeito que sonhava. Para que aquilo mudasse, teriam que deixar o time, teria que aceitar as ofertas para times maiores, times em outros países. E definitivamente, o que mais assustava o capitão era estar considerando aquela ideia. Alguns meses atrás, pensar em deixar o time de Lathi equivalia a se esquecer quem se era, mudar de país e adotar uma nova identidade. Era inconcebível, não aconteceria nunca. E então, agora era ele quem sugeria recomeçar em outro lugar, ter uma vida comum – mesmo que vida comum fosse exatamente o que não fosse ter. Mas teria null null, seu ponto de paz, seu porto, seu Norte, ela estaria com ele, sendo paciente, acolhedora, dando bons conselhos, apoiando. Ela entendia o que significava ser um jogador de hockey, nos bons e maus momentos. Ela entendia seus medos, seus traumas, suas dificuldades. null era a pessoa certa.
Se ela estivesse ao seu lado, se soubesse que depois de um dia ruim, de uma entrevista ruim ou de perder um jogo, ela estaria em casa o esperando, ficaria bem. Se ao seu lado estivesse a sua null, daria conta de enfrentar qualquer coisa. Poderiam sair para jantar, poderiam ir a passeios românticos, festas de família, poderia conhecer os pais dela e fazer tudo do jeito certo. Poderiam ter uma vida boa. E depois pensar em casamento, filhos, tudo que null mais sonhava além da carreira.
As coisas podiam ser diferentes agora. Agora era mais velho, sabia se proteger da mídia, sabia como se portar, sabia gerenciar entrevistas maldosas. Não era um adolescente querendo ser um adolescente, entendia como sua carreira impactava em sua vida. E todos aqueles boatos, piadas, tudo já devia estar no esquecimento devido ao tempo passado. Além disso, talvez se fosse para um time maior, com jogadores do todo o mundo, não sofresse aquela pressão horrível por ser um russo com traços latinos.
Certo. Talvez aquele fosse o melhor plano. Talvez fosse isso. E para o choque de null, não sentia tanto horror em encarar aquele fato como imaginou que sentiria.
– Isso sim é uma verdadeira sauna, uh? – Matias, um dos defensores do time, sorriu, dando tapinhas nas costas de Aleks, sentado ao seu lado.
– Isso é que é vida. – O ala, com o corpo já molhado, concordou sorrindo.
– O único problema é que preciso ficar vendo vocês pelados. – Topi entrou no assunto.
– Isso é porque não se garante pelado. – Atte implicou, inclinando o corpo para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos.
– Não foi o que a sua irmã disse ontem. – Devolveu o defensor, erguendo os ombros e sorrindo com malícia.
– Só mesmo fazendo piadas com a irmã dos outros para conseguir uma mulher para comprovar, não é, Topi? – Atte endireitou as costas, balançando a cabeça negativamente.
– É a única forma dele provar. – Santtu entrou na onda dos companheiros de time. – Dá um desconto, Atte.
– Falou o bombeiro. – Topi rolou os olhos, falando com ironia. – Maior mangueira do quartel.
– Pode não ser a maior, mas pelo menos funciona muito bem. – Santtu piscou, sorriu e ergueu um dedo antes de continuar. – E, é muito usada.
– Se lembra de como é isso, Topi? De como é usar? – Atte riu pelo nariz, voltando a implicar com o defensor.
– E você lembra? – Topi inclinou uma sobrancelha para o goleiro. – Achei que gastasse mais do seu tempo ficando de joelhos por aí.
Percebendo o tom das piadas, null agradeceu por Inessa não ter inventado de estar com os homens ali. Principalmente, porque graças a recusa de null, todos resolveram aproveitar a sauna como estavam acostumados: totalmente despidos. O fato de ser Atte fazendo piadas sexuais, quando null sabia exatamente com quem ele andava praticando coisas sexuais o irritava. Não estava conseguindo aproveitar o clima, a cada frase dita, imaginava sua irmã e Atte juntos e aquilo o enojava. null não conseguia disfarçar sua expressão enfezada, e isso, unido a forma com que bufava cada vez que Atte abria a boca acabou atraindo atenção do resto do time.
– Sem piadas de irmã com null. – Janos Hari riu pelo nariz, cutucando a cintura de Petri.
– A não ser que seja sobre mim com a sua, é melhor não fazer mesmo. – Respondeu null, ainda emburrado, em seguida ficou de pé para pegar uma toalha.
– O que é isso, hein, null? – Atte implicou, acertando um tapa na bunda do capitão enquanto ria. – Tão grande atrás quanto na frente?
– Você ainda não viu nada. – null devolveu, falando entredentes.
– É ainda maior do que parece? – Atte continuou.
– É provavelmente a melhor coisa que você vai ver na vida. – Respondeu estreitando o olhar. – Bem aqui. E sua irmã adora. – Falou, olhando fixamente para Atte ao dizer a última frase, e pela forma como a expressão do goleiro mudou, pensou ter atingido seu objetivo. – Na Finlândia não deve ter muito disso.
– Não sei não. – Jasper negou, apoiando um tornozelo sobre o joelho. – Tem muita coisa boa aqui. – Falou e null riu. – Waltt pode dizer mais sobre do que eu. – Brincou o goleiro, e foi empurrado pelo ombro por Merelä.
– A honra do homem finlandês. Nossa nobreza. É isso aí, Jasper. – Janos voltou a falar, esticando os braços e depois flexionando os cotovelos para evidenciar os músculos.
– Menos, Janos. Bem menos. – Waltteri negou com a cabeça, rindo dele.
– Sabem o que mais? – Matias interveio também. – null não conta, ele é meio a meio. Metade latino e russo.
– Não me chamam de Papi à toa. – O capitão ergueu o queixo, enfim conseguindo relaxar um pouco.
– Por que? É velho, flácido e dorme na melhor parte? – Provocou Santtu, e quando o fez, o time riu.
– Posso te garantir que não é bem por isso. – null falou baixou, com tom calmo.
– Vocês e essas comparações... – Janos riu dando de ombros. – Não importa o tamanho, importa a utilidade.
– E como está a sua utilidade, Janos? – Petri alfinetou o jogador.
– Por que perguntar para mim? – Hari encarou o treinador com expressão de poucos amigos. – Você é o mais velho, e o null é o encalhado. – Apontou.
– Ei. – null protestou, sentando-se ao lado de Merelä, mas apenas por ser o único lugar disponível e com mais espaço. – Encalhado? Por que está sobrando pra mim?
– Porque você é solteiro. – Mikko riu, cruzando os braços sobre o peito.
– E sou só eu? – null arqueou as sobrancelhas, tocando o próprio peito e rindo.
– É verdade, todos vocês são. – Miika Roine balançou o dedo indicador na direção de alguns jogadores, sorrindo. – Atte, Aleks, Santtu, Jay, Merelä, null... Otto tinha uma namorada, não tinha?
– Acho que ele está noivo agora. – Santtu comentou.
– E já começou não estando aqui. – Petri suspirou. – Está vendo, garotos, não se casem. – Falou e o grupo riu.
– Uma bebida, null? – Inessa surgiu de modo repentino, com duas cervejas em mãos.
null estava sentada perto da piscina, com alguma visão para a sauna e uma ótima visão para a quadra de tênis e para o centro da cidade lá embaixo. Decidiu por fim, não ir mesmo para a sauna junto com o time. Não se sentiria confortável, e imaginava que null também não. Além disso, a investida de Petri mais cedo naquele dia também a tinha desencorajado. Estava menstruada, e mesmo que aquilo não tivesse sido empecilho para null quando transaram mais cedo, seria uma ótima desculpa para evitar a bendita sauna.
Inessa também não se juntou ao grupo. Provavelmente conhecendo o temperamento do irmão, tinha costume de não se unir ao grupo em situações como aquelas.
– Não, obrigada. – null recusou sorrindo. – Não tomo nada alcoólico.
– Que pena. – Inessa projetou o lábio inferior, ocupando o lugar ao lado da terapeuta, no pequeno sofá na área da piscina. Junto a ela estava Felix, o cachorro de Bradley, que null ainda não havia conhecido.
– Uau, então esse é o Felix? – null sorriu, afagando entre as orelhas do cão peludo e preto e branco, enquanto ele a cheirava.
– É. – Inessa riu. – Ele domina todos nós. Principalmente o meu irmão.
– Brad sempre fala muito dele. – O cachorro parecia ter encontrado uma posição confortável entre as duas mulheres, enquanto null o afagava.
– Então, você trabalha com o time. – Inessa mudou de assunto, cruzando as pernas e se voltado na direção de null. – Deve ser uma loucura, não é? Todos esses homens. Eu perco a paciência com eles pela TV, mal suporto meu irmão, deve querer matá-los. – Quis saber sorrindo.
– É mais tranquilo do que parece. – Respondeu a inglesa, correspondendo ao sorriso de Inessa. – Você se acostuma. Eles até que se comportam bem na minha presença, o problema são essas reuniões ou quando estão no vestiário. Parece que entrei em uma sala de quinta série.
– Você veio para o time por causa daquele piloto, não é? O finlandês. Como é mesmo o nome dele? – Inessa estalou os dedos duas vezes, tentando se lembrar. – Ah, null. Claro.
– É, ele é... meio que ele é o meu chefe. – null expirou devagar, incomodada com o assunto. – null quem te contou?
– Não, não. – Inessa riu, tomando um pouco de sua cerveja. – Na verdade, o meu irmão não queria entregar quem era a namorada misteriosa, então eu tive que sondar por meus próprios meios. – A golfista deu de ombros.
– Como soube que era eu? – null inclinou a cabeça sobre o ombro, curiosa. – Noite passada, quando me viu no corredor, você disse que sabia que era eu. Como? – Inessa riu.
– É que o null não é bom em disfarçar essas coisas. – Inessa riu, encarando o horizonte. – Quando ele se machucou, ficou arrasado, mas não tão arrasado quanto eu esperava. Depois, ficou mais tempo do que o de costume sem ir para Viipuri. E aí, quando foi, ficava no telefone conversando com alguém. – Inessa sorriu outra vez e deu um gole mais longo em sua cerveja. – Ele ia para o quarto e se fechava lá para falar ao telefone. Parecia um adolescente com a primeira namorada. Até que ele contou que realmente havia uma namorada.
– Ele disse que sua mãe fez perguntas. – null sorriu, apoiando a cabeça ao braço, animada com o que Inessa contava.
– Coisa de mãe. – A morena deu de ombros. – Mas ele segurou todas as informações o máximo que pode. – Inessa voltou o rosto na direção de null. – Mas nunca consegue mentir para a irmã mais velha. No dia que voltou para Lathi, ele viu uma foto do Waltteri aproveitando o fim de semana com outros caras do time e você. Conheço meu irmão e conheço os ciúmes dele. Ele negou, mas eu já sabia. E depois, quando null falou sobre a lesão e sobre você... eu só sentia. Intuição. – Inessa ergueu os ombros e voltou a beber.
– É, eu conheço também. – null riu baixando a cabeça. – Entendo um pouco melhor agora, e tenho tentado mostrar a ele que pode ficar seguro, mas...
– Mas ele é ele. – Inessa completou, sorrindo também.
– Tentei falar com ele sobre você e Atte. – Contou null, incerta de que essa fosse a melhor decisão. – Mostrar a ele que não é o melhor caminho. null costuma me ouvir, ou pelo menos refletir sobre o que eu digo. Ele disse que pensaria sobre.
– Falou mesmo? – Inessa arqueou uma sobrancelha e null assentiu. – Não precisava, null... mas obrigada.
– Não precisa agradecer. – null ergueu os ombros e sorriu. – null as vezes precisa de alguns empurrõezinhos para perceber que não é mais um menino em alguns aspectos. Mas ele vai entender.
Fez-se um breve silêncio enquanto Inessa analisava a inglesa.
– Sabe, null... acho que minha mãe precisa te conhecer. – Sorriu a golfista, erguendo a garrafa de cerveja em direção a null, como quem propõe um brinde. – E acho que ela vai gostar de você.
Aos poucos a sauna foi desocupada, sendo o anfitrião o último a deixar o espaço. Do lado de fora os jogadores se misturavam, terminando a comida e bebida que restaram. Inessa e null estavam junto ao grupo agora, sorrindo juntas de alguma piada de Waltteri.
null abriu uma garrafa de cerveja apoiando a tampa na mesa e batendo com a mão sobre a tampa da garrafa. Em silêncio, bebendo sua cerveja em longos goles, o central encarava null null, longe dele, sorrindo ao lado de sua irmã. Não pôde não pensar sobre o que null havia dito sobre a situação de Atte e Inessa. Irritado era uma palavra pequena para descrever seu estado atual em relação a aquilo. Se sentia traído, enganado, e todos os outros sentimentos que conseguia nomear - o que não era muita coisa. Estava chateado com a situação, por estar com aqueles sentimentos por seu melhor amigo e por nem mesmo poder conversar com sua garota sobre o assunto. Não podia ficar perto, não poderia pedir para que a inglesa ficasse com ele em casa após a saída de todos sem que o grupo inteiro desconfiasse. Estava amarrado, inflamado e querendo muito ficar bêbado.
– Brilhante vocês dois. – Santtu sussurrou ao se aproximar do central, segurando um copo com o que parecia ser uísque.
– Tá falando de que? – null arqueou uma sobrancelha sem desviar o olhar da irmã e da terapeuta.
– Sério? – O defensor riu pelo nariz. – Você pode pelo menos parar de encarar enquanto eu falo com você?
– O quê? Tô olhando a minha irmã. – null mentiu (em partes), voltando o olhar para Santtu ao seu lado. Podia dizer que estava encarando Inessa, mas não queria sequer pensar em Inessa e Atte, por isso preferiu deixar que Santtu fosse a diante com sua suposição, era mais fácil.
– Só faltam as alianças, porque de resto, vocês já estão fazendo. – Alfinetou Santtu. – O seu olhar matador na direção do Waltteri não ajuda. O fato de você ter sumido para trocar de roupa e voltado com a mesma roupa, também não te ajudou.
– A culpa é dela. – null apontou com o dedo indicador da mão que segurava a garrafa na direção da terapeuta. – Ou melhor, dele.
– Eu não posso opinar. – Santtu riu pelo nariz. – Ela é a sua ex, você deve ter propriedade para reconhecer jogadores que se apaixonam pelas terapeutas.
– Tá brincando, não é? – null inclinou a cabeça sobre o ombro, direcionando ao defensor um olhar nada amigável. Santtu ergueu as mãos na frente do corpo e arqueou as sobrancelhas, rindo abafado. – Pelo menos ela não entrou naquela sauna.
– Isso foi coisa sua? – Santtu arqueou uma sobrancelha.
– Não, eu juro. – O capitão respondeu rápido. – Mas eu não reclamo.
– Vocês têm que aprender a disfarçar. Ou pelo menos fingir. – Kinnunen voltou a falar depois de um longo gole em sua bebida. – Vocês...ainda estão separados mesmo? – Sondou ele, inclinando a cabeça e olhando para o central de soslaio.
– Por que?
– Sim ou não. – Santtu riu abafado, rolando os olhos.
– Ela é sua amiga, por que não pergunta a ela? – null apoiou o corpo a mesa, cruzando os braços sobre o peito depois de beber mais um gole de sua cerveja.
– Porque já sei a resposta dela. – Santtu ergueu as sobrancelhas quando null o encarou, demonstrando que sabia mais do que devia ou demonstrava. – Não é muito difícil, null mente muito mal.
null manteve os olhos sobre Santtu, depois de alguns segundos voltou a encarar o vazio a sua frente e expirou pesadamente pelo nariz, derrotado.
– Eu sempre digo isso a ela. – Falou, terminando sua cerveja.
– Questão de tempo até todo mundo descobrir se vocês agirem assim toda vez que se encontrarem. – O defensor alertou, também terminando sua bebida. – Veio de Uber? O sumiço dos dois ao mesmo tempo?
– E o que você sugere? – null riu com ironia. – É sempre mais fácil se visto de fora, não é?
– Basta vocês se comportarem como pessoas normais. – Apontou Santtu.
– Você sabe que é complicado. – null confidenciou após um breve silencio, encarando o chão. – Muitos problemas.
– Pra variar. – Santtu expirou uma risada abafada. – Vocês precisam de terapia de casal.
– Meus problemas seriam resolvidos se eu pudesse assumir. – Falou o capitão. – Como agora. – null olhou por sobre o ombro, para onde a inglesa ainda conversava com Waltteri e Jasper. – Sou obrigado a aturar ela com Merelä e não posso fazer nada. E pior, tenho que assistir o casalzinho ali e ouvir que estou errado em sentir ciúmes, porque ela nunca se interessou por ele... – null bufou. – Quer dizer, dessa parte eu sei, mas...
– Ele se amarra nela, você sabe, não é? – Santtu soprou, olhando para os amigos também.
– Não me diga. – null rolou os olhos e respondeu com ironia. – Me diz, você que é amigo... – null girou o corpo, ficando de frente para a cena de null e Waltteri, abrindo outra cerveja enquanto encarava. – O que esse cara tem?
– Além do rostinho de príncipe e olho azul? – Santtu imitou o central, abrindo uma cerveja também. – Ouvi boatos sobre vinte cinco centímetros. – Cochichou o defensor.
– Não. – null estreitou o olhar, desconfiado. – Não tem como... – O central concentrou seu olhar em Merelä, inclinando a cabeça sobre o ombro, tentando ter uma visão mais clara do corpo do jogador. – Tem?
Narciso
Narciso: Como costuma surgir logo no final do inverno, inaugurando a primavera, a flor ficou celebrada como um símbolo do renascimento, da nova estação e da nova fase da vida.
Sábado, 11 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Casa de null null
Depois que o caos da sauna se foi, devagar e então completamente, Inessa inventou que precisava da ajuda urgente de uma mulher por conta de alguma emergência feminina. A golfista se concentrou em afastar null null do time até que todos fossem embora, prometendo aos amigos da terapeuta e a ela - que àquela altura estava tão confusa quanto o resto - que depois a daria uma carona para casa. Só quando os carros se foram e que null surgiu na porta do quarto que Inessa ocupava dizendo estar tudo limpo que null entendeu o que estava acontecendo.
Não era ruim ter a cobertura de alguém, nem ruim ter alguém a mais para conversar. Apesar da postura um tanto quanto intimidadora de Inessa no início, a irmã de null parecia alguém divertida e inteligente, uma boa dupla para conversas sobre os pontos turísticos de Lathi ou sobre os livros favoritos. E a ajudinha da golfista tinha sido providencial, de modo tranquilo e sem despertar suspeitas Inessa tinha ajudado o casal a ter mais um tempo juntos, a sós. Aquilo tinha muito valor.
E graças a Inessa, null aproveitava o conforto do colo de null null, enquanto assistiam The Handmaid's Tale, escolha da terapeuta inglesa, mas que para surpresa do capitão, era melhor do que imaginava.
– Quando esse episódio terminar a gente devia comer alguma coisa. – null sugeriu, se espreguiçando e bocejando.
– Tá com fome? – null quis saber, percebendo naquele momento que já fazia tempo que estavam ali, entretidos com a TV. – Quer comer o quê?
– Que tal uma salada? – Pensou alto a inglesa. – Alguma coisa leve.
– Já te disse que sei fazer carbonara? – null ergueu o rosto para olhar para a namorada, enquanto sorria com expectativa.
– Não. – null riu admirada. – Jura?
– É, é sério. – Ele assentiu com a cabeça. – Aprendi quando fomos pra Itália em uma viagem de férias. Vou fazer pra você daqui a pouco, então. – Decidiu-se, voltando a posição original, deitando-se no colo de null e beijando a barriga da terapeuta antes de se aninhar mais confortável.
– Você sempre viaja em família? – null quis saber, enfiando os dedos nos cabelos de null e massageando sua cabeça.
– Sempre. – Respondeu ele. – Somos muito unidos.
– Hoje, enquanto vocês estavam na sauna, tive oportunidade conversar mais com a sua irmã. – Contou ela e o capitão girou o corpo, para que pudesse prestar atenção nas palavras da namorada. – Ela foi receptiva comigo, acho que temos muitas coisas em comum, além de você.
– Tipo o quê? – null riu erguendo as sobrancelhas.
– Ah, sei lá... o modo que vemos algumas coisas, as opiniões sobre alguns assuntos... ela gosta de livros, eu também...
– Você gosta? – O central a interrompeu, surpreso.
– Sim. – null franziu o cenho. – Acho que nunca tivemos muito tempo para falar dessas coisas pequenas, não é?
– Eu quero te mostrar uma coisa. – null anunciou de repente, pulando da cama e puxando null pela mão.
– Ei, o que está acontecendo? – null indagou confusa, esticando-se para pausar o episódio enquanto era arrastada pelo namorado.
– Vem, anda logo. – Apressou null.
Sem muita explicação o central arrastou a inglesa escada abaixo, ignorando as indagações e protestos de null. Levando-a em direção a grande sala de estar, até perto do hall de entrada. Perto do hall havia um pequeno corredor que levava a outra sala, do corredor a terapeuta enxergou uma máquina de fliperama, mas pela rapidez com que passou por ela, não conseguiu identificar de qual jogo se tratava. Passando pela máquina, uma grande sala de jogos foi revelada, com mesa de sinuca, videogames, futebol de mesa e tudo que o dinheiro podia comprar se tratando de jogos. No fundo da sala haviam portas de vidro com vista para a piscina e uma mesa de tênis de mesa do lado de fora. A parede ao lado da porta, oposta a grande TV, era inteira coberta por estantes de livros que dividiam espaço com alguns bonecos de colecionador de personagens de videogame, quadros decorativos de jogos, fotos de família, mais fotos, caricaturas, desenhos e bonecos inspirados no capitão null null.
null caminhou devagar até os livros, completamente surpresa e encantada na mesma medida. Jamais imaginaria que null teria aqueles interesses, ou tivesse uma biblioteca daquele tamanho. Era lindo, a maioria dos livros parecia estar em finlandês ou russo, mas a inglesa se maravilhava com eles mesmo assim, tocando os que estavam ao seu alcance com a ponta dos dedos.
– Então, o que acha? – null a lembrou que ainda estava ali.
– Isso é... fantástico. – null sorriu, voltando-se para ele. – Eu não sabia...
– O quê? Que eu gostava de ler? – null expirou um riso sarcástico. – Eu sou meio burrinho, mas não sem cultura.
null inclinou a cabeça sobre o ombro, sorrindo, se aproximou dele e o abraçou pelo pescoço.
– Isso não é verdade. – Negou a inglesa. – Muito pelo contrário. Você, senhor null null, é um dos homens mais inteligentes, cultos e sensíveis que eu já conheci. – Declarou, beijando-o com delicadeza.
– Não me elogia muito, posso ficar com ego ainda maior. – null sussurrou contra os lábios dela. – É isso que você diz.
– Bobo. – null negou com a cabeça.
– Só é uma pena que a maioria aqui seja em finlandês ou russo, mas pode servir pra te motivar a estudar mais e aprender meu idioma. – Implicou o central, vendo a namorada fazer careta e se afastar, voltando para junto dos livros, apoiando uma das mãos em uma mesa de madeira perto da estante, enquanto admirava os exemplares.
– O que você tem aqui? – Quis saber curiosa. – O que você gosta de ler?
– Eu gosto de muita coisa. – O jogador se aproximou por trás da terapeuta, beijando seu ombro. – Mas o meu favorito é O Sonho de um Homem Ridículo.
– Dostoiévski? – null olhou por sobre o ombro.
– Você conhece Dostoiévski? – null uniu as sobrancelhas, surpreso.
– Claro que conheço. – null sorriu, voltando a encarar a estante. – Eu adoro clássicos. Meu plano... – null expirou um riso tímido e baixou a cabeça. – Na verdade, era meio que uma meta. Queria ter um exemplar do clássico mais famoso em cada país. Sabe? Um russo, um americano, inglês, saudita, marroquino...
– Você nunca sonha pequeno, não é, null null!? – null brincou, beijando a têmpora da inglesa.
– Claro que não. – null riu pelo nariz. – Olhe o tamanho do meu namorado. Como espera que eu sonhe pequeno?
– Eu gostei disso. – null gargalhou, deixando o corpo cair sobre uma das poltronas.
null girou o corpo para olhar para ele, mas quando o fez, sua mão sobre a mesa esbarrou em algo que lhe capturou a atenção. Primeiro, a inglesa encarou o que estava sobre a mesa, depois ergueu os olhos para o namorado, que devido a expressão de estranhamento dela, ficou de pé e se apressou para descobrir o que ela havia encontrado.
– Isso... – null voltou a encarar sua descoberta, sem saber exatamente o que dizer. – Isso foi você?
– Não é nada demais. – null tentou disfarçar, coçando a nuca, sentindo o ar ficar um pouco mais pesado.
– Não, é claro que é. – null tomou os papéis nas mãos e os trouxe para mais perto dos olhos. – Essa sou... eu? – Quis saber, erguendo os olhos para o namorado, com um sorriso terno nos lábios.
– Olha, eu... – null tentou falar, mas não sabia o que podia dizer.
– É lindo, null. – Disse ela e a expressão de apreensão e ansiedade de null se transformou em uma de surpresa e incompreensão.
– Espera, o que disse? Como assim?
– É lindo. Os seus desenhos. – null sorria admirada enquanto tocava o desenho com a ponta dos dedos. – Eu fiquei mais bonita do que a versão original aqui. Quer dizer, pelo menos eu acho que sou eu. – A inglesa riu pelo nariz.
– Tá falando sério? – null ainda estava confuso e descrente.
– Claro que estou. – null levou uma das mãos ao rosto do namorado, afagando sua bochecha. – Isso é maravilhoso.
– Não, é só...não é nada demais. – null tentou afastar os desenhos de null, mas a terapeuta o repreendeu com o olhar e se afastou dele, sentando-se na poltrona que antes ele ocupava.
– É claro que é. – Tornou a falar a inglesa. – Você é talentoso, null. – null disse buscando os olhos dele. – Eu estou... nem consigo descrever. É tudo tão lindo. – A terapeuta suspirou e depois sorriu. – É assim que é ser vista por você?
– Mais ou menos. – null respondeu, sorrindo envergonhado.
Enquanto null arrastava outra poltrona para ficar mais perto da namorada, null folheava os desenhos. Em alguns ela estava trabalhando, reconhecia isso por estar representada de pé, com escrevendo algo com expressão de concentração e os cabelos cobrindo parcialmente o rosto. Em outros, estava dormindo, em outros apenas sorrindo, e em outros só haviam os olhos. Enquanto folheava, null assistia a reações da inglesa com atenção, os cotovelos estavam apoiados aos joelhos, tronco inclinado para frente e rosto apoiado nas mãos. Como a criança que espera os pais conferirem a prova antes de assinar.
– O que foi? – null quis saber ao perceber o modo com que ele a olhava.
– Nada. – null negou, apertando os lábios em um sorriso fraco e endireitando as costas. – Só... você gostou mesmo? Achou bom? – Quis confirmar, coçando a nuca.
– null, isso é incrível. – null falou outra vez, tocando com a ponta dos dedos um desenho aquarelado de si mesma dormindo. – Eu nem sei o que dizer, porque...– null hesitou.
– Por que? – null a olhou de modo ansioso.
– Porque estou unindo todas as versões de você que eu conheço. – null sorriu, mas null pareceu não compreender aquilo como uma coisa boa, devido ao modo com que suas sobrancelhas se uniram. – É que... por exemplo, sua casa, tudo é tão metódico, prático, neutro, e então aqui... esses desenhos, os livros, a música... – null riu pelo nariz, baixando a cabeça. – Não parece a sua verdadeira casa.
– É por isso que quase ninguém sabe dessas coisas. – Respondeu o jogador, null ergueu o rosto para olhá-lo. – É uma parte que eu gosto de deixar só pra mim.
– Por que? – null quis saber. – Tem medo do que as pessoas podem falar?
null deu de ombros e se recostou a poltrona.
– Bem, não vejo porque algo assim devesse ficar escondido. – null sorriu para o namorado, tentando animá-lo. – Você é talentoso, tem tanto talento para as artes quanto para o hockey. Acho que é daí que vem toda sua criatividade no gelo.
– Pode ser. – null projetou o lábio inferior e ergueu as sobrancelhas, passando a dar atenção a Felix, que havia recém chegado ao cômodo e tentava subir no colo do dono.
– Tá incomodado porque eu descobri, não é? – null perguntou após algum tempo em silêncio, analisando a postura mais fechada que o namorado havia adotado de modo repentino.
– Eu não. – null negou rápido. – Nada demais.
– Sei. – null ainda o analisava de olhos estreitos.
– É, sério. – Insistiu null, erguendo as sobrancelhas.
– Está bem, não estou dizendo mais nada. – null ergueu os ombros.
– Santtu sabe que a gente não está mais separado. – null anunciou de repente, movido pela urgência de sair do foco do olhar e pensamentos de null.
– Como é que é?
Segunda–feira, 13 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Bad Bunny enchia o interior da SUV de null null, a música estava mais alta do que costumava estar, propositalmente. Depois da descoberta de null sobre partes sua que não tinha certeza sobre estar pronto para revelar, as coisas haviam ficado um pouco estranhas. null tinha passado muitas horas agarradas aos desenhos e folheando os livros, encantada como uma criança em uma loja de brinquedos. Enquanto isso, null fez o jantar, carbonara, como prometido. Deu graças quando Inessa se juntou a eles, ocupando null com conversas intermináveis sobre qualquer assunto aleatório que o central não tinha prestado atenção.
No fim da noite, ainda mais silencioso, null havia inventado uma súbita dor de cabeça e dormido mais cedo. Pela manhã, fugiu de null tanto quanto tinha hábito de fugir de seus sentimentos. null pareceu não perceber, ou teve a delicadeza de fingir não notar, e null a agradecia por isso. No domingo, null retornou a casa, só reencontrando o namorado na segunda-feira pela manhã, para uma carona até a Isku Areena e nenhuma palavra além do essencial foi proferida. Não queria conversar, não queria falar, tinha medo de a olhar nos olhos.
Seus desenhos, aquela pequena parte de si, era quase trancafiada a sete chaves, nem mesmo seus pais sabiam daquele hobby, ou seus amigos. Podia contar nos dedos de uma mão, sem preenche-la totalmente, as pessoas que já tinham visto ou que sabiam do seu hábito. E agora null também sabia. Não saía dos pensamentos de null o que a namorada tinha dito, sobre sua casa não parecer sua casa. Será que ela tinha se decepcionado de alguma forma com aquela descoberta? Será que tinha mudado a forma com que ela o enxergava depois daquilo? Será que ela o achava bobo ou esquisito?
Se pudesse, aquela era a hora em que faria as malas e fugiria do país para não ter que olhá-la nos olhos e saber o que null null pensava a seu respeito.
null estacionou e desligou o carro com pouco ânimo, esperando que null não inventasse qualquer assunto ou conversa. E por mais que conhecesse a mulher ao seu lado, tinha esperança de que dessa vez ela só deixasse para lá. Mas o plano de null null não parecia ser esse.
– Amor. – null chamou, tocando o antebraço do jogador quando null fez menção a abrir a porta do carro para sair.
– Não. – null respondeu desanimado, de cabeça baixa. – Não quero conversar.
null não se moveu ou respondeu, apenas o encarou com olhar estático, para depois franzir o cenho e suspirar.
– Está bem, eu não queria conversar também. – A terapeuta ergueu os ombros. – Só ia fazer um pedido.
null suspirou culpado, fechou os olhos e bateu com a testa no volante, segurando com as mãos a base da peça, deixando os ombros caírem e os braços ficarem relaxados sobre o colo.
– Tá, o que é? – Perguntou sem a olhar.
– Só pensei que... – null suspirou. – Gostei dos seus desenhos, pensei que ficaria ótimo em uma tela. Queria uma para pôr no meu apartamento. – A inglesa ergueu os ombros outra vez, girando o corpo para frente e null quis morrer. – Sabe, eu gosto de você, consigo ser paciente e até entender certas coisas. Mas isso não dá a você licença para me tratar mal só porque está incomodado.
– null, eu... – null ergueu o rosto rapidamente, não queria que aquilo tomasse um tamanho maior, nem queria brigar ou a ter tratado mal. Tudo que queria era se esconder dela.
– Não. – null ergueu uma das mãos em direção ao namorado. – Sou eu quem não quer conversar agora. A gente se fala depois. – Anunciou saindo do carro sem olhar para trás ou sem se despedir.
null abraçou o volante outra vez e deixou a cabeça pender até se apoiar a peça, enquanto se xingava mentalmente. Depois dos dois dias incríveis que tivera com null, aquela manhã estava sendo terrível. Não queria brigar, não queria que aquela situação gerasse um desentendimento, também não queria ter sido rude com null. Odiava quando isso acontecia, mas algumas vezes aquela resposta sempre era mais fácil. Mais fácil que falar, mais fácil que deixar que ela visse o que ele realmente sentia, ou o que se passava em seu coração.
Confiava em null, ela sabia mais sobre null do que muita gente sequer podia sonhar. Mas talvez isso fosse a principal causa de sua insegurança. Estava apaixonado demais, a amando demais para que aceitasse vacilar e a perder, ou que null perdesse o interesse ou a paixão que sentia por ele. Era difícil. Queria se socar se houvesse maneira para isso. Queria voltar para a casa, em Viipuri e ficar lá, pelo menos até que null null esquecesse aquelas coisas, ou até que ele esquecesse.
Segunda-feira, 13 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Isku Areena
Os jogadores deslizavam no gelo de um lado para o outro, era o treino tático antes do primeiro jogo da semana. Petri dava instruções e gritava dentro do gelo, chamando a atenção de alguns atletas, enquanto null, junto a outros membros da comissão técnica, assistiam e trocavam dados com o treinador. Ainda era um pouco estranho encarar Petri, mas o incômodo causado pela conversa que tivera com o treinador era insignificante perto do desconforto daquela manhã, com null.
No momento em que seus olhos descobriram os desenhos, percebeu que o capitão havia mudado. Como quando alguém descobre um segredo muito embaraçoso. Mas null não achava que o fato do namorado ser um artista talentoso pudesse ser, de algum modo, vergonhoso. Ao contrário, era algo para se orgulhar. Adorou conhecer aquele outro lado de null, o músico, o leitor, o artista... aquelas faces do capitão durão do time de cidade só faziam com que a admiração por null crescesse mais. Conseguia ser empática ao silêncio dele, ao desconforto, a como ele não a olhava nos olhos desde o momento na biblioteca, só não conseguia ser empática as grosseiras com as quais null a atingia quando estava acuado e com medo, inseguro.
Conhecia o capitão o bastante para saber que a reação era uma resposta emocional simples a isso: medo. Não entendia bem o porquê daquele sentimento, gostaria que null compartilhasse com ela, mas não iria pedir. Esperava que ele fizesse quando se sentisse confortável, tinha aprendido com seus erros. Mas também não podia fingir não estar sendo magoada com as palavras duras do namorado, ou a falta delas.
null não parecia bem também, no treino estava errando passes simples, perdendo gols prontos, Petri já tinha chamado sua atenção várias vezes. O capitão parecia tão sem inspiração que, quando errava algum passe, os companheiros suspiravam cansados. null respirou fundo e encarou o teto alto da arena. Odiava ter que fazer aquilo, mas infelizmente, quando aceitou namorar alguém do time em que trabalhava, sabia que situações como aquela estavam no contrato. Por isso, depois de engolir o próprio orgulho, com alguma dificuldade, null se afastou um pouco da proteção do gelo, o suficiente para que pudesse chamar null sem que precisasse gritar. E assim o fez, quando null passou por perto, deslizando na tentativa de recuperar a posse do disco, null o chamou. O capitão ergueu o corpo, já cansado e deslizou para a proteção, se apoiando a ela.
– O que foi? Não se sente bem? – null quis saber, colocando a prancheta debaixo do braço e analisando o capitão.
– Nada, eu tô legal. – null negou, estava apoiado a proteção do gelo com um dos braços, o outro segurava o taco, com uma perna estendida, a outra tinha o joelho levemente flexionado e a ponta de um dos patins apoiado ao chão. De pé, mesmo que null estivesse usando patins também, a inglesa ainda precisava erguer o rosto para olhar o namorado nos olhos.
– O que está acontecendo, então? – null tornou a falar, tomando cuidado para soar suave e não ativar o modo defesa de null null. – Está perdendo passes simples e fáceis, errando o gol... – null baixou a cabeça, deu as costas para o gelo, esticando as pernas e apoiando o os braços na proteção, inclinando o corpo para frente. – Isso não é o seu normal.
– Não brinca. – O jogador ironizou, rindo baixo.
– null, você não precisa reagir assim... – null a interrompeu, erguendo a coluna, encarando o lado de fora do gelo.
– null, na boa, sem lição de moral, tá? – Ele rolou os olhos e bufou, sem olhar para a namorada e terapeuta ocupacional, em um tom de voz entediado.
– null, qual é? – null se irritou, puxando-o pelo ombro para que o central a olhasse. – Por que agir assim? Sou eu. Para quê ficar armado desse jeito? Contra mim? Não é o Petri quem está aqui. Sou eu.
null encarou a namorada por dois segundos, depois baixou a cabeça, passando a língua pela bochecha.
– Tá, foi mal. – Admitiu ainda com a cabeça inclinada. – Desculpa. – Pediu erguendo o olhar.
null não respondeu, apenas o olhou nos olhos, tentando, entre tantas coisas que vinham a sua mente, achar a mais profissional para dizer. Não entendia o motivo do namorado ter vestido aquela armadura de sempre, não com ela. O queixo estava tensionado, o rosto sem expressão, olhar vazio, lábios em linha reta.
– O que foi? Eu já pedi desculpas. – null apontou, incomodado com o silêncio dela.
– Eu só estou pensando em algo profissional o suficiente para dizer agora. – null torceu os lábios. – Sabe, ficar chateado com a situação de ontem, tudo bem. Mas agir como um garotinho pirracento aqui? – null riu com deboche, voltando a encarar o lado de fora do gelo. – Eu sei que você odeia errar, e que estar errando coisas bobas assim aqui... – null expirou um riso sem qualquer traço de humor. – Eu sei que isso deve estar só piorando tudo. Mas não é agindo assim que você vai resolver seus problemas.
– Agora são meus problemas? – null riu com escárnio, enfatizando o pronome possesivo.
– Pare de agir assim. – null perdeu a paciência, enfim. – Você sabe que estou falando das questões de trabalho. Sabe disso.
Enfatizou a inglesa, e começou a se afastar, enquanto null ainda ria, irritado, e chutava a proteção ao mesmo tempo em que batia o taco na proteção com força. Mas a terapeuta não havia dado dois passos até que sua mente foi invadida com o fato de que, os problemas de trabalho de null também eram dela. Parte por ser a terapeuta do time, parte porque o relacionamento dos dois constantemente era a fonte da maioria dos problemas. null girou em seu próprio eixo e voltou para junto do jogador, que disfarçou sua surpresa inclinando a cabeça outra vez, mas parando de atacar a proteção do rinque.
– Você tem razão, os problemas não são só seus. – Falou ela, um pouco mais baixo. – Mas não é desse jeito que você vai resolver. Que nós vamos resolver.
null não disse nada, apenas se esticou um pouco mais para fora para que pudesse alcançar uma garrafa de água e a usou para jogar o líquido fresco sobre a nuca e cabeça.
– Só... – null tentou mais uma vez. – Só tente respirar e organizar seus pensamentos, tá legal? Esquece o que aconteceu no fim de semana, hoje... em outro momento a gente conversa, se valer a pena conversar e resolvemos isso. Agora você está aqui, se concentre no treino. – null ergueu o rosto, mas ainda não a olhou, se mantinha sério, a expressão dura e vazia que ostentava no início. – Você tem um ótimo foco, concentração... relaxe e se deixe fazer o que sabe fazer.
null não respondeu, só assentiu com a cabeça, sem gastar um segundo sequer olhando para a namorada. null esperou por alguns instantes, analisando a postura dele. Por fim, avaliando que era melhor deixa-lo um pouco sozinho, deslizou devagar até onde estava o resto da comissão técnica.
– null. – Petri chamou assim que notou a aproximação da terapeuta, e null rolou os olhos e respirou fundo antes de se aproximar. – Qual é o problema dele? – O treinador quis saber, Jakkos estava ao seu lado, com olhar atento.
– Frustrado por estar errando. – null respondeu com simplicidade.
– O que houve ali? – Jakkos riu de canto. – Parece que se irritaram um pouco... – Sugeriu de modo quase maldoso.
– Já tentou confrontar null null sem que ele quisesse arrancar sua cabeça? – null arqueou uma sobrancelha, mantendo o tom de voz sério.
– Não, ele nunca tentou, porque não é qualquer pessoa que confronta o null. – Petri respondeu antes que Jakkos tivesse chance, calando o fisioterapeuta. – Ele está horrível. Devia ter inventado uma desculpa para ficar em casa, só está passando vergonha. – O treinador mal-humorado completou sua análise
– Ter empatia pelos seus atletas nunca foi uma má ideia, Petri. – null alfinetou, percebendo que null havia voltado para junto dos outros.
– Isso é com você. – O treinador deu de ombros. – Colo e tapinhas nas costas nunca levaram ninguém aos playoffs. – null rolou os olhos e se afastou dos dois, concentrando-se no que realmente importava.
Segunda-feira, 13 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Isku Areena
O final do treino felizmente tinha sido melhor que o início. Depois da pequena lição de null, null estava ainda mais envergonhado, mas pelo menos tinha conseguido separar os sentimentos em caixas. Era melhor seguir o conselho da namorada, resolver o problema pessoal depois, e se concentrar no trabalho. Sabia que não era o fato de namorar alguém do time que o estava tirando a concentração, estaria num dia péssimo de qualquer jeito. A diferença era que naquele caso, a namorada também estaria no trabalho, o lembrando do problema o tempo todo.
Talvez null tivesse um pouco de razão sobre estar sendo imaturo. Ao menos quanto ao modo com que a havia tratado e como estava lidando com seus erros no gelo. Felizmente a namorada era melhor que ele em separar as coisas. Depois do desentendimento no carro, null imaginava que null não fosse querer vê-lo tão cedo, mas ao contrário, ao notar seus erros no treino, ela quem o tinha procurado e tentado ajudar. Não tinha problemas em admitir, no trabalho, estar errado, era a postura esperada do capitão. Naquela situação, precisava ter uma postura adequada com a inglesa, tão membro da equipe quanto ele, e a quem null sabia que devia um imenso pedido de desculpas.
Ao sair do gelo, null estava mais a frente, anotando alguma coisa concentrada, null se esforçou para alcançá-la. O capitão atravessou o mar de jogadores que riam e se empurravam no corredor, esbarrando nos ombros de alguns até que conseguisse chegar até ela.
– null. – Chamou, atraindo um olhar rápido de null, que em seguida voltou a se concentrar no que anotava, sem parar de andar. – Queria me desculpar.
– Estou te ouvindo. – Ela respondeu sem sinalizar que afastaria os olhos do papel, e null soltou o ar dos pulmões antes de continuar.
– Queria me desculpar pelo jeito que falei com você. – null falava enquanto acompanhava a terapeuta e os outros companheiros até o vestiário, recebendo olhares de soslaio de alguns. – Estava muito bravo, mas não era com você...
– Era com você mesmo, por estar errando coisas simples. – null completou, e então parou, deixou pender paralelo ao corpo o braço que segurava a prancheta e o olhou. – Eu sei. É o meu trabalho aqui perceber esse tipo de coisa, caso tenha se esquecido.
– Não esqueci. – null assentiu com a cabeça, apertando os lábios. O tom de null era duro, mas o central sabia que merecia. – Queria me desculpar, de qualquer jeito. Não vai acontecer de novo.
A inglesa o observou com olhos estreitos e sobrancelhas juntas, até que enfim deu de ombros e voltou a andar.
– Não tenho a fantasia de que não vai acontecer de novo, mas fico feliz em saber que vai tentar se controlar. – Disse ela, enquanto null a tentava seguir pelo corredor. – Só tente não se sabotar assim. Parar, pensar, tomar consciência, retomar o controle da mente, refrescar as ideias, respirar um pouco... costuma ajudar.
null assentiu com um murmúrio, mas ali, diante a terapeuta, o capitão sentiu que precisava resolver a outra situação. Sabia que talvez não fosse o melhor lugar ou momento, mas era o timming perfeito, não queria desperdiçar, deixar para depois. Não queria que null tivesse tempo de refletir sobre a situação e que ficasse ainda mais chateada.
– null. – Chamou outra vez, mas null como da primeira, não parou de caminhar.
– O que é agora?
– Quero me desculpar pela outra coisa também. – Assim que as palavras do capitão atingiram os ouvidos da inglesa, null parou de andar, congelando onde estava. – Pelo você sabe o que.
– Estou ouvindo. – Disse ainda de costas.
– Acontece que eu sou um idiota. – null falou depois de se certificar estarem enfim sozinhos no corredor, aproximando-se um pouco dela.
– Eu sei que é, e se esse é o seu pedido de desculpas, é melhor voltar depois, quando tiver pensado em algo mais maduro. – Falou a terapeuta, voltando a andar, mas o capitão segurou-a pelo antebraço.
– Eu vacilei, é isso. – null tornou a falar. – E me arrependi. Na verdade, eu nem queria ter falado aquilo, só...
– Não tenha a ousadia de dizer que é porque eu te pressionei. – null se virou para encará-lo, com uma expressão nada amistosa no rosto. – Ou que não queria falar sobre e eu te enchi.
– Só estava com medo. – Ele completou, no mesmo tom calmo que estava usando desde o início daquela conversa. – Era o que eu ia dizer.
– No seu modo defesa, eu sei, conheço esse filme também. – null cruzou os braços sobre o peito. – Mas isso não te dá o direito de me...
– De te tratar mal, ou com grosseira, ou ser um idiota com você. – O capitão completou. – Eu sei disso também. Não gosto quando isso acontece, eu juro.
null respirou fundo, balançou a cabeça, fechou os olhos, expirou profundamente e ergueu uma das sobrancelhas.
– Tá. Tá certo. – Respondeu ela. – Tudo bem.
– Isso significa que estamos okay? – null a encarou com sobrancelhas arqueadas, querendo se certificar do perdão da namorada.
– Sim. – null respondeu, retomando sua caminhada pelo corredor, com null mais uma vez em seu encalço. – Você é um puta babaca quando quer.
– Eu sei. – null assentiu. – Então... você quer fazer alguma coisa hoje? – Sondou depois de alguns instantes em silêncio.
– Tenho que ir ao mercado e depois quero assistir ao amistoso da seleção da Inglaterra. – null respondeu, ainda com a voz denunciando o quanto ainda não estava macia com a situação.
– Posso te levar. – Sugeriu null. – Traduzir os rótulos.
– Vai precisar de bem mais que isso para se redimir, null.
– Depois das compras posso te fazer aquela massagem. – null ofereceu, atraindo um olhar estreito de null. – Enquanto assiste ao jogo... – Ele ergueu as sobrancelhas de modo sugestivo.
Segundafeira, 13 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Casa dos pais de null null
null tentava recuperar o ritmo calmo de sua respiração depois da longa corrida matinal. Amava estar em contato com a natureza exuberante que, em sua modesta opinião, só podia encontrar na Finlândia. Sentia os pulmões limpos e o corpo revigorado, pronto para viver um dia bom e produtivo. Teria algumas reuniões, compromissos profissionais, uma semana bem agitada, aproveitando a pequena pausa em seu país, em paz enquanto se preparava para a próxima temporada. Enfim estava de férias, todo o drama dos últimos dois anos havia passado, a temporada dramática também tinha acabado, não como todos gostariam, mas tinha enfim terminado. Agora era livre, em uma equipe nova, sem o peso do mundo nas costas.
As coisas seriam muito diferentes, uma nova fase e cheia de novos problemas e novas pequenas felicidades. Não sabia se era o ar de seu país ou a cabeça mais leve, mas já se sentia cinco anos mais jovem.
– Estou aqui na cozinha. – Marianne chamou assim que ouviu o filho passar pela porta da frente. – Como foi a corrida?
– Perfeita. – null sorriu enquanto abria a geladeira em busca de um pouco de água.
– Você parece bem, animado. – A mãe comentou.
– Eu estou, acho que os ares da Finlândia fazem isso comigo, me revigoram. – null sorriu e levantou uma das sobrancelhas ao mesmo tempo que bebia o conteúdo do copo. – Vou tomar um banho. – Avisou.
– Depois disso, será que você se importaria em ir ao mercado? Queria cozinhar um peixe para o almoço, mas algumas coisas estão faltando, fiz uma lista. – Pediu sorrindo.
– Claro, porque não? – null assentiu e partiu para seu quarto.
Na rotina de piloto sentia falta de momentos como aquele, claro que ainda era muito reconhecido, mas na Finlândia as pessoas pareciam um pouco mais acostumadas com sua presença. Apenas ir ao mercado se tornava uma tarefa quase impossível, e por muitas vezes, realizada quase que de ano em ano fora dali. Momentos com a família, almoços com os pais também não eram tão comuns devido à distância, a agenda cheia e todas as outras coisas. Era coisas sutis do cotidiano que ninguém considera quando pensa em carreira, fama e todas as outras coisas que rodeavam o esporte, mas que muitas vezes tinham peso maior do que qualquer outra coisa.
Segunda-feira, 13 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
K–Supermarket
Do que adiantava a companhia de null se ele sempre se perdia dela em cada corredor que entravam? null se perguntava ao mesmo tempo em que percorria mais um corredor, com uma pilha de lasanha congelada equilibrada nas mãos, tentando sem sucesso encontrar o capitão do Pelicans. Havia se perdido de null quando decidiu se aproximar de uma TV para descobrir o placar do jogo de futebol que planejava ver em casa, mas graças ao namorado, não havia sido possível, e desde então, nem sombra do homem.
Ainda não tinha esquecido todo o drama do namorado quanto aos desenhos e seu desempenho ruim no treino, mas o amava. Apesar de ainda estar um pouco ressentida, sabia que logo esqueceria e que não valeria a pena dar para aquilo tamanho maior do que realmente tinha. Talvez fosse um sinal da maturidade do sentimento pelo central. null pareceu ter lidado com aquilo mais rápido do que costumava lidar, também. Mas por dentro null ainda não sabia o que se passava. Talvez, depois da ida ao mercado, em sua casa, null se abrisse como costumava fazer, falando de seus sentimentos e medos.
Enquanto isso, null ainda procurava o namorado, impaciente. null era um homem alto, e além da altura, era moreno, cabelo escuro e tatuado, fora seu estilo de vestir pouco convencional e discreto. Era fácil reconhece-lo a distância ou em qualquer lugar, o que só servia para irritar mais a terapeuta inglesa, já que aquela missão lhe parecia impossível no momento. Para completar sua falta de sorte, havia escolhido um péssimo tênis, que esfolava seu calcanhar a cada passo dado e a terapeuta mal podia esperar para chegar em casa e se livrar deles, deixando-os direto na sacola de doações.
Quando alcançou o último corredor, cheio de geleias, cremes e molhos, o céu, figurativamente, se iluminou quando null vislumbrou a figura alta, de moletom e bucket hat que procurava. null não parecia olhar nada especial nas prateleiras, pelo contrário, estava parado ao lada dela, de costas para null, com uma das mãos na cintura.
– Aí está você! – null se fez presente, surgindo a frente dele e fazendo o capitão baixar o olhar, falando disparada depois de jogar os itens que segurava no carrinho ao lado do parceiro. – Acredita? Dois a dois, empataram com um gol lindo, sem chance nenhuma para o goleiro. Eu te disse que não adiantava apostar contra um time que tem Harry Kane e Mason Mount, agora você me deve...– A inglesa desatou a falar agitada, mas null indicou com o olhar que havia mais alguém na conversa, atrás de null e então arqueou uma sobrancelha. null, chocada com sua falta de tato e educação, e temendo ser alguém do time que os pudesse descobrir, girou em seu próprio eixo, dando as costas para o namorado em busca da pessoa que estava com ele.
– Você. – Os dois disseram juntos, surpresos e com olhos arregalados.
– Não, você não. De novo não. – null resmungou sem pensar, recuando um pouco, apoiando as costa ao peito do namorado e null pousou uma das mãos no ombro da inglesa, confuso.
– A reciproca é verdadeira. – null devolveu rolando os olhos.
– Vocês se conhecem? – null quis saber, de olhos estreitos.
– Uma longa história. – Responderam em uníssono.
Não podia ser, justo ele, null null mais uma vez. Há alguns anos, se contassem a null null que ela teria uma reação daquelas ao encontrar seu ídolo, a terapeuta ocupacional teria chorado de tanto rir, mas agora aquela parecia a única reação possível. Mal podia acreditar que depois daquele atendimento, o finlandês ainda a reconheceria mesmo tanto tempo depois do ocorrido.
null estava visivelmente surpreso também, não imaginava encontrar a mulher tão cedo, mesmo sabendo que ela devia estar vivendo em Lathi. E para completar seu choque, aparentemente junto com o capitão do time, do seu time. Não esqueceria aquele olhar, mesmo com o tempo, e aparentemente, ela também não o havia esquecido e isso o divertiu, ela parecia realmente afetada.
– Quem está jogando? – null perguntou, ignorando a expressão enfezada da inglesa, que tinha os braços cruzados sobre o peito.
– Inglaterra e Finlândia. – O capitão respondeu, ainda confuso, tentando descobrir alguma pista sobre o que estava acontecendo entre um dos maiores ídolos esportivos da cidade e dono do time e sua namorada. – Eles empataram agora, acho que estão no final do primeiro tempo.
– É, eu espero que a vitória venha para cá. – null provocou, cruzando os braços.
– Ah, com certeza. – null rolou os olhos e riu com sarcasmo. – Se ela não vier, vocês a exilam para cá, não é mesmo? – Resmungou e null maneou a cabeça surpreso com o ataque gratuito, mas sorriu de canto, achou aquilo engraçado, infantil, mas ainda engraçado.
– Como assim? – null perguntou confuso, franzindo o cenho e olhando de null para null, que tinha os lábios torcidos num bico mal-humorado, mas null apenas balançou a cabeça, como se dissesse ao outro para esquecer aquele assunto.
– Bom, preciso ir agora. – null avisou. – Foi um prazer. – Disse olhando para os dois e enquanto null assentiu com a cabeça, null fingiu não o ouvir.
null null se afastou como se nada tivesse acontecido, e quando null tirou os olhos das costas e cabeça loira do finlandês, encontrou o olhar confuso de null.
– O que é que foi isso que acabou de acontecer?
– Uma longa história. – null suspirou, negando com a cabeça e ensaiando tomar o carrinho e continuar as compras, mas null a impediu, segurando o carrinho enquanto a encarava com uma sobrancelha arqueada.
– Não me enrola. – Falou ele. – Qual é o problema com ele? De onde vocês se conhecem?
null mordeu o lábio inferior e amaldiçoou null null mais uma vez. Não sabia como o namorado reagiria quando soubesse da história, afinal, null era o dono do time, além de ser um ídolo na Finlândia, especialmente em Lathi. null xingou mentalmente, sacudiu a cabeça e suspirou.
– É uma história longa, e não foi minha culpa. – Começou a se justificar a inglesa. – Quer dizer, meio que foi, mas não que justificasse o que ele fez depois disso.
– Rakkaani, fale logo. – null cruzou os braços sobre o peito, mirando a namorada com olhar sério.
– Okay. – null suspirou. – Por acaso se lembra daquela história sobre eu ter vindo para cá? Sobre o meu chefe babaca que me exilou em Lathi?
Crisântemo branco
Crisântemo branco: No caso concreto do crisântemo branco, existe a crença que ele simboliza verdade e sinceridade.
Segunda-feira, 13 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Casa de null null
– Mas como eu podia saber sobre isso? – null ergueu os ombros enquanto entrava no apartamento da terapeuta inglesa, passando pela porta. – Eu não sou exatamente um amigo próximo daquele cara.
– É, mas eu não sabia desse detalhe, não é? – A inglesa rolou os olhos, entrando atrás dele e fechando a porta com um dos pés. – Eu era a pessoa nova, em um ambiente de trabalho onde ninguém conhecia a minha profissão ou a mim. Um país diferente, idioma diferente, num lugar cheio de homens sendo uma mulher. – A inglesa seguiu o namorado, que apoiou as compras sobre o balcão da cozinha. – Como eu podia saber o que encontraria? Ainda depois de todo caos que foram os encontros com aquele grosso.
null inclinou a cabeça sobre o ombro e sorriu com simplicidade, olhando para a figura da namorada.
– Sabe que agora tudo faz sentido? – Ele envolveu a cintura de null com os braços e ela ergueu as sobrancelhas, incentivando-o a continuar enquanto projetava o lábio inferior e pousava as mãos espalmadas sobre o peito do jogador. – Mas fiquei com uma dúvida. Por que não achou que Waltteri ou os outros também soubessem sobre seu segredinho sujo? Só eu.
– Bom, para começar, porque eles não me ignoravam. – null ergueu os ombros, fazendo o namorado rir pelo nariz, pendendo a cabeça para trás.
– Que confusão. – null gargalhou, ainda abraçado a terapeuta.
– Mas eu estou aliviada. – null respirou fundo, relaxando os ombros. – Não há mais segredos. Nenhum. Nenhum segredo entre nós. – null sorriu, levando as mãos até o rosto de null, acariciando suas bochechas, sentindo a barba que começava a crescer. – Agora você já sabe a verdade completa sobre a minha vinda para cá, sobre eu ser a inimiga número um do dono da chave da cidade. – A terapeuta rolou os olhos e null riu alto mais uma vez.
– Talvez você goste de saber que o null nunca recebeu a chave da cidade, eu já. – Contou e viu a namorada arregalar os olhos. – O prefeito da época era fã de hockey. – null ergueu um ombro, levantou as sobrancelhas e projetou o lábio inferior.
– Capitão de hockey, o melhor jogador da Europa, dono da chave da cidade, o que mais você é, null null? – null sorriu depois de tocar o queixo de null com os lábios ao falar.
– O namorado da null null. – null sussurrou de volta. – Conhece? Aposto que já ouviu falar. – null sorriu contra a pele dele, enquanto null falava baixo. – Às vezes... ou na maioria das vezes, eu vacilo. Até hoje me pergunto como consegui essa mulher.
– Ela deve ser meio tonta mesmo. – null entrou na brincadeira do central. – Mas sabe aquilo que dizem do amor.
– Do amor? O quê?
– Que ele é cego. Tudo crê, tudo suporta...– null começou a listar.
– Você está citando a Bíblia para mim? – null riu, surpreso e null o acompanhou. – Me desculpa mesmo por ter te tratado daquele jeito hoje de manhã e desde o final de semana. – Pediu, encostando a testa na testa da namorada, depois de retomar o fôlego tirado pela gargalhada. – Odeio quando faço isso. Odeio te tratar daquele jeito...eu não... – Ele apertou os lábios, frustrado consigo mesmo. – Tenho vergonha dos desenhos e não queria que você tivesse descoberto daquele jeito. Não queria que tivesse descoberto nunca, na verdade. – Confessou.
– Tudo bem, eu até entendo. – null garantiu, afagando a bochecha do namorado. – Mas você não precisa ter medo disso, ou se envergonhar. – null sorriu, desceu os braços e abraçou a cintura de null. – Esse fim de semana com você, na sua casa foi muito especial. Ver os desenhos completou tudo e mudou de alguma forma o jeito com que eu te vejo.
null engoliu em seco e endireitou a coluna, encarando a inglesa com incerteza.
– Acho que todas as peças que vou conhecendo de você me fazem apaixonar ainda mais. – null sorriu, arrancando um suspiro e um sorriso aliviado do capitão do Pelicans. – Eu adorei esse lado sensível, músico, artista, leitor... achei sexy.
– É mesmo? – null riu abafado, beijando-a rapidamente.
– Sim. É como aqueles jogadores que por fora são durões, mas por dentro são românticos, fofos, sensíveis... eu lia e assistia homens assim por toda minha adolescência. Agora tenho um para chamar de meu. – A terapeuta mordeu o lábio inferior do namorado, soltando-o devagar enquanto os dois sorriam.
– Agora é dezembro, acha que fevereiro é um bom mês para casamentos? – Quis saber null e a inglesa riu, jogando a cabeça para trás. – O quê? É uma proposta séria, mesmo que você nunca leve a sério. – Ele rolou os olhos.
– Como pode saber tão rápido que quer se casar com alguém? – null indagou, afastando-se do namorado, começando a desempacotar e guardar as compras do mercado em seus respectivos locais.
– Quanto tempo você acha que leva para alguém ter essa certeza? – null devolveu, apoiando os antebraços no balcão. – Algum dia você vai me olhar bem nos olhos e dizer que eu tinha razão. – Falou, apontando para os próprios olhos.
– Eu espero que você tenha razão. – null riu, piscando para o namorado, que balançou a cabeça negativamente enquanto ria.
Durante a tarde, enquanto estavam no mercado, null havia sido lembrado pela mãe, através de uma mensagem, sobre as comemorações do natal. A data se aproximava, e os null eram excessivamente tradicionais quanto as comemorações daquela festividade. Mais uma vez a família se reuniria em Viipuri para celebrar e passar algum tempo juntos. Nos anos anteriores, o time quase sempre conseguia um bom intervalo nas festas de fim de ano, dando ao capitão a chance de passar o natal e ano novo em Viipuri. A manhã de natal era uma das coisas favoritas para o capitão, assim como seu aniversário.
Ainda no mercado, enquanto respirava aliviado por ter resolvido a situação com a namorada tão facilmente, e traduzia rótulos simples para null, sugeriu a família uma pequena mudança nas comemorações daquele ano. De modo geral, a família era intimista, ou como Atte gostava de dizer, apenas para implicar, quase como uma seita fechada aos membros. Não haviam terceiras pessoas, namorados, ou outros convidados. Quase sempre tinha sido apenas os cinco, os pais e os três filhos. Algumas vezes, nas comemorações de ano novo, os parentes russos se juntavam a eles, mas não era frequente. Naquele ano null tinha um pedido especial e o fez.
Achou que levaria mais tempo para a mãe responder sobre convidar a nova namorada para participar das comemorações em Viipuri, mas dez minutos depois a confirmação foi recebida. Ainda não sabia como funcionaria, se seria uma boa ideia ou se era a premissa para um grande fracasso, mas não deixaria null sozinha em Lathi ou iria para Viipuri sozinho. Agora, só restava avisar a convidada de que ela teria um compromisso no natal.
– Escute, tenho uma proposta. – null chamou a atenção da inglesa, tossindo para limpar a voz, ele tinha o corpo apoiado ao balcão e expectativa nos olhos.
– Achei que já tínhamos tido a conversa sobre morar juntos. – null o olhou, depois voltou aos seus afazeres, concentrada na organização da geladeira.
– null, você é cruel. – null tocou o peito de modo teatral, fazendo a namorada rir pelo nariz. – Mas não é sobre isso, ainda.
– Então é sobre?
– Você tem planos para as festas de fim de ano? – null arqueou uma sobrancelha, passando as mãos nos cabelos que careciam de um corte.
– Nossa... – null endireitou a postura e uniu as sobrancelhas. – Acreditaria se eu dissesse que me esqueci completamente?
– Acredito, você é meio desalmada. – null brincou, balançando um dedo na direção da namorada enquanto dava a volta ao balcão e se aproximava dela, apoiando o corpo a uma parede próxima a geladeira. – Faz parte do personagem.
– Babaca. – null expirou uma risada.
– Mas e aí, vai para a casa dos seus pais, ou... – null a olhava com expectativa.
– Não, definitivamente não. – Ela riu pelo nariz e cruzou os braços sobre o peito. – Não. Vou ficar em Lathi. No meu bom e muito velho apartamento. – null sorriu. – E tem aqueles meus amigos da Inglaterra, talvez eles venham esse mês. Enfim, não tenho planos. Por que? – null voltou a organizar a geladeira.
– E se por acaso, algum namorado cheio de boas intenções, tiver feito planos para dois? – Sondou incerto, apertando um dos olhos.
– Me conta logo. – null riu, negando com a cabeça, fechou a geladeira e se aproximou do namorado, cruzando os braços sobre o peito.
– Queria que fosse comigo para Viipuri no natal. – null falou após um breve silêncio e de respirar profundamente.
– Está falando de... – null hesitou, maneando a cabeça, rindo nervosamente e apontando para o próprio peito com o dedo indicador. – Está falando de me levar para a casa da sua família no natal, me apresentar para todos eles e...
– É exatamente disso que eu tô falando. – null assentiu, tomando uma das mãos da inglesa e a beijando com suavidade. – Queria que fosse. Queria que estivesse comigo lá. Natal é sempre uma data muito especial, eu... minha família costumamos fazer um jantar, e então na manhã de natal tem os presentes, ficamos juntos... é bom.
– Isso quer dizer que é... – null o olhou, ainda surpresa com o convite.
– Quer dizer o quê? – null franziu o cenho, confuso.
– Que é sério. Que isso é mesmo sério. – Completou ela e null riu, como se ri quando alguma criança pronuncia alguma palavra errada.
– Mas é claro que é sério. Já não era sério para você?
– Era, claro que era. – null respondeu, sacudindo a cabeça, tonta com o convite inesperado. – É que ninguém nunca me apresentou para a família antes. – Confessou, envergonhada e null a beijou.
– Fico honrado de ser o primeiro. – Ele disse contra os lábios dela. – Então você aceita?
– Claro. – null sorriu, olhando o nos olhos. – Vou adorar.
Terça-feira, 14 de dezembro de 2021, Finlândia
Hämeenlinna – Casa do HPK
null null assistia o time brincar com uma bola como forma de aquecimento antes do aquecimento de verdade para o jogo, no gelo. Naquela noite seria fora de casa, e embora a terapeuta não tivesse hábito de viajar com o time, os últimos dias a haviam deixado mais propícia a aceitar aquele tipo de imposição por parte de Petri.
Tudo estava bem, sem sinal de null null, sem sinal de problemas. Estava bem com null, ansiosa e animada com a ideia de conhecer a família do namorado no natal. Tinha passado o dia pensando sobre o que vestir, o que levar de presentes, se devia se oferecer para cozinhar algo. Eram muitas as questões que atravessavam seus pensamentos.
Ao seu lado, sentado sobre alguns degraus, enquanto os amigos jogavam, estava Otto, concentrado em apostar em si mesmo em um site de apostas esportivas. null sorriu, inclinando-se sobre o amigo.
– Você devia dar aulas sobre autoestima e confiança, Ottis. – Brincou, chamando-o pelo apelido.
– Por que eu senti que há uma ofensa nessa frase. – O loiro arqueou uma de suas grossas sobrancelhas sob os olhos pequenos e azuis, olhando a amiga por sobre o ombro, já que ela estava sentada dois degraus acima.
– Porque há. – null riu, sendo empurrada pelo ombro pelo jogador.
Otto continuou suas apostas, enquanto null o observava e ponderava sobre perguntar ou não o que mais lhe causava curiosidade desde o fim de semana. A curiosidade venceu no final.
– Ei, posso perguntar por que você não foi na sauna? – Sondou o amigo. Otto a olhou, expirou entediado e depois voltou seu olhar para o celular.
– Eu tinha coisa melhor para fazer. – Respondeu dando de ombros, após um breve silêncio.
– Então... não tem nada a ver com você não gostar do null? – Continuou a inglesa.
– Não, mas eu não gosto muito dele mesmo. – null arregalou os olhos, inclinando-se um pouco para trás devido a surpresa. – O quê? Não me diga que você cai no papo dele?
– Como assim? Que papo? – A terapeuta inglesa uniu as sobrancelhas, confusa.
– Essa coisa, veja como null é legal. Olhe como ele é divertido. Nossa, que ótimo líder. – Otto imitava vozes diferentes ao dizer cada frase. – Ah, me poupe. Ele é só um valentão de quem todo mundo acha graça.
– Otto. – null o repreendeu. – null não é só um valentão. Não é assim. Todos vocês no hockey tem essa coisa...meio bruta... – null ergueu os ombros, tentando fazer com que o amigo entendesse, mas sem falar mais do que podia. – Mas null é um cara legal, sensível, gentil... assim como você, Santtu, ou Waltteri.
– Está vendo? – Otto apontou. – Vocês todos estão cegos pelos recordes dele. Ele pode ser o melhor jogador da liga, tudo bem, não posso discordar. – O jogador ergueu as mãos, rendido. – Mas eu estudei com ele, e nos últimos três anos da escola ele era só mais um babacão que devia ter exercitado o cérebro em vez de músculos.
– Meu Deus, vocês estudaram juntos? – null cobriu a boca, chocada com a descoberta. – Você, null e Atte? – Ela sorriu empolgada, mas Otto rolou os olhos. – Por que ninguém nunca me disse isso? Por que não é amigo deles? Como Atte e null?
– Porque os dois são dois idiotas, null. – Otto falou, cansado da dificuldade que a amiga tinha para compreende-lo.
– Você vai ter que me explicar melhor, porque não estou entendendo de onde vem toda essa implicância. – null se inclinou na direção do amigo, curiosa.
– Não tem o que falar. – O jogador ficou de pé. – A cabeça de null null é como um coco seco, são iguais em número de neurônios desde o colegial. Ele é superficial, um jogador com idade mental de cinco anos. E não mudou nada desde a época da escola. Ele continua um desses jogadores cheios de testosterona, valentões que saem por aí brigando com todo mundo, mas não sabem resolver uma equação de segundo grau.
– Otto, quanto rancor... – null comentou, surpresa com o relato do amigo. – O que foi? Se desentenderam na época da escola? Olha, o null que eu conheço não é assim.
Otto a olhou nos olhos, mantendo a expressão entediada, depois piscou duas vezes e balançou a cabeça negativamente, fechando os olhos.
– Santtu. – Chamou ele. – Me deixe entrar no seu lugar.
Otto não se importou em falar mais nada, apenas ocupou a posição de Santtu em silêncio, ignorando a expressão boquiaberta de null. E Santtu se sentou sobre os degraus, junto a inglesa, tomando o lugar que antes era de Otto.
– E aí, gatinha. – Cumprimentou ele, passando as mãos nos cabelos desalinhados pelo esforço da brincadeira assim que se sentou ao lado da amiga.
– Olá, querido. – null sorriu, inclinando-se para beijar a bochecha suada do defensor e fazendo careta em seguida, ao sentir o gosto do suor, fazendo Santtu rir com a ação. – Posso fazer uma fofoca?
– Se for te fazer sentir melhor... – Santtu deu de ombros, expirando um riso.
– Sabia que Otto, null e Atte estudaram juntos? – Perguntou, ainda estava pasma e eufórica com a descoberta.
– Estamos em Lathi, não é? – Santtu deu de ombros. – Acho que todo mundo estudou com todo mundo. – null abriu a boca mas não disse nada, a fechou em seguida e expirou frustrada por sua descoberta não parecer relevante ao amigo.
– Ele disse que não gosta mesmo do null. – Continuou a inglesa. – Mas não falou se foi por isso que não foi a sauna.
– Deve ter sido. – Santtu deu de ombros, esticando as pernas, prestando atenção ao jogo dos amigos.
Santtu estava sendo quase o mesmo, mas algo nas respostas curtas do defensor despertavam em null o sentimento de que algo não estava certo. null tentou se lembrar das últimas conversas com o amigo, do que podia ter saído errado, ou o que podia ter dito que pudesse tê-lo ofendido, mas não conseguia se lembrar de nada. Até que uma revelação de null durante o fim de semana a atingiu como um soco. A inglesa respirou fundo antes de abordar o amigo com o assunto.
– Santtu, eu... – O defensor a olhou por sobre o ombro. – Sei que sabe sobre aquela pessoa e eu. – Contou enfim, apertando os lábios, hesitante.
– É, sei. – Confirmou o jogador, sem emoção na voz, voltando a olhar para frente. – Vocês são péssimos mentirosos.
– Me desculpe por mentir... – A inglesa tentou se justificar.
– Eu achei que éramos amigos. Achei que você confiasse em mim. – Santtu girou o corpo para olhá-la, visivelmente mais afetado do que null podia imaginar, e a reação do jogador partiu o coração da terapeuta.
– Mas nós somos, e eu confio muito em você. Você é o meu melhor amigo. – Garantiu null, tentando segurar uma das mãos dele. – Mas é que null e eu achamos que se ninguém, nem nossos amigos mais próximos, soubesse, seria mais seguro.
– Foi ele e o amigo dele quem quase estragou tudo da última vez, não eu. – Santtu acusou chateado, virando-se para frente e apoiando os cotovelos nos joelhos e cruzando as mãos, enquanto olhava para o chão.
– Eu sei. – null assentiu com a cabeça baixa. – Eu sinto muito mesmo. Não queria ter mentido, nem para você, nem para ninguém. Atte e Aleks também acham que estamos separados. – Contou ela. – Eu sei que pode não acreditar, mas a parte mais difícil disso tudo é mentir para os nossos amigos.
Santtu não disse nada, apenas encarou os próprios pés.
– Como você descobriu?
– É sério? – O defensor a olhou com sobrancelhas erguidas. – Vocês não enganam ninguém. Eu já desconfiava, mas queria achar que não estava mentindo para mim. – Alfinetou ele. – Mas quando cheguei lá e vi você, tive certeza. E você mente muito mal.
– Droga. – null mordeu o lábio inferior. – Ouço isso o tempo todo. – A terapeuta olhou para o amigo, ter mentido para a única pessoa que realmente confiava e que sabia de todo seu drama a destruía, mas era um pacto com null, não podia rompê-lo. – Eu realmente sinto muito, não queria ter feito isso, mas as circunstâncias... você sabe o quanto isso tudo é complexo. – Lamentou ela. – Será que você poderia me perdoar?
Santtu a olhou, respirou fundo, depois fechou os olhos, ergueu uma sobrancelha e balançou a cabeça negativamente.
– Tá, tanto faz. – Respondeu, expirando um quase sorriso. – Não é como se eu conseguisse ficar com raiva de você.
null o abraçou com força, sorrindo.
– Juro que agora vou te contar tudo, sem mais segredos. – Prometeu beijando várias vezes a bochecha do defensor.
– Tá, tá legal. – Santtu riu, desvencilhando-se dela. – Mas já chega. Já te perdoei, não precisa desse grude todo. Daqui a pouco, vão achar que seu namorado misterioso sou eu.
null o soltou, ainda sorrindo, enquanto o jogador ficava de pé, e com um sinal Santtu pediu para voltar a jogar, e assim fez.
null voltou a ficar sozinha, apenas assistindo. Era bom, um alívio, fazer as pazes com o amigo, e mais que isso, saber que poderia voltar a desabafar com Santtu, que não precisaria mentir mais. Santtu era uma pessoa incrível, e uma das que null mais se orgulhava em ter conhecido. E embora o amigo não tivesse dado importância à sua descoberta, mal podia esperar para perguntar a null sobre o assunto. Algo provavelmente devia ter acontecido para que Otto nutrisse um ranço tão forte pelo capitão.
Enquanto isso, o time se divertia dando toques de cabeça na bola, passando de um para o outro, até que alguém não conseguisse dominar a bola e fosse eliminado. Era animado, os jogadores riam alto, implicavam uns com os outros, reclamavam quando eram eliminados, e tentavam boicotar os amigos que recebiam a bola. Era bom de se ver.
Tudo permanecia na tenra paz, até que o cara novo, Mankinen, se juntasse a eles. Mankinen, não estava participando do jogo, e veio correndo de onde quer que estivesse antes, direto ao encontro de Santtu. Willy Mankinen sussurrou algo aos ouvidos do defensor, que mudou de expressão rapidamente. Logo Santtu veio ao encontro de null, com expressão alarmada.
– null, você precisa vir comigo. – Intimou-a puxando pela mão, sem que o resto do time ou a inglesa entendesse o que estava se passando.
Terça-feira, 14 de dezembro de 2021, Finlândia
Hämeenlinna – Casa do HPK
O time estava se preparando para o jogo da noite. Seria fora de casa, em Hämeenlinna, a arena deles ficava a cerca de uma hora da Isku Areena. Enfrentariam o HPK, o time não estava tão bem classificado quanto os visitantes, mas costumavam jogar duro ao enfrentar times mais bem preparados. Era para esse cenário que Petri havia preparado seus jogadores. Para um jogo pesado, com grandes chances de uma zona de ataque congestionada e travada e previsão de brigas por todos os três tempos.
Embora tivesse viajado com o time e treinado no dia anterior, Atte Tolvanen estaria fora naquela noite. O reserva Jasper Patrikainen seria responsável por defender as redes contra a equipe laranja. Atte tinha relatado dores na coxa durante o aquecimento, e o departamento médico resolveu por poupar o goleiro até que fossem capazes de identificar o que o incomodava.
Estavam no vestiário, sentados Atte, null, Willy Mankinen e mais alguns, enquanto outros tomavam banhos e outros ainda se aqueciam com um futebol improvisado. null se entretinha em trocar mensagens com a mãe sobre preparativos para o natal. Ela tinha dezenas de ideias e queria compartilhar todas elas com o filho, fosse dia ou noite. Atte estava ao lado do capitão, vez ou outra bufava, atirava ao chão as meias ou equipamentos de proteção, demonstrando sua frustração por estar fora do jogo. null estava escolhendo ignorar, fingir não notar. Às vezes olhava o amigo de soslaio, mas não sentia ânimo para puxar assunto, nem para consolá-lo, mesmo que no fundo se sentisse mal por isso.
– Que droga. – Atte começou a se expressar em voz alta.
– É só um jogo, Atte. – null falou entediado, sem afastar o olhar do celular. – Amanhã você faz os exames e não deve nem perder o próximo.
– É fácil para você falar. – Resmungou o goleiro.
– Claro, é muito. – null ironizou rindo com sarcasmo. – Vindo de alguém que acabou de voltar de uma lesão de mais de um mês de afastamento.
– E o que tem a ver? Só porque você ficou afastado mais tempo, eu não posso ficar frustrado. – Atte se voltou para o amigo, se sentindo injustiçado.
– Para de distorcer o que eu falo. – null rolou os olhos e expirou entediado.
– Não, pare com isso você. – Atte ficou de pé. – O seu drama sempre é pior. Fica por aí minimizando tudo só porque não é com você.
– Eu não faço isso. – null se recostou a parede e encarou o amigo com expressão despreocupada. – Mas foi mal, Atte, dá próxima vez te compro um chocolate.
– Você é um babaca. – O goleiro expirou incrédulo. – Não sei como eu consigo ser seu amigo. – Tolvanen deu as costas para o capitão, que permaneceu sentado.
– Me pergunto o mesmo, traíra. – null resmungou baixo, voltando a olhar para o celular.
– O quê? O que você disse? – Atte deu meia-volta ou ouvir o resmungo do amigo. – Você me chamou de quê?
– Se você ouviu, você ouviu. – null deu de ombros, mas não olhou para o goleiro.
– Você me chamou de quê? – Atte se irritou ainda mais com a postura do central e capitão, aproximando-se dele novamente, enquanto null continuava sentado.
– Engraçado... – null continuou com modo calmo de falar, como se não se importasse com a situação. – Pra alguém que gosta de fazer coisas pelas costas, você até que não ouve muito bem.
– Você ficou maluco de vez, não é? – Atte continuava incitando o central. – Só pode ser isso.
– Vai pro chuveiro, Atte... – null expirou com tédio, voltando sua atenção para o celular. – Para de encher o saco.
– Qual é o seu problema? – Atte empurrou o ombro de null, fazendo o capitão se afastar do celular e ficar de pé. – Qual é o seu problema?
null ficou de pé em um salto, encarando o amigo, enraivecido, estavam bem perto, o rosto de Atte muito perto ao de null, e peito de um encostava no peito do outro. Ao redor, os jogadores que ainda estavam no vestiário começaram a se alarmar. Alguns se aproximaram um pouco, curiosos, enquanto outros assistiam como se fosse uma discussão no gelo, ignorando o fato de que aquele lugar talvez estivesse prestes a explodir.
– Meu problema é você, Atte. – null enfim começou a falar, perdendo seu tom calmo e despreocupado, empurrando Atte a cada frase. – Meu problema é você dormindo com a minha irmã pelas minhas costas. – Acusou, empurrando outra vez, mas não com força o suficiente para que o goleiro caísse. – Pelas minhas costas. Com a minha irmã! Na minha casa!
– Não sei do que você tá falando. – Atte arregalou um pouco os olhos, e negou.
– Ah, qual é?! – null riu sem humor, afastando-se do goleiro e olhando para o teto. – Eu sou algum otário? – Perguntou de modo retórico. – Sou meio burro, mas não idiota. Mas demorei para descobrir, não é? Afinal, faz quanto tempo que está dormindo com a minha irmã? – null o empurrou outra vez.
– Não é bem assim. – Atte tentou argumentar. – Não tem nada a ver.
– É sério? Vai continuar mentindo?
– Não estou. – Atte ergueu as mãos, rendido. – Mas não é assim. Você não é o marido traído.
– Eu só te pedi a droga de uma coisa. – null se aproximou do goleiro outra vez, com o dedo indicador erguido. – Só te pedi uma coisa, em nome da nossa amizade. A porra de uma coisa.
– Eu sei! Eu sei! Tá legal? – Atte falava alto, mas então suspirou e seu tom voltou ao de sempre. – Eu sei. Eu sei disso. Mas...
null riu sarcasticamente, negando com a cabeça, olhando para o amigo com fúria e magoa.
– Tem coisas que não dá para evitar. – Completou o goleiro após um longo suspiro.
O capitão encarou Atte com olhar incrédulo e ainda magoado, mas antes que tivesse chance de responder ou fazer qualquer coisa, foi surpreendido pela chegada de um pequeno grupo. Santtu, Willy Mankinen, Otto Nieminen, Waltteri Merelä e null. O resto do vestiário estava em completo silêncio, afastados nos cantos, mas null e Atte estavam no centro, com respirações ofegantes, se encarando com péssimas expressões.
– Tudo bem por aqui? – Perguntou a terapeuta, aproximando-se dos dois no meio do vestiário, colocando-se entre eles, com as mãos espalmadas.
– Tudo. – Atte respondeu e null apenas baixou a cabeça.
– Tem um jogo logo, então... é melhor vocês ficarem tranquilos e concentrados. – Aconselhou a inglesa, que tinha escutado parte da discussão pelo corredor enquanto corriam até o vestiário. – Que tal um banho? Se preparar? – Sugeriu, olhando para os dois, mas apenas Atte a olhava.
Depois de um silêncio tenso e estranho, os dois se afastaram, null puxou uma toalha e foi para chuveiro sem olhar ou falar com ninguém, enquanto Atte se sentava em um dos bancos no vestiário, e o resto dos jogadores fingiam estar dispersos ao redor, futucando nos armários.
– Quer conversar? – null sondou, sentando-se ao lado do goleiro.
– Não. – Respondeu ele e ela assentiu.
– Consegui ouvir um pouco da discussão pelo corredor. – Contou a terapeuta. – Acho que quase todo mundo ouviu. Sinto muito que esteja sendo assim. – null ficou de pé e tocou o ombro do jogador, o olhando nos olhos. – Sinto mesmo.
null deu as costas a Atte, afastando-se.
– Ei, null. – O goleiro a chamou, fazendo com que ela girasse em seu próprio eixo para vê-lo. – O que você sabe sobre isso?
– Só sei que é complicado. – null ergueu os ombros e apertou os lábios em um sorriso empático. – Muito complicado.
Terça-feira, 14 de dezembro de 2021, Finlândia
Hämeenlinna – Casa do HPK
null null, o capitão, recebeu de Aleks Haatanen e conduziu o disco rapidamente até a saída da zona defensiva do time de Lathi. null se viu perto demais de um dos defensores do time rival, teve tempo suficiente para lançar o disco para Topi Jaakola, um dos defensores do Pelicans, antes que fosse empurrado com violência contra a proteção, causando um grande estrondo e fazendo com que os fãs que acompanhavam o jogo junto a proteção recuassem com o susto. null acompanhou com o olhar Topi passar o disco para Waltteri Merelä, que o conduziu, cercado por três jogadores rivais até o final da zona neutra.
Ao entrar na zona ofensiva, Merelä encontrou Topi à sua direita, um pouco adiantado e sozinho, à sua esquerda estava avançando o central do time rival, e ao lado dele, null. Aleks deu um tiro certeiro na direção de Topi, que recebeu bem o disco e avançou a toda velocidade em direção ao gol. O defensor era seguido de perto por todo time rival, mas nada foi suficiente para impedir o tiro único e certeiro do jogador finlandês, que acabava de marcar um short-handed. Ponto para os Pelicans. null null estava preso com seu taco engatado no de um jogador defensivo rival, mas assim que o capitão viu o gol, se desvencilhou e foi comemorar com o time, com abraços e discurso motivacional. O time visitante marcava enfim o primeiro ponto, no segundo período.
Enquanto a arbitragem se preparava para o novo faceoff para que a partida recomeçasse, a linha dos Pelicans era trocada. Mankinen, Miika Roine e Janos Hari assumiam o ataque.
Dez minutos era o tempo que faltava para o fim do terceiro período. O único ponto marcado naquela noite havia sido de Topi Jaakola, o defensor havia aberto o placar nos primeiros cinco minutos do segundo período. Depois disso, o jogo havia seguido como fora o primeiro tempo, até o terceiro. Os donos da casa trancavam todas as portas, era quase impossível ultrapassar a defesa, e mais difícil ainda vazar o goleiro. Os tiros a gol de null e os outros pareciam sempre achar outro caminho. Estavam vencendo o jogo por um quase milagre, mas mesmo assim, os comentários na torcida e na narração era de que faltava vida e ânimo ao time de Lathi. Waltteri Merelä estava inclinando para frente, segurando o taco com firmeza, olhos no árbitro prestes a lançar o disco, preparado para uma resposta motora rápida e eficiente. O disco mal tocara o gelo, num movimento ágil, Waltteri o direcionou para Janos Hari, que esperava mais atrás. Hari tentou levar o disco até o canto esquerdo do gelo, na zona neutra, mantendo a posse, mas fora espremido contra a proteção por três jogadores rivais, até que Santtu enfiasse seu taco entre eles e conseguisse puxar o disco. O defensor guiou o disco por uma grande extensão, passando por trás do goleiro e escapando de um encontrão bruto com outro jogador que tinha como objetivo lança-lo contra a proteção. Os movimentos precisavam ser rápidos e calculados, precisava desviar da fúria dos jogadores rivais enquanto encontrava um companheiro livre.
Ao redor do goleiro estava uma confusão pelo lado direito, todos os dez jogadores de linha estavam aglomerados ali, se acertando com seus tacos, cercando Santtu. Mas um pouco atrás, pela esquerda, Waltteri estava livre e fora do campo de visão do goleiro e dos jogadores rivais. Santtu usou toda destreza que tinha para passar o disco para o ala, mesmo sendo jogado contra a proteção no ato. Waltteri recebeu e com apenas um movimento, atirou o disco mirando o fundo da rede. Era uma jogada sem chance de defesa para goleiros comuns, mas aquele goleiro não era comum. Ao contrário, estava muito longe de ser comum, e parecia jogar o jogo de sua vida. O goleiro interceptou o disco usando um dos pés, milagrosamente.
Waltteri caiu de joelhos atrás da trave, derrotado, encarando o gelo, cansado. Faltavam segundos para o fim do tempo, e o faceoff foi cobrado, e no segundo toque o cronometro zerou. Fim de jogo, uma vitória amarga para o Pelicans.
– Era melhor terem ficado em casa. – Petri resmungou enquanto saia do banco, null estava próxima a ele e o ouviu. – Que vergonha.
– A defesa deles era boa, não foi tão perdido assim. – null tentou trazer algum comentário positivo ao treinador rabugento.
– Por favor, null, você assistiu ao mesmo jogo que eu? – Petri estava nervoso, passava as mãos pelo cabelo e suava mais que o normal. – Eles estavam se arrastando. null está se arrastando.
– Bom, o pré-jogo foi complicado, como sabe, Atte e null tiveram um desentendimento. Essas coisas... – null ergueu as sobrancelhas e encarou os pés. – Afeta o emocional...
– Emoções e sentimentos de novo, null? – Petri a interrompeu, rolando os olhos. – Eles são jogadores de hockey, não menininhas brigando no banheiro da escola. Se brigaram no vestiário, deviam ter entrado com mais ganas ainda. Principalmente o seu capitão, que está no gelo hoje.
null parou onde estava, surpresa com a resposta do técnico.
Não tinha participado da conversa de Petri com null e Atte após o desentendimento entre eles, nem contado a Petri a respeito. Achou melhor sair de cena, ir para o mais longe possível, precisava organizar os pensamentos se quisesse agir com profissionalismo no momento, e também para evitar que a discussão acalorada respingasse na sua figura.
Notando que a inglesa não mais o seguia, Petri girou o corpo, percebendo null parada no corredor, o olhando com expressão incrédula.
– Ah, vamos, null... – O treinador se aproximou dela novamente e com uma das mãos nas costas, na altura dos ombros da inglesa, ele passou a guia-la pelo corredor. – É só uma briga. Não é a primeira briga porque alguém dormiu com a irmã, filha ou esposa de alguém. Aqui não é a Inglaterra, isso não é futebol.
– Você suspendeu Aleks por brigar da última vez. – Lembrou null, ainda mais chocada.
– É, foi. – Assentiu Petri. – Mas porque ninguém quis me contar o motivo daquela confusão, e quando eu soube... foi coisa de mulherzinha. Tentar envenenar o capitão com chocolate. – Petri parecia realmente não dar importância para o acontecimento, além disso, não demonstrava se importar com a série de comentários machistas e misóginos que havia feito desde que deixaram o gelo. – Hoje, isso foi como uma briga de bar. Você dorme com a minha irmã, eu quebro seus dentes e amanhã durmo com a sua. E eles nem chegaram as vias de fato. – O treinador deu de ombros.
– Dois atletas tiveram uma discussão séria no vestiário, independente do motivo, isso é relevante. – null falou outra vez, com seriedade. – Não é o clube do macho alfa. É um time de hockey profissional.
– Sabe, null... – Petri parou de falar e a olhou nos olhos, tocando um dos ombros da terapeuta. – Você é boa, gosto de você. Simpatizo, é verdade. – Ele sorriu. – Mas seria mais fácil se você fosse um homem. Existem certas coisas nos esportes que... – Petri ergueu uma das mãos e esfregou os dedos, como se aquele gesto significasse sua dificuldade em encontrar a palavra que queria. – Uma mulher nunca vai entender.
Ao dizer aquilo, Petri se afastou, deixando null em choque no corredor, tão atordoada que nem mesmo conseguia pensar em uma resposta à altura.
Terça-feira, 14 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Casa dos null
– Vou mandar os papéis para você, assim você consegue resolver tudo sem interromper as férias. – Antti, o preparador, amigo e braço direito de null null falou ao telefone.
– Isso seria ótimo. – null agradeceu sorrindo, enquanto puxava a cortina, admirando a frente da casa, coberta de neve. – Acabei de chegar e ainda tenho muito o que fazer aqui em Lathi.
– Estou ciente. – Antti concordou. – Está se lembrando das reuniões com o time?
– Sim. – O piloto voltou seu olhar para a TV ligada. – Estava assistindo a um jogo nesse momento, mas acabou de acabar. – Contou ele. – Era fora de casa, mas no próximo devo ir assistir na arena.
– Você encontrou por aí aquela pessoa? A funcionária. – Antti quis saber, o preparador tinha tido inimizade gratuita com a terapeuta inglesa.
– null null. – null riu, jogando-se no sofá, vendo o time deixar o gelo. – Tive o prazer de reencontrá-la. – Contou.
– Prazer? – Antti estranhou. – Não me diga que ela aprontou alguma outra vez.
– Não. – Mentiu o piloto, deixando fora da história a parte sobre ela estar aparentemente namorando o capitão do time. – Encontrei em um mercado. Nada demais.
– Tenho que ficar de olho nela. – Antti suspirou. – Quando for para Lathi, vou conversar com a equipe do time, ver se ela está se encaixando, mesmo com aquela personalidade horrorosa.
– Não seja tão azedo, Antti. – null pediu, achando graça no comportamento do amigo.
– Eu preciso desligar, mas antes de ir. – Lembrou o preparador físico. – Tiffany tem uma prova de ciclismo nas próximas semanas. Para quando eu devo marcar seu voo?
– Não deve.
– Como? – Estranhou o outro.
– Não vou embora agora.
– null? Mas você sempre a acompanha nas provas, o que aconteceu? – Quis saber, curioso.
– Nada demais. – null respondeu ao mesmo tempo em que via a figura de null surgir na tela, deixando o gelo. – Eu acho que vou ficar em Lathi por uma temporada maior dessa vez. – Sorriu o piloto. – Bem maior.
Delfino
Delfino: Seu nome vem do grego "dolphin", que significa golfinho, em referência ao formato de seus botões. Simboliza leveza, amor, afeição, apego e coração aberto.
Terça-feira, 14 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Casa de null null
null entrou em casa chutando a porta, jogou a bolsa grande que costumava levar para o trabalho em qualquer canto no hall de entrada, chutou as botas para longe e largou o casaco de qualquer maneira sobre um pequeno banco que estava por perto. Estava irada com o treinador. Imaginava que encontraria machismo e misoginia no time, principalmente se tratando de um país do leste Europeu, mas isso não fazia com que cada experiência não a irritasse profundamente.
Ouvir de Petri que seria melhor se fosse homem, principalmente em uma situação como aquela, a fazia repensar trabalhar com o treinador. E ainda nem tinha tido tempo para elaborar a situação entre null e Atte. Só conseguia pensar em formas cruéis e nada agradáveis de ensinar ao treinador algumas lições sobre a sociedade patriarcal em que viviam e sobre machismo.
A inglesa teve tempo apenas de se servir de um copo de água gelada até que a campainha tocasse. null respirou fundo e rolou os olhos, pronta para xingar quem quer que estivesse do outro lado, tocando a campainha impacientemente em um momento daqueles, tarde da noite. A terapeuta se arrastou até a porta, abriu uma, depois a outra, dando de cara com null. O central tinha uma das mãos apoiadas ao batente e cabeça baixa, a bolsa de treinos estava pendurada nos ombros, e o terno que vestia não parecia mais tão alinhado ao corpo do jogador quanto no início do dia.
– O que está fazendo aí? – null questionou, sem paciência, puxando-o para dentro sem muita delicadeza. – Quer ser visto pelo Mankinen?
– Eu não tô nem aí. – null suspirou de cabeça baixa, dando de ombros derrotado.
– O que você está fazendo aqui? – A inglesa cruzou os braços sobre o peito, analisando o namorado.
– Vim dormir. – Respondeu ele, com uma simplicidade quase infantil.
null expirou e baixou os ombros, não sabia o que dizer, nem sabia como se sentia a respeito do que havia acontecido. null tinha os cabelos molhados, provavelmente graças ao banho pós-jogo, havia um hematoma pequeno próximo ao seu olho esquerdo, graças ao jogo puxado daquela noite. E conhecendo o namorado, imaginava que ele estava péssimo, com todos os seus papéis se atravessando e lhe causando intensa culpa. E que era provável que a coisa que o capitão mais quisesse evitar naquele momento, era voltar para a casa.
– Vem, vamos. – Cedeu a inglesa, guiando-o pelo ombro, pelo pequeno corredor do hall de entrada. – Você está péssimo.
– Não me diga. – null ironizou, rolando os olhos.
O jogador imitou a namorada, deixando a bolsa junto a dela e arrancando o tênis e casaco de qualquer jeito.
– Com fome? – null perguntou, apoiando-se com braços cruzados a parede.
– Não. – Negou ele, começando a tirar o resto das roupas que usava, começando pela gravata torta, depois o paletó e camisa, enquanto se dirigia ao quarto da terapeuta. – Só quero um banho quente e dormir com você.
Depois de também tomar seu banho, null estava deitada, a luz do abajur a ajudava a ler mais algumas páginas de um livro, até que o namorado saísse do banho e viesse se deitar também. O banho de null fora mais longo que o habitual, mas logo ele estava deixando o corpo cair na cama ao lado da namorada. Não tinha se dado ao trabalho de se vestir, estava nu, cheirando a sabonete e ao xampu caro de null, enquanto a inglesa vestia um conjunto de lã, quentinho e confortável.
null ficou em silêncio, olhos abertos encarando o teto, com as mãos cruzadas sobre a barriga. null fingiu não ter notado, continuou lendo seu livro, estava em uma parte empolgante sobre o casal principal.
– Você não vai falar nada sobre hoje? – null perguntou de repente.
– Você quer que eu fale? – Devolveu a inglesa, sem afastar os olhos do livro. – Acho que já está se sentindo mal o suficiente. Melhor conversarmos amanhã.
null não respondeu, continuou encarando o teto por mais algum tempo, até se ajeitar na cama, enfiando-se debaixo dos cobertores, deitando-se de lado e encarando a namorada.
– Você vai ficar lendo até quando? – Ele quis saber.
null respirou fundo e enfim afastou o livro, deixando-o na mesa de cabeceira, deixou o corpo escorrer até se deitar na cama.
– Você quer conversar comigo? – Perguntou ela, deitando-se de lado, olhando para o rosto do capitão, que tinha olhar vazio e mãos unidas, apoiando o rosto.
– Não sei. – null deu de ombros. – Mas você não quer falar nada mesmo? Não tem nada para falar?
– Não sei se seria uma boa ideia ou se só te faria sentir pior. – null ponderou, levando uma das mãos ao rosto dele, afagando aa bochecha e depois a nuca do jogador. – Consigo ver pelo seu olhar que não está bem. – A inglesa apertou os lábios em um sorriso fechado. – Não sei se vai ajudar eu falar alguma coisa também, mas se quiser falar, eu te escuto.
– As coisas saíram do controle. – Contou null num fio de voz depois de algum tempo em silêncio, apenas aproveitando o carinho da namorada.
– Sempre saem, não é? – null tentou ser dócil, mas achou ter falhado. – Precisa aprender a controlar a sua raiva e seus impulsos, não a vida da sua irmã. Inessa já sabe?
– Não sei. – null deu de ombros outra vez e fechou os olhos.
– Por isso não foi para casa?
– Não. – null ergueu o olhar para a namorada. – Vim pra cá porque queria ficar com você.
null ficou em silêncio, olhando o capitão, que por sua vez também tinha os olhos em sua direção, embora não parecesse a estar vendo. Detestava a versão agressiva, impulsiva, ciumenta e pavio curto de null. Principalmente porque a ressaca moral que atingia o namorado não era nada agradável, sabia o quanto o central se incomodava com aquilo, com as posturas que assumia. Além disso, por mais que repudiasse o comportamento do namorado e até se assustasse um pouco com aquele tipo de atitude, naquela noite não conseguia sentir raiva dele.
Entendia o tamanho do problema, mas não queria ser a pessoa a dar a lição de moral, a convencer null de que aquele comportamento era vergonhoso e não devia existir. Estava cansada, queria paz, também não tinha um filho com aquela idade e não tinha intenção de ensinar sobre controle emocional ao filho da senhora null.
– Vem aqui, chega mais perto. – Chamou null se ajeitando na cama, atraindo a atenção de null, que logo se aconchegou no abraço da namorada. – Você tem coração bom, gentileza e doçura, mas faz muita besteira por ser impulsivo. – Disse, beijando-lhe demoradamente a lateral da cabeça, enquanto sentia o namorado a abraçar mais forte. – Mas está tudo bem. Vai ficar tudo bem. É só mais um dia ruim, e é como naquela música do Kanye West, mesmo se não estiver pronto para o dia, não pode ser noite para sempre. Amanhã cuidamos disso.
– Não sei. – Respondeu ele em um sussurro. – Acho que ferrei tudo dessa vez.
– Não, sempre há tempo de consertar. – Falou a terapeuta. – Petri não se importou muito com isso, então é um problema a menos. Vai dar certo. E eu vou estar com você, mesmo não concordando muito com seus ciúmes.
– Eu sou um idiota. – Lamentou ele, afundando o rosto no colo da inglesa.
– Admitir já é um passo dado. – null usou uma das mãos para erguer o rosto do namorado em sua direção. – Só não faça mais isso. Odeio esse seu comportamento. Mas também odeio te ver assim, nesse estado, e machucado. – Falou, tocando com cuidado o rosto dele. – E não é para mim que precisa admitir isso, é para sua irmã.
null assentiu com a cabeça e logo voltou a esconder o rosto no peito da terapeuta inglesa, mas não antes que null pudesse notar os olhos úmidos do jogador e uma pequena lágrima que escapava do canto de um dos olhos, timidamente. Era a segunda vez que a inglesa via o capitão chorar, e assim como da primeira vez, o ver chorando era dilacerante.
– Vai ficar tudo bem, amor. – null garantiu, beijando-o novamente na cabeça. – Amanhã vamos resolver tudo isso. Para tudo se tem um jeito.
null não respondeu, mas null sentia pela respiração dele e pelo modo com que as costas do jogador se moviam, e também por sentir as pequenas gotas escorrerem por sua pele, que ele chorava. Achou que tentar incentivar a liberação da emoção ou encorajá-lo poderia o fazer sentir exposto, e que segurasse ainda mais seus sentimentos, então fingiu não notar. Parte sua até gostava que ele estivesse sendo vulnerável, se permitindo chorar, não escondendo dela seus sentimentos ou seu sofrimento. Sabia que se null não fosse acolhido por ela, provavelmente não seria por ninguém, porque não se permitiria ser apoiado por ninguém daquela maneira.
Ele não gostava de ser frágil, de se mostrar frágil, e talvez as únicas outras pessoas para quem ele conseguia se revelar, fossem justamente Atte e a irmã. Era bom vê-lo deixar sua casca de lado, mesmo que doesse nela o sofrimento do jogador por não conseguir entender seus sentimentos.
Outra parte da terapeuta inglesa sentia grande vontade de sacudir o namorado e lhe dizer algumas verdades. Dizer sobre como o comportamento ciumento era idiota, sobre como aquela postura era infantil e estúpida. Sobre como ele devia ser profissional e não se deixar ceder pelos impulsos daquela masculinidade torta que os homens daquele lugar pareciam ostentar. Mas havia uma terceira parte, uma parte que tinha vontade de abraçar null e protege-lo do mundo. Conhecia o jogador, sabia que ele não era uma má pessoa, ou alguém violento por natureza. Ao contrário, null tinha natureza e temperamento calmo, doce e carinhoso, protetor. Sabia que no fundo tudo aquilo era insegurança e seu senso de proteção pela irmã falando mais alto e reagindo do modo que fora ensinado, com a violência masculina alimentada por anos de machismo e masculinidade tóxica.
Tinha vontade de intervir, protege-lo de tudo e todos, mas sabia que não podia. Conhecia o meio russo, meio mexicano bem o suficiente para não o crucificar por aquelas coisas, mas null precisava lidar com aquilo sozinho. Sempre tivera tendência de querer salvar o mundo, trazer paz e acalento para todos com quem convivia, chegou até a acreditar piamente que era responsável pela felicidade dos pais. Foram anos de terapia até que se curasse daquilo, não podia se permitir regredir agora. Por isso fazia o que lhe cabia, enquanto null parecia ainda chorar, a abraçando forte, null o abraçava de volta, afagando seus cabelos, tentando dar contorno ao namorado num momento de tristeza, mostrando que estava ali para apoiá-lo.
Quarta-feira, 15 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Casa de null null
null sentiu que já havia amanhecido quando, mesmo de olhos fechados, percebeu o quarto um pouco mais claro. Se virou na cama, para o lado onde null costumava dormir, mas ela não estava ali. Seu lugar estava vazio e frio entre os cobertores remexidos. O central se virou outra vez, mas para o seu lado, tentando alcançar o celular na mesa de cabeceira. Passava de oito e meia da manhã, nenhum sinal da namorada ou do despertador musical dela. null fechou os olhos e afundou o rosto no travesseiro, ainda sentia o corpo um pouco dolorido pela partida da noite passada, além de uma doída ressaca moral por suas últimas atitudes com o melhor amigo.
Os pensamentos negativos causados pela ansiedade foram a primeira coisa a atingir o central quando ele abriu os olhos. A mente em turbilhão, pensando várias coisas, lembrando-se de várias coisas.
– Bom dia, Rakkaani. – null o saudou assim que entrou no quarto com uma bandeja de café da manhã nas mãos, acendendo as luzes, vestindo uma das camisetas do namorado, de cabelos soltos e desalinhados e um grande sorriso no rosto.
– Café na cama? – null riu entredentes, afastando o rosto travesseiro, mas apoiando a cabeça nele e assistindo a namorada se aproximar, ainda deitado de bruços.
– É. – null sorriu empolgada. – Não é romântico?
– Muito. – Ele reforçou, erguendo as sobrancelhas e se sentando, apoiando as costas a cabeceira, quando ela também se sentou, colocando a badeja no meio deles. – Mas não estou merecendo.
– Você arrumou um problemão com o seu melhor amigo e sua irmã, e talvez com o time. – null listou enquanto roubava e mordia um morango dos que tinha trago para o namorado. – Eu repudio veementemente o que você fez? Sim. – A inglesa se inclinou, aproximando-se dele e roubando um beijo. – Mas estamos bem e estamos juntos. Vamos superar essa confusão toda, como sempre superamos. – null sorriu.
– Você é a melhor coisa da minha vida. – null sorriu, fazendo com que a inglesa sorrisse de volta e piscasse, para só depois, enfim, colocar os olhos sobre a bandeja.
Duas xícaras de café, um copo grande de leite, iogurte com calda vermelha, morangos, e até algumas tortas da Carélia. Tudo organizado com cuidado, e um pequeno ramo de alecrim elegantemente ajudava a compor a bandeja.
– Tenho que confessar que fiquei com medo de você me expulsar daqui ontem. – null admitiu, servindo-se com o copo de leite, depois de um longo gole o central passou a língua sobre o lábio superior, encarando a parede de forma contemplativa. – Depois do que aconteceu...
– Achei que já me conhecia o suficiente para saber que eu nunca expulsaria você daqui. – null sorriu fechado, inclinando a cabeça sobre o ombro. – E também, eu estava com tantas coisas maiores na cabeça. – A inglesa suspirou, falando sem pensar, ainda comendo seu morango despreocupadamente, fazendo o namorado a olhar com sobrancelhas juntas.
– O que aconteceu?
– Nada demais. – Desconversou a inglesa, mas null maneou a cabeça, ostentando o olhar que dizia que não aceitaria aquela resposta. – Não foi nada mesmo, só me desentendi com Petri. – Contou depois de rolar os olhos e expirar contrariada.
– Como? Quando? – Quis saber o capitão, confuso com os acontecimentos da noite passada.
– Porque ele não deu a mínima por você e o Atte terem tido aquela questão no vestiário antes do jogo. – Explicou encarando o namorado, tentando imaginar sua reação. null riu, depois inclinou e balançou negativamente a cabeça, ainda rindo.
– Você está do meu lado ou contra mim?
– Viu? É por isso que não gosto de falar de trabalho com você. – null apontou, pegando uma das xícaras de café da bandeja e tomando um gole.
– Falar comigo é o problema... – null ironizou e expirou um riso fraco.
– Já brigou com seu melhor amigo, provavelmente sua irmã está te esperando com um machado em casa, quer mesmo brigar comigo também? – null arqueou uma sobrancelha, mas o jogador não respondeu. – E nesse caso, eu tinha razão, como quase sempre. Questionei a seriedade do que aconteceu, porque da última vez ele suspendeu o Aleks e dessa vez só deu alguns gritos. – A terapeuta pareceu conseguir atrair a atenção do namorado para si. – E aí ele começou a ser machista, dizendo que eu não entendia porque era mulher, e que até gostava de mim, mas que se eu fosse um homem, seria melhor.
– Bom saber que eu não fui o único babaca ontem. – null falou, pegando um morango e o enfiando inteiro na boca, depois deu outro gole no copo de leite. – O que você fez?
– Petri é sempre um idiota. Nem você em seus momentos consegue superar. – Alfinetou null, arqueando uma sobrancelha e o namorado franziu os lábios, a direcionando um olhar atravessado.
– Por que ele ia suspender o Atte? Ele já estava fora. – null deu de ombros, pensando sobre o que a namorada tinha contado. – E eu... acho que ele não tinha como explicar me deixar fora. – null coçou o queixo.
– Ou ele é um babaca, que não tem controle sobre o time, nem a mínima noção sobre o que está acontecendo. Além é claro, de ser um machista. – null acusou irritada. – Não consigo entender alguém ter esse tipo de postura hoje em dia.
– Ele tem controle do time, claro que tem. – null discordou. – Ele só não ligou muito. Não é a primeira briga no vestiário, é que você é nova na área.
null encarou o namorado com olhar incrédulo e entediado ao mesmo tempo.
– Vocês deviam estar em um circo. Ou em um ringue. – null murmurou, sentando-se ao lado do namorado, apoiando-se a cabeceira da cama. – Escolheu o emprego errado.
– Talvez seja a hora de eu arrumar um outro trabalho mesmo. – null suspirou. – Mudar de país, de nome...
– Não muda nada se você continuar se envolvendo em confusões, sem conseguir controlar os impulsos. – null deu de ombros. – O natal tem tudo para ser agradabilíssimo. – Ironizou a inglesa, e o namorado fechou os olhos, recostando a cabeça na cabeceira.
– Minha mãe... – Suspirou ele, chateado. – Meus pais vão me matar.
– Se Inessa não fizer antes. – Completou null, atraindo o olhar do jogador. – E eu dou razão a ela. Se meu irmão atrapalhasse meu relacionamento com você por não aceitar que seja você a minha pessoa, eu nunca mais falaria com ele. – null exagerou um pouco, na tentativa de causar algum impacto.
– Não foi só por isso. – null suspirou, passando as mãos pelo cabelo depois de pousar o copo de leite, agora vazio, na bandeja. – Ele estava bravo, e eu acho que também estava mais chateado do que achei que estivesse. Atte começou a falar que eu só me importo com os meus problemas, me provocou...
– Sabe, não consigo imaginar o Atte te provocando. Nem falando algo assim, sobre você só se importar com os seus sentimentos de forma gratuita.
– Eu sou esquentado, não mentiroso. – null dirigiu a namorada um olhar endurecido.
– Tá bem, isso nem mesmo vem ao caso. – null deu de ombros, pousando sua xícara na badeja também. – Como você quer resolver isso? – Perguntou, esticando uma das mãos e afagando a nuca do namorado.
– Não tenho ideia. – null respondeu com sinceridade. – Tô realmente pensando em fugir do país.
– Amor, não... – null expirou um riso empático. – Por que não tenta procurar o Atte e conversar com ele? E depois você encontra sua irmã e conversa com ela? – Sugeriu. – Se tudo correr bem, seus pais nem vão precisar ficar sabendo.
– Não tô muito afim de falar com Atte... pedir desculpas, sendo que ele quem vacilou.
– Quem disse que você vai até lá pedir desculpas. – null o interrompeu, atraindo o olhar do namorado. – Mas vocês são melhores amigos, e a amizade é maior do que esse desentendimento. Aposto.
O capitão expirou, deixando que o corpo pendesse e encostando a cabeça nos ombros da inglesa.
– Sua irmã deve gostar dele, para continuar se encontrando mesmo sabendo que você não queria que ela fizesse. – null continuou. – Por que não deixa ela cuidar da própria vida? É uma adulta, aposto que ela dá conta.
null não respondeu outra vez.
– Vem, vamos. – null chamou, empurrando-o para longe. – Vamos. Vou com você. Vamos até a casa do Atte.
– Agora? – null reclamou, deitando-se e cobrindo o rosto com o travesseiro. – É cedo. Quem aparece cedo assim na casa de alguém? Não vou não. – null null. – null chamou com voz firme, ficando de joelhos sobre a cama. – É quinze de dezembro, quarta-feira, agora já são quase nove da manhã e nós vamos resolver isso. – Sentenciou, cruzando os braços sobre o peito, e viu o namorado bufar, depois unir a sobrancelhas. null pareceu refletir sobre algo por alguns instante e então a encarou.
– Eu não posso, tenho um compromisso. – Avisou ele. – Me esqueci completamente.
– Que compromisso? – null o encarou desconfiada.
– Cumprir uma promessa que fiz a você. – O capitão se sentou na cama, com um sorriso bobo pintado nos lábios pela minha vez naquela manhã.
Quarta-feira, 15 de dezembro de 2021
JS-Kodit Oy, Miekkiöntie 150, 15700 Lahti, Finlândia
Sem explicações, null apressou a inglesa o máximo que pode, com a justificativa de que graças ao seu súbito esquecimento devido as questões da noite anterior, eles estavam atrasados para algo muito importante. null quase se irritou, mas por fim, cedeu a agitação quase infantil do namorado e o permitiu levar aonde quer que fosse.
Não fazia ideia de qual promessa null se referia e ele também não quis contar. Depois de se preparar o suficiente para deixar o apartamento naquele dia congelante de dezembro, os dois estavam na estrada, em uma parte que ela ainda não conhecia. A princípio, era o mesmo caminho para a Isku Arena, o que fez com que a inglesa pensasse que o que quer que fosse a promessa, seria na arena ou na casa do namorado, mas quando estavam perto ao cruzamento para entrada para os dois locais, null tomou a direção oposta, por um caminho diferente do esperado. Passaram na frente do supermercado onde costumavam fazer compras e seguiram a diante, seguindo a arborizada estrada, com ciprestes e outras árvores que null não sabia nomear, mas que margeavam o caminho, escondendo as casas. Haviam florezinhas brancas e amarelas que cresciam selvagens ao lado do asfalto, combinando com o visual natural do resto do ambiente. Enquanto a inglesa prestava atenção na paisagem, sentada no banco da frente, com as pernas cruzadas e uma das mãos apoiando o queixo, null a vigiava cheio de expectativa no olhar, dirigindo com calma.
Haviam prédios como o que a inglesa vivia, alguns com aparência de mais velhos, outros pareciam mais novos, e então um cruzamento. A partir daí o que já parecia calmo e selvagem, se tornou ainda mais. Era como se quase ninguém passasse por ali, como se não estivessem em um país desenvolvido e rico, era mais parecido com um interior pacato e simples. Muitas árvores grandes margeavam a estrada, pinheiros e algumas outras que tinham folhas amarelas e troncos mais esbranquiçados. Vez ou outra cruzavam com outros carros ou caminhões e ônibus. Um posto de combustível, um supermercado grande e isolado, obras na pista e uma reta que parecia interminável. Algumas casas surgiam ao lado da estrada vez ou outra, mas no geral, pouca civilização.
– Só me diz se estou vestida adequadamente. – null insistiu outra vez, virando-se para o lado do namorado, que riu pelo nariz.
– O que é estar vestida adequadamente? – Ele brincou, a olhando rapidamente, desviando os olhos do asfalto.
– Não seja bobo. – null desferiu um tapa suave no ombro do homem. – Sabe do que estou falando.
– Você tá perfeita, Rakkaani. – null elogiou com um sorriso bobo nos lábios. – Como sempre é.
– É sério! – A inglesa enfatizou, fingindo estar séria, mas derretida por dentro.
– Eu tô falando sério. – Ele seguiu sorrindo. – Relaxe.
– Me dá alguma dica, então. – Pediu, esticando uma das mãos e acariciando a nuca do central, onde o cabelo castanho-escuro denunciava a falta de corte e formava pequenos quase cachos. – Eu não conheço essa parte da cidade, não faço ideia de para onde estamos indo.
– É uma surpresa, null, não seja chata. – null rolou os olhos. – Confie em mim, apenas.
– Não sei, é perigoso. – null fingiu, cruzando os braços sobre o peito e endireitando a postura no banco. – Nunca se sabe o que você pode estar tramando. Vai que é... – Ela ergueu os ombros, torcendo os lábios de modo teatral. – Algum lugar para morarmos juntos... – null falou com algum desdém e desconfiança, enrolando uma mecha de cabelo nos dedos enquanto dizia.
– Você bem gostaria que fosse isso, não é?! – O capitão gargalhou depois de negar com a cabeça. – Pode admitir.
– Eu não, mas você é quem sempre fala disso. – Se defendeu a inglesa.
– Você me nega tanto, que quando quiser de verdade, vai ter que pedir para a torcida fazer um mosaico pra eu aceitar casar com você. – Disse ele, fazendo a namorada rir.
– Posso pedir para a mascote do time levar as alianças. – Debochou a terapeuta, e quando viu o namorado a encarar com expressão fechada, se inclinou rapidamente para beijar sua bochecha. – Você devia se barbear. – Comentou.
– Não sei, estou pensando em adotar um estilo novo. – null falou, tocando o queixo. – Um estilo diferente, marcante.
– Desde de que não seja um bigode, por mim tudo bem. – null deu de ombros, voltando a encarar a paisagem.
– Como assim? Qual é o problema com bigodes? – null arqueou uma sobrancelha, dirigindo a ela um olhar incerto.
– Eu não tenho nenhum, é só que... não sei. – Hesitou, tentando escolher as palavras que melhor expressavam seus sentimentos quanto aquilo. – Você tem vinte e alguns anos, é bonito, não tem necessidade de usar um bigode. Isso é...coisa de gente mais velha. Fora que as chances de ficar ruim são bem grandes. – null riu, mas null ainda a olhava, sem sorrisos ou sem argumentos, com jeito de quem realmente considerava aquela opção. – Por favor, um bigode não. – Pediu, entendendo pelo olhar dele que aquela era a opção diferenciada e marcante que o namorado tinha em mente.
null não respondeu, apenas voltou a encarar a estrada, e no instante seguinte acionou o alerta, avisando que tomaria a direita. Era uma pequena subida, entre árvores – obviamente – que levava até uma construção cinza, como tudo na cidade, um pouco mais alta que o nível da estrada. Era grande, de dois andares, com varandas no andar superior, janelas grandes e portas ainda maiores. A esquerda, perto de onde o jogador estacionava, se podia ver uma espécie de parque, com balanços, escorregadores e outros brinquedos. Havia também um intenso vozerio de crianças, que podia ser ouvido mesmo com as portas e janelas do carro fechadas.
– O que é isso? Onde estamos? – Foi a primeira coisa que null perguntou quando null se apressou para abrir a porta do carro para a namorada.
– Se lembra daquela conversa? – null tinha um grande sorriso nos lábios, e no olhar um misto de empolgação e expectativa, o jogador colocou as mãos nos bolsos do casaco de moletom que usava. – Quando você disse sobre o que realmente queria fazer? Do seu sonho?
– Sim. – Respondeu a inglesa, um pouco incerta, mas com um sorriso pintando nos lábios timidamente. – Na sua casa, no fim de semana de sauna.
– Achei que você fosse gostar de conhecer esse lugar. – Ele sorriu, mostrando ao mundo e a null o sorriso mais bonito do universo.
null demorou para que sua boca entendesse o comando e enfim conseguisse falasse algo, mas quando tentou, uma figura adulta e vestindo um suéter grosso e cinza, saiu de dentro do imóvel, sorrindo, caminhando devagar em direção a eles.
– null. – O homem sorriu. – Que bom que conseguiu vir.
null apertou a mão do homem, que parecia ter algo perto dos cinquenta anos, cabelo de um loiro escuro que estava bem penteado e com mais gel do que seria necessário, e rugas no cantos dos olhos. Os dois pareciam se conhecer bem e ter até mesmo algum tipo de intimidade, pelo modo amistoso com que se cumprimentaram.
– Essa é null null, a pessoa de quem te falei. – Apresentou o capitão, tocando as costas da inglesa com uma das mãos, permanecendo ao lado dela.
– É um prazer enfim conhece-la, null. – O homem sorriu cordialmente ao apertar a mão da terapeuta. – Pode me chamar de Brian.
– null, por favor. – Sorriu a inglesa.
– Certo, certo. – Brian uniu as mãos na frente do corpo, enquanto sutilmente, null entrelaçava seus dedos aos de null. – Por que não entramos? – O anfitrião indicou o caminho educadamente. – Os meninos estão lá fora, num rinque improvisado, vão amar saber que você veio hoje.
– É, eu estava com saudades. – Admitiu null, sorrindo. – E estava ansioso para apresentar para ela.
– Não sei se sabe, mas null é um dos embaixadores da nossa causa. – O homem sorriu e se inclinou de modo amistoso em direção a null, como quem conta um segredo. – Um dos nossos maiores parceiros. Lidar com abrigamento de crianças e adolescentes não é fácil, então toda parceria externa sempre é muito bem-vinda. Além é claro, que os meninos amam null null. – Brian gargalhou, e null também sorriu.
null gastou algum tempo para olhar para o homem ao seu lado, ainda incrédula sobre como, a cada descoberta, se apaixonava mais profundamente por ele. Se a pedissem para descrever o homem perfeito, citaria que seria bom se ele fosse do tipo que faz trabalho voluntário, idealista, que apoiasse causas. E agora, por obra divina, tinha ao lado um homem que não só realizava aquele tipo de ação, mas que fazia junto a crianças abrigadas. null era sua idealização masculina, mas real.
Antes de passarem pela porta da frente, null a olhou e sorriu, erguendo as sobrancelhas e null fez o mesmo, ambos cheios de expectativas e animação.
O lugar se pareciam com uma casa, mas a sala grande por onde passaram estava vazia, assim como uma sala de jantar com uma mesa com numerosas cadeiras. O barulho vinha do lado de fora, e antes de passarem pela porta se podia ouvir e ver as crianças correndo por um jardim de grama castigada pelo frio.
– Não está muito frio para crianças brincarem do lado de fora? – null sussurrou para o namorado, fazendo-o se inclinar um pouco em sua direção para ouvi-la melhor. null riu abafado, pelo nariz.
– Não, meu amor, você está na Finlândia, esqueceu? – Respondeu ele, sorrindo e afagando com o polegar a mão da inglesa que segurava. null ergueu os ombros e sorriu timidamente, enquanto seguia o rumo para fora da casa.
Lá estavam cerca de quinze crianças, algumas maiores que brincavam com tacos e discos em uma trave improvisada fixa ao chão, algumas outras assistiam concentradas, e outras, menores, corriam ao redor, brincando de pega. Não havia nevado, mas o vento era cortante e em alguns momentos parecia cortar a pele e atravessar as muitas camadas de tecido que protegiam o corpo da terapeuta inglesa.
Assim que os meninos maiores notaram a presença de null, vieram ao seu encontro, sorrindo como quem encontra um ídolo, e de fato, devia ser mesmo aquele papel que null representava para eles. Meninos e meninas, alguns pareciam ter algo perto de quinze anos, outros não deviam chegar a dez, alguns menos de seis anos. O central levou alguns minutos para cumprimentar a todos com abraços e ouvir o que tinham a dizer. Para os menores ele se inclinava, ou abaixava ao chão, para que pudesse olhar em seus olhos, dando toda atenção que demandavam, um por um. Só depois de endireitar a coluna e atender a todos, que se voltou a namorada, que assistia a cena como se fosse invisível para a maioria das crianças, mas oferecendo um aceno e sorriso sempre que era notada por alguma mais curiosa.
– Queria apresentar alguém para vocês. – Anunciou null, afastando-se um pouco das crianças, para ficar ao lado da namorada, mais atrás. – É uma amiga muito especial, que queria conhecer vocês. Essa é a null null.
null não teve tempo de falar, apenas sorriu e então estava sendo atacada carinhosamente por vários abraços e cumprimentos do grupo de crianças. null assistia a cena sorrindo, como quem se diverte vendo cachorrinhos filhotes brincando. Ele se divertia com o modo atrapalhado com que null respondia as crianças que a bombardeavam de perguntas em uma língua que ainda não era de seu domínio, admirando a cena com a cabeça inclinada sobre o ombro. A atenção não durou muito, logo os mais velhos decidiram voltar aos discos e tacos, puxando null com eles, enquanto um grupo menor de menininhas que deviam ter entre seis e nove anos, quis que null se sentasse junto a elas, perto de onde todo o grupo assistia as crianças maiores jogando.
As meninas mostravam suas unhas pintadas com esmaltes verde, rosa e azul, mostravam os casacos que usavam, os gorros, comparando com o que a inglesa também usava. Perguntavam sobre o sotaque engraçado de null, que na maioria das vezes, mal conseguia entender o que as menininhas diziam, graças ao seu pobre vocabulário na língua do país. Ficaram naquele jogo, assistindo-as mostrar passos de danças e coisas que conseguiam fazer, por vários minutos, desligando-se do namorado e de onde quer que ele estivesse ou o que estivesse fazendo.
Quando notou isso, null buscou null com os olhos, com uma ansiedade infantil de separação, encontrando-o sozinho, sentado em um banco, perto de onde as crianças maiores jogavam, com um garotinho loiro no colo. null apontava alguma coisa e parecia explicar algo para o garoto, pareciam concentrados, entretidos no assunto. A cena aqueceu o coração da inglesa, fez com que null quisesse se levantar dali e se declarar outra vez, dizendo o quanto amava o capitão e que talvez ele tivesse razão sobre morarem juntos e todo o resto.
A inglesa pediu licença para as garotinhas, e silenciosamente se aproximou do namorado e do pequeno garoto. Sua chegada foi anunciada pelo som de um pequeno galho pisado pela terapeuta, fazendo null erguer os olhos em sua direção e sorrir.
– Veja só quem chegou. – Disse o capitão, em finlandês, e o garotinho se virou em seu colo, buscando a figura recém-chegada.
– Oi. – null cumprimentou-os em seu finlandês arranhado. – O que estão fazendo?
– Falando de hockey. – null respondeu. – Esse é o Yäel. – O central apresentou o garotinho para a namorada, e em seguida se inclinou, sussurrando para ele, mas de modo com que null podia ouvi-lo. – E essa, é a garota mais bonita da cidade.
O garotinho loiro torceu os lábios em um sorriso sapeca.
– Então ela é sua namorada. – Falou ele, com os olhinhos sobre null, que uniu as sobrancelhas de modo cômico. – Como você sabe? – null brincou e Yäel sorriu timidamente, erguendo os ombros, encolhendo-se junto ao corpo do capitão. – Você é mesmo muito inteligente. Alguém já te disse isso? Que você é muito inteligente?
– Já, quando eu fui no hospital. – Respondeu o pequeno, fazendo os dois adultos sorrirem.
– É muito bom te conhecer, Yäel. – null o cumprimentou, afagando carinhosamente a cabeça do garoto. – Como você conheceu o null?
– Daqui. – Ele respondeu como se fosse óbvio, null riu abafado. – Ele é meu amigo. Eu tava com saudade dele. – Contou e a inglesa viu o namorado abraçar o garoto com um pouco mais de força.
– Eu também estava. – Confssou null, tocando o topo da cabeça de Yäel com o nariz.
– Quantos anos você tem, querido? – null perguntou outra vez.
– Assim. – Respondeu ele, erguendo quatro dedos da mão, conferindo por duas vezes.
– É, ele está bem velho. – Implicou null, sorrindo.
– Não, eu sou criança. – Yäel se defendeu, olhando para null contrariado. – Eu não sou velho não.
– Diga a ele que ele é quem é o velho. – null falou, apoiando-se ao ombro de null.
– E você também. – O pequeno respondeu com simplicidade, fazendo null gargalhar.
– Ai. – null apertou os lábios, depois de também rir. – Tinha me desacostumado com a sinceridade das crianças.
– Você quer ver meu trem? – Yäel quis saber, mas antes que null pudesse responder, pulou de seu colo e correu para dentro de casa, sendo acompanhado pelos olhos de null e null.
– Você falando em finlandês fica extremamente sexy. – null sussurrou, enlaçando um de seus braços ao do namorado, que riu abafado e enrubesceu.
– null... – null riu envergonhado, encarando o chão. – Cheio de crianças aqui.
– Aliás, obrigada. – Falou a inglesa, atraindo o olhar dele para si outra vez. – Obrigada por me apresentar a esse lugar, essas crianças.
– Eu sempre venho aqui, adoro estar aqui. – Contou o jogador, deixando que seu olhar vagasse por cada canto do jardim. – Achei que você fosse gostar também, depois daquela conversa que tivemos.
– Me fez pensar sobre fevereiro. – null falou depois de sorrir e suspirar, enquanto null a encarava com sobrancelhas juntas e expressão de confusão. – Sobre ser um bom mês para casamentos.
null demorou alguns instantes para compreender o que a namorada realmente queria dizer, mas assim que o fez, inclinou a cabeça para trás e riu. Mas antes que tivesse a chance de dizer qualquer coisa, Yäel estava de volta com seu trenzinho de brinquedo.
null assistiu por mais algum tempo a apresentação detalhada do pequeno trem de brinquedo de Yäel, enquanto null e ele discutiam sobre qual seria o melhor tipo de meio de transporte. Esteve com eles até que Brian, o homem que havia sido apresentada anteriormente, a chamou com um aceno. Beijando o ombro do capitão e afagando os cabelos do garotinho, a inglesa se levantou e se aproximou de Brian, que estava no centro do jardim, com crianças brincando e correndo ao seu redor.
– É um lugar muito interessante e sem dúvidas, muito agradável. – Falou a inglesa ao se aproximar.
– Obrigado. – Ele sorriu. – Tentamos fazer o possível para que se pareça com um lar, para que as crianças se sintam pertencentes a alguma coisa. – Disse ele e null assentiu com a cabeça. – null mencionou que você é terapeuta ocupacional de formação.
– Sim, sou. – null sorriu orgulhosa, colocando as mãos nos bolsos traseiros da calça jeans.
– Nunca tinha visto terapeutas ocupacionais trabalhando com times de hockey. – Brian manifestou sua confusão unindo as sobrancelhas e franzindo a testa. – Só com os esportes paraolímpicos.
– Nós estamos em muitos lugares que as pessoas sequer imaginam. – A inglesa sorriu erguendo as sobrancelhas. – É uma atuação diferente, acredito que nesse momento seja a única no mundo fazendo. – Contou, retirando as mãos dos bolsos e gesticulando ao falar. – Me concentro em dar suporte a equipe médica e aos fisioterapeutas com as minhas atribuições específicas, especialmente quanto a mãos, punhos, ombros...essas coisas. Mas também me envolvo com acolhimento emocional e escuta, e outras questões que passam pelo fortalecimento do grupo, fortalecimento de vínculos entre a equipe e apoio em questões que surgirem.
– Bastante coisa. – Brian suspirou sorrindo.
– Eu dou conta. – null piscou sorrindo de lado.
– null disse algo sobre você se interessar pelo trabalho com crianças também.
– É, sempre me envolvi com esse campo, para ser sincera. – A inglesa baixou a cabeça, sorrindo timidamente. – Quando saí da faculdade trabalhei no Serviço de Saúde Mental para Crianças e Adolescentes, no Reino Unido. Ficava muito tempo em instituições que ofereciam suporte para crianças em vulnerabilidade social, abrigos.
– Parece ter sido uma experiência bastante rica. – Comentou ele, erguendo as sobrancelhas de modo com que null interpretou ser uma admiração positiva.
– Foi, com certeza foi. – Assentiu ela.
– E então, agora você está aqui. – Brian riu. – Trabalhando com crianças maiores.
– Quase isso. – A inglesa balançou a cabeça, sorrindo.
– Isso me deixa animado, null. – Começou a falar o homem. – Sempre é bom ter por perto pessoas com experiências como a sua. Não sei quais são suas aspirações e planos no momento, mas as nossas portas sempre estão abertas para mais mãos.
– Isso é tipo... – null maneou a cabeça. – Você me oferecendo um emprego? – Indagou ela, e no segundo seguinte amaldiçoou a própria língua por dizer coisas tão inapropriadas e sem filtro.
– É, acho que você sintetizou bem o que quis dizer. – Brian riu alto, fazendo a terapeuta se sentir mais envergonhada. – Você me parece prática e direta, são boas qualidades.
– Obrigada... – Disse null. – eu acho. – Sussurrou para que ele não ouvisse.
– Venha mais vezes aqui, com ou sem o null. Conhecer as crianças, a rotina da casa... sei que não somos tão famosos quanto o Pelicans, mas também temos o nosso charme. – Ele sorriu e piscou para a inglesa, afastando-se em seguida.
Alecrim
Alecrim: O alecrim é símbolo de amizade, fidelidade, amor, lembranças felizes. Seu aroma mantém a pessoa alegre.
Quarta-feira, 15 de dezembro de 2021
Caminho de volta para a casa de null null – Lahti, Finlândia
– E aí eu simplesmente disse, isso é tipo você me oferecendo um emprego? – Narrou null, enquanto o namorado gargalhava atrás do volante, dirigindo de volta para a casa. – Não ria, não me faça sentir pior. – Reclamou a inglesa, cobrindo o rosto com as mãos, envergonhada, enquanto também ria. – Não sei como vou olhar para ele nos olhos de novo.
– Não é o fim do mundo. – null tentou amenizar, apertando a perna da namorada, enquanto ainda ria. – Você só foi direta.
– Só fui direta? – Ela arqueou uma sobrancelha.
– O jeitinho null null de ser. – Implicou ele, divertindo-se as custas da namorada, que cruzou os braços sobre o peito, emburrada.
– Há momentos em que eu odeio você. – Bufou ela, sem que null interrompesse sua crise de risos.
– Azar o seu, porque eu vou continuar aqui. E eu adoro você.
null olhou para ele de canto de olhos, torceu os lábios segurando o sorriso bobo que queria escapar de seus lábios e ficou em silêncio, prestando atenção na paisagem do trajeto de volta. Revisitando na cabeça todos os momentos junto das crianças, todas as sensações e todas as novas descobertas sobre o homem que dirigia aquele carro. Depois de mais tempo que o que devia ser indicado, eles enfim tinham conseguido se despedir de todas as crianças e deixar o lugar. E em todo tempo, estando com eles e depois, no carro, a sós, a terapeuta não conseguia parar de sorrir com imagem de null naquele espaço.
Aquele null a lembrava o null caloroso e doce que tinha hábito de sempre trazer comida quando a visitava, o mesmo que sempre gostava de se aninhar a inglesa como um filhote de cachorro em busca de afago. O mesmo null que cozinhava, que cuidava até de esquentar o lado de null da cama nas noites mais frias, o amável, acessível, gentil, sensível null. O mesmo que fazia os desenhos mais incríveis que já tinha visto, o leitor, o músico.
E talvez, aquele fosse o verdadeiro null null.
Talvez a fama e o assédio do público e mídia, junto a todas as coisas negativas daquele universo tivessem mesmo transformado o homem de coração quente. Refletindo sobre isso, talvez até os rompantes de emoção que geralmente causavam vergonha a null fossem expressões de sua personalidade intensa e visceral. Sentindo tudo demais, coisas boas ou ruins.
– Obrigada por ter me apresentado...
– Aquilo que você disse sobre fevereiro...
Os dois disseram juntos e riram ao perceber.
– Você primeiro. – null cedeu, sorrindo para a namorada.
– Não, por favor, você. – null pediu, curiosa sobre o que ele diria.
– Não. – O capitão foi direto, erguendo as sobrancelhas sugestivamente e mantendo o semblante sério de quem diz que não vai aceitar outra opção.
– Okay. – A inglesa rolou os olhos e bufou, sorrindo em seguida. – Só ia agradecer por ter se lembrado da conversa e ter me levado até lá, por ter me apresentado para as crianças, quase me conseguido um trabalho novo e... – Ela hesitou, mordendo o lábio inferior.
– E? – O namorado incentivou, aproveitando um sinal vermelho para encarar a terapeuta enquanto alongava os dedos das mãos.
– E por me permitir conhecer mais uma parte sua. – Falou com delicadeza. – Ou me aprofundar em você.
– Eu nunca esqueço de nada que você diz. – Declarou null, dando partida ao carro quando o sinal ficou verde. – Só quero te ver feliz. – Disse ele, com olhos fixos no asfalto porque sentia vergonha, ignorando o restante do que a mulher havia dito.
– Acho que tem conseguido. – null sorriu, esticando-se para beijar a bochecha do jogador, que sorriu de modo infantil. – Mesmo querendo se livrar de mim, arrumando outro trabalho fora do time. – Brincou e null a olhou assustado.
– Não. Não. Não é por isso. – O central começou a se justificar. – Eu não quero isso...
– Tudo bem, amor. – Ela o interrompeu, sorrindo. – Só estou brincando. – Piscou e null expirou pelo nariz, negando com a cabeça e rolando os olhos. – Agora é sua vez. O que ia dizer?
null fez silêncio, mas null cutucou a cintura do jogador, o fazendo rir. Ele então coçou a cabeça e endireitou a postura, depois tossiu, tentando limpar a voz.
– Nada demais, só ia perguntar se aquilo que disse sobre fevereiro, se era mesmo sério.
– O que você achou? – null devolveu a pergunta, inclinando a cabeça sobre o ombro, olhando o jogador com doçura.
– Não é justo você me responder com uma pergunta, eu tô falando sério, null null. – null torceu os lábios, reprovando a namorada, que riu.
– É que eu tenho fraco por homens com crianças. – Ela brincou outra vez, sorrindo. – Talvez seja a natureza falando mais alto. Sabe, esses instintos de procriação? Achar o macho adequado para a perpetuação da espécie...
– Rakkaani, é sério. – null falou sério, o olhar dele não parecia demonstrar paciência para brincadeiras, estava ansioso. – Você não me leva a sério nunca. – Reclamou o central.
– É sério, null. – null o interrompeu, atraindo a atenção dele, esticando uma das mãos para afagar a nuca dele. – Falei sério. Me faz pensar.
– Como assim te faz pensar? Não entendi.
– Significa que eu geralmente só acho essa ideia muito precipitada e emocionada, mas depois de hoje, estou considerando. Seriamente. – Declarou ela, enfatizando a última palavra.
– Só agora? – null expirou surpreso e contrariado, torceu os lábios e voltou seu olhar para a estrada. – Só agora...
– null, não seja bobo...– null sorriu, embora as vezes a ideia fixa de felizes para sempre do capitão a assustasse um pouco, achava engraçado e até fofo. – Não tem um mês que ficamos juntos pela primeira vez.
– null, o tempo é relativo. – Protestou ele. – Já aconteceu tanta coisa nesse meio tempo, que parecem meses.
– Sabe o que sua família diria se contasse a eles que quer se casar em dois meses com alguém que conheceu a menos de um mês? – null arqueou uma sobrancelha, acariciando a nuca do jogador.
– Do jeito que fala, parece que é um crime. – null continuou resmungando.
– Isso é paixão, o que fica depois disso que é amor. – null continuou.
– Detesto namorar você as vezes. – Resmungou ele, fechando a expressão enquanto null ria. – Uma frieza...
– Azar o seu, porque vou continuar bem aqui. – Ela repetiu a brincadeira do central, tocando a bochecha do jogador com o dedo indicador delicadamente. – Quero garantir que estou enganada sobre tudo isso, e te fazer aquele pedido de casamento com o mosaico da torcida.
Quarta-feira, 15 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Casa de Atte Tolvanen
Depois de uma despedida calorosa e motivacional da parte de null quanto a resolver toda aquela situação, null null estava na porta de Atte, esperando que o goleiro e candidato a ex-melhor amigo o atendesse. Não estava satisfeito em estar naquela posição, como se estivesse errado, quando na verdade o traído fora ele. Mas null tinha razão, não ficaria feliz se Inessa interferisse em sua relação com a inglesa, então talvez não fosse mesmo certo interferir no que quer que estivesse acontecendo entre Atte e Inessa.
O problema não era a irmã conhecer pessoas, ter relacionamentos e tudo que entrava no pacote. O problema era ser com Atte ou com qualquer um do time. Desde sempre fora ensinado que não era uma boa coisa deixar que as irmãs se envolvessem com os caras com quem dividia o vestiário. E sempre que algo do tipo acontecia, o irmão da moça em questão costumava ser alvo de piadas e brincadeiras infames até que alguém do time se envolvesse com a irmã de outra pessoa. Não queria que as irmãs fossem o sujeito das frases sujas dos companheiros de time. Geralmente nenhum deles era muito cavalheiro ao descrever os encontros com as garotas, não queria que Inessa ou Alicia tivessem a honra manchada assim.
Era claro que conhecia a índole de Atte, eram amigos desde sempre. Mas Atte ainda era um homem, e um homem do time. Aterrorizava null imaginar o amigo falando de Inessa para os outros quando não estivesse por perto. Essa era a principal razão para ser fortemente contra o relacionamento dos dois no passado. Mas talvez null tivesse razão, Inessa não era uma garota boba, inocente e que não conhecia os perigos de se envolver com um cara babaca. Era uma mulher independente, golfista, viajava o mundo disputando torneios, ela sabia se cuidar. E talvez fosse mesmo o momento de deixar toda aquela questão para trás, focar em seu próprio relacionamento, deixar a irmã tomar as decisões da vida. Mesmo que decidir por isso lhe causasse uma agonia insuportável.
– Você. – Atte suspirou sem ânimo ao abrir a porta e se deparar com o capitão do lado de fora. – Eu não estou no clima de confusão, então se veio me xingar ou me dar um soco, faça aqui fora. E seja rápido, preciso voltar a dormir. – O goleiro parecia apático e cansado, com grandes olheiras sob os olhos azuis.
– Não vim aqui te dar um soco. – null negou, atraindo um olhar confuso do amigo. – Nem te xingar, mesmo que você mereça as duas coisas.
– O que você quer então?
– Resolver o problema. – Disse com firmeza o capitão. null tinha a coluna ereta e peito estufado, olhava nos olhos do goleiro com semblante sério.
– E como você quer resolver? – Atte quis saber, dando um passo sutil para trás, talvez receando a reação do melhor amigo, por conhecer o gênio ciumento de null.
– O que você realmente quer com a minha irmã? – null foi direto e viu Atte engolir em seco e piscar algumas vezes.
– Eu...– O goleiro hesitou.
– Anda, Atte, não é tão difícil. – A postura do capitão parecia mais ameaçadora agora. – E é melhor ser sincero, porque eu conheço você o suficiente para saber quando está mentindo. E aí...se estiver...aquele soco vai acontecer.
– Eu gosto da Inessa. – Declarou Atte, acuado. O goleiro em seguida respirou fundo, algumas vezes, mexendo os ombros. – Eu realmente gosto dela.
– Gosta dela? – null repetiu, inclinando a cabeça sutilmente e analisando o outro com olhos semicerrados.
– Não foi a primeira vez... – Tolvanen perdeu a voz ao confessar. – Não foi a primeira vez que nos encontramos... quando fui na sua casa.
– Espera... – null riu nervosamente. – Está me dizendo que está com a minha irmã pelas minhas costas, há tempos?
– O que você queria que eu fizesse? – Atte indagou, gesticulando. – Você tem esse ciúme doente, essa implicância infantil. O que você queria que nós dois fizéssemos?
– Você me traiu. – null acusou, sentindo-se mais ferido que antes.
– Eu te traí? – Atte tocou o próprio peito, incrédulo. – Você se envolveu com alguém do time, depois mentiu sobre ter terminado com ela e vem mentindo todo esse tempo. E eu quem traí?
– Não coloque a null no meio disso. – Ordenou o capitão, irritado e magoado. – Ela não tem nada a ver com essa história toda. Isso é muito mais antigo. Eu sempre pedi, e foi a única coisa que pedi. Só pedi para não se envolver com a minha irmã.
– Mas aconteceu! – O goleiro o interrompeu em um rompante. – Aconteceu. – Atte suspirou cansado. – Aconteceu, do mesmo jeito que entre você e a null null. Aconteceu. Mesmo sendo errado e vocês continuaram. Por que Inessa e eu não podíamos também? Só porque você é maluco?
– Você sabe muito bem o motivo...– null ergueu um dedo em direção ao amigo.
– Eu nunca. Em todo esse tempo. Na minha vida. Eu nunca faria qualquer coisa para magoar a Ness, ou que ferisse a honra dela ou coisa do tipo. – Atte declarou, falando devagar e pausadamente. – Não preciso dizer isso para você, ela já sabe. Eu achei que por ser meu melhor amigo, soubesse que eu não sou esse tipo de cara. Mas é como eu disse, você só enxerga você.
– Isso não é verdade. – Negou null, sacudindo a cabeça. – Não finja que não teria a mesma reação se fosse o contrário.
– Se fosse Aleks ou alguma outra pessoa, sim. – Falou ele. – Mas não você. Você é o meu melhor amigo, um irmão. Eu conheço e confio em você. – Atte expirou, sacudindo a cabeça negativamente. – E sabe, eu... – O goleiro riu sem humor, coçando a nuca. – Antes era até um pouco excitante tudo isso. Encontros escondidos, como se estivéssemos fazendo alguma coisa errada. Era até divertido. Mas o tempo passou, não tenho paciência ou idade para ficar com esse joguinho. Então...
Fez-se silêncio enquanto null esperava curioso para que o amigo concluísse sua fala, e Atte conseguisse encontrar as palavras que queria para expressar o que sentia.
– Então, já deu esse jogo de implicância. – Continuou ele com um suspiro. – De ciúmes. Goste você ou não, apoie você ou não. Não temos mais paciência para isso. Estamos juntos. Inessa e eu. Definitivamente. – Declarou cansado o goleiro.
null não esboçou qualquer reação, mesmo quando Atte o encarou com cenho franzido, buscando por qualquer sinal de reação a sua declaração.
– Não vai dizer nada? – Indagou o loiro.
– Não.
– Não? – Atte estranhou a resposta do amigo.
– Eu tô magoado. Traído. Não sei se confio em você como namorado da minha irmã. – Listou o central. – Mas não posso fazer nada. Se ela quer você, deve saber o que está fazendo.
– É sério? – Atte perguntou surpreso, seguindo o melhor amigo quando null começou a se afastar, em direção aos elevadores. – Simples assim? Depois de todos esses anos, agora é só isso?
– Eu disse que estava aqui para resolver. – O capitão deu de ombros, ignorando a presença de Atte ao se lado.
– Mas é só isso, só vai aceitar?
– Não, eu não aceitei. – null olhou para Atte, mantendo a mesma expressão séria de antes. – Não mudei o que acho sobre vocês juntos. Mas não vou me meter mais. – Quando as portas do elevador se abriram, null ergueu o braço para impedir que se fechassem antes que ele pudesse entrar. – Como você gosta de lembrar, já tenho meu próprio relacionamento complicado, não preciso de mais problemas.
Dizendo isso o central entrou na caixa metálica, deixando Atte paralisado pela surpresa causada pela reação pouco explosiva de null.
Quarta-feira, 15 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Casa de null null
– Eu espero que vocês aí tenham mais coisas para fazer do que só ir a jogos de hockey. – Maisie falou do outro lado da tela, enquanto null almoçava um Voileipäkakut que ela e o namorado haviam comprado no caminho de volta para casa naquela manhã.
– Temos bares, cafés, parques, lugares de natureza bonita, mas acho que você vai amar os jogos. – null riu, de boca cheia. – Principalmente por estarem lotados de homens gatos, altos e loiros.
– Você tem um argumento muito consistente, amiga. – A outra gargalhou. – Achei que você fosse vir para cá, pelo menos para as festas.
– Minha mãe me disse a mesma coisa hoje. – A terapeuta rolou os olhos e suspirou. – Mas a pausa é breve, e quando percebi já estava muito perto para planejar qualquer coisa.
– Não fico nem um pouco feliz em saber que você vai passar as festas aí, sozinha. – Maisie projetou o lábio inferior, externando sua frustração.
– Na verdade... – A inglesa riu abafado. – null me convidou para ficar com ele e a família. Quer me apresentar...
– Para a família? No Natal? – A morena arregalou os olhos e abriu a boca, em seguida gargalhou. – Então é realmente sério?
– Parece que sim. – Assentiu a inglesa, dando outra garfada em seu almoço. – É estranho ser apresentada aos pais, quando nem mesmo podemos sair por aí juntos, por causa do time. Mas confesso que estou até animada, ansiosa também, mas animada.
– Você ainda não conheceu ninguém da família? – Maisie quis saber, curiosa.
– A irmã mais velha. – Contou null. – No início achei que ela me detestasse, era ameaçadora, mas acho que depois tudo fluiu. Tivemos conversas legais, ela é uma pessoa legal. Os pais e a irmã mais nova, ainda não. Vamos para a cidade dele, na Rússia.
– Rússia?
– É, ele é meio russo, meio mexicano por parte de mãe. – null deu de ombros. – A família mora lá nessa cidade, ele quer me apresentar a um dos lugares favoritos dele no mundo. A casa dos pais.
– Nunca sei se acho as coisas que me conta sobre ele preocupantes ou fofas. – Maisie torceu os lábios em uma careta confusa.
– null é um cara legal, quando você o conhecer, vai ver. – null argumentou, sorrindo para a amiga. – Ele não é perfeito, mas não tem nenhum defeito que seja preocupante. Na verdade, até já evoluiu muito desde que nos conhecemos, e não tem sequer dois meses.
– É mesmo? – Estranhou a amiga. – Parece que já estão juntos há anos.
– Ele tem a mesma sensação, acredite. – null riu fraco. Não queria contar a amiga sobre os pequenos surtos de null a respeito de morarem juntos, Maisie acharia preocupante, e null não achava que valia a pena dar a ela mais uma razão para não gostar de null.
– Vocês estão bem, então? – Sondou a outra. – Nenhuma situação tensa? Briga?
– Não, tudo ótimo, em paz. – null sorriu grande. – Tivemos uma situação ontem no trabalho, mas não foi entre nós dois. Ele e o melhor amigo dele, e eu com o técnico machista. – A inglesa rolou os olhos ao mencionar o acontecido. – Não voltamos para casa juntos, mas ele veio para cá, dormir comigo. Conversamos, dormimos, hoje acordamos juntos...
– O trabalho não está sendo muito afetado pela relação de vocês?
– Bem, no momento, não. Mas não se pode falar duas vezes, o destino pode escutar e acontecer o maior problema de todos. – null riu alto, fazendo a amiga rir. – Inclusive, contei a ele sobre tudo, sobre minhas verdadeiras razões para ter vindo para Lathi. Infelizmente encontrei aquele você sabe quem aqui na cidade, o clima ficou tenso e pesado, null percebeu e eu contei.
– E ele?
– Ele não me achou maluca. – A terapeuta deu de ombros, sorrindo. – Disse que sabendo dessa parte tudo fez mais sentido. Agora tenho mais um aliado para a causa.
– Você está criando um exército contra o null? – Maisie gargalhou.
– Um exército não, só um namorado alto e forte para me dar cobertura caso as coisas aqui fujam o controle. – null piscou, finalizando seu almoço. – Mas duvido que vá encontrar aquela criatura por aqui de novo. Ele já deve ter ido embora. Para Mônaco. No calor. Enquanto a gente congela aqui. – A inglesa rolou os olhos outra vez.
– Pelo menos você tem seu namorado para te esquentar. – Implicou a amiga, inclinando-se para mais perto da tela.
– Sabe o que fizemos hoje? – null também se aproximou da tela, cheia de expectativa no olhar. Maisie negou com a cabeça, aguardando que a amiga continuasse. – Contei para ele, já faz alguns dias, que meu sonho sempre foi trabalhar com crianças. Hoje ele me fez uma surpresa, me levou a um abrigo na cidade. Um abrigo, amiga. – null contou, tomada pela emoção que havia sentido mais cedo naquele dia. – E o melhor, ele sempre vai lá, é um dos principais parceiros. Conhece as crianças, fala com elas, tem certa intimidade com elas. Você tinha que ver como ele é com os garotos, olhando todos nos olhos, conversando e dando atenção a cada um.
– Chega a ser estranho como ele parece ser exatamente o que você sempre quis. – Maisie franziu o cenho. – Parece até fabricado.
– Às vezes é sobre isso, as vezes a pessoa que idealizamos existe mesmo. Não exatamente como eu idealizei, porque o null não é exatamente um príncipe encantado, mas consegue chegar perto disso. – Declarou apaixonada a terapeuta. – Você precisava estar lá, para ver como ele interagiu com as crianças. Foi simplesmente fantástico.
– Você está mesmo apaixonada por ele, não é? – Maisie sorriu com os lábios apertados.
– Mais que isso, amiga, eu o amo. – null abriu os lábios em um grande sorriso. – Eu amo o null.
Quinta-feira, 16 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Centro de Treinamentos do Pelicans
Depois da quarta-feira de folga, pós-jogo, o time estava de volta ao gelo em mais um treino tático para o jogo de sexta-feira. Seria outro em casa, um dos últimos antes da pausa para as festas de final de ano. O time treinava tiros, enquanto do outro lado do rinque o preparador de goleiros trabalhava com Patrikainen, que substituiria Atte em mais um jogo, e provavelmente o último.
– Você não tá mexendo o ombro. – null alertou Aleks, tocando o ombro do amigo depois que ele tentou acertar a trave. – Muita rigidez aqui vai te atrapalhar na execução do movimento. – Orientou o capitão.
– É só relaxar. – Waltteri completou, assentindo com a cabeça.
Aleks acertou outro disco no fundo da rede, sob a análise de alguns companheiros do time. E depois mais uma, e mais uma.
– Presta atenção em como você tá segurando o taco, vai ter que visitar a null se continuar assim. – Santtu quem apontou, apontando com o queixo para o ala, erguendo o próprio punho e repetindo a torção que o ala fazia quando realizava de modo errado o movimento, ao tentar acertar o fundo da rede.
– Não seria nada ruim, fazer uma visitinha. – Aleks provocou, olhando de canto para o capitão e rindo em seguida.
– Olha só como ele tá oferecido. – Topi riu pelo nariz, apoiando os braços ao taco. – Quer que a gente faça a ponte, Haatanen?
– Será que quero? – Ironizou Aleks, sendo fuzilado pelo olhar por null, que depois rolou os olhos e balançou a cabeça negativamente.
– Não quero te desanimar, mas ela tem namorado. – Mankinen riu pelo nariz, segurando o taco com duas mãos e se divertindo com os colegas.
– Como você sabe disso? – null questionou, arqueando uma sobrancelha, mirando o ala.
– Não é muito difícil saber depois daquela foto que ela postou no fim de semana, de um cara misterioso tocando guitarra. – Otto rolou os olhos.
– Não digo por isso. – Willy Mankinen discordou. – Minha namorada é vizinha dela. Às vezes, quando estou lá, ouço risadas, conversas, ou ela brava com alguém.
– Você também não é encalhado? – Matias riu alto, apoiando um dos braços ao ombro de Willy. – O cerco está se fechando, null. Desencalhe, agora ou nunca. – Provocou o jogador e null imitou sua risada, mas sem humor, fechando a expressão em seguida.
– Pode ser a TV, ou alguns amigos...não? – Waltteri perguntou, ajeitando nervosamente o uniforme e endireitando a postura.
– Não me pareceu. – Willy riu pelo nariz, piscando um olho. – Se você pudesse ouvir... – O ala riu com malícia.
– Ei, não fale assim. – null interrompeu as risadinhas maliciosas falando seriamente. – Nós não fazemos isso aqui. – Falou de modo duro com o mais novo atleta do time, olhando em seus olhos, e Willy ergueu as mãos, rendido.
– Mas se ela tivesse um namorado, ela contaria, não é? – Merelä parecia realmente afetado com aquele assunto.
– Talvez sim, talvez não. – Otto deu de ombros. – Se quer confirmar, pergunte a ela. Mas aquela foto já é prova suficiente para mim.
– Você é amigo dela, Santtu. – Topi cutucou o defensor. – Não sabe de nada sobre isso?
– Todos eles são. – Aleks completou, dando de ombros.
– Não quero me comprometer. – O defensor negou com a cabeça. – Ou comprometer a ela.
– Pare com isso. – Matias empurrou Santtu pelo ombro. – Desembuche logo.
– Eu não sei nada concreto. – O defensor ergueu as mãos, na defensiva, tentando segurar o riso. – Mas ouvi dizer que é meio babaca, um vacilão. – Alfinetou Santtu, olhando para o capitão e maneando a cabeça.
– Um vacilão? – null questionou, incrédulo e profundamente atingido.
– É, assim eu ouvi. – Santtu ergueu os ombros.
– E você não me disse nada? – Merelä acertou o punho na costela do amigo, chamando sua atenção, Santtu ergueu os ombros outra vez e negou com a cabeça.
– E como ele é? – Matias insistiu, sorrindo curioso. – Ele não é de nenhum time rival, é?
– Alto. – O capitão respondeu sem pensar.
– Baixo. – Santtu riu pelo nariz.
Santtu e null disseram ao mesmo tempo, atraindo olhares curiosos do grupo.
– Não sei, só tô supondo. – O capitão fingiu. – Ela...a null pa-parece alguém q-que gosta de caras altos e... bonitos. Sabe? – Ele gaguejou e sua voz falhou como a de um garoto ao entrar na puberdade, atraindo olhares desconfiados do time. – Sabe?
– Ele é baixo, ruivo. – Santtu contornou a situação, ainda encarando o capitão com um olhar que dizia “o que é que você pensa que está fazendo?”. – Usa óculos, é um nerd. Bem sem graça. Foi o que eu ouvi dizer.
– E como o gênio aí ouviu dizer todas essas coisas? – Topi indagou, analisando o defensor.
– Eu? – Santtu hesitou, tentando encontrar uma desculpa boa o suficiente. – Não é só o Willy que conhece alguém naquele prédio. – Disfarçou, rindo.
O resto do time riu com ele, balançando-o pelo ombro e mudando o foco do assunto de null, para Santtu Kinnunen. Com exceção de Merelä que continuava pensativo e de expressão fechada. null estava um pouco aliviado por ver o foco do assunto sair de null, embora infeliz por saber que o time se interessava pela vida amorosa da inglesa, e ainda mais infeliz com os comentários de Mankinen. O central se afastou do grupo deslizando devagar em direção a saída do gelo, sendo seguido por Aleks, que também tinha desistido de se unir as brincadeiras do resto do time.
– Aí. – Chamou o mais jovem ao se aproximar do amigo. – Um cara vai ao médico e diz,doutor, tenho tendências suicidas. O que faço? E aí médico responde, em primeiro lugar, pague a consulta.
Enquanto Aleks gargalhava, null olhou fixamente para o amigo por alguns segundos, sem demonstrar qualquer reação.
– Qual é? Essa foi engraçada. – O ala apoiou um braço no ombro do capitão, quando os dois voltaram a andar.
– Talvez. – null riu abafado.
– Eu tô com um repertório novo, escuta só. – Começou ele, animado. – O que é um ponto amarelo no meio...
– Aleks, eu não tô no clima. – Pediu o capitão, já no corredor, a caminho do vestiário.
– É eu sei. – Assentiu Haatanen. – Aquilo com Atte, agora o Santtu falando do namorado novo da null. – Ele suspirou, pensativo. – Viu a cara do Merelä?
– Você viu o que o Mankinen falou dela? Sobre ela ter um namorado e ouvir coisas? – null estava irritado. – Viu, Hade? Viu o motivo de eu não querer que minha irmã se envolva com gente do time?
– Não é pra mim que você precisa explicar isso não, parceiro. – Aleks lembrou assim que os dois entraram no vestiário. – Eu não tô pegando a irmã de ninguém. Pelo menos não ainda. – Suspirou o loiro, arrancando o capacete.
– Não me interessa mais, também. – null deu de ombros, jogando-se em um dos bancos. – Já avisei e tentei impedir. Não é mais problema meu. – Se decidiu, arrancando as luvas de qualquer jeito.
– Se você consegue... – Aleks suspirou, sentando-se ao lado dele. – Porque seria bem ruim pra você ter que ficar ouvindo falarem da sua irmã e da null. – null encarou o amigo com incredulidade.
– Nossa, Hade, isso é você tentando ajudar?
– É a realidade. – O mais jovem deu de ombros. – Qualquer dia o Mankinen vai chegar e contar que ouviu ela gritando a noite.
– Da. Pra. Calar. A boca. – null rosnou e Aleks passou um dos dedos nos lábios, como quem os sela, prometendo se calar.
Quinta-feira, 16 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Centro de Treinamentos do Pelicans
Passava das sete da noite, o centro de treinamentos estava silencioso, a maior parte ou talvez todos os atletas já tivessem ido. Era véspera do jogo, era necessário que se recolhesse mais cedo, descansassem, para que no dia seguinte fossem capazes de ofertar seu melhor desempenho.
Se aproximava do natal e da pausa para as festas de fim de ano, null estava ansiosa, criando muitas expectativas quanto a sua apresentação oficial a família null. Não queria ceder ao espiral de pensamentos, ora bons, ora negativos, que se criava sempre que imaginava como seria aquele encontro familiar, por isso trabalhava. A chegada de null null em Lathi também ajudava nos gatilhos para ansiedade, já que colocava em risco seu trabalho no Pelicans, que tanto gostava.
null sabia de toda a história, mas temia a reação do resto do time e da diretoria, e temia mais ainda os próximos passos do piloto finlandês que lhe perturbava os sonhos.
Não queria pensar em nenhuma daquelas coisas, então, se concentrava em fazer as anotações nas fichas de cada um dos jogadores. Havia muito trabalho, muitas coisas a serem atualizadas, e no geral, pouco tempo para fazer aquele tipo de trabalho. Era bom trabalhar no silêncio do centro de treinamentos, do lado de fora a neve caía sem cessar, ocupando as ruas, cobrindo os carros e tudo ao seu redor. Estava frio, mais frio do que null tinha costume de enfrentar em seu país natal. Os jogadores, a equipe e todos outros habitantes da cidade insistiam que o frio ainda estava suave e razoável para aquela época, e que o excesso de roupas da terapeuta ocupacional inglesa era um grandessíssimo exagero. Essas palavras só serviam para deixar null ainda mais mal-humorada.
– Posso entrar? – null surgiu, colocando a cabeça para dentro da sala depois de bater duas vezes na porta, atraindo o olhar de null.
– Claro. – null sorriu, afastando os olhos dos papais e olhando para o namorado.
null tinha o semblante cansado, sério, não estava sorridente como costumava estar quando visitava null em lugares onde não deviam ser vistos juntos. O central entrou e fechou a porta atrás de si, aproximou-se da mesa onde a terapeuta estava, sentando-se ao lado dela, mas sobre a mesa.
– Ninguém vai vir aqui te procurar? – Quis saber a inglesa, erguendo uma sobrancelha, enquanto brincava com uma caneta entre os dedos.
– Não, todo mundo do time já foi. – null expirou profundamente, baixando os ombros. – Falei que ia embora também.
– Como sabia que eu estava aqui? – null sorriu, afagando o joelho dele, por sobre a calça de moletom.
– Deduzi. – null falou com olhar baixo, esticando e dobrando os dedos das mãos, como quem está entediado. – Não vi nenhuma mensagem sua falando sobre já ter ido também, então...
– O que há com você? – null ficou de pé, analisando o namorado. – Como foi com a Inessa? E o Atte?
– Foi razoável. – null suspirou outra vez. – Acho que ele se surpreendeu por eu não ter dado um soco nele. Eu devia ter dado.
– Para, é claro que não. – null o repreendeu. – E sua irmã?
– Primeiro, ela não quis falar comigo, depois, quando falei que mesmo não concordando, não ia me meter no assunto, ela só disse que era o que eu devia ter feito desde o início. – Contou null, sem animação na voz.
– Você está chateado com isso?
– Feliz é que não tô. – Respondeu ele de modo ríspido, null torceu os lábios em reprovação, mas null não viu, estava de cabeça baixa.
– Você vai superar, e pode ser que se surpreenda com isso. – null tentou acalentá-lo, abraçando o capitão. – Talvez eles se casem, construam uma família...quem sabe, não é?
null não respondeu, mas levou apenas alguns segundos para que ele se pronunciasse outra vez.
– Isso não é problema meu, tenho os meus próprios problemas de verdade. – Reclamou ele, afastando-se do abraço da namorada para olhá-la. – Nós temos...
– O que quer dizer? – null o encarou alarmada. – Que problema nós temos.
– Quer tentar adivinhar qual foi o assunto no treino hoje? – Disse ele, arqueando uma sobrancelha, null franziu o cenho e maneou a cabeça, esperando algo ruim.
– Fale de uma vez, não quero adivinhar nada. – Ordenou null.
– Willy Mankinen contando ao time sobre as coisas que ele escuta do apartamento da namorada. – null arregalou os olhos e cobriu a boca, de susto. – As conversas, risadas e outras coisas que escuta. O time chegou à conclusão que a terapeuta tem um namorado misterioso. – null contou com desgosto. – Santtu tentou contornar, dizendo que era um cara aleatório, baixo, cabelo vermelho... – O central expirou, passando a mão na cabeça, arrancando a touca que usava e coçando a nuca. – Só boas notícias.
– Eu não acredito. – null se deixou cair sobre a cadeira. – Não posso acreditar que estavam falando de mim.
– Viu agora porque eu não queria que minha irmã se envolvesse com alguém do time? – Indagou null.
– Eles não falam dos próprios relacionamentos, só os dos outros. – null respondeu, cobrindo o rosto com as mãos. – O que exatamente ele contou? Willy.
– Mais nada. Eu o fiz parar.
– null? – A inglesa arregalou os olhos, temendo o que viria a seguir, conhecia o namorado o suficiente para prever uma outra briga, ou coisa pior.
– Relaxa, só falei que não fazemos isso aqui, ficar falando daquele jeito de alguém do time. – null contou, negando com a cabeça.
– De que jeito?
– Não importa, Rakkaani. O jeito que ele falou... esses detalhes não têm nada a ver. – null negou com a cabeça de novo.
– E o que exatamente importa, null? – Indagou ela, irritada com o namorado.
– Que sabem que você tem alguém, que tem interesse na sua vida sentimental. – Respondeu o capitão, enumerando nos dedos. – Que falam sobre isso e que o Willy pode ouvir você da casa da garota dele.
– Talvez seja bom eles saberem que tenho um relacionamento. – null suspirou. – Assim ninguém desconfia que é com você.
– É, seu amigo te cobriu nessa. – null maneou a cabeça. – Disse que era alguém bem diferente, despistou. Mas o resto pareceu surpreso. Otto, Merelä...
– Como o Waltteri reagiu? – null quis saber, mordendo o lábio inferior, com receio.
– É sério? – null ergueu o olhar e riu sem humor. – Tá preocupada com a reação dele por que?
– Crise de ciúmes não, não agora. – A inglesa o repreendeu e viu o namorado rolar os olhos e negar com a cabeça afastando o olhar. – Escute, não vamos perder o foco aqui, certo? – null respirou fundo e tomou o rosto do namorado nas mãos. – Não vamos perder a calma. Deixe que eles falem sobre meu relacionamento, isso pode proteger a nós dois. E, vamos tentar tomar mais cuidado com o que falamos ou fazemos na minha casa. Pronto, questão resolvida.
– Simples assim. – Ironizou ele.
– Simples assim, meu amor. – null repetiu com alguma doçura, de pé, aproximando-se mais dele. – O que você está pensando e sentindo? Não quero ver você assim, ranzinza, chateado, nesse seu modo defensivo.
– Ah, eu não sei. – null expirou e apertou os lábios. – Se eles estavam falando de você que é do time, imagine o que vão dizer da Inessa...
– Não acho que vão ter coragem de dizer qualquer coisa. – null interveio. – Eu conheço o time, sei que não são todos que se divertem com esses assuntos, e os que acham alguma graça, não vão cair na ideia de falar da irmã do capitão e garota do goleiro do time. Você tem histórico de brigas com companheiros de equipe, isso pode assustar o pessoal. – Brincou ela, e null riu pelo nariz.
– Engraçadinha.
– E sabe o que mais? – null falou depois de beija-lo rapidamente. – Inessa é grandinha, você avisou. Se por acaso isso rolar, eu estou preparada para passar pano para você, caso brigue com Atte de novo. E também para te ajudar a consolar a Inessa. Combinado? – null o olhou nos olhos e beijou o namorado outra vez.
– Não é a melhor opção, mas acho que não tenho escolha, não é?! – null levantou as sobrancelhas.
– Você só tem escolha sobre a sua vida. – Lembrou-o a inglesa.
– Você me equilibra. – Declarou null, fazendo a namorada franzir o cenho, envolvendo a cintura de Bekker com os braços. – É, é verdade. Sua calma me traz paz.
– Fico feliz em saber. – null o abraçou, beijando a testa do namorado e afagando suas costas em um abraço apertado. – A gente funciona bem como dupla, não é?
– É. – Riu ele, com o rosto afundando no peito da inglesa. – Quer ir ser paz lá em casa?
– Mas é claro que viria uma proposta indecente, não é? – null riu alto, jogando a cabeça para trás.
– Quem disse que é uma proposta indecente? Me respeite. – Ele fingiu, torcendo os lábios em uma careta contrariada. – Quero dormir com você em um lugar onde o fofoqueiro do Mankinen não ouça.
– Apenas isso? – Perguntou sorrindo e ele assentiu. – E sua irmã?
– Voltou hoje para Viipuri.
– Acho que posso pensar com carinho nessa proposta...– Disse ela, contornando os lábios do jogador com a ponta do dedo indicador. – Depois daquela surpresa, acho que tenho certa propensão em acatar qualquer pedido seu.
– Eu amo quando você usa palavras difíceis e inteligentes. – null sorriu de modo infantil, o sorriso mais bonito do mundo.
– Que curioso... – null fingiu estar pensativa. – Ia dizer algo parecido.
– Tipo? – Ele a incentivou.
– Te conto no caminho. – Piscou a inglesa, empurrando o namorado pelo ombro, que riu. – Agora saia da minha mesa, preciso arrumar tudo isso antes de sair daqui e fugir com você.