Cravos amarelos
Cravos amarelos: Podem simbolizar rejeição e desdém.
Sexta-feira, 17 de dezembro de 2021
Isku Areena
Lathi – Finlândia
– Pronto? – null perguntou, aproximando-se de null e o olhando nos olhos, apertando o braço do jogador, depois afagando com carinho.
– Pronto. – O capitão do Pelicans assentiu sério, segurando seu taco com firmeza e apertando os olhos para a namorada.
null adorava aquele olhar, como se nada mais importasse, só o jogo. Amava o olhar doce e infantil no rosto gentil do seu capitão, mas conseguia gostar ainda mais de quando suas feições se transformavam nas feições de alguém cheio de coragem e determinação.
– Vai ser mole. – null afirmou, levantando e abaixando os ombros, tentando relaxar a musculatura. Depois abraçou null, passando seu braço por cima dos ombros dela, beijou rapidamente a testa da inglesa e se afastou, juntando-se aos companheiros de time. Como de costume, sendo um dos últimos da fila.
O coração da terapeuta deu um salto com aquela pequena demonstração de afeto em público. Mas resolveu ignorar e fingir que nada tinha acontecido, era fácil usar como desculpa o emocional intenso dos jogadores antes de um jogo, explicaria a reação carinhosa e pouco comum do capitão.
null continuou seu caminho, cumprimentou com um abraço lateral Waltteri Merelä. O rapaz loiro mantinha o mesmo semblante endurecido e concentrado de null, mas que era somado a sua animação rotineira, agitando e motivando o time antes de entrarem no gelo. null se afastou, depois de acenar para mais algumas pessoas, e se dirigiu a seu lugar, separado especificamente para ela junto a torcida. Assistiria de fora naquela noite, estava com saudades da torcida, de sentir o que sentia, ouvir suas impressões, estar com eles.
Era um jogo importante e cheio de rivalidade, uma tempestade pesada e violenta atrapalhava a lotação da arena, que tinha muitos lugares vagos, apesar de não parecer exatamente vazia. Pela ausência de uma significativa parte da torcida dos dois lados, o ambiente parecia mais silencioso que o normal, o que era uma pena na opinião da terapeuta inglesa. Mas por outro lado, nada de brigas, garrafas sendo arremessadas ou coisa do tipo.
null subiu as escadas distraída, pensando no novo par de botas que usava e em como combinavam com a camisa do time que vestia de forma imponente, ostentando o número trinta e quatro de null. Sentia-se apaixonada pela equipe, pelo hockey e por Lathi, que apesar de marrom e prática até demais, era alegre, com pessoas gentis e simpáticas. Já estava no país há alguns meses, conseguia se sentir familiar, apesar das muitas dificuldades com a língua. Gostava de sua casa, gostava de seu emprego, gostava da cidade, dos amigos que tinha feito, do namorado. Sentia que Lathi aos poucos se transformava em seu lar, e aquelas pessoas, aos poucos, se tornavam sua família. Estava feliz.
A terapeuta inglesa pediu licença a uma pessoa e atravessou a fila de assentos até o seu, pintado de cor diferente, e que devia estar reservado. null parou de andar e mordeu o interior das bochechas quando percebeu que seu lugar especial estava ocupado. O ser humano desavisado tinha cabeça baixa e estava inclinado para frente, com cotovelos sobre os joelhos e parecia concentrado em seu celular. null se aproximou e tossiu, tentando atrair a atenção do homem, mas não atingiu seu objetivo. Resolveu tossir mais alto, até que na terceira tentativa, o homem ergueu o olhar.
– Não. Hoje não. Por favor. – null reclamou, seu tom era sério, enquanto balançava a cabeça e voltava sua concentração para o aparelho celular em suas mãos.
– Hoje não eu digo. – null se irritou, cruzando os braços sobre o peito. – Qual é? Você vai mesmo aparecer sempre? – Indagou incomodada. – Vai mesmo bater ponto aqui?
null ergueu o olhar, encarando as fileiras a sua frente, o gelo e o grande telão, depois respirou fundo e voltou os olhos para o celular, ignorando null.
– Vai me ignorar? Muito maduro. – Ela reclamou, incrédula com a reação dele. – Okay, pode me ignorar, na verdade eu até prefiro. Desde que não esteja no meu lugar.
– Seu lugar? – null levantou o olhar e sorriu sem humor. – Seu lugar?
– É. Foi isso que eu disse.– null ergueu o queixo e fechou o rosto em uma expressão irritada. – Meu lugar.
– Tem dezenas de lugares vazios por aí. – Apontou ele e endireitou a postura, olhando para frente mais uma vez. – Por favor, null, hoje não.
– Mas esse é o meu lugar. – A terapeuta insistiu. – Acha que só porque é um dos donos do time pode fazer o que quiser?
null não podia acreditar, null estava a ignorando do modo mais grosseiro possível, o piloto mantinha-se olhando para frente, para onde os jogadores já se organizavam para o início da partida, sem qualquer sinal que cederia. Aquele era o lugar dela e por isso não estava disponível para vendas. Por que é que justamente ele tinha que se sentar ali?
Dando-se por vencida, vendo que perdia o início do jogo e percebendo que o homem não cederia, a inglesa se jogou no assento ao lado, cruzou as pernas e os braços, não tentando disfarçar a careta frustrada. Aquilo tudo parecia um tipo de pegadinha do destino, uma vida inteira sem cruzar com um de seus maiores ídolos e então, assim que passou a detestá-lo. null parecia estar em todo lugar, se materializando. Se null ia ao jogo, ele estava lá, se ela ia ao mercado, o encontrava por lá. Se perguntava se null não tinha nada mais para fazer do que estar em Lathi.
Mas ao mesmo tempo, o estado sério e endurecido de null lhe era estranho. Não que o conhecesse bem, mas como fã, não se lembrava de vê-lo com aquela feição, nem durante as muitas farpas trocadas entre os dois ou durante as dificuldades da carreira. Ou null estava tão concentrado no jogo quanto null e seu xará, ou algo estava errado. Rapidamente, os resultados da última temporada de Fórmula Um piscaram na cabeça da terapeuta inglesa. Talvez fosse aquela a razão, a mudança de equipe, as muitas dúvidas sobre seu potencial e a pressão na última temporada. null sabia das cobranças e críticas que o piloto de Fórmula Um finlandês devia estar suportando. Por um breve segundo, a feição emburrada se desfez e null o olhou de soslaio, sentindo um tipo de empatia a preencher. Gostaria de perguntar se ele estava bem, se podia fazer algo, mas logo afastou aquela ideia. Imagine, dar o braço a torcer para aquele babaca arrogante? Nunca.
E ela tinha razão, null estava mesmo péssimo.
Não tinha ânimo nem para se divertir com a irritação que causava a null, nem para provocá-la, tudo que queria era ficar em silêncio, com sua cerveja e seu jogo, em paz. Tentava o máximo ficar longe de tudo que lhe trouxesse de volta a realidade de sua rotina de trabalho e do que lhe esperava assim que as férias terminassem. E uma fã reclamona como null era a perfeita personificação do que ele queria evitar.
Tudo estava bem em Lathi, como sempre, até que fora bombardeado por notícias de pessoas que mais uma vez colocavam a prova todo seu esforço e talento. Usando como regra a última temporada, que apesar da falta de apoio da equipe, fizera o que podia ser feito. Mal conseguia dormir pensando em tudo, se lembrando de cada detalhe da última temporada, das corridas perdidas, dos erros cometidos, pensando em como poderia ter sido. Enquanto lidava com as críticas, com os comentários negativos, com toda coisa idiota que diziam a seu respeito. Era tão péssimo que o ruim já parecia bom.
Sentada ao seu lado, null null parecia compreender a situação e permanecia calada. Primeiro, fazendo birra por não ter seu lugar estúpido, depois, vez ou outra, a terapeuta o olhava de canto, null só não entendia qual era o objetivo dela. Talvez também estivesse estranhando o jeito calado e nada implicante dele, talvez só estivesse esperando uma oportunidade para dar o tiro de misericórdia e acabar de vez com sua noite.
Quando não estava fingindo não olhar para ele, Ava assistia ao jogo, endireitando a coluna toda vez que o time tinha chances boas, e baixando os ombros e suspirando sempre que erravam um lance. null acharia cômico se não fosse trágico, pensou em dizer que ela podia se esforçar mais para disfarçar o relacionamento com null null. Mas não, não queria entrar em uma outra confusão cansativa com a terapeuta inglesa, embora achasse o cúmulo a relação dos dois.
null inclinou o corpo sobre as pernas, apoiando os cotovelos nos joelhos e o rosto nas mãos, e fingindo olhar para frente, analisou, pelo canto dos olhos, a postura de null null. null havia sido derrubado depois de um choque violento e o time estava trocando socos com o rival, o Lausanne HC, enquanto o capitão ainda estava no chão. null estava tensa, com as sobrancelhas unidas, os dedos apertavam o assento da cadeira com tanta força que suas juntas estavam brancas, o olhar assustado desviava da confusão hora ou outra. null teve pena.
Depois de respirar fundo, frustrado por seu lado cavalheiro e gentil ter vencido mais uma batalha, o loiro esticou o braço, tocando o joelho de null com delicadeza. Mas ela sequer se mexeu, depois de torcer o canto dos lábios, null decidiu tentar mais uma vez e, apertando um pouco mais, balançou o joelho da inglesa, que pareceu despertar de seu transe.
– Ai. – null se encolheu, arregalando os olhos, assustada.
– Tudo bem?
Ela assentiu rápido, entendendo o que havia acontecido e imitou a posição do piloto, apoiando os cotovelos nos joelhos e o rosto nas mãos, para depois enfiar os dedos nos cabelos. null a olhou, ainda empático, mesmo sem fazer qualquer ideia do porquê.
– Ainda não se acostumou com as brigas?
– E é possível se acostumar a essa violência generalizada? – null devolveu e null sorriu fraco.
– As pessoas se acostumaram ao MMA.
– Eu não. – Ela expirou, recostando-se. – Sabe, isso devia ser punido, tipo no futebol ou na Fórmula Um. – Argumentou, apontando para null ao fazer menção a Fórmula Um.
– Mas seria bem mais legal se pudéssemos dar alguns socos de vez em quando. – null sorriu e se recostou em seu assentou, sob o olhar incrédulo de null. – Só estou dizendo. – O loiro piscou, cruzando as mãos atrás da cabeça.
– Qual é, não diga que você faz o tipo? – null endireitou a coluna e o fitou, capturando os detalhes de sua reação.
null ergueu as sobrancelhas e maneou a cabeça, como quem diz “quem sabe” e null riu sem humor, passando a língua pela bochecha.
– Fala sério. – A inglesa rolou os olhos. – Você? Saindo no braço com outro piloto? Você é certinho demais para isso. Calmo demais.
– É, e o segredo da minha calma e extravasar nos jogos de hockey. – Ele explicou, apontando para onde a partida havia recomeçado.
– Claro, isso devia sair em algum site sobre esportes. null null compra time de hockey para extravasar raiva agredindo jogadores.
– Mente pequena. Não entenderia. – Ele riu baixo, balançando a cabeça.
– Não, é que eu evoluí do homo sapiens, não o contrário. – null devolveu, ranzinza.
– Como eu e seu namorado? – null alfinetou com um sorriso ladino e viu o semblante de null mudar e a mulher perder a cor. Depois de três segundos, a inglesa sacudiu a cabeça e franziu o cenho, null riu pelo nariz.
– O que você disse? O null não é meu namorado. – Argumentou afetada.
– Quem falou no null? – null voltou a provocá-la, sorrindo de lado.
– Bom, é que... – A inglesa tossiu, envergonhada. - Bem, só poderia ser...só me viu com ele. – null gaguejou. – O que importa é que você está errado. Não tenho um namorado. – A inglesa endireitou o corpo e cruzou os braços, na defensiva e irritada.
– Não, claro que não. – null debochou.
– É sério. – Ela disse com firmeza, mas ele apenas sorriu. – Não acredito que quase me comovi com sua cara de enterro. Você é baixo, null null.
null acusou e o semblante de null mudou instantaneamente, e quando ele a olhou, null percebeu que talvez tivesse falado demais. null balançou a cabeça negativamente, expirou e voltou a se concentrar no jogo, enquanto null revisava suas palavras.
– Olha, foi mal. Não quis te ofender. – Disse ela depois de um longo silêncio e uma respiração profunda. – Até quis, para ser sincera. Mas é que você me tira do sério de um jeito incomum e parece achar graça nisso.
– E acho. – Ele respondeu sem olhá-la, e a terapeuta o olhou confusa.
null, percebendo o silêncio, a olhou de volta e ergueu os ombros.
– Eu não sei porque ainda estou tendo esse diálogo. – Fora vez de null balançar a cabeça negativamente e expirar rápido, depois a inglesa se levantou, dando as costas para o piloto.
– Ei. Ei. – null chamou, pondo-se de pé e a interceptando, segurando com suavidade seu braço. – Desculpe. Eu acho. Só acho divertido sua raiva infantil e suas ofensas que parecem sair de um filme adolescente.
– Sério? Sua ideia de me pedir desculpas é me ofender mais? – null ergueu as sobrancelhas.
– Você quem começou, me atacando gratuitamente quando estava no supermercado com seu namorado. – null lembrou, olhando em seus olhos.
– Primeiro, já disse que null não é meu namorado.
null ergueu os ombros e desviou o olhar, null o imitou, mas balançou a cabeça ao mesmo tempo. Nem era capaz de se reconhecer, aquele jogo de gato e rato era tão infantil e idiota. Não era do feitio dela aquele comportamento, devia ser profissional e agir como uma mulher de sua idade.
– Olha, não importa quem começou. – Ava falou com algum desânimo na voz. – Não somos crianças e esse jogo de provocações perdeu a graça.
null a observou em silêncio, depois assentiu com a cabeça.
– Trégua? – Perguntou, oferecendo uma mão.
– Trégua. – null assentiu e apertou a mão do finlandês.
null e Ava se olharam nos olhos por alguns instantes, sem que dissessem qualquer coisa, e até serem despertos pelos sons do jogo. Então, voltaram a seus lugares e se sentaram, ambos inclinando o tronco para frente e com olhares atentos a partida.
– Qual é o lance com esse assento? – null perguntou depois de algum tempo apenas ouvindo os sons da partida.
– O time fez para mim, reservado e especial. – Ava respondeu sem pensar muito. – Porque eu gosto de assistir aos jogos junto da torcida.
– Deixo vago na próxima vez. – Ele prometeu, sorrindo fechado.
– Ah, valeu. – Ava expirou uma risada sem humor.
null sacudiu a cabeça e encarou null. O finlandês usava um boné preto, com a logo do time, com a aba virada para trás, a barba parecia ter sido aparada pela última vez há algumas semanas. O moletom escuro completava o visual relaxado e arrumado de null, e a terapeuta perdeu alguns instantes pensando em como aquela postura tensa, o boné para trás e a barba lhe deixavam interessante. Mas assim que percebeu para onde seus pensamentos a levavam, null sacudiu a cabeça e fez questão de afastar aqueles pensamentos para o mais longe que pudesse.
– Por que não hockey? – Ela perguntou, tentando tirar sua atenção do queixo marcado dele.
– Sei lá. – null deu de ombros sem desviar a atenção do jogo. – Talvez não tivesse tanto talento no hockey quanto pilotando. – null pareceu pensar e então expirou uma risada pequena, cheia de desapontamento. – Não que eu possa dizer sobre ter talento pilotando também.
Talvez a parte adormecida de fã dentro de null tenha gritado mais alto, e no instante em que null terminou de falar, a terapeuta tocou seu ombro, apertando com delicadeza e atraindo o olhar dele.
– Não diga isso e não fique pensando assim. – null sorriu empática, sem mostrar os dentes. – Não é justo desmerecer todo caminho até aqui por uma má fase. Não faça isso com você mesmo. Você não merece.
– Obrigada. – Ele assentiu em um fio de voz.
– Tem uma frase que ouvi uma vez, não sei onde, minha memória é péssima. – A inglesa endireitou a coluna, olhando para frente e esfregou as mãos, sorrindo, null sorriu também. – Se você sente que está no inferno, continue a andar, quem é que quer ficar parado no inferno.
– É uma boa frase. – Assentiu ele, projetando sutilmente o lábio inferior.
– Eu poderia fazer um discurso motivacional para você por setenta e duas horas interruptas, mas da última vez que tentei não funcionou bem, então encerro minha participação com essa frase. – Ela sorriu e ele inclinou a cabeça para observá-la melhor.
– Então acho que preciso agradecer por confiar em mim, quando eu mesmo não sou capaz. – null sorriu com verdade.
– Se alguém pode sair disso, é você. Pensando com clareza, com técnica e prática. Talvez passando mais tempo em um simulador do que aterrorizando a pobre terapeuta dos Pelicans. – null mordeu o lábio, adotando um tom de brincadeira no final de sua fala e null jogou a cabeça para trás, rindo baixo.
– É claro. – Ele assentiu, rindo abafado. – A trégua durou pouco. Acho que temos um recorde.
– Eu só estou dizendo. – null ergueu os ombros e recostou-se de modo preguiçoso em seu assento.
– Eu devia mudar você de posição e te levar para Mônaco comigo, assim poderia te infernizar todos os dias e treinar no simulador ao mesmo tempo. – Provocou ele, a olhando de canto.
– Tarde demais, você me perdeu para os Pelicans. – A inglesa piscou e o encarou.
– Perdi? – null sustentou o olhar de null, erguendo uma sobrancelha. Por estarem sentados um ao lado do outro, a distância entre seus rostos não era maior que quinze centímetros.
– Perdeu. – null concordou em um sussurro fraco.
– Então talvez seja hora de eu virar o jogo. – Ele falou, mas null perdeu qualquer capacidade de formular uma resposta quando o flagrou olhando de seus olhos para sua boca.
Sábado, 18 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Casa de null null
Aos poucos o corpo de null null despertava naquela manhã. Estava mais uma vez dolorido, tinha interceptado muitas jogadas, sido atingido por discos mais vezes do que conseguia se lembrar. Uma delas no rosto, que por sorte só havia deixado uma marca e tirado um pouquinho de sangue de sua bochecha. As pernas estavam pesadas, e a vontade de ficar deitado ali, enrolado aos muitos cobertores era infinitamente maior a vontade que sentia de imitar null null. A terapeuta estava no banho, podia ouvir o barulho da água caindo pela porta aberta.
Tinham passado mais uma noite juntos. Era ótimo poder, depois de uma partida difícil, se reconfortar nos braços de alguém especial. Estava já acostumado com aquela rotina. Trabalhavam juntos e parecia funcionar, e quando não estavam juntos no trabalho, estavam juntos em casa, fazendo qualquer coisa. Era bom. Perfeito. null esperava que após o natal em Viipuri, assim que a temporada terminasse e tivesse férias, pudesse fazer o que fazia seu coração queimar. Tinha tudo planejado em sua cabeça: viagem romântica, jantar romântico, aurora boreal romântica – se desse tempo, pedido de casamento.
Não fazia sentido esperar, sabia que null era a mulher com quem queria passar a vida. Atrasar o pedido e o casamento, a construção de uma vida juntos apenas por uma questão de tempo era bobagem na opinião do capitão. Não precisava de mais tempo para descobrir o que já sabia, e em sua opinião, pessoas que se escondiam atrás daquela história de precisar de mais tempo para ter certeza, na verdade precisavam de tempo para se convencer. Quando se ama de verdade, se sabe. Só se sabe.
Claro que a ideia de amar null ainda o assustava muito, apavorava. Ainda sentia ciúmes de Merelä, ficava inseguro com várias coisas, mas mesmo assim, sabia que seria null. Na noite anterior tivera prova disso, de que mesmo inseguro, com ciúmes e incerto, só tinha espaço para null null em seu coração.
O jogo corria pesado, duro, com ótimos resultados, mas com ainda maiores penalidades. Em um momento de pausa, sentado ao banco, null encontrou null sentada junto aos torcedores comuns, mas não em seu lugar – a cadeira especial, separada pelo time para que a inglesa ocupasse. null estava sentada ao lado, e quem ocupava seu lugar de direito era null null. A princípio, null estranhou, até perdeu a concentração por alguns instantes, preocupado com a namorada ao lado de alguém que detestava. Mas no decorrer do jogo, quando tinha chance de olhar para null, a tinha flagrado sorrindo, e uma vez, até próxima a null, como quem tem certa intimidade.
A proximidade dos dois pintou uma grande interrogação na mente do capitão durante o jogo e no fim dele, até que caísse no sono e agora, ao acordar. A namorada tinha contado sobre sua história com o piloto finlandês, sabia de tudo – ou assim achava. null não parecia gostar dele, nem mesmo conseguir ser educada, viu isso no episódio do mercado. Mas as risadas, a proximidade entre os dois naquele jogo estava causando um cansativo incômodo ao capitão do Pelicans.
– Está acordado. – null saudou ao sair do banheiro, secando os cabelos com uma toalha, enrolada em um roupão. – Um banho pela manhã. Tudo que as pessoas precisam para começar bem o dia. – Ela sorriu, aproximando-se dele e se sentando na cama, ao seu lado.
– Bom dia. – null sorriu, ainda sonolento, se espreguiçando, apertando o joelho da namorada, que se inclinou e lhe beijou a testa.
– Dormiu bem?
– Sim. Sempre durmo bem com você. – O capitão sorriu, fechando os olhos.
– Você teve um sono bem agitado noite passada. – Contou null, afagando os cabelos dele. – Acho que foi reflexo de todo esforço do dia, no gelo. E pensar que hoje tem mais...
– Odeio quando o calendário faz isso. – null resmungou, virando-se na cama. – Dois jogos em sequência. O segundo jogo sempre é ruim. Piora quando o jogo anterior é como foi ontem, eles vão com tudo hoje.
– Bem, nada que uma boa noite de sono e muita energia não resolvam. – Ela sorriu. – Ainda temos um tempinho, por que não volta a dormir? Ainda é cedo. Eu preparo seu café e te acordo depois. – Prometeu, sorrindo para ele.
– Pode ser. – null assentiu, sendo beijado pela namorada com um selinho demorado. – Tem uma coisa que eu queria te perguntar antes. – Falou assim que ela afastou seus lábios.
– O que é? – null o olhou, atenta e calma, afastando o cabelo do namorado da testa.
– O que estava rolando ontem entre você e o null? – Perguntou enfim. – Vi vocês assistindo ao jogo juntos.
– É uma longa história. – Ela expirou, rolando os olhos e baixando os ombros.
– Mas eu quero saber. – Insistiu ele, tomando uma das mãos de null e a incentivando com o olhar. null sorriu sem mostrar os dentes.
– Ele se sentou no meu lugar, não quis ceder, acabei ficando ao lado dele porque o jogo tinha começado e não daria tempo de procurar outro lugar. – Narrou a terapeuta inglesa. – Ele pareceu abatido, tivemos uma breve conversa sobre isso e depois ele voltou a me irritar. Falei que ele parecia implicar comigo por prazer de me fazer perder a paciência e ele concordou.
Nesse momento null franziu o cenho, chamando a atenção da inglesa.
– O que foi?
– Nada... é só que... – Ele hesitou, apertando os lábios, olhando para ela e sorrindo sem jeito. – A gente começou assim.
– Não tem comparação. – null riu, rolando os olhos outra vez. – Muita coisa já tinha acontecido entre nós até aquele dia, no jogo.
– Muita coisa já aconteceu entre vocês também. – Lembrou ele.
– null, está mesmo com ciúmes do homem que mais detesto no país? Ou melhor, no mundo? – null uniu as sobrancelhas, chocada com os questionamentos do namorado, embora entendesse porque ele estava confuso.
– Não tô com ciúmes, só não entendi. – Ele deu de ombros. – Você disse que odiava ele, e então assistem ao jogo juntos, conversando, rindo, próxima a ele. Ele ameaçou te demitir, por acaso?
– Não, mas fez uma piada sobre me transferir para Mônaco para poder me atazanar mais. – Contou ela, beijando o namorado outra vez, deixando que o corpo caísse próximo ao dele. – Sabe, eu até entendo sentir ciúme do Merelä ou de outro cara do time. Mas do null... – null balançou a cabeça negativamente, apoiando uma das mãos ao peito nu de null, desenhando uma das tatuagens que ele tinha sob a clavícula.
– Não tô com ciúmes, Rakkaani, já disse...só achei estranho. – null disse sonolento, apertando a namorada junto a si. – Achei que você não quisesse ficar perto dele.
– Foi uma coincidência, apenas. – null deu de ombros, beijando o peito do capitão. – Eu tenho namorado, ele tem namorada. Nós nos detestamos profundamente, ele não me suporta e eu não o suporto. Mas infelizmente ele se diverte com isso, deve achar bom ter o poder de demitir ou não alguém. – null suspirou. – Mas logo ele deve voltar para Mônaco ou para o raio que o parta. Enquanto eu, fico aqui, com o meu capitão. – Declarou, aninhando-se mais a ele.
– Seu capitão? – null beijou a testa da terapeuta, falando contra a pele do rosto dela, sentindo-se mais tranquilo depois da explicação.
– É. Único e exclusivo. – null sussurrou. – Meu capitão de hockey.
Não conseguia dizer não quando ela o chamava assim, e nem achava que devesse dizer. Afinal, ela tinha razão, era apenas uma coincidência e null era mesmo alguém bem maldoso, por implicar tanto com alguém, sendo chefe dessa pessoa. Se tivesse chance, tinha muitas coisas interessantes para dizer a ele. Quanto ao seu relacionamento, insegurança e ciúmes, preferia e escolhia a paz de null, sem pulgas nas orelhas quanto a null ter algum interesse, mesmo que a cena na arquibancada durante um jogo fosse bem familiar. Nada acontece duas vezes da mesma maneira.
Sábado, 18 de dezembro de 2021
May Day Music & Bar – Aleksanterinkatu – Lathi, Finlândia
Mais uma vitória somada para o Pelicans de Lathi.
O jogo, ao contrário do que previa null e null, tinha sido mais tranquilo do que o da noite anterior. O time visitante fez um bom primeiro período, marcando os principais jogadores, mas não conseguiu segurar o mesmo ritmo nos outros dois tempos. Ficou fácil para o time de null e companhia, que dominaram a partida, ditando o ritmo, colocando o time rival no bolso.
Agora, para comemorar, uma grande parte do time estava em um bar na cidade, comemorando as duas vitórias consecutivas. Ao final da noite, poucos eram o que não estavam totalmente embriagados. Os finlandeses bebiam quatro vezes mais que null conseguia beber, não demorou para que ela entendesse que não os era capaz de acompanhar e aceitar seu fracasso. null, Santtu, Aleks, Merelä e todos os outros tinham bebido, recuperado da embriaguez, bebido de novo e depois se recuperado mais uma vez.
Quando null já não podia se aguentar mais de sono e as pernas reclamavam, cutucou null, que rapidamente percebeu a intenção da namorada e disse que estava pronto para levantar acampamento. null logo se esgueirou, fingindo-se de desentendida e pedindo carona, antes que outra pessoa pudesse oferecer para leva-la.
Enquanto null pagava a conta, a inglesa foi esperar do lado de fora. O cheiro de bebida já a estava enjoando e o barulho alto fazia seus ouvidos doerem. Assim que passou pela porta, null foi atingida por uma lufada de ar frio que a fez repensar escolher esperar do lado de fora. null apertou o sobretudo junto ao corpo, se abraçando e começou a caminhar em direção ao carro azul de null, do outro lado do estacionamento.
– Hey, null. – Uma voz chamou a atenção dela, fazendo com que parasse e virasse para trás. – Oi. Oi, null. – Waltteri Merelä sorriu, um pouco ofegante, interrompendo os passos assim que se aproximou dela, parecia ter corrido para alcança-la.
– Mere. – null sorriu, afastando os cabelos do rosto, chamando-o por outro de seus apelidos.
– Eu queria falar com você. – Ele sorria muito enquanto dizia. – Provavelmente você vai achar estranho. Vai me achar muito estranho...e eu só estou aqui porque estou um pouco bêbado. – Ele ria, gesticulava e andava de um lado para o outro enquanto falava. – Eu tenho tanta coisa...tanta coisa que quero te dizer... – Merelä passou as mãos nos cabelos, deixando as mãos juntas sobre a cabeça e expirou, encarando a terapeuta com olhos vidrados e um sorriso exagerado.
– Você está me deixando ansiosa, Waltt. – null se aproximou um pouco mais, não era comum ao jogador se comportar daquele jeito.
– Eu recebi uma proposta. – Ele confidenciou. – Tappara Tampere. Eu não sabia o que fazer, mas eu também não queria ficar toda minha carreira em Lathi. – Waltteri estava animado, agitado. – Eu amo Lathi, o Pelicans, os caras, vocês... mas eu queria sair. Preciso sair. E eu aceitei. Vou para Tampere. Em breve.
A terapeuta inglesa piscou duas vezes, atônita, chocada com a revelação. Desde sua chegada ao time Waltteri estava lá, não conseguia imaginar o time sem ele, ou sem Otto, ou sem Santtu, ou Jay, ou Aleks, null e Atte, Petri e todos os outros. Aquela era a parte ruim de estar em um time, uma parte com a qual ainda não tinha se deparado ou pensado sobre. Jogadores saem dos times, trocam o tempo todo, nada é para sempre, e agora Waltteri, seu primeiro amigo naquela cidade fria e desconhecida, estava indo embora.
null não conseguia disfarçar sua surpresa e a pontada de mágoa que se formava em seu peito. Como se o fato de Merelä deixar o time fosse alguma traição, algo pessoal. Todos amavam o Pelicans, então porque ir embora?
Eram uma família, o clima no clube era bom, estavam conquistando muitos pontos, iriam para os playoffs. Não entendia. Era como deixar sua família para se unir a outra.
– Uau. – null expirou um riso sarcástico e surpreso. – Desculpe, mas eu não sei o que te dizer.
– Eu não quero que diga nada agora, null. – Waltteri colocou as duas mãos sobre os ombros de null, olhando em seus olhos, ainda sorrindo, mas agora com alguma docilidade. – Eu quero terminar. Quero terminar de falar e então você me diz.
Ela assentiu, mais surpresa e mais ansiosa.
– Eu aceitei ir para Tampere. Eu vou. – Tornou a repetir. – Vou porque é o que eu quero fazer. São só duas horas de distância e eu...eu não vou estar longe. – Merelä gargalhou. – Eu enfim posso fazer o que sempre quis fazer, mas sem culpa. Sem estar errado.
– Mere... – null estava estranhando a postura do rapaz.
– Eu estou apaixonado por você, null. – Declarou o jogador, com os olhos azuis animados, mirando os da terapeuta inglesa. – Estou apaixonado por você. Completamente apaixonado por você. Você é inteligente, engraçada, bonita, me faz bem...você é alguém com quem eu gostaria de ter algo sério. Eu sei... eu ouvi alguma coisa sobre você ter alguém. Eu sei. – Waltteri parou de sorrir. – Mas agora que não é antiético ou coisa assim, não vou desistir. Eu estou completamente apaixonado por você, e me faria a pessoa mais feliz do mundo se você me desse uma chance e me deixasse mostrar que eu posso ser a pessoa que você precisa.
null não respondeu, estava boquiaberta, com as mãos de Waltteri sobre os ombros, olhos arregalados, sem saber o que dizer ou como reagir. Fora pega completamente desprevenida. Mas Waltteri aparentemente, movido ao álcool que tinha no corpo, que lhe parecia dar coragem e o deixar desinibido, sabia bem o que queria. Sem que desse tempo para a cabeça da inglesa funcionar, enquanto as falas de null sobre as intenções de Waltteri ecoavam em sua mente, Merelä tirou as mãos dos ombros e segurou o rosto de null com delicadeza, beijando-a de surpresa.
Levou alguns segundos para que null se desvencilhasse dele, seu corpo ainda estava em choque. Mas assim que seus músculos voltaram a obedece-la, null colocou as mãos espalmadas no peito do amigo e se afastou.
– Waltteri, não. – Negou, tocando os lábios com a ponta dos dedos. – Por que fez isso?
– Desculpe, eu...eu me excedi. – Ele pediu, com olhar cheio de remorso. – Mas tudo que eu disse é verdade, null. Eu só...não vou ser mais do time, estou livre. Não seria errado.
– Mere...eu... – null sacudiu a cabeça negativamente, apertando os olhos. – Não podia imaginar que sentia isso por mim. – Confessou, ainda chocada e ele assentiu e sorriu, como sinal de que compreendia. – Eu sinto tanto...mesmo.
– O que quer dizer? – Waltteri endireitou a coluna e mudou o semblante.
– Você é perfeito, não preciso te dar qualquer chance para saber que você seria a pessoa perfeita. Para mim ou para qualquer outra mulher. – Ela sorriu, tomando uma das mãos dele e a segurando. – E é por isso que eu lamento tanto partir seu coração. Eu amo você, mas como um amigo. Eu já... eu amo outra pessoa. Já tenho outra pessoa.
Waltteri piscou perdido, abriu a boca, mas não disse nada.
– O quê? Mas quem?
– Foi repentino, eu não esperava e talvez não fosse a melhor escolha... – Confidenciou null. – Mas não mandamos no coração. – Ela sorriu com empatia. – Eu realmente sinto muito, muito mesmo.
– Eu entendo. – Ele assentiu, baixando a cabeça e adotando um semblante triste. – Até ouvi dizer que você tinha alguém, mas eu precisava tentar. Precisava, de alguma forma.
– Eu sei, você foi muito corajoso. – null sorriu, beijando com delicadeza a mão do amigo que segurava. – Te admiro por isso.
– Posso fazer uma pergunta? – Waltteri ergueu o rosto e null assentiu com a cabeça. – Se eu...se eu tivesse falado antes?
– Não sei o que te dizer, não tenho essa resposta. – Respondeu ela, com um sorriso singelo, triste por causar aquilo a Merelä. – Talvez sim, ou não...
– Prontos pra ir? – null surgiu no meio deles, se fazendo ser ouvido de repente. – Merelä, também quer carona? – Sorriu erguendo as sobrancelhas, mas passando rápido por eles.
– Não. Não. – Negou o loiro. – Só estava acompanhando a null.
Enquanto null, aparentemente alheio a tudo aquilo, abria a porta do carro para a terapeuta inglesa, null se aproximou de Merelä e o abraçou forte, beijando seu ombro e pedindo desculpas com o olhar. Os olhos azuis do príncipe jogador estavam marejados e null queria ficar ali, consolá-lo, mas sabia que não era a pessoa certa. Mandaria uma mensagem de socorro à Santtu assim que entrassem no carro, o amigo saberia o que fazer.
Amava null, era ele, não tinha dúvidas. Mas nutria carinho fraternal por Waltteri e partia seu coração vê-lo daquela forma, principalmente sabendo que era a causa. Doía. Não tanto como devia doer nele, mas doía.
E assim, a noite de comemorações parecia se tornar uma das piores noites, ao menos para Merelä e null.
Sábado, 18 de dezembro de 2021, Lathi – Finlândia
Casa de null null
Dirigir a noite, com o asfalto quase congelado, depois de beber muitas e boas era perigoso, null null sabia disso, mas estava no automático desde que pisou fora do bar naquela noite. Completamente em choque, sentindo tantas coisas que mal era capaz de falar ou de organizar os pensamentos para que pensasse em uma só ideia.
Passou da porta do bar a tempo de ouvir Merelä falar sobre se mudar, e depois se declarar, para então beijar sua namorada. Eles tinham se beijado. Bem ali, no estacionamento. Viu que null recusou o beijo e que também o recusou, ouviu o que ela disse, sobre sentir muito mas amar outra pessoa. Parte sua até se alegrava em ter ouvido aquelas palavras serem ditas para Waltteri, enfim. Mas outra parte borbulhava por dentro sempre que a imagem de Merelä a beijando voltava a sua mente.
Graças a isso já tinha saído da estrada duas vezes, derrapado na neve e quase invadido a contramão. null não pareceu notar, tinha os olhos fixos na janela, corpo curvado, voltado para a porta, distante de null. Ela parecia triste e a cabeça do central não conseguia compreender a razão da tristeza. Estava infeliz por tê-lo escolhido? Preferia ter escolhido Merelä? O beijo tinha mexido com ela? Que droga era aquela que estava acontecendo?
A viagem até a casa do capitão foi completamente silenciosa, com null encarando a janela sem disfarçar sua tristeza, enquanto null sentia o chão sumir e um buraco aparecer sob seus pés. Seguiram dessa forma quando o jogador estacionou na garagem, até entrarem em casa, em completo silêncio.
null se dirigiu a cozinha, queria respirar, deitar no chão em posição fetal, chorar um pouco, gritar, quebrar alguma coisa. Mas assim que acendeu as luzes da cozinha e encostou a testa na parede, tentando obter algum tipo de auxílio para suportar o peso de seus pensamentos, null surgiu atrás dele. Ela ainda abraçava o corpo, agora sem o sobretudo que usava antes, tinha o semblante abatido e triste, como nunca o central tinha visto ela ostentar, e olhos marejados.
– Eu preciso conversar. – Anunciou ao se aproximar dele.
null nada disse, apenas girou o corpo, apoiando as costas a parede e com o queixo erguido, olhos no teto.
– O Waltteri... – Ela começou a falar e sua voz ficou embargada instantaneamente, atraindo o olhar do central, que não mudou sua postura, mas a olhou nos olhos. – Você tinha razão. Ele... – null perdeu o ar, apontando para trás, como se Waltteri ainda estivesse entre eles. – Ele realmente está apaixonado por mim.
null se manteve em silêncio, até podia dizer que estava certo, que sempre soube, que null era ingênua em não ver o que estava bem diante de seus olhos. Mas não tinha vontade, não sabia definir o que sentia, só sabia que não estava com ânimo para acusar, brigar, argumentar.
– Ele se declarou para mim. – Continuou null, enquanto lágrimas escorriam do canto de seus olhos, temendo a reação do namorado, confusa com tudo aquilo que tinha acabado de acontecer. – E depois me beijou, mas eu juro que...
null a interrompeu chegando mais perto e a abraçando. Ainda estava uma confusão de sentimentos, mas não ia deixar uma mulher ficar chorando na sua frente sem que fizesse nada, principalmente se fosse a sua null.
– Eu vi. – Confessou ele, apertando-a fortemente contra si. – Por que tá chorando?
– Como assim? Você viu? – null ergueu os olhos para ele, confusa. – Não está bravo? Ou quer terminar?
– Eu não sei. – null expirou, ainda abraçando a terapeuta. – Não sei o que eu tô sentindo e não quero falar disso agora.
– Mas você viu? – null ainda o encarava perplexa. – Por que não disse nada? Por que não disse nada lá?
– Não sei, null. – null se exaltou, afastando-se dela, apoiando o corpo a parede outra vez. – Não sei. Eu fiquei sem reação. – O jogador balançou a cabeça negativamente, falando mais baixo outra vez. – Congelei.
– Eu sinto muito, não queria que acontecesse...– null foi até ele, tentando o abraçar.
– Eu sei, eu vi... – null se desvencilhou. – Olha, é melhor a gente dormir. – Sugeriu, segurando as mãos dela que antes estavam em seus ombros, afastando-a. – Não quero conversar agora. Nem sei o que pensar agora. Vamos dormir, amanhã...amanhã é amanhã.
null pediu, implorando mentalmente para que ela aceitasse. Tinha melhorado muito no quesito conversas difíceis, mas nem o mais santo dos homens conseguiria ter um papo como aquele. Falar dos sentimentos, discutir a relação depois de ver um cara beijar sua mulher, bem na sua frente e nem poder fazer nada. E era ela quem estava chorando? Ele quem devia chorar.
– Eu...eu vou poder dormir no seu quarto? – null quis saber, secando as lágrimas com as costas das mãos e respirando fundo.
– Lá é que a gente dorme, não é? – Respondeu com alguma rispidez, dirigindo-se as escadas, sem esperar a namorada.
Sábado, 18 de dezembro de 2021
May Day Music & Bar – Aleksanterinkatu – Lathi, Finlândia
Uma das melhores coisas de estar de volta a Lathi era aproveitar as velhas companhias. Com o divórcio, dois anos antes, muitos dos amigos haviam ficado em um tipo de zona de esquecimento. null não sabia como lidar com eles, muitos eram amigos do casal e não só dele. Os amigos também pareciam viver o mesmo dilema, sempre pareciam desconfortáveis ou sem jeito, faltava assunto. Mas felizmente, parte importante do grupo era amigo de infância de null. Amigos com quem dividia o rinque do Pelicans na época do time infantil, dividiam as pistas de karts, as cervejas, as festas no lago e todas as outras coisas boas e memoráveis que fizera durante a infância e adolescência.
Uma das coisas que mais amava fazer naquela época, e que ainda perdurava, era se reunirem no bar depois dos jogos do Pelicans. Beber, encontrar as garotas, se gabar por já terem jogado no time. Após mais anos do que seria recomendado, estava ali para beber, se divertir, se gabar por já ter jogado no time e talvez por ser um dos donos. Não estava mais ali para encontrar garotas. A sua estava a caminho dos Estados Unidos naquele momento, disputaria uma prova importante de ciclismo lá e estava em cólera com a ausência do namorado.
null sempre fora o tipo de pessoa capaz de abrir mão de seus interesses para alegrar outras pessoas, mas agora não tinha mais essa disposição. Amava pedalar, amava acompanhar a namorada em suas provas, mas naquele momento, prestes a estrear em uma equipe nova, começar outra fase de sua carreira, o que realmente queria era paz. Conseguiria isso em Lathi, ao lado dos amigos e familiares, não era o momento de viajar de país em país, acompanhando provas. Precisava cuidar de si mesmo, ao menos um pouco, e o primeiro passo para isso era estar naquele bar.
Estava prestes a sair do carro, no estacionamento do mesmo bar que sempre ia com os amigos durante seu tempo em Lathi, quando o celular tocou. Encarou a foto e o nome da namorada no visor, ponderando se devia ou não atender. Sabia o que ela diria, sabia que uma discussão teria início naquele momento, perto da meia-noite, no estacionamento gelado do bar, com seus amigos aguardando do lado de dentro. Não estava no clima, embora se sentisse culpado por rejeitar a ligação, não estava com ânimo e disposição para listar pela vigésima vez as suas razões para ainda estar ali.
null negou com a cabeça, suspirou, recostou a cabeça ao banco e silenciou a chamada, colocando o celular no modo avião. Os olhos passaram a vagar pelo estacionamento, enquanto ele tentava lidar com a culpa pela situação com a namorada. Não durou muito. Logo sua atenção foi capturada por uma cena que atraiu mais que sua atenção. O bar e o estacionamento pareciam estar lotados, mas a presença daquela pessoa ali ainda assim o surpreendia.
null null, atravessando o estacionamento abraçada ao próprio corpo, lutando contra o vento gelado e os pequenos flocos de neve que caiam. E então, outro ator entrou em cena. null o reconheceu, era Merelä, um de seus jogadores favoritos no time, um jogador de ataque poderoso, inteligente. Merelä parecia bêbado, cambaleou um pouco até alcançar a mulher, e assim que a alcançou começou a falar de modo animado.
Ele falou e ela se aproximou, depois continuou falando, gesticulando, desinquieto. Graças à distância, null não podia ouvir o que diziam, para sua tristeza. Pensou em abrir os vidros, mas congelaria dentro do carro se fizesse, então passou a apenas assistir a cena.
Em certo momento, Merelä se aproximou mais de null, colocou as mãos sobre seus ombros e continuou a falar, alegremente, para no momento seguinte a beijar. null se remexeu no banco. null e Merelä? Então não era o null? Ou eram os dois?
Era uma cena desconfortável, de um beijo que parecia infinito. Então os dois se afastaram, Merelä tinha o semblante menos alegre e null segurou sua mão, depois a beijou. null não fazia ideia sobre o que conversavam, mas havia uma atmosfera de carinho ao redor dos dois. A forma com que null segurava a mão dele, ou como ela a tinha beijado, tudo denunciava isso. O ato final foi a chegada repentina de null null, que passou pelos dois rapidamente, os cumprimentou e foi em direção a um dos carros estacionados. null null, como um cachorrinho adestrado, se despediu de Merelä – com mais afeto do que devia – e entrou no carro com null, deixando o palco.
null estava estarrecido, pasmo, indignado. Não tinha contratado a mulher para que ela se envolvesse com os jogadores. Então era por isso que a terapeuta havia dito, na noite anterior, sobre ele tê-la perdido para o time? Pensou null. Era sobre isso? Sobre se envolver amorosamente com os jogadores? Merelä, null? Quem mais estaria na lista de null null? O piloto se perguntava, irritado com a cena.
Mas não mais incomodado do que Waltteri Merelä. O jogador ficou parado de pé, no meio do estacionamento, até quase congelar. Depois entrou em seu carro e ficou por lá, sozinho, por mais tempo que o recomendado, até que enfim ligasse o motor e fosse embora.
null null estava fazendo estragos mais uma vez, pensou null.
Sálvia
Sálvia: Símbolo do equilíbrio entre mente e corpo. Espanta vibrações negativas e traz proteção à casa e as pessoas. Seu nome, em latim, significa salvar.
Domingo, 19 de dezembro de 2021
Casa de null null
Lathi - Finlândia
Não tinha sido uma noite fácil.
As dúvidas, medos e angústia de null quanto a decisão do namorado a corroíam e eram amplificadas pelo silêncio dele. null tinha passado a noite acordado, encarando o teto, imóvel, e a inglesa temia o que ele diria quando enfim resolvesse falar. null sempre nutriu grande ciúmes de Merelä, alegando justamente que o jogador simpático, doce e bonito tinha sentimentos pela namorada. null sempre ignorou, pensando que devia ser insegurança, dificuldades do capitão em lidar com a amizade entre ela e o jogador com jeito de príncipe.
null estava certo e Santtu também. Waltteri estava mesmo apaixonado por ela.
Se null reagia mal a tudo que e envolvia a namorada e Waltteri Merelä, a inglesa imaginava qual seria sua reação, o que ele faria tendo visto Waltteri a beijando. Certamente terminaria o relacionamento dos dois, e com razão, depois trocaria socos com Merelä assim que cruzasse com ele no vestiário ou em qualquer outro lugar. Tudo era desastroso. Todos os cenários criados em sua mente durante aquela noite torturante eram desastrosos e horríveis. Lhe davam vontade de chorar, mais uma vez.
Quando o som dos pássaros ficou mais intenso do lado de fora e uma linha de luz do sol atravessou uma pequena fresta na cortina, null tomou coragem para buscar o namorado. null estava deitado, olhos fechados, uma das mãos sobre o estômago, peito nu. A inglesa se virou na cama, o observando, tomando coragem para falar qualquer coisa.
– Bom dia. – Ela sussurrou em um fio de voz.
– Bom dia. – Ele respondeu rápido, ainda de olhos fechados, confirmando a teoria dela de que estava acordado.
– Como passou a noite?
– Acordado, como você. – null respondeu sem rodeios, mas seu tom não era frio ou seu modo de falar grosseiro, tinha certo desânimo, cansaço.
– Quer conversar agora? – Perguntou a terapeuta com voz triste. – Porque eu gostaria. Quero conversar, antes que eu morra de angústia.
– O que você sentiu? – Ele indagou direto, sem se mover.
– O quê? – null franziu o cenho. – O que senti durante a noite?
– O que você sentiu quando beijou ele? – null enfim abriu os olhos, mas seu rosto estava neutro, calmo, a voz sem demonstrar qualquer sinal de emoção, boa ou ruim.
– Quando ele me beijou. – null o corrigiu, erguendo as sobrancelhas, depois apertou os lábios e o olhos. – Culpa. Foi só o que senti. Não era o que eu queria, nada daquilo.
– Então por que ficou triste? – Tornou a perguntar, dobrando um dos braços e o apoiando atrás da cabeça, analisando a namorada, que franziu o cenho. – Ficou triste quando deixou ele lá e veio para casa comigo. – O central explicou seu ponto.
– null? – null o encarou incrédula, sentando-se a cama. – Não é meio óbvio?
– Não. – null respondeu duro, fazendo a namorada respirar fundo. – Não pra mim.
– Eu adoro o Waltteri, ele é meu amigo. – Ela começou a falar. – Foi a primeira pessoa que conheci, a primeira a me ajudar. Gosto dele e por isso lamento saber que ele está sofrendo por minha causa. Isso me deixa triste. – Explicou, passando as mãos nos cabelos, afastando-os do rosto. – E também me deixa triste o que aconteceu, o que você disse que viu. – null o olhou nos olhos, em silêncio. – Culpada por não ter escutado você quando disse que ele sentia alguma coisa por mim. Culpada por ele ter me beijado, triste por sua causa.
– Por que?
– null? – null uniu as sobrancelhas e expirou um quase riso angustiado e incrédulo com a dificuldade que ele tinha de compreender. – Porque eu não quero magoar você e sabia que aquilo te magoaria, como magoou.
null manteve os olhos sobre a namorada por mais alguns instantes, para depois respirar fundo e os fechar de novo.
– Eu te disse que ele gostava de você. – O central suspirou.
– Eu sei disso, sinto muito por não ter te escutado. – A terapeuta admitiu com pesar, erguendo o tronco e se sentando na cama. – Eu não posso voltar atrás e desfazer o que aconteceu, mas se tiver alguma coisa... alguma coisa que possa...
Ela não terminou, mas não era preciso, null entendeu o que ela queria dizer, o que ela oferecia. null estava sentada na cama, as mãos apoiadas paralelas ao corpo. O central esticou a mão direita até que alcançasse a mão da namorada, entrelaçando seus dedos, atraindo a atenção da inglesa, que olhou para as mãos juntas e depois para eles.
– Nada mudou? – null a olhou no fundo dos olhos, como se tentasse ler sua alma.
– Está mesmo preocupado se o que eu sinto mudou porque o Waltteri me beijou sem que eu quisesse? – A inglesa se surpreendeu.
– Só me responde.
– Nada mudou, Rakkaani. – null respondeu, voltando o tronco na direção do namorado, que ainda estava deitado. – Não precisa se preocupar com isso. Eu quem estou preocupada com o que você pensa sobre isso, sobre como se sente... não você.
– Eu não preciso falar nada. – Disse ele depois de um longo suspiro.
– Tem razão. – null assentiu. – Você já me disse muitas coisas a esse respeito. Já me disse sobre a raiz da sua insegurança, já me falou sobre tantas coisas...sobre o Waltteri.
– Então eu não preciso mesmo dizer mais nada. – Ele a interrompeu, fechando os olhos.
– Mas eu preciso que me diga alguma coisa. Não me deixe no escuro assim. – A inglesa protestou.
– null, me dá um tempo. – Pediu ele, erguendo o tronco e se sentando também. – Eu acabei de ver você e outro cara se beijando. Outro cara que trabalha comigo, com quem eu passo mais da metade do meu tempo. Me dá um tempo. – A voz de null era um pouco mais emocionada que antes. – Você tá angustiada? E como acha que eu me sinto? O que você quer? Que eu finja que não aconteceu nada e que não vi o que eu vi? Nem eu sei o que eu tô sentindo agora. Nem sempre dá pra se ter conversas longas sobre os sentimentos.
– Eu só quero resolver. – Ela falou entre o discurso dele.
– Não tem o que resolver, Rakkaani. É o que é. – null se inclinou, enfiando as mãos nos cabelos, que já estavam maiores que o de costume. – Não tô com raiva de você, ou achando que me traiu. Mas quando eu olho para você, eu me lembro, então... paciência. – O capitão suspirou. – Eu tô triste e mais um monte de coisas e não quero esconder.
– O que eu posso fazer para... – null se esticou para tocar o ombro do capitão.
– Me deixa na minha. – Respondeu ele, deixando o corpo cair na cama outra vez. – Pelo menos um pouco. Eu não quero ter conversas sobre isso, não quero lidar com isso agora. – null gesticulou ao falar. – Só quero ficar na minha um pouco.
– null, eu...
– Eu quero ficar sozinho. – Pediu de novo, olhando para a namorada. – Eu só preciso ficar sozinho um pouco, tá!? Tá tudo bem.
null não respondeu, assentiu em silêncio e se virou, colocando as pernas para fora da cama.
– Você tem razão. – Concordou com um aceno. – Vou te dar espaço, você tem razão. – A inglesa ficou de pé e começou a recolher seus pertences pelo quarto. –É mesmo muita coisa para assimilar, não tiro sua razão. Nem eu mesma sei o que pensar sobre tudo isso ainda.
– Me deixa te levar. – Falou null, jogando os cobertores para longe e colocando as pernas para fora da cama. Não soou como um pedido.
– Não é preciso. – Negou null, sacudindo a cabeça negativamente e colocando os cabelos atrás da orelha, ainda vestindo a camisa do namorado que usava para dormir.
– Mas eu vou. – null deu a palavra final ao sair da cama, ignorando a expressão trancada de null, passando por ela para ir até o banheiro.
Domingo, 19 de dezembro de 2021
Casa de null null
Lathi - Finlândia
Menos de uma hora após a partida silenciosa de null, null tinha pedido socorro a Santtu. Precisava conversar com alguém, de um abraço e de algum tipo de acalento sobre aquela situação. Sabia que o namorado tinha razão e que precisava de um tempo para lidar com tudo aquilo. Parte sua até se surpreendia pela reação madura de null diante tudo aquilo, mas isso não significava que não se preocupasse sobre o rumo de seu relacionamento após aquele episódio. Também se preocupava com o fato de ele estar sozinho, com o apoio que não teria.
Devido aos últimos acontecimentos, sabia que ele não procuraria Atte para desabafar. Aleks não sabia sobre o relacionamento dos dois, e null não tinha conhecimento sobre nenhum outro amigo que pudesse ajudar o namorado. Era péssimo o que sua mente fazia consigo mesma. Estava sofrendo também, não queria magoar Merelä, muito menos null, mas no lugar de sofrer e se acolher ou ser acolhida, estava preocupada sobre como null lidaria com tudo aquilo.
Mas assim era ela, não sabia ser de outra forma. Sempre buscava não tomar todos os fardos do mundo para si, mas em alguns momentos, principalmente com as pessoas que amava, era difícil obedecer aquela máxima.
Sem pensar muito e rapidamente, digitou uma mensagem a Atte, contando do acontecido e pedindo que, se pudesse, ele fizesse uma visita a null. Se sentiria mais tranquila se soubesse que o namorado não estava sozinho. null provavelmente se irritaria mais com ela por essa atitude, mas não era como se pudesse não fazer. Enquanto terminava de escrever, a campainha tocou, anunciando a chegada de Santtu, null se apressou até a porta.
– Oi, Tytto. – Santtu a saudou assim que atravessou a porta, abraçando a amiga.
– Obrigada por vir. – null correspondeu, o abraçando com força. – Você... – Ela hesitou, sem jeito. – Você viu o Waltteri?
Santtu franziu os lábios e maneou a cabeça, seguindo a terapeuta até o sofá.
– Vi. – Respondeu ele, após algum silêncio. – Vi sim.
– E ele? – null estava ansiosa.
– Ele está na bad. – O defensor deu de ombros, sentando-se ao lado da amiga. – Do jeito que a gente espera que esteja. É assim quando você se apaixona por alguém que tem namorado. Nunca aconteceu com você? – Kinnunen sorriu de lado, olhando para null. A energia de Santtu era suave e tranquila como sempre, trazendo a inglesa a sensação de que nada era tão importante como ela pensava. – Você não devia ficar mal por isso. Sério. – Ele enfatizou a última palavra com o olhar. – Mere vai superar, todo mundo superar. Não é como se ele fosse morrer com isso.
– Do jeito que diz, parece fácil e simples. – null riu abafado, encolhendo-se no amigo, apoiando a cabeça em seu ombro.
– Mas é. – Santtu abriu um dos braços, acolhendo a terapeuta. – Não dá para escolher sobre quem a gente se apaixona, mas dá para escolher ficar ou não sofrendo sobre isso. Merelä vai para Tampere, vai acabar conhecendo outras mulheres e logo nem vai lembrar que tinha uma queda por você.
null não respondeu, apenas sorriu. Ficou em silêncio por um tempo, aproveitando o abraço do melhor amigo, mastigando suas palavras, até que decidisse falar de novo.
– null viu tudo. – Contou de uma vez, fazendo com que Santtu levasse um susto.
– Então a gente precisa avisar o Waltteri. – Falou preocupado, ensaiando levantar-se. – Pra ele pelo menos saber de onde vem o soco.
– Não, não acho que... – null não terminou.
– Você não acha? – O defensor arqueou uma sobrancelha, desassossegado.
– Eu não sei, sinceramente. – Ela expirou, perdida em seus próprios pensamentos. – Ele não quis conversar muito, mas... eu me surpreendi. Imaginei que ele fosse reagir de modo diferente, explodir, mas ele...
– Ele? – Santtu a incentivou.
– Ele passou por nós no estacionamento, logo depois de ver o que viu e fingiu que nada havia acontecido. – Contou a inglesa. – E ontem também, ele não pareceu estar com raiva, e hoje... talvez ele tenha entendido o que aconteceu. Disse que queria ficar sozinho, que precisava de um tempo. Só quis saber se eu tinha me sentido diferente, se o beijo tinha mexido comigo de alguma forma.
– E mexeu? – O goleiro sondou, arqueando uma sobrancelha.
– É claro que não, Santtu. – Ela negou de pronto. – Eu amo o null.
O defensor arregalou os olhos e afastou o rosto, pasmo.
– Como é?
– É...eu... – A inglesa hesitou, umedecendo os lábios e afastando o olhar, endireitando o corpo e encarando a parede a sua frente. – Isso não vem ao caso agora, não é?
– Tá, tando faz... – Santtu expirou profundamente. – Não é como se fosse da minha conta mesmo. – O defensor deu de ombros, inclinando o corpo e apoiando os braços aos joelhos. – Mas, null... null não sentir raiva de você e só se preocupar com os seus sentimentos é até esperado. – A terapeuta o olhou, curiosa com o argumento do amigo. – Ele viu tudo, como você disse. Mas não significa que ele não esteja com raiva do Mere, ou que não vá acertar um soco nele assim que tiver a chance.
– Ele não é um ogro violento. - null protestou, franzindo os lábios. – Ele está magoado, mas se fosse assim, teria brigado com Merelä no estacionamento.
– Pode ser... – Santtu voltou a se recostar ao sofá, pensativo.
– Só me importo em ele ficar bem, em nós dois ficarmos. – Confidenciou a inglesa, expirando.
– É, ele deve estar meio mal mesmo, é normal. – Santtu fez um barulho com a boca. – Dá um tempo, se é isso, se ele está okay com você, logo supera.
– É, estou tentando pensar nisso. – null assentiu, sorrindo fechado para o amigo.
– Só não fica criando paranoia. – Santtu deu de ombros. – Ficar imaginando fundos e o que há por trás das falas das pessoas vai te deixar maluca. Se ele disse o que disse, é isso. Dá um tempo. Se fosse eu, ia ficar meio estranho também, sabendo que minha namorada beijou outra pessoa.
– Eu não beijei, ele quem me beijou. – Corrigiu ela, contrariada.
– Tá, mas pra memória dele, isso não importa muito agora.
– Amigo, você não tá me ajudando. – Reclamou null, endireitando as costas.
– Tá, só me diga uma coisa. – Pediu erguendo o dedo indicador. – Você confia nele? No que ele sente por você?
– Acho que sim, mas tenho medo do que o ciúmes e a insegurança dele podem fazer. – Respondeu null.
– Então para de ter medo e confia, espera. – Santtu apertou o ombro de null. – O medo não é pelas inseguranças dele, o medo é seu, do que ele sente não ser suficiente depois disso. Vocês namoram escondido do time todo, ele foi capaz de passar por cima de coisas da carreira pra escolher você, ele consegue superar. – Santtu sorriu, arrancando um sorriso um pouco aliviado de null.
Domingo, 19 de dezembro de 2021
Casa de null null
Lathi - Finlândia
Infelizmente para null null, as pessoas tinham sempre a péssima ideia de visitá-lo nos piores momentos. Sua vontade era ficar em sua cama o resto do dia, até a hora que fosse obrigado deixar o calor e conforto de sua casa e enfrentar o frio e a neve para ir ao trabalho. Um pouco de paz e solidão, contemplando o abismo de seus sentimentos. Era melancólico, sabia, mas não ligava.
Queria continuar ignorando todo o universo, mas a chegada repentina de Atte no meio da tarde acabou com seus planos. Depois de se arrastar pela casa, o central aguardava o goleiro do time estacionar, parado junto a porta, sem se incomodar em parecer receptivo ou simpático. Atte vestia um moletom de sua marca, os cabelos estavam molhados e penteados para trás e o olhar dele era amistoso, diferente do último encontro pessoal que haviam tido.
Não fazia ideia do motivo da visita repentina, e sendo sincero não fazia qualquer questão de descobrir. Estava pronto para despachar o goleiro, não estava no clima para reconciliações ou conversas sobre sentimentos, relacionamentos e Inessa. Tinha seus próprios problemas e não precisava de outros.
– E aí. – Atte cumprimentou ao se aproximar de null, que estreitou o olhar, analisando o amigo.
– O que você quer aqui? – Perguntou direto.
null estava um completo desastre, os cabelos despenteados e sujos, usando um moletom que devia ter sido lavado há pelo menos três dias, a pele oleosa e a barba por fazer.
– Leitura de mentes. – Tolvanen deu de ombros, enfiando-se para dentro. – Você tá um lixo. – Apontou o goleiro. – Estava dormindo até agora? Já comeu alguma coisa? – Atte verificava algumas latas de cerveja deixadas sobre uma mesa, na sala de estar, balançando para conferir se estavam vazias.
– O que é que você acha que está fazendo? – null girou em seu próprio eixo, encarando o amigo, confuso e insatisfeito com a postura dele.
– Tentando te devolver um pouco de dignidade. – Atte encolheu os ombros, indiferente e se lançou sobre o sofá.
null analisou a cena de olhos estreitos por alguns instantes, então como um estalo, algumas coisas começaram a fazer sentido. O central riu fraco, jogou a cabeça para trás de olhos fechados, expirou pesadamente e em seguida voltou a encarar o amigo.
– null. – Concluiu, sentindo uma pontadinha de calor ao se dar conta de que a namorada havia enviado e provavelmente convencido Atte e ver como ele estava.
– Ela queria que eu garantisse que você não seria expulso por bater em mais alguém no time. – Atte caçoou, vendo null se mover até que sentasse ao seu lado no sofá.
– Não vou bater em ninguém. – Falou ele, apoiando os cotovelos nos joelhos e inclinando o tronco para frente. – Pelo menos não pretendo agora.
– Não te julgaria se fizesse. – Tolvanen ergueu um ombro e maneou a cabeça, projetando o lábio inferior, pensativo. – O cara beija sua namorada. É um motivo melhor do que o das suas últimas brigas.
– Eu acho que devia falar com ele. – null externou seus pensamentos, ignorando o nada sutil ataque de Atte. – Homem pra homem. Deixar a null fora disso. – null respirou fundo e depois deixou-se relaxar as costas no sofá, recostando-se. – Vamos precisar conviver no time, então...
– Todo o drama do segredo, mentindo para todo mundo, para contar justamente pra única pessoa que tem interesse em ver vocês dois separados e ferrados? – O goleiro arqueou uma sobrancelha. – E sem brigar? Quem é você e o que fez com o meu melhor amigo?
– Eu não vou fingir que não aconteceu nada. – O capitão negou com a cabeça. – Toda vez que penso nela ou que olho pra ela, só consigo ver a tal cena... – Lembrou com mágoa.
– E você acha que vai ajudar? Expor você e ela para ele? – Atte cruzou as pernas, mantendo-as esticadas. – Você vai falar, ele vai saber, mais gente pode saber por ele, e você vai continuar lembrando da cena quando olhar pra ela. Você tem é que superar. Deixar pra lá.
– Eu sei, eu quero. – null ficou de pé. – Eu sempre disse e soube que ele gostava dela, e que bom que eu vi tudo. Às vezes penso assim. – O jogador andava pela sala enquanto falava, sendo seguido pelos olhos atentos do amigo. – Se não tivesse visto e ela me contasse, como contou, eu não acreditaria.
– O que mesmo você viu? – Quis saber o loiro, curioso.
– Quando eu saí do bar ontem, ouvi eles conversando e parei para entender do que falavam. – Narrou null, parando de andar enfim e coçando a nuca, recordando-se da cena. – Ele se declarou, disse que sabia que ela tinha alguém, mas que queria a chance de mostrar que podia ser melhor. Depois beijou ela. – Quando pronunciou aquelas palavras, null não conteve o repuxar de lábios devido a repulsa, Atte fez uma careta semelhante. – Ela afastou ele, disse não, disse que sentia muito e que amava outra pessoa.
– Amava? – Tolvanen arregalou os olhos e sorriu. – Ela disse isso mesmo?
– Disse. – null confirmou, sorrindo envergonhado. – Vou tratar disso em outro momento. – Garantiu.
– Eu tô realmente surpreso por você não ter batido nele ali mesmo. – Suspirou o goleiro.
– É, eu também, acredite. – O capitão ergueu um ombro e voltou a se sentar no sofá. – Parece que pessoas podem mesmo mudar.
– Cara, olha... – Atte se inclinou, tocando o ombro do central. – Ele já entendeu que não vai rolar, deixe como está. – Aconselhou o goleiro. – Segue a vida com a sua gata.
– Ponto final pra ele, mas não pra mim. – null negou com a cabeça. – Não vou ficar de boa até resolver isso. Eu sou homem, não vou deixar qualquer um chegar, beijar minha mulher e seguir a vida como se nada tivesse acontecido. – Atte franziu o cenho. – Não vou fazer nada demais, relaxa. – null o acalmou outra vez. – Só não vou ficar quieto e escondido. Quero que ele saiba que não pode mexer com ela, nunca mais.
Segunda-feira, 20 de dezembro de 2021
Centro de Treinamentos do Pelicans
Lathi - Finlândia
null null mal se aguentava de pé de sono naquela manhã de trabalho. De volta a rotina, teriam o último jogo antes da pausa das festas nos próximos dias, precisava estar atenta ao trabalho, mas não conseguia se concentrar em nada além de null null e o elefante entre eles. Graças a conversa com Santtu no dia anterior, estava mais tranquila quanto a Merelä, não estava preocupada com a relação deles no trabalho ou coisa do gênero. Merelä tinha cabeça no lugar e o fato de ter esperado até que mudasse de time para se declarar, sinalizava que não teriam problemas no trabalho graças ao sentimento não correspondido do jogador.
Mas null...
Não sabia como ele realmente estava, null não respondia suas mensagens ou ligações. Atte, como típico melhor amigo homem, lhe dissera apenas que “tudo estava okay”, como se aquela resposta bastasse. Queria detalhes, queria saber exatamente tudo que null pensava ou planejava. Queria a certeza de que tudo estava bem, que ele, apesar da situação, não terminaria tudo ou faria qualquer besteira.
Naquela manhã o time só chegaria mais tarde, depois do almoço. Estava sozinha para finalizar relatórios e evoluções dos atletas para o breve período de recesso. Principalmente porque logo após o retorno teria início a abertura da fase de vendas e trocas e compras, precisava de tudo em ordem.
Depois de ler e reler sem conseguir entender o que tinha escrito na evolução de Aleks Haatanen, null desistiu, pegou o celular sobre a mesa e abriu uma de suas redes sociais. Abriu o perfil de null em busca de qualquer coisa nova, qualquer algo novo que lhe desse qualquer sinal de como o namorado estava. Rolou as fotos do namorado, perdendo-se nas suas fotos favoritas dele, gastando algum tempo acariciando a tela do celular e choramingando, de saudades e angústia.
Até que enfim uma das mensagens deixadas por null foi respondida por null. A inglesa tinha mandado mensagens em todas as redes sociais possíveis e null estava respondendo a enviada pelo Instagram.
Oi, eu de novo 😔 Me dê notícias, por favor.
Oi, Rakkaani
Tô okay
Meu amor 😍 estava preocupada, você não me respondeu
Eu queria ficar sozinho
Te falei isso
Só precisava de um tempo
Eu sei, só que fico preocupada, angustiada com tudo isso que aconteceu. Culpada. E sem respostas fica tudo pior 😣☹
null viu a mensagem, mas não respondeu. null odiava aquela sensação, estar no escuro, sem saber o que o futuro aguardava. null tinha dito sobre não estar com raiva dela, mas não tinha lhe dado toda segurança quanto a continuarem juntos. O tratamento de silêncio do jogador não ajudava também.
Instantes depois, outra mensagem de null fez null se endireitar.
Eu sei, só que fico preocupada, angustiada com tudo isso. Culpada. E sem respostas fica tudo pior 😣☹
Desculpa
Por que???? 😳😳
Por isso que você falou.
Não queria te deixar mal também
Só quero que a gente fique bem
A gente tá bem
De verdade
Me diga pessoalmente
Eu vou.
A gente se fala quando eu chegar, prometo
Vou te esperar ❤❤❤
❤
Segunda-feira, 20 de dezembro de 2021
Centro de Treinamentos do Pelicans
Lathi - Finlândia
Com um copo de café grande em mãos, null null deixou o carro no início da tarde de segunda-feira. O chão estava coberto de neve e ainda nevava, estava frio e o vento era forte. null estava munido de todo tipo de peça de roupa para o inverno que possuía em seu guarda-roupas e de muita determinação.
Mais algumas pessoas chegavam para o treino da tarde, null cumprimentou algumas com sorrisos e acenos educados. Não estava no clima de muita festa, ou de conversas animadas. Queria ter a conversa que havia ensaiado em sua mente durante toda a noite, até aquele momento. Queria encontrar Merelä e mostrar que a terapeuta inglesa não estava sozinha, que ela tinha um homem ao seu lado e que ele não podia tê-la. Estava ansioso, principalmente se considerado que dizer aquilo tudo ao ala era o que o capitão mais queria desde que percebeu os primeiros sinais de interesse de Waltteri por sua garota.
– Onde está sua máscara? – Topi questionou assim que se aproximou do capitão, andando ao lado dele para dentro.
– Tá falando do quê? – null devolveu, tomando um gole do líquido quente que trazia consigo.
– Não soube? – Ele arqueou uma sobrancelha e dirigiu ao central um olhar amedrontador. – Dois do Tappara, dois do KooKoo e um do HIFK com Covid. – Listou Topi Jaakola. – A Liiga publicou um comunicado hoje de manhã.
– Não me diga que vão parar a temporada de novo? – null se alarmou.
– Não ainda. – Respondeu o defensor enquanto ainda caminhavam do lado de fora, e o central respirou aliviado. – Parece que voltaram com as regras dos testes, uso de máscaras. Se não resolver, a pausa das festas pode ser prolongada.
– Era só do que a gente precisava. – Resmungou null.
– E aí eu te pergunto. – Topi tocou o ombro do capitão e arqueou uma sobrancelha. – Onde está sua máscara?
– Pego uma com null depois. – null deu de ombros, com indiferença.
Topi não respondeu e os dois continuaram seu caminho para dentro do centro de treinamentos, que ficava anexo a Isku Areena. null segurava a alça da bolsa de treinos com uma mão e com a outra o copo de café. Até que enfim seus olhos cruzaram com a figura que mais ansiava ver naquele momento.
– Topi, a gente se fala depois. – Disse null, afastando-se do defensor. – Se encontrar com a null, avisa que passo lá.
O defensor assentiu com a cabeça enquanto null se afastava, seguindo a passos rápidos na direção de Waltteri Merelä, que caminhava distraído rumo a entrada do centro.
– Merelä. – null chamou antes e Waltteri parou onde estava para esperar que ele se aproximasse.
– E aí, cara. – Cumprimentou o loiro, sem sorrir. Merelä parecia cansado.
– Será que a gente pode falar? – null indagou e o ala assentiu em silêncio, seguindo o capitão para dentro.
null guiou Waltteri para um canto qualquer, isolado, onde os jogadores não passariam. Waltteri segurava a alça da bolsa de treinos com as duas mãos e tinha olhos atentos ao central. null respirava devagar, tinha olhos fixos no jogador e se sentia calmo, por ter certeza do que estava fazendo.
– Não vou ficar enchendo. – Começou o capitão, sem tentar ser simpático, cruzando os braços sobre o peito depois de tomar o resto de seu café e jogado o copo em uma lixeira próxima. – Eu sei do que aconteceu no sábado. Você e a null.
Merelä respirou fundo, jogou a cabeça para trás de olhos fechados, depois baixou a cabeça, balançou negativamente e voltou a encarar o capitão.
– Foi... eu nem sei o que dizer. – Waltteri falou desanimado. – Foi um erro.
– Foi mesmo.
– Eu só... – Merelä suspirou. – Me deixei levar pelo sentimento. Eu me apaixonei, achei que com as novas coisas alguma coisa podia mudar, achei que pudesse ter alguma chance.
– Que coisa nova? Sua saída do time? – null falava com seriedade, como quem corrige alguém ou resolve uma situação tensa.
– Como você sabe disso? – Merelä se surpreendeu. – Ela te contou? Por isso que sabe sobre o que aconteceu entre nós dois? – O jogador questionou surpreso, confuso e um pouco traído.
– Nós dois? – null repetiu com menosprezo, rindo fraco. – Por favor...
– Ela te contou. Por que ela te contaria? – Continuou a questionar o ala. – Eu só contei ao Santtu. Santtu não te contaria, então se você sabe...
– Ela não precisou me contar, Merelä, eu vi. Estava no bar, se esqueceu? Achou que estavam sozinhos lá? – null se aproximou um pouco mais de Merelä, olhando o loiro nos olhos. – E o quê? Ela devia manter segredo? – null ironizou. – Sobre o que exatamente? Você ter beijado ela sem consentimento ou sobre sair do time?
– Qual é o seu problema? – Merelä devolveu no mesmo tom. – O que isso tem a ver com você?
– Tem tudo.
Enquanto o tom de voz de null era calmo, sério e suave, o de Merelä era um pouco mais emocionado. O jogador não imaginava que sua atitude seria exposta, mas não se incomodava por saberem sobre o acontecido. Se incomodava por ser null ali, e pelo desdém na voz do capitão ao falar do acontecido.
– O quê? – Waltteri riu com deboche. – Está bravo porque vou sair, ou com ciúmes porque eu beijei a null.
null não respondeu, apenas maneou a cabeça, mantendo o olhar fixo ao de Waltteri e apertou os lábios em uma linha fina.
– Eu não vou entrar na sua pilha. – Disse o central, aproximando-se do jogador. Desistindo da metade de tudo que havia ensaiado e planejava dizer a Waltteri. – Você tá frustrado, eu até entendo. – null mantinha o olhar fixo a Waltteri. – Se tá chateado, resolva sozinho, mas eu não vou cair na sua pilha. Mas pelo bem do time, seu e da null, deixa ela em paz. Ela não quer nada com você e já é comprometida. – Exigiu, dando as costas para o ala, se afastando devagar.
– Pelo meu bem? – O ala repetiu, estarrecido. – Qual é o seu lance aqui? Com ela. Isso não tem nada a ver com o time, é assunto pessoal. Entre ela e eu.
null o mirou por sobre os ombros.
– Não quando você beija alguém do time do meio do estacionamento de um bar. Eu sou o capitão, Merelä. – Falou com firmeza o central. – Enquanto eu estiver aqui, ninguém vai incomodar a null null.
Segunda-feira, 20 de dezembro de 2021
Centro de Treinamento do Pelicans
Lathi, Finlândia
null andava nervosamente de um lado para o outro em sua sala de atendimentos quando null passou pela porta, surpreendendo-a. O capitão a fechou atrás de si e trancou, depois voltou seu olhar para a namorada, que o encarava com receio e expectativa. A respiração da terapeuta inglesa era profunda e descompassada, os olhos focados, mãos suando e pernas trêmulas. Foram alguns breves segundos de silêncio até que ele deixasse escapar um fraco sorriso de canto e erguesse dois dedos, chamando com um gesto a terapeuta para perto.
null não pensou duas vezes antes de se atirar ao abraço seguro do namorado, apertando-o com força e sendo correspondida na mesma medida por ele. Ainda abraçados, null beijou o ombro de null, depois o pescoço, bochechas e lábios, como se fossem anos sem fazer aquilo.
– Que bom que tá aqui. – Dizia ela, ainda o beijando. – Que bom que veio.
– Eu tô, mas não por muito tempo se não me deixar respirar. – Ele brincou, rindo abafado e a fazendo rir.
– Certo, desculpe. – null sorriu envergonhada, afastando-se um pouco dele e afagando a bochecha do namorado. – É que eu estava tão ansiosa...
– Uhumm. – Assentiu null, o jogador separou-se do abraço, entrelaçou os dedos aos da terapeuta e se dirigiu para uma das cadeiras disponíveis ali e se sentou, trazendo null consigo. – Mas acabou, eu acho. Tudo tá resolvido.
– Como assim? – null se sentou no colo dele, abraçando o pescoço do jogador.
– Eu conversei com o Merelä. – Contou sem rodeios.
– Você fez o que? – null arregalou os olhos e sentiu o ar sumir de seus pulmões.
– Relaxa, não foi nada demais. – null sorriu apertando os lábios e abraçando a cintura da namorada, acariciando com uma das mãos a coxa dela. – Só falei que era melhor ele ficar longe de você. Falei como capitão do time, não como namorado. – null maneou a cabeça e estalou a língua no céu da boca. – Eu até pensei em falar como namorado. Você devia ficar orgulhosa do meu autocontrole.
– Eu realmente estou. – null sorriu depois de beijar a bochecha do capitão. – Nenhuma briga, nenhuma discussão, nenhuma suspensão.
– Falei que tinha visto o que acontece no sábado, mas ele acha que você quem me contou. – null lembrou, pensativo. – E não gostou muito.
– Tudo bem, ele supera. – null voltou a acariciar o rosto do namorado, contornando com os dedos, delicadamente, seus traços. – O que me importa é você. Somente.
null sorriu.
– Fiquei com medo de você... de não me querer mais... – null começou a falar.
– Isso não tem chance de acontecer. – Ele negou, puxando-a mais para perto. – Escolhi você. – O capitão sorriu. – Eu quero você.
– Que bom pra mim. – null sorriu de volta, tomando o rosto do namorado nas mãos e o beijando.
Segunda-feira, 20 de dezembro de 2021
Centro de Treinamento do Pelicans
Lathi, Finlândia
O time estava ao redor de Petri, que com uma lousa explicava algumas jogadas que pretendia ensaiar no dia. O treino estava prestes a começar, alguns jogadores tinham um dos joelhos apoiados ao chão, outros mais atrás estavam de pé. null era um dos que estavam atrás, ao lado de Atte, os dois trocavam palavras, comentando sobre o que o treinador explicava. Para a inglesa era um bom sinal, mostrava que os dois estavam de volta aos bons tempos e que toda aquela situação talvez tivesse servido para que se aproximasse de modo rápido.
De costas, null notava que o cabelo de null estava grande, formando cachos maiores na nuca. Era bonito, ela pensava. Tudo nele era lindo. Talvez devesse fazer de novo o que havia tentado uma vez, mas que graças a facilidade de cair no sono do namorado, não obteve êxito. Devia se declarar, dizer a null o que já tinha dito há Merelä, a Maisie, dizer que o amava, de todo coração.
– Em que planeta está? – Merelä deslizou para perto da terapeuta sem que ela percebesse.
– Waltt. – null se assustou. – Não te vi chegando. – A inglesa tentou sorrir, sem jeito, ainda não conseguia olhar o jogador nos olhos.
A inglesa correu os olhos pelo espaço, tentando se reconectar a realidade. Petri já não estava mais falando, os jogadores se espalhavam e a equipe técnica tomava seu lugar. Merelä baixou a cabeça e balançou negativamente, depois riu pelo nariz, também estava envergonhado.
– Estava pensando em quê? – Ele quis saber, atraindo um olhar atemorizado da terapeuta. – Estava sorrindo para o nada.
– Eu... – null coçou a nuca e riu, desconcertada. – Pensando sobre as festas de fim de ano. – Mentiu baixando o olhar.
– Certo. – Merelä assentiu. null estava do lado de fora do gelo, perto da proteção e o ala do lado de dentro, apoiado em seu taco. – Queria falar sobre...
– Mere, é sério. – null o interrompeu. – Não precisa, tudo bem. Não precisamos tocar nesse assunto. Nunca mais.
– É, eu sei, mas quero. – Enfatizou com os doces olhos azuis e a inglesa assentiu, mesmo que a contragosto. – Eu passei do ponto, passei dos limites. Não era para ter beijado você. Mas só para saber, nada mudou, sobre o que eu falei no sábado, não me arrependi de ter dito, mas não devia ter te beijado sem você querer. – Ele riu pelo nariz e desviou o olhar. – Na verdade só me arrependi de não ter dito antes. Você pode me perdoar? Por ter te beijado?
– Claro. – null sorriu fechado, encabulada. – Tudo bem, mesmo. – Não queria prolongar aquele assunto e dar mais corda para a situação.
– Se em algum momento você mudar de ideia, ou...sei lá, quiser tentar. – Ele riu fraco. – Vai bastar uma palavra sua.
– Eu agradeço. – null apertou os dentes. – Mas não quero que fique preso a mim dessa forma, não é justo com você e você sabe eu já amo...
– Outra pessoa. – Merelä a interrompeu e completou. – É, eu sei. – Waltteri riu pelo nariz, mas sem qualquer traço de humor e negou com a cabeça, afastando o olhar. – É até irônico no fim das contas.
– O que é irônico?
Merelä olhou de volta para null e em seguida para trás, para onde null assistia a cena com a mesma atenção que desprendia em disputadas nos faceoff. Até a expressão e postura do capitão era a mesma, corpo inclinado para frente, taco sendo segurado com as duas mãos, braços paralelos, olhar concentrado, impenetrável, frio, sem emoção.
– Irônico, porque eu não tive coragem de me declarar por sermos do mesmo time, mas no fim, isso não fez muita diferença. – null ergueu os olhos para o ala, confusa com suas palavras. – É ele, não é? – Waltteri indagou e null acompanhou o olhar do jogador até seu alvo, prendendo a respiração quando percebeu.
– Do que tá falando? Ele quem? O quê? – Tentou disfarçar a inglesa.
– Tudo bem, null. – Waltteri voltou a olhar para a terapeuta. – Não vou contar pra ninguém, se esse é o problema. – Garantiu ele, batendo o taco no chão duas vezes. – Quando eu percebi, fiquei com raiva, confesso, mas depois... – Merelä deu de ombros e riu fraco. – Que diferença faz com quem seja?
– Desculpe, Mere, mas não estou entendo você. – A terapeuta transferiu o peso de uma perna para outra e cruzou os braços sobre o peito, inclinando-se sutilmente para trás.
– É sério? – O jogador arqueou uma sobrancelha e riu incrédulo, depois rolou os olhos. - Eu sei que você e o null estão juntos.
– De onde tirou essa ideia? – null trocou a perna de apoio, tentando parecer calma e disfarçando suas expressões.
– Seu namorado veio falar comigo hoje, quando chegamos. – Começou a narrar Merelä. – Primeiro achei que fosse mais um que estivesse afim de você, assim como eu e tivesse ficado com ciúmes do que aconteceu. – O jogador soltou uma risada amarga. – Mas depois as coisas foram fazendo sentido. Quando eu fui tentar entender porque ele tinha interesse em se meter nesse assunto. O null virou a carona sempre, as brigas que ele teve nos vestiários, o dia na sauna, quando você magicamente surgiu na casa dele antes de nós, o namorado misterioso que você nunca apresentou ou falou, você ter subitamente parado de reclamar que ele te ignorava e ficarem sempre por aí falando baixo e dando risadinhas. E claro, o jeito que ele fica quando você tá perto. Como se nada mais importasse. – Merelä deu de ombros. – Na verdade é bem óbvio, basta olhar para o lugar certo.
- Waltteri, eu não... – Ela não sabia o que fazer, ou como reagir diante aquela nova exposição.
– Olha, só... – Waltteri riu pelo nariz, sem humor e ergue uma das mãos, como se pedisse tempo. – Só não subestime minha inteligência, ou continue negando o que é óbvio.
A inglesa suspirou e baixou os ombros, rendida.
– Eu sinto muito que tenha descoberto assim. – null tentou expressar todo seu pesar com aquela situação. – Não pude contar para os meus amigos, podia ser arriscado. Nós dois sabemos que isso é errado, eticamente, ele e eu. Tentamos nos afastar, mas não deu certo, só piorou tudo.
– A gente não escolhe de quem gosta, não é? – Merelä arqueou as sobrancelhas, riscando o chão com a lâmina de um de seus patins. – Quando isso começou? Você e ele? Acho que como amigo posso pedir por essa resposta. – Ele a olhou nos olhos e null assentiu apertando os lábios.
– Nos envolvemos naquele jogo, o primeiro depois que ele quebrou o punho... – null começou a contar, mas Merelä a interrompeu com um riso frio.
– A emergência que tirou ele daqui antes do jogo acabar foi você. – A ficha do ala parecia cair enquanto ele ligava mais pontos em sua cabeça. – A garota que marcou o pescoço dele, de quem ele se gabou... – null não soube o que responder, apenas baixou a cabeça, envergonhada. – O motivo da briga com o Aleks, seus sumiços...
– Ele já sentia alguma coisa por mim, eu acho, mas depois, com a lesão, ficamos mais próximos. – Tornou a contar a inglesa. – null é uma boa pessoa, tem sido bom pra mim, me feito feliz.
– Entre tantos, tinha que ser ele? – Merelä questionou outra vez. – Quer dizer... é o null null. Ele é famoso, o melhor jogador da Liiga, mas... ele não é o mais bonito, nem o mais legal, inteligente, ou o que te trata melhor... ele é...
– Ele não é perfeito, Mere, mas eu o amo. – null defendeu o namorado. – E se você gosta de mim como diz, mesmo como amiga, por favor, respeite ele.
- Está certo. – Merelä se rendeu. – Desculpe. Você quem escolheu, ele deve ser bom o suficiente.
– É. – Assentiu ela. – Eu realmente sinto muito, por tudo isso que aconteceu. Não queria ser o pivô de toda essa confusão. – A inglesa foi sincera, mas Waltteri não teve chance de responder.
– Tudo bem aqui? – null surgiu de repente, deixando que seu corpo se chocasse contra a proteção, apoiando-se ao lado oposto ao de Merelä.
– Tudo certo. – Merelä assentiu com a cabeça, olhando para null e depois para null. – Vou voltar para o treino.
O ala anunciou e em seguida acenou com a cabeça para null, que acompanhou os movimentos do jogador com olhos atentos e expressão séria. O capitão estava de costas, apoiado com os braços sobre a proteção, ao lado de null.
– Você pode fazer mais quando quiser ajuda. – Disse ele, ainda com olhos fixos ao ala. – Pode me chamar.
– Estava tudo sob controle. – null expirou pesadamente, abraçando o próprio corpo.
– É, foi o que pareceu quando olhou pra mim. – null encarou a namorada, apontando para os dois olhos. – Parecia estar tudo na paz. – Ironizou.
– Merelä sabe. Sabe de nós dois. – Anunciou ela, baixando os ombros e o central franziu o cenho, endireitou as costas e ensaiou seguir os passos de Merelä e ir atrás dele, mas null o segurou pela manga. – Não, tudo bem. Ele disse que não contaria a ninguém e não queremos mais problemas.
– E você acreditou? – null ficou de frente para a inglesa, com as duas mãos apoiadas a proteção, com o corpo escondeu a mulher do resto do time.
– Eu confio nele, Waltteri é meu amigo. – Lembrou-o, mesmo sem ter completa certeza sobre aquilo. – Ao menos era. – Ela ergueu um ombro. – Ele já podia ter contado, mas não contou.
– Como ele descobriu?
– Depois que você falou com ele hoje, as peças se encaixaram. – null contou, enquanto o namorado fechava os olhos e negava com a cabeça. – Disse que era fácil ver, só bastava olhar para o lugar certo.
– Que ótimo. Muito bom que ele vai sair. – null suspirou, baixando a cabeça. – Não consigo ficar triste.
– Eu nem sei como me sinto. – Desabafou null e null a direcionou um olhar atravessado. – É muita coisa, null. Um amigo que se declara e que descobre sobre nós... talvez a gente esteja sendo descuidado.
– Seria tão ruim se a gente contasse? – Perguntou null. – Não aguento mais ficar me escondendo assim.
– Eu não sei. – null enfiou os dedos nos cabelos. – Na verdade eu sei. É antiético. Talvez eu devesse aceitar aquela proposta e ir trabalhar no abrigo. – Ponderou a terapeuta com olhar triste.
– Mas você não quer isso. – Negou null, olhando para a namorada. – Não quer sair do time, tá escrito nos seus olhos.
– Um de nós vai ter, se a gente quiser prosseguir em paz. – null ergueu os ombros, encarando um ponto qualquer do gelo.
– Não quero que você saia. – null tocou o ombro da inglesa, atraindo o olhar dela de volta ao seu. – Principalmente porque não precisa ser muito esperto pra saber que você não quer. Não vou deixar você fazer isso por minha causa.
– Por nossa. Nossa causa. – Ela o corrigiu.
– Não faz diferença. – Ele deu de ombros, inclinando-se um pouco mais na direção dela. – Eu te protejo, não o contrário. – Declarou olhando nos olhos da namorada. – A gente vai ter a pausa das festas, podemos falar disso depois? Ou durante a pausa. – null balançou a cabeça positivamente enquanto falava. – Com essa pausa todo mundo vai ter um tempo fora e esfriar a cabeça, se desligar, pensar um pouco.
– Se não for para sua posição agora, não vai ter folga para as festas de final de ano. – Petri surgiu ao lado dos dois, de braços cruzados sobre o peito, mal-humorado.
– Já vou. – null respondeu, acenou com a cabeça para null, que sorriu fechado e o jogador deslizou de volta para onde o grupo se reunia.
– O que foi, null? – Petri indagou, olhando para a inglesa de queixo erguido. – É um tipo de confessionário hoje? Merelä, depois null? E os dois com uma cara péssima.
– Deve ser o cansaço acumulado do ano. – null desconversou, afastando-se da proteção.
– Tá na hora de começar a trabalhar e animar os jogadores. – Petri falou um pouco mais alto, percebendo que a terapeuta se afastava.
– Pode deixar, vou pôr na minha lista de prioridades. – Ironizou null, dando as costas e abandonando o treino daquela tarde.
Copo de leite
Copo de leite: Esse tipo de flor é símbolo de paz, calma e alegria. A cor branca, também representa a pureza e o respeito que existe entre o casal.
Segunda-feira, 20 de dezembro de 2021
Centro de Treinamento do Pelicans
Lathi - Finlândia
– Quero vocês focados. Concentrados. Essa vitória é importante para alcançarmos o primeiro da tabela e os playoffs. – O treinador falava no centro do gelo do fim do treino. – Queremos essa vitória para garantir o máximo de pontos que pudermos. Depois, no retorno, as coisas não vão ser fáceis, todos ficam desesperados por vitórias. – Petri fez uma breve pausa para beber água. – Vamos ter mais uma reunião antes do último jogo e do intervalo para as celebrações de fim de ano, mas de antemão, se cuidem. Não queremos desfalques para o retorno. Essa pandemia infernal parece que não acabou.
E batendo palmas – como sempre – Petri dispensou os jogadores, batendo nas costas de uns e outros para desejar um bom resto de dia.
null null deslizava pelo gelo, rumo a saída do rinque. O central estava preso em seus próprios pensamentos desde o início do treino. Graças a sua capacidade excelente de concentração havia conseguido focar e ter um bom desempenho no treino, mas bastou o último apito de Petri para que seus pensamentos se voltasse para a situação com Merelä, o namoro e a vida profissional dele e da namorada.
Tudo estava bem, para de repente tudo virar de cabeça para baixo. Sabia que Waltteri sentia algo por null, era óbvio, mas não imaginava que aquele sentimento fosse ter tantos desdobramentos negativos. Queria poder se aconselhar com alguém que entendesse a situação e tudo que estava em jogo. Tinha esperança de conseguir um tempo a sós com o pai durante o natal. Ele certamente saberia o que fazer. Seu pai prezava a família tanto quando null, assim como a carreira do filho e sabia exatamente tudo que o jogador tinha passado para conquistar sua posição e reconhecimento. Ele sabia também a importância que Lathi e o Pelicans tinha na vida e história do filho, seria por isso a melhor pessoa para aconselhá-lo.
Depois de conversar com o pai, decidiria o que fazer. Teria tempo para falar com null sobre o assunto, tempo para pensarem juntos sem a interferência de ninguém. Tempo a sós, para decidir o futuro dos dois, afinal, era uma decisão importante que deviam tomar juntos. Era até saboroso no fim das contas, perceber-se naquele ponto, tendo uma decisão difícil a ser tomada em conjunto com a sua garota. Dava a sensação de serem um par, companheiros, um casal forte e unido, e pensar nisso alegrava null null.
– Aí, null. – Santtu se aproximou de null, que caminhava devagar rumo ao vestiário com Atte ao seu lado, em silêncio. – Quer rodinhas nos seus patins para o jogo de amanhã? Ou vai dizer que molharam o gelo? – O defensor riu pelo nariz, fazendo menção as muitas quedas do capitão durante o treino daquela tarde.
– Toda vez que procuravam o null, ele estava no chão. – Atte entrou no jogo, rindo também. – Ele resolveu que vai trocar de carreira, resolveu ser um disco.
null apenas assentiu sem prestar atenção e murmurou algo parecido com uhum, mantendo a expressão neutra e a caminhada silenciosa até o vestiário. Santtu e Atte se entreolharam, o defensor ergueu as sobrancelhas para o goleiro, como quem indaga o que se passa, e Atte apenas ergueu os ombros, tão confuso quanto Kinnunen.
– Mais algum problema no Fantástico Mundo de Oz? – Santtu sondou e null fez um barulho com a boca, maneou a cabeça e torceu os lábios em uma careta.
– Pra variar. – Respondeu o capitão em um suspiro. – Agora Merelä sabe sobre mim e a sua amiga.
– Uau. – Atte expressou, boquiaberto.
– Não podia ser melhor. – Santtu ironizou, respirando fundo e erguendo as sobrancelhas. – Mas pode ficar de boa, ele não vai dedurar vocês. Mere não é assim.
– Eu deduraria no lugar dele. – null falou sem pensar.
– Que bom que não é você no lugar dele, então, não é? – Santtu arqueou uma sobrancelha, dirigindo a null um olhar incrédulo. – Mas sabe, talvez isso seja um sinal. – O defensor disse pensativo.
– Do que tá falando? – null girou o rosto para encará-lo, enquanto Atte fazia o mesmo.
– Talvez seja um sinal de que você e a você sabe quem estejam indo muito longe com essa mentira. – Ele deu de ombros. – Sei lá.
– Ele tem razão. – Atte concordou. – E sem ter nenhum cuidado.
– Não me diga. – null riu com ironia e rolou os olhos. – Até parece que eu queria fazer isso desse jeito. null não quer. Por mim, todo mundo já sabia. – null negou com a cabeça. – Ela diz que não podemos por causa da ética, que o correto seria um de nós sair do time. Mas eu não quero sair e ela também não. – O central parou de andar quando chegaram a porta do vestiário, evitando o resto do grupo que já estava lá dentro. null apoiou as mãos no taco e suspirou. – Eu só queria que isso acabasse. Sou a primeira pessoa que quer que isso acabe. Até tenho pensado em procurar de novo alguns times que fizeram propostas pra mim no final da temporada passada. – Confidenciou o capitão. – Sair, ir com eles para outro time. Acabar com essa pressão idiota.
– Nesse dia, minha missão de melhor amigo vai estar cumprida. – Atte gargalhou feliz, apertando o ombro do melhor amigo. – É isso que você devia fazer. Talvez o Tappara, como o Merelä, mas isso seria sonhar baixo. Devia ligar para aquele cara do Maple Leafs, ir para a NHL, onde é o seu lugar. É exatamente isso que devia fazer. Sem mais. – Aconselhou o goleiro, empolgado, fazendo null sorrir.
– Só tem um problema. – Santtu se pronunciou, atraindo a atenção dos outros dois. – Se você sai do Pelicans para ir para outro time da Liiga ou para outra liga, o problema ético de namorar a terapeuta some. Mas se você sair, ou a null também sai para vocês ficarem juntos, ou vocês se separam. – Lembrou o defensor, tirando de null o sorriso que Atte havia posto em seus lábios.
Segunda-feira, 20 de dezembro de 2021
Lathi, Finlândia
Já fazia algum tempo sem que null socializasse com Jasper, Otto e os outros amigos. Santtu era uma presença frequente em sua vida, Waltteri também, mesmo que diferente e agora ela sabia das razões para isso. Mas Jay e Otto eram um pouco mais distantes da terapeuta inglesa, e a saudade que sentia das conversas com eles motivaram null a aceitar carona para casa com Otto no fim do dia.
Sob o olhar confuso de null, a terapeuta se despediu do resto do time e foi embora com o goleiro reserva e o ala. Era divertido estar na presença deles, ver como a personalidade zangada e ranzinza de Otto contrastava com a feliz e altiva de Jasper. As discussões bobas sobre a playlist, a irritação de Otto sobre comerem no carro, a voz esganiçada de Jasper, que insistia em cantar acompanhando todas as músicas.
– Está vendo porque eu não socializo com esse time? – Otto arqueou uma sobrancelha para null, sentada no banco do carona, enquanto Jay cantava alto no banco de trás.
– Vocês já eram amigos antes de eu chegar, não precisa fingir que não gosta dele, Ottis. – null riu pelo nariz.
– Eu? Não. – Otto negou com a cabeça. – Eu era amigo do Waltteri. Quanto ao Jasper, eu apenas suporto.
– Não seja tão ranzinza, meu amigo. – null sorriu e negou com a cabeça, esticando uma das mãos para tocar o ombro do amigo. – Tem dias em que tudo que precisamos é de alguém como o Jay para animar.
– Fica com ele pra você, então. – Otto reclamou, entrando na estrada principal. – É fácil falar, não é você quem dá carona para ele todo dia.
– Se ele quiser me acompanhar a pé, eu poderia. – null respondeu, olhando para a rodovia, acompanhando a tranquila movimentação de carros, apesar do horário de fim da tarde.
– Eu devia fazer como o Waltteri, bye–bye. – Otto falou, acenando com a mão para ninguém.
– Do que está falando? – null franziu o cenho, recostando-se no banco. – Não está pensando em sair também, está?
– Só não sai antes porque não tive proposta melhor. – Otto revelou, para espanto de null.
– Como é? – A inglesa se sobressaltou. – Ottis, somos uma família no Pelicans. Como você pode falar assim.
– null, eu já estou ali há uns cinco anos. – Argumentou o ala. – Não vai mudar. Pelicans é um time pequeno, nós até temos investimento agora, mas os outros times maiores da Liiga já tem isso há umas três temporadas. A verdade é, não vamos nos tornar um time gigante com base em uma cidade pequena. – Otto falava enquanto cruzava para a vizinhança de null. – Lathi não vai crescer em volta do Pelicans. Vamos ser isso, um time tradicional, com história, sobre quem todos os fãs da Finlândia torcem por empatia e por ser o time do metido do null.
– Não é assim, eu acompanho os jogos, vejo as coisas, acho que você está sendo pessimista. – null tentou levar alguma razão ao amigo loiro, enquanto Jasper parecia estar em outro universo, cantando.
– Não me leve a mal, mas você já foi em jogos em Helsinki? Já viu a arena do Tappara Tampere? – Otto a olhou de soslaio e estalou a língua no céu da boca. – Não somos os mais simples, mas também não somos os maiores. Aceite, null, você está romantizando, mas a realidade é essa. Merelä está indo embora, logo mais gente vai...null vai.
– null null não vai a lugar nenhum. – null o interrompeu, orgulhosa. – Ele não vai deixar o Pelicans, ele não joga por prestígio ou dinheiro.
– É, mas ele joga por alguma coisa. – Otto riu abafado. – Ele vai embora, confia. Só precisa da proposta certa, no tempo certo. null está passando do tempo, daqui uns anos não vão querer ele nos times maiores.
– É isso aí. – Jasper se pronunciou, chamando a atenção da terapeuta.
– Você nem estava prestando atenção, Jay. – null protestou.
– Claro que estava, eu consigo fazer duas coisas ao mesmo tempo. – Jasper riu ladino, apoiando-se nos bancos da frente e se colocando entre null e Otto. – Na verdade, até mais de duas. Mas o Ottis tem razão. Se o Merelä não saísse primeiro, ele ia perder o posto de capitão pro Waltt.
– Isso aqui está beirando a traição. – Reclamou a terapeuta, enfezada, cruzando os braços sobre o corpo.
– Você romantiza muito, null. – Otto falou outra vez, sorrindo fraco, entrando na rua da terapeuta inglesa. – Jogadores trocam de time o tempo todo, é normal. E a gente sabe quando chega a hora de sair, te garanto que até o null sabe e ele sabe que está chegando a dele. – Otto piscou.
Segunda-feira, 20 de dezembro de 2021
Casa de null null
Lathi, Finlândia
Era perto de oito da noite, null null estava de banho tomado, vestindo um conjunto de moletom confortável, assistindo um episódio aleatório da quarta temporada de The Office e aguardando a chegada do namorado. null tinha combinado por mensagem visitá-la naquela noite, precisavam de um tempo a sós, de se divertirem juntos, aproveitarem a companhia um do outro. null sentia falta do contorno que null dava a ela. Podia ser bobo pensar daquele jeito, mas em sua mente – apaixonada – aquelas palavras faziam todo sentido.
Uma vez, na faculdade, ouvira sobre contornos, os contornos da vida que nos permitiam continuar sendo nós mesmos nos momentos ruins, quando se sente que está dissolvendo em tristeza, medo ou outras sensações ruins. Por um tempo romantizou aquela frase mais do que devia, até que decidiu que ninguém seria seu contorno, mas sim que ela mesma faria esse papel. Afinal, ninguém podia ter poder sobre mantê-la de pé ou não. Mas com a vida, a mudança, as batalhas diárias, percebeu que precisava sim de um contorno, de um abraço que lhe devolvesse a sensação de existir, de ser real.
null era o contorno que permitia que ela não se dissolvesse, que não se transformasse em um monte de moléculas e voasse por aí.
Naqueles últimos dias, onde sentiu estremecer a relação devido a situação com Merelä, temeu muito. Se sentiu dissolver várias vezes, sem que pudesse recorrer a àquele que lhe contornava, que a trazia de volta a vida. Felizmente agora tudo parecia bem, null não estava irritado, estavam bem, ele parecia bem com a situação, apesar dos apesares. E tudo voltava ao normal.
A terapeuta saltou do sofá quando ouviu o som da campainha e correu para a porta, abrindo uma e depois a outra. Tinha passado a senha da entrada para algumas pessoas, como o namorado e Santtu, facilitava quando eles a visitavam, só precisava abrir a porta. Ao abrir, a inglesa encontrou um null null de máscara, moletom e capuz cobrindo o rosto, mas que sorriu com os olhos assim que viu a namorada.
– O que você ainda está fazendo aqui? Meu namorado já vai chegar. – Brincou null, puxando-o para dentro sem cerimônias e se atirando ao pescoço do jogador.
– Quem liga pra ele? – null riu, abraçando-a com força, enquanto null o guiava para a sala.
– Muito bom ter você aqui comigo. – Ela declarou abafado, com os lábios contra a pele do jogador.
– Só não faça barulho, ou o Mankinen vai ouvir você. – null riu pelo nariz, sussurrando.
– Mas aí qual seria a graça? – Perguntou null. – Eu quero que ele saiba que estamos todos felizes por aqui.
O capitão lançou a namorada um olhar surpreso, depois riu pela fala maliciosa dela. Depois de a beijar rapidamente, ergueu os olhos, encontrando a TV e um episódio qualquer de sua série favorita sendo reproduzido.
– Achei que você odiasse essa série. – Ele sorriu, beijando a testa da terapeuta, que se virou para olhar para a TV.
– Aprendi a gostar com você, uma das coisas que aprendi. – null deu de ombros e virou-se novamente para o namorado. – O que mais você aprendeu comigo? – null perguntou baixinho, aproximando os lábios da orelha da namorada, abraçando-a com mais firmeza.
null mordeu o lábio inferior e o soltou devagar de entre os dentes, aproveitando a sensação gostosa que a barba por fazer do capitão causava a sua pele.
– Quer que te mostre? – Ela quis saber, sorrindo de canto.
null sorriu de volta e com as mãos ergueu o corpo de null, fazendo o caminho já tão conhecido para o quarto da inglesa.
– Quero. – null assentiu, sendo beijado por ela. – E hoje pode gritar o quanto quiser. E é bom que o Mankinen esteja bem atento. – null sorriu malicioso.
– Já que estamos aqui. Já que você está aqui. – null começou a falar, atraindo a atenção do namorado, que preguiçosamente acariciava as costas nuas da inglesa, enquanto estavam deitados na cama, em silêncio. – Podemos falar melhor sobre tudo isso que está acontecendo?
– Sobre o que? Porque se for sobre a coisa com o Merelä, eu já expliquei. – null deu de ombros.
– Mas está tudo muito simples e fácil. – A terapeuta ergueu a cabeça, procurando o olhar do namorado, que expirou e rolou os olhos. – Isso está estranho.
– É o que é. – Respondeu null, fechando os olhos e bocejando. Estavam suados e com os corpos cansados depois do esforço da noite. – Fica calada um pouquinho, amorzinho.
– Não me manda ficar calada. – Protestou null, unindo as sobrancelhas em uma careta zangada.
– Por que? Vai fazer o que? – null ignorou, sorrindo de canto, mantendo os olhos fechados.
null abriu a boca, mas não soube o que dizer, apenas encarou o namorado. null parecia relaxado e sonolento, ignorando tudo que ela dizia do mesmo jeito que adultos costumam ignorar crianças faladeiras na hora de dormir.
– Ainda está com ciúmes, não é? – A terapeuta tentou adivinhar. – Deve ser isso. Deve ainda estar bravo comigo pelo que aconteceu com Waltt. É isso? Ou por alguma coisa que eu disse?
– Eu pareço bravo? – null abriu os olhos e encarou a namorada, rindo surpreso com as sugestões dela.
– O que é então?
– Só tô com sono. – O central torceu os lábios, desinteressado. – Você gosta de ficar por baixo, o esforço é todo meu. – Nesse momento, null o acertou na costela e riu incrédula. – Não tô reclamando. – Respondeu null, rindo pelo nariz. – Só justificando meu cansaço.
– Não pode ser só isso. – Ainda com um sorriso bobo nos lábios, null estreitou o olhar, desconfiada. – Depois de tudo que aconteceu...você só... e ainda está de bom humor...
– Não disse que ignorei tudo. – null projetou o lábios inferior e ergueu os ombros, depois puxou a namorada para sobre ele, levou uma das mãos até a nuca da inglesa, afagando a região e puxando seus cabelos levemente. – Não esqueci o que aconteceu. Não tô chateado também, só irritado. – O central se explicou. – Ficar na bad não muda o que aconteceu, nem resolve nossos problemas.
– Não tá mesmo chateado por eu me manter conversando com o Waltteri? Ou por qualquer outra coisa? Por ter mandando o Atte na sua casa. – null estava surpresa e a cada palavra do central, ficava mais desconfiada da reação do namorado.
– Não. – Respondeu ele com simplicidade. – Gostei que você mandou o Atte, na verdade. – Confidenciou, beijando a testa de null. – Não tô chateado com você, nem tô com paciência para discutir esse assunto de novo também.
– Eu também não. – null assentiu, procurando o olhar dele. – Última vez que pergunto. Tem certeza mesmo que não está chateado? Nem com ciúmes?
– Não tô. – null riu fraco, cansado da insistência dela. – Eu escolhi isso, escolhi você sabendo que não ia poder fazer as coisas do meu jeito. – null ergueu os ombros ao mesmo tempo em que levava uma das mãos para o quadril de null e apertava com firmeza. – Seria mentira se dissesse que não fiquei com ciúmes, que não quis te tirar de lá, quebrar a cara dele. Porque eu quis. Mas no final, ele pode sonhar, gostar, olhar...mas quem pode ter você sou só eu.
– O que aconteceu? – null se remexeu, sentindo o coração acelerar com a forma com que o namorado falava e a olhava. A voz de null era sempre aveludada e forte, mas naquele momento, falando baixo, parecia ser a melhor coisa para se ouvir no mundo. – Você está diferente...
– Ruim? – Perguntou ele, esforçando-se para fingir não se importar.
– Não, eu gosto. – null falou, depois sorriu de canto, deslizando o dedo indicador pelo queixo do jogador. – Gosto dessa versão, você sabe. E me surpreende, essa sua maturidade e calma.
– Não comemora. – null riu abafado, levando as mãos até o rosto da namorada, acariciando suas bochechas e beijando-a com delicadeza.
– Acho que foi um investimento a longo prazo – null sorriu contra os lábios dele. – O melhor que já fiz.
– E você tem coragem de dizer isso bem na minha cara. – Ele riu, mordendo o lábio inferior de null.
Os dois continuaram em silêncio. null se deleitava com o elogio, se dando conta de verdade de sua evolução. Sabia que tempos antes, caso algo assim acontecesse, teria resolvido de outras formas e não culpava null por esperar aquilo dele. Estava feliz por surpreender positivamente, agradar a namorada e ser visto como alguém maduro e sensato. Para coroar o momento, além de todo o resto, estava em seus momentos favoritos do dia, quando podia só aproveitar a companhia da inglesa, deitados, juntos, cansados, falando sobre qualquer aleatoriedade da vida.
– Então, como você decidiu se tornar terapeuta ocupacional. – null rompeu o silêncio e null, que tinha o rosto enfiado em seu peito, riu abafado. – Eu sei que é aleatório, mas acho que nunca te perguntei isso.
– Não, nunca. – Ela concordou, depois suspirou. – Bom, não é uma história muito longa. Eu sempre gostei do mar, de baleias e tartarugas, do meio ambiente e era ativista do Greenpeace. – Contou, e null riu surpreso. – Eu amava, queria seguir carreira, mas faltava algo. Queria ajudar pessoas, mas sempre tive muitas dúvidas sobre o que fazer.
– Você devia ser uma ativista insuportável. – null implicou, beijando a testa da namorada, que riu.
– Eu era, mas foi uma época boa. – null continuou. – Eu queria ir para o Polo Sul, ficar lá seis meses do ano, todos os anos, fazendo pesquisa. Mas quando estava perto de terminar o colegial, desisti e pensei que devia me tornar freira. Conheci um convento de clausura com um jardim bonito, com muitas rosas. Queria viver lá. – Contou a terapeuta, enquanto null ria alto, chocado com a história aleatória. – Mas descobri que a clausura seria para sempre, sem saídas, sem conhecer lugares ou coisas novas. Entendi que não era para mim. – Ela deu de ombros.
– Por favor, me diga que isso é uma história falsa em nome do divertimento. – Pediu null, rindo pelo nariz.
– Não, não, é bem real. – null falou, erguendo o rosto para olhá-lo. – Pode perguntar para Maisie e Louis quando os conhecer.
– O que aconteceu depois?
– Bom, eu ainda queria ajudar pessoas, então conheci a terapia ocupacional e me apaixonei. – Falou, fazendo-o rir. – Fui para a faculdade e alguns anos depois estava formada e apta a exercer a profissão. – null piscou e sorriu. – Viu, eu disse que não era uma história muito longa.
– Só pra ver se eu entendi... – null se ajeitou melhor na cama depois de uma crise de risos. – Você desistiu da carreira no Polo Sul para se tornar freira e depois desistiu da carreira de freira para virar terapeuta.
– É, é exatamente isso. Você entendeu o percurso. – A inglesa assentiu sorrindo, se aninhando a ele novamente.
– Não existia um meio termo? Tipo, passar seis meses do ano no meio da neve, ou a vida toda num convento? – Perguntou, mas não deixou a namorada responder. – E a parte mais incrível disso. Como você, uma safada, pretendia ser freira, null null?
– Ei. – null protestou, rindo. – Não é como se freiras não tivessem um passado. – Falou, abraçando o tronco do capitão. – E eu acabei não indo para o convento, não é? – Piscou de modo sugestivo.
– Graças a Deus que não. – null assentiu, mas assim que se deu conta do que havia dito, iniciou outra crise de risos. – Não foi isso que eu quis dizer. – Justificou olhando para cima. – Vou acabar indo para o inferno por sua causa.
– Você fala como se precisasse de ajuda pra dizer ou pensar coisas ruins. – null também riu.
– Vamos continuar, eu gostei desse jogo. – Pediu ele, inclinando o rosto para olhá-la melhor. – O que mais eu não sei sobre você?
– Isso não tinha que ser sobre você? – null o imitou, apoiando os cotovelos na cama e arqueando uma sobrancelha.
– Eu não sei o que dizer. – O jogador deu de ombros. – Acho que você já sabe de tudo sobre mim.
– Vamos ver...– Ela pensou, tentando procurar na cabeça informações que seriam interessantes de se obter, enquanto olhava para o homem a sua frente, com o sorriso mais bonito do país, deitado ali, junto dela, a observando com olhar de expectativa. – Além do hockey, o que mais você joga?
- Baseball. – null respondeu rápido e null ergueu as sobrancelhas, surpresa. – Parte da família da minha mãe é dos Estados Unidos, aprendi com eles. Acho que se não fosse jogador de hockey, seria de baseball. Também jogo basquete, golfe, minha irmã é jogadora profissional, então...E tênis, eu fiquei obcecado por tênis durante a pandemia. – Contou sorrindo.
– Eu nunca ia imaginar nenhuma dessas coisas. – null disse, inclinando a cabeça sobre o ombro e sorrindo. – Músico, artista, atleta de múltiplos esportes...
– O número, trinta e quatro, é por causa de um jogador de baseball. – Tornou a falar o jogador. – David Ortiz. Chamavam ele de Big Papi, e eu era fã, meus tios e meus pais começaram a me chamar de Papi por isso. – Contou um pouco envergonhado, com as bochechas avermelhadas e null precisou conter o impulso de agarrá-lo.
– Então é por isso? Nada sexual? – A inglesa riu. – Papi. – Repetiu ela, testando como a palavra soava em sua voz. – Não sei se já ouvi alguém te chamando assim.
– É porque não devem chamar na sua frente. – Ele torceu os lábios, depois sorriu de canto. – Não tem origem sexual, mas eu nunca reclamei quando usaram nesses momentos. – Falou ele, erguendo um dos ombros.
– null. – null o repreendeu, acertando o capitão com um tapa suave no peito, fazendo o central rir enquanto se protegia. – Não quero saber sobre como você era tratado enquanto fazia sexo com outras pessoas.
– Desculpe, foi maior que eu. – Se justificou ele, sorrindo. – Talvez tenha muita coisa ainda que você não saiba. – Ele pensou alto. – Bom que consigo te manter ocupada.
– Você não precisa de esforço pra isso. – null sorriu, beijando o espaço de pele no peito do namorado onde havia acertado o tapa. – É só ser você.
– Você me deixa mole. – null sorriu infantilmente, sentindo as bochechas esquentarem. – Não totalmente, você sabe. – Ele se corrigiu, fazendo a inglesa gargalhar.
– Nunca totalmente. – Ela assentiu, entrando no jogo dele, acariciando seu rosto. – Aliás, estou gostando da nova versão. Mais madura, cabelo maior, a barba. Está até deixando de depilar o peito. – Comentou a inglesa, sorrindo e deixando o capitão ainda mais encabulado.
– Você gostou? – Ele quis perguntar, com expectativa. – Quero deixar assim agora. Achei que ficou melhor. – Falou tocando o queixo.
– Você é lindo de qualquer jeito. – Declarou, null, apaixonada e null rolou os olhos.
– Você usa óculos desde quando?
A inglesa riu e negou com a cabeça, sendo acompanhada por null, que voltara a afagar as costas da namorada, enquanto ela admirava seu rosto.
– Como você conseguiu isso? – null perguntou, tocando com os dedos duas cicatrizes sob o queixo do namorado, que geralmente ficavam escondidas, mas agora, pelo padrão de crescimento irregular da barba sobre ela, eram evidenciadas.
– Adivinhe. – null riu pelo nariz e null sorriu, negando com a cabeça. – Caí no gelo, jogando, tinha uns treze anos.
– Achei charmoso. – Falou a inglesa e null rolou os olhos para depois sorrir abobado. – Tem mais?
– Cicatrizes? – Ele ergueu as sobrancelhas. – Claro. O que um jogador de hockey mais tem são cicatrizes e marcas. – null riu e esticou uma das pernas, apontando para a parte interna do joelho direito. – Um disco me acertou aqui. Tem mais algumas marcas de disco nas pernas, mas são pequenas. Tinha algumas aqui, no braço, mas a tatuagem escondeu. – Explicou, mostrando lugares com relevo um pouco diferente em seu antebraço.
– Meu tipo nunca foi homens tatuados. – Comentou null, fazendo o namorado rir outra vez.
– null null. – null fingiu a repreender, ainda rindo alto.
– É sério. – Ela o acompanhou. – Mas acho que ficam lindas em você, não consigo te imaginar sem.
– Bom saber que você gosta de tudo em mim. – Sussurrou null e null assentiu.
– Nunca perguntei o que elas significam.
– Pode começar agora, tenho a vida toda para você. – null sorriu aberto, derretendo a inglesa.
– Qual é o significado essa aqui? – null apontou para o peito nu de null, para a tatuagem que ocupava o espaço sob a clavícula de seu capitão. Três letras do lado esquerdo, três do lado direito, divididas por pontos.
– As iniciais dos meus pais. – Respondeu ele, ainda sorrindo, apaixonado pelo momento que estavam tendo.
null ainda estava por baixo, acariciando com delicadeza as costas de null, que deitada sobre o corpo do jogador, desenhava as tatuagens dele com o dedo indicador. Ainda estavam um pouco suados, apesar do clima de iglu do lado de fora, cansados e já era tarde da noite, mas estavam felizes. O dia tinha sido intenso e o fim de semana ainda mais, era bom ter aquele refresco. Sentir um pouco de paz na companhia de quem amavam, se divertir com as piadas internas, memorizar com o corpo as sensações que o outro trazia.
Era a simplicidade do momento que manifestava o amor. A respiração tranquila, os cabelos bagunçados, os corpos que apesar de totalmente expostos em suas fraquezas exalavam confiança. O amor era aquela calma, tinham certeza, embora a vida dos dois fosse uma montanha-russa, com muitos altos e baixos inesperados. E talvez por isso valorizassem tanto aquele momento tranquilo, porque sabiam que a vida nem sempre podia ser só deles.
– E essa? – Tornou ela a perguntar, tocando um leão com coroa que tomava grande parte do braço do central, começando pelo ombro.
– É meio autoexplicativo. – null riu abafado e null rolou os olhos. – É um pouco religioso, mas também porque eu gosto de leões.
– Você gosta de leões? – null ergueu as sobrancelhas e sorriu.
– Me identifico. – Ele deu de ombros, fingindo ignorar a expressão debochada que a namorada ostentava.
– Essas também são religiosas, não é? – null continuou tocando o resto das tatuagens que cobriam o braço e antebraço de null.
O braço direito de null era completamente fechado de tatuagens até o pulso, tinha também uma grande na lateral do tórax e uma nas costas, desenhada exatamente sobre a coluna. Quanto ao braço dele, atrás do leão e ligando o desenho ao resto, haviam nuvens sombreadas, abaixo do leão uma cruz. Na parte ventral do antebraço, ligado por mais nuvens, estavam rosas grandes e a metade de um anjo, que terminava na parte dorsal do braço. Sobre o punho, no lugar onde costumam verificar a pulsação, o número trinta e quatro, e fechando o antebraço, um relógio de bolso que ligava as rosas ao resto do desenho.
– Sim e não. – Ele respondeu. – Eu gostei do desenho. Mas gostei que tinha esse anjo e a cruz. A cruz foi feita depois, é a parte religiosa da coisa. – null sorria ignorando as questões da terapeuta e se concentrando em memorizar os detalhes do rosto dela.
– Achei que finlandeses e russos não fossem cristãos. – Comentou a inglesa e o capitão sorriu.
– Mas eu tenho minha particularidade, lembra?
– Uma quase freira e um finlandês-russo-mexicano cristão. – null riu.
– Perfeitos um para o outro. – null assentiu, beijando-a rapidamente.
null escorregou um pouco para baixo e inclinou o rosto, depositando beijos no peito e abdômen do capitão. null fechou os olhos e respirou fundo, relaxando os ombros. Na altura do final das costelas do central, null mudou a direção dos beijos, tocando com os lábios a lateral direita do tórax do namorado e depois ergueu o rosto, sorrindo.
– E essa? – Ela quis saber.
null ergueu a cabeça, abriu os olhos, percebeu o que a namorada havia feito, expirou frustrado e riu pelo nariz.
– Isaías quarenta e cinco, um a três. – Respondeu null, rindo, ainda de olhos fechados. – Tá em russo.
– Que bom, achei que tinha desaprendido o pouco de finlandês que já aprendi. – null riu, beijou o local da tatuagem, que se espalhava por grande parte da lateral do tórax do jogador e depois voltou a deitar-se sobre o peito dele, sendo abraçada por null. – Fala do quê?
– Use isso de incentivo pra praticar seu russo pro natal. – null riu abafado, beijando o topo da cabeça de null.
– Por que você tem uma tatuagem com o seu número? Trinta e quatro. – A inglesa ignorou a fala anterior do namorado e se virou, apoiando o queixo no peito dele. – É quase como ter uma tatuagem com o próprio nome.
– Por que eu não teria? – null devolveu, arqueando uma sobrancelha e torcendo os lábios em um sorriso confuso e leve. – Me orgulho disso. É a minha identidade, de algum jeito. – Ele deu de ombros. – É a minha marca, meu nome, quem eu sou. o número trinta e quatro.
– Podia ser pior, você podia ter tatuado Papi. – Ela implicou e null revirou os olhos, sorrindo. – E também, você é bem mais que só o número trinta e quatro. – null sussurrou, olhando com ternura para o capitão, que devolveu o mesmo olhar.
– E o que eu sou, segundo null null?
– Você é um homem incrível, gentil, doce. Um artista sensível e talentoso. – null começou a lista. – Um filho devotado, irmão protetor, amigo fiel. – A inglesa levou um dos dedos aos lábios do capitão, desenhando seu contorno enquanto falava, nos últimos dias estava desprendendo bastante atenção e paixão aos lábios dele. – Além de amante perfeito, parceiro irrepreensível, confidente indelével, e o meu contorno, meu lar.
null sentiu as três palavras se formarem em sua boa e a língua se agitar de desejo de proferi-las. Respirou mais profundamente, porque não havia percebido ter prendido a respiração. E então quando seus lábios se abriram para selar aquele momento da forma mais perfeita possível, null, que ainda o admirava os lábios, se inclinou sobre ele e o beijou. Um beijo doce e entorpecente, que naquele momento o fez esquecer do que estava prestes a fazer – ou falar.
Hera
Hera: Normalmente carregada como buquê pelas noivas a fim de simbolizar boa sorte e fidelidade na união. Além disso, essa planta também simboliza amizade, força, o poder da persistência.
Terça-feira, 21 de dezembro de 2021
Casa de null null
Lathi - Finlândia
Era uma manhã muito fria, a neve deixava as árvores brancas, cobria os carros, as ruas e os telhados das casas e prédios. Haviam homens trabalhando na limpeza das ruas por toda Lathi e um trânsito horrível por causa disso também. null tinha ligado o carro cerca de meia hora antes de deixarem o conforto do apartamento de null, para que não morressem congelados dentro do carro ao sair.
Tinham dormido pouco e os corpos reclamavam da falta de sono, apesar de estarem felizes. O café da manhã fora rápido, tomaram banho juntos – por causa da pressa, e enquanto o capitão preparava o café, null teve um pouco mais de tempo para se arrumar. null preparou sozinho seu mingau de aveia com leite e calda de frutas vermelhas e sanduíches de pão de centeio com manteiga, queijo, rodelas de pepino cru e de tomate. A inglesa gostava de cafés da manhã menos finlandeses, então ainda usando apenas uma calça de moletom e meias, null picou algumas frutas e misturou com iogurte e mel, programou a cafeteira e enfim se sentou para comer.
– Por favor, nunca mais me deixe dormir tão tarde como na noite passada. – null pediu ao se unir a ele na cozinha, beijando o ombro nu do capitão e cheirando sua nuca.
– Tem café na cafeteira. – Avisou null, de boca cheia. – Você quem não me deixou dormir, não foi culpa minha. – O capitão riu, acompanhando a movimentação da namorada com os olhos.
– Você é uma benção na minha vida. – null sorriu e ergueu as mãos para o céu teatralmente. – Café da manhã pronto. – null riu e balançou a cabeça negativamente, enquanto ela se sentava. – Se morarmos juntos, vou ter isso todo dia?
– Até nos feriados. – O capitão se inclinou na direção da inglesa, envolvendo os ombros dela com um abraço e beijando sua bochecha.
– Muito tentador. – null piscou, sorrindo, enquanto provava as frutas com iogurte. – Muito tentador, null null.
Terça-feira, 21 de dezembro de 2021
Centro de Treinamento do Pelicans
Lathi - Finlândia
null saltou do carro de null antes mesmo que o capitão tivesse estacionado, apressada, com um copo de café nas mãos e os cabelos presos em um rabo desarrumado. null baixou o vidro de sua janela e assoviou chamando a inglesa, que tentava atravessar a neve acumulada no estacionamento, até a entrada do Centro de Treinamento do time de Lathi.
– Seu celular, gatinha. – null sorriu quando ela se virou e sacudiu o aparelho com uma das mãos.
– Valeu. – null se aproximou dele a passos rápidos, tentando alcançar o celular, mas null o afastou subitamente, sorrindo de modo infantil. – null. – null franziu os lábios, depois sorriu.
– Não se despediu de mim. – Reclamou ele, apoiando o braço na janela aberta e fazendo beicinho, null riu abafado.
– Você parece um gatinho carente. – Ela rolou os olhos, sorrindo.
– Prazer, seu gatinho. – null esticou a mão, como quem pretende cumprimentar a outra pessoa com um aperto de mãos.
null esticou a coluna, olhando ao redor, tentando encontrar alguém que pudesse estar perdido no estacionamento, ou dentro dos carros, mas não viu ninguém. Sorriu, se inclinou para a janela e beijou os lábios do namorado, um beijo mais longo do que o aconselhado para aquela situação, pensou ela, assim que os lábios se afastaram.
– Bom treino e bom dia, capitão. – Desejou, sorrindo e se afastando de costas.
– O que acha de um encontro hoje? Comigo, na minha casa. – Indagou null e null riu, jogando a cabeça para trás. – Sem o seu namorado saber. – Ele brincou.
– Me leve para jantar. – Ela disse e percebeu de soslaio outro carro entrando no estacionamento e resolveu se apressar. – E aí eu penso em não contar a ele. – Piscou sorrindo.
– Você tem um encontro, então. – null sorriu apaixonado, voltando a se apoiar na janela, vendo a namorada se afastar, correndo para dentro.
Era uma manhã promissora, pensava null enquanto estacionava e saia do carro, enfrentando o frio. Mesmo depois da última situação com Merelä, tudo tinha se resolvido de modo rápido e quase indolor, sem dramas e problemas no time. Talvez aquilo fosse um sinal de que tudo ficaria bem e que não seria necessária nenhuma medida urgente de null, ninguém precisaria sair do time, tudo ficaria bem. No início tiveram pouca habilidade de lidar com os desdobramentos da relação pessoal e profissional que se atravessava, mas agora a coisa parecia diferente, parecia mudar de figura. O central estava otimista quanto a seu futuro com a inglesa.
Enquanto caminhava pelo chão coberto de neve do estacionamento, Petri, que tinha recém estacionado também, se aproximou de null, cumprimentando o jogador com um aceno.
– Era a null com você? – Petri quis saber. Os dois caminhavam distraídos e sem pressa para dentro.
null assentiu com a cabeça.
– Qual é a dela? – O treinador indagou, surpreendendo null, que o encarou com sobrancelhas juntas. – Pergunto porque vocês parecem próximos, deve saber.
– Não entendi o que você tá perguntando.
– Ela sempre vem de carona com vocês. Dizem que tem um namorado, mas ninguém conhece o cara, nem nunca viu ela com ele ou ele por aí. – Petri começou a listar e null ficou mais alarmado, adotando a postura defensiva. – Ninguém aqui é inocente, todo mundo sabe que qualquer um de vocês do time ficaria com ela. – Petri inclinou o rosto ao falar, sorrindo com alguma malícia. – Ela é mulher, uma das poucas no time, e uma das raras que são bonitas, agradável, disponível.
– Qual é o seu problema? – null parou de andar e recebeu um olhar surpreso do treinador. – Quem a null namora não é da conta de ninguém. Não é da sua conta. Nem da minha. – O central apontou para Petri, exaltando-se um pouco. – A null não é uma coisa, disponível para entreter os caras do time, nem tá aqui para isso. Ela é parte do Pelicans e merece respeito.
– Calma, null... – Petri riu e ergueu as mãos em rendição. – Por que toda essa irritação? Só te fiz uma pergunta. Do mesmo jeito que perguntaria se você está namorando alguém ou não.
– Por que eu? – O capitão olhou para o treinador, sobressaltado. – O que eu tenho a ver com a null?
– Nada, null, só foi um exemplo. – Petri tornou a falar, analisando o jogador com olhos estreitos. – Qual é o problema com você?
– Eu tenho irmãs. – Mentiu ele, lutando para conter as emoções que insistiam sem se mostrar naquele momento. – E meu pai me ensinou que pra ser homem eu não preciso falar ou agir assim sobre uma mulher.
– O quê? – Petri riu incrédulo. – O que há com você hoje? Você está escondendo alguma coisa, não está? – Sondou ele. – Tem alguma coisa acontecendo aqui, com ela e você que eu ainda não saiba?
null prendeu a respiração e trancou as emoções, adotando a expressão impassível, como de quem não se importa.
– Não tem nada acontecendo entre a null e eu. – null cerrou os punhos, ao tempo em que tentava controlar a respiração. – Só não acho que ela deva ser tratada diferente dos outros do time.
– Vocês sempre tiveram uma relação difícil. – Lembrou o treinador, colocando as mãos nos bolsos e tentando ler nas entrelinhas das frases do capitão. – Achei no início que ela não duraria uma semana aqui, por sua causa.
– Minha causa? – null ergueu as sobrancelhas e tocou o peito.
– É, principalmente depois daquele episódio dos chocolates. – Petri riu pelo nariz, negando com a cabeça. – Esse tipo de coisa costuma ter dois finais. Ou o jogador e a profissional se odeiam até o fim da vida, até que um seja demitido, ou se casam.
null riu, nervoso, desviando o olhar e ajeitando a touca que usava no dia.
– Que besteira. – Ele ainda ria, mas exibindo um olhar quase psicótico. – Eu? E a null? Não. – null ainda, gesticulava e Petri assistia. – Ela nem faz meu tipo. Eu gosto do tipo...modelo, sabe? – O capitão tentou explicar. – A null é fofa, simpática, prestativa...mas não é o tipo de garota que eu apresentaria aos meus pais ou pra mídia. Nunca.
– Sei. – O treinador assistia a cena de olhos semicerrados. – Você tá caído por ela, não tá?
– Eu? – null riu pelo nariz, fazendo um som parecido com o que os porcos fazem. O capitão estava beirando o desespero. – Eu? Por favor, Petri, não acabou de ouvir o que eu disse?
– Quer um conselho de alguém com mais anos que você? – Petri ficou ao lado do jogador e colocou um dos braços sobre os ombros de null. – Garotas como ela são simpáticas com todos, não se iluda. – Falou ele e deu de ombros. – E eu desconfio que algo já esteja acontecendo entre ela e o Merelä. Desde antes de ela chegar aqui, inclusive.
– Merelä? Mas por que? – null sentiu uma pontada em seu orgulho, endireitou as costas e uniu as sobrancelhas.
– Bom, nunca reparou como eles eram grudados? – Mencionou o mais velho. – Depois se afastaram um pouco, mas saíam juntos, no dia da sauna eles ficaram juntos grande parte do tempo e... – Petri parou de falar e olhou para os lados com mistério, como se verificasse estarem sozinhos. – Não comente, ainda é confidencial, mas Merelä vai para o Tampere.
– O que isso tem a ver?
– Eu aposto que eles têm alguma coisa. – Tornou a falar o treinador. – E também, o Merelä já me perguntou sobre ser ou não proibido ter um relacionamento com alguém do time. – Petri levantou uma sobrancelha sugestivamente e null abriu a boca, chocado.
– Não me diga.
– É o que eu estou dizendo, null. – O treinador tocou o ombro do capitão outra vez. – Vocês jovens tem essa tendência a se apaixonar fácil. Entendo você gostar dela, como eu disse, ela está aqui sempre, é bonita, interessante...mas não vale a ilusão, ela já está em outra.
Demorou para que as palavras do treinador fizessem sentido ao capitão. null se manteve estático, encarando Petri se afastar devagar.
– Espera. – Chamou null, ainda tonto com aquela conversa. – Quer dizer que tudo bem, se hipoteticamente, eu estivesse apaixonado pela null null?
– Sim. – Petri respondeu, com as mãos nos bolsos do casaco, maneando a cabeça. – Acontece.
– E tudo bem se estivéssemos namorando? – null gesticulava enquanto dizia.
– Não.
– Não?
– Isso aqui ainda não é uma bagunça, null. – Petri rolou os olhos e deu as costas ao central, seguindo seu caminho para dentro. – Se quer uma namorada, arrume alguém de fora do time.
null sentiu um breve lapso de esperança e felicidade o atingir, para em seguida ser arrancado dele com violência. As lições tiradas naquela conversa eram de que, primeiro, ele precisava com urgência aprender a disfarçar seus sentimentos por null, principalmente na frente do time. Segundo, usar Merelä como bode expiatório não era ruim. Se todos pensassem ser com ele que a inglesa se relacionava, podia proteger a verdade. Se lembrava de ouvir null dizer algo assim uma vez. Terceiro, a conversa tinha reforçado o que a terapeuta sempre disse, quanto aos impedimentos de assumirem a relação para todos.
Merelä provavelmente havia acendido uma lâmpada na mente de Petri quanto aos seus atletas se envolverem com null, e agora o capitão o tinha dado certeza. Talvez outras pessoas do time também estivessem prestando atenção no assunto também. Agora tinha a resposta oficial do treinador quanto ao que ele pensava a respeito. E também, graças ao seu nervosismo e reação impulsiva, Petri devia ter certeza de seus sentimentos pela terapeuta inglesa, o que era trágico. O treinador agora ficaria muito mais atento aos dois e a tudo que acontecesse entre eles.
Ótimo, null, você ferrou tudo mais uma vez. Dizia a si mesmo o capitão, enquanto entrava no Centro de Treinamentos chutando a neve e de cabeça baixa, irritado consigo mesmo.
Terça-feira, 21 de dezembro de 2021
Centro de Treinamento do Pelicans
Lathi - Finlândia
A movimentação no vestiário para o treino era quase nula, talvez todos estivessem tão ansiosos com as festas que não se importavam com brincadeiras, piadas ou com o falatório cotidiano. null estava concentrado em seu canto, se paramentando, ao lado de Aleks e Atte, que discutiam sobre uma noite de jogos para celebrar o intervalo. Do outro lado do vestiário, Santtu, Otto, Jasper e Waltteri se vestiam também. Merelä manteve a novidade sobre sua saída em segredo até dos amigos. Não por confiar ou não querer dividir com eles aquele fato, mas sim porque até o momento em que assinara os papéis, ainda não tinha total certeza sobre sua decisão e sabia que qualquer palavra dos amigos o faria reconsiderar.
Otto, mais sentimental, não tinha lidado bem com o segredo, mas Jasper e Santtu pareciam ter deixado o fato no passado. Waltteri odiaria deixar o time e a cidade sabendo que os melhores amigos estavam chateados. Só restava uma pendência ao ala, mais novo reforço do Tappara Tampere, null null .
Já tinha se resolvido com null , assim pelo menos gostava de pensar. A conversa com ela fora esclarecedora e apesar de ainda estar magoado com toda a situação, não sentia raiva da inglesa ou do capitão do time. Tudo tinha sido parecido para os dois atletas da história. null chegou, era novidade, era diferente, e as dificuldades de null diante a nova cidade, num país diferente, o novo trabalho, tudo tinha despertado em Waltteri a urgência em cuidar e proteger null . Um sentimento retrógrado, ele sabia, mas que gostou de alimentar. Como se null fosse algum tipo e donzela frágil e indefesa que necessitasse de um salvador: ele.
Não tinha certeza se também fora assim com null , mas sabia que provavelmente os dois haviam se apaixonado por ela no mesmo momento. A maior diferença, além da óbvia – null ter se apaixonado por null também – era que o capitão tinha tido coragem. Enquanto Merelä acompanhava a distância, esperando ser acionado por null, se contentava com abraços ou qualquer outro mínimo contato, null tinha tido ousadia. Ele tinha ido atrás de mais do que migalhas de afeto, provavelmente a tinha convidado para sair, oferecido caronas, convidado para sua casa e todo o resto de coisas que Waltteri tinha receio de fazer e propor.
O resultado estava ali, bem à sua frente, null tinha conseguido a garota. Tinha desafiado o que era ético e certo, se envolvido com a terapeuta ocupacional do time, se relacionado com ela em segredo. Era frustrante pensar que, enquanto Merelä tentou ser bom, fazer tudo como devia ser, correto com seu papel no time e com null, aquele que tinha feito escolhas erradas, no fim, tinha tido vitória. null inicialmente ignorava a inglesa, não se incomodava em ser rude ou fingir que null era invisível, mas mesmo assim, ela estava com ele.
Merelä sacudiu a cabeça, tentando afastar aqueles pensamentos. Se continuasse os alimentando assim, terminaria com Otto no grupo de apoio para haters de null null , e não era o que queria. Escolheu fazer as coisas de um jeito e null havia escolhido de outro, um ficou com a garota. Não ia se lamentar mais. Mas sabia que precisava ter uma conversa com o capitão, não apenas por causa de null, mas porque ainda jogariam juntos, porque ainda se encontrariam na vida e Merelä era maduro o suficiente para entender que não era boa ideia criar uma rivalidade com null por uma coisa tão boba.
Waltteri se decidiu por fim, e ao terminar de se paramentar, afastou-se dos amigos, aproximando-se de onde null , Aleks e Atte conversavam, alheios em seu próprio mundo.
– Eu só tô falando. – Aleks dizia. – Minha irmã sempre diz que essas coisas nunca acabam bem.
– E o que a sua irmã entende do assunto? – Atte retorquiu.
– Hey, null. – Merelä se fez ser ouvido, atraindo a atenção dos três, que o olharam com uma mistura de surpresa e desconfiança. – Será que podemos conversar?
– Eu acho que não. – Aleks se colocou de pé, ficando entre null e Waltteri. – Ideia ruim, meu parceiro.
– É rápido. – Insistiu o ala, ao perceber que o capitão não havia movido um músculo e o vigiava com olhos estreitos. – Vim em missão de paz.
null expirou, baixando os ombros e torcendo os lábios.
– Tá. – Concordou null, sob olhares atentos e discordantes de Atte e Aleks. – Tá legal. – O capitão maneou a cabeça, indicando um canto mais isolado e desocupado do vestiário.
– Tem certeza? – Atte questionou, tocando o peito do amigo, mas null só balançou a cabeça positivamente.
Os dois se dirigiram em silêncio para o canto indicado por null, lá o central se recostou a parede, com olhos fixos no ala, que respirou fundo antes de começar a falar.
– Eu só queria dizer que... – Waltteri expirou pesadamente e sacudiu a cabeça, nada do que tinha imaginado parecia bom o suficiente para ser dito naquele momento. – Olha, só quero dizer que soube sobre vocês, e... tudo bem, pode ficar em paz, não vou contar a ninguém.
– Que bom. – null balançou a cabeça uma vez e se manteve com a mesma expressão impassível de quando atendia repórteres.
– É só o que vai dizer? – Merelä riu sem humor, admirado.
– O que estava esperando ouvir? – null se afastou da parede e se aproximou um pouco mais de Merelä, para que pudesse falar baixo e ser ouvido por ele. – Agradecimentos por ter beijado minha namorada? Obrigada por não querer roubar ela de mim?
– Roubar ela de você? – Merelä uniu as sobrancelhas e franziu o cenho. – Do que você tá falando?
– Não importa. – null sacudiu a cabeça. – Olha, tá certo. Que bom que não vai contar, é importante pra null isso. E pra mim. – Completou. – É importante, enfim. – O capitão ergueu os ombros.
– Mas eu tenho uma condição. – Impôs Waltteri, encarando o jogador com seriedade e null riu, um tanto quanto psicótico – outra vez.
– Você tem uma condição. – O central riu de modo forçado, jogando a cabeça para trás. – Certo, vamos lá. E qual é a sua condição?
– Que você não quebre o coração dela. – Waltteri falou, ignorando a postura debochada de null .
– O quê? – O capitão foi pego de guarda baixa.
– É o que ouviu. – Waltteri ergueu o queixo. – null é minha amiga, apesar de tudo, e eu também ainda sou apaixonado por ela. Tentei fazer tudo certo e não funcionou, você fez errado e parece que conseguiu tudo que queria. Então, no mínimo, eu espero que você a trate bem, cuide dela, não a magoe, não faça com ela o que eu não faria.
– Do que você tá falando? – null uniu as sobrancelhas, perdido. – O que eu fiz errado?
– Namorar a null mesmo ela sendo do time e você também.
– Escuta, Merelä... – null respirou fundo, entendo o ponto do ala e endireitou as costas. – Não sei o quanto você sabe de tudo isso. Sobre ela e eu. Mas não é assim tão simples. Nós... a gente não queria estar nessa situação. – null riu fraco, erguendo um ombro e maneado a cabeça. – Pensamos em nos separar, mas não ia funcionar. E só nós dois sabemos como é ruim, como faz a gente sofrer e incomoda o fato de não poder só sair por aí, assumir o que sentimos.
– Bom, pelo que parece vocês têm lidado bem com isso, não é? – Merelä baixou o olhar, sorrindo sem humor.
– Eu sempre achei que seria você. – null falou de repente, atraindo o olhar do ala.
– Eu o que?
– Achei que seria você e ela. – Explicou o capitão, sorrindo fechado. – Sempre morri de ciúmes, era a única pessoa que me deixava inseguro. Acho que porque eu percebia que você olhava para ela do mesmo jeito que eu olhava. – null ergueu os ombros e apertou os lábios. – E eu sei que você seria melhor. Que você é melhor que eu, pra ela. – Ele sorriu ao confessar. – Mas eu amo aquela mulher e tô tentando melhorar, tentando ser o que ela merece.
– Ela parece mesmo gostar de você. – Waltteri falou, surpreso com a declaração do capitão.
– Isso ainda me surpreende. – null riu outra vez, mas desta Waltteri o acompanhou. – Não sei porque... não sei o que ela viu em mim que você não tenha. Principalmente porque no lugar dela, eu provavelmente teria escolhido você. – null torceu o nariz de repente. – Não, teria escolhido o Santtu. Você é bonito, mas o Santtu é mais legal. – Brincou, sorrindo.
– Santtu também? – Merelä ergueu as sobrancelhas, divertindo-se.
– Não, não. Eles são só amigos. – null riu, mas em seguida ergueu as sobrancelhas e parou de sorrir. – Que eu saiba.
– Ela fez uma boa escolha com você. – Waltteri disse por fim, após um breve silêncio. – Qualquer um que esteja disposto a se tornar alguém melhor é uma boa escolha.
– Obrigada. – null assentiu, sentindo um grande peso sair de suas costas.
– E me desculpe por beijar sua namorada. – Merelä riu, fazendo o central rir também. – E pode dormir em paz, não vou tentar roubar sua garota. – null tocou o peito e fingiu respirar aliviado – na verdade, ele estava mesmo aliviado, mas não queria admitir.
– Deixa isso pra lá. – O capitão deu de ombros. – Só não tenta de novo, uma vez eu consigo ignorar, duas é um pouco demais.
null riu, adotando o olhar psicótico outra vez, e Waltteri o abraçou, ainda sorrindo.
– Não posso dizer que tô exatamente triste com você saindo do time, porque agora não vou mais ter que me preocupar. – null começou a falar e Merelä riu. – Mas espero que você seja feliz em Tampere, que te tratem bem e que conquiste muitas coisas. Vou sentir sua falta no gelo.
– Eu também vou sentir falta de jogar com o maior do hockey europeu. – Disse Waltteri e null sorriu sincero. – Talvez a gente tenha esperado muito para ter essa conversa.
– É, talvez. – Assentiu null, e apertou a mãos de Waltteri, mas com um sentimento diferente dessa vez.
Terça-feira, 21 de dezembro de 2021
Centro de Treinamento do Pelicans
Lathi, Finlândia
O fantasma do Covid-19 voltava a rondar a Liiga, e agora estava mais perto do que nunca. Willy Mankinen não havia se apresentado naquela manhã, estava fora graças a àquele vírus terrível. Matias também estava retido e longe das atividades do dia. Agora a antiga rotina tinha voltado, a primeira coisa a fazer ao chegar era a testagem e torcer para ser liberado para os treinos e jogos.
Faltava pouco e ninguém queria ser infectado antes das festas, ou levar o vírus para seus familiares. Todos estavam apreensivos, já que no dia anterior Matias e Willy haviam treinado normalmente junto aos demais. null percebia o olhar de pânico de null toda vez que alguém fungava ou espirrava próximo a ele. null estava disposto a acabar com o vírus, mesmo que fosse a base de socos, para que pudesse aproveitar as festas em família com a namorada.
– null, no gelo. – Petri chamou, despertando a inglesa, que ria das expressões de nojo de null.
– Petri. – null tentou chamá-lo. – Não sei se se esqueceu, mas eu não... – A terapeuta hesitou, mordendo os lábios. – Eu não sei patinar muito bem.
– Não é para patinar, gênio. – Petri rolou os olhos e de soslaio null notou o olhar de null sobre o treinador. – Eu sei que você não consegue ficar dois segundos de pé no gelo de patins. Só venha como está e tente não quebrar um braço. – Ordenou de modo impaciente e ríspido o treinador.
null endireitou a coluna e respirou fundo, trocou olhares rápidos com null, do outro lado do rinque e com Santtu, que estava mais próximo da entrada. Tentando ignorar o modo grosso com que Petri havia falado com ela, null começou sua pequena jornada para dentro do gelo. Assim que chegou a pequena entrada, Santtu deslizou em sua direção, oferecendo sua mão e com ajuda do defensor, a terapeuta alcançou Petri, parado no meio do rinque.
– Vamos fazer um treino tático, depois quero algumas coisas mais específicas. – O treinador explicou. – Quero que fique perto, analisando e chutando a bunda desses sacos de farinha. Não quero ninguém rendendo menos só por causa das festas.
– Seu pedido é uma ordem. – null respondeu, dirigindo a Santtu um olhar cúmplice e erguendo as sobrancelhas, enquanto o defensor se afastava sorrindo.
Ciclame
Ciclame: O ciclame costuma estar associado à resignação e à renúncia, bem como a momentos de introspecção pessoal. Suas flores também tem o ciúme como um de seus significados.
Terça-feira, 21 de dezembro de 2021
Centro de Treinamento do Pelicans
Lathi, Finlândia
– Então, acho que com esses encaminhamentos podemos começar as ações, pelo menos até a próxima reunião. – Alguém que null não conseguia se lembrar o nome disse. – Obrigada pela presença, todos.
null sorriu, apertou algumas mãos e pôs-se de pé, caminhando para fora da sala, distraidamente.
– Obrigada pela presença hoje, null. – Janne Laukkanen, um dos executivos do time cumprimentou quando passaram pela porta, dando alguns tapinhas nas costas de null, que sorriu educado. – Espero que a reunião tenha sido produtiva para você.
– Sempre é. – Respondeu amistoso. – Eu pensei...acho que ouvi que eles estão treinando agora lá embaixo, será que posso acompanhar? – null, com uma mão no bolso da calça jeans e com a outra apontou para trás de si, em direção a um longo corredor e perguntou antes que o homem se afastasse.
– Claro, sim. – Janne assentiu. – Mas não deve demorar, acho que eles têm uma reunião daqui a pouco também, com Lauri e o resto. Mas vá, aproveite. – Ele sorriu antes de se afastar.
null assentiu sorrindo de canto e caminhou preguiçosamente pelo corredor, até que alcançasse o mezanino com vista para o rinque de treinos, inclinando-se para assistir ao treino do modo mais confortável que podia, com uma boa visão de tudo e onde pensou que ninguém o poderia notar.
– Vamos, Merelä! – O treinador incentivou um deles, batendo palmas quando passou perto o suficiente. – Olhos na esquerda! Olhos na esquerda!
O Pelicans de Lathi era um bom time, um time pequeno de uma cidade pequena, de uma liga que não era a maior do mundo, mas ainda assim um bom time, um dos melhores. null possuía um carinho especial pelos homens de azul por ter treinado com eles quando jovem, talvez se tivesse um pouco mais de talento para isso e não para as pistas, teria se tornado um jogador de hóquei e não um piloto e a vida seria muito, muito diferente.
– Santtu, vamos. Minha avó é mais rápida que você. – Alguém provocou o jogador e null tentou se esticar para buscar a fonte daquela voz, que era feminina e parecia ser conhecida.
– Por que não vem correr no meu lugar? – O jogador retorquiu.
– Meu trabalho é incentivar vocês, não correr, mesmo que as vezes pareça ser preciso. – Respondeu a dona da voz.
– Vamos, Nieminen! Está parecendo uma criancinha patinando no natal. – O treinador voltou a gritar para um dos que estavam mais longe. – O que há com vocês hoje? Parecem zumbis. Isso é pelas festas? Ainda não beberam e já estão assim? Vamos ter que fechar o time no retorno de vocês.
– null, precisa de ajuda pra ficar de pé? – O piloto não viu o rosto, mas viu quando a dona da voz se inclinou e falou com o capitão do time, que tinha caído sozinho no meio do rinque.
– Vou te mostrar quem precisa de ajuda. – Ele respondeu mal-humorado, ficando de pé rapidamente.
Entre as sessões de treino de Petri naquele dia, a terapeuta inglesa fora instruída pelo técnico a auxiliar em alguns exercícios, e aparentemente havia pego mais pesado do que os jogadores estavam acostumados. Esse era o motivo do azedume e frustração deles.
– Vocês ficam mais moles a cada ano. – O treinador reclamou. – Cada dia pior.
– A culpa é dela. – null, o capitão do time reclamou ao passar pelo treinador e o grupo de pessoas ao lado dele, apontando para a pessoa que gritava as provocações. Não, não podia ser...a voz era parecida, mas seria muita coincidência, não é? null começou a cair em si.
– Posso te deixar junto com as crianças do time infantil, null. – A voz feminina riu. – Se quer uma coisa mais leve. – A mulher disse cruzando os braços sobre o peito, e null null, em retaliação, correu até ela e quando parou, lançou uma chuva branca de gelo sobre a mulher.
– É sério? É sério? – Ela indagou irritada, batendo o gelo do casaco e com o movimento, os cabelos se soltaram, servindo para confirmar as teorias de null. – Isso não vai livrar vocês do treino pesado do Petri. – Ela disse e o capitão gargalhou, aproximando-se a ajudando a se livrar da neve.
– Sabe, null, você fica bem assim, de boneco de neve. – Waltteri Merelä provocou, patinando até ela.
– Vocês não perdem por esperar, o nosso retorno vai ser sangrento. – A mulher ameaçou erguendo o dedo e o outro riu, depois esbarrou no capitão do time e quase caiu no rinque.
– Merelä! Desaprendeu a andar? Já chega! – O treinador bateu palmas, chamando a atenção de todos. – Vocês estão tão ruins hoje que estou com vergonha, não aguento nem mais um minuto desse treino horrível. Para o vestiário, depois vocês têm reunião. Só acabem com isso logo. – Ordenou. – E para o bem de vocês, estejam concentrados no próximo jogo.
Com a ordem do treinador, todos começaram a se movimentar e enfim a mulher virou-se na direção de onde null assistia ao treino e ele pode confirmar sua teoria. Se tivesse apostado, talvez ganhasse algum dinheiro. Era ela, mais uma vez. null. Se lembrava bem do nome, do olhar, da voz, da implicância e irritabilidade infantil e também de tudo que havia sido dito. Se lembrava que null era uma fã de Fórmula Um, era sua fã, de todas suas dicas inconvenientes, da surpresa em descobrir que ela era o novo membro da equipe de Antti, de que ela seria a terapeuta do Pelicans, que estava saindo com o capitão do time, do time que ele era sócio, ou com a outra estrela do time...a vida amorosa de null era um desafio para a compressão de null null. Mas se lembrava também do jogo que assistiram juntos, de como a personalidade dela era magnética, de como ele se sentia atraído pelo que ela tinha a dizer, de como adorava irritá-la e todas as outras coisas ditas naquela noite.
null usava jeans, um moletom pesado, um casaco, e enquanto null lembrava de todas aquelas coisas, assistia null null, Santtu Kinnunen e Waltteri Merelä conduzir a mulher desajeitadamente até o centro da pista, enquanto os outros recolhiam seus equipamentos e se afastavam. Os três conversavam algo baixinho e então começaram a rir alto e aos poucos, Waltteri, Santtu e null se afastaram de costas, devagar, em direção a saída da pista. O capitão foi o último, sussurrando e trocando olhares com a inglesa.
– Ei! – Ava null chamou ainda sorrindo. – Pessoal? Esperem. Não vou conseguir sair daqui sozinha, lembra?
– O que disse, Ava? – Waltteri colocou a mão sobre uma orelha teatralmente.
– Pessoal, é sério. – Ela chamou de novo, um pouco mais séria. – Esperem aí, ei. Waltteri. Santtu.
– É que eu tenho uma reunião agora. – Zombou o ala, deixando a pista.
– null. Você não. – Ava levantou o dedo indicador ameaçadoramente. – Você não. null null! Não se atreva.
– Como é que você disse? Treinar com as crianças? Retorno sangrento? – O capitão repetiu, zombando dela e deixando claro que aquilo era uma brincadeira dos três para com a terapeuta inglesa. – Eu adoraria ficar e ajudar você a vir até aqui, mas é que estão me esperando, estou um pouco atrasado. – O central gargalhou e então deu as costas também.
– null! null! Qual é? Pessoal? Não tem graça. – Ela reclamou chateada e null não teria entendido a questão se no instante seguinte não tivesse presenciado duas quase quedas simultâneas da terapeuta, que nitidamente era péssima em se equilibrar sobre o gelo. – Merelä? null? Mãe? – Choramingou cansada.
null ajeitou-se, inclinando-se para ver melhor, sorridente, mal podia esperar para que o espetáculo começasse. Enquanto Ava repensava sobre todos seus pecados, tentando achar algo que justificasse uma atrocidade daquelas. Estava há vários meses com o time e vivendo em Lathi, mas ainda era péssima com o gelo e patins, não sabia patinar e não se atrevia a usar um. Essa era a razão para estar de tênis no meio do gelo.
Droga.
Xingou baixinho quando os pés simplesmente deslizaram, quase a jogando no chão. Estava no centro da pista e parecia estar a quilômetros de distância da saída, mataria Waltteri, Santtu e null assim que tivesse a chance. Talvez aquilo fosse um bom sinal, Merelä e null juntos, mesmo que aprontando contra ela, significava que havia paz entre eles. Era bom sinal, seria mais fácil matá-los se estivessem juntos. Antes que pudesse terminar de amaldiçoa-los por pensamento, precisou se esforçar para deixar os joelhos juntos e não cair no chão como uma fruta madura.
Talvez, se se arrastasse, ninguém veria e ela ainda poderia dizer que saiu sozinha e sem dificuldade. Talvez, pensava ela, se eu for bem devagar, disse a si mesma, dobrando os joelhos e aproximando-se do chão.
– Dia ruim? – null null se fez ser ouvido de repente. O piloto não aguentaria ficar longe, assistindo ao fracasso da terapeuta em se manter de pé. Mesmo sem saber a razão, desceu as escadas até o rinque, afim de oferecer ajuda, ou apenas provocá-la mais um pouco.
– Século ruim. – Ava resmungou, tentando ficar de pé, buscando algum equilíbrio nos braços abertos e esticando a coluna devagar, não queria que o piloto percebesse seu fracasso. – Você de novo? Não tem...sei lá...que treinar ou algo assim? – Questionou e null riu abafado, tremendo os ombros e desviou o olhar rapidamente, depois apoiou-se no muro ao redor da pista.
– Só quando não tenho nenhuma queda vergonhosa para presenciar. – Zombou.
– Ninguém caiu aqui, pode ir embora. Para o raio que parta. – Ava grunhiu e null tentou mordeu o interior da bochecha para não rir alto.
– Ainda não, mas do jeito que seus joelhos estão juntos...– Apontou.
– O que? – Ava perdeu a concentração por alguns instantes, baixando o rosto para olhar os joelhos e mais uma vez precisou do apoio dos braços para não cair no chão como uma criança aprendendo a andar. – Ah, cale a boca.
– Precisa de uma ajudinha?
– Não, consigo sair daqui quando quiser. – Ava empinou o nariz.
– Consegue?
– Sim. Óbvio.
– E está parada aí no meio há mais de dez minutos apenas por diversão? – null provocou de novo, cruzando os braços sobre o peito, Ava rolou os olhos, não tinha resposta para aquilo. Babaca, pensou ela. – Tem certeza de que não quer ajuda?
– Absoluta. – Afirmou, esforçando-se para ficar de pé.
null observou a mulher em silêncio por alguns instantes, achava as ofensas que ela o dirigia infantis e engraçadas, contrastavam com a mulher inteligente que ela parecia ser. E parte sua, a parte gentil e cavalheira, não podia simplesmente deixar null ali, prestes a cair no chão como uma fruta madura.
– O que está fazendo? – Ava quis saber curiosa, notando o que ele entrava no rinque.
– Sendo gentil. O quê? Seu antigo chefe não fazia isso por você? – Provocou, assim que entrou na pista, andando com paciência até ela. – Vem, vamos. Deixe-me ajudar você.
– Não precisa, estou bem. – Ava negou, cruzando os braços e quase caindo mais uma vez quando seus dois pés deslizaram ao mesmo tempo. – Estou ótima. Ótima. Nunca estive melhor.
– Vamos. – null estendeu a mão para ela. – Não vou deixar você cair. Pode confiar em mim?
– Desculpe, meu pai me ensinou a não confiar em brancos milionários. – Ava sorriu irônica. – Principalmente os que te exilam para a Finlândia porque não aguentam ouvir algumas verdades.
– Bi. Bilionário. – null corrigiu entrando no jogo. – É sobre isso? Tudo é sobre isso? – Perguntou sorrindo, enfim entendendo a chateação de Ava e ela franziu o cenho. – O Antti não te disse?
– Me disse o que? Quer saber se na entrevista ele não me alertou sobre meu futuro chefe passional, cruel e maquiavélico? – Acusou e rapidamente tocou o peito, fingindo surpresa. – Ai, meu Deus. Espera, meu chefe é você. – Ironizou e null rolou os olhos.
– Quer digitar seu pedido de demissão ou escrever de próprio punho? – Perguntou um pouco impaciente com a postura dela.
– Vou fazer um cartaz, assim quando for entregar, vai sair melhor da foto. – Debochou e depois de mais uma tentativa de se manter de pé e de alguns instantes em silêncio, perguntou. – O que Antti não me disse? – Ela cedeu, curiosa.
– O que foi? Desistiu da demissão? – Fora a vez de null null debochar.
– É que preciso saber para anexar. – Ela deu de ombros, encarando os próprios pés.
– Você não foi exilada para a Finlândia porque não gostei do que falou. – null rolou os olhos, expirando pesadamente. – Você merecia, mas não foi. Esse sempre foi o plano desde o início. Não é porque você é o centro do universo.
– O que? – Ava abriu a boca surpresa e null lhe deu as costas, começando a se afastar devagar. – Quer dizer que...não foi pelo que... na Inglaterra...
– Não. – Respondeu entediado. – E já que não quer ajuda, espero que tenha uma boa noite, null. – Despediu-se, se dirigindo a saída.
A terapeuta não sabia o que sentia mais, se era vergonha, vontade de desaparecer ou raiva de si mesma por ter agido de forma tão imatura e burra. Estava morta de vergonha de sua postura infantil com o chefe, ele realmente devia ser algum tipo de santo por não a ter demitido depois dos três encontros desastrosos. Droga, mas que droga, pensou ela. O tempo todo estava sendo uma babaca por nada, absolutamente nada, mas a àquela altura a antipatia já estava forte demais para simplesmente ignora-la. null parecia se divertir com aquilo, ele sabia que não havia razão para aquela implicância toda e mesmo assim parecia gostar e alimentar tudo.
Seus professores deviam estar tendo ataques cardíacos naquele momento, graças a péssima postura profissional da terapeuta inglesa. Primeiro, infligia a ética, agora, tinha aquele comportamento com o chefe. Era o fim de sua carreira. E o pior, agora precisava se desculpar com null, e torcer para que ele a perdoasse e não a demitisse. Ainda precisava da ajuda dele para sair do gelo e o ranço alimentado por aquela confusão provavelmente perduraria para sempre.
– Ei, espera. – Chamou e null parou de andar. – Por favor.
– Será que alguém disse alguma coisa? – Ele fingiu.
– Eu preciso. – Declarou a terapeuta, derrotada. – Preciso de ajuda, okay? – null suspirou cansada e null sorriu vitorioso.
– O que? Precisa de que? – Ele girou para olhá-la, com um sorriso ladino nos lábios finos.
– Preciso de ajuda. Ajuda para sair daqui, não consigo sozinha. – Pediu suplicante. – Por favor. Qual é? Você está a dois metros de distância, não pode fingir que não está me ouvindo.
– Diga meu nome. – null riu, olhando para ela pôr sobre o ombro, alimentando a irritação da inglesa.
– Por favor, branco-bilionário-nada-confiável.
– Não o meu nome de verdade. – null voltou-se para ela sorrindo. – Diga meu nome.
– Por favor, null null. – Ava bufou e viu o homem desdenhar com o olhar. – O que mais você quer de mim? Por favor, excelentíssimo senhor null null, melhor piloto do mundo.
– Quase lá, mas eu sei que você sabe ser melhor que isso. – Disse cruzando os braços e estreitando o olhar, e então Ava entendeu e lançou a ele um olhar fulminante que quase gritava que ela não estava acreditando no que ele queria. – Sei que você consegue. – Ele piscou.
– Por favor, chefe. – Pediu e o homem sorriu grande, aproximando-se com rapidez.
– Confia em mim? – Ele perguntou novamente, estendendo a mão para ela e Ava o analisou por alguns instantes.
– Sim. – Respondeu relutante. – Mas não é como se eu tivesse escolha. – E ele sorriu.
null ofereceu um braço, que Ava agarrou com força, e com o outro ofereceu sustento as costas dela. Ela estava relutante, mantinho o olhar preso nos pés, para garantir que não cairia e porque não era capaz de encará-lo. O tempo todo pensando que null a tinha exilado em seu país por causa do primeiro encontro, agora que sabia a verdade sentia-se uma boba de marca maior. Infantil, imatura e pirracenta. E ainda tinha espalhado aquilo para Maisie, Louis e null. Se pudesse, se enfiaria no primeiro buraco que encontrasse e não sairia mais de lá.
Por sua vez, null a observava de soslaio, afastando o olhar vez ou outra. Queria saber o que estava se passando em sua cabeça, o que null devia estar pensando e como alguém como ela ainda podia ser tão desengonçada no gelo, principalmente trabalhando com um time de hóquei no gelo.
– Você...você não levou a sério o pedido de demissão, não é? – Ava o olhou com olhos estreitos, temendo a resposta dele. – Quer dizer, eu não...tudo bem que eu...– Ela suspirou perdida, diante o olhar sério que null a dirigiu. – Eu meio que...enfim.
Ava o encarava com medo e expectativa, null se mantinha sério e com olhar impenetrável, sem esboçar qualquer reação. E então, no segundo seguinte, ele sorriu nasalado e balançou a cabeça.
– Demitir você? E perder esse tipo de show? Não. Obrigada, mas não. – Falou sorrindo, ainda a conduzindo para a borda do rinque. – Eu pagaria muito por isso.
Ava rolou os olhos, lembrando-se um pouco da razão do ranço que sentia.
– Eu acho que com isso posso te processar. – Alertou a terapeuta inglesa.
– É assim que vocês ingleses respondem ao auxílio de um bom samaritano? – null indagou, estava se divertindo, não levava a sério nada que null dizia.
– Para loiros-bilionários-nada-confiáveis, sim.
– Bom, caso tenha escapado de você esse detalhe. – null parou de se mover e colocou-se parcialmente de frente para ela. – Não foi o loiro-bilionário-nada-confiável que te deixou sozinha ali. – Apontou com o queixo para onde tinha encontrado Ava e ela expirou irritada.
– Não adianta muito se fez isso para usar contra mim.
A terapeuta cruzou os braços na frente do corpo com violência, e sua movimentação a fez desequilibrar. Em busca de algum apoio, tentou agarrar-se ao corpo do finlandês, que devido a um instante de desatenção não pode segurá-la e acabou por se desequilibrar também. Os dois caíram como dois sacos de batatas no chão gelado, com Ava sobre o corpo de null.
– Ai, caramba. – Ava reclamou baixo, depois de um gritinho, enquanto o homem embaixo dela apenas gemeu, dolorido. – Ai, meu Deus. Desculpe. – Falou quando o percebeu no chão, debaixo dela e o encarou com olhar desesperado. – Não quis. Desculpe. Ai meu Deus.
– Tudo bem. – null amenizou, um pouco dolorido, apoiando as mãos a cintura de Ava. – Se você puder...
– Claro. Claro. – Assentiu, tentando se levantar. – Só preciso...– A terapeuta apoiou os braços, um de cada lado do rosto do finlandês e o encarou envergonhada, mas ele sorriu fraco, tentando ser educado.
null usava toda força que tinha, mas os braços pareciam incapazes de suportar seu peso. Os pés não ficavam firmes, deslizavam no gelo, assim, toda vez que a inglesa tentava erguer o corpo, acabava se chocando novamente com o corpo do chefe.
– Eu não...– Ela tentava se explicar.
– Talvez se você. – null fora interrompido por outra queda. – Tente apoiar os pés...– E ela caiu sobre ele mais uma vez. null respirou fundo e apertou os lábios numa linha fina, olhando fixamente para o teto, tentando bloquear o constrangimento e os outros pensamentos que lhe tomavam a mente.
– Me desculpe. – Pediu Ava, completamente vermelha de vergonha e pelo esforço. – Meu Deus, eu acho que nunca senti tanta vergonha na minha vida inteira. Me desculpe.
null permanecia no chão, com as costas no gelo e as mãos nas laterais do corpo de Ava, que tinha as duas mãos próximas ao rosto dele, uma de suas pernas estavam entre as pernas do finlandês e a outra flexionada, com o joelho tocando o chão do lado direito. A terapeuta tinha os olhos assustados e estava ainda mais desajeitada que em dias normais.
– Me desculpe, de verdade. – Choramingou chateada. – Não foi de propósito.
– Tudo bem, eu entendo. – Ele tentava acalmar a mulher. – Só precisa se concentrar e se levantar...
– Eu sempre faço isso, sempre caio ou derrubo...– Ela reclamava olhando nos olhos azuis de null, que tentava falar calmamente, na esperança de que ela o ouvisse. – E eu te joguei no chão. Meu Deus, você deve estar querendo me matar ou me demitir. O que considerando os últimos acontecimentos eu já nem...e ainda estou...– Ava suspirou chateada e fez uma breve pausa, depois olhou a parte de baixo de seus corpos rapidamente. – Tem alguma coisa aqui me incomodando. Acho que é... tem alguma coisa no seu bolso?
Antes que pudesse terminar sua pergunta, null segurou com mais firmeza a cintura de null com uma mão, enquanto com a outra puxou para mais próximo de si o joelho flexionado dela. Usando um pouco de força e um pouco de jeito, rolou sobre ela, ficando por cima. Fora rápido e Ava mal percebeu o que houve, apenas se dando conta quando sentiu a sensação de ter o peso do corpo do homem sobre o seu.
– Opa. – Ela expirou e null maneou a cabeça, sorrindo de canto, um pouco vermelho também. – Que bom que um de nós tem alguma destreza.
– É um prazer. – Ele sorriu sem jeito e Ava correspondeu, um pouco menos nervosa.
Os olhos estavam conectados de forma consciente pela primeira vez desde a queda e parecia combinar. Não pensavam em nada, apesar do piso frio, estavam confortáveis com seus corpos. Até que null voltasse a si repentinamente e trancasse o sorriso, arregalando os olhos.
– Será que você pode...– Pediu, balançando o dedo indicador na direção do piloto.
– Ah. Claro. – null assentiu depressa, soltando a cintura e perna da inglesa e colocando-se de pé num salto, depois ajudou Ava a se levantar. – Resolvido.
– É. Sim. – Ela concordou rápido, batendo as mãos na roupa. – Obrigada.
null a ajudou a sair do gelo, ajeitando a calça jeans que usava e tentando pensar em idosas cozinhando, e em não cair outra vez no rinque.
– Obrigada por...bom, por isso que aconteceu. – Disse ela sem jeito. – Não por eu ter caído, quero dizer, obrigada por me ajudar.
– Não foi nada. – Ele piscou, enfiando as mãos nos bolsos na calça e levantando os ombros. – Mas não fique provocando o time, nem sempre posso estar por perto para ajudar.
– Eu não provoco o time. – Ava se defendeu e ele sorriu sarcástico. – É sério. Não provoco. É o meu trabalho, trabalho que você me enviou para fazer, se lembra?
– Não me lembro de cláusulas sobre perturbar os jogadores.
– Eu proponho atividades que podem ser pesadas, é bem diferente. – null sorriu, erguendo o queixo e cruzando os braços sobre o peito. – E hoje foi um pedido do treinador, só estava motivando.
– É, e eu aposto que deixar você de castigo no meio da pista é uma demonstração de gratidão comum por aqui? – null ironizou, apontando para trás de si. – Ah, perdão. – Ava o fitou curiosa. – Talvez eles tenham pensado que por trabalhar com uma equipe de hóquei no gelo, você soubesse ficar em pé no gelo.
– Eu devia ter te derrubado com mais força. – A terapeuta zangou-se.
– Não se esqueça que eu ainda sou seu chefe. – null arqueou uma sobrancelha e sorriu de canto, provocativo.
– Não, jamais. Você não deixa. – Ava resmungou. – Se me der licença, senhor meu chefe. – Ironizou sentindo a irritação voltar a invadi-la e deu-lhe as costas pisando firme. – E na próxima, se puder evitar, não me ajude. – Sentenciou e o deixou, contrariada.
null sorriu, ainda se espantava com o potencial que tinha e com o quão fácil era tirar null do sério, de como ela parecia adotar uma personalidade infantil e imatura perto dele. Depois, sacudiu a cabeça e se lembrou do que tinha acontecido instantes antes.
– É sério? – Sorrindo incrédulo, perguntou para ninguém visível, olhando para a parte mais baixa de seu corpo.
Terça-feira, 21 de dezembro de 2021
Centro de Treinamento do Pelicans
Lathi - Finlândia
A reunião com Lauri, Petri e mais alguns membros da comissão técnica e executiva não fora para nada além de anunciar oficialmente a saída de Merelä e tentar convencer ao resto do elenco a permanecer no Pelicans até o fim da temporada e a próxima. Também tinham dado informações sobre a nova rotina com o Covid-19, mas não era nada de novo. Podia ter sido uma mensagem, ou terem falado tudo aquilo enquanto ainda estavam treinando. Aquilo nem devia ser considerado uma reunião, mas pelo menos não tinha tomado muito do seu tempo. null estava em cólicas para ir conferir como null null tinha saído do gelo, ou se a namorada ainda estava lá. Fosse como fosse, null provavelmente tentaria matá-lo quando cruzasse com o capitão, e aquilo, de alguma forma, animava null.
Assim que foram liberados oficialmente, sem esperar – o que seria educado, null cutucou Aleks Haatanen e Jasper Patrikainen, que estavam sentados ao seu lado, chamando-os para o acompanhar para fora. Todo time sabia da brincadeira que Santtu, Merelä e null tinham feito com a inglesa e estavam todos prontos para zombar dela assim que a encontrassem.
Os três saíram rápido pelo corredor, até o mezanino com vista para o rinque, que ficava ao lado de uma escada que levava ao andar de baixo, ao rinque. Os três riam e faziam previsões sobre como null devia estar irritada com a brincadeira, imitando o que ela falaria, ou tentando imaginar qual seria a vingança dela. Mas para a surpresa dos três – sobretudo de null, quando alcançaram o mezanino e colocaram os olhos sobre o gelo, null ainda estava lá, mas não estava sozinha.
– Quem é esse? – Aleks perguntou, franzindo o cenho.
– Não sei, nunca vi por aqui. – Jasper respondeu, igualmente confuso.
– Eu acho que tenho uma ideia. – null falou, deixando cair toda animação e excitação que carregava antes, tinha reconhecido o chefe da namorada, e seu, indiretamente, null null.
Os dois conversavam, mas null não parecia muito receptiva. Não se podia ouvir bem o que falavam, mas a linguagem corporal não era exatamente de alguém feliz com o momento. null pensou em descer, olhou para as escadas, planejando como faria.
– O que ele tá fazendo? – Jay perguntou. – Está indo e deixando ela lá?
– Parece que não. – Aleks soprou com um sorriso de canto quando null pareceu chamar o homem e ele voltou para junto dela.
– null? – Jasper buscou o olhar do capitão quando depois, null pediu e null ofereceu a mão.
– Eu tô vendo.
Seu estômago ficou frio de repente, o uniforme parecia pegar fogo, incomodava, era desconfortável, parecia que tudo tinha ficado muito quente de repente. null segurava uma das mãos de null e a outra mão abraçava sua cintura, guiando-a para fora do gelo. null precisou conferir três vezes para se convencer de que era mesmo null ali, aquilo era algo que o central não esperava encontrar quando resolveram fazer aquela brincadeira idiota.
Claro que não havia nada demais, graças a completa incompetência de null em se equilibrar no gelo, era esperado que a inglesa solicitasse ajuda. Mas tinha mesmo que ser de null null? null se indagava. Tinha uma péssima impressão do homem, que teve início justamente quando null lhe contara sobre as circunstâncias de sua transferência para a Finlândia. Não sabia como null costumava agir com as pessoas que trabalhavam para ele, mas não gostava nem um pouco de como ele parecia estar se aproximando, devagar, sorrateiro.
– Pelo menos ela conseguiu ajuda de alguém. – Aleks tentou amenizar, talvez por perceber o semblante incomodado de null.
– É o que parece. – null respondeu sem emoção.
Os três continuaram assistindo a cena em silêncio, sem jeito, pela aura de desconforto que exalava de null. No momento seguinte, null pareceu se afastar um pouco de null e a inglesa gesticulava como se estivesse irritada, mas a seguir, se desequilibrou e o levou junto para o chão, caindo por sobre ele.
Jasper e Aleks olhavam da cena para null, de null para a cena, alarmados e empáticos ao que o capitão deixava transparecer. Por fora, null tinha seu semblante neutro, como se estivesse aguardando sua vez na sala de espera do dentista, lábios juntos, as sobrancelhas retas, olhar fixo ao que acontecia no gelo como se não houvesse uma viva alma ali. Só era entregue por quando fechava os olhos, nas vezes que null parecia tentar se levantar, mas só conseguia se agarrar mais ao chefe. Caindo sobre ele várias e várias vezes.
Mas por dentro, null era um vulcão em erupção. Um vulcão de ciúmes, de raiva, de insegurança. Fechava os olhos para não ver a cena patética da namorada sobre o outro cara, tocando o corpo dele com o dela, se encostando nele daquela maneira. Sentiu-se um pouco pior quando null, que já segurava null null pela cintura, apertou mais seus braços ao redor dela e puxou para cima uma das pernas dela – como tantas vezes ele mesmo fazia quando estavam a sós. Ele rolou, ficando por cima, entre as pernas da terapeuta, sobre ela. null baixou a cabeça e fechou os olhos.
Primeiro, Merelä, agora isso. Era demais, era muito.
– A null é mesmo um desastre, né? – Aleks tentou contornar ao perceber a expressão do amigo. – Ela conseguiu até derrubar quem foi ajudar.
– É, mas é claro que foi tudo um acidente. – Jasper, mesmo confuso, ajudou.
– Mas disso a gente sabe, não é, null? – Hade tocou o ombro do capitão, tentando atrair sua atenção. – Foi sem querer. Só um acidente.
null ergueu o rosto e abriu os olhos a tempo de assistir a null se afastando do homem e saindo do gelo sozinha, com dificuldade, mas visivelmente irritada.
– Se é o que você diz. – null respondeu dando de ombros, e se afastou, tomando o corredor, sob os olhares confusos de Aleks e Jasper.
null não queria pensar com clareza, não queria pensar em possibilidades, não queria pensar em acidentes, queria bater em alguma coisa ou quem sabe gritar um pouco, ou se enterrar na neve e não sair mais. Andou a passos firmes, concentrado em sua tarefa, ir ao vestiário, se trocar e deixar a arena. Fez tudo o mais rápido que pode, e logo estava em seu carro, dando partida e tomando a direção oposta à de sua casa. Tinha claro em sua mente para onde queria ir e não era para casa, ou para casa de null null. Não naquela noite.
Terça-feira, 21 de dezembro de 2021
Casa de null null
Lathi, Finlândia
Ainda fora do sério, null decidiu ir caminhando para casa. Mal podia acreditar em tudo aquilo, null parecia se divertir a irritando, como um tipo maluco de sádico. Alguém devia explicar para ele o conceito de profissionalismo, pensava ela. Reconhecia que grande parte de seu ranço era agora infundada, já que desde o princípio, já seria exilada para a Finlândia de qualquer maneira. Mas o fato de a terem estalado em Mônaco colocava em cheque a versão do finlandês, talvez null apenas quisesse posar de bom moço. Talvez quisesse brincar com a terapeuta, mentir e a fazer se sentir mal por tudo que havia dito, manipular.
A brincadeira de null, Santtu e Waltteri a haviam custado muito. Primeiro, a humilhação de ser largada sozinha no gelo, depois precisar recorrer a seu ex-ídolo, em terceiro, a queda humilhante sobre ele e claro, sem mencionar a implicância gratuita de null null. Era humilhante demais, tinha vontade de bater com a cabeça na parede toda vez que se lembrava de sua dificuldade em se erguer, caindo repetidas vezes sobre o corpo de seu chefe insuportável.
Não entendia porque o destino a forçava a encontrar aquele homem e porque ele não podia simplesmente a ignorar, como qualquer outro famoso rico faria. Longe disso, null parecia até feliz quando se esbarravam, como se se divertisse a perturbando, dando risadas do estresse que ele mesmo gostava de causar. O jeito com que levantava as sobrancelhas, como sorria de canto, como levantava os ombros, ele era perturbado. null era irritante, sádico e arrogante, soberbo, nada gentil ou doce.
Mal podia esperar para que a temporada de Fórmula Um enfim começasse e aquele homem terrível se fosse, voltasse para Mônaco e parasse de infernizar seus dias.
Terça-feira, 21 de dezembro de 2021
Casa dos null
Lathi, Finlândia
null sentia toda tensão que ainda estava em seu corpo escorrer junto ao vapor de água da sauna. Como era relaxante... As férias se aproximavam do final e logo teria que voltar a realidade e encarar a rotina de compromissos de trabalho até o início da nova temporada, com a nova equipe. Estava motivado e concentrado em seu objetivo, as idas a Lathi sempre o ajudavam nisso. O contato com a natureza, com a família, com amigos antigos, com tudo que havia permeado seu crescimento em todos sentidos.
Tiffany estava ocupada em sua preparação para os jogos olímpicos que aconteceriam nos próximos meses, participando de suas provas de ciclismo pelo mundo. E por não acompanhá-la, como sempre fazia, que null estava sozinho na cidade e por causa disso pudera ter os encontros aleatórios com null nos últimos dias.
Às vezes se flagrava lembrando da inglesa, visitando aqueles momentos em sua memória, cada um deles. Inclusive a situação constrangedora dos dois deitados no gelo. null ainda não conseguia entender porque havia sentido o que sentiu. Claro que null era uma mulher bonita, parecia ser inteligente e era carismática, interessante, parecia ter muito assunto, isso quando não o estava criticando. Mas até mesmo nessas situações, null adorava ouvi-la, adorava a implicância entre os dois. Era divertido provocar a terapeuta e mais divertido ainda pensar em coisas para dizer que fossem capazes de tirar null null do sério.
Ouvi-la o chamar de chefe era interessante e o trazia sensações um pouco diferentes, mas que null estava gostando de explorar. Não para usar com null, obviamente, já havia sido constrangedor sem aquele tipo de pensamento. Quando o corpo da inglesa estava sobre ele, não pode evitar que seus sentidos captassem todas as sensações da presença dela. O cheiro do cabelo, o cheiro do perfume, a cor dos olhos que null já tinha percebido desde a primeira vez que se encontraram, o contorno dos lábios dela, o nariz com a ponta levantada. E claro, o peso dela sobre si, toda aquela confusão tinha mexido com o corpo do finlandês e ele não era um garoto sem autocontrole, mas naquele momento, se sentiu como um.
Tentou pensar nas corridas, pensar nas derrotas por décimos, lembrar em retrospectiva cronológica de todas as frustrações nas pistas, pensar em seus pais e todo tipo de coisa estranha que conseguiu lembrar. Mas não era fácil se concentrar nisso enquanto tentava acalmar uma null em pânico que se chocava repetidas vezes contra seu corpo.
Mas era fisiologia básica. Podia não ser um homens especialista em biologia, mas entendia sobre o funcionamento do corpo humano. A reação com null null era uma reação fisiológica, nada demais. Não havia com o que se preocupar, só precisava manter o corpo da inglesa longe do dele e todos ficariam a salvo. Sem outras situações constrangedoras, sem precisar explicar nada ou se desculpar pelo comportamento indevido de seu corpo. E se se mantivesse assim, poderia continuar provocando null sem maiores danos, pelo divertimento de vê-la ficar vermelha de raiva. Enquanto aproveitava os últimos minutos de sauna antes de voltar a realidade, null pensou que talvez passaria mais tempo do que o habitual em Lathi, se quando estivesse por lá, encontrasse null null.
Azaléa
Azaléa: A flor indica uma reunião iminente após a separação. Pode ser personificada pela devoção, uma promessa de esperar, confiar. Muitas vezes, essas flores são dadas por rapazes para garotas antes de entrarem no exército.
Quarta-feira, 22 de dezembro de 2021
Isku Areena
Lathi - Finlândia
– Quero vocês treinando tiros. – Petri bateu palmas para agitar os jogadores.
Era um dos últimos treinos da semana, o time estava no gelo, a arena enchia aos poucos com os torcedores, já que naquele dia o time havia aberto as portas aos que quisessem acompanhar as atividades do dia.
null deslizou de costas até que sentisse o impacto do corpo contra a proteção lateral do rinque, em seguida apoiou as mãos nos joelhos levemente flexionados e inclinou o corpo para frente, tentando se recuperar do treino de velocidade que acabara de finalizar. Não demorou meio segundo até que Aleks se aproximasse dele, o loiro apoiou as costas na proteção e usou o taco como apoio, respirando fundo e devagar, igualmente cansado.
– Como você está? – Aleks quis saber, sorrindo. – Parece que um Zamboni te atropelou.
– Bem. – null assentiu rápido. – Bebi demais ontem, só isso.
– E sobre a null? – Aleks perguntou, mesmo que sem jeito, com olhos no taco e nas mãos. – Falou com ela depois do que rolou?
– Não. – null respondeu depois de algum tempo em silêncio, encarando o chão, fazendo pequenos rabiscos no gelo com a lâmina de seus patins.
– Como assim? – Aleks franziu o cenho, surpreso.
– Não falei. – null deu de ombros, fitando os companheiros de time que se aqueciam mais à frente, ignorando as várias pessoas que lhe chamavam e batiam na proteção, tentando um pouco da atenção do jogador.
– Mas por que não? – Haatanen se virou para olhar o amigo. – Depois do que aconteceu, não acha bom falar?
– Não tenho nada para falar com ela. – null respondeu com a mesma expressão fria e sem emoção que usava quando os três jogadores assistiram à cena constrangedora de null e null. – Não vou correr atrás dessa vez.
– Ah, sei lá, mas vocês... – Aleks tentou argumentar. – Por que não quer falar com ela? Talvez ela não viu que você viu. Eu sei que vocês terminaram, mas você estava totalmente caído pela null, de quatro por ela. Vai falar que ficou okay depois do que aconteceu?
– Isso é passado, Hade. null e tudo que tem a ver com ela. – Mentiu, endireitando as costas e começando a se afastar. – Não tenho razões para ficar atrás dela ou conversando sobre ela e o chefe.
– Eu não sei não, mas vou fingir que acreditei. – Aleks torceu os lábios, contrariado, mas depois deu de ombros.
null se afastou do amigo sem dar muito tempo para que Aleks pensasse em mais coisas para dizer sobre aquela situação ou sobre null. Não queria falar de null, não queria ver null null, não queria saber dela, lembrar dela. O assunto era um ponto fraco, o deixava desconfortável, ansioso e as vezes parecia ter efeitos piores.
Desde que fora quase obrigado a assistir aquela cena patética e constrangedora, tudo que mais queria era se afastar de tudo que lembrava a namorada. Estava profundamente irritado e não queria ser coerente, sensato ou compreensivo, só queria sentir raiva. No fim de semana viu null ser beijada por alguém e agora aquilo. Se perguntava o que viria a seguir. Teria que ver ela dormir com alguém? Por acidente? Aguentar tudo e ser compreensivo?
Não que fosse só ciúmes também, não se tratava disso, estava mais para autoproteção. Demorou para confiar, para se abrir, para se mostrar aos poucos para null. Mostrar lados que não costumava mostrar a ninguém, para logo depois ter que aturar todas aquelas coisas. Nunca havia dado nenhum tipo de motivo, null não podia reclamar sobre nada daquele gênero. null não tinha amigas, e se tinha não mantinha relações tão próximas. Não era beijado por fãs, apesar de existirem várias que enchiam suas redes sociais com mensagens, comentários e até mesmo fotos indecentes. Se fosse o contrário, duvidaria que null fosse ser tão compreensiva.
Sabia que não era exatamente culpa da inglesa, mas não tinha certeza sobre onde aquela linha tênue começava e terminava. null sempre soube que depois de tomar a decisão de se entregar de verdade para a terapeuta inglesa, não conseguiria juntar seus cacos caso desse errado. É aquilo talvez fosse uma confirmação, um prelúdio.
Quarta-feira, 22 de dezembro de 2021
Isku Areena
Lathi – Finlândia
De volta ao vestiário, o time fazia barulho, se divertindo com o fim das atividades do dia. Teriam um breve descanso até o dia seguinte e pareciam gostar da ideia. null ainda não tinha tido oportunidade de ver ou conversar com o namorado depois dos acontecimentos do dia anterior. Ainda estava profundamente irritada pela brincadeira sem graça que a havia custado muita dignidade. Ao contrário do que sempre acontecia, null não a tinha visitado depois da reunião, nem oferecido uma carona ou ido a sua casa para jantar. Não tinha mandando mensagens ou coisa do tipo também, talvez por estar concentrado no jogo e em tudo que envolvia as festas de fim de ano, pensava a inglesa.
Ao entrar no cômodo que constantemente cheirava a suor, Gatorade e desodorante spray, a terapeuta inglesa viu null perto de sua baia, tirando com paciência os equipamentos de proteção que vestia durante o treino.
– Oi. – null o cumprimentou, tinha as mãos nos bolsos traseiros da calça jeans e uma expressão um pouco ressentida. null estava de costas para a porta, encarando o número trinta e quatro sobre sua baia. O central respirou fundo e fechou os olhos antes de se virar. – Estava te procurando. – Disse ela e null girou devagar, sabia de quem era a voz, e naquele espaço pequeno dentro do vestiário, infelizmente não poderia ignorá-la, por mais que quisesse muito.
– Parece que me encontrou. – Ele respondeu sem ânimo, passando as mãos nos cabelos molhados de suor e se sentando para retirar as caneleiras.
– É o que parece. – null sorriu de lado, depois deu alguns passos para mais perto do namorado e cruzou os braços sobre o peito.
null não respondeu, acenou com a cabeça de modo sutil e ficou de pé, mesmo sem ter terminado de retirar as caneleiras, procurando algo que devia estar pendurado em sua baia, mesmo que nem ele fizesse ideia do que era.
– Como você está? – Ela se aproximou mais, apoiando o ombro na baia ao lado. – Jakkos me disse que você parecia cansado no treino hoje, e que tinha bebido muito na noite passada – null comentou, fazendo o central respirar mais fundo, injuriado com a fofoca do fisioterapeuta. – Não nos falamos ontem, não me disse que tinha saído para beber.
– Eu tô okay. – O central se esforçava para fingir não se importar com a conversa, se esforçava para fingir que não estava maluco para gritar tudo que sentia e expor a null que sabia o que tinha acontecido e o quanto aquilo o chateava. – Não se ocupe com isso.
– Me ocupar com você é literalmente meu trabalho. – Ava maneou a cabeça, analisando o namorado, terminando com a distância entre os dois e tocando o ombro do central, atraindo seu olhar. O toque da inglesa baixou a guarda do capitão. – Dentro e fora do gelo. Está tudo bem?
– Sim, eu estou concentrado. – Mentiu null, afastando-se dela o mais rápido que pode.
– Entendo, você precisa se concentrar, é uma semana importante, último jogo do ano. – null murmurou algo parecido com um sim e passou a dar atenção as ombreiras, ignorando a namorada, baixando o olhar. – Não vou incomodar você. – Ava garantiu sem graça. – Só queria ver como está e... – Ela hesitou, perdendo a voz.
– E? – null a olhou, em uma luta interna para disfarçar sua expectativa.
– E... – null se perdeu entre suas palavras e os olhos do namorado, queria dizer que não havia gostado nem um pouco da brincadeira do namorado, queria conversar sobre o que havia acontecido, desabafar sobre como se sentia a respeito do último encontro com null, mas sentia que algo estava errado. Não era o momento para ter aquela conversa com null.
– E? O que mais queria comigo? – null a encarou, olhando nos olhos da inglesa, atento ao que quer que ela dissesse.
– E dizer um oi. É isso. – null respondeu rápido e null abriu a boca, mas se conteve e apenas expirou, riu sem humor e desviou o olhar para as ombreiras.
– Ah. – Ele assentiu, torcendo o nariz e encarando o vazio. – Tá feito então.
– Você está com aquela postura. – Ava apontou, sem pensar antes de falar e o central a encarou com sobrancelhas estreitas. – A postura que usa quando não está bem, incomodado. – Ela sorriu de canto, mas sem achar aquilo realmente divertido. – Não estou entendendo porque tá usando ela comigo.
– Não, está enganada. – null se defendeu, dando alguns passos para longe dela. – Não tenho uma postura e não estou tendo agora.
– Está sim, está na defensiva. Eu conheço você, conheço essa parte sua que finge distância, finge não se importar quando tem alguma coisa te incomodando. – null se aproximou de novo e null quis chorar por ela não querer ficar longe. – Agora parece que sou eu quem está te incomodando, mas eu nem sei o porquê.
– Não vem com essa, null. – null a olhou, mantendo o olhar entediado, não precisava que ela percebesse mais coisas sobre ele.
– null? É sério? – Ava abriu a boca, incrédula. – É assim que vai ser? – A inglesa cruzou os braços na frente do corpo, perdendo a paciência. – Qual é? Estou vendo que tem algo errado, não fiquei maluca ainda. – Ela sorriu, tentando convence-lo de que tudo estava bem, pisando em sua dignidade. – Sou eu bem aqui, na sua frente.
– Não estou fingindo nada, null. – null manteve a postura. – Você cria muita coisa na sua cabeça. Perguntou se eu estou bem, disse que sim. O resto é por sua conta. – Falou ele. – Agora, se não tiver mais nada que realmente seja importante pra falar, eu preciso me concentrar pro jogo de amanhã e você tá me atrapalhando.
O capitão lhe deu as costas, voltando sua atenção em se livrar dos equipamentos de proteção, quase como se fosse uma estranha ali, ou alguém por quem ele não tivesse afeto. null desviou os olhos para o chão e depois para o resto do vestiário, envergonhada e sem jeito. Afastou-se de null e ficou parada em um canto qualquer do vestiário, como uma peça que não devia estar ali ou que estivesse fora do lugar. De fato, era assim que se sentia, deslocada. Sem jeito pelo modo com que fora tratada pelo namorado e deslocada por essa razão também. Fora tão estranho que estava paralisada, sem nem mesmo saber como agir.
Do outro lado do vestiário, Merelä a encarava e null sorriu para ele, não queria que o ala percebesse qualquer mal-estar entre ela e o capitão. Por sorte, o resto do time parecia alheio e concentrado em seus próprios assuntos. null inventou uma desculpa qualquer e se foi, saiu do vestiário de cabeça baixa, o mais rápido que pôde, confusa, irritada e magoada, se perguntando o que tinha feito de errado para ser tratada daquela maneira. Principalmente quando ela quem devia estar com raiva.
null sabia que ela tinha razão, não estava normal, mas o que podia fazer? Seus sentimentos pela inglesa estavam se tornando uma fraqueza importante sua. O que sentia sempre o assustou, mas tinha conseguido lidar com aqueles sentimentos – ao menos assim pensava – mas com os últimos acontecimentos, não conseguia reprimir as ideias de arrependimento, de que talvez tivesse ido rápido demais. Não precisava se machucar de verdade para perceber aquilo, não que já não estivesse ferido.
Mas ao mesmo tempo, não podia ignorar e ser rude com null, ela ainda trabalhava no time, ainda era a sua namorada, ainda gostava dela e não havia feito absolutamente nada para merecer o tratamento de gelo. Se irritava por pensar assim, por ainda na situação em que se encontrava, sentir remorso pelo modo com que havia tratado a terapeuta inglesa. Mesmo se não quisesse falar com ela ainda, não queria trata-la mal. Não que se sentisse realmente capaz de tratá-la mal de verdade, mas seria melhor estabelecer alguns bons limites.
Quarta-feira, 22 de dezembro de 2021,
Isku Areena
Lathi – Finlândia
Na saída, depois de se atrasar um pouco graças ao tempo gasto chorando de raiva e confusão em sua sala, null estava enfim trancando a porta atrás de si e tomando o grande corredor em direção a saída. Estava profundamente magoada com a forma com que o namorado a havia tratado, principalmente sendo sem nenhuma razão. Estavam bem e resolvidos com o assunto Merelä, e mesmo se não estivessem, nada lhe daria o direito de a tratar daquela maneira.
Além de ser rude, grosseiro, irônico, null ainda tinha tentado manipular suas palavras, como se null fosse a maluca da situação em ver algo onde não havia nada acontecendo.
Para alegria ou tristeza de null null, mais a frente, no mesmo corredor estava Petri e null null. O capitão carregava sua bolsa de treino, sinalizando que também estava de saída. A inglesa tentou se apressar e passar por eles sem que tivesse que conversar ou olhar para o namorado, mas falhou, sendo interceptada por Petri.
– null, bom que ainda está aqui. – O treinador a chamou, obrigando-a a parar, null desviou o olhar, como fazia quando a ignorava, no início de tudo. – Quero que fique no banco com a gente amanhã. Pode fazer isso?
– Sim. – Respondeu a inglesa, imitando null e o ignorando também. – Se minha presença não for incômoda a ninguém.
– Do que está falando? – Petri franziu o cenho. – Ficou maluca de vez?
– Talvez, aparentemente não estou sendo capaz de fazer julgamentos muito bem ultimamente. – Respondeu a inglesa e null expirou um riso incrédulo, atraindo a atenção da inglesa e do treinador, que pareceu compreender de pronto o que se passava.
– Seja o que for que estiver acontecendo aqui, é bom resolverem logo. – Sentenciou ele, olhando de null para null.
– Não tem nada acontecendo aqui. – null negou com firmeza.
– Entre null e eu? Nada mesmo. – Confirmou ela, recebendo um olhar estreito de null.
– É véspera dos meus dias de folga, não vou estragar isso me preocupando com vocês. – Petri deu de ombros. – Tenho uma reunião, não tenho tempo para perder com drama adolescente.
null e null não responderam, null tinha o rosto erguido, encarando o treinador, enquanto null mantinha o olhar no chão.
– Até amanhã tudo isso aqui é problema de vocês. – Petri apontou com o dedo indicador para a terapeuta e o jogador. – Mas se trouxerem problemas para o time, você – O treinador apontou pra null. – tá fora. E você – Apontou dessa vez para null. – vai voltar para a Inglaterra.
Petri se afastou sem se despedir, deixando null e null a sós, no silêncio, até que a inglesa resolvesse se movimentar outra vez.
Ficou em frente ao carvão
De pé com as costas para o sol
Não me lembro de ser nada a não ser destemido e jovem
– Babaca. – null cuspiu as palavras ao passar por null, voltando a andar.
– Como é? – O central riu pelo nariz, chocado. – Eu sou o babaca? Agora eu quem sou o babaca?
– Está vendo outra pessoa nesse corredor? – null parou de andar e se virou, apontando para o corredor com irônia.
Tornámo-nos ecos, mas ecos que desaparecem
Caímos no escuro enquanto mergulhamos nas ondas
(Eu ouvi você dizer)
– Você é ridícula. – Devolveu o capitão e null abriu a boca, bestificada.
– Eu? – A inglesa se aproximou do namorado, ela tinha uma das mãos pousadas sobre o peito. – Você é um idiota, null. Imaturo, um babaca.
– Eu sou? Eu? – null a questionou de volta. – Você deve ter razão, só mesmo um idiota pra aturar tudo isso.
– Não, não inverta a situação de novo. – Reclamou ela, cega pela revolta do momento. – Não finja que é a vítima aqui. Você quem começou essa coisa toda e eu nem sei o porquê. Você é inacreditável, null.
– Esse é o seu problema, null. O seu maior problema, porque você tem muitos outros. – Acusou o central, apontando para ela, enquanto ria nervosamente. – Você sempre tá certa, não importa sobre o que seja. Você sempre é a dona da verdade, a dona da razão. E eu sempre tenho que aceitar quieto e fazer do seu jeito se quiser ficar com você.
Os demônios em seu ombro
Estranhos em sua cabeça
Como se você não se lembrasse
Como se pudesse esquecer
– Você bebeu de novo? – null bateu com o dedo indicador na lateral da cabeça duas vezes. – De que droga você está falando? Não adianta querer me culpar pelas fantasias da sua cabeça. Sua insegurança é o problema aqui, não eu.
– Talvez seja, porque se eu tivesse ouvido minha insegurança, não tinha nunca me envolvido com você. – Declarou ele, sem pensar e null arregalou os olhos.
– Você está sendo baixo. – Foi tudo o que a inglesa conseguiu dizer, após alguns longos segundos encarando empalidecida o namorado, que tinha respiração entrecortada.
– Se eu sou baixo, você o que é? – null devolveu a ofensa quando a namorada fez menção de se afastar.
– De que droga você tá falando, null? Volte para a realidade.
Foi apenas um momento
Faz apenas uma vida
Mas esta noite você é um estranho
Uma silhueta
– Porque é só na minha cabeça que você erra, não é? – null riu sem humor, abrindo os braços e negando com a cabeça. – Sua perfeição nunca erra, e mesmo se estiver errada a culpa é de outras pessoas. – null franziu o cenho e negou com a cabeça também, confusa e irada. – A culpa é do Merelä que te beijou e aí eu brigo com ele, a culpa é do Aleks que ficou entre nós, daí eu brigo com ele também. Mas você não, porque você nunca erra. – null sorriu com raiva, mostrando os dentes, o sorriso que null amava ver, mas que naquele momento ela queria socar.
– É assim que você superou o que aconteceu com o Waltteri? – null expirou um riso fraco e balançou a cabeça. – Cínico. Você sabe que eu não tive culpa. Nem nisso, nem com o Aleks. – A inglesa ergueu o dedo indicador na direção do jogador. – Você quem disse isso. Você.
– Mas não é engraçado como é sempre assim? – null se aproximou um pouco mais. – Não é engraçado como é sempre culpa de outras pessoas, envolvendo você e sou eu quem pede desculpas?
– Aleks fez o que fez por ciúmes de você, não de mim. – Lembrou null, falando sério, com olhos projetados de raiva e confusão. – Eu sinto muito se não me lembrei de pedir desculpas por ter sido beijada sem o meu consentimento. – Ironizou ela.
– Você nem percebe, não é? – null respirou devagar, cansado e se sentindo incapaz de prosseguir quando não era ouvido. – Nem percebe... – O capitão negou com a cabeça. – Tá, null, fica aí com sua perfeição imaculada. Vou pra casa, ver se acho alguma paz longe de você.
Vamos sair em chamas
Para que todos saibam quem somos
Porque os muros dessa cidade nunca souberam
Que nós chegaríamos tão longe
null se afastou, seguindo o corredor, deixando a inglesa estarrecida, congelada onde estava. A última frase proferida por ele a tinha acertado em cheio e tocado lugares onde a terapeuta sequer sabia que podia ser tocada. Ainda mais confusa e perdida, null conseguiu retomar o controle dos seus músculos e partiu atrás do capitão, alcançando-o quando null já havia passado da grande porta que levava ao estacionamento. Nevava.
– Você não vai fazer isso comigo. – null se fez ser ouvida, mas null continuou seu caminho, ignorando-a e apressando o passo até o carro. – Não vai acordar de repente e me tratar como um pedaço de lixo, me culpar e sair por aí sem explicar nada.
Tornámo-nos ecos, mas ecos que desaparecem
Então, vamos dançar como duas sombras
Que queimam nos dias de glória
– Não quero falar com você. – null respondeu, ainda rumando ao carro. – Não tenho nada para falar com você.
– Você tem. – null se apressou, enfiando-se rapidamente entre o capitão e a porta do motorista, impedindo-o de abri-la. – Você tem. Você...você não vai partir meu coração e sair assim, como se eu não fosse nada.
– Eu parti seu coração? – null a olhou nos olhos, mas não esboçou qualquer emoção além de rancor e mágoa em seus olhos castanhos. – Então agora estamos quites.
null uniu as sobrancelhas, ainda mais confusa e balançou a cabeça negativamente.
Os demônios em seu ombro
Estranhos em sua cabeça
Como se você não se lembrasse
Como se pudesse esquecer
– Ou o que? – null notou a reação dela e riu sem humor, com sarcasmo. – Era pra eu achar fofo você e o chefe que você diz odiar no gelo ontem?
– O quê? – null enfim se deu conta do que estava acontecendo e foi como se o chão sumisse de seus pés. Aquilo não podia estar acontecendo.
– Eu não quero isso pra mim, arrume outra pessoa. – null tornou a falar. – Talvez o Merelä ainda queira, ou até o null. Mas eu não. – Disse, tentando se esticar para abrir a porta, mas null afastou a mão o central.
– Você me deixou lá. – Acusou desesperada. – Você. Você me deixou lá, no gelo. Como isso pode ser culpa minha? – A inglesa tentou se defender.
Foi apenas um momento
Faz apenas uma vida
Mas esta noite você é um estranho
Uma silhueta
– Nunca é, null. Nunca é. – null aumentou o tom de voz um pouco mais. – Mas eu sei que não é culpa minha também, e não vou sofrer por uma coisa que ninguém sabe de quem é a culpa.
– Tudo isso é por causa do null? – null tornou a questionar. – Tudo isso? Você não pode ser capaz, pelo menos uma vez, de conversar e ter um pouco de diálogo? Eu não sei o que te contaram, mas...
– Ninguém me contou, eu vi. – Ele a interrompeu, sentindo a voz embargar na garganta. – Eu vi você e ele no gelo. Vi a cena ridícula de vocês. – O jogador suspirou, cansado. – Mais uma vez, não é? Mais uma vez eu tive que ver você daquele jeito, com outro cara. – Falou com cansado, baixando o tom. – Pode falar que a culpa não é sua, é dele, ou minha, por ter deixado você lá. Não tô nem aí. Só não quero esse problema mais.
– Você é muito injusto. – null cedeu quando null a afastou da porta. – Está sendo injusto comigo.
– Você sabe que não, mas nunca vai admitir, porque aí estaria admitindo que tá errada dessa vez. – null falou, abrindo a porta traseira e jogando a bolsa de treinos lá. Sentia a cabeça latejar de dor, fosse de raiva ou de dor emocional, ainda não sabia discernir. – E eu não vou ficar no meio disso mais.
Apenas me abrace
Apenas me abrace
– Não acredito que está fazendo isso, falando isso por causa de algo que eu sequer tive controle. – A inglesa negou com a cabeça, sentindo a voz embargar e lágrimas lhe encherem os olhos.
– Experimenta se colocar no meu lugar, aí quem sabe você começa a acreditar. – O tom do capitão era calmo, desinteressado em alguns momentos, cansado em outros. Estava visivelmente fora de seu estado normal, tranquilo e suave, os olhos estavam vermelhos e o nariz também, mas não parecia ser pelo frio. Os olhos eram brilhantes, mas não de felicidade, tinha lágrimas neles, de raiva ou pesar, e o sorriso sempre iluminado, era cheio de ironias e sarcasmos, frio. – Até lá, acho que não vai querer ficar perto de alguém injusto, imaturo, babaca, sem diálogo.
Os demônios em seu ombro
Estranhos em sua cabeça
Como se você não se lembrasse
Como se pudesse esquecer
– O que você quer dizer? – null perguntou em um fio de voz, assistindo o namorado entrar no carro.
Foi apenas um momento
Faz apenas uma vida
Mas esta noite você é um estranho
Uma silhueta
null não respondeu, em silêncio e rapidamente deu partida no carro, acelerando para fora do estacionamento coberto de neve, sem se importar em realmente terminar aquela conversa. null sentiu as pernas, que já estavam trêmulas, cederem, e a inglesa parou no chão, de joelhos. Sentia como se houvesse um grande buraco no peito, uma sensação horrenda, dolorida, sem explicação. As palavras de null ainda ecoavam no estacionamento vazio, coberto de neve, e além da vontade desmedida de chorar, tudo que ela sentia era raiva.
Foi apenas um momento
Faz apenas uma vida
Mas esta noite você é um estranho
Uma silhueta
Quarta-feira, 22 de dezembro de 2021,
Lathi – Finlândia
Outra vez dirigindo para casa, outra vez se perdendo no próprio caminho, outra vez por causa da mesma pessoa, tudo em menos de uma semana. Nos primeiros quilômetros da estrada null havia insistido em segurar o choro que se formava em sua garganta, se recusava a chorar por null e por aquela situação idiota. Depois, quando o choro se transformou em uma bola dolorida presa a sua garganta, o impedindo de respirar, aceitou que viesse. Ainda desconfortável com sua fragilidade, afastava as mãos do volante, limpando as lágrimas, até que desistiu e se deixou sofrer o que queria sofrer. Os olhos embaçados pela dor de cabeça e lágrimas atrapalhavam a visão do asfalto, que já estava quase inteiro coberto de neve outra vez.
Só queria chegar em casa.
Ou nem isso, queria desaparecer no caminho. Parar de existir por um tempo, até que aquela sensação horrível passasse.
Não estava nos planos encontrar null aquele dia, nem discutir com ela daquela maneira, mas não pôde mudar as circunstâncias do destino, e quando percebeu, já estava no meio da maior briga que já tivera com a terapeuta inglesa.
Estava arrasado antes, machucado, triste, mas a postura de null ao se aproximar do capitão e de Petri, chamando-o de babaca, como se ele fosse o errado da situação...aquilo tinha sido a gota d’água que transbordou o balde que null sequer sabia estar cheio. Sabia que muito da postura de null se devia ao modo com que a havia tratado mais cedo naquele dia, no vestiário, mas apesar disso, ele ainda era o mais dolorido ali.
A inglesa parecia não enxergar a situação, por opção ou por cegueira, parecia simplesmente não ver que null estava magoado. null parecia capaz de ver apenas o que estava diante de seus olhos, ignorando tudo que o namorado podia estar sentindo. Para null, o último tiro fora a terapeuta acusa-lo de partir seu coração, quando o dela estava sendo pisado várias e várias vezes. Como se o que ele sentia não tivesse validade ou fosse importante.
Amava null null, era fato, mas não era o tipo de homem a suportar aquelas coisas. Se arrependia amargamente de ter deixado aquele sentimento criar raízes, sentia tanta dor agora que achava estar prestes a morrer – exagero ou não. Não devia nunca ter se permitido apaixonar por ela.
Quinta-feira, 23 de dezembro de 2021,
Apartamento de null null
Lathi – Finlândia
Era curioso como a neve se acumulava no peitoril das janelas. Os montinhos formavam ondas, curvas, revelando que não caíam de forma regular do céu. Também, uma parte da neve que caia ficava represada no telhado, outro pouco escorria para o peitoril, se somando ao que já caía ali. Se acumulava em grandes pequenos montinhos, que cobriam a parte de baixo do vidro e os relevos da madeira da janela. Durante toda a noite a neve que caiu tinha se acumulado ali, devagar, até que construísse seus castelos. Brilhando dourada graças à luz da sala, que refletia sobre ela, atravessando o vidro.
Por dentro a janela estava embaçada por causa do ar aquecido e da respiração que se chocava contra ela. Era perto de oito da manhã, mas nenhum sinal de luz solar podia ser visto no horizonte. Nada podia. Apenas os prédios a frente, que separava o prédio da grande rodovia, de onde se podia ouvir o som dos carros, velozes, cortando o espaço. Vez ou outra, vozes eram ouvidas, embaixo, no térreo, funcionava uma pequena empresa de refrigeração. De resto, só silêncio.
A última refeição, o resto de pizza de duas noites atrás, ainda estava na geladeira, esquecida e intocada. Junto com a metade de um pepino e um tomate, uma garrafa de leite e um pedaço de queijo. A louça do café da manhã estava largada sobre a pia, duas canecas sobre a bancada, uma tigela suja de mingau, geleia de frutas vermelhas e um pouco de mel. Sobre o sofá, jogado de qualquer jeito, um casaco de moletom azul e preto, com o número trinta e quatro bordados, e na entrada, um par de chinelos extra e meias brancas. Havia também uma escova de dentes, gel de cabelo, um perfume masculino, calças, shorts e camisetas, casacos e toucas, que não lhe pertenciam.
Estava sentada na poltrona, perto da janela por toda a noite. Porque era o lugar mais confortável para chorar e porque o sofá tinha muitas lembranças, ou talvez porque sentada na poltrona podia ver se os faróis dele iluminariam o estacionamento. Perdoaria se ele aparecesse, se ele se arrependesse das coisas ruins que havia dito e aparecesse ali. Não precisava ser com chocolates, uma pelúcia ou um pedido de desculpas falso, bastava aparecer. Bastava estar.
Mas ele não veio.
O farol não iluminou a neve acumulada no estacionamento, não tiveram outra discussão antes de fazer as pazes e dormirem juntos e seguros mais uma vez. Não tinha mais lágrimas para chorar, nem vontade para isso. Ficava se perguntando sobre como ele se sentia, sobre como estava, como havia passado a noite. O que acontecera entre null e null não tinha sido tão grave quanto Waltteri beijá-la, mas mesmo assim, parecia ter afetado mais a null. Todas as palavras dele, o olhar, o cansaço na voz, o ressentimento... era confuso e dolorido.
null tinha razão, imaginava que não devia ser algo bom ou fácil ter que assistir ao beijo de Merelä e depois a cena constrangedora e humilhante com null, caídos no gelo. Gostaria de pedir desculpas a ele por isso. Mas ao mesmo tempo, não entendia como aquilo podia ser sua culpa, já que as duas situações não foram causadas ou provocadas por ela, fora tão vítima quanto o central. Com a diferença de que, além de sentir na pele o que aqueles eventos lhe causaram, ainda lidava com a dor da noite passada, da ruptura, rompimento ou o que quer que aquilo fosse.
Rosas brancas
Rosas brancas: A rosa branca transmite paz, tranquilidade e inocência, e é uma forma de passar ao parceiro que espera uma relação amorosa sólida, pura e eterna. Além disso, pode significar “eu te amo para sempre”. A rosa branca representa um lado mais sério e duradouro da relação, simboliza um amor feliz e leal.
Quinta-feira, 23 de dezembro de 2021,
Isku Areena
Lathi – Finlândia
Enfim havia chego o dia do último jogo do ano. Os atletas se concentravam para ir ao gelo para o aquecimento, a casa estava cheia. Apesar da tempestade de neve que atingia a cidade nos últimos dois dias, nenhum dos torcedores deixou de comparecer a Isku Areena. Alguns, da torcida organizada, ainda foram capazes de permanecer do lado de fora, cantando e animando os atletas que chegavam para o jogo.
Junto aos outros atletas, o capitão se paramentava, ajeitando com paciência todos os equipamentos de proteção que costumava usar durante os jogos. Estava em silêncio, canalizando sua atenção para a colocação perfeita de cada uma das peças. Atte Tolvanen também estava nessa missão, mas mais espairecido, se ajeitava enquanto trocava ideias com Santtu e Jasper sobre os planos de natal e ano novo.
Mas não demorou muito até que o goleiro percebesse com estranhamento a postura do melhor amigo. null parava o que fazia de tempos em tempos, inclinava a cabeça e respirava fundo, fechando os olhos. Rotacionava os ombros mais vezes do que o de costume, e alongava o pescoço também. O semblante era cansado, olhos fundos e caídos, com olheiras escuras, ombros baixos. Conhecia aquela postura e não era o que chamaria de cansaço por causa da semana atarefada.
Atte se aproximou devagar, sentando-se a baia de Aleks, ao lado da de null, sendo ignorado – ou não percebido pelo melhor amigo.
– O que aconteceu? – O goleiro Perguntou. null o olhou rápido, enfim percebendo sua presença, mas deu de ombros e manteve-se em silêncio. – Anda, null, o que tá acontecendo? – Insistiu.
null o olhou ainda em silêncio, depois suspirou e se sentou ao lado do amigo, inclinou o corpo para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos, inclinou a cabeça, depois a ergueu e virou-se para o amigo, apertou os lábios em uma linha fina e negou duas vezes com um movimento de cabeça.
– O quê? – Atte uniu as sobrancelhas, confuso, mas no segundo seguinte ele compreendeu e relaxou a expressão. Conhecia o melhor amigo para saber que só um assunto era capaz de lhe tirar as palavras: sentimentos, e no momento, seus sentimentos estavam no colo de certa inglesa. – Mentira. É sério? Você e ela?
null assentiu e inclinou a cabeça outra vez, encarando o chão.
– Mas como? Por que? – Tolvanen começou a perguntar. – Mas vocês não estavam bem? E os planos? E o natal?
– Acha mesmo que eu tô pensando nisso? – null falou com alguma ironia na voz, mas seu tom era cansado e cheio de desanimo e tristeza.
– Foi mal, cara. – Atte apertou o ombro do capitão. – Foi mal da minha parte. – null assentiu outra vez. – Como você tá com isso? Foi ela ou você?
– Eu tô morto. – Confidenciou null, emaranhando os dedos nos cabelos. – Me sinto péssimo, enjoado, com uma dor de cabeça horrível. Não consegui dormir à noite.
– Isso deve ser emocional. – Sugeriu o goleiro, pensativo. – Você gostava muito dela. Não tem volta? Vocês?
null ergueu o tronco e se recostou, negou com a cabeça, projetando sutilmente o lábio inferior, como quem diz que “acha que não”.
– Eu lamento, cara. – Atte tornou a falar. – Uma pena mesmo.
O capitão deu de ombros, fungando e coçando o nariz com as costas da mão.
– Tanto faz. – Disse ele, ficando de pé e voltando a se arrumar. – Já foi.
Quinta-feira, 23 de dezembro de 2021,
Isku Areena
Lathi – Finlândia
O time havia vencido por três gols e tinha sido um jogo especialmente difícil. No primeiro período o time da casa havia marcado com Merelä em um gol sem assistência. Depois, dois gols marcados pelo time visitante, sendo um nos instantes finais do primeiro período. Durante o segundo, o Pelicans tinha conseguido sua virada por meio de um gol de Aleks, e depois de Santtu. E no terceiro, mais um de Merelä e mais um de Aleks. Era um resultado bom, se mantivessem aquele ritmo iriam facilmente para os playoffs, e por hora o time poderia dormir tranquilo com aquele assunto.
null tinha tido menos tempo no gelo do que o comum, nos momentos de power play, tinha permanecido no banco. No gelo, apesar de tentar e armar jogadas – inclusive a dos dois gols de Aleks – o capitão parecia fora do ritmo, cansado. Algumas pessoas na torcida, pelo que null pôde ouvir do banco, reclamavam que null estava morto.
Era especialmente difícil estar na presença dele ali, no pequeno espaço do banco de reservas. Evitou com todas as forças cruzar com o central, apresentando-se ao banco apenas instantes antes do início da partida. E no tempo que ela durou, apesar de quase ter esbarrado nela em um momento, null não havia sequer olhado em sua direção uma única vez – fosse por concentração ou por outras razões. Sentia vontade de ir até ele, perguntar como ele se sentia, se estava bem ou se precisava de algo, mas sabia que null não falaria com ela.
Aquele provavelmente tinha sido o pior jogo da vida da terapeuta inglesa. E quando enfim a tortura acabou, assim que pôde, pegou suas coisas e correu – quase que literalmente – para fora. Queria sair, ficar sozinha e talvez chorar um pouco, lamentar a péssima sorte amorosa e por ter perdido alguém que realmente amava.
– Bom jogo hoje, null. – Uma voz a pegou desprevenida, surgindo de repente, perto da saída dos familiares dos jogadores e da equipe.
A inglesa se voltou na direção da voz.
– Não. Você não. – Ela negou, sacudindo a cabeça e se afastando. – Me deixe em paz.
– Eu sei que você me odeia, mas não precisa agir como se estivesse vendo um fantasma. – null null riu fraco, surpreso e se esticou para segurar o antebraço da terapeuta. – Do que eu sou culpado dessa vez?
– Se não me soltar, eu vou gritar. – Avisou ela, com olhos arregalados pela adrenalina, nervosa. null franziu o cenho a analisou por dois segundos e a soltou, erguendo as mãos em sinal de rendição.
– Certo, null. – Ele falou, confuso. – Não quis te assustar. Me desculpe.
– Só... – null ergueu as mãos espalmadas na direção do homem. – Só fique longe de mim, por favor.
– Eu posso pelo menos saber o porquê? – Ele tornou a questionar. – Sei que você não me ama, mas não sei se tem um motivo real pra isso.
– Tem sim, tem todos os motivos. – Respondeu ela, afastando-se mais. – Eu quero que fique longe de mim, por favor. Não quero que fique perto, não quero a sua presença comigo ou na minha vida. – Ordenou ela. – Tudo já estava complicado demais antes, não preciso que complique ainda mais. Só. Por. Favor. Fique. Longe. – Ela pediu, afastando-se dele o mais rápido que pôde.
null a seguiu com o olhar, confuso. Sabia que as implicâncias e todas aquelas brincadeiras apenas para irritá-la não era a coisa mais madura a se fazer, principalmente se tratando de alguém indiretamente subordinada a ele, mas não via como aquilo podia ter causado uma reação tão drástica. null null parecia horrorizada a sua presença, como se estivesse vendo um fantasma. Talvez fosse por causa da situação no gelo, talvez null tivesse se sentido incomodada, invadida, assediada de alguma forma.
Pensar aquilo fez o coração do finlandês disparar e o ar lhe sumir dos pulmões. Não queria que ela pensasse aquele tipo de coisa a seu respeito, muito menos que lhe tivesse causado aquela sensação – se o que imaginava fosse verdade. Precisava esclarecer, precisava procura-la para se explicar, para entender o que estava acontecendo. Precisava procura-la para pedir desculpas.
Quinta-feira, 23 de dezembro de 2021,
Isku Areena
Lathi - Finlândia
Seis minutos para o fim do terceiro período. A primeira linha tinha sido substituída, null null voltava ao banco, buscando seu lugar para que enfim pudesse se sentar. Tinha a sensação física de atropelamento, cada músculo de seu corpo doía, até os que o jogador não sabia ter. Por obra do destino, de pé perto do gerenciador de equipamentos, estava null logo atrás dele – literalmente. Precisou de muito empenho e autocontrole para não se deixar relaxar as costas no corpo dela, no fundo sentia que precisava disso. Talvez ela massageasse seus ombros, talvez sussurrasse alguma palavra de estímulo, ou talvez se afastasse. Não podia lidar com o fato dela se afastar, então preferiu não correr o risco.
Não imaginava que uma separação fosse capaz de trazer tantos sintomas físicos quanto os que ele sentia naquele momento. Durante os intervalos tinha vomitado três vezes e por causa da irritação na garganta, começou a tossir. Algumas vezes, olhava para o lado o mais sutil que podia e com isso, conseguia alcançar null com sua excelente visão periférica. Algumas vezes ela estava com cabeça inclinada, encarando os pés, em outras prestava atenção ao gelo e algumas outras, estava com os olhos em null. Não aparentava muito feliz também, o que seria certa decepção para null caso estivesse.
De qualquer forma, estava se sentindo tão destruído fisicamente que mal conseguia mensurar o quanto estava emocionalmente. Petri também já tinha percebido seu péssimo rendimento e o tinha quase que presenteado com mais tempo no banco do que o normal. Em outros momentos null teria brigado com o treinador por isso, mas naquela noite dava graças a Deus.
O cronômetro iniciou sua contagem final, os últimos segundos da partida que se finalizava com o Pelicans como vencedor. null ainda estava atrás de null, podia sentir sua presença e quando tentou endireitar a coluna, para ver se assim a dor no corpo diminuía, sentiu esbarrar na terapeuta, mas null aparentemente não percebeu. O sutil toque tinha dado um pouco de alento a null, mas durou muito pouco, já que em seguida o treinador afastou null sem qualquer cuidado e se inclinou para null.
– Qual é o problema com você? – Ele perguntou sem muita paciência.
– Não sei. – null deu de ombros. – Só não me sinto bem.
– Seja o que for que aconteceu, você precisa melhorar. – Falou o mais velho, batendo no ombro do capitão. – É bom que melhore.
null assentiu em silêncio.
– Vá fazer outro teste amanhã. – Ordenou antes de se afastar.
Sexta-feira, 24 de dezembro de 2021,
Apartamento de null null
Lathi – Finlândia
Desde a hora em que tinha aberto os olhos naquela manhã, null encarava o calendário, encarava o dia vinte e quatro e o grande círculo vermelho que null tinha desenhado ao redor do dia seguinte, dia vinte e cinco. Provavelmente ele estaria em Viipuri naquele momento, ou a caminho de lá. null tinha alguma curiosidade sobre como ele teria explicado sua ausência para os pais, sobre o que os pais diriam a respeito de tudo aquilo. Talvez no final das pausas, com certo tempo, a poeira já teria abaixado e null aceitasse conversar. Talvez pudessem ter qualquer diálogo, talvez ele a procurasse, como sempre fazia.
Ou talvez voltasse ainda pior, sem nem mesmo fingir em nome do trabalho e aí, seria melhor seguir seu caminho e procurar outro emprego.
Ao pensar nisso a imagem de null null na noite passada lhe veio à mente. Sentiu uma súbita raiva a atingir, culpava null por toda aquela confusão e dor. Se ele não tivesse a ideia idiota de ajuda-la, ou se não tivesse usado aquilo como uma oportunidade de humilhar a inglesa, nada teria acontecido e agora estaria em Viipuri com null, aproveitando o natal.
Uma chamada de vídeo despertou a terapeuta inglesa de seus pensamentos. Maisie brilhava na tela do celular. null se ajeitou entre os travesseiros e cobertores, passou os olhos pelo lugar onde null deveria estar, suspirou e então atendeu a ligação.
– Eu acho bom você começar a me contar tudo e não esconder nenhum detalhe constrangedor e íntimo sobre conhecer os sogros. – Maisie riu do outro lado, empolgada. Mas assim que colocou os olhos sobre a figura da amiga, franziu o cenho e torceu os lábios em um bico confuso. – O-ou. O que aconteceu? Não me diga que eles te trataram mal? A sogra. Foi ela?
Com aquelas perguntas e os gatilhos que elas lhe acionavam, null chorou outra vez.
– null null, o que está acontecendo? – Maisie perguntou de novo, preocupada. – O que fizeram com você? O que está acontecendo? Não me faça ir até a Finlândia, eu tenho ingresso para um show de fim de ano do Harry Styles.
– Acabou. – Contou a terapeuta em meio a um soluço e outro. – Eu e o null. Ele. – A inglesa soluçou outra vez, tentando secar os olhos com as mãos. – Ele não quer me ver mais.
– Espera, o quê? – Maisie arqueou uma sobrancelha e sua pálpebra esquerda tremeu. – Como assim? O que aconteceu? O que esse babaca fez?
– Não, não foi ele. – null tentou contar, sacudindo a cabeça. – Quer dizer, foi também, mas é complicado.
– Então me explica, porque eu tenho tempo. – Maisie se ajeitou do outro lado da câmera. – Ou vou aí pessoalmente.
– Se lembra do Waltteri Merelä, o jogador bonito e com jeito de príncipe? – Perguntou e a amiga assentiu. – No sábado, depois do jogo, fomos a um bar comemorar e ele se declarou pra mim e me beijou. – Maisie arregalou os olhos e cobriu a boca, surpresa. – null viu tudo, ficou chateado, triste, mas nós nos resolvemos. Ele só pediu pra ficar um pouco sozinho, de espaço e deu tudo certo.
– Mas se deu tudo certo, por que ele terminou? – Perguntou a outra e null negou com a cabeça.
– Não, não foi por isso. – Falou null, angustiada, chorando copiosamente. – Depois, estávamos bem e aí na quarta-feira eu reencontrei o enviado do mal, null null.
– O null? – Maisie tinha os olhos arregalados de novo. – O mesmo null?
– É, já tinha encontrado ele por aqui há alguns dias, até tive que assistir ao jogo sentada do lado dele. – null atualizou a amiga sobre as últimas. – null não entendeu porque, já que eu tinha contado a ele que odiava o null. – Maisie assentiu em silêncio. – Mas aí, nessa semana os meninos do time fizeram uma brincadeira comigo, me deixaram no rinque sozinha e eu não sei patinar, então meio que fiquei presa lá. Aí a droga do null surgiu pra me ajudar. – Enquanto falava null ainda soluçava e chorava, seus ombros tremiam. – Já era péssimo ter que pedir ajuda, mas aí eu acabei me desequilibrando e caí em cima dele. Foi super constrangedor, porque ficamos juntos ali e toda vez que eu tentava levantar, caía de novo sobre ele.
– Meu deus. – Maisie torceu os lábios em uma careta de incômodo.
– Até que ele me segurou pela perna e pela cintura e rolou por cima, e aí conseguiu se levantar. – Continuou a contar a terapeuta inglesa. – Mas eu me senti péssima com aquele contato, humilhada.
– O que o null tem a ver com isso tudo?
– Tem a ver que ele viu. – Quando disse, Maisie abriu a boca, mas não disse nada, apenas direcionou a amiga um olhar empático. – Ele me ignorou, me tratou mal, mas eu não sabia a razão. E depois tivemos uma briga horrível.
– Sinto muito, amiga. – A outra apertou os lábios e ergueu as sobrancelhas, compreendendo o sentimento da amiga.
– Disse que ia procurar paz longe de mim, que não queria esse tipo de coisa pra vida dele... disse tantas coisas ruins... – null sentia o peito apertar ao dizer aquelas coisas em voz alta, em lembrar-se daquelas palavras. – Que não queria falar comigo e que eu tinha partido o coração dele. Disse que não ia mais ficar no meio disso, que não queria esse problema e que eu era dona da razão.
Maisie não respondeu, se manteve encarando null com uma expressão empática, mas em total silêncio. Parecia não saber o que dizer e ao mesmo tempo compreender totalmente a situação em que a amiga se encontrava.
– Não vai dizer nada? – null perguntou diante do silêncio da amiga. – Por favor, fala alguma coisa.
– Eu não sei bem o que dizer. – Maisie enfim se pronunciou e encolheu os ombros, null a olhou com olhos estreitos. – Eu...– Maisie desviou o olhar.
– Acha que ele tem razão. – null compreendeu pouco surpresa e riu fraco. – Acha, não é?
– Não foi o que eu disse. – Negou a amiga.
– Não precisou, está na sua cara. – A terapeuta torceu os lábios e sacudiu a cabeça, derrotada.
– null, só...é uma questão complicada mesmo. – Maisie tentou argumentar, tentando acalentar a amiga. – Sabe, você não teve culpa, mas não muda o fato de que deve ser muito ruim ver sua namorada nessa situação. Ele foi maduro até, porque se fosse eu, teria estapeado você e o Merelä, só para início de conversa.
– Se ele fosse tão maduro, teria conversado comigo e não agido assim. – null negou, secando os olhos. – Ele podia ter falado comigo que estava chateado, eu teria explicado.
– Ele fez isso da primeira vez, pelo que eu entendi. – Maisie ergueu um ombro. – Mas duas vezes na mesma semana...as vezes realmente é um pouco demais. – Maisie torceu os lábios, solidária com null.
– Até ontem você não gostava dele e agora está o defendendo.
– Não tô defendendo o null, estou sendo sensata. – A outra respondeu, aproximando mais o celular do rosto. – E pensando diferente disso está dando razão a ele, sendo dona da verdade.
– Maisie, eu realmente não preciso de um sermão agora. – null massageou as têmporas, sentindo-se exausta com aquela conversa. – Já estou sofrendo o suficiente com tudo isso. Confusa, sem saber o que fazer...
– Você pediu desculpas a ele? – Maisie indagou. – Disse que sentia muito ou que entendia a frustração dele? Quando conversaram.
– Não. – Respondeu direta e Maisie inclinou a cabeça e apertou os lábios em uma careta de reprovação. – Não é como se ele tivesse me dado oportunidade de explicar qualquer coisa.
– null, eu não vou me meter nisso. – Declarou Maisie, depois de respirar profundamente. – Mas, se você está sofrendo, se ama ele como já me disse que ama e se achar que vale a pena... e claro, se estive infeliz com o término, vá atrás dele.
– Oi? – A terapeuta foi pega de surpresa.
– Disse que não sabe o que fazer, talvez esse seja um começo. – Maisie deu de ombros, null ainda a encarava pensativa e surpresa. – Não sei porque tô dizendo isso, mas, se você acha que vale a pena lutar pelo jogador, vá em frente. Ou então supere. Me parece que você tem uma decisão aqui, porque o null já te deu a posição dele.
null não teve tempo de responder, ainda enquanto refletia sobre a sugestão de Maisie, se questionando sobre, a campainha tocou. A terapeuta ignorou a princípio, mantinha os olhos na tela, ecoando a fala da amiga. Não havia passado por sua cabeça ir atrás de null, fazê-lo reconsiderar, até porque as palavras do namorado a tinham magoado. Na noite passada havia aguardado null surgir em sua casa atrás de uma reconciliação, mas não tinha pensado em ela mesmo fazer aquilo. Dar um primeiro passo.
A campainha continuou e null bufou.
– Desculpe, preciso atender. – Avisou a amiga. – Continuamos depois?
– Me dê notícias. – Maisie sorriu sem mostrar os dentes, antes que null desligasse.
A terapeuta se arrastou até a porta, sem se importar em arrumar os cabelos ou trocar o pijama sujo. Abriu a primeira porta e depois a outra, encontrando Santtu Kinnunen do outro lado. O defensor olhou a amiga de cima a baixo e fez uma careta aborrecida e de reprovação.
– O. Que. Aconteceu? – Indagou ele, devagar.
– Tudo aconteceu, Santtu. – null se afastou da porta, dando as costas para ele.
– Se tivesse um recorde sobre quantos dias se é possível ficar longe de problema, você nunca quebraria. – O jogador falou, fechando a porta atrás de si e seguindo a amiga para dentro, para a sala.
– Como você soube? – null abraçou o próprio corpo, confusa com a visita do amigo.
Não tinha mencionado aos amigos que passaria o natal com null em Viipuri, muito menos sobre a separação, não entendia como Santtu poderia saber da existência de algum problema.
– null te falou? – Uma centelha de luz brilhou no interior de null. – null te mandou aqui pra ver como eu estava? Foi ele? – Ela o fuzilou de perguntas, agitada.
– O quê? Não. – Santtu negou com a cabeça, confuso. – Eu não. Não falei com o null.
A esperança de null se esvaziou como um balão de festa e murchou triste, entristecendo o semblante da terapeuta.
– Eu estive na Isku hoje, tinha uma revisão médica e queria fazer o teste de novo antes das festas, só para garantir. – Começou a contar o defensor.
– E daí? – null caiu sobre o sofá, desanimada. – Desculpe minha falta de tato, não estou exatamente em um bom dia.
– E aí que soube do null. – Santtu ignorou null, mas capturou total atenção dela ao mencionar o nome do capitão.
– Como assim? Soube o que do null?
O estômago de null caiu no chão, como em queda livre, suas mãos começaram a suar e sua respiração pareceu mais dificultada.
– Quando perguntei de você ao Atte, ele não foi exatamente simpático, então deduzi que estivessem com problemas de novo. – Santtu ignorou a expressão apavorada de null e sua pergunta. – E dado ao seu estado e o estado desse lugar, tinha razão. – Falou ele, olhando para o caos do apartamento da inglesa.
– O que acontece com o null, Santtu? – A inglesa sacudiu o homem.
– Ou, calma aí. – Kinnunen reclamou. – Ele está doente, positivou para Covid–19 hoje de manhã.
– Hoje? – null não conseguia acompanhar a velocidade que seu cérebro processava aquela informação. – Hoje? Mas a viagem? Ele foi para Viipuri? – null ficou de pé, andando de um lado para o outro, mordendo a ponta do polegar. – Covid? Então era por isso que ele estava tão mal no jogo...
– null, não quero bancar o chato curioso, mas você pode me dizer o que tá acontecendo? – Santtu ergueu o dedo para chamar a atenção dela.
– null não quer me ver, ele terminou comigo há duas noites. – A inglesa continuava confabulando em sua mente, andando de um lado para o outro na sala. – Ele me viu com null e teve a questão com o Mere. Ele... – null parou de andar. – Ele foi para Viipuri? Você sabe?
– Não, não sei. – Santtu negou, ficou de pé e segurou a amiga pelos ombros para que ela parasse de andar. – Como assim terminaram? Do nada? – Perguntou com voz calma.
– Ao que parece ele se sentiu traído, magoado, eu não sei. – null tentou explicar, mas não conseguia se concentrar nas perguntas do amigo, estava agitada, preocupada demais. – Só sei que ele não quer me ver e eu não estou pensando com clareza desde então.
– Não conversaram?
– Ele não foi muito receptivo. – null maneou a cabeça e riu com sarcasmo. – Nenhum de nós, na verdade.
– Isso explica o jeito que o Atte me olhou quando perguntei se você estava com ele. – Santtu pensou alto, coçando a nuca.
– O que mais você sabe? Ele está okay?
– Ele já estava péssimo ontem no jogo. – O jogador lembrou, voltando a se sentar no sofá. – Talvez está no hospital, ou em casa, ou com os pais, ou Atte...não faço ideia.
– Que perfeito. – A inglesa riu amarga, sentando-se ao lado do amigo. – Hora perfeita para uma separação.
– Se você está preocupada, manda uma mensagem. – Sugeriu Santtu.
– Não posso só mandar uma mensagem. – null negou com a cabeça. – Ele acabou comigo. Com palavras. Ainda estou muito magoada.
– Bom, isso é uma escolha sua, não é? – O defensor ergueu os ombros. – Pergunte a equipe do time, você é de lá, eles vão te dar atualizações. Ou vá direto a fonte, o que eu acho mais honrado. Principalmente porque até outro dia você falou com Merelä que amava o null. E até ontem o homem estava dormindo aqui com você, então...
As palavras de Santtu caíram no coração de null como uma pedra. Um lembrete. Tudo que tinham dito um ao outro era tão mutável assim? Meses para construir, horas para acabar?
Sexta-feira, 24 de dezembro de 2021
Apartamento de null null
Lathi – Finlândia
Com a saída de Santtu, null null enfim pode ter o momento a sós consigo mesma para refletir. Os dois amigos, Santtu, que tudo tinha acompanhado e Maisie, que a princípio fora contra a relação, tinham dito a mesma coisa. Que a inglesa, se julgasse valer a pena, devia buscar null null.
Costumava ser o oposto, costumava ser ele a ocupar esse papel. Na verdade, não lembrava de nenhuma ocasião onde tinha sido a primeira a pedir desculpas, a primeira a ceder e a ir atrás. Talvez null a tivesse deixado mal acostumada com seu jeito de resolver, com sua facilidade em ceder, pedir desculpas e reconhecer erros que muitas vezes não eram seus por inteiro. As palavras do central voltaram a cabeça da inglesa, porque era justamente daquilo que null a tinha acusado, e null agora via que ele tinha razão.
Talvez, quando viu a cena da namorada com null, null esperou que ela viesse ao seu encontro, contasse a ele, como tinha feito na ocasião de Merelä. Talvez ele tivesse esperado que null lhe pedisse desculpas, talvez tivesse ficado ansioso, encarando a tela do celular, ou as janelas, esperando algo que nunca veio. Na verdade, null até quis contar a ele, mas não achava ser necessário se desculpar com o capitão por isso, e ainda não achava. Principalmente considerando o fato de que não teve qualquer culpa em nenhum dos dois incidentes.
Foram meses – apesar de poucos – de juras, de pedidos de casamento ignorados, de convites para dividir o teto. Meses em que null disse estar apaixonada pelo capitão, disse fazer qualquer coisa por ele e até mesmo que o amava. E agora se perguntava se as palavras de null na última vez que se viram haviam sido tão duras a ponto de desconsiderar todas as outras.
Seus pensamentos voaram outra vez até ele, que agora ela sabia, estava doente. Não sabia se estava só, se estava em casa ou em Viipuri, mas considerando a preocupação do namorado com a família e seu cuidado durante o último treino, imaginava que o último lugar aonde null iria doente seria a casa dos pais. Provavelmente estaria sozinho, em algum lugar. Não conseguia adivinhar se Atte ou Aleks o acolheriam naquela situação, ou se null os teria procurado. Ele adorava as festas de final de ano, não atrapalharia a de ninguém, certamente escolheria ficar sozinho.
Mas ele estava doente, em algum lugar, provavelmente sozinho. O seu null, o que cozinhava para ela, com quem ela amava rir, o que adorava fazer piadas sobre seus dotes, era ainda o seu contorno.
Mas também fora ele quem pediu por aquilo. Foi null quem disse que queria distância, quem rompeu com tudo, quem não quis conversar e resolver. Quem disse que não queria aquele problema, quem chamou null de problema foi ele. Podia esquecer tudo, passar por cima do orgulho e das feridas que as palavras de null a tinham causado? Valia a pena?
null não a procurou, talvez ele nem mesmo a quisesse por perto. Ele mesmo tinha dito assim. Talvez ele a recusasse se tentasse se aproximar.
null saiu do sofá, de onde estava, tomou a direção do quarto. Na mesa de cabeceira ainda estava o pinguim de pelúcia, solitário como a sua dona. null se aproximou e o tomou nas mãos, sentindo com a ponta dos dedos a textura da pelúcia. Saudosa, olhou para a cama. Quase podia ver null ali, deitado, sem camisa, as tatuagens a mostra. Ele estaria sorrindo, o cabelo bagunçado e ele faria uma piada indecente ou alguma romântica, sempre era difícil de prever.
null se sentou e tocou os travesseiros com delicadeza, depois puxou o que o namorado costumava usar e o apertou contra si, sentindo o cheiro dele impregnado ao tecido. Desejava que fosse ele ali e não apenas um objetivo inanimado. A terapeuta inglesa respirou profundamente contra o travesseiro e ergueu o rosto.
– É, null... – Ela pensou alto, olhando outra vez para o pinguim. – É como você costuma dizer. É o que é.
A história não termina aqui.
Descubra o que acontece a seguir>>
Chegou!
Confesso que estamos enfim na minha parte favorita dessa história. Parte do meu processo criativo é assistir minhas histórias em minha própria mente, como se fosse uma espécie de filme ou série. No caso de Inter Duo, uma série. Eu adoro fazer isso, é de onde vem grande parte das minhas ideias e do jogo das cenas, as interações dos personagens e todo o resto.
Desde o início, enquanto assistia Inter Duo, imaginava ela separada em duas ou três partes, e isso acabou sendo necessário aqui também. Quando entrei na quarta divisória percebi que era o momento para separar. Então, considere essa, Inter Duo:First Period, como a primeira temporada dessa série. A temporada onde conhecemos a Pp e o Pp, onde vimos um pouco de quem eles são e dos objetivos, o que os move. Conhecemos o Pelicans e o time, Lathi e algumas de suas maravilhas.
Agora muito mais espera na segunda parte, agora veremos o sentido de Inter Duo, que é muito mais do que apenas o óbvio (prometo).
Estou muito animada com a segunda fase e tudo que está planejado para ela. Espero que vocês, que motivaram e apoiaram desde o início, também curtam o que vem por aí.
Por aqui terminamos, mas siga acompanhando em Inter Duo:Second Period.
Obs: Organizei as músicas da trilha sonora da fic em uma playlist no spotify, todas que foram usadas estão lá, assim como as que serão usadas na próxima parte. Para acessar a playlist da história, é só clicar aqui.
Espero que essa história chegue até vocês e os encontre bem, de alma, corpo e coração.
Estou aqui para vocês no que desejarem e precisarem.
Se puder, deixe um comentário e siga a terapeuta mais gracinha da Finlândia no Instagram, pelo @avabekkeer. Lá temos atualizações sobre a rotina dela, fotos da cidade, dos amigos, até o Pp passa por lá de vez em quando.
Um grande beijo e até breve,
Carmen
Caso o disqus ainda esteja instável e queira deixar um comentário para aquecer o coração da autora, pode clicar aqui.
