Fanfic finalizada em: 23/04/2018

Capítulo 1

Desde que me entendo por gente, não importava o que eu fizesse, a sensação de estar tarde demais sempre me dominava.
Quando criança, era mais fácil de conviver com isso sem muitas complicações. Afinal, crianças sempre estão chorando, certo? Ninguém acha estranho uma criança aos prantos no meio de uma brincadeira no recreio na escola. Mas dificilmente você vai encontrar alguém que não ache estranho uma adolescente ter uma crise de choro enquanto todos os convidados cantam o tão esperado Parabéns porque ela não consegue se livrar do sentimento ruim no peito de estar sentindo falta de alguém, mesmo sem ninguém ter faltado na festa.
Todos sempre estavam lá, e eu sempre senti a falta de alguém.
Nem todas as horas do mundo em psicólogos foram capazes de explicar a origem disso, e, com o tempo, isso foi sendo esquecido. Por todos, menos por mim. Não era só porque eu não comentava mais com ninguém que eu parara de sentir. Talvez se tratasse daquelas coisas de adultos que ninguém comenta em público, mas que todos sabem muito bem do que se trata. Algo como não querer marcar consultas médicas e o desespero de pagar contas.
Talvez todos sempre estejam procurando por algo, e ninguém teve a decência de me adiantar isso. Quem sabe trapaças desse tipo não fossem permitidas nesse tal jogo que você nem pede para participar.
- , sua postura - no susto por ter esquecido que estava sendo observada, apenas me ajeitei na cadeira desconfortável, o livro em meu colo quase indo ao chão. Meu pai riu ao meu lado, voltando a mexer em seu celular enquanto esperávamos a liberação para embarcar. Ele, diferente de mim, estava animado com a mudança.
De uns anos para cá, aquilo era o que meu pai mais desejava, e, embora eu não tivesse poder de me opor à decisão que inevitavelmente me envolvia, estava feliz por ele, até onde era possível. Depois de tantas noites mal dormidas planejando aquilo, correndo atrás de documentação, os vistos estavam aprovados, passagens em mãos. Acredito que ninguém goste de fato de mudanças - meu pai estava uma pilha de nervos, não me surpreenderia se ele vomitasse ocasionalmente nos próximos dias -, só que aquela decisão parecia quase como um ataque contra minha pessoa. Afinal, eu que teria que sofrer mais com adaptação por precisar ingressar em uma escola nova, no meio do ano letivo, com pessoas com quem não compartilho a língua materna. Por mais que existisse internet, o contato com os amigos de infância não seria o mesmo, e sabe-se lá como seria com meus novos colegas.
- , aonde você vai? - questionou meu pai, quando notou que eu me levantara, deixando o livro aberto sobre a cadeira que ocupava até então. Se me perguntasse o motivo da minha inquietação, a resposta seria “ansiedade pela mudança”, sem pensar duas vezes. Em certo nível, eu até acreditava naquilo.
Só que no fundo eu sabia que tinha algo a mais. Eu só não sabia explicar.
- Vou pegar um café. Quer também?
Meu pai negou com um sorriso, voltando sua leitura atenta às notícias da cidade que seria nossa casa pelos próximos anos. Assim, aproveitei o tempo livre para esticar um pouco as pernas, já cansada de ficar tanto tempo sentada.
Pelo horário, o aeroporto estava bastante cheio, mesmo sem ser época de férias. Tive que me encolher e pedir desculpas algumas vezes depois de esbarrões inevitáveis, mas nunca cheguei ao meu destino. Sem explicação aparente, minha atenção foi tomada por completo pela alta e longa parede de vidro do prédio, que dava uma ampla visão das pistas de pouso e decolagem, assim como do sol se pondo ao fundo. O céu aos poucos ia adquirindo tons mais avermelhados, os reflexos dominando o ambiente do aeroporto sem grandes dificuldades, já que a iluminação artificial ainda não estava cem por cento em funcionamento. Era uma imagem bonita, mas não tinha muita motivação além disso para minha admiração, muito menos para a minha impossibilidade de desviar o olhar. De alguma forma, parecia que eu estava apegada à cena, na expectativa de que algo acontecesse.
Por isso fiquei ainda mais sem reação quando algo aconteceu.
Um flash arroxeado dominou o cenário, por um pouco mais de um segundo, mas o suficiente para que o ar fugisse de meus pulmões. Meus batimentos acelerados ecoando nos ouvidos abafou a voz de um desconhecido ao meu lado, que precisou tocar meu braço para conquistar minha atenção.
- Ei, está tudo bem? - perguntou o rapaz, que não deveria ser muito mais velho do que eu - Por que está chorando?
Confusa, ergui uma mão até meu rosto, sentindo o líquido já frio em contato com as pontas dos dedos. Tal constatação apenas fez com que minha respiração saísse ainda mais do controle, e eu passasse a correr para longe, mesmo sem saber para onde estava indo. Adrenalina e desespero apostavam corrida na minha corrente sanguínea, e eu sequer pedia mais desculpas para cada pessoa com quem esbarrava naquela busca de alguém que eu sequer sabia quem era.
Só sabia que estava ali.
Podia sentir.
A cada respiração superficial, meu coração se apertava mais no peito, a sensação de ser tarde demais crescendo exponencialmente a cada segundo. Por que eu nunca conseguia fazer algo? Por que parecia estar sempre fadada ao fracasso? Por que isso significava tanto? Tanto que saber que não encontraria apenas fazia com que a vontade de chorar se intensificasse, e eu não tinha como controlar.
As pessoas ao meu redor seguiam seus trajetos, desviando de mim sempre que possível, e eu seguia girando no mesmo lugar, na esperança que pudesse pelo menos conseguir ter um vislumbre dele, pelo menos por um mero segundo, o menor que fosse. Tudo que eu precisava era daquilo, de uma pequena prova, uma simples memória. Algo que pudesse provar que aquilo tudo era real.
Então senti dedos se fechando com determinação ao redor do meu pulso, alguém às minhas costas impedindo que eu prosseguisse em uma direção aleatória. Me virei de uma vez, com o ar já engasgado na garganta, sem entrar ou sair, porque eu já sabia.
Antes mesmo de meu olhar encontrar os seus olhos arregalados que espelhavam os meus tão bem. Antes mesmo de notar que lágrimas também marcavam o rosto dele. Antes de poder dizer qualquer coisa.
Era ele.
É claro que eu sabia que era ele. Como poderia esquecer?
O aperto em meu pulso pareceu afrouxar, um de seus dedos enganchando na fita vermelha que eu usava como pulseira, parecendo confiante de que eu não sairia dali, mas ao mesmo tempo querendo ter uma garantia. Assim como o meu, seu olhar também estava direcionado para a fita, e em quase perfeita sincronia voltamos a encarar um ao outro, a ansiedade clara em todos os traços no rosto, no brilho choroso dos olhos.
Eu sempre estava procurando por ele.
E ele estava sempre procurando por mim.
- Você é…? - começamos a pergunta juntos, mas nenhum dos dois chegou a finalizar, a dúvida para sempre no ar.
- ! - o grito irritado de meu pai fez com que eu me virasse, o encontrando não muito longe de mim, com as mãos na cintura - Onde estava esse tempo todo?
Sentindo a garganta fechar com a já habitual vontade de chorar, voltei para a posição anterior, já me amaldiçoando pelo erro de principiante, por ter caído em uma distração tão simples.
Ele não estava mais lá.
Com um soluço baixo, trouxe o pulso que era a prova de sua existência, que ainda mantinha em suas células a lembrança de seu toque para mais perto, o segurando contra o peito enquanto o choro se tornava mais sentido.
Meu pai, sem entender em sua totalidade o que acontecia, abandonou a postura rígida e me abraçou com cuidado, sob o olhar curioso de alguns transeuntes, que entendia a cena muito menos do que ele.
- Vai ficar tudo bem - garantiu ele, afagando meus cabelos e deixando que eu chorasse contra sua camiseta - Você vai se adaptar, pode ter certeza disso.
Até tentei negar com a cabeça, de que aquilo não era o motivo do meu chateamento. Só que eu também não lembrava mais o que era. O que quer que fosse, restava agora apenas como uma sensação ruim, da qual não conseguia me livrar, não importava o quanto eu quisesse.
Quando já mais calma, meu pai me guiou de volta para o portão pelo qual iríamos embarcar, e eu segurava meu livro sem muito entusiasmo. Por muito tempo ele achou que eu estudava a capa do livro, até perceber que meu olhar estava era travado no meu pulso.
- Ei, cadê sua pulseira? - perguntou ele, assumindo que aquele era o motivo da minha fixação. Na verdade, não tinha dado falta dela até o momento, por isso minhas sobrancelhas se uniram um pouco, enquanto eu tentava forçar minha memória em busca de respostas.
- Não sei… - respondi por fim - Acho que perdi.

Capítulo 2

Desde que me entendo por gente, não importava o que eu fizesse, a sensação de estar tarde demais sempre me dominava.
Eu não conseguia entender o porquê, nem lembrar o motivo, mas era exatamente assim que eu me sentia. Por algum motivo, minha mão estava levemente esticada, como se tivesse tentado alcançar alguém e falhado. Entre meus dedos, uma fita vermelha estava entrelaçada, algo que eu tinha certeza que não estava ali segundos antes, e ninguém ao redor parecia estar atrás dela, ou ao menos me dando atenção.
As pessoas seguiam seus caminhos sem ver nenhum problema no garoto no meio do saguão com o rosto molhado de lágrimas. Aeroportos não eram locais que eu podia dizer que frequentava regularmente, mas duvidava que isso fosse uma cena comum, a não ser que ali servisse para gravações de filmes de qualidade duvidosa, onde uma parte do casal ficava para trás, com o coração partido.
Fosse ironia da escolha de imagem ou não, era exatamente assim que eu me sentia, ali parado no meio de uma multidão que não dava a mínima para minha presença - com o inverso também sendo real -, com um aperto no peito que apenas podia ligar a sensação de perder alguém, mesmo nunca tendo sofrido perdas. Eu poderia considerar aquilo uma perda? Era isso que eu sempre sentia, certo? Como se estivesse sempre perdendo alguém, sempre um segundo atrasado, incapaz de alcançar o que tanto buscava.
Mas o que era?
- ? - uma voz às minhas costas me tirou dos devaneios. Foi um pouco difícil localizar minha mãe com tantas lágrimas na frente, mas algumas piscadas resolveram a situação, assim como passar as mãos com movimentos nada delicados pelo rosto, na tentativa de recuperar a compostura - , o que foi?
Era uma tarefa difícil aquela, de tentar fingir o tempo todo que estava tudo bem. Vez ou outra, aquele sentimento de perda se tornava tão insuportável que alguém me flagrava chorando, antes mesmo de eu perceber as lágrimas que escorriam pela minha pele. Às vezes bastava apenas um segundo do olhar direcionado para um local aleatório, e o estrago já estava feito. Nunca soube dizer o que exatamente engatilhava aqueles episódios, mas sempre sentia que eles eram até que significativos. Alguma coisa que eu via me lembrava alguém, ou pensava que tinha visto alguém. E isso me incomodava.
Como alguém podia ser assim tão importante e ao mesmo tempo não existir em minhas memórias?
- Não foi nada - respondi depois de pigarrear, na tentativa de garantir que a voz não falharia e eu me enfiasse em mais problemas. Passei as costas da mão no nariz que queria escorrer, só então lembrando da fita que ainda segurava como se minha vida dependesse disso.
- Onde você arrumou isso? - minha mãe perguntou, se adiantando para a fita, estudando a ponta que eu não segurava - É bonita.
Tentei forçar um sorriso mesmo sentindo os olhos voltarem a marejar, mantendo o olhar baixo para a fita, só então notando um esquema diferente de cores em suas linhas, o amarelo claro contrastando com o vermelho fechado. Não era um desenho, eram letras. Não se tratava do alfabeto romano, pelos poucos traços não parecia ser chinês, e era reto demais para ser coreano. Encontrar algo com escrita em japonês próximo ao portão de desembarque dos voos que vinham do Japão não deveria ser algo surpreendente, mas me pegou de surpresa de qualquer forma.
Ela estava tão longe assim?
- Vem, o voo da Yumi já está desembarcando - avisou minha mãe, me puxando pelo braço para de volta ao portão de desembarque, onde deveríamos recepcionar minha tia, que passara o último mês fora, participando de algum ciclo de palestras em alguma universidade conveniada com a qual ela trabalhava.
- Quem é ? - foi uma das primeiras coisas que Yumi me perguntou, sua sobrancelha se erguendo ainda mais desconfiada com minha reação inesperada, logo depois descendo o olhar para a fita amarrada em meu pulso, explicando a origem da dúvida. Não apenas eu não sabia responder, como meu corpo também não parecia saber mais como funcionar diante aquela sequência de sons que não tinha nada de especial ou inusitada, mas que fez minha respiração travar na garganta e meu coração bater mais forte - Eu fico um mês fora e quando volto já está de namoradinha de novo?
Minha mãe riu com vontade, mas se uniu à cunhada na pergunta, querendo saber a origem da fita que até o momento era um mistério para ela.
- Eu não sei… Não lembro de quem eu ganhei - a resposta pareceu decepcionar a dupla, e nenhuma insistiu mais naquele assunto, mesmo que ele não tenha deixado minha mente pelo resto do dia.
Se não me policiasse, meu olhar sempre recaía na fita, silenciosamente questionando o sistema de escrita que eu não sabia decodificar. Meus dedos, quase que por vontade própria, percorriam as linhas em tom diferente como se imitasse o trajeto do pincel, no que instintivamente acreditava ser a ordem dos traços. Yumi, que vez ou outra me flagrara fazendo aquilo, me corrigia em relação à sequência, até me deixando com papel e lápis em um certo momento, junto com várias instruções sobre todos os sistemas de escrita da língua, indicando por onde deveria começar.
Sempre que passava pelas letras que formavam aquele nome, algo se inquietava dentro de mim. Nunca soube ao certo como classificar aquilo.
Era bom ter um nome, depois de tantos anos. Me dava a falsa sensação de saber o que fazer agora, saber o que procurar. Só, que ao mesmo tempo, se tratava apenas de um nome. Um nome que eu sequer sabia a quem pertencia.

Capítulo 3

torceu o nariz quando o ventilador se virou mais uma vez para a lousa, o pó do giz fazendo com que mais uma vez ele sentisse vontade de espirrar, algo que ele conseguiu controlar com muita determinação, sem interromper a sequência das letras que escrevia. A lateral de sua mão era a mais comprometida pela atividade, já que ele se recusava a pegar o apagador quando erros eram cometidos, e naquele dia em especial ele estava muito bom em errar sequência de traços. Nem mesmo a fita em seu pulso escapara dessa vez, seu material vermelho bastante esbranquiçado em vários pontos.
Alguns alunos no fundo trocavam bilhetes e riam baixo, mas nada que atrapalhasse o decorrer da aula. Tudo aquilo para a maior parte dos alunos era muito mais simples de assimilar do que para ele quando tinha aquela idade, já que aprendera o conteúdo como língua estrangeira. Um grupo menor que se esforçava para acompanhar e compreender o que o professor explicava, já que não tinham ainda um bom domínio da língua. Como também estrangeiro ali, tinha um pouco mais de tato com aqueles alunos do que seus colegas, e até conseguia ter uma aproximação ainda maior com aqueles com quem compartilhava a língua materna - embora eles tivessem um combinado de nunca usar o português puro enquanto conversavam, salvo casos de emergência.
Quando o último sinal do dia soou pelos corredores da escola, teve que pedir desculpas aos alunos que vieram tirar dúvidas, já que tinha compromisso na universidade logo mais, e atrasos não eram bem vistos. Ele participava agora de um grupo de pesquisa que reunia estudantes da graduação e da pós-graduação, e, como bom senpai, tinha que dar o bom exemplo. Em pé no trem, ele revisava alguns pontos que havia destacado de um dos textos que trabalhariam hoje, até sua atenção repentinamente se esvair. Seu olhar permaneceu vagando pelo lado de fora da janela ao seu lado o resto da viagem, sem nunca travar em um local específico, mas parecendo sempre na expectativa de encontrar algo.
andava no limite entre correr e caminhar, ignorando alguns olhares mal-humorados que recebia pelas ruas que passava. Decorar caminhos nunca fora seu forte, e, agora com uma cidade completamente nova e tanta coisa para se adaptar, a tarefa parecia muito mais difícil. O relógio em seu pulso avisava que faltava um pouco mais de cinco minutos para que a aula começasse. De acordo com suas experiências de ter se atrasado antes, até que daria tempo, mas ela não podia diminuir o passo. E precisava torcer para pegar todos os sinais para pedestres abertos.
- Estava pensando que você não vinha! - exclamou Nara ao avisar a colega passar pela entrada do prédio, quase rindo ao vê-la se curvar para frente, as mãos apoiados nos joelhos enquanto tentava recuperar o fôlego - Errou o caminho de novo? Talvez devesse ter ido para Itomori como seu pai sugeriu, ia ser bem mais difícil de se perder lá, Miyamizu.
ergueu a cabeça com um sorriso culpado, fechando os olhos enquanto tentava formular sua resposta, mas estava tão na adrenalina da corrida que talvez até seu idioma materno não sairia com facilidade, por isso acabou por apenas assentir. Nara balançou a cabeça divertida, segurando a bolsa da colega para que ela tivesse os braços livres para refazer o penteado que segurava os cabelos no topo da cabeça, enquanto caminhavam agora com mais calma para a sala do dia. Ela comentava sobre a atividade que tinham que entregar no dia seguinte, tão entretida em seu relato que demorou para notar que sua interlocutora parara alguns passos atrás, seu olhar estupefato perdido em meio da multidão de estudantes que circulavam pelo corredor, os braços caídos ao longo do corpo, parecendo sem reação.
- -san, o que foi? - estranhou a garota, desviando o olhar para tentar encontrar o que fizera com que ela ficasse naquele estado, apenas para notar que ela passara a correr entre as pessoas - Oi, !
não deu mais que cinco longas passadas até parar repentinamente, o ar frio descendo cortando por sua garganta seca. Ele estava de costas, conversando com alguém. Ela não sabia dizer como sabia disso, mas seu corte de cabelo não era mais o mesmo. Seus ombros estavam mais largos, alguns músculos dos braços destacados pela camisa branca que usava.
interrompeu a risada quando sentiu um frio familiar na espinha, seu olhar automaticamente buscando algo, mesmo sem nunca saber o quê. Seus colegas de turma questionaram sua súbita mudança de postura, se tinha algo errado. As perguntas chegavam aos ouvidos abafadas, como se tivesse a cabeça enfiada debaixo d’água. Sua atenção era única e exclusivamente direcionada para checar o local onde estava, em busca de algo que pudesse ser a vontade daquela sensação.
- , vamos nos atrasar! - a voz de alguém ralhando com outra pessoa fez com que mudasse o percurso do olhar, encontrando uma dupla que deveria ser de calouras. A primeira, que parecia bastante irritada, arrastava a outra a mão, continuando a repreendê-la por algo, mesmo que em tom mais baixo. E foi então que o tempo pareceu parar.
Ela estava ali, a um pouco mais de cinco metros de distância, seu olhar transbordando emoções e lágrimas travado em sua direção, e não deveria estar muito diferente. O paletó que segurava pendurado no ombro em algum momento deve ter ido ao chão, já que logo ele sentiu as mãos batendo contra suas coxas, depois de perder o controle de seus membros, que agora agiam por conta própria.
A voz cada vez mais distante de seus colegas era um indicativo importante que ele estava em movimento, mas ela continuava distante, sem conseguir se opor a quem a puxava. Cada vez que seus cabelos mais curtos cobriam seu rosto quando ela se virava para pedir que a colega parasse, o coração de se apertava no peito, como se adiantasse que seus olhares não voltariam a se encontrar, como sempre acontecia.
Até que aconteceu.
Alguém trombara de frente com , e, quando pode voltar a seu trajeto, já não a tinha mais em seu campo de visão. Ele vagou por alguns corredores próximos, mal vendo os olhares confusos dos estudantes que por ali passavam, virando a cabeça em todas as direções, em busca de um rosto familiar, mesmo que não se lembrasse mais. Não demorou muito para que alguém o puxasse pelo braço, um de seus amigos avisando que eles precisavam ir para sala logo, ou estariam atrasados.
Quando questionado sobre seu pequeno episódio, não soube explicar, dizendo apenas que pensara que vira alguém conhecido. Todo o trajeto até a sala foi feito em silêncio, mal se dando o trabalho de prestar atenção no que seu grupo conversava com certo nível de animação. Alguns lugares do auditório já estavam ocupados quando eles adentraram na sala, e mal teria erguido os olhos antes de se jogar em uma carteira aleatória, se uma vontade de chorar não tivesse lhe atingido.
manteve a cabeça baixa por um longo tempo, encarando suas mãos sobre o colo. Nara ficara realmente irritada por ter sido ignorada e por terem feito uma cena no meio do prédio, e até fora se sentar em outro lugar. Ela não sabia dizer o que acontecera, apenas sentira que vira alguém conhecido, e seu único instinto fora de se encontrar com aquele alguém, mesmo sem saber quem era. fungou de leve ao se dar conta de como era um sentimento bobo, logo após sentindo uma necessidade de erguer o olhar, e mais uma vez todo o ar de seus pulmões lhe escapando.
estava na porta da sala, sem saber o que fazer, assim como . Alguns colegas olhavam feio para ele depois de contorná-lo na passagem, sem entender o motivo de ele simplesmente não entrar de vez. Ele sentia que de repente parecia que alguém colocara um microfone em seu peito e o som era jogado para todo o ambiente, de tão alto que ouvia seu coração bater. Pensou envergonhado que talvez ela também estivesse ouvindo, mas também escutava seu próprio coração bater em um ritmo frenético, tomado por um turbilhão de emoções. Mesmo assim, quando ele passou a caminhar em sua direção, o tempo pareceu desacelerar, principalmente quando ele se sentou no lugar vago ao seu lado.
Respirar, uma atividade tão essencial, parecia artificial demais para ambos.
encarava a lousa na frente da sala, todos os músculos de seu corpo travados, sem saber o que fazer. Depois de um breve segundo questionando o que faria, ela arriscou olhar pelo canto do olho para o rapaz ao seu lado, que no mesmo instante passou a olhar para frente também, como se esperasse assim não ser acusado de encarar enquanto ela não olhava. engoliu em seco, de repente ciente demais de todos os seus menores movimentos. Não era possível que ela não estivesse ouvindo seu coração batendo desesperado, ou que não notasse que ele fungava de leve, e que seus olhos quase não piscavam, e não sabia dizer se era isso que fazia eles arderem, ou se era algo a mais. Ela estava olhando para ele, ele podia sentir. Por isso ele tomou coragem mais uma vez, virando o rosto minimamente para o seu lado.
No fundo, ele esperava que ela mantivesse o protocolo de desviar o olhar sempre que encarado, mas sustentou o olhar. Quando notou a primeira lágrima escorrer pelo seu rosto corado, não conseguiu controlar a risada que veio do fundo de sua alma, que trouxe consigo um choro tão silencioso como o dela, sentindo o gosto das lágrimas que terminavam em seus lábios esticados em um sorriso emocionado.
- Seu nom…?
- ?
quase se engasgou ao ouvi-lo dizer seu nome, sua pergunta ficando no ar. Antes mesmo de esperar pela confirmação, ele passara a trabalhar em uma fita presa em seu pulso, deixando depois o material sobre seus dedos, esticando em sua direção. Sem pensar duas vezes, pegou a outra extremidade da fita, logo notando seu nome grafado naquela ponta. Tinha perdido aquilo fazia poucos meses, mas não se lembrava de onde fora.
esperou pacientemente para que ela erguesse o olhar mais vez, alargando seu sorriso quando ela finalmente o fez, e ainda assentiu. Fazia anos que tinha aquele nome, mas agora ele tinha outro peso. Ganhara um significado. Um rosto. Alguém.
- O seu nom..?
- - respondeu ele de prontidão, sequer deixando que ela terminasse a pergunta, quase desesperado. riu com isso, e não demorou muito para que fosse acompanhada - Meu nome é .
- Prazer - disse ela em um sussurro, abaixando a cabeça minimamente. E ele a imitou. Depois voltou a rir.
O coração de ambos diminuiu o ritmo, e seguiam praticamente em sincronia. Seus lábios mantinham-se esticados em sorrisos mal-contidos, e logo eles tiveram que se forçar a ficar sérios, porque o professor responsável pelo grupo chegara. Ambos se ajeitaram em seus lugares, e soltou a fita que guardara por tantos anos, sem relutância nenhuma.
Pela primeira vez desde que se entendia por gente, ele não procurava por alguém. Estava na hora e lugar certos.



Fim



Nota da autora: Aparentemente depois de passar um mês ouvindo a trilha sonora e reassistir o filme vinte vezes, você perde o controle de vez e acaba chegando com fic nova.



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