Finalizada em: 17/04/2021

#22

Mas talvez eu não queira falar sobre como essa vida me derrubou
(Say Nothing - Pianos Become The Teeth)


AVISO DE GATILHO: O capítulo a seguir aborda temáticas sensíveis referentes a bullying e aborto.


Parada em frente à porta do quarto de hotel com dois copos de café em mãos, havia trazido comigo apenas o essencial para um dia e uma noite fora de casa: celular, carregadores portáteis, escova de dentes, pijama, fone de ouvido, minha nécessaire com todos os remédios que precisaria, cartão de crédito e a cara de pau de todo jornalista.
Toquei a campainha e aguardei ser atendida.
― Oi. ― sorridente, a figura de Halsey era estonteante mesmo de manhã e, aparentemente, sem maquiagem. ― Você deve ser a , né?
Tão bonita quanto imaginei que seria pessoalmente, seus cabelos curtos estavam platinados, o rosto tinha marcadas de quem não tinha dormido o tanto que necessitava e estava vestida tão normal quanto qualquer outra mulher no auge de seus 21 anos, com uma calça jeans e uma regata de algodão com decotes nas costelas, deixando seu sutiã preto rendado à mostra.
― Em carne e osso. Bom dia. ― sorri.
― Entra. ― deu espaço, indicando com um dos braços para que eu passasse.
― Obrigada. ― adentrei.
Assim que fechou a porta, estendi um dos copos de café para ela.
― Não sei você toma com açúcar, adoçante ou puro, como eu, mas as duas opções vêm coladas do lado de fora. ― sorri.
― Café?
― Geralmente, eu trago um a mais quando a entrevista não vai acontecer em uma lanchonete ou restaurante.
― É muito gentil da sua parte. Obrigada. ― desgrudou o saquinho de adoçante colado ao copo, derramando-o dentro da bebida e bebericando. ― Que gostoso. De onde é?
― De uma cafeteria a duas quadras daqui. Passando muito calor?
― Não. Estou bem tranquila, pra falar a verdade.
― É a sua primeira vez na Europa?
― Fazendo uma turnê desse tamanho, sim.
― E está gostando?
― Aqui tem muita coisa bonita, né? É como visitar os livros de história. ― sorriu, dando outro gole em seu café. ― Senta. ― indicou um estofado de dois lugares, sentando-se em uma extremidade.
Sentei ao seu lado.
― Antes de começar, quero te explicar como costumo fazer as entrevistas. Enquanto estivermos juntas e conversando, meu gravador fica ligado pra que eu não perca nenhum detalhe importante. É claro que, se você se sentir desconfortável, posso desligá-lo quando pedir e, caso fale algo que não queira que seja divulgado, preciso que me avise que é uma informação em off.
― E vai ser tipo muitas perguntas, poucas, nenhuma…?
― É uma conversa. Vou te fazer algumas perguntas, você me responde como achar que deve e se achar que deve. Pode me fazer perguntas também, afinal, é justo que você me saiba com quem está falando, certo? ― assentiu. ― É uma troca. Se eu te perguntar algo pessoal demais, você pode fazer o mesmo comigo se achar que deve. ― bebendo um gole grande do meu café, tirei o celular de dentro do bolso frontal da mochila.
Acionando o gravador, deixei o aparelho sobre o colo com a tela bloqueada.
― Você sempre quis ser cantora?
― Na verdade, nunca tinha pensado sobre isso. Apesar de tocar oito instrumentos, decidi começar a cantar e fazer melodias porque queria que as pessoas vissem meus poemas, que prestassem atenção neles. É muito ruim ter algo a dizer e ninguém pra ouvir, né?
― Quando foi que você percebeu que talvez fosse isso que você devesse fazer?
― Conhecia um cara que conhecia um cara que tinha estúdio. Quando eu falo de estúdio, não é nada elaborado. Apenas um quarto com microfone e equipamentos pra gravar demos decentemente. Eles me ouviram cantarolar umas músicas em uma festa e me pediram pra tocar algo.
― E a partir daí você começou a perseguir isso como meta?
― Não. Eu devia ter uns 16 ou 17 anos nessa época. Ainda queria muito ir para a faculdade, estudar design. E aí eu descobri que sonhar com um diploma no ensino superior é algo para garotas com grana. ― deu um meio sorriso. ― Quando me formei no ensino médio, me inscrevi para uma universidade comunitária e foi uma experiência péssima. Decidi largar e meus pais me colocaram pra fora de casa. ― bebeu mais um pouco de café. ― Não posso dizer que eles estavam errados. Eles não concordavam com um monte de coisas sobre mim, mas decidir não prosseguir com a faculdade foi um pouco demais para eles.
― Como foi depois que você saiu de casa?
― Dormi alguns dias nas casas de vários amigos, mas nem sempre consegui abrigo. Todo mundo tem suas próprias merdas pra se preocupar, certo? ― assenti. ― Lembro de uma semana em que tinha conseguido uma grana trabalhando em várias coisas aleatórias e foi o que me manteve alimentada por alguns dias. Até que um dia, estava sem local para ficar e gastei meus últimos nove dólares com Red Bull, assim eu conseguiria ficar acordada a noite toda. Não dormir é melhor do que ser estuprada, roubada ou sequestrada. ― deu de ombros. Tive um vislumbre da tristeza que aquelas lembranças traziam a ela. ― Você tá com fome? Estava pensando em ir almoçar.
― Podemos ir, sem nenhum problema. ― bebi o último gole do meu café, olhando ao meu redor, à procura de uma lixeira. Ao encontrá-la ao lado do frigobar, levantei-me para jogar o copo.
A mulher pegou seu celular, carteira e óculos escuros sobre a mesa de cabeceira, pôs o aparelho no bolso da calça e me chamou para sairmos.
― Você tem preferência por algum tipo de comida? Eu tô com muita vontade de comer algo pouco saudável. ― riu.
― Posso te acompanhar nessa empreitada.
― O que acha de pizza? ― entramos no elevador ao fim do corredor.
― Por favor. ― respondi.
― Ótimo. Eu vi um restaurante a algumas quadras daqui. ― descemos os andares restantes até o térreo em silêncio.
Quando as portas do elevador abriram, Halsey colocou os óculos escuros no rosto, caminhando para fora tentando ser discreta. Sim, tentando, pois era impossível aquela mulher passar despercebida. Naquele momento, entendi exatamente o que Healy quis dizer quando falou que ela tinha “aquela coisa” que fazia todos a desejarem. Estávamos juntas a menos de uma hora e eu já estava duvidando da minha heterosexualidade…
Quase três quadras de distância, chegamos ao tal local. Meio vazio, era o tipo de ambiente perfeito para se almoçar com uma pessoa famosa sem que fôssemos interrompidas a cada cinco minutos por algum fã pedindo autógrafo, fotos ou querendo conversar.
― Atualmente, você mora sozinha? ― perguntei enquanto esperávamos pelo nosso pedido.
― Não. Morei sozinha por mais tempo do que gostaria, por isso, levei algumas amigas pra morarem na casa que eu comprei. Graças a elas, aquilo se parece com um lar. Temos um cachorro, temos crianças e sempre há motivos para se comemorar. ― sorriu.
― E como tem sido pra você lidar com todas as questões que a fama te trouxe?
― Vai ficando mais fácil conforme a quantidade de ódio gratuito que você recebe aumenta. Todos os dias recebendo as mesmas mensagens das mesmas pessoas… um dia você se acostuma. ― deu de ombros.
Um garçom depositou uma pizza de pepperoni e dois copos de refrigerante sobre a mesa. Agradecemos e o mesmo se retirou. Cada uma de nós pegou uma fatia e deu uma mordida.
― Você causou um certo caos na internet ao falar sobre sua raça e sua sexualidade, certo?
― Sabe o que é mais engraçado disso tudo? A maior batalha que preciso travar na minha carreira não é por ser bisexual, ser biracial ou bipolar e, sim, pelo fato de acharem que estou explorando essas coisas para me manter visível. ― debochou. ― Por exemplo, as pessoas que me xingam pela minha sexualidade. Elas fazem isso por acharem que pra ser bisexual eu preciso estar em um relacionamento com uma mulher. Eu já tive relacionamentos com outras mulheres, mas, mesmo que não tivesse, isso não me faria menos bisexual, entende? ― assenti.
― E acha que essas coisas aconteceriam se você ainda fosse a Ashley? ― continuei a comer minha fatia de pizza.
― Pra falar bem a verdade, nunca gostei de ser a Ashley. Os primeiros 19 anos da minha vida, hoje, parecem que foram apenas um período de passagem, em que vivi uma vida que ainda não era a minha. Parece que Halsey estava apenas esperando que eu alcançasse um determinado ponto na minha trajetória para me tornar o que nasci para ser.
― Como você define Halsey? O que ela tem de diferente da Ashley? ― mordendo sua pizza, seus olhos correram pelo local, contemplativos, finalmente, depositando-os nos meus.
― Halsey é a minha versão maníaca. Ela é divertida, animada, vai a festas, bebe com amigos e é interessante. Ashley é fraca, boba e triste. ― deu um meio sorriso tímido. ― Bom, falei bastante de mim, né? Me conta um pouco sobre você.
― O que quer saber sobre mim?
― Quantos anos tem? Onde fez faculdade? Como foram seus anos de universitária? Solteira, namora? Tem filhos? Essas coisas. ― deu de ombros, mordendo a própria pizza.
― Tenho 26 anos. Estudei na Oxford Brookes. Cursei Mídia, jornalismo e publicação. Demorei seis anos pra me formar porque tinha um trabalho em meio período pra me manter. Não namoro e também não tenho filhos. Não sou bipolar, mas tenho transtorno de ansiedade generalizada. Trabalho no Repeat Daily há alguns meses apenas.
― E você gosta do que faz? Sempre se imaginou sendo jornalista? ― inclinou-se sobre a mesa, demonstrando interesse no assunto.
― Não era meu sonho de infância, mas, certamente, não me imagino fazendo outra coisa. Gosto de ouvir histórias e poder contá-las a outras pessoas. Sem contar que o jornalismo me mantém em constante movimento. Conheço muitas pessoas, vejo muitas coisas e lugares. O que mais eu iria poder querer? ― sorri e a mesma correspondeu com um sorriso ainda maior.
― Confesso que, depois de ter aceitado a entrevista, li algumas matérias que você fez e você escreve muito bem. Geralmente, não gosto de passar tanto tempo com um jornalista na minha cola, mas achei que seria interessante te ver contar a minha história do seu jeito. ― ao terminar a primeira fatia, pegou outra, começando a comê-la.
― Obrigada. ― bebi um gole de refrigerante.
― Eu sou a sua primeira mulher? ― questionou de um jeito sugestivo, arqueando uma das sobrancelhas, fazendo-me rir.
The Japanese House foi a primeira. A reportagem com ela saiu na edição do início deste mês.
― O que te fez tentar uma entrevista comigo?
― Acompanho seu trabalho desde um pouco depois do Room 93. Fiquei sabendo que você vinha tocar e me perguntei por que não. ― sorriu.
― Achei que vocês só recebessem a pauta pronta e fizessem, independente de gostar ou não de algo.
― E, geralmente, é isso mesmo, mas a pauta com você foi uma sugestão minha para o meu editor-chefe. Ele gosta quando sugiro coisas que são do meu interesse.
Terminando de comer sua segunda fatia de pizza, olhou a tela do celular.
― Está quase na hora de iniciar a passagem de som. Prometi que faríamos mais cedo hoje pra dar tempo de todo mundo fazer tudo com mais calma.
― Se você quiser ir, nós podemos. ― assentiu, levantando-se e pondo 30 libras sobre a mesa. Deixei o valor equivalente ao meu pedido sobre a mesa também, levando comigo meu copo de refrigerante que ainda estava pela metade.
De volta à arena onde iria acontecer o show, a mulher me apontou uma área onde poderia me sentar em uma das cadeiras para acompanhar a passagem de som. Simpática com todos a sua volta, fez brincadeiras com a equipe, cantou e riu na mesma medida, ajudou a fazer as marcações de palco para os músicos e iluminação. Assistindo-a, era impossível associar sua imagem a qualquer tipo de evento doloroso e traumático.
Após a passagem de som, continuamos conversando sobre sua carreira e seus planos para o futuro enquanto cantora. Por vezes, Halsey falava coisas que não deveria estar contando a uma estranha que poderia tornar cada uma daquelas palavras públicas, como o fato de ter sido abordada por um policial por beber em uma praça pública e ter saído correndo, esquecendo uma mochila cheia de dever de casa com seu nome.
― Qual dos dois? ― mostrou-me dois cabides com roupas que provavelmente usaria no show. Um era um macacão brilhante, o outro, um hot pants de vinil vermelho e uma camiseta grafite. Apontei para a segunda opção. ― Obrigada, tava quase convencida a usar ele. ― rimos.
― Você não tem uma equipe que cuida disso pra você?
― Tenho alguém que planeja meus figurinos, mas sou eu que decido o que vou usar e como vou usar. A mesma coisa com a maquiagem. Eu mesma faço, não importa a ocasião.
― E isso é bem comum pra você, né? Porque lá fora também você fez várias coisas que seriam consideradas tarefas da sua equipe.
― Não existe nada que não tenha que passar pela minha aprovação. As entrevistas, programas em que vou, até meus voos e quartos de hotel são decididos por mim. Foi por isso que aceitei assinar contrato com uma subsidiária que não me oferecia tanta grana, mas me oferecia o que eu mais queria: liberdade criativa.
― Como foi que essas gravadoras te encontraram?
― Compus Ghost pra uma pessoa que eu amava, mas não parecia me amar, na mesma medida. Quando ela estava pronta, soltei no SoundCloud. Em um espaço de dois dias, a música estava tocando em uma rádio e pelo menos umas três gravadoras já tinham me ligado. Nessa época, eu morava na casa da mãe do Anthony, meu empresário. ― novamente, a dor se fez presente em seus olhos.
― Você sente falta de casa?
― Antes, sim. Ficava nostálgica sempre que voltava pra Nova Jersey, passando pelos locais que eu costumava frequentar com meus amigos. Hoje, nada disso importa mais. ― deu de ombros, desviando o olhar, sentando-se em uma cadeira em frente a penteadeira iluminada. ― Eu não deveria sentir falta de coisas que me fizeram mal, certo?
― Que tipos de coisas?
― Quando eu era adolescente, alguém quebrou meu armário durante uma aula de ginástica, encontrou uma foto nua que fiz pra um ex-namorado e espalhou pela escola. Todo mundo viu, inclusive os professores. Foi assim que eu deixei de ser ‘a esquisita’ e me transformei na ‘vadia’. ― Halsey parecia falar sobre um assunto ordinário e, ainda assim, não consegui sentir como se aquilo não significasse nada. Em outras circunstâncias, eu a abraçaria e choraria com ela se fosse preciso. Entretanto, me contive pondo apenas uma mão sobre seu ombro, pressionando-o e trocamos um meio sorriso. ― O que a criançada não sabia é que uma vadia pode chegar muito longe. ― seu sorriso se abriu mais e, ao escolher seu primeiro pincel, começou a se maquiar.
Arrastei uma cadeira para mais perto dela, sentando-me ao seu lado.
Observando-a se maquiar, fiquei pensando se deveria mesmo trazer à tona seu relacionamento com Matthew. Ouvindo-a falar, minhas inseguranças pareciam tão pequenas em vista das tantas que aquela mulher à minha frente tinha compartilhado comigo. Sem contar que o que aconteceu entre ambos aparentava estar enterrado tão fundo que me soava quase injusto fazê-la relembrar algo que nem de perto era uma de suas histórias mais doces.
Mudei de assunto em uma tentativa de não manter somente um tom saudosista e melancólico em nosso diálogo. Continuamos jogando conversa fora sobre seus álbuns preferidos do ano, os últimos shows que tinha ido e como estava seu processo de composição para um novo álbum.
Quando sua hora de subir ao palco chegou, acompanhei-a até a escadaria que levava para se encontrar com a multidão que a esperava, onde eu ficaria escondidinha e aproveitaria o show. Nunca tinha ido assisti-la ao vivo e nunca imaginei que isso aconteceria tão cedo ou que estaria em um bom lugar, tão próxima dela. Ao iniciar Ghost, lembrei de Healy e, quase imediatamente, meu celular vibrou, estampando na tela uma notificação de mensagem sua perguntando se eu estava bem. Franzi as sobrancelhas porque, mesmo não acreditando em telepatia, conexões e etc., me assustava a mínima possibilidade de estar acontecendo.
Respondi que sim e que, quando voltasse para casa, ligaria para ele. Mandando-me uma mensagem de “boa noite”, encerrou com uma última cheia de emojis de coração, o que me fez sorrir. Voltei a prestar atenção em Halsey e me perguntei se com ela também tinha sido assim. Se ele havia sido carinhoso e amável no começo, se tornando algo que ela mal podia reconhecer no final. Será que ela precisou presenciar algo parecido com a overdose enquanto estivera com ele?
Sem ter certeza se que gostaria de saber a resposta daquelas questões, decidi que talvez fosse melhor enterrá-las a sete palmos, assim como Ashley aparentava tê-lo feito.
Ao se despedir do público, pouco mais de uma hora depois, correu na minha direção entregando o microfone para a pessoa responsável pela mesa de som e deixando que uma mulher de sua equipe tirasse seu retorno.
Fomos até seu camarim, onde tirou a maquiagem, tomou banho e trocou de roupa. Parecendo ligeiramente mais disposta, convidou-me para jantarmos juntas e eu aceitei.
Bebendo vinho e esperando nosso espaguete, a mulher passou bons minutos me encarando em silêncio antes de finalmente dizer:
― Posso te perguntar uma coisa? Estou esperando pra entrar nesse assunto desde que você chegou, mas achei que era melhor te deixar fazer seu trabalho. ― soltou a taça sobre a mesa, cruzando os braços sobre o tampo.
― Vá em frente. ― bebi mais um gole de vinho.
― Você é a mulher que foi apontada como ‘affair’ ― fez aspas com uma das mãos. ― do Matty, não?
Umedeci os lábios ponderando se deveria respondê-la ou não.
― Sou eu. ― tentei não entregar nada que pudesse me denunciar através das minhas expressões faciais.
― E você é?
― O quê? Não. ― franzi as sobrancelhas, rindo.
― Tem certeza? ― desafiou. ― Você respondeu rápido e pareceu nervosa com a pergunta. ― inclinando-se um pouco em minha direção, continuou baixinho: ― Eu particularmente não acho que tenha problema se você for.
― Você era? Digo, aqueles boatos eram reais? ― bebendo um gole pequeno de sua bebida, sua resposta foi adiada pela vinda de uma garçonete com nossos pratos.
― Eram. ― respondeu, desviando o olhar e dando a primeira garfada na comida. ― Imagino que com você também seja, não? ― pôs a comida na boca e concluiu depois de engolir: ― Matty faz o tipo que demora a assumir relacionamentos publicamente, pois faz com que todas achem que são as únicas.
― Com você foi assim? ― coloquei uma pequena porção de espaguete na boca, mesmo sabendo que, após o que ela dissera, não conseguiria comer nem metade daquele prato. Meu estômago estava começando a se contorcer.
― Foi um pouco pior. Eu sabia da Gemma. Ela é quem não sabia sobre mim. ― continuei observando-a comer. ― Você deve estar se perguntando se não me sinto péssima e, sim, me sinto. Nem eu e muito menos ela merecíamos isso, mas é meio difícil controlar os próprios sentimentos quando alguém os alimenta, não acha? ― outra vez, a dor encobria seus olhos. De fato, aquele era um assunto que deveria ter continuado tão morto quanto estava até então.
― De qualquer forma, não é nada. Nós não estamos namorando ou coisa do tipo. Se ele quiser, pode ficar com quantas pessoas quiser. ― dei de ombros, voltando a comer mais alguns fios de macarrão.
― Isso não te machuca nem um pouco? ― inclinou a cabeça, procurando pelo meu olhar.
― Existem coisas nele que me machucam muito mais do que transar com um monte de garotas brancas e mais novas que eu. ― olhei-a nos olhos.
― Ele ainda usa? ― confirmei com um aceno de cabeça, remexendo minha comida com a ponta do garfo. ― Você sabe que se ele não tiver intenção de parar, não há nada que você possa fazer, né? Eu fiquei por tanto tempo porque achei que ele pararia por mim. ― pôs um pouco mais de vinho em sua taça, me oferecendo. Aceitei e a mesma completou a minha. ― Mas a pior parte certamente foi perceber que talvez ele não me amasse como eu achava.
― Mas ele era apaixonado por você. Você sabe disso, né?
― Apaixonado? ― deu uma risadinha baixa. ― Sabe, , se teve algo que eu aprendi é que paixão é vem e vai. Todos os dias, eu me apaixono por um monte de gente, mas e o que vem depois disso? Eu fui uma garota bobinha e romântica que ele conheceu e gostou. Só. ― sorveu um gole grande da bebida, depositando a taça sobre a mesa e voltando a comer. ― Eu queria algo que não podia ter. Eu queria ser como ela. ― enfatizou o pronome e soube no mesmo instante a quem se referia.
‘And all I do is cry and complain because second’s not the same’? ― recitei um trecho de uma de suas músicas que obviamente tinha sido escrito para ele.
Com um meio sorriso amargurado, a mulher abaixou os olhos para a sua taça e bebeu. Nestes poucos gestos, ficou explícito para mim que estava conversando com Ashley, pois estas eram as suas feridas.
Terminando de comer seu prato, eu mal havia tocado no meu e não conseguiria mais fazê-lo. Aquela conversa tinha acabado com meu apetite.
― Você já quer encerrar a noite ou podemos dar uma volta? ― sugeriu.
― Tem uma praça por aqui. Podemos ir lá. ― assentiu.
No caixa, compramos uma garrafa de vinho rosé e saímos do estabelecimento, caminhando pelas ruas.
― Meu local preferido em Nova Iorque costumava ser o Central Park. Encontrava meus amigos lá pra bebermos juntos.
― Por que não é mais?
― A última vez que estive lá foi para encontrar Matty. Ele tinha usado alguma coisa, mas estava voltando a si. Passou seis horas seguidas inventando um monte de mentiras sobre por que não poderíamos mais nos ver. ― abriu a garrafa com um pouco de dificuldade. Por sorte, não havia rolhas a serem sacadas.
Na entrada da praça, nos sentamos lado a lado no primeiro banco que encontramos. Bebemos vinho pelo gargalo da garrafa, passando-a uma para a outra.
― Não sei por que, mas quero muito te contar algo. ― seus olhos estavam perdidos em algum ponto fixo no chão à nossa frente.
― É confidencial? ― meu celular ainda estava gravando e precisava saber se era hora de desligá-lo.
― Não. Não me importa se achar que deve publicar isso. ― bebericou mais um pouco do líquido antes de devolver a garrafa para mim. ― Ano passado, enquanto eu estava em turnê, fiquei grávida. ― sua voz embargou e sua respiração soou pesada ao sair por entre seus lábios. ― Eu estava em um quarto de hotel quando descobri. Badlands nem mesmo tinha sido lançado e eu não sabia o que pensar. Minha cabeça estava a mil, me perguntando o que vinha depois, se ia perder meu contrato, se deveria levar a gravidez adiante e coisas do tipo. Decidi que iria pensar sobre durante alguns dias, mas, antes que pudesse chegar a uma conclusão, lá estava eu, sobre uma cama, sangrando, seminua e gritando de dor. Faltavam apenas algumas horas para gravar o Vevo Lift Live. Chamei o assistente encarregado de me ajudar e pedi que fosse à farmácia mais próxima, comprar fraldas em tamanho adulto e uma caixa de Percocet. ― suspirou, pegando a garrafa outra vez e virando em seus lábios. ― Quando ele voltou, eu já estava de banho tomado e maquiada. Coloquei uma fralda, tomei dois comprimidos e me vesti. ― sua voz estava trêmula.
Passou as costas das mãos pelos olhos e secou-as em sua calça.
― Nunca estive tão furiosa no palco. Eu não me sentia como um ser humano. ― fungou. ― A música, Halsey e toda essa porra se tornou uma prioridade tão grande na minha vida que passou ser a principal razão de toda e qualquer decisão que tomo na minha vida, mesmo em uma situação como essa. Minha carreira foi tudo que pensei desde o momento em que descobri que estava grávida até quando tudo deu errado. ― ainda em choque com a história e assistindo-a chorar, envolvi meus braços ao seu redor, aconchegando-a em meu corpo.
A verdade era que, assim como psicólogos, jornalistas não deveriam ficar abraçando e tocando suas fontes. Todavia, naquele instante, não era Halsey, a cantora famosa e descolada, que estava me contando sobre suas aventuras viajando pelo mundo e cantando para plateias que não paravam de crescer. Era Ashley, a garota que tinha sido forçada a amadurecer para conseguir alcançar seus objetivos, me contando sobre sua perda. A perda de algo que ela nem mesmo pôde decidir se queria ou não.
― O mais assustador de tudo isso… ― desvencilhou-se de mim, secando os olhos com as mãos e fungando. ― é que eu tive escolha. Eu podia decidir não subir no palco naquele dia, mas fiz mesmo assim… ― após alguns segundos de silêncio, retomou: ― Eu quero muito ser mãe. Mais do que quero ser uma estrela do pop, mais do que qualquer outra coisa no mundo. ― e foi aí que se permitiu chorar inconsolavelmente.
Segundos depois, com soluços espaçados, me olhou nos olhos.
― Você se sente melhor? ― passei a mão por suas bochechas, secando algumas de suas lágrimas. ― Depois de ter falado sobre…
― Pra falar a verdade, sim. ― deu um meio sorriso. ― Ninguém de fora do meu pequeno ciclo sabia disso.
― Acho que devíamos voltar para o hotel. ― assentiu. ― Você tá bem?
― Tô. Vai beber mais? ― mostrou a garrafa para mim e meneei a cabeça em resposta. Ashley pôs a tampa novamente e, ficando de pé, seguimos rumo ao hotel.
Tentando acabar com o clima angustiante em que tínhamos nos colocado, começamos a conversar sobre amenidades do dia-a-dia. Ashley quis saber como era meu trabalho, como eu costumava escrever e se fazia alguma outra tarefa além desta. Contei a ela todos os mínimos detalhes, até mesmo, do por que não trocaria de profissão, por mais que, às vezes, fosse difícil conciliá-la com uma boa saúde mental.
E, mais uma vez, entendi o que Matthew quis dizer quando me falou que eu adoraria entrevistá-la. Ashley entendia o significado da palavra “diálogo”. Além de sempre dar boas respostas, fazia perguntas para mim e mantinha interesse em minhas histórias, fazendo comentários ou novas perguntas correlacionadas. Era uma das fontes que facilmente você poderia cair no erro de achar que é sua amiga.
Na manhã seguinte, após levantar da cama, escovar os dentes e comprar um café, fui até o quarto de Halsey para me despedir dela. Batendo suavemente em sua porta, aguardei que sua figura mediana aparecesse do outro lado.
― Passei só para me despedir de você.
― Você precisa mesmo ir hoje? ― seu tom de voz era sonolento, porém manhoso, na mesma medida.
― Preciso. Estou com o carro da empresa. ― mostrei a chave a ela, rindo.
― Ah, entendi. Espere aí. ― foi para dentro do quarto e voltou segundos depois, oferecendo seu celular para mim. ― Me dá seu número. Podemos manter contato? ― alternei o olhar entre o aparelho em sua mão e seu rosto.
― Claro. ― sorri, digitando meu número para que pudesse salvá-lo em sua agenda.
?
― Sim?
― Sobre Matty, não quero que pense que fiquei com ciúmes ou qualquer coisa do tipo, ok? Só quis dividir a experiência. ― falou parecendo pisar em ovos.
― Não se preocupe. Você não é a primeira pessoa a me avisar. ― dei um meio sorriso.
― Escuta, ele é um cara muito legal, apesar de tudo. Só tome cuidado. No fim das contas, somos sempre nós que saímos magoadas. ― devolvi seu celular. ― Se ele não fosse mesmo legal, jamais teria me deixado lançar uma música em que abertamente falo sobre ele e tudo que tem de errado nele. ― sorriu. ― Se vocês se gostam mesmo, quero muito que dê certo. ― pôs a mão sobre meu ombro, dando uma pressionada reconfortante. ― Você é uma mulher extraordinária, .
― Você não fica nem um pouco atrás, Halsey.
― Por favor, me chame de Ashley. ― trocamos um sorriso cúmplice.
Após um breve abraço, acenei para ela e parti para a minha cidade com o coração e a mente leves, como se tivesse resolvido uma pendência de anos.


#23

Hoje à noite você pode se apaixonar
(Too High - Goody Grace ft. Jesse Rutherford)


AVISO DE GATILHO: O capítulo a seguir aborda temáticas sensíveis referentes a transtornos psicológicos.


Mentalmente, escrever sobre Halsey estava sendo mais pesado do que imaginei que seria. Já havia transcrevido as muitas horas de gravação, editado tudo para que ficasse coerente e escrito um esqueleto do começo do texto. Entretanto, estava sentada há duas horas e meia em frente ao computador sem que uma única palavra fosse digitada pelos meus dedos. Tinha apenas mais dois dias até o prazo final de entrega da versão revisada para Josh. Minha cabeça doía e sentia os dedos das minhas mãos formigarem devido ao trabalho contínuo.
Portanto, decidi que era hora de mandar mensagem a Sullivan avisando que talvez eu precisasse de mais tempo para concluir essa. Aproveitei para incluir na mensagem que digitei que o material que havia conseguido era muito bom e que teríamos algo em primeira mão. Isso deveria ser o suficiente para convencê-lo a me deixar entregar um ou dois dias mais tarde. Pelo menos, era o que esperava.
Desisti de continuar tentando escrever, levantei e fui para a cozinha. Peguei uma cerveja na geladeira e, com o celular em mãos, sentei no sofá, procurando pelo número de Matthew em minha agenda. Ligaria para ele, pois isso, além de me animar, me fazia ficar criativamente mais ativa. Considerando que já era madrugada, dificilmente estaria ocupado ou dormindo.
― Oi, . ― diferente de todas as outras vezes que nos falamos, sua voz estava séria. Muito séria. Ao fundo um som de guitarra soava continuamente.
― Hã… oi? ― cumprimentei.
― Aconteceu alguma coisa? ― questionou ainda usando do mesmo tom.
― Eu é quem deveria estar perguntando isso. ― rebati. ― Tá tudo bem? ― franzi as sobrancelhas.
― Completamente bem. ― um riff se repetia várias vezes com erros sempre na mesma parte.
― É, eu tô também. Obrigada por perguntar. ― ironizei.
― Merda. ― não sabendo dizer se aquilo tinha sido para mim ou algo relacionado ao que quer que estivesse acontecendo, arqueei as sobrancelhas.
― Se não for um bom momento eu posso desligar. ― sugeri.
― Não. Não precisa.
― O que tá acontecendo, então? ― bufou.
― Estou há horas tentando tocar um riff que veio na minha cabeça, mas não consegui acertá-lo nenhuma vez. ― sua voz continuava tão áspera quanto antes, porém, pelo menos, ele estava falando.
― Toca pra mim. ― ouvi os acordes soarem do outro lado, bem como o instante em que errava. Não estava vendo-o tocar, no entanto, tinha certeza de que estava com problemas relacionados à velocidade e aos tremores. ― Já tentou simplificar?
― Mas eu não quero uma versão mais simples. ― rebateu.
― Tudo bem. ― suspirei baixo. ― O que eu fazia quando estava tentando aprender a tocar era: simplificar acordes e, conforme você consegue ganhar prática com eles, você os altera para formas mais complexas. Diminuir a velocidade também pode ajudar.
Em uma versão bem mais lenta, ouvi os mesmos acordes soando do outro lado da linha. Desta vez, o homem acertou inclusive a parte na qual estava tendo problemas.
― Deu certo, né?
― É, deu. ― respondeu um pouco mais baixo. A voz hesitante.
― Tem mais alguma coisa que eu possa ajudar? ― apenas o silêncio soou. ― Tem certeza que tá tudo bem?
― Não se preocupe. Estou bem. ― e, em segundos, era como se tivesse montado uma muralha ao redor de si para se defender de um inimigo, que, ao que parecia, era eu.
― Tem algo que você queira me dizer, Healy? ― assumindo a mesma postura que a sua, já começava a me sentir cansada de como estava me tratando.
― Acho que seria melhor se desligássemos.
― Ok. Até mais. ― desliguei sem esperar por sua resposta.
Larguei o celular sobre o estofado, pus as mãos no rosto, respirando fundo. Tinha ligado para ele na intenção de aliviar o estresse e a tensão que estava sentindo e acabei ficando pior. Ótimo. Perfeito. Abri a garrafa de cerveja e dei três goles seguidos. Parecia uma boa noite para ir dormir bêbada.
Liguei a televisão e passei a assistir o filme que passava. Não consegui descobrir o nome e não me lembrava de tê-lo assistido, além de aparentar bem antigo.
Dentro de um banheiro público, a protagonista do filme passava batom em frente ao espelho. Encaminhando-se para uma das cabines a fim de usá-la, ao abrir uma das portas, encontra um homem com os olhos baixos, pálido, aparentemente inconsciente e com uma seringa injetada em seu braço.
Sentindo meu corpo suar, um calafrio percorreu minha espinha. Meu coração se chocava em minha caixa torácica muito forte e muito rápido. Uma dor aguda passou a se formular crescentemente em meu peito. Com a visão embaçada, sabia exatamente o que estava acontecendo.
Apertando uma das mãos no peito, curvei meu tronco para frente, quase o encostando em minhas pernas. De olhos fechados, só conseguia pensar que não queria morrer. Não ali, sozinha. Não depois de mal ter conseguido conversar civilizadamente com Matthew. E, por algum motivo, a única coisa que passava em minha mente era que talvez o dia em que eu deixaria de existir havia chegado.
Eram em instantes como aquele que via toda a minha vida passar diante dos meus olhos. Enquanto via cada detalhe de cada pequeno momento, geralmente, me sentia muito insatisfeita com minha própria vida e com as coisas que havia conseguido realizar até então. Contudo, desta vez, se eu morresse, meus únicos arrependimentos seriam não poder dizer a que sentia muito por ter sido uma amiga de merda enquanto ela me dera seu melhor; e não ter dito a Healy que o amava. Esse eram os poucos motivos pelo quais eu ainda desejava viver.
Queria poder olhar em seus olhos brilhantes, segurar seu rosto entre as minhas mãos, afastar os cabelos que sempre caíam sobre seus olhos para lhe contar sobre aquela noite em minha casa, após termos feito amor, quando abri os olhos durante a madrugada e percebi o quão apaixonada estava por ele com aquele sorriso safado, olhar terno e abraços que cabiam minha vida inteira dentro.
Meus olhos ardiam pelas grossas lágrimas que se formavam e a sensação de vertigem só aumentava. Pondo as mãos na cabeça, só queria que tudo parasse de rodar. Encostei a testa nos joelhos, tentando respirar fundo, de olhos fechados, porém nada parecia resolver... Segundos depois, fui engolida pela mais densa escuridão.

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Esparramada no chão, acordei com o corpo dolorido. Minha cabeça ainda doía e eu não tinha lembrança de como ou por que estava caída no chão. Sentando-me sobre o tapete, estiquei um dos braços a fim de pegar o celular de cima do estofado. A televisão ainda estava ligada e, tão rápido quanto um acidente de carro, me lembrei de estar assistindo um filme, que, provavelmente, tinha servido de gatilho para um ataque de pânico.
A tela do meu celular estava cheia de notificações. Josh me respondeu que daria mais dois dias de prazo; perguntando como tinha sido a entrevista com Halsey e como estava a reportagem. Uma infinidade de ligações e mensagens de Matthew perguntando se eu estava bem algumas horas após nossa ligação.
Era 5h da manhã. Sabendo que não adiantava nada tentar dormir, tomei meu ansiolítico, troquei de roupa e resolvi começar minha corrida matinal mais cedo. Quem sabe um pouco de endorfina ajudasse com a dor de cabeça.
Com os fones no máximo, a voz de Halsey começou a ecoar em meus ouvidos ao som de Colors. Nos primeiros segundos de música, pensei em trocar e colocar algo que me fizesse desligar do que possivelmente poderia me engatilhar de novo: trabalho, drogas e Matthew Healy. Todavia, reconsiderando mentalmente, talvez fosse bom ouvi-la e tentar achar um pouco de inspiração em sua figura, afinal, em quatro dias, precisaria entregar uma reportagem que estivesse à altura de tudo que a mulher escolhera dividir comigo, por mais assustador que isso fosse.
Interrompendo a música, meu celular começou a tocar e, ao ouvir o primeiro “alô” do outro lado, me arrependi por ter configurado o aparelho para atender chamadas automaticamente quando estivesse com fones de ouvido plugados.
― Aconteceu alguma coisa? Você tá bem? ― sua voz tinha aquela tonalidade preocupada e nervosa que, pouco a pouco, parecia estar se tornando frequente em nossas ligações.
― Tô bem. ― respondi rispidamente.
― Você não parece bem. ― suspirou. ― Olha, , me desculpe pela ligação de ontem. Eu não queria ser cuzão com você, mas não era um bom momento.
― Você só tinha que dizer. É tão difícil assim? ― parei de correr. ― Matthew, o mundo não gira em torno de você, logo, eu consigo continuar existindo mesmo se você disser que não pode falar comigo ou que não é um bom momento. ― mesmo ofegante, despejei tudo em cima dele.
― Você tá ofegante? ― franzi as sobrancelhas, sem entender o que ele estava sugerindo.
― Eu tô correndo.
― Meu Deus, , você fica sexy até irritada e praticando esporte. ― disse com aquele tom de voz aveludado que era capaz de me convencer de qualquer coisa.
― Puta merda, Healy. ― respondi baixo, passando a mão pelo rosto, secando um pouco do suor.
― É nesses momentos que é muito triste estar longe de você.
― Nem tudo pode ser resolvido com sexo, Matthew.
― Mas a gente não precisa resolver nada com sexo. A gente pode só ter bons momentos, certo? ― segurei uma risada na garganta. Odiava quando ele me fazia rir quando eu não queria. ― Escuta. Realmente sinto muito por ter sido um idiota com você. Foi imaturo e deveria ter te avisado que não era uma boa hora, mas, ainda assim, você me ajudou. Quando eu digo que você é boa demais pra mim, eu falo muito sério. ― dei um meio sorriso.
― Como você faz isso? ― perguntei baixinho.
― Isso o quê?
― Você me tem fácil demais, Healy. ― respondi mais baixo ainda.
― Ainda tá brava comigo? ― ouvindo-o, sabia que o homem estava sorrindo do outro lado da linha.
― Você vai ter que me compensar quando nos vermos de novo.
― Mas isso você não precisa nem pedir. Eu faço com maior prazer. ― ri. ― Aliás, , você tem planos pro final de ano?
― Por que eu tenho a sensação de que você vai me convidar pra algo?
― Isso se você já não tiver nada em mente.
― No Natal, vou pra casa dos meus pais e, no Ano Novo, eu vou trabalhar, então, não vou poder ficar lá. O que você tem em mente?
― Minha família vem pra Londres pra comemorarmos juntos. Queria que você fosse.
― Uau… ― foi tudo o que consegui dizer.
― Que foi?
― É que… eu sei que já conheci sua mãe e seu irmão e aí tudo deu errado. Mas você não acha que isso é um pouco sério? Tipo, passar o feriado com a sua família…
― Se você tá com medo pela reação deles, meus pais não fazem muito o tipo que coloca pressão ou fica fazendo um monte de piadas sem graça.
― Não é bem isso. É que… volto a perguntar, o que é isso?
― Sabe que eu não tô tentando te forçar a nada, né?
― Eu sei. ― suspirei. ― Eu me sinto mal porque você já me apresentou pra sua mãe, mas nem te falei o nome dos meus pais.
, eu não me importo e entendo que, se você não o fez, é porque tem seus motivos, certo? Além do mais, você pode muito bem ser uma amiga que estava sem ter onde passar o feriado. ― rimos.
― Sua mãe e seu irmão viram a gente se beijar.
, meus pais são atores. Eles literalmente são pagos pra beijar bocas estranhas e de amigos. ― segurei uma gargalhada. ― Tá tudo bem, é sério.
― Posso pensar?
― Quanto tempo você quiser. ― alguns segundos depois, sua voz voltou a soar na ligação: ― ?
― Sim?
― Já que estamos falando sobre isso, por que você nunca fala dos seus pais?
― Você nunca perguntou nada em específico. ― dei de ombros. ― Não acho que seja o assunto mais interessante do mundo para se falar sobre se a outra pessoa não perguntar nada. Por quê?
― Nada. ― pelo tom que sua voz assumiu, eu sabia que tinha algo, porém, não ia forçá-lo a dizer o que era. ― Acho que preciso te deixar correr, né? Me ligue quando tiver uma resposta, ok?
― Tá. Matty?
― Quê? ― lembrando-me da madrugada e do quanto desejei sobreviver apenas para dizer que o amava, pensei em dizê-lo ali e agora.
― Não é nada. Estou com saudades. ― entretanto, nem tudo saía como o desejado.
Como se uma mão invisível socasse as palavras pela minha garganta abaixo, não consegui fazer um “eu te amo” passar por entre os meus lábios em sua direção.
― Eu também estou. ― confirmou em um tom afetuoso. ― Você sabia que vamos tocar no Reading & Leeds dia 28, né? Se você puder e quiser, poderíamos nos ver.
― Eu queria muito poder. O show de vocês vai ser no dia do meu plantão. Mesmo que eu saia correndo da redação, acho que não consigo chegar a tempo.
― E a tempo de me ver?
― Eu posso tentar.
― Vou pedir pra te arranjar uma credencial, ok? Venha se puder. ― por mais que talvez esta não fosse a intenção, sua voz parecia assumir levemente aquele tom pidão.
― Eu vou tentar. Prometo. ― sorri.
― Nos falamos mais tarde?
― Claro. ― sorri e me permiti respirar fundo quando a ligação encerrou.
Querendo desanuviar as ideias antes que precisasse me focar somente em escrever a reportagem, retomei minha corrida.

- x x x -


Uma iluminação divina havia me atingido naquela tarde. Com duas páginas da versão final da reportagem já escritas, eu não tinha parado de digitar desde a hora que cheguei. Mesmo que não quisesse admitir, talvez estivesse ficando obsessiva com a ideia de finalizá-la enquanto as palavras não paravam de inundar minha cabeça. Não tinha bebido água, feito pausa para comer ou para ir ao banheiro. Tomei duas xícaras de café e um analgésico para dores de cabeça. Meu corpo já estava pedindo socorro silenciosamente para cada uma das pessoas que passavam no corredor ao meu lado.
? ― assustada, meu corpo sobressaltou de leve. Ao virar a cadeira para trás, dei de cara com Sullivan. ― Te assustei? ― sorriu.
― Eu estava concentrada. ― dei um meio sorriso.
― Nesse domingo é seu plantão, né?
― Sim. Por quê?
― Você e Zack vão cobrir o Reading & Leeds. Patricia vai estar de plantão em casa recebendo todas as informações que vocês passarem pra ela e postando no site.
― Quê? Por quê?
― Porque fomos convidados e vocês é quem estão de plantão, oras.
― Josh?
― Sim?
― Você sabe que o The 1975 vai ser headliner no domingo, né?
― Não se preocupe quanto a isso. Zack é quem vai fazer a entrevista com eles. Você pode passar as informações necessárias pra ele, sim? ― assenti. ― Ótimo. Pra compensar a viagem e as horas extras trabalhadas, os três ganham folga na segunda. Conto com a sua colaboração. ― saiu andando de costas, apontando para mim e sorrindo.
Em um piscar de olhos meu coração acelerou, parecendo que haviam tambores em meus ouvidos, tamanho era o barulho da palpitação. Suando igual uma porca, meus membros formigavam e, por mais que meu maior desejo fosse sair correndo dali, meu corpo estava imóvel, como se estivesse empalado. Além disso, havia uma crescente queimação em meu esôfago.
Matty tinha me convidado para vê-lo e não havia nada que eu desejasse mais, todavia, depois do comunicado de Josh, a situação mudava de cenário. Eu não podia vê-lo no meu horário de trabalho e, muito provavelmente, após o show, ele viajaria. Levando ambas as situações em consideração, não poderia e nem deveria avisá-lo que estava indo.
Já tinha tido muita sorte de não ser demitida quando Josh nos descobriu. Não iria pagar para ver o que aconteceria se soubesse que encontrei com Healy mesmo depois de ele ter me proibido de entrevistá-los e me pedir para evitar dar bandeira.
Respirando fundo e bebendo água, tentando limpar minha mente, fiz o máximo possível para que aquelas fossem apenas sensações de nervosismo pelas circunstâncias e não acabassem se transformando em uma crise de ansiedade. Seria azar demais ter duas crises, uma de pânico e outra de ansiedade, em dias seguidos.
Quase 20 minutos depois, a palpitação estava perdendo força. Meu esôfago ainda queimava como se tivesse uma labareda vinda do próprio inferno acesa em si, mas era suportável.
Bebi mais uma xícara de café e comi uma banana, o que foi suficiente para me dar energia para continuar ativa e escrevendo. Às 18h, o texto estava finalizado e necessitando apenas da revisão final.

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Sabendo que não havia a menor possibilidade de sairmos cedo da cobertura, Zack, Patricia e eu combinamos que começaríamos a trabalhar simultaneamente um pouco antes das 12h, afinal, dois de nós teríamos que viajar para chegar ao local. Fazendo contato prévio com os agentes e assessores das bandas, combinamos que entrevistaríamos as bandas e artistas responsáveis pelos shows de abertura primeiro.
Zack e eu dividimos os artistas em dois grandes grupos e cada um ficou responsável por um. Nós dois conhecíamos a maioria dos que iriam se apresentar. O que não conhecíamos, digitamos o nome no google e fizemos anotações gerais. Desde álbuns lançados, prêmios recebidos até cancelamentos no twitter. Tudo era importante, mesmo que fossem entrevistas curtas.
Ao chegarmos ao local, pegamos nossas credenciais na bilheteria e entramos em contato com Patricia, avisando-a que muito em breve iniciaríamos o envio de materiais para postagem no site. A arena já estava socada de gente a perder de vista.
Durante a semana, Matthew havia me perguntado se eu poderia comparecer. Respondi que não e, agora, contava apenas com a sorte para não encontrá-lo, o que, com a quantidade de pessoas presente, não deveria ser muito complicado.
Conferindo minha lista, haviam 38 artistas para entrevistar e mal podia esperar para que aquele dia acabasse, pois já estava exausta. Os nomes variavam desde Sleeping With Sirens até gnash.
Depois da primeira entrevista, as coisas pareciam ter engrenado. Conforme conversava com artistas que acompanhava e percebia a empolgação em suas vozes e faces ao notarem que estavam sendo entrevistados por alguém que os conhecia, não uma repórter aleatória que não sabia muito bem o que estava falando, fiquei brevemente entusiasmada. Quando estes mesmos artistas começaram a subir ao palco enquanto eu fazia entrevistas uma atrás da outra, fiquei inquieta por não conseguir assisti-los e por nem minimamente poder cantarolar suas músicas.
Em pequenas e poucas pausas de 10 minutos, tomei café e comi biscoitos de água e sal. Ao longo do dia, sequei umas quatro garrafas de água e, estrategicamente, chamava as bandas para serem entrevistadas em locais próximos a banheiros. Assim, entre uma e outra, conseguia esvaziar minha bexiga.
Nesse ritmo, as horas passaram muito rápido. Quando me dei conta, a noite já estava caindo e tinha cumprido quase toda a minha lista, faltando apenas falar com The Wombats. Conversando com seu gerente de tour, negociamos que seria melhor agendarmos para o final do show, quando estariam livres para serem interceptados pelo tempo que eu julgasse necessário, ou seja, teria quase duas horas livres para descanso, o que era um alívio.
Todavia, alívio maior senti quando encontrei garrafinhas geladas de suco na área da imprensa. Senti como se pudesse beijar o responsável por aquele mimo na boca sem nenhum pudor. Bebendo meu suco, avistei Zack vir em minha direção. Entretanto, vendo quem vinha em seu encalço, engasguei com o líquido e não conseguia mais parar de tossir.
― Tinha alguém que estava te procurando. ― apontou por sobre o ombro para Healy e eu dei um sorrisinho amarelo. Sua feição entregava que talvez nossa conversa não fosse acontecer sob termos amigáveis.
― Oi, . Você tá livre agora? ― questionou em um tom duro.
― Ah, eu tenho algum tempo livre. Marquei com o The Wombats pra depois dos show deles.
― A gente pode conversar? ― apontou com a cabeça para além da multidão.
Olhei para Zack em uma busca silenciosa por confirmação de que não precisaria da minha ajuda.
― Fique atenta no celular. Se precisar, eu te ligo. ― assenti e segui Matthew para fora da tenda de imprensa.
― Aqui não é um bom lugar pra conversarmos, seja lá o que você queira me dizer. ― falei, fazendo-o se virar em minha direção.
― Vamos, então. ― estendeu a mão para mim.
Lancei-lhe um olhar de tédio.
― É sério mesmo? ― debochei, cruzando os braços. ― Se não podemos conversar aqui, quem dirá sair por aí de mãos dadas, né? ― falei mais baixo.
― Espera. ― tirou o celular do bolso. Em menos de um minuto meu celular vibrou.
Ao desbloqueá-lo, vi que Matthew havia me mandado sua localização em tempo real por mensagem.
― É só me seguir. ― e saiu andando.
Arqueei as sobrancelhas. Então, é assim que as fofoqueiras de plantão não descobrem quem é seu affair do momento?
Deixando-o se afastar alguns metros, segui-o quando adentrou em meio a multidão.
O ponto em meu GPS, que representava o seu celular, não parava de se mexer e parecia estar relativamente longe de mim. A julgar pela distância percorrida e o sentido que estava tomando, Matty estava me levando para a zona onde ficavam os camarins. Como se as finas lâminas de madeira compensada e metal fossem fazer alguma diferença caso gritássemos um com o outro.
Gastei aproximadamente 15 minutos caminhando em meio a multidão para chegar ao camarim dos headliners. Andando pelos corredores, conferindo as placas, senti uma mão em meu braço, me puxando porta a dentro à minha direita. Fechando a porta atrás de nós, Healy cobriu minha boca para abafar o grito que eu dei.
― Você me pede descrição e ainda grita? ― arregalou os olhos, cochichando próximo de mim.
Ao destapar minha boca, dei um sorrisinho amarelo.
― Por que você não me contou que vinha? ― cruzou os braços em frente ao peito.
― Porque até então eu tinha concordado em vir em meu horário de folga, não a trabalho. Josh descobriu sobre nós e estou proibida de te entrevistar. ― arqueou as sobrancelhas.
― Ah, ele sabe? ― seus braços se afrouxaram.
― Sabe.
― Como? ― dei de ombros.
― Ele me chamou para conversar, disse que já estava a par da nossa relação e que não iria me demitir, mas pediu para que eu não desse tanta bandeira. ― olhando-o nos olhos, percebi quando seu olhar se suavizou a ponto de não parecer tão rígido quanto segundos antes. ― Desculpe não ter avisado. Eu poderia ter dito que não poderíamos nos encontrar enquanto eu estivesse trabalhando. ― suspirei. ― Você tá bravo comigo?
― Estava, não estou mais. Sabe por quê? ― acenando com a cabeça, incentivei-o a prosseguir. ― Você acabou de dizer que poderia ter me avisado que não podia me encontrar durante seu expediente e aí você não o fez. E agora onde você está? ― seu corpo estava muito próximo do meu. Estampando um sorriso debochado nos lábios, podia sentir seu calor.
Passei a língua pelo lábio inferior, mordendo-o em seguida.
Não havia nada nele que não me deixasse excitada. Nem mesmo o cheiro de quem já tinha fumado 50 cigarros só naquele dia. Na verdade, parecia até que esse era seu charme.
Segurei-o pelo colarinho da camisa azul que usava. Automaticamente, pôs as mãos em meu quadril e apertou minha bunda entre seus dedos, colando nossos corpos um ao outro, fazendo-me sorrir.
― Eu não só vim, como pretendo gastar meu horário de descanso aqui.
Sem mais delongas, Matty atacou meus lábios com o seus em um beijo voraz, como quem deseja saciar toda a vontade de uma vez só. Sua barba por fazer me causava cócegas e era inevitável não sorrir em meio ao beijo.
Uma das mãos se soltou do meu quadril para se encaixar em meu pescoço.
Deus, como eu tinha esperado por aquele momento.
― Não temos muito tempo, hoje eu vim de calça jeans e tô te devendo uma. ― cochichei assim que seus lábios se afastaram dos meus.
Soltando o colarinho de sua camisa, amarrei os cabelos com um elástico que carreguei no pulso ao longo do dia inteiro.
― Tenho a sensação de que sei o que é e que vou gostar muito disso. ― brincou, selando nossos lábios.
Segurei seu queixo e apontando o indicador bem próximo de seu rosto, ameacei:
― Mas é o seguinte: se empurrar minha cabeça ou bagunçar meu cabelo, eu paro e vou embora. ― dando um sorriso sapeca, assentiu.
Direcionei as mãos para seu cinto, desafivelando-o e abrindo suas calças sem quebrar nosso contato visual. Ficando de joelhos à sua frente, abaixei suas roupas inferiores juntas, deixando seu pau exposto.
Antes de pô-lo na boca, envolvi em uma das mãos, movimentando-a para cima e para baixo vagarosamente. Passei a lamber uma das laterais da base até a cabeça, começando a chupar esta última sem deixar de movimentar a mão.
De todas as fantasias sexuais que imaginei realizar, nunca pensei que boquete dentro de um camarim fosse efetivamente realizável.
Mantendo um pouco de sucção, introduzia o máximo que conseguia na boca, fazendo movimentos de vai e vem. Para não cansar, vez ou outra, apenas o masturbava e era nestes instantes que eu aproveitava para conferir suas reações.
Os olhos cerrados, a boca constantemente aberta, produzindo gemidos deliciosos, os braços grudados à parede, com as mãos espalmadas, como se tentassem se agarrar a algo.
Alternando a velocidade dos movimentos da mão, voltei a pô-lo na boca. Concentrei-me em circundar sua glande com a língua.
Seus gemidos começaram a ficar mais sonoros. Portanto, tirei-o novamente da boca, me pus de pé, sem parar de masturbá-lo, para tampar sua boca com minha mão desocupada.
― Calado, Healy. ― sussurrei. ― Nem eu nem você queremos ser descobertos, certo? ― assentiu pressionando as pálpebras com força.
Cacete, eu poderia gozar só de olhar pra ele.
Espasmos discretos se instalavam em suas pernas, fazendo-me sorrir. Estamos quase lá.
E, como tudo que é bom dura muito, mas muito pouco, meu celular tocou. Tirei a mão da boca de Matthew, peguei o aparelho no bolso traseiro da minha calça e atendi ao ver que se tratava de uma chamada de Zack. Enquanto isso, tentei manter um ritmo constante em minha mão “ocupada”.
― Oi, Zack.
― Preciso de ajuda. Meu celular morreu e tenho que compartilhar a última entrevista com a Patricia. Você pode vir até aqui me emprestar seu celular?
― Chego aí em 10 minutos. ― ao fim da minha frase, Matty gemeu um pouco mais alto. Arregalei os olhos e soltei seu pau imediatamente.
― O que foi isso?
― Passei por um cara bêbado agora há pouco. Já estou a caminho. ― respondi rápido e desliguei. ― Porra, Healy! ― gritei.
― Desculpa. Ele ouviu?
― Ouviu e perguntou o que era. ― ri nervosa, guardando o celular no bolso. ― Eu preciso ir.
― Mas você não vai terminar? ― suas feições eram a mais pura decepção.
― Eu estou no meu horário de trabalho, lembra? ― dei dois tapinhas fracos em seu rosto, com um sorriso debochado nos lábios.
― Mais tarde você tá livre?
― Que horas você viaja?
― Às 4h30.
― É, a gente consegue terminar isso mais tarde. ― selei nossos lábios. ― Não termine sozinho nem com outra pessoa, ok? ― sussurrei bem próxima ao seu rosto.
― Você não faz ideia do quão gostosa você fica quando manda em mim, né? ― sorri e abri a porta atrás de nós.
Antes que saísse, o homem acertou um tapa na minha bunda. Dei um último sorriso sobre o ombro e parti.

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Após encontrar Zack, ajudá-lo com sua última entrevista e fazer a minha, gastei boa parte do tempo em que estava em sua companhia apreensiva que o homem resolvesse perguntar sobre o gemido que ouvira durante nossa ligação. Porém, comprovando que eu tinha mais sorte que juízo, meu colega de trabalho nada perguntou. Em nosso tempo livre, conversamos somente sobre música, sobre o festival e o quanto ser repórter tinha lá suas vantagens.
Quase três horas mais tarde, Matthew me mandou uma mensagem com uma nova localização. O festival ainda não tinha acabado e como teríamos folga no dia seguinte, Zack dissera que gostaria de ficar mais um pouco e aproveitar a credencial. Contando uma meia verdade, disse que iria aproveitar para cumprimentar os outros rapazes do The 1975, já que fazia algum tempo que não nos víamos. Por isso, pedi a Zack que, caso quisesse ir embora, era só me ligar.
Dessa vez, o GPS indicava a área da equipe técnica. O ponto estava exatamente em uma das cabines de controle de luzes.
― Jamais vou poder reclamar que não inovamos na ambientação, hã? ― brinquei assim que entrei no local.
Rindo, Matthew trancou a porta atrás de nós.
― Como você conseguiu a chave?
― É uma cabine de controle secundário, ninguém vem aqui se algo na primeira não falhar. ― deu de ombros.
Franzi as sobrancelhas.
― Além do mais, conheço um roadie, que conhece um técnico de som, que conhece um técnico de iluminação. ― ri.
― Espero que você pelo menos tenha pago todas essas pessoas.
― Eles me deviam favores. ― envolveu minha cintura com seus braços, puxando-me para perto de si.
Colando meus lábios nos seus, iniciei um beijo vagaroso e intenso, como não tivemos oportunidade de fazê-lo mais cedo. Meu corpo inteiro formigava sob seu toque e eu só queria mais daquilo. Queria que aquela noite não tivesse fim. No entanto, sabendo que não tínhamos tanto tempo quanto gostaríamos, começamos a tirar nossas roupas o mais rápido possível.
Logo, sua boca se carimbava em várias partes do meu corpo, assim como fiz no seu. Meus dedos percorreram quilômetros sobre sua pele suada enquanto abafávamos gemidos com beijos que acabavam com o resto de minha sanidade.
O calor intenso no ambiente me fazia resfolegar, mas isso não era suficiente para me fazer parar. Na verdade, nem mesmo seu joelho ralado foi capaz de nos fazer parar.
Não havia nada que eu amasse mais do que a forma como Healy fazia com que cada pequeno detalhe se tornassem de extraordinariamente especial e totalmente nosso, como se nada mais importasse.
― Isso foi uma vingança? ― perguntei ao perceber a marca de mordida na minha barriga.
Sentada em seu colo, o homem mantinha as mãos em meu quadril.
― Tá doendo? ― cutucou de leve e eu ri.
― Não. Espero que não fique roxa.
― Tomara que fique pra, se alguém chegar a ver, saber que você não esteve sozinha nos últimos dias. ― pôs as mãos em meu rosto, selando nossos lábios.
― Querendo marcar território?
― Prefiro dizer que estamos construindo memórias juntos. ― rimos. ― , na realidade, tem algo que eu quero te dizer. ― pigarreou. Seu rosto assumiu uma expressão séria que fez meu coração começar a bater mais forte dentro do meu peito.
Não sabia o que era e tinha medo que tivesse chegado o momento em que dizemos adeus um para o outro. Dentre todas as coisas que poderiam acontecer, essa era a única que não saía da minha cabeça e sentia em meus ossos que havia uma grande probabilidade de se concretizar.
Com ambas as mãos, pôs pequenas mechas de meu cabelo atrás da orelha, fitando-me nos olhos, continuou:
― Eu acho que eu amo você. ― segurou minhas mãos entre as suas. ― Não quero que você se sinta pressionada a me dizer algo ou a me corresponder, só achei que você deveria saber. ― beijou a palma de uma delas.
Sentindo-me eletrizada e com o coração acelerado, minha pele formigava e haviam tantas borboletas no meu estômago quanto estrelas brilhantes no céu. Com um nó em minha garganta capaz de segurar um navio, não consegui pronunciar nem mesmo a certeza de que ele era correspondido. Longos segundos se passaram e uma feição relativamente confusa e quem espera uma resposa, mesmo que negativa, tomou conta de seu rosto.
Ao invés de dizer algo, o abracei forte, sentindo seus lábios tocarem longamente meu ombro em um beijo afetuoso.
Não havia mais nenhuma palavra a ser dita, por isso, gastamos nossos últimos minutos nos olhando nos olhos e sorrindo, acariciando o rosto um do outro, como se tentássemos gravar em nossas mentes aqueles preciosos instantes.
Ainda trocando olhares e sorrisos, nos vestimos e nos beijamos uma última vez antes que ele saísse. Faltava uma hora e meia para seu vôo e mal podia esperar pelo dia que nos encontraríamos outra vez.
Alguns minutos depois, encontrei com Zack no estacionamento da arena, prontos para partir para Londres.
― Se estiver muito cansada, não me importo se você dormir. ― falou enquanto dava a partida no veículo e eu afivelava o cinto de segurança.
― Ah, não, estou bem. Amanhã vou ter bastante tempo para descansar. ― sorri.
Liguei o rádio, conectando o celular via bluetooth para conectar uma playlist qualquer.
― Você se divertiu? ― perguntei, bloqueando o celular.
― Muito. Eu amo cobrir shows. Foi sua primeira vez?
― Foi. Não foi tão cansativo quanto achei que seria.
― Depois de um tempo, você se acostuma e acaba achando mais divertido. ― deu de ombros. Depois de alguns segundos de silêncio, retomou: ― , posso te fazer uma pergunta?
― Claro.
― Você e o Healy estão saindo, né? ― olhou-me rapidamente, logo voltando a prestar atenção na estrada à nossa frente.
― Por que acha isso?
― Achei curioso a forma como ele ficou quando eu disse que você estava junto comigo cobrindo o evento. ― deu de ombros, franzindo os lábios. ― Alguém que não tem nada ou que não está interessado não fica daquele jeito. Aliás, não se preocupe. Não vou falar para o Josh ou qualquer outro sobre os seus sumiços com ele, ok? ― deu um meio sorriso.
Suspirei.
― Nesse caso, acho que o mínimo que posso fazer é ser sincera, né? ― recostei a cabeça no encosto do banco. ― É, nós estamos saindo há uns meses.
― Então, tá ficando sério? ― dei de ombros.
― Não é nada demais.
― Bom, ele parece um cara legal.
― Ele é. No início, ele é um porre, depois, você se acostuma. ― riu.
― Ele fala demais?
― Isso nem é o maior problema. ― ri. ― Mas é sério. Você se acostuma. No fundo, Matty é ótimo. Ele só não deixa que todo mundo veja. ― umedeci os lábios. ― Você já… se envolveu com uma fonte?
― Todo jornalista já fez isso pelo menos uma vez na vida. ― sorriu. ― Pode não ser romanticamente, mas amizades, dar rolê, essas coisas.
― Com quem foi? Se você quiser falar, claro…
― Saí uma vez com a Lily Allen.
― Meu Deus. ― ri. ― Que aleatório.
― Pois é.
― E deu em alguma coisa?
― A gente ficou só uma vez. Conversamos por mais algum tempo e morreu. Nada demais. ― olhou-me de soslaio. ― Olha, , não importa o que tenham te dito ou se Josh te assustou, mas tá tudo bem. Todo mundo tem uma história assim pra contar e, se não tem, um dia vai ter. Ninguém sai ileso disso. No fim, eles e nós somos pessoas normais, temos desejos e vontades, como qualquer outra pessoa que habite este mundo. Além disso, vocês formam um casal muito bonito, não deixem que os convençam do contrário. ― sorriu e eu retribui.
― Obrigada, Zack.
Dando o assunto por encerrado, Zack pediu que eu lhe mostrasse quais eram as músicas que tinha ouvido recentemente.


#24

No meu mundo, estou constantemente fazendo descobertas ou tendo um colapso ou um apagão
(clementine - Halsey)


AVISO DE GATILHO: O capítulo a seguir aborda temáticas sensíveis referente a conflito familiar.


Antes de oficialmente começar minha folga na madrugada de segunda-feira, enviei a versão final e revisada da reportagem sobre Halsey para Josh, caindo na cama logo em seguida.
De volta ao trabalho na terça-feira à tarde, já havia um bilhete colado na tela do meu computador, pedindo que eu fosse à sala de Sullivan assim que chegasse a redação. Batendo meu ponto e soltando minha bolsa sobre a cadeira, encaminhei-me para o local, apenas com meu celular no bolso traseiro da calça, sem agenda ou caneta.
― Aí está minha garota de ouro! ― ergueu os braços, me saudando enquanto sentava em frente à sua mesa.
― Eu acho que deveria começar a reservar os primeiros 30 minutos de turno para vir à sua sala todos os dias. ― brinquei.
― Faça o que quiser. Depois disso aqui ― ergueu as folhas que provavelmente continham minha reportagem impressa. ―, estou quase dizendo que você pode fazer o que quiser aqui dentro.
― Uau. ― sorri.
― Eu não acredito em talento, mas só consigo pensar em duas possibilidades quando pego algo seu pra ler: ou você paga um jornalista com 50 anos de carreira pra escrever por você ou você realmente nasceu pra isso.
― Nenhum apontamento negativo, crítica ou sugestão?
― Você tá brincando? , esse texto está perfeito! Você não só conseguiu alguém com um nome de peso, como fez uma reportagem à altura da sua entrevistada. E a revelação sobre o aborto? Chocante. ― gesticulou de uma maneira extravagante. ― Como você a fez falar sobre isso?
― Não fiz. ― dei de ombros. ― Ela achou que deveria me contar e o fez.
― Mas isso é pessoal demais para ela simplesmente decidir contar do nada.
― Olha, Josh ― passei a língua pelos lábios. ―, Halsey é uma mulher brilhante e me coloquei à disposição para contar sobre minha vida pessoal caso ela achasse que isso a faria se sentir mais confortável.
― O que você disse a ela? ― se inclinou com os braços sobre a mesa, ligeiramente mais interessado no assunto.
― Apenas o suficiente para que ela entendesse que eu não estava brincando quando disse que queria que ela se sentisse acolhida. ― dei um meio sorriso desafiador.
― Tô vendo que mais um pouco vou ter que promover uma palestra ministrada por você sobre como conduzir uma boa entrevista. ― ironizou.
― Quando quiser.
― Todos os dias você me prova que fiz a escolha certa te mantendo aqui. ― apontou para mim.
― E eu agradeço muito por isso, Josh. De verdade. ― sorri.
― Chega de enrolar e vai mandar pro pessoal da diagramação. ― bati continência e saí de sua sala.
Quando a revista chegou às bancas no início do mês seguinte, choveram e-mails e comentários no trecho da matéria publicado no site falando sobre o quanto aquelas palavras tinham tocado no âmago de muitas pessoas. Isso sem falar do sem número de elogios que Halsey recebeu por ser uma mulher forte e determinada.
Não conseguia conter o sorriso ao ler todas aquelas interações. Eu estava muito satisfeita com o resultado da reportagem, mas era evidente que ela só tinha ficado realmente boa porque Ashley foi uma fonte de valor inestimável durante o processo.
Matthew me mandou uma mensagem me parabenizando pelo resultado e dizendo o quanto se sentia “orgulhoso de ser alfabetizado para ler o que eu escrevia”. Palavras dele, não minhas.
Mais tarde, naquele mesmo dia, enquanto tomava um café na copa, meu celular tocou, anunciando um número desconhecido na tela iluminada.
― Alô?
? ― uma vez feminina soou na linha e, apesar de familiar, não a reconheci em primeira instância. ― É a Ashley.
― Ah, oi. ― sorri. ― Tudo bem?
― Estou ótima e você? Como está?
― Muito bem. A reportagem está sendo um sucesso.
― E é sobre isso que eu queria falar.
― Algum problema?
― Não, não. Nenhum. Liguei para agradecer mesmo. Queria fazer isso pessoalmente, mas não posso, então, como você me deu seu número, achei que seria uma boa ideia pelo menos fazer esse contato. Confesso que, depois que te contei tudo aquilo, fiquei com medo do que você poderia fazer com essa informação, mas preferi acreditar que você saberia o que fazer com ela até porque, dentro de mim, sentia que existem outras pessoas passando por situação parecida e que deveriam ler sobre o assunto. ― deu um suspiro baixo. ― Li reportagens suas o suficiente para ter o mínimo de certeza que não estava falando com alguém atrás de um furo sensacionalista. E fico muito grata por você ter tido a sensibilidade de não transformar isso em algo que me arrependeria de ter dividido com o mundo. ― dei um meio sorriso.
― Durante algum tempo, enquanto transcrevia a entrevista, fiquei me perguntando se deveria incluir isso ou não. Fiquei com muito medo de banalizar algo tão sério. Fico feliz que tenha se sentido satisfeita com o resultado.
― Enfim, só liguei para te agradecer e, se precisar de qualquer coisa, a qualquer momento, este é o meu número pessoal.
― Obrigada. ― sorri.
― Aliás, se algum dia você estiver pensando em vir pra Califórnia, considere passar esse tempo comigo aqui em casa.
― Uau… é... muito gentil da sua parte.
― É o mínimo que posso fazer. Preciso desligar, tenho que fazer um show em duas horas. Foi um prazer conversar com você outra vez.
― Digo o mesmo. Até mais. ― mesmo após desligar, não conseguia parar de sorrir.
Provavelmente, Ashley não fazia ideia do quanto significava para mim ouvi-la elogiar o que escrevi a seu respeito.

- x x x -


Como combinado nas muitas ligações que meus pais fizeram ao longo de novembro e início de dezembro, na noite do dia 23, deixei uma pequena mala pronta, pois, ao final do meu turno na véspera de Natal, iria para a casa deles e permaneceria lá até a tarde do dia 27. Não os via desde o jantar uma semana antes do meu aniversário e já estava ficando com saudades outra vez, afinal, não haviam muitos feriados em que pudesse encontrá-los.
Adorava ir para a casa de meus pais, afinal, era um dos raros momentos em que me conectava com a adolescente e sonhadora, que bateu cartão em quase todos os shows de bandas de fundo de garagem, por mais que não fossem realmente boas. As paredes do meu quarto eram cobertas por pôsteres de bandas e algumas coisas que havia deixado para trás por não fazerem mais sentido para mim, como meus brinquedos que ainda não tinham sido doados. Além do mais, era lá que habitava a mentalmente saudável e estável.
Ao chegar em casa, abracei meus pais e fui deixar minha bagagem no quarto. Neste ano, seríamos só nós três devido a uma briga na ceia passada com o resto da família. Talvez até o próximo ano já estivesse tudo bem de novo e voltaríamos às antigas tradições.
Por ter saído do trabalho às 20h, cheguei perto das 23h e o jantar estava praticamente servido. Não tínhamos costume de esperar o dia virar no relógio e, considerando que meus pais faziam o tipo que se importa com a pobre proletária que a filha deles havia se tornado, sentamos para comer assim que o peru terminou de assar, pouco antes das 23h30.
― Li a reportagem que você escreveu sobre aquela cantora esse mês. Muito boa. ― minha mãe soltou dando uma garfada na própria comida, referindo-se a um perfil que havia escrito sobre Phoebe Bridgers no mês de novembro.
― Muito boa a fonte ou a matéria? ― brinquei.
― Os dois. Ouvi algumas músicas dela e ela canta muito bem.
― Você inventou ou omitiu algo do que escreveu? ― meu pai brincou e eu semicerrei os olhos.
― Rá-rá. Muito engraçado. ― ironizei. ― Tudo que está escrito lá é verdade. Tenho mais de oito horas de entrevista gravada com a Phoebe.
― Ela foi legal com você? ― minha mãe pôs um pouco mais de farofa de nozes em seu prato.
― Mãe, ela é minha fonte, não minha amiga. Apesar de que sim, ela foi muito legal comigo, ela não tem nenhuma obrigação de ser.
― E aquele primeiro rapaz que você entrevistou? ― sentindo minhas bochechas começarem a queimar, bebi um gole de vinho para disfarçar enquanto meu pai me encarava.
― Quem? ― fingi não saber de quem ele falava, mesmo que soubesse exatamente de quem falava.
― Aquele que saiu uma foto dos dois na internet? ― minha mãe completou e minha cara quase rolou no chão.
― Esse mesmo.
― Como vocês sabem da foto? ― franzi as sobrancelhas.
― Ah, querida, você não achou que teríamos uma filha jornalista e jamais jogaríamos seu nome no google, né? ― debochou. ― Aliás, como aquela foto caiu na internet?
― Não tenho a mínima ideia. ― dei de ombros, desviando o olhar e me concentrando apenas em comer.
― E você realmente está ou estava saindo com ele? ― meu pai perguntou, tentando fingir naturalidade. pai gostava de preparar armadilhas, as quais eu já tinha parado de cair há uma década.
― Somos apenas amigos. ― limpei a boca com o guardanapo. ― Diferente das minhas outras fontes, Matthew foi a pessoa com quem passei mais tempo e, certamente, foi a mais difícil de conquistar a confiança.
― Ele não gosta de jornalistas?
― Ele não gosta de ser mal interpretado. Mas isso eu tenho que concordar porque ninguém gosta, né? ― dei de ombros, bebendo mais um gole do meu vinho. ― Aliás, sobre a questão de estar saindo, fez uma matéria que incluía uma fala minha confirmando que somos amigos.
― Isso não parece ter surtido muito efeito pras pessoas na internet, né?
― Mãe, por favor, ele tem uma base de fãs formada por adolescentes e jovens adultas que sonham em casar com ele. Qualquer mulher que se aproxime daquele homem vai passar por essa fase de elas acharem que estão namorando. Não é nada demais.
― Mas vocês são amigos… amigos? ― franzi as sobrancelhas com uma feição de diversão no rosto.
― Existe algum outro jeito de ser amigo de alguém? ― ri.
Meus pais se entreolharam.
― Que foi?
― Nada. ― meu pai voltou a comer.
― Não, tem alguma coisa. Vocês não trocam esse olhar se não for nada.
― Bom, querida, é que nós lemos a matéria que você escreveu sobre ele e eu, particularmente, procurei mais algumas coisas… ele é um pouco… intenso demais, não acha?
― O que isso deveria significar? ― franzi a testa.
― Acho que o que sua mãe quer dizer é que ficamos aliviados de você não ter se envolvido romanticamente com alguém como ele.
― De novo: o que isso significa? ― meu olhar alternava de um para o outro, esperando por uma resposta.
― Filha, ele é drogado. ― despejando as palavras rapidamente, minha mãe parece ter usado o pouco de coragem que tinha para pronunciar tais palavras.
― Ok, mas o que isso tem a ver? ― ambos trocaram olhares novamente.
― Vamos encerrar esse assunto e ceiar em paz, por favor? ― pronunciando-se pela última vez, meu pai voltou a comer. Minha mãe e eu fizemos o mesmo.
O silêncio durante o resto do jantar foi ensurdecedor. Só se ouvia o barulho dos talheres contra a cerâmica dos pratos e de nossas mastigações. Todo o conforto que senti ao poder pisar de novo na casa de meus pais depois de tantos meses longe se esvaiu durante aqueles minutos mudos que se seguiram.
Após finalizar a refeição, guardamos o restante da comida e lavamos a louça.
A todo custo, meus pais ainda tentavam puxar assuntos aleatórios comigo. Permaneci monossilábica para não iniciar uma discussão acalorada e com poucos argumentos que tivessem um verdadeiro sentido. Ao terminarmos a limpeza da cozinha, desejei boa noite e fui para o meu quarto.
Tomei banho, meu remédio, me enrolei nas cobertas, enviei uma mensagem de “boa noite” para Matthew e tentei pegar no sono.
Rolando de um lado para o outro, não havia nada que me fizesse apagar. Meu estômago se contorcia e minha cabeça doía devido a todas as coisas que eu gostaria de ter dito e não disse. Odiava ter de confrontar meus pais, entretanto, não havia nada que pudesse fazer além disso para aliviar o peso que o sofrimento por antecipação estava me causando.
Não conseguindo dormir absolutamente nada na noite anterior, de manhã, levantei-me da cama, troquei de roupa, escovei os dentes e guardei tudo o que havia tirado na mala. Passando pelo meu quarto, meus pais deram leves batidinhas na porta.
― Bom dia? ― minha mãe questionou.
― Vamos tomar café? ― com o braço sobre o ombro da mulher, meu pai convidou.
― Ah, não. Já estou de saída.
― Pra onde?
― Pra casa.
― Mas você já está em casa. ― a mais velha rebateu confusa.
― Não, pra minha casa. ― corrigi.
― Por quê? Você não vai ficar até segunda?
― Ia. Não vou mais.
― Por quê? ― ambos pareciam confusos.
― Por um único motivo: sinto que, assim como quando fui diagnosticada com TAG, vocês continuam não entendendo o que é ser mentalmente instável. ― suspirei. ― Olha, eu amo voltar pra casa. Eu amo meu antigo quarto e, mais ainda, amo vocês. Mas não posso simplesmente ignorar a forma como vocês falaram sobre o Matty ontem durante o jantar.
― Querida, mas nós apenas falamos a verdade. Verdade esta que você mesma escreveu.
― Não. Vocês entenderam tudo errado. Vocês podem achar que ele é só um drogado, mas isso não é verdade. Assim como eu, ele é uma pessoa que precisa ser compreendida e precisa de ajuda, não de críticas. ― passei uma mão pelo rosto, tentando me acalmar e não continuar me exaltando. ― O pior foi que vocês o julgaram sem nem ao menos o conhecerem. E sabe o que dói mais? O olhar que vocês trocaram enquanto falavam dele é o mesmo que vocês usaram quando fui diagnosticada. O mesmo de todas as vezes que tive crises de pânico e precisei ser socorrida. O mesmo de quando precisei ser encaminhada pra um psiquiatra.
― Querida, nós sentimos muito. ― meu pai se manifestou após alguns segundos do término da minha fala.
― Eu também, pai. Sinto muito que, depois de tantos anos, vocês continuem agindo dessa forma, como se eu não pudesse ser normal. Como se eu fosse uma estranha. ― peguei minha mala. ― Espero realmente que, um dia, quando vocês estiverem abertos a entender, eu possa apresentar um amigo como ele e que vocês consigam ver que, apesar do vício, Matty é honesto, criativo, engraçado e doce. Assim como eu tenho certeza de que sou um monte de adjetivos além de ansiosa. ― dei um meio sorriso magoado. ― Espero que, nesse dia, vocês nos recebam de braços abertos e mente aberta, que possamos manter uma conversa civilizada, sem julgamentos enquanto ouvimos aquele disco do John Coltrane. ― pus a mão sobre o ombro do meu pai, finalizando: ― Até mais.
Passei por eles e parti.

- x x x -


Pouco mais de uma hora dentro do trem, desci em minha estação e fui para casa caminhando. Virando a esquina da minha rua, meu celular vibrou em minha mão.
― Onde vocês está, ? ― a voz de Matthew soou ofegante, como se tivesse corrido uma maratona, o que me fez dar a primeira risada do dia.
― Chegando em casa, por quê? ― continuei caminhando e, tão logo que o portão do meu prédio apareceu em meu campo de visão, Healy também surgiu, segurando seu celular na orelha, o cabelo desarrumado, de jaqueta de couro, olhando para cima, como se pudesse me ver caso saísse na janela do meu apartamento. ― Olhe pra sua esquerda.
― Por quê?
― Olha, cacete. ― respondi, vendo-o se virar em minha direção e sorrir.
― Onde você esteve? ― continuou a conversar comigo por ligação.
― Na casa dos meus pais.
― Ah, é verdade. Mas, espera, você não ia ficar lá até depois de amanhã?
― Ia, mas eu desisti.
― Por quê?
― Digamos que muitas coisas aconteceram.
― Tipo o quê? ― desliguei o telefone assim que estava a poucos passos dele.
― Alguns assuntos inacabados de família. ― dei de ombros.
― Tá fazendo a misteriosa hoje. ― franziu os lábios de um jeito debochado.
― Anda. Vamos subir. ― acenei com a cabeça para a entrada do edifício.
― Quer ajuda com a mala?
― Você acha que está falando com quem, Healy?
― Com uma mulher forte e independente que pode estar cansada. ― parei, olhei-o e ri.
― Você não tem conserto mesmo, né?
― Bom, quando olhei sua cara, vi que seu dia não está sendo dos melhores, mas consegui te fazer dar duas risadas. Acho que devo continuar, né? ― sorri.
Ao chegarmos em meu andar, procurei pelas chaves em minha bolsa, pondo a certa na maçaneta e abrindo a porta. Assim que entramos, pus a mala para dentro e, mal tendo a chance de trancar a porta ao fechá-la, Matthew começou a me beijar.
Nos últimos meses, minha vida tinha se tornado uma eterna despedida e espera pelo seu retorno. Tudo que eu fazia era me despedir daquele homem e aguardar ansiosamente pela sua chegada, pelo dia em que nos reencontraríamos e que sentiria todas aquelas sensações de novo. O calor de sua pele, o gosto dos seus lábios, seus dedos por todo o meu corpo, a mistura de perfume e cigarros que era seu cheiro natural e que aprendi a amar com o tempo.
Ali, na minha sala, deixei que me despisse e que fizesse tudo o que mais queria e esperei que fizesse durante meses. A sensação de seu corpo emaranhado ao meu no pequeno sofá era uma das melhores e, mesmo que fisicamente, meus músculos e órgãos se fadigassem de permanecer embolados a ele, desfazendo-se em orgasmos tão bons quanto das primeiras vezes, mentalmente, jamais me cansaria Matthew. Jamais me cansaria de sua voz suave ao pé do meu ouvido, a forma como suas palavras pareciam orações feitas em segredo à uma entidade superior. Jamais me cansaria de seu olhar luxurioso e, ao mesmo tempo, terno. Jamais me cansaria da maneira como parecia se importar com o que eu queria, como me sentia ou com o que eu tinha a dizer.
Quando estávamos juntos, o tempo parecia se acelerar e passar tão rápido quanto nossos olhos piscavam. Logo, já havia se passado metade da tarde. Minutos depois, a noite já havia caído. Mais alguns poucos segundos e já estávamos entrelaçados no corpo um do outro outra vez.
Na manhã seguinte, observei-o dormir por alguns segundos e conseguia entender perfeitamente por que tinha me apaixonado por aquele homem.
Acariciando seu rosto de leve, assisti-o acordar aos poucos.
― Bom dia. ― murmurou ainda de olhos fechados.
Piscou algumas vezes até se acostumar com a claridade.
― Você não foi correr?
― Depois do tanto de exercício que fizemos ontem? ― ironizei. ― Não, obrigada.
― Engraçadinha. ― apertou minha bochecha. ― Posso te perguntar uma coisa?
― Já tá perguntando.
― Tá, mais uma. ― assenti, rindo. ― Lembra o que eu te disse na última vez que nos vimos no festival?
― Você me disse muitas coisas, inclusive ‘ah ah ah, vai, ’. ― fingi gemer, imitando seu sotaque.
― Sua otária. ― deu um tapinha leve na lateral da minha cabeça, fazendo-me rir. ― Não isso. A outra coisa.
― Que você achava que me amava?
― É. Bom, eu estive pensando e… queria saber se você… ― pegou uma das minhas mãos, beijando.
― Healy… ― falei em um tom suspeito.
... ― devolveu.
― Você não tá tentando dizer o que eu acho que está, né? Porque se está…
― Se está o quê? Você nem me deixou terminar!
― Ok, vai, fala. ― revirei os olhos.
― Você se importa de ir conhecer meus pais e passar o feriado conosco… como minha namorada?
Fazendo uma pausa dramática, não durou muito, pois comecei a sorrir como uma idiota.
― Isso é um pedido?
― É. Qual sua resposta? Ou precisa de um tempo pra pensar sobre?
― Sim.
― Sim o quê?
― Sim, pode me apresentar pra sua família como sua namorada. ― respondi fazendo pouco caso.
Montando em mim e sentando-se sobre meu quadril, segurou meu rosto entre suas mãos, beijando-o por inteiro rapidamente.
Por mais que por fora estivesse tendo uma crise de risos, por dentro, havia um confronto das duas vozes na minha cabeça. Uma queria muito ouvi-lo dizer que me amava; a outra torcia para que isso não acontecesse, assim eu não teria que fazê-lo também.
Lá no fundo, sabia que, sim, mesmo negando, eu o amava, porém queria ter certeza de que éramos real antes de decidir dar esse passo tão grande. Tais palavras significavam demais para serem espalhadas pelo vento.
Quando percebi que ele não diria nada, só continuaria me fitando com aqueles olhos aquecidos de carinho e feição sorridente, fiquei grata por, aparentemente, me conhecer o suficiente para compreender que ainda não era momento.


#25

Eu tenho fingido ser alguém e isso não está ajudando ninguém
(11 Minutes - YUNGBLUD feat. Halsey & Travis Barker)


AVISO DE GATILHO: O capítulo a seguir aborda temáticas sensíveis referente a consumo e dependência de substâncias químicas.


Chegamos à casa do pai de Matthew no dia 27, meu último dia de folga antes do ano novo. Ser apresentada como namorada dele para seus pais, padrasto e irmão mais novo não foi tão estranho quanto achei que seria. Todos fizeram o possível para que eu me sentisse confortável e bem-vinda, como parte da família. Deduzindo que, por ser jornalista e eles as figuras públicas, talvez não houvesse muito sobre o que falar a respeito deles, boa parte da nossa primeira refeição juntos se concentrou em mim, o que era péssimo, pois odeio ser o centro das atenções.
― Matty ficou todo orgulhoso da matéria que você escreveu sobre ele e mandou para que todos lessem. ― Denise soltou toda sorridente.
― E vocês gostaram?
― Querida, já lemos um monte de coisas horríveis. O que você fez foi um pedaço do paraíso. ― ri.
― Quando ele me disse que tinha mostrado pra vocês, pensei que talvez interpretassem como se eu estivesse falando mal dele. ― franzi o cenho de leve.
― Ah, não, não, não. Acho que você conseguiu captar perfeitamente a personalidade dele. ― conferi o rosto do meu, agora, namorado, vendo-o dar um sorrisinho.
é uma mulher genial. ― soltou, fazendo-me sorrir.
― Você é jornalista há muito tempo?
― Na verdade, há menos de um ano.
― Se continuar assim, vai ter uma carreira prestigiada. ― Tim se manifestou pouco antes de beber um gole de chá.
― É o que eu espero. ― ri um pouco nervosa.
― Você sempre quis ser jornalista?
― Nossa, não. Quando eu era adolescente, tentei aprender a tocar guitarra, o que não deu muito certo, mas sempre amei música, então, precisei procurar por algo que me fizesse estar envolvida nesse meio, mas que eu não precisasse tocar ou cantar. ― rimos. ― Foi quando comecei a acompanhar algumas revistas mais focadas em música, críticos musicais e coisas do tipo. Senti que um mundo de possibilidades se abriu e talvez essa fosse minha ossada.
― E você gosta do que faz? ― Denise bebeu seu chá sem tirar os olhos de mim.
― Não existe nada no mundo que eu gostaria mais de fazer. Eu conheço pessoas. Pessoas, inclusive, que eu admiro. Elas, por conta própria, dividem suas histórias comigo e o mínimo que posso fazer é contar essas história de um jeito sincero e cuidadoso. Não é raro que pessoas como Matty, como Joe ou, até mesmo, a Ashley escolham dividir feridas muito profundas. Logo, não é justo que eu não as trate com o devido respeito. ― pondo a mão sobre minha perna, Matthew pressionou-a de um jeito carinhoso, demonstrando seu apoio com um sorriso afável nos lábios.
― Quem dera que todos os repórteres fossem como você, . ― Tim respondeu com um sorriso amigável.
Mais tarde, deitados na cama antes de dormir, como quase sempre, ficamos nos encarando, sorrindo e acariciando o rosto um do outro.
― Você tá quieta.
― Eu sou quieta. ― brinquei.
― Não é, não. ― riu. ― O que tá passando nessa cabecinha? ― bateu de leve em minha testa com as juntas dos dedos, como se batesse em uma porta.
― Fiquei com muito medo que seus pais me odiassem.
, eu sou uma pessoa horrível e eles me amam. E você é uma pessoa formidável. Achou mesmo que iria existir a possibilidade de eles te odiarem? ― dei de ombros.
― Sei lá, eles poderiam achar que estou me aproveitando de você ou algo assim.
― Como eu já disse, realmente não me importo se você quiser se aproveitar de mim. Na realidade, eu amo quando você se aproveita de mim. ― debochou e eu dei um tapa em seu peito, rindo.
― Para. ― começou a fazer cócegas na minha barriga e tive que me segurar para não gargalhar alto.
Rindo junto comigo, Healy parou alguns segundos depois, abraçando-me bem próxima de seu corpo.
― Você está feliz? ― perguntou dando um beijo no alto da minha cabeça.
― Como nunca estive antes. E você?
― Eu também. Obrigado por isso. ― aconcheguei-me em seu peito e, após alguns minutos, peguei no sono.

- x x x -


Uma das coisas que jornalistas aprendem desde a faculdade é que você não deixa de ser jornalista aos fins de semana ou feriados. Você o é 24 horas por dia, sete dias por semana. Por isso, na véspera de ano novo, lá fui eu bater meu ponto e trabalhar até às 20h da noite, como a boa proletária que era.
Mesmo depois de muita insistência de Matthew para ir me buscar, consegui convencê-lo a me deixar voltar para casa sozinha. A casa de seu pai não era distante do meu trabalho e não deveríamos nos dar ao luxo de vivermos como se não houvessem paparazzis prontos para confirmarem que havia algo a mais entre nós.
Ao chegar em casa, cumprimentei a todos, que me comunicaram sobre os preparativos para o jantar. Respondi que iria me trocar e, em breve, estaria de volta.
Subi para o quarto, encontrando Healy com uma camisa azul clara e um suéter vermelho em mãos.
― Que bom que chegou. Preciso de ajuda. Essa ― pôs a camisa em frente ao corpo. ― ou essa? ― pôs o suéter.
― Você fica lindo com as duas. Qual é a calça?
― Aquela. ― apontou para uma calça de alfaiataria preta sobre a cama.
― O suéter.
― Tem certeza?
― 100%.
― Obrigado. ― guardou a camisa de volta no closet. ― Se importa se eu tomar banho primeiro?
― Nem um pouco. Ao que estou vendo, meus pais me mandaram uma chuva de mensagens. Logo, eles chamam a polícia se eu não responder. ― riu.
― Ok. ― beijou meu rosto e encaminhou-se para o banheiro.
Lendo todas as mensagens enviadas pela minha mãe, respondi que estava bem, não havia conseguido responder antes, pois tinha recém saído do trabalho e estava a caminho de casa. Questionando-me se podia ligar em 10 minutos, confirmei.
Mexendo nas roupas que tinha trazido, escolhi um vestido bordô de mangas compridas, meia-calça e coturnos. Não era porque estávamos no ano novo que eu me vestiria com uma cor que nem existia em meu armário. Só esperava que a família de Matty não fosse supersticiosa em relação às cores, afinal, isso poderia significar a minha expulsão.
Pontualmente 10 minutos depois da última mensagem, meu celular vibrou, mostrando na tela o nome de minha mãe.
― Oi. ― coloquei-a no alto-falante para conseguir dobrar as roupas que tinha tirado da mala enquanto conversávamos.
― Oi, filha, como você está?
― Bem. E vocês?
― Estamos bem. Resolvemos vir para a casa de Meredith. ― a vizinha solitária que cozinhava muito bem.
― Ah, que bom. Ela está bem?
― Sim. Inclusive, fez uma torta de maçã divina. ― cochichou e eu ri. ― Você está com a ?
― Não. Ela foi para Wembley passar com os pais e, como tive que trabalhar, acabei recusando seu convite. Vou passar com uns amigos.
― Amigos?
― É, mãe, amigos. Aquelas pessoas que a gente sai junto, conversa, se diverte… ― ironizei.
― Ok. ― quase conseguia visualizá-la erguendo as mãos em sinal de rendição. ― Só fiquei preocupada que…
― Não precisa, ok? Eu estou bem.
― Tá bom. ― Healy estava parado à porta do banheiro com uma toalha enrolada no quadril.
― Mãe, preciso desligar. Tá na hora de me arrumar.
― Tudo bem. Feliz ano novo, querida. Nos mande notícias, sim?
― Tá. ― revirei os olhos. ― Feliz ano novo. Te amo.
― Também amo você. ― e desliguei.
Peguei minha toalha e rumei para o banheiro, dando um beijo no rosto do meu namorado antes de adentrar no outro cômodo.
Alguns minutos depois, banhada e devidamente vestida, saí do banheiro, dando de cara com Matthew sentado na cama, com um olhar perdido.
― Amigos, ? ― franzi as sobrancelhas.
― O que aconteceu?
― Eu é quem pergunto. De onde saiu essa merda? ― encarou-me com uma feição austera.
― Matty, eu estava falando com a minha mãe. ― tentei explicar.
― Ok, mas amigos? Seus pais não sabem? ― arqueou as sobrancelhas com aquele ar de quem exige uma boa explicação.
― É complicado.
― O que é complicado? ― levantou-se.
Suspirei.
, eu não sou seu amigo. Sou seu namorado.
― É, há 4 dias. ― me exaltei.
― E qual o problema? Eu entendo que não quisesse falar pra eles enquanto não tínhamos nada, mas agora… ― seu tom enrijecia a cada palavra.
― Matthew, meus pais não entenderiam.
― O que eles não entenderiam? ― me segurou pelos ombros.
― Eles não te veem da forma que eu vejo! ― falei mais alto, fazendo-o me soltar.
Meu rosto queimava. Não saberia dizer se o que sentia era raiva, nervosismo ou o mais puro e intenso pânico.
― Você não contou a eles porque… tem vergonha… de mim. ― afirmou hesitante.
― Quê? Não! ― franzi o cenho. ― Você entendeu tudo errado.
― Não. Tenho certeza de que entendi tudo certo.
― Matty, você não entende. Eu fui embora da casa deles mais cedo porque eu não… ― tentei segurá-lo pelos ombros.
― Para, ! Chega! Eu não quero ouvir as merdas que você vai inventar! ― gritou, tirando minhas mãos de si bruscamente. ― Por que você aceitou namorar comigo se não tem nenhuma intenção de me assumir? Você tem medo do que as pessoas vão pensar da pobre e inocente que namora um drogado filho da puta? ― gritava apontando o indicador de maneira agressiva pra mim.
― Para, Matthew! ― gritei de volta.
― Você só quer que eu pare porque sabe que é verdade!
― Não é verdade. ― meus olhos ardiam e, aos poucos, sua voz começava a soar distante de mim, como se não estivéssemos de frente um para o outro, no mesmo cômodo.
― Eu sabia. Eu sabia, porra. ― começou a rir com as mãos no quadril. Algo em suas expressões faciais me dizia que aquela era uma discussão perdida e que não conseguiríamos chegar a lugar algum.
Alguns segundos depois, saiu do quarto, batendo a porta e eu nem mesmo consegui me mexer.
Com toda a gritaria, não demorou para que alguém batesse à porta do quarto. Pedi que entrasse.
― Está tudo bem por aqui? ― Denise colocou a cabeça em uma fresta na porta.
― Vocês ouviram? ― não conseguia olhá-la nos olhos.
― A voz do meu filho gritando é inconfundível. ― deu um sorrisinho amarelo, adentrando no cômodo e fechando a porta atrás de si.
Sentou-se na cama, dando tapinhas ao seu lado para que me juntasse a ela.
― Quer conversar sobre isso? ― não sabia se deveria falar sobre tal assunto justo com a minha sogra, no entanto, não havia mais ninguém ali com quem pudesse desabafar e, pelo que conhecia de Healy, não daria as caras tão cedo.
― Matty acha que tenho vergonha dele por ainda não ter contado aos meus pais sobre nós.
― E você tem?
― Não. Às vezes, ainda me pergunto o que foi que ele viu em mim. ― trocamos um meio sorriso tímido. ― Eu só… ― suspirei. ― Fui passar o Natal com meus pais e eles me questionaram se era verdade que estávamos juntos porque acham que não deveria me envolver com alguém como ele. Mas eles não compreendem. Assim como eles nunca conseguiram compreender como posso ter tido tudo, ser uma pessoa supostamente realizada e, ainda assim, ter ansiedade. Enfim, só não queria ter que expô-lo a isso tão cedo. ― passei as mãos pelo rosto.
Depositou a mão sobre meu joelho.
― Acho que eu estraguei tudo, né?
― Não, querida. Uma das coisas que posso afirmar com certeza é que os homens dessa família são extremamente temperamentais e, às vezes, nem eu sei o que os afeta ou não. ― riu baixinho. ― O que quero dizer é que você não precisa se preocupar. Nem sempre o que nos parece correto é o que parece correto para o outro e está tudo bem. Quando você menos esperar, tudo vai se resolver. ― deu dois tapinhas sobre meu joelho. ― Sei que meu filho é uma pessoa muito difícil, mas ele tem um coração e tenho certeza de que você tem um espaço nele.
― E se ele não me quiser mais no coração dele por realmente achar que tenho vergonha?
― Ah, querida, não seja boba. Aquele homem é teimoso demais para desistir na primeira vez que um problema aparecer. ― riu. ― Dê tempo ao tempo e tudo vai voltar ao seu devido lugar. O que acha de uma taça de champanhe? ― sorriu.
Assenti, sorrindo também, deixando que me pegasse pela mão e guiasse escadas abaixo.
Continuamos conversando sobre vários assuntos. Denise me contou algumas coisas sobre a família, sobre amigos, sobre as novelas que fez. Era muito amável de sua parte tentar melhorar minha noite, por mais que não fosse uma tarefa tão possível.
Meu ainda namorado resolveu aparecer poucos minutos antes do jantar. Seus olhos estavam baixos, como se estivesse muito sonolento e se movimentava de um jeito que fazia parecer que seu corpo estava mole, fora de controle. Quando alguém lhe dirigia a palavra, demorava alguns segundos a responder, como se seu cérebro estivesse com algum tipo de delay.
Ao sentarmos para jantar, Tim falava sobre seus planos para ano que se iniciava com pequenas intervenções de Louis, seu filho mais novo, que fazia algumas piadas a respeito do que o pai dizia.
De repente, ao meu lado, ouvi um barulho muito alto e algo respingar em meu braço. Conferindo o que quer que tivesse acontecido, presenciei o que achei que não era provável: Matthew com a cabeça caída dentro do prato de comida.
Com o coração acelerando e as mãos suando, tentei lhe chacoalhar de leve pelo ombro, chamando seu nome.
Minha cabeça estava em plena confusão. Várias vozes gritavam ao mesmo tempo e, tal qual as feições dos outros presentes, tinha certeza que meu rosto era uma máscara de puro pavor. Meu corpo passou a se mover automaticamente conforme os pedidos de licença de Tim e de Lincoln, o marido de Denise, para conseguir chegar até o corpo inconsciente de Matty. Não ouvia a voz de ninguém ao meu redor, apenas um zunido muito alto, além de ter a sensação de assistir toda aquela cena de fora do meu corpo.
Não sentia meus braços e pernas. Meu cérebro formigava e um nó em minha garganta impedia até mesmo minha saliva de ser engolida.
Subi as escadas rumo ao quarto, seguindo os dois homens que carregavam Matthew. Meus olhos queimavam assistindo-os o colocarem sobre a cama.
Depois de alguns segundos em transe, senti a mão de Denise chacoalhando-me pelo ombro e chamando meu nome insistentemente.
― Você está bem? ― seus olhos estavam vermelhos, aparentemente, de tanto segurar o choro.
― Alguém precisa ficar de olho nele enquanto chamamos o socorro. ― Lincoln se manifestou, olhando a todos.
― Não precisa chamar o socorro. ― me aproximei, coçando os olhos para espantar a vontade de chorar que estava sentindo.
Checando sua pulsação, que estava baixa e mais lenta, abri uma de suas pálpebras para verificar como estava sua pupila. Tão contraída quanto o normal, sabia o que aquilo significava.
― Ele vai ficar bem. Só está… dormindo. ― conclui, olhando-os e secando o suor de minhas mãos em meu vestido. ― Eu posso ficar com ele. Podem voltar a jantar.
― Querida… ― Denise começou.
― Não se preocupem. Tá tudo bem. Mesmo. ― a interrompi. ― Se precisar de algo, chamo vocês. Se vocês puderem nos deixar a sós… ― deixei a frase morrer.
― Claro. Vamos. ― Tim guiou os outros dois para fora do quarto algum tempo depois.
Foi quando me permiti desabar.
Toda a angústia que estava sentindo se transformou em grossas lágrimas salgadas que escorriam pelo meu rosto enquanto eu ia até o banheiro, molhava uma toalha de rosto e limpava os resquícios de comida de suas faces, pescoço e cabelos.
Algumas gotas quentes pingavam em seu corpo inerte e ele nem ao menos se mexia.
Secando as lágrimas e fungando baixo, comecei a despi-lo, deixando-o somente de cueca. Virei-o de lado para evitar engasgos em caso de vômito e o cobri com um cobertor até o pescoço. Sentei-me ao seu lado na cama, acariciando seus cabelos, me perguntando como ele era capaz de fazer aquilo consigo próprio.
Todavia, no fundo da minha cabeça, uma vozinha me dizia que eu tinha parte da culpa no que havia acontecido. Se tivesse dito à minha mãe a verdade ou se apenas não tivesse atendido aquela ligação naquele momento, quem sabe a noite tivesse um desfecho bem diferente.
Quando acordou no dia seguinte, levantou-se da cama, sem me olhar, indo para o banheiro e fechando a porta. Após alguns minutos, saiu de lá, coçando os olhos.
― Você tá bem? ― questionei.
Apenas o silêncio reinou por alguns poucos minutos entre nós. Nem mesmo seus olhos se comunicavam comigo, uma vez que não havia lançado um olhar sequer em minha direção.
Não havendo resposta, levantei-me da cama, fechei a mala, cuja as roupas havia organizado dentro enquanto falava com minha mãe na noite passada, calcei os sapatos outra vez e peguei minha bolsa.
― Quando quiser ter essa conversa, sabe onde me encontrar. ― saí sem olhar para trás.
Desci as escadas, atravessei a sala e, pronta para ir embora, encontrei todos no jardim, tomando café.
― Bom dia, . Matty não vai se juntar à nós para o café? ― como eles conseguem fingir que tá tudo bem?
― Não sei. Talvez daqui a pouco. Ele já está acordado.
― E você? Onde vai? ― de repente, a simpatia de Denise estava me deixando profundamente irritada.
― Embora. Acho que a minha presença já causou transtornos demais. ― ironizei.
― Você sabe que não é verdade. ― franziu o rosto, deixando transparecer levemente sua preocupação.
― Talvez. Mas não acho que consigo continuar na companhia de alguém que não quer falar comigo, como se a culpa fosse minha. Enfim… obrigada pela estadia e nos vemos qualquer dia desses. ― acenei para todos com um sorriso sem graça. ― Feliz ano novo. ― com a mala sobre um dos ombros, atravessei o jardim e saí da casa, rumo à estação de trem.


#26

Eu tentei me livrar de você, mas você não vai embora
(Haunting - Halsey)


Fazia quase uma semana que Matthew e eu não trocávamos uma única palavra nem por ligação, nem por mensagem, quem dirá pessoalmente. Apesar da vontade constante de entrar em contato e tentar resolver a situação, prometi a mim mesma que não seria a primeira a ceder, não desta vez. E estava conseguindo permanecer firme em meu propósito mesmo depois de cinco dias.
Como dissera a ele na outra vez em que nos desentendemos, ainda existia vida sem Matthew Healy. Eu continuava levantando todos os dias às 6h, me vestindo e saindo para correr; continuava indo trabalhar das 14h às 20h, de segunda a sábado, sendo plantonista de domingo uma vez por mês; continuava assistindo minhas comédias românticas e bebendo minhas cervejas na hora do jantar.
Na verdade, a vida sem ele poderia até ser meio tediosa, porém era mais tranquila. Não precisa me preocupar com qual seria seu próximo ato autodestrutivo ou no que ele poderia estar me escondendo.
Como rotineiro, naquela manhã extremamente fria, me levantei da cama, troquei de roupa e saí para correr ao som de Parking Lot, do Mineral. Deus, como eu amo essa música. Algumas quadras distante de casa, tive a impressão de ouvir meu nome. Tirei um dos lados do fone, mas não ouvi nada. Pondo-o de volta, tive a mesma sensação, tirando-o uma segunda vez. Quando se repetiu pela terceira vez, resolvi ignorar porque tinha absoluta certeza que era apenas meu cérebro me pregando peças.
Dois quarteirões à frente, me senti perseguida. Com medo de olhar para trás, segui correndo. Ao criar coragem, parei abruptamente fazendo alguém se chocar contra minhas costas.
― Puta que pariu. ― ouvi assim que tirei um dos lados do fone do ouvido a já tão conhecida voz dizer.
Inclinado para frente, com as mãos no joelho, Healy ofegava.
― Você corre muito rápido. ― falou com a voz entrecortada. Seu rosto se contorcia de cansaço. ― Preciso falar com você.
― Só se conseguir me acompanhar, pois estou no meio da minha corrida.
― Pelo amor de Deus, , eu sou fumante, porra.
― Foda-se. ― dei de ombros, colocando o fone de volta e voltando a correr.
A sensação de perseguição continuou durante mais alguns metros, quando decidi tirar de vez os fones.
― Se quer me dizer algo, essa é a oportunidade. ― falei, passando a correr de costas.
Parando de correr, o homem parecia tentar normalizar a própria respiração antes de conseguir pronunciar o que quer que tinha a me dizer.
Divertindo-me às custas de seu sofrimento, reprimi uma risada e parei de correr.
― Anda. Vamos pra minha casa. ― gesticulei para que me acompanhasse no caminho de volta.
Andando devagar e em silêncio, a respiração de Matthew era sonora, entretanto, isso não o impediu de acender um cigarro na primeira oportunidade que teve, apagando-o assim que chegamos ao meu prédio.
Em casa, bebi quase uma garrafa inteira de água enquanto punha café na cafeteira.
Rumo a lavanderia, tirei meu casaco e minha blusa, permanecendo somente de top e calça.
― O que você queria me dizer? ― encostei na bancada da pia. ― Deve ser importante pra ter aparecido aqui tão cedo.
― Não sei. ― seus olhos percorreram meu corpo, estacionando por longos segundos nos meus seios e direcionando-se ao meu rosto em seguida. ― Eu esqueci. ― deu um sorriso nervoso e eu revirei os olhos.
― Por favor, Healy. Sem brincadeirinhas que hoje eu não tô com a menor paciência. ― peguei as xícaras no armário, sabendo que o homem não iria embora sem tomar pelo menos um gole de café.
― Escuta, eu sinto muito pelo que aconteceu no ano novo. Depois, discutindo o assunto com a minha mãe, percebi o quão imbecil da minha parte foi aquela discussão e mais ainda o que fiz no fim da noite. ― coçou a parte traseira da orelha. Servi café em ambas xícaras. ― Enfim, você cuidou de mim e eu te tratei mal, ou seja, de novo, fiz tudo errado. Mas juro que quero me consertar com você. ― ouvindo seus passos, não demorou até que sentisse seu corpo tocando as minhas costas. ― Eu quero compensar você.
Lambendo o lóbulo da minha orelha, uma de suas mãos deslizou até alcançar um dos meus seios e a outra, com um pouco de dificuldade, deslizou para dentro da minha calça, passando a massagear meu clitóris.
― Às vezes, eu tenho a sensação de que você faz de propósito… só pra dar essa desculpinha. ― sussurrei, apoiando minhas mãos sobre a bancada com a respiração começando a pesar à medida que a velocidade de seus dedos aumentava.
Querendo evoluir sua oferta para “pacote completo”, rocei a bunda em seu pau sobre a calça algumas vezes. Sentindo que Matthew ainda não estava duro, segurei seu quadril com as duas mãos, continuando a me esfregar nele enquanto seus dedos ainda deslizavam em meu clitóris.
Ao sentir sua ereção, retirei sua mão de dentro da minha roupa. Virando para ele, fitando-o nos olhos e segurando seu pulso entre as minhas, chupei seus dedos molhados, colocando-os quase por inteiro na boca, deslizando-os para fora vagarosamente. Seu olhar não se desviou de mim nem por um segundo. Suas pálpebras não foram capazes nem de piscar. Sorri satisfeita, pois, mais um vez, havia o deixado desconcertado.
Puxando-o pelo antebraço para o quarto, empurrei-o um pouco agressivamente sobre a cama, arranquei minhas calças e calcinha juntas. Pegando um pacote de camisinha dentro da mesa de cabeceira, abaixei suas calças e cueca até os joelhos, pondo o preservativo em seu membro.
Com uma perna de cada lado de seu corpo e segurando seu pau em uma das mãos, sentei sobre ele de uma vez só, fazendo um gemido mudo sair por entre seus lábios. Subi e desci vigorosamente uma, duas, três vezes… sendo que nesta última, Healy tremeu um pouco e revirou os olhos. Você tá de brincadeira comigo?
― Tá tudo bem? ― perguntei, saindo de cima dele, já sabendo a resposta.
― A gente pode esperar uns minutos? ― pressionou as pálpebras com força. Em seguida, tirou a camisinha do pênis, amarrando a ponta e jogando-a no lixeiro próximo à minha escrivaninha.
― Sem problemas. ― deitei-me ao seu lado.
Com uma definição de “esperar” totalmente diferente da minha, Matthew tirou as próprias roupas e começou a me beijar, encaminhando a mão para minha vagina, que aguardava ansiosa por um agrado. Introduzindo um dedo, deslizou-o para dentro e para fora de mim algumas vezes antes de pôr o segundo e aumentar a velocidade tortuosamente devagar.
Tentando fazê-lo ficar duro de novo, acariciei seu pau em vários pontos diferentes durante um certo tempo. Notando que não parecia surtir efeito, Matty gentilmente removeu minha mão de lá, ainda mantendo uma velocidade constante nos dedos que entravam e saíam de mim. Adicionei meus dedos ao meu clitóris, massageando-o mais ou menos na mesma velocidade de Healy.
Meus músculos estavam totalmente enrijecidos, meus mamilos sobressaltados e meus olhos grudados nos dele. Eu gemia tão alto que nem mesmo seus beijos em minha boca eram capazes de abafar os quase gritos que eu, vez em quando, soltava.
Arqueando as costas, fui atingida por um orgasmo intenso como quem é atropelado por um ônibus. Meu braço se amoleceu e não consegui prosseguir massageando meu ponto mais sensível, o que não impediu meu namorado de fazê-lo com sua mão livre.
Tendo encontrado meu ponto G, passou a estimulá-lo junto com o clitóris. Era uma sensação de prazer agonizante, pois meu corpo ainda não tinha relaxado após o primeiro orgasmo e estava sendo estimulado a produzir um segundo. Eu tremia e mal conseguia respirar, o que era delicioso e assustador ao mesmo tempo.
Sentindo como se minha bexiga estivesse cheia, involuntariamente, minha pélvis fez força para esvaziá-la, molhando minha virilha, coxas e uma parte da minha roupa de cama.
Por mais que estivesse preocupada por, aparentemente, ter mijado na cama, tive uma crise de riso que eu nem mesmo sabia de onde vinha.
Matthew tirou os dedos de mim, selando nossos lábios e deitando-se ao meu lado.
― Meu Deus, que vergonha. ― cobri o rosto com as mãos, tentando parar de rir e recuperar o fôlego.
Minha barriga e pernas estavam doloridos. Talvez eu realmente tivesse sido atropelada por um ônibus.
― Eu falei que ia te compensar. ― sorriu.
― Mas o que foi isso?
― Ao que parece, você teve um squirt seguido de uma crise de riso. ― riu.
― A parte do squirt eu entendi, mas... por que eu ri? Não teve graça nenhuma. ― ri de nervoso.
― Você sabe que é normal às vezes chorar ou rir quando se tem orgasmos intensos, né? ― deitou de lado para me olhar. ― Como é a sensação?
― Não se parece com nada que eu senti durante toda a minha vida. Ao mesmo tempo que é muito bom e você não tem vontade de parar, é a mesma sensação de quando eu tô muito apertada pra fazer xixi. Porra, que coisa estranha!
― Tente ser mais explícita. Bom como?
― Eu não sei. Parece que eu tava muito cheia de algo e precisava soltar, sabe? Não foi como um orgasmo comum.
― Como você se sente em um orgasmo comum? ― apoiando o cotovelo na cama, depositou a cabeça na mão para me olhar de cima.
― Por que a gente tá falando disso?
― Porque agora eu fiquei curioso. ― revirei os olhos.
― Eu começo sentir lá embaixo, como se estivesse pegando fogo. Aí tem um formigamento aqui ― passei a mão pelo meu ventre. ― que vai crescendo, crescendo e se espalhando pelo resto do corpo. Antes dos espasmos, sinto uns tremores internos, como se meus órgãos estivessem com espasmos. Quando chego a gozar, é algo que acontece no meu corpo inteiro, sabe? Não consigo pensar, não consigo fazer movimentos comandados pelo meu cérebro, muito menos falar.
― Você descrevendo me fez pensar naquelas orquestras que começam com um violino solo e aí os outros instrumentos vão se acrescendo aos poucos.
― É exatamente isso! ― ficamos alguns segundos em silêncio até eu retomar. ― Por que você quis falar sobre isso justamente agora? ― deu de ombros. ― Tem alguma coisa a ver com o fato de você ter gozado rápido ou não ter conseguido de novo depois?
― Você sabe que, nas minhas atuais condições, isso é algo comum, né? Digo, ter disfunções.
― Ficar chapado é melhor do que sexo? ― questionei após alguns segundos em silêncio.
― Não é que seja melhor. Na realidade, os dois se parecem muito. ― deitou-se, olhando para o teto. ― Sinto como se estivesse pisando em nuvens. Ouço tudo muito longe e sinto todo o sono que eu não tenho ao longo de uma semana inteira de uma vez só. É como se eu não tivesse nenhuma preocupação na vida. Ou não precisasse tê-las.
Observando a forma descontraída com que relatava suas experiências, sentia-o tão distante de mim, mesmo que estivesse ali ao meu lado, me transmitindo calor. Suas feições estavam vazias de qualquer tipo de emoção. Não havia o mínimo sinal de arrependimento, dor ou de dissabor. Somente o completo nada.
? ― virou-se para mim. ― Se a gente não conseguisse mais transar, você ainda iria me querer?
― Você sabe que a gente não precisa do seu amiguinho pra transar, né? Não quando a gente tem essas mãos e essa boca. ― selei nossos lábios, fazendo-o dar uma risadinha baixa. ― Sem contar que um relacionamento vai bem além do sexo. Mesmo que às vezes pareça que é só isso que a gente faz. Aliás, você acha que tem algo de errado em obrigatoriamente transarmos quase todos os dias que nos vemos? ― franzi as sobrancelhas.
― Pra mim, não é nenhum problema. ― sorriu e eu empurrei seu ombro de leve. ― Se a gente considerar que passamos meses sem nos encontrarmos pessoalmente, acho que é até pouco. ― puxou-me pela cintura para mais perto.
― Mas você sabe que não podemos e não devemos resolver tudo com sexo, né? ― encarei-o, séria.
― Já falei pra você. Nós não resolvemos nada com sexo. Apenas comemoramos a resolução dos problemas e já aproveitamos pra termos bons momentos através dele. ― revirei os olhos.
Fitando-o em silêncio, afastei uma mecha de cabelo de perto de seus olhos, depositando a mão sobre seu maxilar e acariciando o lóbulo de sua orelha.
― Você sabe que pode conversar comigo sobre qualquer coisa, né? ― falei baixinho, quase em um sussurro. ― A qualquer hora.
― Eu sei. ― deu um meio sorriso.
― Sabe mesmo? ― a verdade é que eu estava muito preocupada com ele desde o meu aniversário.
Normalmente, Healy não deixava transparecer coisas relacionadas aos seus vícios. Não fossem os sinais físicos, que eu estava aprendendo a identificar, talvez ele nunca teria entrado no assunto comigo.
Queria que ele se sentisse seguro e que confiasse em mim, todavia, quando esse era o tema, parecia haver um abismo muito grande entre nós, como um muro que cerca uma fronteira e impede que viajantes se aproximem. Entretanto, atravessá-la não seria nada fácil se ele não me deixasse fazê-lo.
― Você não tem que se preocupar com isso. ― depositou uma mão em meu ombro, olhando-me nos olhos. ― Não quero te sobrecarregar com esse assunto.
― Você não tem que mentir ou esconder nada de mim, ok? Estamos nessa juntos. ― aconcheguei-me em seu peito, passando os braços ao redor de sua cintura. ― Eu estou aqui e vou permanecer enquanto você quiser.
Calado, Matthew me abraçou pelos ombros, dando um beijo em minha têmpora.
Não sei quanto tempo permanecemos desse jeito, porém foi o suficiente para eu entender que havia muito a ser dito, ele só não sabia por onde começar.


#27

Eu acho que o fim está aqui
(I Know The End - Phoebe Bridgers)


AVISO DE GATILHO: O capítulo a seguir aborda temáticas sensíveis referente a consumo e dependência de substâncias químicas.


Matthew voltou a fazer shows dois dias depois de ter me seguido enquanto corria e o que eu achava que era uma assunto resolvido entre nós, na verdade, era uma discussão que só estava começando. Aparentemente, depois de ter lhe dito que poderia discutir comigo sobre seu vício e como se sentia, isso o tinha afastado ainda mais de mim.
Aos poucos, Healy passou a me ligar com menos frequência. Quando eu ligava, geralmente sua voz tinha aquela tonalidade grogue, as respostas sempre eram vagas e demoravam alguns segundos para serem ditas. Em dias comuns, quando era ele quem me ligava, carregava aquele tom sonolento e cansado, de quem não dormia há muitos dias. Vez ou outra, mesmo que raramente, sua voz era rouca devido ao excesso de shows. Nesses dias, nossas ligações duravam apenas alguns minutos.
Nos primeiros dois meses, por mais que as ligações estivessem diminuindo gradativamente, as mensagens seguiam frequentes. Até que isso também começou a mudar. Se antes Matthew não dormia nem acordava sem me dizer “boa noite” ou “bom dia”, aos poucos, passou a me mandar somente um dos dois. No mês seguinte, mandava dia sim, dia não. No outro mês, seus cumprimentos chegavam a cada dois ou três dias.
Em meios aos seis meses desde que partira, nos vimos duas vezes quando esteve em Londres. Em ambas, Matty visivelmente não estava bem. Em momentos aleatórios, seus olhos lacrimejavam, suas mãos estavam muito trêmulas e seu semblante aparentava mais cansado que o habitual. Além disso, em relação ao sexo, estávamos tendo que ser um pouco mais criativos, visto que, na maior parte do tempo, não conseguimos usar penetração como um artíficio.
Como se só isso já não bastasse, meu namorado resolveu passar uma semana inteira sem falar comigo. Nem “oi”, nem “e aí, safada?” Ao tentar entrar em contato com ele, as ligações caíam direto na caixa postal e as mensagens nunca eram respondidas.
Desistindo de tentar, em uma madrugada de insônia, finalmente recebi um sinal de vida seu, perguntando se poderia me ligar.
― Uau, me encaixou na sua agenda? ― ironizei.
, por favor. ― sua voz soou arrastada. ― Será que eu não posso falar com a minha namorada numa boa?
― Matthew, faz uma semana que você não me dá um sinal de vida. Entendo que você está ocupado e que tem um milhão de coisas pra fazer ao longo dos seus dias, mas não sobra dois minutos pra você só dizer que tá bem? ― suspirei. ― Eu me preocupo com você.
― Mas você não precisa.
― Preciso, sim. ― fui mais incisiva. ― Você apareceu na minha casa tal qual um zumbi e espera que eu ache isso normal, cacete?
― Só quero que você não se meta no que não é da sua conta. ― rebateu rispidamente.
― Agora essa porra não é da minha conta? ― me enfureci. ― Engraçado que não foi isso que pareceu quando você teve uma overdose ou quando eu tive que cuidar de você à noite inteira no ano novo!
― Eu não pedi por nada disso.
― Nem tinha como, já que você tava apagado. ― ironizei.
― Caralho, ! Se vai ficar jogando tudo na porra da minha cara, por que você fez? Por que cuidou de mim? Até onde eu sei, em ambas as situações, outras pessoas poderiam ter feito isso.
― Porque eu te amo, caralho! ― gritei. ― Mas você não consegue ver nem a merda de um palmo à sua frente. ― minha garganta se contorceu e algumas lágrimas se formaram nos meus olhos. ― E eu não posso ver você fazendo isso consigo próprio e não fazer nada.
Apenas silêncio do outro lado.
Não o chamei, não insisti e evitei fazer barulhos de fungadas ou o que quer que fosse. Segundos depois, a ligação caiu e ele não me retornou.
Na hora, não me dei conta, mas aquela era a primeira vez que eu dizia que o amava. E esta foi só a primeira das muitas brigas que tivemos até o mês seguinte.
Nos períodos em que ficávamos sem nos falar, comecei a perguntava a George como ele estava. De início, o amigo tentava não me preocupar, afirmando que estava tudo sob controle e que Matthew não estava fazendo nenhuma cagada que pudesse não fazê-lo acordar no dia seguinte. Contudo, eu sabia que essa não era a verdade.
Insistindo a ele, Daniel acabou me contando sobre como Healy estava se afundando cada vez mais. Por mais que não deixasse de comparecer nos compromissos e cumprir com a agenda da banda, ainda assim, havia desleixo em tudo o que fazia. Também não era para menos, uma vez que seu corpo estava se deteriorando de dentro para fora.
De volta a Londres pouco antes do início do outono, Matthew perguntou se eu poderia ir até sua casa. George e ele queriam uma segunda opinião sobre o que andavam produzindo. Ao sair do trabalho, fui direto para lá.
Ao chegar, larguei minha bolsa no quarto de Matthew e desci para o subsolo da casa, onde ficava o estúdio. Não me surpreendi nem um pouco com o que vi ao me deparar com os dois. Pelo que parecia, o clima não estava dos melhores entre Daniel e Healy. George ainda tentou ser simpático comigo, apesar de suas feições tensas denunciarem o estresse. Por sua vez, Matthew parecia esgotado e apático, tanto quanto da última vez em que nos vimos pessoalmente.
Assumindo uma cadeira em seu estúdio caseiro, ajudei-os a decidir alguns elementos sonoros a serem incluídos em duas músicas. Tudo o que os dois produziam juntos soava muito consistente e, ouvidos mais atentos, conseguiam perceber que cada uma daquelas músicas contava uma história a respeito dos anos em que ambos trabalhavam em conjunto. Musicalmente falando, George e Matthew eram almas gêmeas, e, por mais que estivessem passando por uma turbulência no paraíso, nada era capaz de abalar o que estavam construindo.
Ao finalizarem, Daniel avisou que iria dar uma saída para encontrar com uma amiga e que deveria estar de volta em duas ou três horas. Somente eu me despedi dele. Matty estava com os olhos fixos na tela do celular, onde digitava algo incessantemente.
Quando ficamos a sós, rodopiei na cadeira para olhá-lo.
― O que está fazendo?
― Nada. ― respondeu sem me olhar.
― Se não fosse nada, você teria pelo menos me olhado pra dizer isso. ― alternei o olhar entre seu celular e seu rosto.
Em resposta, murmurou um “uhum”, deixando-me mais irritada do que achei que ficaria. Assistindo-o continuar a me ignorar, rapidamente tomei o aparelho de suas mãos, cobrindo seu rosto com a palma da minha mão livre exercendo um pouco mais de força para impedi-lo de pegar o celular de volta.
No cabeçalho do chat de mensagens, o nome do contato era Kirk. Vasculhando em minha memória, lembrei-me que aquele era seu cara, a gíria que usava para se referir ao traficantes de quem ele comprava quase tudo o que usava. Kirk estava questionando se tinha algum pedido especial durante a estadia na cidade.
Ao fazer a encomenda de 100 gramas de maconha ― o que me deixou internamente boquiaberta ―, Kirk perguntou se ele queria aquilo também e Matty respondeu que só quando estivesse mais próximo de viajar, pois ainda tinha em casa. Se isso já não fosse o suficiente, abaixo, meu namorado ainda completou que tinha sido revistado no aeroporto e, por sorte, não encontraram nada com ele, pois já tinha usado todo o seu estoque.
Empurrando seu rosto para trás e jogando o celular em seu colo, levantei-me da cadeira, saindo do estúdio quase marchando, escadas acima, rumo ao seu quarto.
― Onde você vai? ?! ?! ― ouvia-o gritar atrás de mim, mas isso não me impediu, muito menos me parou.
Em seu quarto, comecei a vasculhar tudo, suas malas, suas gavetas, os bolsos de seus casacos, a bolsa que carregava para todos os lugares. Dentro de diversos compartimentos separados, achei um saco de cocaína, quatro doses de heroína e um cheio de comprimidos, além do estojo onde carregava sua seringa e afins.
Encaminhando-me para o banheiro com tudo que encontrei, abri os sacos e despejei um a um na privada.
― O que você tá fazendo?! ― gritou quando dei descarga no conteúdo do último pacote.
― Eu não vou mais assistir isso sem fazer nada. ― rebati firmemente. ― Se você quiser mais, pode comprar, mas não me chame mais para vir aqui se você tiver isso em casa.
Saindo correndo para o quarto, o vi pegar algo dentro da minha bolsa e correr para outro cômodo. Indo atrás dele, ouvi o que parecia o barulho do triturador de comida sendo ligado na cozinha. Cheguei a tempo de assisti-lo jogar todos os meus remédios pelo ralo. Literalmente.
― Você fala de mim como se você não se drogasse todos os dias também. ― ironizou.
― Você é inacreditável.
― O que aconteceu com ‘estamos juntos nessa’ e ‘você pode me contar qualquer coisa’? ― imitou meu tom de voz.
― Essas coisas foram ditas pra um homem que ouve o que eu digo, que me leva a sério. Não pra um homem com síndrome de Peter Pan, que faz uma imitação merda da minha voz. Além do mais, você nunca teve o menor interesse de dividir nada comigo. Tudo que você fez depois do que eu disse foi só me ignorar, me fazer de trouxa e me tratar mal. Você acha isso justo? ― minha garganta estava começando a se fechar. ― Sabe, Matthew, às vezes eu me sinto completamente imbecil de ter me permitido me envolver com você. ― vi sua glote subir e descer.
Com o semblante descaído, os olhos que antes carregavam um brilho duro, agora, tinham um lampejo entristecido e até levemente intimidado. Era como encarar uma criança insegura.
...
― Era pra ser só uma foda. Por que eu tinha que me apaixonar? Por que eu achei que com você seria diferente?
Por dentro, aquilo estava doendo tanto que sentia que poderia desmoronar a qualquer instante.
, eu… ― iniciou baixinho.
― Não. Eu ainda não terminei. Você sabe tudo o que eu passei por você? Briguei com a minha melhor amiga mais de uma vez, quase perdi meu emprego, vi um monte de gente estranha falando mal de mim na internet e nem mesmo podia me defender… briguei com meus pais por sua causa e você ainda achou que eu estivesse com vergonha de você! ― estava tentando controlar a minha voz para que não tremesse ou falhasse, pois tudo que mais queria era me encolher e chorar.
Minhas retinas estavam pegando fogo e não sabia por quanto tempo mais conseguiria conter o choro.
― O problema nunca foi você ser viciado ou o que quer que seja porque você sabe o quanto eu te amei apesar disso. ― minha visão estava embaçando aos poucos pelas lágrimas. ― O problema é que você tá se destruindo e não está nem se importando com o fato de você tá afundando todos ao seu redor junto com você. Sua família, no ano novo, agiu naturalmente quando tudo aquilo aconteceu e achei que fosse porque eles não se importam, mas, agora, eu entendo que é porque eles estão cansados de lutar por algo que você não faz a menor questão. ― ao mesmo tempo que as primeiras lágrimas escorreram dos meus olhos, seu rosto começou a se avermelhar devido às que se formavam naquelas suas belas orbes esverdeadas e opacas.
Segurei seu rosto entre minhas mãos, fitando seus olhos cheios d’água.
― Eu amo você, mas eu me amo mais e não quero que você me destrua. ― aquilo pareceu afetá-lo de um jeito que não achei que seria possível.
Lágrimas grossas escorriam pelas suas bochechas.
De olhos fechados, Matty encostou a testa na minha. Permanecemos assim por longos segundos.
― Eu sei o que tudo isso significa, mas eu quero ouvir você dizer. ― falou baixinho, voltando a me olhar nos olhos.
― Eu amo você, mas eu não posso mais fazer isso. Nós nunca vamos dar certo. Não assim. ― abraçou-me, escondendo o rosto na curva do meu pescoço.
― O que você quer que eu faça pra você ficar? Eu faço. ― disse em meio a soluços.
Segurando-o pelos ombros para afastá-lo de mim, outra vez, pus as mãos em seu rosto para fazê-lo me olhar.
― Matty, olhe pra mim. ― pedi e o mesmo cumpriu. ― Eu quero que você fique saudável e seja feliz. E eu te prometo que vou fazer o mesmo. ― minha voz era somente um fio sonoro que facilmente poderia se romper.
Depositei um beijo em sua testa e olhei uma última vez em seus olhos, secando suas lágrimas.
Fui até seu quarto buscar minha bolsa e saí, dando de cara com George na porta.
― Onde você vai? ― lágrimas começaram a escorrer pelos meus olhos de novo, fazendo o mais alto pôr as mãos em meus ombros, inclinando-se levemente para me olhar nos olhos. ― O que aconteceu? Você tá bem?
― Eu só… preciso ir embora. ― sequei meu rosto com as mãos.
― Quer uma carona?
― Não… preciso… ficar sozinha. ― funguei e dei um sorriso amarelo para Daniel.
― Tem certeza? ― assenti. ― Se precisar de algo…
― Tudo bem. Obrigada. ― desviei dele e fui embora o mais rápido que consegui.


#28

Eu sei que você tem mais coisas com as quais está lidando; eu sou só um fardo, eu sei disso
(Ornament - nothing,nowhere.)


Não ser mais a namorada de Matthew não me fez ficar menos preocupada com seu estado mental e físico. Na verdade, o medo de que o homem continuasse a ter as mesmas atitudes só me fez começar a mandar mensagens diárias a George ou ― em algumas ocasiões, para ambos ― em busca de notícias de como ele estava.
Todos, mesmo que à sua própria maneira, estavam apreensivos, isso incluía Jamie, afinal, havia uma agenda de compromissos e um álbum a ser concluído, porém eles só conseguiriam se o frontman da banda soubesse o que estava fazendo.
Por mais que tentasse não me afligir com informações sobre meu ex, a meu pedido, George me contava como ele estava e, pelo que fiquei sabendo, muito pior do que antes. Bebendo e se drogando em uma frequência muito maior, os desentendimentos de Healy com a banda estavam se tornando constantes, além de que havia começado a se isolar dos outros. Não eram raras as ocasiões que os amigos passavam o dia inteiro sem vê-lo, encontrando-o apenas minutos antes de subirem ao palco.
Em compensação, eu também não estava cumprindo com a minha parte da promessa. Sentia como se todo e qualquer progresso que havia feito em minha saúde mental ao longo do ano anterior tivesse sido triturado e virado pó. Maureen me encaminhou para a avaliação mensal com o psiquiatra e ainda não poderia reduzir tampouco sair da medicação.
O fato de não estar psicologicamente bem automaticamente fazia com que meu corpo estivesse um caco. Estava tão acabada que precisei pedir a Sullivan que, de novo, aumentasse o prazo de entrega de uma das minhas reportagens. Compreensivamente, meu chefe não só me deu uma semana a mais para a entrega do material final, bem como pediu para que, se necessário fosse, eu solicitasse junto ao meu psiquiatra um afastamento do trabalho.
Eu não faria isso. Por pior que a situação dentro da minha cabeça estivesse, trabalhar era o que ainda mantinha a minha já escassa sanidade. Aliás, era uma das poucas atividades que ainda encontrava forças para me levantar da cama e fazer, pois era assim que afirmava para mim mesma que era uma pessoa independente e que conseguia se cuidar, mesmo que minimamente.
Entretanto, o pouco de paz que estava conseguindo estabelecer dentro de mim se esvaiu como areia entre meus dedos ao longo dos três dias que Daniel não me deu nenhuma notícia. Nem mesmo visualizou minhas mensagens, o que foi mais do suficiente para agonizar em uma extensa e demorosa crise de ansiedade.
Queria lhe telefonar, encher sua caixa de mensagens de perguntas até que me respondesse uma por uma. Contudo, sabia que George não fazia o tipo que ignora mensagens. Diferente de Healy, se não havia visualizado era porque estava realmente ocupado ou ainda não tinha visto.
Sua mensagem chegou ao findar do terceiro dia, quando estava a caminho da estação de trem. O homem educadamente havia me pedido para que se possível fosse até a casa que dividia com meu ex-namorado, portanto, sem hesitar, ao invés de entrar na linha que me levaria para a minha casa, entrei na que fazia aquele trajeto que jurava que não iria voltar a fazer tão cedo.
Durante todo o caminho, algo me dizia que havia algo de errado. Daniel jamais me chamaria para ir até um lugar que não estava pronta para estar se não fosse urgente.
Em frente a porta da casa, toquei a campainha e esperei que alguém me atendesse. Ao ser aberta, Adam deu um meio sorriso e pediu para que eu entrasse.
― Onde tá todo mundo? ― olhei ao redor pela sala.
― No estúdio. ― respondeu de um jeito tenso.
Deixando a bolsa sobre o sofá, caminhei rapidamente até o fim do corredor e desci as escadas que davam no estúdio subsolo. No meio dos degraus, já ouvia os gritos abafados de ambos.
― Você é um irresponsável do caralho! ― foi a última coisa que ouvi sair da boca de George antes de os dois me verem e se silenciarem. O único que permanecia imóvel em um canto era Ross.
― O que ela tá fazendo aqui? ― Matthew interrogou quase entre dentes.
― Alguém tem que colocar um pouco de juízo na sua cabeça. Se nós não conseguimos, talvez consiga. ― George justificou.
― Ah, vocês a chamaram pra uma intervenção? ― zombou. ― Eu até achei que ela fosse sua namo… ― o mais alto lhe deu um empurrão, interrompendo-o.
Ross segurou Healy pelos braços a fim de que não se desequilibrasse e eu me coloquei em frente a George, pondo as mãos em seus braços.
― George, George… ― chamei-o, fazendo-o me olhar. ― Eu assumo daqui. Não vale a pena. ― alertei em um tom de voz mais baixo. ― Vai. ― passando uma mão pelo queixo, o homem suspirou e subiu as escadas, sumindo de nossos campos de visão.
― Qual é a sua, hein? ― bradei.
― Vai defender seu namoradinho?
― Matthew, por favor, eu não estou brincando.
― Por que todo mundo acha que eu tô brincando? Eles querem a porra de um álbum, eu vou dar a eles a porra de um álbum! ― vociferou.
― E você acha que tem condições de fazer o que quer que seja assim, nesse estado?
― Você não sabe de nada, . ― meu nome saiu de sua boca como se fosse um cuspe.
Prestes a se retirar, bateu com o ombro no meu antes de sair.
Ross arqueou as sobrancelhas para mim e eu revirei os olhos, rumando para o lugar que sabia que o garotinho mimado iria.
Angustiada e irritada com seu comportamento e com o que pudesse acontecer caso o deixasse sozinho, entrei em seu quarto. Deitado em posição fetal na cama, apertava a ponta do travesseiro entre os dedos.
Sentei-me à sua frente no chão.
― O que você tá fazendo aqui?
― Eu não ia te deixar sozinho.
― Por quê?
― Porque se você ficar sozinho, você vai usar. E toda a briga lá embaixo era sobre você parar, certo?
...
― Não comece. ― suspirou.
Olhando-me nos olhos, seus dedos no travesseiro relaxaram.
― O que você tá fazendo aqui? ― indagou baixinho.
― Como eu disse…
― Não. ― interrompeu-me. ― Por que você tá aqui? Quer dizer, nós não namoramos mais. Nós nem ao menos nos falamos. Então, qual é o ponto de tudo isso?
― Você é meu amigo. ― pus uma mão sobre a sua. ― E é isso que amigos fazem.
― Mas… ― não prosseguiu. E nem precisava. Eu já sabia o que ele queria dizer.
― Eu amo você, Matty. Eu... só não estou mais... apaixonada por você. ― dei um sorriso sem graça, tentando amenizar o peso das minhas palavras. Meus ombros doíam pela tensão. ― Eu amei você demais e não consigo aguentar ver você se autodestruir. ― sentindo a garganta fechar, meus olhos começaram a arder devido as lágrimas se formando. ― Depois daquele dia na banheira, o ano novo e tudo o mais... eu… eu não consigo mais. ― vi uma lágrima correr de um lado para o outro em seu rosto, molhando o travesseiro. ― Como eu disse, eu amo você. Muito. Mas me amo muito mais e não posso me permitir passar por coisas que sei que não vou suportar.
Passando a mão livre pelos olhos, secando-os, disse:
― Você se importa de deitar comigo? ― meneei a cabeça negativamente, levantando-me do chão e deitando-me às suas costas.
Envolvi meus braços ao seu redor, aconchegando-o bem próximo de mim e apoiando a cabeça em seu ombro.
― Achei que você seria igual a todo mundo. Se cansa de mim e vai embora.
― Você é meu amigo. Amigos não vão embora. Um bom exemplo disso está lá embaixo.
― Eles só estão preocupados porque precisamos finalizar o álbum.
― Não. Eles estão preocupados com você. Matty, eles são seus irmãos. Se eles estivessem preocupados com qualquer coisa que não a sua saúde, eles já teriam ido embora. ― suspirei. ― Eu não consigo nem imaginar o que você sente ou o quanto é difícil passar por tudo o que você passa, mas, por favor, me promete que vai considerar ficar limpo de novo. Essa é a última vez que te peço isso. Pense sobre isso, por favor. Não por mim, nem pela sua família ou pelos seus amigos. Pense nisso pela pessoa mais importante da sua vida: você. ― após alguns segundos de silêncio, ele assentiu, fungando baixinho.
Apertei-o em meus braços, beijando seu rosto. Ali, ele parecia com uma criança indefesa. E eu queria tanto poder protegê-lo.
― Achei que, a essa altura, você me odiasse.
― Eu jamais conseguiria odiar você.
― Senti tanto a sua falta. ― sussurrou.
Eu também senti a sua.
Quieta, aliviei os braços ao seu redor ao ver que ele queria trocar de posição.
― Você pode ficar aqui até eu pegar no sono? ― pediu. ― Não durmo há dois dias e sempre dormi muito bem com você. ― acariciando seu rosto, dei um meio sorriso e beijei sua testa, abrigando-o dentro dos meus braços e próximo ao meu peito.
Fazendo cafuné com as pontas dos dedos em seus cabelos, não pude evitar sorrir com a sensação de seus cachos bem definidos que, vez ou outra, se enrolavam em meus dedos.
Ainda assim, estar ali com ele não era como antigamente. Não conseguia mais sentir meu corpo se aquecendo perto do seu nem os calafrios que percorriam minha espinha, chegando a arrepiar até meu couro cabelo. Estávamos tão perto um do outro, mas, ao mesmo tempo, tão distantes.
Na minha cabeça, ainda me lembrava de nós dois. De como brigamos e, algumas horas, depois fizemos as pazes; de como o ensinei a fazer as unhas logo após ter o assistido se sujar com molho de macarrão; de como dançamos pela primeira vez juntos e tive vontade de beijá-lo, porém não o fiz.
Lembrava de cada pequena coisa de nós.
― Isis? ― murmurou com a voz sonolenta.
― Hm?
― Você é uma boa pessoa em amar. Sabia disso?
― Como assim? ― continuei a acariciar seus cabelos, agora, sem desgrudar o olhar de sua figura que adormecia aos poucos.
― Algumas pessoas são boas em estarem apaixonadas, outras, são boas em amar. ― respirou um pouco mais fundo. ― Estar apaixonado é a parte romântica: sexo o tempo todo, sonecas durante o dia juntos, risadas, diversão, conversas sem fim sobre qualquer coisa. Só o que há de melhor em um relacionamento. Mas o amor mesmo só começa quando a paixão começa ir embora devagarinho. Quem entra em cena é o estresse da vida adulta, todas as borboletas no estômago morrem, o sexo já não é mais a mesma coisa, as lágrimas, a tristeza, as brigas e a maldade aparecem com mais frequência. Enfim, as piores partes de duas pessoas. E se, ainda assim, você deseja aquela outra pessoa ao seu lado apesar de todas as coisas ruins… é assim que você sabe que é uma pessoa boa em amar. ― dei um meio sorriso e acariciei seu rosto de leve.
Matthew foi uma das poucas pessoas que me deu importância e um espaço para caber em sua vida. Todavia, também foi uma das muitas pessoas que me machucaram. E, ainda assim, eu o amava tanto que chegava a doer em meus ossos e meu cérebro parecia se desgrudar das próprias entranhas.
Apesar disso, não seria capaz de me fazer em pedaços apenas para vê-lo feliz. Talvez esse fosse um dos meus pensamentos mais egoístas, entretanto, era a mais pura verdade.
― Por que você acha que eu sou assim? ― questionei baixinho.
― Porque, depois de tudo, você ainda está aqui. ― murmurou de volta como quem está prestes a perder a consciência.
Havia prometido para mim mesma, muito antes de conhecê-lo, que nunca mais me sopraria para longe como costumava fazer com dentes de leão quando era criança. Eu o tinha feito mais vezes do que me orgulhava em assumir ao longo de minha vida. Além do mais, Healy precisava, primeiramente, de ajuda. E isso eu não tinha para oferecer. Não quando eu estava com a cabeça tão fodida quanto a dele.
Voltando a realidade presente, ao notar que o homem havia dormido, desvencilhei-me dele cautelosamente para não acordá-lo. De pé, cobri-o com uma manta até a altura dos ombros e saí do cômodo em silêncio.
Na sala, os outros três aguardavam tal qual uma família à espera da chegada do médico na recepção de um hospital.
― Ele dormiu. ― anunciei. ― Nós conversamos. Não sei se vai ter algum efeito, espero que sim. ― franzi os lábios.
― Mesmo assim, obrigado por ter vindo. ― George levantou-se do sofá.
― Não por isso.
― Você quer ficar mais um pouco?
― Ah, não. Eu preciso mesmo ir pra casa. E digamos que ficar aqui ainda não me cause a melhor das sensações.
― Claro, claro.
, se você quiser carona, vou deixar o Adam em casa e posso levar você até a sua. ― Ross ofereceu.
― Se não for atrapalhar.
― Não se preocupe.
Adam, Ross e eu nos revezamos para abraçarmos George, partindo em seguida.
Dentro do carro, digitei meu endereço no GPS do celular de Ross a fim de não nos perdermos no caminho.
Quando o veículo estacionou em frente ao meu prédio, soltei meu cinto de segurança.
― Foi muito gentil da sua parte ter aparecido por lá. ― Ross virou-se brevemente em seu assento para me olhar.
― Não foi nada demais.
― É ótimo saber que existe alguém no mundo capaz de domar o indomável. ― Adam brincou e nós rimos.
― Por favor, não tornem isso um hábito. ― dei um meio sorriso dolorido.
― Tudo bem. Vamos repassar o recado pra gerência.
― Obrigada pela carona. ― ofereci minhas mãos para cumprimentá-los e cada um depositou um beijo em uma.
― Tenha uma boa noite.
― Vocês também. ― saí e adentrei no edifício.
Estava tão cansada que só tomei um banho rápido, coloquei o pijama e apaguei.
Na manhã seguinte, havia algumas notificações de mensagem na tela do meu celular e, ao ler uma por uma, meu coração se aliviou.

“Isis, você está certa. Me transformei em algo que nem eu mesmo consigo reconhecer: um mentiroso. São mais mentiras que consigo aguentar e estou mentindo pras pessoas que eu amo, magoando-as deliberadamente. Eu não posso mais fazer isso.”

“Decidi que vou me internar e, dessa vez, eu vou levar a sério. Não quero mais ser a pessoa que arruína a si mesmo e romantiza isso.”

“Estou me programando para ir em duas semanas para uma clínica nas Bahamas. Queria que você fosse uma das primeiras pessoas a saber porque tenho um pedido a fazer.”

“Você poderia me levar ao aeroporto junto com a banda para que eu possa me despedir de você propriamente?”


Ponderando sobre qual resposta deveria dar a ele, decidi que só iria aceitar ou recusar seu pedido depois de cumprir com toda a minha rotina matinal, que incluía correr e tomar café da manhã.
Pronta para sair de casa, não me aguentei e acabei respondendo suas mensagens positivamente, afirmando ser um prazer fazer parte deste momento.

- x x x -


Duas semanas depois, em uma tarde fria de sábado, entrei no carro estacionado do outro lado da rua, em frente ao meu local de trabalho. Sentando-me no banco traseiro, fiquei ao lado de Matthew, que terminava um cigarro.
―Se quiser, posso trocar de lugar e ficar na janela…
― Pode terminar. Eu não me importo. Pelo menos, não mais. ― sorri.
― Como foi no trabalho? ― Adam inclinou o tronco para frente para me olhar.
― Bem. Estou finalizando uma reportagem sobre o Julian Casablanca.
― Uh, interessante. Ele é legal?
― Não é a pessoa mais legal que conheci na vida. ― dei de ombros. ― Opinião impopular: a banda dele não é tão boa quanto ele acha que é. ― como se tivesse acabado de blasfemar, todos no carro se entreolharam e me encararam um pouco assustados. ― Gente, por favor, eu prefiro The Killers.
― Alguém que está no banco de trás pode fazer a gentileza de jogar pra fora do carro? ― George sugeriu, conferindo-nos pelo retrovisor.
― Vocês são muito opressores. Nossa amizade acaba aqui. ― entrei na brincadeira.
― Isso não vai ficar assim. ― Ross pôs para tocar You only live once, do The Strokes e eu revirei os olhos.
― Meu Deus, essa é a música mais clichê de todas.
― Casablanca não disse nenhuma mentira na letra. ― Matty se manifestou, desafiador.
― Puta que pariu, eu odeio vocês. ― gritei, fazendo-os rir.
Trocando de música, os primeiros acordes de Human, do The Killers, começaram a preencher o silêncio do veículo e eu ri.
― Obrigada pela gentileza.
― O DJ está ao seu dispôr. ― Ross pegou minha mão de maneira desajeitada, dando um beijo sobre meu dedão.
Cantarolando o início da música, de soslaio, peguei Healy me observando, com o espectro de um sorriso nos lábios. Seu corpo aparentava estar duro de tensão. Desejando tranquilizá-lo, descansei uma mão sobre seu joelho, acariciando-o delicadamente.
― Você está com medo? ― falei baixinho para que somente nós dois ouvíssemos.
Franzindo os lábios, assentiu.
― O que me assusta é que eu já sei como vai ser. Eu já estive nessa posição antes. ― entrelaçou os dedos das mãos uns nos outros.
― Vai dar tudo certo.
― Como sabe?
― Você é mais forte do que imagina que é. E, aqui fora, todos vão te esperar ansiosos. ― sorri.
― Até você? ― confirmei com um aceno de cabeça. ― Mas e você? Como você tá?
― Pra falar a verdade, aqui dentro tá um inferno. ― ri sem humor. ― Mas sempre dizem que tudo piora antes de melhorar, né?
― E você acredita nisso?
― Piamente. Já estive em lugares muito piores antes. ― desviei o olhar para meus dedos sobre seu joelho. ― Pelo menos agora eu tenho forças pra seguir em frente.
Seus olhos pareciam piscar em câmera lenta enquanto formulava um sorriso compreensivo nos lábios. Segurando minha mão entre as suas, beijou-a e permaneceu fazendo carinho nela até chegarmos ao nosso destino final.
Dentro do aeroporto, antes de atravessar o portão de embarque, Matty abraçou e beijou no rosto cada um daqueles que o consideravam um irmão. Por mais que os conhecesse há mais de um ano, ainda não conseguia evitar me emocionar quando os quatro compartilhavam momentos como aquele.
Quando minha vez chegou, o homem pegou minhas mãos, beijou ambas e me olhou nos olhos.
― Me prometa que, não importa o que aconteça, você vai continuar tentando. ― meus olhos se encheram de lágrimas.
Assenti, me contendo para não me desfazer em lágrimas.
Envolveu-me em seus braços, apertando-me contra seu corpo. Escondi o rosto na curva de seu pescoço, sentindo seu cheiro uma última vez antes de sua partida.
― Ei. ― afastou-se de mim, pondo as mãos em meu rosto, fazendo-me olhá-lo. ― Eu amo você, ok? ― abracei-o outra vez, porém rapidamente, deixando-o ir.
Dando os primeiros passos de costas, Healy acenou para nós e desapareceu no horizonte minutos depois. “Eu também te amo. Muito.” Pensei sem conseguir verbalizar.
― George? ― chamei-o.
― Sim?
― Eu posso dirigir? ― franziu as sobrancelhas. ― Me tranquiliza. ― me senti na obrigação de explicar.
― Tá tudo bem?
― Vai ficar. ― segundos após, deu de ombros e me entregou a chave do carro em mãos.
Sorri em agradecimento, sendo seguida pelos três até o estacionamento.
Entramos no veículo e, assim que pus o cinto de segurança, dei a partida, rumo a minha casa. No banco de trás, Adam e Ross conversavam animadamente sobre algum esporte que acompanhavam e, provavelmente, marcavam de assistir algo juntos enquanto George e eu seguíamos mergulhados no mais profundo silêncio.
― Como estão Denise e o resto da família dele? ― introduzi o assunto ao parar em um semáforo fechado.
― Em relação à internação? ― assenti. ― A verdade é que estão todos aliviados que ele decidiu ir. E você conseguiu fazer o que ninguém conseguiu em anos. ― tirou o maço de cigarros do porta-luvas. ― Se importa? ― apontou para mim, pedindo permissão.
― À vontade. ― voltei a acelerar o veículo uma vez que o sinal estava aberto.
Colocando um cigarro entre os lábios, George acendeu-o com um isqueiro, dando uma tragada profunda e soltando a fumaça pela janela.
― Na primeira vez que ele saiu da reabilitação, nós achamos que demoraria mais tempo para a primeira recaída acontecer e que ele conseguiria, pelo menos, ficar um espaço maior de tempo sem usar. Claro que nada disso aconteceu e, quando voltou a usar, foi muito pior porque só pó já não era mais suficiente. ― deu outra tragada. ― Ele passou anos mentindo e escondendo isso de nós.
― Quem foi que descobriu?
― Eu o peguei usando no quarto uns meses antes de nós conhecermos você. ― soprou a fumaça lentamente pela janela. ― Jamie foi o último a ficar sabendo porque é meio difícil esconder algo quando a pessoa que nunca dorme passa a dormir de 12 a 14 horas por dia, né? ― deu uma risadinha sem humor. ― Enfim, Denise está com saudades de você. Ouvi Matty e ela conversando dia desses e ela tem vontade de te ligar, mas acha que vai ser estranho porque vocês não estão mais juntos.
― Se puder, diga a ela que eu adoraria que ela me ligasse. ― um meio sorriso se formou em meus lábios.
― Aliás, tem algo que eu gostaria de te mostrar. Não sei se você tá ocupada, mas você poderia ir lá pra casa?
― Agora? ― assentiu. ― Tudo bem.
― Ei, idiotas. ― chamou a dupla no banco de trás. ― Vocês vão lá pra casa ou o quê?
― Eu quero aproveitar as nossas já escassas férias e dormir. ― Adam soltou.
― Eu vou arrumar minhas coisas para ir visitar minha família. ― Ross respondeu, dando de ombros.
― Ok. , deixe eles em casa. ― concordei, alterando a rota, tomando o rumo da casa de Ross.
Adam e Ross moravam muito perto um do outro, tanto que foi em questão de minutos que nos despedimos de ambos, cada um em frente à sua devida residência. Em seguida, Daniel e eu seguimos para sua casa, que ficava um pouco mais distante.
Em nosso destino final, estacionei o carro na garagem e adentramos pela porta da cozinha. Indicando a escadaria que levava ao estúdio, George segurou a porta para que eu entrasse, fechando-a atrás de si.
Ao fim das escadas, inconscientemente, sentei-me na cadeira de Matthew e só me dei conta ao perceber que ele era o único que inclinava o encosto daquela forma.
Sentando-se em sua cadeira costumeira, George ligou o computador e, assim que conseguiu, começou a fuçar em um monte de pastas cheias de demos.
― Talvez eu nem mesmo devesse te mostrar isso, mas, se não o fizer, sei que ele também não vai fazer. Matty só fala abertamente sobre as músicas que escreve a respeito de pessoas como a mãe, irmão e avó. ― clicou em cima de uma música chamada Inside your mind e uma introdução de piano com leves toques de sintetizadores iniciou.
Prestei atenção ao ouvir a voz de Matthew cantando de um jeito mais grave do que estava acostumada. As frases eram tão intensas quanto a entonação de cada palavra.
― O que é isso? ― encarei-o.
― A primeira vez que eu ouvi, confesso que fiquei um pouco assustado. Não é todo dia que ouvimos uma música sobre abrir a cabeça de outra pessoa pra ver o que tem dentro. Mas Matty escreveu sobre você e o quanto ele se preocupa quando você se desliga.
― Ele te contou sobre isso?
― Ele fala muito de você. ― sorriu. ― Matty diz que tem vários momentos que parece que você não está… presente, sabe? Além do mais, ele me disse uma vez que te invejava.
― Por quê?
― Porque você dormia e conseguia descansar. Você consegue sonhar e não só ter terrores noturnos. ― pausou a música, virando a cadeira em minha direção. ― Você sabia que ele começou com a heroína porque queria dormir, né? ― meneei a cabeça, confusa, pois, aparentemente, haviam muitas coisas sobre Healy das quais eu não estava a par.
Sem palavras, não sabia o que pensar nem como agir ou se deveria fazer algo.
Inclinando a cabeça para encontrar meu olhar perdido, George deu um meio sorriso.
― Já entendi o que ele quis dizer com 'se desligar'.
― Desculpa. ― dei um risinho nervoso. ― Eu realmente faço muito isso. Mas por que você me mostrou?
― Porque acho que você tem o direito de saber que ele ainda não te esqueceu. Seja lá o que acontecer quando Matty voltar, saiba que ainda existe muito de você nele.
Dentro de mim também existe muito dele, inclusive, tem sido um inferno ser eu. Só consigo pensar nele e em seus olhares incisivos, que me queimavam dia e noite, em seus sorrisos e na forma como parecia tocar a minha alma toda vez que encostava em mim.
Não conseguindo pronunciar uma única palavra, tudo o que eu sentia transbordou pelos meus olhos e escorreu em forma de lágrimas.


#29

Eu sou apegado a dor e você veste as cicatrizes pra provar
(Time To Give - White Lies)


Efetivamente, existia vida sem Matthew Healy.
Podia não ser tão animada, porém também não era triste. Em uma vida sem ele, passei a beber menos, consegui correr distâncias maiores, não perdia os dias certos de fazer compras e estava com todas as minhas séries, incluindo realities show, em dia. Tinha voltado a ter foco no trabalho e, consequentemente, conseguia entregar tudo com qualidade.
Todavia, as coisas não mudaram drasticamente do dia para a noite. As duas primeiras noites foram de choro intenso até pegar no sono. Na terceira, sentindo os primeiros sinais de uma crise de ansiedade, liguei para Maureen, que permaneceu em chamada comigo até que estivesse estabilizada.
Obviamente que, depois de presenciar esse acontecimento, minha terapeuta sugeriu que o melhor seria que voltássemos a ter duas sessões na semana sempre que eu julgasse necessário. E, como já era se esperar, as três primeiras semanas de terapia que se seguiram foram completa e inteiramente dedicadas a Matty e toda a questão de ainda sofrer pelo nosso término, mesmo que já tivesse acontecido há meses e eu ter plena certeza de que não era mais apaixonada por ele.
Realizando o trabalho que era paga para fazer tão bem quanto eu esperava que fizesse, ao fim de uma das sessões na terceira semana, Maureen orientou:
, isso que você sente é amor, zelo, cuidado. Vocês tiveram algo intenso, que acabou não porque vocês não se amavam mais ou por algo imperdoável ter acontecido, mas por você ter entendido que era o momento certo de se retirar antes que os fatores externos que minaram o relacionamento de vocês também destruíssem o que você sentia e as lembranças que construíram juntos. ― inclinou-se em minha direção, como se fosse me contar um segredo. ― Amor não é apenas permanecer apesar de tudo. Amor também é saber deixar ir.
Depois daquelas palavras, me debulhei em lágrimas e, como já era de se esperar, a terapeuta me estendeu a caixinha de lenços de papel, que aceitei de muito bom grado.
Ainda nesses primeiros dias, descobri ao receber uma mensagem inesperada que Matthew havia conseguido convencer os médicos e enfermeiros da clínica a deixá-lo ter acesso ao seu celular enquanto estivesse internado. Tendo um horário restrito de uso do aparelho, de vez em quando, me mandava mensagens contando sobre seus dias, sua nova rotina e, até mesmo, sobre quando falou de mim na terapia de grupo. Quanto a isso, não sabia se deveria ficar lisonjeada ou assustada.
Quando dezembro chegou, não sabia se a sensação era de alívio ou de exasperação. Trabalhando muitas horas a mais do que deveria, acabei recebendo muito mais do que imaginava que receberia, o que me permitiu comprar presentes para todas as pessoas que eu julgava importantes.
Para meus pais, dei ingressos para assistirem um musical no teatro. Para , um dia relaxante em um spa. Para George, dois maços de Parliament. Para Adam, uma capa nova para seu celular. E, por fim, para Ross, um engradado de sua cerveja preferida.
Havia ficado em dúvida se deveria dar ou não um presente para Matty. Por via das dúvidas, comprei a ele uma camiseta nova do Fugazi, pois Deus era testemunha da situação que se encontrava a que ele costumava usar com frequência.
Sabendo que não conseguiria encontrar com nenhum dos integrantes da banda com tanta facilidade, entreguei todos os itens para , que se responsabilizou de entregar a cada um deles.
Na noite de Natal, recebi mensagem de três deles agradecendo pela lembrança e dizendo que meu presente também estava sob a posse de , que iria me entregar assim que nos víssemos pós-ano novo.
Com o humor melhorado, naquele ano, consegui permanecer na casa dos meus pais até a virada, retornando somente no segundo dia do ano para minha casa.
Por precisar viajar a trabalho na noite seguinte para encontrar com meu próximo entrevistado, Josh me orientou a trabalhar de casa, finalizando o que precisava enquanto arrumava minhas malas.
Pontualmente às 20h, quando fechei o notebook, ouvi batidas na porta. Franzi a testa, confusa. Não esperava ninguém, não tinha comprado comida e não havia me mandado nenhuma mensagem, logo, não deveria ser uma de suas visitas de emergência.
Ao abrir a porta, minhas sobrancelhas automaticamente se arquearam de surpresa.
― O que você tá fazendo aqui?
― Boa noite, . ― deu um sorrisinho debochado. ― Posso entrar? ― ainda sem entender nada, dei passagem para ele.
― Como sabia que eu estava em casa?
― Pedi a para telefonar pra você no trabalho e pedir que me esperasse pra virmos pra cá juntos, mas informaram que você não estava lá.
― Ok, mas eu ainda não entendi a finalidade. ― observei-o se acomodar no sofá.
― Ah, é isso aqui. ― entregou-me um embrulho de presente e uma caixa.
― O que é isso? ― peguei ambos os itens em mãos e sentei.
― Abre, mulher.
Rasguei o embrulho primeiro e quase caí dura no chão ao ver uma credencial para o show que The Killers faria em algumas semanas.
― Os caras mexeram os pauzinhos junto com Jamie pra conseguir te dar isso. Um agradecimento e uma piada interna em um mesmo presente.
― Eles nunca mais vão esquecer aquilo, né?
― Se você der sorte, talvez em uns cinco anos ninguém mais se lembre. ― riu.
― E esse? ― peguei a caixa.
― Ah, esse é meu.
Desamarrando o laço da caixa, abri-a e pus a mão dentro para tirar o conteúdo.
― Um cheque de 500 libras? ― franzi o cenho, segurando a risada.
― Pra pagar pelos seus remédios que joguei fora naquele dia. Não sabia qual era o valor exato, então, coloquei um que achei que se aproximava. Mas esse não é o presente. ― tirou o cheque da minha mão e finalmente vi ao fundo da caixa um fone de ouvido sem fio.
― Nossa, de todas as coisas que eu precisava, você acertou em cheio. ― sorri.
― Sempre vi você ir correr com fone de fio e sei o quanto te atrapalha. Achei que talvez fosse hora de você ter um desses e praticar mais confortável.
― Obrigada. ― abracei-o forte, como não fazia há tempos.
Meu corpo inteiro pareceu se eletrizar ao senti-lo tão próximo, tão aquecido, emanando um aroma tão agradável.
Desvencilhando-me apenas o suficiente para lhe olhar nos olhos. Suas bochechas estavam discretamente ruborizadas.
Sentei-me mais próxima dele. Trocando olhares pelo que pareceram muitos minutos, Matty, por fim, quebrou o silêncio.
― Você sabe que eu não vim aqui pra tentar transar com você de novo, né? ― assenti, umedecendo meus lábios. ― Ok, só achei que precisava falar antes que você imaginasse que esse era o motivo.
― Mas você quer?
― O quê? ― lancei um olhar sugestivo. ― Bom… ― passou a mão pela nuca. ― Você quer?
― Nesse momento… ― coloquei um cacho atrás de sua orelha. ― não tem nada que eu queira mais do que isso.
Sorrindo, o homem imitou meu gesto, pondo uma mecha inquieta do meu cabelo atrás da orelha, mesmo que ela tenha se soltado dali dois segundos depois, fazendo-nos rir.
Com a mão em meu rosto, acariciando meu maxilar com o dedão, encostou a testa na minha, fechando os olhos.
― Tem certeza?
― Por que você vive me perguntando isso? ― observei-o.
― Porque eu não quero que você se arrependa de algo que eu tenho certeza de que não vou me arrepender.
Devagar, me aproximei de seus lábios, iniciando um beijo carinhoso. Sua boca ainda tinha o mesmo gosto e a mesma textura da qual me lembrava. Suas mãos aqueciam as laterais do meu pescoço e sentia meu corpo inteiro tão vivo quanto ele era capaz de me fazer sentir quando estávamos juntos.
Afastando-me dele, levantei e ofereci a mão para ajudá-lo a fazer o mesmo, puxando-o para o quarto em seguida.
Tirando os sapatos e as meias, o homem sentou-se sobre a cama, com as pernas esticadas sobre o colchão. Subi na mesma, engatinhando até o meio de suas pernas e sentando-me sobre as minhas quando estávamos suficientemente perto um do outro. Estabelecendo contato visual, ficamos nos encarando e sorrindo por mais algum tempo. Não havia pressa, apesar de haver desejo. Mesmo que Matthew não tivesse concordado em transar comigo, teria ficado satisfeita até se ele apenas me deixasse contemplá-lo pelo máximo de tempo possível.
De joelhos, tentei me aproximar ainda mais dele. Pondo as mãos em meu quadril, colou nossos corpos, voltando a me beijar intensamente. Arrastando os dedos alguns centímetros para cima, senti seu toque gelado em minha pele por baixo da camiseta, fazendo-me arrepiar de frio e de prazer, na mesma medida.
Queria muito arrancar minha roupa de uma vez por todas, no entanto, sabia o quanto Matthew gostaria de fazer isso por mim. Ele nunca perdia a oportunidade de fazê-lo lentamente.
Deslizando as mãos pelo meu tronco, carregava minha camiseta junto. Ergui os braços para ajudá-lo a tirar a peça do meu corpo e não contive o riso pela expressão de surpresa que se formou no seu rosto.
― Você tem sutiã? ― franziu as sobrancelhas.
― Acho que é uma das peças mais comuns no armário de qualquer pessoa que se identifique como mulher, não?
― Mas eu nunca vi você…
― Usar? ― o interrompi. ― Simples: eu sabia que toda vez que nos encontrássemos iríamos acabar transando e é uma coisa a menos. Sem contar que eu dificilmente uso roupas muito transparentes, logo, não preciso de um sutiã.
, você me enganou esse tempo todo!
― Não. Você que é bobinho e achou que eu fosse algum tipo de mulher super barroca e diferentona que aboliu o sutiã para sempre. ― acariciei os lóbulos de sua orelha. ― Espero que não tenha perdido a prática para abrir. ― dei um sorrisinho debochado, sentindo seus dedos se embananarem um pouco antes de, finalmente, conseguir soltar os colchetes.
Jogou a peça do outro lado do quarto, passando a beijar minhas costelas, o vão entre meus seios e, por fim, seus lábios cobriram um dos meus mamilos, fazendo-me suspirar.
Enquanto suas mãos apertavam minha bunda, emaranhei as minhas em seus cabelos e… Inferno, como eu sentia falta até das pequenas coisas. Desde seu cheiro, seu beijo até a sensação de seus cachos ao redor dos meus dedos. Pressionei mais contra meu peito após alternar entre os mamilos, observando-o por entre meus cílios.
Puxando sua camiseta pelas costas, nos distanciamos um do outro para que eu pudesse tirar a peça de seu corpo. Lancei-a para se juntar com meu sutiã no chão.
Inclinando-se sobre mim, suas mãos servindo de apoio para as minhas costas, pôs-me deitada sobre o colchão, ficando por cima de mim. Minha cabeça estava no limite da beirada da cama, mas nem me importei com isso. Tudo o que importava naquele instante era sua boca quente passando pelo meu abdômen e seus dedos que arrastavam minha calça e minha calcinha para fora do meu corpo.
[n/a: coloca essa aqui pra fortalecer o choro]
Quando sua boca chegou ao seu destino e sua língua roçou meu clitóris, minhas costas se arquearam brevemente e os dedos dos meus pés, involuntariamente, se contraíram, apertando-se uns contra os outros. Todos os meus pensamentos escaparam como água em meio aos meus dedos.
Todo o oxigênio se desgrudava dos meus pulmões todas as vezes que o sentia passar pelo meu ponto mais sensível.
Colocando uma das pernas sobre seu ombro, minhas mãos se fecharam sobre o cobertor embaixo de nós e, ao mesmo tempo em que sentia uma sensação de prazer e euforia se formando em meu baixo ventre, um nó crescia em minha garganta, muito parecido com os que costumavam se formar minutos antes de eu começar a chorar.
Erguendo-se do meio das minhas pernas, empurrei-o com o pé para que se sentasse. Sob seu olhar atento e luxurioso, levantei-me somente para me inclinar sobre ele, fazendo-o se deitar sobre meus travesseiros. Rapidamente, desafivilei seu cinto, abri o botão e o zíper, descendo a calça e a cueca juntas, arremessando-as para perto das outras roupas.
Enquanto o masturbava vagarosamente, abri a gaveta da minha mesinha de cabeceira, catei uma tripa inteira de camisinhas, destacando uma e colocando as outras de volta. Ao olhá-lo, sorri com ao ver suas sobrancelhas arqueadas.
― Repus o estoque esses dias. ― argumentei, abrindo a embalagem, retirando o conteúdo e deslizando o preservativo sobre sua ereção.
Assim que terminei, Healy inverteu nossas posições, deitando-me sobre os travesseiros e pondo-se em meio as minhas pernas. Unindo nossos lábios, cada beijo que trocávamos tinha um gosto agridoce. Era como matar a saudade ao mesmo tempo em que se despedia. E eu não sabia se aguentaria outra despedida.
Quando o senti entrar em mim, começando a se movimentar devagar, sem perceber, tranquei a respiração. Ao me dar conta, respirei fundo.
― Tá tudo bem? ― sussurrou, parando de se mover e fitando-me nos olhos.
Assenti com um meio sorriso.
Matthew selou nossos lábios e, sem quebrar nosso contato visual, retomou as estocadas ainda lentas, provocando-me alguns suspiros baixos de minha parte. Segurando meus pulsos, colocou minhas mãos ao lado da minha cabeça, entrelaçando nossos dedos.
A verdade é que eu não estava bem. Minha cabeça estava tomada por uma enxurrada de memórias nossas. Lembrava-me perfeitamente de como, sabendo que eu não estava bem, Healy simplesmente atropelava o “aconteceu alguma coisa?” e partia direto para “o que aconteceu?”; lembrava-me de como, mesmo depois do sexo, ele ainda me aquecia com aqueles olhos brilhantes e com a voz aveludada, de como me fazia sentir a mulher mais interessante do mundo, independente da minha aparência física; de como facilmente passávamos horas a fio conversando sobre a vida, sobre nossos medos, nossas angústias e nossos desejos; de como ficava sem graça quando eu falava algo que ele não estava pronto para ouvir.
Mas também conseguia me lembrar de cada uma das vezes que choramos. Lembrava-me da angústia de achar todas aquelas drogas em sua casa; do medo que senti de perdê-lo na noite em que teve uma overdose; de como me sentia impotente em cada uma de nossas brigas; de como, depois que a agressividade passava, ele parecia a criatura mais frágil e debilitada do mundo. Lembrei-me principalmente do jeito como chorava de soluçar enquanto me pedia para ficar quando disse que estava tudo acabado.
Sentindo minhas retinas arderem com o pensamento, soltei minhas mãos das dele para abraçá-lo. Querendo que nossos corpos se grudassem o máximo possível, enlacei minhas pernas em seu quadril. Entendendo aquilo como uma tentativa de comunicação, aumentou a velocidade com que entrava e saía de mim, fazendo-me produzir um gemido baixinho.
À medida que ficava mais excitada e próxima de um orgasmo, meus olhos queimavam e minha garganta se fechava. Não conseguia parar meus pensamentos, que, em sequência contínua e infinita, iam e voltavam em cada pequeno momento.
Alguns espasmos faziam com que descontroladamente minhas pernas apertassem seu quadril ou o pressionassem ainda mais contra mim. Agarrando-me ainda mais a ele, desta vez, não deixei espaço entre nós para que estimulasse meu clitóris e nem eu mesma o fiz. Não estava me importando em gozar, só o queria perto de mim. Tão perto quanto fosse possível.
Por mais que aquela fosse minha última preocupação, uma onda de prazer se quebrou sobre mim em forma de orgasmo e, perdendo totalmente o controle do meu corpo, me desmanchei em lágrimas.
Segundos depois, ao me sentir soluçar sob seu corpo, saindo de dentro de mim em definitivo, Matthew se afastou alguns centímetros para olhar meu rosto.
― O que aconteceu? Eu fiz algo errado? Te machuquei? ― pôs uma mão em meu rosto.
Sentindo-me sufocada, desviei dele e sentei na cama, abraçando meus joelhos próximo ao peito.
...― depositou uma mão sobre meus braços entrelaçados e eu não conseguia pronunciar bem uma palavra sequer. ― Fale comigo. ― sussurrou. ― Você quer uma água? ― meneei a cabeça negativamente.
Obtendo apenas silêncio da minha parte, o homem carinhosamente aproximou-se de mim, aconchegando-me em meio aos seus braços. Permiti-me chorar por longos minutos enquanto sentia seus dedos se entranhando nos cabelos da minha nuca para um cafuné.
Eu o amo tanto que consigo ouvir meu coração se quebrando por ter que deixá-lo ir.
― Matty? ― sussurrei, secando meus olhos antes de encará-lo.
― Sim?
― Por que você veio até aqui?
― Vim entregar seus presentes.
― E o que mais?
― Te ver. ― murmurou.
― É só isso mesmo?
― Por que a pergunta?
― Você disse que não veio aqui transar comigo, mas eu também sei que você não veio só pra me entregar presentes ou me ver. Então, por que você veio? ― suspirou.
― Vim porque achei que, se você soubesse que estou recuperado, você se sentiria orgulhosa e que talvez essa fosse a nossa chance.
― Chance do quê? ― franzi as sobrancelhas.
― De tentarmos de novo. ― deu de ombros.
― Você sabe que não podemos.
― Não podemos ou você não quer?
― Matty, nós não somos bons um para o outro e você bem sabe disso. ― engatinhando para longe de mim, sentou-se de costas na beirada da cama.
― Eu juro que nunca foi minha intenção te machucar. ― murmurou.
― Não era a intenção de nenhum de nós dois, mas as coisas acontecem. A vida acontece e nós somos atropelados por ela o tempo todo. ― contraí os ombros. ― Nós estamos despedaçados demais e não é ficando juntos que vamos conseguir juntar nossos cacos. ― engatinhei em sua direção, abraçando-o pelas costas depositando um beijo em uma de suas omoplatas antes de recostar a cabeça em seu ombro.
Abaixando os lábios, beijou minha mão. Inclinou a cabeça para o lado a fim de encostá-la na minha.
― Você pode passar a noite aqui? ― balançou a cabeça, afirmando.
Amarrando a camisinha, jogou-a no lixeiro antes de se deitar de novo comigo.
Abraçados, caímos no sono minutos depois.
Na manhã seguinte, o outro lado da cama estava vazio e, sobre a minha mesa de cabeceira, um bilhete:

“Desculpe não estar aí quando você acordar, mas eu não vou suportar me despedir de você de novo. Diferente do dia em que terminamos, hoje você estava dormindo tranquila, quase sorrindo de olhos fechados e é assim que quero me lembrar de você. Prefiro acreditar que fomos um sonho bom do qual eu acordei e agora preciso seguir o dia imaginando o que vinha depois.”

Desejando não chorar, notei que meu corpo não me obedeceu quando as lágrimas se materializaram, escorrendo pelas minhas bochechas e molhando a roupa de cama.


#30

Em breve eu vou esquecer a cor dos seus olhos e você vai esquecer a dos meus
(I’m Low On Gas and You Need a Jacket - Pierce The Veil)


1 ano e 11 meses depois…

Naquela quinta-feira à noite, não havia nada que eu gostaria de fazer mais do que sufocar Sullivan ou Jamie Oborne com as minhas próprias mãos. Era aniversário de sete anos da Dirty Hit e Josh achou que eu seria a melhor opção para ficar encarregada de fazer a cobertura do evento, uma vez que conhecia alguns dos artistas, era melhor amiga da assessora e já tinha tido contato direto com todos os três donos-fundadores.
Sim, ótima ideia mesmo.
Ao longo da semana, encontrei com no horário de almoço para comprarmos os vestidos que usaríamos no dia. Após entrarmos em cada um dos brechós do centro de Londres, finalmente encontrei um vestido que me servia e que era bem mais discreto do que o usado na festa de aniversário de Brian Smith. Em um azul claro, o vestido era longo e praticamente feito de tule, com aplicação de flores rendadas no corselete e alças feitas de tiras de tule. Muito mais básica que eu, escolhera um vestido simples em cetim preto, com corte reto e longo.
Às 19h, minha amiga passou para me buscar em casa com o carro que havia pegado emprestado com seu chefe. Ao chegarmos no local, se encarregou de me fichar como convidada e me entregar a credencial de repórter. Em seguida, colocando um fone de ouvido e pegando uma prancheta partiu rumo aos seus afazeres como a assessora que trabalharia muito mais que qualquer um ali dentro pelo simples fato de ser apaixonada pelo próprio emprego.
Sozinha, comecei a anotar algumas coisas a respeito do que via no salão em meu bloco de notas. O salão estava cheio de nomes já consagrados e dos novos contratados pela Dirty Hit.Todos os presentes pareciam felizes de poderem, direta ou indiretamente, participar da história daquela empresa, que havia sido construída a partir de três amigos que ousaram sonhar um espaço feito por e para jovens criativos.
Dando voltas e mais voltas pelo salão já lotado, encontrei alguns rostos conhecidos como o de Amber Bain e Marika Hackman, além de ser apresentada por elas a novos rostos como Beatrice Kristi, a famosa beabadoobee, e Guendoline Rome, mais conhecido como No Rome. Aproveitei para conseguir declarações de ambos a respeito de seus contratos, de como era trabalhar para a gravadora e do que almejavam alcançar enquanto artistas futuramente.
Gravando cada palavra do que diziam, os dois eram muito simpáticos e tinham opiniões muito claras, o tipo de entrevista que eu precisava para facilitar o meu trabalho final.
Todavia, não importava o quão concentrada estivesse, não havia nada que pudesse evitar meu olhar de ser magnetizado para a entrada a cada cinco minutos. Sendo assim, meus olhos capturaram o exato momento em que ele cruzou a entrada, sorridente, trocando meia dúzia de palavras com o segurança na porta. Ao seu lado, estava nada mais, nada menos que a exuberante FKA Twigs, segurando-se delicadamente em um de seus braços.
Nunca quis tanto conseguir desviar meu olhar antes que a pessoa se sentisse observada quanto no instante em que nossos olhos se cruzaram. Estabelecendo aquele contato visual íntimo que costumávamos fazer quando ainda saíamos, sorriu de maneira discreta. Devolvi o gesto, por fim, conseguindo voltar a olhar para a garota à minha frente, que ainda não tinha terminado de responder a pergunta que havia feito.
Permaneci com o grupo por mais alguns minutos, porém havia perdido Matthew de vista. Encerrando a conversa com Beatrice, agradecendo-os por terem cedido alguns minutos de seu tempo, voltei a caminhar pelo salão, pegando uma taça de champanhe do primeiro garçom que passou por mim.
Até sentir a presença de alguém em minhas costas. Sabendo exatamente de quem se tratava, virei-me.
― Você continua com um sexto sentido ótimo. ― sorriu. As mãos postas dentro dos bolsos da calça social lhe davam aquele ar despojado que só ele conseguia ter ao usar ternos pretos e comuns.
― E você continua aparecendo atrás das pessoas, esperando que elas adivinhem que você tá por perto, hã? ― bebi o último gole da minha taça, pondo-a sobre a bandeja de um garçom que passava por nós. ― Se rendeu às pressões estéticas? ― apontei para seu cabelo alisado.
― Primeiro: velhos hábitos nunca morrem. Segundo: parece que não fui o único. ― acenou com o queixo em minha direção, indicando meus cabelos trançados. ― Aliás ― olhou-me dos pés à cabeça. ―, belo vestido e o cabelo ficou muito bem em você.
― Sua acompanhante não se importa que você esteja por aí dando confiança pra jornalista? ― zombei.
― Ela encontrou uns amigos e está conversando. Disse a ela que iria falar com uma amiga que não via há muito tempo.
Há muito tempo mesmo. Após a última noite que passou na minha casa, Matthew e eu começamos a nos falar e nos encontrar cada vez menos. Contando a Sullivan sobre como estávamos, meu chefe me substituiu na cobertura da maioria dos eventos em que sabia que a banda estaria. E, apesar de ainda manter contato com os outros integrantes, passei a declinar seus convites para festas e sociais que organizavam, para cujos quais nunca esqueciam de me convidar.
Até aquela noite, já fazia pouco mais de setes meses que Healy e eu não dividíamos o mesmo ambiente.
― Ela sabe que era comigo que você vinha falar? Ou melhor, quem sou eu?
― Ela sabe. ― olhou na direção da mulher, que conversava animadamente com outras três pessoas, voltando a me olhar nos olhos. ― Depois que nos conhecemos, ela me fez algumas perguntas e uma delas incluía meu possível romance com a jornalista que me entrevistou.
― O que disse a ela?
― A verdade. Assim como você, ela parece que veio com um detector de mentiras de fábrica. ― ri. ― É sério. Contei a ela tudo sobre você. Como ficamos amigos, como você é uma ótima profissional e que, mesmo quando eu fui um babaca, você não me abandonou no meu momento mais difícil. ― trocamos um meio sorriso.
― Como estão todos? Ross, George, Adam?
― Bem, bem. Estamos finalizando nosso quarto álbum e você já deve saber disso, né? ― assenti.
― Sobre isso, me conte apenas coisas exclusivas que outros repórteres ainda não saibam. ― brinquei.
― Sabe que não posso fazer isso, mas se pudesse faria, né? ― assenti.
― Eu conheço seu tipinho, Healy.
Encaramo-nos por alguns segundos em silêncio.
Uma figura parou ao nosso lado, fazendo-nos olhá-la.
― Desculpe a interrupção. ― Twigs deu um sorriso sem graça.
― Não interrompe. ― sorri. ― Sou , repórter do Repeat Daily. ― apresentei-me, estendendo a mão.
― Olá. É um prazer. ― apertou minha mão em um cumprimento. ― Tahliah.
― É um prazer te conhecer pessoalmente. Sou uma grande admiradora do seu trabalho.
― Você é a jornalista da revista, né? ― semicerrou os olhos, apontando pra mim.
― Eu mesma. Inclusive, este aqui foi quem me deu meu passaporte de entrada nessa vida. ― pus a mão sobre o ombro de Matthew.
― Você escreve muito bem.
― E consideraria marcar uma entrevista comigo? ― arrisquei.
― Por que não? Entre em contato com a minha assessoria. Vou deixá-los avisados. ― assenti. ― Matty querido, tive alguns problemas com a equipe do próximo show e preciso resolver ainda hoje, então, tenho que ir embora.
― Eu vou com você. ― prontificou-se.
― Não é necessário. Hoje é dia de você celebrar com seus amigos, ok? ― não tem nada nela que não seja perfeito? Até a voz de Twigs era suave e convidativa.
Vendo-o concordar, a mulher selou seus lábios e, definitivamente, aquela era uma cena que eu não estava pronta para presenciar. Pelo menos, não ainda.
, mais uma vez, foi um prazer lhe conhecer. Tenho certeza de que também será um prazer conversar com mais tempo. ― sorriu.
― O prazer foi todo meu. ― retirou-se. ― Meu Deus, ela é perfeita? ― fiz uma careta cansada.
― Não existe isso de pessoa perfeita, .
― Por tudo que é mais sagrado, Healy, ela parece que flutua ao invés de andar! Como foi que ela te deu bola? ― debochei.
― Tenho as minhas artimanhas. ― piscou e dei um soquinho fraco em seu ombro.
― Ok, garanhão. Onde estão os outros? Preciso de uma fala de alguém da banda que não seja você.
― Por que não eu? ― franziu o cenho.
― Porque meu chefe sabe que eu dei pra você, então, é um pouco antiético da minha parte te entrevistar, não acha? ― franziu os lábios, dando de ombros. ― Onde está o George?
― Engraçado que você sempre recorre a ele, né?
― Tá com ciuminho, Healy? ― provoquei.
― Não. ― ergueu as mãos em sinal de rendição. ― Só estou comentando. Ele está lá, conversando com Jamie. ― apontou para o outro lado do salão.
― Se me dá licença, preciso continuar a trabalhar. ― dei os primeiros passos em direção ao baterista.
― Você vai ficar até o final da festa? ― virando-me para ele, andei alguns passos de costas apenas para lhe dar um último sorriso em resposta e saí.
Pegando uma nova taça de champanhe, atravessei o salão me desviando de pessoas paradas e casais dançando. Ao pôr os olhos em mim, Daniel sorriu, erguendo a taça de leve em um brinde silencioso.
― Olá, cavalheiros. Desculpa, mas posso interrompê-los por alguns instantes?
― Boa noite, Isis. Como você está? ― Jamie sorriu.
― Vou bem, obrigada. Se importa se eu roubar o George por alguns minutos para uma entrevista?
― Claro que não. Fique à vontade. Está gostando da festa?
― Sempre muito boas, como usual. ― olhei para o mais alto. ― Podemos ir para um canto mais silencioso pra eu gravar? ― assentiu.
Caminhando rumo à uma das portas laterais do local, adentramos em uma que dava para as escadas de emergência. Com a porta de metal fechada, a música e a conversa alta ficavam bem abafadas e quase imperceptíveis na gravação de áudio.
― George, você e o Matthew têm sido as cabeças por trás da produção de quase todos os novos artistas que entram na gravadora. Existe algum tipo de obrigatoriedade pra isso?
― Não. A maioria dos novos contratados são pessoas que faziam tudo sozinhas em casa ou com ajuda de um ou outro amigo, por isso, assumimos a produção, se elas assim desejarem. Mas isso não é uma regra. Sempre podem pedir por um outro produtor ou indicar alguém que seja do próprio gosto. Se tiverem alguma experiência com produção profissional, podem fazê-lo sozinhos também.
― Mas uma boa parte também é descoberta por vocês, não?
― Antigamente, sim. Conhecíamos muita gente habilidosa e queríamos acreditar nelas assim como Jamie acreditou em nós um dia. Atualmente, deixamos e-mails de contato dos executivos da gravadora à disposição para que os próprios artistas possam enviar seus materiais. Se a primeira amostra for algo que nos interesse, marcamos uma reunião com a pessoa para conhecê-la.
― E existem muitas pessoas reprovadas nesse processo?
― Existem muitos processos que demoram. Alguns são menores de idade e precisam de aprovação dos pais, outros querem pensar com calma antes de assumirem um compromisso em definitivo. Mas são poucos os selecionados que não são contratados.
― O que significa a Dirty Hit na sua vida?
― Quando eu era mais jovem, era a realização de um sonho, uma oportunidade que talvez fosse única. Conforme fui envelhecendo, ela se tornou parte de um aprendizado que talvez eu não teria em outros lugares ou de maneira tão acessível. Hoje em dia, fico grato por poder ajudar outros jovens artistas a construírem suas carreiras, realizarem seus sonhos. Me vejo em cada um deles, sabe? É muito bom trabalhar em algo que você acredita.
― Encerramos por aqui. ― parei a gravação.
― Posso te perguntar uma coisa? ― assenti. ― Por que você veio me entrevistar? Quer dizer, achei que estava tudo bem entre você e ele.
― E está. Mas algumas barreiras precisam ser criadas pelo bem de todos. ― dei um meio sorriso, bebendo todo o conteúdo da taça que havia trazido comigo. ― Matty e eu tivemos uma história conturbada, George. Não quero que isso afete a nenhum de nós dois. Nunca foi minha intenção.
― Como você está? Depois de tudo…
― Bem. Mantive meu trabalho, apesar de ter contado tudo ao meu chefe. Consegui sair da medicação. Estou até pensando em fazer um mestrado.
― Uau. ― sorriu. ― Fico feliz por você. Espero que não tenha sido muito ruim vê-lo com… ela.
― Não, tá tudo bem. Estou feliz que ele seguiu em frente. De verdade. Sem contar que ela parece um cisne de tão elegante. ― brinquei, fazendo-o rir.
― Ela tem uma postura bonita, né?
― Nunca vi ninguém ser tão ereta na hora de andar. ― ri. Após alguns segundos prossegui: ― Além do mais, nós nem duramos tanto assim.
― Vocês eram até fofos juntos.
― Mas não era pra ser. Nenhum de nós dois sabia lidar com o outro. ― senti um leve aperto na boca do estômago.
― Acho que deveríamos… ― apontou com o dedão por cima do ombro, deixando a frase morrer na metade.
― Ah, claro. Você está liberado. ― sorri.
― É muito bom te ver de novo, . ― pôs a mão sobre meu ombro, pressionando-o.
― Digo o mesmo. ― encaminhou-se para a saída primeiro.
Com a mão na maçaneta, segurando a porta entreaberta, voltou-se para mim.
― Um dia, apareça em alguma festa, em algum show… qualquer coisa. O que vocês tinham acabou, mas o nosso carinho por você não. ― deu um último sorriso e saiu.
Surpresa com aquela revelação, senti meu coração se aquecer. Um sorriso cresceu nos meus lábios. Era indescritível a sensação de se sentir querida em meio a outras pessoas.
De volta ao salão, segui fazendo o meu trabalho. Entrevistei o máximo de pessoas que consegui. Todos aqueles que eu não fazia ideia de quem era ou por qual nome chamar, procurava por , transformando-a em minha ponte pessoal, o que era horrível, visto que minha amiga acumulava funções que nem eram dela.
Muitas horas mais tarde, quando metade dos convidados já haviam ido embora ou se arrumavam para fazê-lo, procurei por , pois havíamos combinado de ir embora juntas. Entretanto, como era de se esperar, algo aconteceu e ela teria que ficar até o fim. Triste por ter que ir para casa sozinha, bebi uma última taça de champanhe e parti, andando devagar pelos corredores. Era por volta de 1h30 da manhã e, assim como era inseguro chamar um táxi, também era andar de trem, porém a segunda opção era mais barata.
Esperando pelo elevador, pelo canto do olho, vi o exato momento em que uma figura parou ao meu lado.
― Me seguindo?
― Indo fumar um cigarro. Faz mais de uma hora que estou aqui dentro conversando com um monte de homens velhos a respeito do próximo álbum, que está atrasado etc. ― Matty deu de ombros. ― E você?
― Indo pra casa.
― Sozinha? ― franziu a testa.
foi escravizada pelo velho Oborne e ela era minha carona. Não sou mais tão jovem a ponto de aguentar virar uma noite inteira acordada. ― rimos.
― Posso te acompanhar até em casa? ― com um sorriso debochado, franzi as sobrancelhas. ― Juro que é apenas isso, te deixar em casa em segurança. ― ergueu as mãos em sinal de rendição.
― Ok, fico te devendo uma. ― sorri, adentrando no elevador quando as portas abriram, sendo seguida pelo homem.
Quando as portas se abriram outra vez, agora no térreo, Matthew acendeu um cigarro enquanto caminhávamos rumo à estação de trem.
― Você ainda faz muito isso de pegar trens?
― Não com a mesma frequência que fazia quando estávamos juntos, claro.
― Por quê?
― Primeiro porque as pessoas agora querem conversar e tirar fotos comigo quando descobrem que sou eu. Antes elas só me deixavam lá e tiravam fotos de mim emburrado. ― rimos. ― Segundo porque me lembra de coisas que nem sempre estou pronto para reviver. ― tragou seu cigarro, soltando a fumaça lentamente alguns segundos depois. Não tinha certeza se ele falava do que eu achava que falava.
Seguimos andando por mais duas quadras e adentramos na plataforma. Quando o trem que nos levaria para a minha casa chegou, escolhemos assentos ao fundo do vagão. Mais a frente, nos primeiros bancos, havia apenas um idoso sentado.
Tirando os fones de ouvido de dentro do bolso do vestido, como de costume, pluguei-o ao celular e ofereci um dos lados ao homem, que lançou um olhar de estranhamento para o objeto em minha mão e depois para meu rosto.
― Faz muito tempo desde a última vez, né? ― proferi com um sorriso tímido.
Acenando com a cabeça, aceitou o fone, colocando-o no ouvido.
Selecionei As the World Caves In, de Matt Maltese, como nossa primeira música de volta para casa.
Ao chegar em minha estação, descemos do vagão e saímos da plataforma, percorrendo o curto trajeto até minha casa à pé.
No portão do meu prédio, paramos de frente um para o outro. Indecisa, mal pude acreditar nas palavras que saíram da minha boca em seguida:
― Você quer subir um pouco? ― outra vez, um olhar de estranhamento se formou em seu rosto. ― Sem segundas intenções. ― acrescentei.
― Ok. ― deu um meio sorriso.
Entramos um atrás do outro calados e seguimos assim até chegar ao meu apartamento.
Do lado de dentro, fui até o quarto e tirei os sapatos, voltando à sala.
― Que tal uma cerveja?
― Você ainda sabe recepcionar muito bem suas visitas. ― sorri, encaminhando-me para a cozinha para pegar duas garrafas dentro da minha geladeira.
Retornando à sala, Healy ainda parecia muito pouco confortável no ambiente. Abri uma das garrafas e entreguei a ele.
― Ano passado você entrevistou a Phoebe de novo, né?
― Ah, sim. Ela é adorável, né? ― abri minha garrafa e dei um gole.
― Ela é ótima mesmo. ― concordou, bebendo. ― Você sabe que ela vai lançar um álbum novo ano que vem?
― Ela comentou algo comigo.
― Eu já ouvi e é incrível. Como quase tudo que aquela garota faz.
― Vocês se conhecem há muito tempo?
― Não, mas sabe aquele tipo de conexão que não temos sempre na vida? ― assenti. ― Foi isso. ― deu mais um gole em sua bebida antes de apontar para mim com os olhos arregalados. ― Ah, meu Deus!
― O quê? ― franzi o cenho.
― Tem algo que quero te mostrar. ― tirou o celular do bolso, clicando na tela algumas vezes. ― Pronta? ― acenei com a cabeça ainda um pouco desconfiada.
Uma música começou a sair de seus alto-falantes, com uma melodia lenta e agradável. Nunca tinha ouvido em minha vida. [n/a: coloca essa aqui pra tocar]
― Me daria a honra dessa dança? ― questionou estendendo a mão em minha direção.
― Você e suas danças, né? ― dei um meio sorriso.
― Aceita logo, mulher. ― riu, chacoalhando a própria mão. Ri, segurando-a.
Pondo uma mão em minha lombar e aproximando nossos corpos, Matthew me guiava em uma dança lenta. Apoiei minha mão em seu braço, dando passos ritmados de um lado para o outro.
― Phoebe? É música nova?
― Perguntei pra ela se podia mostrar pra pessoa que essa música me lembrava. ― dei um meio sorriso. ― Não tivemos tempo pra eu te perguntar antes, mas como estão as coisas nessa cabecinha? Tudo sob controle?
― Saí dos remédios há uns meses e estou pensando em voltar a estudar.
― Sério? ― assenti, sorrindo. ― O que você vai fazer?
― Mestrado na minha área. Ainda não é nada certo, estou apenas considerando a ideia e tentando me planejar pra, caso realmente decida fazer e não consiga uma bolsa, eu tenha como pagar.
― Se for por falta de grana…
― Não termine essa frase, por favor. ― interrompi-o.
― Por quê? Se você quer e não puder pagar…
― Matty… ― interrompi-o outra vez.
― Eu insisto. ― foi mais incisivo. ― Me deixe fazer pelo menos isso por você. ― dei um meio sorriso.
Alguns milésimos de segundo depois, reiniciei a conversa.
― Posso te fazer uma pergunta que nunca fiz antes?
― Quantas quiser.
― O que exatamente você viu em mim? ― indaguei.
― Por que isso agora?
― Bom, você conseguiu sair com a FKA Twigs, que, no meu conceito, é uma das mulheres mais deslumbrantes e elegantes que já vi na vida. Então, fiquei me perguntando isso.
― A lista na realidade é imensa. ― sorriu. ― Você é perspicaz, observadora, uma ótima ouvinte, tem uma habilidade excepcional com as palavras e, apesar de você achar que não, toca guitarra muito bem. ― ri. ― Mas nem precisaria de tudo isso porque você é linda, gostosa pra caralho e tem o cabelo mais hidratado do mundo. ― segurei uma gargalhada alta. ― Aliás, sempre quis saber como você faz isso. ― pigarreou. ― E, na verdade, quem deveria fazer essa pergunta sou eu, né? Meu cabelo é seco e geralmente eu não penteio ele. Você odeia cigarro e eu sou uma tabacaria ambulante. E nem vamos entrar na parte da dependência química.
― Ainda assim, você tem um ótimo senso de humor, é charmoso, é criativo e muito bom quando faz música. E tem outras coisas nas quais você é ótimo, mas acho que é um pouco tarde pra falarmos sobre isso. ― riu.
― Você se lembra daquele dia que você achou meu estoque pessoal no meu quarto e eu te disse no telefone que você é esse tipo de pessoa apaixonante? ― assenti. ― Olhando pra você agora, eu me lembro de tudo. De todas as sensações. De quando pus meus olhos em você pela primeira vez. Da nossa primeira conversa franca naquele quarto de hotel. Do nosso primeiro beijo. Da primeira vez que nós fodemos no sofá da minha casa e de como achei, na primeira sentada que você deu, que você fosse me quebrar ao meio. ― ri.
― Pelo amor de Deus, Healy! ― quase gritei de vergonha.
― Enfim, eu me lembro da sensação de amar e ser amado por você e era… tão bom. ― sorriu. ― Você me amou e acreditou em mim quando eu achei que ninguém mais era capaz de fazê-lo. E eu sinto que, não importa quando ou onde nos conhecêssemos, eu continuaria me apaixonando por você. Nem que fosse por um breve momento. Alguns minutos que fosse. ― a cada uma de suas palavras, me sentia mais parte daquele instante. Podia sentir a nitidez de seu toque em minhas costas e em minhas mãos. Minhas faces queimavam sob seu olhar.
― Você fica muito bonito com essa carinha saudável, sabia? ― sorri, mudando de assunto. ― Como tem sido depois de algum tempo recuperado?
― Alguns dias são horríveis e eu mataria por uma dose de qualquer coisa que me derrubasse por cinco minutos que fosse. Outros, são mais fáceis e suportáveis, mas tenho gostado muito de estar limpo, de me sentir limpo. Consigo fazer quase tudo que não conseguia enquanto usava, tipo dormir. ― seus olhos eram ternos e calorosos. ― E eu devo tudo isso à você, .
― Você não me deve nada.
― Devo, sim. Você não tinha obrigação nenhuma de ficar comigo e cuidar de mim. Não depois do que eu fiz no seu aniversário. E você poderia ter perdido seu emprego por mim. Obrigado é o mínimo que eu te devo.
― Depois de ter terminado com você, me questionei durante muito tempo o que me fez ficar, mesmo depois do que aconteceu. ― meus olhos arderam. Péssimo momento pra se emocionar, . ― Mas eu não fiquei porque te amava. Eu fiquei por ter sido a primeira vez que me senti vista. Você olhou pra mim e viu o que nenhum outro viu. Não uma mulher frágil ou dramática. Me viu como uma pessoa que estava e ainda está tentando juntar os pedaços, trilhar o próprio caminho. Me viu como alguém digno de afeto e me proporcionou momentos que jamais vou ser capaz de esquecer, mesmo que eu queira. ― encostei a cabeça em seu peito, permitindo que ele beijasse o alto dela, apertando-me em seus braços.
Healy ainda tinha o mesmo cheiro de sempre, o que me fez ter aquela sensação familiar durante nosso abraço.
― Se eu pudesse, faria tudo diferente. ― sussurrou próximo ao meu ouvido. ― Faria tudo que estivesse ao meu alcance pra não te ver chorar e nem te machucar como eu fiz.
Segurando o choro, escondi o rosto em seu peito, continuando a dançar com ele.
― Você e Twigs formam um belo casal. ― soltei repentinamente, afastando meu rosto de seu corpo. ― É sério?
― Está ficando.
― Ela deve ser incrível.
― Ela é. ― suspirou. ― Quando tivemos a conversa sobre você, não foi só porque ela queria saber se era verdade. Foi porque ela também quis saber como tinha sido o processo de ficar limpo e precisei falar sobre a pessoa que mais acreditou que eu conseguiria. ― trocamos um sorriso.
― Tudo isso é mérito seu, eu só te incentivei.
A música estava acabando e, assim como ela, sentia que nossos momentos juntos também estavam chegando ao fim.
― Você esteve ao meu lado e eu jamais vou ter te agradecido o suficiente. ― tirou os braços de mim para segurar meu rosto entre suas mãos, encostando sua testa na minha. Nós dois fechamos os olhos. ― Às vezes, sinto como nunca mais fosse ser capaz de amar outra pessoa como eu amei você. ― pus minhas mãos sobre as suas e uma lágrima escorreu de um dos meus olhos.
Passando os dedões pelas minhas bochechas, secou as lágrimas solitárias que desciam.
― Eu preciso te dar uma coisa. ― abrimos os olhos para encarar um ao outro.
Pegou o celular de cima da estante, onde o havia apoiado, começando a dedilhar sobre a tela algumas vezes.
― Escrevi algo pra você há algum tempo. É uma música. Só, por favor, não ouve agora. Achei que teria coragem de te mostrar pessoalmente, mas, de repente, sinto que não tenho pra mais nada. ― deu uma risadinha nervosa. ― Só vou inclui-la no álbum se você aceitar, ok? Então, se não estiver tudo bem ou não gostar, me avise. ― assenti.
― Nunca imaginei que meu dia de glória de ter uma música abertamente minha chegaria.
― O único jeito de não ganhar uma música sua é só se você não se envolver com músico. ― rimos.
Cada um de nós pegou a garrafa de cerveja que tinha deixado de lado e terminou de bebê-la, em silêncio.
Olhando-me nos olhos, Matty tinha aquele sorriso amistoso nos lábios e aquele brilho caloroso que iluminava suas íris cor de mel. Hipnotizada, era como se entrasse em total estado de transe em sua presença.
― Acho que eu deveria ir. ― disse, arrancando-me de meus breves devaneios.
― Ah, claro. ― peguei a garrafa de sua mão, levando ambas para a cozinha, depositando-as ao lado do lixeiro de recicláveis.
Acompanhando-o até a porta, Healy depositou um beijo demorado em minha testa e me abraçou forte.
― Por favor, volte a fazer parte do nosso círculo social. Não tem tanta graça sem você. ― trocamos um sorriso cúmplice. ― Se não for demais pra você, claro.
― Twigs não vai se importar?
― Tenho certeza de que Tahliah vai adorar você.
― Eu vou tentar. ― assentiu.
― Boa noite, .
― Boa noite, Matty. ― com metade do corpo porta a fora, fiquei observando-o até que o elevador chegasse, dando um último aceno antes que as portas se fechassem às suas costas.
De volta à sala, peguei meu celular, clicando na notificação de mensagem de seu número. O título do arquivo enviado era Then because she goes - demo. Curiosa, mas sem saber o que esperar, cliquei sobre o link e uma melodia country preencheu o ambiente. [n/a: agora manda ver nessa]

Fui para o meu quarto ouvindo a música, tirando a maquiagem em frente ao espelho.
Quando as lágrimas começaram a escorrer pelas minhas bochechas, menti para mim mesma que meus olhos estavam irritados pelo uso do demaquilante. Eu era muito boba mesmo.
A bem da verdade é que, mesmo depois de quase dois anos, eu ainda não havia superado Matthew e o que tivemos. Como muito bem colocado por Maureen em nossas sessões de algum tempo atrás, não havíamos terminado por falta de amor e, sim, porque, em determinado momento, nosso relacionamento se tornou um fardo maior do que eu poderia carregar.
Às vezes, me arrependia profunda e amargamente de ter posto um ponto final em nossa história, entretanto, sabia que se não o tivesse feito, talvez eu é quem tivesse que ser internada ao invés dele. Ou, quem sabe, nós dois juntos tivéssemos que ter batido ponto na reabilitação.
Ao terminar de limpar o rosto, sentei-me na cama, trocando o vestido por um pijama e prestando atenção na letra. Healy era muito bom em transmitir as coisas que sentia em forma de música e eu o odiava por isso, pois só me fazia ter mais vontade de chorar em posição fetal ao lembrar de nós.
Todavia, era impossível ouvi-lo cantar e não me lembrar de seus olhos caídos, cujo o brilho transitava entre tristeza e alegria com muita facilidade ao longo de um dia inteiro, de seus lábios quentes, que davam sorrisos espontâneos de dentes desalinhados, das tatuagens desconexas espalhadas pelo corpo ou de seus cabelos que, normalmente, lhe caíam sobre os olhos. Agora, não mais, uma vez que os havia aparado.
E, considerando que conhecê-lo significou algo muito importante inclusive na minha carreira profissional, não havia como me desvencilhar de sua existência em minha vida. Não me arrependeria jamais de tê-lo conhecido ou de tê-lo odiado durante os fatídicos primeiros dias que passamos juntos. Contudo, mais do que isso, não me arrependeria jamais de tê-lo amado e ter entregue a ele tudo que havia de bom dentro de mim.
Ao dizer que me amou, Matthew apenas confirmou aquilo que eu já sabia, mas que era bom ouvi-lo dizer uma última vez.
Diferente dele, não mudaria nada em nossa história, afinal, foi acontecendo da maneira que aconteceu que nos tornamos estas pessoas. Apesar de tudo, o que construímos foi uma das coisas mais genuinamente bonitas que tive o privilégio de vivenciar. Logo, era algo que eu guardaria com carinho em meu coração.
Além disso, por mais que eu ainda não me sentisse pronta para efetivamente seguir em frente no que dizia respeito a relacionamentos, ficava muito feliz que ele se sentisse pronto e aberto para fazer outra pessoa caber em sua vida. Matty era uma pessoa preciosa e tudo que poderia desejar a ele era aquilo que gostaria de algum dia alcançar também.
Ao fim da música, peguei o celular em mãos outra vez, digitando:

“Obrigada por isso. É uma música linda.”

Encarando a tela do celular sem ter certeza se deveria ou não dizer tudo o que me passava pela cabeça, retomei a digitação:

“Não te disse isso antes, mas eu amei tanto você… na verdade, eu ainda te amo. Mais do que eu deveria e isso é horrível. Eu ainda não estou pronta para conhecer outras pessoas e me apaixonar de novo, porém, fico muito feliz que você o tenha feito. Torço muito para que vocês deem certo <3”

Lendo e relendo a mensagem várias vezes, apaguei-a por inteiro.
Uma nova mensagem pipocou na minha tela.
“Obrigado por ter me proporcionado amor quando achei que não seria capaz de amar mais nada nem ninguém”

Sorri.

“Mais uma vez, boa noite,

“Boa noite, Matty”


Bloqueei o celular e me deitei na cama.
Amanhã seria um novo dia. E efetivamente havia uma vida a ser vivida além da existência de Matthew Healy e todas as confusões que continuava a causar dentro de mim.




Fim.



Nota da autora: Eu mal consigo acreditar, mas é oficial, chegamos ao fim da fic... Não sei nem por onde começar. É tanta coisa que meu Deus, mas vamo lá.
Quando comecei a escrever essa história, muita coisa era diferente. Inicialmente, Isis e Matty não iriam chegar a namorar, só iam ficar algumas vezes e serem amigos. Sem contar que a fic ia ser muito mais focada no que aconteceria caso chegasse aos ouvidos do Josh que ela tava ficando com uma fonte (e isso ia acontecer!!) Porém eu percebi que, chegava um determinado ponto na história, eu travava e não tinha mais nada o que falar.
Pra quem não sabe ainda, por formação, eu sou jornalista e, atualmente, não é mais tão comum que os profissionais sejam demitidos dos veículos que trabalham por se envolverem com fontes. Na real, os chefes só não te deixam mais entrevistar a (ou as) pessoa(s) que você se relaciona porque isso pode gerar um certo atrito de interesses e tal. Mas demissão é meio difícil. Por isso, decidi cortar essa parte da fic. O que me gerou uma exclusão do roteiro de 3 capítulos (do 13 ao 16) 🤡🤡
No entanto, fico muito feliz de ter escolhido outros caminhos, pois isso me deu a oportunidade de explorar outras nuances dentro da história e me deixou aberta pra repensar a dinâmica dos personagens de uma forma mais fluída. Além de ter gerado entretenimento de altíssima qualidade (vide o aniversário em Paris no capítulo 19 🥵)
Claro que também houveram arrependimentos, tipo não ter feito uma alternância de pontos de vista entre os pps, e, mais tarde, isso gerou a nothing revealed, everything denied: Matty's POV pra saciar nossa cadelice e ânsia pelo ponto de vista do nosso safado preferido. Ainda assim, creio que foram escolhas narrativas que, no momento em que criei a fic, fizeram muito sentido pra mim e que eu não mudaria por nada. Acredito que tudo são processos e tudo é uma caminhada, logo, não é do meu feitio reescrever histórias finalizadas por não gostar dos caminhos que tomei.
Mas, saindo disso, queria agradecer todo mundo que leu, que comentou, que não comentou, mas leu e guardou no coração, pra quem mandou foto chorando, rindo, os áudios, as mensagens... Enfim, tudo. Pra mim, essa experiência foi muito gostosa, foi divertida e eu amo demais receber esse carinho. Muito muito muito obrigada mesmo. Espero que essa história tenha tocado todo mundo, assim como me tocou enquanto escrevi, revisei e postei.
Por favor, não sumam, me sigam nas redes pra gente manter contato porque MUITO EM BREVE teremos fic nova a caminho!!! Meu ig, o grupo do face, tt e playlists no spotify estão todos linkados aqui embaixo.
Nos vemos muito muito muito em breve, amores <3






Outras Fanfics:
nothing revealed, everything denied: Matty's POV
who are u?
Girl on the screen
06. I Don't Love You
Wandress



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