Capítulo 1- Primeiro Round
"I'm bulletproof, nothing to lose. Fire away, fire away. Ricochets, you take your aim. Fire away, fire away. You shoot me down but I won't fall. I am titanium"
Os acordes da música Titanium ressoaram do telefone celular de no mais alto volume, acordando a menina em uma questão de segundos. Esta se sentou na superfície macia de sua cama, esfregando os olhos, exausta, quase se arrependendo de haver madrugado na noite anterior.
Quase. Por mais que ela odiasse admitir, ficara muito satisfeita de ver seu mais novo projeto finalmente se concretizando. Realizar uma festa do Blackout fora ideia sua, e Austin, seu namorado, passara a semana inteira tentando convencê-la a comparecer.
A fraternidade Sigma-Tau (ΣТ) realizava uma recepção de calouros semestralmente, e como o líder dela era seu namorado, acabava ficando encarregada de todo o planejamento. Além de ter sido muito mito, a festa no escuro fora extremamente menos custosa do que qualquer outra já realizada na história da Sigma-Tau. Isolaram o ambiente ao máximo, colocaram as caixas de som habituais e providenciaram as bebidas e snacks. Fora isso, cada convidado levaria alguma lanterna, lasers coloridos ou qualquer outra forma de iluminação.
Querendo realizar algo diferente esse ano, naturalmente ele recorreu à , conhecida em Vermont como aquela que sempre consegue pensar em uma solução. Sua reputação a precedia e era comum que recorressem a ela com qualquer problema complicado que sempre conseguia dar algum jeito de resolver.
Enquanto tomava seu banho, preparou uma lista mental com seus afazeres diários, um hábito que adquirira por meio de sua mãe. Ao pensar em seus pais seu coração apertou-se de saudade. As visitas à sua casa de criação, que já eram escassas, tiveram de ser interrompidas com a viagem deles para fazer voluntariado em Kuala Lumpur, em busca de preservar o trabalho dos artesãos e diminuir impactos ambientais no mundo da moda.
Os eram muito chegados a fazer esse tipo de coisa, largando tudo para trás quando resolviam dar suporte a uma nova causa, inclusive sua filha, quando esta já tinha idade suficiente para se virar sozinha. Isso fora uma das razões pelas quais ela crescera para se tornar uma mulher muito autossuficiente.
Não é que não a amassem, muito pelo contrário, sendo filha única, tratavam-na como seu tesouro. O problema era que seus avós por parte de mãe eram tremendamente endinheirados. Tendo nascido em meio a tanta futilidade e riqueza, sua mãe acabou desenvolvendo uma necessidade de proteger o mundo de todo aquele consumismo que haviam presenciado. Já seu pai, cresceu em diferentes condições econômicas, mas conseguiu superar as adversidades e, querendo retribuir, resolvera fazer uma primeira viagem de trabalho voluntário. Ainda bem, pois fora nela que ambos se conheceram.
Dessa forma, ela não poderia culpá-los, porque mesmo que também tivesse uma boa relação com seus avós, Richard e Claire, estes eram a epítome da opulência. Suspirou recordando da nova aquisição deles: uma ala inteira da faculdade que seria inaugurada como Ala . Fechou o registro do chuveiro ao adicionar como último item do dia ligar para saber quando teria que comparecer para a tal cerimônia, já que a obrigariam a ir de qualquer jeito.
Percorreu suas roupas com os olhos e escolheu, após alguma consideração, uma regata preta, sua jeans rasgada — que apertava em lugares estratégicos — e suas sandálias plataforma. Agarrou a bolsa usual e saiu de seu quarto, colocando seus óculos escuros para completar seu look de ressaca.
Mal alcançou o andar inferior, no térreo do alojamento da Alpha Kappa Nu (ακν), a qual tinha a árdua tarefa de presidir e já foi abordada por Taylor, sua segundo em comando.
— Meu Deus, você está viva! — Taylor comemorou falsamente, soltando seu olhar cheio de malicia para .
— Apenas viva, existindo ainda não. — Retirou os óculos, revelando suas olheiras que, mesmo em meio a pouca maquiagem, eram aparentes. Taylor fez um biquinho.
— Bem, ainda são 9:30 da manhã. Todo mundo nesse horário apenas está vivo e não existindo, e você sabe por quê? — negou, dando um suspiro. Sua cabeça doía no fundinho. — Foi a melhor festa de inicio às aulas do século, !
— É, parece que foi! — murmurou, sorrindo de lado. — As garotas já acordaram?
— Bom, à contragosto, mas sim.
Taylor e menina se encaminharam para a cozinha, onde o comitê organizador da Irmandade se reunia todas as segundas-feiras enquanto tomavam um café da manhã, ainda conversando sobre os outros pequenos detalhes que Taylor se lembrava da festa. Após os saudosos cumprimentos entre elas, e da pequena euforia ao contarem ao mesmo tempo os acontecimentos da noite anterior, endireitou a coluna e pigarreou, fazendo com que todas se calassem. Embora seu rosto fosse angelical, ele podia ser bem assustador quando esta se tornava séria.
— Como estamos com o Projeto Santa Lovers Day? — perguntou, colocando seus óculos no topo de sua cabeça com cuidado, para não enroscar nos fios pretos de seu longo cabelo.
— Tudo certo com o recrutamento, prometemos às calouras que isso contaria pontos para as que se candidatassem nesse semestre, você sabe, na distribuição — respondeu Maddy, a Relações Públicas da ακν.
— Tudo bem... E quanto aos fundos, qual de vocês estava encarregada?
— Não conseguimos angariar dinheiro o suficiente ainda. Mas, sendo otimista, penso que até o final do semestre teremos a quantia necessária. Tive que considerar nossos outros eventos e atividades que costumamos empreender, além de reservas para uma eventual reforma na Casa.
— Tudo bem, Courtney. Para não correr o risco, vamos repetir o Lava Carros que semestre passado foi um sucesso. Acham que as meninas topariam novamente?
— Com certeza! — as demais replicaram.
— Ok, então preciso que Maddy cuide da divulgação, Louise cuide de incentivar nossas irmãs, Courtney continue fazendo o balanço de nossas despesas. Eu e a Tay iremos coordenar, então qualquer dúvida venham a alguma de nós. Acho que é isso por hoje, na reunião seguinte discutiremos a “semana do terror” das calouras candidatas. Vão pensando nos detalhes, mas por agora é só.
Um coro de “Certos” e “Tudo bem” foi entoado pelas meninas, que já haviam há muito terminado de comer, e cada uma foi saindo para enfrentar suas respectivas aulas.
— está ai fora — comentou, após checar a mensagem do garoto no celular. Do mesmo, olhou para Taylor.
-Sem comitê de debate hoje?
— Quando é que eu sou mais importante do que o comitê de debate dos ? — brincou, retirando um copo de expresso da cafeteira antes de, finalmente, sair da cozinha. Taylor fez uma careta esquisita. — Eu não sei se esse é o sonho do , mas o que ele puder, ele fará pela felicidade do pai, então... Eu não me importo. — Deu de ombros.
— Eu fico impressionada com sua sensatez, , eu provavelmente iria surtar.
— Ai é que está... — parou na porta de entrada. Acenou de longe ao ver o namorado e, após isso, voltou a olhar para a amiga. — Você vai achar alguém que irá amar seus surtos. Não queira mudar. Vou indo, nos vemos no 4º período.
Ele a esperava encostado na porta de seu conversível vermelho, proporcionando uma bela visão para sua namorada, que enquanto caminhava da fachada e varanda até ele, sorria abertamente. secou o garoto da cabeça aos pés, analisou seus cabelos castanhos com aquele estilo “bagunça arrumada”; seus olhos azuis claros que a fitavam com a mesma fome a que ela o lançava, e um sorrisinho convencido. Vestia por cima de uma blusa branca simples uma jaqueta de couro cobrindo seus ombros largos, que lhe foram proporcionados por ter sido um ótimo jogador de futebol americano nos anos de escola.
Quando faltava pouco a ser percorrido, deu uma corridinha e contornou o pescoço de com seus braços, impulsionando-se para lhe dar um beijo, uma cena realmente indecente para ocorrer no meio da rua em uma hora tão movimentada da manhã. Porém, nenhum dos dois ligou para isso, curtindo o calor um do outro. Era gostoso o contraste com a brisa gelada da matina, incomum para a estação que estavam, meados do verão em South Mills.
— Bom dia, — disse a garota, dando-lhe um último selinho antes de se desenrolar dele.
Para um observador externo, parecia que não se viam há semanas, e não que haviam dançado e ficado juntos durante o evento da fraternidade a poucas horas atrás.
— Bom dia, — respondeu ele, abrindo a porta para ela entrar, sempre um cavalheiro.
— Então... Parece que gostou mesmo de ontem, está até com seu traje de guerra para quando fica de ressaca. — riu da cara dela, se gabando de haver sugerido, não, insistido para que comparecesse. Ele nunca conseguia compreender como ela fazia tantas traquinagens e planos e parecia nunca aproveitar de seus frutos.
— Só dirige! — deu-lhe o ultimato tentando segurar um sorriso, fazendo um biquinho de desgosto.
Obviamente, ela não conseguiu, e ambos acabaram gargalhando segundos depois. esticou sua mão para ligar o rádio e surtou ao ver que se tratava de uma de suas músicas favoritas, Sweater Weather.
— The Neighbourhood de novo, ?
Dando a língua, ela simplesmente cantou a música inteira até chegarem ao Edifício de Direito. Despediram-se brevemente e a menina partiu para o porre que seria sua primeira aula do dia: Direito Constitucional, com a professora Sidney. A maldita havia passado uma ridícula quantidade de textos para lerem durante o fim de semana e, como prezava muito por suas notas, a menina lera quase todos, já que terminar não seria humanamente possível, disponibilizando seus resumos para o resto da classe desesperada devido a essa nova adição ao corpo docente que nascera como uma promessa, mas se revelara uma verdadeira morte, lenta e dolorosa.
Ao ver o automóvel vermelho se distanciando rumo ao Prédio de Politicas Publicas, correu para sua classe no quarto andar, quase chorando ao ver que o elevador estava quebrado, de novo!
Quando finalmente chegou, ofegante graças ao lance de escadas, acabou esbarrando em uma figura masculina alta e loira que saía da sala ao lado da sua. Era o suficiente para ter se estatelado no chão, se a mesma pessoa não houvesse a segurado pelos braços, colocando-a de pé novamente.
— Obrigada... Me desculpa, eu ‘tô realmente...
— Tudo bem. Eu errei minha sala, o erro foi meu.
— Ahn.... — parecia ter se perdido. Por algum motivo seus olhos pareciam ter fixado no garoto a ponto de ficar sem palavras por breves segundos. — Eu sou...
— ? — Sorriu. A garota acompanhou na mesma medida seu sorriso. Estava fodidamente hiptonizada pelo olhar alheio.
— Você me conhece?
— Não foi você quem promoveu o Blackout? — Entortou a cabeça, apontando para ela sutilmente.
— em pessoa — concordou. — Então você foi?
— Digamos que não é a minha vibe. Mas eu fui convidado ontem, quando trouxe minha transferência, foi quando eu ouvi falar de você — comentou. — “Você caiu na sala da ” — afinou a voz, abanando as mãos. — Sua sala é conceituada por você, e não por períodos. — Sua boca fez um biquinho pensativo.
— Uau. — A menina arregalou os olhos. — Não sei até que ponto isso é bom.
— É você quem decide, eu acho — respondeu, começando a andar para o mesmo lugar aonde iria. — Nossa imagem é espelho dos nossos atos. — Sorriu mais uma vez, e, por mais que aquele sorriso tivesse sido dado a ela com total sutileza, foi como um tapa na cara.
— Você não disse seu nome. — Aumentou tom, o garoto a olhou por cima dos ombros, de costas.
— É realmente importante para saber meu nome? — A garota permaneceu quieta, sem resposta.
Em sua cabeça mil perguntas ricochetearam, e uma delas era a dúvida do: Por que aquele estranho, que dizia estar na sua sala, havia tomado uma direção oposta a ela? De qualquer forma, aquele garoto parecia saber muito bem o que estava fazendo e para onde estava indo, então só o observou até que o mesmo sumisse pelos corredores com sua mochila preta nos ombros, blusão e jeans desgastado.
Os acordes da música Titanium ressoaram do telefone celular de no mais alto volume, acordando a menina em uma questão de segundos. Esta se sentou na superfície macia de sua cama, esfregando os olhos, exausta, quase se arrependendo de haver madrugado na noite anterior.
Quase. Por mais que ela odiasse admitir, ficara muito satisfeita de ver seu mais novo projeto finalmente se concretizando. Realizar uma festa do Blackout fora ideia sua, e Austin, seu namorado, passara a semana inteira tentando convencê-la a comparecer.
A fraternidade Sigma-Tau (ΣТ) realizava uma recepção de calouros semestralmente, e como o líder dela era seu namorado, acabava ficando encarregada de todo o planejamento. Além de ter sido muito mito, a festa no escuro fora extremamente menos custosa do que qualquer outra já realizada na história da Sigma-Tau. Isolaram o ambiente ao máximo, colocaram as caixas de som habituais e providenciaram as bebidas e snacks. Fora isso, cada convidado levaria alguma lanterna, lasers coloridos ou qualquer outra forma de iluminação.
Querendo realizar algo diferente esse ano, naturalmente ele recorreu à , conhecida em Vermont como aquela que sempre consegue pensar em uma solução. Sua reputação a precedia e era comum que recorressem a ela com qualquer problema complicado que sempre conseguia dar algum jeito de resolver.
Enquanto tomava seu banho, preparou uma lista mental com seus afazeres diários, um hábito que adquirira por meio de sua mãe. Ao pensar em seus pais seu coração apertou-se de saudade. As visitas à sua casa de criação, que já eram escassas, tiveram de ser interrompidas com a viagem deles para fazer voluntariado em Kuala Lumpur, em busca de preservar o trabalho dos artesãos e diminuir impactos ambientais no mundo da moda.
Os eram muito chegados a fazer esse tipo de coisa, largando tudo para trás quando resolviam dar suporte a uma nova causa, inclusive sua filha, quando esta já tinha idade suficiente para se virar sozinha. Isso fora uma das razões pelas quais ela crescera para se tornar uma mulher muito autossuficiente.
Não é que não a amassem, muito pelo contrário, sendo filha única, tratavam-na como seu tesouro. O problema era que seus avós por parte de mãe eram tremendamente endinheirados. Tendo nascido em meio a tanta futilidade e riqueza, sua mãe acabou desenvolvendo uma necessidade de proteger o mundo de todo aquele consumismo que haviam presenciado. Já seu pai, cresceu em diferentes condições econômicas, mas conseguiu superar as adversidades e, querendo retribuir, resolvera fazer uma primeira viagem de trabalho voluntário. Ainda bem, pois fora nela que ambos se conheceram.
Dessa forma, ela não poderia culpá-los, porque mesmo que também tivesse uma boa relação com seus avós, Richard e Claire, estes eram a epítome da opulência. Suspirou recordando da nova aquisição deles: uma ala inteira da faculdade que seria inaugurada como Ala . Fechou o registro do chuveiro ao adicionar como último item do dia ligar para saber quando teria que comparecer para a tal cerimônia, já que a obrigariam a ir de qualquer jeito.
Percorreu suas roupas com os olhos e escolheu, após alguma consideração, uma regata preta, sua jeans rasgada — que apertava em lugares estratégicos — e suas sandálias plataforma. Agarrou a bolsa usual e saiu de seu quarto, colocando seus óculos escuros para completar seu look de ressaca.
Mal alcançou o andar inferior, no térreo do alojamento da Alpha Kappa Nu (ακν), a qual tinha a árdua tarefa de presidir e já foi abordada por Taylor, sua segundo em comando.
— Meu Deus, você está viva! — Taylor comemorou falsamente, soltando seu olhar cheio de malicia para .
— Apenas viva, existindo ainda não. — Retirou os óculos, revelando suas olheiras que, mesmo em meio a pouca maquiagem, eram aparentes. Taylor fez um biquinho.
— Bem, ainda são 9:30 da manhã. Todo mundo nesse horário apenas está vivo e não existindo, e você sabe por quê? — negou, dando um suspiro. Sua cabeça doía no fundinho. — Foi a melhor festa de inicio às aulas do século, !
— É, parece que foi! — murmurou, sorrindo de lado. — As garotas já acordaram?
— Bom, à contragosto, mas sim.
Taylor e menina se encaminharam para a cozinha, onde o comitê organizador da Irmandade se reunia todas as segundas-feiras enquanto tomavam um café da manhã, ainda conversando sobre os outros pequenos detalhes que Taylor se lembrava da festa. Após os saudosos cumprimentos entre elas, e da pequena euforia ao contarem ao mesmo tempo os acontecimentos da noite anterior, endireitou a coluna e pigarreou, fazendo com que todas se calassem. Embora seu rosto fosse angelical, ele podia ser bem assustador quando esta se tornava séria.
— Como estamos com o Projeto Santa Lovers Day? — perguntou, colocando seus óculos no topo de sua cabeça com cuidado, para não enroscar nos fios pretos de seu longo cabelo.
— Tudo certo com o recrutamento, prometemos às calouras que isso contaria pontos para as que se candidatassem nesse semestre, você sabe, na distribuição — respondeu Maddy, a Relações Públicas da ακν.
— Tudo bem... E quanto aos fundos, qual de vocês estava encarregada?
— Não conseguimos angariar dinheiro o suficiente ainda. Mas, sendo otimista, penso que até o final do semestre teremos a quantia necessária. Tive que considerar nossos outros eventos e atividades que costumamos empreender, além de reservas para uma eventual reforma na Casa.
— Tudo bem, Courtney. Para não correr o risco, vamos repetir o Lava Carros que semestre passado foi um sucesso. Acham que as meninas topariam novamente?
— Com certeza! — as demais replicaram.
— Ok, então preciso que Maddy cuide da divulgação, Louise cuide de incentivar nossas irmãs, Courtney continue fazendo o balanço de nossas despesas. Eu e a Tay iremos coordenar, então qualquer dúvida venham a alguma de nós. Acho que é isso por hoje, na reunião seguinte discutiremos a “semana do terror” das calouras candidatas. Vão pensando nos detalhes, mas por agora é só.
Um coro de “Certos” e “Tudo bem” foi entoado pelas meninas, que já haviam há muito terminado de comer, e cada uma foi saindo para enfrentar suas respectivas aulas.
— está ai fora — comentou, após checar a mensagem do garoto no celular. Do mesmo, olhou para Taylor.
-Sem comitê de debate hoje?
— Quando é que eu sou mais importante do que o comitê de debate dos ? — brincou, retirando um copo de expresso da cafeteira antes de, finalmente, sair da cozinha. Taylor fez uma careta esquisita. — Eu não sei se esse é o sonho do , mas o que ele puder, ele fará pela felicidade do pai, então... Eu não me importo. — Deu de ombros.
— Eu fico impressionada com sua sensatez, , eu provavelmente iria surtar.
— Ai é que está... — parou na porta de entrada. Acenou de longe ao ver o namorado e, após isso, voltou a olhar para a amiga. — Você vai achar alguém que irá amar seus surtos. Não queira mudar. Vou indo, nos vemos no 4º período.
Ele a esperava encostado na porta de seu conversível vermelho, proporcionando uma bela visão para sua namorada, que enquanto caminhava da fachada e varanda até ele, sorria abertamente. secou o garoto da cabeça aos pés, analisou seus cabelos castanhos com aquele estilo “bagunça arrumada”; seus olhos azuis claros que a fitavam com a mesma fome a que ela o lançava, e um sorrisinho convencido. Vestia por cima de uma blusa branca simples uma jaqueta de couro cobrindo seus ombros largos, que lhe foram proporcionados por ter sido um ótimo jogador de futebol americano nos anos de escola.
Quando faltava pouco a ser percorrido, deu uma corridinha e contornou o pescoço de com seus braços, impulsionando-se para lhe dar um beijo, uma cena realmente indecente para ocorrer no meio da rua em uma hora tão movimentada da manhã. Porém, nenhum dos dois ligou para isso, curtindo o calor um do outro. Era gostoso o contraste com a brisa gelada da matina, incomum para a estação que estavam, meados do verão em South Mills.
— Bom dia, — disse a garota, dando-lhe um último selinho antes de se desenrolar dele.
Para um observador externo, parecia que não se viam há semanas, e não que haviam dançado e ficado juntos durante o evento da fraternidade a poucas horas atrás.
— Bom dia, — respondeu ele, abrindo a porta para ela entrar, sempre um cavalheiro.
— Então... Parece que gostou mesmo de ontem, está até com seu traje de guerra para quando fica de ressaca. — riu da cara dela, se gabando de haver sugerido, não, insistido para que comparecesse. Ele nunca conseguia compreender como ela fazia tantas traquinagens e planos e parecia nunca aproveitar de seus frutos.
— Só dirige! — deu-lhe o ultimato tentando segurar um sorriso, fazendo um biquinho de desgosto.
Obviamente, ela não conseguiu, e ambos acabaram gargalhando segundos depois. esticou sua mão para ligar o rádio e surtou ao ver que se tratava de uma de suas músicas favoritas, Sweater Weather.
— The Neighbourhood de novo, ?
Dando a língua, ela simplesmente cantou a música inteira até chegarem ao Edifício de Direito. Despediram-se brevemente e a menina partiu para o porre que seria sua primeira aula do dia: Direito Constitucional, com a professora Sidney. A maldita havia passado uma ridícula quantidade de textos para lerem durante o fim de semana e, como prezava muito por suas notas, a menina lera quase todos, já que terminar não seria humanamente possível, disponibilizando seus resumos para o resto da classe desesperada devido a essa nova adição ao corpo docente que nascera como uma promessa, mas se revelara uma verdadeira morte, lenta e dolorosa.
Ao ver o automóvel vermelho se distanciando rumo ao Prédio de Politicas Publicas, correu para sua classe no quarto andar, quase chorando ao ver que o elevador estava quebrado, de novo!
Quando finalmente chegou, ofegante graças ao lance de escadas, acabou esbarrando em uma figura masculina alta e loira que saía da sala ao lado da sua. Era o suficiente para ter se estatelado no chão, se a mesma pessoa não houvesse a segurado pelos braços, colocando-a de pé novamente.
— Obrigada... Me desculpa, eu ‘tô realmente...
— Tudo bem. Eu errei minha sala, o erro foi meu.
— Ahn.... — parecia ter se perdido. Por algum motivo seus olhos pareciam ter fixado no garoto a ponto de ficar sem palavras por breves segundos. — Eu sou...
— ? — Sorriu. A garota acompanhou na mesma medida seu sorriso. Estava fodidamente hiptonizada pelo olhar alheio.
— Você me conhece?
— Não foi você quem promoveu o Blackout? — Entortou a cabeça, apontando para ela sutilmente.
— em pessoa — concordou. — Então você foi?
— Digamos que não é a minha vibe. Mas eu fui convidado ontem, quando trouxe minha transferência, foi quando eu ouvi falar de você — comentou. — “Você caiu na sala da ” — afinou a voz, abanando as mãos. — Sua sala é conceituada por você, e não por períodos. — Sua boca fez um biquinho pensativo.
— Uau. — A menina arregalou os olhos. — Não sei até que ponto isso é bom.
— É você quem decide, eu acho — respondeu, começando a andar para o mesmo lugar aonde iria. — Nossa imagem é espelho dos nossos atos. — Sorriu mais uma vez, e, por mais que aquele sorriso tivesse sido dado a ela com total sutileza, foi como um tapa na cara.
— Você não disse seu nome. — Aumentou tom, o garoto a olhou por cima dos ombros, de costas.
— É realmente importante para saber meu nome? — A garota permaneceu quieta, sem resposta.
Em sua cabeça mil perguntas ricochetearam, e uma delas era a dúvida do: Por que aquele estranho, que dizia estar na sua sala, havia tomado uma direção oposta a ela? De qualquer forma, aquele garoto parecia saber muito bem o que estava fazendo e para onde estava indo, então só o observou até que o mesmo sumisse pelos corredores com sua mochila preta nos ombros, blusão e jeans desgastado.
Capítulo 2 - Problemas no Paraíso
entrou na sala onde cursaria o quarto — e, felizmente, último — período do dia, incrivelmente ainda se sentindo baleada pelo estranho menino de olhos azuis. Falar com ele havia sido algo estimulante, já que, diferentemente da maioria do corpo estudantil de Vermont, fora alguns calouros desavisados, ele não usava o mesmo tom de reverência ao falar com ela, que todos costumavam entoar.
Como atuava em diversas áreas como o a presidência estudantil, a presidência da Alpha-Kappa-Nu e do comitê de eventos de confraternização entre os estudantes até a formatura, a menina fora elevada a um grande grau de popularidade, o que ela não ligava a princípio e acabara se acostumando com o tempo.
O professor de Direito Civil IV já estava prestes a começar o despejo de informações que era aquela aula. Mesmo tendo didática e explicando bem, ele tinha que lidar com o dilema constante da agenda apertada vs a quantidade exorbitante de pontos a serem discutidos.
Apesar de tudo isso, Civil era uma matéria a qual não costumava se importar nem um pouco de estudar, na verdade, era uma de suas áreas favoritas dentro do Direito. Ainda, era uma das únicas salas em que ficara em que tinha a companhia de Taylor, que se dedicava à faculdade quase na mesma medida em que a morena.
Sentou-se em seu lugar habitual, próximo às grandes janelas que davam para o pátio na segunda fileira, seguida por Tay logo atrás, que já foi lhe passando seu Vade Mecum do qual havia se esquecido de trazer.
— O que seria de mim sem minha Taylor Lausen? — disse , tentando ignorar a carranca que sua amiga lhe direcionava.
— É a ultima vez, ! — resmungou, sentando-se brutalmente ao lado da amiga. franziu o cenho e permaneceu a encarar Taylor por poucos segundos, aquele mau humor não era típico.
— Ok. — Respirou fundo. — O que está acontecendo?
— Nada. — Deu de ombros. — Meus braços às vezes se cansam de carregar seu vade esquecido...
— Desculpa por isso. — Estalou com os lábios, desviando o olhar por um segundo da amiga. — Mas você não me convenceu, Taylor. Acredite, eu sou ótima em solucionar problemas, você sabe disso...
— Não precisa ser a heroína o tempo todo, . — Suspirou. — Acabei de me encontrar com o Gabbe.
— O garoto que adora tirar fotos, da 4th Avenue.
— Sim. Fui propor algumas ideias novas pra ele, além de ser fotógrafo do Santa Lovers Day. — escutava apreensiva entre as pausas da amiga, fez com o olhar para que esta continuasse. — Yan, da outra fraternidade, ofereceu um preço maior do que podemos pagar. Eu conversei com as meninas que cuidam dessa área e, de fato, não temos como cobrir — terminou frustrada, agora olhando para diretamente. — O evento é daqui duas semanas, ! Perdemos um fotógrafo nas vésperas e não vamos conseguir superar o preço dos outros, quase todos do curso de fotografia e de jornalismo já foram pegos, eu chequei...
— Taylor — chamou-a em meio ao seu ataque de pânico; a mesma respirou fundo todo o ar que havia perdido dentre a fala. — Vamos dar um jeito. E se não acharmos ninguém, promovemos o evento com fotos amadoras, só respira fundo. — A garota fez exatamente o que havia pedido. — Isso.
— Bom, como todos já viram no Direito Civil III...
Quando o Senhor Calahan começou a lecionar a matéria do dia, ambas calaram-se instantaneamente, concentrando-se em ligar seus gravadores e começar suas anotações do que fosse de maior relevância.
Ao contrário do que costumava acontecer, porém, simplesmente não conseguiu mergulhar no “estado zumbi” que costumava usar para ouvir e transcrever a aula, pensando poucas coisas que divergissem da matéria. Não, dessa vez sua mente insistia em vagar para o maldito garoto misterioso, ao ponto que começou a desenhar em seu caderno com as canetinhas coloridas que usava para esquematizar os diferentes temas abordados em aula.
Foi enquanto divagava — ao terminar de desenhar uma vaca, um boi, uma cabra e uma galinha, quase a fazenda inteira e muito mal desenhada, devo acrescentar — que a menina resolveu olhar pela janela.
O céu já havia se aberto. Apesar da manhã atípica, belos raios de sol penetravam insistentes através das poucas nuvens teimosas que relutavam em ser varridas pelo vento, com uma temperatura bem mais amena.
O pátio a céu aberto encontrava-se entre a parte de trás do edifício em que estava, no lado oposto ao da estrada, onde havia uma pequena floresta que começava ali e cercava quase todo o campus perifericamente, em formato de meia lua.
A essa hora do dia, poucos alunos circulavam por ali, já que a maioria estava em aula e, quem estivesse a matando, iria para casa ou para um bar, já que era a última do dia. Dentre esse parco grupo de estudantes que estavam presentes naquela área, um destacou-se gritantemente.
O menino que trombara mais cedo estava muito concentrado com uma câmera à frente de seus olhos, tentando capturar a imagem de um grupo de caras da Delta-Zeta-Ominikron (ΔξΟ), uma fraternidade menor e menos influente, que se resumia a alguns alunos mais geeks e desorganizados. Não promoviam nenhum evento muito grande, então acabavam por ficar à margem da popularidade.
Após o que pareceram alguns segundos e provavelmente algumas fotos tiradas, o garoto misterioso foi cumprimentar o líder dessa fraternidade que, se não falhava a memória da menina, se chamava Benjamin. O que chamou sua atenção inicialmente nem fora o dinheiro que este último deu ao fotógrafo, mas sim o olhar despreocupado e sorridente fascinante que este direcionou àquele, como velhos conhecidos.
O sorriso transformara seu rosto completamente, fazendo com que ele parecesse mais jovem e bem... Mais bonito ainda. O olhar que dera a ela e seu tom irônico foram ainda mais enigmáticos diante do ar casual em que estava portando naquele momento. Com ela, ele fora simplesmente frio, de certa forma, como se antes de conhecê-la já a julgasse ou carregasse um pensamento o qual a menina quebrara a cabeça tentando descobrir o que fizera para merecer.
E foi por esse motivo que, talvez sem refletir o suficiente, depois do término da aula — que acabara por ser uma grande perda de tempo em termos de aprendizado —, ela andou acompanhada por uma Taylor confusa até onde ele ainda estava, porém agora, sentado na grama à sombra de uma das árvores, polindo sua câmera que tinha um estilo antigo e profissional, podendo ser mais bem descrito como vintage.
continuou caminhando sem rumo, sabia que não estava livre, então precisaria esperar pela carona de Taylor que, naquele exato momento, corria atrás de Benjamin. Sim. Taylor tinha uma pré-disposição para adorar garotos secretos, que a considerava fútil por ser um pouquinho mais exposta a sociedade escolar, além de que, ela tinha aquela frase fatídica do “Ele é tão fofo que me encanta”. costumava caracterizar isso de outra forma: O ser humano tem uma patologia pelo interesse não retribuído.
Benjamin não entendia Taylor, Benjamin não queria entender Taylor, e era por essa falta de interesse dele que a mesma havia criado uma obsessão a fazê-lo, no mínimo, fazer questão de ouvi-la.
Foi dentre esse pensamento que sentiu o pé enrolar-se em algo na grama, sem saber como havia chegado àquele ponto já que observava Taylor de longe, pensando em sua teoria, como sempre. Tropicou mais duas vezes, parando, com o apoio dos cosmos, em pé. Só então notando que havia tropeçado em nem mais, nem menos, que no garoto misterioso dela.
— É a segunda vez, — falou, a olhando de baixo. Por conta dos raios de sol que cismavam em tocar seu rosto, o garoto tinha certa dificuldade por manter seus lindos olhos encarando diretamente . Por esse motivo, a mesma encaixou-se frente a ele e só assim, tanto ele quanto ela, conseguiram ter uma visão completa um do outro. — Na próxima eu te denuncio para o comitê de boas maneiras.
— Não existe comitê de boas maneiras. — Sorriu em deboche. O garoto forçou-se a levantar, ficando frente a frente com ela, olhou-a de cima dessa vez, por ser um tanto mais alto, exalando seu perfume pela proximidade.
— Deve ser por isso que você é desse jeito, então. — Copiou o mesmo sorriso dela. Involuntariamente, a garota tombou a cabeça nos ombros, soltando um riso cedido.
— Por algum motivo, eu tenho a impressão de que você sabe mais de mim do que eu sei de você, e isso não me agrada.
— Bom, tem como não conhecer , herdeira da Ala ? Presidente dos comitês mais relevantes de Vermont? Bom, se não houver...
— Deixa seu sarcasmo fora da conversa por um minuto? Mal nos conhecemos... — falou séria.
— Esse é o seu tom de intimidar os alunos aqui? — Arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços. sentiu-se levemente incomodada;
— Eu não intimido ninguém. Você tem uma imagem bem errada sobre mim.
— Tenho? — o garoto perguntou, parecendo não ligar para a resposta dela. No mesmo segundo, juntou sua câmera, colocando-a no ombro direito, voltando a encará-la.
— Você é fotógrafo?
— Meu hobbie. Não sou profissional — respondeu direito.
— É amigo do Benjamin?
— Está fazendo minha ficha para ver em qual escala eu me encaixo aqui, rainha ? — O mesmo sorriu sádico. — Sim, eu sou muito amigo do Benjamin. E agora, estou rebaixado a amigo dos geeks impopulares? — Ela rolou os olhos, ficando fisicamente cansada do ar arrogante do garoto.
— Acha que isso faz diferença em Vermont?
— Acho que faz diferença pra você.
— Está achando errado.
— ! — Taylor chegou, logo parando o olhar no menino. — Quem é esse?
— Talvez ele fique feliz em se nomear pra você, Lausen. — olhou para o garoto, que apertou os lábios a mesma medida que espremia seus olhos estonteantemente bonitos.
— . — Estendeu uma das mãos para Taylor, sorrindo em seguida. pode sentir a pequena falha na respiração da amiga.
— Uau, achei que fosse um indigente.
— Talvez para v...
— Ei, você tem uma câmera! — Taylor interrompeu a pequena resposta atravessada de , apontando para o eletrônico. Ok. Agora ela sabia o nome.
— Parece que sim — respondeu óbvio, muito embora, ainda usasse seu tom gentil.
— Quer fotografar nosso evento? — soltou de imediato; o garoto passou a língua nos lábios por alguns segundos. — Pagamos a diária, não podemos cobrir o que o resto está oferecendo, , mas de qualquer forma, você salvaria nossas vidas.
— Um evento vale a vida de vocês? — Ele franziu a testa. suspirou cansada, qual era o problema dele?
— É importante. — Taylor deu de ombros. — Além de que seu nome vai estar em todas. Considere-se...
— É pegar ou largar, . — interrompeu a frase que, provavelmente, o espantaria no mesmo segundo. — Eu sei que você odeia isso, mas é como caridade.
Ele permaneceu mais alguns segundos olhando para o nada. Foram segundos pequenos, no máximo três, mas o suficiente para causar estranheza na menina a sua frente; no fundo daquele par de olhos azuis que viajavam pelo monte de arvores, provavelmente pensando se seria viável a ele aceitar a oferta, não podia evitar pensar em duas hipóteses: Ou era do tipo que odiava os superiores por não ser um, ou por ele ser “superior” e não gostar de pessoas que não se encaixassem em seus padrões. Eram dois extremos que a atraíam a ele numa curiosidade inquietante.
— Tudo bem. — Estalou com os lábios, iniciando passadas para se afastar. — Me avisem e eu estarei lá.
— ! — Ela o chamou, por último. — Obrigada. — E, pela primeira vez, ele sorriu sincero em sua direção.
O garoto saiu andando e até que sumisse, ela e Taylor continuaram o encarando.
Sem carro popular, sem moto de bad boy, sem grande estardalhaço, como ele parecia fazer. subiu em cima de sua bicicleta e saiu pedalando. Ninguém parecia ter o notado além das duas, até aquele momento. E, por algum motivo, gostava disso. Antes de expressar-se para o mundo, iria fazer questão de conhecê-lo primeiro.
— Quem é o bombom fora da caixa? — Taylor cortou os pensamentos da amiga.
— ? — respondeu, recebendo uma rolada de olhos.
— Namora? O que faz aqui? Tenho chance?
— Eu não sei. Está no mesmo período de Direito que nós. Eu definitivamente não posso responder por um homem, mas alguém já te negou, Taylor Lausen? — replicou.
— É hora de descobrirmos.
Mais tarde, em seu quarto, após ouvir novamente a aula inteira de civil, já que sua produção em tempo real fora de zero por cento, começou a rememorar as súplicas de seu namorado quando ligara para ela mais cedo, para que comparecesse à festa em sua casa.
Sendo constantemente controlado e pressionado por seus pais, tinha algo em si de lei, que era cometer um pequeno ato de rebeldia sempre que estes viajavam, então quase destruía a mansão em que moravam.
Ao contrário de seus irmãos da Sigma-Tau, ele não costumava passar todas as noites na fraternidade, mas sim no seu lar destruidor de sonhos e moldador de mentes. brincava de chamar o casal de doutrinadores devoradores de mentes, e não de pais de seu namorado.
— Eu realmente não tenho tempo pra mais uma festa sua — murmurou, cansada.
— Você fala como se fosse vir ao inferno, . É só minha casa, com música boa, bebida, e nossos amigos!
— Seus amigos, .
— Qual é, — reclamou, dolorido. — Você sabe o quanto é maçante para mim toda porra de dia ir pra comitês de debate; sabe que faço o possível...
— , você sabe o que acontece toda vez que você faz esse tipo de festas...
— Eu prometo que dessa vez eu vou maneirar. — Sua voz soara leve como uma pluma, chegou a sentir o sopro dela, mesmo pelo telefone. — Meus pais podem acabar comigo, mas nada vale mais do que mostrar para eles que eu ainda sou dono das minhas escolhas.
— Ah, sua escolha de ficar completamente louco de cigarro e vodca? — ironizou. Por um segundo, lembrou-se de .
— Eu só estou implorando para que minha namorada, toda certinha e rainha de Vermont, compareça a minha casa e tente me apoiar um pouco mais...
— , desde a última vez, eu não sei se...
— Eu prometo . Nada vai acontecer. — respirou fundo, pensativa.
Alternou seu olhar para o pedaço de papel colado no caderno, o nome “ ” antecedia os números que se seguiam. Ela havia pesquisado tudo que podia sobre ele, não por obsessão, porém precisava urgentemente ajustar as fotos para o dia seguinte, e não sabia como contatá-lo a não ser fuçando sua ficha. Talvez pudesse ir falar com o garoto e, após isso, comparecer a festa de .
— Ok, , eu irei. — Ouviu um grunhido contente do namorado do outro lado da linha.
— Estarei te esperando com muito amor para dar.
— É, espero que só pra mim mesmo!
— É claro, . Até mais.
A menina encarou o caderno, já preenchido com a principal tarefa que teria que realizar e o trabalho que estava pela metade, porém ainda possuía um prazo de três semanas para ser entregue e decidiu-se por atender ao pedido de , já que, na verdade, não era tão exigente. Era só ela dar uma passadinha na festa e depois se mandar de lá rapidinho, após se fazer ser notada pelo namorado.
Determinada, guardou seu material apressadamente e pegou o top branco e a minissaia preta que havia separado para a ocasião, caso mudasse de ideia. Aprontou-se o mais rápido possível, pôs uma maquiagem básica, uma botina escura com salto e finalizou com um batom vermelho escarlate.
Antes de sair, discou o número de , encarando seu reflexo no espelho enquanto não recebia resposta alguma. Estava prestes a desligar, quando ouviu sua voz duvidosa, um tanto mais grossa do que era pessoalmente.
— — murmurou. — Acho que não devo me apresentar, já que você sabe tudo sobre mim. Eu estou começando a ficar com medo, . — respondeu, o que fez sorrir.
— Pensamos em algumas atividades para divulgação com suas fotos, e eu achei que deveria te avisar de antemão.
— Quando?
— Amanhã. — Ele resmungou um “Huh” pensativo.
— Quer ajustar os detalhes do que eu devo capturar, exatamente? — perguntou, preciso.
olhou no relógio, notando que faltava meia hora até que a festa de começasse. Como de costume, ela nunca chegava primeiro, sua filosofia de ir antecipadamente naquele dia em si era que, quanto mais cedo chegasse, mais cedo poderia ir embora, e evitaria toda a loucura final que as festas de causavam. Porém, meia hora mais tarde não machucaria ninguém.
— Onde podemos nos encontrar?
— Pode ser no Waack? — Era a cafeteria mais conhecida da pequena cidade de South Mills, ficava na avenida principal.
— Chego em 5 minutos.
— Até.
Num ato só, a garota juntou a bolsa, suas chaves, e caminhou rumo ao seu carro. South Mills era uma cidade muito pequena, de fato, tudo poderia ser encontrado a pé sem que você se perdesse, mesmo assim era viável para ela que, de salto, fosse com o carro que seus pais haviam deixado como garantia de suas saídas na noite, muito embora fosse seu motorista a maioria das vezes. odiava dirigir, porém naquele dia estava ocorrendo uma sucessão de fatos inesperados, e ela precisava correr dentre todos eles.
Estacionou em uma das cinco vagas liberadas do café, observando de longe, ao sair do carro, chegando a passadas largas. Diferente da escola, o garoto usava um moletom preto, com um jeans que fazia perfeitamente jus a mesma, e um All Star surrado; seus cabelos loiros estavam agora desarrumados pela brisa um pouco mais forte do fim de noite, e seus olhos azuis estavam mais escuros.
— Parece que alguém está pronta pra mais uma guerra aqui — brincou, ao vê-la produzida. não pôde negar, estava atraente, muito atraente. O sorriso que a mesma direcionou a ele após a frase o fez, por alguns segundos, ficar perdido. Foram milésimos.
— É mais uma das coisas fúteis que nós, presidentes e populares em universidades, fazemos nas quintas a noite — a menina ironizou, arrancando-lhe um riso cedido.
— Ok, , vamos acabar logo com isso. — Deu passagem para que adentrasse antes dele; tentou desviar o olhar de sua parte traseira, mas foi quase impossível. Ela precisava ter ido vê-lo com aquela minissaia?
Fora meia hora incessante de conversa nos detalhes mínimos sobre as fotos e tudo o que desejava para aquele evento. Além das partes perfeccionistas, que a garota não deixava passar — o que, de fato, o deixou impressionado —, ouve um breve momento que a garota deixou seu lado sabe-tudo vazar. Ou, ao menos, proporcionou que visse. Seu lado inteligente e geek, que continha uma mera semelhança com , o fez olhá-la diferente. Por algum motivo, passar meia hora falando sem parar com — uma novidade totalmente nova para ele, que não sustentava nem um diálogo de cinco minutos com seus pais —, o fez pensar um pouco diferente sobre ela.
— Então, . — A menina debruçou-se sobre a mesa, terminando de comer seu Muffin. Era lei, ela precisava comer um Muffin de chocolate se fosse ao Waack.
— Então, — devolveu. — Como conseguiu meu número?
— Mais um dos privilégios de ser “eu”. — Sorriu sem mostrar os dentes, estalando os lábios em seguida. Os sorrisos sinceros dele estavam deixando-a mais feliz.
— Por que você é assim?
— Assim como?
— Por que escolheu ser tudo isso? — O garoto fez gestos com as mãos, moldando a silhueta dela no ar.
— Acho que não é uma questão de escolha precisa — comentou, o encarando nos olhos. — Você disse que somos os reflexos de nossas atitudes, certo?
— Então você tem esse espirito de liderança intrínseco em você? — debruçou-se em direção a ela, interessado e um tanto irônico.
— Por que você é assim, ? — rebateu, e, ao contrário do que imaginou, não percebeu vacilo nenhum do mesmo.
— Eu sou sistemático. Talvez um pouco egoísta. Posso estar julgando errado, , só acho que você é muito mais do que uma presidente do comitê que comanda meninas sem cérebro.
— Isso foi um elogio? — perguntou afetada, vendo-o recostar no banco com um sorriso esquisito. — Você tem uma visão tão deturpada das coisas, ...
— Talvez eu tenha, estou em processo de aprendizado... — Deu de ombros. A sensatez de a fazia querer esmurrá-lo.
— Permita-se conhecer, , é ótimo, ao contrário do que você pensa, é mais libertador do que se prender numa verdade que você inventou — disse, voltando a olhar no relógio. Estava atrasada e havia duas ligações de em seu celular.
— Talvez minha verdade seja melhor — murmurou ele.
— Isso você só vai discutir se experimentar outros sabores. — Piscou. — Vem, vou te dar uma carona.
E, pela primeira vez, ficou sem resposta naquele dia. Um único dia e retirou qualquer tipo de argumentos dele. É, talvez ela tivesse razão, mas isso não mudava o fato de sua discordância para vários pontos de toda aquela coisa que envolvia a vida acadêmica.
Chegando à vizinhança de que, para a surpresa de , era a mesma de , começou a ouvir o intenso barulho que percorria a longa rua. Pararam a algumas casas de distância devido à multidão de pessoas conversando, bebendo e fumando substâncias de todos os tipos no meio da estrada que adentrava a enorme e imponente mansão dos .
Considerando que o evento havia começado já há algumas horas, a casa deveria estar abarrotada de gente. Mas isso não era nenhuma surpresa, já que ninguém ousava perder a lendária festa de .
Antes mesmo de chegar até sua casa, que era umas duas antecedentes a de , grunhia irritado. , ao estacionar ali mesmo em frente a casa dele, percebeu o quanto ele era de fato enigmático. Com um bufo, o garoto saiu de seu carro, escorrendo as mãos pelo rosto.
— Então você conhece o barulhento? — soltou num tom de ódio, o que a fez rir desconcertada.
— O barulhento é meu namorado. — O garoto entortou a cabeça ao ouvir aquilo, não de forma surpresa, contudo, um tanto decepcionada. — Me deixa surpresa você não saber disso.
— Talvez seja o que é mais irrelevante sobre sua vida. — Deu de ombros. espremeu os olhos, confusa. — Obrigada pela carona, , mas eu odeio seu namorado!
— ... — a olhou, confuso.
— É melhor seu namorado não saber que me conhece, pois estou cansado dessas festas.
soubera mais cedo, por meio de seu amigo Benji, líder de uma das fraternidades daquele campus, que haveria a tal festa, porém nunca imaginara o quão irritante isso seria. Tendo se transferido de uma universidade a quilômetros de distância de South Mills, ele não tinha ideia do que sua mãe tinha que aguentar, provavelmente frequentemente, em dias de semana. Digamos que ele não era do tipo que “sofria” calado, e não era a primeira vez que a vizinhança temia por mais uma das festas do rebelde, entretanto, por mais estourado que fosse, esperava que com a chegada de e com ela ciente de seu desgosto, as coisas iriam melhorar, portanto apenas acenou para ela e adentrou em sua casa, já recebendo um olhar irritado de sua mãe, não com ele, mas com o barulho.
Mesmo após duas horas, o barulho continuou alto, não aumentou ou diminuiu, a rua parecia tremer a mesma medida que as batidas fortes das músicas que tocavam. Por um segundo, ficou com raiva de , em outro, sabia que ela não tinha culpa, a festa era do . Mesmo assim, só de estar presente numa dessas, já o fazia querer ficar longe dela.
— Eu vou lá reclamar!
— Filho, já disse que não precisa, estou acostumada a essa altura. Nem sei se prefiro os esnobes em casa ou ver o filho deles destruí-la.
— Mãe, estou falando sério, você vai trabalhar cedo amanhã!
— Não se preocupe comigo querido, vou tentar deitar, me prometa que não criará nenhuma confusão. Esta casa foi a única coisa que seu pai nos deixou, não quero que sejamos ameaçados de despejo só por que o garotinho mimado não aguentou ouvir umas verdades de você e foi reclamar para o papai — disse a mulher, muito bem conservada para sua idade, com um tom de voz de escárnio puro.
— Mas mãe...
Foi interrompido pelo som da campainha da casa soando dentre o som da música eletrônica alta da casa ao lado.
— Nada de mas — retrucou séria. — Atenda a porta. Eu vou pra cama, boa noite, e controle-se.
A campainha tocou mais algumas vezes, reiteradamente, o que fez o garoto ficar ainda mais irritado. Era possível ouvir seus pés descalços ricochetando no chão, por pisar duro de raiva. Assim que olhou dentre a cortina, observou uma garota conhecida.
— Era o que me faltava! — resmungou.
— !
— Lausen — respondeu, sem o mínimo de entusiasmo.
Na festa…
— Ora ora, se não é nossa rainha — disse Patrick, o vice presidente da Sigma-Tau e parceiro de festas de . — Você realmente faz jus ao legado que tem.
— Patch, já disse para não me iludir, você sabe que no momento que decidir largar a Cathy, eu dou um pé na bunda do em segundos.
— OUTCH — falou , se aproximando dos dois brincalhões e abraçando-a pela cintura; era nítido que o namorado já estava alcoolizado. — Já chega atrasada e ainda me esculacha, ? O que você pensa que é?!
— Sexy, inteligente e com alta tolerância a álcool, querido.
— É assim que se fala, baby! Falando em álcool, tenho que buscar mais um packs. Aceita?
— , acho que a quantidade de bebida que tem aqui já é suficiente para um estádio inteiro.
— Deixa de ser careta, . Eu preciso de um pacote de cigarros também.
— Oi? — começou a segui-lo pela multidão. Odiava quando passava dos limites em sua bebedeira.
— Fumaaaar! — Aumentou tom ao chegar à garagem, tropeçando, virou-se de costas, ficando de frente para que, preocupada, tentava agarrar o namorado pela camisa para que este não tropeçasse em alguma garrafa de vidro vazia. — Eu preciso de um cigarro e essa noite é a única que eu estou livre! — Abriu os braços. Nesse momento, a garota conseguiu alcançá-lo, agarrando-o pela camisa.
— Você me prometeu que não ia passar dos limites hoje, ! — sussurrou entre dentes, quase roçando seus narizes.
— Você fica tão excitante quando faz essa carinha. — O menino mordeu os lábios, soltando-se dela segundos depois.
escolheu o carro esporte de seu pai e entrou tropeçando um pouco e gargalhando sozinho.
— , volte aqui agora!... — continuou caminhando, parando em frente ao carro.
— Eu estou bem, meu amor! Confia em mim! — O garoto buzinou e dessa vez colocou apenas a cabeça para dentro da janela do passageiro.
— Onde está a Taylor? Eu vou embora.
— Não sei, . — Seu tom de voz engrossou. — Estou cansado de você querer controlar tudo e todos ao mesmo tempo! Tudo do seu jeito de ser. — Bufou. — Se algo não sai do jeito que você quer você simplesmente vai embora...
— Então acha isso de mim? Que eu sou controladora?!
— É difícil ouvir alguém falando assim com você, ? — provocou, enquanto começava a acelerar. No mesmo momento, entrou no carro, temendo que ele arrancasse.
— Quer ter essa conversa? Então teremos, ! — Grunhiu irritada. — Mas antes, saia desse carro agora!
— Para de tentar me controlar!
— Eu não estou, ! — Ela choramingou raivosa, não notando que o mesmo havia acabado de arrancar com o carro da garagem, em poucos segundos ambos estavam na rua, pela alta velocidade. — Para o carro agora!
— Você é insuportavelmente megalomaníaca, . E eu estou cansado disso!
— Então por que você está comigo?
— Porque você é a , porra!
O rapaz bateu no volante irritado, perdendo controle de seu corpo, já alterado fisicamente e agora também emocionalmente. Com o impulso do ato, acidentalmente pisou de forma desmedida no acelerador, a ponto de colar no banco onde estava sentada.
A imagem de uma árvore vinda em sua direção e o barulho dos pneus cantando foi tudo o que a menina viu ou ouviu antes de perder momentaneamente sua consciência, além de uma dormência esquisita no corpo, causada, pelo que ela sabia, de uma dor enorme que, provavelmente, provinha de alguma parte de seu corpo.
Segundos antes do acidente...
— ...
— Lausen.
A companheira de fraternidade da , quase tão popular quanto à segunda. Não queria ser mal educado, mas a feição de Taylor meio que pedia pra que ele fosse, em razão também do fato de ela exalar cheiro de cachaça e estar lá naquele horário.
— Acordado a essa hora? — Foi o suficiente para rir - para não chorar -, e se encostar-se à porta.
— Bom, como eu poderia dormir com um barulho desses? — Apontou com o olhar para a casa vibrando ao lado da sua.
— Talvez seu destino hoje a noite não seja dormir, já pensou nisso? — Ele franziu o cenho.
— Onde você quer chegar, Lausen?
— Qual é, , você namora? — Tudo bem. Ele, de fato, precisaria ser grosseiro?
— Não, Taylor, eu não namoro.
— Então por que está sendo difícil?
— Eu mal conheço você. Tá falando sério?
— Ninguém nega Taylor Lausen na porta de casa, . — Taylor vangloriou no maior tom alcoolizado que podia notar. No fim, a raiva deu espaço a pena. A garota era só mais uma popular a procura de alguém para beijar na noite; alguém que ela não tinha beijado, a propósito.
— Então, pode me chamar de ninguém. Boa noite, Lausen, eu acho melhor você ir pra casa.
— O que você disse? — A menina parecia ter ficado chocada, tão chocada que o rapaz quis rir.
— Por favor, Taylor, não dificulta as coisas. Conversamos quando você estiver sã.
— Mas...
— Boa...
Um cantar de pneu vindo do fim da rua e um estrondo bem mais próximo, já na casa ao lado, fez com que levantasse seu olhar da menina a sua frente, e com que esta se virasse ao perceber o arregalar de olhos dele.
Um carro esporte que vinha a toda velocidade havia se chocado com uma árvore quase à porta de sua casa. Várias pessoas começaram a sair da casa dos , correndo para ver o que havia acontecido, mas pararam em um raio de 5 metros de onde havia ocorrido a batida.
Um bêbado, trôpego e sem nenhum arranhão saíra do carro logo depois, ainda desorientado. Este ficou em choque ao perceber que sua namorada não tivera a mesma sorte e estava cheia de cortes e com um machucado feio sangrando em sua cabeça. Lá estava , cheia de sangue no banco do passageiro.
Talvez fosse o silêncio que, em fim, começara com o maldito som da festa, nesse momento com a canção New Rules da Dua Lipa, sendo desligado, ou talvez fosse a reação inútil dos supostos amigos do casal, que eram popular a ponto de realizar um evento daquela proporção em plena quinta-feira. Essa popularidade parecia inútil naquele momento, já que ninguém fez nada para ajudá-los, todos simplesmente ficaram em inércia devido ao choque.
Olhando em volta para toda a imobilidade a sua volta, nem que fosse para ligar para o socorro, empurrou Taylor sem jeito para o lado, quem estava encarando a cena com uma mão à sua boca em torpor, e saiu correndo para onde o carro esporte de colidira lateralmente com a árvore, fazendo com que esta se envergasse perigosamente na direção do carro.
Paralisados. Era assim mesmo que podia ser descrita a reação de todos os estudantes que observavam a cena com certa distância. Mortificados, eles não tiveram reação alguma, até o momento que correu para o carro, puxando a porta amassada que estava mesmo a ponto de desabar após o impacto; tirou uma inconsciente dos escombros.
— Liguem para a emergência! — Gritou ele, carregando-a para o gramado mais próximo e deitando-a com cuidado em seu colo. A menina já despertara, mas piscava como se estivesse sonolenta.
— Ei, ei, ei... — segurou nos braços ao vê-la um tanto inquieta, embora mole em seus braços, procurou os olhos da garota, que mesmo coberta de sangue, brilhavam numa intensidade de tirar o fôlego. — Tá tudo bem. O resgate vai chegar em pouco tempo.
— ...
— Não precisa dizer nada. Fica quietinha — sussurrou perto de seu rosto, alisando involuntariamente alguns fios de cabelo da garota retirando alguns estilhaços de vidro que continham nele.
— ... — viu ao longe se aproximando, e Taylor, atrás dele, segurava-o, já denunciando o estado crítico pela bebida, e também o motivo da batida. O namorado da garota, por um momento, quis levantar e bater em , sem saber o porquê; não entendia sequer o porquê de estar ali. Era como se tivesse que estar.
— Leva ele pra longe, Lausen — gritou em direção a eles. — Ela precisa de ar!
— É minha amiga, !
— E ela vai ficar bem se você permanecer longe! — urrou, voltando seu olhar a , que o encarava, piscando lentamente, agora com os olhos cheios de lagrimas.
— Não fecha os olhos, , por favor — voltou a sussurrar. — Eu sei que é difícil, eu já sofri um acidente... — Sorriu nervoso, ele podia sentir o tremor por dentro de seu corpo, tentando segurar ao máximo. — Mas você precisa ficar acordada. — A garota piscou algumas vezes, deixando uma lágrima escorrer. sentiu o peito apertar pela demora dentre as piscadas. — , você precisa continuar acordada para me mostrar as outras “verdades”... — murmurou. — Eu prometo que dou uma chance para minha mente complicada, mas você precisa continuar acordada, por favor. — A menina piscou mais algumas vezes. — Eles precisam de você.
Ouvindo o som das sirenes, o garoto parou de falar e suspirou um pouco mais aliviado. Os paramédicos pegaram a menina com cuidado colocando-a na maca. O menino não pensou duas vezes ao insistir em ir junto à ambulância.
, muito cansada, ouvia a voz suave de a acalentando, porém como se estivesse debaixo d’água, quase não conseguindo distinguir em palavras o que ele tentava lhe dizer. A cada piscada parecia que estava se afundando ainda mais em uma escuridão silenciosa. A última coisa que viu foi a face preocupada de , com seus olhos azuis cheios de desespero. Piscou uma última vez mergulhando no vazio da inconsciência.
Capítulo 3 - Um Novo Começo
O som ritmado de uma máquina bipando acordou para a claridade do recinto hospitalar, todo pintado de branco e azul bebê. O cheiro forte de antisséptico, característico de instalações como o Hospital Saint Mills, inundou suas narinas assim que inspirou profundamente. Após abrir os olhos, escaneou onde estava e o porquê disso.
Após acolher os sentidos externos, passou a checar como seu próprio corpo estava. Uma faixa de gaze cobria um corte com alguns pontos em sua cabeça, que pulsava um pouco, mas nada preocupante. Havia um hematoma atravessando seu corpo, a partir de seu ombro, onde o cinto de segurança havia feito pressão ao ponto de quase penetrar a derme. Além disso, pequenos cortes preenchiam seu colo e braços, devido aos caquinhos de vidro da janela que estourara durante a batida. Por fim, seu pé estava pendente com um gesso que ia até quase a altura dos joelhos.
Ajeitou a camisola que vestia ao levantar sua cama para a posição sentada, fazendo com que os bips de seu monitor cardíaco se acelerassem um pouco. Pegou o controle da pequena televisão que adornava o recinto, trocando de canais entediada, até que alguém bateu à sua porta, entrando logo depois, sem realmente esperar resposta.
Tom e Victoria adentraram o quarto, carregando diversas amostras de itens da cafeteria e dois cafés fumegantes. O homem quase derrubou tudo o que segurava ao ver sua filha sentada, parecendo muito melhor e sorrindo para ambos.
— Chame a enfermeira! — seu pai gritou num ruído esquisito, colocando às pressas tudo o que carregava no criado ao lado de sua cama. sentiu seus lábios arderem, ao sorrir abertamente ao vê-lo sentar-se ao seu lado. Mas aí, a garota lembrou-se do acidente, da responsabilidade que prometeu a ele, e foi diminuindo o sorriso que antes carregava. Tom acompanhou sua ação, confuso.
— Pai, eu sinto muito por isso...
— Do que você está falando, querida? — Entortou a cabeça, aflito.
— Eu devia ter previsto que...
— Não foi culpa sua, . Não foi culpa de nenhum de vocês... — O homem puxou a mão da filha, acariciando com o dedão. permaneceu em silêncio, fungando, a fim de segurar a pequena emoção, misturada com algo que ela não soube descrever, que lhe davam vontade de chorar.
— Como ele está? Ele está bem?
— Ficou apenas algumas horas em observação, nada grave... — comentou. — Eu senti tanto medo de perder.
O abraço que Tom finalmente lhe dera fora caloroso, do seu jeito de pai. Ele era cuidadoso até nesses momentos, e ainda mais carinhoso que sua mãe. Com delicadeza, o homem deslizou os dedos pelos fios de seus cabelos, trazendo uma paz que só o abraço de pai era capaz, aquele que ela não sentia há seis meses. conseguia sentir o coração do pai batucar forte no peito; seus olhos se encheram de lágrimas, fazendo com que ela precisasse apertar-se mais ainda em seu abraço.
— Eu chamei. , filha. — Ouviu a voz fina de sua mãe tocar seus ouvidos. Da mesma forma, desvencilhou-se dos braços do pai, que dera espaço agora a Victoria. Esta não esperou ou conversou, abraçou a garota fortemente, beijando sua testa inúmeras vezes antes de soltá-la. — Você quase me matou do coração, mocinha.
— Eu quase, de fato, morri, mãe. — Sorriu brincalhona, recebendo um olhar reprovador da mãe.
— Não brinque com isso. Se não fosse , você realmente poderia ter morrido. — No mesmo momento, entornou a cabeça, confusa. ? Seus pais conheciam ? A pergunta ricocheteou tanto que saiu em voz alta.
— ? Vocês conhecem o ? — perguntou numa gaiteada.
— Ele te trouxe ao hospital, , você não se lembra?
— Não fecha os olhos, , por favor — voltou a sussurrar. — Eu sei que é difícil, eu já sofri um acidente...
— ... — murmurou seu sobrenome, ainda confusa. Sua cabeça doeu de leve, por esse motivo tocou-a, confusa, fechando os olhos por um breve momento.
— , está tudo bem? — Victoria segurou seus braços. A menina sorriu.
— Sim, eu só... — Suspirou voltando a olhá-los. — E Taylor?
— Ahn... — Tom levantou-se da cama.
— Finalmente acordada, Miss ... — Uma moça loira, de olhos azuis, cortou-os. — Estava ficando preocupada...
— De fato as ’s têm nove vidas... — Sorriu amistosa para ela.
— E você está prontíssima para viver mais uma. — Estendeu a mão para a garota. — Sou Callie , sua fisioterapeuta a partir de agora.
— Fisioterapeuta?
— Você quebrou a perna, vamos precisar tratar isso. É coisa de três semanas, você consegue. — Sorriu. — Bem, agora precisamos fazer uns exames e, se tudo estiver correto, você será liberada.
— Ok.
Ao aplicar calmante em para a averiguação, Tom e Victoria haviam-na deixado, ainda inconsciente, após ter sido atendida e terem feito uma bateria de exames para certificar-se que tudo estava dentro dos conformes.
Sortuda, haviam dito. Para os pais da menina, não tinha nada a ver com sorte, mas sim o contraste entre a irresponsabilidade do namorado da filha com a responsabilidade desta, ao colocar um cinto de segurança.
Orgulho. Isso foi o que sentiram de seu tesouro. Além de não possuir uma gota de álcool no sangue ao momento do acidente, havia confessado para eles, nada que um pouco de coerção não resolvesse, que havia entrado no carro enquanto tentava impedi-lo de conduzir nas condições em que se encontrava.
Tão logo o menino confessara, não dera nem tempo de despejar sua ira sobre ele, já que os malditos haviam ido buscá-lo no hospital, com uma horda de advogados os apoiando, para que sua imagem não fosse prejudicada. Desconcertante como fora, os s sabiam que sua filha nunca moveria um dedo para prejudicar , por mais idiota que fosse ou irritada que estivesse.
Nunca haviam aprovado o casal com todo o coração, mas sim com reservas. Não haviam dado para sua filha uma negativa, porém. Esta era conhecida por tomar suas próprias decisões em busca de sua felicidade e não adiantaria em nada expressarem-lhe suas preocupações, já que a criaram para não depender de ninguém e a seguir sempre o que achava ser certo, não importando o quanto o resto do mundo julgasse ser errado.
Este ensinamento havia trazido tantos problemas como benefícios, contudo. Um exemplo havia sido a ocasião em que tinha conhecido seu melhor amigo, ainda na época do jardim de infância.
A Escola Primrose era uma das mais conceituadas da cidade de Montreal, onde o casal viveu durante os primeiros anos da vida da filha. No pátio havia uma árvore muito antiga e imponente, porém que com o tempo adoeceu, tornando-se perigosa para os passantes. Dessa forma, o comitê escolar havia decidido cortar o mau pela raiz. , que sempre havia sido fascinada pelas flores coloridas e exuberantes da planta, havia invadido o perímetro de segurança posto até quando os guardas florestais fosse retirá-la e se prostrado ao lado da convalescente árvore, com seus bracinhos pequenos e gordinhos abertos para protegê-la.
O professor tentou convencê-la a sair dali durante um tempo e quando saíra para ligar para os seus pais, um bravo pequeno menino, novo no colégio, havia passado por debaixo da fita de segurança, parado à sua frente e haviam tido a conversa gênese de sua amizade.
“Oi, qual o seu nome?”
A menina olhou para ele confusa.
“... Você é novo, menino?”
“Sim, sou o Nicholas”. Disse ele, abrindo um sorriso em que predominavam dentes ainda em crescimento.
“Quer me ajudar a salvar a Savannah?”
“Quem é essa?!” Perguntou o menino, agora sim confuso.
“A árvore! Na primavera ela mostra suas cores e no outono ela me deixa brincar com suas folhas! Você podia brincar comigo.”
“” Disse Nicholas olhando triste segurando a mão da menina desamparada. “A Savannah está doente. Só querem deixar ela descansar, assim como aconteceu com a minha mamãe. O papai me explicou que eu sempre ia sentir falta dela, mas às vezes tudo fica bem, principalmente por causa da tia Kate!”
“Mas...” Falou a menina começando a duvidar de seu empreendimento. “Se cortarem ela, não vai machucar?”
“Não sei, ! Mas ela já está com dor. Vão plantar outra muito bonita no lugar. Não vai ser igual, mas vai ser legal também, igual à tia Kate!”
“Tá bom, Nick. Vamos brincar de pique esconde? Meus pais devem estar chegando agora”.
“Vamos sim! Você conta!”
se virou para a árvore contando os números que lembrava e assim que terminou, abraçou Savannah, despedindo-se para logo após correr procurando seu mais novo amigo.
Após o acidente, ainda teve que passar mais uns três dias no hospital, algo que a deixou profundamente irritada, já que estava perdendo aulas e tudo o que tomava conta, desde a Irmandade até a comissão de formatura. Porém, isso era melhor do que a alternativa de sair do H.S.M. no dia seguinte em um saco plástico preto.
Finalmente, depois de três dias de tédio passados com seus pais, que não a deixaram ter nenhum contato com algo que envolvesse trabalho, ela foi liberada pela médica, sob a promessa de voltar um dia ainda naquela semana para trocar o gesso pela bota imobilizadora, já que sua torção não fora muito grave, e para tirar os pontos. Além disso, teria que comparecer duas vezes por semana para fazer fisioterapia, recuperando a movimentação normal de seu tornozelo.
Tentou convencer seus pais que estava bem para ficar sozinha na fraternidade, porém fora uma perda de tempo. Eles ainda informaram-lhe que ela só sairia de sua supervisão quando passasse pelo menos uma semana sendo cuidada por eles.
Dirigiram até a ακν para que pudesse pegar seu material escolar e algumas roupas. Assim que chegaram, a menina suspirou aliviada, como se estivesse em casa após todo o pesadelo que se passou. Recusou a ajuda de sua mãe, dizendo-lhe que faria só uma mochila e que a chamaria para que esta lhe auxiliasse se fosse necessário. Pegou suas muletas e atravessou o pátio, chegando ao lobby estranhamente vazio.
Ouviu uns barulhos vindos da cozinha e pensou: é claro! O acidente fora quinta-feira à noite e, como havia passado mais três dias no maldito hospital, isso fazia de hoje segunda-feira, dia das reuniões do comitê organizador da Irmandade!
Foi sorridente, pensando em surpreender suas irmãs Kappas parando atrás da porta da cozinha, agradecendo o carpete macio que não denunciara sua presença pelo barulho das muletas. Quando estava prestes a entrar, algo que ouviu a paralisou no mesmo momento.
— Meninas, como presidente interina, eu demando que seja abordado mais um tópico: . — A voz de Taylor ressoou alta e clara, cortando o pequeno rebuliço de fim de reunião.
Ouviu-se um coro de aprovações e alguns resmungos, como se este assunto já houvesse sido discutido algumas vezes por trás dos panos.
— Já discutimos isso, Taylor. Não acho que uma ausência tão pequena faça necessário um impeachment, e não acho correto que estejamos debatendo isso quando ainda nem fomos visitá-la no hospital. Você ao menos ligou para saber como ela estava? — disse Courtney, com um tom incisivo. — Eu liguei, os pais dela me disseram que não demoraria a ela se recuperar, que ela tivera sorte e escapou sem danos permanentes.
— É claro que eu liguei, Courtney. — A garota pôde sentir as cordas vocais de Taylor vibrarem pelas paredes. — Olha... — Suspirou parecendo pensar, cerrou os olhos, engolindo em seco. — Nós somos uma fraternidade respeitada pela responsabilidade, estou certa? — Houve um coro de “sim” em diferentes tons. — Sabem por que, sofreu esse acidente com o ? — Um silêncio de três segundos se sucedeu. — Porque ela foi irresponsável, meninas.
O que?
sentiu o estômago revirar no corpo ao ouvir aquilo. É claro, Taylor não estava com ela no momento do ocorrido e da briga, entretanto, mais do que ninguém, ela deveria saber que a garota havia parado de ingerir bebidas alcoólicas nas festas de há tempos, ou melhor, mal ia às festas do “namorado” desde que... Respirou fundo, tentando controlar a respiração para ouvir o resto.
— Irresponsabilidade, Taylor? — Courtney bradou. — Eu estava lá, eu não...
— Eu sou a melhor amiga dela. Acha mesmo que o não me contou o que ocorreu?
— O que você quer dizer?
— Que eles brigaram. — Taylor parecia nervosa, já a outra sentia seu sangue escorrendo quente nas veias. — Patrick viu que ela chegou um pouco... Fora de controle para cima do garoto e, após uma série de provocações, ambos acabaram entrando no carro e...
— perdeu o controle bêbado, e todas nós sabemos disso, sua sorte é que ele tem pais influentes... — Outra garota tomou a voz de Courtney.
— Não interessa, Louise. Sabemos o quanto ela é controladora... Eu não duvido que ela tenha...
— Taylor, você não pode trazer argumentos com base em especulações! — Fora a vez de Alexia pronunciar-se.
— Ok — bradou, parecendo perder a paciência. — A questão é que os rumores estão rolando, e futuro da nossa fraternidade está em jogo por causa disso. Ou tomamos medidas drásticas, ou vamos aguentar o peso.
— E o que você sugere?
— Eu e Madison tomamos a liderança por um tempo, até se reintegrar novamente. E, depois disso, podemos fazer uma eleição correta.
— Você quer tomar o posto dela? — Houve um silêncio contínuo. engoliu em seco. Talvez fosse isso mesmo. Taylor era sua amiga oportunista?
— Esse posto jamais foi dela.
Ao ouvir o fim da reunião, apressou-se em sair da casa, entrando no carro onde seus pais a esperavam pacientemente e passando para a mãe a lista de coisas que pretendia pegar, sem condições de encarar as meninas que haviam falado dela em suas costas de forma tão seca, após anos vivendo juntas e empreendendo tantos eventos com sucesso. Com esse último pensamento, percebeu que nunca houvera realmente sido próxima de nenhuma delas. A única com a qual já houvera tido uma conversa sincera, havia sido Courtney, já que ela havia passado por um período difícil com a separação de seus pais, e só havia notado sua apatia, ouvindo todos os desabafos dela. Porém, ela mesma nunca havia se aberto para nenhuma de suas chamadas irmãs. Tudo o que faziam juntas era promover eventos, ir a festas e conversar sobre garotos, matérias do clube de estudos e frivolidades.
Não comentou nada com seu pai, olhando para o céu nublado fora da janela do carro enquanto esperavam, parados do outro lado da rua, ouvindo uma música tranquila. A menina estava quase caindo no sono devido a seus analgésicos, mas a cena de um conversível vermelho parando na frente da Irmandade fez com que esta arregalasse os olhos, reconhecendo o loiro que o conduzia.
carregava alguns arranhões, olhos caídos, parecia cansado e com muita pouca vontade de estar naquele lugar, porém isso não era uma novidade. Quase toda semana ouvia sempre a mesma conversa do garoto sobre não querer ir para aula, ter um momento dele, sem pressão e coisas do tipo; ela sentiu o corpo pesar só de pensar nele e em todas as brigas consecutivas que haviam tido por causa disso. Não que o pressionasse também, contudo, era adepta à teoria da sinceridade. só era daquele jeito, fora de controle, porque os pais não o deixavam viver, então, quando ele podia, realmente estourava a boca do balão, e foi nessa que o limite de fato atingiu-os, ainda mais forte do que todas as outras vezes.
Decidida, a menina saiu do carro, juntando suas muletas, murmurou um “já volto” para os pais e caminhou em direção ao rapaz, que agora saía do carro, caminhando um tanto manco até o gramado.
— ! — gritou. Não alto, mas foi o suficiente para vê-lo arregalar os olhos para ela. parou de imediato, entre seu carro e seus amigos. e ele pararam frente a frente.
— ... — O garoto analisou-a dos pés a cabeça, verificando todos os arranhões e a perna engessada. A menina sentiu seu pesar ao olhá-la.
“— Então por que você está comigo?”
“ — Porque você é a , porra!”
— Como você está? — perguntou, sorriu sem graça, deixando a mostra seu corte no lábio inferior.
— Como você acha? — Ela abaixou a cabeça. — Eu sinto muito, . — Houve mais um tempo de silêncio entre os dois. — Eu sinto muito por ter feito isso com você... Eu...
— Não foi o acidente. Você sabe disso, não sabe? — A garota o cortou numa respirada só, aumentando o tom de voz. Ele passou a língua nos lábios, fazendo uma cara de dor. — Eu não te culpo por ter batido aquele carro, longe disso, , o nome já diz: Acidente.
— Mesmo assim, eu...
— Você me prometeu — cortou-o novamente. Seu tom agora era magoado. — Você me deu sua palavra de que não ia sair do controle... Só isso que eu te pedi.
— Não foi tão fácil, você sabe disso.
— Se você tem problemas, por que não os resolve sóbrio, ?
— Ah, lá vem a controladora outra vez. — Juntou os braços, sorrindo irônico, copiou-o.
— Sim, isso você deixou claro. Também deixou claro que está comigo porque sou “a ” — Fez aspas. O rapaz continuou calado, abaixando a cabeça em seguida. — Não vai dizer nada?
— O que você quer que eu diga? Ahn? — Engrossou a voz.
— Como assim, o que eu quero que você diga? Basicamente você quis dizer que está comigo pelo meu status, , e...
— E não é isso que nosso relacionamento é? — O garoto abriu os braços. — Você não vê? Fomos penalizados pela nossa popularidade, ! Talvez no primeiro momento fosse amor, mas depois foi nossa imagem de “Casal modelo de Vermont”, e isso foi um dos motivos de estarmos onde estamos!
A garota ficou quieta por longos segundos, segurando as lágrimas que se formaram em seus olhos. Talvez devesse sentir mais do que raiva dele, como naquele momento. Talvez devesse sentir o coração doer por estar num relacionamento, porque era conveniente para ele, ou devesse sentir-se chateada por amá-lo, e ter descoberto que a recíproca não era verdadeira. Mas não estava chorando de raiva apenas dele, e sim de si mesma. Onde ela estava com a cabeça até aquele momento?
— Não, , não era amor nem no primeiro momento. — Apertou os lábios, secando o canto dos olhos.
— ! — Ouviu uma voz estridente, que chegara mais perto em segundos. não virou, apenas fechou os olhos em negativa, sentindo o olhar do rapaz a congelar. — Meu Deus, você está bem! Você acordou!
— E você deveria saber, já que ligou para saber como eu estava, não? — retrucou, assim que tornou a encarar Taylor. A feição da mesma enrubesceu e seus lábios se abriram esquisitamente.
— Do que você está falando?
— Quer saber, Lausen, esquece, estou cansada demais para isso. — Suspirou, dando as costas para ela.
— Você perdeu uma reunião do comitê e eu...
— Pega o comitê para você, Taylor! — gritou, fazendo todos os olhares voltarem a elas. — É isso que você quer? Oportunidade de sair da minha sombra? Eu estou te dando o aval! — ironizou. Taylor abriu a boca num “o” sem dizer uma só palavra. — Só cuidado para queda não ser dura demais.
— Isso é uma ameaça? — grunhiu.
— Encare como quiser. Você nunca foi boa em interpretações mesmo.
À volta para casa foi tudo menos silenciosa, assim que sua mãe voltou, resolveu que era o momento certo para que os atualizasse de sua vida acadêmica e de suas amizades. Fora algo doloroso para a menina contar para eles, sobre o término e sobre as poucas amizades verdadeiras que havia feito todos esses anos naquela faculdade, mas o fizera pela felicidade e pelo interesse genuíno de seus pais, que não costumavam abordar esse tipo de assunto nem quando ligavam durante as viagens ou durante suas visitas à casa de infância, na verdade, costumavam falar de amenidades e coisas aleatórias do dia a dia.
Quanto mais lhes explicava de seus projetos, mais tinha certeza de que havia perdido seus reais interesses e paixões para sua ambição, o que deveria fazer para alcançar o topo da carreira quando chegasse a hora. Entrara na Alpha Kappa Nu em vias de ser selecionada para a melhor empresa de advocacia de Nova York, a Baker Law. Sendo a presidente, sua contratação era dada como certa. Ainda, participara do comitê de formatura para ganhar visibilidade na Irmandade, e até mesmo seu relacionamento com nascera de um empurrão inicial do complô dos pais do menino com seus avós, que eram conhecidos de longa data e sonharam com o casal de poder que seriam. Foi ao tentarem se rebelar juntos pela pressão dos familiares, que ambos se uniram e acabaram sucumbindo aos objetivos deles.
Chegando ao lar dos s, seus pais foram andando para lá e para cá, ajeitando a casa para o conforto da filha, que teria de dormir no quarto de hóspedes. Ela não devia ter que enfrentar a escada para o andar de cima, e seria bom que pudesse ficar próxima à cozinha. Alheia a movimentação dos pais, sentou-se na espreguiçadeira que ficava no pórtico de sua casa, balançando-se com o pé bom, mantendo apoiado o engessado. Suspirou, pensando em sua infância e em como mudara da menina ingênua para quem quer que fosse hoje.
O som de seu celular tocando em seu bolso do casaco a retirou de seu estado contemplativo. Com a pulsação acelerada, retirou-o franzindo a testa ao ver que se tratava de um número desconhecido.
— falando...
— Se você não morreu, está no processo. — A garota gargalhou, sentindo o coração acelerar de felicidade.
— Nick! — bradou. — Talvez eu esteja em processo mesmo... — disse, cessando o riso.
— Eu tive que me certificar de que você estava inteira... — murmurou. — Que merda foi essa, ?
— Ah... — Suspirou cansada. — Alguma coisa me dizia que eu não deveria ter ido. E, voilá! — Olhou para seu gesso, mesmo que Nicholas não pudesse ver.
— Eu sempre disse para você confiar nos seus instintos. — Ela apertou os lábios. — E o infeliz que bateu o carro?
— ... — falou o nome dele retoricamente, não que Nicholas não soubesse, mas sabia que ele não gostava do rapaz. — Bem, acho que está tudo acabado entre nós.
— Ele precisou quase te matar para você perceber que era cilada? — perguntou perplexo. — Poxa vida, você é uma garota tão esperta e tão burra ao mesmo tempo.
— Cheio de elogio hein, amigo? — brincou, o fazendo rir de leve. — Nem se trata disso... Foi de fato um acidente, mas... Eu percebi que era só uma imagem, entende?
— É o preço que se paga algumas vezes... Sabíamos que você corria o risco. — Na verdade, eu não sabia.
— Pois agora sabe. — disse calmo. — Algumas coisas ruins acontecem para aprendermos. Filosofia de vida. Agora você vai conseguir peneirar bastante coisa, para o seu melhor. só foi uma delas. — pensou. Tinha Taylor, contudo, ficou cansada apenas de pensar nela, portanto desistiu de comentar com o amigo sobre um assunto tão inútil.
— É. Você tem razão. Queria que estivesse aqui — resmungou. — Pizza de Pepperoni e uma coca bem gelada era nossa tradição para situações como essa. Lembra?
— Como esquecer? — O garoto sorriu. — Eu posso fazer nosso ritual sozinho... — murmurou. — E você precisa descansar, os analgésicos ainda devem estar funcionando. Prometo que irei quando conseguir, e faremos isso.
— Falando como um médico, e fazendo promessas na mesma medida. — Ambos sorriram. — Te amo, Nick. Foi ótimo falar com você.
— Te amo sempre, maninha.
Dois Dias depois...
Até que não estava sendo tão ruim para receber toda a atenção e cuidados por parte de seus pais, que, enquanto não estavam trabalhando, arrumavam uma forma de passar tempo com ela, tentando a cada dia surpreendê-la com algo diferente para que esta não sucumbisse ao tédio de fazer nada o dia inteiro.
Sua mãe ofereceu-se para levá-la no hospital, porém, após a viagem que o casal havia feito à Kuala Lumpur, havia muito a ser feito em seus respectivos trabalhos. Seu pai estava todo atolado em sua empresa de advocacia, focada para crimes ambientais, e sua mãe estava com uma pilha de clientes para atender em seu consultório de psiquiatria. Então, disse simplesmente que poderia pegar um Táxi até o hospital e, na volta, algum deles poderia buscá-la.
Foi assim que horas mais tarde estava no banco traseiro do veículo, ficando tensa quando este começou a passar pela rua do acidente. A árvore em que colidira havia sido cortada, mas, fora isso, não havia nada que indicasse que algo de muito ruim houvesse ocorrido por ali. Era como se fosse só mais um dia normal em South Mills.
Olhava pelas janelas do carro, impressionada com a velocidade em que algo podia tê-la matado, mas que resultou no começo de um renascimento em sua vida; poderia ser transeunte, varrido para debaixo do tapete. Arregalou seus olhos assim que avistou uma silhueta familiar. Pediu ao motorista para seguir devagar o , em toda a sua glória, vestido com seu habitual casaco jeans escuro assim como sua calça comprida, uma blusa preta e seus All Star.
Abriu a janela, chamando a atenção do menino.
— Eu achei que quando acordasse você seria menos esquisitão... — chamou-o. virou o rosto assustado, relaxando-o em seguida ao ver quem era.
— Se não é , viva! — Sorriu com o canto dos lábios; ainda andava, enquanto o táxi acompanhava.
— Para o azar de alguns — ironizou. O garoto negou com a cabeça.
— Quase morreu e ainda é irônica?
— Mais uma característica dos s, . Para onde está indo?
— Saint Mills. — Apontou com a cabeça.
— Eu também! Entra aí.
— Ah não... Estou bem assim.
— Deixa de ser chato, !
— A última vez que aceitei sua carona, você acabou desacordada no fim da noite. — espremeu os olhos. — Minha má sorte passa, só para avisar.
— Então eu já estou infectada, nada que vá fazer muita diferença. Entra logo!
A contragosto, o garoto adentrou o carro. puxou suas muletas para um lado só, deixando espaço para ele, e, assim que a porta se fechou totalmente, o carro iniciou seu trajeto em velocidade normal, a menina tornou a olhá-lo com um sorriso animado.
— Obrigada. — Deu um soquinho de leve em seus ombros. franziu a sobrancelha. — Você me...
— Ah, sim... — Ambos se remexeram. — Era o mínimo que eu podia fazer. — Olhou-a. Por um segundo, o olhar por baixo dele deixou-a sem ar. — Ninguém se mexeu. Só ficaram te olhando e... — Suspirou. — Acho que tenho mais um tijolinho no céu — brincou, a fazendo rir.
— Eu não sei como te agradecer, sério, eu nem sei o que aconteceu e como...
— Ei. — entortou a cabeça, compreensivo, indicando que ela não precisava explicar. — Como você está? — cortou-a.
— Bem. Fora essa perna, estou me recuperando.
Seus olhares se conectaram por segundos incontáveis, até que o táxi avisou sobre a chegada até o hospital. desceu primeiro, retirando as muletas de , e, com a ajuda do mesmo, a garota saiu. O rapaz a sustentou pela cintura, apertando de leve aquela parte. ficou impressionada com o encaixe que sua mão se fez ali. Tentou não ser levada pelas suas emoções físicas — elas existem? —, e focou em andar de maneira apresentável naquele hospital, com suas muletas.
Isso fora motivo de graça para o garoto. brincava com o modo que andava, e tinha dificuldade para se manejar com aquilo.
— Eu até te acompanharia até sua sala, mas preciso resolver umas coisas e almoçar com a minha mãe... — cerrou o cenho.
— Está tudo certo com você?
— Não, está sim! — Ele riu, coçando a nuca. — Eu tenho que ir. Até.
— Até. — Acenou de leve, o vendo sumir pelos corredores.
A retirada dos pontos e do gesso foi muito mais tranquila do que esperava, então, para matar um pouco o tempo até o horário que sua mãe iria buscá-la, ela resolveu marcar logo o dia e o horário que se consultaria com sua fisioterapeuta.
Perguntou ao ortopedista se este sabia onde poderia encontrá-la, e ele havia respondido que provavelmente no refeitório, já que se tratava do horário de almoço para a maioria dos profissionais do departamento.
Fora isso que a trouxera ao refeitório lotado, com nada mais que o nome da moça da qual tinha lhe visitado quando acordou. Após rodar uns minutos pelas mesas circulares, finalmente avistou a mulher sentada sozinha à mesa.
— Doutora Callie? — perguntou , aproximando-se da mulher com um uniforme azul escuro.
A fisioterapeuta virou-se para ela com um olhar gentil, sorrindo, e oferecendo-lhe uma cadeira.
— ! — Abraçou-a de lado. — Tudo certo para começarmos?
— Digamos que sim? — Sorriu, sentando-se. — Tenho um tempinho até minha mãe vir me buscar, então...
— Ah, claro! — disse, amistosa. — Não é um bicho de sete cabeças, eu vou te devolver sua perna, prometo. Espero que não se importe, vamos dividir esse almoço com meu filho...
— Sem problemas! Adoraria conhecê-lo.
— Bom, ele foi buscar nosso almoço. Deve estar... — Olhou por cima da cabeça. — Aí está ele! , esta é...
— ?
— ?
Ambos disseram ao mesmo tempo, rindo em seguida com a coincidência. Callie alternava o olhar entre eles, parecendo surpresa e um pouco extasiada.
— Você está me seguindo? Preciso me preocupar, pedir uma ordem de restrição ou algo do tipo? — falou ele, tentando parecer sério, mas sem conseguir conter o ar brincalhão enquanto se sentava.
Ela deu um soquinho em seu braço contrariada.
— Não enche, .
— Parece que você me implora por isso, . Mas sério, o que faz aqui?
— Descubra você, Sherlock.
— Já retirou os pontos... — analisou ele, olhando para sua testa, agora não mais enfaixada. — E, pelo que eu vejo, o gesso também... — Desviou o olhar para sua bota ortopédica. — Fisioterapia com a melhor profissional de Saint Mills?
— É, não posso negar sua inteligência — brincou em deboche, o fazendo revirar os olhos. — Desculpa, Dra. Callie, porém seu filho é um porre.
— Ah, eu sei disso! — fez cara feia, abrindo sua refeição. — Pode me chamar de Callie... Mas, que coincidência! Vermont?
A menina assentiu sorrindo, trocando um olhar com o garoto.
— Ela é namorada do barulhento...
— Ah, o garoto dos advogados. — Acenou negativamente. — estava tão rodeado de advogados que achei que estava num episódio de Suits. — mordeu os lábios. — Sinto muito, querida. — Acariciou a mão dela.
— Ah não... Foi estupidez dele achar que eu poderia fazer algo contra. — dizia, olhando para as próprias mãos. alternava seus olhos da comida para ela.
— Ele é a estupidez personificada.
— !
— Não. Tudo bem. tem razão. — A menina sorriu amistosa, um tanto triste, mas ainda assim gentil. Triste por lembrar-se da discussão que havia tido com ele. — A propósito, não estamos mais juntos.
e trocaram olhares intensos após a frase. Era quase mentira dizer que o garoto não havia ouvido sobre a discussão, ou, como eles gostavam de rotular, a “gafe” que a e , com um plus de Taylor, tinham dado no estacionamento de Vermont. Era só o que se falava após o primeiro período.
Sim. Naquela idade, naquele patamar, não suportava em como todos aqueles estudantes se comportam como crianças do ensino médio. A discussão entre eles só cabia a eles. Ver o fato sendo espirrado para todos os lados, de todas as formas, o deixava irritado. Uns defendiam , outros .
Não havia um time para seguir, como estavam fazendo, entretanto, se fosse para ser realmente sincero... Ele havia visto o acidente, havia presenciado o cheiro de álcool que exalava quando saiu do carro e o estado em que ele havia deixado , e, pior que isso, sabendo que ela não cheirava uma gota de álcool, sabendo que seus exames não denunciavam nem isso.
A culpa tinha sido total e completa de , e se a garota não queria culpá-lo, iria.
— Bom, podemos começar na segunda, faremos quarta, quinta e sexta, dois dias de descanso — Callie dizia roboticamente. Ambos não viram o momento em que ela retirou o caderninho, afastando a salada ceasar que havia acabado de digerir. Eles haviam se olhado por tanto tempo assim? — ?
— Ahn... Perfeito, Callie. — Sorriu, voltando-se a ela.
— Pode ser às dez da manhã?
— Eu acho que consigo me ausentar das aulas do crápula do Eddie por algumas horas...
— Eu almoço com você às onze e meia? — cortou-a.
— Claro, filho! — Alternou seu olhar entre eles. — Você pode se juntar a nós.
— Eu posso te dar uma carona. — sorriu, vendo passar a língua nos lábios.
— Eu não posso perder aulas do Eddie sem justificativa.
— A menos que você seja meu acompanhante — respondeu certeira. — É pegar ou largar.
— Estou mesmo vendo vocês marcarem de matar aula juntos? — Callie fechou o caderno. Ambos seguraram o riso, fingindo desentendimento.
— é nerd demais para matar aula, Sra. . — Sorriu.
— Eu sou mesmo. — Encostou-se na cadeira.
— Não aja como se não tivesse vindo ver...
— Mãe... — pigarreou.
— Bom... Você pode encaixar isso no seu trabalho voluntário aqui. — Olhou no relógio. — Preciso ir. Beijos, crianças.
— Tchau — disseram em uníssono.
Em poucos minutos, ambos levantaram-se também. Mais uma vez com a ajuda de , juntou suas muletas. Ele limpou a mesa rapidamente e deu passadas largas até seu lado, rindo mais uma vez de sua falta de jeito com aquilo.
— Por que você ri tanto disso?! — perguntou num gritinho irritado. O garoto riu mais gostoso.
— Eu já usei. Você está fazendo isso errado — falou, enquanto ambos caminhavam. De supetão, a menina parou no meio do corredor com seu olhar raivoso.
— Tá me deixando sofrer e rindo da minha desgraça, ?
— Eu precisei aprender sozinho, ok? — Ele chegou mais perto, parando em frente a ela.
— É vingança?
— Dramática. — Rolou os olhos. — Vem cá. — puxou-a pela cintura sutilmente. sentiu o corpo vibrar. — Se apoia em mim primeiro. — Ela o fez. O garoto ajeitou as muletas da maneira correta. — Agora você coloca uma aqui. — Encaixou-a de um lado. — E a outra aqui. — Fez o mesmo.
usava certo, porém de uma maneira desconfortável. Digamos que a maneira do rapaz não era a “correta” em si, contudo, a mais confortável.
— , você é meu anjo.
— Eu sei. — Ela riu, rolando os olhos.
— Meu e de muitas pessoas — murmurou. — Trabalho voluntário, huh?
— É. Além de estudar, eu gosto de passar meus dias aqui às vezes — comentou. — Eu fui te ver... — falou baixo.
— Alguém... Veio me ver? Após, você sabe...
ficou calado por um tempo, transparecendo sua resposta. Por mais alguns segundos, ambos ficaram calados. sorriu triste, sentindo o olhar de a fitar. Chegava a ser humilhante ter perguntado aquilo.
— Bom, então... Fechado? — cortou o assunto, sorrindo gentil.
— Eu acho que estou te devendo uma. — Deu de ombros.
— Você? — Ele sorriu, avistando a mãe de estacionar o carro.
— Eu — afirmou. — Sua carona chegou. Até mais, .
-, você precisa continuar acordada para me mostrar as outras “verdades”... — murmurou. — Eu prometo que dou uma chance para minha mente complicada, mas você precisa continuar acordada, por favor.
Capítulo 4 - Novas Regras do Jogo
Nos dias seguintes, apesar do convite para almoçar junto aos s pós-fisioterapia, havia recusado intrometer-se nesse momento “mãe e filho” dos dois. Como sua tia também era da área da medicina, ela sabia como era difícil arrumar um tempo para passar junto a um profissional dessa esfera.
Podia nomear diversas ocasiões especiais em que a tia Lizzie não havia estado presente ou havia chegado tarde demais para aproveitar o tempo com a sobrinha. Por mais que Callie e houvessem insistido muito que realmente não era problema, achara melhor aproveitar um pouco mais a companhia de seus próprios pais, enquanto estes haviam feito um pacto de, ao menos nesta primeira semana, passarem uma refeição em família.
Para a família isso era algo raro. Afinal, a garota não morava mais com seus pais. De qualquer jeito, nem mesmo se ela dispusesse a visitá-los diariamente ela conseguiria a proeza de sentá-los em uma mesa para jantar. A menina havia tentado, porém, após a quinta vez chegando à residência e se deparando com ela vazia, sua paciência esgotou-se. Residência era o termo correto. Lar indicaria que algum laço teria sido formado com aquele local e moradia indicaria que seria algo de intuito permanente. Contudo, Tom e Victoria não se mantinham por muito tempo em South Mills. Suas viagens constantes não lhes permitiam esse luxo.
Quando era pequena e moravam na Província canadense de Saskatchewan — lugar onde nasceu — os s eram inseparáveis. Chegavam a ser tão unidos que seu melhor amigo, Nicholas, praticamente vivia com a família. Tinham uma linda casa com um quintal amplo, marcado pela correria das duas crianças tanto nos verões insuportáveis quanto nos invernos rigorosos da região. Nunca se esqueceria dos gritos de seus pais. Era um tal de “ e Nicholas Holt, voltem aqui agora para passar o protetor solar!” para cá e um “Crianças, não se esqueçam do casaco!” pra lá. Sim, pensou a menina, É possível que tudo mude em um piscar de olhos. Isso acontecera quando tiveram de se mudar para South Mills e, novamente, com o acidente. Parecia que um interruptor havia sido religado na cabeça de Tom e Victoria — algo que ela não presenciava fazia tempo — ante o perigo iminente de perder sua única filha.
Fora a fisioterapia, não estava com a menor disposição — ou vontade — de sair de casa para fazer qualquer coisa. Sua vida havia mudado drasticamente em um espaço muito curto de tempo e se jogar de volta no mundo seria algo muito custoso.
Por esse motivo, em pleno sábado, um dos dias de descanso da fisioterapia, a garota estava descabelada, jogada em seu sofá. Acabara de acordar na mesma posição em que havia caído no sono na noite anterior. Estivera assistindo o filme “O Júri”, seu mais novo programa preferido da Netflix — algo que não representava muito, visto que todo o dia ela mudava o vencedor dessa categoria. Ao despertar, nem se deu ao trabalho de levantar, simplesmente trocou a função da Smart TV para a televisão a cabo e passou os canais desinteressadamente, pensando na genialidade daquele filme que lhe fora indicado por seu pai.
Tom estava bem consciente da paixão da filha por tramas inteligentes, bem estruturadas e que envolvesse certo grau enigmático. O fato de o enredo tratar da área jurídica era o ingrediente final que lhe deu a certeza de que ela o curtiria. Dito e feito. Ou seria pensado e comprovado? Ambos tinham a tradição de maratonar filmes juntos, enquanto sua mãe ia direto para a cama, já que nunca teve a habilidade de ver filmes por muito tempo, ainda mais no turno da noite. Sua filha perdera a conta da quantidade de vezes que haviam combinado de assistir algum DVD, e a pobrezinha caíra no sono. Simplesmente não estava em seu DNA, então Vic aceitara esse fato e se deleitara que isso fosse acabar se tornando uma tradição de Tom com sua pequena.
Normalmente, conseguia ver ao menos dois filmes antes de começar a ceder ao sono, porém, desta vez — talvez devido aos analgésicos -, a morena apagara assim que os créditos começaram a rolar. Tom nem tentou movê-la, simplesmente buscou seu cobertor preferido do The Neighbourhood no quarto e cobriu-a, atrevendo-se a beijar sua testa com cuidado.
A garota interrompeu suas próprias divagações quando, finalmente, conseguiu encontrar um programa que lhe agradasse minimamente, aproveitando a sensação confortável de descansar sem preocupações nem compromissos. É claro que sua tranquilidade não duraria por muito tempo.
— , o que ainda está fazendo nessas roupas de dormir? — perguntou Victoria, olhando para o estado deplorável da filha esparramada no sofá com sua bota ortopédica em uma almofadinha, enquanto, entediada, assistia ao reality show “Say Yes To The Dress” na tela plana da sala.
— SHHH, MÃE. O Peter está prestes a dizer para a Sarah o que achou do vestido que ela escolheu! — replicou a menina atenta à tela, desviando o olhar para a mãe somente durante um microssegundo.
— Naquele momento eu congelei, sabe... O que poderia dizer para minha mulher, quando ela parecia tão feliz naquele vestido?! — falou o homem, com cara de nojo durante sua entrevista posterior.
— Mas o que achou dele, de verdade? — perguntou a apresentadora, com um ar desinteressado quanto à opinião do homem, que parecia ele mesmo um Agostinho Carrara nas vestimentas.
— É claro que odiei! O vestido parecia ter sido feito com pano de cortina. — disse o homem, torcendo o nariz, e fazendo com que começasse a gargalhar compulsivamente.
Victoria, estupefata, revirou os olhos e parou na frente da garota com as duas mãos prostradas em sua cintura, bloqueando a visão do programa.
— Não vem com essa, ! No começo eu até aceitei esse seu corpo mole de acordar e dormir nesse sofá dia após dia. Mas, filha, agora você já está com uma tala que permite muito mais mobilidade... E também não precisa mais de muletas! — repreendeu a mãe, coisa que há muito não fazia. Esta olhava para suas mãos, envergonhada. — Então pode muito bem sair para fazer algo com seus amigos ou, no mínimo, estudar na escrivaninha de seu quarto... — continuou a mais velha, apontando para a pilha de livros amontoados ao lado do sofá.
— Primeiramente, que amigos? — começou, ajeitando-se no sofá. Viu a mãe contorcer a boca. — E eu só volto para as aulas na segunda feira. Eu sei que é difícil de acreditar, mãe, mas eu sou prodígio e estudei nas noites que não conseguia dormir de imediato.
— Como assim não tem amigos? Você é a “Rainha” de Vermont, não é assim que dizem? — Victoria questionou, duvidosa. sabia que a mãe não havia falado aquilo em um tom sarcástico ou irônico, e sim por que, de fato, era o que comentavam. Há algum tempo, a fala lhe causaria o mínimo de orgulho, contudo, de alguma forma, a menina sentiu-se envergonhada.
— Rainha de Vermont... — repetiu, soltando um risinho ao lembrar-se das falas de e Taylor na última vez que os vira. — Isso não quer dizer nada, você deveria saber. — Olhou-a. A mãe arqueou as sobrancelhas.
— Você tem a Taylor... , e até mesmo o , embora eu... Enfim... — disse, como se procurasse um argumento. — Filha, eu sei que você não procurou isso que você carrega e que, talvez, a pressão de tudo tenha os levado até esse ponto... Mas, se você não se sente confortável com tudo isso, por que está fingindo ser o que não é?
— O que você quer dizer?
— Eu conheço você — afirmou, passando a língua nos lábios. — E o que mais eu tentei te ensinar foi que...
— Tentou me ensinar? — Foi a vez de rebater com a cabeça quente, algo que provavelmente iria se arrepender mais tarde. — Me diz se é possível ensinar alguém sobre algo, quando se não está presente? — ironizou, sentindo, por um momento, seus olhos arderem. — Vocês me fizeram acreditar que nada mudaria com a nossa mudança para South Mills... — Sentiu uma raiva esquisita esquentar seu corpo, lembrando-se do dia em que seus pais lhe disseram aquilo. — Eu não só perdi minha família toda vindo para cá, como perdi quem eu sou e, como um plus, me afastei do meu melhor amigo, mãe. — Engoliu em seco. — Não diga que tentou me ensinar algo, quando a única coisa que você estava fazendo era ajudar crianças de outros países, e não sua própria filha.
Victória ouvia tudo paralisada; tanto que, se não estivesse de olhos abertos, chegaria a duvidar se ela estava respirando. Por muitos segundos, só o que foi compartilhado entre elas fora o peso das acusações de da mais nova. Ou poderíamos dizer desabafo? Sim. Ela sentia-se perdida. , Taylor... Pensar que continha algo consistente e, de repente, tudo escorrera por suas mãos, fora como um choque de realidade para ela; daqueles bem grandes que, se não estivesse tão debilitada e precisasse de ajuda, fugiria dele.
Viu a mãe sentar-se ao seu lado com calma, tateando o sofá antes de fazê-lo, como se tivesse recebido uma notícia de morte. É... talvez fosse uma notícia de morte. A morte da sua hipocrisia.
— Eu... Eu sei que nós erramos. E muito — admitiu num suspiro, tentando se conter. — Mas, nem por um segundo, deixamos de pensar em você, filha, eu te juro. — Olhou-a. abaixou os olhos em direção ao nada. — É que você sempre foi tão... surpreendentemente você. — Victoria sorriu de leve ao lembrar-se da filha pequena. — Talvez sua autossuficiência nos tivesse feito pensar que nada que fizéssemos poderia te afetar tanto, , e eu sei que foi um erro, não porque você não seja, mas porque nós somos seus pais. — Fez uma pausa. — Sabe qual foi sua primeira palavra?
A menina balançou a cabeça em discordância, recebendo um afago da mãe nos cabelos.
— “Não” — soltou a mulher, meio rindo meio resmungando. — não nasceu pra seguir ordens. Não nasceu para depender de ninguém. Você é um espírito livre e consegue manter-se forte mesmo na mais difícil das situações.
— Eu senti falta de vocês, mãe, só isso... — murmurou chorosa.
— Eu sei, querida, eu sei. E prometo que estamos fazendo nosso melhor — replicou Victoria, puxando a menina para levantar-se. Esta se elevou, confusa. — Agora, arrume-se que teremos visitas.
— Posso saber quem?
— Você verá. — disse, retornando a seu tradicional tom enigmático.
— É... Parece que o momento revelações acabou — resmungou , em um volume quase inaudível.
— Só vai se arrumar, . — O tom de Victoria não abria espaço para mais questionamentos.
— Tô indo... — Grunhiu a menina, a contragosto, tentando parecer brava, mas falhando em convencer sua mãe, que devia ser a pessoa que mais a conhecia no mundo.
Mais tarde naquele dia, desceu as escadas de casa sentindo-se renovada. Victoria tinha toda a razão, não era de seu feitio ficar enclausurada o dia inteiro; a menina tinha uma grande necessidade de produzir algo em sua vida que fosse significativo. Por mais que a presidência da Alpha Kappa Nu fosse somente um meio para atingir seus fins empregatícios, estava em seu elemento. A liderança e planejamento combinavam muito com sua natureza e ver seus grandes projetos se concretizando era algo que a deixava realizada.
Megalomaníaca, disse . Ela realmente gostava de estar no controle, mas por que isso tinha de ser algo ruim?
Sorriu para a doce cena de seus pais cozinhando juntos enquanto bebiam vinho ao som de uma melodia tranquila. Realmente queriam impressionar os tais vizinhos, já que haviam usado a prataria que costumavam guardar para ocasiões especiais. A garota, inclusive, recordava nitidamente de não haverem usado nem quando fora ao famoso jantar “conhecendo os pais da namorada”.
Com o começo da canção “Safari” de J Balvin — não combinando em nada com a música clássica que tocava anteriormente -, entrou no ambiente, balançando os quadris e acompanhando a batida latina. Bateu-os nos de sua mãe e deu um beijo na testa de Tom.
— Precisam de ajuda, pombinhos?!
— Mas é claro que sim! Está manca, não morta — brincou seu pai, pegando uma taça limpa. Com a declaração, e Victória soltaram um riso quase que sincronizado e alto. De repente, sentiu-se renovada. Seu velho pai das piadas, que inclusive deveria ter passado o dom para Nicholas, só podia. Seu coração pulou no peito enquanto ainda cessava o riso.
— À sua vida. — Tom ergueu sua taça já cheia, sendo acompanhado por sua esposa e filha. — E à nossa, por ter você. — Sorriu gentil.
A filha sorriu, provando o sabor levemente adocicado da bebida e, ao sentir sua língua ficar um pouco dormente, sentou-se à mesa de jantar, ouvindo seus pais enredarem em uma animada conversa sobre os eventos que ocorreram em sua viagem a Kuala Lumpur.
Em seu confortável e longo sweater vermelho, a menina afundou-se na cadeira, quase ronronando com a sensação de paz interior. Prendeu seus cabelos pretos ondulados em um rabo de cavalo e apoiou sua cabeça nas mãos, apertando os lábios escarlates em contentamento ao constatar o quão feliz seus pais pareciam com todas as loucuras de sua viagem. Perguntava-se como devia ser bom viver uma aventura como eles viviam fazendo. Prometeu-se, naquela hora, que iria descobrir.
Uma campainha tocou, interrompendo Victoria no momento em que esta refutava a estimativa de Tom sobre quanto tempo ficaram perdidos em um bairro desconhecido, a pé e sem nenhum dinheiro ou meios de comunicação.
— Eles chegaram! — anunciou sua mãe, animada, largando o assunto anterior.
— Uhul! — disse , com uma animação claramente forçada, balançando os braços em falsa comemoração.
Sua mãe encarou-a, reprovando o tom irônico e brincalhão da filha e a repreendeu:
— Use a boa educação e simpatia que eu sei que tem, mocinha.
revirou os olhos, causando uma gargalhada de seu pai, e levantou-se para receber os convidados especiais. Ficou aguardando, abraçando-o de lado enquanto sua mãe atendia a porta e os conduzia à sala de jantar.
— Ah, muito obrigada. É claro que aceitaremos. — Puderam ouvir Victória entoando aos convidados enquanto se aproximavam do recinto.
Sua mãe chegou com as visitas e não hesitou em fazer as devidas apresentações.
— , estes são Chloe e Gavin Anderson. — A menina acenou amistosamente para eles, desvencilhando-se de seu pai para aproximar-se do típico casal careta.
— Muito prazer, Senhor e Senhora Anderson.
— Ah, querida, não precisa dessas formalidades! — replicou Chloe, agitando suas mãos rechonchudas em negativa. Seu corte de cabelo channel acentuava o formato arredondado de seu rosto, fazendo-a parecer encantadora. Seu marido assentiu em concordância.
— E esse aqui é o sobrinho deles, Joshua Baker — continuou Victoria, toda sorridente. Algo no olhar de sua mãe fez um clique em sua mente, agora sim fazia sentido para a garota toda a ideia do jantar. Sua mãe estava armando para ela com o menino de cabelos castanhos, que estendia sua mão para cumprimenta-la.
— É um prazer conhecê-la, — falou o menino, sorrindo calorosamente, sem desviar os olhos dos dela enquanto beijava sua mão.
Qualquer outra pessoa que agisse dessa forma com alguém que acabou de conhecer seria provavelmente vista como esquisita. Porém, ser diferente combinava com Josh; desde seu olhar autêntico até suas vestimentas excêntricas, o garoto era uma discrepância ambulante de tudo o que os tios dele pareciam ser.
O sorriso do menino aumentou ainda mais com o olhar estupefato da menina, que ficou para trás quando todos foram receber um tour pela casa. Seus olhos arregalados seguiram Josh, que passou por ela para acompanhar os mais velhos, ouvindo um último sussurro deste enquanto ele virara o corredor “Isto vai ser divertido”.
Durante o jantar, recuperou-se do choque inicial — que o garoto já devia estar acostumado de causar nas pessoas, algo que ela apelidou de “Efeito Baker”.
— Então... — Gavin chamou a atenção para ele com um pigarro. — Onde você estuda, ?
— Vermont — respondeu direta. — Curso Direito lá.
— Ah! — Bebericou seu vinho. — Uma advogada na família, que beleza. Josh acabou de entrar, resolveu inscrever-se nas políticas públicas dali, ouvi dizer que é o melhor.
— Você esqueceu-se de mencionar que tem uma ala com seu sobrenome, . — As atenções voltaram para Joshua, que se escondeu atrás de sua taça, tomando um gole. Era coisa de sua cabeça ou os rapazes novos que estava conhecendo estavam parecendo testá-la?
— Sim. Meus avós... — murmurou num suspiro. — Não é nada tão importante.
— Uma ala é de grande importância, sim — Gavin falou, calmo, alterando sua feição de leve. — Só pessoas com grandes influências têm esse tipo de privilégio. Digo, não só influência econômica, mas educativa, no caso de Vermont.
— Meu tio é adepto do impulso do bem, como ele gosta de dizer — Joshua engajou no assunto. — Grandes vozes podem mudar o mundo. — Olhou para a garota diretamente. — Ouvi falar do projeto beneficente com o hospital de South Mills...
— Bom, alguém quer sobremesa? — Tom adentrou na sala de jantar animado, depositando uma grande torta holandesa, a melhor que Victoria sabia fazer, ao meio da mesa.
O assunto fora cortado, porém, a conexão com Joshua, não. não diria física ou algo relacionado à flerte, mas neural. Sim, suas mentes trabalhavam da mesma forma e ela sabia que Joshua a havia entendido em poucas palavras.
Grandes vozes poderiam mudar o mundo. De alguma forma, todo aquele assunto estava deixando-a cada vez mais inquieta.
Ao terminar a refeição, Josh e já estavam rindo e fazendo caretas um para o outro, como se fossem velhos amigos. Por mais que ele fosse atraente, ambos pareciam vibrar em uma mesma sintonia em torno da expectativa de uma amizade das mais duradouras e genuínas.
Ao final da noite, enquanto os mais velhos conversavam de maneira calma na cozinha tomando um vinho guardado especialmente por Tom, os dois seguiram caminho até a varanda, onde se sentaram. Com a ajuda de Joshua, a menina conseguiu abaixar-se sem que causasse desconforto em sua perna danificada, e, assim, ambos se puseram a olhar o céu daquela noite.
Por longos minutos, continuaram quietos na presença um do outro, apenas sentindo a brisa da quase madrugada. Passava das onze da noite, o que queria dizer que o jantar tinha rendido e a conversa estava ótima. sentiu-se bem ao pensar nisso, logo voltando seu pensamento a Joshua.
— Posso te perguntar uma coisa? — cortou o silêncio, tombando a cabeça nos ombros. O garoto olhou-a.
— Não tenho namorada — contou. riu, revirando os olhos.
— Não. Eu não estou interessada, Josh.
— Manda.
— Você não tocou no nome dos seus pais... — começou cautelosa. — Quero dizer...
— Eu meio que fui expulso de casa. Não é algo que eu gosto de contar dentre as conversas — cortou-a. Ambos endireitaram a postura, atentando-se ainda mais ao que ele tinha a dizer. — Eu sei que você deve estar pensando: “como eles podem ter te expulsado?!” E, não, eu não uso drogas, ou bati o carro... — riu ao ver a careta do menino a ela.
— Então, o que aconteceu?
— Eu só queria cantar. — Soltou um riso tristonho num tom meio óbvio, indicando que aquilo não era o fim do mundo para ele. — Só que, para quem tem pais que possuem uma empresa de grande porte, cantar não é uma coisa boa. — Fitou-a. — Eu me recusei a fazer economia e ainda mais a viver a pressão da empresa do meu pai... Eu só tenho dezenove anos, ... Eu não vou perder minha vida dentro de um terno, recebendo ordens de um pai obsessivo por dinheiro. — Negou com a cabeça, voltando a olhar para o céu. — Então eu disse a eles, que me deram um ultimato: ou isso, ou procurar outro lugar para morar. Eu acredito que eles pensaram que isso iria me intimidar. — Voltou a olhá-la. — Cá estou eu.
— Nossa — a garota balbuciou. Aos poucos, um sorriso surpreso e admirado surgiu em sua face, o que fez Joshua querer abraçá-la apertado. — De onde veio toda essa coragem? Aí está uma coisa que eu não tenho — debochou de si mesma.
— Todos nós temos, — Josh afirmou. — Você só tem que seguir seus instintos.
— Ok. Então, o que está fazendo em Políticas Públicas? — perguntou confusa.
— Vermont foi uma das universidades que eu consegui bolsa integral quando prestei a prova — explicou. — South Mills e meus tios pareceram cair do céu. Eu ainda vou fazer música, posso me concentrar nos dois... Só estou tentando começar de alguma forma.
— Bem... Eu tenho uns contatos no Waack, e também...
— É a Rainha de Vermont?
— É. Isso também. — Rolou os olhos.
sorriu ao ouvi-lo dizer aquilo. Foi como se Nick estivesse ao seu lado, e não Josh. Não que a companhia de seu novo “amigo” fosse ruim, aliás, ser comparado a Nicholas Holt era um enorme elogio, pelo menos para ela.
Josh continuou contando sua história.
Sob pena de ficarem ainda mais isolados, os Anderson acolheram o menino, que legalmente era considerado emancipado, porém sempre considerariam como filho. Não precisava de muito para identificar seu amor pelo Baker, apenas o modo como os olhos de Gavin se iluminavam ao falar do talento do sobrinho e o número de vezes que Chloe o elogiava em uma frase entregavam tal sentimento.
A história de Josh fascinou os , principalmente Victoria, que sabia como era sentir-se uma estranha em meio à sua família de sangue. As reuniões com os parentes geralmente eram tensas, e tinha a impressão que não continuariam ocorrendo se não fosse ela. Sua mãe nunca a privou de ver seus avós, porém, sempre deixou claro o que pensava deles, nunca fazendo pressão para que a menina concordasse com ela.
Com a ida dos Anderson, recolheu-se para seu quarto e, quando já estava em sua cama pronta para se deixar levar para o abrigo da inconsciência, esticou-se para desligar o abajur ao lado da cama. Deteve-se, porém, ao ouvir o vibrar de seu celular à cabeceira.
“E como está minha irmãzinha essa noite? Espero que esteja pegando leve na bebida, dona , não é aconselhável misturar com seus remédios!”
“O que te faz pensar que estou festejando, Nick? Eu mudei, agora sou sem sal que nem você. ”
“Ha. Ha. Muito engraçado, .”
“Estou falando sério! E se eu fosse você, seria bem legal com a morta-viva aqui, ok? Fiz outra amizade hoje que pode muito bem te substituir.”
“Até que enfim me livrei do entojo. Quem é o coitado? ” Mandou Nick, segundos depois, fazendo a menina gargalhar baixinho para não acordar ninguém.
“Vizinho novo. Ele é músico. E muito original. ”
“Todos sabem que sou insubstituível... Nem vem com graça.”
“Se você está dizendo...”
“Agora vou indo. Não me esqueci da visita que prometi, Kiddo. É que a situação aqui na Universidade de Montreal está apertada, você sabe que minhas aulas começam muito antes das suas.”
“Eu entendo... Boa noite, Nick.”
“Bons sonhos, .”
Apesar de sua decisão de ser mais sociável, passou domingo descansando e preparando-se para toda a agitação que viria com sua volta às aulas. Não estava esperando uma recepção muito calorosa após tudo o que ouvira na Casa da Alpha Kappa Nu; se suas próprias irmãs a viam como a culpada pelo acidente, ou pelo menos haviam aceitado a absurda teoria propagada por Taylor, imagina o resto do corpo docente.
Nem o queridinho da faculdade nem a fraternidade dele, a Sigma-Tau, poderiam ser prejudicados por uma menina problemática. Provavelmente era assim que a estavam chamando. não esperava ter apoio algum de seus colegas universitários, então simplesmente seguiu o conselho de sua amiga virtual, Hanna Edwards. Para se preparar para a guerra, o primeiro passo é ir às compras. A mãe de lhe acompanhara, mesmo esta não sendo adepta ao consumismo, mas concordara em auxilia-la nessa expedição à busca de um estilo mais seu, que não a lembrasse tanto de sua vida antes do acidente.
Foi assim que, no dia seguinte, saíra de casa em seus novos trajes de batalha. Ao andar para a calçada, tomou um baita susto com um alto rangido de moto saindo da garagem dos Anderson. Josh parou com sua Ducati 1098 vermelha a seu lado e retirou o capacete, fazendo uma reverência para à menina assim que desmontou do veículo.
— Alguém levou a sério o “seguir os instintos”?
— Quem sabe? — piscou.
— Gata, você está... durona. — falou, absorvendo a total extensão da jaqueta de couro, as botas do mesmo material e os óculos escuros. Claro que uma das botas era ortopédica, mas, com aquele visual, certamente ninguém ousaria levantar um dedo contra a .
— Valeu, Josh. Você também não está nada mal.
— Eu faço o que posso. — Sorriu o menino, dando-lhe uma piscadela. — Quer uma carona?
— Não posso... Vou para a fisioterapia. Não vejo a hora de tirar essa bota horrível.
— Não está tão ruim — disse ele, fazendo uma careta. Ela encarou-o de braços cruzados até vê-lo se contorcer e virar a cabeça com um meio sorriso divertido. — Ok... não discutir com uma mulher em seus trajes de guerra, já entendi.
— Obrigada por oferecer mesmo assim... Talvez na volta, veremos.
— Quando quiser, princesa — terminou ele, estalando os lábios e colocando o capacete, em seguida arrancando com a moto em alta velocidade.
acenou novamente, olhando o vulto vermelho da Ducati desaparecer pelo vidro traseiro do táxi, este que fora pedido para levá-la ao hospital que ficava na direção oposta de Vermont. Mais uma vez, ficou tensa ao entrar no território dos , só relaxando minimamente após passar pela casa dos . Sem ali para distraí-la, a viagem até o hospital, mesmo não sendo longa, pareceu durar muito mais do que antes.
Percorreu o caminho até a ala de Fisioterapia que, após três sessões com Callie, já sabia de cor. Mancando em sua bota, em parte acostumada com a velocidade reduzida que agora levava para se locomover, fez seu caminho perdida em pensamentos.
— Bom dia, !
— Bom dia, Callie! Aqui está seu café.
— Você é um anjo, menina. Meu filho tinha que arrumar uma garota como você! Vivo dizendo isso para ele
— Acho que não faz bem o tipo do — replicou, já arrumando-se na posição pedida.
— não tem tipo. — Callie riu humorada. — Eu sou suspeita para falar, mas acho que isso o torna diferente dos outros — falou, fazendo uma pausa antes de começar os exercícios.
— O que você quer dizer?
— Ele é assim desde pequeno. Vê além do que um rosto bonito ou qualquer coisa exterior que possa chamar a atenção de pessoas normais. Ele ama fotografia por isso, para mostrar um mundo em que ele vê, pelos olhos dele... — A mulher parecia imaginar o filho enquanto falava dele. ficou encantada. — Bem... essa é uma desculpa que ele não pode me dar.
— De eu não fazer o tipo dele?
— Exatamente. Então, teve alguma dor?
Começaram a sessão tranquilamente, com os exercícios para ajudar no aumento da mobilidade do tornozelo. Callie explicava algo sobre estar trabalhando a flexão plantar e a dorsiflexão a partir da articulação talocrural. Basicamente tratava-se de uma movimentação dos pés para frente e para trás. A medicina tendia a complicar tudo. Naquele dia, a mulher parecia estar em um ótimo humor e ia anotando observações em seu caderninho.
— ... Hoje eu gostaria de tentar um exercício diferente para a liberação miofascial dos movimentos e trabalhar a fáscia, um tecido resistente e flexível que cobre a musculatura do corpo. É normal sentir desconforto no início — explicou metodicamente, enquanto pegava um rolinho de almofada que usaria.
— Está sentindo alguma dor?
— Não...
A médica abriu um sorriso brilhante e estalou a língua, satisfeita.
— Tenho boas notícias, . Parece que superestimamos sua lesão. Temo que tenha que continuar usando a bota ortopédica dentro de casa, até recuperar a segurança na passada. E terá de fazer banho de contraste... algo simples, só pegar um recipiente com água gelada e um com água quente, em intervalos de tempo determinados alternar o tornozelo entre um balde e outro. Mas... não precisa mais usar a bota fora de casa. A senhorita só precisar vir para cá uma vez por semana agora, para que continuemos cercando todas as possibilidades de piora. Fora isso está liberada.
— Obrigada, Deus! — agradeceu ela, abraçando a doutora com carinho. — Tive a melhor fisioterapeuta do mundo, é isto.
— Só aceito o agradecimento se aceitar almoçar conosco hoje.
— Se esse é o caso, eu aceito, com certeza.
Ao chegarem ao refeitório, já estava as esperando sentado em uma mesa, concentrado na leitura do livro “A Guerra dos Tronos”.
— Game of Thrones, ? Bem...
— Nem começa, Benji está me obrigando a ler esse tijolo.
— Realmente, de tijolo em nossa mochila já basta nosso Vade Mecum. — Ambos riram e o menino levantou-se para abraça-las.
A menina adquirira naquele curto intervalo de tempo uma confortável proximidade com o garoto, fazendo com que o contato físico fosse algo frequente, mesmo que para , nunca fosse suficiente.
O abraço de foi caloroso e apertado. Devido à sua altura, ele gostava de recostar seu queixo no topo da cabeça da garota. Era assustadora a forma como seus corpos pareciam ser um molde perfeito um para o outro.
sentou-se, dando uma olhada no livro do menino enquanto aguardava que , de forma atipicamente cavalheiresca, buscasse seu almoço, algo que ele planejara fazer assim que chegassem, já que havia comprado sua própria refeição antes.
Assim que começaram a comer, um diálogo desenrolou-se naturalmente, abordando a recuperação da garota, o livro que estava começando a ler e, finalmente, Benjamin, o líder da Ominikron e melhor amigo do menino.
— Daí, eles dois chegaram com carinhas de inocente para mim, como se eu não estivesse percebendo que a fumaça que eu sentia estava vindo do quarto de , onde eles...
— Ah, mãe, já disse que não foi de lá que veio!
— Me poupe, , eu tenho cara de palhaça por acaso? — Pausa. — Não responda. — Eles caíram na gargalhada.
Enquanto Callie cumpria seu dever materno de contar as histórias mais vergonhosas da infância de seu filho, em sua maioria acompanhado de Benji, o olhar dos dois adolescentes se cruzou. O dela iluminado com divertimento, o dele frustrado e com pontadas de constrangimento.
Após uns segundos, ambos pareceram cair em si que encaravam um ao outro de forma muito intensa, quase não sendo despertados pelos bips do pager de Callie. Ao ver o que estava escrito, esta franziu a testa e despediu-se rapidamente de ambos. Os mais jovens levantaram, empilhando as bandejas, e foram juntos em direção à saída.
Ao ver que a menina mancava, lhe lançou um olhar enigmático e ofereceu seu braço para que esta usasse de apoio. Ela agarrou-o, sorrindo em agradecimento. Caminharam em silêncio por alguns momentos. olhava furtivamente para o menino vez ou outra. Quando ele começou a fazer um biquinho de descontentamento na milésima vez que esta tropeçara, ela não se conteve de perguntar o porquê de tal atitude.
— O quê? — perguntou ele, parecendo perdido.
— Terra para ! — Estalou os dedos. — Perguntei por que está com essa cara esquisita.
— Minha cara é esquisita mesmo, , se acostuma.
— É... Mas está mais que o normal.
— Obrigada pela parte que me toca... — tropeçou pela milésima vez, sendo segurada pelo menino. Dessa vez, ambos de fato pararam, e ela tombou a cabeça nos ombros. a entendeu com o olhar.
— Ah, não é nada demais, .
— Me fala, vai... — pediu com a voz fina, inclinando a cabeça para o lado.
— Você vai achar estranho.
— Juro que não vou.
— É que... sinto saudade de suas muletas — admitiu ele, mordendo o lábio. A garota pensou ter visto algo a mais nos olhos dele, porém preferiu não o pressionar.
— Você sente falta de rir de mim as usando, sádico! — replicou ela, rindo e dando um tapinha no ombro dele com sua mão livre. Ou, ao menos, foi o que tentou fazer, porém suas pernas não lhe acompanharam no movimento, fazendo com que ela acabasse grudada a ele, segurando-se com as duas mãos na camisa do Guns n’ Roses para não deslizar ao chão. Se a proximidade já era mais avançada do que estavam acostumados, ela ficou sufocante quando ele a puxou para ainda mais perto, segurando-a firmemente pela cintura.
Apesar do pânico que sentiam em seus íntimos, o olhar que dedicaram um ao outro não foi, em tudo, envergonhado, também tinha um grau de luxúria palpável. Mas não era só isso. Havia algo de certo. Era como se , a sabe-tudo, ex-líder da porra toda na Universidade, e , o garoto mais reservado de Vermont, com um ódio ferrenho à popularidade, pertencessem um ao outro, por mais clichê que isso parecesse. A sincronia dos dois foi confirmada quando inspiraram profundamente, se dando conta desse fato, e partilharam do mesmo pensamento em uníssono, “MAS QUE MERDA”.
— Ah, se não fosse eu — sussurrou, sentindo seu nariz roçar ao dela. Não podia perder a compostura, jamais perdia a compostura.
— Ah, se não fosse você — devolveu na mesma medida, sorrindo de lado em seguida.
A viagem até a universidade foi tranquila e silenciosa. Cada um sentou-se em um extremo do banco passageiro do táxi e, tão rápido quanto ele começou a se mover, mergulharam em seus próprios pensamentos conflituosos.
ruminava o quão errado era um ter um crush logo no . Ele era tão... Reservado; odiava se meter nos assuntos dos outros, enquanto ela era extrovertida e queria encontrar a cura para tudo. A conclusão que se aproximava era a mesma. Não tinham como ter algo, representava tudo o que ele combatia, certo?
Essa resposta nem a menina sabia dar. Antes do acidente, ela nem hesitaria em afirmar um sólido sim. Contudo, nem ela mesma estava ciente de quem era, mas sim que o que quer que tivesse se transformado, não equivalia à sua verdadeira essência.
Em seu âmago, sabia que antes de pensar sobre como resolver sua paixão pelo , teria de sanar suas dúvidas internas sobre quem ela era e pelo que queria lutar. Ao mesmo tempo, resolvera que iria tentar conhecê-la antes de qualquer possível envolvimento. Mais fácil falar do que fazer, já que, mesmo agora que haviam se separado, ele ainda conseguia sentir o perfume dela, uma mistura leve de flores com sabonete de lavanda. Tudo o que queria era simplesmente reduzir a distância entre eles e experimentar sua boca atrevida, que já ousara implicar com ele tantas vezes.
também não estava imune ao quanto o menino a seu lado era atraente. Seus quadris ainda queimavam onde ele havia segurado, destruindo sua sanidade mil vezes enquanto imaginava a reação que ele teria se naquele momento ela simplesmente houvesse o empurrado na parede e eliminado o espaço entre suas bocas.
Foi por esse motivo que, assim que chegaram a Vermont, ele ajudou-a até o elevador — que milagrosamente estava funcionando —, e partiu para as escadas dizendo que a veria na sala. Como tivera que ser dispensada do primeiro período de Constitucional, a menina somente tinha mais três períodos para enfrentar, então provavelmente conseguiria segurar seus pensamentos o suficiente para absorver a matéria. Ou pelo menos era isso que repetia insistentemente no elevador.
Assim que saiu dele, porém, trombou com um apressado, que estava justamente tentando chegar à sala antes da garota. Ambos suspiraram profundamente frustrados com a repetição da cena de mais cedo. Não se sabe qual dos dois começou a se mover primeiro, entretanto, segundos depois, seus lábios estavam a centímetros um do outro e quando ambos pensaram “Foda-se”.
— Ok. É de propósito? — Parou.
— O que é de propósito? — entornou a cabeça, pensativo. Ele precisava urgentemente beijá-la.
— Essa aproximação... — puxou um pouco mais de ar. Ao ver a instabilidade dela, o rapaz se aproximou, exatamente como tinha acontecido no hospital, mas agora tomando conta da situação.
— Essa?
— O que você está tentando fazer?
— Eu nada. — Entortou a boca. — E você?
— Eu...
O sinal soou, trazendo-os de volta a realidade ao passo em que, ao notarem estarem quase, mas quase beijando, arregalaram os olhos na mesma medida. apressou-se a entrar para a sala, enquanto , assim que a viu sumir, recostou-se na parede atrás de si, tapando o rosto e seguindo a apertar os olhos, como se isso fosse o ajudar a voltar de fato à realidade dele.
Que porra estava acontecendo ali?
— Quase no fim do poço em, ? — Ouviu ao longe. Não precisou abrir os olhos para bufar. A voz enojada de Taylor era inconfundível.
— Deve estar falando de você?
— Que falta de educação.
— Ah, sinto muito, patricinha, te magoei? — debochou, endireitando-se novamente. Taylor devolveu sua pior careta a ele. — Passar bem, Lausen.
As aulas de Processual Civil II e Comercial I foram tão conteudistas que mal teve tempo de pensar em qualquer coisa a não ser anotar. Dessa forma, ao entrar na sala de Direito Civil IV, e se deparar com Taylor sentada na terceira fileira, próxima às grandes janelas que davam para o pátio, a menina percebeu que não havia pensado em como faria agora que sua antiga “segunda em comando” se demonstrara uma verdadeira víbora.
Ponderou por um tempo à porta da sala, porém, assim que Tay fixou seu olhar nela, quase a desafiando, ela não teve escolhas senão sentar na segunda fileira, como de costume. Sua aula favorita, a última do dia, até que se revelou tranquila. A “fura-olho” e nova presidente das Kappas não fizera nada para implicar com a menina à sua frente. Não havia nenhum resquício da malícia de mais cedo, o que achou suspeito, contudo, não reclamou.
Mesmo também sendo dedicado à faculdade, era do tipo que preferia assistir a aula dos fundos da sala, onde se sentia mais livre para observar a classe como um todo. Esse fato corroborou para a saída apressada de , visando evitar outro incidente com . O autocontrole deles já havia se revelado extremamente falho e testá-lo novamente tão cedo seria um erro.
Chegando à calçada, observou um vulto vermelho de uma Ducati vindo em sua direção e suspirou aliviada com o pensamento de voltar para casa depois de um dia tão confuso. É claro que Taylor não podia deixar que a menina ficasse em paz e foi assim que Josh chegou, sorrindo para a amiga enquanto tirava o capacete escuro, que a víbora decidiu dar o bote.
— E a roleta da não para... Cuidado, amiga — disse Taylor como se estivesse lhe contando um segredo.
— Por que você não arruma alguma coisa fora do meu radar para fazer, Lausen? Ou só consegue se realizar na minha sombra mesmo? — retrucou, não conseguindo medir seu tom de voz, inevitavelmente atraindo mais alunos passantes para observar o circo pegar fogo.
— Sua sombra? — Sorriu. — Eu sou presidente da AKN agora... Onde está sua popularidade?
— Bem, isso não é mais da sua conta, amiga. — Sorriu.
Taylor levantava questões que nem mesmo sabia responder.
— Quem é você mesmo? — Josh começou em sua defes,a enquanto uma memória lhe atingira.
— Oi? — Taylor parecia afetada.
— Alguém aqui pode me dizer quem é essa? — Fez alguns gestos estranhos apontando para Taylor. — Essa pessoa aqui na minha frente.
— Amiga da ... Sucessora da AKN — respondeu uma das pessoas.
— O nome? Alguém sabe? — A menina recuou. Josh voltou a olhar Taylor ainda com sua cara de nada. — Então, amiga da , sucessora da AKN, eu acho que você devia ir se concentrar em você mesma... porque sua identidade você já perdeu...
“Posso estar julgando errado, ,
só acho que você é muito mais do que uma presidente
do comitê que comanda meninas sem cérebro.”
A lembrança do que lhe falara no Waak — antes de sua vida virar de cabeça para baixo —, fez com que endireitasse as costas, abrisse um sorriso sacana e sibilasse:
— Tudo bem, Josh... Vamos.
Quando viu que Lausen continuaria a discussão, deu sua cartada final, calando-a de vez.
— Ah, Taylor, depois me passa o número do senhor Johnson? Sei que você o conhece muito bem, principalmente com sua dificuldade em Constitucional no período passado.
Para completar, a menina caminhou até a loira sussurrando um claro aviso em seu ouvido: “Não se esqueça de que eu sei todos os esqueletos debaixo do seu armário. Assim como eu ajudei a enterrá-los, posso trazê-los à superfície em um estalar de dedos. Game Over.”
— O nome dela é Taylor — gritou para todos que estavam presenciando a pequena discussão. — Taylor Lausen. — Olhou-a. — É bom gravarem esse nome.
Finalmente botando o capacete, ambos aceleraram na Ducati até desaparecerem no horizonte.
A ameaça de parecera surtir um efeito em Taylor, a ponto dos próximos dias se passarem sem mais barracos. Não que não houvesse recebido muitos olhares feios da loira e seus minions, mas ignorá-los era fácil. Nem sempre fora a Rainha de Vermont, até o ensino médio era somente uma garota nerd como qualquer outra, que não se importava muito com socializar e focava somente nos estudos. A preocupação com a média se manteve, agora com a tentativa de obter o maior C.R. possível. Porém, quando finalmente se formara e comparecera à festa de formatura, percebeu que saíra somente com o diploma daquela escola, não fizera nenhuma amizade duradoura ou que valesse a pena manter. No telão retrospectivo, somente aparecera nas fotos individuais — por estar liderando algum comitê ou ter obtido a maior pontuação nas suas provas de vestibular. Assim, ela decidira que não ficaria mais na sua. fora em grande parte responsável pelas suas amizades em Vermont, já que se conheceram pouco antes do começo do primeiro período pela influência de seus avós.
Com suas conexões e poder dos sobrenomes e para a Universidade de Vermont, construir sua popularidade fora menos complicado. Além disso, os poderes de de organização e planejamento lhe renderam rapidamente um lugar entre as Kappas. não estava muito atrás, possuindo as amizades e a lábia necessária para ocupar um cargo na Sigma-Tau.
Naquela noite de sexta-feira, passava um batom vermelho, olhando-se no espelho da penteadeira do quarto em que estava ocupando temporariamente na casa de seus pais, e acabou borrando o delineado ao ser assustada pelo barulho de pedrinhas em sua janela. Viu o reflexo de seus próprios olhos arregalando-se para o espelho e largou o cosmético, correndo e mancando para a porta de casa. Escancarou a pessoa pelo olho mágico, confirmando suas suspeitas e dando pulinhos de animação.
— Nick, você veio!
O garoto — que estava recostado no pórtico da casa, olhando para o céu — virou-se, sorrindo para a menina. O sorriso transformou-se em uma careta e em uma gargalhada incontrolável.
— Já acabou? — perguntou a menina de cara fechada, lembrando-se do batom borrado, pegando um guardanapo em seu bolso para limpar o rosto.
Nicholas inspirou fundo, tentando recuperar a expressão e a pose séria. Porém, não conseguiu manter tal fachada, desatando a rir até seus olhos lacrimejarem.
— Eu... Eu... chego aqui e... você... vermelho... — tentou explicar o homem, somente parando de rir quando a menina abriu uma carranca e começou a fechar a porta, resmungando foi bom te ver, mas já deu.
— Espera — chamou, segurando a porta.
Ela abriu-a novamente, soltando um ligeiro sorriso por ver seu melhor amigo em Vermont, após mais de um ano sem vê-lo. Abraçaram-se carinhosamente, entrando na casa silenciosa.
— Onde estão seus pais, palhacinha? — indagou ele com um olhar divertido, até receber um soco no peito.
— OUCH! Para quê foi isso?
— Você sabe muito bem o porquê!
— Mas, sério... — Sorriu ele, cedendo. — Onde está o tio Tom e a Tia Vic?
— Onde você acha? — Revirou os olhos.
— Brighton e Hove — entoaram em uníssono com uma voz enjoada.
Os mais velhos tinham a tradição de todo início de lua cheia viajar para o condado de Brighton para visitarem as falésias de giz. Ela e Nick dividiam-se nas teorias do por quê. A mais provável delas tinha sido que eles haviam decidido isso viajando no baseado em alguma das suas viagens Hippies.
— Eu vi que era lua cheia — disse ele, parecendo pensativo. — Mas pensei que, por causa do acidente...
— Sabe como eles são — começou a menina, dando de ombros e se jogando no sofá. — Agora que posso tirar a tala para sair de casa, não há nada mais os prendendo aqui.
— Ei... Não fala assim, maninha. — retrucou triste, sentando-se a seu lado no sofá.
A menina resmungou uma resposta inteligível e cruzou os braços, fazendo um biquinho descontente.
— zinhaaa — falou Nicholas em uma voz enjoada. — Sabe o que dias ruins e seu Nick aqui pedem?
— PIZZA DE PEPPERONI E COCA COLA GELADA! — gritaram juntos.
Nick não aguentou o sorriso enorme que ela abriu e desatou a fazer cócegas nela.
— N..Nickk... P-Para!!! — berrava sem parar.
— OK, OK! Parei — disse, com as mãos estendidas em rendição quando o jogo se inverteu.
— Podemos pedir ou ir buscar a pizza... Você estava se arrumando para algum compromisso?
— Bem... Hoje decidi que iria tirar um recesso das minhas atividades como Kappa, então planejava terminar de buscar minhas coisas na casa da AKN antes de fazer o pedido formal.
— Entendi... Podemos ir, eu te ajudo e pegamos uma pizza no caminho de volta. O que acha?
— Agora deu preguiça — admitiu com um suspiro, claramente fazendo drama.
— Preciso começar com as cócegas de novo? — perguntou Nick, com as mãos ameaçadoramente fazendo movimentos de cosquinha.
— A preguiça passou, EU DIRIJO!
Chegando à Alpha Kappa Nu, e Nicholas entraram com a cópia da chave que a garota ainda possuía. Enquanto Lausen não trocar as fechaduras para me excluir de vez, pensou ela, revirando os olhos.
Entraram, tentando passar direto pelo salão comum para as escadas de mármore, mas, como não eram invisíveis, alguém acabou os vendo.
— ? — perguntou uma voz doce.
Ambos começaram a andar mais rápido, porém, não escaparam da autora da voz.
— Espere. É você, não é ?
— Oi, Alexia — respondeu sem graça quando a menina entrou na frente deles, junto a Courtney. — Court...
— ... Como você está? Eu liguei para o hospital, mas seus pais disseram que ainda estava desacordada.
— Estou bem, na medida do possível pelo menos. Eu sei que vocês não estão envolvidas nessa babaquice de impeachment, então não precisam se preocupar. Ah, esse aqui é meu melhor amigo e “irmão” para todos os efeitos, Nicholas Holt.
Apresentações feitas, a menina explicou o motivo para ter entrado na casa daquela forma e avisou que no dia seguinte entraria formalmente com o pedido de recesso de suas atividades na Kappa. Conversavam no depósito onde Taylor havia mandado levarem suas coisas, enquanto dobrava roupas, e Nick estocava o carro com caixas.
— Não dá esse gostinho para a Taylor, ! — falou indignada. — Você não fez nada de errado.
— Eu sei, Alex, mas... Não é o momento certo para eu fazer isso. Não sei mais o que eu quero.
— Isso é a maior besteira que já ouvi! Você ama tudo o que faz aqui. Os eventos, o planejamento, a liderança... E é ótima nisso, ainda por cima! — replicou.
— A Alexia está certa. Desde que você saiu da liderança, nossos fundos tem ido para o ralo. A Lausen é uma sem noção, consumista e compulsiva.
— Obrigada pela lealdade de vocês! Onde estão todas, falando nisso? Hoje não é a sexta-feira do pijama, como todas as do início de mês?
— Era pra ser, mas... — As meninas trocaram um olhar de dúvida, se deveriam ou não abrir a matraca.
— Falem.
— passou aqui com o Yan e o Patrick, e é claro que Cathy, a cara metade do Patch, também veio junto. Eles falaram algo sobre uma festa em Boston e levaram algumas das meninas. Depois que elas foram teve uma discussão enorme e muitas saíram para fazer suas próprias coisas.
— Quem foi com eles? — perguntou , sentindo-se um pouco confusa e traída.
— Lausen, Emma e Madison.
— Lausen e os minions, você quis dizer.
As meninas assentiram em concordância. Nick, que já havia chegado após descarregar a última caixa, observou sua irmã de coração, chegando à mesma conclusão que ele em sua mente. Foi até ela, pôs suas mãos em seus ombros e encararam-se, tendo mais uma de suas conversas telepáticas.
“Tem certeza disso?” — O olhar dele pareceu questionar.
“Não, mas não tenho mais certeza de nada” — Ela pensou com sua expressão confusa, contudo, determinada.
— Ok, eu topo — anunciou ele em voz alta, fazendo com que as três meninas pulassem de susto. Alexia e Courtney, por estarem admirando a conexão que os “irmãos” pareciam ter, e por estar perdida em seus próprios pensamentos.
— Topa o quê? — indagou Courtney, confusa. Sua expressão se espelhava à da morena a seu lado.
— Vamos para essa festa! — explicou , com um ar definitivo. — Quer dizer... Se alguma de vocês souber onde fica...
O olhar desanimado de suas amigas quebrou toda a energia positiva que havia criado. Até que uma lâmpada se acendeu na mente de Alexis.
— Já sei como podemos conseguir essa informação! A Emma foi com eles e ela me deve uma.
abraçou seus três amigos, subitamente animada de novo, e cada um partiu para um lado. Nick, para comprar bebidas, afinal, se entrariam de penetras, pelo menos podiam levar cerveja, não é?! E as meninas foram se arrumar. vasculhou as caixas que estavam no Land Rover até encontrar o top e a saia preta colante que estava procurando. Não era nada que a Taylor usaria, mas tinha seu ar sexy sem ser vulgar. Ok, talvez só um pouco vulgar, mas a quem ela queria enganar? Finalmente estava solteira e não levaria isso levianamente. Agradecendo mentalmente já estar maquiada e com botas que combinavam com seu look, fechou a mala do carro e andou em direção a casa, cantarolando uma melodia alegremente. É hoje!, pensou, Agora o jogo mudou.
Talkin' in my sleep at night
Makin' myself crazy
(Out of my mind, out of my mind)
Falando dormindo à noite
Me fazendo ficar louca
(Fora da minha cabeça, da minha cabeça)
Capítulo 5 - ... Da Tuba do Meu Avô
19:45 — Na Estrada — Em algum lugar entre Boston e Vermont...
“Somebody mixed my medicine // I don't know what I'm on // Somebody mixed my medicine…”
— Não sei... — falou Nick, pensativo, olhando furtivamente para Court pelo espelho retrovisor. — Acho que se esse garoto realmente quisesse ele iria atrás mesmo, sabe... Uma vez, passei meses procurando uma menina no facebook só tendo o primeiro nome dela como referência. O ponto é que ele me parece um cara do time dos jogadores, Courtney.
“Bitch better have my Money // Y'all should know me well enough // Bitch better have my…”
Courtney acenou, desanimada, para Nicholas do banco traseiro do automóvel, enquanto jogava cartas com uma Alexia entediada.
— Eu imaginava, Nick... É só que ele ama me confundir. Uma hora me dá um gelo e na outra é todo fofinho comigo, sabe?
“Go ahead and say we're through // You used to always try to tell me what to do // I'll get another dude that look like you”
— ! Dá para parar de trocar a música? — perguntou o amigo, estalando a língua em irritação. — O modo aleatório existe por um motivo.
— Desculpe... — disse a menina com um biquinho, finalmente sossegando em seu assento no banco do passageiro. Começou a roer os cantos da unha quase que inconscientemente.
Nicholas olhou rapidamente para ela. Voltou seu olhar para a estrada, preocupado. Não sabia se comparecer àquela festa era uma boa ideia. já era imprevisível normalmente, mas agora... Ela não estava estável emocionalmente. Ele só esperava que isso tudo não fosse um grande erro que ele como deveria estar prevenindo.
— Ei, ... Não se preocupe, logo estaremos enchendo a cara e dançando pra cacete. Você nem vai ter tempo de se preocupar com nenhum deles — disse, tentando animá-la.
— Falando em beber, Nick, o que você comprou? — questionou , com o interesse renovado.
— Advinha — pediu, com um meio sorriso.
A menina o olhou sonhadora e na expectativa de que ele mesmo respondesse. Sua impaciência acabou por ser recompensada. Nicholas nunca a deixava no vácuo. Batucou com as mãos no volante e revelou exatamente o que ela queria ouvir.
— Heineken, é claro, a sua favorita.
Ela encarou-o com os olhos brilhando de empolgação.
— Obrigada, Nick! — falou, pulando de seu assento para abraçá-lo.
Nicholas, que dirigia, quase perdeu a direção do carro com o susto, fazendo com que as cartas que as meninas jogavam no banco de trás voassem por todo o banco com o movimento brusco. Todos começaram a rir com a adrenalina em alta.
— Você realmente tem um desejo de morte, né?! — perguntou bem humorado, porém, ao mesmo tempo, lançando um olhar assustado para sua amiga.
deu de ombros, rindo de nervoso, e olhou para a paisagem passando em alta velocidade em sua janela. Praticamente não era possível distinguir formas àquela hora da noite, porém as luzes que iluminavam a estrada pareciam dançar em uma bela coreografia sincronizada. Coreografia? Pensou a menina achando graça. Olha que eu nem bebi ainda.
— Também te amo, Nicholas Holt — resmungou, retomando seu bom humor naquela montanha russa emocional que estava passando.
— Ainda estou me decidindo sobre você, — retrucou ele, sorrindo para a menina que descansava seu queixo nos joelhos dobrados, finalmente sem a bota ortopédica que tanto odiava. Estava linda com os cabelos pretos voando ao vento. Ele deu uma última piscadela e voltou sua atenção para o caminho ainda a ser percorrido.
Alexia e Courtney que terminavam de juntar as cartas nesse momento, presenciando toda a cena do banco traseiro, entreolharam-se com sorrisinhos enigmáticos. Alex conhecia muito menos do que Court, mas mesmo assim já havia ouvido falar do tal “amigo de infância” inúmeras vezes, assim como as outras meninas da Alpha Kappa Nu.
— Eles dariam um belo casal, não acha? — sussurrou Alex, pegando o celular para checar sua maquiagem.
Courtney até fez uma careta pensativa por uns minutos, enquanto guardava o baralho para logo depois balançar a cabeça em negativa.
— Eles se tratam como irmãos, Alex... Acho que seria quase um incesto.
— Qual o problema disso? — replicou a morena com um sorriso malicioso.
A outra garota fez uma expressão chocada e riu baixinho para, então, voltar a uma fachada séria, porém provocativa.
— Acho que isso não devia me surpreender vindo de você.
— Ei! — reclamou a amiga, dando um soquinho no braço de sua amiga. — Mas você tem que admitir que Cesare e Lucrezia Borgia formavam um belo casal.
— Você é uma pessoa muito estranha, Alexia Bell. — disse Courtney, balançando a cabeça em descrença e colocando seus fones de ouvido.
Alex era a maior viciada em seriados. Não conseguia entoar uma frase que não fizesse referência a algum deles. Mesmo que isso não fosse muito a praia de Court, essa até que achava encantador. Ela mesma tinha esse hábito, porém com os livros que lia. Isso fazia com que muitas pessoas as achassem irritantes. Não era o único efeito colateral, porém. Courtney era uma daquelas pessoas que acreditavam em romance, destino e amores impossíveis. Por isso, acabava sempre ficando com os maiores canalhas que tentavam se aproveitar dessa sua característica. Mesmo assim, a menina também não era boba, já que quase sempre acabava percebendo estar sendo enrolada... Eventualmente. Porém, a essa altura, já estava recolhendo os caquinhos do seu coração quebrado. Alex, pelo contrário, sempre foi muito desapegada e admirava secretamente Court por conseguir essa proeza.
— Ei, Nick! — chamou Alex em um tom um pouco mais alto do que os cochichos que entoava anteriormente. — Falta muito ainda?
O menino pensou por uns segundos, olhando a hora em seu relógio e respondeu categoricamente.
— Eu dou uns quinze minutos.
— Obrigada! — Sorriu ela, trançando os cabelos castanhos claros, recostando a cabeça na janela e fechando os olhos. Deslizou para a inconsciência com uma rapidez de dar inveja.
— Por nada... — murmurou Nick, observando, satisfeito, uma placa que confirmava sua teoria.
“Boston/Massashussets- ¼ Hora”. Te prepara, Boston, que estamos chegando.
20:00 — Boston — Residência dos Edwards...
— Andy Edwards! — saudou , levantando um pack de cerveja que trouxera consigo.
— , cara, quanto tempo! — respondeu o outro.
Ambos deram um meio abraço animado.
— Esse é o pessoal que eu falei que traria lá de Vermont! — falou, gesticulando para o grupo atrás dele, cada um segurando alguma bebida alcóolica. As meninas cochicharam e deram risadinhas quando o olhar de Andy desviou-se para elas.
— Podem entrar e bem-vindos à Boston!
Taylor foi a primeira a entrar na casa, como se esta fosse sua, e não tardou a expulsar um garoto de aparência oriental da poltrona onde queria se sentar. Como um falcão, observou o salão enquanto bebericava o drink que um pobre desavisado havia pegado para ela. Suas minions, Emma e Madison, ficaram dançando, mas mantendo-se perto de sua líder. Olhando em volta alheio à gafe, sorriu para o amigo e seguiu-o em direção ao bar, ao mesmo tempo em que se atualizavam nas novidades da Kingsley Montessori School. Em um dos surtos de seus pais, o garoto passara um breve período morando em Boston, o que lhe trouxera várias conexões na área. Entre elas, estavam alguns companheiros da escola em que Andy estudava. Na Kingsley, este era capitão do time de futebol americano e neste ano estaria se despedindo do colegial. Como amava brincar, Andy iria perder a virgindade universitária quando fosse para Columbia.
Conhecera Andy Edwards em uma das muitas festas que frequentava na sua época do colegial, e ficara surpreso sobre o quanto ambos eram parecidos. Após o primeiro porre juntos, tornaram-se parceiros de bebedeira e o resto era história. observou a festa já lotada, percebendo que seus amigos já haviam facilmente se misturado entre os presentes. Tal fato não era tão surpreendente, já que, assim como ele, tinham um assunto na universidade no qual eram versados, esse assunto era a arte da farra. Mesmo ainda sendo relativamente cedo, já havia uma considerável quantidade de pessoas presentes, dificultando que fosse possível encontrar qualquer um no meio de todos. Andy realmente sabia dar uma festa, constatou satisfeito com seu amigo, que secretamente ele considerava seu pupilo, porém que se o ouvisse falando isso, iria lhe meter o cacete.
— , como vai a tal ?
— Bem, eu suponho — começou ele, emburrado. — Foi bom enquanto durou.
— Término difícil? — perguntou ele, adicionando alguns copinhos extras da tequila que já servia para si e para seu amigo.
— Sim e não — replicou o garoto secamente, olhando para o álcool como se fosse a solução de todos os seus problemas.
— Mais um motivo para beber, então. — respondeu Andy, dando de ombros e pegando o primeiro shot para virarem.
— E a Dakota, cara? — questionou , se calando assim que percebeu a carranca do amigo. — Ahn... À vida de solteiro! — brindou, levantando o segundo copinho com um meio sorriso forçado e virando a segunda, a terceira, a quarta... Digamos que algumas doses.
O Edwards não estava muito atrás, e minutos depois já exibiam enormes sorrisos, as pupilas dilatadas e berravam suas histórias de guerra para um pequeno grupo interessado que os observava de perto.
— Aí o Andy esbarrou no espelho da sala e pediu desculpas para o reflexo dele mesmo.
— Conta a sua do pato com o boné de cowboy, ! — Andy falou, enquanto ria descontroladamente.
— Essa parte nem foi a pior! Depois que eu cheguei a casa nesse dia, minha ex falou que tentei vestir o tapete do banheiro durante vários minutos, crente que era minha calça! A cretina ainda fez o favor de gravar para me mostrar quando eu fiquei sóbrio.
— E... — Os presentes observaram atentos em expectativa.
— Confesso que até eu ri. Não sei o porquê, mas eu ficava repetindo “Tá pegando fogo! Bombeiro em ação!”.
O grupo riu, começando especulações do porquê a história se desenrolara de tal forma, até que alguém os cortou curioso.
— E o Edwards, tem alguma dessas vergonhosas?
passou seu olhar malicioso do companheiro de time de Andy, que mais cedo fora apresentado como Jeremy, para o amigo supracitado, que começou a corar como um tomate.
— Ah... O Edwards não só tem, como elas são bem piores que as minhas. Eu diria até que perto dele eu sou recatado bebendo.
— Oh, ele já bateu o carro com a namorada dentro, então? — perguntou uma voz doce e familiar para o garoto, que fechou a cara, olhando para seu copo vazio, e começou a andar na direção da cozinha para evitar a autora do questionamento.
e seu grupo haviam a pouco chegado à festa. Nick fora guardar as bebidas com ela, enquanto as meninas foram se misturar um pouco. Fora no bar que > avistara a fonte de sua agonia nos últimos dias. Bem... Uma das fontes, pelo menos. estava se vangloriando de suas lendárias histórias de bêbado. Lendárias, era o que ele dizia. Ela nunca deveria ter-lhe apresentado à série televisiva How I Met Your Mother... Deveria saber que o bobão iria acabar se identificando com o personagem do Barney e ficar irritando seus amigos com tiradas dele, sem parar durante semanas. Ainda bem que esse efeito passara, ao menos enquanto estava sóbrio. A menina a princípio não planejava nem o cumprimentar, porém não aguentou a deixa que teve quando o maldito havia se atrevido a dizer que era contido bebendo. Se esse fosse o caso, tinha algo de muito errado no mundo. Era certamente
o eufemismo do século.
Assim que terminou sua frase, teve que conter Nicholas, que largou os packs de Heineken na bancada de qualquer jeito, levantou as mangas compridas de seu sweater da cor de seus olhos e falou com um tom ameaçador.
— Ah, então esse é o tal do ?!
— Nicholas Holt! — começou a menina com um tom materno de bronca. — Não dê uma de machão que isso não faz o seu estilo. Não que você não possa brigar — parou ela, olhando para os músculos que não havia percebido anteriormente no menino. Na infância e na pré-adolescência Nick fora um magrelo, então de certa forma sua nova aparência era um choque. — Mas não quero confusão, só conversar com ele mesmo.
— Você vai ficar bem? — perguntou ele, franzindo a testa.
— Você me conhece, Holt? — Ele riu, puxou-a para um abraço apertado e beijou o topo de sua cabeça. Outra mudança, pensou a menina, surpresa. Ele espichara e muito desde a última vez que haviam se visto, em que só era uns dedos mais alto que ela.
Nicholas desviou o olhar para um ponto atrás da amiga, com seu olhar de flerte — aquele que a menina já conhecia bem de suas noitadas juntos —, deu um meio sorriso e contornou-a, murmurando distraidamente, sem esperar por uma resposta:
— Humm... Já que você está bem, vou checar uma coisa ali daquele lado da festa, ok?
Com isso, a menina deu de ombros e virou-se para procurar . Porém, percebeu que o grupo que antes estava ali, se dispersara e não havia mais sinal de seu namorado. Sua esperança retornou ao ver que um menino que antes estava com seu ex continuava sentado na banqueta do bar, bebericando uma cerveja e... Olhando para mim, constatou surpresa. Sua mente fez questão de lembrar-lhe que agora estava solteira e não havia problemas em notar como era o movimento da garganta do menino, enquanto este engolia lentamente sua bebida, a forma como a língua dele se movia rapidamente em busca de gotas órfãs que houvessem escapado na proximidade de seus lábios. Observar o belo garoto a distraiu momentaneamente de seus objetivos e, involuntariamente, aproximou-se dele enrolando os longos cachos negros de seu cabelo em seus dedos. Quando ela já estava muito próxima, trocaram olhares famintos por um segundo, até ouvirem uma tuba sendo tocada. Sim, uma tuba. Não sabiam de onde o barulho vinha,
mas foram despertados do feitiço que os aproximara. Os olhos dele se arregalaram ao perceber a pouca distância que os separava, e o olhar dela demonstrava um claro pânico.
Pensa, . Pensa, . Pensa...
Uma lâmpada milagrosa acendeu-se na mente da menina, fazendo com que esta pigarreasse e retomasse a voz e a postura.
— Você viu para onde foi o ? — indagou ela. Sua voz estava rouca, quase como se estivesse tentando ser sensual. Concentre-se, ! Pensou, agoniada.
— S..Sim. Deve estar na cozinha, buscando alguma bebida do meu estoque particular. —respondeu ele, abrindo um sorriso.
— Obrigada — murmurou virando-se, porém logo sentindo uma das mãos dele envolverem gentilmente seu braço.
— Espere... — pediu, olhando novamente no fundo dos olhos dela. Após uns segundos, soltou-a envergonhado, parecendo só então notar o que fizera. — Ao menos me diga seu nome.
— — replicou, sorrindo.
Ele esforçou-se para não fazer uma careta ao constatar que aquela era a ex-namorada de seu amigo. Percebeu ter sido bem-sucedido em tal façanha ao perceber o encarar da menina em expectativa. Quando ele lhe devolveu um olhar perdido, ela formulou a questão que pensara estar implícita. É... Parece que não...
— Seu nome — falou, como se fosse algo óbvio, e de fato era.
— Ah, perdão, me chamo Andy Edwards.
Ela simplesmente acenou e seguiu na direção que ele lhe apontara ser a da cozinha. Teria de ter uma conversa com e resolver aquela questão entre eles de uma vez por todas, aí sim se permitiria curtir a festividade.
20:50 — Cozinha dos Edwards...
pegou — trêmulo — a garrafa de Absolut debaixo da bancada, onde Andy lhe mostrara mais cedo. Olhou em volta para algumas poucas meninas que conversavam no local, deteve seu olhar sob elas por alguns segundos, mas balançou a cabeça, irritado. Onde estão as merdas dos copos dessa casa, cacete!
chegou não muito tempo depois para encontrá-lo bebendo direto da enorme garrafa de Vodka. Ambos suspiraram ao se verem.
— , larga isso... Não tem o menor respeito pelo seu fígado? — perguntou ela.
Em resposta, ele bebeu mais um gole com um olhar desafiador. Ela somente aproximou-se e pegou o recipiente de sua mão, depositando-o na bancada perto da pia. Não encontrou muita resistência, o garoto somente a fitava com um olhar suplicante.
— Vamos — falou ela, puxando-o em direção à varanda dos fundos. — Um pouco de ar puro lhe fará bem.
Ele deixou-a guia-lo até o jardim, onde sentaram em uma namoradeira. Irônico, não é... Esse pensamento veio não só dele, mas dela também. parecia encarar todos os lugares menos sua direção.
— ... — chamou, na tentativa de chamar atenção do menino que fungou e olhou para o lado oposto ao que ela estava sentada. Ali, com os dois sozinhos, onde podiam ser somente quem são, e não o e a , ele não sabia mais como fingir. O pedido de desculpas que estava entalado em sua garganta, sua culpa, tudo o atingiu de uma vez, fazendo com que ele levantasse inquieto.
— Ei! — Tentou novamente a menina, parando- o de afastar-se segurando seu pulso.
Finalmente permitiu-se olhar para ela. A menina que sempre estivera lá por ele, mas que ele retribuíra quase matando em uma batida de carro.
— O que... O que quer de mim? — questionou com uma voz alta, porém vulnerável, quebrada.
— Eu só... Não sei, não quer ter um término decente? Mais do que qualquer coisa que tenhamos dito antes. Tinha alguma coisa entre nós e eu não quero deixar nenhuma ponta solta...
— Ponta solta?! — ele a cortou com raiva, puxando de volta seu pulso que ela ainda não havia soltado. — É isso que eu sou para você, não é? Mais um problema a consertar.
— Claro que não... — murmurou ela, de forma audível para o menino cego de raiva.
— Então, o quê? Você me viu, o garoto babaca que não tem a coragem de enfrentar os pais para conseguir o que quer, e quis tentar me consertar?
Ela o encarou assustada com a lágrima que escorreu em seu rosto, a qual ele limpou com a manga de seu casaco, de forma desajeitada. Ela nunca,nunca, nunca mesmo vira chorar. Nem mesmo durante o enterro da avó dele, a única pessoa de sua família que ele realmente se importava.
— É isso? Sou seu projetinho? Só mais um empecilho para a faz tudo de Vermont?
— NÃO! — gritou ela, sendo pega pela emoção do momento.
— Então o quê? — repetiu ele, desafiando-a com o olhar.
— Meu amigo! Pensei que fosse meu amigo! A única pessoa de Vermont para quem eu realmente me abri sobre o passado. Que eu me conectei! Mas não. Você cometeu um erro terrível e eu te perdoei, mas não, você tinha que...
— Vo... Você me perdoou? — interrompeu ele, olhando-a como se ela fosse louca. Talvez fosse.
— Eu nunca deveria ter entrado naquele carro, . A culpa foi toda sua, contudo, eu também falhei contigo. Que tipo de pessoa não ajuda o namorado quando ele está mal, se esse sempre está lá por ela? Não me leve a mal. Você devia mesmo se culpar pelo acidente, porém pelo o fim do nosso relacionamento... Não. — disse secamente. — Não foi só por sua causa.
— Eu não sab..
— Não sabia, é? Claro que não, seu idiota! Nem me visitar no hospital você foi. — Pausou recuperando o fôlego. — Mas eu entendo. Seus pais chamaram o Rufus, não foi? Aquele homem é implacável. Suponho que não o chamem de Blindador de Processos à toa.
— Sim. Eu, mais uma vez, fui um covarde e não assumi meu erro. ... Me desculpa.
— Já foi. Eu estou viva, não estou? Inteirinha e o mundo pode respirar de novo — brincou ela ao se levantar e dar uma voltinha. Quando sentiu uma leve dor no seu tornozelo, sentou-se novamente o massageando e disse:
— Bem... Quase inteira. Porém, irei ficar bem. , falando sério, alguma hora você vai ter que enfrenta-los — começou, vendo o garoto ficar tenso. — Mas não vai ser agora, então relaxa. Vamos só aproveitar essa festa.
— Amigos? — questionou ele, estendendo-lhe a mão.
Ela riu, puxando-lhe para um abraço em vez disso. Bobão, pensou, revirando os olhos.
— Espera... Curtir a festa significa que posso beber, então? — perguntou com os olhinhos suplicantes.
Nesse momento, quase como em resposta à pergunta dele, puderam ouvir um barulho alto de uma discussão e o som de vidro se quebrando. levantou uma sobrancelha, cruzando os braços, indignada.
— Parece que já tem bêbado o suficiente nessa festa. Não exagera, — disse pigarreando.
foi fazendo seu caminho até a porta, porém parou ao perceber que não estava sendo seguida. estava virado olhando para o céu, no mesmo lugar onde ela havia lhe deixado.
— Hey... Você vem?
Foram novamente interrompidos por um tenso — e irritado — berro feminino.
“— QUE PORRA É ESSA? LOIRINHA, VOCÊ ESTÁ ME DANDO TRABALHO PELA SEGUNDA VEZ EM MENOS DE DEZ MINUTOS!”
Riram com o que parecia um surto feminino, para logo ignorarem o que quer que fosse a mais nova loucura ocorrendo na festa.
— Em um minuto — replicou docemente.
— Ok... — respondeu ela, estranhando esse lado contemplativo, recém-descoberto do garoto.
Ao entrar na casa, voltando ao salão, finalmente avistou Taylor, que estava sendo seguida por um garoto atlético e uma menina que gritava em plenos pulmões para a loira. Lausen estava tão envolvida na confusão que mal percebeu a presença de enquanto sumia pela festa. Ao voltar novamente à sala, porém, a morena foi parada por uma voz que não lhe era estranha.
— Ora ora, se não é , a Rainha de Vermont.
virou-se para encontrar a última pessoa que gostaria de ver naquela noite.
— Não pode ser! — retrucou, com um tom de surpresa exagerada. — Será, Hanna Edwards, a Princesa da Kingsley Montessori?!
Ambas sorriram com a brincadeira que nunca ficava velha acerca de seus status sociais. fora contatada por Hanna meses antes, porque a menina estava interessada em visitar Vermont como uma possível faculdade futura. passara seu contato para Andy, o irmão mais velho de Hanna, e ambas acabaram falando-se algumas vezes pelo telefone e muitas outras por mensagens. Entre os esclarecimentos das perguntas da novata, as meninas foram se afeiçoando ao encontrarem interesses em comum e passaram a confidenciar suas vidas uma à outra. O conselho de um estranho podia ser algo precioso quando se está tão absorvido em uma situação que não se pode enxergar claramente.
— Como está Boston? — perguntou, sentando-se em um sofá ao lado de sua amiga.
— Vai melhorar... Sempre dou um jeito. — respondeu Hanna, dando de ombros.
— Deixe-me adivinhar... Tem algo a ver com um demônio ruivo que assombra a Kingsley? — questionou , observando sua amiga rir logo em seguida.
— E o pior é que as pessoas da Kingsley são tão cegas que algumas nem a enxergam como demônio, e sim como líder. — reclamou a loira, fazendo com que desta vez a morena risse junto a ela.
— É... Na Alpha Kappa Nu não estão muito longe de elegerem um ser não-pensante para a presidência... — resmungou de volta, irritada. Uns segundos depois, porém, ao avistar uma face familiar ficar visível na pista de dança, se esfregando em um garoto qualquer, animou-se em mostrar à amiga de quem tanto reclamara nos últimos dias. Por falar do demônio, pensou, divertida. — OLHA QUEM VEIO! É aquela a Lausen — continuou, gesticulando para o embuste dançante.
— Não acredito que essa é a Lausen — disse Hanna, pensativa.
já ia lhe perguntar o porquê, quando sua amiga continuou, parecendo ler seus pensamentos.
— Eu já briguei com ela duas vezes essa noite, e olha que a festa mal começou! Ela quebrou uma garrafa e ainda estava se atracando com um doido no meu quarto.
A fonte do barulho tinha que ter sido a Lausen, imaginou , revirando os olhos internamente. Então a menina berrando era... Hanna. Com esse pensamento, a morena afeiçoou-se ainda mais pela amiga. Se havia algo que ela entendia era fazer barraco com a Taylor. E isso não era para qualquer uma amadora. Bem... Potência nos pulmões a Edwards tinha! Isso não podia negar.
— Não creio! — falou, levando inconscientemente a mão à boca.
— AI! — Ouviram um berro de dor destacando-se apesar da música alta, deixando Hanna, a dona da casa, alarmada.
— , mil desculpas, eu tenho que ir ver o que foi isso antes que esses animais destruam minha casa! — Edwards soltou com um sorriso, dessa vez genuíno, para a universitária.
— Você é dona da casa? Pensei que fosse o tal do Andy... — falou , confusa. Hanna assentiu apressando-se para a cozinha.
— Isso! Andy é meu irmão mais velho! — disse, trazendo mais risadas.
ESPERA! Pensou, finalmente tendo uma realização nada animadora. Eu flertei com o irmão da Hanna?! Andy Edwards, o amigo de ... Sério mesmo?! Parece que eu tenho um tipo.
21:15 — Varanda da Residência dos Edwards...
Finalmente decidira retornar à festa, havendo recuperado um pouco de sua sanidade e, o mais importante, sua sobriedade. Não cometeria mais de uma vez o erro de ir muito além do seu limite na bebida. Principalmente com ali. Entrando na cozinha para retornar à festa, quase perdeu a cena de uma mulher abaixada catando cacos de vidro. Quase. Ele nunca se perdoaria se a tivesse perdido. Os fios dourados do cabelo dela insistiam em cair em seu rosto, encobrindo parcialmente sua face. Só a imagem da bela menina, mesmo que em uma posição nada sexy, o fez parar para encará-la. Ao perceber que esta não iria nota-lo se não falasse algo, resolveu tomar uma ação.
— Por que você estaria juntando essas drogas de caco? — perguntou meio secamente, mas dedicando a ela seu melhor olhar de: Hey, gatinha, estou interessado!
Ao contrário do de costume, porém, a menina não lhe devolveu o flerte, voltando-se à tarefa à qual estava tão atentamente dedicada em terminar.
— Bom, primeiro porque eu definitivamente não quero que apareça um SAMU aqui em casa — soltou ela, quase lhe assustando, quando finalmente o respondeu. Olhando para a pá no chão perto dela, abaixou-se para ajudá-la com a limpeza.
Enquanto trabalhavam, o riso dela quebrou o silêncio. Surpreso e encantado com o belo som que emitia, ele acompanhou-lhe.
— E também não estou muito a fim de ter sangue de idiotas nas paredes da minha casa — explicou o motivo da graça.
A resposta soou alarmes de confusão na cabeça do garoto.
— Espera, você... — Será que ela é a irmãzinha do Andy?
— Hanna Edwards, e você é? — disse a menina, confirmando suas suspeitas. Estava ainda mais linda agora que encaravam um ao outro, já de pé.
— Sou , eu vim de... — começou, perdendo-se nos olhos brilhantes da garota que o encaravam em expectativa. Ele parecia esquecer quem era perto da beleza que a pequena Edwards irradiava.
— Vermont — completou ela. O rapaz tentou recompor-se, tanto em aparência quanto inteligência. Ela deve estar me achando um completo idiota, pensou, franzindo a testa. — Ah... quer dizer, meu irmão me falou que viriam estudantes de Vermont... — terminou, sorrindo sem graça e corando.
Que bom, agora além de idiota, sou um babaca que a faz sentir-se desconfortável. Onde está o conquistador?! Não posso acredit...
Os pensamentos dele foram interrompidos por a voz — irritante — de um garoto qualquer, com uma máscara de cavalo. , acostumado com esse tipo de coisa aleatória que ocorreria em suas festas mesmo, nem piscou, mas divertiu-se quando Hanna fez uma hilária expressão confusa.
— Você tem um rodo?
— Pra quê? — questionou ela, para logo depois gargalhar com o relincho do menino, claramente embriagado.
— Tem uma ovelha no telhado — explicou o menino dando de ombros e pegando o rodo que o outro garoto lhe ofereceu.
— Quer ir ver essa ovelha comigo? — perguntou, sem nem tentar fingir desinteresse. Não estaria enganando ninguém, muito menos uma menina de aparência confiante como ela, a começar em como desfilava em seu vestido branco movimentando-se com a simples brisa, revelando um pouco mais das belas pernas que exibia.
Aproximaram-se do gramado do quintal dos Edwards que até piscina tinha. Ali estava lotado, um pouco mais do que o salão. Todos berravam em plenos pulmões um coro, quase um mantra de: “Vai Judite, vai Judite!”, enquanto uma ovelha — inflável — era cutucada pelo cavalo-homem de cima de uma escada com o rodo que pegara. não admirava só o show, mas também assistia atento a cada reação da menina, que já havia transmutado a expressão de surpresa, a irritada, a impressionada e completara o ciclo voltando a surpresa.
— Tem uma ovelha no meu telhado — disse ela, sem esperar resposta, como se estivesse confirmando o fato consigo mesma.
— Tem um pônei no seu quintal também — comentou rindo. Apontou para um dos convidados que parecia querer dar a habilidade de voar ao pobre animal. Inspirou fundo, orgulhoso de seu amigo Edwards, dando um meio sorriso para Hanna. — Realmente seu irmão sabe dar festas! — falou, satisfeito.
— Eu só queria saber onde eles estão arrumando tudo isso! — respondeu Hanna, com uma risadinha adorável.
Naquele ponto, a música estava tão alta que parecia que seus tímpanos iam estourar. Enquanto Hanna provavelmente se perguntava que merda estava acontecendo na casa dela, andava suspirando por cada loucura que presenciavam ao penetrarem a fundo na multidão sufocante. E, como era de se esperar, perderam-se um do outro em poucos minutos.
21:30
Após a conversa com Hanna, resolveu procurar seus amigos. Por sorte, Nick e Alexia estavam exatamente onde ela esperava, dançando adoidados na pista improvisada. Assim que aproximou, viu que Courtney bebia tranquilamente ao conversar com uma morena sentada no sofá, perto dos amigos dançarinos. Ambas pareciam estar discutindo um assunto como o da paz mundial, a julgar pela seriedade — ao mesmo tempo animação — que suas faces expressavam. logo foi envolvida por Alex e Nick que assim que a reconheceram gritaram cada um em um ouvido:
— EU AMO ESSA MÚSICA!
Ela sorriu para os dois, inicialmente dançando com a batida, mas logo depois arriscando uns movimentos mais complicados com seu parceiro, Nicholas. Era muito bom ter um amigo com quem ela pudesse dançar sem se preocupar com mãos bobas. Pelo menos não nos lugares mais íntimos. Nesse momento ela rebolava de costas para ele, enquanto o amigo descia o braço pela lateral de seu corpo lentamente, em seguida a girando e puxando Alex — que havia acabado de se pegar com um menino qualquer da Kingsley — para fazer um sanduiche em .
Mesmo que estivesse divertindo-se muito com seus amigos, a morena já estava toda suada e precisando se reabastecer de álcool. Assim que se virou na direção do bar em busca de uma bebida, a menina levou um choque. Andy Edwards a encarava com o que poderia ser mais bem descrito como fome. Há quanto tempo será que ele está me olhando...? Pensou, corando com a ideia de ele ter visto seus movimentos desajeitados, não que parecesse que ele ligava para isso. Quase como um ímã, ela foi andando na direção do garoto, hipnotizada. Os lábios dele mexeram-se levemente a confundindo por uns minutos. Só aí que ela percebeu a loira ao lado do garoto sentada em uma banqueta conversando com ele. Mesmo continuando a respondê-la, o garoto não desviava os olhos da morena que fazia seu caminho até onde estavam. Seu andar parecia sensual, os quadris, o movimento que requebravam... Tudo estava o deixando louco. Mal sabia ele que, quanto mais o olhar dele se escurecia de desejo, mais a vontade da própria mulher crescia. vacilou por um segundo quando ele mordeu o lábio inferior e deu seu melhor sorriso sacana. Sexy. Ele parecia transpirar erotismo. não era a única a percebê-lo; muitas outras mulheres estavam querendo o dono da casa, só não tinham a mesma atenção que ele estava dedicando a ela.
Ao alcançar o bar, o olhar do Edwards seguiu-a e lhe mandou uma piscadela, pegando sua Heineken, roçando no corpo de Andy ao alcança-la. Devolveu o meio sorriso de flerte que ele lhe mandou e voltou para a pista de dança decidida a ser ainda mais sensual. Provocativa. Ela não ganhara o apelido à toa. Mostraria para o menino de Boston como é que as poderosas de South Mills sabiam fazer.
Quase como se o destino tivesse conspirando a seu favor, viu a resposta de seus anseios entrando carregada por um entregador confuso, que logo foi recompensado com uma boa grana para instalar o bastão de pole dancing que algum idiota havia pedido. Daria um beijo de agradecimento em quem quer que tivesse sido, pois o fato era que ainda jovem, em Saskatchewan — sua cidade natal — a menina fizera aulas desse tipo de dança. Seus pais nem ligaram, passando pela sua fase hippie à época, o que confluiu com o fato de que, em seu condado, não havia muito o que fazer se não trabalhasse.
Cochichou no ouvido de Nick e com a ajuda dele e das meninas, abriram espaço no salão para ela, já descalça de suas botas e com o DJ de sobreaviso para começar a tocar a música que ela melhor dominava a coreografia.
“Are you gonna dance? // Dance on me // For the right, the right money // Are you gonna dance?”
Com a grave batida do baixo, foi andando ao redor da barra, descalça e sentindo-se mais ponderosa do que nunca. Podia ouvir vários assobios, porém somente lhe importava um homem. Tal homem a encarava boquiaberto, inicialmente surpreso. Parecia gostar de surpresas, pois a próxima coisa que fez foi lhe lançar um sorriso malicioso como que a desafiando. Vá em frente, parecia dizer, ao mesmo tempo em que seu olhar transmitia sua súplica. Ele estava quase alheio à verdade sobre quem estava no controle naquele momento. Algo que Andy Edwards, o menino cobiçado por tantas meninas, Rei da Kingsley, certamente não estava acostumado. Essa é a sensação de quando um Rei encontra sua Rainha.
“Oh yeah I'm gonna dance // Dance on you // But you gotta be ready // Ready for me”
escalou a barra como se esta fizesse parte de si, levantou as pernas acima de sua cabeça e foi descendo lentamente com sua cabeça apontada para o chão. O público berrava em êxtase e algumas meninas a encaravam com inveja, ou reviravam os olhos sarcasticamente. “Inversão Split”, queridas, queria só ver fazerem melhor, pensou ela, preparando-se para o próximo movimento mais complicado. Starfish, o movimento que mais levara tempo para dominar. Era como se estivesse em pé na barra com as pernas semiabertas em um espacate lateral. Somente segurava-se à barra por seus pés, mantendo os braços em sua cintura.
Exibida. Naquele momento realmente poderia ser chamada disso. Não que a mulher fosse dar à mínima, agradecendo aos céus por não ter bebido tanto até aquele momento- o que possibilitou aquela dança — a menina completou seu último passo da sequência e finalizou jogando seu cabelo para trás do ombro. Nick a chamou para dar um High-Five, abraçou alguns de seus conhecidos e trilhou em direção ao banheiro, para lavar sua face e recuperar-se da vergonha que insurgia agora que a adrenalina do momento havia passado. Ao passar pelo bar, percebeu — decepcionada — que Andy havia sumido. Às vezes, só não era para ser, pensou resignando-se, cabisbaixa.
23:45 — Emburrada na Residência dos Edwards...
Hanna voltara ao cantinho onde começara a festa e até mesmo seu humor, temperado por pequenas — mas insuficientes — doses de , pelo incidente da ovelha e pelo encontro inesperado com a amiga virtual, já havia retornado ao mau humor e a carranca que estava ficando acostumada a carregar. Desta vez, porém, não fora Andy que viera animá-la, e sim seu novo amigo de Vermont, que não resistira em pôr as mãos nos olhos da menina naquele ordinário jogo de “advinha quem é”. O alto astral e a personalidade tranquila de a contagiaram de tal forma que este até conseguiu persuadi-la a largar o sofá onde estava esparramada para jogar beer pong.
Durante o jogo, a menina descobrira mais coisas sobre ele do que pensara ser possível em uma atividade tão banal. A começar pelo fato de que era competitivo, muito competitivo. Se quisesse persuadi-lo de qualquer coisa, bastava desafiá-lo. O garoto amava se exibir, porém não do jeito ruim que Dakota ou mesmo Taylor tentavam fazer. Ele simplesmente era uma das pessoas mais carentes que Han já havia conhecido e adorava isso nele. era, no fundo, um cara muito doce e tratou-a como uma verdadeira princesa, até deixando-a ganhar uma vez, apesar de a garota estar realizando o mesmo só para ver as dancinhas da vitória que ele insistia em fazer.
Quando enfim fizeram parte da mesma dupla, jogando com o mesmo objetivo e ganhando de lavada, Hanna não resistiu em puxar o menino pelo braço até um canto da festa e beijá-lo. Ele retribuiu e aumentou a intensidade, trazendo o corpo dela grudado ao seu. mordiscou o lábio inferior dela quando tiveram de parar para buscar um ar e começou a trilhar o caminho de seu pescoço até sua clavícula, chupando e lambendo a pele de Hanna como um homem em uma missão. Esta, porém, não ficou muito atrás, aproveitando-se do fato de que estavam em um cômodo praticamente vazio, senão duas meninas muito bêbadas e um menino conversando com alguém no celular, e enfiou suas mãos por dentro da camisa do garoto, arranhando sua pele no limite entre a dor e o prazer. Isso fez com que ele grunhisse em seu ouvido, sedento por mais da menina. Tudo o que queria era mais de Hanna Edwards. E realmente teria, não fosse uma luz de celular subitamente apontada para ambos.
Noah, o amigo de infância e rolo de Hanna, estava ligado no face-time, rodando de mão em mão pela festa até aquele momento e uma frase provocativa deste, ao conseguir ver o que a menina estava fazendo, causou uma grande confusão. Confusão seria um eufemismo, talvez barraco fosse a palavra mais apropriada para o que estava acontecendo. Até mesmo Andy entrou na discussão minutos depois, com uma carranca que exalava o que sentia. Ele está puto. estranhou o mau-humor não habitual do amigo e manteve-se fora da briga, ao lado de Hanna, interrompendo somente para vir em seu socorro quando Noah falava algum absurdo no auge de sua raiva.
02:30
fora ao banheiro e tivera que lidar com a longa fila que despontava do corredor. A idiota da menina que era a próxima a poder usá-lo não havia testado a maçaneta para ver se realmente havia alguém lá dentro. Bêbada, estava crente que a luz acesa indicava toalete em uso. Vai entender... Pensou , revirando os olhos. Acabei de perder quinze minutos da minha vida. Um brinde a isso., levantou a cerveja que já estava em sua mão naquele momento como em uma saudação silenciosa.
Ao notar a mesma música com uma batida repetitiva e enjoativa sendo berrada das caixas de som, franziu a testa em desgosto. Só então ouviu uma conversa entre dois amigos da anfitriã, um deles que havia sido apresentada mais cedo como Louise, e um menino que insistia em mover sua cabeça à la Justin Bieber para que suas mechas loiras saíssem da frente dos olhos.
— Estou falando, Louise, a DJ quebrou a perna! Todo mundo viu! Por isso algum tapado colocou essa playlist eletrônica péssima. Parece que é a mesma música toda a hora!
— Não, Matt! Eu a vi dando em cima de um garoto desses de Vermont que claramente tinha namorada, já que ambos não se desgrudaram à noite toda. Daí o idiota flertou de volta bem no momento que sua namorada voltava do banheiro. Foi uma situação e tanto... Esse pessoal de South Mills sabe animar uma festa!
— Com certeza. — Riu o menino. — E você viu que aquela loira gata, acho que se chama Tori Lauson, ficou caidinha pelo Noah? Acho que a Hanna e ele são passado, afinal. Ele com certeza parecia interessado e não era para menos, mas eu nunca trocaria a Hanna.
Ouvindo a conversa alheia, teve vontade de se dar um tapa na testa, de repente sabendo exatamente quem esse garoto era. Matt era o menino que Hanna tanto reclamava ficar dando em cima dela, recusando categoricamente cada oferta. Parecia que ele não sabia o que significava a frase não estou interessada, nem em um milhão de anos. Sorriu, pensando na quantidade de mensagens que haviam sido trocadas somente para discutir sobre o irritante garoto.
O grupo foi distraído por um burburinho de sussurros acompanhando a chegada de uma mulher à residência dos Edwards. Os próprios irmãos apareceram de onde discutiam em um canto do salão. Ao reconhecer a ruiva como ninguém menos que Dakota Collins, sentiu a raiva subir sua cabeça e se aproximou da entrada assim como eles. Mal podia esperar para desbancar aquela vaca que tanto fazia mal à Hanna.
— O que você está fazendo aqui?! — perguntou Andy com um tom ríspido, em (grande) parte irritado e em parte nervoso pelo que a presença tóxica de sua ex-namorada faria à sua irmã.
— Aqui que é a festa, não é?! — retrucou Dakota, olhando em volta como se fosse algo óbvio.
— Ai, querida, você não viu a plaquinha na porta dizendo que animais não entram? — revidou Hanna, sarcástica.
A pequena Edwards vestia uma careta de tédio como se não estivesse sendo afetada em nada pela presença da garota. Porém, , Andy e que estavam mais próximos e a conheciam bem, podiam perceber a forma como cruzava os braços na defensiva e em como seu pescoço estava avermelhado, corado pelo nervosismo.
— Olha, se não é a Hanna Banana — começou Dakota, como que depreciando o apelido carinhoso de infância da menina. — Sua fase emo já passou, querida? Uma hora você supera o crush, não preocupa não.
— Não fala assim com ela. Quem você pensa que é? — perguntou , nem mesmo dando a Hanna a chance de respondê-la. Mesmo agradecida pela defesa imediata do garoto, a menina revirou os olhos com o corte. Homens...
— Você está tendo o desprazer de conhecer Dakota Collins, — respondeu diante da expressão boquiaberta da mulher para o garoto. — Ahn... Querida, foca aqui em mim. Você vai fazer assim: Vai pedir desculpas para os Edwards pelo tempo que foi desperdiçado contigo e vai embora com seu rabo entre as pernas, entendeu?
O olhar de Dakota voltou-se para avaliar a morena a sua frente, de cima a baixo, mantendo um olhar nada impressionado, contudo, mantendo-se de boca fechada.
— Compreende minha língua ou quer que eu desenhe para você? — perguntou, mal percebendo o olhar de admiração que estava recebendo de Andy.
— Acho que nem com o desenho, — replicou Hanna. — Essa aí não se toca nem esfregando na cara dela.
— Vocês — começou a outra, não esperando que ninguém ali fosse defender a Edwards, pelo menos ninguém de Boston.
— Ela fala! — ironizou . — Hanna, eu ligo para a polícia ou você acha que a ficha dela vai cair? — Acenando com os braços para a mulher, ainda completou: — Queridinha... Invasão domiciliar é crime, já deixamos claro que ninguém te quer aqui, o que mais precisa para vazar de vez?
Com o coro de “Vaza! Vaza! Vaza!”, Hanna piscou divertida para sua amiga e andou até Dakota como uma cobra prestes a dar o bote. A diferença é que, dessa vez, a maior torcida era para a cobra. O público que observava e até filmava o barraco fazia ruídos em aprovação para cada patada que davam em dobro na maldita intrusa. Os murmúrios viraram risadas assim que a pequena Edwards, ou seria Grande Edwards, pegou um copo qualquer com sobras de uma skol beats daquelas coloridas artificialmente e derramou por inteiro na roupa da ruiva.
— Sua...
— Sua o quê? Até te fiz um favor. Esse vermelho combinou com a cor de molho de tomate do seu cabelo.
— Você está ferrada, Edwards. — Riu a ruiva, resmungando com a voz esganiçada, deixando a pose de teimosa e saindo da casa com o aplauso de diversos convidados.
Taylor Lausen, que ouvira toda a discussão de onde conversava com Noah, na varanda, levantou sua sobrancelha desconfiada. Dakota Collins parecia lembrar-lhe de si mesma poucos anos antes, quando ainda estava no colegial. Sempre haviam s ou Hannas Edwards para atraírem toda a atenção, monopolizarem tudo o que ela sempre quis alcançar. Meninas que não eram mais inteligentes que ela, só pareciam ser um ímã de tudo o que já desejou. Até mesmo quanto a garotos... A rainha de Vermont podia estar namorando na época, mas assim que pousara os olhos na menina, Taylor percebera que, novamente, não seria sua vez.
Aproveitar-se do acidente da para ascender socialmente fora seu degrau. E aparentemente o de Dakota tinha a ver com Hanna. Quando a ruiva finalmente saiu da casa ao ser enxotada por todos dali, Taylor suspirou e levantou-se, entregando o celular com Noah para um passante qualquer. Não poderia resistir a apresentar-se para sua versão mais jovem.
— Hey, Dakota? Sou Taylor Lausen.
Dakota olhou-a levantando a sobrancelha em desdém, o que fez com que Lausen soltasse sua melhor risada falsa. Aí foi a vez de Dakota olhá-la admirada.
— E o que te faz pensar que eu quero te conhecer?
— Do jeito que foi chutada dessa festa, parece que não só deve querer, como precisa.
— Eu não me importo com o que...
— Eu também não. Mas para você realmente conseguir algo, terá que engolir que pessoas como eles estão acostumados a receber atenção de mão beijada metade do tempo. Pelo menos é assim que rola em Vermont.
- Bem, isso aqui é Boston, querida... Mas boa sorte com os entojos — respondeu a ruiva, jogando o cabelo para trás e continuando a andar como se estivesse em um desfile.
03:30
Em toda boa festa, há um ponto em que metade dos seus integrantes já vazaram por motivos de barraco ou estão desmaiados em algum canto qualquer da casa. Há meia hora, chegaram a esse ponto crítico. Normalmente, Andy esperaria que todos saíssem para ir tomar o seu banho merecido e apagar na cama macia de seu quarto. Porém, aquele não foi um desses dias. Ao ter a brilhante ideia de fazer uma batida para si mesmo — bêbado —, fora bater morangos no liquidificador e esquecera-se de pôr a tampa, o que resultara em milhões de respingos pela cozinha, sua face e sua roupa. O açúcar só fizera tudo ficar ainda mais melequento, então não havia como a chuveirada aguardar por muito mais tempo. Por esse motivo, renunciara momentaneamente a seus deveres como anfitrião, pegara a chave que usara para trancar seu quarto e fora tomar seu banho calmamente.
Sentindo-se restaurado, checou-se no espelho para ver se realmente tinha tirado toda a mistura do drink e saiu do banheiro com a toalha enrolada baixa na cintura.
Se não estivesse seminu e dentro de seu quarto, esbarrar com a menina que tanto secara mais cedo teria sido cômico, mas aquela situação só fora enlouquecedora mesmo. Algo semelhante passava na cabeça de , que estava somente procurando um banheiro que não houvesse sido destruído para poder retocar sua maquiagem e talvez tomar uma ducha rápida. O que não esperava era que o quarto com a porta destrancada fosse não de Hanna, mas do irmão gostoso dela.
— Humm... Oi — disse Andy, com um olhar enigmático.
retornou seu olhar, assustada e com as bochechas vermelhas.
— Desculpe... É que o banheiro lá de baixo está... — perdeu sua linha de pensamento quando o garoto cruzou seus braços, chamando atenção para seu tórax descoberto. Só então percebendo a toalha, sua boca contorceu-se em um sorriso malicioso que, ao encontrar a expressão sacana dele, recebeu toda a confirmação que queria.
Ao mesmo tempo em que largou sua bolsa no chão, o menino foi andando em sua direção. foi recuando até que suas costas chocaram-se com a parede. Andy varreu com a mão os fios de cabelo que pendiam dos ombros dela e abaixou a cabeça até encontrar seu pescoço, ficando uns segundos inspirando o aroma de seu perfume, quase como pedindo permissão para beijá-la. Esta puxou os fios de cabelo dele em sua direção em um claro consentimento, gemendo ao sentir seus beijos e mordidas da base de seu pescoço até a altura de seus ombros. Passou as unhas em suas costas e abriu um pouco as pernas para que este chegasse ainda mais perto. Edwards começou a beijar seus lábios intensamente, alternando a velocidade em que sua língua explorava o lugar. Aproveitou para passar uma mão em suas costas, mantendo uma no lugar a sustentando e escorregando a outra até uma das pernas da menina, levantando para enroscar-se no seu quadril.
interrompeu o beijo ofegando e tomou impulso para envolver ambas as pernas na cintura do garoto. Andy, por sua vez, carregou-a para a cama, esbarrando na cômoda e derrubando seu abajur no chão no processo. Não deu a mínima para o utensílio quebrado, somente soltando uma risada breve e tomando cuidado para não pisar em nenhum caco. Pousou-a na superfície macia para poder explorar melhor seu corpo. , contudo, tinha outros planos e, assim que ele pairou acima dela, girou-os para que ficasse por cima. Edwards riu e fez uma expressão meio surpresa e meio admirada.
— Você me surpreende, .
— Cala a boca e me beija, Edwards.
— Como a senhorita preferir — respondeu ele, atendendo a seu pedido sem nenhuma resistência.
Enquanto isso, no jardim...
— Olha isso, ! — falou Hanna, puxando um gorro de urso que estava jogado de qualquer forma na escada do quintal. Ela estava sentada no degrau mais alto, com o garoto no degrau abaixo, entre suas pernas.
O menino olhou para cima ao sentir as mãos dela pararem de acariciar seu cabelo, e o que viu lhe trouxe uma gargalhada. Edwards havia posto o gorrinho de urso e estava fazendo pose para ele, que não resistiu a tirar uma selfie com a menina fofa para não deixá-la esquecer do motivo do apelido irritante que lhe daria a partir dali.
Passado o momento, ela continuou tagarelando sobre seus planos futuros e o tempo que ainda lhe aguardava na Kingsley Montessori. Não sabia como o papo se transmutara tanto, mas o fato era que agora ambos estavam no alto do morrinho perto da casa onde acontecera a festa.
— Certeza que tem coragem para isso, ursinha? — perguntou , pousando a espécie de trenó-improvisado no chão.
— Já falei para parar de me chamar assim, bobão — retrucou Hanna, fazendo um biquinho de descontentamento, mas com um olhar bem humorado que revelava não estar com raiva de verdade.
— Vem logo, linda — disse, sentando-se na parte da frente com os pés pousados na grama. Naquela posição, com os joelhos dobrados, o menino parecia um adulto tentando usar um brinquedo de criança. Não que essa definição estivesse tão longe da realidade.
Ela sentou-se atrás dele, abraçando seu abdome rígido, e pediu que este esperasse um pouco, fechando os olhos e respirando fundo o ar puro.
— Por que estamos fazendo isso mesmo?
— Porque é divertido e apostamos.
— Refresque minha mente quanto aos termos da aposta.
— Se um de nós não tivesse coragem de descer o morrinho, esta pessoa teria que gravar um vídeo prometendo um favor para o outro, que poderia ser usado em qualquer ocasião para qualquer coisa.
— Que horas a gente apostou isso? Eu só podia estar bêbada mesmo. O que eu ganho se os dois forem?
riu, virando com um ombro levantado e uma sobrancelha arqueada.
— Apostou está apostado. Não vale usar essa carta da bebida, ursinha.
— Ok... — Suspirou, resignada. — Mas eu já falei para parar de me chamar de Ur... — Hanna foi cortada pelo movimento do trenó, que o garoto a sua frente havia ocasionado, sem aviso prévio. Berrou a última parte com o coração acelerado. — ...SINHAAAA!
A descida foi mais tranquila que esperavam. O único problema era que nenhum deles havia pensado muito bem em como parar e, ao perceber que estavam se direcionando para uma árvore no quintal de Hanna, puxou para o lado consigo, fazendo com que ambos girassem o resto do percurso. Capotaram abraçados, sujando-se de folhas e lama, acabando com o corpo de todo pressionado no de Hanna, inclusive seus lábios, colados um no outro.
Inicialmente olharam-se surpresos, ainda sem descolar suas bocas, sem fazer nada para aprofundar o beijo. Mas, com o último giro que não estavam esperando, Edwards abaixou-se mais e intensificou o que haviam começado involuntariamente. Ao se levantarem e tirarem mais umas selfies fazendo caretas — parecendo monstrinhos com toda a lama em seus corpos — jogaram-se na piscina, competindo mais uma vez, porém agora sobre qual deles dava o melhor salto.
Após se secarem, desmaiaram em um dos sofás da casa, somente sendo despertos mais tarde, por uma luz e a imagem de e Andy.
— Droga, Andy, eu falei para tirar o flash! — repreendeu , não parecendo nem um pouco brava, mas sim derretida pelo garoto que a olhou piscando e pousando a mão no pescoço dela.
— Você fica muito gata quando está brava — retrucou ele. Aproximaram-se para um beijo, ignorando os amigos protestando até que estes jogaram os travesseiros do sofá nos dois.
— Ouch! — Andy trocou olhares cúmplices com , atacando os dois sentados no sofá com as respectivas almofadas.
Foi quando e Hanna correram até o quintal para voltar com duas arminhas d’água, fazendo os dois provocadores levantarem os braços em rendição, e Andy deu um empurrãozinho em .
— Peguem ela! Sou inocente — brincou com uma voz afetada, enquanto se encolhia atrás da garota para proteger-se dos jatos d’água. Todos gargalharam e secaram-se.
— Temos que ir... — avisou a garota, um pouco triste, virando-se para o rapaz escondido atrás de si. — O Nick foi esperar no carro... , acho que terá de voltar conosco, porque a Taylor e as meninas meio que... Levaram seu carro.
fez uma cara de interrogação, contudo, resolveu nem perguntar, balançando a cabeça para clarear seus pensamentos.
— Sim, claro... Obrigado, .
A menina sorriu em resposta, puxando Andy para o segundo andar novamente com a desculpa de pegar sua bolsa, fazendo o outro casal revirar os olhos divertidamente.
— Daqui a uma hora eles voltam — resmungou, bufando.
— O que quer fazer enquanto isso? — perguntou Hanna, com um olhar sedutor.
— Onde fica seu quarto? — questionou ele, simplesmente carregando-a em seu ombro até o local referido.
4:00 — Carro da — Em algum lugar entre Boston e Vermont.
Nicholas dirigia em silêncio, sendo o único que realmente já estava sóbrio, enquanto conectava o bluetooth do celular ao som do carro e olhava pensativo pela janela do banco traseiro.
“All I am is a man // I want the world in my hands // I hate the beach
But I stand in California with my toes in the sand
Use the sleeves of my sweater // Let's have an adventure
Head in the clouds but my gravity's centered…”
Ao ouvir a familiar melodia de Sweater Weather, levantou a cabeça com um sorriso, encontrando os olhos da ex-namorada — e agora amiga — pelo espelho retrovisor interno.
— The Neighbourhood de novo, ? — perguntou ele, tentando imitar o mesmo tom da manhã do dia em que tudo entre eles mudara de vez.
Assim como naquele dia, ela deu a língua para e começou a cantarolar sua música preferida. Em uníssono, pensaram: como foi que chegamos aqui?, mas ambos não o fizeram com nostalgia, tristeza ou real dúvida. Não. e , os um dia chamados de par perfeito de Vermont, não mais se encaixavam da mesma forma. Ao menos era essa a situação do momento. Os dois aprenderam a não subestimar o poder da vida ao transformar as pessoas e, assim como o destino havia lhes trazido até aquele momento, poderiam acabar trilhando seus caminhos um de volta para o outro eventualmente. Era só questão de aproveitar o que tinham no agora e aceitar as mudanças e tombos que levassem. Surfar nas ondas do destino, pensou , divertida. E olha que eu nem... Oops, sim, ainda devo estar bêbada.
Nicholas observou a cena feliz por sua “irmã” estar finalmente descobrindo seu caminho. Porém, ao mesmo tempo, fez uma nota mental de sempre checar como esta estava em relação a seu ex. Amizades como a que eles pretendiam ter, depois de tudo que já passaram juntos, tendiam a ser extremamente complicadas, e se um deles retornasse a ter os sentimentos... O barulho de uma mensagem recebida fez com que Nick olhasse pelo espelhinho de relance, a tempo de pegar sorrindo e respondendo a quem quer que fosse. Algo naquele sorriso... devia ter cautela. Minha irmãzinha não vai sofrer dessa forma de novo, ou não me chamo Nicholas Holt.
“Aqui estão as fotos, gato. Bjs, ursinha”
“Como descobriu o meu número? P.S.: Amei as fts”
“Eu tenho meus contatos...”
“Foi o Andy, não foi?”
“Sim hahahah”
“E ele te passou fácil assim?”
“Bem... Talvez tenham sido feitas ameaças e talvez tenha tido uma troca de informações pelas da . Mas se alguém perguntar, ele foi um fofo e voluntariamente me passou tudo. O olho roxo não teve nada a ver comigo rs”
“Você é uma figura, Edwards”
“Não enche, . <3”
4:30 — South Mills — Residência dos s.
Após deixarem na casa da Sigma-Tau, e Nicholas voltaram para a casa da menina. Ele foi direto para a cama após murmurar um “boa noite” sonolento e tentar beijar sua testa, ao mesmo tempo em que bocejava. Tendo dirigido o caminho inteiro, ele fora o único a não tirar um cochilo no carro. Já estava inquieta, ligou sua televisão e foi passando os canais, desinteressada.
Quando a campainha tocou, assistia a conversa entre Noora e o William de Skam, em mais uma das cenas épicas de seu OTP*. Levantou-se já novamente, embalada pelo sono, e foi atender a porta.
Não fazia ideia de quem era, contudo, a pessoa que a aguardava na porta seria o último nome que a mulher arriscaria adivinhar. em um terno preto amassado; em um estado deplorável, cambaleando bêbado em sua porta. Enquanto se beliscava para confirmar que aquilo tudo realmente estava acontecendo, o garoto apoiou uma de suas mãos no pórtico de entrada e murmurou, suplicante:
— Me ajuda, .
— ... Eu... Você... O que houve contigo?
— Eu não posso chegar a casa assim. Por favor, só... me ajuda.
— Entre — respondeu ela sem titubear.
Ajudou o menino a chegar ao sofá e entregou-lhe um copo d’água. Por sua aparência febril, teria uma ressaca fodida no dia seguinte. Na verdade, mais tarde, quando acordassem. Ele bebeu com as mãos trêmulas e devolveu-lhe o copo com uma expressão agradecida. A menina estava tão cansada nesse ponto que somente deu de ombros e sentou ao lado dele, cobrindo-lhes com uma manta. Esticou-se para fechar as cortinas e deitou sua cabeça no ombro do garoto, abraçando-o de lado.
— ... O que houve? — repetiu a pergunta de olhos fechados, não conseguindo conter sua curiosidade.
— A curiosidade matou o gato, sabia?
Ela suspirou.
— , eu... Sei que está me ajudando, mas isso não é nada que eu possa te contar, ao menos não agora.
— Ook — cedeu com um tom triste. Parecia que ele não confiava nela.
— Olha, eu só... Você é a única que me entende, eu não tinha mais a quem pedir. , eu te...
— . Vamos dormir. Não se preocupe, eu entendo — cortou a menina, com medo do que quer que ele fosse dizer.
não lhe respondeu, já tendo caído em um sono pesado, sem sonhos. A menina não teve a mesma sorte, sendo atormentada por pesadelos durante toda a noite. A única coisa que a mantinha dormindo e no controle era sentir o calor que emanava a seu lado, o peito descendo e subindo em uma respiração tranquila. Permitiram-se aproveitar a presença um do outro como nunca haviam feito antes. Em seus estados alcoolizados, pelo menos, teriam uma desculpa. Porém, tudo passa e a manhã não tardaria a chegar. Como diria Tom Fitzgerald, se podemos sonhar, também podemos tornar nossos sonhos realidade. Bastaria ver se, para os dois adolescentes, o sonho de um corresponderia ao do outro.
Capítulo 6 - Go Big Or Go Home
já passara por sua cota de constrangimentos. Houve, por exemplo, o incidente com o maldito do Tommy Higgins, o maior fofoqueiro da sala. Ele interceptara um bilhetinho que estava passando para o Nick e lera o conteúdo para toda a classe. “ gosta do Já-a-mes!”, cantarolavam as crianças sempre que passava.
Já nos primeiros anos da faculdade, quando a canadense se mudara para South Mills, acontecera algo ainda mais sério. Sua posição na irmandade mais disputada do campus fora conquistada à duras penas; o cargo de presidente também não fora algo que caíra em seu colo.
sabia que o que quer que fizesse na semana do terror, teria de se destacar.
Para entrar na Alpha Kappa Nu, as veteranas da Irmandade preparavam uma semana de provações de todos os tipos, para testar as novatas em todo seu potencial. A menina ainda lembrava o quanto ficara nervosa com algumas provas mais complicadas.
Não queria usar seu nome para torná-la uma favorita logo de cara, sabia que isso vinha com altas expectativas, então usara somente seu sobrenome do meio, deixando para revelar que era uma “” no momento certo. Essa carta na manga só a estimulava mais a fazer inúmeras estratégias elaboradas.
— Tem certeza que quer participar disso, ? — perguntara Nicholas, em sua última ligação antes da prova.
A menina despejara nele parte de seu nervosismo, mas passara horas explicando tudo o que havia feito para se preparar. Só por ouvir a voz gentil de seu melhor amigo, conseguiu retomar sua autoconfiança habitual. Não costumava duvidar de si mesma, porém, quando queria tanto alguma coisa, não podia evitar se perguntar o que faria se não a conseguisse.
— Eu estaria falando por horas sobre isso se não quisesse?
— Sei lá... — Suspirou do outro lado da linha. — Você só nunca me pareceu esse tipo de garota.
— Não consegui entender seu comentário... — murmurou pensativa.
— Só estou falando o que a maioria irá pensar. — Nick juntou o ar nos pulmões por alguns segundos antes de soltá-lo. Sabia que, do outro lado da linha, provavelmente havia feito seu bico característico de quando não concordava com algo.
— E o que a maioria irá pensar? — indagou, agora com a voz mais dura.
— , eu não digo por mim — explicou direto. — Você sabe que te apoio em qualquer coisa que irá realizar, eu só... Quero o melhor para você. Quero anos letivos sossegados, bem aproveitados, e... Paz? Boas lembranças, , como estou tendo aqui.
— Nick, você tem alguma ideia do trabalho que dá para organizar cada evento beneficente daqueles? Não é algo que vá me denegrir ou me cansar... Não é algo fútil, como a maioria pensa. — Fez pausa. — E ainda são as meninas mais inteligentes do campus! Onde acha que as empresas grandes de advocacia vão procurar quando tiverem vagas de estágio ou de trabalho no futuro? Isso adiciona muita coisa ao currículo e...
— ! — Nick chamou, fazendo-a parar seu monólogo. — Não foi minha intenção julgar suas escolhas, ou o que isso significa para você; só queria confirmar se é isso mesmo que quer, mas nunca questionaria suas decisões, . Você sempre foi muito mais racional do que eu.
— Não tenho como discordar disso, companheiro — concordou, já amolecendo o tom.
- Mas, sério, não tem nada que você queira que não arranje alguma forma de conseguir. Confio mais em você do que em mim mesmo. Eu sei que vai aniquilar todas as competidoras.
— Obrigada, acho que precisava ouvir isso.
— Achei que esse dia nunca chegaria...
— Como assim?
— Estou começando a ver canivetes caindo do céu. — A morena riu, captando a mensagem. — duvidando da sua capacidade? No Way.
— Isso jamais aconteceu — disse ao cessar o riso. — É bom ouvir de outra pessoa de vez em quando.
— Que nojentinha! — replicou seu amigo, revirando os olhos.
— Sincera, somente — respondeu ela.
Despediram-se rapidamente e a menina separou a roupa que usaria no dia seguinte. Apresentação era uma das coisas mais importantes; uma boa primeira impressão podia ser de grande ajuda, mas uma ruim, uma vez formada, custava a ser quebrada.
Jane Austen escrevera em Orgulho e Preconceito um diálogo em que o Senhor Darcy falava exatamente isto, contudo, com um tom mais fatalista. Para ele, uma vez perdida, a opinião ficava perdida para sempre. nunca ousaria chegar a esse ponto, sendo a maior adepta do nunca diga nunca; estava disposta a ir longe para alcançar suas pretensões. Victoria vivia dizendo orgulhosamente para quem quer que fosse que conhecessem: “Minha menina é uma mulher de ambições.”
Fora naquele primeiro dia que conhecera Taylor, e haviam formado uma aliança capaz de colocá-las no top 5 das mais cobiçadas, não só para o ingresso na Irmandade, como para os cargos de importância. Maddy, Courtney e Alexia haviam sido as outras três a conseguirem tal grande feito.
A presidente à época, Iris, era tremendamente difícil de impressionar, mas conseguira. A princípio, nas provas escritas, que nivelavam o nível acadêmico das candidatas, e depois na elaboração de um projeto de evento beneficente.
O que a garota não sabia, porém, era que o que acabara por diferenciá-la em definitivo fora o teste de talentos. Muitas cantaram, dançaram, escreveram poesias. Entretanto, a menina fizera algo muito diferente. Chegou tranquila na sala de avaliações e teve a coragem de parar em frente às meninas com um sorriso presunçoso, aguardando que parassem com sua conversa paralela.
Iris desviou os olhos para ela com uma careta confusa, fez um gesto de “vá em frente” com uma das mãos e apoiou o queixo na outra, cochichando uma última coisa para as demais meninas antes de focar sua atenção na candidata, que permanecia parada à sua frente.
— Vai começar ou congelou? Se for o segundo caso, te asseguro que isso não me impressiona e peço que ao sair chame a próxima, tudo bem? — falou com um tom seco.
— Tenho dois talentos para serem apresentados. Não sei como as regras se aplicam quanto a um deles e gostaria que me tirassem essa dúvida antes de qualquer coisa.
— Dois talentos... — repetiu a outra, incrédula. — Você tem coragem, hein, caloura?! Isso pode ser algo muito bom ou muito ruim, tome cuidado. Mas vá em frente, pergunte.
— Meu maior talento é realizar pedidos. Pode me considerar sua fada madrinha, ou sei lá. Mas, como prova, quero que me peçam qualquer coisa que considerem algo difícil de ser feito.
Algumas meninas na mesa de avaliações arregalaram os olhos, claramente impressionadas, ao menos com sua ousadia.
— Tudo bem, porém também é necessário que apresente algo hoje.
— Por isso que precisava que fossem até esse endereço assim que acabassem as apresentações. Lá poderei mostrar-lhes meu outro talento.
— Você quer que a gente se desloque até a Rua Principal para ver seu talento? Por que diabos tem tanta certeza de que faremos isso?
— Não tenho, mas é assim que eu jogo. Tudo ou nada, pense grande ou desista. —Deu de ombros, aproximando-se de Iris. — Mas eu acho que vão. Seja por pura curiosidade acerca de meu dom, ou o porquê de eu não poder apresentá-lo aqui; talvez para me fazerem o pedido que desejam que eu torne realidade.
- Tudo bem, caloura, acabou o show. Saia e chame a próxima candidata — replicou Iris, limpando a garganta.
sabia nesse momento que tinha ganhado. Havia certa admiração, um brilho no olhar da líder da Irmandade; ela acabaria cedendo à curiosidade e aparecendo, eventualmente. Ou ao menos era isso que esperava.
Duas horas mais tarde, estava no rinque de patinação no gelo terminando de vestir seus patins, quando ouviu as portas do salão que alugara pela tarde sendo abertas. Sorriu quando avistou Iris e mais uma multidão com todas as demais calouras, e até mesmo alguns meninos da Sigma-Tau entrando no recinto.
Acenou para , aliviada por ver um rosto conhecido entre estranhos. Agradeceu mentalmente a seus avós por terem feito tanta pressão para se conhecerem, acabando por se tornarem amigos. Um ano mais velho que ela, o menino já era um integrante oficial da fraternidade e um dos cobiçados para o trono, quando o atual presidente, Tyler Mcall, se formasse.
Todos se sentaram na arquibancada e aguardaram impacientemente até que ela ligasse a música e fosse ao centro do rinque. Iris lançou lhe um sorrisinho condescendente, provavelmente pensando que ter trazido uma audiência iria intimidá-la.
Amadora, pensou , escondendo seu próprio sorriso e fazendo a pose inicial. Assim que ouviu sua deixa — o coro de vozes da música Cell Block Tango —, começou a dar rodopios, conquistando todo o espaço da pista. Não foi até o salto inglês, como o público encorajava. Virou, preparando-se para o Solchow. Elevou seu pé esquerdo para trás e saltou, dando três rotações no ar.
Aterrissou em seu pé direito, ainda de costas, de forma limpa e bem-acabada. Mesmo que algum deles possuísse conhecimentos acerca de patinação artística, e ela duvidava que tivessem, não poderiam negar que sua apresentação fora impecável. Rodopiou, finalizando a coreografia novamente no centro da pista.
No silêncio que se seguiu, a garota patinou até a borda mais próxima da arquibancada, aguardando o veredito calada e com uma das mãos na cintura. Iris permaneceu pensativa por mais alguns segundos fazendo suspense, mas logo abriu um sorriso de aprovação.
— Muito bem, caloura. Você chamou nossa atenção, agora muito cuidado com o que fará com ela — começou a mulher, com um olhar incisivo para . — Se conseguir atender ao que vou pedir, você não só está dentro, como estará na votação para líder quando eu formar-me no final do ano. Entretanto, se parar agora, só entrará como membra da Alpha Kappa Nu. O que escolhe?
— Vou até o fim — respondeu sem um pingo de dúvida. — Vá com tudo ou vá para casa.
— Pensei que fosse dizer isso — replicou levantando e caminhando até a patinadora com um olhar maldoso. — Você tem até amanhã para conseguir vinte ingressos para o show que o The Neighbourhood fará aqui na cidade, sexta-feira que vem. Lembre-se que, se não conseguir, perde tudo. Boa sorte. — Piscou, saindo do local e sendo seguida pelo resto dos expectadores.
Todos, menos um. Quando saiu para retirar seu patins, foi abordada por um boquiaberto e sorrindo amplamente. Ela achava adorável que o menino conseguisse aparentar estar sempre de bom humor. Ser simpático vinha tão facilmente para ele... sempre invejou essa capacidade, que ela mesma não possuía. Nicholas vivia apontando esse fato para ela, como o amigo irritante que era.
— Você foi... — Abraçou-a quando esta se levantou, pronta para deixar aquele lugar. — Uau! — exclamou ele sem palavras.
— Obrigada — respondeu, colocando uma mecha de seu cabelo para trás da orelha, um pouco sem graça com o elogio. Ela podia se gabar e muito de suas habilidades, todavia, bastava receber um elogio por elas que ficava sem saber como agir.
Andaram em silêncio por alguns minutos, após trancar o local, fazendo uma nota mental de agradecer ao Louie por haver concedido o uso daquele espaço. Ela lhe fizera um favor tempos atrás, quando chegara à cidade; o homem estava precisando de auxílio urgente em seu bar, porém, não tinha como pagar-lhe na época. Conhecendo o valor de um favor, a morena não hesitara em ajudá-lo.
Nunca se arrependeu.
Conhecer aquele senhor formidável fora muito importante para ela. Fora sua primeira conexão em South Mills. ia pensando nisso tudo enquanto caminhava ao seu lado na Rua Principal. Ela olhando para os pés, e ele para o céu, ambos desconfortáveis com a súbita falta de assunto. Quando o garoto quebrou o silêncio, os dois suspiraram em alívio.
— Posso te fazer uma pergunta? — perguntou, sem perceber a ironia do que dizia.
— Você já não está fazendo? — retrucou ela, levantando uma sobrancelha em divertimento. — É claro.
— Como vai conseguir? Quer dizer... Você não parece nem um pouco preocupada. Conseguir um ingresso é uma coisa, mas vinte! Iris te olhou como se você já estivesse fora da AKN, e as outras meninas também. Contudo, elas não te conhecem, não é?
— Meu segredinho. — replicou , sorrindo de lado para ele. — Não se preocupe, já tenho um plano.
- Passaram-se menos de vinte minutos e você já tem um plano?
— Bem, não só um. Porém as ideias mais improváveis são aquelas que te ajudam nas situações mais impossíveis. — Deu de ombros.
— Mais uma na conta da loucura para você. — Ele sorriu. — Às vezes, fico com vergonha de mim mesmo por ser tão limitado nesse quesito — murmurou. — Eu nunca, de verdade, cogito em colocar uma ideia doida minha em prática.
— São as que mais funcionam! — vibrou, dando um pulinho entre suas passadas ao virar-se para . O menino encantou-se por seu entusiasmo. — Ou você acha que todos os revolucionários seguiram a linha de todos os outros? Revolucionar já diz: exceder expectativas.
— Por onde você andou, ? — parou por um momento, surpreso. A outra apenas deu de ombros, voltando a caminhar.
Chegaram até onde a ferrari do garoto estava estacionada, e ele ofereceu-lhe uma carona. Aquela fora a primeira vez que entrara neste carro. Não imaginara, naquela época, que teria uma última vez.
Mas essa é a questão sobre constrangimentos. A palavra é vista como sinônimo de vergonha, mas esse é só um de seus múltiplos significados. Quando Iris levou um público para ver patinar, ela obrigou-lhe a passar por uma situação desconfortável desnecessariamente. Por sorte, a menina não era facilmente intimidada e conseguiu relembrar os passos perfeitamente, porém não era sempre que a vida lhe concedia pequenas vitórias.
A manhã após a festa em Boston foi um desses dias. sentiu um flash de luz em seu rosto, fazendo com que despertasse. Avistou Nicholas com o celular na mão e um sorriso que mostrava quase todos os seus dentes.
— Nick? O que houve? — perguntou a menina, confusa.
Seguiu o olhar do amigo até o travesseiro humano em que estava toda enroscada. A expressão de choque que ela fez quando descobriu ser foi tão cômica, que Holt quase tirou outra foto, impedido apenas pelo olhar assassino que ela lhe lançou.
— Ok, vou preparar café enquanto você lida com... Quem quer que seja esse aí —sussurrou ele, arregalando os olhos e comprimindo os lábios para segurar seu riso.
Sozinha novamente com ninguém mais ninguém menos que , observou o belo rosto do menino enquanto descansava; sua respiração lenta e tranquila fazia com que parecesse um anjo. A menina foi aproximando sua face da do garoto e encostou sua testa na dele. Não pode deixar de sentir raiva de si mesma por não ter aproveitado sua chance com ele quando estava acordado e sem ressaca.
Enquanto seu lado racional lhe parabenizava pelo autocontrole, seu lado emocional rezava para que perdesse o seu. Mas a questão era mais complexa do que desejava admitir. A própria série Grey’s Anatomy, uma de suas favoritas, lhe ensinara: “Aqui está a verdade sobre a verdade: ela dói. Então, nós mentimos”.
Quando tentou retirar uma das mãos que abraçavam o menino, sentiu o corpo todo dele se retesar. O garoto abriu os olhos, só aí percebendo a presença de seu rosto tão perto. Ele não estava preparado para lidar com aquela proximidade, principalmente quando acabara de sonhar com a morena. Não podia resistir se não cruzar o espaço final que os separava, distância essa que ela mesma não ousara selar com o menino na posição vulnerável que se encontrava.
Mas ele a queria; a urgência de seu beijo serviu para demonstrar o quanto. Ele acariciou sua cabeça, puxando seu rosto para mais perto. não conseguia pensar em mais nada além dos lábios de nos seus, da língua do homem se movendo com a sua e conhecendo cada canto da boca dela.
Naquele momento, mandaram o autocontrole ir tirar férias em algum lugar muito distante e se moveram como se só houvesse os dois em casa. A única coisa que os impedira de ir além fora um pigarro.
Se ambos já estavam corados, imagina como ficaram quando desviaram o olhar um do outro para encontrarem não Nick, mas os pais da própria com expressões irritadas. Tom estava de braços cruzados ao lado de Victoria, que tinha uma mão em sua testa e as bochechas rosadas. Para melhorar a situação, esse foi o momento que Nicholas entrou no recinto, com seus fones no ouvido e berrando:
— Café na cama, pombinhos...
— Nicholas — vociferou em um alerta, sendo completamente em vão.
Esse foi o momento em que o inferno congelou. Não foi uma, mas duas horas e meia em que , e Nicholas tiveram de ficar sentados ouvindo o sermão dos mais velhos, direcionados a cada um deles. A filha até tentou pará-los no meio para explicar a real situação, mas fora inútil. Quando uma começava um sermão...
— , somos pais liberais, porém, se é para chamar garotos para cá, NO PLURAL, seria bom receber ao menos um aviso, considerando que esta é nossa casa e estávamos viajando!
— Mãe, eu não...
— Nicholas, esperava mais de você! Todas as vezes em que o questionei sobre sua amizade com a minha filha, você sempre negou qualquer coisa e agora eu chego a casa para avistar vocês dois... — Tom parou para corrigir-se, ainda mais irritado. — Vocês três tendo dormido juntos aqui?!
— Senhor Holt, eu...
— E ainda tem esse projeto de modelo da Calvin Klein. — Victoria apontou para . Por um segundo todos seguraram os risos ao máximo, travados na mesma posição, pois se olhassem para o lado... — Quem é você, afinal? — perguntou, com a testa franzida.
— Eu sou o , . — Comprimiu os lábios. — E eu só queria pedir desculpas por todo o mal-entendido.
— Mal-entendido, senhor ? Mal-entendido...
— CHEGA. — berrou em meio à confusão.
Não aguentaria mais o sermão vergonhoso dos pais, muito menos submeteria a isso. Já Nicholas... Bem, ele já estava acostumado com o jeito de ser e de berrar. Além do mais, Nick era Nick. Quem ligava?!
— O que foi que disse, mocinha?! — replicou Tom, incrédulo.
— Eu não dormi com nenhum deles! Nicholas me fez uma surpresa ontem e fomos a uma festa tarde da noite. Nick é um irmão para mim, gente, eca!
— Ei! — retrucou Nicholas com um biquinho magoado.
A menina fez uma careta para ele.
— Você não está ajudando, Holt! — sibilou.
— E o foi o menino que salvou minha vida, é o filho de minha fisioterapeuta. Ele chegou aqui ontem e pediu abrigo, porque sua mãe estava no trabalho e ele tinha esquecido a chave — completou, encobrindo com tanta agilidade que este a observou com certa admiração. — Simples. Não houve promiscuidade, apenas um beijo de manhã, só isso. — Diminuiu o tom.
Seus pais permaneceram quietos por longos segundos encarando a feição dos três jovens a sua frente. O que buscavam? Qualquer sinal de fraqueza ou inconsistências no caso a eles apresentado. Sendo Tom advogado e Victoria psiquiatra, até mesmo um encolher dos jovens seria devidamente detectado e analisado. Após mais um tempo de reflexão, os pais de pareceram, enfim, cair em si. A declaração da filha reverteu a pequena vergonha à eles, afinal, como poderiam ter cogitado o pior da situação, e ainda sem dar chances de se explicarem.
— Isso. O beijo. — Tom assentiu. — Sabemos que vocês são grandes, e sabe-se lá o que já sabem, mas eu não podia deixar de ficar preocupado...
Foi a vez de e ficarem constrangidos e gelarem sem resposta. Nicholas arregalou os olhos para a amiga em um questionamento. Percebendo que estavam enrascados e que, pela primeira vez em sua vida, fora deixada sem resposta, Nick saiu em seu auxílio.
— O ponto é que nada demais aconteceu. Desculpem por não ter avisado que eu vinha. Tia Rachel mandou lembranças de Saskatchewan para vocês — falou ele, levantando-se para cumprimentar os , arrastando-lhes para a cozinha com a promessa de preparar um Brunch canadense com tudo que tem direito: ovos cozidos, mexidos ou omelete; salsicha, bacon, panquecas doces, waffles e pão torrado com geléia ou manteiga de amendoim. Os poderiam resistir a muita coisa, entretanto, algo a prova de falhas na hora de conquistá-los era pela barriga.
levantou-se do sofá rapidamente.
— Tenho que ir... — falou, coçando a nuca sem graça.
A menina assentiu e acompanhou-o até a porta em silêncio, não se atrevendo a encará-lo nos olhos.
— Então... até mais? — sussurrou, começando a fechar a porta.
— Espera — disse ele, mantendo-a aberta. — Obrigado pela ajuda, . Eu...
— Não precisa me explicar, eu entendo — replicou a menina com um meio sorriso. — Você não me deve nada. Salvou minha vida e tudo mais — completou, dando de ombros.
— Sobre o beijo...
— Sim... — Suspirou , não se atrevendo a deixar sua esperança transparecer. Apertou a maçaneta interna em nervosismo e manteve seus lábios em uma linha fina.
— Eu acho que é melhor a gente... Conversar sobre isso, não acha?
sentiu todo o ar deixar seus pulmões, derretendo-se com a maturidade do garoto a sua frente, muito aliviada por ele não ser um canalha como a maioria. a cativava a cada dia de uma maneira diferente, chegava a sentir raiva por isso.
— Sim — falou, acenando positivamente. — Acredito que precisamos.
— Waak.
— O horário a gente decide depois. — Apontou com os olhos para dentro da casa ao perceber o olhar de seu pai por suas costas.
— Ok. Até mais.
Ele lançou lhe um último sorrisinho furtivo antes que saísse andando pela rua.
— , eu vou voltar para te visitar.
— Promete? — perguntou a menina, fazendo um biquinho.
— Prometo. — Sorriu ele, beijando sua testa e a apertando em um abraço de urso. — Você nem sentirá minha falta.
— Tem razão. Assim que você entrar naquele avião, se alguém me perguntar por algum Nicholas sabe o que eu direi? — indagou com um tom sarcástico.
— O quê?
- Nicholas quem? Nunca nem vi.
Ambos gargalharam e deram um último aperto um no outro.
— Vai pela sombra, Holt! — exclamou divertida, dando um tapinha na bunda do amigo e aproximando-se de seu ouvido. — Porque bosta no sol, seca.
— , não te dei essa intimidade —começou, virando-se novamente para ela. — Não se esqueça de que veio do mesmo lugar que eu, bonitinha. — Apertou os lábios num sorriso.
— Canadá?
— O esgoto.
— Até mais, Nick. — replicou , após revirar os olhos, mandando um beijinho no ar.
Aquela tarde de sábado passou sem grandes agitos. Na verdade, a menina simplesmente passou o dia quase inteiro em sua cama, mas não dormindo. Fez algo que toda pessoa deveria parar para fazer de vez em quando: pensou em sua vida.
A garota sempre fora alguém decidida, não costumava ter dúvidas sobre o que queria para seu futuro. Imaginava-se virando alguém como a protagonista da série Scandal, menos a parte das atividades ilegais, claro. Olivia Pope representava o modo como suas habilidades de conseguir tornar o impossível uma realidade poderia ser aplicada no futuro.
Contudo, antes de chegar ao cargo que tanto ansiava, precisava passar por escritórios de renome na área jurídica. Nada disso seria possível sem estar se destacando na faculdade de alguma forma, nem que fossem em atividades extracurriculares.
Está vendo? Seu futuro estava todo traçado. Planejado meticulosamente.
Agora o que tinha de decidida na área da razão, compensava em indecisa na emoção. A questão era que não fora programada para confiar, estava muito acostumada a trabalhar sozinha e confiar em si mesma, na sua própria competência e lealdade às causas que se envolvesse.
Porém, era um mistério para a menina como deixar-se depender de alguém para o que quer que fosse. Era isso que tornava tão difícil ela conseguir imaginar-se com alguém romanticamente. Ao contrário de , chegara a sua vida sem tantas turbulências, ao menos no início. A relação dos dois só tinha a acrescentar; eram como amigos coloridos escondidos sob os votos de relacionamento fechado.
Era tudo tão simples com os dois... Ele a buscava para a faculdade todos os dias, exceto os em que havia a sociedade de debates. Às vezes, saíam para fazer algum programa de casal.
Aust sabia ser romântico quando queria. Durante o dia, costumava enviar alguma mensagem que a fizesse sorrir; uma piada, um elogio ou um vídeo qualquer de bichinhos fofos, que ele sabia que ela amava assistir. Era o típico bobão amável, na maior parte do tempo. Mas, como todos tem seus problemas pessoais, ele também podia ser um babaca bêbado, algo que a garota acabara por experimentar na pele.
Eles costumavam funcionar bem juntos. Sentiria falta daquelas mensagens, pequenas manifestações de amor e da sua presença na vida dela. Parecia que ele sabia adivinhar sempre que estava com o humor ruim. sempre desconversava, afirmando ser seu dom especial quando ela o questionava sobre isso. Isso nos faz perfeitos um para o outro, repetia. Mas o “para sempre” não costuma vir da forma que esperamos. Mais do que isso, o destino é uma grande interrogação. Parece que cada vez que a garota, sedenta por dominá-lo, começava a vislumbrar seu futuro, uma onda de mudanças botava abaixo seus planos e esperanças.
Suspirou, enfim tomando coragem de levantar e colocar o celular morto para carregar. Após esse movimento, o maior esforço do dia para a modo sedentária, começou a arrastar-se de volta para a cama. Porém, ao sentir o clarão indicando que seu telefone havia religado, parou, curiosa, pensando se valia a pena dar uma checada nas redes sociais, só para ter certeza que o mundo continuava existindo fora de seu quarto fechado, isolado da sociedade.
Enquanto seu WhatsApp carregava, ela entrou no Instagram para postar algumas fotos da noite anterior. Selecionou uma foto sua com a Edwards, uma sua com as meninas da Alpha Kappa Nu que ainda eram leais a ela; e uma com Nick e o ex-namorado no carro, durante a volta para South Mills. Ficou indecisa quanto a mensagem que postar essa última poderia passar, mas se e ele haviam decidido retomar a amizade, esse ato seria o mais normal a se agir.
Instantaneamente, apitos começaram a soar de mensagens entrando em seu dispositivo, novamente conectado ao Wi-Fi da casa, e abriu o aplicativo curiosamente para lê-las. Havia quinze mensagens do Nicholas com algumas fotos do dia anterior, inclusive a dela com desacordados no sofá, e algumas em texto avisando que havia chegado bem a sua casa. respondeu rapidamente a essas. Deslizou, ignorando as mil mensagens dos grupos de comitês, sociedades e clubes que participava.
O dedo congelou, pairando no ar, assim que viu o nome de abaixo do nome de . Os dois lhe enviando mensagens... Só podia ser brincadeira ou um engano.
Começou vendo o link que havia lhe mandado. Este redirecionava a página para um vídeo fantástico no Youtube com cinco minutos de pura fofura entre filhotinhos de cachorro e um gatinho. sorriu com o que aquele gesto significava; ele também estava tentando continuar em bons termos com a garota. Se havia algum jeito de expressar a continuidade ou o recomeço da amizade deles, certamente essa era a forma mais clara de afirmá-lo.
balançou a cabeça em negativa, voltando para o mais alarmante de tudo. havia lhe mandado mensagens e, a julgar pela hora das primeiras, estava bêbado. Abriu a conversa rapidamente e seus olhos se arregalaram com o que encontrou.
22:20: , você já ouviu falar que pandas estão com problema para ter filhos?
23:00: Sério, cara, váaarios problemas. Eu sinto tanto por eles...
Dois áudios de vinte segundos sucediam aquelas frases. Percebeu seus dedos tremelicarem de leve, até seu estomago se revirou. Seria possível mesmo que ela estivesse sentindo tudo aquilo por meras mensagens?!
“Mensagem de voz: Estou em frente ao Waak, e adivinha... Eu ainda não sei porque ouço o que você diz. Sério, caipirinha? — Pronunciou enrolado o nome da bebida, para ele exótica. O dono do Waak era brasileiro. — Ela é como uma caixinha de pandora: você adora e, quando vê, a bebidinha destruiu sua dignidade.”
“Mensagem de voz: Ai, eu vi uma garota que era simplesmente igual a você e cheguei falando dos pandas. Ponto para a caipirinha... , você ainda vai me matar.”
riu nas últimas duas mensagens de voz, voltando a ler as mensagens de texto abaixo. Ele estava bêbado, e o mais cômico de sua voz era o tom enrolado com que falava. A garota sentiu seu corpo coçar pela vontade de ter presenciado a cena sã, para rir horrores com ele. não estava acostumado com bebidas, quem dirá com uma caipirinha do Waak.
4:40: Estou indo para sua casa, espero que esteja aí; para um sedentário, duas quadras é uma declaração de amor.
16:25: A loira do banheiro atacou novamente, e a sessão de fotos para o Santa Lovers Day está marcada para depois de amanhã. — Emojis revirando os olhos. —
16:25: Vamos até lá comigo? — Emoji de súplica. — Aproveitamos para ter aquela conversa.
O coração da menina gelou. Olhou em seu relógio notando ser 16:55... Amanhã nesse mesmo horário... Pensou se seria uma boa ideia, sentiu um calafrio percorrer o corpo ao lembrar-se dos olhos de a encarando na manhã daquele mesmo dia, e de como seu corpo pediu por mais aproximação. Por outro lado, precisava focar em Taylor e no projeto que havia criado. A ideia toda era dela. Vá em frente ou vá para casa, esse era seu dilema, e bom, nunca escolhia a segunda opção.
17:00: Marcado, e água com gás ajuda na ressaca.
17:05: Boa dica. Obrigado.
aproveitou o celular em mãos para ligar para seu mais novo vizinho.
— Baker. Joshua Baker ao seu dispor, madame. — Atendeu o garoto, sempre um excêntrico.
— Josh! — exclamou a menina, divertida. — Queria te convidar para jantar no Waak. Isto se sexta-feira não tiver sido demais para você com todos os barracos da Lausen. Desculpe por isso, a propósito...
— , de forma alguma. Amaria jantar com você. Ouvi falar muito bem do Waak mesmo, por meio de meus companheiros do prédio de Políticas Públicas.
— Quinze minutos aqui na porta, então? — perguntou ela, já correndo para o banho.
— Certo. Até daqui a pouco.
A mulher arrumou-se em tempo recorde e nos exatos um quarto de hora a campainha de sua casa soou. Apressou-se para despedir-se de seus pais com beijos estalados em suas bochechas e deslizou para fora de casa furtivamente. Cada dia estava mais difícil morar com Tom e Victoria e manter seu estilo de vida agitado.
— Hey, Baker — sussurrou, o puxando pela mão até a varanda.
— Olá, ! — Sorriu ele, caminhando até a moto.
— Nu-uh. Hoje não. Vamos no meu carro.
— Mass... — começou o menino com um biquinho.
balançou a cabeça para ele, agradecendo o fato de estar com uma calça jeans e não uma saia. Foda-se, eu odeio dirigir mesmo... Cedeu ao pedido do rapaz, montando na moto atrás dele e rezando para seus pais não espiarem da janela.
— Vai devagar — replicou com seriedade.
Ele acelerou a moto em resposta e partiram mais rápido que o vento. Flashes do acidente começaram a passar pela mente dela, fazendo-a encolher e apertar ainda mais a cintura do amigo.
Após uns minutos, a mulher não aguentou mais e berrou para que Josh parasse o veículo por completo. Assim que ele o fez, ela desceu da moto e arrancou o capacete, tentando buscar ar.
— , está tudo bem? — indagou Josh com os olhos arregalados, jogando seu capacete no chão e indo até ela.
A menina não conseguia responder, sentindo lágrimas escorrerem por suas bochechas. Parecia que o ar que sugava não continha oxigênio suficiente para acalmá-la.
— Senta aqui. Cabeça entre as pernas — falou ele com a voz gentil, a auxiliando a se abaixar. — Isso... Cabeça entre as pernas.
Ele a observou pacientemente, ajoelhando-se a sua frente. Ajeitou o cabelo da menina para trás de sua orelha, enquanto esta recuperava seu fôlego.
— O-bri-gada. — disse, olhando nos olhos de Joshua entre tragadas de ar.
— Me desculpe, eu tinha esquecido...
Ela assentiu, entendendo a referência ao acidente. Logo agora que suas fraturas físicas estavam quase reparadas por completo, ela começava a experienciar as consequências psicológicas do trauma. Deixa só mamãe saber disso, pensou, rezando para que Victoria não descobrisse e resolvesse arrastá-la para sua clínica de psiquiatria.
— Eu entendo. Você não tinha como saber que eu estava tão... Quebrada —replicou, engolindo em seco, tentando não se desmontar por completo ali no meio-fio.
— Ei... — começou ele, envelopando seu rosto e levantando ao nível de sua própria cabeça. — Você não está quebrada. Só não é mais a mesma. Um acidente desses... muda as pessoas. Nem toda mudança é para o mal.
— Eu sinto que... Estou perdida, Josh. — Olhou-o por cima dos olhos. — Eu tenho medo de não conseguir me recuperar disso, de viver sempre com essa insegurança, com esse... medo.
— Você não é meta-humana, , por mais que pareça. — Fez careta, arrancando um sorriso dela. — Talvez conseguir se achar é adequar-se a suas novas experiências, . Mudar não é ruim, não fique com medo por isso. Sua personalidade não pode piorar, se é disso que tem medo — assegurou com uma fachada de seriedade, sentando-se ao lado dela. — Você só vai ficar mais fodida do que já é, no ótimo sentido!
— Ei! — exclamou ela, empurrando-lhe para seu lado, divertida. — Você acabou de me conhecer! Como poderia saber disso?
— Na verdade... — começou, coçando a nuca numa uma fachada séria. — Essas coisas dá para perceber de cara, né. — Deu de ombros.
A menina riu brevemente e ficaram sentados no meio-fio, lado a lado, em silêncio por uns momentos. Ao perceber o arrepio da menina, ele envolveu um braço a sua volta.
— Josh... O que eu faço agora? — Suspirou ela, olhando para o céu.
— O que sempre fez. O que estaria fazendo amanhã?
não precisou pensar muito até se lembrar da mensagem de de mais cedo sobre o projeto. Olhou para o Baker com uma expressão pensativa de quem teve uma ideia genial. Basicamente, a fisionomia natural dela.
- Baker, o que acha de um pouco de caridade?
— Tem certeza que não se incomoda em acompanhar-me nisso? — perguntou , torcendo os dedos em nervosismo.
— Claro que não. Tudo pelas crianças. — Sorriu Josh, ajeitando a correia de seu violão e começando a afiná-lo na sala de recreação do hospital.
Taylor quase estourara uma veia na testa ao vê-la ali, mas milagrosamente mantivera-se calada a frente dos funcionários do hospital. Como era que conhecia a maioria do pessoal por ali, principalmente após seu acidente, Lausen nem tinha a quem reclamar. Permaneceu emburrada, contudo, ao menos concordou com um diferente arranjo pelo bem do projeto. Só hoje, , sibilara Taylor para a garota, quando esta sugerira que organizasse tudo para aquele dia.
— Meninas, não se esqueçam. Quero grupos de seis com duas de vocês supervisionando cada um deles. Uma conta histórias enquanto a outra atende quem quiser água, comida ou chamar a enfermeira para levá-los ao banheiro. Entenderam? — falou com seu velho tom autoritário. Sentira saudades de ter algo a que comandar. Era uma , afinal. Não dava para lutar contra sua natureza.
chegou no horário certeiro, com sua câmera pendurada em seu pescoço. Lançou um sorriso furtivo para e começou a fotografar o evento assim que as crianças chegaram.
As meninas da Irmandade se revezaram tranquilamente, dividindo-se em duplas. supervisionara o evento como um todo, atendendo aos eventuais problemas surgidos. Mas na maior parte do tempo ficou perto do palco improvisado que montara para Josh fazer uma melodia suave de fundo, quase como a trilha sonora das histórias. E como o menino era bom!
— Onde você estava escondendo tanto talento, Baker? — murmurou ela com uma risada.
— Quem disse que eu estava escondendo? — replicou convencido, sem perder o dedilhado das cordas.
Dessa vez, a menina gargalhou alto o suficiente para chamar a atenção de , que circulava o evento com sua câmera. Fotografou-a aproveitando o foco da lente, porém, assim que reduziu a ampliação e percebeu o motivo da risada olhando para ela, admirado, a seu lado, fechou a cara instantaneamente, retirando a câmera da frente de sua face.
O jeito como ela conversava facilmente com o menino lhe fez sentir uma pontada dentro de seu peito. Fora apresentado muito brevemente ao tal Baker, mas já nutria ressentimento pelo idiota. As pontadas eram algo que não lembrava ter sentido antes, não nessa intensidade. E isso o deixava puto. Era como se não pudesse fazer nada para controlar suas emoções. Impotência... Era isso! E não havia nada que odiasse mais do que esse sentimento. Principalmente depois do que acontecera com seu pai...
apertou as mãos em punho, sem querer nem ter estabilidade para revisitar velhas feridas, e voltou ao trabalho, reativando as barreiras de frieza que nunca deviam ter sido derrubadas para começo de conversa. Ele não tinha nada com a e, se dependesse dele, como realmente dependia, continuariam dessa forma.
O evento foi um sucesso. Até mesmo a diretora do hospital apareceu para parabenizar pelo grande feito. Claro que isso deixou Taylor furiosa, mas não era como se esta tivesse uma alternativa além de engolir em seco e abrir um sorriso falso.
— Meninas, encarem isso como um fim de hiatus — proferiu exultante para todas as garotas da irmandade paradas no corredor de saída.
— Hiatus?
— Meu hiatus — afirmou, encarando cada uma nos olhos, inclusive Taylor, que estava escorada a alguns metros delas. — Eu estou de volta, e essa foi a primeira prova de que o acidente pode ter me afetado, mas não o suficiente para derrubar. — Fez pausa como que desafiando qualquer uma a discordar, mas sabia que nenhuma ousaria. Nem mesmo sua velha amiga após o grande sucesso do evento e toda a liderança que demonstrara. — Quero que saibam que estou imensamente feliz por esse evento, por vocês, por nosso trabalho como um time... Estamos de volta, time! — Acenou entusiasmada fazendo um hi-five com todas. — Até segunda, irmãs.
Aos poucos o corredor fora se esvaziando e com ele fora distribuindo acenos e sorrisinhos agradecidos por todos que passavam por ela. Mas, além disso, estava sentindo uma ansiedade esquisita. Seu olhar ia e voltava para dentro da sala onde conversava compenetrado com uma das enfermeiras, provavelmente alguém que ele deveria conhecer. Estava tão focada naquilo que mal percebeu os primeiros chamados de Josh a ela, dando um pulinho surpreso.
— ! — exclamou enfaticamente. A garota olhou-lhe assustada. — Precisando de aparelhinho de audição ou de um beijo do misterious guy?
— Hã? Do que está falando? — Riu pouco, entortando a cabeça, se fazendo de desentendida. Viu Josh rolar os olhos.
— Treinando para entrar na sonserina? — rolou os olhos, percebendo a referência à Harry Potter, sua saga preferida, inclusive.
— Não estou me fazendo de sonsa. — Arqueou a sobrancelha num afirmo óbvio.
— Tá, tá. — Acenou com as mãos, jogando o violão nas costas. — Te encontro em frente ao hospital... — Piscou. rolou os olhos novamente. Agora, ao virar-se, dando de cara com . Sua arfada foi nítida.
— ! — Sorriu abertamente, ele apertou os lábios, passando por ela de lado, a fim de não esbarrar, como se a garota fosse contagiosa. entortou a cabeça com a ação, optando por deixá-la passar, podendo ser um mal-entendido. — Ei, o evento foi incrível, e sabe, eu tive algumas...
— Eu envio as fotos para o e-mail oficial da fraternidade amanhã. Levo as reveladas na segunda — informou roboticamente. Todo o entusiasmo de foi escorregando como areia nas mãos.
— Tudo bem. — Assentiu, observando-o começar a andar, dando um aceno mínimo. Sentiu uma bomba prestes a explodir em sua garganta. — Ei, tá tudo bem? — O chamou, vendo-lhe virar novamente.
— Acho que mais que bem, não é?
— Não me venha com incógnitas agora, . — Deu alguns passos em direção a ele.
— Longe de mim, . Posso ir? — indagou. entreabriu os lábios.
— O que aconteceu com o “precisamos conversar direito?’’ — questionou perplexa. — É assim que vai agir? Estaca zero?
— Eu acho que você já está bem resolvida com o assunto, . — Passou a língua nos lábios. — E eu nem faço seu tipo. Vamos lá, não precisa fingir que está preocupada. Fica entre nós, tudo bem? Acho que é bem mais simples do que pensávamos...
— Oi? — Entornou a cabeça irritada. — Eu ouvi isso mesmo?
— Até mais, .
andou pelos corredores do hospital com a cabeça baixa e o coração ainda acelerado. As palavras de — ainda que verdadeiras, afinal ambos não tinham nada juntos ou no mínimo combinavam —, machucaram profundamente seus sentimentos.
Estava triste pelo que ele dissera, mas não podia deixar de ficar um pouco aliviada. Acabara de sair de um relacionamento com Austin e estava farta. Chega de envolvimentos sérios, dali para frente começaria uma nova fase.
Chega de se isolar também. Esse dia servira para relembrá-la de que ainda tinha apoio entre as Kappas. Nem todas eram como Taylor. Isso a fizera querer retornar a seu lar, não aguentaria mais nenhum dia morando com seus pais. Eles eram muito gentis com ela, quando estavam em casa, mas não podia evitar em sentir-se só. A agitação da Alpha Kappa Nu fazia muita falta e a morena não continuaria a isolar-se disso.
“ , a Rainha de Vermont.” Fora assim que Hanna se referira a ela na festa em Boston. Mas, sendo realista, não era rainha de coisa nenhuma. Não mais. Seu trono fora deixado vazio e, por mais que Taylor ou qualquer outro pudesse tentar, era a personalidade original da menina que fazia com que ele existisse, afinal de contas. Vermont mudara quando ela entrara na universidade, isso era fato, não era dada a falsas modéstias. Agora quando ela saíra... O mundo continuou girando, a faculdade funcionando, mas não era a mesma coisa. Onde mais as fraternidades iriam encontrar uma fada madrinha para produzir seus pequenos milágres?!
Era hora de encarar os fatos e Taylor ia acabar destruindo tudo o que conseguira construir. Ignorando as noites de confraternização, não observando bem os eventos de caridade ou tendo cuidado com os fundos da AKN. A Irmandade importava muito para a garota, e assim como diziam em seus juramentos: você pode até deixar a Alpha-Kappa-Nu, mas a Alpha-Kappa-Nu nunca te deixará.
Ao aproximar-se das portas do hospital, sentiu algo esquisito, como se estivesse deixando algo para trás. E realmente estava. Era hora de começar a aproveitar a faculdade e a sua solteirice, mas não faria nada da mesma forma. Josh mesmo dissera: nem toda mudança é para o mal. E assim como a vida da menina mudou drasticamente, sua personalidade precisava alcançar a extensão dessa transformação.
Chegou a era de uma nova .
Capítulo 7 - Sexta-Feira Treze
pegou seus livros no velho armário de seu colégio enquanto conversava com sua prima, Isabelle Kincaid. A secundarista explicava animadamente à como iria amar a South Mills Academy, mas a garota somente conseguia pensar em como seria difícil se acostumar a frequentar uma escola em que não tivesse um Nicholas Holt, um Travis Wu, ou nem mesmo uma Audrey Chambers.
Deixar Saskatchewan, sua cidade natal não fora extremamente frustrante. Sabia que seus pais tinham o costume de serem nômades, não conseguindo se estabelecer definitivamente em um local em que pudessem criar raízes. Porém, desde o nascimento de sua filha, ambos haviam sossegado por uns anos, o que havia desejava que fosse algo definitivo. Assim, não fora exatamente pega de surpresa ao descobrir que iria ter que se deslocar dessa vez não somente de bairro, mas também de país. A decepção, esse fora o sentimento que lhe contagiara de forma incontornável.
Despedira-se de seu melhor amigo, empacotara tudo o que tinha e dissera adeus a seus avós paternos e ao Canadá, com o coração apertado. A mudança brusca somada a sua dramaticidade pré-adolescente serviram para infernizar a vida dos s em sua primeira semana nos Estados Unidos. Ter de entrar em uma nova escola quando estava para terminar o colegial não era nada divertido, mas ao menos, e ficara muito aliviada ao descobrir, sua prima Bella a inteiraria de tudo sobre South Mills.
Tinha algo sobre a região que gritava “cidadezinha esquisita”. Seriadora, não podia se impedir de compará-la a Riverdale, ou Beacon Hills. Mas com o tempo descobrira que ao contrário das séries que assistia, South Mills era somente mais uma cidade pequena em que a fofoca corria mais rápido do que o correio. Não que seus lares canadenses houvessem sido cidades grandes, mas tinha algo de muito diferente nos costumes americanos que a traziam instantaneamente a sensação de ser uma forasteira.
Quando passava um jogo do Vancouver Canucks na televisão, o time de Hockey pelo qual seus avós paternos chegavam a passar mal torcendo, a mulher não conseguia evitar senão ligar para eles, para Nick, Audrey ou até mesmo Travis. Era a única forma que encontrara para matar sua saudade.
- Alô-ou! Terra para ! – Suspirou Isabelle, puxando a prima pelo corredor. – Meu primeiro professor é o Senhor Carmichaels, você provavelmente vai pegar ele também no ano que vem. Nunca se atrase para uma aula dele! Sua sala é no fim do corredor. Vou indo agora porqu...
- Para não se atrasar, entendi Bella, muito obrigada. – Replicou abrindo um sorriso corajoso para a prima.
- Tem certeza de que vai ficar bem? – Perguntou a menina já olhando para o relógio e com uma gota de suor escorrendo em sua testa.
- Vai logo, Kincaid. – Revirou os olhos.
- Até mais, . – Bufou Isabelle com um meio sorriso, se apressando em direção à sua sala.
Assim que sua prima virou o corredor, desarmou seu sorriso, mas mantendo sua pose confiante, inspirou fundo e preparou-se para entrar em sua sala. O problema foi que na distração, acabou trombando com uma parede. Bem, não era uma parede, mas somente se deu conta disso quando sentiu-a se movendo para cima e para baixo com a respiração do garoto a quem tinha fundido seu corpo.
Claro que tinha que acontecer algo assim em seu primeiro dia. Lógico, né?! Muito bem, .
- Machuquei você? – Perguntou o menino, agachando para pegar o próprio caderno e aproveitando para ajudar a recolher as folhas de sua pasta, que haviam se soltado com o impacto.
Ótimo, a parede ambulante também fala. Resmungou ela internamente, sem conseguir olhar para o menino, se concentrando em recolher suas coisas e corar intensamente.
- Não. - Limpou a garganta. – Estou bem.
- Ah, tem certeza? Acho que precisa procurar um médico, pode ser um problema de vista. – Replicou, agora com uma voz ríspida, fazendo com que ela levantasse o olhar ao se erguer junto com ele.
Porra, a parede ambulante e ríspida tem olhos bonitos, ganhei na loteria, viu?!
A transformação de seu embaraço em irritação, foi o que bastou para que a mulher endireitasse seus ombros e desse uma avaliada de cima abaixo no menino com que trombava. Lançou lhe um olhar entediado e nada impressionado, ao menos por fora, já que por dentro estava babando.
- O que foi que disse para mim, moleque? – Indagou, franzindo a testa.
- Ah, então também não escuta? – Repetiu ele, mais alto, fazendo gestos com a mão.
- Só o que vale a pena, querido. Não perco meu tempo com qualquer um. – Respondeu com o nariz empinado, contornando o garoto, que parecia estar passando por uma fase Justin Bieber raiz.
Ela podia zoá-lo mentalmente, mas ele conseguia ser um melhor Justin do que o próprio Bieber. Aquele cabelo jogado no olho, seu casaco de moletom azul marinho largo e sua pose blasé eram como um alerta de problemas que mais cedo ou mais tarde, a mente, ou pior, o coração da mulher não tardariam por ignorar.
-... Por favor, acorda filha!
resmungou, revirando-se na cama, sem querer acordar do esquisito sonho que estava tendo. Rolou para o outro lado da cama, buscando a paz que precisava. Victoria pareceu entender o recado, deixando-lhe deslizar de volta para a inconsciência por mais um tempinho.
Quando finalmente resolveu sair da cama em busca de comida, o sol já estava a pino. não estranhou a casa vazia, seus pais já deviam estar trabalhando faz algumas horas. Além disso, dificilmente almoçavam em casa desde que havia se recuperado do acidente.
Porém, o que arrepiou os pelinhos de seu braço foi o silêncio. A mais completa calmaria se instalara no bairro. Não podia ouvir o cachorro do vizinho, nem os irrigadores do gramado. Nada das vizinhas fofoqueiras ou da corrida matinal dos irmãos Grey. Tampouco o piar dos passarinhos que vinham experimentar os frutos da árvore dos Bakers. A mulher fechou a geladeira, deixando na bancada a maçã que havia pego e partiu em direção à rua para investigar a fonte, ou melhor, a ausência de fonte sonora.
Assim que abriu sua porta, foi golpeada por uma ventania gélida e ensurdecedora. A vizinhança parecia ter desaparecido, agora repleta por edifícios e residências abandonadas e caindo aos pedaços. Quando se virou, sentindo o puxar do vento, que movia os fios de seu cabelo como doidos, olhou para sua própria casa, que agora lhe pareceu em um estado ainda pior do que as vizinhas.
O que está acontecendo?
A menina se perguntava, tentando vencer o vendaval e retornar a seu pórtico de entrada, que estava com uma aparência tão corroída que parecia estar prestes a desmoronar. Puxou a maçaneta nervosa, até começar a sentir seu corpo quase sendo levitado com a proporção que o ar o golpeava, sem piedade. Após o que pareceu uma eternidade e um grande dispêndio de forças, conseguiu se refugiar novamente dentro de seu lar. Encostou a testa na porta, expirando com alívio após trancar a fechadura com certa apreensão. O pior havia passado, mas o silêncio retornara, inquebrável, senão pela voz que parecera sussurrar em seu ouvido:
- Acorda!
- Holy Shit! – Acordou com um grito, sentando-se na cama enquanto ainda esfregava os olhos.
Surpreendeu-se com a presença massiva de quase quinze meninas em seu quarto mediano da Alpha Kappa Nu. Algumas riram com seu ataque, outras morderam os lábios com expressões culpadas. Mas o brilho em seus olhares, que não tardou a identificar como pura empolgação, era unânime.
- Que horas são, e mais importante: O que estão fazendo aqui? – Perguntou, quando havia se recomposto.
- É hoje, queríamos...
- Nós viemos porque...
- Finalmente chegou! Nosso...
- Uma de cada vez, por favor.
Começaram ao mesmo tempo, fazendo sua líder levantar a sobrancelha, cruzando os braços em volta de seus joelhos, recostada na cabeceira da cama, aguardando o esclarecimento até que as mesmas voltassem a respirar.
- É que você voltou faz somente duas semanas e só queríamos ter certeza de o evento ainda está de pé, quer dizer, as fotos já estão prontas. – Explicou Courtney.
- Evento? – Perguntou, fazendo um biquinho pensativo.
- Sim! Você não sabe que dia é hoje? – Perguntou Alexia com um olhar divertido, sentando-se no pé da cama.
olhou a seu redor, analisando a expressão animada de cada uma de suas amigas. Mal havia voltado à Irmandade, tanto liderando, quanto morando em seu velho quarto com sua companheira, Olivia Lennox, que a recebera com um abraço tão apertado que o coração da presidente da Irmandade se derretera imediatamente.
Nunca haviam sido tão próximas, mas dividir um mesmo espaço com alguém por tanto tempo, acabava deixando suas marcas. Ollie não era barulhenta, tinha a timidez como um de seus traços mais encantadores e possuía a benção da mais alta educação. Em suma, não tinha problemas com ela, mas acabaram nunca ultrapassando o Boa Noite, o Vai usar o chuveiro agora? e o Como Foi o Seu Dia?, algo que estava disposta a mudar com seu retorno.
Não fizera lá graaandes avanços, mas era como sua avó Tory dizia: O melhor tipo de avanço é o que se conquista aos poucos, com cautela e passos certeiros. Provavelmente sua avó materna, Claire dispensaria tal expressão com um aceno de sua mão e voltaria a bebericar seu Martini. Vovó Tory Erickson passara por muito em sua vida, tivera que construir praticamente do zero toda a estrutura que pôde dar ao pai de . Tom sempre retratara claramente a sua filha o quanto Tory fora forte, e como era um exemplo a ser seguido. Claire e Richard provavelmente nunca entenderiam os sufocos que os Ericksons tiveram que passar, já que haviam herdado um império que só fizera crescer em suas mãos, apesar dos gastos dispendiosos que empreendiam.
Visitando a Ala , recém-inaugurada, tinha a vontade de enterrar sua cabeça em um buraco, de tanta vergonha. A atenção não lhe era estranha, mas até sua proximidade e experiência com popularidade tinham limites, e esses eram traçados no letreiro que tinha que passar diariamente com seu sobrenome estampado em Caps Lock.
Mas agora, rodeada pelas meninas, que haviam se tornado como sua família, a mulher podia sentir na pele o quanto era querida naquele lugar. Fosse por suas habilidades na direção dos eventos e atividades, fosse por sua amizade florescendo.
- Ooook. – Prolongou-se, dando uma respirada funda, tentando - de verdade - recordar-se de alguma coisa. – Poderiam me esclarecer isso, sem que eu pareça uma completa irresponsável?
Em meio a algumas risadas com a brincadeira e a possibilidade da ideia hilária da ignorância de quanto a alguma coisa, qualquer que fosse, algumas meninas trocaram olhares cúmplices e Courtney chegou a abrir a boca para responder, mas quem acabou falando fora Olivia, com um tom baixo, mas ainda sim audível.
- Hoje é Sexta-feira treze, ! Organizamos o primordial, só precisamos dos retoques e é claro, você sempre faz isso. – Ao ouvir a resposta, abriu sua boca em um O surpreso.
Não acreditava que em meio a tantas mudanças, havia perdido a importância daquele feriado para as Kappas. Ergueu-se de sua cama em um pulo e contornou as meninas, agarrando a muda de roupa que separara no dia anterior e se esgueirando para o banheiro. As garotas da irmandade se entreolharam, confusas com a estranha atitude até que abriu a porta do banheiro novamente uns segundos depois.
- Ainda estão aí? Reunião em dez minutos no café da manhã, pessoal! Vamos, vamos! Temos um evento para planejar.
Alguns minutos depois, desceu as escadas com certa nostalgia. Mesmo já estando de volta há alguns dias, ainda sim era esquisito para ela estar de volta onde tudo começou. A um lugar que representava seu antes, antes do acidente, de , de Josh Baker, da revelação da verdadeira Taylor e de vários fatos que antes se recusava a admitir. Em muitas áreas de sua vida, a menina insistira em se manter cega a o que realmente sentia. Somente a Alpha Kappa Nu era sua constante naquilo tudo. Não as integrantes em si, ou o prédio, ou o status. A sensação de pertencimento que aquela Irmandade lhe trazia, como se por bem ou por mal fizesse parte de algo muito maior do que mesquinharias, brigas, e ranços. Aquele sim era seu lar, e ela finalmente estava de volta.
- Madison, qual o status de nossas Relações Públicas?
- Nada mal, e... – Olhou receosa para a figura de uma Taylor que estava distraída demais para dar bola. – Tenho que admitir que seu retorno teve algo a ver com isso. Nossos fornecedores, Casas Aliadas e a Direção já te conhecem, , e estão acostumados com “seu modo de levar as coisas”. – Completou fazendo aspas no ar.
- Taylor, como estão os preparativos para o evento de hoje? – Indagou , mordendo seu lábio internamente para não sorrir com a ironia daquilo tudo. – Taylor? – Repetiu, revirando os olhos.
- Está tudo pronto. Os filmes já foram alugados segundo a escolha da votação, temos o combinado com os meninos da Sigma-Tau e os convites para a Pool Party. – Replicou Taylor com um olhar afiado fixado na mesa de mármore.
- Courtney, e os fundos?
- Nossa parte já foi paga aos meninos e até onde vejo estamos mais do que preparadas para qualquer contingência. É o que eu estava conversando com Maddy, o Santa Lovers Day foi um sucesso e...
- Fez bem para a imagem da Irmandade, mostra que estamos realizando algo significativo para a comunidade e nossos investidores simplesmente amaram tudo isso. – Completou Maddy.
- Ótimo, alguém tem mais alguma pergunta? – Disse , bebericando o resto de seu chá.
- Quais foram os filmes vencedores para hoje à noite? – Perguntou Lilly, uma das mais novas.
- O Iluminado, Caso 39, O Sexto Sentido e o clássico que vemos todos os anos: Sexta-Feira Treze. O desse ano será o primeiro da sequência.
esperou que o burburinho passasse e olhou nos olhos de cada uma presente no círculo.
- Reunião encerrada meninas, mãos à obra! - E antes que Courtney saísse, ela não podia se esquecer das fotos. – Court, como estão as fotos?
- . – Piscou. E por um segundo o coração da garota gelou.
Tinha que ser logoele. Que merda, Taylor!
Um pouco mais tarde naquele mesmo dia, as meninas chegaram à Residência da Sigma-Tau um pouco temerosas. Se os meninos resolvessem lhes pregar uma peça não seria a primeira vez. Porém, prevenida como era, havia combinado com Alexia uma possível pegadinha de revanche para se fosse necessário.
- Bem-vindas, princesas! – Berrou Patrick com as pupilas dilatadas e um bafo já contaminado pelo álcool.
Olivia e Alexia caíram em uma crise de riso, permanecendo com à porta enquanto o resto delas penetrava na casa apinhada de pessoas dançando de biquíni e roupa de banho ou bebendo e na grande piscina dos fundos.
- , minha Rainha! O que posso te servir hoje? – Disse o garoto com um tom brincalhão.
- Hmm, depende. O que temos no menu? – Perguntou , fazendo um biquinho.
E balançou a cabeça em negativa quando Patrick apontou para si.
-, , quando é que você vai dar uma chance para o garanhão aqui? Sei tratar uma mulher como ela deve ser tratada, sabia? Você merece tudo, Rainha de Vermont. Se eu fosse você daria uma chance ao Patrickzinho aqui, ainda mais agora que deu o pé na bunda do .
- Asseguro a você que minha bunda está intacta “Patrickzinho”. – Interrompeu dando um tapa no braço que o amigo usava para se apoiar na soleira da porta. – Obrigado pela preocupação, mesmo assim querido. – Replicou, soprando um beijo de brincadeira ao Patrick, o que fez com que as meninas passassem mal de tanto gargalhar.
- É claro, um monumento desse precisa ser bem cuidado. – Patrick brincou mais uma vez tirando risos de , que ao mesmo tempo negava com a cabeça. –
- Ok. Deu. – bateu no peito do amigo se aproximando ainda mais de . – Me traz uma daquelas?
- À seu dispor. – Patrick piscou e tornou a olhar a menina.
Com passadas singelas, e foram se envolvendo pela festa. Por aquele aglomerado de adolescentes, alguns bêbados, uns chapados e outros apenas alegres. não era apoiadora das bebidas, das “raves” nem tudo que envolvesse perder sua sanidade ao ponto de esquecer seu nome - como ficava a maioria das vezes - mas gostava de presenciar aquele clima de festa. Ah se fosse apenas isso... Se fosse apenas a alegria de poder berrar as letras das músicas e pular sem que fossem chamados de loucos... Para , era isso que importava. Ser uma adolescente estúpida por alguns momentos, dançando com a massa de estudantes de Vermont até seus pés doerem. Até ela não ligar mais de usar sandálias bonitas. Até que esquecesse das responsabilidades que foram jogadas em seu colo.
Mas enfim, voltou ao mundo ao ouvir o pigarro de , que a avaliava enquanto nem mesmo estava consciente de estar sendo observada. Para não ter percebido deveria estar mesmo imersa no mundinho de seus pensamentos. Ou foi o que pensou , conhecendo a perceptividade natural que a menina costumava ostentar.
- Como está, ?
- Bem... – Sorriu sem olhá-lo. – Me recuperando... – Fora a vez de ele sorrir.
- Não é bem o local correto pra conversar sobre tudo o que aconteceu, mas eu queria deixar claro que você continua sendo a menina dos meus olhos.
A mulher congelou por uns segundos, em pânico. Fingiu estar distraída com a dancinha de Patrick em cima da bancada, tentando ganhar tempo para organizar seus pensamentos.
nunca fora o melhor em esconder seus sentimentos e nem tinha medo de expô-los. Porém, mesmo assim, ouvi-los de súbito fez entrar em um leve - mas intenso - período de choque, de forma que quase não percebeu quando o menino continuou.
– E seria bem legal de sua parte se você... Dissesse algo...
- olha só... – Começou, desconfortável.
- Água para o dono das festas e Martini para sua garota... – Patrick interrompeu-a, entregando as bebidas para os respectivos.
Digamos que, ai sim, paralisou de vez. Envolveu seu olhar entre a bebida na mão de e seu rosto - quase que culpado - ou talvez, seria... Pedindo desculpas?
Seus olhos estavam um tanto exprimidos e um mínimo sorrisinho surgia do canto de seus lábios, mas não era nada lá prepotente ou irônico, era como se no olhar detectasse um “estou me esforçando aqui”. E bem, isso foi mais do que um pedido desculpas.
- Você...? – Ele encorajou-a para seguir o que tinha a dizer, mas que Patrick havia cortado, segundos antes.
- Você me machucou. – Disse firme. Viu-o abaixar a cabeça. – Não fisicamente, não naquele acidente, não porque, bem... – A menina respirou fundo, chamando seu olhar para si.
- Eu sei, eu menti. Me empolguei demais e era uma coisa que eu sempre fazia. – Coçou a nuca. - Sei disso tudo . Sei que queria meu bem e eu fui um completo idiota. – Confessou, passando a língua nos lábios. – Mas eu não encaro isso de um todo ruim...
- O que quer dizer? – Perguntou confusa, franzindo o cenho.
- Você sempre me dizia que precisávamos ver o melhor das piores situações, e talvez eu precisasse perder tudo pra poder perceber que o caminho não era o correto...
- Você não perdeu tudo, ! Não seja tão dramático. – A menina riu de leve, dando passadas até o parapeito que dividia a área do gramado de todo o resto da casa. Recostou-se lá, sendo acompanhada pelo garoto.
- Eu perdi o essencial. – Falou, tombando a cabeça nos ombros. – Minha dignidade, confiança dos meus pais... – o encarou nos olhos, bem no momento em que ele completou. – Você.
- Ok. – A mulher abanou negativamente sua cabeça, voltando a olhá-lo nos olhos. – Foi você quem disse que nossa relação não passava de uma imagem para a “boa e velha Vermont perfeitinha”... Se isso é o que você quer dizer, eu posso até acreditar.
- Como assim “se isso é o que eu quero dizer”? – Indagou, fazendo aspas no ar.
- Sua imagem.
- Eu não sou assim. Você me conhece. – Replicou, estreitando os olhos.
- Eu achei que sim. – Murmurou .
O diálogo deles foi interrompido por uma música, ainda mais alta do que a que tocava antes e logo após, gritos de satisfação dos outros jovens com o som escolhido. O que não era uma eletrônica pesada para aumentar a intensidade de uma festa?!
Assim, eles não tornaram a falar sobre isso, o clima não ficou tenso ou chato, mas talvez reflexivo. O quanto alguém poderia mudar após um acidente? Ou talvez nem fosse o acidente, mas sim a enxurrada de revelações que brotaram dele, como um efeito cascata. Tudo o que eles precisavam ouvir, tudo o que eles precisavam saber... Tudo fora colocado à prova, e bem, eram momentos decisivos na vida de dois jovens que começaram a se relacionar cedo.
Inevitavelmente, ainda procurava um par de olhos verdes dentre aquela loucura, enquanto bebericava seu copo, que agora era composto por outra bebida que ela ainda não havia distinguido qual era, encarando cada rostinho. ainda assombrava sua mente, quase todos os dias. Sem nem mesmo esperar, em algum momento aleatório de sua rotina matinal, lá estava ele... E foi então que a menina distraiu-se.
Saiu andando pela festa, analisando toda a casa, desde os quadros. Somente queria um pouco de silêncio. Com todos os berros animados, e sons gritados das caixas de som, seus ouvidos zumbiam. Subiu as escadas, driblou alguns beijadores de plantão e então abriu a primeira porta que viu e de imediato, deparou-se com o cheiro de .
Ele não estava lá, mas todo seu estoque de bom perfume, sim. Era seu quarto e foi quase involuntário não sentir-se envolvida pelo cheiro, pela sensação de nostalgia que todo aquele cômodo brotou nela.
- Soube que voltou a dirigir a AKN. – Disse , jogando-se na cama de seu quarto.
- Nunca parei. Ou ao menos é o que parece. – Replicou a mulher, fazendo gestos com as mãos. jogou-se na cama atrás de , que o acompanhou com o olhar.
- Como consegue? – Suspirou, colocando o antebraço acima de seus olhos.
- O que quer dizer? – Perguntou a mulher, acomodando-se ao lado dele, e puxando o braço de para poder encarar seus olhos.
franziu a testa com a risada agoniada que saiu de seu ex-namorado.
- ! Senta aí.
- Para com isso, ! – Replicou fazendo corpo mole.
Ela conseguiu trazê-lo até quase a posição de sentado quando ele se deixou cair de novo, mas dessa vez levando-a junto em um abraço desajeitado. Ambos riram amplamente um para o outro e deslizou para o lado do menino, ambos encarando o teto do quarto.
- Vai me dizer qual é o problema, ?
- Advinha... – Bufou.
- A dinastia enchendo seu saco com a faculdade...
- E o papo de futuro profissional de novo. – Completou.
- Nada novo sob o sol. – Riu , mas sem graça. – Sinto muito, .
- Eu sou um covarde. Não sou como você. – Replicou mordendo o lábio inferior.
- Tem razão. – Riu a menina, com um tom sarcástico, recebendo um olhar atravessado de seu amigo. – Algum dia você vai enfrenta-los. Só não encontrou o motivo certo ainda. Descubra o que você quer antes de se definir pelos outros. Quando souber, aí sim vai ter a coragem de tomar uma atitude.
- É isso que você faz? – Perguntou ele, curioso.
- Na verdade, não. Sou mais do tipo que age segundo o que acredita, não importando se estou certa ou não na história. Suponho que seja tanto um defeito quanto uma qualidade. – Terminou, dando de ombros.
- Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço, né?! – Replicou, rindo. – Fico feliz que dê certo para você.
Somente então se deu conta. Finalmente estava no lugar onde deveria estar. Voltara para sua Irmandade, reestabelecera uma amizade com o , todas as peças em sua vida começaram a se encaixar novamente. Mesmo as que tiveram de ser trocadas.
Menos uma.
- Onde está indo? –– Perguntou , sentando-se na cama para observá-la já de pé, tropeçando entre as pernas, apressada.
- Seguir meu próprio conselho. – Sorriu, beijando a testa de suavemente e correndo até sua porta.
Deteve-se na soleira, ao captar a visão de uma fotografia do antigo casal na escrivaninha do menino. Tratava-se de uma viagem que haviam feito com alguns amigos até Cape Cod. Estavam na areia, atrás do velho farol, sem se dar conta da câmera que captava o sorriso que trocavam.
Fora Taylor que tirara aquela foto, que parecia ser algo que acontecera há séculos atrás. Seu coração se apertou com a lembrança, mas não de uma forma ruim, com vontade de retornar, mas com uma mera nostalgia e gratidão pelo tempo que passaram.
- , nunca hesite em me procurar caso as coisas com o tio Peter e a tia Melody fiquem muito difíceis, tudo bem? – Voltou-se ao menino, que acenou com seu meio sorriso característico, antes que ela continuasse sua caminhada para fora da residência da Sigma-Tau.
Calliope havia acabado de abrir a porta de sua casa, em cima da hora para o começo do plantão no Hospital Saint Mills, deu de cara com uma de suas pacientes com o braço erguido, prestes bater à porta.
- Doutora Callie! – Exclamou . – Quanto tempo não vejo a senhora!
- , vejo que está muito melhor, querida. Fico muito feliz! Veio me ver mesmo ou a meu filho desajustado?
- Dessa vez foi pra ver o dito cujo. – Brincou a mais nova.
- Pois então entre minha querida, temo que não poderei ficar porque estou atrasada. – Explicou olhando para seu relógio e saindo da casa. – Mas pode ficar à vontade. está no quarto dele.
- Obrigada, Senhora .
- Querida, por nada, só deixe dessas formalidades. Já disse para me chamar de Callie. – Piscou a mais velha se afastando a passos rápidos até seu carro antigo e surrado pelo tempo.
resolvera aguardar na sala, mas após alguns minutos, suada como estava, resolveu procurar um banheiro para lavar seu rosto. Percorreu o primeiro andar abrindo porta por porta, mas nenhuma delas era um toillete. Sua busca estendeu-se ao segundo andar, berrou o nome de para ver se ele lhe respondia, porém, não recebera resposta alguma.
Abriu mais uma porta inútil e estava prestes a fecha-la quando percebeu que aquele cômodo devia ser o quarto de . Curiosamente, penetrou aquele ambiente desconhecido. Passou os olhos pela câmera do menino na bancada, pelos livros empilhados ao lado de sua cama e aproximou-se do quadro que ostentava alguma das fotos do menino.
Havia milhares de fotos penduradas, algumas do Santa Lovers Day, diversas da fraternidade do melhor amigo de , o Benjamin. Deu uma risada ao reparar o livro de Guerra dos Tronos, jogado na cama de e lembrou-se do comentário que ele fizera - não há muito tempo atrás - quando ainda estava no hospital.
“ — Game of Thrones, ? Bem...
— Nem começa, Benji está me obrigando a ler esse tijolo.
— Realmente, de tijolo em nossa mochila já basta nosso Vade Mecum.”
- Bisbilhotando, ? – Perguntou uma voz no ouvido de , fazendo-a dar um pulo.
- Você vai ficar surdo com esses fones ! Estou berrando seu nome há horas!
- Minha mãe não estava esperando com você? – Perguntou, franzindo o cenho.
- Claro que não, anta! Ela tem plantão hoje.
- Não enche meu saco, .
- Espera. – Cortou ela, encarando o peito nu do menino, que somente vestia uma bermuda e com uma toalha em volta de seu pescoço. Arregalou os olhos, não conseguindo evitar questionar a ele o que tudo aquilo despertava nela mesma. – O que está fazendo?
- O que quer dizer? – Perguntou , fazendo-se de desentendido e cruzando os braços, mais musculosos do que esperava, com um olhar confuso.
- Não me faça dizer isso, ! Isso aí. - Gesticulou para seu corpo seminu.
- Bem, já que você invadiu meu quarto eu não tinha muita escolha, não é? Estava no banho. Sorte a sua que eu não esqueci a calça também. – Deu de ombros, balançando seu cabelo molhado, jogando gotas de água pelo rosto da mulher.
- Não me afronte. – Rolou os olhos.
- Se bem que pode ter sido azar, também, né? – Comentou ele com os olhos escurecendo, se aproximando de lentamente, como se fosse um ferino se preparando para caçar sua presa.
Mas não era qualquer presa.
- Azar o seu, que você diz, não é? – Rebateu ela, aproximando-se mais um passo do garoto em desafio.
- Depende do ponto de vista. Essa sua roupa também não deixa muito para a imaginação. Estava indo para a praia?
gelou, olhando para baixo em seu corpo.
- Pode ficar tranquila, , meu coração aguenta. Aliás, me respeita né, não sou nenhum pervertido.
- Não estou preocupada com você, idiota! Mas sua mãe me atendeu assim e PIOR, eu disse que vim ver você. Merda, ! Estou praticamente de biquíni aqui! É esquisito, ou sei lá!
- Não esquenta com isso. – Disse buscando uma camiseta em seu armário. – É extremamente irritante, mas aos olhos de minha mãe, você é a Senhorita Perfeitinha. – Estremeceu. – Mas o que te traz a residência , “Rainha de Vermont”?
subitamente pareceu perder a habilidade da fala. O que a trouxera até ali? O que havia sobre o idiota enigmático que a fazia questionar sua sanidade? fizera um ótimo trabalho bagunçando sua mente de forma que parecia até irreversível.
- Vim obter respostas. – Disse enfim, sentando-se na pontinha da cama do menino.
- Oh, por favor, fique a vontade. – Rebateu com sarcasmo, recuando alguns passos, como se a ideia de tê-la ali em seu quarto o apavorasse. – Mas do que está falando, afinal?
- Você sabe muito bem, ! Você é bipolar, ou o que? Uma hora você está me beijando e dizendo que precisamos conversar, mas no minuto seguinte você me vem com um papo de “Você já está bem resolvida” e “Eu nem faço o seu tipo”!
- Primeiro, não brinque com bipolaridade, isso é uma doença. – Falou estendendo o indicador e rangendo os dentes com raiva. – E segundo, eu disse alguma mentira?
- Qual você acha que é meu tipo?
- Babacas riquinhos e mimados. – Replicou.
O sangue de ferveu com a clara ofensa a , que podia ter muitos, mas muitos defeitos, porém não merecia toda aquela porcaria condescendente. E foi exatamente isso que disse a no minuto seguinte.
- Você é tão aversivo com esse “tipo de pessoa”, que mal percebe o quão preconceituoso está sendo! – proferiu entre dentes.
- Pré-conceito? – O garoto riu, passando a língua nos lábios. – Isso é pós-conceito .
- Ahá, falou o cara que não se mistura porque acha que ninguém é bom o suficiente pra ele. – A garota rolou os olhos, aquilo acertou em cheio.
- Eu nunca disse isso. – Replicou, desarmado.
- E nem precisa, não é ? – deu dois passos até ele. Mesmo pequena, sua postura empoderada o fez travar.
- Agora quem está sendo preconceituosa é você.
- E é tão bom, não é mesmo? – Entortou a cabeça, com um meio sorriso. – Ah, e não é preconceito, lembra? É pós-conceito.
- Eu tenho meu direito de não querer me misturar. – Vociferou.
- E diante dessa revelação eu me pergunto... – A menina fez uma pose pensativa forçada, o que o fez rolar os olhos. – O que é bom o suficiente para ? Diga, . Desde que chegou, virou o grande enigma de South Mills, parabéns por isso.
- Você. – Rebateu, com um tom definitivo. Não murmurou, nem vacilou, somente proferiu uma simples palavra capaz de desestabilizar toda aquela confiança que a mulher ostentava em uma questão de segundos.
Mais uma vez naquele dia, petrificou. Mas não era nada comparado ao que sentira com . Foi uma sensação gélida e quente, seu corpo todo arrepiou-se e lá no fundinho, em alguma extremidade sua, um calorzinho ainda permanecia. ficou encarando a expressão nada abatida de ao proferir aquelas palavras, como se estivesse certo e decidido do que estava dizendo e sinceramente, como ele podia?
Aquele menino a deixava à beira da loucura. nunca conseguia entender o que ele sentia de verdade ou quando era apenas algo passageiro para ele. Aquele tipo de sentimento que existe, mas que por algum motivo a pessoa não dá importância.
Ela costumava pensar que ficava entre esses dois, nem um e nem outro, só ali. Não podia pedir por confirmações de um fechado, nunca havia conseguido penetrar dentro do seu eu, e aquela fora a deixa mais que perfeita.
- E eu faço parte dos babacas, riquinhos e mimados. – Respondeu lentamente, apertando os lábios em seguida.
- Eu nunca disse que não gostava, também. – O garoto chegou perto com um sorriso no canto dos lábios, abriu a boca para soltar algo, mas foi parada pelo mesmo, puxando-a pela cintura. – E não venha me dizer que “não é preciso dizer”, porque uma simples observação sobre alguém, não pode definir o que ela é.
- Cara, você realmente me deixa doida. – cerrou os olhos, tentando ignorar aquele peito idiota dele, prensado no dela e aquelas mãos idiotas dele em sua cintura. E ela deveria ganhar pontos por conseguir produzir um pensamento coerente que fosse! – Onde você quer chegar com tudo isso?
- Que por mais que eu ache tudo isso, eu não posso dizer que não gosto. Eu não estou apto pra isso.
- Sua sensatez me irrita, eu já disse isso? – mordeu os lábios, como se aquilo tivesse alguma graça - o que para a mulher não tinha - chegando ainda mais perto dos lábios dela.
- Acho que já. – Fez careta, dando um selinho nela.
- Selando a paz? – Brincou, hipnotizada pelos olhos verdes do garoto.
- Está representando Vermont? – beijou o rosto da menina que a cada pegada a mais, sentia o corpo amolecer. Suas pernas já pareciam gelatina e praticamente nada acontecera.
Aí está o efeito , senhoras e senhores!
- E você está representando quem?
- Aqueles fracos e oprimidos que a rainha do campus defende. – Replicou, colocando uma mecha do cabelo da mulher para atrás de sua orelha.
A mão de desceu por seu rosto, passeando por sua nuca, seu torço, arrepiando seu braço até entrelaçar sua mão na dela. A mente do garoto gritava advertências que ele já não queria mais ouvir. Seus muros ainda estavam ali, intactos.
Não fora a mulher que saíra destruindo tudo com uma marreta. Na verdade, era que estava cansado. Profundamente cansado de lutar contra seus instintos. Contra o que seu corpo e coração desejavam.
Quem poderia prever, em toda a South Mills que a Rainha de Vermont e o recluso e moralista sentiriam toda essa atração?! olhou fundo nos olhos da menina, informando-lhe do que faria em seguida. Sem pedir licença, é claro. Aquilo não fazia o estilo de . Ele ia buscar o que queria, e a não ser que demonstrasse ser contra aquilo, nada o impediria de fazer o que fez.
segurou sua nuca e abaixou sua cabeça, mais uma vez encostando seus lábios nos dela. Porém, agora o jogo não era mais o mesmo. Não se tratava de um selinho inocente – não que algo entre eles fosse inocente. Mas sim de algo mais profundo e voraz.
Suas línguas se encontraram em puro fogo, trazendo-lhes ao mesmo tempo alívio e urgência. Suas mãos tateavam pelos corpos um do outro, tão certeiramente que era como se fossem ficantes de anos, mas também, cada toque era uma surpresa que foi levando a ambos à loucura.
somente tinha três certezas naquele momento. Uma era do quanto ela desejava estar com daquela forma, ser tocada por ele daquela maneira e sentir o corpo dele reagindo a seu toque. A segunda era que em algum momento em seu percurso até a cama do garoto, haviam quebrado alguma coisa, que nenhum dos dois se preocupara em ver o que era. Já a terceira, e sua preferida, era que nunca havia experimentado sensação melhor do que presenciar a perda de controle, logo do . Se ela era a Rainha de Vermont, ele era o próprio Rei do Autocontrole. Ao menos quando não estava em jogo.
Perderam-se um no outro, em uma busca incessante por prazer. Tentavam aliviar as chamas e o fogo que seus toques causavam um no outro, mas se era o fogo, era só o combustível. Agarraram-se por um longo tempo, até que tiveram seu alívio, deslizando para a inconsciência logo depois. Ambos com um sorriso amplo em suas faces.
Desde que percebera como se sentia quanto a , sempre se perguntou como seria acordar ao lado dele. Algo sobre as barreiras que o garoto insistia em erguer a faziam questionar-se qual seria sua real faceta. Seria mesmo um menino sarcástico e metido a engraçado e moralista, ou tal aspecto de sua personalidade seria um mero reflexo protetor? Ele faria carinho em seu cabelo, beijaria sua testa tenramente, ou a enlouqueceria com suas tiradinhas e aquele meio sorriso irritantemente sexy?
Aquela que pensara se tratar da tarde em que desvendaria esse mistério, infelizmente não foi o momento que ela descobriu a resposta. Tudo o que a envolvia quando acordou era o lençol da cama do menino e a brisa do ventilador em seu braço arrepiado que se estendia até a parte fria do colchão onde o menino deveria estar. Porém, antes mesmo que pudesse raciocinar ou sentir certa tristeza, sentiu um papel em cima do travesseiro.
Precisei sair, entro em contato assim que puder, prometo.
PS: Me lembre de não dormir ao seu lado, isso causa sérios danos emocionais.
PS²: Consegui sentir o desespero do naquele hospital.
PS³: Você me deve uma lente nova para a minha câmera.
A mulher passou seus olhos pelo bilhete rapidamente, arquejando com os dois primeiros “Ps” e definitivamente gargalhando com o último. Ah, então foi aquilo que tinham quebrado na urgência da noite seguinte?! Pensou, balançando a cabeça, bem humorada. Mandou uma mensagem rapidamente para , não tardando em receber uma resposta espertinha.
“ Se acha que vou pagar por sua lente, está sonhando.” Enviara. “Cuidado, posso começar a cobrar hospedagem, espertinha.” Recebera, em seguida. Gargalhou, deslizando novamente para o travesseiro do menino, aproveitando para dormir um pouco mais.
Mais tarde, voltando para sua Irmandade, refletia sobre as três frases que o garoto deixara. A mulher não conseguia entender qual era o problema que tinha que o fazia recuar a cada passo para frente que ambos davam. Não importava quantas vezes repetisse para si mesma que não era nada, mais ela entendia que havia algo de muito estranho na vida do garoto. Desde o dia em que aparecera bêbado na entrada de sua casa, havia mudado drasticamente de postura. Ela ficava irrevogavelmente frustrada já que tudo o que queria era ajuda-lo, mas ele não parecia estar disposto a abrir essa brecha para ela.
- Meninas, vocês lembram aquele ano em que os meninos da Sigma-Tau nos ajudaram a pregar uma peça nas outras fraternidades?
- Sim! Foi épico. Nunca vou me esquecer da cara do Benjamin, tão branca quanto papel com o susto. – Riu Rebecca.
- E o Patrick? Ele sabia do plano todo, mas mesmo assim estava se mijando todo de invadir a Casa da Ominikron no meio da noite.
- , e quando você e o convenceram a diretoria a nos deixar decorar as salas com insetos falsos? Pensei que a Tori ia ter um ataque com aquela barata pulando de sua carteira. – Replicou Alexia.
- Aquela foi das melhores mesmo. – Riu . – Taylor? – Chamou, avistando a menina no pórtico da sala, meio sem graça se entrava ou não. – Vem contar qual você achou que foi a pior pegadinha que a gente já pregou nos outros anos.
- Eu... – Olhou ela, com incômodo. – Estou ocupada. Quem sabe mais tarde. – Replicou endireitando os ombros e saindo.
acenou, já esperando uma reação como esta de sua predecessora. Suspirou, voltando sua atenção para a memória que Courtney começara a recontar. Todas estavam com seus travesseiros , cobertores e colchões amontoados na ampla sala, onde tinham a tradição de dormir assistindo filmes de terror na tela plana, com o som no máximo.
Morriam de medo de ir no banheiro sozinhas durante a noite, mas ao menos dormindo juntas, as mais medrosas tinham alguma segurança de participar. Não que fosse admitir, mas quase tinha uma síncope a cada momento de tensão naqueles malditos filmes. Por isso, acabava muitas das vezes, sendo designada, por si mesma, a ajudar no reabastecimento das guloseimas, pipocas e refrigerantes.
- Tem certeza dessa receita, Patricia? – Perguntou , curiosa quanto à gosma marrom que sua amiga remexia na panela insistentemente.
- Acho que ela estragou o achocolatado e o leite condensado. – Riu Alexia, sentada na bancada enquanto enchia potes com a pipoca que acabara de preparar.
- Cala a boca, Alex! – Replicou a morena, revirando os olhos e desligando o fogo. – Depois quando se viciarem nisso, não venham me pedir para ficar fazendo.
- Qual o nome mesmo? – Perguntou curiosamente.
- Brigadeiro. Aprendi a receita em uma viagem.
- Ok, vou provar.
- Não quer esperar esfriar mais? Só toma cuidado pra não se queimar!
- Me passa logo essa colher, espertinha. – Disse pegando a colher suja do esquisito doce.
Assoprou um pouco, já que precaução nunca era demais, e levou a colher a boca. Fechou os olhos saboreando a sensação do gosto do chocolate, derretido naquela goma saborosa e de textura tão macia em sua língua.
- Meu. Deus. Eu fico com essa panela. Faz mais, pelo amor de Odin, Pat!
- É bom assim? – Perguntou Alex, ainda com cara de nojo. – Deixa eu dar uma provadinha.
- Sai Alex! Falou mal, agora não vire a casaca. – Replicou impedindo a passagem da amiga até a panela em brincadeira.
- Vamos meninas, vou colocar em potes e pegar colheres.
- Ai, assim vocês me matam. – Replicou . – Eu ainda tinha uma ilusão de ser fitness e saudável, mas essa rotina de cerveja, chips e doce vão aumentar minha chance de ter um ataque cardíaco, sabiam? – Replicou com um biquinho.
- Então não come ué! – Exclamaram as meninas levando os doces para a sala.
- Meninas, esperem! Eu não ligo para os índices, vai valer à penaaaa! – Berrou de brincadeira, correndo atrás das amigas que riam com seu tom teatral.
Começaram assistindo Caso 39, sobre a assistente social que acha que está salvando uma criança dos pais, mas que na verdade pega para criar o próprio mal encarnado. Depois seguiram com O Iluminado, Sexto sentido e enfim o clássico, Sexta-Feira Treze.
Durante a exibição dos filmes, muitas cochilaram, mas quando os créditos do último filme começaram a rolar, todas se sentaram esfregando seus olhos e espreguiçando-se. Como de praxe, terminou com seu habitual discurso, que era seguido com as impressões das próprias meninas, falando um pouco do que gostavam ou queriam que mudasse na irmandade. Era uma forma de se aproximarem mais e de tentarem sempre se aprimorar.
- Garotas, vamos começar? – Perguntou, pegando a garrafa de Heineken para usar como um bastão da fala.
Após a conversa paralela se reduzir a um silêncio básico, começou. Observou Taylor se esgueirando para sentar próxima à Madison, no cantinho da sala.
- Esse ano não irei fazer o de costume. Fiquem à vontade para apontar suas recomendações para a Irmandade e sua evolução. Não me entendam mal, sempre tem espaço para melhora. Mas tudo o que consigo pensar para dizer é obrigada a todas vocês. Somos uma família, não importando nossas brigas, nossas falhas, vocês são minha família.
“Todo santo ano, e esse não mudou em relação a isso, vocês me ensinam de forma diferente o quanto a amizade e nossa união como grupo é importante. As mulheres que se formam na Alpha Kappa Nu, não saem somente com grandes chances nesse mercado de trabalho que está mais para um Jogos Vorazes. Saímos com algo muito mais importante: lembranças. É possível que nunca nos vejamos novamente depois daqui. Acontece. É uma merda, mas acontece. Mas ninguém nunca vai conseguir tirar de nossas mentes ou ao menos de nossos corações todas as memórias que construímos e o aprendizado que tivemos. E olha, não sei vocês, mas não há nada mais importante para mim do que isso. Obrigada por terem me ensinado tanto nesses anos. Amo vocês.”
Terminou com os olhos úmidos, olhando para o colchão. Fungou e entregou o bastão para a próxima menina, recebendo olhares repletos de carinho das demais meninas e um abraço apertado de Courtney e Alexia que estavam do seu outro lado, a primeira que anteriormente trançava o cabelo da segunda.
Prestando atenção no discurso de Tracy, não notou o temporal que começava a cair em South Mills. Presa naquela bolha de bons acontecimentos, a menina se permitiu relaxar como há muito tempo não fazia. sempre estava alerta a todas as possibilidades e pensava demais sobre tudo, mas não naquela noite em particular.
E a Teoria do Caos, uma das leis mais importantes acerca do Universo, não deixaria esse fato impune. Segundo seus preceitos, o futuro se torna imprevisível na medida em que uma pequena mudança de comportamento, pode acabar por desencadear enormes e desconhecidas consequências posteriores.
A tempestade sempre chega, de uma forma ou de outra, pois como diz Meredith Grey, o carrossel nunca para de girar.
Capítulo 8 - Somente mais um sonho
Erro de percepção ou de entendimento.
Engano dos sentidos ou da mente.
Interpretação errônea.
Se você for buscar no dicionário pelo significado da palavra ilusão, provavelmente é isso que encontrará. O sentido cru e objetivo do termo, despido de qualquer pessoalidade ou subjetividade.
E para a maioria das pessoas essa definição é satisfatória. Para , mesmo, também já fora. Mas quando se passa pelo que a mulher teve de vivenciar, esse sentido se transmuta para algo muito maior.
O que o dicionário não diz, contudo, é a profundidade em que a ilusão pode nos fazer questionar a nós mesmos. Quais os segredos que a mente esconde, e como ela consegue criar armadilhas para que ela mesma seja mantida cativa. Tudo gravita ao redor de um sentimento humano dos mais intensos.
O medo.
- Sub-rogação é um instituto que pode ser dividido em sub-rogação legal ou convencional. A primeira se enquadra nos casos de um credor que paga, ou adimple a dívida do devedor comum, do adquirente de imóvel hipotecado, que paga ao credor hipotecário, como do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito sobre imóvel e... Senhorita ?
Senhor Calahan fixou seu olhar na menina que viajava seu olhar pela lâmpada piscante da sala. Hipnotizada, somente notou que o professor chamara seu nome ao receber um cutucão de uma Taylor mais sorridente que o comum. E logicamente o sorriso era para zombar dela.
- Sim, desculpe hmmm – Limpou a garganta engolindo em seco. – Desculpa, senhor Calahan. – Levantou-se buscando suas coisas, e saiu da sala aos trancos.
Somente notou estar sendo seguida ao receber outro cutucão, agora em sua costela. Virou-se para sua pessoa preferida naquela faculdade nos últimos meses.
- ... – Suspirou, levando as mãos ao peito. – Por que me seguiu?
- Está tudo bem? – Perguntou, analisando a mulher de cima abaixo, segurando-a pelos cotovelos.
- Estou só distraída. – balançou as mãos encarando os olhos sérios e estonteantes do menino á fitarem – Olha só! preocupado, que fofo. – Zombou, recebendo um olhar cortante do menino.
Aquela deveria ser uma primeira vez para . não acreditava que já houvessem o chamado de “fofo” alguma vez em sua vida. Mas bem, ela não era qualquer uma.
- Ok. Já disse que estou bem, . – Voltou a falar começando a caminhar para fora da escola, era o último período e ela não se viu na obrigação de ficar, percebeu que também, mas não o questionou. Apreciou sua companhia.
- Tudo bem... – Suspirou arrumando a mochila nos ombros. –
Por longos segundos ambos continuaram caminhando em silêncio, aproveitando a brisa gélida daquele dia, e mesmo que parecesse um tanto sádico, ambos compartilhavam uma certa paixão pelas paisagens que o inverno proporcionava. O céu completamente branco, as arvores nuas... fez cara feia ao sentir mais uma pontada em sua cabeça, soltando um gemido baixo. Percebeu o olhar de em seu rosto novamente.
- Eu tenho tido isso ultimamente... – sinalizou para a própria cabeça. – Eu sinto que tem algo errado comigo, . – O olhou. O garoto desviou o olhar para os pés. –
- Em que sentido?
- Em todos. – Grunhiu. – Sinto que estou ficando mais distante de tudo a cada segundo, como se estivesse sumindo. – fez uma careta que acarretou numa risadinha fofa de . Logo o garoto á acompanhou, mas só sorriu com o canto dos lábios, daquele jeitinho que á derretia.
- Todos nos sentimos assim eventualmente... – Deu de ombros. – Achei que você era imune, mas veja só, a rainha de Vermont deu seu sinal humano! – ironizou á fazendo rir novamente, ombrou o garoto sentindo no ato, suas mãos roçarem nas dele. Por um momento ambos entrelaçaram alguns dedos, se olharam por um milésimo intenso, e se soltaram. O coração de foi á mil, mas ainda assim, parecia ser uma miragem ao seu lado. Algo estava errado com ela. –
- Eu preciso dormir, talvez seja isso. – Parou de caminhar. Algumas passadas após, também parou, não muito longe. –
- O que fez ontem?
A mente de esbranquiçou. O que ela tinha feito no dia passado. Com a hesitação deu mais um passo até ela.
- Eu... – A garota piscou algumas vezes. – Eu devo ter estudado. Eu não me lembro, . – O olhou nos olhos como se esperasse uma explicação. –
- Acho que você realmente precisa descansar . – Orientou preocupado a segurando pelos ombros. – Ouvi dizer que algumas pessoas tendem a ter...
- O que? – Perguntou direta. Seu coração acelerou e ela nem sabia porquê. –
- Consegue ir comigo amanhã no voluntariado?
- Acho que sim. – respirou fundo puxando-a para um abraço. Com o ato, deslizou suas mãos por seu abdômen durinho fazendo a volta em sua cintura, até as costas, entrelaçando suas mãos por lá. Aconchegou-se no abraço logo sentindo o beijo carinho nos cabelos, característico dos abraços de . Podia ficar ali a vida toda. – Tem algo errado comigo, não tem?
- Você é . – se afastou para olhá-la nos olhos. – Se algo estiver fora do lugar, você conserta. – A menina sorriu. –
- Não se for comigo...
- É por isso que temos um plano B. – Ela entortou a cabeça. –
- E qual é?
- Eu.
As árvores desnudas de suas folhas sinalizavam o auge do inverno, chegando atrasado em South Mills. analisava suas galhadas “carecas” tentando limpar sua mente cheia dos pensamentos turbulentos que a perturbavam. Uma dor de cabeça constante lhe abatia, tornando difícil forçar-se a focar seu cérebro em uma só ideia.
- Você já sentiu que estava vivendo uma mentira?
- Como assim? – Franziu Josh, sentado no meio fio com a amiga.
- Deixa para lá. – Balançou a mão.
- De onde veio isso? – Indagou, olhando para o rosto de , que, porém, não estava virado para Joshua.
- Er... Eu não sei... É como um arrepio, um dejà vu diferente. Eu não consigo distinguir o sonho da realidade. – Replicou, distraída com o som de um carro entrando na sua rua, acelerado.
Um flash de seu acidente passou por sua mente, fazendo-a pular com a mão de Josh em seu ombro.
- , está tudo bem?
- Sim, eu... Preciso ir. – Respondeu, agarrando sua bolsa-saco e correndo pela rua na direção do Hospital de South Mills, e em seu caminho, a residência dos s. Porém, dessa vez não era o enigmático garoto que ela buscava, mas sim sua mãe. se agarrava à ideia de que Callie soubesse o que havia de errado com ela como se fosse uma tábua de salvação jogada à sua frente.
Correu contra o vento, sentindo seus pulmões protestarem, queimando a cada batida de seu coração acelerado. Correu como há muito não fazia, exigindo de seu tornozelo recentemente fraturado provavelmente mais do que deveria. Correu com flashes de memórias as quais nunca havia vivido, sem saber se se tratavam de frutos de sua imaginação criativa ou se estava mesmo ficando louca como suspeitava.
E então, quando chegou à rua de e da casa dos pais de - passando pela mesma árvore a qual colidira, o mesmo asfalto do qual fora recolhida pela ambulância – ouviu seu celular tocar. Antes mesmo que pudesse chegar à porta de , já o tinha pressionado em sua orelha, ouvindo uma frase que fez com que seu coração parasse no mesmo instante.
Tudo ocorreu como uma orquestra harmonizada para corresponder aos maiores pesadelos da mulher. A ventania castigando sua face, cuidando de carregar suas lágrimas produzidas assim que a tristeza substituiu seu choque. O barulho crescente de uma sirene de ambulância, que nunca aparecia no fim da rua, começou a ficar tão insuportável que ela dobrou-se em si, caindo na profundeza da inconsciência, desmaiando às portas da residência .
“Tia Kate? Quanto tempo... Está tudo bem?”
“Não querida... Infelizmente o Nicholas, ele... Faleceu.”
Quando era mais jovem, em uma rara ocasião em que seu trabalho permitiu, sua tia Lizzie fizera uma surpresa à sobrinha. Buscara mais cedo na escola e levara a menina para o circo, que estava de passagem pela cidade.
Palhaços hilariantes, belas dançarinas e contorcionistas dando um show nos tecidos, brilhantes malabaristas e equilibristas. Entre todas as atrações hipnotizantes, de longe a que mais gostara fora da penúltima. Logo antes do globo mortal, chegara à vez de um mero ilusionista. Algo nos olhos da pequena se acendeu naquela ocasião.
A cada novo truque que o homem conseguia pregar em sua mente, mais queria ser como ele. Tudo bem que à época estava mais interessada em descobrir como fazer seus pais pensarem que havia ido à escola para que pudesse dormir mais umas horinhas. Porém, também havia uma parte de si que ficara muito assustada com a capacidade de uma pessoa enganar tanto a mente de outra.
Bastava aprender como fazer uso dos próprios enganos e falhas da percepção humana. E parecia fácil à época, por mais que houvesse admirado muito o profissional. era uma criança que acreditava muito no poder da vontade. Se queria fazer algo, nada entrava no caminho de consegui-lo.
Sua determinação a levara a lugares que o conformismo nunca lhe possibilitaria chegar. Mas também enfrentara barreiras técnicas e aprendera sobre suas falhas pessoais. Mesmo assim nunca deixou de acreditar que o que quer que pretendesse - por mais que as chances não estivessem a seu favor – poderia ser conquistado por meio de seu esforço.
Sonhos tem interpretação movediça.
Sonhos refletem aquilo que, diariamente, não temos a capacidade de digerir.
E muitas vezes, os sonhos são indistinguíveis. Até mesmo do que pensamos ser nossa realidade.
Assim como os sonhos, pesadelos tem o costume de surgirem na fase REM, o estágio do sono mais profundo. Isso é o mesmo que dizer que por meia hora aproximadamente, durante todas as noites, chegando a seis vezes sucessivas, o bicho papão tem nossa custódia.
assistira o suficiente de Harry Potter para saber que bichos papão tinham o poder de tomar a forma de seus maiores medos. E a única forma de combater esses monstros, era através de um exercício mental muito específico: tornar seu pavor em algo que seu cérebro conseguisse aceitar como ridículo de se temer.
sempre tivera um fascínio sem igual pelo mundo dos sonhos. Quando pequena, costumava fazer espécies de estudo do sono e experimentos que a pudessem ajudar a entender um fenômeno tão peculiar. Suas conclusões foram poucas, mas simbólicas, e ensinaram-na um pouco sobre o mundo.
Primeiramente, tudo o que sonhamos, por mais insignificante que pareça, têm sim um significado. Com isso, não é do meu intento dizer que sonhos trazem previsões do futuro, mas somente que eles podem revelar muito sobre nossas próprias vontades. Segundo, que esse sentido nem sempre é explícito ou superficial, e demanda uma análise e autoconhecimento suficientes para compreendê-lo.
O pior tipo de sonho, porém, é aquele que não demonstra os desejos reprimidos, mas sim mascara a realidade na tentativa de torna-la mais aceitável ao intelecto. E retornando ao bicho papão, dá para ver que pesadelos, com todas as suas peculiaridades, seguem essa mesma linha.
já tivera muitos sonhos maravilhosos e muitos pesadelos terríveis. Até mesmo terror noturno já lhe abatera, deixando-a imóvel em sua cama, incapaz de escapar de sua mente ou chamar ajuda, encarando o teto que rodopiava acima de seu corpo.
A única explicação que a mulher encontrara para esse estado incapacitante, ou ao menos uma teoria que elaborara, viera da mitologia egípcia. Esse povo possui a crença que ao dormirmos nossas almas saem do corpo em sua forma mais pura. A analogia mais próxima de Harry Potter seria uma espécie de patrono. Seu “patrono” pode vagar pela noite afora dentro do mundo dos sonhos, e a forma de cada um reflete seu cerne específico.
Acontece que segundo a teoria da mulher, se somos expulsos do mundo dos sonhos, o baque pode ser súbito, como quando sonhamos que estamos caindo – que no caso nossa alma estaria literalmente sendo jogada de volta ao corpo. Ou por outro lado, pode ser traumático, de forma que não fiquemos nem lá nem cá. Se nossa alma fica entre o mundo dos sonhos e o mundo real, isso explicaria a falta de conexão da alma com o corpo.
Plim. Plim. Plim.
O som de toques periódicos do monitor cardíaco acordou de volta a seus sentidos. Foi como aquele despertar preguiçoso após emendar a soneca da tarde com a noite, porém muito mais pesado. Sua cabeça doía com pontadas mais fortes a cada batida de seu coração.
Abriu suas pálpebras, com uma vontade de bocejar muito grande, porém inacessível. Piscou até se acostumar com a claridade e olhou a sua volta. Estava deitada em uma cama hospitalar, com diversos aparelhos ligados a seu corpo.
Sentiu-se claustrofóbica, querendo arrancar o que quer que estivesse em seu nariz e sua garganta, mas mãos geladas impediram as suas.
- Enfermeira! – Berrou Victoria , fazendo com que sua testa franzisse pela dor de cabeça. – Vai ficar tudo certo, filha. Espera um pouquinho que já vão te livrar dessas coisas, ok?
piscou uma vez em concordância, transmutando seu olhar em pânico e acima de tudo confuso, para um mais empático. Nunca vira sua mãe daquela forma. Estava elegante, como sempre, a mulher lançava modas com sua classe. Porém, nem toda a maquiagem no mundo resistia ao choro constante e à falta de sono.
Assim que uma enfermeira de aparência gótica entrou no quarto e retirou alguns dos tubos que restringiam a menina, tentou emitir algum som. A profissional checou seus sinais vitais, suspirando surpresa com como pareciam estáveis.
- Mãe... O... o que tá acontecendo? – Murmurou.
- Estamos no hospital, querida. O acidente trouxe danos graves que precisaram de cirurgia... - Começou Victoria.
- Os médicos tiveram que tomar medidas drásticas para preservar a energia, mas... – Continuou a Enfermeira, checando seu pulso.
- A questão é que você acordou, minha filha. O tiro saiu pela culatra. Eu e seu pai, nós pensamos que você nunca iria... – A mãe da menina parou para soluçar, alisando o rosto da filha com carinho. – Pensamos que nunca acordaria.
- Ela acordou! – Exclamou uma médica, penetrando o quarto, com um enorme sorriso. – Já avisei ao senhor .
- Obrigada, Sara. Minha menina está de volta! – Repetiu Victoria, orgulhosa.
- Tudo certo, doutora. – Piscou a enfermeira, entregando-lhe a prancheta e saindo do quarto tão silenciosamente quanto entrou.
- Que acidente? – Indagou , confusa, verbalizando pela primeira vez sua fonte de estranheza.
- Doutora Sara, ela pode estar com amnésia? – Perguntou Victoria, voltando para seu olhar preocupado.
- É possível, mas improvável. Não se lembrar de detalhes dos incidentes que os deixaram assim não é tão raro. De qualquer forma, iremos fazer testes para cobrir nossas bases. – Disse, sorrindo. – Volto logo para examiná-la melhor.
- Filha! – Exclamou Tom, penetrando o quarto apressado e ofegante como se houvesse corrido uma maratona.
- Pai?! – Franziu , levando suas mãos à cabeça logo depois, pela dor súbita em sua têmpora.
- , querida, está tudo bem? Enfermeira! – Berrou, com um olhar assustado como a mulher nunca presenciara.
- Mãe, por favor, só me diga logo o que está acontecendo!
Victoria trocou um olhar com Tom, coçando seu braço em desconforto.
- É melhor esperar a doutora retornar, meu amor.
apertou os olhos em irritação. Ela acordara no hospital sem lembranças das últimas horas e ainda escondiam informações dela?! Algo não lhe cheirava nada bem. Parecia que a vida estava tentando lhe dar uma bela de uma rasteira, e não saber de nada não estava lhe ajudando a preparar-se para o que quer que viesse depois.
- Vic, talvez devêssemos somente dizer...
- Tudo bem. – Suspirou a mãe de . – Filha, como eu já disse, você esteve em um acidente há dois meses e...
- Dois meses? – Perguntou , arregalando os olhos.
- Filha, esse tempo todo... Você esteve em coma.
- Eu estive em coma... – Piscou algumas vezes. – Mas eu acordei!
- Sim filha, agora.
- Não mãe. – Falou confusa. – Onde está o ?
- O mãe! – Falou óbvia observando todos se entreolharem estranhos. –
- ?
- É claro! Quem mais seria?
- , desde quando você fala com o ?
- Como assim? – Perguntou exasperada. – Vocês estão brincando comigo?
Foi quando eles perceberam que havia algo de errado, muito errado, com .
Capítulo 9 - Os últimos dois meses...
Uma coisa que se aprende assim que se ingressa em uma faculdade de direito é que nada é realmente inquestionável. Por melhor que seu argumento seja, sempre haverá algum de mesma ou maior força no sentido oposto ao ponto que se deseja fazer. Como juristas nosso trabalho é tentar antever possíveis contrapontos a nossos argumentos. Mas quando fixamo-nos em um dado ponto de vista de forma tão ferrenha, é fácil acabarmos por cegar-nos para outras formas de pensamento.
A própria palavra direito, ou Ius – como gostamos de preservar tanto o latim -, deriva do nome Iustitia, da deusa Romana de olhos tapados, segurando uma balança com as duas mãos. Já a representação dessa deusa para os gregos é de uma mulher de olhos bem abertos, olhando para cima carregando uma espada e uma balança.
Tais diferenças de simbolismo não são acidentais, e representam a diferente concepção de Direito para ambos. Afinal, para os gregos, nenhuma decisão, ação ou memória foge ao escrutínio da Justiça.
Algo que sempre me atormentou, foi a descoberta de que a lei não pune culpados. Na realidade, os únicos a serem punidos, são aqueles em que se pode provar - sem sombra de dúvida, ou o mais próximo possível disso – de que não são inocentes. Não importa para um advogado, nesse caso, se seu cliente de fato cometeu ou não o ato ilícito. Porém, sim, se há questionável dúvida de sua culpabilidade.
Este alheamento, contudo, também é capaz de me atrair ainda mais para a arte jurídica. Não é bela a forma como mesmo possuindo um “lado” do conflito a defender, no fundo estamos somente tendo certeza de que a lei está sendo cumprida? Somos como seus guardiões, nos certificando de um julgamento justo a ambas as partes. E como diz o ditado em latim, dura lex, sed lex.
A lei é dura, mas é a lei.
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Assim que voltou a seus sentidos, a primeira coisa que fez foi encarar a face de sua mãe. Atenta, a mulher lia uma revista Vogue, levemente pousada em seu colo. Sentada perfeitamente ereta, quase como uma modelo, Victoria trazia à luz um enorme contraste com a figura que sua filha sonhara por dois meses. Mas como diz o ditado, aparências enganam e algumas pessoas são mestras em mentir e ostentar máscaras que não condigam com suas faces reais.
As feições de Victoria podiam ser as mesmas, porém algo em sabia mais do que julgá-la pela mulher de seus sonhos. Aquele alter ego de quem pensara há pouco se tratar de sua mãe. Porém, a realidade era outra. Algo muito mais confuso do que a suposta “Rainha de Vermont” poderia começar a compreender naquele momento.
Não enquanto sua cabeça doía com memórias de dois mundos distintos. Com verdades trancadas em algum lugar distante em sua mente. Com reflexões de diferentes realidades que não saberia distinguir das ilusões, e os mistérios os quais não saberia nem por onde começar a desvendar.
Recordava-se de absolutamente tudo, mas apesar disso seu cérebro continuava embaralhado. Nada fazia sentido. Afinal, ter todas as peças de dois quebra-cabeças não significam nada se não se sabe antes quais quadros se tenta montar. Como poderia separar as peças de realidade das do sonho? Não poderia. Não ainda. Então até ali, só poderia confiar no que seus olhos podiam ver, seus ouvidos escutar, e seu tato sentir. Pois estes sim, não poderiam enganar-lhe. Por esse mesmo motivo que ao menos quanto a sua mãe, logo soube a verdade.
- A médica estará aqui em umas horas. – Comentou com a voz rouca, analisando sua filha, apaticamente. - Como se sente?
- Sede. – Grunhiu a paciente, tentando sentar-se enquanto a mais velha lhe servia um copo do líquido transparente. O vidro extremamente límpido combinava com a aparência demasiada estéril do quarto.
A filha engoliu goles preciosos da água, derramando-se como veludo em sua garganta seca e dolorida pelo tubo que antes a atravessava. Teve dificuldade de não engasgar, chegando a tossir levemente. E somente para expelir o excesso das gotículas concentradas a fazer cócegas em sua garganta.
- Então você se dignou a aparecer mamãe... – Suspirou, pegando o embalo de uma fala que lhe veio naturalmente. - Se eu soubesse que era necessário somente um coma para que virasse uma mãe presente, teria me acidentado antes. – Soltou, com a língua afiada.
O tempero picante do ressentimento em seu tom, pegara até a desprevenida. Engoliu em seco, mais uma vez, percebendo que nem ela mesma podia se reconhecer. E como um estalo, as primeiras peças do “puzzle” foram encaixando-se. De fato, seus pais passaram mais tempo fora de casa do que consigo.
Mas a forma como encarara isso não fora tal como a – a falsa - de seus sonhos fizera. Quanto a isso somente lhe restava especular - se os fatos para si já eram um mistério, que dirá os impulsos que os desenrolavam.
Talvez fosse pela razão dos verdadeiros Tom e Victoria não serem tão próximos emocionalmente de sua filha quanto deveriam. Ou do quanto esta costumava desejar. Ao menos não lembrava-se de muitas vezes em que qualquer um dos dois havia lhe abraçado com sinceridade. A única coisa da qual tinha certeza, porém, era da mágoa ressequida – aparentemente enraizada por anos de cultivo - retornando a seu coração tão rápido quanto sua primeira batida em consciência.
Kuala Lumpur. Era lá que ambos estavam enquanto a mais nova iniciara suas aulas em Vermont. E até onde podia recordar-se, seus pais já haviam visitados diversos outros lugares do mundo - que não South Mills, não importando o que a ocasião de sua ausência pudesse significar para . Por exemplo, nem mesmo em sua formatura do Ensino Médio haviam se dignado a demonstrar seu afeto mais do que através do envio de uma lembrança qualquer de onde estavam trabalhando em Projetos Inocência.
E como a filha poderia reclamar da falta que sentia deles, quando estavam cuidando de uma causa tão nobre? Podia não ser certo largarem-na no mundo como faziam. Porém, a mulher nunca havia feito muito mais do que dar alguns “gelos” nos pais, os quais por vezes passavam desapercebidos. Afinal, podia ser pior, se não estavam com ela, ao menos estavam por aí, livrando pessoas injustamente acusadas do corredor da morte.
Por óbvio, intenção e emoção são vias de mão dupla. E querer não ligar para essa lacuna em sua vida, não impedia a dor que lhe vinha ácida e em doses constantes. Cada respiração era mais um gole de salgados ressentimentos. A falta que sentia de uma âncora a qual pudesse segurar-se fazia digerir tais ressentimentos em uma forma muito específica: de ódio acumulado. Tudo culminando em uma raiva, que não era sempre externada, mas somente liberada em ocasiões especiais. E de todas as que já presenciou, aquela parecia ser uma delas. Nada como passar por um coma para despertar uma pessoa para o que mais lhe incomodava em sua vida até ali.
- Não sei o que há de errado com você, mas recomponha-se antes que comece uma cena. – Gesticulou Victoria, empertigando-se com a impertinência da mais nova.
- Como você consegue sempre selecionar exatamente as piores palavras a serem ditas? – Balançou a cabeça, abismada. – Sabe mãe, ninguém nasce sabendo como criar um filho, mas você nem mesmo tenta.
- O que é isso agora? – Franziu a testa, cruzando as pernas. – Se é pra despejar ingratidão, espere para dizer o que quiser a seu pai. Estou farta! Já não basta seu irmão...
- Voc... – Começou, congelando ao perceber o completo significado do que sua mãe dissera. – Mãe, onde está Nicholas? – Indagou, esquecendo-se momentaneamente de sua raiva para encaixar mais uma parte de sua antiga vida a qual ignorava anteriormente.
- Ah, você sabe como ele é. – Revirou os olhos. – Dissemos para ele que não havia necessidade de se deslocar até aqui no período de provas, mas ele não ouviu.
inspirou profundamente com certa dificulada, ignorando a frieza de sua progenitora ao sentir um calor espalhando-se em seu peito. Não tratava-se de nada mais nada menos do que alívio. Nick estava bem. A pessoa que crescera consigo através dos anos. O homem com quem passara seus natais e passagens de anos.
Seu irmão estava vindo. Pensou, emocionada.
Com esse mero pensamento, o corpo da mulher relaxou-se instantaneamente. Parecia que em suas reações instintivas e estímulos do hábito, o casulo que sua alma habitava, sabia muito mais do que sua própria mente turbulenta, que se provara nada confiável até ali. E foi então que soube que tudo ficaria bem. Lembranças acolhedoras de sua infância com Nicholas fizeram-na suspirar em contento. Ao menos algo se mantivera constante em toda aquela bagunça. Quem acreditava ser somente seu melhor amigo, realmente sempre esteve lá pela menina. Nick, seu Nick sempre fora seu irmão, não importava o universo doentio criado por sua mente, mesmo que somente de consideração. E foi aí que caiu-lhe uma realização: seu irmão era sua âncora. Ele nunca deixaria de ser seu porto seguro. Mesmo fazendo faculdade do outro lado do oceano, ele se fazia presente. Mesmo em seu sonho ele fora preservado exatamente como era: sua tábua de salvação.
Oh Deus, o colégio Primrose! Arregalou os olhos em seu máximo para então fechá-los bem enquanto imagens passavam em um flash doloroso por detrás de suas pálpebras. Eram mesmo memórias.
Flashback ON
Um menininho de olhos esbugalhados a encarava com curiosidade no pátio da pré-escola.
“Oi, qual o seu nome?” Perguntou para ela, com um meio sorriso incerto.
A menina olhou para ele, confusa.
“... Você é novo, menino?”
“Sim, sou o Joshua. Mas pode me chamar de Josh”. Disse ele, abrindo um sorriso em que predominavam dentes ainda em crescimento. Arrumou seus cabelos com uma das mãos, antes de acrescentar: “Você gosta de estudar aqui?”
“Gosto.” Murmurei, distraída. “Eu e meu irmão Nicholas estudamos aqui desde bebês.”
“Legal!” Replicou, animado com a perspectiva de conhecer um menininho de sua idade. Olhou em volta, provavelmente sem querer ser rude de perguntar de pronto se poderia conhecer o irmão da menininha.
“Ele está doente, não vêm essa semana.” Respondeu à pergunta não dita, desde pequena, perspicaz. E sentindo-se um pouco sensibilizada com a súbita decepção do novo amigo, resolveu recrutá-lo para sua causa. “Quer me ajudar a salvar a Savannah?”
“Quem é essa?!” Perguntou Joshua, agora sim confuso.
“A árvore! Na primavera ela mostra suas cores e no outono ela me deixa brincar com suas folhas! Você podia brincar comigo.”
“Tudo bem” Deu de ombros, fazendo uma mesura esquisita e juntando-se à menina.
sorriu, feliz que o menino não agira como seu irmão fizera na semana anterior.
“Mas...” Falou a menina começando a duvidar de seu empreendimento. “Se cortarem ela, não vai machucar?”
“Não sei, ! Mas ela já está com dor. Vão plantar outra muito bonita no lugar. Não vai ser igual, mas vai ser legal também, igual à tia Kate!”
Mais tarde, após já terem suas roupas cheias de terra, Joshua propôs à nova amiga que brincassem de pique esconde antes que seus pais chegassem. E foi assim que e posteriormente naquele mesmo dia, Nicholas acabaram conhecendo seu antigo vizinho, Joshua Baker.
Flashback Off
Uma leve dor atravessou o coração da mulher assim que a cena terminou de passar como um filme em sua mente. Tudo somente durou um segundo. Enquanto a “mãe” do Nick do sonho não passava de traquinagens de sua mente, quem pensava ser a madrasta dele em seu sonho, a aclamada “tia Kate” era real. Porém, agora que sabia que Nicholas era seu irmão, não pôde deixar de fazer a associação: também se tratava de sua tia, e a irmã de seu pai era uma figura feminina que ambos os irmãos admiraram muito. Que mimara aos dois com todas as suas forças, até que infelizmente perecesse ao câncer ao qual convivera por cinco anos.
Lembra-se como se fosse hoje, quando recebera a notícia, pouco depois do término da primeira etapa do Ensino Fundamental. Nicholas já estava terminando o colegial, e levou o baque ainda mais forte com a perda. Foi por isso que apesar de ter a princípio acompanhado a mudança da família para os Estados Unidos, decidira fazer faculdade o mais longe possível de South Mills. Optara por retornar a seu local de nascimento, onde as memórias tenras de suas infâncias ainda estavam frescas como a neve - que por lá se despejava em cascatas. Até mesmo o sobrenome conseguira mudar, a despeito de amplos – e inúteis - protestos de seus pais, adicionando o “Holt” vindo de Kate antes do famigerado e por vezes odiado “”.
Flashback On
“- Eu não quero te deixar sozinha, . – Suspirou Nicholas, ajeitando a alça da mochila no ombro.
- Não está deixando. – Fungou. – Nossos pais estão em casa.
Entreolharam-se seriamente por uns momentos para então rir do fato bem enfaticamente.
- Isso não devia ser uma piada, sabe. – Murmurou agoniado. – Ambos sabemos que eles logo partirão para outra viagem urgente.
- Vai logo antes que eu mude de ideia. – Franziu a testa, tentando – em vão – segurar suas lágrimas.
- , eu vou voltar para te visitar.
- Promete? –Perguntou a mulher, fazendo um biquinho.
- Prometo. –Sorriu, beijando sua testa e apertando-a em um de seus abraços de urso. –Você nem sentirá minha falta.
- Tem razão. Assim que você entrar naquele avião, se alguém me perguntar por algum Nicholas sabe o que eu direi? –Perguntou com um tom sarcástico.
- O que? - Disse, curioso.
- Nicholas quem? Nunca nem vi.
Ambos gargalharam e deram um último aperto um no outro.
- Vai pela sombra, Holt! – Exclamou divertida dando um tapinha na bunda dele. Aproximando-se de seu ouvido. – Porque bosta no sol, seca.
- , não te dei essa intimidade. – Começou, virando-se novamente para ela. – Não se esqueça de que veio do mesmo lugar que eu, bonitinha. – Apertou os lábios num sorriso.
- Canadá? – Indagou inocentemente, até parecendo não conhecer o deboche exagerado de seu irmão. Ok, podia ser um traço de família.
- O esgoto.
- Até mais, Nick. Mande um beijo para o Josh – Replicou após revirar os olhos, mandando um beijinho a que ele pegou no ar, brincalhão.”
Flashback Off
A continuação do diálogo atingiu-lhe rapidamente e uma forte sensação de dejá-vu afetou-a implacavelmente. Parte daquilo estava presente no sonho, mas sobre diferentes circunstâncias. Em sua ilusão, aquela despedida fora entoada após uma viagem a Boston para a festa dos Edwards, a qual para ser sincera, não estava nem mais tão certa de que realmente ocorrera.
Certamente lembrava-se de conhecer Hanna Edwards – a tal “Princesa da Kingsley Montessori”. Porém, a mulher ainda não lhe vira pessoalmente, somente conversara com Han virtualmente, durante um bom tempo nos últimos meses pré-coma. Sua amizade a princípio tratara-se simplesmente do interesse de uma formanda do colegial de ingressar em uma Universidade conceituada como era Vermont. Já sobre Andy, o irmão mais velho de sua amiga... Nunca havia nem mesmo trocado duas palavras com ele, porém, uma foto do demônio gatíssimo bastou para desenlaçar toda aquela fantasia maluca de pegação durante a festa.
e ele realmente deveriam se conhecer... Sorriu, pensando na amizade ferrada que os dois provavelmente teriam se tudo aquilo fosse realidade. E falando em , o ex-namorado parecia ter sido intocado por sua criatividade, fora detalhes cruciais aos quais naquele momento não possuía conhecimento. Mas também, quem conseguiria inventar tamanha personalidade como a do bobão do ?!
A única coisa que não conferia com suas lembranças até ali era um fato pequeno, mas bem importante. não parecia ter causado o acidente que a envolvera naquela confusão, ou ao menos não diretamente. Suas memórias daquela noite ainda estavam muito confusas, ou mais do que qualquer outra parte do puzzle – como se este devesse ser montado das laterais até o centro de todos os problemas na memória de . Mas só havia uma explicação para ele ter sido tão culpado por sua mente durante a ilusão. O estado emocional em que estava ao cair na inconsciência deveria ser sua culpa.
Pois a noite em que deslizou para o mundo de sua imaginação, fugindo da dor que a realidade podia despertar-lhe... Essa foi a noite em que e quebraram seus corações. Foi nessa mesma noite, de detalhes ainda nublados na mente dela, em que e tiveram sua última e maior briga.
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já fora descrito de várias formas. Homem misterioso, adolescente hipócrita e até mesmo frio e taciturno. Cada vez que os ouvia, aos pré-julgamentos e às concepções mal formuladas, mergulhava-se mais em seu interior introspectivo. Importava-se sim com o que falavam sobre ele, afinal, era um jovem como outro qualquer. Mas a forma como lidava com as bobagens que inventavam sobre sua pessoa o definiam como uma pessoa mais forte.
Principalmente aos olhos de sua namorada, Camille Olsen.
Não possuíam uma grande história de amor. Na realidade se tratava do completo oposto. Com seu jeitinho tímido e no auge de sua coragem, Camille simplesmente se juntou a e Benji para um almoço na cantina de Vermont.
Era uma bela tarde de outono, e folhas alaranjadas, amareladas e marrons se aglomeravam pelo chão e por mesas menos lotadas de estudantes do que o comum.
- Posso sentar-me aqui? – Murmurou a mulher, ajeitando seu cabelo atrás da orelha.
- Claro. – Respondeu Benji, sorrindo amplamente. somente acenou, distraído em focar sua câmera na paisagem que os rodeava.
- Qual seu nome? – ouviu Benji perguntar simpaticamente. O amigo certamente era muito melhor em habilidades sociais do que ele. E por mais que tentasse, nunca seria como Benji ou no trato com outros seres humanos. Não que quisesse ser. Principalmente em relação ao . Pensou, estremecendo.
- E você? – Ouviu a menina dizer. Virou-se para ela ainda com a câmera detrás de sua face. O que viu não fez seus olhos se arregalarem. Não fez suas pupilas dilatarem ou coração acelerar-se como nas telenovelas venezuelanas.
- . – Respondeu, finalmente abaixando sua câmera.
- Que filme é esse? – Indagou a menina, franzindo a testa. Só aí o homem percebeu o quanto estava perdido naquela conversa.
- É o nome dele. Mas quanto ao longa-metragem preferido, tenho certeza de que é Interestelar. – Replicou Benji, rindo.
- Ah... Pessoalmente, acredito que Perdido em Marte desvele muito mais à solidão da experiência de um astronauta. – Deu de ombros.
E bastou essa frase para que , Benji e a mulher migrassem da gélida estranheza inicial para o princípio de uma amizade mais calorosa. Claro que através de uma primeira discussão sobre cinema e suas várias facetas apelativas.
Ao que pareceu certo e natural, em poucas semanas Camille e estavam namorando. Eram extremamente compatíveis e raramente se envolviam em uma única briga. E sua relação tranquila talvez se sustentasse por muito mais tempo.
Não fosse uma morena impetuosa que conhecera há algum tempo retornando para sua vida. Nunca poderia esquecer-se da primeira vez que conhecera , ainda no Colegial da South Mills Academy. Não fora nada muito glamoroso, mas sim um clichê reforçado por uma extensa lista de comédias românticas e livros de ficção que observava sua mãe devorar quando esta não estava de plantão no hospital.
E de fato, famosa esbarrada seguida do amor à primeira vista não poderia ser atrapalhada, não estivéssemos tratando de um garoto peculiar. Afinal, não era nenhum príncipe encantado...
Flashback On
Assim que sua prima virou o corredor, desarmou seu sorriso, mas mantendo sua pose confiante, inspirou fundo e preparou-se para entrar em sua sala. O problema foi que na distração, acabou trombando com uma parede. Bem, não era uma parede, mas somente se deu conta disso quando a sentiu movendo-se para cima e para baixo, acompanhando o ritmo da respiração do garoto a quem tinha acabado de acidentalmente fundir seu corpo.
Claro que tinha que acontecer algo assim em seu primeiro dia. Lógico, né?! Muito bem, .
- Machuquei você? – Perguntou o menino, agachando para pegar o próprio caderno e aproveitando para ajudar a recolher as folhas de sua pasta, que haviam se soltado com o impacto.
Ótimo, a parede ambulante também fala. Resmungou ela internamente, sem conseguir olhar para o menino, se concentrando em recolher suas coisas e corar intensamente.
- Não. - Limpou a garganta. – Estou bem.
- Ah, tem certeza? Acho que precisa procurar um médico, pode ser um problema de vista. – Replicou, agora com uma voz ríspida, fazendo com que ela levantasse o olhar ao se erguer junto com ele.
Merda, a parede ambulante e ríspida tem olhos bonitos, ganhei na loteria, viu?!
A transformação de seu embaraço em irritação, foi o que bastou para que a mulher endireitasse seus ombros e desse uma avaliada de cima abaixo no menino com que trombava. Lançou lhe um olhar entediado e nada impressionado, ao menos por fora, já que por dentro estava babando.
- O que foi que disse para mim, moleque? – Indagou, franzindo a testa.
- Ah, então também não escuta? – Repetiu ele, mais alto, fazendo gestos com a mão.
- Só o que vale a pena, querido. Não perco meu tempo com qualquer um. – Respondeu com o nariz empinado, contornando o garoto, que parecia estar passando por uma fase Justin Bieber raiz.
Ela podia zoá-lo mentalmente, mas ele conseguia ser um melhor Justin do que o próprio Bieber. Aquele cabelo jogado no olho, seu casaco de moletom azul marinho largo e sua pose blasé eram como um alerta de problemas que mais cedo ou mais tarde, a mente, ou pior, o coração da mulher não tardariam por ignorar.
Flashback Off
Se lhe contassem naquela tarde de outono que seu futuro revolvia o fato de sua velha conhecida ter sofrido um acidente, não acreditaria. Na realidade, o homem não era propenso a crer em nada que não pudesse ser provado.
Melhor dizendo, à época, ele mandaria para o hospício qualquer um que lhe dissesse que o fato de ter acordado do coma fosse lhe despertar qualquer sentimento senão simpatia.
Mas a questão é que não é necessário se acreditar no destino para que ele brinque com sua vida. A sina é uma dona de si, já traz consigo tudo o que acredita que deva acontecer, e seus alvos que se virem para conter suas consequências.
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- O que quer dizer com “ela acordou”? – Perguntou Patrick pela vigésima vez seguida, gesticulando aspas no ar.
- O que acha que significa, idiota? – Replicou . – A vai voltar para Vermont amanhã.
- Mas já? Não tem nenhuma complicação da cirurgia ou algo assim? – Murmurou o amigo, enquanto saltitava pela sala com uma raquete mata mosquitos.
permaneceu em um silêncio desconfortável por uns segundos.
- Ah, ela acordou tem duas semanas. E meio que teve toda a questão do coma, né, idiota?! – Apressou-se em replicar para que seu amigo não percebesse seu incômodo. E teria conseguido, já que Patrick tinha a atenção de um elefante.
Não fosse... entrando na sala e dando tapinhas irritantemente reconfortantes em seu ombro. Para um cara tão introspectivo, e talvez exatamente pelo motivo de o ser, parecia saber exatamente o momento para chegar com mais uma de suas “tiradinhas” assertivas.
- Fica tranquilo . Tenho certeza de que se fosse escolha da , você seria a sua primeira ligação. Mas sabe como é, por mais legais que os pais da sejam, você meio que foi uma das razões para ela estar no hospital em primeiro lugar, certo?
arregalou os olhos ameaçadoramente para o amigo.
- Hey, não estou dizendo que foi culpa sua. Não toda. – Completou, rindo. – Só estou vocalizando o que você mesmo está pensando.
- O que está fazendo aqui? – Perguntou Patrick, sentando no sofá e desistindo de sua caça aos insetos voadores.
- Benji pediu um favor. – Deu de ombros, entregando flyers para os meninos. parecia ter uma dificuldade gigante de recusar pedidos de seu melhor amigo. Agora quando lhe pedia qualquer merda, ficava fazendo cu doce durante séculos até ceder. – A Ominikron vai ter uma festa. - Explicou, entregando os papéis aos garotos antes que pudessem negar. - Se quiserem espalhar...
- Claro, cara. Não perco festas. – Piscou Patrick, ligando a televisão e ficando vidrado instantaneamente no mais novo filme de ação do momento. sempre invejara a facilidade do amigo de fraternidade de desligar-se do mundo.
- O que vai fazer quanto à ? – Perguntou . – Sinto que a vi mais do que você desde o “acidente”. Tudo bem que minha mãe trabalha no hospital...
- Sabia que tinha outro motivo para ter vindo. – Ignorou .
- Ok, ok. Eu reconheço que em parte estou curioso.
- Em parte? – Levantou a sobrancelha. – Olha, , eu só não quero vê-la se ela não me quiser lá. Os pais dela não foram tão receptivos quando estava em coma, imagina agora.
- Não é como se algum dia eles tenham gostado de voc... – Começou, brincalhão, parando ao perceber a carranca do amigo. - Certo... Eu peço para minha mãe dizer novamente como ela está, após a fisioterapia hoje.
assentiu, lançando um meio sorriso para . Aquela era a forma do menino agradecer. Nos últimos meses, na realidade até onde podia lembrar, o forte de não eram palavras, mas ações. E logo, ele se daria conta das confusões e desentendimentos que isso poderia causar.
- E como está a Senhorita Callie, afinal? – Perguntou , mexendo as sobrancelhas de cima abaixo, provocativamente.
- Eeew ! Só Eew! – Replicou , tapando os ouvidos e empurrando o amigo para o lado para acomodar-se no grande sofá da Sigma-Tau. Podia não ser um integrante da fraternidade, mas usufruía e muito da infraestrutura da Casa de seus integrantes.
A amizade de com nascera do sistema de apadrinhamentos da Faculdade. Quando se transferira no segundo ano, sua mãe lhe suplicara para que se inscrevesse no programa, e ao ceder, nunca imaginaria que já em seu primeiro dia estaria conhecendo seu melhor amigo. O tour do pela universidade fora tão breve e incompleto que decidiu mandar-lhe uma mensagem reclamando do garoto para a direção. Ao invés de ficar irritado, levara a crítica como um desafio pessoal, e entre os minuciosos percursos pela faculdade, pelas casas de fraternidades, festas e cafés, que tornaram-se verdadeiros amigos.
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- E então querida, como se sente? -
encarou a psicóloga com certo nervosismo. Como se sentia? Aquela era uma boa pergunta, mas uma na qual não fazia ideia de como responder. Nem mesmo tinha vontade de começar a refletir sobre, ainda mais com a terapia tendo sido uma ideia que partira de sua mãe.
- Ok. Estou ok. – Limpou a garganta, desviando os olhos para a janela do consultório.
- Imagino que os últimos dias tenham sido difíceis para você... - Assentiu, anotando em seu bloquinho.
- Os últimos dias?! – Bufou a paciente. - Que tal os últimos dois meses?!
A mulher apertou seus olhos para , com certo interesse e curiosidade brilhando em suas íris. A Rainha de Vermont sentiu-se como um espécime novo a ser escrutinado pelo bem da ciência. Aquilo era uma palhaçada mesmo. Mas no caso, ela era a palhaça.
Bom saber que ao menos estou entretendo-a com minha tragédia pessoal. Pensou, revirando os olhos.
- O que quer dizer?
- Eu vivi o inferno e voltei, doutora Carlan. – Piscou, incrédula. - Você não tem ideia de como é olhar a meu redor e descobrir que tudo mudou. Nada do que eu pensava que sabia, era realidade. – Completou, mirando o terrível carpete verde musgo, suspirando.
- Então porque não começa me contando o seu lado da história?
Abriu um sorriso amargo e levantou os olhos de volta para os da mais velha, escondidos por detrás de seus óculos. A mulher não devia ter mais do que quarenta anos, mas seu aspecto tinha o cansaço do peso que carregava em seus ombros. O peso das histórias e complexidades de todos os seus pacientes.
- Prepare-se doutora, devemos ficar aqui por um bom tempo. - A mulher sorriu friamente e assentiu, acomodando-se em sua poltrona. - Tudo começou quando conheci um maldito de um garoto chamado ...
Começou a contar a intrincada história com precisão de detalhes. Não fora em Vermont que realmente conhecera o menino que se apaixonara. Nem mesmo sob as condições que havia imaginada em seu “sonho”.
- E foi assim que o entrou em minha vida, em uma trombada clichê de colegial. – Completou, mordendo o lábio, duas horas depois.
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Mais tarde, encarava embasbacada enquanto Callie guiava seu corpo em movimentos de alongamento e fortalecimento muscular. Era como ter um deja vù sem que este realmente houvesse acontecido. Se fosse possível ter uma sensação de já ter vivido uma experiência ilusória, ela saberia.
- Querida, como tudo tem estado?
- Bem... na medida do possível. – Replicou, com um meio sorriso. Ali sentia-se muito mais confortável para desabafar do que com a psicóloga que sua mãe lhe arranjara. – Estou bem confusa para ser sincera.
- Não consigo nem começar a imaginar pelo que teve que passar, minha pequena. – Falou, parando para segurar o braço da garota e encarar seus olhos tenramente. Bem como a Callie de quem se recordava... - Mas se precisar de qualquer coisa, estou aqui.
Tudo o que lembrava-se de Callie eram suas conversas da fisioterapia às terças e quintas e seus almoços com a reboque. Mas a ficha vinha caindo de que nada daquilo fora verdadeiro. Principalmente após a terapia daquele dia. Deus, como fora sofrível a terapia!
Porém, porque tinha a impressão de que a doutora Calliope lhe observava como se a conhecesse? Como se confiasse na menina mais do que uma doutora estaria confortável de confiar a uma paciente.
- Callie... – Limpei minha garganta. – Doutora Calliope, eu tenho uma impressão de que já a vi em algum lugar...
A mulher encarou-lhe parecendo um pouco alarmada.
- Talvez conheça meu filho... . – Sorriu, contidamente, coçando seu braço.
Só de ouvir seu nome, encolhi-me de saudade.
- Sim... Creio que estudei com ele no secundário, na Boulder, a unidade de ensino médio da South Mills Academy.
- Claro! Deve ser por isso, então. estudou por um ano lá. E claro, agora então que transferiu-se para Vermont...
- Sobre isso, eu gostaria de perguntar-lhe uma coisa. – Disse , com ímpeto.
- Sim, querida. – Assentiu, com um brilho de curiosidade em seu olhar.
- Alguma vez durante meu coma, a senhora chegou a falar algo comigo? Sobre seu filho, e bem... Outros assuntos de família? – Indaguei, olhando logo após para seu pager que começara a apitar subitamente.
- Desculpe-me querida, tenho que checar um paciente agora. – Replicou Calliope, afastando-se de si como se estivesse pegando fogo.
ficou encarando a janela de seu quarto, ainda mais perdida sobre a atitude da doutora . Nem um pouco mais próxima de entender como é que parecia saber tanto sobre sua família. Será que realmente tudo o que sonhara não passava de uma obra de sua criatividade?!
Um pigarrear chamou a atenção da mulher para a porta do quarto hospitalar, pouco tempo depois que a fisioterapeuta se fora. Seus olhos arregalaram-se para a pessoa que sorria para ela, recostado no batente da porta como se não tivesse nenhuma preocupação no mundo.
- Nicholas! – Berrou.
- E aí, kiddo, estão te tratando bem? – Piscou, aproximando-se da cama hospitalar.
- V-você realmente está... – Os olhos dela encheram-se de lágrimas ao confirmar visualmente que ele estava ali e vivinho da silva.
- Deslumbrante? Melhor do que você eu suponho. - Brincou, mas deixando transparecer a preocupação em seu olhar.
- Vivo... – Sussurrou ela, ainda sim, inaudível. A cada segundo que passava, percebia mais e mais que não poderia confiar em suas memórias, por mais reais que pudessem parecer.
- Claro, mana... A não ser que considere o Canadá como o inferno. Não posso te culpar por achar isso com tudo o que vivemos por lá. – Olhou para mim com um olhar esquisito.
- Senti muito sua falta. – Suspirou a enferma, envolvendo seus braços a volta dele.
- Eu também, maninha. Eu também. – Replicou, com um beijo em sua testa.
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Incrível como o tempo no hospital parecia correr diferente do habitual. Quando acompanhada pelos pais ou seu melhor amigo e irmão no quarto, o tempo voava. Instável como um passarinho recém-jogado do ninho.
Já quando era deixada sozinha... As horas arrastavam-se tão vagarosamente que quase desejara poder dormir tão fortemente quanto ficar acordada pela fobia recém adquirida de cair no sono.
Se pregasse os olhos, onde que acordaria dessa vez? Que realidade alternativa poderia se apresentar agora? Uma em que ainda morava no Canadá e escolhera fazer medicina? Uma em que nunca conhecera nenhum ou e não fora atropelada por um maldito veículo? Após tudo o que passara, não estava muito ansiosa para descobrir. Porém, o esforço do dia eventualmente acabou por alcançar-lhe e fazê-la deslizar para a confortável inconsciência de uma noite sem sonhos.
Sonhar sempre fora algo que buscara e amara. Porém, depois de dois meses cansativos de traquinagens de sua criatividade, era reconfortante poder simplesmente desligar o corpo para o vazio do puro descansar.
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Primeiros dias de aula são famosos por trazer consigo as universais borboletas no ventre, o habitual nervosismo do desconhecido e a insegurança de novas experiências. Nada mais natural do que esperar que retornar ao local em que estudava após sair de um coma se assemelhasse e muito a essas sensações. Bem, isso e o fato de que, por acaso, também tinha péssimas experiências com épocas de começo de aulas. Não que precisasse de mais motivos para que vazio em seu ventre se acentuasse enquanto caminhava a passos tímidos pelo pátio da Faculdade de Direito de Vermont.
Acenou para algumas pessoas que a encaravam vez ou outra. Rostos estranhamente familiares predominavam a sua volta, fazendo com que embora nervosa, também se sentisse em casa. Ao mesmo tempo, fantasmas de lembranças que nunca ocorreram percorriam sua mente, dançando na visão periférica como velhas e falsas amigas.
Podia ver muito bem uma Taylor brincando consigo sobre assuntos da irmandade, tardes em que e ela sentavam-se nos degraus dos fundos da faculdade para observar o pôr do sol, as manhãs em que observava fotografando a paisagem.... Tantas falsas lembranças que passara somente para mais tarde descobrir se tratarem de uma grande mentira!
Dois meses. Foram dois meses em que vivera dentro de sua própria mente. Habitara um dos lugares mais perigosos que o ser humano poderia mergulhar. Fora uma prisão em muitos sentidos, e uma que ela mesma se metera.
Mas ao mesmo tempo, não fora de todo mal. A terapia vinha abrindo seus olhos para uma nova perspectiva. E se tudo aquilo fosse somente uma jornada de aprendizado? Como uma experiência necessária de autoconhecimento? Toda a introspecção que fizera nos últimos meses, lhe passava uma grande e perigosa constatação: não estava nem um pouco satisfeita com quem era. Seus “sonhos” só serviram para revelar-lhe a pessoa que queria, e poderia ser.
Mas a negatividade retornava quando relembrava a pequena dor que ressurgia sempre que pensava no fato de até mesmo seu primeiro beijo com havia sido uma mentira. Também quando percebia algo ainda mais grave e definitivo: de que de fato não existia nem nunca houvera uma Alpha Kappa Nu. De que nunca havia conversado de verdade com Courtney e Alexia, ou mesmo Maddie, até qualquer uma das outras meninas da Irmandade. E a falta que aquela rede de amizades verdadeiras fazia, machucava-lhe ainda mais.
Como tudo aquilo pudera ser somente mais um sonho?
Sim. Começara a se referir ao coma como um “sonho”. Como se o fato de ser só mais um sonho pudesse amenizar todo o fator “eu sofri um acidente grave” da equação. Já estava lidando com tantos problemas que se permitiu mais aquela pequena mentira, empilhando-a junto com todas as outras que dera à luz mesmo desde antes de acordar.
Tom e Victoria não estavam muito felizes com toda sua situação também. se perguntava se não esperavam que ela tentasse mantê-los em casa para cuidar de si. Contudo, claro que ela não o faria, mesmo se pensasse que pedir pudesse fazê-los ficar. Já havia passado por isso vezes o bastante para saber que não importava o quanto suplicasse, seus pais acabariam fazendo o que lhes conviesse de qualquer maneira. Ao menos assim poderia poupar-se da discussão.
Tão logo saíra do hospital, Victoria contratara uma enfermeira para substituí-la em seus cuidados. Como de costume pretendia ser privada de lidar com tudo o que pensava ser seu papel de mãe. Nada de novo sob o sol.
Ao menos a mulher estava sendo sincera quanto a sua natureza. Já Tom lhe obrigara a comparecer a jantares diários durante sua primeira semana em casa. Porém, em uma surpresa não-tão-grande , ele sempre se atrasava ou remarcava para o dia seguinte por alguma suposta emergência no trabalho.
De certa forma, ela admirava seus pais por serem tão workaholics. Como uma , puxara um pouco dessa intensidade em tudo o que fazia e em grande escala fora isso que permitira que realizasse seus já “pequenos grandes feitos” para a idade que tinha.
Passara em Vermont por seu próprio mérito, afinal. Apesar dos falecidos avós terem sido parte do conselho daquela Universidade, insistira para participar do processo seletivo comum, talvez até para tentar ganhar uma bolsa. Pois mesmo então, já tinha entendido que seus pais com sua distância haviam conseguido passar-lhe uma valiosa lição: ela fora compelida a aprender como ser independente. E conseguira uma bolsa integral que garantia com que não dependesse de ambos, ao menos não para pagar a faculdade.
Inspirou fundo, já dentro do prédio de Ciências Jurídicas, preparando-se para entrar na sala em que seria realizada sua primeira aula. Abriu a pesada porta, um pouco aliviada que ainda não tivessem tantas pessoas à espera e o professor ainda não houvesse ingressado.
Encaminhou-se para as primeiras fileiras do canto e liguou seu notebook, afundando-se na cadeira como que para me esconder dos estudantes que chegavam minuto após minuto com o avançar do relógio. Não sabia se temia mais não reconhecer ninguém ou perceber uma face familiar com a qual não saberia como agir.
- Bem vinda novamente, senhorita . – Comentou o professor de Direito Civil brevemente antes de voltar à programação normal. – Com mais um semestre começando, gostaria de dizer que a noção inicial sobre direito dos Contratos que será cobrada de vocês já foi introduzida em Direito Romano, no primeiro ano de faculdade.
A classe chiou instantaneamente com aquela presunção e teve de se esforçar para ignorar os cochichos que sua mente paranoica a faziam acreditar serem todos sobre sua pessoa. Apesar de tudo, tentou concentrar-se na matéria.
- A compilação por determinação de Justiniano do Corpus Iuris Civilis deixou-nos algumas influências romanas que foram determinantes para a composição do código atual, por exemplo, o instituto dos contratos, como o de compra e venda...
Dizer que ficara perdida na aula seria um eufemismo. Afinal, por sorte, antes do acidente, já havia concluído uma série de provas, somente restando a maldita matéria de direito constitucional para passar para o período seguinte. Sua única oportunidade de se atualizar dos meses que perdera fora durante aquele final de semana.
Todavia, mesmo assim, insistira que logo após a prova de passagem que realizaria na seção de Direito Constitucional na segunda de manhã, pudesse retornar à rotina, seja lá o que isso significasse com toda aquela confusão que se tornara, ou sempre fora sua vida.
Continua...
Nota da autora: Hey Dreamers! A fanfic foi dividida para melhor carregamento do arquivo. Link da segunda parte: http://fanficobsession.com.br/independentes/o/onemoredream2.html#9
Espero que estejam gostando <3. Até a próxima e como sempre, beijinhos de luz!
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