Última atualização: 12/03/2018

Capítulo Único

Welcome to San Junipero.

I’m not looking to be found
Just want to feel (un)lost


Era uma das noites mais quentes, mesmo para o verão de Omaha. Era possível ver a lua perfeitamente formada no céu, mesmo com a falta de estrelas, e o ar parecia tão seco que qualquer um podia sentir a garganta arranhando ao respirar pela boca. A cidade era repleta de fazendas por todos os cantos, muito parecida com Nebraska e outras cidades do interior pela região. Os nascidos em Omaha tinham que se acostumar desde cedo a serem julgados e tratados como eternos caipiras por aqueles que vissem de fora. Não que a culpa total fossem deles de fato, afinal os restaurantes e bares eram orgulhosos de tocar sua música country e os homens sempre usavam botas de cowboy, andavam em picapes e se metiam em disputas para laçar bois. Todos eram caipiras com muito orgulho.

­null esticou as pernas, repousando os tornozelos em cima das coxas de null enquanto virava calmamente a página do livro que estava lendo. Quem visse as duas naquele momento nunca imaginariam que null vinha dando ataques histéricos durante todo o caminho até a cidade desde que null tinha contado sobre null e o pedido de casamento. Mas, afinal, era isso que melhores amigas faziam, não? Ficavam animadas quando a outra se via perto do grande dia. Mas null não tinha se mostrado animada em momento nenhum. Argumentava sobre como null era nova demais para se casar. Acabara de terminar o primeiro semestre de faculdade, ainda trabalhava meio período em uma livraria e vivia mais no campus do que no apartamento que as duas dividiam. Nova demais, ingênua demais e inexperiente demais.

null nunca tinha tido um namorado que não fosse null. Os dois estavam juntos desde o primeiro ano do ensino médio e null era sua melhor amiga desde o maternal. Era assim em Omaha, você convivia todos os dias com as mesmas pessoas que tinha conhecido quando tinha menos de dez anos e provavelmente se casaria com o primeiro namorado que teve. Uma visão limitada da vida para muitos, mas null gostava de se imaginar casada, lecionando para jovens e com os filhos ao redor de si. Não parecia ser errado construir a própria vida ao redor do marido. null quase ficava doente todas as vezes em que falavam sobre casamento, filhos e o orgulho de morrer no mesmo lugar em que nasceu.

null gostava de manter os pés firmes no chão e null tinha mais asas do que todas as borboletas que poderiam existir no mundo.

— Em algum momento você vai ter que falar comigo, null. Qualquer coisa. — null disse, os olhos ainda presos no livro enquanto sentia null se mexendo de maneira desconfortável sobre os calcanhares dela.
— Isso é loucura.

O sussurro veio baixo e irritado, assim como null esperava. Deixou o livro de lado e, tomando cuidado para não cair dentro da piscina do condomínio, sentou-se para puxar null para si. Foi um abraço desajeitado, como todos os abraços que dava em null, que se recusava a qualquer demonstração mínima de carinho. Apertou a outra em seus braços até senti-la ceder, pouco a pouco, até que pudesse se afastar com a certeza de que null tinha deixado a irritação de lado, mesmo que momentaneamente.

­— Eu o amo, null. E amo você. Qual é o problema de querer ter o melhor dos dois mundos, do meu mundo, em minha vida? ­— Questionou, mostrando o sorriso gentil que costumava acabar com qualquer discussão que tinham.

­null desviou os olhos, recusando-se a responder. Ainda não entendia, assim como null, o motivo de se chatear tanto com aquela situação. Era egoísmo demais da parte dela esperar que null deixasse null, que escolhesse entre eles dois. Podiam se odiar, mas teriam que arrumar alguma maneira de conviver, agora que os dois estavam decididos a se casar e levar toda aquela loucura em diante. Ela e null sempre tinham sido completos opostos, null sempre tinha sido a mais solta. A que não se importava. O motivo das fofocas pela cidade e a que tinha sido permanentemente expulsa de casa aos dezesseis anos. null sempre fora o orgulho da família, uma boa menina para todos e aquela que todos desejavam ter como filha ou nora.

Férias de verão. Ambas tinham imaginado diversos momentos para aquele um mês longe dos prédios da universidade estadual, mas todos pareciam estar extremamente distantes com a notícia do casamento. Sabiam que tudo agora iria girar em torno do acontecimento, que deveria acontecer no próximo semestre do ano. Vestidos de madrinha, vestido da noiva, data na igreja e o aluguel da casa em que os dois morariam juntos, em Omaha, onde null administrava a loja de artigos esportivos do pai. null teria que trancar a faculdade ou se transferir para a universidade mais perto, não que aquilo parecesse ser um problema para ela. Era exatamente o reflexo de tudo que vinha planejando durante toda a sua vida.

­— Você já contou para Tom? Ele vai ficar feliz em saber que a única filha dele vai se casar com o garoto mais idiota de Omaha.
­— null não é um idiota, null. Menos inteligente, mas não um idiota. ­— A morena fizera uma primeira pausa para se levantar, recolhendo o livro do chão antes de começar a andar de volta para casa, sendo seguida por null. ­— Não quero contar antes de null voltar para casa, meu pai sempre foi tradicional demais, você sabe disso.

­E null realmente sabia. Se dava muito bem com Tom, que sempre fora o mais perto de pai que tivera durante toda a vida, e era grata por tudo que ele tinha feito por ela e a forma que a abrigara em sua casa quando null não tinha para onde ir. Quando os boatos sobre a sexualidade dela se espalharam pela cidade, ele nunca disse nada. Não fez perguntas ou acusações, preferia fingir que não escutava as provocações no bar ou no trabalho. Para Tom, ela teria um futuro tão perfeitamente planejado quanto o de null: um marido e filhos o bastante para torná-lo um avô orgulhoso e que ajudaria a pagar os estudos dos netos.

­— null é um idiota, mas Tom ficará feliz. ­— Ela disse, tentando esboçar um sorriso enquanto entravam na casa em que tinham passado boa parte dos anos em que moravam em Omaha.

­O lugar parecia estar exatamente igual como tinham deixado no dia em que Tom as levara para a universidade. Quatro horas de viagem ao todo, se não contasse o trânsito. Elas tinham conseguido bolsas de estudo na mesma universidade, o que tinha sido sorte demais até mesmo para null, que sempre tinha sido a mais positiva do grupo. O sonho de null de ir estudar na Califórnia e viver dos documentários que faria tinha sido deixado de lado para que as duas pudessem ficar juntas e construir a própria vida ali. null tinha escolhido se tornar professora da mesma escola que frequentaram, a mesma escola que todos na cidade frequentaram, e null continuava com o sonho de se tornar uma diretora de cinema, mesmo que ele se mostrasse um pouco mais distante do que antes.

­— Já são oito e meia? Vou procurar algo para comer e nós podemos começar a gravar.

­null procurou na geladeira atrás do pacote de balas que null gostava. Até mesmo ela ainda achava estranho que a outra gostasse de comer balas em formato de ursinhos, e somente se estivessem geladas, quando já tinha mais de treze anos. Abriu o pacote que tinha em mãos, fechando a porta da geladeira com um empurrão do quadril antes de seguir para a sala, enfiando um dos ursinhos na boca. Vermelho, sabor morango.

­null já estava no sofá, com a câmera posicionada em cima da mesa de centro e tudo arrumado para que começassem a gravar. Girls on Road tinha sido um projeto que null sugerira quando as duas se mudaram da casa do pai de null, apenas para passar o tempo. Assim ela continuaria praticando suas técnicas de gravação enquanto as duas contavam como era sair da casa dos pais e morar sozinha enquanto eram universitárias. Os primeiros vídeos tiveram poucos acessos e comentários que, em sua maioria, eram de propagandas, mas um vídeo das duas jogando um dos jogos de terror favoritos de null tinha sido o estopim para o canal se tornar um sucesso no youtube, ou ao menos o bastante para que continuassem depois de tanto tempo e fossem chamadas de null pelos fãs na internet.

null sentou-se ao lado de null, cruzando as pernas na posição de borboleta no sofá e estendendo o pacote de balas para a outra, que continuou ajustando as configurações da câmera de vídeo enquanto enfiava os ursinhos coloridos na boca, fazendo uma careta sempre que chegava no amarelo ou verde.

— Esse é o vídeo em que vamos informar que voltamos para Omaha e, por isso, não vamos poder atualizar o canal com tanta frequência, já que essa cidade ainda não conhece as maravilhas da internet com boa frequência. — null instruiu, voltando a se sentar no sofá e pegando o controle da câmera.
— Tudo bem.

Era impossível não notar o desapontamento presente na voz de null, o que fez com que um aperto surgisse no peito de null. A ruiva revirou os olhos, puxando-a para perto e segurando o rosto de null entre as mãos. Por um tempo ficou olhando somente para aqueles grandes olhos castanhos e o contorno suave da boca, sentindo o coração acelerar com a proximidade dos rostos.

— Fico feliz por você, null. Odeio seu noivo e acredito que você ainda não sabe o que está fazendo. Mas, se você está feliz, então eu também estou. ­— Sussurrou, beijando-lhe a ponta do nariz antes de voltar a se afastar, levemente coradas, o que não era comum para null.

A câmera já se encontrava ligada quando o gesto de carinho entre as duas surgiu. Eram momentos em que as bochechas de null coravam até que ela ficasse rosada e soltasse um riso leve, como sempre que estava feliz. null notava todos os pequenos detalhes, tinha aprendido isso após tantos e tantos anos de amizade.

— Olá, pessoal. Esse vai ser um vídeo bem curtinho, só para informar vocês que nós chegamos em Omaha para as férias de verão. ­— null sempre era a primeira a falar na maior parte dos vídeos, talvez por ambas concordarem que ela possuía o sorriso mais atraente entre as duas e que a careta de mau humor que null sempre exibia espantaria todos depois de um segundo de vídeo.
— E como aqui ainda não existe internet boa o bastante para postar vídeos, nós ficaremos sem postar no canal durante esse mês. — null disse, ainda se ocupando com as balas de ursinho entre as falas.

Qualquer um que assistisse aos vídeos poderia notar as diferenças entre as duas. Enquanto null sempre aparecia com os cabelos castanhos presos, a armação do óculos ocupando boa parte do rosto e o mesmo tipo de roupa que tinha usado quando ainda era uma colegial e nada conhecida na internet, null exibia um longo cabelo ruivo e olhos verdes como de um gato, sempre vestindo roupas modernas e por vezes caras demais para o gosto simples de null. Simples. Essa era uma das palavras que poderiam definir null, ela era especialmente encantadora com toda a sua simplicidade, e null sabia disso. Provavelmente sabia disso melhor do que null.

— Vocês ainda podem nos acompanhar no twitter e snapchat. A vida de caipira também pode ser animada! ­— null disse, sempre tentando soar animada e positiva em situações como aquela.

Não demorou muito para que o processo de gravação se desse por encerrado, uma vez que era apenas uma curta chamada sobre a ausência das duas durante aquele período de férias. null ainda estava editando o material enquanto o cheiro do jantar se espalhava pela casa quando Tom chegou, ainda sem saber que as duas tinham retornado. O homem já possuía cabelos grisalhos e uma barriga proeminente, sempre usando o bom e velho boné dos Omaha Storm Chasers, o time de basebol local. Ambas as garotas abriram um sorriso ao ver o homem com quem só vinham se comunicando via Skype a meses, e ainda assim ele conseguia parecer completamente diferente do que se mostrava nas chamadas de vídeo.

— Agora que eu tenho minhas meninas em casa, meu dia está completo. ­— A voz grossa e rouca soou nos ouvidos de null, que se encontrava ocupada demais pensando em como os olhos brilhantes dele se pareciam com os de null. Os olhos que ela tanto amava encarar por minutos infinitos, como se uma tempestade a invadisse todas as vezes que os olhares se encontravam.

A ruiva se mexeu desconfortável no sofá, tentando ao máximo afastar os mesmos pensamentos que viviam em conflito desde o ensino médio. Abriu um pequeno sorriso ao sentir o beijo do homem sobre o rosto, ainda com a notebook em cima do colo enquanto tentava upar os vídeos e responder comentários ao mesmo tempo. Suspirava sempre que entrava no twitter e via o que os fãs diziam sobre null, que na cabeça de muitos eram um casal real, não duas amigas de infância. Hashtags no twitter, fanfics, montagens de fotos, fã clubes e tudo o que pessoas famosas tinham direito invadiu a realidade de ambas, e ela tinha que admitir que já tinha curtido muitas fotos e mensagens sobre e lido incontáveis fanfics das duas juntas. Às vezes era a única coisa que a consolava por saber que null estaria nos braços de null.

Não demorou muito para que o jantar ficasse pronto. Os três comeram juntos, relembrando dos velhos tempos e de como era bom estar em família.

Família.

Essa palavra tinha diferentes sentidos para as duas garotas. Enquanto null via em Tom seu total suporte, e tinha se tornado uma cópia bem fiel do pai que tanto admirava, a verdade é que null não conseguia pensar no homem como um pai, mesmo depois de todo o apoio e convívio. Assim como não conseguia ver em null uma irmã. O que ela sentia pela morena não era um amor de amiga, ou de irmã, e ela sabia disso desde que elas tinham dormido na mesma cama pela primeira vez, com os dedos das mãos entrelaçados e com o barulho da tempestade lá fora. A ruiva passou boa parte daquela noite velando o sono da menina, ouvindo o ressonar baixinho e os múrmuros que ela soltava durante o sono. null a amava desde que tinha colocado os olhos sobre ela, mesmo que viesse negando isso ao longo dos anos.

Tom ficou de arrumar a cozinha para que as duas pudessem descansar da longa viagem, tomar um bom banho e dormir, fato que as duas aceitaram de bom grado. Dividiram o banheiro do mesmo quarto em que dormiram durante toda a adolescência, colocando os pijamas de sempre, que consistia em shorts de moletom e camisetas da faculdade, dos times universitários e coisas do tipo. Quando finalmente estavam deitadas na cama de casal, que agora substituía a beliche que costumavam dividir, já se passava das onze e as garotas sentiam os olhos ardendo de tanto sono, fato que em nada impediu null de pedir para que as duas assistissem alguns episódios novos de Black Mirror, a série favorita das duas.

Começaram o episódio três, de onde tinham parado, deitadas na cama e com null, como de costume, com a cabeça no colo de null. As duas estavam com os olhos presos na televisão enquanto a mão direita da ruiva acariciava os cabelos de null, que tinha o lábio inferior preso entre os dentes. null não pode evitar de corar quando a primeira cena de beijo entre as duas personagens femininas surgiu, fazendo com que a menina desviasse o olhar. Nunca tinha falado abertamente sobre a própria sexualidade com null ou qualquer pessoa, mas ela sabia que era lésbica. Todos sabiam, inclusive a amiga.

null... ­— O tom de voz doce era quase um sussurro quando a morena olhou para cima, encarando os olhos verdes, quase felinos, da ruiva. — Você já se apaixonou por alguém?

null pensou nos olhos castanhos de null. No riso baixinho dela, em como ela corava e ajeitava os olhos quando ficava nervosa. Em como ela ronronava baixinho enquanto dormia e falava durante os sonhos. null pensou na sensação que sentia quando abraçava a menina, quando davam as mãos e em como odiava ver null tocando os lábios que desejava a tanto tempo.

— Sim, null. Já me apaixonei. ­— Foi tudo o que disse depois de um tempo, as lembranças invadindo a mente com momentos vividos pelas duas.
— E por quem foi, null? Eu conheço? — a pergunta tão inocente fez com que a ruiva corasse novamente, mordendo o lábio inferior com força e se afastasse da irmã, voltando a colar as costas na cabeceira da cama de casal.
— Uma garota da faculdade, não acho que vocês se conheçam.

null não soube identificar, mas a expressão de null não era nem um pouco feliz. Não era surpresa ou raiva, se parecia mais com... Decepção. Como se a morena estivesse decepcionada ou chateada com a resposta da amiga.

— Ah. Achei que era uma garota que eu conheço... Devo ter me confundido, então.

A outra respondeu apenas com o manear de cabeça, voltando a prestar, assim como null, atenção no episódio, que já estava na metade. Apesar de estar adorando a história, a ruiva não conseguia evitar que sua mente divagasse para outros lugares, outras lembranças. Para momentos vividos ao lado da garota que estava bem ao lado dela naquela cama.

Sabia muito bem que as duas nunca ficariam juntas. null, além de heterossexual, amava o noivo que tinha e imaginava uma vida inteira girando em torno de null, o casamento dos dois e os filhos que teriam. Não recriminava null por sua sexualidade, da qual sempre soube assim como todos, mas nunca ficaria com uma mulher, e null sabia disso quando se apaixonou pela morena, quando passou a amar e desejar quem nunca poderia ter.

— Como ela é, null?
— O que? — A ruiva foi despertada dos próprios pensamentos, passando a então encarar a amiga com os profundos olhos verdes.
— Como essa garota é? A garota por quem você se apaixonou.

E então null pensou em null. Pensou em null acordando de manhã, com os cabelos no rosto e sempre choramingando sobre ser cedo demais. Pensou em null indo animadamente para a aula de escrita criativa, que era sua favorita. Pensou em como null não conseguia deixar de dar dinheiro para aqueles que pediam na rua e como ela ficava maravilhada sempre que via um bebê. Pensou nos olhos de null e em seu sorriso doce que fazia com que o coração de null batesse mais rápido no peito, como se fosse sair pela boca a qualquer momento.

— Ela é doce e tem cheiro de maçã verde. — Começou a falar, olhando para as próprias mãos enquanto tentava escolher as palavras certas a fim de esconder quem, de fato, era aquela garota. — Ela tem uma voz doce quando canta e é a pessoa mais gentil que eu já conheci, sabe? Alguém boa demais para esse mundo. Boa demais para me querer.

Os olhos escuros de null estavam mais suaves e o lábio inferior estava preso entre os dentes. Ela sentiu a palma das mãos suando e o coração batendo mais rápido ao ouvir a ruiva falando. Sabia muito bem quem era aquela garota, a via todos os dias na frente do espelho.

— Por qual motivo vocês não ficaram juntas? — O tom de voz era trêmulo quando fez a pergunta. A morena sabia a resposta, sabia muito bem qual era o motivo, ou ao menos o mais importante deles. Sabia e mesmo assim não conseguia esconder a vontade de ouvir aquilo vindo dos lábios de null.

— Ela tem um namorado, null. E o ama como nunca me amaria.

Foi então que null teve certeza. Teve certeza de quem era aquela garota por quem null tinha se apaixonado. Sentiu borboletas no estômago e o coração mais uma vez disparando, como se fosse sair pelos lábios da garota. Por que ela sentia aquilo com null? Nunca se sentia assim na presença de null, por mais que ele estivesse com ela por mais tempo do que ela poderia contar. O que sentia por null era diferente de qualquer coisa que já tinha sentido antes e ela sabia disso a muito tempo.

Em um ato impulsivo null colou os lábios os de null, segurando o rosto alheio entre as mãos para evitar o afastamento da outra. Não fez mais do que pressionar os lábios contra os dela, assustada e surpresa demais para tomar outra atitude. Os lábios da ruiva eram macios e null por um momento sentiu aquilo que lia nos livros e via nos filmes americanos. Sentiu o que chamavam de amor, como se finalmente os pássaros cantassem, as borboletas no estômago batessem as asas e ela estivesse fazendo algo certo. Algo que deveria ter sido feito a muito tempo.

Ao mesmo tempo, null sentia vontade de chorar. Sentia vontade de chorar porque finalmente a morena sabia de seu pequeno segredo. Sentia vontade de chorar porque tinha se entregado e agora era um livro aberto. Sentia vontade de chorar porque os lábios de null provocavam as melhores sensações que ela já havia sentido na vida e ela temia não poder mais sentir aquilo quando as bocas se separassem e null se desse conta do que tinha feito.

null decidiu aproveitar o momento. As mãos acariciavam os braços de null, sentindo como a pele da garota se arrepiava quando era tocada pelos dedos finos de null e os lábios se abriram levemente, buscando por mais contato junto dos lábios da garota que amava desde os doze anos. A língua pediu passagem e a ruiva sentiu o corpo estremecer ao entrar em contato com a língua de null, acariciando a mesma enquanto ambas se perdiam nas sensações novas que aquele beijo causava.

Se separaram apenas quando os pulmões gritaram por ar. Os olhos castanhos encaravam os verdes de null com tanta paixão que, por um momento, a garota rezou. Rezou para que qualquer divindade que existisse a ajudasse a ficar ao lado da garota que amava. Rezou para que aquele momento fosse eterno, sabendo que aquele beijo nunca sairia de sua mente e muito menos de seu coração.

­— null, desculpa, eu não queria...

Ainda sem pensar corretamente null voltou a juntar os lábios nos de null, ouvindo a garota suspirar e automaticamente retribuir o beijo, muito mais intenso do que o anterior. null pensou que os lábios de null tinham gosto de morango e que nunca sentiria vontade de parar de beijar a garota. null pensou que se aquilo não era amor, chegava muito perto de ser.

O corpo de null caiu no colchão, tendo null em cima de si. As mãos acariciavam as costas da morena enquanto os lábios continuavam se movendo com carinho e em sincronia, ávidos para prolongar aquele momento entre as duas. Quando enfim se separaram, null tinha lágrimas rolando pelo rosto, assim como null. Não precisavam dizer nada, as duas sabiam o motivo daquele choro.

Medo.

Medo de assumir o que sentiam uma pela outra a tanto tempo. Medo do choque que o contato das peles causavam, dos arrepios e do gosto dos lábios uma da outra. Medo do frio na barriga e a felicidade que as dominava depois de um beijo. Somente um beijo e a vida das duas tinha mudado para sempre.

— Não diga que não quis isso, null. Eu esperei tempo demais por isso, não vou conseguir aguentar se você me disser que não queria esse beijo, mesmo que não tanto quanto eu desejava.

Os olhos castanhos e chorosos encararam o rosto repleto de sardas da mulher. Ela sabia muito bem que aquilo tinha se tornado um caminho sem volta. Mesmo que desejasse os lábios de null outra vez, e por céus, como desejava sentir os lábios macios de null novamente contra os seus, ainda não sabia ao certo o que estava sentindo. Ela nunca, nunca tinha sentido aquilo. Nunca tinha sentido como se pudesse voar, nunca tinha sentido como se uma luz se acendesse em sua cabeça, mostrando a direção certa para se seguir. Como se null fosse tudo o que ela tinha buscado em seu relacionamento com null e nunca tinha sido capaz de encontrar.

— Eu sei que você está noiva dele, null. E eu sei que você ama null... — A ruiva disse, chorando enquanto escondia o rosto avermelhado entre as mãos. — Mas eu sempre te amei. Te amei antes dele, antes de sermos amigas, antes de vir para cá. Eu sempre te amei, null, e eu sempre vou amar, mesmo que você não me ame como eu te amo. — Os olhos de null tinham se tornado mais claros quando voltou a encarar a morena, que chorava ainda que mantivesse um pequeno sorriso nos lábios. O sorriso doce que ela tanto amava. — Não é justo te dizer isso agora, e se eu pudesse juro que continuaria mantendo em segredo, mas eu não aguentava mais, null. Não podia deixar você se casar sem saber do meu amor. Sem saber que existe outra pessoa que deseja estar ao seu lado.

Na mente de null veio diversos flashs de memória. Lembrou de quando se conheceram, em um trabalho da aula de música, e como null tinha sido a única a aplaudir a morena quando ela cantou um cover da Shania Twain, a cantora favorita de sua mãe. Lembrou de como tinham se tornado inseparáveis desde então e como ela chorou ao ver null beijando Keana, uma intercambista quando estavam no primeiro ano do ensino médio. Lembrou de como tinham ido ao baile de inverno, null já como namorada de null e as duas outras garotas juntas, e como enquanto null se entristecia com a breve partida de Keana, null se sentia feliz por voltar a ter sua amiga somente para si. Lembrou de quando abrigou null quando a garota foi expulsa de casa e de como cresceram e viveram juntas desde que se lembrava. Lembrou da null que a defendia, protegia, mimava e do abraço de null, para o qual sempre voltava todas as noites. Lembrou de como pensou na ruiva dizendo as mesmas palavras que null quando ele a pediu em casamento.

E então null soube o que era o amor. Soube o que era amar alguém.

null envolveu o rosto de null com as mãos, encarando outra vez aqueles olhos chorosos e se perdendo na imensidão daquele verde que tanto amava. Secou as lágrimas da garota com os polegares, se inclinando para selar os lábios nos dela levemente enquanto arrumava coragem para abrir seu coração de uma forma que nunca tinha feito antes.

null... Você sempre foi quem eu amei. — Murmurou baixinho, rindo ao notar a expressão surpresa no rosto da ruiva. ­— Eu sei que nunca te disse isso, que nunca fiquei com uma garota antes, que sempre estive com null... Eu sei disso tudo, null. Mas eu nunca gostei de garotas, assim como nunca gostei de null. Eu só gostei de você, e não pude controlar isso por mais que tudo dissesse o quanto era errado te amar.
— Então, quer dizer que você não vai mais se casar com null? ­— A ruiva perguntou baixinho, fungando e tendo um fio de esperança na voz.

Aquilo partiu o coração de null. Como poderia ter sido egoísta por tanto tempo? Como poderia ter escondido aquilo da pessoa que mais amava? Poderia ter desde o começo ter construído algo ao lado de null, mas tinha preferido se esconder atrás de um homem com medo dos sentimentos confusos que preenchiam seu coração.

— Eu não sei o que estou sentindo direito, null... Eu nunca me senti assim. — E foi a vez de null chorar, encarando as próprias mãos. — Mas eu sei que não posso continuar com isso. Não posso manter um relacionamento com null sabendo que o que temos é muito maior do que isso... Não posso me casar com outro se eu não consigo imaginar um futuro sem você.

null colou a testa na de null, puxando a garota para se deitar em seus braços. Não falou nada ao desligar a televisão, olhando brevemente no relógio para notar que já estava de madrugada. Puxou o edredom para cima das duas, abraçando o corpo alheio com mais força e de maneira quase possessiva, os lábios colados na testa da morena por mais tempo do que conseguia contar. Aos poucos sentiu o coração desacelerando e a vontade de chorar indo embora, como se uma alegria sem fim invadisse seu peito.

— Eu te amo, null.

Mal pode acreditar no som das palavras que saíram de sua boca. Tinha esperado tantos anos para dizer aquilo que saber que null agora sabia de toda a verdade a assustava.

— Eu te amo, null. Mais do que amo batata frita com cheddar. — a ruiva sentiu como se seu peito fosse explodir ao ouvir a garota, sentindo o corpo inteiro estremecendo ao ouvir o riso infantil que saia dos lábios de null.

Nenhuma das duas disse uma palavra sequer depois disso. Não precisava, elas sabiam o que tinham feito e que amanhã tudo seria diferente. E sentiam medo por isso, mas, ao mesmo tempo, alívio de, finalmente, terem sido sinceras sobre o que sentiam uma pela outra. Se existisse qualquer chance das duas terem um futuro, então se agarrariam a aquela oportunidade. Quando começou a chover, poucos minutos depois de null adormecer em seus braços, null fechou os olhos com força, beijando os lábios da morena mais uma vez. Acariciava os cabelos da garota enquanto fazia um pedido, sentindo os sentimentos dentro de si tão tempestuosos quanto o clima lá fora.

Pediu para que amanhã null acordasse ainda a amando. Ainda desejando ficar junto dela, qualquer que fosse a maneira de estarem juntas. Pediu para ter um pouco de sorte e para que pudesse continuar sentindo o peito cheio de amor e alegria como naquele momento.

Que não seja imortal, posto que é chama. Mas que seja infinito enquanto dure.


Fim



Nota da autora: Obrigada por ler até aqui, espero que tenha gostado. Até a próxima fanfic!





Outras Fanfics:
The One (Restritas/Finalizada)
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