Última atualização: 01/02/2018

Capítulo 8

Algo estava tocando. Lá no fundo, eu conseguia ouvir um barulho irritante que atrapalhava o meu sono, apesar de eu ainda estar sonolenta demais para identificar de onde vinha. Mas estava tocando, há tempo demais, eu diria.
Virei minha cabeça para o outro lado, na esperança de que desaparecesse, mas não rolou. Ainda estava lá. Qual é, será que alguém poderia fazer aquilo parar?
E então parou.
Eu sorri e relaxei na cama, pronta para voltar a dormir, quando o som voltou. Dessa vez, parecia ainda mais estridente, o que me fez abrir os olhos, irritada. Era uma manhã de sábado, alô!
Procurei ao meu redor e encontrei meu celular com a luz acesa na mesinha ao lado. Peguei-o, sem nem mesmo olhar quem ligava porque minha visão ainda estava parcialmente embaçada, e atendi.
— Que é?
— Porra, finalmente! – disse uma voz que eu chutei ser da Mina. Logo ela? Eu esperava ser acordada pela , mas pela Mina... Era decepcionante. – Eu já te liguei 5 vezes, caralho, tem celular pra que?
— A falta de resposta deveria ser um sinal claro para parar de ligar. – resmunguei, jogando novamente minha cabeça no travesseiro.
— São quase 11h00 da manhã, se liga. – franzi o cenho, surpresa. – Além do mais, eu preciso da sua ajuda.
— Para que?
— Você sabia que eles tem milhões de tipos de sprays diferentes? Vômito, lixo, número 2... Tem até um chamado cadáver aqui que tá me deixando meio preocupada.
— Ah, sei lá, cara, eu tô com sono demais pra pensar nisso. – disse, já de olhos fechados, mais do que pronta pra desligar.
— Acorda, mulher! Eu não sei qual escolher. O cara aqui que vende falou que o de vômito é bem ruim, já o de número 2 é o mais vendido, o que você me diz? – ela perguntou e eu suspirei.
— Eu digo: compre os dois.
— Os dois?
— Isso, você entendeu certinho, te vejo amanhã.
Desliguei.
Eu não tinha o melhor dos humores quando acordava.

— Bom dia, família! – eu disse ao encontrar meus pais na cozinha.
— Já era hora, pensei que não fosse acordar hoje. – meu pai brincou e eu balancei os ombros. Eu realmente tinha dormido pra caralho. Saudade da minha cama, talvez.
— Mas acordou bem a tempo de ajudar no almoço. – minha mãe anunciou com um sorrisinho esperto para o meu lado. Fiz uma careta.
— Sério? Vocês sabem o quanto eu odeio cozinhar. Querem mesmo toda essa energia negativa na comida de vocês?
— Queremos sim, amor.
Bufei, já sabendo que não tinha como fugir dali.
Só tive tempo de comer duas bolachas antes da senhorita Claire me entregar um bom tanto de batatas cozidas para picar. Então eu comecei a trabalhar. Assim que eu terminava alguma coisa, eles já me entregavam outra e foi assim que eu passei a hora seguinte.
Eu estava prestes a enfiar uma garfada de comida na boca quando ouvi o suspiro da minha mãe. Ergui o olhar e só então percebi que ela me encarava. Ela sorriu.
— Eu senti tanto a sua falta, sabia? – disse num tom doce. Meu pai resmungou.
— Claire, agora não, por favor.
— Agora sim, fica quieto.
Ele então apoiou o cotovelo na mesa e tapou os olhos com uma das mãos, balançando a cabeça. Aquilo me deixou bem curiosa para saber o que estava por vir.
— O que foi? – perguntei.
— Vamos conversar, tudo bem? – minha mãe falou e eu assenti. – Bom, nós... Principalmente eu, na verdade, estava pensando... Você realmente tem que morar longe da gente, ? – ah, não. Não, não, não, não, não. – Eu sei que você não precisava necessariamente morar na casa pra ser uma Kappa Kappa Gamma, então... Por que não fica aqui? Eu posso te levar todas as manhãs, não me importo, e seu pai te busca quando quiser. Não é tão longe assim, querida.
Fiquei encarando ela por um tempo, sem a menor ideia do que dizer. Bem... Eu até tinha uma ideia, mas eu não acho que um “Tá louca?” seria bem recebido naquele momento. Engoli em seco. Eu não estava preparada para aquilo. A expectativa não deixava o olhar dela e meu pai parecia curioso. Que momento maravilhoso para ele decidir não interromper.
— Ahn... – eu tentei, mas as palavras não se formaram. – E-e-eu...
Não saía. Eu não queria ter que olhar nos olhos da minha mãe e dizer que não, eu não queria voltar a morar com eles. Eu gostava da liberdade. Tá, às vezes, eu queria, sim, voltar correndo para casa e me esconder lá, mas... Eu não podia. Seria fácil, mas a verdade é que eu queria ter que lavar as minhas próprias roupas, cozinhar se eu quisesse comer, lavar o banheiro que eu usava... Não porque eu gostava de fazer isso, só porque fazia com que eu me sentisse independente. Eu ia ter que ser completamente independente algum dia, certo? Por que não começar aprendendo agora?
— Você não precisa tomar essa decisão agora, querida. Pode pensar na ideia. – minha mãe voltou a falar e então eu tive que forçar as palavras. Iria doer nela, sim, mas ainda mais em mim.
— Eu não preciso pensar, mãe... Eu não quero voltar a morar aqui. – eu disse, tentando soar doce, se é que isso era possível, se tratando de mim.
Eu sabia que ela sentia minha falta. Ele também, apesar de não deixar tão claro. Me ligavam todos os dias, sem exceção, às vezes mais de uma vez, queriam estar sempre a par de tudo o que estava acontecendo, insistiam que eu viesse para casa todo final de semana, e eu os amava tanto por isso, mas eu não poderia dar um passo desses, um passo para trás. Só haviam passado três semanas desde que eu tinha ido, eles iam se acostumar uma hora e eu também. Ia ficar tudo bem, por mais que os olhos decepcionados da minha mãe não transparecessem aquilo naquele momento.
— Tem certeza? – ela perguntou, ainda com um fio de esperança, enquanto meu pai passava os braços ao redor dos seus ombros, a confortando.
— Sim. Não fica triste, por favor. – alcancei sua mão na mesa e a segurei. – Eu sinto sua falta também, mãe, demais! Mas eu tenho que aprender a me virar sozinha, entende? Você sabe como isso é importante pra mim.
— Nós entendemos, filha. – meu pai entrou na conversa e minha mãe assentiu, apesar de eu saber que, naquele momento, ela não fazia questão de entender, e eu não a culpava por isso.
— Mas vocês sabem que podem ligar e visitar quando quiser. Eu prometo que vou tentar vir mais aqui, nem que seja para passar algumas tardes, tudo bem? Eu ainda estou me adaptando a essa vida de universitária, Kappas, trabalhos, tá tudo uma bagunça, mas aos poucos eu vou me ajeitando e a gente vai fazer isso funcionar, eu prometo.
Ela assentiu e forçou um sorriso fraco, apesar de um brilho característico de choro estar em seus olhos.
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— Tá tudo bem? – perguntou, provavelmente porque notou o meu bico do tamanho do mundo assim que entrei no carro.
— Só mal por deixar eles aqui. – respondi, olhando rapidamente para os meus pais, ainda parados na varanda, me observando.
Eu fiz questão de passar cada segundo daquele final de semana com eles, mas dois dias passavam rápido e, quando eu vi, já era quase noite de domingo e estava estacionando na frente de casa para me buscar.
— Vai ficar mais fácil.
Então entrou no carro, dessa vez no banco de trás, junto com , já que eu já ocupava o da frente. deu partida e eu acenei para os rostos tristes que eu deixava para trás até perde-los de vista.
— E então, cmo foi o final de semana de vocês? – perguntou, ignorando seus fones de ouvidos por um tempo.
— Legal. – e disse.
— Divertido. – respondeu.
— Um saco. – respondeu por último, parecendo de mal humor.
— Caramba, posso saber por que? – perguntou novamente.
— Pergunta pra tua amiga sobre o showzinho que ela fez no jantar.
Revirei os olhos.
Drama queen. – comentei baixinho, mas ele ouviu e forçou uma risada.
— Claro que sou, não foi você que teve que aguentar seus pais lamentando pelo sofrimento da vizinha o final de semana inteiro. “Você viu o que você fez, ? A culpa é toda sua.” – falou, fazendo uma voz fina para imitar a mãe dele, o que me fez rir e, aparentemente, só deixou ele mais bravo, pois ouvi ele bufar de raiva atrás de mim.
— Bom... A culpa é toda sua. – afirmei.
— Você que teve a ideia maravilhosa de mentir para eles e depois não conseguiu se manter no papel. Como é que a culpa é minha, ?
Uuuuuh, , ele realmente estava bravo.
— Para responder essa pergunta, nós teríamos que voltar um ano e alguns meses no tempo. Quer mesmo lavar roupa suja agora?
E, mais uma vez, ele bufou.
Quem precisa de um touro quando se tem um ? Apesar de ser eu quem carrega os chifres.
— Primeiro, calem a boca, e segundo, contem pra gente sobre o showzinho que a fez porque ela faz umas tours maravilhosas. – falou e eu me pus a contar sobre o fatídico jantar de sexta-feira, sendo constantemente interrompida pelo .
Quando eu terminei de contar e mais uma briga começou a nascer, fez um ultimato.
“Eu vou decretar uma regra aqui e agora. Melhor, uma lei! Vocês estão proibidos de brigar no meu carro. Eu não preciso de energia negativa enquanto dirijo, então calem a boca ou eu vou deixar vocês por aqui mesmo”, ela disse. Nós obedecemos, só porque sabíamos que ela falava sério quando dizia que nos deixaria ali.
pôs seus fones de ouvidos, começou a cantarolar uma música qualquer, fazia sabe-se-lá o que, e eu fiquei observando a cidade passar pela janela. Não demorou muito para que eu começasse a pensar e todos nós sabemos o que acontece quando eu começo a refletir, geralmente não vem coisa boa.
Com o pedido dos meus pais ainda rondando minha mente e aquele incômodo de ter que falar não para eles, eu notei que, na verdade, estava ansiosa para chegar em casa. Na minha nova casa, lugar que eu tanto relutei em estar. Apenas 48 horas se passaram desde que eu tinha ido, mas eu já sentia falta de estar naquele ambiente cheio de garotas tão diferentes entre si, o que as vezes resultava em intrigas, mas que, no final, todas convivíamos bem. Talvez minha mãe estivesse certa, afinal de contas. Estar em uma irmandade era uma experiência e tanto. E pela primeira vez, eu fiquei realmente feliz por ter dado uma chance àquilo. Tão feliz que eu sussurrei um obrigada para o por ter duvidado de mim, mas só na minha cabeça, é claro. Não precisava, e não iria, dar a ele o gostinho de ganhar um obrigada meu.
Quando começaram a surgir casas gigantescas e jovens para todo lado, eu soube que estávamos chegando. Paramos na Lambda primeiro para deixar os meninos e, enquanto eles pegavam suas coisas no porta-malas, eu fiquei olhando o movimento.
A janela estava completamente aberta e, onde ela deveria estar, eu apoiava os meus braços e minha cabeça em cima. Foi mais ou menos quando eu vi o cara da festa se aproximando correndo. Ele usava uma regata de academia, deixando seus braços nada fracos a mostra, e uma bermuda larga. Não pensei que fosse me ver, já que ele parecia bem concentrado na sua corrida, mas quando eu tive certeza que ele entraria na sua casa direto, a movimentação do e do pareceu chamar sua atenção.
Nick abriu um sorriso lindo assim que me viu e se aproximou.
— Ei! – ele disse, parando bem na minha frente.
— Oi! – falei, sorrindo também.
— Nick, você por aqui. – disse, se esticando para cima de mim a fim de enxerga-lo do outro lado.
— Oi, . – ele aproveitou também para cumprimentar com a cabeça e , que pareciam discutir alguma coisa entre si com o porta-malas ainda aberto. – E aí, se divertiu na casa dos seus pais? – ele perguntou e, apesar da pergunta se encaixar para nós duas, ele olhava diretamente pra mim, o que pareceu notar, pois não falou nada.
— Bastante. Como foi por aqui?
— Ah... – fez uma careta. – Fiz uns exercícios maneiros de álgebra. Foi um final de semana bem animado. – disse, irônico, e eu ri.
— Se te faz sentir melhor, na casa dos meus pais ou não, eu também tive que fazer eles. – disse, erguendo os ombros. Um baque chamou nossa atenção. Quando olhamos, os garotos tinham acabado de fechar o porta-malas. Eu não sei explicar bem o que eu fiz depois. Eu sabia que o se aproximava e sabia que ele podia ouvir, então, sem nem pensar, eu simplesmente falei. – Escuta, você tá livre hoje?
Pelo retrovisor, eu vi que ele parou na hora e olhou em nossa direção, curioso.
— Hoje? Sim. – Nick respondeu e eu sorri, apoiando meu queixo em uma mão e o encarando.
— Eu também, que tal aquela saída?
Só por um segundo, eu desviei o olhar para o retrovisor novamente, não foi nem por vontade própria e sim automático. A curiosidade tinha abandonado seu rosto e agora ele simplesmente olhava a cena com uma expressão neutra. Nem eu conseguia imaginar o que se passava naquela cabeça. Talvez estivesse me xingando de todos os nomes possíveis, talvez estivesse chateado, mas uma coisa eu sabia que não se passava ali: indiferença. Eu o conhecia bem demais para saber que eu chamando um cara para sair bem na cara dele iria causar algo.
— Ahn... Por mim, tá ótimo. – Nick concordou, parecendo surpreso com o meu convite. – Eu posso te buscar às 20h00. – sugeriu.
— Perfeito. Te vejo às 20h00. – disse, pois já dava partida no carro.
— Tchau, meus amores! – praticamente gritou e saiu com o carro, nem dando ao rapaz a chance de responder. – Eu acabei de ver isso mesmo? – perguntou um segundo depois.
— Com os seus próprios olhos.
Ela balançou a cabeça positivamente, fazendo uma cara engraçada que parecia ser de orgulho.
— Essa é a minha garota.
Quando chegamos na nossa casa, eu corri para dentro enquanto guardava o carro, pois já havia passado das 18h30 e eu precisava urgentemente de um banho. No quarto, encontrei April lendo um livro e Mina secando o cabelo com a toalha.
— Cheguei, princesas.
— Como foi o final de semana? – April perguntou, parecendo feliz pela minha presença, então eu ignorei a frustração que me bateu por ter que responder aquela pergunta pela terceira vez em menos de uma hora.
— Foi legal. – e então eu olhei para Mina, só para perceber que ela me lançava um olhar bravo enquanto corria a toalha pelos seus cabelos. Aparentemente, April era a única que me queria aí. – Mina, tá tudo bem? – perguntei, deixando escapar uma risada pela cara que ela fazia. April também riu, me fazendo imaginar que a explicação fosse boa.
— Nós nos conhecemos há um tempo já, não é? Eu te vi cair de bêbada, cair de calor, tomamos um susto juntas... Então sim, eu acho que já posso te falar com todas as palavras sem remorso: eu te odeio. – arregalei os olhos com as últimas palavras, mesmo ainda achando graça da situação.
— Eu posso saber por que?
— Eu to fedendo, . Eu to fedendo! E a culpa é toda sua! Quem teve a ideia de comprar esses sprays? Quem decidiu que eu deveria ir comprar? Foi você, , e agora eu nunca mais vou cheirar bem na minha vida!
Nesse ponto, April já gargalhava na sua cama e eu fiquei tentada a fazer o mesmo, mas segurei. Ao invés disso, me aproximei dela para cheirá-la (sim, foi uma cena estranha) e tudo que senti foi o cheiro do seu shampoo.
— Bom... Se você não gosta desse cheiro, provavelmente deveria comprar outro shampoo, não acha? – sugeri e o seu olhar que antes era bravo, agora estava mais pra assassino.
— Você acha que eu não sei que ninguém mais sente esse cheiro? Todo mundo nessa casa já me cheirou, , todo mundo! Mas tá aqui ó... – apontou para o seu nariz, com um olhar maníaco no rosto. – E não sai! Eu não sei mais o que fazer, já tomei sete banhos desde ontem. Você tem o cabelo maravilhoso que nem o meu, você sabe que eles não ficam assim sendo lavados demais! – no final, tudo o que eu peguei foi...
— Sete vezes? É banho pra caralho de um dia para o outro. – disse, chocada.
— Eu sei!
— Eu falei pra ela que eles eram desnecessários, mas olha aí. – April falou, já contida. Balancei a cabeça, desacreditada.
— Mas por que você usou o spray, Mina? Sabia que eram fedidos.
— Não fui eu! – ela praticamente gritou, fazendo mais difícil ainda para mim não começar a rir. – Aquele vendedor estúpido, foi ele! Ele que achou que seria uma boa ideia espirrar aquele negócio no ar, e então bateu um vento e quando eu vi, eu estava cheirando vômito.
— Bom... Então, tecnicamente, a culpa não é minha, é? É do vendedor estúpido, você não devia me odiar.
Ela parou para pensar por uns segundos, me olhando desconfiada. Eu esperei, até que balançou a cabeça, parecendo concordar.
— Tudo bem. – disse, parecendo mais calma.
— Fácil assim? – perguntei e ela assentiu. Eu que não ia questionar mais. Me afastei, indo até o closet rindo da situação toda, quando uma almofada me acertou as costas. – Ei! A April estava rindo também. – reclamei.
— Até a risada da April é fofa, a sua não, então para.
Me sentindo injustiçada, eu continuei meu caminho e depois fui tomar banho. Eu tinha um encontro hoje, precisava estar pelo menos apresentável em cerca de uma hora.
Quando voltei para o quarto, Mina e April continuavam exatamente como eu as deixei, mas agora as acompanhava.
— Por que não contou que tinha um encontro hoje? – Mina perguntou no mesmo segundo. Dei de ombros.
— Você não perguntou. – respondi enquanto ia até o closet escolher uma roupa.
— Vai vestir o que? – dessa vez foi .
— Eu não sei... – disse, olhando minhas roupas. Passei os olhos por um vestido curto vermelho de alcinhas e puxei ele pra os meus braços. – Vocês acham que esse aqui diz “quero transar”?
Elas o avaliaram por alguns segundos e chegaram todas a mesma conclusão.
— Sim.
— Definitivamente.
— Com certeza.
Dei uma outra analisada nele e sorri, decidida.
— Perfeito. – disse, tirando a toalha que me cobria e vestindo-o por cima da calcinha. Optei por deixar o sutiã em casa naquele dia.
— Eu sabia que tinha um motivo pra você chamar ele pra sair assim do nada, você quer dar! – me acusou.
— Ei, pra sua informação, ele já tinha me chamado pra sair esse final de semana. E qual o problema? Com toda essa bagunça de entrar pra faculdade e me mudar, eu não tenho um encontro há um tempo, sabe.
Ela não precisava saber que o principal motivo para o meu convite de última hora foi o ali observando a cena, mas eu já estava ali, por que não aproveitar?
— Eu não disse que tinha um problema. Na verdade, eu acho é ótimo. Você precisa relaxar, tirar sua cabeça dessas briguinhas com o ...
— Transar. Você precisa transar, ela quis dizer. – Mina interrompeu, ganhando uma almofada na cara da .
— É. Além de tudo, eu mereço. – notei que April olhava a cena com curiosidade, mas sem falar nada. – E você, April? Precisa transar? – perguntei, fazendo suas bochechas ficarem vermelhas.
— Não, eu... Eu to bem assim.
— Ah, qual é, April, nem um pouquinho? – Mina perguntou e ela balançou a cabeça, negando. – Você é virgem, né? – ela assentiu, encolhida de vergonha. – E nunca se masturbou?
Se fosse possível um rosto explodir de tamanha vermelhidão, teriam pedacinhos da April por toda parte naquele quarto. Eu sentei na frente da penteadeira para me arrumar, apenas observando a cena.
— Não! – respondeu, parecendo chocada.
— Por que não? É divertido.
— Mina, deixa a April, você sabe que ela tem vergonha. – a repreendeu.
— Ei, só to curiosa. – se defendeu. – E você, April, não fica curiosa? – voltou a questioná-la, me fazendo rir. April ergueu o queixo, em um momento rápido de confiança, e respondeu.
— Eu já pesquisei tudo o que queria saber.
Mina e eu trocamos um olhar chocado pelo espelho antes dela voltar sua atenção à pessoinha já encolhida novamente em sua cama.
— Então você tem curiosidade! – April não respondeu.
— Tá tudo bem, April, todo mundo fica curioso com essas coisas. – eu disse, apesar do som do secador de cabelo me obrigar a quase gritar.
— Podemos trocar de assunto? Por favor? – ela pediu e Mina decidiu deixar pra lá dessa vez.
— Bom, pelo menos uma de nós vai ter alguma ação hoje. – disse, voltando a se jogar na sua cama. bufou e revirou os olhos. – Eu preciso de uma namorada.
— Você? Em um relacionamento sério? Nem eu consigo imaginar isso. E eu tenho uma imaginação bem fértil. – zombei.
— Ei! Eu dou uma baita de uma namorada, não é ?
Voltei meu olhar para que pareceu ficar tensa com a pergunta. Estranhei, pois nunca pensei na como alguém que ficava desconfortável com esse tipo de assunto. Mas ela logo se recompôs e riu.
— Você é tão boa namorada quanto a . – disse, fazendo com que eu e Mina trocássemos um olhar curioso.
— Você era uma boa namorada? – perguntou.
— Sim! – respondi prontamente, mas segundos depois me veio a dúvida. – Eu era, não era? – perguntei para a , que deu de ombros.
— Vou deixar essa no ar.
Eu ia ficar com o sim, de qualquer maneira.
Terminei de secar meu cabelo, deixando ele um pouco úmido em uma tentativa de manter algumas ondas, e então comecei a trabalhar na maquiagem. me ofereceu ajuda, mas eu recusei dessa vez. Só queria algo básico, afinal, não era grande coisa assim, só um encontro. Tudo bem, eu não ia a um encontro há cerca de cinco meses, mas eu ainda lembrava bem como a coisa funcionava. Ou pelo menos eu achava que sim.
— Tá nervosa? – April perguntou enquanto eu calçava minhas sandálias. Balancei a cabeça para os lados.
— Não. Ele é gente boa, vai dar tudo certo. O pior que pode acontecer é não ter assunto, mas quem precisa conversar quando existe um negócio chamado beijo?
— Você não é boba nem nada, né garota? – só lancei um sorriso para Mina em resposta e ele dizia com todas as letras, ou melhor, com todos os dentes: não, eu não sou.
— Eu tenho uma sandália que ficaria linda com esse vestido, sabia? – começou, olhando para os meus pés com uma sandália baixa como se eu tivesse cometido um crime.
— Ah, é? E ela tem salto? – perguntei, já sabendo a resposta.
— Um saltinho de nada. Você nem vai sentir.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela correu para o closet atrás das sandálias. Esperei e quando ela voltou, eu não vou mentir, me apaixonei. A sandália era rosa bem clarinho e meio transparente, com um salto fino de 7 ou 8 centímetros. Hoje, a venceu. Mas só hoje.
Semicerrei os olhos em sua direção e peguei a sandália, ganhando uma comemoração com direito a pulinhos e tudo.
Me sentei na cama novamente para tirar a que estava e colocar aquela quando ouvi a campainha lá embaixo. Segundos depois, ouvi a voz da Suzy.
, é pra você! – ela gritou do andar de baixo.
— JÁ VOU! – gritei em resposta, assustando as meninas.
Corri para terminar de calçar as sandálias e quando o fiz, dei uma última olhada no espelho. Modéstia parte, eu estava bem gostosa.
— Boa sorte! – e April disseram quando eu estava prestes a sair.
— Boa transa! – ouvi Mina dizer antes de fechar a porta atrás de mim, rindo. Que os desejos dela se realizem.
Desci as escadas com o maior cuidado do mundo, tentando ao máximo não desabar.
— Uhhh, alguém tem um encontro. – Katy, que estava sentada em um dos sofás, falou.
— E ela não brinca em serviço. Mulher, você tá maravilhosa! – Suzy continuou, me fazendo rir.
— Ora, muito obrigada.
Quando eu toquei na fechadura da porta, ouvi um psiu. Olhei para o lado e era da Amy.
— Eu ouvi dizer que o oral do Nick é maravilhoso. – ela disse, em alto e bom tom. Arregalei os olhos.
— Ah, meu Deus...
E saí antes que alguém me desse mais um spoiler.
Do lado de fora, lá estava ele, parado com as mãos a frente do corpo, em uma calça jeans de lavagem escura, uma camiseta cinza e até um blazer preto. Agradeci ao carinha lá de cima por ter vestido algo decente porque a coisa parecia séria.
— Uau! – sorri, feliz por arrancar dele exatamente a reação que eu esperava. – Você tá linda.
— Você também não tá nada mal.
Ele sorriu e colocou a mão nas minhas costas, me guiando até o que eu imaginei que fosse seu carro. Se eu não estivesse de tão bom humor, reclamaria do quão irritante era aquela mão, mas, naquele dia, eu simplesmente optei por ignorar.
Nick deu a volta no carro, entrou e deu partida, nos deixando em um silêncio meio chato.
— Então... – ele começou a dizer depois de alguns segundos. – Ouviu falar do meu oral? – me virei para ele de olhos arregalados, já imaginando que ele era louco ou algo do tipo e eu devia dar o fora dali, mas, quando meu olhar encontrou seu rosto, vi que ele segurava a risada. – Eu ouvi a sua amiga. – ele afirmou e eu ri também, nervosa e bastante aliviada.
— Que susto, cara, já estava pronta pra abrir a porta e me jogar pra longe de você. – disse, arrancando uma gargalhada dele. No final, aquilo deixou o clima mil vezes mais leve. – E então, aonde vamos?
— Gosta de comida mexicana? – ele perguntou, já me fazendo sorrir de animação.
— Amo!
— Já foi no El Carmen?
— Não, mas já ouvi falar muito bem. – eu disse, me lembrando da quantidade de vezes em que planejei ir naquele restaurante e na quantidade de vezes em que acabou não dando certo até eu deixar pra lá.
— É um dos melhores de Los Angeles, você vai ver.
Nós fomos o resto do caminho conversando sobre comida mexicana. É isso mesmo que você leu. Comida era um dos meus assunto preferidos e a mexicana era uma das minhas preferidas, então... Simplesmente deu certo.
Quando chegamos, notamos que o lugar não estava tão cheio, o que era bom. A decoração era bem... Moderna, eu diria, cheia de luzes de cores fortes como vermelho e laranja, mas que não deixavam o lugar muito claro, só o suficiente. Era aconchegante. Me pareceu um bom lugar para levar alguém para um encontro. Ponto para o Nicholas.
Nos sentamos mais ao fundo, em uma das últimas mesas, onde estava mais vazio e logo uma garçonete apareceu para anotar os nossos pedidos. Ele pediu camarão na tequila e eu uma sopa de tortilla, resistindo ao impulso de pedir tacos. Era um encontro, eu tinha que me lembrar. Coisas fáceis de comer eram importantes.
— Então... – ele começou a dizer e eu levantei as sobrancelhas, esperando a já comum mas não menos chata pergunta. – Me fala sobre você. – certo, afirmação. Dava na mesma, não tinha importância.
— O que quer saber? – perguntei.
— Tudo. – respondeu, com um sorrisinho esperto.
— Vai ter que ser mais específico. – ele respirou fundo, parando pra pensar.
— Tudo bem... Banda preferida?
— Não tenho. Eu não poderia escolher uma só.
— Animal de estimação.
— Smurf, meu cachorro. Eu já tive um peixe, mas ele não durou muito tempo. E, se eu pudesse, gostaria de ter um gato.
— Meus pais tem dois. – ele disse, fazendo uma careta. – Não são os meus animais preferidos no mundo.
— Por que?
— Experimenta encontrar um rato morto em cima da sua cama como “oferenda” e você vai entender. – explicou, me fazendo rir. E ficar um pouco preocupada.
— Você sabe que a intenção deles são as melhores.
— É, mas... Enfim... Onde estudou?
Sensille High, conhece?
— Claro, meu primo estudou lá.
— Nome?
— Jamie Morris.
— Não! – exclamei, estendendo o “ã” por alguns segundos. — Seu primo é o Jamie? O minha-segunda-casa-é-a-diretoria Jamie? O mesmo Jamie que tocou o alarme de incêndio porque não tinha estudado pra prova e me deu um dia a mais para estudar?
— Acho que ele tem uma reputação e tanto.
— Caramba, eu amo aquele cara! Ele se mudou para Miami né?
— Sim... Se você acha que ele já fazia uma bagunça aqui, imagina o cara em Miami!
Jamie Morris salvou o dia mais uma vez, pois, depois disso, a conversa foi fluindo naturalmente, sem muitos esforços de nenhum dos lados. Eu acabei descobrindo que a UCLA não era a primeira opção dele, que queria se mudar para a costa leste, mas ele acabou ficando porque é uma universidade e tanto, não se recusa uma vaga nela. Também descobri que ele não é de Los Angeles e sim de Washington DC, a terra do presidente, por isso ele não ia visitar seus pais com tanta frequência quanto gostaria, já que a viagem era um pouco longa.
Nick parecia bem interessado em mim porque praticamente me interrogou a noite inteira. No final do jantar, ele já sabia até do que eu tinha medo quando criança. Ele era simpático e lindo, então, ainda que eu soubesse que dormir com um cara que eu ia ver toda semana nas aulas de álgebra não era a melhor das ideias, eu me encontrei sentada em seu colo no banco do motorista, com as pernas postas ao lado das suas, me agarrando com ele duas horas depois. E naquela hora, eu não estava nem um pouco aí, principalmente porque ele beijava bem demais para eu me importar e... Bom, fazia um tempo.
Por isso, também, quando ele me chamou para a casa da Lambda pouco tempo depois, dizendo que seu colega de quarto só chegaria da casa dos pais no dia seguinte, eu nem hesitei em aceitar o convite.

Abri os olhos, ainda sonolenta, como se aquilo fosse me livrar do calor que eu sentia. Demorei alguns segundos para me lembrar onde estava. Na casa da Lambda Chi Alpha, no quarto no Nicholas, em sua cama. E ele estava perto demais, me fazendo sentir mais calor do que eu podia aguentar. Não o culpava, afinal, estávamos em uma cama de solteiro. Não é como se ele tivesse outro lugar para ir.
Procurei meu celular no criado mudo, mas antes que pudesse encontra-lo, as letras vermelhas do despertador chamaram a minha atenção. 05h27. 05h27! Eu tinha que levantar em exatamente uma hora e três minutos para ir para a aula e, ao invés de já estar na minha cama, como eu deveria, eu estava em outra casa. Puta que pariu, eu devia ter me ouvido. Sabia que não seria uma boa ideia fechar os olhos enquanto recebia cafunés (bem gostosos, por sinal).
Nick parecia em um sono tão profundo que eu poderia pular em cima dele e ele ainda assim não acordaria, mas optei por não abusar da sorte, tentando fazer o máximo de silêncio possível. Levantei com cuidado, tendo que ir até o outro lado do quarto buscar minha calcinha e meu vestido jogados na outra cama. Nós meio que começamos lá. Depois de devidamente vestida, eu voltei para pegar meu celular no criado mudo, mas, quando o puxei, acabei puxando junto um chaveiro que caiu no chão, fazendo um barulho gigante no meio daquele silêncio todo. Fiquei completamente paralisada por alguns segundos, sem tirar os olhos de Nick. Quando finalmente percebi ser seguro, soltei o ar que segurava e me abaixei para recolher as chaves.
Foi quando eu me lembrei.
“Você não tem algum pegue-te na Lambda para te emprestar a chave, tem? Vou ter que arrumar a do , então...”
A primeira notícia ruim é que eu tinha me esquecido completamente daquilo.
A segunda notícia ruim é que o plano deveria ser posto em ação hoje mesmo, logo depois do intervalo.
A notícia boa é que eu tinha as chaves para entrar na casa nas minhas mãos.
Sem pensar duas vezes, eu fechei a mão com elas dentro e me levantei, quase pronta para dar o fora dali. Só faltava pegar as sandálias que eu tinha chutado para todo lado, mas assim que o fiz, eu me mandei com elas na mão a fim de não fazer nenhum barulho com aqueles saltos finos.
Desci as escadas com o maior cuidado e agradecendo ao carinha lá de cima a cada segundo pelo novo segundo passado sem ninguém aparecer. Por sorte, havia uma chave do lado de dentro. Não tranquei ao sair, pois não queria entregar que havia pegado as chaves do garoto. Eu era mais esperta que isso. E então eu segui até a minha casa, fazendo a famosa caminhada da vergonha. Felizmente, era cedo demais em uma segunda-feira para alguém assistir.
Quando cheguei em casa, agradeci a todos os deuses desse mundo pela não ter esquecido de deixar a porta dos fundos aberta. Dei uma olhada na piscina, me lembrando de que ela existia e estava ali o tempo inteiro, coisa que eu costumava esquecer, e fiz uma nota mental de usar ela com mais frequência. Piscina em casa é o sonho, não é não?
Subi para o meu quarto, agradecendo de novo e de novo por ninguém estar acordado, e me joguei na minha cama assim que a vi. De vestido, pés sujos e tudo. O importante era aproveitar os 60 minutos de sono que me restavam.

Qualquer pessoa que me olhasse por não mais que dois segundos poderia ver o pânico nos meus olhos quando eu o vi. O meu impulso foi virar no primeiro corredor que me aparecesse, mas ele sorriu ao me ver e eu percebi que era tarde demais, o estrago já havia sido feito.
— Bom dia, desaparecida. – Nick falou, se inclinando para me dar um selinho. Eu não neguei. Já era estranho demais encontrar o cara com quem eu havia transado algumas horas atrás e ido embora sem nem dar um tchauzinho, recusar o selinho dele deixaria tudo pior do que eu poderia suportar.
— Oi! – fingi animação, apesar de querer dar o fora logo dali.
— Por que foi embora? Fiquei preocupado.
— Ah, eu acordei quase na hora de levantar para vir pra aula, queria tomar um banho e não quis te acordar. – expliquei e ele assentiu, parecendo compreender.
— Bom, na próxima vez, pode me acordar, ok? – abriu um sorriso simpático e eu engoli em seco.
Na próxima vez? Não, cara.
— C-claro. Ahn... Escuta, eu preciso ir, ou vou me atrasar pra próxima aula.
Sem nem esperar ele responder, eu me virei, mas antes que pudesse dar um passo, uma mão agarrou um dos meus ombros.
, espera! – ele disse e eu me virei devagar. Mina ia me matar. – Você pegou as minhas chaves? – na hora que ele fez a pergunta, meu coração disparou. Ele sabia. Sabia que eu tinha pegado as chaves, que eu ia aprontar uma, ele sabia! Mas não deixei o meu medo transparecer. Eu não cairia sem lutar.
— Não... Por que? – disse com a maior inocência do mundo.
— Não consegui achar elas hoje cedo e eu tinha certeza que as deixei ontem em cima do criado mudo.
Bom, muito boa resposta. Considerando que eu estava esperando um “Eu sei que você pegou, me devolve agora”, é claro.
— Você olhou de baixo do criado mudo? Ela pode ter caído. – sugeri. Ele pensou por um tempo antes de me responder.
— É, eu olhei de baixo da cama, mas acho que me esqueci de olhar de baixo do criado. Mais tarde eu vejo isso, agora vai lá, não quero que se atrase para a sua aula.
Com um sorriso nervoso, eu voltei a me virar e imediatamente saí andando em direção à saída do prédio. Aquilo correu bem, certo? Poderia ter sido pior.
Encontrei Mina encostada em uma árvore alguns metros à frente, parecendo entediada. Quando me viu, ela bateu o dedo indicador no pulso, indicando meu atraso.
— Foi mal, tive alguns contra tempos.
— Vamos logo. – ela disse, já me puxando pelas mãos. – Tá com as chaves?
Eu esqueci de mencionar que estava a caminho da casa dos garotos para fazer algo que poderia me custar uma advertência. Se tivessem provas contra a gente, é claro. Eu realmente estava rezando para que não houvessem câmeras naquela casa.
— Claro. Trouxe os sprays?
— Sim... Você me viu pegando eles de manhã.
— Só perguntei pelo impacto.
Nós andamos em passos largos em direção a casa deles, o que levou cerca de dez minutos. Perto da universidade, haviam muitas pessoas andando para lá e para cá, mas ao chegar no bairro em que morávamos, as ruas estavam mais vazias, o que já era algo a nosso favor.
Ao chegar, paramos em frente a porta de madeira e trocamos um olhar preocupado.
— Quais são as chances da gente abrir a porta e já dar de cara com alguém? – Mina perguntou e eu fiz uma careta, tremendo só com a possibilidade.
— Bom... Na pior das hipóteses, eu digo que esqueci algo aqui noite passada e todo mundo fica sabendo que eu dormi com o Nicholas.
Mais uma vez, eu tremi.
Quanto mais tempo ficávamos ali fora, maiores eram as chances de sermos pegas, então dessa vez fui eu quem puxei a Mina, que parecia ter perdido 50% da sua coragem naquele momento. Peguei as chaves no bolso da minha calça e destranquei a porta. Estava feito. Esperei um pouco antes de abrir para ter certeza de que não ouvia ninguém vindo, coloquei um dedo na frente dos lábios, fazendo um sinal de silêncio para Mina, que assentiu, e abri. Pensei que a porta não ser barulhenta também era outro ponto ao nosso favor. Positividade é tudo.
Eu estava pronta para entrar quando Mina me interrompeu.
— Espera! Eu quase esqueci. – disse, tirando a mochila das costas para fuçar dentro. Logo ela puxou para fora duas máscaras de proteção respiratória. E não era daquelas simples que médicos usavam não, era toda trabalhada em um material que eu com certeza não sabia dizer o que era, mas parecia proteger bem. – Nós vamos precisar disso.
Com medo de ficar paranoica com o cheiro assim como ela, eu não protestei, apenas peguei a minha e coloquei no pescoço.
O primeiro passo do lado de dentro foi o mais difícil, e depois... Não ficou exatamente mais fácil, não. Por um momento, eu considerei a ideia de ter errado a casa que parecia completamente diferente sem música alta, uma multidão dançando e casais se agarrando.
Tomando todo o cuidado do mundo para sermos silenciosas, nós seguimos para a sala, onde não havia ninguém. Na verdade, depois de dar uma volta pelo andar de baixo e não ouvir nem um piu sequer, nós acabamos relaxando um pouco. Talvez um pouco até demais, já que em um momento, nós decidimos que seria uma boa ideia subir nos sofás e fazer poses engraçadas.
— Chega, vamos lá. – eu disse baixinho, não querendo abusar da sorte.
Foi mais ou menos quando eu ouvi os passos.
— Ah, merda! – ouvi uma voz masculina resmungar e, na reação mais rápida da minha vida, em dois segundos eu já tinha me deslocado, puxando Mina comigo, para trás de uma parede na cozinha.
Enquanto isso, nós ouvimos os mesmos passos descerem as escadas apressados e saírem porta afora.
Trocamos um olhar aliviado, não nos atrevendo a falar uma palavra sequer. Quem garantia que um outro atrasado não viria logo depois daquele? Por isso esperamos alguns minutos em silêncio. O resto da casa pareceu colaborar, pois logo estávamos no nosso caminho escada acima. Mina ia na frente dessa vez porque eu não fazia ideia de qual era o quarto do .
O andar de cima era consideravelmente mais pequeno que o da nossa casa. Enquanto a nossa possuía vários pequenos corredores, aquela tinha um rente às escadas e outro maior perpendicular àquele, que foi para onde Mina me arrastou. Nós paramos na frente da última porta, onde, para a minha surpresa, ela bateu na porta.
A encarei com uma expressão que eu esperava que transparecesse um ponto de interrogação gigante e ela simplesmente deu de ombros.
Sem resposta, nós entramos. Era uma bagunça. Malas estavam jogadas no chão com roupas vazando delas, haviam sapatos e meias provavelmente sujas jogadas para todo lado. No final, o spray só ia completar o desastre que já era aquele cômodo.
Depois de entrarmos e fechar a porta, Mina apareceu na minha frente exibindo os dois sprays.
— E então, qual você prefere?
— Eu vou ficar com o que sai por cima. – escolhi, pegando o de vômito. – Qual é a cama dele?
— Aquela ali do canto. – respondeu, apontando para uma de solteiro próxima a janela. Mais ao lado, havia uma beliche e outra de solteiro igual à dele. – Você fica com a cama e eu com o closet?
— Eu fico com a cama e você com o closet. – confirmei, já indo em direção ao meu alvo.
Em poucos segundos, eu já estava com a minha máscara no rosto e apertando aquele spray como se a minha vida dependesse daquilo. Depois de fazer questão de que não tinha um centímetro sequer daquela cama seco, eu fui até o closet acompanhar a Mina que também espirrava aquele negócio para todo lado, sem cuidado algum. Nós ficamos lá por um tempo, trabalhando em cada par de sapatos e peça de roupa, e, quando terminamos, trocamos um olhar orgulhoso e respiramos fundo.
Não foi a melhor ideia do mundo, eu vou ter que dizer.
Apesar da máscara ser reforçada, nem ela aguentou depois de tanto spray e o cheiro, apesar de ainda fraco, já estava chegando nas minhas narinas. Não era bom.
— Vamos logo. – Mina disse, fazendo uma careta. — Nós temos o quarto do Joe ainda.
A segui, percebendo naquele momento que eu estava tão focada em tornar o quarto do inabitável que esqueci completamente que o Joe também tinha entrado na brincadeira.
— Espera! – disse ao passar pela porta. Ela parou, me lançando um olhar curioso. Apertei o spray de cima a baixo na porta, como se aquilo como a cereja do bolo. – Pronto.
Várias portas depois, já quase no outro corredor, Mina entrou em um quarto e eu a segui. Naquele haviam duas beliches e duas camas de solteiro, por isso o quarto era um pouco maior.
— Você fica com o closet dessa vez? – ela perguntou.
— Claro.
Abri a porta que dava pro closet e comecei, mais uma vez, a trabalhar. Até me senti um pouco mal, pois Joe me parecia um cara legal e estava na cara que ele tinha uma quedinha pela . Uma pena ele decidir seguir os passos do . No final, a culpa daquilo estar acontecendo era todinha dele.
Surpresa por terminar antes, voltei para o quarto e dei de cara com a Mina apertando spray no quarto inteiro. E quando eu digo no quarto inteiro, eu quero dizer em todas as camas, nas paredes, nos criados e qualquer coisa que estivesse em seu caminho. Ela só parou quando deu de cara comigo.
— Ei! Quase que você leva spray na cara, cuidado. – disse, como se não estivesse fazendo nada demais.
— O que você tá fazendo? Ele dorme em todas as camas, por acaso?
— Ah, bom... Eu não sabia qual cama era a dele, então...
Balancei a cabeça, um pouco chocada. Mas logo dei de ombros, deixando aquilo para lá. É como dizia aquele ditado, se já está no inferno, por que não abraçar o diabo? Era algo assim.
Nós saímos do quarto e eu estava mais do que pronta para sair dali logo quando Mina me puxou pelo braço.
— O que?
— Eu tive uma ideia. – disse, com um sorriso maldoso no rosto.
— Manda. – respondi, interessada em qualquer coisa que fizesse o sofrer.
— Aqui, me ajuda a abrir. – falou, me dando o spray para que eu o segurasse. O fiz e ela começou a puxar a parte de cima com força.
— Cuidado, não quero tomar banho disso.
Ela só me lançou um olhar que parecia dizer “Relaxa” e continuou a puxar. Na terceira tentativa, a tampa saiu e, felizmente, nenhum líquido foi derramado. Mina então pegou o pote de volta para si e começou a derramar aos poucos todo aquele líquido ao longo do corrimão. Observei a cena de olhos arregalados. Ela estava fora de controle!
Quando voltou para o meu lado, ela tinha um sorriso gigante no rosto.
— E então?
Precisei de alguns segundos de preparo para fazer com que as palavras realmente saíssem pela minha boca e quando eu finalmente consegui...
— Arrasou! – exclamei, animada. — É como uma estrada, um caminho, preparando eles para o que está por vir.
— Sim! Vai, vamos abrir o seu, faltam uns pedaços.
Eu que entreguei o spray para ela segurar dessa vez e me pus a tentar puxar a tampa. Admirei a Mina, pois aquilo parecia não querer sair de jeito nenhum. Na minha última tentativa antes de passar a missão para ela, eu consegui. Puxei a tampa com toda a força que eu tinha e... Como eu digo isso de uma maneira não tão apavorante?
Bom, Mina não foi forte o suficiente dessa vez. Eu puxei e, quando vi, o pote estava voando, derrubando tudo o que tinha dentro escada abaixo.
— Merda, Mina! Olha o que você fez! – disse, já descendo as escadas para pegar o spray voador e chorando pelo meu tênis que pisava naquele líquido nojento. Foi quando ouvimos o baque da porta da frente sendo fechada.
Eu não tive tempo. Mina não teve tempo. Nós só corremos e nos enfiamos na primeira porta que vimos, rezando para que aquele quarto não fosse da pessoa que entrava, ou nós poderíamos dar adeus a UCLA. Ou talvez não, talvez Alice, a coordenadora, não seria tão cruel. Seria?
— Droga! – Mina resmungou baixo.
— Shhh!
Me sentei atrás da porta ainda aberta junto com ela e ambas ficamos em silêncio, tentando ouvir o que acontecia lá fora. Ouvimos passos, que pareciam ser de uma pessoa só, e alguns resmungos, mas nada muito claro. Depois de um tempo, o ser humano do lado de fora começou a subir as escadas. Meu coração subiu na garganta e voltou, com medo de olhar pra cima e ver ele nos pegando no flagra. Troquei um olhar preocupado com Mina quando tudo ficou em silêncio. Ele poderia estar do lado de fora daquela porta naquele mesmo momento e não tínhamos ideia.
Segundos, que mais pareceram séculos, se passaram e nada. Nem um passo, nem uma palavra, nem uma respiração podia ser ouvida. Cada vez mais, eu queria sair dali e ver o que estava rolando do lado de fora, mas não me atrevi porque, a não ser que o cara fosse o Superman, ele não desapareceria assim do nada.
— Oi, onde você tá? – ouvimos ele falar de repente, nos pegando desprevenidas. Se não estivéssemos tão tensas, alguém teria gritado de susto. – Ah, desculpa, é que eu acabei de chegar da casa dos meus pais e queria saber o que aconteceu aqui. – ... – Na casa, ué, onde mais? – ele soltou uma risada forçada – Então eu acho melhor você vir pra cá agora. – ... – Não to brincando não, você vai ver. Ou melhor, você vai sentir assim que virar a esquina se tiver um bom olfato. – ... – Tá, vou te esperar lá fora porque aqui dentro tá impossível.
Quase suspirei de alívio com a última frase. Nem tudo estava perdido, afinal.
Ouvimos passos descendo apressados as escadas e logo a porta da frente batendo e só nessa hora eu tomei a liberdade de me mexer. Mina fez o mesmo, rindo baixo.
— Essa foi por pouco. – assenti.
— Vamos embora logo. – eu disse, já me levantando.
Mina me seguiu enquanto eu ia direto para o quarto do Nicholas. Ela me puxou quando percebeu que as escadas não eram o meu objetivo naquele momento.
— O que tá fazendo?!
— As chaves do Nicholas. – respondi, tirando elas do bolso e mostrando para ela. – Quer que eu entregue pra ele pessoalmente mais tarde?
Ela suspirou e balançou a cabeça, mas pareceu compreender.
— Tá, tá, vai logo.
Tentando fazer o máximo de silêncio possível, eu fui até o quarto dele e coloquei as chaves com cuidado embaixo do criado mudo. A cama do colega de quarto dele continuava vazia, então imaginei que o intrometido fosse ele. Não dava pra chegar um pouquinho mais tarde, amigo?
Voltei para onde a Mina estava, deixando tudo lá exatamente do jeitinho que estava antes e, com cuidado, descemos as escadas. Procurei rapidamente pela embalagem do spray, mas não encontrei, o que significava que eles tinham parte da arma do crime. Que ótimo. Mas, sem tempo para pensar muito naquilo, eu puxei Mina para uma porta que eu conhecia muito bem, a que dava para a piscina nos fundos da casa. Dessa vez, a chave estava no trinco, pronta para ser usada pelas duas fugitivas, e foi o que fizemos. Saímos por lá mesmo e, sem perder tempo, corremos, pois teríamos que dar a volta no quarteirão para não arriscar dar de cara com ninguém que morasse naquela residência. Paramos alguns metros depois para tirar a máscara porque duas garotas correndo por aí com aquilo no rosto não era exatamente discreto.
— Ah, eca! – eu exclamei assim que senti o cheiro. Aquilo era um veneno, era horrível, Mina tinha razão, e era mais ainda saber que vinha de mim.
— Não te disse? Agora aguenta.
Resistindo a vontade de abaixar em algum canto para vomitar, eu voltei a correr, com esperanças de que o vento batendo no meu rosto tornasse aquilo um pouco mais suportável.
Quando chegamos na nossa casa, não paramos de correr, cada uma querendo chegar no banheiro mais próximo o mais rápido possível. Cada uma se enfiou em um com a certeza de que nós nunca mais mexeríamos com algo sequer parecido com aquilo.

— Sua vez. – ouvi Lucy dizer, então tive que tirar meus olhos do relógio acima da lareira e voltar a prestar atenção no tabuleiro de xadrez a minha frente. Mexi uma peça qualquer e voltei para o relógio. Faltavam exatos 9 minutos para o próximo banho. Depois do quinto do dia, eu decidi dar pelo menos um intervalo de duas horas entre os próximos ou minha pele ia começar a derreter. – Você não é muito boa nisso, é? Cheque mate.
— Acho que não. – respondi simplesmente, com preguiça de explicar que normalmente eu não era tão ruim assim, só um pouco.
— Quer jogar mais uma? – ela perguntou em sua inocência, sem nem notar que tudo que eu fazia era mexer qualquer peça que me desse na telha para um lado que eu achasse que ia ficar mais bonito.
— Outra hora, quem sabe.
— Tudo bem. Eu vou tomar banho. – disse, se levantando.
— Vai lá.
Observei ela sair com inveja. 8 minutos.
Me joguei no sofá mais próximo, olhando ao redor. Estava anoitecendo e, como em todo fim de dia, algumas garotas estavam na cozinha comendo, outras em seus quartos, tomando banho, estudando jogadas pela casa e eu não tinha nada pra fazer. Pelo menos, nada que fosse tirar a minha mente dos 6 minutos que faltavam para que eu estivesse livre para tomar banho.
Quando a campainha tocou, eu pulei na hora. Qualquer coisa que fizesse o tempo passar mais rápido, qualquer coisa!
— Eu atendo! – gritei, como era de costume quando tocavam a campainha, assim ninguém perdia tempo vindo fazer algo que já estava sendo feito por outra pessoa.
Abri a porta esperando qualquer coisa boa o suficiente para me manter ocupada pelos próximos 5 minutos, até uma criança coletando doces dois meses antes do Halloween, então... Imaginem a minha surpresa quando eu dei de cara com a Lambda Chi Alpha inteira parada em frente a nossa porta.


Capítulo 9

2 anos antes...


' POV


— Só mais um pouquinho pra direita... Não, não, não, foi muito, volta, isso. Agora solta devagar, com muito, muito cuidado...
, isso é um balde, não uma bola gigante de ferro. – eu disse, virando para a minha namorada aka engenheira civil.
— Uma garota pode sonhar. – respondeu, dando de ombros. – Além do mais, o que tá aí é tão perigoso quanto. – revirei os olhos, rindo.
— Não exagera.
Nós éramos os responsáveis pela última pegadinha do ano. Bom, dessa maneira soava como se outras pessoas soubessem e tivessem nos colocado naquela posição, mas não... Nós só éramos livres assim. Era o último dia de aula, faltava cinco minutos pro sinal do fim do intervalo tocar, que mal teria? O pior que poderia acontecer era a surtar, mas nós já sabíamos mais ou menos como lidar com ela. Na verdade, eu teria que lidar com ela sozinho, já que só estava ali de intrometida que adorava pregar peças nos outros, aquela nem mesmo era a sala da próxima aula dela, mas, conhecendo mais do que ninguém, eu chutava que ela não ter que lidar com a era a melhor escolha.
— Você acha que vai pegar gente o suficiente? – ela perguntou, de braços cruzados, analisando a armadilha em cima da porta.
— A próxima aula é do Julian. – respondi simplesmente, mas foi o bastante.
— Ah... Com certeza. – afirmou, com um sorriso maldoso nos lábios.
Para os leigos, Julian era nosso professor de artes. Depois de muitos anos tendo sua matéria completamente ignorada pelos alunos, ele tomou a decisão de colocar uma pena sobre todos os atrasos, descontando diretamente nas notas dos trabalhos. Agora, no exato momento em que o sinal toca, todo mundo corre para a sala de aula porque chegar depois dele não é uma opção.
Desviei meus olhos do balde acima da porta para , que parecia realmente entretida estudando a artimanha que fizemos, ainda com um pouco do sorriso nos lábios rosados, o que me fez sorrir também. Seu cabelo estava preso no topo da cabeça, levemente bagunçado, e ela tinha algumas fracas olheiras, resquícios das últimas semanas mal dormidas por causa das provas.
Puxei-a pela cintura e ela imediatamente aconchegou seu corpo ao meu, erguendo a cabeça para me olhar nos olhos.
— Já te falei como você tá linda hoje? – ela ergueu os ombros.
— Eu não me importaria de ouvir de novo. – disse, com os lábios esticados em um sorriso.
— Você está extraordinariamente linda hoje.
— Ah, você sabe como pregar peças nas pessoas levanta o meu espírito.
— Os olhos chegam a brilhar. – afirmei, pois seus olhos castanhos realmente tinham um brilho especial naquele dia.
— Eles sempre brilham quando eu olho pra você, não notou, não? – brincou.
— Bem... Sim, eu só estava tentando ser modesto. – respondi, arrancando dela uma gargalhada.
Eu riria também, mas optei por ficar admirando-a com cara de idiota. Eu já havia dito aquilo milhares de vezes, mas Deus, como ela era linda rindo espontaneamente daquela maneira! E de todas as outras maneiras também, para ser sincero.
Quase que entorpecido, eu aproximei meu rosto do dela, a fim de beijá-la, e não demorou nada para perceber minhas intenções, pois logo seus braços estavam postos ao redor do meu pescoço e sua boca na minha. Nós já namorávamos há um ano e meio e eu não achava que iria me cansar daquilo tão cedo, da maciez de seus lábios sob os meus, das sensações que nossas línguas deslizando uma sob a outra me causavam, de puxar seu lábio inferior para mim, de sentir seus dedos agarrarem meu cabelo pela nuca e do calor de tê-la tão próxima a mim, tão entregues um ao outro.
Com calma para não causar um acidente, eu a guiei até a parede mais próxima, onde ela se encostou e me puxou para mais perto de si. Deslizei minha mão pela sua cintura, sentindo-a se arrepiar com o toque e sorrir entre o beijo. O fato de estarmos numa sala de aula e de que logo cerca de trinta alunos entrariam por aquela porta já se encontrava lá no fundo da minha mente, se afastando mais e mais, pois ela ocupava todo o espaço. Aquele beijo calmo foi crescendo cada vez mais urgente, os toques foram ficando cada vez mais íntimos até que meu impulso foi colocar as mãos atrás de suas coxas e puxá-la para cima para um contato ainda maior, se é que me entende. E eu estava pronto para fazer isso quando o barulho da porta se abrindo fez com que eu me jogasse para trás como se estivesse em chamas. O que, cá entre nós, não era completamente mentira.
Quando olhei para a cena, eu já tinha perdido a parte mais divertida. A mistura de ovos, mel, um toque de leite e algumas coisas um pouco mais nojentas já cobria umas oito pessoas, que gritavam e praguejavam entre si. e eu trocamos um olhar que era uma mistura de susto e diversão antes que eu explodisse em risadas, chamando a atenção das vítimas. Não foi muito esperto da minha parte, eu tinha que admitir. Em passos rápidos, eles começaram a vir em minha direção. Andei para trás, mas o tamanho da sala me impedia de ir muito longe, então recorri a minha namorada com um olhar que implorava por ajuda. Ela ria e ao me ver desesperado, ergueu os ombros conformada, como se dissesse “vou fazer o que?”, e, não sem antes mandar um beijo em minha direção, saiu correndo da sala. A última coisa que eu vi foram várias pessoas sujas e grudentas pulando em cima de mim.

Atualmente


Às vezes eu odiava o calor da Califórnia. Geralmente às segundas-feiras, na volta para casa ao meio-dia, com o sol em seu pico, depois de duas aulas de Álgebra e duas de Química, além da fome de um leão. A única coisa que me animava era saber que logo eu estaria em casa, onde eu poderia fazer algo mais ou menos para comer (eu era realista e cozinhar nunca foi meu forte), descansaria por algum tempo e depois iria para o treino de natação passar o resto da minha tarde dentro da água, onde o calor não existia.
Talvez existisse depois de uma hora e meia, mas era facilmente ignorado.
Comecei a notar algo estranho cerca de 500 metros antes de chegar na casa. Virando à esquina, eu pude ver à distância que várias pessoas estavam paradas na calçada e eu não me lembrava de nada específico marcado para aquele dia, muito menos para a hora do almoço, lugar em que todo mundo está no restaurante universitário ou lutando para conseguir um espaço na cozinha. Conforme fui andando e chegando mais perto, comecei a sentir um cheiro incômodo. Olhei ao redor, procurando por um gambá escondido em algum lugar ou aos meus pés, não encontrando nada. Quando o cheiro começou a aumentar gradativamente, eu pedi para qualquer ser divino que não viesse da nossa casa, que o fato de terem onze pessoas, que agora eu estava perto o suficiente para contar, paradas lá na frente não era nada além de uma baita coincidência. Eu não estava tendo muita sorte nas últimas semanas, mas tentei mesmo assim. As minhas esperanças desapareceram completamente quando Ryan, o líder da Lambda, veio em passos largos em minha direção e ele não parecia nem um pouco feliz.
— Você sabe o que aconteceu aqui? – perguntou antes mesmo de chegar até mim.
— O que aconteceu?
Ele suspirou, parecendo decepcionado e extremamente irritado com a minha resposta.
— Tá sentindo esse cheiro?
— Sim, e rezando para que não venha da nossa casa. – respondi e o olhar que ele me lançou disse tudo.
— Espera só até você entrar lá dentro. É insuportável.
— Caralho...
Paramos na frente da casa e eu a encarei por um tempo. Não poderia ser tão ruim assim, quer dizer... O quão insuportável pode ser um cheiro? Eu iria descobrir, logo, logo.
— Boa sorte, irmão. – Travis, um dos que estavam parados do lado de fora, disse, batendo nas minhas costas.
— Eu duvido que você aguenta dois minutos lá dentro. – Mike falou. Olhei para ele com uma sobrancelha erguida.
— Desafio aceito. – disse e comecei a subir as escadas.
Eu estava bem tranquilo, na verdade. O cheiro já era consideravelmente ruim ali fora, mas fedor não mata ninguém. Se eu havia conseguido trocar a fralda de um priminho alguns meses antes, eu conseguia fazer aquilo.
Foi o que eu continuei repetindo para mim mesmo até abrir a porta que dava para o hall de entrada. Como o bom competidor que eu era, eu entrei e fechei a porta antes de qualquer coisa, inclusive respirar. Andei até a sala, perto da escadaria, e olhei ao redor. Tudo parecia visivelmente normal, e isso me deu a coragem que eu precisava para finalmente inspirar. Me arrependi no mesmo segundo.
O que devia ser um ar puro e limpo parecia ter sido substituído por... Eu não queria nem dizer ou pensar. Um cheiro extremamente azedo entrou pelas minhas narinas, fazendo meus olhos lacrimejarem. Se alguém tivesse morrido ali dentro, não estaria tão fedido quanto aquilo. Comecei a subir as escadas, respirando e inspirando o mínimo de vezes possíveis, e o cheiro parecia ficar mais forte, se é que aquilo era possível. Talvez eu já estivesse ali a tempo demais e estivesse infectado ou algo do tipo. Fui direto para o meu quarto, só por instinto natural, e, como uma piada do destino, ele estava completamente infestado com aquele cheiro que parecia ter saído direto do inferno.
A porta do quarto estava aberta, algo incomum. Entrei, olhando direto para a minha cama e vendo que ela estava completamente molhada. Eu já sabia, lá no fundo eu sabia, mas ainda assim eu me aproximei para pegar os lençóis com as minhas próprias mãos e cheirá-los. Também me arrependi, os soltando no chão no segundo seguinte, não querendo que aquele cheiro grudasse em mim ou algo do tipo. No closet o estrago parecia ser ainda maior. Todas as minhas roupas e sapatos estavam úmidas e as dos meus colegas também, apesar de não terem sido nem 50% tão afetadas quanto as minhas, graças às divisões que tínhamos.
Busquei minha sunga que havia sido salva por estar praticamente invisível no fundo, mas não fazia tanta diferença, ela havia passado tempo o suficiente presa com as outras coisas no mesmo cubículo. Saí logo dali, tendo certeza de que mais de dois minutos haviam passado. Eu precisava respirar e me recusava a fazer isso enquanto continuava dentro daquela casa.
O ar entrando em meus pulmões do lado de fora, ainda que um pouco fedido, foi tão satisfatório quanto respirar depois de vários minutos nadando sem pegar ar. Me afastei da porta com pressa, querendo ficar o mais longe daquela casa possível.
— O que diabos aconteceu aqui? – perguntei, me aproximando dos outros caras ainda parados lá fora.
— Quando eu cheguei da casa dos meus pais hoje cedo, já estava assim. Só encontrei isso daqui jogado no chão. – Mike disse, me estendendo uma embalagem aberta e vazia. Peguei-a, olhando rapidamente ao seu redor, e parecia se tratar de um daqueles sprays insuportáveis que vendiam nessas lojas de bugigangas.
— Nós vamos esperar todo mundo chegar aqui porque eu quero saber quem é que foi que aprontou essa. Não teve graça. – Ryan comentou, de braços cruzados. Ele nunca fora o cara mais alegre do mundo, mas, naquela hora, ele realmente parecia capaz de matar alguém só com a força do pensamento.
— Puta que pariu! – ouvi Joe praticamente gritar, saindo de dentro da casa. – É bom a gente descobrir logo quem foi o infeliz que fez isso. Jogaram essa merda na porra do meu quarto inteiro, caralho!
— Sério? – alguém perguntou atrás de mim. – Pelo menos dessa eu me livrei.
— Eu também.
— Eu também.
Me virei para os que responderam, curioso.
— O quarto de vocês não foram pegos? – perguntei e eles negaram com a cabeça.
— O seu foi? – Travis questionou.
— Sim... E imaginei que todos os quartos tivessem sido.
Olhei desconfiado para o Joe, ainda puto do meu lado. Pensando melhor, só a minha cama parecia úmida de spray e a minha parte do closet fora a única completamente afetada. Nesse momento, só um rosto vinha na minha cabeça e ele carregava um sorriso inconfundível. .
— Ei! – Joe exclamou quando eu o puxei brutalmente pelo braço.
— Nós temos treino, voltamos em algumas horas. – anunciei para os outros. – Vamos logo. – sussurrei para o Joe, que se debatia, tentando se livrar da minha mão.
— Qual é, cara, eu sei andar sozinho. – mas eu continuei puxando-o, querendo me afastar daquela casa o mais rápido possível. – O treino só começa daqui uma hora e meia, tá louco? – reclamou, puxando seu braço para si.
Eu não respondi imediatamente, só continuei andando enquanto ele me seguia, ainda que confuso. Abri a boca apenas quando achei que estávamos a uma boa distância do pessoal.
— Você não acha coincidência demais os nossos quartos terem sido afetados e o dos outros não? – sugeri, esperando que ele chegasse em uma conclusão sozinho.
Joe me olhou, parecendo pensar sobre o assunto enquanto continuávamos andando em um ritmo acelerado sem ideia de para onde íamos. Alguns segundos de silêncio depois, eu comecei a achar que precisaria explicar tudo, mas bem a tempo ele começou a falar:
— Você não tá sugerindo que a fez isso, está? – lancei um olhar sugestivo, que o fez balançar a cabeça, desacreditado. – Não, eu tenho certeza que foi alguma pegadinha de alguém da casa da casa. Não viaja, . Até porque a minha cama não foi a única que tomou um banho, todas estavam prontas para ir pro lixo. A única coisa que eu acho é que você tá ficando obcecado com a garota.
— Eu!? Como é que eu sou o obcecado dessa história? Me diz, Joe.
— Ah, vai dizer que não ficou todo doído ontem porque ela saiu com o Nick? Você estava insuportável, cara! Nem eu te aguentei.
Em minha defesa, eu não estava “doído” porque a saiu com o Nick. Eu só não gostei de ver um amigo saindo com a minha ex-namorada e isso me parecia completamente compreensível. Ela que saísse com quem quisesse, eu não dava a mínima. Quem se importa? Ela era só a garota que eu havia namorado por mais de dois anos e ele era só um cara que eu achei que fosse meu amigo. E o mundo inteiro sabe que um amigo não pega a ex do outro. É uma quebra de regra severa do Bro Code, Barney Stinson diria. Ela deveria saber isso, assistimos a série juntos.
— Você é muito ingênuo mesmo. A te quebraria ao meio com um dedo só. – disse, frustrado.
— Menos, meu amigo, bem menos. – falou, me dando alguns tapas nas costas e me fazendo revirar os olhos.
— Espera só pra ver.
Ele não me respondeu e eu não insisti. Estava com fome o suficiente para deixar aquele assunto de lado e ir logo para o restaurante, pois aparecer no treino sem estar devidamente alimentado era um crime, de acordo com o meu treinador. Eu concordava com ele. E eu não estava (e nunca estive, para ser sincero) com paciência para teimar com o Joe.

Nós não tocamos no assunto durante o almoço nem no caminho até o ginásio, mas eu fui obrigado a ouvir ele tentar adivinhar que colega nosso tinha feito aquilo o tempo inteiro. Em algum ponto, mais viajado ainda que o normal, ele sugeriu ter sido o Ryan, com o teatrinho de “quem foi o filho da puta que fez isso aqui?” e tudo que uma boa armação tinha direito. Felizmente, ele não ficou naquela por muito tempo.
Quando chegamos, seguimos para o vestiário, passando pelo pequeno escritório do treinador Simons no caminho. Ele erguei o olhar de algumas pilhas de papeis ao nos ver parados ali.
— O que estão fazendo aqui? – questionou de aparente mal humor. Nada com que já não estivéssemos acostumados.
— Nós já almoçamos, então viemos direto. – expliquei e ele balançou a cabeça, voltando a olhar para os documentos e parecendo estar nem um pouco aí para nós dois.
— Ótimo. Vão para a academia e se aqueçam, quero vocês na água em vinte minutos. – ordenou, sem se incomodar em nos olhar.
— Ah, qual é, treinador! Falta mais de meia-hora, eu queria tirar uma soneca. – Joe protestou.
— Vocês me ouviram.
E não tinha argumento nenhum no mundo capaz de combater aquelas três palavras. Não um que me mantivesse no time, pelo menos.
Ainda assim, Joe pretendia continuar tentando, mas eu o puxei a tempo, ato que estava virando rotina. Ele acabou desistindo, sem muitas opções, mas não tirou o bico da boca enquanto nos trocávamos e depois também. Em algum lugar naquela cabeça, ele pensava que parecer frustrado ou triste faria com que o treinador se sentisse mal. Era como se ele não tivesse convivido com o homem quase que diariamente no último ano.
Quinze minutos mais tarde, esse mesmo homem apareceu na academia com cara de poucos amigos e nos mandou para a piscina. Chegando lá, a primeira coisa que eu notei foi a corda que pendia do teto logo acima da piscina. Ela acabava meio metro antes da água começar, com espaço suficiente apenas para que a alcançássemos. Joe e eu fomos parados pelo Roger assim que demos indícios de que iríamos tirar a camisa e bermuda, ficando apenas de sunga.
— Com as roupas.
— Elas vão ficar pesadas com a água...
— Jura, Monroe? Agora me conte uma novidade. Vamos, não tenho o dia inteiro.
Sem reclamar, eu pulei na água imediatamente. As competições estaduais estavam chegando e o treinador ainda não havia escolhido os competidores, o que significava que estávamos nas semanas mais “puxa saco” de nossas vidas. Acho que Joey me seguiu, mas já me agarrava a corda, concentrando meus pensamentos naquela atividade ao máximo possível.
Começou fácil. Estávamos descansados e escalar a corda era quase como fazer uma leve caminhada, rápido, até entediante. Mas o tempo foi passando e o comando do treinador de parar não vinha. Vários minutos depois, além do esforço de impulsionar meu corpo para cima apenas com o uso dos braços, as roupas antes apenas incômodas agora pareciam pesar cem quilos me puxando para baixo, mas me mantive firme. O mais firme possível naquela situação, pelo menos.
Quando todo mundo começou a chegar para o treino, eu pensei que o objetivo do treinador era matar eu e o Joe. Na verdade, apenas eu, porque foi mais ou menos nessa hora que o Joe chegou ao seu limite e foi para algum canto, tossindo. Eu também não estava muito longe de fazer o mesmo. Todos que chegavam, paravam para assistir a tortura ao vivo. Tentei não deixar aquilo me abalar, mas meus braços já tremiam pelo esforço e era uma vez as minhas mãos. Ainda que meu corpo inteiro implorasse para que eu parasse, tudo o que eu conseguia fazer era mentalizar pensamentos me encorajando. Eu precisava mostrar para ele que eu estava pronto, que eu era a melhor escolha para as estaduais e para as nacionais, lugar que eu chegaria de qualquer maneira.
— Estão olhando o que? Vão se trocar logo. – ouvi o treinador dizer poucos minutos ou talvez horas depois. Ele realmente não estava tendo um bom dia. – Chega, .
Assim que ouvi as duas palavras mágicas, eu soltei meu corpo na piscina sem cuidado algum, o que me fez engolir um pouco de água, mas aquilo era o menor dos meus problemas. Com um último esforço, eu subi para a beirada e decidi ficar por lá mesmo.
— Muito bem, os dois. – mesmo em meu quase-desmaio, eu sorri para aquilo. Não era fácil arrancar elogios do Rogers, nós sabíamos bem. – Descansem. Quero vocês de volta aqui em trinta minutos.
Como o bom e apressado treinador que era, pouco mais de vinte minutos depois ele já estava gritando para que voltássemos para a piscina, dessa vez só com as sungas de sempre. Nosso desempenho no treino foi, de longe, o pior. Joe e eu demos o nosso máximo, como sempre, mas estávamos esgotados. É claro que isso não impediu que o treinador nos cobrasse tanto quanto os outros, talvez até mais. Depois de quase duas horas ouvindo seus gritos, eu não poderia estar mais aliviado de ouvir o apito indicando que podíamos ir embora.
— Aê, cara!
— Parabéns, bro!
— Se deu bem!
Os caras iam dizendo quando chegamos no vestiário, longe dos olhares mal humorados do Rogers. Eu sabia pelo que eles me parabenizavam, mas optei por bancar o desavisado. Eu não precisava de expectativas agora, ainda mais quando tinha tempo o suficiente para que elas fossem destruídas de uma hora para outra.
— Do que que vocês estão falando?
— Não se faz de besta, . Você sabe que é um dos escolhidos. – Josh falou, empurrando meus ombros. Eu dei de ombros.
Era verdade, sim, que o treinador tinha essa mania de fazer um inferno da vida daqueles que levaria pro campeonato, mas tudo ainda estava vago demais, não me permitia concluir nada naquele momento.
— E o Joe não fica para trás não. – alguém atrás de mim falou e eu encarei Joe, que parecia pensar o mesmo que eu.
— Arrumem o que fazer. – ele disse, indo pro banho. Fiz o mesmo, com a leve impressão de que seria difícil tomar um banho na nossa casa.

— Ei, Mike! Espera aí. – gritei para o meu colega de fraternidade que andava apressado alguns metros a minha frente e de Joe.
O cabelo dele ainda pingava, mas ele não parecia se importar muito com aquilo. Ele esperou que nos aproximássemos para começar a andar em seus passos rápidos novamente.
— Descobriram quem fez aquilo? – Joe perguntou antes de mim.
— Não enquanto eu ainda estava lá. O Ryan tá louco sem saber o que fazer, considerando até sair jogando água na casa inteira.
— Nós poderíamos chamar algumas diaristas. – sugeri.
— É, ele disse que ia pensar nisso, só queria que todo mundo chegasse em casa antes, especialmente o culpado da coisa toda.
O meu primeiro impulso foi debochar daquilo e dizer que isso seria impossível, pois a culpada não morava naquela casa, mas optei por ficar quieto por enquanto. E graças a Deus eu fiz essa escolha.
— Nós vamos para a casa das garotas. – Ryan disse assim que chegamos em frente a Lambda. Todo mundo parecia estar ali, alguns sentados pelo chão, outros até deitados.
— Como é que é? – questionei.
— O cheiro é insuportável lá dentro, não dá para passar a noite. Quem não quiser ir que fique à vontade para dormir aqui. Eu não fico.
— Mas e as diaristas?
— Você não faz ideia de como é difícil arrumar uma diarista já no meio da tarde de uma segunda-feira. Apenas uma aceitou vir, mas só depois das 19hrs. Ela levaria a noite inteira limpando essa casa sozinha, então optei por já deixar três agendadas para amanhã cedo. – ele explicou e eu suspirei, preocupado. E talvez um pouco animado, ansioso para dar uma boa olhada na cara da quando chegarmos lá.
— E nada de descobrirem quem fez isso? – Joe perguntou.
— Não, ninguém se manifestou. Mas eu vou pedir as filmagens das câmeras dos vizinhos assim que essa casa estiver limpa novamente e quero ver eu não descobrir quem foi que fez isso. – disse, se retirando.
Joe me lançou um olhar desconfiado, como se começasse a considerar a como culpada, mas não falou nada. Ele veria, mais cedo ou mais tarde, graças a obsessão do Ryan de não deixar algo do tipo passar.
Falando em Ryan, ele gritou que todos que iriam entrássemos para pegar as coisas que precisaríamos até amanhã. Sequer considerei a ideia de ficar, a não ser que eu estivesse disposto a dormir em um mar de nojeira, aka, meu colchão, então me aventurei novamente dentro de casa. A maioria do pessoal pegou seus sacos de dormir, coisa que eu não pude fazer, já que não havia trazido o meu da casa dos meus pais depois das férias. Não me preocupei muito com aquilo porque eu sabia que poderia contar com a Nikki para me arrumar algo confortável para dormir. A cama dela, por exemplo.
Poucos decidiram ficar, uns sete caras, no máximo e eu saí de lá imaginando que eles se arrependeriam daquela decisão eventualmente.
Já era 18hrs quando finalmente todo mundo se juntou novamente na frente de casa, prontos para ir. E então começou a caminhada. Era no mínimo estranho andar no meio daquela multidão que carregava sacos de dormir, edredons, travesseiros, até pacotes de comida. Eu só carregava uma mochila com algumas coisas e um edredom que peguei emprestado de um colega, já que tudo que eu tinha estava inutilizável. Eu andava de cabeça baixa, sem coragem para enfrentar os olhares das pessoas que passavam nos olhando com curiosidade. Por isso, acabei batendo meus ombros em alguém por acidente. Quando levantei a cabeça, vi ser o Nicholas. Que maravilha.
Ele me olhou um pouco confuso, não me dirigia a palavra desde o dia anterior. Não que eu sentisse falta ou algo do tipo, nós nunca nos falamos com frequência, mas agora ele era o cara que estava saindo com a minha ex-namorada e eu não gostava daquilo. Nem um pouco.
— Foi mal. – eu disse e ele assentiu.
Voltei a olhar para frente, apressando meus passos para me afastar dele.
Suspirei aliviado quando finalmente chegamos na casa das garotas. Mais alguns minutos e seria encerrado o verdadeiro desfile da vergonha. Depois da festa do começo das aulas, eu já estava um pouco acostumado, mas preferia evitar.
Ryan tocou a campainha e nós esperamos atrás dele. Logo nós ouvimos a gritando algo e no segundo seguinte, a porta foi aberta pela mesma. Em um primeiro momento ela pareceu surpresa e um tanto quanto assustada. No lugar dela, eu também ficaria, considerando o que havia feito. Depois ela só nos encarou confusa, passando seu olhar por cada um.
— NIKKI! – ela berrou, me fazendo pular de susto. – Só um momento... – disse antes de fechar a porta novamente.
Ryan bufou, virando para trás, parecendo não ter um resquício sequer de paciência mais. Ainda assim, não falou nada, simplesmente esperou. Nós não tínhamos realmente outra opção, então era com o que teríamos que nos contentar.
Menos de um minuto depois, a porta foi reaberta, dessa vez com a Nikki na frente e algumas garotas espiando atrás. Ela parecia tão surpresa quanto a com as visitas inesperadas, mas logo assumiu sua característica postura de líder da casa.
— O que aconteceu? – questionou.
— Nós temos um acordo, não temos? – Ryan começou. – Vocês usam a nossa casa, nós garantimos ao máximo sua segurança e podemos contar com vocês quando precisarmos também, certo? – Nikki assentiu, hesitante. – Bom... Nós precisamos agora.
Ele se pôs, então, a explicar o probleminha que tínhamos naquele momento. Notei o exato momento em que a relaxou em seu canto ao ouvir que não fazíamos ideia de quem é que tinha pregado aquela pegadinha idiota, apenas algumas sugestões e nenhuma delas era uma Kappa Kappa Gamma. Optei por não contar para ninguém que eu sabia ter sido ela ou nós teríamos sérios problemas. O Ryan com certeza não seria tão compreensível e não pensaria duas vezes antes de ir correndo falar com a coordenadora das fraternidades e eu não gostaria de ter autoridades envolvidas naquilo.
Quando ele terminou de contar, dizendo que na manhã do dia seguinte o problema já estaria resolvido, a Nikki suspirou, encostando no vão da porta. Ela passou os olhos pelo grupo de caras parados em frente à sua porta, parando apenas em mim. Eu conhecia aquele olhar. Ela não sabia se acreditava ou não naquela história maluca e buscou em mim a resposta. Assenti, encolhendo os ombros.
— Eu já volto.
Mais uma vez, a porta se fechou. Cinco minutos depois, nenhum sinal. Dez e nós já estávamos cada um sentado em seu canto e nada ainda. Quinze minutos depois, Ryan parecia poder explodir a qualquer momento de tanta impaciência.
— Porra. – ele resmungou, chamando a nossa atenção. E foi dada a largada para um bando de brutamontes reclamando de toda aquela demora.
Eu fechei os olhos e encostei minha cabeça no corrimão atrás de mim, sem saco nenhum para aquilo. Poderia tentar acalmar todo mundo, como Joe e faziam, mas eu não estava com cabeça para defender nada que envolvesse a , não tão pouco tempo depois da nova que ela aprontou. Por um momento, comecei a pensar no dinheiro que gastaria mandando todo o meu guarda-roupa para uma boa lavanderia, se é que aquilo seria o suficiente para tirar aquele cheiro. Ela parecia ter algum tipo de obsessão com as minhas roupas.
Poucos minutos depois, a porta finalmente foi aberta e Nikki nos deu o ar de sua graça novamente.
— Escutem bem: vocês podem passar a noite aqui... – todo mundo começou a comemorar, aliviados, a interrompendo por alguns segundos. – Mas vocês ficam no andar de baixo. Se alguém chegar perto do segundo andar sem autorização, vocês vão todos embora na hora. Respeitem o espaço das garotas, isso aqui não é uma festa, tudo bem?
Todos assentiram rapidamente, até porque ninguém ali tinha coragem de contrariar a Nikki, e então ela deu espaço para que entrássemos. Do lado de dentro, todos os móveis foram afastados para os cantos, dando espaço para os sacos de dormir de todo mundo. Eu sempre me esquecia do quanto aquela casa era enorme, ainda que parecesse consideravelmente pequena vista de fora. Tinha espaço para todo mundo naquele primeiro lugar e ainda sobrava.
Algumas garotas pareciam felizes em nos receber e outras não davam a mínima para a nossa presença ali. A única que parecia infeliz com a festa do pijama me encarava de olhos semicerrados, talvez numa tentativa de me deixar em chamas apenas com o poder de sua mente, mas alguns segundos passaram e eu continuei muito bem. Logo ela desistiu e saiu marchando escadas acima.
, ajuda aqui. – me chamou, me fazendo tirar os olhos do movimento que os quadris dela faziam. Fui até ele, que se preparava para encher um colchão de ar de solteiro.
— Caramba... Você não dorme mal, em? – eu disse e ele deu de ombros.
e eram os prevenidos da turma. ainda assim ganhava dele mil vezes, mas não o culpávamos, era difícil acompanhar ela.
— E você não dorme. Cadê o seu saco de dormir?
— Na casa dos meus pais. Vou ver com a Nikki se ela me arruma um cantinho.
— Sei bem que cantinho você quer. – ele disse com um sorriso de canto nos lábios. Não neguei.
— Achei vocês! – apareceu, jogando seus braços ao redor de nós dois em um abraço desconfortável. – Já liguei para o , ele deve chegar aqui a qualquer momento. – disse quando se afastou.
— Você chamou o ? – perguntei, rindo.
— Claro, não seria uma noite do pijama clássica sem ele.
e eu trocamos um olhar divertido e demos de ombros. De qualquer maneira, seria ótimo passar um tempo com todo mundo, já que não fazíamos aquilo há uns dois bons anos. Isto é, se a colaborasse.
— Oi, April. – ouvi dizer e só então notei que ela estava parada de pé atrás da .
— Oi. – ela respondeu baixinho. Eu acenei e ela respondeu com um sorriso.
A garota era estranhamente quieta, mas parecia estar cada vez mais próxima das meninas. Mesmo semanas depois do começo das aulas, eu só havia trocado algumas poucas palavras com ela e esperava mudar aquilo eventualmente. Principalmente porque aquilo mataria a de raiva.
O tempo foi passando e, aos poucos, todo mundo foi ajeitando suas coisas em um canto. Aparentemente, um cara de pé, fazendo exatamente nada e olhando os outros trabalhar chamava atenção, pois o meu nome era o primeiro a ser chamado por qualquer um que cansasse de pressionar a bomba para encher seu colchão (porque não, não era o único a levar praticamente uma cama inteira para lá). No final, eu estava mais cansado do que qualquer um naquela casa e, adivinha só, ainda sem uma cama para dormir naquela noite, já que a Nikki continuava a me ignorar por causa da presença da .
Falando nela: ela desceu novamente, dessa vez com os cabelos úmidos pelo banho recém tomado, e não me encarou por um segundo sequer. Não que eu tenha olhado para ela o tempo todo. Não que eu tenha notado o Nicholas acompanhando cada passo dela, tentando tomar coragem para ir falar com ela. Não que eu tenha torcido para que ele não conseguisse, é claro.
— Ei! – alguém chamou minha atenção. Me virei e encontrei a Nikki ao meu lado.
— Oi! – disse, a abraçando, pois não a via desde a semana passada. – Deixou a para lá?
Ela tinha uma neura louca de não querer que a saiba que temos algo, eu nunca entendi direito. No início, eu não me importava muito porque... Bom, é difícil admitir, mas eu queria tentar me resolver com ela. Não que eu não queira mais, só que agora o negócio é um pouco mais complexo. Depois a coisa acabou ficando irritante.
Nikki me olhou confusa.
— Por que... Ah, tá. Não, a já sabe sobre nós. – disse com um sorriso.
— Sério? – questionei, surpreso.
— Sim, nós conversamos e tudo. Ela não se importa.
Ela deu a facada assim, sem rodeios.
— Não?
— Nem um pouco. – e ainda girou para que doesse mais. – Não precisamos mais ficar nos escondendo. Não que a gente vá ficar se agarrando na frente dela, mas... Você entendeu.
— Ah... Que bom. Por que você parece estar me evitando, então? – perguntei, achando melhor trocar o assunto antes que ela soltasse um “A shippa a gente”.
— Não pense que eu esqueci a peça que você pagou nas meninas, tá? Você invadiu a casa!
— Ei, eu tinha a chave! Isso não é invasão e você sabe muito bem porque aquela chave estava comigo. – me defendi. Ela semicerrou os olhos e me deu um tapa no braço na mesma hora.
— Eu pensava que sabia, né, amor? Mas, aparentemente, você tem suas prioridades. – disse, erguendo os ombros e se virando em retirada, mas eu a abracei e a puxei de volta antes que ela pudesse dar mais que um passo.
— Você sabe que não é assim. – refutei, beijando seu pescoço. A senti sorrir. – Eu sei que já falei isso mil vezes, mas... Me desculpa.
— Tudo bem. – suspirou. – Já me acostumei com a sua falta de noção quando se trata da .
— Você me conhece bem, não é? – ela assentiu.
— Infelizmente. – comentou.
Ignorei seu comentário e continuei.
— Então você talvez já imagine que eu não tenho um lugar sequer para dormir... E poderia contar com um pouco da sua caridade. – sugeri e ela riu, balançando a cabeça.
— Você não ama as voltas que o mundo dá? – falou, me olhando espirituosamente. – Sabe, as fantasias de palhaço ainda estão jogadas lá no porão, você poderia usar elas de colchão e eu aposto que aqueles sapatos dariam ótimos travesseiros!
Há há há, como você é engraçada.
Ela deu de ombros.
— Eu vou pensar no seu caso com carinho, . – disse, me dando dois tapas fracos na bochecha. – Prometo pensar com todo o carinho de quem ficou plantada te esperando pouco tempo atrás.
E assim eu soube que poderia passar aquela noite no chão.
Antes que eu pudesse implorar pelo menos por algumas cobertas para forrar no piso gelado, ela já tinha se desvencilhado dos meus braços e ido em direção ao lugar em que Ryan estava. Pouco tempo depois, eles saíram recolhendo sabores de pizza para pedir, checando se haviam alergias e coisas do tipo. Era realmente um serviço de primeira.
não demorou muito para chegar, o que deixou a na lua de felicidade pela reunião do grupo. Isto é, com exceção da , que entrou na cozinha e nunca mais saiu. Enquanto o nosso jantar não chegava, nós nos sentamos ao redor e no colchão do e ficamos conversando. April não falava muito, como sempre, preferindo observar tudo ao seu redor a abrir a boca.
— Eu realmente não acredito que isso aconteceu na casa de vocês. – disse pela centésima vez, rindo da situação.
— Não sei por que, você conhece muito bem a amiga que tem. – soltei, fazendo o olhar de todos naquela roda cair sobre mim.
— Como? – questionou e eu suspirei.
— Qual é, , não pense que eu não sei que foi a quem aprontou essa. É óbvio demais, só uma semana depois de eu pregar uma pegadinha nela, é claro que ela não resistiria.
— Tá, mas fala baixo! – ordenou, ironicamente em um tom alto. – Alguém mais sabe?
— Não... E eu não vou contar, mas eventualmente eles vão descobrir.
— Não sendo hoje... Isso aqui viraria uma bagunça. – April falou em sua já comum calma.
— Ela não é fofa? Poupou o meu quarto. Tenho que agradecer mais tarde. – comentou, fazendo voltar a rir, parecendo orgulhoso da amiga que tem.
Por algum motivo, a virou uma mini-heroína e a única que parecia compartilhar da minha descrença era a . Encostei na parede atrás de mim, sem vontade de acompanhar aquela adoração toda e a primeira pessoa que meu olhar captou ao passar os olhos pela sala foi o Nicholas encostado em uma parede mais ao fundo conversando com alguém que não reconheci imediatamente por estar de costas. Quem é que fosse a pessoa, não estava conseguindo mantê-lo interessado na conversa, pois ele olhava repetidamente para a cozinha e eu sabia bem o que ele procurava lá. Ou melhor, quem.
Ri comigo mesmo, imaginando a bagunça que a cabeça dele deveria estar naquele momento. A tinha esse efeito nas pessoas. Era extremamente difícil saber o que ela realmente queria ou entender quais eram os sinais que ela dava. Eu mesmo demorei anos para aprender e, por isso, poderia dizer com todas palavras que era praticamente impossível. Meus conhecimentos sobre ela não estavam tão atualizados quanto costumavam ser, mas eu chutava que ele era apenas um caso de uma noite, coisa que ele parecia ainda não ter percebido.
Eu não deveria ficar encarando alguém assim, mas o fiz de qualquer maneira. Assim pude notar quando ele falou algo que fez o cara com quem conversava se afastar e começou a ir em direção a cozinha. Eu poderia só estar sendo paranoico, pois ele estava longe o suficiente para estar indo para qualquer outro lugar naquela casa e não a cozinha, mas, naquele momento, eu não pensei muito naquilo. Eu só me levantei rapidamente e fiz meu caminho para aquele cômodo, sabendo que eu estava consideravelmente mais perto e não tinha chance alguma dele entrar lá logo depois de mim.
Essa é a parte ruim de fazer algo sem pensar: você só percebe a burrada quando já está nela e é impossível sair. notou minha presença no segundo em que eu entrei lá e, agora, sair andando sem dizer nada já não era uma opção.
Ela estava sentada no balcão com um copo de coca em uma mão e o celular na outra. Vestia o que parecia ser a parte de baixo de um pijama e uma regata que já não a servia mais, mas que eu sabia ser especial para ela, pois ganhara de sua avó em seu aniversário de 14 anos. Era difícil odiá-la em horas como aquela. Não que eu a odiasse, nunca conseguiria. Não por mais que duas horas, pelo menos. Mas em horas como essas, em que eu me lembrava de todos os aspectos que ela se recusa a mostrar para qualquer um, até fingir se tornava complicado.
Seus olhos se ergueram em minha direção no momento em que passei pela porta e logo sua cara fechou.
— Que foi, em? Tô quieta, não tô? – reclamou, me encarando com um olhar nada feliz.
— Só vim pegar um copo de água, relaxa. – me explique, terminando de entrar no cômodo. revirou os olhos e balançou a cabeça, mas continuou quieta. Busquei um copo no armário e me sentei no banco de frente para ela, sentindo uma estranha sensação de déjà vu. Ela não parou de me encarar por um segundo sequer enquanto eu pegava a garrafa de Coca-Cola a frente dela e me servia. – Você realmente devia parar de beber isso como se fosse água.
— Isso realmente não é da sua conta.
Ergui os ombros.
— Só estou tentando ajudar... – disse. Ela revirou os olhos e voltou a encarar a tela de seu celular. – Escuta... Eu não deveria ser o bravo da história? – perguntei, chamando novamente sua atenção para mim. – Você tem noção do quão cara vai ficar a minha conta na lavanderia? – suas sobrancelhas se curvaram em confusão.
— E o que eu tenho haver com isso?
— Não se faça de boba, . Nós dois sabemos que o único motivo de eu estar aqui, agora, na sua casa, é você.
Ela ficou quieta por alguns segundos, me avaliando, talvez tentando descobrir se eu estava blefando ou não. Aos poucos seus lábios foram se abrindo em um sorriso e ela apoiou o rosto nas mãos, com uma expressão divertida no rosto.
— Você tem provas? , eu acho que você tá começando a ficar meio paranoico. O meu mundo não gira ao seu redor, sabe... – disse e eu ri, desacreditado.
— Sério? É assim que vai jogar? – ela deu de ombros. – Você tá parecendo uma criança, sabia?
— Ah, me desculpa! Quem foi que invadiu meu quarto vestido de palhaço? Acho que você perdeu esse episódio. – ironizou e eu assenti, concordando.
— Tudo bem, nós dois estamos agindo como crianças de doze anos, mas eu só tento te pagar na mesma moeda, e você que começou essa “guerra”, fica onde?
— No inferno onde você é o capeta e não para de me encher o saco, aparentemente. – respondeu, me fazendo rir de novo. Me inclinei sobre o balcão rapidamente para dizer as próximas palavras.
— E eu não poderia estar mais feliz com isso. – disse, me levantando. – Eu gostava mais quando você era corajosa e assumia os seus ataques. – finalizei.
Um... Do...
— Ei! Olhe lá como você fala, rapaz. Eu sou muito corajosa!
— Ah, é? – apoiei meus braços no balcão novamente. – Então por que não diz olhando nos meus olhos que você fez aquela bagunça toda lá em casa?
— Porque ela estaria mentindo, dã. – Mina chegou de repente, parando ao lado da . – Eu quero receber meus créditos pela lambança toda, viu?
Eu imaginava que minha boca estivesse entreaberta por causa da pequena surpresa que eu tive naquele momento. A Mina? Eu não podia acreditar, exceto que eu podia, sim. Aquilo gritava “MINA” em letras garrafais em led que piscavam e eu não conseguia acreditar é que não tinha percebido o envolvimento dela antes.
— Você?! Tá brincando, né? – exclamei, inconformado. – Nós somos parceiros, não somos?
— Nós éramos, sim, mas é aquele negócio... Eu odeio que mexam com os meus medos.
— Eu pedi desculpas milhares de vezes, Mina, achei que tivesse tudo certo entre a gente.
— E eu achei que vocês aguentassem um cheirinho meio ruim o suficiente para dormir em suas próprias camas, mas... É a vida. – falou com uma calma que eu nem sabia que ela possuía.
— Eu amo essa garota. – disse.
Enquanto olhava as duas trocarem um olhar cúmplice, me lembrei do pensamento que tive logo na primeira semana de aula, quando as vi conversando pela primeira vez. Eu tinha medo do que aquelas duas poderiam fazer juntas. A conseguiria controlar uma, mas eu temia que, como um par, elas estivessem muito além do seu alcance. Na verdade, achava até que elas haviam começado com algo leve. Algo leve que nos fez ter que abandonar a nossa casa por uma noite, então eu tinha medo do que poderia vir a seguir. E curiosidade, muita curiosidade.
As encarei trocar sussurros entre si por mais algum tempo antes de simplesmente me retirar. A minha missão de parar qualquer avanço do Nicholas já havia sido cumprida, de qualquer maneira, e agora eu poderia contar com a para falar incansavelmente e encher minha cabeça de coisas que me mantivessem afastado de qualquer pensamento que envolvesse o que essas garotas planejavam. Eu tinha que pensar em qual seria meu próximo passo e, dessa vez, eu me recusava a fazer algo digno de alguém da sétima série. Mas não agora. A maior preocupação que eu queria para aquele momento era se a Nikki deixaria ou não que eu dormisse com ela, nada mais complexo que aquilo.
, , e April continuavam do mesmo jeito que os deixei minutos antes, rindo de algo que Joe, que se juntou à eles nesse meio tempo, contava. Voltei a me sentar próximo à eles e tentei ao máximo prestar atenção no que diziam, mas sem sucesso algum, pois antes que eu percebesse, minha mente estava viajando de volta para a cozinha, onde o próximo plano para ferrar com a minha vida poderia estar sendo planejado naquele mesmo momento.
Às vezes eu me arrependia de ter aderido àquela brincadeira, principalmente porque eu não sabia como iria acabar. A ideia inicial era não dar à o caos que ela tanto queria, deixando-a louca o suficiente para eventualmente cansar. Depois, dar exatamente o que ela queria para subir um pouco do meu ego, aquela que ela derrubou no chão, e, quem sabe, na menor das hipóteses, fazê-la enjoar daquele jogo. Para ser sincero, eu nem mesmo pensava que precisaria ir além da pegadinha dos palhaços. Mas os dias estavam passando e as chamas em seus olhos ainda queimavam tanto quanto semanas atrás, quando a vi de perto pela primeira vez em praticamente um ano. Eu via as coisas indo para um caminho obscuro, mas não sabia o que fazer para sair dele.
Eu sentia raiva dela, não podia negar. Por causa dessa confusão que ela fazia na minha cabeça sem esforço algum, por me fazer sentir obrigado a fazer essas coisas quando eu só queria que tudo voltasse ao normal, por sua teimosia crônica e todo aquele ódio que ela parecia nutrir por mim. Eu nem sabia que ele existia até pouco tempo atrás, era estranho tentar me acostumar com ele. Mas, agora, eu sabia que tinha algo ali, na sua maneira de lidar com aqueles sentimentos e, por Deus, eu faria qualquer coisa para descobrir o que era, mesmo apanhando em todos os sentidos no caminho.
— ALÔ! – gritou, balançando os braços a minha frente. – Acorda para a vida, tá viajando, é?
— Foi mal. O que foi? – perguntei.
— As pizzas chegaram, vamos subir. – me respondeu, me empurrando enquanto se levantava. Franzi o cenho em confusão.
— Subir para onde?
— Nossa, você não estava nesse planeta mesmo, né? Vem, só segue a gente que é sucesso. – disse já de pé.
Mesmo confuso, eu segui todo mundo até a cozinha, agora sem a presença da e da Mina, onde se encontravam o maior número de caixas de pizza que eu já havia visto na minha vida. pegou duas delas e nós subimos em direção ao seu quarto, comigo ainda tentando entender por que é que estávamos indo para lá.
Quando entramos, e Mina pararam de rir de algo, ganhando da um olhar extremamente desconfiado.
— Ah, não! – exclamou quando colocou os olhos em mim.
— Eu trouxe pizza. – foi tudo que a precisou dizer para fazê-la ficar quieta, pensando, por um tempo.
— Tá.
Joe, por ordem da , saiu distribuindo pratos descartáveis enquanto ela ditava as regras do quarto sobre comida. Elas consistiam basicamente em comer com calma para que nada – e quando digo nada, quero dizer nem uma migalha qualquer – fosse derrubada no chão. Por precaução, ketchup era proibido naquele cômodo.
Pouco tempo depois, estávamos sentados em um círculo no chão, na ordem: eu, Mina, April, , , , e Joe. escolheu a maior distância possível entre nós, eu não poderia imaginar por que, e tinha a cabeça deitada nos ombros do , seu substituto para o meu lugar vago de melhor amigo. Sem ressentimentos, é claro.
— Bom, April, Joe e Mina, vocês nunca estiveram em uma noite do pijama nossa, então saibam que ela consiste em jogos. Mas não jogos quaisquer e sim aqueles que nos permitem nos abrir e sermos sinceros uns com os outros, entenderam? – explicou, fazendo Mina rir. Na prática, era bem menos hippie do que ela fazia parecer.
— Com isso, ela quer dizer que são jogos que terminam quando alguém perde a paciência e começa a briga. – colocou com suas palavras e eu odiava admitir que ela estava certa.
— Não é assim, não. Nós já tiramos muitas coisas boas dessas noites do pijama.
Todos acabamos assentindo, pois era realmente verdade. Muitos problemas internos já haviam sido resolvidos com essas sessões de sinceridade e eu achava que essa era só mais uma tentativa da de fazer com que eu e a fossemos “consertados”. No fundo, eu queria que funcionasse, mas no mundo real, sabia que aquilo não daria certo de jeito nenhum.
— Ok... E o quão sincero podemos ser? – Mina perguntou. Era uma alfinetada daquelas.
— Vamos usar o bom senso, tá bom? – respondeu, sorrindo, pronta para dar início ao desastre que poderia acabar com a minha cabeça sendo cortada fora, eu tinha certeza. – Certo, eu já escrevi os nomes de todos os jogos possíveis aqui, quem quer tirar? – perguntou, tirando de trás dela um pequeno pote com alguns papeis dobrados dentro. Joe estendeu a mão rapidamente para escolher um e depois entregou de volta para , que o abriu. Ela abriu um sorriso extra largo ao ler o sorteado que me fez ficar preocupado com o que estava por vir. – Jogo da memória. – anunciou e tudo ouvido nos segundos seguintes foram as minhas lamentações e da .
— Não, , por favor!
— Que tal “Eu nunca”? Todo mundo conhece e é muito mais divertido. – sugeri, mas ela balançou a cabeça.
— O sorteado foi esse e esse vai ser, se aquietem!
Por mais mandona que ela quisesse parecer no momento, o sorriso que não deixava seus lábios um segundo sequer anunciava suas reais intenções. e eu trocamos um olhar rápido acidentalmente, ambos cientes da situação que ela queria nos enfiar.
— Tá, quer saber? Vamos começar isso logo.
— Primeiro nós vamos precisar de alguma bebida e de uma garrafa.
— Opa, essa parte é comigo.
Mina levantou até a mesma hora e correu para o frigobar, tirando de lá uma garrafa cheia de algo azul e desconhecido para mim. Na mesma velocidade, ela foi até o closet e saiu de lá com um copo descartável e uma garrafa de cerveja vazia. Em menos de um minuto, ela estava de volta em seu lugar na roda, sendo encarada por todos perplexos.
— Sempre desconfiei que você tivesse alguma gaveta escondida para essas coisas nesse closet. Não deixa isso chegar na Alice e nós vamos ficar bem. – disse e a amiga deu de ombros. – Ok, agora eu posso explicar para os novatos. – disse, pegando a garrafa vazia com a Mina. – O jogo funciona assim: um por um, nós vamos girar essa garrafa. – e então ela girou para mostrar. April foi a sorteada. – Como eu girei a garrafa, eu pergunto. Agora eu vou escolher uma memória, algo que aconteceu enquanto nós estávamos juntas e a resumir em, no máximo, três palavras. A April tem que adivinhar e, se não conseguir, eu sirvo uma dose desse negócio aí para ela virar. Detalhe: quem gira escolhe a quantidade de bebida. Entenderam? – concluiu, olhando ao seu redor. Joe, Mina e April tinham olhares meio confusos, a última também assustada, mas pareceram ter uma ideia boa do que se tratava.
— Ótimo, posso começar? – Joe pediu e a assentiu, entregando a garrafa à ele.
.
_ Putz... – ele reclamou enquanto Joe pensava.
_ Fogo. – disse depois de algum tempo e o encarou em pânico.
_ O que? Você tem duas palavras de sobra, use elas! – mas Joe negou com um sorriso no rosto. bufou antes de apoiar a cabeça nas mãos, o encarando como se tentasse ler sua mente. – Deixa eu ver... Eu tenho duas. Fogueira ou ar da montanha, fogueira ou ar da montanha... – ele sussurrava mais para si mesmo, talvez na expectativa que Joe tivesse alguma reação e lhe desse a resposta, mas não rolou. – Ar da montanha, vai...
Tudo que Joe fez foi balançar a cabeça para os lados e resmungou de raiva.
— Você é muito burro mesmo! Tomar uma garrafa inteira é massa, mas a gente transformou uma reunião de ex-alunos numa festa de fogueira na praia, cara!
nem teve tempo de se lamentar, pois Mina já entregava para o Joe a garrafa e o copo. Eu diria que ele foi legal até, colocou no copo pouco menos que a metade, o que daria mais ou menos uma dose comum. virou na hora, sem tirar os olhos – agora realmente com fogo – do meu amigo.
— Até que é bom. – disse, tomando algumas últimas gotas do copo.
— Espera você ter que virar pela terceira vez. – Mina comentou.
Ele deu uma olhada rápida para ela antes de girar a garrafa novamente.
.
Ela ergueu o queixo em confiança na hora e eu senti pena dele. Infelizmente, ele não teria o prazer de fazer ela virar. Ele ou qualquer um de nós.
— Você não tá com sorte hoje, amigo. – ela disse, sorrindo. Ele não respondeu, só parou para pensar por algum tempo.
— Roupa. – disse e quem se pôs a pensar, então, foi a .
Obviamente ela não precisou de muito tempo. Nem um minuto se passou e ela ergueu o peito, já convencida de que estava no caminho certo.
— Bom... Na quinta série, eu pensei que seria uma boa ideia customizar alguns dos uniformes do . – começou a contar. – Eu cortei e costurei de volta e joguei glitter, pedras, fitas, todo o material que eu tinha. Vamos dizer apenas que eu arruinei aquelas camisas. Quando os pais dele descobriram, contaram para os meus e, como castigo, eles me fizeram vestir elas para a escola por uma semana.
— Nossa, nem eu lembrava disso. – disse enquanto os outros riam.
— Sabe que eu ainda tenho uma dessas desde aquela vez que eu me fantasiei de ? – falou pensativa.
— Ei, eu ainda não te perdoei por isso. – a advertiu e mandou um beijo para ela.
Porque acertou, ninguém bebeu e ela não demorou muito para girar a garrafa novamente. Talvez por maldade do destino, foi a sorteada da vez. Ela ficou tensa em seu lugar, sabendo que usaria todas as cartas que tinha na manga para tornar aquele jogo um inferno para ela e, a conhecendo, eu com certeza seria arrastado junto.
— Olha só, , o mundo dá voltas, não é mesmo? – e sem nem mesmo nos dar um tempo, ela jogou a bomba. – 14 de outubro.
Não tinha nada no mundo que me fizesse tirar os olhos da naquele momento, encolhida em seu lugar e dividida entre dar a resposta ou virar a bebida de propósito. Eu sabia disso pois seus olhos iam constantemente da à garrafa o tempo todo.
Eu não conseguia compreender a necessidade dela fazer todo aquele suspense quando todos naquele círculo sabíamos que ela acabaria respondendo, simplesmente porque beber significava perder e isso era demais para o barril de orgulho que ela guardava dentro de si. Ainda assim, ela enrolou por mais alguns segundos, ponderando qual seria sua escolha.
— Tá legal. – se rendeu. – No dia 14 de outubro, eu e o ficamos pela primeira vez. Feliz?
— Muito, amiga. – respondeu com um sorriso gigante no rosto.
Eu contive a vontade de dar risada da situação, mas, de alguma maneira, captou o que eu queria fazer e me lançou um olhar bravo. E mesmo quando eu não tinha mexido um dedo sequer, ela arrumava alguma maneira de sentir raiva de mim.
Felizmente, sua vontade de seguir em frente falou mais alto do que a de me derreter com o poder de seus olhos, então ela foi girar a garrafa. A cada volta eu rezava com todas as minhas forças que não caísse em mim. Eu aceitaria jogar com qualquer outra pessoa, mas não ela, pois eu sabia bem que aquela seria só mais uma oportunidade para me atacar e eu continuava nem um pouco afim de só ouvir.
Pude suspirar aliviado quando a garrafa parou apontando para e ambos trocaram um sorriso animado, prontos para jogar.
— Uuuh, eu espero que você não me odeie depois disso. – ela disse com um sorriso malicioso. – Kiwi.
— Kiwi? Do que você tá falando, mulher? – perguntou indignado e ela apenas deu de ombros.
— Eu escolhi uma super fácil, vou ficar até ofendida se você não acertar.
Ele semicerrou os olhos em sua direção antes de abaixar a cabeça para pensar. Eu sabia que a era alérgica a kiwi, mas não me lembrava de nada muito marcante relacionado a isso. Imaginei que ela não levaria na boa se eu desse essa dica para ele, então mantive minha boca fechada.
— Ah, eu desisto! – resmungou depois de minutos de pressão de todo mundo para que ele deixasse aquilo para lá de uma vez. — Kiwi? O que isso quer dizer?
ria, já servindo a bebida para ele, e não sendo tão boazinha quanto o Joe, diga-se de passassem, enquanto contava a história.
— Há uns sete meses atrás, eu estava posando na casa do e, por acidente, comi um doce que tinha kiwi. Para aqueles que não sabem, eu sou alérgica a kiwi. Nós tivemos que correr para o hospital e, depois de todo o algazarra, quando eu já estava bem, nós conhecemos dois caras. Pela maior coincidência que eu já vi na vida, um era gay e o outro era hétero. O resto é história.
Quando ela terminou, ele já se contorcia, frustrado, me fazendo temer que ele pudesse se socar a qualquer momento.
— Porra, eu não lembrava que a gente foi para lá por causa do kiwi! Me dá isso aqui, eu mereço. – falou, já pegando da mão da o copo com uma quantidade bem generosa de bebida. Ele hesitou rapidamente antes de virar, mas não perdeu muito tempo dessa vez e tomou tudo de uma vez. – Isso aqui é um caminho andado para um PT. Poderia tomar a garrafa inteira.
O jogo seguiu por um tempo sem muitas surpresas. Aos poucos, todos tiveram sua vez e as pessoas sorteadas começaram a repetir. No total, Mina virou três vezes, eu, e Joe, duas, e , uma, e April e , um total de zero. April tinha sorte pois nos conhecia há pouco tempo, as memórias eram óbvias demais. Eu acabei descobrindo e relembrando algumas histórias bem engraçadas, como a do dia em que a Mina e a ficaram presas por algumas horas em um dos banheiros do campus. Tudo estava divertido, nós ríamos sem parar, eu e nos ignorávamos, era bom demais para ser verdade. Eu devia saber que aquilo mudaria logo. Infelizmente, eu só me toquei quando a garrafa recentemente girada pela parou, apontando para as minhas pernas.
E pensar que eu achei que ela fecharia a cara na mesma hora, mas não... O sorriso que ela carregava continuou ali, só mudou de forma, passando de divertido para “, você tá ferrado”.
— Ora, ora... E não é que eu tenho a memória perfeita guardada para você?
_ Imaginei. Você passa bastante tempo pensando em mim. – respondi, não deixando com que ela abalasse a minha confiança. Em compensação, a dela também continuava intacta.
— Eu vou fazer a minha caridade do dia e praticamente te entregar essa, tá bom? – ela disse e eu esperei. – Cóccix.
Porra... Eu devia imaginar que ela me faria desmentir uma história perfeitamente montada para me fazer passar vergonha. Eu esperava algo do tipo “o dia que o quase se afogou no mar porque não teve força contra a das ondas”, mas era leve demais, eu devia saber.
Eu poderia simplesmente beber, mas não daria aquele gostinho a ela, então simplesmente comecei a falar.
— Bom... Vocês se lembram de quando eu machuquei o meu cóccix na piscina e tive que usar aquela almofada de ar por semanas para sentar? – os que me conheciam na época assentiram enquanto só me observaram. – Essa não é a história toda.
Antes que eu dissesse outra palavra, começou a rir, balançando a cabeça.
— Eu sempre imaginei que essa história não estivesse completa.
— É... – concordei, fazendo uma careta. – Na verdade, nem tem piscina na história. e eu estávamos tentando algo... Ahn.... Diferente, sexualmente falando. – e ela me encarava com uma expressão divertida e interessada, como se tivesse assistindo seu filme preferido. – Ela estava em cima de mim e... – nesse ponto eu já ouvia a risada de Joe ao meu lado. – Eu acabei perdendo o equilíbrio e caindo no chão direto com o... Vocês já sabem.
Assim que eu pronunciei a última palavra, eles começaram a rir da minha cara, com exceção da , que já conhecia bem a história e tinha apenas um sorriso enorme de vencedora no rosto.
— Eu não acredito que você me privou dessa história. – murmurou entre gargalhadas.
Recebi tapas nas costas do Joe e eventualmente Mina se apoiou em mim para rir. Foi quando eu decidi que estava na hora de parar aquilo.
— Eu vou girar isso daqui, então me façam o favor de calarem a boca. – falei, o fazendo na mesma hora. Aos poucos, eles se acalmaram e a velocidade da garrafa começou a diminuir.
Eu não sei se havia adquirido poderes especiais nas últimas horas ou se o destino decidiu dar uma ao meu favor, mas eu tive que me conter para não pular de felicidade quando ela parou apontando para a única pessoa que me interessava naquele momento: . Ela tentou disfarçar seu descontento com aquilo, mas não foi boa o suficiente para conter sua preocupação com aquele resultado.
— Interessante. – ouvi Mina dizer ao meu lado.
Eu já sabia bem o que eu ia usar, por isso não pensei por muito tempo. Só o suficiente para concluir que o de oito anos de idade me mataria por aquilo e eu não me importava nem um pouco.
— Amor de infância. – eu disse e foi o suficiente para ela arregalar os olhos e a boca na mesma hora, chocada com o que eu joguei ali, literalmente na roda, e já denunciando para todos que ela sabia do que se tratava.
— Não! – protestou com raiva nos olhos. – Nós tínhamos um acordo!
— Nós tínhamos muita coisa mais de dez anos atrás, mas elas não contam agora, contam?
— É pessoal, você não pode fazer algo assim. , cadê as regras!?
— Depois da história da Mina, eu não acho que tenha regra alguma contra coisas pessoais. – disse, encolhendo os ombros.
— Nós não temos a noite inteira, . Conta ou bebe, anda. – falei, sem nem conter um sorriso maldoso, enquanto ela ainda me encarava furiosa. Por isso eu fiquei surpreso quando ela me entregou a garrafa e o copo para servi-la. – Sério? Você tirou o dia para me mostrar a sua covardia?
— Enche o copo e não a minha paciência, . – disse, me fazendo rir.
Eu sabia que ela não gostava de ter sido completamente apaixonada pelo do momento que o conheceu até seus dez anos, mas não àquele ponto. Para ser sincero, esse nem era o problema, e sim o fato dela nunca ter tido coragem de dizer aquilo para ele. sempre foi popular, mesmo entre uma cambada de crianças, e isso a intimidava quando pequena. Agora, ela odiava o fato de ter deixado algo assim entrar em seu caminho e, como sempre, seu orgulho era gigantesco demais para admitir em voz alta. Os únicos que conheciam a história toda eram eu e , talvez , já que eles se aproximaram muito no último ano.
De qualquer maneira, eu fiz questão de a obedecer naquela hora. Não economizei bebida e coloquei uma quantidade generosa para ela, o que não fez exatamente que ela me amasse. Mas ela queria jogar, não é? Que aguentasse as consequências então. E como uma pessoa que sempre tentava tirar o melhor do pior, ela bebeu tudo em segundos, não tirando seus olhos de mim em momento algum. Isto é, até ela terminar e se encolher, fazendo uma careta.
— Caramba, por que isso é tão doce?
— Era isso ou whisky, então... – Mina respondeu, dando de ombros.
Ela me lançou um último olhar bravo – como se eu já não estivesse acostumado com eles – e girou novamente a garrafa. Me distraí puxando alguns fios da minha bermuda e voltei a erguer a cabeça quando ouvi uma risada um tanto quanto estranha vindo da , só então notando que, mais uma vez, a boca da garrafa apontava exatamente para mim.
Ficou claro que o universo não ficou do meu lado por muito tempo.
— Só por que você merece, tá? – provocou. – São Francisco.
— Minha cidade? – April perguntou e assentiu.
Engraçado. Nós fazemos besteira o tempo inteiro, mas algumas parecem nos acertar com um soco de direita bem dado toda vez que voltam. Era o caso daquela. Eu senti uma sensação incômoda que ia do meu peito até a garganta. Engoli em seco, pensando se teria coragem de contar aquela história. Não precisei de muito tempo para concluir que não, eu nunca contaria aquilo a ninguém que não precisasse realmente saber. Era ruim o suficiente que eu tenha chegado ao ponto de fazer algo do tipo e era pior ainda que eu tenha feito passar por aquela situação, eu não precisava atormentar mais ninguém com essa história. Na verdade, se eu pudesse, gostaria de apertar um botão e fazer qualquer resquício de lembrança daquele dia desaparecer.
Então eu dei à ela a bebida para que servisse, com um sorriso de derrota no rosto. Mas só dessa vez. Sem dizer uma palavra, ela me entregou o copo com a bebida, sendo tão generosa quanto eu na quantidade, e eu virei. Tive a mesma reação que ela ao dar o último gole. O que antes era um doce agradável agora me parecia açúcar puro com um pequeno toque de álcool lá no fundo.
— Sabe, a ideia do jogo é beber só quando perde, não quando não quer falar... – Mina disse. – E agora eu tô curiosa, pô!
— Tem alguma coisa a ver com aquele acampamento? – perguntou e eu balancei a cabeça, negando.
— Por que a minha vocês querem saber e a da não?
— Nós queremos também. É que agora somou a sua com a dele e nós ficamos curiosos o suficiente para reclamar. – explicou. Revirei os olhos.
— Não é nada demais, esqueçam.
Como esperado, eles não me ouviram e se viraram todos para a atrás da informação que eu neguei. Nós trocamos um olhar silencioso enquanto ela parecia ponderar se falava logo ou não.
— Se queriam saber mesmo, deviam ter perguntado antes da gente beber. Agora já era. – disse depois de alguns segundos, me permitindo relaxar aliviado.
Mesmo já me sentindo um pouco tonto, eu voltei a girar a bendita garrafa, pedindo secretamente que caísse na novamente. Eu sabia que as chances eram muito pequenas, mas estava contando com qualquer milagre possível. Aparentemente, o universo deu uma outra volta brusca de 360° e se colocou do meu lado porque a garrafa parou exatamente centímetros antes do corpo da acabar e o da começar.
— Okay, esse negócio tá viciado. – ela afirmou.
— Até eu tô viciado em vocês. – murmurou, distraído, ganhando um tapa da no braço. – Eu falei isso alto? – perguntou quando percebeu todos os olhares sobre ele.
— Quer saber? Eu cansei desse jogo. – disse, pegando impulso para se levantar.
— Opa, pode ir sentando. – ordenou. – Você não pode desistir agora não, minha linda, só depois do completar a vez dele que já começou. Nós temos regras, sabia?
Ela olhou para ele aborrecida, ainda agachada.
— Lembra quando você era meu amigo? Saudades.
— Tá tudo bem, , a tá no modo covarde hoje. Não me importo de poupar ela. – disse, já sabendo exatamente quais efeitos aquelas palavras teriam nela.
— Me poupar? – dito e feito. – Ah, me erra, ! Vai, manda. – mandou, se sentando novamente.
— Tem certeza que você aguenta? – provoquei, ganhando apenas o seu dedo do meio quase enfiado na minha cara. – Tudo bem, então... Já que nós estamos trabalhando com lugares: Buena Park.
Ela não se lembrou de primeira, mas eu sabia que logo, logo a lembrança viria. Principalmente porque aquela região era pouco conhecida e explorada por nós dois, então não haviam muitas opções de escolha.
— Oh. – seus olhos se arregalaram levemente quando ela lembrou. – Você realmente tinha que desenterrar isso? – dei de ombros. – Tá... Um dia o estava tomando banho e eu esperando no quarto quando o celular dele tocou. Eu atendi e era uma mulher dizendo que ele havia sido selecionado para uma vaga de emprego meio período no escritório dela, lá em Buena Park. – ela parou por um tempo e eu continuei fitando ela, a desafiando a continuar, até que ela suspirou e seguiu em frente com a memória. – E aí eu disse que ele não estava mais interessado.
— Por que você faria isso? – April perguntou, surpresa.
— Era por que era uma mulher? – Joe questionou e o olhou brava.
— Não, não era por causa disso. – respondeu-o. – E eu tinha a melhor das intenções. – disse, olhando para a April dessa vez.
— Eu ainda tenho muita dificuldade tentando entender como pode haver boas intenções em dispensar um emprego que eu precisava.
— Buena Park fica a quase uma hora de distância da nossa casa e com um bom trânsito. Olha o tempo que você ia perder! – se defendeu.
— E? Era um emprego, , e dos bons! – exclamei, ainda inconformado.
— Pelo amor de Deus, você estava no último ano, precisava estudar, não trabalhar, ! Ou você acha que entrou na UCLA com a sua boa vontade?
— Isso não era da sua conta!
— Como sua namorada, era sim! Além do mais, já me desculpei milhares de vezes por causa disso, não sei nem por que você tá remoendo essa história ainda.
— Argh, essa briga de novo não... – resmungou, tapando o rosto com as mãos.
— Quem quer descer lá embaixo para assistir um filme? – Mina perguntou em um tom alto, impedindo que eu pudesse responder a . Todos, menos nós dois, concordaram na mesma hora, ansiosos para dar o fora dali, então acabamos deixando aquilo para lá.
— Eu venci, de qualquer maneira. – disse.
Não respondi. Esse era o nosso problema. Mesmo quando vencíamos, acabávamos perdendo.
Eu ia seguir os outros para fora, mas fui obrigado a parar porque a Jess empacou na porta e se virou para trás. Segui seu olhar e só então notei April e discutindo algo baixinho, ainda sentados no chão.
— Vocês não vem? – perguntou, chamando a atenção deles.
— Nós já vamos. Eu tenho que conversar com a April sobre uma coisa.
— Que coisa? – questionei, curioso. ergueu uma sobrancelha para o meu lado, desaprovando minha pergunta.
— Nada que interesse vocês dois. Vão logo, nós não vamos demorar.
— Hmm... Olhe lá o que vão fazer no meu quarto.
! – April a repreendeu, com seu rosto ficando rapidamente vermelho.
Eu vi a cara do de “caiam fora daqui agora” e achei que fosse uma boa hora para ir, então empurrei disfarçadamente a pelas costas. Ela agiu como se tivesse acabado de levar um choque, se afastando rapidamente de mim e de qualquer toque que eu poderia fornecer, saindo andando com rapidez a minha frente.
A observei sair do meu campo de visão em segundos, tamanha sua pressa para se afastar de mim, e suspirei, frustrado. Como é possível sentir tanta raiva de alguém em um segundo e tão mal por causa dela em outro? Talvez eu não sentisse raiva dela e sim de suas atitudes. Foi a forma que ela encontrou de botar para fora todo ódio que acumulou desde que terminamos e, para ser honesto, era até melhor. Melhor que a indiferença que ela parecia sentir na época. Eu me lembrava bem de vê-la sorrindo, se divertindo, flertando, poucos dias depois do nosso término e sentia arrepios, dos ruins, por mais egoísta que aquilo fosse. Eu preferia as coisas assim, com ela colocando tudo para fora para mim, ainda que doesse as vezes, do que simplesmente não colocando.
Eu quase me arrependi desse pensamento quando cheguei no andar de baixo e dei de cara com um casal se agarrando. Não levou um segundo para que eu reconhecesse a e, é claro, o Nicholas. Observei a cena por algum tempo, assistindo a maneira como ela parecia querer compensar um toque rápido meu com uma agarração quase que explícita no meio da sala. Bom, eles estavam em um canto, mas ainda assim...
— Ei! Que filme você quer ver? – perguntou, aparecendo de repente a minha frente e tampando a minha visão dos dois.
— Tanto faz. – respondi, mas ela me puxou do mesmo jeito, me virando para que eu ficasse de costa para os dois.
— Mas eu quero sua ajuda para escolher, poxa.
, relaxa, tá tudo bem. – falei, sorrindo para ela.
— Eu não sei do que você está falando. Que filme? – insistiu, me fazendo rir.
— Eu tenho certeza que alguém já te falou que sua atuação é terrível e que você é uma péssima mentirosa. Tá. Tudo. Bem. Ok? – eu disse e ela se rendeu abaixando os ombros.
Não estava, não. Ver ela beijando outro cara, especialmente alguém que eu era obrigado a ver quase todos os dias, me irritava, me fazia questionar cada decisão que eu já tomei na minha vida, coisa que eu já fazia vezes o suficiente. Uma coisa era saber que ela havia saído com o Nicholas, outra era ser obrigado a vê-la correr seus dedos pelo cabelo dele e vê-lo tocá-la daquela maneira. Eu costumava ser aquele cara e não conseguia lidar com o fato dele poder senti-la agora e eu não, especialmente depois da quantidade considerável de bebida que eu virei. Ele não a merecia, ele não era, de longe, bom o suficiente para ela. Mas, para ser honesto, quem era? Certamente não eu depois do que fiz com ela. Nós somos seres humanos, cometemos erros, mas eu já havia perdido a conta de quantas vezes o havia feito, incluindo, especialmente, a história de São Francisco, aquela que eu prefiro fingir que nunca aconteceu.
Mas, de qualquer maneira, não queria deixar a mais dividida entre nós dois do que ela já se encontrava. Até porque eu sabia que, no final, a sempre viria primeiro.
— Tá legal. Eu não sei por que ela tá fazendo isso, quer dizer... Eu ainda não te vi se agarrando com a Nikki pelos cantos, vi? Não!
— É... Cadê a Nikki? – perguntei e ele me olhou desconfiada.
— Você não tá pensando em...?
— Claro que não, só quero falar com ela.
Ela não acreditou primeiramente em mim, se pôs a avaliar minha expressão e procurar qualquer sinal de que eu não tinha a melhor das intenções, mas não pareceu chegar a conclusão alguma.
— Ela tá vindo aí. – disse, se retirando ao mesmo tempo em que eu sentia uma mão no meu ombro. Me virei para trás, dando de cara com ela e seus cabelos louros pendendo sob os ombros.
— Procurando por mim?
— Por você, por um lugar para dormir... – respondi. – E aí, pensou?
— Pensei, sim. Eu vou fazer o sacrifício de dividir minha cama com você, mas só porque eu sou querida demais para te deixar dormindo no chão. – sorri, a puxando para um abraço apertado que a pegou de surpresa. Beijei sua bochecha enquanto ela ria.
Eu não tinha palavras para dizer o quanto eu adorava aquela garota. Ela era linda, inteligente, divertida, responsável... Tudo que me faltava de vez em quando. Com a Nikki as coisas eram fáceis. E não fáceis no sentido de que ela aceitava tudo ou algo do tipo, muito ao contrário, eram fáceis porque eram simples. Nós tínhamos esse rolo há quase um ano e haviam alguns desentendimentos aqui ou ali, mas depois que nos acertamos e cada um definiu bem o que queria, tudo ficou incrível. Não haviam cobranças, ciúmes, controle nem nada do tipo, mas também não havia amor. Pelo menos, não aquele amor que te faz pensar “eu quero passar a minha vida inteira com ela” e sim um amor de amizade. Quando nós percebemos isso, a coisa começou a realmente andar. Bom, talvez andar não seja exatamente a palavra, porque momentos eram tudo que nós tínhamos e estávamos muito bem assim.
— Você é incrível, sabia?
— Pode ter certeza que eu sabia. – disse. – Na verdade, nós temos uma cama sobrando aqui, mas adivinha em que quarto ela fica?
— No da . – afirmei, pois tinha notado a cama extra mais cedo.
— É, e eu imaginei que ela não fosse aceitar isso muito bem. – assenti, fazendo uma careta. Eu podia imaginar até o escândalo. – Como ela está hoje?
— Querendo arrancar minha cabeça fora, o de sempre... – dei de ombros.
— Não haja como se você não provocasse de vez em quando, .
— Eu só revido, quem sempre começa a baderna é ela. – me defendi, mas Nikki revirou os olhos, conhecendo bem a história toda.
— Vocês vão se entender uma hora. – disse, sempre positiva, o que me fez lançar um olhar rápido em direção ao casal de pombinhos atrás dela.
— Talvez... – voltei a olhá-la. Eu tinha uma garota incrível demais na minha frente para passar tanto tempo pensando em outra. – Vem deitar comigo?
— Ainda é cedo, não quer assistir um filme?
— Não, eu tô meio cansado, mas tudo bem se quiser assistir. – disse e ela me olhou por uns segundos antes de se aproximar, apoiando uma das mãos em meu peito.
— O quão cansado você está? – perguntou próximo ao meu ouvido, me fazendo sorrir.
— Só um pouco. – respondi. Foi o suficiente para ela me puxar pela mão escadas acima em direção ao seu quarto.
Como eu disse, simples.


Capítulo 10

’s POV

“Qual é o meu problema?”, eu pensei pela quadragésima primeira vez nos últimos vinte minutos. Eu tentava ao máximo prestar atenção no filme que a TV exibia, mas o meu cérebro insistia em me desobedecer. E o fato de terem escolhido um drama francês para tentar agradar todo mundo também não ajudava.
Nick estava sentado do meu lado, com um braço ao redor dos meus ombros, e aquele pequeno gesto estava me matando de angústia por dentro. Quer saber a melhor parte? Eu não me sentia nem no direito de reclamar, pois havia tomado a decisão estúpida de beijar ele pouco tempo atrás, só para aborrecer o . Eu precisava, urgentemente, começar a pensar nas consequências das coisas que eu fazia, mas esse tipo de preocupação parecia simplesmente voar janela afora em horas como aquelas.
Se você acha que não pode ficar pior, senta aí e escuta: não funcionou. Era de que estávamos falando, o mocinho sentimental, do coração fraco, que, aparentemente, ainda guardava um espaço em seu coração para mim, então espera-se que ele fique ao menos mexido de ver a ex-namorada beijando o colega de fraternidade, mas não. Muito ao contrário, já que agora ele está lá em cima, fazendo nós-sabemos-o-que com a Nikki, no quarto da Nikki, onde ela dorme completamente sozinha e em uma das poucas camas de casal da casa. Porque ele não poderia ter seus rolos com uma Kappa normal, tinha que ser a líder de todas, não é?
E já que estamos tendo essa conversa, eu vou te avisar que sei, sim, exatamente o que se passa pela sua cabeça. Não é ciúmes. Eu sei que é difícil acreditar nas minhas palavras, mas eu te garanto, não é. É simples e pura frustração por ter tomado uma decisão estúpida buscando um fim que não se concretizou e sofrer as consequências disso à toa.
É assim que se faz, !
Eu me sentia até mal pelo garoto sentado ao meu lado. Eu abominava a presença dele ali e ele nem mesmo tinha culpa de nada, estava só fazendo o que ele deveria imaginar que toda garota gostaria que ele fizesse. Nick era o cara certo em uma hora muito, mega, extremamente errada.
Suspirei, cansada de ficar ali, chamando a atenção dele, que me olhou curioso. Desencostei do sofá atrás de mim, me virando para ele com o melhor sorriso que eu consegui formar naquele momento.
— Escuta, eu vou subir, tá? Tô com sono. – avisei.
— Tudo bem. Quer que eu vá com você?
— Não, não precisa. As garotas não iam gostar muito também. – disse e ele assentiu.
— Boa noite, então. – falou, se aproximando para me beijar.
Eu encarei aqueles lábios por vários segundos em pânico. Ele não beijava mal nem nada do tipo, mas eu pensei que aquela seria uma boa hora para dar início a minha missão “Deixe o Nicholas ir”, então desviei, com o maior carinho possível em um momento como aquele, lhe dando um beijo demorado na bochecha.
— Boa noite. – disse, já me levantando numa rapidez exagerada, com medo de ouvir algum tipo de questionamento.
Eu posso ter balançado e quase caído de bunda no chão graças as doses de vodka mais cedo, mas ninguém precisava focar nisso.
Subi as escadas com a mesma pressa com que as desci, indo diretamente para o meu quarto. Ao abrir a porta, encarei o casal que continuava ali, agora me olhando tão surpresos quanto eu com a cena. April segurava algumas folhas de papel que aparentavam terem sido dobradas diversas vezes e uma caneta, mostrando algo nelas para o . Eu passo 48 horas fora e esses dois adquirem vários segredinhos? Ah, não. Não no meu turno.
— O-oi. – April falou, quebrando o silêncio.
— Posso saber o que tá acontecendo aqui? – perguntei, os encarando desconfiada.
— Nós estamos conversando. – respondeu e ela concordou, balançando a cabeça.
— Eu posso saber sobre o que?
— Não é nada. – respondeu novamente, sorrindo.
— Nós estamos guardando segredos um dos outros agora, é isso mesmo? – questionei, fingindo choque.
— Não tem segredo, , estamos apenas conversando. – April disse calmamente.
— O que é isso aí na sua mão, então?
Ambos olharam para baixo na mesma hora, só então notando as folhas de papel que continuavam expostas para quem quisesse ver.
— Isso? – as pegou para si. – São só algumas receitas que eu peguei com a minha mãe... Porque a April pediu. Você sabia que ela gosta de cozinhar? — Não... Você gosta? – perguntei, um pouco surpresa. Eu via ela cozinhando umas coisas aqui e ali, fazendo seu almoço e janta – às vezes, os meus também –, mas nada fora do comum.
Ela assentiu.
— Um pouco.
— Viu? Nada demais. Eu vou ir para o meu dormitório agora, já é meio tarde. – disse, se levantando e enfiando as folhas já dobradas novamente no bolso.
— Por que vai levar as receitas com você? Elas não eram para a April?
Ele pareceu perdido por alguns segundos com a minha pergunta, mas logo se encontrou.
— Ah, isso. É que eu sou meio lerdo, sabe... – explicou, com um riso forçado e nervoso. – Eu acabei pegando só os ingredientes e esquecendo do modo de preparo. Você ficaria surpresa de saber o quanto um modo de preparo é importante em uma receita.
— Entendi... Não quer dormir aqui?
— Não, valeu. Quem sabe outra hora. Até amanhã. – disse, me dando um beijo na bochecha antes de ir apressado em direção a saída. – Tchau, April.
— Tchau. – ela respondeu e ele foi.
Eu só fechei a porta atrás dele, fingindo que acreditava naquela história toda. Eu gostava da ideia deles serem amigos, então ia segurar minha curiosidade por um tempo. Mas não para sempre, que fique bem claro, pois eu não sou de ferro. Eventualmente, eu descobriria o que é que é que estava acontecendo ali.
Enquanto isso, eu simplesmente me joguei na minha cama sob o olhar curioso de April.
— Então... Você tá bem? – ela perguntou.
— Sim, por que?
— Ah, não sei... É que foi uma história e tanto aquela que você contou. – ela disse, mais devagar que o normal, como se temesse a reação que eu teria a sua fala.
— Você acha que a minha é ruim só porque não ouviu a dele. Acredite em mim, é milhares de vezes pior. – disse, me lembrando da bomba que joguei no colo dele pouco tempo antes. Eu não estava exatamente orgulhosa daquilo, pois sabia o quanto ele abominava aquele dia, mas esse é o tipo de coisa que temos que trazer à tona em uma guerra como a nossa.
— E qual é a história? – questionou, abraçando as próprias pernas e apoiando sua cabeça em um dos joelhos. Uma bacia de pipoca e ela estaria pronta para assistir o filme do ano.
— Até uma guerra possui regras, April. – falei, observando a decepção em seu rosto. – Pense em mim e no como um livro... Enorme, aparentemente lindo e com muita história para contar. Mas, em uma grande parte desse livro, há manchas de tinta que te fazem querer arrancar aquelas páginas fora de uma vez só, te deixam aflita, te causam angústia, e, de repente, todo o resto deixa de ser tão bonito.
Ela parou por um tempo, refletindo sobre as minhas palavras. Nem eu acreditava que aquilo tinha saído da minha boca em alto e bom som.
— Mas eu acho que todo relacionamento tem suas manchas. Nada é perfeito, certo?
— Não, nada é perfeito, mas alguns tipos de manchas não deveriam realmente estar lá. Eu só levei tempo demais para perceber isso. – disse e ela assentiu, parecendo compreender um pouco. – Dito isso, eu vou dormir antes que eu comesse a filosofar mais do que o necessário aqui. Qual é a agenda de amanhã?
— Aula, reunião para dividir os bairros de cada trio e... Só, eu acho. – informou, me fazendo suspirar. Essa era a semana do recolhimento dos animais de rua. Eu esperava que aquela parte fosse mais divertida que a dos panfletos.
— Tudo bem. Acho que eu posso lidar com isso. Boa noite.
— Boa noite. – respondeu, buscando um livro para ler em seu criado mudo. Acostumada, eu nem me importava mais com a luz de seu abajur acesa.
— Sonhe com o . – disse, rindo e me virando de costas para ela, mas ainda assim senti algo fofo bater contra as minhas costas.

— E não se preocupem porque eu conversei com o reitor e ele ficou mais do que feliz em nos disponibilizar aquele galpão quase na saída do campus. Ele vai entrar em reforma logo, então ninguém está usando. – Nikki finalizou, correndo os olhos pelas 26 garotas espalhadas pela sala. Não era a casa inteira ali, pois a reunião era específica para quem participaria da feira de adoção. – Alguma dúvida?
Ninguém se manifestou, até porque a coisa toda era bem simples. , eu e Katy ficamos no mesmo trio e fomos designadas para a região em que costumávamos morar, por conhecermos bem o lugar. Nikki e tentaram ao máximo fazer esse esquema de mandar as garotas que eram de LA para lugares já familiares, pois o trabalho ficava mais simples e, consequentemente, mais rápido. Nós teríamos três dias, começando a partir de amanhã, para fazer isso, então não podíamos contar com muito tempo.
Todas fomos dispensadas depois disso, mas April, Mina e eu continuamos sentadas no mesmo lugar enquanto discutia algumas coisas com a Nikki. Eu não sabia dizer se a era o seu braço direito ou se ela era o braço direito da , sinceramente, mas podia ver com clareza quem seria a próxima líder da casa quando Nikki se formasse no final do ano.
— Então, o que temos para hoje? – perguntei, virando para as garotas sentadas no sofá atrás de mim.
Eu estava estranhamente animada naquele dia. Pelo menos, animada o suficiente para ignorar o fato de ser terça-feira, ter aula no dia seguinte e ainda assim sair para me divertir. Se fosse possível, eu diria que a bebida da noite passada só estava fazendo efeito agora, mas eu sabia bem que a culpa era do copo gigante de café que tomei depois do almoço. Eu os evitava exatamente por motivos como esse.
Mina e April não pareciam compartilhar da minha animação, pois me encararam como se eu fosse uma aberração.
— Nada, eu acho.
— Qual é! Nenhuma festa de fraternidade? Nenhum evento legal numa balada? Tem que ter algo.
, é terça-feira. – Mina afirmou e se ela era a me olhar daquela maneira, era porque eu realmente estava saindo um pouco fora demais da casinha, mas não desisti.
— Exatamente, é terça-feira e não segunda. Vamos em um barzinho, sei lá, qualquer coisa. Eu preciso sair!
— Sair para onde? – perguntou ao se sentar do meu lado com a Nikki.
— Para um barzinho, vamos? Só nós, as garotas. Nikki? – convidei, as lançando o meu melhor sorriso para tentar convencê-las da ótima ideia que era.
— Em plena terça-feira? – Nikki questionou e eu assenti rapidamente. Elas pareciam gostar de insistir no dia da semana em que estávamos.
— Parece legal, uma noite de garotas. – disse e eu arregalei os olhos, em choque.
— Vocês viram isso? – disse, apontando para ela. – Essa é a concordando comigo e agora vocês tem que fazer o mesmo.
— Bom, eu sempre estou disposta a sair com vocês, então... – Mina concordou, dando de ombros.
— Posso chamar a Lucy? – April perguntou.
— Claro. Chama a Lauren também, adoro ela. – respondi e então todas nos viramos em direção a Nikki, a última de pé.
— Se a topou ir, como eu posso dizer não? – disse por fim, me fazendo levantar na hora em comemoração.
— Isso vai ser ótimo! – comemorei. – Nós saímos que horas? 20:00? Acho que sim, já que não podemos voltar muito tarde. Vou tomar banho, me arrumar e encontro vocês aqui embaixo, tá bom? – falei, já indo em direção às escadas. Fui parada pela gritando meu nome em alto e bom tom.
— Você está ciente de que ainda são 5hrs da tarde?
Não, eu não estava. Na verdade, eu havia esquecido completamente que a luz vindo do lado de fora era um sinal de que estava cedo demais para sair para um bar. Mas só para ter certeza, eu olhei as horas no meu celular, o que me desanimou um pouco ao ver os números marcarem 16h56.
Suspirei. Estava bom demais para ser verdade, eu deveria ter desconfiado.
— Ah... Tudo bem, eu tenho uma resenha para fazer, de qualquer maneira. – concluí cabisbaixa, subindo as escadas e ouvindo algumas risadas das que ficaram lá.
Eu pensaria naquilo como um sinal dos deuses para adiantar aquele trabalho antes que eu acabasse deixando para fazer tudo na última hora. Hora essa que eu provavelmente estaria dormindo. Eu só precisaria de um banho depois para trazer todo o meu ânimo de volta, e, depois do dia anterior, banhos nunca eram demais.
Eu pude entrar no meu depois de duas longas horas, mas de uma resenha muito bem feita. Quando saí, todas já estavam prontas, menos a . Nada novo sob o sol.
April continuava com a sua ideia de mesclar estilos, buscando algumas inspirações no guarda-roupa da e as adaptando ao seu. Até agora, estava dando tudo certo. Hoje ela vestiria uma camiseta do que eu imaginei que fosse alguma série, um short surpreendentemente curto e seus usuais tênis. O meu bebê estava crescendo e eu não sabia bem como lidar com aquilo.
— Olha como ela tá linda! – disse, chegando por trás dela, que se olhava no espelho, e apoiando a cabeça em um de seus ombros.
— Obrigada. – sorriu, sem graça.
— É uma pena que o não tenha sido convidado hoje.
Digamos que, desde a noite anterior, eu estava usando cada oportunidade que eu tinha para trazer à tona. E eu tinha três bons motivos. Primeiro: só para encher o saco. Segundo: para lembra-la constantemente de que eu queria saber sobre o que é que eles estavam conversando. Terceiro: eu adorava a reação envergonhada dela.
Depois de um tapa pego de raspão graças ao meu reflexo rápido, eu fui me arrumar, já que, por ironia do destino, agora eu era a única que não estava pronta ou quase pronta, e a Mina começava a me lançar uns olhares entediados, que eu aprendi ser um sinal que ela estava ficando frustrada. Ela gostava das coisas rápidas e eu não podia culpa-la nem um pouco por isso.
15 minutos depois, um tempo de se orgulhar, eu estava pronta e nós saímos, encontrando Nikki, Lucy e Lauren no andar de baixo. Como de costume, nós andamos. Morávamos em uma região universitária, então tínhamos opções de bares, restaurantes, clubes, lavanderias e tudo que um estudante poderia precisar de sobra. Nikki escolheu o estabelecimento da noite, um bem diferente do último em que eu fui (eu preferia manter distância daquele lugar por pelo menos alguns meses, se é que me entendem), um pouco menor e mais aberto, o que era bom por causa do calor que fazia naquela cidade.
Ainda era consideravelmente cedo, então poucas mesas estavam ocupadas. Isso nos permitiu escolher bem onde sentaríamos, lugar que acabou sendo bem no meio do lugar. Boa visão, perto o suficiente dos banheiros e da saída (detalhe adicionado pela no caso de acontecer qualquer coisa que nos obrigasse a sair correndo dali). Um garçom apareceu logo para pegar nossos pedidos e, pouco tempo depois, o mesmo as trouxe. Com a minha fiel e segura cuba libre a minha frente, eu decidi finalmente anunciar para todas um dos motivos que me fez querer tanto sair com elas hoje.
— Todas estão prestando atenção? – conferi, só para me certificar de que não teria que repetir tudo novamente depois.
— Sim, fala logo! – disse. Seu corpo se inclinava para frente tamanha sua curiosidade.
— Você não tá grávida do Nick, tá? – Mina soltou de repente, me fazendo a olhar confusa com a aleatoriedade de sua pergunta.
— Não! Não fazem nem 48 horas...
— Então não pode dizer que não. Como você poderia saber? – insistiu e dessa vez eu ri do olhar acusador em seu rosto.
— Ei, eu sou muito consciente com o que eu faço... E paranoica. Eu não fico grávida a não ser que eu queira! – me defendi.
— Ah, como nós ficamos feliz de ver vocês discutindo gravidez quando estamos curiosas para saber o que a quer falar. – Lauren disse, irônica.
— Viu, Mina? Silêncio. – falei e ela deu de ombros. – Bom... É o seguinte: ontem eu presenciei uma cena engraçada. – assim que as palavras saíram da minha boca, April pareceu mais atenta. – me disse que a April gosta de cozinhar e eu não sabia disso! Então eu fui dormir e comecei a pensar: “eu não conheço realmente essas garotas”. Com exceção da , é claro. E isso me assustou muito porque eu vivo com vocês. É esperado que uma pessoa conheça as outras com quem vive, certo? – perguntei, esperando respostas que não vieram. Tudo que recebi foi confusão por parte delas.
— O que você quer dizer, ? – Nikki perguntou, sendo a voz das outras cinco.
— Melhor, o que eu quero propor. Vamos nos conhecer, contar um pouquinho mais sobre nós mesmas, que tal?
Um silêncio seguiu minha proposta. Elas trocaram olhares entre si, parecendo ponderar se aquela ideia era mesmo tão genial quanto eu a fazia soar.
— Parece divertido. – April concluiu algum tempo depois. – Nós não vamos envolver bebida alguma nisso, vamos?
Neguei, balançando a cabeça e ela relaxou em sua cadeira.
— Certo. Vamos tentar então. – disse e eu quase pulei na minha cadeira, animada.
Fiquem longe de café, crianças.
— Quem começa? – perguntei.
— Eu posso começar. – Lucy disse, já erguendo os ombros e se preparando para falar. – Eu tenho TOC. Vocês sabem, transtorno obsessivo compulsivo. O motivo por eu começar meus trabalhos com tanta antecedência é que eu tenho todo um processo para fazer antes de entregar eles. Eu já cheguei a não entregar na data certa e receber apenas metade da nota por não conseguir fazer todos os passos a tempo. Às vezes eu fico sem dormir por causa disso, sem comer e tudo mais.
A reação de todas àquela “nova” informação foi no mínimo engraçada. Nós assentimos, como se compreendêssemos a situação toda e a até tentou parecer surpresa, mas vocês já sabem que atuar não é seu forte.
— Meu amor, eu acho que elas já notaram isso. – Lauren disse, passando um braço ao redor dos ombros da irmã.
— É?
— Lucy, você levanta de madrugada e revira a casa para ter certeza de que todas as luzes estão apagadas. – Nikki afirmou.
— E você confere se as bocas do fogão foram realmente desligadas quatro vezes depois de todo almoço e janta. – completei.
— Ah, que fofo, vocês prestam atenção em mim. – ela disse, sorrindo.
Achei que aquela não seria a melhor hora para dizer que qualquer um prestaria atenção em manias estranhas quanto aquelas, então fiquei com a boca fechada e um sorriso no rosto, me virando para a Lauren como um sinal para que ela começasse a desabafar.
— Minha vez? – ela perguntou e eu assenti. – Tudo bem, deixa eu ver... – disse, parando para pensar por um tempo. – Eu acho que vocês não sabem disso, então... Eu fazia parte de uma banda.
Eu a encarei, surpresa. Lauren ficava mais legal cada vez que eu falava com ela, como isso era possível?
— Fazia? Não faz mais? – Mina perguntou.
— Não. Eu tive que sair no final do ano passado. Estava estudando que nem louca para o S-A-T¹, então não tinha muito tempo de sobra para me dedicar a música.
— Uau! E você era o que? Vocalista? – perguntou dessa vez. Lauren negou.
— Baterista. É uma banda só de garotas. Na verdade, elas me convidaram para me juntar a elas de novo recentemente, mas eu não sei se é uma boa ideia.
— Eu já disse para ela que é uma ótima ideia milhares de vezes, mas ela continua pensando e pensando e pensando e não sai do mesmo lugar nunca. – Lucy provocou, nos fazendo rir.
— Eu concordo com a Lucy. – Nikki disse. – Além do mais, imaginem o quão legal seria para as nossas filantropias ter uma Kappa que tem uma banda!
— Ah meu Deus, sim! – exclamou, se levantando tamanha sua animação. – As coisas que eu poderia fazer com isso... – disse, olhando para o nada, já sonhando com os eventos.
, calma. Não queremos assustar as garotas. – falei, a puxando de volta, em todos os sentidos possíveis, para a mesa. Ela encostou a cabeça em meu ombro, ainda sonhando com a possibilidade.
— Ok... Eu acho que podemos seguir em frente para a Mina. – Lauren falou, com um olhar desconfiado em direção a minha amiga. Já Mina não pareceu muito feliz por ter chegado a sua vez.
— Eu não tenho nada para falar. Vocês sabem que eu sou um livro aberto. – disse, tentando fugir.
— Ah, tem sim! – insisti. – Nem que você tenha que me falar uma situação vergonhosa que já passou quando criança, nós queremos saber.
Ela tinha seis olhares em cima dela e isso a deixou tensa. Poucas situações deixavam a Mina com aquela cara de “eu quero correr daqui” e isso me preocupou um pouco. Até porque a ideia daquela brincadeira em especial não era deixar ninguém desconfortável.
levantou sua cabeça e elas trocaram um olhar rápido, que terminou com a a dando o que me pareceu um sorriso de incentivo. Nesse momento, Mina suspirou e relaxou, parecendo se render.
— Tá legal. A e a Nikki já sabem disso, mas... Só guardem para vocês, ok? Eu não tenho muito orgulho disso. – todas assentimos na mesma hora, curiosas. – Eu e a... Eu e a Ashley... Nós éramos namoradas. Durante um ano e seis meses, para ser mais exata.
Meu queixo caiu. Tanto que eu me senti na obrigação de cobrir minha boca com a mão para tentar disfarçar o tamanho do meu choque. Me senti melhor quando a reação das outras garotas foram mais ou menos parecidas porque caramba! Eu não esperava aquilo. Eu não esperava nada nem remotamente próximo àquilo.
Mina observava nossas reações e eu sabia que devia falar algo, mas palavra nenhuma parecia boa o suficiente para expressar o tamanho do impacto que aquele notícia teve em mim. Qual é, nós estávamos falando da Mina, a garota mais incrível do mundo, e da Ashley, a garota cuja risada apenas me irritava! E todo meu ódio por ela vinha por causa da Mina, da maneira como ela a tratava, das brigas constantes, que agora eu não sabia mais se faziam sentido. Elas namoravam! Aquele devia ter sido um término e tanto para as coisas terem chegado ao ponto em que estão agora. No fundo, eu esperava que o motivo não tivesse sido o mesmo do meu término com o , ou eu não sabia a que nível chegaria o meu ódio pela sua presença.
Como se lesse meus pensamentos, April fez a tão esperada pergunta.
— É por isso que vocês brigam tanto?
— Sim. Nós não tivemos um término pacífico. – ela respondeu.
— O que aconteceu? – Lucy correu para perguntar, levando um tapa fraco de sua irmã. Mina riu da cena. Talvez eu teria feito o mesmo se não tivesse congelada no meu lugar, ainda besta com a novidade.
— Vocês veem como a Ashley é, não veem? Ela não costumava ser assim. Na verdade, antes do seu canal do youtube começar a ter um bom número de acessos, ela era praticamente outra pessoa. Mas com os views vieram o egocentrismo, a síndrome do “eu sou famosa” e tudo aquilo que vocês veem diariamente. Aquela não era a mesma pessoa com quem eu aceitei namorar, então eu acabei acumulando essa frustração até que um dia, em uma briga, eu disse muitas coisas, ela me disse muitas coisas e nós terminamos. O problema é que nós duas viemos de uma linhagem de Kappas, então... Vocês sabem o resto.
— As coisas fazem bem mais sentido agora. – April afirmou para si mesma.
, você tá bem? – Mina perguntou, passando a mão na frente dos meus olhos. Eu os obriguei a focar nela por alguns instantes. – Eu sei que você tá surpresa, mas não é para tanto.
Eu tentei abrir a boca e forçar palavras para fora, mas tudo que saiu foi um som estranho, já que eu ainda não tinha as palavras para me expressar naquele momento. O termo “sem palavras” nunca se encaixou tão bem em uma situação.
— Aqui, toma isso. – me ofereceu o meu copo de Cuba e eu aceitei de muito bom grado. – Uma hora você vai se acostumar. É muito mais interessante observar essas brigas quando você sabe o que tem por trás delas, confia em mim. — assenti, respirando fundo. – Podemos continuar. April, vai.
— Ok. Bom, eu não conto isso para muita gente porque gosto de guardar só para mim, mas eu também gosto muito de vocês, então quero que saibam. – sorri com a pequena declaração, querendo abraça-la por toda aquela fofura. – Eu escrevo. Não só o que vocês veem, muito mais. Eu posto os meus trabalhos em algumas plataformas online e as pessoas leem, me dizem o que acharam e tal, eu também leio as coisas delas e assim vai. E bem divertido.
— Ei, eu tenho uma prima que posta histórias em uns sites malucos, talvez sejam os mesmos. – Lucy disse.
— Provavelmente. – April concordou.
— Sabe, agora eu me sinto traída. O mundo inteiro pode acessar um site e ler suas coisas, mas eu não posso nem tocar naquele conto de iniciação. Isso é injusto. – reclamei e ela riu.
— É que tem uma diferença gigantesca entre alguém que eu nunca vi pessoalmente ler minhas histórias de alguém com quem eu convivo, vejo, converso o tempo inteiro. Mas eu vou te deixar ler um dia, prometo. – se explicou. A olhei desconfiada, não acreditando muito naquilo, mas deixei para lá.
— Isso é muito legal, April. – Nikki disse, ganhando um sorriso. Ela só percebeu que havia chegado a sua vez quando todos os olhares da mesa se voltaram para ela. – Ah, beleza. Eu não sei bem o que contar, quer dizer... O que vocês querem saber?
— Sua vida é incrível, eu tenho certeza que tem muitas opções de coisas para contar. – Mina comentou, a fazendo rir.
— Na verdade, tem algo que eu realmente gostaria de saber. – falei, chamando sua atenção. Ela me esperou perguntar, curiosa. – Eu sei que nós falamos sobre isso recentemente, mas foi meio rápido, sem muitos detalhes e eu gosto bastante de detalhes, sabe... Principalmente quando eu posso usar eles ao meu favor. Você e o ... Como isso aconteceu? – perguntei finalmente.
— Como aconteceu? – repetiu, parecendo estar meio perdida com a pergunta.
— Sim. Até onde eu sei, você tá no último ano, é líder de uma das irmandades mais famosas do campus e do país, é líder de torcida, vai se formar como uma das primeiras da turma, é linda, esperta, e o ... Bem, ele com certeza não é tudo isso. Principalmente porque ele está só no segundo ano.
— Poxa, , o também é lindo. – o defendeu.
— Sim, eu sei. Eu até namorei com ele e tudo mais, só que a conta não fecha para mim.
Nikki pegou algum tempo para pensar, avaliando bem a minha dúvida. Eu esperei paciente, pronta para ouvir algum podre.
— Eu nunca me importei com essa coisa de idade, para ser sincera. Para mim, é só um detalhe e o não é como a maioria dos caras, ele é bem mais maduro. Na verdade, ele é muito diferente de qualquer um. Nós nos conhecemos logo que ele entrou na faculdade por causa do acordo entre a Lambda e a Kappa e acabamos virando amigos, então eu vi de perto todo aquele processo de pós-termino. Um dos grandes motivos por eu querer tanto conhecer você, , foi ele. Isto é, além da . Ele falava de você com tanta paixão e carinho. Nunca me contou uma história ruim sobre o seu relacionamento, para ele, você nunca foi a ex louca e sim a garota incrível que ele perdeu por besteira, e isso acabou me encantando. Nós só nos envolvemos meses depois, no começo do segundo semestre da faculdade, e aí a história é longa...
Eu senti como se um tijolo quisesse passar pela minha garganta, mas me forcei a engolir e ignorar qualquer sentimento minimamente parecido com angústia ou dó que eu sentisse. Os sorrisos irritantes na cara da , April e Nikki não fizeram isso exatamente fácil, mas segui firme na minha missão.
— E você gosta dele?
As palavras saíram da minha boca antes que eu pudesse contê-las. Nikki soltou um riso fraco antes de me responder.
— Eu gosto muito dele, . Eu realmente amo o , mas não de uma maneira romântica. Ele é um dos meus melhores amigos, eu adoro estar com ele e rola aquela atração física, o que não é nem um pouco ruim, mas não passa disso. Até porque nós duas sabemos que eu estaria ferrada se fosse apaixonada por ele. Isso responde a sua pergunta?
— É, responde. Ótima resposta, inclusive.
— Eu imagino que você não vá conseguir usar ela para cutucar ele, vai? – Nikki perguntou.
— Você ficaria surpresa. – respondi, confiante. Meus momentos de maior inspiração eram aqueles em que a presença dele me tirava do sério. – ?
— Não podemos me pular? Você já sabe tudo sobre mim. – ela reclamou e eu balancei a cabeça, negando.
— Eu sei, mas e as outras garotas? Elas não te conhecem tão bem quanto eu. Vamos, desembucha. – mandei. Ela suspirou, parecendo não estar muito feliz com a ideia, mas começou a falar.
— Tá, tá! Eu passei um longo tempo da minha vida sendo obcecada com o sonho de ser atriz. Por já viver em LA, eu sempre achei que tivesse meio caminho andado, então passei uma parte gigantesca da minha infância e pré adolescência em aulas de teatro, postura, moda, auto maquiagem, tudo que eu achava que fosse necessário. Eu acho que é meio óbvio para todas aqui que nem anos de aula de teatro tiveram efeito já que eu mal consigo mentir olhando nos olhos de alguém. Surpreendentemente, eu fiz um comercial regional quando tinha doze anos. É claro que eu não tinha falas. – fez uma pausa para rir. – Eu desencanei disso logo depois, felizmente, e, hoje, eu evito até entrar em teatros.
— Eu amava aquele comercial! – exclamei, rindo só da vaga lembrança que tinha dele.
— Você acha que é possível encontrar ele na internet? – Mina perguntou. – Só por curiosidade.
— Acha que eu nunca procurei? – respondi, decepcionada. Havia desistido três anos antes.
— Parece divertido. – April comentou. – Como é gravar um comercial?
— Não é tão legal quanto parece. Eu lembro que eles definiam até a maneira como eu respirava e eu tive que gravar a mesma cena milhares de vezes, mesmo que as anteriores tivessem ficado boas porque nunca parecia ser o suficiente. No geral, foi um verdadeiro inferno. – concluiu. Eu me lembrava como se fosse ontem do quanto ela ficou chateada e decepcionada com a profissão que tanto sonhava. – Mas passou e agora eu tenho mais certeza ainda de que Relações Públicas é o lugar certo para mim. , é a sua vez, amor.
— Eu sei! – disse animada. Nada mais natural que a pessoa que propôs a brincadeira estivesse disposta a jogar também. – Eu vou falar sobre a coisa mais importante do mundo para mim: a minha família. – ouvi alguns “awns” que me obrigaram a fazer uma pausa para uma careta. Eu não poderia ser fofa uma vez na vida sem receber esse tipo de reação? – Bom... Eu não falo muito deles com vocês, mas é porque eu sinto tanto a falta deles que as vezes prefiro não ficar lembrando. Eu sou muito próxima dos meus pais, muito mesmo, não é à toa que eles me ligam todo dia, e eu colocaria minha mão no fogo quantas vezes fosse necessário por eles. – desabafei, literalmente. Então passei meus olhos pelas garotas um pouco envergonhada e todas tinham sorrisos doces em seus lábios até que eu cheguei na , que me olhava como se tivesse assistindo a um filme de terror. – O que foi?
— Ah, desculpa, é que eu não vejo isso com muita frequência. – ela explicou e eu ri, a puxando para um abraço de lado.
— Mas eu tenho minha segunda família aqui, então tá tudo bem. – disse, sentindo-a beijar minha bochecha.
Interessante o que um bom humor poderia fazer com uma .
A brincadeira continuou por mais algum tempo, mas aleatoriamente, cada uma contava o que queria e quando queria. Fiquei feliz por ter tido aquela ideia porque fui dormir naquela noite com a certeza de que eu conhecia aquelas garotas muito melhor e as admirava mais por isso. É claro que ainda faltava muita coisa, mas eu tinha meses e até anos para aprender o resto.
— Eu te perdoo. – disse, já enrolada no meu lençol, para a Mina que subia para a cama de cima. e April já dormiam há alguns minutos.
— O que?
— Eu te perdoo por ter namorado a Ashley. Todas nós temos nosso passado obscuro. – expliquei e ela riu, balançando a cabeça desacreditada.
— Que bom, porque nem eu mesma ainda aceitei todo aquele tempo que perdi.

Mordi minha maçã e, quando meus dentes encontraram só o miolo, eu percebi que estava prestando demais no livro em meu colo. Enrolei os restos em um guardanapo para jogar fora mais tarde, um pouco triste por já ter comido tudo, e dei uma olhada ao meu redor, me lembrando que eu estava sentada em um dos gramados da universidade, encostada em uma árvore, há, pelo menos, uma hora e meia. Minha professora de Economia tivera que fazer uma viagem de última hora, o que me deixou com os dois últimos horários vagos. Eu poderia ir para casa e dormir mais um pouco, mas optei por ficar ali aproveitando o dia bonito e um pouco mais daquela onda de ânimo que me acompanhava desde o dia anterior.
Eu quase não xinguei o mundo inteiro quando o meu despertador tocou naquela manhã e isso era um avanço e tanto.
Eu esperava que aquilo durasse por um bom tempo, apesar de eu ter 99,9% de certeza que ela desapareceria em duas ou três horas, quando eu teria que ir atrás dos animais de rua. Graças aos panfletos que distribuímos, recebemos um número realmente assustador de ligações denunciando animais que estavam vivendo nas ruas. Tudo bem, era um ato super legal que iríamos fazer, mas essa preparação para ele, nem tanto. Os gatos e cachorros não poderiam simplesmente vir por vontade própria para o nosso galpão, onde iríamos cuidar deles e depois doar? Seria ótimo. De qualquer maneira, eu tentaria me lembrar que a parte divertida ainda estava por vir e que tudo que me afastava dela eram aquelas três tardes.
Decidi que estava na hora de voltar para casa e almoçar, já que ordenou que eu estivesse pronta para ir às 13h30, no máximo, então guardei minhas coisas na mochila. Eu estava me contorcendo a fim de ver se meu shorts estava muito sujo atrás (sem sucesso) quando o vi se aproximando. Me virei rapidamente, na esperança de que ele não visse que aquela era eu e passasse reto. Era estúpido, pois quando o vi ele olhava diretamente para mim, mas não custava tentar. Tudo para evitar que o meu bom humor fosse embora mais rápido que o necessário. Bom... Isso e o fato de eu me sentir um pouco mal pelo que a Nikki havia me contado. Mas eu não operava milagres ainda e é aquele ditado: quem procura, acha.
! – o ouvi gritar e comecei a andar, como se meu nome fosse qualquer um, menos aquele.
Pelo barulho de sua mochila batendo contra suas costas e seus passos pesados, eu notei que ele corria. Foi aí que eu desisti. Não parei nem nada, só continuei andando em passos rápidos, sem esperanças de que alguma garota ao meu redor também se chamasse e que eu estivesse sendo apenas egocêntrica ao achar que era comigo.
— Não. – disse assim que ele me alcançou e começou a caminhar no mesmo ritmo que eu, o que era muito mais simples para ele e suas longas pernas.
— O que? Eu não disse nada.
— E eu não espero que diga, . Não tô com vontade de conversar com você. – falei e ele forçou uma risada logo depois.
— Não é como se eu tivesse muito ansioso para bater um papo com você também. É importante. – disse. Isso não me parou nem me fez virar um centímetro sequer do meu rosto em sua direção e, surpreendentemente, eu não fiquei nem um pouco curiosa.
— Engraçado. Todo mundo vive me enchendo o saco para te deixar em paz, e logo no dia que eu não quero ver sua cara, é você que decide me atormentar. Sai fora, .
— Você acha que eu quero estar aqui? Menos, . Eu só realmente e infelizmente preciso falar com você. – falou, me fazendo revirar os olhos.
— E como eu já deixei bem claro: eu realmente e felizmente não me importo. – disse, só agora o lançando um olhar e sorriso sarcástico antes de acelerar ainda mais meus passos.
, eles descobriram! Eles sabem que foram você e a Mina que infestaram a nossa casa!
— Você acha que eu não notei? O seu amigo, aquele loiro, Ryan, tentou me matar com um olhar quando passei por ele no corredor mais cedo. Eu tenho cara de quem liga?
Na verdade, eu ligava, sim. Não teria tido todo o trabalho de tentar não ser pega por ninguém se não ligasse. Eu devia imaginar que teria alguma câmera naquele lugar, mas agora já era tarde demais para desperdiçar tempo e pensamentos me preocupando com isso. Eu me preocuparia se aquilo chegasse na coordenadora das irmandades e fraternidades, mas não acreditava que eles levariam isso a ela, afinal, dois de seus membros invadiram o meu quarto no meio da madrugada. Eu não acho que ela veria isso com bons olhos.
— Você pode parar por dois segundos e me escutar?! – exclamou. Eu parei, sim. Parei e me virei irritada para ele, mas com certeza não foi para escutar.
— Quer saber? Eu estava tendo um dia perfeitamente bom até você aparecer e arruinar ele com a sua presença. O que quer que você tenha para me dizer, eu não me importo. Na verdade, por mim, pode levar para o inferno com você!
Os estudantes passavam ao nosso redor olhando a cena com curiosidade. Eu não estava exatamente gritando, mas só nossas posturas já indicavam que algo interessante estava acontecendo ali.
me encarou por alguns longos segundos, suas mãos apertadas em punho pela frustração, até que assentiu, erguendo as sobrancelhas.
— Tudo bem. Que se dane então. Se você não está nem aí, eu que não vou me importar no seu lugar. Depois não diga que eu não avisei. Ou melhor, que eu não tentei te avisar. Tenha um bom dia. – disse antes de sair andando na direção oposta a minha.
— Muito obrigada! – eu fiz questão de gritar.
Idiota.
Provavelmente ele só queria me dizer algo para se redimir pela história que me obrigou a contar no outro dia. Não, eu não tinha esquecido. E não ia tão cedo, pois jogar um ponto fraco seu para todos os seus amigos não é algo que me escaparia da memória, coisa que ele não teve coragem o suficiente para fazer. E ainda tinha a cara de pau de dizer que eu era a covarde.
Eu ainda não tinha pensado no meu próximo passo, mas seria maior e pior, disso eu fazia questão. Ele que me aguarde. Eu irei fazer com que ele tenha um motivo decente para mais uma dessas suas saídas dramáticas.

— Cara, meus braços estão queimando! – reclamei, olhando para as duas partes de mim agora inúteis de tão cansadas.
— Te entendo.
Katy encostou no carro, sua respiração pesada, assim como eu. nos observava com um sorriso e nem um pouco abalada. Alguém que não a conhecesse bem pensaria que ela tinha um bom preparo físico para aguentar passar a tarde capturando animais de rua, mas ela só estava animada demais com o evento para se deixar abater.
— Vão se acostumando, hoje foi só o primeiro dia. – disse Susan, uma das funcionárias de uma das maiores sociedades protetoras de animais da cidade.
Você não pensou que nos sairíamos buscando animais por aí sem supervisão adulta, pensou?
— E foi um bom dia, não foi? – perguntou.
— Eu diria que sim. – Susan respondeu, olhando os três cachorros e um gato mais uma vez antes de fechar as portas de sua van.
Um dos cachorros foi consideravelmente fácil de pegar. Apesar de machucado, ele era dócil e praticamente implorava por carinho. Os outros foram um pouco mais complicados. Um em especial havia feito de um terreno sujo e abandonado sua casa e ele não ficou feliz em receber visitas. Mas o mais difícil foi, de longe, o gato. Ah, aquele gato! Nós levamos mais de uma hora só tentando amansa-lo para, assim, capturar o pequeno diabo que ainda miava incansavelmente em seu compartimento. Ele estava machucado pela vida na rua e ainda assim não se aquietava.
— Minha mãe chamou a gente para tomar um café lá em casa, vamos? É caminho para a universidade. – perguntei para ninguém em especial, segundos depois de ler sua mensagem de texto.
As garotas se voltaram para Susan, esperando sua confirmação, já que ela era a profissional ali e, consequentemente, estava no comando. Já passavam das 18h00, mas ela pareceu animada.
— Claro. Um café vai cair muito bem depois de um dia desses.
Cinco minutos e poucos quarteirões depois, nós chegamos na minha casa, onde minha mãe esperava na varanda com um grande e animado sorriso. Depois de apresenta-la para Susan e Katy, ela insistiu que fossemos até a sala de estar, lugar em que um verdadeiro banquete nos esperava.
Tudo bem, eu estava exagerando, mas quando se mora longe dos pais, café e mais que duas opções de acompanhamento vira uma coisa de outro mundo.
— Não precisava disso tudo, Claire. – Susan disse enquanto se sentava.
— Ah, não tive trabalho algum, quase tudo é de uma padaria aqui perto. Passei lá na volta do trabalho.
Minha mãe era advogada e trabalhava em um pequeno escritório próximo a Hollywood. Sem glamour, ela não era muito fã desse mundo a parte que tínhamos em Los Angeles. Além do mais, ela não gostava de se sobrecarregar. Fazia questão de ter sempre tempo o suficiente para dedicar a família.
— Uh, você comprou aquele pãozinho? – perguntei, passando os olhos pela mesa.
— É claro que sim. – respondeu, me entregando um pequeno pote com os meus queridos pãozinhos doces que eu não comia há tanto tempo. Eu até havia tentado comprar em algumas padarias próximas a UCLA, mas nenhum era tão bom quanto aquele. – Come com calma. Não quero ninguém passando mal longe de mim.
Ah, se ela soubesse...
— Como estão as coisas por aqui, tia? – perguntou, se servindo.
— Um pouco parado demais para o meu gosto. Ainda não me acostumei com vocês todos longe, mas eu vou eventualmente.
Encolhi os ombros, focando toda a minha atenção no que eu comia. Eu até acreditava nas palavras dela, mas sabia que o motivo por estar falando aquilo agora era para ver se tocava na minha consciência. Eu havia aprendido com a melhor.
— O meu pai também estranhou muito no começo, mas vai chegar um dia que você nem vai notar a falta da .
— Espero que sim, .
Conversa vai, conversa vem, minha mãe – e eu – descobriu que Katy era adotada, filha única de duas mulheres, e que nem mesmo se lembrava de seus pais biológicos. Susan trabalhava na sociedade protetora dos animais desde adolescente, quando entrou como voluntária. Hoje, ela tinha 26 anos e uma filha de três, que estava com a babá naquele exato momento.
— Falando nisso, nós temos que ir. – ela disse logo depois da informação da babá. – Já escureceu e nós temos que deixar os animais com as nossas veterinárias para fazer um check-up neles.
— Não querem ficar para o jantar? Logo o Johnatan chega e vocês podem conhecer ele também.
Minha mãe tinha nos olhos uma esperança de que ficássemos que me partia o coração, mas, naquele dia, não havia nada que eu pudesse fazer. Ou em nenhum dos outros.
— Mãe, não podemos deixar os cachorros presos naquela van por mais tempo. Eu vou tentar passar aqui amanhã ou depois.
— É claro que vai! Espero vocês para o café todos os dias que vierem para o bairro. – disse com um sorriso nos lábios, mas uma ordem no tom.
— Pode deixar, Claire. Amanhã voltamos. – Susan confirmou.
Dei um abraço bem apertado de despedida nela, sabendo que mais tarde ela me ligaria, de qualquer maneira e me afastei enquanto as outras se despediam também. Minha mãe não saiu da frente de casa até nos perder de vista e, mais uma vez, eu me senti mal por deixa-la. Mas não me deixaria vencer. Tínhamos que crescer... Nós duas.

Eu sentia a brisa levar meus cabelos para trás enquanto a água fazia seu repetitivo caminho sob a areia, chegando finalmente aos meus pés. Era bom estar naquele lugar, sentir o calor do sol em minha pele sem me importar com mais nada além do agora e do homem cujos braços se encontravam ao redor de minha cintura, me segurando próxima à ele.
Me virei para ele, encontrando seus olhos tão azuis quanto o mar que nos cercava, e sorri. Era difícil acreditar que alguém poderia ser tão bonito mesmo com toda aquela luz, mas ali estava ele como prova.
Chris era o homem mais bonito do mundo e eu tinha ele só para mim. Eu poderia tocá-lo quando quisesse, abraça-lo quando quisesse e até beijá-lo, que era o que eu planejava fazer naquele momento. Isto é, se ele não tivesse começado a me sacodir pelos ombros.
, eu preciso de você. – ele disse com angústia no olhar.
— Eu estou aqui. – respondi, tentando pegar suas mãos para confortá-lo, mas ele continuava me balançando com tanta força que eu já me sentia tonta.
O que antes era um perfeito sonho se tornou um pesadelo quando eu abri os olhos e só consegui ver cabelos ruivos sobre mim graças a minha visão completamente embaçada por estar sendo acordada no meio da madrugada.
, por favor!
— Ahn? ?
Então o mundo finalmente parou de tremer e eu pude tentar (com um pouco de dificuldade) focar nas coisas ao meu redor.
— Eu preciso que você levante agora. – ela ordenou, apesar do tom baixo de sua voz.
— O que? Que horas são?
Eu acrescentaria um “O que está acontecendo?” se minha voz me obedecesse, mas nem ela estava pronta para enfrentar aquele dia.
No segundo seguinte, eu estava sendo abruptamente puxada por uma mão trêmula para fora da minha cama. Eu resisti, me agarrando ao colchão, na esperança de que ela desistisse daquela maluquice e me deixasse ali para dormir, mas foi inútil.
! – ela exclamou um pouco mais alto dessa vez. O choro na sua voz me fez finalmente levantar e me deixar ser levada por ela.
, eu estou de pijama! – reclamei quando saímos do quarto e eu não precisava mais me importar com April e Mina dormindo.
— Isso não pode esperar, vem logo!
Pouco tempo depois, eu fui praticamente jogada para dentro de seu carro. Ela deu a volta correndo e entrou no lado do motorista. O motor já estava ligado, então tudo que ela fez foi sair derrapando, coisa que não era nada a cara da . Ainda estava escuro, mas eu conseguia ver seu rosto pelas luzes do poste e o semblante que ela carregava me preocupou. Era uma mistura de pânico e angústia, seus olhos brilhavam pelas lágrimas que tentava conter e ver aquilo partiu meu coração.
, me diz o que tá acontecendo, por favor. – implorei, preocupada.
— Você vai ver em um minuto.
Bem menos de um minuto depois, ela parou o carro abruptamente na frente do galpão onde estávamos mantendo os animais e onde iríamos cuidar deles mais tarde. Ela desceu logo em seguida e eu a segui, apressada. Sem fazer suspense, ela arreganhou as portas, me dando a visão do interior do lugar. Eu parei na mesma hora, surpresa demais com o que os meus olhos viam para fazer um movimento sequer.

¹ O S-A-T é um teste americano obrigatório para a ingressão em um curso superior.


Capítulo 11

Eu senti minhas pernas bambearem e juro que teria caído de joelhos no chão se não tivesse cambaleado em direção a porta para me segurar. Meus olhos não acreditavam no que viam. Ou melhor, no que não viam, pois as divisões que deveriam estar preenchidas com um total de 38 cachorros e 14 gatos estavam completamente vazias, às moscas.
Era isso, então. O fim do nosso projeto, o fracasso total. Em seu um século e meio de história, a Kappa Kappa Gamma nunca falhou e tínhamos ali, sob meus olhos, a primeira vez. Nós temos que concordar que é um pouco difícil fazer uma feira de adoção sem os animais.
, por favor, me diga que isso é uma pegadinha. Uma pegadinha muito, muito, muito sem graça.
— Eu tenho cara de quem tá com humor para pegadinhas agora?
Eu a encarei na busca de uma confirmação, e a peguei olhando para o galpão vazio como se sua vida tivesse ido embora junto com os animais. Respirei fundo, tentando pensar numa solução para aquela situação toda, mas era extremamente difícil fazer aquilo quando eu não tinha a menor ideia do que é que tinha acontecido naquele lugar. Eles estavam bem, certo? Nós os resgatamos das ruas para garantir uma vida melhor com seus novos donos e não para piorar a situação toda.
— Tudo bem, nós precisamos pensar...
— TÁ TUDO ACABADO, ! – ela gritou, me assustando, e se sentando no chão sem nem se importar se estava sujo ou não (algo realmente impressionante) e deixando as lágrimas que segurava até agora cair.
Eu encarei a cena por alguns segundos sem saber o que fazer. Aquele devia ser seu inferno pessoal e eu duvidava que houvesse alguma coisa que eu pudesse dizer que a faria se sentir melhor naquele momento. Ainda assim, eu tinha que tentar, então obriguei meu corpo a sair do seu transe e me ajoelhei ao seu lado, puxando suas mãos para mim.
— Ei, calma, vai ficar tudo bem. Nós vamos descobrir o que aconteceu aqui e resolver tudo. – afirmei, esperando que aquilo não acabasse como uma mentira no final.
— COMO? Olha esse lugar, tá completamente vazio! – exclamou, seus olhos em pânico.
— Bom...
— Nós estamos perdidas! – me interrompeu.
— Olha aqui nos meus olhos, , agora. – falei, segurando sua cabeça pelos lados e me aproximando o suficiente para beija-la, se eu quisesse. Ela lutou um pouco contra, mas não demorou muito para que parasse quieta. – Colabora comigo, tá bom? Eu tô tentando não surtar, mas você não tá me ajudando. – por sorte, ela continuou me olhando, esperando que eu continuasse. – Agora nós vamos parar e pensar no que fazer, com calma e clareza, certo? – levou algum tempo, mas ela assentiu lentamente. – Primeiro, você precisa parar de chorar. – disse, limpando o molhado de suas bochechas. – Eu sei o quanto isso significa para você e sei que você tá pirando, mas isso não vai resolver o nosso problema.
— Tá bom. – disse baixinho, então eu me afastei um pouco.
— Segundo: nós temos que ir atrás da Nikki. Ela vai saber o que fazer. Ela sempre sabe o que fazer.
Enquanto eu falava, a puxava para cima comigo. Eu sabia que ela se arrependeria mais tarde quando visse a cor do seu jeans claro, mas não trouxe aquilo à tona. Seria praticamente suicídio.
— Não, eu não quero que ninguém mais saiba, só você. Eu falhei, , não preciso anunciar para a casa inteira. – resmungou.
— Falhou? Tá louca!? – eu não pude conter o tom inconformado nesse momento, mas tratei de consertá-lo. – Você não falhou coisa nenhuma. – disse, com a voz já suave novamente. – Tudo que sabemos sobre o que aconteceu aqui é que você não carrega nem um pouco da culpa, tá legal? A Nikki é a mais sensata de nós duas, ela vai dar um jeito em tudo, mas, para isso, ela precisa saber, .
Ela bufou e balançou a cabeça, chateada. Até fiquei surpresa quando ela assentiu novamente, concordando comigo.
— Ok. – disse, não muito feliz.
— Certo. Agora, terceiro e último: – fiz uma pausa para suspense. – O que você veio fazer aqui às 6hrs da manhã?
Isso pareceu ser o suficiente para que ela ficasse bem novamente, pois me lançou um olhar incrédulo e um pouco bravo depois da minha pergunta.
— Sério?
— Brincadeira. – menti, sorrindo amarelo. – Olha só como você já tá melhor. Eu sou uma gênia.
Eu teria que viver sem a resposta para aquela pergunta, então...
Quase trinta minutos depois, nós estávamos de volta à frente do galpão, dessa vez com a Nikki e todas as outras garotas envolvidas no nosso projeto. Tudo isso?, você deve estar se perguntando. E sim, levou um bom tempo para acordar todas elas e esperar que elas trocassem de roupa, escovassem seus dentes e a coisa toda. Felizmente, eu tive tempo para fazer o mesmo, por isso agora vestia um short e blusa velhos ao invés do meu pijama e tinha o hálito das deusas.
— Podemos ir logo com isso? Eu tô caindo de sono. – Ashley disse e várias garotas resmungaram em concordância.
Sim, como uma piada do destino, ela estava ali. Mas não se engane. Ela tinha o celular posicionado firmemente na mão esquerda pronto para filmar qualquer atividade que achasse ser merecedora do seu canal.
— É verdade. Vamos, , são sete da manhã. – Nikki, que estava à frente, pediu.
— Tá bom, só não pira, tá? Experiência própria...
Dito isso, ela abriu as portas. As garotas entraram na mesma hora, curiosas para ver o que as tinha tirado da cama tão cedo, e eu parei em um cantinho só para observar as reações. Nenhuma pirou o suficiente para chorar, como a , mas era compreensível. A grande maioria xingou e ficou rodando pelo lugar, como se a cada volta esperassem que os animais fossem magicamente reaparecer em seus lugares. Não aconteceu, infelizmente.
A reação da Nikki foi até engraçada. Ela ativou seu super controle e apenas avaliou o ambiente ao seu redor com uma expressão pensativa, como se tivesse planejando o que comeria no almoço. O mínimo de pânico que ela deixou escapar foi no final, quando cobriu o rosto com as mãos e respirou fundo, aparentando impaciência.
— Ok, alguém sabe o que aconteceu aqui? – perguntou em um tom nada amigável.
Um silêncio completo se instalou no lugar. Todas olhavam umas para as outras, na espera de que alguém desse a resposta que tanto queriam, mas isso não aconteceu. Imaginei que aquela fosse a minha deixa para começar a falar.
Eu tive que ouvir da a frase “Quem faria algo assim?” na volta para a nossa casa mais cedo para me tocar do que tínhamos ali.
, eles descobriram! Eles sabem que foram você e a Mina que infestaram a nossa casa!”
A voz do repetia essa mesma frase na minha cabeça desde então. Pela primeira vez em muito tempo, eu me arrependi de não ter dado ouvidos a ele. Tudo bem que eles se vingarem era o próximo passo para que eu pudesse fazer o mesmo e assim ia, mas agora eu teria que lidar com as pedras das garotas para cima de mim e, acredite, eu não estava ansiosa para aquilo.
Eu pigarreei e imediatamente ganhei a atenção de todo ser humano naquele galpão.
— Talvez eu saiba. – disse baixinho, encolhendo os ombros. O silêncio permitiu que todas me ouvissem e desapareceu rapidamente, sendo substituído por perguntas e mais perguntas sobre as informações que eu tinha. Nikki foi a única que não abriu a boca, esperando pela minha resposta. – Foi a Lambda.
Eu causei o caos.
Foi dado início a uma discussão sobre eu estar falando a verdade ou inventando coisa. Chamar de discussão era um elogio, pois a realidade era um bando de garotas dando suas opiniões sem ordem alguma. A grande maioria acreditava na segunda opção. Não podia culpa-las, pois elas não esperavam que a nossa fraternidade prima fizesse algo assim. Muitas ali eram grandes amigas do pessoal da Lambda graças a isso e eu era só a novata fazendo bagunça... Mais uma vez.
— A Lambda?! Lambda Chi Alpha? A nossa Lambda!? – a voz aguda da se destacou entre as demais.
Assenti. Nikki escolheu aquela hora para finalmente mostrar o tamanho da sua preocupação e indignação, balançando a cabeça. Isso fez com que as garotas fechassem a boca para deixar que ela falasse.
— Você tem certeza, ? Ou é só mais uma maneira sua de atingir o ? Porque isso aqui é coisa séria, o nosso projeto foi sabotado e eu não vou deixar isso assim.
Se eu pudesse cavar um buraco no chão naquele momento, me enfiar nele e nunca mais sair, eu com certeza o faria, assim não teria que encarar todos aqueles olhares acusadores sobre mim.
— Eu tenho certeza porque... Bom... O meio que tentou me avisar.
Mais uma vez, tudo que eu ouvi foram frases desconexas sendo jogadas para todo o lado. A única em silêncio era April, mas mesmo ela tinha os olhos arregalados em choque e um pouco de preocupação.
— EI, EI, EI! – Nikki gritou. – Quietas, eu tô tentando falar, caralho! – e se a Nikki fala “caralho” assim, na frente de todo mundo, você sabe que tá ferrada. – Desenvolve, . Explica isso direito.
Respirei fundo, criando coragem para explicar a besteira que fiz para todas. Pelo menos algumas das garotas não tinham olhares tão acusadores assim, então optei por focar nelas.
— O veio falar comigo alguns dias atrás, disse que tinha algo importante a dizer, que o Ryan descobriu que... – nesse exato momento, eu me lembrei que as únicas ali que sabiam do que Mina e eu tínhamos feito eram a , a April e obviamente a Mina. Você achou que as coisas não poderiam ficar piores? – Que fui eu que joguei na casa deles o spray que fez eles nos pedir abrigo...
Era ruim o suficiente que eu tivesse me colocado naquela situação, não precisava carregar a Mina abaixo comigo.
Eu esperei mais um bombardeio, mas tudo que recebi foram alguns comentários perdidos aqui e ali. Não que isso fosse bom, já que significava que as garotas estavam surpresas demais até para se manifestarem.
— Continue, . – Nikki pediu, forçando uma calma que não existia de verdade, já que eu podia ver o quanto ela queria me matar dessa vez em seus olhos. Você tem que ter um talento especial para tirar a Nikki do sério daquele jeito.
— Eu não dei muita bola porque não estava muito afim de falar com ele no dia, e também, não imaginei que fosse algo sério, então ele acabou desistindo de me contar o que realmente queria. Nunca me passou pela cabeça que eles fariam algo assim. Na última vez, eles se vestiram de palhaços, eu estava esperando no máximo uma pegadinha besta, não isso aqui, sabe?
— Ah, mas que ótimo! Então por que a senhorita não estava afim de falar com ele, o projeto que estamos trabalhando há semanas foi completamente arruinado, isso não é incrível? Vai continuar defendendo ela, ? – Ashley exclamou. Seus soldadinhos, como era de se esperar, a apoiaram.
— Isso não é problema seu, Ashley. – respondeu.
— Não é mesmo, o problema é da casa inteira agora. Você tinha que continuar com essa birra idiota pelo , não tinha, ? – um dos soldadinhos disse, as vezes conhecida como Amy.
— Ah, me desculpe, eu arruinei um vídeo do canal da Ashley? Que pena, agora ela não vai conseguir fingir pros inscritos que realmente se importa com o que estamos fazendo aqui.
Ashley me encarou com ódio nos olhos, pronta para me responder, mas Nikki foi mais rápida.
, não provoca! Essa não é a hora!
— Até porque você não está em posição para provocar, não é, ? Eu te defendi da outra vez, mas agora não dá! – Tina disse e com ela sim eu me importava por estar brava comigo.
— Você não podia ter se vingado só do e do Joe? Agora nós temos aquela casa inteira contra nós! – Sarah reclamou.
— Parem de brigar só com a , ok? – Mina se manifestou. – Eu ajudei. Eu quis me vingar pelo susto primeiro, eu gostei da ideia dos sprays, eu comprei eles, eu decidi que, ao invés de infestar só o quarto dos garotos, nós infestaríamos também os corredores e escadas. Vocês querem falar merda? Falem para mim também porque ela não fez isso sozinha!
Uma risada acabou se destacando no meio de todas aquelas vozes.
— Eu devia ter imaginado. – Ashley disse, observando com atenção as suas unhas.
— Ninguém vai falar nada para ninguém, ouviram? – Nikki voltou a falar. – Mina, , venham aqui fora. Nós temos que conversar. , você também.
Nós a seguimos para fora enquanto o resto das garotas ficaram lá dentro discutindo. Nikki não parecia feliz. Na verdade, a última vez que a vi séria daquele jeito foi na noite da minha iniciação e eu me lembro bem de não gostar nada.
— Por favor, não nos mate. – Mina disse assim que ela parou e voltou a se virar para nós.
Por favor. – dei ênfase, esperando um pouquinho de solidariedade da parte dela.
— Eu não sei se fico mais brava com você por se meter nessa rixa da e do ... – disse para a Mina e depois se virou para mim. – ... ou com você por ter sido avisada disso e não contado para ninguém.
— Ei, ele não chegou a me avisar... Porque eu não deixei, mas isso não vem ao caso. Certo, eu vou calar a boca agora. – concluí depois do olhar bravo que Nikki me lançou.
— Eu não sei o que fazer com vocês, eu não sei como resolver esse problema. Mais de três anos nessa irmandade e, pela primeira vez, eu não sei o que fazer.
Mina e eu trocamos um olhar culpado ao ver um pedaço do seu desespero.
— Eu e a vamos resolver isso, é nossa culpa, não se preocu... – Mina tentou dizer, mas foi interrompida por uma risada forçada dada pela Nikki.
— Vocês? Resolver isso? De jeito nenhum! Já me causaram problema demais.
— Mas Nikki...
— Não, ! Vou ter que repetir?! – exclamou, aumentando o tom. – Eu levei essas brigas suas e do na boa até agora e olha só no que deu! O projeto que estamos planejando há semanas foi completamente arruinado por causa de orgulho, ego e um puta egoísmo!
Respirei fundo, tentando engolir uma resposta à altura. Eu tinha que me lembrar que deixar ela mais brava ainda não era a solução.
— Você está culpando as pessoas erradas. – eu disse baixinho.
— O que?
— Você está culpando as pessoas erradas. – repeti alto dessa vez. Nikki continuou me olhando em dúvida. – Mina e eu meio que provocamos isso, tudo bem, nos odeie... Mas não fomos nós que sabotamos o projeto, foram os caras da Lambda. Se eles quisessem resolver isso de maneira sensata, poderiam ter ido falar com a coordenadora, apesar de ser muito improvável. Se quisessem só se vingar da nossa brincadeira, poderiam ter bolado alguma pegadinha no mesmo nível, mas não, eles acharam que sabotar o nosso projeto seria a melhor opção.
Elas ficaram em silêncio, pensando no que eu tinha acabado de falar. Bom, estava em silêncio há mais tempo do que pensei que fosse possível.
— A tem razão. – Mina afirmou. – Não é à toa que correm por aí rumores da nossa falta de união. Olha a situação em que estamos e, ao invés de nos juntarmos contra a Lambda, perdemos tempo apontando o dedo uma para a outra.
Nikki suspirou, balançando a cabeça. Seu semblante ainda era preocupado, mas não tão bravo quanto minutos antes.
— Vocês tem razão. – ela cobriu o rosto com as mãos. – Deus, vocês tem muita razão!
— Eu voto para a gente ir na casa deles agora e socar um por um até que digam o que diabos eles fizeram com os nossos animais. – sugeri.
Nikki suspirou, provavelmente ainda muito brava com a gente.
— Vamos consertar isso. Eles me pagam! – disse, indo em direção ao galpão novamente.
Nós a seguimos, mas eu fiquei mais para trás para checar a .
— Ei, tá tudo bem? – perguntei, chamando sua atenção. Ela assentiu devagar.
— Só tô concentrando toda a minha energia em me manter calma para não surtar de novo.
— Ah, você pode surtar de novo. Só espera a gente chegar na casa deles que você pode surtar legal!
Ela deu um sorriso fraco.
— Eu riria se não quisesse enforcar você e a Mina com as minhas próprias mãos. – disse antes de apressar seu passo.
Dei de ombros. Eu devia ter visto aquilo vindo.
Quando chegamos ao lado de dentro, as outras garotas pareciam estar mais calmas e muito interessadas em uma discussão que foi encerrada com a nossa presença. Optei por ficar mais para trás, temendo que alguém pulasse em mim. Seria um erro, é claro, mas eu não me atreveria a não revidar.
Nikki estava pronta para falar quando Tina deu um passo à frente.
— Então... Nós estávamos conversando e... – me olhou, começando a se dirigir a mim. – , nós não fomos justas com você. O que você e a Mina fizeram foi errado, mas isso não justifica eles sabotarem o nosso projeto.
Ergui as sobrancelhas, surpresa. Coincidências, a gente vê por aqui.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Mina tomou a frente, orgulhosa.
— É só eu começar a questionar o funcionamento dessa irmandade que vocês me puxam de volta em momentos como esse, ah, que incrível! – disse, abraçando Tina de lado.
Olhando ao redor, eu notei que a maioria das garotas pareciam concordar com a Tina. Ainda haviam aquelas, Ashley, sua turma e algumas aleatórias, se preferir, que não pareciam muito feliz, mas nenhuma delas se manifestou naquele momento.
Nikki sorriu, também observando todo mundo.
— Bom, eu fico muito feliz que vocês tenham chegado a essa conclusão sozinhas. Me poupam um tempo de trabalho. – disse. – E eu espero que vocês ainda tenham energia o suficiente para ir comigo até a Lambda matar cada um deles. O escritório da coordenadora fica no caminho, então poderíamos passar lá um pouquinho, o que vocês acham?
Todas pareceram, sim, bem animadas. Eu tive que conter para não sair dando pulinhos, pois todos sabemos o quanto eu gosto de um caos. Agora eles mereciam qualquer coisa que fosse a eles e eu não sentia um pingo sequer de pena. Primeiro, porque havia passado horas no sol quente e vários perrengues para chegar àquele dia e eles arruinarem tudo. Segundo, eu nunca fui mesmo com a cara daquele Ryan. Terceiro, eu poderia usar aquilo como desculpa para ficar bem longe do Nick. E quarto, não tinha jeito do escapar daquelas! Ele havia tentado me avisar, o que me faria dar um pouco de crédito a ele, mas, no final das contas, ainda permitiu que os outros fizessem seja-lá-o-que-fizeram-mas-iríamos-descobrir com os nossos animais.
Isso não poderia ser melhor.
— O que vocês acham que eles fizeram? Digo, com os animais. – perguntei enquanto caminhávamos em direção a saída.
— Eu acho que eles os soltaram de novo. – alguém que não reconheci pela voz respondeu atrás de mim.
— Eu também acho. – concordou. – Mas espero estar errada ou posso cometer um assassinato hoje mesmo. – completou, e seu tom de voz me deu arrepios.
— Vamos pensar positivo, tá bom? Nós vamos resolver isso. Nem que tenhamos que adiar a feira, ela vai acontecer. – Nikki afirmou.
Depois do trabalho gigante que tivemos com os panfletos para divulgar a feira de adoção, com data e horário certos, ter que adiar não me parecia uma boa ideia. Mas a obedeci e guardei aquele pensamento para mim.
Eu quase me arrependi do meu bom comportamento alguns minutos depois, quando sua parada brusca a minha frente me pegou de surpresa e fez com que eu desse com a cara na sua cabeça.
— Ei! – reclamei, automaticamente cobrindo meu nariz, o maior afetado pelo impacto, com a mão.
Ela me ignorou.
— Vocês ouviram isso?
Todas ficamos em silêncio, esperando por algum som que não veio. A não ser que pássaros e carros passando perto dali fossem o que fez a Nikki me dar uma dor desnecessária no nariz.
— Eu não acho que...
Mina foi interrompida por um latido dessa vez muito bem ouvido por todas nós graças ao quase silêncio completo. Silêncio esse que acabou na mesma hora.
— Ah, meu Deus...
— Vocês ouviram também?
— Não parece muito perto.
— De que lado veio?
Entre outras.
— Isso é estranho. Isso é muito estranho. – Nikki disse antes de começar a andar em passos firmes em direção ao fundo do bloco de aulas logo ao lado do galpão.
Nós a seguimos fielmente, é claro. Seria possível que eles tivessem escondido os animais lá? Por que se dar o trabalho de pegar todos eles e colocar tão perto? Eles deviam imaginar que nós logo os acharíamos. Será que tem algo por trás disso? Um plano por trás do plano? Não, eles não eram tão inteligentes assim. Mas será?
Apressei meus passos, curiosa para saber o que encontraríamos naquele lugar.
Eu tenho uma notícia boa e uma ruim.
A boa é que sim, havia um animal lá. Um cachorro, para ser mais específica, sendo acariciado por alguma estudante perdida no meio do campus às 7 horas da manhã.
A ruim é que havia um animal lá. E nenhum sinal dos outros 51.
A garota que fazia carinho nele foi pega de surpresa pelas 26 outras indo para cima dela ao mesmo tempo, então soltou o cachorro e deu alguns passos para trás, na defensiva. As primeiras mãos que alcançaram o pobrezinho foram as da , que se pôs a avaliar seu estado e aparência.
— É nosso, com certeza. – concluiu segundos depois. – Eu lembro porque é o mais dócil de todos. E ele parece bem. Um pouco assustado, mas bem.
Eu me afastei para dar espaço às garotas que queriam ver com seus próprios olhos se ele estava realmente bem, não percebendo que tantas mãos em cima dele não eram exatamente a receita para o bem estar do cachorro. Enquanto isso, Nikki fez o favor de explicar para a menina o que estava acontecendo ali, já que ela olhava tudo um pouco assustada.
— Então vocês talvez gostem de saber que tem um gato preso à uma árvore a uns 200 metros daqui. – ela conseguiu falar quando todas já estavam mais calmas.
— Você tem certeza?
— Sim. Preto, meio magro, bem sujo... Acabei de passar ali e ficar chocada com a crueldade de alguém ao fazer isso. Não é algo que se esqueça em dez minutos.
— Ah, meu Deus, pobrezinho! Precisamos pegar ele! – disse afobada.
— Calma, . – Nikki respondeu. – Muito obrigada, Sandra. E não se preocupe, nós vamos cuidar deles.
Assim que perdemos a garota de vista, nós corremos para o lugar que ela havia apontado e encontramos lá o gatinho que na verdade era uma gata. Ela estava deitada na grama, lambendo suas próprias patinhas, e relaxada demais para se importar com a nossa chegada.
— Vamos parar por um momento e pensar no que tá acontecendo aqui, tá legal? – Mina propôs por cima de todo o burburinho e falação.
— Isso. Nós ainda temos muito o que fazer e essa bagunça toda só vai nos atrasar. – Nikki concordou.
— Eu acho que tá bem claro o que está acontecendo aqui. – eu disse. Muitas concordaram comigo.
— Eu aposto que tem cachorros e gatos espalhados por esse campus inteiro. – Lauren falou.
— É... Só fico feliz por eles estarem presos e não soltos por aí. – alguém também de pronunciou.
— Acho que todas nós concordamos com isso, então... – Nikki fez uma pausa, apoiando o queixo nas mãos, parecendo pensar sobre qual seria o próximo passo. Nós esperamos pacientemente pelos próximos minutos. – Certo. Me ouçam com atenção. , você tem as fichas de todos os animais que pegamos, não é?
— Estão lá em casa, mas eu posso buscar.
— Faça isso e fique no galpão. Mina, você fica com ela e a ajuda a conferir e organizar os animais que vamos levar de volta. Para o resto de vocês: se juntem em pares que eu vou dar a cada um uma região do campus para buscar. – imediatamente o meu braço e o da April se bateram, já que nós duas buscamos uma a outra ao mesmo tempo. – Eu quero duas duplas no nosso bairro porque tenho certeza que vamos encontrar algo lá também. Essas podem usar o meu carro e da por não ficar tão perto daqui. Alguma dúvida? – ninguém abriu a boca. – Ok. Lauren e Lucy, Tina e Isa, vocês vão para o bairro. Vão com a agora e alguém traz ela de carro antes de começar. Enquanto isso, eu vou falar a região de vocês que ficaram. Prestem atenção.
April e eu e uma segunda dupla ficamos com o sul, o que significava a “parte médica” do campus. Não era o meu lugar preferido, mas eu faria aquele sacrifício pelos animaizinhos abandonados pelo campus.

— Oi, meu amor. – eu disse para a gatinha a minha frente com o tom de voz mais ridículo que um ser humano tinha a capacidade de fazer. E ainda assim ela me encarou com tédio. – A gente chegou pra te levar para casa. Desculpa a demora, viu? Mas eu trouxe água. – peguei então o pequeno pote que carregava comigo e coloquei um pouquinho de água mineral (tudo do bom e do melhor, pessoal) para ela, que devia estar ali há horas e o dia não era dos mais frescos. Ela atacou o líquido na mesma hora e eu aproveitei o tempo para fazer um carinho delicado em sua cabeça. – Uma gata preta. Sua vida não deve ser muito fácil, ahn? Espero que não pense que todos nós somos idiotas o suficiente para te evitar por causa de superstições bobas. – ela continuava concentrada em sua água, me ignorando por completo. – Eu tenho certeza que vai ser uma das primeiras a ser adotada. Se não for, eu te pego para mim. Não que eu possa fazer isso, mas talvez a Nikki não se importe... Na verdade, ela não está muito feliz hoje, especialmente comigo, então pedir para adotar um animal numa casa onde moram garotas alérgicas talvez não seja a melhor ideia. Eu não a culpo, sabe? O que eu fiz foi bem estúpido. – nesse momento, ela se cansou de beber e me encarou, quase como se concordasse com a minha última frase. – Não a parte de infestar o quarto do , ok? Não, aquilo foi bem divertido. Mas não ouvir ele no outro dia foi uma escolha idiota. Eu poderia ter evitado a sua estadia no tronco dessa árvore, sabe? Por favor, não me odeie. – suspirei, me perdendo nos meus pensamentos e nos olhos da gata. – É que... Sei lá, as vezes eu foco tanto no meu ódio por ele que esqueço das outras pessoas ao meu redor. Animais, no seu caso. Isso não é bom, né? Extremamente egoísta, eu diria. Ele merece e muito tudo que eu fiz até agora... Não há nada que eu já tenha feito ou possa vir a fazer que compense pelo que ele me fez passar. Eu só preciso ter mais cuidado, certo? Apesar de que, agora, a coisa toda chegou num nível que nem eu posso mais controlar. Você acha que a vai matar ele? Porque eu sei que a Nikki vai, mas nós conhecemos a e sua obsessão por manter o grupo unido. Quer saber? Eu estou realmente curiosa pelo que está por vir...
Eu fui coberta pela sua sombra antes de ouvir sua voz acima de mim.
, o que você tá fazendo? – April questionou.
Ergui a cabeça, vendo sua silhueta se estender pelo que me parecia ser até o céu ali de baixo. Ela tinha nos braços uma cachorra de cor caramelo.
— Se você quer mesmo saber, eu estava conversando com a gata.
— Por favor, me diga que ela não estava respondendo de volta.
Revirei os olhos, me levantando. Deitar de bruços na grama por muito tempo não é exatamente confortável.
— Vamos lá, garota. Aposto que está com fome. – disse enquanto soltava sua coleira e a pegava no colo.
— Você é um ser humano muito estranho, sabia?
— Eu prefiro o termo “especial”.
Ela riu rapidamente e nós começamos a andar novamente em direção ao galpão para deixar os pequenos em nossos braços e voltar atrás de novos porque a nossa vida estava fácil assim. Pela primeira vez desde o momento em que saímos de lá, ficamos em silêncio. Eu havia preenchido as últimas quase duas horas com reclamações sobre a temperatura, o fato de não termos um carro a nossa disposição e o motivo por estarmos naquela situação: Lambda Chi Alpha. Decidi então fechar a boca por um tempo e dar um merecido descanso aos pobres ouvidos da April, que, se pudessem falar, provavelmente implorariam por misericórdia naquele ponto.
Eu esperava que ela fosse curtir seu merecido silêncio, mas a doce e inocente April tomou aquele precioso tempo para me interrogar.
— Podemos falar sobre o que aconteceu agora?
— Talvez... Podemos falar sobre o que você e o estavam fazendo aquele dia?
Ela revirou os olhos na mesma hora, já acostumada com as perguntas sobre o acontecido evento.
— Já te falei, se o quiser, ele que te conte. – respondeu.
— Mas ele não quer! Por algum motivo, ele não quer que eu saiba e eu não gosto desse mistério todo, tá legal? Uma hora, eu vou começar a ficar magoada por ele compartilhar segredos com você e não comigo...
— Não é um segredo, , só é algo novo. Ele vai contar quando se sentir pronto.
Dessa vez quem revirou os olhos fui eu. Talvez fosse hipocrisia cobrar isso deles quando eu mesma tinha tendência a ser um dos seres humanos mais fechados desse universo, mas esse é o nível da minha curiosidade.
— Se vocês estiverem se pegando, é só falar. Eu vou achar ótimo, de verdade. Você precisa dar uma relaxada mesmo. – disse, fazendo com que suas bochechas atingissem mais ou menos cinquenta tons de vermelho.
— Eu não vou nem te responder. – murmurou, tímida.
— Ah, qual é, vai dizer que você não gostaria? – ela ficou em silêncio, então eu continuei. – Ele é lindo, fofo, engraçado, atlético, inteligente... O pacote completo pronto para ser levado para casa por April Spring.
— Ei, eu nunca disse que ele não era nenhuma dessas coisas. Ele é isso tudo, mas também é galinha, você sabe disso, e tem metade das garotas dessa universidade fazendo fila para passar um tempinho com ele. – afirmou. Eu tive que concordar.
— Você está certa, mas ele é um galinha consciente. Sempre deixa claro quais são suas intenções para as garotas com quem se envolve e ele nunca brincaria com os seus sentimentos porque sabe que eu arrancaria as bolas dele se o fizesse.
Ela riu, balançando a cabeça.
— Bom, isso não exclui o fato de que têm dezenas de garotas por aí querendo ficar com ele, não tem por que ele querer estar comigo em vez delas.
Meu queixo caiu lá no chão em choque nesse momento.
— Como é!? April Spring, essa é a coisa mais idiota que eu ouço em muito tempo, e eu ouvi o bostejar poucos dias atrás. – falei indignada e ela apenas deu de ombros. – Espera... Nós estarmos discutindo isso significa que você ficaria com o se tivesse a chance?
— Eu nunca disse isso. – negou, mas não com empenho suficiente para tirar o sorrisinho alegre do meu rosto. – O papo era e , não April e , como você fez isso?
— É um talento desenvolvido e aperfeiçoado com anos e anos de experiência, minha querida. Te ensino um dia. – respondi, piscando para ela.
— Você já fugiu o suficiente, não acha? – ela não me deu tempo para negar. – O que aconteceu? Por que você não contou para ninguém sobre o aviso do ?
Bufei, reprimindo a minha vontade de revirar os olhos para a menção daquele nome.
— Vocês realmente gostam dele, em? Não me deixam passar um dia sem ter que falar sobre o garoto. – reclamei.
— Me desculpe, mas depois de descobrir que ele tentou te avisar, ele não me parece exatamente uma pessoa ruim.
— Mas é! Ele fica por aí pagando de bom samaritano, mas já fez muita merda que não chegou ainda ao seu conhecimento e do resto das garotas.
— Ei, você não quis dizer o que foi que aconteceu em São Francisco, então eu não posso odiar o rapaz por algo que não sei que ele fez. – disse, e eu podia sentir a curiosidade no seu tom e no olhar de lado que me lançou.
Eu faço muita besteira por impulso, todos nós sabemos disso. E o meu primeiro foi simplesmente contar tudo só para que ela entendesse que o não era o mocinho da história, mas forcei a minha boca a ficar fechada. Eu não queria cruzar aquela linha. Fazer isso significaria colocar um pé inteiro no nosso relacionamento do passado e trazer à tona escolhas e atitudes que eu havia passado muito tempo tentando enterrar.
— Eu não sei porque não contei, April. Eu não achei que a coisa toda fosse realmente séria, achei que ele estava se sentindo mal por ter me feito contar aquela história ridícula mesmo depois de eu não falar nada da dele, é só isso. Como eu disse mais cedo, eu pensava que o pior que poderia acontecer é que eles pregassem alguma peça boba em mim e na Mina, nada demais.
Parei de falar quando decidi que a história era “acreditável” o suficiente. Preferi não dizer a ela que eu queria que a vingança viesse, assim eu poderia dar o troco porque eu estava me divertindo demais com aquilo. É claro que eu não esperava que todos aqueles animais e a minha casa inteira fosse prejudicada, mas agora eu sabia que a Nikki não iria deixar aquilo daquele jeito, logo, eu consigo o que quero e tenho bem no meio como o meu alvo.
— Tudo bem, eu acredito em você. – disse, sorrindo. – Se tudo der certo, a gente pode até rir disso um dia.
— É, talvez. – concordei, assentindo e sorrindo também. Só um pouco porque o sol quente me lembrava a cada segundo do quanto eu ainda odiava aquela situação em particular.
Nós seguimos alguns metros em silêncio. Foi tempo o suficiente para que eu começasse a acreditar que ela deixaria aquele assunto para lá. Pobre e inocente .
— Você sabe que uma hora essa necessidade de prejudicar o vai ter que parar, né? – ela perguntou, focada no caminho a sua frente. Eu fiz um movimento afirmativo quase imperceptível com a minha cabeça enquanto acariciava a gata em meu colo. – Eu entendo que ele te machucou muito, ainda que você finja que foi só a humilhação, e que você sinta que precisa fazer essas coisas para se sentir melhor, para conviver com ele, mas sei e espero que quando o momento chegar, você vai fazer a escolha certa e controlar essa bagunça toda. Só não quero que nenhum dos dois saiam mais machucados ainda, então cuidado, , por favor.
Fiquei em silêncio e assim permaneci até a nossa volta ao galpão, pensando um pouco naquela situação. Eu havia causado aquilo. Um pensamento aleatório no dia da nossa iniciação e aqui estávamos algumas semanas depois, com duas casas que, na teoria, deveriam ser parceiras querendo arrancar os pescoços uma da outra. A intenção nunca foi fazer com que tudo vazasse pelas bordas e chegasse aos outros, mas... Eu tinha que admitir, e eu fizemos um baita trabalho. E agora eu já não acho que nós conseguiríamos controlar a nossa criação mesmo que quiséssemos. Eu já disse que estou ansiosa pelo que vem por aí?

— Vocês podem ficar aqui agora. Só faltam dois e eles já estão a caminho.
A voz da nunca soou tão musical para os meus ouvidos.
Sentei no chão mesmo e April me acompanhou. Nem nos importávamos, afinal, tínhamos acabado de voltar de uma maratona com muito suor e animais sujos no colo e estávamos prestes a começar outra de banho e mais, muito mais, sujeira. A guerra para tomar banho mais tarde na casa seria interessante.
Logo Mina apareceu com duas garrafas de água e eu quase beijei seus pés por isso.
Já notou como nós ficamos dramáticos em situações do tipo?
O pessoal foi chegando, algumas garotas tão ou mais cansadas quanto nós. Felizmente o lugar tinha ar condicionado e algum tempo ali dentro era o suficiente para a vida voltar aos nossos corpos.
Nesse ponto, já eram quase 11h00 da manhã e Nikki decidiu pedir marmitas. Comemos lá mesmo, já que não queríamos arriscar perder aqueles animais de vista até o final da feira no dia seguinte. O plano era estar com pelo menos metade deles já limpos e prontos para serem levados para casa nesse horário e não havíamos nem começado ainda. Se tivéssemos que repetir o processo daquela manhã, a bendita feira aconteceria só na segunda-feira.
Susan chegou no meio do processo com mais duas garotas e cinco cachorros. Aqueles estavam em um estado um pouco mais crítico que os outros, com machucados, desnutridos, por isso ficaram alguns dias na clínica para se recuperarem o mais rápido possível. Elas olharam ao redor surpresas, pois, como eu disse, devíamos estar bem mais avançadas e não exatamente do mesmo jeito que no dia anterior.
Nikki se levantou na mesma hora e foi explicar tudo que aconteceu. Eu observei do meu lugarzinho no chão, pensando no quanto eu não gostaria de ser ela. A garota havia andado para lá e para cá a manhã inteira como o resto de nós e teve que interromper seu descanso e refeição para contar a história toda de novo, além de ser a responsável por tudo que acontecia naquela irmandade e fazer um trabalho maravilhoso se mantendo calma e controlada. Eu a admirava muito, mas não queria seu papel de jeito nenhum.
As mulheres ficaram possessas, talvez até mais do que nós, ao saber que muitos daqueles animais passaram um baita tempo por aí, alguns no sol, sem água ou comida. Desejei que o Ryan estivesse aqui. Aposto que com força de vontade o suficiente, eu poderia convencer todas a me ajudarem a prender ele no sol sem água ou comida pelo resto da tarde. Uma vingança a altura do que ele fez com os pobrezinhos. Mas ele não estava ali, então só continuei observando a Nikki em sua tentativa de controlar a fúria de Susan e das outras duas, que já queriam fazer uma reclamação com a administração da universidade. É claro que ela conseguiu, argumentando que ainda não havíamos decidido qual seria o nosso próximo passo e nos precipitar poderia acabar sendo um tiro pela culatra.
As coisas ficaram bem menos interessantes depois disso.
Coloca a gravatinha ou o lacinho, espirra o perfume aqui, ali, ali também, um pouco lá, espalha bem, faz um carinho, brinca com o animal até o próximo chegar e repete. Me sentia o próprio Chaplin em Tempos Modernos, com um pouco mais de trabalho que ele. Era meio irônico que eu tivesse ficado com essa parte, principalmente quando eu olhava para a frente e via que a outra pessoa responsável por fazer o mesmo que eu era a . Que me ignorava, inclusive. Ela só vinha para o meu lado de tempo em tempo para ver se eu estava fazendo um bom trabalho e nem me dirigia a palavra. Não forcei, eu também me odiaria se estivesse no lugar dela.
Se o clima ruim ficasse só ali, tudo bem, mas ele se estendia pelo resto do galpão. Garotas e mais garotas fazendo sua parte em silêncio, cansadas, com raiva e sem saber o que fazer para resolver aquela situação. Eu me confortava no pensamento de que não estávamos mais tão bravas uma com a outra e sim com os rapazes.
Apesar dos apesares, no final do dia (e quando eu digo no final do dia, quero dizer quase as 21h00, 14 horas depois do começo do dia e cinco horas depois da que realmente deveríamos ter terminado de não tivessem tentado nos sabotar), os 57 animaizinhos estavam lindos, cheirosos e bem alimentados, e suas repartições também, já que, enquanto cuidávamos deles, também nos revezamos para limpar o galpão. Não adiantava nada cuidar deles para depois coloca-los no lugar sujo de antes. Se você quer saber, eles já pareciam muito mais felizes, especialmente aqueles que precisavam urgentemente de uma poda (feita pelas profissionais, é claro).
De todas nós, eu diria que a Nikki foi a mais quieta do dia, apenas gritando ordens quando necessário. Eu devia ter imaginado que aquilo não era um bom sinal.
Quando terminamos, ela parecia uma pilha de nervos pronta para explodir a qualquer momento. Eu sabia que a explosão não seria na minha direção e sim na do Ryan, mas isso não me deixou menos preocupada com a garota.
, , Mina, venham comigo. – ela ordenou depois de se certificar que Tina e Lauren ficassem ali cuidando de tudo. Apesar da ausência de gritos, eu me encolhi e a segui na mesma hora.
Ela nos guiou até o carro da , que nem hesitou na hora de entrar e dar partida. Todas nós sabíamos para onde estávamos indo. Mina e eu, no banco de trás, trocamos um olhar curioso e um pouco animado, mas não nos atrevemos a falar uma palavrinha sequer.
Quando viramos a esquina e a casa da Lambda se tornou visível, eu senti meu coração bater mais forte pela expectativa. Pessoalmente, eu gostaria de ter tido a chance de tomar um banho antes de bater na porta deles, só pelo bem da minha autoestima, mas ok. O importante é que fez com que chegássemos vivas e eles nem imaginavam o que estava vindo.
Eu mal tinha fechado a porta do carro e Nikki já batia seus punhos com toda força na porta deles, tocando a campainha incansavelmente ao mesmo tempo. Não demorou muito para alguém abrir. Eu o conhecia de vista, mas não sabia seu nome. Primeiro sua expressão foi de curiosidade, depois de diversão ao ver quem estava do lado de fora, mas essa durou poucos segundos, se transformando logo em susto quando ela o empurrou, entrando sem convite. Nós corremos atrás dela, pois não queríamos perder um segundo daquilo.
— Cadê o Ryan? – ela questionou, se virando novamente para o rapaz ainda paralisado ao lado da porta.
— Olha só quem veio nos visitar. – Ryan disse, descendo as escadas com um sorriso caloroso. Era a primeira vez que eu o via sorrir.
Grande parte dos moradores já tinham dado as caras, curiosos para descobrir quem tocava a campainha com tanto empenho. Por um momento, eu me senti desconfortável. Éramos quatro contra uma fraternidade inteira.
— Qual é o seu problema?! – Nikki exclamou, indo para cima dele. Ela parou antes de toca-lo, mas suas mãos estavam em punhos. – O que tem de errado com você para acreditar que sabotar o nosso projeto seria uma boa ideia?!
Ryan parecia mais calmo e feliz do que nunca, o que me fez querer mais do que tudo dar um murro naquele sorrisinho de lado dele. Não me esqueceria que graças a ele eu havia ficado seriamente desidratada hoje.
— Não sei porque você tá gritando só comigo. Eu não fiz tudo sozinho, sabia? As suas amiguinhas ali irritaram a casa inteira. – e nessa hora, ele olhou para mim e para Mina.
Nikki olhou ao redor, parecendo se dar conta só daquele momento que cada um daqueles garotos mereciam seus gritos. E alguns machucados, se me perguntassem, mas ela era contra violência física. Felizmente, os outros não estavam tão cheios de si quanto Ryan.
— E vocês são burros o suficiente para fazer algo do tipo quando só duas de nós fizeram uma brincadeira boba!? – ela mais afirmou do que perguntou, dessa vez se dirigindo a todos ali presentes.
— A brincadeira boba delas afetou a nossa casa inteira, Nikki. – Ryan respondeu. – Elas praticamente imploraram para que fizéssemos alguma coisa em retorno.
A expressão de “Você é louco?” da Nikki nesse momento foi impagável. Minha vontade era de me meter entre os dois e me defender eu mesma, mas esse era o momento dela, que havia passado o dia inteiro remoendo tudo e tentando manter o controle.
— IMPLORARAM?! Quando se vinga de alguém, você coloca tonalizante azul no shampoo, você faz elas pagarem um mico, coloca mil despertadores na casa, NÃO SABOTA UM PROJETO INTEIRO!!! Você tem noção do tempo e trabalho que dedicamos àquilo?!
— A ideia inicial era simplesmente soltar aqueles animais todos, vocês deviam é nos agradecer por sermos piedosos...
Parece que o dom de falar imbecilidades nas horas erradas corre entre os membros da Lambda Chi Alpha, senhoras e senhores. Deus, eu queria mata-lo! Não no sentido literal, seria muita bondade minha, ele tinha que sofrer. Não havia um aspecto nele que não me irritava naquele momento, desde sua pose confiante e egocêntrica até a maneira como falava com a Nikki. Era quase como se eles não tivessem uma parceria há tanto tempo.
— OS ANIMAIS! Você tem ideia do que você fez os pobrezinhos passar? Eles não...
A partir desse momento, eu parei de ouvir porque uma cena em segundo plano chamou minha atenção.
finalmente apareceu, descendo as escadas com a calma de quem tem medo do que vai encontrar do lado de baixo. Ele só notou que também estava ali ao chegar no chão e ela não o olhava feliz. Na verdade, era uma mistura de raiva, decepção e cansaço que eu já havia visto algumas vezes e sempre partiu meu coração. O efeito pareceu ser o mesmo nele, que deu indícios de que iria se aproximar, mas um novo olhar dela fez com que ele desistisse da ideia. Eles ficaram se encarando pelo que me pareceu uma eternidade. desviou o olhar para mim e para a discussão da Nikki e do Ryan uma vez ou outra, mas sempre acabava voltando para .
Eu sentia que deveria me sentir mal por ele, mas não tive nenhuma gota de pena. Ele merecia aquilo, afinal de contas. Não importa o quão bonzinho ele tenha sido ao tentar me avisar, ainda assim tinha permitido que aquilo acontecesse. Eu sabia que aquela máscara que ele carregava tinha suas falhas.
— NÃO, ISSO NÃO TÁ CERTO!!! – o grito da Nikki me trouxe de volta para o plano principal. – Quer saber? Acabou. Essa parceria idiota acabou agora! Eu sabia que não ia dar certo, sabia que vocês iriam foder a coisa toda. Vocês são homens, ou melhor, moleques, é isso que vocês fazem!
— NÓS?! Nós fodemos a coisa toda!? As suas amiguinhas começaram com isso, Nichole, não nós!
Interessante. Agora ele gritava também. E o resto de nós assistíamos a briga dos chefões sem a audácia de abrir a boca.
— Não é possível que vocês não saibam separar uma pegadinha estúpida da sabotagem de um projeto filantrópico, quantas vezes vou ter que repetir!!? Ah! E maltrato aos animais, não me deixe esquecer!
— Ei! Nós não maltratamos animais algum! – ele exclamou, extremamente ofendido com a última parte.
— Ah, é? Diz isso para as cuidadoras de animais que queriam prestar queixas para a coordenadora contra vocês. E sabe quem não permitiu que elas fizessem isso? Eu! Eu não permiti e agora nem consigo me lembrar por que, merda!!!
— Eu devo te agradecer por não permitir, então? Como se nós não tivéssemos feito a mesma coisa?!
— Me desculpe, eu vou ter que explicar de novo a gigantesca diferença entre o que a e a Mina fizeram e entre o que vocês fizeram? Como você é estúpido!
— Engraçado, eu não era tão estúpido quando abria a minha casa para as festinhas de vocês e garantia a sua segurança.
— Ah, claro. Mil perdões. O que seria de mim sem um bando de macho alfa fazendo nada mais que as suas obrigações?! Você quer um prêmio, Ryan?! Fraternidade do ano? MEUS PARABÉNS POR FAZER O MÍNIMO QUE UM SER HUMANO DEVERIA!!!
Me peguei me encolhendo por causa dos gritos e de repente, senti uma necessidade enorme de tirar a Nikki dali. Eu achava que a sua explosão já tinha acontecido, mas a maneira como seu rosto ficava mais vermelhos e suas palavras cada vez mais altas, eu percebi que o pior ainda estava por vir e eu não poderia deixar aquilo acontecer. Não na frente daquela casa inteira, pelo menos.
— Você sabe que isso não foi...
— CHEGA! – as únicas vozes a serem ouvidas a algum tempo eram a deles dois, então o meu grito pegou todo mundo de surpresa. Sob os olhos de todos, eu dei alguns passos até a Nikki, parando em frente a ela e, consequentemente, a afastando do Ryan. – Vamos embora, tá bom? É o suficiente por hoje. – disse, segurando seus ombros. Pensei que ela iria negar e insistir em ficar, mas quando nossos olhares se encontraram eu vi tanto cansaço, maior do que o de qualquer outra Kappa naquele dia, e ela apenas assentiu, se deixando ser levada por mim.
— Vem... – surgiu e a abraçou de lado e elas andaram juntas até a saída. Mina e eu seguimos atrás.
Quando chegamos no hall de entrada, eu parei. Virei para trás rápido o suficiente só para dizer uma simples frase antes de sair pela porta.
— Oh, e , muito obrigada por tentar nos avisar sobre a sabotagem.
— O QUE?
Foi o que ouvi Ryan dizer antes de fechar a porta, apesar de desejar ficar lá dentro mais um pouco só para ver como aquilo se desenrolaria.
E essa, sim, é uma saída merecedora de palmas!, era o que eu gostaria de ter dito. Mas as coisas nunca são simples assim na vida de .
Nós havíamos dado poucos passos rua acima quando a porta foi aberta novamente e saiu afobado de dentro.
— Eu já volto e sou todo seu para receber sermão! – gritou na saída. — Nikki!
Ela parou e se virou para trás na menção do seu nome.
— Você! – exclamou, andando rapidamente em direção a ele. Dessa vez ela não parou e sim o empurrou com as mãos. – Como pôde deixar isso acontecer?
— Me desculpe, me desculpe, por favor! Eu tentei avisar a , mas...
— E você não pensou em me procurar quando ela não te ouviu?! Eu sou a líder daquela casa, não a ! A é a criadora do projeto, não a ! Ficou claro para você agora? Mas você não poderia perder uma oportunidade de falar com a sua queridinha, certo?
Ele engoliu em seco, magoado e envergonhado, e eu encolhi os ombros, desconfortável com a citação do meu nome. Mina percebeu e colocou seu braço entre o meu, os cruzando.
— Eu sei que você tá brava e tem todo o direito, mas tenta entender, por favor... Eu fiquei tão puto quando ela não me ouviu que de repente a ideia não me pareceu tão ruim assim. Eu não devia ter ajudado, eu sei que não devia...
— Você ajudou? – ela o interrompeu e ele me pareceu confuso. – Meu Deus, você ajudou?!
— Bem, eu...
— Esse tempo todo eu pensei que você só não tinha os impedido, mas você ajudou eles a sabotar o nosso projeto, como você... Porra, , que merda! – exclamou, o empurrando novamente para longe dela.
Ok, agora tudo definitivamente ia água abaixo e, pela primeira vez naquele dia, eu desejei não estar ali para ver aquilo. A cena toda me lembrava muito do dia em que terminamos e ainda doía. Mas eu finquei meus pés no chão e fiquei, mesmo com o nó na garganta e a vontade de sair correndo.
— Eu errei e errei feio, mas eu sinto tanto, Nikki. Eu juro que magoar você e a nunca passou pela minha cabeça.
— Ah, nunca, é? Engraçado porque você nos ouviu falando sobre esse projeto durante semanas, você sabia o quanto estávamos animadas, o quão duro trabalhamos e o quão importante ele era para a nossa irmandade. – ela fez uma pausa e ele chegou a abrir a boca para falar algo, mas desistiu, então ela continuou. – Mais cedo essa semana eu falei de você para a . Falei do quanto eu te admirava, que te considerava um dos meus melhores amigos e eu me lembro de pensar depois: “Caramba, como ela não vê o cara incrível que ele é?”. Eu vejo o por que agora que eu tô olhando para você com os olhos que ela tem olhado esse tempo todo, os olhos de quem você magoou. Eu tenho levado essa guerrinha infantil entre vocês na brincadeira porque ela nunca me afetou, mas, hoje, você e os seus amigos não machucaram só a mim, mas a todos aqueles animais e as garotas que ficaram das sete da manhã até as nove da noite ralando para consertar a merda que vocês fizeram. Vocês têm muita sorte dessa feira ainda estar de pé graças ao time incrível que nós temos ou eu juro que estariam se explicando para o reitor nesse momento. Eu vou embora agora e não quero ouvir mais uma palavra vindo da sua boca. Minha cabeça já dói o suficiente.
Nikki se virou para a gente e só então eu pude ver que seus olhos estavam marejados. Decidi manter minha distância. Eu também não era exatamente a sua pessoa preferida naquele momento.
... – insistiu.
— Você a ouviu. — o cortou na hora e saiu andando com a Nikki.
Então ele me encarou e eu não consegui me mexer por alguns segundos. Eu podia ver em seus olhos que aquela cena não era familiar só para mim. Eu senti sua dor, sua culpa, sua confusão e todo sentimento que ele me passou naquela olhar. Mais do que nunca, eu me senti triste. E eu sabia que o saudável seria parar por um momento e me permitir realmente sentir aquilo, mas não podia fazer isso. Agora não, ainda não. Então eu vesti minha indiferença e joguei tudo aquilo em um baú no fundo, bem fundo, da minha mente e coração, dando as costas a ele. Tudo estava confuso naquele momento e eu só esperava que com a claridade do dia seguinte, viesse também a clareza da minha mente.


Capítulo 12

3 anos e meio antes...


Respira fundo, . Vai dar tudo certo. Ele é seu melhor amigo, o que pode dar errado? Bom, isso pode destruir a amizade de vocês. Ou pode fazer de você a pessoa mais feliz do mundo. Mas você precisa contar. Já passou da hora, certo?
Eu esperava que sim.
Olhei ao redor, para as paredes da pequena casa de madeira, esperando que aquilo acalmasse a bagunça dos meus pensamentos. Nós costumávamos passar muito tempo ali quando pequenos. Agora, mal cabíamos lá, a não ser que ficássemos sentados, sem movimentos bruscos. Mas, ainda assim, aquele lugar era nosso. Por isso, quando insistiu que eu deveria contar logo para ele, aquele foi o lugar que eu escolhi. É claro que, antes de tomar essa decisão, eu enrolei, e enrolei muito, mas assim que contei para ela, eu não tive mais paz. Inclusive, ela me deu um ultimato três dias atrás.
— Você precisa contar logo! Ou pretende ficar guardando isso pra sempre?
Encolhi os ombros.
— Não, eu não pretendo, mas não é tão simples assim. E se ele não me corresponder? Tudo vai ficar estranho e, quando eu ver, nós vamos ser mais um desses melhores amigos que “perderam o contato”.
revirou os olhos, já sem paciência. Eu a entendia. Nem eu mesma estava me reconhecendo. Eu era a , caramba! Se eu gostava de um cara, ia lá e falava pra ele e pronto. Eu sempre tive atitude, coragem e agora, eu não tinha nada além de um medo terrível de tudo dar errado. Ele não era um cara qualquer e era isso que estava me matando.
— Pelo amor de Deus, é o ! Ele não vai parar de falar com você por causa de algo bobo assim. Além do mais, eu duvido muito que ele não sinta algo por você também, quer dizer... Vocês agem praticamente como namorados, mas que não se beijam. – ela disse e eu tive que concordar.
Não era raro alguém pensar que éramos um casal. Estávamos sempre juntos, as vezes de mãos dadas, as vezes abraçados, sabíamos tudo um sobre o outro... No começo, eu me irritava. Um garoto e uma garota não podiam ser próximos e apenas amigos? Mas depois eu comecei a me pegar gostando daquilo. Principalmente da ideia de ser a namorada dele. Foi quando meu mundo caiu.
Ele era meu melhor amigo, mas, de repente, eu me vi começando a realmente reparar nele. Eu sempre soube que ele era atraente, afinal, eu tinha olhos, mas nunca havia parado horas para pensar em como o seu sorriso era lindo ou como seus olhos brilhavam quando ele sorria. Como seria a sensação de beijá-lo? De receber um abraço apertado sabendo que éramos um casal e não apenas melhores amigos? Percebi que cheguei ao fundo do poço quando me peguei sentindo inveja das garotas com que ele ficava, e então, não deu mais, eu tive que compartilhar aquilo com alguém ou ficaria louca. Só não tinha certeza se tinha feito a melhor escolha ao selecionar a .
— Eu não sei se consigo.
— Vamos fazer assim. – ela disse, se sentando de frente para mim na minha cama. – ... Você realmente gosta do ? – perguntou, séria, fazendo com que eu me sentisse até intimidada.
— Eu acho que sim. – respondi, minha voz não soando tão certa quanto devia.
— Não, eu não quero que você ache nada. Você precisa ter certeza! Você estava lá quando ele terminou com a Elena, você viu a fossa, você ajudou ele a sair de lá e ficar bem de novo. Você conhece ele, , sabe que quando ele entra em um relacionamento, ele entra de cabeça, com tudo. E você se conhece também. O não pode ser só mais um pra você porque... Eu realmente quero que vocês deem certo, mas se magoar ele, eu vou ter que te matar.
Eu fiquei tensa. tinha razão, mais uma vez. Eu não podia ser a responsável pelo sofrimento dele, não conseguiria viver comigo mesma sabendo que tinha feito algo ruim a ele.
A última vez em que pensei tanto em alguém do sexo masculino foi quando eu achava que era apaixonada pelo . Felizmente, eu descobri a tempo que era nada além de frescura. Amorosamente falando, não se pode esperar muito de uma garota de dez anos. Dois anos depois, eu dei o meu primeiro beijo. Foi tão divertido que eu não via motivo algum para ficar fazendo aquilo com o mesmo garoto quando podia experimentar outras bocas e suas variedades. Soava ridículo até para mim, mas nesse pouco tempo de experiência, eu não era boa com relacionamentos sérios e sentimentos em geral. Para ser mais literal, eu não era boa beijando a mesma boca por muito tempo.
Mas eu olhava para o e tudo era diferente. Eu poderia passar horas, dias, até semanas, conversando com ele sobre o tempo feliz da vida. Quando ele passou algumas semanas na casa de uma tia no Kansas, cerca de um ano atrás, nós passávamos horas conversando pelo telefone diariamente. Batemos o nosso recorde de oito em um dia. A coisa desandou quando a conta do telefone chegou, mas nós sobrevivemos. Com ele, tudo era diferente, tudo era melhor, tudo era certo. Eu podia não ter muitas certezas em relação a coisas emocionais, mas ele não era uma delas.
— Eu gosto muito dele, . – eu disse e, em um segundo, ela estava sorrindo e no outro já pulava em cima de mim para me abraçar.
— Eu sabia! Eu sabia! – ri com a sua reação. Tínhamos ali a nossa primeira shipper. De repente, ela voltou a sua posição inicial, me encarando mais séria do que nunca. – Você tem três dias.
Arregalei os olhos, assustada com o real significado daquela frase.
— O que?
— Você tem três dias para contar para o ou eu conto. – repetiu, me deixando ainda mais indignada.
— Você não pode fazer isso! – reclamei, me arrependendo amargamente do dia em que decidi contar à ela.
— Se eu não fazer, você vai guardar isso para sempre! E , se eu tiver 60 anos e ter que ouvir você reclamar sobre como devia ter se declarado para o quando teve a oportunidade, eu te mato!
E agora eu estava ali, prestes a fazer o que poderia vir a ser a maior burrada da minha vida e estragar completamente as lembranças que eu tinha daquela casa da árvore.
Meu coração pareceu tentar pular direto para fora do meu peito quando eu ouvi o barulho da escada rangendo, indicando que ele estava subindo. Poucos segundo depois, sua cabeça brotou pela porta ao chão, que eu havia deixado aberta. Ele sorriu ao ver que eu já me encontrava ali.
— Aí está você! – disse, terminando de entrar na casinha.
— Aqui estou eu. – falei, nervosa, com o sorriso mais forçado do mundo nos lábios.
Se eu já tinha certa dificuldade me locomovendo ali, mal conseguia se mover sem bater a cabeça no teto ou em alguma parede. Ainda assim, ele foi doce o suficiente para me dar um beijo na bochecha antes de se aconchegar a minha frente.
— Interessante esse lugar que você escolheu para conversar. Nós não viemos aqui há meses. – comentou, olhando ao redor. As madeiras usadas eram resistentes, então tudo se mantinha muito bem conservado. Com exceção de toda a sujeira, é claro.
— É... – foi tudo o que consegui dizer. Meu cérebro não estava funcionando muito bem naquele momento.
— Então, o que você tem para me contar? – ele foi direto ao ponto e eu tive que disfarçar meu desespero. Não era para ser rápido assim!
— O que você fez hoje? Me conte como foi o seu dia, . – perguntei com um sorriso.
Eu podia ver em sua expressão que ele estranhou a pergunta, mas não o suficiente para questionar.
— Foi legal... O de sempre. Eu fui para a aula, depois para o treino, vim para casa tomar banho e estou aqui. Você já sabe de tudo isso, .
Sim, eu sabia, pois nós estávamos juntos há duas horas. Eu juro que já fui melhor na arte do improviso.
— Ah, é. O meu dia foi bem legal também, caso queira saber. Eu vim para a casa depois da aula, terminei aquele livro do qual eu te falei. O final é muito bom.
Ele assentiu, rindo.
— Que bom, . Você pode me emprestar ele um dia, que tal?
— Sim! Boa ideia.
— Agora, talvez você queira me contar algo... – sugeriu. – Pelo menos, você disse mais cedo que tinha algo para me contar. Vamos, eu estou curioso.
— Meu Deus, mas qual é o motivo da pressa? Tem algo para fazer, por acaso? – reclamei, esperando que meu tom de voz levemente bravo funcionasse como gatilho para ele dizer algo que eu poderia facilmente rebater. Eu nos conhecia o suficiente para saber que, dessa maneira, eu poderia enrola-lo por uns bons vinte minutos.
— O motivo é: eu sei que você tá enchendo linguiça e isso só me deixa mais curioso. Acha que me engana, ?
Bufei. Odiava quando ele pagava de “sr. Eu te conheço mais do que ninguém”. Ele realmente era bom na arte de desvendar meus pensamentos, mas aquilo podia ser extremamente irritante as vezes.
— Certo. – falei a contragosto.
Eu estou pronta, repeti para mim mesma algumas milhares de vezes antes de erguer o tronco e olhar diretamente em seus olhos. Seus profundos e azuis olhos. Seria loucura da minha parte dizer que, por um momento, eu consegui praticamente ver seu coração? Eu não podia partir aquele coração.
Eu pensava que estava com medo antes, mas nada se comparava com aquele pânico que começou a subir pelo meu estômago até a garganta. Não tinha como eu fazer aquilo. Era responsabilidade demais e eu era , eu não assumia responsabilidades desse nível. Eu não passava mais que uma semana com o mesmo cara. Eu não gostava de ninguém o suficiente para isso. Aquilo não podia acontecer.
, você tá bem? – ele perguntou, passando a mão para cima e para baixo na frente dos meus olhos arregalados.
Pisquei rapidamente, acordando do meu transe.
— Sim, eu... Eu tenho que te contar uma coisa... Não é?
— Eu estou aqui por isso.
— Certo. – repeti, engolindo em seco. Pensa, , pensa! – Eu descobri uma coisa. É isso! E eu achei que você gostaria de saber. – me encarando divertido, ele esperou. – O , ele tem conversado com aquele cara lá, aquele que você não gosta. Como é o nome dele mesmo?
— Christian?
— ISSO! O Christian. Eu tenho visto eles conversando. Só achei que você devia saber.
Ele assentiu lentamente, não parecendo nem um pouco surpreso com a novidade. Merda! Eu tinha escolhido a novidade errada?
— Na verdade, eu já sei. O me falou. Eles estão fazendo um trabalho juntos. – explicou com um tom de voz meio estranho. Sua expressão parecia quase de decepção.
— Ah... Tudo bem, então. Era só isso.
A cena seguinte chegou a ser até cômica. Sem nem olhar mais uma vez para o , eu saí engatinhando, querendo dar logo o fora dali. Eu estava chegando na portinha, tão perto da liberdade que podia sentir seu gosto, quando sua mão se fechou ao redor do meu tornozelo, me obrigando a parar. Ou cair de cara no chão na tentativa de forçar a minha escapada. Eu fiquei com a primeira opção.
! – ele chamou e eu senti como se estivesse prestes a levar um sermão dos meus pais. — Volte aqui, por favor.
— Não, eu tenho um compromisso. – tentei, mesmo sabendo que estava fadada ao fracasso.
— Eu tenho certeza que você não tem compromisso nenhum. – suspirei, voltando para o meu lugar anterior. Aquilo ia mal, muito mal. – Obrigada. Você tem certeza que não tem mais nada para me contar?
Olhei em seus olhos mais uma vez, mesmo com medo do que encontraria ali, e acabei me surpreendendo com a expectativa. Era como se ele realmente quisesse que eu dissesse algo, como se ele já soubesse, mas precisasse que eu dissesse as palavras.
— Não! – exclamei com a minha boca já lá no chão. – Ela te contou! A te contou!
Ele cedeu facilmente.
— Ela sabia que você não teria coragem.
— Eu não acredito que ela fez isso! – e então eu me dei conta. – Meu Deus, você já sabe!
E, conhecendo a , talvez ele já soubesse há dias. Todo esse tempo conversando com ele, enchendo o saco dele, zoando ele, ficando brava com ele e ele já sabia que eu gostava dele!
Senti meu rosto inteiro esquentar e podia jurar que estava tão vermelha quando um pimentão, coisa que não acontecia com muita frequência. Seria possível morrer de vergonha? Porque eu acho que estava próxima disso.
, tá tudo bem, não surta. – ele disse, me segurando pelos braços. Balancei a cabeça, negando. Nada estava bem! – Ei, olha para mim.
— Porra, isso é tão vergonhoso!
— Não...
— Eu vou matar a ! Ela não podia ter feito isso, de jeito nenhum.
, pe...
— E depois eu vou pegar o vídeo daquele comercial que ela fez e espalhar pela escola inteira, você vai ver!
— Não tem...
— Talvez ela me odeie para sempre? Talvez, mas vai valer a pena. Vai valer muito a pena!
! – ele exclamou, dessa vez muito mais alto, me assustando. – Será que você pode parar e me ouvir por um segundo?
Não respondi. Eu não estava pronta para ouvi-lo porque isso significaria estar pronta para o “Eu também gosto muito de você, mas só como amigos” ou “Eu acho melhor a gente deixar as coisas como estão. Não queremos estragar a amizade, certo?”, exceto que a amizade já estava arruinada! Nada nunca seria como antes. A partir de agora, eu seria aquela que costumava ser sua melhor amiga, mas, tadinha, acabou se apaixonando.
— Ela não podia ter te contado. – repeti baixinho, acuada. suspirou.
— Eu discordo. Estou feliz por ela ter feito isso ou você nunca faria. Por algum motivo, você vira a maior covarde quando as suas amizades estão em risco. – já notaram como a madeira é bonita? Com todas aquelas linhas e curvas correndo para os lados, se encontrando e desencontrando. Muito bonita. – , olha para mim. – neguei na mesma hora. Se era para levar um fora, que fosse encarando uma madeira bonita. De qualquer maneira, era ele quem estava perdendo. – , isso é muito irritante. – dei de ombros. – Tudo bem, eu vou falar então. Quando a me contou, quase três dias atrás, eu achei tudo meio estranho. Nunca tinha pensado na possibilidade de... Você sabe, nós dois juntos, como mais que amigos. – aquilo ia doer, eu sabia. – Você sabe que eu sempre te achei linda, divertida, espirituosa e tudo que admiro em uma garota. Aí a me falou um negócio engraçado, que nós já somos namorados, mas que não se beijam. Eu achei meio estúpido até parar realmente para pensar nisso. Ela tem razão. Eu passei os últimos dois dias inteiros te observando só para concluir algo meio óbvio: nós já estamos juntos, mas não o suficiente. O que eu estou tentando dizer é: , você já sabe que eu te amo, mas talvez queira saber que eu também gosto de você.
Silêncio.
Eu realmente tinha acabado de ouvir todas aquelas palavras? Não podia ser. Mas era! , eu te amo! O que eu fazia agora? Bom, talvez encara-lo fosse um bom começo. Aquela madeira podia ser bonita, mas nunca seria tanto quanto ele.
Então eu me toquei de que aquele era o , o meu melhor amigo, a minha pessoa. Eu podia simplesmente pular em cima dele e foi o que eu fiz. Ele riu, me segurando para que eu não desabasse no chão a sua frente.
— Você não sabe o que é alívio até passar por isso. – disse sorrindo.
Nós nos olhamos por alguns segundos até que eu não me aguentei e o abracei apertado novamente, já sentada em seu colo. Eu sabia que eventualmente nós teríamos que nos beijar, e estava realmente ansiosa para aquela parte, mas seu abraço era tão bom!
. – ele falou no meu ouvido algum tempo depois, então eu levantei a minha cabeça. – Eu realmente gostaria de ouvir da sua boca.
Assenti. Agora tudo havia se tornado fácil. Agarrei seu queixo com uma das minhas mãos e olhei bem no fundo daquele mar que ele chamava de olhos.
— Eu gosto de você, . Muito!
Ele abriu um grande e caloroso sorriso que me fez querer abraça-lo ainda mais, e eu o teria feito se ele não tivesse falado mais nada.
— Então... A senhorita gostaria de tentar?
— Eu gostaria de conseguir, se você não se importa.
— Eu não sei porque ainda espero uma resposta normal vindo de você. – disse, correndo os dedos pela minha bochecha. Sorri. Era gostoso. Parecia certo.
Eu leveis os meus até os seus lábios, pensando que eu já sabia que o seu abraço era a melhor coisa do mundo, mas ainda não havia descoberto como era o seu beijo. Eu havia passado as últimas semanas tentando imaginar de todas as maneiras como seria, era mais do que justo que eu finalmente provasse.
Abaixei de leve a cabeça, juntando nossas bocas. Foi exatamente como um encaixe. Se você me perguntasse, eu juraria ter até escutado um click. Ele correu sua língua com delicadeza pelos meus lábios e eu os abri, aprofundando o beijo. Não precisei de muito tempo para concluir que deveria adicionar beijá-lo para a minha lista de melhores coisas do mundo. Nós não tínhamos pressa nenhuma, aliás, o tempo poderia muito bem ter parado. Independentemente de qualquer coisa, continuaríamos ali, provando um ao outro, conhecendo nossos prazeres, e eu estava perfeitamente bem assim, em seus braços.
Amém, .

Atualmente


— Sério, você não precisa fazer isso. – disse pela milésima vez enquanto eu arrumava o meu saco de dormir no chão. Revirei os olhos só porque estava de costas e ela não podia ver. Eu não tinha o direito de ser a irritada daquela noite.
— Eu sei. – respondi.
Estávamos no galpão nos preparando para dormir. Sim, isso mesmo que você leu. Mais cedo, insistiu que não poderia deixar aqueles animais sozinhos a noite inteira, com medo de que os rapazes voltassem, se dando o trabalho de dormir ali. As outras não acharam a ideia tão maravilhosa assim, então eu me ofereci para fazer companhia, pois não queria que ela passasse a noite inteira sozinha.
— Eu não tô com medo nem nada... – continuou.
— Sim, você está. Eu já disse que vou ficar. Aceita que dói menos.
Me sentei de pernas cruzadas em cima do que seria a minha cama naquela noite e a encarei. Encontrei ela me encarando de volta com uma expressão frustrada. Ela bufou quando nossos olhares se encontraram, cruzando os braços no peito.
— Você não pode me deixar querer te matar de raiva em paz, não é?
— Como? – perguntei, segurando uma risada.
— Você sempre espera as horas que eu estou brava para fazer essas coisas bacanas. É irritante! – reclamou.
— Tá... Vou tentar ser mais chata da próxima vez então.
Dessa vez foi ela quem revirou os olhos.
— Deixa esse saco de dormir aí e vem aqui logo. – disse, apontando para o espaço vazio ao seu lado. Ela estava em cima de um grande e confortável colchão de ar, com lençóis, travesseiros e tudo.
— Você não precisa fazer isso. – a imitei. Um olhar puto da vida dela e eu já estava ao seu lado, como se nada tivesse acontecido.
Eu mal havia me coberto com um dos lençóis quando três batidas na porta soaram. e eu trocamos um olhar assustado.
— Você tá esperando alguém?
— Não. Você tá esperando alguém?
— Não.
Alguns cachorros começaram a latir e meu primeiro impulso foi ficar pronta para sair abrindo cada uma daquelas portinhas caso alguém indesejado aparecesse. Nós não tínhamos os animais mais raivosos do mundo ali, mas eu não poderia morrer sem uma luta, ainda que não fosse minha.
Mais três batidas vieram e então, finalmente, a voz que nos fez suspirar aliviadas.
? ? Estão aí?
Era . O carinha lá de cima mandou e não um assassino. Obrigada, carinha lá de cima.
Me levantei e corri até a porta trancada para deixa-lo entrar, já sabendo que não faria aquilo de jeito nenhum naquele momento. O recebi com um abraço apertado numa tentativa de prepara-lo para o que estava por vir. Ele já estava ali, era melhor que passasse logo pela fúria da garota sentada mais a frente, assim teríamos mais tempo para superar aquele pequeno problema.
— Oi, . – ele disse, se abaixando para beijá-la no rosto. Eu diria que ele percebeu que algo estava errado quando ela quase caiu no chão na tentativa de desviar do seu afeto. – O que foi isso? – perguntou, rindo.
Ela se ajeitou, pegou seu celular e o ignorou lindamente, então se voltou para mim, a procura de alguma resposta.
— Ela está brava com você. – disse, me sentando no canto do colchão. me lançou um olhar inconformado. – Muito, muito, muito brava com você. Ela poderia te matar agora mesmo.
A última frase eu acrescentei por conta própria, mas pareceu deixa-la satisfeita, já que voltou a encarar a tela de seu smartphone, fingindo ter algo interessante lá.
— Por que? – ele questionou diretamente para mim, a conhecendo o suficiente para saber que ela não o responderia.
— Porque você, assim como o , permitiu que a Lambda tentasse sabotar o nosso projeto da feira de adoção.
assentiu, parecendo compreender toda a situação. Surpreendentemente, ele abriu um sorriso logo depois. não viu ou poderia realmente ter pulado em cima dele com o deboche.
— Bom, então talvez a goste de saber que eu não ajudei em nada e que eu também não sabia de nada ou teria tentado fazer alguma coisa.
— O que? – e eu dissemos ao mesmo tempo. Ele deu de ombros.
— Eu não sabia, ué.
— Como poderia não saber? Você mora lá, . – ela questionou, desconfiada.
Ele abaixou a cabeça na mesma hora, parecendo constrangido.
— É... Na verdade, eu não ando passando muito tempo lá. Sinceramente, eu praticamente só vou para dormir. – explicou. Franzi o cenho, confusa com a sua confissão.
— Por que? – perguntei.
suspirou e nos olhou rapidamente antes de dizer qualquer coisa. Ele não parecia muito confortável fazendo aquilo, mas acabou decidindo seguir em frente mesmo assim.
— Eu não gosto daquele lugar. – soltou, fazendo uma careta. – Eu sei que eu devia adorar estar em uma fraternidade, mas... É chato! Eu prefiro passar minhas horas na biblioteca do que em um quarto cheio de caras entrando e saindo o tempo todo. Eu pensei que seria legal com o lá, mas nem isso tem salvado, sabe?
— Eles te tratam mal? – perguntou aquilo que eu estava prestes a perguntar também, parecendo tão preocupada quanto eu.
— Não! Quer dizer, alguns fazem umas piadinhas bestas aqui e ali, mas vocês sabem que eu não dou a mínima para isso. A maioria deles são bem legais, eu só não me adaptei bem a essa vida de fraternidade, o que é irônico já que eu sempre quis enquanto você, , sempre abominou e agora está aí, tendo a melhor experiência da sua vida.
— Ei, eu não diria que é a melhor experiência da minha vida. – me apressei em dizer. – Mas tem sido bem legal, sim, apesar de tudo. Então... Você pensa em sair?
— Talvez. Não tenho certeza. Eu estou pensando ainda, mas há grandes chances. Além do mais, o colega de quarto do acabou de se mudar. Pode ser um sinal, sabe?
Assenti. Se ele realmente se sentia daquela maneira morando na Lambda, dividir um dormitório com era a melhor ideia do mundo. Tirando as garotas que ele deveria levar para casa de vez em quando, mas não o via acompanhado com tanta frequência quanto antes.
— Se você quiser, pode passar uns dias lá em casa. Eu posso conversar com a Nikki e...
— Não precisa, . Eu não abomino tanto aquela casa assim, só prefiro fazer outras coisas do que ficar lá. Vou pensar por mais alguns dias e ver o que resolvo fazer.
— Tudo bem, mas se precisar de qualquer coisa, você fala com a gente, tá bom? – eu disse e ele assentiu.
— Pode deixar. Agora, voltando para o assunto inicial: eu só descobri o que eles fizeram hoje cedo. Eles provavelmente decidiram isso em uma das milhares de reuniões em que eu não fui. Eu cheguei a sair para conversar com vocês, mas encontrei algumas garotas e elas me explicaram que estavam espalhadas por todo o campus, então deixei para mais tarde. Não queria atrapalhar nem nada. Eu tinha um trabalho em grupo, acabamos demorando mais que o esperado e, quando cheguei em casa, o clima estava tenso e o Ryan e o estavam brigando. Foi mais ou menos por aí que eu decidi ir para a casa de vocês, onde me disseram que estavam aqui e aqui estou eu.
— Eu fico feliz de não ter que ficar puta com você também. A , o e todo o resto da Lambda são mais que o suficiente...
Isso o fez abrir um largo sorriso.
— A ? Por que a ?
E então a fez questão de lembrar a ele, detalhe por detalhe, todo o caminho percorrido para que chegássemos até aquela noite de sábado, sentados em um colchão de ar no meio de uma penca de animais. Eu fiquei ouvindo, revirando os olhos e me intrometendo para fazer algumas defesas necessárias uma hora ou outra. , que adorava uma bagunça tanto quanto eu, ficou especialmente entretido na parte inédita, aquela que começava com a tentativa de aviso do e o dia de hoje.
— ... e agora a Nikki tá puta da vida, eu tô puta da vida, quase toda a Kappa Kappa Gamma está puta da vida e nós temos que fazer uma feira amanhã cedo cheia de sorrisos e simpatia.
— Uau! – ele exclamou ao final da história. – As coisas são muito mais empolgantes na casa de vocês do que na nossa.
— Passa horas revirando esse campus embaixo do sol quente e você vai ver o empolgante... – comentei, já jogada no colchão. riu. – O que importa é que a feira vai acontecer, só isso. – continuei no meio de um bocejo, o que deixou a minha fala toda estranha.
me seguiu, não sei se por sono ou apenas me ver bocejando, mas aquilo mandou uma mensagem para ele.
— Tá tarde, eu vou indo. – ele disse.
— O que? Mas não são nem 22h30. – eu disse e assentiu, concordando.
— Vocês trabalharam o dia inteiro, devem estar cansadas.
— Por que não dorme aqui com a gente? – ela perguntou. – É tarde para andar por todo esse campus, .
— Não sei, não...
— Vamos, fica! – insisti. – É melhor aguentar o nosso climão do que o da sua casa inteira, certo?
Ele ponderou a situação, chegando a conclusão óbvia quando assentiu.
— Então fica. Nós já dividimos colchões menores que esses, vem! – falou, já dando espaço para que ele se deitasse entre nós duas.
Depois dele se aconchegar no meio, eu só me lembro de fechar os olhos por alguns segundos e de algumas frases ditas lá longe. Longe demais para serem alcançadas naquela noite.

— Quer segurar ela? – eu perguntei para a garotinha que encarava sem parar a gata com quem eu tinha tido uma profunda conversa no dia anterior. Pessoalmente, eu estava com um pouco de ciúmes, mas o deixei de lado.
Ela assentiu timidamente e eu peguei o animalzinho e coloquei em seus braços. Gata e menina pareceram um pouco desconfortáveis por alguns segundos, mas isso foi facilmente superado com um pouco de carinho nas costas peludas dela. Da gata, não da garota.
, vem aqui, fazendo favor. – me chamou.
— Qualquer coisa é só me chamar, tá? Eu sou a . – avisei, mas ela já estava distraída demais para prestar atenção, então fui até onde precisavam de mim.
— Você pode finalizar a ficha deles para mim? – pediu, me entregando uma prancheta com uma folha parcialmente preenchida. – Obrigada. – agradeceu, já saindo sem me dar a chance de dizer nada.
Olhei para a família a minha frente, os cumprimentando e fazendo as perguntas necessárias. Era a típica família nova. Pai e mãe com seus trinta, trinta e pouquinhos anos, e um filho pequeno, que eu chutei ter não mais que cinco anos.
Enquanto fazia aquilo, eu podia ver e ouvir correndo para todos os lados, elétrica. Ela havia acordado melhor naquela manhã. Na verdade, eu até me atrevia a dizer que ela tinha me perdoado, apesar de ainda ser cedo para ter certeza. A coisa vinha funcionando assim há anos: volta e meia, uma ficava brava com a outra por sermos tão diferentes, mas logo, sem nem mesmo percebemos, já estávamos bem novamente. Era bom. Estranho, mas bom.
— Bom, acho que isso é tudo. Vocês tem direito a próxima vacina e castração gratuita, é só entrar em contato com a associação. Todos os telefones estão aqui. – disse, apontando para o canto superior esquerdo de uma das folhas que entregava a eles. – E, é claro, vocês são bem-vindos a fazer uma doação de qualquer valor para ajudar os nossos animais.
— Nós vamos com certeza. – a esposa disse com um sorriso enquanto pegava os papeis.
— Ah, que ótimo! É só chegar ali naquela mesa. – apontei para o lugar em que Nikki se encontrava, feliz de ver que havia uma fila lá.
Eles se despediram e saíram puxando seu filho que não largava do cachorro novo por um segundo sequer. Eu acabei ficando por ali mesmo fazendo a ficha dos próximos. Pela velocidade em que os animais estavam indo, a feira não duraria muito mais tempo. Eu dava duas horas, no máximo.
Algum tempo depois, quando as coisas deram uma acalmada, eu notei que substituía Nikki recebendo as doações. Aproveitei a oportunidade para colocar outra garota ali e ir atrás dela. Eu estava planejando essa conversa desde que acordara horas mais cedo. Não sabia dizer exatamente o por quê, talvez pelo fato daquela briga entre ela e o ter me lembrado tanto da que tivemos quando terminamos, ou por saber que ela provavelmente estava mal naquele momento. Ela havia me falado com todas as letras que o que elas tinham era puramente diversão, mas eu sabia bem que era impossível manter um relacionamento daquele sem ao menos se importar um pouco com a pessoa que está do outro lado. Isso sem falar na amizade... A amizade talvez fosse a pior parte.
Fui até o lado de fora e a encontrei sentada encostada na parede enquanto mexia no celular e comia uma maçã. Me sentei ao seu lado e ela me recebeu com um sorriso leve, me oferecendo um pedaço do que comia. Neguei.
— As doações parecem estar indo bem. – afirmei e ela assentiu.
— Sim, tem até um pessoal que veio só para doar, acredita?
— Eu sabia que aquela fila estava crescendo rápido demais! – exclamei, surpresa. Nikki riu, balançando a cabeça, o que nos deixou em silêncio por um bom minuto. Era óbvio que eu não havia sentado ali apenas para falar das doações e isso significava que eu teria que fazer a pergunta. A temida pergunta. – Você tá bem?
Ela suspirou, revirando sua maçã nos dedos. Por fim, balançou a cabeça para cima e para baixo.
— Eu já estive muito melhor, mas estou bem sim. Eu descansei, a feira é um sucesso... Tá fácil de ignorar o desastre que foi ontem.
— Eu nunca te vi brava daquele jeito.
— É que eu nunca fiquei brava daquele jeito. – disse rindo.
— Eu já tive um bom número de brigas nessa vida e não são muito agradáveis... Principalmente as com o .
Nikki suspirou mais uma vez ao ouvir seu nome, fazendo uma careta.
— É, essa foi especialmente chata. Eu ainda tô um pouco surpresa com a situação toda. Nunca pensei que o faria algo assim, algo que nos prejudicaria tanto. Não depois de eu passar esse tempo todo defendendo ele, pelo menos.
— Uma das poucas coisas que nós temos em comum é a nossa mania de fazer coisas sem pensar. Não estou defendendo ele nem nada, longe de mim fazer isso, mas não acho que ele teria feito o que fez se tivesse parado para pensar um pouco. Ele é cagão demais para isso. Ou fofo, para algumas. Não para mim. – falei, me sentindo a traidora de mim mesma com aquilo.
— Ainda assim, eu quero matar ele. Ele e todos os outros, mas não acho que isso vai nos levar a lugar algum. Na verdade, eu tenho um pedido a te fazer.
A olhei, curiosa. Aquilo não poderia ser bom. Poderia?
— Manda.
— Eu preciso que você pare. – apesar das palavras, seu tom e seu olhar no meu deixava bem claro que aquilo era uma ordem. – Eu realmente gosto de você, . Na verdade, você é uma das calouras que mais me deixou feliz por entrar na casa, mas... Essas brincadeiras, elas foram longe demais. Eu não posso permitir que isso continue acontecendo. Eu já falei com a Mina e ela concordou, falta você.
Engoli em seco, desviando de seu olhar, já sentindo a frustração e o desespero começarem a subir pela minha garganta. Eu não queria parar. Não estava pronta para parar.
— E se... – eu tentei dizer, mas sua voz me interrompeu no segundo seguinte.
— Não, ! Não tem “e se”, não tem “mas”. Ou você para ou eu vou ter que te convidar a se retirar da Kappa Kappa Gamma. Eu sinto muito, de verdade, mas essa foi a única solução em que eu consegui chegar que não envolvesse a coordenadora.
Aposto que você não vê muitas mudanças da água para o vinho como essa.
Voltei a olhar para ela e pude ver que ela realmente sentia muito. Também não queria deixar a irmandade. Eu gostava daquele lugar, daquelas garotas, daqueles projetos e todo o difícil trabalho e união necessários para chegar lá. Mas estive me agarrando àquelas pegadinhas há tanto tempo que a ideia de simplesmente esquecê-las me parecia impossível. E o pior de tudo é que nem odiar a Nikki eu conseguia. Ela era a líder daquela casa, sua função era se certificar de que tudo estivesse bem e isso era só ela fazendo seu trabalho.
Dobrei os joelhos, os abraçando próximo ao meu tronco, e suspirei. As brigas e discussões poderiam continuar, já que eu ainda não considerava a ideia de conviver pacificamente com o cara que havia ferrado comigo no passado, mas qual era a graça naquilo? Blá blá blá aqui, blá blá blá ali e pronto, cada um vai para o seu lado.
— Eu posso pensar?
— Você precisa pensar? – questionou surpresa. – O odeia tanto que precisa pensar?
Sim. Eu o odiava tanto. Mais do que isso, eu amava o gostinho de saber que algo provocado por mim havia prejudicado ele de alguma forma. Ele merecia aquilo, tendo mudado ou não.
Assenti e então decidi entrar para dentro e deixar que os animais ocupassem a minha mente pelas próximas horas. Não queria tomar aquela decisão tão cedo.
Mais tarde, nós descobrimos que conseguimos arrecadar quase cinco mil reais para o abrigo. A felicidade de todas era tanta que poderíamos fazer uma festa, isto é, se ainda tivéssemos uma casa prima. Ninguém sugeriu nada em voz alta, mas era óbvio que a maioria das cabeças ali pensavam isso. Poderíamos sempre fazer uma festinha sem álcool na nossa casa, mas aí entra o segundo motivo para nada acontecer: terminamos o dia mortas de cansaço. Ter dormido em um colchão de ar com mais três pessoas também não ajudava muito. Então cada uma se contentou em ir para casa, tomar um bom banho e cair em sua cama antes das 20h00.

— Todos prontos? – perguntou, ouvindo um coral de “sim” como resposta. – Ótimo! – e deu partida no carro.
Para mim, não fazia sentido nenhum a ser a motorista do grupo. Eu só rezava para que chegássemos ao nosso destino inteiros.
— Por que estamos fazendo isso mesmo? – questionei.
— Eu já falei, . Nós precisamos disso, de um tempinho para gente, fugir de toda a bagunça desse campus. Não sei se você se lembra, mas nós já fomos um desses grupos de amigos inseparáveis e eu me recuso a deixar isso de lado.
Ah, é... Por isso. havia acordado mais cheia de energia que o normal naquela manhã de segunda-feira. No café, quando todos estávamos juntos com exceção do , ela anunciou que faríamos um piquenique na cachoeira mais tarde, sem nos deixar escolha alguma a não ser aceitar. Agora, quase às 14h00, nos encontrávamos eu no meio do banco de trás com Mina e April, as novatas, ao meu lado, e e na frente.
Para o meu azar, ela não estava brava o suficiente com para excluí-lo daquele evento. Na verdade, um dos motivos para ele acontecer é que ela quer se livrar desses sentimentos ruins pelas pessoas que mais ama no mundo. Palavras dela. Então ele também estava a caminho, junto com e Joe.
Suspirei, pensando que talvez uma tarde como aquela não seria tão ruim assim, afinal de contas, eu tinha uma decisão e tanto para fazer. Estava evitando a Nikki desde o dia anterior por causa dela, mas aquilo não poderia durar para sempre. E se havia uma chance de passar todo aquele tempo com o acabar me ajudando a decidir a que caminho seguir, eu faria bom uso daquela oportunidade.
— Essa cachoeira parece divertida. – Mina comentou.
— Ela é, muito. – respondi, me lembrando em um flash de todos os momentos incríveis que já havíamos passado lá. Era até estranho pensar no ano inteiro que ficamos sem ir.
— Só não podemos nos esquecer de conversar com o sr. McCarthy antes. Não queremos que nenhum acidente aconteça... De novo. – lembrou, e imediatamente as imagens na minha cabeça mudaram para a cena assustadora que foi ter uma espingarda variando sua mira entre mim e meus amigos.
— Quem é o sr. McCarthy? – April perguntou.
— O dono de vários daqueles terrenos, o que meio que faz dele o dono da cachoeira. Ele não se importa que as pessoas vão lá, mas exige ser avisado porque fica perto da casa dele e ele gosta de saber quem está frequentando o lugar. – respondeu. – Vai ser divertido! – concluiu com um sorriso animado.
Eu esperava que sim. Encostei minha cabeça no apoio e fechei os olhos, prestando atenção na letra de Swallowed Whole, do Pearl Jam, que tocava no carro.

I could choose a path, I could choose the word | Eu poderia escolher um caminho, eu poderia escolher a palavra.
I could start the healing, bring it now | Eu poderia começar a cura, trazê-la agora.

Interessante se você acredita em coincidências.
Quando voltei a abrir os olhos algum tempo depois, dei de cara com April e em um papo muito interessante. Ela se inclinava para frente e ele tinha a cabeça praticamente enfiada no vão entre o apoio do seu branco e o lugar de onde saía o cinto de segurança. Semicerrei os olhos para os dois que nem notavam meu olhar e fiquei bem quietinha, tentando ouvir algo. Consegui pegar algumas palavras perdidas como “construir”, “coerência” e “calma”, mas nada que fizesse muito sentido. Infelizmente, April era especialista em falar baixinho e parecia estar aprendendo isso muito bem com ela.
Desisti logo, fazendo uma nota mental para conversar com ele mais tarde, pois a conversa com ela já havia sido feita dois dias antes, e fechei os olhos novamente, com sono demais naquela segunda-feira para ficar observando o cochicho dos dois.
Menos minutos do que eu gostaria depois, eu os abri de novo ao notar a falta de movimento. Olhei pela janela e a grande estrutura de um posto de gasolina denunciou que havíamos chegado. Bom, ainda faltavam uns 15 minutos de caminhada, mas estávamos perto o suficiente. Me arrastei para fora do carro junto com os outros, indo até o porta malas pegar minha mochila. Lá também havia uma cesta gigantesca que sabe-se lá onde havia conseguido, mas que eu esperava estar cheia de coisas gostosas porque eu já estava com fome.
Eu também já tinha a minha mochila nas costas, pronta para começar a caminhada, quando Joe estacionou ao lado. Eu controlei ao máximo a careta que lutava para se formar. Tinha que me lembrar de permanecer neutra naquele dia. Eu estava ali para relaxar, pensar um pouco e sair da rotina, não para brigar. Apesar da animação de e Joe, estava quieto. E permaneceu assim durante todo o caminho até a cachoeira, só trocando algumas palavras com o de vez em quando.
Antes de chegarmos ao nosso destino, eu já podia sentir o barulho e o cheirinho gostoso daquele que costumava ser um dos meus lugares preferidos. Apressei os passos, ansiosa pela visão da água caindo, das rochas que eu costumava passar horas sentada. Quando eu vi, foi como se os quase dois anos sem visitar não tivessem existido. E melhor ainda, o lugar estava deserto, sem ninguém além de nós. Deus abençoe esses jovens desocupados que vão para um lugar do tipo em plena segunda-feira.
e foram imediatamente até a casa do sr. McCarthy, assim não corríamos nenhum risco.
— Uau! – April exclamou.
— Eu não acredito que nós nos conhecemos há mais de um ano e você nunca me trouxe aqui, ! – Mina reclamou e encolheu os ombros, com um olhar que pedia desculpas.
— Vamos descer? – perguntei. April, Mina e Joe não entenderam, mas nos seguiram mesmo assim.
A cachoeira tinha “camadas”, por assim dizer. Estávamos na parte mais alta, aquela que o pessoal ia para pular. O lado de baixo era muito mais divertido. A água que caía formava um pequeno lago e, mais a frente, ela corria. Podíamos sentar nas rochas e deixa-la deslizar pelas nossas pernas, além do bônus de estarmos longe do assustador penhasco de quatro metros que me parecia vinte.
Faltando pouco para chegarmos, eu já tinha minha blusa e shorts enrolados um no outro e jogados, junto com a mochila, nos braços do . Estava calor, eu precisava entrar na água e precisava logo, então mergulhei assim que tive a oportunidade, sabendo que Mina e Joe faziam o mesmo. Fiquei dando algumas voltas por não mais que um minuto, só o suficiente para refrescar, e voltei a superfície, me apoiando em uma grande pedra enquanto mantinha meu corpo na água e dando uma boa olhada no que os outros faziam.
estava organizando, com a ajuda da April, o mais adorável piquenique que eu já tinha visto, com toalha xadrez branca e vermelha e tudo. Em cima dela, haviam copos, pratinhos e talheres, todos descartáveis, a grande cesta com a parte interessante ainda dentro e agora uma caixa térmica trazida por Joe. Falando no ser humano, ele estava tomando um bom banho embaixo da queda d’água, lugar que eu adorava ir, mas nunca sozinha. Era muito fundo, com rochas demais aos lados e eu não era tão fã de água quanto aqueles garotos. Eu só costumava ir quando me carregava, pois, na época, confiava minha vida à ele, mas não teria esse luxo dessa vez.
Mina surgiu do nada ao meu lado, me fazendo pular de susto.
— Eu adoro esse lugar! – disse antes de mergulhar novamente. Eu ri sozinha.
aproveitou a deixa para mergulhar também, a seguindo no que logo se tornou algum tipo de pega-pega aquático.
— Vocês não vem? – perguntei para as duas que ficaram.
— Já vou. Só vou terminar de organizar aqui rapidinho. Você pode ir, April. – disse e eu a olhei em expectativa, mas sua cara não estava tão animada.
— Ahn... Acho que não. – falou, se encolhendo e fazendo uma careta.
— Por que não?! – questionei inconformada.
— Eu não quero molhar minha roupa.
Eu gostaria de ter um espelho na minha frente só para ver a minha cara de “O que?!” naquele momento. Uma desculpa daquelas? Para cima de mim? ?
— Meu amor, é justamente por isso que você vestiu um biquíni por baixo dela. – falei em meu tom mais doce, tentando ignorar a minha vontade de sair dali e simplesmente puxar ela para dentro novamente comigo.
Ela olhou ao redor, desconfortável, e então se aproximou de mim, se agachando na minha frente.
, eu tenho vergonha. – sussurrou.
Se aquilo não fosse realmente preocupante, eu estaria rindo da cena. Seus olhos não paravam de correr para os lados, como se estivéssemos sendo vigiados por alguma máfia.
— Vergonha de que? – sussurrei de volta.
— De ficar de biquíni, oras!
Assenti, compreensiva. Eu já estive na mesma posição que ela, não poderia tratar aquilo com desdém.
— Vamos fazer o seguinte: – eu continuava sussurrando, mesmo que a pessoa mais próxima fosse a e ela estivesse totalmente nem aí para a nossa conversa. – Tira a camiseta porque se molhar ela vai ficar muito pesada e fica de short e com a parte de cima do biquíni. Você consegue fazer isso?
Ela pensou por alguns segundos e assentiu.
— Acho que sim. – respondeu.
— Ótimo, então tira. Depois, se você se sentir confortável, pode tirar o short também, que tal?
— Ok. – disse, assentindo novamente.
Observei ela ir até sua bolsa, tirar de dentro a caixinha de seu óculos e guarda-lo com todo o cuidado do mundo. Depois ela deu mais uma boa olhada ao redor para se certificar que ninguém indesejado estava olhando e tirou a blusa. Não aguentei segurar a risada quando, depois disso, ela veio correndo até a água com a mão sobre os peitos já cobertos pela parte de cima do biquíni. A garota só relaxou quando a água fazia seu trabalho distorcendo tudo abaixo dela.
— Eu já disse que você é incrível hoje? – perguntei ainda rindo. Ela me mostrou a língua e deu um mergulho rápido.
e logo voltaram e entraram na água também junto com a . Em algum momento, April e eu nos pegamos envolvidas no pega-pega aquático, apesar de eu não ter certeza de como aconteceu. Mais tarde, quando Mina e já estavam esgotados, sobramos apenas nós duas que insistimos em arrastar para o jogo estranhamente divertido com a gente. Enquanto isso, os outros caras faziam coisas estúpidas de caras, tipo apostar corridas intermináveis. Obviamente, sempre perdia. Não por ser um nadador ruim, mas por estar em desvantagem. Sua especialidade era correr em um campo de futebol, não na água.
Quarenta minutos depois, o ritmo foi diminuindo graças ao cansaço. Enquanto eu, April, e estávamos sentados na beirada tomando um ar, , Mina e , sendo carregada por Joe pois era tão cagona quanto eu, estavam debaixo da queda d’água. Os encarei com um pouquinho de inveja. Eu até poderia pedir uma carona para o Joe também, mas não confiava o suficiente no rapaz, então me contentei em olhar. Era até divertido, pois quanto mais eu olhava, mais óbvia parecia ficar a queda gigantesca que ele tinha por ela. Infelizmente para ele, eu nunca poderia imaginar a com alguém assim, tão diferente dela. Mas que eles fariam um casal bonitinho, eles fariam sim.
— Isso parece divertido. – April comentou, também observando os quatro.
— Vai lá. – falei, a dando um empurrãozinho fraco, mas ela negou na mesma hora.
— Não, eu tenho medo de lugares fundos assim.
É, eu entendia.
— Quer que eu te leve? Do jeito que o Joe tá carregando a ? – perguntou.
OPA! Eu estava olhando uma história de amor tão longe quando tinha uma bem aqui colada aos meus olhinhos.
April, sendo April, ficou vermelha como um pimentão na mesma hora.
— N-não precisa.
— Achei que já tivéssemos passado essa fase, April. Vamos, eu não me importo! – ele insistiu e ela se encolheu toda, como se quisesse sair correndo dali. Ela coçava tanto uma parte de seu pulso de nervoso que começava a ficar vermelho.
Alguns segundos de tensão depois, riu disfarçadamente. Não o suficiente, pois chamou a nossa atenção. Ele balançou a cabeça, olhando para os dois tão entretido quanto eu.
— April, você quer que eu te leve?
Ela levantou os olhos para ele, abrindo um sorriso quase imperceptível, mas continuou em silêncio. A timidez dela ainda atingia uns níveis realmente surpreendentes. Eu tive que observar sua expressão bem de perto por um bom tempo até perceber o que estava acontecendo aqui.
— Ah, meu Deus, você quer que o te carregue! – exclamei, rindo. se mexeu ao meu lado, também surpresa.
— Me desculpe, me desculpe, me desculpe! – ela exclamou em direção ao meu amigo. Ele balançou a cabeça, fingindo estar mais chocado do que realmente estava, até magoado, e a pobrezinha acreditou. – Desculpa, ! É que ele é um nadador, você não. Você é um jogador de futebol e é ótimo nisso, mas não é um nadador, me desculpe!
Ele não conseguiu manter sua encenação por muito tempo, logo estava rindo junto comigo e , a confundindo.
— Tá tudo bem, April. Vai lá, eu só estou brincando.
Ela semicerrou seus olhos para ele, mas não teve tempo de brigar nem nada, pois já a puxava consigo, deixando ali apenas eu e , que se moveu para ficar entre as minhas pernas, de costas para mim.
— Ela é tão fofa. – ele comentou e eu assenti com o queixo apoiado em sua cabeça, observando-os se afastarem. – Então... Você e o parecem estar tendo um bom dia.
— É, acho que sim.
E o motivo era a inexistência da comunicação. Desde o momento em que pisamos naquela cachoeira, nenhum de nós havia dito uma palavra sequer ao outro. Eu porque continuava firme no meu objetivo de me manter neutra naquele dia, não só para facilitar a minha decisão, mas porque acreditava que a merecia aquilo. Ela havia preparado aquela tarde para nos unir, não separar ainda mais. Já ele, eu não sabia exatamente o porquê. No começo, não fazia muito sentido pra mim pois pensava que ele havia desistido da ideia de me ignorar há muito tempo, mas depois percebi que ele estava mais quieto que o usual. Ainda sorridente e animado quando necessário, mas estranhamente quieto.
De qualquer maneira, eu não queria pensar naquilo, muito menos nele. Estava fazendo um ótimo trabalho até agora, mas só estávamos ali há uma hora e eu estava determinada a conseguir me manter daquela maneira até o final do dia.
Ocupei minha mente observando observar April. Confuso, mas adorável. Ele tinha um sorriso lindo nos lábios enquanto a via brincar com os outros e, por mais curiosa que eu ainda estivesse em relação aos segredinho dos dois, eu coloquei esse sentimento lá no fundo e foquei só nessa cena.
— Você gosta dela? – perguntei baixinho. Nós estávamos perto o suficiente para não haver necessidade nenhuma de aumentar o tom de voz.
— É claro que eu gosto dela, . – respondeu. Eu revirei os olhos.
— Você sabe o que eu quis dizer. Você gosta dela?
Dessa vez, ele não respondeu imediatamente. Pensou por alguns longos segundos antes de suspirar...
— Eu não sei.
E me dizer absolutamente nada de útil.
— Como pode não saber? – questionei, frustrada. – Você gosta ou não gosta, é muito simples.
— Não é muito simples, não. Na verdade, é muito confuso. – disse. Respirei fundo.
— Deixa eu reformular a minha pergunta então: , meu amigo, meu parceiro, como você se sente em relação a April?
Ele riu rapidamente, já sabendo que eu perdia a minha paciência com uma facilidade incrível. Mas ficou sério logo depois, sem tirar os olhos dela, e eu senti que algo interessante poderia vir dali.
— Bom... Eu acho ela linda, principalmente quando fica vermelha de vergonha. Ela tem uma risada adorável, mas vamos combinar que ela inteira é adorável. Eu amo quando ela fica muito animada com algo e não consegue parar de falar... É como se ela virasse uma pessoa completamente diferente da quieta e tímida April. Toda essa inocência dela meio que me atrai, é diferente... Não sexualmente, digo... Olha só, eu nunca tinha parado para pensar...
Ele foi interrompido por um tapa na cabeça.
— Continue sem pensar.
— Foi mal. Resumindo, já que você acabou de me tirar totalmente do clima, eu acho ela incrível, inteligente, tem me ajudado um bocado... Talvez eu goste dela. – concluiu.
Como uma boa detetive, eu não pude deixar de notar a parte da ajuda, mas ignorei propositalmente. A hora chegaria, mas não era agora.
— É, eu acho que você gosta. – concordei. Ele suspirou. Eu sabia que ele devia estar meio perdido naquele momento. Não me lembrava da última vez em que havia realmente gostado de uma garota e isso é sempre confuso. – Me promete uma coisa? – ele assentiu. – Você sabe que eu te amo, certo?
— Seria bom ouvir com mais frequência, mas...
Ri, batendo em seu braço com tanta leveza que poderia ter usado uma pena.
— Para, me deixa falar. – ele esperou. – Eu também comecei a amar muito a April e eu preciso que você me prometa que não vai tomar nenhuma atitude até ter certeza.
— Por que?
— Ela não é como você ou como eu, . Na verdade, ela é muito parecida com o nesse quesito. Só confia em mim e faz o que eu pedi, ok? Se você sentir que realmente quer ter algo com ela, eu vou ser a primeira a mover o mundo para fazer isso acontecer, mas só se você tiver certeza. – concluí.
— Sim, senhora. Só se eu tiver certeza. – repetiu, balançando a cabeça e sorrindo.
Sorri também, satisfeita. Uma coisa a menos para me preocupar.

e eu estávamos sentadas com as costas apoiadas no tronco de uma árvore, cada uma em um lado. Fomos as primeiras a sentir fome, então achamos mais do que justo sermos as primeiras a experimentar os sanduíches naturais que ela fez para a ocasião. Agora, feliz e de barriga cheia, eu só conseguia ficar jogada no meu canto, de olhos fechados, pensando que aquela havia sido uma ideia maravilhosa.
Tudo estava bem. Incrivelmente bem. E, por um milésimo de segundo, eu me permiti pensar que obedecer a Nikki me garantiria vários outros momentos como aquele e isso me deixou feliz. Talvez eu não precisasse tanto dessas brigas constantes, por mais divertidas que elas fossem.
— Podemos conversar?
A voz do me pegou completamente de surpresa. Meu primeiro impulso foi me levantar para deixar os dois sozinhos. Eu ainda estava ajoelhada quando me interrompeu.
— Tudo bem, , pode ficar aí. – ela disse, então eu o fiz, voltando a me sentar e fechar os olhos, disposta a fingir que eu nem estava ali. – Sobre o que quer conversar? – perguntou, falando com o dessa vez.
— Ainda tá brava comigo?
— Sim, muito. Não o suficiente ou você não estaria aqui, mas o que eu posso fazer? Sou fraca. – ela respondeu.
— Me desculpa, . De verdade. Eu fiz merda, eu não pensei direito... Me desculpe.
Era extremamente desconfortável simplesmente sentar e ouvir a conversa dos outros assim, na cara de pau, mas a minha curiosidade falava muito mais alto do que a minha vontade de deixá-los. E ver o implorando por perdão era sempre interessante.
A ouvi suspirar.
— Eu não vou ficar brava para sempre, tá legal? Vocês dois sabem mais do que ninguém que eu sempre acabo perdoando, mas eu vou fazer isso no meu tempo.
Eu estava decepcionada. Profundamente decepcionada. Não era à toa que havia conquistado o grupo de volta tão pouco tempo depois deles virem para a faculdade, aparentemente esse pessoal não sabia guardar seus rancores bem. Tudo bem que isso significava que eles viviam perdoando as merdas que eu fazia também, mas ainda assim, era quase ofensivo.
— Tudo bem, eu entendo. Leve o tempo que quiser. E me desculpe, de novo. – ele disse.
Mesmo de olhos fechados, eu tive que revirá-los. Apelão.
— Você não precisa ficar pedindo desculpas a cada minuto, tá bom? Eu sei que tá arrependido e sei que nunca faria algo do tipo novamente, pois eu te mataria no mesmo segundo.
Ele riu com a ameaça.
— Eu vou me lembrar disso com carinho. Mas...
, nós estamos indo! – ouvi gritar. Ambos ficaram em silêncio por alguns segundos depois disso. Eu não me atrevi a espiar.
— Tá tudo bem, vai lá. Você ficar aqui se privando da diversão não vai me fazer te perdoar mais rápido.
Depois disso, eu ouvi o som de um beijo estalado, talvez na bochecha ou na testa, e os sons dele se afastando. Eu não pude deixar de abrir os olhos dessa vez para encontrar todos os outros indo em direção a pequena trilha até a parte de cima. E quando eu digo todos, eu quero dizer até a April. Até a April! Que já me parecia muito mais confortável e, adivinha só, sem short.
— Meu Deus! – disse surpresa.
— O que? – perguntou. Apontei para eles, já de costas. Ela não precisou de muito mais do que aquilo para entender o meu choque. – Uau! Ela é mais corajosa do que eu pensei.
— Ela é mais corajosa que nós!
E eu não dizia isso como algo ruim. Era legal ela ter coragem, eu só desejei tê-la também. A água me assustava, desde sempre. Que me chamassem para pular de um avião, mas não para fazer um cruzeiro. Isso costumava ser um problema quando e eu namorávamos, sendo ele o próprio filho de Poseidon, mas depois eu simplesmente deixei aquilo de lado. Agora, eu gostaria mais do que nunca de sentir ânimo para pular também. Já o havia feito e não era uma das minhas melhores experiências, mas uma coisa é querer, outra é fazer algo por completa e pura teimosia ao ser duvidada.
— Eu estou muito bem aqui, em chão firme, obrigada. – disse.
— Eu também.
Estava sendo sincera, apesar de sentir uma coceirinha de vontade de acompanha-los.
— Vem, vamos lá ver eles pularem de perto. – ela falou, já me puxando pela mão para próximo da parte mais funda.
Pouco tempo depois, eles se tornaram visíveis para a gente lá de cima. Joe foi o primeiro, animado demais para se conter, e o seguiu. e Mina vieram depois, espalhando água para todo lado, já que não pulavam com tanta graciosidade quanto os dois anteriores.
Quando chegou sua vez, April finalmente demonstrou um pouco de medo. Ela conversava com ao mesmo tempo que olhava incansavelmente para baixo. Me atrevia até a dizer que ela estava tentando calcular o tamanho do impacto do seu corpo na água. Aquilo era sempre uma péssima ideia, o negócio era simplesmente ir e fazer. Não que eu tenha tido a melhor das quedas quando segui meu próprio conselho...
Nós observamos rir de algo que pareceu realmente engraçado e então pegar a mão dela. Não demorou muito mais para eles pularem juntos depois disso.
— Ah, que coisa mais fofa! – exclamou e eu sorri.
Eram realmente muito fofos. Você quer saber o que não seria fofo? A cara desfigurada do se ele se atrevesse a partir o coração do meu amorzinho.
Todos comemoramos quando eles finalmente emergiram da água. April tinha um grande e animado sorriso, situação muito diferente da minha que saí gorfando água até pelos ouvidos. Vida injusta essa.
— Podemos ir de novo? – ela perguntou logo. – Eu pulo até sozinha dessa vez!
— SIM! – Mina respondeu prontamente.
Pelo silêncio que veio depois, elas eram as únicas interessadas na ideia. Enquanto isso, , , Joe e iam diretamente em direção a comida.
— Poxa. – April disse, fazendo um biquinho adorável. – Vamos, ? – com uma rapidez impressionante, eu neguei, a deixando mais desanimada ainda. — Por que? É divertido, vamos lá!
— Sim, vamos! – Mina a apoiou. – Vamos também, . Nós podemos pular juntar, como o e a April, que tal?
Se a minha cara de terror havia sido ruim, a da era tão desesperadora que chegava a ser engraçada.
— Eu? Pular? De jeito nenhum!
— Eles me falaram que você nunca pulou, . É divertido! – April insistiu.
— Vai lá, ! Você consegue! – exclamei, só feliz por eles estarem focando em levar ela naquela momento.
Ela me lançou um olhar que praticamente tinha escrito “Traidora!” nele. Eu também não estava exatamente orgulhosa de mim mesma. Felizmente ou não, esse olhar não durou muito, pois logo ela me encarava com um sorriso esperto nos lábios. Eu poderia jurar que uma lâmpada se acendeu ali, em algum lugar.
— Vamos fazer assim: eu só vou se a for.
Me virei para ela, chocada. Estávamos realmente jogando baixo então. Antes que eu sequer pensasse nas minhas próprias palavras, elas saíram.
— Ah, é? Vamos lá então.
Ela tentou disfarçar, mas eu vi a surpresa e depois o medo nos seus olhos. Aposto que ela via sentimentos parecidos no meu, ainda assim, nenhuma de nós voltamos atrás. Orgulho, orgulho everywhere.
— Ótimo, vamos! – Mina disse, já nos puxando em direção ao meu pesadelo.
Tudo bem, . Você não queria a coragem? Olha ela aí lhe sendo enfiada garganta abaixo. Evitei até mesmo olhar para os rapazes enquanto passávamos por eles, não querendo arriscar maior desestabilidade ainda.
Quando chegamos lá em cima, eu já podia vê-los embaixo, na expectativa. e eu trocamos um olhar preocupado.
— Tem certeza que não quer desistir? – não resisti perguntar. Ela deu uma boa olhada lá embaixo antes de me responder.
— Eu não sei. Você quer?
— Parem de frescura, é muito simples.
Acredite ou não, as palavras vieram da April, que poucos minutos atrás estava tão assustada quanto nós.
Pelo menos ela pulou.
Mas isso não vem ao caso.
— Ela está certa, vamos! – disse.
Ah, ótimo! Todas estavam corajosas hoje então. Eu não iria ficar para trás.
— Vem.
Mina estendeu a mão para , que a agarrou com firmeza. Ela precisou de algumas boas respirações profundas para resgatar toda a coragem dentro dela, mas, no final, elas pularam e eu as observei cair em meio a gritos e risadas. April me encarou animada logo depois.
— Quer minha mão também? – ela perguntou, mas eu neguei. – Certo.
A realidade é que pular com alguém tão próximo me deixava mais nervosa ainda. Eu precisava de espaço.
O mergulho anterior deu a April toda a força que ela precisava, pois tudo que fez antes de pular dessa vez foi dar uma rápida olhada na água lá embaixo. Quando eu menos percebi, ela já estava na água, caindo até que graciosamente para uma novata.
Todos lá embaixo (com exceção daquelas que haviam acabado de pular, é claro) me olhavam e eu comecei a pensar que ficar por último não fora uma ideia tão boa assim. Eu estaria encerrando o show e não seria dos melhores.
Respirei fundo algumas vezes, me perguntando como é que eu tinha feito isso da última vez. Não pensa, não olha, só vai. Isso havia funcionado no dia porque eu estava cega de choque pelo ter duvidado de mim. Tentei olhar para ele e ver se encontrava um resquício de “Ela não vai conseguir” em sua expressão, mas não havia nada, ou ele só estava um pouco longe demais para que eu notasse.
Eu não precisava realmente fazer aquilo. Sempre teria a opção de desistir, mesmo que isso fosse me custar alguns dias de raiva pelas zoações. De qualquer maneira, eles eram meus amigos, então parariam eventualmente. Essa seria uma escolha bem fácil se eu não estivesse tão afim de pular. Eu só precisava da coragem para dar um passo.
Fechei os olhos. Só um passo. Melhor: um pulinho de leve. Não queria correr nem um risco de acabar batendo na rocha debaixo dos meus pés.
Eu não sei dizer exatamente quanto tempo passou, só que todos se mantiveram em silêncio e pacientes enquanto eu me preparava. Eu pulei. De olhos e punhos fechados, gelada de medo ao mesmo tempo que quente de adrenalina, e foi provavelmente a queda mais feia da história da humanidade, mas eu pulei e mal podia conter minha felicidade quando meu corpo atingiu a água. Foi aí que a coisa começou a dar errado.
A minha alegria por ter tido a coragem de pular sem interferência nenhuma de alguém duvidando de mim era tanta que eu nem me importei muito com toda a água que engoli pela boca e nariz. Até nadei um pouco antes de procurar o chão com os meus pés para pegar impulso e subir. O problema começou quando meus pés não encontraram o chão, sendo que, por toda a experiência que eu tinha naquela cachoeira, eles já deviam estar em contato há muito tempo.
Eu poderia ter simplesmente nadado até a margem sem encontra-lo, mas, acostumava como eu estava com aquilo, a ideia nem se passou pela minha cabeça no momento. Eu afundei e afundei tanto que senti algo deslizando lentamente em meu tornozelo e aí já era, eu entrei em pânico. Tentei olhar, mas meus olhos ardiam em contato com a água e tudo em que eu conseguia pensar era que algo perigoso poderia estar perto demais do meu corpo. Sempre tive na cabeça que a água podia esconder coisas que nós nem podemos imaginar e aquilo me apavorava. Logo depois, eu senti novamente aquilo roçando mais acima na minha perna. Meu primeiro e único extinto foi me debater para tirar o que quer que fosse aquilo de mim. Estava morta de medo, meu coração batia mais rápido do que era saudável e eu tentei nadar, mas meu corpo não parecia mais me obedecer. Havia água para todo lado, eu nem sabia dizer se estava chorando ou não, mas senti cada segundo da ardência quando não consegui mais prender minha respiração. Tudo ia mal e eu nem sabia mais o que pensar ou o que fazer para me livrar daquela situação, só sentia o desespero e a dor.
Algo me agarrou pelo braço e eu o puxei de volta, em pânico, até que a mesma coisa voltou a me pegar pela cintura e eu percebi serem braços. Me deixei ser levada, tentando ao máximo não respirar, mas falhando com sucesso. Quando chegou o ar, eu não vi nada, só tossi. Tossi incansavelmente água que não deveria estar ali, sentindo meu pulmão e garganta protestarem de dor. Meu corpo inteiro parecia ter sido atropelado por um caminhão e eu não acho que meus batimentos cardíacos voltariam ao normal tão cedo.
Muito tempo depois, eu voltei a me virar para cima, encontrando vários olhares preocupados em minha direção. Deus, como eu odiava situações do tipo! Ainda assim, continuava me metendo nelas.
Tudo estava um pouco embaçado, mas o rosto de foi o primeiro a se aproximar, ficando a poucos centímetros do meu. Senti sua mão deslizar pela minha pele, se livrando de todo o cabelo que atrapalhava minha visão.
— Tá melhor? – perguntou suavemente. Eu assenti devagar e ela sorriu. – Que bom. O que aconteceu, ?
— Eu não tenho certeza. – minha voz saiu fraca e grossa. Não me surpreendi, visto que toda a região do meu nariz até o pulmão estavam pegando fogo. – Eu não conseguia achar o chão, algo passou pela minha perna, eu me assustei e... Sei lá.
— Você nadou para a parte mais funda do lago. – ela explicou.
— Tem algumas plantas lá embaixo, deve ter sido isso. – Joe acrescentou.
— Ok. – eu disse, aceitando as justificativas, mas ainda assim pensando para mim mesma que eu definitivamente manteria minha distância daquele lugar de agora em diante. — Eu tô com fome.
Era impressionante o vazio no estômago que um afogamento parecia causar.
Ouvi algumas risadinhas e tudo parecia bem de novo. Eu sabia que essa era mais ou menos a hora em que a ativaria seu modo “mãezona”, mas isso nunca era, de todo, algo ruim.
— Vamos comer então. – ela disse. – , a ajude a levantar, por favor.
Na mesma hora, eu senti certa movimentação nas minhas costas. Aparentemente, minha capacidade de pensamento também estava mais lenta que o normal porque eu só percebi que era quem estava atrás de mim, me mantendo apoiada, quando ele me puxou para cima, me deixando de pé, mas ainda com seus braços ao meu redor por precaução.
Se eu soubesse que meu próximo ato, completamente automático e impensado, iria causar a confusão que causou, eu teria me contido, só para não estragar mais ainda uma tarde que estava sendo perfeita até aquele momento. Infelizmente, prever o futuro não era um dos meus dons, então eu imediatamente me afastei do calor do seu corpo. O meu pesava e doía, mas não o suficiente para que eu não me aguentasse de pé sozinha ou, principalmente, não o suficiente para que eu me permitisse ficar tão próxima dele, pele contra pele.
— Eu posso andar, obrigada. – disse rapidamente, quando já estava a uma distância que eu considerava segura.
Andei até onde estavam as coisas e já me esperava com um pedaço de bolo em uma mão e um copo de suco na outra. Peguei primeiro o suco, esperando que um pouco de líquido no canal certo talvez aliviasse a dor. Não funcionou.
, tá tudo bem? – perguntou, o encarando enquanto eu pegava o prato descartável com um generoso pedaço de bolo de chocolate. Me virei para trás, curiosa, e o encontrei me encarando furioso.
— Qual é o seu problema? – ele questionou, me fazendo franzir o cenho em confusão.
— Como?
— Eu acabei de te salvar, ou você não notou? E mesmo assim você se afasta de mim como se só o meu toque te queimasse. Qual é o seu problema, ?!
Olhei rapidamente ao redor para ter certeza que os outros estavam vendo e ouvindo as mesmas coisas que eu. A confusão em seus rostos me dizia que sim.
— Você realmente quer fazer isso agora? – perguntei.
Eu não queria. Eu não tinha a energia necessária para brigar naquele momento.
— Ah, claro, eu me esqueci que nós só podemos brigar quando tá ok para você, não é isso?
Eu estava ficando um pouco confusa com a quantidade de perguntas.
— Eu realmente não quero fazer isso agora, .
— É uma pena, , porque eu quero. – disse, se aproximando. – Você tem ideia de como eu me sinto quando você me empurra para longe como se eu representasse a própria peste bubônica?
Silêncio. Apenas o encarei, sem a mínima ideia do que dizer, o que já mostrava o quão fora do normal eu estava naquele momento. Eu sempre tinha uma resposta.
, por fa... – tentou dizer, mas foi rapidamente interrompido.
— Não, ! – exclamou, aumentando o tom de voz. – Isso não é justo, você não vê?! Eu continuo pagando pelas merdas que ela faz o tempo todo, eu não tenho que aguentar isso logo depois de ajuda-la! De novo!
Aquelas palavras foram quase como cosquinha na minha barriga, eu tive que rir. Aquilo não fez maravilhas para o humor do , que estreitou os olhos, parecendo mais possesso ainda.
— Você pode repetir? A parte de pagar... Eu acho que não entendi direito.
— Eu acho que você entendeu o suficiente. — afirmou, erguendo as sobrancelhas e cruzando os braços no peito.
Assenti, rindo rapidamente de novo. Dessa vez quem deu mais alguns passos em direção à ele fui eu. Humilhantemente lenta, mas eu tinha força de vontade.
— Tudo bem, então... Me conte mais sobre como foi difícil ter garotas e mais garotas caindo aos seus pés, ou a posição difícil em que você ficou quando teve que decidir se eu levava uma advertência ou não na minha primeira semana de aula. Vamos, ! Fale um pouquinho mais sobre como é chato ser tão facilmente influenciado por mim e continuar fazendo decisões estúpidas quando está com raiva.
Dado o meu discurso, eu fiquei encarando-o com a minha famosa expressão sínica. Eu não queria brigar naquele dia, especialmente depois do meu corpo absorver tanta água quanto o próprio Bob Esponja, mas eu definitivamente não era o tipo de garota que aceitava desaforos malfeitos como aqueles.
Ele levou seus dedos diretamente para o cabelo curto, puxando o que dava.
— Por que você faz isso, ahn? Por que se recusa a admitir que as suas atitudes tem consequências infinitas nas pessoas ao seu redor?
— Ei, eu sei muito bem das consequências! Mas pelo menos eu assumo a minha responsabilidade sobre elas enquanto você tenta jogar o peso das suas decisões em cima de mim!
— O que!?
— Eu te deixei nu na frente de uma festa inteira, mas você decidiu se vestir de palhaço e invadir meu quarto. Eu deixei sua casa fedida pra caralho, mas foi você e unicamente você que decidiu ser uma boa ideia ajudar os seus amigos a sabotar o nosso projeto. A responsabilidade é toda sua, !
Ele forçou uma risada, balançando a cabeça desacreditado. Suspirei. Eu estava cansada, queria que aquilo simplesmente acabasse logo para que eu pudesse me sentar e fechar os olhos por alguns minutos.
— Eu não sei por que ainda discuto. Você sempre dá um jeito de virar tudo para o seu lado, você sempre está certa, sempre esteve. Controladora do caralho. — finalizou, se virando de costas para mim e se afastando.
Eu vi vermelho.
— VOCÊ DISSE O QUE?! – eu gritei e, quando percebi, já estava pulando em cima dele. Antes que eu chegasse ao meu destino, dois braços ao redor da minha cintura me puxaram de volta. Esquecendo momentaneamente qualquer dor em meu corpo, eu me debati, tentando me livrar daquela prisão improvisada. Infelizmente para mim, era mais forte do que parecia.
, não! – ele disse, mas eu estava brava demais para dar ouvidos.
— Con-tro-la-do-ra! Esqueceu de limpar os ouvidos antes de sair de casa, foi?
Eu o odiava. Eu o odiava tanto naquele momento que era difícil respirar. Ele não podia dizer aquilo, não podia! Aquilo estava errado. Ele estava errado. Ele ferrou tudo, não eu!
— Cala a boca! Você sabe que isso não é verdade!
— Ah, não? Você interfere na vida dos outros da maneira que quer, , não liga se isso é bom ou ruim porque, para você, claramente é ótimo. Você sempre tem razão! Você sempre sabe o que é melhor para qualquer um! Só você e mais ninguém! Ai de quem entre no caminho de e acabe com os planos e ideias mirabolantes dela...
Ele parecia estar tão bravo quanto eu, mas tinha a sorte de não estar sendo contido por ninguém. Se não fossem por aqueles braços, eu já teria feito um estrago logo naquela primeira frase. Era bom que não me soltasse ou eu o mataria.
— Você tem muita cara de pau mesmo para vir me dar lição de moral mesmo, não é não?!
— Me desculpe, eu estou indo rápido demais ou ter acabado de salvar sua vida não é o suficiente?! – questionou irônico.
Eu ri, revirando os olhos. Ele era inacreditável!
— Você quer um prêmio por isso?! Eu tenho cara de alguma dama indefesa que precisa ser salva constantemente pelo seu cavalheiro, por acaso?
— Bom, pelo que eu vi, você não estava fazendo um trabalho muito bom se salvando sozinha, estava? Se não fosse por mim, ainda estaria lá embaixo!
Na mesma hora, deu um passo à frente em direção ao .
— Ei! Olha lá o que você fala, ! – o repreendeu, me deixado orgulhosa. – Nós todos pulamos para ajudar ela, não se esqueça. Você só chegou primeiro, nada mais!
— Certo, , me desculpe. Você está do lado dela. Eu continuo me esquecendo que vocês todos sempre estão do lado dela. – dizendo isso, ele deu uma boa olhada para a .
— Não seja dramático! – exclamei. – Tudo que a faz o tempo inteiro é te defender. Você fez merda e logo todos te acolheram de volta. Ah, por favor!
Ele fez uma pausa, parando para dar uma risada que me deu arrepios. Eu senti que algo bom não viria. E eu estava mais do que certa.
— Você quer falar da ?! Quer falar sobre como ela tá sempre te perdoando, não importa a besteira que você faça?! Eu não sei se é por causa da Mina, mas...
! – ela o interrompeu. – Cala a boca, tá legal?
Na mesma hora, ele engoliu em seco, parecendo perceber que havia falado demais. Me virei para , a alguns metros de mim, e ela engoliu em seco, parecendo mais nervosa do que nunca.
— O que tem a Mina? – perguntei e imediatamente todas as pessoas ao meu redor enrijeceram, tensos, com exceção de Joe e April, tão perdidos quanto eu. Até se afastou de mim nesse momento.
— Não é nada, . O só tá viajando, ele...
— Para de me esconder coisas, ! O que tem a Mina? – repeti, vendo no fundo de seus olhos que havia, sim, algo que eu não sabia ali e que ela não queria contar.
respirou fundo.
— Tudo bem, é que... Inicialmente, a Mina não ia muito com a sua... – um “o que?” indignado escapou pela boca da Mina na mesma hora, mas aquilo não abalou a . – Ela não ia muito com a sua cara.
— Não, ! – a minha hater se pronunciou. Não que ela precisasse, pois a minha amiga continuava sendo uma péssima mentirosa como sempre. – Eu estou cansada de esconder, tá legal?! – dito isso, ela me encarou, extremamente afetada, e até abalada, com aquela situação. — Nós estamos juntas, . Nós namoramos há mais de seis meses. Seis meses e sete dias, se quer saber.
— Como é que é?! – Joe exclamou e o bolo que estava na minha mão encontrou o chão.
Eu tinha nove anos. Me lembro de estar no meu quarto brincando de cobra-cega com e Sasha, uma amiga da época. Era a vez do e ele era incrivelmente bom naquele jogo (tanto que, agora, eu desconfiava dele ter roubado durante todo aquele tempo). Em algum ponto, eu fiquei exatamente de frente para ele, sem lugar para correr que não significasse ter que passar ao seu lado. Eu não tive muito tempo para pensar, então simplesmente arrisquei. Não foi uma boa ideia, pois ele abriu os braços para me pegar assim que ouviu a movimentação e eu, destrambelhada como era, não consegui desviar, dando de barriga (isso mesmo que você leu) em sua mão posicionada para me agarrar. Ele nunca foi uma criança fraca e doeu. Todo o ar foi expulso dos meus pulmões e, por alguns segundos, eu não conseguia fazer com que voltasse.
Eu não havia levado um soco literal, mas a sensação foi exatamente a mesma. Só que pior porque, dessa vez, foi como se também tivessem acertado meu coração. Seis meses e nove dias era o tempo que elas estavam juntas e eu não sabia de nada. Não poderia dizer que não haviam tido uma ou outra situação que me deixaram com uma pulga atrás da orelha, mas aquela era, para mim, uma possibilidade tão distante e improvável que eu nunca parei para pensar sobre. Na minha cabeça, ela nunca deixaria de me dizer algo nesse nível, afinal, éramos amigas. Melhores amigas. Não podia ser. Tudo estava bagunçado demais para o meu gosto.
Eu precisava sair dali. De todos os pensamentos correndo pela minha mente, foi àquele que eu me agarrei. Eu precisava sair dali. Então eu lancei um último olhar para as sete pessoas que ainda me encaravam sem nem mesmo respirar e me virei, entrando no meio das árvores em passos cambaleantes, mas firmes.
Aquilo não estava certo. Quem esconderia algo do tipo? Por que? Eu não era um monstro, era? Eu tinha o direito de saber e antes de todo mundo! Porque quando duas pessoas decidem que são melhores amigas, isso está explícito no contrato. Informações gigantescas desse tipo devem ser compartilhadas. A não ser que a pessoa não esteja pronta para compartilhar. Mas todos já sabem! Menos eu. A que não é digna de confiança, a que esteve tão distante, gastando toda sua energia em um cara estúpido, que não notou o que estava bem ali, diante dos seus olhos.
Eu senti vontade de chorar. Ou de gritar, mas não poderia fazer aquilo. Não com todos eles a alguns metros de distância. Me sentei em um tronco caído e velho, sentindo o conhecido nó tentar subir pela minha garganta. Não era justo. Não era justo que uma das pessoas que eu mais amava no mundo havia decidido que eu não merecia saber algo tão importante para ela. Não era justo eu descobrir tudo em um acidente. Não era justo que isso continuasse acontecendo.
Só percebi que meu rosto já estava coberto de lágrimas quando o tampei com as minhas mãos, sentindo vergonha de mim mesma. Vergonha de tudo, de não ter juntado as peças sozinhas, de não ter a confiança daquelas pessoas, mas, mais do que tudo, vergonha do por que eu não tinha aquela confiança. Eu sempre soube que eu não sou a pessoa mais fácil de lidar desse mundo, sempre falando e fazendo o que quer que me venha a mente sem nem pensar, as vezes, e aquilo era terrível de admitir, controlando e interferindo na vida das pessoas a minha volta, mas a uma pequena caminhada de distância de mim estavam os meus melhores amigos e eles sempre me aceitaram daquela maneira, assim como eu aceito e lido com os seus defeitos todos os dias. Isso é parte de ser um ser humano sociável. Minha cabeça doía e ainda assim eu não conseguia compreender o motivo por eu ser a única a não saber de algo tão grande.
Bom... Talvez Joe compreendesse. Pobre Joe e sua queda pela . E April... Certo? April não esconderia algo do tipo de mim, de jeito nenhum. Eu era a responsável por acolhe-la dentro daquele grupo, seria quase traição.
Respirei fundo, tentando acalmar a minha mente. Como tudo ficou tão confuso tão rápido? Uma hora, eu estava perfeitamente feliz em um dos meus lugares preferidos, na outra eu estava me afogando, tinha puto da vida por sabe-se lá o que e agora era lésbica. Ou bissexual. Eu teria que me certificar desses detalhes mais tarde, mas para isso, eu teria que conversar com a dita cuja e eu não estava pronta para encará-la, não depois de tudo que eu... Deus! Bissexual provavelmente não era a resposta. De repente, momentos e mais momentos do passado foram jogados contra mim.
“Por que você não aceita ficar com ele? Vamos, , você precisa sair dessa seca!”
“Ele é um dos caras mais bonitos desse colégio. Não O mais porque, você sabe: . O que eu quero dizer é que você talvez perca um beijo e tanto.”
“Ei, aqui está você! Josh, essa aqui é a . , esse aqui é o Josh. Conversem, se conheçam, se beijem... Vocês escolhem.”
“Adivinha só: e eu fomos naquela festa que eu te falei e conhecemos um cara super incrível! Nós conversamos e ele parecia ser perfeito para você, eu juro! Então, eu estava pensando... Que tal um encontro duplo?”
“Olha, você é uma universitária por dois meses completos agora. Conheceu algum cara legal para... Sei lá, se distrair?”
Eu era um monstro
. E dos mais abomináveis.
E lá estava o choro mais uma vez, se provando impossível de ser contido.
nunca teve uma vida amorosa. Nós todos achávamos meio estranho, às vezes solitário, por isso estávamos sempre tentando fazer com que ela conhecesse caras novos. Ela saiu com alguns deles, até ficou, mas nunca por muito tempo. Agora me parecia óbvio, mas a ideia de lhe apresentar garotas nunca passou pela cabeça de nenhum de nós. Pensar que, um dia, todos eles estiveram na mesma página que eu, mas agora já terminavam o livro enquanto eu havia avançado poucos números era frustrante.
Eu ouvi passos pesados amassando as folhas e galhos por onde passavam vindo em minha direção, mas me mantive na mesma posição: sentada, com as mãos sobre o rosto e cotovelos apoiados nas minhas coxas. Torci para ser ou , apesar do ideal ser ninguém. Poderia ser até Joe atrás de consolação. Mas quando ele se sentou ao meu lado e tomou cuidado para não se aproximar demais, eu soube que não era nenhuma das opções anteriores.
— Eu quero ficar sozinha, . – falei com a voz abafada por causa da minha mão. – Por favor, eu não quero brigar agora. E eu sei que é besteira te pedir isso já que eu nunca respeitei se você queria brigar ou não, mas por favor.
Ele suspirou.
— A me obrigou. – revirei os olhos da melhor maneira que consegui, considerando que estavam fechados. Ele ficou em silêncio pelo que me pareceu uma eternidade e quando eu estava prestes a pedir que me deixasse sozinha novamente, as palavras vieram. – Me desculpe.
Ignorando completamente o fato de eu não querer que ninguém me visse naquele estado, eu tirei as mãos do rosto, o olhando surpresa. De todas as palavras no mundo, eu não esperava aquelas duas. Aquilo me surpreendeu mais ainda do que a expressão de tristeza em seu rosto quando viu que eu chorava.
— Por que?
Ele abaixou a cabeça por um momento, embaraçado.
— Desde aquela briga com a Nikki no outro dia, eu estou... Não sei bem dizer. Puto, talvez. E isso veio acumulando até que eu vi o que você fez como a gota da água, eu perdi a cabeça. Não deveria ter gritado com você daquele jeito, especialmente na situação em que está agora. Não me entenda mal, eu acredito fielmente em cada uma daquelas palavras, mas não foi certo. Me desculpe.
O encarei com a boca levemente aberta por uns bons segundos. O que era aquilo? Algum tipo de trégua? Considerando que eu não estava nem um pouco afim, e não iria, responde-lo de mal jeito. Até porque, para isso, eu teria que pensar em algo que não fosse “ E MINA” em grandes letras garrafais.
— Eu não sei o que dizer. – disse, sendo o mais sincera possível, e ele abriu um sorriso fraco.
— Tudo bem, eu tenho mais coisas para dizer. – falou, então eu esperei. – Eu também não devia ter falado sobre a Mina. Eu acho que você merece saber, todos nós achamos, mas aquela não era a hora nem a maneira.
— Eu estou na UCLA há mais de um mês, . Se você não falasse, vai saber quando eu ia ficar sabendo. – disse, sentindo uma pontada de dor no peito por acreditar tanto que aquelas palavras eram verdade.
— Ainda assim, não era o meu direito.
Assenti, compreendendo o que ele falava. Voltei minha atenção para o chão, onde meus pés se encontravam descalços. Peguei ali uma folha para picotar com os dedos.
— Não fica brava com a . – ele pediu depois de um tempo em silêncio.
— Eu não estou brava com ela. Eu estou brava comigo por não ter percebido nada, por... – voltei meu olhar para ele novamente. – Você se lembra aquele encontro duplo que nós praticamente a obrigamos a ir? Ela odiou cada segundo. E todas aquelas vezes que eu enchi o saco dela para ficar com uns caras... Eu sou a pior amiga do mundo.
— Todos nós fizemos essas coisas, , e todos nós nos arrependemos por isso quando ela nos contou. Você não sabia.
Dei de ombros, balançando a cabeça.
— Eu devia saber. No mínimo, eu devia ter passado a ela confiança para me conter algo tão importante. Mas, aparentemente, eu não mereço. – a última frase saiu um pouco mais amarga do que deveria, mas era a verdade.
— Nem ela mesma sabia direito. O último ano foi difícil para a , confuso e cheio de novidade. Eu não vou entrar em detalhes porque quem tem que te falar essas coisas é ela, mas não fica se martirizando com isso.
Assenti, picando a folha em pedaços cada vez mais pequenos. Eu ficaria, sim, me martirizando por um bom tempo, mas tinha que apreciar a tentativa dele de me fazer sentir melhor, mesmo que a mando da .
— Tudo bem. Vai passar uma hora.
O som de passos, dessa vez bem mais leves e cuidadosos, se aproximando chamou nossa atenção. Logo apareceu com um sorriso nervoso nos lábios.
— Vou deixar vocês sozinhas. – ele disse, se levantando na mesma hora.
! – chamei antes que ele se afastasse muito. Ele se virou rapidamente. – Obrigada... Por ter chegado rápido quando eu estava me afogando e por isso.
Ele me lançou um lindo sorriso iluminado, assentindo, e saiu.
Enquanto isso, o substituiu ao meu lado, hesitante.
— Oi. – disse baixinho, me lembrando a April em seus primeiros dias.
— Oi. – respondi.
A olhei de lado e ela encarava o chão, parecendo desconfortável. Seus olhos estavam molhados e vermelhos, indicando que ela havia chorado ou estava prestes a fazer isso. Essa imagem sempre acabava comigo.
e eu éramos complicadas. Tão diferentes que acabávamos sabotando uma a outra de vez em quando ao mesmo tempo que sempre nos completamos de uma maneira incrível. Se ela não sabia o que fazer em uma situação, ela me chamava. Se eu estava perdida, era para ela que eu corria. Eu sabia que aquele ano separadas havia colocado uma parede entre nós, mas não imaginava que ela fosse tão grande e resistente. Eu havia passado as últimas semanas tão focada em coisas do passado, coisas essas que agora pareciam tão pequenas, que esqueci de trabalhar para derrubá-la. Eu queria a minha melhor amiga de volta, a Serena para a minha Blair, e queria com o pacote completo.
Eu não sei exatamente como aconteceu, mas um segundo eu estava parada a encarando e no outro eu estava jogando meu braços ao redor do seu pescoço num abraço. Imediatamente, ela também me envolveu em seus braços, me apertando junto ao seu corpo. Nós choramos por dois, cinco, talvez até dez minutos, unidas o tempo todo. Eu precisava daquilo, precisava saber que ainda podia correr para ela quando algo estiver me incomodando, assim como ela poderia sempre recorrer a mim.
— Me desculpa, eu juro que queria ter contado antes. – ela disse muito tempo depois com a voz embargada pelo choro. – Eu não sabia como você ia reagir e eu nunca encontrava a oportunidade perfeita, então eu fiquei adiando. Me desculpa.
— Me desculpa por não te dar a oportunidade perfeita que eu sei que você precisava, por estar tão focada em coisas estúpidas que acabei deixando a nossa amizade de lado. – continuei.
— Me desculpa por fazer algumas pessoas pensarem que você era uma ex louca. Eu juro que nunca foi a minha intenção, só estava tentando te proteger.
— Me desculpa por te afastar e deixar de compartilhar as coisas com você.
Nós nos afastamos uma da outra, agora ligadas apenas pelas mãos entrelaçadas.
— Eu provavelmente tenho algumas milhares de coisas para me desculpar, mas eu quero dizer que te perdoo. – ela disse.
— Eu também te perdoo. – sorri. – Posso te pedir uma última desculpa? Isto é, além das milhões que você merece.
— Claro.
— Me desculpa por jogar todos aqueles garotos para cima de você. – e ali estava chorando de novo. Sério, o que tinha naquela água? Bom, talvez fosse só meu corpo expulsando todo o excesso. – Eu não sabia. Eu devia saber, mas não sabia e acabei te colocando em situações tão... Caramba! Mesmo se você fosse hétero, aquilo era inaceitável. Eu não me lembrava da vaca que tinha sido naquela época, de repente essas lembranças vieram à tona e... Me desculpe, me desculpe, me desculpe!
— Tá tudo bem, , já passou. Eu sei que as suas intenções não eram ruins. – disse com um sorriso. Eu balancei a cabeça rapidamente.
— Não eram, não eram mesmo!
— Eu sei. – eu também sorri, aliviada, mesmo sabendo que aquilo ainda me atormentaria por um tempo. Nós nos encaramos por alguns segundos antes que ela voltasse a falar. – Eu sei que você tem perguntas. Manda.
Ótimo, agora ela lia mentes.
— Quando você descobriu? – perguntei rapidamente.
O quê? Ela pediu.
— Eu não diria que foi exatamente uma descoberta, sabe? Eu acho que, lá no fundo, eu sempre soube, mesmo quando ficava com uns caras aqui e ali. Eu não sentia nada. É só que... Eu realmente nunca considerei a ideia até conhecer a Mina. Para mim, foi diferente de como foi para o , por exemplo. Os pais dele são super mente aberta, sempre o incentivaram a ser verdadeiro com ele mesmo, então quando ele se tocou, foi fácil de aceitar. Você se lembra como foi, certo? Um dia ele simplesmente chegou na gente, soltou a novidade e saiu andando porque, para ele, era algo completamente normal e natural. – assenti, me lembrando com exatidão da cena. era uma das pessoas mais bem resolvidas que eu conhecia. – Por outro lado, você conhece os meus pais, sabe que eles são meio conservadores. Por mais que eu nunca tenha olhado com olhos estranhos para alguém LGBT, ser parte deles nunca foi uma opção para mim. Tanto que eu neguei e neguei por muito tempo, você pode perguntar para a Mina uma hora. Mas ela foi paciente e, quando eu percebi, nós estávamos tão envolvidas... E era incrível, ! Eu nunca havia me sentido daquela maneira em relação a ninguém. Eu finalmente estava sentindo aquele sentimento maravilhoso do qual tanto ouvi falar e mesmo que não fosse direcionado ao sexo que haviam me ensinado que eu deveria gostar, eu não queria abrir mão daquilo.
Eu sorri, sentindo uma dorzinha incômoda no peito, mas, acima de tudo, feliz por ela. Seus olhos pareciam brilhar mais do que nunca enquanto contava a história.
— Queria ter estado por perto nessa fase. Talvez eu pudesse ter ajudado.
— Talvez, mas, para você me ajudar, eu teria que te contar. Eu não contei para ninguém, . Por muito tempo, isso ficou apenas entre eu e a Mina. Depois eu corri para o porque ele esteve na mesma posição que eu, ainda que de maneira diferente. Aliás, não fique brava por ele não ter dito nada, eu literalmente implorei de joelhos para que ele guardasse esse segredo. Os outros então, só souberam quando nós já estávamos juntas há dois meses.
Suspirei, abaixando os olhos por alguns segundos. Aquilo não me fazia sentir melhor. Nem um pouco, para ser sincera.
... Por que demorou tanto para me contar? Além da falta do momento perfeito, é claro.
Engraçado. Eu não sabia se realmente queria saber a resposta para aquela pergunta pois ela poderia doer. Ainda assim, eu sentia uma necessidade gigantesca de fazê-la. Se eu estivesse falando sério sobre demolir aquela parede que construímos entre nós, aquele era o único começo que eu podia imaginar.
Ela encolheu os ombros. Aparentemente, a pergunta não era perigosa apenas para a minha pessoa.
— Você se lembra aquele dia que você acordou com o rosto todo inchado e eu percebi que esteve chorando? Você não quis me conter o porquê. Bem, eu já estou acostumada com você preferindo guardar as coisas do que desabafar, mas... Por que você não quis contar? – perguntou.
Franzi o cenho, um pouco confusa em relação a onde ela queria chegar, mas respondi mesmo assim.
— Eram dois motivos, na verdade. e eu brigamos, e eu falei umas coisas da qual me arrependia para ele no calor do momento. Não queria dizer em voz alta que estava chorando por causa dele. E... Bom, nós passamos um tempo e tanto meio “separadas”. Eu não sabia se a nossa amizade era mesma, se eu podia confiar tanto em você quando costumava, então eu acabei guardando para mim.
— Exatamente. No começo, eu só tinha medo de te contar, como tive para contar para os outros também. Nós não nos víamos com frequência ano passado e, quando passávamos algum tempo juntas, eu optava por deixar aquele assunto de lado. Aí eu coloquei na cabeça que, naquelas férias, eu grudaria em você até recuperarmos todo o tempo perdido. Dessa maneira, eu poderia me abrir e contar tudo que aconteceu, mas você foi viajar para a casa dos seus avós e eu perdi mais uma oportunidade. Com o começo das aulas, haviam tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo, eu nunca encontrava o momento certo, então simplesmente fui adiando. É um pouco irônico, pois quanto mais eu adiava, mais crescia o medo da sua reação ao descobrir que eu escondi isso de você por tanto tempo. Hoje, a Mina finalmente cansou. Na verdade, eu estou surpresa por ela ter aguentado esse tempo todo.
Eu não podia culpa-la por manter segredos pelo mesmo motivo que eu, podia? Eu queria acreditar que não, mas minha mente continuava procurando outras razões para aquilo chegar naquele ponto. — Não é porque eu sou um monstro que não merece a sua confiança? – questionei, só para garantir.
— Não. – disse, rindo. – Você é irritante, orgulhosa, me tira do sério mais vezes do que o saudável, mas não é um monstro.
Sorri levemente, soltando um suspiro aliviado.
— Uau! e Mina.
— Eu sei. Diferente, não é?
— Mas bom. Vocês combinam de uma maneira meio estranha. – disse a garota que, mais cedo, estava pensando que e Joe não combinariam. Mina era a versão feminina dele, com um pouco mais de noção. Mas estava sendo sincera, elas encaixavam bem juntas. — Você realmente gosta dela?
— Eu realmente amo ela. Especialmente depois das poucas e boas que eu a fiz passar e ela não me abandonou por um minuto sequer.
Sorrimos juntas. Eu sabia que poucas coisas eram mais incríveis do que aquele sentimento.
— Ótimo! Eu quero saber de tudo! – exclamei animada.
— Tudo?
— Sim! A história toda: do momento que se conheceram até o dia de hoje. Eu tenho que compensar por todo o tempo que perdi.
fez uma careta de preguiça.
— Mas tem tanta coisa.
— Com licença, eu vou ter que te lembrar que você me manteve no escuro durante todo esse tempo? – ameacei, erguendo as sobrancelhas.
— Era o primeiro dia da rush week...
Sorri, fazendo uma nota mental para me lembrar de pedir desculpas mais tarde por usar aquele argumento contra ela.


Capítulo 13

Você não sabe o que é tensão. Pelo menos, não até morar em uma casa com dezenas de outras garotas insatisfeitas com o rumo que as coisas haviam tomado. E quando eu digo isso, quero dizer: a Lambda Chi Alpha tentou sabotar um dos projetos mais importantes da Kappa Kappa Gamma naquele ano, duas semanas haviam se passado e nada havia acontecido. Eu não fui a única a receber uma ordem diretamente da Nikki para abaixar as armas, todo o resto da casa recebeu a mesma mensagem. Como consequência, os rapazes continuavam andando por aí como se nada tivesse acontecido, como se todos aqueles animais e nós não tivéssemos passado um baita perrengue por causa deles. Aquele foi o caminho que a nossa líder encontrou para acalmar as coisas, mas eu diria que o efeito estava sendo o completo oposto. A raiva, impaciência e senso de justiça das garotas estavam aumentando, dia a dia, e não é como se pudéssemos dar uma festa e beber para esquecer.
Havia se tornado comum andar pela casa e dar de cara com grupinhos discutindo o que aconteceu, suas ideias sobre o que a Nikki realmente deveria fazer, entre outras coisas. Ela fazia questão de não ouvir nada sobre o assunto, o cortando no mais leve sinal de que estava prestes a surgir novamente. Ninguém ali concordava que aquela situação era justa, nem ela mesma, mas todas nós sabíamos, lá no fundo, que aquele era o único caminho possível. Esquecer. Mesmo que tivéssemos que engolir tantos sapos, era a única maneira de nos certificar de que nenhum outro projeto nosso correria riscos. Nós havíamos salvado aquele a tempo por muita sorte, seria besteira arriscar... Certo? Mas e se? Esse vai e vem de pensamentos corria pela cabeça da maioria das garotas naquela casa.
Diria que até eu, , a garota decidida, estava dançando entre os dois lados. Depois de tudo que aconteceu na cachoeira, decidi dar uma chance a trégua. Isso não significava que e eu éramos amigos, é claro. Nós não nos falávamos há um total de 15 dias. Bom... Aconteceram algumas provocações verbais nesse meio tempo, a maioria vindo da minha pessoa, mas não era realmente minha culpa o dom que o garoto tem de dizer coisas estúpidas de vez em quando. Apesar daquela ser uma fase consideravelmente boa, eu ainda queria matar ele na maior parte do tempo. Era quase natural que todas as minhas paredes de defesa subissem no momento em que ameaçávamos ter uma conversa normal e eu não acho que nada mudaria aquilo tão cedo. Eu sentia como se não tivesse a capacidade de não odiá-lo mais depois de tudo o que aconteceu.
Mas, em relação a mim e a , as coisas iam bem. Surpreendentemente, nós não brigamos nem uma vez sequer nesse tempo. Até porque eu estava ocupada demais tentando compreender tudo que eu perdi, o que significava entrar em leves depressões aqui e ali, mas me colocava um pouco mais perto de entender por que é que ela havia escondido sua homossexualidade de mim por tanto tempo. Apesar de saber ser errado, as vezes eu jogava tudo para o alto e simplesmente me deixava sentir a frustração por aquilo. Outras vezes eu tentava ao máximo olhar as coisas pelo ponto de vista da minha amiga. Era difícil, pois eu não tinha a menor ideia de como realmente era ter uma parte tão importante da minha vida, socialmente falando, destruída dessa maneira para ser cuidadosamente remontada depois. Eu estava pensando naquilo tudo como um processo, um que, mais cedo ou mais tarde, eu finalizaria.
— Ah! E aquele dia na festa de iniciação que você pareceu estar super interessada naqueles caras que te davam mole? Eu não fiquei para ver, mas jurava que você tinha tirado um pedacinho dos dois. – questionei com o queixo apoiado em minha mão. Eu estava sentada no chão encarando a Mina que apoiava a cabeça no colo da no sofá.
— A me pediu para agir como se eu fosse solteira, então... Aquela era a Mina solteira. E eles eram bem bonitos, mas não se preocupem. Me livrei deles logo depois que você saiu, .
— Certo. – murmurei, tentando pensar em mais alguma coisa. Rapidamente, uma nova informação brotou no meu cérebro. – Ah, meu Deus! Aquela história do banheiro que vocês contaram no jogo da memória... O que vocês estavam fazendo lá? – perguntei, minha expressão já deixando mais que claro o que se passava na minha cabeça.
! – me repreendeu e Mina gargalhou.
— O que? Não fui eu quem contei a história!
— Não foi nada disso, infelizmente. Nós nem namorávamos nessa época. Eu recebi aquela visita mensal fora de hora e não tinha absorvente, então liguei para a me socorrer e acabamos nós duas trancadas.
Assenti, compreendendo. Quem nunca?
— E aquele dia, o dia que os garotos invadiram o nosso quarto... A maneira como a te abraçava para tentar te acalmar, tão fofo! Deus, como eu não vi que tinha algo ali?
Elas se olharam rapidamente, sorrindo. Estavam apaixonadas, e eu babava com cada novo ato de afeto.
Ia questionar agora sobre o pânico da quando eu a disse que Mina havia me contado uma coisa, mas a entrada da Nikki na sala me fez ficar bem quietinha. Ela não parecia muito feliz e eu sabia o porquê. Só esperava que as coisas não pegassem fogo ali mesmo. A última coisa que precisávamos naquele momento era uma grande briga entre nós mesmas, considerando que a nossa situação já não estava lá essas maravilhas.
— Eu acho que nem todas chegaram ainda, mas já vou começar. – ela disse. – Como algumas de vocês devem imaginar, eu acabei de voltar da sala de Alice, a coordenadora das irmandades e fraternidades do campus, a pessoa que nós evitamos ao máximo e, ainda assim, está agora sabendo de tudo o que tem acontecido entre a nossa casa e a Lambda nas últimas semanas.
Poucas garotas ficaram surpresas. Em sua maioria, aquelas que nem mesmo haviam participado da feira de adoção.
— Ela não me falou quantas nem quem denunciou o que os rapazes fizeram, então eu espero que as próprias pessoas ergam suas mãos e me falem. Antes de tudo, quero deixar claro que eu não estou brava nem nada, não vou expulsar ninguém por causa disso. Isso aqui não é uma ditadura, as coisas não funcionam assim. Eu também não estou feliz, é claro. Gostaria de não ter sido pega de surpresa, mas acho que essa é a minha recompensa por não dar ouvidos a vocês como eu deveria ter feito. Eu peço desculpas. Estou sendo sincera e espero o mesmo de vocês. Quem fez a denúncia, por favor, levante a mão.
Algumas não tiveram medo algum e ergueram a mão rapidamente, outras hesitaram um pouco, mas acabaram por fazê-lo. foi uma delas. Na verdade, foi a última e mais hesitante de todas.
Eu sabia que ela havia feito a denúncia há uns bons quatro dias. Ela mesma me contou antes de qualquer coisa, pois sabia que eu podia acabar me ferrando junto com eles e não queria acabar com o grande avanço que tínhamos feito. Eu não pude deixar que ela não denunciasse sabendo o quanto seus projetos significavam para ela e o quão chateada ela ficou no dia. Ela merecia que a Lambda fosse punida por aquilo e eu já havia adiado aquela advertência por tempo demais, de qualquer maneira. Não era à toa que tivesse sido tão rapidamente perdoado, visto que ela já planejava aquela punição desde sua primeira visão do galpão vazio. Eu diria até que fiquei orgulhosa.
No total, doze garotas levantaram as mãos, assumindo que haviam feito a denúncia. Nikki ficou especialmente surpresa com a da . Senhoras e senhores, quando eu disse mais cedo que todo o silêncio estava fazendo a impaciência das garotas aumentarem, era sobre aquilo que eu estava falando.
— Tudo bem... – começou, assimilando a situação. – Por que? Bom... Talvez por que seja muito vago. O que vocês esperam agora?
— Não é justo, Nikki! – Tina se apressou em dizer. – Não é justo que eles façam uma crueldade desse tipo e não sejam punidos.
— Eles decidiram fazer aquilo, então tinham consciência das consequências que poderiam vir! – outra garota falou.
— Eu entendo, meninas, mas preciso que vocês vejam a enorme confusão que isso pode causar. Ou vocês acham que eles vão aceitar tranquilos essa punição? A Lambda fez o que fez quando ainda éramos casas primas, imagina agora...
Ninguém respondeu imediatamente dessa vez, justamente porque ninguém sabia o que poderia acontecer ou se realmente queriam que algo acontecesse. Nessas horas, era muito mais fácil olhar para o futuro próximo e esquecer que havia mais depois daquilo. Era o que eu fazia sempre.
— Eu odeio dizer isso, de verdade, mas... Acho que nós devemos correr esse risco. Todas vocês me ajudaram muito nesse projeto e eu sou extremamente grata, pois ele não teria acontecido e sido um sucesso sem essa ajuda, mas quem o criou fui eu. E vocês não tem ideia do quanto doeu ver algo que eu trabalhei e construí com tanto amor e carinho quase ir por água abaixo. Eu não quero briga e eu espero que as coisas não terminem mal, mas eu quero, sim, justiça pelo que eles fizeram.
Cada pedacinho do meu corpo queria pular de felicidade naquele momento. Me parecia muito mais do que justo que eles sofressem as consequências do que fizeram com aqueles pobres animais e, se decidissem retaliar, eu estaria sempre disposta a coloca-los lá no chão de novo. E com o apoio da Nikki, tudo seria mil vezes melhor.
— Eu só não quero que ninguém aqui faça nada de que vão se arrepender. Porque na hora que a fez merda, todo mundo tinha pitaco para dar, e agora querem seguir o mesmo caminho.
— Ei! – reclamei.
— Você sabe as merdas que faz, . – ela disse e eu encolhi os ombros.
— Tá, mas não precisa jogar na cara. – falei, soando mais ofendida do que eu realmente estava, e um pouco chateada pelo nome da Mina nunca ser citado junto com o meu.
— Eu não sei se isso é uma boa ideia. – Ashley comentou, sentada em seu canto. – Não se esqueçam que nós temos um evento muito importante chegando, talvez o mais importante desse semestre. Se eles sequer pensarem em sabotar tudo...
— É verdade, a semana da inclusão... – alguém murmurou e o burburinho de vozes começou.
A semana da inclusão era um evento anual que todas as fraternidades e irmandades do campus faziam com o objetivo de chamar atenção dos estudantes para as suas casas, estejam eles completando o ensino médio ou já na universidade. havia tentado me arrastar para ele no ano anterior, mas felizmente para mim na época, eu estava ocupada demais com trabalhos e atividades extras do colégio. Ainda estávamos no começo dos preparativos, então eu sabia muito pouco sobre. Era um evento de cinco dias, cada um deles com atrações e atividades especiais, e cada casa escolhia sua data. Acontecia de algumas fazerem o evento nos mesmos dias, mas nunca com a Kappa Kappa Gamma porque seria besteira competir diretamente com a responsável pela melhor semana da inclusão da UCLA. Eu não estou querendo me (ou nos) gabar nem nada, aquilo apenas havia sido passado para mim.
Se me perguntassem, eu diria que era uma rush week parte dois: muito mais divertida porque tinha o objetivo de chamar novos membros para aquele lugar e não seduzir aqueles que já estavam interessados. Na verdade, muitos dos que voltavam no começo do semestre para tentar entrar em uma casa já específica em mente passaram por aqueles cinco dias. Isso além de manter o status da irmandade lá em cima, o que também era importante, aparentemente.
O evento aconteceria em duas semanas, mas muito dele ainda era um segredo para todas nós, com exceção da e da Nikki, as organizadoras. Tudo que tivemos até aquele momento foi uma reunião para ajuda-las definir as atrações daquele ano, além de discutir as novidades daquelas que já são tradicionais.
— Bem lembrado, Ash. – Nikki disse. – Bom, de qualquer maneira, nós temos uma reunião marcada com a Alice e os rapazes por causa das denúncias. É amanhã no final da tarde e todas são bem vindas. Quem sabe nós conseguimos resolver um pouco das coisas lá, e aí podemos tomar uma decisão com mais clareza.
Me parecia uma boa ideia. Tomar a decisão depois e não a reunião. A reunião era uma péssima ideia, mas eu não podia culpar a coordenadora por tentar, afinal, ela não estava presente na última vez que Ryan e Nikki bateram de frente.
Todas pareceram satisfeitas com aquela decisão que na verdade era o adiamento da decisão, e logo a pauta mudou, apesar de todo mundo estar distraído com a ansiedade para o encontro do dia seguinte.

Eu gostaria de não começar mais um parágrafo falando sobre tensão, mas tinha que adicionar um outro nível a ela. Tensão nível: duas casas ex primas querendo se matar esperando o atendimento da coordenadora em um corredor que parecia ficar menor a cada segundo.
Do meu ponto de vista, a cena era até engraçada. A cada três segundos, Ryan e Nikki lançavam olhares raivosos um para o outro, provavelmente se enforcando em pensamento. Enquanto isso, e trocavam algumas palavras baixas em um canto, como se estivessem apenas tomando um café. Mina tinha seus fones de ouvido e dançava sozinha em seu canto o que parecia ser algum ritmo latino. Ashley falava alto sobre todas as possibilidades de consequências que poderiam vir do ato dos rapazes de deixarem aqueles animais no sol sem alimentação e nem um pouquinho d’água, o que funcionava bem, pois eu podia ver o efeito das suas palavras na expressão de vários deles. Podia até jurar que vi um ficar emocionado. E eu estava encostada ao lado da porta, sozinha, recebendo alguns olhares de raiva de vez em quando por parte deles, e fazendo um ótimo trabalho ao retribuí-los.
Desejei que ou April estivessem ali, mas ele era oficialmente um ex membro da Lambda Chi Alpha há cerca de uma semana e ela decidiu ficar em casa e se proteger da bagunça que aquele lugar viraria. Já eu não perderia aquilo por nada. Pelo menos, eu podia ficar feliz pela falta da presença do Nick. Não por medo de ter que lidar com ele. Depois de tantos dias sendo ignorados por mim, eu imaginava que ele já tivesse entendido a mensagem, mas era bom não ter que me preocupar.
Quando Alice finalmente saiu de sua sala, todos calaram a boca e ficaram em posição ereta. Ela nos lançou um rápido olhar de ignorância antes de começar a andar até o final do corredor. Automaticamente, a seguimos. Pelo que pude ver, era uma sala de reuniões com uma grande mesa e várias cadeiras, mas não tive a oportunidade de pegar os detalhes, pois alguém me puxou pelo braço antes que eu pudesse sequer passar pela porta.
— Que merda, , vai assustar a mãe! – exclamei ao ver sua cara, não desejando realmente que ele fizesse aquilo.
— Oi. – ele disse com um sorriso maroto nos lábios. Franzi o cenho, estranhando aquela situação.
— O que você quer? – perguntei.
— Vamos só repassar umas coisinhas: eu te salvei lá na cachoeira, certo?
Revirei os olhos.
— Você precisa ficar usando a palavra salvar? Não é como se você fosse o Super Homem, sabe?
— Nós também tivemos uma conversa depois... Foi pacífica, não foi? – continuou, ignorando a minha reclamação.
— Eu espero que você esteja desperdiçando o meu tempo com algo muito bom, .
— Ainda assim, nós brigamos com uma frequência boa nos últimos dias, eu acredito. O meu ponto é: você ainda me odeia, certo? Eu tenho permissão para acusar você de coisas horríveis, talvez ofensivas, ali dentro?
Ele falou tudo em um tom baixo, quase sussurrado, para que as pessoas que passavam ao nosso redor não ouvissem. Eu faria a mesma coisa no lugar dele. Nunca ia querer que alguém me ouvisse falar coisas malucas como aquelas.
— Sim, eu ainda te odeio com todas as minhas forças. Você não tem com o que se preocupar quanto a isso. – afirmei. – Mas eu não recomendaria tentar jogar as coisas para o meu lado, pois você sabe o quanto eu sou boa em jogar de volta direto na sua testa.
assentiu, ponderando sobre a minha resposta por dois segundos.
— Ok. – disse simplesmente antes entrar na sala de reuniões.
Eu encarei o vazio que ele deixou, o achando mais estranho do que nunca naquele momento, e então deixei escapar uma risada, balançando a cabeça. Freak.
Eu fui a última pessoa a entrar no cômodo, o que significa que eu fui uma das e dos que ficaram de pé. A sala era grande, mas não operava milagres ainda. Alice já se encontrava sentada em uma ponta da mesa, pronta para moderar aquela reunião. Pequena como ela era, me parecia improvável que ela conseguisse conter aqueles estudantes quando a coisa ficasse feia.
Eu fechei a porta atrás de mim e andei até a , que estava ao lado da Nikki e da Mina, e apoiei meus braços no encosto da sua cadeira. Não sem antes receber alguns olhares reprovadores pelos poucos segundos de atrasos. Aparentemente, estávamos todos muito ansiosos para aquele encontro.
Alice pigarreou. Nenhum piu foi ouvido por um tempo.
— Muito bem... – ela começou. – Acho que já passou da hora dessa reunião acontecer, ahn? Não pensem que eu não notei a movimentação estranha que houve nesse campus nas últimas semanas. – com essas palavras, seu olhar vacilou rapidamente em minha direção. Eu encolhi os ombros, pensando na injustiça que era já ter uma ficha suja com a coordenadora. – Quem quer começar?
— Eu posso...
— Eu quero...
Ryan e Nikki disseram e se interromperam ao mesmo tempo. O olhar que ela lançou a ele foi de dar arrepios, e o fez vacilar o suficiente para que ela continuasse sua fala.
— Visto que as denúncias vieram das Kappas, eu acredito que nós devemos falar primeiro, Alice.
A coordenadora assentiu, concordando com a ideia.
— Vamos, Nichole. Por que estamos aqui hoje?
— Estamos aqui porque a Lambda decidiu ir contra todas as cláusulas da nossa parceria e tentou sabotar um dos nossos projetos filantrópicos. Aliás, parceria essa que já não existe mais. Nós nos recusamos a chamar de “casa prima” garotos que maltratam seres inocentes por pura estupidez.
— Nós não maltratamos os animais!
— Me traz uma coleira para eu te prender no sol de Los Angeles durantes horas e aí nós conversamos, Ryan.
— É a vez dela, Ryan! Você também vai ter a sua, então fique quieto. – Alice o repreendeu.
— Deixa ele... Deve pensar que se repetir isso vezes o suficiente se torna verdade. – ele não respondeu dessa vez, mas bufou em alto e bom som. – Bom... O que eu quero dizer é que todas nós tivemos trabalho o suficiente organizando a feira e, graças a ele, tivemos mais trabalho ainda para reorganizar o que eles destruíram sem nenhum motivo plausível. Nós quase fomos obrigadas a cancelar tudo!
— Posso falar agora? – ele questionou assim que ela fechou a boca, jogando seu corpo para frente e apoiando os cotovelos na mesa. A coordenadora assentiu. – Nós tivemos um motivo plausível para fazer tudo aquilo, sim! Aquelas duas ali... – disse, mirando seu dedo indicador para mim e para a Mina. – ...acharam ser uma boa ideia infestar a nossa casa inteira, especialmente alguns quartos, com um daqueles sprays nojentos e fedidos pra caralho. Nós gastamos uma fortuna com a limpeza de tudo! E esse dinheiro não saiu do bolso delas, saiu? É claro que não.
— Nós vamos discutir isso mais tarde. – Alice afirmou, nos olhando. – Apesar de tudo, Ryan, nada justifica o que vocês fizeram com aqueles animais. Vocês têm noção de como fica a imagem da nossa universidade, das nossas instituições gregas, para aquela associação depois de tudo isso? – ninguém respondeu. – Fica ruim, garotos... Muito ruim. E eu não posso permitir que isso aconteça, posso?
— Não pode, Alice! Eles têm que ser punidos! – Tina exclamou, se enfiando na discussão.
— Eles têm que pagar pelo que fizeram, sim! – Katy também falou.
— Ei, todo mundo pode falar agora? – Ryan reclamou em direção a coordenadora, que balançou a cabeça, negando.
— Calma, garotas. Eles vão ser punidos e eu já sei como, mas não vamos transformar isso aqui em uma zona, tá bom? – mesmo a contragosto, elas ficaram quietas. – Escutem bem, rapazes: vocês têm duas semanas para realizar uma feira de adoção tão boa quanto ou até melhor que a das garotas. Eu já conversei com a associação e, depois de muita insistência, consegui fazer com que eles concordassem com a ideia.
— Duas semanas?! – alguém exclamou, surpreso, e vários o seguiram.
— Nós precisamos de pelo menos três semanas, coordenadora! – Ryan disse.
— Vocês não têm três semanas, então é melhor que se apressem.
— Por que? É só uma semana a mais. – Joe se pronunciou.
— Na outra semana, acontece a semana da inclusão das garotas aqui, então é esse o tempo que vocês têm! Aceitem e façam o seu melhor. Aposto que ninguém pensou nisso na hora de sabotar o projeto delas, não é?
Todas nós demos um sorriso satisfeito com a desgraça alheia. Eles teriam que correr e não seria pouco se você considerasse que estávamos trabalhando naquilo desde praticamente a primeira semana de aula. Em circunstâncias normais, a probabilidade deles fazerem um trabalho melhor que o nosso já era baixa. Em duas semanas, eles poderiam ficar felizes apenas por chegarem perto.
Ryan voltou a jogar seu corpo contra o encosto da cadeira, mais bravo do que nunca. Ele realmente estava tendo dificuldade em aceitar o fato de ter feito uma estupidez.
— Se nós vamos pagar por isso, o que vai acontecer com elas por terem jogado aquele spray na nossa casa?
— Eu não me lembro de ter recebido uma denúncia formal sobre esse acontecido. – Alice o informou.
— Eu posso fazer uma agora mesmo, se quiser!
— Isso é estupidez! Vocês não fizeram antes porque não quiseram, agora já era! – Mina exclamou, inconformada.
— Ah, claro! Por que vocês podem nos denunciar duas semanas depois e nós não? – um moreno ao fundo a respondeu. – Sua casa merece pagar tanto quanto a nossa.
— Ei, olhe lá! A e a Mina fizeram aquilo, nenhuma de nós tem algo a ver com isso. – Ashley fez questão de frisar.
— Que as duas paguem então, e literalmente, todo o nosso dinheiro de volta! – respondeu um rapaz que parecia novo demais para estar em uma universidade, e completamente desconhecido para mim.
— Eu vou pagar a minha mão na sua cara se não parar de se intrometer onde não foi chamado. – eu disse, fazendo com que ele se encolhesse em seu lugar.
A minha ameaça não agradou ninguém, pois antes que eu percebesse, todos gritavam ofensas para todos enquanto Alice encarava a cena como se assistisse a uma partida de ping pong, seu olhar sempre sendo levado para o lado da vez. Em um ponto, Nikki cobriu o rosto com as mãos, como se já estivesse desistindo da gente, e eu não a culpava. Mesmo respondendo alguns aqui e ali, até eu me perdia no tanto de gente querendo falar naquele lugar.
— EI, EI EI! – a coordenadora teve que gritar para ser ouvida alguns minutos depois e ainda assim alguns insistiram em continuar brigando. – Fiquem quietos agora ou todo mundo vai voltar para casa com uma advertência hoje! – e então veio o silêncio. Não era tão divertido, mas meus ouvidos agradeciam. – Aonde vocês esperam chegar com gritos e ofensas? Vamos conversar, nós não somos animais!
— Me desculpe, Alice, mas elas têm que ser punidas também! – Ryan disse.
— Ah, Ryan, por favor! Você só tá doído por ter que pagar pela idiotice que fizeram! – Nikki respondeu.
— Se vocês começarem mais uma discussão, eu vou deixar as ameaças de lado e partir para a ação! – Alice ameaçou, e então virou para o lado dos rapazes. – Se vocês tivessem vindo direto a mim quando aconteceu, eu poderia ter feito algo e resolvido isso de maneira sensata, mas vocês perderam toda a razão decidindo se vingar dessa maneira!
— Mas é claro que não denunciamos, seria um tiro no nosso próprio pé. – Joe deixou escapar, rindo. Isto é, até ele perceber os olhares de raiva dos outros garotos em cima dele, especialmente do .
— Fecha a boca! – meu ex namorado mandou, dando um tapa em sua nuca.
Ryan suspirou e cobriu os olhos, balançando a cabeça como se também estivesse prestes a desistir de sua causa. Funcionaria bem para mim.
— Eu sabia que vocês não estavam me contando tudo. – Alice concluiu. – Vamos, rapaz, se explique. – ordenou para o Joe, que agora tremia em seu próprio lugar.
— Não é nada, não, coordenadora. Estava só brincando.
Qualquer ser humano teria que fazer um tremendo esforço para acreditar naquelas palavras.
— Eu não vou pedir duas vezes. – ela voltou a dizer.
— Droga! – exclamou baixinho antes de se dar por vencido. – Antes da Mina e da fazerem o que elas fizeram, nós invadimos o quarto delas para assustar a .
Joe não precisou dizer muito mais do que aquilo para causar uma reação de descrença na coordenadora. Ainda que estivéssemos falando de uma pegadinha, ela consistia na invasão de um quarto de garotas por garotos e aquilo nunca soava bem.
Nós quem? – Alice questionou entredentes. Com medo, ele apenas jogou a cabeça em direção ao , que usava sua melhor expressão de desespero. – Ah, Deus... – dessa vez, quem cobria o rosto era ela. Todos pareciam estar tendo a sua vez. – . – só uma menção de seu nome e ele parecia estar pronto para sair correndo. – Eu te vi por aqui faz pouco tempo, não? – ele assentiu, hesitante. – E eu me lembro de ter ouvido com todas as palavras que você não queria prestar uma denúncia oficial contra a sua amiga aqui, . Posso saber o que aconteceu no meio do caminho?
Eu sabia que eventualmente a atenção dela se voltaria para mim, mas estava bem feliz apenas assistindo ele sofrer por enquanto.
— Nós acabamos brigando... Não foi nada demais, só uma pegadinha sem graça, Alice.
— Uma pegadinha sem graça que quase me fez ter uma crise de pânico. – Mina cantarolou observando as próprias unhas, como se nem estivesse ali.
— A Mina tem fobia de palhaços, coordenadora. – explicou o olhar curioso da mulher mais velha.
— Vocês estavam vestidos de palhaços?! – questionou incrédula e ambos concordaram. – Deixe-me ver se eu entendi bem... Então vocês não só invadiram um quarto feminino como também causaram a crise de uma delas.
— Foi mais ou menos por aí. – Nikki confirmou.
— O estava apenas se vingando da por ter deixado ele nu na frente de uma festa inteira, você pode culpa-lo? – um rapaz a frente protestou.
— Posso, sim. – ela disse simplesmente e foi o suficiente para calá-lo. Então se virou para mim e eu encolhi os ombros, sabendo que minha hora havia chegado. – Por que você é o ponto em comum em todas essas histórias, ?
— Porque eu sou uma garota especial? – sugeri, dando um sorriso desconfortável. Ela não pareceu ter sido tocada pelo meu charme.
— Eu tenho outra sugestão. – disse rapidamente, e encarou o lado masculino da sala. – Vocês sabem o que têm que fazer. Eu quero uma feira de adoção bem feita para compensar a imagem que vocês deixaram da nossa instituição para aquela associação. Vocês todos podem ir embora, eu quero que fiquem apenas a , o , o Joe e a Marina. Vamos, para fora! – expulsou todos. nos lançou um olhar preocupado antes de deixar o cômodo, mas não havia nada que ela pudesse fazer. Seria ali o lugar da minha morte, bastava aceitar.
Eu me lembrava bem da última vez que estive cara a cara com a coordenadora, principalmente do aviso final para que eu andasse na linha. Se tinha um lugar que eu tinha mantido distância desde aquela data, era a bendita linha.
Quando todos os extras saíram da sala, eu pude me sentar ao lado da Mina, que parecia relaxada até demais, considerando a situação em que nos encontrávamos naquele momento. Talvez porque não tinha sido ela a que começou a brincadeira toda. Na verdade, tudo que ela fez foi se vingar por ter seu medo trazido à tona e, se você parar para pensar, foi mais do que justo. Enquanto isso, eu era a garota que só queria se vingar do ex namorado imbecil que a havia feito sofrer. As pessoas não tinham tanta compaixão pelas ex namoradas.
— Bom, agora que estamos a sós, eu quero que vocês me expliquem detalhe por detalhe tudo que tem acontecido entre essas duas casas. Sem brigas, sem interrupções que não sejam realmente necessárias, e muita honestidade. – obediente, pois ainda não queria aquela advertência no meu currículo universitário, eu estava pronta para começar lá do começo, mas sua mão se ergueu, me parando, e então apontou para o . – Você começa da parte em que decidiu invadir o quarto das garotas. Já ouvi a história do seu desfile nu vezes o suficiente. Até demais, eu diria.
Eu fiquei ofendida. Aquele era um marco e tanto na minha vida, a primeira das vinganças contra tudo que ele me fez passar, direta ou indiretamente. Era uma história a se prestigiar, uma história a ser contada nos grupinhos espalhados por todo o campus e era uma história a ser repetida sempre que necessário. Mas me obriguei a ficar quieta no meu canto e deixar o falar, mesmo que ferisse o meu grande e precioso ego.
Ele começou falando do seu plano inicial de simplesmente me ignorar e de como eu tornei aquilo impossível para ele (felizmente, deixou os detalhes das brigas de fora), e assim as histórias foram sendo contadas. Cada um falando um pedacinho, adicionando informações a narrativa do outro, até que chegamos a fatídica tentativa de sabotar o nosso projeto. Os rapazes tentaram se defender da melhor maneira possível, argumentando que só ajudaram por puro impulso, sem perceber que justificativa nenhuma melhoraria a imagem deles naquele momento. Nem a minha, por sinal.
— Deus, eu sabia que tinha algo estranho acontecendo, eu sabia! Mas não tinha ideia do tamanho da bagunça que vocês dois causaram e ainda levaram seus amigos. – Alice disse, brigando principalmente comigo e com o .
— Eu realmente não sabia que as nossas casas inteiras iriam se envolver no problema. Se soubesse, eu não teria... – quem eu queria enganar? Eu teria começado aquilo de qualquer maneira e a coordenadora não era boba para acreditar no contrário. – Bom, eu teria tomado mais cuidado.
— Eu fui o primeiro a chamar um amigo para me ajudar, tenho que assumir a culpa por isso. Talvez, se eu não tivesse o Joe como alguém a pedir ajuda, eu teria inventado alguma outra pegadinha que não resultaria na Mina se juntando a . – falou e eu revirei os olhos.
— Ah, por favor! – resmunguei.
Será que ele podia parar de bancar o bom samaritano por um dia? Bem... Ele havia feito isso na ida a cachoeira duas semanas atrás e também não me agradou. Tá aí mais uma coisa para comprovar o quanto é difícil para mim suportá-lo: ele tenta ser bonzinho, eu me irrito. Ele é um imbecil, eu quero mata-lo.
— Se estamos sendo sinceros, eu vou admitir que eu teria entrado nessa indiferente de ter sido assustada ou não. A pegadinha dos garotos só me fez sentir mais motivada ainda, mas eu achei essa rixa deles interessante e divertida desde o primeiro dia. – Mina explicou e eu sorri para ela, orgulhosa.
— Eu não ligo para o que teria acontecido, eu ligo para o que aconteceu e os trouxe até aqui. – Alice continuou. – Não é a primeira vez que fraternidades ou irmandades brigam nessa instituição, mas é a primeira em que uma sabota o projeto da outra. Isso é inaceitável!
Eu duvidava. A UCLA tinha 136 anos, me parecia impossível não ter rolado algumas sabotagens aqui e ali. Para mim, era maior a probabilidade desses acontecimentos não terem chegado ao conhecimento dela e dos coordenadores do passado.
— Ei, nós somos a primeira fraternidade a fazer algo! Não é legal? – Joe disse para o . Ambos pareciam concordar, mas ele escondeu melhor o seu entusiasmo por causa da presença superior ao nosso lado.
— Vocês não vão ficar tão contentes com isso quando organizarem a feira de adoção, mas não é sobre isso que eu quero falar. – ela fez uma pausa e nós esperamos em silêncio. – Eu estou proibindo qualquer um de vocês de dar continuidade a essas pegadinhas infantis e sem graça! Se qualquer coisa chegar a mim, vocês todos levam advertências imediatamente, com perigo até de expulsão, sem discussão nem nada!
Alguns segundos e nenhuma reação de choque, surpresa ou insatisfação depois, ela pareceu decepcionada por não ter causado o efeito que gostaria. Eu me senti até um pouco mal, então me apressei para explicar.
— Não se preocupe, nós não estamos mais fazendo isso. Nós estamos não fazendo isso, para ser mais exata.
— Ah, é?
— Sim, a Nikki nos proibiu, não é, Mina?
— É, sim. Com ameaça de expulsão da Kappa Kappa Gamma e tudo. Você pode ficar orgulhosa dela. – Mina respondeu.
— É sério? – questionou, me olhando. Eu assenti. – E eu aqui pensando que você tinha decidido deixar tudo de lado por causa da conversa que tivemos... – murmurou, parecendo um pouco chateado.
— Ei, aquela conversa não foi nada além da sua obrigação. Você não tinha nada que sair soltando por aí que eu e a namoramos. – Mina o repreendeu, e então, um segundo depois, abriu um sorriso leve. – Mas obrigada!
— Eu não sei o porquê do bico sendo que você mesmo disse que só foi lá porque a te obrigou. – eu disse, dando de ombros.
— Porque eu estava obviamente mentindo. – respondeu, cruzando os braços no peito e recostando na cadeira. – É claro que ela não me obrigou. Na verdade, ela queria sair correndo atrás de você, fui eu quem dei a ideia de te acalmar um pouco antes que ela fosse.
Semicerrei os olhos em sua direção, extremamente desconfiada. Seria possível que ele fizesse seu máximo para ser um bom samaritano mesmo quando estava sendo um imbecil?
— Você está mentindo. – afirmei. – Qualquer pessoa poderia ter me acalmado aquele dia, o , a April, até a Mina. Por que você?
— Porque, apesar de tudo que aconteceu, eu ainda sou mundialmente conhecido como o especialista em . Eles ainda confiam em mim.
Todos ficaram em silêncio depois disso, aguardando pela minha resposta. Mal sabiam eles de que eu não sabia o que responder. Era doce? Era sim, mas eu sabia que aquele garoto na minha frente tinha extremos, então me recusava a ficar admirada demais com aquilo.
— Bom, eu te agradeci no dia, não agradeci?
Ele deu de ombros, ainda trabalhando em seu drama. Felizmente, a coordenadora perdeu seu interesse na gente rapidamente e voltou a si.
— Certo, certo. – disse, pigarreando logo depois. – E vocês, garotos, por que pararam?
— Nós já nos sentimos mal o suficiente com o que fizemos com o projeto, sabe? E também notamos que elas estavam deixando aquilo de lado, o que nos fez fazer o mesmo. – Joe respondeu.
— Não podemos dizer o mesmo do Ryan, ele tá puto. – disse e ganhou um olhar bravo pelo xingamento. – Ele tá zangado, enfurecido, furioso, irado... Meus sinônimos acabaram.
— Engraçadinho. Do Ryan, cuido eu. Parece que eu fiz vocês ficarem por nada, então...
— Tudo bem, Alice, nós adoramos a sua presença! – Joe falou com um grande sorriso. Isso nos fez sorrir também. Ele podia ser um pouco estúpido e sem noção de vez em quando, mas, no final, acabava sendo um amorzinho.
— Que bom, querido. Mas agora vocês já podem ir, e eu espero não ver essas carinhas aqui nunca mais.
Com um grande e aliviado suspiro, eu me levantei e segui em direção a saída o mais rápido possível. Cada segundo lá dentro, poderia ser um segundo em que ela lembra de mais alguma coisa que poderia nos dar uma advertência.
— Nossa conversa realmente não influenciou nada na sua decisão? – insistiu já no meio do corredor e eu grunhi, sem saco para aquilo. Optei por dar uma resposta que talvez o fizesse ficar quieto.
— Um pouco, . Influenciou um pouco, sim. – ele sorriu. – Mas não fique muito alegre. O motivo prioritário foi a minha vontade de continuar sendo uma Kappa.
Antes de pisarmos o pé para fora do prédio em que estávamos, nós ouvimos a gritaria. Curiosa como eu era, apressei os meus passos até que eu estava praticamente correndo para ver o que acontecia do lado de fora. Cheguei a tempo de ver a chocante cena da Nikki se jogando para cima do Ryan, mas sendo segurada a tempo pela e pela Lauren. Ela tinha sangue nos olhos e as mãos em garras. Com aquelas unhas, o rosto do garoto podia ficar seriamente ferido.
Ele deu alguns passos para trás, assustado. Eu também estaria. Você tinha que fazer um baita trabalho para desestabilizar a Nikki daquele jeito e Ryan parecia estar desenvolvendo bem aquela habilidade.
— Tá com medo agora? Vem aqui, Ryan! Vem aqui e fala na minha cara o que você vai fazer!
— Você não é surda. Já entendeu muito bem ou não estaria agindo feito louca. – ele respondeu.
Eu me sentia um pouco perdida. Qual era o contexto?
— Você sabe que isso é praticamente suicídio, não sabe? Que estão fadados ao fracasso? – Lauren questionou, fazendo alguns rapazes rirem.
— Vocês têm confiança demais. Já passou da hora de alguém as colocar em seu lugar. – o menino jovem de mais cedo falou.
— Você realmente acha que vão permitir que façam isso? Nós estamos na frente da coordenação e podemos resolver isso agora mesmo!
Nikki já estava solta, agora andando de um lado para o outro e bufando de raiva. Nós quatro observávamos ao lado, tentando pegar alguma frase que colocasse as coisas em seus lugares. Ninguém havia saído em paz da sala de reuniões, mas os nervos também não estavam tão exaltados quanto pareciam ali.
— Não existe regra nenhuma que nos proíba, . Sinta-se livre para procurar. – Ryan afirmou com aquele sorriso confiante que me irritava.
Ninguém precisou sair do lugar. A gritaria anterior não havia chamado apenas a nossa atenção, mas dos funcionários dali também. Tragicamente, quando eu olhei para trás, até a Alice vinha em passos apressados em cima de seu salto. Assim que a viu, Nikki marchou até ela, como uma criança que corre para a mãe para dedurar o irmão.
— Alice, coloca alguma coisa na cabeça desses garotos porque cérebro não tem!
— O que diabos tá acontecendo aqui? – ela perguntou, olhando ao seu redor.
— Nós só estávamos avisando as garotas que decidimos mudar a data da nossa semana de inclusão, Alice. – Ryan explicou e as coisas finalmente fizeram sentido. Eu quis rir.
— Deixa eu adivinhar: para a mesma semana que a delas?
Os garotos assentiram.
— Isso é estupidez. A Kappa Kappa Gamma tem uma das melhores semanas de inclusão desse campus. – um dos funcionários no local comentou, causando a cara feia de alguns rapazes.
— Nós estamos dispostos a mudar isso. – Ryan respondeu com um sorriso falso.
— Organizando uma feira de adoção ao mesmo tempo? Eu acho improvável. – falei, ganhando os mesmos olhares bravos que o funcionário e alguns extras.
— Não nos importa que vocês não acreditem. Vão ver quando chegar a hora. – um deles disse.
— Eles podem fazer isso, Alice? Essa data é nossa há nove anos! – perguntou, dando alguns passos à frente. A coordenadora suspirou.
— Não temos nenhuma regra que proíba duas casas de fazerem a semana da inclusão ao mesmo tempo, . As outras deixam essa data só para vocês por livre e espontânea vontade. Não há nada que eu possa fazer.
— Merda! Quando vocês se tornaram tão... tão... mesquinhos?
Eles não gostaram de ser chamados se mesquinhos, pois começaram a rebater de volta, dando início a mais uma troca de ofensas sem mim. Eu fiquei olhando admirada a cena, me sentindo em um filme teen.
— É, parece que eu conversei com o grupo errado. – Alice afirmou ao nosso lado e nós quatro concordamos. – SILÊNCIO! – ela gritou no segundo seguinte, me fazendo quase pular nos braços da Mina. Dessa vez, todos calaram a boca na mesma hora. – Eu tenho uma proposta a fazer e vocês tem três opções: aceitar, não aceitar e cada casa manter sua data da semana da inclusão ou não aceitar e cada casa ser proibida de sequer organizar uma semana da inclusão este ano.
— O que? Não! Esse é o meu ano, nós precisamos de uma semana da inclusão! – exclamou, na sua expressão o terror da possibilidade de ter que jogar todos os seus planos no lixo.
— Então reze para que a Nichole e o Ryan cheguem a um acordo, pois eles são os únicos responsáveis por essa decisão.
— Que decisão, Alice? – Nikki questionou, preocupada.
A coordenadora começou a andar em passos lentos pela grama, como se tivesse algo muito bom em mente. E eu estava muito curiosa.
— Eu estou na função de coordenadora das irmandades e fraternidades da UCLA há sete anos e tenho feito um bom trabalho até agora, logo, não posso permitir que isso continue. Essa brincadeira já cresceu demais e eu vou pará-la antes que atinja outras casas, tirando a paz do meu campus. Meninos e meninas, eu tenho uma proposta: como de costume, vocês vão arrecadar dinheiro para suas filantropias, mas, dessa vez, o valor arrecadado vai ter um significado ainda maior. No final dos cinco dias, o valor maior ganha.
Insira aqui grilos cantando, sinalizando a confusão de todos.
— Ganha o que? – alguém ao fundo perguntou.
— O título, a guerra de egos, o gostinho de dizer que venceu a outra casa... Eu não sei aonde vocês querem chegar com isso, sei apenas que nós precisamos dar um fim ao que quer que seja. Bem... Se quiserem tornar tudo mais interessante ainda, o vencedor pode levar o dinheiro do perdedor.
Agora sim estávamos falando a mesma língua. Fiz até questão de me juntar completamente ao meu time, aquele que obviamente seria vencedor. Você só precisava ver o olhar determinado de cada uma dessas garotas.
— Interessante. – Ryan comentou. Nikki não parecia compartilhar do seu pensamento. Ela havia passado as últimas semanas justamente tentando evitar uma situação como aquela.
— Vão, vocês dois. Conversem. Cheguem a uma conclusão conjunta. – Alice disse, os empurrando para um canto afastado.
O burburinho começou novamente assim que eles saíram, dessa vez mais baixo e privado.
— Vocês acham que ela vai aceitar?
— Ela tem que aceitar, seria tão divertido!
— Eu não acho que vai rolar. Os garotos com certeza vão desistir.
— Você acha? Eu não acredito que eles vão dar para trás. São muito orgulhosos para isso.
Aceita, aceita, aceita.
— Isso é uma péssima ideia.
— Você está amando isso, não está, ?
— Eu tô no meu paraíso particular. – respondi com um sorriso.
Pouco tempo depois, Nikki e Ryan pareciam estar em uma discussão acalorada. Infelizmente, não podíamos ouvir por causa da distância e por estarem tomando o cuidado de não causar mais gritaria. A próxima cena pareceu acontecer em câmera lenta. Ryan disse algo com uma cara de deboche e a mão da Nikki subiu. Eu realmente não pensava que ela teria coragem. Fiquei esperando que ela parasse a poucos centímetros do rosto assustado dele, mas não foi o que aconteceu. Nós não entendemos a discussão, mas ouvimos com clareza o som do choque da sua mão contra a bochecha direita dele.
Para mim, o significado daquilo era claro: estávamos indo para a guerra.


Capítulo 14

“Por que tá com tanto medo? Coloquem shorts curtos, blusas brancas, esqueçam o sutiã em casa e façam a tradicional lavagem de carros. Aposto que são boas nisso, e qualquer cara vai pagar muito bem para ver.”
Depois disso, a mão da Nikki encontrou o rosto do Ryan, o obrigando a calar a boca. Pelo menos, foi isso que ela nos contou mais tarde, no jantar, quando os nervos estavam mais baixos. Ou algo próximo disso. Não preciso nem dizer que isso deixou todas mais furiosas ainda. As Kappas e várias outras irmandades vinham fazendo essa lavagem de carros há anos e, por mais que tenha se iniciado como uma maneira sexy de arrancar dinheiro de caras por aí, hoje era uma atividade séria, uma tradição a ser respeitada. Bem... Era o que me havia sido passado, mas nunca tinha realmente visto a coisa toda acontecer.
Apesar de tudo, todas nós fizemos um ótimo trabalho transformando toda aquela raiva em motivação para deixar a semana de inclusão da Lambda Chi Alpha lá no chão, o seu lugar. As duas semanas seguintes foram repletas de reuniões quase diárias para que organizássemos cada pequeno detalhe das atrações que fariam todos e qualquer um querer fazer parte daquela irmandade.
— E então, , como vão os preparativos para a semana da inclusão? Ah, é! E para a feira de adoção? Mal? Terrível? Indo por água abaixo? – eu provoquei no refeitório em uma das manhãs da segunda semana de preparativos, enquanto tomávamos nosso café da manhã antes da aula.
Ele revirou os olhos.
, nós não tínhamos concordado que as provocações estavam banidas das nossas conversas? – perguntou, me ignorando por completo.
— Sim, nós concordamos. , vamos manter o nosso grupo como um ambiente sagrado, tudo bem? – assenti a contragosto. Ela voltou a se virar para o . – Mas ela tem razão. O quão mal estão indo os projetos de vocês?
e eu rimos dele, que se levantou rapidamente e seguiu para a aula. O seu estresse sobre o assunto já me dava uma ideia muito boa de como as coisas estavam indo.
Eu tinha que dizer que não era nem um pouco fácil organizar um evento daquele tamanho. Se estávamos dando duro apenas com um, eles provavelmente estavam no inferno.
Veja bem, por ser um evento de cinco dias, dezenas de coisas tinham que ser preparadas para preencher esse espaço de tempo. O público era do mais diversificado, de adolescentes ainda no ensino médio a alunos já na faculdade e até pessoas simplesmente visitando o lugar. Apesar da maioria das casas ter um gênero específico, a semana da inclusão não tem restrição alguma quanto a isso. Todos e todas são bem-vindas, desde que respeitem a importância daquele acontecimento.
Na Kappa Kappa Gamma, aquele era o único assunto discutido. Atividades, vendas, jogos, exposições, um cardápio inteiro de coisas para escolherem, sem esquecer que no final havia a cereja do bolo: a festa em uma das baladas próximas do campus já conveniada com todas as instituições gregas, carinhosamente conhecida como Hell.
Com guerra ou sem guerra, aquela semana já seria épica. Quem imaginou que poderíamos contar com algo infinitamente melhor?

’ POV

Fechei a porta da entrada com todo o cuidado para não fazer nenhum ruído, tirei os sapatos para que só minhas meias tocassem o chão, mas foi inútil.
, vem cá! – Ryan gritou quando eu estava prestes a começar a subir as escadas. Desanimado, dei meia volta e fui até a cozinha, onde ele estava sentado no balcão com um caderno e milhares de rabiscos.
— Que foi, Ryan?
— Elas perguntaram? – ele questionou, sem tirar os olhos da folha de papel.
— Sim, Ryan, elas finalmente perguntaram.
Agora animado, ele se levantou em expectativa. Estava esperando aquele momento há dias, para o meu azar. No final das contas, eu tinha apenas que ficar quieto e aturar, pois ainda não estávamos lá muito bem desde que ele descobriu sobre a minha tentativa de alertar a .
— E aí? Conseguiu convencê-las?
— Acredito que sim. Elas pensam que as coisas vão de mal a pior.
Mal sabiam elas que a preparação para a feira já estava completamente pronta, assim como faltava muito pouco para o planejamento da semana da iniciação. Isso era resultado da obsessão de Ryan com a Kappa Kappa Gamma. Ele só falava sobre vencê-las, custe o que custar, e eventualmente seu discurso foi conquistando os outros rapazes.
Eu não poderia ligar menos para aquilo. Seguia ordens e ajudava por nada além de fidelidade àquela casa. e eu estávamos numa posição quase que confortável atualmente, com poucas e fracas brigas, então não me daria o luxo de ficar obcecado com aquilo e estragar tudo mais uma vez. Não podia pensar naquilo como a minha batalha, apesar de ter uma participação importante no nascer daquele conflito.
— Ótimo! O furacão Lambda Chi Alpha vai chegar rápido e destrutivo! Elas nem vão saber o que as atingiu. – Ryan disse com um sorriso macabro no rosto.
— Você realmente não devia falar coisas estranhas assim. – aconselhei, porém tudo que recebi foi a expressão animada de quem não tinha ouvido uma palavra do que eu disse e dois tapinhas no ombro antes dele voltar para o seu planejamento.
Subi para o meu quarto, esperando descansar um pouco antes de ir para o ginásio. Nosso treinador anunciaria quem iria para a competição estadual na próxima semana. Enquanto isso, suas exigências aumentavam consideravelmente a cada novo treino e eu me recusava a ficar para trás.
O problema é que o pessoal daquela casa não parecia entender tão bem a importância daquilo. Ou apenas Ryan. Eu não tinha os olhos fechados por mais que cinco minutos quando ouvi batidas fortes contra a minha porta.
, abre aqui! – a voz dele veio logo depois.
Gemi, desejando que aquilo fosse um pesadelo, mas quando a porta foi aberta, lá estava ele, parecendo mais louco e obcecado ainda que minutos atrás.
— Que foi? Já não fiz a minha parte?
Ele me empurrou, entrando no quarto sem pedir permissão.
— Eu preciso da sua ajuda, você não tem ideia do que aconteceu! – no entanto, eu sabia que ele não iria se importar de me explicar, então me sentei. – Se lembra de tudo que tínhamos planejado para a grande festa, certo? – assenti. – Bom, eu estava ligando agora para a Hell para acertar a data e horário com eles e, adivinha só, as garotas já fecharam para aquele dia!
— Não pode tentar outra balada?
— É claro que não, cara! A universidade é parceira dela, o preço é bacana. Nós não temos verba para bancar outro lugar.
Balancei a cabeça, compreensivo. Dinheiro era sempre um problema quando se tratava de vida universitária.
— E o que você espera que eu faça, Ryan? Quer que eu peça para eles cancelarem com elas e fecharem com a gente? Eu não tenho esse poder todo.
— Não, eu quero que você as convença a abrir mão desse dia. As Kappas têm dinheiro, elas podem ir para um outro lugar. E quem melhor para conversar com a Nikki do que você, ahn?
— Nesse momento, milhares de pessoas são melhores do que eu. – respondi. – Se esqueceu que a Nikki não quer me ver nem pintado?
— Não, , eu não me esqueci. Sabe por que? Porque nesse mesmo dia descobri que você foi contra a sua fraternidade. – ele disse e eu pude ver uma expressão familiar, aquela que me dizia que ele usaria aquilo contra mim novamente. – Você pode, por favor, tentar convencer as suas amigas?
Bufei e, sem dizer nada, saí do quarto, pegando minha camiseta no caminho. Eu estava inspirado para saídas dramáticas naquele dia. Sabia que não ia conseguir nada indo na casa das garotas, mas era isso ou aguentar Ryan me enchendo o saco sobre o assunto pela próxima hora que eu tinha até o início do treino. Ultimamente, qualquer coisa era mais suportável que a presença dele.
Andei alguns metros até a casa das Kappas, mesmo sabendo que poderia simplesmente dar uma volta por um parque e voltar para casa com um “não”. O parque não permitiria que eu tentasse conversar com a Nikki a fim de chegar um pouquinho mais perto da possibilidade de um perdão. O parque também não permitiria que eu visse a , nem que por poucos segundos. Só o suficiente para saber que ela estava lá e já não queria tanto assim tacar um sapato na minha cabeça apenas com a visão do meu rosto. Não o tempo todo, pelo menos.
Foi Ashley quem me atendeu quando toquei a campainha. O sorriso caloroso rapidamente se transformou em uma cara fechada quando ela reconheceu quem estava a sua frente.
— Oi, Ashley. – disse, tentando colocar toda a simpatia que eu possuía no meu tom de voz. – A Nikki tá por aí?
— Ela não quer te ver.
— Isso é muito importante, Ashley, por favor.
Não era tanto assim, mas eu já havia andado até ali, então...
— Deixa eu explicar direitinho para você. Ninguém nessa casa quer te ver, , especialmente a Nikki. – ela respondeu, colocando um sorriso maldoso nos lábios.
Se ela queria ser séria, sérios seríamos. Se é que isso faz sentido.
— O que eu tenho para falar com ela é sobre a semana da inclusão. Chama a Nikki ou eu vou ser obrigado a ter uma conversinha com a coordenadora. Nós não queremos isso, queremos?
Ela não respondeu imediatamente, ficou apenas me encarando com cara de desprezo até suspirar, rendida. Contive ao máximo meu sorriso de vitória.
— Tá legal, a Nikki não está em casa.
Ou não.
— O q...? Por que não falou logo? – questionei, indignado, e ganhei apenas um dar de ombros. Ela ia fechar a porta na minha cara, mas eu me apressei para impedi-la. – Chame a então.
— Ela não quer te ver. – repetiu roboticamente.
— Então talvez você devesse avisá-la porque nós tomamos café da manhã juntos hoje! – exclamei, já sem paciência.
Para a minha surpresa, Ashley riu.
— Eu odeio admitir, mas posso ver por que a gosta tanto de encher o seu saco.
Não pude reagir, pois a porta foi rapidamente fechada na minha cara. Fiquei encarando o pedaço de maneira pintado em um tom parecido com o azul marinho por um tempo, tentando decifrar se ela havia ido chamar a ou se simplesmente se cansou de me encher o saco.
Eu não era muito bom na arte de compreender garotas no geral, mas as Kappas pareciam ter um toque especial de confusão no DNA.
Ainda estava tentando interpretar a portada na cara quando o rosto nervoso de apareceu.
— O que está fazendo aqui, ? Não sabe que estamos no meio de uma guerra? Tudo bem nos vermos na faculdade, mas você não deve vir até a nossa casa, nunca! Quer ser morto, é?
— Foi o Ryan que mandou. É estúpido, não sei nem por que vou me dar o trabalho de perguntar...
— Ele finalmente caiu em si e decidiu desistir? – chutou, com um sorriso convencido.
— Você gostaria disso, não é? Mas não é por aí. – fiz uma pausa e ela esperou. – Onde estão a Nikki e a ?
— O Ryan te mandou aqui para perguntar isso? – questionou, confusa.
— Não, só uma curiosidade pessoal.
— Bom, a Nikki tá ensaiando e a tá lá em cima.
Meus olhos imediatamente subiram para as janelas do segundo andar e, para a minha surpresa, um voar de cabelos me disse que estávamos sendo observados. A minha risada denunciou que ela havia sido pega, então logo sua cabeça voltou a subir. Ela agarrou as grades e colocou o máximo de seu rosto que conseguiu para fora.
— VAI EMBORA, ! A LAMBDA VAI CAIR!
Eu ri mais ainda quando ela fechou as cortinas abruptamente depois disso, achando a cena estranhamente doce.
— Meu Deus, é doloroso assistir. – murmurou. Quando eu voltei meu olhar para baixo, ela fazia uma careta.
— Não se preocupe, nossas brigas já foram mais sérias.
— Tô falando do seu sorriso de idiota apaixonado, . – explicou, me dando um leve empurrão. Abri a boca, fingindo choque com as palavras dela. – A tá toda animada com a semana que vem, viu? Não vai achando que tá tudo certo entre vocês. Agora ela tem uma fraternidade inteira para descontar a raiva dela, só por isso você não tá recebendo todos os tiros.
— Eu não... Isso nunca... Droga, !
Uma parte muito grande e convincente de mim adorava se iludir com a ideia de que aos poucos a raiva que sentia por mim estava se dissipando. Era quase improvável, mas eu passava um bom tempo me lembrando que esse quase estava ali. Não gostava nada de ter a verdade arremessada na minha cara.
— Não vamos esquecer que você ainda tá todo enrolado com a Nikki... Como você se enfia nessas?
— É um dom. – respondi, forçando um sorriso. – Escuta, eu nem vim aqui para isso. O Ryan me mandou perguntar se vocês estariam dispostas a fazer a festa do último dia em outro clube.
No exato momento em que eu terminei de pronunciar as palavras, se curvou numa gargalhada genuinamente verdadeira, balançando a cabeça em descrença. Eu esperei, nem um pouco surpreso com aquela reação. Seria aquilo ou ela correndo atrás de mim com um chinelo por sequer considerar a ideia. Acreditei ter tido sorte.
— Eu não acredito que o Ryan te fez perder seu tempo vindo aqui. – ela disse algum tempo depois, ainda soltando umas risadinhas aqui e ali.
— Não é mais do que justo, ! – nós ouvimos a voz do Ryan dizer. Olhamos para o lado e lá vinha ele, marchando. Eu e ela demos um passo para trás, assustados com a sua presença repentina. – Vocês têm muito mais cachê disponível que a gente, podem ir para outro lugar!
— É claro, porque trabalhamos o ano inteiro para isso! E de onde você saiu, moleque?
— Você me seguiu?! – eu perguntei quando ele apenas deu de ombros para a pergunta da . – Qual é o seu problema, cara?
O Ryan competidor estava realmente começando a me assustar. Ele nunca foi a pessoa mais amigável da casa, mas isso era bom pois o tornava muito eficiente na hora de controlar um bando de universitários bêbados. Agora, eu estava conhecendo um lado mais extremo e não estava feliz com a novidade.
— Escuta aqui, : eu não quero ter que levar isso para a coordenadora também. Nós temos direitos! – exclamou, me ignorando por completo.
— Vocês perderam todos eles quando acharam ser uma boa ideia fazer a semana da inclusão na nossa data!
Dei um passo para trás, não querendo acreditar que estávamos prestes a entrar em outra briga. Se me perguntassem, eu diria que já estavam ficando chatas, repetitivas e ultrapassadas. claramente não pensava como eu, pois apareceu tão repentinamente quanto Ryan, batendo a porta em seu caminho.
— Ei, ei, ei! Tira o dedo da cara da minha amiga! – chegou já dizendo e deu um tapa na mão levantada daquele que eu costumava respeitar.
Ele tinha um ódio especial pela , o que não fez maravilhas para controlar a situação nascendo ali.
— Vê se não se mete, eu tô falando com a . Não acha que já fez estragos demais por um semestre?
— O seu rosto ainda tá intacto, eu diria que não.
— O que tá fazendo aqui embaixo, ? – perguntou, a puxando para longe de Ryan.
— Eu vi essezinho aí espionando vocês, fiquei esperando para ver se ele ia se revelar e olha só! Não posso deixar ele falar com você assim. – ela justificou, de braços cruzados, encarando Ryan com toda a fúria de seu olhar.
— Isso é fofo... – murmurou, abrindo um sorriso abobado. Até se dar conta do que tinha ali. – Mas não podemos entrar em mais uma briga! A Alice criou a competição justamente para isso. Entra para dentro que com o Ryan eu me resolvo.
bufou, nem um pouco feliz com aquela decisão. No entanto, ela foi se afastando, sem pressa alguma. Quando a porta da frente se fechou com ela do lado de dentro, eu podia até imaginá-la correndo escadas acima para voltar a assistir tudo da janela.
— Então... Vão abrir mão da Hell? – Ryan perguntou inocentemente quando voltou para perto.
Ela forçou uma risada e revirou os olhos.
— Não seja idiota. Nós vamos resolver isso com a Alice.
— Porra, ! O ponto de eu estar aqui é não ter que ir atrás da mulher! Eu vou esperar a Nikki para conversarmos. Ela com certeza é mais razoável que você.
— Não! – ela o cortou rapidamente. – A Nikki já está sobrecarregada o suficiente. Tente levar isso até ela que eu solto a para cima de você.
Não pude conter a risada quando, na mesma hora, uma imagem dela furiosa pulando com os punhos fechados (porque ela não era uma garota que usava as unhas) em cima de Ryan brotou na minha mente.
— Tá rindo do que, ? Vamos lá!
— Ah, eu acho que vou voltar para casa. Eu tenho treino em menos de uma hora, sabe?
— Você vem, ! – afirmou.
— Mas...

Cerca de trinta minutos depois, eu estava saindo do escritório da coordenadora com Ryan e tagarelando em meus ouvidos, um em cada lado. Meus olhos doíam tamanha a quantidade de vezes que haviam sido revirados nos últimos minutos. Eu fazia treinamentos pesados na academia e na piscina, mas me sentia muito mais cansado naquele momento do que no final de todos eles. Na verdade, agora eu esperava ansiosamente pela hora em que os faria de novo, assim poderia descansar a minha mente.
— Estamos entendidos? – Alice finalizou, já do lado de fora.
Eles trocaram um olhar que dizia um alto e claro “não”.
— Eu não acho que seja...
— Estamos entendidos?! – Alice voltou a perguntar, deixando claro que só havia uma resposta para aquela pergunta.
— Sim.
— Sim. – responderam em uníssono.
— Perfeito. Vejo vocês logo. – falou antes de se trancar dentro de seu escritório novamente.
— Tá satisfeito? Vamos ter que dividir. – disse, balançando a cabeça, desacreditada.
— Como se a culpa fosse minha... Quem quis vir aqui foi você.
— Só porque vocês fazem uma besteira atrás da outra e depois não sabem lidar com os resultados.
— Isso é ridículo! Se você quer saber, nós estamos lidando muito... Não te interessa!
— Vocês podem calar a boca, por favor? – implorei, massageando minhas têmporas. Eu precisava daquilo. – E daí que vamos ter que dividir? Nós já não íamos dividir também o espaço para a semana? Então pronto, dá na mesma. Vamos nos ver até não aguentarmos mais, olha que ótimo!
Felizmente, eu fui obedecido dessa vez. Só dessa vez. Alguns dias depois, nem um ex-cachorro de rua queria me respeitar.
— Fica quieto aí! – ordenei para o cachorro grande demais que insistia em pular para fora de seu espaço.
Já era a quarta vez que eu o colocava de volta para dentro. Vezes o suficiente para eu sugerir que simplesmente o deixássemos do lado de fora, mas “as crianças têm medo”, dizia o Ryan. Que as crianças ficassem de guarda então, oras! Eu tinha mais o que fazer.
Tipo olhar de boca aberta um bando de Kappas que entraram marchando no galpão antes usados por elas. Para as pessoas olhando e adotando os animais, a cena não era nada além de algo estranho, mas nós congelamos. Elas eram tantas que por um momento eu pensei que a casa inteira estava ali e se a casa inteira havia tirado uma manhã de sábado para aquilo, provavelmente algo ruim vinha ao nosso caminho.
Nenhum de nós saímos de nossas posições para recebe-las, mas isso não foi um problema. Pouco a pouco, elas foram se separando para observar detalhe por detalhe de tudo que tínhamos montado. A única em todo o grupo que não conseguia manter a expressão séria veio caminhando com pulinhos quase imperceptíveis em minha direção e um sorriso grande no rosto. Não tive a capacidade de não achar aquela cena adorável também.
Ela tirou os óculos escuros quando chegou a minha frente.
— Então, o que temos aqui? – perguntou, se abaixando um pouco para olhar de perto o cachorro rebelde que estava dificultando a minha vida.
Imediatamente ele começou a balançar o rabo, parecendo feliz com a presença dela. Traidor! Eu dei banho naquele animal.
— Um cachorro ansioso demais para ir para a casa de alguém que não quer ficar dentro do seu compartimento.
Ela pareceu não ter ouvido uma palavra sequer do que eu disse, pois já estava abaixada brincando animada com aquele que eu havia acabado de nomear Judas.
Não pude deixar de notar que, junto com uma blusa de alcinha, ela vestia um short curto e um coturno preto com um pequeno salto. De onde eu encarava, ele fazia com que as pernas dela parecessem ainda mais atraentes, mas quem se importava?
Também não pude deixar de perceber que, de todos os lugares daquele pequeno edifício, veio diretamente para mim. Me corrija se eu estiver errado: isso mostra algo, não mostra? Ela clamava por aí que me odiava e queria me matar e todos aqueles discursos que todos já se cansaram de ouvir, mas estava ali, na minha frente, sem nenhum motivo aparente. Eu com certeza sabia por que eu buscava ao máximo estar perto dela, qual era a sua desculpa?
— Ah, meu Deus, você é tão fofo! – ela disse, apertando com entusiasmo a cabeça do pobre cachorro que parecia adorar cada momento.
— Obrigada. Você também não é nada mal. – brinquei.
Era uma piada idiota, porém funcionou muito bem ao fazê-la desviar seus olhos do Judas e coloca-los em minha direção. Ela coçou a parte de trás da orelha dele mais uma vez antes de se levantar, sorrindo. Um sorriso sarcástico, mas, ainda assim, um sorriso.
— Para quem está prestes a ser massacrado, você está com gracinhas demais, .
— Pare de me chamar assim o tempo todo, é estranho.
— Estamos no meio de uma competição, . Eu vou te chamar assim até que ela acabe e a nossa vitória seja declarada, . – ela insistiu. Seus lábios se esticavam mais conforme ela via minha irritação crescer.
— Sempre muito madura, . – ela deu de ombros. – O que aconteceu com a nossa trégua?
— Ah, ela tá por aí. Nós estamos conversando agora, não estamos? Depois de você me trair, mentir, aprontar para o meu lado, sabotar o nosso projeto... Pensando por esse lado, acho que eu sou bem legal, né?
Eu abri a boca animado para dizer algo muito bom, algo que faria as palavras anteriores dela soarem fracas e estúpidas, algo que ela odiaria ouvir... Nada saiu. Ela realmente soava compreensível quando essas coisas eram citadas uma depois da outra. Tudo que consegui dizer depois de tempo demais com a boca aberta foi:
— Eu não te traí, você tinha terminado comigo!
— Tá bom. Senta lá, Ross.
Me dê três divórcios e nós realmente seríamos tão repetitivos quanto ele e a Rachel.
— O que vocês estão fazendo aqui, em? Vieram marcar território ou algo do tipo?
— Só observar o trabalho que vocês fizeram. – ela respondeu, olhando ao redor. – Nós recolhemos mais animais...
— Vocês tiveram o dobro do tempo. – afirmei e ela voltou seus olhos para mim, se aproximando o suficiente para colocar as mãos nos meus ombros.
— Quer saber de uma coisa, ? Eu estou me divertindo! – disse, verdadeiramente feliz com toda aquela bagunça. Nenhuma informação que me surpreendesse ali.
O que me surpreendeu foi o sorriso que tive que conter ao perceber que também estava feliz, feliz pela felicidade dela. Eu sempre desejei o melhor para aquela garota, mas era possível que eu havia chegado a um nível de imbecilidade tão grande ao ponto de sacrificar o meu conforto? Porque aquela “guerra”, como todos insistiam em chamar apesar de eu achar o termo ridículo ligado àquela situação, não me deixava exatamente nas nuvens.
— Eu não poderia esperar menos de você, .
Seu sorriso ficou ainda mais largo e ela respirou fundo, acabando por se aproximar mais um pouco. Por fora, eu estava parado como uma pedra, com medo de que ela chegasse perto o suficiente para ouvir meu coração explodir de tão rápidas que estavam suas batidas. Eu lutei, lutei bravamente por dois longos segundos para não olhar para baixo. No entanto, não havia força de vontade naquele mundo que impedisse meus olhos de serem praticamente chamados pelos lábios dela, entreabertos, rosados, convidativos... O convite de entrada para o paraíso. Entrada essa que poderia me levar para lugares incríveis que, uma vez visitados, eram impossíveis de serem esquecidos. E tudo que eu tinha que fazer era avançar alguns centímetros para frente.
Por sorte, eu ainda tinha um pouco de razão de sobra para saber que aquela seria uma ideia terrível. adorava provocar e definitivamente sabia como. Se ela quisesse que um beijo de verdade saísse dali, ela tomaria as medidas necessárias para fazê-lo acontecer. Ele não viria com provocações, viria com atitude. Então eu continuei fazendo meu papel de bloco de gelo até que ela deu dois tapinhas fracos na minha bochecha e disse:
— Nos vemos em batalha, soldado.
Perto o suficiente para que eu sentisse em seu hálito o cheiro suave de melancia, seu sabor de chiclete favorito.
Quando ela saiu, eu quis me chutar por ser tão facilmente rendido. Eu era um fraco! Não merecia a competidora que me havia sido dada.

Respirei fundo lentamente, olhando o grande gramado que se estendia em frente aos meus olhos. Antes coberto de um verde vivo, agora ele era ocupado por dezenas de coisas diferentes, entre elas pequenas barracas e palcos, espaços em que pedaços de lona cobriam o chão, até ambientes cobertos com computadores disponíveis. Exatamente no meio, uma fita vermelha separava o lado decorado especialmente em azul do lado decorado com verde.
Naquele primeiro dia, alunos de diversos colégios da cidade cruzavam aquela linha o tempo todo sem ideia do tamanho de seu significado. Eles corriam para todo lado, animados com os jogos e apresentações. Uma minoria também se interessava pelas palestras dadas, a maior parte delas no lado das Kappas.
No meio de tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo, tive certa dificuldade na hora de encontrar a barraca em que eu trabalharia naquele dia. O treinador Simons havia convocado uma reunião no dia anterior para dar nenhuma informação realmente nova sobre as competições estaduais que começariam em menos de um mês, mas a presença de todos do time era obrigatória. Além disso, tivemos um treino surpresa depois. No fim, acabei não podendo ajudar na parte realmente significativa da montagem de nossa estrutura.
Desviando de adolescentes em êxtase, que provavelmente não tinham muitas chances de visitar a UCLA, ainda mais em horário de aula, eu a encontrei depois de um tempo. Tinha acabado de dispensar o colega que estava tomando conta enquanto eu não chegava quando Joe apareceu correndo, tão animado quanto qualquer um daqueles outros estudantes.
— Elas contrataram um cantor! Show ao vivo, cara! – exclamou, apontando longe para a direita. Ele estava logo na entrada, já chamando atenção de cara, mas não pude vê-lo, só ouvia um acústico que antes pensava estar vindo de alguma playlist qualquer.
— Bom, nós temos uma contorcionista.
Que também se encontrava na entrada. Eu não podia vê-la, mas não pela distância e sim pelo amontoado de pessoas em volta dela. Um cantor era legal, porém era facilmente ouvido a 500 metros de distância. Você precisa assistir uma contorcionista fazer seu show. E sejamos honestos, o que impressiona mais um bando de adolescente do que uma artista de circo? Com certeza não é música.
Lambda 1 x Kappa 0
— Ei, a vez dele já acabou! Sou eu, ele tá roubando!
— Não tô, não!
Puxei Joe para dentro e fui resolver aquela situação, fazendo questão de ficar bem atento às vezes de cada um dali para frente.
Nós havíamos montado um tiro ao alvo especial. Basicamente, era uma espécie de gambiarra com vários deles, de diversos tamanhos diferentes, colocados juntos para formar um grande só. Também montamos uma tabela de pontos especiais que tornava a coisa muito mais divertida. Isto é, para quem estava jogando. Controlar aquilo ali durante a tarde inteira não era o trabalho mais empolgante do mundo, mas era o que eu tinha para aquele dia.
Ainda era o dia número um e já podíamos ver uma diferença clara entre o espaço das garotas e o nosso. Digamos que elas focaram principalmente na informação e entretenimento, enquanto nós tínhamos como carro chefe a diversão. Montamos uma pista de competição no Just Dance! Não fica muito melhor do que isso. Me parecia óbvio que, se tudo dependesse daquele momento, ganharíamos e ganharíamos bem.
No entanto, nem tudo são flores. Os dois primeiros dias da semana da inclusão recebia prioritariamente alunos. As casas já possuíam parcerias com certos colégios e éramos obrigados pela universidade a cobrar um valor muito baixo pela presença deles ali. O que era realmente importante ainda estava por vir e, como as atrações mudavam o tempo todo (apesar de algumas estratégicas que fazem sucesso permanecerem), era difícil saber quem sairia como o vencedor no final.
No fim da tarde, quando o número de alunos havia diminuído pela metade, eu já não aguentava mais ouvir tanta gritaria. Isso sem contar nas idiotices que chegavam aos meus ouvidos vez ou outra de alguns adolescentes na fila. Joe estava distribuindo os dardos para novos competidores enquanto eu tomava um pouco de água. Ou pelo menos tentava pois fui bruscamente puxado pelo braço para fora da minha barraca por Ryan, bravo e mal educado.
— Tudo bem, Ryan, eu aceito ir com você. – disse irônico, seguindo seus passos rápidos.
Ele só apareceu quando paramos na frente de uma pessoa loira que fazia anotações em uma prancheta. Nikki estava concentrada, então não nos viu imediatamente, mas a movimentação repentina a fez erguer a cabeça para nos encarar. Seu olhar mostrou desprezo quando ela viu que éramos nós ali, duas de suas pessoas menos preferidas no mundo naquele momento.
Provavelmente sem interesse algum no que tínhamos a dizer, ela apenas abraçou a prancheta e esperou. Ryan aproveitou a oportunidade para me empurrar até que eu ficasse de lado entre eles.
, fala para a Nikki que nós ganhamos de lavada o primeiro dia. – ele mandou e eu virei minha cabeça para ele, achando a cena inacreditável.
— O q...
— A única voz que eu definitivamente não quero ouvir mais que a sua, é a do , Ryan. – Nikki disse.
Tirei alguns segundos para ficar profundamente ofendido com a sua fala. Não que eu tivesse esse direito...
, fala para a Nikki que eu não me importo. Eu me recuso a me direcionar diretamente a ela.
Apesar de falar cada palavra a encarando com sede de morte.
— Eu não...
— Nossa! Tem certeza que não perdeu o seu ônibus para ir embora? Porque você tá agindo como um desses adolescentes. – ela fez uma pausa para rir. – Perdão. Como os irmãos mais novos que esses adolescentes deixaram em casa.
, fala para a Nikki que ela pode desviar o assunto o quanto quiser, nada muda o fato do público de hoje ter se interessado mais no nosso lado do que no delas.
Revirei os olhos e optei por nem tentar abrir a boca. Uma decisão sábia, pois Nikki não demorou para rebater a provocação de Ryan.
— É claro que vocês conquistaram mais público hoje, Ryan. Toda a UCLA sabe que a Lambda, como as grandes crianças que são, sabem bem como chamar a atenção daqueles com uma mentalidade parecida. Assim como toda a UCLA sabe que nós conquistamos o nosso público com inteligência e charme, coisas em falta na casa de vocês.
Aquilo doeu em mim e no meu orgulho por fazer parte da Lambda Chi Alpha. Orgulho este que estava um pouco envergonhado para sair para fora nos últimos dias, mas estava ali. Independentemente de qualquer coisa, eu não podia me dar o luxo de entrar em um conflito ainda maior com a Nikki, especialmente quando não tinha consertado a última babaquice que fiz.
Dessa maneira, me conformei em observar o pequeno jogo de ping pong apenas por tempo o suficiente para que eles se concentrassem tanto em brigar entre si que o meu sair de fininho não seria notado.
— Abaixa a bola, Nikki, porque toda a UCLA também sabe que a maior parte da fama das Kappas não vem dos projetos e sim dos conflitos que vocês criam o tempo inteiro!
— O que você chama de conflito, eu chamo de sucesso. Talvez você devesse aprender um pouco mais com a gente, colega.
— Como ser um bando de cobras manipuladoras? Eu acho que não...
— Há pouco mais de um mês, você se aproveitava da fama dessas cobras, não? Ou já esqueceu que, se a sua casa cresceu nesse campus, foi porque nós demos um baita de um empurrão?! Tá cuspindo no prato que comeu, Ryan?
— Escuta aqui...
Um, dois, três, quatro, cinco passos lentos para trás e as vozes deles foram ficando cada vez mais baixas e menos irritantes. Eu não podia ouvir aqueles dois brigando por mais um minuto sequer. Agora sabia como , e se sentiam tendo que aturar as constantes e irritantes provocações entre eu e a . Começava divertido, mas com o tempo se tornava quase que fácil adivinhar a frase que vinha a seguir.
Soltei um suspiro aliviado quando pude me virar de costas para eles e andar como uma pessoa normal de volta para a minha barraca. Na mesma hora, uma outra pessoa me chamou atenção. Ela sorria provocante para mim e piscou com um olho. Se me perguntassem, eu ficaria tentado a dizer que aquilo era algum tipo de flerte. Desviei meu olhar por dois segundos para ter certeza de que era realmente para mim e não alguém próximo e, quando voltei, dava instruções no computador para uma das alunas, como se nunca tivesse saído daquela posição.
Balancei a cabeça, me sentindo louco ou, pelo menos, desnorteado e voltei a me concentrar no meu caminho de volta para o tiro ao alvo. Quando me aproximei o suficiente, tive uma visão hilária de Joe correndo para todos os lados, tentando lidar com todos aqueles adolescentes sozinhos. Ele me deu um abraço aliviado quando eu entrei e o ajudei a pôr ordem no local. Em pouco tempo, estávamos relaxados e entediados novamente.
— Eu acho que o Ryan é apaixonado por mim. – eu disse depois de um tempo de silêncio. Joe me olhou como se eu realmente tivesse perdido minha cabeça naquele momento. – É sério! O cara não me deixa em paz, fica me arrastando para todo lado, me fazendo uns pedidos estranhos... Eu tô começando a achar que ele só fica feliz com a minha presença.
Joe começou a rir, me dando tapinhas nas costas.
— Eu falei para você deixar de ser tão charmoso, . Tá ficando difícil de resistir.
Apesar de notar a ironia no tom dele, eu ergui o queixo e dei de ombros, me achando. era um partido e tanto, eu tinha que concordar.
Em não mais que uma hora, todos os estudantes foram embora para suas casas e colégios e todos nós agradecemos. Um dia chato a menos e um dia a menos faltando para a coisa ficar realmente interessante. Eu não aprovava aquele comportamento, mas a semana da inclusão era sempre divertida.
Já estava escuro quando todos nos reunimos perto do lugar onde a contorcionista – muito resistente, diga-se de passagem – passou as últimas horas, entre intervalos e pausas para receber seus aplausos. Ryan, o esquisito, estava no meio com uma folha solitária de caderno na mão.
— Então, algumas escolas fizeram o pagamento comigo hoje. Duas ou três ainda estão devendo, temos que lembrar de cobrá-las antes que a semana acabe para que entrem na contagem final. Nós fizemos um ótimo trabalho hoje, rapazes! E com o que temos preparado para amanhã, a vitória é certa!
Rolou uma comemoração simples, alguns parabéns pelo trabalho bem feito naquele dia, mas nenhuma cerimônia muito grande. Quando ganhássemos, aí sim seria mais que grande, seria espetacular! As Kappas seriam convidadas a participar e tudo, só não por boa vontade e sim para ver como elas lidariam com aquela perda. Eu não podia falar por todas, mas com certeza não era uma garota que sabia perder. Digamos que, ganhando ou não, ela faria da minha vida um inferno. Sem muitas vitórias para mim.
Nós estávamos discutindo alguns últimos detalhes para o dia seguinte quando Ashley se aproximou, sendo filmada por uma de suas amigas fieis. Apesar do grande número de rapazes a encarando com cara de bunda, ela não vacilou e eu tinha que dar a ela um pouco de crédito por isso.
— Essa é a Lambda! Mas vocês podem chamar eles de “fraternidade que meteu o pé pelas mãos ao nos desafiar e vai perder feio daqui quatro dias”. – ela deixou de encarar seu celular para virar para a gente. – Então, meninos, vocês foram tão mal quanto esperavam? Mais?
Ninguém respondeu imediatamente e sua câmera girl aproveitou para dar uma boa filmada nos rostos de cada um de nós.
— Você tem amor ao seu celular, Ashley? – Jackson, um grandalhão meio estressado, mas de bom coração, perguntou. Ela assentiu, fingindo inocência. – Então eu vou sugerir que você tire ele da nossa cara se quiser que continue inteiro.
Ashley suspirou lentamente, parecendo pensar no assunto. Ficou claro que era mais fingimento quando ela sorriu confiante.
— Acho que não.
Jack semicerrou os olhos, pronto para se levantar e jogar o aparelho longe. É claro que nós todos sabíamos que aquilo não aconteceria. Ele precisou de alguns segundos criando coragem para chegar a mesma conclusão.
— Droga!
— Vejo vocês amanhã! Bom... Se tiverem coragem de dar as caras por aqui. Há grandes chances de que se arrependam depois.
Ela finalizou com mais um de seus sorrisos espertinhos, aka, eu sou a rainha do mundo, antes de se virar e sair saltitante até seu grupo. Elas me pareciam animadas demais, considerando a óbvia derrota que haviam sofrido na batalha daquele dia, e isso só deixou todos nós temerosos em relação ao que encontraríamos ali no dia seguinte.
Nós recebemos todos os avisos possíveis. Mensagens de texto provocando durante a madrugada, papeis e mais papeis sendo jogados por baixo da nossa porta de hora em hora das 2h00 até as 10h00 da manhã. Esperávamos algo grande, mas a surpresa conseguiu ser ainda maior. No final da manhã, quando chegamos no gramado a fim de organizar tudo para aquela tarde, os nossos queixos caíram lá embaixo ao ver o que elas haviam montado, provavelmente durante a noite.
Naquele dia, as Kappas haviam levado as comidas de eventos como aqueles para um outro nível. Normalmente vendíamos algodão doce, maçãs do amor, amendoins, pipoca, comida típica de feiras como essas. Agora, eu não sabia como, mas elas conseguiram montar algum tipo de praça de alimentação de 360°. Com todas as opções de coisas gostosas, as luzes que chamavam atenção mesmo de dia e a minha fome com o horário do almoço próximo, eu fiquei extremamente tentado a deixar a minha fraternidade para trás e ir lá. Aquilo era genial! Seria um tiro no próprio pé gastar para trazer algo assim no dia anterior para adolescentes que dificilmente têm dinheiro no bolso, mas no dia dos universitários era a ideia mais incrível do mundo, isso sem falar na garantia de um grande retorno financeiro.
Eu aposto que Ryan adoraria ter tido aquela ideia e a raiva com que peguei ele encarando a pequena lanchonete me fez ter certeza. Sempre livre de preocupações, Mina, que estava dentro do lugar, acenou para nós, sorrindo. Isso só serviu para a cabeça dele explodir e ele sair andando, descontando toda a sua ira na grama abaixo de seus pés.
— Ah, que fome! – Joe resmungou.
Assenti, sentindo a sua dor. No entanto, fui obrigado a puxá-lo comigo quando Ryan gritou bravo por ainda estarmos todos hipnotizados por aquela novidade. Aquela seria uma tarde difícil.
Não é que estejamos despreparados. Na verdade, nós criamos um sistema bem interessante para juntar pessoas, era praticamente um Tinder físico. Pensamos: “o que universitários mais gostam? Bebida e sexo.” Não tínhamos autorização para vender bebidas alcoólicas, então ficamos com a segunda coisa. O problema é que depois de juntados, os casais vão trocar algumas palavras na lanchonete alheia. Doía dizer, mas naquele dia nós iríamos contribuir para o ganho das garotas e se isso já fazia com que os normais de nós nos sentíssemos estúpidos, fazia com que Ryan quisesse arrancar os próprios cabelos.
Felizmente, hoje a minha responsabilidade era com a competição de Just Dance, podendo, assim, me manter longe dele e de seus surtos. Ao contrário do lado das garotas, as mudanças no nosso foram mínimas, pois nos parecia óbvio que a diferença da mentalidade dos high school seniors para a maioria dos universitários não era tão grande assim. Na maior parte do dia, isso se provou verdade, com brutamontes brigando para competir em todos os jogos possíveis. Foi lá para o meio da tarde que a coisa começou a ficar estranha.
A lanchonete das garotas fez sucesso. Tanto que, de uma, tiveram que aumentar para três atendendo lá dentro. E mesmo assim as pessoas formavam fila para comer coisas que iam desde salgados simples até tortas muito trabalhadas na beleza. O sabor era desconhecido por mim, infelizmente. Mina fazia drinks sem álcool coloridos, aparentemente deliciosos e geladinhos, nada mais convidativo que aquilo para uma tarde quente em Los Angeles. Era doloroso assistir, mas eu me pegava espiando-as a cada música nova que uma dupla dançava.
Em algum ponto, elas começaram a distribuir placas, panfletos, fazer desenhos com tinta ou batom, tudo em apoio as Kappas. Não demorou muito para que alguns felizes demais com o evento de inclusão começassem a correr por aí em apoio à elas, invadir nosso lado, provocar nossos membros, entre outras coisas estúpidas do mesmo nível. Me parecia improvável que aquelas pessoas estivessem sóbrias e aparentemente Ryan concordava comigo, pois passou como um furacão por mim logo depois de um grupo de quatro pessoas pararam em frente ao espaço do nosso Lambda Chinder, se abraçaram pelos ombros e começaram a entoar uma música claramente inventada há pouco tempo glorificando a Kappa Kappa Gamma. Não Delta, Gamma, como eles enfatizavam na letra.
De longe, eu observei Ryan entrar em uma pequena discussão com a Mina. Eles trocaram algumas ofensas antes dela dispensá-lo e voltar para os seus drinks. De alguma maneira, eu sabia que aquilo não ficaria simplesmente assim. Pelo menos, não era desse jeito que as coisas estavam sendo resolvidas ultimamente.
! NÓS QUEREMOS JOGAR! – ouvi dizer algum tempo depois. Ele e se aproximavam de braços dados, parecendo tão fora de si quanto 50% dos outros universitários naquele ambiente.
Graças ao sucesso do nosso Chinder, a pista de dança estava vazia naquele momento, o que permitiu que eles tomassem conta dela sem empecilho algum. Não pude deixar de notar e ficar levemente chateado com o ΚΚΓ em seus rostos, cada um ocupando seu espaço nas bochechas e testa deles.
— O que vocês estão fazendo aqui? – perguntei enquanto pegava o controle para escolher a música deles.
— Tá todo mundo falando o quanto está divertido aqui hoje! Nós viemos ver com os nossos próprios olhos. – respondeu.
— Coloca Hips Don’t Lie!!! – exclamou assim que passei pela música.
Apertei o play, estranhando mais ainda todos aqueles comportamentos. Eles pareciam levemente bêbados para mim, mas eu me lembrava bem de ver a coordenadora passar de surpresa na lanchonete 360° das meninas cerca de uma hora antes para experimentar os drinks que a Mina estava servindo.
I’m on tonight, you know my hips don’t lie and I’m starting to feel it’s right. All the attraction, the tension, don’t you see, baby, this is perfection.
Para duas pessoas que raramente tinham coragem de dançar, e estavam fazendo um ótimo trabalho. O último tinha um rebolado surpreendente, eu me atrevia a dizer. Apesar disso, a vitória foi do .
Com o fim da música, eu os puxei para o meu lado e rapidamente coloquei a dos próximos para que pudesse arrancar informações deles pelos próximos três minutos e meio.
— Por que vocês estão assim? – questionei, mantendo meu tom de voz baixo e torcendo para que eles façam o mesmo.
— Assim como?
Eles se aproximaram mais e se abaixaram até formarmos uma rodinha vergonhosa no meio de todas aquelas pessoas. Tentei não me importar, tendo coisas mais importantes em mente para descobrir.
— Vocês beberam?
— Ahhhh! – entoaram ao mesmo tempo antes de trocar um olhar rápido e cair na risada. Continuei encarando-os, sem ideia alguma do porquê e esperando que eles me atualizassem na piada.
— Nós temos um segredo. – afirmou, soltando risadinhas.
— As garotas estão vendendo brownies. – completou, tão baixo que eu quase não ouvi.
Dei uma boa olhada nos dois, me perguntando o motivo deles acharem aquela informação importante. Brownies não eram nada demais. Nós mesmo já havíamos feito juntos duas ou três vezes. Apesar de nós termos um motivo especi...
Arregalei os olhos, me sentindo o cara mais burro do mundo por não ter percebido aquilo antes. Era tão óbvio... E incrivelmente inteligente.

— VOCÊS COLOCARAM MACONHA NOS BROWNIES? – Ryan gritou horas depois, se aproximando das garotas que tinham sua reunião diária. Obviamente todos nós o acompanhamos, curiosos para ver até onde aquilo iria.
Talvez você esteja me chamando de X9 ou fofoqueiro nesse momento, mas eu estava apenas sendo leal a minha casa. Também tinha esperanças de que Ryan largaria do meu pé com a novidade e esqueceria da última vez em que eu fui mais leal a minha ex-namorada do que a eles.
— Meu Deus, Ryan! Agora você tá inventando coisa como desculpa para vir me encher o saco?! – Nikki exclamou, inconformada, posicionando suas mãos na cintura.
— Inventando? Vocês deixaram a universidade inteira chapada!
Tive que fazer um baita esforço para não rir nessa hora, pois a expressão dela mostrava verdadeira e genuína inocência.
— Ah, claro! No dia que vocês ganham, a vitória é justa. No dia que nós ganhamos, foi porque drogamos todo mundo. – Katy disse, dando um passo à frente em defesa de seu grupo.
— Com licença... Vocês acham normal um cara correr pelado pelo gramado com Kappa Kappa Gamma escrito nas costas? Ou uma garota escalar uma árvore para gritar em um megafone o novo “hino” de vocês?
— Isso é ridículo! O que eu posso fazer se nós somos tão adoradas nesse campus? – Nikki falou e então ela mesma se interrompeu, parando para refletir sobre aquilo. Ela não precisou de muito tempo. – MINA! – gritou para a garota que se colhia ao canto, parecendo querer desaparecer. — Como você... Por que você... Eu não acredito que você fez isso pelas minhas costas!
— Mas eu te avisei! – Mina bateu o pé no chão para se defender. – Eu perguntei: posso fazer meus brownies especiais? E você respondeu: claro, é uma ótima ideia! Bom, eu fiz!
— Os seus brownies super gostosos, não batizados!
— Mas todo mundo sabe que brownies especiais são brownies batizados. Você comeu aquele dia, oras!
— O QUE?
— Você não sabia?! Ok, Tina, acho que eu vou precisar da sua ajuda aqui. – disse, puxando uma garota para a sua frente como um escudo.
Passei meus olhos pelo público observador rapidamente e Ryan tinha um sorriso satisfeito no rosto, parecendo até já ter esquecido o quanto elas haviam nos prejudicado naquele dia. encarava a cena preocupada, porém nem um pouco surpresa. Enquanto isso, estava em um canto olhando atentamente para cada nova pessoa a falar. Eu podia dizer com absoluta certeza que ela fazia certo esforço para conter seu entusiasmo apenas pelas mãos fechadas em punho e joelhos levemente inclinados. Era como se ela quisesse pular de êxtase. Imaginei que devia ser bom não ser a culpada principal pela primeira vez, apesar de eu ter quase certeza de que ela sabia o que estava rolando ali o tempo todo.
— Você me deu brownie com maconha sem me avisar? – Nikki questionou, falando palavra por palavra lenta e profundamente. Aquilo era pior que qualquer grito.
— Eu disse que eram especiais! Me ajuda aqui, gente! – Mina insistiu. Pela primeira vez, ela parecia realmente ter medo do que estava por vir.
— É verdade, Nikki. É do conhecimento de todos que brownies especiais vêm com esse ingrediente extra. – Tina a apoiou.
Sem acreditar naquela afirmação, a loira olhou para o resto das garotas, buscando uma resposta. Todas assentiram, com exceção de uma ao meio, mas eu entendi quando percebi ser a April. Não satisfeita, ela também se virou para o nosso lado e ali foi unânime: sim, todos sabem disso.
— Ah, Deus... – cobriu o rosto com as mãos. Era difícil dizer se ela estava mais decepcionada consigo mesma ou com o grupo. – Você tem ideia do tamanho do problema que vamos conseguir se descobrirem que nós passamos a tarde inteira drogando universitários que provavelmente não têm nem idade para beber²?
— Bom... Não é como se tivéssemos vendido sem avisar. Nós tínhamos opções limpas também, não é nossa culpa preferirem os batizados. – disse.
— Você sabia disso? – Nikki perguntou, surpresa, e minha amiga assentiu.
— A Mina disse que você deu permissão! Achei que estivesse tudo bem.
— Certo... – ela suspirou, perdida em seus pensamentos. Se a conhecia bem, provavelmente seu cérebro já trabalhava a todo vapor para consertar aquele problema. – Nós só precisamos nos certificar de que isso não chegue a ninguém que trabalhe nesse lugar.
Assim que ela fechou a boca, várias cabeças femininas se viraram em nossa direção em câmera lenta, como robôs prontos para atacar. A ameaça era grande, mas o sorriso de vitória de Ryan não vacilou por um segundo. Muito ao contrário, apenas aumentou quando ele buscou seu celular no bolso da calça e começou a digitar.
— Quer saber quem vai gostar de receber uma informação quentinha como essa? Alice Harley, a coordenadora chefe das irmandades e fraternidades da Universidade da Califórnia, campus de Los Angeles.
No mesmo momento, várias garotas deram sinal de que iriam pular em cima dele, com suas mãos prontas para agarrar o aparelho de telefone. Elas fariam qualquer coisa para impedir aquilo de chegar na Alice porque, se isso acontecesse, o resultado era claro: vitória imediata da Lambda, muitas advertências e provavelmente algumas expulsões.
Antes que elas chegassem até ele, Ryan ergueu o celular para cima com a tela virada para elas e o dedo a não mais que um centímetro dela, exatamente na direção do botãozinho verde que começaria a ligação. As garotas congelaram.
— Ryan, vamos conversar... – Nikki disse lentamente, temendo que qualquer movimento ou som brusco fizesse com que ele apertasse o bendito botão.
— Engraçado, agora você quer conversar. Eu não acho que conversa nenhuma vai compensar o prejuízo que os seus brownies nos deram, sabe? Por que eu deveria perder o meu tempo?
— Porque nós dois sabemos o quanto essa semana da inclusão é importante para o futuro e status das nossas casas. Nós dois queremos terminar isso, Ryan, e não dessa maneira.
— Talvez eu esteja perfeitamente feliz com essa guerrinha acabando aqui. Não vamos esquecer que a Alice nos fez prometer jogo limpo e vocês claramente não cumpriram.
— Você quer falar de jogo limpo? Você, o mesmo cara que sabotou o nosso projeto filantrópico?! – se intrometeu. Eu estava estranhando o silêncio longo demais dela.
, deixa eu resolver isso! – Nikki a repreendeu.
Ryan riu, balançando a cabeça.
— Se estamos entrando nessa área, podemos pegar alguns minutos para lembrar do que é que aconteceu depois da nossa sabotagem. O que elas fizeram, Kevin?
— Elas nos denunciaram para a coordenadora, Ryan. – respondeu o menino ao seu lado.
— E o que nós ganhamos com isso?
— Uma feira de adoção para organizar às pressas.
— E que foi um sucesso, diga-se de passagem. – ele completou.
assentiu, convencida com aqueles argumentos, e deu um passo para trás em derrota.
— Quer saber, Nikki? Eu acho que você tem que cuidar desse assunto. – ela sussurrou antes de voltar a se calar.
Aborrecida, Nikki respirou fundo, cruzando os braços sobre o peito.
— Tá legal, o que você quer, Ryan?
— Eu quero muitas coisas, Nichole.
— Vamos fazer um acordo, então: se vocês deixarem isso morrer aqui, nós podemos concordar em voltar a ser sua casa prima quando isso tudo acabar.
Em momentos como aquele, era fácil lembrar porque eu havia tomado a decisão de abrir a boca minutos antes. Eu adorava grande parte daquelas garotas, mas era inegável que a Kappa Kappa Gamma tinha um ego tão grande quanto aquele campus. Se aumentassem um pouquinho mais, talvez conseguissem atingir o recorde da .
Eu não fui o único a achar aquela última frase puxada para o ridículo, pois todos nós rimos como se ela tivesse acabado de contar uma piada. Das ruins. Risada simpática, sabe?
— Uau! Vocês devem estar sofrendo muito para encontrar alguma outra casa que queira se juntar a vocês para achar uma boa ideia me jogar uma dessas. – Ryan provocou e Nikki deu de ombros, provavelmente tentando ao máximo não dar aquela informação a nós.
— Vocês sabem que nós somos a melhor opção.
Nós sabíamos. Mas também não estávamos dispostos a simplesmente doar uma informação tão importante.
— Quer saber de uma coisa, Ryan? – Mike começou, entrando na brincadeira. – Eu soube que a Kappa Delta tem se destacado cada vez mais no campus.
— Por favor! Se vocês estivessem realmente interessados nelas, saberiam que elas já têm uma casa prima, a Sigma Pi. – rebateu. – Ah, Sigma Pi! Vocês lembram quando eles ficaram livres ano passado? Eu falei que mudar talvez fosse uma boa ideia, mas não! Vamos ficar com a Lambda! Tá aí o resultado. – ela disse para ninguém em especial e ganhou alguns acenos em concordância.
— Aqueles caras são uns imbecis! – Mike exclamou e todos nós concordamos.
A Lambda Chi Alpha e a Sigma Pi tinham uma rixa há décadas. Há boatos de que o motivo costumava ser muito bom, porém ele se perdeu com o tempo. Hoje, era só um bando de caras se odiando sem motivo aparente e trocando farpas em eventos em que as duas casas estavam presentes.
— E não ajam como se a culpa fosse unicamente nossa por estarmos aqui agora. São as suas amigas as maiores responsáveis por isso!
— Ok, Ryan, ok! Todos têm a sua parcela de culpa. Agora, vamos resolver isso logo porque todos nós temos o dia cheio amanhã e não devíamos ficar aqui perdendo tempo!
O nosso líder teve o impulso de continuar na discussão, mas, por fim, concordou com ela. Eu agradeci porque não via tanta graça nessas coisas quanto a . O tédio já começava a se instalar.
— Certo... Eu tenho uma proposta para fazer. – todos aguardaram. – Nós não vamos falar nada para a coordenadora com uma condição: amanhã vamos fazer algo fora das regras também e vocês vão ficar de boca fechada.
— O QUE?! Isso é ridículo! – Mina exclamou. Nikki se virou para ela com as mãos na cintura.
— Você me deixou alguma outra opção além de aceitar?
Ela não encontrou nenhuma resposta.
— Droga... Saibam que isso vai diminuir muito o nosso lucro!
Apesar dela estar claramente falando com as garotas, foi Ryan que respondeu sorrindo.
— Ah, eu sei!
— Temos um acordo? – Nikki se voltou para ele, estendendo sua mão.
Eu e todo o resto das pessoas ao redor tivemos que segurar o riso quando ele deu um passo rápido para trás, assustado com o movimento repentino do braço dela. Se tratando de Ryan, ele logo se recompôs e juntou sua mão a dela.
— Temos um acordo. Ai! – ele recolheu-a de volta rapidamente, acariciando as costas.
— Isso é por ser um idiota.
Elas se retiraram e eu pude finalmente suspirar aliviado, iludido ao pensar que aquele dia havia chegado ao fim. Mal sabia eu que Ryan tinha outros planos.
, você faz drinks, certo? – ele me perguntou cerca de uma hora depois, interrompendo o meu momento de ficar deitado no sofá sem fazer nada útil.
Olhei para cima, levemente confuso.
— Não... Eu te fiz uma Cuba Libre há, sei lá, seis meses.
— Ótimo! Você vai ser o nosso barman. – ele comunicou, já se retirando.
— Como assim? Ryan, eu não sei ser barman, eu nunca fui barman, do que você tá falando?!
, por favor! Eu tenho mais o que fazer do que lidar com as suas inseguranças. Preciso ir comprar as bebidas.
Eu poderia ter seguido ele porta a fora, mas concluí que não valia a pena. Não no estado mental em que ele se encontrava nos últimos dias. Simplesmente me rendi e fiquei até tarde vendo receitas de alguns drinks. Nada muito fora do comum: piña colada, caipirinha, Manhattan, bloody mary, entre outros. Em algum ponto da noite, e eu não lembro quando, eu comecei a me animar com a ideia de preparar bebidas e esqueci completamente que, com ou sem semana da inclusão, eu tinha aula no dia seguinte.
A coisa piorou poucas horas depois, quando Ryan invadiu meu quarto novamente para me obrigar a ir até a feira com ele comprar frutas... Às 6 da manhã!
Como resultado, eu não só perdi as primeiras aulas daquele dia como também cheguei atrasado e parecendo um zumbi no pequeno bar que alguns rapazes improvisaram na noite passada. A única coisa que me fez acordar foi ver o Nick ocupando o lugar que devia ser meu. Fiquei parado por um tempo há alguns metros de distância, observando-o preparar algumas coisas. Nós não havíamos trocado muitas palavras há um bom tempo. Me chame de idiota, mas eu ainda não aceitava bem a ideia dele ter ficado com a minha ex-namorada, e passar as próximas horas com ele não seria muito divertido para mim.
Por isso, quando finalmente me aproximei, fiz questão de já começar o dispensando.
— Obrigada por cuidar daqui. Pode ir para a sua tarefa do dia, se quiser.
As duas últimas palavras foram adicionadas graças a minha falta de capacidade de ser grosso com alguém que eu sabia não gostar por puro capricho.
— Eu já tô na minha tarefa, na verdade. O Ryan falou para eu ficar aqui te ajudando.
Até quando não imaginava, Ryan continuava fodendo com a minha vida.
— Ahn... Não precisa, sério. Eu posso dar conta de tudo. Sou muito bom em fazer drinks, sabe? – menti.
— Eu não duvido da sua capacidade, mas assim que descobrirem que temos álcool, isso aqui vai encher. – ele disse e eu tinha que admitir que era um ótimo motivo para ele ficar. Porém eu parava por aí. Ainda o queria longe.
— Ah, as pessoas podem esperar, Nick! Qual o problema de ficar na fila alguns minutinhos?
Ele ficou em silêncio por alguns segundos antes de soltar uma risada nervosa. Percebi assim que eu havia falhado na argumentação.
— Você realmente não me quer aqui, em?
Não respondi. Eu não queria mentir dizendo que era mentira, pois realmente não o queria ali, ao mesmo tempo que também não queria confirmar em voz alta aquilo. No lugar, eu fiz um som estranho que podia facilmente ser uma risada ou um gemido de agonia. Para arrumar algo a fazer, peguei alguns morangos que ele já havia separado em uma vasilha e comecei a picar.
, nós vamos viver na mesma casa pelos próximos três anos. Não acha que a gente deveria se resolver?
— Nós nunca brigamos, não temos nada para resolver.
Nick suspirou.
— Escuta: eu sei que você não gostou de eu ter ficado com a , mas ela é solteira, cara... E há um bom tempo.
— Eu não sei se quero falar sobre isso. – disse, mas se nem as paredes me ouviram, imagine ele.
— Nós temos que falar! Além do mais, ela me deu um baita pé na bunda logo depois. Você devia ficar pelo menos um pouco feliz com isso.
Ri rapidamente.
— Eu já fiquei.
Ele riu também e eu dei de ombros. Não ganharia nada ficando bravo com ele por simplesmente querer beijar uma garota bonita. A mais bonita delas. Eu duvidava que aquele incômodo fosse passar tão cedo, mas podia tentar passar algumas horas na presença dele. Em poucas horas, nós mal teríamos tempo para notar a presença um do outro mesmo.
— Eu prometo que na próxima vez que eu pegar alguma ex sua, vou para a casa dela e não para a nossa. – ele falou em tom de brincadeira. Ainda assim, minha mão que segurava a faca parou na mesma hora, prestes a abrir uma fenda em um morango.
— Você levou ela para a nossa casa?
Eu sabia o que aquilo significava. Tinha completa certeza em cada pedaço do meu corpo que já começava a querer tremer de raiva. Eu precisava confirmar, no entanto. Precisava ouvir palavra por palavra, assim poderia deixar aquele sentimento de ódio tomar conta sem culpa.
— Sim, ninguém te contou? Imaginei que já soubesse com toda a fofoca que rola naquele lugar.
— P-por que você faria isso? – perguntei. Apesar das risadas nervosas que me escapavam, por dentro eu queria explodir.
— Ah... Eu tenho mesmo que explicar?
Soltei a faca no balcão e respirei fundo, sentindo aquela energia sempre estranha, mas conhecida correr pelo meu corpo. Porque eu não queria simplesmente descarregar no imbecil ao meu lado, eu agarrei o primeiro pedaço de madeira que minhas mãos encontraram, apertando até que doesse.
— Vocês transaram? – voltei a perguntar, baixo o suficiente para que apenas ele entendesse.
— Sim... – ele respondeu e já era notável em seu tom de voz que ele se arrependia de ter sequer entrado naquele assunto.
Assenti lentamente, considerando por não mais que um segundo qual devia ser o meu próximo passo. Uma parte muito grande de mim me dizia para ficar no meu canto, quieto, pois aquilo não era da minha conta, mas a outra venceu sem muita luta. Logo eu estava abrindo bruscamente a pequena porta por onde entrei e marchando rápido até a saída do campus, poucos quarteirões abaixo, onde acontecia a lavagem de carros.
, você pensa que tá fazendo o que? – ouvi a voz de Nick perto o suficiente para saber que ele me seguia, então parei.
— Não se mete, tá legal? Você já ajudou o suficiente!
Ele pareceu me ouvir, pois deixei de ouvir seus passos apressados atrás de mim. Continuei descendo gramado e rua abaixo até avistar as garotas de um lado e os garotos do outro, cada um com uma quantidade pequena de clientes, pois o dia estava apenas começando.
Não tive dificuldade alguma para encontrar no meio de todo mundo. Por mais ridículo que fosse, eu já a havia observado e admirado por tanto tempo que a encontraria facilmente no meio de uma multidão. Ela vestia uma camiseta azul da Kappa Kappa Gamma, um short tactel preto e seu característico par de chinelos branco, e se encontrava de costas para mim, enchendo um balde de água.
Me apressei para alcança-la mesmo com todos os protestos do lado sensato do meu cérebro. Ele fazia um escândalo na esperança de que eu finalmente parasse para ouvi-lo, mas tudo em que eu conseguia pensar naquele momento era no porquê ela tinha decidido dormir com um colega de fraternidade, no porquê ela não tinha consideração alguma com os meus sentimentos e o fato de termos namorado por mais de dois anos, no porquê ela insistia em ser tão imbecil quanto eu as vezes. Isso sem falar na imagem dos dois juntos que insistia em brotar na minha cabeça, me causando arrepios e aumentando ainda mais a minha frustração.
Sem me importar com as pessoas por perto que poderiam nos ouvir ou até se sentir incomodadas com as coisas que eu estava prestes a dizer, eu fiz a pergunta assim que cheguei perto o suficiente para ser ouvido independente do barulho.
— Você dormiu com o Nicholas?! – exclamei.
Por causa do susto, ela enfiou a mão na frente da água que saía da torneira com força, espirrando para todo lado, inclusive nela mesma. olhou para trás, me enxergando ali, parado, arfante pela quase corrida no sol quente até aquele lugar e pela raiva, então fechou o registro antes de se virar em minha direção.
— Do que você tá falando? – ela questionou, tentando secar as mãos molhadas na camiseta meio úmida.
— Tô falando de você e do Nicholas, ! Ele me falou que vocês transaram, é verdade?
Ela soltou uma risada, balançando a cabeça, e cruzou os braços sobre o peito.
— Isso não é da sua conta, .
— Ah, não? Você era a minha namorada, , e ele é o meu colega de fraternidade. O que vocês fazem juntos é da minha conta sim!
— Por favor, ! Quantas vezes eu vou ter que repetir que tudo e qualquer coisa relacionada a minha vida deixou de te fazer respeito quando você decidiu beijar outra garota pelas minhas costas? Não me enche o saco. – ela disse, já me dando as costas, e foi a indiferença na sua voz e nos seus olhos que me fez segui-la, agora definitivamente chamando atenção das garotas mais próximas.
— Não é assim que a coisa funciona, ! Você não pode dormir com um amigo meu e achar que tá tudo bem! – insisti, mesmo que falasse para as suas costas. Eu precisava de uma explicação, qualquer uma, qualquer coisa que me fizesse acreditar que eles dois passando a noite juntos não significava tanto quanto parecia significar na minha cabeça naquele momento.
— Eu não estou nem te ouvindo. – ela disse sobre os ombros, se abaixando para voltar a encher o balde que eu interrompera na metade.
— É assim que você encara os seus problemas agora? Dando as costas a eles? – continuei, mas não recebi resposta alguma, então fui obrigado a tentar outra coisa. – Você mal o conhecia, pelo amor de Deus! Não é assim que as coisas costumavam ser, você não costumava dormir com qualquer um como... Como...
— Como o que, ?! – ela se voltou para mim novamente. Eu sabia que ela não resistiria por muito tempo. – Como uma vadia?! Uma puta!? Cadela?! Que tal vagabunda? – ela sugeriu enquanto se aproximava até parar na minha frente. – Você só tá se doendo porque eu dormi com ele e não com você! – com a última, ela me empurrou pelo peito, me obrigando a dar dois passos para trás.
Mesmo tão cedo, eu podia dizer que ela já estava chegando próximo ao mesmo nível de raiva do que eu e graças a uma frase que eu não soube colocar bem. Ela teria que fazer muito pior do que aquilo para eu sequer chegar perto de descrevê-la com um daqueles adjetivos.
— Não era isso que eu ia dizer! Por que você tá tentando mudar as coisas ao seu favor, droga?! Tudo que eu quero dizer é que você não tinha o direito de dormir com alguém tão próximo a mim! Se você fez isso para tentar me machucar, parabéns! Você conseguiu.
Ela forçou uma risada que terminou em um olhar de puro ódio.
— Eu devia ficar com pena? O mundo não gira ao seu redor! Se eu dormi com ele, foi porque eu quis! Porque ele é lindo, gostoso, beija bem e, olha... Ele faz outras coisas muito bem também. – finalizou, me mostrando um sorriso que parecia sincero. E que me fez querer subir pelas paredes de ciúme.
— Quer saber de uma coisa? A que eu conhecia nunca faria algo assim.
— Bom, a que você conhecia ficou lá no ensino médio, sentada no meio fio da casa de um desconhecido, chorando por causa de um babaca! Você é muito hipócrita mesmo, não é não? Porque se eu me lembro bem, poucas semanas atrás eu tive que ver você e a Nikki subirem para o andar de cima da minha casa sozinhos. Mas quando você faz, tá tudo bem, certo? Por que, em, ? O pênis vem com o bônus de fazer o que bem entender sem ter que dar satisfação que não vem na vagina?
Engoli em seco, sentindo as minhas mãos doer com toda a força que eu fazia. Não era aquilo que eu queria dizer. Ainda assim, era como estava soando e eu começava a me sentir três vezes mais imbecil que o de costume. E ela nem hesitava na hora de jogar cada palavrinha na minha cara.
— Você é tão...
Eu queria dizer malvada, cruel, ruim, mas tudo soava infantil. Talvez porque eu nem deveria ter descido ali em primeiro lugar. Talvez porque o motivo de eu estar ali era completamente errado e um puta retrocesso em todo o trabalho que havia feito até aquele momento para ser uma versão melhorada do antigo . De repente, eu não tinha mais nenhum argumento, se é que o tive em algum momento. Me senti um idiota, o verdadeiro babaca que ela havia citado, exposto sob o olhar de todas as garotas por perto, que olhavam a cena atentas, prontas para intervir a qualquer hora.
Dei alguns passos para trás, sem ideia do que dizer ou fazer. Para o meu azar, raramente perdia suas palavras.
— Parabéns, . Você acabou de destruir o pequeno passo que demos.
Independentemente do que dizia, seu tom não tinha um resquício de comemoração.


² A maconha é legalizada para uso medicinal e recreativo na Califórnia, mas apenas maiores de 21 anos podem ter acesso a certa quantidade.


Continua...

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