Última atualização: 06/03/2020

Capítulo 22

2 anos antes…


Me concentrar. Era isso que eu precisava fazer. Havia uma resposta, definitivamente havia uma, eu só precisava me concentrar o suficiente para fazer meu caminho até ela.
O problema é que era muito mais difícil de fazer isso com um tic tac infernal de uma caneta ecoando na minha cabeça.
— Quer parar?
ergueu seus olhos entediados, suspirando. Ele havia passado a última hora jogado na minha cama, fazendo completamente nada, mas ainda tinha a atitude de me olhar como se eu devesse algo a ele. Eu tinha certeza de que era o contrário.
— Digo o mesmo.
Revirei os olhos e juntei toda a força que eu tinha no corpo para não comprar essa briga.
— Onde fica essa segunda mesmo?
— Carolina do Norte.
Assenti, voltando para a minha infinidade de papéis, listas de vantagens e desvantagens etc.
— Muito longe. - fiz a anotação no papel ao mesmo tempo em que falava em voz alta. Ele me acompanhava pelo canto dos olhos. - Universidade de Ohio? Pelo amor de Deus! - exclamei incrédula, marcando um asterisco nela e não dos bons. - Por que você sequer se inscreveu para esse lugar?
— Porque você me encheu o saco até que eu me inscrevi em todas as instituições educacionais nesse país. - respondeu, seco e grosso.
Eu podia sentir sua irritação crescendo, porém continuaria a ignorar.
Claramente ele não dava a mínima para o futuro, mas eu sim. Eu faria tudo funcionar. Se ele queria ser um imbecil e agir como uma verdadeira criança agiria, o problema era todo dele!
— Universidade Internacional da Flórida?! - li, surpresa. Minha caneta encontrou aquelas palavras rapidamente, desenhando um belo risco durante toda sua extensão.
— Por que riscou ela? - ele questionou, só então parecendo estar acordado para a vida.
— Miami, ? Sério? As pessoas são… Elas são felizes lá. - tentei fazer uma gracinha, mas a carranca dele continuou no mesmo lugar, então desisti rapidamente. - É uma universidade inferior a UCLA, que está aqui do lado e tem muito mais para oferecer sem te obrigar a mudar para outro estado.
— Eles têm um dos melhores programas de natação do país, ! Não é o tipo de universidade que você simplesmente risca fora.
— Um bom programa não faz de uma universidade uma boa opção. - ele balançou a cabeça, pronto para falar algo, mas eu continuei. - Você por acaso tem a intenção de se tornar um nadador profissional? Porque o tempo está passando.
— Isso realmente não te interessa.
— Não? Eu sou sua namorada, como é que isso poderia não me interessar?
— Eu não sei, ! Você ignora tudo que eu tenho a dizer, todas as minhas vontades e só agora vem me perguntar sobre o que eu quero para o futuro? Depois de encher a porra do meu saco por meses e fazer todas as decisões por mim?
Resisti fortemente contra a vontade de revirar os olhos com todo aquele drama.
— Menos, tá bom? Se você não fosse tão relaxado, eu não precisaria ficar correndo atrás de um milhão de coisas para garantir o seu, o meu e o nosso futuro. Juntos, como nós sonhamos há anos. E eu não ouvi nem um mísero obrigada nesse processo todo.
Ele riu e balançou a cabeça, assentindo. Mais falso, impossível.
— É claro. Obrigado, , por tomar todas as decisões da minha vida, por não dar a mínima para o que eu penso, por tentar controlar cada passo, cada respiração minha. Muito obrigado! - exclamou. - Você já parou para pensar por um segundo sequer que o que seja melhor para nós dois talvez não seja o melhor para mim?
— Sério? Estou ouvindo isso do mesmo cara que já implorou para me ter de volta tantas vezes que eu perdi a conta?
— São duas coisas diferentes. Eu te amo e quero passar o resto da minha vida do seu lado, mas não a custo do meu livre arbítrio para tomar decisões que dizem respeito a minha vida.
— Livre arbítrio?! - questionei, chocada. - Você se lembra do dia que me perseguiu até a casa dos meus avós, não lembra?
Eu achava, no mínimo, estranho que ele viesse com esse papo de liberdade e decisões quando se tratava dele, porém se esquecia completamente disso na minha vez.
— Primeiro, eu não te persegui. Só fui atrás alguns dias depois. E segundo, para de virar tudo para o seu lado! Eu já cometi uma infinidade de erros, mas você também, . E eu tô cansado de deixar você tomando as rédeas de tudo relacionado a esse relacionamento e nós dois. Por isso, estou te demitindo.
Não pude conter a risada que seguiu aquela frase.
— Me demitindo? Quando é que você me contratou? Porque temos uns pagamentos atrasados aí…
Ele ignorou as minhas gracinhas.
— Você entendeu. De agora em diante, você não escolhe mais para quais universidades eu me inscrevo, muito menos para quais eu considero ir. Você não me diz mais que horas estudar nem quando descansar. Nós não saímos só quando você quiser. Eu posso me cuidar sozinho.
O encarei por alguns segundos, duvidando completamente daquilo com base em toda a experiência que eu tinha em . Porém eu também estava cansada de fazer tudo por ele e só receber palavras mal agradecidas em retorno, então decidi deixar que ele se afogasse - metaforicamente, porque fisicamente era algo difícil de acontecer -. Só um pouquinho para que eu voltar com tudo para salvá-lo e, quem sabe, ganhar alguns verdadeiros obrigada aqui e ali.
— Tudo bem. A vida é sua.
Eu sorri. Ele também.
Nenhum de nós tinha ideia do quão mal aquilo iria acabar.

Atualmente


Calor. Era tudo que eu conseguia pensar no momento, calor. E, infelizmente, os graus altíssimos de Los Angeles não tinham nada a ver com aquilo.
Na minha mente, só havia espaço para o toque dele, em todos os lugares, os beijos dele, o sabor dele, ele. Tudo que ele, , representava. E, ali, ele representava calor, muito calor.
Isto é, até a realidade me puxar fria e duramente para o seu abraço.
— Quer parar de pegar minha comida?! - April brigou, estapeando a mão de Jude para longe do seu prato.
— Custa dividir? Eu não estudo aqui, eles não vão me alimentar.
Discretamente, eu suspirei de frustração, encarando do outro lado da mesa o dono do par de olhos azuis que vinha fazendo minha cabeça girar ultimamente, em todos os sentidos possíveis da palavra. Aquela troca era mais do que suficiente para que eu soubesse que a mente dele estava tomada com as mesmas imagens que vinham atormentando a minha, dia e noite. Os extremos de dor e prazer que o tesão acumulado pode nos dar são realmente incríveis… Com todo respeito.
Nós dois sabíamos que existia um jeito muito simples de tornar aquilo apenas prazeroso, mas o universo parecia ter outros planos. Um hóspede curioso no meu quarto, um bando de garotas afobadas na busca de um objetivo, rapazes que pareciam não conhecer os grandes benefícios de algumas batidas na porta antes de entrar e mais um milhão de coisas que vinham nos impedindo de passar mais que quinze minutos juntos. E quinze minutos nem começavam a cobrir tudo que eu precisava para finalmente dormir em paz.
foi o primeiro a desviar o olhar, o que me deu uma pequena dose de felicidade. O sofrimento dele era sempre um pouco maior que o meu e isso me dava um poder que quase fazia a brincadeira valer a pena.
— Devia ter pensado nisso antes de largar a faculdade.
— Vamos ter essa discussão de novo?
Além disso, as brigas intermináveis da April com o irmão estavam ficando difícil de engolir. Quer dizer, eles são irmãos, foram feitos para isso, mas não poderiam nos dar uma folga? Pior era saber que meus próprios pais pensavam em me arrumar um desses… Um inimigo de sangue, essas eram as palavras.
— Aqui, Jude. - eu disse, deslizando meu prato até ele. - Já tô cheia, pode comer e chega de discussão.
Dele, eu ganhei um sorriso aberto e agradecido. Dela, um olhar de desgosto por estar “mimando” ele, de certa forma. Como se fosse possível mimar um marmanjo daquele tamanho.
— É irritante, né ? Briguinhas idiotas a cada dois minutos, provocações o tempo todo… É muito irritante, não é? - falou, com um olhar sugestivo para o meu lado.
— Muito! - e só então eu peguei a piada. - Há há, engraçadíssimo, .
No entanto, todos riram, menos eu, orgulhosa demais para algo assim, mesmo depois de admitir todas as burradas que fiz não muito tempo atrás.
Estava pronta para levantar e ir para a aula quando os passos apressados de Ashley chamaram a atenção de toda a mesa. Ela freou quase em cima de mim, respirando com dificuldade, mas com um entusiasmo bonito de ver no rosto. Era 100% contrária à cara que a Mina fazia toda vez que era obrigada a passar tempo na companhia da ex-namorada.
Considerando que e eu estávamos nos agarrando pelos cantos no momento, eu sentia que devia acreditar no potencial das duas voltarem a pelo menos se aturar, porém não achava que havia algo ali.
— 50 mil! - ela exclamou. Eu arregalei os olhos.
Não era possível.
E todos ao meu redor pareciam concordar com isso.
— Mentira!
— Tá brincando, né?
— Você usou algum programa?
Ashley revirou os olhos para a pergunta da Mina, nem mesmo se dando o trabalho de brigar.
— E é um dos vídeos mais comentados do canal, tá todo mundo revoltado com a história!
— Uh, isso é bom! Isso é muito bom.
Pessoas revoltadas têm grande tendência de se mexer para fazer algo.
— Sim! Bom, eu vou continuar monitorando tudo e divulgando bastante, mas preciso da ajuda de vocês também. Falem para as pessoas, postem nas redes sociais que vai dar certo. Vocês não tem tantos seguidores quanto eu, mas se a história chegar nas mãos certas, quantidade realmente não importa, não é?
Mina revirou os olhos bruscamente ali, mas ficou quieta. Normalmente, eu teria feito o mesmo, porém a Ashley vinha fazendo o possível e o impossível para chamar atenção do mundo com esse vídeo, então não me permiti ser essa pessoa.
— Pode deixar, vamos fazer tudo que está no nosso alcance. Não se preocupe. - se prontificou a dizer, animada com as novidades.
Ashley assentiu e saiu andando, agora mais calma, mas ainda extremamente entusiasmada e todo o clima da mesa pareceu ficar mais leve também. Quando a própria universidade se recusava a nos deixar vencer o que era apenas justo, qualquer pequeno avanço fazia uma diferença gigantesca.
No meio de alguns papos aleatórios, pigarreou, chamando atenção. Ele não parecia tão leve assim.
— Ahn… Eu odeio ser o cara que vai acabar com a felicidade de todo mundo, mas temos jogo esse final de semana.
Ficamos em silêncio.
A temporada havia sido “pausada” por algumas semanas por causa de todas as provas e trabalhos, mas esse período chegou ao fim e agora ela estava de volta. Isso significava: jogos sendo transmitidos no país inteiro e este país inteiro venerava Scott Murray, nosso agressor, que estaria em campo ainda que uma investigação estivesse em andamento. Pelo menos, era nisso que queríamos acreditar, pois semanas haviam se passado e nada aconteceu. Tentávamos manter nossa positividade e esperança lá em cima pela Katy, mas ficava cada vez mais difícil e, sejamos sinceros, falso.
— Não podemos deixar que isso seja um problema… certo? - April questionou, especialmente sendo alguém que havia deixado recentemente.
— Não, é só que… Bom, eu sei que tê-lo jogando lá pode ser uma situação bem desconfortável para vocês; até para mim é. Não quero que se sintam obrigados a ir por minha causa, ok?
— Não nos sentimos obrigados a coisa alguma, não se preocupe. - assegurou, apertando o ombro de em um gesto de carinho.
— Eu vou estar lá de qualquer maneira. - afirmei, dando de ombros. - Quero te ver jogar e isso vale a pena para mim.
Só a ideia de ter que assistir uma multidão ovacionar Scott Murray fazia meu estômago revirar absurdamente, porém eu me recusava a deixá-lo me influenciar daquela maneira, ao ponto de deixar de prestigiar meu melhor amigo.
— Eu também vou. - April murmurou suavemente, ganhando um sorriso animado do .
Sorriso esse que eu não recebi por ir, diga-se de passagem. Mas eles eram fofos demais para que eu me preocupasse com fazer drama.
— Se a April vai, acho que eu também vou. - Jude disse, estragando completamente o pequeno momento e fazendo sua irmã revirar os olhos em um nível que eu não achava que ela tinha a capacidade.
— Eu não sei… - começou, mas não completou.
Até porque eu não dei tempo para que ela fizesse isso.
— Quer saber de uma coisa? Acho que todas nós deveríamos ir, só para mostrar que continuamos lutando e não vamos deixar que um bando de torcedores fanáticos o julguem culpado ou não.
— Olha, eu não quero te desanimar, mas às vezes tenho que trazer um pouco de realidade para esse grupo. - disse. - No meio de tanta gente naquele estádio, a presença de vocês não vai fazer a mínima diferença.
Ouch.
tem razão. - afirmou, de ombros baixos.
Eu até concordava, porém tinha certa dificuldade para aceitar um fato como aquele. No meio do meu raciocínio, Jude soltou uma risada abafada enquanto ainda comia a minha comida e se esforçou para engolir antes de falar.
— Imagina que engraçado seria se o cara fosse desmascarado na frente do estádio inteiro que grita por ele. Uau!
Eu arregalei os olhos, praticamente sentindo todas as lâmpadas apagadas se acenderem ao redor da minha cabeça.
— Não, não, não.
, nem pense.
— Pelo amor de Deus…
E no meio da falação, eu ouvi o estalar de um tapa.
— Jude! - April exclamou. - Não sabe onde você está? Não pode dizer esse tipo de coisa nessa mesa!
— Gente, é perfeito! - eu disse, olhando para eles a minha volta, mas sem realmente enxergá-los, pois tudo que eu via na minha mente eram imagens e mais imagens de todas as possibilidades que aquela ideia me dava.
— Jude! - todos exclamaram, assustando o pobre rapaz que nem sabia o que havia feito de errado. Eu, no entanto, me estiquei na mesa para dar um estalado beijo em sua bochecha.
— Você é incrível!
— De novo, não. - murmurou, apoiando o rosto nas mãos.
— Não sejam dramáticos! - Mina disse. - O que tem em mente, ?
Sorri, feliz por ter pelo menos uma pessoa ali com o meu nível de raciocínio.
— E se a gente der um jeito de exibir o vídeo da Ashley e da Katy no telão? Todos vão saber e nós vamos chamar uma puta atenção para a nossa causa! Seja ela boa ou não.
— Ótimo! Agora tudo que precisamos é de um hacker de primeiro mundo. Acho que não vai rolar, né ? - disse, mas eu só pude revirar os olhos para toda aquela negatividade.
— Menos, bem menos. Só precisamos conhecer alguém lá de dentro. Eles não têm alunos estagiando lá? Cuidando dessas coisas? Não é possível que a gente não conheça algum deles!
Assim que eu terminei de falar, vi engolir em seco, mas ficar bem caladinho na dele. Desconfiei no mesmo segundo, achando que tínhamos, sim, um conhecido lá dentro.
— Não acho que seja simples assim, . - comentou.
— Eu definitivamente não acho que vá ser simples, só… possível. O que você acha, ? Você sempre tem uma opinião. - questionei, apoiando o queixo na mão e encarando-o diretamente.
Ele me encarou de volta, já ciente das minhas desconfianças. e eu havíamos passado o último ano grudados, sabíamos identificar muito bem as reações um do outro.
— Eu não sei se quero me envolver nisso. - disse, tornando aquela conversa só nossa, ainda que todos estivessem ouvindo.
— É por uma boa causa.
— Eu sei, , e só por isso estou considerando a ideia. Mas o que você quer fazer é grande, maior do que qualquer pegadinha que vocês e os rapazes tenham feito nos últimos meses, pode nos trazer consequências sérias.
Eu assenti.
— Tenho consciência disso e, ainda assim, eu faria. Pelo bem da Katy e de sabe-se lá quantas outras garotas, eu faria.
Nós trocamos alguns olhares por alguns segundos, sem nenhum argumento para acrescentar. E a decisão era toda dele.
Algum tempo depois, suspirou e olhou ao redor, finalmente nos tirando da nossa bolha.
— Talvez eu conheça alguém lá dentro.
Mina e eu fomos as únicas a sorrir, o resto parecia temer a ideia. em especial tinha uma carranca no rosto, provavelmente arrependido de ter trazido o assunto à tona.
— Isso é loucura. - ele disse e April, em um gesto de afeto que nenhum de nós havia visto até então, fez um carinho em seu braço para confortá-lo.
— Eu sei que é, . Mas se der certo....
— E se não der, ?! Tem noção de tudo que eu tenho a perder?
— Eu ten…
— Tem mesmo?! - me interrompeu, frustrado de uma maneira que eu havia visto poucas vezes em anos de amizade. - Tem noção que, se descobrirem que eu estou minimamente envolvido em algo assim, posso ser expulso do time? E que, se eu for expulso do time, eu perco minha bolsa? E que, se eu perder minha bolsa, tenho que dar adeus à UCLA porque não tem cenário algum em que eu ou meus pais consigam pagar as mensalidades?
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele saiu da mesa frustrado. Engoli em seco. Aquilo definitivamente não havia entrado nos meus planos.
— Vai ficar tudo bem. Eu vou ir falar com ele e vai ficar tudo bem. - afirmei, pronta para segui-lo, mas April foi mais rápida.
— Acho melhor eu ir. - ela disse. Considerando o quão próximos eles estavam nas últimas semanas, fui obrigada a concordar, deixando-a ir em meu lugar.
— Mal começamos e já está dando errado. O que isso te diz, ? - perguntou, com toda sua preocupação estampada no rosto.
— Que teremos que nos esforçar mais para dar certo. Só isso.
— Tudo bem. Comece convencendo as outras garotas que essa é uma boa ideia e depois os rapazes. Se conseguir fazer isso, eu mergulho nessa de cabeça. Pode ser assim? - propôs.
— Essa ideia é ótima! Eu vou me incluir aí. - disse.
Eu assenti, sorrindo. Já havia convencido tantas pessoas de tantas outras coisas, podia fazer essa última vez. Porque, se der certo - e vai dar -, Scott Murray cai e, depois dessa queda, o resto simplesmente vem.

Para a surpresa de todos nós, inclusive a minha, convencer todo mundo foi extremamente fácil. Para ser sincera, fácil não era a palavra certa porque não houve dificuldade alguma. Tudo que precisei fazer foi começar pela Katy.
— Nossa, isso é genial! - ela disse na ocasião, sorrindo. - Completamente maluco e arriscado, mas incrível! Ele merece essa exposição, . Ele merece muito pior.
Com a empolgação da Katy, não houve uma única pessoa naquela casa que se atreveu a ir contra a ideia. Por fim, a Nikki ficou responsável por deixar os rapazes a par dos próximos acontecimentos. Não queríamos realmente saber se eles gostavam da ideia ou não, já que o projeto todo pertencia unicamente a nós, eles só davam o apoio, porém era importante que não odiassem por completo ao ponto de perdermos até isso.
Tudo que posso dizer é que, menos de 48 horas depois, eu me vi com 100 dólares a mais no bolso.
— Foi muito bom fazer negócios com vocês. - disse para o e para a , ambos me encarando com cara de poucos amigos.
— Eu falei para você não enfiar dinheiro na história! Ela sempre ganha. - ele brigou e eu ri. Era verdade.
— Ah, não enche!
— Não briguem. Se vocês se comportarem direitinho, eu compro uma comida gostosa para nós três com o dinheiro.
— Eu tô com fome agora. - disse, mas eu balancei a cabeça para os lados, negando.
— Agora não. Tenho que ir atrás do . Eu fiz minha parte, chegou a vez dele.
Ela abaixou os ombros, decepcionada. , pelo contrário, deu um passo animado à frente.
— Vou com você. - afirmou. Eu assenti.
— Acho que eu vou também. - prosseguiu, fazendo com que ele engolisse em seco.
— Tem certeza, ? Nós só vamos ficar procurando pelo , acho que você tem coisas melhores para fazer, não? - ele argumentou e eu quis socá-lo pelo discursinho que só serviria para deixar ela desconfiada.
era uma pessoa desconfiada por natureza, realmente precisávamos piorar tudo? Ela ergueu os ombros e estufou o peito, o encarando como quem queria duelar… ou algo assim.
, vocês podem ter acabado de retomar essa amizade, mas é melhor ir com calma. Eu cheguei primeiro, meu amigo. Não no passado, porém cheguei primeiro no presente e é isso que importa. Não pense que vai tirar minha amiga de mim tão facilmente.
Pisquei algumas vezes, confusa com a defesa gratuita.
Hesitante, ele assentiu, talvez se segurando para não acabar corrigindo-a. Não era exatamente na nossa amizade que vínhamos investindo tempo nos últimos dias.
— Eu não tenho intenção alguma de fazer isso. - respondeu educadamente, segurando a risada.
— Vamos logo. - mandei antes que alguém falasse mais alguma besteira.
Depois de algumas tentativas, atendeu às nossas ligações e pediu que o encontrássemos perto do dormitório que ele dividia com o . E falando em , ele ainda odiava a ideia, mas aceitou que era uma alternativa e tanto se tratando da situação em que estávamos. No entanto, estava se mantendo o mais afastado possível de tudo para evitar se envolver e ser castigado por isso. Porque, de acordo com ele, alguém com certeza seria castigado.
— Espero que vocês saibam que não vão comigo. - ele disse assim que chegamos perto, se referindo ao “arranjo” do nosso plano.
‘Nosso plano’ já era um termo levemente equivocado. sabia ser misterioso e tentava deixar a coisa toda o mais “coberta” possível. Nós só sabíamos que a pessoa que ele conhecia que tinha chances de conseguir transmitir o vídeo era um contatinho que o devia um favor. Além disso, ele não era um hacker - o que seria muito legal! -, só um estagiário como qualquer outro.
— Por quê?! - questionei, já frustrada. - Nós estamos aqui como representantes da Kappa Kappa Gamma e da Lambda Chi Alpha, temos que saber em quem vamos confiar com informações tão preciosas.
Ele revirou os olhos. Muito rude, por sinal.
— Conta outra, .
— Eu vou ter que concordar. - me apoiou. - , não podemos ficar no escuro assim.
— Quanto menos pessoas souberem, melhor. Vocês acham que o está exagerando, né? Gente, nós vivemos em um país que vai a loucura por causa do futebol americano, esse jogo vai ser transmitido em todo o Estados Unidos. Acham mesmo que vão ficar felizes com um ataque desses? No território deles?
Ficamos em silêncio. Sabíamos de tudo aquilo, mas eu em especial optava por não focar naquela parte ou teria medo de seguir em frente. Assim como eu tinha naquele segundo.
— O que viemos fazer aqui então? - perguntou e sorriu.
— Vão me acompanhar para a aula. Eu tô meio solitário, sabe? está o tempo todo treinando, na aula ou com a April, não tem tido muito tempo para mim. - disse o rapaz que há algum tempo atrás implorava para que eu o salvasse do .
— É sério? Porque eu tenho mais o que fazer. , por que você fica me enfiando nessas roubadas? - reclamou. Eu encolhi os ombros, culpada.
— Eu tentei te avisar. - disse com um sorriso vitorioso.
Apesar de passarmos todo o caminho questionando, fez questão de não soltar informação nenhuma, o que me deixava extremamente frustrada. Eu entendia que aquilo deveria ser para o nosso bem, porém ficar no escuro em uma situação como aquela era impossível e eu ainda tinha alguns dias para encher o saco dele.
Quando deixamos ele, desistiu de lutar por mim e partiu, me dando um tempinho a sós com o .
— E aí, como você está? - perguntou, passando um de seus braços sobre os meus ombros.
Não fazíamos muito aquilo por ali, mas a maior parte do campus estava em aula (inclusive nós deveríamos estar) e haviam momentos, momentos como esse, em que simplesmente não nos importávamos.
— Cansada, animada, com medo… Mas tô bem, muito bem. Como você está?
— Eu vou bem.
Nós andamos por alguns minutos em silêncio, só aproveitando a companhia um do outro. Eu me sentia bem ali. Apesar de querer fazer coisas bem mais restritas do que uma caminhada no campus, não conseguia deixar de apreciar o quanto momentos como aquele faziam toda a diferença.
Nós dois tínhamos aulas onde deveríamos estar, mas jogamos essa preocupação para o fundo de nossas mentes por um tempo.
— Você acha que nós estamos fazendo a coisa certa? - o questionei com a pergunta que eu vinha fazendo a mim mesma o tempo todo nos últimos dias. Ele suspirou, pensando um pouco. - Por favor, não me diga que não sabe.
Eu realmente acreditava na sinceridade dele quando dizia aquilo, porém não deixava de ser agonizante e frustrante de se ouvir.
riu rapidamente.
— Eu acho que vocês estão fazendo a coisa certa. - afirmou. Por dentro, eu senti um grande alívio. Não que a aprovação dele fizesse toda a minha preocupação ir embora, mas ajudava. - Às vezes, penso que não gostaria que vocês dessem um passo tão grande quanto esse porque sei o quanto é arriscado, especialmente com frisando tanto isso, porém acredito que seja só eu com medo de que alguém decida te punir por isso ou algo assim. No final das contas, toda vez que paro para pensar no assunto, concluo que eu gostaria de fazer a mesma coisa no seu lugar, no lugar das outras garotas.
Sorri, feliz pelo “final das contas” existir em sua fala.
— Então você concorda com o ? Sobre nos deixar no escuro?
Ele assentiu.
— Vocês estão mais seguras assim.
Franzi o cenho.
— Por que veio aqui então? Poderia ter me pagado outro dia. - perguntei, pegando todo o clima delicado e meio romântico que estávamos até então e jogando no lixo de uma vez só.
— Eu queria encher o saco da um pouco… E ganhar um tempinho com você. - desconfiada, eu o encarei de lado, ainda que sentisse um bom número de convenções sociais querendo que eu suspirasse e murmurasse algo parecido com “aaaawwwnnn”. - Não me olhe assim, eu sempre fui um namorado muito romântico. Você era a ogra da relação.
— Ei!
— Tô mentindo?
— Não, mas… Cuidado com as verdades.
Ele virou os olhos e riu, me puxando para beijar o topo da minha cabeça. Eu tinha um sorriso aberto e nada falso nos lábios, mas não deixei que ele visse.

Um milhão. Esse poderia facilmente ser o número de pessoas que me cercavam. É claro que, além de mentira, era fisicamente impossível. 100 mil? Talvez. Um milhão? Nem fodendo. No entanto, era essa a impressão que eu tinha.
Provavelmente era só o resultado de muitas pessoas eufóricas em um mesmo espaço, pessoas que pareciam simplesmente não ter condições de ficarem paradas por mais que um par de segundos. Não podia culpá-los, era um grande dia. Definitivamente um grande dia para todos nós.
Hoje, havia uma quantidade extremamente de Kappas ali, especialmente se você considerar que a maior parte da nossa casa não está minimamente aí para futebol americano. Porém, ninguém queria perder a exibição do vídeo e eu estava suando frio por causa disso.
Por isso e por eu não ter ouvido um ‘a’ do e seu amante misterioso há mais de 24 horas. Por tudo que eu sabia, a coisa poderia muito bem nem rolar mais. Bom… Eu gostava mais dessa possibilidade do que a de tudo dar errado. O problema é que haviam tantas, mas tantas possibilidades e todas elas circulavam na minha mente, uma tão frustrante quanto a outra, se aproveitando de cada pingo da minha sanidade.
— Ele tá chegando?
Dei de ombros. Eu não tinha ideia e odiava isso.
— Vocês precisam se acalmar. - April afirmou, porém não tinha a capacidade de se manter quieta no mesmo lugar.
— Você que o diga. - Mina respondeu, a encarando de lado.
— Preciso que vocês se acalmem para que eu possa acreditar que não existem motivos para me preocupar.
— Mas existem. - disse simplesmente e ninguém falou nada porque era apenas a verdade. Uma verdade muito preocupante, mas talvez séria demais para ser suavizada.
— Vocês vão passar o jogo inteiro com essas expressões de velório? - perguntou tentando se manter sério e falhando logo ao rir das nossas caras.
Para quem havia dado tantos avisos sobre o quanto aquilo que íamos fazer era perigoso, ele parecia estranhamente relaxado. E feliz. E positivo sobre a coisa toda.
— Cadê o cara? - Nikki questionou, frustrada com a falta de companhia do meu amigo.
— Lá dentro. - respondeu tranquilamente.
Ela arregalou os olhos.
— Como?!
— Gente, esse é o trabalho dele… Ele está aqui há horas.
— E por que estamos aqui esperando?
— Tá aí uma resposta que eu não tenho. - murmurou, dando de ombros.
Ela buscou então a resposta da pergunta em mim, mas eu estava tão perdida quanto qualquer uma ali.
, nós precisamos saber quem é esse cara, qual é o plano, o que devemos fazer ou esperar… - falou, tentando colocar em palavras o que a Nikki devia estar sentindo no momento.
Ultimamente, ela vinha se expressando mais do que o normal, deixando de dar prioridade para toda aquela calma e sensatez de sempre. Às vezes, eu não conseguia deixar de pensar que a situação da nossa irmandade era refletida diretamente na maneira como a Nikki reagia as coisas. Infelizmente, o significado disso não era muito animador.
suspirou.
— Achei que já tivesse deixado isso claro para todo mundo. - disse sem entusiasmo algum para repetir tudo. - Não vai rolar. Ele vai fazer o que tem que fazer, nós vamos apreciar as consequências e então seguir em frente. Ok?
— Você realmente acha que eu vou confiar a segurança e reputação da Kappa Kappa Gamma nas mãos de alguém que eu nunca vi? Não sei nome, endereço, intenção…
Ela ia continuar falando, mas a visão da Katy se aproximando a parou. Até porque ela não só se aproximava, vindo também com um grande sorriso e o entusiasmo que não víamos há algum tempo.
— Boa tarde! Estão prontos? Porque eu mal posso esperar! - exclamou, com um toque de maldade no tom.
— Tudo pronto. - respondeu, sorrindo. - Só estou discutindo uns últimos detalhes com a Nikki. - continuou, voltando a encará-la atento.
Ela suspirou, facilmente rendida.
— Tá tudo pronto. - repetiu.
Eu conseguia compreender todas aquelas preocupações e questionamentos. Se para eu, que tinha muito pouco haver com a paçoca não gostava, para ela, que tinha uma casa inteira sob o seu controle o tempo todo, devia ser algum tipo de tortura.
Yay! Vamos lá.
A felicidade da Katy com aquele acontecimento em particular era tanto que ela nem se importava com detalhes como saber o que diabos iria acontecer. Além disso, acompanhar tudo de casa nunca foi uma opção, apesar de todas as nossas indicações. Não sabíamos que tipo de ambiente teríamos se o vídeo realmente fosse para o telão. Ashley, como a dona do canal, ficou bem quietinha em casa estudando.
No entanto, eu não deixei de notar que muito de seu rosto estava coberto por um boné e todo o cabelo solto. Estando com ele preso no vídeo, ninguém a reconheceria a não ser que estivesse realmente se esforçando para isso.
Entramos juntas no estádio, porém a Nikki nos deixou para se juntar as cheerleaders. Ela não queria e vinha dizendo há dias que estar no time enquanto tudo acontecia a deixava mal, mas era sensata demais para simplesmente dar as costas à elas de uma hora para outra.
Não nos afastamos muito, ficando perto o suficiente para que ela ouvisse qualquer grito que déssemos dali. Não que estivéssemos planejando gritar muito, mas ainda assim era um conforto.
Era cedo, então tínhamos tempo de sobra para discutir possibilidades de desfecho, como sair correndo dali sem muitos problemas e coisas assim. O tempo todo eu desejei que o aparecesse para pelo menos dar um oi, pois não queria fazer aquilo sem ele, mas isso não aconteceu. Eu sabia que tínhamos a autorização, porém eu não o via desde o dia que tivemos a ideia, havia recebido apenas mensagens através da April e isso era frustrante. E triste. Um pouco desesperador.
Felizmente, os rapazes da Lambda não deixaram de marcar presença, sentando em grupo próximos a nós. não se aproximou, se contentando apenas com um sorriso e um aceno à distância, dois gestos que me irritaram profundamente, especialmente pela parte da distância. No entanto, fiquei quieta na minha porque eu havia começado aquela brincadeira que, por algum motivo, em algum momento, deixou de ser divertida.
O tempo foi passando e o estádio lotando ainda mais até que não houvesse uma cadeira vazia sequer. Ao nosso redor, estavam todos os tipos de pessoas imaginável, cada uma com seus interesses em particular apenas aguardando pelo momento em que todos compartilhariam um só… Isto é, aqueles que não estão cientes do que estava prestes a acontecer.
Eu não sabia se era a ansiedade ou o medo, mas senti cada minuto e cada segundo dentro deles. Mesmo assim, o tempo voou e, antes que qualquer uma de nós estivéssemos pronta, a banda entrou para começar seu show. Era tudo muito talentoso, muito bonito, porém eu tinha minha mente em outro lugar. Para ser mais específica, em todos os telões que aquele lugar possuía.
— Você sabe quando vai ser? - perguntei para o , só então percebendo que aquela era uma das coisas mais importantes a se saber.
— Não exatamente, mas deve demorar um pouco. Ele precisa encontrar uma brecha.
— Tipo no sistema? - Mina questionou, já impressionada.
— Não… Ele não é hacker, pessoal. Esqueçam isso. Ele tem que achar uma brecha para fazer a coisa toda sem deixar pistas de que foi intencional. - respondeu, levemente sem paciência, no jeito de ser.
— De certa maneira, isso é muito legal. - Katy começou. - Se não sabemos exatamente quando vai rolar, vamos ficar tão surpresos quanto todo o resto. Assim podem não desconfiar tanto da gente.
Eu não achava que isso fazia muita diferença porque não tínhamos exatamente câmeras apontando para o nosso lado, mas guardei para mim o comentário.
— Ô meu Deus, é hoje que a ansiedade toma conta de mim. - choramingou, ganhando um abraço da namorada.
April continuava calada, viajando em seu próprio mundinho, aquele em que provavelmente não havia milhares de fãs de futebol ao redor dela.
Respirei fundo. Precisava manter a calma. Ainda que milhões de baldes de água fria pudessem cair em cima de nós hoje, eu precisava estar calma e no controle.
Logo os jogadores entraram em campo. Katy deu uma leve travada, mas não se deixou abalar por muito tempo, o que era realmente impressionante. Eu duvidava que tivesse a capacidade de fazer o mesmo. E, para ser honesta, gostaria que ela não tivesse porque realmente odiava vê-la em uma situação como aquela.
Quando o jogo começou, eu prestei atenção tempo o suficiente para encontrar o no meio de todos os caras. Ali - e na maioria dos outros lugares -, ele me parecia inabalável. Desejei que fosse o bastante para não permitir que eu estragasse tudo com algo assim.
A partir do momento em que eu garanti que ele estava lá e bem - se não considerarmos a quantidade absurda de rapazes se jogando contra ele -, minha mente e meus olhos começaram a vagar pelo resto do estádio, incapazes de parar e se concentrar em uma coisa só.
Observei a Nikki repetir sua coreografia de novo e de novo, perdendo um pouco de ritmo e animação em cada uma delas. Notei o me encarando incansavelmente ao mesmo tempo em que trocava algumas palavras com o Ryan e o Joe. Pensei em enviar uma mensagem perguntando qual diabos era o problema dele comigo naquele dia, só para extravasar um pouquinho todo o meu estresse, mas resisti. E não foi nada fácil.
Vi a April falhar uma série de vezes na arte de tentar conter seu nervosismo, especialmente quando uma jogada muito violenta era feita lá embaixo. Eu não precisava assistir o jogo para saber que o estava envolvido em todos. Também notei a Katy perder seu entusiasmo pouco a pouco, assim como a Nikki. Ela vinha se mantendo em movimento e alerta até então, agora estava parada e, provavelmente, se dando conta de todo o cenário.
Enquanto o tempo passava e nada de interessante acontecia, eu observei até as mudanças de expressões dos torcedores, que, depois de mais de uma hora de jogo, se decepcionavam cada vez mais com o UCLA Bruins. que me perdoe, mas eu tinha que admitir que já havia visto jogos infinitamente melhores do que aquela “estreia”.
Era quase como se eles sentissem que a carreira do seu jogador principal estava prestes a entrar em uma crise.
Quando o intervalo chegou e nada fora do comum aconteceu, eu comecei a considerar a ideia do rapaz ter desistido de nos ajudar. O que ele tinha a ganhar com isso, afinal de contas? Além do mais, o próprio começava a mostrar seus sinais de preocupação, os quais eu fingi que não via, pois não queria preocupar e estressar ainda mais as garotas.
— Eu preciso comer. - April murmurou aleatoriamente no meio de seu nervosismo interno. A olhamos, esperando que ela desenvolvesse a frase anterior. - Na verdade, eu preciso de um ar, mas o único lugar onde eu talvez consiga isso é perto daquele carrinho de cachorro quente lá no fundo, então eu vou comer.
Nós assentimos e ela partiu, dando passos firmes em direção ao seu objetivo. A admirei por isso. Qualquer coisa era melhor do que aquela situação e aquela posição.
Mas , foi você que incentivou todo mundo com essa ideia maluca. Tá com medinho agora, fofa?
Eu sei que é isso que você está pensando agora. Talvez em um outro tom ou com palavras menos odiáveis.
Veja bem… Você tem razão. E eu me odeio profundamente por concordar. Não me entenda mal, ainda acho a ideia incrível e Deus abençoe o Jude por ela, mas, quanto mais tempo ia se passando e mais perto chegava, maior era a minha consciência do quão complicado algo assim pode se tornar. Eu já tinha tantas coisas desagradáveis para lidar, não gostaria de adicionar mais problemas com a universidade à lista.
— Todos bem? Sobrevivendo até aqui? - Katy se pronunciou, parecendo tentar levantar mais o espírito dela mesma do que qualquer outra coisa.
Enquanto eles respondiam, eu voltei meus olhos rapidamente para a nossa direita, encontrando os olhos azuis do em cima de mim. De novo.
Revirei os olhos e busquei meu celular.
“Perdeu alguma coisa aqui?”
“Meu coração. Pode devolver?”

Eu parei, encarando a tela, dividida entre rir ou ficar assustada. Ele voltou a digitar logo depois. Lá embaixo, o jogo voltou do intervalo.
“Desculpa, eu não podia perder essa oportunidade. Não termina comigo.”
O encarei novamente, agora fora da tela do meu celular, e ele sorriu, segurando uma risada e dando de ombros.
“Não namoramos. Eu não posso terminar o que nunca começou.”
“Você sabe que a gente pode mudar isso rapidinho.”

Ergui as sobrancelhas, um pouco surpresa. Bem pouco.
“Não seja bo…”
O que aconteceu naquela festa?
Eu fui violentada… Estuprada… Eu fui estuprada por Scott Murray.
Congelei. Eu e o estádio inteiro, inclusive cada um dos jogadores no campo, todo mundo com os olhos voltados para o telão. Até o próprio Scott Murray, que tirou seu capacete quase que em câmera lenta no momento.
Nesse momento, aquela me parecia uma ideia estúpida.
O vídeo online não começava já naquela declaração, mas havia sido editado para aquele evento em especial, pois não sabíamos quanto tempo teríamos até ele ser tirado do ar. Precisávamos mandar a mensagem principal logo de cara.
Quer falar sobre isso? - a Ashley do vídeo perguntou.
Só ouvíamos sua voz. A imagem era toda voltada para o rosto da Katy e suas reações.
Eu vim aqui pra isso. - respondeu, soltando uma risada nervosa. - Mas é um assunto difícil. E todos os dias eu desejo que minha vida nunca tivesse cruzado com a vida daquele cara.
Ela engoliu em seco.
No vídeo original, havia uma pausa bem longa nesse momento. Ali foi rápido.
Murray é a estrela do time da UCLA. - Ashley afirmou, dando algo com que a Katy poderia trabalhar.
Eu sei. Engraçado, né? O país…
Todos os telões foram desligados.
Por alguns segundos, muito poucos, muito rápidos, eu tive a impressão de conseguir ouvir meu coração batendo desesperado no peito, tamanho o silêncio daquele lugar. No entanto, o burburinho começou logo e seu volume foi aumentando tão rápido quanto. A partir daí, eu tive muita dificuldade para compreender o que diabos estava acontecendo ali.
A primeira coisa que eu fiz foi procurar pela Katy, encontrando-a paralisada ao encarar algo a sua frente. Segui seu olhar e compreendi rapidamente o por quê. Estávamos próximas do campo e Murray também olhava diretamente para ela, carregando mais ódio do que eu achava já ter visto. Isso começou a chamar a atenção do resto das pessoas para o nosso lado.
Até que a mão do encontrou em cheio o rosto dele, fazendo-o se inclinar para o lado por causa da força. Aí todos os olhares se voltaram para os dois rapazes do mesmo time agredindo um ao outro e certamente não da maneira que eles gostavam de ver.
Felizmente (ou não), os próprios rapazes do time foram rápidos para separar um do outro, mas os rostos de ambos já não eram os mesmos. Bufando de raiva, eles se soltaram rapidamente, mas, para a nossa surpresa, não voltaram a se atacar. até teve o impulso de tentar, porém seu plano falhou quando Scott deu meia volta e começou a andar em outra direção. Em nossa direção.
Passos rápidos e firmes, mãos fechadas em punho, o olhar de quem estava pronto para matar quem fez aquilo com ele. Dos lábios saíam uma série de xingamentos que não conseguíamos compreender, mas, honestamente, era melhor assim. Eu fiquei com medo. Por isso, não tinha nem mesmo a capacidade de imaginar a situação da Katy.
Só quando eu concluí que não poderia ficar pior, percebi uma movimentação às nossas costas. foi o primeira a olhar, engolindo em seco logo depois. Eu fiz o mesmo, arregalando os olhos quando percebi que os movimentos de Murray definitivamente haviam chamado atenção para nós agora. Como resultado, um monte de pessoas se aproximavam e eu não fazia ideia da intenção delas, mas a grande maioria não parecia feliz.
Coloquei um dos meus braços ao redor da Katy, assim poderia falar baixinho no ouvido dela.
— Não quero que se assuste, mas acho que nós temos que sair daqui.
Ao perceber toda a movimentação do público, Scott saiu de fininho, dando um jeito de se enfiar no vestiário. No entanto, os olhos dela continuavam cravados no lugar que ele estava antes em uma mistura de medo e ódio profundo.
e Nikki se viraram para me dar apoio no mesmo momento que um corpo bateu no meu, quase derrubando eu e Katy juntas. Me soltei dela, entregando a maior responsabilidade para as garotas a fim de ver o que diabos era aquilo. Me virei para perceber que eu estava literalmente no meio de uma confusão. Um monte de pessoas eufóricas, sabe-se lá com o que, tentavam se aproximar e a única coisa que os separava da gente eram os rapazes, que em algum momento formaram uma espécie de barreira.
Porém, eles não eram tantos assim nem tão fortes. Por isso alguém bêbado demais para se conter caiu para o meu lado. Não satisfeito, ele agarrou o meu braço como apoio para se levantar.
— Tá louco?! - eu gritei, pois já não conseguia ouvir nada além de um barulho muito alto de pessoas falando ao mesmo tempo. O homem de meia idade, calvo, fez algumas decisões ruins ao me ignorar e tentar me escalar novamente, se agarrando à minha blusa. — Me solta!!!
A primeira coisa que eu vi foi o copo de cerveja intacto em sua mão livre. Peguei-o e virei completamente em cima do homem. Eu diria que ele não ficou muito feliz. O banho deu a ele raiva e, sejamos sinceros, esse é o melhor combustível. Em pouco tempo ele já estava de pé, pronto para dar na minha cara, pelo que seus dedos fechados em punho me diziam.
Engoli em seco.
Eu era uma garota forte, porém não o suficiente para escapar ilesa do belo soco que eu levaria se continuasse paralisada ali. Mas eu fiquei. Fiquei tempo o suficiente para ver sua mão se aproximar perigosamente, até que uma parede alta surgiu entre nós, levando o soco por mim.
envolveu seus braços ao meu redor, me afastando do cara que já nem sabia mais o que estava acontecendo. Ele não era o único.
— O que você pensa que está fazendo? - ele disse no meu ouvido, mas meu corpo inteiro sentiu o arrepio.
Eu sei, aquela era uma péssima hora e, lá no fundo, eu queria matá-lo por se intrometer na minha briga, porém não podia ignorar o fato de que era seu corpo quente colado ao meu e ele sabia que meu ouvido era um ponto fraco.
virou meus ombros para frente, assim eu poderia ver que um bom número de seguranças abria caminho para nos escoltar para fora dali, uma vez que o público atrás de nós estava extremamente instável. e as garotas estavam tão longe que eu já não as via mais, então o puxei comigo e, um a um, todos os rapazes foram saindo também.
Assim que garantiram que estávamos todos do lado de fora, bem, eles se apressaram para dentro novamente a fim de conter aquela pequena bagunça que nós causamos (detalhes que eles ainda não sabiam).
Antes que eu pudesse me juntar às meninas, me puxou de volta para si, me olhando de cima a baixo preocupado.
— Ei, eu tô bem. - afirmei, mas as minhas palavras não passavam a confiança que ele precisava, pois ele continuou me inspecionando até chegar no meu rosto. - Eu tô bem.
— Tem certeza? Ele te machucou? Tocou em você? - questionou. A minha vontade de dar esse detalhes no momento era mínima, então esperei que meu gesto falasse por mim.
Subi na ponta dos pés e puxei com delicadeza seu rosto para mim, juntando nossos lábios. Ele era um garoto esperto, entendeu rapidamente e voltou a me abraçar pela cintura, só deixando o beijo acontecer. Lento, calmo, envolvente, o oposto completo ao momento que havíamos acabado de viver, porém mais intenso ainda. Daqueles que apagavam o resto do mundo, tirava os pés do chão e minha cabeça do lugar.
— AAAAAAAAAAAAAH MEEEEEEEEEEEU DEEEEEEEEEEEEUS!!!
Definitivamente tirava minha cabeça do lugar.
Nos afastamos tão rápido que eu senti certa tontura pela troca repentina de clima, como se aquilo fosse fazer a pensar duas vezes e dizer: “ah, não, vi errado”. E, dessa vez, eu só tinha a mim mesma para culpar.
— Que beijo foi esse?! - perguntou, ainda falando em seu tom mais agudo, enquanto se aproximava da gente.
Aquilo parecia ser justamente o que a Katy precisava para sair do seu transe, porque agora seu rosto só mostrava surpresa e animação. Mina e nos olhavam como se tivessem acabado de confirmar suas maiores confianças e, Nikki, que em algum momento havia se juntado a elas, sorria, também nem um pouco surpresa.
— Aaahhh… - tentou falar, mas logo me olhou, implorando por ajuda. Infelizmente para ele, eu também não tinha resposta.
— Não acredito que isso finalmente aconteceu! E eu estava aqui! Vi tudo! - continuou a falar, absurdamente animada.
— Tão inocente, tadinha. - Mina disse, acariciando o cabelo da namorada.
— Que foi? - ela perguntou, mas eu avistei meu amigo em uma oportunidade perfeita de sair dali.
! - exclamei, correndo na direção dele. Todos me seguiram.
Não havia sangue, o que era bom, mas seu olho ficaria roxo durante alguns dias.
— Vocês estão bem? - ele perguntou, dando uma boa olhada para cada um.
Nós assentimos. Estávamos bem. Poderia ter sido pior.
Quando terminou sua revista, ele franziu o cenho, confuso. Deu mais uma olhada e a preocupação apareceu.
— Que foi? - questionei.
Ele me encarou com cara de poucos amigos.
— Cadê a April?
Eu abri a boca para falar, mas não consegui porque travei. Imediatamente minha mente fez uma retrospectiva atrás do último momento em que a viu e começou a explodir de preocupação a partir daí.
— Ô meu Deus, ela ficou lá dentro. - Mina concluiu e todos nós nos viramos para o estágio, mais imponente que nunca.
— É sério? - perguntou, soltando uma risada incrédula que não tinha nada de divertida. - Vocês realmente deixaram ela lá dentro?
— Nós não deixamos ela lá dentro, não. - respondeu, ofendido. - Ela se afastou da gente antes da confusão toda.
— Obrigado, pessoal. Realmente muito obrigado. - disse, todo trabalhado na ironia, indo novamente em direção a entrada.
— Ei, eu vou com você! - afirmei, seguindo-o.
— Não vai, não! Nenhum de vocês! O jogo foi cancelado e logo todo mundo começa a sair, então vocês vão embora sem mais confusões por hoje, tá legal? Eu aviso assim que encontrar ela.
Sem me dar chance alguma de discordar, ele correu atrás dela, me deixando ansiosa para trás.

Bufei, balançando a cabeça em frustração pela quantidade de pensamentos que corriam pela minha mente. Todos ruins e negativos, me fazendo sentir, no mínimo, muito boba. E fraca.
— O que foi dessa vez? - resmungou ao meu lado, respirando fundo na busca de toda sua paciência.
Ele foi o único que restou. O resto deles olharam para o meu repentino mau humor e decidiram que não queriam lidar com ele, então saíram para comer alguma coisa e comemorar o plano que deu certo. Agora voltávamos para a minha casa, lugar onde eu só gostaria de me sentar e esperar pela ligação do . Ele havia mandado uma mensagem de texto vários minutos atrás dizendo que já estava com ela, mas não deu mais detalhes, só prometeu ligar novamente depois e eu precisava dessa ligação.
— Só tô questionando aqui na minha cabeça o por quê de você ter se intrometido entre eu e o cara.
Ele começou a rir. Quando eu não fiz o mesmo, ele ficou preocupado.
— É sério? Assim, de verdade?
Dei de ombros. Eu tinha meus motivos para crer que queria entrar naquela discussão.
— Eu sei me defender sozinha, . Muito bem, por sinal! Você não precisa ficar se intrometendo. - eu disse, abrindo a porta de entrada. Ele me seguiu casa adentro e escadas cima.
— Você viu o tamanho daquele cara? Viu o estado dele? Ele estava prestes a te acertar.
Assenti. Era verdade, mas esse não era o meu ponto.
— O que eu tô tentando dizer é que eu não preciso de você, entendeu?
— Eu não entendi, não! - respondeu. - Talvez queira me dizer algo assim em outro momento, tipo um em que você não tenha acabado de me dar um puta beijo na frente de todo mundo. Isso deve ter me deixado meio burro.
Drama queen.
Nós entramos no meu quarto, agora vazio, e ele fechou a porta.
— Eu só não quero que você fique bancando o meu herói, tá legal? Não é seu papel! Eu me enfio nessas situações com certa frequência e, de alguma maneira, sempre dou um jeito de sair. É como a minha vida anda. Não precisa ficar me salvando, bancando o protagonista gato dos filmes de romance que sempre estão lá na hora certa. Se pensar bem, isso é melhor para você! Não quero colocar esse peso sob os seus ombros.
— É, eu teria que pensar muito bem. - disse, parando por alguns segundos. - Você só tá descontando em mim sua raiva pela situação do e da April, não é?
— Não! Eu realmente me preocupo com o que acabei de te falar. - falei, encolhendo os ombros.
— Tenho certeza que sim, mas, … Tá tudo bem. Foi até melhor que ela não estivesse no meio de toda confusão, você conhece a sua amiga, ela iria realmente se assustar com aquilo tudo.
Revirei os olhos.
Ele estava certo, definitivamente, porém não era sobre a minha culpa que eu queria conversar e sim sobre a dele. A minha culpa já ficaria me perseguindo por dias o suficiente.
— Não é disso que eu tô falando!
— Então me diz do que está falando, ! Porque de todas as coisas que nós dois poderíamos fazer juntos nesse quarto, sozinhos, discutir é a menos divertida.
Parei por um momento. Era verdade. E eu havia passado os últimos dias imaginando dezenas de formas diferentes para realizá-las.
Suspirei, me sentindo boba mais uma vez.
— É verdade. - engoli em seco. - Quer jogar algo?
ficou confuso e surpreso por alguns segundos, mas conseguiu dar a volta por cima, sorrindo descaradamente para mim.
— Claro, o que você tem em mente?
— Uno. - respondi simplesmente.
Ele hesitou.
Strip uno? - questionou, temeroso.
— Só uno.
Andei até a escrivaninha, procurando o baralho em uma das gavetas. Eu estava sendo ridícula. Completamente ridícula e sabia disso. Mas aquele já havia sido um dia lotado de fortes emoções, eu não sabia o quanto mais poderia lidar.
Me sentei na cama de , a de mais fácil acesso, e comecei a embaralhar as cartas. Ele se sentou à minha frente, deixando transparecer toda sua confusão. Eu até senti pena, pois eu mesma estava me irritando por razões completamente imbecis.
— Com quantas cartas começa mesmo? - questionei, me esforçando para focar toda a minha atenção no monte de cartas.
. - ele me chamou.
Essa era a hora que nós poderíamos fazer aquela brincadeira em que eu deixo ele me chamar e finjo não ouvir até que a situação se tornasse ridícula, mas levantei os olhos na mesma hora, totalmente sem paciência para o jogo.
— Sim?
— Tudo bem?
— Tudo ótimo.
— É que você me parece um pouco estranha. - ele disse, com medo da minha reação e com razão.
— Por que não pular em você e transar agora me faz estranha? - questionei de volta, fazendo-o perder sua fala por alguns segundos.
— Você sabe que não é isso. - falou quando seu choque se dissipou. - É que… Bom, você tem me mandado todos esses sinais há um tempo e nós dois nos frustramos tanto com o universo, só achei que aproveitaríamos um pouco melhor nosso tempo juntos. Sozinhos.
Suspirei, abaixando o olhar para as minhas mãos. Não era justo partir para a grosseria só porque eu tinha vergonha demais de admitir, eu sabia disso. Tinha que tomar decisões melhores, mais maduras, a fim de fazer aquilo dar certo.
— Tá! - exclamei, batendo nas minhas próprias coxas. Foi uma atitude idiota, mas eu precisava daquela “acordada”. - Eu tô com medo, tá legal?
Ele engoliu em seco.
— Medo do que? - encolhi os ombros. - , sabe que eu nunca te machucaria.
— Eu sei, eu sei! É mais complicado do que isso. Eu sei que você não me machucaria… fisicamente.
Depois disso, nós experimentamos alguns segundos de silêncio, tempo o suficiente para ele tirar suas conclusões.
— Não sei o que dizer… Eu já fiz todas as promessas que poderia. - ele murmurou. Eu assenti.
Eu merecia um belo parabéns por ter transformado um tesão acumulado por semanas num clima frio e receoso, de verdade. Porém, agora que havia começado, eu continuaria.
— Não quero que você fique fazendo promessas e todo aquele blá blá blá, só estou dizendo que tenho medo. E não posso simplesmente deixar de sentir medo. Ainda que na maior parte do tempo eu realmente queira simplesmente pular em você e fazer tudo aquilo que nós dois temos vontade, não consigo. Não se tratando de alguém com que eu me importo tanto.
— Você fez isso com o Nick. - ele falou automaticamente, se arrependendo logo depois.
Exatamente. - eu concordei ríspida e lentamente, esperando que assim o infeliz entendesse.
— Ahhh…
— Cada novo passo nosso me deixa nervosa porque eu espero o tempo todo que um de nós falhe, tenho dúvidas sobre tudo e minha mente me leva a pensar que talvez não devesse ser assim. Não costumava ser assim, certo? - ele negou com a cabeça. - Você se sente assim também?
Seus olhos ficaram nos meus por um tempinho, em um misto tristeza e conformismo, enquanto ele esticava os lábios em um sorriso. Logo sua cabeça foi para os lados novamente, negando.
— Não. - ele enfatizou vocalmente. - Na maior parte do tempo, eu só consigo pensar no quão sortudo sou por ter essa segunda chance, em como vou fazer tudo dar certo dessa vez e… Bem, em você. Eu penso muito em você. E toda vez que penso em você, sinto que estamos no caminho correto, mesmo com a quantidade absurda de obstáculos que colocamos nele.
Sorri, levando uma das minhas mãos ao seu rosto com carinho. Lá no fundo, existia uma com náuseas pelo romance barato, mas a que comandava estava encantada com o pequeno discurso. Simples, básico, porém funcionava muito bem ao me fazer tirar da cabeça todos os temores e dúvidas que às vezes me faziam pirar.
Se podia ter aquele olhar positivo sobre nós dois depois de tudo que passou na minha mão, eu também deveria ter aquela capacidade. Nós dois merecíamos aquilo. Nós dois engolimos alguns sapos para chegar até aquele momento e merecíamos borboletas e prazeres, não questionamentos infinitos.
Então eu decidi que, pelas próximas horas, seríamos apenas nós dois, juntos. O resto do mundo ficaria do lado de fora e, lá, estavam tudo aquilo que nos impedia - ou melhor, me impedia - de estar ali de corpo e alma, sem preocupações.
Me coloquei de joelhos sobre a cama e aproximei meu rosto do dele, roçando de leve nossos lábios.
— Onde é que nós paramos da última vez mesmo? - sussurrei e ele abriu os olhos em surpresa.
Surpresa porque ele sabia que eu não me referia a última vez em que estivemos naquele quarto. Eu ia bem mais longe, em um dia que eu gostava de pensar que havia sido espetacular por finalmente ter minha vingança e em um dia que eu jamais imaginaria o cenário atual em que eu me encontrava. Ainda assim, gostava muito dele.
Quando percebi que ele estava maravilhado demais para formar frases, eu apenas passei reto pela boca e fiz meu caminho mais ao sul.
Tudo estava bem, por enquanto. Me permiti me entregar a ele da mesma forma como ele se entregava a mim há tanto tempo e não me arrependi por um segundo. Só aproveitei todas as sensações, os sentimentos, as borboletas sem fim e até as risadas de nervoso.
Porque, não importava quanto tempo passasse, eu percebi que conseguia ansiar pelo toque dele como se fosse a primeira vez, conseguia descobrir novos prazeres e reencontrar outros que eu não tinha ideia de quanta falta fizeram. Eu e ele, nós ficaríamos bem. Se todas as noites fossem remotamente tão intensas quanto aquela, ficaríamos muito bem.


Capítulo 23

Ser uma estudante em uma boa universidade tinha suas vantagens. Na verdade, tinha muitas delas. No entanto, havia uma desvantagem que me fazia repensar todas as manhãs a minha real necessidade de uma graduação: a falta de uma boa noite de sono, especialmente com todos os acontecimentos mais recentes.
Eu não sei você, mas mesmo que, teoricamente, eu tenha algumas boas horas livres para dormir, eu nunca realmente relaxava graças a infinidade de coisas que eu teria para fazer no dia seguinte ou, pior ainda, que eu deveria estar fazendo naquele momento. E todas as manhãs eu tinha que me arrastar para fora da cama com uma vontade patética de jogar tudo para o ar.
Por isso, eu estava me sentindo em uma outra dimensão ao acordar sentindo meu corpo verdadeiramente leve e descansado, como se eu pudesse abrir os olhos naquele momento e fazer todas as tarefas do mundo, tranquila. Algo verdadeiramente surpreendente, afinal de contas, nós não dormimos tanto assim… Se esse era o efeito que um ao meu lado durante a noite tinha, teríamos que repetir mais vezes - por este e outros motivos -.
No entanto, quando eu procurei por seu corpo ao meu lado, encontrei um lençol vazio ainda com o calor dele. Uma parte de mim quis ignorar isso e só fechar os olhos por mais um tempinho, porém a curiosidade criada pelos sons dele se mexendo em algum lugar próximo me fizeram abrir os olhos.
— Bom dia. - ele disse, sentado na beirada da cama da e me lançando um sorriso enquanto amarrava o tênis.
Eu resmunguei alguma coisa qualquer, ainda sonolenta demais para formar frases completas. Ele riu, se aproximando da minha cama e voltando a se sentar ao meu lado.
— Ainda é cedo. Dorme mais um pouco. - disse, passando os dedos pelos meus cabelos em um cafuné gostoso.
Sorri e fechei os olhos, mais do que disposta a seguir aquele conselho. Até três batidas na porta arrancarem brutalmente a minha paz.
— Eu não sei se vocês se lembram nesse momento, mas outras pessoas dormem nesse quarto. - comentou tranquilamente. Parecia não querer atrapalhar mais do que o necessário.
Mina, no entanto:
— É! Cai fora, !
Ele riu rapidamente, mas não se intimidou.
— Eu vou sair em cinco minutos. Esperem lá embaixo.
— Em cinco minutos e um segundo, eu vou estar de volta, camarada. - Mina continuou, fazendo-o revirar os olhos.
No entanto, no exato segundo em que os passos das garotas se afastaram, o sorriso voltou para os seus lábios e ele era direcionado para mim. Esse tipo de detalhe podia ter diversos efeitos em uma garota, do mais romântico ao que você já sabe.
— Agora eu acordei. - concluí, me aproximando. - Podemos aproveitar de verdade esses cinco minutos.
Eu não era muito a favor de beijos antes de escovar os dentes de manhã, mas não existia nada no mundo que eu gostaria de fazer naquele momento além de beijá-lo. Então juntei nossos lábios, já sentindo aquela enxurrada de sensações que, Deus! Como eu havia sentido falta.
— Cinco minutos não são o suficiente com você, . - ele murmurou entre o beijo.
— É melhor que nada, não? - questionei, me afastando só um pouco.
— Com certeza. - ele assentiu. - Mas o que eu quero dizer é que, se eu começar esses cinco minutos, a , a Mina e meu treinador juntos não me tiram desse quarto.
Eu engoli em seco, sentindo cada centímetro do meu corpo se arrepiar com as palavras.
— Ok, você não pode falar algo assim. Agora não tem chance alguma de eu te deixar sair daqui.
Porque agora tudo que eu tinha em minha mente eram uma série de vontades impossíveis de ignorar. Vontade do cheiro, toque, beijo e tudo mais que ele oferecia. Por isso, eu fui atrás do que era meu. Era apenas justo.
Puxei-o de volta para mim, juntando muito mais que os nossos lábios. Enquanto sentia sua língua deslizar suavemente pela minha, fazendo com que eu esquecesse qualquer coisa no universo, eu desci minhas mãos em garra pelas suas costas, arrancando dele o suspiro irregular que eu havia ouvido a noite inteira e, honestamente, poderia ouvir muito mais vezes.
Com essa missão, eu trilhei meu caminho até seu pescoço com os lábios, deixando um bom rastro para trás.
… - ele gemeu, com a voz falha. Eu sorri.
— Eu sei. - disse no ouvido, bem baixinho.
Senti as mãos dele se fecharem nos meus braços e eu estava mais do que pronta para ser jogada de costas na cama. Mas, ao invés de fazer isso, elas apenas me afastaram. Foi quando eu percebi que havia um tom extra em seu ‘’ e ele não era muito feliz.
— Não faz assim comigo porque eu realmente preciso ir. - disse, me olhando e parecendo estar em uma luta consigo mesmo ao questionar se aquela era mesmo a melhor ideia. - Tenho treino, , e já estou atrasado. Você sabe que eu não posso perder um treino.
— É domingo. - choraminguei. Ele encolheu os ombros e eu suspirei. - Tudo bem, não tem problema. Eu ficaria mais brava com você se perdesse um treino quando está chegando tão perto. Além do mais, não vou ficar brava aqui, só muito frustrada. Sou uma garota grandinha, posso resolver meu problema sozinha, apesar de não ser nem de longe tão prazeroso.
Ele sorriu para o meu curto monólogo e parou para me observar por alguns segundos. Parte dele parecia estar ali comigo, já a outra se encontrava bem longe. Pouco tempo depois, eu desejei que ele tivesse ficado lá.
— Eu te amo. - e eu congelei totalmente. - Talvez seja extremamente cedo para falar algo assim, mas nós não somos um casal tradicional e eu te amo há muito tempo. Tantos anos, ! Então eu só queria finalmente dizer de novo… Sei que é muito para jogar em você agora e sei que estou correndo um grande risco aqui, mas… Bem, eu precisava disso.
Assenti lentamente, engolindo em seco. havia acabado de jogar um baita balde de água fria no meu tesão… e em todo o resto.
— Ahh… - eu tentei dizer. Como as palavras se formavam mesmo?
Eu não tive tempo de conseguir essa resposta, pois Mina e voltaram, dessa vez sem bater na porta. Mina destrancou logo com uma cópia da nossa chave que eu nem sabia que existia e tudo que tive tempo de fazer foi puxar um lençol para cobrir meu corpo. Eu não estava pelada nem nada, usava uma blusa e calcinha, porém era desesperador de qualquer forma.
— Hora de se retirar, . - Mina disse, entrando com a . Ele se afastou, aceitando de bom grado.
— Pensa nisso, tá bom? - ele pediu antes de sair e eu assenti, apesar de ter certeza absoluta de que aquela era a última coisa que eu gostaria de fazer.
Antes que eu tivesse tempo e condições para pensar mais um pouco no assunto, e Mina pularam na minha cama, implorando por todos os detalhes como se eu tivesse acabado de perder a minha virgindade.
— Foi tão bom quanto você se lembrava?
— Eu aposto que sim! - afirmou, respondendo por mim.
— Vocês querem parar? O que as fazem pensar que eu vou contar detalhes assim? Vocês transam, não é? Já sabem como é.
revirou os olhos.
— Engraçado. Isso não parecia ser um desafio para você quando passava horas me contando sobre as posições ou lugares novos anos atrás.
Engoli em seco. É, fazia isso às vezes.
— Bem, eu… Cresci. Oras.
Pelo menos, era no que eu gostava de acreditar.
Depois delas arrancarem de mim uma informação ou outra, todas extremamente vagas, consegui me livrar e ir tomar um banho. Estava morrendo de fome, então me apressei para ir tomar um bom e forte café da manhã antes que as garotas começassem a preparar as coisas para o almoço. Era consideravelmente cedo quando acordei, mas Mina e haviam arrancado um pouco da minha manhã de mim.
Além do mais, eu precisava daquilo para digerir bem as palavras do . Eram grandes palavras, muito grandes mesmo!
Encontrei Jude na beira do fogão, fazendo o que me parecia uma bela porção de ovos mexidos.
— Ei, isso aí dá para dois? - questionei, chegando por trás dele, que não se assustou nem um pouco.
— Para você, eu faço dar. - respondeu com um sorriso de lado.
— Pelo menos em algum lugar a minha moral está alta. - comentei, rindo rapidamente.
— Eu nunca esqueço daqueles que dividem comida comigo, .
Peguei dois pratos no armário e coloquei ambos próximos a ele para que nos servisse. Dando uma olhada ao redor, achei alguns pães que foram rapidamente para a torradeira. Por fim, encontrei um suco gostosinho na geladeira e me dei por satisfeita. Jude já tomava uma grande xícara de café, lutando para se manter acordado.
— Você sabe o que aconteceu esta noite? Onde estava todo mundo? - ele perguntou e só então eu me lembrei que ele também era um dos habitantes do meu quarto no momento.
— Ahhh… Eu não estava me sentindo muito bem essa noite, sabe? Vomitei pelo quarto inteiro. - me expliquei, tensa. - Então decidi deixar tudo trancado até eu estar em condições de limpar a minha bagunça.
Essa história não fazia com que eu parecesse a pessoa mais agradável e fina do mundo, mas era o que eu tinha.
Infelizmente - ou não -, ele não ficou muito tocado com a minha saúde precária. Muito ao contrário, me olhou com a maior cara de “Eu sei o que você fez na noite passada” enquanto servia os nossos ovos mexidos.
, , … - cantarolou, balançando a cabeça. - Eu ouvi alguns gemidos quando tentei entrar no quarto ontem a noite e eles definitivamente não soavam como os de alguma pessoa vomitando.
Eu não era uma pessoa que se envergonhava com facilidade, mas senti minhas bochechas se esquentarem ao lembrar do que exatamente ele poderia ter ouvido. Foquei então em buscar as nossas torradas e colocá-las nos pratos que ele já havia deixado no balcão.
— Se quer saber, você interrompeu uma parte bem importante. - e eu me lembrava bem graças ao susto que e eu levamos com a maçaneta. - Onde você dormiu?
— A princípio, no sofá. Mas aí as suas amigas chegaram, não me viram e as coisas ficaram… Um pouco mais quentes, eu diria. Então eu saí de fininho e fui procurar abrigo no quarto da Nikki. Sei que ela tem uma cama de casal só para ela.
Arregalei os olhos, sem parar de comer. Eu realmente estava com fome.
— A Nikki te deixou dormir na cama dela?!
— Não. - ele respondeu com desânimo. - Mas me deixou dormir no tapete, que, para ser sincero, é mais confortável do que algumas camas que eu já dormi.
Parei de mastigar só para rir da situação, quase me sentindo mal por monopolizar o quarto só para mim naquela noite.
— Nossa! - exclamei, incrédula e não pude deixar de soltar uma piada que me parecia inocente no momento. - O último cara que passou a noite no quarto da Nikki fez uma longa visita no meu ontem, cuidado.
— Se isso for recorrente, eu me mudo para o chão do quarto dela sem problema algum. - disse, olhando bem no fundo dos meus olhos de forma que eu não tinha dúvidas de que ele falava sério.
Literalmente ri de nervoso depois disso, sem ideia de onde enfiar a minha cara.
— Engraçadinho. - forcei uma risada, apenas porque meu cérebro não tinha a capacidade de formular termo melhor. Ele estava particularmente fraco hoje.
— Se essa é a palavra que você quer usar… - disse, rindo rapidamente. - Como estão os ovos? - questionou, mudando drasticamente de assunto e apontando para o meu prato.
— Deliciosos, como você pode ver pelo meu prato já quase vazio.
Ele assentiu.
— Posso fazer mais, se quiser.
— Não se preocupe.
Ficamos alguns minutos em silêncio. Minha mente, no entanto, estava a mil, tentando decifrar se as pequenas investidas eram interesse real oficial ou apenas mais uma das brincadeiras estranhas dele. Eu estava quase terminando de comer quando Jude voltou a falar.
— Então… A minha irmã dormiu com alguma das outras garotas?
Parei por um momento. Mais uma vez, eu não tinha resposta.
— A April? - questionei, tentando ganhar algum tempo para pensar em algo.
— Ela é a minha única irmã. - ele disse, dando de ombros.
Lancei a ele um sorriso amarelo, já digitando loucamente no meu celular.

PELO AMOR DE DEUS
CADÊ A APRIL?”

— É… A April foi no jogo com a gente ontem. - eu ia falando enquanto procurava nas mensagens alguma de ou da própria April avisando de que haviam se encontrado e estavam bem. Nada. - Rolou uma leve confusão, não sei se você ficou sabendo.
— Sim, tadinha… Deve ter se assustado. Ela não gosta de multidões.
“E eu lá sei????
Deve estar com o
“E cadê o ?”
“No meu bolso não está
Deixa as crianças se divertirem, pelo amor de Deus”

! - ele me chamou bem no momento em que eu digitava uma mensagem nada pacífica para o .
— Sim? - respondi, erguendo minha cabeça rapidamente.
— Você ainda não me disse onde está a minha irmã e eu não gosto das caras que está fazendo para o celular. Ela se enfiou em alguma confusão lá no estádio? Pode me falar, eu não vou ficar bravo. Não é como se eu fosse algum exemplo.
— Não, a April nunca se enfia em confusão… Por conta própria. - espiei meu celular, mas não havia respondido. - É só que a gente acabou se perdendo dela ontem. Eu tenho certeza que ela está bem! - me apressei para dizer quando sua expressão começou a mostrar preocupação. - O está com ela. Você conhece o , certo? Gente boa, um cara bacana. Eles estão juntos… Definitivamente juntos… Porque ele daria um jeito de falar comigo se não tivesse encontrado ela… Certo?
— Se nem você parece ter certeza, como quer que eu tenha? - questionou, já sério o suficiente ao ponto de não me lembrar nem um pouco o Jude que eu pouco conhecia.
A verdade é que eu não sabia. Na brincadeira de esquecer o mundo e me agarrar apenas ao e tudo que ele poderia me oferecer, eu esqueci também a minha amiga perdida. Me parecia óbvio e lógico que, se não havia derrubado minha porta nas últimas horas, ele a havia encontrado, mas como eu poderia ter certeza?
— Escuta… - Jude voltou a falar. - Eu estou começando a me preocupar de verdade e você não tem ideia do quão pirado eu posso ficar quando se trata da segurança da minha irmãzinha. Eu tenho motivos? Preciso realmente me preocupar?
— Calma, tá legal? - disse, me levantando. - Tenho 99% de certeza de que ela está perfeitamente bem. Porém, pela inclusão do 1% e pela nossa sanidade, nós vamos até a Lambda porque, se tem um lugar onde ela deve estar, esse lugar é aquela casa.
Jude respirou fundo, olhou intensamente em meus olhos na procura de algum sinal de que eu só estava blefando e, quando não encontrou, se levantou também.
— Me espera lá fora. Vou buscar a moto. - disse, saindo pela porta do fundo.
Só aí eu pude suspirar aliviada por ser uma atriz e tanto, já que eu não tinha certeza de nada. A única coisa certa naquele momento era que April não estava em casa, eu não fazia ideia de onde poderia estar e, se algo ruim tivesse acontecido, eu seria oficialmente a pior amiga e o pior ser humano desse universo.

— Pronta?
Respirei profundamente, apertei meus braços com ainda mais força ao redor da cintura de Jude e assenti, sabendo que me julgava em algum lugar.
Tendo namorado por anos alguém que tinha uma moto com principal meio de locomoção, eu não tinha medo. Mas nunca fez o tipo motoqueiro, apenas dirigia porque era conveniente. Jude, por outro lado, gostava da velocidade e de toda a adrenalina. Somando isso ao fato dele não ser exatamente conhecido por sua responsabilidade e bom senso, eu não me sentia muito segura na garupa de sua moto.
Cerca de 30 segundos depois - sem exageros! -, nós chegamos a Lambda.
— Você podia ter me avisado que era perto assim. - ele disse ao tirar o capacete e encarar a grande casa.
Dei de ombros.
— Você estava com pressa para pegar a moto e eu não estava muito afim de andar.
Ele balançou a cabeça e riu para a minha lógica.
— Vamos logo. - falou, passando na minha frente e batendo na porta dos rapazes.
Em pleno domingo, eu duvidava que encontraríamos muitos deles acordados antes do almoço. Porém o universo tem suas próprias maneiras de complicar a minha vida e ele nunca perderia uma dessas. Quando a porta se abriu, foi o rosto lindinho do Nicholas que apareceu.
É isso mesmo, o Nicholas que você está pensando! O cara com quem eu saí, transei e ignorei a existência não muito tempo atrás. Surpreendentemente, ele parecia quase feliz em me ver, dando uma boa olhada na minha coxa exposta pelo shorts curto e no ombro que o modelo da blusa revelava.
O que estava acontecendo com os homens naquele dia?!
! Não te vejo por aqui faz um tempo.
Forcei um sorriso simpático.
— Oi, Nick. Esse é o Jude, irmão da April. Ele está nos visitando. - eles se cumprimentaram rapidamente, um completamente nem aí para o outro. - Pode chamar o para mim, por favor?
? - questionou, pensativo. - Olha, eu não vejo ele faz um tempinho. Mas, para você, eu posso verificar. Querem entrar?
— Esperamos aqui. Obrigada.
Ele assentiu e fechou a porta, indo encontrar, definitivamente encontrar, meu amigo. Era nisso que eu iria acreditar.
— Mas para você eu posso verificar. - Jude disse aleatoriamente, fazendo uma imitação barata do Nicholas e rindo logo depois.
Eu parei de frente a ele, o encarando como se ele fosse louco - que era o que parecia em momentos como esse -.
— O que foi isso?
— Vou fazer um chute aqui: você dormiu com esse cara?
Abri a boca para dizer não só porque isso não era do interesse dele, mas minha consciência pesou e eu não quis mentir. Então fui atrás da saída mais amadora.
— Você não pode responder uma pergunta com outra pergunta. Responde a minha primeiro.
— Você dormiu com ele. - Jude afirmou, rindo mais um pouco. Interessante como ele achava a minha vida engraçada. - Olha, eu admiro bastante uma garota com a vida sexual agitada. - concluiu, encostando em sua moto e se apoiando ali.
— Eu não tenho uma vida sexual agitada!
— Bom, eu te conheço há muito pouco tempo e já sei de três caras.
— Três?! De onde você tirou três?
— Eu estou bem aqui, não estou? - soltou e, assim que viu a grande interrogação na minha cara, voltou a falar. - Você só precisa dizer as palavras certas, , e eu sou todo seu.
O tom era de brincadeira, porém era notável que havia alguma verdade ali. Não queria soar convencida nem nada, só não podia ignorar o sorriso torto que veio junto com a frase.
— Ah, pelo amor de Deus! - normalmente, eu teria mandado ele ir tomar em um lugar bem específico, mas tive que me lembrar que não nos conhecíamos há tanto tempo assim e ele era irmão da April. - Se dois caras em menos de um semestre significa vida sexual agitada para você, tem algo errado aí.
Ainda apoiado na moto, Jude cruzou os braços e abriu um sorriso largo.
— Eu sei, só estou enchendo o seu saco. Você tem potencial para ir muito mais longe. - revirei os olhos. - Ei, eu não estou julgando! Foi um elogio, você pode aceitar.
— Vai se ferrar, vai…
Ganhei outra gargalhada da parte dele, mas pelo menos serviu para calá-lo pelos próximos minutos. Tempo suficiente para Nicholas encontrar o duas vezes lá dentro, apesar dele nunca voltar.
— Será que essa demora toda é um sinal ruim? - Jude perguntou, franzindo o cenho. Eu encolhi os ombros, sem resposta.
Bom… Eu até tinha uma, porém achei que não seria uma boa ideia compartilhar com ele que eu com certeza acreditava que aquele era um péssimo sinal. Confiava em com todas as minhas forças, mas se eu já não gostava de não saber onde ele havia se enfiado com a garota, imagine o irmão mais velho dela!
Ah, mas a minha vontade era de matar os dois assim que eu colocasse meus olhos neles!
É claro que eu pensava isso tudo tendo fé de que, em primeiro lugar, teria encontrado-a. Não queria nem pensar em outra possibilidade porque eu definitivamente não precisava de mais problemas.
Quando a porta se abriu novamente, nós nos aproximamos, mas, assim que vimos que era Nick quem saía, já perdemos qualquer esperança.
— Nenhum sinal do . Pelo que me falaram, ele nem passou a noite em casa. - suspirei em frustração. - Aconteceu alguma coisa?
— Nada demais, não se preocupe. Mas se ver ele, por favor, avise que eu estou louca atrás dele. - pedi e ele assentiu prontamente. - Obrigada, Nick.
— Devo começar a me preocupar agora? - Jude perguntou algum tempo depois, quando nos aproximávamos da moto.
Só a expressão em seu rosto já me dizia que ele estava preocupado há muito tempo, porém era calmo e controlado o suficiente para não se afobar. Não por fora, pelo menos. Ninguém chegaria a lugar algum afobado e eu precisava manter isso em mente.
— Ok. - falei, parando e respirando com calma a fim de organizar meus pensamentos. - Se não passou a noite aqui e a April não passou a noite na nossa casa, eles certamente estão juntos. Não pode ser apenas coincidência.
— E o que nós fazemos com essa informação?
— Ficamos mais calmos? Menos preocupados? - eu disse, amaldiçoando internamente o universo pelo meu tom cheio de dúvidas e nada certeiro, que não serviria em nada na hora de tranquilizar Jude.
— Que tal realmente fazer algo, ? Tipo ir no último lugar em que você viu eles?
— No estádio?
Para ser honesta, não me parecia uma ideia tão vantajosa assim.
— No estádio. - ele confirmou.
— Vamos lá.
E, para ser mais honesta ainda, eu não tinha nenhuma ideia melhor.

Senhor! Você não está me entendendo!!! - exclamei, gesticulando inconformada para o segurança a minha frente. Ele tinha duas ou três vezes o meu tamanho, mas eu tinha muita fé na minha capacidade de amedrontá-lo pelo menos um pouquinho.
— Eu estou entendendo muito bem e continuo a dizer que os seus amigos não estão aqui. - respondeu, calmo o suficiente para fazer com que eu quisesse dar um belo chute em sua canela.
Jude estava mais afastado, com cara de tédio. Eu poderia chutá-lo também.
— E você por acaso tem um computador nessa cabecinha com todas as câmeras desse lugar? Porque nem se deu o trabalho de olhar as imagens! Quanto tempo vai levar? Cinco, dez minutos? Vamos lá!
Ele ergueu os olhos rapidamente, como se pedisse paciência para alguma entidade lá de cima, antes de se voltar novamente para mim.
— Pela terceira vez: o estádio inteiro passa por uma revisão rigorosa, banheiro por banheiro, sala por sala, antes do fechamento. Temos sensores de movimento para todos os lados que alertam para cada mosca. Eles não estão aqui!
Bufei. Eu até compreendia o que ele estava me dizendo, porém a ideia de sair dali sem respostas concretas era inaceitável.
— E com quem eu tenho que falar para ter acesso às imagens dessas câmeras?
O segurança riu, descrente com o que eu havia acabado de perguntar.
— Com a polícia, talvez. Você pode ir atrapalhar o trabalho deles, se quiser. Duvido que serão tão pacientes.
Meu queixo caiu levemente, surpresa com a audácia do indivíduo.
— Você sabe com quem está falando? - questionei, erguendo os ombros para ganhar alguns milímetros de altura. - Nicole Sullivan! - respondi antes que ele pudesse dizer algo. Ouvi Jude engasgar ao tentar conter uma risada atrás de mim, mas o ignorei. - Também conhecida como líder da Kappa Kappa Gamma, capitã das cheerleaders do UCLA Bruins, presidente do Conselho Geral dos Estudantes e aluna número 1 da minha classe.
Eu não tinha muita certeza sobre o conselho, só sabia que ela era parte dele, então contei com a ignorância do homem que estreitou os olhos em minha direção.
— Você não me é muito estranha mesmo… - murmurou, parecendo buscar em sua memória as lembranças. Tentei não deixar transparecer a minha surpresa, pois tudo que Nikki e eu tínhamos de parecido era o cabelo. E até os tons eram diferentes. No entanto, não me importei com aquilo e sim com o fato de que parecia estar funcionando… Até ele fechar a cara novamente. - Mesmo assim, não. Você não pode ver as imagens.
Ah, mas vai para a pu…
— Nikki! - Jude me interrompeu, se aproximando e passando o braço ao redor dos meus ombros. - Me desculpe, senhor. Minha irmã passa dos limites de vez em quando. Não é culpa dela, é dos meus pais. Ela caiu algumas vezes quando era pequena, bateu muito essa cabecinha oca aqui e… Bem… Nós estamos vendo as consequências, não é?
Ninguém achou o discurso dele muito verdadeiro ou engraçado. O bendito do segurança continuava com a mesma cara amarrada e eu revirei os olhos para aquele humor barato. Principalmente por eu ser o alvo. Em outra situação, até poderia rir um pouquinho.
— Ótimo! Leve ela para casa e deixe que os seus pais lidem com ela, ok? - disse, indicando que iria nos dar as costas, mas Jude foi mais rápido.
— Espera! Só me dê um minuto para explicar de verdade o que está acontecendo, tudo bem?
— Eu já expliquei e ele não quer ouvir! - me enfiei no papo novamente.
— Nikki, por favor! Deixa a gente conversar. Eu juro que às vezes você não faz jus ao nome que carrega. - dessa vez, eu tive que me segurar para não rir um pouquinho. - Senhor, ignore ela, tudo bem? O meu nome é Jude e eu nem sou da cidade, só vim para ver minha irmã mais nova, a April. Ela é jovem, inocente, muito tímida e não gosta tanto de multidões, por isso estamos tão preocupados. Apesar de não curtir, ela veio para o jogo de ontem prestigiar um colega e nós não a vimos desde então. Tenho certeza que você ficou sabendo como os nervos se esquentaram aqui, então vai entender a minha preocupação por não ter notícias da minha irmãzinha. - o segurança assentiu lentamente, parecendo até ser convencido pelo discurso. - Posso, por favor, verificar apenas as câmeras das saídas depois do final do jogo? Porque, se eu ver eles saindo juntos e calmos, talvez eu fique mais calmo também, pois é um sinal a mais de que eles provavelmente estão bem. - Jude finalizou e o homem suspirou, pensando no assunto. No entanto, ele parecia ainda estar com um pézinho atrás. - Ela não vem comigo, fica aqui fora. - finalizou rapidamente, apontando para mim.
— Ah, tudo bem! - disse sem nem pensar duas vezes, já guiando Jude pelos ombros até uma salinha cercada por vidros escuros ali perto.
Eu fiquei para trás com olhos e boca arreganhados pela cara de pau dos dois, mas nem um pouco surpresa.

40 minutos e meio pacote de salgadinho depois, Jude voltou animado e se sentou ao meu lado, na primeira escadaria que encontrei com uma sombrinha fresca. Em uma troca mais do que justa, eu entreguei para ele o que restava dos salgadinhos e ele me entregou o celular com as imagens que definitivamente haviam encontrado, julgando pela felicidade em sua expressão.
Dei play no vídeo que mostrava April e saindo do estádio aparentemente bem depois que a maioria do público, pois os arredores estavam calmos e vazios. Eles riam, felizes da vida, enquanto April gesticulava bastante, talvez ao contar uma história.
— É isso? - perguntei, um pouco decepcionada e sem nem saber o motivo, porque, para ficar melhor que aquilo, só se eles saíssem carregando uma placa que diria para onde estavam indo a partir dali.
Acho que isso não iria acontecer.
— Eles parecem bem. Isso já me deixa bem menos preocupado e me faz confiar um pouquinho mais no seu amigo. Você não?
— Ah, eu já confiava bastante nele. - murmurei.
Olhei no meu celular pela vigésima vez, esperando ver uma notificação com o nome dele ou da April, mas nenhum deles tirou um tempo para responder as zilhões de mensagens que enviei durante esse tempo parada.
— Nada? - questionou. Eu balancei a cabeça, negando. - O que fazemos agora?
— Vamos para casa e esperamos eles brotarem do buraco em que se enfiaram? - sugeri.
— Isso não é uma opção. - suspirei. Eu sabia que não, mas estava cansada e frustrada. Isso meio que enfraquecia a minha preocupação. - é muito próximo da família?
O encarei, confusa.
— Sim… - respondi com certa hesitação. - Por que?
— Próximo o suficiente para, sei lá, levar minha irmã para o almoço de domingo?
Parei para pensar por um minuto. Ponto de vista interessante. era um cara bem família, porém eu não tinha ideia de como seria levando uma namorada em consideração porque ele não havia tido muitas delas. E as que existiram mal duraram até o primeiro jantar com os pais. Era realmente difícil dizer com certeza. De qualquer forma, me parecia um bom chute.
— Talvez. A gente pode ir confirmar.
— Ok. Só me dá dez minutos para descansar meu cérebro que passou tanto tempo analisando todos aqueles vídeos.
— Com todo prazer! - concordei, relaxando com o apoio da base do corrimão nas minhas costas. Particularmente, eu preferia um sofá.
Acontece que Jude se mostrou um péssimo jogador nessa brincadeira de ficar em silêncio e simplesmente descansar.
— Então… Qual é o seu lance com aquele ?
O encarei de lado, desconfiada.
— Como é?
— Vocês dois parecem ter uma história. Eu já perguntei para a minha irmã, mas ela ainda está brava demais comigo para ficar fofocando. - explicou tranquilamente. Eu balancei os ombros, pensando se aquela era uma boa conversa para se entrar.
— É uma história bem longa.
— Acho que nós temos tempo.
Olhei para ele novamente, depois para as minhas mãos que se enroscavam já nervosas por entrar nesse assunto, então para ele de novo e concluí que não poderia ser uma ideia tão ruim assim. Além disso, depois do que havia dito naquela manhã, era uma boa forma de desabafar e, quem sabe, compreender melhor o que eu mesma achava daquilo.
— Nós nos conhecemos muito novos, eu devia ter quatro ou cinco anos. Não nos damos bem logo de cara, mas também não demorou muito tempo para virarmos melhores amigos…
E então eu contei tudo, talvez até com mais detalhes do que Jude imaginava primeiramente, porém deixando a maior parte dos sentimentos de fora. Eu não era tão louca assim.
Falei durante o tempinho que ficamos ali, durante a pequena viagem até a casa do , na qual Jude fez questão de ir devagar para que pudesse continuar me ouvindo e enquanto andávamos pelo pequeno caminho de pedras que levava até a porta da frente da construção simples e bem cuidada.
— E a já tinha contado que você curtia ele? - questionou, tão surpreso quanto eu fiquei na época.
— Sim. - respondi, rindo.
— Olha, eu não conheço ela muito bem, mas pelo pouco que já vi, isso com certeza soa como algo que ela faria.
— Você ainda não viu nada. - comentei, a fim de pausar o assunto por enquanto, e apontei para a porta. - Vamos lá?
Ele assentiu, então eu bati três vezes na peça de madeira.
Do lado de fora, já podíamos ouvir um barulho bem considerável de vozes lá dentro conversando, o som típico de um bom almoço de domingo em família, o que já me fez ter maiores esperanças de que ir até ali havia sido uma ótima ideia. Quando o som de uma cadeira se arrastando logo depois da batida interromper o resto, eu imaginei que tivéssemos interrompido bem no meio da refeição.
A expressão curiosa da dona Miranda, mãe do , foi a próxima coisa que vimos.
? Oi, querida! - exclamou, já me puxando para um abraço. - E você é? - questionou, se virando para a minha companhia.
— Jude, sou amigo da . Prazer. - disse, estendendo uma das mãos para cumprimentá-la, porém foi puxado para um abraço também.
— Entrem! O almoço acabou de ser servido. Eu não sabia que viriam, mas sempre tem comida para todos.
— Ah, não se preocupe! Nós já comemos. - falei, apenas para ser educada porque na verdade eu adoraria sentar e comer um bom prato de comida de mãe. - Só queríamos conversar com o rapidinho. Ele está aí… - ela franziu o cenho. - …não está?
— O não. E não foi por falta de convite, viu? A casa está cheia de tios e primos dele que vieram passar o dia aqui, mas ele disse que não poderia vir para o almoço.
— Entendi… - disse, tentando não mostrar toda a minha decepção com a fala dela. Não fiz um trabalho tão bom, aparentemente.
— Por quê? Você parece preocupada.
— Ah, não, não estou! - menti. A última coisa que eu queria era preocupá-la. - É só que Jude e eu prometemos ajudar ele com algumas coisas da faculdade, mas não vimos ele hoje ainda.
— Bom, eu falei com ele hoje cedo pelo telefone e tudo parecia muito bem. Quer dizer… Estava de mal humor pela minha ligação antes das 8h da manhã, mas quem não ficaria, né? - disse, rindo rapidamente. - Tenho certeza que irão encontrar ele logo. Além do mais, ele prometeu passar aqui em casa mais tarde para dar um abraço na família, então deve aparecer em algumas horas, caso queiram ficar.
— Imagina! Agradecemos pelo convite, mas ainda temos muitas coisas para resolver hoje e pouco tempo, infelizmente.
— Vocês, crianças, e esses compromissos da faculdade, em? Tudo bem, querida. Espero que consigam resolver tudo logo.
Mal sabia ela que Jude era o maior vagabundo que aquela cidade já havia visto. Sem ofensa, Jude.
Ainda mais desanimados e exaustos daquela situação, nós nos despedimos e partimos para a próxima.
Lanchonete preferida do , biblioteca onde a April morava em seu tempo livre, academia do campus, árvore mais perfeita do campus para ler uma coisinha ou outra entre as aulas (palavras da April) etc. Em todos os lugares o resultado era o mesmo: nada. E a cada um deles, crescia a minha certeza de que eu iria matar o assim que colocasse as minhas mãos nele. Deixaria o Jude cuidar da irmã.
Ele que inclusive não me deixou parar de falar um segundo, realmente envolvido na minha história e do . E como uma leitora ávida por mais, ele fazia seus comentários e tinha as reações mais divertidas do mundo. Talvez eu tenha criado um hater do , mas juro que contei um pouco das minhas merdas também. Honestamente, não era minha culpa que meu ex tivesse um dom muito maior para elas do que eu.
— Ah, fala sério! Você não tem que dar satisfação sobre ter dormido com o Nicholas para ele.
— Não é?! Eu te falo, o cara ficou completamente pirado, mas quer saber o melhor? - apesar dele assentir, não tive tempo para contar, pois meu celular vibrou com uma chamada da . - Só um minuto… Oi, .
, onde diabos você se meteu?! Ninguém te vê por aqui faz horas e você nem falou para onde ia!
— Ah, é verdade, né? Foi mal. Eu saí meio aleatoriamente, acabei me esquecendo.
Saiu para quê?
— Jude e eu ficamos preocupados com a falta de notícias do e da April, então viemos atrás deles, mas não os encontramos em lugar nenhum.
Sério? - questionou, em um tom diferente do que vinha falando até então. Talvez um pouco mais tenso.
— Sim… Por quê?
Ela demorou alguns segundos para responder, receosa.
É que… Bom, eu estou olhando para eles dois agora mesmo.
— O QUÊ?! Onde é que vocês estão?!
Em casa, oras.
Eu ri. Ri de verdade, ri de raiva, profunda raiva.
— Avisa para eles que é melhor correrem porque eu vou matar os dois no segundo que eu chegar nessa casa, tá legal?
Só esperei ela responder um confuso e assustado “ok” antes de desligar e puxar Jude de volta para a moto. Expliquei a conversa rápida para ele no caminho e tenho que dizer que ele também não ficou nada feliz, afinal de contas, havíamos passando as últimas sabe-se-lá quantas horas atrás dos bonitos apenas para descobrir que eles estavam na nossa casa.
Era como se não estivéssemos em pleno século XXI, com energia e sinais de Internet para todos os lados.
Jude abusou do acelerador e dessa vez eu nem me importei. Quando chegamos, avançamos direto para a cozinha, de onde ouvíamos as vozes vir. foi o primeiro a aparecer no meu campo de visão, logo, o primeiro em quem eu avancei. Porém, esperto como era, ele estava mais que pronto para correr de mim, nos fazendo dar várias voltas ridículas na ilha que havia bem no meio do cômodo.
, eu posso explicar. - ele disse amedrontado, tentando me enganar e me fazer ir para o lado errado.
— Eu tenho certeza que sim. Você vai poder se explicar assim que eu enfiar a minha mão na sua cara!
Por algum motivo, meu discurso fez ele correr com mais empenho. Eu só parei quando tive um vislumbre de Jude e April se abraçando mais ao canto.
— Jude! - exclamei, parando para repreendê-lo. - O que aconteceu com “Ela nunca mais vai dar um passo sem que eu saiba”?
April franziu o cenho para a frase. Jude encolheu os ombros.
— Me desculpe, mas eu tenho o coração mole! Só estou feliz por ela estar bem.
— Awwwn!
O som veio de , que observava tudo do batente da porta. Eu revirei os olhos.
— Viu, ? Por que você não pode ser calorosa assim? - reclamou, também parado, mas ainda alerta.
— Porque vocês desapareceram sem dar explicação para ninguém! Você prometeu que me ligaria assim que encontrasse ela, lembra?
— Nós não queríamos interromper… - ele disse, rindo um pouco, me indicando que e Mina já haviam passado todas as informações.
Peguei algumas laranjas na fruteira a minha frente e comecei a atirar nele, mas todas foram pegas antes de fazer qualquer estrago.
— Vai tomar no seu…
, não foi só culpa dele. Acabamos nos distraindo. - April justificou.
— Com o quê? - Jude questionou, finalmente agindo como se estivéssemos do mesmo lado.
— Com o mundo, ué. Têm coisas muito interessantes lá fora.
Todos nós agimos com estranheza para aquela resposta. Me virei para o .
— O que você deu para ela?
Ele me atirou de volta uma das laranjas que pegou.
— Nada! Nós só andamos, conversamos e viemos para cá. A April me mostrou a vista do sótão e acabamos pegando no sono ali mesmo. Só isso!
— Sótão, é? - ouvi a voz de Mina dizer cheia de humor, percebendo só então que ela estava ali também, quase escondida atrás da . - Mostrar a vista do sótão é um termo novo para mim. adora me mostrar essa vista. - terminou, arrancando risadas da namorada.
— Como é?! - Jude interviu e a pobre da April arregalou os olhos de pavor.
— Não! - exclamou. - A vista do sótão! A lua! , você sabe, eu já te mostrei, não é?
Eu também ria um pouco por causa da Mina e minha sede por vingança me fazia querer dizer que eu não tinha ideia do que ela falava, porém, quando se tratava da April, até eu tinha um coração meio mole. Tinha certeza de que havia muito mais para aquela história e eu definitivamente descobriria mais tarde.
— É verdade, tem uma vista legal lá. - confirmei. - Mas isso não justifica! Eu mandei milhões de mensagens, podiam pelo menos ter dado um sinal de vida.
— Sem bateria. - explicou. - Eu até consegui ligar meu celular por alguns minutos hoje de manhã, mas minha mãe me ligou e aí foi tudo. Aliás, é verdade que vocês foram lá em casa? - questionou, meio risonho.
— Não vem com gracinha para o meu lado não, . Eu ainda quero matar você. Vocês dois! Parecem duas crianças sem ideia alguma das consequências dos seus atos!
E eu soava exatamente como a minha mãe.
— Nós sentimos muito. - April disse. - De verdade.

Muitas tentativas de explicações depois, eu liberei eles. April foi tomar um banho e voltou para sua casa, já eu estava exausta demais para fazer qualquer coisa, então coloquei um biquíni e decidi aproveitar um pouco a piscina que nunca usava.
Depois de nadar um pouco, me deitei em um dos degraus, ainda deixando parte do meu corpo na água, e tentei esvaziar a minha mente. Não queria que meus pensamentos fossem para o porque até pensar nisso me parecia cansativo demais no momento.
Acho que fiquei tanto tempo ali que cochilei alguns minutos. Só voltei para mim quando senti um punhado de água ser jogado sobre as minhas pernas. Era Jude, agora só de bermuda sentado do meu lado.
— Não enjoou da minha cara, não? - perguntei, erguendo meu corpo para ficar sentada também numa tentativa de espantar a sonolência.
— Você não terminou aquela história. - disse e eu assenti, começando a contar a ele o restinho que faltava.
Ele ouviu tudo com bastante atenção, interrompendo hora ou outra para fazer alguns de seus comentários.
— E então nós dormimos juntos. Agora todos sabem o que está acontecendo, aparentemente. Eu ainda não tenho tanta certeza assim. - finalizei, me apoiando com os cotovelos na beirada da piscina. - O que você tem a dizer sobre o assunto?
— Quer mesmo a minha opinião? - questionou, principalmente porque eu havia dado dezenas de patadas nele o dia inteiro ao julgar as minhas decisões.
— Já estamos aqui né… - dei de ombros.
— Eu acho que se algo te traz tantas dúvidas e problemas no caminho, é porque não deveria realmente acontecer.
Na lata.
— Você realmente acha isso ou é só sua quedinha por mim falando?
Ele riu, balançando a cabeça para os lados.
— Difícil dizer. - riu mais um pouco. - Não, é sério. É que você é tão nova, , e já passou por esse tanto de situações por causa de um cara. Você realmente quer isso para o resto da sua vida?
— Não! De jeito nenhum. Mas estamos bem agora. Ele está mais atento aos problemas dele e eu posso fazer o mesmo com os meus, estamos crescendo, aprendendo… Sei lá, é difícil explicar.
— Tenta.
— É só… O jeito que ele me faz sentir, sabe? Nenhum outro cara consegue me fazer sentir assim. Fisicamente, emocionalmente, nós temos essa conexão que eu sei que não vou encontrar em mais ninguém. Talvez seja essa coisa de melhores amigos… Não sei. Só é diferente. - tentei explicar, apesar de acreditar que eu não havia passado metade do que estava na minha mente.
— Garota! Quantos caras você já pegou?
Bufei.
— Vai começar com essa de novo?
— Não, é que você fala com tanta convicção que ninguém mais vai te fazer sentir dessa forma que já deve ter pegado pelo menos uma grande porção dos homens desse mundo. De onde mais você tiraria essa constatação ridícula?
— Ahh… - eu comecei a dizer, mas acabei apenas abaixando meu olhar e ficando quieta.
Quieta porque, de certa forma, ele estava certo.
— O que eu quero dizer é que existem bilhões de bons rapazes nesse mundo e um, dois, três, até dez deles podem te fazer sentir desse jeito tão especial. Não estou falando que eu sou um deles, mas eu tenho uma pegada bem especial, sim… - disse, balançando os ombros.
Eu ri rapidamente, balançando a cabeça.
— Você tem um ego especial e extremamente inflado, isso sim.
— Ei, eu só sei quais são os meus talentos! Posso não ler muito rápido nem ser o melhor estudante do mundo, porém desenvolvi outras formas de agradar as garotas. Se parar para pensar, eu sou bem esperto.
— Eu não tenho dúvida alguma que você é esperto. - comentei, ainda rindo um pouco dele.
— Você não está me levando a sério, né? - questionou. Minha expressão deve ter dado a ele a reposta. - Tá, vem aqui.
— Aqui onde, meu filho? Eu tô do seu lado.
Ele estreitou os olhos em minha direção, como se dissesse “Não estraga o meu rolê”. Longe de mim fazer isso, mas o garoto não fazia sentido nenhum às vezes.
Respirando fundo, Jude se virou na minha direção e, em um movimento impressionantemente rápido, trouxe seu corpo para cima do meu. O susto foi tão grande que eu perdi o apoio dos meus cotovelos, afundando um pouco na água.
— Meu Deus do céu, menino!!! Tá louco?!
— Sem estresse, . Só vou te mostrar. - disse, em uma voz bem mais aveludada do que a que ele vinha usando até então.
Antes que eu pudesse perguntar o que ele iria me mostrar, Jude se abaixou mais um pouco e me beijou. Eu não sei dizer bem o que aconteceu a partir daí. Sabia que poderia ter chutado-o para longe, mas não fiz isso. Ele beijava bem. Era quente, macio e envolvente, apesar de me parecer um pouco novo. Além disso, eu tinha um cara bem atraente em cima de mim.
No entanto, quando ele se afastou, eu tive algumas certezas e nenhuma delas era em relação a ele.
— E então? - Jude perguntou, já sentado ao meu lado novamente, me olhando com certa expectativa. - Consegui provar meu ponto?
Minha cabeça pendeu para o lado enquanto eu pensava.
— Bem… É um bom beijo, tenho que te parabenizar por isso. Boa técnica, velocidade ok, a surpresa talvez tenha sido um pouco demais.
Ainda me encarando com atenção, ele sorriu. Sabia o que estava vindo.
— Mas?
— Foi só isso, um bom beijo.
— Ahh, tudo bem. Eu tentei. Para ficar melhor que isso, teríamos que nos apaixonar e isso dá muito trabalho, sabe? Gosto de ficar só nos bons beijos. - ele disse, com bastante confiança para um cara que havia acabado de ouvir que seu beijo não era tão especial assim.
No entanto, foi uma só das frases dele que me acertou em cheio.
— Ôh Deus…
Ele me encarou preocupado quando percebeu que eu viajei para bem longe.
— Que foi?
— Eu não tinha me dado conta, sabe? De que talvez, muito talvez, esteja me apaixonando por ele de novo. Apaixonar é uma palavra bem forte. - expliquei, pensativa.
Jude riu, assentindo e concordando com as minhas palavras.
— Meus parabéns, você está ferrada.
— Obrigada pelo apoio. - murmurei, cabisbaixa.
— Opa! Não há de quê. - respondeu divertido e então mergulhou na piscina, me fazendo pensar que eu poderia até sentir falta dele quando fosse embora.

Pouco tempo depois, eu estava de banho tomado, descendo as escadas às pressas por estar atrasada para a reunião de última hora convocada pela Nikki. Enquanto isso, checava mais uma vez meu celular atrás de uma resposta do , mas nada. As pessoas haviam tirado aquele dia para ignorar as minhas mensagens.
Para a minha surpresa, quando eu cheguei na sala, era quem estava falando.
— Para todos os efeitos, acho que não vamos ter maiores consequências. - ele finalizou assim que eu sentei próxima a Mina.
— O que houve? - sussurrei para ela.
veio dar um feedback sobre a nossa invasão lá no estádio. Parece que rolou uma investigação básica, chegaram a considerar a nossa participação, mas não acharam nada que poderia nos ligar diretamente. O peguete do levou uma advertência ou outra pela falta de atenção, mas não chegou a ser demitido.
Balancei a cabeça, absorvendo aquelas informações. No final das contas, a falta de contato entre esse rapaz e nós parecia ter salvado a nossa pele. Eu odiava admitir que estava certo, mas, infelizmente, ele era bem mais racional que eu.
— Agora a Ashley vai falar um pouquinho sobre os números, só para estarmos todas atualizadas. - Nikki anunciou e Ashley se levantou, dando um passo a frente.
— Bom, os números são muito, muito, muito bons, eu não vou mentir! A exibição de ontem deu um boom gigantesco, estamos quase atingindo 400 mil visualizações e, quanto mais visualizações conseguimos, mais rápido elas vão aumentando. É realmente impressionante. Isso significa que estamos muito perto de atingir uma nova fase desse nosso movimento, não é ?
Pega de surpresa, demorei alguns segundos para me tocar que eu precisava dizer algo.
— Sim, sim, claro! Mas ainda precisamos fechar os detalhes.
Meio milhão, esse era o nosso alvo. E desde o começo, pensamos que, uma vez que - e se - o atingíssemos, a Web deixaria de ser nossa prioridade.
— Certo! - ela foi até onde estava sentada anteriormente e pegou um grande envelope, estufado pelo que continha dentro. - Agora, sobre a questão da legalização de bebidas alcoólicas para irmandades: eu tenho recebido um número absurdo de cartas e e-mails de garotas e até rapazes que conhecem alguém ou que foram violentados exatamente nas mesmas condições que a Katy. - disse, virando todos os papeis numa mesinha de centro. - Ambiente desconhecido, muita bebida, garotos de fraternidade no comando de tudo etcetera etcetera. A grande maioria concorda que se sentiriam muito mais seguras em suas próprias casas ou em lugares mais familiares. Assim como nós, elas entendem que essa questão toda do estupro no campus vai muito mais embaixo, é extremamente complexa, por isso gostam dessa ideia de lutar uma luta por vez, derrubando algumas regras que parecem pequenas, mas que com certeza irão interferir no todo. Afinal de contas, não somos as primeiras a começar um movimento como este, porém é triste e inaceitável que tão pouco tenha realmente mudado nesse tempo todo. Enfim… A nossa próxima fase vai ser bem mais focada na legalização, para ninguém pensar que esquecemos disso.
— Obrigada, Ash. - Nikki tomou a palavra novamente. - Reunião simples e curta, meninas. Só para atualizar todo mundo mesmo. Por favor, passem as informações para aquelas que não estão aqui, ok? Estão dispensadas.
Em uma espécie de sintonia, senti meu celular vibrar na mesma hora com uma mensagem do .
“Oi, acabei de chegar em casa
Estava dando uma volta com o Joe
Precisa de algo?”
“Precisamos conversar
Posso ir aí?”
“Tudo bem
Tô te esperando”

— Hum… Jogou um precisamos conversar para o rapaz. Coitado. - disse, espiando por cima do meu ombro. Bloqueei rapidamente o celular.
— Sai pra lá, futrica. - falei, me levantando e indo em direção a porta. Ele me seguiu.
— Sobre o que vão conversar? - questionou.
— Não é da sua conta, meu anjo.
— Saudades da época que você me contava tudo. O que virou nossa amizade, em, ?
— Corta o drama, Mike. - respondi, rindo. - Você vai saber quando for a hora.
Ele não insistiu. Só caminhou mais um pouco comigo antes de desviar e ir para o prédio dos dormitórios.
disse que eu poderia entrar direto e foi o que eu fiz, apesar de ganhar alguns olhares desconfiados no processo. Bati na porta apenas quando cheguei no quarto dele, com medo de dar de cara com algum colega de quarto pelado ou algo do tipo.
— Jeff, pode nos dar licença? - ele pediu, assim que eu passei pela porta.
Jeff nos olhou pelo canto do olho, claramente nada feliz com o pedido. Eu não o via com muita frequência, porém era óbvio para mim que ele não era meu fã. Com toda razão, afinal de contas, as coisas dele também foram afetadas pelo meu ataque e da Mina um par de meses atrás.
No entanto, fazer o papel do castiçal ali no quarto não devia ser muito atrativo para ele, então saiu de mal gosto.
Assim que fechou a porta, se aproximou para um abraço desconfortável. Mais da parte dele do que da minha, eu tenho que dizer. Ele parecia finalmente ter se dado conta da real grandiosidade do que foi dito naquela manhã.
— Então… - ele balbuciou, olhando para os lados. O conhecia bem o suficiente para saber que ele estava nervoso ao ponto de não ter ideia do que fazer.
— Quer se sentar? - perguntei, como se o quarto fosse meu.
— Sim, claro. - respondeu, escolhendo uma cama, claramente tenso.
Eu fiz o mesmo, mas bem de frente para ele com as pernas cruzadas em cima do colchão.
— Preciso te contar uma coisa. - informei e ele assentiu, dando o seu máximo para manter os olhos nos meus.
— Tudo bem.
— Jude me beijou.
Não dava para ser mais direta que isso.
Chocado com as minhas palavras, abriu a boca algumas vezes, mas nada além de sons desconexos saíram. Ele fechou as mãos em suas próprias coxas, olhou para os lados, indicou que iria se levantar apenas para desistir segundos depois.
— E-eu não sei o que dizer. - falou baixinho. Parecia tão confuso que eu quase podia ver os parafusos trabalhando em sua cabeça.
— Tenta. - pedi, me esforçando para não depositar todas as minhas esperanças no meu olhar.
Ele engoliu em seco.
— Você… Ahn… Você queria beijá-lo?
Dei de ombros.
— Ele não é feio, você sabe. - torceu o nariz. - Mas não, foi uma surpresa.
— E por que veio até aqui me contar isso?
— Bom, eu queria que você chegasse nessa resposta sozinho. - disse. - Você realmente não tem ideia?
— Eu não sei, . - respondeu, inquieto, se levantando. - Não sei porque tudo em que eu consigo pensar agora é em você beijando outro cara.
— E está bravo?
— É claro que estou! - apesar das palavras, ele parecia até… Tranquilo. E eu já havia visto ele bem puto, tinha experiência para falar. - Não com você, mas com ele… Não gosto da ideia de alguém te beijando contra a sua vontade. Para ser sincero, não gosto da ideia de alguém te beijando. Em especial o Jude, que é irmão da April.
— Ah, não se preocupe. Ele estava só testando uma coisa. Eu poderia ter parado.
— E por que não parou?! - questionou, como se eu não estivesse fazendo sentido nenhum. Para ele, eu não devia estar mesmo.
— Eu estava curiosa, oras.
Ele entortou a cabeça, me olhando com os olhos estreitos.
— Como é?
— Escuta… - comecei, me ajoelhando na cama ainda de frente para ele. - O Jude é um cara bem atraente, simpático, gente boa, de espírito livre, tem um bom papo e, pelo que descobri recentemente, ele beija bem também.
Enquanto eu falava, a carranca do aumentava.
— Eu realmente espero que você tenha um objetivo com essa conversa toda...
— Eu tenho! O meu ponto é que, mesmo tendo um rapaz teoricamente incrível em cima de mim… - ele arregalou os olhos nesse momento, mas fiz eu tapei sua boca com uma das minhas mãos para evitar ser interrompida. Queria terminar aquilo antes que eu perdesse a coragem. - ...eu só conseguia pensar que só estar próxima de você me trazia sensações muito mais fortes, muito melhores. E então eu pensei em como gostaria de vir correndo te contar sobre isso, sobre o rapaz que me beijou, o que é bem irônico no nosso relacionamento por causa da forma como terminamos, e isso me fez pensar no que isso significa.
— U que xignifica? - questionou, com a voz abafada pela minha mão. Encolhi os ombros.
— Que mesmo tendo um pouco de medo, eu estou pronta para avançar alguns passos. Não vou dizer que eu te amo também, mas, talvez, se você quiser, nós podemos estreitar um pouco essa relação. - disse, me enrolando um pouco nas palavras. No processo, tirei a mão da boca dele.
, você está pedindo para namorar comigo? - perguntou, todo brincalhão de repente.
— Não com essas palavras! Quero dizer que podemos ser mais que um lance, podemos parar de tentar, tentar e tentar, e realmente fazer a coisa dar certo, entendeu?
As posições se inverteram. Agora, eu estava tensa e ele tranquilíssimo.
, você está me pedindo em namoro.
Revirei os olhos.
— Pense o que você quiser.
Ele abriu um sorriso largo, me puxando para um abraço de lado e depositando um beijo no topo da minha cabeça. Era sua forma de se redimir por encher tanto o meu saco.
— De qualquer maneira, eu aceito. Aceito tudo que tiver para me oferecer, você já sabe.
Com o rosto enterrado no pescoço dele, eu até me permiti sorrir de leve. Porque estava feliz e porque aquela última frase abria brechas muito vantajosas para mim no relacionamento. Mas principalmente pela parte da felicidade.


Capítulo 24

, você já mandou mandou imprimir os panfletos?
, qual é o horário mesmo?
— Temos o apoio da Kappa Delta, certo?
, você e a Ashley precisam fechar a lista o mais rápido possível.
— Já está indo dormir? Porque eu meio que preciso da sua ajuda.
— Em que parte do planejamento isso entra?
— Isso com certeza vai dar errado, .
— Conseguiu fazer a estimativa de público?

Louca. Eu jurava por Deus que estava prestes a perder completamente a minha cabeça porque não era possível que tantas pessoas diferentes tivessem se unido para fazer da minha vida um inferno naquele dia.
Respira fundo, . Organiza essa cabecinha. Você está quase lá. Vocês estão quase lá.
No entanto, todas as vozes ecoavam tão alto na minha mente que eu mal conseguia ouvir aos meus próprios pensamentos.
! A estimativa, conseguiu?
Levantei a cabeça, só então percebendo que Ashley realmente estava ali e esperava uma resposta, ao invés de ser apenas um resquício de tudo que eu já havia aguentado em poucas horas.
— É claro que consegui. - eu disse, constatando o óbvio.
Sempre me orgulhei por ser uma pessoa que consegue fazer a maioria daquilo que tem em mente. Porém nos últimos dias havia descobrido ser ainda melhor nisso, afinal de contas, eu só estava prestes a enlouquecer. Muitas outras pessoas já o teriam feito há bastante tempo, especialmente morando na casa da Kappa Kappa Gamma.
Eu amava aquelas garotas com todo o meu coração, mas às vezes sentia uma vontade gigantesca de matar cada uma delas apenas para que não me façam ficar mais desesperada ainda.
— E aí? - questionou.
— Hm… Considerando as casas que estão nos apoiando, as presenças confirmadas e os interessados no evento do Facebook, eu cheguei a uma média de 700 pessoas. Mas o número pode variar bastante.
— Ainda assim é um bom número, não é?
— Para esse primeiro movimento? Sim, é um ótimo número! Ter começado esse lance online foi uma ideia genial, nós estamos de parabéns.
Ela bateu palminhas de excitação e me puxou de lado para um rápido abraço. Eu não tive a oportunidade de corresponder porque estava surpresa com o gesto e porque foi realmente muito rápido. Era cada vez mais fácil passar um tempo com a Ashley, mas a gente não precisava exagerar também.
Felizmente, ela saiu por aí dando pulinhos antes que eu tivesse a oportunidade de reagir, mais parecida com a do que nunca. Eu não seria a pessoa a contar aquilo para Mina.
Por coincidência - ou oportunidade - do destino, a próxima pessoa a entrar no meu campo de visão foi ela mesma, me encarando do vão da porta com uma sobrancelha arqueada. Traidora, era o que ela me diria se usasse palavras. No entanto, aquele olhar semicerrado conseguia ser pior.
— Eu posso explicar. - disse, citando a frase mais usada pelo sexo masculino no mundo, inclusive você-sabe-quem.
Ela bufou, se aproximando para se jogar sentada ao meu lado.
— Não se incomode. Tô meio cansada de odiar ela. Fica meio chato quando ela não ataca.
Fazia sentido. Em algum momento nas últimas semanas, Ashley e Mina pararam de atormentar uma a outra. Talvez porque Ashley tivesse agora preocupações muito mais importantes do que a ex-namorada que seguiu em frente. E Mina apenas jogava o mesmo jogo.
— Ok… - murmurei, ainda um pouco desconfiada.
— Precisa de ajuda? - perguntou, mudando de assunto e encarando a tela do meu notebook.
— Só estou atualizando a página do nosso evento com o vídeo novo.
— Sobre o quê? Não vi ainda. Nem vou ver, para ser sincera. - riu rapidamente. - Eu tenho limites.
— É só uma convocação geral, um convite para a nossa manifestação. Não precisa ver, desde que esteja lá.
— É claro que vou estar! Sabe que eu adoro uma bagunça.
Engoli em seco, me esforçando para ignorar o fato dela ter chamado o dia que eu estava me matando para organizar de bagunça. Para manter uma amizade saudável e duradoura com a Mina, era necessário compreender que as palavras dela nunca deveriam ser levadas totalmente ao pé da letra. Além disso, eu tinha outras preocupações.

Eu sou uma pilha de nervos. Uma grande, gorda e alta pilha de nervos. E Corinne está apenas perdida no meio dela.
Soava dramático, extremamente exagerado, mas era exatamente assim que eu me sentia: perdida no meio de dezenas de tarefas das quais eu deveria cuidar e, no momento, cercada por centenas de pessoas que tornavam a minha missão muito mais difícil.
Senti um par de mãos quentes pousarem suavemente nos meus ombros e, em seguida, a respiração de - mais calma do que qualquer célula do meu corpo - em meu ouvido, chegando por trás de mim.
— Você precisa se acalmar. - sussurrou.
Eu concordava. No entanto, estávamos fazendo algo que envolvia tantas coisas, tantas pessoas, que eu havia perdido completamente a minha capacidade de respirar tranquilamente nos últimos dias.
— Eu sei. - murmurei.
— Olhe ao redor. Tá tudo acontecendo e eu diria que indo muito bem. Você já pode relaxar. Não precisa pegar o peso desse evento todo para você quando tem uma casa inteira também responsável por isso.
Sabia que ele tinha razão. À minha volta, centenas de garotas e alguns rapazes se reuniam em prol de um bem gigantesco. No carro de som que eu havia negociado alguns dias antes, algumas delas, em sua maioria kappas, se organizavam a fim de animar o pessoal. E o melhor: nas janelas da reitoria, lugar especialmente escolhido para sediar o nosso primeiro ato, já víamos algumas carinhas curiosas nos espionando.
Tudo ia bem, pacífico, animado e parecia que nada no mundo poderia entrar em nosso caminho no momento. Exceto por aquela angústia e medo de que algo aleatório acontecesse e tudo desse errado a partir daí.
Às vezes, eu sentia falta da do ensino médio. Talvez até da de alguns meses atrás, aquela que se jogava de cabeça nas piores ideias e acreditava fielmente que tudo daria certo no final. Acreditava tanto que, mesmo quando não dava tanto assim, ela achava razões para crer que valeu a pena.
Eu tinha certeza que ela estava ali em algum lugar, porém amedrontada pelo quão séria era aquela situação perto de todo o resto.
, volta para a terra. - me chamou, estalando os dedos na frente do meu rosto.
— Ok, você não pode sair do meu lado hoje. - falei, o puxando pelo braço para mantê-lo colado a mim. Ele riu.
— Por que? - questionou.
— Porque você é o responsável por me manter sã, oras! Eu sei que não deveria estar tão nervosa, mas no momento eu tenho zero controle sobre isso, então estou passando a responsabilidade para você, que diz que me conhece melhor que ninguém e todo aquele blá blá blá. Você costumava ser bom nisso, lembra? Tudo bem que eu nunca fiz nada remotamente parecido com isso aqui, a não ser aquela vez que eu fiz a turma inteira faltar durante duas semanas de aula de biologia por causa daquele professor babaca, mas enfim… Isso aqui é um outro nível, você sabe.
Quando eu fechei a boca, ele continuou me encarando com expressão curiosa. Franzi o cenho, sem resposta. apenas balançou os ombros.
— Só garantindo que você terminou de falar mesmo. - revirei os olhos. Ele sorriu. - Não se preocupe, vou ficar por perto. Pelo menos, pelas próximas três ou quatro horas, depois eu preciso ir treinar.
— Sim, claro. - respondi rapidamente. - Quais são as chances de você me levar junto?
— E comprometer todo o meu treino com a sua presença extremamente convidativa? Não, não. Você sabe que o momento agora é crucial e eu não posso ter luxos como esse.
Suspirei. É claro que eu sabia.
— Tudo bem. - murmurei cabisbaixa.
Não me entenda mal, eu queria estar ali e queria fazer aquilo. Não por mim, não pela Katy, não pela Kappa Kappa Gamma, mas por cada garota que frequentava aquele campus, por todas aquelas que já lutaram aquela luta e por todas as outras, de universidades e cidades diferentes, que podem se inspirar de alguma forma com o que estávamos fazendo. No entanto, a responsabilidade de carregar um peso tão grande - mesmo que dividido entre uma casa inteira - era muito às vezes.
Eu não tinha certeza de quanto tempo havia passado, talvez duas horas, porém percebi claramente quando as coisas começaram a ficar mais movimentadas e de ambos os lados.
Quanto mais pessoas chegavam para o nosso pequeno e inicial protesto, mais atenção chamávamos daqueles que não faziam ideia do que estava acontecendo ali. Por sorte - ou bom senso -, grande parte dessas pessoas decidiam ficar por um tempinho assim que descobriam do que elas poderiam ser parte.
Foi só falando com algumas estudantes aqui e ali que conseguimos ter uma ideia real, offline, do efeito que o depoimento da Katy no canal da Ashley teve, especialmente depois da sessão especial no estádio. O número de garotas que simpatizavam com a causa e que estavam dispostas a ajudar o máximo possível no que precisássemos era surpreendente. E, de certa forma, dava um gás para todas nós, exaustas com toda aquela situação. Ter que sair do conforto dos nossos sofás para ir atrás de direitos óbvios é extremamente cansativo.
Acima da pequena escadaria que terminava na entrada do prédio da reitoria, a movimentação também era nítida e, com o passar dos minutos, o por quê também ficou claro. Cada vez que eu olhava, um novo objeto havia sido adicionado de fininho. Uma caixa de som, alguns fios, um pódio decorado com toda a identidade visual da UCLA e afins. Logo ficou claro que devíamos esperar por um depoimento ou algo do tipo, porém isso não aconteceu imediatamente.
— Por que essa demora toda? Não pode ser um bom sinal, né? - Katy perguntou depois de uns trinta minutos sem nenhuma novidade.
Se alguém estava mais nervosa do que eu naquele dia, definitivamente era ela. Katy já havia perdido muita coisa, diferente da maioria de nós, e era a que mais ainda tinha para perder. Afinal de contas, ser o centro do estopim para um movimento de ataque a uma das maiores universidades no país e acusar um dos seus jogadores de destaque de estupro não estava fazendo maravilhas para a vida social dela.
— Talvez eles tenham chamado a imprensa e estejam apenas esperando a enchurrada de repórteres. - sugeriu. Ele que não havia deixado o meu lado por um segundo sequer até então, me puxando de volta para a razão quando eu começava a pirar.
— Metade dos repórteres da cidade estão aqui. A outra metade já veio e foi embora. - disse.
Eu não descartava completamente a teoria dele, mas não me parecia muito provável também.
— De qualquer forma, vamos esperar. - Nikki concluiu. - Na verdade, vamos cuidando de tudo que temos que cuidar e fazendo tudo que temos que fazer. Não vale a pena perdermos o nosso tempo esperando por algo que nem sabemos se vai acontecer, certo?
Nós concordamos.
— Ainda tem gente chegando, então vou fazer mais alguns cartazes. - anunciei, me afastando e levando pelas mãos comigo.
Algum tempo antes, eu descobri que pintar cartazes podia ser uma forma bem divertida me distrair. Enquanto eu extravasava minha frustração em uma série de frases pouco amigáveis, distribuía meu tão lindo trabalho para aquelas interessadas.
Em momentos como aquele, era difícil pensar que poderíamos já ter sido um casal tão disfuncional assim.
— Você está ficando mais violenta. - ele observou, lendo uma das minhas últimas frases.
— Bom, eles estão pedindo. - eu respondi logo.
Alguns minutos depois, concluí que eles estavam pedindo mesmo.
me cutucou a fim de chamar a minha atenção para a movimentação no pequeno espaço que a universidade armou. Acredito que a maioria ali - pelo menos a maioria que participava de alguma irmandade ou fraternidade da UCLA - se pegaram surpresos e decepcionados com a pessoa prestes a se colocar atrás do pódio. Talvez mais decepcionados do que surpresos.
Alice Harley, coordenadora chefe de todas as casas do campus, deu alguns passos hesitantes a frente, se posicionando próxima ao microfone. Ela não parecia muito feliz em estar ali, mas, para ser honesta, ela nunca parecia tão feliz assim. E eu tinha credibilidade para falar! Em alguns meses na universidade, já havia visitado o seu escritório mais vezes do que a maior parte dos alunos que estão prestes a se formar.
Não que eu tivesse orgulho disso…
Todos estávamos curiosos pelo que ela tinha a dizer, afinal de contas, poderia ser uma novidade boa, certo? Mesmo que as chances fossem realmente pequenas. Por isso, todas as conversas cessaram, os sons ao redor foram desligados e, agora, centenas de pessoas tinham toda atenção voltada para ela.
e eu aproveitamos a calma para nos aproximarmos o máximo deu. Podia ser coisa da minha cabeça, mas eu tive a impressão de vê-la franzir o cenho em confusão ao ver rapidamente nós dois de mãos dadas. Era uma reação até que esperada, eu diria… Na verdade, era quase como se ela fosse parte de e 2.0.
Sem pressa alguma, Alice tirou de um dos bolsos de seu terninho um pequeno pedaço de papel, desdobrando tudo até que se tornasse um A4. Depois de acomodá-lo à sua frente, deu três batidinhas leves no microfone, se certificando de que ele estava funcionando. Por fim, pigarreou e ergueu a cabeça, abrindo um leve sorriso.
— Boa tarde, minhas queridas. - começou, toda polida e contida. Ela sempre foi meio madame, mas o nível ali era um pouco exagerado. Ou talvez fosse só eu julgando o fato dela estar ali representando a universidade quando, na teoria, deveria nos representar. - Vejo que temos um bom número de rapazes também. Isso é muito bom. Muitos de vocês já me conhecem, mas parece que temos também um bom número de carinhas novas aqui. Bom… Meu nome é Alice Harley e eu sou coordenadora chefe das irmandades e fraternidades da UCLA. Isso quer dizer que eu os conheço muito bem, provavelmente mais do que vocês mesmos pensam. Conheço especialmente as minhas garotas da Kappa Kappa Gamma, que adoram deixar o meu trabalho tudo, menos tranquilo, não é mesmo? - disse, olhando para algumas de nós e sorrindo. Apesar de tentar mostrar transparência e compreensão, algo naquele discurso me parecia extremamente robótico. Até falso, eu diria. - Todos nós da universidade sabemos pelo que vocês têm passado e reconhecemos o quão válida é essa luta. No entanto, acho que devemos concordar… - ela fez uma pausa para engolir em seco, analisando rapidamente seu texto. - Devemos concordar que toda essa exposição não pode fazer bem para um caso tão delicado quanto esse que estamos vivenciando. É importante lembrar que uma grande investigação está em andamento e ela envolve pessoas reais, pessoas que podem ser terrivelmente prejudicadas caso venham a descobrir que as acusações são fa… - a própria Alice se interrompeu em uma clara rejeição ao texto que provavelmente havia sido entregue para ela e não escrito pela mesma.
Os segundos de silêncio foram interrompidos pelo som de um megafone sendo ligado. Em cima do carro de som, Nikki decidiu que aquela seria uma boa hora para falar também.
— Com licença, Alice. É que… Nós entendemos muito bem a situação em que nos encontramos. - ela começou a falar, sendo levemente prejudicada pela má qualidade do megafone, porém nada que impossibilitasse a compreensão. - Mas nós estamos aqui hoje para reivindicar o mínimo do mínimo, que é o direito ir e vir, com bebidas alcoólicas ou não, em nossas próprias casas. Só isso. Por enquanto.
Com toda a calma do mundo, os lábios da Alice se esticaram em um sorriso leve e ela assentiu.
— Eu entendo, Nicole. Entendo muito bem. - murmurou. De onde eu observava, ela parecia estar no meio de algum tipo de raciocínio, pensando consigo mesma, definitivamente algo mais indicado para ser feito em qualquer momento em que você não esteja em frente a uma multidão de pessoas. - Quer saber o que mais eu entendo? - questionou, se voltando novamente para nós logo depois de um longo suspiro. No entanto, não esperou nenhuma resposta da nossa parte. - E entendo porque vi com os meus próprios olhos. Eu tenho passado longos anos da minha vida nessa universidade e em tantas outras. Neste tempo todo, nunca se passou pela minha cabeça contar quantas garotas e até mesmo rapazes vieram até mim na busca de soluções para um problema que infelizmente eu nunca fui capaz nem tive o poder para resolver. Porque foram muitos. Estupros em festas regadas de bebidas alcoólicas, em festas sem bebida alguma, em vielas escuras e banheiros espalhados pelo campus, na própria casa da vítima, abusos em sala de aula, em eventos, palestras, por parte de professores, alunos, visitantes… E é sempre extremamente exaustivo e frustrante perceber que não existe nada que eu possa fazer para ajudar de alguma forma aquela aluna ou aluno, filhos de pais que nos confiaram a segurança de suas crianças. Vocês acham que são as únicas a levar denúncias para frente? Para forças maiores desse campus? Porque eu também já me cansei de ver casos tão rapidamente abafados que se torna fácil acreditar que eles nunca sequer existiram. Tudo que eu posso fazer é me dedicar ao máximo para prevenir a nós todas e todos de nos encontrarmos em situações parecidas… Isso não me traz a melhor das reputações nesse lugar, não é? - disse, rindo rapidamente. Me lembrei então dos incansáveis encontros com a coordenadora, as constantes tentativas dela de mediar nossas intrigas, em especial a minha e do lá na primeira semana de aula. - O meu ponto é que claramente o pouco que tem sido feito não é suficiente. Não é suficiente aqui nem na maioria das universidades do país, todos nós sabemos disso. Por isso, nada me deixa mais feliz do que ver tantas pessoas fora do conforto de suas casas para lutar contra um sistema que tem violentado e matado há muito tempo. Um passo de cada vez, certo? Para aqueles desqualificando o movimento de vocês, dizendo que só querem encher a cara em paz ou que é muito pouco… Acreditem em mim, garotas, o que estão fazendo é grandioso! Tive muita sorte por conhecer a coragem e teimosia de muitas aqui, o que me leva a acreditar que estão apenas começando, mas terão o meu apoio por todo o longo caminho que está por vir. - finalizou, rasgando a folha de papel com o discurso que deveria ter lido.
Assim que ela terminou, palmas e gritos tomaram o lugar. Nós finalmente tínhamos alguém da própria UCLA à nosso favor e isso causou uma euforia geral.
Ainda que meu coração batesse fora de seu ritmo normal pela excitação, eu me peguei apertando a mão de , feliz por estar respirando tranquilamente pela primeira vez em alguns dias. Aquela ansiedade constante estava se dissipando, deixando no lugar um sentimento muito forte de esperança. Esperança de que, dessa vez, realmente iríamos conseguir algo. Esperança de que o que aconteceu com a Katy não iria se tornar mais um caso engavetado.
Mas, para ser honesta, eu não tinha ideia se aquilo era melhor ou muito pior.

Cerca de quarenta minutos depois, as coisas foram voltando ao normal. O número de pessoas participando pareceu se estabilizar e o pequeno espaço montado pela administração da UCLA havia desaparecido. Ao invés de voltar para o seu trabalho, Alice se juntou a nós, subindo no carro de som e tudo. Eu não podia deixar de pensar nas consequências que aquele pequeno discurso traria para ela, mas, por ora, optei por não me preocupar já que ela mesma aparentava não estar nem aí.
Tudo que eu fazia agora era dar algumas voltas, apenas me certificando de que tudo estava ok. Em uma dessas voltas, encontrei conversando com um grupo de garotas. Aproveitei a primeira deixa que tive para chamar a atenção dela, que se voltou para mim.
— Ei! Tá tudo bem por aí? - perguntou, falando um pouco mais alto por causa do barulho.
— Sim, claro. Você viu o ?
Antes de me responder, ela apertou as mãos em seu peito, na direção do coração, e seus olhos adquiriram um brilho estranho. Franzi o cenho, estranhando a reação. Para ficar pior completo, só faltava ela dizer…
— Aaawwww!!!
Aquele som. Eu odiava aquele som.
, o que você está fazendo? - questionei, dando um passo para trás. Queria me afastar de toda aquela loucura.
— Você chamou ele de , . Faz tanto tempo desde a última vez que ouvi este apelido sair pela sua boca!
Assenti, compreendendo a reação.
Uau.
Ela tinha razão. com razão podia ser algo realmente irritante, mas eu tinha que admitir. Ela estava certa.
Se eu me lembrava bem, a última vez em que me referi a ele como foi no dia em que terminamos (pela última vez, pois já havíamos terminado um bom número de vezes). Depois disso, o apelido passou a me irritar mais do que nunca. Apenas porque chamá-lo de sempre soou, para mim, como algo muito carinhoso, algo que , por exemplo, nunca seria. era só uma forma mais rápida de falar . significa algo, passava amor, cuidado, zelo.
É, fazia sentido que fizesse tanto caso em cima de algo teoricamente bem simples. E, por alguns segundinhos, eu me senti muito bem com isso. Algumas coisas estavam se encaixando… Quase como se nunca tivessem saído lugar.
No entanto, isso não mudava o fato de que ele não estava do meu lado justamente no dia em que eu pedi que estivesse. Tudo bem, ele havia saído para pegar água, com a desculpa de que era importante que eu ficasse hidratada embaixo daquele sol todo. Mas isso havia acontecido vinte minutos atrás e vamos combinar que vinte minutos é tempo demais até para produzir a própria água.
Ok, eu estava exagerando.
Não é como se eu quisesse ficar grudada nele também, porém aquele dia tinha suas particularidades e ele me ajudava a lidar com elas. Logo, tinha que estar ali, ao meu lado, o tempo todo. Só durante aquela tarde.
— Legal, , mas eu realmente gostaria de saber onde ele está. - eu disse, não dando muita bola para o drama todo. Não queria encorajar aquele tipo de reação à qualquer coisa que envolvesse eu e o .
— E eu lá sei, oras? É em você que ele tá grudado há um tempão. Quer saber de uma coisa? O clima de romance nesse lugar tá muito aflorado. Você e o , April e o … Preciso ir atrás da minha namorada.
Eu ri rapidamente e assenti, a incentivando a ir atrás da Mina, apenas porque eu amava ver aquelas duas juntas.
Já April e era uma novidade ainda um pouco estranha, mas não ruim. Eu ainda não havia visto nada muito específico entre os dois, porém passavam 90% do tempo juntos agora, o que não me dava muitas oportunidades para arrancar de algum deles todas as informações. Além do mais, a loucura dos últimos dias de preparação para o protesto não me deixaram focar particularmente naquilo. O pouco que eu sabia vinha de Jude, que não cansava de investigar a vida amorosa da irmã - por mais estranho que isso fosse - e fazia questão de me contar tudo, mesmo que na maioria das vezes não houvesse novidade alguma.
Com um suspiro, eu voltei a me mover, decidida a deixar chegar até mim. Eu não estava tão desesperada assim. Havia passado um ano e meio sem desejar a presença dele, levaria mais do que alguns dias para que eu precisasse dele dessa forma. Na verdade, o objetivo era sempre não precisar e, acredite em mim, eu aperfeiçoei muito bem essa habilidade.
Só porque eu parei de procurá-lo, ele brotou no meio da multidão com roupas diferentes e sem a minha água.
Concluí aí que era muito mais fácil ser racional em pensamento.
— Onde é que você se enfiou?! - questionei, me aproximando.
Ele sorriu amarelo, mostrando seu novo look: roupas de academia.
— Percebi que é meio tarde e aproveitei que estava perto de um banheiro para me trocar. Assim eu posso ficar aqui tranquilamente sem precisar sair correndo depois. - disse, segurando a alça de sua mochila nas costas e se aproximando para me beijar com um sorrisinho esperto. O parei antes que seus lábios tocassem os meus.
— Você não some sem me avisar, ! - eu o repreendi, tomando cuidado para não usar o apelido quando eu estava brava com ele. - Tem que me avisar o que diabos está fazendo! Eu me preocupo.
— Se preocupa com o que? - perguntou, risonho, sem me levar a sério.
Dei de ombros. Uma garota não poderia apenas se preocupar? Sem motivos, apenas preocupação genuína.
É, eu mesma não compraria essa.
— Eu sei lá! Tem muita gente aqui, gente desconhecida… Só isso.
O sorriso dele se alargou, achando mais graça ainda. Coragem… tinha muita coragem.
— Bom, eu estou aqui, então eu sobrevivi, certo? - assenti a contragosto. - Podemos voltar para a nossa programação normal então?
— Que é? - questionei, arqueando uma sobrancelha.
Ele balançou a cabeça, fingindo algum tipo de decepção.
— Onde é que está o seu romantismo, Corinne? - perguntou antes de me puxar para um beijo novamente.
Desta vez, porém, eu deixei que ele o fizesse. Aquela discussão podia esperar, especialmente porque eu já não tinha argumentos - se é que tive antes -, pois, no final das contas, estava ali, do meu lado, exatamente como prometeu. Mas sem minha água.

Quando o final do dia deu as caras, eu só pude respirar aliviada. Assim que o peso do êxito daquele evento foi retirado das minhas costas, eu era toda sorrisos, quase como se alguém tivesse substituído a estressada do resto do dia por uma novinha em folha.
A universidade não tentou mais nada e tínhamos cada vez mais pessoas envolvidas ou que apenas conheciam a nossa causa, e quer saber de uma coisa? Eu chamo isso de sucesso. Sucesso este que me encheu de energia suficiente para virar o mundo de cabeça para baixo. Porém, compreensiva como eu era, me contentei com um pouco menos (apesar dos resultados finais serem igualmente satisfatórios).
Eu realmente não posso fazer isso. Me desculpe. - me falou pelo telefone logo depois de eu sugerir que ele finalizasse seu treino mais cedo naquele dia para que pudéssemos nos trancar no quarto dele e virar o nosso mundinho de cabeça para baixo.
— Você já foi melhor. - eu disse. - E com certeza vai se arrepender.
Não tenho dúvida alguma de que vou.
Me despedi e joguei meu corpo contra o primeiro sofá que vi. Aquela casa estava morta! Metade havia saído para jantar fora em seus tradicionais programas de sábado a noite e a outra metade estava enfiada pelos quartos. Para o meu azar, não eram nem 20h00 ainda.
Desanimada com o desânimo dos outros, mas ainda com vontade de fazer algo da minha vida, eu decidi subir para tomar um banho. Mina e estavam em um encontro e April… Bem, era difícil dizer onde ela se encontrava nos últimos dias. Provavelmente com o , criando segredos e mais segredos que nunca nos contavam.
Pelo menos, era isso que eu pensava. No entanto, quando entrei no quarto, a bonita estava sentada em sua cama digitando no celular.
— Ora, ora, ora. Olha só quem saiu do buraco onde estava se escondendo.
Ela sorriu, envergonhada.
— Não seja exagerada. Na verdade, eu já estou de saída.
Nananinanão. - eu disse, fechando a porta atrás de mim. Em seguida, puxei a cadeira da penteadeira, me sentando de frente a ela. - Nós temos muito o que conversar, April.
— E precisa ser agora? - questionou, em seu rosto a expressão de quem implorava para que não precisasse. Não dei a ela esse gostinho, balançando a cabeça positivamente. Vai saber quando eu teria outra oportunidade como esta! Jude ficaria com inveja. - Tá bom. Um minuto. - falou, voltando a enfiar a cara no celular por um tempinho.
— Posso? - perguntei alguns segundos depois. Ela sorriu e assentiu. - Há quanto tempo somos amigas, April? Quatro, cinco meses?
Ela franziu o cenho, curiosa pela pergunta e, talvez, pela calma com que eu falava..
— Por aí… Eu acho.
— Certo. E para quem você recorria quando precisava de conselhos sobre o meu amigo ?
— Você… - respondeu, hesitante.
— Ok! - e então eu mudei minha expressão, sendo mais direta e bem menos paciente. - Então por que é que vocês dois não se desgrudam há mais de uma semana e eu ainda não sei o que diabos está acontecendo porque vocês não param um segundo para ter uma conversa significativa com alguém que não esteja nesse clubinho -April?!
Ela engoliu em seco, devidamente assustada, e eu pude sorrir pela segunda missão cumprida do dia.
— Bom… - ela começou, mas parou para pensar no meio do caminho.
— Bom? - cobrei e ela suspirou.
— Tá legal, tá legal! Eu vou contar, tá feliz?
Abri um grande e largo sorriso, balançando a cabeça.
— Muitíssimo!
Então ela engoliu em seco antes de finalmente dizer as palavras. Aquelas simples, preciosas e esperadas palavras.
— O que aconteceu foi que… Nós nos beijamos.
Ela tentava manter uma expressão neutra, porém não foi forte o suficiente para conter o sorriso doce que escapou em seus lábios.
— Eu sabia! - comemorei. - Sabia que algo havia acontecido. E como foi? Me conta tudo!
— Eu tô contando, fica calma. - disse, rindo da minha cara. Eu nem me importava.
— Foi mal. É que tô muito animada!
April assentiu, compreensiva.
— Não tem muito para contar, na verdade…
— Vocês passaram quase 24 horas juntos! Como não tem muito para contar, April Spring?
— Se você não parar de me interromper, eu posso não ter nada para contar. - disse, semicerrando os olhos em desafio para mim. Balancei os ombros, fechando minha boca antes que eu mexesse com a boa vontade dela. Em algum momento, ela havia virado aquele jogo. - Muito bem. É verdade que passamos muitas horas juntos, mas não estávamos mentindo quando dissemos que caímos no sono por algumas horas. Ele me encontrou lá no jogo e, para ser honesta, eu nem havia notado que vocês saíram e nós saímos para dar uma volta, precisava esfriar um pouco a cabeça. Conversa vai, conversa vem, ele falou algumas coisas e… Bom, eu tentei. Mas estava tão nervosa que eu não me lembro de uma palavra que disse. Ele me levou para conhecer alguns lugares da cidade e, no final do dia, aconteceu. E foi bom. - ela sorriu.
— Que coisa mais linda! - exclamei, surtando um pouquinho e me segurando para não pular nela. - O Jude vai morrer quando descobrir que eu sei muito mais do que ele! - comentei e April deu de ombros.
precisa arrumar o que fazer. Ele tá entediado, então fica investigando minha vida como se fosse alguma novela mexicana. Precisamos conseguir alguns passatempos para ele. Sério.
Ri rapidamente.
— Ele só está tentando cuidar de você.
Ela suspirou e assentiu.
— Eu sei… Eu não te falei antes, mas agradeço por estar sendo tão legal com ele, especialmente quando eu mesma mal tenho conseguido lidar com esse “estilo de vida” que ele adota. Sei que você não concorda muito também… Só fico feliz dele não estar se sentindo sozinho nem nada do tipo. - disse, sorrindo para mim, porém com um fundinho de preocupação em seu olhar.
— Não se preocupe, eu acabei descobrindo que gosto muito do seu irmão. Além do mais, não sou a única. Você já viu o resto da casa? Se ele for embora algum dia desses, esse lugar vai virar um grande velório!
— Eu não sei que dom é esse que ele tem, de verdade. - disse entre risos. Enquanto isso, eu me levantei, liberando-a para que pudesse ir em seu compromisso, que eu acreditava com toda certeza que tinha envolvido.
— Vocês são mais parecidos do que você pensa. - afirmei, partindo para o meu banho, mas ganhando um largo sorriso dela antes de fechar a porta.


Capítulo 25

2 anos antes…


’ POV


“— Tudo bem. A vida é sua.
A voz da ecoava na minha cabeça a cada, pelo menos, cinco minutos. E ela estava certa. A vida era minha, logo, eu deveria tomar todas as decisões acerca dela. Meu futuro, minhas escolhas e minhas razões pertenciam somente a mim.
No entanto, ninguém me avisou que seria tão difícil. Por isso, eu também culpava a . Ela vinha controlando minha vida há tantos anos, sendo parte imprescindível de cada momento, que eu parecia não ter mais a capacidade de fazer nada por conta própria. Se é que já tive algum dia porque nós nos conhecemos desde que me entendo por gente e não foi o namoro que despertou este lado dela.
Eu sabia bem que ficar pensando nela enquanto deveria estar tomando a decisão que iria influenciar diretamente no resto da minha vida não me ajudaria em absolutamente nada, porém esse era o nível da minha burrice às vezes. E falta de controle.
Nem as três batidas repentinas na porta do meu quarto foram capazes de tirá-la por completo da minha mente, pois tive esperanças que ela surgisse para me salvar daquela agonia. Mas quem apareceu foi a minha mãe, como se o universo quisesse me lembrar de que haviam outras pessoas que me amavam e que deviam ser consideradas, não apenas a minha namorada.
— Ei, não vai sair desse quarto? É noite de sexta-feira, tenho certeza que você tem algo melhor para fazer. - disse, se aproximando da minha mesa.
— Não posso sair enquanto não fazer algum progresso aqui, mãe. - respondi, encarando todos aqueles papéis que, sinceramente, estavam sendo inúteis.
— Bom, trouxe um copo de suco para você. - disse, colocando o copo gelado na minha frente. - Tem muito mais de onde isso saiu, tá? Mas você vai ter que sair e ir buscar.
Eu sorri, agarrando uma de suas mãos para depositar um beijo nas costas.
— Obrigado.
— Que monte de papel é esse, ? - questionou, bisbilhotando por cima dos meus ombros.
— Textos institucionais, listas de prós e contras, programas de extensão, cartas de aceitação e por aí vai…
— E por que a não está te ajudando com isso?
— Porque eu sou capaz, mãe. - respondi, falando muito sério, mas ela riu mesmo assim.
— Tudo bem. - disse, apalpando rapidamente um dos meus ombros em apoio e indo em direção a porta. Eu relutei por alguns segundos, porém, antes que ela saísse completamente do quarto, chamei sua atenção. - Pode falar.
Engoli em seco.
— Você e o meu pai estudaram em universidades diferentes, não é? - ela assentiu. - Isso abalou a relação de vocês de alguma forma? Você se arrepende?
Pensativa, ela entrou novamente no quarto, indo se sentar na beirada da minha cama, próxima a mim. Antes de dizer qualquer coisa, soltou um longo suspiro, o que só me fez pensar que a resposta não poderia ser tão boa assim.
— Bom… Acho que eu estaria mentindo se dissesse que não abalou. É claro que abalou. Foram anos de relacionamento a distância, nos víamos a cada dois meses e nas férias, era muito difícil. É muito mais complicado lidar com desconfianças, ciúmes e, bem, outras companhias a quilômetros de distância. Por sorte, eu e seu pai sempre fomos muito calmos e racionais, então conseguimos sobreviver sem grandes problemas.
Murchei em minha cadeira, deixando claro que aquilo não era o que eu queria ouvir. Especialmente porque a e eu éramos muito mais intensos que meus pais e, se mesmo eles tiveram seus problemas, era difícil imaginar como poderíamos fazer dar certo.
— Entendi. - murmurei cabisbaixo.
— Ei! - ela chamou minha atenção, me dando um beliscão leve no braço. - Eu ainda não terminei. Apesar de tudo isso, acho que eu e seu pai concordamos que não mudaríamos nada. Hoje, nós temos nossas experiências juntos e separados, não vivemos com o peso de um ter sacrificado algo tão importante quanto os anos de universidade em função do outro e nos entendemos melhor do que nunca, graças às incontáveis noites passadas tentando resolver nossos problemas. Quando nos víamos depois de semanas de distância, a euforia era tanta que quase fazia toda a dificuldade valer a pena e agora, , nós conseguimos realmente apreciar o valor da presença um do outro. O que eu quero que você tenha em mente é que sua vida vai muito além desses anos de universidade, então escolha o que vai te fazer bem durante essa vida inteira, não apenas os próximos quatro, cinco anos. Se estar perto da é o que te faz mais feliz, tudo bem. Se ir para outro lugar atrás de oportunidades melhores, tudo bem também, mesmo que eu vá sentir muita saudade. Escolha com carinho, mas a você e ao que quer para você, ok?
As palavras da minha mãe me fizeram sentir melhor, eu tinha que admitir, pelo menos pelos próximos minutos. Porém, quando ela saiu e eu voltei para a minha pilha de papéis e escolhas, as dúvidas voltaram com tudo.
No entanto, eu estava disposto a fazer alguns avanços, então, com base no que ela falou, fui riscando alguns nomes. Em grande maioria, aqueles que a me infernizou para tentar ainda que eu não tivesse o mínimo de interesse. Passei as próximas horas fazendo esse exercício de exclusão ao comparar programas de extensão, credibilidade e, também, distância. Eu não era forte o suficiente para apenas ignorar a questão da distância.
No final das contas, eu me vi encarando dois nomes. Dois grandes nomes. Universidade Internacional da Flórida e Universidade da Califórnia em Los Angeles. Ainda que a primeira tivesse tanto para me oferecer com um programa excelente de natação, uma voz em minha mente - muito parecida com a da minha namorada - insistia em me lembrar que Miami fica praticamente do outro lado do país.
Eu amava Los Angeles e a ideia de deixar a cidade onde passei toda a minha vida até então era desesperadora. Porém, se havia algo que eu amava mais ainda do que a cidade dos anjos, era a natação. Já havia parado algumas vezes para pensar se era aquilo que eu queria para o meu futuro profissional ou se seria apenas um hobbie - que me rendeu uma série de medalhas e prêmios com o passar dos anos, mas, ainda assim, um hobbie. Nunca cheguei a uma conclusão. Eu tinha 17 anos, como é que eu poderia já ter certeza sobre algo do tipo?!
, com apenas 16, já tinha tudo resolvido. Não sabia ainda qual profissão seguir, mas ela definitivamente tinha um plano muito bem traçado. Inclusive, ela costumava ter um para mim (provavelmente para todos os nossos amigos também) e, para ser honesto, a ideia de jogar minha revolta para o alto e ligar para ela era extremamente tentadora. No entanto, os planos da tinham um grande defeito: tendiam a contemplar aquilo que era conveniente para ela e, nesse momento, eu precisava pensar no que era melhor para mim… Certo?
De qualquer forma, sabendo ou não o que eu queria da natação, a Universidade da Flórida me dava essa oportunidade. Tudo bem, a UCLA também tinha um programa legal, mas por que me contentar com o bom quando eu tenho a oportunidade de aproveitar o excelente?
Corri os dedos pela minha cabeça, puxando alguns fios na esperança de que esse ato me trouxesse algum tipo de luz. A bagunça continuou, então eu grunhi de frustração.
Respirei por alguns segundos, procurando me acalmar, e aí voltei para a minha curta lista. Eu iria tomar uma decisão agora. Busquei pela mesa uma caneta, respirei fundo uma última vez, e circulei as palavras que meu coração mandou no momento, por mais ridículo piegas que isso fosse.
Logo depois, eu parei, avaliando por completo aquela escolha. Apenas quando tive certeza que não queria trocar, me levantei, pronto para mostrar para a que a vida era minha, sim, e eu sabia muito bem o que fazer com ela.

— Vamos lá. Eu sou toda ouvidos. - ela afirmou algumas horas depois.
Esse tempo todo porque estava passando a noite na casa da com algumas garotas e, inicialmente, eu tentei esperar, mas não resisti. Agora, estávamos em um quarto de hóspedes, único lugar em que encontramos um pouco de paz e silêncio.
Ergui um dedo indicador, pedindo calma, e então entreguei a ela a rosa que eu vinha escondendo no bolso de dentro da minha jaqueta. Imediatamente ela abriu um sorriso largo, singelo, daqueles que me faziam querer parar tudo que eu estava fazendo apenas para apreciá-lo.
— Uau! Para que isso? - questionou, acariciando com cuidado as pétalas, como ela sempre fazia.
— É que mesmo que eu esteja aqui para provar um ponto, os últimos dias me fizeram admirar a sua firmeza para tomar decisões, sua criatividade para criar novas alternativas e tudo mais. Não é fácil. Só queria reconhecer esse talento e lembrar que, por isso e apesar disso, eu te amo.
Observei um tom rosado se espalhar pelas suas bochechas enquanto ela ria nervosa. Depois de tanto tempo de namoro, ainda ficava sem graça com declarações espontâneas e eu, particularmente, achava adorável. Era um bom contraste da personalidade forte e explosiva com que todos já eram acostumados.
— Você me deixa sem saber o que dizer… - ela murmurou, encolhendo os ombros, mas sorriu e se aproximou logo depois. - Obrigada. E quer saber de uma coisa? - perguntou, corrigindo sua postura. - É bom ter o meu talento reconhecido!
Ri rapidamente, puxando seu rosto para que pudesse beijar sua testa.
— Aproveite. Vai demorar bastante para acontecer de novo. - afirmei, ganhando um tapa rápido no ombro.
Depois de um longo suspiro, ela me lançou um olhar que já me avisou o que estava por vir. Mas não me importei. Eu estava bem confiante com a minha decisão e sabia exatamente o que falar para mostrar a ela que era uma boa escolha.
— E então? Qual é a novidade?
— Ok… Eu pensei muito nos últimos dias, considerei todas as minhas opções, o que elas tinham para me oferecer, considerei você, minha família, nossos amigos e acho que vai dar certo. Não quero enrolar muito, então vou dizer apenas que eu decidi apostar em nós dois, . - um sorriso começou a dar as caras nos lábios dela. - Decidi apostar na força do que sentimos um pelo outro e na nossa capacidade de fazer esse relacionamento funcionar independente de todas as dificuldades. - com a mão que não segurava a rosa, ela agarrou as minhas e apertou, me dando o restinho do apoio que eu precisava para terminar de falar. - E porque eu sei que somos capazes de sobreviver, juntos, a qualquer coisa, eu decidi me matricular na Universidade da Flórida.
Assim que pronunciei as palavras, eu aguardei ansioso pela sua reação. Não era idiota o suficiente para acreditar que ela comemoraria de primeira nem para crer que não teria que convencê-la pelo menos um pouco de que a ideia era boa, mas, ainda assim, eu estava ansioso por alguma reação genuína.
De certa forma, acho que eu consegui.
Consciente do ato ou não, as mãos dela se abriram, soltando a minha e derrubando dramaticamente a rosa que a dei no chão. No entanto, longos segundos se passaram antes que qualquer outra reação acontecesse. Mas seus olhos nunca deixaram os meus, me passando um bom mix de sentimentos que, no final das contas, não me deu resposta alguma em relação a como ela estava por dentro com aquela notícia.
— Você escolheu se mudar? - ela perguntou, finalmente falando alguma coisa.
— Sim, mas … - me aproximei, quase me ajoelhando a sua frente. - …eu só escolhi a Flórida porque acredito demais que nós conseguimos fazer isso funcionar a distância. Eu entendo que vai ser muito difícil, porém vai ser também um teste e tanto, não é? E, se ficarmos bem, que é o que eu acredito que vá acontecer, vamos sair dessa tão, mas tão fortes! - expliquei, animado.
— Teste? - perguntou também, parecendo estar mais perdida agora em seus próprios pensamentos do que qualquer outra hora.
— Bom, talvez essa não seja a palavra ideal para…
— Você acha que o nosso relacionamento precisa da porra de um teste? - me interrompeu, já um pouco ríspida, lentamente voltando para si.
— Não! Eu só estou tentando dizer que a UF tem muito a me oferecer e que eu acredito que a distância é muito pouco quando comparado ao que nós temos, ao que sentimos um pelo outro. Você entende, não é? Precisa entender. - falei, quase que implorando.
Porém, ela levantou, se afastando de mim. A partir daí eu já não tive mais esperanças que ela compreendesse. A conhecia bem o suficiente para reconhecer todos os sinais.
— Você quer saber o que é que eu entendo, ? Sinceramente, quer saber? - questionou. Enquanto me levantava desanimado, assenti. Eu tinha outra escolha, por acaso? - Eu entendo que meu namorado, que clama me amar tanto e acreditar tanto em nós dois, prefere se mandar para o outro lado do país, onde não conhece absolutamente ninguém, por causa de um programa que ele pesquisou durante 20 minutos na internet e concluiu que é ótimo. Ah! E um programa que ele nem sabe sabe se vai utilizar. Mas tá tudo bem porque nós conseguimos sobreviver a todos esses anos separados, não é mesmo?
— Você não está sendo justa. Eu nunca te impediria de ir atrás de algo que você ama, mesmo que fosse apenas uma possibilidade.
Ela sorriu, irônica. Então se aproximou novamente, com as mãos na cintura.
— E quem disse que eu vou te impedir? - engoli em seco, receoso com a força do olhar dela no meu e com o tom calmo, mas ainda furioso. Se é que isso fazia algum sentido. - A vida é sua, . Nós combinamos que eu não interferiria mais, certo? Agora, as escolhas são todas suas. E se a sua decisão é se mudar para Miami, a dois dias de viagem daqui, me parece muito claro que eu tenho absolutamente nada a ver com isso. Vai! Faz o que você quiser.
— É sério? - perguntei, hesitante.
Eu sabia que ela não ficaria feliz com a novidade, mas se mesmo assim ela aceitasse, poderíamos trabalhar nisso com o tempo. Por alguns segundos, me permiti ter esperanças novamente.
Que erro, meus amigos…
— Claro. - afirmou, com um brilho no olhar que eu não soube dizer se era de emoção ou apenas ódio. - Só não ache que eu vou ficar aqui te esperando.
Meu coração deu um pulo peito e meu corpo inteiro estremeceu. Aquela era uma frase que eu realmente não considerei ouvir, dentre todos os possíveis cenários que criei.
— O que você quer dizer?
— Quero dizer que você pode ir para a sua universidade nova feliz da vida e solteiro, tá legal? Porque nessa brincadeira de acreditar tanto no potencial de sobrevivência do nosso relacionamento, você esqueceu de me perguntar se eu estou afim de passar por algo assim. Então aqui vai a sua resposta: não estou e definitivamente não vou.
Sem um toque, sem sequer uma hesitação, ela saiu do quarto e não olhou para trás.
Eu continuei parado por sabe-se lá quanto tempo, encarando a rosa que ela pisou acidentalmente no meio do seu discurso e tentando assimilar todas aquelas palavras.
Mas que merda...
Dei o fora dali antes que a minha vontade de continuar aquela briga falasse mais alto, fechando a porta da frente com um pouco mais de força do que eu deveria. Não me importei, no entanto. Era bom que ela ouvisse e que soubesse que eu estava puto, não triste. Puto por ter uma namorada que não conseguia erguer a cabeça para olhar acima de seu próprio umbigo.
Bom… Ex-namorada, aparentemente.
Merda!

Atualmente


Eu poderia facilmente vomitar. Nojento? Talvez, mas experimente chegar a final de um campeonato que toda a universidade está torcendo para ganhar como um novato no time. Desesperador. E Joe não estava facilitando muito para o meu lado.
— Quando você ganhar a medalha de ouro, eu vou te abraçar, tá legal? Talvez eu chame a também. Assim todos entendem que vocês dois são um casal, mas que o Joe aqui ainda está no mercado. - disse, apontando para si mesmo com um sorriso largo no rosto.
Forcei rapidamente uma risada enquanto terminava de arrumar minhas coisas. Não queria ignorá-lo por completo ao mesmo tempo que não estava afim de incentivá-lo a continuar falando este tipo de besteira. Normalmente, eu curtia bastante, porém, naquele momento, preferia focar.
Tudo bem, eu estava focando mais no meu medo do que na prova em si, mas este era apenas o meu processo.
— Vamos lá, cara. Se anima! Você sabe que é um dos preferidos. - ele voltou a falar e, desta vez, eu tentei sorrir de verdade.
Do jeito dele, Joe estava tentando me incentivar. Mesmo não conseguindo se classificar na semifinal, ele torcia por mim sem um resquício de inveja ou amargura, simplesmente torcia. Era admirador, já que eu mesmo não sabia se conseguiria fazer o mesmo nessa situação.
— Ei, eu vou me animar, não se preocupe. Só preciso cair na real. Prometo que logo estou 100% confiante de novo.
Eu tinha quase certeza de que aquela não era uma promessa que eu conseguiria cumprir, mas ele aceitou de bom grado, então nos demos por satisfeitos.
Ele estava quase saindo do quarto quando ouvimos algumas batidas na porta. Já sabia quem era, mas Joe correu para atender, dando de cara com a e o .
— Finalmente vocês chegaram! precisa de uma injeção de ânimo ou vai deprimir aquela competição toda.
Revirei os olhos.
— Ah, eu só vim pegar as minhas chaves. - disse, já entrando. Busquei elas no meu bolso, mas antes de depositá-las na mão estendida dele, avisei:
— Primeiro, as chaves são minhas. Segundo, é muito bom que a minha moto chegue inteira lá, entendeu?
— Isso foi uma ameaça? Porque eu dirijo melhor que você. - dei de ombros. Era verdade, mas eu não iria admitir. - Não se preocupe, eu, Mina e sua moto chegaremos bem.
Enquanto se afastava, também entrou, me dando oi com um abraço. Mantive-a junto a mim, com os braços sob os seus ombros, ao mesmo tempo em que chamava a atenção dele para que não fosse embora ainda.
— A Mina vai com você? Como é que isso aconteceu?
— Quem mais toparia fazer uma viagem de 5 horas de moto comigo? A Mina, é claro. - explicou.
— Mas… e a ? - voltei a perguntar.
— A está resmungando pelos cantos porque a namorada preferiu ir de moto e não no conforto do carro dela. - foi a quem respondeu.
— Boa sorte para o pessoal que vai com ela então. - disse, se referindo a April, e Jude, já se retirando. - Eu vejo vocês em algumas horas.
— E eu vou arrumar as minhas coisas. - Joe comentou, também marchando para fora.
— Ainda? Nós saímos em 15 minutos!
Eu não tinha uma grande moral para falar, pois estava terminando de arrumar as minhas ainda, mas ele provavelmente não tinha nem uma peça de roupa separada até aquele momento.
— Não estressa, . Eu tenho tudo sob controle. - o que me dava toda certeza de que ele não tinha nada sob controle. No entanto, deixei que fosse, apenas porque aquele realmente era um estresse que eu não precisava. - Uhul! Phoenix, lá vamos nós! - ele gritou do corredor.
Sem pressão, então…

— Ok… Esse é um ônibus bem grande e cheio. - ouvi a murmurar ao meu lado.
Eu estava de olhos fechados há alguns minutos, tentando ignorar toda a bagunça ao redor, então não tive certeza de que ela estava falando comigo. Deixei minha cabeça cair para o lado em que ela estava, a encarando.
— Como?
— O ônibus… Tem muita gente aqui. Achei que fosse só o time de natação. - explicou, olhando para a galera toda.
O time de natação apenas não ocuparia metade dos lugares disponíveis ali, lugares estes que, ao meu ver, pareciam estar todos muito bem ocupados.
— Não, não. É o ônibus da universidade, então basicamente qualquer pessoa que pertença a qualquer time da UCLA pode se inscrever para ir. O poderia, por exemplo. Tem toda uma lista que é passada algumas semanas antes e tudo mais. - expliquei e ela assentiu lentamente. Seus olhos, no entanto, continuavam vagando por ali.
— As cheerleaders vem em peso, né?
— Uhum. - murmurei. - Elas apoiam bastante, mesmo que não estejam fazendo oficialmente a torcida. É bem legal.
— É… Bem legal. - suspirou e eu a observei em curiosidade. Porém, antes que eu pudesse dizer alguma coisa, ela se virou para mim, me observando de volta. - Tá tudo bem? - questionou, pousando uma de suas mãos em meu antebraço.
Assenti, caindo um pouco mais para apoiar minha cabeça no ombro dela.
— Nervoso…
— Você já foi mais confiante sobre a natação. - ela disse e eu ri. Era verdade. Irritantemente confiante, na verdade.
— É que eu nunca competi com os melhores do país inteiro, né? Também nunca tive tantas pessoas torcendo pela minha vitória.
Ela assentiu, correndo levemente os dedos pela minha bochecha no lado que não estava esmagado contra o ombro dela.
— Bom, eu estou torcendo bastante para que você dê o seu melhor. Isso é o suficiente para mim, ok? Troféus e medalhas não importam, desde que você saia com a consciência tranquila de quem fez tudo que pôde.
Sorri, levantando a cabeça para beijar rapidamente seu pescoço. Meu sorriso ficou mais largo quando a senti se arrepiar.
— Obrigado. - no nível de nervosismo em que eu estava, não ajudava nem um pouco, mas eu sabia que as intenções eram boas e isso bastava. - Quer saber de uma coisa? - questionei, mudando subitamente de assunto. - Tem uma coisa que com certeza me relaxaria.
Me levantei novamente, assim eu poderia realmente beijá-la enquanto deslizava uma de minhas mãos pelas coxas que o short curto deixava a mostra. Esperta como era, compreendeu bem rápido o que eu estava falando, passando seus braços ao redor do meu pescoço para que pudéssemos aprofundar o beijo e ficar mais próximos.
No entanto, ela descolou nossos lábios antes que eu pudesse sequer sentir algum tipo de falta de ar.
— Ei, estamos em um ônibus cheio.
Só então eu percebi que minha mão já estava em áreas cobertas pelo tecido. Ainda que frustrado, eu tinha que concordar. Aquele era um ônibus muito cheio. Mas, olhando ao redor, tive uma ideia.
— Quão grande é o seu nojo por banheiros de ônibus hoje em dia? - perguntei, sugestivo.
— Muito, muito grande. - ela respondeu. - Mas, , existem coisas maiores que o meu nojo. - acrescentou, já se levantando do seu assento na janela e passando na minha frente, fazendo questão de roçar e “tropeçar” nos lugares mais impróprios.
Com um sorriso provavelmente maior que a minha cara na boca, eu esperei um minutinho antes de fazer o mesmo caminho que ela, enganando um total de 0 pessoas. No entanto, todos estavam elétricos demais para se importar com o casal trancado no banheiro.

Algum tempo depois, quando voltei a me sentar no meu lugar, pensei que aquela havia sido uma ótima ideia. Provavelmente desaprovada pelo meu treinador, mas quem se importava?
ficou mais tempo no banheiro, “dando um jeito no ninho que virou meu cabelo”, ela disse. Para mim, sempre estava perfeitamente bonito, mas aquela era uma discussão em que eu não gostaria de entrar. Não mais, pelo menos.
No entanto, quando cinco minutos se passaram e ela não voltou, eu me levantei novamente para tentar ver onde ela estava. A encontrei ainda nos fundos, conversando com a Nikki em um canto. Nenhuma delas tinham expressões muito boas no rosto. Por isso, achei melhor ficar quieto na minha.
Pouco tempo depois, Jennifer, uma das jogadoras de vôlei, tomou o lugar próximo ao corredor que eu deixei vazio para que a pudesse se sentar tranquilamente. Nós conversamos durante algum tempo no ano anterior, mas não a via há uns bons meses.
— Eu sabia que não ia demorar muito para a gente ir te assistir nessa final.
— Bom, muito obrigado pela fé. - disse, rindo. Me lembrava mesmo de já ter ouvido isso dela algumas vezes. - Como você está? Não nos vemos há muito tempo, não é?
— Estou bem. Eu ando bem ocupada com o time, na verdade. Acho que tenho passado mais tempo em treinos do que em aulas ultimamente.
Na última vez que conversamos, o time estava tendo uma péssima temporada, então aquilo meio que fazia sentido.
Passamos mais algum tempo jogando conversa fora. Ela parecia estranhamente interessada em todo o processo que foi chegar até aquela final, mesmo que, teoricamente, já conhecesse o cronograma. No entanto, apesar de estar mais tenso do que nunca, eu ainda poderia ser um rapaz bem orgulhoso dos meus talentos, portanto não me importei de responder todas as perguntas.
— Com licença. - ouvi a dizer, agora parada ao nosso lado. - Desculpa incomodar, mas esse é o meu lugar.
A observei, curioso com toda a educação.
— Imagina! Já tá na hora de eu voltar para o meu também. - Jennifer respondeu, já se levantando. - , foi bom conversar um pouquinho com você. Temos que fazer isso mais vezes, ahn?
Eu sorri, assentindo.
— É claro. Até depois.
Assim que ela saiu, se sentou, me encarando com as sobrancelhas arqueadas. Encolhi os ombros.
— É claro?
— O que? Ela era uma boa amiga.
— Amiga, é?
— Bom, nós ficamos. - respondi, preferindo ser sincero. - Mas acabou virando só amizade mesmo. Ela é bem gente boa.
— Tudo bem… - disse, ainda parecendo levemente desconfiada, porém não o suficiente para continuar aquela discussão.
— Aconteceu alguma coisa? Você e a Nikki não pareciam estar falando sobre algo muito divertido.
Ela tampou o rosto com as mãos e grunhiu, me assustando por um momento.
— Que merda! Tinha esquecido disso por uns segundos.
— O que houve? - perguntei, preocupado e muito curioso.
Ela suspirou.
— Alice foi afastada do cargo dela por tempo indeterminado. - murmurou, com o tom de frustração muito claro em sua voz.
— A coordenadora? - questionei, surpreso. assentiu. - Uau… Como isso aconteceu?
— Não sei. Eu já esperava algo assim, sabe? Tinha certeza que a universidade não deixaria o posicionamento dela em nosso favor passar barato, mas os dias foram passando e eu pensei que, talvez, estivesse errada. Por quê é que eu tenho que sempre estar certa, em ?
— Eu também me faço essa pergunta há pelo menos uns quinze anos. - respondi. - E agora? O que vocês vão fazer?
Ela balançou os ombros.
— Não faço a mínima ideia. Nikki disse que eu não deveria me preocupar, pois ela vai cuidar de tudo, mas, sinceramente, não há muito que possamos fazer.
Ela suspirou e eu estendi a mão para segurar a sua, apertando um pouco só para que ela soubesse que eu estava ali, e ajudaria no que fosse preciso.
— Sinto muito.
— Isso não é um passo para trás, é? - perguntou, tristonha.
— Não é. Quer dizer… Também não é um passo para frente, mas definitivamente não é um passo para trás.
— Certo. - disse e se virou para mim, abrindo um sorriso. - Hoje o dia é todo seu, então não vamos nos preocupar muito com isso, ok? Ainda é cedo, fecha os olhos, descansa, pois temos um longo dia pela frente.
Assenti, concordando. Eu havia acordado 4 horas da manhã e dormir realmente me parecia uma ótima ideia. Então, sem soltar a mão dela, segui o conselho.

— Woooooow! - Joe exclamou quando adentramos o ginásio onde aconteceria a competição.
Eu compartilhava daquele sentimento, no entanto, preferi ficar quieto. O lugar era realmente grande e muitas pessoas nos assistiriam. Tudo bem, não era nada comparado ao público de qualquer final de futebol americano, mas nós da natação éramos mais modestos. Já havíamos nos acostumado com poucas pessoas se interessando em assistir aquele esporte, apesar de “poucas pessoas” não definir a realidade daquele dia.
Nós estávamos em um grupo bem grande. , , , April, Mina, Joe, Nikki, , até Jude… E tudo que eu conseguia pensar é que seria realmente uma pena perder na frente de todos eles.
, vamos lá! - treinador Simons chamou sem nem parar. Apenas seguiu seu caminho, já concluindo que eu iria segui-lo.
E eu realmente ia, então me despedi rapidamente de todos, ganhando várias palavras e toques de incentivo.
— Não esquece do que te falei mais cedo! - gritou depois que eu me afastei. Sorri para ela e assenti, lembrando a mim mesmo de levar comigo cada uma das palavras dela.
Não é como se agora eu pudesse desistir, de qualquer maneira. E eu definitivamente não trabalhei tão duro para chegar ali e me dar por vencido. Estufei o peito, apressei meus passos e coloquei na minha cabeça que o momento de estar amedrontado e receoso já havia passado. Era hora de adicionar mais uma medalha de ouro à minha coleção, uma que eu era total e completamente capaz de conquistar.
Simons acreditava nisso, eu também.

Às vezes eu me esquecia como competições de natação podiam ser exaustivas. Especialmente aquelas que apertavam uma infinidade de provas em um único dia, deixando pouco tempo de sobra para sequer respirar.
Antes que eu colocasse os pés no vestiário, Simons me entregou alguns papéis.
— Muito bem, garoto. - ele disse rapidamente e saiu andando.
Me apressei então para olhar a mais simples delas, que continha as minhas posições de largada nas provas iniciais. As seguintes dependiam do meu rendimento nessas primeiras, então eu só descobriria mais tarde. Raia 4, raia 4, raia 5. Sorri para mim mesmo. Isso significa que eu competiria nas raias centrais, o que me dizia que meu tempo nas eliminatórias foi melhor do que o dos meus concorrentes. Em uma prova em particular, a diferença era de pouquíssimos milésimos de segundos, porém, na natação, aquilo bastava para uma vitória.
O segundo papel era na verdade a programação do dia, com os horários de cada prova. Eu iria disputar três: 200m livre, 400m livre e revezamento 4x200 livre, portanto, teria um dia bem cheio. As finais seriam apenas na parte da noite e eu estava disposto a não ir embora antes.
Me apressei para seguir Simons e o encontrei conversando com um pessoal. Minutos mais tarde, descobri que se tratavam da minha equipe e seus respectivos treinadores. Éramos quatro, cada um representando uma universidade da Califórnia. Tirei um tempo para conversar um pouco com os rapazes a fim de conhecer melhor as especialidades e tempo de cada um, já que, mesmo que nunca tivéssemos nos encontrado até então, seriam eles os meus parceiros no revezamento.
Ainda tive tempo para um aquecimento e alongamento rápido antes de ouvir nos auto falantes a convocação para a minha primeira prova. 400 metros. Nessa primeira fase, 8 competidores. Já devidamente “uniformizado”, eu segui rapidamente para a entrada da área da piscina, mas, seguindo as ordens do organizador parado ali, esperei todos chegarem antes de entrar. Enquanto isso, o rapaz foi organizando cada um que chegava em uma fila na ordem dos lugares de cada um.
— Eles estão adiantados, isso é bom. - treinador Simons, aparecendo subitamente ao meu lado. Ele havia desaparecido há alguns minutos. - Tudo certo? Precisa de algo? - questionou, me segurando pelos ombros de forma que eu não tinha escolha a não ser encará-lo.
— Não, estou bem.
‘Bem’ não era exatamente o termo certo, mas, naquelas circunstâncias, era a melhor opção. Na realidade, eu ainda sentia como se pudesse vomitar a qualquer momento, porém não tinha tanto tempo assim para pensar nisso. Especialmente porque já me empurravam para entrar, pois o narrador já havia começado a anunciar os nossos nomes juntamente às universidades que representávamos.
— Vai lá, não me desaponte!
Com certeza algo que todo mundo quer ouvir antes de entrar em uma competição daquele porte.
Sob uma infinidade de gritos e palmas, nós caminhamos até os nossos lugares. Eu soube onde estavam os meus torcedores imediatamente, devido a todo o barulho que eram capazes de fazer. No entanto, preferi não interagir com eles pelo menos naquela primeira prova, temendo ficar ainda mais nervoso. Eu ainda tinha muitas provas pela frente, sabia que ia ir relaxando até as grandes finais e aí, sim, eu poderia me dar o luxo de me divertir um pouco.
Assim que cheguei na minha raia, tirei o casaco e a calça que vestia, ficando apenas com o short neoprene tão colado que não deixava muito para a imaginação. Em seus lugares, os outros competidores fizeram o mesmo.
Pouco tempo depois, a primeira buzina preparatória soou. Aproveitei os poucos segundos que tinha para ajeitar minha touca e óculos. Quando a segunda veio, eu subi no bloco de partida e me posicionei para o mergulho. Aqueles poucos segundos antes da terceira resumiam uma grande parte do meu amor e do meu ódio pela natação. Com o coração na garganta, batendo mais forte do que nunca, e um grande embrulho ansioso no estômago, me esforcei para controlar minha respiração. Não tinha muito controle sobre o nervosismo que tomava o meu corpo, porém eu era treinado para não deixá-lo tomar conta da minha respiração que, direta ou indiretamente, iria refletir no resultado daquela prova.
Minha experiência me dizia que a terceira buzina estava por vir. No entanto, um outro som veio no lugar.
— VAI, !!! - berrou prolongando o “a”, tão alto que eu imaginava que todos presentes deviam estar encarando-a no momento. Mas eu, como os outros competidores, me esforcei para não mexer nenhum músculo.
Não precisei me conter por muito tempo, no entanto. Logo um apito soou, indicando que a largada havia sido queimada por causa do barulho excessivo e que começaríamos tudo de novo. Então, enquanto descia, me permiti procurar por ela, sorrindo ao encontrá-la. De alguma forma, aquilo me trouxe um pouco da tranquilidade que eu precisava para dar início àquela prova.
Sem perder tempo, a primeira buzina preparatória soou rapidamente e eu voltei a me concentrar no que estava ali para fazer. Com a segunda, subi no bloco e fiquei em posição. Antes que a terceira terminasse, eu já estava na água. A piscina era de 50 metros, então em poucos segundos eu já fazia o retorno para a segunda de oito idas e vindas.
Outra coisa que eu amo sobre a natação? O quão imediata ela é. Jogadores de futebol têm mais de 90 minutos para fazer seu jogo. No basquete, 40 minutos. Eu nunca tinha participado na minha vida de uma prova que durasse mais que dois. Mas a verdade é que a maioria nem chega a um. São segundos da mais completa dedicação e adrenalina, em que um vacilo de poucos milésimos pode custar uma ou várias colocações.
Às vezes, era desesperador. No entanto, eu vivia por aqueles segundos. Treinava por horas, dias e meses para vencer cada um deles. Não seria diferente naquele dia. Era nisso que eu queria crer.
Assim que toquei na borda da piscina, finalizando meus 400 metros, tirei meus óculos e toda a água que escorria pelo meu rosto a fim de visualizar o telão. Vi rapidamente que o treinador Simons já se aproximava, animado, mas só dei atenção a ele depois de ler meu nome entre os classificados para a próxima fase dessa modalidade. Segundo melhor tempo. Era bom. Não era ótimo.
Ainda aconteceriam duas provas da primeira fase, com competidores de outros estados e muitos poderiam ter tempos melhores, assim como ninguém poderia ter um tempo melhor. Era difícil dizer. Decidi então que não me preocuparia com isso no momento. Ainda tinha outras provas até lá e deixar a ansiedade tomar conta definitivamente não era uma opção.
O ginásio tinha duas piscinas, o que era bom pois permitia que houvessem provas simultaneamente. Ao mesmo tempo, por isso eu não tive muito tempo para descansar antes da prova seguinte. 200 metros em nado livre. Era consideravelmente mais tranquila, fisicamente falando, mas ainda mais intensa. Nesta, eu me classifiquei para a próxima fase com o melhor tempo.
— Como você está? - Simons perguntou assim que eu me sentei para descansar um pouco numa área da arquibancada separada para nós. Ele também me estendeu uma bebida isotônica, que eu aceitei de bom grado.
— Estou bem. - garanti.
— Ótimo. Seus números estão muito bons! Vai ficar mais difícil e mais cansativo, mas você precisa manter a energia lá em cima, ok?
— Sim, senhor!
Ele saiu logo em seguida. Eu não sabia o que ele tanto tinha para fazer, mas o homem não parava quieto um segundo.
De qualquer forma, continuei ali descansando e aproveitando a minha bebida, quase em paz. Dessa vez eu tinha um tempo até a próxima prova, então fiquei mais tranquilo.
Psiu! Ei, ! - ouvi a voz de Joe atrás de mim. Quando me virei, o encontrei inclinado em minha direção duas fileiras acima.
— Que porr… Joe, você não pode ficar aqui!
— Só vim te dar um update, irmão.
— Que update? Fala logo antes que algum segurança te veja aqui. - falei, nervoso. Digamos que eu não queria estar envolvido na bagunça que seria a expulsão dele dali na minha primeira competição deste nível.
— Você tá indo muito bem, cara! Tá todo mundo feliz com os resultados agora. Estamos torcendo por você!
Sorri, feliz pela iniciativa, mas ainda pirando com a presença dele ali.
— Obrigado, Joe. De verdade. Mas você realmente precisa sair daqui e de fininho, por favor.
— Não se preocupe, eu sou ótimo nisso. - ele afirmou e eu tinha certeza que não, mas só mantive o sorriso no rosto. - Acaba com eles! - exclamou por fim, me dando um tapa firme no ombro e finalmente saindo. Só então eu respirei aliviado.
Voltei a me concentrar no que acontecia nas piscinas, mas foi em vão. Minha mente continuava voltando para as palavras dele e eu nem compreendia o por quê.
Tá todo mundo feliz com os resultados agora. Estamos torcendo por você! Acaba com eles!
Respirei fundo. Eu sabia que era parte do pacote, mas lidar com as expectativas dos outros sobre o meu desempenho estava sendo bem mais difícil do que eu pensei que seria.
Apesar de não conseguir relaxar a minha mente como deveria, eu ainda assim consegui relaxar um pouco meu corpo. No final do intervalo, eu estava pronto e animado para a próxima prova, que seria 4x200 metros de revezamento. Ou seja, eu e três outros nadadores iríamos revezar, fazendo 200 metros em nado livre cada.
Nos classificamos sem muito esforço para a próxima fase, porém tivemos pouco tempo de espera até ela. Assim que os melhores tempos dos representantes de cada estado foram definidos, fomos convocados para a área da prova. De certa forma, era bom, pois teríamos o resultado logo, sem enrolação.
Por ser o último, pude observar bem grande parte da prova. Tínhamos a vantagem de estar em uma das raias centrais, então começamos bem, em segundo lugar. Dava para chegar no primeiro. Pelo menos, dava antes do segundo nadador do Colorado disparar, nos deixando em terceiro. Não muito tempo depois, quarto lugar.
Engoli em seco. Duas coisas podiam acontecer em uma situação daquelas: como o último nadador, eu já entrava sem esperança de medalha alguma ou com mais gás do que qualquer um que já estivesse ganhando teria. Me agarrei a segunda opção.
Em posição para o mergulho, eu mantive meus olhos cravados na borda da piscina, sabendo que meu colega estava quase finalizando seus 200 metros. Esqueci a plateia e o que quer que estivesse acontecendo nas outras raias, o meu foco era entrar com tudo e manter aquele ritmo até o final.
Quando a mão dele tocou a borda, eu saltei. A adrenalina era tanta que quase não senti a mudança do ar para a água. Para ser sincero, eu senti muito pouco de qualquer coisa, fazendo apenas aquilo que eu vinha treinando para conseguir atingir a minha vida inteira. Olhos sempre à frente, respiração controlada e força para não perder o ritmo. Eu não podia vacilar ou hesitar, nem por um milésimo de segundo.
Meus sentidos só voltaram a funcionar completamente quando finalizei a minha parte. Pulei para fora da água completamente esgotado e quase fui jogado de volta nela quando dois caras pularam em cima de mim, comemorando. Busquei o telão com os olhos e quase engasguei com o que li.
Califórnia: 2º lugar.
Eu definitivamente não tinha energia alguma de sobra para comemorar, mas, naquele momento, aquilo parecia ser tudo que eu precisava.
É claro que eu estava errado.
Ganhar uma medalha de prata em uma prova vencida de virada era ótimo. No entanto, não significava absolutamente nada depois de dois completos fracassos nas duas seguintes. Apesar de ter começado bem, a coisa foi bem diferente quando eu me vi encarando os melhores dos melhores nas finais. Ambas me deram o 4º lugar. Não o último, que me faria sentir uma merda por nem chegar perto, não o 1º, que me deixaria nas nuvens, a porra do 4º lugar. Duas vezes. Eu segurei a chance de estar no pódio e cuspi nela. Duas vezes.
Quando me dei por mim, já estava escuro e eu não via a hora de cair fora dali. Então, assim que fui liberado pelo meu treinador, praticamente saí correndo, pronto para apagar das minhas memórias a lembrança de um fracasso de dia.
Praticamente ao mesmo tempo que senti o ar fresco da noite em Phoenix, senti também o impacto do corpo da se chocando com o meu. Eu nem mesmo a vi se aproximando, mas não precisava de muito para reconhecê-la. A abracei com força, enterrando meu rosto em seus cabelos completamente bagunçados pelo vento forte do local, pois era daquilo que eu precisava. Do toque, do cheiro, dela.
— Tô orgulhosa de você. - ela murmurou baixinho, com a voz levemente abafada pelo meu pescoço.
— Obrigado.
Respondi mais para ser educado do que qualquer outra coisa, já que eu mesmo não carregava tanto orgulho assim.
Aproveitei a presença dela o máximo que pude pelos próximos segundos, pois logo senti diversos braços me afastarem dela para darem seus próprios parabéns. Eu sabia que esse momento chegaria, de qualquer forma, então só respirei fundo, coloquei o melhor sorriso que eu tinha naquele momento no rosto e me deixei levar.
Chegar até ali já era um feito e tanto, todos sabiam disso, inclusive eu. Por isso me parabenizavam, assim como eu já tinha feito no passado. Teoricamente, as medalhas que eu tentei levar de volta para a universidade eram apenas um bom bônus, mas ainda assim era um saco ser a pessoa que voltaria de mãos vazias.
Bem, quase.
A medalha de prata que conquistamos na prova de revezamento já viajava entre as mãos do pessoal. No entanto, ninguém tiraria da minha cabeça que era pouco. Muito pouco.
Entre felicitações, conselhos e palavras de conforto que eu não pedi, convites para comemorar e também para afogar as mágoas, eu me peguei na porta do nosso ônibus, já pronto para a viagem. Quem diz que a viagem de volta é mais rápida que a de ida nunca viajou logo depois de perder uma competição nacional.
Só então eu me dei conta de que não via a há algum tempo. Quer dizer, ela se afastou no mesmo momento em que me cercaram, mas me lembro de vê-la por perto, apenas observando. Lembro especificamente dela fazer alguns comentários com Jude, o cara que havia beijado minha namorada não muito tempo atrás e que eu me esforçava bastante para ignorar.
Com as coisas mais calmas, uma vez que metade do pessoal havia entrado no ônibus e a outra estava entrando, eu me afastei para ligar para ela.
Alô?
— Ei! Acabei te perdendo no meio do caminho. Onde você está?
Perto da saída, com a , o , a April e o Jude. Acho que vou voltar com eles de carro.
— Por quê?! - exclamei, confuso.
Ah, bem… Todos parecem querer pegar um pedacinho de você nesse momento. Não sei se eu quero atrapalhar.
— Eu prefiro muito mais estar com você. Sabe disso, não é?
A ouvi rir levemente. Não parecia me levar muito a sério.

— É sério, ! Escuta… - parei por alguns segundos para apreciar a péssima ideia que surgiu na minha cabeça. Eu não tinha dúvida alguma que me arrependeria, mas parecia tudo que eu precisava naquele momento. - está aí?
Sim… Quase saindo, na verdade. Por que? - questionou, hesitante. Provavelmente pela repentina mudança de assunto.
— Segura ele aí, ok? Já estou indo.
Finalizei a ligação antes que ela dissesse qualquer coisa e corri até onde o treinador Simons estava, apenas para avisá-lo. Com isso feito, me apressei para ir até a saída, lugar em que deveriam estar.
Ainda de longe, eu avistei apoiado na minha moto de braços cruzados. Parecia esperar pacientemente algo ou alguém.
— Passa a chave. - falei, estendendo minha mão assim que cheguei perto o suficiente para ser ouvido. me encarou de cenho franzido, sem mexer um músculo. - e eu vamos voltar com a moto, ficar um tempo a sós e tal…
— Eu não acho que ela sabe disso. - ele comentou.
— Ela vai saber logo, ok? Mas preciso das chaves.
Pensei que ele ia relutar para entregá-las, dizer que ele havia trazido a moto, então seria mais que justo levá-la também, porém em poucos segundos eu tinha as chaves na palma da minha mão.
— Fica a vontade, meu caro. Fazer uma viagem desse tamanho de moto foi a ideia mais estúpida que eu já tive e a Mina com certeza concorda.
Assenti. Era uma péssima ideia e eu os avisei, mas preferiram ignorar. Até mesmo eu, que estou acostumado a andar de moto por aí, não faria isso em um dia normal. Estava me confortando na ideia de que ter te abraçando por alguns pares de horas era um baita privilégio. Ela nunca poderia saber disso, mas era.
— Se te faz sentir melhor, deixei um lugar reservado no ônibus do time para você. Mina também, mas acho que ela vai com a .
Ele sorriu e me deu dois tapas firmes no ombro.
— É por isso que eu gosto de você, cara. - disse e saiu andando. Me virei para observá-lo e acabei por encontrar caminhando em minha direção, com expressão desconfiada.
— Isso que eu acabei de ver significa o que eu acho que significa?
— Não sentiu falta de pegar a estrada comigo? - respondi também com uma pergunta.
— Infelizmente. - murmurou, sorrindo e jogando seus braços sobre os meus ombros em um abraço.
Quando alguns segundos se passaram e ela não me soltou, eu estranhei novamente o comportamento. Não me entenda mal, eu adorava um longo abraço se viesse dela, porém a maneira com que ela enterrou o rosto em meu pescoço sem afrouxar o aperto por um segundo sequer me deixou com algumas pulgas atrás da orelha.
— Tá tudo bem? - questionei, fazendo um carinho lento nos cabelos dela.
— Acho que sim. - deu de ombros. - Mas temos coisas mais importantes para fazer agora, não é?
Eu não concordava, mas ela não me deu outra opção que não fosse a de deixar o assunto para mais tarde, uma vez que já puxava a grande mochila que eu carregava nas costas. Ela pegou coisas importantes como carteira, uma troca de roupas e escova de dentes e passou para a sua, menor e mais fácil de carregar. Antes disso, também fez uma limpa das suas próprias coisas, colocando na minha bolsa o que não era estritamente necessário. O processo todo foi bem rápido. Não era nossa primeira vez e, aparentemente, alguns hábitos ficavam.
Com isso feito, demos um jeito de enfiar a mochila inútil no porta malas do carro da . Ela insistiu que não caberia, mas era incrível o espaço que alguém pode conseguir amassando tudo pelo caminho.
Quando e eu finalmente subimos na moto e partimos para sabe-se lá onde (digamos que eu não tenha pensado no plano inteiro), senti como se pudesse respirar aliviado. Não tinha pessoas demais me dando a atenção que eu não queria e também não carregava mais nas costas as expectativas de uma universidade inteira. Na verdade, naquele momento, eu achava que elas nunca mais seriam depositadas em mim novamente. Não depois daquela performance.
Porém, ainda tinha comigo a garota que eu amava, alguns pertences e minha moto. Podia não parecer muito, mas era mais do que o suficiente para desaparecer por algumas horas. Para mim, estava ótimo.
E, disposto a fazer isso acontecer, procurei pegar algumas rotas diferentes naquela volta. sempre tinha uma opinião sobre tudo, nós já sabíamos disso, mas ficou em silêncio, apenas observando, mesmo que - e eu tinha certeza disso - alguns questionamentos sobre o novo caminho passassem pela sua cabeça. Talvez porque sua confiança em mim estivesse voltando ou porque precisava daquilo tanto quanto eu.
Pouco mais de duas horas depois, estávamos com fome e cansados, então comecei a procurar uma cidade para passar a noite. Além disso, já passavam das 23 horas e eu não tinha intenção alguma de dirigir a noite inteira.
Logo senti dar um puxão na minha jaqueta, chamando atenção para um estabelecimento mais à frente. Eu devia realmente estar muito cansado para não ter notado ele antes, uma vez que toda a decoração do lugar utilizava um azul claro e rosa pink. Estacionei assim que nos aproximamos, percebendo ser uma diner que, por sorte, ainda estava aberta.
— Eu preciso comer nesse lugar! - afirmou já fora da moto, admirando a estrutura. - Mr. D’z com certeza é o nome de um lugar que serve comida boa, barata e nada saudável.
Eu tinha que concordar…
Por dentro, era um restaurante tipicamente americano com decoração dos anos 80, ou seja, muitas cores e quadros com referências à época espalhados pelas paredes. Mais ao canto encontramos até uma jukebox, que a fez questão de mexer até encontrar YMCA.
Depois de garantir que eles estariam abertos para o café da manhã e que tomaríamos o nosso ali, já que ela queria comer todas as torradas, ovos e bacon que tinha direito, fizemos os pedidos.
— Então… Como você está? - perguntou, mais calma agora que nossa comida estava sendo preparada.
— Estou bem, e você?
Ela semicerrou os olhos em minha direção.
— Não minta para mim, .
Sorri de lado, erguendo uma sobrancelha. Estávamos os dois com os braços apoiados na mesa. Quem olhasse de fora poderia pensar que era uma briga, mas nós sabíamos que não.
— Se me lembro bem, , quem perguntou primeiro se você estava bem fui eu. E agora não temos nada mais importante para fazer, então desembucha. Por que você decidiu de última hora voltar com a e não no ônibus comigo? Pensei que estivesse animada para conhecer melhor esses eventos.
— Ei, eu estava! Mas já te falei, achei que aquela gente toda quisesse te curtir sem uma garota aleatória enfiada no meio.
— Você não é uma garota aleatória, ! E eles sabem disso.
No mesmo momento, ela deixou escapar uma risada debochada. Baixa e muito rápida para que eu não notasse, mas esteve ali. Porém, antes que eu pudesse dizer alguma coisa sobre isso, ela mudou completamente sua expressão.
— Tudo bem então. Agora me fala sobre você.
A encarei por alguns segundos, incrédulo. realmente estava determinada a me fazer deixar aquilo passar. Em momentos como aquele, ela parecia esquecer do quão teimoso eu também poderia ser quando queria. Afinal de contas, tinha anos de treinamento com ela.
— Não pense que eu não vi esse deboche.
— Que deboche, garoto? Eu em. - disse, desviando o olhar.
— Ok, , falando sério agora. - segurei uma de suas mãos, puxando de leve para mim e obrigando-a a me encarar. - Me fala o que aconteceu. Eu fiz algo errado?
— Não! - respondeu imediatamente. - Quer dizer… Não exatamente.
— O que eu fiz mais ou menos errado então?
— Não foi você que fez. Bom… Você fez algo. É errado? Talvez, não tenho certeza. Não precisa se sentir culpado. - respondeu, se atropelando um pouco com as palavras.
Sentindo como se tivesse um grande ponto de interrogação na minha testa, eu engoli em seco, tentando montar alguma frase que fizesse sentido na minha cabeça.
— Você não está fazendo muito sentido… - foi tudo que eu consegui dizer.
Ela suspirou.
— Eu sei. - murmurou. - Posso ser completamente sincera com você?
— É claro que pode.
— Tudo bem. - ela virou a mão que eu segurava para cima para conseguir apertar a minha de leve. - Tem algumas coisas me incomodando. Mas eu te conheço há vários e vários anos, né? - assenti, sem ideia alguma de onde ela queria chegar. - Por isso, eu sei o quanto aquela competição foi importante para você. Sei que é muito mais do que você deixa transparecer, muito mais do que você fala. Sei também que você está se sentindo péssimo por só levar uma medalha de volta para a universidade, o que para mim já é algo ótimo, mas para você não. Então eu só não quero encher o seu saco com besteira minha quando nós temos coisas muito maiores para discutir… Entendeu?
Assenti. Era besteira, mas eu entendi.
— Ok… Vamos fazer um acordo então? - ela me olhou com certa desconfiança, mas não falou nada. - Me diz o que tá te incomodando, depois podemos falar o quanto você quiser sobre o que está me incomodando. Pode ser?
— Por que sou eu quem tem que começar?
— Porque a ideia é minha. - respondi simplesmente, sorrindo.
Ela estava pronta para protestar quando foi interrompida pela garçonete trazendo nossos pratos. Ela precisou de duas viagens para trazer os três hambúrgueres, duas porções de batata frita com bacon e cheddar, dois milkshakes e uma água.
— Você realmente vai aguentar comer dois hambúrgueres? - ela questionou, olhando para a minha parte da comilança.
— Eu não como nada que não seja saudável há semanas, . Se duvidar, vou pedir outro ainda.
Estava exagerando. Para ser bem honesto, não imaginei que seriam tão grandes, mas eu estava determinado a comer tudo.
— Vou pagar para ver.
— Não muda de assunto não. Pode ir falando.
Ela ergueu os ombros, enfiando algumas batatas na boca, e só voltou a falar depois duas boas mordidas em seu hambúrguer. Eu esperei pacientemente, já sabendo que ela precisava de algum tipo de preparação antes de falar coisas importantes.
— Posso começar com uma pergunta? - questionou. Eu assenti. - Com quantas garotas você ficou durante o tempo em que estivemos separados?
Com a boca cheia demais para uma pergunta como aquela, eu quase engasguei. Por sorte, a água estava perto e eu pude dar um grande gole nela rápido o suficiente.
— Como? - perguntei com a voz falha.
— Você entendeu.
Nos encaramos por alguns longos segundos. Na minha cabeça, todos os meus neurônios trabalhavam para tentar compreender onde diabos ela queria chegar com uma pergunta daquelas. Alguns deles também tentavam descobrir qual resposta não me colocaria em maus lençóis. Optei por sincero.
— Se você quer um número exato, eu não vou ter. Você sabe que eu me envolvia com a Nikki, mas nunca fomos exclusivos. Ela foi a única com quem me envolvi de forma mais concreta e duradoura, digamos assim… Houveram três ou quatro garotas com quem eu fiquei mais de uma vez em eventos diferentes, de resto foram só casos rápidos, que aconteceram apenas uma vez.
— Você tem uma estimativa de quantos foram esses casos rápidos?
— Não… Posso te dizer que não foram poucos. - respondi sinceramente. balançou a cabeça, pensando nas informações que acabara de receber. - Isso é um problema? Você também ficou com outros caras enquanto estávamos separados, certo?
— Sim, eu fiquei e não é um problema. Quer dizer, eu provavelmente não fiquei com metade da metade do seu número, mas estive com algumas pessoas sim.
Particularmente, eu não gostava de pensar naquilo. Era imbecilidade minha, especialmente sendo o cara que havia ficado com todas essas garotas. Eu estava completamente bêbado em 80% das situações, porém elas ainda existiam.
— Então… Qual é o problema?
— É só que eu ainda não tinha parado para pensar nisso e hoje eu me toquei de que tem um bom tanto de garotas dispostas a te apoiar ou te consolar em momentos como este. Isso meio que me pegou de surpresa, quer dizer… Eu sei que você é um cara bonito, que chama atenção, desde sempre, só não tinha visto isso de forma tão óbvia.
Assenti, querendo ser compreensivo, mas não forte o suficiente para não deixar um sorriso me escapar pelos lábios.
— Entendi… Não acha que pode estar exagerando um pouco e vendo coisas onde não tem? Acho que ninguém dá em cima de mim há um tempo.
— Você é burro ou absurdamente lerdo, em? Eu não saí por dois minutos hoje de manhã e já encontrei uma garota no meu lugar quando voltei.
— A Jennifer? Não, ela só queria colocar o papo em dia.
. - ela disse unicamente, me encarando de cenho franzido. Eu quase podia ler a frase “Você é cego ou o que?” estampada na testa dela. - Vamos lá, você é mais esperto do que isso. Encare os fatos: você foi selecionado entre vários nadadores para representar a universidade numa competição nacional no seu segundo ano, algo que geralmente só acontece para os caras do último. Isso te colocou no radar! Bom, não acho que você já tenha estado fora dele, mas definitivamente colocou um alvo e tanto nas suas costas.
Parei um pouco, pensativo. Se aquilo era verdade, depois daquele dia o alvo já estava bem longe de mim.
— Tem razão. Eu sou um prêmio e tanto, não é? Tem uma fila de garotas na UCLA esperando pela sua vez comigo.
Ela revirou os olhos, bufando com a maior cara de emburrada.
— Você não está me levando a sério. - concluiu. Com razão.
— É claro que não! Sabe o que parece do meu ponto de vista? - ela apoiou o queixo em uma das mãos, aguardando a minha resposta. - Alguém está com ciúmes.
protestou na mesma hora, grunhindo e balançando a cabeça como se aquela fosse uma possibilidade completamente indiscutível. Seria cedo demais para destacar o quanto o jogo virou?
— Ah, por favor! Não é ciúmes, eu estou apenas constatando um fato. Reconhecer que existem muitas garotas interessadas em você não fazem de mim uma pessoa ciumenta. Coisa que eu não sou. Nunca fui.
— Reconhecer não… Já se incomodar com isso a ponto de não querer mais voltar da viagem no ônibus comigo… Preciso mesmo dizer?
Eu tinha o maior sorriso no rosto enquanto ela me encarava com olhos fulminantes. Para ela, aquela era uma acusação horrenda e eu conseguia entender o por quê, mas não a faria se não tivesse certeza do que estava vendo.
— Não seja besta, ok? Eu não estou com ciúmes e sabe por quê? Porque eu confio no meu taco. - respondeu, me lançando um sorriso de lado. Eu apenas ri e dei de ombros, ignorando o cutucão. Era só a maneira dela de nos fazer trocar de assunto, esperando que eu ficasse muito ofendido com uma afirmação daquelas. - De qualquer forma, era só isso que eu queria dizer. Podemos conversar sobre você agora?
— Achei que já estivéssemos fazendo isso. - comentei, enfiando uma porção de batatas na boca logo depois. Ela só respirou fundo e me encarou de olhos semicerrados. - Ok, ok! - exclamei, me rendendo. - O que você quer de mim?
— Só quero que seja sincero comigo. Como você está se sentindo?
Encolhi os ombros, certo de que ela já sabia a resposta para aquela pergunta. No entanto, esperava que eu fosse a pessoa a dizer em voz alta.
— Como uma fraude. - murmurei, optando por encarar minha comida e não minha namorada. Se é que eu poderia usar essa palavra...
— Por que? - ela questionou, extremamente calma.
Não era um momento conveniente, mas eu quase sorri. Alguns anos atrás, já teria me ameaçado com qualquer objeto que estivesse por perto, ultrajada por eu estar achando algo que ela definitivamente não concordava, antes mesmo de argumentar por quê não concordava.
— Olha o tamanho da oportunidade que eu joguei fora, . Talvez nunca mais apareça algo assim e faz sentido porque eu tive a minha chance e desperdicei.
— É aí que você tá errado. Você não jogou nada fora. Você agarrou a oportunidade com todas as forças, deu o seu máximo e todos estávamos lá para ver. Eu sei que você não obteve o resultado que esperava, entendo a sua frustração, mas não quero que desanime por causa disso. Pensa bem, para cada medalha que você não conquistou hoje, existem dezenas guardadas pela sua mãe, sendo orgulhosamente exibidas para qualquer um que coloque o pé naquele lugar.
Ri rapidamente, pois ela não poderia estar mais certa quanto à minha mãe. Ela mantinha todas elas em uma caixa especial, guardada em um ponto estratégico da sala de estar. Isso me lembrou do quão desapontada ela ficaria ao descobrir que a universidade iria manter a que conquistamos mais cedo. Podia ser de prata, mas ela daria tanto valor quanto qualquer uma de ouro. Ela defendia com unhas e dentes até mesmo as que eram entregues por mera participação.
Me sentindo absurdamente mais leve só com os pensamentos sobre a minha mãe, eu me inclinei para puxar uma das mãos da para mim, dessa vez realmente encarando-a.
— Obrigado por isso. - comecei, entrelaçando nossos dedos. - Eu provavelmente ainda vou passar uns bons dias desanimado porque eu realmente queria todas as medalhas para mim, mas vou ficar bem. Prometo. Só preciso de um tempo. Não para desanimar, mas para realmente dar um tempo, descansar e tentar voltar com o mesmo ânimo.
Ela deu um sorriso largo. Parecia feliz por ter ajudado de alguma forma.
— Que bom! Só mais uma coisa, : nunca mais se refira a você mesmo como uma fraude, pois eu vou ser obrigada a te matar.
No rosto, ela tinha a expressão mais doce do mundo, o completo oposto de seu tom de voz. Porém eu só tive ouvidos para uma única palavra, que me deixou completamente sem ar.
.
Ok, eu estava sendo ridículo. Provavelmente passando vergonha, mas eu nunca poderia deixar de reagir ao apelido que ela utilizava desde que eu me entendia por gente e que eu não ouvia há tanto tempo saindo de sua boca.
não parecia ter ideia do que havia dito.
— Tá tudo bem? Não era para você ficar tão assustado. Achei que já estivesse acostumado com as minhas ameaças. - ela questionou, dando tapinhas na minha mão para que eu voltasse para a terra firme.
— Você por acaso se ouviu? - questionei, inclinando meu corpo para frente, completamente inconformado com a cara de paisagem dela.
— É claro que ouvi.
, você me chamou de . Não , não imbecil, !
Ela franziu o cenho.
— Acho que não…
— Eu acabei de ouvir!
— E você não acha que eu teria percebido se tivesse te chamado de ?
Parei por um momento, a encarando e ponderando sobre aquela pergunta. Por fim, sorri, mais animado do que qualquer medalha daquela competição poderia me deixar.
— Uau! - exclamei. - Você internalizou meu apelido novamente! Internalizou tanto que está falando por aí sem nem perceber. Quanto amor, em?
Ela respirou fundo e eu pude sentir seus pés ansiosos começarem a bater no chão. Somando isso a bela expressão de culpada em seu rosto, soube que havia mais ali e que ela estava prestes a desabafar.
— Eu devia responder a altura esse deboche todo, mas… Bom… Talvez eu realmente tenha falado ele por aí. Uma única vez, ok? Mas falei, de qualquer forma. Pronto. Tá feliz?
, apesar do dia merda que eu tive, nesse momento, com você, eu sou facilmente o cara mais feliz do mundo.


Capítulo 26

’s POV

Naquele dia, eu voltei para a casa das Kappas mais leve. Depois de jogar muita conversa fora, e eu procuramos um hotel por perto para passar a noite. Não dormimos muito, mas foi uma daquelas que ficavam no hall das melhores de um relacionamento.
No entanto, encontrei o caos assim que cheguei na sala de estar. Bom, era um caos mais ou menos organizado, mas ainda assim um caos. Algumas garotas - as mais envolvidas com a causa da Katy - se reuniam no que parecia um encontro improvisado, parecendo tensas e pensativas e andando de um lado para o outro. Tanto que ninguém notou a minha chegada.
Caminhei até a de fininho, a assustando com um cutucão no ombro.
! Finalmente.
— Finalmente? O que tá acontecendo? - questionei baixinho, evitando chamar atenção para a minha presença ali.
— O pessoal da UCLA entrou em contato com a gente para marcar uma reunião. Aparentemente, eles querem fazer algum tipo de acordo, então estamos nos reunindo para ver o que vamos discutir e propor lá.
— E o que vamos discutir e propor lá?
Ela hesitou por alguns segundos.
— Ainda não temos certeza. Mas não se preocupe, a Gena está vindo e deve trazer uma luz com ela. Eu espero. Se não, estamos ferradas.
Gena Henderson era nossa advogada, digamos assim. Ela entrou em contato com a gente algum tempo atrás, interessada na causa e nós pensamos que não poderia ser uma ideia ruim ter alguém como ela nos apoiando. Especialmente porque ela tinha experiência em casos similares ao nosso.
— Certo. Eu vou tomar um banho e trocar de roupa rapidinho. Já desço para tentar ajudar.
forçou uma risada, me puxando para mais perto.
— Não. Tome um banho, troque de roupa e fique pronta para ir com a gente até o prédio da reitoria, porque a reunião é em 40 minutos.
Surpresa, eu precisei até pegar um pouco de ar extra para dar conta. Estávamos ferradas, realmente. Por isso, não quis perder mais tempo ali e corri para o meu quarto.
Quando desci novamente, Gena já havia chegado e as garotas se organizavam para sair. Poucas de nós iríamos. Na verdade, eu nem tinha certeza sobre ser uma delas, mas concluí que não me mandaria ficar pronta para ir com elas à toa. As selecionadas foram Katy - dã -, Ashley, Nikki, Suzy, e eu.
— Vocês estão prontas? - Gena questionou antes de sairmos. - Precisam estar calmas e centradas para isso dar certo.
Todas disseram que sim. Eu fiquei quieta para não mentir, pois me encontrava num verdadeiro breu quanto àquela reunião. Porém não deixaria aquilo me impedir de realmente participar hoje, então enchi o saco da o caminho todo até a reitoria para que me atualizasse no que diabos iríamos fazer.
Nas últimas semanas havíamos direcionado nossos protestos em algumas simples direções: chamar atenção para os casos de estupro no campus, colocando Scott Murray bem no centro dos holofotes que ele não queria, e o desenvolvimento de ações que tragam efetivamente soluções para este problema, começando pela liberação de bebidas alcoólicas nas irmandades. Aparentemente, era muito simples, mas tirar essa proibição significava ir contra anos de tradição, algo difícil de engolir para as universidades tradicionais americanas.
Gena era bem realista, digamos assim. Ela tinha experiência o suficiente nessa área para entender que devíamos escolher nossas batalhas. Por isso, ela tinha algumas propostas bem interessantes para fazer e já havia redigido todas elas em um documento oficial. Quem não adorava uma mulher eficiente, não é?
Finalmente contemplada com os planos, eu cheguei à sala de reuniões animada e bem menos perdida. Havia em mim uma expectativa quase que infantil de que tudo daria certo e obviamente eu estava errada, mas não pude deixar de senti-la.
Dessa vez, ninguém nos deixou quase uma hora esperando, como na reunião passada. Hellen Richardson, o braço direito do reitor da UCLA, tomou o assento principal, mas outras pessoas que eu não conhecia a acompanhavam, provavelmente parte da diretoria. Coincidência ou não, eram todos homens. Ao seu lado estava também o advogado da universidade.
Alguns cumprimentos depois, ela começou a falar.
— Vocês são um time e tanto, em? - comentou, observando o número de pessoas do nosso lado da mesa. Não ganhávamos com muita vantagem, mas ainda assim ganhávamos. - Creio eu que vocês já sabem porque estamos aqui. É hora de resolver essa confusão que já foi longe demais, acredito eu.
— Sabemos sim, sra. Richardson, e aqui estão as nossas propostas. Uma vez que vocês as cumpram, nosso lado garante o fim do ataque a universidade, dos protestos e também do boicote às aulas. - Gena afirmou, estendendo uma pasta com algumas folhas dentro.
Uma das ordens da Nikki para essa reunião foi a de deixar apenas ela falar, a não ser que fosse extremamente necessário o nosso envolvimento. Afinal de contas, agora tínhamos bons advogados no recinto e eles haviam estudado muitos anos para serem capazes de falar por nós.
Foi Mitchell Cannon, o advogado do lado de lá, que pegou o documento. Ele leu meio por cima, rapidamente, evitando mostrar algum tipo de reação. Depois ergueu os olhos, encarando Gena.
— Se importa se eu ler em voz alta para todos? - ele questionou e ela balançou a cabeça para os lados, indicando que não. - Certo. As propostas são a expulsão definitiva de Scott Murray do time e da universidade, legalização imediata do consumo de bebidas alcoólicas na localidade de todas as irmandades da Universidade da Califórnia, Los Angeles, assim como uma extensão para todas as universidades do sistema Universidade da Califórnia, incluindo os campi Berkeley, San Diego, Davis, Irvine, Marced, Riverside, São Francisco, Santa Cruz e Santa Bárbara. - enquanto ele falava, eu observava as expressões de todos. Apesar de parecerem estar engolindo um grande pedaço de seus orgulhos, ninguém parecia muito surpreso. - Elas pedem que a UCLA assuma o compromisso de lutar contra a violência moral e sexual dentro do campus, incluindo a área das irmandades, fraternidades e dormitórios, desenvolvendo políticas, campanhas e, no mínimo, uma ação por ano. Além disso, devem apoiar diretamente as ações individuais de cada irmandade e/ou fraternidade. Finalmente, o fim do afastamento da coordenadora chefe das irmandades e fraternidades do campus, Alice Harley, que deve voltar com a mesma remuneração de quando foi afastada.
Eu duvido muito que alguém sequer respirava quando ele terminou de ler - resumidamente, é claro, pois o documento tinha pelo menos umas três páginas -, porque o silêncio que se instalou era tão profundo que eu podia jurar ouvir um fio de cabelo pousar no chão. A verdade é que nós tínhamos muito para falar. A vontade de bater na mesa e enfatizar o quão básicas eram as nossas exigências era grande, mas ficamos bem quietas. Esperando.
— Certo. - Hellen disse depois de passar alguns segundos assimilando tudo. - Vamos nos retirar por alguns minutos para discutir tudo isso que ouvimos, espero que entendam. Fiquem a vontade. Tem café no corredor ao lado. - finalizou com um sorriso um pouco forçado e saiu, levando todos os homens com ela.
Muitos suspiros foram ouvidos quando a porta foi fechada.
— E agora, Gena? Eles saírem para discutir não é um sinal muito bom, é? - Katy questionou, aflita. Aquele momento era complicado para todas nós, porém mais ainda para ela.
— Não é um sinal ruim nem bom, só normal. Como eu adiantei para vocês, é utópico demais pensar que eles irão voltar topando tudo. Provavelmente vão querer rever alguma coisa, tirar algo, adicionar coisas para o lado deles etc., é tudo normal. É uma negociação, só isso.
— Deus! Isso é estressante. - Nikki disse, afundando em sua cadeira.
— Se preparem, pois vamos ficar aqui por algumas horas. Se tivermos sorte, saímos daqui hoje com esse problema resolvido, mas uma negociação pode durar semanas.
Ok, essa possibilidade era apavorante.
Tentando criar uma paciência que eu não tinha, apenas escorreguei meu corpo na cadeira, apoiei meu pescoço nas costas dela e fechei os olhos. Alguns minutos depois, senti me cutucar e me virei para ela.
— Como o está? - ela perguntou baixinho.
— Bem. Um pouco chateado, mas está bem.
— Que bom. E para onde vocês foram? O que fizeram? - franzi o cenho. - O que? Temos que esperar de qualquer forma, então precisamos de distração. Me distraia, !
— Ei! Não somos seu entretenimento. - respondi e ela não pareceu nada feliz com aquilo. Na verdade, sua expressão ficou tão infeliz e brava que eu decidi falar. Só para fazer a cara feia ir embora. - Tá bom… Não fizemos nada demais… Quer dizer, fizemos algumas coisas bem demais, mas isso não vem ao caso. pegou uma rota diferente voltando para cá e nós acabamos numa cidadezinha chamada Kingman. Comemos, conversamos, passamos um tempo juntos e viemos embora, nada demais.
— Uau… Você já foi melhor contando suas aventuras. Tirando a parte em que fizeram algumas coisas demais, essa me pareceu uma road trip bem chata.
— Não foi! - me apressei em negar. - Foi ótimo, só que calmo. Nós conseguimos realmente conversar e ficar um com o outro, sabe?
pensou por alguns segundos e assentiu.
— É, vocês conversando e se entendendo em paz é realmente um feito e tanto. - ponderou.
Eu revirei os olhos para aquele exagero todo.
— Com certeza. - ouvi Nikki concordar a várias cadeiras de distância. Por um momento, pensei que fosse só uma coincidência, mas logo percebi que ela realmente estava falando sobre a nossa conversa.
— Ah, que ótimo. - resmunguei e ela riu.
Para evitar o estresse, eu fiquei quieta a partir dali. Mexi um pouco no celular, enviei algumas figurinhas para o só para encher o saco, encarei o teto e balancei tanto a perna que até eu mesma me irritei. Só não fechei os olhos porque uma noite mal dormida somada ao tédio daquele ambiente me fariam cochilar em dois segundos.
Exatos 33 minutos depois, abriram a porta e cada um voltou para o seu respectivo lugar. Se a coisa não fosse tão séria, eu riria da cena que foi todas nós pegas de surpresa voltando a sentar como seres humanos normais em nossas cadeiras.
— Vamos lá? - Helen disse logo, indicando que o advogado falasse.
Ele assentiu e pegou as folhas entregues pela Gena mais cedo. Agora elas tinham algumas coisas rabiscadas em uma letra bem desagradável.
— Bom, vamos na ordem, então vou começar com Scott Murray. A universidade não pode expulsá-lo. - ele afirmou, sem rodeios.
Já começamos mal assim?
— Ah! Não podem expulsar ele é o caralho! - Katy exclamou, incapaz de se conter. Porém se arrependeu assim que terminou, voltando a se encolher na cadeira.
Extremamente controlado e polido, Mitchell não desviou o olhar por mais que alguns segundos, voltando rapidamente para Gena sem apresentar reação alguma.
— Vocês sabem que existe uma investigação em andamento e, uma vez que ela seja concluída e ele dado como culpado, tomaremos as devidas providências. Por enquanto, expulsão está fora de cogitação. Entretanto, porque nós entendemos a gravidade das acusações e simpatizamos com a situação da Katherine, a universidade concorda em afastá-lo imediatamente de todas as atividades do campus, incluindo o time de futebol americano.
— Essa investigação pode levar meses para ser concluída. - Gena disse.
— Isso não vem ao caso. A universidade não pode expulsar um estudante se baseando apenas em acusações. Se for confirmado, a expulsão vai acontecer. Enquanto isso, ele se mantém longe pela segurança das alunas que se sentem ameaçadas e dele mesmo. Vocês não vão ver Scott Murray por aqui, podem confiar nisso.
— Certo… Próximo?
— Sobre a legalização de bebidas alcoólicas, talvez a gente consiga fazer isso acontecer na UCLA. Mas cada universidade do sistema UC possui seus próprios conselhos administrativos e isso não é algo que possamos impor.
— Com o apoio de vocês, eu viajo para cada um desses campus de muito bom grado para fazer a negociação.
Mitchell assentiu, quase sorrindo de lado. Acho que ele já esperava uma resposta do tipo.
— Acredito que isso seja assunto para uma outra reunião e uma outra negociação, srta. Henderson. Vamos com calma. - ela deu de ombros. - Quanto ao envolvimento e apoio na causa e Alice Harley, a universidade está de acordo.
— Sem ressalvas? - questionou, chocada. Eu também estava.
— Sem ressalvas.
Eu sentia que alguma de nós estava prestes a jogar a postura para o ar e comemorar. Poderia muito bem ser eu, para ser sincera. Aquilo era muito bom! Tínhamos uma série de “poréns” no meio de tudo, mas era muito mais do que pensávamos que iríamos conseguir ao chegar ali.
— Nós temos algumas coisas para adicionar também. - Helen se intrometeu novamente, com um sorriso satisfeito.
Era bom demais para ser verdade e eu deveria ter notado os sinais. Apesar de estarmos claramente mais tensas depois das palavras da Helen, Gena parecia incrivelmente calma. Até plena, eu diria.
— Isso. - Mitchel voltou a falar, pegando mais um par de folhas de papel. - Estamos dispostos a colaborar para resolvermos a situação o mais rápido possível e de forma satisfatória para todos. Porém, acreditamos que vocês também precisam fazer a sua parte. Vocês foram inteligentes na hora de usar a internet a seu favor e a universidade tem pagado por isso desde então. Como uma forma de amenizar o caos, queremos que todo conteúdo criado até então que cite a UCLA esteja fora do ar até o fim desta semana.
— O quê?! - Ashley perguntou, com a boca lá no chão em choque. Eu entendia a dor dela. O vídeo da Katy se tornou rapidamente o mais acessado do canal e a UCLA era só o cenário principal do negócio todo.
— E para deixar bem claro, quando eu digo conteúdo, estou falando dos vídeos, artigos, textões, eventos, tudo. Estamos trabalhando para tirar a nossa instituição do olho do furacão e só vocês podem nos ajudar nisso.
Gena suspirou e assentiu, observando as folhas que ele não foi educado o suficiente para entregar.
— Mais alguma coisa?
— Só uma. Pedimos que vocês tornem público o apoio que estão recebendo agora da universidade.
Inacreditável.
— Tudo bem. Eu vou pedir para você me passar o que tem em escrito e, por gentileza, liberarem a sala novamente para que possamos discutir o assunto.
Mitchell concordou, entregou os papéis e logo eles estavam deixando a sala. Mais uma vez, o ambiente virou outro assim que a porta foi fechada. Todas nós queríamos falar e protestar o quão injusto era aquilo, mas tínhamos apenas uma Gena para ouvir e ela se irritou rapidamente, chegando a levantar e atravessar o cômodo para o outro lado da mesa.
— Preciso que se acalmem! O que eu falei mais cedo? Que precisam ter paciência! É claro que é injusto, mas vocês não perceberam que essa situação toda de violência é injusta? E que nós temos que, pouco a pouco, tirar o melhor que conseguimos de uma situação que já é uma merda? Então se comportem, tenham calma e sejam racionais! Isso é importante aqui, queiram vocês ou não.
— Desculpa, Gena. Vamos nos controlar. - Nikki disse, falando por todas.
— Tudo bem. Já lidei com pessoas piores que vocês, para ser sincera. Porém elas também estavam em uma posição bem pior. Acreditem em mim, isso aqui não é nada ruim. - ela respondeu, começando a ler o documento. Dessa vez, aguardamos em silêncio.
— E aí? Tem mais alguma pegadinha? - Nikki perguntou alguns minutos depois, quando Gena abaixou os papéis.
— Não, sem pegadinha. Eu não vou mentir para vocês, acredito que sejam propostas muito boas. Além disso, temos uma possibilidade de expandir nossas discussões para todo o sistema UC aberta e isso é grande, muito grande.
— Mas não podemos apagar o conteúdo que eles querem porque isso significa, basicamente, nos livrar de tudo. É como virar as costas para o movimento que nós mesmas iniciamos só porque conseguimos algumas coisas. - Katy argumentou, aflita. Todas nós concordávamos com aquele pensamento.
— É aí que se enganam. O documento deixa claro que vocês devem apagar ou modificar todo o conteúdo que seja pejorativo ou que ataque de alguma forma a integridade da universidade. Significa que vocês vão ter que fazer um baita trabalho alterando coisas, porém o movimento permanece. Vídeos podem ser apagados, reeditados e postos no ar novamente. Algumas coisas serão perdidas, é claro, mas vocês tem que estar dispostas a ceder um pouco. Ninguém vai nos dar nada de graça e já deveriam saber disso. É claro que eles vão tirar proveito disso para melhorar a imagem da instituição, sabe por que? Estão desesperados com a queda da credibilidade. E isso vai ser devidamente usado a nosso favor, não se preocupem.
Nós trocamos alguns olhares apreensivos. Não queríamos aceitar menos do que poderíamos conseguir com um pouco de insistência, mas a ideia de acabar perdendo com isso também não soava muito divertida. A verdade é que ninguém ali, além da Gena, entendia o suficiente sobre negociações e acordos para ter confiança no que estávamos fazendo.
— Gena, você tem certeza de que não vamos estar perdendo muita coisa se aceitarmos o acordo como está? - perguntei. Ela não hesitou.
— Absoluta. No entanto, eu trabalho para vocês. Tudo que eu posso fazer é aconselhar, não passar por cima da opinião de cada uma. A decisão não é minha. Se preferirem, posso sair da sala para conversarem a sós.
Trocamos olhares mais uma vez, só para garantir que estávamos na mesma página. Nikki fez o “anúncio”.
— Não precisa. Confiamos em você. Se acha que é um bom acordo, aceitamos. Mas… Como é que você está planejando usar o desespero deles ao nosso favor?
Gena abriu um sorriso satisfeito, que se tornou rapidamente malicioso.
Eu ainda não sabia o que era, mas estava animada.

— Ok, isso foi incrível. - eu afirmei enquanto saíamos do prédio, ainda atordoada pela maravilhosidade daquele fim de reunião.
— Quer dizer que no mesmo segundo que acharmos que a universidade não está cumprindo suas partes, podemos usar uma cláusula do acordo contra eles? - questionou, impressionada.
— É isso mesmo.
E tudo que Gena fez foi adicionar um detalhe à parte deles, especificando que somos obrigadas a cumprir a nossa parte do acordo uma vez que eles também se mantenham fiéis às deles. Um escorregão e tínhamos agora cobertura legal para meter a boca na universidade.
Uau. Que poder!
— Obrigada, Gena! Nós conseguimos muito mais do que pensávamos que iríamos e em pouco tempo.
— Não precisam me agradecer. Só precisam me prometer que não vão parar por aqui.
— Ah, não se preocupe. - Katy disse, sorrindo. - Eu ainda não cheguei nem perto de dar a Scott Murray todos os problemas que ele merece.
— Ótimo! Bom, eu preciso ir. Vejo vocês em alguns dias, ok? Vencemos uma batalha hoje, mas ainda temos muito caminho a percorrer.
Depois daquela tarde, estávamos muito mais animadas para percorrê-lo.
De volta a nossa casa, a notícia foi muito bem recebida. Era dia de aula, então não dava para comemorar como a gente realmente queria, mas a Mina com certeza não aceitou isso de bom grado.
— Eu acho que isso merece uma grande comemoração. Nós temos bebidas liberadas, vamos reinaugurar essa casa!
— Não, Mina. Ainda não é oficial e vai levar algumas semanas até que seja, então é melhor a gente manter a calma durante esse tempo. - Nikki disse.
— Tá bom… Então vamos para a praia! Uma festa na praia, vamos lá! Nós merecemos, Nikki. - ela insistiu.
— Como é que a gente vai organizar uma festa na praia ainda hoje?
— E quem falou em hoje? Eu estou disposta a adiar nossa comemoração para daqui dois dias, no sábado, assim ninguém tem desculpa para não aparecer lá. Só preciso do seu ok.
Nikki a observou por um tempo, incerta. Particularmente, eu adoraria uma festa e adoraria ainda mais uma festa na praia.
— Você vai tomar conta de tudo? Localização, divulgação, bebidas?
— Sim, senhora! - Mina respondeu já dando pulinhos de alegria, sabendo que tinha a autorização antes mesmo da Nikki dizer as palavras.
— Tudo bem então.
Com um gritinho de alegria, ela saiu correndo para o segundo andar. Eu apostava que ela já tinha metade dessa festa planejada antes mesmo de chegarmos aqui, pois a avisou da novidade por mensagem assim que confirmamos tudo.
Sem perder tempo, eu corri atrás dela para ficar a par das coisas. Mas, ao entrar no quarto, o que me chamou atenção foi que ele estava bem mais arrumado do que a última vez que estive ali, o que foi apenas algumas horas atrás.
— O que vocês fizeram para o Jude finalmente arrumar a bagunça dele? - perguntei para Mina, a única presente. - Seja o que for, eu preciso aprender.
Todas as peças de roupas, sapatos e objetos inúteis que viviam espalhados pelo quarto pareciam estar reunidos dentro de apenas uma mala ao lado da cama dele.
— Nada, na verdade. - ela respondeu e só então eu percebi April atrás de mim.
— Caralho, April! Que susto.
— Perdão. - ela respondeu risonha, entrando no quarto.
— Então Jude só se cansou da gente atormentando ele e organizou tudo por conta própria? Eu duvido muito.
— Jude está indo embora, . - April respondeu, já sentada em sua cama. Ela parecia em paz com a notícia enquanto eu arregalava os olhos de surpresa.
— Como assim ele tá indo embora?! Por que?!
Ela deu de ombros. Mina digitava compulsivamente em seu computador, sem dar a mínima para a nossa conversa.
— Ele que decidiu ir. Vai passar um tempo com os meus pais, tentar consertar os danos que ele mesmo causou e sabe-se lá o que vai fazer depois… É o Jude né.
— Entendi. - murmurei, sentando na primeira cadeira que encontrei e tentando assimilar o fato de que ele não estaria mais por perto, me enchendo o saco todo santo dia. - Isso é muito maduro… Tô orgulhosa dele.
Ouvi ela rir rapidamente e se aproximar, sentando na minha frente.
— Eu também tô, mas você pode admitir que vai sentir falta dele e que gostaria que ele ficasse mais um pouco. Ele vai gostar de ouvir.
Assim que ela terminou de falar, a porta se abriu e Jude passou por ela, todo animado como se não estivesse indo embora.
, é de você mesmo que eu preciso. Me falaram desse restaurante chinês que aparentemente é uma merda. Precisamos ir confirmar essa informação.
Mais rápido do que ele foi capaz de raciocinar, eu peguei uma almofada e atirei contra ele, acertando em cheio seu rosto.
— Você tem muita coragem de me chamar para sair quando está nos deixando.
Não me entendam mal, eu odiava Jude com todas as minhas forças. Ele me atormentava noite e dia, contava piadas idiotas o tempo inteiro, tinha uma paixão esquisita por tudo que é de couro e um ego ainda maior que o meu, algo inadmissível. Porém, no meio dessa bagunça toda, ele era um bom amigo de vez em quando e eu gostava de tê-lo por perto.
— Perdão, achei que eu estava falando com a , aquela que meteu a boca em mim quando cheguei por preocupar a minha família. Ela tá por aqui?
Há há, muito engraçado. Não poderia pelo menos avisar, sei lá, com uma semana de antecedência? Eu precisava me preparar para chutar sua bunda para fora daqui.
— Não é como se eu estivesse indo hoje…
— E quando vai?
— Acabei de saber que teremos uma festa, então depois da festa, é claro. - respondeu, todo engraçadinho. Brava demais até para continuar tendo aquela discussão com ele, eu me levantei, peguei minha bolsa e fui em direção a porta. - Ei, onde está indo?
— Na merda do restaurante, Jude. Vamos logo.

No sábado da festa na praia, a casa inteira estava um caos. Tínhamos garotas correndo para todo lado atrás de biquínis, saídas de praia, quimonos e qualquer outra coisa que você possa imaginar. No nosso quarto em especial, tínhamos Mina desesperada porque divulgou mais do que deveria e metade da universidade parecia querer estar lá. Em um ponto, teve que intervir para que o evento todo não explodisse na cara de ninguém.
— Ok, talvez tantas pessoas tenham chegado mais cedo que a festa já tá acontecendo e eu nem estou lá. - Mina disse, rindo de nervoso no sentido mais literal dessas palavras.
— Tem certeza? - April perguntou.
Mina apertou o play em um vídeo em seu celular e virou para a April. Eu não podia ver muita coisa, mas a música estava bem alta.
— Absoluta.
— Talvez a gente já estivesse lá se e April não fossem tão enroladas para se arrumar. - eu reclamei pela centésima vez naquele fim de tarde. - Eu espero esse tipo de coisa vindo da , mas quando foi que eu te perdi?
April só revirou os olhos para o meu drama.
— Não culpe a garota por querer ficar bonita para o namorado. - disse, fazendo o rosto da “garota” se transformar em um grande pimentão vermelho. Porque algumas coisas nunca mudam.
— E-ele não é meu namorado!
— Claro que é! - Mina afirmou. - Vocês só não disseram as palavras certas ainda, mas logo vai ser.
— Eu não dou um mês. - disse.
— Eu não dou duas semanas. - eu adicionei e April, sabiamente, decidiu não comprar aquela discussão, optando por ficar em silêncio e voltar a trabalhar em sua maquiagem com o auxílio da . - De qualquer forma, o meu ponto é: estamos indo para uma festa na praia, o máximo que vocês precisam é de um rímel a prova d’água.
balançou a cabeça para os lados, decepcionada comigo.
— Não ouve ela. Depois de tantos anos, eu não consegui ensinar muita coisa. Você reconhece o valor de tudo que eu falo.
Revirei meus olhos para fora de órbita nesse momento.
Eu sabia que deveria ter aceitado a proposta do de ir com ele. Mas não, decidi que estava cansada demais para subir naquela moto pelo próximo mês, graças a viagem de volta da competição. Porque o universo claramente me adora, é isso que eu ganho em retorno.
Mina e eu esperamos por mais uns vinte minutos. Jude foi expulso algum tempo atrás por causa de toda a trocação de roupas, sendo obrigado a nos esperar na sala. Apenas quando ele subiu novamente, desconfiando que havíamos ido sem ele, deu fim a toda a preparação.
Como vingança, eu fui o caminho inteiro reclamando da demora. Especialmente porque era de se imaginar que o trânsito até a praia estaria um inferno naquele horário e naquele dia, transformando uma rápida viagem de quinze minutos em meia hora.
A verdade é que eu só estava tão frustrada com aquilo porque já estava lá e eu queria estar com ele. Por que era uma festa? Não, porque ele esteve tão ocupado colocando em ordem as coisas da faculdade que deixou passar por causa da competição que eu não o via desde o fim da nossa “road trip”. Só conversávamos pelo telefone e, ainda que eu não ame admitir, sentia a falta dele.
Não foi fácil encontrá-lo quando chegamos, uma vez que o lugar estava bastante cheio, e eu diria que o número de pessoas dobraria até o final da noite.
— Meu Deus, eu espero do fundo do meu coração que não haja nenhuma confusão nesse lugar. Por favor, por favor, por favor! - Mina disse, um pouco aflita. Quando ela deixava a preocupação se sobrepor a sua animação constante, a coisa estava realmente feia.
Quando avistei , eu praticamente corri até ele e o abracei forte, causando até certa surpresa da parte dele. Depois eu fiz algo do qual não me orgulho e também não indico. Mas naquele momento me pareceu uma ótima ideia. Agarrei seu pescoço e o puxei para perto de mim, beijando-o como se não houvesse amanhã e como se não houvessem tantas pessoas ao nosso redor. Pense o que quiser, eu precisava daquilo e não pareceu nada assustado quando envolveu um braço em minha cintura, colando meu corpo ao dele.
— Tem um hotel do outro lado da rua, caso vocês estejam interessados. - disse e infelizmente eu tive que cortar o beijo ali para rir.
— Qual é, ! O que eu te fiz, cara? - reclamou e deu de ombros, com um sorriso maldoso no rosto.
Devidamente controlada agora que eu tinha feito o que queria, notei que Joe e também já estavam ali. Inclusive já de mãos dadas com a April, o que era adorável de se ver. Por causa da timidez dela, eles não demonstravam muitos sinais de afeto na nossa frente, então tínhamos um avanço bem ali.
Eu tinha certeza que todos ali conversavam sobre algo muito interessante, mas perdi a minha capacidade de prestar atenção assim que escorregou as mãos pela minha cintura, me abraçando por trás.
— Você tá linda. - ele falou no meu ouvido. Eu usava um kimono preto amarrado na frente, mas a transparência não escondia muita coisa.
Fiquei na ponta dos pés e me inclinei para trás, a fim de alcançar o ouvido dele também.
— Você tá vestido demais. - falei, criticando a bermuda e a regata quando a maioria dos caras ali já corria por aí com o peito a mostra.
riu e balançou os ombros.
— Eu estou apenas começando, querida.
Nossa atenção foi roubada pela corrida da Nikki até nós. Mais especificamente, até a Mina, que ficou assustadíssima pensando que algo já ia mal.
— Preciso da sua ajuda. - ela falou, chegando toda afobada.
— O que aconteceu?!
— Ryan e eu temos algumas palavrinhas para dar. Preciso que você peça para o DJ desligar o som por alguns minutos e que me arrume um microfone.
O alívio na cara da Mina foi tão nítido que Nikki franziu o cenho, confusa. Porém não se preocupou o suficiente para questionar.
— Ah, fácil! Vamos lá.
Elas correram até um pequeno palco montado quase no calçadão e, em pouco tempo, a música parou, deixando todos meio confusos. Nosso grupo mesmo parou para observar o que ia acontecer. O resto das pessoas, em sua maioria participantes de outras casas ou apenas estudantes comuns, não foram tão compreensivos, começando algumas vaias contra o pobre do DJ que devia saber tanto quanto nós. No entanto, elas cessaram quando Nikki subiu no palco, acompanhada do Ryan.
— Boa noite, pessoal! - ela começou. - Para quem não me conhece, eu sou a Nikki, da Kappa Kappa Gamma. Odeio interromper a festa de vocês, mas prometo que vou ser rápida. É que estamos aqui por um motivo e eu não gostaria que isso passasse em branco por causa de toda a animação de uma festa na praia. Acho que todos ou quase todos aqui estão cientes do que tem acontecido na nossa universidade e, nessa semana nós finalmente vencemos algumas batalhas, depois de inúmeras em que parecíamos apenas perder. Não vou ficar aqui especificando nada, vocês podem procurar depois online se quiserem ver, mas eu queria tirar esse tempinho para agradecer a todas as garotas e alguns rapazes que nos apoiaram nesse período. Acreditamos que ainda tem muito pela frente, porém demos grandes passos em direção a uma universidade mais segura para todos e o sentimento é incrível!
Todos começaram a bater palmas, alguns assoviaram e a Nikki parecia radiante em poder finalmente dizer aquelas palavras.
— Ok, isso foi muito legal, mas… O que é que o Ryan tá fazendo lá com ela? - Joe perguntou, tendo que gritar em meio a todo o barulho.
— Eu também queria saber. - respondeu.
Assim que as palmas acabaram, nós entendemos. Mina subiu ao palco com duas pequenas caixas que eu rapidamente reconheci. Isso porque havia passado muito tempo encarando as duas ao que me parecia muito tempo atrás, no encerramento das nossas semanas da inclusão, também conhecidas como a Primeira Edição da Guerra entre Fraternidades e Irmandades da UCLA. Eu mesma havia nominado.
— Não acredito. - murmurou, surpresa.
— Finalmente vamos saber! - eu falei, já pulando de felicidade. - Se prepare para perder, .
— Agora vamos para uma parte bem interessante. - Nikki anunciou assim que a Mina deixou as caixinhas em cima de uma caixa de som improvisada e saiu correndo. - Não sei quantos de vocês sabem, mas há um tempo atrás, nós da Kappa Kappa Gamma nos envolvemos em uma pequena rixa contra a Lambda Chi Alpha. Por isso o Ryan está aqui comigo representando os rapazes. - com certeza não parecia tão pequena assim na época. - Nós criamos uma competição através das nossas semanas da inclusão e, por acontecimentos que não vem ao caso agora, nunca anunciamos qual casa venceu. Na verdade, optamos por guardar esse segredo, pensando que o resultado não era mais tão conveniente assim… Até agora. Estamos em paz, mas as pessoas querem saber, Ryan. Quem venceu? - ela questionou, passando o microfone para ele.
Fiquei tensa na hora. Por que ele precisava fazer o anúncio, se nós havíamos ganhado? Eu realmente tinha fé na nossa vitória, sabe?
— Acho que eu não vou ter que me preparar para vencer, . - cantarolou atrás de mim e eu tive que me conter para não dar uma cotovelada nele.
Havíamos feito as pazes? Sim, mas eu ainda lutaria com unhas e dentes para vencê-lo em uma competição dessas.
— Bom, a contagem de todo o dinheiro arrecadado foi feita. Não agora, claro, porque essas caixas estão vazias e estão aqui só de enfeite. Confiamos na memória um do outro, não é? - Nikki assentiu. - Por uma pequena diferença de doze dólares, quem arrecadou mais dinheiro na semana da inclusão e, consequentemente, leva a vitória para casa é a…
— Mas que merda de hora para fazer suspense! - protestou.
Quase como se tivesse ouvido as reclamações dela, Ryan finalmente disse as palavras que todos queriam ouvir.
Kappa Kappa Gamma.
Eu nem tinha palavras para o que foi aquele momento. Ryan definitivamente não falou com toda a animação que elas mereciam, mas nem liguei. Pulei na , pulei na April, pulei até no Jude que comemorou como se a vitória fosse dele. Pulei também no , só para deixar bem marcado o gostinho da derrota da casa dele. Estávamos vencendo tantas batalhas naquela semana que eu estava começando a ficar muito mal acostumada.
Poucos minutos depois, as comemorações cessaram e a música voltou, colocando a festa de volta nos trilhos. Porém nós não iríamos deixar eles esquecerem que haviam perdido tão cedo.
— Eu só tenho uma dúvida. - Joe falou, todo confuso.
— Como é que a Nikki conseguiu fazer o Ryan subir lá para anunciar a nossa derrota? - completou o pensamento.
— Exatamente!
— Fácil. - respondeu. - Ele quer ficar com ela. Deve ter topado sem nem pensar.
Nós assentimos. Fazia muito sentido.
Algum tempo e uns bons copos de bebida depois, a simples festa de comemoração era muito maior do que qualquer uma de nós previu. Mina estava tão preocupada com possíveis confusões que ficava correndo para todos os lados, se esquecendo completamente de curtir o momento que ela proporcionou. Depois daquele dia, eu duvidava que ela iria se oferecer para organizar algo tão cedo.
Como em toda festa, o cair da noite e o álcool tirava boa parte da inibição das pessoas. O resultado era um nível de pegação que praia nenhuma deveria ver. Então, quando dançar ficou quase insuportável no meio daquilo tudo, e eu nos afastamos para um lugar mais calmo. Tivemos que andar bastante até a música se tornar um pouco menos alta, mas valeu a pena. Nos sentamos na beira do mar, onde a água só batia com ondas mais fortes.
— Se queria tanto me pegar às escondidas, era só avisar, . - ele começou já cheio de gracinha.
— É claro, meu amante não pode te ver.
Ele não riu tanto dessa vez, mas franziu o cenho e seus lábios formaram um biquinho que eu fiz questão de me inclinar para beijar.
— Cansou da festa? Achei que gostasse da muvuca. - ele perguntou um tempo depois.
— Eu adoro, é que aqueles casais trombando na gente enquanto se beijavam estavam me tirando do sério. Quer dizer, beijar faz bem e eu apoio, mas não tente dançar ao mesmo tempo.
— Amargurada. - cantarolou e, dessa vez, eu fui obrigada a jogar um pouco de areia molhada nas pernas dele como protesto. Ele riu e me puxou para um abraço de lado. Aproveitei a oportunidade para apoiar a cabeça no colo dele. Eu estava envelhecendo e precisava me deitar com mais frequência. - Como você está hoje?
Sorri. Ele me perguntava aquilo todo santo dia, mesmo quando eu estava puta demais para sequer querer responder como eu estava.
— Estou bem, eu acho. Talvez você não concorde tanto assim, mas essa foi uma semana muito boa. Nós dois passamos um tempo de qualidade juntos, fechamos um acordo legal com a universidade e a minha casa venceu a guerra. Dá para ficar melhor?
Na verdade, eu conseguia pensar em algumas coisinhas que deixariam tudo melhor. No entanto, pareciam realmente pequenas naquele momento e naquele lugar.
fez uma careta para a última parte da minha fala. Ele não aceitou muito bem a derrota da Lambda, insistindo que uma diferença de apenas 12 dólares era insignificante e poderia facilmente ser um erro de conta. Eu não me importava com o que ele falava, pois os 12 dólares nos deram a vitória.
— Essa é uma pergunta que eu vou ser obrigado a não responder. - disse. Quem era amargurado agora, em?
— Na verdade, uma coisa ruim aconteceu e eu fico até meio triste quando lembro, mas vai passar.
— O que?
Ergui os olhos para encará-lo, pois não sabia se era algo que ele gostaria de ouvir.
— Não sei se você vai gostar disso. - admiti.
— Eu não tenho que gostar de nada, . Quero saber o que tá te deixando mal, só isso.
Ainda assim, eu hesitei. Porém, optei por confiar na palavra dele e segui em frente.
— Jude vai embora. Eu sei que reclamo o tempo todo dele, mas eu gostava de tê-lo por perto.
Depois do episódio em que Jude me beijou, tinha vários pés atrás quando se tratava dele. No entanto, ele recebeu a notícia com uma seriedade admirável.
— Para onde ele vai? - perguntou, ainda neutro.
— Resolver os problemas com os pais. Depois nem ele mesmo sabe.
— Isso é bom. Além do mais, vocês não precisam parar de conversar ou de serem amigos só porque ele está indo. Duvido que seja tão divertido quanto a física, mas existem amizades virtuais, sabe?
Eu tive que me sentar novamente para olhar bem para ele depois daquelas palavras. Nenhum sinal de ironia ou sarcasmo. Nenhum sinal de raiva, ira ou desconfiança. Mãos abertas, respiração normal. Nenhum sinal de ciúmes.
Uau.
— Nossa!
— Que foi? - ele questionou, confuso com a observação minuciosa que eu fazia.
— Nada, só estou um pouco surpresa.
— Surpresa para o lado bom ou ruim?
— Bom, muito bom. - sorri, pegando sua mão e olhando bem fundo nos olhos azuis pelos quais eu vinha me apaixonando com uma certa frequência desde que me entendia por gente. - Você realmente cresceu, não é?
Nós dois sabíamos que eu não falava de tamanho.
também abriu um sorriso e usou a mão livre para acariciar minha bochecha, deixando um bocado de areia no caminho. Não me importei.
— Por você.
Depois disso, é claro que eu pulei nele de novo e nos beijamos ali mesmo, deitados na areia. Estava longe de ser confortável, pinicava para todo lado, mas a nossa proximidade fazia cada uma delas valerem a pena.
Algum tempo depois, quando os pequenos grãos realmente tomaram conta, ele ficou só de bermuda, eu tirei a saída de praia e fomos para a água. Afinal de contas, o que era uma festa na praia sem se molhar, certo?
— Sabe o que isso me lembra? - ele perguntou, passando os braços ao meu redor quando a água atingiu minha cintura enquanto eu balançava a cabeça, negando. As ondas estavam fortes e eu não tinha uma relação tão pacífica com o mar, então agradeci o apoio. - Um pedido muito especial que te fiz uma vez, alguns anos atrás…
Eu gargalhei na mesma hora, me lembrando exatamente do pedido a que ele referia.
— Eu não vou transar com você na praia. - falei de uma vez só, assim ele não teria um resquício de esperança sequer.
— Aposto que eu consigo te convencer. - disse, dessa vez no meu ouvido, e eu senti sua mão escorregando pela minha barriga. Parei ela assim que chegou ao elástico da calcinha.
— Eu te apoio a fazer muitas coisas comigo, mas não vai ser aqui.
Ele deu de ombros, satisfeito pela tentativa e me beijou. No entanto, antes que eu pudesse completar o pensamento do quão perfeito era aquele momento, ouvimos Joe berrando como um louco.
Terminei de tirar toda a areia que ainda me incomodava, mas acabou ficando em segundo plano graças àquele beijo, molhei meu cabelo por completo, pois algumas partes já estavam molhadas e depois saímos da água. Enquanto eles conversavam, fui pegar minha saída de praia e a camiseta do para lavar, sem deixar de ouvi-los.
— Não me pergunte quem fez isso acontecer, mas temos agora uma mesa de ping pong. - Joe começou a contar sua história, claramente alterado. - O problema é que tem um cara lá derrotando todo mundo e se achando o melhor jogador de beer pong. Eu falei “cara, você tá maluco, o meu amigo é muito melhor que você. Ele sim é o melhor jogador de beer pong”. Aí ele falou “bom, o seu amigo não está aqui, né?”. Então eu vim te buscar para dar uma surra nele! No jogo, é claro.
— Joe, eu estou aqui curtindo com a minha namorada. - torcendo as roupas, eu não pude deixar de sorrir. Não oficializamos aquilo ainda, mas eu gostava de como soava. - Por que eu iria querer ir jogar beer pong com um cara aleatório?
— Porque o nome do cara é Tristan Wise.
Eu vi o rosto do mudar. Ele se virou para mim com a competitividade estampada no rosto.
, temos que ir.
— Sério? - perguntei meio choramingando, porque eu realmente não queria voltar para lá.
— É muito sério!
No caminho, eu descobri que o nome Tristan Wise era importante por dois motivos: ele era da Lambda Phi Epsilon, uma das fraternidades rivais da nossa Lambda. Segundo, e Tristan haviam competido diretamente para entrar no time de natação há um ano. Tristan não foi muito honesto. o venceu de qualquer forma. Tristan ficou pistola e disse coisas que não gostou de ouvir. Agora, ele precisava ir lá provar que era capaz de derrotá-lo nisso também.
Ego masculino o nome.
Eu os segui desanimada. Estávamos tão bem longe, só nós dois, zero preocupações. De volta à festa, as coisas me incomodavam. Coisas essas que eu nunca havia dado a mínima antes, mas que agora me deixavam com uma pulga atrás da orelha e um amargor na boca. Não era nada agradável, de verdade.
Foi fácil encontrar a tal mesa de ping pong, pois um grande número de pessoas se reuniam ao redor dela, torcendo e gritando. Nós esperamos a partida atual terminar ao canto.
— Não vai colocar sua camisa? Eu tirei toda a areia. - falei, entregando-a para ele, mas o pedaço de pano só foi jogado no ombro enquanto ele encarava fortemente o futuro adversário.
— Tá muito molhada, eu coloco mais tarde. - ele disse, desviando o olhar rapidamente para mim e sorrindo. - Pensei que eu estivesse muito vestido para uma festa na praia.
Eu forcei um sorriso, me amaldiçoando pela brincadeira que voltou para me atormentar.
Não muito tempo depois, a partida acabou e Joe enfiou o na próxima, apesar de ter uma longa fila de espera. Eu mal sabia as regras daquele jogo. Sempre achei sem graça e absurdamente entediante. O fato dele gostar de jogar aquilo era apenas o destino nos colocando em lados opostos de mais uma forma.
Com o objetivo de deixar aquele jogo pelo menos um pouco mais interessante, eu fui atrás de uma bebida. Voltei com duas, ambas para a minha pessoa. Esse era o nível do meu tédio. Assim que me enfiei na primeira fileira de pessoas novamente, vi uma garota se aproximar para falar algo no ouvido dele. Concentrado no que estava fazendo, ele balançou a cabeça para os lados, negando algo, e voltou toda sua atenção para a partida.
Eu só respirei fundo, não saí do meu lugar e admirei uma garota que quer algo e vai atrás daquilo. Era isso que importava. Depois virei o copo da mão direita. Em uma celebração à coragem dela, é claro.
Quando a partida chegou ao fim e venceu sem grandes dificuldades, eu dei graças a Deus. Agora poderíamos voltar para o nosso canto sem ninguém enchendo o saco. E se Joe aparecesse novamente, eu mesma o expulsaria na base da chinelada.
Esses eram os meus planos. teve um diferente.
Ao invés de largar a raquete e sair, ele continuou em seu posto, agora como o jogador invicto, e Tristan saiu, dando lugar ao próximo da fila. Dessa vez, eu me aproximei.
— Pensei que só fosse jogar uma partida. Seu colega já foi derrotado.
— Só mais algumas partidas, ok? Não posso sair quando estou ganhando! - ele respondeu.
Eu achava que ele podia, sim, só não queria, mas não estava muito afim de ter essa discussão ali. Então só sorri e saí de fininho, voltando para o meu lugar.
Duas partidas e nenhum sinal de que ele ia perder tão cedo depois, o tédio tinha se espalhado por cada célula em meu corpo. Eu queria desesperadamente sair dali, mas odiava a ideia de deixá-lo ali. Confuso e estúpido, não é? Além disso, meu segundo copo esvaziou rapidamente e eu cheguei ao ponto de dar trela para um rapaz por uns 30 segundos só para pegar a cerveja dele. Me julgue o quanto quiser… Funcionou.
.
! É de você mesma que eu precisava. - eu disse assim que ela chegou do meu lado. - Quantas cervejas eu vou ter que beber para começar a ficar alegre? Porque olha, hoje elas só estão me deixando paranoica e tristonha quanto mais eu bebo. Eu culpo esse jogo.
Ela me encarou por alguns segundos, curiosa.
— Por que está triste?
Pensei bastante antes de responder, o que me mostrou que meu raciocínio já não estava tão rápido assim, logo, a cerveja fazia seu efeito. Só a alegria estava demorando para chegar.
— Eu não sei! Estava perfeitamente bem há menos de uma hora. É esse jogo me matando de tédio, eu tô te falando!
Ela riu.
— Se te faz sentir melhor, eu também estou morrendo de tédio. Mina não parou dez minutos comigo até agora. Quer fazer algo divertido?
— Tipo?
— Beber? - ela sugeriu. Eu abri um sorriso largo.
— Perfeito.
— Então vamos. - disse, me puxando pela mão. Não deu muito certo, pois eu travei no meu lugar.
— Temos que sair daqui? - questionei.
— É claro. A bebida não está aqui e eu quase não consigo te ouvir nesse barulho todo. - ela justificou e eu assenti. Fazia bastante sentido.
— Certo. - dei uma olhada no meu “namorado”, que parecia distraído demais com o seu jogo para notar qualquer coisa que acontecesse fora do metro quadrado dele. - Não vai fazer mal, eu acho. Vamos.
Pegamos nossas bebidas rapidamente e procuramos um canto para aproveitá-las com um pouco de paz a calma. Não encontramos este canto, então, porque eu não estava afim de andar tão longe quanto e eu fomos, sugeri o calçadão. Lá encontramos até um banco vazio.
Encontramos também Mina e Ashley no meio de uma gravação para o canal. A cena era um belo contraste da Mina que, há alguns meses, não aceitava aparecer nos vídeos da Ashley de jeito nenhum. Elas não eram melhores amigas, ainda se bicavam de vez em quando, mas eu diria que todo o trabalho que tivemos para fazer as coisas acontecerem trouxe uma união para a casa que poucas outras situações trariam.
— Essa é uma cena um pouco estranha. - comentou, as observando.
— Por que?
— Ah, não tenho certeza. Acho que eu já vi elas brigando demais, então não consigo ver isso como algo normal ainda. Você acompanhou as brigas por pouco tempo até, eu vi um ano inteiro e algumas foram bem feias. De qualquer forma, é muito bom vê-las se tratando com o mínimo da cordialidade.
— É, acho que sim. - respondi, sem tirar os olhos delas. Mina até fazia algumas piadas para a câmera. Me virei para a rapidamente, notando que ela encarava o horizonte. Bem… O pouco que conseguíamos ver dele. - Posso fazer uma pergunta?
Sua expressão foi de calma para confusa rapidamente. Eu não pedia permissão para ela com muita frequência, era de se estranhar.
— Claro.
— Você não tem certo receio dessa aproximação delas? Não tem medo que os sentimentos do passado voltem?
não respondeu imediatamente, pensativa.
— Tá perguntando se eu tenho ciúmes da Ashley?
— Ciúmes não, receio. Ou medo. Não ciúmes.
Ela me olhou como se tudo fosse a mesma coisa, mas não teimou comigo.
— Acho que eu não tenho muito ciú… Receio. Não com frequência. Às vezes eu sinto esse… Medo que você tá falando, mas eu tenho consciência que é sempre sobre mim e as minhas inseguranças. Nunca sobre a Mina.
— Entendi. - falei, tentando soar satisfeita com aquela resposta, porém o álcool tirava um pouco dos meus dotes cênicos.
— Não é o que você queria ouvir, é?
Era totalmente o contrário do que eu queria ouvir.
— Não, fica tranquila. Eu não queria ouvir nada. Foi só uma curiosidade aleatória, você sabe que eu tenho dessas.
Nós trocamos um sorriso rápido e eu desviei o olhar para a gravação novamente. No entanto, ainda a sentia me encarando, o que fez com que eu me arrependesse muito rápido de ter feito a maldita pergunta.
— O que tá acontecendo, ? - ela perguntou suavemente, algo bem raro.
— Nada, eu juro! Não se preocupe.
Tentei manter o olhar dela dessa vez, mas não foi fácil. Ainda assim, ela não acreditou.
— Escuta, eu sei que nós temos nossos problemas e que não temos conversas sérias com tanta frequência assim, mas nossa amizade vai muito longe. Por isso, eu gostaria que você parasse de tentar me enganar com essas frases padrões porque é quase ofensivo. É sério, só quero ajudar.
Suspirei, um pouco nervosa. podia fazer muitas coisas que me tiravam do sério, mas mentir não era sua especialidade (não vou entrar na área da omissão, pois já garanti a mim mesma que superei isso). Talvez eu devesse fazer o mesmo.
— Tá bom. Promete que não vai comentar nada com ninguém?
— Prometo.
Respirei fundo e me virei no banco, ficando agora de frente para ela.
— Você disse que o seu medo é fruto das suas próprias inseguranças. E... Eu não quero soar metida nem nada, mas e quando eu tenho certeza que o meu medo não parte da minha insegurança?
Ela balançou a cabeça, compreendendo rapidamente o que eu estava falando e o que aquilo significava. Eu sempre adorei isso sobre ela.
— Acho que você já tem essa resposta, não é?
Eu assenti.
— Mas não consigo nem pensar nela. É confuso demais.
— Eu sei. - ela me puxou para um abraço que eu nem mesmo queria, mas acabei aceitando. Isso porque ela me abraçar significava que eu tinha um grande problema. Eu não gostaria de admitir esse problema. Ainda estava na minha fase de negação. - Pensei que você e o estivessem bem.
— Nós estamos muito bem, . - suspirei, com a cabeça apoiada no ombro dela. - Acho que eu não estou.
Depois daquela conversa, eu precisei beber um pouco mais. Nunca fui a maior fã de cerveja, mas ela com certeza ficava menos ruim a cada copo tomado. E nós tomamos muitos deles.
Quando Mina finalmente descolou um tempinho para ficar com a gente, eu saí de fininho para deixar elas se curtirem um pouco e fui bater perna, apesar das minhas já não estarem funcionando tão bem quanto deveriam. Além disso, eu precisava espairecer depois daquela conversa.
No meio do caminho, encontrei Lucy e Lauren, que me puxaram para o meio de um grupinho de pessoas que eu nunca havia visto na minha vida. Porém, eles eram amigáveis e estavam perto dos barris de cerveja, então fiquei por ali mesmo, concluindo que eu definitivamente não estava afim de pensar. Poderia até ser a coisa certa a se fazer, mas aquele deveria ser um dia feliz! E eu estava feliz. Como é que o jogo virou tão rápido?
Para ser justa comigo mesma, o problema já me acompanhava há algum tempo, mas tudo que fiz foi empurrar com a barriga, olhar para o outro lado… Escolha o termo que achar melhor. No final das contas, qualquer um deles resume a minha falha.
Já achando que eu estava pensando demais, eu aproveitei o sentimento de estar na merda e continuei bebendo, provavelmente muito mais do que eu deveria. De alguma forma, a alegria das pessoas ao meu redor me contagiou ao ponto de “dançar” com eles. Entre aspas porque eu com certeza teria vergonha do que estava fazendo se não tivesse tanto álcool no sangue.
Por alguns minutos, tudo ficou bem. Mas você pode contar com o sexo masculino para levar minha animação embora tão rápido quanto chegou.
Então, quando um dos rapazes do grupo começou a chegar perto demais, eu decidi ir atrás do , com grandes expectativas sobre o fim daquele jogo. Minha visão não estava muito confiável e eu gostaria dele para me levar para casa. Porque, apesar do que eu sentia, havia dito a verdade para a : nós estávamos bem.
Aquela era a única coisa que eu me lembrava com um pouco de certeza.
Não encontrei o rostinho dele na mesa de ping pong, o que foi meio assustador porque ele poderia estar ali, mas a minha visão continuava me deixando na mão. Joe apareceu logo depois, me indicando um caminho para seguir. Eu nem saberia dizer se fui na direção certa.
Me lembro de me sentir extremamente perdida por um momento, com tantas pessoas ao meu redor. Uma delas derrubou o meu copo e eu nem tive condições de reclamar.
Quer uma dica? Quando beber, não saia andando sozinha por aí.
Esse pensamento me fez rir. Eu era muito idiota mesmo. E reconhecer isso me fez ficar desesperada novamente.
Por isso, fiquei muito feliz quando reconheci um rosto parecido com o dele no meio de tantos outros. Estava um pouco longe, então eu me obriguei a correr para alcançá-lo mais rápido em uma distância que parecia nunca ter fim. Eu realmente precisava dar um jeito nos meus sentidos.
Foi só quando eu cheguei bem perto que percebi que ele não estava sozinho.
Loira, magra, alta. Hailey? Apertei os olhos. Não, Jennifer.
É muito difícil dizer com exatidão o que eu fiz depois disso, especialmente porque a atual ou sóbria nunca teria uma reação parecida. No entanto, naquele momento eu senti como se tivesse sido jogada para dois anos atrás.
Me lembro de tirar força não sei de onde para puxá-lo para longe dali e para longe dela. Me lembro de algumas lágrimas, de perguntar para ele e para o universo: por que é que aquilo continuava acontecendo comigo? Lembro especialmente da expressão perdida e confusa do , que tentava entender porque eu estava reagindo daquela forma. Mas como ele poderia quando nem eu mesma compreendia completamente?
Na minha mente, a última coisa registrada foi a intervenção do . Depois, escuridão total. Isto é, até eu acordar no meu quarto da casa dos meus pais me perguntando que merda eu tinha feito.


Capítulo 27

[Mais um capítulo com música! Cliquem aqui para abrir e deixem carregando. Se não abrir, é Broken Glass, da Sia. Eu aviso na hora de dar play.]



2 anos antes…


— Sai desse quarto agora. - eu ouvi minha mãe dizer enquanto arrancava bruscamente meus lençóis, dando fim de uma vez só a minha noite de sono.
— O que? - eu perguntei, mal conseguindo abrir os olhos com toda aquela claridade.
— São 10 horas da manhã e você não está na escola, ! Eu sou muito compreensível, mas você não vai perder aula por causa do seu namorado. - ela disse, bufando de pé ao lado da minha cama.
— Ex-namorado, mãe! E é fácil falar, não foi você que levou um pé na bunda três dias atrás.
— Foi você quem terminou, então não me vem com esse papo não. Já levei muito pé na bunda dessa vida e não deixei nenhum deles afetar a minha educação. Vamos, levanta! Eu vou te levar para a aula agora.
— Pra que? Eu já perdi duas aulas de qualquer forma. - resmunguei, arrastando meu corpo para ficar pelo menos sentada. - Amanhã eu vo…
— Não. Você vai hoje. Te espero na garagem em 15 minutos. Acredite em mim, você não quer que eu volte para te buscar. - ela ameaçou e eu encolhi os ombros. Eu com certeza não queria. - Pelo amor de Deus, se eu for deixar você faltar na aula cada vez que briga com o , ninguém iria estudar nessa casa. - saiu resmungando.
— Nós terminamos! - eu gritei, pois ela já estava no corredor.
— Banho, , banho! - ela gritou de volta e eu corri para o banheiro.
Minha mãe não ficava brava com muita frequência, por isso eu já sabia quando era hora de parar de insistir. Mexer com a minha educação não era uma opção. Nunca. Ela tinha grandes planos para mim e, para ser honesta, eu também. Alguma dúvida sobre para quem eu puxei?
Porque eu sabia como agradar, 14 minutos depois eu estava dentro do carro, com o cinto e pronta para ir. Minha mãe me deixou na porta do colégio sem muita cerimônia, provavelmente não querendo me premiar por aquele tipo de comportamento. Porém não deixou de me dar um beijo na bochecha antes que eu saísse do carro.
Atravessei o estacionamento vazio com calma, sabendo que eu tinha alguns minutos antes do sinal para a troca de sala. Parte do motivo para a falta de pressa era também a consciência de que fazia a próxima aula comigo, eu não podia negar. Eu me arrependia com certa frequência de mexer nos nossos horários no começo do ano letivo para fazer o maior número de aulas juntos possíveis.
Havia passado os últimos dois dias pensando no que diabos eu tinha feito para ser rebaixada para o segundo lugar quando ele escolheu onde deveria estudar. Quer dizer… Nós tínhamos planos! Com apenas dez anos de idade, havíamos decidido lutar para fazer tudo juntos. Esse era o tamanho do nosso carinho um pelo outro e, quando eu insisti para ele se inscrever em várias universidades para estudar suas chances, com certeza não previ o tiro saindo pela culatra.
A verdade é que eu ainda estava com mais raiva do que triste. Tanto que queria evitar olhar na cara dele, assim eu não precisava ficar lutando contra a vontade de falar mil coisas e lembrá-lo do que costumava ser importante para nós. A tristeza profunda ainda viria e eu sabia disso porque estava quase acostumada com esse ritual doente de términos em que entramos algum dia.
Estúpido, eu sei.
Nem percebi como começou. Agora parecia impossível sair. Mas olha só, arrumou um bom jeito disso acontecer ao se mandar para a porra do outro lado do país!
De cabeça baixa e distraída com meus próprios pensamentos, eu nem percebi ele se aproximar. Só notei quando os seus pés entraram no meu campo de visão, o que significava que eu estava perto o suficiente para quase bater nele.
— Preciso falar com você. - disse, com certeza um pouco afobado para uma segunda-feira de manhã.
— É sério? Porque eu não tô nem um pouco afim de falar com você.
, por favor. - ele pediu com aqueles olhos azuis de cachorro abandonado.
Pensei por alguns segundos, mas acabei por respirar fundo e acompanhá-lo até uma mesinha de descanso que estava por perto. Ele havia escolhido a Universidade da Flórida ao invés de mim e eu cedia por causa de um simples olhar. A trouxisse passou ali e montou acampamento.
— Fala, vai. - eu mandei, de braços cruzados.
— Eu errei, . Tomei a decisão errada, mais uma vez, e queria te pedir perdão.
Suspirei, sem paciência. Eu gostaria de pelo menos ter um tempo para absorver aquele término antes dele vir me encher, mas era um privilégio que nunca estava disposto a me dar.
— Tá bom, mas a merda já tá feita. Você fez sua escolha. Vai ter que viver com ela. - eu concluí, já tentando sair, mas ele colocou o corpo na minha frente para me impedir.
— Se você me dar pelo menos um minuto inteiro de atenção, eu vou poder te contar que não fiz a pré-matrícula na Universidade da Flórida. - ele disse e aí sim eu parei, o encarando desconfiada.
— Não fez?
— Não, . Fiz em outro lugar.
Assim que terminou de falar, ele levantou a o celular para que eu olhasse a tela. Nela, estava aberto um e-mail o parabenizando por ter garantido sua vaga… Na UCLA.
Tenho certeza que minha boca se abriu um pouco pelo choque. Ele realmente havia mudado de ideia?
— Não acredito.
Só podia ser algum tipo de pegadinha. adorava fazer brincadeiras sem graça de vez em quando.
— É verdade.
— Você mudou de ideia por causa de mim?!
— Por causa de nós. - ele respondeu. - Eu estava pensando a curto prazo e, a longo, é estar bem com você que importa. Me desculpe por ter demorado para perceber isso. A UCLA é uma das melhores universidades do país, tem muita coisa para me oferecer e ainda permite que eu fique perto das pessoas que eu amo. É só isso que importa. Além do mais, quando eu entrar no time deles de natação, o programa já vai melhorar consideravelmente só pela minha presença lá. - ele disse, todo convencido.
Eu ri e me apressei para abraçá-lo. Não podia pedir por uma novidade melhor do que aquela. Ficaríamos juntos, como planejamos desde pequenos e como deveria ser.
— E você tá feliz?
— Se você disser que vai encarar essa comigo, estou. Muito!
Com um sorriso provavelmente maior do que a minha cara no rosto, eu o beijei, decidindo que aquela era a melhor forma de dizer que eu encararia essa e todas as outras com ele. Aquela era uma ótima maneira de começar uma segunda-feira que tinha tudo para dar errado.
Assim que o sinal tocou, nós seguramos as mãos um do outro e marchamos juntos para a sala de aula. Como se nada tivesse acontecido. Chocando um total de zero pessoas.

Atualmente...


, o que você está fazendo?
— Por que eu te encontrei com ela de novo quando já deixei claro o interesse da garota por você?
— Nós só estávamos conversando!
— Você pode parar por um minuto? Eu nem sei o que está acontecendo.
— Eu não quero mais me sentir assim, .
— Não encosta em mim!
— Isso não pode estar certo.

Ah, os flashbacks… As malditas lembranças completamente fragmentadas da noite passada que não faziam sentido nenhum, mas me diziam que, sem dúvida alguma, eu havia feito uma grande merda. Amaldiçoei todos os copos de cerveja que eu achei que seria uma boa ideia virar, mesmo sabendo que a minha tolerância para álcool era mínima.
Como resultado, eu tinha uma bela dor de cabeça, meu estômago parecia mais frágil do que nunca e eu provavelmente aumentei uma situação que, se dependesse da sóbria, nunca iria para frente.
Juntei um pouco da força que ainda me restava e arrastei meu corpo para fora da cama. Eu nem me lembrava de como cheguei na casa dos meus pais. Mas essa questão foi rapidamente esquecida quando eu pisei em um corpo deitado no chão ao lado da minha cama.
Nós dois gritamos. Ele de dor, eu pelo susto.
— Vai pisar na tua… Quer saber? Melhor não. - protestou, se sentando e esfregando a coxa que eu quase esmaguei. - Esse não é o jeito mais simpático de me acordar, .
— Eu não pisei de propósito! - respondi, com o coração lá na boca pelos segundos de desespero. - O que você tá fazendo aqui?
— Sendo torturado, aparentemente. - ele disse. O meu revirar de olhos indicou que ele deveria abandonar o fracasso. - Fui eu quem te trouxe, oras.
— Sério? Pensei que fosse o
Ele riu, balançando a cabeça.
— Depois do que você fez ontem? Acho que não, .
Sentei novamente na minha cama, mantendo os pés no chão. Estava confusa e minha mente não me dava as respostas que eu precisava.
— O que eu fiz, ? - perguntei, olhando para frente, mas sem ver realmente algo.
— Você não se lembra?
— Muito pouco. Me lembro de estar incomodada com algo a ponto de me sentir sufocada por aquilo, o que foi só um reflexo do quanto eu estava bebendo. Era algo que vinha me incomodando há algum tempo, mas o álcool deixou o problema maior do que realmente é. também, talvez. Depois eu vi o conversando com uma garota que tem dado em cima dele quando claramente ele deveria estar procurando por mim, fiquei muito brava e o resto são só uns recortes que não fazem muito sentido. - tentei explicar, sentindo todo o meu corpo tenso porque, de todas as maneiras que eu pensei que iria terminar aquela noite, nenhuma era no meu quarto de infância com o .
Ele suspirou e se sentou ao meu lado, passando um dos braços ao redor do meu ombro.
— Ei, melhora essa cara. - ele disse, ou seja, meu rosto estava tão bem quanto meu estado de espírito. Que ótimo. - Não é tão ruim quanto parece. Se esse é o caso, tenho certeza que o vai te perdoar. Deus sabe que ele já fez muita merda bêbado também.
Eu tinha certeza que era bem mais ruim do que parecia, mas não queria explicar toda essa situação que me incomodava para ele. Não agora, pelo menos.
— Não sei não. Eu estava fora de mim.
Em todos os sentidos possíveis.
— Tô te falando. Vai dar tudo certo. Eu cheguei na metade da confusão, então perdi muita coisa. Você gritou bastante com ele sobre trair sua confiança, sobre como o universo estava de brincadeira com a tua cara e coisas do tipo. Na verdade, se não fosse trágico, seria bem engraçado. ficou bem confuso, perguntou várias vezes se isso tinha a ver com o que conversaram sei lá quando, mas você não estava muito interessada em responder as perguntas dele.
Cobri o rosto com as mãos, envergonhada e decepcionada comigo mesma. Brigar sóbria tudo bem, pois as coisas faziam sentido, agora brigar bêbada, carregando um monte de sentimentos que ainda não foram compreendidos e que nem parecem tão racionais assim… Estupidez. Pura e completa estupidez.
— Tava tudo bom demais para ser verdade. É claro que o universo ia me jogar uma dessas para equilibrar o sistema.
— É. Você falou isso ontem. - encolheu os ombros quando eu o olhei de cara feia. - O que? É verdade.
Decidi deixar aquela passar.
— Obrigada por me trazer para casa bem.
— Não precisa agradecer. A minha intenção era te levar para a casa de lá, mas você insistiu em vir para cá.
Eu sabia a resposta dessa pergunta.
— Meus pais estão viajando. Aqui eu tenho um pouco de paz, eu acho.
Omiti a parte em que eles estão viajando para resolver assuntos relacionados a adoção de uma criança porque, sinceramente, eu ainda estava me esforçando para engolir essa novidade.
— Vou te dar sua paz então. Tenho que ir. - ele disse, se levantando.
— Ei, eu não falei isso para te expulsar não. Vamos descer. Faço algo pra gente comer.
— Não precisa, . Vou aproveitar que estou aqui e ir ver meus pais. Se eles descobrirem que eu vim para cá e não fui visitar, a coisa vai ficar muito feia. Além disso, quero dar a eles a chance de me mimar um pouco com comidas gostosas. Você pode vir comigo, se quiser. - eu ri e balancei a cabeça, negando. era inacreditável. - Estou indo então. - falou enquanto se abaixava para me dar um beijo na testa. - Fique bem. Qualquer coisa, pode me ligar. Eu passo aqui mais tarde para ver como você está, ok?
— Não se preocupe, vou ficar bem. - garanti, ainda que eu não tivesse tanta certeza assim.
A primeira coisa que fiz quando ele saiu foi pegar meu celular para olhar as mensagens. Encontrei algumas da April, do Jude e do , várias da , mas nenhuma do . Para ser sincera, depois de um chilique daqueles, eu também não mandaria mensagens.
Porém, eu ainda era bem cara de pau, então mandei um oi e uma figura engraçadinha. Não dava para errar com uma figurinha… Dava? Eu iria descobrir logo.
Enquanto isso, tomei um banho, escovei os dentes e tentei trazer meu corpo de volta à vida que toda aquela cerveja tirou. Se eu queria resolver a situação que criei, precisava pelo menos estar bem comigo antes. Não diria que consegui, mas definitivamente continuei tentando.
Já passava do meio dia, então eu desci para comer algo e me manter hidratada. Encontrei alguns restos da semana na geladeira e foi o que usei para formar um prato de comida bem duvidoso, porém muito apetitoso para a garota de ressaca.
Depois de comer, lavar a louça, brincar com o Smurf e organizar um pouco a casa, eu perdi até o ânimo para tentar me sentir bem e me joguei no sofá da sala. poderia tentar amenizar as coisas e eu também na minha cabeça, mas a realidade é que eu estava na merda, completamente atolada num monte de pressentimentos e receios do quais eu não sabia como me livrar.
Eu me mantive grudada ao meu celular esse tempo todo e, quando ele finalmente vibrou depois de um tempo sem dar sinais de vida, eu corri para ver se era uma resposta do . No entanto, foi a foto da que surgiu na tela, me ligando. Demorei um tempo para decidir se eu queria arrastar o dedo para a esquerda ou para a direita, pois eu sabia porque ela ligava e a conversa que queria ter. Eu não tinha certeza se queria ter aquela conversa. Até porque a de ontem só me deixou pior do que eu já estava.
Porém ela era a única que sabia de verdade o que estava me incomodando. só tinha o superficial e não parecia querer bater muito papo comigo no momento. Sem ressentimentos. Então eu só poderia conversar com ela sobre isso. Mas eu queria aquela conversa mesmo? E enquanto esses pensamentos continuavam se repetindo, o celular parou de tocar.
Com um longo suspiro, eu liguei o foda-se e retornei a ligação. Estraguei tudo quando bebi demais e fiz um baita escândalo em cima de algo que deveria ser uma conversa calma entre e eu, falar com a sobre isso era fichinha perto do que eu provavelmente ainda teria que lidar.
Eu espero que você tenha acabado de acordar porque essa é a única boa explicação para não ter respondido a gente, . - imaginei que, com “a gente”, ela falava dela e da April. - Eu estou surtando desde que me contaram!
— Quem te contou?
Ela hesitou para responder.
O
Isso era bom. Eu poderia trabalhar com aquela informação.
— Ah, é? E como ele contou? Bravo, triste? Como ele está?
Ele me contou durante a madrugada, então não sei como está agora. Na verdade, não parecia estar bravo nem triste, só confuso, tentando entender o que deu em você.
— Não deu nada em mim, eu só estava bêbada. - respondi, frustrada.
Isso não é verdade. Não acho que você inventou tudo aquilo que me falou. Aliás, caso você esteja se perguntando, eu não contei nada disso para ele, apesar dele ter tentado arrancar algumas informações. Fui bem forte, você sabe.
— Obrigada. Mas ele já sabe um pouco, não é exatamente um segredo. Ele só não sabe os detalhes. E tudo bem, eu não inventei nada, mas foi a bebida que deixou tudo mais dramático. É só um incômodo. Casais têm incômodos.
Você me falou que não está bem, . - ela disse e eu fiquei em silêncio. Não tinha argumentos para contestar aquilo. Eu realmente não me sentia tão bem assim. - Olha, eu não queria ser a pessoa que diz isso, mas… Vocês também tinham muitos incômodos antes. Na maior parte do tempo, eles pareciam nem existir. Pensei que fosse diferente dessa vez.
— E é! - eu exclamei rapidamente, quase ofendida. Quase, porque a realidade é que eu sabia que havia um pouco de verdade no que ela me falava.
Então por que eu sinto que você está em negação, como sempre esteve?
Eu suspirei, apoiando o queixo na mão como uma criança emburrada.
— Porque eu estou. - admiti.
Ela não respondeu imediatamente e eu fiquei quieta também, pensando no que aquelas três palavras significavam. Minha mente estava uma verdadeira bagunça, com milhares de pensamentos sendo jogados para todos os lados, então foi difícil chegar a uma conclusão.
Escuta. - ela começou novamente depois de um minutinho de silêncio. - Eu amo vocês e poucas coisas nesse mundo me fazem mais feliz do que vê-los juntos, mas… Também cresci com vocês e vi como duas pessoas que se amam tanto são capazes de se destruir. Não quero que isso aconteça de novo, , porque estou orgulhosa demais do quanto evoluíram até aqui. Tudo que eu peço é para que você pare e pense no que está sentindo. Sei o quanto é difícil, especialmente o quanto você odeia fazer isso, mas eu acredito ser a melhor ideia agora. Vocês merecem um recomeço limpo e promissor, sem incertezas.
Talvez eu concordasse com a . E quando eu desliguei o telefone, prometendo que iria pensar no assunto, essa era mais uma das coisas que atormentavam a minha mente. Eu precisava pensar. No entanto, a ideia de simplesmente ligar para o , me desculpar e seguir em frente era muito mais tentadora do que reconhecer que havia um problema.
Ainda assim, tinha razão. Eu havia passado dois anos inteiros escolhendo a opção número um e olha só para onde ela me levou. Três anos depois, me fazendo as exatas mesmas perguntas.
Eu precisava de água.
Voltei para a cozinha, enchi um copo e sentei no balcão, com Smurf aos meus pés. Nem mesmo o cachorro mais feliz do mundo salvaria um dia daqueles e, por um momento, eu desejei que meus pais estivessem ali. Mesmo quando não conseguiam ajudar com palavras, a presença era o suficiente para me acalmar e me lembrar que, independente do quão ruim as coisas estivessem, eles sempre estariam ali. Talvez com uma criança para me encher o saco a partir de agora, mas não dá para ter tudo nesse mundo.
Dando pequenos goles na água, eu me peguei recordando todas as vezes que pirou. Foram muitas. Mesmo quando éramos apenas amigos, ele tinha seus momentos. A insegurança - e, honestamente, falta de bom senso - sempre falou mais alto do que a confiança dele em mim.
Agora, eu me sentia na pele dele. Talvez a única diferença seja a de que eu abomino esse sentimento mais do que qualquer outra coisa, pois já estive na posição de quem é constantemente presa por ele. Por isso é tão difícil admitir.
— Smurf? - eu chamei. Ele havia ido se deitar no tapete mais próximo há alguns minutos e, preguiçoso como era, só ergueu o olhar para mim. - Se eu te falar, você não vai contar para ninguém, vai? - nada. - Tudo bem. Mas quero que se lembre que você prometeu. - eu disse, me levantando para sentar no chão, de frente ao cachorro que me encarava com uma curiosidade cada vez maior. Apoiei os cotovelos nas coxas, respirei fundo um bom par de vezes e comecei. - Lá vai. - para ser honesta, não foi. Não nas sete primeiras tentativas. Mas eventualmente as palavras saíram e formaram a frase que eu tanto temia. - Smurf… Eu estou com ciúmes do . - e, uma vez que a parte mais difícil passou, eu continuei indo. - Quando eu digo isso, quero dizer que estou com muito ciúmes. Não é pouco mesmo. Eu me incomodo com qualquer garota que fala com ele ou que só olhe para ele, eu apenas me incomodo. Na verdade, um dia desses eu me peguei com ciúmes da Nikki, o que é completamente detestável e sem noção, porque é a Nikki e ela nunca teria nada com ele sabendo que estamos juntos. Mas e ele, Smurf? Ele teria?
Completamente perdido, o cachorro só pulou no meu colo atrás do carinho que eu fiz questão de dar como uma recompensa por ter que ouvir tanta besteira de uma vez só. Ainda assim, era verdade. Eu estava morrendo de ciúmes e isso foi ainda mais intensificado quando percebi que ele era o garoto ideal para uma boa porcentagem de garotas daquela universidade. Bonito, inteligente, atleta e extremamente doce… Quando quer.
Tá certo, eu tenho consciência disso há um tempo, mas ver com os meus próprios olhos foi um baque e tanto. Além do mais, antes eu não tinha com o que me preocupar, pois estava ocupada demais desejando que ele fosse para o inferno.
Se eu estava sendo honesta comigo mesma, teria que admitir que nem existia uma desculpa boa o suficiente para explicar porque eu vinha me sentindo assim. Esse era um dos motivos para tudo parecer tão confuso. Eu nunca fui uma pessoa muito ciumenta. Nós tínhamos nossas brincadeiras, mas nunca passaram disso: brincadeiras.
No ensino médio, mesmo quando Hailey criava situações absurdas para tentar conquistar ele, eu ficava tranquila. Puta da vida com a garota, é claro, mas não tinha ciúmes ou medo dele ficar com ela. Por que eu tinha confiança no meu taco? Com certeza. Mas especialmente porque eu tinha confiança nele e no que ele sentia por mim.
O pensamento de que essa era uma frase que eu não poderia colocar como verdadeira no momento me fez estremecer. Pois sempre foi uma frase que levei muito a sério ao justificar um bom relacionamento.
Me sentindo meio perdida, eu quase liguei novamente para a . Assim eu poderia admitir para ela o que estava sentindo - mesmo que ela obviamente já soubesse desde a noite anterior - e, quem sabe, ela me diria o que fazer a partir daí. Porque eu com certeza não tinha ideia. No entanto, também não pude deixar de pensar que seria injusto jogar o peso do meu problema nas costas dela. Portanto, teria que resolvê-lo sozinha.
Suspirei e deixei de encarar o vazio para encarar Smurff, ainda acomodado no meu colo. Porque sim, eu ainda estava sentada no chão e perfeitamente confortável. Eu olhei para ele, ele me olhou. Sozinha? Tem certeza?, eu quase pude ouvi-lo dizer com seus grandes olhos castanhos arregalados na minha frente.
— Eu sei que isso foi um truque da minha cabeça, mas você tem razão. - concluí, alcançando meu celular e ligando imediatamente para o indivíduo que estava nessa comigo. poderia até ignorar minhas mensagens, mas não teria coragem de ignorar minha ligação… Teria?
Depois de alguns toques, eu comecei a pensar que talvez ele teria. Porém, antes que a ligação caísse, finalmente ouvi a voz dele do outro lado da linha. E bem sonolenta.
Alô?
— Oi!
?
— Sou eu. Te acordei?
Diga que sim, diga que sim, diga que sim!
Sim. - yes! - Mas não tem problema. Acho que dormi demais.
A alegria de descobrir que eu não havia sido ignorada foi maior do que a minha preocupação por tê-lo acordado.
— Eu estava um pouco preocupada porque te mandei mensagem há um tempo e não recebi nenhuma resposta.
Desculpa, eu não vi. - ele disse, já um pouco menos sonolento. No fundo, ouvi alguns barulhos que me indicavam que ele estava levantando. - Como você está? Fiquei preocupado também, mas achei que você gostaria de um espaço e prometeu ficar do seu lado até estar tudo bem.
— Ele ficou, tá tudo bem… Bom, na verdade eu já estive melhor. - suspirei, fazendo uma pausa de poucos segundos antes de continuar falando o que realmente importava. - Me desculpa pelo que fiz ontem. Não foi minha intenção causar uma cena ou te fazer passar vergonha, eu só estava meio fora de mim.
Tudo bem, eu não tô bravo. Só gostaria de entender o que aconteceu.
— Em resumo, eu estava muito bêbada e com algumas coisas me incomodando, o que resultou naquele surto patético.
Você sabe que isso não responde muitas das minhas perguntas, não é? - ele questionou e eu encolhi os ombros.
— Eu sei. Só achei que seria melhor conversarmos pessoalmente. Temos algumas coisas para esclarecer e eu gostaria de fazer isso com você. Juntos. Pode ser?
Claro. - respondeu rapidamente, me fazendo sorrir. - Ainda está nos seus pais?
— Sim… Como sabe?
, você realmente acha que eu consegui dormir antes do me garantir que você estava bem e descansando?
Ainda que ele não pudesse ver, eu dei de ombros. Quando fazia cenas parecidas com a de ontem, eu com certeza conseguia.
— É, você é uma pessoa muito melhor que eu. Te espero em 30 minutos?
Estarei aí.
Me senti extremamente boba, mas a primeira coisa que fiz ao encerrar a ligação foi procurar nos armários os ingredientes necessários para fazer alguns brownies. não estava bravo e provavelmente não precisava ouvir incansáveis desculpas, então decidi que um gesto como aquele para me redimir não poderia fazer mal a ninguém. Cozinhar nunca foi meu forte, mas ele costumava ser - provavelmente o único - fã do meu brownie.
Em menos de 15 minutos, eu coloquei a massa no forno e fui atrás de qualquer coisa para distrair minha mente enquanto ele não chegava. Lavei a louça, separei o lixo e alimentei Smurf pela segunda vez naquele dia. Ele com certeza gostou da mudança na rotina. Por fim, troquei de roupa algumas vezes, apesar de não ter muitas opções ali, e, no final das contas, fiquei com a que eu vestia inicialmente: shorts jeans e camiseta.
Quando ouvi a porta da sala se abrindo, eu corri para recebê-lo. No entanto, encontrei outra Evans dentro da minha casa.
— Liz?
, que bom que é você! - ela exclamou, se aproximando para me dar um abraço. - Achei que um ladrão tinha entrado aqui quando vi que a porta estava destrancada.
— E entrou sozinha mesmo assim? - questionei, fazendo-a parar para pensar.
— Não foi muito esperto da minha parte, não é? - eu balancei a cabeça, rindo. Liz sempre foi um pouco fora da caixinha. - Ah, estou viva. - concluiu, dando de ombros. - O que está fazendo aqui, querida?
— Só senti falta de casa e vim passar um tempinho aqui. Acabei esquecendo que os meus pais estavam fora da cidade.
— Queria que o pensasse assim também. Só vem me visitar se eu mandar.
Aquilo soava como algo que a minha mãe diria. Por isso, eu tive certeza que era mais exagero do que verdade, mas só sorri e acenei.
— Você vai ter uma surpresa logo, logo então.
Não acho que ela tenha me ouvido, pois já estava andando em direção ao corredor e falando ao mesmo tempo.
— Eu só vim ver se o Smurf tem ração. Seus pais pediram para ficar de olho nele e me ensinaram a não cair no truque do cachorro esfomeado. Ah, olha só! Ainda tem bastante comida. Acho que ele finalmente está aprendendo a não comer tudo de uma vez.
Eu sorri com toda a inocência que eu tinha, erguendo os ombros. Liz nem desconfiou que eu poderia ter algo a ver com aquilo, o que era bom, pois eu era a responsável pelos vários quilos a mais do Smurf enquanto morei ali.
O barulho de uma moto estacionando na frente da minha casa foi muito bem ouvido do lado de dentro e ela me olhou desconfiada.
— Esse é o meu filho chegando, ?
Continue sorrindo, continue acenando. Só isso.
Eu nem precisei falar nada, pois em pouco tempo apareceu na porta.
— Je… Mãe?
— Não vem me visitar faz três semanas, mas quando a namorada está aqui, não demora mais que um dia para aparecer. Que tipo de filho eu criei, em? - ela questionou, de braços cruzados.
— O tipo de filho que vai ter uma boa explicação se você me dar alguns minutinhos para pensar. - ele respondeu, sorrindo amarelo. Depois se aproximou e beijou a bochecha dela.
— Não vem ser espertinho não. - ela disse, tentando soar brava. Liz não era muito boa dando broncas. - Eu vou deixar vocês a sós por enquanto, mas o jantar vai ser na minha casa e a presença dos dois é obrigatória.
— Estaremos lá, Liz. - afirmei rapidamente. Porém, um segundo depois, me arrependi, pensando que eu não tinha ideia de como as coisas terminariam ali. Ainda assim, eu esperei poder estar lá.
— Isso mesmo. Prometemos! - confirmou e ela saiu satisfeita. Assim que fechou a porta, perdeu o sorriso e arregalou os olhos. - Ei, poderia ter me dado um aviso. Eu tô devendo uma visita há dias.
— Fica aí a lição para aprender a visitar seus pais com mais frequência. De qualquer forma, eu também fui pega de surpresa. Ela acabou de entrar aqui.
— Vou confiar na sua palavra. - ele disse, sorrindo e se aproximando para me abraçar. - Como você está? Alguma coisa mudou nos últimos trinta minutos?
Eu contornei a cintura dele com meus braços, encaixando minha cabeça no vão do seu pescoço, assim eu poderia aproveitar o cheiro refrescante do banho recém tomado.
— Meu estômago tá um pouco melhor. Eu já não acho que vou vomitar quando faço movimentos bruscos.
No entanto, as borboletas haviam tomado conta, o que era extremamente inconveniente naquele dia. Era quase como se elas soubessem, antes mesmo de mim, que algo estava prestes a acontecer. Aterrorizante.
— Isso é muito bom.
— É… Mas eu ainda sinto muito pelo que fiz ontem.
riu rapidamente, começando a se afastar até que eu o segurei ali, quietinho, me abraçando. Ele aceitou sem grandes dificuldades.
— Não se preocupe. De certa maneira, foi muito bom para você porque, se a Jennifer estava te incomodando, depois da noite passada ela dificilmente vai chegar perto de mim novamente.
Dessa vez, fui eu que o afastei e arregalei os olhos.
— Por que? Eu falei alguma coisa para ela?! - perguntei, meio desesperada.
— Não, mas a velocidade em que você foi capaz de chegar até mim e a força para me puxar para longe, mesmo estando bêbada, com certeza a assustou bastante. E ela é uma jogadora de vôlei, … É, também tem a opção de te mandarem um convite para se juntar ao time.
Eu abri um sorriso leve e ainda tenso, porém com certeza um pouco mais tranquilo. Pelo menos ele estava de bom humor naquele dia.
É claro. Ele está aqui faz cinco minutos e você ainda não teve coragem de mencionar o que realmente está te incomodando e, diga-se de passagem, o que o trouxe até aqui.
Engoli em seco. Mero detalhe.
— Eu fiz brownies! - anunciei de repente, puxando-o pela mão até a cozinha.
Não sei o que deu na minha cabeça, mas eu realmente acreditei que eles poderiam estar prontos com apenas vinte e poucos minutos de forno. É claro que isso não aconteceu.
— Desmancha essa cara de decepção. - ele disse logo depois de eu ter tirado o palito de dente com massa crua, indicando que ainda demoraria um tempinho. - Eu estou há quase três anos sem comer seus brownies. Posso esperar mais uns vinte minutos.
— Mas você não comeu nada, deve estar com fome. Tem umas coisas duvidosas na geladeira que estão consideravelmente gostosas, posso fazer uma mistura para você. - ele negou. Sorrindo, mas negou. - Você precisa colocar alguma coisa no estômago, !
Ele franziu o cenho, curioso com o meu tom desesperado. Talvez eu devesse me acalmar um pouco.
— Ok… Que tal um pouco d’água? Para nós dois.
— É uma boa ideia. - eu disse, indo pegar. Não foi difícil notar ele me observando o tempo todo, pois o garoto nem se deu o trabalho de disfarçar.
Deixei um copo na frente dele enquanto dava alguns goles no meu próprio. Nervosa sob o olhar constante dele, eu abri um sorriso torto.
— Eu sei que sou bonita, , mas você precisa se controlar um pouco mais e me encarar um pouco menos.
Ele sorriu.
— Só estou tentando adivinhar o que está se passando pela sua cabeça agora. Você não parece muito afim de falar e eu não quero que faça nada contra a sua vontade.
Engoli em seco, encolhendo os ombros.
Não era justo. Eu havia chamado ele até ali para conversar e não fazia sentido ficar enrolando por falta de coragem de entrar no assunto. Tudo bem, eu tinha todo o direito de temer a direção em que aquela conversa poderia nos levar, mas não de mantê-lo no escuro por mais tempo. Especialmente quando ele estava sendo tão compreensível mesmo depois do show da noite anterior.
— Desculpa… Você sabe que eu não sou muito boa com sentimentos, imagine então falar sobre eles. É sempre um terror. - admiti e ele assentiu, pois já sabia daquilo há uns bons anos. Meus problemas podem ter ficado bem ruins com a idade, porém eu nunca fui a criança mais fácil do mundo.
— Foi por isso que você surtou ontem, então? Muitos sentimentos?
Semicerrei os olhos.
— Deixa que eu uso o verbo surtar, tá? Ele não soa muito bem saindo da boca de outras pessoas. - eu disse, deixando claro que não estava deixando muita opção. Eu podia estar em má forma, mas ainda tinha meu orgulho. - E sim. Na verdade, uma série de emoções e sentimentos em conflito. A bebida intensificou cada um de uma maneira que eu mal conseguia respirar e então eu explodi. Com você, sem grandes motivos.
— Não acho que tenha sido sem grandes motivos, . Você me alertou esses dias sobre o interesse da Jennifer em mim, eu não dei muita bola e me ver conversando com ela no meio da festa te incomodou. Bastante. Eu gostaria de dizer que não, mas entendo o sentimento.
Eu sorri, achando fofo que ele tivesse criado uma justificativa para a minha babaquice. Eu com certeza nunca criei para ele. Infelizmente, não era completamente correta.
Respirei fundo, apoiando meus cotovelos no balcão e pensando comigo mesma que essa era a minha deixa para contar, ainda que eu quisesse enrolar mais um pouco. Mesmo assim, achei melhor aproveitar a oportunidade.
— Não é bem assim. - eu comecei, deixando-o curioso. - Tudo bem, a Jennifer me incomodou e eu não vou negar isso, mas… O que me fez perder a cabeça foi que, inicialmente, eu nem vi a Jennifer ali. Eu vi a Hailey. - sem nem perceber, ele abriu a boca de leve em surpresa. Já havia começado, então tratei de continuar falando. - Posso estar soando um pouco louca, mas é a verdade. Quando eu vi você falando com uma garota loira, eu senti como se a cena que vi naquela foto, tanto tempo atrás, estivesse prestes a se repetir. Quando digo que eu estava fora de mim, é porque eu realmente senti como se estivesse. Por alguns segundos, era como se eu fosse aquela garota de anos atrás e todos os sentimentos vieram juntos, a raiva, a decepção, o desespero de ter perdido de uma vez por todas o meu porto seguro. Foi desesperador e eu gostaria muito, mas não posso colocar toda a culpa disso na minha embriaguez.
— O que você quer dizer? - ele perguntou simplesmente, prestando muita atenção em tudo que eu falava.
Respirei fundo mais uma vez e continuei colocando tudo na mesa.
— Quero dizer que você estava certo naquele dia, em Kingman. Eu estou com ciúmes. E tenho estado há um bom tempo, só não tive coragem de admitir, nem mesmo para mim. Quero saber onde você está, com quem você está, fazendo o que. Se você desaparece por um tempinho que seja, como no dia do protesto, eu fico desesperada. Me incomoda que outras garotas olhem para você mais que uma vez, que deem em cima de você ou, sei lá, que não saibam que você tem uma namorada.
Lágrimas não estavam nos meus planos para aquele dia. No entanto, eu senti que poderia chorar facilmente pela dor que senti ao dizer aquilo. As palavras eram completamente sinceras, mas saíram rasgando e destruindo a pessoa que eu sempre pensei ser.
Era mais do que ciúmes, era um sentimento doentio, que não poderia fazer bem para nenhum de nós dois. Para ser sincera, me fazia ter nojo de mim mesma. Mesmo assim, era como eu me sentia.
também parecia não saber o que fazer com aquelas informações. Era bastante coisa para engolir e eu entendia isso, então esperei pacientemente enquanto ele analisava tudo. Depois ele ainda teria que formar uma resposta coerente, o que nem sempre é tão fácil assim.
Aproveitei o tempo e fui tirar os brownies do forno. O certo seria esperar esfriar antes de cortar e tirá-los da forma, mas eu estava sem paciência. Por isso - não façam isso em casa -, eu cortei tudo em pequenos quadrados e os organizei como uma pequena pirâmide em um prato, chegando bem perto de me queimar algumas vezes.
Quando voltei para o balcão e deixei na frente do , seu copo de água já estava vazio. Antes de me sentar, fui até a geladeira buscar uma garrafa para deixar ali.
, para quieta um pouco.
— Foi mal… - disse, me sentando novamente.
— Eu não tô reagindo muito bem, né? - ele perguntou, esfregando o rosto.
Dei de ombros.
— Não se preocupe. Você definitivamente não é a pessoa que eu tô julgando no momento. - comentei, quase rindo um pouco da situação e ele tentou me acompanhar, mas, dessa vez, meu ciúmes não era tão engraçado assim.
— Eu só tô tentando imaginar o que isso significa para você depois de tudo que passamos nesses últimos anos e… Nossa! Nem consigo chegar a conclusão alguma. O lado bom é que agora eu definitivamente entendo o que aconteceu ontem.
Balancei a cabeça, empurrando o prato de brownies para ele.
— Come um pouco.
comeu um de uma vez só, pegando outros logo em seguida. Eu sabia que ele estava com mais fome do que dizia. Depois de alguns minutos aproveitando sua nada saudável refeição, ele tomou alguns goles de água, ainda pensativo sobre a coisa toda.
— Posso dizer uma coisa? - ele perguntou e eu assenti. - Eu sei que a situação é uma merda, mas fico feliz por você me falar porque, quando eu digo que estou disposto a fazer tudo funcionar dessa vez, é porque realmente estou. E não acho que conseguiríamos fazer isso se você optasse por guardar para você. De certa forma, estou até feliz pela noite passada, se o que aconteceu nos trouxe até aqui.
— Bom, eu gostaria de ser esperta o suficiente para ir atrás da solução de um problema antes dele explodir na minha cara. - falei em tom de humor, porém me odiando um pouco pela minha própria teimosia. - O que vamos fazer, ?
Afinal de contas, não era para isso que eu tinha chamado ele ali? Para pensarmos em como agir juntos? Porque sozinha eu não cheguei muito longe. Para ser sincera, eu até pensei em algo, mas odiei sequer pensar na possibilidade. Ele com certeza teria algo melhor em mente, sendo a pessoa com mais experiência nessa área.
— O que vamos fazer? - ele perguntou, tão perdido quanto eu.
Ótimo.
— Melhor: você, como um cara que já foi louco de ciúmes e amadureceu absurdamente em relação a isso, o que você fez? Me dê as dicas!
Ele continuou me encarando confuso e, sinceramente, um pouco desconfortável.
— Certo. - disse e pigarreou, arrumando sua postura. - Eu não sei se vou conseguir dar a resposta exata que você está procurando, . Eu estou trabalhando nisso há mais de um ano e não é um processo muito confortável. Na verdade, durante muito tempo eu me peguei apenas dizendo coisas que fariam a outra pessoa pensar que eu sou um cara mais tranquilo quando, por dentro, eu me sentia exatamente da mesma maneira. Antes que você pense qualquer coisa, não é o caso de ontem do Jude. Realmente quero que vocês permaneçam amigos porque eu vejo que ele te faz bem. Não consigo compreender o por quê, mas eu coloquei na minha cabeça que eu não preciso, pois nem tudo é da minha conta. Além disso, tento focar naquilo que é bom para você, naquilo que te faz feliz e, principalmente, na confiança que eu tenho em você. Pode parecer meio estúpido, mas uma hora eu percebi que não tinha motivo algum para desconfiar porque você sempre me passou segurança, mesmo quando passava dos seus limites. Claro que eu também tento trabalhar um pouco na confiança que tenho em mim mesmo, só que esse é um processo bem mais lento.
Quando ele terminou, as únicas palavras que gritavam na minha cabeça eram: por que diabos você continua perguntando?
Quer dizer, a resposta de na noite anterior havia me deixado lá embaixo, porém a do me acertou como um tapa na cara. No entanto, as duas tinham uma coisa muito simples em comum: eram absolutamente verdadeiras. Teimar contra a verdade era tão mais complicado!
— Que merda. - murmurei, tristonha, colando minha testa ao balcão. Levantei rapidamente quando me toquei do que tinha falado. - Não o seu método! O que você está fazendo é ótimo, tem funcionado e você deve continuar, ok? Só estou falando da situação toda. - e deixei minha cabeça cair mais uma vez.
Ouvi rir e o senti fazer carinho na parte de trás da minha cabeça logo depois. Fiquei quietinha para não espantar a mão dele para longe. Acredite em mim, eu precisava de um cafuné.
— Vê se anima um pouco, vai… Eu sei que você, mais do que qualquer pessoa, odeia o que está sentindo, mas vamos lidar com isso. Eu te ajudo, você me ajuda. Mesmo que leve tempo, vamos chegar lá. - ele disse, na tentativa mais adorável de me reconfortar. Infelizmente, não estava conseguindo.
— Eu não sei se aguento esperar, . - murmurei, tristonha.
— Por que não? Nós estamos indo muito bem até agora, . E agora que conversamos e entendemos o que está acontecendo, tudo vai ficar mais fácil.
— Não vai, não! - eu disse, me levantando. Perdi meu cafuné, mas precisava me levantar e andar de um lado para o outro para conseguir expressar alguma coisa. - Esse tempo todo eu estava sentindo essas coisas e olhando para o outro lado. Agora eu encarei o problema e quer saber de uma coisa? Eu até poderia continuar o que estamos fazendo como se ele não existisse. Seria muito fácil, na verdade. A grande questão é que isso não está me fazendo bem e eu gostaria muito de estar bem, . Muito mesmo. Assim como nós estamos. - falei a última frase parada, encarando a expressão levemente confusa dele. Era uma tentativa de acalmar meu coração e minha mente, uma vez que eu começava a ficar bem mais afobada do que gostaria. Não funcionou tão bem assim.
Ele levantou também e deu a volta no balcão, parando bem na minha frente. Depois, se inclinou e segurou meus ombros levemente.
— Você não me entendeu, . Não estou pedindo para continuar como se o problema não estivesse aqui. Estou pedindo para continuar o que está bom e tratar o que não está. Só isso. É simples.
— Não é simples! - eu exclamei, dessa vez com a voz estridente que eu odiava, por isso consegui controlar. A minha calma, no entanto, estava indo embora de uma vez só. - Não é simples porque eu não consigo. É você quem não está me entendendo! Eu. Não. Consigo. Tratar.
— Por quê?! Você acabou de me pedir as dicas, eu dei, é claro que consegue.
— Não consigo. Porque as suas dicas requerem uma coisa muito importante, que eu percebi não ter ainda.
A expressão dele ficou bem confusa.
— O que?
Tive o impulso de perguntar se ele tinha certeza que queria saber, mas me contive. Eu estava admitindo um monte de coisas naquele dia, aquela era só mais uma. Também não seria surpresa alguma, apesar da dor que algo assim pode causar. No entanto, era a única maneira dele entender um pouco melhor todos os conflitos na minha cabeça.
— Confiança, . Em você. Eu não confio em você. - eu falei de uma vez só e ele pareceu sentir certo impacto. Por isso, eu apoiei minhas mãos logo em cima das deles que ainda estavam no meu ombros. Os olhos, apesar de parecerem meio perdidos, continuavam em mim. - Quando fizemos as pazes, eu prometi que iria tentar restaurar a confiança que um dia eu tive em você e eu consegui em alguns aspectos, mas não tem sido muito fácil e você sabe disso. O grande problema é que em momentos como o de ontem, da competição ou do protesto, a desconfiança é muito mais forte. Você deixa de ser o cara que eu amo e vira aquele que me passou a perna. Então quando você me diz que eu tenho que confiar em você, eu não consigo. Pelo menos, ainda não. Porque eu tenho motivos para desconfiar, você me deu eles e eu juro que te perdoei ou não estaríamos juntos, juro que segui em frente, só não esqueci.
Pronto. Falei tudo para ele, antes mesmo de falar para mim. Quer dizer, eu já sabia que ainda não tinha recuperado toda a minha confiança nele e, principalmente, sabia que levaria tempo. Eu só não tinha ideia do quanto ela fazia falta até a noite anterior.
Bom, talvez eu tivesse. Mas quando você está sentindo coisas tão boas na maior parte do tempo e sendo levada pela paixão, é muito difícil reconhecer o que está faltando.
deu alguns passos para trás, encostando as costas na parede. Seu olhar ainda perdido e respiração irregular me fizeram temer pela saúde dele.
Eu queria abraçá-lo e pedir para que não se afastasse, para que não deixasse de me tocar porque eu dependia da força que ele me passava para continuar colocando tudo a limpo, mas, naquele momento, nem ele parecia tão forte assim. Vê-lo daquele jeito me fazia querer jogar tudo para o alto. No entanto, havia uma voz na minha cabeça me implorando para terminar aquilo porque, se não resolvéssemos agora, iríamos voltar àquela discussão no futuro. E lá poderia ser tarde demais para encontrar uma solução.
— Você disse que me ama. - ele murmurou baixinho, encarando o chão. Quando ergueu o olhar para mim novamente, eu quase desejei que ele não o fizesse. - Por que eu estou desejando não ter ouvido isso agora, ?
Engoli em seco, sentindo o peso daquela pergunta. Apesar de falar sem cerimônia alguma, eu estava sendo sincera. E, por poucos segundos, desejei ter guardado mais um pouco para mim. No entanto, na direção que aquela conversa ia, eu concluí rapidamente que aquilo deveria ser dito, de uma forma ou de outra.
— Eu sei que não foi o jeito mais agradável de ouvir, mas eu quero que você saiba que, apesar de tudo que estou te falando, eu te amo. Na verdade, é porque eu te amo que estou falando. - ele suspirou e olhou a redor. - Você precisa de água.
Antes que ele confirmasse, eu já estava buscando um copo cheio e, enquanto ele bebia, eu só esperei. Ele tinha que dizer alguma coisa a mais. Ou até ter uma ideia a mais do que poderíamos fazer porque a solução que eu tinha era desesperadora. Talvez necessária. Provavelmente a única sensata e inteligente, mas eu ainda tinha o meu pingo de esperança.
Com um aspecto bem melhor depois de tomar sua água, desencostou da parede e deu alguns passos para frente, provavelmente precisando se movimentar tanto quanto eu há alguns minutos. Eu quase conseguia ouvir os neurônios dele trabalhando para chegar a alguma conclusão, mas não era tão fácil quando havia tanta coisa envolvida. Ele sempre foi mais bem resolvido em relação a seus sentimentos, com certeza muito mais do que eu. Porém estávamos falando sobre o futuro do nosso relacionamento, futuro este que não aconteceria se não conseguíssemos resolver o passado.
— A impressão que eu tenho quando você me fala todas essas coisas é que está tentando me dizer uma coisa só, mas não tem coragem. - ele disse.
— Só estou tentando ser sincera sobre como eu me sinto agora e, sinceramente, esperando que você saiba como podemos seguir em frente sem ter isso em nosso caminho.
— Tem certeza?
Eu hesitei. Não por estar mentindo, só porque havia, sim, uma coisa específica na minha mente que me faltava coragem para fazer de uma vez só. Isso porque eu sabia que ele com certeza não aceitaria bem, assim como eu não estava aceitando.
— Mais ou menos… - murmurei, tão baixo que tive dúvidas se ele realmente ouviu. Elas desapareceram quando se virou para mim novamente, apoiando as costas no balcão e cruzando os braços. Definitivamente não era uma pose fácil de encarar.
— Pode falar, . Não se preocupe comigo, eu aguento.
Tinha certeza que sim, mas eu aguentava?
Suspirei. Eu só poderia descobrir falando de uma vez por todas.
— Só estou pensando que… Eu não sei se consigo tratar esse problema enquanto ainda estamos juntos.
De todas as reações possíveis que poderia ter, escolheu a mais estranha: a risada. Definitivamente falsa e forçada, porém ainda assim uma risada que só deixava claro para mim o quanto aquela frase o machucou.
— Você quer terminar comigo então. - ele concluiu.
— Não! - eu respondi rapidamente. - Tudo que eu quero é estar com você, é não jogar fora tudo de bom que a gente tem vivido nas últimas semanas, só que nós temos sempre esse elefante gigantesco nos impedindo de funcionar de forma saudável, como todo casal deveria. Você pode ter percebido isso só na noite passada, mas ele já está comigo há um tempo. O que eu estou tentando dizer é que essa foi a única solução meramente decente em que eu consegui pensar e, mesmo a odiando, não posso simplesmente ignorar. É por isso que eu estou implorando para que você proponha algo melhor, ! Porque, no momento, isso é tudo que eu tenho.
— Quer saber o que parece do meu ponto de vista? - ele questionou e eu engoli em seco, pois tinha a leve impressão de que eu não gostaria de saber tanto assim. Mas balancei a cabeça e permiti que ele falasse. - Parece que você está escolhendo o caminho mais fácil porque tem medo.
Eu tive que parar e respirar bem fundo para não pular na cara dele. Porque se tinha um caminho mais fácil, aquele com certeza não era ele.

[Pode ir dando play, pessu!]

— Você sequer acredita no que eu acabei de falar? Que amo você? - não me respondeu, apenas continuou me encarando com cara de magoado. Bom, adivinha só, eu também não estava muito feliz não! E ainda que odiasse vê-lo assim, eu tinha que me defender. No entanto, me esforcei para fazer isso sem começar uma briga. - Eu entendo que tô jogando um monte de coisa para o seu lado e que não é fácil assimilar tudo de uma vez, mas o que você acabou de me falar é completamente injusto. É claro que eu estou com medo, ! Um medo absurdo desse sentimento nojento que eu abominei a minha vida inteira e vejo agora ser reproduzido por mim. Você tem noção do quão desesperador é me pegar vendo garotas que nem tem nada a ver com o problema como ameaças? Só por estarem por perto? Porra, eu defendo a sororidade desde que me entendo por gente! Pode parecer um sentimento simples, que todo mundo sente, mas para mim é grande o suficiente para mexer com a minha identidade, com a pessoa que eu sempre busquei ser. E eu nem vou me aprofundar em todas as merdas que eu já tive de aguentar por causa de ciúmes porque você conhece todas elas muito bem. Eu só tô tentando fazer a coisa certa dessa vez. E se a coisa certa for terminar isso por um tempo, me desculpe, mas…
Não consegui terminar a frase.

Lay down your arms | Abaixe suas armas
I don’t wanna fight anymore | Eu não quero mais lutar
Rough seas will be calm | O mar agitado vai se acalmar
Hold on while we weather the storm | Aguente firme enquanto resistimos à tormenta


O nó na minha garganta era mais forte do que nunca, porém não tinha possibilidade de eu me permitir chorar. Apesar de tudo, aquele não era um momento triste, não era o fim de algo, era apenas duas pessoas tentando atingir algum tipo de clareza e ela viria para o bem.
Por alguns segundos, pensei que ele fosse sair pela porta e nunca mais voltar, arruinando tudo que havíamos conquistado até então. Então ele ficou completamente quieto, pensativo e, definitivamente, quebrado. Isso também me fez temer que ele fosse simplesmente dar às costas para mim e ir para longe.
Porém meu coração deu um pulo no peito quando, ao invés de se afastar, se aproximou e me envolveu em um abraço, o mais forte e carinhoso deles.

We fall down like dogs playing dead | Nós caímos como cães se fingindo de mortos
But our love’s not worth playing chicken with | Mas não vale a pena pôr o nosso amor à prova


— Me desculpa, eu falei da boca pra fora, de cabeça quente. Só tô tentando lidar com a ideia de que eu causo isso em você. - ele falou no meu ouvido.
— Não é sua culpa! - respondi rapidamente. - É só o nosso passado e nós temos que lidar com isso, . Eu sei que vou restaurar minha confiança em você, de verdade, não tenho dúvida nenhuma! Talvez a gente tenha pulado nesse relacionamento sério rápido demais ou talvez eu simplesmente ainda não esteja pronta. O meu maior medo é forçar uma situação que não está certa, que não é saudável para nenhum de nós dois, e acabar de uma vez com tudo que temos no futuro. Eu não sei você, mas eu me considero extremamente sortuda por ter conseguido recuperar nossa amizade e a ideia de te perder de novo é desesperadora.

I’m not discarding you like broken glass | Não estou te descartando como vidro quebrado
There are no winners when the die is cast | Não há vencedores quando a sorte é lançada
There’s only tears when it’s the final dance | Há apenas lágrimas quando se chega à última dança
So don’t give up, it’s just young lover’s romance | Então não desista, é só romance de jovens amantes


Ele assentiu com o corpo ainda grudado ao meu e só então se afastou para me olhar nos olhos. No entanto, permaneceu pertinho dessa vez.
— Eu também. Passei tanto tempo me odiando por ter estragado o nosso relacionamento que até hoje fico surpreso quando paro para pensar no quão longe chegamos. Não quero abrir mão disso, , mas também não quero estar em um relacionamento que te faz mal, mesmo que de vez em quando faça bem. - ele disse, me deixando até um pouco chocada.
— O que exatamente você quer dizer? - eu tive que perguntar, uma vez que eu não tinha oficializado nada. Estaria ele fazendo isso? Com certeza seria uma surpresa ainda maior.

This too shall pass | Isso também deve passar
We’re right where we’re meant to be | Nós estamos exatamente onde devemos estar
There’s things I don’t ask | Tem coisas que eu não questiono
What I don’t know can’t hurt me | O que eu não sei não pode me machucar


— Que é você quem manda. O que você achar que vai ser melhor para você, eu vou aceitar sem reclamar. Você diz que não é minha culpa e talvez até não seja culpa do cara que eu sou agora, mas eu fui tão babaca lá atrás que aquela atitude tem repercutido no que estamos tentando ser hoje, então… Independente de como eu me sinto sobre isso, eu vou aceitar a sua escolha.
— Mas eu não quero escolher sozinha! Te chamei aqui para fazermos isso juntos. - eu protestei, sentindo o desespero subir e a calma ir lá para o fundo da minha mente.

We fall down like dogs playing dead | Nós caímos como cães se fingindo de mortos
But our love’s not worth playing chicken with | Mas não vale a pena pôr o nosso amor à prova


— E vamos fazer isso juntos porque eu vou apoiar a sua escolha. - ele continuou, segurando minhas mãos completamente frias e brancas nesse ponto da conversa. Imaginei que minha cara também não estivesse muito diferente. - Lembra do que eu falei antes? Sobre focar no que te faz bem? É o que eu tô fazendo. Não quero tornar isso mais difícil do que já é. Só quero que fiquemos bem, agora, daqui alguns meses ou daqui alguns anos, não importa, desde que estejamos bem e juntos de alguma forma.
— Você vai me fazer chorar. - eu disse, pulando para abraçá-lo novamente.
— Se te faz sentir melhor, eu não estou muito longe de derramar algumas lágrimas também. - ele comentou e eu ri rapidamente, grudada nele.

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Eu tinha que tomar uma decisão, então. E não deveria ser tão difícil porque não haviam tantas opções assim. Eu já sabia qual era a escolha certa, inteligente e completamente madura a se tomar. A última parte era especialmente importante depois de todas as decisões infantis e emocionais feitas naquele ano. Porém parecia impossível tomá-la.
e eu tínhamos um péssimo histórico. Nós levamos uma amizade cheia de brigas inocentes para um relacionamento tóxico, que explodiu na nossa cara. Erramos tantas vezes, de tantas formas, que realmente parecia um milagre estarmos ali juntos. Em paz. Expostos um para o outro de um jeito que poderia ter consertado muita coisa dois ou três anos atrás. Talvez, se tivéssemos feito isso lá, não teríamos que encerrar um namoro que teria tudo para dar certo. Agora, temos quase tudo e, infelizmente para nós dois, o quase fazia uma diferença gigantesca.
No entanto, ficar pensando no passado e no que poderia ser só tornava aquilo mais difícil. No momento, eu só poderia me esforçar para não cometer os mesmos erros.

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— Tudo bem, então. - eu comecei, aceitando a ideia de que aquela era a melhor opção. - Nós estamos terminando… Por um tempo. Não porque não nos amamos nem porque brigamos, mas porque acreditamos merecer o melhor um do outro e não podemos oferecer isso agora. Bom, eu não posso.
Eu não consegui continuar. Minha vontade de chorar foi maior do que qualquer outra e eu não tive outra opção a não ser ceder. Enquanto isso, me abraçou forte e continuou por mim.
— E vamos permanecer melhores amigos porque, antes de qualquer outra coisa, é isso que somos. Nesse meio tempo, você vai cuidar de si mesma e eu vou fazer o mesmo, pois estou só no meio de um grande processo. Também vamos cuidar um do outro. Sempre cuidamos. E vai ficar tudo bem, . Somos jovens, temos muito tempo e, se depender de mim, estaremos juntos, independente de como.

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Uma parte de mim estava triste. Era aquela que adorava os beijos e o toque dele. Porém havia uma outra que adorava o pelo que ele era acima de qualquer outra coisa que poderia oferecer. Essa estava particularmente orgulhosa e eu tinha certeza que ela falaria bem mais alto uma vez que eu me acostume com a ideia de que não estávamos perdendo algo, mas sim ganhando coisas ainda maiores.
Sem dúvidas, o tempo iria nos mostrar isso.

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Porém, enquanto ele não fazia o seu trabalho, e eu continuamos abraçados, assimilando uma nova realidade. Eu não tinha ideia do quanto duraria, se seria rápido ou muito devagar, sequer se ela acabaria, mas com o passar dos minutos a minha mente foi clareando. Era como se tivéssemos muita coisa em branco para preencher e iríamos fazer isso com decisões boas, inteligentes e maduras. Eu vinha dando tanta ênfase neste último aspecto porque pecamos muito nele e já havia passado da hora de fazer as coisas diferentes.
Como havia dito, um recomeço limpo. Pensando nele e em todas as possibilidades que vinham junto, eu fiquei até um pouco animada.
? - me chamou.
— Uhn? - respondi, minha voz abafada por ainda estar grudada nele.
— Seus brownies estavam ótimos, mas eu realmente gostaria de comer algo salgado. Só estava pensando que, se corrermos, ainda dá tempo de convencer minha mãe a fazer nossos pratos preferidos.
— Frango assado e purê de batata? - ele assentiu. - É uma ótima ideia!
— Você pega os brownies, eu pego o Smurf e vamos!
Foi com esse diálogo que encerramos o longo abraço e cada um correu para um canto. Smurf se assustou com a movimentação repentina, mas ficou feliz da vida quando percebeu que o destino ia além dos limites daquela casa.
— Espera. - eu falei assim que passamos pela porta da frente e franzi o cenho, encarando o desconfiada. - Você estava pensando no jantar? - questionei, inconformada.
— Com você. - ele respondeu com o sorriso mais sacana do universo.
Eu o chutei da minha casa até a dele.


Epílogo

2 semanas depois…


Eu não via a minha casinha na árvore tão cheia há algum tempo. Na verdade, se meu pai não tivesse reforçado a estrutura dois dias atrás, ela definitivamente não aguentaria tantas crianças. Agora, as madeiras velhas que contavam mais história do que qualquer outro lugar naquele bairro pareciam novas e prontas para absorver mais algumas doses de emoções.
Bonitinho, né?
Apesar disso, lá no fundo eu queria chutar aquela pirralhada toda para fora do meu templo.
, , , , April, Mina e eu formávamos uma espécie de meio círculo na grama dos meus pais, apenas observando a bagunça acontecer. A verdade é que, com exceção de April e Mina, aquele lugar era uma parte muito grande da nossa infância e estávamos passando-o para frente. Era importante que fizéssemos aquilo juntos. Posso não ser a rainha do romance, porém haviam poucas coisas mais importantes para mim do que a amizade das pessoas ao meu lado. Éramos um pouco disfuncionais, às vezes, mas havia muita história e eu estava disposta a garantir que ainda iríamos criar muitas outras delas.
Além disso, eu precisava da presença de todos ali para conhecer minha nova irmã… Temporária. Porque não, os meus pais não adotaram uma criança. No entanto, me deixaram acreditar por semanas que o plano era aquele, apesar de terem feito uma grande mudança no meio do caminho.
Ao pesquisar melhor sobre todos os processos da adoção, eles conheceram a adoção temporária e decidiram abraçar a causa. Isso significa que eles tomaram para si o cuidado de uma criança, uma vez que a família biológica não consegue oferecer um ambiente próprio para um crescimento e desenvolvimento saudável.
Abigail, de seis anos, foi recebida com todo o carinho do mundo pelas crianças da vizinhança e meus próprios amigos. Eu juro que tentei, mas, depois de um abraço desconfortável e uma conversa estranha, achei melhor poupá-la do sofrimento. Teríamos um tempo para nos entendermos melhor. Era difícil dizer quanto e isso me preocupava bastante, afinal de contas, eu sabia o quanto meus pais poderiam se apegar. No entanto, me esforcei para colocar na cabeça que eles eram os adultos ali, logo, me preocupar com aquilo não era o meu papel.
— Eu sei que eu não deveria ser mais uma pessoa ciumenta, mas… Acho que estou com ciúmes da nossa casa. - comentou e a maioria de nós assentiu, concordando.
— Se agirmos bem rápido, ainda dá para expulsar as crianças. - disse, sem indício algum de que estava apenas brincando.
— Com jeitinho, acho até que todos nós cabemos lá. - adicionou e ganhou alguns olhares incrédulos. - O que?! Não disse que ficaríamos confortáveis.
— Eu estou julgando muito vocês. - April disse, rindo. - Vocês tiveram a sua vez e já estão bem crescidinhos. É hora de seguir em frente.
Aquelas frases faziam sentido em tantos cenários diferentes que eu optei por só concordar silenciosamente, de repente estando muito consciente da presença de do meu lado. Tudo bem, a casa na árvore era um marco para a amizade de todos nós, mas ainda mais para a nossa. Era o nosso ponto de encontro, o lugar de uma série de começos e recomeços, e alguns fins... Era o nosso lugar.
Ele colocou uma de suas mãos no meu ombro, me segurando levemente, como se pudesse ler meus pensamentos e dissesse: eu sei.
— Sabe do que eu me lembrei agora? Assim, aleatoriamente? - disse e eu quis rir, ansiosa para que ela continuasse. Havíamos combinado aquilo algumas horas antes. - Você e nunca nos contaram o que tanto faziam juntos em segredo. - ela afirmou, encarando April, que provavelmente se arrependeu de ter entrado na conversa.
Ela arregalou os olhos e se virou para , buscando alguma resposta. Ele, no entanto, não pareceu tão preocupado assim.
— Querem saber mesmo? Não é nada demais. - ele perguntou e nós assentimos rapidamente. - Bom… Se lembram de quando eu li um conto da April e ela ficou bem brava? O que vocês não sabiam na época é que eu estava tendo alguns problemas em redação e manter minhas notas na média é um dos requisitos para a minha bolsa de estudos do futebol. Eu pedi ajuda. Só isso.
— Meu Deus… - eu disse, nem um pouco impressionada. - Vocês são um puta clichê.
— E dos chatos. - Mina completou. - Vou ficar com as teorias que eu criei na minha cabeça porque elas são muito melhores.
Eles deram de ombros.
— Nunca afirmamos que era algo legal. O segredo foi só para torturar vocês um pouquinho. - April disse e ambos trocaram um olhar de dever cumprido.
Por alguns minutos, só ouvimos o barulho dos gritinhos das crianças mais a frente. Estávamos assimilando a ideia de termos sido feitos de trouxas esse tempo todo. Dói um pouquinho, sabe?
Nosso silêncio parcial foi interrompido pela minha mãe, que saiu de casa já gritando.
— Crianças, venham comer! Preparei um lanchinho para todo mundo, vamos lá! - antes que ela terminasse de falar, uma penca de crianças desceram a escada da casa na árvore uma atrás da outra, como formiguinhas que acabaram de sentir o cheiro de algo doce por aí. - Crianças maiores… - ela continuou, agora falando com a gente. - Tem para vocês também.
Como formigas crescidas, daquelas capazes de fazer um belo estrago, meus amigos se levantaram rapidamente e seguiram minha mãe. ficou.
Em silêncio, nós continuamos observando a casinha novamente vazia por alguns segundos.
— Posso dizer que isso é um pouco estranho? - ele perguntou um tempinho depois, já falando de qualquer forma.
— O que?
— Estar aqui com você, mas não estar aqui com você da mesma forma que estaria algumas semanas atrás.
Apesar de termos “terminado”, vínhamos passando um bom tempo juntos. Porém, sempre com outras pessoas juntas. Porque era isso que ele fazia e que eu aprendi recentemente a fazer: nos cercar daqueles que amávamos em um momento de fragilidade. Por sorte, amávamos as mesmas pessoas.
Independente de como ou por quê, aquela ruptura não deixava de doer. No entanto, a dor não chegava nem perto daquela que sentíamos ao brigar constantemente ou terminar pela quadragésima vez. Não, esta vinha com um gostinho de esperança e excitação pelo futuro que só um término para o bem poderia dar. Definitivamente, era uma grande mudança.
— Ainda assim, você ficou. - afirmei, sorrindo.
— Porque eu sei que estamos apenas em um momento de transição. Logo estaremos perfeitamente bem, em uma situação ou em outra. Estamos nos curando, . Que adulto, ahn?
Eu ri rapidamente, me aproximando para encará-lo mais de perto.
— Você acredita nisso mesmo? - questionei. Porque ter aquilo em mente era uma coisa, agora ouvir da boca dele com certeza era especial.
assentiu, sem hesitar por um segundo sequer.
Eu sorri grande dessa vez, deitando minha cabeça em seu ombro para um abraço improvisado e fiquei ali. Também um pouco desconfortável, mas fiquei.
Eu tinha que ser honesta: o cheiro dele parecia ainda mais gostoso, assim como sua pele parecia mais quente. No entanto, para ser honesta mesmo, eu teria que admitir que tudo nele estava ainda mais convidativo. Até mesmo o tom de voz.
E, enquanto uma muito impulsiva queria simplesmente jogar toda a merda no ventilador, a racional que vinha tomando cada vez mais conta ficou quietinha, apenas aproveitando o momento e não reagindo à ele. Porque era reagindo que nós entrávamos naquele ciclo vicioso, toda santa vez.
Ainda assim, não pude deixar de suspirar rapidamente pela pequena frustração.
— O que está pensando? - perguntou.
Com uma pergunta como aquela, não mentir era muito difícil. Mas sinceridade era nosso novo lema, certo?
— Em como você está me atraindo nesse momento.
Senti o corpo dele todinho enrijecer e eu podia jurar que ele não respirava. Tive que segurar a vontade de rir.
— Eu sabia que estávamos fazendo isso do jeito errado. - ele afirmou e, dessa vez, quem ficou tensa fui eu.
— Como é?
— Precisamos de regras se queremos fazer isso funcionar, ! Número um: não fale coisas sexys. Número dois: não seja sexy! - relaxei na mesma hora, revirei os olhos e comecei a me levantar, subitamente afim daquela comida toda que minha mãe tinha feito. Provavelmente comprado. e suas malditas regras me seguiram. - Cinco: não toque em mim em um período de zero à três horas depois do meu banho porque você sabe que eu fico sensível…


Fim



Nota da autora: Vou começar dizendo aquilo que eu espero ter passado também no decorrer da história: o pp e a pp estão longe de serem o casal ideal. Na verdade, eles são muito problemáticos e, apesar de estarem se esforçando para melhorar, às vezes isso não é o suficiente para superar completamente um passado tóxico. Não em tão pouco tempo, pelo menos.
Não sei quantas de vocês sabem, mas VERSUS surgiu como uma short. A ideia era escrever sobre esse casal no futuro, depois de toda essa história. Mas eu me animei tanto com o passado que mudei de ideia e a long nasceu. Enquanto isso, a antiga short nunca mais foi escrita, porémmm eu espero um dia voltar nela para revisitar esses personagens. Não prometo, mas quem sabe, né? O meu ponto é que eu tenho esse fim em mente desde sempre e estou feliz com ele. Não é um final triste, é um final muito feliz e cheio de possibilidades para esses dois. Algumas vão aceitar tranquilamente (até porque tem uma galera que deixou de shippar os dois há um tempo), algumas vão sofrer um pouco, mas espero que todas consigam entender o quanto eles cresceram do capítulo 1 até aqui.
Agora o mais importante: preciso agradecer de todo o meu coração a todas que chegaram até aqui. Foram quatro anos nessa jornada! Perdi leitoras no meio desse longo caminho, ganhei também muitas recentemente e eu espero que VERSUS tenha tocado todas vocês de alguma forma. Provavelmente algumas de vocês têm ideias diferentes de um final ideal, eu mesma posso voltar daqui alguns meses e querer mexer em tudo, mas só ter chegado nesse Fim já me dá um certo orgulho porque (quem escreve, sabe) havia horas que eu realmente acreditava que não ia conseguir chegar nesse ponto.
Enfim! Foi difícil, foi bonito e, por ora, acabou. Obrigada por cada comentário, dos mais simples “continua” até os textões que eu AMO! Obrigada por quem acompanhou tudo pelo grupo do facebook, reagiu e comentou, por quem veio falar comigo pelo twitter, pelo ask e até mesmo pelo whatsapp. Cada palavra me fez muito feliz e esse foi o meu combustível para nunca abandonar VERSUS, mesmo depois de meses sem atualização: saber que haviam pessoas do outro lado da tela, ansiosas pelo próximo capítulo. Amo todas!
E já falei demais. Se quiserem saber por onde eu ando ou como estão as minhas histórias, é só clicar no ícone do facebook abaixo e participar do grupo. <3





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