FFOBS - One More Dream, por Gabi Heyes e Gabriela Martin

Última atualização: 10/02/2019

Prólogo


“Inverness é a maior cidade do norte da Escócia e capital das terras altas, conhecidas como Highlands, local de muitas lendas e tradições. É uma cidade pequena e tranquila, cortada pelo rio Ness. E é em uma área remota, contida no Fraser Park, que se localiza o Instituto Disciplinar Escócia Moore.”
Recitei pela centésima vez o que dizia no panfleto que meu padrasto trouxera semanas atrás, todo sorridente como se estivesse me fazendo um favor e não me sentenciando à solitária.
-Você ouviu isso, Phill? Instituto Disciplinar! Parece até uma prisão. Pode repetir para mim o que foi exatamente que eu fiz para você me trancafiar junto com o monstro do lago Ness?
Phillip bufou com minha dramaticidade. Ele fazia muito isso ultimamente. Acho que agora que minha mãe morreu, ele não precisa mais fingir que me tolera. O que mais eu deveria pensar de um homem que tão perto de um falecimento tão doloroso, manda sua filha postiça para um internato no meio da Escócia?
Duvidava que lá tivesse wi-fi ou qualquer sinal de celular. Eu basicamente seria isolada do resto do mundo, enquanto ele provavelmente fugiria para as Bahamas levando todo o dinheiro que recebera da herança que minha mãe tão solicitamente deixara. Eu faria dezoito anos em poucos meses, mas o testamento não me permitia tocar em uma moeda antes disso.
Que tipo de evento cataclísmico esperavam que acontecesse em mim de lá para cá me tornando mais responsável para receber a fortuna, eu não sei, mas tinha que trabalhar com o que me era oferecido. Não que eu ligasse tanto para o dinheiro, afinal eu era muito próxima de minha mãe. Mas a maioridade me parecia a única forma de livrar-me do Phill. Eu costumava gostar dele quando menor, talvez até o tenha considerado como o mais próximo que já tivera de um pai. Porém, depois de um tempo cheguei à decepcionante conclusão que a única missão do homem era separar minha mãe de mim.
-, eu já disse milhões de vezes. Isso não é uma punição, só sinto que está na hora de você respirar novos ares e adquirir um pouco de responsabilidade antes de receber sua herança.
-Mas eu não quero, Phill! Por que você insiste nisso?! Vou terminar a escola no Monte Carlo High, onde tem meus amigos, sinal de internet e os programas que preciso para relaxar.
-Ah, as festas, você diz? As baladas que frequenta mesmo em noites escolares?! A Valerie te mimava muito, mocinha. Não tem um pingo de seriedade ou noção de mundo real no seu corpo.
-Não critique a mim ou a forma que minha mãe escolheu me criar! – Sibilei, com a voz cortante.
-Um semestre. Só isso que eu peço. Depois, você terá o dinheiro, liberdade de mim e poderá fazer suas próprias escolhas. – Suspirou com um ar esgotado.
Assenti, cedendo a seu pedido, sem mais argumentos em minha defesa. Seis meses e nunca mais teria que olhar para suas feições que à primeira vista transmitiam gentileza, mas que em uma análise mais profunda se demonstravam mentirosas. Retirei-me para o quarto, sentindo meus olhos se encherem de lágrimas que eu me recusava a derrubar.
Se estava indo para as terras altas, ela o faria de cabeça erguida.



Capítulo Um - Instituto Disciplinar Escócia Moore (IDEM)


“My faith is shaking but I, gotta keep trying, gotta keep my head held high”


Por mais fofa que fosse minha determinação, ela não resistiu ao primeiro suspiro de Inverness. Parada na frente do Instituto, minha expressão de surpresa para o castelo a minha frente deve ter sido tão engraçada que até mesmo o rei da seriedade, Phill gargalhou. Meu padrasto fizera questão de me acompanhar até os portões de ferro do internato, provavelmente para ter certeza de que eu não escaparia ou mudaria de ideia.
Encarei com pesar os portões marcados com a sigla IDEM. E foi só nesse momento que minha ficha caiu. Seriam os seis meses mais difíceis de minha vida. Eu não fora criada como uma menina do campo. O maior contato que tinha com algo verde não-artificial, era a grama da área de treino da equitação. Não só durante minha infância, mas mesmo depois, no colegial. Alguns colégios tinham ginástica, outros natação, mas não o Monte Carlo High. Ostentar devia ser o lema de minha antiga escola, em vez de Honra, Mérito e Finesse.
Se eu não estivesse petrificada, provavelmente riria do contraste disso com minha própria situação atual. O Instituto Disciplinar Sei Lá das Quantas certamente não teria muita finesse. O lema do internato era Disciplina, Treino e Sobriedade. E garanto que se eu tivesse bebido, com certeza ficaria sóbria com a figura uniformizada se aproximando de nós, munida de uma carranca. Aquela certamente era a mulher mais assustadora que eu já vira em toda a minha vida. Eu dormiria de olhos abertos dali para frente.
Phill arrastou-me até a Senhorita Ornitorrinco, como a apelidei em minha mente, e muito a contragosto, deixei que me levassem para os pés da fachada da instituição, enquanto conversavam algo que eu estava muito distraída para prestar atenção.
-É aqui que o senhor fica, Senhor .
Arregalei os olhos, gesticulando sinais de socorro para meu padrasto por detrás da monstrenga. Como ele poderia saber que não mantinham os alunos em celas ou masmorras?
O pouco de fé que ainda tinha em Phillip se esvaiu no momento em que ele assentiu e acenou para mim, retornando ao carro e me deixando sozinha, indefesa nas mãos de quem quer que fosse o administrador daquelas instalações medievais.
- Seja bem-vinda, Senhorita . – Começou a mulher, acompanhando-me segurando uma de minhas malas, infelizmente a mais leve. - Você chegou bem a tempo do início das aulas.
Yay! Pensei, sarcasticamente. Por fora, abri um sorriso aliviado, como se eu realmente me importasse com aulas ou disciplina. Naquela altura do campeonato, minha vida é que estava em risco. Observando o grau de desenvolvimento da infraestrutura do Internato eu não ficaria surpresa se pegasse alguma doença contagiosa, já erradicada para o resto da civilização.
-Espera... Meu sobrenome não é . Esse é só o do meu padrasto, - O TRAIDOR - o meu é . – Esclareci, revirando os olhos internamente para aquela confusão, mais comum do que eu poderia admitir.
Minha mãe mudara seu nome de solteira ao casar-se com Phillip, mas eu me recusara. Nunca seria uma se meu sangue era cem por cento . Nem mesmo o sobrenome do idiota de meu pai biológico eu usava, tendo ele deixado a mim e a minha mãe na sarjeta. Mas para minha sorte e admiração, Valerie era uma heroína e uma vencedora. Pegou o pouco que nos restava e montou uma empresa que demorou a decolar, mas quando fez sucesso, este foi exponencial.
É graças a ela que eu tinha educação, um corpo saudável (fora meu fígado hiper-utilizado) e um sustento mínimo que garantia a realização do que eu sonhasse fazer com minha vida. Eu devia tudo àquela mulher, mas agora era tarde demais para tentar recompensá-la, com seu corpo estando em um caixão no Cemitério J. Hoover.
Nomeado a partir do primeiro diretor do Federal Bureau of Investigation, o aclamado FBI, esse era um dos cemitérios mais suntuosos de minha cidade. Mas os Estados Unidos nem sempre foram minha casa. Minha terra natal era a Inglaterra e havia algo sobre a Escócia que me lembrava muito dessa fase de minha vida. Cada cantinho do Reino Unido tinha suas peculiaridades, mas havia algo no ar que só servia pra reforçar o fato de que não só minha vida dera uma guinada ao nos mudarmos, como não estávamos mais no país que aprendera a amar.
- Ah, perdoe-me. – Disse Senhorita Ornitorrinco automaticamente, parando à porta do que deveria ser meu quarto.
Ela, contudo, não parecia arrependida em nada.
- Bem, aqui estão as regras, deve segui-las por inteiro, se não será penalizada. Leia tudo antes das luzes serem apagadas pontualmente 21 horas. –Continuou.
Nada abalava a Senhorita Ornitorrinco.
Espera... NOVE HORAS DA NOITE?! O que tinha na cabeça dessas pessoas? Titica?
-Você terá um armário pequeno, então mantenha suas roupas bem dobradas. Suas aulas começam amanhã de manhã. Seu horário e o uniforme, feito sob as medidas que o Senhor nos passou, estão em sua cama. –Continuou, sem nem parar para recuperar o fôlego. – E o banheiro é no final do corredor, alguma dúvida? – Piscou.
Balancei a cabeça em negativa, ainda avoada com a grandeza daquele lugar e da merda que eu havia me metido. Sua sobrancelha elevou-se, impacientemente em uma careta.
-Hmm... Não. –Repliquei limpando a garganta.
Quando fui deixada sozinha no longo corredor, inspirei fundo e abri a porta do quarto tremendo.
-Caitriona, me devolve essa escova agora! – Berrou uma menina com olhar assassino para a outra.
-Gente poderiam brigar mais baixo? Tô tentando ler isso pra amanhã. – Pediu a terceira, sem levantar o olhar de seu livro.
Somente quando fechei a porta em um baque, o trio notou minha presença confusa.
-Quarto quádruplo? Só pode estar de brincadeira comigo! –Resmunguei, caminhando até a única cama vaga.
O quarto tinha uma enorme janela que dava para um pátio e de cada canto despontava uma cama com uma cômoda diminuta e um armário com dois cabides. Agora entendi o riso de canto da orientadora. Mal daria pra caber a menor de minhas malas, imagina a outra.
O tempo que levei para reconhecer o ambiente foi o suficiente para as três meninas saírem de suas posições e se aglomerarem a minha volta com olhares curiosos.
- Novata qual o seu nome? – Perguntou a mais alta, que berrava há poucos segundos.
- Bridget, não pareça tão autoritária. – Replicou a garota, que quando entrei estava lendo Morro dos Ventos Uivantes, revirando os olhos.
- , perdoa a Bridget, é da natureza dela ser autoritária. – Brincou, a terceira enquanto penteava o cabelo.
- Ah, mas você é muito abusada mesmo, né? Já te falei pra não mexer nas minhas coisas, cara.
- É só uma escova, cresce um pouco Brit!
Antes que a dona da escova de cabelo avançasse na outra menina, resolvi me inserir na conversa. Não seria legal presenciar um assassinato no meu primeiro dia ali. Se bem que eu já estava no inferno.
- .
- O que? –Perguntaram as briguentas, voltando a virar a cabeça para mim, parecendo novamente se dar conta de que eu estava ali.
- Meu nome. – Respondi sorrindo para o olhar entediado da leitora ávida.
- Muito prazer, sou - Disse esta, estendendo-me sua mão.
Apertei-a com um meio sorriso.
- Eu sou Caitriona, mas me chamam de Cait. E aquela chatinha que vive me enchendo o saco é a Bridget. Cuidado pra não tocar em algo dela! A não ser que queira que ela arranque seu olho ou corte seu cabelo enquanto dorme. –Brincou, mas com uma expressão não tão brincalhona assim, esticando a escova de volta para sua dona.
avaliou-me enquanto as outras me enchiam de perguntas, as quais eu respondia de forma monossilábica até desistirem e irem para seus próprios cantos.
- Você não é encrenqueira que nem as outras duas não, né? – Perguntou. – Não sei se vou aguentar mais uma nesse quarto.
- Encrenca, eu? Não são duas palavras que combinam. – Menti, com uma das mãos sobre o peito, ofendida.
- Que bom. – Suspirou aliviada. – Vou te deixar desfazer suas malas. E o livro de regras não é brincadeira, acredite, é melhor ler mesmo.
- Obrigada, vou me lembrar disso. – Pisquei, virando-me para minha desculpa vergonhosa de armário.
Comecei a retirar minhas roupas essenciais cuidadosamente, minha roupa íntima, artigos de higiene e minha infinidade de sapatos, alinhando-os na lateral de minha cama. Guardei minhas malas, ainda parcialmente preenchidas e avaliei o uniforme de cima a baixo. Não era tão ruim quanto eu pensava. Uma saia plissada azul marinho, um blazer da mesma cor com a sigla IDEM bordada em dourado, uma gravata xadrez azul royal e uma meia três quartos com o mesmo padrão. Eu ainda poderia escolher minha própria blusa interna, pensei, comemorando aquela pequena vitória.
Horas mais tarde, dei meu décimo suspiro, arrancando uma risada de que pintava suas unhas. Meu sorriso já havia murchado faz tempo. O livrinho de regras da instituição se revelou bem detalhado e excruciante.
- Olha só a regra número dez! – Exclamei, contrariada. – Não será permitido circular pela ala masculina, com exceção dos espaços mistos ou quando acompanhado por um inspetor.
- Você fala como se eu já não soubesse. – Bufou a mulher, revirando os olhos, mas parecendo ela mesma achar uma regra bem estúpida.
- E essa número trinta e cinco! Quando for ao banheiro durante a noite, lembre-se de levar sua lanterna e passar o seu cartão para registrar sua ida.
- Malditos controladores não são? – Reclamou Cait enquanto devorava a sobremesa que trouxera do jantar.
Eu me recusara a me apresentar ao resto do corpo estudantil no estado deplorável que estava, então aproveitei o vazio do dormitório para tomar um banho merecido. Desde que elas haviam retornado, eu começara a ler as regras do manual, algumas das piores em voz alta.
- Lê a cinquenta e três! Essa é hilária. – Sugeriu Bridget enquanto esticava seus pés para cima na posição Viparita Karani em seu tapetinho de yoga.
Passei as páginas até encontrar a tal regra. Meus olhos pareceram sair das órbitas de tanto que os arregalei incrédula.
- Como assim, não podemos sair daqui sem autorização da diretora? Nem no fim de semana? Não podem prender a gente dessa forma! – Exclamei em desespero. – Ou podem? – Questionei temerosa levantando de onde estava jogada em meu colchão para ajoelhar-me aos pés da cama de .
- Bem, eles podem. Seus pais autorizaram. – Deu de ombros.
Minha expressão passou como um raio do desespero a tristeza. Meus pais não autorizaram coisa nenhuma porque pela primeira vez na vida eu não só não tinha um pai, mas também não tinha mais mãe.
- Er... Acho que vou dormir. Teremos um looongo dia amanhã. – Murmurei, virando-me para esconder meus olhos úmidos.
Já havia chorado durante o banho, então tentei engolir minhas lágrimas para não ter uma maldita de uma dor de cabeça que me impedisse de dormir. Mas foi em vão. Não consegui dormir mesmo. Desde o momento que deitei em minha cama, virada para a parede, era como se tudo o que pudesse pensar fossem lembranças de minha mãe.


Flashback On
Equitação era algo muito importante para Valerie . Quando pequena, a mulher morara nos campos da doce Inglaterra, onde eu nascera, então estava acostumada a todo tipo de animal e a cuidar de cavalos. Era por esse motivo que assim que eu atingi uma idade suficiente após nossa mudança para os Estados Unidos, minha mãe decidiu compartilhar sua maior paixão comigo.
Eu não saberia descrever minha emoção neste dia. Vallie sempre fora minha heroína e aprender algo que ela era excelente era uma forma de aproximar-me de sua grandeza. Sempre me preocupava em estar no caminho certo para ter sucesso como ela.
Minha animação, porém, durou até minha primeira queda de minha égua Ollie.
Nunca me sentira tão decepcionada comigo mesma. Era como se eu não merecesse o nome se não fosse para ter o mesmo dom que minha família. Afinal, isso vinha no sangue, não era?
- Querida, você está bem? – Perguntou mamãe, preocupada.
- Eu não sou como você! – Berrei, limpando o canto de meus olhos com os ombros.
- Olha pra mim . – Suspirou, gentilmente, estendendo a mão para me levantar e ficando ao nível de meus olhos.
Forcei-me a olhar para a mulher que tanto admirava.
- Desculpa por te decepcionar mamãe. – Disse soluçando cobrindo meus olhos com as mãos.
- Querida, você nunca me decepcionaria. Eu não nasci sabendo montar, foi um trabalho de anos de treino, suor e construção de confiança.
- Verdade? – Perguntei, separando os dedinhos para verificar sua expressão.
- Sim. Além disso, essa foi sua primeira lição. Você caiu lindamente, devo dizer! Protegeu-se bem, girando para longe da Ollie.
Essa frase foi o que bastou para eu abrir meu sorriso mais brilhante de orgulho.
- Mamãe, quero tentar de novo! – Repliquei pulando animada, logo esquecendo o susto da queda.
- Essa é minha menina. – Falou, com orgulho, fazendo um sinal para o instrutor. – Agora vou te deixar em mãos mais capazes. Absorva tudo o que ele diz, Phillip é de confiança, querida. Um antigo amigo da família.

Flashback Off


Na época eu não percebera os sorrisos, o flerte e olhares furtivos trocados por Vallie e Phill. Mas olhando para trás, estava bem óbvio que ele acabaria por roubar o coração dela. Talvez fosse egoísmo, mas eu só queria minha mãe todinha para mim. Dividi-la com mais alguém seria muito doloroso, tendo em vista seu emprego exigente e o duplo papel que tinha em minha vida. Tanto de mãe, quanto de pai.


Capítulo Dois - Regra Número Cento e Quarenta e Cinco


“Every step I'm taking. Every move I make feels. Lost with no direction”


No fim das contas o sinal de celular não era tão ruim quanto eu pensava. Cortesia do chip especial que comprei escondido de Phill, da melhor operadora telefônica da área. Meu 4G não só estava funcionando, como voando, constatei enquanto me preparava para meu segundo dia no inferno. Tomar banho no banheiro compartilhado não parecia que seria um empecilho tão grande. As cabines eram devidamente separadas, e se você chegasse cedo o suficiente, poderia aproveitar a água quente. Sorte a minha que minhas companheiras de quarto resolveram me acordar para isso. Quando estávamos saindo da sala de banhos, presenciei a cena hilária, de uma novata como eu, que chegara tarde demais recebendo o jato de agua fria inadvertidamente. Posso ter gargalhado com as outras meninas, mas estremeci internamente agradecendo a deusa Ísis que não tenha sido eu.
Acabei optando por uma blusa social branca lisa de mangas compridas, como o clima não estava dos mais quentes naquela manhã. Vesti o uniforme rapidamente, calcei minhas botinas pretas de cano alto, penteei meu cabelo e passei um batom, virando com a mochila que preparara na noite anterior pendendo de um ombro. Assustei-me com o encarar das demais meninas em seus próprios uniformes iguais ao meu. Porém, enquanto o meu cabia perfeitamente, uma cortesia do tio Phill pelo visto, o delas ou sobrava ou parecia curto e apertado.
- Uau! Arrasou, ! –Afirmou Bridget balançando a cabeça em aprovação.
- Obrigada. – Respondi, encabulada.
- Por que a vergonha? – Perguntou Cait, com uma expressão confusa que combinava com a de sua prima, parentesco esse que eu descobrira no dia anterior.
Estava explicado por que brigavam tanto. Estava tudo em seus sangues quentes descendentes de latinos. Confesso que era algo muito divertido e bonito de se ver.
- Bem... – Pensei, buscando um motivo verdadeiro em minha mente. – De onde venho, se recebemos um elogio, é o que simplesmente acontece. – Dei de ombros.
- Que lugar estranho deve ser. Aqui nas Terras altas o que fazemos é diferente.
- O que? – Indaguei com os olhos brilhando de curiosidade.
- Brilhamos ainda mais, é claro! Se elogiarem o seu sorriso, por exemplo, você sorrirá com muito mais gosto e amplitude.
- E por que eu faria isso? – Perguntei, ainda perdida.
- Pois é um elogio sincero. Não um objeto de inveja, como se devesse ter vergonha de estar sendo admirada.
Refleti sobre seu modo diferente de pensar enquanto nos guiava até o Salão Allighieri, onde tomaríamos o café da manhã. Minha barriga roncava com a péssima decisão de não haver jantado na noite anterior. Quando nos aproximamos das grandes portas abertas do enorme recinto, reduziu o passo e sussurrou em meu ouvido: Prepare-se.
Por mais que tenha sido avisada, não pude evitar abrir a boca em surpresa. Meus olhos brilharam e tentei conter minha empolgação quando entramos no que parecia a sala de jantar de Harry Potter! Alguém me belisca, EU TÔ EM HOGWARTS! Berrei internamente, tentando manter a fachada de indiferença externa. Eu podia ser novata, mas não ia ficar dando pinta, né?
Toda escola, trabalho ou instituição tem seu tubarão e ele tem o faro aguçado para carne fresca no pedaço. A menina do banho gelado de mais cedo foi a prova. A coitada parecia a versão feminina do azarado do Neville Longbottom. Logo foi abordada por um grupinho de engomadinhos que achavam que eram donos do lugar. Pra variar... Revirei os olhos e tomei a decisão mais idiota que poderia naquela situação.
Caminhei diretamente até o grupo e passei um braço em volta da novata sorrindo.
-Ah, aqui está você! Vamos logo! A tá morta de fome e não vai aguentar esperar nem mais um segundo. –Revirei os olhos teatralmente.
-Quem é você? – Questionou a engomadinha que parecia a abelha-rainha.
Virei-me para ela como se tivesse me assustado, com a mão no peito
- Nossa, não tinha visto vocês aí - vadia - Que bondade - maldade - De vocês quererem mostrar a escola - fazer bullying - Para a novata!
- Mas te asseguro de que não precisa não, estamos muito bem acompanhadas. – Repliquei, arrastando minha protegida para onde minhas companheiras de quarto estavam sentadas assistindo a cena com expressões admiradas.
- Obrigada por ter me tirado de lá. – Suspirou minha nova colega.
- Por nada, também sou nova. Qual é seu nome?
- Coraline. Mas me chamam de Cora.
-Muito prazer, eu me chamo , ou , como preferir. A altona ali se chama Bridget, a esfomeada a seu lado é a prima dela, Caitriona...
-E eu sou a . –Sorriu a última mulher, levantando-se e dando o braço para mim. –Vamos nos servir antes que acabe o horário, ! –Falou, se encaminhando comigo até a mesa não tão variada, mas cheia de pães de aparência deliciosa e outros itens que compunham clássico café da manhã continental.
Foi só após nos servirmos que ela comentou baixinho:
- É encrenqueira mesmo não é, sua mentirosa? Mas relaxa, achei muito legal o que fez pela Cora.
- Me meti numa fria com aqueles engomadinhos, não foi? –Suspirei, trocando minha bandeja de mão.
- Sim... Pelo menos você têm a nós. – Parou-me com seriedade em sua face. - Só tome mais cuidado, . Aquela garota que está te encarando como se você fizesse parte do cardápio é filha de um dos benfeitores que mantém esse lugar funcionando. Uma palavra dela e você pode sofrer alguma sanção.
Desviei imediatamente o olhar da menina e escondi meu nervosismo, voltando a andar pelo salão como se eu pertencesse ali. Posso tê-la convencido o suficiente que não estava intimidada para a menina tirar seu foco de mim, mas não. Tudo o que eu queria era só minha casa, minha cama e minha maldita escola! Nunca pensei que fosse pensar isso. Posso não ser das mais estudiosas, mas tendo a me sair bem quando se tratam de notas. É na disciplina que acabo pecando mais, chegando a ter sido quase expulsa milhares de vezes.
Étienne Saint James, o boy que eu tinha um rolo achava isso uma graça em mim. Meu padrasto e anteriormente meu pai por outro lado... Meu comportamento sempre foi objeto de discussão entre ele e a mamãe, chegando a separá-los certa vez. Ei, talvez tenha sido por esse motivo que ele se cansou de mim. E logo no momento em que tanto precisava dele... Com quatorze anos eu pedira, implorara a mamãe que me ajudasse a encontrar meu pai. Não sei muito bem o que queria dele. E o que quer que seja nunca cheguei a descobrir. Quando ela finalmente concordara, um ano depois, me levara à Tucson onde ele agora morava com sua nova família. Eu pegara um taxi até sua casa, já que Valerie quis respeitar meu momento privado com essa parte de sua vida que ela considerava como extinta.
No final, não tive coragem de atravessar o gramado e bater em sua porta. Como poderia após perceber a pequena bicicleta na entrada? Aquele homem podia não ter querido cuidar de mim, mas ele se tornara o pai de alguém. Nunca conseguiria fazer qualquer coisa que pudesse perturbar sua nova vida. Não em respeito a ele, mas em nome de sua nova esposa, que provavelmente não tinha ideia do tipo de pessoa que ele já fora, e de seu filho. Meu meio- irmão que nunca saberia de minha existência. Foi assim que retornei ao veículo que me aguardava do outro lado da rua e nunca mais olhei para trás.


Sempre tive problemas de disciplina. Agora ter sido mandada para a diretoria em meu primeiro dia oficial devia ser um recorde. Na infância repetiam para minha mãe que era por causa de meu pai, ou pela grande mudança que fizemos quando eu tinha quatro anos. Mas por mais que cada teoria disseminada tivesse um fundo de verdade, eu sabia que era só a forma como eu era. Por mais que a sociedade se recusasse a acreditar, tinha gente que simplesmente não era feita para o modelo tradicional de ensino. Mas também isso era só parte da história. Justamente por não encaixar nesse modelo rígido e conservador que eu acabei me aproximando de pessoas ainda mais desajustadas que eu. Meus amigos não eram exatamente más influências. Mas boas com certeza não. As coisas que já aprontamos sob a desculpa ou o orgulho de estar burlando o sistema...
- Senhorita , pode entrar. – Disse o secretário, bocejando enquanto jogava Paciência Spider em seu computador jurássico.
- É Senhorita . – Corrigi, entrando na sala da comandante do internato.
Desnecessário dizer que fui ignorada.


- Seja o que for, não fui eu! – Resmunguei, com um tom divertido ao me aproximar da mesa da diretora.
Seus olhos se ergueram analisando-me. Surpreendi-me com sua aparência jovial, e beleza distinta. O que alguém fazia para acabar gerenciando aquele inferno de instituição retrógrada? Ah, claro! Pensei, lembrando-me da série Lucifer. Assim como o próprio Luci ela devia ter discordado do pai e ele sentenciou que viesse para cá. Não era possível que fizesse isso voluntariamente!
- Sente-se.
Sentei, e permaneci quieta, não querendo piorar ainda mais minha situação.
- A senhorita sabe por que foi mandada para cá?
- Sinceramente, não. – Respondi.
- Devo dizer que isso é inédito. Em meus dez anos como diretora desta instituição, nunca vi nenhum aluno ou aluna ser mandado tão cedo para meu escritório. Não sei com o que está acostumada, mas certamente esse comportamento não será tolerado aqui. – Inclinou-se ameaçadoramente, depositando seus dedos entrelaçados na mesa de mogno envernizado.
Abri a boca para responder-lhe, mas não fui rápida o suficiente.
- Ainda não terminei! Não acredito que tenha que estar explicando isso, depois de já ter lhe sido entregue o regulamento da Instituição, mas você quebrou a regra que considero uma das basilares para este internato.
- Qual? – Indaguei sem conter minha curiosidade.
- A regra cento e quarenta e cinco, é claro! Não leu nosso guia? Não pode usar celular fora do quarto, nem após o apagar das luzes. E a senhorita estava usando na sala de aula! Essa conduta é inadmissível até mesmo em sua antiga escola. Sabe quantas garotas desejariam estar em seu lugar?
Nesse momento, nenhuma. Revirei os olhos internamente.
-Somos uma Instituição que preza pela máxima educação, então sua insubordinação não poderá ser deixada impune.
- O que quer dizer? – Arregalei os olhos temerosa.
- Recebi seu histórico escolar e apesar dos problemas disciplinares sérios, vejo que suas notas são no mínimo surpreendentes. Então, conversei com o conselho e decidimos em conjunto que já que está tão inclinada a relacionar-se com o mundo de fora de nossos muros, um pouco de contato com o que está aqui dentro lhe faria bem. Diga-me, o qual sua matéria preferida?
- Pra que... – Comecei, encolhendo sob seu encarar. -Biologia
-Hmm... – Falou, vasculhando algumas folhas em sua mesa. – Perfeito! – Completou resgatando uma e entregando-me. – Este aqui é nosso aluno mais novo, transferido de uma das escolas locais.
Examinei a folha de papel com o nome em negrito na parte superior, uma foto três por quatro e alguns dados escolares.
-Como pode ver, o Senhor não teve uma boa base de Biologia. Nessa ficha estão contidas...
Eu não podia mais ouvir as palavras da diretora Dunbar. Fui hipnotizada pelos olhos verdes do garoto da foto. Seu cabelo tinha um tom ruivo quase escarlate e suas feições eram simpáticas. Uma testa quadrada e nariz comprido completavam o mosaico de seu rosto. Olhando para a imagem de tive certeza de que ele era descendente direto de escoceses.
- Tudo bem. – Interrompi.
- Como? –Questionou com a sobrancelha erguida.
- Eu aceito dar essas tutorias, ou o que quer que isso seja.
- Não estava oferec...
- Mas, quero algo em troca. – Continuei ignorando seu olhar abismado. – Gostaria de ter a liberdade de poder ir até a cidade mais próxima ao menos durante os fins de semana.
- E por que eu permitiria isso?
- Por que me parece que a Senhora está enrolada. Que este aluno é especial por algum motivo e é importante que eu o ajude. Talvez seja um filho de algum beneficiário ou algo assim. Não importa. Mas “de onde venho” se você quer alguma coisa, deve oferecer algo em troca e o que estou pedindo não é de forma alguma algo absurdo.
Os lábios da mulher se torceram divertidamente, para minha surpresa e pânico.
- Tudo bem. – Concedeu, me fazendo estranhar a facilidade com que lhe convencera. – A senhorita poderá ir e vir como quiser durante o final de semana… Se arrumar algum veículo que a leve E obedecer ao toque de recolher, é claro.
- É isso então senhorita .
- Meu sobrenome não é... –Comecei suspirando. - Esquece. Parece que temos um trato então diretora Dunbar. – Repliquei, teimosa recusando-me a esmorecer diante de um desafio.
“Uma não desiste” dizia minha mãe repetidamente para mim. E quando eu achava que tudo estava perdido, ainda sim encontrava uma resposta para meus problemas. E então Valerie completava: “Eu te disse, uma sempre encontra uma solução.”
Espero que esteja certa dessa vez também mamãe. Pensei, em uma prece silenciosa a qualquer deus que estivesse me ouvindo. Agora que Vallie não estava mais aqui para me lembrar disso, eu mesma teria que me cuidar.



Capítulo Três - “Taing mhór, Sassenach!”


“The struggles I'm facing, the chances I'm taking, sometimes might knock me down but no, I'm not breaking”


Quando acordei naquele dia, o sol parecia brilhar mais forte, o céu estar mais azul e a grama da aula de equitação ainda mais bem cortada. Sim, para minha surpresa a Instituto Disciplinar Escócia Moore não era uma completa perdição. No lugar de aulas de ginástica aproveitavam os campos ao redor para quem quisesse participar dos treinos de equitação. Minha semana até que fora satisfatória considerando tudo. Comecei a construir uma amizade com minhas companheiras de quarto e aprendera as lições do manual de sobrevivência do IDEM. Meus professores não sabiam se me odiavam por ficar distraída na aula ou me amavam por meus insights de quando estava realmente prestando atenção. De qualquer maneira eu até que me saíra bem para uma novata.
Eu passara a semana sem outros encontros com a diretora a não ser por um incidente em que meu almoço acabara todo no cabelo de Sabrina Hastings. Ela era a nojentinha que eu tivera o desprazer de conhecer no primeiro dia. Digamos que talvez as circunstâncias não tenham sido tão acidentais assim. Não que a diretora Dunbar não tenha acreditado em minhas desculpas esfarrapadas. Bem... A menos que ela tenha fingido, o que não me surpreenderia nem um pouco.
Eu mentia para mim mesma que toda a animação era por poder sair da IDEM pela primeira vez durante o fim de semana. Não que eu não estivesse muito ansiosa para quebrar os grilhões que me mantinham naquele internato, mas internamente eu não conseguia me enganar. Era inegável que grande parte de meu bom humor se devia à chegada do dia em que eu daria a primeira monitoria para .


- Enquanto estiver na ala masculina terá que ter acompanhamento de algum inspetor. Você e seu aluno ficarão em uma das salas de estudo dentro da biblioteca. Lá terão mais sossego para o aprendizado. Eu estarei esperando no sofá do segundo andar lendo algum livro. Qualquer coisa, se precisar de algum material, pausar para uma ida ao banheiro ou à cantina, só me chamar. –Sorriu a jovem inspetora mostrando seus dentes brancos desalinhados.
- Tudo bem. – Respondi, distraída com os olhares que recebia dos garotos pelos quais eu passava no percurso até a dita biblioteca.
Pelo que eu percebera, não era comum o que me fora oferecido. me dissera que isso era considerado um extremo privilégio por ali. Eu não conseguia entender o porquê da diretora ter me apresentado como uma punição. Muito menos o que eu tinha feito para merecer uma regalia daquelas. Já a ida para a vila próxima da IDEM era outro assunto. Eu soubera que havia uma ida oficial no ônibus da escola uma vez por mês, e esporadicamente algum aluno conseguia uma permissão para sair. Os pedidos eram aceitos até que com certa frequência já que muitos alunos tinham famílias por perto.
Eu não poderia usar o ônibus, eu checara. Não conseguira convencer a motorista a me conceder aquele “tratamento especial” como ela mesma dissera. Após esse beco sem saída tive uma realização. Consultei com minha instrutora da Equitação, uma das únicas professoras com quem eu realmente me conectara e esta permitira que eu levasse Erebus até a cidade. Ou melhor, que ele me levasse. O garanhão e eu parecíamos ter alguma ligação forte, algo que eu nunca sentira com nenhum outro cavalo a não ser minha égua Ollie.
- Já sabe então, querida! Qualquer coisa...
- Só chamar. Entendi. –Sorri simpaticamente, ajeitando minha mochila no ombro e entrando na sala privada.
Ali estava ele. Olhando pela janela de vidro para os campos que margeavam a instituição. Sorri ao perceber que ele tinha um bloco de desenho e um carvão em sua mão. De onde eu parara próxima à porta, não conseguia enxergar o que estava desenhando, mas seu carvão dançava pelo papel com a maestria de um profissional.
Para chamar sua atenção joguei minha mochila na mesa, com um baque relativamente alto. O menino, porém, continuou desenhando sentado no sofá virado diagonalmente para ter a melhor visão possível do exterior da sala. Comecei a sentir um nervosismo me abatendo como só ocorrera em poucas ocasiões de minha pequena existência. Uma delas fora no parto de minha amiga da Monte Carlo High, a Molly. Pode imaginar o nível de estresse envolvido.
Mas ali, era como se a presença do garoto retirasse cada pingo de inteligência que eu tinha, tornando impossível que emitisse qualquer palavra. O que eu dizia? Um oi seria muito simples? Um boa tarde seria formal demais? Como ele agiria se eu dissesse o que realmente estou pensando?
Oi-garoto-dos-olhos-mais-lindos-que-eu-já-vi-o-que-posso-fazer-pra-chamar-sua-atenção-droga?!
- Er... Cheguei?!- Entoei de forma retardada.
Um oi teria sido melhor. Revirei os olhos, pensando. Mas agora já foi.
Aguardei que o menino esboçasse alguma reação de reconhecimento, mas nada. Comecei a ficar irritada. Sou muito irritável, poxa. Não sou conhecida pela minha eterna paciência. Deixei isso tudo pra Gandhi e fiquei com a impulsividade e o pavio curto mesmo.
- Olha... Eu também não queria exatamente estar aqui. –Repliquei coçando meu cotovelo.
Silêncio.
- É isso? Vai me ignorar? –Perguntei a cada segundo mais irritada. Contornei o sofá e parei a sua frente. O abusado me olhou como se não tivesse completamente ignorado minha existência nos últimos dez minutos. Levantou-se e abraçou lateralmente a uma muito atordoada, devo dizer. Pegou seu material e sentou-se à mesa aguardando. Como eu não era de engolir sapo, tive que me pronunciar por aquele absurdo.
- Olha, você não pode me ignorar assim e depois esperar que eu deixe passar sua falta de educação! – Exclamei com os braços na cintura.
Notei que seus olhos estavam grudados em meus lábios e senti meu corpo aquecendo diante da possibilidade que aquilo representava.
- Tha mi duilich, Sassenach!- Murmurou, um pouco baixo demais.
Se eu já estava confusa, fiquei mais ainda. Mas demorei a perguntar que merda ele quisera dizer com aquela merda que ele dissera.
Não, estava distraída demais tentando me recuperar do efeito de sua voz entoando aquela língua estranha que alguma parte sã em meu ser me disse que devia ser escocesa. Mesmo baixo, tinha algo em seu tom que parecia diferente do comum, como um sotaque muito charmoso.
- O que? – Perguntei uns momentos depois.
- Ah, desculpe, achei que conhecesse o gaélico. Força do hábito. Os alunos daqui costumam falar, mesmo os ingleses. Até aderem às lendas e aos mitos locais!
- Oh, pensei que fosse Scots... Pera, como sabe que sou Inglesa?
O pescoço do menino ficou vermelho e ele ignorou minha pergunta.
- Erro comum esse. Scots é mais falado nas terras baixas, é uma variante germânica. Mas o Gaélico é muito comum aqui nas terras altas. E o que eu tinha dito era “Desculpa, senhorita inglesa”
- Ah bem... Por que você tinha me ignorado e agora está sendo tão simpático?
- O mo chreach! Céus! Pensei que soubesse, eu sou surdo.


Constrangimentos são algo corriqueiro em minha vida, infelizmente. Mas acho que nunca me senti tão idiota em toda a minha vida. Eu estava morrendo de vontade de perguntar a onde era o penhasco mais próximo para eu me jogar de lá, mas fiz meu papel de adulta e inspirei fundo com a cara mais vermelha que tomate.


- Nossa, me desculpa, a Diretora Dunbar realmente não me contou. – Falei, dando uma risada histérica e colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha.
- Não tem problemas realmente. Eu consigo ler os lábios, meu pai nunca foi muito de aprender a língua dos sinais, então foi bem útil.
- Bem, eu gostaria muito de saber... Eu já aprendi algo no colegial, mas confesso que esqueci e os sinais tendem a mudar de um lugar para outro, não é.
- Sim... Olha, se tiver interesse eu posso te ensinar alguns.
- Eu amaria aprender! Podemos fazer esse trato. Eu te passo tudo o que sei de biologia e você me deixa afiada nos sinais.
Ele acenou para mim simpaticamente, mas eu percebi que era possível que não houvesse entendido algo que eu disse, já que quando eu ficava nervosa tendia a desatar a falar. Eu realmente preciso me acalmar... Pensei, enquanto pegava o lugar a seu lado e abria meu livro na parte de embriologia.
- A nidação se inicia pelo polo embrionário, região onde fica o embrioblasto. Podemos chama-lo também de massa celular interna que para todos os efeitos na hora de estudar sempre acaba sendo abreviada a M.C.I. Enfim, daí o trofoblasto logo se diferencia em duas... – Fui explicando, tentando não virar muito minha cabeça para baixo e pausando quando pedisse para que ele visse alguma imagem no livro.
E era nesses momentos que eu mostrava algo no caderno ou pedia para ele desenhar algum esquema, que eu me perdia nele por inteiro. Era um homem muito bonito. Tinha sim características marcantes, mas não se encaixava por completo em nenhum padrão. Havia algo sobre sua assimetria que o tornava ainda mais intrigante. E seus pequenos hábitos me deixavam sedenta por mais contato com . Como quando sempre que sorria, seu lábio costumava se repuxar mais do lado direito formando uma covinha característica. A forma como absorvia rapidamente todo o conteúdo, com expressões surpresas adoráveis ao acertar alguma questão ou seu semblante pensativo, mordendo a ponta de seu lápis. E por fim a travessia de sua língua rapidamente pelo lábio superior, antes que fosse fazer algum ponto pertinente.
Quando dei por mim nosso horário já havia acabado, na verdade o tempo havia sido bem ultrapassado, mas tacitamente fingimos não perceber tal fato. Durante nossa aula ele me ensinara dois sinais. Um deles eu estendia dois dedos e fazia um movimento de vai e vem simbolizado a expressão “de novo”. Já o outro era bem auto-explicativo em que se abria as mãos como se fossem um livro, significando exatamente isso.
- Taing mhór!- Exclamou, enquanto saíamos da sala.
Dessa vez eu nem precisei perguntar o significado, minha cara de interrogação fez o truque.
- Obrigada, Sassenach. – Respondeu sorrindo à minha questão não entoada.
Beijou minha bochecha e saiu andando tranquilamente com sua própria mochila preta gasta pendurada nos ombros.



Capítulo Quatro - Pub


“There's always gonna be another mountain I'm always gonna wanna make it move, always gonna be an uphill battle, sometimes I'm gonna have to lose”

Whit’s For Ye Will No’ Go By Ye é uma expressão escocesa que significa o que tiver que acontecer vai acontecer. Durante minha primeira semana na IDEM já ouvira ela sendo entoada diversas vezes pelos corredores. Mas a cada vez que presenciei tal coisa pode ter certeza de que meus olhos se reviravam diante de um ponto de vista tão absurdo.
Nunca fui tão adepta do fatalismo, na verdade, para mim as ações e as escolhas tem um poder enorme. As ideias de destino, sina, sorte e azar eram todas uma grande invenção de quem não percebe um fato muito curioso: a dimensão das consequências causadas por suas atitudes. Isso tudo não passava de um Efeito Borboleta, em que uma decisão mínima em princípio vista como insignificante tomada de forma plenamente espontânea, pode gerar uma transformação inesperada num futuro incerto. Podia não entender ao certo todas as implicações físicas desse fenômeno ligado à Teoria Caos, mas acreditava piamente que ela podia quebrar de vez o mito do Destino e da Ordem Natural das Coisas. Se a natureza era tão complexa, imagina o ser humano.
O problema era que o homem queria se sentir seguro. Até de si mesmo. Imagina se ele se desse conta de que no futuro existe uma grande interrogação? Será que ainda desmataríamos nosso planeta? Será que pararíamos de brincar com ogivas capazes de apagar por completo nossa espécie do universo? Começaríamos a nos preocupar mais em refletir sobre nossas atitudes em vez de criar remédios para seus efeitos?
Por mais que pareça que esses questionamentos existenciais trazem um peso exagerado sob os ombros de uma adolescente, quando encarava todas essas verdades, ao menos sob minha concepção, eu me sentia mais elevada. E enquanto alguns caminhavam para pensar sobre a vida e seus próprios problemas, eu cavalgava.
Acariciei a crina de Erebus enquanto o animal avançava pela estrada de terra em direção à cidade. Eu imaginava que a Diretora Dunbar torceria os lábios, desgostosa, com meu êxito em conseguir um “transporte”, mas tudo o que fez foi piscar em surpresa, acenar para mim e para a Instrutora Pattie enquanto selávamos Erebus, e continuar caminhando pelo pátio conversando com o Senhor Wright da aula de literatura escocesa e inglesa.
Observei a Colina Lays, ou o que eu esperava que fosse o tal monte desenhado de qualquer forma no guardanapo que eu pegara do jantar. O confuso mapa fora esboçado por mim com o auxílio do Google Maps na noite anterior, após desligar da esquisita chamada com meu padrasto. Mas fora o combinado de toda sexta a noite.
Como se eu não tivesse nada melhor pra fazer do que ligar para o Phill…
Eu odiava admitir, mas ouvir uma voz familiar no meio de tudo o que eu estava tentando me adaptar fora extremamente reconfortante. Mesmo que a conversa não tenha rendido muito mais do que:


falando.” Eu dissera virando as páginas de minha revista Vogue.
, é o Phillip.” Revirei os olhos com a voz áspera do maudrasto. Phill nunca aceitara usar meu apelido, não sei se ele tinha noção do quanto isso era irritante.
“Ah, oi. Tudo bem?”
“Sim. E aí?”
“Tudo… Péssimo, sabia que nos trancam no quarto para não ter ninguém fugindo durante a noite? E tenho quase certeza de que a comida daqui é uma ração geneticamente modificada para que viremos robôs sem imaginação. Eu sabia que me mandaria para uma prisão, mas logo uma de segurança máxima foi maldade!” Dramatizei, cobrindo o microfone quando as meninas começaram a rir.
“Boa noite , comporte-se.” Suspirou ele desligando a chamada NA MINHA CARA!



Soltei a respiração em alívio assim que circundamos o Monte Hushmore, ao lado da elevação que graças a Ísis realmente era a Colina Lay, e encontramos uma cidadezinha mais charmosa do que eu poderia esperar. Desci de Erebus, o prendi em uma árvore e ofereci-lhe uma maçã acariciando sua cabeça.
- Bom garoto. – Murmurei, deixando o alazão pastar.


As vitrines encantadoras das pequenas lojas me faziam recordar muito de minha viagem à Itália. Entrei em algumas para ver um pouco do artesanato local, mas praguejei a cada destilaria que passei. Não ter idade para beber whisky e estar em um dos maiores locais produtores da bebida era no mínimo frustrante. Meu único consolo foi quando entrei em um restaurante para almoçar e encontrei , comendo um hambúrguer artesanal e surpresa: lendo um livro novo. Dessa vez a capa era de Razão e Sensibilidade da Jane Austen. Lia tão atentamente que demorou a notar minha presença sentada a sua frente, lhe encarando.
- Que susto, ! Tenha piedade do meu coração.
- Por que não disse que vinha bobona?
- Eu não tinha certeza, você parecia tão determinada... – Deu de ombros. – Não quis atrapalhar seus planos, então pedi para o ônibus da escola me trazer.
- Ué, mas e aquela baboseira de “tratamento especial”?! Isso é um absur... Espera, o que está bebendo? –Perguntei trazendo o copo até meu nariz. –Tem álcool aqui? Isso é cerveja?
-Sim, aqui na Escócia você pode tomar. Nem todas as bebidas são proibidas para menores; - Abriu um sorriso de canto.
Sorri como há muito não sorria e exclamei:
- , então pode mandar descer uma que estou sedenta. Um hambúrguer desse aí também cairia bem!
- E eu sou garçonete por acaso? Vá pedir você! O bar é ali. – Disse apontando para o canto próximo à cozinha.
Deixei minha bolsa no banco e saltitei até a bancada com as bebidas.
- Uma cerveja, por favor. – Pedi ao homem de costas preparando uma bebida esquisita com rum.
Essas pessoas realmente gostavam de álcool para estarem bebendo assim a essa hora da tarde. Uma risada a meu lado me assustou, chamando minha atenção para uma senhora comendo amendoim, sentada na banqueta.
- Ah, querida. Ele não vai te ouvir! – Exclamou apontando para um botão.
- É pra clicar aqui? – Perguntei, o fazendo com o aceno positivo da mais velha.
De repente luzes de dentro do armário de bebidas piscaram, chamando a atenção do ruivo que se voltou para mim limpando sua mão em um pano de prato e jogando-o no ombro. Ao me reconhecer, ninguém mais do que abriu um enorme sorriso surpreso.
- Sassenach! Não esperava te ver aqui.
- , você trabalha aqui?
Dissemos ao mesmo tempo.
- Ah, eu fiz um trato com a diretora.
Ele assentiu.
- Pode repetir sua pergunta? Eu não estava prestando atenção. – Disse, coçando sua nuca.
- Ah, claro. Desculpe. – Disse vendo-o franzir a testa. -Eu perguntei se trabalha aqui, mas é um pouco óbvio. – Dei de ombros.
- Sim, eu ajudo meu pai, ele é dono desse bar. – Deu de ombros. – Mas diga, qual o seu veneno?
- Cerveja, por favor. – Pedi, ainda incrédula com a possibilidade de beber assim em público.
- Ah, claro. É pra já senhorita. – Piscou virando-se para servir-me um copo e terminar a bebida em que trabalhava.
- Aqui dona Partchkins. – Entregou o líquido azul para a senhora.
- Obrigada querido. Só você sabe fazer do jeito que eu gosto. Sabia que seu pai conseguiu estragar isso da última vez? Minha bebida preferida! Você tem o dom de sua mãe jovenzinho!
O garoto corou vários tons de vermelho e caminhou a meu lado até onde ainda lia seu livro, já tendo terminado sua refeição.
- Aqui está, sua comida não deve demorar muito. – Falou torcendo os lábios em um sorriso fofo e depositando minha bebida na mesa.
levantou os olhos de seu livro desconfiada e mantendo uma fachada séria murmurou algo sobre ir embora para chegar antes do toque de recolher. Acenei incapaz de desviar o olhar mais do que dois segundos para minha amiga.
- Obrigada! –Agradeci sentando à mesa.
Ele acenou e foi se virando para o bar quando segurei sua mão para lhe impedir. olhou para nossas mãos encantado e observou meus lábios. Provavelmente buscando uma explicação.
- Espera, por que não se senta um pouco comigo?
Os olhos dele foram para onde antes estava minha amiga, e voltaram-se para meus olhos.
- Não quero interromper.
- Não vai. –Respondi com um olhar intenso.
Fui intercalando entre comer, beber e falar, tentando me lembrar de que seria mil vezes mais complicado para ele fazer leitura labial comigo mastigando. Conversamos um pouco sobre as tutorias e chegamos ao assunto de seu acidente.
-Nem sempre fui surdo. Aconteceu após um acidente em que minha mãe não resistiu e eu sobrevivi, mas com essa consequência.
Eu assenti, enquanto mastigava. Parecia que ele não gostava muito de falar sobre o assunto então não pressionei. Mantive minha expressão triste para ele saber que eu sentia muito, mas tentei conter o olhar de pena que eu também odiava receber quando descobriam sobre minha mãe.
- Isso facilita que você consiga falar tão bem? – Perguntei.
- Em parte, sim. Também tive que fazer um acompanhamento médico por causa da altura do tom de voz que para mim é bem difícil de medir, entende?
Acenei, pegando a última batata do monte que o garoto me ajudara a devorar em pouco tempo. Ficamos em silêncio por um tempo, observando as pessoas passarem pela vila através do vidro do estabelecimento. Beberiquei o restinho de minha cerveja. Levei minha mão à sua apertando para chamar a atenção dele.
- Algum dia fica mais fácil? – Disse quebrando o silêncio, ao menos para meus ouvidos.
-O que?
- Ter perdido sua mãe. Perdi a minha recentemente e por mais que eu tente, há sempre o fantasma dela para onde quer que eu vá. Mesmo aqui na IDEM, em um lugar onde ela nunca esteve, quando eu acordo, consigo quase sentir o aroma do chocolate quente que preparava todas as manhãs. Montando Erebus lembro de suas reprimendas por não estar usando a cela direito e...
Essa foi a vez de apertar minha mão e se inclinar em minha direção.
-Escute , sua mãe nunca vai sumir. Você não vai acordar um dia e ter esquecido tudo o que passaram juntas. Mas vai sim ficar mais fácil, no momento que você aceitar esse fato e começar a ver essa contínua presença dela em sua vida como algo bom a se recordar.
- Eu só queria... – Comecei, sentindo meus olhos se encherem e abaixando o rosto.
Ele esticou a mão e enxugou uma lágrima, mordendo o lábio inferior.
- Espere um segundo. – Falou subitamente, caminhando até a cozinha.
Ficou lá por uns segundos, depois buscou seu casaco de couro e puxou minha mão em direção à porta. Quase não tive tempo de alcançar minha mochila, com a pressa. Balancei minhas mãos na frente de seu rosto e perguntei:
- , espera! Onde estamos indo?
Ele vestiu sua jaqueta e fez um movimento como se estivesse cortando a mão pela metade e apontou para seu peito. Cruzou os braços esperando que eu me lembrasse do que esse sinal da BSL, a língua dos sinais dos países do Reino Unido, significava.
- “Corta em mim”? – Perguntei, indecisa.
- Confie em mim, Sassenach. – Respondeu revirando os olhos, mas sorrindo para meu erro crasso.
Peguei seu braço e acenei, dando um salto no desconhecido.
É como minha mãe, Valerie sempre dizia, o homem que não tem os olhos abertos para o misterioso passará pela vida sem ver nada. Ah, não! Era Einstein que dizia isso, minha mãe adaptara para a mulher que não tem os olhos abertos para os mistérios da vida, vai morrer uma cega, e nós, as s, não somos assim, somos minha pequena ?!


Capítulo Cinco - Quem é Aurora?


“I may not know it, but these are the moments that I'm going to remember most”


-, você sabe que nesse ritmo vamos perder o toque de recolher, não é?! E eu deixei Erebus lá pastando sozinho.
O menino que nesse momento dirigia olhou-me confuso. Senti-me uma idiota, corando. É claro! Ele não conseguia ler meus lábios enquanto se concentrava na estrada. Após seu discurso de “confia em mim, ”, “a vida está aí pra ser vivida, ”, pegou a picape vermelha de seu pai nos fundos do Pub e se pôs a dirigir em silêncio enquanto eu ouvia música e cantava algumas melodias da Rádio Escocesa local, muito boa por sinal. De vez em quando ele lançava olhares furtivos para minhas dancinhas animadas quando tocavam meus hinos e colocava a mão perto da saída de som como que para sentir pela vibração o estilo que estava tocando. Ele tentava esconder, mas eu podia ver sua face de tristeza, afinal, devia sentir saudades da música. Se fosse como eu, uma criatura que não consegue passar o dia sem pelo menos cantar, dançar ou escutar algo, com certeza sentia.
- Não se preocupe, eu não vou te matar e desovar seu corpo aqui no meio do nada. Já estamos chegando. –Disse , um pouco alto demais para o carro fechado.
Eu somente assenti com um sorriso divertido e apertei seu braço em agradecimento. O homem piscou para mim e voltou a se concentrar na estrada. Após algum tempo, mas não muito, avistei uma placa “Struie Hill Viewpoint” e logo estava saltando do carro para um mirante sob o Dornoch Firth. E não éramos os únicos estacionados ali.
me ajudou a subir na traseira da picape e voltou ao carro trazendo de volta um cobertor pesado. Acomodou-se do meu lado e nos cobriu, mantendo certa distância para observar-me enquanto eu falava.
- O que tinha perguntado antes, Sassenach? –Perguntou tranquilamente.
Bocejou esticando-se e revelando um pedaço de seu abdome. Acho que babei um pouco. Pensei sobre sua pergunta.
- Eu só disse que nesse ritmo vamos perder o toque de recolher, e que deixei Erebus lá pastando sozinho.
- Hmm, sobre Erebus, não se preocupe. Mesmo que ele se solte, sabe o caminho de volta. Já o usei para vir para cá algumas vezes.
Suspirei um pouco mais aliviada por não ter sido responsável pelo sofrimento do pobre animal.
- Mas sobre o toque de recolher... – Começou coçando o queixo e apoiando o antebraço em uma de suas pernas dobradas.
- Sim... – Estimulei-lhe a continuar, curiosa.
- Não me leve a mal, mas eu assumi que não fosse o tipo de garota que se importa com isso. Disciplina, ordem ou qualquer coisa que o internato tente vender.
Refleti sobre o que disse por um tempo, percebendo que ele estava certo em sua assunção.
- Não, eu não sou. É só que eu não quero ser expulsa. Nunca quis estar aqui, mas comecei a criar amizades verdadeiras como nunca tive e não quero mais partir, entende?
Ele assentiu e esperou que eu continuasse.
- Eu já estou por um fio com a diretora. Essa coisa de tutorias me salvou logo nos primeiros dias. Mais uma infração e acredito que estou fora.
- Como que alguém como você foi parar no IDEM?
- Meu padrasto, ele me mandou para cá. Só poderei receber a herança da mamãe após um semestre aqui, quando eu completo dezoito e poderei escolher o que fazer da vida. - Respondi dando de ombros.
Ele assentiu inclinando-se em minha direção e ajeitando uma mecha que se soltara ao vento. Aproveitei para também mexer em seu cabelo, a princípio hesitante, mas aventurando-me mais quando ele sorriu fechando os olhos e se inclinando para mais perto. Os fios de seu cabelo eram macios e ruivos como fogo, se encaracolando nas pontas de uma forma adorável.
- Por que me trouxe aqui ? – Perguntei assim que ele reabriu olhos.
- Você estava triste e pensei que se visse algo bonito ficaria feliz. – Replicou baixinho.
Mas eu consegui ouvir e isso deve ter ficado evidente com a admiração em minha face.
– Estamos debaixo do Dornoch Firth. Daqui podemos ver a aurora boreal. A previsão está alta hoje à noite. Em poucas horas devemos conseguir vê-la. – Disse checando seu relógio.
- Vem aqui. – Disse, puxando-lhe para deitar em meu colo.
Enquanto eu acariciava seu cabelo ele me contava fatos interessantes sobre a aurora boreal. A maioria deles era novidade para mim. Aparentemente o conhecimento que lhe faltava em biologia sobrava em física. Ouvia interessada distraída em bagunçar seu belo cabelo escovando-o com meus dedos.


“O Sol envia constantemente para a Terra, materiais pelos ventos solares. Esses materiais são o ‘plasma solar’, formados por prótons, elétrons e neutrinos. É energia pura! Já os ventos ou tempestades que potencializam a Aurora Boreal vem de explosões, rompimento de filamentos ou de movimentações da coroa solar devido à rotação do Sol. Enquanto o plasma e os ventos solares chegam à Terra, ela se protege! Na Terra tem a ‘magnetosfera’, um campo magnético que protege nosso planeta da agressividade dos ventos solares. Aliás, não é interessante pensar que se o campo magnético da Terra não existisse, não teríamos sequer vida por aqui? Enfim, o encontro do plasma com nossa parede de proteção, gera impacto das partículas com os átomos da atmosfera, que por sua vez, causando uma reação física e química. Aí este campo de proteção puxa a energia formada pelas partículas, para os polos Norte e Sul. Quando estas partículas entram na atmosfera, elas colidem com elementos que fazem surgir a Aurora Boreal.”


Depois que ele parou de falar, ajeitou-se deslizando de volta para a posição semideitado a meu lado, e deslizou o braço a minha volta. O frio já começava a mostrar sua cara. Viramos nossos rostos encostando nossos narizes vermelhos do frio. Olhei no fundo dos olhos verdes daquele garoto que eu mal conhecia, mas que já havia me feito sentir muito mais do que Étienne, meu rolo da Monte Carlo High, jamais conseguira.
E mais uma vez, decidi penetrar o desconhecido e dar um salto no escuro.
Aproximei meus lábios dos seus e encostei-os levemente. Uma sensação de borboletas em meu ventre nasceu instantaneamente e eu senti aprofundar o beijo, lentamente envolvendo minha língua com a sua. Puxei seu cabelo de leve, as mãos dele percorriam minha cintura e acariciavam minha face. Nosso beijo foi escalando de intensidade, mas nunca passamos muito dele, aproveitando para descobrir mais um do outro.
Logo escureceu nos deixando sob um breu, as belas luzes como raias na água mancharam o céu em rajadas das cores mais belas que eu já presenciara. Tons de rosa, vermelho, verde e azul dançavam pelo breu como o traço de um pintor inexperiente, em uma visão espetacular.
Eu sorri tanto para o céu, que minha nuca e minha bochecha ficaram doloridas. Após uma hora, resolvemos retornar. Eu provavelmente já estava encrencada, mas isso não significava que devia testar a paciência da Diretora Dunbar ainda mais.
Surpreendentemente a viagem de volta pareceu ser muito mais rápida. dirigiu com uma mão no volante e a outra a minha volta enquanto eu tentava roubar seu calor, batendo os dentes, desacostumada com aquele clima. Mais surpreendente ainda, Erebus estava exatamente onde eu o deixara. Acariciei sua crina falando com o animal baixinho para apaziguá-lo assim como a mamãe me ensinara.
Voltamos juntos na garupa de Erebus. O prendi no celeiro fora dos portões de ferro. Seria mais fácil explicar o porquê de tê-lo deixado ali do que o porquê de ter chegado tão tarde e ainda mais acompanhada de um garoto.
Esgueirei-me com , subindo a cerca viva. Ele chegou primeiro e começou a descer assim que eu atingi o topo do muro. Vibrei internamente por ter conseguido essa proeza, sendo a desastrada que era. Mas minha comemoração durou pouco quando me desequilibrei.
- ! –Berrei inutilmente, conseguindo agarrar-me às vinhas na metade do muro.
O garoto estava alguns metros abaixo, muito concentrado em descer e com aquele breu, não conseguiria perceber que havia algo errado. Foi assim que eu senti a planta em que eu me agarrava deslizando por minha mão. A última coisa que consegui pensar antes de cair foi em xingar meu músculo pouco desenvolvido. Por que eu nunca ia à academia?!


Capítulo Seis - O Mito de Ariadne


“Ain't about how fast I get there, ain't about what's waiting on the other side, it's the climb”


Flashback On
- Ariadne ou Ariadna, na mitologia grega é a princesa de Creta, filha do rei Minos e rainha Parsífae. Era a esposa de Dionisio, mas apaixonada pelo herói Teseu. Este foi mandado a Creta como sacrifício ao Minotauro, morador do labirinto construído por Dédalo e tão bem projetado que quem se aventurasse por ele não conseguiria mais sair.
- Espera mamãe, mas por que ela era casada com Dionísio se não gostava dele?- Indaguei, confusa.
- , algumas vezes não temos escolha. O Teseu seria, então, devorado pela criatura, mas o herói resolvera enfrentar o monstro. Foi ao Oráculo de Delfos para descobrir se sairia vitorioso. O oráculo disse-lhe que para isso, deveria ser ajudado pelo amor. Ariadne lhe disse que o ajudaria se este a levasse a Atenas e se casasse com ela. Sem ver outra chance de sair vitorioso, ele aceitou. Ariadne, então, deu-lhe uma espada e um fio de lã (Fio de Ariadne), para que ele pudesse achar o caminho de volta, e deste fio ficaria segurando uma das pontas. Teseu saiu exultante e partiu de volta à sua terra com Ariadne, embora o amor dele por ela não fosse o mesmo que o dela por ele.
- Mas que triste mamãe! Por que ele não a amava tanto?
Minha mãe mordeu o lábio pensativa e suspirou.
- Querida... O amor verdadeiro é muito difícil de encontrar, mas quando se acha a pessoa certa, você simplesmente sabe, por que nunca sentiu nada remotamente parecido. Me prometa que se um dia o amor te abater, não o deixará escapar. Não por nada bobo.
- Prometo mamãe. – Repliquei abraçando sua cintura deitada a meu lado na cama.
A mulher fechou o livro e pôs a meu lado na cama.
- Boa noite querida. – Beijou minha testa desligando o abajur.

Flashback Off


Após o acidente que me rendeu uma torção do tornozelo e algumas escoriações, não vi por algum tempo. Tive que ser levada à enfermaria assim que ele percebeu minha queda e correu para carregar-me prestativamente. Naquele momento já não impostava mais se fôssemos pegos, ele só queria que eu ficasse bem. E eu podia sentir de forma muito clara em seu olhar.
A culpa.
Um sentimento irracional dada a situação, mas que mesmo assim eu pude enxergar lhe corroendo enquanto se certificava que eu era atendida propriamente. Enquanto explicava para a diretora uma desculpa para chegarmos tão tarde, havia culpa. Seus olhos verdes enegrecidos não tinham mais a leveza que eu presenciara mais cedo, muito menos suas faces joviais demonstravam da mesma tranquilidade. O garoto parecia o próprio Atlas carregando o peso do mundo em suas costas.
Eu queria gritar que fora só um acidente, que aquela fora a melhor noite da minha vida, que eu queria beija-lo até perder o ar por completo, que eu pensava que estava correndo grave perigo de me apaixonar por ele.
Mas Cunninghan recorreu a o que sua consciência pesada lhe impôs. Isolamento. E pelos próximos dois meses eu não o vi além de vislumbres durante o jantar. Nossas tutorias foram suspensas e meu benefício das saídas fora revogado. E novamente me senti presa em uma ratoeira. Mas dessa vez era como se eu mesma houvesse montado a armadilha e não mais meu padrasto.
As ligações para Phillip passaram a ser mais escassas. Não por vontade dele, mas por meu próprio isolamento na mágoa e na tristeza. Eu até tentara falar com novamente, mas ele sempre me tratava superficialmente e com frieza. Comecei a aceitar seu distanciamento e me concentrei nas aulas, mergulhando no estilo de vida do internato. Em pouco tempo, eu já era o modelo de aluna daquela instituição. A diretora Dunbar continuava me visitando frequentemente, mas não mais para me passar um sermão. Somente para me parabenizar ou algo assim. Mas eu podia ver que ela percebeu minha tristeza. Não havia como não notar minhas olheiras, meu semblante sem vida.
Sim, eu estava daquela forma por um garoto que eu mal conhecia. Mas a perspectiva de um amor como minha mãe me avisara ser raro, me abateu de repente. O amor verdadeiro é muito difícil de encontrar, mas quando se acha a pessoa certa, você simplesmente sabe, por que nunca sentiu nada remotamente parecido. E logo depois, lembrei-me de minha promessa. Me prometa que se um dia o amor te abater, não o deixará escapar. Não por nada bobo.
Não. não ia sair da minha vida dessa forma por pirraça. Eu não deixaria que continuasse me dando um gelo até que dissesse na minha cara , eu não quero ficar contigo e não me interesso por você. E assim que tomei essa decisão, não conseguiria mais ficar deitada esperando amanhecer para aborda-lo durante o café. Não conseguiria esperar nem mais um segundo.
Levantei-me da cama em um pulo e fui acordar , que se tornara minha confessora e melhor amiga.
- ? – Perguntou coçando seus olhos, sonolenta. - O que foi? Está passando mal?
- Não ! Preciso de sua ajuda, mas envolve infringir umas regras...
- Quando é que não envolve quebrar regras quando se trata de você? Afinal, você é , a encrenqueira!
A menina suspirou revirando os olhos e levantando-se com um olhar assassino para mim por tê-la acordado tão tarde. Contei a ela o que pretendia enquanto a garota se vestia em um roupão mais quente.
- Eu tenho um plano, mas precisaremos de reforços.
- Você quer dizer... – Sussurrei acenando para as duas outras meninas desacordadas no quarto.
Ou ao menos era o que pensávamos.
- Pensei que nunca nos chamariam. – Gargalhou Bridgit, recebendo um aceno em concordância de Caitriona, no que devia ser a primeira vez que as primas concordavam em algo.
- Vocês ouviram nossa conversa?! – Demandei descrente, mas positivamente surpresa.
- E você ainda se surpreende com essas duas aí?! Quem foi que te contou todas as fofocas do campus quando você chegou, ?
- Bom ponto. Mas voltando ao x da questão, vocês me ajudariam nisso?
- É claro!
- , somos um quarteto de irmãs, para o bem ou para o mal.
Agradeci emocionada, envolvendo-as em um abraço grupal e fizemos os preparativos enquanto nos inteirava de seu plano maluco. Se dependesse de nós, aquela seria uma noite agitada para o Instituto Disciplinar Escócia Moore.



Capítulo Sete - Baobhan Sith


“And I, I gotta be strong. Just keep pushing on”
As terras altas são conhecidas por abrigar as lendas do povo gaélico escocês. O mito de Baobhan Sith é uma delas. Uma mistura de Succubus e Vampira, ela é descrita como uma mulher bela e sedutora trajando verde, acompanhada por outras espécies de Banshees, também metamorfas. Juntas, elas vagam durante a noite caçando suas vítimas, convidando jovens para dançar, por exemplo, para então rasga-los com suas longas unhas e beber seu sangue.
O povo escocês é bem supersticioso e era nisso que estávamos apostando com aquele plano. Tudo começou, naturalmente com uma briga entre Bridgit e Cait. Elas eram muito capazes de acordar até a diretora com seus berros. Assim que o corredor começou a ficar lotado de meninas confusas, irritadas e sonolentas, eu e nos esgueiramos pelo corredor em direção à saída do dormitório.
Ouvimos passos no corredor e nos escondemos dentro do banheiro. Pela fresta da porta pude ver a inspetora passando com diversos bobs em seu cabelo. Era a Senhorita Ornitorrinco que me apresentara a escola! A monstrenga estava mais engraçada do habitual e levou cada pingo do meu ser não gargalhar e estragar o plano.
Assim que ouvimos seus passos virando na curva para os quartos, saímos em direção à noite fria. Como esperávamos, assim que o vigia da ala masculina teve um vislumbre de nossa aparência ele fez o sinal da cruz e saiu correndo para o prédio da diretora.
- , você é um gênio! – Sussurrei, arrastando nossos vestidos verdes segurando-lhes com certa dificuldade pelas unhas falsas de uma fantasia antiga de Bridgit. Deus sabia como ela conseguia acumular tanta tralha inútil naquele armário.
- Ainda não acabou, vem. – Disse, totalmente concentrada.
Aquela menina devia ser da CIA ou algo assim, por que quando montava um de seus planos, não tinha quem a parasse de alcançar seu objetivo final, de uma forma ou de outra. Entramos no dormitório masculino tentando não fazer barulho. Enquanto o dormitório feminino tinha que ter um alvoroço para que conseguíssemos sair nos misturando à multidão, o princípio aqui era o oposto.
Fui andando junto a minha amiga e cantando a música de missão impossível.
“Tan tan tantantantan tantantantan tantantantan tan tan tchararaaaaam, tchararaaaam, tchararaaaaam, tcharam!”
Sim, eu era uma boba e estava me sentindo “A espiã”.
-Ok, chegamos à área do alojamento. Qual é o quarto dele? – Perguntou, me fazendo gelar por um segundo.
É claro que eu não sabia qual era. E também é claro que a burra não pensou nisso antes.
-Eu não sei...?! –Murmurei, sentindo-me uma lerda.
segurou meus ombros e olhou no fundo de meus olhos.
Eu pensava que ela me daria uma lição de vida, me passaria algumas palavras sábias, ou me apresentaria um plano alternativo, que eu sabia que sua mente era capaz de bolar. Mas para minha decepção e carranca futura, ela exclamou:
- Você. É. Uma. Idiota. Não dava para esperar até o amanhecer?!
Inspirou fundo e expirou, segurando a ponte do nariz.
-Ok, me deixa pensar. – Sussurrou. – Plano B, dá um berro bem alto!
-Ele é surdo, amiga. – Olhei como se ela tivesse chifres.
-Eu sei, só confia em mim.
Nem hesitei, dando um berro como se estivesse com dor. A única outra vez que eu berrara tão alto fora quando sentira a dor excruciante de bater o dedão na quina da cama. Se você já fez isso, vai entender do que estou falando.
E assim como no dormitório feminino, luzes foram sendo acesas de quarto em quarto. E meninos, saindo para encontrar duas malucas vestidas de verde. Achei que um deles ia desmaiar e um ou outro enfartar, mas graças a Baobhan Sith a maioria dos meninos só assoviou ou voltou para o quarto batendo a porta com força. Foi aí que entendi o plano de . podia ser surdo, mas não era cego. Seus companheiros de quarto certamente acenderiam as luzes e ele perceberia, saindo para entender o que estava acontecendo, como todos os outros fizeram.
-O que estão fazendo aqui? – Perguntou um deles franzindo a testa.
-Não é da sua conta. – Repliquei, como se eu fosse a certa naquela situação.
Sim, eu tinha cara de pau. Me processe por isso.
Recebi uma cotovelada de e virei para ela, revoltada.
-O que foi? Você também? Realmente não é da conta daquelezinho ali.
-Não, . Olha lá. – Disse apontando para o fim do corredor.
E do último quarto, emergiu o garoto que eu procurava.
Tomado pela surpresa, o ruivo deu alguns passos em minha direção. Mas depois balançou a cabeça e cruzou os braços esperando que eu me aproximasse.
- O que está fazendo aqui, ? – Perguntou, com o tom duro.
“Cuidado senão ela te da uma patada!” Berrou um idiota qualquer. Mostrei meu dedo do meio, sem nem incomodar-me em virar.
- Estou aqui para tirar isso a limpo.
- O que é “isso”? Só tem eu e você, aqui não tem um nós. – Afirmou, com uma simplicidade que poderia quebrar meu coração em vários pedacinhos se eu não soubesse melhor.
Começou a retornar para seu quarto, mas eu o detive, forçando-lhe a voltar a me encarar.
- Ah, não ! - Exclamei em um tom de voz mais alto do que o recomendado, sendo que em tese não queríamos acordar o inspetor, que pelo visto tinha sono pesado. – Vim até aqui...
- Eu não pedi isso!
- Vim até aqui e você vai escutar o que tenho a dizer. – Continuei, ignorando sua interrupção.
-Então diga. Amanhã tenho prova final de literatura inglesa. –Cruzou seus braços, me encarando.
Mais uma vez eu fraquejei. Se não fosse a pitada de esperança que eu podia detectar no fundo de seus olhos verdes como turquesa e se eu não soubesse que pessoas cruzavam os braços em um sinal de proteção, ou imposição de barreiras a algo que pensam que possa afetá-las, aí eu não faria o que tomei coragem para fazer a seguir.
Aproximei-me ainda mais de seu corpo, olhando quase no mesmo nível de seus olhos.
-Não foi sua culpa. Está me entendendo? Eu fui uma idiota de tentar escalar o muro daquele jeito. Foi minha ideia e eu sou a desastrada, portanto pare de ser tão orgulhoso e tente não estragar ainda mais o que passamos. Eu sei que mal nos conhecemos, mas eu quero mudar isso, . Caramba, você é alguém especial para mim e eu só queria que parasse por um segundo e pensasse no que isso significa.
- O que? – Perguntou, suavemente.
- Que não importa o que aconteça, eu não vou te culpar por nada. Mesmo que tenha sido sua culpa de verdade, eu vou perdoar. Porque é isso que fazemos com quem merece nosso carinho. Então deixa de ser esse idiota carrancudo e...
Não consegui terminar minhas ofensas, pois em poucos segundos eu estava contra a parede, sentindo os lábios de grudados aos meus. E assim como da primeira vez que nos beijamos, foi algo mágico.
Mas diferente da primeira vez, não tínhamos mais o objetivo exploratório, mas sim o de sanar a saudade. Liberar toda a tensão que nos envolvia, nos libertando de todo o orgulho, toda a mágoa, toda a culpa injustificada e toda a frieza que maculara nossa relação.
E por um segundo, eu pude vislumbrar um nós. A perspectiva de apaixonar-me por ele se transmutava de uma possibilidade em uma probabilidade. Ali, só havia e ...
Exceto pelo fato de que não estávamos sozinhos. Dados os aplausos, risadas e depois o súbito silêncio, que foi o que fez com que nos afastássemos. E não o pigarrear que o seguiu.
- Boa noite Senhorita !
Ativei minha tática sorria e acene. Já parecia profundamente constrangido, como se não soubesse onde enfiar a cara. Ele ativou a tática, fique em silêncio e espere.
Fiquei feliz ao constatar que sumira. Não seria justo que ela ou as meninas fossem punidas por me ajudarem.
- Senhorita , pode me dizer por que diabos está no dormitório masculino no meio da noite e o que você fez para matar o pobre do vigia de susto?
-Meu deus, ele está bem? – Perguntei, seriamente preocupada.
Dei um soquinho no ombro de quando recebi seu olhar divertido. O idiota estava lá, rindo às minhas custas como se não tivesse nenhuma culpa no cartório.
-Sim, ele vai ficar bem, . Agora fale tudo.
- Então, é uma história engraçada...


Epílogo


O resto de meu tempo no internato passou muito rapidamente. É como dizem... O tempo passa mais rápido quando se está feliz. E foi exatamente isso que me ocorreu. Eu não poderia estar mais satisfeita com meu atual namorado, minhas novas irmãs de alma e todo o conhecimento das Terras Altas que eu ganhara com minha experiência no IDEM.
A única coisa que faltava era consertar minha relação com Phillip. A ideia não partira de mim, é claro que partira do próprio “Santinho” . Tudo bem que nos poucos momentos que conseguíamos a sós eu descobria que de santo ele não tinha nada.
Em muitos dias me perguntava como cheguei aqui. A jornada que me trouxe até essa terra de lendas e mitos e até meu destino foi tortuosa, mas valeu a pena. Acho que às vezes, é preciso perder para vencer. Por que o que importa não é o fim em si, mas sim a escalada.
O resto de meu tempo no internato passou muito rapidamente. É como dizem... O tempo passa mais rápido quando se está feliz. E foi exatamente isso que me ocorreu. Eu não poderia estar mais satisfeita com meu atual namorado, minhas novas irmãs de alma e todo o conhecimento das Terras Altas que eu ganhara com minha experiência no IDEM.
A única coisa que faltava era consertar minha relação com Phillip. A ideia não partira de mim, é claro que partira do próprio “Santinho” . Tudo bem que nos poucos momentos que conseguíamos a sós eu descobria que de santo ele não tinha nada.
Em muitos dias me perguntava como cheguei aqui. A jornada que me trouxe até essa terra de lendas e mitos e até meu destino foi tortuosa, mas valeu a pena. Acho que às vezes, é preciso perder para vencer. Por que o que importa não é o fim em si, mas sim a escalada.


Flashback On
- Tem falado com seu padrasto?
- O Phillip? Só às vezes. Por que?
- Acho que você deveria perdoá-lo Sassenach. Ele te ama como sua própria filha e só você não parece enxergar isso.
- Eu sei... Agora eu sei. Só não tenho certeza que poderia algum dia deixar esse sentimento ir, entende?
- Mas não foi você que falou que devemos sempre perdoar “Porque é isso que fazemos com quem merece nosso carinho”? – Indagou com aspas no ar.
Dei-lhe um cascudo por ter usado minhas próprias palavras contra mim e resolvi mudar de assunto.
- , você já pensou sobre quantas estrelas tem no universo? Quer dizer, com uma galáxia tão extensa, o planeta terra é quase insignificante. Imagina nossas vidas individualmente? Afe, me sinto um lixo.
- O que foi? Está se sentindo mal? Quer que eu chame um médico? – Perguntou, já começando a se levantar do gramado onde aproveitávamos o sol e um pouco de paz à sós.
- Não bobinho, é só uma TPM. – Repliquei revirando os olhos. – Para com esse complexo de Super-Homem, eu posso muito bem salvar a mim mesma!
- Menos quando se trata de borboletas. – Comentou, divertido, voltando a relaxar à minha frente.
- Menos quando se trata de borboletas. - Confirmei, encolhendo-me. – Mas elas não contam! São aberrações da natureza. É tipo a Senhorita Ornitorrinco! Elas parecem bonitinhas de longe, mas deixa só uma chegar perto pra você ver! Qualquer ser humano que preze por sua sanidade sairia correndo.
- Sassenach, eu sei que você é uma mulher forte e independente. Cada vez que abre a boca eu lembro novamente.
- Bom garoto! – Exclamei bagunçando seu cabelo.
Ele latiu para mim, sarcasticamente, em resposta.
Gargalhamos e eu suspirei com o alívio da brisa fria naquela manhã ensolarada. parou de repente para me observar. Seus olhos se arregalaram e ele puxou minha nuca para um selinho rápido.
- Mo nighean donn. – Suspirou, beijando também minha testa.
Diante de meu olhar interrogativo e admirado ele respondeu.
- Significa “minha garota de cabelos castanhos”.
- , já disse para não falar essas coisas bonitas. Assim corro perigo de me apaixonar por você.
- Sassenach, acho que para mim é tarde demais, pois já estou perdido por seus encantos. – Sussurrou de leve, fazendo o equivalente em sinais de eu te amo simultaneamente.
Nunca um gesto me pareceu tão bonito…

Flashback Off



E foi assim que quando Phillip veio até o internato, no dia do meu aniversário e coincidentemente o último do período, eu corri para abraça-lo, já estando em paz internamente com tudo o que se passou.
- Obrigada por tudo. – Sussurrei em seu ouvido.
Sentia como se ele tivesse me abandonado ou tentado tirar minha mãe de mim, mas não era verdade. Ele sempre esteve ali por mim, e soube o que fazer para me ajudar, mesmo depois que a mamãe faleceu.
- ... Está tudo bem? – Desconfiou.
- Sim. –Gargalhei. – Tenho uma grande notícia. Vou me mudar para a Escócia e me concentrar na Equitação. Também farei faculdade de veterinária, após me adaptar a meu novo lar.
A boca do homem caiu de forma cômica.
- Eu ouvi faculdade? Alguém chama o SAMU*! – Brincou sarcástico.
- Paaai, para! Obrigada por vir. – Sorri.
Os olhos do homem se encheram de água instantaneamente, e como o chorão que era, limpou suas lágrimas inutilmente. Sem conseguir mais contê-las
- Ah, filha, eu não perderia o dia mais importante do ano por nada nesse mundo.
- É assim que se fala, meu velho!





FIM



Nota da autora: É isso pessoal, espero que tenham curtido. Tentei dar o maior ar de realidade possível, mas esbarrei com algumas barreiras técnicas. Pesquisei e aprendi muito tanto sobre a cultura surda, como sobre as maravilhas da escócia. Porém, é claro que não é só possível, como provável que eu tenha cometido furos. Mas é praticando que se aprende ☺, não é?! A mensagem que quis passar, é exatamente o que sinto da música. Às vezes é necessário perder algumas batalhas e por mais difícil que seja enfrentar os muros que a vida nos impõe, temos sempre que nos lembrar de curtir a viagem, porque realmente, o que importa não é o fim, mas o processo, a escalada mesmo.
PS:. Usei o nome SAMU* na cara dura mesmo, para efeitos cômicos, mas encarem como a versão inglesa ou escocesa de emergência se preferirem.
Obrigada por terem lido e por favor, comentem suas impressões, críticas construtivas, sugestões, sou toda a ouvidos e estou ansiosa pelo feedback <3.
Beijinhos de Luz!


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