A campainha estridente do telefone toma o quarto do hotel Celling. Eu estendo minha mão até ele, ansiosa, e o coloco na orelha:
- Alô?
Mas não é ele.
Eu bufo. Pego o telefone e ergo-o com força, jogando-o na parede a minha frente. Então, faço o mesmo com um vaso de lírios, a flor preferida dele. Ele quebra-se todo com o impacto, mas eu mal posso escutar o barulho da explosão. Minha mente está confusa, trôpega e meus ouvidos parecem escutar muitas vozes distantes.
Grito, levando minhas mãos ao meu cabelo e puxo minhas raízes, querendo sentir a dor do gesto. Ela, todavia, é somente um leve incômodo, que nem se compara ao que eu sinto dentro, no fundo do peito.
.
Dois anos atrás.
Quando o vi pelo primeira vez, ele estava com fones de ouvido, o CD do Elvis tocando, alheio ao resto do mundo. Eu o encarei por muitos minutos e ele não percebera. Ou ignorara.
Ele tinha tatuagens por todo o braço e usava anéis nos dedos. Eu me encantei e pensei nunca ter visto alguém mais bonito naquela lojinha de vinis que eu trabalhava. De repente, acordar, me vestir e ficar atrás da bancada era muito mais divertido.
Eu ouvia os antigos CDs de Roling Stones, Aerosmith e Nirvana e, então, a porta se abria e os sinos anunciavam a presença dele. Toda semana ele comprava algo e, ao dizer boa noite e obrigada, sorria para mim.
Um dia, ele foi além.
- Você já está pra acabar seu turno? Quer sair?
Eu aceitei e quinze minutos depois nós saímos da loja em direção ao centro. Nós conversamos horas e horas aquele dia. Ele me confidenciou, depois, que tinha perdido o ensaio da banda. Eu esquecera os compromissos também.
No fim, já a noite, ele me desafiou a roubar uma maçã de uma barraca de frutas na esquina e eu sorri vitoriosa pra ele, antes de andar até lá e pegar a mais vermelha. Então, eu comecei a correr e logo o vi do meu lado, sentindo sua mão entrelaçando-se com a minha.
Rimos e corremos juntos e, em um momento, ele me puxou para a parede, encostando-me no cimento frio e prendendo-me entre seus braços. Sorriu para mim e eu devolvi. se aproximou lentamente e colocou uma de suas mãos em meu rosto. Tocou meus lábios levemente com os dedos, antes de sentí-los com os seus próprios. Ali, naquela rua, no meio da cidade, nós nos beijamos a primeira de muitas vezes.
Hoje.
I'm without this raw emotion
Fresh in my mind
As memórias vão tomando minha mente. E dói. Simplesmente dói. Elas vêm sem permissão e tomam conta de mim...
- Não! – eu grito, mas elas não me escutam.
Eu balanço o abajur, então o bato no colchão várias vezes, com toda a minha força, até ele quebrar todo e sair rolando pelo chão. Eu pego meu celular, ignoro as mensagens e chamadas não atendidas e tento ligar para ele.
Sei que é besteira. Sei que ele usa seu aparelho no silencioso e que mesmo que ele quisesse, mesmo se pudesse, não atenderia. Mas eu tento. Porque talvez, só talvez... Tudo possa ser exatamente como antes.
Um ano atrás.
Nós estávamos no táxi, voltando do casamento de um dos primos dele. Eu coloquei minha mãe espalmada na dele e senti aquela maravilhosa sensação, a qual já estava tão acostumada.
- Um dia seremos nós, meu amor. – ele disse, dando-me um beijo no pescoço. E eu sorri, esperançosa.
- Eu te amo tanto, . – eu declamei, dando-lhe um selinho.
Ele sorriu com a boca colada em meus lábios e segurou meu pescoço, puxando-me para um beijo mais profundo. Eu agarrei seu braço e só paramos quando o motorista pigarreou, desconfortável, avisando que havíamos chegado em nosso destino.
Mais tarde, naquele dia, enquanto assistíamos uma série, emaranhados um no outro, ele comentou comigo:
- Vou fazer uma surpresa pra você em homenagem a nosso aniversário de um ano.
Eu esbugalhei os olhos, curiosa e tentei retirar dele a informação, beijando-o e arranhando-o, mas ele mantivera o segredo. Dias depois, eu gritou por mim e, assim que eu o vi, ele estendeu seu braço. Olhei-o, tentando entender.
- Olhe o pulso, . – sussurrou.
Eu obedeci e, atenta, notei uma nova tatuagem. Eu conhecia cada uma de suas tatuagens e suas histórias e aquela era definitivamente nova. Em lindas e delicadas letras, estava escrito .
Hoje.
I lost, never thought that
I'd doubt you along the way
Eu escuto o nome dele sendo dito pela televisão e viro meu rosto, dando toda minha atenção ao aparelho.
- Comunicamos o desaparecimento de , músico de 28 anos. Ele foi visto a última vez com a namorada, dois dias atrás, próximos ao endereço de residência dos mesmos. Usava uma jaqueta preta. Se você tem informações, ligue para esse número. A polícia já tem suspeitos. Teremos mais informações nas próximas horas.
Bufo, pois os jornalistas também não sabem de nada. Jogo o controle na TV, mas o repórter continua a falar, agora sobre algo na Europa Oriental. Eu grito em desespero.
Eu pego as duas canecas que estão na mesa de cabeceira e levanto da cama, antes de jogá-las no chão. Elas quebram e eu sorrio, vitoriosa. Aproximo-me dos cacos de porcelana e começo a pisar neles. Rio, sentindo meus pés serem cortados e vendo o sangue se espalhar.
Nove meses atrás.
Eu estava encostada em nossa cama, absorta no celular, até que algo me atingiu no rosto. Eu retirei o que descobri ser a camisa de e olhei para o mesmo, sorrindo de lado.
Ele cerrou os olhos e passou as mãos no corpo, tentando ser sedutor. Eu mordi o lábio, fingindo estar seduzida por tampouco, mas então ele começou a retirar as calças e tropeçou nelas, quase caindo no chão.
- Você é péssimo nisso, . – exclamei, rindo.
Ele abriu a boca, forçando uma cara falsa de indignação e colocou as mãos na cintura, antes de falar:
- Tudo bem, stripper, faça melhor.
Eu levantei, sorrindo, e o empurrei para a cama, no qual ele se esparramou. Eu estava somente com uma camisola, então pus minhas mãos no tecido e comecei a erguê-lo. Tentei, no meio tempo, fazer uma cara extremamente sexy, mas pelas risadas de certamente não deu certo.
- Sinto muito, baby, mas você não é muito melhor. – afirmou ele.
Eu ia prová-lo que podia ser sim muito boa e comecei a dançar, tirando a camisola pela cabeça e a girando em torno de mim. Ele segurou o tecido no meio do movimento e o puxou, me desiquilibrando.
pôs as mãos em minha cintura, acabando com a distância entre nós. Mordi seu lábio inferior e ele gemeu em minha boca. Encaixei meu corpo no dele e sua boca foi explorar meu pescoço.
- Acho que seremos melhor no próximo movimento. – ele murmurou em minha pele.
- Ah, eu tenho certeza disso. – concordei, puxando seus lábios de volta para o meus.
Hoje.
Sometimes we get so angry
It just keeps coming
Eu jogo o travesseiro para cima e ele atinge em cheio o ventilador. Sorrio, enquanto as penas de ganso caem como flocos de neve por todo o quarto. Fecho a cara repentinamente, quando me lembro de tudo.
Ponho-me de joelhos no colchão macio do hotel e ergo meu olhar, observando o espaço entre a parede e a cama. Respiro fundo. Então, pego o ursinho, que meses atrás tinha me dado. Coloco-o sentado na minha frente.
Corro até o mini bar e pego o uísque mais caro e dois copos. Levo tudo em uma bandeja e a apoio na cama. Encho ambos os copos e um por um jogo-os em minha garganta. O álcool sai queimando tudo por dentro. Repito a dose, que aquece minha solidão.
Satisfeita, deixo de lado a bandeja e foco-me no fofo ursinho caramelo. Ele parece sorrir maléfico para mim. Sua bruxa, sua bruxa. Coloco minhas mãos no pescoço dele e o espremo com toda a minha força. Bufo, ao ver que a cabeça ainda está unida ao pescoço. Puxo os braços, gritando em desespero. Eles saem e eu rio, satisfeita.
Seis meses.
Já tínhamos perdido a conta de quantos shots de tequila havíamos derramado garganta adentro. Misturados com o energético batizado que dividíamos, não demorou muito para ficarmos bêbados.
A música dançante tomava conta de toda a boate, mas estávamos alterados demais para manter um ritmo. Então, encaixados um no outro, nós seguimos nossa própria melodia.
Eu estava grudada no corpo de , os braços dele me abraçando pela cintura. Sua boca em meu pescoço. Fechei os olhos e aproveitei as carícias, enquanto bagunçava seus cabelos, puxando os fios.
Comecei a rebolar, esfregando-me nele. Ele gemeu em meu ouvido e apertou minha cintura. Acabou com qualquer milésimo de centímetro que ainda nos afastava. Distribuiu beijos em toda a minha pele descoberta.
Virei-me pra ele, observando-o diretamente e quase pude sentir a aflição dele por não poder retirar as roupas e acabar com o desejo latente de nós dois naquele momento.
Parti para sua orelha, mordiscando-a de leve. apertou-me mais contra ele, acomodando suas mãos em minha bunda e me incentivando a continuar. Eu alternei entre beijos e leves mordidas pelo pescoço, orelhas, nariz e, finalmente, boca.
- Ai! – soltou ele, pulando e se afastando de mim. Colocou a mão nos lábios. – Puta que pariu, . Machucou.
Eu revirei os olhos e pus as mãos na cintura. Talvez eu tivesse me animado um pouquinho demais e a mordida tenha sido um pouco mais forte que o esperado, mas precisava tanto drama?
- Ah, . Você gosta quando eu sou mais agressiva.
- Na verdade não, mas você gosta de algo mais pesado e eu gosto de você. – exclamou. Embora a fala dele fosse fofa, ele não estava exatamente feliz. – De qualquer maneira, acho que quando há sangue, a experiência passou um tanto dos limites.
- Tudo bem. – eu suspirei, resiliente. – Eu posso ter me descontrolado um pouquinho. – me aproximei dele, colocando as mãos em seus ombros e sussurrando as próximas palavras em seu ouvido - É que você é tão gostoso que me deixa louca.
abraçou-me novamente pela cintura e pude sentir que já estava mais tranquilo. Dei-lhe um beijo na bochecha antes de continuar:
- Você me perdoa, amor? Eu posso cuidar para que esses lábios fiquem logo recuperados. – ele sorriu.
- Conheço um ótimo jeito para me esquecer da dor, do machucado, do resto do mundo. – respondeu, sorridente, beijando-me levemente. – E envolve você, nua, em cima de mim.
Eu ri entre os beijos trocados e logo estávamos indo para a casa, empenhados no trabalho de curar .
Hoje.
I'll take the bad for the good
Gonna hurt with this fear and pain
Eu desço a tábua de passar roupa grudada na parede do quarto do hotel. Pego o vestido branco e passo o ferro nele, tomando cuidado com os detalhes cravejados. Então, o estendo na cama, abrindo um grande sorriso, satisfeita com meu trabalho.
Logo, me concentro na camisa de , desamassando as mangas compridas da blusa formal. Quando pronta, coloco-a ao lado do meu lindo vestido, junto com a calça social. Pego seu sapato e o engraxo. Depois, enfio meus dedos nele e imito passos. Rio.
Mas aí o celular começa a tocar. Ou melhor, recomeça. Pela milésima vez só na última hora. Eu deixo o sapato de lado e levanto com força, bufando. Pego o celular antes jogado na cama e vou até o banheiro da suíte.
Musiquinha irritante, pare. Pare. PARE!
Nem olho antes de mergulhar o aparelho na banheira cheia d’água. Ele não para de tocar e tocar e tocar! Não quero falar com ninguém, ouvir ninguém, só ele!
Mas ele não vai ligar. Ele não vai ligar. Uma dor invade o fundo do meu peito, porque sei que não. E sei o porquê. Grito. Grito. Grito. Puxo minha blusa, tentando arrancar o sofrimento, mas só o tecido se esvai.
- NÃO! NÃO! NÃO!
Eu quero que me ligue. Quero que ele me chame de “meu amor” de novo. Quero que me ame, nas palavras e nos gestos. Quero seu sorriso, seu corpo, seu tudo.
Mas ele não vai ligar. Não vai fazer nada disso. Sei que não. Eu fiz besteira, fiz besteira... besteira...
Eu errei... Eu errei...
Três meses.
Nós estávamos em um show e a banda de abertura era de um conjunto de mulheres tocando pop rock. Todas elas eram lindas, com inúmeras tatuagens, grandes decotes e curtas saias. E olhava descaradamente para elas!
Eu olhei para trás, já que ele estava abraçado em mim, e confirmei que ele olhava para a banda. Tudo bem que todos faziam o mesmo, já que era a atração no palco, mas olhava para as maravilhosas pernas da cantora, especificamente, e só faltava babar.
Fechei a cara e cruzei os braços no peito. Tentei afastar o comichão que me atingiu. Minha irmã já havia me dito que às vezes eu exagerava em minha reação, me descontrolava. E talvez fosse verdade. Mas não daquela vez.
Daquela vez, meus olhos viam, meu coração sentia. Meu namorado desgraçado olhando para uma gostosa qualquer na minha frente, sem qualquer pudor!
Minhas pernas avançaram sozinhas, indo para saída. Somente quando cheguei a rua, consegui voltar a respirar. Apoiei-me no corrimão e olhei para o lago, respirando fundo. Logo escutei passos e virei-me, vendo com uma cara de confusão no rosto.
- Está passando mal, amor? – inquiriu ele, fingindo-se preocupado e eu revirei os olhos. Falso. Ainda tentou me tocar, mas eu recolhi o braço. Ele percebeu meu modo furtivo. – Tem algo errado, ?
- Bem, talvez o fato de você ter esquecido que tem uma namorada. – ele me olhou e eu pude afirmar que ele deveria seguir carreira de ator, com todo aquele cinismo. – Oh, por favor, . Você estava secando a cantora. Mal disfarçou.
- O quê? Eu estava assistindo o show, , só isso. Estava olhando para todas as garotas, incluindo a cantora, como qualquer um.
- Pare com o joguinho. Porque você continua comigo, se quer comer ela? Ela e aparentemente qualquer uma com saias. – suspirei, antes de continuar - Afinal, porque ainda estou com você?
- , que merda está falando? Eu te amo, você me ama. Por isso estamos juntos. Foda-se qualquer outra pessoa, quero ficar com você.
Dei um tapa em seu rosto, vendo-o cair pra trás com a força e a surpresa. Eu não tinha aguentado tanta falsidade saindo de sua boca tão facilmente. Cretino.
Sai correndo dali, mas ainda pude ouvi-lo me chamando de louca.
Hoje.
I don't understand
We get so dark
Mas tudo bem. Está tudo bem. Eu respiro fundo e repito em minha cabeça. Está tudo bem.
Eu e vamos casar. De qualquer maneira. É por isso que ajeitei seus sapatos e roupas. E estou com um vestido de noiva que se ajusta perfeitamente ao meu corpo. Porque vamos casar. Vamos ser marido e mulher.
Mas... mas... mas... Grito.
Corro até o banheiro e pego a tesoura na primeira gaveta. Corto os meus cabelos até que ele esteja um pouco acima do pescoço. Depois, olho para o chão, todo coberto por meus fios recém-cortados.
Um barulho me chama atenção. Eu esbugalho os olhos. Não é o telefone. Volto para o quarto e os ruídos só aumentam e aumentam... Uma luz azul invade o espaço, sorrateiramente, pela janela. Eu vou até ela e avisto três carros da polícia.
É isso.
Ando até a caixinha de joias que encontrara no bolso do paletó do e volto para a cama. Ele está ao meu lado, no chão, e eu já o cobri com sua roupa passada e sapatos engraxados. Sorrio. Ele está bonito, apesar de um pouco pálido. Apesar de...
Inspiro profundamente e balanço a cabeça várias vezes. Não devo pensar nisso. Não devo pensar... É só um detalhe e... e vamos casar de qualquer maneira. É... É.
Pego sua mão esquerda com um pouco de dificuldade, quase caindo em seu corpo no processo, mas consigo. Beijo os dedos calejados de músico e coloco a aliança. Logo depois, coloca a outra em meu próprio dedo. Sorrio. Estamos casados! Estamos casados!
Cruzo nossas mãos e olho para ele, sorrindo. Casados! Apesar de tudo, nos casamos.
Resolvo descer ao chão, ficar do lado de meu marido. Meu marido! Abraço-o apertado. Tento ignorar o quanto ele está frio e mole e branco e... E... não! Não! é meu marido. Meu marido. Nada mais importa.
Eu escuto os pesados passos de várias botas no andar do hotel. Sei que eles estão vindo pra cá. E sei que eles não vão entender. Eles acham que eu fiz tudo errado. Talvez, talvez eu tenha feito as coisas de forma errada, mas, é como eu disse, não importa. No fim, nos casamos. E somos marido e mulher e seremos felizes e...
Mas sei que eles não irão entender. Eles não entendem o nosso amor, o nosso elo, a minha devoção, não entendem...
Então eu o abraço mais forte, tentando, mas não conseguindo mais sentir seu característico cheiro. Fecho os olhos e me entrego.
Fim.
Nota da autora: (24/12/2015)
Bom, você consegue me perdoar por esse final chocante? Pelo menos eu espero que tenha sido chocante pra vocês hahaha. Só pra falar, essa história, apesar de ser parte do ficstape da Lea, teve inspiração também no clipe: Hotel Celling - Rixton, e talvez quem conheça muito bem o clipe ou tenha sacado a referência no começo tenha descoberto qual seria o fim da história. Mas, sinceramente, espero que vocês só tenham descoberto nas últimas linhas, afinal, é muito mais interessante assim hahaha.
Eu sei que essa fic é bem louca e diferente, mas, sei lá, se curtiram - ou odiaram, tem grande chance disso ter acontecido - comentem aí.
Quero agradecer a Diih, beta maravilhosa do ficstape e das minhas fics; e a Fê, que me mostrou o clipe bem antes de eu entrar no ficstape e acompanhou cada passo até aqui.
É isso. Beijos, Bruh Fernandes.
Qualquer erro nessa atualização são apenas meus, portanto para avisos e reclamações somente no e-mail.
Para saber quando essa linda fic vai atualizar, acompanhe aqui.
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