sentia-se a Alicia Silverstone no videoclipe de Crazy, da banda Aerosmith. Seu cabelo bagunçava com o vento gostoso que aliviava o calor de New York enquanto ela atravessava a Brooklyn Bridge. Ela não queria olhar pra trás, muito menos precisava fazer isso. Pela primeira vez na vida sentiu que tinha feito a coisa certa, que tinha deixado as cartas na mesa, literalmente. Pode parecer covarde ir embora sem dizer um adeus apropriado, mas ela sabia que esse era o único jeito de conseguir partir. Quando chegasse em Manhattan, ela não fazia ideia de que caminho seguiria. Poderia ir para o jazz de Nova Orleans, ou para a loucura de Las Vegas. Também nem precisava sair da cidade, porque depois de muito tempo ela descobriu que Nova York não era só Bed Stuy.
Foi fácil para encontrar uma fina pilha de papéis sobre sua mesa depois de perceber que não estava em canto nenhum da sua casa. A parte complicada foi ler tudo aquilo e ficar em paz consigo mesmo. Ele não era estúpido o suficiente pra ficar com a consciência limpa depois de ler as palavras dela.
“Bom dia, . Estava procurando alguém? Sabia que encontraria isso rápido, fiz questão de deixar bem visível. A hora que você acorda é provavelmente a unica que você está sóbrio e eu não queria arriscar que você não entendesse uma palavra que escrevi. Eu era uma criança quando cheguei aqui. Não exatamente de corpo, ou de idade. Mas eu não fazia ideia de como era o mundo, ou o que fazia sentido e o que não fazia dentro dele. Por isso eu te achei o máximo. Incrível. Você pra mim era a definição de liberdade, e liberdade era o que eu precisava naquele momento. Por isso que eu fui até você naquela tarde. Por isso eu bebi um copo de licor antes de te dizer um oi - eu queria parecer descolada. A verdade é que eu e você sabemos que eu não precisava me esforçar muito. Você só tinha que perceber que eu era parecida com todas as outras meninas novas que você orgulhosamente listava para os seus amigos. E diferente de você, odeio ser uma delas. Não quero que você ache que eu odeio você ou tudo que eu passei do seu lado. Eu gosto de uma coisa ou outra, sim. Você me ensinou muito, , e por isso eu sou muito grata. Muito obrigada por me fazer menos tonta, apesar da forma muito errada de me mostrar isso. Eu queria que você fosse o herói que eu achei que você era, . Que você fosse sempre o cara que fez um discurso apaixonado pra mim na primeira semana em que nos conhecemos. Queria que você se encaixasse no meu conto de fadas e eu pudesse ser feliz com você pra sempre. Queria que eu tivesse motivos pra não ir embora e continuar rolando na sua cama e caindo no seu abraço. Eu lutei tanto pra isso. Eu te perdoei tantas vezes. E eu caí tantas outras até perceber que você não vale o meu esforço. Uma vez você disse que eu era ‘só uma riquinha mimada que quer chamar a atenção do papai’. Pediu perdão dez minutos depois, com a desculpa de ter ficado chateado quando não te contei porque eu enfiei roupas numa mala e arrastei o carro pra fugir de casa com 18 anos na cara. Eu te conhecia a três semanas. Eu não tinha a obrigação de te contar nada. Eu deveria saber que isso não é desculpa pra que você fosse um completo idiota. Sempre quis saber porque você queria tanto saber tudo sobre mim, e agora eu sei: você é o único que pode ser enigmático nessa história. Você tem que ser o badboy misterioso que deixa todas as meninas encharcadas com um olhar fulminante. Você tem que cumprir o seu padrão de John Bender. Honestamente, péssimo trabalho. O John é infinitamente melhor que você. Então, , você vai morrer sem saber.
Você provavelmente não lembra, mas eu morri de medo da primeira vez que te vi “fora de si”. As aspas são porque eu não sei quem é você de verdade, então a cocaína talvez não significasse nada. Eu achei que você fosse morrer, por um momento. Eu fiquei louca. Você era a minha salvação, eu apostei tudo em você e não iria suportar viver sem você. Eu chorei por você, . Chorei pela sua morte que nunca aconteceu. Chorei por pensar que você não se importaria em me deixar sozinha. O seu discurso da segunda fase do romantismo já tinha me mostrado que você não dava a mínima para a morte e tinha até certa afeição por ela. Foi a primeira vez que eu passei a noite acordada, chorando de desespero e de tristeza e esperando que você voltasse pra mim. Foi a primeira rachadura que surgiu em meu peito. Queria que tivesse sido a última.
Eu aprendi a lidar. Depois de uns meses eu até conseguia fumar e não precisar fingir que gostava. Descobri que a gente se acostuma. A gente se acostuma a passar a noite bebendo, a transar num quarto de um motel de beira de estrada, a correr de policiais e a achar que tudo vale a pena se for por amor. Que tudo é perdoável se for por amor. Que todo ser humano pode mudar por amor.
Você não mudou. Você continuou falando merda, enchendo a casa de amigos podres, me fazendo acreditar que eu era tudo que você precisava, me apertando em seu abraço, me convencendo a ser sua quando eu deveria ser apenas minha. E eu, que achei que você fosse o amor da minha vida, descobri que você nem mesmo se importava com ela. Por isso eu decidi que não ia me importar com a sua também.
Talvez você esteja esperando uma lágrima manchando o papel com a tinta da caneta. E não duvido que seja prepotente o suficiente pra esperar qualquer vestígio que diga que eu sentirei sua falta. Pra ser honesta, eu espero que você se foda. Que sua vida vire um caos sem mim. Que você se sinta destruído como eu me senti quando suas mãos foram invasivas demais. Eu espero que você sofra, ao menos um pouco, . Não posso mentir sobre isso. Mas, mesmo que minha alma escorpiana guarde todo o rancor possível de você, seja feliz . Exploda de felicidade. E se você não conseguir, não tem problema, porque não faz diferença ser feliz quando você não é capaz de fazer ninguém ser.”
levantou da cadeira depois de alguns minutos encarando a caligrafia pontual de . Andou pela casa sem ter muito o que fazer. Ele mal se lembrava de qualquer coisa que tenha feito antes de ler aquilo. E, pra ser sincero, ainda não deve lembrar da metade. De , porém, ele talvez nunca vá esquecer. Dificilmente se lembrará dela como a garota que amou. Ela será a única que foi capaz de lhe deixar.
E com muito orgulho disso, ela dirigia pelas ruas nova iorquinas com entusiasmo. Porque tinha muita coisa pra viver, muita coisa pra conhecer. Tanta estrada que ela sempre teve medo de percorrer sozinha e que agora, sem pai viciado em baralho e namorado viciado em estupidez, ela conseguia se guiar com maestria. Com 19 anos e uma infinidade de vida e possibilidades pela frente, mesmo sabendo que nem tudo sempre vai ser tão fácil, nunca se sentiu tão livre.
Fim
Nota da autora: Olá c: primeiro queria dizer que não tinha a intenção de fazer uma oneshot, mas meu computador riu da minha cara e perdi toda a história. Não tinha tempo pra refazer tudo e não queria deixar de participar, principalmente com esse tema MARAVILHOSO. Então usei desse formato e "compactei" a história que eu tinha preparado na carta da pp. Queria fazer mais, mas a vida tem dessas. De qualquer forma, espero que agrade! E escutem Halsey! Ela é maravilhosa, vale a pena, juro ❤ xx