CAPÍTULOS: [Único]









Quando eu tinha dez anos ganhei um DVD da Britney Spears no meu aniversário. Meus pais não entenderam porque eu preferi assistir ao show a brincar com todos os brinquedos que havia ganhado na festa. Isso fora o começo para em todas as tardes eu ficar em frente à TV e dançar todas as músicas dela, sentindo-me uma estrela.
O que meus pais achavam que era apenas uma fase, a cada diva do pop que eu conhecia, mais a minha vontade de ser uma artista aumentava. Então, com doze anos, eu pedi a eles que me colocassem em aulas de música. Foi aí que alguns acordes no violão passaram a ser sete instrumentos musicais.
Com alguns meses de aprendizado – e depois de aprender a música preferida de meu pai no meu violão – eles me matricularam em um coral. Eu odiei. No começo era algo completamente novo e aprendi muito, mas depois que percebi que teria que dividir o palco com centenas de pré-adolescentes e que, provavelmente, nunca teria um solo, eu pedi para sair.
Aos catorze anos eu já sabia que não queria dividir o palco com ninguém. O que não foi nada fácil quando, dali a quatro anos, quando estava na faculdade, formei uma banda e mandamos nosso vídeo para as audições em um programa nacional de talentos.
Não me leve a mal, de verdade, eu amo The Pussycat Dolls, Destiny Child, Spice Girls e todo o poder feminino que elas trouxeram. Mas para alguém que não consegue pisar no palco acompanhada foi difícil, principalmente nos primeiros meses. Fez-me pensar que aquela ideia de banda – que só aconteceu por insistência de amigos – não daria certo. Meu estrelismo durou um tempo. Achava-me superior às outras meninas, mesmo que nossas vozes fossem completamente diferentes. O que resultou em algumas brigas, obviamente. Para a surpresa de todos, a banda fez um sucesso absurdo. Fomos de etapa em etapa do programa cada vez mais confiantes. Ganhamos. Nesse momento que eu percebi o poder que nossa banda tinha e onde poderíamos chegar. A ideia de compartilhar aquele sucesso com alguém ainda era novo, mas, com o tempo, e a insistência de – que depois de alguns anos se tornou a minha mais leal amiga – nós ganhamos o mundo.
Eu amei o sucesso. Aproveitei cada segundo e o motivo de alguns artistas reclamarem da exposição, eu apenas amava cada vez mais. A banda durou sete anos. Sete CDs. Cinco turnês mundiais. Números incontáveis nas visualizações do YouTube. Desbancamos qualquer boyband que entrou em nossa frente e tínhamos, literalmente, o mundo a nossos pés. Não sei te dizer em quantas revistas nós já saímos, mas minha mãe tem todas elas guardadas. Ela é nossa fã número um e o meu lembrete diário de que aqueles anos foram essenciais na minha carreira.
Quando a banda acabou oficialmente quis fazer o que sempre sonhei: carreira solo. Foi aí que eu fui contratada pela gravadora Besser. Passei um ano produzindo meu CD, conheci artistas incríveis, fiz algumas parcerias, tirei dos meus antigos diários as letras que deram boas músicas e finalizei meu primeiro disco solo. Não podia estar mais orgulhosa de mim. O caminho fora longo para chegar onde eu sempre quis e o resultado do esforço foi foda!
Meu primeiro CD se chamava Hurricane. Era o nome da minha música preferida do álbum e meu pai sempre falava que essa música dizia muito sobre mim. I'm the best. I'm strong. I'm a hurricane and you can't handle me.
Então começaram as gravações do meu primeiro clipe solo e as coisas começaram a desandar.
Quando estava na banda toda decisão tinha que ser feita por nós quatro e nossa produção. Por sermos muito novas, ao menos no começo, tínhamos que seguir as instruções dos nossos produtores e por um tempo foi assim, até crescermos e aprendermos o que queríamos realmente.
Quando você faz carreira solo o mundo te pressiona mais e o que você achava que tinha o controle, na verdade, você não tinha o controle de nada.
Você deve conhecer inúmeros artistas que se voltaram contra o próprio mundo da música. Você não é livre totalmente para fazer o que quer, principalmente se for um artista muito POP. O problema era que ninguém me avisou isso.
Sou muito confiante com o meu corpo e com quem eu sou. Por ser tão bajulada por incontáveis fãs, seu ego acaba subindo. Porém, toda essa confiança e autoestima não adiantaram muito quando meu chefe me disse com uma voz regada de deboche e desdém: “Você não pode simplesmente fazer o que quer. Estamos trabalhando duro nesse álbum e nada pode dar errado. Você acabou de sair da banda e não querermos que passe vergonha. Será do nosso jeito.”
Imbecil.
Todas as cenas que eu estava mais sexy e mostrava mais partes do meu corpo foram cortadas. Simples assim. Sem o meu consentimento. Na verdade, havia o meu consentimento no maldito contrato que assinei antes de começar a produzir meu álbum. Sentia-me presa. De mãos atadas em uma empresa que um dia achei que fosse como uma casa. Gostava de ter tudo sobe controle e naquele momento eu só achava que era alguma marionete ou coisa do tipo.
A empresa fez com que o clipe ficasse do jeito que eles quisessem. Não pude opinar em absolutamente nada.
Então, nesse momento, usei o que minha mãe considera a minha maior qualidade: minha persistência.
Na minha cabeça eu tinha formulado um plano bem inteligente: iria entrar, na calada da noite, na gravadora e tentar editar o meu clipe que seria postado no dia seguinte. Mas eu percebi, logo nos primeiros minutos que adentrei no local, que esse plano não tinha sido minha ideia mais madura.
Não sei o que me deu em achar que iria entrar naquele lugar e conseguir sair de lá sem ser vista. A sala era cheia de computadores e ao contrário do que acontecia de dia ali, aquilo estava completamente vazio. Não quis ver minha cara quando percebi que não estava sozinha naquela sala. E não faço ideia porque não pensei na possibilidade de ter alguém lá.
- Oi. – o cara falou quando eu, tentando sair do local sem ser vista, esbarrei em uma das mesas fazendo barulho. Tirou os fones de ouvido enormes e me olhou. Suas sobrancelhas se levantaram e com a expressão de surpresa em seu rosto eu soube que ele me conhecia. É claro que me conhecia. Eu era famosa e aparentemente trabalhávamos na mesma empresa, mas o que me surpreendeu foi o sorriso que ele deu logo em seguida, levantando-se e estendendo a mão direita – Posso ajudar, Srta. ?
Segurei a mão dele rapidamente e voltei ao normal.
- Você trabalha aqui? – assentiu – Queria ter acesso a algum computador.
- Qual você quer? – ele abriu os braços como se tivesse me oferecendo o mundo. Olhei ao redor, procurando alguma diferença entre eles, mas eram completamente idênticos.
- O que eu pudesse ver a edição do meu clipe.
- Uau. – ele riu e voltou a se sentar – Você é a primeira artista que eu vejo querer colocar realmente a mão na massa. – dei um olhar sugestivo – Sem ofensas. Pode usar o meu. Cheguei mais perto e olhei para a tela, vendo o cara apertar algumas teclas.
- Se você me prometer que não contará para ninguém. – ele riu alto, antes de dizer, arrumando os óculos em seu rosto:
- Seria a sua palavra contra a minha. Eu seria demitido de qualquer jeito. – saiu da frente do computador e deu o lugar para que eu sentasse.
- Como vou saber que está falando a verdade? – o cara não respondeu de imediato. Depois de pensar um pouco, disse:
- Te ajudo.
Antes que pudesse dizer qualquer coisa ele pegou a cadeira mais próxima e sentou-se ao meu lado. Ajustando os óculos novamente, olhou-me realmente interessado no que eu ia dizer a seguir:
- Quero que fique do jeito que eu quero.
- Que seria...? – levantou as sobrancelhas, estimulando-me para que eu falasse mais.
- Não quero censura. – o rapaz pareceu pensar – As partes sexys, nerdzinho, quero que continuem.
- Nerdzinho? – ele riu.
- Você ouviu o que eu disse? Sim, nerdzinho.
- Eu concordo, Srta. .
- Não precisa me chamar assim. – neguei e ele chegou mais perto para ter uma visão melhor da tela do computador.
- Então não me chame de nerdizinho. Meu nome é . – ele sorriu novamente e eu quis dizer que ele era sim um nerdzinho.
Por causa de sua roupa de super-herói, por causa do papel de parede do seu computador de algum seriado inteligente, por causa da mania que ele tinha de arrumar os óculos o tempo inteiro, por causa do seu cheiro de lavanda que provavelmente sua mãe que teria lavado. Por causa do cabelo grande puxado para trás...
era bom em editar, de verdade, era quase um dom. Quando contei que eu não queria censura, mas não tinha ideia do que fazer com as cenas, ele me ajudou. Fazia aquilo sempre, ele me disse. Já havia editado clipes de vários artistas e trabalhar com aquelas coisas era o que ele gostava. E dava para perceber quando o clipe foi finalizado e não pude deixar de sorrir satisfeita com o resultado.

-

Entrei com a cabeça erguida na sala do meu chefe, sem antes perceber que todos os funcionários daquele lugar me olhavam diferente. Uns com medo, outros desacreditados, alguns me julgando. Que pena, para eles, que eu não ligava para nenhum desses olhares. Quando acordei naquela manhã, recebi inúmeras mensagens, ligações. Foi então que eu percebi: o clipe estava no ar. Apenas entrei em todas as minhas contas das redes sociais e postei, seguida de alguns emojis e totalmente despreocupada com a reação das pessoas: “Clipe novo! Espero que tenham gostado! Xx” Entre ligações dos meus pais e da , recebi um que talvez tenha feito minhas pernas ficarem bambas: meu chefe. Não atendi, preferi ir até a toca que a cobra morava.
- Eu realmente não acreditei quando me disseram. – ele comentou, assim que entrei em sua sala e sentei em uma das cadeiras.
Vou fazer uma breve descrição do meu chefe: Richard Lex. Ele era, basicamente, um homem horrível. Antes fosse à aparência, porque aquele filho da puta tinha uma beleza fenomenal, o problema era sua mania de falar com autoridade, com um tom de voz regado de ironia e grosseria, como se eu fosse uma pessoa incapaz de entender o que ele falava. Era o tipo de homem que se achava a última bolacha do pacote, simplesmente por ser homem, e tinha acabado de se separar de uma mulher legal demais para ele. A situação era tão tensa, que lhe faltavam modos até para comer, percebi esse fato quando concordei em almoçar com ele e tive que o ver abrir a boca cheia de comida para conversar comigo.
- Duvidou da minha capacidade? – levantei as sobrancelhas e a sua carinha linda não deixou de estar com as sobrancelhas curvadas em pura irritação – Eu disse que queria do meu jeito.
- Acontece, , que na minha empresa as coisas acontecem do meu jeito. – bateu na mesa e eu olhei para suas mãos, em que uma delas reluzia um anel.
- O clipe é meu, a música também, assim como o álbum inteiro! – rebati, sem levantar a voz.
- Preciso repetir quantas vezes sobre o contrato que você assinou?
- Aquele pedaço de papel não vale nada perto das horas que eu passei trabalhando nesse álbum. – ainda estava calmíssima respondendo todas aquelas perguntas desnecessárias.
- Sempre achei a sua personalidade de bad girl seu pior defeito e hoje só tenho certeza disso. Você não pode fazer o que quer. Você não trabalha sozinha aqui, ! Existe toda a equipe que...
- Ah, não me venha dizer que você está preocupado com “a equipe”! – debochei, cortando sua fala – Você só se importa com a sua empresa, com o seu dinheiro e foda-se quem estiver no meio para atrapalhar!
- Tem razão, foda-se quem atrapalhar! Falando nisso, obrigada por denunciar o seu amiguinho da sala de edição, ele agora está demitido. – falou manso e o olhei desacreditada.
Tive um pequeno baque. Não acreditava que tinha sido demitido e que eu tinha sido a culpada daquilo.
- Pode recontratá-lo. Eu que dei a ideia. Acho melhor me demitir. – desafiei e pude ver seu semblante mudar para preocupação.
Era aí que eu ganhava aquela batalha. Richard jamais iria me demitir. Eu era boa demais, famosa demais, e existiam inúmeras gravadoras que estavam esperando pelo momento que ele fizesse aquilo.
- Não vou recontratá-lo, tenho filmagens dos dois naquela sala, . Tampouco vou demitir você e nem tirar seu valioso clipe do ar. – levantei as sobrancelhas – Quero ver o que a mídia vai falar, os comentários, as críticas, quero muito material para um dia poder te processar.
Não respondi nada, até porque eu não tinha nada em mente. Apenas uma dúvida pairava em mim:
- O que tem de errado com meu clipe?
- Nudez demais. – falou prontamente – Pensei que se preocupava, como qualquer outra mulher, que todos te chamem de vadia.
- Se ser chamada de vadia é ser confiante com meu próprio corpo e com quem eu sou, sim eu sou bem vadia mesmo! – nós já tivemos aquele diálogo milhares de vezes, mas eu ainda não conseguia entender como sua mente funcionava no século passado, mesmo depois de tanta evolução do mundo – O que eu não entendo é o porquê de tantos caras aparecerem sem camisas nos clipes e aí não existe censura.
- Você quer saber o porquê? – assenti – Porque eles são homens. Eles podem. Levantei-me indo em direção à porta. Não conseguia ouvir nada vindo dele. Sentia que as aulas de defesa pessoal seriam bem úteis naquele momento, mas eu ainda não estava preparada para ser presa. Ainda.
- O que está fazendo? – gritou.
- Indo embora.
- Então melhor levar isso. – o ouvi falar e virei com a maior cara de desdém que pude. Era um maço de papéis – É uma cópia do contrato que você assinou, talvez você queira realmente ler dessa vez. Talvez você aprenda alguma coisa. – esticou a mão e eu peguei, mas não andei até a porta e sim até a lata de lixo, jogando tudo lá dentro. Ele me olhou incrédulo, antes de soltar a seguinte frase, que fez o meu sangue ferver: -Você é louca.
- Acho bom não esquecer que é a louca aqui que enche o seu rabo de dinheiro. – dei as costas para o cara, ignorando todos os pedidos para que eu voltasse.

-

Quando abriu a porta entrei sem dizer qualquer coisa para ele. Tinha decorado a rua de seu apartamento quando dei carona para ele na noite passada. Era o mínimo que podia ter feito pela mãozinha que ele me deu.
- Oi? – falou ao fechar a porta.
Sua casa era grande e branca demais. Sem pôsteres de seriados de nerds. Sem vídeo games e coisas do tipo.
- Como vai a vida de desempregado? – brinquei e ele riu. Sério, riu de verdade. E eu achando que o cara estava triste por estar sem dinheiro.
- Muito bem. Já estou pensando em qual série vou colocar em dia primeiro. – foi minha vez de rir. Talvez ele assistisse séries de nerd mesmo – E você? Como vai a mais nova estrela da música desempregada?
- Não fui demitida. – falei e ele pareceu surpreso.
- Que mundo paralelo eu estou vivendo onde a mulher sai por cima do homem na mesma situação?
- Sou valiosa demais para o Richard me demitir. – expliquei e ele murmurou um “hm”.
- O que vai fazer agora?
Eu não fazia ideia.
- Não sei. – levantei-me, andando de um lado para o outro naquela sala de estar gigante – Provavelmente vou ser demitida, sem antes levar um processo, não tenho ninguém ao meu lado para ajudar nisso e...
- Você não tá falando sério. – me cortou e eu lembrei-me que ele estava ali, parei em sua frente e ele me olhava como se eu fosse uma idiota. Olhei para ele da mesma forma – Se esqueceu dos seus fãs?
- O que quer dizer?
- Como pode dizer que não tem ninguém para te ajudar nisso?
- Não estou entendendo.
- Como você pode dizer que não tem ninguém com tantos fãs dispostos a te ajudar?
Como um estalo eu me toquei: eu tinha milhares de seguidores, pessoas que me acompanhavam e gostavam do meu trabalho. Eu não estava sozinha nessa.
Peguei meu celular, já preparada para escrever alguma coisa...
- Não! – veio até mim e segurou o aparelho – Um texto não!
- O que tem em mente, ? – sorri travessa, entendendo que o rapaz já tinha um plano.
- Bem, se foi um vídeo que causou tudo isso, por que não faz outro vídeo dizendo tudo?
- Hm, tudo sobre...?
- Sobre o que está na cabeça agora. Um desabafo e um aviso também. Mas tome cuidado, a internet é um lugar perigoso também. É melhor escolher bem as palavras.
- É uma ótima ideia, , obrigada. – sorri para ele que devolveu meu celular e só então eu olhei para o aparelho novamente.
Não tinha lido nenhum comentário, nenhuma crítica, nenhum site, nenhuma mensagem. Não estava nervosa e provavelmente não ligaria para a opinião alheia, mas eu não queria ser mal interpretada. Não queria que as pessoas escutassem os outros além de mim. Eu fiz a letra, a música e o clipe, além de ser quem aparece nele. Queria ser ouvida, colocar no mundo o que eu queria passar, a minha versão da história, não a versão do cara que me fez assinar um contrato.
- Não sabe por onde começar, né? – perguntou, tirando-me de meus devaneios. Neguei um pouco preocupada.
Sentei-me ao lado dele, deixando meu celular na bolsa e olhando fixamente para algum ponto específico da sala enquanto tentava tirar alguma coisa da mente.
- Pode voltar a fazer o que estava fazendo antes, jogar ou assistir The Big Bang Teory. – falei e me olhou ofendido – Eu sei que estava fazendo algo antes de eu chegar.
- Não sei o que você acha de mim, , mas eu não sou nerd. – concluiu depois de rir do que eu falei.
- Ah, não? E essas suas camisas de super-heróis? Os seus óculos? – desafiei e ele gargalhou olhando para a minha cara, quase me deixando sem graça.
- Não acredito que está me estereotipando, . Pensei que era por esses estereótipos que você queria fazer o vídeo. – levantou as sobrancelhas e eu fiquei muda, sem resposta mesmo.
Era tão difícil alguém me deixar realmente sem resposta. Então olhei para frente, pescando qualquer coisa na minha mente.
- Não acredito que deixei sem fala. – deu-me uma cotovelada e eu ri um pouco sem olhar para ele.
- Cala a boca, .
- E para deixar bem claro: eu estava vendo Doctor Who, não The Big Bang Theory. – gargalhei de sua animação e quando dei por mim ele já estava tagarelando sobre, segundo ele, a melhor série do mundo.

-

“Sou uma garota má.
Onde estão todas as minhas garotas más?”


“Alguns de vocês me acompanham desde quando a banda estava junta, desde que eu era mais nova e ainda não tinha certeza do que eu queria fazer na música. Alguns de vocês chegaram agora, outros provavelmente só estão assistindo isso porque não gostam de mim, mas tenho certeza que a maioria de vocês me conhece.
Esse ano realizei o sonho de lançar meu primeiro CD solo. Para quem vive nesse mundo da música sabe como é difícil viver da arte e por mais que eu seja talentosa e imensamente grata a banda e as meninas eu sei que tive muita sorte. Infelizmente o mundo está cheio de talentos que nós nunca vamos saber porque as oportunidades não são as mesmas para todos.
Mas além da minha sorte e oportunidade, eu também fui vítima do desejo de consumo do mundo. Eu sempre ouvi de inúmeras gravadoras que nós tínhamos que mostrar o que os espectadores queriam ver, nós tínhamos que fazer por eles e o que eles queriam. Por um lado, eu concordo que nós vivemos em uma troca, eu amo meus fãs e apenas retribuo o que todos eles já fizeram por mim. Mas outro ponto é que eu também tenho que fazer o que eu gosto, o que me sinto satisfeita em mostrar, colocar o meu coração, sentimentos e até a minha alma no meu trabalho, as coisas que eu sinto.
Infelizmente nós vivemos em uma sociedade de espetáculo e eu digo isso porque até inconsciente nós mostramos para o mundo o que eles querem ver.
Por muito tempo eu fiquei em uma gravadora que o que eu achava que era uma casa, se tornou um inferno. No começo era mil maravilhas, eles mostravam o que eu e minha banda deveríamos fazer e nós fazíamos. Talvez por sermos muito novas, ou por acharmos que não poderíamos dispensar aquela oportunidade e que não tínhamos escolha. Mas nós tínhamos. Nesse caso talvez a escolha fosse uma quebra de contrato, mas nós tínhamos. Não me entendam mal, os anos que passei na banda foram essenciais e não me arrependo de nada. A única coisa que me arrependi foi de me calar.
Nós não queríamos contestar nossos chefes, não queríamos desapontar nossos fãs e queríamos, a todo custo, dar ao mundo o que eles queriam de nós. Esse, sem sombra de dúvidas, foi o nosso maior erro.
Eu demorei para me achar, para saber o que eu realmente queria na música e quando consegui fazer isso, depois de tempos planejando e trabalhando duro no meu CD, eu percebi que finalmente poderia fazer o que sempre quis. Pensei que poderia fazer do meu jeito.
Talvez pela minha euforia e ingenuidade em acreditar em algumas pessoas fizeram o meu baque ser maior.
Vocês me conhecem, sabem quem eu sou e como eu sou. Não sou de levar desaforo para casa e vocês sabem que não fico calada, mas dessa vez eu precisava de mais. Precisava gritar para o mundo a verdade.
A verdade é que eu sou confiante com meu corpo, a verdade é que eu amo quem eu sou, a verdade é que eu não tenho medo das pessoas, mas a verdade também é que eu, infelizmente, não tenho o controle de tudo na minha carreira.
Hoje eu lancei o meu primeiro vídeo clipe solo. Nunca estive tão feliz com o resultado, mas isso só aconteceu porque eu mesma – com ajuda de um amigo – consegui editar tudo do meu jeito e ter o resultado que eu queria. Percebem o que eu tive que fazer para conseguir fazer o meu clipe, do meu CD que eu compus para realizar o meu sonho? É triste dizer isso, mas eu tive que fazer.
Fui proibida de mostrar algumas partes do meu corpo no clipe, fui proibida de dançar como eu queria, fui proibida de incentivar inúmeras mulheres a se sentirem libertas como eu me sentia. Fui proibida porque editaram o vídeo para que nada disso aparecesse.
Quero que entendam, com esse vídeo, como a indústria da música é podre e injusta. Principalmente com nós, mulheres.
Eu sinceramente não sei se vou ser demitida, se vou ser julgada, se vou ser apontada como vilã, mas como eu tenho um certo poder de influência e uma janela enorme para falar com tanta gente, eu simplesmente não podia ficar calada vendo tudo isso acontecer. Eu não preciso citar os artistas que já falaram inúmeras coisas parecidas com o que estou falando agora e sei que vocês estão pensando em cada um deles.
O que eu quero falar com tudo isso é: mulheres, não se calem, não aceitem qualquer coisa, dialoguem, questionem, não façam parte de algo tóxico, sejam vocês, façam o que gostam e, por favor, corram atrás de tudo o que vocês mais desejam. É difícil demais viver do que você sonha, há inúmeros obstáculos e é uma luta diária, independente do que você faça e não tem ninguém, além de você mesmo, que deve acreditar mais em você. Bem, eu acredito em você e espero que você acredite também! Vá por mim, confiança é tudo! E essa é a maior mensagem que eu tento passar.
Mas o que eu gostaria de pedir também é que sejam mais justos com as mulheres. E falar isso parece tão básico, mas ainda parece estar tão longe. Eu sempre incentivo o poder de todas nós e sei que juntas vamos conquistar tudo. Infelizmente já tive que ouvir muita coisa sobre esse assunto, o mundo é injusto, pincipalmente se você fizer parte de uma das minorias. Fui chamada de vadia por mostrar o meu corpo e ainda tive que ouvir comparações com alguns artistas homens e sei que vocês podem citar inúmeros artistas masculinos que também escracham a nudez em seus clipes e shows. A pergunta que eu faço é: por que eles podem e eu não?
Tenho a impressão de as pessoas me julgam por ser a pior mulher do mundo por mostrar o meu corpo e por dar essa abertura para tantas mulheres serem confiantes também.
Então, eu quero convocar todas as mulheres que eu puder atingir com esse vídeo. Quero dizer que esse vídeo é para vocês e perguntar onde vocês estão, o que estão fazendo para mudar isso tudo, como estão lutando?
Nós estamos em uma época de debater e compreender todos os lados e a empatia é a melhor coisa do mundo. Quero viver em um mundo justo, quero equidade e quero ser aceita, independente de quem ou como eu for. E espero que todas vocês também. Mas para isso, não podemos ficar caladas.
Por fim, quero que vocês reflitam com essa mensagem, quero que pensem no mundo em que vivemos e em como consumimos as coisas de todos os lados. Quero que sejam justos e partilhem desse conhecimento.
Compartilhe esse vídeo para todo mundo, empodere todas as mulheres que você conhece, seja justo e tenho certeza que você será uma pessoa boa.
Obrigada pela compreensão, pelo apoio e por me ouvirem.
Até a próxima e espero que tenham entendido o recado.”

-

Você nunca está preparado quando alguma coisa surpreende suas expectativas. É uma mistura de felicidade, alívio, surpresa e várias outras coisas. Não sei dizer qual foi minha reação exata quando vi que a internet estava um caos, minhas redes sociais apitavam com notificações a cada segundo e recebi milhares de mensagens de famosos sobre meu vídeo-desabafo e sobre meu clipe. Era louco pensar o quanto eu conseguia atingir com apenas um vídeo postado nas minhas redes sociais.
passou o dia conversando comigo, mais tarde recebi uma ligação da minha mãe e disse que não estava surpreso, pois ele já esperava. Não vou dizer que a ligação da minha gravadora me fez entrar em desespero. Pensei que em apenas uma ligação eu seria demitida. Não fui. Apenas porque foi o meu single de mais sucesso e eles não iriam querer me perder por isso. O problema maior era que meu chefe estava bravo comigo mesmo depois da ótima visibilidade que eu dei para sua tão amada gravadora.
As coisas mudaram quando, semanas depois do ocorrido, um processo bateu na porta do Sr. Lex acusando o cara de violência doméstica. Eu queria estar mentindo em relação a isso, mas era a mais pura verdade. Sua ex-esposa o denunciou. Aparentemente ele tinha acabado com o psicológico da mulher e saído ileso da situação. Nada novo no mundo em que vivemos.
O nome dela era . Fiquei surpresa em receber uma ligação do porteiro do meu prédio perguntando se a própria podia subir. Tive pouco contato com ela quando ainda era casada com Richard. Ela me abraçou e disse que meu vídeo a fez abrir os olhos para muita coisa. Disse também para que eu tomasse cuidado com o meu chefe e me elogiou até eu ficar sem graça. era maravilhosa e estava muito feliz. Era louco pensar no que ela devia ter sofrido e conseguido passar de cabeça erguida e hoje esbanjar aquele sorriso enquanto conversava comigo. Ela era uma das mulheres mais lindas que eu já havia conhecido. Por sua causa, Richard foi afastado de seu cargo. Ninguém queria um homem daquele no comando de uma empresa tão grande no século em que vivemos. E a internet deu um apoio em relação a isso.
- Espero que você continue encorajando as mulheres como você fez. Existem muitas que sofrem como eu sofri nas mãos de homens infelizes. É muito bom ter outras mulheres para te encorajar. – disse em um certo dia enquanto tomávamos uma cerveja e assistíamos TV.
De repente eu tinha ganhado uma amiga e nem havia percebido. Pensei no que ela disse e tive a consciência do que eu havia começado ao postar aquele vídeo. Foi um gesto tão simples, mas que fez uma diferença gigante para ela. O mais surreal era que além dela foram inúmeros e-mails e mensagens das mulheres que acompanhavam meu trabalho, contando histórias, desabafando e até agradecendo. Dias depois daquilo, descobri o significado de sororidade e o que eu poderia fazer para ajudar as mulheres do mundo. havia se tornado o meu melhor amigo. Passar a tarde conversando com ele assistindo qualquer bobagem na TV sem nunca ter sido desrespeitada era como viver em um mundo paralelo onde privilégio de gênero não existisse, o que era curioso de pensar porque essa educação deveria ser o básico de qualquer ser humano, mas depois de passar por certas coisas nós ainda ficávamos surpresas com atos assim. Ele era a prova viva de que nem todo homem era um Richard Lex. Depois do afastamento e prisão de Richard consegui que trabalhasse na minha equipe e ele era o responsável pela edição dos meus clipes. Agora a dona da Besser era uma mulher maravilhosa chamada Benedith Maya.
Depois de alguns meses eu saí na minha primeira turnê, levando as mensagens de encorajamento feminino, além de entrar em projetos incríveis que me apresentou com o intuito de exaltar a força da mulher.
As coisas haviam mudado tanto em tão pouco tempo. Ganhei amigos novos, conheci mais sobre a luta das mulheres, descobri mais da minha própria força, ajudei tantas delas e estava imensamente grata com tudo isso.
Aquilo era só o começo de uma luta que faríamos juntas.
No final daquele dia, depois de um show cansativo no México, recebi um telefonema da minha mãe. Ela fazia isso quando estava feliz por alguma coisa que eu havia feito. Dessa vez, quando atendi ao telefone, ela disse, sem rodeios, e eu não pude discordar dela: - Nunca estive tão orgulhosa de você.

“Essa vai para todas as garotas más ao redor do mundo. Mas ‘má’ não significa má, ‘Má’ significa boa, sabe?!”




Fim!



Nota da autora: (09.02.2017) De longe a CL é uma das minhas artistas preferidas. A mensagem que ela traz de encorajamento feminino faz o meu coração aquecer de orgulho dela, além da felicidade de viver na mesma época de uma artista, além de mulher, tão foda. Queria que você que não conhece o trabalho dessa moça, passasse a conhecer tudo o que ela faz, tenho certeza que não vai se arrepender.
Espero que vocês tenham entendido a interpretação que fiz da música e como coloquei ela no contexto da história. Eu amei criar essa protagonista e espero que vocês tenham gostado também.
Digam-me o que acharam, vou adorar saber, entrem no meu grupo do facebook e conheçam minhas outras histórias!

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Nota da Beta: Amei essa protagonista, super decidida, empoderada. E esse vídeo? Que palavras foram essas, gente! Arrasou, uhuul! Enfim, eu amei, meus parabéns, Carol!




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