Você guiou-se pelos próprios desejos essa noite e agora se encontra na maior decepção da sua vida. E quando nada mais parecia ajudar, ele ainda precisa dizer suas últimas palavras.
A lua alta e cintilante da noite iluminava a rua por onde ela passava.
A chuva era sua única companhia agora.
As gotas que caíam do céu escuro se misturavam às lágrimas de raiva que percorriam seu rosto por completo. Os passos apressados de seus saltos se chocavam com as poças de água que se formavam ao longo da extensão da rua sombria, formando uma lama que grudava em seus pés, tão firme quanto a cena que insistia em reprisar seguidamente em sua cabeça.
“Como pude ser tão estúpida de ir até lá? ” Era a pergunta que ela mais se repetia.
Um sábado à noite e uma festa sem convite. Era onde ela se encontrava há poucos minutos. O desejo e a estupidez foram maiores do que a obediência naquela noite. Contrariando a todos, ela decidiu que iria a qualquer custo. Arrumara-se da melhor maneira que sabia, usando suas melhores roupas e sapatos. Estava linda.
O prazer, o desejo, a ânsia de vê-lo estava sufocando-a.
O som alto da música pulsante anunciava de longe a festa da qual ela se aproximava. A casa estava realmente cheia. Muitas pessoas conhecidas, nenhum amigo.
Alguns mais atirados a cantavam, sem o menor pudor, visto quem era o dono da festa: seu namorado. Outros a olhavam, surpresos por sua presença tão inesperada.
Se aproximando do centro da sala, viu a imagem que transformara em pó todos os seus anseios de minutos atrás e que seria permanente em sua memória por um longo tempo, mesmo sem seu consentimento. Lá estava ele, beijando, acariciando, desejando outra em sua frente e para toda a festa ver. Não levou mais do que alguns segundos para constatar que de fato era ele. Assim como também não demorou até seus cinco dedos estalarem na face daquele que deveria estar sendo receptivo para com ela. Sentiu um nó formar em sua garganta, enquanto corria para longe daquele lugar, o qual ela tinha extrema repulsa agora.
Um forte trovão e o vento gélido que chicoteou sua pele descoberta anunciavam o grande temporal que estava por vir. O céu parecia chorar tão agonizante quanto ela.
Agora, seus passos apressados eram freados levemente por seu tornozelo torcido devido à corrida raivosa e desajeitada que ela fizera. A dor incômoda e a falta de senso de direção fizeram com que ela decidisse sentar-se no meio fio, sem se importar com a chuva torrencial que caía sobre si.
Olhou para sua frente e não conseguiu visualizar o fim da rua que se encontrava. Estava escura, totalmente deserta e com certo ar de suspense. Sentiu medo quando percebeu o estado em que estava: traída, suja, sozinha, sem amigos e provavelmente com uma bela gripe se formando em seus pulmões.
Amigos, ela lembrou, com um sorriso triste, sem perceber. Momentaneamente ela lembrou-se de , seu melhor e, no fundo, único amigo.
Aquele que parecia tornar o problema mais doloroso em suportável.
Com os restos que haviam sobrado de seu coração naquela noite, desejou com todo o carinho e saudade que estivesse ali, de volta. Com certeza, ele não a deixaria naquele estado e no provável perigo em que ela estava parada no meio daquela rua. Fechou os olhos, ofegante, sem forças nem vontade de mexer um dedo sequer.
“Acorda!” De imediato, isso fez com que ela despertasse do transe em que começara a entrar. Varreu a rua com os olhos, forçando, naquele escuro em que nada parecia ser o que é. Não via ninguém. Começou a juntar forças para levantar-se e sair dali o mais rápido possível. Quando já estava de pé, voltando a seguir o caminho, avistou uma luz ao longe. Pensou em um carro. Pelo menos alguma alma viva naquele local, já que ela não se sentia mais assim. A luz se aproximava na mesma velocidade que ela caminhava, desajeitada, devido ao tornozelo que agora já estava inchado.
Percebeu o formato da tal luz. Não parecia nada com carro. Era mais esguio, longo. Há poucos metros, ela paralisou com o medo que tomara conta de si. A mesma luz continuou seguindo ao seu encontro, até ela ver que aquela única luz, que iluminava toda a rua, era a de quem ela mais precisava.
- !? – Ela estava radiante de medo e emoção. Seus braços cruzados contra o peito tentavam desviar o frio que congelava sua pele molhada.
- Sim, sou eu. – Ele estendeu sua mão até ela que hesitou por alguns instantes. – Não precisa ter medo. – Até que se rendeu e se jogou em um abraço quente, apertado, verdadeiro. Ambos permaneceram assim por longos minutos. O mundo havia parado ao redor dela. Todo o conforto que ela tanto desejara fora atendido.
Em uma breve conversa explicativa sobre a aparição de , ela voltou a falar:
- Certo. Você é um fantasma agora? Tipo naquele filme Ghost?
- Pode-se dizer que sim. Mas sem aquela roupa cafona. Na verdade, eu voltei para lhe dizer uma última coisa antes de partir. Escute! – Ele disse antes que ela pudesse se manifestar. – Acho que agora você entende o porquê de eu não ir com a cara dele. – disse, lembrando o que sempre dissera para ela. – Eu vi tudo o que você passou essa noite. Você me deixou louco, sua maluca! – Falou, arrancado uma risada sem jeito dela. – Só me prometa que não vai mais procurar esse cara e se cuidar mais. Eu não estou mais aqui, lembra?
- Entendo. E peço desculpas por ter feito o que eu fiz hoje. Talvez esse tenha sido o jeito certo de ver o que era errado. – Ela olhava para suas mãos que estavam entrelaçadas as de que emanavam uma luz azulada, como um anjo.
- Tem mais uma coisa. – Ele respirou fundo em um breve silencio, antes de se aproximar vagarosamente, iluminando o rosto dela que estava incrivelmente pálido, devido ao frio e a chuva que agora, estava mais escassa.
Ao sentir os lábios de nos seus, ela sentiu uma corrente elétrica quente percorrer como um choque por seu corpo gelado, diferente de todas as sensações que ela havia sentido até então. A luz que iluminava se intensificara de uma forma magnífica, como se um raio cortasse sobre os dois.
- Eu sempre te amei. E sempre vou te amar. – Ele apenas disse isso, sorrindo e encostando sua testa na dela e fechando os olhos, aproveitando o lindo sentimento que rodeava os dois naquele instante. Ela havia esquecido totalmente o vocabulário. Tinha medo de que se abrisse a boca para dizer algo, poderia arruinar com aquele momento tão mágico, sobrenatural. Apenas sorriu, consentindo as palavras de , fechando os olhos. – Adeus.
Com um beijo em sua testa, ele se despediu. Quando se deu por si, ela estava no meio de seu quarto, sozinha e confusa.
Extasiada com o momento ocorrido há segundos atrás, uma felicidade desconhecida dos humanos tomava conta de seu peito, e uma paz interior a fazia se sentir extremamente confortável consigo mesma.
Aquela havia sido a pior e melhor noite de sua vida, fato.
Aquela havia sido a noite mais trágica e mágica de sua vida, fato.
Sonho ou realidade, aquelas breves memórias seriam impossíveis de esquecer, nem se ela quisesse.
O coração? Seus pedaços não se colariam tão rápido, mas ela iria sobreviver para manter vivo em seus pensamentos. Assim era , tornava o problema mais doloroso em suportável.
Agora ela sabia que não estaria sozinha, nunca.
Ela tinha um anjo apaixonado que a guiava.