Finalizada em: 23/05/2021
Music Video: Girls Like Girls - Hayley Kiyoko

Capítulo Único

O gosto metálico de sangue era a única coisa que null conseguia sentir. A ferida na testa já tinha parado de sangrar e sua cabeça não latejava mais. A mente da garota era pura confusão. Muita coisa tinha acontecido em um curto espaço de tempo. Parecia que flutuava enquanto pedalava de volta para casa, quase que em um modo piloto automático.


null não sabia muito bem o que esperar quando recebeu o convite. Passar o dia com null seria maravilhoso, e seria melhor ainda se o idiota do namorado dela não estivesse junto. Josh era desprezível, não existia palavra melhor no mundo para definir o caráter dele. Mas null era apaixonada por ele. E isso destruía null. Elas nunca brigaram por isso, mas null sempre tentou abrir os olhos da melhor amiga. null merecia mais, muito mais…
De manhã, depois do café, null pegou a bicicleta na garagem e pedalou pelas ruas do subúrbio da Califórnia. Era um dia bonito, o sol brilhava intensamente, não tinha nuvens no céu e uma brisa fresca fechava o pacote. As borboletas no estômago se manifestaram quando ela deixou a bicicleta no gramado da frente e tocou a campainha.
null sorriu ansiosa e sentiu o coração errar uma batida quando null abriu a porta com um sorriso iluminador. As duas se abraçaram por alguns segundos. Parecia que não se viam há anos, quando na verdade tinham se visto na noite anterior. null fechou os olhos e inspirou o perfume adocicado que emanava de null. Ela não costumava gostar de essências tão suaves, mas combinava tão perfeitamente com null que passou a ser seu cheiro favorito no universo.

— Finalmente chegou, tampinha! — Josh surgiu atrás de null e as duas se separaram. null deu um sorriso forçado e o garoto a agarrou pelo pescoço, bagunçando seus cabelos. — Vem, null.

Ele puxou a garota para dentro da casa. Poderia até parecer que ele era um cara legal, mas era puro fingimento. Se null pudesse, enfiava um soco naquele nariz feio. null pegou a mochila das costas de null e levou para o quarto, deixando o namorado e a amiga sozinhos. O sorriso falso de Josh sumiu rapidamente, dando espaço para um olhar de desprezo.
Só Deus sabia o quanto Josh tinha tentado separar as duas amigas. Desde que foi apresentado a null, ele não gostou da menina. E tinha a impressão de que o sentimento era recíproco. Ele tentou dar em cima dela e até arranjá-la com vários de seus amigos, mas nada adiantou, elas continuavam super grudadas, quase como uma única pessoa. A ficha de Josh caiu um pouco depois, quando reparou numa troca de olhares das duas. null era mais carinhosa, alegre e cuidadosa com null, de um jeito que nunca foi com ele. Josh já desconfiava que null não fosse hétero, ela dispensava todos os caras da escola e ela era muito bonita, não era por falta de oportunidade. Ele começou então a reparar mais no jeito que as duas se tratavam, os toques, os olhares, as conversas… Elas não pareciam só amigas, amigas não se tratavam daquele jeito.
null sabia que Josh não gostava dela, mas não podia se importar menos. Ela não iria se afastar de sua amiga por nada nesse mundo, ainda mais por um moleque babaca como ele. Os dois sempre tentavam ao máximo manter uma boa convivência por perto de null, mas sempre que estavam sozinhos o ar pesava, como se pudessem simular alguma cena do Tarantino a qualquer momento.
null voltou sorridente do quarto, trazendo nas mãos um maço de cigarro que surrupiou do quarto dos pais. Ela colocou um cigarro nos lábios e acendeu com um isqueiro. null tragou e jogou a cartela para o namorado, que fez a mesma coisa. null observou Josh ir para o outro lado da cozinha e se debruçar sobre a mesa, mexendo no celular.

null, vem cá — null chamou, já sentada sobre a bancada.

null sorriu e se sentou junto à amiga. null soprou a fumaça no rosto de null, que sorriu acanhada, mas no fundo achou a cena extremamente sexy. Ela aceitou o cigarro quando null o colocou sobre seus lábios e soltou a fumaça devagar, olhando nos olhos da amiga. null desviou o rosto e acendeu outro cigarro.
Os três ficaram em silêncio por alguns minutos, o que permitiu a null imaginar cenários impossíveis. Às vezes ela pensava que null pudesse sentir algo a mais que amizade. Eram pequenos momentos como aquele (da fumaça), que a deixavam em dúvida. null se perguntava se não era óbvio o quanto ela estava apaixonada ou se null apenas não percebia. Ou percebia e se fazia de cega para não ferir seus sentimentos.
null só se deu conta de que estava sozinha na cozinha quando ouviu um barulho alto vindo do jardim dos fundos. Ela correu pela cozinha e sala de jantar e encontrou Josh rebatendo bolas com um bastão de beisebol numa árvore. null mexia em um rádio antigo que seus pais costumavam deixar perto da piscina. Ela sorriu largo quando achou uma estação e a melodia de uma música soou pelas caixas de som. null fechou os olhos e deixou seu corpo se mexer de acordo com a música. A cena era hipnótica, null não conseguia desviar o olhar. A pele bronzeada de null combinava perfeitamente com seus cabelos pretos, escuros como a noite. Ela poderia facilmente ser uma pintura em movimento, sua beleza era única e invejável. null abriu os olhos por um momento e sorriu de lado para a amiga. null sentiu as borboletas ficarem alucinadas no estômago.
null se deu conta de que encarava tinha tempo quando olhou para Josh, que tinha parado de arremessar bolas pelo quintal. Seu olhar não era nada agradável, ele poderia trucidar null naquele mesmo momento com suas próprias mãos. A raiva que ele sentia daquela garota era tanta que não conseguia nem explicar. Não sabia se eram ciúmes, inveja ou uma combinação monstruosa dos dois.

— Chamei os meninos do time para vir aqui mais tarde — ele soltou e tirou uma cerveja de um cooler.
— Josh! — null parou de dançar e encarou o namorado. — Se meus pais chegarem e tiver uma festa aqui…
— Relaxa, princesa, eles não vão saber de nada — ele interrompeu null e a abraçou pela cintura, que afastou seu corpo minimamente. — Vamos entrar na piscina ou o quê?

Ele perguntou com um sorriso no rosto e pulou na piscina. As meninas optaram por vestir uma roupa de banho adequada.
O quarto de null tinha paredes claras, tudo com um tom suave demais. null odiaria ter um quarto assim, mas a estética combinava demais com null. E era praticamente complementar com seu próprio estilo, um pouco mais sombrio, marcante e agressivo. A única decoração que tinham em comum era um pôster da One Direction. Na verdade, esse foi o tópico que null usou para puxar conversa com null no primeiro dia de aula. Oito meses depois, elas se tornaram melhores amigas. De vez em quando, null ria pensando que o favorito dela era o Louis e o de null era o Harry. A vida e suas estranhas coincidências.
null fechou a porta do quarto para que se trocassem e ficou de costas para null, do outro lado do quarto. null sempre respeitou a amiga, então sempre lhe dava privacidade. Ela, também de costas para null, trocou sua blusa e sutiã pela parte de cima do biquíni. Dobrou as peças e guardou na mochila, que estava encostada nos pés da penteadeira. Com os olhos no chão, null também vestiu a parte inferior do biquíni, e quando levantou o corpo para ajeitar o cabelo no espelho da penteadeira, viu o reflexo das costas de null. Se xingou mentalmente por observar as mãos da amiga darem o nó na cordinha do biquíni e se xingou mais ainda quando null virou e a encontrou encarando. Ao contrário do que null pensou, null não ficou com raiva ou constrangida, ela sorriu e desviou os olhos, quase como se estivesse tímida.
Elas voltaram para a área da piscina e Josh não estava em nenhum lugar visível. null empurrou a amiga na piscina, jogando água para todos os lados.

— Muito engraçado, null. — null surgiu na superfície, tirando o cabelo do rosto. Ela nadou para a borda e estendeu a mão para a amiga. — Agora me ajuda a subir.
— Você acha que eu sou otária? Você vai é me puxar. — null riu e deu uns passos para trás.
— Tudo bem. — null deu impulso e subiu na borda da piscina, ficando de pé. — Eu faço do jeito mais difícil então.

Ela deu um sorriso malicioso e se aproximou de null, que entendeu a intenção da amiga e correu para longe. As duas fizeram uma brincadeira de pique-pega ao redor da piscina, até que null conseguiu segurar a cintura de null e pulou na água.
null cuspiu um pouco de água quando conseguiu respirar. Ela não tinha percebido, mas null ainda segurava sua cintura e estava tão próxima que conseguia sentir o cheiro do chiclete de canela em seu hálito. As duas se encararam, pela primeira vez, com a mesma intenção: de absorver os mínimos detalhes no rosto da outra.
Josh voltava do banheiro com o celular em mãos quando viu as meninas na piscina. Ele tinha acabado de confirmar com Dylan, um dos amigos do time de beisebol, que hoje ele tentaria ficar com null. O corpo do garoto estremeceu de raiva ao ver a cena, seus olhos se recusavam a admitir que ele via aquilo, mas sua mente continuava a confirmar que era a verdade. Ele agora tinha a certeza de que as duas se gostavam. Mas ele não ia perder sua namorada fácil assim, ainda mais para uma garota.
Ele correu para o quintal e pulou na piscina no estilo ‘bola de canhão’, jogando água para todo o lado e estourando a pequena bolha que null e null estavam. Ele sorriu para a namorada e a puxou para um beijo, segurando em sua nuca e em sua cintura de forma possessiva, não deixando que ela saísse dos seus braços.
null desviou o olhar e nadou para a borda do outro lado. Pelo jeito sua mente realmente gostava de pregar peças. Um minuto atrás ela tinha certeza de que null poderia beijá-la e agora ela se atracava com o namorado. Ela observou o céu, agora com poucas nuvens e deixou seu corpo flutuar na água.

— Fazendo desejos para o universo? — null surgiu ao seu lado depois de um tempo.
— Sempre. — null sorriu sem tirar os olhos do céu.
— Qual foi seu desejo?
— Se eu contar ele não vai se realizar. — null ficou de pé e apoiou a cabeça sobre a borda da piscina. null se sentou e observou a amiga de cima.
— Não pode contar nem pra mim? — Ela fez um biquinho infantil que quase amoleceu o coração de null.
— Hum, não. — Ela fingiu pensar um pouco e respondeu. null olhou para trás e encontrou Josh deitado na espreguiçadeira com os óculos de sol no rosto. — Tem certeza de que é uma boa ideia trazer mais gente pra cá? Na última vez quebraram aquele vaso da sua vó e sua mãe ficou uma semana sem falar com você.
— Tudo bem, null. — null riu antes de falar, ela parecia nervosa. Também não sabia se era uma boa ideia convidar mais gente. — Eles não vão ficar por muito tempo. — Ela sorriu e se esticou para olhar o celular sobre a mesa. Josh, do outro lado do quintal, se levantou da espreguiçadeira e seguiu para dentro da casa em silêncio, nem se dando o trabalho de olhar para as meninas. — Hum, melhor a gente se arrumar agora. Não quero estar de biquíni quando eles chegarem aqui.
— Ah, com certeza. — null pulou da piscina e se enrolou na toalha. — Na última vez o Dylan ficou tentando me agarrar. — Ela revirou os olhos, mas sentia raiva só de lembrar daquele momento. Na próxima ela iria dar um tapa na cara dele.

Cada uma seguiu para um banheiro, null para o do quarto dos pais e null para o no quarto da amiga. Embaixo da ducha quente, null pensou nos sinais que recebia de null. Em certos momentos ela tinha certeza de que a amiga sentia o mesmo, em outros era como se tudo que tivesse percebido fosse fruto de sua imaginação (incrivelmente) fértil. Ela poderia ser sincera e abrir seu coração, falar tudo que sentia e parar de renegar seus sentimentos em relação a null. Talvez perdesse a amizade, mas já não aguentava mais a confusão dentro de si.
null desligou o chuveiro com a certeza de que conversaria com null, ela não podia mais se permitir ser atormentada por sinais que poderiam não ter significado algum. Ainda terminando de enrolar o cabelo na toalha, ela abriu a porta e encontrou null sentada na cama.

— Você pode pintar minha unha? Eu nunca consigo acertar a mão direita — ela pediu, segurando um vidrinho de esmalte na mão esquerda.

null se sentou ao seu lado e segurou a mão de null. Uma corrente elétrica percorreu seu corpo e do jeito que null reagiu, null imaginou que a amiga também tinha sentido. Elas não comentaram sobre, ficaram em silêncio enquanto o pincel do esmalte roxo deslizava sobre as unhas de null.

— Você ficaria linda ruiva, sabia? — null comentou baixo, observando os olhos azuis de null.
— Tá dizendo que meu cabelo dessa cor é feio? — null brincou, ainda concentrada no seu trabalho. null sentiu um pequeno pânico tomar conta de si.
— Não! Não foi isso, null, eu...
— Eu tô brincando, null. — Ela riu, interrompendo a amiga e a observou. — Eu já pensava em pintar de ruivo mesmo.

null suspirou um pouco aliviada. null era linda com o cabelo meio loiro acastanhado, mas o tom ruivo iria iluminar mais ainda seu rosto e seus olhos teriam mais destaque. O azul dos olhos de null era a única cor que null nunca poderia enjoar. Todas as outras cores do arco-íris jamais poderiam chegar aos pés da beleza que aquele azul tinha.

— Prontinho. — null sorriu, fazendo null sorrir junto. A morena observou as unhas pintadas perfeitamente.
— Eu faço sua maquiagem. — null ficou de pé e pegou alguns produtos da penteadeira, espalhando tudo sobre a cama.
— Por algum acaso você está dizendo que eu não sei me maquiar? — null tirou a toalha da cabeça e apertou os olhos na direção da amiga.
— Hum, sim. — null riu baixo e deu de ombros. — Não se esqueça que eu sou a maior guru de maquiagem que você conhece. Antes de mim você não sabia nem passar rímel sem borrar a cara toda.
— É verdade. — null riu e secou os cabelos com a toalha. — Mas se você fizer maquiagem princesinha eu te jogo na piscina de novo — ela ameaçou enquanto penteava os fios loiros.
— E eu te levo junto — null respondeu, mas no fundo desejou que pudessem repetir o acontecimento de mais cedo.

null se sentou na ponta da cama e deixou que null fizesse seu trabalho. Ela se concentrava em qualquer assunto aleatório que surgia em sua mente para não pensar no quão próximo o rosto da amiga estava do seu. null não demorou muito, fez o mais básico possível. Quando se aproximou a última vez para passar o gloss sobre os lábios de null, notou o quanto eles pareciam macios e desejou poder tocá-los. null baixou os olhos para null, que ainda olhava para sua boca, com o pincel parado no ar entre seus rostos. null abaixou a mão da amiga lentamente, o que fez null levantar o olhar e encontrar o azul dos olhos de null. A morena se aproximou mais e roçou seu nariz de leve no da loira. null suspirou com o contato. Agora ela sabia, não precisava dizer nada, null sentia o mesmo. Ela queria tanto puxá-la para um beijo, mas não quis apressar as coisas, queria que tudo fluísse naturalmente.

— O pessoal já chegou! — Josh gritou do corredor e null se afastou rapidamente. O rapaz apareceu poucos segundos depois na porta do quarto. — Tá tudo bem?
— Uhum — null respondeu, enquanto guardava as coisas de volta na penteadeira. — Só estava terminando a maquiagem da null.
— Ficou linda — ele fingiu um sorriso meigo e null o olhou. Ela imitou seu gesto e agradeceu.

Os três foram para a sala, onde já tinham quatro rapazes sentados no sofá, com mais uma menina que null reconheceu como namorada de um deles. Josh abraçou null de lado e null revirou os olhos, se afastando para a cozinha. Ela sabia que os meninos nunca se reuniam sem algum tipo de álcool, então revirou um cooler atrás de alguma coisa.

— As cervejas estão na geladeira. — Ela ouviu uma voz atrás de si e respirou fundo para controlar sua raiva.
— Valeu. — Ela ignorou Dylan e abriu a porta da geladeira, pegando uma garrafa.
— Você pode me agradecer com um beijo, princesa. — Ele sorriu de lado, fechando a geladeira.
— Hum, tentador, mas eu passo. — null passou por ele, mas sentiu um aperto em seu braço. — Me solta ou eu juro que quebro essa cerveja na sua cabeça.
— Agressiva. Eu gosto. — Ele sorriu e tentou puxar a menina para mais perto de seu corpo. null foi rápida em desferir um tapa ardido em seu rosto.
— Quantas vezes você vai ter que escutar um “não” até entender o significado da palavra? — Ela soltou seu braço e o empurrou no peito. — Vai se fuder, Dylan.

null conversava animada com um garoto e a outra menina sobre um assunto qualquer, e parecia não ter percebido o acontecimento na cozinha. null se jogou ao lado da amiga no sofá e tentou disfarçar o olhar de raiva em seu rosto. Josh procurou o amigo pelo ambiente e o encontrou com uma garrafa gelada de cerveja no rosto perto da mesa de jantar. Seu plano não tinha dado certo. As amigas já tinham outro assunto em pauta e Josh precisou agir rápido. Ele ficou de pé e puxou a namorada pela mão, prendendo o corpo dela contra o seu e distribuindo vários beijos no pescoço dela. null tentou se livrar do aperto do namorado, ela já estava incomodada e se sentiu ainda pior ao ver um brilho de tristeza nos olhos azuis que tanto gostava.
Quando conseguiu se soltar, se sentou de volta no sofá e pegou a bebida de null, tomando tudo de uma vez. Josh se jogou em uma poltrona, respirando fundo para não socar null. Estava ficando cada vez mais difícil de se livrar daquela garota.

O pessoal foi embora antes de escurecer, tinham recebido convite para outra festa que iria até mais tarde. O que acabou deixando null, null e Josh sozinhos em casa. null foi atender uma ligação de sua tia no quarto de null. A mulher dizia que tinha saído com o marido para fazer compras no mercado, mas que Eric ainda estava em casa. null garantiu que não chegaria tarde e que não tinha feito nada de errado.
A garota sorriu com a preocupação da tia, era bom ter uma figura materna. Ela não tinha contato com sua mãe há algum tempo, desde que saiu (ou foi expulsa) de casa. No ano anterior, null passou a morar com os tios e o primo, que agora eram sua única família. Ainda com 14 anos, ela já entendia que não era como as amigas. Enquanto suas colegas fofocavam sobre qual menino era o mais bonitinho da turma, null só conseguia pensar o quão bonita Lindsay era, e por muito tempo ela achou que cometia algum pecado por sentir por garotas o que suas amigas sentiam por garotos. Sua mãe sempre se mostrava preconceituosa com a comunidade LGBT, então ela nunca disse nada sobre o que sentia para ninguém. Exceto Eric. Os dois eram filhos únicos e se encontravam somente em reuniões de família, mas sempre se falavam por telefone e surgiu uma amizade tão forte que se consideravam irmãos. Um sempre protegeria o outro. null contou a ele sobre sua atração por meninas e a reação de Eric foi tão receptiva e alegre que ela passou a se sentir menos culpada por ser quem era.
Mesmo tendo seu primo/irmão para conversar abertamente, a ruiva sentia falta de alguém que a entendesse por completo. null procurou na internet fóruns para jovens LGBTs e em uma das salas de bate-papo encontrou Catherine. As duas conversaram por semanas, viraram noites trocando mensagens e confidenciaram segredos. Elas descobriram que moravam na mesma cidade, apenas frequentavam escolas diferentes. Em um dia que sua mãe disse que ficaria até mais tarde no trabalho, null convidou Catherine para sua casa para se conhecerem pessoalmente.
Tudo deu errado no momento em que a mãe de null voltou mais cedo do que o previsto e encontrou a filha beijando outra garota na cama. Angela não soube o que fazer, por um momento pensou que seus olhos a enganavam. Ela piscou várias vezes e viu que não estava errada. null ficou assustada com a reação da mãe, que empurrou Catherine para fora de casa com tamanha força que o braço da menina ficou roxo.
Mãe e filha tiveram uma briga enorme. null se viu encurralada e contou a verdade: ela gostava de meninas. Angela não acreditou, não aceitou e esperneou o máximo que pode. O pai de null se absteve da briga e apenas concordou com a esposa. Foi naquele momento que null se sentiu perdida. Seus pais não a aceitavam. E se a expulsassem? Ou pior, e se a mandassem para terapia de conversão? Ela lembrava que uma das pessoas com quem conversou frequentou um acampamento de conversão e disse que era tão horrível quanto parecia ser.
null correu de volta para o quarto e ligou para seu tio Albert, talvez ele conseguisse fazer a irmã criar consciência. Ele respondeu dizendo que já pegaria a rodovia e que chegaria à noite. Quando viu o carro prateado encostar na garagem, null correu para a porta da frente e abraçou seu tio. Albert conversou com a irmã e o cunhado, mas eles se recusavam a ter mente aberta. Angela deu um ultimato à sua filha: que juntasse suas coisas e saísse de casa o mais rápido possível. A menina ficou sem reação. Sua mãe… sua mãe realmente a estava expulsando de casa? Ela pediu, implorou, suplicou para que não fizesse isso. Mas não tinha mais volta, ela já tinha tomado sua decisão.
Albert voltou para casa com a sobrinha no banco do carona e diversas malas no banco de trás. A viagem foi silenciosa, null não queria conversas e Albert queria dar espaço para a menina.
Albert e sua esposa adotaram null como filha e deram todo o amor e carinho que ela merecia e necessitava. Eric passou a ser um irmão e amigo. null levava consigo as palavras que sua tia lhe sussurrou quando chegou pela primeira vez na casa deles: “Você nunca precisa esconder quem é aqui”.
Agora, quase completando 16 anos, null sabia que aqueles três eram sua verdadeira família e os amava incondicionalmente. Ela sentia raiva dos pais, mas sabia que um mínimo pedaço seu sentia saudades. A terapia ajudava a superar o trauma e null sabia que era sortuda por ter pessoas que a amavam, a apoiavam e ajudavam.
Ela guardou o celular no bolso traseiro da calça e voltou para a sala. O corredor era repleto de fotos da família de null. Os pais dela eram pessoas maravilhosas e os irmãos gêmeos eram incrivelmente engraçados. A família de null sempre fez null se sentir bem-vinda, a tratavam como uma filha e nunca perguntaram o motivo dela morar com os tios. null agradecia por aquilo, ela não tinha vergonha de dizer quem era, mas ainda tinha medo de falar em voz alta e ter uma reação parecida como a de sua mãe.
Josh ainda estava deitado na poltrona e parecia dormir, com uma garrafa de cerveja pela metade encostada em sua barriga. null passou por ele e saiu pela porta da cozinha, encontrando null sentada na borda da piscina, com os pés dentro d'água, parecendo pensativa.
O que null não imaginava era que null pensava em como terminar com Josh. Ela já amou o garoto, mas atualmente o sentimento mudara. Tudo o que deveria sentir pelo namorado ela sentia por sua melhor amiga. null se questionava se realmente era hétero havia algum tempo. Ela se sentia atraída por homens, mas também por mulheres. Seu irmão mais velho, Matt, era bi, e foi ele quem a ajudou a se descobrir. Mesmo namorando Josh, ela decidiu contar para sua família, sabia que eles a aceitariam, com Matt tinha sido a mesma coisa. E depois que null contou, ela sentiu como se um peso deixasse seu corpo. null começou a prestar atenção no jeito que null a tratava e o sentimento começou a surgir. Ela não queria mais ficar longe de quem realmente gostava, queria começar a construir a história das duas o quanto antes.
null se sentou ao lado da amiga e balançou as pernas na água. null tentava controlar sua mente confusa, pensando no que falar, mas não foi preciso. null segurou sua mão e sorriu, o que foi suficiente para ela ter a certeza que Josh já era passado. null sorriu e deitou a cabeça no ombro da amiga.
null já tinha decidido que contaria sobre seus sentimentos e aquela poderia ser a hora perfeita, as duas estavam sozinhas, Josh estava longe e elas tinham tido um dia divertido. Se tudo desse errado, pelo menos poderia se lembrar de como a amizade tinha sido boa e sincera.

null… — null chamou a amiga baixinho, antes que perdesse a coragem.
— Hum? — null levantou o rosto e fitou null de perto.
— Eu… eu — ela se atrapalhou e fechou os olhos, tentando inspirar fundo. Quando voltou a encarar null, ela a olhava séria. — Eu…
— Eu também — null a interrompeu. — Eu também, null.

null sentiu o coração disparar no peito. Aquilo era normal? As duas se inclinaram, os rostos se aproximando cada vez mais, as duas respirações embrenhadas, os olhos fixos na outra. null se permitiu sorrir antes de zerar o espaço entre as duas e roçar seus lábios contra os de null.
E de repente ela havia sumido.
Josh havia puxado o cabelo de null com tudo para trás e a jogou sobre as pedras do jardim. A garota achou que tinha desmaiado por um momento. Sua cabeça latejava e sua visão estava um pouco embaçada. Ela se deitou de bruços na grama e sentiu algo escorrer pela lateral de seu rosto. Passou o dedo de leve pelo líquido e se assustou ao ver que era sangue. null tocou o rosto, procurando a ferida, e encontrou uma abertura na testa, acima da sobrancelha. Sua boca também devia estar machucada, porque ela sentia o gosto metálico de sangue. Sua visão demorou um pouco para voltar ao normal, mas o que a fez acordar do choque foi a gritaria. Ela conseguiu se sentar e viu Josh gritar ferozmente com null, que segurava um dos lados do rosto e chorava alto. Ele tinha batido nela? null conseguiu observar null no gramado e sentiu mais vontade de chorar. A garota estava machucada e era culpa sua.
null não conseguiu (e nem tentou) controlar o impulso de socar a lateral da cabeça de Josh. O garoto caiu desnorteado no chão, mas isso não impediu que null desferisse diversos socos em seu rosto. Ela aplicou todos os conhecimentos que tinha sobre autodefesa e toda a sua fúria sobre Josh. O desgraçado a tinha jogado contra uma pedra e batido em null, nada no mundo poderia diminuir sua raiva naquele momento. A cada soco, null pensava em um memória com null: a primeira vez que se conheceram, elas dançando de noite, o dia na piscina, o momento do batom no quarto, o quase beijo de segundos atrás.
null só saiu de cima de Josh quando sentiu sua mão doer e alguém segurar sua cintura, a puxando para trás. null virou o corpo da amiga de frente para o seu e observou seus ferimentos. As lágrimas ainda deixavam seu rosto molhado, mas ela não se importou. null segurou o rosto de null com as duas mãos e também deixou algumas lágrimas escaparem.

— Me desculpa, me desculpa, me desculpa… — null pedia, enquanto sufocava um soluço e prendia uma mecha de cabelo atrás da orelha de null.
— Não é culpa sua — null a interrompeu e nunca encarou alguém tão seriamente em sua vida.

null confirmou com a cabeça e passou o polegar sobre o machucado na boca de null. Josh ia pagar por aquilo, ela o faria pagar. Ninguém nesse mundo tinha o direito de tocar em um único fio de null. Ela não deixaria isso para lá, ela queria justiça, queria que todos soubessem o monstro que ele era, que soubessem a podridão que ele escondia em seu interior.
null ainda encarava null, vendo a marca no rosto dela e sua raiva voltou. Ela queria socar Josh mais algumas vezes, mas não queria ser acusada de homicídio.
As duas se olharam e entenderam que o elo que tinham era muito maior do que amizade, era amor. null só se deu conta disso quando finalmente conseguiu beijar null.
Os lábios de null eram tão macios quanto ela imaginava e seu beijo era o melhor que já havia provado. O sangue e as lágrimas deixaram o beijo com um gosto mais esquisito, mas nenhuma das duas se importavam. Elas estavam juntas, e era isso, só isso. null segurou as costas de null e a trouxe para mais perto, sentindo a pele macia da morena se arrepiar com seu toque. Em resposta, null segurou nos cabelos de null, a prendendo em seus braços de um jeito protetor.
Quando finalmente se separaram, com as testas coladas, null sentiu que tudo estava certo em sua vida. Agora sim ela tinha a pessoa que amava do seu lado. null riu baixo, sem saber exatamente o porquê e abraçou null. Ela custou a acreditar que aquele momento era real, que não era um sonho seu. Ela tinha conseguido conquistar a garota dos seus sonhos.
Nenhum tempo no mundo seria suficiente para as duas, elas precisavam de mais. Seus corpos pareciam imãs, que não queriam se soltar de jeito nenhum. Com esforço, elas se separaram e se encararam.
Não precisavam dizer nada, elas já sabiam. Nada no mundo poderia separar as duas.


FIM



Nota da autora: Oie!
Confesso que enquanto escrevia Let’s be Friends, eu não parava de pensar que poderia contar a história de Naomi e Alyssa. E aí eu me lembrei do videoclipe Girls Like Girls e juntei uma coisa a outra. Quando mais nova assistia a esse vídeo ao menos umas cinco vezes ao dia, sem imaginar que um dia me assumiria uma pessoa queer (não foi uma surpresa, né?).
Como uma autora LGBT, me senti na obrigação de escrever uma história com essa temática. Sinto que ainda falta uma representatividade assim aqui no site e quero trazer esse conteúdo para cá. Então contar essa fic, mesmo que curta e baseada em uma história já existente, é um passo bem importante para mim.
Enfim, espero que tenham gostado. Não esqueçam de comentar o que acharam aqui embaixo!

Beijos! <3

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