MV: Miracle

Publicada em: 31/05/2019

Childhood

tinha suas pequenas pernas cruzadas sobre o estofado que a mãe havia mandado instalarem no parapeito da janela de seu quarto. Tombava a cabeça para os lados, observando o mundo lá fora como de costume. Viu a vizinha da frente saindo para buscar o filho na escola, a jovem da casa ao lado andando de mãos dadas pela rua com seu novo namorado e o cachorrinho da casa da esquina latindo para todos os carros que passavam, mesmo que fosse o de seus donos.
Estava esperando por algo novo. Algo que fizesse com que aquele dia pudesse ser diferente do anterior ou daquele antes dele. Qualquer coisa que pudesse ser diferente dos últimos anos.
— O que você está fazendo?
A garota não moveu um dedo sequer ao ouvir a voz da mãe, acompanhada de sua consequente aproximação.
— Olhando a rua - respondeu simplesmente.
— E já terminou seus deveres?
apontou para os cadernos abertos em cima de sua escrivaninha, repletos de operações básicas de multiplicação e divisão e exercícios de interpretação de texto.
Estava cansada daquelas lições repetitivas. Cansada de ter aulas em casa em vez de poder ir para a escola como via as outras crianças da rua fazendo. Queria ter uma mochila colorida, um uniforme estranho e amigos para discutir o que achava da professora. Sua mãe já tinha repetido inúmeras vezes como a escola não era tudo isso e, na verdade, os alunos nem gostavam tanto assim dela, mas não acreditava. Tinha certeza de que era uma tentativa de consolo. Como sempre.
A senhora Joon era uma boa pessoa e uma mãe dedicada à única família que ela tinha. Atendia seus pacientes pela manhã enquanto a filha estava sob os cuidados de sua professora particular e de uma enfermeira e passava suas tardes e noites em completa dedicação à garota. amava a mãe, mas gostaria de ver outros rostos e, principalmente, outro ambiente.
Havia crescido completamente confinada em sua própria casa e, em especial, em seu próprio quarto. Toda a educação, tratamentos médicos e lazer que conhecera se limitavam àquelas quatro paredes desde que fora diagnosticada com uma doença complicada que possuía um nome esquisito demais para que ela estivesse tão familiarizada com ele. Imunodeficiência Combinada Severa.
No começo, para compreender a dimensão do que tinha, sua mãe havia lhe contado uma história. Dentro dela, havia um exército com vários soldados menores que uma formiguinha. Eles deveriam lutar contra todos os bichinhos que tentassem entrar, impedindo que os mesmos atacassem partes do corpo dela. No entanto, os soldadinhos dela eram muito dorminhocos e se esqueciam de trabalhar. Por isso, ela deveria receber o tratamento em casa, onde seu quarto era limpo o suficiente para destruir todos os bichinhos antes que eles entrassem em seu corpo.
Àquela altura, ela já sabia que os soldadinhos eram células de defesa chamadas linfócitos e sua doença fazia com que eles fossem ausentes ou fracos demais para combater vírus ou bactérias que pudessem infectá-la. Após infecções quando era uma recém-nata, a mãe decidiu privá-la do contato com os agentes, priorizando os cuidados domiciliares em um ambiente claro e estéril.
deveria agradecer. Sabia que um resfriado era o suficiente para causar um estrago colossal em si. Mas não conseguia. Não podia. Não quando queria tanto ver o mundo lá fora. Não quando a coisa mais linda que tinha visto na vida era a neve que caíra na janela há algumas semanas e ela sequer pôde tocá-la para senti-la derretendo de forma congelante sobre seus dedos, da forma que acontecia nas histórias que lia e nos filmes a que assistia. Não quando tudo lá fora era tão grande e ela só tinha alguns metros quadrados de conhecimento.
— Comprei isso para você - a mãe anunciou, enquanto entregava o objeto em suas mãos. — Acabei de esterilizar. Pensei que você pudesse gostar já que ficou tão encantada naquele dia.
A garota permitiu que a esfera de vidro balançasse nos seus dedos, chacoalhando o seu conteúdo e observando enquanto os pequenos flocos brancos caíam vagarosamente pelo fluido e se depositavam na cidade em miniatura que repousava no fundo de seu mais novo presente.
Aquele pequeno globo de neve deveria ter lhe deixado fascinada, mas só conseguiu apertar ainda mais o seu coração por atestar que aquele era o contato máximo que ela poderia ter na vida com a coisa mais maravilhosa que já tinha visto. Chegava a ser uma piada de mau gosto ver tudo o que ela mais queria preso em uma bolha de vidro, assim como ela estava eternamente confinada ao seu próprio cubículo. Jamais para ser tocada. Jamais para ser vivida.
, contudo, sabia que a mãe tinha as melhores intenções do mundo ao presenteá-la com aquilo.
— Obrigada, mãe - murmurou e se agarrou ao pequeno souvenir como se aquela fosse a sua última esperança. Um último alento para que as coisas mudassem. Um último pedido para que, algum dia, recebesse um milagre.



Nowadays

A escrivaninha sustentava o notebook quase totalmente encapado por adesivos feitos à mão. As finas falanges femininas batiam rapidamente contras as teclas, digitando com uma velocidade impressionante todas as palavras que vinham à sua cabeça quase em um fluxo de consciência. sorria para a tela, satisfeita com a forma que seu texto vinha tomando. Estava feliz com o novo hobbie e completamente animada com o seu mais novo projeto. Ter descoberto a escrita criativa era um exercício incrível para sua imaginação e, principalmente, uma utilidade excelente para a internet - lado a lado com os testes do Buzzfeed que ela sempre fazia. Entre descobrir que tipo de batata e qual combinação de personagens da Marvel ela era, sobrava muito tempo para estimular sua mente e imaginar respostas diferentes para pessoas recém-criadas.
As maratonas de filmes de super-heróis e as HQs que lia online haviam acendido um interesse intenso e recente sobre esse mundo fictício e feito com que ela decidisse se arriscar ao criar sua própria heroína. Uma garotinha fraca e debilitada por uma doença autoimune rara que, em meio a tratamentos experimentais intensos, acaba adquirindo poderes devido à exposição à radiação combinada com alguns químicos. Dava muito trabalho tentar manter a coerência e a vivacidade que o tema pedia, mas não era como se ela não tivesse tempo de sobra para ocupar a cabeça e esquecer de sua própria debilidade rara.
Um bloquinho de notas pairava ao seu lado juntamente a um lápis preto bem apontado, prontos para os rabiscos das ideias repentinas e fora da progressão temporal cronológica e das silhuetas e figurinos das personagens.
Estava completamente absorta em suas pesquisas sobre nomes cósmicos que pudessem caber para seu vilão, quando uma falação alta vinda do lado de fora chamou a sua atenção. Interrompeu tudo o que estava fazendo e tentou focar a sua audição bem treinada para reconhecer as vozes. Já estava familiarizada com a sonoridade e os timbres de cada um dos seus vizinhos por estar sempre ouvindo-os lá de cima. Soava até meio assustador admitir isso para si mesma.
A questão era que, naquele momento, sua memória falhou. Nenhuma lembrança ou reconhecimento lhe atingiam. Correu para a sua janela amiga para, enfim, deparar-se com uma resposta que, apesar de óbvia, não havia lhe acometido: eram pessoas novas. Em meio a tanta monotonia e mesmice, não tinha sequer cogitado uma novidade.
Uma garotinha entrava e saía correndo da casa ao lado da sua, gritando enquanto carregava seus brinquedos para dentro. Seus pais carregavam caixas grandes, ajudados por um rapaz que parecia ter mais ou menos a sua idade. Estavam se mudando e ela sequer tinha percebido as visitas à casa a venda pararem. Já tinha sido uma observadora melhor. De certa forma, ficava feliz por isso. Significa que estava obtendo êxito em seus novos métodos de distração.
Deu de ombros e retornou à sua cadeira frente ao notebook. As ideias ainda estavam fervilhando em sua cabeça e precisavam ser colocadas na tela logo. Mais tarde se preocuparia em acompanhar as mudanças ao seu redor.


***



A luz amarelada do abajur era suficiente para iluminar preguiçosamente as folhas do livro novo de . Era um suspense policial, daqueles que a faria virar a noite lendo se não tivesse aula de biologia e química na manhã seguinte.
— Tomou suas vitaminas?
— Sim, mãe - respondeu sem desviar os olhos de sua história.
— Precisa de alguma coisa? Trouxe água para a madrugada?
— Trouxe, mãe. Pode dormir tranquila. Eu já sou grandinha o suficiente.
A mais velha sorriu torto, sentindo uma ponta de chateação por sua preocupação incomodar tanto. Mas ela não podia evitar. Era impossível.
— Tudo bem. Boa noite. - Retirou-se, fechando a porta branca do quarto da filha.
sentiu um peso no peito, buscando lidar com a culpa que aquela simples escolha lexical era capaz de lhe fazer sentir. Pediria desculpas na manhã seguinte. Era o certo a se fazer. Aliviaria sua consciência e amenizaria a situação. Ao menos, fora isso que ela desejara silenciosamente antes de retornar sua atenção ao grosso livro aberto sobre seu colo.
No entanto, uma simples fala foi um gatilho imediato para a sua criatividade, levando-a a sua própria história. Com o marcador de EVA do Harry Potter entre as páginas do livro, correu para o seu notebook, acessando o documento no qual vinha desenvolvendo o roteiro para sua ficção.
Era engraçado e bizarro como sua mente funcionava. Às vezes, passava dias olhando para a tela e sentindo raiva ao perceber a ardência nos olhos sem que uma palavra sequer fosse digitada. Em outros dias, a inspiração simplesmente lhe acertava em cheio no meio da noite, como um soco na boca do estômago pelo qual ela definitivamente não estava esperando.
Contudo, sua atenção foi novamente desviada. Dessa vez, tratava-se de um par de olhos curiosos que a fitavam ao cruzar o próprio olhar pelas janelas que os separavam. se sentiu constrangida como da primeira vez em que a enfermeira pediu para examiná-la. Sentia-se exposta. Naquele momento, pensou se as pessoas sentiam o mesmo enquanto ela observava a vida externa pela sua janela.
O garoto abriu um sorriso para ela e acenou, sendo simpático de uma forma com a qual ela não estava acostumada. A quem queria enganar, afinal? Era um contato novo. Era com isso que ela não estava acostumada. Sorriu de volta e tentou voltar a sua atenção para o computador, mas logo pôde ver o rapaz de volta à janela, segurando um bloco de papel com coisas escritas desastradamente com uma caneta hidrográfica preta de ponta grossa.

“Meu nome é . E o seu?”

A garota logo pegou a pequena lousa branca que tinha e escreveu sua resposta.

.”

“É legal ter uma vizinha da minha idade.”
“Você podia me passar seu número para podermos conversar.”

A garota franziu o cenho. Tinha certeza de que aquele não era um jeito sutil de pedir seu número. Ao menos, não era assim que acontecia em seus livros. Talvez fosse por isso que eles eram chamados de ficção e fantasia.
escreveu os algarismos de seu número e uma mensagem embaixo deles.

“Preciso dormir. Até mais.”

Puxou as cortinas, impedindo a si mesma de continuar visualizando toda aquela cena um tanto quanto esquisita. Apagou os rabiscos da lousa branca para evitar que a mãe ou a enfermeira fizessem pergunta às quais ela não queria responder e decidiu deitar-se enfim.
A tela de seu celular acendeu-se, mostrando uma nova mensagem com uma figurinha acenando um ‘oi’. Sorriu sozinha antes de puxar as cobertas em direção ao próprio corpo e analisar o quão esquisito tudo aquilo era. Mas, afinal, por que não? Talvez aquela fosse a sua aventura.


*****



Já tinham alguns dias que e conversavam praticamente sem parar graças aos aplicativos de mensagens instantâneas. Discutiam sobre tudo, desde quadrinhos e filmes até reality shows de culinária e as catástrofes musicais da semana. Quando o assunto morria, não demorava muito para que o rapaz encontrasse uma imagem engraçada acerca de um tema que fazia parte da lista de gostos em comum de ambos e pudesse puxar uma nova conversa.
Ele era divertido e estava sempre tentando fazer com que a sua mais nova amiga sorrisse. Ela, por sua vez, não podia estar mais feliz com aquela amizade louca e repentina. Era indescritivelmente bom ter alguém para comentar os novos episódios dos seriados durante a própria transmissão da estreia. provavelmente nunca tinha sorrido tanto na vida. Às vezes, apertava e esfregava as próprias bochechas, sentindo seus músculos levemente doloridos e adormecidos pelas risadas que o garoto lhe arrancava.
Mas isso não significava que não existia seriedade em determinados assuntos. Dentre os momentos mais complicados, estavam incluídos a tentativa de justificar porque tantas pessoas no mundo ainda não eram capazes de apreciar o brócolis e a longa e custosa explicação do porquê ela não podia ultrapassar a grande porta de madeira branca adornada por uma maçaneta de ferro retorcido que permitia o trânsito entre o ambiente interno e o lado de fora de sua casa. O porquê de um simples pedaço de madeira em rotação representava, na verdade, o fim da linha. O fim de seu mundo.
Quando viu os olhos sempre brilhantes de a encarando como se buscassem alguma compreensão do que ela sentia, teve uma única certeza: tinha perdido seu único amigo ainda mais rápido do que ele tinha chegado. Ele a abandonaria porque simplesmente não fazia sentido algum ter uma amizade com ela. Ele jamais poderia tirar proveito daquela relação separada pela tela fria de seu aparelho celular. Mas não. Em poucos instantes, ele já estava sorrindo de novo e mostrando o desenho no qual vinha trabalhando em suas aulas de artes plásticas. Era quase como se ele tivesse um talento nato muito mais profundo do que o seu dom artístico: a capacidade de amenizar as situações e a fazer sentir quase como se tudo pudesse ficar bem. Às vezes, ela queria mesmo poder acreditar nisso.
Estava tão intensamente absorta em seus pensamentos que levou um tempo extra até perceber a iluminação na tela do celular, indicando uma nova ligação. Era esse o problema de sua falta de paciência para os ruídos sonoros de cada notificação. Não fazia mais ideia de qual era o toque para o qual o aparelho estava programado. Nessas horas, cogitava retornar com os avisos para a sua audição. No entanto, essa ideia horripilante não durava mais do que três segundos.
Enquanto observava a chamada perdida, uma nova se iniciou, com a foto do rapaz fazendo careta ocupando toda a tela.
sorriu antes de clicar no ícone verde e se deparar com as narinas de ocupando todo o vídeo. Não pôde segurar a própria risada antes de soltar um “Credo!” e ouvir a resposta risonha do garoto.
— Seu esquisito!
— Só no meu tempo livre - ele retrucou. — E aí? O que você está fazendo nessa tarde chuvosa?
A garota puxou o tecido fino e quadriculadamente costurado de sua cortina para olhar para o céu cinzento que escorria pelo lado de fora.
— Sinceramente, só percebi agora que você falou. Estava concentrada.
— Escrevendo? - perguntou e recebeu um balançar de cabeça em concordância como resposta. — Onde está na história?
— Tentando elaborar uma cena em que os mercenários torturam Ametista psicologicamente. Era para ser o momento em que ela descobre os poderes de canalização das dores em energia para benefício próprio. Afinal, foi por isso que eu escolhi esse nome, não foi? O problema é que eu estou bloqueada criativamente. Esquematizar essa cena foi fácil, mas escolher as palavras certas para passar toda a carga emocional que eu queria está sendo um desafio muito maior do que eu esperava.
encaixou a cabeça entre as próprias mãos, bufando em frustração. Às vezes, sua vontade era de largar tudo e simplesmente se entreter com as criações alheias. Por que ela tinha que ser tão presunçosa a ponto de querer criar a sua própria? Por que desejar algo tão distante e complicado?
— Eu conheço essa cara. Sei exatamente o que está pensando e também sei que está errada. Se você fosse incapaz como está achando, jamais teria criado um universo todo do zero como está fazendo.
A garota repuxou os próprios lábios, dando um sorriso de canto. Não tinha certeza se merecia um amigo tão cheio de apoio para oferecer quanto , mas sabia com tranquilidade que aquela amizade era a melhor coisa que lhe tinha acontecido desde o momento em que começou a ter ciência de sua própria vida.
— Você não deveria ser tão bonzinho assim comigo. Eu mereço umas broncas às vezes.
— Só se forem broncas para ver se você cria autoconfiança de uma vez. Tenho certeza de que o seu trabalho está incrível.
fez uma careta, sentindo-se ridícula por estar prestes a dizer exatamente a coisa mais óbvia possível.
— Você não pode saber disso porque nem leu ou viu o que eu estou fazendo.
torceu o nariz, completamente ciente da insegurança da amiga, mas, ao mesmo tempo, um tanto revoltado por saber que havia um motivo gritante e óbvio para ele não ter lido nada do que ela escrevia ainda:
— Será que é por que você não deixa? - A garota prendeu o lábio inferior completamente entre os dentes, sabendo que aquela era uma verdade incontestável. — Sabe que vai ter que deixar uma hora, não sabe? Se eu vou fazer as ilustrações da sua história, no mínimo eu tenho que tê-la lido. Que tipo de ilustrador de merda eu seria se desenhasse algo que não conheço?
deu de ombros, enquanto prendia os cabelos em um coque torto que queria escorregar sobre sua cabeça.
— Eu te contei a maior parte do enredo. Só não dei os spoilers sobre o final porque isso destruiria literalmente toda a história.
— Eu sei - ele concordou, por fim. — Inclusive, é exatamente por isso que você deveria abrir o seu e-mail.
Ela franziu as sobrancelhas, apertando os olhos que já começavam a se tornar avermelhados e mais lacrimejantes que o normal devido ao sono que vinha dando, aos poucos, seus primeiros sinais de aconchego. Mesmo estranhando o pedido, abriu uma nova guia para digitar rapidamente seu login e senha e ter acesso à sua caixa de entrada. Nela, uma nova mensagem piscava com um assunto digno de filme de terror: “ABRA AGORA”.
— É exatamente esse o tipo de mensagem que alguém recebe antes de morrer em um filme de terror. Ou de ter o seu computador invadido por um vírus que vai controlar todas as suas informações e fazer da sua vida um inferno completo. , o que eu te fiz? - perguntou de uma forma excessivamente afetada.
O garoto riu abertamente, sabendo que uma pequena parte dele tinha torcido para que aquilo pudesse parecer minimamente assustador. No entanto, sabia bem que a questão era outra. Qualquer surpresa já era amedrontadora o suficiente para ela, mesmo que fosse apenas um presente aleatório como aquele. Eram as consequências de se querer mais controle do que se podia ter na vida - o que era exatamente a descrição do que ela sentia.
ajeitou a própria coluna contra a cadeira, como se isso pudesse amenizar situações possivelmente problemáticas. Bateu o dedo na tecla do notebook, clicando e abrindo o e-mail sob o olhar curioso do garoto, que apenas aguardava por sua reação. Queria capturar o momento exato em que ela absorvesse o presente. Queria poder se lembrar da sensação exata de vê-la abrindo aquilo e não poderia estar mais ansioso.
A mensagem não tinha um corpo de texto, apenas um documento em anexo no qual a garota clicou rapidamente. O que viu a deixou completamente extasiada e boquiaberta instantaneamente. Corria seus olhos por toda as imagens, tentando compreender a maior parte de detalhes possíveis enquanto seus olhos se arregalavam em completo encanto. A combinação dos traçados finos com marcas pretas mais grossas era incrível e representava exatamente o tipo de sensação que ela buscava passar com a sua história. Todas as expressões, feições e delineados de cenários pareciam se completar e conversar em um uníssono de um único timbre que agradaria a audição da mesma maneira que deleitava os olhos. Todas as palavras que corriam pelas páginas do documento que ficava constantemente aberto em seu computador pareciam ter sumido. Nenhuma delas jamais seria suficiente para tentar começar a descrever a magnitude daquilo que ela estava sentindo. Talvez seu vocabulário não fosse tão extenso como ela imaginava. Ou, talvez, algumas coisas realmente não tivessem sido feitas para a tradução verbal.
— Droga! - A voz de finalmente a retirou de seu momento de concentração máxima. — Você odiou. Eu sei que ainda não li a sua história, mas pensei que poderia ser legal tentar desenhar algumas das cenas que você já tinha me contado. Achei que pudesse te dar alguma inspiração. Desculpa, eu fui um idiota.
meneou a cabeça, lembrando-se de fechar a boca, que ainda se encontrava aberta pelo espanto.
, não. Isso é tão incrível que eu simplesmente não sei o que te dizer ou como te agradecer. É absolutamente… Uau! Nem nos meus sonhos mais doidos de autora publicada eu imaginava um design desses. É muito mais do que eu sonhei e, com certeza, muito mais do que eu poderia pedir. Obrigada!
A garota sorriu, levando o dedo médio delicadamente ao rosto para secar uma lágrima emocionada que tentava estragar o momento.
A fisionomia de não poderia ser descrita de uma forma muito diferente. Ele tinha o sorriso mais fofo que já tinha visto na vida - e as pessoas eram muito risonhas nas infinitas comédias românticas que ela via em seu excessivo tempo livre. Sorria comprimindo os lábios, um contra o outro, com o rosto parecendo querer implodir de tanta satisfação e alegria. Torcia por uma reação importante e impactante, mas também estava surpreso com a dimensão muito superior ao que ele poderia ter criado em suas expectativas precoces. Não sabia bem o que falar, mas as palavras nunca tinham sido seu forte de qualquer forma.
— Fico feliz que tenha gostado tanto assim. Eu estava apavorado - admitiu. — Mas acho que fazemos uma boa dupla, afinal.
não conseguiu evitar um sorriso, que tinha certeza de que parecera muito mais bobo do que ela gostaria.
— Somos uma boa dupla - concordou e agradeceu mais um milhão de vezes antes de permitir que o sono finalmente tomasse conta de si e trouxesse consigo os sonhos mais lindos e cheios de esperança que poderia ter.


*****



Finalmente, seu quarto tinha acabado de ser esterilizado e devidamente higienizado. Já havia se acostumado com o fato de que aquela limpeza minuciosa precisava ser feita diariamente, mas a daquela manhã parecia estar levando o triplo do tempo para passar. Talvez fosse a urgência que sentia em retornar para o livro que lhe aguardava sobre seu criado-mudo. Talvez fosse a vontade incontrolável de voltar para baixo de sua manta felpuda e aproveitar o frio da melhor forma que existia em todo o mundo: dormindo agarrada às cobertas.
correu para sua cama rápido demais, levando uma bronca da mãe sobre a possibilidade de sua meia antiderrapante poder não funcionar adequadamente e ela dar com o nariz diretamente sobre o chão. A mais nova simplesmente revirou os olhos e fechou a porta do quarto atrás de si. Estava cansada daquela superproteção. Irritada, tirou as meias e decidiu abraçar o frio que já parecia começar a pinicar os seus pés. Era o mais próximo de uma demonstração de poder e autonomia que ela poderia praticar naquele momento. Isso, e torcer para o seu cochilo matinal só ser interrompido dali a horas quando a fome falasse mais alto do que sua preguiça.

-


Acordou mais cedo do que desejava, com o rosto inchado e os olhos que se recusavam a abrir por completo. Tudo isso por causa de seu celular que berrava sobre sua escrivaninha.
— Maldita hora que eu voltei com essa droga desse toque - murmurou antes de se esgueirar até a ponta da cama e esticar o braço ao máximo para pegar o aparelho sem precisar levantar.
Viu o nome de na tela e soltou um resmungo antes de decidir atender.
— O que é? - Perguntou antes de soltar um bocejo alto demais.
— Eu não acredito que você estava dormindo.
— Eu não acredito que você não estava. Não existe nada mais importante ou mais interessante do que isso para fazer nesse frio.
— Sou obrigado a discordar - ele respondeu. — Você deveria olhar pela sua janela.
— Não - resmungou novamente. — A minha cama está tão quentinha.
— Anda, preguiçosa! - Ele riu levemente. — Eu prometo que você vai querer ver isso.
Completamente a contragosto, ela se arrastou para fora da cama e forçou os próprios pés a se deslocarem até o balcão de sua janela. Espremeu um pouco os olhos, incomodados com a iluminação aumentada e aquela branquitude que lhe atingia de repente, sem qualquer tipo de aviso prévio. Levou alguns segundos para absorver e refletir sobre a causa daquele incômodo.
— Eu não acredito - murmurou, esquecendo-se de que o amigo ainda a ouvia do outro lado da ligação.
— Na hora, lembrei de você - ele explicou. — Das suas reclamações sobre como já faziam anos que você não via neve no Natal e como seu maior sonho era poder sentir essa neve, mais do que observar pela sua janela.
A garota desviou o olhar para o globo de neve sobre seu criado-mudo. Ele estava lá há tanto tempo que às vezes ela até se esquecia de sua presença por ali. O presente da mãe era ainda uma lembrança amarga de algo que deveria ser tão doce. O aviso do limite. O prenúncio do obstáculo que sempre estaria ali.
— É tão linda. - Sua voz ainda não parecia ter encontrado o volume natural.
— Você deveria poder sair e fazer um boneco de neve, um anjinho no chão ou simplesmente se assustar com o quão gelada e molhada ela é.
ponderou intensamente, sentindo os olhos se encherem de água pela mais completa frustração. Aquela porcaria de globo lhe lembrava da presença da mãe no andar de baixo e de como estava presa.
— Eu não posso - respondeu com a voz embargada, antes de finalizar a ligação sem permitir que contestasse aquela decisão. Não havia o que discutir, por mais que doesse admitir isso.
Fechou todas as cortinas, tentando evitar o sadismo que era admirar algo que não poderia ter. Colocou os fones de ouvido e ligou sua playlist em um volume acima do recomendado, tentando liberar sua mente daquela sensação horrível.
Permitiu que as lágrimas escorressem à vontade e, com o tempo, permitiu também que elas secassem naturalmente sobre sua pele, endurecendo-a de uma forma estranha. Não se esforçou para limpá-las, assim como não se preocupou em realmente prestar atenção nas músicas que quase explodiam seus tímpanos. Estava tentando buscar uma aceitação que sabia jamais ser capaz de atingir. Não quando doía tanto. Não quando criava esperanças constantemente. Não quando havia esperado por anos até que um novo natal chegasse acompanhado de neve.
Só abriu seus olhos quando sentiu seu fone ser arrancado de suas orelhas por mãos que não eram as dela. Sua visão estava embaçada, mas ela sabia claramente quem era. Não era como se existisse outra pessoa em sua vida com acesso ao seu quarto.
— Aconteceu alguma coisa? - A mãe perguntou, verdadeiramente preocupada com o estado da filha.
— Não - respondeu secamente.
— Posso fazer algo para ajudar?
— A menos que tenha descoberto um jeito de me fazer nascer de novo, acho que não, mãe.
— Seja lá o que está acontecendo, sei que você vai superar. É muito mais forte do que pensa. E eu odeio ter que sair na véspera de Natal, mas tem uma emergência no hospital e estamos com escassez médica pelo feriado.
— Entendi. O dever chama. - A resposta saiu muito mais amargurada do que ela tinha intenção.
A mulher torceu o rosto, em uma feição magoada.
— Desculpa, filha. Mas eu volto antes do jantar para a ceia. Fica bem, ok? - Acariciou levemente o ombro dela, tentando amenizar a situação. Era o que sempre tentava fazer. — Se precisar de qualquer coisa, liga.
concordou e observou enquanto a mãe saía de seu quarto, sendo seguida pelo barulho da porta da casa alguns instantes depois. Mais uma vez, estava sozinha. Não que a sensação fosse realmente muito diferente.
Guardou os fones de ouvido em sua gaveta e se sentou sobre as almofadas da janela, enquanto abria novamente as cortinas. Sorriu melancólica, enquanto via a neve caindo e ouvia os gritinhos das crianças que arremessavam bolas de neve umas nas outras e saíam correndo em seguida.
Alguma coisa irreconhecível e completamente diferente do que já havia sentido começou a tomar conta de si. Era estranho e avassalador, parecia que ela poderia explodir a qualquer instante. Tentou resgatar aquela sensação dentro de si, mas a referência mais próxima que tinha dela era uma descrição estranha e conturbada de um livro sobre algo que se parecia com… Coragem.
Pegou o seu celular de volta e aproveitou o compilado de últimas ligações para pular a discagem. Clicou no último número e, batendo o pé contra o chão, ficou esperando ansiosamente o momento em que ouviria a voz tão conhecida do outro lado.
— Fala.
? Pode me encontrar na frente da calçada?
— O quê?! Isso é sério? , você está brincando comigo?
— Não. Cansei de ficar presa nesse quarto. Eu quero ver essa droga de neve e é bom que ela seja tão legal quanto você disse.
— Então, pegue seus casacos e um cachecol. Vejo você lá fora.
A garota seguiu a sugestão à risca, colocando uma meia mais longa, um casaco mais grosso e encontrando um cachecol e uma touca no fundo de sua cômoda. As peças tinham um leve aroma do que as pessoas costumavam chamar “cheiro de guardado”, mas ela não se importava. Não quando suas mãos estavam prestes a virar as chaves e abrir a porta que ela desejara por tanto tempo transpor sozinha.
Era impossível tirar o sorriso do rosto e conter seu entusiasmo e a curiosidade assustadora dentro de si. Quando sentiu o vento gelado atingindo sua face diretamente pela primeira vez, chorou. Seus olhos lacrimejaram pelo ar gelado, mas havia uma combinação de felicidade que simplesmente não cabia mais em seu rosto. Foram literalmente segundos até que estivesse correndo em sua direção para prendê-la no que provavelmente era o abraço mais apertado que duas pessoas já tinham dado em toda a história do universo.
— Eu não acredito que isso está mesmo acontecendo - o garoto sorria tão largamente, que parecia que as extremidades de sua boca iriam estourar com todo o estiramento.
— Eu também não - admitiu. — Minha mãe vai me matar, se o mundo não me matar primeiro.
— Para com isso. Vem, você precisa sentir isso.
Logo, estavam os dois correndo e brincando, tocando a neve com todas as extremidades cutâneas de seus corpos e línguas. Pareciam mais entretidos e infantilmente empolgados do que as próprias crianças, exatamente da forma que dois amigos deveriam ser. Da forma que alguém que cresceu trancada dentro de casa deveria se comportar.
abriu os braços e rodou em torno de seu próprio corpo, sentindo cada ponto de seu corpo formigar com o contato inédito da neve e do vento contra ele. Seus cabelos já começavam a acumular pequenos flocos brancos ao longo de seu comprimento e todo o seu torso parecia estar se aquecendo de dentro para fora, de uma forma totalmente contrária ao que deveria estar acontecendo com uma pessoa que estava pela primeira vez no meio de uma precipitação nival.
Toda a luz, o branco, o frio e a rotação pareciam se acumular e se sobrepor de uma forma fascinante. Estavam criando algo em sua visão que quase se parecia com pequenas estrelinhas piscando em suas órbitas. Mas as pequenas faíscas estavam adquirindo força e intensidade e, de repente, pareciam rodar mais rápido do que ela e bagunçar todos os seus sentidos e propriocepção. De uma só vez, era como se lhe tivessem sugado todo o ar e apagado a luz sem aviso prévio. Com um baque surdo sobre a maciez acumulada da neve, a garota foi ao chão.


*****



estava começando a ficar verdadeiramente estressado e isso estava se somando com a sua preocupação em um resultado pouco agradável. Levantou-se de súbito e passou a caminhar em círculos no corredor, esperando enquanto a médica e os enfermeiros realizavam os procedimentos necessários.
Os minutos entre a queda da amiga e a chegada da ambulância - que mal se deu conta de ter chamado - pareceram ter levado uma eternidade. Com a cabeça da garota em seu colo, sentiu o próprio ar faltar, enquanto seu coração parecia incoerentemente ameaçar parar frente à taquicardia descompassada. Suas mãos tremiam e essa não era uma consequência primária do frio. Não havia parado de bater os pés contra o piso desde que havia chegado ao hospital com ela, tenso por não fazer ideia do que fazer e se odiando pela culpa que carregava ao tomar para si a responsabilidade por incentivá-la a sair. Sabia que algo ruim poderia acontecer, mas não imaginava de forma alguma que essa fosse a dimensão. Nunca havia sentido tanto medo na vida e odiava senti-lo mais do que qualquer coisa no mundo.
Com um simples aceno, um dos enfermeiros fez sinal para que o garoto entrasse. o fez com o coração prestes a sair pela boca.
Só relaxou minimamente quando viu os olhos da amiga levemente abertos e sua pele tomando cor novamente após a brusca palidez.
— Nós fizemos alguns exames simples - a médica começou. — Pelo visto, tudo indica que tenha sido uma queda brusca de glicemia e que o frio pode ter prejudicado sua oxigenação devido à circulação.
— Isso tem alguma coisa a ver com a imunodeficiência combinada severa? - perguntou com a voz ainda fraca, enquanto seus dedos sentiam o acesso do soro no próprio braço.
— Com o quê? - A médica perguntou, soando verdadeiramente confusa.
— A doença que ela tem - tomou a dianteira. — Ela não podia sair de casa por isso e acabou saindo.
O olhar dos profissionais se cruzou, como em uma comunicação silenciosa que só deixava os dois jovens mais ansiosos.
— Você nunca saiu de casa? - Um dos enfermeiros perguntou diretamente para a garota, que meneou a cabeça em resposta.
— Isso explica alguns resultados do seu hemograma - a médica interveio. — , você não tem essa doença. O que você tem é uma produção imunológica completamente deficiente por falta de exposição a estímulos. Por não ter saído, você não entrou em contato suficiente com poeira, micróbios, bactérias… Seu corpo é como o de um recém-nascido, inapto a se defender porque ainda não enfrentou tudo isso adequadamente pela primeira vez.
— Eu não tenho a doença? - Ela perguntou, descrente, enquanto forçava as mãos contra o colchão, na tentativa de sentar melhor o próprio corpo.
— Não, você não tem essa doença. Seu corpo só precisa começar a aprender a lutar contra as outras.
e se entreolharam, ainda chocados demais para esboçar qualquer reação externa. Se ele ainda estava tentando encarar a situação, mal podia imaginar como era para ela saber que havia perdido anos em privação isolada sem necessidade.
A equipe se retirou, deixando os dois jovens em silêncio, tentando se acostumar com a pressão maximizada que a atmosfera parecia exercer sobre eles de repente.
Quando a mãe dela finalmente chegou para autorizar a alta da filha, se despediu e saiu rapidamente, sabendo que aquelas duas ainda tinham muito a conversar. Em silêncio, no seu próprio quarto, o garoto torceu para que tudo pudesse se desenrolar da melhor forma possível. Rezava para qualquer uma das possíveis forças superiores para que cuidassem da garota enquanto ele não era capaz de fazê-lo.

-


Quando chegaram à sua casa, foi direto para a própria cama, ainda sentindo o corpo mole devido à medicação. Ignorou tudo o que a mãe dissera, mantendo um regime de silêncio completo enquanto digeria as informações recém-adquiridas. No entanto, sabia muito bem que não poderia fugir daquilo por muito tempo. Não quando ela estava tão perto de poder se livrar das vinte e quatro horas presa naquele cubo branco a que chamava de quarto.
No dia seguinte, acordou mais cedo e decidiu descer até a cozinha para tomar o seu café-da-manhã, sabendo que a mãe estaria lá fazendo o mesmo.
— Feliz natal - a mais velha desejou. — Está se sentindo melhor?
A garota assentiu com a cabeça, enquanto puxava uma das cadeiras para se sentar à mesa. Serviu um pouco de chá gelado em um copo e fitou a mãe profundamente.
— Eu nunca tive doença nenhuma, não é, mãe?
A mulher abriu a boca, como se estivesse buscando as palavras, mas a fechou em sequência, deixando claro que não fazia ideia do que dizer.
— Eu já sei a resposta. Mas eu ainda não consegui entender o porquê.
A mãe tinha os olhos marejados e teve de respirar fundo antes de se dar por vencida e reunir as forças necessárias para contar a história que torceu por anos para nunca ter de verbalizar.
— Três anos antes de você nascer, eu dei à luz um menino. Minha primeira gestação e meu primeiro parto. Mesmo o cansaço sem fim das noites mal dormidas pareciam um sonho lindo e apavorante. Foram quatro meses maravilhosos, até ele começar a dormir muito mal e chorar a noite inteira. Como mãe de primeira viagem, eu o levei ao médico imediatamente, mas os médicos apenas receitaram alguns remédios para cólica e tentaram me tranquilizar, dissendo que era normal.
“A situação foi piorando gradativamente, até que ele tivesse febre e uma respiração ofegante que me enchia de angústia enquanto eu esperava na fila da pediatria mais uma vez. Quando identificaram a pneumonia no raio-X, ela já estava em um grau muito avançado. Infecções pulmonares agudas são sempre avassaladoras para eles.”
A mulher respirou fundo antes de prosseguir.
— Eu perdi seu irmão antes de vê-lo andar, falar e muito antes do tempo mínimo que uma mãe deveria ter direito a ter com o seu filho. Tudo por causa de uma droga de um vírus silencioso. Tudo porque nem sempre a medicina é tão perfeita como nós queremos acreditar que ela seja.
“Foi por isso que, quando eu engravidei de você, eu não sabia se ficava feliz ou se entrava em pânico por medo de perder mais uma criança em um mundo tão perigoso e injusto. A imunodeficiência combinada severa era o meu objeto de pesquisa no mestrado e foi assim que a ideia surgiu. Tudo o que eu queria era que houvesse um jeito de te proteger de todo o mal que existia lá fora, entende? Uma forma de evitar que eu perdesse mais um filho.”
As duas mulheres tinham lágrimas pesadas nos olhos e o chá gelado de teria esquentado se a temperatura ambiente já não estivesse extremamente gelada.
— Eu não espero que você entenda, só que, algum dia, você seja capaz de me perdoar.
A garota fungou, esfregando o nariz na tentativa de evitar todo o momento nojento do choro.
— Eu já te perdoei. Você é minha mãe e eu sei que me ama. Por mais que eu ache seus métodos completamente problemáticos, entendo a sua motivação e sei que você nunca quis meu mal.
A mãe engoliu em seco, meneando a cabeça em concordância.
— E eu também sei que o mundo lá fora está muito longe de se parecer com qualquer um daqueles contos de fadas que você leu para mim quando eu era mais nova, mas eu quero viver, mãe. Eu quero poder ir lá fora, ter amigos, ir ao cinema, talvez fazer faculdade… Eu não sei. Sinceramente, eu sequer sei todas as possibilidades de coisas para se fazer lá fora.
“E eu também tenho medo. Muito medo. Mas eu estou disposta a encarar isso e eu espero que você também esteja porque eu não vou me trancar mais naquele quarto. Tem literalmente um mundo inteiro lá fora que eu quero conhecer. Eu passei a minha vida esperando por um milagre e, de certa forma, acho que esse é o meu milagre. E eu estou pronta para enfrentar todos os vírus doidos que decidirem aparecer pelo caminho.”
se levantou da mesa, levando o copo de chá para o seu quarto. Lá, pegou o seu celular para digitar a mensagem que por tanto tempo quis escrever.

“Quer ir ao cinema comigo amanhã?”

A resposta veio quase instantaneamente.

“Com certeza! Nem acredito que vou participar da sua primeira experiência realmente cinematográfica.”
“Com direito a pipoca?”

“Pipoca, multidão e a maior quantidade possível de germes acumulados.”


respondeu com uma risada e sorriu para a própria tela, enquanto guardava o telefone. Não poderia estar mais feliz por tê-lo fazendo parte de seu pequeno milagre.


FIM



Nota da autora: Muito tempo depois, eu volto a escrever e tinha que ser uma fofurinha curtinha porque é isso que eu faço.
Espero que tenham gostado! Para saber mais sobre as minhas histórias, basta entrar no grupo: https://www.facebook.com/groups/233136907024701/





Outras Fanfics:
01. Middle of the Night
02. Blow Me (One Last Kiss)
02. Stitches
03. I Did Something Bad
03. Take A Chance On Me
03. Without You
04. Someone New
04. Warning
05. You In Me
06. Consequences
06. If I Could Fly
06. Love Maze
08. No Goodbyes
10. Is it Me
10. Simple Song
11. Nós
11. Robot
11. Under Pressure
12. Be Alright
12. Wild Hearts Can't Be Broken
13. Kiss The Girl
13. Part of Me
13. See Me Now
15. Overboard
A Million Dreams
Dark Moon
Not Over
Side by Side


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