Parte IV — The Shining
Capítulo 38 — Letterbomb
So strike the fucking match to light this fuse!
Em abril, quando eu descobri que Samantha e estavam fodendo, então comecei a ter a ideia inicial.
Quem tinha me contado sobre isso, surpreendentemente, tinha sido Ramona.
tinha transtorno de personalidade bipolar, e eu sabia disso há anos. Mas, naquele dia, ela me ligou e disse que precisava falar comigo, um pouco depois da sentença de Tyler ter saído e ele ter sido colocado como inocente. Sam era minha namorada, na época, e nossa advogada. Ela tentou de todos os jeitos fazer aquele bastardo ir preso, sem sucesso.
só me ligou e disse que precisávamos conversar, porque nossos parceiros estavam nos chifrando um com o outro.
E eu disse que tudo bem, por que não?
Ela foi ao Tate e eu sabia que não era naquele corpo. Ela estava diferente. Ramona dá a ela uma aura estranha, que confere à uma série de modismos bizarros.
Primeiramente, ela anda diferente. Olhando para cima, como se tudo e todos ao redor estivessem abaixo dela. O nariz apontado para o teto, os olhos que viajam em completo desinteresse, como que querendo se livrar de você o quanto antes.
Tão eu.
— O que houve? — perguntei a contragosto. Não falava com há séculos, não a ponto de nos encontrarmos para colocar a conversa em dia. Ela jogou a bolsa na cama e cruzou os braços.
— Você fica de olho na sua namorada?
Eu não me importava muito com Samantha. Eu sabia que estávamos juntos mais por marketing do que por nos gostarmos. Até porque eu não gostava muito dela. Digo, ela era linda, isso era inegável. Lembrava-me, com certo charme, a Dália Negra. Mas Samantha era uma pessoa rasa, desinteressante, e eu odeio pessoas assim. Não consigo ficar preso a personalidades tão simples.
Acho que por isso nunca consegui me afastar de .
Enfim. Samantha e .
— Não. Na verdade, não.
Eu estava um pouco embasbacado por ter aparecido do nada no Tate, e estar sendo tão direta. Não parecia . Mas, ok, vamos lá.
— Bom, porque eu fico de olho no meu. E você sabe quem eu vi?
— A minha namorada?
— A sua namorada.
Não reagi. Porque, de verdade, eu não dava a mínima.
— Desde quando? — perguntei. Soava a coisa mais sensata para se perguntar.
— Não sei. Descobri por tíquetes de estacionamento nas coisas daquele bosta. Tinham o endereço de onde o carro foi estacionado, e eu só precisei descobrir quem morava perto daquele lugar. Não foi difícil.
— Deve ser na época do julgamento.
Estranhei não estar triste com aquilo. Até onde eu sabia, ela gostava bastante de . Desde o primeiro caso dela, eles estavam juntos. Digo, agora inclusive estavam noivos.
sentou-se em uma poltrona. As unhas arranhavam de leve os próprios lábios, e senti um forte cheiro de cigarro. Ela olhava para baixo, como que pensando.
Estávamos um pouco distantes um do outro. Algo em me impedia de tocá-la. Perguntei, cruzando os braços:
— Isso não te magoou?
ergueu o olhar. Ela não parecia olhar para mim. Em seus olhos, não tinha absolutamente nada.
Ela via através de mim, e isso me deixou completamente maravilhado.
Eu sempre estive certo. Não era só que ocupava aquele corpo.
— Não — ela foi direta — Não me magoou.
— Nem a mim.
piscou e abaixou os olhos.
— Foi por isso que voltou a falar comigo, depois de tanto tempo? — não resisti em perguntar.
Ela não pensou duas vezes antes de me responder:
— Não. Não só por isso.
— ...?
— Pare de me chamar assim.
Recuei.
— Por quê?
— Porque você sabe bem que não é que está falando.
Engoli em seco.
— Não?
Ela tinha o olhar firme. E eu não podia estar menos encantado.
— Não.
Deus.
— Ramona.
Só Ramona.
Tyler tinha ido embora logo depois do julgamento. Não sei bem se ele quis fugir da verdadeira culpa, ou do trauma. Só lembro perfeitamente como parecia bem chateada com esse fato. Mas a mulher que estava no Tate naquela noite não estava chateada: ela estava completamente enfurecida.
Eu sempre soube que havia duas, mas nunca poderia imaginar como me apaixonaria perdidamente por uma delas.
Ramona passara a noite comigo, naquele dia. Tinha ficado no Tate. Eu tive a ideia naquela noite, todo o plano. Comecei a desenvolver bem o que poderia fazer. A parte mais importante não era a herança em si, mas destruir o que começara a destruir minha família.
A raiz do problema sempre foi Tyler, porém, de início, eu tinha coisa mais importante para me importar.
Como Samantha e . Porque Sam tinha vindo até mim e falado sobre , enfim. Mas não podíamos terminar, eu precisava dela, para meu plano. E tínhamos interesses comuns: eu queria que ela me desse como morto, e ela queria separar e . Estava louca.
Perfeito.
Contei a Ramona a ideia, depois de alguns dias. Tive que tomar bastante cuidado, eu a via algumas vezes e tentava ao máximo diferenciar ela de . Não era muito difícil: para começar, sempre quem propunha o encontro era ela. Se fosse eu, podia acabar chamando para sair em vez de Ramona.
Eu observava bem o que tinha que fazer. Era claro que Ramona só vinha à tona quando estava irritada, quando ela não tinha como continuar firme. A base de era Ramona, e Ramona estava vindo cada vez mais alto.
E eu só queria Ramona, e Ramona só queria Ramona, então precisávamos acabar com .
A maneira de fazer isso era colocá-la em um estado permanente de insegurança, o que não era difícil. nunca teve tripas para aguentar qualquer coisa mais forte. Então, podemos começar acabando com a primeira coisa que a deixaria sem chão.
Ramona sempre esteve lá. Na grandiosa noite, me encarreguei de chamar para uma conversa. A coisa não começou muito bem, e discutimos. Depois de pouco tempo, ela se foi, e só restou sua melhor parte.
— Se você errar, eu mato você — ela me avisou.
Assenti. Uma ameaça de Ramona parecia muito mais perigosa do que uma de .
Tudo precisava ser perfeito. Eu deveria estar morto, e sobre o DNA, isso não seria um grande problema. Samantha estava ali. E precisava ser condenada, mas não poderia ter muitas provas contra ela; se isso acontecesse, ela seria sentenciada à prisão, e não era isso que precisávamos.
Contratei um homem para desenterrar o corpo de Justin, porque eu não tinha coragem o suficiente para isso. Mas eu quem precisei queimá-lo. Ver o cadáver do meu irmão pegar fogo na minha frente foi a pior coisa que eu já fiz.
Quando o fogo apagou, eu vi que Joe Durden estava morto.
Por alguns segundos, pensei em desistir. Quando vi o corpo completamente carbonizado de Justin, quis acabar com aquela ideia.
Mas era genial demais. Era perfeito. E estava tarde para eu parar.
Fios de cabelo, roupas e um punhado de arranhões já serviram para o DNA. Os registros, apagados por mim, contribuíram. E, para completar, fotos que eu guardara para quando aquilo pudesse convir.
foi a julgamento, mas as provas eram falhas. Ainda assim, lá estava Samantha, fazendo jus ao seu falecido namorado. Ela, juntamente com Marla Bronx e , coitados, cuidaram de tudo. E nem faziam ideia disso.
Eu não fiquei por perto para observar isso desandar. Tive que me esconder, e, com contatos menos indicados, tratei de fazer sutis mudanças na minha aparência, além de uma documentação nova. E logo nasceu , um psicólogo como eu, um homem jovem como eu.
Eu já tinha começado a resolver questões burocráticas de apartamento pouco antes do plano começar, mas só me mudei efetivamente quando Joe Durden foi encontrado. Bati na porta do apartamento, para que fizesse a entrevista, e fui atendido por um jovem com uma camiseta dos Beatles.
Já tínhamos algo em comum.
Seu nome era e ele era jornalista, colunista do jornal de Longview.
— Esportes? — perguntei.
— Obituários — ele respondeu.
Mudei-me dias depois.
Ter um jornalista como colega de quarto foi uma ideia que veio depois, e veio bem a calhar. Assim, poderia saber na íntegra como andavam as coisas nos bastidores do meu caso.
Eu passei a trabalhar no hospital da cidade. Apesar de ser formado em psicologia, eu nunca tinha exercido antes, e isso era meio estranho para mim. Adaptei-me rápido, até.
E quem mais trabalhava no hospital? .
Eu sabia, assim como metade da cidade, que ele e Samantha ainda tinham um caso. Um dia, a equipe de psicologia estava reunida. Eu estava na mesma sala que , e ele não fazia ideia de quem eu era. Ele estava inquieto, bastante nervoso.
Eu tinha um palpite. Tinha continuado a ter contato com Samantha, caso ela enlouquecesse e soltasse a boca sobre eu estar vivo. Então, eu fui surpreendido, uma noite, por uma Sam perturbada por não ter se separado de , mesmo depois de ela ter contado a ele que estava grávida.
Seu pior erro, minha doce Dália Negra.
Fiquei apavorado. Se o plano desse errado por causa de uma vagabunda como Sam, estaria tudo perdido.
Mas eu ainda tinha uma ideia bem interessante para esses dois.
Contatei anonimamente. Peguei seu número nos registros e liguei de um telefone público.
— Dr. ? — perguntei, a voz rouca forçada.
— Quem fala? — ele parecia apreensivo.
— Vá ao bar Pixies hoje à noite. Tenho um recado de Samantha Fox. Soube do que aconteceu e preciso te ajudar.
Ele não respondeu. Achei que fosse desligar. Para minha surpresa, ele continuou na linha, esperando que eu terminasse.
— Posso te ajudar — eu disse, completando.
— Quem fala?
— Um velho amigo. Sei sobre Samantha.
— Como soube?
— Ela me falou.
Pude ouvi-lo engolir em seco. Eu podia sentir sua pulsação, podia respirar sua alma. Aquilo era melhor do que a mais pura adrenalina.
— Ela estar grávida não é vantagem para mim também. Posso te ajudar — digo novamente.
— Não estou interessado em seus serviços, senhor. Não o conheço.
— Se não estivesse, já teria desligado há muito tempo. Mas para que fazer isso? Podemos nos ajudar.
ficou em silêncio, ponderando a questão.
— Que horas no Pixies?
Eu não apareci no bar. Em vez disso, liguei para lá e pedi para chamá-lo. E falei do césio.
Não entrei em detalhes. disse que tentaria rastrear meu número, e que queria saber meu nome. Eu disse a ele que me chamava Eddie e que eu tinha ido preso por um erro de Samantha, e queria me vingar.
Ele obviamente não comprou a história, mas eu falei que ele não tinha opção, porque eu estava ali para negociar, e não fazer amigos.
disse que a queria morta. Que não aguentava mais. E que precisava de ajuda.
Césio é bem difícil de ser encontrado comercialmente, mas em laboratórios a coisa fica mais fácil. Eu disse a que era só pegar um pouco disso e colocar em alguma comida dela. Assim que ela comesse, a coisa reagiria com o suco gástrico e o problema estaria resolvido.
Ele disse que daria um jeito. Que aquilo era covardia, mas ele daria um jeito. Que matá-la com algo sem prazo, de modo que também destruísse o feto, era desumano. E que ele daria um jeito.
Semanas depois, o corpo de Sam foi encontrado, e nenhum tabloide falou qualquer coisa sobre gravidez. foi ao Pixies e eu liguei para lá. Quando ele ouviu minha voz, agradeceu e desligou.
A cada bar ou táxi que você fosse, ouvia pessoas falando que , a Serpente Vigilante, voltaria para investigar a morte de Samantha. Os boatos foram confirmados quando foi até mim e falou que estava pensando se deveria ou não cobrir o caso.
Eu, logicamente, coloquei toda minha animação e força na ideia.
E lá estava ele, o jovem , o novato.
Quando saiu, eu mal conseguia me conter. Não via ou falava com Ramona há meses. Tinha que ter cuidado: ela estava frágil, mas ainda era . Agora, o trabalho deveria ser de Ramona.
virou meu ponto de foco, depois de um tempo relaxado em relação a Samantha. O plano com era falho, e deixava muitas brechas. O caso era que eu precisava de um bode expiatório.
Mas pouco antes de ser liberada, eu tomava todo cuidado possível com o laboratório de química do hospital, e com todas as pessoas próximas à .
estudou e constatou que o corpo de fato não era de Joe Durden, ou muito provavelmente não era, apesar de tudo.
Eu tinha entrado em contato com , dizendo que precisava falar uma coisa importante sobre o caso de Joe Durden.
Precisava ter o controle total dos passos de . era um asno, mas ... Esse tinha cuidado. Ele sabia o que fazia.
Eu também deveria ter cuidado.
Seu deslize fora usar seu espaço de trabalho como laboratório particular.
A cadeia de hospitais de Longview tinha o laboratório de estudos, onde tinha a autorização de ficar. Sendo membro da divisão de Psicologia do hospital, eu tinha fácil contato com os laboratórios.
Depois que vi indo até lá, no dia em que voltara para a delegacia, entrei no espaço também. O médico olhou para trás, me vendo entrar.
— Desculpe, eu reservei o laboratório por hoje — disse, sem graça.
— Oh, sinto muito. Não sei se posso deixar para outra vez o que vim fazer. Importa-se se eu usar essa mesa?
Ele assentiu e fui para uma mesa distante, com luzes para olhar uma radiografia qualquer que eu levara.
ia para aquele laboratório fazia uma semana. Relatórios e mais relatórios.
Cada vez mais perto.
— Sem problemas.
Passando por ele, dei uma olhada na pasta que deixou em cima da mesa, ao seu lado. Observava algo em um microscópio.
Só o nome Durden foi o suficiente para o terror crescer dentro de mim. Qualquer constatação correta dele poderia significar o fim de meu plano milimetricamente calculado.
Tinha que me livrar daquele médico.
— Durden? Não me é um nome estranho.
— Ele morreu faz um tempo — respondeu, ainda olhando no microscópio.
— Conhecia-o?
fez que não.
Mentiroso de merda.
"Primo".
— Ouvi dizer que quem o matou foi uma policial.
— Não foi.
Eu estava de costas para . Tabelas e mais tabelas em folhas espalhadas na mesa do médico.
Exames de sangue, comparativos. Nível de hidratação.
Se ele conseguisse descobrir a idade daquele tecido queimado...
— Eu tenho um amigo da delegacia. Ele estava vendo umas coisas sobre o caso Durden.
Os olhos de se ergueram.
— Conhece alguém da delegacia?
— Sim. E se me permite a pergunta, por que não mostra a algum policial sobre o que quer que esteja estudando do caso?
O meu sorriso fora gentil e simpático. retrucou o sorriso com um semelhante, voltando para seus dados.
— É algo pessoal.
— Entendo.
Mais informações. Mais.
— Já ouvi alguém por aí falando que pode não ser ele naquele lixão. Disseram que pode ser outro corpo.
anotou algo e continuou inexpressivo ao dizer:
— É plausível.
— Acredita nisso, doutor...
— .
— Acredita nisso, doutor ?
olhou-me de lado.
— Talvez.
Uma jovem enfermeira entrou na sala, pedindo licença.
— Com licença, doutores. Senhor , os exames que pediu estão prontos.
Nós dois trocamos um olhar breve.
— Se me dá licença, senhor...
— Carter — respondi o primeiro nome que pensei.
— Senhor Carter, se me der licença, logo estarei de volta.
Educado como sempre.
Assenti com a cabeça, sorrindo.
saiu do laboratório por um instante. Rápido como tal momento, inclinei-me sobre a mesa de , olhando suas anotações.
Passando o olho, já vi sua constatação.
Aquele corpo, aquele tecido... Não eram de Joe Durden.
Eram de Justin Durden.
Joe ainda estava vivo.
E eu sabia bem quem ele era.
Voltei para sua mesa, e após alguns segundos, estava de volta, com um sorriso radiante.
— Foi um prazer lhe conhecer, senhor Carter. Espero que possamos nos ver mais vezes.
A maneira decisiva com que juntou as folhas, guardando-as, me deu a certeza. O exame tinha o resultado que ele esperava.
sabia a verdade.
— Iremos, senhor .
No Halloween, eu tinha ligado para , antes da festa.
— Quem fala? — perguntou o médico.
— ? Sou o doutor Carter, o médico que estava no laboratório com o senhor ontem. Consegui seu número no hospital.
— Ah, doutor Carter, o que o senhor deseja?
— Bem, estou indo até a delegacia essa noite para a festa de Halloween. O senhor gostaria de nos acompanhar?
Podia ver franzindo o cenho do outro lado da linha.
— Não estranhe minha pergunta — eu ri — Isso é estreitamente profissional. Encontrei registros do caso Durden que podem lhe ser úteis.
— Que tipos de registros?
— Não acho seguro falar pelo telefone. Podemos nos encontrar na festa?
hesitou, mas por fim, aceitou. Ambos combinamos o horário, e por fim, eu disse:
— Só gostaria que não dissesse a ninguém que me conheceu, doutor. Se esses registros e seus consequentes forem verdadeiros, prezo por meu anonimato.
— Sem problemas, doutor. Peço o mesmo.
Não se preocupe, ninguém ficará sabendo.
No Halloween, chegou pela porta da frente, quando todos estavam do lado de fora. Pouco antes da brincadeira começar, depois que falou com .
Tinha deixado a faca, um par de luvas e a blusa que usaria em um banheiro, atrás do recipiente da descarga.
Fui com até o terraço, sem passarmos por ninguém. Abri a porta e deixei-o lá, voltando para pegar minhas coisas no banheiro, trancar a porta e apagar as luzes na volta.
O jogo começa.
Não havia ninguém lá além de nós. Todos iam começar a procurar pelo tesouro, quando o prêmio estava na minha frente.
— O que ia falar, doutor Carter?
A fantasia. A faca atrás da calça.
— Joe Durden está vivo.
olhou para mim, sem demonstrar surpresa.
— Eu sei que você já sabia disso. Mas ele está aqui, esta noite.
— Está?
Eu apontei para a beira do terraço. debruçou-se e tentou procurar.
— Sim. Joe fingiu sua morte, e pretende matar alguém esta noite.
— Temos que avisar as autoridades.
As luzes estão apagadas. É menos perigoso.
Fiquei nervoso nesse momento, assumo. Admito que era algo que planejei pouco. Não tinha o que duvidar dos meus instintos, entretanto. Eu tinha que fazer aquilo.
A faca passou tão delicada pelo pescoço de que ele não percebeu o que vinha. O sangue não saía volumoso, afinal, não era uma ferida profunda. Ele ainda ficaria mais tempo vivo.
O sangue começava a sair, mas continuava vivo.
Vivo.
A pior parte de matar alguém é vê-los nos olhos. Ver sua agonia final, ver seu desespero. Por isso, eu nunca os olhava nos olhos.
— Eu sou a autoridade.
caiu, deitado. Adentrei a faca em suas costas, também superficialmente. Ainda estava vivo, mas por pouco tempo.
Ouvi o som de passos no andar inferior. A porta fechou-se pouco depois.
Teria pouco tempo.
Corri até o banheiro, deixando a faca e minha blusa suja de sangue na caixa de descarga. Troquei minha roupa pela blusa limpa, e coloquei as luvas, com pressa, mas com cuidado. No corredor, olhei a única porta fechada, e pensei no jeito mais rápido de deixá-la trancada.
Que tal emperrá-la?
Fácil. Quebre a maçaneta para fora. Ela se torcerá, e não conseguirá abrir.
A porta emperrou instantaneamente, e voltei para o terraço. Acendi as luzes, mas logo as apaguei novamente.
Novamente.
Novamente.
Novamente.
Mais rápido.
Ao ouvir um grito, deixei as luzes apagadas. Subi as escadas, e vi o corpo de . Havia pouco sangue no chão, e ele parecia estar próximo de sua morte.
Mas tinha que me livrar do corpo.
Consegui erguê-lo, colocá-lo em cima do muro e olhei-o.
— Sem ressentimentos. Eu já te desculpei faz muitos anos.
Girei-o e ouvi o som surdo, fechando os olhos com força. Nesse momento, corri até a caixa de energia, tirando as luvas e escondendo-as nas botas, esperei alguns segundos e acendi as luzes.
Corri até a porta trancada e conseguiu abri-la sem muitas dificuldades, só empurrando-a com o ombro, encontrando e assustados, e desmaiada no chão.
— O que aconteceu?
Eu era o que melhor sabia responder essa pergunta, mas fui quem a fizera.
— Eu corri até o terraço quando as luzes se apagaram, acendi as luzes e abri a porta da sala onde eles estavam. Não sei se o assassino se escondeu em algum lugar, se saiu por uma janela... Não me importei com isso. Queria saber se eles estavam bem. Já era demais um assassinato naquela noite, em uma festa. Não queria alguém ferido.
No fim da festa, eu depositei uma faca limpa, nunca usada, na lixeira. Pouco depois, a encontraram e arquivaram como a arma do crime. Porque elas eram idênticas, a verdadeira e a falsa, então, não havia por que não ser esta.
A verdadeira arma ficou no latão do meu prédio. Quando a encontrassem, eu seria preso.
Eu tinha álibis. Tinha dois amigos da polícia ao meu favor.
Fingir minha culpa era a melhor maneira de mostrar que eu não era o culpado.
Naquela mesma noite, Ramona já tinha começado seu trabalho. E eu percebi que ela estava viva quando a casa de pegou fogo.
Por improviso, tive a melhor ideia de todas até aquele momento.
"— Você... gostaria de ir morar com a gente por um tempo?"
Que ingênuo.
Ramona tinha tido a melhor ideia do mundo. Ela sabia que eu faria a proposta de ela ir morar com a gente.
De madrugada, fui surpreendido por de pé no meu quarto.
— Estava com saudades, Joey.
Minha Ramona.
Ela sabia que estava morto, e me deu um esporro por ter sido tão impulsivo. Mas me parabenizou por ter feito um plano com poucas falhas.
A verdadeira Ramona tinha colocado na casa de as fotos, e queimado a casa depois.
E agora, estava chegando perto de .
Perguntei se isso não era um plano muito arriscado. Não achava a coisa mais sensata do mundo, e se eu mesmo já não gostava da ideia de trabalhar com Ramona, confiar o plano quase todo em Ramona me parecia demais.
Ela disse que já tinha tudo sob controle, e que, desde onde ela se lembrava, a ideia do Manson fora dela. Então fiquei calado.
Ramona deveria aterrorizar . Depois de muito tempo, poderia se aproximar dela. Porque precisávamos enfraquecer a mente dela. Deixá-la exausta, deixá-la morrer. Ela estava cansando a própria cabeça com Ramona, e isso era claro, e mais ainda quando morreu.
Ou cometeu suicídio. Quem sabe?
Aquele besta sabia. Ele soube que tinha problemas psicológicos sérios, mas não devia saber que eram tão extremos. Sabia que podia existir Ramona, e eu descobri isso porque os registros de estavam sumindo dos arquivos de novo.
estava se intrometendo de novo, e eu estava perdendo a paciência com ele. Mais ainda porque ele estava pretendendo soltar a língua sobre isso e sobre Samantha. O cara não tinha colhões o suficiente para suportar o assassinato de uma pessoa que ele sequer viu.
Eu precisava dar um jeito nele. Na equipe de psicologia, ele estava esguio, nervoso, saindo mais cedo do trabalho e chegando tarde. Isso acabaria vindo a calhar: as mortes em cadeia estavam sendo todas com pessoas próximas de , e a lógica iria levar a crer que era um único assassino.
O mais descuidado.
Não foi complicado para mim.
Quando eu vi a delegada indo até o hospital uma noite, percebi que precisava dar um jeito.
Entrei em contato com , novamente. Disse a ele que precisávamos falar algumas coisas, que a polícia já estava sabendo de coisas demais. Então deveríamos nos encontrar para resolver isso melhor.
Não conte a ninguém aonde está indo. Se algo acontecer e descobrirem onde você está, e vierem até mim, não se esqueça do que fiz para você.
estava saindo do trabalho. Indo para o carro, dando a partida e indo para a viela que eu disse que era para me encontrar, perto do cais. Era um lugar cheio à noite, mas deserto durante a tarde. Ele saiu do carro e foi para a viela, enquanto eu estava ali há muito tempo.
Passo. Passo. Passo.
Olhe em volta.
Estranho. Onde será que ele está? Será que se atrasou?
Eu usava luvas de látex e uma roupa de . Não queria foder meu parceiro, mas prioridades em primeiro lugar. Segurava o fio com as duas mãos com bastante firmeza, e fui com todo o cuidado até .
Força. Força. Força.
Ele caiu em meus braços depois de um bocado de esforço. O cara era bem forte, mas não era de ferro. Peguei as chaves de seu Porsche em seu bolso e abri a porta.
Ninguém pensaria nisso, ainda mais depois de um suicídio. Se chegassem a , achariam que ele se matou pela culpa de ter assassinado e Samantha.
Levando em conta a falta de bolas daquele imbecil, era provável mesmo que ele acabasse se matando.
Quando acordou, seus ouvidos doíam como se estivessem sob pressão. Os olhos estavam pesados, e não havia muita luz. Ainda assim, ele reconheceu que estava em uma garagem.
Sua cabeça latejava. Talvez, pela surpresa de um pouco antes. Sentia uma dor aguda na garganta, como se houvesse um caminho de pequenos cortes causados por um fino fio de cobre.
Levantou do chão e tentou distinguir seu redor. Não havia som algum, cheiro algum. Só uma garagem vazia, a não ser por e seu carro.
Não sabia que garagem era. Não conhecia.
Tentou ficar de pé. Seus membros fraquejavam, seus tecidos tendiam à desistência, ansiando pelo oxigênio que faltava em suas veias. Os pés não firmavam, e seu peso fazia-o cambalear.
— Tem alguém aí? — ele perguntou.
Seus ouvidos doíam um pouco mais. A cabeça também doía, e sentia como se seu crânio tivesse aumentado e seu cérebro estivesse tangendo repetidas vezes contra o osso.
O carro estava ligado.
Puta que pariu.
Em suas solas recheadas de chumbo, arrastou-se até o carro e tentou abrir a porta. Não chegava muito longe: talvez por suas mãos enfraquecidas, talvez a porta estivesse emperrada.
O gás vazava cada vez mais, e se perguntou se não estava sonhando. Talvez aquilo fosse um castigo por Sam. Alguém deveria estar fazendo-o pagar.
Um morto se levanta e o faz morrer.
caiu deitado novamente, seu corpo em queda livre contra o solo. Não tinha forças para se mover, e sabia que iria desmaiar.
Não poderia sair.
Talvez estivesse mesmo merecendo aquilo.
Eu entrei na garagem horas depois. Ficaria impressionado se ele ainda estivesse vivo. De fato, não estava. Caído no chão de concreto, ele só aceitou.
Talvez merecesse aquilo.
Levei-o para a casa de seu amigo, com o Porsche. Armei a cena, preparei tudo.
E fui até lá para encontrá-lo.
A morte de foi algo tão poético que quase fico emocionado.
Tudo estava bem. Ramona me falara, outro dia, que James estava na delegacia. E quando Tyler desapareceu, e foi preso, eu entendi o que ia acontecer.
Minha ideia só tinha o que melhorar.
Jackie tinha Tyler nas próprias mãos. Era um caso bem nojento de incesto, na verdade. Ela e James conseguiram pegá-lo sem dificuldades.
E Ramona os ajudava.
Ramona sempre soube que eles iam aparecer. Sempre reparou que eles não iam deixar o caso de Justin e o meu assim, por nada. Todos conhecíamos Jacqueline, e ela não deixava nada barato.
Por isso mesmo que a própria Ramona foi até ela.
A própria Ramona se propôs a ajudá-la, independente de Tyler. Na verdade, a ideia final era matar Tyler, e não .
Ramona ajudou James e Jackie, mas eles não podiam confiar 100% nela, então algemaram para que ela não atrapalhasse, depois do papel de Ramona ser finalizado.
Só que Ramona fez o que precisava fazer. Ela já tinha assustado , e agora precisava de sua confiança. Sua chance estava ali.
Ramona até mesmo tinha conseguido uma prova para inocentá-la do meu assassinato.
Boom. Problema resolvido.
Tyler sair vivo ou não seria um bônus. Mas recorrer à boa vontade de , e acabou por ter um lado bom.
Ainda mais de , aquele garoto tão ingênuo.
Depois do sequestro, Ramona a salvou. Ramona por vezes interpretava a própria , e a via como outra mulher. Jackie se matou e James foi preso.
Então, Ramona precisou ir embora.
Eu entrei em pânico quando ela deixou de aparecer aos poucos.
Em total pânico.
O que estava acontecendo? Estava tudo indo tão bem. Tudo caminhando tão perfeitamente. Eu era psicólogo particular de , ela tinha começado a tomar remédios que podiam despertar Ramona ainda mais. Além do mais, eu estava tão perto de ver as fraquezas de ... E trazê-las à tona!
Será que era meu "caso" com ? Isso teria feito Ramona ficar com ciúmes? Não, ela sabia que eu fazia aquilo por um bem maior. Eu fazia exteriorizar uma certa inveja de , e ela era do laboratório da delegacia. Não era o problema.
Meu novo problema era .
Ele e estavam claramente próximos demais um do outro. Desde o sequestro, ambos eram unha e carne.
Depois da minha primeira consulta com , fomos para casa juntos. Mas, aparentemente, tivemos um acidente que fez ambos irem sozinhos mais cedo.
Nenhum dos dois nunca fora muito bom em disfarçar.
Tirar o freio do Audi não pareceu fazer qualquer diferença.
Era ele. Ela estava claramente apaixonada por ele. Depois de tudo que estava acontecendo, ela não precisava mais de Ramona como sua válvula.
Ela estava bem. Segura. Firme.
Eu precisava de Ramona de volta. Precisava dar um jeito.
ia pedir exames de DNA do "meu" corpo cedo ou tarde.
E Ramona se foi. De repente, eu estava sozinho.
Então, estava por perto.
, que sempre invejou e toda sua "falta de personalidade", toda sua fama "por nada".
Eu tinha uma ótima chance. Precisava jogá-la no meio deles.
Fizemos um acordo. Eu disse que queria , ela disse que queria .
Dividimos as peças naquela noite, e é óbvio que saiu perdendo.
foi para casa, e lá estava minha heroína. De volta, fazendo seu trabalho como poucos poderiam.
. Que ideia genial.
Ramona agora era uma amiga confidente. Era, de verdade, uma pessoa para deixar confiante de si, segura. Como ela sempre foi criada para ser.
E eu continuava ajudando de longe, disfarçadamente.
O amigo confidente, um fantasma.
fez o teste que eu falei. Ela disse que eu estava morto de fato, como eu precisei. Estávamos em total comum acordo, até ela escorregar.
Até ela querer , e querer soltar a língua.
Precisei improvisar.
Coloquei o vídeo na delegacia, um vídeo que eu mesmo conseguira gravar.
sabia o que ia acontecer. Eu deixei isso claro para ela, desde sempre.
Se ela pisasse fora da linha, eu também pisaria.
E, bem, ela pisou.
Eu avisei com seu gato. E precisei avisar com ela.
A culpa cairia em , matando dois coelhos com uma cajadada só.
Resolvendo meus problemas.
Isso é mais simples do que parece.
Eu não crio planos para situações. Eu analiso pessoas. E elas caem perfeitamente no caminho que trilhei.
Porque elas são previsíveis.
Ridiculamente previsíveis.
A menina que tinha atacado no dia da minha primeira consulta com era algo com que se importar. me contou que a mandou para a delegacia. E para ela estar especificamente perto de nossa casa, e se render tão rápido, achei que era algo digno de minha atenção.
Lembrei-me de uma história de meu tio, algo que minha mãe não costumava comentar na família. Algo sobre meu tio ter uma namorada, mas ela ter ficado grávida, ou algo assim. De qualquer modo, com conversas informais ("e aquela garota, cara? Aquela que te atacou? O que descobriu sobre ela?"), acabei tendo mais informações sobre ela.
Zoe.
Ela e andavam perigosamente próximas.
Minha doce prima. Meu canivete. Filha da puta, por isso eu não achava aquele canivete no Palácio!
Mas, quando ela se foi da delegacia, meu problema estava resolvido. não chegou longe com ela. E eu não deveria me preocupar.
ainda estava longe, e isso não seria problema.
A única pessoa por perto de continuava sendo Ramona, e, quando ela fosse embora, perderia o chão.
Eu odiava Tyler. Quando o vi voltar para Longview, não resisti: acertei-o na rua com uma garrafa, de tanto ódio. Ele fora culpado, com toda justiça, pela morte de Justin. Mas como vivemos em um mundo fraco, ele foi colocado como inocente na sentença final, e liberado.
Todos sabemos o que aconteceu naquela noite. Tyler foi o último a ficar com Justin. Ele podia ter oferecido socorro, ligado para a ambulância, ou sequer ter sido companhia para meu irmão.
Mas não, Justin foi deixado para morrer no meio da neve. Na imensidão gélida do inverno em Longview, como se fosse um saco de carne velha.
Justin, a única fruta doce entre nós.
Eu tinha ficado louco sobre os testamentos de meus pais. Minha mãe e ele tinham divisão total de bens, o que acabava conferindo aos dois o mesmo testamento.
Mas tinha algo errado. Meu pai deixou brechas.
Eu e Samantha tínhamos estudado isso, sem chegar a lugar algum. Eu me convenci, e não haveria ninguém no mundo que poderia me convencer do contrário: eu devia ter algum irmão ou irmã bastardo. Pensei em todos que estavam por perto.
.
Tyler.
Até Zoe.
O cálculo era fácil. Tyler Durden.
Se aquele filho da mãe pegasse minha herança, eu certamente enlouqueceria.
Na minha ideia inicial, faríamos Tyler ser dado como desaparecido. O cara já mal parava em uma cidade só; sumir com ele seria fácil.
Jackie e James resolveram isso para mim. Interná-lo já o deixaria fora do testamento, e melhor: ele estava no hospital. Bem nos meus braços.
Preparei um testamento para ele, documentado por enfermeiras e médicos que estão mais do que acostumados com pacientes escrevendo suas últimas palavras. E ele passava tudo para .
, que agora partia aos poucos.
Eu só precisei do tiro final.
No Palácio.
O fim.
Liguei para o Manson. Ela acordou na mesma tarde. E lá, eu, como seu psicólogo, tive meu momento em paz com ela.
E nada era real.
estava morta, e Ramona estava nascendo.
Ela só precisava se convencer. Só precisava aceitar, para Ramona poder vir para sempre. O dinheiro já estava nas mãos dela. Ela tinha se virado sozinha antes, conforme ela me avisou. O carro que explodiu.
Eu também, para tirar do caminho, precisei fazer um esforço. Pus a casa do avesso, e ainda paguei de mártir.
Tyler está no Manson. Tyler passou tudo para , mas Tyler precisa morrer.
Não há nenhum vivo. Apenas Durden.
Vida longa.
está indo para a Ala Fria, e eu só estou esperando meu anjo subir do inferno.
Meu nome é , sou um psicólogo formado pelo estado da Califórnia e sempre vivi em Longview.
Divido apartamento com um jornalista, chamado e vivo minha vida como muitos gostariam de viver, mas poucos tiveram a coragem de correr atrás.
Meu nome é Joe Durden, sou um psicólogo formado pelo estado da Califórnia e sempre vivi em Longview.
Divido apartamento com um jornalista, chamado e vivo para conquistar o que foi tirado de mim.
Desde sempre, foi isso que procurei.
E estou cada vez mais perto de meu objetivo.
Where will all the martyrs go when the virus cures itself? And where will we all go when it's too late?
Em abril, quando eu descobri que Samantha e estavam fodendo, então comecei a ter a ideia inicial.
Quem tinha me contado sobre isso, surpreendentemente, tinha sido Ramona.
tinha transtorno de personalidade bipolar, e eu sabia disso há anos. Mas, naquele dia, ela me ligou e disse que precisava falar comigo, um pouco depois da sentença de Tyler ter saído e ele ter sido colocado como inocente. Sam era minha namorada, na época, e nossa advogada. Ela tentou de todos os jeitos fazer aquele bastardo ir preso, sem sucesso.
só me ligou e disse que precisávamos conversar, porque nossos parceiros estavam nos chifrando um com o outro.
E eu disse que tudo bem, por que não?
Ela foi ao Tate e eu sabia que não era naquele corpo. Ela estava diferente. Ramona dá a ela uma aura estranha, que confere à uma série de modismos bizarros.
Primeiramente, ela anda diferente. Olhando para cima, como se tudo e todos ao redor estivessem abaixo dela. O nariz apontado para o teto, os olhos que viajam em completo desinteresse, como que querendo se livrar de você o quanto antes.
Tão eu.
— O que houve? — perguntei a contragosto. Não falava com há séculos, não a ponto de nos encontrarmos para colocar a conversa em dia. Ela jogou a bolsa na cama e cruzou os braços.
— Você fica de olho na sua namorada?
Eu não me importava muito com Samantha. Eu sabia que estávamos juntos mais por marketing do que por nos gostarmos. Até porque eu não gostava muito dela. Digo, ela era linda, isso era inegável. Lembrava-me, com certo charme, a Dália Negra. Mas Samantha era uma pessoa rasa, desinteressante, e eu odeio pessoas assim. Não consigo ficar preso a personalidades tão simples.
Acho que por isso nunca consegui me afastar de .
Enfim. Samantha e .
— Não. Na verdade, não.
Eu estava um pouco embasbacado por ter aparecido do nada no Tate, e estar sendo tão direta. Não parecia . Mas, ok, vamos lá.
— Bom, porque eu fico de olho no meu. E você sabe quem eu vi?
— A minha namorada?
— A sua namorada.
Não reagi. Porque, de verdade, eu não dava a mínima.
— Desde quando? — perguntei. Soava a coisa mais sensata para se perguntar.
— Não sei. Descobri por tíquetes de estacionamento nas coisas daquele bosta. Tinham o endereço de onde o carro foi estacionado, e eu só precisei descobrir quem morava perto daquele lugar. Não foi difícil.
— Deve ser na época do julgamento.
Estranhei não estar triste com aquilo. Até onde eu sabia, ela gostava bastante de . Desde o primeiro caso dela, eles estavam juntos. Digo, agora inclusive estavam noivos.
sentou-se em uma poltrona. As unhas arranhavam de leve os próprios lábios, e senti um forte cheiro de cigarro. Ela olhava para baixo, como que pensando.
Estávamos um pouco distantes um do outro. Algo em me impedia de tocá-la. Perguntei, cruzando os braços:
— Isso não te magoou?
ergueu o olhar. Ela não parecia olhar para mim. Em seus olhos, não tinha absolutamente nada.
Ela via através de mim, e isso me deixou completamente maravilhado.
Eu sempre estive certo. Não era só que ocupava aquele corpo.
— Não — ela foi direta — Não me magoou.
— Nem a mim.
piscou e abaixou os olhos.
— Foi por isso que voltou a falar comigo, depois de tanto tempo? — não resisti em perguntar.
Ela não pensou duas vezes antes de me responder:
— Não. Não só por isso.
— ...?
— Pare de me chamar assim.
Recuei.
— Por quê?
— Porque você sabe bem que não é que está falando.
Engoli em seco.
— Não?
Ela tinha o olhar firme. E eu não podia estar menos encantado.
— Não.
Deus.
— Ramona.
Só Ramona.
Tyler tinha ido embora logo depois do julgamento. Não sei bem se ele quis fugir da verdadeira culpa, ou do trauma. Só lembro perfeitamente como parecia bem chateada com esse fato. Mas a mulher que estava no Tate naquela noite não estava chateada: ela estava completamente enfurecida.
Eu sempre soube que havia duas, mas nunca poderia imaginar como me apaixonaria perdidamente por uma delas.
Ramona passara a noite comigo, naquele dia. Tinha ficado no Tate. Eu tive a ideia naquela noite, todo o plano. Comecei a desenvolver bem o que poderia fazer. A parte mais importante não era a herança em si, mas destruir o que começara a destruir minha família.
A raiz do problema sempre foi Tyler, porém, de início, eu tinha coisa mais importante para me importar.
Como Samantha e . Porque Sam tinha vindo até mim e falado sobre , enfim. Mas não podíamos terminar, eu precisava dela, para meu plano. E tínhamos interesses comuns: eu queria que ela me desse como morto, e ela queria separar e . Estava louca.
Perfeito.
Contei a Ramona a ideia, depois de alguns dias. Tive que tomar bastante cuidado, eu a via algumas vezes e tentava ao máximo diferenciar ela de . Não era muito difícil: para começar, sempre quem propunha o encontro era ela. Se fosse eu, podia acabar chamando para sair em vez de Ramona.
Eu observava bem o que tinha que fazer. Era claro que Ramona só vinha à tona quando estava irritada, quando ela não tinha como continuar firme. A base de era Ramona, e Ramona estava vindo cada vez mais alto.
E eu só queria Ramona, e Ramona só queria Ramona, então precisávamos acabar com .
A maneira de fazer isso era colocá-la em um estado permanente de insegurança, o que não era difícil. nunca teve tripas para aguentar qualquer coisa mais forte. Então, podemos começar acabando com a primeira coisa que a deixaria sem chão.
Ramona sempre esteve lá. Na grandiosa noite, me encarreguei de chamar para uma conversa. A coisa não começou muito bem, e discutimos. Depois de pouco tempo, ela se foi, e só restou sua melhor parte.
— Se você errar, eu mato você — ela me avisou.
Assenti. Uma ameaça de Ramona parecia muito mais perigosa do que uma de .
Tudo precisava ser perfeito. Eu deveria estar morto, e sobre o DNA, isso não seria um grande problema. Samantha estava ali. E precisava ser condenada, mas não poderia ter muitas provas contra ela; se isso acontecesse, ela seria sentenciada à prisão, e não era isso que precisávamos.
Contratei um homem para desenterrar o corpo de Justin, porque eu não tinha coragem o suficiente para isso. Mas eu quem precisei queimá-lo. Ver o cadáver do meu irmão pegar fogo na minha frente foi a pior coisa que eu já fiz.
Quando o fogo apagou, eu vi que Joe Durden estava morto.
Por alguns segundos, pensei em desistir. Quando vi o corpo completamente carbonizado de Justin, quis acabar com aquela ideia.
Mas era genial demais. Era perfeito. E estava tarde para eu parar.
Fios de cabelo, roupas e um punhado de arranhões já serviram para o DNA. Os registros, apagados por mim, contribuíram. E, para completar, fotos que eu guardara para quando aquilo pudesse convir.
foi a julgamento, mas as provas eram falhas. Ainda assim, lá estava Samantha, fazendo jus ao seu falecido namorado. Ela, juntamente com Marla Bronx e , coitados, cuidaram de tudo. E nem faziam ideia disso.
Eu não fiquei por perto para observar isso desandar. Tive que me esconder, e, com contatos menos indicados, tratei de fazer sutis mudanças na minha aparência, além de uma documentação nova. E logo nasceu , um psicólogo como eu, um homem jovem como eu.
Eu já tinha começado a resolver questões burocráticas de apartamento pouco antes do plano começar, mas só me mudei efetivamente quando Joe Durden foi encontrado. Bati na porta do apartamento, para que fizesse a entrevista, e fui atendido por um jovem com uma camiseta dos Beatles.
Já tínhamos algo em comum.
Seu nome era e ele era jornalista, colunista do jornal de Longview.
— Esportes? — perguntei.
— Obituários — ele respondeu.
Mudei-me dias depois.
Ter um jornalista como colega de quarto foi uma ideia que veio depois, e veio bem a calhar. Assim, poderia saber na íntegra como andavam as coisas nos bastidores do meu caso.
Eu passei a trabalhar no hospital da cidade. Apesar de ser formado em psicologia, eu nunca tinha exercido antes, e isso era meio estranho para mim. Adaptei-me rápido, até.
E quem mais trabalhava no hospital? .
Eu sabia, assim como metade da cidade, que ele e Samantha ainda tinham um caso. Um dia, a equipe de psicologia estava reunida. Eu estava na mesma sala que , e ele não fazia ideia de quem eu era. Ele estava inquieto, bastante nervoso.
Eu tinha um palpite. Tinha continuado a ter contato com Samantha, caso ela enlouquecesse e soltasse a boca sobre eu estar vivo. Então, eu fui surpreendido, uma noite, por uma Sam perturbada por não ter se separado de , mesmo depois de ela ter contado a ele que estava grávida.
Seu pior erro, minha doce Dália Negra.
Fiquei apavorado. Se o plano desse errado por causa de uma vagabunda como Sam, estaria tudo perdido.
Mas eu ainda tinha uma ideia bem interessante para esses dois.
Contatei anonimamente. Peguei seu número nos registros e liguei de um telefone público.
— Dr. ? — perguntei, a voz rouca forçada.
— Quem fala? — ele parecia apreensivo.
— Vá ao bar Pixies hoje à noite. Tenho um recado de Samantha Fox. Soube do que aconteceu e preciso te ajudar.
Ele não respondeu. Achei que fosse desligar. Para minha surpresa, ele continuou na linha, esperando que eu terminasse.
— Posso te ajudar — eu disse, completando.
— Quem fala?
— Um velho amigo. Sei sobre Samantha.
— Como soube?
— Ela me falou.
Pude ouvi-lo engolir em seco. Eu podia sentir sua pulsação, podia respirar sua alma. Aquilo era melhor do que a mais pura adrenalina.
— Ela estar grávida não é vantagem para mim também. Posso te ajudar — digo novamente.
— Não estou interessado em seus serviços, senhor. Não o conheço.
— Se não estivesse, já teria desligado há muito tempo. Mas para que fazer isso? Podemos nos ajudar.
ficou em silêncio, ponderando a questão.
— Que horas no Pixies?
Eu não apareci no bar. Em vez disso, liguei para lá e pedi para chamá-lo. E falei do césio.
Não entrei em detalhes. disse que tentaria rastrear meu número, e que queria saber meu nome. Eu disse a ele que me chamava Eddie e que eu tinha ido preso por um erro de Samantha, e queria me vingar.
Ele obviamente não comprou a história, mas eu falei que ele não tinha opção, porque eu estava ali para negociar, e não fazer amigos.
disse que a queria morta. Que não aguentava mais. E que precisava de ajuda.
Césio é bem difícil de ser encontrado comercialmente, mas em laboratórios a coisa fica mais fácil. Eu disse a que era só pegar um pouco disso e colocar em alguma comida dela. Assim que ela comesse, a coisa reagiria com o suco gástrico e o problema estaria resolvido.
Ele disse que daria um jeito. Que aquilo era covardia, mas ele daria um jeito. Que matá-la com algo sem prazo, de modo que também destruísse o feto, era desumano. E que ele daria um jeito.
Semanas depois, o corpo de Sam foi encontrado, e nenhum tabloide falou qualquer coisa sobre gravidez. foi ao Pixies e eu liguei para lá. Quando ele ouviu minha voz, agradeceu e desligou.
A cada bar ou táxi que você fosse, ouvia pessoas falando que , a Serpente Vigilante, voltaria para investigar a morte de Samantha. Os boatos foram confirmados quando foi até mim e falou que estava pensando se deveria ou não cobrir o caso.
Eu, logicamente, coloquei toda minha animação e força na ideia.
E lá estava ele, o jovem , o novato.
Quando saiu, eu mal conseguia me conter. Não via ou falava com Ramona há meses. Tinha que ter cuidado: ela estava frágil, mas ainda era . Agora, o trabalho deveria ser de Ramona.
virou meu ponto de foco, depois de um tempo relaxado em relação a Samantha. O plano com era falho, e deixava muitas brechas. O caso era que eu precisava de um bode expiatório.
Mas pouco antes de ser liberada, eu tomava todo cuidado possível com o laboratório de química do hospital, e com todas as pessoas próximas à .
estudou e constatou que o corpo de fato não era de Joe Durden, ou muito provavelmente não era, apesar de tudo.
Eu tinha entrado em contato com , dizendo que precisava falar uma coisa importante sobre o caso de Joe Durden.
Precisava ter o controle total dos passos de . era um asno, mas ... Esse tinha cuidado. Ele sabia o que fazia.
Eu também deveria ter cuidado.
Seu deslize fora usar seu espaço de trabalho como laboratório particular.
A cadeia de hospitais de Longview tinha o laboratório de estudos, onde tinha a autorização de ficar. Sendo membro da divisão de Psicologia do hospital, eu tinha fácil contato com os laboratórios.
Depois que vi indo até lá, no dia em que voltara para a delegacia, entrei no espaço também. O médico olhou para trás, me vendo entrar.
— Desculpe, eu reservei o laboratório por hoje — disse, sem graça.
— Oh, sinto muito. Não sei se posso deixar para outra vez o que vim fazer. Importa-se se eu usar essa mesa?
Ele assentiu e fui para uma mesa distante, com luzes para olhar uma radiografia qualquer que eu levara.
ia para aquele laboratório fazia uma semana. Relatórios e mais relatórios.
Cada vez mais perto.
— Sem problemas.
Passando por ele, dei uma olhada na pasta que deixou em cima da mesa, ao seu lado. Observava algo em um microscópio.
Só o nome Durden foi o suficiente para o terror crescer dentro de mim. Qualquer constatação correta dele poderia significar o fim de meu plano milimetricamente calculado.
Tinha que me livrar daquele médico.
— Durden? Não me é um nome estranho.
— Ele morreu faz um tempo — respondeu, ainda olhando no microscópio.
— Conhecia-o?
fez que não.
Mentiroso de merda.
"Primo".
— Ouvi dizer que quem o matou foi uma policial.
— Não foi.
Eu estava de costas para . Tabelas e mais tabelas em folhas espalhadas na mesa do médico.
Exames de sangue, comparativos. Nível de hidratação.
Se ele conseguisse descobrir a idade daquele tecido queimado...
— Eu tenho um amigo da delegacia. Ele estava vendo umas coisas sobre o caso Durden.
Os olhos de se ergueram.
— Conhece alguém da delegacia?
— Sim. E se me permite a pergunta, por que não mostra a algum policial sobre o que quer que esteja estudando do caso?
O meu sorriso fora gentil e simpático. retrucou o sorriso com um semelhante, voltando para seus dados.
— É algo pessoal.
— Entendo.
Mais informações. Mais.
— Já ouvi alguém por aí falando que pode não ser ele naquele lixão. Disseram que pode ser outro corpo.
anotou algo e continuou inexpressivo ao dizer:
— É plausível.
— Acredita nisso, doutor...
— .
— Acredita nisso, doutor ?
olhou-me de lado.
— Talvez.
Uma jovem enfermeira entrou na sala, pedindo licença.
— Com licença, doutores. Senhor , os exames que pediu estão prontos.
Nós dois trocamos um olhar breve.
— Se me dá licença, senhor...
— Carter — respondi o primeiro nome que pensei.
— Senhor Carter, se me der licença, logo estarei de volta.
Educado como sempre.
Assenti com a cabeça, sorrindo.
saiu do laboratório por um instante. Rápido como tal momento, inclinei-me sobre a mesa de , olhando suas anotações.
Passando o olho, já vi sua constatação.
Aquele corpo, aquele tecido... Não eram de Joe Durden.
Eram de Justin Durden.
Joe ainda estava vivo.
E eu sabia bem quem ele era.
Voltei para sua mesa, e após alguns segundos, estava de volta, com um sorriso radiante.
— Foi um prazer lhe conhecer, senhor Carter. Espero que possamos nos ver mais vezes.
A maneira decisiva com que juntou as folhas, guardando-as, me deu a certeza. O exame tinha o resultado que ele esperava.
sabia a verdade.
— Iremos, senhor .
No Halloween, eu tinha ligado para , antes da festa.
— Quem fala? — perguntou o médico.
— ? Sou o doutor Carter, o médico que estava no laboratório com o senhor ontem. Consegui seu número no hospital.
— Ah, doutor Carter, o que o senhor deseja?
— Bem, estou indo até a delegacia essa noite para a festa de Halloween. O senhor gostaria de nos acompanhar?
Podia ver franzindo o cenho do outro lado da linha.
— Não estranhe minha pergunta — eu ri — Isso é estreitamente profissional. Encontrei registros do caso Durden que podem lhe ser úteis.
— Que tipos de registros?
— Não acho seguro falar pelo telefone. Podemos nos encontrar na festa?
hesitou, mas por fim, aceitou. Ambos combinamos o horário, e por fim, eu disse:
— Só gostaria que não dissesse a ninguém que me conheceu, doutor. Se esses registros e seus consequentes forem verdadeiros, prezo por meu anonimato.
— Sem problemas, doutor. Peço o mesmo.
Não se preocupe, ninguém ficará sabendo.
No Halloween, chegou pela porta da frente, quando todos estavam do lado de fora. Pouco antes da brincadeira começar, depois que falou com .
Tinha deixado a faca, um par de luvas e a blusa que usaria em um banheiro, atrás do recipiente da descarga.
Fui com até o terraço, sem passarmos por ninguém. Abri a porta e deixei-o lá, voltando para pegar minhas coisas no banheiro, trancar a porta e apagar as luzes na volta.
O jogo começa.
Não havia ninguém lá além de nós. Todos iam começar a procurar pelo tesouro, quando o prêmio estava na minha frente.
— O que ia falar, doutor Carter?
A fantasia. A faca atrás da calça.
— Joe Durden está vivo.
olhou para mim, sem demonstrar surpresa.
— Eu sei que você já sabia disso. Mas ele está aqui, esta noite.
— Está?
Eu apontei para a beira do terraço. debruçou-se e tentou procurar.
— Sim. Joe fingiu sua morte, e pretende matar alguém esta noite.
— Temos que avisar as autoridades.
As luzes estão apagadas. É menos perigoso.
Fiquei nervoso nesse momento, assumo. Admito que era algo que planejei pouco. Não tinha o que duvidar dos meus instintos, entretanto. Eu tinha que fazer aquilo.
A faca passou tão delicada pelo pescoço de que ele não percebeu o que vinha. O sangue não saía volumoso, afinal, não era uma ferida profunda. Ele ainda ficaria mais tempo vivo.
O sangue começava a sair, mas continuava vivo.
Vivo.
A pior parte de matar alguém é vê-los nos olhos. Ver sua agonia final, ver seu desespero. Por isso, eu nunca os olhava nos olhos.
— Eu sou a autoridade.
caiu, deitado. Adentrei a faca em suas costas, também superficialmente. Ainda estava vivo, mas por pouco tempo.
Ouvi o som de passos no andar inferior. A porta fechou-se pouco depois.
Teria pouco tempo.
Corri até o banheiro, deixando a faca e minha blusa suja de sangue na caixa de descarga. Troquei minha roupa pela blusa limpa, e coloquei as luvas, com pressa, mas com cuidado. No corredor, olhei a única porta fechada, e pensei no jeito mais rápido de deixá-la trancada.
Que tal emperrá-la?
Fácil. Quebre a maçaneta para fora. Ela se torcerá, e não conseguirá abrir.
A porta emperrou instantaneamente, e voltei para o terraço. Acendi as luzes, mas logo as apaguei novamente.
Novamente.
Novamente.
Novamente.
Mais rápido.
Ao ouvir um grito, deixei as luzes apagadas. Subi as escadas, e vi o corpo de . Havia pouco sangue no chão, e ele parecia estar próximo de sua morte.
Mas tinha que me livrar do corpo.
Consegui erguê-lo, colocá-lo em cima do muro e olhei-o.
— Sem ressentimentos. Eu já te desculpei faz muitos anos.
Girei-o e ouvi o som surdo, fechando os olhos com força. Nesse momento, corri até a caixa de energia, tirando as luvas e escondendo-as nas botas, esperei alguns segundos e acendi as luzes.
Corri até a porta trancada e conseguiu abri-la sem muitas dificuldades, só empurrando-a com o ombro, encontrando e assustados, e desmaiada no chão.
— O que aconteceu?
Eu era o que melhor sabia responder essa pergunta, mas fui quem a fizera.
— Eu corri até o terraço quando as luzes se apagaram, acendi as luzes e abri a porta da sala onde eles estavam. Não sei se o assassino se escondeu em algum lugar, se saiu por uma janela... Não me importei com isso. Queria saber se eles estavam bem. Já era demais um assassinato naquela noite, em uma festa. Não queria alguém ferido.
No fim da festa, eu depositei uma faca limpa, nunca usada, na lixeira. Pouco depois, a encontraram e arquivaram como a arma do crime. Porque elas eram idênticas, a verdadeira e a falsa, então, não havia por que não ser esta.
A verdadeira arma ficou no latão do meu prédio. Quando a encontrassem, eu seria preso.
Eu tinha álibis. Tinha dois amigos da polícia ao meu favor.
Fingir minha culpa era a melhor maneira de mostrar que eu não era o culpado.
Naquela mesma noite, Ramona já tinha começado seu trabalho. E eu percebi que ela estava viva quando a casa de pegou fogo.
Por improviso, tive a melhor ideia de todas até aquele momento.
"— Você... gostaria de ir morar com a gente por um tempo?"
Que ingênuo.
Ramona tinha tido a melhor ideia do mundo. Ela sabia que eu faria a proposta de ela ir morar com a gente.
De madrugada, fui surpreendido por de pé no meu quarto.
— Estava com saudades, Joey.
Minha Ramona.
Ela sabia que estava morto, e me deu um esporro por ter sido tão impulsivo. Mas me parabenizou por ter feito um plano com poucas falhas.
A verdadeira Ramona tinha colocado na casa de as fotos, e queimado a casa depois.
E agora, estava chegando perto de .
Perguntei se isso não era um plano muito arriscado. Não achava a coisa mais sensata do mundo, e se eu mesmo já não gostava da ideia de trabalhar com Ramona, confiar o plano quase todo em Ramona me parecia demais.
Ela disse que já tinha tudo sob controle, e que, desde onde ela se lembrava, a ideia do Manson fora dela. Então fiquei calado.
Ramona deveria aterrorizar . Depois de muito tempo, poderia se aproximar dela. Porque precisávamos enfraquecer a mente dela. Deixá-la exausta, deixá-la morrer. Ela estava cansando a própria cabeça com Ramona, e isso era claro, e mais ainda quando morreu.
Ou cometeu suicídio. Quem sabe?
Aquele besta sabia. Ele soube que tinha problemas psicológicos sérios, mas não devia saber que eram tão extremos. Sabia que podia existir Ramona, e eu descobri isso porque os registros de estavam sumindo dos arquivos de novo.
estava se intrometendo de novo, e eu estava perdendo a paciência com ele. Mais ainda porque ele estava pretendendo soltar a língua sobre isso e sobre Samantha. O cara não tinha colhões o suficiente para suportar o assassinato de uma pessoa que ele sequer viu.
Eu precisava dar um jeito nele. Na equipe de psicologia, ele estava esguio, nervoso, saindo mais cedo do trabalho e chegando tarde. Isso acabaria vindo a calhar: as mortes em cadeia estavam sendo todas com pessoas próximas de , e a lógica iria levar a crer que era um único assassino.
O mais descuidado.
Não foi complicado para mim.
Quando eu vi a delegada indo até o hospital uma noite, percebi que precisava dar um jeito.
Entrei em contato com , novamente. Disse a ele que precisávamos falar algumas coisas, que a polícia já estava sabendo de coisas demais. Então deveríamos nos encontrar para resolver isso melhor.
Não conte a ninguém aonde está indo. Se algo acontecer e descobrirem onde você está, e vierem até mim, não se esqueça do que fiz para você.
estava saindo do trabalho. Indo para o carro, dando a partida e indo para a viela que eu disse que era para me encontrar, perto do cais. Era um lugar cheio à noite, mas deserto durante a tarde. Ele saiu do carro e foi para a viela, enquanto eu estava ali há muito tempo.
Passo. Passo. Passo.
Olhe em volta.
Estranho. Onde será que ele está? Será que se atrasou?
Eu usava luvas de látex e uma roupa de . Não queria foder meu parceiro, mas prioridades em primeiro lugar. Segurava o fio com as duas mãos com bastante firmeza, e fui com todo o cuidado até .
Força. Força. Força.
Ele caiu em meus braços depois de um bocado de esforço. O cara era bem forte, mas não era de ferro. Peguei as chaves de seu Porsche em seu bolso e abri a porta.
Ninguém pensaria nisso, ainda mais depois de um suicídio. Se chegassem a , achariam que ele se matou pela culpa de ter assassinado e Samantha.
Levando em conta a falta de bolas daquele imbecil, era provável mesmo que ele acabasse se matando.
Quando acordou, seus ouvidos doíam como se estivessem sob pressão. Os olhos estavam pesados, e não havia muita luz. Ainda assim, ele reconheceu que estava em uma garagem.
Sua cabeça latejava. Talvez, pela surpresa de um pouco antes. Sentia uma dor aguda na garganta, como se houvesse um caminho de pequenos cortes causados por um fino fio de cobre.
Levantou do chão e tentou distinguir seu redor. Não havia som algum, cheiro algum. Só uma garagem vazia, a não ser por e seu carro.
Não sabia que garagem era. Não conhecia.
Tentou ficar de pé. Seus membros fraquejavam, seus tecidos tendiam à desistência, ansiando pelo oxigênio que faltava em suas veias. Os pés não firmavam, e seu peso fazia-o cambalear.
— Tem alguém aí? — ele perguntou.
Seus ouvidos doíam um pouco mais. A cabeça também doía, e sentia como se seu crânio tivesse aumentado e seu cérebro estivesse tangendo repetidas vezes contra o osso.
O carro estava ligado.
Puta que pariu.
Em suas solas recheadas de chumbo, arrastou-se até o carro e tentou abrir a porta. Não chegava muito longe: talvez por suas mãos enfraquecidas, talvez a porta estivesse emperrada.
O gás vazava cada vez mais, e se perguntou se não estava sonhando. Talvez aquilo fosse um castigo por Sam. Alguém deveria estar fazendo-o pagar.
Um morto se levanta e o faz morrer.
caiu deitado novamente, seu corpo em queda livre contra o solo. Não tinha forças para se mover, e sabia que iria desmaiar.
Não poderia sair.
Talvez estivesse mesmo merecendo aquilo.
Eu entrei na garagem horas depois. Ficaria impressionado se ele ainda estivesse vivo. De fato, não estava. Caído no chão de concreto, ele só aceitou.
Talvez merecesse aquilo.
Levei-o para a casa de seu amigo, com o Porsche. Armei a cena, preparei tudo.
E fui até lá para encontrá-lo.
A morte de foi algo tão poético que quase fico emocionado.
Tudo estava bem. Ramona me falara, outro dia, que James estava na delegacia. E quando Tyler desapareceu, e foi preso, eu entendi o que ia acontecer.
Minha ideia só tinha o que melhorar.
Jackie tinha Tyler nas próprias mãos. Era um caso bem nojento de incesto, na verdade. Ela e James conseguiram pegá-lo sem dificuldades.
E Ramona os ajudava.
Ramona sempre soube que eles iam aparecer. Sempre reparou que eles não iam deixar o caso de Justin e o meu assim, por nada. Todos conhecíamos Jacqueline, e ela não deixava nada barato.
Por isso mesmo que a própria Ramona foi até ela.
A própria Ramona se propôs a ajudá-la, independente de Tyler. Na verdade, a ideia final era matar Tyler, e não .
Ramona ajudou James e Jackie, mas eles não podiam confiar 100% nela, então algemaram para que ela não atrapalhasse, depois do papel de Ramona ser finalizado.
Só que Ramona fez o que precisava fazer. Ela já tinha assustado , e agora precisava de sua confiança. Sua chance estava ali.
Ramona até mesmo tinha conseguido uma prova para inocentá-la do meu assassinato.
Boom. Problema resolvido.
Tyler sair vivo ou não seria um bônus. Mas recorrer à boa vontade de , e acabou por ter um lado bom.
Ainda mais de , aquele garoto tão ingênuo.
Depois do sequestro, Ramona a salvou. Ramona por vezes interpretava a própria , e a via como outra mulher. Jackie se matou e James foi preso.
Então, Ramona precisou ir embora.
Eu entrei em pânico quando ela deixou de aparecer aos poucos.
Em total pânico.
O que estava acontecendo? Estava tudo indo tão bem. Tudo caminhando tão perfeitamente. Eu era psicólogo particular de , ela tinha começado a tomar remédios que podiam despertar Ramona ainda mais. Além do mais, eu estava tão perto de ver as fraquezas de ... E trazê-las à tona!
Será que era meu "caso" com ? Isso teria feito Ramona ficar com ciúmes? Não, ela sabia que eu fazia aquilo por um bem maior. Eu fazia exteriorizar uma certa inveja de , e ela era do laboratório da delegacia. Não era o problema.
Meu novo problema era .
Ele e estavam claramente próximos demais um do outro. Desde o sequestro, ambos eram unha e carne.
Depois da minha primeira consulta com , fomos para casa juntos. Mas, aparentemente, tivemos um acidente que fez ambos irem sozinhos mais cedo.
Nenhum dos dois nunca fora muito bom em disfarçar.
Tirar o freio do Audi não pareceu fazer qualquer diferença.
Era ele. Ela estava claramente apaixonada por ele. Depois de tudo que estava acontecendo, ela não precisava mais de Ramona como sua válvula.
Ela estava bem. Segura. Firme.
Eu precisava de Ramona de volta. Precisava dar um jeito.
ia pedir exames de DNA do "meu" corpo cedo ou tarde.
E Ramona se foi. De repente, eu estava sozinho.
Então, estava por perto.
, que sempre invejou e toda sua "falta de personalidade", toda sua fama "por nada".
Eu tinha uma ótima chance. Precisava jogá-la no meio deles.
Fizemos um acordo. Eu disse que queria , ela disse que queria .
Dividimos as peças naquela noite, e é óbvio que saiu perdendo.
foi para casa, e lá estava minha heroína. De volta, fazendo seu trabalho como poucos poderiam.
. Que ideia genial.
Ramona agora era uma amiga confidente. Era, de verdade, uma pessoa para deixar confiante de si, segura. Como ela sempre foi criada para ser.
E eu continuava ajudando de longe, disfarçadamente.
O amigo confidente, um fantasma.
fez o teste que eu falei. Ela disse que eu estava morto de fato, como eu precisei. Estávamos em total comum acordo, até ela escorregar.
Até ela querer , e querer soltar a língua.
Precisei improvisar.
Coloquei o vídeo na delegacia, um vídeo que eu mesmo conseguira gravar.
sabia o que ia acontecer. Eu deixei isso claro para ela, desde sempre.
Se ela pisasse fora da linha, eu também pisaria.
E, bem, ela pisou.
Eu avisei com seu gato. E precisei avisar com ela.
A culpa cairia em , matando dois coelhos com uma cajadada só.
Resolvendo meus problemas.
Isso é mais simples do que parece.
Eu não crio planos para situações. Eu analiso pessoas. E elas caem perfeitamente no caminho que trilhei.
Porque elas são previsíveis.
Ridiculamente previsíveis.
A menina que tinha atacado no dia da minha primeira consulta com era algo com que se importar. me contou que a mandou para a delegacia. E para ela estar especificamente perto de nossa casa, e se render tão rápido, achei que era algo digno de minha atenção.
Lembrei-me de uma história de meu tio, algo que minha mãe não costumava comentar na família. Algo sobre meu tio ter uma namorada, mas ela ter ficado grávida, ou algo assim. De qualquer modo, com conversas informais ("e aquela garota, cara? Aquela que te atacou? O que descobriu sobre ela?"), acabei tendo mais informações sobre ela.
Zoe.
Ela e andavam perigosamente próximas.
Minha doce prima. Meu canivete. Filha da puta, por isso eu não achava aquele canivete no Palácio!
Mas, quando ela se foi da delegacia, meu problema estava resolvido. não chegou longe com ela. E eu não deveria me preocupar.
ainda estava longe, e isso não seria problema.
A única pessoa por perto de continuava sendo Ramona, e, quando ela fosse embora, perderia o chão.
Eu odiava Tyler. Quando o vi voltar para Longview, não resisti: acertei-o na rua com uma garrafa, de tanto ódio. Ele fora culpado, com toda justiça, pela morte de Justin. Mas como vivemos em um mundo fraco, ele foi colocado como inocente na sentença final, e liberado.
Todos sabemos o que aconteceu naquela noite. Tyler foi o último a ficar com Justin. Ele podia ter oferecido socorro, ligado para a ambulância, ou sequer ter sido companhia para meu irmão.
Mas não, Justin foi deixado para morrer no meio da neve. Na imensidão gélida do inverno em Longview, como se fosse um saco de carne velha.
Justin, a única fruta doce entre nós.
Eu tinha ficado louco sobre os testamentos de meus pais. Minha mãe e ele tinham divisão total de bens, o que acabava conferindo aos dois o mesmo testamento.
Mas tinha algo errado. Meu pai deixou brechas.
Eu e Samantha tínhamos estudado isso, sem chegar a lugar algum. Eu me convenci, e não haveria ninguém no mundo que poderia me convencer do contrário: eu devia ter algum irmão ou irmã bastardo. Pensei em todos que estavam por perto.
.
Tyler.
Até Zoe.
O cálculo era fácil. Tyler Durden.
Se aquele filho da mãe pegasse minha herança, eu certamente enlouqueceria.
Na minha ideia inicial, faríamos Tyler ser dado como desaparecido. O cara já mal parava em uma cidade só; sumir com ele seria fácil.
Jackie e James resolveram isso para mim. Interná-lo já o deixaria fora do testamento, e melhor: ele estava no hospital. Bem nos meus braços.
Preparei um testamento para ele, documentado por enfermeiras e médicos que estão mais do que acostumados com pacientes escrevendo suas últimas palavras. E ele passava tudo para .
, que agora partia aos poucos.
Eu só precisei do tiro final.
No Palácio.
O fim.
Liguei para o Manson. Ela acordou na mesma tarde. E lá, eu, como seu psicólogo, tive meu momento em paz com ela.
E nada era real.
estava morta, e Ramona estava nascendo.
Ela só precisava se convencer. Só precisava aceitar, para Ramona poder vir para sempre. O dinheiro já estava nas mãos dela. Ela tinha se virado sozinha antes, conforme ela me avisou. O carro que explodiu.
Eu também, para tirar do caminho, precisei fazer um esforço. Pus a casa do avesso, e ainda paguei de mártir.
Tyler está no Manson. Tyler passou tudo para , mas Tyler precisa morrer.
Não há nenhum vivo. Apenas Durden.
Vida longa.
está indo para a Ala Fria, e eu só estou esperando meu anjo subir do inferno.
Meu nome é , sou um psicólogo formado pelo estado da Califórnia e sempre vivi em Longview.
Divido apartamento com um jornalista, chamado e vivo minha vida como muitos gostariam de viver, mas poucos tiveram a coragem de correr atrás.
Meu nome é Joe Durden, sou um psicólogo formado pelo estado da Califórnia e sempre vivi em Longview.
Divido apartamento com um jornalista, chamado e vivo para conquistar o que foi tirado de mim.
Desde sempre, foi isso que procurei.
E estou cada vez mais perto de meu objetivo.
Where will all the martyrs go when the virus cures itself? And where will we all go when it's too late?
Capítulo 39 — Coming home
Boy, you’re home, you’re dreaming, don’t you know you’re having just a break?
Havia um corpo indo para o necrotério, e um choro de bebê. Marla questionava se o corpo ou o choro não eram seus.
Devia ser assim que se sentia.
Tudo caindo aos seus pés, e você não tem forças ou disposição o suficiente para conter o caos.
E é isso?
Acabou?
está morta. desapareceu.
Quem matou ? ? ? Samantha?
Quatro assassinatos.
E agora?
. .
Tyler.
Não poderiam perder Dorothy de vista.
Estava deitada em uma maca, e podia ver o saco preto ao longe. Havia policiais no lugar, mas nenhum deles era ou Julie.
Marla abriu os olhos e pensou que precisava desesperadamente sair dali.
— A senhora se chama Marla Bronx? — perguntou um paramédico.
Marla assentiu, pegando o distintivo no bolso. O braço estava um pouco ralado, mas conseguia se mover sem muita dificuldade.
O paramédico a conteve.
— A senhora foi identificada. Os policiais querem falar com a senhora.
Marla engoliu em seco. Todos os policiais da cidade tinham uma mínima ideia de quem ela era, por causa do caso Durden, mas sua reputação não estava a melhor do mundo.
Tinha que encontrar , mas sem avisar aos policiais.
Marla se levantou. Dois policiais que ela não lembrava o nome se aproximaram. Sua visão estava levemente turva, o que atrapalhou ainda mais sua distinção.
— Srta. Bronx?
— Detetive — ela corrigiu, passando as mãos pelos olhos, tentando melhorar sua visão.
— Detetive Bronx, gostaríamos de saber por que a senhora estava nesse hospital.
Procedimento padrão. A única testemunha do acontecimento pode ser ou a verdadeira vítima, ou o assassino.
— Visitando uma amiga. Estou nos registros como visitante dela.
— E qual era a ala dela?
— Maternidade.
Os dois policiais se olharam. Um deles parecia estar se esforçando para fazer cara de mal — este que falava com Marla —, enquanto o outro estava de braços cruzados preferindo estar em qualquer outro lugar do mundo, menos ali.
— E a moça que estava no carro era ela?
Marla pensou um pouco nisso. Tentou, rapidamente, assimilar o que tinha acontecido.
.
Carro.
.
Boom.
Fácil assim.
— Sim.
— E de onde vocês se conheciam?
Marla franziu o cenho.
— Isso é mesmo necessário? Não fui eu quem coloquei a bomba. Qualquer vídeo de segurança vai provar que minha amiga foi até o carro, mas que eu fui atrás. Vocês podem ver que não fui eu quem pôs a bomba.
— Já vimos os vídeos de segurança, Detetive Bronx. Justamente por isso que queremos falar com a senhora.
Marla engoliu em seco. O policial prosseguiu:
— A senhora sabe onde está ?
não sabia se estava fazendo a coisa certa.
Prender não parecia sensato, muito menos prudente. Ou melhor, racional. Era uma lógica simples: as provas do assassinato de foram encontradas na casa dele. Consequentemente...
Mas, hey. Você está esquecendo um detalhe.
não mora...
— Alô? — perguntou ele, atendendo o celular.
Conferiu a hora. Estava próximo de seu intervalo para almoço.
— , temos um problema. Você soube da bomba?
— No hospital?
— É. Temos um saldo de vítimas. , amiga de , está morta.
abriu a boca, mas não soube o que responder. Em vez disso, preferiu ouvir Marla continuar:
— Os policiais conferiram filmagens e estão convencidos de que foi quem colocou a bomba. Precisamos saber onde ela está.
— E você sabe? Porque eu não faço ideia. E não sei como sair daqui para procurar, Julie está vindo na minha sala de três em três minutos.
— E ?
— Julie o prendeu.
Julie.
Não eu.
Julie.
— Ela o quê?! — Marla gritou.
— Por . Ela diz ter provas de anônimos que foi ele quem fez.
— Pois tire ele daí e vão atrás dela!
— E com Julie?
Marla pensou nisso por mais alguns instantes.
— Estou indo aí. Resolvemos melhor quando eu chegar.
— A ordem de detenção de veio da Julie, Marla. A própria delegada. Não temos forças contra o poder dela.
Marla suspirou.
— Já prendemos uma pessoa brilhante injustamente, . Não quero prender outra.
Marla estava sentada na maca, apenas esperando a liberação. Um policial se aproximou dela a passos largos, como se houvesse algo bem indesejado dentro de suas calças que ele quisesse evitar que tocasse nele. As roupas estavam folgadas para parecer que ele tinha mais músculos, coisas essas que ele mal possuía.
— Srta. Bronx — ele cumprimentou.
— Detetive — ela corrigiu.
— Detetive Bronx — ele repetiu, abaixando a cabeça em sinal de respeito — A senhora já não foi liberada?
— Não. Acham que ainda posso ser útil. Não vi nada, não sei de nada. Só vi o carro explodir.
— A senhora foi vista entrando com a Srta. . E ela foi registrada indo para o mesmo quarto que você e que a nossa vítima.
— O que o senhor quer dizer?
Ele encarou Marla, inexpressivo.
— A senhorita já a prendeu antes, na época que não sabia se ela era mesmo a culpada. Agora nós temos certeza de que ela é. E a senhorita não quer nos ajudar a prendê-la?
— não é culpada de nada — Marla retrucou com a voz firme. O policial estava a certa distância dela, mas parecia estar invadindo seu espaço pessoal.
— Ela quem colocou a bomba, detetive Bronx. Só precisamos de sua colaboração.
— Não sei onde pode estar.
— Se souber, vai nos dizer?
Marla engoliu em seco. O policial prosseguiu:
— Olhe só, detetive, estou sendo sincero aqui. Falo como profissional. Sua reputação caiu quando prendeu injustamente no Manson. Caiu não, despencou. Se a senhorita puder prendê-la de novo, todos se desculparão com você por terem duvidado de suas habilidades. A senhorita será a melhor detetive do estado. Pode até ganhar uma medalha ou promoção.
A melhor detetive do estado.
— Adeus, Serpente Vigilante. Olá, Raposa Escarlate.
A Raposa Escarlate.
Imagine só as manchetes. Imagine as entrevistas.
O topo.
Troca de peles.
Só Marla Bronx. Só você.
Os raios.
Marla levantou-se.
— Agradeço pela dica, senhor. Mas não sei onde está, e, se me permite, preciso descobrir.
Ele ficou atordoado. Ela começou a andar para longe do hospital, indo para a direção da rua.
— Não sei se você entendeu...
— "Você", não. Não somos amigos.
— Mas a Srta. ...
— Detetive — Marla corrigiu, indo chamar um táxi.
Assim que Marla chegou à delegacia, já tinha uma mínima ideia do que fazer. Ele tinha saído para receber a detetive na frente do prédio.
— Querem achar — Marla avisou, saindo do táxi com cuidado por causa dos arranhões — Dizem que viram vídeos de segurança do hospital, e que ela que pôs a bomba.
— Não sabemos onde ela está, Marla. Julie não quer sair daqui, e nem quer que eu e você saiamos. Ela está convencida de que foi o que matou . Como você pretende tirá-lo daqui?
— Siga minhas deixas.
tentou sorrir. As cicatrizes já não pareciam tão aterrorizantes em seu rosto.
Já eram parte dele. Algo que ele teria que conviver com.
Ah, vamos lá. Você queria morrer sem um punhado de cicatrizes? Você é policial.
Quase morrer é a sua função.
— Entre. Vamos ter que dar um jeito de saber onde está. Trabalhamos na porra de uma delegacia, como podemos perder alguém assim?
— E o que faremos?
— Siga minhas deixas, Marla. Já trabalhamos em dupla antes. Não queremos fazer feio dessa vez.
Julie ouviu uma batida na porta. Apenas ergueu o olhar, folheando os registros do caso de .
De um jeito impressionante, fazia sentido ser o assassino.
Mas Julie não queria que ele fosse. Gostava do novato.
— Entre.
apareceu na porta entreaberta.
— Julie, vou sair para meu almoço. Marla acabou de chegar.
A delegada fez menção para que eles entrassem. Seus cabelos estavam vaidosamente presos em um coque.
Vamos lá, bagunce-os um pouco. Saia desse escritório, Julie.
Seja menos você.
continuava foragida.
e Marla entraram na sala. Julie fechou os registros e escondeu-os com os braços.
— Vocês sabem onde está?
Ambos se olharam com o canto dos olhos e disseram um "não" uníssono. Julie soltou um suspiro cansado.
— Dispensados.
— Estou indo para a minha sala — a ruiva avisou e saiu da sala. pediu licença e a acompanhou.
Passaram-se alguns instantes. A delegada estava silenciosa, observando os registros.
Tem furos demais. Mas não há nada que eu possa fazer.
Provas são provas.
. Só um cara azarado, no final das contas.
Queria poder tirá-lo daqui. Mas como eu poderia fazer isso?
Tenho as provas. Preciso prendê-lo.
Se bem que...
De repente, ouviu alguém correndo pelos corredores.
— Julie! — gritou Marla, em desespero, abrindo a porta sem pedir.
— O que houve? — a delegada perguntou alarmada, ficando de pé.
— sumiu. Ele não está na cela!
— O quê?! — Julie foi até a porta e seguiu Marla para onde ele deveria, supostamente, estar — Mas só temos eu, você e na delegacia! Como ele pode simplesmente ter sumido?
A detetive ruiva deu de ombros, indicando que não sabia explicar. Foi com a delegada até a cela onde tinha estado, agora vazia.
— Vou abrir — avisou Marla — Para podermos ver se ele deixou algo para trás, ou como ele saiu.
Segurou um molho de chaves que tinha pegado na sala de Julie e abriu a cela. A delegada fez menção de esperar Marla entrar, mas a ruiva insistiu para que ela entrasse primeiro.
Uma vez dentro da cela, não havia nada de incomum. Julie observou tudo que tinha ali.
Nada fora do lugar.
Nenhum objeto deixado para trás.
Nada.
Nada.
BOOM!
A porta fechou-se com um forte som decidido, sendo possível até ouvir a trava que a trancou.
Julie olhou para trás. Uma parede de ferro a separava de Marla, que parecia não saber bem o que estava fazendo.
Deus.
Você acabou de prender a delegada.
Meus parabéns.
— Desculpe — foi o que ela conseguiu dizer — Sei que isso pode ser meio desagradável.
Julie lançou-se contra o ferro, as mãos circundando com força as barras.
— Me tire daqui, Bronx. Não sei o que você e estão pensando, mas é um criminoso. E eu vou fazer a cabeça de vocês rolar com a promotoria.
— Desculpe — Marla repetiu.
Deu as costas para a delegada. Mas poderia jurar que, antes de fazer isso, viu Julie Stoner piscar o olho esquerdo para ela.
— Cara, vou te contar que já estou meio cansado disso — declarou — Digo, já fui preso duas vezes por algo que não fiz. Só porque ando com vocês.
— Bem-vindo à boa vida — retrucou, entrando no carro no lado do motorista — Marla vai ficar aqui e trancar tudo. Garantir que Julie não saia e não consiga falar com ninguém. Nas celas, não tem sinal de celular.
— E para onde vamos?
— Não sei. Procurar . Ela deve estar em casa.
— Estão atrasados — avisou uma suave e fraca voz, perto deles. Imediatamente, os dois homens indicaram os olhos para essa direção.
Havia uma jovem, apoiada na parede. Seus cabelos loiros estavam caídos e mal penteados pelos seus ombros, e um gorro rosa protegia o topo deles. Os olhos, antes de um verde fosco, agora brilhavam. Um cigarro pela metade pendia entre seus dedos.
— Ela não está mais em casa. Já foi para lá, mas já saiu.
— Zoe? — perguntou , inseguro se tinha acertado seu nome.
— Desculpe a minha educação — ela disse, sorrindo, tragando novamente enquanto se encaminhava para onde eles estavam — Da última vez que nos vimos, não tivemos como nos apresentar.
— É. Você estava assaltando um restaurante — lembrou o jornalista.
— E você me mobilizou — ela retrucou, estendendo a mão para se apresentar — Zoe.
— — ele se apresentou, apertando a mão da jovem — Esse é meu subordinado, .
olhou de lado para .
— Você me deve algumas — sussurrou o jornalista, se justificando.
— Prazer. Zoe Durden.
apertou a mão da jovem, sem fala. Tinha se esquecido completamente de Zoe, de toda sua participação naquela história. E, quando ela reaparece... Mais um Durden.
— Longa história — ela disse, virando os olhos, percebendo a expressão confusa do oficial — Longa mesmo. O caso é que confiou algumas coisas a mim, fez outras por mim, e agora quero ajudar.
— Sabe onde ela está? — perguntou , ainda desconfiado.
— Ela estava no Palácio da Cerejeira até pouco tempo. Não sei o que aconteceu lá dentro, mas quem a tirou de lá foi uma ambulância.
— Do hospital?
— Não. Do Instituto Manson.
— Fodeu — deixou escapar — está no Manson de novo?
— Tinha um homem com ela — continuou Zoe, jogando o cigarro na calçada e pisando em cima — Um que eu já vi antes. Parecia o meu primo, o Joe. Mas não sei quem era.
poderia jurar que estava prestes a ter um ataque cardíaco.
— Você a perseguiu? Como sabe essas coisas?
Zoe ergueu a sobrancelha direita.
— Tenho meus métodos de ajudar.
— Vamos direto para o Manson — declarou , indo para seu carro no estacionamento. acompanhou-o, deixando Zoe para trás — E lá vemos o que vamos fazer para buscar .
— Ei! Minha informação não foi de graça! — Zoe exclamou, seguindo-os.
— O que você quer? — perguntou , afobado, abrindo a porta do carona.
— Ir com vocês.
— Há. Não — disse o jornalista, entrando no carro.
comprimiu os lábios. Apoiou o cotovelo na porta aberta do motorista, olhando para a menina.
— Entre e não fale nada enquanto não perguntarmos — ele ordenou.
Zoe deu um sorriso satisfeito e abriu a porta de trás. entrou no carro e deu a partida no carro, apressado.
— Eu sinceramente não entendo você — disse — Vamos logo com essa merda, . Aquele lugar é nocivo para , mas não sabemos o efeito dele para Ramona.
— Sabe de algo que eu não sei, ?
O carro começava a acelerar, saindo do estacionamento.
— tem uma mania irritante de sinalizar o número "três" — ele ergueu o indicador, o dedo do meio e o anelar — Com o polegar, em vez do anelar. Joe Durden também tinha. Se você tomar isso como princípio, percebe como o resto é pura inteligência ou sorte dele. sempre esteve perto de nós, sempre ao nosso lado, e ele não tem antecedentes muito distantes... Parece que a vida dele começou quando ele se formou.
— Acha que pode ser ou ter ajudado Joe Durden? — franziu o cenho — Que teoria absurda.
— Não tanto. Explico melhores detalhes no caminho. Desde o Halloween, até agora. Mas quero que me diga por que fui preso. De novo.
tentou organizar bem as palavras, para que nada soasse errado ou ambíguo:
— Recebemos um pacote de provas contra o caso de . Eram as armas do crime e provas de que elas foram usadas contra . Pelo que Julie acreditou, foram encontradas por um tipo de justiceiro ou um comparsa arrependido. Segundo a própria, provavelmente , que ligou para nós pouco depois denunciando uma invasão ao apartamento de vocês. Pelo que ele falou, a casa de vocês foi revirada, mas nada aparente sumiu.
tinha o cenho tão franzido que parecia que ele nunca voltaria ao normal.
— Julie acredita que entregou aquelas provas para nós por peso na consciência, ou simplesmente denunciou uma invasão. O nosso justiceiro teria entrado na casa de vocês e revirado, achando as provas. Duvidamos que poderia ter sido tão idiota de ligar, depois dele próprio ter perdido as provas de seu próprio crime e ainda ligar para avisar. Julie preferiu te deter por garantia, para fazermos uma investigação mais detalhada depois. Mas, por ora, você era o principal sob suspeita.
Depois de dizer tudo, percebeu como ele tinha seguido o roteiro perfeitamente.
virou os olhos, com desdém, dizendo com a voz cansada:
— E mesmo assim, você ainda não tem dúvidas quanto a ?
se sentia sedada. Estava deitada em uma cama do Manson, onde nunca imaginaria que fosse voltar.
Aparentemente, nunca tinha saído de lá.
Para onde iriam os mártires, quando o vírus se curasse?
O médico dela tinha falado da Ala Fria. Talvez fosse realmente melhor ir para lá. Se tratar de uma vez, se livrar daquilo tudo.
Você não matou Joe Durden. Mas você tem uma doença e precisa tratá-la. Te colocaram como culpada por Joe porque queriam uma desculpa para te trazer aqui.
Você inventou uma história e eles aceitavam isso para te provar sua doença.
Você é nociva. Quase tóxica.
Mas ainda podemos te salvar.
Dois enfermeiros bateram na porta.
— Srta. — um deles chamou.
se levantou. Desceu sozinha da cama, lentamente, demonstrando fraqueza, negando qualquer ajuda dos enfermeiros.
— Consigo fazer sozinha — ela disse, firme.
Olhou para a porta.
Ainda há tempo.
Foi andando a passos curtos até a saída do quarto.
Estou aqui há meses. Sei bem como entrei, e sei bem como sair.
Olhou para os enfermeiros com o canto do olho.
E começou a correr.
Muito.
Como se não houvesse mais nada para fazer em toda sua vida.
Sua única chance seria correr.
Muito.
Saiu do quarto correndo, passou pelos corredores correndo.
Eu não sou louca. Eu não sou louca!
— Paciente! — alguém gritou ao vê-la.
Os dois enfermeiros já deviam estar acostumados a aquele tipo de coisa, então foram atrás de .
Desconhecendo os corredores, cruzou uma esquina de um lugar que já fora a área de televisão. Foi surpreendida, batendo de frente com outro enfermeiro, este que a segurou pelos antebraços.
— Me solte! Eu não deveria estar aqui! Eu sou inocente!
Os dois outros enfermeiros apareceram atrás dela. Seguraram pelos ombros e pelos braços. Ela tentava se desvincular, escorregando descalça no piso frio, mas não conseguia se soltar.
— Me deixem ir embora! — ela gritava a plenos pulmões.
— Mais uma recaída — murmurou um enfermeiro.
tentava se soltar, virando o corpo para todas as direções possíveis. Mas três homens estavam segurando-a, tornando sua fuga impossível.
— Eu não sou louca!
Outros pacientes, que estavam na sala de televisão, pararam para observar a cena. Fugas não eram raras, entretanto, sempre eram um espetáculo à parte.
Como poderiam querer prender ali? Tinham loucos de verdade lá! Pessoas que mataram as próprias famílias, esquizofrênicos, psicóticos e coisas assim. não tinha problemas.
Ramona não era real.
Os enfermeiros a ergueram e a levaram para outro corredor. A Ala Fria era por lá, bem longe.
Mas havia um homem na sala de televisão que sabia que ela estava certa.
Que ela não era louca.
Que ela era inocente.
E que, principalmente, ela deveria ir embora.
Vamos, Tyler. É seu momento de ser o salvador.
Tyler virou o rosto em desinteresse quando ouvira o barulho dos enfermeiros. Estar no Manson era uma medida de segurança, e ele odiava aquele lugar. Entretanto, não tinha para onde fugir. Todo lugar parecia perigoso.
Ramona.
E agora ela estava ali.
Por algum motivo que ele desconhecia (e, sinceramente, ignorava), estava lá. estava no Manson novamente.
Será que descobriram o que ela fez? Será que Marla tinha dado a chave a ela?
Ele não saberia dizer o que gostaria que acontecesse. estar ali era uma injustiça, mas Ramona estar ali era uma necessidade.
Estavam levando-a para a Ala Fria.
O juízo final. Da Ala Fria, sairia ou Ramona.
Era quase uma solitária.
Pior do que a prisão.
Tyler fizera mal a , mas ainda tinha tempo de se redimir.
Ramona pode ascender. Você quer ficar aí, sentado nesse sofá, circundado de loucos, ou quer fazer alguma coisa prestativa?
Ramona fizera mal a Tyler, mas ainda tinha tempo de se redimir.
Nada pior do que uma vida solitária.
Pior do que a prisão.
Tyler ficou de pé. Olhou para os enfermeiros, olhou para o corredor, e começou a andar. Na direção da Ala Fria. Na direção de .
Ninguém precisou segurá-lo, porque ele não resistia. Ele só se encaminhava para onde estavam levando sua irmã.
— Sr. — disse um enfermeiro, indo na direção oposta à de Tyler, ao seu encontro. Segurou-o pelo ombro, impedindo que ele continuasse a andar.
Tyler não expressava qualquer emoção.
— Preciso falar com minha irmã — ele disse.
— Ela não pode falar.
— Por enquanto, ela pode. Preciso falar com ela.
— Ela está na Ala Fria. Está esperando para ser tratada — disse um.
— Ela ainda está indo para a Ala Fria. E, se ela está esperando, eu posso ir vê-la.
Outro enfermeiro tocou seu braço. Havia uma piada interna de que os enfermeiros eram como policiais de uma ditadura: teoricamente, estavam ali para lhe proteger, mas, quase sempre, o feriam mais do que o protegiam.
— Temo que não possamos deixar você fazer isso, Sr. .
— Se acalme, cara — Tyler disse, abanando a mão do enfermeiro como se ele fosse um inseto indesejado — Só vou falar com ela. Coisa de família.
Fez uma pausa.
— É nossa tradição conversarmos um pouco toda vez que acabamos caindo no mesmo buraco.
Os enfermeiros se olharam. Deixaram de tocar Tyler, e um deles falou baixo, como se estivesse fazendo algo estreitamente fora das normas:
— Tudo bem, mas seja rápido.
Apesar de ter esse nome, a Ala Fria era mais quente do que o esperado. Era, na verdade, um grupo de quartos de solitárias, em um extenso corredor. Foi o apelido dado pelos próprios pacientes, já que a cor predominante nos quartos é a branca.
Mas lá é quente como o inferno.
abraçava os próprios joelhos. A luz entrava tímida por uma janela do quarto, e ela não queria se deitar na cama convidativa. Não, não queria.
Trançou os cabelos lateralmente, e esperou.
Ela deveria aparecer a qualquer momento.
Ramona.
Ela vai me tirar daqui. Eu só preciso esperar um pouco.
Ela sempre aparecia quando você precisava. Então, ela deve aparecer agora.
Pode vir. Estou te esperando.
Ramona, já estou aqui.
O que você está esperando? Cadê você?
Ramona!
Você é Ramona. O que você está esperando? É só deixá-la vir.
Estou deixando. Por favor, Ramona.
Sempre soube que você precisava de mim. Sempre soube que você ia acabar me chamando cedo ou tarde.
Estou aqui, . É simples, eu posso estar aqui sempre. É só você ir dormir, que eu vou estar aqui.
Para sempre, se você dormir.
Durma.
Durma.
É simples, só durma.
olhou para os lados. A sala era silenciosa, e ela estava sozinha.
Foi quando dormiu. Quando ela adormeceu para dar lugar a Ramona.
Seu melhor lado, sua melhor parte.
É inegável, todos preferem Ramona. Então, vá dormir.
A tranca da porta foi violada. Do lado de fora, alguém estava entrando no quarto.
Indiferente. já estava dormindo.
— Tudo bem, mas seja rápido — ela ouviu um enfermeiro dizer.
olhou para a porta, observando-a ser aberta com certa preguiça. Um jovem homem entrou no quarto. Ele era loiro, sono de brilhantes olhos verdes, e de um corpo atlético. Entrou com confiança, mas parecendo estar um pouco hesitante sobre o que de fato estava fazendo ali.
Será que eu deveria realmente ter vindo? Será que eu ainda tenho tempo de ir embora?
Parecia-se com , um pouco. Talvez fossem parentes.
— — ele disse, assim que soou a porta se fechando.
Ela atendeu seu próprio nome, erguendo o olhar.
— Quanto tempo. Na última vez que nós vimos, eu te dei um soco.
Ela não reagiu. Tyler imaginou que ela ao menos fosse rir. Ele girou os olhos e deu um sorriso tímido.
— Ok, você quem me deu um soco.
Ele riu baixo. Estava de pé ao lado de , mas ela não parecia entender, muito menos estar disposta a fazê-lo.
— O que perdi, ? Você voltou ao Manson. Estamos juntos de novo — ele comentou, sentando-se de pernas cruzadas na frente de . Ela afastou o corpo do jovem, puxando as pernas mais para perto de si.
Voltou? Não, ela não voltou. Ela sempre esteve ali.
— ? — ele perguntou, procurando seu rosto. olhava fixamente para ele, mas de modo algum parecia prestar atenção no que ele falava. Parecia bem mais que, na verdade, estivesse querendo intimidá-lo para que a deixasse em paz.
Tyler tentou tocá-la, mas desviou. Ele recolheu a própria mão.
Puta merda.
— , pare com isso. Chega dessa brincadeira. O que está havendo? O que você está fazendo aqui?
— Juntos de novo — ela repetiu, erguendo sutilmente as sobrancelhas em um tom convidativo — Desde quando, Tyler?
Ele engoliu em seco.
— Desde...
— Não, não — ela interrompeu, negando com a cabeça e erguendo o indicador — Para valer. Quando foi a última vez que estivemos juntos?
— Na... sua casa. Antes disso tudo. Depois de você ter saído daqui.
— Não. Você só queria um teto para ficar, já que você não tinha lugar para cair morto.
— Eu... Eu tinha perdido algo — Tyler retrucou, indeciso sobre o rumo que aquela conversa tomaria — E queria recuperar.
— Merda — falou, quase interrompendo-o, com os lábios torcidos em uma careta de nojo e desgosto — A última vez que estivemos juntos foi quando Justin morreu. Você se lembra disso, Tyler? Lembra-se da noite que Justin morreu?
— Chega, — ele cortou-a.
fez um bico, mesclando-o com um rosto decepcionado.
— Poxa. Só você pode fazer as perguntas? Também quero brincar.
— Isso não é brincadeira, e você está me assustando.
— Lembra de como estava frio, Tyler? — ela prosseguiu, ignorando o irmão — Eu avisei para que você pegasse um casaco. Você pegou e foi embora; nem se despediu de mim. Estava tocando Scorpions no rádio. Still loving you era a música.
fez uma pausa, olhando vagamente para o quarto. Tyler interpretou que ela estava se recordando da última vez que estivera no Manson, e quando pôde escapar da Ala Fria. Dessa vez, não tivera tanta sorte.
só estava calculando o quanto mais deveria falar para que ele só saísse dali.
— Você não se despediu de mim, mas chegou desesperado em casa depois. Foi me abraçar, se deitou no meu colo e começou a chorar. Eu fiz carinho nos seus cabelos enquanto você chorava. E cantei uma música. Mas você não parava de chorar.
Tyler não queria interromper. Ela parecia estar contando uma história bonita, mas era só o começo da pior parte de sua vida.
— Você disse que tinha deixado o Justin na neve, e foi procurar ajuda depois. Você ligou para a emergência anonimamente e pediu para ajudarem. Só que quando chegaram, já era tarde e ele tinha morrido de hipotermia. Ele tinha apanhado tanto, estava com a costela quebrada... Mal conseguia respirar.
Silêncio.
— Você dormiu no meu colo naquele dia. Eu chamei um advogado para nós, de manhã, porque tinha medo do que fosse acontecer. Mas, na noite anterior, eu tinha dormido no sofá com você no meu colo. Como quando éramos crianças, e você fugia para meu quarto com medo do escuro. Acho que foi a última vez que fomos irmãos de verdade, Tyler. Porque você estava com medo.
Ela voltou a olhá-lo, dessa vez com as pupilas incisivas. Suas sobrancelhas estavam sutilmente franzidas, e ela não apresentava um único arco que erguesse seus lábios.
— Agora você é meu irmão novamente? Porque está com medo?
— Eu não estou com medo.
— Você me viu e não soube por que eu estou aqui. Veio me ver, não sabe o que está acontecendo. Claramente, está com medo. O que quero saber é se você só se sente meu irmão de verdade quando está com medo.
— Eu sou seu irmão sempre.
lançou em Tyler seu chinelo, atingindo o rapaz na face direita.
— Mais merda! — ela gritou — Você não tinha onde ficar, então foi para minha casa. Você precisava de ajuda porque sabia que estava prestes a se foder, então foi me ver. Só somos irmãos quando convém? Só somos família quando você precisa que sejamos? Porque, no resto do tempo, somos só conhecidos distantes, não?
— Cale a boca, ! — Tyler gritou, colocando as mãos nos ouvidos.
— Você disse que tinha perdido algo. Acho que você realmente perdeu.
— , pare de falar isso.
— Você perdeu a , garoto. Ela morreu. está morta. E eu a matei.
— Cale a boca! — ele gritou novamente, apertando os olhos.
— Talvez um pouco mais do que isso. Você é Tyler Durden. Você é irmão caçula de Joe. Então acho uma boa você se esconder, antes que alguém corte seu pescoço pelo seu sobrenome.
Tyler não respondeu. Ele se arrastou, com os pés, para longe de , tocando as costas na parede oposta à dela. Apertava forte os olhos, e tinha as mãos nas orelhas. Mesmo com o rosto abaixado, podia ver um líquido cristalino brotando do canto de seus olhos.
— Moon river, wider than a mile, I'm crossing you in style someday... — ele murmurou.
estudou a cena. Era uma criança. Ah, era só um bebê! Como poderia ter tanta fortuna nas costas de um garoto fraco como aquele?
— Oh dream maker, you heartbreaker, wherever you're going, I'm going your way...
Patético. Ele gosta tanto de elevar o tom de voz, mas quando está contra o verdadeiro problema, contra o verdadeiro inimigo, precisa de uma terapia para conseguir manter a calma.
Cale a boca. Eu gosto dessa música.
Tudo bem.
— Two drifters off to see the world, there's such a lot of world to see...
É uma música aquecedora. É quase como um escudo, poder cantá-la. Faz bem.
Ele é uma criança. Ele tentou te enfrentar, mas, para isso, precisa cantar uma música da década de 60 para conseguir coragem. É isso que você está tendo prazer em ver?
Já a mandei calar a boca. E não vou repetir.
Pausa.
Pausa.
Um quarto vazio. Só duas crianças precisando de ajuda.
— We're after the same rainbow's end...
Só duas pessoas precisando de ajuda.
Ei.
Eu estou aqui para te ajudar.
Parou por um instante e pôs-se a pensar.
entrou naquele quarto sozinha? Não, definitivamente não. Havia uma pessoa acoplada a ela, um parasita no fundo de sua mente.
Uma doença, um câncer que ela precisava se livrar.
O parasita que queria matá-la, para que pudesse tomar o que sobraria de .
Não pense assim, meu bem. Eu estou aqui estreitamente para te ajudar.
Não dê ouvidos a Tyler ou qualquer outro. Só eu posso e quero ajudá-la.
Não. Só tem uma pessoa que pode me ajudar.
Eu.
Na verdade, eu.
Eu sou você.
Perfeitamente.
— Waiting on a bend... My huckleberry friend...
Ramona devia estar cansada. Talvez, deveria colocá-la para dormir.
Há um modo de sair daqui.
Acordada. E sem medo.
Tyler já tinha parado de chorar, mas sua voz continuava baixa, como se ele estivesse sozinho.
Esperava que não estivesse.
— Moon river... And me.
Ele ergueu os olhos, temendo a reação de . Era verdade? Eles não eram realmente irmãos?
— Você sempre será mais minha irmã do que qualquer Durden — ele murmurou — Eu não quero ser um Durden.
olhava para o chão. Piscou e indicou suas pupilas na direção de Tyler.
Fixamente, e ele não reagiu. Deixou-se ser encarado por , até o momento que ela dissesse por que o encarava.
Era Ramona ou ali?
Tyler se torturava por ter sido uma das primeiras pessoas a saber diferenciá-las, mas ter sido covarde demais para dizer isso a alguém.
Talvez ele merecesse o Manson, assim como ela. Talvez eles só merecessem um ao outro para sempre.
No fundo, eles sempre seriam , independente do que fosse real.
Ramona , Tyler Durden. Não importava. A maldição de se chamar os acompanharia.
— Tyler — chamou.
Ele não queria responder.
— Irmão, olhe para mim.
Ele ergueu um pouco os olhos. Deu uma boa olhada nas íris coloridas de , que o olhavam com preocupação, como se estivessem fazendo algo ilegal ou, no mínimo, antiético.
Teria que falar baixo, afinal, Ramona estava dormindo.
— Como podemos sair daqui?
O carro de parou do lado de fora do Instituto Manson. Fazia meses desde a última vez que esteve ali. Nessas duas vezes, coincidentemente, estava tentando tirar de lá.
Quando estacionou, saltou do carro e correu até a entrada do Instituto.
— Precisamos falar com ! — ele gritou — Agora!
girou os olhos e acompanhou-o a passos largos, com Zoe a seu encalço, mas sabia que não poderiam querer agir tão rápido. Não, era burrice. Qualquer pessoa do lugar poderia dizer "não" e não teria como discutir.
Teria que ser algo mais bem pensado, mas não teriam tempo para aquilo.
Entraram no prédio, parando na recepção.
— Senhores — disse um guarda, alarmado pela pressa de seus três visitantes. Pareceu menos assustado, porém, ao perceber as roupas dos dois homens e o distintivo de um deles — Querem uma visita com alguma paciente?
Havia uma porta que só poderia ser adentrada se o guarda autorizasse.
lembrou-se da sala de visitas, do vidro e das algemas.
A primeira vez que encontrara .
Parecia há tantos meses, mas devia ser só há quase três.
— Sim — respondeu , antes que pudesse ter sido mais rápido — Queremos uma visita. . Deve ter chegado há poucas horas.
— ou Tyler?
— — respondeu , parecendo ter pressa. O jornalista precisava ser mais discreto, se queria fazer carreira na área policial.
O guarda fechou a cara. Cruzou os braços e encheu o peito de ar, proclamando:
— A senhorita foi transferida recentemente para a Ala Fria. Para poderem falar com ela, só com a autorização de seu médico responsável.
e se olharam com o canto do olho.
.
Zoe observava tudo com descaso. Ou, talvez, com tanto interesse que precisasse pensar muito no que deveria ou não fazer.
— O psicólogo dela está aqui? — perguntou o jornalista, tentando não parecer ansioso.
O guarda assentiu com a cabeça.
— Ainda deve estar. Querem que eu mande chamá-lo?
— Não é necessário. Pode nos dar um instante? — disse , com as mãos nos bolsos. Uma das partes de seu treinamento (e sua personalidade) era sua capacidade de manter uma pose simpática e firme, simultaneamente. O guarda assentiu com educação, se afastando.
— não vai deixar sair — avisou o óbvio.
— E se ele nos vir aqui, vai ser pior.
— Ele ainda está lá dentro, com a — disse o oficial — Não podemos simplesmente ir embora e voltar quando tivermos um plano melhor.
— Você quer que fiquemos, mas que não nos veja? E como pretende fazer isso, Capitão Lógica?
— Ser um babaca não vai ajudar em nada, .
— É que eu só não consigo perder a oportunidade de te dar um fora.
Foram interrompidos por um som agonizante. No canto da recepção, uma jovem ajoelhava-se no chão, segurando a lixeira com as duas mãos, lateralmente, e afundava seu rosto dentro dela. Seu som animalesco causava náuseas; as mesmas náuseas que Zoe sentia enquanto vomitava na lixeira.
e iam até ela, para ajudá-la, mas Zoe ergueu os olhos para fora da lixeira, e piscou um olho.
Não pensaram em atrapalhá-la.
— O que houve? Vocês a conhecem? — perguntou o guarda rapidamente, ao se aproximar de novo. Passou por eles, indo até Zoe, que continuava ajoelhada.
Tanto quanto negaram com a cabeça, expressando que não queriam se meter naquilo.
— Desculpe — ela murmurou, erguendo os olhos por um instante, mas abaixando-os de novo para continuar a vomitar — Vim visitar um amigo, mas sempre passo mal em hospitais.
— Quem veio visitar?
Zoe terminou, tentando se reerguer. não a conhecia bem o suficiente, mas podia dizer que aquela garota era genial. Suas pernas tremulavam como se seus joelhos fossem se partir, e seu rosto assumira uma coloração pálida e feições derrotadas, além das mãos que tremiam como se ela estivesse em uma temperatura negativa.
Ter Zoe como aliada talvez fosse a melhor ideia deles, enquanto tê-la como rival parecia simplesmente burrice. Era uma jovem, em seu auge da criatividade, da inteligência e do caráter. Zoe poderia se gabar de suas habilidades: na delegacia, se fizera ora de menina independente, ora de uma criança chorando por sua mãe, pedindo piedade e para que a soltassem.
Zoe era um demônio em forma princesa, então, o melhor que deveria ser feito seria chamá-la para seu lado mais cedo do que o outro lado o fará.
— Tyler — ela murmurou, passando as costas da mão na frente de seus lábios — Tyler .
O guarda a ajudou a se manter de pé.
— Você poderia me indicar o banheiro? — ela pediu.
Ele hesitou por um instante. Olhou de lado para e , que estavam parecendo preocupados com algo em seus celulares.
Voltou seu olhar para a menina.
Indicou o portão para o Instituto.
— Assim que entrar, vai ter uma ala principal. Lá você verá as placas, inclusive a do banheiro.
A menina assentiu com a cabeça, murmurando um "obrigada". Entrou no portão e começou a caminhar para dentro do Instituto.
e foram deixados para trás, inteiramente atônitos. Zoe tinha entrado. Não havia muita opção agora: só poderiam tentar esperar que ela tivesse algum plano.
Duvidavam que ela não tivesse.
Enquanto fechava a porta, o guarda imaginou se tinha sido enganado. Mas, então, lhe ocorreu que ninguém são entraria no Manson por livre e espontânea vontade.
Fechou a porta com a consciência limpa, que tinha exercido corretamente seu trabalho.
— Cara! — chamou Tyler.
O enfermeiro que esperava do lado de fora da sala de levou um susto. O rapaz o chamava do outro lado do quarto, o qual impossível de ser aberto por dentro. Abriu a porta, vendo ajoelhada no chão, com um líquido amarelado saindo de sua boca.
— Ela está passando muito mal. Por favor, leve-a para um banheiro!
A voz de Tyler era suplicante, mas o rapaz não ousava tocar no enfermeiro.
— Vou chamar alguém — avisou.
— Pode ser, mas pelo menos a deixe no banheiro. Ela está passando muito mal.
O enfermeiro não soube o que fazer. Nunca passou por uma situação semelhante; trabalhava no Manson há pouco tempo.
O procedimento padrão seria levar a enferma à ala principal, e lá pedir ajuda a algum outro enfermeiro.
O enfermeiro entrou no quarto de . Levantou-a do chão, necessitando de muita força para tal, já que a moça parecia estranhamente enfraquecida.
— Vou levá-la para a ala principal. Você volte para onde estava — ele disse, com cuidado no começo, ao se dirigir a , mas deixando a voz firme ao falar com Tyler.
O rapaz levou a mão à boca, e seus olhos encheram-se de lágrimas.
— Desculpe — ele sussurrou.
O enfermeiro fechou a porta da sala de e levou-a em direção à ala principal. A moça tossia, parecendo tentar resistir à tentação de continuar a vomitar.
Ela ergueu os olhos um pouco. O corredor à sua frente se estendia por metros e tinham várias pessoas o cruzando. Pacientes, médicos, enfermeiros e poucos visitantes.
Um deles em especial.
ergueu seus olhos e não conseguiu fazê-los fugir da menina no final do corredor.
Então, ela realmente viria.
Eu sou sua Ramona. Ela é minha .
Zoe, você não poderia estar em melhor momento.
Os olhos verdes de Zoe encontraram os de . E ela sorriu.
Havia, talvez, um jeito de sair dali.
alcançou a ala principal. Zoe estava debruçada na mesa, aguardando atendimento. O enfermeiro que levava disse à uma mulher que deveria levá-la ao banheiro mais próximo, pois ela estava passando muito mal.
Zoe sabia o que aquilo provavelmente queria dizer. Foi para o banheiro mais próximo, adentrando-o tranquilamente. acompanhou seu caminhar, vendo aonde ela iria chegar. Os enfermeiros não pareciam prestar atenção.
Segundos depois, adentrou o banheiro, acompanhada de uma enfermeira.
— Deixe-me sozinha — ela pediu — Por favor. Não quero ter que fazer isso na frente de alguém.
— Mas a senhorita...
— Eu era policial. Sei como me virar sozinha.
A enfermeira quis hesitar.
— Se eu precisar de algo, a chamo. Não estou louca. Ainda não.
Por fim, a enfermeira assentiu, mesmo que contrariada. Comprimiu os lábios e fez menção para que entrasse.
sorriu em agradecimento. Abriu a porta, encontrando um banheiro vazio, a não ser por uma jovem loira que ajeitava seus cabelos no espelho.
Ambas sorriram uma para a outra.
— Já estava demorando. Senti sua falta, Zoe.
Zoe posicionou-se atrás da porta do banheiro, impedindo a entrada de intrusos. Seu tempo era curto.
— Como conseguiu entrar? — perguntou .
A jovem balançou as mãos para que ela ignorasse aquele ponto.
— Não faz diferença. Quero conseguir fazer você sair.
franziu o cenho com o sorriso. Afinal, tinha obtido sucesso, depois de tanto trabalho.
Zoe era a semente da revolta, do ódio e da solidão. Estava sozinha entre serpentes, sem nem imaginar o veneno que poderia matá-la. O gatilho tinha sido o assalto ao restaurante, quando a menina conseguiu entrar formalmente na toca do leão.
Contato direto com a detetive . A assassina de Joe Durden, a mulher mais próxima à família Durden... Ainda viva.
Zoe tentaria domá-la. Tentaria obter suas vantagens a partir de .
Mas Zoe era igual a . Todos os medos, as inseguranças, as posturas. Desde o instante em que aquela garota com um canivete vermelho atingiu seus olhos, percebeu isso.
Sou essa criança?
Depois de três meses em um lugar estranho, voltar para casa lhe parecia satisfatório, porém, fora como visitar um lugar novo, com os mesmos antagonistas.
Então, surge Ramona, a mulher que pode fazer você ser a grande Serpente Vigilante novamente.
Ramona, que sempre foi você, que é a verdadeira detentora desse codinome.
Já passou a hora de você dormir, minha querida.
Zoe era uma criança que estava virando mulher. Tivera, desde cedo, que aprender isso.
Parece uma história familiar, ?
Eu serei a Ramona de Zoe. Eu preciso de uma aliada.
Soara surpreendente quando ajudou-a a fugir? Na verdade, conhecia aquele tipo de cabeça.
Uma garotinha com medo do mundo. Que usa o medo como defesa.
E a sina continua.
— Janelas estão sempre com grades — observou Zoe, colocando as mãos na cintura e pensando alto.
tinha os olhos semicerrados.
Ramona tinha gerado um alto teor de dependência em , e ela teve a chance de fazer o mesmo. Deixar Zoe ir embora da delegacia foi a garantia de que ela estaria de volta.
Tinha uma dívida. Ainda precisava de , se quisesse chegar a algum Durden.
A história não tem fim.
— A comida vem semanalmente, em caminhões. Não temos cozinhas, só depósitos — disse .
— Grades em todas as áreas externas.
Vamos lá, onde vamos achar uma porta somente de saída?
Onde podemos ter um lugar de eliminação?
Zoe cruzou os braços e coçou o queixo com uma das mãos. Não poderiam demorar muito.
Algo como... uma lixeira?
Seus olhos brilharam. De foscos, passaram para um cintilante verde folha.
— Vocês usam incineradores por aqui? — perguntou ela, erguendo o olhar para .
— Não. O lixo todo é recolhido e levado para a área de serviço, perto do depósito.
— Acha que consegue chegar até lá?
— Somos “voluntários” — fez as aspas com os dedos — Para trabalhar na limpeza do Instituto. Sem dificuldades, posso ir até lá. Jogam tudo em um ducto que cai num latão do lado de fora, que é recolhido todo início de noite e início da manhã.
Zoe ergueu o canto do lábio.
— Então vai ter uma queda bem confortável.
e tinham continuado na recepção, aguardando a chegada de Zoe. O jovem jornalista permanecia ansioso, tendo um leve déjà-vu no momento em que percebia que estava no exato mesmo lugar, semanas depois, com o mesmo sentimento sobre ver a mesma pessoa.
Do corredor, veio correndo uma jovem. e olharam com entusiasmo, pequenos sorrisos se desenhando em suas faces, até que desanimaram ao ver Zoe sozinha. Ela agradeceu pelo uso do banheiro.
— Quer fazer um encontro, senhorita? — perguntou o enfermeiro. A adolescente fez que não com a cabeça, o rosto contorcido em uma careta de desânimo.
— Não, não, obrigada. Não estou me sentindo bem. Amanhã estarei de volta.
Deu as costas para o enfermeiro. Com os olhos, discreta, fez sinal para que e não se levantassem. Saiu do Instituto logo a seguir.
Os dois homens se olharam, confusos. preferiu ser o primeiro a agir, levantando-se e indo até o enfermeiro:
— Não podemos mesmo falar com ? É importante. Ela foi trazida há tão pouco tempo, que pensamos que...
— Sinto muito, oficial — ele cortou-o — Não será possível.
Era firme como um oficial de polícia, e desistiu. Para Zoe ter saído tão decidida do Manson, imaginou que ela tinha algo em mente. Assim, deu as costas para o enfermeiro, chamou e ambos saíram do Instituto.
Chegaram ao pátio, onde Zoe se apoiava num carro parado, fumando um cigarro com satisfação. A fumaça era lançada ao ar desordenadamente, ao contrário do que ela costumava fazer; Zoe preferia lançá-la num filete turvo e cortante.
Sorria.
esperou que ela, de verdade, tivesse algo em mente.
— Encontrou ? — perguntou ele.
Zoe levou o cigarro à boca e tragou, assentindo.
— E não conseguiu tirá-la de lá? — perguntou , em uma cobrança.
— Se você tivesse alguma ideia para torná-la invisível ou minúscula, podia ter me dito antes. Tirá-la dali é impossível — apontou para o Manson com a cabeça — Mas consegui falar com ela, por um breve tempo.
Tragou mais uma vez, soltando a fumaça em filete dessa vez.
— Tirá-la dali é impossível. Mas talvez consigam fazê-la sair, e ajudá-la com isso.
— O que vocês combinaram? — perguntou , prestando atenção no que Zoe diria.
A jovem apontou para os fundos do Instituto, com o dedo que segurava o cigarro.
— Ela vai tentar sair pelo ducto de lixo. Mas tem que ser algo rápido, sem fuga com carros. Sugiro que um de vocês fique esperando com o carro a alguns metros daqui, e o outro espera perto dos latões.
ponderou a ideia por um momento. Era um plano péssimo, com uma grande chance de fracasso, coberto de incógnitas. O problema era que não tinham outro.
— Eu fico com o carro — disse o oficial, direcionando-se para — Te espero uns metros adiante, na estrada. Entrem nas portas de trás. Você espera a , não posso ser visto com ela, pode trazer problemas para a polícia.
franziu o cenho.
— Problemas para a polícia? Essa é sua preocupação agora?
deu de ombros.
— Ossos do ofício.
virou os olhos. Esperaria menos de ?
Olhou para Zoe, preocupado.
— E você? Não vai com a gente?
Ela jogou as cinzas no chão, e tragou novamente.
— Tenho outra coisa para fazer. Deixem comigo. Vou ficar bem, sabe o que fazer.
Contrariado, torceu os lábios e, por fim, assentiu.
— Tudo bem. Se a ideia for de vocês... Mas posso pedir algo antes, Zoe?
— Peça.
— Preciso desesperadamente de um cigarro agora.
tinha saído do banheiro com um pouco de medo, precisava admitir. Ultimamente, esse tipo de sentimento era raro, quando se dizia respeito à execução de uma estratégia. Aquele momento, entretanto, era especial.
Enfermeiros só olham para você se você fizer cara de louco, se parecer precisar deles.
encaminhava-se com sua camisola balançando ao ar, ajeitando os cabelos e mirando sua direção. Sabia bem onde ficava o depósito e a saída do lixo. O caminho parecia mais distante que o normal e, talvez, monitorado. Ninguém olhava diretamente para ela, mas sentia como se estivesse sob uma intensa vigilância.
Antes de virar uma esquina, um enfermeiro abordou-a:
— A senhorita precisa de alguma coisa?
— Estou indo para o trabalho voluntário — ela informou, continuando a andar, olhando para ele por cima do ombro — No depósito. Separar os condimentos.
— Só chamaremos alguém para o trabalho daqui a meia hora, senhorita. Ainda não terminamos de separar o que chegou.
olhou-o novamente, com um pequeno sorriso.
— Uma boa oportunidade para terem uma ajuda.
Ele não falou mais nada, e prosseguiu seu caminho até o depósito.
Lá, não eram apenas prateleiras ou geladeiras. Lembrava até uma cozinha, na verdade. Tinha mesas, cadeiras. O Instituto Manson já fora um manicômio, que tratava explicitamente pessoas loucas. Hoje em dia, é algo mais leve. Apenas as com saúde delicada.
O faqueiro costumava ficar trancado. Nunca se sabe o que essas pessoas normais farão.
Não tinha ninguém no depósito, além de alguns poucos enfermos que terminavam de empilhar caixas de comidas que tinham acabado de chegar. recuou e esperou no corredor até que todos os três saíssem, deixando o depósito vazio. Entrou em seguida, ficando apenas ela e as deliciosas comidas enlatadas.
Como se não bastasse saúde em cápsulas, serviam energia em latas.
fechou a porta e imediatamente foi até onde ficava a lixeira. O ducto do lixo era uma gaveta quadrangular na parede, que caberia uma mulher de estatura média agachada e apertada.
Abriu-o e o cheiro de comida estragada já invadiu suas narinas.
Não sei se quero ou não que tenha lixo lá embaixo.
Sua face se contorcia em nojo sem que houvesse intenção para tal. A imagem de um latão de lixo, cheio de comidas estragadas, restos e animais como ratos e moscas era inevitável.
Puxou um fio de sua camisola, desfiando-a até obter um único fio de roupa, de cerca de meio metro.
Vamos lá, não tem outro jeito de você sair daqui.
Abriu a gaveta ao ouvir passos apressados do corredor.
Fechou fortemente os olhos enquanto colocava as pernas dentro do escuro e apertado ducto, envolto de concreto. No fundo, a luz da rua apenas mostrava os dejetos de um escuro latão de lixo. Deu um nó de uma extremidade do fio arrancado, no puxador do lixo, segurando-o com firmeza.
Deu o impulso no instante em que começaram a forçar a porta. Ouviu o baque do lixo se fechando, enquanto ia em uma silenciosa queda até um monte de lixo.
Quando os enfermeiros entraram no depósito, não havia vestígio de qualquer pessoa ali. Nenhuma cadeira fora do lugar, nada mexido. E a lixeira estava fechada.
Como uma pessoa em fuga poderia descer e deixá-la fechada?
Não conseguiram ouvir o som de caindo no lixo, ou a voz dela murmurando “mas que merda”. Dariam falta de muito depois.
Quando o fizeram, ela já tinha visto a esperando, já havia o abraçado, e corrido com ele até a saída do Manson pelos fundos. Já tinha corrido pela estrada até achar o carro de , entrado nele, e colocado um casaco do oficial sobre suas roupas sujas.
Já tinha dito a aonde eles deveriam ir, em seguida. já tinha protestado, já tinha tentado fazê-la desistir, mas já tinha sido enfática ao dar a ordem para levarem-na ao Palácio da Cerejeira.
não tinha deixado o Instituto Manson, certamente. Seria idiota deixar um paciente tão especial quanto na mão de incompetentes funcionários do Manson, então, o máximo que podia fazer era permanecer por perto, observando-a. Apenas iria para casa à noite, depois de seu horário de trabalho, quando ela já estivesse instalada na Ala Fria.
Quando chegasse em casa, seria firme ao afirmar que não poderia receber qualquer visita enquanto estivesse na Ala Fria. Era um lugar muito especial. Não poderia interromper o tratamento.
estava bebendo um café numa saleta dos médicos. Mesmo não sendo profissional do Instituto, qualquer psicólogo tinha autorização profissional de ficar lá se um paciente seu fosse encaminhado ao Manson.
De fato, entretanto, o lugar parecia calmo demais.
terminou seu café e se encaminhou para fora do prédio. Era meio de tarde, mas começava a escurecer, deixando o céu alaranjado.
O psicólogo começou a tatear seus bolsos, procurando seu maço de cigarros. Achou e serviu-se de um, acendendo a ponta dele com um isqueiro.
. Ah, tudo seria mais fácil se, desde sempre, fosse Ramona . Se não fosse aquela menina chata, sem graça, excessivamente preocupada e ansiosa desde adolescente, nada daquilo teria que ser feito. era a parte fraca de uma mulher extraordinária, esta que Joe queria para si — e que o queria de volta. Ramona, a mulher que saiu depois do incidente na festa. Claro, Joe não queria a que ele conhecia. A aposta com seus amigos teve suas vantagens, afinal, ele até que gostava dela sim. Não o suficiente para namorá-la ou algo assim, ao contrário do que a própria queria.
Aquela garota tinha potencial, só que nunca teve oportunidade. Trabalhar na polícia, na concepção de Joe, poderia dar isso a ela. Mas não, continuava a insossa de sempre.
— Procurei por você por meses — disse alguém atrás de , apoiada na grade do estacionamento do Instituto — Digo, eu e muitas pessoas.
virou-se para ela com surpresa. Reconheceu, principalmente pelos cabelos e olhos, que se tratava de Zoe.
— Também procurei por você por bastante tempo, Zoe — ele disse, recuperado do susto. O vento agitava seu jaleco e carregava a fumaça do cigarro para longe. tragou e segurou o cigarro com o indicador e o dedo do meio, olhando Zoe jogar seu próprio cigarro no chão, sorrindo.
— Tentamos nos esconder por um tempo. Procurávamos um tipo de prêmio, não? Cada um com o seu. Pode acender, por favor?
Ela ergueu um novo cigarro. aproximou-se hesitante da menina, erguendo o isqueiro até a ponta do cigarro de Zoe, que se pendurava em seus lábios. Os grandes e brilhantes olhos de Zoe estavam fixos nele, enquanto ele acendia o pequeno vício da jovem.
— Prêmios bem diferentes, Zoe — ele afirmou, mantendo-se próximo a ela.
Ela deu de ombros.
— Não tanto. Você sabe meu nome desde quando, Joey?
Ele riu, tragando.
— Zoe? Ah, faz pouco tempo. Cuidei do meu dever de casa. Mas você me deu um susto de início.
— Ah, então consegui o que queria.
Seu sorriso era pequeno, porém radiante. acompanhou-o, surpreso por estar fazendo isso.
— Nossos prêmios não eram tão diferentes assim, Joey. O detalhe foi que eu acabei ficando com o seu, enquanto você está tentando ficar com o meu.
franziu o cenho.
— Sem rodeios e jogos de palavras, priminha — ele pediu.
— Não tem rodeios. Estou sendo direta como você me permite ser, Joe. Você não tem mais .
— Eu sei que não — ele disse, com um sorriso gratificante — O Manson está cuidando dela.
Zoe ergueu um pouco o canto do lábio, tragando.
ficou sem reação.
— Repita isso — desafiou Zoe — Com convicção.
Seu tom debochado era o de qualquer Durden.
Bastardazinha de merda.
— O Manson está cuidando dela — tentou soar firme, porém, a voz irônica de Zoe tiraria a base de qualquer um — Ele está.
— Você sabe, tanto quanto eu, que não deve tirar os olhos de sua própria boneca de papel. Deixar um tesouro na mão de outras é arriscado.
— Onde ela está, Zoe?
A jovem tragou mais uma vez, fitando os olhos de sem piscar.
— Ela está morrendo — respondeu.
O coração de parou por um instante.
— Ramona vai morrer. Ramona vai ser só resto de cinzas, e nem sequer poderão fazer um enterro para ela.
Não, não, você não vai acabar com isso, Zoe.
— Ouviu isso, ? — ela perguntou, jogando o cigarro no chão e pisando — Digo, esse acho que é seu nome. Nem sequer vai ter um velório. vai matar Ramona, e você nem pode matá-la.
Seu tom era capaz de enlouquecer e Joe, ao mesmo tempo.
Você não vai arruinar tudo. Eu tenho essa herança por direito, eu amo Ramona e ela me ama, e você não vai tirar isso de mim, seu resto de aborto.
Eu amo Ramona, ela me ama, e você e precisam entender isso.
— Você quer matar . Já teria esfaqueado-a como esfaqueou no Halloween, teria asfixiado como asfixiou o suicida, teria drenado como drenou . Teria queimado como queimou Justin!
lançou suas mãos no pescoço fino e frágil de Zoe, batendo sua cabeça contra a grade. A jovem nem tentou se defender.
Você não vai me matar. Eu tenho seu sangue, seu merda.
Sou a bastarda que se importa mais com os Durden do que os assumidos.
— Não posso matar — ele murmurou entre dentes — Mas ninguém daria falta de uma sem-teto, um aborto da natureza.
— Talvez não — a voz cortava sua garganta — Mas você não me mataria.
— Provavelmente não tão rápido. Brincar um pouco com você não seria má ideia.
— Quem você quer enganar, Joey?
Ele pressionou mais as mãos, fazendo Zoe puxar um filete de ar, desesperada para respirar.
— Mate-me na frente de um hospital psiquiátrico. Pode me asfixiar aqui mesmo.
afrouxou a mão.
Ela tem razão. Pare com isso, relaxe.
Mais um para a coleção não, Joe. Calma.
Respire.
Acorde.
Agora não.
Soltou Zoe. A menina puxou fortemente ar, acariciando o próprio pescoço em uma massagem.
— Sabia que não tinha o gene mais são da família, mas isso estava fora dos limites.
— Onde ela foi, Zoe? Onde está Ramona?
— Já te falei — ela tossiu e pigarreou em seguida — Ela está morrendo.
— Como conseguiu fazê-la sair? — perguntou — Onde está ela, Zoe? Para onde fugiu?
— Ela não fugiu — Zoe retrucou com uma voz debochada, como se falasse com uma pessoa mentalmente incapacitada — Ela quer te ver de novo, com calma. Onde vocês sempre gostaram de conversar.
— Sem rodeios, Zoey...
Interrompeu-se.
O Palácio da Cerejeira não está mais interditado.
Zoe riu, ao perceber que ele já tinha em mente o local em questão.
— Tic tac, primo. Seu prêmio está te esperando. E ele pode fugir a qualquer momento. Mais uma vez. Não quer fazer essa ser a última?
I know, for me it is like… Coming home.
Havia um corpo indo para o necrotério, e um choro de bebê. Marla questionava se o corpo ou o choro não eram seus.
Devia ser assim que se sentia.
Tudo caindo aos seus pés, e você não tem forças ou disposição o suficiente para conter o caos.
E é isso?
Acabou?
está morta. desapareceu.
Quem matou ? ? ? Samantha?
Quatro assassinatos.
E agora?
. .
Tyler.
Não poderiam perder Dorothy de vista.
Estava deitada em uma maca, e podia ver o saco preto ao longe. Havia policiais no lugar, mas nenhum deles era ou Julie.
Marla abriu os olhos e pensou que precisava desesperadamente sair dali.
— A senhora se chama Marla Bronx? — perguntou um paramédico.
Marla assentiu, pegando o distintivo no bolso. O braço estava um pouco ralado, mas conseguia se mover sem muita dificuldade.
O paramédico a conteve.
— A senhora foi identificada. Os policiais querem falar com a senhora.
Marla engoliu em seco. Todos os policiais da cidade tinham uma mínima ideia de quem ela era, por causa do caso Durden, mas sua reputação não estava a melhor do mundo.
Tinha que encontrar , mas sem avisar aos policiais.
Marla se levantou. Dois policiais que ela não lembrava o nome se aproximaram. Sua visão estava levemente turva, o que atrapalhou ainda mais sua distinção.
— Srta. Bronx?
— Detetive — ela corrigiu, passando as mãos pelos olhos, tentando melhorar sua visão.
— Detetive Bronx, gostaríamos de saber por que a senhora estava nesse hospital.
Procedimento padrão. A única testemunha do acontecimento pode ser ou a verdadeira vítima, ou o assassino.
— Visitando uma amiga. Estou nos registros como visitante dela.
— E qual era a ala dela?
— Maternidade.
Os dois policiais se olharam. Um deles parecia estar se esforçando para fazer cara de mal — este que falava com Marla —, enquanto o outro estava de braços cruzados preferindo estar em qualquer outro lugar do mundo, menos ali.
— E a moça que estava no carro era ela?
Marla pensou um pouco nisso. Tentou, rapidamente, assimilar o que tinha acontecido.
.
Carro.
.
Boom.
Fácil assim.
— Sim.
— E de onde vocês se conheciam?
Marla franziu o cenho.
— Isso é mesmo necessário? Não fui eu quem coloquei a bomba. Qualquer vídeo de segurança vai provar que minha amiga foi até o carro, mas que eu fui atrás. Vocês podem ver que não fui eu quem pôs a bomba.
— Já vimos os vídeos de segurança, Detetive Bronx. Justamente por isso que queremos falar com a senhora.
Marla engoliu em seco. O policial prosseguiu:
— A senhora sabe onde está ?
não sabia se estava fazendo a coisa certa.
Prender não parecia sensato, muito menos prudente. Ou melhor, racional. Era uma lógica simples: as provas do assassinato de foram encontradas na casa dele. Consequentemente...
Mas, hey. Você está esquecendo um detalhe.
não mora...
— Alô? — perguntou ele, atendendo o celular.
Conferiu a hora. Estava próximo de seu intervalo para almoço.
— , temos um problema. Você soube da bomba?
— No hospital?
— É. Temos um saldo de vítimas. , amiga de , está morta.
abriu a boca, mas não soube o que responder. Em vez disso, preferiu ouvir Marla continuar:
— Os policiais conferiram filmagens e estão convencidos de que foi quem colocou a bomba. Precisamos saber onde ela está.
— E você sabe? Porque eu não faço ideia. E não sei como sair daqui para procurar, Julie está vindo na minha sala de três em três minutos.
— E ?
— Julie o prendeu.
Julie.
Não eu.
Julie.
— Ela o quê?! — Marla gritou.
— Por . Ela diz ter provas de anônimos que foi ele quem fez.
— Pois tire ele daí e vão atrás dela!
— E com Julie?
Marla pensou nisso por mais alguns instantes.
— Estou indo aí. Resolvemos melhor quando eu chegar.
— A ordem de detenção de veio da Julie, Marla. A própria delegada. Não temos forças contra o poder dela.
Marla suspirou.
— Já prendemos uma pessoa brilhante injustamente, . Não quero prender outra.
Marla estava sentada na maca, apenas esperando a liberação. Um policial se aproximou dela a passos largos, como se houvesse algo bem indesejado dentro de suas calças que ele quisesse evitar que tocasse nele. As roupas estavam folgadas para parecer que ele tinha mais músculos, coisas essas que ele mal possuía.
— Srta. Bronx — ele cumprimentou.
— Detetive — ela corrigiu.
— Detetive Bronx — ele repetiu, abaixando a cabeça em sinal de respeito — A senhora já não foi liberada?
— Não. Acham que ainda posso ser útil. Não vi nada, não sei de nada. Só vi o carro explodir.
— A senhora foi vista entrando com a Srta. . E ela foi registrada indo para o mesmo quarto que você e que a nossa vítima.
— O que o senhor quer dizer?
Ele encarou Marla, inexpressivo.
— A senhorita já a prendeu antes, na época que não sabia se ela era mesmo a culpada. Agora nós temos certeza de que ela é. E a senhorita não quer nos ajudar a prendê-la?
— não é culpada de nada — Marla retrucou com a voz firme. O policial estava a certa distância dela, mas parecia estar invadindo seu espaço pessoal.
— Ela quem colocou a bomba, detetive Bronx. Só precisamos de sua colaboração.
— Não sei onde pode estar.
— Se souber, vai nos dizer?
Marla engoliu em seco. O policial prosseguiu:
— Olhe só, detetive, estou sendo sincero aqui. Falo como profissional. Sua reputação caiu quando prendeu injustamente no Manson. Caiu não, despencou. Se a senhorita puder prendê-la de novo, todos se desculparão com você por terem duvidado de suas habilidades. A senhorita será a melhor detetive do estado. Pode até ganhar uma medalha ou promoção.
A melhor detetive do estado.
— Adeus, Serpente Vigilante. Olá, Raposa Escarlate.
A Raposa Escarlate.
Imagine só as manchetes. Imagine as entrevistas.
O topo.
Troca de peles.
Só Marla Bronx. Só você.
Os raios.
Marla levantou-se.
— Agradeço pela dica, senhor. Mas não sei onde está, e, se me permite, preciso descobrir.
Ele ficou atordoado. Ela começou a andar para longe do hospital, indo para a direção da rua.
— Não sei se você entendeu...
— "Você", não. Não somos amigos.
— Mas a Srta. ...
— Detetive — Marla corrigiu, indo chamar um táxi.
Assim que Marla chegou à delegacia, já tinha uma mínima ideia do que fazer. Ele tinha saído para receber a detetive na frente do prédio.
— Querem achar — Marla avisou, saindo do táxi com cuidado por causa dos arranhões — Dizem que viram vídeos de segurança do hospital, e que ela que pôs a bomba.
— Não sabemos onde ela está, Marla. Julie não quer sair daqui, e nem quer que eu e você saiamos. Ela está convencida de que foi o que matou . Como você pretende tirá-lo daqui?
— Siga minhas deixas.
tentou sorrir. As cicatrizes já não pareciam tão aterrorizantes em seu rosto.
Já eram parte dele. Algo que ele teria que conviver com.
Ah, vamos lá. Você queria morrer sem um punhado de cicatrizes? Você é policial.
Quase morrer é a sua função.
— Entre. Vamos ter que dar um jeito de saber onde está. Trabalhamos na porra de uma delegacia, como podemos perder alguém assim?
— E o que faremos?
— Siga minhas deixas, Marla. Já trabalhamos em dupla antes. Não queremos fazer feio dessa vez.
Julie ouviu uma batida na porta. Apenas ergueu o olhar, folheando os registros do caso de .
De um jeito impressionante, fazia sentido ser o assassino.
Mas Julie não queria que ele fosse. Gostava do novato.
— Entre.
apareceu na porta entreaberta.
— Julie, vou sair para meu almoço. Marla acabou de chegar.
A delegada fez menção para que eles entrassem. Seus cabelos estavam vaidosamente presos em um coque.
Vamos lá, bagunce-os um pouco. Saia desse escritório, Julie.
Seja menos você.
continuava foragida.
e Marla entraram na sala. Julie fechou os registros e escondeu-os com os braços.
— Vocês sabem onde está?
Ambos se olharam com o canto dos olhos e disseram um "não" uníssono. Julie soltou um suspiro cansado.
— Dispensados.
— Estou indo para a minha sala — a ruiva avisou e saiu da sala. pediu licença e a acompanhou.
Passaram-se alguns instantes. A delegada estava silenciosa, observando os registros.
Tem furos demais. Mas não há nada que eu possa fazer.
Provas são provas.
. Só um cara azarado, no final das contas.
Queria poder tirá-lo daqui. Mas como eu poderia fazer isso?
Tenho as provas. Preciso prendê-lo.
Se bem que...
De repente, ouviu alguém correndo pelos corredores.
— Julie! — gritou Marla, em desespero, abrindo a porta sem pedir.
— O que houve? — a delegada perguntou alarmada, ficando de pé.
— sumiu. Ele não está na cela!
— O quê?! — Julie foi até a porta e seguiu Marla para onde ele deveria, supostamente, estar — Mas só temos eu, você e na delegacia! Como ele pode simplesmente ter sumido?
A detetive ruiva deu de ombros, indicando que não sabia explicar. Foi com a delegada até a cela onde tinha estado, agora vazia.
— Vou abrir — avisou Marla — Para podermos ver se ele deixou algo para trás, ou como ele saiu.
Segurou um molho de chaves que tinha pegado na sala de Julie e abriu a cela. A delegada fez menção de esperar Marla entrar, mas a ruiva insistiu para que ela entrasse primeiro.
Uma vez dentro da cela, não havia nada de incomum. Julie observou tudo que tinha ali.
Nada fora do lugar.
Nenhum objeto deixado para trás.
Nada.
Nada.
BOOM!
A porta fechou-se com um forte som decidido, sendo possível até ouvir a trava que a trancou.
Julie olhou para trás. Uma parede de ferro a separava de Marla, que parecia não saber bem o que estava fazendo.
Deus.
Você acabou de prender a delegada.
Meus parabéns.
— Desculpe — foi o que ela conseguiu dizer — Sei que isso pode ser meio desagradável.
Julie lançou-se contra o ferro, as mãos circundando com força as barras.
— Me tire daqui, Bronx. Não sei o que você e estão pensando, mas é um criminoso. E eu vou fazer a cabeça de vocês rolar com a promotoria.
— Desculpe — Marla repetiu.
Deu as costas para a delegada. Mas poderia jurar que, antes de fazer isso, viu Julie Stoner piscar o olho esquerdo para ela.
— Cara, vou te contar que já estou meio cansado disso — declarou — Digo, já fui preso duas vezes por algo que não fiz. Só porque ando com vocês.
— Bem-vindo à boa vida — retrucou, entrando no carro no lado do motorista — Marla vai ficar aqui e trancar tudo. Garantir que Julie não saia e não consiga falar com ninguém. Nas celas, não tem sinal de celular.
— E para onde vamos?
— Não sei. Procurar . Ela deve estar em casa.
— Estão atrasados — avisou uma suave e fraca voz, perto deles. Imediatamente, os dois homens indicaram os olhos para essa direção.
Havia uma jovem, apoiada na parede. Seus cabelos loiros estavam caídos e mal penteados pelos seus ombros, e um gorro rosa protegia o topo deles. Os olhos, antes de um verde fosco, agora brilhavam. Um cigarro pela metade pendia entre seus dedos.
— Ela não está mais em casa. Já foi para lá, mas já saiu.
— Zoe? — perguntou , inseguro se tinha acertado seu nome.
— Desculpe a minha educação — ela disse, sorrindo, tragando novamente enquanto se encaminhava para onde eles estavam — Da última vez que nos vimos, não tivemos como nos apresentar.
— É. Você estava assaltando um restaurante — lembrou o jornalista.
— E você me mobilizou — ela retrucou, estendendo a mão para se apresentar — Zoe.
— — ele se apresentou, apertando a mão da jovem — Esse é meu subordinado, .
olhou de lado para .
— Você me deve algumas — sussurrou o jornalista, se justificando.
— Prazer. Zoe Durden.
apertou a mão da jovem, sem fala. Tinha se esquecido completamente de Zoe, de toda sua participação naquela história. E, quando ela reaparece... Mais um Durden.
— Longa história — ela disse, virando os olhos, percebendo a expressão confusa do oficial — Longa mesmo. O caso é que confiou algumas coisas a mim, fez outras por mim, e agora quero ajudar.
— Sabe onde ela está? — perguntou , ainda desconfiado.
— Ela estava no Palácio da Cerejeira até pouco tempo. Não sei o que aconteceu lá dentro, mas quem a tirou de lá foi uma ambulância.
— Do hospital?
— Não. Do Instituto Manson.
— Fodeu — deixou escapar — está no Manson de novo?
— Tinha um homem com ela — continuou Zoe, jogando o cigarro na calçada e pisando em cima — Um que eu já vi antes. Parecia o meu primo, o Joe. Mas não sei quem era.
poderia jurar que estava prestes a ter um ataque cardíaco.
— Você a perseguiu? Como sabe essas coisas?
Zoe ergueu a sobrancelha direita.
— Tenho meus métodos de ajudar.
— Vamos direto para o Manson — declarou , indo para seu carro no estacionamento. acompanhou-o, deixando Zoe para trás — E lá vemos o que vamos fazer para buscar .
— Ei! Minha informação não foi de graça! — Zoe exclamou, seguindo-os.
— O que você quer? — perguntou , afobado, abrindo a porta do carona.
— Ir com vocês.
— Há. Não — disse o jornalista, entrando no carro.
comprimiu os lábios. Apoiou o cotovelo na porta aberta do motorista, olhando para a menina.
— Entre e não fale nada enquanto não perguntarmos — ele ordenou.
Zoe deu um sorriso satisfeito e abriu a porta de trás. entrou no carro e deu a partida no carro, apressado.
— Eu sinceramente não entendo você — disse — Vamos logo com essa merda, . Aquele lugar é nocivo para , mas não sabemos o efeito dele para Ramona.
— Sabe de algo que eu não sei, ?
O carro começava a acelerar, saindo do estacionamento.
— tem uma mania irritante de sinalizar o número "três" — ele ergueu o indicador, o dedo do meio e o anelar — Com o polegar, em vez do anelar. Joe Durden também tinha. Se você tomar isso como princípio, percebe como o resto é pura inteligência ou sorte dele. sempre esteve perto de nós, sempre ao nosso lado, e ele não tem antecedentes muito distantes... Parece que a vida dele começou quando ele se formou.
— Acha que pode ser ou ter ajudado Joe Durden? — franziu o cenho — Que teoria absurda.
— Não tanto. Explico melhores detalhes no caminho. Desde o Halloween, até agora. Mas quero que me diga por que fui preso. De novo.
tentou organizar bem as palavras, para que nada soasse errado ou ambíguo:
— Recebemos um pacote de provas contra o caso de . Eram as armas do crime e provas de que elas foram usadas contra . Pelo que Julie acreditou, foram encontradas por um tipo de justiceiro ou um comparsa arrependido. Segundo a própria, provavelmente , que ligou para nós pouco depois denunciando uma invasão ao apartamento de vocês. Pelo que ele falou, a casa de vocês foi revirada, mas nada aparente sumiu.
tinha o cenho tão franzido que parecia que ele nunca voltaria ao normal.
— Julie acredita que entregou aquelas provas para nós por peso na consciência, ou simplesmente denunciou uma invasão. O nosso justiceiro teria entrado na casa de vocês e revirado, achando as provas. Duvidamos que poderia ter sido tão idiota de ligar, depois dele próprio ter perdido as provas de seu próprio crime e ainda ligar para avisar. Julie preferiu te deter por garantia, para fazermos uma investigação mais detalhada depois. Mas, por ora, você era o principal sob suspeita.
Depois de dizer tudo, percebeu como ele tinha seguido o roteiro perfeitamente.
virou os olhos, com desdém, dizendo com a voz cansada:
— E mesmo assim, você ainda não tem dúvidas quanto a ?
se sentia sedada. Estava deitada em uma cama do Manson, onde nunca imaginaria que fosse voltar.
Aparentemente, nunca tinha saído de lá.
Para onde iriam os mártires, quando o vírus se curasse?
O médico dela tinha falado da Ala Fria. Talvez fosse realmente melhor ir para lá. Se tratar de uma vez, se livrar daquilo tudo.
Você não matou Joe Durden. Mas você tem uma doença e precisa tratá-la. Te colocaram como culpada por Joe porque queriam uma desculpa para te trazer aqui.
Você inventou uma história e eles aceitavam isso para te provar sua doença.
Você é nociva. Quase tóxica.
Mas ainda podemos te salvar.
Dois enfermeiros bateram na porta.
— Srta. — um deles chamou.
se levantou. Desceu sozinha da cama, lentamente, demonstrando fraqueza, negando qualquer ajuda dos enfermeiros.
— Consigo fazer sozinha — ela disse, firme.
Olhou para a porta.
Ainda há tempo.
Foi andando a passos curtos até a saída do quarto.
Estou aqui há meses. Sei bem como entrei, e sei bem como sair.
Olhou para os enfermeiros com o canto do olho.
E começou a correr.
Muito.
Como se não houvesse mais nada para fazer em toda sua vida.
Sua única chance seria correr.
Muito.
Saiu do quarto correndo, passou pelos corredores correndo.
Eu não sou louca. Eu não sou louca!
— Paciente! — alguém gritou ao vê-la.
Os dois enfermeiros já deviam estar acostumados a aquele tipo de coisa, então foram atrás de .
Desconhecendo os corredores, cruzou uma esquina de um lugar que já fora a área de televisão. Foi surpreendida, batendo de frente com outro enfermeiro, este que a segurou pelos antebraços.
— Me solte! Eu não deveria estar aqui! Eu sou inocente!
Os dois outros enfermeiros apareceram atrás dela. Seguraram pelos ombros e pelos braços. Ela tentava se desvincular, escorregando descalça no piso frio, mas não conseguia se soltar.
— Me deixem ir embora! — ela gritava a plenos pulmões.
— Mais uma recaída — murmurou um enfermeiro.
tentava se soltar, virando o corpo para todas as direções possíveis. Mas três homens estavam segurando-a, tornando sua fuga impossível.
— Eu não sou louca!
Outros pacientes, que estavam na sala de televisão, pararam para observar a cena. Fugas não eram raras, entretanto, sempre eram um espetáculo à parte.
Como poderiam querer prender ali? Tinham loucos de verdade lá! Pessoas que mataram as próprias famílias, esquizofrênicos, psicóticos e coisas assim. não tinha problemas.
Ramona não era real.
Os enfermeiros a ergueram e a levaram para outro corredor. A Ala Fria era por lá, bem longe.
Mas havia um homem na sala de televisão que sabia que ela estava certa.
Que ela não era louca.
Que ela era inocente.
E que, principalmente, ela deveria ir embora.
Vamos, Tyler. É seu momento de ser o salvador.
Tyler virou o rosto em desinteresse quando ouvira o barulho dos enfermeiros. Estar no Manson era uma medida de segurança, e ele odiava aquele lugar. Entretanto, não tinha para onde fugir. Todo lugar parecia perigoso.
Ramona.
E agora ela estava ali.
Por algum motivo que ele desconhecia (e, sinceramente, ignorava), estava lá. estava no Manson novamente.
Será que descobriram o que ela fez? Será que Marla tinha dado a chave a ela?
Ele não saberia dizer o que gostaria que acontecesse. estar ali era uma injustiça, mas Ramona estar ali era uma necessidade.
Estavam levando-a para a Ala Fria.
O juízo final. Da Ala Fria, sairia ou Ramona.
Era quase uma solitária.
Pior do que a prisão.
Tyler fizera mal a , mas ainda tinha tempo de se redimir.
Ramona pode ascender. Você quer ficar aí, sentado nesse sofá, circundado de loucos, ou quer fazer alguma coisa prestativa?
Ramona fizera mal a Tyler, mas ainda tinha tempo de se redimir.
Nada pior do que uma vida solitária.
Pior do que a prisão.
Tyler ficou de pé. Olhou para os enfermeiros, olhou para o corredor, e começou a andar. Na direção da Ala Fria. Na direção de .
Ninguém precisou segurá-lo, porque ele não resistia. Ele só se encaminhava para onde estavam levando sua irmã.
— Sr. — disse um enfermeiro, indo na direção oposta à de Tyler, ao seu encontro. Segurou-o pelo ombro, impedindo que ele continuasse a andar.
Tyler não expressava qualquer emoção.
— Preciso falar com minha irmã — ele disse.
— Ela não pode falar.
— Por enquanto, ela pode. Preciso falar com ela.
— Ela está na Ala Fria. Está esperando para ser tratada — disse um.
— Ela ainda está indo para a Ala Fria. E, se ela está esperando, eu posso ir vê-la.
Outro enfermeiro tocou seu braço. Havia uma piada interna de que os enfermeiros eram como policiais de uma ditadura: teoricamente, estavam ali para lhe proteger, mas, quase sempre, o feriam mais do que o protegiam.
— Temo que não possamos deixar você fazer isso, Sr. .
— Se acalme, cara — Tyler disse, abanando a mão do enfermeiro como se ele fosse um inseto indesejado — Só vou falar com ela. Coisa de família.
Fez uma pausa.
— É nossa tradição conversarmos um pouco toda vez que acabamos caindo no mesmo buraco.
Os enfermeiros se olharam. Deixaram de tocar Tyler, e um deles falou baixo, como se estivesse fazendo algo estreitamente fora das normas:
— Tudo bem, mas seja rápido.
Apesar de ter esse nome, a Ala Fria era mais quente do que o esperado. Era, na verdade, um grupo de quartos de solitárias, em um extenso corredor. Foi o apelido dado pelos próprios pacientes, já que a cor predominante nos quartos é a branca.
Mas lá é quente como o inferno.
abraçava os próprios joelhos. A luz entrava tímida por uma janela do quarto, e ela não queria se deitar na cama convidativa. Não, não queria.
Trançou os cabelos lateralmente, e esperou.
Ela deveria aparecer a qualquer momento.
Ramona.
Ela vai me tirar daqui. Eu só preciso esperar um pouco.
Ela sempre aparecia quando você precisava. Então, ela deve aparecer agora.
Pode vir. Estou te esperando.
Ramona, já estou aqui.
O que você está esperando? Cadê você?
Ramona!
Você é Ramona. O que você está esperando? É só deixá-la vir.
Estou deixando. Por favor, Ramona.
Sempre soube que você precisava de mim. Sempre soube que você ia acabar me chamando cedo ou tarde.
Estou aqui, . É simples, eu posso estar aqui sempre. É só você ir dormir, que eu vou estar aqui.
Para sempre, se você dormir.
Durma.
Durma.
É simples, só durma.
olhou para os lados. A sala era silenciosa, e ela estava sozinha.
Foi quando dormiu. Quando ela adormeceu para dar lugar a Ramona.
Seu melhor lado, sua melhor parte.
É inegável, todos preferem Ramona. Então, vá dormir.
A tranca da porta foi violada. Do lado de fora, alguém estava entrando no quarto.
Indiferente. já estava dormindo.
— Tudo bem, mas seja rápido — ela ouviu um enfermeiro dizer.
olhou para a porta, observando-a ser aberta com certa preguiça. Um jovem homem entrou no quarto. Ele era loiro, sono de brilhantes olhos verdes, e de um corpo atlético. Entrou com confiança, mas parecendo estar um pouco hesitante sobre o que de fato estava fazendo ali.
Será que eu deveria realmente ter vindo? Será que eu ainda tenho tempo de ir embora?
Parecia-se com , um pouco. Talvez fossem parentes.
— — ele disse, assim que soou a porta se fechando.
Ela atendeu seu próprio nome, erguendo o olhar.
— Quanto tempo. Na última vez que nós vimos, eu te dei um soco.
Ela não reagiu. Tyler imaginou que ela ao menos fosse rir. Ele girou os olhos e deu um sorriso tímido.
— Ok, você quem me deu um soco.
Ele riu baixo. Estava de pé ao lado de , mas ela não parecia entender, muito menos estar disposta a fazê-lo.
— O que perdi, ? Você voltou ao Manson. Estamos juntos de novo — ele comentou, sentando-se de pernas cruzadas na frente de . Ela afastou o corpo do jovem, puxando as pernas mais para perto de si.
Voltou? Não, ela não voltou. Ela sempre esteve ali.
— ? — ele perguntou, procurando seu rosto. olhava fixamente para ele, mas de modo algum parecia prestar atenção no que ele falava. Parecia bem mais que, na verdade, estivesse querendo intimidá-lo para que a deixasse em paz.
Tyler tentou tocá-la, mas desviou. Ele recolheu a própria mão.
Puta merda.
— , pare com isso. Chega dessa brincadeira. O que está havendo? O que você está fazendo aqui?
— Juntos de novo — ela repetiu, erguendo sutilmente as sobrancelhas em um tom convidativo — Desde quando, Tyler?
Ele engoliu em seco.
— Desde...
— Não, não — ela interrompeu, negando com a cabeça e erguendo o indicador — Para valer. Quando foi a última vez que estivemos juntos?
— Na... sua casa. Antes disso tudo. Depois de você ter saído daqui.
— Não. Você só queria um teto para ficar, já que você não tinha lugar para cair morto.
— Eu... Eu tinha perdido algo — Tyler retrucou, indeciso sobre o rumo que aquela conversa tomaria — E queria recuperar.
— Merda — falou, quase interrompendo-o, com os lábios torcidos em uma careta de nojo e desgosto — A última vez que estivemos juntos foi quando Justin morreu. Você se lembra disso, Tyler? Lembra-se da noite que Justin morreu?
— Chega, — ele cortou-a.
fez um bico, mesclando-o com um rosto decepcionado.
— Poxa. Só você pode fazer as perguntas? Também quero brincar.
— Isso não é brincadeira, e você está me assustando.
— Lembra de como estava frio, Tyler? — ela prosseguiu, ignorando o irmão — Eu avisei para que você pegasse um casaco. Você pegou e foi embora; nem se despediu de mim. Estava tocando Scorpions no rádio. Still loving you era a música.
fez uma pausa, olhando vagamente para o quarto. Tyler interpretou que ela estava se recordando da última vez que estivera no Manson, e quando pôde escapar da Ala Fria. Dessa vez, não tivera tanta sorte.
só estava calculando o quanto mais deveria falar para que ele só saísse dali.
— Você não se despediu de mim, mas chegou desesperado em casa depois. Foi me abraçar, se deitou no meu colo e começou a chorar. Eu fiz carinho nos seus cabelos enquanto você chorava. E cantei uma música. Mas você não parava de chorar.
Tyler não queria interromper. Ela parecia estar contando uma história bonita, mas era só o começo da pior parte de sua vida.
— Você disse que tinha deixado o Justin na neve, e foi procurar ajuda depois. Você ligou para a emergência anonimamente e pediu para ajudarem. Só que quando chegaram, já era tarde e ele tinha morrido de hipotermia. Ele tinha apanhado tanto, estava com a costela quebrada... Mal conseguia respirar.
Silêncio.
— Você dormiu no meu colo naquele dia. Eu chamei um advogado para nós, de manhã, porque tinha medo do que fosse acontecer. Mas, na noite anterior, eu tinha dormido no sofá com você no meu colo. Como quando éramos crianças, e você fugia para meu quarto com medo do escuro. Acho que foi a última vez que fomos irmãos de verdade, Tyler. Porque você estava com medo.
Ela voltou a olhá-lo, dessa vez com as pupilas incisivas. Suas sobrancelhas estavam sutilmente franzidas, e ela não apresentava um único arco que erguesse seus lábios.
— Agora você é meu irmão novamente? Porque está com medo?
— Eu não estou com medo.
— Você me viu e não soube por que eu estou aqui. Veio me ver, não sabe o que está acontecendo. Claramente, está com medo. O que quero saber é se você só se sente meu irmão de verdade quando está com medo.
— Eu sou seu irmão sempre.
lançou em Tyler seu chinelo, atingindo o rapaz na face direita.
— Mais merda! — ela gritou — Você não tinha onde ficar, então foi para minha casa. Você precisava de ajuda porque sabia que estava prestes a se foder, então foi me ver. Só somos irmãos quando convém? Só somos família quando você precisa que sejamos? Porque, no resto do tempo, somos só conhecidos distantes, não?
— Cale a boca, ! — Tyler gritou, colocando as mãos nos ouvidos.
— Você disse que tinha perdido algo. Acho que você realmente perdeu.
— , pare de falar isso.
— Você perdeu a , garoto. Ela morreu. está morta. E eu a matei.
— Cale a boca! — ele gritou novamente, apertando os olhos.
— Talvez um pouco mais do que isso. Você é Tyler Durden. Você é irmão caçula de Joe. Então acho uma boa você se esconder, antes que alguém corte seu pescoço pelo seu sobrenome.
Tyler não respondeu. Ele se arrastou, com os pés, para longe de , tocando as costas na parede oposta à dela. Apertava forte os olhos, e tinha as mãos nas orelhas. Mesmo com o rosto abaixado, podia ver um líquido cristalino brotando do canto de seus olhos.
— Moon river, wider than a mile, I'm crossing you in style someday... — ele murmurou.
estudou a cena. Era uma criança. Ah, era só um bebê! Como poderia ter tanta fortuna nas costas de um garoto fraco como aquele?
— Oh dream maker, you heartbreaker, wherever you're going, I'm going your way...
Patético. Ele gosta tanto de elevar o tom de voz, mas quando está contra o verdadeiro problema, contra o verdadeiro inimigo, precisa de uma terapia para conseguir manter a calma.
Cale a boca. Eu gosto dessa música.
Tudo bem.
— Two drifters off to see the world, there's such a lot of world to see...
É uma música aquecedora. É quase como um escudo, poder cantá-la. Faz bem.
Ele é uma criança. Ele tentou te enfrentar, mas, para isso, precisa cantar uma música da década de 60 para conseguir coragem. É isso que você está tendo prazer em ver?
Já a mandei calar a boca. E não vou repetir.
Pausa.
Pausa.
Um quarto vazio. Só duas crianças precisando de ajuda.
— We're after the same rainbow's end...
Só duas pessoas precisando de ajuda.
Ei.
Eu estou aqui para te ajudar.
Parou por um instante e pôs-se a pensar.
entrou naquele quarto sozinha? Não, definitivamente não. Havia uma pessoa acoplada a ela, um parasita no fundo de sua mente.
Uma doença, um câncer que ela precisava se livrar.
O parasita que queria matá-la, para que pudesse tomar o que sobraria de .
Não pense assim, meu bem. Eu estou aqui estreitamente para te ajudar.
Não dê ouvidos a Tyler ou qualquer outro. Só eu posso e quero ajudá-la.
Não. Só tem uma pessoa que pode me ajudar.
Eu.
Na verdade, eu.
Eu sou você.
Perfeitamente.
— Waiting on a bend... My huckleberry friend...
Ramona devia estar cansada. Talvez, deveria colocá-la para dormir.
Há um modo de sair daqui.
Acordada. E sem medo.
Tyler já tinha parado de chorar, mas sua voz continuava baixa, como se ele estivesse sozinho.
Esperava que não estivesse.
— Moon river... And me.
Ele ergueu os olhos, temendo a reação de . Era verdade? Eles não eram realmente irmãos?
— Você sempre será mais minha irmã do que qualquer Durden — ele murmurou — Eu não quero ser um Durden.
olhava para o chão. Piscou e indicou suas pupilas na direção de Tyler.
Fixamente, e ele não reagiu. Deixou-se ser encarado por , até o momento que ela dissesse por que o encarava.
Era Ramona ou ali?
Tyler se torturava por ter sido uma das primeiras pessoas a saber diferenciá-las, mas ter sido covarde demais para dizer isso a alguém.
Talvez ele merecesse o Manson, assim como ela. Talvez eles só merecessem um ao outro para sempre.
No fundo, eles sempre seriam , independente do que fosse real.
Ramona , Tyler Durden. Não importava. A maldição de se chamar os acompanharia.
— Tyler — chamou.
Ele não queria responder.
— Irmão, olhe para mim.
Ele ergueu um pouco os olhos. Deu uma boa olhada nas íris coloridas de , que o olhavam com preocupação, como se estivessem fazendo algo ilegal ou, no mínimo, antiético.
Teria que falar baixo, afinal, Ramona estava dormindo.
— Como podemos sair daqui?
O carro de parou do lado de fora do Instituto Manson. Fazia meses desde a última vez que esteve ali. Nessas duas vezes, coincidentemente, estava tentando tirar de lá.
Quando estacionou, saltou do carro e correu até a entrada do Instituto.
— Precisamos falar com ! — ele gritou — Agora!
girou os olhos e acompanhou-o a passos largos, com Zoe a seu encalço, mas sabia que não poderiam querer agir tão rápido. Não, era burrice. Qualquer pessoa do lugar poderia dizer "não" e não teria como discutir.
Teria que ser algo mais bem pensado, mas não teriam tempo para aquilo.
Entraram no prédio, parando na recepção.
— Senhores — disse um guarda, alarmado pela pressa de seus três visitantes. Pareceu menos assustado, porém, ao perceber as roupas dos dois homens e o distintivo de um deles — Querem uma visita com alguma paciente?
Havia uma porta que só poderia ser adentrada se o guarda autorizasse.
lembrou-se da sala de visitas, do vidro e das algemas.
A primeira vez que encontrara .
Parecia há tantos meses, mas devia ser só há quase três.
— Sim — respondeu , antes que pudesse ter sido mais rápido — Queremos uma visita. . Deve ter chegado há poucas horas.
— ou Tyler?
— — respondeu , parecendo ter pressa. O jornalista precisava ser mais discreto, se queria fazer carreira na área policial.
O guarda fechou a cara. Cruzou os braços e encheu o peito de ar, proclamando:
— A senhorita foi transferida recentemente para a Ala Fria. Para poderem falar com ela, só com a autorização de seu médico responsável.
e se olharam com o canto do olho.
.
Zoe observava tudo com descaso. Ou, talvez, com tanto interesse que precisasse pensar muito no que deveria ou não fazer.
— O psicólogo dela está aqui? — perguntou o jornalista, tentando não parecer ansioso.
O guarda assentiu com a cabeça.
— Ainda deve estar. Querem que eu mande chamá-lo?
— Não é necessário. Pode nos dar um instante? — disse , com as mãos nos bolsos. Uma das partes de seu treinamento (e sua personalidade) era sua capacidade de manter uma pose simpática e firme, simultaneamente. O guarda assentiu com educação, se afastando.
— não vai deixar sair — avisou o óbvio.
— E se ele nos vir aqui, vai ser pior.
— Ele ainda está lá dentro, com a — disse o oficial — Não podemos simplesmente ir embora e voltar quando tivermos um plano melhor.
— Você quer que fiquemos, mas que não nos veja? E como pretende fazer isso, Capitão Lógica?
— Ser um babaca não vai ajudar em nada, .
— É que eu só não consigo perder a oportunidade de te dar um fora.
Foram interrompidos por um som agonizante. No canto da recepção, uma jovem ajoelhava-se no chão, segurando a lixeira com as duas mãos, lateralmente, e afundava seu rosto dentro dela. Seu som animalesco causava náuseas; as mesmas náuseas que Zoe sentia enquanto vomitava na lixeira.
e iam até ela, para ajudá-la, mas Zoe ergueu os olhos para fora da lixeira, e piscou um olho.
Não pensaram em atrapalhá-la.
— O que houve? Vocês a conhecem? — perguntou o guarda rapidamente, ao se aproximar de novo. Passou por eles, indo até Zoe, que continuava ajoelhada.
Tanto quanto negaram com a cabeça, expressando que não queriam se meter naquilo.
— Desculpe — ela murmurou, erguendo os olhos por um instante, mas abaixando-os de novo para continuar a vomitar — Vim visitar um amigo, mas sempre passo mal em hospitais.
— Quem veio visitar?
Zoe terminou, tentando se reerguer. não a conhecia bem o suficiente, mas podia dizer que aquela garota era genial. Suas pernas tremulavam como se seus joelhos fossem se partir, e seu rosto assumira uma coloração pálida e feições derrotadas, além das mãos que tremiam como se ela estivesse em uma temperatura negativa.
Ter Zoe como aliada talvez fosse a melhor ideia deles, enquanto tê-la como rival parecia simplesmente burrice. Era uma jovem, em seu auge da criatividade, da inteligência e do caráter. Zoe poderia se gabar de suas habilidades: na delegacia, se fizera ora de menina independente, ora de uma criança chorando por sua mãe, pedindo piedade e para que a soltassem.
Zoe era um demônio em forma princesa, então, o melhor que deveria ser feito seria chamá-la para seu lado mais cedo do que o outro lado o fará.
— Tyler — ela murmurou, passando as costas da mão na frente de seus lábios — Tyler .
O guarda a ajudou a se manter de pé.
— Você poderia me indicar o banheiro? — ela pediu.
Ele hesitou por um instante. Olhou de lado para e , que estavam parecendo preocupados com algo em seus celulares.
Voltou seu olhar para a menina.
Indicou o portão para o Instituto.
— Assim que entrar, vai ter uma ala principal. Lá você verá as placas, inclusive a do banheiro.
A menina assentiu com a cabeça, murmurando um "obrigada". Entrou no portão e começou a caminhar para dentro do Instituto.
e foram deixados para trás, inteiramente atônitos. Zoe tinha entrado. Não havia muita opção agora: só poderiam tentar esperar que ela tivesse algum plano.
Duvidavam que ela não tivesse.
Enquanto fechava a porta, o guarda imaginou se tinha sido enganado. Mas, então, lhe ocorreu que ninguém são entraria no Manson por livre e espontânea vontade.
Fechou a porta com a consciência limpa, que tinha exercido corretamente seu trabalho.
— Cara! — chamou Tyler.
O enfermeiro que esperava do lado de fora da sala de levou um susto. O rapaz o chamava do outro lado do quarto, o qual impossível de ser aberto por dentro. Abriu a porta, vendo ajoelhada no chão, com um líquido amarelado saindo de sua boca.
— Ela está passando muito mal. Por favor, leve-a para um banheiro!
A voz de Tyler era suplicante, mas o rapaz não ousava tocar no enfermeiro.
— Vou chamar alguém — avisou.
— Pode ser, mas pelo menos a deixe no banheiro. Ela está passando muito mal.
O enfermeiro não soube o que fazer. Nunca passou por uma situação semelhante; trabalhava no Manson há pouco tempo.
O procedimento padrão seria levar a enferma à ala principal, e lá pedir ajuda a algum outro enfermeiro.
O enfermeiro entrou no quarto de . Levantou-a do chão, necessitando de muita força para tal, já que a moça parecia estranhamente enfraquecida.
— Vou levá-la para a ala principal. Você volte para onde estava — ele disse, com cuidado no começo, ao se dirigir a , mas deixando a voz firme ao falar com Tyler.
O rapaz levou a mão à boca, e seus olhos encheram-se de lágrimas.
— Desculpe — ele sussurrou.
O enfermeiro fechou a porta da sala de e levou-a em direção à ala principal. A moça tossia, parecendo tentar resistir à tentação de continuar a vomitar.
Ela ergueu os olhos um pouco. O corredor à sua frente se estendia por metros e tinham várias pessoas o cruzando. Pacientes, médicos, enfermeiros e poucos visitantes.
Um deles em especial.
ergueu seus olhos e não conseguiu fazê-los fugir da menina no final do corredor.
Então, ela realmente viria.
Eu sou sua Ramona. Ela é minha .
Zoe, você não poderia estar em melhor momento.
Os olhos verdes de Zoe encontraram os de . E ela sorriu.
Havia, talvez, um jeito de sair dali.
alcançou a ala principal. Zoe estava debruçada na mesa, aguardando atendimento. O enfermeiro que levava disse à uma mulher que deveria levá-la ao banheiro mais próximo, pois ela estava passando muito mal.
Zoe sabia o que aquilo provavelmente queria dizer. Foi para o banheiro mais próximo, adentrando-o tranquilamente. acompanhou seu caminhar, vendo aonde ela iria chegar. Os enfermeiros não pareciam prestar atenção.
Segundos depois, adentrou o banheiro, acompanhada de uma enfermeira.
— Deixe-me sozinha — ela pediu — Por favor. Não quero ter que fazer isso na frente de alguém.
— Mas a senhorita...
— Eu era policial. Sei como me virar sozinha.
A enfermeira quis hesitar.
— Se eu precisar de algo, a chamo. Não estou louca. Ainda não.
Por fim, a enfermeira assentiu, mesmo que contrariada. Comprimiu os lábios e fez menção para que entrasse.
sorriu em agradecimento. Abriu a porta, encontrando um banheiro vazio, a não ser por uma jovem loira que ajeitava seus cabelos no espelho.
Ambas sorriram uma para a outra.
— Já estava demorando. Senti sua falta, Zoe.
Zoe posicionou-se atrás da porta do banheiro, impedindo a entrada de intrusos. Seu tempo era curto.
— Como conseguiu entrar? — perguntou .
A jovem balançou as mãos para que ela ignorasse aquele ponto.
— Não faz diferença. Quero conseguir fazer você sair.
franziu o cenho com o sorriso. Afinal, tinha obtido sucesso, depois de tanto trabalho.
Zoe era a semente da revolta, do ódio e da solidão. Estava sozinha entre serpentes, sem nem imaginar o veneno que poderia matá-la. O gatilho tinha sido o assalto ao restaurante, quando a menina conseguiu entrar formalmente na toca do leão.
Contato direto com a detetive . A assassina de Joe Durden, a mulher mais próxima à família Durden... Ainda viva.
Zoe tentaria domá-la. Tentaria obter suas vantagens a partir de .
Mas Zoe era igual a . Todos os medos, as inseguranças, as posturas. Desde o instante em que aquela garota com um canivete vermelho atingiu seus olhos, percebeu isso.
Sou essa criança?
Depois de três meses em um lugar estranho, voltar para casa lhe parecia satisfatório, porém, fora como visitar um lugar novo, com os mesmos antagonistas.
Então, surge Ramona, a mulher que pode fazer você ser a grande Serpente Vigilante novamente.
Ramona, que sempre foi você, que é a verdadeira detentora desse codinome.
Já passou a hora de você dormir, minha querida.
Zoe era uma criança que estava virando mulher. Tivera, desde cedo, que aprender isso.
Parece uma história familiar, ?
Eu serei a Ramona de Zoe. Eu preciso de uma aliada.
Soara surpreendente quando ajudou-a a fugir? Na verdade, conhecia aquele tipo de cabeça.
Uma garotinha com medo do mundo. Que usa o medo como defesa.
E a sina continua.
— Janelas estão sempre com grades — observou Zoe, colocando as mãos na cintura e pensando alto.
tinha os olhos semicerrados.
Ramona tinha gerado um alto teor de dependência em , e ela teve a chance de fazer o mesmo. Deixar Zoe ir embora da delegacia foi a garantia de que ela estaria de volta.
Tinha uma dívida. Ainda precisava de , se quisesse chegar a algum Durden.
A história não tem fim.
— A comida vem semanalmente, em caminhões. Não temos cozinhas, só depósitos — disse .
— Grades em todas as áreas externas.
Vamos lá, onde vamos achar uma porta somente de saída?
Onde podemos ter um lugar de eliminação?
Zoe cruzou os braços e coçou o queixo com uma das mãos. Não poderiam demorar muito.
Algo como... uma lixeira?
Seus olhos brilharam. De foscos, passaram para um cintilante verde folha.
— Vocês usam incineradores por aqui? — perguntou ela, erguendo o olhar para .
— Não. O lixo todo é recolhido e levado para a área de serviço, perto do depósito.
— Acha que consegue chegar até lá?
— Somos “voluntários” — fez as aspas com os dedos — Para trabalhar na limpeza do Instituto. Sem dificuldades, posso ir até lá. Jogam tudo em um ducto que cai num latão do lado de fora, que é recolhido todo início de noite e início da manhã.
Zoe ergueu o canto do lábio.
— Então vai ter uma queda bem confortável.
e tinham continuado na recepção, aguardando a chegada de Zoe. O jovem jornalista permanecia ansioso, tendo um leve déjà-vu no momento em que percebia que estava no exato mesmo lugar, semanas depois, com o mesmo sentimento sobre ver a mesma pessoa.
Do corredor, veio correndo uma jovem. e olharam com entusiasmo, pequenos sorrisos se desenhando em suas faces, até que desanimaram ao ver Zoe sozinha. Ela agradeceu pelo uso do banheiro.
— Quer fazer um encontro, senhorita? — perguntou o enfermeiro. A adolescente fez que não com a cabeça, o rosto contorcido em uma careta de desânimo.
— Não, não, obrigada. Não estou me sentindo bem. Amanhã estarei de volta.
Deu as costas para o enfermeiro. Com os olhos, discreta, fez sinal para que e não se levantassem. Saiu do Instituto logo a seguir.
Os dois homens se olharam, confusos. preferiu ser o primeiro a agir, levantando-se e indo até o enfermeiro:
— Não podemos mesmo falar com ? É importante. Ela foi trazida há tão pouco tempo, que pensamos que...
— Sinto muito, oficial — ele cortou-o — Não será possível.
Era firme como um oficial de polícia, e desistiu. Para Zoe ter saído tão decidida do Manson, imaginou que ela tinha algo em mente. Assim, deu as costas para o enfermeiro, chamou e ambos saíram do Instituto.
Chegaram ao pátio, onde Zoe se apoiava num carro parado, fumando um cigarro com satisfação. A fumaça era lançada ao ar desordenadamente, ao contrário do que ela costumava fazer; Zoe preferia lançá-la num filete turvo e cortante.
Sorria.
esperou que ela, de verdade, tivesse algo em mente.
— Encontrou ? — perguntou ele.
Zoe levou o cigarro à boca e tragou, assentindo.
— E não conseguiu tirá-la de lá? — perguntou , em uma cobrança.
— Se você tivesse alguma ideia para torná-la invisível ou minúscula, podia ter me dito antes. Tirá-la dali é impossível — apontou para o Manson com a cabeça — Mas consegui falar com ela, por um breve tempo.
Tragou mais uma vez, soltando a fumaça em filete dessa vez.
— Tirá-la dali é impossível. Mas talvez consigam fazê-la sair, e ajudá-la com isso.
— O que vocês combinaram? — perguntou , prestando atenção no que Zoe diria.
A jovem apontou para os fundos do Instituto, com o dedo que segurava o cigarro.
— Ela vai tentar sair pelo ducto de lixo. Mas tem que ser algo rápido, sem fuga com carros. Sugiro que um de vocês fique esperando com o carro a alguns metros daqui, e o outro espera perto dos latões.
ponderou a ideia por um momento. Era um plano péssimo, com uma grande chance de fracasso, coberto de incógnitas. O problema era que não tinham outro.
— Eu fico com o carro — disse o oficial, direcionando-se para — Te espero uns metros adiante, na estrada. Entrem nas portas de trás. Você espera a , não posso ser visto com ela, pode trazer problemas para a polícia.
franziu o cenho.
— Problemas para a polícia? Essa é sua preocupação agora?
deu de ombros.
— Ossos do ofício.
virou os olhos. Esperaria menos de ?
Olhou para Zoe, preocupado.
— E você? Não vai com a gente?
Ela jogou as cinzas no chão, e tragou novamente.
— Tenho outra coisa para fazer. Deixem comigo. Vou ficar bem, sabe o que fazer.
Contrariado, torceu os lábios e, por fim, assentiu.
— Tudo bem. Se a ideia for de vocês... Mas posso pedir algo antes, Zoe?
— Peça.
— Preciso desesperadamente de um cigarro agora.
tinha saído do banheiro com um pouco de medo, precisava admitir. Ultimamente, esse tipo de sentimento era raro, quando se dizia respeito à execução de uma estratégia. Aquele momento, entretanto, era especial.
Enfermeiros só olham para você se você fizer cara de louco, se parecer precisar deles.
encaminhava-se com sua camisola balançando ao ar, ajeitando os cabelos e mirando sua direção. Sabia bem onde ficava o depósito e a saída do lixo. O caminho parecia mais distante que o normal e, talvez, monitorado. Ninguém olhava diretamente para ela, mas sentia como se estivesse sob uma intensa vigilância.
Antes de virar uma esquina, um enfermeiro abordou-a:
— A senhorita precisa de alguma coisa?
— Estou indo para o trabalho voluntário — ela informou, continuando a andar, olhando para ele por cima do ombro — No depósito. Separar os condimentos.
— Só chamaremos alguém para o trabalho daqui a meia hora, senhorita. Ainda não terminamos de separar o que chegou.
olhou-o novamente, com um pequeno sorriso.
— Uma boa oportunidade para terem uma ajuda.
Ele não falou mais nada, e prosseguiu seu caminho até o depósito.
Lá, não eram apenas prateleiras ou geladeiras. Lembrava até uma cozinha, na verdade. Tinha mesas, cadeiras. O Instituto Manson já fora um manicômio, que tratava explicitamente pessoas loucas. Hoje em dia, é algo mais leve. Apenas as com saúde delicada.
O faqueiro costumava ficar trancado. Nunca se sabe o que essas pessoas normais farão.
Não tinha ninguém no depósito, além de alguns poucos enfermos que terminavam de empilhar caixas de comidas que tinham acabado de chegar. recuou e esperou no corredor até que todos os três saíssem, deixando o depósito vazio. Entrou em seguida, ficando apenas ela e as deliciosas comidas enlatadas.
Como se não bastasse saúde em cápsulas, serviam energia em latas.
fechou a porta e imediatamente foi até onde ficava a lixeira. O ducto do lixo era uma gaveta quadrangular na parede, que caberia uma mulher de estatura média agachada e apertada.
Abriu-o e o cheiro de comida estragada já invadiu suas narinas.
Não sei se quero ou não que tenha lixo lá embaixo.
Sua face se contorcia em nojo sem que houvesse intenção para tal. A imagem de um latão de lixo, cheio de comidas estragadas, restos e animais como ratos e moscas era inevitável.
Puxou um fio de sua camisola, desfiando-a até obter um único fio de roupa, de cerca de meio metro.
Vamos lá, não tem outro jeito de você sair daqui.
Abriu a gaveta ao ouvir passos apressados do corredor.
Fechou fortemente os olhos enquanto colocava as pernas dentro do escuro e apertado ducto, envolto de concreto. No fundo, a luz da rua apenas mostrava os dejetos de um escuro latão de lixo. Deu um nó de uma extremidade do fio arrancado, no puxador do lixo, segurando-o com firmeza.
Deu o impulso no instante em que começaram a forçar a porta. Ouviu o baque do lixo se fechando, enquanto ia em uma silenciosa queda até um monte de lixo.
Quando os enfermeiros entraram no depósito, não havia vestígio de qualquer pessoa ali. Nenhuma cadeira fora do lugar, nada mexido. E a lixeira estava fechada.
Como uma pessoa em fuga poderia descer e deixá-la fechada?
Não conseguiram ouvir o som de caindo no lixo, ou a voz dela murmurando “mas que merda”. Dariam falta de muito depois.
Quando o fizeram, ela já tinha visto a esperando, já havia o abraçado, e corrido com ele até a saída do Manson pelos fundos. Já tinha corrido pela estrada até achar o carro de , entrado nele, e colocado um casaco do oficial sobre suas roupas sujas.
Já tinha dito a aonde eles deveriam ir, em seguida. já tinha protestado, já tinha tentado fazê-la desistir, mas já tinha sido enfática ao dar a ordem para levarem-na ao Palácio da Cerejeira.
não tinha deixado o Instituto Manson, certamente. Seria idiota deixar um paciente tão especial quanto na mão de incompetentes funcionários do Manson, então, o máximo que podia fazer era permanecer por perto, observando-a. Apenas iria para casa à noite, depois de seu horário de trabalho, quando ela já estivesse instalada na Ala Fria.
Quando chegasse em casa, seria firme ao afirmar que não poderia receber qualquer visita enquanto estivesse na Ala Fria. Era um lugar muito especial. Não poderia interromper o tratamento.
estava bebendo um café numa saleta dos médicos. Mesmo não sendo profissional do Instituto, qualquer psicólogo tinha autorização profissional de ficar lá se um paciente seu fosse encaminhado ao Manson.
De fato, entretanto, o lugar parecia calmo demais.
terminou seu café e se encaminhou para fora do prédio. Era meio de tarde, mas começava a escurecer, deixando o céu alaranjado.
O psicólogo começou a tatear seus bolsos, procurando seu maço de cigarros. Achou e serviu-se de um, acendendo a ponta dele com um isqueiro.
. Ah, tudo seria mais fácil se, desde sempre, fosse Ramona . Se não fosse aquela menina chata, sem graça, excessivamente preocupada e ansiosa desde adolescente, nada daquilo teria que ser feito. era a parte fraca de uma mulher extraordinária, esta que Joe queria para si — e que o queria de volta. Ramona, a mulher que saiu depois do incidente na festa. Claro, Joe não queria a que ele conhecia. A aposta com seus amigos teve suas vantagens, afinal, ele até que gostava dela sim. Não o suficiente para namorá-la ou algo assim, ao contrário do que a própria queria.
Aquela garota tinha potencial, só que nunca teve oportunidade. Trabalhar na polícia, na concepção de Joe, poderia dar isso a ela. Mas não, continuava a insossa de sempre.
— Procurei por você por meses — disse alguém atrás de , apoiada na grade do estacionamento do Instituto — Digo, eu e muitas pessoas.
virou-se para ela com surpresa. Reconheceu, principalmente pelos cabelos e olhos, que se tratava de Zoe.
— Também procurei por você por bastante tempo, Zoe — ele disse, recuperado do susto. O vento agitava seu jaleco e carregava a fumaça do cigarro para longe. tragou e segurou o cigarro com o indicador e o dedo do meio, olhando Zoe jogar seu próprio cigarro no chão, sorrindo.
— Tentamos nos esconder por um tempo. Procurávamos um tipo de prêmio, não? Cada um com o seu. Pode acender, por favor?
Ela ergueu um novo cigarro. aproximou-se hesitante da menina, erguendo o isqueiro até a ponta do cigarro de Zoe, que se pendurava em seus lábios. Os grandes e brilhantes olhos de Zoe estavam fixos nele, enquanto ele acendia o pequeno vício da jovem.
— Prêmios bem diferentes, Zoe — ele afirmou, mantendo-se próximo a ela.
Ela deu de ombros.
— Não tanto. Você sabe meu nome desde quando, Joey?
Ele riu, tragando.
— Zoe? Ah, faz pouco tempo. Cuidei do meu dever de casa. Mas você me deu um susto de início.
— Ah, então consegui o que queria.
Seu sorriso era pequeno, porém radiante. acompanhou-o, surpreso por estar fazendo isso.
— Nossos prêmios não eram tão diferentes assim, Joey. O detalhe foi que eu acabei ficando com o seu, enquanto você está tentando ficar com o meu.
franziu o cenho.
— Sem rodeios e jogos de palavras, priminha — ele pediu.
— Não tem rodeios. Estou sendo direta como você me permite ser, Joe. Você não tem mais .
— Eu sei que não — ele disse, com um sorriso gratificante — O Manson está cuidando dela.
Zoe ergueu um pouco o canto do lábio, tragando.
ficou sem reação.
— Repita isso — desafiou Zoe — Com convicção.
Seu tom debochado era o de qualquer Durden.
Bastardazinha de merda.
— O Manson está cuidando dela — tentou soar firme, porém, a voz irônica de Zoe tiraria a base de qualquer um — Ele está.
— Você sabe, tanto quanto eu, que não deve tirar os olhos de sua própria boneca de papel. Deixar um tesouro na mão de outras é arriscado.
— Onde ela está, Zoe?
A jovem tragou mais uma vez, fitando os olhos de sem piscar.
— Ela está morrendo — respondeu.
O coração de parou por um instante.
— Ramona vai morrer. Ramona vai ser só resto de cinzas, e nem sequer poderão fazer um enterro para ela.
Não, não, você não vai acabar com isso, Zoe.
— Ouviu isso, ? — ela perguntou, jogando o cigarro no chão e pisando — Digo, esse acho que é seu nome. Nem sequer vai ter um velório. vai matar Ramona, e você nem pode matá-la.
Seu tom era capaz de enlouquecer e Joe, ao mesmo tempo.
Você não vai arruinar tudo. Eu tenho essa herança por direito, eu amo Ramona e ela me ama, e você não vai tirar isso de mim, seu resto de aborto.
Eu amo Ramona, ela me ama, e você e precisam entender isso.
— Você quer matar . Já teria esfaqueado-a como esfaqueou no Halloween, teria asfixiado como asfixiou o suicida, teria drenado como drenou . Teria queimado como queimou Justin!
lançou suas mãos no pescoço fino e frágil de Zoe, batendo sua cabeça contra a grade. A jovem nem tentou se defender.
Você não vai me matar. Eu tenho seu sangue, seu merda.
Sou a bastarda que se importa mais com os Durden do que os assumidos.
— Não posso matar — ele murmurou entre dentes — Mas ninguém daria falta de uma sem-teto, um aborto da natureza.
— Talvez não — a voz cortava sua garganta — Mas você não me mataria.
— Provavelmente não tão rápido. Brincar um pouco com você não seria má ideia.
— Quem você quer enganar, Joey?
Ele pressionou mais as mãos, fazendo Zoe puxar um filete de ar, desesperada para respirar.
— Mate-me na frente de um hospital psiquiátrico. Pode me asfixiar aqui mesmo.
afrouxou a mão.
Ela tem razão. Pare com isso, relaxe.
Mais um para a coleção não, Joe. Calma.
Respire.
Acorde.
Agora não.
Soltou Zoe. A menina puxou fortemente ar, acariciando o próprio pescoço em uma massagem.
— Sabia que não tinha o gene mais são da família, mas isso estava fora dos limites.
— Onde ela foi, Zoe? Onde está Ramona?
— Já te falei — ela tossiu e pigarreou em seguida — Ela está morrendo.
— Como conseguiu fazê-la sair? — perguntou — Onde está ela, Zoe? Para onde fugiu?
— Ela não fugiu — Zoe retrucou com uma voz debochada, como se falasse com uma pessoa mentalmente incapacitada — Ela quer te ver de novo, com calma. Onde vocês sempre gostaram de conversar.
— Sem rodeios, Zoey...
Interrompeu-se.
O Palácio da Cerejeira não está mais interditado.
Zoe riu, ao perceber que ele já tinha em mente o local em questão.
— Tic tac, primo. Seu prêmio está te esperando. E ele pode fugir a qualquer momento. Mais uma vez. Não quer fazer essa ser a última?
I know, for me it is like… Coming home.
Capítulo 40 — The kill
What if I wanted to fight? Beg for the rest of my life… What would you do?
Enquanto se aproximava do portão do Palácio da Cerejeira, sentiu sua espinha estremecer. Antes, mais cedo, quando pisara naquele terreno, toda ordem estava consigo. era a boneca de papel em toda sua ideia, e o lugar era o mausoléu de sua lembrança.
A casa de Joe Durden. Ali, ninguém é superior a nada.
É propriedade dos mortos.
E então... Finale.
Inversão de papéis. Agora, é a jogadora, é o boneco de papel. Frágil e manipulável.
Vamos lá, você é Joe Durden ou , o psicólogo idiota alívio-cômico?
é o lado fraco de Ramona, você sabe disso bem.
Hey, idiota. Você é ou Joe?
Eu não te trouxe até aqui para você amarelar, seu covarde. Não te sustentei por meses com essa mentirinha escrota, para você se mijar de medo agora!
hesitou por um momento.
Você é ou Joe? Assumiu de vez esse cara fraco que você sempre menosprezou?
Ou não, de repente. De repente, Joe sempre foi a fantasia. De repente, fosse seu interior.
Joe é a armadura, é a verdadeira pele.
É isso? É isso que você é?
Não.
Então entre logo nessa merda, se for mesmo um Durden. Se realmente for um Durden, entre lá e acabe com a .
Que nem combinamos.
Finale.
abriu a porta da mansão, que não chegou a ranger. O único som era o sutil vento, adentrando o lugar, rasgando quinas e empurrando o psicólogo para dentro. Havia, e isso era inegável, uma redoma em torno do Palácio da Cerejeira. Talvez fosse a mesma redoma sentida por , mais cedo.
Isso que temia.
devia estar em algum lugar ali. Teria uma arma? Provavelmente. Mas como conseguira uma arma? Isso não interessa; o caso é que ela provavelmente tinha uma.
E tinha alguém ajudando-a, sem ser Zoe. Claro! Tinha mais alguém com ela. ? ? Bronx? Não sabia ao certo, mas provavelmente um deles — ou todos eles — estavam ajudando.
estava morta, conforme o plano. Certo?
Certo?!
A porta se fechou atrás dele, e o silêncio parecia inquebrável.
Então, quem estava ali? estava preso, e estava na delegacia. Bronx? Não, improvável. Tanto quanto Julie Stoner.
Então, quem...?
— Joe? — perguntou alguém, de dentro da mansão.
endireitou a postura, com o susto.
— Joe, é você aí?
Era a voz de .
percebeu que ele mesmo não tinha uma arma. O que era um problema, afinal, se ela estivesse armada, ele não poderia se defender. Mas, simultaneamente, poderia ocasionar um acordo com . Ambos desarmados, só conversa, só palavras.
Da última vez, tinha dado certo.
— Sou eu, — disse ele, erguendo as mãos na altura dos ombros — Seu psiquiatra, Paulson.
Ela surgiu na porta de um cômodo, com o rosto sério, e os olhos bem abertos, curiosos.
— Não me venha com essa merda — ela falou, com a voz calma e impaciente, sem precisar gritar para passar sua frustração.
engoliu em seco.
— , já falamos disso mais cedo...
— Cala a boca, essa conversinha não vai colar.
Ela se afastou da porta onde se apoiava, e fixou o olhar em . Começou a andar, a passos largos, até ele.
— O que foi? Não reconhece sua melhor amiga?
— , eu sou seu médico...
— Ah, cala a boca, Joey! — falou alto, interrompendo-o ao se aproximar dele — Levou um susto comigo?
Ele não respondeu. cruzou os braços.
— Chego a me ofender, quando você confunde comigo.
respirou aliviado.
— Ramona.
— É, meio que sim — ela virou os olhos, franzindo o cenho em seguida — Eu parecia tanto a ? Digo, agi como ela?
ainda não conseguia respirar normalmente. O susto tinha sido muito grande, e, agora, precisava se recuperar.
Não tinha sido a sair do Manson, mas Ramona. Melhor ainda.
— Parecia — ele disse, suspirando.
sorriu. Era o sorriso que costumava dar, quando algo tinha ocorrido exatamente como o planejado.
— E então? O que faremos agora? Podemos ir para casa?
franziu o cenho.
— Claro que não. Esqueceu de ?
— Eu sei dele. Mas agora que já saí do Manson, preciso de algum lugar para ficar.
— Sua casa...?
olhou-o com ironia. Puxou uma cadeira, na sala de jantar, e sentou-se nela com as pernas cruzadas, olhando para .
— Qualquer um vai me achar lá. Não me parece a ideia menos óbvia do mundo.
— Se você tivesse ficado no Manson, como combinamos, você logo poderia sair e eu cuidaria do resto — fez uma pausa — Por que você resolveu sair mais cedo?
Dessa vez, era que cruzava os braços com ironia, e tinha um tom desconfiado.
pareceu ofendida pela maneira com que falara.
— Desculpe, só achei que já tinha ficado tempo suficiente naquele lugar. Eles não são bons anfitriões.
— Você nunca agiu com tanto desespero, Ramona — ele observou, apertando os olhos — Nunca foi impulsiva.
sustentou o olhar de .
Seus olhos não brilhavam. Estavam foscos, fechados. não deixava que pudesse lê-la por seus olhos.
Observe. Continue olhando.
Está perto o suficiente?
Chegue mais perto.
— Nunca improvisou.
Ela ergueu o canto do lábio.
Mais perto, querido.
Mais perto.
— Nunca precisei improvisar. E agora, que precisei, deu certo — era sarcástica — Não achei que fosse precisar te afirmar qualquer coisa dessas, Joe.
Ele apertou mais os olhos. Esperava-a continuar.
— Não reclame dos meus métodos, Joey, se cheguei ao final do jeito que queria.
Ainda tinha o canto do lábio erguido.
— Senti sua falta, Ramona — ele murmurou.
sorriu. Apontou, com os olhos, para a cadeira em frente a ela, mas negou, apoiando-se na mesa, mais perto dela.
— Aquela história de psiquiatra, “você nunca saiu do Manson”, e tudo mais — ela fez as aspas, e tocou o braço de , acariciando-o — Foi uma boa história.
— Você gostou?
— Me lembrou um pouco “Ilha do Medo”. Você anda vendo muitos filmes com plot twist.
sorriu.
— Venha aqui, Ramona — ele chamou, segurando-a pela mão e fazendo-a levantar.
ficou de pé, com um sorriso de quem estranhava a situação.
— O que foi? — ela perguntou, sorrindo nervosa.
— Nada. Só quero comemorar nosso sucesso.
tocou a cintura de , puxando-a rapidamente contra seu corpo. , instintivamente, tocou seu peito, parando com seus lábios a poucos centímetros dos de . Ele a olhava com sutis devaneios, mirando sua boca entreaberta.
olhou os lábios de , e em seguida, seus olhos.
Não eram incisivos. Na verdade, eram pacientes.
Venha. Quero vê-la tentar.
Dê a prova, dê a certeza.
Quero saber até onde aguenta.
sorriu. Apoiou uma das mãos no pescoço de , e separou seus lábios para que eles encontrassem os de . Fechou os olhos, beijando-o com lentidão e suavidade. retribuiu o beijo hesitante, puxando-a para que não fosse embora.
o atraía, e toda vez que tentava encerrar o beijo, prosseguia. Esse era o efeito comum.
Ramona.
Ah, minha Ramona, é realmente você.
Apenas Ramona poderia dar um beijo tão apaixonado nele.
Separou-se depois de algum tempo.
Sabia que era você.
— Podemos ficar com essa casa, Joe — ela comentou, sentando-se numa janela. Nuvens tomavam o céu de Longview, dando a impressão de que era mais tarde do que de fato era. Parecia uma criança feliz ao chegar finalmente no destino de sua tão esperada viagem.
Ele sorriu, com as mãos nos bolsos.
— Com o Palácio da Cerejeira? Não, acho que não...
olhou-o com um bico infantil.
— Por que não?
— Porque, supostamente, eu estou morto — ele falou, se aproximando de e acariciando seu rosto — E essa casa acaba não podendo ficar com ninguém. Nem comigo, nem ninguém que não seja um Durden.
Ela assentiu com a cabeça, conformada.
— Falando nisso — continuou ele, se afastando e tornando sua voz mais firme —, temos que dar um jeito na minha prima.
— Na Zoe? — a voz dela tornou-se alarmada — Ah... Acha que ela é uma ameaça?
saltou da janela, segurando a mão de e andando com ele de mãos dadas pelos corredores do Palácio da Cerejeira. Era algo um pouco assustador.
Um fantasma e um espírito sem corpo.
— Não diretamente. Mas ainda assim, não é só uma pedrinha no nosso sapato.
— Ela é só uma garota, Joe. Logo vai acabar indo embora, ainda mais depois de perceber que se foi.
Chegaram às escadas, as quais indicou a ele que iriam subir.
— Não vamos matá-la. Estou cansado disso, não é seguro. Mas precisamos pensar.
não respondeu, puxando-o pela mão para subirem as escadas.
— O que foi? — ele perguntou.
Não respondeu novamente, até chegarem ao segundo andar.
— Por que me trouxe aqui em cima? — perguntou ele.
olhou para trás, erguendo o canto dos lábios.
— Tenho uma coisa para você.
Voltou a direcionar seus olhos para o corredor. A última porta estava aberta.
— Ramona — ele murmurou, hesitando, mantendo-se fixo onde estava — Esse era o quarto de Justin.
Ela soltou-o, indo em pequenos saltos até a porta. Virou, lentamente, o rosto para trás, erguendo as sobrancelhas.
— Você vem, Joey?
Tinha algo estranho em sua voz. Algo entre o desafiador, a ironia e o deboche.
ignorou isso, indo até ela.
Joe tinha feito coisas horríveis em toda sua vida. Desde adolescente, quando começou a usar cocaína para divertir-se nas horas vagas, avançando ao abuso contra , até atualmente. De todas as coisas que fizera, não tinha se arrependido de nenhuma. No máximo, hesitara segundos antes, mas, após ver o trabalho feito, tinha tamanha satisfação... Era incomparável, nunca em sua vida alcançara o êxtase como naqueles momentos. De todas suas vitórias, de todas suas conquistas, nada se comparava a quando fazia uma daquelas coisas. Era como atingir o cume, o ponto que ninguém chegara antes. Sentia algo que poucos sentiram, fizera algo que poucos fizeram, e isso por si só já trazia calor às veias de Joseph.
Fazer aquelas coisas lhe dava o poder de um Deus, dava a sensação de que escrevia o futuro de várias pessoas, e o seu próprio. Era ser o escritor, o homem que indicava a linha, que controlava os personagens.
Mas uma coisa foi inevitável para Joe, uma única coisa em sua vida causou seu trauma. Foi esse fato, isoladamente, que poderia descrever a loucura de tão especial homem.
A única vez que Joe não controlou a vida, nem o futuro de alguém. Quando uma vida preciosa acabou, quando um homem especial se foi sem que ele pudesse fazer qualquer coisa para evitar.
Tocar no assunto “Justin Durden” era algo perigoso, para Joe. Na verdade, para qualquer Durden ou . Justin foi especial para todos, mas representou a pior catástrofe para os Durden.
Joe entrou no quarto de Justin naquela tarde, e não havia coisa que poderia deixá-lo pior.
O quarto estava escuro. Todas as cortinas estavam fechadas, com pouca ou nenhuma luz escapando para dentro do cômodo. Ainda assim, era possível ver alguma coisa lá dentro, mesmo depois de ter fechado a porta atrás de com um pequeno sorriso.
Velas estavam espalhadas pelo quarto, acesas no chão, tal como um velório. E havia, por todo lugar, fotos de Justin espalhadas. Um Justin bebê, um Justin criança, jovem, e finalmente, adulto.
Havia até uma fotografia de seu corpo congelado.
ficou imóvel. Assim que viu todas as imagens, quis correr. Quis socar , fugir, mas apenas permaneceu parado. Catatônico.
Justin, Justin, você está aqui?
Ela tocou seu ombro de leve.
Justin ainda estava vivo. Ele estava, na cabeça de todos, afinal, ninguém o viu morrer.
viu seu cadáver de verdade, e queimou-o até que não sobrasse nada.
— Eu quis fazer uma homenagem a ele — ela justificou-se, olhando inexpressiva para o quarto.
não respondeu.
— Eu esqueci uma foto. A última dele.
Ele engoliu em seco, tentando não chorar, mas poucas lágrimas fugiram.
— Ele queimado. O churrasco de Justin. É uma pena saber que essa será a última imagem dele no mundo.
virou bruscamente para dando-lhe uma surra e fazendo-a cair no chão, no meio do memorial de Justin. Do templo.
— Por que está me fazendo ver isso de novo? — ele perguntou, com o rosto dobrado de forma a não chorar, e com o punho cerrado — Por que quer me fazer ver o irmão que Tyler matou?
olhou-o, sentada no chão, como se assistisse a um filme a alguns palmos de altura.
— Tyler não matou Justin. Justin foi morto por todos nós.
— , eu vou...
— Ramona — ela corrigiu — Eu sou Ramona.
Ele não respondeu. Espancá-la era seu único desejo naquele instante. Fazê-la sangrar, ouvir seus ossos se quebrando em suas mãos, as gotas tocarem o chão como ele precisava delas para colori-lo. Aquela casa precisava daquilo, ansiava por um pouco de ultraviolência.
Mas não podia. não podia matar . Não podia, porque ela tinha algo que ele desejava.
— Eu não estou correndo de você agora, Joe — ela murmurou, com os olhos brilhando, fixos nos dele. Tinha um ar infantil, convidativo — O que está esperando?
Tudo ficou estático por um momento.
Ramona era , ou era Ramona?
Havia realmente diferenças entre elas?
estava morta. Ou, melhor, estava dormindo. e Ramona tinham cuidado para que ela não fosse mais nada além de um veículo, um instrumento para alcançarem o ápice do que ela podia apresentar.
Esse ápice era outra pessoa, completamente diferente. Havia uma marca clara do que era , e o que era Ramona. Havia uma demarcação que enxergava.
Agora, tudo parecia confuso.
— Eu não matei o meu irmão — ele disse com firmeza, baixo. Seus punhos continuavam cerrados.
— Eu também não o matei. Nem matei você. Ninguém está morto aqui — seu tom era despreocupado, como se estivesse numa grande brincadeira.
A linha parecia turva. estava no topo de um muro, observando os dois lados do alto. Mas parecia haver um paredão mais alto agora, cujo outro lado ele não conseguia ver.
Ou, talvez, ela só tinha feito-o acreditar que ele estava no topo do muro.
Talvez ele fosse um dos tijolos.
— Não brinque comigo.
— Você nunca o deixou morrer. Nem você, nem Jackie, ou James. Vamos lá, ele quer descansar um pouco.
— Eu fiz tudo por você.
Ela estreitou os olhos. O quarto começava a ficar quente.
— Não, você fez tudo por Justin. Pela memória de Justin que não consegue morrer dentro de vocês. Ele deixou em cada Durden uma marca que vocês não conseguem tirar.
Ela ergueu-se, apoiando-se nos calcanhares. Olhou para as fotografias, divagando como se estivesse sozinha. Mas sabia que ela tinha treinado bem aquelas palavras.
— Não conseguimos superar a morte dele. Você fez tudo isso por causa dele. E não acho que seja porque acreditamos que isso vai salvar nossa consciência. É porque ele era uma pessoa boa demais para nós, melhor do que todos nós jamais conseguiremos ser. E é injusto demais uma pessoa tão bondosa morrer nas mãos de pessoas tão odiosas.
— Tyler matou Justin.
— Nós sufocamos Justin. Ele nasceu no lugar errado, Joe.
não sabia como reagir.
— Queremos fazer o que julgamos certo, aqui. Mas sabemos que Justin nunca aprovaria isso. Queremos vingá-lo, quando sabemos que ele nunca quis ser um problema para nós.
Era insuportável para ele.
Ei, irmão, você vai segurar minha mão, se eu morrer agora? Vai estar me recebendo, onde quer que esteja?
Não. Eu sei que não.
Porque eu matei meu irmão.
Eu matei Justin.
Ela ergueu sutilmente o rosto.
— Todos nós matamos Justin Durden. Tem um pouco da alma dele em cada um de nós. E não superamos isso, porque não superamos a culpa.
tentou acertá-la novamente, mas ela desviou o rosto. Em vez disso, ele segurou seus ombros, jogando suas costas contra a parede, mantendo-a firme.
— Não brinque comigo, garota. Eu já fiz mal a você o suficiente.
Ela apertou os olhos, sem responder, mas era visível que seu rosto se contorcia como se ela fosse chorar. não tentava mais se conter, deixando algumas pequenas lágrimas escaparem com sua voz desesperada.
— Não me chame assim. Diga meu nome.
Ele não respondeu. Direcionou os olhos para baixo, xingando um pequeno palavrão enquanto apertava os olhos, com um par de lágrimas pingando no chão.
— Olhe nos meus olhos. Olhe! — ela gritou, fazendo bater mais uma vez suas costas contra a parede, produzindo um estrondo — Você está me matando! Tudo que eu sempre quis foi você!
Justin, por favor, Justin, me perdoe.
Eu preciso de sua ajuda agora.
Eu quero ser como você. Me ajude, por favor.
— Pare com isso. Pare — ele disse, com os dentes trincados, aproximando seu rosto do dela. Parecia pedir por misericórdia, por mais que ele quem estivesse no controle físico da situação.
Entretanto, ela não se movia. Não tentava fugir.
Acordada e sem medo.
— Diga meu nome! — gritou.
soltou-a e recuou, com o rosto abaixado. Esfregou as mãos nos próprios ombros, se abraçando, como se tentasse limpá-las da moça.
— Ah, vamos, Joey! — prosseguiu ela, em um tom brincalhão, alto — Você não sabe quem eu sou? Não sabe mais jogar esse jogo?
— Cale a boca. Eu vou matar você. Cale a boca.
sentou-se no chão, encolhido, enquanto Justin o observava.
Sorria, sempre. Como sempre sorriu.
— Você não tem colhões para me matar, Joe — gritou ela, olhando-o com desprezo — Você é um garotinho rebelde, que só quer se mostrar. Você não seria nada sem mim. Eu fui a mulher da sua vida. Eu te fiz quem você é. Se você é algo além daquela bosta medrosa que sempre foi, você se tornou isso por mim!
— Cale a boca!
— Você nunca me mataria, seu merda. Porque eu fiz você. E você não consegue destruir o que fez você.
— Eu matei . Eu matei , e participei da morte de Samantha. Eu poderia matá-la.
A informação soou quase como uma patética autoafirmação.
— Então venha.
ergueu os olhos. A mulher abriu os braços, entregando-se.
— Venha. Me destrua. Me mate. Quero que você cave minha cova, Joey. Ou eu irei cavar a sua. Eu vou implorar pela minha vida como você implorou pela sua. Porque eu devia ter te matado quando tive a chance.
— Você...
— Diga meu nome. Você não sabe mais a diferença.
Os olhos verdes de miraram-na.
— Ramona.
Sacou uma pequena arma da cintura. Ficou de pé, tocando a extremidade do cano na testa dela.
— Ramona nunca estará morta. Porque eu sou Ramona tanto quanto ela sou eu.
ajoelhou-se aos pés de , mantendo os olhos fixos nele, com a arma ainda tocando-a na testa. Ele acompanhou seus movimentos lentos, ofegando, com os olhos ainda marejados.
— Você não sabe mais dizer a diferença, Joey.
Manteve um olhar infantil, vazio, enquanto o encarava.
— Eu o vejo deitado ao meu lado, com palavras que eu achava que nunca diria. Acordada, e sem medo. Adormecida ou morta.
apertava os lábios, as mãos tremiam. O cano já deixava uma pequena marca circular na testa de , que nem sequer chegava a suar.
— Merda — ele xingou, apertando os olhos e direcionando o rosto para o lado.
Ela esperou, e nada aconteceu. Ele destravou a arma, mas nada aconteceu.
Não iria acontecer. Porque só havia uma pessoa essencialmente homicida naquela sala, e não era , não era Joe, e não era .
— Você é só uma criança, Joey. Uma criança querendo se provar. Mas não consegue me matar, porque você não seria nada sem mim.
— Acho que é o contrário, Ramona.
— Meu nome é .
Ramona.
Ramona...
Você sempre esteve aí.
— Você nunca vai conseguir viver sem mim, Joe.
abaixou a arma.
— Senhor Durden, saia da propriedade — disse uma voz estática vinda do lado de fora da propriedade. Parecia vir de um megafone.
Era a voz de Zoe.
sorriu.
— O que você fez? — ele perguntou, tremendo. A arma escapou de sua mão, caindo no chão. segurou-a rapidamente e travou-a, encarando . Não apontou para ele, ou respondeu.
— , que merda você fez? — ele perguntou, com os dentes cerrados.
engoliu em seco. Por um segundo, reviu Joe naquele homem. Seu Joe, de 10 anos, seu melhor amigo, seu protetor. Seu Peter Pan, um menino que jamais cresceria.
E ele, de fato, não cresceu. Permaneceu estático na mente de , como Justin.
Seu Joe estava morto há muito tempo, e ele mesmo se matara.
não tinha remorso. Não mais.
Seus olhos estavam abertos.
— Saia da propriedade com as mãos visíveis. Se demorar mais um minuto, a polícia invadirá a propriedade — disse Zoe.
— A banda continua tocando, Joe. Eles estão esperando por você.
— Você vai sair comigo.
Ela apertou os olhos, sem fazer movimentos bruscos. Aqueles segundos pareciam cruciais. E eram, na verdade.
— Eu vou lá fora. E você também vai, bem ao meu lado.
— Por quê?
— Porque você é Ramona tanto quanto eu sou ou Joe.
Ela engoliu em seco.
— Vamos lá, boneca de papel. Um último desfile. Uma última cerimônia, nós andando lado a lado pela última vez. Como nos velhos tempos.
não respondeu. ergueu o canto do lábio, assumindo um rosto indiferente, e encaminhou-se para a porta. foi atrás dele.
— Sabe por que você nunca me mataria, ? — ele perguntou, no corredor.
— Por quê?
— Pelo mesmo motivo que eu nunca mataria você.
Chegaram às escadas.
— Você sabia que eu não conseguiria te matar. Talvez uma parte de mim a ame. Não sei. Nunca consegui interpretar bem essas coisas.
não respondeu. Descia os degraus atrás dele. Para sua própria surpresa, aquelas palavras não possuíam qualquer efeito contra ela. Ficou feliz por isso.
— Ambos temos algo do outro em nós. Eu vivo em você, e você vive em mim. Permaneci vivo em você enquanto achavam que eu estava morto. E você permaneceu em mim todos esses anos.
Chegaram ao fim das escadas. Era necessário atravessar uma sala para chegar à porta da frente.
— Talvez eu a ame, . Talvez sejamos feitos um para o outro. Porque eu nunca esquecerei ou superarei você, assim como sei que você nunca vai me esquecer ou superar.
— Talvez, Joe.
Chegaram à porta, lado a lado. Ele suspirou e abriu a maçaneta. Cinco carros policiais se estendiam pelo lado de fora, desorganizados, com as portas abertas. Dezenas de policiais estavam a postos, armados, do lado de fora, espalhados pelo portão.
Em frente, estavam , e Zoe, esta com um megafone na mão.
— Sempre quis fazer isso — a menina sussurrou para .
Joe ergueu os braços em rendição.
— Talvez as coisas só tenham corrido errado. Talvez só não tivemos nossa chance — ele murmurou.
Instintivamente, por estar ao lado de um criminoso, também ergueu as mãos.
— Talvez — ela concordou mecanicamente.
Alguns policiais se aproximaram, as armas em punhos. Alcançaram , ajoelharam-no com violência, apesar do homem não ter feito qualquer sinal de que iria reagir. Algemaram-no.
— Quem sabe numa próxima vida — ele murmurou.
— Quem sabe — concordou novamente.
Encaminhou-se para onde estavam e . Não sentia nada pelo que tinha acabado de fazer.
Não sabia interpretar se isso era bom ou ruim.
— O que você fez foi loucura até para você — falou, de braços cruzados, apoiado no carro. Havia se passado cerca de meia hora desde a prisão de . Os policiais permaneceram ali, coletando provas do Palácio da Cerejeira, interrogando vez ou outra, e Zoe. Naquele momento, ninguém os perturbava, de modo que podiam conversar.
estava sentado no meio-fio, estava sentada numa poltrona traseira do carro, enquanto Zoe preferiu a dianteira, com as portas abertas. tinha uma manta em volta de si, e uma caneca de café sendo levada aos lábios.
— Deu certo, não deu? — ela retrucou, com um sorriso infantil nos lábios.
— Nunca questione os métodos de um gênio, oficial — Zoe falou pelo megafone, na direção de . Outros policiais olharam na direção deles, com desaprovação.
— Pare de brincar com isso, garota — disse , tirando o aparelho das mãos de Zoe. A menina gargalhou.
— Vou levar isso para os donos dele.
— Mas isso é meu.
— Desde quando? — perguntou, pelo megafone, na direção de Zoe. Todos fizeram caretas rindo, pelo som estridente.
— Desde quando me deram — ela respondeu em meio a uma risada.
— Então vem pegar de volta — disse mais uma vez pelo aparelho. Zoe ficou de pé, tentando pegar o megafone. desviava dela, sorrindo, enquanto Zoe parecia uma criança ao brincar com um irmão mais velho. Ambos foram se afastando, em sua brincadeira, até que e ficassem sozinhos.
Ela continuava a bebericar o café, olhando para e Zoe. Seus olhos cintilavam, e escondia um pequeno sorriso.
a admirava nessa posição. Não fazia questão nenhuma de ser discreto, e nem precisava ser. Cada segundo parecia precioso perto daquela mulher. Cada momento, uma oportunidade de ela se mostrar mais interessante e admirável aos seus olhos.
tinha um encanto incalculável para , e cada dia parecia existir para provar, novamente, que ela era a mulher da sua vida.
— Ei — ele a chamou, olhando para seu lado no meio fio — Vem cá.
deu um pequeno sorriso e levantou-se, indo até o lugar. Sentou-se no chão, olhando para , com o canto do lábio erguido. Ele envolveu-a com um braço, e abraçou-a com o outro, beijando seu cabelo, e em seguida sua testa e bochecha. encolheu-se no ombro de , levando uma mão livre para seu pescoço, acariciando-o.
Não disseram nada.
— Srta. — chamou um policial, segundos depois.
ergueu os olhos. Por instinto, fez o mesmo, puxando-a mais para si.
— Sim?
— Temos questões a definir com a senhorita.
Ela olhou para e, depois, voltou a encarar o policial de pé na frente deles.
— Questões?
— Sim, senhorita. Se puder fazer o favor de me acompanhar...
— Quem quer falar comigo?
— A delegada Stoner.
suspirou em alívio. Entregou a caneca a e levantou-se, com um rosto mais sereno. levantou atrás dela, porém, expressava leve preocupação.
seguiu-o até onde Julie estava, em uma viatura. O policial deixou-a e a ali, se retirando.
— Queria falar comigo, Julie? — perguntou .
Julie engoliu em seco, olhando de lado para .
— Foi admirável a ideia de usar escutas. Conseguimos as confissões dele.
— Mas precisamos de mais investigações, para deixar tudo claro. Mas acredito que já esteja tudo acertado — ela completou e comentou.
— Acredito que sim — confirmou Julie — Ramona nos ajudou?
ergueu o canto do lábio.
— Ramona fez tudo. Digo, mais ou menos. É difícil explicar. Faço as coisas por ela, e vice-versa.
— Entendo.
Houve um curto e incômodo silêncio.
— , vire de costas, por favor — pediu ela.
franziu o cenho, mas obedeceu. Julie segurou lentamente e com cuidado as mãos da moça, unindo-as.
O som de algemas se trancando foi ouvido.
— Não tente resistir, . Por favor — ela murmurou.
— Que porra você está fazendo, Julie?! — perguntou , incrédulo, quase deixando a caneca cair.
— Julie... O que está havendo? — questionou com calma. Não queria ter mais estresses ou trabalho naquele dia.
— Você... — a delegada limpou a garganta — Você está detida pelos crimes cometidos em parceria com Joseph Durden, sob a alcunha de “Ramona”. Tudo que você disser pode ser e será usado contra você no tribunal. Sugiro que fique calada. Por favor, entre no carro.
— Julie?! — ela perguntou, sem acreditar, com os olhos bem abertos e se virando para encarar a mulher. Recuou para perto de , que a segurou pela cintura, também encarando Julie.
A delegada se mostrou impassível.
— ... No carro.
— Você não entendeu metade do que é...?
— No carro.
engoliu em seco. Mordeu o lábio e entrou na porta traseira do carro, sem mais protestar. Julie fechou a porta.
— Vai ser mais fácil assim, acredite em mim. Você irá para a delegacia, passará a noite lá. O caso vai ser julgado depois do Ano Novo.
apenas assentiu.
— Você perdeu a cabeça? — perguntou , tentando segurar o volume de sua voz.
Julie ergueu uma mão, indicando que ele deveria se acalmar.
— Não pode ser de outro jeito, .
— Ela não fez nada, você sabe.
— Ela fez. Só não era realmente ela.
— está conseguindo conter isso nela. Ela não vai fazer nada de novo, ainda mais agora, que o Durden foi preso!
— O julgamento é pelos crimes. Ramona fez, então terá que responder. Não há outro jeito, .
permanecia intolerante.
— Em poucos dias teremos o julgamento. Não se preocupe, . Eu sei bem o que fazer.
— Para inocentar ?
— Não. Para culpar Ramona.
You say you wanted more, what are you waiting for? I’m not running from you…
Enquanto se aproximava do portão do Palácio da Cerejeira, sentiu sua espinha estremecer. Antes, mais cedo, quando pisara naquele terreno, toda ordem estava consigo. era a boneca de papel em toda sua ideia, e o lugar era o mausoléu de sua lembrança.
A casa de Joe Durden. Ali, ninguém é superior a nada.
É propriedade dos mortos.
E então... Finale.
Inversão de papéis. Agora, é a jogadora, é o boneco de papel. Frágil e manipulável.
Vamos lá, você é Joe Durden ou , o psicólogo idiota alívio-cômico?
é o lado fraco de Ramona, você sabe disso bem.
Hey, idiota. Você é ou Joe?
Eu não te trouxe até aqui para você amarelar, seu covarde. Não te sustentei por meses com essa mentirinha escrota, para você se mijar de medo agora!
hesitou por um momento.
Você é ou Joe? Assumiu de vez esse cara fraco que você sempre menosprezou?
Ou não, de repente. De repente, Joe sempre foi a fantasia. De repente, fosse seu interior.
Joe é a armadura, é a verdadeira pele.
É isso? É isso que você é?
Não.
Então entre logo nessa merda, se for mesmo um Durden. Se realmente for um Durden, entre lá e acabe com a .
Que nem combinamos.
Finale.
abriu a porta da mansão, que não chegou a ranger. O único som era o sutil vento, adentrando o lugar, rasgando quinas e empurrando o psicólogo para dentro. Havia, e isso era inegável, uma redoma em torno do Palácio da Cerejeira. Talvez fosse a mesma redoma sentida por , mais cedo.
Isso que temia.
devia estar em algum lugar ali. Teria uma arma? Provavelmente. Mas como conseguira uma arma? Isso não interessa; o caso é que ela provavelmente tinha uma.
E tinha alguém ajudando-a, sem ser Zoe. Claro! Tinha mais alguém com ela. ? ? Bronx? Não sabia ao certo, mas provavelmente um deles — ou todos eles — estavam ajudando.
estava morta, conforme o plano. Certo?
Certo?!
A porta se fechou atrás dele, e o silêncio parecia inquebrável.
Então, quem estava ali? estava preso, e estava na delegacia. Bronx? Não, improvável. Tanto quanto Julie Stoner.
Então, quem...?
— Joe? — perguntou alguém, de dentro da mansão.
endireitou a postura, com o susto.
— Joe, é você aí?
Era a voz de .
percebeu que ele mesmo não tinha uma arma. O que era um problema, afinal, se ela estivesse armada, ele não poderia se defender. Mas, simultaneamente, poderia ocasionar um acordo com . Ambos desarmados, só conversa, só palavras.
Da última vez, tinha dado certo.
— Sou eu, — disse ele, erguendo as mãos na altura dos ombros — Seu psiquiatra, Paulson.
Ela surgiu na porta de um cômodo, com o rosto sério, e os olhos bem abertos, curiosos.
— Não me venha com essa merda — ela falou, com a voz calma e impaciente, sem precisar gritar para passar sua frustração.
engoliu em seco.
— , já falamos disso mais cedo...
— Cala a boca, essa conversinha não vai colar.
Ela se afastou da porta onde se apoiava, e fixou o olhar em . Começou a andar, a passos largos, até ele.
— O que foi? Não reconhece sua melhor amiga?
— , eu sou seu médico...
— Ah, cala a boca, Joey! — falou alto, interrompendo-o ao se aproximar dele — Levou um susto comigo?
Ele não respondeu. cruzou os braços.
— Chego a me ofender, quando você confunde comigo.
respirou aliviado.
— Ramona.
— É, meio que sim — ela virou os olhos, franzindo o cenho em seguida — Eu parecia tanto a ? Digo, agi como ela?
ainda não conseguia respirar normalmente. O susto tinha sido muito grande, e, agora, precisava se recuperar.
Não tinha sido a sair do Manson, mas Ramona. Melhor ainda.
— Parecia — ele disse, suspirando.
sorriu. Era o sorriso que costumava dar, quando algo tinha ocorrido exatamente como o planejado.
— E então? O que faremos agora? Podemos ir para casa?
franziu o cenho.
— Claro que não. Esqueceu de ?
— Eu sei dele. Mas agora que já saí do Manson, preciso de algum lugar para ficar.
— Sua casa...?
olhou-o com ironia. Puxou uma cadeira, na sala de jantar, e sentou-se nela com as pernas cruzadas, olhando para .
— Qualquer um vai me achar lá. Não me parece a ideia menos óbvia do mundo.
— Se você tivesse ficado no Manson, como combinamos, você logo poderia sair e eu cuidaria do resto — fez uma pausa — Por que você resolveu sair mais cedo?
Dessa vez, era que cruzava os braços com ironia, e tinha um tom desconfiado.
pareceu ofendida pela maneira com que falara.
— Desculpe, só achei que já tinha ficado tempo suficiente naquele lugar. Eles não são bons anfitriões.
— Você nunca agiu com tanto desespero, Ramona — ele observou, apertando os olhos — Nunca foi impulsiva.
sustentou o olhar de .
Seus olhos não brilhavam. Estavam foscos, fechados. não deixava que pudesse lê-la por seus olhos.
Observe. Continue olhando.
Está perto o suficiente?
Chegue mais perto.
— Nunca improvisou.
Ela ergueu o canto do lábio.
Mais perto, querido.
Mais perto.
— Nunca precisei improvisar. E agora, que precisei, deu certo — era sarcástica — Não achei que fosse precisar te afirmar qualquer coisa dessas, Joe.
Ele apertou mais os olhos. Esperava-a continuar.
— Não reclame dos meus métodos, Joey, se cheguei ao final do jeito que queria.
Ainda tinha o canto do lábio erguido.
— Senti sua falta, Ramona — ele murmurou.
sorriu. Apontou, com os olhos, para a cadeira em frente a ela, mas negou, apoiando-se na mesa, mais perto dela.
— Aquela história de psiquiatra, “você nunca saiu do Manson”, e tudo mais — ela fez as aspas, e tocou o braço de , acariciando-o — Foi uma boa história.
— Você gostou?
— Me lembrou um pouco “Ilha do Medo”. Você anda vendo muitos filmes com plot twist.
sorriu.
— Venha aqui, Ramona — ele chamou, segurando-a pela mão e fazendo-a levantar.
ficou de pé, com um sorriso de quem estranhava a situação.
— O que foi? — ela perguntou, sorrindo nervosa.
— Nada. Só quero comemorar nosso sucesso.
tocou a cintura de , puxando-a rapidamente contra seu corpo. , instintivamente, tocou seu peito, parando com seus lábios a poucos centímetros dos de . Ele a olhava com sutis devaneios, mirando sua boca entreaberta.
olhou os lábios de , e em seguida, seus olhos.
Não eram incisivos. Na verdade, eram pacientes.
Venha. Quero vê-la tentar.
Dê a prova, dê a certeza.
Quero saber até onde aguenta.
sorriu. Apoiou uma das mãos no pescoço de , e separou seus lábios para que eles encontrassem os de . Fechou os olhos, beijando-o com lentidão e suavidade. retribuiu o beijo hesitante, puxando-a para que não fosse embora.
o atraía, e toda vez que tentava encerrar o beijo, prosseguia. Esse era o efeito comum.
Ramona.
Ah, minha Ramona, é realmente você.
Apenas Ramona poderia dar um beijo tão apaixonado nele.
Separou-se depois de algum tempo.
Sabia que era você.
— Podemos ficar com essa casa, Joe — ela comentou, sentando-se numa janela. Nuvens tomavam o céu de Longview, dando a impressão de que era mais tarde do que de fato era. Parecia uma criança feliz ao chegar finalmente no destino de sua tão esperada viagem.
Ele sorriu, com as mãos nos bolsos.
— Com o Palácio da Cerejeira? Não, acho que não...
olhou-o com um bico infantil.
— Por que não?
— Porque, supostamente, eu estou morto — ele falou, se aproximando de e acariciando seu rosto — E essa casa acaba não podendo ficar com ninguém. Nem comigo, nem ninguém que não seja um Durden.
Ela assentiu com a cabeça, conformada.
— Falando nisso — continuou ele, se afastando e tornando sua voz mais firme —, temos que dar um jeito na minha prima.
— Na Zoe? — a voz dela tornou-se alarmada — Ah... Acha que ela é uma ameaça?
saltou da janela, segurando a mão de e andando com ele de mãos dadas pelos corredores do Palácio da Cerejeira. Era algo um pouco assustador.
Um fantasma e um espírito sem corpo.
— Não diretamente. Mas ainda assim, não é só uma pedrinha no nosso sapato.
— Ela é só uma garota, Joe. Logo vai acabar indo embora, ainda mais depois de perceber que se foi.
Chegaram às escadas, as quais indicou a ele que iriam subir.
— Não vamos matá-la. Estou cansado disso, não é seguro. Mas precisamos pensar.
não respondeu, puxando-o pela mão para subirem as escadas.
— O que foi? — ele perguntou.
Não respondeu novamente, até chegarem ao segundo andar.
— Por que me trouxe aqui em cima? — perguntou ele.
olhou para trás, erguendo o canto dos lábios.
— Tenho uma coisa para você.
Voltou a direcionar seus olhos para o corredor. A última porta estava aberta.
— Ramona — ele murmurou, hesitando, mantendo-se fixo onde estava — Esse era o quarto de Justin.
Ela soltou-o, indo em pequenos saltos até a porta. Virou, lentamente, o rosto para trás, erguendo as sobrancelhas.
— Você vem, Joey?
Tinha algo estranho em sua voz. Algo entre o desafiador, a ironia e o deboche.
ignorou isso, indo até ela.
Joe tinha feito coisas horríveis em toda sua vida. Desde adolescente, quando começou a usar cocaína para divertir-se nas horas vagas, avançando ao abuso contra , até atualmente. De todas as coisas que fizera, não tinha se arrependido de nenhuma. No máximo, hesitara segundos antes, mas, após ver o trabalho feito, tinha tamanha satisfação... Era incomparável, nunca em sua vida alcançara o êxtase como naqueles momentos. De todas suas vitórias, de todas suas conquistas, nada se comparava a quando fazia uma daquelas coisas. Era como atingir o cume, o ponto que ninguém chegara antes. Sentia algo que poucos sentiram, fizera algo que poucos fizeram, e isso por si só já trazia calor às veias de Joseph.
Fazer aquelas coisas lhe dava o poder de um Deus, dava a sensação de que escrevia o futuro de várias pessoas, e o seu próprio. Era ser o escritor, o homem que indicava a linha, que controlava os personagens.
Mas uma coisa foi inevitável para Joe, uma única coisa em sua vida causou seu trauma. Foi esse fato, isoladamente, que poderia descrever a loucura de tão especial homem.
A única vez que Joe não controlou a vida, nem o futuro de alguém. Quando uma vida preciosa acabou, quando um homem especial se foi sem que ele pudesse fazer qualquer coisa para evitar.
Tocar no assunto “Justin Durden” era algo perigoso, para Joe. Na verdade, para qualquer Durden ou . Justin foi especial para todos, mas representou a pior catástrofe para os Durden.
Joe entrou no quarto de Justin naquela tarde, e não havia coisa que poderia deixá-lo pior.
O quarto estava escuro. Todas as cortinas estavam fechadas, com pouca ou nenhuma luz escapando para dentro do cômodo. Ainda assim, era possível ver alguma coisa lá dentro, mesmo depois de ter fechado a porta atrás de com um pequeno sorriso.
Velas estavam espalhadas pelo quarto, acesas no chão, tal como um velório. E havia, por todo lugar, fotos de Justin espalhadas. Um Justin bebê, um Justin criança, jovem, e finalmente, adulto.
Havia até uma fotografia de seu corpo congelado.
ficou imóvel. Assim que viu todas as imagens, quis correr. Quis socar , fugir, mas apenas permaneceu parado. Catatônico.
Justin, Justin, você está aqui?
Ela tocou seu ombro de leve.
Justin ainda estava vivo. Ele estava, na cabeça de todos, afinal, ninguém o viu morrer.
viu seu cadáver de verdade, e queimou-o até que não sobrasse nada.
— Eu quis fazer uma homenagem a ele — ela justificou-se, olhando inexpressiva para o quarto.
não respondeu.
— Eu esqueci uma foto. A última dele.
Ele engoliu em seco, tentando não chorar, mas poucas lágrimas fugiram.
— Ele queimado. O churrasco de Justin. É uma pena saber que essa será a última imagem dele no mundo.
virou bruscamente para dando-lhe uma surra e fazendo-a cair no chão, no meio do memorial de Justin. Do templo.
— Por que está me fazendo ver isso de novo? — ele perguntou, com o rosto dobrado de forma a não chorar, e com o punho cerrado — Por que quer me fazer ver o irmão que Tyler matou?
olhou-o, sentada no chão, como se assistisse a um filme a alguns palmos de altura.
— Tyler não matou Justin. Justin foi morto por todos nós.
— , eu vou...
— Ramona — ela corrigiu — Eu sou Ramona.
Ele não respondeu. Espancá-la era seu único desejo naquele instante. Fazê-la sangrar, ouvir seus ossos se quebrando em suas mãos, as gotas tocarem o chão como ele precisava delas para colori-lo. Aquela casa precisava daquilo, ansiava por um pouco de ultraviolência.
Mas não podia. não podia matar . Não podia, porque ela tinha algo que ele desejava.
— Eu não estou correndo de você agora, Joe — ela murmurou, com os olhos brilhando, fixos nos dele. Tinha um ar infantil, convidativo — O que está esperando?
Tudo ficou estático por um momento.
Ramona era , ou era Ramona?
Havia realmente diferenças entre elas?
estava morta. Ou, melhor, estava dormindo. e Ramona tinham cuidado para que ela não fosse mais nada além de um veículo, um instrumento para alcançarem o ápice do que ela podia apresentar.
Esse ápice era outra pessoa, completamente diferente. Havia uma marca clara do que era , e o que era Ramona. Havia uma demarcação que enxergava.
Agora, tudo parecia confuso.
— Eu não matei o meu irmão — ele disse com firmeza, baixo. Seus punhos continuavam cerrados.
— Eu também não o matei. Nem matei você. Ninguém está morto aqui — seu tom era despreocupado, como se estivesse numa grande brincadeira.
A linha parecia turva. estava no topo de um muro, observando os dois lados do alto. Mas parecia haver um paredão mais alto agora, cujo outro lado ele não conseguia ver.
Ou, talvez, ela só tinha feito-o acreditar que ele estava no topo do muro.
Talvez ele fosse um dos tijolos.
— Não brinque comigo.
— Você nunca o deixou morrer. Nem você, nem Jackie, ou James. Vamos lá, ele quer descansar um pouco.
— Eu fiz tudo por você.
Ela estreitou os olhos. O quarto começava a ficar quente.
— Não, você fez tudo por Justin. Pela memória de Justin que não consegue morrer dentro de vocês. Ele deixou em cada Durden uma marca que vocês não conseguem tirar.
Ela ergueu-se, apoiando-se nos calcanhares. Olhou para as fotografias, divagando como se estivesse sozinha. Mas sabia que ela tinha treinado bem aquelas palavras.
— Não conseguimos superar a morte dele. Você fez tudo isso por causa dele. E não acho que seja porque acreditamos que isso vai salvar nossa consciência. É porque ele era uma pessoa boa demais para nós, melhor do que todos nós jamais conseguiremos ser. E é injusto demais uma pessoa tão bondosa morrer nas mãos de pessoas tão odiosas.
— Tyler matou Justin.
— Nós sufocamos Justin. Ele nasceu no lugar errado, Joe.
não sabia como reagir.
— Queremos fazer o que julgamos certo, aqui. Mas sabemos que Justin nunca aprovaria isso. Queremos vingá-lo, quando sabemos que ele nunca quis ser um problema para nós.
Era insuportável para ele.
Ei, irmão, você vai segurar minha mão, se eu morrer agora? Vai estar me recebendo, onde quer que esteja?
Não. Eu sei que não.
Porque eu matei meu irmão.
Eu matei Justin.
Ela ergueu sutilmente o rosto.
— Todos nós matamos Justin Durden. Tem um pouco da alma dele em cada um de nós. E não superamos isso, porque não superamos a culpa.
tentou acertá-la novamente, mas ela desviou o rosto. Em vez disso, ele segurou seus ombros, jogando suas costas contra a parede, mantendo-a firme.
— Não brinque comigo, garota. Eu já fiz mal a você o suficiente.
Ela apertou os olhos, sem responder, mas era visível que seu rosto se contorcia como se ela fosse chorar. não tentava mais se conter, deixando algumas pequenas lágrimas escaparem com sua voz desesperada.
— Não me chame assim. Diga meu nome.
Ele não respondeu. Direcionou os olhos para baixo, xingando um pequeno palavrão enquanto apertava os olhos, com um par de lágrimas pingando no chão.
— Olhe nos meus olhos. Olhe! — ela gritou, fazendo bater mais uma vez suas costas contra a parede, produzindo um estrondo — Você está me matando! Tudo que eu sempre quis foi você!
Justin, por favor, Justin, me perdoe.
Eu preciso de sua ajuda agora.
Eu quero ser como você. Me ajude, por favor.
— Pare com isso. Pare — ele disse, com os dentes trincados, aproximando seu rosto do dela. Parecia pedir por misericórdia, por mais que ele quem estivesse no controle físico da situação.
Entretanto, ela não se movia. Não tentava fugir.
Acordada e sem medo.
— Diga meu nome! — gritou.
soltou-a e recuou, com o rosto abaixado. Esfregou as mãos nos próprios ombros, se abraçando, como se tentasse limpá-las da moça.
— Ah, vamos, Joey! — prosseguiu ela, em um tom brincalhão, alto — Você não sabe quem eu sou? Não sabe mais jogar esse jogo?
— Cale a boca. Eu vou matar você. Cale a boca.
sentou-se no chão, encolhido, enquanto Justin o observava.
Sorria, sempre. Como sempre sorriu.
— Você não tem colhões para me matar, Joe — gritou ela, olhando-o com desprezo — Você é um garotinho rebelde, que só quer se mostrar. Você não seria nada sem mim. Eu fui a mulher da sua vida. Eu te fiz quem você é. Se você é algo além daquela bosta medrosa que sempre foi, você se tornou isso por mim!
— Cale a boca!
— Você nunca me mataria, seu merda. Porque eu fiz você. E você não consegue destruir o que fez você.
— Eu matei . Eu matei , e participei da morte de Samantha. Eu poderia matá-la.
A informação soou quase como uma patética autoafirmação.
— Então venha.
ergueu os olhos. A mulher abriu os braços, entregando-se.
— Venha. Me destrua. Me mate. Quero que você cave minha cova, Joey. Ou eu irei cavar a sua. Eu vou implorar pela minha vida como você implorou pela sua. Porque eu devia ter te matado quando tive a chance.
— Você...
— Diga meu nome. Você não sabe mais a diferença.
Os olhos verdes de miraram-na.
— Ramona.
Sacou uma pequena arma da cintura. Ficou de pé, tocando a extremidade do cano na testa dela.
— Ramona nunca estará morta. Porque eu sou Ramona tanto quanto ela sou eu.
ajoelhou-se aos pés de , mantendo os olhos fixos nele, com a arma ainda tocando-a na testa. Ele acompanhou seus movimentos lentos, ofegando, com os olhos ainda marejados.
— Você não sabe mais dizer a diferença, Joey.
Manteve um olhar infantil, vazio, enquanto o encarava.
— Eu o vejo deitado ao meu lado, com palavras que eu achava que nunca diria. Acordada, e sem medo. Adormecida ou morta.
apertava os lábios, as mãos tremiam. O cano já deixava uma pequena marca circular na testa de , que nem sequer chegava a suar.
— Merda — ele xingou, apertando os olhos e direcionando o rosto para o lado.
Ela esperou, e nada aconteceu. Ele destravou a arma, mas nada aconteceu.
Não iria acontecer. Porque só havia uma pessoa essencialmente homicida naquela sala, e não era , não era Joe, e não era .
— Você é só uma criança, Joey. Uma criança querendo se provar. Mas não consegue me matar, porque você não seria nada sem mim.
— Acho que é o contrário, Ramona.
— Meu nome é .
Ramona.
Ramona...
Você sempre esteve aí.
— Você nunca vai conseguir viver sem mim, Joe.
abaixou a arma.
— Senhor Durden, saia da propriedade — disse uma voz estática vinda do lado de fora da propriedade. Parecia vir de um megafone.
Era a voz de Zoe.
sorriu.
— O que você fez? — ele perguntou, tremendo. A arma escapou de sua mão, caindo no chão. segurou-a rapidamente e travou-a, encarando . Não apontou para ele, ou respondeu.
— , que merda você fez? — ele perguntou, com os dentes cerrados.
engoliu em seco. Por um segundo, reviu Joe naquele homem. Seu Joe, de 10 anos, seu melhor amigo, seu protetor. Seu Peter Pan, um menino que jamais cresceria.
E ele, de fato, não cresceu. Permaneceu estático na mente de , como Justin.
Seu Joe estava morto há muito tempo, e ele mesmo se matara.
não tinha remorso. Não mais.
Seus olhos estavam abertos.
— Saia da propriedade com as mãos visíveis. Se demorar mais um minuto, a polícia invadirá a propriedade — disse Zoe.
— A banda continua tocando, Joe. Eles estão esperando por você.
— Você vai sair comigo.
Ela apertou os olhos, sem fazer movimentos bruscos. Aqueles segundos pareciam cruciais. E eram, na verdade.
— Eu vou lá fora. E você também vai, bem ao meu lado.
— Por quê?
— Porque você é Ramona tanto quanto eu sou ou Joe.
Ela engoliu em seco.
— Vamos lá, boneca de papel. Um último desfile. Uma última cerimônia, nós andando lado a lado pela última vez. Como nos velhos tempos.
não respondeu. ergueu o canto do lábio, assumindo um rosto indiferente, e encaminhou-se para a porta. foi atrás dele.
— Sabe por que você nunca me mataria, ? — ele perguntou, no corredor.
— Por quê?
— Pelo mesmo motivo que eu nunca mataria você.
Chegaram às escadas.
— Você sabia que eu não conseguiria te matar. Talvez uma parte de mim a ame. Não sei. Nunca consegui interpretar bem essas coisas.
não respondeu. Descia os degraus atrás dele. Para sua própria surpresa, aquelas palavras não possuíam qualquer efeito contra ela. Ficou feliz por isso.
— Ambos temos algo do outro em nós. Eu vivo em você, e você vive em mim. Permaneci vivo em você enquanto achavam que eu estava morto. E você permaneceu em mim todos esses anos.
Chegaram ao fim das escadas. Era necessário atravessar uma sala para chegar à porta da frente.
— Talvez eu a ame, . Talvez sejamos feitos um para o outro. Porque eu nunca esquecerei ou superarei você, assim como sei que você nunca vai me esquecer ou superar.
— Talvez, Joe.
Chegaram à porta, lado a lado. Ele suspirou e abriu a maçaneta. Cinco carros policiais se estendiam pelo lado de fora, desorganizados, com as portas abertas. Dezenas de policiais estavam a postos, armados, do lado de fora, espalhados pelo portão.
Em frente, estavam , e Zoe, esta com um megafone na mão.
— Sempre quis fazer isso — a menina sussurrou para .
Joe ergueu os braços em rendição.
— Talvez as coisas só tenham corrido errado. Talvez só não tivemos nossa chance — ele murmurou.
Instintivamente, por estar ao lado de um criminoso, também ergueu as mãos.
— Talvez — ela concordou mecanicamente.
Alguns policiais se aproximaram, as armas em punhos. Alcançaram , ajoelharam-no com violência, apesar do homem não ter feito qualquer sinal de que iria reagir. Algemaram-no.
— Quem sabe numa próxima vida — ele murmurou.
— Quem sabe — concordou novamente.
Encaminhou-se para onde estavam e . Não sentia nada pelo que tinha acabado de fazer.
Não sabia interpretar se isso era bom ou ruim.
— O que você fez foi loucura até para você — falou, de braços cruzados, apoiado no carro. Havia se passado cerca de meia hora desde a prisão de . Os policiais permaneceram ali, coletando provas do Palácio da Cerejeira, interrogando vez ou outra, e Zoe. Naquele momento, ninguém os perturbava, de modo que podiam conversar.
estava sentado no meio-fio, estava sentada numa poltrona traseira do carro, enquanto Zoe preferiu a dianteira, com as portas abertas. tinha uma manta em volta de si, e uma caneca de café sendo levada aos lábios.
— Deu certo, não deu? — ela retrucou, com um sorriso infantil nos lábios.
— Nunca questione os métodos de um gênio, oficial — Zoe falou pelo megafone, na direção de . Outros policiais olharam na direção deles, com desaprovação.
— Pare de brincar com isso, garota — disse , tirando o aparelho das mãos de Zoe. A menina gargalhou.
— Vou levar isso para os donos dele.
— Mas isso é meu.
— Desde quando? — perguntou, pelo megafone, na direção de Zoe. Todos fizeram caretas rindo, pelo som estridente.
— Desde quando me deram — ela respondeu em meio a uma risada.
— Então vem pegar de volta — disse mais uma vez pelo aparelho. Zoe ficou de pé, tentando pegar o megafone. desviava dela, sorrindo, enquanto Zoe parecia uma criança ao brincar com um irmão mais velho. Ambos foram se afastando, em sua brincadeira, até que e ficassem sozinhos.
Ela continuava a bebericar o café, olhando para e Zoe. Seus olhos cintilavam, e escondia um pequeno sorriso.
a admirava nessa posição. Não fazia questão nenhuma de ser discreto, e nem precisava ser. Cada segundo parecia precioso perto daquela mulher. Cada momento, uma oportunidade de ela se mostrar mais interessante e admirável aos seus olhos.
tinha um encanto incalculável para , e cada dia parecia existir para provar, novamente, que ela era a mulher da sua vida.
— Ei — ele a chamou, olhando para seu lado no meio fio — Vem cá.
deu um pequeno sorriso e levantou-se, indo até o lugar. Sentou-se no chão, olhando para , com o canto do lábio erguido. Ele envolveu-a com um braço, e abraçou-a com o outro, beijando seu cabelo, e em seguida sua testa e bochecha. encolheu-se no ombro de , levando uma mão livre para seu pescoço, acariciando-o.
Não disseram nada.
— Srta. — chamou um policial, segundos depois.
ergueu os olhos. Por instinto, fez o mesmo, puxando-a mais para si.
— Sim?
— Temos questões a definir com a senhorita.
Ela olhou para e, depois, voltou a encarar o policial de pé na frente deles.
— Questões?
— Sim, senhorita. Se puder fazer o favor de me acompanhar...
— Quem quer falar comigo?
— A delegada Stoner.
suspirou em alívio. Entregou a caneca a e levantou-se, com um rosto mais sereno. levantou atrás dela, porém, expressava leve preocupação.
seguiu-o até onde Julie estava, em uma viatura. O policial deixou-a e a ali, se retirando.
— Queria falar comigo, Julie? — perguntou .
Julie engoliu em seco, olhando de lado para .
— Foi admirável a ideia de usar escutas. Conseguimos as confissões dele.
— Mas precisamos de mais investigações, para deixar tudo claro. Mas acredito que já esteja tudo acertado — ela completou e comentou.
— Acredito que sim — confirmou Julie — Ramona nos ajudou?
ergueu o canto do lábio.
— Ramona fez tudo. Digo, mais ou menos. É difícil explicar. Faço as coisas por ela, e vice-versa.
— Entendo.
Houve um curto e incômodo silêncio.
— , vire de costas, por favor — pediu ela.
franziu o cenho, mas obedeceu. Julie segurou lentamente e com cuidado as mãos da moça, unindo-as.
O som de algemas se trancando foi ouvido.
— Não tente resistir, . Por favor — ela murmurou.
— Que porra você está fazendo, Julie?! — perguntou , incrédulo, quase deixando a caneca cair.
— Julie... O que está havendo? — questionou com calma. Não queria ter mais estresses ou trabalho naquele dia.
— Você... — a delegada limpou a garganta — Você está detida pelos crimes cometidos em parceria com Joseph Durden, sob a alcunha de “Ramona”. Tudo que você disser pode ser e será usado contra você no tribunal. Sugiro que fique calada. Por favor, entre no carro.
— Julie?! — ela perguntou, sem acreditar, com os olhos bem abertos e se virando para encarar a mulher. Recuou para perto de , que a segurou pela cintura, também encarando Julie.
A delegada se mostrou impassível.
— ... No carro.
— Você não entendeu metade do que é...?
— No carro.
engoliu em seco. Mordeu o lábio e entrou na porta traseira do carro, sem mais protestar. Julie fechou a porta.
— Vai ser mais fácil assim, acredite em mim. Você irá para a delegacia, passará a noite lá. O caso vai ser julgado depois do Ano Novo.
apenas assentiu.
— Você perdeu a cabeça? — perguntou , tentando segurar o volume de sua voz.
Julie ergueu uma mão, indicando que ele deveria se acalmar.
— Não pode ser de outro jeito, .
— Ela não fez nada, você sabe.
— Ela fez. Só não era realmente ela.
— está conseguindo conter isso nela. Ela não vai fazer nada de novo, ainda mais agora, que o Durden foi preso!
— O julgamento é pelos crimes. Ramona fez, então terá que responder. Não há outro jeito, .
permanecia intolerante.
— Em poucos dias teremos o julgamento. Não se preocupe, . Eu sei bem o que fazer.
— Para inocentar ?
— Não. Para culpar Ramona.
You say you wanted more, what are you waiting for? I’m not running from you…
Capítulo 41 — Unwanted
It hurts that I’m so unwanted for nothing… Don’t talk words against me.
O dia 6 de janeiro, que sempre pareceu um dia tão banal para , agora parecia o dia mais importante do ano.
Ele acordou na manhã daquele dia com ansiedade. Dormira pouco, de fato. Acompanhou todo o processo de , sentado como observador, às vezes como testemunha.
Via , sua , no banco dos réus. Seu advogado era o de Julie, designado pela mesma por ser o melhor dos casos impossíveis.
O máximo que pensava sobre isso era por que aquele cara não foi mandado para o caso Durden, então.
Precisava ir testemunhar vez ou outra sobre sua proximidade com e com , mas sabia que era pouco levado em conta. Em relação a ela, porque eles eram namorados, portanto, qualquer defesa seria tendenciosa. A ele, porque não teria nada a acrescentar além do que outras testemunhas tinham a dizer.
estava lá todos os dias, como réu, em uma mesa separada da de . O julgamento dele fora relativamente rápido, mas, no dia 6, deixaram-no na cadeia porque o acusado era outro.
Ramona.
Era doloroso, para , ver sentada novamente no banco dos réus. Por algum motivo relativamente curioso, ela vestia sempre a mesma roupa cinza que no primeiro momento que a viu, no Manson. Ela queria dizer que era inocente novamente? Que ela estava pronta para deixar aquele lugar, como deixou o Manson? De qualquer modo, era uma coisa que apenas e observariam.
acordou e foi direto para a cozinha, no dia 6. Vivia há alguns dias sem a presença de . Todas as manhãs, eles costumavam se sentar na cozinha, conversando trivialidades do dia a dia, enquanto bebiam café e se revezavam para preparar a comida. Nos dias que fazia, eram waffles com mel, torradas com creme de avelã e muffins. Nos dias de , era pão com ovo.
Sentia falta de seu amigo.
Por outro lado, desejava com todo seu ínterim que Joe Durden apodrecesse na cadeia.
Tomou seu café sozinho. Vestiu uma blusa e calça sociais e deu um jeito no cabelo. E encaminhou-se para o tribunal.
Chegando lá, não viu nem Julie, nem . Eles costumavam sentar juntos, na mesma fileira, todos os dias. Naquele dia, só havia Marla.
foi até a ruiva, que se movimentou para o lado, para que ele se sentasse.
— Onde estão eles? — cochichou.
— Não sei. Não me falaram nada. Estou tão confusa quanto você.
já estava sentada em uma mesa mais a frente. Como em todos os outros dias, permanecia indiferente em todas as sessões.
Estar sozinha numa casa vazia, todas as noites, sem autorização para receber visitas, parecia perturbador o suficiente.
Os olhos dela costumavam ficar fixos na testemunha que estivesse sendo entrevistada. Nem com fora diferente. Por um momento, ele temeu que Ramona quem estivesse olhando por ela, reparando a seguir como esta seria uma ideia absurda. apenas encarava a pessoa, os olhos sutilmente apertados, como se a desafiasse.
conferiu o relógio. A sessão começaria em dois minutos.
— Acabaram de me enviar isso — murmurou Marla, mostrando o celular para . A tela mostrava uma mensagem de texto vinda de .
“Eu e Julie não vamos conseguir ir hoje à sessão, pelo menos de manhã. Estamos resolvendo uma coisa importante. Mas podemos encontrar com na minha casa. Pergunte se o novato pode ir junto, depois do almoço. Venha também, se quiser.”
rolou os olhos.
Eu trabalho nessa delegacia há meses e ainda me chamam de novato.
— Não posso ir. Vou ao hospital para ver Dorothy, ela ainda não pode sair, já que sua responsável legal está desabilitada. Você vai?
— Sim, posso ir. O cara da condicional vai levar para a casa dele, e ficar esperando do lado de fora. Assim que terminar a sessão, podemos ir.
Naquele dia, Marla e Zoe iriam testemunhar sobre Ramona. Seria difícil escolher uma preposição adequada: “com”, “contra”, entre outras. Zoe não possuía qualquer prestígio, de modo que seu relato também costumava ser desprezado, tal como o de . Marla, entretanto, parecia ter cada sílaba gravada pelo júri e pelo juiz. Isso era potencialmente perigoso.
As palavras da detetive ruiva relatavam, principalmente, o período em que ela investigou a existência de Ramona, pelo que narrou quando sua casa foi incendiada. Isso poderia alegar o desconhecimento de por sua outra personalidade, porém, o júri parecia cético.
Quando Marla deixou escapar que tivera um episódio de raiva por conta de Ramona, em que destruira praticamente toda sua própria casa, que ela mesmo incendiara antes, o veredicto parecia estar sendo escrito.
seria internada no Manson novamente. Ou presa.
Ou internada e, depois, presa.
Nenhuma opção parecia viável ou agradável, ao menos aos olhos de .
O juiz bateu o martelo de encerramento de sessão, e permaneceu imóvel em sua cadeira. esperou todos partirem, para poder se levantar. Andou, a passos curtos, até , que não tinha se mexido.
— — ele a chamou.
Nada aconteceu.
— ...
Esticou a mão para tocá-la.
— Amor.
ergueu-se em um salto, e abraçou pela cintura com toda sua força. Afundou o rosto em seu peito, e permaneceu assim por alguns segundos.
— quer que passemos na casa dele. Depois do almoço.
apenas assentiu. Deixaram o tribunal em silêncio, com segurando-a pela mão.
Depois do almoço, fora em seu carro para a casa de , sozinho. O policial da condicional o seguia, em outro carro, este levando também . Chegando ao lugar, estacionaram na rua e saíram do carro.
O policial a segurava pelo braço ao levá-la até o portão, onde fora, como se fosse fugir ou como se ela fosse um pacote.
— Se ela fizer qualquer coisa, é só gritar. Sugiro que deixem a porta e o portão abertos, para que eu entre mais rápido.
— Agradeço — foi o máximo que respondeu, segurando a mão de . abriu o portão, que foi encostado. Andaram pelo caminho de pedras até chegar à porta do casarão, deixada destrancada pelo dono da casa. Entraram na estrutura.
Atrás de si, trancou a porta.
— , estão aqui! — chamou Julie, que estava na sala, de pé, com uma mão no queixo, como se estivesse pensando.
surgiu vindo da cozinha, andando lentamente. Mexia nas próprias mãos, que pareciam ter sido recém-lavadas. Parecia ofegar disfarçadamente, como se quisesse esconder que estivesse fazendo algo antes que eles chegassem.
— O policial da condicional está lá fora — Julie lembrou, olhando o oficial. Parecia um pouco ansiosa.
— Que ele se foda — disse .
A delegada pareceu tentada a concordar.
— Não é como se eu fosse morder vocês ou algo assim — falou, em voz baixa, pela primeira vez em horas — Ramona pode fazer melhor que isso.
Tinha o canto do lábio erguido, como naquela noite na casa de Marla, dias antes.
Encaminhou-se para a poltrona da casa de . Sentou-se lentamente, jogando a cabeça e os cabelos para trás.
— Por que nos pediram para vir? — ela perguntou, com uma sobrancelha erguida, para Julie e . Tinha as pernas posicionadas lado a lado, e os dedos entrelaçados no colo.
Julie passou os dedos de leve nos próprios lábios, roçando a pele. olhou-a de lado, sentando-se no sofá. permaneceu de pé, de braços cruzados, enquanto a delegada dava voltas na sala.
— Eu estive conferindo algumas coisas do caso de Ramona, ultimamente.
— Procurando o quê, na verdade? — perguntou .
Julie deu de ombros, sentando ao lado de . Cruzou os braços e as pernas, tentando manter uma voz firme e, ao mesmo tempo, que não agredisse .
— Não há qualquer prova de que você tivesse agindo sem consciência. Os exames antigos, de , eram superficiais; nada oficial. A gravação encontrada no escritório de foi descartada. Tudo que você dizia sobre ela foi desconsiderado.
— E o que eu disse sobre e ?
— O que você disse sobre e ?
— Que eu continuava vendo-os mesmo depois de suas mortes.
— O relato de foi útil, mas ele só alega alucinações pós-traumáticas. Nada que inocente você de acusações feitas à sua suposta segunda personalidade.
— Suposta? — franziu o cenho, colocando as mãos nos joelhos e inclinando-se sutilmente para frente — Você não viu Ramona, Julie, mas o e o viram. Eu quase esfaqueei o uma vez, por causa dela. Foi ela quem fez isso no rosto do .
Julie franziu o cenho de repente.
— Oh — deixou escapar, com uma careta — Você não sabia disso.
— Foi Ramona quem fez aquilo? , você não tem chance nenhuma de sair impune.
— Mas eu não sou Ramona, Julie, você sabe disso — a detetive disse, com firmeza — Não é conscientemente que faço essas coisas. Eu nunca faria nada disso!
Julie suspirou. Explicar a que aquilo era um caso perdido parecia mais difícil do que ela esperava.
— Você estava bem estressada, — passou a assumir a fala — Sob muita pressão, muitas coisas estavam acontecendo. É acreditável que você tivesse um colapso.
— Eu tive. E ele até tinha nome. E cabelo loiro.
— Estou tentando me colocar no lugar do júri, — ele justificou-se, dando de ombros — É difícil acreditar que, depois de tanto ter acontecido, uma mulher simplesmente alegue múltiplas personalidades consiga sair impune.
— Múltiplas? Só tenho uma!
— Ela se enquadra perfeitamente em um quadro de estresse pós-traumático com alucinações, ! — Julie começou a levantar a voz — Não entende nossa dificuldade aqui em tentar te deixar livre disso?
ajeitou sua postura, firmando a voz baixa, em murmúrio:
— A dificuldade, eu vejo. Mas não o esforço.
Aquilo fez Julie e se calarem imediatamente, e se xingarem internamente.
Isso não está dando certo. Vamos ter que apelar.
— O júri pode até te ver com bons olhos, agora que você é oficialmente inocente pelo assassinato de Joe — começou.
— Surpreendente — ela murmurou, em deboche, jogando-se na poltrona e sentando-se sem postura.
— Mas — ele prosseguiu, ignorando-a — Isso não anula outros crimes. Cumplicidade, agressão, incêndio criminoso...
— Por que diabos eu faria essas coisas contra mim mesma?! — ela perguntou, ficando de pé e apontando para si mesma.
— Pelo mesmo motivo que Ramona fez — murmurou. Todos olharam para ele.
— Ele está certo — Julie completou — A mesma coisa que te incrimina, te inocenta. Não temos como comprovar que você e Ramona são pessoas diferentes, consciências diferentes, presas no mesmo corpo.
— E o que você vai fazer?
Julie suspirou pesadamente.
— Você vai voltar para o Manson.
recuou, com os punhos cerrados.
— Como é?
— Você vai ter que voltar para o Manson, . Na melhor das hipóteses, porque não vamos conseguir comprovar sua situação.
começou a andar pela sala, com os punhos cerrados e olhando para o chão.
— Não. O Manson de novo, não.
— Não há outra alternativa. Seu quadro é bastante delicado.
— Não me importa, . Não vou voltar para o Manson.
— Você vai precisar de tratamento, de qualquer jeito — Julie justificou — E...
— Foda-se! — gritou, chutando a mesa de centro. Todos recuaram. A detetive olhou para a delegada. — Eu não vou voltar para aquele inferno. Consegui sair de lá duas vezes. Duvido que consiga a terceira.
— Você pertence ao Manson, .
O tom calmo de Julie fazia querer matá-la com os olhos. Era incompreensível — e, até, pouco lógico — acreditar que Julie realmente acreditasse o Manson uma opção viável. E a serenidade... Ah, a serenidade da delegada fazia querer estrangulá-la.
Sim, talvez fosse isso. Aquele impulso interior, quase primitivo, de matar Julie porque ela a ameaçava. Puxar aqueles cabelos castanhos, rasgar aquela fina e cuidada pele, enquanto ouvia seus gritos. Como fora com .
Todos tinham um impulso assim, tinha certeza. Então, o que a tornava diferente de todos?
Todos têm a voz das coisas ruins. A voz de apenas tinha um rosto, e era mais alta do que as outras vozes.
Precisava defender-se, e aquela voz era sua proteção. Julie era uma ameaça. Queria prendê-la no Manson de novo, e, para isso, ela estava...
Subitamente, ela acalmou-se.
Não. Eles não vão fazer isso de novo.
Eles não vão controlar você de novo.
— Você está certa — disse a detetive. Voltou para a poltrona, e ali se sentou como antes. Quieta, encolhida, constrangida.
A delegada ficou boquiaberta.
— ?
— Você está certa. Preciso ir para o Manson. Estou frágil, preciso me tratar.
franziu o cenho.
O que deu nela?
Julie e se olharam.
— Bem, você precisa. Nós... podemos cuidar disso.
— Sim, por favor. Vocês já viram como eu posso ser um perigo em potencial. Não quero mais que ninguém se fira por minha causa.
Seus olhos começaram a ficar marejados, nesse momento.
Julie não tinha reação.
— E Dorothy? — perguntou — O que será feito com Dorothy?
— Ela é órfã. A guarda dela é minha, teoricamente, mas não acredito que queiram deixar um bebê com uma mulher tão sequelada quanto eu. É provável que ela fique sob os cuidados de uma assistente social, então.
— É sua decisão final, ? — perguntou Julie, soando fúnebre.
mordeu o lábio, esfregando um olho com as costas da mão.
— Sim. Eu preciso ir para o Manson. Sem data de voltas, sem visitas. Vai ser melhor para todos. Eu sou uma assassina, afinal. Eu pus a bomba no carro de Marla, eu queimei o rosto de , e fui cúmplice nos crimes de Joe. Eu preciso pagar por isso, mesmo que tenha sido inconsciente.
A delegada e o oficial comprimiram os lábios. Ela, primeiro, levantou-se, seguida por ele.
— Vamos... ter que falar com o advogado. Se nos dão licença, estamos com um problema.
Encaminhou-se, com ao seu encalço, casa adentro. permaneceu no mesmo lugar que antes, esfregando as costas das mãos nos olhos.
Antes de partir, Julie olhou de lado para . O jornalista mal tinha convívio com ela para poder lê-la com determinada precisão. Aquele olhar, entretanto, era óbvio para o mais leigo dos leitores. Poderia reconhecê-lo em alguém que conhecesse desde o começo de sua vida, ou quem conhecera há poucos minutos.
Socorro.
Era puro desespero.
nunca fora muito rápido com adivinhações, mas, naquele caso, ele foi particularmente veloz. Assim que Julie deixou a sala, ele compreendeu o que seria aquele teatro todo.
Pôs as mãos nos bolsos. Aproximou-se de , que continuava encarando o chão com uma careta de choro. Sentou, por fim, no sofá na diagonal dela. Juntou as mãos e apoiou os cotovelos em seu joelho, semicerrando os olhos, observando-a com um pouco de ironia.
— Já acabou?
Ela olhou-o de lado, como se quisesse manter o rosto oculto.
— Acabei? Acabei o quê?
virou os olhos.
Que o teatro comece.
— Sua brincadeira. É sério, por alguns instantes eu realmente achei que você estivesse falando sério.
— O que você está falando, ? — ela perguntou, como se estivesse ofendida.
— Esse seu... — ele fez gestos confusos com a mão, mantendo sempre uma voz carregada de deboche — Sua apresentação. É sério, não estou sendo irônico. Você representou muito bem.
ignorou-o. Voltou a olhar para o chão e esfregar os olhos, agora acompanhando isso a pequenos soluços.
— Ok, menos. Eu já entendi você — ele falou, dessa vez soando mais grosseiro — Os soluços já são exagero.
Se eu estiver errado, vou me culpar pelo resto da vida.
Fez uma pausa.
— Eu quase caí, na verdade. Mas no “eu preciso pagar por isso”, ah, você deu uma escorregada. Ficou forçado.
— Cala a boca, . Só cala a boca.
— Mas na boa? Eu concordo de você ir para o Manson. Você viu a cara da Julie e do . Eles querem se livrar de você.
— Eles... querem me ajudar.
— Eles querem você fora da linha — falou, com uma risada — Acham que você dá trabalho demais. E que daria mais ainda, se conseguisse ficar livre. E sabe o que acontece, se não conseguirmos alegar insanidade? Provavelmente uma grande temporada em um presídio. Eles só querem amenizar para você, que nem da última vez.
— Eles querem cuidar de mim — retrucou, parecendo querer convencer-se antes de convencer .
— Eles querem um problema a menos, . Convenhamos: você é cansativa.
Ela franziu o cenho e olhou-o de lado. Seus punhos se fecharam novamente.
— Não diga isso.
— E não é apenas isso. Acha que não quer pagar de bom moço, depois do que você fez a ele? Ele daria de tudo para te ver presa. E sua reputação na delegacia ia de mal a pior... Julie não quer uma puta sob a responsabilidade dela.
Eu gostaria de agradecer a Academia...
A respiração de cessou por um segundo.
— Uma puta?
— Aquela história da deu o que falar, você sabe. E, além disso, você também foi cúmplice da morte dela. Ah, a Julie só quer tirar o dela da reta.
— ... Pare — ela fechou os olhos e apontou o rosto para o chão, de novo.
— Eu também estou cansado, . Sabe, todo cara quer uma mulher que goste dele, que tenha gostos em comum, que seja sua amiga, e blá, blá, blá, romântico. Não queremos uma esquizofrênica homicida incendiária. E olha que só usei os adjetivos que pensei mais rápido.
— , pare.
— Eles escolheram o Manson não por ser o lugar mais próprio para você. É porque lá é o seu inferno na Terra. É pior do que qualquer cadeia, e de lá você não tem saída.
— Lá... é o melhor lugar para mim.
— Aposto que Julie e também acreditam nisso.
começou a estalar os dedos. Piscava repetidas vezes.
— Vai ser passagem só de ida. Eles querem se livrar de você. Todos querem, como sempre quiseram. E, dessa vez, você não tem em quem se prender, tem?
Ele olhou-a com profundidade dessa vez. Ajoelhou-se no chão, na frente de . Os cabelos dela tapavam seu rosto, que tinha os lábios semiabertos, os olhos fechados.
— Tem?
Acalme-se.
Acalme-se.
É isso que ele quer. Você não vai dar isso a ele.
— Ramona se foi, não, ? Ramona se foi, ou nunca existiu. Foi só uma história que você inventou para se sentir melhor consigo mesma, com essa personalidade de merda que você tem.
Acalme-se.
— Você não tem ao que se prender, agora. Tem?
Apertou os olhos com força.
— Tem? — ele gritou, dessa vez.
E então, nada.
parou de estalar os dedos.
parou de piscar os olhos.
fechou a boca.
Ergueu o rosto, com a sobrancelha esquerda levantada, e o canto do lábio arqueado.
— Você quase conseguiu, garoto.
não reagiu. Apenas continuou encarando-a, desta vez, temeroso.
Eu não tinha planejado chegar a esse ponto.
— Eu quase consegui?
Ela fungou com força. Esfregou os olhos uma última vez.
— Ah, isso era brega demais, até para mim. Mas convenci alguém, não convenci? A delegada insosa acreditou.
— Acho que sim... — ele disse, incerto se aquela era a resposta mais apropriada.
deu uma risada víviva.
— Eu já não aguentava mais forçar esse choro ridículo, na verdade — disse ela — Estava me ardendo os olhos, falando sério. E fazer frases de efeito assim, rápido, é complicado. Mas a Julie desistiu cedo. Achei que ela fosse ficar mais tempo.
— Você é uma péssima atriz, .
— Ramona — ela corrigiu — E você também é uma merda.
Ele engoliu em seco.
— Queria entender por que você realmente quer ir para o Manson, afinal. Me deixou curioso.
Ela franziu o cenho, ajeitando o cabelo.
— Já chegamos ao ponto da história que você me pergunta meu plano maligno, eu explico, os mocinhos chegam para o seu resgate e todos saem felizes para sempre?
— Eu percebi que você já estava aqui há um bom tempo. Sabe, na . Eu percebi que você tinha colocado a para dormir.
— Sério? — ela fez bico — Deixei óbvio assim? Onde eu errei?
— O silêncio e a calmaria depois da Julie ter dito que você pertence ao Manson. Foi crucial. Você reagiu com calma demais.
— E isso significa que eu estava aqui de novo?
— Não. Só significa que tinha saído. Em hipótese alguma ela aceitaria voltar ao Manson. Mas você teve uma boa jogada, Ramona. Fazer isso poupou de um momento de estresse e, consequentemente, surto nervoso. Aceitar rápido a ideia de Julie fez ficar frágil rápido, abrindo espaço para você agir com calma e cuidado.
— Ah. E você arruinou meu plano genial. Pobre de mim.
Ele virou os olhos.
— Admito, no quesito “sarcasmo”, fica difícil diferenciar você de .
Ela sorriu infantil.
— Ir para o Manson é a melhor opção para mim. é fraca demais para aguentar aquele lugar, eu logo viria à tona de novo. E, óbvio, nesse dia, seria de vez. Como era planejado, por mim e por Joe. Se deixássemos lá, ela logo iria sumir. Sabe, apenas o mais forte sobrevive.
— E você seria solta?
— Muito provavelmente. São variáveis. Mas é o meu melhor plano.
— Você já teve planos melhores, Ramona.
— Meus planos são sempre os melhores. Sabe por quê?
Ele esperou sua resposta.
— Porque eu sempre saio vencendo no final, mesmo que vocês não percebam.
Houve um curto silêncio.
tocou o rostode . Acariciando-o, suas mãos pareciam mais macias do que o normal. Tocaram sua bochecha, passando por suas orelhas, voltando até tocar a ponta de seu nariz. não regia.
Ela parecia testar se ele estava de fato ali, se era real. De algum modo, pareceu . Mas ele sabia que não.
Estava demonstrando que podia tocá-lo. E se podia tocá-lo, podia fazer qualquer coisa que quisesse com ele.
passou os dedos, tocando-o superficialmente, até os ossos logo abaixo de seu pescoço. fechou os próprios olhos, por instinto, e deixou-a acariciá-lo.
— Andei lendo algumas coisas sobre pessoas realmente ruins. Sabe? Ruins por natureza. Impulsivas de verdade. Manson, Dahmer, Fish, até Gein. Eles eram realmente malucos. Sabe? Completamente sem noção.
Seu tom de voz fora descrente, debochado.
não quis responder. Pareceu mais coerente e inteligente que a deixasse continuar.
— Motivações demasiado pessoais. Era um impulso internalizado, um tipo de necessidade deles. Eram estupidamente emotivos. Entende? Dizem que serial killers são racionais, mas não acho que seja o caso. Pelo que estudo, me parecem emotivos. Matam mulheres porque sentem falta da mãe, estupram jovens porque o primo adolescente abusava deles quando eram menores. Não é assim que se chega a algum lugar. Até o Zodíaco era pessoal demais. Não são como eu. A maioria nem queria ser pego. O que é uma burrice.
ouvia cada letra com atenção quase estudantil.
— Ser pego é a parte principal. Expor tudo que você sempre trabalhou. Eu mesma não sou fã de público, por incrível que pareça, mas minha exposição foi especialmente importante para mim.
abriu os olhos. Ela continuava a acariciar os ossos de seu dorso, fincando uma unha em seu pescoço. engoliu em seco naquele exato instante, e pôde sentir a garganta dele subir e descer.
— É revigorante poder fazer isso tudo sozinha, finalmente. Sem , Joe, como você quiser chamá-lo. Sem Tyler, , , ... Ou sequer você e . Agora sou só eu. Não preciso mais de uma capa, não tenho mais um limite físico para me parar, para tentar me controlar. Mas, exposta, as coisas ficam mais fáceis.
Ergueu a mão para o queixo de , erguendo-o. Ele olhou-a no fundo dos olhos.
— Até que você é bonitinho — ela comentou.
— O que vai fazer?
Ela franziu o cenho.
— Nossa. Você conseguiu quebrar meu timing completamente, agora.
Deu dois tapinhas de leve no queixo de , indicando para que ele se levantasse. Ele obedeceu.
— Lembre-se, gracinha: somos três jogadores aqui. Eu, você e — ela ergueu o polegar, o indicador e o dedo médio — Então, um de nós vai acabar tendo que sair perdendo.
esticou os dois punhos, virados para cima, para que fosse algemada.
— Vamos lá. Não queremos que o coelhinho fuja para o País das Maravilhas.
Quando a segunda sessão do dia estava para começar, tinha se atrasado.
Correu para o tribunal. Empurrou a pesada porta, entrando em um salão repleto de pessoas, com certeza mais do que o triplo do que tinham mais cedo. Imaginou que a repercussão do caso de Ramona tivesse chamado a atenção de mais curiosos, e que o número de assentos fosse insuficiente para todos, o que levaria algumas pessoas a ficarem de pé.
custou a encontrar Marla. Atravessou a multidão, indo até o topo de uma cabeça vermelho cor de fogo, que já estava sentada e aguardava o começo da sessão, que seria em menos de dois minutos.
— Marla? — ele perguntou. A ruiva virou-se para ele, tirando do banco a bolsa que estava ao seu lado.
— Sente-se logo. Achei que não fosse vir.
obedeceu, enquanto todas as pessoas esbarravam umas nas outras, à procura de um lugar.
— Achou mesmo que eu ia perder?
— Não sei. Estou com um mau pressentimento sobre isso. Algo me diz que não vai terminar como queremos.
— Julie e ? — perguntou, olhando em volta. Marla parecia apreensiva, e seus olhos verdes estavam estranhamente opacos. Seus lábios tremiam um pouco.
— Estavam com você, não?
— Não voltaram comigo. Deixei com o guarda e fui almoçar sozinho. Acabei perdendo a hora.
Ela assentiu, demonstrando que compreendera. O juiz bateu o martelo, pedindo ordem, o que levou toda a multidão a se organizar o mais rápido possível.
Pouco antes do último se estabelecer em algum lugar, Marla murmurou, olhando para frente, com o olhar vago:
— ?
— Hm?
— Se importa de eu segurar sua mão?
hesitou.
— Não.
Marla não olhou para ele, mas segurou sua mão enquanto entrava no banco dos réus.
Pôs um papel na palma da mão de , e sussurrou que ele não o lesse, por enquanto. Observaram, ao mesmo tempo, entrar no tribunal.
Seus cabelos pareciam embaraçados. Ele não soube diferenciar sua de Ramona, naquele momento.
— Prosseguiremos — começou o juiz, com a voz arrastada e preguiçosa — Com o caso de Anne , detetive de homicídios da cidade de Longview, no estado americano da Califórnia, nascida em...
— Excelência — chamou Marla, ficando de pé de repente e soltando a mão de . Sua voz estava firme novamente, como a detetive Bronx que já conhecera.
O juiz, nada contente por ter sido interrompido, ergueu os olhos para Marla.
— Sem interrupções no tribunal, senhorita...
— Detetive. Detetive Bronx. Fui encarregada do caso de e de Ramona. É uma questão de urgência, vossa Excelência.
— E qual seria sua exigência — disse a palavra com desgosto —, detetive Bronx?
Marla engoliu em seco de modo disfarçado.
— Gostaria de socilitar uma audiência fechada com a detetive .
O juiz franziu o cenho ao mesmo tempo que todos os olhares foram direcionados para a ruiva. abaixou os olhos, envergonhado.
Por favor, deixe o novato fora dessa...
— Audiência fechada? — perguntou o juiz. Marla, aparentemente, atiçou a curiosidade dele.
— Precisamente — respondeu a detetive. Dessa vez, deixara uma ponta de insegurança escapar-lhe.
— Na sala gravada da corte.
— Precisamente.
O juiz ponderou por alguns segundos.
— Quanto tempo lhe seria necessário, detetive Bronx?
— Dois minutos.
olhou para Marla, com os olhos do tamanho de bolas de tênis. Ela nem sequer calculara o tempo!
— Exigência aceita — o juiz bateu o martelo — Por favor, se encaminhe para a porta lateral direita. A Srta. logo a acompanhará.
— Excelência — ela prosseguiu —, o pedido não foi a meu respeito. Gostaria de pedir a audiência exclusivamente entre e a detetive .
faria qualquer coisa para sair correndo daquela sala, naquele exato momento.
— A senhora nega a própria presença na sala?
— Sim, Excelência — ela disse, assentindo com a cabeça para enfatizar.
— É de acordo que o senhor permaneça na sala?
O olhar preguiçoso do juiz fora levado para . Ele confirmou:
— Sim, Excelência.
Desconfiado, o juiz bateu o martelo, repetindo:
— Dois minutos.
viu entrar na sala assim como ela entrou na sala escura do Manson, meses antes. Ela foi, junto a um guarda, até a cadeira do outro lado da mesa em que estava sentado. Ficaram frente a frente, com o olhar de morto. Parecia estar prestes a desistir.
Havia uma câmera no canto da sala escura, apontada para . Ele mordeu o lábio ao percebê-la. O guarda continuou postado no canto da sala.
— Quer um café? — perguntou.
negou com a cabeça.
— Já bebi muito café durante o almoço. Uns quatro copos.
Fez-se um sutil silêncio.
— Marla parecia ter um ponto com isso — falou, de modo desleixado.
— Como se sente? — perguntou.
Ela deu de ombros.
— Preciso de um cigarro.
— Mas você não fuma.
— Ramona fuma.
— Você não é Ramona.
— Quem te garante?
Ele encostou as costas na cadeira, cansado. Ela parecia, de fato, estar perto do fim.
— Aquilo lá fora — ela indicou com a mão — É um teatro. Todos já sabem a sentença, a essa altura. É pura burocracia.
— E qual é a sentença?
As unhas de arranhavam a mesa. Um fumante com abstinência.
— Não quero dizer. Você sabe qual é.
— Vamos fazer você sair, . Você sabe que vamos.
já tinha lido o bilhete de Marla. Eram apenas duas palavras, e dois minutos para seguir a ordem.
Ela fez uma careta.
— Disseram a mesma coisa para mim, na época do meu primeiro julgamento.
— Devem ter dito sobre Justin também. E Tyler conseguiu não ser preso.
Ela deu de ombros novamente.
— Uma chance em três. Já ouvi dizer disso. Em três fatos iguais, dois costumam estar fadados ao fracasso.
viu a chance.
— De três? — ele ergueu três dedos — Não, dizem que só um é fadado ao fracasso. E o seu já aconteceu.
Ele deixou dois dedos abaixados, e o indicador erguido. permanecia de braços cruzados.
Ah, , vamos. Só tenho um minuto e meio.
— O caso aqui é mais complexo. Não é tão fácil assim comprovar um caso de múltiplas personalidades.
sabia que a câmera tinha áudio, e que eles estavam sendo ouvidos.
— Quantos Durden estão vivos atualmente, mesmo? — perguntou ele — James, Joe...?
— E Tyler. São três.
— Três?
franziu o cenho, querendo rir.
— Três. O que está acontecendo, ?
— Nada. Só temos mais um minuto aqui. Tem algo que você queira dizer?
Ela suspirou, encostando as costas na cadeira.
— Desculpe por hoje mais cedo.
— Hoje?
— É. Acredito que eu tenha machucado seu pescoço.
— Quarenta e cinco segundos — disse o guarda. Ambos olharam para ele, e voltaram a olhar um para o outro.
— Não se preocupe.
Ela suspirou novamente.
— Me sinto exausta. Eu tinha algumas ambições, sabe? Eu queria poder chegar a algum lugar. Mas parece que agora vai ficar mais difícil.
— Você pode, .
— Não, não é tão fácil. Eu perdi coisas demais ultimamente. Ramona apareceu. Eu estou do avesso.
— Trinta segundos.
— Relaxe, — ele esticou a mão e segurou a dela, envolvendo-a — A gente vai dar um jeito. Ainda temos duas sessões. Agora, e antes do jantar.
Ela franziu o cenho.
— Duas?
— Duas.
— São três, . Tenho uma audiência extra amanhã. É amanhã que teremos o veredito.
— , são duas. O veredito sai hoje à noite.
— , são três.
— Duas.
Ele ergueu dois dedos para indicar o número.
— Quinze segundos.
— Três — ela ergueu o indicador, o médio e o anelar.
Ele ergueu o canto do lábio, ficando de pé.
— Você está certa. São três. Devo ter me enganado. Podemos voltar para o tribunal?
— O senhor ainda tem dez segundos — disse o guarda, intrometendo-se.
inclinou-se até e deu-lhe um beijo que tomou cinco segundos.
— Pronto. Mais cinco segundos para voltar. Podemos ir?
Código 3.
— Todos em seus lugares? — perguntou o juiz — Vamos começar a sessão.
— Excelência!
— Pois não, detetive Bronx...? — questionou ele, quando a ruiva se ergueu novamente.
— A delegada Julie Stoner tem uma prova a ser apresentada.
Julie estava no fim da sala, de pé. Todos a olharam naquele instante. Ao seu lado, estava .
— Delegada? — disse o juiz, olhando para ela — Avisou o advogado sobre a prova em questão?
— Sim, Excelência. Ele confirmou que ainda posso apresentá-la.
— Protesto — ergueu a voz do advogado de acusação — É tarde para apresentar uma prova, Excelência.
— Negado — o juiz parecia curioso, tanto que nem olhou para o advogado de acusação — Ainda há tempo para uma prova por parte da defesa. Qual a precedência da prova?
O advogado de ergueu-se com um CD nas mãos.
— É uma filmagem, Excelência. Foi feita esta manhã.
— Dados da filmagem.
O advogado aproximou-se da mesa, com a voz alta, e dirigindo-se a todos do tribunal.
— Foi feita na residência do oficial de polícia . Na gravação, é visível a divergência entre minha cliente, , e seu alter ego, entitulado Ramona. Poderemos observar a mudança entre e Ramona.
A curiosidade do juiz e do júri pareceu ter sido incitada.
— Providenciaremos um meio de reproduzir o vídeo.
Alguns minutos depois, o vídeo foi mostrado em uma tela branca por um ampliador de imagem. Era possível ver, com detalhes, inclusive sonoros, o momento que posicionou a câmera em sua sala. Minutos depois, que foram acelerados pelo responsável pelo computador, e surgiram. A conversa seguiu-se exatamente como foi. O momento que Ramona surgiu era claro, e ninguém poderia negá-lo.
Os trejeitos de mudaram, o modo com que ela falava. até tinha sido didático no vídeo ao explicar como diferenciar as duas, lembrando que, às vezes, era difícil dizer a diferença.
O vídeo terminou assim que eles saíram da casa. foi até a câmera e desligou-a.
A tela ficou branca novamente, e o tribunal mergulhou em um denso silêncio.
— Trata-se de uma prova bastante conclusiva — disse o advogado de defesa, finalmente.
O júri não moveu um músculo. A não ser, talvez, alguns que tinham ficado boquiabertos, ao fechar as bocas.
O advogado de acusação manifestou-se rapidamente.
— Excelência, acredito ser válida a apresentação de mais uma prova.
— Sob que pretexto?
— A suspeita da veracidade do vídeo apresentado.
olhou para o advogado de acusação com o cenho franzido.
— Veracidade? Você não a viu quase me enforcando?!
— Ordem! — o juiz bateu o martelo — Queixa acatada. Há mais alguma prova a ser apresentada?
Julie ficou vermelha. Olhou para o advogado de defesa, e para .
— Sim, Excelência — afirmou Marla, levantando-se novamente — Gostaria de solicitar a apresentação do vídeo feito na audiência fechada que tomou lugar hoje, há alguns minutos.
— Com a réu e o senhor ?
— Positivo, Excelência.
olhou para Marla. Virou o rosto para trás, para poder vê-la, de pé. Não tinha feito isso em momento algum desde o começo do julgamento.
Tinha os olhos bem abertos, alertas. pôde lê-la.
O que está fazendo, Bronx?
Estava ansiosa.
— O advogado de defesa está ciente da existência desta prova?
— Sim, Excelência — o advogado afirmou — Eu assisti o momento que o vídeo foi gravado, pelo computador fora da sala.
O juiz hesitou um pouco.
— A prova foi reconhecida pela mesa.
O vídeo foi reproduzido. Ao fim dele, ninguém parecia ter qualquer reação, qualquer que ela fosse. Acreditaram ter sido inútil.
— Podemos prosseguir com a sessão? — questionou o juiz, impaciente.
— Pois não, Excelência — confirmou o advogado de defesa — Eu gostaria de chamar o senhor para testemunhar.
sentou-se nervoso no banco das testemunhas, ao lado do juiz.
— Senhor — começou o advogado —, o senhor possui um laço afetivo com a réu, confirma?
— Sim.
— No dia de hoje, seis de janeiro, o senhor pode afirmar com certeza os períodos que estava junto a ela?
— Protesto! — disse o advogado de acusação, ficando de pé.
— Negado.
— Obrigado, Excelência — o advogado de defesa tinha cabeços pretos à escovinha, cheios de gel, e óculos quadrados na frente de seus olhos azuis. Parecia ter saído de um filme dos anos cinquenta, com o rosto quadrado a barba feita e a voz mansa.
balbuciou palavras desconexas, antes deconseguir manter a calma para responder:
— Eu cheguei ao tribunal pouco antes da primeira sessão começar, de manhã. Vi chegar na corte acompanhada por um guarda. Quando a sessão acabou, eu ia levá-la para a casa de , para encontrarmos ele e a delegada Stoner.
— Estavam acompanhados? O senhor levou-a no carro?
— Não. O policial que a escolta levou-a. Deixou-a em minhas mãos apenas quando entramos na casa de .
— Afirma, então, que qualquer diálogo confidencial entre você e a detetive no dia de hoje seria...?
— Impossível — completou — Hoje ou anteriormente. Estamos sempre acompanhados pelo policial.
— Então, seria impossível combinar qualquer coisa entre vocês, sem que isso acabasse nos ouvidos do policial responsável.
— Certamente.
— Protesto!
— Negado.
O advogado de defesa rolou os olhos, antes de prosseguir:
— Dentro da casa do senhor ... A filmagem tem a data de minutos antes de vocês entrarem, e termina minutos depois de saírem. O que houve depois?
— Deixei com o policial responsável e fui almoçar sozinho.
— Protesto!
— Aceito.
O advogado de acusação ajeitou o paletó ao se levantar.
— Não é possível confirmar que o senhor de fato almoçou sozinho.
— É irrelevante — afirmou o advogado de defesa — O importante é o fato de que minha cliente não teve contato algum com qualquer pessoa além de seu policial responsável, e, quando teve, todos estes instantes foram registrados.
O juiz olhou para o policial, que permanecia de pé ao lado de .
— Confirma? — perguntou ele.
O policial assentiu com a cabeça. O juiz voltou-se ao advogado de .
— Prossiga.
Ele sorriu de um jeito quase infantil para continuar.
— Sr. , o senhor pode afirmar qualquer mudança na detetive nos momentos documentados?
— Inclusive o que foi mostrado no vídeo?
— Sim.
— falava de um jeito mais firme. Ela parecia ter mais confiança. Ela mesma se entitula Ramona.
— Protesto! Vídeo armado!
— Negado — o juiz bateu o martelo dessa vez — Ordem.
— E alguma mania, Sr. ? Alguma mania visivelmente de Ramona?
Ele limpou a garganta.
— No vídeo em , Ramona ergue o polegar, o indicador e o dedo do meio ao sinalizar o número três. No vídeo da audiência fechada, ergue o anelar ao invés do polegar.
— Trata-se de algo incomum para a detetive , Sr. ?
— Visivelmente. É uma mania que eu só tinha visto antes em uma pessoa.
— Quem?
— Joseph Durden.
O júri olhou para o juiz com pesar.
— O senhor tem outros meios de comprovar isso? Esse tipo de mania?
— Certamente. nunca fumou. Todos da delegacia sabem disso. Mas tenho registros médicos do dia em que um doutor averiguou que os pulmões dela eram de um fumante.
— E o que afirmou no vídeo com o senhor? Que já tinha bebido café depois do almoço, e que não queria café agora? Confirma?
— Confirma.
— O que isso significa para o senhor?
— ... só bebe café depois da vinda de Ramona. Nunca sem a presença dela.
— Desse modo, pode afirmar que o que foi dito nos vídeos não poderia ter sido jamais armado previamente? Que o que vimos de fato aconteceu, e que minha cliente apresentou um trejeito incomum para si mesma, mas comum a Joseph Durdan e a seu alter ego? Que ela também se comportou como se comporta após o aparecimento de seu alter ego, após o que foi visto no primeiro vídeo, mas agiu normalmente após o segundo?
— Precisamente.
— Protesto!
— Negado.
— Sem mais perguntas.
O júri estava reunido antes da última sessão. Poderiam dar o veredicto naquele mesmo dia. O advogado de defesa de passou o resto da tarde reunido com o de acusação, o juiz e os membros do júri.
O tribunal fora fechado para a última sessão, às 19h. Estavam presentes apenas as pessoas mais próximas de . , Julie, Marla, . Todos estavam em silêncio quando uma senhora, na extremidade do júri, ergueu-se, declarando:
— Declaramos Anne inocente das acusações em relação à sua saúde mental. Constatamos que a senhorita é portadora de problemas de bipolaridade e transtorno de personalidade, sendo assim, livre da prisão, e envolvida em crimes inimputáveis, onde a réu não tinha consciência do que fazia no momento do crime.
O juiz bateu o martelo em confirmação.
— Fica acertada a plena exerção de vida da senhorita , simultâneo o cumprimento de dois anos de intenso trabalho psiquiátrico e uso de remédios. A réu passará por periódicos exames de sanidade, e só poderá voltar a trabalhar após resultados satisfatórios destes, não podendo mais portar uma arma. Depois desse período, ela será avaliada por especialistas. Sobre a guarda da recém-nascida Dorothy, fica acertado que terá a guarda integral da criança, sob a ajuda financeira do Estado e de uma assistente social, que oferecerá assistência 24h por dia, 7 dias por semana, vivendo em sua casa.
— E a herança, Excelência? — perguntou.
— A herança da família Durden deveria ficar com Joseph, James e Tyler Durden. Sabemos, porém, que os dois primeiros estão indisponíveis para receber tal quantia. Desse modo, ela vai para Tyler e Dorothy, visto que ela é herdeira direta de , que também tinha parte da herança em seu nome. A menor Zoe Durden recebe a parte exclusivamente advinda de seu falecido pai, porém, só fará uso desta quando se tornar maior de idade. A senhorita está livre para ir para casa. Agora, quem precisa de um café sou eu. Dispensados.
Chegando à casa de , todos caíram nos sofás e poltronas com um suspiro de alívio.
— Quem quer comer até explodir, depois dessa? — perguntou o dono da casa.
— Por Deus, preciso de uma pizza com gordura extra — pediu Marla.
— Vou pegar uma cerveja. Alguém não quer?
Ninguém respondeu que não. Ambos foram até a cozinha, deixando , Julie e na sala.
respirava pesadamente. Marla voltou, entregando uma garrafa de vidro para cada um. Assim que ela saiu, olhou para Julie e perguntou:
— Vocês planejaram isso tudo?
— Hoje de manhã — ela retrucou, bebendo um gole — Foi coisa rápida. Falamos com a Marla durante o almoço sobre você ter a audiência fechada.
— E por que eu não sabia de nada?
— Porque alguém tinha que não saber.
— E eu fui o eleito.
— Você sempre é o eleito — comentou, bebendo e com um sorriso. Aconchegou-se ao lado de , que a abraçou e deu um beijo em sua cabeça. Julie, com um pequeno sorriso de quem havia concluído com sucesso um trabalho, saiu da sala para ajudar e Marla.
Na verdade, eles sabiam que ela estava saindo para deixá-los sozinhos.
Assim que ela saiu, começou a beijá-la como não podia fazer há muito tempo. sorria, abraçando-o, e virando-se para ficar sentada em seu colo, com suas pernas envolvendo-o. pôs os cabelos de atrás da orelha dela, admirando-a e deixando-a levemente envergonhada.
— Amor, posso te perguntar uma coisa? — perguntou, segundos depois, recebendo um balanço positivo da cabeça de — Você falou uma coisa na audiência fechada que me deixou, minimamente, intrigado.
— O quê?
Ele olhou-a, mas tinha os olhos brilhando, vagos. Não pôde lê-los.
— Você me pediu desculpas por hoje mais cedo.
Ela deu um sorriso amarelo como se não compreendesse.
— E daí?
— Daí... — ele mediu suas palavras, acariciando o rosto de — Que você nunca lembra de Ramona. Como me pediu desculpas?
Foi quando ele percebeu.
tinha os olhos brilhantes, e o canto do lábio erguido. Piscou um olho para .
— Eu sou boa de improviso, . Sei reconhecer um quando o vejo.
Ele franziu o cenho, com um pequeno sorriso confuso.
— Você... Você sabia...?
segurou o rosto de e beijou sua testa.
— Eu percebi o que estava acontecendo. Eles queriam a Ramona. E eu achei mais fácil dar a vocês. Depois de tanto conviver com os espinhos, você aprende como segurar a flor.
— Então... O vídeo foi...
— Não. Não foi falso. Foi só um improviso.
Ela sorriu, ficando de pé.
— Preciso de um banho. Já estarei de volta.
Ela foi em direção à escada para subir para o segundo andar, e usar o banheiro.
— ! — chamou — Isso que fizemos não foi... ilegal?
Ela olhou para ele com o canto do olho, virando para trás. Deu de ombros.
— Bem, talvez aquilo realmente fosse Ramona. Não sei. Quem sabe?
Sorriu.
— Não existe lado escuro da lua, amor. Na verdade, ela é toda escura.
You don’t know me, don’t ignore me! If you had your way, you’d just shut me up, make me go away…
O dia 6 de janeiro, que sempre pareceu um dia tão banal para , agora parecia o dia mais importante do ano.
Ele acordou na manhã daquele dia com ansiedade. Dormira pouco, de fato. Acompanhou todo o processo de , sentado como observador, às vezes como testemunha.
Via , sua , no banco dos réus. Seu advogado era o de Julie, designado pela mesma por ser o melhor dos casos impossíveis.
O máximo que pensava sobre isso era por que aquele cara não foi mandado para o caso Durden, então.
Precisava ir testemunhar vez ou outra sobre sua proximidade com e com , mas sabia que era pouco levado em conta. Em relação a ela, porque eles eram namorados, portanto, qualquer defesa seria tendenciosa. A ele, porque não teria nada a acrescentar além do que outras testemunhas tinham a dizer.
estava lá todos os dias, como réu, em uma mesa separada da de . O julgamento dele fora relativamente rápido, mas, no dia 6, deixaram-no na cadeia porque o acusado era outro.
Ramona.
Era doloroso, para , ver sentada novamente no banco dos réus. Por algum motivo relativamente curioso, ela vestia sempre a mesma roupa cinza que no primeiro momento que a viu, no Manson. Ela queria dizer que era inocente novamente? Que ela estava pronta para deixar aquele lugar, como deixou o Manson? De qualquer modo, era uma coisa que apenas e observariam.
acordou e foi direto para a cozinha, no dia 6. Vivia há alguns dias sem a presença de . Todas as manhãs, eles costumavam se sentar na cozinha, conversando trivialidades do dia a dia, enquanto bebiam café e se revezavam para preparar a comida. Nos dias que fazia, eram waffles com mel, torradas com creme de avelã e muffins. Nos dias de , era pão com ovo.
Sentia falta de seu amigo.
Por outro lado, desejava com todo seu ínterim que Joe Durden apodrecesse na cadeia.
Tomou seu café sozinho. Vestiu uma blusa e calça sociais e deu um jeito no cabelo. E encaminhou-se para o tribunal.
Chegando lá, não viu nem Julie, nem . Eles costumavam sentar juntos, na mesma fileira, todos os dias. Naquele dia, só havia Marla.
foi até a ruiva, que se movimentou para o lado, para que ele se sentasse.
— Onde estão eles? — cochichou.
— Não sei. Não me falaram nada. Estou tão confusa quanto você.
já estava sentada em uma mesa mais a frente. Como em todos os outros dias, permanecia indiferente em todas as sessões.
Estar sozinha numa casa vazia, todas as noites, sem autorização para receber visitas, parecia perturbador o suficiente.
Os olhos dela costumavam ficar fixos na testemunha que estivesse sendo entrevistada. Nem com fora diferente. Por um momento, ele temeu que Ramona quem estivesse olhando por ela, reparando a seguir como esta seria uma ideia absurda. apenas encarava a pessoa, os olhos sutilmente apertados, como se a desafiasse.
conferiu o relógio. A sessão começaria em dois minutos.
— Acabaram de me enviar isso — murmurou Marla, mostrando o celular para . A tela mostrava uma mensagem de texto vinda de .
“Eu e Julie não vamos conseguir ir hoje à sessão, pelo menos de manhã. Estamos resolvendo uma coisa importante. Mas podemos encontrar com na minha casa. Pergunte se o novato pode ir junto, depois do almoço. Venha também, se quiser.”
rolou os olhos.
Eu trabalho nessa delegacia há meses e ainda me chamam de novato.
— Não posso ir. Vou ao hospital para ver Dorothy, ela ainda não pode sair, já que sua responsável legal está desabilitada. Você vai?
— Sim, posso ir. O cara da condicional vai levar para a casa dele, e ficar esperando do lado de fora. Assim que terminar a sessão, podemos ir.
Naquele dia, Marla e Zoe iriam testemunhar sobre Ramona. Seria difícil escolher uma preposição adequada: “com”, “contra”, entre outras. Zoe não possuía qualquer prestígio, de modo que seu relato também costumava ser desprezado, tal como o de . Marla, entretanto, parecia ter cada sílaba gravada pelo júri e pelo juiz. Isso era potencialmente perigoso.
As palavras da detetive ruiva relatavam, principalmente, o período em que ela investigou a existência de Ramona, pelo que narrou quando sua casa foi incendiada. Isso poderia alegar o desconhecimento de por sua outra personalidade, porém, o júri parecia cético.
Quando Marla deixou escapar que tivera um episódio de raiva por conta de Ramona, em que destruira praticamente toda sua própria casa, que ela mesmo incendiara antes, o veredicto parecia estar sendo escrito.
seria internada no Manson novamente. Ou presa.
Ou internada e, depois, presa.
Nenhuma opção parecia viável ou agradável, ao menos aos olhos de .
O juiz bateu o martelo de encerramento de sessão, e permaneceu imóvel em sua cadeira. esperou todos partirem, para poder se levantar. Andou, a passos curtos, até , que não tinha se mexido.
— — ele a chamou.
Nada aconteceu.
— ...
Esticou a mão para tocá-la.
— Amor.
ergueu-se em um salto, e abraçou pela cintura com toda sua força. Afundou o rosto em seu peito, e permaneceu assim por alguns segundos.
— quer que passemos na casa dele. Depois do almoço.
apenas assentiu. Deixaram o tribunal em silêncio, com segurando-a pela mão.
Depois do almoço, fora em seu carro para a casa de , sozinho. O policial da condicional o seguia, em outro carro, este levando também . Chegando ao lugar, estacionaram na rua e saíram do carro.
O policial a segurava pelo braço ao levá-la até o portão, onde fora, como se fosse fugir ou como se ela fosse um pacote.
— Se ela fizer qualquer coisa, é só gritar. Sugiro que deixem a porta e o portão abertos, para que eu entre mais rápido.
— Agradeço — foi o máximo que respondeu, segurando a mão de . abriu o portão, que foi encostado. Andaram pelo caminho de pedras até chegar à porta do casarão, deixada destrancada pelo dono da casa. Entraram na estrutura.
Atrás de si, trancou a porta.
— , estão aqui! — chamou Julie, que estava na sala, de pé, com uma mão no queixo, como se estivesse pensando.
surgiu vindo da cozinha, andando lentamente. Mexia nas próprias mãos, que pareciam ter sido recém-lavadas. Parecia ofegar disfarçadamente, como se quisesse esconder que estivesse fazendo algo antes que eles chegassem.
— O policial da condicional está lá fora — Julie lembrou, olhando o oficial. Parecia um pouco ansiosa.
— Que ele se foda — disse .
A delegada pareceu tentada a concordar.
— Não é como se eu fosse morder vocês ou algo assim — falou, em voz baixa, pela primeira vez em horas — Ramona pode fazer melhor que isso.
Tinha o canto do lábio erguido, como naquela noite na casa de Marla, dias antes.
Encaminhou-se para a poltrona da casa de . Sentou-se lentamente, jogando a cabeça e os cabelos para trás.
— Por que nos pediram para vir? — ela perguntou, com uma sobrancelha erguida, para Julie e . Tinha as pernas posicionadas lado a lado, e os dedos entrelaçados no colo.
Julie passou os dedos de leve nos próprios lábios, roçando a pele. olhou-a de lado, sentando-se no sofá. permaneceu de pé, de braços cruzados, enquanto a delegada dava voltas na sala.
— Eu estive conferindo algumas coisas do caso de Ramona, ultimamente.
— Procurando o quê, na verdade? — perguntou .
Julie deu de ombros, sentando ao lado de . Cruzou os braços e as pernas, tentando manter uma voz firme e, ao mesmo tempo, que não agredisse .
— Não há qualquer prova de que você tivesse agindo sem consciência. Os exames antigos, de , eram superficiais; nada oficial. A gravação encontrada no escritório de foi descartada. Tudo que você dizia sobre ela foi desconsiderado.
— E o que eu disse sobre e ?
— O que você disse sobre e ?
— Que eu continuava vendo-os mesmo depois de suas mortes.
— O relato de foi útil, mas ele só alega alucinações pós-traumáticas. Nada que inocente você de acusações feitas à sua suposta segunda personalidade.
— Suposta? — franziu o cenho, colocando as mãos nos joelhos e inclinando-se sutilmente para frente — Você não viu Ramona, Julie, mas o e o viram. Eu quase esfaqueei o uma vez, por causa dela. Foi ela quem fez isso no rosto do .
Julie franziu o cenho de repente.
— Oh — deixou escapar, com uma careta — Você não sabia disso.
— Foi Ramona quem fez aquilo? , você não tem chance nenhuma de sair impune.
— Mas eu não sou Ramona, Julie, você sabe disso — a detetive disse, com firmeza — Não é conscientemente que faço essas coisas. Eu nunca faria nada disso!
Julie suspirou. Explicar a que aquilo era um caso perdido parecia mais difícil do que ela esperava.
— Você estava bem estressada, — passou a assumir a fala — Sob muita pressão, muitas coisas estavam acontecendo. É acreditável que você tivesse um colapso.
— Eu tive. E ele até tinha nome. E cabelo loiro.
— Estou tentando me colocar no lugar do júri, — ele justificou-se, dando de ombros — É difícil acreditar que, depois de tanto ter acontecido, uma mulher simplesmente alegue múltiplas personalidades consiga sair impune.
— Múltiplas? Só tenho uma!
— Ela se enquadra perfeitamente em um quadro de estresse pós-traumático com alucinações, ! — Julie começou a levantar a voz — Não entende nossa dificuldade aqui em tentar te deixar livre disso?
ajeitou sua postura, firmando a voz baixa, em murmúrio:
— A dificuldade, eu vejo. Mas não o esforço.
Aquilo fez Julie e se calarem imediatamente, e se xingarem internamente.
Isso não está dando certo. Vamos ter que apelar.
— O júri pode até te ver com bons olhos, agora que você é oficialmente inocente pelo assassinato de Joe — começou.
— Surpreendente — ela murmurou, em deboche, jogando-se na poltrona e sentando-se sem postura.
— Mas — ele prosseguiu, ignorando-a — Isso não anula outros crimes. Cumplicidade, agressão, incêndio criminoso...
— Por que diabos eu faria essas coisas contra mim mesma?! — ela perguntou, ficando de pé e apontando para si mesma.
— Pelo mesmo motivo que Ramona fez — murmurou. Todos olharam para ele.
— Ele está certo — Julie completou — A mesma coisa que te incrimina, te inocenta. Não temos como comprovar que você e Ramona são pessoas diferentes, consciências diferentes, presas no mesmo corpo.
— E o que você vai fazer?
Julie suspirou pesadamente.
— Você vai voltar para o Manson.
recuou, com os punhos cerrados.
— Como é?
— Você vai ter que voltar para o Manson, . Na melhor das hipóteses, porque não vamos conseguir comprovar sua situação.
começou a andar pela sala, com os punhos cerrados e olhando para o chão.
— Não. O Manson de novo, não.
— Não há outra alternativa. Seu quadro é bastante delicado.
— Não me importa, . Não vou voltar para o Manson.
— Você vai precisar de tratamento, de qualquer jeito — Julie justificou — E...
— Foda-se! — gritou, chutando a mesa de centro. Todos recuaram. A detetive olhou para a delegada. — Eu não vou voltar para aquele inferno. Consegui sair de lá duas vezes. Duvido que consiga a terceira.
— Você pertence ao Manson, .
O tom calmo de Julie fazia querer matá-la com os olhos. Era incompreensível — e, até, pouco lógico — acreditar que Julie realmente acreditasse o Manson uma opção viável. E a serenidade... Ah, a serenidade da delegada fazia querer estrangulá-la.
Sim, talvez fosse isso. Aquele impulso interior, quase primitivo, de matar Julie porque ela a ameaçava. Puxar aqueles cabelos castanhos, rasgar aquela fina e cuidada pele, enquanto ouvia seus gritos. Como fora com .
Todos tinham um impulso assim, tinha certeza. Então, o que a tornava diferente de todos?
Todos têm a voz das coisas ruins. A voz de apenas tinha um rosto, e era mais alta do que as outras vozes.
Precisava defender-se, e aquela voz era sua proteção. Julie era uma ameaça. Queria prendê-la no Manson de novo, e, para isso, ela estava...
Subitamente, ela acalmou-se.
Não. Eles não vão fazer isso de novo.
Eles não vão controlar você de novo.
— Você está certa — disse a detetive. Voltou para a poltrona, e ali se sentou como antes. Quieta, encolhida, constrangida.
A delegada ficou boquiaberta.
— ?
— Você está certa. Preciso ir para o Manson. Estou frágil, preciso me tratar.
franziu o cenho.
O que deu nela?
Julie e se olharam.
— Bem, você precisa. Nós... podemos cuidar disso.
— Sim, por favor. Vocês já viram como eu posso ser um perigo em potencial. Não quero mais que ninguém se fira por minha causa.
Seus olhos começaram a ficar marejados, nesse momento.
Julie não tinha reação.
— E Dorothy? — perguntou — O que será feito com Dorothy?
— Ela é órfã. A guarda dela é minha, teoricamente, mas não acredito que queiram deixar um bebê com uma mulher tão sequelada quanto eu. É provável que ela fique sob os cuidados de uma assistente social, então.
— É sua decisão final, ? — perguntou Julie, soando fúnebre.
mordeu o lábio, esfregando um olho com as costas da mão.
— Sim. Eu preciso ir para o Manson. Sem data de voltas, sem visitas. Vai ser melhor para todos. Eu sou uma assassina, afinal. Eu pus a bomba no carro de Marla, eu queimei o rosto de , e fui cúmplice nos crimes de Joe. Eu preciso pagar por isso, mesmo que tenha sido inconsciente.
A delegada e o oficial comprimiram os lábios. Ela, primeiro, levantou-se, seguida por ele.
— Vamos... ter que falar com o advogado. Se nos dão licença, estamos com um problema.
Encaminhou-se, com ao seu encalço, casa adentro. permaneceu no mesmo lugar que antes, esfregando as costas das mãos nos olhos.
Antes de partir, Julie olhou de lado para . O jornalista mal tinha convívio com ela para poder lê-la com determinada precisão. Aquele olhar, entretanto, era óbvio para o mais leigo dos leitores. Poderia reconhecê-lo em alguém que conhecesse desde o começo de sua vida, ou quem conhecera há poucos minutos.
Socorro.
Era puro desespero.
nunca fora muito rápido com adivinhações, mas, naquele caso, ele foi particularmente veloz. Assim que Julie deixou a sala, ele compreendeu o que seria aquele teatro todo.
Pôs as mãos nos bolsos. Aproximou-se de , que continuava encarando o chão com uma careta de choro. Sentou, por fim, no sofá na diagonal dela. Juntou as mãos e apoiou os cotovelos em seu joelho, semicerrando os olhos, observando-a com um pouco de ironia.
— Já acabou?
Ela olhou-o de lado, como se quisesse manter o rosto oculto.
— Acabei? Acabei o quê?
virou os olhos.
Que o teatro comece.
— Sua brincadeira. É sério, por alguns instantes eu realmente achei que você estivesse falando sério.
— O que você está falando, ? — ela perguntou, como se estivesse ofendida.
— Esse seu... — ele fez gestos confusos com a mão, mantendo sempre uma voz carregada de deboche — Sua apresentação. É sério, não estou sendo irônico. Você representou muito bem.
ignorou-o. Voltou a olhar para o chão e esfregar os olhos, agora acompanhando isso a pequenos soluços.
— Ok, menos. Eu já entendi você — ele falou, dessa vez soando mais grosseiro — Os soluços já são exagero.
Se eu estiver errado, vou me culpar pelo resto da vida.
Fez uma pausa.
— Eu quase caí, na verdade. Mas no “eu preciso pagar por isso”, ah, você deu uma escorregada. Ficou forçado.
— Cala a boca, . Só cala a boca.
— Mas na boa? Eu concordo de você ir para o Manson. Você viu a cara da Julie e do . Eles querem se livrar de você.
— Eles... querem me ajudar.
— Eles querem você fora da linha — falou, com uma risada — Acham que você dá trabalho demais. E que daria mais ainda, se conseguisse ficar livre. E sabe o que acontece, se não conseguirmos alegar insanidade? Provavelmente uma grande temporada em um presídio. Eles só querem amenizar para você, que nem da última vez.
— Eles querem cuidar de mim — retrucou, parecendo querer convencer-se antes de convencer .
— Eles querem um problema a menos, . Convenhamos: você é cansativa.
Ela franziu o cenho e olhou-o de lado. Seus punhos se fecharam novamente.
— Não diga isso.
— E não é apenas isso. Acha que não quer pagar de bom moço, depois do que você fez a ele? Ele daria de tudo para te ver presa. E sua reputação na delegacia ia de mal a pior... Julie não quer uma puta sob a responsabilidade dela.
Eu gostaria de agradecer a Academia...
A respiração de cessou por um segundo.
— Uma puta?
— Aquela história da deu o que falar, você sabe. E, além disso, você também foi cúmplice da morte dela. Ah, a Julie só quer tirar o dela da reta.
— ... Pare — ela fechou os olhos e apontou o rosto para o chão, de novo.
— Eu também estou cansado, . Sabe, todo cara quer uma mulher que goste dele, que tenha gostos em comum, que seja sua amiga, e blá, blá, blá, romântico. Não queremos uma esquizofrênica homicida incendiária. E olha que só usei os adjetivos que pensei mais rápido.
— , pare.
— Eles escolheram o Manson não por ser o lugar mais próprio para você. É porque lá é o seu inferno na Terra. É pior do que qualquer cadeia, e de lá você não tem saída.
— Lá... é o melhor lugar para mim.
— Aposto que Julie e também acreditam nisso.
começou a estalar os dedos. Piscava repetidas vezes.
— Vai ser passagem só de ida. Eles querem se livrar de você. Todos querem, como sempre quiseram. E, dessa vez, você não tem em quem se prender, tem?
Ele olhou-a com profundidade dessa vez. Ajoelhou-se no chão, na frente de . Os cabelos dela tapavam seu rosto, que tinha os lábios semiabertos, os olhos fechados.
— Tem?
Acalme-se.
Acalme-se.
É isso que ele quer. Você não vai dar isso a ele.
— Ramona se foi, não, ? Ramona se foi, ou nunca existiu. Foi só uma história que você inventou para se sentir melhor consigo mesma, com essa personalidade de merda que você tem.
Acalme-se.
— Você não tem ao que se prender, agora. Tem?
Apertou os olhos com força.
— Tem? — ele gritou, dessa vez.
E então, nada.
parou de estalar os dedos.
parou de piscar os olhos.
fechou a boca.
Ergueu o rosto, com a sobrancelha esquerda levantada, e o canto do lábio arqueado.
— Você quase conseguiu, garoto.
não reagiu. Apenas continuou encarando-a, desta vez, temeroso.
Eu não tinha planejado chegar a esse ponto.
— Eu quase consegui?
Ela fungou com força. Esfregou os olhos uma última vez.
— Ah, isso era brega demais, até para mim. Mas convenci alguém, não convenci? A delegada insosa acreditou.
— Acho que sim... — ele disse, incerto se aquela era a resposta mais apropriada.
deu uma risada víviva.
— Eu já não aguentava mais forçar esse choro ridículo, na verdade — disse ela — Estava me ardendo os olhos, falando sério. E fazer frases de efeito assim, rápido, é complicado. Mas a Julie desistiu cedo. Achei que ela fosse ficar mais tempo.
— Você é uma péssima atriz, .
— Ramona — ela corrigiu — E você também é uma merda.
Ele engoliu em seco.
— Queria entender por que você realmente quer ir para o Manson, afinal. Me deixou curioso.
Ela franziu o cenho, ajeitando o cabelo.
— Já chegamos ao ponto da história que você me pergunta meu plano maligno, eu explico, os mocinhos chegam para o seu resgate e todos saem felizes para sempre?
— Eu percebi que você já estava aqui há um bom tempo. Sabe, na . Eu percebi que você tinha colocado a para dormir.
— Sério? — ela fez bico — Deixei óbvio assim? Onde eu errei?
— O silêncio e a calmaria depois da Julie ter dito que você pertence ao Manson. Foi crucial. Você reagiu com calma demais.
— E isso significa que eu estava aqui de novo?
— Não. Só significa que tinha saído. Em hipótese alguma ela aceitaria voltar ao Manson. Mas você teve uma boa jogada, Ramona. Fazer isso poupou de um momento de estresse e, consequentemente, surto nervoso. Aceitar rápido a ideia de Julie fez ficar frágil rápido, abrindo espaço para você agir com calma e cuidado.
— Ah. E você arruinou meu plano genial. Pobre de mim.
Ele virou os olhos.
— Admito, no quesito “sarcasmo”, fica difícil diferenciar você de .
Ela sorriu infantil.
— Ir para o Manson é a melhor opção para mim. é fraca demais para aguentar aquele lugar, eu logo viria à tona de novo. E, óbvio, nesse dia, seria de vez. Como era planejado, por mim e por Joe. Se deixássemos lá, ela logo iria sumir. Sabe, apenas o mais forte sobrevive.
— E você seria solta?
— Muito provavelmente. São variáveis. Mas é o meu melhor plano.
— Você já teve planos melhores, Ramona.
— Meus planos são sempre os melhores. Sabe por quê?
Ele esperou sua resposta.
— Porque eu sempre saio vencendo no final, mesmo que vocês não percebam.
Houve um curto silêncio.
tocou o rostode . Acariciando-o, suas mãos pareciam mais macias do que o normal. Tocaram sua bochecha, passando por suas orelhas, voltando até tocar a ponta de seu nariz. não regia.
Ela parecia testar se ele estava de fato ali, se era real. De algum modo, pareceu . Mas ele sabia que não.
Estava demonstrando que podia tocá-lo. E se podia tocá-lo, podia fazer qualquer coisa que quisesse com ele.
passou os dedos, tocando-o superficialmente, até os ossos logo abaixo de seu pescoço. fechou os próprios olhos, por instinto, e deixou-a acariciá-lo.
— Andei lendo algumas coisas sobre pessoas realmente ruins. Sabe? Ruins por natureza. Impulsivas de verdade. Manson, Dahmer, Fish, até Gein. Eles eram realmente malucos. Sabe? Completamente sem noção.
Seu tom de voz fora descrente, debochado.
não quis responder. Pareceu mais coerente e inteligente que a deixasse continuar.
— Motivações demasiado pessoais. Era um impulso internalizado, um tipo de necessidade deles. Eram estupidamente emotivos. Entende? Dizem que serial killers são racionais, mas não acho que seja o caso. Pelo que estudo, me parecem emotivos. Matam mulheres porque sentem falta da mãe, estupram jovens porque o primo adolescente abusava deles quando eram menores. Não é assim que se chega a algum lugar. Até o Zodíaco era pessoal demais. Não são como eu. A maioria nem queria ser pego. O que é uma burrice.
ouvia cada letra com atenção quase estudantil.
— Ser pego é a parte principal. Expor tudo que você sempre trabalhou. Eu mesma não sou fã de público, por incrível que pareça, mas minha exposição foi especialmente importante para mim.
abriu os olhos. Ela continuava a acariciar os ossos de seu dorso, fincando uma unha em seu pescoço. engoliu em seco naquele exato instante, e pôde sentir a garganta dele subir e descer.
— É revigorante poder fazer isso tudo sozinha, finalmente. Sem , Joe, como você quiser chamá-lo. Sem Tyler, , , ... Ou sequer você e . Agora sou só eu. Não preciso mais de uma capa, não tenho mais um limite físico para me parar, para tentar me controlar. Mas, exposta, as coisas ficam mais fáceis.
Ergueu a mão para o queixo de , erguendo-o. Ele olhou-a no fundo dos olhos.
— Até que você é bonitinho — ela comentou.
— O que vai fazer?
Ela franziu o cenho.
— Nossa. Você conseguiu quebrar meu timing completamente, agora.
Deu dois tapinhas de leve no queixo de , indicando para que ele se levantasse. Ele obedeceu.
— Lembre-se, gracinha: somos três jogadores aqui. Eu, você e — ela ergueu o polegar, o indicador e o dedo médio — Então, um de nós vai acabar tendo que sair perdendo.
esticou os dois punhos, virados para cima, para que fosse algemada.
— Vamos lá. Não queremos que o coelhinho fuja para o País das Maravilhas.
Quando a segunda sessão do dia estava para começar, tinha se atrasado.
Correu para o tribunal. Empurrou a pesada porta, entrando em um salão repleto de pessoas, com certeza mais do que o triplo do que tinham mais cedo. Imaginou que a repercussão do caso de Ramona tivesse chamado a atenção de mais curiosos, e que o número de assentos fosse insuficiente para todos, o que levaria algumas pessoas a ficarem de pé.
custou a encontrar Marla. Atravessou a multidão, indo até o topo de uma cabeça vermelho cor de fogo, que já estava sentada e aguardava o começo da sessão, que seria em menos de dois minutos.
— Marla? — ele perguntou. A ruiva virou-se para ele, tirando do banco a bolsa que estava ao seu lado.
— Sente-se logo. Achei que não fosse vir.
obedeceu, enquanto todas as pessoas esbarravam umas nas outras, à procura de um lugar.
— Achou mesmo que eu ia perder?
— Não sei. Estou com um mau pressentimento sobre isso. Algo me diz que não vai terminar como queremos.
— Julie e ? — perguntou, olhando em volta. Marla parecia apreensiva, e seus olhos verdes estavam estranhamente opacos. Seus lábios tremiam um pouco.
— Estavam com você, não?
— Não voltaram comigo. Deixei com o guarda e fui almoçar sozinho. Acabei perdendo a hora.
Ela assentiu, demonstrando que compreendera. O juiz bateu o martelo, pedindo ordem, o que levou toda a multidão a se organizar o mais rápido possível.
Pouco antes do último se estabelecer em algum lugar, Marla murmurou, olhando para frente, com o olhar vago:
— ?
— Hm?
— Se importa de eu segurar sua mão?
hesitou.
— Não.
Marla não olhou para ele, mas segurou sua mão enquanto entrava no banco dos réus.
Pôs um papel na palma da mão de , e sussurrou que ele não o lesse, por enquanto. Observaram, ao mesmo tempo, entrar no tribunal.
Seus cabelos pareciam embaraçados. Ele não soube diferenciar sua de Ramona, naquele momento.
— Prosseguiremos — começou o juiz, com a voz arrastada e preguiçosa — Com o caso de Anne , detetive de homicídios da cidade de Longview, no estado americano da Califórnia, nascida em...
— Excelência — chamou Marla, ficando de pé de repente e soltando a mão de . Sua voz estava firme novamente, como a detetive Bronx que já conhecera.
O juiz, nada contente por ter sido interrompido, ergueu os olhos para Marla.
— Sem interrupções no tribunal, senhorita...
— Detetive. Detetive Bronx. Fui encarregada do caso de e de Ramona. É uma questão de urgência, vossa Excelência.
— E qual seria sua exigência — disse a palavra com desgosto —, detetive Bronx?
Marla engoliu em seco de modo disfarçado.
— Gostaria de socilitar uma audiência fechada com a detetive .
O juiz franziu o cenho ao mesmo tempo que todos os olhares foram direcionados para a ruiva. abaixou os olhos, envergonhado.
Por favor, deixe o novato fora dessa...
— Audiência fechada? — perguntou o juiz. Marla, aparentemente, atiçou a curiosidade dele.
— Precisamente — respondeu a detetive. Dessa vez, deixara uma ponta de insegurança escapar-lhe.
— Na sala gravada da corte.
— Precisamente.
O juiz ponderou por alguns segundos.
— Quanto tempo lhe seria necessário, detetive Bronx?
— Dois minutos.
olhou para Marla, com os olhos do tamanho de bolas de tênis. Ela nem sequer calculara o tempo!
— Exigência aceita — o juiz bateu o martelo — Por favor, se encaminhe para a porta lateral direita. A Srta. logo a acompanhará.
— Excelência — ela prosseguiu —, o pedido não foi a meu respeito. Gostaria de pedir a audiência exclusivamente entre e a detetive .
faria qualquer coisa para sair correndo daquela sala, naquele exato momento.
— A senhora nega a própria presença na sala?
— Sim, Excelência — ela disse, assentindo com a cabeça para enfatizar.
— É de acordo que o senhor permaneça na sala?
O olhar preguiçoso do juiz fora levado para . Ele confirmou:
— Sim, Excelência.
Desconfiado, o juiz bateu o martelo, repetindo:
— Dois minutos.
viu entrar na sala assim como ela entrou na sala escura do Manson, meses antes. Ela foi, junto a um guarda, até a cadeira do outro lado da mesa em que estava sentado. Ficaram frente a frente, com o olhar de morto. Parecia estar prestes a desistir.
Havia uma câmera no canto da sala escura, apontada para . Ele mordeu o lábio ao percebê-la. O guarda continuou postado no canto da sala.
— Quer um café? — perguntou.
negou com a cabeça.
— Já bebi muito café durante o almoço. Uns quatro copos.
Fez-se um sutil silêncio.
— Marla parecia ter um ponto com isso — falou, de modo desleixado.
— Como se sente? — perguntou.
Ela deu de ombros.
— Preciso de um cigarro.
— Mas você não fuma.
— Ramona fuma.
— Você não é Ramona.
— Quem te garante?
Ele encostou as costas na cadeira, cansado. Ela parecia, de fato, estar perto do fim.
— Aquilo lá fora — ela indicou com a mão — É um teatro. Todos já sabem a sentença, a essa altura. É pura burocracia.
— E qual é a sentença?
As unhas de arranhavam a mesa. Um fumante com abstinência.
— Não quero dizer. Você sabe qual é.
— Vamos fazer você sair, . Você sabe que vamos.
já tinha lido o bilhete de Marla. Eram apenas duas palavras, e dois minutos para seguir a ordem.
Ela fez uma careta.
— Disseram a mesma coisa para mim, na época do meu primeiro julgamento.
— Devem ter dito sobre Justin também. E Tyler conseguiu não ser preso.
Ela deu de ombros novamente.
— Uma chance em três. Já ouvi dizer disso. Em três fatos iguais, dois costumam estar fadados ao fracasso.
viu a chance.
— De três? — ele ergueu três dedos — Não, dizem que só um é fadado ao fracasso. E o seu já aconteceu.
Ele deixou dois dedos abaixados, e o indicador erguido. permanecia de braços cruzados.
Ah, , vamos. Só tenho um minuto e meio.
— O caso aqui é mais complexo. Não é tão fácil assim comprovar um caso de múltiplas personalidades.
sabia que a câmera tinha áudio, e que eles estavam sendo ouvidos.
— Quantos Durden estão vivos atualmente, mesmo? — perguntou ele — James, Joe...?
— E Tyler. São três.
— Três?
franziu o cenho, querendo rir.
— Três. O que está acontecendo, ?
— Nada. Só temos mais um minuto aqui. Tem algo que você queira dizer?
Ela suspirou, encostando as costas na cadeira.
— Desculpe por hoje mais cedo.
— Hoje?
— É. Acredito que eu tenha machucado seu pescoço.
— Quarenta e cinco segundos — disse o guarda. Ambos olharam para ele, e voltaram a olhar um para o outro.
— Não se preocupe.
Ela suspirou novamente.
— Me sinto exausta. Eu tinha algumas ambições, sabe? Eu queria poder chegar a algum lugar. Mas parece que agora vai ficar mais difícil.
— Você pode, .
— Não, não é tão fácil. Eu perdi coisas demais ultimamente. Ramona apareceu. Eu estou do avesso.
— Trinta segundos.
— Relaxe, — ele esticou a mão e segurou a dela, envolvendo-a — A gente vai dar um jeito. Ainda temos duas sessões. Agora, e antes do jantar.
Ela franziu o cenho.
— Duas?
— Duas.
— São três, . Tenho uma audiência extra amanhã. É amanhã que teremos o veredito.
— , são duas. O veredito sai hoje à noite.
— , são três.
— Duas.
Ele ergueu dois dedos para indicar o número.
— Quinze segundos.
— Três — ela ergueu o indicador, o médio e o anelar.
Ele ergueu o canto do lábio, ficando de pé.
— Você está certa. São três. Devo ter me enganado. Podemos voltar para o tribunal?
— O senhor ainda tem dez segundos — disse o guarda, intrometendo-se.
inclinou-se até e deu-lhe um beijo que tomou cinco segundos.
— Pronto. Mais cinco segundos para voltar. Podemos ir?
Código 3.
— Todos em seus lugares? — perguntou o juiz — Vamos começar a sessão.
— Excelência!
— Pois não, detetive Bronx...? — questionou ele, quando a ruiva se ergueu novamente.
— A delegada Julie Stoner tem uma prova a ser apresentada.
Julie estava no fim da sala, de pé. Todos a olharam naquele instante. Ao seu lado, estava .
— Delegada? — disse o juiz, olhando para ela — Avisou o advogado sobre a prova em questão?
— Sim, Excelência. Ele confirmou que ainda posso apresentá-la.
— Protesto — ergueu a voz do advogado de acusação — É tarde para apresentar uma prova, Excelência.
— Negado — o juiz parecia curioso, tanto que nem olhou para o advogado de acusação — Ainda há tempo para uma prova por parte da defesa. Qual a precedência da prova?
O advogado de ergueu-se com um CD nas mãos.
— É uma filmagem, Excelência. Foi feita esta manhã.
— Dados da filmagem.
O advogado aproximou-se da mesa, com a voz alta, e dirigindo-se a todos do tribunal.
— Foi feita na residência do oficial de polícia . Na gravação, é visível a divergência entre minha cliente, , e seu alter ego, entitulado Ramona. Poderemos observar a mudança entre e Ramona.
A curiosidade do juiz e do júri pareceu ter sido incitada.
— Providenciaremos um meio de reproduzir o vídeo.
Alguns minutos depois, o vídeo foi mostrado em uma tela branca por um ampliador de imagem. Era possível ver, com detalhes, inclusive sonoros, o momento que posicionou a câmera em sua sala. Minutos depois, que foram acelerados pelo responsável pelo computador, e surgiram. A conversa seguiu-se exatamente como foi. O momento que Ramona surgiu era claro, e ninguém poderia negá-lo.
Os trejeitos de mudaram, o modo com que ela falava. até tinha sido didático no vídeo ao explicar como diferenciar as duas, lembrando que, às vezes, era difícil dizer a diferença.
O vídeo terminou assim que eles saíram da casa. foi até a câmera e desligou-a.
A tela ficou branca novamente, e o tribunal mergulhou em um denso silêncio.
— Trata-se de uma prova bastante conclusiva — disse o advogado de defesa, finalmente.
O júri não moveu um músculo. A não ser, talvez, alguns que tinham ficado boquiabertos, ao fechar as bocas.
O advogado de acusação manifestou-se rapidamente.
— Excelência, acredito ser válida a apresentação de mais uma prova.
— Sob que pretexto?
— A suspeita da veracidade do vídeo apresentado.
olhou para o advogado de acusação com o cenho franzido.
— Veracidade? Você não a viu quase me enforcando?!
— Ordem! — o juiz bateu o martelo — Queixa acatada. Há mais alguma prova a ser apresentada?
Julie ficou vermelha. Olhou para o advogado de defesa, e para .
— Sim, Excelência — afirmou Marla, levantando-se novamente — Gostaria de solicitar a apresentação do vídeo feito na audiência fechada que tomou lugar hoje, há alguns minutos.
— Com a réu e o senhor ?
— Positivo, Excelência.
olhou para Marla. Virou o rosto para trás, para poder vê-la, de pé. Não tinha feito isso em momento algum desde o começo do julgamento.
Tinha os olhos bem abertos, alertas. pôde lê-la.
O que está fazendo, Bronx?
Estava ansiosa.
— O advogado de defesa está ciente da existência desta prova?
— Sim, Excelência — o advogado afirmou — Eu assisti o momento que o vídeo foi gravado, pelo computador fora da sala.
O juiz hesitou um pouco.
— A prova foi reconhecida pela mesa.
O vídeo foi reproduzido. Ao fim dele, ninguém parecia ter qualquer reação, qualquer que ela fosse. Acreditaram ter sido inútil.
— Podemos prosseguir com a sessão? — questionou o juiz, impaciente.
— Pois não, Excelência — confirmou o advogado de defesa — Eu gostaria de chamar o senhor para testemunhar.
sentou-se nervoso no banco das testemunhas, ao lado do juiz.
— Senhor — começou o advogado —, o senhor possui um laço afetivo com a réu, confirma?
— Sim.
— No dia de hoje, seis de janeiro, o senhor pode afirmar com certeza os períodos que estava junto a ela?
— Protesto! — disse o advogado de acusação, ficando de pé.
— Negado.
— Obrigado, Excelência — o advogado de defesa tinha cabeços pretos à escovinha, cheios de gel, e óculos quadrados na frente de seus olhos azuis. Parecia ter saído de um filme dos anos cinquenta, com o rosto quadrado a barba feita e a voz mansa.
balbuciou palavras desconexas, antes deconseguir manter a calma para responder:
— Eu cheguei ao tribunal pouco antes da primeira sessão começar, de manhã. Vi chegar na corte acompanhada por um guarda. Quando a sessão acabou, eu ia levá-la para a casa de , para encontrarmos ele e a delegada Stoner.
— Estavam acompanhados? O senhor levou-a no carro?
— Não. O policial que a escolta levou-a. Deixou-a em minhas mãos apenas quando entramos na casa de .
— Afirma, então, que qualquer diálogo confidencial entre você e a detetive no dia de hoje seria...?
— Impossível — completou — Hoje ou anteriormente. Estamos sempre acompanhados pelo policial.
— Então, seria impossível combinar qualquer coisa entre vocês, sem que isso acabasse nos ouvidos do policial responsável.
— Certamente.
— Protesto!
— Negado.
O advogado de defesa rolou os olhos, antes de prosseguir:
— Dentro da casa do senhor ... A filmagem tem a data de minutos antes de vocês entrarem, e termina minutos depois de saírem. O que houve depois?
— Deixei com o policial responsável e fui almoçar sozinho.
— Protesto!
— Aceito.
O advogado de acusação ajeitou o paletó ao se levantar.
— Não é possível confirmar que o senhor de fato almoçou sozinho.
— É irrelevante — afirmou o advogado de defesa — O importante é o fato de que minha cliente não teve contato algum com qualquer pessoa além de seu policial responsável, e, quando teve, todos estes instantes foram registrados.
O juiz olhou para o policial, que permanecia de pé ao lado de .
— Confirma? — perguntou ele.
O policial assentiu com a cabeça. O juiz voltou-se ao advogado de .
— Prossiga.
Ele sorriu de um jeito quase infantil para continuar.
— Sr. , o senhor pode afirmar qualquer mudança na detetive nos momentos documentados?
— Inclusive o que foi mostrado no vídeo?
— Sim.
— falava de um jeito mais firme. Ela parecia ter mais confiança. Ela mesma se entitula Ramona.
— Protesto! Vídeo armado!
— Negado — o juiz bateu o martelo dessa vez — Ordem.
— E alguma mania, Sr. ? Alguma mania visivelmente de Ramona?
Ele limpou a garganta.
— No vídeo em , Ramona ergue o polegar, o indicador e o dedo do meio ao sinalizar o número três. No vídeo da audiência fechada, ergue o anelar ao invés do polegar.
— Trata-se de algo incomum para a detetive , Sr. ?
— Visivelmente. É uma mania que eu só tinha visto antes em uma pessoa.
— Quem?
— Joseph Durden.
O júri olhou para o juiz com pesar.
— O senhor tem outros meios de comprovar isso? Esse tipo de mania?
— Certamente. nunca fumou. Todos da delegacia sabem disso. Mas tenho registros médicos do dia em que um doutor averiguou que os pulmões dela eram de um fumante.
— E o que afirmou no vídeo com o senhor? Que já tinha bebido café depois do almoço, e que não queria café agora? Confirma?
— Confirma.
— O que isso significa para o senhor?
— ... só bebe café depois da vinda de Ramona. Nunca sem a presença dela.
— Desse modo, pode afirmar que o que foi dito nos vídeos não poderia ter sido jamais armado previamente? Que o que vimos de fato aconteceu, e que minha cliente apresentou um trejeito incomum para si mesma, mas comum a Joseph Durdan e a seu alter ego? Que ela também se comportou como se comporta após o aparecimento de seu alter ego, após o que foi visto no primeiro vídeo, mas agiu normalmente após o segundo?
— Precisamente.
— Protesto!
— Negado.
— Sem mais perguntas.
O júri estava reunido antes da última sessão. Poderiam dar o veredicto naquele mesmo dia. O advogado de defesa de passou o resto da tarde reunido com o de acusação, o juiz e os membros do júri.
O tribunal fora fechado para a última sessão, às 19h. Estavam presentes apenas as pessoas mais próximas de . , Julie, Marla, . Todos estavam em silêncio quando uma senhora, na extremidade do júri, ergueu-se, declarando:
— Declaramos Anne inocente das acusações em relação à sua saúde mental. Constatamos que a senhorita é portadora de problemas de bipolaridade e transtorno de personalidade, sendo assim, livre da prisão, e envolvida em crimes inimputáveis, onde a réu não tinha consciência do que fazia no momento do crime.
O juiz bateu o martelo em confirmação.
— Fica acertada a plena exerção de vida da senhorita , simultâneo o cumprimento de dois anos de intenso trabalho psiquiátrico e uso de remédios. A réu passará por periódicos exames de sanidade, e só poderá voltar a trabalhar após resultados satisfatórios destes, não podendo mais portar uma arma. Depois desse período, ela será avaliada por especialistas. Sobre a guarda da recém-nascida Dorothy, fica acertado que terá a guarda integral da criança, sob a ajuda financeira do Estado e de uma assistente social, que oferecerá assistência 24h por dia, 7 dias por semana, vivendo em sua casa.
— E a herança, Excelência? — perguntou.
— A herança da família Durden deveria ficar com Joseph, James e Tyler Durden. Sabemos, porém, que os dois primeiros estão indisponíveis para receber tal quantia. Desse modo, ela vai para Tyler e Dorothy, visto que ela é herdeira direta de , que também tinha parte da herança em seu nome. A menor Zoe Durden recebe a parte exclusivamente advinda de seu falecido pai, porém, só fará uso desta quando se tornar maior de idade. A senhorita está livre para ir para casa. Agora, quem precisa de um café sou eu. Dispensados.
Chegando à casa de , todos caíram nos sofás e poltronas com um suspiro de alívio.
— Quem quer comer até explodir, depois dessa? — perguntou o dono da casa.
— Por Deus, preciso de uma pizza com gordura extra — pediu Marla.
— Vou pegar uma cerveja. Alguém não quer?
Ninguém respondeu que não. Ambos foram até a cozinha, deixando , Julie e na sala.
respirava pesadamente. Marla voltou, entregando uma garrafa de vidro para cada um. Assim que ela saiu, olhou para Julie e perguntou:
— Vocês planejaram isso tudo?
— Hoje de manhã — ela retrucou, bebendo um gole — Foi coisa rápida. Falamos com a Marla durante o almoço sobre você ter a audiência fechada.
— E por que eu não sabia de nada?
— Porque alguém tinha que não saber.
— E eu fui o eleito.
— Você sempre é o eleito — comentou, bebendo e com um sorriso. Aconchegou-se ao lado de , que a abraçou e deu um beijo em sua cabeça. Julie, com um pequeno sorriso de quem havia concluído com sucesso um trabalho, saiu da sala para ajudar e Marla.
Na verdade, eles sabiam que ela estava saindo para deixá-los sozinhos.
Assim que ela saiu, começou a beijá-la como não podia fazer há muito tempo. sorria, abraçando-o, e virando-se para ficar sentada em seu colo, com suas pernas envolvendo-o. pôs os cabelos de atrás da orelha dela, admirando-a e deixando-a levemente envergonhada.
— Amor, posso te perguntar uma coisa? — perguntou, segundos depois, recebendo um balanço positivo da cabeça de — Você falou uma coisa na audiência fechada que me deixou, minimamente, intrigado.
— O quê?
Ele olhou-a, mas tinha os olhos brilhando, vagos. Não pôde lê-los.
— Você me pediu desculpas por hoje mais cedo.
Ela deu um sorriso amarelo como se não compreendesse.
— E daí?
— Daí... — ele mediu suas palavras, acariciando o rosto de — Que você nunca lembra de Ramona. Como me pediu desculpas?
Foi quando ele percebeu.
tinha os olhos brilhantes, e o canto do lábio erguido. Piscou um olho para .
— Eu sou boa de improviso, . Sei reconhecer um quando o vejo.
Ele franziu o cenho, com um pequeno sorriso confuso.
— Você... Você sabia...?
segurou o rosto de e beijou sua testa.
— Eu percebi o que estava acontecendo. Eles queriam a Ramona. E eu achei mais fácil dar a vocês. Depois de tanto conviver com os espinhos, você aprende como segurar a flor.
— Então... O vídeo foi...
— Não. Não foi falso. Foi só um improviso.
Ela sorriu, ficando de pé.
— Preciso de um banho. Já estarei de volta.
Ela foi em direção à escada para subir para o segundo andar, e usar o banheiro.
— ! — chamou — Isso que fizemos não foi... ilegal?
Ela olhou para ele com o canto do olho, virando para trás. Deu de ombros.
— Bem, talvez aquilo realmente fosse Ramona. Não sei. Quem sabe?
Sorriu.
— Não existe lado escuro da lua, amor. Na verdade, ela é toda escura.
You don’t know me, don’t ignore me! If you had your way, you’d just shut me up, make me go away…
Capítulo 42 — Blood
It's really quite alarming, ‘cause I'm such an awful fuck!
Em julho, seis meses depois, o verão já parecia demasiado intenso em Longview. Naquele dia em especial, o sol parecia até mais bonito. Não era comum, ao menos naquela cidade, esperar aquela data com muita ansiedade, por toda a população. Mas a pequena parcela de policiais estava animada.
A cerimônia de promoções.
tinha escolhido um belo vestido azul-marinho, até pouco acima do joelho, justo e sem mangas. Tinha um decote elegante, tanto no dorso quanto nas costas. , convidado de honra no evento — afinal, tanto era da imprensa quanto era da polícia estadual —, vestia uma calça preta e blusa social branca. Já tinham almoçado e chegaram à casa de eventos no começo da tarde, cerca de meia hora antes da cerimônia em si. Mas estavam com pressa: tinha enviado a uma mensagem de texto pedindo por ajuda urgente. Ajuda exclusiva de .
— Vou estar na mesa — disse , dando um beijo em sua namorada e tomando um caminho diferente do dela.
Ela subiu as escadas brancas, com um tapete vermelho, indo até os quartos em que alguns convidados se arrumavam. Seu vestido chegava a estar largo, pois emagrecera gradativamente, por conta do cigarro — vício que não conseguira largar.
Bateu na porta do quarto de .
— Quem é? — ele perguntou, do lado de dentro, parecendo alarmado.
— O Pikachu.
A porta foi aberta abruptamente, e colocou a cabeça para fora.
— Ande logo, temos uma emergência.
Puxou o braço de para dentro do quarto, fechando a porta atrás de si. A detetive olhou em volta, e não achou qualquer coisa de anormal. foi até o espelho que tinha no canto do quarto, já vestindo um terno preto sobre uma camisa social branca. Com o rosto apreensivo, virou-se para ela, perguntando, com uma gravata azul e uma cinza nas mãos:
— Qual delas?
deixou o olhar de susto morrer, fazendo uma careta e rindo. Olhou para a mala que tinha num canto do quarto, com outras roupas, que ele provavelmente já experimentara e acabou por preferir a que estava vestindo.
— Primeiramente, esse paletó faz você parecer um defunto. Você tem um blazer bem mais bonito.
— Mas paletó é mais adequado para a ocasião...
— É realmente esse argumento que você vai usar para me convencer? — falou com desdenho, indo até a mala que tinha levado e pegando o blazer preto — Por favor, eu trabalho de jeans.
Estendeu o blazer, e ele fez a troca.
— Bônus: não precisa de gravata.
ajeitou a roupa na frente do espelho. tinha as mãos na frente do corpo, esperando-o ficar pronto.
Seu rosto ainda estava bem sequelado. Tinha manchas, a carne de um lado da face ainda era um pouco mais caída, mas, inegavelmente, ele continuava um homem bonito.
— Obrigada, — ele disse, alisando a roupa e soltando o ar — Estou meio nervoso.
— Reconheço que está. Não é todo dia que alguém é promovido.
Ele sorriu como uma criança na véspera de Natal.
— Acho que não — ele concordou.
Virou-se para .
— Como eu estou?
Seu sorriso era o mais sincero que já viu em seu rosto. Teve vontade de chorar ao lembrar que fora ela a estragá-lo.
— Um sargento.
levantou o braço esquerdo, para que passasse seu próprio braço direito por dentro dele, para saírem do quarto. Encaminhou-se para a porta, levando-a.
— ... Eu queria lembrar... que sobre seu rosto...
— , esqueça isso. Não foi você quem fez. Vamos logo, antes que eles mudem de ideia.
A John , policial do estado americano da Califórnia, devido a seu trabalho com a primeira e segunda fase do caso de Joseph Durden, foi entregue a medalha de honra, além de sua promoção ao título de sargento. Quando subiu para recebê-los, os aplausos foram ensurdecedores. Certamente, era a convidada mais animada.
Após a cerimônia, sentou-se em uma mesa, com , Julie, Marla, e Zoe. Todos que passavam em volta observavam a mesa com certa curiosidade. Alguns pareciam querer falar com eles, outros, evitá-los. Alguns pareciam até querer sentar-se e fazer parte do grupo.
Talvez, um ano antes, estranharia um desejo como esse. Atualmente, podia dizer que compreendia.
Tinha a guarda de Dorothy e cuidava dela, juntamente com uma moça da assistência social. Era uma jovem, bem doce, que ficava curiosa sobre o trabalho de . Ela era mesmo detetive? Tinha pegado muitos casos difíceis?
tinha dificuldade em explicar que não, não era como nos livros do Sherlock Holmes. Mas que, bem, ela tinha sim dupla personalidade e tinha uma tatuagem que cobria todas suas costas, para provar.
— Acho que temos um atrasado por aqui — Marla anunciou, olhando para quem chegava ao salão.
virou-se para a entrada, onde a ruiva tinha indicado.
Chegando, parecendo um pouco perdido, estava um jovem loiro de olhos verdes. Ajeitou o blazer cinza que vestia, junto a uma blusa social azul. Os cabelos continuavam indomáveis como sempre foram. A única possível diferença era que ele estava de braços dados com uma jovem, também loira. Esta, entretanto, parecia bem mais diferente: tinha cabelos curtos agora, e bem mais postura, com o corpo bem delineado em um vestido cor de pêssego.
— Estão ali, Tyler. Anda! — Zoe chamava-o, puxando pelo braço e apontando para a mesa onde estava — Já demorou para sair de casa, agora vai demorar para ir até a droga da mesa?
A convivência com Tyler, impressionantemente, diminuíra sua frequência de palavrões.
ficou de pé. Não via o irmão há um bom tempo: ele fora solto do Manson assim que o julgamento acabou, demonstrando que não precisava estar lá, nem nunca precisou. Teve, porém, que deixar a irmã mais uma vez, ao viajar para uma cidade maior na Califórnia, para finalmente começar o curso de administração.
Ainda se chamavam de irmãos, não por força de uso, mas porque parecia adequado.
— Quanto tempo, irmãozinho — cumprimentou-o com um abraço.
— Férias de verão rápidas para dar um pulo no cu do fim do mundo que vocês chamam de cidade — retrucou ele, com um sorriso, abraçando , e um brilho incomum em seus olhos verdes.
— Lava a boca com sabão, Tyler — disse Zoe, abraçando a detetive enquanto o jovem cumprimentava os outros da mesa. A menina, ou melhor, jovem moça, segurou pelo braço ao cumprimentar os outros convidados, pedindo que ela esperasse. Assim que terminou, passou a andar com em direção a uma varanda.
— Como estão as coisas? Confesso que fiquei surpresa com você vir com o Tyler — perguntou , apoiando-se na varanda e cruzando os braços. Tinha um tom desafiador e divertido, como se brincasse com Zoe, esta sentada em uma cadeira.
— Ele me contatou quando disse que viria para Longview. Disse que queria fazer uma surpresa para você, e eu falei desse evento. Ele me convidou para acompanhá-lo.
— Conheço bem esse “convite” do meu irmão — comentou , pegando um cigarro na bolsa e colocando-o nos lábios. Estendeu o maço a Zoe, que negou com a cabeça.
— Parei de fumar. E qual o problema? Ele não é meu primo mesmo...
riu.
— Como você está, Zoe? Faz tempo que não nos falamos.
Zoe suspirou.
— Voltei a morar com meus avós, vulgo pais de mentira, e eles juraram não tocar na minha herança, mesmo podendo. Querem deixar o dinheiro para pagar minha faculdade. Devo fazer administração. O Tyler fez isso, usou o dinheiro para pagar a faculdade dele.
— Eu sei — disse, tragando — Ele me falou disso, na última vez que nos falamos por telefone. Há, o quê?, um mês. Ele não gosta muito de expor a vida na mídia, como eu. Tivemos holofotes suficientes à nossa volta e, ainda assim, ficamos calados.
Zoe concordou. Depois do encerramento do caso de Joe, Zoe, Tyler e se mantiveram evasivos.
— Ele andou em contato com os responsáveis pelos hotéis Tate. Você sabe que a gerência é dele por direito, não? Então. Ele vai assumir, com toda a assistência, depois que terminar a faculdade. Isso já é certo. Quer manter os hotéis da família funcionando. Eles lucram, e são uma parte boa que sobrou da tia Johanna.
sorriu em satisfação, tragando mais uma vez.
— Estou pensando em entrar nessa também. Sabe, eu também tenho uma parcela de direito de entrar nesse clube. Acho que eu ia gostar.
— Tenho certeza de que Tyler não hesitaria em te ajudar com o que precisar — retrucou, rindo.
Quando Zoe ia retrucar, Tyler apareceu na varanda.
— Zoe, não vai comer nada? Eu já comi uns três porcos só enquanto você me deu esse perdido.
— Tem razão. Preciso de comida. Estou em fase de crescimento.
Ergueu-se e passou por Tyler para voltar ao salão. Ele fez menção de se aproximar dela, mas pareceu desistir de última hora.
ergueu o canto do lábio e indicou a cadeira recém-vazia para o irmão. Ele sentou-se.
— Eu aceitaria um cigarro — comentou.
— Então pague um para você — disse com a voz irônica — Você não é o podre de rico?
Ele riu, pegando seu próprio maço no blazer. negou e estendeu um cigarro a ele. Tyler serviu-se, e a detetive acendeu a chama.
Estranhamente, a conversa acabou assumindo um tom fúnebre.
— Como estão os dois? — ele perguntou, apoiando os cotovelos nos joelhos.
— Quem?
— Meus irmãos.
tragou, para ganhar tempo e demorar a responder.
— James continua preso. É uma prisão de segurança máxima. Não deve sair tão cedo. A sentença dele foi de mais de vinte anos.
— Acredito que Joe não tenha ido para o mesmo lugar.
A voz de assumiu um tom inexpressivo.
— Ele foi, mas em uma ala diferente. Não durou muito. Morreu mês passado, espancado por um colega de cela.
Tyler tragou com pesar.
— Espancado? Que ironia. Quase morri assim também.
O cigarro de estava na metade. Ela fitava o chão.
— Me avisaram — ela continuou — Eu estava jantando em casa quando ligaram para me avisar. De algum modo, achei que fosse ficar aliviada. Entende? Como se fosse um perigo a menos. Mas não fiquei assim. Na verdade, fiquei com saudades. Do Joe que eu conheci quando pequena, e de .
Tyler ergueu o canto do lábio em compreensão. Ficou de pé e abraçou . Ela não precisava daquilo, mas abraçou de volta.
— Tenho uma coisa para contar, Tyler. E você não pode dizer isso a ninguém.
Quando a noite se aproximava, estava sentada na mesa, sozinha. Conferia algo no celular, quando Julie sentou-se ao seu lado de surpresa.
— ! — exclamou, puxando a cadeira. Seus cabelos castanhos estavam curtos agora, mas os olhos cor de oliva brilhavam do mesmo jeito de sempre.
respondeu com um sorriso.
— Eu gosto dessas cerimônias — afirmou a delegada, olhando em volta — É interessante, no nosso ramo. Parece o único momento que nos desconectamos do nosso trabalho. É uma festa. Isso é bom, de vez em quando. Comemorar.
sorriu sem graça, concordando, mas curiosa para saber onde Julie queria chegar.
A delegada olhou-a com um sorriso maternal.
— Tenho uma oferta para você, , já que estamos em um clima de promoções.
franziu o cenho.
— Ano que vem vou me aposentar. Esse é meu último ano na delegacia. Talvez eu mude de emprego, possivelmente, mas vou largar a polícia. Queria saber se você aceitaria o posto de delegada no meu lugar.
piscou os olhos rapidamente, como se aquilo pudesse elucidar sua computação da frase anteriormente dita.
— Eu não posso ser delegada — foi tudo que ela conseguiu afirmar.
— Você é qualificada. E você sabe que só não é sargento porque está de licença — Julie retrucou, com uma sobrancelha erguida e bebericando alguma coisa que não identificou.
Talvez fosse por bebericar aquilo que estivesse com aquela ideia, pensou a detetive.
— Eu ia transformar aquele lugar na Disneyland. Você me conhece, Julie. Temos pessoas bem mais indicadas para isso.
— Você faria aquele lugar andar, sabe disso. Além disso, quem mais seria perfeito para assumir a delegacia do que sua policial mais famosa?
olhou, com o canto do olho, para alguém no salão. Uma moça com um belo vestido preto e os cabelos ruivos presos em um coque desajeitado, mas que fazia total jus a toda sua beleza. Seu rosto, dessa vez, não estava tão frio; ao contrário, ela parecia alegremente à vontade.
— A policial que me tornou famosa. Que tal?
Julie franziu o cenho, procurando Marla na multidão.
— Bronx? Tem certeza?
deu de ombros.
— Ela é qualificada. Responsável. Leva isso bem a sério, ao contrário de mim.
— Ela te fez ser presa.
— Marla fez o trabalho dela.
— ... — Julie parecia cada vez mais surpresa — Ela te mandou para a cadeia.
— Bem, eu a odiava por ter feito isso. Mas talvez odiaria ainda mais se ela não me tivesse mandado. Demonstraria falta de competência.
A delegada esperou que falasse mais alguma coisa. Olhando para a ruiva, a detetive completou:
— Ela assumiu com muita seriedade cada caso encarregado a ela. Sempre foi muito trabalhadora para isso. Jogue o nome dela nas indicações antes do meu.
— Você, , está me indicando para que a Marla assuma a delegacia? — riu a delegada — Não sei mais em que mundo estou. Sempre achei que vocês quisessem se matar.
deu de ombros, bebendo seu próprio copo, livre de qualquer gota de álcool.
— Não tem ninguém mais indicado do que a Marla. E garanto que a delegacia estará nas melhores mãos, se deixar com ela.
— Melhor que as suas? Você quase está conseguindo me convencer, — brincou.
— Tem ideia de como eu ficaria mais insuportável ainda, se eu fosse a delegada?
Julie sorriu pequeno. Pareceu ter se convencido.
Chegando em casa, por volta das nove da noite, encontrou a jovem assistente social com Dorothy. Brincava com a menina, que tinha grandes olhos iguais aos de , mas o rosto doce de .
— ! — chamou a assistente, com a menina no colo. Dorothy olhou para sua madrinha e esticou suas mãos com um sorriso. estava atrás de quando ela pegou a bebê no colo.
— Volto amanhã no horário habitual. Mas queria tentar deixar Dorothy menos apegada a mim, já que nós vamos...
Sem que visse, ergueu as sobrancelhas, um claro sinal para que a assistente parasse de falar. Despediu-se deles rapidamente e foi embora da casa de , batendo a porta.
tirou o blazer e colocou-o numa cadeira. comprara móveis novos com a indenização paga a ela pelo estado da Califórnia, pelo erro cometido na primeira fase do caso Durden, quando ela foi presa. Sua casa parecia ter um rosto novo. levou Dorothy para o quarto da menina e colocou-a no berço, já quase adormecida.
Assim que saiu do quarto, abraçou-a pelas costas, dando um beijo em seu ombro.
— A bebê não pode nem dormir, que você já se acende — brincou com ele.
— Qualquer tempo com você é tempo com você. E hoje é dia de comemoração.
— Deve ser — retrucou, virando-se para ele e beijando-o. Algum tempo depois, desvinculou-se, ajeitando sua roupa e indo até as escadas.
— Sabe, acho que nos dá certo trabalho esse ir e vir — comentou, em um tom hesitante.
— O que você quer dizer com isso? — ela perguntou, subindo as escadas.
Ainda a hesitar, quando entrou no quarto, ele completou, apoiando o cotovelo na porta e olhando para o chão:
— Pensei que você e Dorothy poderiam ir morar comigo.
parou por um momento. Estava pegando seu pijama para poder tomar um banho.
— Desde que ... — pensou em corrigir o nome, mas prosseguiu sem fazê-lo — Desde que ele foi embora, o apartamento pareceu grande demais para mim. Todo dia eu acordo sozinho, menos quando você dorme na minha casa — fez uma pausa — Percebi que queria que isso fosse minha rotina, esses dias em especial. E que eu queria que vocês morassem comigo.
— Achei que estivesse bom assim — ela retrucou, sem graça.
comprimiu os lábios. Talvez não tivesse sido uma boa ideia propor aquilo.
— Entendo se você não aceitar, amor. Eu reconheço, essa é sua casa. E tem a Dorothy...
— Não é a casa, — ela respondeu, separando o pijama. Evitava olhá-lo nos olhos.
— O que é?
Ela comprimiu os lábios. Virou-se para ele, que permanecia na porta, sem deixá-la sair.
— Eu fui indicada para assumir um trabalho em outra delegacia.
— Assumir um trabalho? — ele estranhou — Estão te solicitando?
Mentir não parecia o mais correto, nem que fosse para . Muito menos ocultar.
— É uma transferência.
Ele recuou. Tirou o braço da porta, cruzando-os. Pôde ouvir o som de vidro estilhaçado.
— Você pediu transferência?
— Não. Me indicaram a transferência. Julgaram que Longview podia fazer mal a mim e à Dorothy. Achei que talvez fosse bom.
— E para mim? Pensou em mim?
Ela queria chorar.
— É claro. Foi em quem eu mais pensei.
— Não parece ter sido — ele tinha a voz firme — Eu te proponho morar comigo, mas você me vem com a notícia que vai sair da cidade. Afinal, para onde é? Los Angeles? San Francisco?
— É uma cidade no norte. Umas quatro horas de viagem, de carro.
pigarreou, desviando o olhar. Os olhos começavam a marejar.
— Você está fugindo, sabia? Não achei que você fosse fazer algo assim.
— Eu não estou fugindo.
— Você não oferece nenhum perigo a mim. Não, você nunca ofereceu. Nem com Ramona.
— , eu tentei te matar — ela lembrou, apertando os olhos.
— Você não está mais assim. Você está ótima. Você não precisa sair da cidade! Não precisa deixar a delegacia.
— Eu preciso. É melhor para mim. Para todos nós.
— Não, — ele afirmou, indo até ela e erguendo seu rosto, segurando-o pelas bochechas, fazendo olhar para ele — Você não precisa nos deixar. Não precisa deixar Julie, , ou Marla.
— Eu preciso... — forçava o rosto para baixo, com as lágrimas já correndo, e segurando os pulsos de .
— Não. Você não precisa. Você não precisa me deixar — ele a segurava com força — Não pode me deixar.
Ela não respondeu. Sentou-se na cama, com acompanhando-a. Ele enterrou o rosto no colo dela. Por alguns segundos, não produziu qualquer som a não ser um discreto ruído de choro. Por fim, murmurou, sem erguer a cabeça:
— Eu te conheço há menos de um ano e não consigo imaginar minha vida sem você.
— ... Não faça isso... Não torne isso mais difícil... — ela murmurou, acariciando seus cabelos.
— Eu não vou parar. Eu vou falar o que eu quero falar, não importa o quanto isso soe dramático ou clichê. Porque eu quero passar o resto da minha vida com você, , eu quero envelhecer com você e que você seja a mãe dos meus filhos. Eu quero passar todos os meus dias com você, os bons e os ruins, e perceber que você me escolheu entre todos, e que eu sou seu cara. Mas você não parece querer isso.
Ele levantou a cabeça. O vestido de estava molhado, e os olhos de estavam marejados, mas ele não tinha qualquer careta de choro. De fato, as lágrimas foram completamente involuntárias. Ela limpou-as do rosto de .
Ele a olhava no fundo dos olhos e acariciava uma de suas mãos.
— Eu sei, , que esse não era seu plano. Não estavam nos seus planos o que aconteceu no ano passado, nem o que talvez venha a acontecer. Eu sei que você queria ter filhos logo, com um cara rico, e morar em Nova York em um lugar assim. Você quer viver uma vida normal, descansando com um livro e perto de uma lareira, passando os invernos em Vermont. E me desculpe, , mas eu não vou conseguir fazer isso. Eu sei que não sou o suficiente para você. Mas eu passaria o resto da minha vida tentando fazer você sentir como se não precisasse disso para ser feliz.
Ela comprimiu os lábios, apoiando a testa no ombro dele.
— Você está fazendo soar como se eu fosse uma filha da puta.
— Não. Eu quero que você acredite que não é um perigo para mim, nem para ninguém. E que você não deve ir embora. Eu preciso de você.
— Não diga isso. Não esse verbo.
Ela não conseguia olhá-lo. Ele, por outro lado, não conseguia guiar seus olhos para outra direção que não fosse a dela.
— Mas eu preciso. Todos os dias, eu acordo querendo saber como você está. Eu quero você por perto a cada segundo e vale a pena chegar ao final do dia, porque é quando vou conseguir te ver novamente. Eu durmo querendo saber como você está, e quando você dorme ao meu lado, não há nada que eu queira mais, que não seja isso acontecer sempre, ou que o tempo pare. Porque meus dias só fazem sentido se você estiver neles.
— , isso não é saudável.
— — ele ergueu o rosto dela, sorrindo — Eu posso perfeitamente passar o resto da minha vida sem você. Não seria fácil, mas eu superaria e moveria para a próxima. Mas eu não quero. Enquanto eu puder, não quero me imaginar sem você. Porque você é o amor da minha vida, eu quero envelhecer com você, e não há outra pessoa que eu ame mais do que você.
Ela soluçou uma vez, com um sorriso, olhando para baixo.
— Eu amo você como nunca vou conseguir amar outra pessoa, . Eu quero me casar com você.
— Eu sempre soube que isso não seria fácil.
Ele comprimiu os lábios.
— Eu amo você como nunca consegui amar ninguém, . E é por isso que eu não quero mais ter a chance de feri-lo. Você não imagina como eu tenho medo de isso acontecer de novo. Eu o amo demais para conceber a ideia de isso acabar por culpa minha.
Segurou as mãos de .
— Vai ser assim? Você vai ter que ir?
— É o melhor. Não vai ser definitivo.
— Quando você vai?
— Em um mês.
Ele pigarreou, olhando para suas mãos.
— Quer saber? Você me quebrou agora.
— Desculpe — ela sussurrou.
Alguns minutos de silêncio se seguiram. beijou a testa de nesse intervalo, repetidas vezes. Beijou seu rosto, seu dorso, seus ombros, como se quisesse deixar sua marca ali. Como se quisesse lembrar de ali, como se não fosse mais poder ter a chance de beijar cada centímetro dela, enquanto ela ainda estivesse ali.
e tomaram banho e não disseram mais nada pelo resto da noite, até irem dormir.
Um mês depois, tinha feito as malas e o caminhão de mudanças chegara. A viagem seria rápida, mas tortuosa. Tinha medo de Dorothy chorar, espernear, mas a menina parecia bastante calma.
Na verdade, a que estava ansiosa e inquieta era .
fora almoçar com Julie e Marla naquela tarde. A ruiva tinha acabado de receber o anúncio da promoção a delegada, e não aguentava a alegria em si mesma. Dissera que Julie tinha dito a ela mais cedo sobre isso, que era algo confidencial e que ninguém sabia. Em um ano, Marla Bronx seria a nova delegada.
acompanhou a comemoração da detetive, não dizendo que ela mesma já sabia da promoção. Julgou melhor deixar assim.
a ajudou com as últimas arrumações. Na delegacia, foi feito uma carta assinada por todos os funcionários, com palavras de admiração e desejos de sorte na mudança. A única pessoa que não apareceu fora .
estava de volta em casa. O caminhão da mudança a aguardava do lado de fora. Ela entrou, para pegar Dorothy com a assistente, e para poder se despedir da mesma.
Quando saiu, estava apoiado em seu carro, de braços cruzados. Vestia uma camiseta azul e jeans, com as costas contra a porta do carro estacionado.
— Achei que não fosse aparecer — comentou, com Dorothy no colo.
— Não vim por você. Vim por ela — ele apontou para a menina, que esticou os bracinhos para . Ele pegou-a no colo. ergueu o canto do lábio, de braços cruzados.
— Não quero saber de você não. ‘Tá achando que é quem? A Marilyn Monroe?
Ela virou os olhos.
— Não precisa de tanto drama, . Devo vir para cá de vez em quando. Vamos manter contato.
— Pare de falar comigo como se eu fosse um colega de trabalho seu — ele se queixou, soando real, mas disfarçando com seu tom divertido.
Fez uma curta pausa.
— Acho que vou escrever um livro. Não sei. Foi uma ideia estúpida que eu tive. Sempre quis fazer isso.
— Acho que você pode tentar.
— Queria que você o lesse. E me ajudasse.
— Vou ajudar. É só me enviar.
Ele virou os olhos.
— Você não se toca, não é? Por que não percebe que estou dando indiretas para você ficar?
— Porque eu não posso ficar — ela disse, com o canto do lábio erguido em um pequeno sorriso envergonhado.
Ele ficou em silêncio. Devolveu Dorothy a , ao passo que a menina pareceu chateada com isso.
— Boa viagem. Me avise quando chegar.
— Vou avisar. Até, .
Ele não reagiu, inicialmente. Um segundo depois, deu dois passos e segurou o pescoço e a cintura de , beijando-a de surpresa.
— Não me venha com essa de “até, ”. Eu não vou nem te dar a chance de esquecer que eu existo.
— Eu nunca deixaria você fazer isso.
Com um sorriso mútuo, ambos se beijaram novamente.
se afastou ao ouvir a buzina do caminhão. O motorista pediu desculpas, disse que tinha escorregado a mão, mas era um claro sinal de que ela estava atrasando. entrou no carro, conduzido por um dos trabalhadores da mudança, e acomodou Dorothy no banco de trás. Entrou no carona, abriu a janela e acenou para , à medida com que o carro partia.
E era isso.
se fora, tão rápido quando chegara.
Boom.
E estava sozinho na Singer Street.
Entrou no carro e deu a partida, seguindo o caminho para sua casa. Abriu a porta, jogou as chaves no aparador, fazendo um ruído irritante. Preparou um café e foi até o escritório, onde o computador se localizava em cima da mesa. Sentou-se com a caneca e ligou o computador, abrindo em um documento em branco.
Será que era simples assim? Só deixar as palavras fluírem? Porque parecia perfeito, naquela hora. Parecia que era só sentar e digitar.
Sem medos de bloqueios criativos, sem medos de faltas de inspirações. Só sentar e escrever.
estalou os dedos e começou a digitar:
“O Lado Escuro da Lua
O relato de um cordeiro entre leões e serpentes
Capítulo 1
Apressado e sem jeito, corria pelo estacionamento vazio e aberto.”
I'm the kind of human wreckage that you love!
Em julho, seis meses depois, o verão já parecia demasiado intenso em Longview. Naquele dia em especial, o sol parecia até mais bonito. Não era comum, ao menos naquela cidade, esperar aquela data com muita ansiedade, por toda a população. Mas a pequena parcela de policiais estava animada.
A cerimônia de promoções.
tinha escolhido um belo vestido azul-marinho, até pouco acima do joelho, justo e sem mangas. Tinha um decote elegante, tanto no dorso quanto nas costas. , convidado de honra no evento — afinal, tanto era da imprensa quanto era da polícia estadual —, vestia uma calça preta e blusa social branca. Já tinham almoçado e chegaram à casa de eventos no começo da tarde, cerca de meia hora antes da cerimônia em si. Mas estavam com pressa: tinha enviado a uma mensagem de texto pedindo por ajuda urgente. Ajuda exclusiva de .
— Vou estar na mesa — disse , dando um beijo em sua namorada e tomando um caminho diferente do dela.
Ela subiu as escadas brancas, com um tapete vermelho, indo até os quartos em que alguns convidados se arrumavam. Seu vestido chegava a estar largo, pois emagrecera gradativamente, por conta do cigarro — vício que não conseguira largar.
Bateu na porta do quarto de .
— Quem é? — ele perguntou, do lado de dentro, parecendo alarmado.
— O Pikachu.
A porta foi aberta abruptamente, e colocou a cabeça para fora.
— Ande logo, temos uma emergência.
Puxou o braço de para dentro do quarto, fechando a porta atrás de si. A detetive olhou em volta, e não achou qualquer coisa de anormal. foi até o espelho que tinha no canto do quarto, já vestindo um terno preto sobre uma camisa social branca. Com o rosto apreensivo, virou-se para ela, perguntando, com uma gravata azul e uma cinza nas mãos:
— Qual delas?
deixou o olhar de susto morrer, fazendo uma careta e rindo. Olhou para a mala que tinha num canto do quarto, com outras roupas, que ele provavelmente já experimentara e acabou por preferir a que estava vestindo.
— Primeiramente, esse paletó faz você parecer um defunto. Você tem um blazer bem mais bonito.
— Mas paletó é mais adequado para a ocasião...
— É realmente esse argumento que você vai usar para me convencer? — falou com desdenho, indo até a mala que tinha levado e pegando o blazer preto — Por favor, eu trabalho de jeans.
Estendeu o blazer, e ele fez a troca.
— Bônus: não precisa de gravata.
ajeitou a roupa na frente do espelho. tinha as mãos na frente do corpo, esperando-o ficar pronto.
Seu rosto ainda estava bem sequelado. Tinha manchas, a carne de um lado da face ainda era um pouco mais caída, mas, inegavelmente, ele continuava um homem bonito.
— Obrigada, — ele disse, alisando a roupa e soltando o ar — Estou meio nervoso.
— Reconheço que está. Não é todo dia que alguém é promovido.
Ele sorriu como uma criança na véspera de Natal.
— Acho que não — ele concordou.
Virou-se para .
— Como eu estou?
Seu sorriso era o mais sincero que já viu em seu rosto. Teve vontade de chorar ao lembrar que fora ela a estragá-lo.
— Um sargento.
levantou o braço esquerdo, para que passasse seu próprio braço direito por dentro dele, para saírem do quarto. Encaminhou-se para a porta, levando-a.
— ... Eu queria lembrar... que sobre seu rosto...
— , esqueça isso. Não foi você quem fez. Vamos logo, antes que eles mudem de ideia.
A John , policial do estado americano da Califórnia, devido a seu trabalho com a primeira e segunda fase do caso de Joseph Durden, foi entregue a medalha de honra, além de sua promoção ao título de sargento. Quando subiu para recebê-los, os aplausos foram ensurdecedores. Certamente, era a convidada mais animada.
Após a cerimônia, sentou-se em uma mesa, com , Julie, Marla, e Zoe. Todos que passavam em volta observavam a mesa com certa curiosidade. Alguns pareciam querer falar com eles, outros, evitá-los. Alguns pareciam até querer sentar-se e fazer parte do grupo.
Talvez, um ano antes, estranharia um desejo como esse. Atualmente, podia dizer que compreendia.
Tinha a guarda de Dorothy e cuidava dela, juntamente com uma moça da assistência social. Era uma jovem, bem doce, que ficava curiosa sobre o trabalho de . Ela era mesmo detetive? Tinha pegado muitos casos difíceis?
tinha dificuldade em explicar que não, não era como nos livros do Sherlock Holmes. Mas que, bem, ela tinha sim dupla personalidade e tinha uma tatuagem que cobria todas suas costas, para provar.
— Acho que temos um atrasado por aqui — Marla anunciou, olhando para quem chegava ao salão.
virou-se para a entrada, onde a ruiva tinha indicado.
Chegando, parecendo um pouco perdido, estava um jovem loiro de olhos verdes. Ajeitou o blazer cinza que vestia, junto a uma blusa social azul. Os cabelos continuavam indomáveis como sempre foram. A única possível diferença era que ele estava de braços dados com uma jovem, também loira. Esta, entretanto, parecia bem mais diferente: tinha cabelos curtos agora, e bem mais postura, com o corpo bem delineado em um vestido cor de pêssego.
— Estão ali, Tyler. Anda! — Zoe chamava-o, puxando pelo braço e apontando para a mesa onde estava — Já demorou para sair de casa, agora vai demorar para ir até a droga da mesa?
A convivência com Tyler, impressionantemente, diminuíra sua frequência de palavrões.
ficou de pé. Não via o irmão há um bom tempo: ele fora solto do Manson assim que o julgamento acabou, demonstrando que não precisava estar lá, nem nunca precisou. Teve, porém, que deixar a irmã mais uma vez, ao viajar para uma cidade maior na Califórnia, para finalmente começar o curso de administração.
Ainda se chamavam de irmãos, não por força de uso, mas porque parecia adequado.
— Quanto tempo, irmãozinho — cumprimentou-o com um abraço.
— Férias de verão rápidas para dar um pulo no cu do fim do mundo que vocês chamam de cidade — retrucou ele, com um sorriso, abraçando , e um brilho incomum em seus olhos verdes.
— Lava a boca com sabão, Tyler — disse Zoe, abraçando a detetive enquanto o jovem cumprimentava os outros da mesa. A menina, ou melhor, jovem moça, segurou pelo braço ao cumprimentar os outros convidados, pedindo que ela esperasse. Assim que terminou, passou a andar com em direção a uma varanda.
— Como estão as coisas? Confesso que fiquei surpresa com você vir com o Tyler — perguntou , apoiando-se na varanda e cruzando os braços. Tinha um tom desafiador e divertido, como se brincasse com Zoe, esta sentada em uma cadeira.
— Ele me contatou quando disse que viria para Longview. Disse que queria fazer uma surpresa para você, e eu falei desse evento. Ele me convidou para acompanhá-lo.
— Conheço bem esse “convite” do meu irmão — comentou , pegando um cigarro na bolsa e colocando-o nos lábios. Estendeu o maço a Zoe, que negou com a cabeça.
— Parei de fumar. E qual o problema? Ele não é meu primo mesmo...
riu.
— Como você está, Zoe? Faz tempo que não nos falamos.
Zoe suspirou.
— Voltei a morar com meus avós, vulgo pais de mentira, e eles juraram não tocar na minha herança, mesmo podendo. Querem deixar o dinheiro para pagar minha faculdade. Devo fazer administração. O Tyler fez isso, usou o dinheiro para pagar a faculdade dele.
— Eu sei — disse, tragando — Ele me falou disso, na última vez que nos falamos por telefone. Há, o quê?, um mês. Ele não gosta muito de expor a vida na mídia, como eu. Tivemos holofotes suficientes à nossa volta e, ainda assim, ficamos calados.
Zoe concordou. Depois do encerramento do caso de Joe, Zoe, Tyler e se mantiveram evasivos.
— Ele andou em contato com os responsáveis pelos hotéis Tate. Você sabe que a gerência é dele por direito, não? Então. Ele vai assumir, com toda a assistência, depois que terminar a faculdade. Isso já é certo. Quer manter os hotéis da família funcionando. Eles lucram, e são uma parte boa que sobrou da tia Johanna.
sorriu em satisfação, tragando mais uma vez.
— Estou pensando em entrar nessa também. Sabe, eu também tenho uma parcela de direito de entrar nesse clube. Acho que eu ia gostar.
— Tenho certeza de que Tyler não hesitaria em te ajudar com o que precisar — retrucou, rindo.
Quando Zoe ia retrucar, Tyler apareceu na varanda.
— Zoe, não vai comer nada? Eu já comi uns três porcos só enquanto você me deu esse perdido.
— Tem razão. Preciso de comida. Estou em fase de crescimento.
Ergueu-se e passou por Tyler para voltar ao salão. Ele fez menção de se aproximar dela, mas pareceu desistir de última hora.
ergueu o canto do lábio e indicou a cadeira recém-vazia para o irmão. Ele sentou-se.
— Eu aceitaria um cigarro — comentou.
— Então pague um para você — disse com a voz irônica — Você não é o podre de rico?
Ele riu, pegando seu próprio maço no blazer. negou e estendeu um cigarro a ele. Tyler serviu-se, e a detetive acendeu a chama.
Estranhamente, a conversa acabou assumindo um tom fúnebre.
— Como estão os dois? — ele perguntou, apoiando os cotovelos nos joelhos.
— Quem?
— Meus irmãos.
tragou, para ganhar tempo e demorar a responder.
— James continua preso. É uma prisão de segurança máxima. Não deve sair tão cedo. A sentença dele foi de mais de vinte anos.
— Acredito que Joe não tenha ido para o mesmo lugar.
A voz de assumiu um tom inexpressivo.
— Ele foi, mas em uma ala diferente. Não durou muito. Morreu mês passado, espancado por um colega de cela.
Tyler tragou com pesar.
— Espancado? Que ironia. Quase morri assim também.
O cigarro de estava na metade. Ela fitava o chão.
— Me avisaram — ela continuou — Eu estava jantando em casa quando ligaram para me avisar. De algum modo, achei que fosse ficar aliviada. Entende? Como se fosse um perigo a menos. Mas não fiquei assim. Na verdade, fiquei com saudades. Do Joe que eu conheci quando pequena, e de .
Tyler ergueu o canto do lábio em compreensão. Ficou de pé e abraçou . Ela não precisava daquilo, mas abraçou de volta.
— Tenho uma coisa para contar, Tyler. E você não pode dizer isso a ninguém.
Quando a noite se aproximava, estava sentada na mesa, sozinha. Conferia algo no celular, quando Julie sentou-se ao seu lado de surpresa.
— ! — exclamou, puxando a cadeira. Seus cabelos castanhos estavam curtos agora, mas os olhos cor de oliva brilhavam do mesmo jeito de sempre.
respondeu com um sorriso.
— Eu gosto dessas cerimônias — afirmou a delegada, olhando em volta — É interessante, no nosso ramo. Parece o único momento que nos desconectamos do nosso trabalho. É uma festa. Isso é bom, de vez em quando. Comemorar.
sorriu sem graça, concordando, mas curiosa para saber onde Julie queria chegar.
A delegada olhou-a com um sorriso maternal.
— Tenho uma oferta para você, , já que estamos em um clima de promoções.
franziu o cenho.
— Ano que vem vou me aposentar. Esse é meu último ano na delegacia. Talvez eu mude de emprego, possivelmente, mas vou largar a polícia. Queria saber se você aceitaria o posto de delegada no meu lugar.
piscou os olhos rapidamente, como se aquilo pudesse elucidar sua computação da frase anteriormente dita.
— Eu não posso ser delegada — foi tudo que ela conseguiu afirmar.
— Você é qualificada. E você sabe que só não é sargento porque está de licença — Julie retrucou, com uma sobrancelha erguida e bebericando alguma coisa que não identificou.
Talvez fosse por bebericar aquilo que estivesse com aquela ideia, pensou a detetive.
— Eu ia transformar aquele lugar na Disneyland. Você me conhece, Julie. Temos pessoas bem mais indicadas para isso.
— Você faria aquele lugar andar, sabe disso. Além disso, quem mais seria perfeito para assumir a delegacia do que sua policial mais famosa?
olhou, com o canto do olho, para alguém no salão. Uma moça com um belo vestido preto e os cabelos ruivos presos em um coque desajeitado, mas que fazia total jus a toda sua beleza. Seu rosto, dessa vez, não estava tão frio; ao contrário, ela parecia alegremente à vontade.
— A policial que me tornou famosa. Que tal?
Julie franziu o cenho, procurando Marla na multidão.
— Bronx? Tem certeza?
deu de ombros.
— Ela é qualificada. Responsável. Leva isso bem a sério, ao contrário de mim.
— Ela te fez ser presa.
— Marla fez o trabalho dela.
— ... — Julie parecia cada vez mais surpresa — Ela te mandou para a cadeia.
— Bem, eu a odiava por ter feito isso. Mas talvez odiaria ainda mais se ela não me tivesse mandado. Demonstraria falta de competência.
A delegada esperou que falasse mais alguma coisa. Olhando para a ruiva, a detetive completou:
— Ela assumiu com muita seriedade cada caso encarregado a ela. Sempre foi muito trabalhadora para isso. Jogue o nome dela nas indicações antes do meu.
— Você, , está me indicando para que a Marla assuma a delegacia? — riu a delegada — Não sei mais em que mundo estou. Sempre achei que vocês quisessem se matar.
deu de ombros, bebendo seu próprio copo, livre de qualquer gota de álcool.
— Não tem ninguém mais indicado do que a Marla. E garanto que a delegacia estará nas melhores mãos, se deixar com ela.
— Melhor que as suas? Você quase está conseguindo me convencer, — brincou.
— Tem ideia de como eu ficaria mais insuportável ainda, se eu fosse a delegada?
Julie sorriu pequeno. Pareceu ter se convencido.
Chegando em casa, por volta das nove da noite, encontrou a jovem assistente social com Dorothy. Brincava com a menina, que tinha grandes olhos iguais aos de , mas o rosto doce de .
— ! — chamou a assistente, com a menina no colo. Dorothy olhou para sua madrinha e esticou suas mãos com um sorriso. estava atrás de quando ela pegou a bebê no colo.
— Volto amanhã no horário habitual. Mas queria tentar deixar Dorothy menos apegada a mim, já que nós vamos...
Sem que visse, ergueu as sobrancelhas, um claro sinal para que a assistente parasse de falar. Despediu-se deles rapidamente e foi embora da casa de , batendo a porta.
tirou o blazer e colocou-o numa cadeira. comprara móveis novos com a indenização paga a ela pelo estado da Califórnia, pelo erro cometido na primeira fase do caso Durden, quando ela foi presa. Sua casa parecia ter um rosto novo. levou Dorothy para o quarto da menina e colocou-a no berço, já quase adormecida.
Assim que saiu do quarto, abraçou-a pelas costas, dando um beijo em seu ombro.
— A bebê não pode nem dormir, que você já se acende — brincou com ele.
— Qualquer tempo com você é tempo com você. E hoje é dia de comemoração.
— Deve ser — retrucou, virando-se para ele e beijando-o. Algum tempo depois, desvinculou-se, ajeitando sua roupa e indo até as escadas.
— Sabe, acho que nos dá certo trabalho esse ir e vir — comentou, em um tom hesitante.
— O que você quer dizer com isso? — ela perguntou, subindo as escadas.
Ainda a hesitar, quando entrou no quarto, ele completou, apoiando o cotovelo na porta e olhando para o chão:
— Pensei que você e Dorothy poderiam ir morar comigo.
parou por um momento. Estava pegando seu pijama para poder tomar um banho.
— Desde que ... — pensou em corrigir o nome, mas prosseguiu sem fazê-lo — Desde que ele foi embora, o apartamento pareceu grande demais para mim. Todo dia eu acordo sozinho, menos quando você dorme na minha casa — fez uma pausa — Percebi que queria que isso fosse minha rotina, esses dias em especial. E que eu queria que vocês morassem comigo.
— Achei que estivesse bom assim — ela retrucou, sem graça.
comprimiu os lábios. Talvez não tivesse sido uma boa ideia propor aquilo.
— Entendo se você não aceitar, amor. Eu reconheço, essa é sua casa. E tem a Dorothy...
— Não é a casa, — ela respondeu, separando o pijama. Evitava olhá-lo nos olhos.
— O que é?
Ela comprimiu os lábios. Virou-se para ele, que permanecia na porta, sem deixá-la sair.
— Eu fui indicada para assumir um trabalho em outra delegacia.
— Assumir um trabalho? — ele estranhou — Estão te solicitando?
Mentir não parecia o mais correto, nem que fosse para . Muito menos ocultar.
— É uma transferência.
Ele recuou. Tirou o braço da porta, cruzando-os. Pôde ouvir o som de vidro estilhaçado.
— Você pediu transferência?
— Não. Me indicaram a transferência. Julgaram que Longview podia fazer mal a mim e à Dorothy. Achei que talvez fosse bom.
— E para mim? Pensou em mim?
Ela queria chorar.
— É claro. Foi em quem eu mais pensei.
— Não parece ter sido — ele tinha a voz firme — Eu te proponho morar comigo, mas você me vem com a notícia que vai sair da cidade. Afinal, para onde é? Los Angeles? San Francisco?
— É uma cidade no norte. Umas quatro horas de viagem, de carro.
pigarreou, desviando o olhar. Os olhos começavam a marejar.
— Você está fugindo, sabia? Não achei que você fosse fazer algo assim.
— Eu não estou fugindo.
— Você não oferece nenhum perigo a mim. Não, você nunca ofereceu. Nem com Ramona.
— , eu tentei te matar — ela lembrou, apertando os olhos.
— Você não está mais assim. Você está ótima. Você não precisa sair da cidade! Não precisa deixar a delegacia.
— Eu preciso. É melhor para mim. Para todos nós.
— Não, — ele afirmou, indo até ela e erguendo seu rosto, segurando-o pelas bochechas, fazendo olhar para ele — Você não precisa nos deixar. Não precisa deixar Julie, , ou Marla.
— Eu preciso... — forçava o rosto para baixo, com as lágrimas já correndo, e segurando os pulsos de .
— Não. Você não precisa. Você não precisa me deixar — ele a segurava com força — Não pode me deixar.
Ela não respondeu. Sentou-se na cama, com acompanhando-a. Ele enterrou o rosto no colo dela. Por alguns segundos, não produziu qualquer som a não ser um discreto ruído de choro. Por fim, murmurou, sem erguer a cabeça:
— Eu te conheço há menos de um ano e não consigo imaginar minha vida sem você.
— ... Não faça isso... Não torne isso mais difícil... — ela murmurou, acariciando seus cabelos.
— Eu não vou parar. Eu vou falar o que eu quero falar, não importa o quanto isso soe dramático ou clichê. Porque eu quero passar o resto da minha vida com você, , eu quero envelhecer com você e que você seja a mãe dos meus filhos. Eu quero passar todos os meus dias com você, os bons e os ruins, e perceber que você me escolheu entre todos, e que eu sou seu cara. Mas você não parece querer isso.
Ele levantou a cabeça. O vestido de estava molhado, e os olhos de estavam marejados, mas ele não tinha qualquer careta de choro. De fato, as lágrimas foram completamente involuntárias. Ela limpou-as do rosto de .
Ele a olhava no fundo dos olhos e acariciava uma de suas mãos.
— Eu sei, , que esse não era seu plano. Não estavam nos seus planos o que aconteceu no ano passado, nem o que talvez venha a acontecer. Eu sei que você queria ter filhos logo, com um cara rico, e morar em Nova York em um lugar assim. Você quer viver uma vida normal, descansando com um livro e perto de uma lareira, passando os invernos em Vermont. E me desculpe, , mas eu não vou conseguir fazer isso. Eu sei que não sou o suficiente para você. Mas eu passaria o resto da minha vida tentando fazer você sentir como se não precisasse disso para ser feliz.
Ela comprimiu os lábios, apoiando a testa no ombro dele.
— Você está fazendo soar como se eu fosse uma filha da puta.
— Não. Eu quero que você acredite que não é um perigo para mim, nem para ninguém. E que você não deve ir embora. Eu preciso de você.
— Não diga isso. Não esse verbo.
Ela não conseguia olhá-lo. Ele, por outro lado, não conseguia guiar seus olhos para outra direção que não fosse a dela.
— Mas eu preciso. Todos os dias, eu acordo querendo saber como você está. Eu quero você por perto a cada segundo e vale a pena chegar ao final do dia, porque é quando vou conseguir te ver novamente. Eu durmo querendo saber como você está, e quando você dorme ao meu lado, não há nada que eu queira mais, que não seja isso acontecer sempre, ou que o tempo pare. Porque meus dias só fazem sentido se você estiver neles.
— , isso não é saudável.
— — ele ergueu o rosto dela, sorrindo — Eu posso perfeitamente passar o resto da minha vida sem você. Não seria fácil, mas eu superaria e moveria para a próxima. Mas eu não quero. Enquanto eu puder, não quero me imaginar sem você. Porque você é o amor da minha vida, eu quero envelhecer com você, e não há outra pessoa que eu ame mais do que você.
Ela soluçou uma vez, com um sorriso, olhando para baixo.
— Eu amo você como nunca vou conseguir amar outra pessoa, . Eu quero me casar com você.
— Eu sempre soube que isso não seria fácil.
Ele comprimiu os lábios.
— Eu amo você como nunca consegui amar ninguém, . E é por isso que eu não quero mais ter a chance de feri-lo. Você não imagina como eu tenho medo de isso acontecer de novo. Eu o amo demais para conceber a ideia de isso acabar por culpa minha.
Segurou as mãos de .
— Vai ser assim? Você vai ter que ir?
— É o melhor. Não vai ser definitivo.
— Quando você vai?
— Em um mês.
Ele pigarreou, olhando para suas mãos.
— Quer saber? Você me quebrou agora.
— Desculpe — ela sussurrou.
Alguns minutos de silêncio se seguiram. beijou a testa de nesse intervalo, repetidas vezes. Beijou seu rosto, seu dorso, seus ombros, como se quisesse deixar sua marca ali. Como se quisesse lembrar de ali, como se não fosse mais poder ter a chance de beijar cada centímetro dela, enquanto ela ainda estivesse ali.
e tomaram banho e não disseram mais nada pelo resto da noite, até irem dormir.
Um mês depois, tinha feito as malas e o caminhão de mudanças chegara. A viagem seria rápida, mas tortuosa. Tinha medo de Dorothy chorar, espernear, mas a menina parecia bastante calma.
Na verdade, a que estava ansiosa e inquieta era .
fora almoçar com Julie e Marla naquela tarde. A ruiva tinha acabado de receber o anúncio da promoção a delegada, e não aguentava a alegria em si mesma. Dissera que Julie tinha dito a ela mais cedo sobre isso, que era algo confidencial e que ninguém sabia. Em um ano, Marla Bronx seria a nova delegada.
acompanhou a comemoração da detetive, não dizendo que ela mesma já sabia da promoção. Julgou melhor deixar assim.
a ajudou com as últimas arrumações. Na delegacia, foi feito uma carta assinada por todos os funcionários, com palavras de admiração e desejos de sorte na mudança. A única pessoa que não apareceu fora .
estava de volta em casa. O caminhão da mudança a aguardava do lado de fora. Ela entrou, para pegar Dorothy com a assistente, e para poder se despedir da mesma.
Quando saiu, estava apoiado em seu carro, de braços cruzados. Vestia uma camiseta azul e jeans, com as costas contra a porta do carro estacionado.
— Achei que não fosse aparecer — comentou, com Dorothy no colo.
— Não vim por você. Vim por ela — ele apontou para a menina, que esticou os bracinhos para . Ele pegou-a no colo. ergueu o canto do lábio, de braços cruzados.
— Não quero saber de você não. ‘Tá achando que é quem? A Marilyn Monroe?
Ela virou os olhos.
— Não precisa de tanto drama, . Devo vir para cá de vez em quando. Vamos manter contato.
— Pare de falar comigo como se eu fosse um colega de trabalho seu — ele se queixou, soando real, mas disfarçando com seu tom divertido.
Fez uma curta pausa.
— Acho que vou escrever um livro. Não sei. Foi uma ideia estúpida que eu tive. Sempre quis fazer isso.
— Acho que você pode tentar.
— Queria que você o lesse. E me ajudasse.
— Vou ajudar. É só me enviar.
Ele virou os olhos.
— Você não se toca, não é? Por que não percebe que estou dando indiretas para você ficar?
— Porque eu não posso ficar — ela disse, com o canto do lábio erguido em um pequeno sorriso envergonhado.
Ele ficou em silêncio. Devolveu Dorothy a , ao passo que a menina pareceu chateada com isso.
— Boa viagem. Me avise quando chegar.
— Vou avisar. Até, .
Ele não reagiu, inicialmente. Um segundo depois, deu dois passos e segurou o pescoço e a cintura de , beijando-a de surpresa.
— Não me venha com essa de “até, ”. Eu não vou nem te dar a chance de esquecer que eu existo.
— Eu nunca deixaria você fazer isso.
Com um sorriso mútuo, ambos se beijaram novamente.
se afastou ao ouvir a buzina do caminhão. O motorista pediu desculpas, disse que tinha escorregado a mão, mas era um claro sinal de que ela estava atrasando. entrou no carro, conduzido por um dos trabalhadores da mudança, e acomodou Dorothy no banco de trás. Entrou no carona, abriu a janela e acenou para , à medida com que o carro partia.
E era isso.
se fora, tão rápido quando chegara.
Boom.
E estava sozinho na Singer Street.
Entrou no carro e deu a partida, seguindo o caminho para sua casa. Abriu a porta, jogou as chaves no aparador, fazendo um ruído irritante. Preparou um café e foi até o escritório, onde o computador se localizava em cima da mesa. Sentou-se com a caneca e ligou o computador, abrindo em um documento em branco.
Será que era simples assim? Só deixar as palavras fluírem? Porque parecia perfeito, naquela hora. Parecia que era só sentar e digitar.
Sem medos de bloqueios criativos, sem medos de faltas de inspirações. Só sentar e escrever.
estalou os dedos e começou a digitar:
“O Lado Escuro da Lua
O relato de um cordeiro entre leões e serpentes
Capítulo 1
Apressado e sem jeito, corria pelo estacionamento vazio e aberto.”
I'm the kind of human wreckage that you love!
FIM!
Nota da autora: Hey hey! Bem, chegamos ao final da história. Depois de quase três anos, finalizo pela primeira vez uma fanfic realmente longa. Um alívio? Na verdade, sim. Mas um alívio bom. A história da Serpente Vigilante morou na minha cabeça por muitos meses. Quando eu acordei, uma vez, logo liguei para a Caah – beta dessa fic, e nome original da melhor amiga da protagonista – e disse que tinha tido um sonho estranho e inspirador. Era sobre uma detetive que tinha sido presa, mas chamada pra trabalhar de novo, depois de um novo caso de assassinato. Fiquei com isso na cabeça por um tempo, desenvolvendo, estudando, fazendo uns rascunhos. Bem, posso colocar um jornalista. E que tal uma química forense? Um psicólogo seria uma ótima ideia. Pouco a pouco, nascia Anarchy In The UK, título inicial dessa história. Dias depois, já com o primeiro capítulo pronto, percebi que essa história não tinha nada de anarquia, mas sim, hipocrisia. E, partindo da ideia de que cada capítulo teria o nome de uma música, me pareceu justo nomear a fanfic com um álbum. American Idiot foi o primeiro que me veio à mente. Daí, foi um pulo para fazer o começo da história. Pensei em vários filmes, livros, várias citações e referências. A história foi tomando proporções e direções que eu mesma me impressionava – sem querer soar arrogante, certamente. Acredito que toda história é como um filho: fazemos a ideia original, o rascunho, quase que o molde. Tomamos pequenas decisões, que na verdade são cruciais. Mas o rumo todo, o crescimento, vem da própria história. Ela cresce aos nossos olhos, sem que percebamos, e já acaba. E só olhamos o trabalho pronto, gratos, esperando termos feito algo certo, ou ao menos, o começo certo. Jamais imaginaria American Idiot, essa ideia bobinha e tão básica, tão usada em tantos plots, como o projeto do meu primeiro livro. E isso aconteceu, e se aconteceu, devo praticamente tudo a vocês. Eu só pus a ideia no papel, mas toda a construção e desenvolvimento dependeu de vocês. Certamente, muito veio da Caah, ou Caroline, ou Patolino, para os mais íntimos. Muitas ligações, muitos monólogos, muitos rascunhos e muitas ideias descartadas. A Caah sabia tanto de AI que ela mesma podia ter escrito tudo, sem deixar nenhum detalhe faltar. Ela foi quem lapidou tudo isso para vocês, desde sugestões até correções, e até indignações – “COMO ASSIM EU MORRI?” Cahill, Caroline 2015. Bem, depois, uma pessoa que merece muito nome aqui é a Giulia. Ela que, lá no comecinho de AI, foi falar comigo pelo twitter. Nunca que eu ia imaginar que ia ganhar uma amiga tão foda – ops – depois daquele momento. A Giu lia cada atualização, me dizia as teorias dela, e até me dava dicas pessoais. Foi um acréscimo imensurável à mim, e muito maior à história. Queria poder fazer menções a todas as pessoas que me ajudaram com isso – Raíssa Gil, Patrícia Freitas, Thieli, Anna Paula, Gabe, Tarantina, Lan... Em algum ponto, me ajudaram. Fosse com encorajamento, fosse com opiniões, fosse com pura vontade de ler a história e me impulsionar a continuar até o fim. Se eu escrevi isso tudo, se eu entupi páginas com essas palavras, foi por ajuda de vocês. Eu nunca acreditaria ou confiaria em qualquer potencial meu – que eu honestamente ainda questiono – se não fossem vocês. E agradeço de um jeito que nem mil palavras, nem essa fanfic inteira em agradecimentos, seria capaz de traduzir. Por fim, gostaria de dizer que todo o processo de escrita teve grande peso pessoal para mim. Desde o começo, eu duvidava que teria muitas leitoras, afinal, a história tinha muito a ver comigo, com a minha vida e com pontos particulares da minha vida. Eu usava palavras e expressões um pouco agressivas, pessimistas, e temia que isso afugentasse leitores. Ainda assim, principalmente pelo incentivo das pessoas já mencionadas, continuei escrevendo. American Idiot virou meu escape da minha vida. A Ramona era minha própria versão de um tipo de anjo da guarda, as confusões da protagonistas eram as minhas. Isso me organizava e me salvava, em certo ponto. A reta final da história foi o pior: passei por uma época realmente ruim da minha vida, e escrever era praticamente tudo para mim naquele momento. Eu precisava fazer isso, era uma promessa a mim mesma. Eu tinha que terminar, que fechar o ciclo. Escrever o “FIM” foi incomparável. Foi ver algo finalmente finalizado de um jeito satisfatório. Foi olhar para todo o trabalho já feito, e ver como aquilo valeu a pena. Foi assistir ao crescimento de uma ideia tão pequena, e que hoje significa tanto. Escrever American Idiot foi muito mais do que escrever uma fanfic policial: foi um jeito de me salvar, foi um desabafo, foi quase uma provação. Foi uma das coisas que mais me orgulhei de ter feito. Foi uma das coisas que pretendo fazer de novo. E, definitivamente, foi feito principalmente por causa de você, leitora que chegou até aqui. Obrigada. Por ora, é só esperar American Psycho, a continuação de American Idiot. Ou, daqui a um tempo, O Lado Escuro da Lua. Quem sabe. Ainda tenho muito tempo livre, e uma cabeça muito, mas muito perigosa.
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.