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Última atualização: 10/11/2024

Prólogo

6 de abril de 2022.
Finalmente havia chegado o dia que aguardei ansiosamente.
O dia em que, após sete semanas longe um do outro por incontáveis barreiras geográficas, eu finalmente veria outra vez.
Além disso, era o nosso aniversário de três anos juntos.
tinha trinta e um anos e era simplesmente o dono da voz mais linda que eu já ouvi, embora minha amiga Kate discordasse um pouco disso, visto que o marido dela também era cantor. Mas e Hero eram de nichos diferentes. Um era um astro do rock; o outro, um príncipe do R&B.
E eu amo R&B mais do que amo rock.
Desculpa, Kate, mas talvez o amor seja mesmo cego e a gente tá só discutindo à toa.
De qualquer modo, eu estava feliz. estava voltando de uma turnê musical pela Ásia, e há uma semana eu finalmente tive uma folga após acompanhar Katherine Reed em uma mini turnê literária. Eu era sua agente há cinco anos e o quarto livro da minha série favorita de romance com ação e investigação tinha acabado de ser lançado.
Eu não tinha lá muito tempo livre durante épocas de lançamento, então já era de se esperar que e eu tivéssemos alguns problemas de comunicação durante esses períodos em que ficávamos separados.
E é claro, a diferença de fuso-horário também não ajudava muito. Na verdade, complicava ainda mais. Ligações? Eu nem sabia mais o que era isso. A conexão era tão ruim sempre que tentávamos nos falar que acabamos desistindo e nos contentando em enviar mensagens de texto um para o outro pelo menos duas vezes por dia. não era muito falante, então eu não esperava mais do que isso. Eu era tagarela o suficiente por nós dois, e mesmo assim não estava falando muito também.
Na verdade, pouco antes da turnê de Kate acabar, nós tivemos uma pequena discussão. Na ocasião, ainda não tinha certeza de quando voltaria para casa, pois estava recebendo várias propostas para participar de programas de variedades por onde passava e seu gerente estava considerando aceitar algumas. Em um contexto diferente, eu teria achado isso muito legal. Era uma ótima oportunidade de fazer mais pessoas conhecerem o trabalho dele e isso era sempre bem-vindo. No entanto, fazia semanas que não nos víamos e eu odiava incertezas.
Eu sou uma mulher que ama rotinas e se me comprometo com algo, então tento cumprir o que esperam de mim.
E na maioria das vezes, meu namorado também.
tinha prometido voltar antes. Era para termos passado a última semana juntos, mas ele adiou por conta do trabalho. Eu reclamei e fiquei chateada, mas sabia que não tinha muito o que fazer.
Era o trabalho dele e, mesmo chateada, eu respeitava isso.
O que não quer dizer que não fiquei quase que irracionalmente emburrada quando soube. O que resultou em três dias sem falar com ele, e sem responder nenhuma de suas mensagens. E sim, eu sei que foi meio infantil, mas não dá para ser madura toda hora.
Então deixei num vácuo total por exatas setenta e duas horas.
Até que ele veio com uma proposta.
Como um gatinho curioso, isso despertou minha atenção e um sorriso surgiu em meu rosto assim que li sua sugestão de um encontro no nosso aniversário de três anos. Especialmente quando descobri algo que não me deixou muito feliz enquanto estava brava com ele, ainda mais sabendo que precisaríamos ter uma conversa séria a respeito disso.
Mas isso meio que mudou depois da proposta do encontro. sugeriu irmos ao nosso restaurante coreano favorito e enchermos a cara de soju.
Eu ainda não tinha contado a ele que estava há um tempo evitando beber, coisa que meu estômago agradecia e meu corpo também. E eu teria que abrir mão da dieta no nosso encontro, mas já que era uma ocasião especial, tecnicamente não contava, né?
O plano era simples: jantar e depois voltar para casa.
Talvez comer uma fatia gigante de torta floresta negra da nossa confeitaria favorita também. odiava cerejas, e sempre escolhia prestígio ou torta de morango.
Eu era uma garota que não curtia muitas mudanças. Até mesmo a minha prateleira de livros favoritos continuava igual a quando a organizei dois anos atrás, quando me mudei para morar com ele. Havia um escritório chique no apartamento de , mas apenas eu o usava. Normalmente, quando estávamos em casa, eu passava algumas horas trancada lá enquanto trabalhava nos livros de Kate, e ele criava obras de arte musicais em seu estúdio cheio de proteção de som.
Eu odiava às vezes, sendo bem sincera. nunca me deixava ver nada, nem um spoilerzinho. E ele usava a justificativa mais idiota do universo para isso: eu era fã dele e só me deixaria ver algo quando tivesse certeza de que tinha ficado como ele queria e que seria lançado em um futuro próximo.
Ele não estava errado. Eu realmente era fã dele e acompanhei sua carreira desde o início, por cerca de três anos, antes de sequer nos conhecermos.
Eu meio que tentei não surtar quando o vi pessoalmente pela primeira vez, mas enquanto eu aparentava estar tranquila por fora, por dentro meu coração parecia prestes a explodir.
E ele sabia disso.
Porque, como uma idiota, eu contei tudinho. achava divertido, mas mesmo sendo sua namorada há anos, ele ainda me mantinha no escuro quanto às músicas.
Às vezes, eu achava que não tinha nenhuma moral com ele nesse aspecto, mas então lembrava a mim mesma que eu era , uma agente literária de sucesso aos vinte e oito anos, que sabia muito bem identificar um texto bom de um ruim, incluindo músicas.
Considerando isso, talvez tivesse a ver com o fato de que eu também era exigente e , um perfeccionista que tinha total conhecimento disso. Não que fizesse muita diferença quando se tratava dele.
Geralmente, eu gostava de tudo o que ele lançava, tipo noventa e nove por cento das vezes. Havia sempre algumas colaborações com artistas indie aqui e ali que eu fingia que não existiam. Não que fossem ruins, mas nunca curti muito o estilo musical e àquela altura, já me conhecia bem o suficiente para saber que não era nada pessoal.
Ele também não era um grande leitor, então isso meio que dava um equilíbrio no nosso relacionamento. Tínhamos muitas coisas em comum, mas também éramos opostos em vários aspectos. Mesmo assim, costumávamos funcionar muito bem juntos. Até melhor do que eu esperava, inclusive, ou do que sonhei em meus dias mais delulus como fã.
era o melhor parceiro que o universo poderia me presentear, e eu até tive alguns bons namorados antes, incluindo Andrew, um dos donos da editora de Kate.
No entanto, comecei a reconsiderar minhas escolhas de vida como a boa dramática que sou quando, durante a tarde, enquanto eu modelava meu longo cabelo vermelho cuidadosamente para ficar linda à noite, me enviou uma mensagem falando que não chegaria a tempo.
Aparentemente, houve um erro com o voo dele, e ele iria aterrissar em Chicago em vez de Nova York. O que acabava com quaisquer planos de comemoração no dia seis. Com sorte, talvez ele chegasse de manhã cedo no dia sete, caso conseguisse um novo voo logo.
Na pior das hipóteses, ele chegaria depois do meio-dia.
Encarei meu próprio reflexo no espelho, metade do cabelo arrumado e metade presa no topo da minha cabeça no que mais parecia um ninho de passarinhos.
Eu não sabia nem o que responder. Àquela altura, já deveria estar a caminho de casa.
E eu deveria ter notado que havia algo estranho quando não recebi nenhuma mensagem dele dizendo que tinha chegado ao aeroporto, mas achei que talvez ele estivesse tão ansioso quanto eu.
Uma ova.
Encarei a tela do celular novamente e reli a última mensagem.

♥: Sinto muito, amor. Nós podemos comemorar amanhã se você quiser. Prometo te compensar por isso.

Apertei o celular com força, irritada e tentando me controlar para não falar nada ruim quando eu sabia que nem era culpa dele.
Mas se ele tivesse viajado mais cedo, estaria aqui na data do nosso aniversário. Ele sabia que datas comemorativas eram importantes para mim. E eu sabia que mesmo que ele quisesse sair no dia seguinte e me compensar, não ia ter graça nenhuma.
provavelmente estaria mais cansado que o normal, considerando as horas a mais de voo de Chicago para Nova York, e eu não ia andar por aí com um zumbi. Se algum paparazzi ou fãs nos vissem na rua, provavelmente pensariam que ele estava em um relacionamento tóxico ou algo assim, e que eu estava consumindo toda a sua energia vital como um maldito dementador.
De jeito nenhum. Eu podia lidar com fãs sendo idiotas há três anos, mas não daria nenhum material para que rumores infundados surgissem.
Assim, depois de respirar fundo umas três ou sete vezes, eu digitei uma resposta genérica.

: Tudo bem, me avise quando estiver chegando, e preparo algo pra você comer. Vou cancelar a reserva no restaurante, a gente sai outro dia.

Eu não precisava dizer mais do que isso. Morávamos juntos há dois anos, na maior parte do tempo, e estávamos juntos há três. saberia que o meu "tudo bem" não significava que eu não estava chateada e sim que não havia nada a ser feito.
Era só mais um maldito imprevisto do destino. Como se o universo estivesse conspirando contra a gente.
Resmunguei sozinha e coloquei o celular de lado enquanto observei meu reflexo mais uma vez no espelho. Seria uma pena não sair quando meu cabelo estava ficando tão bonito, porque era óbvio que eu não o deixaria pela metade.
Então, enquanto terminava de arrumar ele, repassei mentalmente todas as mensagens com nos últimos dias. Eu ainda precisava conversar com ele, mas adiaria um pouco. Pelo menos até que eu soubesse que ele estaria descansado o suficiente e com o fuso horário de Nova York em dia.
Talvez para me certificar de que ele não fosse surtar muito quando ouvisse a boa ou má notícia.
Tipo o que eu fiz alguns dias antes. Kate quase me deu um tapa na cara para fazer eu me recompor, e nem é piada. Consegui evitar no último instante. Embora seja ex-enfermeira, Kate não era lá muito delicada quando não estava lidando com algum paciente, então era sempre bom ter um cuidado a mais.
Ela sempre escrevia rascunhos de roteiro à mão, e a marca do lápis sempre ficava do outro lado da folha. Eu tinha que ficar falando constantemente que ela não precisava agredir o papel assim. Não era como se ele fosse fugir se ela colocasse menos força ao escrever.
Reflexões à parte, eu decidi sair sozinha mesmo assim. Tomei um banho rápido com cuidado para não molhar o cabelo e vesti uma roupa confortável. Nada a ver com o vestido tubinho de veludo vermelho profundo da mesma cor que meu cabelo e que abraçava meu corpo com maestria.
Eu tinha ganhado cerca de dez quilos desde que e eu começamos a namorar, mas a maior parte eram músculos. Não que eu fosse uma rata de academia; pelo contrário, eu odiava me exercitar. Mas nos meus dias de autoestima normal, eu tinha que admitir que aqueles quilinhos a mais tinham me feito bem.
E concordava plenamente. Eu tinha ganhado alguns centímetros a mais no quadril e ele não estava reclamando.
De todo modo, escolhi um jeans largo, uma camiseta branca curta e um par de tênis da mesma cor para sair. Quando terminei de me arrumar, peguei uma bolsinha grande o suficiente para guardar o celular e minha carteira, e saí de casa.
A primeira parada foi em um Subway. Geralmente, eu evitava comer fast food, mas estava desejando me empanturrar de comida naquela noite. Caprichei na escolha de um sanduíche, peguei dois cookies de sobremesa e uma garrafa de água com gás antes de me sentar sozinha em uma mesa vazia, de frente para a rua.
Foi quando eu estava terminando de comer, que uma ideia me veio à mente. Havia um shopping por perto e pensei que não faria mal assistir a um filme no cinema.
Mesmo que esse filme fosse um que estava doido para ver.
Seria uma pena assistir ao filme primeiro e sozinha, mas parecia a vingança perfeita pelos dias que ele me fez esperar enquanto preenchia sua agenda de trabalho com mais compromissos.
Eu merecia esse pequeno triunfo de saber sobre o filme inteiro enquanto ele estava evitando spoilers a todo custo. Nós poderíamos assistir juntos depois. E dependendo do quão vingativa eu estivesse me sentindo no dia, talvez eu fizesse alguns comentários inapropriados do tipo: que pena que vai acontecer tal coisa.
Eu nem tinha ideia do que seria, mas descobriria em breve.
Horas mais tarde, saí fungando do cinema. Por algum motivo, tive um acesso de espirros depois que saí da sala de cinema e meus olhos até lacrimejaram. Minha maquiagem devia estar borrada, mas não me importei, pois, de todo modo, estava indo para casa.
Já era quase meia-noite quando comecei a atravessar o estacionamento do shopping até o meu carro. Eu ainda esfregava os olhos, que não paravam de coçar, enquanto andava e repensava minha escolha mesquinha de assistir ao filme sozinha. Nem foi tão legal assim. Teria sido melhor com ; ele criaria teorias comigo, tentando adivinhar o que ia acontecer.
No meio disso, ouvi a buzina alta de um carro quando estava a poucos metros do meu e quando virei o rosto, me deparei com a luz forte do farol.
Eu não consegui pensar. Tudo aconteceu tão rápido que eu nem sequer vi, apenas senti. De repente, meu corpo foi jogado para frente com força e eu caí, rolando pelo cimento do estacionamento várias vezes antes de parar.
A percepção de uma forte dor na barriga me fez encolher em posição fetal, em agonia. O carro tinha me atingido de frente, antes mesmo que eu pudesse pensar em desviar, antes mesmo que eu pudesse notar que ele estava mais próximo do que parecia.
Tentei levantar a cabeça quando ouvi gritos ao redor e vi silhuetas de pessoas aleatórias, mas gemi de dor quando ela também doeu. Minha visão continuava embaçada, mas dessa vez eu não tinha certeza se era devido às lágrimas. Senti um líquido quente ao meu redor e pisquei, tentando enxergar.
A dor beirava o insuportável, e consegui discernir as imagens apenas o suficiente para perceber que estava em uma poça do meu próprio sangue.
Coloquei a mão na barriga, que ainda doía, e choraminguei enquanto ouvia pessoas falando ao redor sobre chamar uma ambulância. Tudo parecia distante, como se as vozes estivessem abafadas, o som parecendo ficar cada vez mais baixo. E em um pequeno momento de desespero, uma percepção me ocorreu.
É assim que eu vou morrer? Numa data especial e sozinha?
Eu nem ao menos conseguiria dizer a o que passei dias planejando. E de qualquer forma, naquele momento, era tarde demais. No fundo, eu sabia que era. Que eu nem ao menos conseguiria me despedir.
Lágrimas quentes escorreram pela ponte do meu nariz, e senti meus olhos começarem a pesar. Ouvi o som distante de uma sirene, mas não houve tempo para captar mais coisas.
De repente, tudo ficou escuro.

Capítulo 1

Um som irritante chegou aos meus ouvidos e eu resmunguei sonolenta, tateando a cama em busca do meu maldito celular.
Que despertador horrível. Eu não me lembrava de colocar nenhum som de passarinhos cantando.
Inferno, eu nem sabia que tinha um.
Encontrei o aparelho e deslizei o dedo pela tela, notando que eram seis da manhã. Em seguida, me espreguicei, passei a mão no cabelo e... Espera, onde estava meu cabelo?
Me sentei rapidamente e procurei em vão pelos longos fios que eu passei anos deixando crescer e encontrei... Nada.
Bem, não literalmente, é claro.
Eu não estava careca, mas meu cabelo estava muito curto e um pensamento meio mirabolante veio em minha mente. Será que fiquei bêbada com na noite passada e acabei fazendo uma besteira? Eu e minha irmã nunca fazíamos as melhores escolhas quando nossa mente estava nublada pelo álcool. E por falar em ...
Espera... Aquele não era o apartamento que eu dividia com minha irmã mais velha, notei, um segundo depois.
Olhei em volta e graças à luz que entrava pelas cortinas na janela do outro lado do quarto, consegui enxergar alguma coisa. Alguns pôsteres na parede, desenhos e rascunhos deles. Uma mesa cheia de livros e post-its colados acima dela e muito material de arte. Eu era um completo fracasso no ramo artístico, então tinha certeza de que não era meu.
Será que eu estava sonhando? E se eu estivesse... Que lugar era aquele?
Meu celular vibrou e eu o desbloqueei com minha digital, me deparando com várias notificações de mensagens de pessoas que eu não conhecia.
No entanto, uma delas me chamou atenção. Era em um chat em grupo, aparentemente.
Uma pessoa chamada Karina havia enviado.

Karina: Eu não aguento mais estudaaaaar! Ayla, que tal a gente largar a faculdade e viver na SUA arte, hein? Eu posso ser sua empresária!

Franzi o cenho, confusa, mas então uma nova mensagem chegou.

Ti: Quanto drama, amiga. Falta pouco pra vocês se formarem, relaxa. Vamos almoçar juntas hoje?

Tiana.
Karina e Tiana tinham enviado mensagens para mim. E uma delas me chamou de Ayla! Eu só podia estar sonhando mesmo e que sonho maluco! Agora eu estava começando a entender… Eu tinha parado no corpo da protagonista do meu livro favorito da série de livros da Kate!
A percepção disso imediatamente me fez levantar da cama e procurar um espelho. Encontrei um no banheiro e, em seguida, pisquei algumas vezes para o meu próprio reflexo. Aquele cabelo, um tom de ruivo aberto e alaranjado, bem diferente do meu, até que me deixava mais jovem e... Espera... Eu também estava mais magra, bem mais magra. Levei um segundo para entender que não era o cabelo que estava me deixando jovem e sim o fato de que eu estava mais jovem.
No corpo de uma garota de vinte e um ou vinte e dois anos de idade.
Ayla , protagonista de Tenaz, primeiro livro da série que Kate ainda estava lançando. E cujo sobrenome era o mesmo que o meu, porque era um livro que eu sempre estive entusiasmada para ler. E até mesmo tinha trilha sonora, feita pelo marido dela. Os dois tinham trabalhado juntos nisso enquanto ela ainda desenvolvia o rascunho do romance, quando ainda eram namorados.
Fazia alguns anos que Tenaz havia sido lançado e já estávamos no quarto livro da série. E pensar que Kate estava cogitando engavetar essa obra-prima. Por um curto período no desenvolvimento, devido a alguns problemas pessoais, essa ideia absurda passou pela mente dela, mas felizmente não durou muito tempo.
Na época, até mesmo me propus a ajudá-la a desenvolver o enredo, da forma que fosse possível e acho que meu entusiasmo a contagiou um pouquinho. Além disso, fiquei bem feliz com os agradecimentos no final do livro, depois de enchê-la de ideias mirabolantes para incentivá-la a escrever. Kate estava na dúvida quanto ao protagonista, mas então eu, como a boa fanfiqueira que sou, a apresentei a , meu cantor favorito de R&B.
Até então ela só tinha escrito sobre astros do rock, então considerou a mudança de gênero bem-vinda. E eu fui uma agente que trabalhou com gosto, feliz da vida. Na verdade, até sentia que estava fazendo pouca coisa. Afinal, eu estava sendo paga para ajudá-la a desenvolver uma fanfic.
Tudo bem, não era uma fanfic de verdade.
Na real, estava longe de ser uma. Mas eu consegui convencê-la a transformar no protagonista e ela até usou meu sobrenome para a mocinha porque achou que combinava com Ayla.
No entanto, poucas pessoas sabiam disso. Eu me perguntava até se já tinha ouvido falar sobre esse livro. Não havia nada além da aparência dele presente no enredo e o fato de Dean, o protagonista, também ser um músico, compositor e cantor incrível.
Tá, a Kate tinha descrito a voz dele exatamente como eu tinha descrito a de para ela, mas diferente de Dean, não era o filho bastardo de um vilão odioso.
Pelo menos até onde eu sabia.
Eu nunca cheguei a conhecê-lo pessoalmente e até mesmo ingressos de shows eram difíceis de conseguir, especialmente quando ele passava mais tenho fora do país do que nele, mesmo que tecnicamente morasse em Los Angeles. Fazia sete anos que eu era fã dele e nunca havia nem mesmo ido a um show. Uma tristeza, eu sei. Até pensei em talvez usar meu cérebro trambiqueiro a meu favor.
Eu poderia sugerir a Kate que sugerisse a Hero que convidasse a fazer uma colaboração. Afinal, Hero não era apenas seu marido, mas um astro do rock e vocalista da Cave Panthers, uma das bandas mais legais que já vi. Dificilmente alguém não saberia quem os quatro integrantes eram. Especialmente agora, que eles estavam de volta com tudo após um período de hiatus.
De todo modo, se Hero convencesse a fazerem uma música juntos... Então eu convenceria Kate a me ajudar a me infiltrar em todo o processo para conhecer ele. Eu compraria uma caixa dos chocolates favoritos dela uma vez por mês, por um ano inteiro, em forma de agradecimento.
Era o plano perfeito. E então eu, depois de anos como uma fã fiel, finalmente me tornaria uma fã de sucesso. Nem sei o que diabos aconteceria se eu encontrasse um dia. Provavelmente eu ia travar no lugar ou, quem sabe, surtar com uma maluca. Eu tinha certeza de que seria oito ou oitenta.
Mas por falar em surtar... Espera, eu estava dentro de Tenaz, sabendo que o protagonista tinha a aparência do meu cantor favorito. Mas onde ele estava?
Eu acordei sozinha no apartamento e não encontrei nenhum sinal de que algum homem frequentava aquele lugar. Que parte da história era aquela? Eu definitivamente não lembro de nenhum diálogo entre as amigas como o de alguns minutos atrás.
Eu ia lembrar se tivesse. Li Tenaz pelo menos quatro vezes nos últimos anos e uma delas tinha sido há cerca de seis meses. Eu conhecia aquela história de trás para frente, embora meu cérebro sempre apagasse eventuais detalhes dela.
Mas se aquilo era um sonho em que eu tinha ido parar no meu livro favorito, então só me restava seguir o fluxo até que eu acordasse novamente para mais um dia de trabalho.

***


Com a ajuda do GPS, consegui chegar ao restaurante que Tiana sugeriu que nos encontrássemos. A cidade ao redor me lembrava um pouco da vibe de Nova York, mas eu sabia que era apenas minha imaginação, assim como a aparência das pessoas. Kate não usou locais reais ou descrições muito detalhadas de personagens porque queria que leitores de todo o mundo pudessem imaginar como bem entendessem.
Eu, como habitante de Nova York, imaginei a minha cidade. Quanto às descrições das pessoas, eu sabia que Karina tinha o cabelo loiro com pontas azuis, embora não lembrasse se isso realmente havia sido descrito no livro ou se Kate comentou em algum momento comigo; também sabia que Tiana lembrava um pouco Dianna Dane, minha chefe, que também era amiga e sócia de Kate na editora.
Cores de pele ou etnia não eram citadas e por conta da mistura de sobrenomes, muita gente imaginava que Dean era um cara asiático, mas eu sabia que ele era . E eu estava prestes a encontrá-lo em algum lugar, quando a história finalmente começasse.
Eu só não entendia por que estava vivenciando situações que nem ao menos estavam descritas no livro. Aquele sonho podia pular logo para as partes boas. Tipo o primeiro beijo de Ayla e Dean. E quando esse momento chegasse, eu esperava que parecesse tão real quanto estava sendo até agora. Eu até havia me beliscado algumas vezes para ver se estava sonhando, mas fazia horas que eu estava ali.
Dei uma olhada ao redor procurando por uma mulher de pele clara e outra de pele escura, e levou apenas um segundo para eu avistar duas pessoas idênticas a Dianna e Karol, melhor amiga de Kate.
Karol acenou para mim na skin de Karina e eu sorri enquanto caminhava até elas.
As cumprimentei rapidamente como se não fosse uma estranha no corpo da melhor amiga delas e peguei o cardápio para escolher o que eu ia comer. Estávamos em um restaurante de culinária coreana e eu estava animada por saber que as meninas gostavam tanto quanto eu.
Mais cedo, descobri que Ayla tinha um cartão de crédito que funcionava por aproximação, o que era um alívio, já que eu não fazia ideia de quais eram as senhas dela. Eu só sabia de coisas descritas no livro e não havia nenhuma cena que precisasse daquela informação.
Uma olhada rápida no cardápio me fez uma mulher feliz ao ver a variedade de pratos disponíveis e minha boca salivou quando vi que tinha Jjamppong. Nem pensei duas vezes antes de pedir aquele prato.
Jjamppong? Tá doida? — Karina me encarou como se eu tivesse batido a cabeça em algum lugar.
— Por quê? — Franzi o cenho, confusa.
— Amiga, você esqueceu que é alérgica a frutos-do-mar? — Tiana perguntou.
Meu Deus! É claro! Ayla era alérgica, eu tinha me esquecido. E aquele prato tinha mesmo um monte de frutos-do-mar.
— Ah, é mesmo. — Eu ri, sem graça, dando adeus ao meu delicioso ensopado. — Então vou querer um kimbap de porco apimentado e uma tigela de japchae.
Bem, pelo menos eu sabia que aquilo não causaria alergia em ninguém. Um sushi de carne e legumes e macarrão temperado com mais carne, legumes e zero frutos-do-mar.
— Vamos no mesmo, então — Tiana sugeriu. — Mas o meu kimbap, eu quero de gado.
Fizemos os pedidos e Karina deu uma risadinha.
— Parece que você anda com a cabeça nas nuvens, hein? — ela comentou, olhando para mim.
— Eu? Por quê? — Será que elas tinham notado que eu não era a Ayla? Mas não tinha como, certo? Afinal, era um sonho.
— Sei lá, talvez por conta de uma visitinha do seu ex-namorado no seu apartamento semana passada. — Ela sorriu com malícia.
Espera, o quê?! Seojun tinha me visitado e... A recaída! Antes das aulas começarem. Ou já tinham começado? Eu não tinha certeza, mas se Karina tinha reclamado dos estudos naquela manhã, então eu achava que sim.
Droga, eu poderia ter parado naquele sonho na noite da visita dele. Pelo menos, seria um pouco mais divertido.
— Ah... Não. Não é como se tivéssemos voltado ou algo do tipo — comentei, sabendo que aquilo realmente não aconteceria.
Aquele sonho não acabava? Por que tava demorando tanto? Eu adorava Karina e Tiana e, definitivamente, amava comida coreana, mas eu não estava nem aí em dividir uma refeição aleatória com elas em um sonho.
Eu queria emoção. Borboletas no estômago. Onde estava Dean?
Voltei a conversar com elas e enquanto comíamos, discretamente as conduzi a dizer algumas informações importantes sobre a faculdade. As aulas tinham começado, de fato. Mas nas primeiras semanas era comum que muitos alunos faltassem.
Felizmente, Ayla havia feito o mesmo curso que eu, então eu não era uma total sem noção a respeito de literatura.
Eu trabalhava com literatura, na verdade. Em uma editora. Sendo agente literária de uma autora, embora minha capacidade de escrita se resumisse mais a melhorar textos e saber se estavam bons ou ruins, do que eu mesma criá-los do zero. Eu tinha uma imaginação fértil, mas colocar no papel era outra história. De todo modo, eu não tinha interesse em escrever.
Mas já que Ayla fazia o mesmo curso que fiz, então tinha que ser moleza! Isso só podia ser algo ao meu favor, embora eu não achasse que fosse precisar de qualquer habilidade. Afinal, era uma história, certo? Kate já tinha escrito tudo, eu só tinha que esperar acontecer.
Infelizmente, no dia seguinte descobri que estava errada. Acordei atrasada e tive que correr para a aula. Passei por um dos prédios administrativos para cortar caminho, mas acabei esbarrando em um cara.
— Desculpa — ele disse e eu arregalei os olhos ao reconhecer aquela voz. Imediatamente, ele se abaixou para recolher meus papéis e eu fiz o mesmo, o encarando enquanto ele estava distraído.
Seu cabelo era preto e ele usava uma máscara da mesma cor, cobrindo metade da face. No entanto, meus olhos se dirigiram imediatamente para o pescoço descoberto. Um pedaço da tatuagem de flores de ameixa aparecia, pegando o lado esquerdo do seu pescoço, e minha boca secou quando lembrei de uma cena do livro em que Ayla a mordia.
Eu reconheceria aquela tatuagem de longe porque era a mesma que tinha. Enorme, e descia até parte do seu peito esquerdo.
Inferno, mesmo que não estivesse à mostra, eu reconheceria aquela voz em qualquer lugar. Rouca, profunda e completamente deliciosa de ouvir.
Levei apenas alguns segundos para pensar nisso, enquanto recolhíamos os papéis, e disse a mim mesma para não surtar, afinal aquele não era e sim Dean Kwon, o protagonista do livro.
Assim que peguei tudo, me virei e fui embora como uma maluca.
Aquilo não fazia parte do livro, eu tinha certeza. Kate não tinha descrito nenhuma cena assim. Na verdade, Ayla deveria esbarrar em Zico, o melhor amigo de Dean, do lado de fora de uma sala de aula. Ela deveria conhecer Zico primeiro.
Então por que Dean estava ali?
Levei dois segundos para lembrar que tinha pegado um atalho por um prédio administrativo e cheguei à conclusão de que talvez ele estivesse resolvendo pendências da matrícula.
Mas se mesmo não sendo descrito, aquilo tinha acontecido mesmo com Ayla, como ela poderia ser tão lerda a ponto de não notar aquele deus grego na frente dela? Bem, talvez sua skin estivesse ansiosa demais para isso, eu imaginei por um momento, tentando defender a falta de atenção da minha protagonista favorita.
Algumas horas mais tarde, minha skin de Ayla se tornou extremamente estressada. Comecei a ter pensamentos envolvendo o homicídio de toda a papelada que me aguardava e lembrei que eu mesma odiava o curso de literatura por ter que estudar sobre coisas tão chatas!
"Você gosta de escrever? O curso de literatura é perfeito para você!", disseram. "Você lê muito? Com certeza vai adorar o curso de literatura", disseram. Mas tudo o que eu queria naquele momento era atirar tudo ao ar livre e quem sabe, fazer uma fogueira ali mesmo, em frente à biblioteca cheia de livros chatos e entediantes.
Um momento depois, como se uma luz iluminasse minha mente, eu percebi que a história finalmente havia começado. Aquele era literalmente o início, Ayla estressada, querendo se livrar de tudo.
Eu nunca a julguei por isso, porque ela tinha razão. Sempre sonhei em trabalhar com livros porque amava ler, mas o processo de entendê-los era um trabalho extremamente complexo e chato.
No fim do dia, voltei para casa e algumas horas depois eu estava na cama, pronta para dormir. Se a história já tinha começado, então eu imaginava que Ayla tivesse algumas reações automáticas. Fazia sentido, certo? Eu era uma mera espectadora que, por acaso, estava sonhando que tinha ido parar no corpo dela.
Eu só tinha que esperar as coisas acontecerem e torcer para que acontecessem logo. Já fazia dois dias e a impressão que eu tinha era de que estava vivendo como Ayla, de fato. Não parecia um sonho. Sonhos tinham detalhes que não faziam nenhum sentido e era assim que você tinha consciência de que, mesmo dormindo, nada daquilo era real.
Mas parecia bem real para mim.
Me acomodei na cama, encontrando uma posição confortável para dormir e fechei os olhos, esperando o sono chegar.
No entanto, algo estranho aconteceu.
Um flash rápido surgiu, como se eu estivesse em outro lugar. Abri os olhos, mas continuei vendo aquilo.
Olhei para o teto escuro do quarto e de repente, ele estava claro, tão branco que quase doía nos olhos, havia um barulho de bip ao redor e sem me mexer, percorri o olhar tentando encontrar algo. Tudo piscou novamente e era como eu estivesse no quarto de Ayla e nesse outro lugar ao mesmo tempo.
O barulho de bip se tornou mais alto e me sentindo sonolenta, olhei para baixo, encontrando um acesso venoso na minha mão esquerda.
O que diabos era aquilo? Eu estava em um hospital?
Tudo piscou novamente ao meu redor e, de repente, o quarto de Ayla se tornou completamente nítido outra vez.
Franzi o cenho, confusa, e me sentei rapidamente, olhando ao redor e notando que tudo parecia o mesmo. Mas então outro pensamento me veio em mente.
Eu sofri um acidente?
Era por isso que aquele universo de Tenaz parecia tão real?
Será que, de alguma forma, meu espírito tinha ido parar dentro da história? Eu já tinha lido livros e webtoons assim, mas, normalmente, a mocinha acabava no corpo da vilã. Eu, no entanto, fui direto para a protagonista.
Será que eu viveria tudo o que ela viveu na história?
Se eu estivesse mesmo em um hospital, inconsciente, então tudo fazia sentido, todo o aspecto realista daquele suposto sonho. Porque não era apenas um sonho e sim uma realidade alternativa.
O que não fazia sentido era que estivesse mesmo acontecendo. Eu achava que era uma coisa de histórias fictícias.
Só que eu era uma pessoa real.
Me deitei novamente na cama, tentando imaginar o que tinha acontecido comigo, mas por mais que eu forçasse meu cérebro a pensar, tudo o que eu me lembrava era de ir para casa após ter uma reunião com Kate para discutir um pouco sobre o roteiro do próximo livro, Oblíquo. O último da série. Eu estava em 2022 e tínhamos acabado de voltar de uma mini turnê literária para a promoção de Sutil, o quarto livro, e teríamos folga na semana seguinte inteira.
Mas por que eu tinha a impressão de que estava esquecendo de algo importante?
Enquanto tentava continuar pensando no que diabos tinha acontecido comigo, meus olhos se fecharam naturalmente, e eu bocejei, sonolenta.
Não me lembro de ter caído no sono, mas, quando abri os olhos outra vez, o despertador estava tocando com um barulho irritante diferente, e a luz do dia mais uma vez passava pela brecha entre as cortinas.

Capítulo 2

Uma vez que a narrativa do livro começou, o tempo começou a passar mais rápido. Em certos momentos, eu me sentava em uma sala de aula no início da tarde e, cerca de um minuto depois, via o pôr do sol pela janela.
Me senti um personagem de The Sims.
Um dia acordei e cheguei à sala de aula de Escrita Criativa e antes de entrar, esbarrei em Zico.
Em Tenaz, Ayla o conhecia primeiro e, por volta de duas semanas depois, Dean aparecia. Eu mal podia esperar para que as partes boas chegassem.
Zico se desculpou rapidamente e felizmente eu não estava segurando nenhuma papelada naquele momento. Ele falava ao telefone, então apenas acenei com a cabeça, ouvindo parte da conversa dele que eu sabia que era com Dean. Examinei a sala de aula cheia e me dirigi para uma mesa vazia, sabendo que em poucos instantes, Zico sentaria ao meu lado.
Dito e feito.
Dei uma risadinha mental quando o ouvi falar comigo outra vez. Conversamos um pouco e notei que eu estava dizendo exatamente as falas de Ayla do diálogo dos dois. Me perguntei se isso era alguma lembrança minha após ler o livro quatro vezes, ou se eu apenas estava vomitando palavras no automático.
Depois de alguns minutos, o professor chegou e começou a dar aula. Ele era meio egocêntrico como um bom leonino, e um tanto engraçado, o que me fazia simpatizar com ele, então a aula não foi um tédio. Enquanto isso, Zico ficou ao meu lado em silêncio, como se não prestasse atenção, mas sempre que o professor falava algo engraçado, ele olhava para mim como se perguntasse se eu tinha ouvido o mesmo. Eu lembrava dessa cena claramente. Fazia parte do primeiro capítulo do livro. Quando a aula acabou, fomos almoçar juntos e depois, quando nos despedimos, voltei para o apartamento de Ayla.
Não havia nada a ser feito durante a tarde, então resolvi tirar uma soneca para passar o tempo.
Acordei com o despertador tocando e quando peguei o celular para desligar, já era de manhã. Inicialmente, imaginei que tinha capotado e só acordado no dia seguinte, mas logo notei que a data era diferente. Duas semanas haviam se passado enquanto eu dormia. Se aquilo não era um sonho de The Sims, então eu não sabia o que era.
Encontrei uma mensagem não lida de Zico e descobri que Dean viria para a universidade naquele dia. Instantaneamente, meu coração acelerou um pouco e senti um frio na barriga, sabendo que nada tinha a ver com os sentimentos de Ayla, mas com os meus.
Eu, , tinha notado Dean antes dela. E já sabia o que aconteceria logo mais. Eu o conheceria naquele dia, formaríamos um trio para fazer o trabalho de escrita e, talvez no dia seguinte, eu acabasse em uma mesa sozinha com Dean, enquanto comíamos em silêncio. Depois ele e Zico me levariam ao estúdio dos dois, e cantariam para mim.
Eu mal podia esperar.
Cerca de duas horas mais tarde, eu tinha acabado de encontrar Zico quando ele falou que precisava ir ao banheiro. Eu não lembrava de nada das últimas duas semanas, no entanto, eu e Zico agíamos como se fôssemos melhores amigos. Sentei em um banco vazio do campus e esperei, tentando conter um sorriso, enquanto fingia mexer no celular.
Um instante depois, senti alguém se aproximar e se sentar ao meu lado. Olhei rapidamente para Dean, vestido de preto dos pés à cabeça e voltei minha atenção para a tela do celular.
A aula estava perto de começar, então Ayla deveria enviar uma mensagem de áudio para Zico naquele momento, perguntando algo sobre ele ter ficado preso na privada. Esperei pacientemente, mas nada aconteceu.
Minha skin de Ayla não agiu por instinto como em outras ocasiões. Franzi o cenho e um segundo depois, Zico voltou.
— Quando você chegou? — ele perguntou, olhando para Dean.
Após um breve diálogo, dessa vez automático, nós fomos para a sala de aula.
De repente, minha mente pensava uma coisa, mas meu corpo fazia outra. Palavras saíam da minha boca sem que eu pensasse, e algumas expressões também. Imediatamente, me lembrei de um drama que assisti em 2019 sobre uma protagonista que descobria que nem existia e que, na verdade, era apenas personagem de um livro. Havia algumas ocasiões de palco, em que ela não tinha absolutamente nenhum controle sobre suas ações e emoções, e momentos de bastidores, quando podia agir por conta própria.
Então pensei que algo semelhante estava acontecendo comigo. No entanto, era aleatório. Às vezes, tudo acontecia no automático. Outras, nada acontecia a não ser que eu tomasse uma atitude, como o caso do áudio não enviado para Zico.
Depois de um tempo refletindo enquanto a aula corria, cheguei à conclusão de que as principais cenas provavelmente seguiriam o roteiro do livro, enquanto outras, que não eram importantes, poderiam ser controladas por mim.
Me despedi de Zico e Dean naquele dia depois de dizer que eu iria querer ajuda com o enredo do trabalho, mas que podia escrever sozinha. Eu lembrava que no dia seguinte, Ayla aparecia com um mini roteiro sobre a história de Kate e Hero — sim, Kate colocou isso como uma brincadeira, já que Ayla também era escritora.
No entanto, nada aconteceu quando esperei minha skin de Ayla se mover automaticamente para escrever. Tampouco apareceram anotações mágicas no meu bloco de notas quando acordei no dia seguinte. Com uma careta, percebi que eu teria que bolar algo rápido, mas para que escrever se eu conhecia aquela história toda?
Depois de cinco (ou eram seis?) anos trabalhando com Kate, eu sabia muito bem como ela e Hero acabaram juntos. Ayla só tinha que explanar um pedacinho daquilo.
Quando isso aconteceu, senti vontade de bater palmas para mim mesma por ser uma fanfiqueira nata. Eu não somente anotei o plot da história que supostamente deveríamos escrever, como alguns detalhes a mais. Mais tarde, Zico e Dean ouviram atentamente e, no mesmo dia, me levaram para o estúdio deles.
Quase dei pulinhos de alegria, mas me contive. Eu sabia que era fictício e que Dean não era de verdade, mas era como se eu estivesse prestes a ver cantando na minha frente pela primeira vez. E quando isso aconteceu, eu nem tinha certeza se minhas reações eram mesmo minhas ou de Ayla, mas nós duas certamente estávamos surtando.
Depois que Zico e Dean terminaram de cantar a primeira música, na qual Zico fazia um rap, palavras de elogio jorraram da minha boca automaticamente e pedi para Dean cantar outra vez.
Eu estava me derretendo por ele e nem ao menos fazendo questão de disfarçar. Qual era o ponto, afinal? Ele era o protagonista!
Antes que ele pudesse cantar, um entregador de pizza chegou e me ofereci para ir buscar, sabendo que aquele era o momento em que Zico aproveitaria a oportunidade para encher o saco de Dean sobre como ele parecia caidinho por Ayla.
Ai, como é doce a vida da fanfiqueira.
Peguei a pizza rapidamente e, quando voltei, parei do lado de fora do estúdio, ouvindo a conversa até o momento que sabia que Ayla entrava. Houve um momento daqueles que o tempo passava rapidamente enquanto comíamos e, quando me dei conta, Dean já estava com o microfone na mão outra vez.
Eu sabia exatamente qual vídeo Kate usou para descrever aquela cena. Afinal, eu o mostrei para ela.
E ver "" fazer aquela mini performance enviou borboletas direto ao meu estômago. Assisti hipnotizada. Aquilo era uma obra de arte. Ele era uma obra de arte ambulante.
Bonito, com uma voz incrivelmente sensual e dono de olhos afiados que pareciam enxergar a minha alma.
Foi então que ouvi um bip. Depois outro. E outro. Me perguntei se era algum efeito da música, mas então o cenário ao meu redor começou a piscar, como uma falha de imagem. Pisquei algumas vezes e esfreguei os olhos, mas um flash no mesmo quarto branco de hospital surgiu.
Nessa vez pareceu mais nítido. Ouvi chamar meu nome de longe, mas não me movi. Então meus olhos pesaram outra vez e quando os abri de novo, o despertador irritante de Ayla tocava mais uma vez.
Eu não estava mais no estúdio com os meninos, mas no quarto dela, e não tinha ideia de quantos dias tinham passado. Não me lembrava nem a data do dia em que eles me levaram ao estúdio.
Uma sensação ruim tomou conta de mim, fazendo meu peito se apertar de angústia, mas não entendi porquê. Se eu ainda não havia acordado para a realidade, então devia haver um motivo.
De qualquer forma, pelo menos eu tinha certeza de que estava viva.

***


Poucas horas depois, descobri que algumas cenas do livro se passaram sem que eu as presenciasse no corpo de Ayla.
Zico e Dean tinham conhecido a mãe dela, a detetive Cora , e no momento, eu estava na biblioteca com Karina e Tiana, esperando os meninos chegarem para que eu/Ayla pudesse apresentá-los a elas.
Eu estava sentada de frente para a porta, assistindo enquanto eles se aproximavam. Ambos vestiam roupas casuais, como sempre. Zico estava com um boné branco virado para trás e Dean, diferente do habitual preto, usava uma camisa azul clara.
Um diálogo pronto saiu da minha boca, e um sorriso divertido surgiu em meu rosto.
— Eu tenho certeza de que Dean tem pelo menos umas quatro personalidades dentro dele. Ele nem tá usando preto hoje; só pode ser a personalidade número dois, que eu gosto de chamar de síndrome do bom moço — comentei, fazendo as meninas rirem. — Com exceção da tatuagem no pescoço, que é o que o entrega.
Não ironicamente, aquilo era algo que eu sempre comentava com Kate enquanto ajudava a desenvolver Dean.
O próprio sempre me passou essa impressão.
No início de sua carreira, ele era bem ativo, como um cara normal em seus vinte e poucos anos. Gostava de interagir bastante com os fãs e, de vez em quando, abria lives para responder perguntas ou simplesmente ficar cantarolando à toa. Ele não mostrava o rosto na maioria das vezes, mas tinha algo meio intimista naquilo, que aproximava os fãs.
Era como se estivéssemos em uma sala, conversando com ele.
Até que então tudo isso parou e se fechou para o mundo. De repente, todas as interações com os fãs pareciam um surto coletivo. Houve uma época que eu até transformei a DM dele em um diário.
Passei um ano inteiro escrevendo para o meu -Diary (sim, uma mistura de e diário). Isso aconteceu em 2018 e 2019. Eu não fazia ideia se ele lia ou se sequer via aquilo, mas uma parte de mim gostava de imaginar que sim.
Havia começado como uma brincadeira, mas então se tornou terapêutico e, quando percebi, estava desabafando com ele sobre minha vida. Obviamente, nunca obtive resposta. E às vezes, quando eu estava fazendo algo aleatório, como escovar os dentes, eu me lembrava de todas as coisas que tinha falado para ele e ria como uma maluca, uma súbita onda de vergonha me atingindo ao pensar na possibilidade dele ter mesmo lido.
Ao mesmo tempo, eu esperava que aquilo o divertisse.
Durante essa época, ele aparecia esporadicamente no Instagram só para dizer que estava bem e trabalhando em músicas novas. Mas era a mesma ladainha de sempre. Ele dizia que em breve lançaria um álbum novo, e nada desse bendito sair. Até que 2022 chegou e finalmente reapareceu de vez. Até onde eu me lembrava — considerando que eu não tinha ideia de como tinha ido parar no hospital ou há quanto tempo — estávamos em abril e ele estava concluindo uma turnê na Ásia.
De todo modo, voltando para Tenaz, apresentei Zico e Dean para Karina e Tiana e poucos minutos depois, me vi sozinha com eles, comentando algo sobre marcar um encontro com Dean para ele me ajudar a terminar o trabalho de escrita. Deixei os dois na biblioteca e saí andando pelo campus.
De repente, uma tontura me atingiu e eu cambaleei, sentindo um enjoo terrível. Comecei a suar frio e notei o cenário piscando outra vez entre o céu aberto no campus e o teto branco no quarto de hospital. Até que a percepção de que minha pressão estava caindo me levou ao chão, e eu não enxerguei mais nada.
Fechei os olhos por um instante e...
Quando os abri novamente, eu estava na sala do apartamento de Ayla, sentada no chão sobre uma almofada em frente ao sofá e olhando para uma página em branco do Word, aberta no notebook em cima da mesinha de centro.
Franzi o cenho, tentando me lembrar que parte do livro era aquela, até que a campainha tocou e um segundo antes de abrir a porta, eu soube que Dean me aguardava ali.
Ele me encarou de cima a baixo discretamente, e só então me dei conta que usava uma camisa enorme, que parecia mais um vestido. Eu estava com um short por baixo e automaticamente a puxei para cima, no intuito de ficar mais apresentável, mas Dean segurou meus braços.
Eu lembrava daquela cena. Ele estava se perguntando de quem seria aquela camisa. Talvez de um irmão.
Só que Ayla era filha única. Aquela camisa e várias outras que ela tinha pertenciam a Seojun, o ex-namorado dela e protagonista do segundo livro da série.
Lembrar de Seojun me fez sorrir por dentro. Afinal, ele também era meu queridinho. Assim como Yeong, o prota do livro quatro e Sean, irmão dele e prota do livro cinco, que ainda estava em desenvolvimento. Havia Victor também, que fazia par com Louise, no livro três, mas por algum motivo eu não conseguia me apegar a ele.
Minha skin de Ayla trocou um diálogo automático com Dean e, um instante depois, nos sentamos lado a lado em frente ao computador. Esperei minha skin de Ayla discutir sobre a cena que ela dizia estar travada, e ela e Dean tiveram um papo de gente criativa sobre o livro.
Eu estava grata por não precisar pensar em nada e só assistir em primeira pessoa — praticamente uma realidade virtual — enquanto os diálogos se desenvolviam automaticamente. Até que chegou a hora em que Ayla tinha que escrever a cena.
Esperei um minuto, depois dois, com o som de uma música de Bon Jovi tocando nos meus fones de ouvido, supostamente para inspirar Ayla a escrever, enquanto Dean esperava, trabalhando em uma música.
O problema é que Ayla não moveu um dedo para escrever naquele momento.
Xinguei mentalmente, percebendo que teria controle total sobre a cena, sendo que eu nem sabia escrever, e tentei lembrar do que aconteceria depois daquilo.
Ayla deveria escrever e mostrar a Dean; ele leria a cena enquanto ouvia a mesma música que ela para entrar na vibe dos personagens, então diria que estava perfeitamente descrita e que era ótima. Se os últimos diálogos tinham sido automáticos até ali e eu sabia que aquela era uma cena importante, já que antecedia o primeiro beijo deles, então imaginei que qualquer coisa que eu colocasse no papel serviria para dar impulso às próximas ações.
Escrevi uma cena aleatória de Kate e Hero se encarando e um beijo entre os dois. Deve ter levado uns cinco minutos. Então, cutuquei Dean para que ele lesse.
Aguardei ansiosamente pelo elogio, no entanto, ao invés de ouvir que o texto estava muito bom, tudo o que ganhei foi:
— Hmm, gostei da ideia, mas acho que pode melhorar. Que tal se você descrever mais os sentimentos da Ayla?
Minha cara travou em um sorriso amarelo. Se eu estivesse lendo aquela cena, provavelmente teria rido alto. Mas, ao invés disso, assenti e voltei a trabalhar enquanto ele também se ocupava novamente. Aquilo estava errado. Eu deveria estar vivendo uma fanfic, não trabalhando de verdade, escrevendo um livro que nem era meu. Àquela altura, eu e Dean devíamos estar trocando nosso primeiro beijo, repleto de tensão sexual.
Que palhaçada era aquela?
Respirei fundo, sabendo que ficar parada não ia me fazer ganhar um beijo, então me concentrei de verdade no texto. Eu era boa em corrigir, e ele disse que gostou da ideia da cena, então era só fingir que Kate tinha escrito.
Estalei os dedos e comecei a digitar, notando minhas próprias inconsistências. Dez minutos mais tarde, cutuquei Dean outra vez e saí para beber água, enquanto ele lia.
Então, finalmente ouvi o que queria.
— Tá muito bom, Ayla — ele disse. — De verdade. Você descreveu muito bem.
Talvez eu estivesse no timing errado e o diálogo só deveria acontecer naquele momento. Pensando bem, acho que Ayla realmente havia se levantado para beber água enquanto ele ficava lá, todo concentrado, lendo.
Outro diálogo automático veio, mas de repente fiquei em silêncio, como se tivesse esquecido o que falar.
Dean e eu nos encaramos e ele colocou uma mecha de cabelo atrás da minha orelha enquanto eu sentia o coração acelerar.
É agora, é agora!
Eu beijaria na skin de Dean e então poderia morrer feliz.
Levei a mão ao rosto dele e acariciei sua bochecha com o polegar, notando todas as sardinhas de sua pele, tão claras que só dava para ver com clareza de perto. Não soube dizer quanto tempo aquela troca de olhares durou, mas havia centenas de borboletas no meu estômago. Ou talvez milhares. Eu estava surtando internamente enquanto minha skin de Ayla cumpria o roteiro.
Nos aproximamos um pouco mais e nossas respirações se misturaram. Então fechei os olhos e... Acordei.
Me sentei de uma vez, sentindo a cabeça doer com o movimento e um instante depois, me deparei com o quarto branco dos flashes, definitivamente muito mais vívido e real dessa vez.
— Amor? — Ouvi uma voz conhecida dizer e encontrei Dean ali, em pé, me encarando alarmado.
Será que tinha pulado para a cena em que Ayla ia parar no hospital depois de ser atacada na rua? Mas por que aquele quarto? Eu não lembrava dela ter ficado internada.
— Dean? — Franzi o cenho, tentando lembrar de alguma coisa.
Mas então ele me encarou, confuso.
— Dean? Quem é Dean?
— O quê? — perguntei baixinho.
— Amor, sou eu, . — Ele se aproximou, segurando meu rosto entre as mãos com carinho. — Você não lembra de mim?
? — Arregalei meus olhos e comecei a olhar ao redor. — O que é isso? O que tá acontecendo? Por que você tá aqui? É óbvio que eu lembro de você; eu sou sua fã há sete anos! Meu Deus, você é real? — Coloquei minhas duas mãos no rosto dele e belisquei suas bochechas com força.
Ai. , o que você tá fazendo? — Ele se soltou do meu aperto e esfregou as bochechas.
Parecia real, muito real. Será que minha mente tinha criado um outro universo alternativo?
Me belisquei com força, mas não, não era um sonho. Pisquei várias vezes também, para ver se o cenário mudava, mas continuou a mesma coisa.
Nada aconteceu.
E ainda me encarava em confusão.
? — eu o chamei e depois tive um mini surto de fã. — Caramba, eu não sei o que você tá fazendo aqui, mas eu só queria dizer que amo o seu trabalho e, nossa, você é bem mais bonito pessoalmente. De qualquer forma... eu sou, muito, muito mesmo, sua fã.
Sorri, nervosa e ofegante, com o coração prestes a sair pela boca.
franziu o cenho e se aproximou, segurando minhas duas mãos e as beijando carinhosamente.
Quase desmaiei.
— Eu sei que você é minha fã, amor. Mas você não lembra?
— Lembrar... de quê?
... — Ele riu, levemente nervoso, talvez preocupado. — Você é minha namorada.
— Na-namorada? — encarei ele com espanto, sem ter ideia do que estava acontecendo.
— É, minha namorada — confirmou novamente. — Há três anos.
TRÊS ANOS...!
Meu Deus, aquilo só podia ser outro sonho bizarro. Abaixei a cabeça por um instante e senti tontura outra vez. Minha cabeça doeu e eu senti o ar escapar de meus pulmões.
Eu tinha tantas perguntas.
Levantei o olhar para encará-lo novamente, mas então, antes que qualquer palavra saísse, fui tomada pela escuridão mais uma vez.

Capítulo 3

Uma dor latejante na cabeça me fez gemer, incomodada.
Devagar, abri os olhos, me acostumando aos poucos com a luz forte do teto e, com a mão na cabeça, me sentei devagar.
Ai...
? — Ouvi a voz de novamente e, mais uma vez, o encontrei sentado em uma poltrona ao lado da cama.
— O que aconteceu? — perguntei, me dando conta de que ainda estava no mesmo quarto de hospital que eu me lembrava.
Passei a mão pelo cabelo e encontrei fios longos e vermelhos. Aquele era meu corpo, supus. Virei o braço esquerdo e encontrei minha tatuagem de libélula, idêntica à que tinha no mesmo local.
Sim, definitivamente era o meu corpo.
Respirei fundo e olhei ao redor, notando que não havia nenhuma falha no cenário.
. — se levantou e segurou meu rosto novamente, me fazendo encará-lo. — Como tá se sentindo, amor? Você desmaiou há alguns minutos, o médico disse que pode ter sido do susto e...
! — Ouvi a voz de e desviei o olhar, no mesmo instante em que ela passou pela porta, levemente afobada. — Finalmente você acordou. Tá sentindo alguma coisa?
— Não faço ideia do que tá acontecendo — foi minha resposta. — Por que tá no meu quarto e me chamando de amor? Isso é um sonho?
exalou o ar de uma vez, se sentando na cama. deu um passo para trás e voltou a se sentar na poltrona, nos dando um pouco de espaço.
— Não, irmã. Não é um sonho — disse. — Você não lembra mesmo do que aconteceu? Não lembra de ?
— Não, não lembro de nada. Que dia é hoje? Eu só lembro de voltar da turnê com a Kate e... Não sei. Só lembro de acordar no corpo da Ayla.
— O quê? Ayla? Tipo, a personagem de Kate?
— A própria. Eu praticamente vivi uma fanfic. — Sorri ao lembrar, mas logo meu sorriso se transformou em uma careta. — Acordei quando tava prestes a dar meu primeiro beijo em Dean. E ele era igualzinho ao-
Parei de falar, lançando um olhar discreto para , que ainda me encarava com atenção. Por um momento, o encarei de volta, mas logo a voz de chamou minha atenção novamente.
... Você foi atropelada há quatro dias. Ficou inconsciente desde então, retornando apenas por alguns segundos, mas só acordou mesmo hoje. O médico disse que você poderia acordar a qualquer momento, mas... Nós ficamos muito preocupados. Você não lembra de mais nada além do trabalho?
— Não, . — Franzi o cenho, irritada. — Não lembro de nada. Eu sofri uma pancada na cabeça? Sinto ela doer.
— Você bateu a cabeça quando caiu, mas tudo o que ganhou foi um galo, nada de mais. E alguns arranhões e hematomas pelo corpo.
— Só isso? Tem certeza? — perguntei, desconfiada. Então vi trocar um olhar com por um mísero segundo e fiquei mais desconfiada ainda. — O quê? Que olhar é esse? Tão me escondendo alguma coisa?
, você tá bem, prometo — confirmou. — Precisamos apenas chamar o médico pra te examinar de novo, agora que você acordou. Eu já volto. — E saiu, me deixando sozinha com mais uma vez.
O encarei com timidez e coloquei o cabelo atrás da orelha, subitamente tentando me tornar mais apresentável. Sorri fraco, sem saber o que fazer, e comecei a brincar com meus próprios dedos. Até que encontrei uma aliança no anelar direito e levantei a mão, franzindo o cenho. Automaticamente, desviei o olhar para a mão direita dele e encontrei uma aliança semelhante.
Percebendo o que eu estava fazendo, até levantou a mão para que eu pudesse ver melhor.
— Sim, é nossa aliança de compromisso. Começamos a usar quando fizemos seis meses de namoro — ele contou, me encarando meio sem jeito. — ... Você não se lembra mesmo de nada? De verdade?
— Sim, não lembro. Não faço ideia de por que você tá aqui. Na minha cabeça, eu nunca te conheci.
suspirou, parecendo frustrado. Ele abriu a boca para falar, mas então voltou com o médico e uma enfermeira.
— Boa tarde, Srta. . Eu sou o seu médico, Keith James — ele se apresentou. — Sou o neurologista que está cuidando do seu caso.
— Neurologista? — indaguei, enquanto o cumprimentava com um aperto de mão.
— Sim. Fomos informados que você acordou sem lembrar de algumas coisas. Me diga, você sabe em que mês e ano estamos?
— Sim, abril de 2022.
— Você se lembra onde mora?
— Com minha irmã, , no Brooklyn — respondi calmamente, mas foi a vez de franzir o cenho. — O que foi?
— Você não mora mais comigo, .
— Como assim? — Eu ri, confusa. — Se eu não moro com você, então... — Encarei rapidamente, antes de voltar o olhar para minha irmã. — Não, né?
— Sim — ela confirmou minha pergunta silenciosa. — Faz dois anos que você e moram juntos.
Eu ri e dei um tapa na minha própria perna, achando engraçado. No entanto, eu era a única rindo.
— Isso é uma pegadinha? Você não é mesmo meu namorado, né? — Encarei . — Isso é, tipo, impossível.
— É claro que sou. Por que seria impossível?
— Ah, pelo amor de Deus! Você é ! Por que ia namorar alguém como eu?
— Como assim “alguém como você”, ? — ele perguntou, um tanto indignado. — Se eu tô dizendo que sou seu namorado, então é porque é verdade. Eu não brincaria com uma coisa dessa.
— Tá, então se você é mesmo, me fala alguma coisa que só você pode saber — o desafiei. — Tipo alguma coisa que eu não contei pra ninguém.
— Tá. — deu de ombros. — Você tem uma pinta minúscula no seio direito. E outra no interior da coxa, perto da virilha.
Abri a boca em choque, colocando as duas mãos sobre os seios automaticamente.
— Como você sabe disso? — perguntei, sem pensar.
sorriu de canto.
— Como você acha que eu sei?
— Meu Deus... — Senti o rosto esquentar instantaneamente e desviei o olhar. O médico pigarreou e eu o encarei outra vez. — Desculpe, doutor. Onde estávamos?
Dr. James e Andressa, a enfermeira, me examinaram um instante depois e fizeram mais uma série de perguntas sobre minha vida. Contei também sobre o suposto sonho que tive, indo parar dentro do meu livro favorito, enquanto ele assentia e anotava rapidamente em sua prancheta. Reclamei da dor de cabeça e ele me recomendou um analgésico padrão para a dor. Então se despediu de mim e pediu para que e o acompanhassem.
Fiquei sozinha no quarto e olhei em volta novamente. Havia uma grande mochila preta em cima da poltrona e um cobertor lilás felpudo. O quarto em que eu estava não era grande, mas era particular e tinha um banheiro próprio. Pensei em me levantar para ir ao banheiro, mas então notei algo pendurado na grade da cama. Que porra é essa? Segui o tubo que ligava ao saco plástico com líquido amarelo e fiz uma careta.
— Por favor, não seja uma sonda, por favor... — Levantei a coberta e vi que o tubo se perdia no meio das minhas pernas.
Choraminguei, completamente mortificada. Aquilo era o cúmulo da humilhação. tinha visto aquele troço em mim! Por que aquilo tava acontecendo? E quando iam tirar aquele troço? Por que eu tive que ficar desacordada por tanto tempo?
Enfiei as mãos no cabelo, sem me importar de bagunçá-lo, e gemi baixinho. Senti uma protuberância do lado esquerdo e lembrei do galo que tinha mencionado.
Um momento depois, minha irmã e meu suposto namorado voltaram para o quarto acompanhados da enfermeira, que trazia uma bandeja de metal com luvas e uma seringa.
— Srta. , agora que acordou, vou retirar sua sonda vesical. O Dr. James planeja te dar alta em algumas horas e então poderá ir pra casa.
Eu a encarei, assustada, enquanto meu cérebro ecoava as palavras retirar e sonda, e então me virei para .
— Sai daqui! — O expulsei, apontando para a porta. — Você não vai ver ela tirar esse troço de mim nem a pau, já basta eu ter perdido minha dignidade no meu período de inconsciência.
Felizmente, não discutiu; apenas assentiu e deixou o quarto em silêncio. se sentou na poltrona em que ele estava e eu sabia que dali a minha irmã também não estaria tendo um vislumbre das minhas partes íntimas.
A enfermeira então colocou luvas e pediu licença para levantar a minha bata hospitalar. Em seguida, pegou uma seringa grande e vazia e aspirou um líquido do tubo. Até ali, tudo bem. Mas então ela começou a puxar o tudo de dentro de mim e estremeci ao sentir arder. Que porra era aquela? Parecia que estava me queimando!
Tudo bem, talvez queimar seja um pouco dramático demais, mas mesmo assim!
Quando ela terminou com a sonda, saiu por um instante e depois voltou para retirar o acesso venoso do meu braço esquerdo. Pelo menos isso não foi doloroso.
— Eu posso tomar banho? — perguntei, assim que ela terminou.
— Claro, há algumas peças de roupa no armário e absorventes. — Ela apontou para o que parecia mais uma mesinha de cabeceira, ao lado da cama. Eu nem tinha notado que havia duas gavetas. — Você sangrou por alguns dias e acredito que parou, mas para o caso de ainda acontecer.
— Certo. Obrigada — eu disse, imaginando se teria menstruado mais cedo, ou se era algum tipo de sangramento de escape.
Me levantei assim que eu e ficamos sozinhas e procurei rapidamente por roupas, toalhas de banho e produtos de higiene. Eu tinha consciência de que no hospital provavelmente estavam me limpando, mas mesmo assim eu me sentia suja. Eu sabia como os banhos no leito funcionavam, Kate já tinha me falado sobre isso; mas nada se comparava a tomar um bom banho de chuveiro, que foi o que fiz, logo em seguida.
Notei um pouco de sangue, de fato, e imaginei que devia ser mesmo algum sangramento de escape devido ao meu anticoncepcional, então resolvi usar um dos absorventes. Felizmente, eu não sentia nenhuma dor na região do ventre.
Dez minutos depois, saí do banheiro devidamente vestida, com um vestidinho leve e sem alças, um pouquinho acima do joelho. Ah, e calcinha. Era bom saber que eu estava usando calcinha. Até espirrei um pouco do meu perfume pós-banho favorito. Me senti uma nova pessoa. Quem diria que eu poderia recuperar, tipo, noventa por cento da minha dignidade só com um pouquinho de higiene básica?
Obviamente, eu ainda estava envergonhada pelo lance da sonda, mas enquanto me trocava, decidi que fingir demência era o melhor remédio.
Era o que Ayla faria, provavelmente. Então decidi me inspirar nela depois de passar os últimos dias vivendo em seu corpo. E pensar que tinham se passado só quatro dias no mundo real... Uma pena que eu tivesse acordado na hora do beijo.
Que tristeza.
voltou para o quarto alguns minutos depois e me encarou com uma expressão séria. Notei olheiras escuras embaixo de seus olhos e, meio sem jeito, tentei puxar papo.
— Você não tá dormindo direito? Parece cansado. — Apontei para o meu próprio rosto. — Suas olheiras...
— É claro que não dormi bem, eu nem sabia quando você ia acordar, .
Franzi o cenho, e encarei , pedindo ajuda silenciosamente.
tá aqui desde que voltou da turnê. Ele não saiu do seu lado desde então — ela explicou. — O médico disse que é bom você voltar pra sua própria casa, ele acha que pode ser um bom estímulo pra você lembrar do que esqueceu e... Disse que nós devíamos contar as coisas a você aos poucos, o que você esqueceu.
— E você? Tá morando sozinha?
— Sim, mas posso passar uns dias com você se isso te deixar mais confortável. — Ela ofereceu.
Assenti prontamente e se levantou, me deixando a sós com , que ainda me encarava com aquela expressão séria no rosto.
— Eu posso te abraçar agora ou você vai me expulsar de novo do quarto? — ele quis saber.
— Tudo bem agora, eu acho... — respondi baixinho e mal tinha terminado quando me vi envolvida em seus braços.
A primeira coisa que notei foi o cheiro que invadiu minhas narinas. Eu não tinha muita noção de notas aromáticas, mas tinha certeza de que aquilo era algum perfume amadeirado e... Verde. Bem refrescante. Como o que eu estava usando no momento; mas o dele era masculino e... Dei uma fungada discreta em seu pescoço... Delicioso. O corpo dele era quente e aconchegante, ainda melhor do que imaginava. Já os braços... Mais fortes do que eu esperava. Foi a segunda coisa que notei.
De repente, meu cérebro entrou em alerta e eu comecei a raciocinar rápido.
Será que fazia mal eu apertar os bíceps dele? Só um pouquinho... Um tiquinho de nada. Só pra sentir...
Arrastei a mão pelo braço dele sorrateiramente, mas antes que eu pudesse tocá-lo, ouvi soluçar baixinho.
Franzi o cenho e me afastei, alarmada.
— Espera, você tá... Chorando? — Encarei o rosto lindo dele, molhado por lágrimas, e senti o coração apertar. — Não chora — murmurei baixinho e segurei seu rosto, tentando afastar as lágrimas com o polegar.
suspirou, tentando controlar a própria respiração.
— Eu devia ter voltado pra casa antes. Fiquei mais alguns dias fora e era pra termos saído juntos no dia do acidente, foi nosso aniversário de três anos.
— Nosso... Aniversário?
Por que eu não lembrava daquilo?
assentiu e continuou a falar.
— Só que eu tive um problema com o voo e te disse que não ia conseguir chegar a tempo, então você saiu sozinha. Foi tudo minha culpa. Se eu tivesse com você, isso não teria acontecido e nós não teríamos... — A voz dele falhou. — Sinto muito, amor. Sinto muito. — Ele segurou minhas mãos, as beijando.
— Tá tudo bem... Não tinha como ninguém imaginar isso — tentei confortá-lo. — Poderia acontecer com qualquer um.
— Prometo que vou te recompensar, . Vamos fazer o que você quiser. Eu sei que você não lembra da gente ainda, então vamos seguir o que o médico falou e ir devagar.
— Tá, tudo bem...
— Eu te amo tanto, amor. Você não sabe o alívio que foi quando te vi acordada de novo. — Ele colocou uma mecha de cabelo atrás da minha orelha.
Subitamente, lembrei da última cena que vivi no corpo de Ayla.
Então, como se meu corpo tivesse vida própria, levei uma mão até o rosto ainda úmido dele e me aproximei, selando nossos lábios suavemente.
retribuiu o beijo sem hesitar, mas não nos demoramos.
Tecnicamente, eu já tinha beijado ele centenas de vezes, mas meu estômago estava cheio de borboletas outra vez. No entanto, por algum motivo, por fora eu estava calma. Me afastei de e nos encaramos em silêncio por alguns instantes, até que voltou para o quarto.
Algumas horas mais tarde, eu tive alta.

Capítulo 4

Já era noite quando chegamos ao apartamento em que aparentemente eu morava com .
tinha ido para casa buscar algumas roupas para passar uns dias comigo e depois nos encontrou novamente no hospital para irmos juntos.
Mal falei com depois de beijá-lo. Me senti uma adolescente inexperiente depois que nos separamos, e os minutos que passamos a sós enquanto estava fora não ajudaram. Peguei meu celular em uma tentativa de ocupar as mãos e me distrair do monumento que se intitulava meu namorado e meio que desistiu de tentar conversar comigo depois de um tempo — ou talvez ele estivesse apenas me dando espaço — e saiu para falar ao telefone com Jace, seu gerente.
Enquanto fiquei sozinha, revirei meu celular e encontrei mensagens com Kate e , das quais eu lembrava, entre outras. Obviamente, minha maior surpresa foi a janela de conversa com , que parecia provar cada vez mais real o nosso suposto relacionamento.
As últimas mensagens dele eram avisando sobre o voo que deu errado e a mais recente, dizia que tinha acabado de entrar no avião que viria de Chicago para Nova York.
Era meio surreal. E pensar que apenas algumas horas atrás, eu estava dentro do meu livro favorito, vivendo uma fanfic.
Então acordei e descobri que minha vida real era uma fanfic.
Eu não parava de lembrar da sensação dos lábios de sobre os meus. E de como ele tinha sido carinhoso e cuidadoso. Mas também não sei o motivo real do impulso que tive de beijá-lo. Eu o via como meu ídolo, a quem eu amava, mas não lembrava de estar realmente apaixonada por ele. Ao mesmo tempo, seu toque não me era estranho. Meu estômago podia estar lotado de borboletas, mas eu também estava, de alguma forma, tranquila.
Como se meu corpo reconhecesse o dele, mesmo que minha mente não.
Era uma sensação agridoce.
Eu sabia de tudo sobre , e até mais do que eu me lembrava, considerando que estávamos juntos há três anos. No entanto, a possibilidade de ficar sozinha com ele ainda me deixava inquieta.
Não era medo, isso eu tinha certeza, mas para mim tudo parecia muito novo.
Encarei a tela do celular, intrigada. Todos os dias nós trocávamos mensagens, mesmo que poucas vezes. Não demorei muito para perceber que eu falava mais, e um sorriso levantou meus lábios ao ler algumas das nossas conversas.
Normalmente, mandava fotos de pratos de comida e era algo tão besta, mas eu achei fofo. Ele também sempre me dava bom dia primeiro e eu, boa noite. Imaginei que minhas noites fossem mais curtas que as dele, considerando que ele estava em turnê.
No período dos concertos da Ásia, nossas mensagens foram mais escassas, com respostas horas depois, provavelmente por conta do fuso-horário. Havia uma troca de mensagens sobre isso especificamente em que concordamos que era horrível ficar horas de distância um do outro.
Mas se estávamos juntos há três anos, eu sabia que não era a primeira vez que aquilo acontecia.
Eu lembrava da carreira dele.
Continuei passando as mensagens, maravilhada por nossa interação e fiquei sorrindo como uma completa idiota ao notar que ele sempre dizia que me amava. E perguntava se eu estava bem e como foi o meu dia. Também me chamava de "meu amor" na maioria das vezes, ou simplesmente "amor". Ele usava "" de forma mais casual e "" em situações mais sérias, como tinha feito mais cedo.
Parei de ler quando chegou. Eu podia dizer que estava meio chateada por ele não estar presente no nosso aniversário de três anos, mas ao mesmo tempo, eu não me entendia muito bem. Era o trabalho dele, certo? Datas comemorativas eram importantes, mas havia mesmo motivo para ficar chateada? Tipo, de verdade?
Será que foi por que eu esperava que ele chegasse uma semana mais cedo?
E o que era aquilo? A coisa que eu disse que precisava conversar com ele. Não parecia algo ruim. Mas se eu não lembrava, então também não saberia de nada já que aquela conversa nunca chegou a acontecer.
E agora eu estava ali.
Levou cerca de quarenta minutos para chegarmos ao apartamento. digitou uma senha na porta e gentilmente me informou que era a data do nosso aniversário: 6 de abril de 2019.
Assenti em silêncio e ele abriu a porta. Entrei primeiro, enquanto ele ajudava com a bagagem, mas parei na entrada quando me deparei com o tamanho daquele lugar.
Era simplesmente enorme.
Eu ganhava muito bem como agente literária de Katherine Reed, mas naquele momento, me senti pobre. Era até engraçado pensar assim, porque não era nenhuma surpresa que fosse muito rico.
Uma pequena tour começou assim que ele entraram. Fomos primeiro ao quarto guardar a bagagem de , e informou que ali era o quarto de hóspedes. Depois ele nos levou ao nosso quarto. Grande, com uma parede inteira de vidro e cortinas blackout automáticas. Chique. Havia um closet que compartilhávamos também e eu me surpreendi com o tanto de coisas que eu tinha. Não me lembrava daquilo também. O apartamento que eu dividia com no Brooklyn não era nem de perto tão grande como aquele, embora fosse de um tamanho razoável. E, definitivamente, o closet que eu tinha lá não chegava aos pés desse. Me senti a própria Carrie Bradshaw.
O banheiro também não deixava a desejar. Tinha uma banheira suficientemente grande para caber duas pessoas e minha imaginação um tanto fértil ficou um pouquinho solta quando vi. O quarto inteiro era decorado em tons de cinza bem escuro, o que eu gostava, e quando comentei isso, disse que eu escolhi a decoração.
Agora tudo fazia sentido.
— Você pode dormir aqui com , se quiser. Ou ir para o quarto de hóspedes, caso não queira dormir comigo ainda.
Ainda.
O jeito que ele falou era como se tivesse certeza de que eu ia querer dividir o quarto com ele em algum momento.
Errado não estava. Que fã não gostaria de dividir um quarto com ? Eu não era de ferro.
No entanto, ainda não estava acostumada com a presença dele, mesmo tendo lido todas as mensagens trocadas dos últimos seis meses para ter um pouquinho de noção de como era o nosso relacionamento.
Mesmo tendo gostado do que li.
Me senti um pouquinho mais apaixonada por depois daquilo, mas não tinha certeza se eram os sentimentos da , namorada dele ou , a fã.
Eu tinha consciência de que era uma pessoa normal como qualquer outra, mas... alguém podia me culpar? Eu não sabia como era a nossa dinâmica e teria que reaprender. Até mesmo por recomendações médicas.
disse que a situação com o livro e o fato de eu não lembrar do meu próprio namorado poderia ser um reflexo do trauma do acidente, mas eu não entendia. Não era como se eu tivesse me machucado muito. Não quebrei nada, e me sentia completamente bem, salvo algumas partes arroxeadas e doloridas do meu corpo.
continuou a tour pelo apartamento e eu descobri que tínhamos um escritório com uma biblioteca e um estúdio de música.
— Normalmente, você trabalha no escritório ou passa o tempo lendo lá quando estou no estúdio.
— Eu não fico no estúdio com você também? — perguntei, curiosa.
— Como você mesma disse, , você é minha fã — abriu um sorriso travesso. — Eu não te dou spoilers.
— O quê?! Como assim? — O encarei, indignada. — Eu sou sua namorada há três anos e você me deixa no escuro?
— Isso mesmo, amor. — Ele deu uma risadinha. — Entrada restrita.
— Que crime, !
Ele sorriu mais, parecendo achar engraçada a minha reação.
Cerca de uma hora mais tarde, eu já tinha colocado um pijama quando se ofereceu para fazer o jantar.
— Desde quando você cozinha? — perguntei, me sentando em um banquinho em frente à bancada para observá-lo. Assim como o resto do lugar, a cozinha também era espaçosa.
— Desde que você me ensinou — ele respondeu, com um sorriso.
Eu te ensinei? — Apontei para mim mesma, incrédula. — Quando?
— Desde que começamos a namorar. Quando temos tempo, até procuramos receitas novas pra testar.
— Sério? — O encarei, surpresa. Aquilo era muito legal. — Nunca imaginei isso.
— Amor, você me tem comendo na palma da sua mão e nem sabe — ele confessou. — Ou melhor, nem lembra. Não tô nada feliz em saber que você esqueceu tudo o que vivemos, que esqueceu de mim como seu namorado, mas vou fazer o possível pra te fazer lembrar. Não posso te contar tudo pra não te sobrecarregar, mas espero que isso passe logo.
— Sinto muito. — Encolhi os ombros, sentindo o rosto queimar. — Não sei por que tô assim. Deve ser estranho pra você… Tô parecendo uma fã maluca.
suspirou, com o rosto subitamente sério, e então se aproximou de mim. Mais uma vez, colocou uma mecha de cabelo atrás da minha orelha e, estranhamente — ou não —, me senti à vontade com o seu toque.
Eu não sabia o que aquilo significava. Fazia apenas algumas horas que eu tinha descoberto que ele era meu namorado, mas de algum jeito, depois que comecei a digerir aquela informação, consegui enxergá-lo de uma forma mais tranquila.
Eu não estava cem por cento à vontade perto dele, isso era óbvio, e acho que até ele percebia; mas também já não estava mais tão travada. Depois do choque inicial, as coisas pareciam estar fluindo mais naturalmente.
— Você sempre vai ser uma fã meio maluca, amor. A minha favorita — ele confidenciou, como se fosse um segredo. — Pode não lembrar de nada ainda, mas nos conhecemos melhor que ninguém. Você sempre diz que somos como almas gêmeas que se encontraram por acaso, e eu não poderia concordar mais.
Então ele se inclinou e beijou minha testa. Fechei os olhos, apreciando o contato pelo curto instante antes dele se afastar e voltar a se concentrar no jantar.
preparou uma carne suína desfiada e alguns acompanhamentos para montarmos sanduíches. Ele contou que havia uma padaria perto de onde morávamos, onde comprávamos os nossos pães favoritos, e que tinha encomendado alguns depois que soube que eu teria alta.
Pensando bem, ele estava com uma sacola que pegou na portaria quando chegamos, então imaginei que fosse isso. apareceu no momento em que começamos as montagens.
Montei meu sanduíche com abacaxi caramelizado, carne, cebola roxa crua e um pouquinho de pasta de pimenta coreana. contou que tínhamos alguns ingredientes orientais em casa para testar receitas, já que ambos éramos fãs de culinária asiática.
Mordi meu sanduíche e, de repente, me senti o próprio Remy de Ratatouille, com uma explosão de sabores na boca.
— Isso aqui tá uma delícia. Minha nossa... — comentei, dando outra mordida e gemendo de satisfação. A comida em si não tinha nada de mais, mas a junção de tudo foi tipo... Boom! Uma delícia, de fato.
deu uma risadinha ao ver minha reação e o acompanhou.
— Tem alguma coisa que eu esqueci sobre você? — perguntei a ela, de repente.
— Não. Até onde notei, você sabe de tudo.
— Você não casou nem nada assim, né?
— Definitivamente não. — Ela estreitou os olhos, como se eu tivesse acusado ela de um crime.
— Ei, é só casamento. Você não tá com aquele cara, o Garrett? Loiro, alto, que curte hóquei? — comentei, e ela assentiu. — Ele é um gato. Se eu fosse você, eu investiria nele.
engasgou com a comida e tossiu, de repente. Dei tapinhas nas costas dele.
— Investiria, é? — Ele arqueou uma sobrancelha. — Por que, ele faz seu tipo?
Pisquei, levemente confusa.
O que era aquilo? estava com ciúmes? De mim?
Segurei um sorriso e bebi um gole da minha coca zero — aparentemente, refrigerantes com açúcar não entravam no nosso lar.
— Eita... Por que a pergunta, de repente? Você deve saber muito bem que eu curto caras de cabelos escuros, altos e tatuados. De preferência, com uma voz rouca e sexy.
estreitou os olhos para mim, sério, mas eu sabia que ele também estava segurando um sorriso.
— Se você diz...
Troquei um olhar com e ela balançou a cabeça, rolando os olhos, então entendi que aquilo devia ser algo recorrente entre nós.
— Você vai trabalhar amanhã? — perguntei a , antes de dar outra mordida no meu sanduíche divino.
— Só no estúdio. Terminei a turnê e não tenho nenhum plano de deixar esse apartamento até você se recuperar. Ah, e conversei com Kate. Ela me explicou que vocês tão tirando uma folga de duas semanas.
— Você conhece a Kate? — Arqueei uma sobrancelha.
— É claro que sim. Vocês trabalham juntas. Eu conheço todos os seus amigos, .
Todos? Tentei imaginar uma situação em que e Andrew interagiam, mas não consegui pensar em nada. Eles eram bem diferentes um do outro.
tinha cara de bad boy, o tipo que te seduziria facilmente só com um olhar. Andrew era... um intelectual engraçadinho. Muito divertido, e nós éramos superamigos, mas será que ele e se davam bem?
— Até o Andrew? — perguntei, sem pensar.
— Sim, até ele — respondeu ele, fazendo uma careta.
Foi o suficiente para entender que, ou eles não se davam muito bem, ou era ciumento por eu ser amiga do meu ex, que, por acaso, também era um dos meus chefes.
Por algum motivo, achei aquilo engraçado, mas não comentei nada. Depois do jantar, eu e cuidamos da louça — ou melhor, a lava-louças cuidou — e depois nos recolhemos para o quarto.
— Tá tudo bem? — ela me perguntou, alguns minutos depois de nos deitarmos em silêncio.
— Sim, só tô um pouco confusa. Parece maluquice, . Até algumas horas atrás, eu tava dentro de Tenaz. Juro, foi muito, mas muito real.
— O médico disse que pode ser um mecanismo de defesa, . Se tudo correr bem, logo você vai recuperar as memórias sobre o .
Assenti, um pouco insegura. Minha mente ainda girava com perguntas que eu queria fazer, mas tentei deixar isso de lado e decidi que, assim como tinha feito com Ayla, esperaria a minha história com acontecer. A diferença era que, daquele roteiro, eu não sabia de nada.
Conversei com minha irmã por mais alguns minutos, me certificando de que realmente era a única parte da minha vida pessoal que eu havia esquecido, e caímos em silêncio novamente.
Não demorou muito até a respiração de ficar pesada, e imaginei se já tinha adormecido também. Ele parecia bem cansado, então torci para que sim. No entanto, eu não estava, não depois de ficar inconsciente por dias. Então, depois de alguns minutos tentando encontrar uma posição para dormir, desisti de esperar pelo sono e peguei meu celular.
Abri o aplicativo de leitura e comecei um novo livro.



Continua...



Nota da autora: Enviei esse cap no dia do niver do . Eu sou a maior cadelinha desse pp e não tenho vergonha nenhuma de chamar ele de meu favorito! xD Mas o que vc tá achando da fic? Me diz aqui, ou comenta um emoji pra eu saber que você tá lendo <3 Até a próxima att! XxAlly
PS. Se você chegou aqui, provavelmente leu HERO ou caiu de paraquedas. De toda forma, seja bem-vinda <3 Essa história já está finalizada e será postada um capítulo por semana, nas atts de segundas/terças, assim como RIVER. Os pps são personagens mencionados no universo da CAVE PANTHERS, mas a história deles se passa anos depois~ Dou as boas-vindas a você que chegou até aqui e espero que você se divirta. Essa fic é o meu xodózinho ♥
Ah, a RIVER (Cave Panthers #2) já está disponível também e terá DOIS capítulos por semana! Dá uma olhada lá também!
Para mais informações sobre mim ou meus outros livros em e-book já publicados, visite meu Instagram (@aquelally) ou meu grupo de leitores no WhatsApp pelos links nos ícones abaixo. Podem interagir comigo, tá? xD PPS. Como TENAZ anda sendo mencionado, vou deixar a playlist desse livro nos links abaixo pra vocês também se sentirem um pouquinho na pele da Ayla haha ♥





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