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I'll always look out for you

But I promise you this, I'll always look out for you, that's what I'll do (Sparks – Coldplay)



Sexta-feira, 24 de dezembro de 2021
Casa de
Lahti – Finlândia



estava parado, a mão direita na porta e o estômago revirado de ansiedade. Também sentia dor de cabeça, calafrios e seu corpo parecia ter sido moído em um triturador de carne. Estava recluso em casa porque naquela manhã, após mais uma noite de tormenta, tinha positivado para o Covid-19. Era o fim. Como se não bastasse o fim do sonho com , também era o fim do sonho das festas em família, de passar o natal com os pais em Viipuri.
Tinha cancelado os planos de viagem, a mãe ainda insistiu em vir para Lahti, mas não permitiria que ela se expusesse ao vírus. Tinha dispensado os funcionários da casa e dito a Atte e Aleks que estava bem e que preferia ficar sozinho e que se fosse necessário ligaria para um médico. No fim das contas, até preferia mesmo ficar só, porque assim poderia se sentir péssimo como gostaria por causa do coração partido, sem esconder e ainda usar de desculpa a infecção pelo vírus para isso.
Era pouco antes do meio dia quando o interfone tocou. ignorou o máximo que pôde, mas pensou que podia ser algo urgente, já que poucas pessoas sabiam que ele ainda estava na cidade. Resolveu se arrastar e abrir as portas para quem quer que fosse e agora estava ali, encarando a madeira escura da grande porta, sentindo-se quase desmaiar. Tanto por seu estado debilitado graças ao Covid-19, tanto pela emoção que sentiu ao descobrir quem estava o visitando.
Quando a visita estava perto o suficiente, respirou fundo, tentando endireitar o corpo e fingir não estar com um pé na cova. Fingiu sua expressão mais impassível e a abriu, sem cordialidade.

– O que você está fazendo aqui? – Ele perguntou com sério, lutando para não soar animado ou moribundo demais.
– Eu não me importo com a sua opinião sobre o assunto, eu vim para ficar. – declarou, subindo os degraus que levavam a porta de entrada, ignorando o anfitrião. – Não vou deixar você sozinho e doente.
– Não estou sozinho. – Ele mentiu, mantendo o mesmo tom entediado. – E mesmo se estivesse, não era a sua companhia que eu iria querer.
– Não está? – arqueou uma sobrancelha e sorriu de canto, passando por ele, sem que fosse convidada a entrar. – Sei. – A inglesa riu pelo nariz.

entrou e assim que passou do hall, parou, analisando a confusão que estava a sala do jogador. A decoração de natal ainda estava impecável e iluminava a sala, mas não era isso que mais chamava atenção, e sim as embalagens de comida espalhadas, garrafas de água, uma manta grossa sobre o sofá e alguns medicamentos espalhados sobre a mesa. A casa não estava ventilada, do lado de fora nevava muito e a sala estava mais escura que o normal.
respirou fundo, subindo e baixando o ombro.

– Não preciso de você aqui. – Ele negou direto, fechando a porta e encarando as costas da mulher, que carregava uma bolsa grande com o emblema do time com ela.
– Azar o seu, porque eu vou ficar. – o olhou por sobre o ombro, em seguida deixou cair a bolsa e se dirigiu a bagunça da sala.
– Se você quiser ficar pra usar isso contra mim depois, ou pra tentar amenizar sua consciência pesada... – começou a falar, passando por ela em direção ao sofá.
– Cale a boca, . – o olhou com sobrancelhas juntas e rolou os olhos. – Eu vou ficar.

bufou e se jogou no sofá, cobrindo-se com a manta pesada e fechando os olhos, enquanto internamente sorria e pensava “Graças a Deus”.

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🎵 Dê play na música aqui, e se necessário coloque para repetir. Daughtry – Life After You🎵


já tinha recolhido todas as embalagens de comida pela sala, cozinha e pelo quarto. Juntado todo o lixo, aspirado, lavado a louça e trocado a roupa de cama de e se sentia maravilhosamente útil e bem depois de toda a limpeza. Teve muito medo quando chegou e durante todo trajeto até a casa do capitão, mas quando o viu abrir a porta e o péssimo estado dele, o medo desapareceu. tentava disfarçar, mas não conseguia, não para . Ele estava horrível, olheiras fundas e escuras, pele pálida e cabelo sujo e bagunçado.
não havia relutado tanto e agradeceu mentalmente por isso, embora nada no mundo a fizesse sair dali e deixa-lo só, doente, naquela casa.
A inglesa não era uma das melhores cozinheiras, ostentava aquele título muito justamente. Mas conseguia se virar muito bem quando o assunto eram sopas para doentes. O cheiro da que havia feito para tomava todo o ambiente quando ela carregou a bandeja da cozinha para a sala, onde ele dormia.

, te trouxe algo para comer. – Ela chamou, sentando-se perto dele, mas ele não se moveu. – . – pousou a bandeja em outra parte do sofá e tocou o braço do jogador. – . Acorde.

Ele resmungou e mexeu o ombro, querendo se livrar do incômodo que ela promovia ao tentar despertá-lo. torceu os lábios e tentou acordá-lo novamente, mas percebeu que o jogador estava mais quente e mais suado que o normal.

, querido. – o chamou outra vez. – Acho que você está com febre.

correu os olhos pela sala, tentando encontrar um termômetro, sabia que havia visto um em algum lugar, talvez no quarto e correu até lá.
Quando voltou, estava com olhos abertos, mas parecia ainda sonolento, apático. tinha pressa e chegou até ele em um instante.

– O que está fazendo? – Ele resmungou quando ela puxou devagar a manta para baixo, com o termômetro em outra mão.
– Acho que você está com febre. – Ela disse a ele. – E parece que vamos ter que ir pelo método antigo. – sorriu sem mostrar os dentes, afastando os olhos do termômetro e levando o olhar para . – Vamos. – Ela incentivou e ele a ajudou a posicionar o termômetro no lugar certo, sem reclamar.

permaneceu em silêncio, os olhos, apesar de caídos, estavam fixos em , que afastava o cabelo suado da testa do jogador, enquanto aguardava o temporizador do termômetro.

– Pronto. – avisou quando ouviu o sinal e pôde conferir a temperatura. – Trinta e nove. – inspirou fundo e apertou os lábios, com olhos no termômetro, depois voltou sua atenção para . – Como se sente?
– Mal? – Ele respondeu em um sussurro que fez a terapeuta inglesa sorrir.
– Quando foi a última vez que comeu direito ou tomou banho? – Ela quis saber e voltou a afastar os cabelos da testa do jogador, como quem acaricia algo precioso.
– É sério? – fez careta, como se fosse pedir demais para que ele se lembrasse daquelas informações. – Eu não sei, .
– Deve ter alguma coisa para febre por aqui. – Ela mordeu o lábio inferior e se afastou um pouco do capitão, revirando os medicamentos sobre a mesa de centro em busca de algum antitérmico. – Aqui. Isso deve resolver. – Ela ergueu o olhar e um pequeno vidro. – Mas só tem líquido.
– Não tomo de outro jeito. – Ele confessou, desviando o olhar, envergonhado.

abriu a boca, prestes a fazer alguma piada ou questionar a razão para aquele hábito, mas desistiu, resolveu poupá-lo por hora. A terapeuta apenas negou com a cabeça, sorriu e se levantou, indo depressa até a cozinha para preparar a medicação.
se esticou no sofá para tentar enxerga-la no outro cômodo. Ainda não acreditava que a inglesa estava ali, com ele, cuidando dele. Parecia algum tipo de alucinação, tinha escutado uma vez sobre como algumas febres altas causarem alucinações. Mas ao olhar a seu redor, a bagunça fora limpa e a sala parecia organizada, havia uma tigela de sopa perto dele e alguém tinha medido sua temperatura e agora estava preparando mais uma dose de remédio. Aquilo não podia ser inteiramente uma alucinação, pensava ele.
Depressa voltou e o forçou a beber o líquido amargo. Se sentia péssimo, sem qualquer vontade de fazer outra coisa a não ser dormir, sentia frio, mas estava completamente suado. o assistiu tomar todo o líquido e ofereceu água depois. Ela o olhava com empatia, parecia preocupada, até amorosa, e isso fazia se sentir ainda mais desconfortável, principalmente pela forma com que a havia tratado quando ela chegou.

– Fiz uma sopa, quer tentar comer um pouco agora? – Ela perguntou e negou com a cabeça, puxando a manta para mais perto do rosto. – Certo, mas vai ter que comer mais tarde. – Avisou e sorriu fechado, tornando a passar a mão de modo delicado nos cabelos do jogador.
– Por que tá fazendo isso? – Ele fez a pergunta que martelava em sua cabeça desde que viu que era ela a visita inesperada.
– Porque eu gosto de você. – respondeu rápido, sem afastar o olhar. – Não vou te deixar passar por isso sozinho.
– Eu... – tentou falar, mas ela o interrompeu.
– Você foi claro, não me queria por perto, eu sei. – completou. – Mas não me importo com isso agora, nada vai ser capaz de me deixar longe.
– Agradeço. – a cortou. – Era o que eu ia dizer. Que eu agradeço.

engoliu em seco e desviou o olhar, fez-se silêncio.

– Sua febre logo deve passar. – A inglesa se pôs de pé. – Vou tentar descobrir o horário dos seus remédios e o que mais posso fazer. – Falou, apontando para trás, para a cozinha, como quem informa onde vai estar. – Me avise caso haja algo que eu possa fazer para te deixar mais confortável.

assentiu em silêncio e ela se foi.
Não achava ser coerente ou a escolha certa na decisão de autoproteção, deixar se aproximar outra vez, mas naquele momento não queria outra coisa. Estava triste e chateado com os rumos do relacionamento dos dois, mas com o Covid-19 tudo pareceu pequeno. Estava doente, se sentia péssimo e mesmo com tudo que tinha acontecido entre os dois, ela estava ali, cuidando dele. Se expondo ao vírus, ajudando alguém de quem ela não devia estar perto.
Mas era bom. estava se permitindo ser egoísta e aproveitar do conforto emocional que a presença da inglesa o trazia.

❄❄❄


🎵 Dê play na música aqui, e se necessário coloque para repetir. James Arthur – Say You Won't Let Go🎵


Depois de algumas ligações e algumas carteiradas, enfim tinha em suas mãos toda a prescrição médica de e estava organizando os medicamentos por horário, para facilitar a administração. Fazia isso quando notou o jogador erguer o tronco, ainda um pouco sonolento, e olhar ao redor, como se tentasse se orientar no tempo e espaço.

– Ainda é sexta, agora são três e vinte da tarde. – se aproximou dele dizendo, atraindo a atenção do capitão. – Como se sente?
– Não tô mais com frio. – Respondeu , ainda confuso pelo sono.
– Boa notícia. – A inglesa sorriu e voltou a se sentar perto dele, no sofá. – Você devia tomar um banho e aí comer um pouco, o que acha?
– Não quero tomar banho agora, quero ficar aqui. – negou, voltando a se deitar.
– Não foi exatamente uma sugestão, . – ficou de pé e alterou seu tom, adotando uma postura mais severa. – Você precisa de um banho, ou vão te confundir com algum cadáver. – Falou e ele rolou os olhos. – Vem, vamos. Te ajudo.
– Não vai me ajudar a tomar banho. – protestou, a observando de canto de olho.
– Claro que não. – negou, oferecendo uma mão para que o jogador se apoiasse e ele rolou os olhos e bufou, entregando-se. – Te ajudar a subir para tomar seu banho, te ajudar a escolher o que vestir e alcançar o que precisar. – Respondeu ela, usando da pouca força que tinha para ajudá-lo a se levantar. – E não sei porque ficou ofendido, não tem nada aí que eu já não tenha visto.
– E que pelo visto tá doida para ver de novo. – Ele resmungou, caminhando devagar até a escada.
– Não sei se tem se olhado no espelho, , mas você não é a visão mais atrativa do país agora. – devolveu, rolando os olhos.
– Isso nunca foi empecilho antes.

não respondeu, continuou apoiando o jogador. subiu as escadas devagar e ficou atrás, por segurança. Quando chegaram ao quarto dele, o capitão notou que havia sido limpo, mas não comentou, sentia vergonha de ter precisado que fizesse aquilo.

– Tire essas roupas, alguém vai ter que queimar isso depois. – Ela apontou para ele.
– Ah, cala a boca. – Ele a xingou, puxando o moletom que usava pela parte de trás da gola. O tom do jogador era suave e apesar da escolha de palavras, riu.
– Deixe a porta aberta. – Ela pediu quando ele entrou no banheiro.
– Não. – negou mal-humorado.
– Se cair, alguém vai ter que arrombar a porta para te resgatar e não serei eu. – Ela começou a falar, fingindo estar entediada. – Logo, se você cair, vai ter que esperar o socorro chegar, alguém estranho arrombar a porta e encontrar você no chão do box, nu e doente.

não respondeu, mas também não trancou a porta. Ela tinha razão e ele reconhecia que só detestava aquele cuidado em excesso por uma razão: não sabia como lidar. Não sabia se devia agradecer ou recusar. Se devia gostar, pedir por mais ajuda, ou a mandar embora.

– Onde está o Felix? – perguntou quando ouviu o barulho do chuveiro sendo aberto.
– Lá fora, ou dormindo em algum lugar. – respondeu entediado.

o deixou tomar seu banho em paz e procurou pela porta do closet de . Ajudaria escolhendo alguma coisa confortável para usar, facilitaria para ele, pensava ela.
Nunca antes tinha entrado no closet de , nunca tinha tido oportunidade e nunca tinha estado na casa a tempo suficiente para isso. O espaço era do tamanho ou maior que a cozinha da terapeuta, bem iluminado e abarrotado de coisas. Tênis, casacos, calças, camisas, bonés, chapéus e todo o tipo de roupa e acessório existente e que o dinheiro pudesse comprar. Muitos de marcas famosas mundialmente e que apenas tinha ouvido falar e visto nas revistas, TV e internet.
As vezes perdia a noção de como a pessoa com quem se relacionava era famosa e rica, e eram precisos momentos como aquele para que se lembrasse.
quis ser útil e tentou buscar por uma gaveta de cuecas, porque era óbvio em sua cabeça, todos deviam ter uma gaveta específica para aquele tipo de peça. Mas tudo que encontrou foram gavetas de gravatas, de cintos, de abotoaduras, de relógios, mas nada de cuecas. Mas haviam pelo menos mais meia dúzia de gavetas, ela pensou antes de abrir a próxima. Para sua surpresa, não encontrou o que estava procurando, mas algo um pouco mais curioso.
Uma de suas toucas, a touca que havia pego na primeira vez que se encontraram depois da primeira noite. Quando no estacionamento o jogador tinha trocado sua própria touca com a de , numa brincadeira boba. A touca estava ali, intocada, guardada quase como um tesouro, quase sozinha na gaveta. Na mesma gaveta uma calcinha branca, que reconhece de pronto, era dela. Junto com uma camiseta, um elástico e um grampo de cabelo. A terapeuta inglesa sorriu involuntariamente observando aquelas coisas, até ser chamada de volta ao mundo por , que tossiu de propósito na porta do closet, chamando a atenção dela.

– Ah, você já terminou. – Ela percebeu, vendo-o apenas com a toalha presa a cintura e braços cruzados sobre o peito e um semblante pouco convidativo. caminhou até ela em silêncio e fechou a gaveta que olhava sem cerimônias. – Estava tentando achar alguma roupa confortável para você. – Explicou com um sorriso infantil.
– Não preciso de ajuda pra me vestir. – Ele negou, dando as costas para ela.
– Por que você guarda uma gaveta dos meus souvenires? – ignorou a expressão fechada dele e o seguiu para perguntar. – Não era mais fácil devolver? – Perguntou, apoiando-se a um dos armários e cruzando os braço, o assistindo.
– Pelo mesmo motivo que você tem os meus. – Ele respondeu sem emoção, concentrado em escolher uma camiseta qualquer e maneou a cabeça concordando com ele.

– Acho que nunca vou ser capaz de me acostumar com isso. – confidenciou após alguns segundos, observando o closet de . – De lembrar que você é tão rico quanto realmente é.
– Se tem uma coisa que eu aprendi na vida, é que todo mundo se acostuma com ter grana. – falou baixo, distraído, enquanto vestia uma camisa branca qualquer, sem estampa. – É só questão de tempo.
– Ainda é estranho para mim. – continuou a falar, girando o corpo para analisar melhor o espaço. – Parece que são duas personalidades. – Ela riu fraco.
– Você tem razão. – respondeu atraindo um olhar confuso de . – Não me olhe assim, só concordei com você. – Ele respondeu a olhando e dando de ombros, afastando-se dela e se aproximando de onde casacos de moletom estavam pendurados.

o seguiu, mas se manteve em silêncio, assistindo a se vestir, curiosa para ver o que ele faria quando chegasse a hora de vestir uma calça. Quando ele buscou entre os casacos pendurados, o movimento das peças revelou uma foto e , tomada de curiosidade, se aproximou mais para ver de perto.
Se tratava de uma foto tirada no dia da sauna, uma foto onde todo o time aparecia, mas que havia cortado e preservado apenas ele e a pessoa ao seu lado – . A foto estava presa ao armário e ao lado dela haviam mais três fotos: uma em que os dois apareciam juntos e que havia sido tirada pelos fotógrafos do Pelicans, com uniforme de jogo e ao seu lado, sorrindo; a outra era uma foto que reconheceu ter sido tirada de sua conta no Instagram, uma selfie aleatória entre tantas; a terceira uma foto da terapeuta inglesa distraída, sentada em casa, na mesa. sorriu e esticou um braço, tocando uma das fotos com o dedo indicador, emocionada com a descoberta.

– Não sabia que tinha fotos minha. – Ela sorriu encantada.
– É, eu já devia ter tirado. – respondeu com frieza, sem a olhar. – Mas fiquei doente e não tive tempo. – Falou ele e se sentiu murchar.
– Posso fazer isso para você agora. – Ela levou uma das mãos na direção das fotos, chateada com a resposta do central, mas a impediu, segurando seu punho antes que ela alcançasse as fotografias.

Os dois se olharam, tinha o olhar magoado e chateado e estava hesitante, incerto.

– Eu faço isso depois. – Ele determinou.

sustentou seu olhar por mais alguns segundos e então se desvencilhou de , afastando-se dele.

– Tem sopa para você lá embaixo quando terminar. – Lembrou e lhe deu as costas, deixando-o sozinho no closet.

❄❄❄


estava na sala, sentada no chão com Felix ao seu lado, enquanto ela afagava entre as orelhas do cão. Ainda estava dolorida com a resposta de sobre as fotos. E talvez, sendo justa, talvez estivesse dolorida com ele por toda a coisa.
Não decidiu por ir até a casa do, aparentemente, ex-namorado, para receber algo em troca, esperando que ele reconhecesse e reforçasse positivamente sua conduta. Nem estava ali querendo compensar ou esperando que assim se reconciliassem. Estava porque o amava e o amando não o deixaria sozinho e doente, principalmente sabendo que seria noite de natal em breve e o quanto o central amava aquela data.
Mas mesmo sem qualquer expectativa, o modo com que a estava tratando a afetava. A má resposta sobre a inglesa ter interesse em vê-lo nu fora engraçada e sabia que não era do tipo ame seu inimigo. Se ele não quisesse falar com ela, ele não falaria, se estivesse com raiva a ignoraria sem pensar duas vezes. E sequer teria aberto a porta para ela caso realmente não a quisesse ali. não era do tipo que gosta de joguinhos, ou que perde tempo com implicâncias, a não ser que se divirta com elas ou que as queira, de algum modo.
Mas, de forma geral, não parecia nem um pouco tocado a ser gentil ou educado com a terapeuta. O modo com que falou das fotos era um sinal. Talvez estivesse chateado e quisesse feri-la de volta, era comum de acontecer. Talvez estivesse confuso com o que queria, não queria estar sozinho e doente, mas não escolheria como opção.
Independente de como fosse, sentia-se mal e um pouco impaciente com a forma rude com a qual estava sendo tratada. Talvez merecesse, por se dispor a estar ali, talvez fosse apenas vestindo sua casca outra vez, por medo, insegurança ou qualquer outro sentimento que ele estivesse tentando esconder.

– Ainda posso comer sopa? – surgiu de repente atrás de , aproximando-se em silêncio. A inglesa o olhou por sobre o ombro, estava limpo e com roupas quentes, ostentava uma expressão incerta, hesitante e um pouco envergonhada. As mãos no bolso e ombros encolhidos e tensos. – E então? – Ele reforçou diante o silêncio da terapeuta inglesa.
– Sim.

A inglesa se pôs de pé e seguiu para a cozinha, com em seu encalço. serviu o jogador com uma porção generosa de sopa e ele se sentou para comer. Parecia um pouco mais disposto, mais alerta e menos moribundo do que quando a terapeuta havia chegado, mas ainda parecia em péssimo estado.

– Não vai comer também? – Ele quis saber antes de provar.
– Não, estou sem fome. – negou. – Mas não precisa temer, não está envenenada ou coisa assim. – Ela alfinetou, ainda um pouco chateada com a ocasião das fotos, mas pareceu não perceber e levou aquilo como uma piada, rindo pelo nariz.
– Passar as festas doente e preso em casa com você. – Ele falou ainda rindo. – Mesmo envenenada eu comeria. – riu, mas continuou sem esboçar qualquer expressão. O central pareceu compreender enfim, e assentiu uma vez com a cabeça, em silêncio e em seguida provou a comida. – Está bom. Obrigado.

não respondeu, apenas acenou com a cabeça e começou a se afastar.

– Pode me chamar se precisar de qualquer coisa. – ofereceu, mas sua voz não era animada ou doce como antes. – Vou ficar com o Felix. – Disse, voltando para o lugar onde a havia encontrado.

O capitão suspirou, inclinando a cabeça e negando a si mesmo, incrédulo com sua falta de jeito. Ainda se sentia mal, com uma terrível dor de cabeça e no corpo, tossia muito e a voz estava fanha. Mas aquilo não era o que realmente lhe fazia sentir mal naquele momento. Não estava feliz em como a estava tratando, principalmente porque no que dependia de seus impulsos, estaria agora aos pés dela. Mas não sabia como devia agir na presença a inglesa.
Ainda estava magoado, isso era fato, e nada havia mudado. Não tinham conversado ou acontecido qualquer tipo de pedido de desculpas por parte de . Não conseguia só deixar pra lá e não queria isso também. Mas ao mesmo tempo, estava ali, conversando, sendo doce e simpática, até carinhosa. Ela tinha o respondido que estava ali por gostar dele, aquilo significava algo, mas não mudava muita coisa. Talvez devesse ao menos trata-la com cortesia, pensava, mas não sabia se seria possível. Se sentia como um adolescente, quando tenta se comportar de forma diferente para que outra pessoa note sua chateação.
Era bobo, mas metade das coisas que Brad fazia ou das decisões que tomava eram bobas.

❄❄❄


Depois da refeição, resolveu voltar para o sofá e ficou ali, em silêncio, encarando o teto até adormecer novamente. estava por perto, ainda com Felix fazendo companhia, mas não disse nada até que tivesse que conferir o central outra vez. A febre parecia ter voltado e tinha crises de tosse a cada cinco minutos. Desde que havia chego, não pensou em usar uma máscara. Não se importava com nada além da melhora de , todo o resto podia esperar.
Agora, o jogador estava com febre outra vez e o antitérmico parecia não querer funcionar. tremia e suava enquanto tossia e respirava fundo, e toda vez que sentia sua respiração lhe falhar, seu coração se esfarelava um pouco mais.

🎵 Dê play na música aqui, e se necessário coloque para repetir. Billie Eilish – Halley’s Comet🎵


– Você não devia estar aqui. – Ele falou baixinho, a voz diferente por causa do nariz e da garganta. – Vai acabar ficando doente também.
– Um preço que estou disposta a pagar. – respondeu sem pensar, tentando deixá-lo mais confortável, ajeitando o cobertor e afastando os cabelos da testa dele, que estavam molhados de suor.
– Você não sabe o que tá falando, . – protestou, ele tinha os olhos fechados, mas seu tom de voz parecia contrariado.
– Xiu... – Ela o silenciou. – Fique quieto, . – pediu, falando baixo. – Você precisa descansar, ficar tranquilo.
– Como eu posso descansar e ficar tranquilo... – A fala do jogador foi interrompida por outro ataque de tosse, recuou e depois o ofereceu água. – Como eu posso descansar e ficar tranquilo, se você está correndo riscos? – Ele indagou, a olhando nos olhos.
– Não se preocupe comigo, , eu sei me cuidar. – Ela garantiu, mas ele ainda parecia contrariado.
– Você não devia estar aqui. – repetiu, apertando os lábios em uma linha fina. A voz do capitão era fraca, quase um sussurro.
– Mas eu estou, e quer queira ou não, vou continuar. – falou de forma firme, sem dar espaço para discussão.
– Eu quero, mas você não devia. – confidenciou e por alguns segundos, demonstrou a surpresa que caiu sobre ela em sua expressão, com um pequeno e quase imperceptível sorriso. – Você devia estar em algum lugar, comemorando o natal. Segura.
– Devíamos estar nós dois em Viipuri. – falou com ousadia e a olhou em silêncio.

não pretendia responder, ou não pôde, devido a outro ataque de tosse que o fez inclinar o corpo para fora do sofá, não conseguiu descobrir. Ele estava ardendo em febre, mas parecia com guardas baixas, além disso, a inglesa também estava com todas suas muralhas no chão ao vê-lo daquela maneira, doente, frágil.

– Eu sinto muito por tudo isso. – A terapeuta inglesa declarou, atraindo um olhar curioso, mas sério de , enquanto segurava uma de suas mãos, entrelaçando os dedos aos do jogador. – Eu lamento muito que tenha visto o que aconteceu entre o e eu, e entre o Merelä e eu. Não foi minha culpa e eu teria evitado se pudesse. Mas não pude. – suspirou, fechou os olhos e inclinou a cabeça. – Não gostei de nada disso, nem de ser beijada pelo Waltteri, muito menos daquela situação constrangedora e humilhante com o . Me senti péssima... eu só... – Ela expirou profundamente e ergueu os olhos para outra vez. – Eu só sinto muito.

não respondeu outra vez, nem esboçou qualquer sinal de que iria. Apenas a olhava, como se digerisse as palavras da inglesa com cuidado. Em seguida foi tomado por outro ataque de tosse e resolveu checar sua temperatura outra vez. Agora, a espera – além de angustiante pelo estado de saúde do capitão – era desconfortável pelo silêncio de .

– Voltou a subir. – contou a ele, angustiada. – Você devia ir a um hospital. – Falou ela e negou com a cabeça. – Me deixe pelo menos chamar um médico aqui. – O tom de voz da inglesa explicitava seu desespero. Odiava ver as pessoas que amava ficarem doentes, e naquele caso, mesmo se tratando de um adulto jovem e saudável, vacinado, o Covid-19 ainda podia ser imprevisível.
– Não preciso de médico, vou melhorar. – Ele negou, tentando erguer o tronco com alguma dificuldade e voltando a tossir. – Só preciso de um banho.
– Não, você não precisa só de um banho. – protestou nervosa e ofereceu mais água ao jogador.
– Me ajude aqui. – pediu depois de tomar a água.

ofereceu apoio ao jogador, que agora, parecia ainda mais pesado por estar um pouco cambaleante pela moleza que a febre lhe causava. Os dois subiram as escadas com dificuldade e devagar, e assim que alcançaram o quarto do capitão, se despiu do casaco e camisa com ajuda de , que tinha um olhar apreensivo no rosto, que foi notado por ele. A terapeuta estava perto dele, a distância de alguns centímetros, auxiliando-o a se livrar das peças de roupa. Era o mais perto dele que havia estado desde tudo.

– Tudo bem. – , já com o tronco nu, levou as mãos ao rosto da terapeuta, segurando-o e olhando nos olhos da inglesa. – Tudo bem, Rakkaani. – Garantiu, tentando dar a ela algum conforto.

não respondeu, apenas seguiu o acompanhando. não se incomodou em tirar a calça de moletom que vestia e se enfiou no chuveiro como estava. tinha o corpo apoiado por , que temia soltá-lo e por isso se molhava com a água que espirrava. O jogador tossiu um pouco mais, se apoiou a parede e inclinou a cabeça, deixando que a água caísse sobre a nuca e parte de trás da cabeça e escorresse pelas costas, enquanto afagava suas costas e ombro com suavidade.
Ficou ali por algum tempo, não soube mensurar quanto, mas quando enfim decidiu parar a água, sentia-se com um pouco menos de dor e um pouco melhor no estado geral.
Ao deixar o box, percebeu que estava encharcada e que seu olhar era preocupado e cansado. Não sabia que horas eram, mas imaginava que ela quisesse descansar e que precisava disso tanto quanto ele.

– Você está encharcada. – Ele falou de modo doce, oferecendo a ela a toalha que o havia entregue, mas ela negou com a cabeça. – Não vem com essa. – balançou a cabeça negativamente e se aproximou um pouco mais da inglesa, usando a toalha para secar os braços e rosto de , mesmo que ela não quisesse.
– Você precisa trocar essa calça, colocar uma roupa quente e comer um pouco. – Ela começou a falar, tentando se desvencilhar. – E checar a temperatura e deve ter mais medicamentos para agora. Eu preciso...
– Você não precisa nada. – a interrompeu. – Tire essa roupa molhada. – negou com a cabeça outra vez. – Tire ou não vou tirar também.

A inglesa torceu os lábios em reprovação, mas obedeceu e se desvencilhou do suéter grosso que usava, das meias e da calça jeans, quase completamente molhada. Ficou apenas com a calcinha e sutiã, sentindo o frio do banheiro a incomodar. a dirigiu um olhar positivo e assentiu com a cabeça, apertando os lábios, sem permitir que seus olhos fossem para o corpo seminu da terapeuta inglesa. Depois, tirou devagar toda a roupa que vestia e se enrolou a toalha novamente, saiu do banheiro e puxou pela mão, em direção ao closet.

– Não é preciso isso, eu tenho minhas roupas lá embaixo. – falou, lembrando-o.
– Lá embaixo. – repetiu, como se a distância entre onde eles estavam e onde a mala de estava fosse muito maior do que a distância real.

não protestou de novo, apenas o seguiu e assistiu separar uma calça de moletom com elástico, um casaco de moletom grosso e meias quentes. A medida com que a entregava, se vestia e o central aguardava pacientemente até entregar a próxima peça. Enquanto terminava de se ajeitar, soltou a toalha e se vestiu também, usando uma escolha de roupas semelhante à da inglesa. Depois, resgatou a toalha e começou a secar os cabelos molhados com ela, foi então que percebeu que prestava alguma atenção ao moletom o jogador a havia dado.

– Que foi? Não gostou? – Ele quis saber. – Pode escolher outro. O que quiser. – Ofereceu, apontando para onde seus casacos se amontoavam.
– Não, não é isso. – A inglesa olhava a peça de roupa e a tocava como se fosse algo especial. – Eu... é que eu me lembro desse aqui. – Ela disse e uniu as sobrancelhas, depois tossiu um pouco mais, escondendo o rosto na curva do cotovelo.
– Lembra? Como assim? – enquanto perguntava, negou com a cabeça, confuso.
– Acho que você usou naquele jogo. – ergueu o olhar para e a inglesa tinha um sorriso infantil nos lábios e olhos. – Quando tudo começou. – Disse ela e o central foi invadido pela lembrança.
– É, foi esse. – riu abobado, apoiando uma das mãos a um dos armários. – Você se lembra? Como se lembra do que eu estava usando? – Ele quis saber surpreso, ainda sorrindo.
– Eu me lembro de tudo sobre aquele dia. – Ela sorriu, voltando a olhar para o casaco. – Obrigada. – Agradeceu e assentiu, sorrindo fechado. – Vou juntar toda aquela roupa molhada agora. – Avisou antes de se afastar.

Quando estava prestes a passar pela porta do closet, abraçou a coragem e decidiu dar a resposta que sua consciência e coração mandavam.

– Obrigado, . – Ele agradeceu a olhando nos olhos e sorriu e inclinou a cabeça sobre o ombro.
– Pelo que? – Perguntou sorrindo. – Cuidar de você? Eu disse que faria isso, não precisa agradecer.
– Por isso também. – respondeu, inspirando fundo. – Mas... – Ele hesitou, parecia em uma luta interna para escolher bem as palavras e para enfim dizer o que queria dizer. – Eu quis dizer, por se desculpar. Obrigado. Obrigado por ter se desculpado.

entendeu, mas não respondeu.
Levou dois segundos para absorver o que ele tinha dito e então sorriu, acenou com a cabeça e se afastou.

❄❄❄


Mais tarde, quando retomou a consciência, estava de volta no sofá, a lareira grande da sala estava acesa e sobre ele havia mais um cobertor. Tinha pego no sono outra vez depois de tomar mais alguns medicamentos, mas ao menos se sentia um pouco menos destruído. Talvez pelos dois banhos, talvez pelos medicamentos, pela sopa de ou por seu pedido de desculpas. Fosse como fosse, sentia-se mal, mas não de braços dados com a morte, como mais cedo naquele dia e na noite anterior, antes de chegar.
Ajeitou-se no sofá, Felix dormia sobre suas pernas e ergueu a cabeça ao sentir o dono se movimentar. No outro canto, sentada em uma poltrona estava , que parecia concentrada em um livro. Ela não tinha notado o despertar do jogador e se aproveitou disso para observá-la. Havia um vinco entre as sobrancelhas dela, sinalizando sua concentração, as pernas estavam dobradas sobre a poltrona, os cabelos soltos cobriam parte do rosto.
Não sabia exatamente o que a motivava, depois da briga na Isku Areena e todas as coisas ditas e a falta de gentileza de , a permanecer ali, cuidando dele. Talvez fosse culpa, ou por realmente sentir alguma coisa. Qualquer outra pessoa já teria desistido, teria xingado todas as gerações de e falado mal dele na internet. Mas ela estava ali, suportando sua versão magoada e ressentida, doente e se expondo a uma doença difícil, enquanto era doce e carinhosa.
Estava curioso e não queria continuar no silêncio, queria ouvir a voz dela, queria um pouco de atenção. Ainda não sabia como se sentia quanto a todas as outras coisas, mas o pedido de desculpas dela parecia ter sido muito mais resolutivo do que imaginava. Não que precisasse de muito esforço para perdoá-la, para ser sincero, tudo que precisava era de uma oportunidade, um passo dado por em sua direção para seguir no rumo do perdão. Estava triste e magoado com tudo aquilo, claro, mas o que sentia por ela talvez fosse maior.
Contudo, ao mesmo tempo, se sentia estúpido, burro, ingênuo, por estar considerando seguir o caminho que já o estava magoando.

– Oi. – Ele se fez ser ouvido enfim, ignorando as milhares de vozes em sua cabeça.

ergueu o rosto, afastando os olhos do livro e quando viu o capitão desperto, seus lábios se curvaram em um sorriso pequeno, sem mostrar os dentes.

– Está acordado. – percebeu. – Tem chá para você. – Mostrou com o olhar uma grande xícara de chá, ao alcance de .
– Obrigado. – Ele agradeceu, tomando a xícara nas mãos e experimentando seu conteúdo. Era bom, doce e o líquido quente confortou sua garganta.
– Como se sente? – fechou o livro, deixando-o sobre a mesa de centro e voltou sua atenção para o jogador. – Melhor?
– Acho que sim. – assentiu. – Não estou mais vendo ninguém me chamando para a luz, se é que me entende. – Ele brincou e riu, inclinando a cabeça.
– Está fazendo piadas de novo, é um bom sinal. – Disse levantando o olhar. – Fiquei apavorada quando sua febre não cedia. – Ela confessou, apertando os lábios e o olhando nos olhos.
– Então você disfarçou bem. – curvou o canto dos lábios em um sorriso sutil e rápido. – Obrigado por ter ficado. Aqui. Comigo.
– Eu não ia deixar você assim. – Confirmou a inglesa com um aceno.
– Eu nunca sei o que esperar de você, . – declarou com voz rouca, erguendo o tronco e se sentando no sofá.
– Essa fala é minha. – riu abafado e a acompanhou. – Você costuma vir com a coisa inesperada e totalmente fora de hora que precede essa fala.
– Ou a romântica. – O capitão riu pelo nariz, subindo os ombros.
– Elas geralmente são a mesma coisa. – Completou ela.

Os dois ficaram em silêncio por alguns instantes, aproveitando a atmosfera confortável e amistosa, com olhos conectados. Até que o som de várias notificações seguidas no celular da terapeuta os despertou. conferiu a tela, deu de ombros e afastou o celular outra vez, sob o olhar atento de .

– O que foi? – Ele quis saber, entre um ataque de tosse e outro. – Alguma coisa aconteceu?
– Não, é só que... – negou com a cabeça e se aproximou dele, ajudando-o com a caneca de chá enquanto ele ainda tossia. – É só... – Ela hesitou, esperando que a tosse dele cessasse e quando aconteceu, ele a olhou, esperando pela resposta. – É que é natal.

Levou algum tempo até que se lembrasse que estavam na véspera de natal, que era noite e que estavam ali, sozinhos, os dois.

– Feliz natal, . – sorriu fraco.
– Feliz natal.



Only love can hurt like this

I'd tell myself you don't mean a thing and what we got, got no hold on me, but when you're not there I just crumble (Only love can hurt like this – Paloma Faith)



Sábado, 25 de dezembro de 2021
Casa de
Lahti – Finlândia



Devagar e então completamente retomou a consciência de seu corpo ao despertar. Depois de se darem conta de que já era natal, o havia forçado a se deitar em sua cama, enfim deixando o sofá, e tentar descansar mais. Ela havia preparado outro chá e arrumado a cama, os lençóis cheiravam a limpeza. ponderou seriamente convidá-la para se juntar a ele. Não só por estar com saudades e enlouquecido de vontade de tocá-la, mas sim porque seria mais fácil se ela estivesse por perto. Era com isso que ele tentava se convencer. Que queria a presença dela ao seu lado durante a noite para o caso de passar mal ou algo do gênero. Não admitiria o anseio angustiante por ela, ou a sensação de vazio por estar longe da família no natal, sem poder abraçar alguém, sem poder estar com quem gostava.
Por fim o jogador havia resistido e para isso foi preciso muita força de vontade. Depois, quando se foi e prometeu que ficaria no quarto ao lado, atenta caso ele precisasse, tentou dormir outra vez. Não era tão simples, já que havia passado a maior parte do dia dormindo e também porque não conseguia parar de pensar em sua situação lastimável. Doente e sozinho. Não conseguia entender como se sentia em relação a , pensava que devia ser fácil, devia e queria ainda estar chateado e fechado a ela. Ainda estava chateado, era verdade, mas fechado, não. Sentia saudades, sentia vontades, vê-la pedir desculpas e falar o quão ruim havia sido para ela passar por aquelas coisas com Merelä e o tinham acertado fundo. era a sua namorada, sua mulher, sua garota e a via como alguém frágil – muitas vezes, não sempre – alguém a quem ele devia proteger, porque assim fora ensinado pelo pai. Ensinado a proteger as mulheres, a mãe, as irmãs, as namoradas, as mulheres que convivia, porque assim é que devia ser.
Estava cansado da confusão de sua cabeça. Quando não estava apagado, com dor ou queimando em febre, brigava com aqueles pensamentos.
Pelas contas do jogador, devia ser aproximadamente o terceiro dia de sintomas da infecção pelo vírus. não se sentia tão morto quanto no dia anterior e nos dias antes dele, mas também não se sentia totalmente disposto. Assim que despertou tocou o próprio rosto e pescoço, confirmando não estar mais quente que o normal. Não sentia dores fortes de cabeça, mas sentia o corpo pesado, cansado e dolorido, a garganta doía e tossia com mais frequência do que gostaria.
Ainda era natal, queria ligar para a família, tentar vê-los ao menos através da tela. O jogador se sentou na cama devagar e também devagar ficou de pé, cambaleando um pouco e foi ao banheiro. ainda estava na casa, queria ficar um pouco apresentável para ela.

Depois de se trocar, desceu as escadas devagar. Ouvia barulho no andar de baixo, então não se incomodou em conferir se ainda estava no quarto ao lado, como havia prometido.
Assim que começou a descer as escadas, o cheiro do que quer que a inglesa estivesse cozinhando alcançou o jogador, que uniu as sobrancelhas, maneou a cabeça e sorriu fraco, curioso com o que ela fazia. se aproximou devagar e em silêncio, flagrando concentrada. A mesa da grande sala de jantar estava arrumada em uma das pontas, posta para o café e haviam várias comidas lá, típicas do natal. O estômago do jogador roncou e ele tentou se aproximar mais, ainda mais curioso com o que quer que ela estava planejando.
Mas o central se aproximou demais e quando se virou para levar uma travessa a mesa, se deparou com ele parado perto da porta e se assustou, recuando e soltando um gritinho, depois sorriu envergonhada.

– Desculpe, não quis te assustar. – sorriu baixando a cabeça e a erguendo em seguida. – O que é que você está aprontando aqui? – Ele perguntou divertido.
– Feliz natal. – sorriu grande e passou por ele, levando a travessa que segurava até a mesa. – É manhã de natal.
– É, eu sei. – O jogador coçou a nuca, ainda sorrindo e confuso, acompanhando com os olhos a movimentação dela. – Mas o que é tudo isso... você fez tudo isso?
– Claro que não. – respondeu com simplicidade, dando de ombros e colocando as mãos na cintura. – Eu comprei. A única coisa que está sobre essa mesa e que sei fazer é mingau, mas mesmo assim, o meu nem é tão bom.
... – riu fraco, não conseguia entender o que estava acontecendo, mas estava adorando. – Então o que é tudo isso? Como...
– É manhã de natal. – Ela repetiu simples. Estava parada na ponta da mesa, com as mãos na cintura e o olhar simples e gentil de sempre, na outra ponta, com um sorriso torto que não lhe saia dos lábios. – É o seu dia favorito e eu achei que... – Ela fez uma breve pausa, corando e baixando rapidamente o olhar. – Achei que fosse te fazer bem aproveitar um pouco do seu dia favorito. Não sei como vocês fazem isso aqui, ou como seus pais fazem. Não sei também se está do seu gosto, mas... – riu e com isso a inglesa parou suas frases atropeladas. – O que foi?
– Está perfeito. – Disse ele, ainda sorrindo. – É perfeito. Obrigado.

A inglesa sorriu aliviada e orgulhosa, erguendo os ombros.

– Por que não se senta e come alguma coisa? – Sugeriu ela, puxando uma cadeira e o jogador obedeceu, analisando as várias delícias espalhadas na mesa. Ao se sentar, Felix se enroscou em suas pernas, ganhando um afago do dono entre as orelhas.
– Você não vai comer comigo de novo? – franziu o cenho quando a viu se afastar em direção a sala.

congelou onde estava, abriu a boca duas vezes para responder, mas nenhum som saiu.

– Eu ia só...pegar uma coisa. – Ela tentou explicar, apontando para trás, para onde a grande árvore de natal estava montada. – Pode comer... – A terapeuta falou.
– Eu só vou se você for. – ficou de pé e saiu da mesa, aproximando-se da inglesa. – É manhã de natal. De nada vale seu esforço se me deixar comer sozinho.

mordeu os lábios, pensativa e ansiosa.

– É q-que eu ia...s-só ia pegar uma coisa. – gaguejou.
– Então eu vou com você. – deu de ombros e dirigiu a ela um olhar que dizia não estar aberto a argumentação.

maneou a cabeça e torceu os lábios, contrariada, mas depois cedeu e sorriu. Negou com a cabeça e começou a dar passos para a sala, seguida de . Quando perto do sofá, a inglesa se inclinou, pegando algo que parecia quase escondido ali. a encarou com interesse e surpresa, estava corada novamente.

– Eu tinha pensando nisso para te presentear, ia levar para Viipuri. – Ela confessou sem jeito. – Agradeço ao meu eu do passado por ser precavida e não deixar as compras do natal para o último momento. – sorriu tímida e uniu as sobrancelhas, ostentando o sorriso torto outra vez. – Eu não sabia o que dar para alguém que já tem tudo, então... eu... eu espero que goste. – Disse, oferecendo a ele o pacote.

olhou para o embrulho vermelho e para a terapeuta, fez isso por três vezes antes de segurá-lo. Depois tocou o embrulho retangular com cuidado, como se pudesse sentir algum tipo de energia diferente vinda do pacote.

– Isso é pra mim? – Ele perguntou, ainda desconcertado e assentiu sorrindo.

se sentou sobre o sofá, concentrando-se em abrir seu presente com todo o cuidado do mundo. Devagar ele conseguiu enxergar o que estava ali, um livro grosso e retangular, com capa dura. Devia ter trinta centímetros altura e uns quarenta de largura. O capitão começou a folhear encantando, esquecendo-se da presença de .

– Eu achei que faltava algo na sua biblioteca, então... – falou baixo, atraindo um olhar empolgado e feliz por parte do jogador. – São as obras dos melhores pintores do meu país. Tem Edwin Landseer, Frederic Leighton, Evelyn de Morgan...achei que fosse gostar e que poderia te inspirar, de algum modo.
– É o melhor presente. – sorria enquanto tocava as páginas grandes e coloridas com as pinturas de artistas que sequer havia ouvido falar, mas que já o encantavam.
– Fico feliz que tenha gostado. – sorriu com sinceridade e suspirou.

ainda sorria, mas parou de súbito de admirar o livro e deixou que seu olhar vagasse sem destino, encarando o nada. Depois inclinou a cabeça e expirou pesadamente, preparando-se.

– Também tenho uma coisa para você. – Contou, dando a o sorriso infantil, forçado propositalmente, apertando os dentes. – Na árvore. – Ele avisou, apontando com a cabeça.

, boquiaberta, não se moveu até que ele ficasse de pé e fosse até a árvore primeiro. Havia uma cadeira confortável perto de onde a grande e excessivamente decorada árvore de natal estava, se sentou nela. Entre os muitos presentes, separou um, se parecia com uma caixa e na parte de cima havia um pequeno ramo de flor seca. Quando o jogador entregou o presente a , a inglesa não fez nada além de sorrir para ele. Depois, enfim, decidiu por abri-lo.
Era uma caixa cuidadosamente embrulhada e que cheirava a lavanda. Dentro dela também havia um livro, quando percebeu a coincidência, a inglesa riu, jogando a cabeça para trás e também gargalhou.

– Você acredita em coincidências? – Ele perguntou, divertindo-se.

negou com a cabeça, ainda rindo, e tornou e direcionar a atenção para o livro dentro da caixa. Era de capa dura, vermelha, na capa estava escrito O Egípcio, de Mika Waltari. A inglesa fez como e tocou a capa com delicadeza e cuidado, como se fosse aquele um tesouro. abriu, folheou e cheirou o livro. Depois olhou outra vez para dentro da caixa e percebeu que havia mais ali.
Ela ergueu os olhos para , surpresa e animada, sorriu de volta, incentivando-a com o olhar.
Da caixa a inglesa tirou outro livro, esse era mais grosso e pesado, com muitas páginas. A capa era escura e em letras brancas se podia ler Anna Kariênina, Lev Tolstói. repetiu o ritual, tocou, folheou e cheirou o livro, depois buscou pelo terceiro e último na caixa. O último livro tinha a capa cinza e sobre ela só o título e o nome do autor, que se misturavam. Pedro Páramo, Juan Rulfo.

– Você disse uma vez que queria um livro de cada lugar do mundo. – cruzou os braços sobre o peito e começou a falar. – Um clássico de cada lugar. Agora já tem três.
– É sério? – ergueu as sobrancelhas, tomada pelo fascínio que as palavras dele causaram, dividindo seu olhar encantado do livro para o homem a sua frente.
– É, você disse. Finlândia, Rússia e México. – assentiu, sorrindo grande, orgulhoso de sua ótima ideia de presente. – Não disse?

se pôs de pé em um pulo e o abraçou pelo pescoço. A princípio o jogador não compreendeu o que estava acontecendo, levou alguns segundos para que seu corpo se recuperasse do choque e decidisse o que fazer. Mas quando enfim conseguiu, a abraçou pela cintura, trazendo-a para junto de si e aproveitando o momento de contato como se fosse a primeira vez em cinquenta anos. O capitão fechou os olhos e respirou fundo, sentindo o cheiro da inglesa, tentando saciar a saudade que era sufocante, mas que estava parcialmente silenciada até aquele momento.

– Eu...obrigada. – sussurrou contra o ombro de . – Não sei como posso agradecer. É... é um presente lindo. É mais que só um presente, na verdade. É muito mais que isso.
– Só queria te deixar feliz. – Ele respondeu sem pensar e logo sentiu o abraço de se apertar.

– Nós... – A inglesa começou a falar e afastou-se um pouco, para que pudesse olhar nos olhos de . – Nós...
– Sim? – Ele tentou fazer com que continuasse, não queria dizer nada, queria ouvi-la primeiro e qualquer coisa que ela dissesse, ele acataria. Não queria falar qualquer palavra que a desencorajasse.

suspirou e fechou os olhos.

– Nós devíamos comer. – Disse, afastando-se de devagar.
– Comer. – Repetiu ele, tonto. – É, comer. Sim.

pareceu tentar falar algo outra vez, mas partiu rápido para a mesa. Estava atordoado com a situação, com os presentes, com o abraço, com a surpresa na manhã de natal. Por um segundo, todas suas defesas estavam no chão, estava prestes a se entregar totalmente a ela de novo, mas pareceu recuar. Talvez ela estivesse com facilidade para entender aquela situação, facilidade que ele mesmo não tinha.
estava ali para ajudá-lo, fazer companhia e ficar com ele enquanto estivesse doente, não para tentar reatar ou consertar as coisas. Em nenhum momento ela havia mencionado coisa diferente. Era fato. Era nisso que devia se agarrar, ou acabaria a fazer algo do qual se arrependeria.

❄❄❄


A manhã havia sido inesperadamente agradável. O café da manhã natalino havia amansado os ânimos, parecia mais disposto e estava até a tratando como outro ser humano, sem hostilidades ou sem ser rude. Depois de comer, o central havia estado em uma longa chamada de vídeo com a família, que durou até o almoço. comeu uma tigela de sopa e depois de tomar seus remédios, estava de volta ao sofá para descansar.
estava na biblioteca, analisando seus presentes e respondendo mensagens curiosas de Maisie e Santtu. Estava encantada com o presente, porque não pensava que tivesse guardado aquela informação. Se lembrava de quando disse a ele, no dia que havia descoberto sobre os talentos escondidos do jogador, que sonhava em ter um livro de cada lugar no mundo. Em sua cabeça, aquela informação estaria ao vento, não teria dado atenção. Mas para sua surpresa, ele não apenas a tinha dado atenção, como também teria usado aquela conversa para se basear na escolha dos presentes de natal.
A inglesa estava encantada com o ato, tão encantada que quando o abraçou por impulso, se viu prestes a beijá-lo. Sabia que estava triste e desapontado com ela, não usaria da fragilidade daquele momento para tratar de um assunto tão delicado. estava doente e sozinho, longe da família, não seria muito altruísta de sua parte, se usasse da vulnerabilidade dele para tentar reatar seu relacionamento. Não seria justo com ele, não faria.
ainda ponderava sobre essas coisas quando ouviu o interfone tocar. Pensou se devia atender ou não, já que para todos os efeitos, ela não devia estar ali. Resolveu ir até e descobrir o que o jogador achava.
Quando chegou a sala, já estava de pé e ajeitava o casaco de moletom que vestia.

– Eu ouvi o interfone... – avisou, chamando a atenção dele para si.
– É melhor você ir pra cozinha. – decretou com expressão fechada e tom duro e resolveu não questionar, não imaginava quem poderia ser e não queria trazer ainda mais problemas aos dois, por isso obedeceu em silêncio.

Não levou muito para que quem quer que fosse, chegasse. estava escondida na cozinha, em um lugar estratégico, apesar de não conseguir ver quem estava a porta, podia ouvi-lo. caminhou decidido para abrir quando a visita bateu a porta, ele ainda não estava totalmente recuperado, nem parte disso. Mas parecia tentar aparentar melhor para quem quer que fosse que estivesse do outro lado.

– Olá, . – O visitante saudou e pensou conhecer aquela voz de algum lugar.
. – respondeu a saudação com muito menos animação que o visitante e talvez com certo desprezo.

O coração de saltou no peito, surpresa e incrédula. A terapeuta se perguntava o que é que aquele homem poderia estar fazendo ali. O que justamente estava fazendo na casa de no natal?

– Soube da sua situação. – O homem começou a falar. – Com o Covid. Sinto muito que esteja passando por isso nessa época. – Disse e seu tom de voz suave e tranquilo parecida indicar que sorria.
– Obrigado. – respondeu, seu tom, ao contrário, era seco e pouco amigável.
– Bem, eu... – pareceu hesitar. – Te trouxe isso. Um presente especial, no natal. – pareceu receber o que quer que fosse o presente, julgou isso pela ausência de sons de briga e de coisas quebradas que sucederam a fala de .
– Um presente. – O capitão repetiu, talvez estivesse confuso com a visita e com o gesto.
– Eu soube que estava doente e também é natal... – riu nervosamente, agora ele parecia desconcertado. – É um presente que estima melhoras e de natal, é claro. Espero que aproveite.
– Eu vou. – respondeu e mais uma vez não pareceu amigável, seu tom beirava o sarcasmo com alguma agressividade.
– Tem mais uma coisa. – falou após um breve silêncio. – Eu queria saber se... se por acaso não sabe onde está?

sentiu que ia desmaiar e pelo silêncio que se seguiu a pergunta, imaginou que sentia o mesmo.

– O que você quer com a ? – respondeu depois de alguns segundos de silêncio.
– E-eu... – gaguejou, tossiu tentando limpar a garganta. – O mesmo que com você.
– E a está doente, por acaso? – Pelo tom do capitão, conseguiu imaginá-lo com uma sobrancelha arqueada, olhando de cima para , olhos estreitos e expressão impassível.
– Eu não sei, me diga você. – respondeu sem recuar. – Tentei falar com ela, mas ela não atende as ligações e o apartamento está vazio.
– Não pensou que ela poderia estar com a família, aproveitando as festas como qualquer outra pessoa? – Devolveu . – E não disponível vinte e quatro horas para o chefe.

riu, uma pequena risada nasalada que talvez significasse surpresa ou espanto pelo modo com que o capitão o tratava. Ou também, que dizia “Isso, aja como se eu já não soubesse.”

– Foi só uma tentativa. – continuou, como se inabalável. – Vocês são próximos, pelo que já pude ver. Achei que saberia. – Ele finalizou com um sorriso, dava para perceber por causa da voz, sentiu vontade de ir até lá e dar um soco nele.
– Ela não está aqui. – foi firme e duro. – Se é só isso.

Talvez estivesse inabalável, não. A inglesa sentiu.

– É. – O visitante assentiu. – Espero que se recupere logo.
– Adeus, . – não respondeu ou esperou que ele se afastasse, bateu a porta sem se importar em como aquilo soaria ou se devia ou não.

Dentro da casa o silêncio era sepulcral, só se podia ouvir ruídos do lado de fora, os passos, o motor do carro sendo ligado e depois a partida. Nevava muito outra vez, era quase impossível ver a paisagem pela janela. andou com passos firmes até a cozinha e sem pensar duas vezes, jogou a cesta com flores e coisas para café da manhã direto na lixeira. assistia tudo em silêncio, temerosa.

🎵 Dê play na música aqui, e se necessário coloque para repetir. Unsteady - X Ambassadors🎵


– Eu sinto muito, realmente, por isso. – Ela disse enfim, quando o jogador começava a se afastar.
– Você devia. – rosnou, enraivecido.
... – se surpreendeu. – Não é minha culpa que ele veio até aqui, não é minha culpa nada do que aconteceu. – A inglesa tentou se justificar, seguindo-o para a sala. – Eu pedi desculpas, achei que já tivesse entendido isso.
– Não, não. Isso de novo não. – O capitão negou com a cabeça e se virou para a terapeuta, que mantinha uma expressão ofendida e magoada no rosto. – Não banque a vítima, . Não fique aí fazendo isso, como se você fosse a injustiçada e eu fosse o vilão da história.
– Não coloque palavras na minha boca. – Ela o respondeu, erguendo o rosto e apertando os dentes.
– Não preciso, você mesmo já disse. – Ele riu sem humor, negando com a cabeça. – Não com essas palavras, mas já disse. Você vem aqui, é legal, boazinha, cuida de mim, fica lembrando de coisas de quando a gente começou, faz café da manhã no natal e me traz um presente... – falava rápido, apressado e emocionado, como se suas palavras fossem uma cascata de pensamentos que escorriam por sua boca. – Como se eu estivesse sendo o malvado que não entende que você é a vítima da história, mas não é verdade. Eu abri mão de muita coisa por você. – O capitão declarou, tocando o próprio peito e fazendo a inglesa unir as sobrancelhas, estupefata. – Eu tentei ser melhor, eu tentei ser o que você merecia, tentei fazer tudo do jeito certo, pensar antes de agir, não ser impulsivo, pedir desculpas, eu mudei, por sua causa. – Listou ele.
– Não adianta se é apenas para usar como argumento depois, como está usando agora. – se aproximou mais dele, ofendida com as palavras ditas pelo capitão. Estava surpresa em como a visita de tinha o tirado do eixo, ele parecia quase o mesmo de quando havia chegado na casa, ou até pior. – Quando se muda por alguém, se muda por opção, por amor e não esperando algo em troca.
– Esse é o meu erro, eu acho. Esperei que você também fizesse isso. – Dos lábios dele ecoaram um riso amargo e ressentido, os olhos estavam mais brilhantes que o normal, um pouco molhados. – Eu sei que nunca fui a melhor opção, mas pensei que você também quisesse isso. Que quisesse tanto quanto eu e... – A voz do central sumiu, ele apenas apertou os lábios e negou com a cabeça. – Eu...você faz ideia de como doeu em mim ver você e o Merelä se beijando? De como eu fiquei me sentindo? De como fiquei com vergonha, imaginando o que o time diria, ou o que você diria?
– Tudo é sobre você, não é?
– Não, , tudo é sobre você. – Apontou ele, erguendo um dedo. – Você. Estar com você só me fez quebrar o meu orgulho das formas mais doloridas possíveis, todos os dias. No início até foi bom, mas depois... – Ele balançou a cabeça negativamente. – Eu me senti muito humilhado por tudo aquilo. A sensação amarga e horrível de ver a pessoa que você ama sendo beijada por outra e depois aquilo...e não adianta dizer que não foi sua culpa. Meu pai é caçador e me ensinou uma coisa. – estava enfim explicitando seu ressentimento e sentimentos, o quanto toda aquela situação era dolorida. Vez ou outra até permitia que uma lágrima escorresse por sua bochecha, enquanto já as liberava em silêncio. – Que quando você segura uma arma, se ela disparar, mesmo que por acidente, a culpa continua sendo sua. E eu tô cansado de culpar os outros pelos problemas entre nós dois.
– E resolveu culpar a mim. – Ela concluiu, ouvi-lo era ruim porque talvez pela primeira vez, desde o início, estava mostrando como realmente se sentia sobre algo, e ver a dor dele a machucava. E também, pelas coisas que ele lhe dizia, que eram tão devastadoras quanto as que a ansiedade da inglesa a tinha feito acreditar.
– A quem eu devia culpar? A mim?
– Caso não saiba ou não tenha percebido ainda, eu não gostei de ser beijada sem o meu consentimento, . – se aproximou mais dele, deixando que sua tristeza se transformasse em raiva por um momento, não se incomodando em secar ou tentar conter as lágrimas. – Eu me senti mal porque não queria ter beijado outra pessoa além de você. E se tivesse me dado oportunidade, se tivesse me deixado falar, saberia que eu me senti péssima com o que aconteceu com o , foi humilhante para mim também. Eu odiei estar naquela situação com ele, me senti exposta, humilhada, desprotegida. Não foi só você que se sentiu mal. – Ela declarou, tentando fazer com que ele a ouvisse, ouvisse seu lado da história.
– O que quer que eu faça? Te dê um abraço? – Ele perguntou sem emoção, com um riso sarcástico.

encarou o jogador, estarrecida. Negou com a cabeça e expirou, baixando os ombros.

– Você está sendo cruel. – Ela rompeu o silêncio, ultrajada com a postura e as palavras do capitão. – Você está triste e está sendo cruel comigo.
– Pode ser, mas isso... – apontou para a porta, onde antes estava . – Ter que aguentar que ele venha até aqui e pergunte de você, na minha casa. Ter que aguentar isso tudo em silêncio. – Ele expirou um sorriso amargo. – Isso aí sim, me aparece cruel.
– Eu disse que sinto muito por isso. – repetiu, voltando a se aproximar dele quando lhe deu as costas outra vez.
– E do que vale, ? Do que vale? Não muda nada. Nem o fato que aconteceu, nem os próximos que virão. – Ele previu, voltando a olhar para a mulher. Em seguida balançou a cabeça, fechou os olhos e expirou. O central ainda estava emocionado, a voz embargada, a vontade de desaparecer e a grande sensação de vazio e queda. – Eu vou...é melhor você ficar lá, na biblioteca, eu quero ficar sozinho. – Pediu, entregando-se.
– Você vai sempre fazer isso? – protestou quando o viu subir as escadas. – Você fala o que quer falar e então sai de cena? Esse é o seu modelo de diálogo, de conversa?
– Você nunca quis conversar, . – riu fraco, mas não era um riso sarcástico ou com humor, estava cansado e triste. O jogador piscou uma vez, devagar. – Para isso você precisaria aceitar que nem sempre tem razão e isso é impossível pra você. E mesmo se eu quisesse ou estivesse aberto pra isso agora, você não conversa, você só espera sua vez de falar. – Falou e seguiu seu caminho, subindo as escadas.

Houve um breve silêncio, devido ao choque de com as palavras dele.

– Eu não preciso ficar aqui e ouvir isso. – Falou ela por fim.
– Não. Você devia mesmo ir. – Fora o que disse antes de sumir no corredor.

❄❄❄


Sábado, 25 de dezembro de 2021
Apartamento de
Lahti – Finlândia



A casa reclusa onde vivia ficava do lado oposto ao do centro da cidade. Na direção da Isku Areena, então no terceiro cruzamento você tomava a rodovia que cortava a floresta. A mesma rodovia usada pelos que queriam acampar na floresta, na clareira com vista para o lago e para a cidade. Em alguns anos, daquela clareira se podia ver a aurora boreal.
Na opinião de , o central e capitão do time não usava aquele lugar apenas como moradia segura e livre dos ruídos da cidade – o que já não era muito se tratando de Lahti. se escondia. Era como uma fera reclusa e solitária, vivendo em seu castelo escuro e solitário, no alto de uma montanha, de onde podia vigiar todo o povo do vilarejo.
Antes de vir a Lahti e se aproximar um pouco mais do time, ver um pouco mais de perto e até trocar algumas palavras com o jogador, o imaginava diferente. O imaginava sério, focado, mas também altivo, fresco e com espírito jovem. Via algumas de suas entrevistas e dos vídeos produzidos pela equipe do time, a personalidade parecia destoar nos dois espaços, em uma era sisuda e impassível, no outro autêntico e extrovertido.
Mas agora, depois dos rápidos encontros com ele, tinha uma ideia diferente. era, além de antipático e grosseiro, era solitário e zangado. Uma espécie estranha de pessoa, mal-humorada e desprovido de gentileza, talvez de muita inteligência também. Era alguém estranho.
Mas de alguma forma, todos no time pareciam ser estranhos. O capitão, a terapeuta ocupacional...
Se antes tinha certeza que estava com , a cena no estacionamento daquele bar o tinha feito mudar de ideia. E também, se a inglesa estivesse com o capitão, seria natural ela estar com ele em casa, principalmente se doente. Não podia dizer se mentia ou não, porque não entrou e não haviam provas de que estivesse ou não ali.
Independente de como fosse, independente da reação ruim de ao ouvir o nome da inglesa, ainda precisava vê-la. A última situação em que se encontraram havia sido totalmente desconfortável, o piloto não dormia bem desde então, preocupado. Preocupava-se com como havia sido interpretado por , se ela por acaso diria algo a respeito a alguém, algo comprometedor. Mas também se preocupava com ela. Não queria que ela o odiasse, até porque, se divertia com as implicâncias e respostas infantis as provocações dele. Simpatizava até. Não queria que ela o odiasse, queria conversar, se explicar, pedir desculpas e ouvi-la.
Essa era a razão de que, após deixar a casa de , resolveu ir até o apartamento de outra vez. Talvez ela estivesse lá dentro e só não quisesse recebe-lo. Podia esperar algo assim se considerasse o último encontro dos dois.
aproveitou que um dos moradores estava deixando o prédio para se esgueirar para dentro. Sabia o número e andar do apartamento, tinha conseguido aquelas informações graças a facilidade de ser o chefe. subiu de escada e respirou fundo antes de bater à porta da terapeuta inglesa.
Decidido, por fim, tocou a campainha e bateu.
Nenhuma resposta.
Bateu outra vez.
Nenhuma resposta.
Tocou a campainha, bateu e toco a campainha.
Nenhum som de dentro do apartamento.

. – Ele cedeu e resolveu chamar. Talvez ela estivesse lá dentro, recusando-se a atende-lo. – , sou eu. O bilionário nada confiável. – riu ao repetir o que ela havia o chamado. – Eu queria me desculpar com você pelo que aconteceu da última vez. Naquela tarde, no gelo.

O silêncio era sepulcral.

, eu sinto muito se aquilo te ofendeu ou te chateou. – Ele tornou a falar após um breve silêncio, quando apesar do esforço, não ouviu nada dentro do apartamento. – Eu gosto de te irritar, confesso. – riu de novo. – Mas não gosto quando fica com raiva de verdade. Olha, eu só... eu realmente sinto muito. Queria, se achar que pode, que me perdoasse. Ou que pelo menos me respondesse. – expirou chateado, encarando a porta.
– Não tem ninguém em casa. – Uma voz feminina despertou o piloto de repente.
– Não? – Ele a olhou, angustiado por informações.
– Ela se foi antes do natal. – A mulher pequena, cabelos escuros e óculos de grau de armação grossa contou. – Estava com uma bolsa grande, então acho que foi viajar.
– Viajar? – As informações começaram a se conectar na mente de . – E ela estava sozinha?
– Sim. – A mulher assentiu.
– Escute, pode parecer meio estranho o que vou perguntar. – estreitou o olhar e inclinou-se um pouco na direção da mulher, para que pudesse falar mais baixo. – Mas você, por acaso, tem visto alguém com ela aqui?
– Do que está falando? – A mulher devolveu a pergunta. – Alguém? Alguém específico?
– É, tipo... – titubeou. – Tipo o namorado dela.
– Ela é bem discreta, as vezes vejo algumas pessoas do time da cidade, sabe? Do Pelicans. – Contou a mulher, apontando com o queixo para a porta de . – Sei que tem um namorado, mas nunca o vi.
– Quem do time? – continuou a perguntar. – Não saberia dizer os nomes, saberia? – Ele sondou, apertando um dos olhos. – É que eu sou um amigo preocupado.
– Bem, alguns do time...não sei seus nomes. – Ela deu de ombros. – Mas nos dias normais só tem duas pessoas aí. E uma canta no banho. Péssimo. – A mulher rolou os olhos e riu.

assentiu e ela voltou para seu apartamento, enquanto o finlandês ainda encarava a porta do apartamento da terapeuta inglesa.
Então ela estava mesmo viajando, provavelmente com o namorado. estava certo e talvez por saber disso que havia ficado tão raivoso ao ouvir o nome da terapeuta. Talvez tinha partido o coração dele, ponderou . A outra parte era que ela recebia muitas visitas de pessoas do time, o que podia significar que a inglesa era querida e tinha muitos amigos, ou que tinha muitos affairs.
A terceira coisa, e talvez a que mais irritava , era saber que ela estava basicamente vivendo junto com seu namorado – que talvez fosse do time – no apartamento que ele pagava. De algum jeito, sentia estar sustentando os dois, quando na verdade, o apartamento devia acomodar sozinha. Devia ter colocado no contrato uma cláusula sobre aquilo. Sobre não namorar ninguém do time e sobre compartilhar o apartamento com namorados. criou uma nota mental para adicionar isso ao próximo.



Did I shatter you?

Did I close my fisrt around something delicate?
Did I shatter you? (Coney Island – Taylor Swift)



Sábado, 25 de dezembro de 2021
Casa de
Lahti – Finlândia



não sabia há quanto tempo estava ali, afundada em uma das poltronas da pequena biblioteca, chorando copiosamente. Não queria guardar para si todos os sentimentos que a sufocavam, ou reprimir, escondendo de si mesma o que sentia. Até mesmo porque ela ainda não sabia dizer com palavras o que sentia.
Parte sua odiava por não a ouvir, por não aceitar suas desculpas e por não entender que ela era vítima também. O odiava por todas as coisas das quais ele a tinha acusado, por ser duro e frio, mesmo naquela situação tão frágil. O jogador a tinha acusado de não querer conversar, apenas aguardar sua vez de falar, mas ele fazia o mesmo. Ele não a ouvia, apenas dizia o quanto estava magoado e sequer dava espaço para entender que também estava.
Talvez ele não quisesse entender. pensou que poderia haver volta no relacionamento dos dois, mas não parecia disposto a escutá-la ou a perdoar, esquecer. Ele talvez só não a quisesse mais, tinha dito isso naquela noite, no estacionamento.
Ao mesmo tempo, sentia-se dilacerada pelas palavras dele, por ver o quanto ele parecia estar sofrendo. Lamentava que tivesse ido até a casa para perguntar sobre ela e não entendia o motivo do interesse por parte do chefe. devia seguir sua vida, ignorar sua existência, deixar tudo para trás, mas fazia exatamente o contrário, como se o destino quisesse envenenar a boa vida que estava construindo em Lahti. era famoso mundialmente, rico, não devia gastar tempo de sua vida se importando com alguém desconhecido, anônimo, alguém como ela. Imaginava que não devia ser fácil para simplesmente ignorar todos seus instintos e passar por aquelas situações calado.
Aquela era a primeira vez que o via expressando o que sentia de modo tão efusivo. não se desculpou ou tentou contornar ou afastá-la para proteger a si mesmo. Era uma mudança bastante significativa da parte dele. Ele estava emocionado, colocando para fora o que guardava, dizendo como realmente devia se sentir, e saber que o tinha magoado tão profundamente destruía .
Ela ainda pensava sobre o quanto odiava a si mesma, e ao mundo, mas resolveu se levantar e arrumar suas coisas para partir. O tinha perdido, seu coração doía, mas ainda tinha um pouco de amor próprio. Se não a queria ali, ela não ficaria nem mais um minuto. Tentou chamar um carro de aplicativo, a neve do lado de fora ainda caía intensamente e tornava tudo pior e mais difícil. Podia tentar ligar para Santtu ou Atte, mas não queria perturbar ninguém nas férias.
juntou suas coisas, trocou as roupas emprestadas de pelas suas e deixou as peças dele dobradas sobre a poltrona, sobre elas o presente de natal, os livros. Tentou juntar os cabelos em um rabo e secar o rosto enquanto esperava a confirmação do carro de aplicativo, mas nenhum aparecia na área. As lágrimas ainda escorriam silenciosas, porque cada pedaço daquela biblioteca e da casa a faziam lembrar de momentos bons com .
Devia estar com raiva, devia o agradecer por romper, era o que pensava quando lembrava das brigas, mas não conseguia. Só conseguia sentir raiva por tê-lo perdido, raiva dele e do mundo.
Não ouvia qualquer sinal dele desde que tinha entrado na biblioteca e não queria se despedir. A terapeuta inglesa tomou a bolsa grande nas mãos e se preparou para deixar a casa e o jogador. Ainda chorava em silêncio, nada fazia sentido e estava uma confusão de sentimentos conflitantes, mas sabia que devia ir, ficar ali só faria mais mal. Não queria substituir as memórias boas com por memórias de ressentimento e dor.
passava pela grande sala quando olhou para fora, apreciando a vista uma última vez e o viu na piscina. Nevava, mas a piscina parecia ter cobertura e talvez também fosse aquecida. Não duvidava da capacidade dos locais daquele país de enfrentarem águas congeladas, mas pelo que julgava, aquela não parecia uma dessas situações. estava submerso e de dentro da casa a terapeuta podia vê-lo como um borrão no fundo da piscina, aparentemente mergulhando. Felix estava na borda, andando de um lado para o outro. queria olhar para ele mais um pouco, numa despedida silenciosa, mas acabou percebendo algo mais.
não emergiu ou se moveu pelo tempo que a inglesa o olhava pela última vez, seu corpo parecia imóvel no fundo da piscina, ele não estava nadando.
Instintivamente, largou sua bolsa grande no chão e correu para fora, queria ver de perto para garantir não ser algum tipo de alucinação. Felix latiu quando ela se aproximou e percebeu que o que tinha visto de dentro da casa era mesmo verdade. A terapeuta inglesa chamou o capitão de hockey algumas vezes, mas foi em vão, ele não a ouvia.
O coração de batia rápido e sua mente estava a mil, não tinha tempo para refletir, só para agir. Então mesmo sem saber nadar e sem saber se estaria ou não entrando em águas congelantes, pulou na piscina.
A primeira coisa que percebeu foi que era mais funda do que imaginava, principalmente para alguém que não sabia nadar muito bem. A segunda era que a água estava dolorosamente fria, a inglesa tomou um choque ao se lançar na piscina. Mesmo assim, tentou alcançar no fundo, mas a sensação da água tomando seu nariz e rosto angustiaram a terapeuta e seu corpo reagiu tentando se livrar daquela situação – por puro instinto. lutava para alcança-lo e para não se afogar, mas a piscina era funda e já estava longe da borda. E a cada tentativa de alcança-lo, se percebia afastando-se mais da borda, com maior dificuldade para manter o rosto fora da água e com fôlego cada vez mais escasso.
Tudo pareceu levar longos minutos arrastados, quando na verdade não passavam de segundos onde a terapeuta lutava contra a água e contra si mesma. Por fim, estava cansada, não conseguia se manter emergida porque não sabia nadar e se sentia afundar mais a cada tentativa. Não conseguia chegar no jogador e puxá-lo para cima, nem sair do lugar, só afundar como uma pedra. Tudo fora muito rápido e de repente.
Quando sentiu suas forças se esvaírem e o desespero tomar conta de seus pensamentos, quando achou que faria companhia para no fundo da piscina, sentiu ser puxada para cima. Ela se agarrou com toda força, tossindo a água que tinha engolido, tentando ao máximo não submergir outra vez.

– O que está fazendo? Ficou maluca? – gritou, esforçando-se para segurar , que ainda estava agitada demais para perceber que já estava a salvo. Os cabelos dele cobriam sua testa e o jogador tinha olhos arregalados e expressão assustada. – Podia ter se afogado. Você não sabe nadar?

O semblante e voz dele entregavam seu susto e nervosismo. apenas negou com a cabeça, devagar, trêmula, segurando-se a ele com força.

– No que estava pensando, ? – tornou a perguntar, ainda mais chocado e assustado. – Queria se matar?
– E-eu... – Ela tentou dizer, mas gaguejou e tossiu mais água. – Eu achei que estava se afogando. – Contou em um suspiro, ainda tentando recuperar o ritmo normal de sua respiração.

não respondeu, estarrecido a olhou por alguns segundos em silêncio. Apertou os lábios e engoliu em seco.

– Você pulou, mesmo sem saber nadar, só porque achou que eu estava me afogando? – Ele repetiu a fala da inglesa como uma pergunta, desnorteado e admirado, ao mesmo tempo que confuso e profundamente tocado.

Decidiu entrar na piscina naquela noite, mesmo com o tempo ruim, porque queria se sentir só, porque queria gritar e porque queria a sensação da água o abraçando. Tinha certo costume de praticar apneia, achava ter bons benefícios no geral e estava em um daqueles momentos quando sentiu alguém se jogar na piscina. Nunca poderia imaginar que seria ela. Não sabia se ela já tinha ido embora ou não, mas se pudesse apostar, seria a última pessoa que apostaria em fazer algo como aquilo, depois de tudo.
Ela devia o estar odiando e não sabia porque ela simplesmente não tornava tudo mais fácil fazendo isso. Ela devia estar em casa, falando mal dele para alguém, não ali, se arriscando mais uma vez, por querer protege-lo.

– Vem. – O capitão chamou, trazendo a inglesa para a borda, onde Felix esperava agitado.

🎵 Dê play na música aqui, e se necessário coloque para repetir. Fade Into You – Mazzy Star🎵


auxiliou a inglesa sair da água, ela ainda tossia e parecia um pouco aturdida pelo quase afogamento, suscetível a todas as ordens dele sem reclamar. Havia uma toalha grande perto da piscina, que tinha reservado para si, já que planejava um banho de piscina tranquilo antes de tudo aquilo acontecer. O central enrolou a inglesa na toalha e a levou para o banheiro mais próximo.
a ajudou com as muitas roupas pesadas e molhadas e preparou o banho quente. Quando ainda estava terminando de se despir, o central se afastou e fechou a porta atrás de si. Enquanto vestia as roupas quentes que tinha separado para si, ainda refletia sobre tudo aquilo, confuso com o acontecido e com seus sentimentos mais uma vez. Primeiro surgia em sua casa, mesmo ele estando doente com um vírus altamente transmissivo, cuidava dele, se desculpava e era amável. Depois, mesmo depois daquela briga horrível, estava pronta para se jogar mesmo sem saber nadar, apenas por achar que precisava salvá-lo.
Quem era aquela mulher e porque alguém fazia aquele tipo de coisa?
se perguntava. Ela devia facilitar, devia agir como qualquer outra pessoa e ir embora, batendo a porta, xingá-lo de volta, espalhar coisas ruins entre os amigos. Não entendia porque ainda ficava, porque ela ainda demonstrava altruísmo e afeto. Sabia que apesar de realmente estar triste, ferido e muito enraivecido com aquela situação, mandar embora primeiro significava que ela não o mandaria. Se fosse para ser assim, que fosse ele a dar o primeiro passo. Mas ela não queria entender, ou preferia dificultar. Por que ela permanecia?
Talvez fosse verdade a tal coisa, talvez ela realmente gostasse dele. Talvez o amasse. Ela tinha pulado na água mesmo sem saber nadar, só porque achou que ele podia estar se afogando. Quantas pessoas no mundo fariam algo assim por ele? Talvez seus pais, provavelmente eles. Quem sabe suas irmãs, mas não as julgaria caso não fizessem. Mas sim. A mesma que estava a distância de alguns metros, separada por uma porta, tomando um banho quente depois de tentar se afogar para ajudá-lo.
cedeu a seus impulsos.
O jogador abriu a porta do banheiro devagar, estava de costas, nua, mas assim que ouviu seus passos, ela se voltou em sua direção. A água quente criava uma névoa densa dentro do banheiro e do box. A inglesa sustentou o contato visual de , que se aproximou devagar, mas parou há dois passos de onde ela estava.
ainda mantinha fixo os olhos nos do capitão, ela não se moveu ou falou qualquer coisa. Permaneceu sob o chuveiro, com a água quente caindo sobre seu ombro. estava de pé diante dela, ainda vestido, em silêncio, a olhando nos olhos. Enfim, o capitão puxou o moletom que usava pela gola, pelo pescoço e quando voltou a olhar para ela, cedeu um passo, se encostando a parede fria e suada.
No olhar dos dois apenas ansiedade e expectativa, ninguém parecia negativo a aquela aproximação, apenas talvez incertos. Um pouco de surpresa, mas alívio por enfim alguém estar tomando aquela decisão. respirava fundo, o capitão podia ver do peito dela subir e descer e a musculatura de seu pescoço tencionar e relaxar a medida com que inspirava e expirava. Ele agia devagar, temendo com todas as células de seu corpo ser recusado.
Devagar, entrou, um pouco hesitante, mas decidido. não protestou ou disse qualquer coisa, só mantinha os olhos fixos aos dele, aguardando por sua ação. se aproximou devagar, acabando com a distância que ainda faltava. Seus rostos estavam próximos, olhos fechados, narizes se tocavam a medida com que moviam o rosto devagar, os lábios também, mas ainda não estavam em um beijo. Era a hesitação e uma grande ansiedade e a saudade dolorida que os tomava no momento.

– Eu tô cansado. – confessou em um sussurro e assentiu com a cabeça.
– Eu também.

Com a resposta dela, o jogador ergueu o olhar e a olhou nos olhos outra vez, com a proximidade fez o que seu corpo já implorava há tempos, tomou o rosto da inglesa nas mãos e a beijou. correspondeu o beijo, ansiava por aquilo mais do que conseguia compreender. apertou os ombros do jogador contra si, tinha vontade de unir-se a ele tão profundamente que se tornaria um só. pareceu compreender e devagar afastou as mãos do rosto de e as usou para ergue-la. A terapeuta abraçou a cintura do capitão com as pernas enquanto ainda o beijava sob a água quente do chuveiro.
Nenhum dos dois pensava ou refletia sobre nada, nenhum dos dois queria fazer isso. Queriam apenas sentir e se entregar ao sentimento que fluía de um e penetrava no outro de forma tão viva e profunda. Como se fosse a primeira vez.

❄❄❄


Sábado, 25 de dezembro de 2021
Casa de
Lahti – Finlândia



🎵 Dê play na música aqui, e se necessário coloque para repetir. Taylor Swift – Champagne Problems 🎵


Estavam deitados como sempre faziam, com com o corpo e cabeça apoiada ao corpo do capitão . Um dos braços dele sobre as costas da terapeuta inglesa e a outra apoiada sobre o peito, com os dedos entrelaçados aos dela. Estavam acordados, a respiração tranquila e calma. O quarto do jogador era escuro, a luz do banheiro estava acessa e pela porta atravessava uma pequena faixa luminosa que não garantia muita coisa. Não que quisessem ver algo ou que existisse qualquer coisa sobre a qual quisessem pôr os olhos.
não se atrevia a erguer o olhar, não queria descobrir o que encontraria. Era como a história da Cinderela, olhar para ele e qualquer conversa que acontecesse por causa disso seria seu relógio badalando meia-noite. Não tinha hesitado em nada quando se aproximou no banheiro, ao contrário, queria aquilo. Esperou com paciência para que ele desse o primeiro passo apenas porque queria que fosse algo completamente de sua vontade. Da vontade dele. Se a tivesse perguntado, a resposta seria mil vezes sim.
Porque apesar da mágoa com as palavras dele, das brigas, sabia que o queria. Era injusto, cruel e poderia usar centenas de outras palavras para criticar e descrever a postura de , mas quando colocava na mesma linha a possibilidade de perde-lo, nada importava. Só queria que tudo ficasse bem, que ele a perdoasse e conseguisse seguir em frente. Por isso, quando ele entrou naquele banheiro, desconfiado e incerto, cheio de receios e com olhar arrisco, apenas lhe deu espaço.
Agora, depois de terem saciado sua vontade quase primitiva de estarem juntos, ela temia encarar os olhos do jogador. Depois de olhar nos olhos dele, enquanto estavam juntos, conectados e sendo apenas um, e ver a versão sem barreiras e muros de . A versão que sempre encontrava naqueles momentos, sem máscaras, instintiva e natural, movida por amor e impulsividade. Não queria correr o risco de buscar o olhar de e contemplar o arrependimento, ou a mesma frieza que acompanhava os olhos dele naqueles dias.
Não queria acordar do sonho de uma segunda chance, de outra oportunidade. Não queria correr o risco de que ele se afastasse mais cedo do que o necessário. Queria ter tempo para pensar e planejar o que diria, tinha que ser algo bom o suficiente para que ele resolvesse ficar, para que ele não fosse embora. Precisava encontrar alguma forma de mostrar a ele que o queria, precisava encontrar um meio de ficarem juntos. De ajudá-lo a esquecer toda aquela situação constrangedora e inadequada, a superar o que fora quebrado.

E se de um lado, pensava em estratégias para ficar junto a e temia olhá-lo por medo do que encontraria, não a olhava porque sabia exatamente o que veria.
Tinha cedido aos impulsos do coração e ido até ela, aproveitado o momento e saciado toda a saudade que sentia, toda vontade que tinha de estar junto dela. Não pensou racionalmente, mas não tinha se arrependido disso. Aproveitou cada segundo naquele banheiro, sentindo a água quente lhe cair as costas, depois no conforto de sua cama, como se fosse a primeira – ou última – vez em muitos anos. Ela era sua novamente e não queria pensar em mais nada, apenas aproveitar a sensação do toque macio, do gosto dela em sua língua, da maciez e calor dos lábios em seu corpo, do olhar penetrante dela em todas as ocasiões onde podiam sustentar o contato visual, dos dedos entrelaçados.
Era a sua que estava ali, com ele.
Não queria se lembrar da sensação, ou de como toda a confusão em sua cabeça e coração sumiram quando estava nos braços dela. Não queria se lembrar do quanto a amava e de que amava estar com ela daquele jeito, descansando na cama depois de ficarem juntos. Se não se concentrasse nisso, não conseguiria fazer o que achava que devia fazer.
Já tinha dado o primeiro passo, afastado , agora só precisava continuar com seu plano. Não podia olhar para ela, porque aí não conseguiria pedir para que ela fosse embora e o esquecesse. Estava a abraçando enquanto ela parecia dormir sobre seu peito, mas tomava aquilo como uma espécie de despedida masoquista. Também não teria coragem de despertá-la e se afastar, não depois de terem transado. Mas rezava para que ela fizesse, ele a tinha tratado mal, não deu a inglesa nenhuma razão para continuar ali.
No fundo entendia que a culpa de toda aquela situação não era da terapeuta, mas também não era sua culpa. E mesmo assim, o coração partido, o ego esmagado, o orgulho ferido era só o seu. A amava, mas não queria correr o risco de ter seu coração quebrado de verdade por ela, de ter a si mesmo partido em tantos pedaços que seria impossível de juntar.
Mesmo no escuro encarava o teto, porque sentir o cheiro dela e a sensação da pele quente tocando a sua já era muito doloroso. Talvez fosse covarde de sua parte, fugir, sair fora e desistir na primeira grande dificuldade, mas não se importava. Seria covarde, então. Se era sobre assumir seus sentimentos, assumiria aquele, mas não seria o primeiro a sofrer novamente. Era melhor que aquilo tudo acabasse antes.

❄❄❄


Domingo, 26 de dezembro de 2021
Casa de
Lahti – Finlândia



abriu os olhos devagar de manhã, a cama era confortável e quente, tinha o rosto afundado a um travesseiro. Depois dos segundos que precisou para retomar sua plena consciência, para se lembrar de onde estava e de como estava, respirou fundo e virou o rosto. Queria conferir se ainda dormia ao seu lado, se ela já estava acordada ou se poderia sair da cama sorrateiramente para evitá-la. Não era mais preciso, o lugar que ela ocupava estava vazio, os cobertores revirados e não havia sinal dela pelo quarto.
Podia ficar na cama mais tempo, aproveitar estar sozinho para descansar, mas sua curiosidade não permitiu. Queria saber o que havia acontecido, se tinha ido embora, se estava na cozinha preparando o café da manhã, se ela estaria de bom-humor ou se ainda estaria chateada. Precisava saber, tinha medo do que encontraria e no fundo não queria encará-la, mas precisava saber o que estava acontecendo.

Depois de vestir a primeira roupa que encontrou e minimamente lavar o rosto, deixou seu quarto. Procurou a terapeuta nos quartos ao lado do seu, na sala onde guardava seus instrumentos, depois desceu as escadas. não estava na sala, na cozinha e nem na sala de jogos, com os livros. O coração do capitão se apertou quando viu, sobre uma poltrona, as roupas que ele havia emprestado a ela antes, junto com o presente de natal. Quis tanto que ela se fosse, que parecia ter sido atendido.
O capitão deixou a sala de jogos cabisbaixo, porque no fundo esperava que ao menos se despedisse, ou que para não fugir do esperado, não fizesse exatamente o que ele queria. Mas para sua surpresa, quando entrou na cozinha, vagando perdido pela casa, por pouco não se chocou com , que entrava no cômodo por uma das portas laterais.
Assim como ele, se assustou com a presença do jogador. Felix estava com ela, vestia suas roupas outra vez e não segurava nada além do celular nas mãos.

– Achei que você tivesse ido. – falou a primeira coisa que lhe veio à mente ao vê-la.
– Eu vou. – assentiu sem sorrir. – Só estava deixando comida para o Felix e terminando de organizar algumas coisas. – Ela contou. – Seus remédios estão separados ali e eu anotei a ordem e os horários, para que não se perca. – apontou para um dos cantos da cozinha, onde sobre um armário estava uma pequena cesta com os medicamentos. – Tem sopa congelada também, caso ache mais fácil. – A inglesa listava como quem lista para uma babá.
– Você não precisava fazer isso. – disse, expirando e baixando os ombros, colocando as mãos no bolso da calça que vestia.
– Eu sei que não. – ergueu os ombros, atraindo o olhar silencioso de , que no fundo esperava que ela dissesse mais coisas. – Pedi um carro, deve estar quase aqui. Vou esperar lá fora. – Ela avisou, afastando-se de e da cozinha sem sorrir, sem se despedir ou sem falar qualquer outra coisa.

Pela postura da inglesa, percebeu que ela não pretendia se despedir, que se tivesse saído da cama meia hora depois, sequer a teria visto partir. Era o que ele queria, não é? O jogador perguntava a si mesmo. Ela estava agindo exatamente como ele queria. Mas por que estava agindo como ele queria? Será que ela concordava quanto a se separarem? Será que ela também não o queria mais e aceitou o que tinha acontecido na noite anterior por pena, para dar a ele uma última lembrança? Um tiro de misericórdia?
a assistiu cruzar a sala e quando ela estava perto da porta, tomou coragem para se manifestar.

, espera aí. – Pediu, apressando-se até ela. Ainda se sentia mal fisicamente, cansado, dolorido e tossia, mas era o dia que mais se sentia melhor desde o início dos sintomas.

A inglesa parou de andar e se virou na direção do central, aguardando que ele fosse ao seu encontro.

– Eu... – Ele tentou começar, mas as palavras sumiam e sua língua não parecia querer obedecê-lo. – Eu queria agradecer por tudo isso.
– Não precisa. – Ela assentiu em silêncio e cruzou os braços. – Se faria isso por qualquer um do time, o que não faria por você?
– Mesmo assim, eu agradeço. – reforçou a olhando nos olhos. – Obrigado por ter estado aqui, por tudo isso que fez nesses dias.
– Certo. – assentiu e respondeu baixo, como se impaciente com os agradecimentos dele, como se não tivesse sentido para ela ou como se ela não fizesse questão de permanecer. – Eu preciso ir agora. – Avisou, apontando para trás de si com o polegar, em direção a porta, onde a bolsa grande com emblema do time a aguardava.
– Tá, tá bem. – assentiu e estreitou os olhos. – Tudo bem.

Então era aquilo?
Ela ia embora assim, fácil?
Não teriam uma conversa difícil, não precisaria convencê-la de ir? Ou ela não tentaria o convencer sobre ficar? só juntaria suas coisas, diria adeus e sairia de sua vida?
Devia dizer alguma coisa? Devia pedir que ela ficasse? Ele se perguntava.
Devia questionar o porquê de estar indo embora tão rápido?
Que droga, , porque estava fazendo isso? Indo embora tão fácil? Por que estava mostrando que tinha razão? Ele se questionava, aturdido com cada passo dado por ela em direção a porta.

– Você... – falou em voz alta.
– Sim. – se virou, rápido. – O que foi?
– Nada. – Mentiu, mordendo a língua. – Só um bom retorno pra casa.
– É só o que tem pra me dizer? – Ela perguntou, pegando-o desprevenido.
– Já disse tudo que precisava dizer ontem. – respondeu na defensiva.
– Disse. – Assentiu . – É por isso que eu vou. – Ela sussurrou mais para si mesma do que para ele, mas conseguiu entender.
– Eu esperava que sim. – Falou o central, atraindo um olhar confuso e incrédulo por parte da terapeuta inglesa.
– Eu já ouvi da primeira vez, . – apertou os dentes, magoada. – Não precisava me mandar embora de novo.

não respondeu, manteve a expressão mais impassível que conseguia, como se não se afetasse por nada que ela lhe dissesse. Era mentira.

– Mas fique sabendo que, só estou indo embora porque não quero piorar as coisas. – aproximou-se um pouco, enraivecida, com o queixo e ombros tensos. – Porque você está doente. Mas eu não desisti. Não sei se notou, mas eu não costumo ser vencida facilmente. Não desisti de você. Talvez esse seja seu novo inferno astral ou sei lá, mas eu vou continuar aqui.

quase sorriu – apesar de internamente já estar.

– Você precisa que eu seja mais claro? – Perguntou, agindo como se a repudiasse, como se o discurso resiliente dela não fosse nada, mas era mentira.
– Não adianta agir assim, mentir, fingir que é essa pessoa. – se aproximou mais, olhando-o nos olhos. – Frio, desapegado, grosseiro. Essa casca pode funcionar com os outros, mas não comigo. Eu conheço você de verdade, conheço o seu coração. Você não é isso, nem acho que queira isso de verdade. – Ela disse, tocando o peito do jogador ao falar e riu com desprezo, baixando a cabeça. – Você nem mesmo quer que eu vá.

concluiu, um sorriso rápido e sutil tomou os lábios da inglesa quando ela o viu rolar os olhos e negar, como se aquela fosse a afirmação mais idiota do mundo. Mas o conhecia, se ele não a quisesse ali, estaria sentado na cozinha, tomando seu café da manhã, como se estivesse sozinho em casa.

– Não estou vendo ninguém te impedir. – ergueu as mãos, mostrando que não a impedia. – Você quem está insistindo.
– Eu não vou fazer o que você quer, . – o olhava com sinceridade, não parecia triste, chateada ou irritada com a forma com que ele a tratava. – Não vou facilitar as coisas e te odiar. Pode brigar comigo, ser um idiota, tentar me ofender...não vai funcionar. Sabe por quê?
– Não me aguento de curiosidade. – Ele debochou.
– Porque eu te amo. – As palavras da terapeuta atraíram a atenção do central, que foi pego de guarda baixa. – Eu amo você. E não tem nada que possa fazer para mudar isso. Goste ou não.
– Ótimo momento para declarações, . – endireitou a coluna e expirou, chocado e irritado, pensando que ela podia ter usado qualquer momento melhor para falar aquilo.
– Eu já tinha dito isso antes, na verdade. – repuxou o canto dos lábios e maneou a cabeça quando ele se afastou. – Mas você dormiu no meio da minha declaração.
– Me enganei sobre você. – inclinou a cabeça sobre o ombro, para que pudesse olhar a inglesa melhor. – Você até que mente bem quando quer. – Ele acusou e a deu as costas.
– Disse também quando neguei o Merelä. – apertou os lábios para impedir que se formasse um sorriso vitoriosos neles. – Você ouviu, você estava lá.
– Quer revisitar as memórias de quando se beijaram no estacionamento? Que romântico. – estava parado no meio do caminho entre a sala e a cozinha, de costas para .
– Pare de fingir que me quer longe, . – O tom de voz de entregou sua pequena felicidade em ver suas teorias se provarem verdadeiras.
– Dá um tempo, . – não usou seu tom debochado, mas o tom sério e desinteressado, indo até a cozinha. o seguiu.
– Eu entendo o que disse ontem. – Ela começou a dizer, seguindo-o. – Você tem razão sobre tudo. A culpa não foi minha, mas também não foi justo com você. Eu realmente lamento o que aconteceu e por ter demorado a entender que precisava dar o primeiro passo dessa vez. – Ela declarou e rolou os olhos.
– Meio tarde. – Reclamou ele, abrindo a geladeira e se servindo de um copo grande de leite.
– Ontem de manhã, quando você acordou na manhã de natal, não era. – Ela negou, colocando-se entre ele e a mesa. – Acho que hoje continua não sendo. – desviou da inglesa, dando a volta na mesa. – Eu amo você, e não vai ser um mal-entendido idiota que vai me impedir de viver isso.
– Não é o mal-entendido que te impede, sou eu. – falou, abrindo um armário e pegando uma tigela e colocando leite nela. – Eu não te quero mais.
– Mentira. – Ela o desafiou, afastando dele a caixa de aveia que estava sob a pia. – Acho que você quer que eu me esforce. Quer ver que eu dou valor a você. Que eu corra atrás. Quer se sentir seguro. Mas também odeia ainda me querer. – se esticou e tomou de volta a caixa. – E eu vou permanecer, me esforçar e correr atrás. Só para você saber.
– Se preserva, . – rolou os olhos e a deu as costas, sentando-se a mesa.
– Conheço você. – Ela afirmou, ocupando um lugar ao lado dele, cruzando os braços sobre a mesa e o olhando. Do lado de fora, a neve voltava a cair pesadamente. – Se não quisesse mesmo falar comigo, se me quisesse longe, eu já estaria. Então, você não me quer longe de verdade e eu não quero ir também. Encaixa.
– Você não me conhece. – Ele negou, levando a colher a boca. – Só conhece a minha versão idiota, apaixonada por você.
– Que me ama. – Ela o corrigiu e ergueu os olhos na direção da terapeuta pela primeira vez desde que ela o tinha atingido com aquela parte da conversa. – Você disse ontem, sobre o quanto era difícil ver a pessoa que amava naquela situação.
– É passado. – Negou o jogador, voltando a se concentrar em seu café da manhã.
– Mentira. – torceu os lábios e balançou a cabeça, quase sorrindo.
– Você levou a sério a coisa de me fazer viver um inferno. – Ele reclamou, expirando pesadamente. Naquele momento, todo discurso e pose de estavam caídos por terra, tudo que ele queria era que ela ficasse longe. Estava em pânico.
– Não vou desistir de você, Rakkaani. – Garantiu , falando sério e a olhou. – Não devia ter te deixado ir embora naquele dia, devia ter ido atrás de você. Você é o homem que eu amo, não vou desistir sem lutar. – expirou cansado e negou com a cabeça. – Ganhei seu coração uma vez, não vou desistir até recuperá-lo.

❄❄❄


Domingo, 26 de dezembro de 2021
Casa de
Lahti – Finlândia



Era início da tarde de domingo, tinha se trancado no quarto depois do café da manhã atribulado. Mas como previu a terapeuta inglesa, o jogador abriu a porta para ir até a cozinha e pegar seu almoço, para depois subir e se trancar outra vez. tinha ido até a porta do quarto dele e batido, oferecido para trazer sua comida e deixar na porta, assim ele não teria que ver seu rosto se fosse insuportável demais. não respondeu, mas perto das onze da manhã, desceu até a cozinha, onde estava. Se serviu sob o olhar vitorioso dela e voltou para cima. viu de soslaio ele olhar para a entrada, como se conferisse se a mala dela ainda estava lá, mas não comentou.
Foi uma decisão arriscada a que tinha tomado naquela manhã, quando resolveu fingir estar pronta para ir embora. Quando percebeu estar acordada enquanto ele ainda dormia, gastou algum tempo observando o jogador, acariciando sua cabeça e rosto, sentindo o calor do corpo dele por uma última vez. O sentimento de despedida durou até que colocasse os pés para fora da cama e olhasse para pelo que seria a última vez.
Quando o viu ali, coberto até a cintura por um cobertor pesado, com as costas nuas, deitado de bruços, respirando ruidosamente por causa do quadro de saúde, repensou tudo. Amava aquele homem moreno e tatuado que dormia ali, a sua frente. E certa desse fato, enxergava duas possibilidades, dois caminhos e uma decisão a ser tomada. Ir embora, aceitar o fim proposto por e tentar deixar tudo aquilo para trás. Aceitar que não teria mais volta e tentar conviver profissionalmente com ele, ou voltar para a Inglaterra e fingir que aqueles meses mágicos nunca tinham acontecido. Aceitar. Era a palavra que mais resumia aquela decisão, aceitar sem lutar e reclamar.
Do outro lado, a segunda possibilidade era o oposto: lutar. Era bater o pé e não aceitar a decisão de , insistir no relacionamento. Sabendo do histórico inseguro do namorado, era de se esperar que o primeiro instinto dele diante algo daquela proporção seria se preservar, colocar a inglesa o mais longe possível para evitar sofrer mais. Ao passo de que aquela decisão parecia enterrar todo amor próprio da terapeuta inglesa e a colocar em uma posição quase que humilhante. Mas, quando olhava para ele ali, quando se lembrava de todas as noites em que tinha rido com ele até a barriga doer, quando ele fazia o jantar ou o café da manhã, quando acordava mais cedo para lhe dar uma carona até o trabalho, mesmo podendo dormir até mais tarde. Ou quando conversavam sobre coisas aleatórias, engraçadas ou românticas na cama antes de dormir, as piadas internas, quando ele era excessivamente bonito, quando tinha o sorriso mais lindo do universo, o olhar mais intenso e profundo, cheio de expressão.
Tinha se colocado em risco para cuidar dele, ignorando o Covid–19 e todo risco que estar ali podia trazer. Ao saber de seu estado, toda mágoa e ressentimento havia sumido e tudo que importava era estar com ele, cuidar dele e garantir que estivesse bem. Foi o que pensou – ou o que seu instinto mandou – quando se jogou na piscina de água gelada mesmo sem saber nadar. Se tinha sido capaz de arriscar, literalmente, a própria vida para garantir que ele estivesse bem, que aquele homem estivesse bem, então por que não lutar por ele?
Não podia deixar que ele saísse de sua vida tão facilmente. Não podia experimentar a sensação de ter ao seu lado e o deixar ir tão fácil. Ainda mais por motivos que não eram culpa de nenhum dos dois.
Por isso tinha arriscado tudo e ensaiado sua partida, só assim teria algum sinal sobre as intenções dele. Sabia que se perguntasse, diria o mesmo que na noite anterior, por isso a ideia estava fora de cogitação. Quando enfim saiu da cama naquela manhã, já tinha perambulado pela casa toda centena de vezes, esperando que ele acordasse. E a reação de fora justamente a esperada. Se ele realmente não a quisesse ali, não teria problemas em apenas a ignorar, mas ele não o fez. A seguiu até a porta, hesitou e ficou nervoso quando disse amá-lo, quando disse que não desistiria.
Lamentava que a primeira vez a dizer aquilo fosse naquela situação, mas estava desesperada. E tempos desesperados pedem medidas desesperadas. Agora, com a ida dela a cozinha para buscar seu almoço, tinha certeza de que ele não a queria longe, talvez até estivesse curioso sobre como pretendia recuperar seu relacionamento. Conhecia , conseguia ler seu olhar, sabia que ele estava assustado, que estava magoado e que talvez aqueles incidentes tivessem reconstruído todos seus muros. Mas fora a pessoa a encontrar a chave para quebra-los, acreditava conseguir repetir seu feito por uma razão. Amava , e sabia que ele a amava também.



My waves meet your shore

No more keepin' score, now I just keep you warm
And my waves meet your shore ever and evermore (Long Story Short – Taylor Swift)



Domingo, 26 de dezembro de 2021
Casa de
Lahti – Finlândia



– É, eu sei. – disse pela décima vez, suspirando cansada. – Eu tô bem, mãe. Não precisa desse drama todo.
– Não é drama. – A mais velha retorquiu do outro lado da tela. – Você se muda para o outro lado do mundo, não vem para casa nem mesmo para as festas. Acho que é normal eu querer garantir que esteja tudo bem.
– Bom, já garantiu. – sorriu amarelo. – Podemos pelo menos mudar de assunto? – Pediu.

Depois de algumas semanas se falando apenas por mensagens, a mãe havia conseguido romper a barreira e fazer uma chamada de vídeo com a filha que morava em outro país. , por causa de toda situação com , havia se esquecido de que haviam um mundo do lado de fora daquela casa. A família já estava ciente de que não voltaria para casa para as festas, mas aparentemente esperavam cartões e um sinal de vida, que nunca chegou. Por isso, sentada em uma das poltronas da sala, ouvia a mãe falar sobre como havia sido o natal dos s e sobre como era uma desalmada por sequer mandar uma mensagem.

– Certo. – A mãe assentiu rápido quanto a pergunta sobre mudar de assunto. – Sua irmã te mandou as fotos? – negou com a cabeça, em silêncio. – Fomos ver vestidos de noiva essa semana. O casamento já foi marcado. – Anunciou animada.
– Já? – se ajeitou, surpresa.
– É, está vendo como a vida não para? – A mãe riu com algum sarcasmo e apertou os lábios e ergueu as sobrancelhas.

A inglesa estava tão concentrada e desconcentrada no assunto da mãe ao mesmo tempo, que não notou que tinha descido as escadas e que estava de pé nos últimos degraus, ouvindo a conversa em silêncio.

– Emily teve muita sorte com o Peter. – A mãe continuou, empolgada. – Ele é alguém mais velho, mais maduro, inteligente. Sempre a tratou como uma rainha. Queria te mostrar o presente lindo que ele me trouxe no natal.
– Posso imaginar. – respondeu, ainda digerindo a notícia de que sua irmã caçula estava de casamento marcado.
– Emily está tão empolgada. – A mãe tornou a falar. – Será um casamento de princesa, digno de realeza. Vai ser bom também para rever a família. – A mãe sorriu. – Quem sabe, na festa, você não conhece algum dos amigos do Peter e aí...
– Mãe, por favor. – Pediu a terapeuta, rolando os olhos. – Não tente isso, outra vez não. Sabe o que aconteceu quando tentarem me juntar com alguém assim.
– Porque você é uma pessoa difícil. – A mãe lembrou, torcendo os lábios. – Porque seria muito melhor para todos se ficássemos perto. Você, Emily e Josh, casados, com suas famílias, aqui em Birmingham.
– Mãe... – negou com a cabeça, com um sorriso que expressava o quanto aquela ideia era boba e improvável. – Duvido que Josh viva para sempre aí, ou a Emily.
– Claro que vão. – Negou a mais velha. – O escritório fica aqui. Para aonde mais eles iriam? – Perguntou arqueando uma sobrancelha. – A única que não quer ficar perto de nós é você. – Alfinetou a mãe, mas fingiu não perceber. Do outro lado da sala, franzia o cenho a cada palavra que a mãe de proferia.
– E o Josh? – A terapeuta tentou mudar de assunto. – Vai bem?
– Ótimos. Grace e ele estão tentando ter um bebê. – Contou a mãe. – Mas Grace tem trabalhado demais, tido muitos clientes.
– Bom, é bom ter clientes agora, antes do bebê chegar. – comentou, enrolando uma mecha de cabelo entre dos dedos, entediada.
– Josh quer que ela fique em casa, se preparando, cuidando da saúde.
– Tinha me esquecido que Josh nasceu em mil novecentos e dez. – ironizou, rolando os olhos e sorrindo.
– Isso é o que um marido faz pela esposa, . Ele cuida dela, para que ela não precise trabalhar. – A senhora corrigiu. – Sei que não entende isso agora porque nunca teve isso, mas é o que acontece.
– Mamãe, por favor... – Pediu, sentindo as últimas moléculas de energia deixarem seu corpo.
– E o trabalho aí? Está dando certo? – A mãe enfim fez uma pergunta que interessava a responder.
– Sim, está perfeito. – sorriu, voltando a se animar. – Trabalhar no time tem sido um sonho. Difícil e um desafio em alguns momentos, mas um sonho.
– Você não consegue arranjar um trabalho assim aqui? – Quis saber a mãe, um pouco menos animada. – Encontrei Louis no mercado essa semana, ele disse que a sua vaga na clínica sempre estará aberta para quando quiser voltar.
– Mas eu não quero voltar, mãe. – Negou . – Estou feliz aqui em Lahti, com o time, com meus amigos, com todo o resto...
– Bem, se é isso que te faz feliz... – A mãe torceu o nariz. – Mas nós continuamos achando que ficaria melhor aqui, na Inglaterra. Finlândia. – A mais velha negou com a cabeça. – Nem conseguiu vir para casa nas festas. Você devia seguir o exemplo dos seus irmãos. Ficar em Birmigham seria o melhor para você, todos achamos.
– Como assim, nós? – riu surpresa. – Quem mais está discutindo a minha vida e as minhas decisões?
– Não faça drama. – Repreendeu a mais velha. – Só comentamos sobre isso no natal. Josh e Peter disseram que podiam te ajudar a arranjar um emprego, e Emily falou também que pode te arranjar um par para o casamento, para não chegar sozinha.
– Claro. – sorriu, sem verdadeiramente estar feliz. – Entendi. Então essa é a preocupação? Que eu chegue sozinha no casamento da minha irmã mais nova. Querem me mandar um vestido também? – Indagou sarcástica. – Só para garantir que eu esteja mais apresentável.
– Se você aceitar, sim. – A mãe confirmou, levando a sério a pergunta.
– Fique tranquila, mãe. – expirou um riso sem humor. – Não vou deixar ninguém desconfortável no casamento. Pode ficar tranquila. Posso mentir sobre estar solteira e sobre o emprego, se te fizer sentir melhor perante os convidados da Emily e do Peter.
– Não seja pirracenta, . – A mãe a repreendeu outra vez. – Só estamos todos tentando te ajudar.
– Mas eu não preciso de ajuda. – suspirou. – Escuta, preciso ir agora. Nos falamos depois. Dê uma abraço em todos por mim.
– Claro. – A mãe assentiu. – Mas não suma. Se não ligar no ano novo, Josh vai até aí.

sorriu amarelo e desligou, deixou o celular cair ao seu lado, na poltrona e enfiou os dedos nos cabelos, fechando os olhos e respirando fundo. Estava exausta, falar com a mãe drenava suas energias, mesmo que por telefone e por poucos minutos. Sentia vontade de deitar-se em posição fetal e ficar assim até se recuperar de sua ressaca materna, ignorar todo tipo de contato e pensamento que a fizesse lembrar das cobranças feitas pela família, representada ali pela mãe.
Pensava sobre como e onde podia encontrar um lugar quieto e aconchegante para realizar seu desejo na casa de , quando sentiu alguém apertar seu ombro, como uma espécie de consolo. Subitamente e um pouco assustada, ergueu o rosto e procurou por quem a tocava.

– É você. – Suspirou ao encontrar a expressão séria e empática de , ele estava com as sobrancelhas unidas, formando um pequeno vinco entre elas, lábios apertados em uma linha fina e olhar direcionado a inglesa, de pé ao seu lado, ainda segurando e apertando seu ombro. – Há quanto tempo está aí?
– O suficiente. – Ele respondeu dando de ombros. – Entendi agora porque você não queria passar o natal em casa.
– Empático da sua parte, obrigada. – falou, sorrindo com sarcasmo e voltando a inclinar a cabeça, enfiando os dedos entre os fios de cabelo e massageando devagar. – O que foi? O que está fazendo aqui fora do quarto?
– Tô meio mal de novo, fiquei com medo de morrer sozinho no meu quarto. – Falou ele depois de fungar e o encarou arqueando uma sobrancelha. O tom de não era totalmente sério, talvez um pouco sarcástico e não conseguiu descobrir se era verdade ou não. – Qual é o problema com a sua família?
– Não preciso te responder isso. – Negou , inclinando a cabeça outra vez. – Nem quero.
– Essa frase é minha. – respondeu, deitando-se no sofá e se cobrindo até o pescoço com a manta grossa que ainda estava lá, mas mantendo os olhos fixos em . – Você está na minha casa e não quer sair, acho que é o mínimo.

A terapeuta ergueu o olhar e manteve contato visual com o capitão por alguns segundos, em silêncio. Depois suspirou, dobrou as pernas, colocando os pés calçados de meia sobre a poltrona e abraçou os joelhos.

– Acho que meus irmãos são muito bons e fazem tudo parecer muito fácil. – Ela deu de ombros, encarando a mesa de centro, enquanto a olhava com atenção. – Meus pais esperavam que eu tivesse a mesma postura ou sorte. – riu com amargura. – Coisa do tipo.
– Só porque eles ainda moram na Inglaterra e sua irmã vai casar? – quis saber, curioso e surpreso.
– Não, porque... é uma longa história. – suspirou cansada, jogando a cabeça para trás. – É uma história longa sobre comparação e sobre frustrações. Anos de terapia. E eu realmente não quero conversar sobre isso agora. Falar com a minha mãe já me drena o suficiente. – sorriu fraco, cansada, quase choramingando. – Por favor. Em algum outro momento eu explico toda essa bagunça para você, se ainda quiser.

assentiu.
Ele tinha as sobrancelhas juntas e analisava a mulher a sua frente. Exceto quando por sua causa ou pelo relacionamento dos dois, nunca tinha visto daquele jeito, chateada, o olhar perdido, um olhar cinza, diferente do que ela costumava ostentar. A conversa com a mãe tinha mexido com ela, não precisava ser um gênio ou ter ouvido toda a conversa para saber. As poucas partes que tinha ouvido eram suficientes para perceber que havia algo errado no jeito com que a mãe de a via.

– Eu posso te acompanhar no casamento. – ofereceu após alguns instantes de silêncio profundo, atraindo o olhar de . – Se quiser. Posso ir com você.
– Obrigada. – Ela sorriu, um sorriso diferente do comum, mas ainda assim era um sorriso e se sentiu um pouco melhor.

estava angustiado com aquela cena. encolhida na poltrona, encarando a neve que caia do lado de fora, distraída com o que quer que estivesse se passando em sua cabeça, o semblante triste. Sabia muito pouco da relação da inglesa com a família, imaginava que devia ser complicado, mas não que fosse algo que a deixasse tão abalada.
Não concordava com a mãe de , ela não era uma pessoa difícil. E ela amava o trabalho, a família devia apoiar sua decisão, devia visitá-la em Lahti e não tentar a convencer de voltar. Era isso que uma família devia fazer quando um membro se mudava em busca de realizar seus sonhos. Até entendia um pouco a família querer arranjar um namorado, um par para o casamento da irmã, mas não precisava disso. Já tinha um namorado.
pensou, mas em seguida se lembrou da situação em que estavam e também começou a pensar se ela tinha contado para a família que estava namorando alguém – provavelmente, não, pensou ele.
Queria puxar para junto de si e a abraçar, queria a abraçar o mais forte que conseguisse para protege-la daqueles sentimentos ruins. Mas além do fato de ainda estar doente, tinha o pequeno detalhe de estarem separados. A reação dela naquela manhã o tinha pego de surpresa, enchido seu ego e alimentado sua vaidade, além de aquecer seu coração. Tinha se trancado no quarto para garantir que ela não o visse surtando, andando de um lado para o outro e arrancando os cabelos sem saber como reagir.
Deixar ela entrar outra vez?
Não, já tinha tido uma amostra de como seu coração poderia ser partido se continuasse com ela. Se continuasse amando ela. Seria estupidez continuar, mais ainda sabendo que as chances de terminar ferrado eram gigantes. bateu a cabeça na porta algumas vezes naquela manhã, lutando contra seu coração. Se fosse ouvir o que o coração dizia, escolheria ela, mil vezes ela, mesmo que tivesse seu coração partido todos os dias por causa dessa escolha. Mas a razão lhe ordenava mandar embora e esquecer o nome dela.
Que vida dura.
Decisões duras.

O capitão ainda a olhava, agarrado naquele dilema dolorido. Mas o peso daquela decisão parecia pequeno demais quando a via naquela situação. Era uma clara mudança de prioridades. Óbvia e necessária.

– Já que vamos ter que dividir o mesmo teto, pelo menos mude essa cara. – pediu em tom de ordem, porque não sabia como dizer aquilo de outra forma.
– Okay. – assentiu com um sorriso triste e começou a se levantar sob o olhar atento do jogador.
– Aonde vai?
– Não sei. – Ela deu de ombros. – Acho que quero ficar sozinha.
– Mas e se eu precisar de alguma coisa? – ergueu o tronco rápido. – E se eu piorar?
– Você me chama. – respondeu com voz cansada, começando a se afastar rumo a biblioteca.
– E se eu cair, ? – indagou aflito e agitado.
– Você é grande, eu escutarei. – Garantiu a inglesa, sem olhar para trás.
– Mas eu...– O central olhou ao redor, tentando desesperadamente encontrar uma desculpa para mantê-la perto. – Acho que tô com febre de novo, . Você tem que ficar aqui, perto.

parou de andar, baixou a cabeça e ficou imóvel por alguns segundos, até que erguesse o olhar novamente e girasse em seu próprio eixo. Depois caminhou o pouco espaço entre onde estava e o sofá onde estava deitado, sentando-se ao lado dele. a olhava ansioso e atento, confortável por ela ter voltado. esticou uma das mãos até a testa do jogador, depois tocou com o dorso da mão as bochechas e o pescoço dele.

– Não está com febre. – Falou e ficou de pé novamente. – Durma um pouco, vai se sentir melhor.

Ela pediu e em seguida se afastou de vez, entrando na biblioteca sem olhar para trás.

❄❄❄


Já fazia algum tempo desde que tinha ido para a biblioteca e nenhum outro som podia ser ouvido de lá. Para , uma eternidade angustiante, para o relógio, dezesseis minutos e sete segundos. O jogador de hockey tinha roído todas as unhas dos dedos da mãos, mordido a pele do interior das bochechas e mudado de posição várias vezes.
Sabia que o certo era deixá-la em paz, deixar ficar sozinha. Ela já tinha feito isso por ele tantas vezes, o mínimo era retribuir. E considerando que tinha pensado sobre mandar a inglesa embora naquela tarde, a deixar sozinha não devia ser uma tortura. Mas era. Porque sabia que ela estava só, estava triste e estava perto. Tinha toda a situação do relacionamento, da vontade dela de acertar as coisas, todos os sentimentos envolvidos...se aquela ligação tivesse acontecido na manhã de natal, antes da visita de , tudo seria diferente.

🎵 Dê play na música aqui, e se necessário coloque para repetir. Taylor Swift – Lover 🎵


ficou de pé, envolveu o corpo com a manta grossa que o cobria no sofá e foi até a biblioteca. A luz não estava acesa, estava no escuro, encarando o nada, mas com os olhos em direção ao vidro, vendo a neve cair do lado de fora. A terapeuta não notou a presença do capitão até que se jogasse ao lado dela, em um pequeno sofá. Propositalmente, deixou o corpo cair sobre o dela, escorando-se a ela.

– Não quero ficar sozinho. – Declarou com tom mal-humorado, envolvido pela manta como uma criança.

não reclamou, apenas fechou os olhos, inclinou a cabeça e sorriu fechado. A terapeuta inglesa ajeitou seu corpo para que o corpo do capitão se aconchegasse ao seu lado. – Obrigada. – Agradeceu em um sussurro.
– Não tô fazendo nada, . – deu de ombros, o que fez o sorriso de aumentar um pouco mais.
– Eu sei, obrigada por não fazer nada. – A inglesa moveu um dos braços, deixando que se aconchegasse ainda mais em seu corpo, envolvendo o corpo dele em um abraço e pousando a mão em seu peito.

queria ficar sozinha, mas não recusaria a única presença que a fazia sentir em casa, independentemente de onde estivesse. Desde a ordem para mudar a expressão triste, até a chegada dele na biblioteca, sabia o que aquilo significava e não precisava de mais que aquilo. não era o melhor quando o assunto era expressar seus sentimentos, também não era bom quando o assunto era lidar com suas barreiras. Era teimoso também, mas do tamanho de sua teimosia era sua gentileza e seu coração. Os pedidos, mesmo que atravessados, que poderiam ser entendidos por outra pessoa como insensibilidade e frieza, significavam outra coisa para quem o conhecia.
se sentia um pouco mais aquecida assim. Mesmo tentando manter a postura inabalável, ele estava ali, ao lado dela, tentando evitar que ela ficasse só depois da conversa chata com a mãe. Ele sabia e se importava, mesmo a contragosto, ainda triste e bravo, estava ali.

– Como é o seu irmão? – rompeu o silêncio depois de certo tempo que estavam ali. O contato com o abraço da inglesa e o reconhecimento dela de sua ação, mesmo que disfarçada, o tinha pego de guarda-baixa outra vez.
– Não sei se consigo descrever de forma justa. – respondeu expirando um sorriso fraco. – Ele é alto, bonito, simpático e inteligente. Se casou há uns quatro anos com uma mulher bonita, bem-sucedida, de boa família. Ele é advogado. Foi pra Cambridge.
– Como ele é como pessoa? – reformulou. – Foi o que eu quis dizer.
– Crítico. – respondeu rápido. – Social, cheio de amigos, conhecido, é influente. Tem muito reconhecimento porque é um bom advogado. Faz todas as vontades da esposa e dos meus pais. Resolve todos os problemas, de todo mundo e ainda ganha uma causa importante. Isso até o meio-dia. – riu e a acompanhou, mesmo que timidamente. – Não somos muito próximos. Éramos quando mais jovens, mas depois acho que a coisa desandou.
– Do jeito que falou dele, me lembrou você. – franziu o cenho, girando o rosto para olhar para a inglesa.
– Eu não consigo levar isso como um elogio, mas em algum lugar do mundo, deve ser. – Ela sorriu com ironia na voz. – Ele se parece comigo, fisicamente.
– E a irmã?
– O Josh era o filho desejado, o que só dava alegrias. O salvador. – continuou. – A Emily era a demandante. Ela é mais nova, então, acho que não lidou muito bem com o fato do Josh ser perfeito. Ela fugia de madrugada e ia para festas com desconhecidos, passava noites fora de casa, era o terror dos meus pais. Mas também era muito bonita, os homens sempre olhavam para ela, independentemente de onde ou como. Ela sempre tinha essa atenção, positiva ou negativamente.
– E você? – tentou olhá-la de novo. – Não falou de você.
– É porque eu estava muito ocupada tentando alcançar o Josh, enquanto tentava não vacilar como a Emily. – sorriu fraco, deixando a cabeça pender para trás. – Ser o filho do meio pode ter seu lado ruim.
– Não acho. – se ajeitou, erguendo o tronco, sentando-se direito, ao lado dela. – Eu sou o do meio.
– Mas as coisas são diferentes com você. – sorriu, olhando para ele. – Você alcançou a Ness, até a superou. É um dos melhores jogadores da Liiga, do país e da Europa. Seus pais devem te usar de exemplo para tudo. Você nunca precisou se preocupar com comparações, com críticas, com cobranças, ou com ser suficiente. Aposto. – piscou.
– Você não tá totalmente certa. – esticou um braço sobre o apoio de costas do pequeno sofá. – Mesmo se eu não fosse nada, meus pais não fariam isso. Eles são bons pais.

inflou as bochechas e inclinou a cabeça e soltou um riso amargo, e assim que a última palavra saiu dos lábios de , o jogador se arrependeu.

– Desculpa, eu não quis... – Ele pediu, inclinando a cabeça para olhar nos olhos dela, girando um pouco o tronco em sua direção.
– Tudo bem. – A terapeuta deu de ombros e sorriu triste. – Você não tá totalmente errado. – Imitou a frase dele.
– Não fique assim. – usou o braço que descansava sobre o encosto do sofá para abraçar a inglesa e beijou a lateral de sua cabeça. – Não fica pensando nisso.

não respondeu, assentiu em silêncio e correspondeu o abraço. Estava aborrecida, mas no fundo agradecia a mãe por ter ligado e a Deus e o destino por ter feito com que ouvisse e estivesse do seu lado naquela hora. Queria falar alguma coisa, queria pedir que ele reconsiderasse outra vez o término, mostrar que se ele estava ali, era porque se importava também, mas temia afugentá-lo. Temia que ele reagisse mal e toda aquela proximidade, tão delicada, fosse para o espaço outra vez.
Resolveu esquecer as brigas, o término e o dilema por hora, concentrar em aproveitar o abraço quente de pelo tempo que ele estivesse disposto a oferecer.


Depois do momento na biblioteca, adormeceu no abraço do jogador de hockey. Acordou horas depois quando ele já não estava mais lá. Sentia como se faltasse um pedaço seu, mas estava incerta de provocá-lo novamente. Naquela manhã tinha dado certo, mas sabia como reagia quando se sentia acuado e não queria que ele fugisse ainda mais. Parecia que aos poucos, a passos muitos curtos, ele começava a deixar de lado o ressentimento e a mágoa. Na noite anterior tinham dormido juntos, ele a tinha procurado e isso era um bom sinal. Depois, mesmo fingindo fugir, reagiu bem as investidas de e então quando ouviu a conversa no telefone da inglesa com a mãe, foi surpreendentemente caloroso.
A inglesa tinha medo de puxar demais a corda e arrebentar aquele fiozinho tão delicado e precioso. Teria que ser no tempo dele, sabia disso. não havia dito nada, mas conhecia seu jeito, seu olhar e o coração do capitão, por isso sabia que ele devia estar com medo, incerto do que fazer, e que se ela realmente quisesse continuar, se fosse mesmo fazer tudo que havia dito, teria que ser no tempo de . No início ele havia cedido, mudado, baixado a cabeça para o jeito de de fazer funcionar, mas agora ele parecia querer dar as cartas, mesmo que talvez nem tivesse se dado conta disso ainda.
pensava nisso sentada em um dos cantos do sofá, já era fim de noite e a inglesa precisava reler as mesmas páginas de seu livro várias vezes. Sua mente parecia obstinada a dirigir todos os seus pensamentos a , tirando seu foco do livro. O jogador estava deitado na outra ponta do sofá, com seus fones de ouvido, coberto até o pescoço. Tinha comido o jantar preparado por , e aquela fora a segunda refeição a fazerem juntos, primeira desde a visita de . E agora, já medicado contra a febre que insistia em aparecer, ouvia música no sofá, de olhos fechados, enquanto lia seu livro na outra ponta.
Era silencioso, a não ser pelo barulho do vento lá fora, que vez ou outra chacoalhava os galhos das árvores perto da casa. Nevava muito ainda e o frio era quase insuportável do lado de fora. Felix estava deitado no sofá também, com a cabeça apoiada as pernas de , que vez ou outra afagava entre suas orelhas enquanto lia.

– O que você tá lendo, ? – chamou a atenção da terapeuta, que ergueu os olhos do livro para o encontrar com cenho franzido, a encarando.
– É só um livro... – deu de ombros, fechando o livro, usando um dos dedos como marcador. – É um romance sobre o destino. Não é muito o seu tipo de coisa. – Ela disfarçou.
– Como você pode saber qual é o meu tipo de coisa? – manteve o semblante sério e ergueu os ombros e apertou os lábios. – Como você começou com isso?
– Com isso o quê? – riu fraco. – Tentar prever os seus gostos?
– Não, a ler. – não se incomodou em corrigi-la, não queria entrar naquele assunto, naquele momento. Já estava cansado de papos sentimentais, principalmente quando sobre ele.
– Ah. – A inglesa apertou os lábios outra vez e baixou a cabeça, um pouco sem jeito. – Eu sempre gostei de livros. Acho que via neles uma possibilidade de me libertar, viver tudo o que eu queria viver e não podia. Mil vidas em uma. Sabe como é. – A terapeuta sorriu de lado ao terminar.
– Que vida tá vivendo agora? – tornou a perguntar, menos carrancudo e mais impassível.
– É como eu disse... – hesitou, por alguma razão desconhecida a ela, sentia vergonha dele naquele momento. – É um romance sobre o destino. Sobre não importar o que aconteça, quando duas pessoas têm que ficar juntas, elas vão ficar. – Quando ela dirigiu os olhos que estavam na capa esverdeada do livro para o jogador, arqueou uma sobrancelha, em um claro incentivo para que ela continuasse. – Não sei mais o que falar dele. – riu nervosa. – Ela é uma cozinheira famosa, ele é um jogador de futebol aposentado porque adoeceu, eles se reencontram depois de quinze anos, mas ela está casada e tem um filho e ele está muito doente. Tem umas cenas com gaivotas, um amigo policial e um cemitério. É só um livro. – Ela ergueu os ombros de novo.

riu pelo nariz.
estava nervosa e sem graça, como se estivesse com vergonha de falar sobre um livro de romance para o seu par romântico na história atual. Era como se falar daquilo pudesse dar início a uma conversa sobre destino e sentimentos, sobre os dois, ou que soasse assim para ele. se divertiu com isso. Não porque queria falar sobre, mas porque era tão raro vê-la envergonhada daquele jeito, que só conseguia pensar no quanto ela ficava encantadora com as bochechas vermelhas e o olhar perdido.
O jogador ergueu o tronco e se sentou, se arrastou no sofá até ficar mais perto da inglesa, e então, sem avisar, se deitou em seu colo. ergueu o livro, para que ele não o acertasse com a cabeça, enquanto assistia a cena com surpresa. Felix se afastou da visitante e se deitou com a cabeça sobre a barriga de .

– Lê pra mim, . – Pediu ele, com voz serena, depois de achar uma posição confortável.
– Como? – ainda estava perplexa.
– Lê pra mim. Seu livro. – Ele repetiu, olhando para ela. – Quero ouvir a história.

conseguia sentir o corpo febril e quente dele, estava chocada com o pedido e com a proximidade. Apesar de ter vergonha e detestar ler em voz alta, se rendeu, aproveitando cada brecha e porta que abria em sua muralha.
A inglesa, tossiu um pouco, limpando a garganta, se preparando para a leitura.

– Bem...você... você quer do início, ou? – Ela perguntou hesitante.
– Continua de onde parou. – Pediu , fechando os olhos e esticando uma das mãos para afagar a cabeça de Felix. – Depois você me conta o início.

assentiu e abriu o livro.

Trinta minutos para meia-noite. Estava debruçada no parapeito, encarando a noite, ouvindo os sons das muitas festas de réveillon se misturarem em um eco sem sentido. começou a ler. – Tinha bebido algumas taças de vinho e estava sozinha, Dom brincava com alguém na sala e Ian estava junto dos outros, comendo e rindo de alguma piada boba. Oliver, magicamente estava de volta...

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Segunda-feira, 27 de dezembro de 2021
Casa de
Lahti – Finlândia



Na madrugada de segunda-feira, tinha acordado no meio da noite, incomodado com a posição ruim que estava no sofá. Não percebeu o momento que pegou no sono, só sabia que a última coisa que se lembrava era a voz de lendo aquele livro. A ideia inicial era se levantar, pegar o cobertor e ir para a cama, mas quando colocou os olhos sobre , adormecida do modo mais torto possível no sofá, não conseguiu deixa-la lá. O jogador a despertou devagar e a levou para cama. Não tinha ânimo para preparar uma cama em outro lugar, também estava bêbada de sono, então dormiram juntos outra vez, na cama do capitão. ignorou todos os alertas e sinais, fechou os olhos e fechou os braços ao redor de .
Mas quando acordou naquela manhã, estava sozinho na cama. Se perguntava quando é que acordaria e veria ao seu lado na cama outra vez. Depois, desceu para a cozinha e tomava seu café da manhã em silêncio e sozinho, se perguntando de novo sobre qual era o problema dela em fazer as refeições ao seu lado. estava sentada do lado de fora, com Felix, podia vê-la através do vidro. Ela parecia conversar com ele, poderia ter tirado uma foto se estivesse com seu celular mais perto. Adorava ver as interações de com Felix, seu estômago ficava cheio de borboletas e vomitaria arco-íris se isso fosse possível. Sentia uma gigante vontade de apertar os dois, e Felix e não os soltar mais.
Ainda terminava seu mingau quando entrou com Felix em seu encalço, seguida por uma rajada violenta de vento frio que fez o jogador se encolher. Ela sorria e só percebeu que a observava e que estava na cozinha quando já tinha tirado metade das roupas pesadas.

– Ah! – Ela exclamou quando o notou, vindo sorridente em sua direção. – Bom dia, . Você precisava ver, tinha um veado lá fora. – Ela apontou animada. – Fomos lá ver, mas ele fugiu de nós e não conseguimos encontrá-lo de novo. Felix até tentou. – Contou, inclinando-se e afagando entre as orelhas do animal.
– Tem uma floresta lá fora, tem veados na floresta. – respondeu de modo seco, tentando ao máximo controlar suas emoções, olhando para o fundo da sua tigela de mingau. – Cuidado lá fora.

não respondeu, se manteve estática, assistindo o jogador terminar seu café da manhã perplexa. Congelada onde estava, com Felix ao seu lado, já que aparentemente ele estava tomando seu partido.
terminou seu café mais rápido que o normal, colocou a louça na pia e atravessou a cozinha em direção a sala, rumando a biblioteca, sem convidar ou falar com . Fingindo não se importar ou não ter percebido a reação congelada dela. Não que quisesse ser um babaca, mas não sabia como não ser. Estava tão confuso com seus próprios sentimentos e em como reagir a eles, que temia demonstrar qualquer reação ou sentimento que não fosse a indiferença. Queria perto, onde pudesse sempre pôr os olhos, mas não queria interagir com ela, conversar sobre sentimentos com ela. Porque não fazia ideia de quem ouvir, o coração ou a razão.
Mas mais uma vez, como era esperado, decidiu não cooperar com a decisão de . Antes que ele terminasse de atravessar a sala, o chamou, seguindo-o. A terapeuta tinha os braços cruzados sobre o peito e uma expressão pouco amistosa no rosto, colocava os cabelos atrás da orelha nervosamente.

– Já chega, . – Ela determinou. – Eu amo você, é verdade. Mas não vou ser seu saco de pancadas emocional. Numa noite você vem até mim daquele jeito, me leva pra sua cama, depois fica comigo quando minha mãe me chateia, me pede para ler para você, me leva para a cama de novo para em seguida me tratar como uma coisa? Uma coisa sem importância? – Ela indagou irritada, se aproximando dele e gesticulando ao falar. – Eu te amo, mas acha que eu mereço ser tratada dessa forma? – ainda não tinha girado o corpo para a olhar nos olhos, só a tinha olhado por cima do ombro, mas agora mantinha seu olhar no chão. – Eu sei que tudo isso é uma droga e que você provavelmente deve estar pensando mil vezes sobre me perdoar ou não. Mas se me permite, não precisa me perdoar ou me aceitar de volta para me tratar com o mínimo de decência.

Ela desabafou e esperou que ele a respondesse, mas não se moveu. então caminhou decidida até ele, colocando-se à sua frente, encarava o chão, com sua expressão impassível, agora tão normalizada.

– Eu conheço você, sei que você não é esse cara idiota que tenho visto aqui nos últimos dias, mas ultimamente fica difícil me lembrar do verdadeiro . – falou, em seguida expirou profundamente e balançou a cabeça. – Olha, eu acho que já disse tudo o que tinha que dizer, mas vou repetir se for preciso. Eu amo você e só você. Não posso dizer que foi no primeiro momento que te vi, porque não acredito nisso de amor à primeira vista, porque amor é algo construído. E eu construí esse amor. Nós construímos. Eu nunca me senti tão protegida, tão amada na vida, quanto me senti nesses últimos meses com você, mesmo com todos os problemas, dificuldades, defeitos que nós dois temos. – tentou chamar a atenção dele com suas palavras, mas evitou a olhar, desviando os olhos para qualquer direção em que ela não estivesse. – Eu odeio por ter se colocado entre nós, odeio que o Mere tenha se apaixonado por mim. Odeio tudo isso que me afastou de você e odeio também a mim.

Nesse momento, ergueu e estreitou os olhos para a terapeuta inglesa, surpreso.

– Odeio a mim porque não percebi onde estava errando, podia ter resolvido tudo isso antes. – Confessou, cansada. – Eu sinto muito por não ter entendido o quanto essas situações com Merelä e te fizeram mal, o quanto elas te feriram e como foi e é dolorido passar por cima de tudo isso por minha causa. Sinto muito por não ter te contado primeiro, sinto muito por não ter te escutado, sinto muito por tudo isso. Por ter te feito sofrer e por ter partido seu coração. – Pediu, olhando nos olhos estreitos de confusão do capitão. – Você me disse no estacionamento, naquela noite, que eu tinha partido seu coração. Essa é a única coisa no mundo que eu jamais quis fazer, porque eu te conheço e sei quem você é. E porque eu amo você.

respirou, enfiou os dedos nos cabelos, inclinou a cabeça e depois a ergueu.

– Eu errei e assumo isso, gostaria muito que conseguisse me perdoar. – Disse ela. – Um dia você me disse que era meu, para eu fazer o que quisesse com você. Não mudei minha resposta, eu quero você perto de mim e eu espero que a sua parte nisso tenha sido verdade também. – A inglesa suspirou e abraçou o corpo. – É só isso.

Ela finalizou sem esperar por uma resposta do jogador. Lhe deu as costas e subiu as escadas, sem dizer qualquer outra coisa ou olhar para trás.

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Terça-feira, 28 de dezembro de 2021
Casa de
Lahti – Finlândia



Apenas no dia seguinte teve coragem de andar pela casa novamente. Desde seu monólogo de desculpas com não tinha saído do quarto de hóspedes. Preferia ficar trancada lá a ser tratada daquele modo outra vez, e também, queria dar a ele tempo para pensar. Ainda estava certa na decisão de não desistir do jogador, mas ficar na mesma casa com ele, sendo tratada de modo tão confuso a adoeceria.
Durante o dia anterior tinham se evitado ao máximo, sabia apenas que esteve na biblioteca por tê-lo visto lá no raro momento, durante a madrugada, quando foi obrigada a buscar alguma comida. Talvez ele estivesse sem sono, ou talvez se sentisse mal, mas conteve todos os impulsos e voltou para seu claustro sem dar as caras a ele.
Não fazia ideia do que esperar ou de como reagir depois daquele acontecimento. Por isso, aproveitava a quietude do início da manhã para perambular pela casa de . Felix não estava por perto, o que significava que provavelmente dormia com o dono em seu quarto. não tinha conseguido dormir naquela noite, sua mente estava em alta velocidade, tentando imaginar e adivinhar o futuro com . Temia a resposta dele ou se ele a daria alguma coisa, qualquer resposta que minimamente a fizesse entender suas atitudes. A postura do capitão era tão oposto que até mesmo a inglesa, que julgava conhece-lo tão bem estava completamente perdida.
decidiu por explorar a biblioteca misturada a sala de jogos. Estava vazia e fria, alguns papéis sobre a mesa, desenhos. Um em especial chamou a atenção da terapeuta, parecia uma constelação, mas não a reconheceu de imediato. Eram como pequenas estrelas que se ligavam formando uma forma diferente das que a inglesa conhecia. Era bonito. tocou o desenho com a ponta dos dedos, sentindo sua energia. Sob ele estavam outras folhas com o que pareciam rascunhos daquele desenho, rascunhos que não deram tão certo.

🎵 Dê play na música aqui, e se necessário coloque para repetir. Gravity – John Mayer🎵


Enquanto ainda estava distraída analisando o desenho, entrou na biblioteca devagar. Ele usava um conjunto de moletom pesado e quente, e fechou a porta ao passar, deixando Felix do lado de fora. só percebeu sua aproximação quando som da porta sendo fechada chegou ao seus ouvidos.

– É bonito. – Ela falou sem o olhar, ainda segurando o desenho e o tocando, sentindo com a ponta dos dedos o relevo dos traços. se aproximou por trás, ficando a distância de cinco passos. – É seu?
– Sim, é. – Ele respondeu após alguns segundos, a voz não era entediada como das outras vezes, era apenas serena e mansa. – É uma coisa que queria tatuar.
– É lindo. Você é mesmo talentoso. – se esforçava para manter um tom de voz que não denunciasse o quanto estava afetada pela presença dele. – Parece uma espécie de constelação. – Observou ela.
– E é. – respondeu. – É a minha constelação favorita.
– É qual é ela? – quis saber, ainda sem dirigir o olhar a ele. Tinha a cabeça inclinada sobre o desenho e os olhos concentrados nele, enquanto o sentia. – Não consigo reconhecer.

se aproximou da terapeuta o suficiente para que conseguisse puxar um pouco a parta das costas da gola larga da blusa de tricô que a terapeuta inglesa usava, revelando parte das costas dela. Quando sentiu os dedos quentes dele tocando sua pele, endireitou a coluna. Estava confusa com a movimentação de , tendo perguntado sobre seu desenho, mesmo depois do silêncio diante seu monólogo no dia anterior, ele a estava tocando novamente. Não sabia se queria se impor e falar por alguns minutos sobre ele não ter direito de a procurar para transar enquanto a tratava de modo tão rude, mas queria lhe dar corda e ver até onde ele iria.

– Minha inspiração veio daqui. – tocou a pele das costas de com delicadeza, com a ponta dos dedos entre as duas escápulas. – Da sua constelação.

A medida com que falava, o jogador tocava em cada uma das pintas pequenas que tinha nas costas, entre as escápulas e mais abaixo, sobre e ao redor de sua coluna, e que juntas formavam a constelação que tinha desenhado. De acordo com o que ele tocava os pontos na pele da terapeuta, os tocava no desenho. O coração da terapeuta estava acelerado e o do jogador também, ela estava ansiosa e curiosa, surpresa, já estava igualmente ansioso, mais também incerto, inseguro.
– E-e vo-você ia tatuar? Tatuar isso? – gaguejou, deixando a folha sobre a mesa e girando o corpo para que pudesse o olhar

O capitão tomou uma das mãos da terapeuta inglesa, que pendia paralela ao seu corpo, trazendo-a com cuidado e colocando sobre seu peito.

– Acho que ficaria bom aqui. – Respondeu ele, segurando a mão da inglesa onde pretendia pôr o desenho

respirou fundo, o olhando nos olhos, enquanto sentia o calor do corpo dele sob sua mão e o calor da mão do jogador sobre a sua. Estava ansiosa, insegura, trêmula como uma adolescente nervosa diante seu primeiro amor.

– Você se decidiu? – Ela quis saber, vacilante.
– Sim. – respondeu com firmeza, deixando que sua cabeça pendesse, unindo sua testa com a da inglesa. – Por favor, não quebre meu coração.

Pediu e , que tinha os olhos fechados como resposta ao toque de sua testa unida a dele, abriu os olhos e o encarou.

– Não vou. – Garantiu, negando com a cabeça.

também abriu os olhos e se conectou ao olhar dela, mas não disse nada. Depois de alguns instantes em silêncio, os dois tiveram a mesma ideia e deram passos em direção ao pequeno sofá da biblioteca, devagar e sincronizados, sem romper o contato visual. Quando alcançaram o sofá, se sentou devagar e incerta, parecia uma adolescente prestes a ficar sozinha com um garoto pela primeira vez.
A terapeuta inglesa inclinou devagar o corpo, deitando-se, acompanhava seus movimentos, e devagar também se inclinou sobre ela. Quando já estava deitada, ergueu o tronco outra vez e puxou o moletom que usava pela gola. Quando ele voltou a se inclinar sobre ela, apoiando o peso do corpo com as mãos, ao lado da cabeça da terapeuta, tocou com delicadeza o lugar onde ele disse que faria a tatuagem.

– Eu preciso de você. – declarou, trazendo de volta os olhos dela, que estavam em seu peito, para seus olhos. – Eu quero você.
– Eu quero você também. – repetiu. – Quero que seja diferente agora. Não vou cometer os mesmos erros. Não quero perder você.
– Pelo que vi e senti nesses dias. – sussurrou. – Você nunca vai. Mesmo partindo meu coração, eu ainda vou sempre querer você.
– Quero que me queira sempre, mas com seu coração inteiro. – levou uma das mãos ao rosto de e puxou contra si. – Eu pertenço a você. – Declarou, beijando-o devagar, aproveitando cada toque, como se fosse a primeira vez, depois de muito ansiar.



Hear Your Heart

And I just wanna lay you down your burdens, all your fears, and I don't need your deepest secrets whispered in my ear 'cause I can hear your heart
(Hear Your Heart – James Bay)



Terça-feira, 28 de dezembro de 2021
Casa de
Lahti – Finlândia



Estavam deitados no pequeno sofá, encolhidos juntos. Uma manta pequena e que não aquecia o suficiente estava sobre eles, tinham a encontrado caída perto do sofá, naquele momento ela serviria ao propósito. segurava uma das mãos de com dedos entrelaçados, brincando de flexionar e estender o punho da terapeuta inglesa. vez ou outra depositava pequenos beijos no peito do jogador e se remexia, aninhando-se a ele, como se aquilo equivalesse a um beliscão, para ter certeza se o que estava vendo e vivendo era real ou não.

– Ainda vou ter isso amanhã? – Ela quebrou o silêncio que estava entre eles desde o momento do primeiro beijo naquele dia. Ao perguntar tocava a pele dele com a ponta do nariz, sentindo o cheiro tão característico do desodorante feminino e refrescante que ele usava.

se ajeitou no sofá, estava deitado encarando o teto, resolveu virar-se, ficando de lado para que pudesse a olhar nos olhos. O céu estava escuro do lado de fora, mas ninguém tinha noção de quanto tempo haviam passado dentro da biblioteca. O jogador afastou uma mecha de cabelo que estava na bochecha da inglesa, olhando concentrado para cada um de seus traços enquanto ela o observava com uma expectativa infantil.

– Eu quero acordar de manhã e te ver do meu lado na cama. – declarou. – Quero fazer seu café e tomar café da manhã com você, rindo de qualquer coisa boba. Como a gente sempre fez.
– Mas você me perdoou? – insistiu, o olhando fixamente e erguendo as sobrancelhas. respirou fundo antes de responder, era a primeira vez que tocavam naquele assunto, já que quando o central entrou na biblioteca horas antes, não se incomodou em verbalizar sobre aquele detalhe.
– Eu acho que sim. – Ele expirou, desviando o olhar por um milissegundo. – Mas acho que ainda tô um pouco chateado.
– Eu quero você, é insuportável ficar longe. – levou a mão ao rosto dele. – E eu te amo. Mas se a gente quiser seguir em frente, isso não pode ser um fantasma que sempre vai voltar e aparecer quando a gente se aborrecer ou estiver com raiva.
– Eu sei. – assentiu baixando o olhar, desenhando o contorno dos ombros dela. – Você disse que estava disposta a mudar, não é? – Ele voltou a olhá-la. – Então tenha paciência. Essa coisa não vai sumir da noite para o dia, mas ela vai sumir. Por enquanto, eu quero ficar com você e não ficar discutindo o assunto ou lembrando dele. – Pediu um pouco entediado com aquela conversa.
– Eu vou ter paciência. – A inglesa garantiu, assentindo com a cabeça e o beijando.
– Eu queria que me desculpasse. – O capitão pediu, interrompendo o beijo e franziu o cenho, confusa. – Por como te tratei nesses dias. Eu só... você sabe, eu não sou bom com sentimentos. – Ele deu de ombros e voltou a posição que estava antes, encarando o teto e a puxando para perto. – Com você longe eu consigo pensar melhor. Quando está perto eu só consigo pensar e querer uma coisa.
– E o que é? – Ela o incentivou, buscando seu olhar.
– Você, . Eu só consigo querer ficar com você e pensar sobre você. – envolveu a cintura da terapeuta com os braços. – É só você.

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Quarta-feira, 29 de dezembro de 2021
Casa de
Lahti – Finlândia



🎵 Dê play na música aqui, e se necessário coloque para repetir. James Arthur - Falling Like The Stars 🎵


abriu os olhos devagar, o quarto ainda estava escuro e estava deitado em sua cama. O rosto enfiado no travesseiro, nu outra vez e coberto por pesados cobertores. Esticou-se como um gato, tomando consciência de cada pedaço de seu corpo e bocejando, sentia-se bem, o nariz não parecia tão imprestável quanto antes, conseguia até respirar sem usar a boca. Devagar, o jogador se virou, tateando o lado oposto da cama, queria conferir a primeira coisa que apareceu em seus pensamentos assim que despertou. Ao vê-la ao seu lado, sorriu e deixou a cabeça cair no travesseiro outra vez, fechando os olhos, mas mantendo o sorriso bobo nos lábios.

– Bom dia. – , que também já estava acordada, falou baixinho com voz de sono, fazendo aumentar o sorriso do jogador ao se esticar para cima dele, enfiando uma de suas pernas entre as do jogador.
– Você tá aqui. – esticou um braço, puxando a terapeuta para mais junto de si.
– É, eu fico onde sou bem-vinda. – Ela o alfinetou em tom de brincadeira, abraçando o corpo dele com mais força.
– Você sempre é bem-vinda nessa cama. – O jogador falou contra a pele dela, beijando o ombro da terapeuta, se rendendo ao carinho dela, aproveitando a sensação das peles quentes se encontrando. – Nesse quarto.
– Não nos últimos dias, mas fico feliz de ter recuperado minha cadeira cativa. – Brincou outra vez.
– Não era como se fosse verdade. – O capitão riu, sem levar as provocações dela a sério, ainda sem erguer o rosto. – Bastava você entrar aqui e falar o que eu tinha que fazer. Não é como se eu conseguisse resistir muito.
– Dizendo assim, parece até fácil. – riu abafado, beijando a cabeça do jogador, que ainda a apertava.

Ficaram em silêncio por algum tempo, abraçados, depois trocando beijos calmos e lentos. Até que se ajeitasse, deitando-se com a barriga para cima e se aninhasse ao abraço dele. Estavam felizes, os dois. Não queriam pensar em mais nada, apenas ficar ali, presos na casa. Nevava muito ainda e o tempo de isolamento de ainda não havia passado, e embora ele se sentisse muito melhor, usaria todo tempo que pudesse para ficar a sós com em seu quarto. Não se importava com o ano novo ou com qualquer outra coisa que não fosse a terapeuta inglesa e aquela cama.
Para era parecido o sentimento. Queria ficar abraçada a ele pelo máximo de tempo que conseguisse, aproveitar essa nova chance e fazer com ela o melhor que pudesse fazer. Era tão bom sentir o toque das mãos de , sentir seu cheiro, a textura da barba em contato com a sua pele. Ficaria ali para sempre se ele quisesse.

, eu...
– Sabe no que pensei?

Os dois disseram juntos de repente, rompendo o silêncio confortável e riram, puxou o queixo da namorada em sua direção e a beijou rápido, sorrindo contra os lábios dela.

– É a sua cama, seu quarto. – sussurrou contra a pele dele. – Você primeiro. O que ia dizer? – Incentivou afastando-se um pouco para que pudesse olhar em seus olhos.
– Eu ia dizer... – Ele hesitou, fechou os olhos e se mexeu um pouco, como se buscasse uma posição mais confortável, se virou também, apoiando o tronco nos cotovelos e o olhando. – Ia pedir pra você não fazer aquilo de novo. Nunca mais. – Ela estreitou o olhar, confusa. – Pular na piscina sem saber nadar, eu digo.
– Ah. – baixou a cabeça, apoiando a testa no peito do jogador, unindo as mãos e rindo sem jeito.
– É sério. – puxou o rosto dela, atraindo seu olhar e sorrindo fraco para a inglesa. – Você não pode ficar fazendo isso. Não devia nem estar aqui agora, por eu estar com Covid.
– Acha mesmo que alguma coisa no mundo me impediria de estar aqui? – Ela arqueou uma sobrancelha. – Do seu lado, quando você mais precisa de mim?
– Acho, eu acho sim. – a puxou para cima de si, tentando se manter sério e não se render à declaração da namorada. – Se a gente estivesse bem, eu não deixaria você vir pra cá nunca, mas no final, não tive muita escolha. – Ele torceu os lábios em uma careta e viu a terapeuta sorrir. – Eu só não quero que fique se colocando em risco por minha causa. Tendo contato com um vírus maluco, pulando numa piscina gelada sem saber nadar...
– Você me conhecer o suficiente pra saber que eu só faço o que quero. – sorriu depois de beijar com delicadeza o peito dele.
– Eu sei, é por isso que tô pedindo. – levou as mãos até o rosto da namorada, segurando-o com carinho e a olhando nos olhos. – Se não por você, por mim, tenha juízo. – rolou os olhos. – Viu o que eu tenho que passar? Eu tenho que pedir pra minha namorada ter juízo e não tentar se matar pra me proteger. Isso tá muito errado. – Ele brincou, abraçando e apertando-a contra si.
– É o meu jeitinho. – Sorriu a inglesa, beijando-o com suavidade enquanto o jogador pensava sobre como pôde ficar tantos dias sem sentir aquilo, sem ter aquele contato, sem ter aquele tipo de carinho.
– Sua vez. – lembrou assim que o beijo foi partido. – O que ia dizer?

sorriu e se sentou, puxando os cobertores para se cobrir, virando-se para ele e dobrando as pernas. Ainda sentia um tipo de névoa estranha entre eles. Estavam tendo conversas normais, mas não parecia as que tinham, algo nas palavras e nas respostas era diferente, como se estivessem a todo tempo com receio de dizer algo que magoasse ou que fosse incômodo. achou que seria melhor ignorar sua percepção, a última coisa que gostaria de tratar era isso e pelo que conhecia do namorado, ele provavelmente bufaria e rolaria os olhos se ela continuasse o assunto.
Decidiu só falar o que realmente e de modo genuíno tinha surgido em sua cabeça durante aquele breve silêncio.

– Eu pensei que seria bom, quando você estiver melhor, visitar as crianças de novo. – Sugeriu com um sorriso leve nos lábios. – Eu e você.

inclinou a cabeça sobre o ombro e continuou a olhando, piscou duas vezes e depois sorriu, o sorriso que a inglesa tanto amava ver.

– É, a gente devia mesmo. – Concordou, esticando-se para apertar um dos joelhos da inglesa e a puxar para perto. – Boa ideia.
– Às vezes eu até tenho algumas. – brincou, sorrindo fraco. – Fiquei pensando nelas durante o natal. Nas crianças.
– Eu tô feliz que você tenha gostado de lá e delas. – Admitiu , a olhando sem tentar esconder sua admiração. O jogador tinha o rosto inchado pela noite de sono e cabelos bagunçados, a barba estava maior do que ele costumava usar, também ainda estava um pouco abatido e emagrecido por causa do Covid.
– Claro que sim. – Ela assentiu, baixando o olhar e brincando com os próprios dedos.

Vivia uma pequena guerra sobre falar o que lhe vinha à cabeça ou não. Decidiu por dizer, podia ser ruim, mas ao menos talvez resolvesse a angústia, afinal, conversas difíceis fazem um relacionamento ser fácil. Ao menos era nisso que acreditava. E se fosse apenas uma impressão, conversar com o capitão lhe ajudaria a solucionar as interrogações que se formavam em sua cabeça.

– Eu queria falar uma coisa chata. – ergueu o rosto.
– Por que não contou sobre mim para sua família? – perguntou ao mesmo tempo.

Dessa vez nenhum dos dois riu.
uniu as sobrancelhas e apertou os lábios em uma linha fina, torcendo um dos cantos numa careta que misturava dúvida com reprovação. foi pega de surpresa pela pergunta dele, não imaginava que o central se importaria com aquela questão, ou que tivesse percebido aquele detalhe pela rápida conversa com a mãe que tinha presenciado.

– Que legal. – Ele ironizou e rolou na cama, alcançando o celular na mesa de cabeceira e conferindo as horas. – Quase vinte e quatro horas até o primeiro papo emocional. – Apontou sarcástico e o encarou incrédula. – O quê? É que deve ser um recorde. Discutir a relação menos de um dia depois da reconciliação.
– Você tá sendo meio idiota. – inclinou a cabeça sobre o ombro, mantendo os olhos sobre ele, sentindo-se profundamente incomodada pelo tom do namorado.
– Eu sou, só percebeu agora? – Devolveu , ainda com o azedo sarcasmo irônico na língua. – Vamos lá, do que vamos falar hoje?
– É sério? Vai ser assim? – A inglesa sentia certa preguiça daquele comportamento e demonstrava isso em sua expressão e nos ombros caídos.
– Eu realmente quero saber. – Ele respondeu apoiando os braços atrás da cabeça e sorrindo sem parecer realmente alegre.

expirou pesadamente e sacudiu a cabeça, não esperava aquele tom por parte do namorado. Quando a inglesa ensaiou se levantar, a puxou para junto de si novamente.

– Ei, eu falei sério. – Declarou ele. – Quero saber.
– Com esse tom? – arqueou uma sobrancelha, ainda sendo segurada por ele em um meio abraço frouxo.
– É o meu tom de incomodado. – Respondeu , desviando o olhar rapidamente.
– Você nunca usou antes quando eu tocava em assuntos assim. – Lembrou , voltando a se sentar na frente do jogador, que apenas ergueu os ombros, como se não soubesse o que responder. – Era justamente sobre isso que eu ia falar. Desse tom de guerra fria entre a gente. Desse assunto estranho, das brincadeiras estranhas. Não parece a gente. – Desabafou, gesticulando.
– Mas o que você esperava? – ergueu os ombros outra vez. – Não é assim. Nada some do nada.
– Mas eu achei que tinha me perdoado, que estávamos bem. – Fora vez as inglesa de franzir o cenho, confusa.
– Mas a gente tá. – deu de ombros. – Só não dá pra fingir que não aconteceu nada. Que esses dias não existiram. Eu não consigo.
– Mas e aí? – o olhou e encolheu os ombros. – O que acontece agora? A gente fica nesse clima ruim pra sempre? Toda vez que surgir alguma coisa, como agora, você vai ser irônico e vamos persistir assim?

expirou um riso pelo nariz, abafado.

– Não é normal isso. – Ele ri abafado outra vez, negando com a cabeça. – Eu estar sendo o mais experiente e maduro. – A inglesa parecia confusa e vendo que ela não diria nada, o central continuou. – Nunca teve brigas nos seus relacionamentos, ?
– Na verdade, eu praticamente não tive relacionamentos. – Ela levantou um ombro, confusa e sem jeito e riu, puxando-a contra si.
– Esqueci desse detalhe. – O jogador riu. – Deixa que te ensino então. – Garantiu, rolando para cima da inglesa, apoiando o braço ao lado da cabeça dela. – Vai ficar meio ruim, é normal. Depois, a gente vai esquecendo, aos poucos, até não lembrar mais.
– Se você usar esse tom comigo de novo... – tentou ameaçá-lo, mas a calou com um beijo.
– Provavelmente vou. – Ele disse, mas agora não sorria, apenas a olhava nos olhos. – Mas vou tentar me controlar. – Garantiu apertando os lábios em um sorriso doce.

cedeu ao namorado. Ele tinha razão, racionalmente sabia disso, só não conseguia lidar bem com aquele limbo entre a reconciliação e estarem completamente okay outra vez. Era estranho, desconfortável e a deixava angustiada. Mas estava disposta a fazer sua parte, tinha prometido ser paciente e seria, sem voltar atrás em suas palavras.
tinha acabado com o contato visual para beijar a bochecha da terapeuta inglesa, mas logo o jogador retomou o contato, ainda deitado sobre ela, com o braço apoiando o peso de seu corpo. Ele apertou os lábios, estreitou os olhos, mexeu o nariz e enfim perguntou outra vez:

– Por que não falou de mim pra sua família?

o olhou nos olhos sem saber o que dizer, nunca tinha pensado sobre aquilo, nunca tinha pensado sobre apresentar a sua família e por isso nunca tinha pensado sobre contar a eles sobre o jogador. Principalmente porque evitava dar detalhes de sua vida na Finlândia para a família, não precisava de seus julgamentos a distância.
Mas para o central do Pelicans, que tinha a família como uma das principais engrenagens da vida, ser apresentado para a família da namorada era importante. Ela contar aos pais sobre o relacionamento funcionava como um tipo de declaração sobre o quão sério aquilo era. Seus pais e irmãs sabiam que o capitão tinha uma namorada, que ela estava em Lahti e que ele estava apaixonado. Não era capaz de esconder seus sentimentos, disfarçar seu estado de espírito e não entendia como a inglesa conseguia. Como ela podia simplesmente não contar sobre o que tinham. Não fazia sentido, já que ao se colocar no lugar da namorada, a primeira coisa que diria a família ao primeiro sinal de pressão sobre apresentar alguém, era que que estava namorando o capitão do time da cidade.

– Eu... – A inglesa hesitou porque não sabia o que dizer, não sabia como falar aquilo sem chatear o central.
– Você... – tentou incentivar, erguendo as sobrancelhas.
– É complicado. – se desvencilhou dele, empurrando o namorado para o lado e erguendo o tronco. – Eu não... – Vacilou perdendo as palavras novamente.

não respondeu e devido ao silêncio dele, a terapeuta o procurou, olhando por sobre o ombro. estava deitado com a cabeça apoiada ao travesseiro, olhar perdido na parede do outro lado da cama, as mãos pousadas sobre a barriga e o lábio inferior um pouco projetado.

... – o chamou como quem quer explicar que “não é nada disso que você está pensando”.
– Eu sei que não sou o melhor partido, mas...– riu fraco, ainda sem encarar a namorada. – Por essa eu realmente não esperava. Quer dizer, eu pelo menos achei que... – O central balançou a cabeça negativamente e expirou um riso abafado. – Você tinha pelo menos pensado em me convidar pro casamento da sua irmã?

respirou fundo.
Sua vontade maior naquele momento era dizer que ele estava sendo dramático, que não fazia sentido ter aquele tipo de conversa com os pais, a relação que a inglesa tinha com a família não era a mesma que o central tinha. Mas sabia que aquilo provavelmente causaria outra discussão interminável, conhecia o quanto era emocional e intenso, não queria iniciar outra briga, então resolveu ceder.

– Eu não quero ir. – Declarou e não era uma mentira completa. – No casamento da minha irmã. – buscou o olhar dele outra vez e agora tinha conseguido algum contato.
– Isso devia ter respondido o que eu perguntei? – arqueou uma só sobrancelha, de modo desafiador.
– Eu não tenho essa coisa que você tem com seus pais, ... – suspirou cansada, olhando para os próprios pés. – Não temos essa amizade, essa relação de família de comercial para TV. Não contei sobre nós dois porque sabia que eles encontrariam formas de me desanimar, de dizer que eu estava tomando a decisão errada. – Confidenciou desanimada. – E eu teria que mentir, porque se eles soubessem sobre a nossa situação com o time, só daria mais munição a eles, razões para dizerem que só faço a coisa errada.
– Eu sou a escolha errada? – O jogador perguntou baixinho, inseguro.
– Para os meus pais ter saído da Inglaterra e vindo para cá foi uma escolha errada, trocar meu trabalho lá para trabalhar com um time em um país estranho e com língua diferente foi uma escolha horrível. – Contou ela, abraçando os joelhos. – Dizer a eles que além disso, eu estou namorando uma pessoa daqui... eu só não queria dar a eles mais razões pra isso...
– Não me respondeu. – pontuou, sentando-se também, mas sem tocá-la.
– Meus pais não são como os seus, . – enfim o olhou outra vez. – Nem meus irmãos. Eles não estão interessados se você é uma boa pessoa, se me faz feliz ou se me trata bem, não estão interessados em saber se você é um cara legal. – Desabafou ela. – Nem se eu gosto do meu trabalho aqui e se sou mais feliz aqui do que lá. Eles só têm interesse se você é do mesmo mundo que eles, se gosta e pensa as mesmas coisas. – ficou de pé, cansada e entalada com aquelas palavras, porque não conseguia engolir o modo de pensar e viver da família.
– Em algum momento eles vão ter que aceitar. – Foi só o que o jogador conseguiu dizer, não era bom em falar sobre aqueles assuntos, dar conselhos sobre sentimentos e sobre problemas de família.
– Eles não precisam aceitar. – cruzou os braços sobre o peito. – Por isso que evito compartilhar. Não preciso que eles critiquem ou aceitem minhas decisões.

respirou fundo, tentando relaxar os ombros, os olhos ainda sobre e o olhar do jogador estava sobre ela. Ele parecia perdido, não sabia como intervir ou aconselhar a namorada naquele tipo de problema, mesmo que quisesse muito fazer isso.

– Desculpe não ter contado a eles ainda. – expirou profundamente. – Não é por não considerar o que temos importante. É por ter medo da reação deles. – Ela confidenciou. – Contei para os meus amigos lá, Maisie e Louis. – Ela tentou compensar.
– Vem aqui. – chamou, esticando os braços e a inglesa mais que depressa voltou para junto do abraço dele. – Quem precisa disso? – Ele perguntou de modo retórico, apertando o corpo da terapeuta e beijando sua cabeça. – Deixa isso pra lá. A gente tá junto, isso é o que importa. – Ele falou, beijando ela outra vez.
– Eu amo você. – declarou, virando-se para beijá-lo e sorriu.
– Eu sei, amor. – O jogador sorriu grande. – Você já me disse. – ainda sorria quando a puxou para a beijar novamente.

❄❄❄


Quarta-feira, 29 de dezembro de 2021
Casa de
Lahti – Finlândia



Sentada na cozinha, assistia preparar o café da manhã. Era um alívio vê-lo cozinhar outra vez, primeiro graças a reconciliação, porque agora podia contemplar o homem que amava naquelas pequenas coisas, e também graças a sua recuperação do Covid-19. A inglesa não conseguia parar de sorrir, era como se o mundo estivesse em paz, como se nada pudesse ser ruim outra vez. estava concentrado, focado no que cozinhava e mal se virava para falar ou olhar a mulher que o assistia.
Haviam sido dias tão estressantes e difíceis emocionalmente, que nenhum dos dois queria furar aquela bolha e buscar o mundo exterior. Lá fora haviam pessoas, o time, , tudo que os impedia de viver aquela relação do modo pleno como desejavam. Era bom estar ali, e , apenas. Vivendo o sonho de uma vida perfeita, um comercial de TV onde o casal só é feliz e tem um cachorro. Não precisavam de mais que isso, pensavam. Talvez filhos, no futuro, mas para aquele momento o que tinham já lhes era suficiente.

– Pronto, senhora. – brincou, aproximando-se da mesa com um sorriso e o café da manhã servido.
– O garçom vem junto com o pedido? – brincou, esticando-se para olhar o conteúdo do prato e riu, corando. – Não acredito que isso te deixou com vergonha. – A inglesa negou com a cabeça, incrédula. – Isso? Nem parece que passamos a noite toda juntos.
– Mas você me pega de guarda baixa. – Ele se justificou, sentando-se de frente para a terapeuta.

O café da manhã seria ovos mexidos, fatias de salmão, tortas da Carélia e pão de cevada. tinha feito uma espécie de sanduíche com o salmão fatiado para si, enquanto para , o tinha servido junto a omelete e tomates cereja. Ele bebia leite, como sempre, e para a namorada uma mistura de leite, café, canela e creme. A inglesa sentiu a barriga roncar quando o cheiro de tudo aquilo chegou ao seu nariz, ao mesmo tempo que seu coração se aquecia ao contemplar o cuidado que o capitão tivera ao preparar tudo aquilo.

– Deus, como senti falta de comer seu café da manhã. – sorriu quando levou a primeira garfada a boca. – Que bom que estamos juntos e que você está recuperado.
– Que interesseira. – brincou torcendo os lábios, fingindo-se chateado. – Então é tudo pelo café da manhã? Sempre foi?
– Não, claro que não. – negou, adotando uma expressão mais séria. – Pelo jantar também.

riu pelo nariz, depois negou com a cabeça e os dois voltaram a se concentrar apenas no café da manhã. Pelo menos por alguns minutos.

– Falei com o médico hoje. – contou e atraiu um olhar curioso da namorada. – Ele disse que posso repetir o teste em uns dois dias, se der negativo, posso voltar ao convívio da sociedade. – Ele sorriu ao dizer e o imitou, esticando uma mão sobre a mesa para apertar a mão do namorado.
– Que ótima notícia, meu lindo. – A inglesa sorria genuinamente feliz e precisou respirar fundo e apertar os lábios para não dar um gritinho quando a ouviu o chamar de “meu lindo”. – E depois? Vai para Viipuri passar o resto da pausa com seus pais? – perguntou de modo inocente, provando o salmão.
– Não sei, não pensei nisso ainda. – deu de ombros e pegou um dos garfos que estava sobre a mesa. – Queria ir ao abrigo. É só o que planejei por enquanto. – Enquanto dizia, o central roubou um pouco dos ovos de e levou a boca, recebendo um olhar chocado da terapeuta, que depois riu.
– Eu acho uma ótima ideia. – Ela concordou, ignorando o furto de seu café da manhã. – Tô ansiosa para isso, na verdade. – confidenciou e sorriu com cumplicidade. – Mas acho que seria bom ficar com seus pais também. Pode ser bom para recarregar as energias que esses dias te tiraram. – continuou a falar. – Além disso, você só precisa se apresentar ao time uma semana depois do ano novo. Acho que vale a pena.
– Só vou se você vier comigo. – Ele sentenciou e , que encarava a comida, ergueu os olhos para o namorado, surpresa.
– Não sei se é uma boa ideia, não depois de tudo isso... – Ela gesticulou, apontando para os dois. – Eles devem estar me odiando agora, por causa da nossa questão.
– Na verdade, não. – contou erguendo um dos ombros e maneando a cabeça. – Eu não contei que a gente estava mal. Eles só sabem que fiquei mal por causa do Covid. E também, quando falei com a minha mãe no natal, posso ter dito que não estava exatamente sozinho... – baixou a voz, como uma criança que conta suas artes aos pais e o encarou com olhar estreito. – O quê? Ela percebeu que alguém estava cuidado de mim. – O capitão riu pelo nariz. – Acho que aí ficou fácil deduzir.
– Bom, espero que isso me ajude a ganhar pontos com ela. – brincou.
– Ela vai te amar, tenho certeza. – Ele disse apoiando os cotovelos na mesa e admirando a terapeuta. – Amor à primeira vista, igualzinho ao filho dela.

negou com um movimento de cabeça e voltou a prestar atenção em sua refeição, se deliciando com o que o namorado havia preparado. Lembranças de que havia uma vida lá fora, uma vida para além daquelas paredes, ainda chegavam em sua mente vez ou outra e a cada segundo passado, sentia que não poderia protelar mais.

🎵 Dê play na música aqui, e se necessário coloque para repetir. Taylor Swift – Paper Rings 🎵


– Acho que se a neve me deixar, tenho que ir até meu apartamento hoje. – A inglesa comentou, distraída com os tomates cereja e uniu as sobrancelhas e fechou a expressão. – O que foi?
– Por que tem que ir lá?
– Minha casa está abandonada há dias. – riu de boca cheia. – Preciso ir até lá e abrir alguma janela, ou quando voltar vai parecer que estou entrando em uma pirâmide mofada outra vez. – A inglesa se divertiu com a própria piada, mas o namorado não a acompanhou. – Parece que estou dizendo que vou me mudar de continente. – implicou chutando o jogador por baixo da mesa. – Só vou até meu apartamento.
– Não precisaria ir se já morasse aqui. – resmungou fingindo que as migalhas de sanduíche em seu prato eram mais interessantes que a conversa.
– Tem razão. – ergueu um ombro e o central a encarou surpreso.
– Como é? – inclinou um pouquinho o corpo para frente.
– Disse que você tem razão. – ergueu os olhos para encarar os olhos arregalados do namorado.

maneou a cabeça, não sabia se ela falava sério ou se era uma piada, uma brincadeira. O jogador estreitou o olhar, uniu as sobrancelhas e inclinou a cabeça sobre um dos ombros. ainda o olhava a espera de sua resposta.

– Não vou nem entrar no assunto de você ter me dado razão e falado que eu tô certo. – ainda a encarava duvidoso. – Mas você só concordou? Sobre ser mais fácil morar aqui? – Ele ainda tinha olhos estreitos enquanto analisava a figura da mulher a sua frente, que levava uma fatia de salmão a boca do modo mais despreocupado do mundo.
– Sim. – assentiu e deu de ombros, fazendo o namorado arregalar os olhos outra vez e expirar um riso chocado. – Não é como se fosse mudar muito, já que você praticamente já mora comigo.
– Mas eu disse de você vir morar aqui, comigo. – Ele repetiu, ainda incrédulo.
– É, e eu disse que não mudaria muita coisa, já que a gente praticamente vive junto. – Respondeu a inglesa, tomando um pouco de seu café com leite. – Canela na medida certa, obrigada, lindo. – Ela piscou ao agradecer. Estava se deleitando com as reações dele, enquanto fingia não dar importância ao assunto e não perceber o quanto ele parecia prestes a ter um ataque.
, para aí. – se ajeitou puxando sua cadeira para mais perto da mesa e rindo nervosamente. – O que você tá falando? Tá falando que aceita? É isso?
– Foi um pedido? – A inglesa ergueu as sobrancelhas, fingindo-se de desentendida.
.

deixou que o peso de seu corpo tomasse o encosto da cadeira, relaxou as pernas e deixou os braços caírem paralelos ao corpo, sorriu fraco, curioso e rendido, cansado do jogo da namorada e com coração acelerado a olhou. ergueu os ombros como quem diz que não sabe o que mais dizer, como se já tivesse respondido o que lhe fora perguntado. Em seguida se levantou, recolhendo os pratos vazios e os levando para pia. ainda encarava o lugar onde a namorada estava sentada instantes antes, pasmo.
Tinha perdido a conta de quantas vezes já havia externalizado seu desejo de viverem juntos, quantas vezes já havia feito brincadeiras e falado sério sobre casamento e dividir uma vida com a terapeuta inglesa. Ela sempre dissera não, dissera ser muito cedo, dissera que não era momento para pensar naquelas coisas. Mas agora, mesmo que fosse apenas para se divertir as suas custas com uma brincadeira idiota, ou coisa do tipo, a resposta tinha sido diferente. Enfim era. Estava tão acostumado a ser negado que não sabia como reagir a uma resposta positiva.
ficou de pé, desviando de Felix, deitado ao chão perto da mesa e encarou as costas da inglesa, que cuidava da louça do café da manhã.

– Muito engraçada. – fingiu rir, colocando as mãos na cintura. – Já disse que você desdenha muito do meu romantismo. – Ele negou com a cabeça, aproximando-se dela com o resto da louça do café. – Você vai precisar de um daqueles mega pedidos de casamento, com mosaico na torcida. – continuou e riu pelo nariz, jogando a cabeça para trás. – Vai ter que ser em um jogo importante e você vai ser obrigada a assumir pra todo mundo que me ama. Vai ser minha vingança.
– Todo esse rancor só porque perguntei se tinha sido um pedido? – riu abafado, sem encarar o namorado.

interrompeu subitamente sua risada e a encarou de novo, sentindo o estômago gelar.

– Não tem graça essa brincadeira. – Ele a repreendeu.
– Não brinquei. – parou de organizar a louça e encarou as mãos sobre a pia, depois olhou de soslaio o namorado, curiosa com a reação dele.
– É-é sério? – gaguejou baixinho, tentando conter o riso de animação e felicidade que parecia querer escapar de sua garganta em uma risada maníaca.

Ela assentiu em silêncio, sem olhá-lo e voltou a organizar a louça na lavadora.
O capitão tocou o próprio peito para garantir que aquilo era mesmo real, sentiu o coração bater como um tambor e teve certeza. Mas tudo ainda parecia um tipo de sonho, fantasia, alguma brincadeira. Depois dos dias ruins, seria mesmo presenteado com o que mais queria? E assim? Sem precisar insistir e se arrastar ao chão para convencê-la? Sem precisar de uma lista longa de mil motivos para morarem juntos?
O capitão permitiu que as emoções o dominassem – para variar – e sorriu, colocando-se de joelhos. A atitude dele chamou a atenção da inglesa, que o olhou com olhos arregalados, temendo ter ido longe demais na brincadeira e o que ele faria a seguir.

. – ainda sorria. – Você me daria a honra de dividir o mesmo teto comigo?
– Você entendeu que eu falei apenas sobre morar junto, não sobre casamento, não é? – questionou, assustada e rolou os olhos e bufou.
– Não estrague o momento, chata. – Ele reclamou e riu, sentindo os ombros relaxarem. – Vamos. Aceita ou não morar comigo aqui? Eu, você, o Felix e o nosso pinguim.
– Aquele pinguim esquisito. – riu pelo nariz, também não conseguia se conter diante o que sentia naquele momento, vendo o homem que amava de joelhos.
– Ei, dá pra respeitar? – Ele a repreendeu, tentando conter o riso.
– Claro que aceito. – Respondeu e viu o sorriso que mais amava no mundo ficar mais bonito e grande. – Não posso perder a oportunidade de ostentar você no casamento da minha irmã e para o resto da cidade. – Brincou ela.

ficou de pé e a ergueu no ar, pela cintura, enquanto segurava o rosto do capitão e o beijava apaixonada.

– Eu preciso comemorar isso. – Ele declarou, sentando a terapeuta sobre a ilha da cozinha, ainda sorrindo e sendo beijado por . – Foi minha maior vitória até agora.
– Paciência. – Ela o alertou. – Ainda vamos precisar pensar em como esconder isso do time. – ergueu as sobrancelhas, se dando conta de que ainda havia um time e riu.
– Quem liga pro time? – Ele negou, voltando a beijá-la. – Eu vou até para o casamento chique da sua irmã. Consigo enganar alguns caras.

Os dois riram juntos e só pararam quando e voltaram a se beijar, felizes e extasiados. Naquele momento, todo o drama dos últimos dias e os dilemas, as dúvidas, as brigas, tudo parecia ter sido só um sonho. Estavam juntos, ficariam juntos, morariam juntos, nada daria errado.



'Cause you're the best thing that ever happened to me

Let's raise a glass to a better one (year) and all the things that we've overcome are bring home to us
'cause me and you we can hold this out
Only you understand how I'm feeling now yeah
And I know, I can tell you anything, you won't judge, you're just listening
'Cause you're the best thing that ever happened to me
(Tom Walker – Just You and I)



Quinta-feira, 30 de dezembro de 2021
Lahti – Finlândia



🎵 Dê play na música aqui, e se necessário coloque para repetir. As Long as You Love Me – Backstreet Boy 🎵


rolou os olhos e bateu duas vezes a cabeça no apoio do banco do carro, se perguntando como alguém podia ter aquele tipo de comportamento as sete da manhã, em um inverno terrível. Gostava de parecer, mas não estava realmente bravo como transparecia, só incomodado e seus ouvidos e bateria social choravam com a escolha da namorada. Mas só um pouco, porque jamais admitiria se divertir com aquele tipo de coisa. No banco do carona cantava músicas antigas de uma playlist péssima, da coleção de playlist péssimas que só ela tinha.
Não estava desafinada, mas eram sete horas da manhã, estava um clima de congelar pensamentos do lado de fora e estavam fora de casa pela primeira vez desde todo aquele caos que fora o natal e sua véspera. não estava exatamente o mais feliz dos viventes. Tinham saído de casa naquela quinta-feira para enfim repetir o teste de Covid-19. Os dois fizeram e quase mereciam um Oscar por terem fingido tão bem terem se encontrado aleatoriamente naquele hospital. Estavam livres do vírus, enfim, mas nem aquilo parecia tornar Backstreet Boys mais suportável aos ouvidos de .
Enquanto cantava, tocava o namorado, o apertava, olhava para ele e sorria, principalmente quando expressava seu humor ao rolar os olhos, bufar, fechar os olhos e balançar a cabeça negativamente.

Although loneliness has always been a friend of mine
I'm leaving my life in your hands

Embora a solidão sempre tenha sido minha amiga
Estou deixando minha vida em suas mãos


– Você pode me dar um segundo de paz e silêncio? – Ele fingiu estar realmente impaciente quando pararam e um sinal vermelho. – Sem seus amigos?
– Você parece um idoso. – apertou a bochecha do namorado, ainda sorrindo e cantando a música. – O humor ranzinza de manhã é meu. – Falou e bufou outra vez, deixando a cabeça pender sobre o volante.

People say I'm crazy and that I am blind, risking it all in a glance
As pessoas dizem que eu sou louco e cego, arriscando tudo com um olhar


– Você querer cantar, eu entendo. – Ele tornou a falar, ainda com a testa sobre o volante. – Mas isso? Cantar isso é um ataque. – Reclamou . – Eu posso pelo menos mudar de música? – Perguntou o capitão, esticando a mão para alcançar o controle do som, mas lhe acertou com um tapinha.
– Claro que não pode. – Ela projetou o lábio em um beicinho mandão que fez o central engolir o gritinho de excitação que tentou escapar de sua garganta. – Eu não estou doente, você se livrou desse vírus horrível, estou enfim indo para casa. Me deixe comemorar. – A terapeuta o empurrou com o ombro, voltando a cantar.

And how you got me blind is still a mystery
I can't get you out of my head
Don't care what is written in your history
As long as you're here with me
E como você me cegou ainda é um mistério
Eu não consigo te tirar da cabeça
Não importa o que está escrito na sua história
Desde que você esteja aqui comigo


quase batucou o volante com os dedos quando o refrão chegou, mas não daria o braço a torcer. Estava feliz também e entendia o estado de espírito da namorada. Os últimos dias depois da reconciliação pareciam uma gostosa lua de mel. Passavam o dia todo juntos, fazendo apenas o que lhes dava vontade. A rotina era baseada em acordar, as vezes sexo antes do café, as vezes depois, tomavam café da manhã juntos e riam enquanto preparavam a primeira refeição do dia. O motivo das risadas variava, podia ser por alguma história engraçada que contavam um ao outro, ou sobre como os dias separados haviam sido idiotas, sobre histórias constrangedoras da adolescência, ou sobre a incrível falta de habilidade de para cozinhar, mas sua perfeita capacidade de ser a mulher mais gostosa do mundo enquanto esperava o café vestindo um moletom do capitão e roupa íntima.
Felizmente a casa do jogador contava com um ótimo sistema de aquecimento, que podia o proporcionar a visão de de calcinha pela casa.
Depois do café, quando não faziam sexo ou quando faziam, saiam em seguida com Felix, brincavam com ele, riam mais um pouco e exploravam o entorno da casa do jogador. Naqueles três dias haviam ido a mais lugares do que durante todo o tempo que vivia naquela casa.
Depois disso, voltavam para dentro e assistiam alguma coisa, fazia uma chamada de vídeo com a família ou falavam com amigos. Costumava ser o momento em que lia na biblioteca também, enquanto jogava ou desenhava. No almoço, cozinhava e cuidava da louça, depois de comer gastavam um bom tempo deitados, cobertos por preguiça e uma manta quentinha, conversando sobre como havia sido a escolha da decoração da casa do jogador, sobre como ficava bem quando usava cores frias e sobre a vontade de de mudar o visual. E quando se cansavam disso, ia tocar alguma coisa, desenhar ou jogar, enquanto tomava longos banhos quentes e perdia algumas horas em redes sociais falando com os amigos ingleses.
Em alguns dias, quando o tempo permitia, davam mais um passeio com Felix, jogavam um pouco de tênis de mesa, usavam a sauna, aproveitavam as superfícies da casa do jogador para usos inapropriados e depois riam disso. Jantavam o que pediam por delivery e assistiam filmes e séries até dormir, para retomar tudo no dia seguinte.
Era uma vida muito boa.

Where you're from
What you did
As long as you love me

Eu não me importo com quem você é
De onde você veio
O que você fez
Desde que você me ame


Agora, estavam indo para o apartamento da inglesa, precisava pegar algumas roupas e descobrir como seu apartamento estava depois de tantos dias abandonado. Se cumprisse seu desejo e levasse a namorada para Viipuri, queria estar preparada. Naquela manhã os dois acordaram muitas horas antes do que deviam. Estavam ansiosos com o teste e com o que haviam programado para aquele dia. Antes das seis da manhã já se remexia na cama, ansioso para se levantar e se vestir.
Ainda era cedo e enquanto sua inglesa adiantava algumas coisas no apartamento, teve a ideia de comprar um grande e bonito Voileipäkakut. Depois voltariam para casa, aproveitariam o dia como estavam aproveitando. Começou a pensar naqueles dias que, se aposentar não parecia tão ruim se pudesse viver a vida daquele jeito. Tinha dinheiro o suficiente para se manterem assim, apenas aproveitando. Não parecia uma má ideia.

Who you are Where you're from Don't care what you did As long as you love me
Quem é você De onde você veio Não importa o que você fez Desde que você me ame


Who you are, where you're from, I don't care what you did, as long as you love me. cantava e enquanto cantava tocou o rosto do jogador, apertando suas bochechas.
– Para com isso. – reclamou, remexendo-se para afastá-la e projetou os lábios em um bico chateado.
– Pare você de ser tão duro. – A inglesa cruzou os braços sobre o peito, enfezada.

tentou conter o sorriso que se formou em seu rosto quando sua alma de quinta série ouviu aquelas palavras. O jogador ostentou um sorriso torto e maneou a cabeça como quem diz “eu até tento.”

– Foi o que ela disse. – falou em referência a sua série de TV favorita e viu a namorada o encarar com olhar incrédulo. – Eu até tento, mas você sabe que não ser duro é impossível pra mim.
– Não acredito que você está colocando um duplo sentido nisso. – o empurrou pelo ombro, enquanto o jogador ria abafado.
– Mas você quem disse. – ergueu os ombros enquanto manobrava o carro com apenas uma mão, atraindo um rápido olhar da namorada para aquele movimento. – Não posso deixar de ser duro. Você não ia gostar.
. – o repreendeu, rindo chocada. – Parece um adolescente.
– Você gosta desse adolescente. – Ele piscou e riu de canto, fazendo a terapeuta corar.
– Você interrompeu minha música pra isso? – ainda ria. – Francamente. – A terapeuta negou com a cabeça. – Pelo menos já estou chegando em casa, vou passar algum tempo sem sua presença apelativa e safada.

a encarou com olhos estreitos.

– Mesmo que eu não saiba o que você exatamente quis dizer, você vai voltar pra casa com a presença apelativa e safada, tá lembrada? – Indagou e a viu rolar os olhos teatralmente.
– É, tô lembrada. – assentiu, espreguiçando-se no banco. – Vou precisar tomar algumas vitaminas e energéticos para aguentar.

, que ainda ria por ter sido chamado de presença safada, a olhou rápido, afastando os olhos da rua do quarteirão de .

– Até parece. – riu pelo nariz, voltando a se concentrar no tráfego. – É o aqui quem faz todo o esforço. – Se gabou vaidoso, rindo pelo nariz.
– Você? – A inglesa se endireitou rápido, encarando o namorado que ria. – Você faz todo o esforço?
– Não? – a encarou, tinha um sorriso grande nos lábios e a olhava com sobrancelhas arqueadas.
– Óbvio que não.
– Óbvio que sim. – riu alto apontando para o próprio peito e diante o olhar dela negou com a cabeça. – Não, né? – Ele assentiu deixando claro o quão contrariado estava, enquanto analisava a figura da namorada, que torceu os lábios em um bico vaidoso para não rir da expressão chocada dele. – Vamos ver. Não faço. Entendi. – Ele dizia para si mesmo, injuriado.

gargalhava vendo a reação do namorado.
Não demorou para enfim chegarem ao seu destino. roubou um beijo rápido do namorado e pulou do carro depressa, o frio do lado de fora parecia incompatível com a vida. A inglesa abriu a mala do carro rapidamente, tirando de lá sua bolsa e se apressou pelo estacionamento, abraçando o próprio corpo, enquanto via arrancar e adiantar seu lado das coisas, indo às compras.
Se alguma vez, no passado, tivessem dito a ela que viveria aquela relação, teria rido. Era como se estivesse no céu, paz e felicidade naqueles dias perfeitos. Claro que vez ou outra sentia um frio na barriga, principalmente diante sua decisão de aceitar as inúmeras propostas de e viver junto ao capitão. Não era como se fosse algo diferente do que já faziam, mas tomar a decisão tornava tudo real.
Se brigasse, não poderiam ir para casas diferentes. Não teria seu espaço, seu silêncio e perderia o dele também. Eram desafios que sabia que enfrentaria, amava seu capitão e estava feliz em poder ficar com ele o máximo de tempo que podiam, principalmente depois dos últimos acontecimentos. Estava ignorando os medos, as incertezas, não sabia até quando, provavelmente até que fosse preciso voltarem para o time, para a vida real. Mas enquanto isso não acontecia, não se importava em fingir viver em um mundo de fantasias e não ter problemas.

já conseguia ver a porta de entrada do prédio, precisou andar mais devagar por causa da camada fina e escorregadia de gelo que cobria o estacionamento. Não precisava de uma concussão ou de mais hematomas graças a uma queda vergonhosa. O frio cortava a pele e a terapeuta inglesa pensava sobre como e quando conseguiria organizar sua mudança para a casa do namorado capitão.

– Ei, . – Uma voz surpreendeu e quando a inglesa se virou para procurar quem a chamava, encontrou , que caminhava a passos rápidos em sua direção, apesar do chão escorregadio.
– O que você está fazendo aqui? – começou a se afastar, mas escorregou duas vezes e preferiu ficar parada. As pernas estavam trêmulas, o que não a ajudava naquela tarefa. fez menção a tentar ajuda-la. – Saia de perto de mim. Não me toque. – Ordenou com o queixo tensionado.
– Ei, calma. – se afastou alguns passos. – Calma. Só... – ele hesitou, tentando escolher as melhores palavras. – Só precisava falar com você.
– Mas eu não tenho nada para falar com você. – Sentenciou , olhando-o por baixo das sobrancelhas, arredia.
– Eu sei, eu achava que não ia querer falar comigo mesmo. – Ele sorriu fraco, sem mostrar os dentes. – Mas eu precisava falar com você. Me desculpar. – O piloto suspirou. – Tentei no natal e tenho tentado, mas não conseguia encontrar você.
– E aí resolveu acampar na minha porta? – A inglesa indagou nervosa. – Eu vou chamar a polícia.
– Eu sei que parece estranho. – Ele tentou argumentar quando lhe deu as costas e começou a andar em direção a entrada do prédio, a seguiu. – Eu sei que tudo isso é muito esquisito. Na verdade, tudo sobre nós dois é esquisito, mas...
– Nós dois? – o encarou por sobre o ombro, parando de andar. – Não existe nós dois. Não existe nada aqui. – Ela gesticulou, retomando sua caminhada.
– Eu sei, não é nesse sentido. – O piloto finlandês tentou se explicar. – Não quis soar desrespeitoso, eu só...

Ele ainda a seguia e tentava falar quando abriu a porta e entrou no prédio, a seguiu e ela tentou se apressar para subir as escadas, mas o homem fora mais rápido e se colocou entre ela e o primeiro lance de degraus.

– Por favor. – Pediu , já com as bochechas vermelhas do frio e olhos azuis ansiosos. – Por favor. Eu só gostaria de me explicar, me desculpar. Pelo menos como chefe. – Disse ele e tentou sorrir ao pronunciar a última frase, não queria assustá-la, mas aparentemente era tudo o que estava fazendo.

se afastou alguns passos, conferiu algo na tela do celular que tinha em mãos, olhou para fora, deu três voltas completas pelo pequeno hall, respirou fundo algumas vezes. Ali, diante dele, apesar de todo caos e confusão que aquele homem a havia causado, via o ídolo de sempre, o rosto que lhe era tão familiar e que já havia sido tão admirado antes. Ele parecia sincero.

– Você tem uma chance. – Anunciou erguendo o dedo indicador. – E três minutos, contados.
– É só do que eu preciso. Só de uma chance. – garantiu, assentindo com a cabeça e cruzou os braços sobre o peito. – Queria me desculpar. Sei que o que aconteceu...nossos encontros nunca foram muito amistosos, mas...aquele dia, no rinque...
– Dois minutos. – Ela o apressou, séria.
– Eu acho que pode ter...acho que posso ter sido mal interpretado... que aquilo, eu ter te... você... – parecia incapaz de pronunciar uma frase inteira.
– Eu o quê? – estava impaciente, temendo que chegasse e a encontrasse com , mas parte sua não negaria estar verdadeiramente curiosa.
– Quando nós caímos juntos no gelo. – lembrou e a inglesa engoliu em seco. – Entendo você ter ficado chateada, incomodada, ter se sentido mal depois de tudo, mas realmente não foi minha intenção...posso ter sido mal interpretado...
– Espera, o quê? – estava confusa. – Está falando do quê?
– Sobre o dia no rinque. – uniu as sobrancelhas. – Não é por isso que parece ter desenvolvido fobia?

riu pelo nariz.

– Acha que não quero ver ou falar com você porque interpretei mal o que aconteceu no rinque? – O tom de fez mudar sua expressão, adotando uma menos simpática.
– E não é? – Ele arqueou uma sobrancelha. – Você parece que vê um fantasma toda vez que me vê. Tudo bem, já não gostava de mim antes, mas não era nesse nível.
– Acha que eu... – riu outra vez, inclinando um pouco o corpo para frente, surpresa e incrédula, enquanto a encarava perdido. – O que aconteceu foi ridículo, humilhante e eu me senti péssima depois. Porque nunca, de jeito nenhum, eu gostaria de ficar tão próxima de você como naquele dia. E sinceramente espero nunca mais ter que ficar. – Aquelas palavras foram um duro golpe no orgulho do piloto, que apenas apertou os lábios e olhou para o chão, passando a língua pela bochecha. – O que achou que eu pensei? Que você estava interessado em mim ou coisa assim? – perguntou, ainda rindo de surpresa, mas assim que o piloto não ergueu o rosto para negar, outra ideia lhe veio à cabeça. – Teve medo. – Falou e enfim conseguiu a atenção dele. – Você teve medo. Está atrás de mim, querendo me encontrar porque teve medo do que eu falaria, não é? Do que eu poderia espalhar por aí.
, eu... – tentou falar, mas o modo com que sua voz pareceu vacilar deixou a terapeuta mais confiante.
– É isso, não é? – riu outra vez. – Você teve medo que eu manchasse sua reputação. Não está aqui para pedir desculpas porque se importa, realmente, sobre como me senti. – A inglesa negou com a cabeça, ainda estupefata com sua descoberta. – Você é uma grande decepção, . – Acusou ela, olhando nos olhos azuis do piloto loiro. – Caso eu ainda não tenha deixado isso claro. Mas pode dormir em paz, voltar para Mônaco em paz, não vou falar nada por aí. – se aproximou um pouco, com objetivo de subir as escadas. – E só para você saber, tenho fobia de você porque você parece ser tudo que eu não gosto em uma pessoa. Agora, se isso era tudo, pode sair da minha casa.

ordenou e começou a subir os degraus.

– Você não me conhece, . – enfim respondeu, depois de alguns segundos para retomar o controle sobre si mesmo. – Não pode falar do que não conhece. Porque se eu fosse uma pessoa tão horrível, por que aceitaria trabalhar para mim?
– Porque felizmente eu não preciso conviver com você. – Respondeu ela, subindo as escadas.
– Mas gosta do que trabalhar para mim te proporciona. – estava ferido, mesmo que não entendesse exatamente onde ou porquê, e queria retaliar. – O time e o apartamento para se divertir com seu namorado.

parou de andar, levou alguns segundos para compreender o que ele havia dito e então quando o fez, girou em seu próprio eixo para encará-lo.

– Eu me mudo essa semana. – Rosnou ela. – Não quero viver em um lugar onde um maníaco narcisista, controlador e obcecado, sabe o endereço e tem uma cópia da chave. – Ela falou e lhe deu as costas outra vez, subindo as escadas mais rápido.
– Ótimo. – respondeu.
– Ótimo. – resmungou, já fora do alcance dos olhos dele.
– E eu... – tentou dizer em voz alta, mas quando a viu sumir, hesitou e baixou o tom. – E eu não tenho uma cópia da chave. – Disse mais para si mesmo do que para ela. – Se tivesse, já teria entrado...

❄❄❄


Quinta-feira, 30 de dezembro de 2021
Casa do
Lahti – Finlândia



Felizmente a ida de às compras havia sido mais demorada do que o planejado pelo jogador, graças a isso ele não tinha visto sequer sombra da presença de perto de . Mas a terapeuta inglesa ainda estava profundamente irritada quando o namorado a encontrou em casa. tinha até perguntado algumas vezes, no apartamento e depois no carro, sobre a razão para o comportamento estranho e a nuvem escura que pairava sobre a cabeça da namorada. Mas usou a umidade e mofo do apartamento como uma desculpa e pareceu engolir sem achar estranho. Homens não eram conhecidos por suas habilidades em perceber algo não dito, então se ele perguntava se havia algo de errado e lhe dizia que o mofo da parede do banheiro a estava chateando, então era isso que a estava chateando. Aquela era uma característica que gostava nos homens de modo geral.
Não pensar.
Se a inglesa estivesse no lugar de , provavelmente teria criado mil possibilidades em sua mente antes de perguntar. Se havia feito algo, se tinha visto alguém, se estava inclinado a mudar de opinião sobre morarem juntos ou coisa do tipo. Eles apenas não criavam paranoias alimentados pela ansiedade – geralmente. Você pergunta a um homem se o céu é azul, ele responde que sim. Faça a mesma pergunta a uma mulher, ela vai olhar para o céu e só depois dizer sim, mas talvez pense um pouco antes e diga que depende da estação e da hora.
Não era tão ruim ser um homem. pensou sobre isso durante toda viagem de volta para a casa do namorado. Dessa vez tinha sido quem escolheu a trilha sonora, e mesmo que não cantasse, batucou o volante por todo trajeto ao som de Bon Jovi, passando por ruas cobertas de neve e casas decoradas com luzes de natal.
Seus pensamentos pulavam das decorações e sobre como os finlandeses pareciam viver normalmente um dia frio como aquele, para o namorado ao seu lado, sem saber o que havia acontecido antes de passar para busca-la novamente, e de volta a . Não conseguia acreditar na empáfia e coragem de em aparecer em sua casa, como um maluco obcecado, depois de já a ter procurado na casa de , só para se certificar de que ela não diria nada errado por aí. Nunca pensaria que seu ídolo era aquele tipo de pessoa, alguém mais interessado em manter uma imagem polida do que com os reais sentimentos de alguém. Sendo sincera, desde o maldito momento em que havia conhecido pessoalmente seu maior ídolo e supremo crush, não havia sentido nada além de decepção.
Às vezes, antes de todo aquele furacão tomar conta de sua vida, se flagrava imaginando como seria conhece-lo, ficar perto dele, se relacionar com ele. Coisas que qualquer pessoa pensa sobre seu ídolo. Até costumava curtir homens que lembravam em aplicativos de relacionamento – isso quando cedia a usá-los. Tudo isso, anos de paixão de fã, para terminar discutindo com na porta de casa por causa da porcaria de uma queda no gelo.
Por outro lado, estivera tão irritada com por sua imensa falta de senso, que sequer tinha percebido o teor de seu ataque. Ou melhor, a quem estava sendo direcionado. havia a acusado de aproveitar o apartamento para se divertir com o namorado. Quase ninguém do time sabia se havia mesmo um namorado, muito menos que ele frequentava o apartamento. Logo, estava tendo acesso a informações sobre sua vida que ela não tinha dado a ninguém e isso a preocupava mais que qualquer coisa.
Naquela altura, podia saber tanto que ela estava em um relacionamento, quanto sobre ser com . Aquela informação nas mãos de alguém com raiva poderia fazer um estrago muito grande. sentia toda tensão de meses atrás retomar seu lugar, pesando seus ombros. No início de tudo, pensava que sabia sobre sua relação para lá de conflituosa com e que gostasse dele, por isso a ignorava. Foram tempos de ansiedade, preocupada com o capitão de posse daquela informação. Tudo se resolveu bem e era uma pessoa de bom coração, mas ... não podia dizer o mesmo daquele bilionário excêntrico e sem limites.
Pelo que pensava, podia ser recebida na arena com uma carta de demissão autografada por ele, entregue por Lauri, Petri e os outros. Tinha ao seu lado agora, não estaria sozinha, na rua da amargura, mas quando pensava em sair do time, imaginava uma saída amigável, não humilhante, algo que não manchasse seu tempo junto a equipe azul e preta. E também e principalmente havia , como aquilo o atingiria no time era uma incógnita que não queria descobrir. A posição de capitão já estava fragilizada pela intensidade daquele último ano – principalmente por causa da falta de jeito para lidarem com os conflitos gerados por terem se apaixonado – e não precisava que algo mais abalasse .
Perfeito, . Perfeito. Mais uma vez estamos prestes a estragar tudo para todo mundo. Ela pensava no banco do carona, abraçando o próprio corpo. Sequer percebeu quando se aproximavam de casa, ou que um carro os seguia. sim, ele sorriu e buzinou uma vez, quando entraram na propriedade do jogador, o carro os seguiu. pensou rapidamente em se alarmar, questionar o namorado e surtar por ele estar sorrindo, enquanto visitas se aproximavam. Podia ser qualquer um e naquele momento, era justamente isso que precisava evitar. Mas estava tão irritada e preocupada com as coisas que precisava esconder do namorado, que preferiu fingir que nada estava acontecendo e deixar lidar com aquele problema.
O jogador estacionou fora da garagem e apesar da inclinação do terreno, seria preciso que alguém viesse limpar a neve acumulada ali. e saíram do carro sem conversarem sobre a visita, o que fez a inglesa pensar que os esperava, ou que soubesse exatamente de quem se tratava e que estivesse pensando que também soubesse. Estava certa. Logo depois de descerem do carro, o outro carro também foi estacionado e de lá saltaram Santtu e Waltteri Merelä. Os dois estavam com semblante amistoso e vestidos como o clima pedia, como se estivesse entrando dentro do iceberg que afundou o Titanic. correu os olhos pelo namorado rapidamente, confusa pela reação simpática dele. Estava esperando que ele fizesse alguma coisa de que se arrependesse depois, ou que ao menos trocasse algumas ofensas com Mere, mas não foi o que aconteceu.
cumprimentou os dois com simpatia e parecia realmente feliz em vê-los, indo na frente e mostrando o caminho, os chamando para entrar. Santtu abraçou a amiga depois de abraçar , e a lançou um olhar sugestivo. Merelä estava mais atrás, depois de cumprimentar e rir de alguma piada feita por ele, deixou que Santtu e fossem a frente para acompanhar . O ala lhe deu um abraço, beijou o lado de sua cabeça e caminhou devagar ao seu lado para dentro.

– Bom te ver, Mere. – falou encarando os pés, ainda era estranho estar ao lado dele, não sabia como devia agir. Não queria feri-lo esfregando em sua cara sua relação com , por isso estava extremamente sem jeito naquele momento.
– Você também. – Ele assentiu, andando com as mãos nos bolsos e olhos no chão. – Você não estava em casa, então a gente ligou os pontos. – Ele contou e riu pelo nariz, o acompanhou, assentindo com a cabeça, ainda envergonhada. – É meio estranho ainda, vir aqui. Quer dizer, você e ele... – Waltteri riu abafado. – Mas as coisas fazem mais sentido agora.
– Como assim? – ergueu os olhos para encará-lo.
– O dia da sauna. – Ele lembrou. – Você sumiu, ele sumiu... na verdade estava bem na cara. – Merelä brincou, fazendo careta e riu, ficando mais vermelha do que devia. – Acho que é o tipo de coisa que a gente perde quando fica adulto, se fossemos adolescentes, certamente alguém teria feito uma piada sobre isso. E também sobre como ele estava me fuzilando com os olhos o tempo todo. Aqui e nos jogos, treinos e o resto do tempo. – Merelä riu.
– Ai, que vergonha. – cobriu o rosto, ainda rindo e Merelä também parecia se divertir.
– Achei que fosse por causa da irmã dele, porque ela sempre me manda mensagens pelo Instagram, mas agora tudo faz sentido. – Mere parecia relaxado, rindo do que dizia e enfatizando suas palavras com expressões faciais engraçadas.
– Não deixe ele ficar sabendo disso, porque aí não vai ser fuzilado só com o olhar. – se inclinou para perto do amigo para dizer baixinho e Waltteri também se aproximou, deixando os rostos dos dois próximos e mantendo o contato visual.
– Ei, vocês. – Santtu, antes de entrar dentro da casa, deu alguns passos para trás e chamou os dois. – Vem rir aqui dentro, ou já estão querendo mais problemas? – Zangou-se o defensor, puxando pela mão para dentro de casa.

Quando pisaram na sala, já estava de volta com cervejas para os dois jogadores e para ele em uma mão e uma lata de refrigerante na outra, para .

– E aí, o que eu perdi? – sorriu inocente, juntando-se ao grupo. sabia disso pelo olhar baixo. Quando se aproximou, tinha os olhos no chão, apesar de sorrir e aparentar estar animado. Era a expressão do menino dentro do homem, amava aquilo. Caso fosse diferente e tivesse visto ou se incomodado com a proximidade da namorada e do ala, teria voltado da cozinha com queixo erguido e olhar estreito, mandíbula tensionada, encarando Merelä.
– Agora vai ser assim? – Santtu sorriu depois de tomar o primeiro gole de sua cerveja. – Sempre que quiser falar com um, temos que ir atrás do outro? – Implicou. – Fomos até a casa da , mas estava vazia. Ela não tinha viajado e aí ficou fácil...
– Talvez seja. – respondeu, sentando-se em uma poltrona, com o mesmo olhar tímido e infantil. Santtu arregalou os olhos e Waltteri uniu as sobrancelhas, confuso.
– Vocês voltaram de vez, agora? – Santtu sorriu erguendo as sobrancelhas, ocupando o sofá.
– Espera, vocês tinham terminado? – Merelä ainda estava confuso, de pé, apontando de para .
– É uma longa história. – Respondeu a terapeuta, jogando-se no sofá ao lado de Santtu, logo Felix se juntou a eles, deitando a cabeça no colo de .
– Como não fiquei sabendo disso? – Merelä questionou, ainda de pé.
– Pode tentar parar de querer roubar minha namorada dentro da minha própria casa? – riu e puxou Waltteri, fazendo com que o jogador ocupasse a poltrona ao seu lado, aparentemente se divertindo com a situação. Merelä riu sem jeito. – A gente voltou. Melhor que nunca. – ergueu a garrafa de cerveja e piscou para a namorada.
– Ainda é esquisito ver vocês juntos, mas... – Merelä começou a falar, atraindo olhares curiosos dos outros três. – Até que fazem um casal bonito. Tem uma... um tipo de paz e tranquilidade que tipo emana de vocês. – Enquanto Merelä falava, e se olharam e sorriram um para o outro.
– Que fofinhos. – Santtu riu alto, tentando imitar a voz de uma criança, abraçando de lado, de modo desajeitado. – Me adotem. Quer ser filho dessa relação. – Brincou ele e riu pelo nariz.
– Você precisa mesmo de alguém para te ensinar sobre bons modos. – implicou, afastando-se do abraço bruto do amigo, que ainda ria.
– Obrigada, Mere. – assentiu com a cabeça, olhando para Merelä. Era a primeira vez que o ouvia tratando Waltteri por aquele apelido. – Valeu.
– Não precisa agradecer. – Merelä relaxou as costas na poltrona e suspirou, tomando mais de sua cerveja. – Agora eu entendi tudo sobre o dia da sauna. Os olhares atravessados...achei que ia me expulsar daqui.
– Eu realmente pensei. – confessou enquanto ria e fazia os outros rirem. – Mas ia dar bandeira.
– Tipo, mais bandeira do que você e a sumirem ao mesmo tempo e o Aleks te encontrar trancado no quarto? – Santtu arqueou uma sobrancelha e quase cuspiu seu refrigerante, precisou cobrir a boca, enquanto os outros riam.
– Assim você vai matar minha namorada. – riu, inclinando-se para tocar as costas da terapeuta.
– É, vocês disfarçavam super bem. – Merelä entrou no jogo. – quase rosnava toda vez que alguém chegava perto da .
– Não era assim também. – tentou contornar.
– Era. – assentiu para a surpresa da namorada. – Era sim. Mas o que eu ia fazer? Tinha você por aí, com esses olhos azuis de dar raiva. Eu não podia fazer mais nada. – parecia se divertir com aquele assunto, os outros dois também.
– Aparentemente não funcionou muito. – Santtu soprou e Merelä lhe lançou um olhar atravessado. – Mas a grande sorte foi todo mundo estar tão focado na cerveja e desacostumado a ter uma mulher entre nós, que quando a sumiu, ninguém notou.
– Ai, essa doeu um pouco. – protestou, tocando o peito, fingindo-se de ofendida.
– É verdade. – assentiu contemplativo. – Ninguém pensou que eu poderia ter sumido com ela.
– Pra sua sorte, né? – Mere riu e empurrou pelo ombro, que riu também. – Confesso que vou sentir falta desses momentos. – A gargalhada de Merelä ficou mais saudosa e o resto do grupo parou de rir.
– Já sabe quando vai? – quis saber, tomando o resto de sua cerveja.
– O primeiro jogo depois do retorno do calendário, vocês vão jogar contra mim. – Ele contou e sentiu o coração apertar.
– Como? Já? – A terapeuta se sobressaltou. – Não estou preparada ainda. Por que tem que ser tão rápido? Não faz sentido.
– É o que é, Rakkaani. – ergueu os ombros e torceu os lábios.
– É uma viagem de menos de duas horas daqui até Tampere. – Waltteri sorriu fechado para a amiga. – Não vamos mais nos ver nos vestiários, ou nos jogos, mas nada muda fora do gelo.
– Isso se ela abrir espaço na agenda para sair com os amigos. – Santtu alfinetou, empurrando a inglesa.
– Vai ser bom manter minha garota longe dos olhos azuis e esse sorriso perfeito. – implicou com semblante sério, mas depois riu e apertou o ombro de Merelä. – Vamos ver se lá eles conseguem alcançar seu nível. Vou sentir falta de você no time, vai ser mais difícil manter todo mundo na linha sem você. – sorriu e Merelä ergueu a garrafa, brindando com o capitão.

Houve silêncio entre o grupo, enquanto terminavam suas bebidas. Apenas Felix se remexia quando Santtu o cutucava, fazendo o cão se levantar do colo de e procurar abrigo entre as pernas do dono.

– Vocês tinham mesmo terminado? – Merelä retomou o assunto, ainda com uma expressão confusa no rosto, fazendo os outros três rirem.
– Foi rápido. – deu de ombros. – Não sei se durou uma semana.
– E por que? – Merelä tornou a perguntar.
– Cala boca, cara... – Santtu respondeu rápido. – Você sabe o porquê.
– Sabe? – encarou o defensor e inclinou o corpo para olhá-lo também.
– Hein? – Santtu desconversou.
– Você disse que o Mere sabe o porquê de termos terminado, mesmo ele demonstrando claramente que nem sabia que tínhamos terminado. – o encarava com olhar inquisidor e Santtu parecia perdido, aparentando ter se arrependido de ter tido o que havia dito. – E então?
– Eu... – Ele se perdeu nas palavras, coçando a nuca. – E-eu...
– Jay meio que contou sobre o que rolou no gelo com o . – Waltteri se pronunciou, atraindo a atenção do casal, enquanto Santtu se afundava no sofá. – Contou que o não gostou do que viu.
– Isso foi depois de eu falar com você, só pra constar. – Santtu ergueu o dedo indicador, se explicando para a amiga.
– Como você sabia que esse era o motivo? – Foi a vez de perguntar a Merelä.
– Era fácil chegar a essa conclusão, né? – O defensor Santtu quem lhe respondeu, como se fosse óbvio. – Não tinha contado pra ele, mas era meio que óbvio que esse fosse o motivo.
– O que o Jasper contou a vocês? – , que esteve em silêncio até aquele momento, perguntou após trocar olhares com .
– Só que tinham visto você e o no gelo, que você era tão ruim nos patins que conseguiu cair e derrubar ele também. – Waltteri começou a contar. – E que o e o Aleks estavam também, mas o pareceu ficar bravo com a cena. – Merelä deu de ombros. – Sabe o jeito Jay de falar. Ele parece o João Frango. – Justificou.
– E aí não era difícil entender. – Santtu completou. – Teve aquela coisa no bar e aí isso...

Quando o defensor disse, Merelä suspirou e baixou a cabeça, o imitou e o encarou com olhar duro, que lhe ordenava fechar a boca. Santtu obedeceu.

– É, tivemos esse estresse. – enfim se pronunciou, tinha voz serena. – Mas tudo já está bem. Acho que a gente está até melhor, demos um passo maior agora... – Ele sorriu de modo sugestivo e inclinou a cabeça.

Enquanto Merelä e Kinnunen questionavam a respeito daquela revelação, sentia vontade de bater a cabeça na parede mais próxima. Obviamente o namorado não perderia a chance de se gabar sobre aquela novidade, principalmente perto de Merelä e após o nome de ter sido mencionado. Tudo que mais queria era deixar aquele segredo o mais protegido possível, principalmente depois daquela manhã, mas parecia convencido do contrário.

– A gente vai morar junto. – Ele contou, tímido como uma criança, empolgado como uma criança.
– Uau. – Merelä se surpreendeu. – É mesmo sério.
– Isso! Isso é uma boa notícia, não é? – Santtu ficou de pé e abraçou demoradamente. – Quer dizer, não muda nada, mas...
– É, ele já estava atulhado na minha casa. – rolou os olhos.
– Vocês são rápidos, hein... – Santtu ainda ria, encarando os dois amigos. – Mas eu tô feliz por vocês. Que legal!
– Obrigada, cara. – ria como uma criança em um parque de diversões.
– Eu não gosto de ser a pessoa chata aqui. – Merelä se pronunciou, ajeitando-se a poltrona. – Mas como isso vai funcionar? Quer dizer, eu já perguntei uma vez, é proibido se relacionar com alguém do time. – Aquela revelação fez encarar o ala com surpresa.
– A gente vai dar um jeito. – sorriu.
– E talvez, você não seja o único a deixar o time, Mere... – suspirou sentida. – Talvez...



Promise we'll be side by side

Promise we'll be side by side
Say you'll there when the school gets closed
Say you'll be there when the rest don't show
(Stand Up – James Bay)



Quinta-feira, 30 de dezembro de 2021
Casa do
Lahti – Finlândia



Depois da saída de Mere e Santtu, já no cair da noite, e haviam tirado algum tempo para seus próprios interesses. Depois de um longo e demorado banho quente, a inglesa estava deitada na cama que em breve seria sua cama com , e não mais apenas a cama dele. Ouvia o namorado tocar violão no outro cômodo – graças a porta aberta – e era bom. Não que ele estivesse tocando corretamente e de modo harmônico, muito pelo contrário, parecia tentar aprender uma música nova e difícil. Era James Bay? Errava, recomeçava, xingava o violão e a si mesmo, cantarolava junto, tocava perfeitamente por alguns instantes e comemorava, havia uma pequena pausa e silêncio e depois ele retomava.
Queria poder estar no mesmo cômodo, assistindo de camarote o bruto capitão todo desajeitado, tocando violão – ou tentando. Mas temia que o que escondia do namorado acabasse transparecendo em sua expressão angustiada. a conhecia bem, ele veria. bufava e rolava na cama, inquieta com seus pensamentos e culpas.
Tinham feito as pazes há pouco, estavam bem e como antes há pouco tempo, não queria estragar tudo com mentiras, escondendo coisas. Acreditava que mentiras, esconder fatos importantes do outro era um veneno que pingava em pequenas quantidades, mas que tinha um grande potencial mortífero. Não queria envenenar o que de melhor lhe tinha acontecido, não queria magoar de modo algum. Não se permitiria feri-lo. E a verdade pode até demorar, mas sempre vem à tona. Talvez encontrassem com e ele mesmo fizesse o favor de contar a sobre o último encontro com a inglesa, ou descobriria ao voltar para o time, quando se apresentassem. poderia ser recebida com uma carta de demissão e com uma caminhada da vergonha, como em Game of Thrones, e aí teria que explicar tudo a ele com uma plateia.
Todo cenário era horrível. Péssimo. Não parecia ter um final feliz. Se não contasse, descobriria de outro jeito e seria horrível, ele se sentiria traído, humilhado outra vez e perderia uma das coisas mais difíceis de se recuperar: a confiança. Por outro lado, se contasse, dificilmente acreditaria e talvez se sentisse traído também, ou teria raiva, ficaria muito bravo e brigaria com , e também quisesse ir até e resolver as coisas do seu jeito.
Junto a isso, se sentia péssima, desprotegida, com medo e angustiada, tudo que mais precisava estava no cômodo ao lado, tocando violão, inocente e alheio a tudo. Era um paradoxo. Precisava mais do que queria do apoio e abraço de , ele era a única pessoa capaz de fazê-la se sentir protegida e aquele era um dos momentos que necessitava daquele sentimento tanto quanto necessitava de ar. Mas, se desse aquele passo, podia não receber o abraço protetor de , mas sim sua distância, ressentimento e mágoa – outra vez.
respirou fundo e se decidiu, não era do tipo de pessoa que se lamenta na cama, sem tomar uma atitude. Tomaria uma, mesmo que errada. Por isso caminhou até o cômodo em que guardava seus instrumentos, ele ainda tocava lá, concentrado no violão e no celular, aprendendo a música nova. Vestia um conjunto de moletom e uma touca preta, apesar de estar dentro de casa, meias e seus comuns chinelos.
sequer notou a aproximação da namorada, ficou parada a porta por algum tempo. Até que ele errasse uma nota e ao desviar o olhar do violão, xingando a si mesmo pelo erro, visse a inglesa parada, encostada no batente da porta. tinha os braços cruzados sobre o peito, os cabelos estavam bagunçados e armados, mas as franjas estavam atrás das orelhas. Vestia um pijama quente, cor de rosa, meias e pantufas, não era seu visual mais sério.

– Oi, linda. – sorriu ao vê-la. O sorriso. O sorriso lindo de dentes perfeitos, contornado por lindos, macios e cheios lábios naturalmente vermelhos. Era o sorriso mais lindo e perfeito do mundo. se odiou pelo o que estava prestes a fazer. – Não tinha te visto aí. – Ele começou a falar. – Eu tô tentando aprender isso, mas nossa... parece que nunca toquei antes. Espero que não esteja atrapalhando ou te irritando muito. – Ele riu com inocência e se inclinou para afagar a cabeça do cão que repousava em seus pés. – Acho que nem o Felix aguenta mais também. – ergueu o olhar e inclinou a cabeça sobre os ombros ao perceber a expressão da namorada. – O que foi, Rakkaani? Sua mãe te ligou de novo?
– Não. – sorriu triste, pensando se ele não podia ser menos perfeito e facilitar as coisas. – É que eu preciso te falar uma coisa.
– Que coisa? – endireitou a postura e abraçou o violão. – É sobre o Merelä? Porque se for, eu tô tranquilo, sério. Não precisa se preocupar com nada. – Ele apertou os dentes em um sorriso infantil e bobo. – Sem ciúmes, sem drama... eu tô com a garota, ele entendeu e em breve vai ser um problema morando lá longe.
– Não é sobre o Merelä. – Ela negou com a cabeça e ele apertou os lábios, depois sorriu confuso. – É que aconteceu uma coisa, eu não... eu não quero...eu queria contar e...
– Amor, você tá me deixando preocupado. – sorriu fraco e ergueu as sobrancelhas. – Isso é você querendo um tempo, terminar ou tá querendo desistir de morar comigo? Porque se for, não vai adiantar. A gente vai dormir e amanhã o sol vai nascer de novo. Amanhã é outro dia.
, não. – se aproximou, sentando na outra parte do pequeno sofá que havia naquela sala, a pouca distância dele. – Não me arrependi ou quero terminar. Não é nada disso. Eu amo você. – Ela declarou e ele sorriu de novo depois de expirar aliviado, quis desmaiar.
– Então o que é? – colocou o violão no chão e se virou para a namorada, relaxou as costas no sofá e a olhou com expectativa. – Você tá me assustando assim.
– Aconteceu uma coisa hoje de manhã, quando a gente foi...quando me deixou no meu apartamento. – contou rápido e viu o namorado estreitar o olhar.
– Não foi só mofo, não é? – Ele perguntou e assentiu mecanicamente com a cabeça. – Sabia. Você não liga pra mofo, e aquele mofo já estava naquele lugar desde quando eu comecei a frequentar aquele apartamento. – apontou e foi a vez de estreitar o olhar.
– Você... você sabia. – Ela percebeu.
– Fiquei com medo de ser você desistindo de morar comigo, pensei que se eu não perguntasse, não teríamos essa conversa. – Ele suspirou, apoiando os cotovelos nos joelhos e o rosto nas mãos. – E se a gente não tivesse essa conversa, você não me diria o que eu não quero ouvir. – encolheu os ombros de maneira infantil, como crianças fazem quando estão sem jeito.
– Não estamos tendo essa conversa por isso, . – sorriu tocada e afagou os ombros dele, beijando o local e apoiando ali sua testa. – Não voltei atrás. Não é esse tipo de conversa, pelo menos eu acho que não.
– Então, o que aconteceu?
apareceu lá. – arrancou o mal pela raiz. levou três segundos para compreender e assimilar aquela informação e então uniu as sobrancelhas e ergueu o rosto, não afastou a testa do ombro do capitão, não queria ver sua expressão.
– Espera, o quê? – Ele perguntou, como se quisesse se certificar de não ter entendido errado.
. esteve lá. – repetiu e o jogador apoiou as costas ao sofá, apoiou um dos braços no encosto e mordeu o lábio inferior, tinha os olhos no chão. não sabia se aquilo era bom ou ruim, mas resolveu continuar. – Eu não quis falar com ele, mas ele me seguiu para dentro e insistiu muito. Disse que já tinha me procurado, ido ao meu apartamento...
– Por que ele tinha seu endereço? – indagou. Seu tom de voz era manso e sem emoção, com só uma pontinha de surpresa e irritação ao mesmo tempo. A postura dele não deixava a inglesa saber o que se passava no coração do namorado, era como a postura inabalável que usava quando estava arredio com Petri.
– Ele paga meu aluguel, ele sabe. – Explicou e ele não respondeu ou grunhiu, ou rosnou, o que devia ser um bom sinal. – Ele insistiu muito, tive medo de você chegar e encontrar ele ali e ... bem, você sabe. Não sei se conseguiria explicar. – fez uma breve pausa, esperando por uma reação dele, que não veio. – Eu só não queria que ficasse bravo ou...
– Eu não sei se funcionou, . – falou devagar e baixo, mas de modo ríspido. – Vá direto ao ponto.
– Eu só não sabia como dizer, fiquei com medo de... – A inglesa tentou recomeçar, mas se perdeu nas palavras.
. – Ele a repreendeu ainda sem a olhar. – Fala.
– Ele queria conversar sobre o que aconteceu, sobre aquele incidente no gelo. – Nesse momento virou o rosto na direção da namorada, mas não tinha um semblante muito convidativo. – Aquele incidente, da queda. Pelo que entendi, ele queria garantir que eu não tivesse entendido nada errado.
– Do tipo? – não conseguiu entender o tom do namorado, se significava que estava com raiva de ou dela. – Anda, . Você tá me deixando nervoso.
– Ele, na mente perturbada dele, pensou que eu... – suspirou, teria que voltar algumas casas, percebeu. – Não cheguei a te contar, mas, no último jogo antes das pausas ele veio atrás de mim. Quando fui embora, ele estava me esperando perto da saída e eu fugi. Não quis que ele chegasse perto de mim.
– Por que você não me contou isso? – estreitou um pouco o olhar, mas não do modo ameaçador, do modo confuso.
– Não sei, acho que esqueci, não tinha importância diante o fato de que você não queria falar comigo. – deu de ombros. – O que importa é que, ele veio atrás de mim na sua casa e na minha, porque achou que eu podia ter entendido errado o que aconteceu no gelo. Teve medo que eu contasse, espalhasse por aí e sujasse a imagem dele.

apenas arqueou uma sobrancelha, como quem diz “o quê?”.

– Ele veio com um papo sobre ter sido mal interpretado, que só isso justificaria a fobia que eu pareço ter dele desde que tudo aconteceu. – Contou e expirou um riso sem humor, inclinou a cabeça e balançou negativamente.
– E depois?
– Depois eu disse que ele era uma grande decepção, ele respondeu que eu não o conhecia e que se eu o detestava tanto assim, por que ainda trabalhava pra ele? – tentou imitar a entonação do piloto. – Mas eu respondi que era porque não o via, e aí ele me acusou de aproveitar do que trabalhar com ele podia me proporcionar.
– Só pode ser brincadeira... – riu sem humor, nervosamente e passou as mãos pelo cabelo, tirando a touca.
– No caso, o apartamento pra trazer meu namorado. – Quando contou, ergueu a cabeça e a olhou com mais atenção. – Disse a ele que me mudaria na próxima semana, que não queria ficar num lugar onde um sociopata obcecado tinha a chave. Mais ou menos essas palavras.
– Ele disse o quê? – ficou de pé em um pulo. – Isso mudou de rumo rápido demais. Espera, o que?
– Eu não sei como ele sabe disso, ninguém no time, além dos nossos amigos, sabe sobre você frequentando lá. – ficou de pé também. – Eu não sei como ele pode ter descoberto sobre isso. Eu fiquei muito nervosa, com medo... – A terapeuta inglesa começou a falar disparado, enquanto andava em círculos, rindo nervosamente e coçando a nuca vez ou outra em um movimento ritmado. – Eu fiquei com medo, assustada. Porque foi o que aconteceu da última vez, tive medo como tive quando você não falava comigo, pensava que podia me entregar para o Petri, que eu seria demitida... não aconteceu, mas o ... não sei como ele soube, ele já insinuou antes, mas nunca...
– Espera, espera. – ergueu as mãos. – Dá uma parada. Como assim tinha medo por minha causa? Como assim ele insinuou? Do que está falando?
– Já tivemos essa conversa, . – suspirou cansada, baixando o ombro. – Eu tinha medo de que você e fossem próximos e você soubesse da nossa situação, por isso não falava comigo e me ignorava. – lembrou a ele. – Tinha medo de que contasse ao Petri e eu fosse dispensada porque todos amavam o .
– Isso nunca ia acontecer. Eu nunca contaria. – negou com a cabeça, afetado com o fato da namorada considerar aquela possibilidade. – Mesmo se eu fosse amigo dele, o que nunca fui. Nunca faria isso.
– Eu sei, mas na época eu não conhecia você. – ergueu os ombros.
– O que ele insinuou? – voltou ao outro tópico. – Você disse que ele insinuou. O que ele insinuou?
– A gente se esbarrou algumas vezes, antes daquele incidente. – deu de ombros e sacudiu a cabeça. – Nada demais, só algumas conversas aleatórias. Por causa do dia no supermercado, eu acho, mas ele insinuou que tínhamos algo, eu e você.
– Por que nunca me contou isso também? – se aproximou um pouco mais da namorada, sentido por ela não ter partilhado aquilo.
– Eu não dei importância, sei lá. – se defendeu, ficando de pé também. – Você me contou todas as vezes que alguém fez a mesma pergunta sobre nós, pra você? – Quis saber ela, não respondeu, afastou-se e voltou a andar em círculos. – Não sei se ele sabe que é você, ou se ele só blefou. Mas eu... eu tô apavorada com a possibilidade de algo acontecer. Eu tive medo de te contar, da sua reação, mas tive mais medo de a gente esbarrar com ele e o próprio te contar. E também me sinto péssima, porque não sei o que ele vai fazer, se ele realmente sabe sobre nós...

começou a sentir a voz embargar e parou de falar.

🎵 Dê play na música aqui, e se necessário coloque para repetir. Come Back Home – Sofia Carson🎵


– Não vai acontecer nada. – se aproximou devagar, abraçando a namorada com força, para surpresa dela. – Eu não vou deixar.
– Você... – ainda sentia a garganta entalada com um choro que não sabia de onde vinha. – Me desculpe por não ter contado antes, eu não sabia como dizer, estava com medo...
– Tá, relaxa. – ainda a abraçava, um braço envolvia a cintura da inglesa e o outro passava por trás do pescoço dela.
– Não está bravo? – A inglesa ergueu os olhos para ele, afastando-se um pouco para o olhar nos olhos castanhos líquidos.
– Claro que eu tô. – O capitão respondeu. – Tô um pouco bravo com você também. – Ele usou um tom de voz mais manso. – Devia ter me contado tudo antes, e não só porque ficou com medo. Não devia ser assim. Não devia ter medo de me contar, nem primeiro esconder e mentir e só depois pensar sobre me contar.
– Mas eu... – tentou se justificar, mas o jogador a interrompeu outra vez.
– Não, não fala nada. Eu tenho razão. – Ela engoliu suas palavras, não seria inteligente insistir e o capitão não estava totalmente equivocado. continuou. – Eu devia ir até lá e...
– Só vai piorar as coisas. – segurou os ombros do namorado. – Ele não deve ter certeza sobre nós, não quero dar isso a ele.

negou balançando a cabeça.

– Qual é o problema desse cara? Ele não pode só ir embora e dar pra gente um pouco de paz?
– Ele estava preocupado com a possibilidade de eu falar algo, mas já disse que não vou. – contou. – Talvez agora ele pare e deixe a gente em paz.
– Não vai acontecer nada com você. – voltou a abraçar a namorada, apertando-a com força contra si. – Antes ninguém sabia sobre seu problema com ele, mas agora eu sei. Vou te proteger.
– Se ele resolver contar pro Lauri e Petri... – olhou para . – Você não vai ficar bem também. Tem o Santtu, o Atte, mas o resto do time... você pode ter a confiança deles em você abalada outra vez. Não quero te prejudicar de novo.
– Não é com você. – a abraçou de novo, apoiando o queixo na cabeça da inglesa, tentando fingir não se preocupar com aquela possibilidade.
– Claro que é. – A terapeuta ainda argumentava. – Já estou ciente que não vou ficar no Pelicans por muito tempo, mas você...eu aguento uma despedida, mudei pra cá há pouco, não vai doer tanto. Mas não quero que isso atrapalhe você, não posso deixar que...
– Para de falar sobre você. – estalou a língua e balançou a cabeça, tomou o rosto dela nas mãos e a olhou nos olhos. – Não é sobre você deixar, sobre você sair. Até onde sei, isso não é um problema só seu.
– Mas eu trouxe pra cá quando aceitei trabalhar com ele, mesmo depois do que aconteceu e...
– Não sou criança, . – O capitão apertou os lábios e falou com firmeza. – Vou dizer uma coisa e não vou falar de novo. De onde você vem pode ser diferente, mas agora você tá comigo. Eu não sou criança, não sou inocente ou frágil. Não preciso que você me proteja do lobo mal, que resolva as coisas por mim, por nós. – Declarou com firmeza. – Eu sou um homem. Não tô atrás de você, tô do seu lado. Tô um pouco surpreso e posso ter sido pego de guarda baixa com esse problema do , mas eu não sou um menino que vai se esconder atrás de você. Se por causa do eu tiver problemas no time, vou resolver como sempre resolvi. Eu. Não tem nada a ver com você, porque eu escolhi esse caminho e as consequências. Então para de fazer isso, eu já sou um adulto, um homem adulto e posso dar conta de um cara obcecado pela minha namorada, de problemas no time e do que mais vier. Pode parecer que não, mas já tive problemas antes, mesmo sem ser por sua causa.

riu abafado. Se sentia extasiada com as palavras do namorado, não se lembrava da última vez em que alguém havia se colocado em sua defesa assim, ou se algum dia alguém tinha feito qualquer coisa parecida.

– Eu amo você. – declarou quando beijou sua testa.
– Eu sei.

❄❄❄


Sexta–feira, 31 de dezembro de 2021
Lahti – Finlândia



No dia seguinte, véspera de ano novo, tinham tido uma manhã um pouco mais silenciosa, depois de uma noite totalmente silenciosa. e estavam a caminho do abrigo de crianças outra vez. A conversa da noite anterior ainda ressoava em seus ouvidos, mesmo que fingisse que não.
No fundo, não queria fingir estar feliz e animado depois daquela noite. Parecia um tipo de força maligna. Sempre que estava bem com a sua garota, com uma garota legal, que o amava e que tentava fazer dar certo, o mundo bombardeava com vários problemas. Tinha o grande problema em trabalharem juntos e por isso não ser possível viver um relacionamento como gostariam, e também o problema bonito, simpático e de belos olhos azuis. Mas agora Merelä era uma fase superada, o tinha dispensado, ele sabia do relacionamento dos dois e estava de mudança, para alívio de .
Mas, não era possível uma semana de paz, logo surgiu das profundezas do abismo mais escuro o chefe infernal, . não conseguia entender como, de repente, todos os homens do mundo pareciam interessados na sua namorada. Era exagero, sabia, mas era assim que sentia. E todos precisavam ser loiros, olhos azuis e pacote completo?
Mas com a coisa era diferente. Merelä era um cara legal, amigo de e ela realmente se importava com ele. era o chefe com quem ela tinha um relacionamento problemático – para dizer o mínimo – e de quem a inglesa parecia querer distância. Estava no direito e na posição de ser protetor, ali não era ciúmes, era algo maior e diferente.
Durante toda a noite se perguntou sobre o que é que aquele maníaco obcecado devia querer com . Se ele realmente fizesse o que temia, teriam um furacão para enfrentar, já que seria uma crise interessante para a mídia e nada estimulante para o time. Talvez ele falasse, talvez não. Talvez só continuasse a perturbar a inglesa com essa possibilidade, aparecendo e sumindo, a deixando com medo. Ou talvez ele só pegasse o primeiro voo e fosse embora.
Estava com medo também, medo do que poderia fazer, medo sobre o poder que ele ainda tinha sobre e como isso a afetava. Chateado sobre a primeira reação dela ter sido mentir e esconder, não contar e dividir o problema. Pensativo sobre as palavras dela na conversa com Santtu e Merelä, sobre Waltteri não ser o único a sair do time. Eram tantas coisas que se passavam na cabeça de que o capitão quase não ouviu quando o chamou. Não estavam muito longe do abrigo e a neve cobria toda a extensão da paisagem, estava seco e absolutamente frio quando chamou sua atenção e começou a falar sem o olhar.

– Eu nunca senti que podia pedir ajuda. – Ela começou a falar e a olhou rápido, depois voltou os olhos para a estrada. – Tipo, em casa. Todo mundo sempre estava ocupado demais, então não era como se eu fosse alguma prioridade, ou se alguém estivesse disposto a me ajudar ou me ouvir. – suspirou e levou as mãos para o apoio de cabeça, enlaçando os dedos atrás dele. – Era como se eu meio que tivesse como responsabilidade não incomodar e isso fizesse de mim especial e boa. Eu melhorei com terapia, mas...
– Onde você quer chegar? – perguntou, tentando ficar firme.
– Que eu devia ter contado pra você logo, assim que te vi. – Ela disse e o capitão a encarou por alguns segundos, voltando a atenção para a estrada em seguida. – Não é meu primeiro instinto, mas eu sei que devia ser. Eu só não queria brigar, que você se chateasse comigo, que você não entendesse, que você se irritasse, já tínhamos feito as pazes há pouco e eu não queria trazer mais problema. – começou a falar sem parar. – Eu sinto que a todo momento trago problemas. Primeiro o beijo do Mere, depois o , é como se isso me seguisse... eu não sei o que eu faço pra atrair isso, mas atraio e eu só...

não terminou, foi interrompida quando tirou o carro da pista repentinamente e parou no acostamento, largou o volante e girou o corpo em sua direção. O primeiro instinto da terapeuta inglesa foi o de se segurar, não entendeu o que estava acontecendo, porque o namorado tinha feito algo tão brusco. Não sabia se era por estar com raiva ou por qualquer outra razão.

. – Ele a chamou, tirando a mulher do estado de susto com a parada brusca e fazendo com que ela o olhasse. – Para. Eu não sei exatamente o que fiz pra você achar isso, mas eu sinto muito. Não é isso. Você é a minha garota, não importa se se sentia assim antes, agora você é minha e eu tô levando isso muito a sério. – Declarou o capitão, que tinhas as mãos sobre os braços dela, a olhando fixamente. – Já te dei meu coração, toda minha admiração e se for preciso a minha vida pra defender você. Você não tá mais sozinha. Agora você tem um homem com você, pode se acostumar com isso. Não quero que você esconda ou que tenha medo de mim, de me contar qualquer coisa... não devia ser assim.
– Desculpe. – pediu em um fio de voz.
– Não, , não. – segurou o rosto da terapeuta inglesa. – Não quero que se desculpe, não é sobre isso. Quero que você só me fale... – O jogador suspirou e encostou a testa na da namorada. – Talvez eu esteja errando aqui. Acho que estou. Só... só não precisa ter medo e...
– Dá última vez eu contei e você... – lembrou, o olhando nos olhos.
– Na verdade, não foi pela parte que você me contou, foi pela parte que eu vi e porque você não pediu desculpas.

Ela não respondeu.

– Mas não importa mais. – voltou a tomar o rosto da namorada nas mãos. – Só não quero que você tenha medo. Quando você tiver um problema, queria que viesse pra mim, não o contrário. Pra resolver juntos. – Ele suspirou. – Eu tô muito confuso com muita coisa agora, mas é só isso. É só me falar.
– Confuso com o quê? – ergueu os olhos para ele.
– Só volte a ser a inglesinha teimosa, mandona e cheia de razão, que me irrita, tá legal? – apertou os lábios em uma tentativa de sorriso, fugindo da pergunta dela. – Ela não fica intimidada.

assentiu com a cabeça e se afastou da namorada, dando partida no carro e voltando para a estrada, enquanto respirava fundo e tentava absorver a intensidade daquele momento.

❄❄❄


Sexta–feira, 31 de dezembro de 2021
JS-Kodit Oy, Miekkiöntie 150, 15700
Lahti – Finlândia



– Nesse momento eu tô repensando muito minhas escolhas de vida. – ofegou cansado, se jogando em uma pilha de almofadas ao lado de .

O jogador estava brincando com as crianças maiores, correndo de um lado para o outro e apesar do frio, estava suado e com respiração descompassada. , por sua vez, estava sentada em uma pequena mesa de madeira, colorindo uma paisagem com flores e um cachorro, junto a Yael, o garotinho que havia conhecido da última vez que havia estado ali. A inglesa não desviou os olhos do desenho quando o jogador caiu sobre um monte de almofadas ao lado deles, apenas sorriu e negou com a cabeça.

– O que vocês estão fazendo?
– Pintando. – respondeu enquanto escolhia o melhor tom de azul, concentrada.
– É a natureza. – Yael completou erguendo um lápis de colorir verde. – Lá de fora.
– Por que não é inverno na natureza? – se inclinou para mais perto da mesa, olhando melhor o desenho dos dois.
– Porque não tem flores no inverno. – respondeu como se fosse óbvio.
– Esse parece com o Felix, meu cachorro. – apontou o cachorro grande, pintado de preto e branco. As cores haviam extrapolado a margem, mas o jogador achou adorável mesmo assim e afagou os cabelos do menino. – Você quem pintou, Yael? Ficou bonito.
– Foi eu. – ergueu o olhar devagar, como se sentida por sua cuidadosa pintura ser confundida com a de um garotinho de quatro anos.
– Ah, amor... – abriu e fechou a boca, empático, mas precisou apertar os lábios para não rir, sendo empurrada pelo ombro pela namorada.
– Você vai trazer seu cachorro aqui? – Yael os interrompeu, chamando a atenção de ao puxar a manga de sua blusa. – Pra gente brincar com ele?
– É uma boa ideia. – O central sorriu, olhando abobado para o menino. – Acho que ele ia amar conhecer você.
– Quantos anos ele tem? – O menino tornou a perguntar.
– Está perto de fazer três anos. – Respondeu o jogador, apoiando o peso de seu corpo nos cotovelos, direcionando toda sua atenção para o garoto.
– Então, você tem que ter um bebê. – Yael falou, surpreendendo os dois adultos com aquela fala, fazendo com que e trocassem olhares confusos e surpresos. – Porque aí, quando ele for grande assim – o menino se levantou da pequena cadeirinha que ocupava e ergueu a mão, mostrando uma altura invisível, semelhante à sua. – Ele vai poder brincar com ele. Porque se não, ele vai ficar velho.
– O bebê ou o cachorro? – perguntou e Yael a olhou.
– O cachorro. – Explicou o menino. – Ele vai ficar velho e não vai querer brincar. Só vai querer ficar dormindo. Cansado.

olhou para a namorada, que retribuiu o olhar. Estavam derretidos, prestes a roubar aquela criança e se trancarem em casa pelo resto do inverno.

– Então acho que vou ter que ter um bebê. – embarcou no que Yael dizia, sorrindo ladino e inclinou a cabeça sobre o ombro e torceu os lábios para ele, mas no fundo achava graça.
– Eu vou gostar dele. – Yael continuou a falar, mas voltando-se a pintura, agora coloria o céu de azul enquanto falava. – A gente vai poder brincar.
– Acho que ele também gostaria de você. – olhava o menino com um sorriso apertado nos lábios e olhar.
– É só falar que sim. – arqueou uma sobrancelha para a namorada e maneou a cabeça.
– O quê? Como assim?
– É só falar sim e a gente tem. – Ele foi direto e claro, enquanto se sentava.
. – o encarou perplexa, depois piscou duas vezes, negou com a cabeça e voltou-se a pintura.
– Não, não pinta aqui. – Yael protestou, afastando as mãos da terapeuta.
– Por que não? – indagou séria, olhos sobre o desenho.
– Porque você vai pintar as árvores e eu vou pintar o céu. – Explicou ele, em tom de ordem.
– Mas eu tô pintando o passarinho. – Ela apontou.
– Mas o passarinho tá no céu, ele. – Indicou o menino. – Você não pode pintar no céu.
– Quem decidiu isso? – voltou a argumentar.
– Eu falei. – Yael ergueu os ombros. – Toma. – O menino trocou o lápis de cor vermelho que segurava por um tom de verde. – Você pinta com esse.

o olhou com olhos estreitos e apertou os lábios em um bico repreensivo, mas deu de ombros e voltou a pintar no tom indicado por ele.

– Vou perguntar ao Brian quem é essa criança nova. – implicou, apertando o joelho da terapeuta. – Ele ainda não me apresentou.
– Há, engraçadinho. – rolou os olhos, colorindo as árvores.
– Vocês estão iguais, como se fossem duas crianças. – sorriu. – Duas crianças bonitinhas. – O jogador apertou a bochecha da namorada.
– Eu não sou criança. – Yael interrompeu o momento. – Eu sou Yael. – Falou sério, fazendo os dois adultos rirem.

– Então vocês estão aqui. – Brian, o responsável pelo abrigo, se juntou a eles. – Parece que as crianças te deram um trabalho hoje, não é? Aposto que quase foi como um treino no gelo. – Ele riu.
– Na verdade, foi bem mais intenso. – riu pelo nariz. – Equivaleu a uma semana de treino.
– Eles estavam com saudades. – Falou o outro homem. – E é difícil achar por aqui alguém com tamanha disposição.
– Pode usar a disposição do sempre que quiser. – implicou sorrindo de lado e o namorado a empurrou pelo ombro, sorrindo e em seguida ficou de pé ao lado de Brian, entre ele e a pequena mesa que a inglesa ocupava junto ao menino.
– É uma pena que logo tenham que ir. – Brian voltou a chamar a atenção dos dois para si. – Imagino que já tenham planos para hoje. Não recebemos muitas visitas aqui, é sempre triste quando vocês se vão.
– Na verdade, não temos. – respondeu sem pensar, ainda concentrada na pintura, argumentando com Yael sobre como deveriam pintar o restante do desenho.
– Não? – Brian ergueu as sobrancelhas, confuso.
– É, na verdade, íamos passar as festas com a família, mas fiquei doente e as coisas precisaram... – Ele tentou escolher uma palavra que servisse. – Digamos que houve uma mudança. – explicou coçando a nuca. – Não pensamos em nada.
– Por que não ficam com a gente, então? – O rosto do homem mais velho se iluminou. – A maioria das crianças acaba dormindo mais cedo, não é tão animado, mas alguém ganhou um champanhe e escondeu na dispensa pra essa oportunidade. Não temos taças, mas os copos das crianças devem servir. – Propôs sorrindo.

procurou o olhar da namorada, que apenas sorriu fechado e ergueu os ombros, como quem diz “por que não?”.

– E então? – Brian o olhou com expectativa.
– Claro, acho que é uma boa ideia. – Assentiu o central, sorrindo.
– Maravilha. – Brian sorriu animado. – Vou avisar aos outros. – Disse e se afastou deles.
– Temos planos para o ano novo...– cantarolou sorrindo.
– Eu ia surtar se tivesse que passar mais uma festividade em casa, sozinho com você. – suspirou e recebeu um olhar incrédulo da namorada como resposta. – Sem ofensa, linda. É que eu gosto de estar com pessoas. Não que você não seja uma pessoa, no caso...

Ele se atrapalhou, riu baixo e negou com a cabeça.

– Que tontinho, ele. – Yael riu de modo teatral, arrancando risadas dos dois adultos.

❄❄❄


Era algo perto das oito da noite, e ajudavam os cuidadores das crianças com os preparativos para a noite. Trocas de roupas por pijamas, escovar os dentes, pentear e prender cabelos, calçar meias quentes. era boa naquela tarefa, também não ficava para trás. Espantava a inglesa o manejo que o namorado tinha, ajudando os garotos a se vestirem, penteando cabelos e colocando toucas e meias. Ele inventava uma história diferente para cada criança, falando da importância das meias e aqueles pequenos contos pareciam funcionar.
estava com Yael, penteando os cabelos do pequeno finlandês que estava sentado sob a pia do banheiro, manipulando e inventando histórias fantásticas com um dinossauro de brinquedo, vermelho e um pouco castigado pelo tempo. passava por trás dela vez ou outra, guiando uma criança para o lavatório e a orientando sobre a melhor forma de escovar os dentes. Enquanto esperava que a criança terminasse, o jogador implicava com a namorada, acertando gotinhas de água nela com a ponta dos dedos, ou bagunçando seu cabelo, apertando seu nariz, ou acertando devagar a parte posterior dos joelhos de , para que suas pernas vacilassem. Ele se aproveitava da situação, não poderia xingá-lo perto das crianças.

– Vamos. – falou a Yael, descendo o garoto da pia. – Você está prontinho, limpinho e com cheiro bom.
– A gente vai dormir agora? – O menino perguntou, provavelmente associando aquela rotina a hora do sono.
– Vamos descobrir juntos? – sorriu, andando com ele de mãos dadas pelo corredor.
– Você dorme comigo? – Ele propôs e a terapeuta o olhou surpresa pelo convite.
– Yael? Mas por que?
– A minha cama é grande. – Ele continuou a falar. – Você pode dormir lá.

🎵 Dê play na música aqui, e se necessário coloque para repetir. Heartbeat - James Arthur🎵


não respondeu, não teve tempo. Uma das cuidadoras veio buscar o menino para leva-lo para sabe-se lá aonde, apenas o observou se afastar enquanto vinha ao seu encontro, ajeitando a blusa de moletom que vestia.

– Ele acabou de me convidar pra dormir com ele. – Contou ainda tocada com o pedido.
– Mal sabe ele que você ronca demais. – Implicou o jogador, rindo abafado e o acertou com um tapa leve no braço, rindo também. – Posso te perguntar uma coisa? – Ele quis saber quando os dos voltaram a andar, em direção as escadas. O jogador passou um braço pelos ombros da namorada, a abraçando de lado.
– Você sempre pode.
– Já pensou em... – Ele hesitou, parou de andar, baixou o olhar e bateu uma das mãos no protetor de corpo, perto da escada. – ter filhos?
– Eu? – sorriu de lado e também se apoiou ao guarda corpo, de costas para o andar de baixo e encarando a parede a frente deles, estava a observando, com a lateral do quadril e um dos cotovelos apoiado ao guarda corpo, tronco inclinado.
– Eu sei o que você vai falar, sobre eu estar sendo emocionado, exagerado e tudo mais. – Ele riu com os olhos. – Mas achei que você leva jeito.
– Eu não ia falar isso. – negou, aproximando-se do namorado, que se endireitou para abraçá-la de novo. – Você sabe, sempre quis trabalhar com crianças e...
– Mas trabalhar com crianças e querer ter crianças são coisas diferentes. – Ele maneou a cabeça.
– Eu gostaria. – respondeu à pergunta dele. – Gostaria de ter filhos. As vezes até pensava nos nomes. – Ela admitiu sorrindo envergonhada.
– E qual vai ser? – a abraçou com força, sorrindo apaixonado. – Preciso saber se concordo. – Ele maneou a cabeça e o encarou com olhar repreensivo. – Não me olhe assim. – O jogador levou uma das mãos ao rosto dela e afagou a bochecha de . – Não é o tempo, é a pessoa. Eu já sei que vai ser você, sempre soube.
... – se derreteu, sorriu grande.
– Quer me falar o nome dos meus filhos agora? – O central sussurrou, colocando os lábios na pele da bochecha da namorada e ela assentiu.
– Eu gosto de Sophie, Claire, Philip, John... – Ela começou a listar.
– E Maria. – Ele completou. – É um nome de família, sabe? Família parte latina. – Explicou , ainda sorria apaixonado olhando para ela, tinha aquele olhar.
– Gosto dele, é simples, bom, claro e prático. – concordou. – Já temos os nomes então. – Ela piscou, olhando-o nos olhos.
– Vou ter que te apresentar pra minha mãe. – a olhou fixamente por alguns segundos, depois a abraçou forte, apoiando o queixo sobre a cabeça dela.
– Achei que já ia fazer isso. – riu, fingindo um tom surpreso.
– Ia. – Respondeu ele, sentindo a namorada se aninhar em seus braços. – Mas só reforçou. Ela vai querer conhecer a futura mãe dos netos dela.

riu alto, depois foi beijada carinhosamente nos lábios por , que parecia não saber se devia usar os lábios para sorrir ou beijá-la.

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Sexta-feira, 31 de dezembro de 2021
JS-Kodit Oy, Miekkiöntie 150, 15700
Lahti – Finlândia



As crianças menores não esperariam a virada do ano, por isso o jantar havia sido especial, uma espécie de celebração antecipada para que eles participassem. As nove e meia todos estavam em suas camas, prontos para dormir ou já dormindo, Yael era um desses. O garoto tinha se enfiado entre os cobertores com apoio de , que o tinha embalado como um burrito, enquanto fechava as cortinas e era guiado por ele na escolha de um livro para a leitura antes de dormir.
O menino havia escolhido O Touro Ferdinando. elogiou a escolha de Yael, mas , que ainda não conhecia, se contentou em apenas dizer que o filme era bom.

– Lê? – Yael esticou o livro de capa vermelha na direção da terapeuta e a olhou com ansiedade.

estava sentada perto dos pés do garoto, na cabeceira, com um dos braços ao redor do travesseiro do menino. Ele estava sozinho em seu quarto, por algum motivo só haviam outras três camas vazias junto a dele, perto o suficiente da janela para que pudesse ver a neve cair e o jardim da frente. segurou o livro em mãos, olhou para ele, desenhou com a ponta do dedo indicador o touro que estampava a capa. Então a inglesa ergueu o olhar, encontrando olhos ansiosos e dóceis dos dois garotos a sua frente, Yael e e então sorriu.

– Por que você não faz isso? – Perguntou em tom de sugestão, oferecendo o livro a , que olhou surpreso para a namorada.
– Eu? Mas por que?
– Você nunca leu. – Ela ergueu um ombro e antes que o jogador pudesse responder, o pequeno de olhos espertos já tinha pego o livro das mãos da inglesa e entregue para .

O jogador encarou o livro vermelho, depois ergueu os olhos para a namorada outra vez, que o estimulou com um sorriso de olhos, depois respirou fundo, ajeitou-se mais confortavelmente apoiando-se a cabeceira da cama. ocupou o outro lado, e então ele abriu o livro e pôs-se a ler:

– Era uma vez, na Espanha, um pequeno touro chamado Ferdinando. – O jogador fez uma breve pausa e então passou outra página. – Todos os outros bezerros viviam correndo e pulando e dando cabeçadas uns nos outros. Menos Ferdinando. Ele gostava de ficar sentado, bem quietinho, cheirando as flores. ergueu os olhos para , que sorriu de lado torcendo os lábios e arqueando as sobrancelhas. – Seu cantinho preferido no pasto era embaixo de um carvalho. Era sua árvore preferida. Ele passava o dia inteiro sentado ali, na sombra, cheirando as flores. Sua mãe, a vaca, às vezes ficava preocupada com Ferdinando. Não queria que ele se sentisse sozinho. “Por que você não brinca de correr, pular e dar cabeçadas com os outros bezerros? ” Perguntava ela. Mas Ferdinando respondia “Prefiro ficar aqui, quietinho, cheirando as flores. ” E assim ela entendeu que Ferdinando não se sentia sozinho. Por ser uma mãe compreensiva, mesmo sendo uma vaca, deixou que ele ficasse ali, quietinho e feliz.

❄❄❄


Estava perto do início da contagem para os últimos segundos para meia-noite. tinha os braços de ao seu redor, estavam na varanda, todos com olhos concentrados no horizonte, onde da cidade despontaria as luzes brilhantes dos fogos de artifício. A equipe do abrigo sorria e falava alto, também, mas conseguia apenas observar e sorrir. Tanto havia mudado desde o último réveillon...
Tinha se mudado de seu país natal, largado os amigos e tudo que conhecia e apreciava para um salto no escuro. Salto esse que se transformou em queda livre, em um buraco de coelho interminável que a jogou direto nos braços de . Tudo que planejou deu errado, e não se passava um dia sem que desse graças por isso. Em um ano havia mudado de ídolo e supremo crush, para um idiota narcisista. Seus planos e prioridades mudaram drasticamente, iniciaria o novo ano sendo amiga de um bando de homens de outra nacionalidade, atletas. E morando junto a um deles. Morando junto com seu namorado. Aquelas palavras eram tão estranhas ainda, soavam diferentes na língua. Morar com . Dividir a casa, a cama, a vida.
Seguiria o conselho dele e só pensaria sobre os dilemas éticos daquele evento depois da pausa para as festividades. Mas se antes, alguém dissesse que passaria por cima do código de ética por um homem, ela teria rido até a barriga doer, ou acertado um soco no queixo dessa pessoa.
Mas como dizer não a ele? Como dizer não ao homem que parecia realmente empenhado em ficar? Mesmo conhecendo seus defeitos, seus segredos, sua luz e sombra? A vida era mesmo dinâmica e a cada segundo passado ao lado dele era suficiente para faze-la pensar que tinha mesmo razão: não era o tempo, era a pessoa.
Com a terapeuta envolta em seu abraço, só conseguia sentir felicidade. Estava longe dos pais e da família pela primeira vez durante o ano novo, mas não se sentia mal por isso, ao contrário, se sentia livre. Era como se estar ali, naquela data, com sua garota, a garota com quem dividiria a casa e a vida, ter passado a tarde com as crianças e com Yael...era como se fosse um tipo de trailer da vida de um homem de família e amou aquilo.
Tudo estava diferente.
Não queria se apaixonar, se apaixonou. Não queria nunca mais que nada atravessasse seu caminho e se colocasse entre o time e ele, era exatamente onde estava. Nunca pensou em sair de Lahti, nos últimos dias era o que mais pensava. Não se reconhecia, mas não achava mais isso ruim.
parecia ter o poder de iluminar qualquer lugar onde estivesse, trazer luz para todo canto da vida de , principalmente os que ele queria esconder ou que achava que devia. Ela era perfeita em qualquer ponto de vista, bastava cruzar os olhos com os dela para que acreditasse que havia algo grande e bom lá em cima, porque só isso justificaria a existência de . Ela parecia ser especialista em encontrar maneiras de entorpecer todo e qualquer sentimento ruim que sentisse, não havia insegurança, dúvida, medo, ou qualquer tipo de dor quando ela estava perto. Sua presença era quente e confortável e com ela ele sabia que tudo ficaria bem, tudo sempre ficava.
Não se surpreendia por todos a querem, em todos os sentidos possíveis daquele verbo, até porque, ele não era diferente. Admirou e desejou aquela mulher da mesma forma, quando não a tinha e apenas podia a ver passar e existir no mistério longe dele. Mas agora, juntos, o tinha ajudado a encontrar um tipo diferente de amor. O fez sentir como se finalmente fosse suficiente. E a melhor parte era que, a olhava ali, entre seus braços, com dedos entrelaçados aos seus e só sabia, sabia que ela precisava e queria aquele tipo de amor tanto quanto ele.

O casal apenas se deu conta da contagem regressiva nos últimos segundos, e a primeira reação de ambos foi se buscar, olhar nos olhos e sorrir, para apenas depois se beijarem. Era o fim de mais um ano, o início de outro. O início do ano em que passariam juntos.

– Obrigada. – agradeceu segurando o rosto do namorado com delicadeza, sorrindo para ele ao partirem o primeiro beijo do ano. – Obrigada por ter transformado minha vida do modo mais mágico e incrível nesses últimos meses.
– Você quem fez isso. – sorria grande, olhava a mulher nos olhos, estava completamente entorpecido de felicidade. – Você faz eu querer ser alguém melhor todo dia desde que entrou na minha vida.
– Eu não podia ter feito uma escolha melhor. – sussurrou contra os lábios dele depois de ter o beijado novamente. – Afinal, em que outro universo eu poderia ter passado o ano novo com meu namorado em um abrigo. – riu contra os lábios molhados dela.
– Eu sei que você é a mulher certa porque nem mesmo piscou antes de aceitar essa ideia maluca. – O capitão riu e a terapeuta o imitou, deixando que sua cabeça pendesse para trás, aproveitou a oportunidade e a beijou no pescoço.
Minä rakastan sinua. – Declarou ela e capitão riu alto. – Ikuisesti.


I guess we never saw this coming

You'll always be my number one
A whole lot more than good enough
[…]
With you, I'm happy being me
Don't pretend, 'cause I don't need to
I'm a thousand miles from home, never on my own
When you whisper down the phone
Well, I guess we never saw this coming
(Better Half of Me – Tom Walker)



Sábado, 01 de janeiro de 2022
Trajeto Lahti – FI para Viipuri (Vyborg), província de Leningrado – RU
Lahdentie/Trajeto 6



🎵 Dê play na música aqui, e se necessário coloque para repetir. Ocie Elliott – A Place🎵


Estavam na estrada rumo a casa dos , enfim.
Depois de promessas, planos, um “término”, uma doença, brigas e reconciliações, o natal e ano novo, enfim estavam indo para o melhor lugar do mundo para o jogador. Era uma viagem de quase três horas que estava durando mais que isso graças a inúmeras paradas no trajeto. Não estavam passando pelo caminho perto da costa porque queria apresentar Lappeenranta à namorada. Também queria apresentar todas as suas lanchonetes e paradas favoritas na rodovia e na volta fariam o caminho pelo mar.
Aproveitavam o tempo no carro para conversar sobre qualquer aleatoriedade que lhes vinha à mente. tinha passado um bom tempo explicando a namorada sobre seus primeiros anos no time, sobre os jogos bons e ruins, os desafios de adaptação junto a seleção finlandesa – a qual havia sido naturalizado assim que teve idade suficiente para jogar campeonatos mundiais. havia prestado atenção e comentado cada episódio, cada jogo e campeonato e medalha olímpica. Tinham até conversado sobre como poderiam ter se conhecido antes, ao menos pela TV, quando a terapeuta acompanhava os jogos de inverno. Mas obviamente não perderia tempo assistindo uma modalidade esportiva que não entendia.
Conversaram sobre a adoção de Felix, sobre gostar mais de gatos do que de cachorros e sobre como isso era um clichê entre as mulheres da idade deles, na opinião do capitão. Sobre detestar toda a saga de Velozes e Furiosos e filmes com violência injustificada, adorar Bob Esponja e seriados de humor, sitcoms e animações antigas. Sobre amar brincar de forca, pintar coisas e criar cenários em sua cabeça. Sobre os dois amarem chocolate amargo, hambúrguer, odiarem água com gás e águas saborizadas e se sentirem mal sempre depois de tomar refrigerante.
Sobre nenhum deles gostar de bêbados extrovertidos demais e sobre como o céu ao amanhecer é infinitamente mais bonito do que qualquer coisa. Sobre as situações constrangedoras onde flagraram os pais em momentos íntimos, sobre como havia sido uma criança curiosa e como tinha sangramentos inexplicáveis no nariz até perto dos quinze anos de vida.
Era bom.
Enquanto riam ou quando estavam em silêncio contemplando a paisagem e ouvindo a playlist escolhida por ela, o central se pegava olhando de canto para a namorada e sorrindo. Ele não conseguia parar de sorrir. Era bom estar ali, vivendo o momento, passando um tempo juntos sem interferência de qualquer outro ser vivo além de Felix, que estava no banco de trás. Geralmente o cão ocupava o banco ao lado do dono, mas agora aquele lugar tinha uma dona inteligente, extrovertida, engraçada, que fazia a viagem ficar curta e sentir vontade de errar o caminho apenas para ficarem mais tempo ali, juntos.
Na noite anterior, cerca de duas horas após a virada de ano, o casal havia retornado a casa – casa que agora seria deles. Enquanto voltavam, haviam conversado um pouco sobre não poderem se assumir. O assunto tinha tido início quando Brian, do abrigo, perguntou se poderia publicar a foto onde apareciam juntos e abraçados e havia negado como quem nega um caso extraconjugal. A conversa não podia ser chamada de briga, mas também não tinha sido exatamente amistosa. repetiu todos os motivos éticos para não se assumirem e que já sabia o que precisava fazer, que não era preciso que o namorado a pressionasse mais. , por sua vez, se sentiu atacado injustamente e as trocas de justificativas dos dois havia durado todo o percurso.
Depois de chegarem, se trocarem, enquanto o capitão cuidava de Felix antes de dormir e a namorada já ocupava a cama dos dois, pensou sobre o acontecido. Estava chateado, também, mas haviam decidido pensar e falar sobre aquele problema depois. Não queria pesar o clima antes de irem para Viipuri, principalmente passar quase três horas no carro brigando ou brigados. Mas quando veio para a cama, enquanto já estava deitado e tomando coragem para dar o primeiro passo em direção a um pedido de desculpas, se virou para o seu lado e lhe esticou o próprio celular.
Ela tinha o olhar ansioso de uma criança antes de saber se levaria ou não uma bronca, e lhe ofertava o celular desbloqueado em sua página de uma rede social. “Eu não posso dizer seu nome, mas posso dizer que existe você e o quanto eu sou feliz por ter você aqui.” Fora o que a terapeuta disse enquanto o capitão lia a legenda das fotos que ela havia postado em sua página. Eram fotos do ano novo, fotos que não davam clareza sobre quem posava ao lado de , mas que mostravam que havia alguém. pensou que para os que já desconfiavam aquilo seria uma confirmação, para os que conheciam os dois não custariam a descobrir a verdade. Mas pensou que não seria uma boa ideia mencionar aquilo a àquela hora da noite, quando principalmente, havia sido uma ação tão bem-intencionada. então sorriu, a beijou na testa, na ponta do nariz e depois nos lábios, segurando o lábio inferior da namorada entre seus dentes por alguns segundos e depois sorriu de novo, contra os lábios dela. “Eu adorei, Rakkaani.” disse ele.
Estava feliz.
Era uma vida tranquila e boa, não lhe faltava nada naquele momento ou nos próximos – provavelmente. O tédio de uma vida boa. Achou que só pudesse viver aquele sentimento estando sozinho, que se estivesse apaixonado a vida não teria espaço para paz, mas era o contrário. Dormir e acordar sem novidades, apenas descobrindo como funcionavam juntos, desvendando a personalidade dela e descobrindo todas as coisas a seu respeito. Era uma vida boa.

🎵 Dê play na música aqui, e se necessário coloque para repetir. Gavin James - Always🎵


– E aqui estamos. – avisou ao passarem por uma placa na estrada. – Lappeenranta.

se inclinou para a janela, observando com mais atenção a paisagem a sua volta.

– O mundo é mesmo gigante, não é? – Ela sorriu ainda contemplando a paisagem e a olhou de canto, sem conseguir tirar do rosto o sorriso. – Todo dia você pode ser surpreendido por algo novo que jamais imaginou que pudesse acontecer. Já pensou sobre isso? – Ela se virou no banco, encontrando o namorado sorrindo como um bobo.
– Não sei, acho que sim. – Ele deu de ombros, mas só porque preferia ouvi-la falar em vez de falar.
– Eu nunca imaginei que viveria metade de todas essas coisas. – Ela sorriu e voltou a contemplar a vista, distraída. Estava empolgada como uma criança e aquilo talvez fosse uma das coisas que mais amava na inglesa, como ela era simples e pura de intenções na maior parte do tempo. – Você já pensou? Podia imaginar que estaríamos aqui?
– É, eu não pensava que traria alguém para a casa dos meus pais nos próximos dez anos. – Ele comentou sorrindo e se ajeitou no banco, olhando para ele.
– E aí, uma garota aleatória na Inglaterra resolve aceitar uma vaga de trabalho esquisita e bem suspeita, com um chefe estranho e de repente você tem um novo colega de quarto e alguém bagunçando seu banheiro. – A terapeuta riu.
– Ah, então você reconhece. – balançou a cabeça positivamente. – Você está reconhecendo, .
– E quando eu neguei. – Ela riu erguendo os ombros, como uma criança e o namorado negou com a cabeça, rindo também.

Haviam algumas versões de que já conhecia: A mandona, que queria controlar tudo, achava que sempre sabia o que era melhor e era dona da razão – tinha se interessado por essa, ela fora a primeira versão a conhecer; tinha a engraçada, um pouquinho desajeitada e ansiosa, insegura e alerta, que pensava que algo iria mal, ou que estavam contra ela – essa fora a segunda verão que conheceu e foi a união das duas que o fez se apaixonar; também tinha a compreensiva e inteligente, acolhedora, que parecia aqueles personagens sábios de filmes, onde se recorre por ajuda e conselhos – conheceu essa depois de ter ganhado as duas primeiras; e então aquela que estava ao seu lado durante a viagem, a que era apenas a .
Aquela era sua favorita.
Ela era mais humana, era doce e simples, errava e ria, se impressionava com o nascer do sol ou com o pôr do sol, admirava as cores do céu como se tivesse passado a vida sendo cega. Admirava as árvores e as flores que encontrava na rua e apontava, mostrava ao namorado como fazem crianças pequenas descobrindo o mundo. Ela tinha um quê de criança, de infância, era como se estivesse sendo uma. não era o cara mais entendido de psicologia ou essas coisas da mente, era a parte inteligente do relacionamento. Mas parecia que a sempre tão certa, rígida, cuidadosa e atenta inglesinha, às vezes, quando se sentia segura ou bem o suficiente, se transformava.
Tinha se apaixonado pela versão madura, mas amava mesmo era aquela ali. Que olhava pela janela empolgada e rindo como uma boba, apontando para cada prédio colorido ou para os barcos pesqueiros ancorados no lago, como se fossem a coisa mais fantástica do universo. E o motivo disso era simples. A primeira versão não queria nada ou ninguém, não queria ajuda e nem precisava de cuidados, ela já tinha tudo sob controle; a segunda versão preferia dar seus jeitos – errados – a pedir ajuda, insistia em resolver tudo sozinha a sua maneira; a terceira não precisava de ajuda, ela era a ajuda, ela tinha todas as respostas, você corria porque precisava dela, não o contrário; mas a quarta era diferente.
Podia ser um pouco machista e ele pensava sobre isso vez ou outra – por mais que ninguém fosse acreditar se contasse. Mas sentia, bem no fundo, que podia cuidar daquela versão da sua garota. Podia levá-la para passear, para jantar, prestar atenção em cada coisa que ela lhe mostrasse, ouvir sobre todos os assuntos aleatórios que ela quisesse falar. Sentia que aquela versão precisava dele, que ela estava disponível, alcançável. Aquela parte de não se mostrava para todos. Não sabia se quando estava a sós com Santtu e os outros, se ela aparecia. Por que, nem mesmo quando estavam a sós, algumas vezes ela não lhe dava as caras. Mas felizmente, naquele dia, ela estava no controle, a versão que mais amava. A saltitante.
Sentia-se estranho também, porque algo em sua cabeça dizia que, amar mais a versão da namorada que o remetia a infância devia ser um problema – sério. Mas evitava pensar em coisas chatas quando estava ao lado dela.

– Vou te levar pra almoçar. – Ele anunciou entrando em uma rua de blocos, com casas construídas de pedras para estacionar.
– Sério? – se virou para o namorado, empolgada. – Aonde vamos? O que tem para comer aqui? O mesmo que em Lahti?
– Por que você não tenta adivinhar. – Ele sugeriu sorrindo de lado. – Se acertar, pode fazer um pedido.
– Um pedido? – arregalou os olhos e sorriu mais a medida com que compreendia a fala do namorado, enquanto ele estacionava e soltava o cinto de segurança.
– É. – apoiou um braço no volante e se inclinou para a namorada, sorridente.
– Que tipo de pedido é esse? – se soltou do cinto e o olhou ao falar. – Do tipo, qualquer um? Ou um pedido de uma coisa? – Ela se agitou no banco, erguendo um dedo. – Já sei, algo na sua cidade? Tipo, um pedido lá? Ou na casa dos seus pais.

riu, inclinando a cabeça e fechando os olhos.

– Um pedido, meu amor. – Ele respondeu, esticando-se para segurar o rosto da namorada e a beijar. – Um pedido. O que você quiser. Qualquer coisa. – Ela apertou os lábios surpresa e ergueu as sobrancelhas. – Do tipo, você encontra um gênio e ele te concede um pedido.
– E eu posso usar em qualquer momento? – Ela tornou a perguntar quando se desvencilharam, se preparando para descer do carro.
– Se você acertar, sim. – respondeu se espreguiçando. – Amigão, você vai ter que esperar aqui. – O jogador falou com Felix, abrindo a porta e afagando entre as orelhas do cachorro. – Vai ficar bem, não vai?

Ele sorriu para o cão, enquanto contornava o carro e parava ao lado dele, abraçando o namorado pela cintura e sorrindo para Felix também. fechou a porta do carro, mantendo a janela um pouco aberta e acenou para o cachorro dobrando os dedos e sorrindo.

– E então, qual seu palpite? – a incentivou, beijando a cabeça dela, que agora estava coberta por uma touca vermelha.

Os dois vestiam roupas grossas e casacos pesados. O casal andava lado a lado, com um dos braços ao redor da cintura de , que tinha uma das mãos no bolso do casaco pesado que vestia e a outra sobre os ombros de , a inglesa mantinha os dedos entrelaçados com os dele ali.

– Vai ter batatas. – Ela falou. – Isso é uma certeza. – riu e a acompanhou, beijando sua cabeça outra vez enquanto andavam pela rua. – Você parece estar se divertindo muito com isso, então... – Ela fez uma breve pausa, tentando pescar qualquer resposta nas entrelinhas do comportamento do namorado.
– Eu me divirto com você, é só isso. – tentou se defender, mas a terapeuta rolou os olhos e riu.
– Eu vou chutar uma coisa nostálgica. – Ela continuou. – As ajudantes do Papai Noel de novo. – respondeu confiante. – Tem significado. Acho que quando a gente casar, devia ter isso no cardápio, porque é um prato com significado para nós dois. – Falou pensativa.
– Obrigada, Deus. – olhou para os céus teatralmente. – Os milagres de uma viagem de carro pra Lappeenranta.
– Do que tá falando? – A inglesa riu confusa.
– Você não falou se a gente casar, falou quando. – apontou vitorioso. – Até o final dessa viagem você vai ter me pedido em casamento. – riu alto e depois mostrou a língua ao namorado, que também ria.
– E estamos andando na rua, abraçados, como um casal normal. – Ela percebeu, chamando a atenção dele.
– Vamos nos mudar? – parou de repente, ficou frente a terapeuta inglesa e segurou suas duas mãos. – Porque eu tô gostando dessa nova fase.
. – sorriu apertando os lábios e levou as mãos ao rosto do namorado.
– É, eu sei. – Ele maneou a cabeça e rolou os olhos, sorrindo fraco. – Só estou brincando, queria ver sua reação. – negou com a cabeça, ainda sorrindo fechado. – Mas tanto faz. O importante aqui é que eu te devo um pedido. – Anunciou ele, olhando para o lado, haviam parado frente a um restaurante com ares aconchegantes e interior quente, com fachada de vidro. buscou o olhar do namorado e sorriu. – E então, meu amor?
– Eu acertei mesmo ou você só parou aqui porque sabe que servem carne de rena? – Ela estreitou o olhar, agora estavam de mãos dadas outra vez, parados na calçada, olhando para o interior do restaurante.
– Eu não faria uma coisa dessas. – fingiu-se de ofendido. – E aqui tem um hambúrguer ótimo também.
– Bom, a escolha é sua. – deu de ombros e sorriu, abraçando o braço do namorado e se aproximando mais dele, apoiando o queixo em seu ombro. – Já que eu posso pedir algo que você não queira. – Ela o testou.
– Acho difícil isso acontecer, você não é tão cruel. – Ele riu encarando o restaurante. – Não é, né? – a olhou alarmado, depois de pensar um pouco e a namorada riu alto.
– Eu não sei, mas preciso pensar bem no meu desejo. – deu de ombros. – Não posso desperdiçar.

sorriu, olhou para a inglesa e levou uma das mãos ao seu rosto, afagando a bochecha e assistindo um lindo sorriso se formar em seus lábios e olhar. Gostava quando era aquela versão dela que assumia o controle, o olhar mudava, ficava mais brilhante e ela sorria com os olhos – de verdade.

– Você tem todo o tempo do mundo, meu amor. – sorriu e se derreteu.
– Você pode me chamar assim sempre. – Ela puxou uma das mãos dele, que ainda tinha os dedos entrelaçados aos seus e a beijou com delicadeza. – Amo quando me chama de Rakkaani, é mais uma das nossas coisas, mas...
– Mas... – Ele a incentivou.
– Tem algo no jeito com que você fala meu amor. – Ela maneou a cabeça e uniu as sobrancelhas rapidamente. – É diferente.

O central pensou antes de responder.

– Eu gosto do som delas quando é pra você. – Declarou a abraçando pela cintura e apoiando o queixo na cabeça da terapeuta, depois de beijar sua testa. – É pra te lembrar que você é o meu amor. O meu. Que me pertence e que eu sou seu também.
– Geralmente as pessoas falam isso durante os votos. – brincou, tentando disfarçar seu estado de êxtase com aquelas palavras. – Tipo num casamento, sabe?
– Eu posso falar isso a vida toda. – baixou o rosto para olhá-la nos olhos, não conseguia tirar dos lábios o sorriso. – Posso fazer melhor, na verdade. – Ele piscou, confiante.
– Ah é? – sorriu.
– Posso te mostrar isso todo dia, pro resto da vida. – Respondeu a olhando nos olhos.
– Eu quero viver pra sempre nesse momento. Nesse dia. Nesse lugar. Nessa calçada, em frente a esse restaurante cujo nome eu não sei pronunciar. – Ela brincou e ele riu pelo nariz. – Minha nossa, . – tomou o rosto dele nas mãos. – Como eu amo você.

A terapeuta inglesa o beijou tentando transmitir a ele toda felicidade que sentia naquele momento. Mas não era preciso, já sentia só por seu olhar. Depois de um beijo apaixonado e intenso em todos os sentidos possíveis da palavra, o finalizou com dois beijos curtos e rápidos, até se afastarem de vez. Então o capitão abraçou a namorada de lado, pelos ombros e começou a dirigi-la para dentro do restaurante.

– Esse lugar tem a melhor carne de Lappeenranta. – Contou animado o jogador. – Você vai amar.
– Vamos ver se eles conseguem bater a sua. – Ela falou e riu alto. – Ninguém cozinha as ajudantes de Papai Noel melhor que você.
– Eu já te contei como chamamos o Papai Noel aqui? – se lembrou daquela curiosidade e o encarou curiosa. – Joulupukki, meio que literalmente significa bode de natal.
– Você tá brincando. – riu surpresa ao passarem pela porta do restaurante. – Como isso é possível?
– Então, é que....

❄❄❄


Sábado, 01 de janeiro de 2022
Casa dos
Viipuri (Vyborg), província de Leningrado – RU



Foi só quando o carro de parou em frente a uma casa grande, com jardim grande e bem cuidado que se deu conta do que estava prestes a fazer. Nunca antes havia sido apresentada a família de alguém como a namorada, a escolhida, a qualquer coisa. Na verdade, não costumava ser muito escolhida.
Mas fato era que, a terapeuta inglesa não fazia ideia do que fazer, como fazer. Conhecia Inessa, mas depois de toda situação entre e Atte, não sabia como a irmã mais velha do namorado se portaria. Também não sabia se os pais do jogador eram do tipo ciumentos, se a mãe era serena e o pai engraçado, ou se eram duas pessoas difíceis de lidar. Se eles se parecessem com e a tratassem com silêncio nos primeiros momentos, morreria. Também tinha aquele grande elefante azul e usando chapéu, o pequeno problemão de os dois não poderem estar juntos de verdade. Não havia perguntado a sobre, não sabia se além de Inessa os pais já sabiam sobre aquela questão.
Quando o jogador abriu a porta para Felix e depois a porta de , esperando que ela descesse com um sorriso animado e lindo no rosto, orou para que Deus a ajudasse a manter as pernas firmes e não se estabacar bem na frente da família . Para sua sorte ou azar, a conhecia bem e pareceu perceber a tensão que havia se instaurado sobre a namorada.

– Ei, tudo bem? – Ele quis saber assim que fechou a porta do carro. encarava de olhos estatelados a porta da casa, decorada com uma guirlanda bonita.
– Eu não sei se consigo fazer isso. – Admitiu de uma vez.

riu fraco, surpreso e confuso.

– Como assim? – Ele perguntou, entrando no campo de visão da namorada. – Não consegue fazer o quê?
– Isso. Tudo isso. – começou a falar nervosamente. – Conhecer seus pais. Eu não sei se consigo. Eu...tem essa coisa horrível de estarmos fazendo algo errado, de sermos do time. De eu ser do time. – Ela enfatizou apontando para si mesma. – E eu ainda me embolo muito falando finlandês, imagine só se eles começam a falar em russo? Eu não... foi uma péssima ideia.
. – falou com firmeza, sem sorrir, mas apenas para garantir que capturaria a atenção dela. – Você confia em mim? – Ele a olhou nos olhos.
– O quê? – Perguntou o olhando perdida. – É claro que sim.
– Então só relaxa. – O capitão sorriu, depois beijou rapidamente a testa da namorada. – Só relaxa e confia em mim.
– Mas , eu... – Ela tentou argumentar.
– Relaxa. – Ele pediu outra vez, usando seu tom mais sereno e manso.

O jogador segurou com firmeza a mão da terapeuta inglesa e quando os dois estavam perto dos três degraus que levavam a pequena varanda na frente da casa, a porta grande e verde fora aberta. fez um rápido contato visual com uma mulher morena de sorriso pequeno e olhos alegres, o olhar era diferente, mas os olhos eram iguais no formato aos de . A mulher – pela idade que aparentava – devia ser a Senhora . Ela afastou o olhar de tão rápido quanto a terapeuta, talvez também estivesse nervosa com aquele encontro, e então olhou e sorriu para o filho.
se soltou de para abraçar a mãe. Por causa da diferença de altura, o jogador precisava se curvar para caber nos braços da mãe, que fechou os olhos para abraçá-lo.

– Vocês demoraram muito. – A matriarca observou, ainda sorrindo e abraçada ao filho.
– Quis aproveitar a viagem. – maneou a cabeça e levantou um ombro. – E o meu pai? Inessa e Alicia?
– Inessa está lá em cima, Alicia foi a casa de uma amiga e seu pai está lá dentro. – A mulher apontou para trás de si e em seguida levou a mão para uma correntinha que usava, segurando seu pingente enquanto falava com o filho. – Vamos entrar. Está congelando aqui fora.
– Vamos, é. – assentiu, voltou-se para a namorada e a trouxe mais para perto, conduzindo-a com uma das mãos em suas costas. – Mãe, essa é a . – O jogador sorriu tímido, olhando da namorada para a mãe. prendeu a respiração.
– A famosa. – A mais velha sorriu com educação, estava um pouco engessada, a forma com que ela olhava do filho para a inglesa a denunciava.

Houve um breve silêncio até que cutucasse , lembrando-a de responder a mãe do namorado e respirar.

– Olá, Senhora . – esticou a mão para um cumprimento. – É um prazer enfim conhece-la, sempre fala muito da família. – Ela disse rápido e sem parar.
– É, ele também fala de você. – Respondeu a mãe, talvez tivesse percebido o nervosismo de . – Vamos entrar, vamos. – Ela tornou a chamar e lhes deu as costas, esperando que o casal a seguisse.
– Meu Deus, ela me odiou. – sussurrou ao namorado, ficando ainda mais nervosa.
– Não, claro que não. – negou e deu de ombros, empurrando a namorada para dentro. – Ela até sorriu.
, ela me detestou. – repetiu congelada. – Meu Deus, ela me detestou.
– Que nada, pare... – O namorado discordou outra vez, guiando-a para a grande sala da casa e a ajudando a se desvencilhar dos casacos pesados.

A casa lembrava a de – e agora também sua – quanto a quantidade de fotos de família, decorações de natal e quadros de prêmios e troféus do filho jogador. Era ampla e bem decorada, mas não passava a mesma mensagem minimalista que a casa do capitão em Lahti. não conhecia muitas casas russas para comparação, mas imaginou que as de famílias mais abastadas deviam se parecer com aquela.
Havia uma sala ampla com uma TV grande e uma lareira quase tão grande, decoração de natal por todos os móveis, tapetes grandes e coloridos ao estilo oriental da coisa. Felix parecia familiarizado e instalado em um lugar perto da lareira, que parecia ter sido colocado ali para ele, a espera dele. Na sala havia uma escada que levava para o andar de cima, da sala também saia um corredor curto de onde se podia ver uma ampla sala de jantar com uma mesa longa e um lustre bonito e uma cozinha aberta, muito equipada. A cozinha fazia a terapeuta inglesa se lembrar da cozinha aconchegante e calorosa de sua avó.
Do lado de fora, através das janelas grandes e de vidro impecavelmente limpo, podia-se ver um grande quintal com duas ou três árvores e o que parecia ser um jardim, que estava coberto de neve. Era o meio da tarde e o céu estava pesado de nuvens, o vento frio era cortante, mas parecia menos intenso que em Lahti. Viipuri ficava mais ao sul, então parecia um pouco mais quente para a terapeuta.
Viipuri ficava distante cento e trinta quilômetros de São Petersburgo, e trinta e oito quilômetros da divisa da Rússia com Finlândia, onde o canal de Saimaa entrava no golfo da Finlândia – segundo . Não conseguiu ver o canal no caminho, o namorado dissera que talvez na volta conseguiriam. Mas grande parte do trajeto até a casa dos pais de fora ao redor da Baía de Viipuri, que era grande, cheia de barcos de passageiros e pesqueiros. Passaram por pontes antigas, e na cidade tudo era diferente. Era mais parecido com Lappeenranta do que com Lahti, mas mesmo assim era diferente. Parecia um amontoado de casarões colocados em qualquer lugar, não haviam muitos prédios novos e tecnológicos. Lembrava as vilas italianas paradas no tempo, mas sem seu charme e cheiro de comida.
As pessoas nas ruas pareciam pessoas comuns, mas ao mesmo tempo eram diferentes no jeito de se portar, nas roupas. Era diferente. havia percebido o estranhamento da namorada e a tinha dito que era uma cidade pequena, de interior, que sofrera muitas consequências de guerras e conflitos civis. Que era realmente diferente e provavelmente diferente de qualquer outra coisa que a inglesa conhecia. não pôde discordar, mas passou boa parte do resto do percurso pensando sobre porque ainda gostava tanto daquele lugar, porque seus pais ainda moraram naquela cidade e não em Lahti, que apesar de pequena era muito mais interessante.
De volta ao presente, quando entraram na cozinha, um cheiro forte do que parecia ser chá encheu o nariz de . Lá estava um homem de sua altura, mas mais baixo que o namorado, branco, com olhos azuis, bigode, significativa falta de cabelos e os que restavam eram brancos e nariz pequeno. Era um homem estranho, talvez pelo formato do nariz e dos lábios ou o conjunto da obra, mas uniu as sobrancelhas e inclinou a cabeça sobre o ombro por alguns segundos, lembrando-se dos castores de As Crônicas de Nárnia. Era o pai de . O russo havia sido um pouco mais cordial, sorrindo e sacudindo a mão da terapeuta com animação. Ele usava uma camisa xadrez e não conseguia parar de olhá-lo e pensar sobre a semelhança dele como um castor, ou com um rato – ao menos quanto ao seu nariz.
Estava tão alheia as comparações em sua cabeça, que sequer havia notado que e seus pais falavam em um idioma desconhecido. Quando percebeu, olhou do capitão para os outros dois, depois de volta ao capitão. Os três pareciam falar sobre um assunto sério, sem risos ou expressões relaxadas, mas não sério demais para expressões sisudas. falava, erguia os ombros e negava com a cabeça devagar, como quem não sabe ou não concorda com algo, era difícil dizer analisando por fora, pensava .

Mas fato era, aquela situação só a deixava mais nervosa. Imaginava os pais a criticando e dizendo ao filho o quanto aquela garota não era boa para ele, aproveitando-se de que não entendia sua língua. Na verdade, o fato de não entender já devia ser um sinal e tanto para os .

– Você quer chá? – perguntou de repente, como se não estivessem a ignorando desde então.
– Eu? – quis se certificar, tonta. – Sim. Sim, adoraria. – Ela assentiu rápido.

Agora falavam em finlandês e a inglesa precisava se esforçar muito para traduzir, pensar em uma resposta e então se concentrar para dize-la corretamente. Era mais fácil com as crianças, no abrigo, se errasse ou se falasse com muito sotaque, ninguém a julgaria. Yael, por exemplo, tinha ensinado a ela todas as cores em finlandês antes que começassem a pintar juntos. Mas ali, ao contrário, sentia-se sob muita pressão.

– Então, ? – O pai, Ivan, ergueu as sobrancelhas antes de entregar a inglesa uma caneca grande de chá.
– Sim. – Ela assentiu. – Obrigada.
– Você é inglesa, nos disse. – Ele continuou. – De Londres?
– Não, de Birmingham, na verdade. – se esforçou para controlar seu sotaque e soar simpática ao mesmo tempo. – Cresci em Birmingham.
– Sua família ainda é de lá? – A mãe perguntou dessa vez. Ema estava de costas para os três, organizando algo perto da pia e ao fazer essa pergunta, se virou, apoiando o corpo e cruzando os braços sobre o peito. buscou o olhar do namorado antes de responder, mas tinha a cabeça inclinada, olhava para os pés e tinha as duas mãos apoiadas a grande ilha no centro da cozinha.
– Sim, meus irmãos e meus pais ainda moram lá. – A inglesa sorriu e provou o chá, vendo que era bom. – Está ótimo o chá.
– É chá preto. – Ivan respondeu orgulhoso. – Vocês ingleses gostam de chá, não é?
– Muito. – assentiu sorrindo e vendo o homem mais velho sorrir também.

Podia ter dito que os chás ingleses eram diferentes, mas não tinha vocabulário suficiente para explicar a diferença para os dois. Achou também que se tentasse, poderia soar arrogante e preferiu ficar em silêncio.

– Como foi a viagem? – O pai tornou a perguntar e ergueu o rosto e encarou o mais velho outra vez.
– Foi okay, paramos muito para aproveitar o caminho. – O central contou resumidamente. – Mostrar Lappeenranta pra ela e as paradas no caminho. Também tinha muita neve na estrada, precisei vir devagar.

e seu pai começaram uma conversa sobre algo relacionado a neve e estradas, coisas de carros e dificuldade para dirigir, mas a maioria daqueles termos e palavras eram desconhecidas a e ela preferiu encarar o fundo de sua caneca de chá preto. Ema parecia tão interessada quanto a terapeuta.

– Lahti, como está? – Ivan voltou a se referir a visitante.
– Fria. – respondeu rápido, sorrindo.
– Sempre é mais fria que Viipuri. – O pai riu. – Deve estar cheia de turistas.
– Não tanto quanto ano passado. – respondeu, esticando um dos braços e envolvendo os ombros da namorada.

Nesse momento, Inessa surgiu como um trovão na cozinha. Primeiro seus passos fortes descendo as escadas foram ouvidos, depois sua presença marcante que chegara a cozinha como um vendaval.

– Você chegou! – A golfista sorriu e abriu os braços para receber , falando com a terapeuta em inglês. – Achei que só viriam para o ano novo do próximo ano. – Depois de abraçar , Inessa abraçou o irmão calorosamente.
– Uma mudança de planos. – respondeu na língua materna da namorada.
– Um pouco de chá, Ness? – Ema ofereceu, falando finlandês e Inessa negou com a cabeça.
– Quer biscoitos, ? – O pai pareceu se lembrar e esticou a uma lata com biscoitos. – São de leite. Vocês ingleses gostam de chá e biscoitos, não é? De feijão também, não é? Mas aqui não temos muito isso. – Ele começou a explicar e a cada palavra compreendia menos.
– Na verdade, eu me acostumei com a comida finlandesa, então... – Ela tentou dizer, sentindo-se estúpida com seu sotaque ruim.
– O que vocês estão fazendo? – Inessa riu, inclinando-se para roubar um biscoito. – Coitada. Fale em inglês, pai. – Pediu no idioma de .

congelou, olhando alarmada para os outros três na cozinha, olhou para os pais, a espera de uma resposta, Ivan deu de ombros e a mãe lhes deu as costas, inclinando-se para ajeitar algo na lava-louças.

– Como eu estava dizendo, nós aqui não temos feijão... – Ivan retomou em seu inglês com o seco sotaque russo, mas que soou como música aos ouvidos de .

❄❄❄


Sábado, 01 de janeiro de 2022
Casa dos
Viipuri (Vyborg), província de Leningrado – RU



Depois de um chá constrangedor, para se dizer o mínimo, e enfim subiam para seus quartos. Ema estava com eles, andando a frente do casal, guiando pela escada e corredor, andava atrás das duas, com as malas da terapeuta inglesa. No segundo andar, assim como no primeiro, haviam várias fotografias de família, fotos de jogos e vitórias de e algumas de Inessa, onde ela jogava golfe e ostentava troféus. não conseguiu conter seu lado terapeuta, pensando sobre como aquele contexto devia ressoar em Alicia, a filha caçula.
A matriarca da família não parecia exatamente feliz ou animada ao levar a hóspede para seu quarto. Ema estava silenciosa, como esteve durante a maior parte do tempo na cozinha. A mexicana guiou o casal para o fim do corredor, duas portas à esquerda, depois da escada. Ema abriu a porta e falou:

– Você fica aqui. – Falou em finlandês e o filho, que estava ao lado da namorada, torceu os lábios.
– Mãe, inglês, lembra? – Pediu e Ema o olhou, depois afastou o olhar, piscou demoradamente e mirou , que ouvia tudo sem jeito.
– Você fica aqui. – Ema estava segurando a maçaneta, com corpo apoiado a porta.

sorriu apertando os lábios e assentiu com a cabeça, depois se esticou para olhar dentro do quarto. Parecia um quarto amplo, havia uma cama grande de dossel e uma cômoda, um armário e poltrona. Havia uma janela grande, com vista para o jardim, mas nenhum sinal de cortinas, observou.

– Não consegui colocar as cortinas a tempo. – Comentou ela, mas sem parecer realmente aborrecida com o pequeno deslize. – Às vezes o sol reflete na neve e deixa o quarto mais claro, mas só quando se dorme até muito tarde. – Ema falou com desdém.
– Tudo bem. – A terapeuta sorriu educada. – Isso não é um problema, eu não me incomodo.
– Por que ela não fica comigo, no meu quarto? – perguntou, abraçando a cintura da namorada. – Ela ficaria mais confortável, a gente ficaria.
– Você se casou e esqueceu de me avisar? – A mãe arqueou uma sobrancelha para o central, que não respondeu. – Foi o que eu pensei. Você tem o seu quarto, ela tem o dela. Pode ficar tranquilo, ela vai sobreviver a algumas noites separada de você.

Ema lhes deu as costas e seguiu em direção a escada. uniu os dentes e baixou o canto dos lábios, olhando para o namorado da mesma forma que uma criança olha para o amigo quando este leva uma bronca da mãe. riu abafado e negou com a cabeça, abraçando a namorada e escondendo seu rosto na curva de seu pescoço.

– Desculpe por isso. – Ele pediu, ainda rindo envergonhado.
– Tudo bem. – beijou o lado da cabeça do capitão, se divertindo com aquela situação. – Podia ser pior. – O capitão se afastou para olhá-la. – Na verdade, eu estava esperando ter que dividir espaço com Felix, do lado da lareira. Então, pelo tanto que ela me detestou, podia ser bem pior. – O jogador negou com a cabeça e riu abafado.
– Ela não te detestou. Ela só... – demorou para tentar encontrar as melhores palavras, enquanto isso o olhava com uma sobrancelha arqueada, comprovando seu ponto. – Só tá te conhecendo ainda.
– Bom, da última vez que eu precisei conquistar um , foi preciso tentar envenenar ele primeiro e depois esperar que ele quebrasse a mão. – , que tinha os braços ao redor do pescoço do namorado, brincou. – Espero não precisar chegar a tanto.

riu jogando a cabeça para trás.

– O que vocês estavam falando, quando chegamos? – sondou. – Em russo.

torceu os lábios e desviou o olhar, sorriu depois de canto com olhar baixo.

– Não era nada, meu amor. – O capitão a beijou rapidamente. – Não gaste tempo pensando nisso, tá? Não era nada de importante.

A inglesa não acreditou.
Não porque não acreditava nele, mas porque pela expressão de , o olhar desviado e os lábios torcidos, o sorriso com olhar baixo... não eram coisas que ele costumava fazer quando dizia a verdade. Seu capitão tinha olhar firme e dificilmente era do tipo que tremia a voz ou desviava o olhar. Mas preferiu não inflamar aquela questão, não naquele momento.

– Isso parece uma comédia romântica de natal, onde eu preciso conquistar a família do meu parceiro. – riu outra vez, mudando o foco da conversa.
– Meu pai gostou de você. – Lembrou , tentando trazer à tona algo positivo daquele encontro. O jogador estava sem jeito com a reação da mãe, confuso também.
– É, deu para notar com as centenas de coisas que ele parece ter pesquisado no Google sobre os ingleses. – Ela comentou, divertindo-se. – Um fofo. Me lembra de você. Os dois me lembram, na verdade. Cada um à sua maneira. – Disse ela e foi beijada rapidamente por .
– Eu tô feliz que você está achando graça disso e rindo. – afagou o rosto da namorada, segurava a inglesa com uma mão em sua cintura e a outra usou para delinear seus lábios. – Achei que você fosse dar uma surtada, ou travar, como na hora que chegamos. – Ele uniu os dentes como uma criança.
– Por dentro eu estou. – Confessou e os dois riram juntos, unindo suas testas. – Mas tem a Inessa, você, e seu pai parece empenhado... já conquistei metade do campo. – A mulher ergueu o olhar e parou de sorrir. – Eu só não quero que fique em uma situação ruim com sua família. Com sua mãe. Por minha causa.
– Como você é fofa. – elogiou e sorriu, torceu os lábios, já que ele parecia não ter levado a sério sua fala. Em seguida o jogador a mostrou a língua e se aproximou devagar do rosto da inglesa, até que tocasse a ponta do nariz de com sua língua.
– Eca. – riu, esfregando o nariz e se desvencilhando dele, mas o jogador a abraçou forte, por trás, a impedindo de se afastar.
– Você não reclama quando eu faço isso no...– se virou, ainda gargalhando e cobriu a boca do namorado.
– Seus pais! – Exclamou num sussurro. – Sua mãe já me detesta.
– Com as coisas que a gente faz e como isso me deixa feliz, ela devia te amar. – sussurrou, olhando a namorada com olhar estreito, malicioso, empurrando-a para dentro do quarto.
, se controle. – riu, segurando-se ao batente da porta para que ele não a levasse para dentro.
– Eu não faço isso aqui em casa desde... sei lá, desde sempre. – Ele lembrou e riu alto.
– E aí, decidiu que quer quebrar o jejum comigo? – negou com a cabeça, segurando-se com mais força. – Não. Eu estou numa missão aqui. Fazer sua mãe me amar.
– O que pode fazer ela amar mais você do que você fazer o filho favorito dela feliz? – riu pelo nariz, fazendo um barulho engraçado e cobriu a boca dele outra vez, usando um dos dedos para colocar sobre os próprios lábios e pedir silêncio. – Dez minutos. Que tal? Só preciso de dez minutinhos.
– Dez minutos? – arregalou os olhos e riu. – Então não vale a pena.
– Ah, ... – reclamou, rolando os olhos.

riu alto e parou de ceder, abraçando os ombros do namorado e se deixando ser empurrada para dentro do quarto. empurrou a porta com os pés e a fez se fechar.



A place where we could be anyone we wanna be

So come on fly away with me to a place where we could be anyone we wanna be
And we can bottle up our fears, brew a taste so sweet
Knock us off our feet or more
Burn our troubles, inhale them all
Paint our future on a fractured wall
(Fly away with me – Tom Walker)



Sábado, 01 de janeiro de 2022
Casa dos
Viipuri (Vyborg), província de Leningrado – RU



bateu algumas vezes contra o travesseiro e se deixou cair no colchão duro, demorando para se ajeitar em uma posição confortável. riu pelo nariz e se aconchegou nele outra vez, assim que o namorado parou de se remexer como um peixe recém pescado. Um barulho esquisito enchia o quarto, parecia vir das paredes e estreitou o olhar tentando descobrir sua origem.

– Que barulho é esse?
– Ah. – O jogador apoiou a cabeça com o braço. – Uns anos atrás meus pais tiveram um problema no aquecedor e ele não funcionava direito em alguns quartos. Trocaram os dutos, mas o desse quarto parece que ficou mal colocado e aí faz esse barulho, principalmente no inverno. – Explicou ele.
– Ah. – baixou o olhar e sorriu, divertindo-se daquela situação.
– É, parece que minha mãe realmente não foi muito com a sua cara. – inflou as bochechas, depois riu envergonhado. – Me desculpe. – O jogador se virou, ficando de lado, olhando-a mais de perto. – Mas você pode fugir pra minha cama, não importa o que ela disse.
– Está tudo bem. – deu de ombros, beijando o peito dele, que agora já não era mais depilado há semanas. Apesar da insegurança pela clara rejeição por parte da sogra, estava se divertindo. Pensava que certas coisas só aconteciam com ela e aquilo a fazia rir. – Eu já dormi em quartos piores, ela vai precisar de muito mais para quebrar meu espírito se quiser que eu desista do filho dela. – A inglesa sorriu e o namorado a acompanhou. – E é até justificado, considerando que nós viemos fazer justamente o que ela não queria. – e riram juntos de novo, baixinho.
– Ninguém pode nos deter. – O capitão brincou, abraçando com mais força a namorada. – Nem um colchão ruim.
– Ou uma cama que geme. – completou.
– Ela não gemeu mais que você, então. – O jogador falou sério e deu de ombros, sorrindo com malícia, fazendo com que a namorada erguesse o rosto e o encarrasse com expressão chocada e lhe acertasse um tapa fraco. – Não foi uma crítica. – riu erguendo as sobrancelhas e se defendendo.
– Idiota. – Ela riu negando com a cabeça, apoiou os cotovelos no colchão e olhou ao seu redor, prestando atenção no quarto pela primeira vez desde que haviam entrado ali. – Qual é a história desse quarto?
– Você não vai querer saber. – inflou as bochechas e sorriu fechado.
– Claro que vou. – negou com a cabeça de novo. – Por que eu não iria? É uma história ruim?
– É só um quarto abandonado há anos. – Ele deu de ombros. – Deve ter muita coisa por aí além da poeira. Tipo um rato. Ele é quase da família, na verdade. Vive aqui há anos.

arregalou os olhos, mas se recompôs rapidamente, e mesmo que tentasse disfarçar devido seus bons modos, a mudança no semblante da inglesa fez o namorado rir alto.

– Um rato. – Ela repetiu.
– É, mas não se preocupa, ele é pequeno. – levou uma das mãos ao rosto dela, afagando sua bochecha. – É tipo um camundongo, desses de desenho animado. E ele é antissocial, não corre o risco de tentar fazer amizades.
– Eu não tenho medo. – Respondeu.
– Não? – duvidou, sorrindo de lado.
– Não, eu só não gostaria de dividir a cama com ele. – Disse e não era uma mentira completa.

O casal fez silêncio.

A inglesa conferia as unhas enquanto sentia o namorado afagar seu rosto e depois nuca. encarava o teto, perdido em seus pensamentos. Estavam nus, como de costume, cobertos por uma manta grossa que cobria a cama antes de se deitarem ali. imaginava se a família havia dado falta dos dois, ou se haviam sido mesmo rápidos como brincou ser. Não queria gerar aos pais de a ideia de um casal descompensado, mal-educado, que não conseguia ver uma cama feita sem se deitar nela. “Não é o que uma moça de família devia fazer. ” As palavras de sua mãe ecoavam em seus pensamentos. Talvez sua mãe e a mãe de , caso algum dia viessem a se conhecer, compartilhassem da mesma opinião sobre .
pensava sobre estar com frio e se perguntava e pensava sobre formas de melhorar seu desempenho e dotes para aqueles momentos.

– Você gostou? – O capitão perguntou de repente, atraindo um olhar confuso da namorada. – De hoje. Você gostou?
– Claro, Rakkaani. – assentiu com um sorriso suave. – Foi tudo ótimo, a viagem, aqui. Só estou um pouco cansada por passar tanto tempo dentro do carro e...

a interrompeu.

– Não, não tô falando disso. – Ele riu pelo nariz. – Tô falando do que a gente fez.
– Do sexo? – uniu as sobrancelhas, confusa com aquela pergunta tão pouco usual entre eles.
– Não chama assim, chamar de sexo agora é esquisito. – Ele riu de novo e ficou corado. – Mas é, é disso que tô falando. Você gostou? – O jogador balançou a inglesa pelos ombros, enquanto ria alto.
– Por que isso agora? Achou que eu fingi?
– Eu não, não tem como você ter... – O capitão se interrompeu, deixou os olhos vagarem até a parede e ficarem ali por alguns segundos. – Espera. Do que você tá falando? Você já fingiu alguma vez? – Ele estreitou o olhar de modo quase criminoso.
– Eu não disse isso. – negou, deitando-se e encarando o teto.
. – O central a chamou com firmeza e rolou para cima da namorada, apoiando o corpo em um cotovelo e no antebraço, posicionado ao lado do rosto de , prendendo-a. – Eu não acredito que você já fingiu comigo. – Acusou ressentido, mas sem conseguir segurar o riso.
– Você quem está falando isso. – negou, se esforçava para não rir, o que a dava um ar de culpada ainda maior. – Você não disse que não tinha como eu ter feito?
– É, mas agora eu tenho minhas dúvidas. – estava chocado e ria da situação. Aquele relacionamento e aquela mulher eram tão mágicos que até algo assim parecia ter graça.
– Só foi uma vez. – Ela confessou e o capitão a cutucou nas costelas, fazendo a inglesa se encolher pelas cócegas. – Eu juro. Só uma.
– Como? Quando? – estava chocado. – se você acha que eu transo mal, me fale. – Ele riu espantado e nervosamente, porque estava chocado.
– Eu não acho. Não acho. – Ela negou, tinha desistido de segurar o riso. – Foi só uma vez, porque estava com sono. Lá em casa.
. – se sentou, passado. – Eu tô rindo, mas é por estar nervoso.

riu pelo nariz e se sentou também, o abraçando e beijando seus ombros.

– Desculpe. – Pediu ela. – Mas realmente só aconteceu uma vez. Você saberia se fosse frequente.
– Não sei, não sei de mais nada. – Ele apoiou o rosto com uma mão, desolado. – Minha vida foi uma mentira.
– Amor, não. – ainda ria. – Não entendo porque você quis saber isso hoje. Porque achou isso sobre hoje...
– Eu não achei. – a interrompeu. – Eu queria perguntar pra melhorar o que já era bom, mas agora...
– Aí, minha nossa. – ria sem saber o que fazer. deixou o corpo pender sobre a cama outra vez.
– Por que? Estava ruim? Você fingiu em que parte? – Ele tornou a questionar após uns instantes de silêncio.
– Nada, só estava cansada... já tinha tido meu momento quando você... – Ela hesitou.
– Quando eu o que? – quis saber, unindo as sobrancelhas escuras e retas.
– Sabe? Você... – apontou com o olhar para baixo e o namorado acompanhou. – Entendeu? Quando você...
– Ah, sim, quando eu te...
. – Ivan, pai de bateu a porta repentinamente, interrompendo o que o filho diria. – Está acordada?

O casal arregalou os olhos e apertou um dos travesseiros no rosto, abafando sua risada.

– Sim. – respondeu depois de balançar e clamar por ajuda pelo olhar.
– Desculpe se te acordei. – Pediu o mais velho. – Só para avisar que Alicia já chegou também e que logo vamos servir o jantar.
– O jantar? – A inglesa se surpreendeu e a olhou em silêncio com olhar que dizia “como assim já é a hora do jantar?” – Eu perdi completamente a noção do tempo. – Comentou em voz alta para o namorado, mas fora o pai dele quem a respondeu.
– Foi uma viagem longa de vocês para cá, é um dia frio. – Pelo tom de Ivan era possível perceber que ele sorria. – É bom descansar.

riu e o acertou com o travesseiro.

– Obrigada por me avisar, vou descer logo. – Respondeu a inglesa.

Os dois esperaram o som de passos sumir do corredor para enfim voltarem a falar.

– Então é assim que é fazer as coisas escondido dos pais? – riu e a namorada o acertou com outro travesseiro.
– Quantas namoradas você já trouxe para casa? – quis saber.
– Nenhuma. – Negou o capitão de hockey. – Pelo menos pra fazer isso, não. Só fazia isso em casa. – Contou exibido. – Na minha própria casa.
– Se minha mãe pudesse me ver agora, ela morreria de vergonha. – A terapeuta balançou a cabeça, envergonhada com a situação.
– Relaxa, ele não perguntou por mim, deve pensar que eu tô por aí. – deu de ombros, apoiando uma das mãos atrás da cabeça.
– Duvido, ele conhece o pervertido que tem como filho. – empurrou o namorado com as pernas, rindo. – Ande. Vá embora. Eu preciso tomar um banho. – A inglesa olhou pelo quarto e percebeu uma porta em um dos cantos, parecia ser um banheiro. – Ah, graças a Deus um banheiro no quarto. – Ela suspirou. – Não vou ter que andar pela casa para tomar banho.

riu pelo nariz, ficando de pé.

– Eu estava de cueca? – O jogador perguntou, olhando para o quarto em busca da peça de roupa.
– Se a sua mãe entrar aqui e achar, ela vai me matar. – A terapeuta se enrolou na manta que antes cobria a cama e ficou de pé para tentar ajudar o namorado a procurar, encontrando a peça jogada embaixo da cama. – Aqui.

se vestiu rápido enquanto reunia as próprias roupas. Tinham tanto hábito em espalhar roupas e não pensar em juntar depois, que não tinham mais qualquer cuidado quando se despiam.

– Por favor, invente uma desculpa para que eles não saibam o que a gente fez. – A inglesa pediu e viu o namorado gargalhar, jogando a cabeça para trás. – Ande. Preciso tomar banho.
eu já te vi sem roupa mais vezes do que me lembro. – O central rolou os olhos e abraçou a cintura da namorada. – Já te vi tomando banho, dormindo, de vários ângulos... de todos os ângulos. – riu. – Eu posso te ver tomando banho.
– Pode, mas não vai. – A terapeuta o empurrou em direção a porta. – Eu quero que sua mãe goste de mim, não que ela me desconjure. – apenas ria. – Ande. Vamos. Saia.

A inglesa parou de empurrá-lo, abriu a porta devagar e conferiu se estavam mesmo sozinhos no corredor antes de colocar o namorado para fora. se segurou no batente da porta antes de sair, inclinando-se para falar com a namorada.

– Tá, já vou. – Ele sorriu. – Só cuidado no banho.
– Por que? – uniu as sobrancelhas.
– O seu colega de quarto rato pode aparecer e te ver pelada. – piscou e sorriu. – E eu sou muito ciumento.

tentou acertar o namorado com um tapa fraco, mas ele desviou e se afastou depressa, rindo alto no corredor. também riu, fechou a porta rápido, se apoiando a ela e respirando fundo.

– Ai, ... Aonde você veio parar. – Suspirou a inglesa, encarando o quarto, ainda enrolada ao cobertor.

❄❄❄


Sábado, 01 de janeiro de 2022
Casa dos
Viipuri (Vyborg), província de Leningrado – RU



Depois de um satisfatório banho quente, deixou o banheiro em seu quarto andando despreocupadamente, até se assustar com a figura de Inessa deitada em sua cama, com pernas cruzadas e dar o maior e mais estridente grito que tinha dado em meses. O primeiro instinto dele fora correr de volta para o banheiro e assim ele o fez, quase perdendo a toalha que estava presa a sua cintura no caminho. Para em seguida se dar conta de que se tratava da irmã e voltar para o quarto com uma mão sobre o peito. Tudo durou menos de cinco segundos, tinha uma excelente velocidade de reação.

– Inessa, meu Deus. – O jogador a repreendeu.
– A já te viu gritando assim? – A jogadora de golfe riu alto, divertindo-se com o grito vergonhoso do irmão.
– Cala a boca.

lhe deu as costas, procurando algo na mala para vestir e ignorando sua presença.

– Mamãe e papai vão ter que dormir com os velhos abafadores de ouvido da babushka essa noite. – Inessa voltou a falar e fingiu não prestar atenção. – Porque você e a podiam tentar fazer menos barulho, não é? E evitar aquela cama gritadeira.
– Inessa. – repreendeu a irmã outra vez, mas dessa sem a olhar, estava envergonhado. Apesar de ter mais liberdade com a irmã do que era comum, não era normal que ela ouvisse quando ele estava em momentos íntimos, nem ela, nem os pais.
– Me diz, bundão. – Ela voltou a falar depois de um suspiro e se aproximou do irmão, ficando de pé. – Como vocês saíram de você me ligando deprimido, vomitando e chorando em posição fetal por terem terminado, para esse clima de lua de mel russa, com direito a uma cavalgada rangedora e roxos pelo corpo. – Ao dizer, Inessa se aproximou mais e puxou a gola do casaco que havia acabado de vestir, revelando o pescoço marcado dele. O central se desvencilhou. – Felizmente para você é uma ótima temporada para investir em gola rolê.
– Para, Ness. – O jogador se afastou, sentando-se na beira a cama. – A gente tá bem. – Ele deu de ombros. – Estamos bem. Ela já até falou que me ama.
– Ui, as coisas estão sérias. – Brincou a morena, retomando seu lugar entre as almofadas da cama do irmão caçula.
– Você nem faz ideia. – riu de maneira infantil e deixou as costas penderem sobre as pernas da irmã. – A gente vai morar junto. – Confidenciou e Inessa arregalou os olhos.
– É o quê?
– Vou te contar. – O jogador se virou, apoiando os cotovelos no colchão. – Quando eu quis terminar, ela só apareceu em casa. – agitava as mãos e contava imitando as expressões faciais que conseguia. – Só chegou, falando que ia ficar e aí...

❄❄❄


havia tomado o pior banho de sua vida.
A água não esquentava o suficiente e toda vez que se mexia, parecia ver de soslaio a sombra do bendito rato. Sentia-se como o velho do livro O velho e o mar. era seu marlim, o peixe gigantesco, reluzente, melhor do que sonhara, Ema era o tubarão. Na verdade, representados na sogra estavam todos aqueles tubarões do livro. O quarto barulhento, a cama que rangia e o colchão duro, a janela sem cortinas, o banheiro cuja água quente – em pleno inverno russo – não funcionava direito. Ema estava usando a mesma tática que os antepassados de sua família usaram contra Hitler. A terapeuta só não sabia que era uma inimiga tão considerável a matriarca.
Não entendia se por ciúmes ou se era por ser estrangeira, ou se Ema só a achava inadequada a seu filho. não discordava. Se tratando da mãe de alguém tão sensível e dócil como , era normal e esperado que ela tivesse suas ressalvas. Por mais que esquecesse disso na maior parte do tempo, era alguém famoso e muito rico, devia ser normal que pessoas surgissem em sua vida e na vida de sua família para apenas se aproveitar.
A inglesa estava pronta para descer, depois de beirar o impossível para ficar apresentável para o jantar, quando ouviu uma notificação no celular. Era Maisie.

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Maisie 🐰
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O que a safada está fazendo?

Nenhuma coisa safada no momento 😂😂

Sentando muito?

Ops... saindo muito, quis dizer

MAISIE! 😂🙈🙈

Pare de fingir, você

Vi suas fotos e seus stories. Vocês assumiram? Perdeu o medo do comitê ético do Royal College?

Privado, não secreto🤫🤫

Mas não, não assumimos ainda. Apesar de eu estar na casa da família dele nesse momento. Mas não, não assumimos dessa forma que você está pensando.



A inglesa suspirou e resolveu se sentar na cama, dobrando as pernas. Do lado de fora a noite já havia caído e a sombra dos galhos de algumas das árvores do jardim entravam no quarto.

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Maisie 🐰
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Você ficou burra?

Acha mesmo que ninguém vai sacar que é ele. Ninguém que conhece vocês dois vai??

Por favor, estamos tentando não pensar nesse problema durante esses dias.

Dá pra ver...

Isso é o seu inconsciente, sabia? ele deve estar tão maluco para acabar com a pressão que está criando furos p vocês serem pegos na mentira. DESMASCARADOS.

Espero que isso aconteça quando eu estiver aí, vou amar assistir a cena. Vai ser digna de novela.

TÓXICA!

Você parece gostar de criar problema 🙄🙄

Como estão as coisas na casa da sogrinha? Já cantaram o hino da USSR para você?



riu alto, depois fez um pequeno vídeo do quarto, mostrando-o rapidamente a amiga.

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Maisie 🐰
Online

Que cativeiro é esse?

É o quarto que a mãe dele me reservou. Eu sinto que há uma coisa no ar

Além da poeira do túmulo do Karl Marx???

Idiota 😂 me refiro a ela não gostar de mim

Você se lembra de que lado o UK ficou na II Guerra, não é?

Não sei se é bem isso, porque o pai dele parece ter pesquisado todo tipo de curiosidade aleatória sobre ingleses

Isso se chama reconhecer o inimigo. Décadas se passaram e continuam invadindo a Rússia sem o conhecimento mínimo de táticas de guerra. 🙄🙄 Sempre os mesmos erros de Napoleão

Ela nos colocou em quartos separados, disse que não somos casados. Talvez ache que sou uma interesseira, ou esteja com ciúmes de seu bebê

Da zdravstvooyet sozdanniy volyey narodov. Yediniy, moguoochiy Sovyetskiy Soyoz

O que é isso?

O hino da União Soviética.

Avise a ela que agora ele não é mais dela, é nosso.



se deixou cair deitada na cama e rolou, rindo alto da mensagem de Maisie.

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Maisie 🐰
Online

QUEEE??

Nosso nada! Eu sou capitalista. Inglesa. Não vou dividir meu namorado. Eu tomo bens, não divido os meus

Se bem que o que eu faria com um namorado russo?🤔 Não é mesmo

Muitas coisas. Tenha certeza que você não vai querer outra coisa depois que conhecer os rapazes daqui

Não, obrigada. Eu quero alguém que me sustente, que ande de Mercedes e me compre Hermès. Não que ande em um urso e divida apartamento com o Papai Noel.

😂😂😂 sabe quem anda com roupas caras e dirige uma Mercedes?

??

Doutor Louis Thompson

ECA!! 🤮🤮🤮🤮

hahahaha mas relaxe, M

logo quando vocês vierem me visitar, te apresento bons partidos

Desde que eles não tenham mães russas que me tranquem em calabouços...por mim tudo bem

Só espero que a rolada esteja valendo a pena p você aí

Digo.

Ah, digo nada. Foi isso mesmo que quis dizer

MAISIIIEEE!!!! 😂😂😂😂😂😂😂



❄❄❄


– E eu só queria ter acertado ele na cabeça. – continuava sua descrição detalhada sobre os últimos dias e eventos de seu relacionamento para a irmã mais velha. O jogador estava de pé e andava pelo quarto imitando , imitando suas próprias reações e todas as outras que julgava interessante. – Porque não faz sentido.
– Acho que pessoas como não estão acostumados a ouvir não. – Comentou Inessa, pensativa. – disse e agora ele está obcecado. Como será que é a relação dele com a família?
– E eu sei lá? – deu de ombros, franzindo a expressão em uma careta confusa. – E eu lá quero saber dele?
– Devia, ele tá querendo roubar sua namorada. – Inessa o encarou com deboche e rolou os olhos, voltando a se deitar na cama. – Mas acho que você precisa ter paciência com toda essa história. parece alguém legal. Eu gosto dela, pelo menos.
– O que vindo de você é quase um milagre. – O jogador implicou, rindo e a morena o chutou.
– Então valorize. – Inessa tentou o empurrar para fora da cama. – Mas ela é legal. É uma das melhores que você já apresentou. Cuidou de você, mesmo estando em risco, pulou na água mesmo sem saber nadar... aguenta você tocando violão. Isso é realmente uma prova de amor. – Falou ela e fez careta, devolvendo o empurrão que havia recebido antes. – Sabe, até entendo ela ter tido medo de te contar. Vocês tinham acabado de voltar, era tudo novo. E eu conheço você, sei que fica fechado quando está magoado. Você não escuta ninguém, é teimoso... as chances de você não reagir bem são bem grandes. Você até me surpreendeu dessa vez.
– Acho que mudei. – Pensou alto o jogador. – Mas o que mais me abalou não foi o que aconteceu. – Continuou ele. – Claro, fiquei com orgulho ferido, mas sei que ela não gosta do . Ele não é uma ameaça, ela não me trocaria por ele. É diferente de quando era o Merelä. – Explicou se sentando, olhando para a irmã. – Ela ficou lá, sofrendo, com medo e não falou comigo. Escondeu de mim. Sei lá... – encarou a janela, afastando os olhos de Inessa. – A gente não foi criado assim. Quando tem um problema, ela devia contar pra mim e não esconder.
– Nossa, virginiano. – Inessa riu fraco. Entendia o irmão, mas não por isso iria deixar de implicar. – Você quer ser o salvador, né? – rolou os olhos e negou com a cabeça, rindo fraco. – Mas é, eu sei. Entendo o que quer dizer. – A mulher apertou os lábios em um sorriso suave. – A gente tem algum privilégio de ter sido criado assim, pelos nossos pais. Mas, sabe, sempre vi nas minhas amigas que nem todo mundo é assim. Não sei como é a relação da com a família dela, mas você precisa se lembrar disso. Que ninguém vai ser como nós. Como você.

❄❄❄


Na grande sala dos , o jantar estava prestes a ser servido e a noite era mais fria do que havia sido o dia. Todos estavam rodeando a estrangeira, fazendo perguntas e se divertindo com as curiosidades que contava sobre seu país. , sentado ao lado dela, com um braço sobre seus ombros e sentindo o afago confortável de sobre sua coxa, se surpreendia e se divertia com as diferenças entre os três países, Rússia, Finlândia e Inglaterra.
As irmãs e o pai não cessavam de fazer perguntas, empolgados e curiosos, enquanto a mãe se mantinha isolada na cozinha, finalizando o jantar.

– Então, vocês lá, é verdade que tomam sol nos cemitérios? – Alicia perguntou. Era a décima pergunta da irmã caçula de à sua nova namorada.
– Sim, mas não é como se a gente gostasse de cemitérios. – riu mexendo os ombros e recostando-se a . – Lá há túmulos por toda parte. Nos jardins das igrejas...em vários lugares. E não temos muito sol durante o ano, então quando podemos, aproveitamos qualquer brecha. Todo lugar se torna um lugar.
– Imagine visitar um parente e encontrar alguém tomando sol sobre o túmulo? – Ivan, o pai, riu. Ele estava de pé, apoiado as costas de uma poltrona porque, em suas palavras, não podia se juntar a eles por estar ocupado. Já fazia quase uma hora que ele estava parado ali, de pé.
– Acontece, é bem comum. – deu de ombros. – Se você morrer no verão, sua família vai encontrar pessoas tomando sol no cemitério.
– Eu não iria querer morar em um lugar assim. – fez careta, para ele a maior parte dos hábitos ingleses eram pra lá de esquisitos. – Comer feijão com molho de tomate, chouriço, pão frito no café da manhã. Tomar sol no cemitério.
– Só se você não tiver um quintal. – olhou o namorado, sorrindo com a careta quase infantil de repulsa que ele fazia.
– Ter um quintal me ajuda a não comer feijão no café da manhã? – Ele arqueou uma sobrancelha e a terapeuta maneou a cabeça.
– É tudo muito gorduroso, sério. – Alicia comentou, tinha a expressão parecida com a do irmão, todos inimigos da culinária inglesa.
– É, nada saudável ou glamoroso. – Inessa completou, sorrindo. Devido suas várias viagens por causa de sua profissão, alguns daqueles fatos já eram de seu conhecimento e ela havia se chocado menos. – A culinária da Finlândia é melhor, daqui também.
– Eu me adaptei bem a da Finlândia, confesso. – assentiu. – Peixes e tudo mais. Apesar de...

foi interrompida com a chegada de Ema a sala.
A senhora correu os olhos pelo grupo rapidamente, mas não parecia muito feliz com a cena.

– O jantar está servido. – Avisou sem rodeios e lhes deu as costas. O sotaque dela era diferente. Não era “crocante” como o sotaque russo de Ivan e Alicia, nem era limpo como o de Inessa e .

O grupo se pôs de pé rapidamente, preparando-se para seguir para a mesa.

– Ela vai melhorar. – Inessa sussurrou apenas para que e a ouvissem. – Você conhece os , nenhum de nós é muito rápido de se conquistar. – A golfista piscou e apertou o ombro da namorada, em concordância.
– Então eu não devo me preocupar com os olhares matadores e com o fato de ela ter me deixado tomar um banho quase frio no inverno russo? – arqueou uma sobrancelha e sorriu de lado.
– Ela podia ter te colocado pra dormir na sala, ou com a Alicia. – Inessa levantou um ombro e maneou a cabeça. – Aliás. – A morena buscou o olhar do irmão. – Já contou a ela que a babushka morreu naquele quarto?

Inessa lançou sua pergunta no ar e começou a se afastar. dirigiu a um olhar que era uma mistura de incredulidade e raiva, com pânico e vontade chorar. Enquanto o jogador encarava a irmã se afastar feliz por ter semeado o caos, completamente abismado.
Não tiveram tempo de reação antes que a campainha tocasse.
Ema surgiu na sala, Ivan e os outros trocaram olhares, como se se perguntassem quem estava esperando visitas. Pelas expressões fechadas, percebeu que a família não parecia muito fã de visitantes súbitos e criou uma nota mental sobre isso. Inessa, que fora a única a não transparecer irritação com a chegada repentina de alguém, se apressou para a porta e a abriu. Do outro lado, com mãos nos bolsos de um sobretudo escuro e olhar ressabiado estava Atte Tolvanen.

– Não fode. – sussurrou e lhe deu um puxão e o repreendeu com olhar.

– Boa noite. – Atte cumprimentou a todos assim que se juntou à família. – Ema, Ivan. – Saudou especialmente os pais, acenando com a cabeça.

Um clima tenso e pesado se instaurou entre a família . Apesar de Ema e Ivan responderem o cumprimento do goleiro finlandês com acenos amistosos, todos pareciam tensionados. se sentia alheia a aquilo, como uma espectadora. Não entendia o que se passava ali. Os pais se entreolhavam, olhavam para Inessa e Atte e depois para . Alicia também olhava do visitante para o irmão, mas Inessa encarava o irmão caçula de nariz em pé, sem hesitação. Atte parecia inseguro e tinha o olhar baixo e lábios apertados em um sorriso sem jeito.
demorou, mas enfim percebeu o que acontecia ali. A inglesa cutucou o namorado e lhe dirigiu um olhar repreensivo, torcendo os lábios, mas apenas rolou os olhos e deu de ombros. Ela então resolveu força-lo a agir, puxando-o pela manga de seu casaco.

– Atte, oi. – Sorriu a inglesa, rompendo o silêncio desconfortável e se aproximando do goleiro. – Que bom ver você. – Celebrou o abraçando, para surpresa dele e dos demais.
– É bom te ver também, . – Atte sorriu dócil.
– Em melhores circunstâncias. – maneou a cabeça, sorrindo. – Não é, ? – Incluiu o namorado no assunto, puxando-o de novo para perto do goleiro.
– É, é... – desviou o olhar, usando seu tom pouco gentil, enfiou as mãos no bolso e baixou a cabeça.

acertou o jogador com uma cotovelada e com o olhar, apontou para Atte. apertou os dentes, mas não cedeu.

– Oi, cara. – Cumprimentou de má vontade e Atte apertou os lábios em um sorriso. O central buscou os olhos da namorada, como uma criança e ergueu as sobrancelhas, incentivando-o a melhorar. – Que bom que veio jantar também. – Disse de modo mecânico.

Os pais ainda se entreolhavam e Inessa assistia a cena com olhos estreitos. fez com que o namorado se inclinasse em sua direção e sussurrou algo para que apenas ele a ouvisse. a olhou com sobrancelhas unidas, como se quisesse se certificar de ter mesmo escutado aquilo e viu a namorada assentir.

– Vem, vamos jantar. – O capitão guiou Atte pelo ombro, levando-o para a sala de jantar. – Minha mãe cozinhou. Deve ter alguma coisa que você gosta. – Falava ele, transformado. – Sente ali, aquele é o lugar da Ness...

o ouviu falar.
Inessa se aproximou com olhos arregalados e um sorriso abismado nos lábios.

– O que você fez? – Quis saber ela enquanto as duas se uniam ao resto da família, na sala de jantar.
– Estamos na Rússia, então... eu só entrei no espírito e ameacei com uma greve. – Brincou a terapeuta inglesa e Inessa riu. – Disponha.

ocupou a cadeira ao lado de , Ivan estava na ponta, do outro lado Ema, Atte, Inessa e Alicia ocupava a outra ponta. O jantar estava servido e parecia atrativo, assim como o cheiro. Havia carne, batatas, sopa.

– Você não falou sério, né? – O capitão sussurrou assim que a namorada ocupou um lugar ao seu lado.
– Experimente. – respondeu entredentes.
– Qual é? – Protestou , choramingando.
– Acabe com essa implicância idiota com Atte e você vai ter o que quiser. – Ela deu de ombros enquanto era servida com sopa pelo pai de .
– Espero que goste, . – Ele piscou. – Ema cozinha muito bem, mas sendo inglesa, não sei se está acostumada.
– Tenho certeza que está fantástico. – A terapeuta sorriu, buscando o olhar de Ema, mas a matriarca parecia concentrada em seu jantar, mesmo que não aparentasse estar muito contente.
– O que é isso, mama? – quis saber, prestando mais atenção a carne sobre a mesa.
– Rena. – Ela respondeu, usando um tom mais doce ao responder o filho e até o olhando ao fazer. – Achei que fosse gostar. – sorriu.
– Não é muito comum lá na Inglaterra, não é? – Inessa puxou assunto.
– Não, não mesmo. – riu fraco. – Mas me acostumei. Acho que foi a primeira coisa que seu irmão cozinhou para mim. – A inglesa trocou um rápido olhar com o jogador, que sorriu doce. – No início eu fiquei um pouco traumatizada, mas aprendi a gostar. Hoje em dia eu adoro, mas só confio e como na que o faz.

ainda sorria, mas as expressões dos outros ocupantes da mesa congelaram por alguns segundos. Ema ergueu o rosto e encarou a estrangeira.

– Mas é claro que a da senhora . Ema. Da Ema . Senhora Ema. – A inglesa se atrapalhou, nervosa. inclinou a cabeça, tentando segurar o riso. – A sua deve estar perfeita. Certamente. Muito boa. Não vejo a hora de experimentar.

baixou a cabeça e apertou os olhos, sucumbindo à sua vergonha. apertou os lábios e ergueu as duas sobrancelhas, Atte e Inessa trocaram um olhar rápido, Ivan e Alicia permaneceram em silêncio, em absoluta concentração em seus jantares e enfim Ema desviou o olhar de .

– Então – Ivan tornou a puxar assunto, já que o clima silencioso na mesa estava absolutamente constrangedor. – Um dia desses você devia cozinhar algo típico do seu país aqui. Não o café da manhã, por favor. – Ele riu e a maior parte da mesa o acompanhou, menos Ema.
? – riu pelo nariz, com sarcasmo e recebeu um chute da namorada por debaixo da mesa.
– É que eu não sou exatamente a melhor das cozinheiras. – explicou, tentando brincar.
– Não? – Ema tornou a ergueu o rosto e a fitar com olhos surpresos a nova namorada do filho.
– Não. – respondeu num fio de voz, tentando sorrir. – Não tão bem quanto... quanto...
– Que bom que o tem um chef de cozinha só para ele, né? – Atte fez piada.

Não se podia esperar que ele, alheio a todo o resto, compreendesse a delicadeza do momento, principalmente quando nem mesmo parecia compreender.

– Não muda muita coisa se era eu quem cozinhava na casa dela. – O capitão respondeu o amigo, sorrindo. A parte boa era que os dois estavam socializando outra vez, a parte ruim era que em breve ficaria solteiro.

– Como? – Ema indagou e pensou ter visto um dos olhos da mexicana piscarem involuntariamente.

ainda ria e estava prestes a responder quando se virou para a mãe e viu seu semblante. O jogador engoliu suas palavras e se endireitou.

– Como o quê? O quê? – Fingiu-se de desentendido, enfiando um pedaço de carne de rena na boca. – Isso tá realmente muito bom, mama. Muito melhor do que as que eu faço.
– Você quem cozinha? – A mãe insistiu na pergunta e o casal se entreolhou. Antes de responder também buscou o olhar do casal a sua frente, recebendo deles um olhar de pena que a fez sentir vontade de sair correndo.
– Eu não cozinho muito bem. – admitiu depois de respirar fundo. – cuida de mim, nesse sentido e em vários outros.
– É, eu não ligo. – Ele assentiu, tentando ajudar a namorada. – Eu gosto. Pelo menos na casa dela eu tinha liberdade. Em casa sempre tinha alguém na cozinha, cardápio regulado e...
– Você está saindo da dieta? – Fora a vez de Ivan questionar mais seriamente e , que tinha os lábios entreabertos por estar prestes a concluir sua frase, apenas os fechou devagar e negou com a cabeça.
– Não muito. – tentou melhorar. – O que ele quis dizer é que, ele gosta de cozinhar.
– Em casa ele nunca teve que cozinhar. – Ema alfinetou e o casal trocou olhares rapidamente. – Aqui ele nunca teve que cozinhar.
– É, mas eu gostava de cozinhar quando ficava com ela, mãe. – contou depois de um suspiro longo.
– Ele sempre chegava no treino bem feliz. – Atte tentou ajudar também.
– É, as pessoas mudam. – Inessa completou, assentindo para o namorado.
– Gostava? – Ema inclinou a cabeça sobre o ombro e repetiu o que o filho havia dito após alguns segundos de contemplação.

e se olharam outra vez.
A inglesa sacudiu a cabeça negativamente, seu olhar gritava para que ele não fizesse o que ela tinha certeza que estava prestes a fazer. O central abriu e fechou a boca, depois se recostou mais confortavelmente na cadeira e ergueu os olhos para os pais.

– Eu quis e ela aceitou, vamos morar juntos. – Contou de uma vez.

A inglesa expirou derrotada e fechou os olhos, inclinando a cabeça.

– O quê? – Ema indagou sem se esforçar para disfarçar suas emoções.
– Vocês o quê? – Atte também se surpreendeu, inclinando-se um pouco sobre a mesa.

Ivan encarou o prato sem qualquer reação, petrificado. Inessa inclinou a cabeça e assistia a cena por debaixo de suas sobrancelhas escuras, enquanto Alicia fingia não estar presente.

– É, a gente vai. – afirmou. – E eu tô satisfeito com a ideia.
– E tipo, o time? – Atte indagou, ainda em choque. – Vocês ainda são do time.
– Isso era um assunto que eu pretendia falar sobre amanhã, mas valeu Atte, por já começar. – ironizou, fazendo careta.

O goleiro ergueu um ombro e sorriu torto, culpado por ter trazido à tona aquele assunto. Do outro lado, sem avisar, Ema saiu da mesa, dirigindo-se para a cozinha sem dizer qualquer coisa. Inessa encarou o irmão e sua namorada inglesa e maneou a cabeça, levantando um ombro, era empática a situação.

– É sério? – perguntou de modo retórico ao namorado. – Era mesmo o melhor momento?



It's me, hi. I'm the problem, it's me

I have this thing where I get older but just never wiser
Midnights become my afternoons
[…] I wake up screaming from dreaming one day I'll watch as you're leaving
'cause you got tired of my scheming (For the last time)
It's me, hi, I'm the problem, it's me
At tea time, everybody agrees
I'll stare directly at the sun but never in the mirror
It must be exhausting always rooting for the anti–hero
(Anti-Hero – Taylor Swift)



Sábado, 01 de janeiro de 2022
Casa dos
Viipuri (Vyborg), província de Leningrado – RU



Depois do jantar desastroso, estava em sua cama dura outra vez. Vestia seu pijama e encarava o teto, ouvindo o barulho irritante dos dutos do aquecedor na parede atrás da cama e contando quantos ruídos diferentes os dutos eram capazes de fazer. Apesar da claridade da noite que entrava pela janela sem cortinas, o quarto era um tanto assustador. Principalmente depois que a inglesa havia pesquisado o significado de babushka na internet.
Se resolveu omitir aquela parte, muito provavelmente seria por ter algo de suspeito ou ruim naquela história. Será que a babushka dos havia mesmo morrido naquele quarto ou era só implicância de Inessa? Se fosse mesmo, será que haviam trocado a cama e o colchão? Ou estava dormindo no lugar de uma morta?
se remexeu nervosamente, tentando afugentar aqueles pensamentos, evitando seguir a trilha de sua ansiedade, que a levava diretamente a imaginar a avó de seu namorado, tão infeliz quanto a mãe dele, a perseguindo como um fantasma porque não era a mulher adequada a .
Besteira, .
A inglesa disse a si mesma, não devia estar tão preocupada com a aprovação de uma morta e de Ema . Era óbvio que a opinião da família seria considerada por , mas cabia apenas a ele se preocupar com isso e lidar com o fato da mãe odiar sua namorada, não a ela. Já tinha seus próprios problemas familiares para lidar. Dizia isso em looping, tentando fazer com que aquelas palavras se cristalizassem em sua mente, mas não estava funcionando. Evitava olhar para a porta do banheiro e em direção a porta do quarto porque temia ver o fantasma da velha russa de pé ali, com olhar de desaprovação. Só lhe restava o teto bege e o som dos dutos para lhe distrair enquanto a insônia e a ansiedade faziam sua mente girar.
Depois de alguns minutos – que mais lhe pareceram uma eternidade – ergueu o tronco e encarou o quarto. Não precisava iluminar o cômodo com o celular, porque seus olhos haviam se acostumado a claridade da janela. Podia ver com nitidez uma poltrona grande e de design antigo que estava perto da janela, próxima a porta do banheiro. Entre a porta do banheiro e a porta do quarto havia um armário de três portas de madeira maciça, na parede oposta a janela uma cômoda de mesma cor e aparência do armário, com seis gavetas. A cama era antiga, de dossel e a terapeuta se perguntava sobre o motivo. No passado, as camas inglesas de dossel serviam para dar privacidade aos nobres porque estes costumavam dividir os aposentos com criados. A presença da cama que rangia e quase cantava sobre seus muitos anos de existência não deixavam dúvidas quanto a idade do dono daquelas coisas.
O resto da casa era de móveis convencionais, normais e até modernos, nada comparado ao quarto onde a Rainha Elizabeth devia ter dormido quando ainda era uma jovenzinha.
Passando os olhos pelo chão, pelo grande tapete estampado e possivelmente escurecido pelo tempo, viu um pequeno vulto correr e se abrigar junto a um dos pés da poltrona, no canto do quarto. Era um pequeno camundongo marrom com orelhas grandes e redondas. A inglesa se sentia em um filme, só não sabia ainda se seria Os Fantasmas de Scrooge ou se sobre a Peste Bubônica.

– Parece que tenho mesmo um colega de quarto. – cumprimentou em voz alta. – É um prazer, senhor Ratinho. – A inglesa sorriu e observou o rato por alguns segundos, até se dar conta do que fazia e sacudir a cabeça. – Meu Deus, o que a Rússia está fazendo comigo.

A terapeuta jogou-se sobre a cama outra vez e se deitou de lado para que pudesse acompanhar a movimentação do rato. De alguma forma não se sentia mais tão abandonada e insegura, já que, se ouvisse algo suspeito, poderia acreditar ser o ratinho e não um fantasma.
Ainda assistia o rato de olhos estatelados em sua direção quando sentiu seu celular vibrar. Era e ela atendeu de pronto.

– Sim.
– Ah, você atendeu. – Ele pareceu surpreso.
– Você me ligou, o que esperava? – riu fraco, confusa.
– É que eu não queria te acordar. – Explicou o jogador em seu tom suave. – Só percebi que era uma ideia ruim quando já estava ligando.
– Eu não estava dormindo. Não consegui.

A inglesa suspirou e se fez silêncio do outro lado da linha.

– As coisas não estão saindo exatamente como eu imaginei. – comentou e riu fraco, sem graça.
– Nem me diga. – concordou, sorrindo também. – Se o quarto sem cortinas e banho frio no inverno russo não resolverem, ela tem um plano B, C... e assim vai. – Brincou a terapeuta. – Não dá pra acusar ela de não saber História.
– Ela... ela não costuma ser assim tão... – hesitou, estava sem jeito. O jogador não queria falar mal da mãe, mas também não queria desamparar a namorada. – Dura. Não sei o que está acontecendo.
– Tudo bem. – não queria colocá-lo em uma situação ainda mais difícil. Não o culpava por nada, apenas ela sentia culpa, culpa por não ser uma namorada melhor. – Ela deve ter seus motivos. Quer dizer, até hoje, ninguém é muito fã de ingleses, sabe... – Riu a terapeuta e o namorado a acompanhou.
– Eu posso ir até aí? – Perguntou após alguns instantes de silêncio. – Durmo com você e fujo cedo, pela manhã, de volta no meu quarto.
– Não. – riu. – Eu agradeço sua solidariedade, mas, meu plano é conquistar sua família, não dar a eles mais motivos para não gostarem de mim.
– Mas isso não é nem justo, amor...
– São só umas noites em um colchão ruim. – Ela omitiu o medo de fantasmas, o camundongo e todo o resto. – Eu vou sobreviver.
– Então... – parou de falar e ouviu do outro lado o som da respiração dele ficar um pouco mais forte rapidamente, como se o jogador tivesse se mexido rápido. – Aparece na porta.
– Na porta? – riu e se sentou na cama, mordendo o lábio inferior, ansiosa e curiosa. – Que porta?
– Na sua. Do quarto.

A inglesa desceu da cama, enrolando-se em um robe grosso e calçando chinelos, tomando cuidado para evitar o lado do quarto que pertencia ao camundongo. Quando a terapeuta abriu a porta, encontrou parado, com a porta de seu quarto também aberta, no outro extremo do corredor. Os dois ainda estavam ao telefone e sorriram ao se encontrarem, mesmo que a distância. vestia uma calça de moletom e estava sem camisa, os cabelos mais compridos estavam bagunçados e ele tinha aquele sorriso lindo nos lábios.

– Isso é até interessante. – Ele sorriu grande do outro lado e sentiu crescer a vontade de beijá-lo. – Namoro escondido. Romeo e Giulietta. Falar escondido no telefone de madrugada.
– É, a diferença é que sua mãe ainda não odeia minha família, mas basta ela ter a chance. – Riu abafado a terapeuta, cruzando os braços na frente do corpo, mas mantendo o celular perto do rosto. – Tenho certeza que nem Shakespeare escreveria algo tão dramático.

Os dois riram e viu os ombros do namorado tremerem com sua risada e ele negar com a cabeça.

– Você é maravilhosa, . – Declarou o jogador após algum silêncio, a olhando fixamente.
– É que um jogador famoso me prometeu um pedido, então não posso perder essa chance. – Ela sorriu fraco, fazendo piada com a situação. – Mal posso esperar para amanhecer e descobrir de qual outra forma Ema planeja tentar me espantar.
– Eu vou falar com ela. – O capitão falou, adotando um tom mais sério.
– Tudo bem, podia ser pior. – sorriu. – Ela podia me colocar na sala, como fez com o Atte.
– Vocês ingleses. – sorriu, inclinando a cabeça sobre o ombro. – Educada demais até para reclamar. Não comigo, mas... – Ele brincou.

A inglesa negou com a cabeça e sorriu. Poderia falar por horas sobre aquela situação, mas não por estar magoada. Na verdade, achava engraçado, não tirava a razão de Ema. De repente havia percebido que talvez não estivesse à altura de e talvez isso fosse óbvio a quem o conhecia bem. Era engraçado. Ou fazer graça e tentar ler aquilo como algo engraçado fosse o escape da terapeuta para lidar com a rejeição de mais uma mãe.

– Vamos dormir. – chamou o namorado, depois de sacudir a cabeça e se livrar dos pensamentos que sua ansiedade haviam trazido. – Amanhã é um novo dia.
– Tem certeza que não quer vir para cá? – Ele insistiu. – Eu tenho água quente e o único barulho que você vai ouvir aqui sou eu. – O capitão tentou faze-la sorrir.
– Não, tudo bem. – assentiu. – Vou desligar agora. Até amanhã, amor.
– Até. – sorriu.

afastou o celular do rosto e finalizou a chamada. De longe, viu o namorado fazer o mesmo enquanto ainda a olhava. sorriu e falou baixo, apenas movimentando os lábios: “Eu amo você.” Ela sorriu e também, fechou a porta rapidamente, antes que ele tivesse chance de responder, mas mesmo assim o capitão o fez: “eu amo você também.”.

❄❄❄


Domingo, 02 de janeiro de 2022
Casa dos
Viipuri (Vyborg), província de Leningrado – RU



O domingo havia começado um pouco mais quente que o dia anterior, mas ainda era frio. A neve lá fora era pesada, acumulada nos parapeitos das janelas, nos galhos das árvores e na entrada das casas, mas não caia mais. Tinha acordado cedo e , por alguns momentos, havia ficado feliz por pensar que era um horário aceitável. Mas quando desceu, todos já haviam tomado seu café da manhã, exceto que escolhera esperar a namorada. Era a primeira bola fora do dia, pensava .
Por outro lado, o café da manhã parecia agradável, pequenas panquecas e tortinhas e pães, tinha ensinado o nome de cada uma:bliny, oladi, syrniki. Havia café, iogurte, leite, geleia e ovos. tentou agradecer a sogra pela refeição e elogiar a qualidade, mas Ema pareceu não se impressionar com as palavras açucaradas de .
e também não tinham conversado muito desde o início da refeição. Falaram apenas sobre as comidas disponíveis, sobre o clima e só. Não era uma situação estranha, estavam acostumados e nem sempre conversar quando a sós. Era – apesar de todos os outros fatores – apenas mais um café da manhã de domingo.

– Ei, . – Ivan surgiu da cozinha, ajeitando luvas e um gorro na cabeça. Já havia cumprimentado a inglesa pela manhã. – Preciso de ajuda lá fora, com a neve na porta dos fundos.
– Sim, papa. – O jogador assentiu, bebendo de uma só vez o conteúdo de seu copo de leite.

piscou para , que assentiu sorrindo e se afastou com o pai. Enquanto via os dois se afastarem em direção ao armário da entrada, se permitiu não pensar. Apenas queria aproveitar o silêncio daquela manhã, sentir o sabor de cada alimento, respirar devagar, aproveitar a viagem sensorial.
Não percebeu quanto tempo havia se passado quando o namorado voltou, ainda ao lado do pai, completamente vestido para enfrentar a neve do lado de fora, sorrindo como uma criança.

– Como eu estou? – sorriu, perguntando a namorada. – Estiloso?
– Ah, definitivamente. – assentiu sorrindo, admirando a sobreposição estranha de peças pesadas que o namorado usava. Enquanto isso, a campainha tocou e Ema passou por trás do filho para atender, sem se incomodar em interagir com os que estavam por perto. – Não te vejo bem assim desde...
– É uma boa roupa. – Ivan abraçou o filho de lado e bateu em seu peito, sobre o pesado e fofo casaco preto. – Protege muito. As pessoas usam para escalar montanhas. É muito forte.
– E por que o senhor tem um casaco desses em casa? – quis saber, curiosa. – Pratica escalada? – riu pelo nariz, mas tentou disfarçar.
– Ainda não, mas nunca se sabe. – Ivan respondeu orgulhoso. – Aqui na Rússia? Nunca se sabe. – O sotaque estalado dele era algo bom de ouvir e não deixava de se divertir com o mais velho. – Quando eu era jovem, meu pai e eu íamos caçar, na chuva, na neve. Vários dias. Comendo peixe que pegava nos rios quase congelados. – Contou orgulhoso e viu olhar para o pai com admiração, mas com um riso frouxo nos lábios que denunciava outra coisa. – Essa roupa era muito cara. Usava plásticos e pele.
– Plástico e peles? – A inglesa arqueou uma sobrancelha, nesse momento Ema se uniu a eles, permanecendo parada perto da sala, em silêncio.
– Sim. – Contou Ivan, aproximando-se mais da mesa. – E o plástico também usava para enforcar as presas mais difíceis. – Ivan gesticulou e apertou os olhos e a voz, tentando imitar o esforço da época de caçador.

ergueu as sobrancelhas, devido ao estranhamento que aquela cena lhe causou. percebeu.

– Papa, acho que já tá ok. – Ele falou, batendo algumas vezes no ombro do pai, que buscou seu olhar, retomando sua postura. – Ela já entendeu. Ela entendeu.
– Ah. – Assentiu o mais velho. – Mas eu também posso mostrar a cabeça de...
– Depois. Depois, papa. – o interrompeu, sorrindo gentil para o pai.
, querido. – A mãe enfim abriu a boca. – Bogdan e Igor estão aqui. – Avisou simpática.
– Aqui? – a olhou surpreso e a mãe assentiu em silêncio. – Como eles sabiam que... – , vem. – chamou a namorada, agitando uma mão em sua direção. – Quero te apresentar meus amigos. – A inglesa uniu as sobrancelhas confusa, levantando-se devagar. – Vem, . Vamos. – Ele a apressou.

O jogador tomou a namorada pela mão e seguido dos pais, abriu a porta da frente e encontrou os amigos na varanda. Bogdan e Igor eram amigos que ainda viviam em Viipuri com suas famílias, filhos e esposas. os conhecera ainda criança e mantinha o vínculo com os dois até aquela época, os encontrando com frequência quando visitava os pais.
Bogdan tinha cabelo curto e barba grossa, num tom de loiro quase acobreado, tinha tatuagens que tomavam um pouco de seu pescoço descoberto. Bog e haviam feito muitas de suas tatuagens juntos. Ele era um homem alto, do mesmo tamanho que o capitão e devia ter a mesma idade que ele, mas o corte de cabelo e a barba grande o davam aparência de mais velho. Também era um pouco mais gordo, com barriga protuberante, e tinha um sorriso largo e bonito. Igor era alto e magro, mais baixo que e Bog, mais magro que os dois. Tinha cabelos loiros quase brancos impecavelmente penteados para trás e definido com pomada, olhos verdes e olheiras marcadas. Tinha risada mais alta, mas o sorriso não era dos melhores.

– Não acredito que você pensou em passar em Viipuri e não avisar seus melhores amigos. – Bogdan riu, apoiando o peso no guarda corpo da varanda, cumprimentando o capitão de hockey em russo.
– Eu ia. Juro. – sorriu ao falar.

O jogador se aproximou e abraçou os dois amigos, cumprimentando-os de modo caloroso, enquanto aguardava e assistia paciente, quatro passos atrás. Bogdan, assim que abraçou o capitão, percebeu a presença de e não evitou encará-la enquanto abraçava Igor.

– E então, o que você anda pescando por aí, ? – Bog perguntou, olhando para e pareceu enfim se lembrar da namorada.

Os pais estavam na porta, assistindo a cena e enfim tomou a inglesa pela mão a trouxe para perto.

– Essa é , minha namorada. – apresentou, falando em finlandês. A inglesa o olhou confusa, se perguntava porque não a apresentar em inglês. – , esses são Bog e Igor, meus amigos de infância.
– É um prazer conhece-los. – A inglesa sorriu e os cumprimentou com um aceno e cabeça. Viu o namorado os cumprimentar com beijos no rosto, mas não estava confortável para aquele tipo de interação.
– Não sabia que você tinha uma namorada. – Igor comentou, enfiando as mãos no casaco. – Quanto você a está pagando? Deve ser algum tipo de dívida. – Brincou o russo, enquanto e o outro riam. – Você deve dinheiro a ele, não é? – Perguntou, inclinando-se na direção da inglesa.
– Como foi que se conheceram? – Fora a vez de Bog indagar. – Aposto que ele a encontrou na estrada, amarrou e jogou na traseira.
– Muito engraçado. – rolou os olhos. ria com eles, mas não sabia se devia. – Por isso não apresento ninguém a vocês.
– Não é por isso, você sabe. – Igor implicou, sendo empurrado por . – Mas é uma garota bonita. . – Ele repetiu o sobrenome. – É da Alemanha?
– Inglaterra. – respondeu e maneou a cabeça. – Mas a origem do sobrenome é alemã.
– Você foi longe dessa vez, . – Bog ergueu o queixo ao falar. – Inglaterra.
– A gente se conheceu em Lahti, ano passado. – Contou , abraçando quando a percebeu se encolher com o frio. Ele estava equipado, mas a namorada não.
– Por isso estamos falando em finlandês, então. – Igor se deu conta e o jogador assentiu. – Aqui pouca gente fala inglês. – Ele deu de ombros, falando mais para a mulher do que para si ou os amigos.
– Igor e Bog trabalham no porto, daqui de Viipuri. – começou a contar. – Assim como seus pais. E o meu pai. E a maioria dos pais que não trabalham pescando.
– Poderia ser você, . – Bog sorriu.
– Vocês estão sérios, então? – Igor mudou de assunto.
– Sim. – desviou o olhar dos amigos para a namorada enquanto falava. – Juntos em casa. Tem sido bom.
– Agora você já pode sentar na mesa dos adultos, os homens sérios e casados. – Bog ergueu a mão direita, exibindo uma aliança larga.
– Aqui as pessoas se casam cedo. – expirou um riso, explicando para .
– Na verdade, se casam com idades normais, que é encalhado. – Igor negou. – Ou melhor, era.
– Cale a boca. – O central fez careta. – O que vocês vieram fazer aqui? Tenho muita neve pra tirar lá atrás e vocês estão em atrapalhando. – Brincou ele, apontando para trás.
– Você sempre tem algo lá atrás pra tirar, . – Bog rolou os olhos, fazendo Igor rir com sua fala de duplo sentido. – Mas vamos lá. Você não consegue sozinho, mesmo.
– Eu preciso te lembrar algumas coisas. – respondeu, devolvendo a ofensa do amigo.

Igor e Bog desceram da escada, afastando-se devagar para os fundos da casa, mas pararam para esperar o amigo jogador.

– Entra, tá muito frio aqui fora. – O capitão sorriu, esfregando os braços da namorada. – E você não vai querer ouvir o que esses caras falam. – Ele riu e assentiu com a cabeça. – Papa, você vem?

O pai se juntou a eles e os quatro se afastaram, sumindo atrás da casa. e Ema entraram juntas.

– Ele nunca tinha mencionado esses dois amigos. – A inglesa pensou alto, andando atrás da sogra.
– São coisas pessoais. – Ema respondeu rápido, em seu tom duro.

apertou os lábios e preferiu não se explicar. Podia listar a sogra a imensa quantidade de coisas pessoas que os dois partilhavam, mas sabia que não era sobre isso. A questão ali era muito maior do que ela saber ou não o nível de intimidade que tinham.
Logo as duas estavam de volta a grande mesa, onde o café da manhã estava posto.

– Será que eu posso ajudar a retirar a mesa? – se ofereceu, incerta e recebeu um olhar atravessado.
– Se você quiser... – Ema começou a recolher a louça. – Ou o faz isso em casa também?
– Depende. – respondeu sem pensar e atraiu a atenção da sogra. – Nós costumamos dividir. Às vezes sim, mas geralmente não. Ele ficava muito na minha casa, então eu cuidava dessa parte e das outras.

Ema não respondeu.

– O que sua família faz na Inglaterra? – A matriarca indagou após algum tempo em silêncio.

A inglesa hesitou, surpresa com a pergunta direta, pensou antes de responder.

– Bom, meu pai trabalha na prefeitura e minha mãe é professora. – contou sem encarar a mulher. – Tenho dois irmãos, um é advogado e minha irmã é uma arquiteta.
– E por que você veio para cá? – Ema continuou sua inquisição enquanto enfiava tigelas na lava-louças.
– Bem, eu... – tossiu, limpando a garganta. – Eu quis experimentar. País novo, cultura, emprego...
– Inessa disse que você trabalha no time, com o , Atte e os outros. – Comentou a mais velha, seu tom era seco, sem muita emoção, positiva ou negativa.
– É, nós nos conhecemos lá. – A inglesa respondeu com cuidado. – Mas talvez não fique assim por muito tempo, nós estamos resolvendo e...

Ema encarou a inglesa com uma sobrancelha arqueada e parou de falar.

– Sua mãe já conhece meu filho? Sua casa? – Ema tornou a inquirir e respirou fundo.

Seria uma manhã longa.

❄❄❄


Domingo, 02 de janeiro de 2022
Casa dos
Viipuri (Vyborg), província de Leningrado – RU



Depois de piadas infames, depois de tirarem carrinhos e carrinhos de neve da porta dos fundos e da calçada, Bog e Igor tinham voltado para suas casas quentes e suas famílias. Estavam ainda do lado de fora e seu pai, tirando o resto de neve que ainda impedia a entrada para o pequeno cômodo nos fundos da garagem onde o russo guardava ferramentas e equipamentos de caça. enchia um balde com a neve retirada da porta, enquanto o pai assistia ao trabalho do filho apoiando o corpo ao cabo de uma pá.

– Acho que agora já basta. – Ivan assentiu quando o filho ergueu o tronco, ajeitando a coluna e fazendo careta pelo esforço. – Agora, posso mostrar a ela a cabeça do alce. – Falou orgulhoso, batendo nas costas do filho e erguendo o balde de neve.
– Não sei se a vai se impressionar muito com uma cabeça de alce, papa. – riu abafado, vendo a movimentação do pai.
– Como não? – Ivan franziu o cenho. – É uma cabeça de verdade. Que eu cacei. – Ele se vangloriou.
– Eu sei, mas acho que ela não gosta muito dessas coisas. – Opinou o jogador. imaginava qual seria a reação de ao se deparar com a cabeça gigante de um animal morto pendurada na parede. – A gente nunca falou exatamente sobre o assunto, mas ela... ela gosta dos animais vivos.

O pai agitou uma das mãos e estalou a língua com desdém, desconsiderando a opinião do filho. Tinha certeza que ela amaria aquilo, era bonito, era uma boa caça e estava muitíssimo bem conservada.

– E essa garota. – Ivan tornou a falar. Estavam os dois de pé no quintal, segurava a pá em uma das mãos, já o pai usava a sua ferramenta para se apoiar. – Não é do jeito que as outras eram. – O russo projetou o lábio inferior e deu de ombros. – Mas até que é bonita também. – baixou a cabeça, sorrindo. – Inessa disse que gosta dela, mas ela é quieta demais. Não ri, não fala.
– Ela é de outro país, papa. – imitou o pai, apoiando os antebraços ao cabo de sua pá e a firmando no chão congelado. – Não é como as mulheres da Rússia, extravagantes, que parecem uma árvore de natal. E ela conversaria mais se vocês ajudassem e não falassem em russo. – O jogador torceu os lábios, reprovando e viu o pai dar de ombros.
– Mas eu até falei dos feijões. – Ivan se justificou.

expirou um riso fraco e rolou os olhos.
Os dois permaneceram em silêncio, contemplando o trabalho, deixando seus olhos vagarem pelo terreno esbranquiçado que antes era de um verde vivo e de causar inveja aos vizinhos. Enquanto os olhos viajavam distraídos, olhou para a janela de vidro grande da cozinha, encontrando a mãe e a namorada. As duas pareciam ocupadas com qualquer coisa e o capitão agradeceu internamente por pelo menos estarem juntas no mesmo espaço. Agradecia também a paciência de , tolerando todos os desconfortos daqueles dias sem reclamar.

– O que há com a mamãe? – O jogador indagou ao pai, que apenas o encarou, esperando mais contexto para aquela pergunta. – Essa implicância com a . Quartos separados, água fria, janela sem cortina...

Ivan ergueu os ombros.

– Não sei. – Respondeu. – Talvez ela tenha percebido algo que você não viu ainda.

Primeiro expirou um riso confuso e fraco, mas quando o pai não riu junto ou disse se tratar de uma brincadeira, o jogador gargalhou.

– Eu vivo com ela há meses, na maior parte dos dias passamos juntos vinte e quatro horas. – arqueou uma sobrancelha, ainda ria com incredulidade. – Mas está me dizendo que a mamãe colocou os olhos nela apenas uma vez e viu algo que eu ainda não percebi?

Ivan assentiu, ignorando o riso descontrolado do filho.

é uma mulher boa. – ensaiou se afastar, negando com a cabeça e ainda rindo, mas voltou. – Ela é minha amiga e minha namorada. E também gosta de mim. Ela é boa pra mim. – O capitão apontou para o pai. – Não tem como a mamãe ter visto algo que eu não percebi. Porque não tem nada assim para ver. Isso é... – Ele riu alto, jogando a cabeça para trás, mas sem humor. – É absurdo.

começou a se afastar, ainda estarrecido com aquela ideia.

– Sua mama só se preocuparia em analisar uma mulher se percebesse que você realmente está nas mãos dela. – O pai falou em seu tom firme e manso, atraindo a atenção do filho.
– Espera. O quê? – sacudiu a cabeça, perdido naquele raciocínio. – Analisar? O que quer dizer? Ela tá sendo analisada? Ela tá testando a ? – Questionou e viu o pai erguer os ombros como quem diz “vai saber”. – É, seria bom se ela parasse com esse teste idiota, então. – tornou a falar. – Ou daqui a pouco não vou ter mais uma namorada para ser testada.

Dizendo isso o central deu as costas ao pai e se dirigiu para dentro, pouco feliz.

❄❄❄


Domingo, 02 de janeiro de 2022
Viipuri (Vyborg), província de Leningrado – RU



Durante a tarde, para felicidade de , a havia convidado para um passeio pela cidade. Explorar e conhecer as belezas da cidade do namorado, entender porque aquele lugar lhe era tão especial, e de quebra, se afastar do clima esquisito que pairava ao redor de Ema .
Durante a chegada havia tido uma impressão a cidade. Desorganizada, parada, nada moderna, abandonada, esquisita até. Parte de Viipuri era uma ilha, cercada pela Baía de Viipuri e ligada ao continente por várias pontes. A família vivia em uma área próxima à Baía, de onde ao chegar se via as águas escuras e congelantes. Segundo , nos verões ele e os amigos nadavam naquelas águas – e nos invernos também. A região onde os pais do namorado viviam era um pouco mais bonita, apesar de coberta de neve se podia perceber a arquitetura detalhada das casas, os muros que as cercavam eram baixos ou apenas cercas de madeira. Haviam pequenas praças com brinquedos infantis desgastados pelo tempo, gangorras e balanços. A casa grande e vermelha ficava na Begovaya Ulitsa, eram sul da pequena ilha e era uma das mais bonitas e bem cuidadas da região.
Saindo da vizinhança dos , a inglesa se deparou com ruas sem calçamento, bairros que pareciam mais pobres, com casas mais simples e com aspecto de abandono, apesar de não estarem. não via nada de bonito ali, ao contrário, se perguntava porque o namorado ainda mantinha a família naquela cidade. havia mencionado que Inessa passava mais tempo viajando ou em São Petersburgo do que em casa, Alicia estava prestes a ir para a faculdade e provavelmente iria para Helsinki, mas ainda assim.
Mas, a medida com que dirigia em direção a parte continental de Viipuri, tudo mudava. Os prédios eram antigos e bonitos, a maioria eram de aspecto agradável. Tudo remetia a uma cidade comum com arquitetura antiga. Um pouco de Viena, um pouco de Bruxelas, no formato dos prédios, mas nada tão elegante ou chique. Parecia Lappeenranta e Lahti, mas não era igual. Era diferente de tudo que já havia visto. Também podia lembrar uma cidade histórica italiana ou alemã. Haviam bares e cafés com placas e letreiros curiosos, as ruas eram limpas e bem cuidadas, havia gente passeando por todo lado. Não haviam prédios com fachadas de vidro ou coisa do tipo, eram em maioria casarões ou prédios antigos sem elevador, históricos, com poucos andares. Alguns prédios estavam pichados, com pinturas desgastadas, outros eram imponentes e bonitos e havia muitos pontos históricos e preservados. Aquela parte de Viipuri justificava o apreço de pela cidade.
Na parte mais bonita da cidade, era cumprimentado o tempo todo, principalmente pelas crianças. Pessoas acenavam, sorriam, diziam palavras agradáveis, mas nenhum pedido de foto ou abraço ou assédio. O capitão a tinha explicado antes que as pessoas ali já estavam acostumadas à sua presença e além disso, não tinham a cultura pegajosa dos fãs de outras cidades e do mundo. Por isso ele amava o lugar. Conhecendo o namorado, podia-se supor que o fato da pequena cidade ser silenciosa, tranquila, sem muita agitação de visitantes era o que mais atraía o central. moraria em uma ilha deserta se com ele fossem seus amigos e família. Apesar de não ser muito diferente, gostava de cidades visualmente bonitas e com boas opções de comida, agradáveis de viver, Viipuri parecia ser era uma dessas.

🎵 Dê play na música aqui, e se necessário coloque para repetir. Taylor Swift – The way I loved you🎵


– Por que você tá olhando assim? – indagou a namorada, rindo dela enquanto caminhavam.

Já a estava observando a muito tempo, desde que haviam saído de casa. era alguém muito expressiva, ela até conseguia disfarçar suas emoções, mas nunca os pensamentos. Enquanto pensava, costumava ficar tão absorta em sua própria mente profunda que não se lembrava de prestar atenção a sua expressão.

– Assim como? – Ela sacudiu a cabeça, voltando para a Terra e perguntou, confusa. Os dois caminhavam por uma rua de blocos, uma pequena ladeira com vista para a baía e cheia de lojinhas e bares.
– Com essa cara de quem está odiando tudo. – riu pelo nariz ao falar e viu a namorada congelar.
, eu... – Ela tentou se justificar e ele abriu a boca, chocado.
– Eu só brinquei. – Ele se surpreendeu. – Você tá odiando mesmo?
– Não. Não é isso. – A inglesa parou de andar para tentar se explicar. – Eu só...é que é tudo muito diferente.
– Diferente como? – , que tinha as mãos nos bolsos do casaco, ergueu as sobrancelhas para a encarar.
– Diferente. – Ela hesitou, maneando a cabeça e afastando o olhar.
– Você tá mentindo. – expirou um riso e manteve os lábios em um pequeno sorriso fechado enquanto negava com a cabeça.
– Bom, você mentiu sobre eu não precisar me preocupar com o que você e seus pais falaram em russo quando chegamos. – apontou, dando de ombros. – Estamos quites.
– Então é sobre isso? – arqueou as sobrancelhas de novo, surpreso.
– Não é sobre isso. – Ela negou e os dois voltaram a andar. – Eu só estou dizendo. E eu não odiei a cidade.
– Você olha pra cidade do jeito que olha pro Petri. – falou e o olhou, estarrecida.
– Eu não. – A inglesa cruzou os braços sobre o peito.
– Você mente mal, . – devolveu rolando os olhos.
– Ah, veja só... – A terapeuta ergueu as mãos, como se rendida. – Desculpe, senhor que nunca mente, mas mente mal e na minha cara.
– Eu disse que não era nada importante. – Ele respondeu azedo, ainda caminhando ao lado dela.
– E está mentindo de novo. – estalou a língua no céu da boca.
– Quando eu me tornei o problema aqui? – O capitão apontou para si mesmo. Estavam chegando a um pequeno ponto na ladeira que servia de mirante para a baía, que devido ao frio estava vazio. – Você está com essa cara feia para tudo na cidade desde que saímos de casa.
– É até difícil dizer o que é pior, ficar lá ou sair. – falou baixo, sem pensar, rolando os olhos.

parou de andar e se virou para a namorada, encarando-a com a boca aberta e sobrancelhas erguidas.

– Você não disse isso.
– É fácil falar quando você tem água quente, uma cama boa e sem barulho e não precisa dividir o quarto com um rato que faz barulho a noite. – listou, erguendo dedos para ele a cada item. – E sabe o pior? Ele faz um barulho horrível quando rói a mobília da sua avó.
– Você é um monstro. – estava pasmo. – O rato não é nada comparado a isso. – Ele agitou o dedo indicador na direção da namorada, que trancou a expressão.
– É, mas pelo menos eu não caço animaizinhos. – Ela projetou o lábio inferior e cruzou os braços.
– E pelo menos o meu pai é legal. – O capitão de hockey devolveu. – E minha mãe não é uma megera. – Falou sem pensar.
– Isso. Foi. Baixo. – disse pausadamente, com dedo erguido em direção ao capitão, estavam cerca de cinco passos de distância. – E sim, sua mãe é uma megera. Fique você sabendo.

deu as costas ao namorado e começou a se afastar, pisando duro, xingava em pensamento e sentia raiva. a imitou e começou a descer a pequena ladeira respirando fundo e pensando no quão idiota estava sendo. Os dois compartilhavam o mesmo pensamento, sobre como um ou o outro estavam sendo tolos, estúpidos, imaturos e burros.
planejava esperar no carro, sem se importar se ela se lembraria de onde haviam estacionado ou não. Já que ela queria ser autossuficiente e não gostava de Viipuri, que desse seu jeito para sair dali. xingava o jogador por ser tão esquentado, enquanto desbloqueava o celular em busca de um Uber. Não precisava do namorado para voltar para casa.
Mas no segundo seguinte, a mente dos dois se perdeu, mudando de rota tão rápido quanto haviam entrado naquela. Como esperar que , sozinha, sem falar uma única palavra do idioma, conseguiria encontrar o carro. Estava frio e a neve prateada começava a salpicar as ruas novamente, e além do frio do banho em casa, ela passaria frio na rua. bufou irritado e deu a volta, girou em seu próprio eixo e começou a subir a rua, em direção ao caminho que a namorada havia feito. cedeu e deixou cair as muralhas da raiva tão rápido quanto as ergueu. Parou de andar e olhou ao seu redor, percebendo-se perdida entre letreiros em russo e pessoas russas. Respirou fundo e se arrependeu de ter chamado Ema de megera. Ela não era uma, não tão megera, pelo menos.
A inglesa suspirou, projetou o lábio inferior chateada e inclinou a cabeça, girou em seus calcanhares, pronta para ir atrás do namorado. Quando a terapeuta ergueu o rosto o viu vindo em sua direção, com lábios torcidos em uma careta impaciente e contrariada.

– Por que a gente tá brigando? – Ela perguntou, caminhando na direção dele, confusa e chateada.
– Eu não tenho ideia. – respondeu balançando a mão uma vez frente ao corpo.
– Eu não acho sua mãe uma megera, nem odeio sua cidade. – Ela choramingou ao ser abraçada pelo namorado pela cintura, segurando o rosto dele com as mãos. – Nem estou brava por você nitidamente ter mentido sobre o que seus pais falaram em russo quando chegamos. – A terapeuta uniu a testa a do namorado e ele riu abafado.
– Não te acho um monstro também. – começou a falar. – Nem que você merece o rato no seu quarto. Também não quis dizer que seu pai não é legal e sua mãe uma megera...
– Essa parte. Tá tudo bem. – riu, balançando a cabeça. – Não é bem uma mentira.

Os dois riram, ainda com testas unidas.

– Somos dois idiotas. – falou.
– É, mas não seria a gente se não tivesse uma briga dramática no meio da rua, enquanto neva. – riu pelo nariz.
– Na Rússia. – Completou a inglesa e os dois riram outra vez. – Eu amo você, .
– Mas ama minha cidade? – Ele riu, a provocando ao arquear uma sobrancelha.
– Uma coisa de cada vez, né!? – fechou um dos olhos, sorrindo e o namorado riu também, apertando os olhos. – Uma coisa por vez.

e ignoraram a neve prateada que caia e se beijaram, enquanto sorriam. Ou sorriam enquanto se beijavam, seria difícil diferenciar.



Heaven help the fool who falls in love

So now I think that I could love you back
And I hope it's not too late 'cause you're so attractive
And the way you move I won't close my eyes
It takes a man to live
It takes a woman to make him compromise
(Flowers In Your Hair – The Lumineers)



Segunda-feira, 03 de janeiro de 2022
Casa dos
Viipuri (Vyborg), província de Leningrado – RU



Ao contrário do esperado para uma segunda-feira à noite, , , Inessa, Atte e Alicia iriam sair. As irmãs haviam sugerido um passeio diferente, entre os jovens, e agradecia a misericórdia delas. Havia passado o dia grudada ao namorado. Não por carência ou por estar muito afetuosa, mas sim por temer ficar sozinha com a sogra. Ema parecia muito motivada em descobrir detalhes dos antepassados mais distantes de , parecia buscar inconsistências na história de vida da inglesa, ou motivos para embasar sua decisão de que não era a garota certa para seu filho. mal podia esperar pela hora de irem embora, voltar para o conforto e a paz de Lahti e fingir que aqueles dias nunca aconteceram.
Estava na sala de estar, junto com Atte, e seu pai, esperando Inessa e Alicia ficarem prontas. Fazia um frio absurdo e mesmo sendo acostumada com o frio, o clima da Rússia parecia pior, ainda mais seco. usava apenas um rímel, bastante hidratante, um pouco de corretivo sob os olhos, blush e um batom leve. Usava botas, calças quentes e casacos reforçados, além de um grosso cachecol, luvas e uma touca, que esperavam para serem vestidas. e Atte não estavam muito diferente, o frio era intenso demais para expor qualquer mínima área de pele.
estava no sofá, ao lado de , com a cabeça apoiada a seu ombro, Atte na outra ponta e Ivan em uma poltrona, afagando entre as orelhas de Felix.

– Sabe, eu vi na TV, uma corrida de cães. – Ivan começou a falar, atraindo a atenção do pequeno grupo. – Eles eram inteligentes. Colocavam os cães para correr como cavalos. Devia tentar com esse aqui. – Falou, dando dois tapas leves no lado de Felix, que resolveu se aproximar do dono.
– Não. Não, ele não precisa competir. – sorriu, inclinando-se para afagar o cão com as duas mãos.
– Até porque, ele só competiria em provas de comida e de sonequinha. – riu, olhando para o cachorro.
– Mas ele é um garoto esperto. – começou a fazer vozinha e afagar o cachorro. – Não é? Quem é o meu garotão esperto? O meu garotão? Quem é?

arregalou os olhos para a cena, depois olhou de canto para Atte, que apenas ergueu os ombros e projetou os lábios. A terapeuta preferiu ignorar.

– Eu estava pensando. – tornou a falar, dirigindo-se a Ivan. – Sei tão pouco sobre a Rússia, gostaria de saber mais. – Podia não ter o apoio da sogra, mas precisava garantir ao menos um voto a mais para seu lado.
– Ah, é, sim. – Assentiu ele. – Amanhã chame o garoto para passear por aí. – Sugeriu Ivan. – Também, podemos pescar. Você pesca?
– Sim, na verdade sim. – assentiu sorrindo, sentindo-se animar. – Saíamos para pescar em família, meu pai, meus irmãos e eu.
– Aposto que nunca pescou em um lago com tantos peixes brutos e fortes como os nossos.
– Eu aposto que não. – Ela sorriu em concordância.
– É um bom esporte. – Ivan sorriu e suspirou, depois silêncio. – Pescar então. Amanhã.
– O que mais as pessoas fazem por aqui? Além de pescar. – tornou a falar. – Que esportes são populares por aqui, quais o senhor jogava? Sem dizer hockey, claro. – e Ivan riram e o mais velho cruzou os dedos sobre a barriga, pensativo.
– Bom, na minha época de jovem o esporte que mais praticávamos era a guerra civil...

arregalou os olhos, mas Ivan não pode terminar, Inessa, Alicia e Ema desceram as escadas falando alto, chamando o resto do grupo para irem, apressando os que já estavam prontos. Quando chegaram a sala, Atte abraçou Inessa de lado e Ema correu os olhos pelos outros.

, você ainda não está pronta? – A mulher perguntou agitada.
– Vamos nos atrasar ainda mais. – Alicia comentou, sentando-se desajeitada no sofá.
– Não, eu estou. – sorriu sem jeito, um pouco confusa e instaurou-se um clima de velório na sala dos . – Estou pronta.
– Você vai assim? – Ema apontou, mirando a futura nora dos pés a cabeça. – Mas...

olhou para suas roupas, depois olhou para Inessa e Alicia. As duas vestiam vestidos, Inessa um preto e Alicia usava vermelho, meia-calça, sapatos de salto, casacos pesados, o de Inessa parecia ser de pele. Elas tinham cabelos soltos e escovados, maquiagens perfeitas e elaboradas. abriu os lábios, mas não disse nada, demorou para raciocinar. Entendia o que Cinderela devia sentir.

– É que eu... – mordeu o lábio inferior, sem jeito. – Não imaginei que a gente fosse sair assim... e também, o frio...não tenho nada diferente para vestir. – Falou baixo, inclinando a cabeça.
– Se quiser, posso te emprestar alguma coisa. – Inessa sorriu, empática, inclinando o corpo para esfregar o ombro de .
– É, podemos. – Alicia também se ofereceu. – Com certeza você vai achar algo que goste. Inessa trouxe vestidos lindos de Moscou.
– Mas está frio e... – apontou com o polegar para trás de si. Apesar do incômodo terrível pelo comentário, o frio estava de matar.
– Aqui as mulheres se arrumam bem, mesmo no frio. – Ema comentou, erguendo um ombro e apertou os lábios em uma linha fina.
– Ela está linda assim. – interveio, colocando um dos braços sobre o ombro da namorada. – E está congelando lá fora. Não precisa de nada disso. está ótima como está. – O jogador trocou um rápido olhar com a irmã mais velha, que pareceu compreender de pronto.
– E ingleses são ingleses, russos são russos. – Inessa falou, forçando seu melhor sotaque russo. – Roupas não importam. Vamos, vamos . – Chamou a golfista, tomando a frente, puxando a inglesa pela mão. – Do svidaniya, mama. Spokoynoy nochi, papa. – Ela acenou, rumo a porta, enquanto o resto do grupo a seguia.

❄❄❄


Segunda-feira, 03 de janeiro de 2022
Viipuri (Vyborg), província de Leningrado – RU



Para uma segunda-feira, o bar estava lotado. Cheio de pessoas jovens e não tão jovens assim que se divertiam no karaokê, cantando músicas em vários idiomas, de várias épocas diferentes, novas ou velhas. Inessa, , Alicia e Atte já haviam cantado ao menos uma música cada um. Inessa e Alicia cantaram Fabulous, da trilha sonora de High School Music, Alicia fizera também um número brilhante de Nancy Sinatra com These Boots Are Made for Walkin', e Inessa e Atte havia dado um show com Ain't No Mountain High Enough, de Marvin Gaye e Tammi Terrell. e Inessa cantaram I Want You Back dos The Jackson 5, e o capitão do Pelicans, para surpresa da namorada havia feito um excelente número de The Galway Girl de Steve Earle. Enquanto isso, lutava com todos seus argumentos para evitar subir ao palco, já se sentia péssima desde que saíram de casa, não precisava se expor ali também.
A maior parte das mulheres do lugar eram bonitas e todas, sem exceção, estavam super maquiadas, usando casacos luxuosos e vestidos, além de salto alto, obviamente. se sentia como há muito não sentia. Era desconfortável, tinha a sensação de que todos ali a olhavam e julgavam. Se sentia horrível com aquelas roupas, destoava dos que a acompanhavam e por isso tentava se esconder o máximo possível, curvada em um canto, sobre a mesa, usando os cabelos para cobrir o rosto e tentando – orando – para se tornar invisível. A mãe, se estivesse ali, diria que ela fez por merecer.
Não conseguia aproveitar um minuto do passeio, enquanto o namorado, Atte, Inessa e Alicia riam e faziam brincadeiras uns com os outros, só conseguia sorrir fraco e se encolher, quase tornando-se parte do estofado dos sofás que rodeavam as mesas do bar. Nem mesmo ver solto, cantando em um palco para um público duvidoso a tinha animado ou distraído de seu fracasso.

– Que foi? – cutucou a namorada, apoiando em seguida os cotovelos sobre a mesa, estava ao lado dela, com olhos no palco. Atte e Inessa cantavam uma canção no karaokê, parecia Brown Eyed Girl, de Van Morrison. Alicia havia ido ao banheiro.
– O quê? – A inglesa sorriu fraco. – Comigo? Não. Está tudo bem.

torceu os lábios, negou com a cabeça e deu um gole em seu copo de cerveja. As pessoas, algumas o cumprimentavam, algumas sorriam, outras olhavam e comentavam sobre a sua presença desde a chegada do pequeno grupo.

– Olha, não fica pensando naquilo que minha mãe disse. – O namorado falou, voltando-se para ela e o encarou surpresa. – Aproveite a noite, deixe isso pra lá.
– Como sabe que estou pensando nisso? – ergueu as sobrancelhas. – Supostamente. – Ela maneou a cabeça, se corrigindo.
– Supostamente? – riu pelo nariz. – Esqueceu que fui criado com duas irmãs? – O jogador esticou um dos braços, pousando-o sobre os ombros da inglesa. – Isso é besteira, não tem nada a ver. As mulheres aqui são assim, mas você não precisa agir diferente só por isso. – desviou o olhar para tomar um pouco mais de cerveja. – Você nem é daqui.
– Mas e você? – Ele a olhou curioso. – Porque estamos em um bar na sua cidade natal e todas as mulheres aqui parecem ter saído de um seriado ou de uma passarela. – bufou, apontando para o público ao seu redor. – Todas lindas, loiras, hiper magras, vestidas como as russas que eu via nos filmes. E eu...bem, eu tô de jeans e casaco. Nem estou usando maquiagem, ou salto alto. – Ela apontou para si mesmo. – Eu sei que você não vai fazer nenhum comentário sobre a aparência delas ou a minha, mas imagino que seja frustrante pra você. A sua namorada ser a esquisita do bar, malvestida, feia e desarrumada. – suspirou chateada. – Devia ter ouvido sua mãe e pelo menos trocado de roupa.

O queixo de caiu – não apenas figurativamente.

– O que aconteceu com a minha namorada? – O central segurou o rosto da terapeuta inglesa. – Porque a que eu conheço nunca, nunca pensaria que ser ela mesma poderia incomodar alguém. Ou pediria desculpas por isso. E a que eu conheço teria feito um discurso de três horas se eu tivesse feito qualquer comentário desse tipo. – O jogador fez careta.

expirou uma risada culpada e inclinou a cabeça.

– Você tem razão. – Disse ela. – Mas é que...
– Eu gosto da exatamente como ela é. – a interrompeu, falando sereno. – E eu não acho ruim a gente se vestir igual, acho engraçado e legal até. E não tô nem aí para um monte de mulher maquiada, fingindo não estar com frio ou desconfortável em um salto alto. Eu gosto de você justamente porque é diferente delas.

beijou os lábios da namorada suavemente.

– Eu amo você. – sussurrou e ele sorriu, olhando nos olhos dela por alguns instante, com aquele olhar bobo, sorrindo grande, mas sem mostrar os dentes.

– Prove, então. – sussurrou de volta, de repente e arregalou os olhos.
– Provar? – Ela estranhou.
– Prove. – sorriu e puxou , levantando-se da mesa. – Cante uma música comigo.
! Ficou maluco. – tentou protestar, mas só conseguia rir nervosa.
– Ei, nós somos os próximos. – O central levantou uma das mãos, atraindo o olhar da pessoa que cuidava das inscrições.
, eu não canto. – estava congelada de medo, mas ria como uma psicótica. – Por favor.
– O que acontece na Rússia, fica na Rússia. – O central piscou, segurou o rosto da namorada e deu-lhe um beijo estalado. – A gente vai cantar.

puxava a namorada para o palco, e toda as tentativas dela de se agarrar em coisas, ou empacar no lugar foram frustradas. Ele a deixou no centro, sozinha, enquanto se apressava para o responsável, escolhendo a música que cantariam. Não demorou muito para o jogador encher o palco também, sorridente.

A música escolhida


. – o repreendeu entredentes, assustada. – Eu não sei cantar. O que você está fazendo?
– Confia em mim? – Ele perguntou em um sussurro, divertindo-se.
– Mas é claro que não. – Ela negou e o viu gargalhar, jogando a cabeça para trás. A música tomou o telão e os primeiros acordes vieram junto. A inglesa arregalou os olhos. – . O que é isso? Que música é essa? – Ela tentava disfarçar, segurando o microfone no apoio como se sua vida dependesse disso.

I wasn't jealous before we met
Now every man I see is a potential threat


começou a cantar, ele sorria para . Estavam de pé, um do lado do outro, mas o corpo do central estava inclinado e quase completamente voltado na direção na inglesa. Enquanto encarava a situação com olhos arregalados, congelada.

And I'm possessive, it isn't nice
You've heard me saying that smoking was my only vice


enfim se voltou inteiro para a namorada. Ele cantava bem, mas estava apavorada demais para perceber. Ele tentava encorajá-la com o olhar e sorria para ela, animado com o fato de estarem cantando juntos.

But now it isn't true
Now everything is new
And all I've learned has overturned
I beg of you


olhou para a namorada e ergueu as sobrancelhas, acenando com a cabeça, engoliu em seco.

Don't go wasting your emotion Lay all your love on me


leu a letra, conhecia a canção, mas não o suficiente para que se lembrasse em seu atual estado de nervosos. A inglesa havia soltado o suporte do microfone e abraçava com força o próprio corpo. estava satisfeito e as pessoas que assistiam também, o jogador sorriu e assentiu, animado.

– Eu não sei o que estou fazendo. – grunhiu entredentes, encolhida e envergonhada.
– Só vá em frente. – falou apenas movendo os lábios.

olhou para o parceiro, para o público, para o telão com as letras, se encolheu um pouco mais e resolveu tentar. Inessa, Atte e Alicia tentavam a incentivar, agitando as mãos e mostrando sinais positivos. Afinal, seria mais vergonhoso se ficasse em silêncio.
It was like shooting a sitting duck
A little small talk, a smile and baby I was stuck
I still don't know what you've done with me
A grown-up woman should never fall so easily


, a medida com que cantava, sentia mais coragem e olhava para de canto, sorrindo com ele. Tomando enfim coragem para relaxar os braços e segurar o pedestal do microfone. já havia se desfeito do dele e segurava seu microfone.

I feel a kind of fear
When I don't have you near
Unsatisfied, I skip my pride
I beg you dear


conseguia já cantar olhando para o namorado, um pouco mais solta, apreciando a letra e a música.

Don't go wasting your emotion
Lay all your love on me
Don't go sharing your devotion
Lay all your love on me


retomou a canção, aproximando-se de , cantando enquanto a olhava nos olhos e a namorada ria, dificultando a concentração dela.

I've had a few little love affairs
They didn't last very long and they've been pretty scarce
I used to think that was sensible
It makes the truth even more incomprehensible


Dessa vez, não precisou de incentivo. Até mesmo conseguiu tirar o microfone do pedestal sem se atrapalhar.

Cause everything is new
And everything is you
And all I've learned has overturned
What can I do


Os dois pareciam em sintonia, principalmente quando entrelaçaram os dedos e se aproximaram mais.

Don't go wasting your emotion
Lay all your love on me
Don't go sharing your devotion
Lay all your love on me


E então, a música acabou.

❄❄❄


Terça-feira, 04 de janeiro de 2022
Casa dos
Viipuri (Vyborg), província de Leningrado – RU



estava um pouco bêbado quando chegaram em casa de madrugada. Inessa e Alicia já tinham subido e Atte tomado seu lugar junto a Felix, no chão do quarto de . O capitão do time havia decidido parar e tomar um pouco de água antes de subir e o acompanhava.

Honey, honey, how you thrill me, aha, honey, honey. cantava, meio bêbado, meio sonolento, tropeçando nos próprios pés ao subir as escadas.
– Meu Deus, você vai derrubar nós dois. – ria, atrás dele, tentando ajudá-lo a se equilibrar.
Honey, honey, let me feel it, aha, honey, honey. – se virou para encarar a namorada, sorrindo como uma criança travessa. – Honey, honey, don't conceal it, aha, honey, honey. – Ele cantou, fazendo uma coreografia boba junto ao corrimão da escada.
– Meu Deus, cantor, tenha pena de mim e suba logo essas escadas. – pediu, empurrando o namorado pelas costas e ele, como criança, subiu correndo os degraus que faltavam.
. – Ela o repreendeu baixinho. – Vai acordar seus pais assim.
– A gente devia começar uma banda. – O jogador abraçou pela cintura, com força, assim que ela conseguiu subir as escadas.
– Uma banda? – A inglesa riu cobrindo a boca, tentando não fazer muito barulho.
– A gente sai por aí, cantando e fazendo sexo e cantando e bebendo. – Ele começou a falar empolgado e cobriu a boca dele.
! – A inglesa gargalhou com olhos arregalados.
– Vou dormir com você. – começou a andar, empurrando na direção de seu quarto.
– Não. Não. Ficou maluco? Não. – Ela negou, empurrando-o de volta. – Não mesmo.
– O Atte tá no meu quarto. – se lamentou infantilmente. – Ele ronca.
– É, e eu também. – riu, lutando para afastar o namorado da porta de seu quarto. – Vamos. Minha intenção é sua mãe gostar de mim, não me expulsar daqui. Regras são regras.
– Não seja chata. – Ele rolou os olhos. – Vamos dormir juntinhos. Você pode dormir em cima de mim, aí fica tudo mais macio. – Ele propôs, fazendo vozinha e a namorada riu.
– Não. Por favor. – o empurrou em direção ao quarto onde Atte já dormia, encostando o corpo dele na porta. – Eu amo você, não me tente. Não. Por favor.
...
– Vamos fazer o que tem que ser feito. – Ela disse, enfiou a mão por trás de , girou a maçaneta da porta e empurrou-a levemente. – Eu amo você. Nos vemos amanhã.

Beijando-o rapidamente, correu para o quarto antes que o namorado tivesse tempo para raciocinar e a seguir.

❄❄❄


Terça-feira, 04 de janeiro de 2022
Casa dos
Viipuri (Vyborg), província de Leningrado – RU



Pela manhã, não conseguiu acordar muito cedo. O clima era de iglu e toda a montanha russa de emoções da noite anterior ainda deixavam seu corpo mole. Quando a terapeuta percebeu, estava no meio da manhã. Sem jeito, notando a casa silenciosa, a inglesa desceu as escadas devagar, pisando o mais suave que conseguia e caminhando rumo a grande mesa, onde imaginava encontrar o namorado, ou o café da manhã. Tentava não ser notada e encontrar antes que outra pessoa cruzasse seu caminho.
estava de costas para a sala, inclinando o corpo, tentando olhar a sala de jantar e descobrir se a hora do café da manhã ainda não havia passado. Quando de repente, alguém tossiu limpando a garganta atrás dela, a terapeuta inglesa se virou assustada, perdendo a cor rapidamente ao perceber Ema ali. Ema segurava uma xícara de nas mãos e olhava a inglesa com expressão desconfiada.

– B-bom dia. – gaguejou. – Eu perdi a noção do tempo.
– É perceptível. – Ema respondeu, passando por e se sentando em uma poltrona do sofá, sem dar muita importância a ela. – O café ainda está na mesa.

olhou rapidamente para a mesa, confirmando a informação da mais velha, mas teve vergonha de ir até lá.

– Onde está? – Perguntou tímida e envergonhada. – E todo mundo?
está com Ivan. Inessa, Alicia e Atte ainda estão dormindo. – Respondeu Ema e quase não conseguiu conter o sorriso que se formara em seu rosto, de alívio.
– Chegamos tarde ontem, e... – começou a falar, um pouco mais aliviada, mas Ema a cortou.
– Sim, ouvi vocês chegando.
– Ouviu? – A inglesa ficou alerta, pensando no que a mãe do namorado podia ter ouvido.
– Sim. – Ema assentiu, não tinha uma expressão muito serena. Na verdade, estava com uma expressão fria como mármore.

inflou as bochechas e inclinou a cabeça, não sabia o que fazer ou falar. Desejou que o chão se abrisse e que pudesse desaparecer, ir para outra realidade paralela onde não existisse o olhar crítico e julgador de Ema . Ao menos não tinha permitido que entrasse em seu quarto, se tivesse cedido, certamente a expressão da mulher seria pior.

– O que sua mãe acha sobre o namoro de vocês? – Ema voltou com o assunto que a inglesa não queria abordar e sentiu crescer a vontade de correr, mas decidiu ser firme. Lembrou-se do que tinha dito na noite anterior, devia voltar a ser ela, ser sincera, corajosa e não ter medo de assumir quem era de verdade.
– Na verdade, minha família ainda não sabe. – Contou firme e viu Ema estreitar o olhar e franzir a testa, surpresa. Era a primeira vez que admitia aquilo para a sogra. – Sei o que isso parece, mas não é o que parece. – Ela tentou explicar, mas apenas se atrapalhou mais e perdeu toda firmeza, ficando nervosa. – Eu queria contar pessoalmente. É só por isso. Eu juro. Não é que ele não signifique algo sério, ou que...
– Meu filho me conta o que acontece, . – Ema tornou a interromper. – Eu sei.

entrou em pane. Outra vez.

– Olha, eu entendo que não é a melhor ideia, nem a melhor opção para ele. – A terapeuta começou a falar disparado, enquanto Ema a observava com olhos de águia, estreitos, sentada, segurando uma xícara perto dos lábios. – Tem isso de sermos do time. Eu e ele. E acredite, nós sabemos como isso é sério. – andava em círculos, falava rápido e gesticulava. – Nós já tivemos muitos problemas por isso, acredite em mim. – arregalou os olhos. – E eu sei que ele merece alguém muito bom e que talvez eu não seja essa pessoa. E sei também que não sou o que vocês queriam ou esperavam, mas eu posso tentar melhorar. – A inglesa se voltou para a quase futura sogra, ficando parada diante dela. – Eu posso melhorar. Posso aprender a falar russo, posso aprender a cozinhar melhor, posso até aprender a me maquiar melhor. Talvez eu possa ser mais merecedora dele e...

Ema a interrompeu.

era feliz antes de você. – Falou séria, ficando de pé e se aproximando de , que a medida com que ela ficava perto, a inglesa se encolhia. – Ele estava focado em se realizar no trabalho. Tudo estava no lugar na vida dele, o foco era sua carreira, sua família e ele estava bem. – engoliu o fôlego e prendeu a respiração, Ema estava mais próxima e a inglesa ainda mais encolhida. A mais velha fez uma breve pausa e suspirou. – Mas agora eu vejo nele uma chama. Uma chama que não sabia que existia porque nunca tinha a visto antes.

ergueu o rosto devagar, surpresa e confusa.

– Ele tem sido uma pessoa diferente desde que conheceu você. – Ema continuou e sorriu com suavidade, desmanchando a expressão taciturna de desaprovação. – E eu estou feliz com isso.
– O que? – estava boquiaberta, apertou os olhos e maneou a cabeça, confusa. – Eu não entendo. Se viu isso, porque tem sido tão dura e fria comigo? – se amaldiçoou no instante seguinte, quando percebeu as palavras pularem de sua boca no momento errado outra vez.

Ema riu, apoiando uma das mãos ao abdômen.

– A sinceridade é tudo. – Falou Ema, divertindo-se e olhando a inglesa com o que pareceu ser um olhar culpado.
– Isso foi umas das primeiras coisas que seu filho me disse. – baixou a cabeça, envergonhada e ruborizada.
– Sabe, , acho que estou começando a entender porque meu filho gosta de você. – Ema sorriu, inclinando uma sobrancelha. – Quando o ouvia falar de você, da namorada, comecei a sentir. Mas quando vi vocês dois juntos, quando percebi como ele te olha, como está entregue e apaixonado... – A matriarca torceu os lábios em um sorriso sem jeito e afagou o braço da inglesa. – Talvez meus métodos não tenham sido os melhores, mas... eu, como mãe, tive medo. Medo dele se abrir e se machucar. Nenhuma mãe quer ver seu filho em uma situação de sofrimento.
– Eu nunca o faria sofrer. – garantiu, assentindo com a cabeça. – Nunca. Eu o amo, sei como é sensível e o quanto foi difícil para ele se abrir, eu nunca...

Ema sorriu outra vez, com candura.

– Você não precisa mudar e eu sinto muito que posso ter te levado a pensar isso. – Ema falou. – se apaixonou por você assim, sendo o que é. Você não precisa mudar quem você é para encaixar na família.
– Mas e todas as coisas que não sei? Que não faço? – disse a ela. – Deve me achar patética. – Ela expirou pesadamente.
- Não. – Ema balançou a cabeça negativamente e sorriu outra vez. – Não. Na verdade, se pedisse para Inessa cozinhar para Atte todos os dias, ela não faria também. – sorriu junto. – Aquilo tudo era só besteira, era eu procurando razões para não gostar de você. Pra descobrir se você era realmente a pessoa que faria meu filho feliz. Que poderia dar a ele o que ele parece estar buscando. – Ema levou uma das mãos ao rosto de e afagou sua bochecha. – Uma possibilidade de futuro. Você não precisa mudar, não precisa ser alguém diferente para que a família goste de você. Eles já gostam, aliás. – As duas riram juntas, estava sem jeito, mas com o coração aquecido com aquelas palavras. – Você cuidou do meu filho quando ele estava doente, tem estado com ele e tem o feito feliz. Para mim, isso é o que importa.

tinha o coração quente e embora ainda se sentisse confusa com tudo que fora dito e vivido nos últimos dias, com o comportamento de Ema e com sua declaração espontânea e afetuosa, resolveu agir com o coração e não com razão. A terapeuta abraçou pela primeira vez a mexicana e foi abraçada de volta. Não queria saber se fazia sentido ou não, mas estava feliz em saber que não precisava tentar ser diferente para receber afeto.

❄❄❄


Terça-feira, 04 de janeiro de 2022
Casa dos
Viipuri (Vyborg), província de Leningrado – RU



Estava um dia claro e absurdamente frio.
Era só o início de janeiro e parecia ter se esquecido de como eram rigorosos e duros os invernos naquela parte do mundo. Havia acordado mais cedo que o planejado depois da noite fora, e logo fora convocado pelo pai para ajudá-lo a consertar algo na sauna. Durante a noite, por causa do vento, uma pequena árvore tinha atingido a construção e danificado qualquer coisa.
ainda estava cansado e sentia a boca amarga, a dor de cabeça que lhe lembrava de ter bebido demais na noite passada. Mas não se arrependia. Fora uma experiência diferente sair na companhia das irmãs e da namorada, mesmo que , até metade da noite não estivesse em seu melhor momento. Tinha Atte ali, como namorado de Inessa e pela primeira vez não era estranho. Era como uma reunião entre velhos amigos, mais que isso, uma reunião familiar. E quando pensava sobre como gostaria de viver a vida, com as irmãs e suas famílias, aquele tipo de sentimento sempre lhe vinha à cabeça. Estava feliz em ter se aberto para as ideias de , em ter cedido a irmã e parado com as negativas, em ter dado a Atte uma chance. Inessa parecia feliz ao lado dele e Atte também.
A noite anterior estava guardada como uma foto nas memórias do capitão. Os cinco sentados na mesa daquele bar, comendo batatas fritas murchas no final da noite, rindo da falta de habilidades de Atte no palco, enquanto o próprio Atte assistia Inessa fazer piadas sobre ele, a olhando como um bobo apaixonado. Alicia ria alto, mastigando qualquer coisa, e também, abraçados, rindo das piadas de Inessa – ou da expressão apaixonada de Atte. Era bom. O tipo de memória que você pensa quando se lembra de casa e sente saudades.
Claro que, a memória de cantar junto a em um karaokê também era muito agradável. Não costumava cantar em outros lugares além de sua casa – em Lahti ou Viipuri – mas por alguma razão, naquela noite se sentia extremamente motivado. Talvez tocado pela felicidade de estar em casa com as pessoas que mais amava no mundo, ou talvez pela vontade de fazer se sentir melhor.
Se sentia entre a cruz e a espada. Confuso com a reação da mãe, o modo com que ela agia com , não entendia porque falava e fazia aquelas coisas. Mas, também não estava certo se devia questioná-la. Talvez conversar, pedir que a mãe tivesse um pouco mais de paciência com a namorada, enquanto torcia para que aquilo não fizesse desistir da vida junto a ele. Se preocupava, tentava ficar por perto e fazer companhia a namorada. não tinha dito nada sobre querer voltar para casa, e com isso acreditava que fosse Deus ou o destino dando mais uma chance para que Ema visse na terapeuta quem ela era de verdade.
Quando percebeu que quase era a hora do almoço, agradeceu ao pai por facilmente aceitar paralisar o trabalho. Queria ver se precisava de algo, ou se a mãe já havia afugentado de vez. Entraram na casa pela porta dos fundos e não ouviram nada até chegarem a grande sala de jantar. Só então ouviram os risos que ecoavam da sala. e Ivan se aproximaram devagar e encontraram uma cena completamente inesperada aos dois. Ema e estavam sentadas no chão, rodeadas por fotografias de família, sorrindo e tomando chá, como velhas amigas.

– Mãe? – se surpreendeu.
, querido. – Ema sorriu, agitando uma fotografia perto de seu rosto. – Chegaram na hora certa, estava mostrando a suas fotos de família.

O capitão olhou pasmo da mãe para a namorada, que pareceu não notar sua expressão surpresa.

– Você era tão fofinho. – comentou e expirou um riso confuso, depois balançou a cabeça e se aproximou.
– Me mostre o que estão vendo.






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