33 – Look what you made me do
I don't like your little games, don't like your tilted stage
The role you made me play of the fool, no, I don't like you
I don't like your perfect crime
How you laugh when you lie
[…]
But I got smarter, I got harder in the nick of time
Honey, I rose up from the dead, I do it all the time
I've got a list of names and yours is in red, underlined
(Look What You Made Me Do – Taylor Swift)
Sexta-feira, 28 de janeiro de 2022
Scandic Tampere City Hotel
Hämeenkatu 1, 33100 Tampere, Finlândia
O dia anterior havia sido cansativo, longo e extremamente puxado. Já era madrugada quando o time chegou ao hotel e tudo que a equipe precisava para o jogo do dia seguinte – ou do mesmo dia – era descanso e paz. e não tinham tido tempo para se encontrar ou conversar, precisavam dormir e tentar recuperar as forças. Talvez, se não estivesse tão destruído por causa do jogo e das brigas, o capitão tivesse perdido algumas horas de sono pensando sobre a namorada e todos os acontecimentos do dia. Parecia ter se passado semanas, mas tudo era um único dia, uma quarta-feira quase comum. Contar sobre o namoro para Brie, a reunião longa e cansativa para mudar tudo no time, depois dar detalhes para Brie sobre os dois, depois Isabel, o Tappara, as brigas e a maravilhosa oportunidade de socar Waltteri Merelä sem ser julgado por isso.
Mas o capitão ainda tinha algum incômodo.
Na verdade, sentia falta de seu travesseiro humano, da voz em sua consciência que costumava o irritar, mas que geralmente tinha razão. Queria um momento a sós com seu estresse diário, para descobrir se ela o estava julgando, odiando ou se orgulhando de sua briga com Merelä e com o capitão do time rival. Duvidava que estivesse feliz ou satisfeita com a cena, mas, queria saber o que ela pensava a respeito. Também queria muito saber sobre a conversa entre a namorada e o antigo companheiro de equipe, queria saber sobre o que ela tinha achado do jogo. E principalmente, sobre seu humor depois do momento com os fãs.
Estava curioso e um pouco ansioso, principalmente depois da ameaça nada sutil da namorada na noite anterior.
Teriam a manhã livre, só com compromissos do time durante a tarde, por isso, no meio da manhã o capitão estava na porta do quarto de Brie e , batendo na porta. Levou algum tempo até que Brie surgisse e abrisse para o jogador.
– Você não devia estar dormindo? – A alemã perguntou ranzinza, o capitão apenas torceu os lábios em uma careta pouco interessada. – Vai, entra logo. está no banho.
Quando passou pela porta, Brie fez o mesmo, saindo do quarto.
– Aonde vai? – Ele quis saber. – Eu só quero ver ela, não vamos fazer nada inapropriado. – O central enfatizou a última palavra e viu Brie rolar os olhos.
– Ao contrário de vocês, eu não estou de folga. – Resmungou a jornalista. – Tenho muito trabalho até a hora do jogo de hoje.
– Bom trabalho, então. – respondeu, Brie acenou com a mão e se foi pelo corredor.
se apressou a entrar e fechar a porta, não precisava dar mais motivos para desconfianças ou deixar que outras pessoas descobrissem seu segredo. estava no banho, a porta estava aberta e podia ouvir o barulho da água do chuveiro caindo. O capitão suspirou e se sentou na cama que imaginava que a namorada dormia, porque ao lado da mesa de cabeceira havia um livro, um dos que ele a tinha dado de presente no natal. Junto ao livro estava a correntinha que costumava usar e um par de brincos pequenos, que reconheceu sendo da namorada. Tinha um anel também, que enfiou no dedo porque subitamente foi invadido pela ideia de comprar um anel bem específico para .
O anel lhe serviu na metade do dedo anelar e o capitão olhou bem, tentando memorizar o tamanho correto para o momento que precisasse. Depois, deixou o anel onde o encontrou e pegou o livro, folheou algumas páginas, levou o livro ao rosto, sentindo o cheiro do papel. Haviam dois pequenos volumes dentro do livro, um deles era um marcador com a frase, “não esqueça de quem tu és”, era de O Rei Leão e o jogador pensou sobre como a namorada era previsível. O outro volume eram fotos no estilo polaroid de distraído, pintando, tocando, brincando com Felix e uma dormindo. sorriu tocando as imagens, mas não aproveitou muito, logo o som do chuveiro cessou e ele guardou o livro e fingiu não ter visto nada.
– ? – se surpreendeu quando saiu do banho. Tinha os cabelos presos em um coque meio bagunçado e vestia um roupão.
– Eu vim em paz. – O jogador apertou os lábios em um sorriso infantil e a namorada estreitou o olhar desconfiada.
– Você não devia estar dormindo? Descansando para o resto do dia?
– Já descansei, não tô cansado. – Ele respondeu como uma criança outra vez, enquanto observava passar por ele, soltando o cabelo e ajeitando um pouco os fios. – Não quero parecer interesseiro, mas que visão boa essa, de você saindo do banho. – Ele sorriu de lado. – Só seria melhor se eu tivesse tomado banho com você.
ignorou o sorriso do namorado e o olhou por sobre o ombro, de mal humor.
– Cedo demais? – Ele sorriu amarelo e a inglesa rolou os olhos. – Escuta, amor. – ficou de pé, aproximando-se da terapeuta que amava. – Eu sei que posso ter... deixado as coisas... saírem do controle. – O capitão hesitou na busca de boas palavras. – Mas é coisa de jogo, você sabe.
– Coisa de jogo? – se virou para ele com cara de poucos amigos, cruzando os braços sobre o peito. – Acha mesmo que essa história vai colar aqui? Comigo?
– Eu não disse que não gostei. – Ele se defendeu e viu estreitar mais o olhar. – Mas que foi coisa de jogo, foi. Eu não ia sair por aí batendo nele, se estivéssemos na rua.
– Duas brigas no mesmo jogo, isso sem contar as outras confusões que você se meteu. – se aproximou e o segurou pelo queixo. – Está com o rosto machucado, as mãos machucadas. – Ela listou, segurando uma das mãos do namorado e a erguendo. – E tudo isso para que, exatamente?
– Eu nunca fiquei tão feliz em sair sangrando do gelo. – sorriu e bufou, afastando-se dele e se sentando na cama. – Olha, eu já disse, brigas são coisas do jogo. É normal.
– , você nunca briga. – o lembrou, lançando sobre ele um olhar que praticamente gritava que para o seu bem, era melhor mudar de discurso.
– Tá, você tem um ponto, mas...
– Você vai me contar exatamente porque teve esse rompante de selvageria, ou eu vou ter que ficar irritada, brigar com você e você comigo, e depois fazer uma cena de reconciliação? – arqueou uma sobrancelha.
olhou para o chão, ela não estava errada, nem sobre o que aconteceria a seguir, talvez estivessem ficando previsíveis. O capitão ponderou rapidamente sobre os prós e contras, sabia que a namorada não ia desistir até arrancar dele tudo. A parte boa era que estava tentando entender porque tinha brigado, e não brigando com ele por ter brigado com Merelä. Era um power play e precisava usar bem e tentar ganhar alguma vantagem naquele jogo enquanto tinha chance.
– Eles já estavam provocando a gente desde antes do jogo. – contou, sentando-se ao lado dela. – Sabe como é, rivalidade grande, o Rauhala, capitão deles me odeia...
– Por que ele te odeia? – quis saber, se calou. – Por que ele te odeia, ?
apertou os lábios, engoliu em seco e maneou a cabeça, depois apertou os olhos e maneou a cabeça outra vez. Abriu e fechou a boca, maneou a cabeça.
– . – A inglesa insistiu sem paciência.
– Talvez eu tenha... – Ele hesitou, fungou, coçou a nuca, maneou a cabeça. – Pegado a namorada dele.
respirou fundo e fechou os olhos.
– Mas isso já faz muito tempo, só pra constar. – O capitão ergueu um dedo.
– Você tem um passado muito complicado, . – resmungou. – Mas tá, eles estavam provocando vocês, e daí?
– E daí que todo mundo queria bater neles e eles em nós. – continuou. – Pode perguntar ao Santtu, Atte... todo mundo vai falar a mesma coisa.
– Tem certeza que foi só por isso? – perguntou usando outro tom, um pouco mais suave e calmo, olhando para o namorado como quem espera a confirmação de algo importante.
baixou o olhar e torceu o nariz, fungando.
– Tá, vou jogar limpo. – Ele confessou, talvez o olhar da namorada e as últimas conversas entre os dois o tivesse amolecido. – Eles falaram de você. – ergueu as sobrancelhas, surpresa. – Eu já imaginava que fosse rolar. Implicaram com você ter vindo procurar um namorado no Tappara e sobre quererem que você venha pra cá.
– Como assim? – se virou mais para o lado do namorado, ansiosa.
– Rakkaani, não vou repetir o que eles disseram e não adianta insistir. – falou firme, mas sem mudar seu tom manso. O jogador estava com o tronco apoiado pelas mãos, na cama, e olhava para o chão.
– Você tinha razão. – respondeu baixo, inclinando a cabeça.
– Parece que sim, né!? – Ele devolveu com sarcasmo e a viu apertar os lábios. – Mas não foi só eu. Santtu e os outros também perderam a paciência. Se for brigar, vai ter que brigar com todos.
– Não vou brigar, não quero. – Respondeu a terapeuta, atraindo um olhar confuso do namorado.
– Não?
– Não. – suspirou. – E o Waltteri ficou calado enquanto o time dele dizia essas coisas sobre mim? – quis saber, ressentida.
– Não, ele não estava com eles. – contou, analisando a postura e reações da namorada. – Como foi a conversa com ele?
– Um assunto de cada vez. – o cortou, olhando-o nos olhos. – Se ele não estava, por que brigaram?
deu de ombros, depois soltou o peso na cama, deitando-se.
– Não ia brigar, mas eu sabia que podia acontecer. – confessou a ela. – Não pelo Merelä, por causa do Rauhala. Toda vez que jogamos, ele me provoca. Ou eu provoco ele. – fez uma breve pausa. – Eu já tinha me cansado de brigar quando o Merelä se meteu no meio. Não estava pensando direito. Mas não vou dizer que me arrependi, tinha tempo que eu queria fazer isso.
se manteve em silêncio, encarando a parede, de costas para o namorado, porque ainda estava sentada.
pensou sobre o que ela devia estar pensando, se ficaria triste, culpada, se ia correr até o outro cara para se desculpar e prestar apoio. O central respirou fundo e começou a se preparar, preparar o discurso que faria caso ela dissesse qualquer palavra em defesa a Merelä. Graças as várias situações que haviam enfrentado, o jogador tinha um bom repertório para aquelas situações. apoiou a cabeça em um dos braços e a vigiou, esperando perceber qualquer reação de desconforto, choro, ou que se virasse para brigar.
Mas o tempo passou e nada aconteceu.
– Não vai dizer nada? – Ele indagou curioso depois de alguns minutos no mais completo silêncio.
– Não.
– Por não querer brigar? Por que sabe que vou ficar estressado? – Ele questionou, reativo.
– Não, porque não tenho o que falar. – A inglesa se levantou e começou a procurar algo para vestir.
– Não tem o que falar... – Ele riu fraco. – Fala sério, eu já te conheço o suficiente para saber que você sempre tem algo para falar. , vamos, quer brigar comigo e dizer que foi exagerado, que eu não devia e que ele ainda é seu amigo? Vamos, pode dizer. – se sentou e a namorada balançou a cabeça negativamente, o ignorando. – Já que ele ajudou com esse lance do namoro falso. É o que quer dizer, não é? Pode mandar, . Eu já sei o que vai falar.
– , você está brigando com quem? – se virou para ele, perdendo a paciência com o jogador.
– Com você. – Ele apontou com o queixo, depois ficou de pé.
– E aí, se eu falo algo sobre o Waltteri, você se ofende, mas se eu não falo, você cria na imaginação e se ofende também? – indagou, chegando mais perto dele.
– Eu te conheço.
– Não conhece não. – se aproximou para dizer, depois se afastou outra vez.
– O que você tá querendo dizer? – a seguiu para o banheiro.
bufou e rolou os olhos.
– É o que é. – o respondeu com a frase de efeito que o jogador costumava usar e respirou fundo, irritado.
– Legal, . – riu sem humor, irritado. – E depois eu sou quem não quer resolver as coisas. Tô ansioso pra descobrir qual é o próximo defeito meu que você vai dizer.
A inglesa se apoiou a pia do banheiro, inclinou a cabeça e respirou fundo algumas vezes. estava com uma das mãos apoiada a porta, remoendo a reação da namorada, balançando a cabeça negativamente, zangado e incrédulo. Ele ainda falava, mas o ignorava com muita luta.
– Vem aqui. – o chamou após alguns instantes, mas pareceu não a ouvir. – Vem aqui, . – Ela repetiu, endireitou o tronco e esticou a mão, como um convite.
O central a olhou com estranhamento, de sobrancelhas juntas. Depois de alguns segundos, quando enfatizou o pedido com o olhar, ele aceitou. se aproximou e o colocou contra a pia, tomando seu rosto nas mãos.
– Me ajude a não querer jogar um abajur na sua cabeça, ok? – Ela pediu, enfatizando o pedido com o olhar e o capitão uniu mais as sobrancelhas. – Eu amo você, vamos focar nisso. – respirou fundo e fechou os olhos, depois voltou a falar. – Eu disse que ia mudar por você e estou tentando fazer isso. Me irrita e você sabe que para mim, essa não é nem de longe a melhor forma de resolver problemas, mas eu entendo o que aconteceu ontem. Entre você e o Mere.
– Você? Você entende? – indagou desconfiado, ainda pensando sobre a possibilidade de ser atingido por um abajur.
– É. – Respondeu ela. – Meu único partido é você. Se vocês dois brigaram no gelo, só é problema de vocês.
O russo sacudiu a cabeça e apertou os lábios, demonstrando que não estava acreditando naquela história.
– Mas se é só isso, por que veio falar das brigas, então? Perguntando porque eu tinha feito?
– Olha só você, . – o girou para o espelho. – Olhe seu rosto, machucado.
O capitão tinha um hematoma perto do olho e um corte feio na bochecha, outro no lábio inferior. mantinha o vinco fundo entre as sobrancelhas, o olhar duro e um pouco ressentido, evitando cruzar com porque sabia que cederia se fizesse.
– Meu problema não é com quem você briga, é você brigar. – A inglesa tinha as mãos sobre os braços do namorado e olhava para ele pelo reflexo. – E antes que comece, eu sei que isso faz parte do jogo e que é normal, mas isso não significa que eu goste ou que me acostume a ver você assim.
– Tá.
respondeu como uma criança enfezada e o girou outra vez, para que pudesse olhá-lo. A inglesa ignorou que ele evitava fazer contato visual, preferiu fazer sua parte, tocando devagar o rosto dele. Odiava vê-lo machucado, sabendo que havia apanhado e nesses momentos não fazia a mínima diferença se tinha batido ou não, ou contra quem havia sido. Aquela pessoa, aquele corpo, aquele rosto era algo precioso demais e só de imaginar o namorado sendo agredido, mesmo que em uma briga no jogo, sentia o estômago revirar.
– Pare de brigar comigo. – Pediu , enfim conseguindo capturar a atenção dele. – Porque eu não quero brigar com você.
– Tá, desculpa. – inclinou a cabeça e expirou, abraçando-a pela cintura. – Foi mal.
– Tudo bem.
Houve um momento de silêncio entre os dois, enquanto a abraçava pela cintura, pensativo, e afagava sua nuca, rosto e cabeça. ainda estava um pouco desconfiado e alerta, pensando que aquela maré fosse mudar a qualquer momento. Não era tão comum que resolvessem conflitos assim, ou que situações como aquela não gerassem conflitos.
– Achei que fosse defender ele, ficar brava comigo por ter brigado com ele. – confessou sem a olhar nos olhos.
– Eu já aprendi minha lição, não vou errar outra vez por causa desse assunto. – afagava a nuca do namorado ao responder. – Fiquei brava por você ter brigado, porque o time só deixou rolar e não interferiu. Mas já passou, agora eu quero ficar com você. – Declarou, beijando o rosto do namorado demoradamente.
ergueu o rosto e sorriu.
– Te amo.
– Também. – sorriu, sendo beijada por ele.
– Então, você quer ficar comigo? – sussurrou contra os lábios dela, sem romper o beijo.
– O que você acha? – riu.
– Vou entender você ainda estar de roupão como um convite.
O jogador riu, girou o corpo, trocando de lugar com a namorada. Em um movimento rápido, a ergueu sentando-a sobre a pia, enquanto a inglesa ainda ria e ao passo de que ela tentava arrancar o casaco que ele vestia, fechou a porta.
Sexta-feira, 28 de janeiro de 2022
Scandic Tampere City Hotel
Hämeenkatu 1, 33100 Tampere, Finlândia
e estavam amontoados na cama de solteiro que ocupava no hotel. com a cabeça no travesseiro, com rosto apoiado ao peito do capitão do time, enquanto tinham a mãos unidas e dedos entrelaçados, falavam de coisas bobas sobre si, sobre como tinham passado a noite e sobre como era bom ter Brie como cúmplice para aquele tipo de momento, que na opinião do jogador, aliviava qualquer tipo de estresse.
Depois de discutirem sobre os hormônios liberados durante momentos assim, estavam em silêncio, aproveitando os cheiros e presença.
– Você não me contou sobre a conversa com o Waltteri. – lembrou e ergueu o rosto e apoiou o queixo em seu peito. – Eu acho que não precisava fazer assim, com pressa, podia ter conversado com ele hoje.
– Depois de você rolar com ele no gelo? – A terapeuta arqueou uma sobrancelha.
– Tá, essa você venceu. – riu e o acompanhou. – Mas e aí, como foi?
apoiou o peso nos cotovelos, desviou o olhar e suspirou.
– Foi estranho. – Confessou.
– É, acontece quando o cara tenta beijar alguém. – torceu a expressão. – Ou quando o amigo se declara. Nunca dá certo.
– Já tentou? – riu e maneou a cabeça, apertou os lábios e revirou os olhos em uma careta engraçada, que nos últimos tempos ele parecia fazer sempre e riu outra vez. – Mas de fato. Ele é meu amigo e eu o adoro, mas as coisas ficaram estranhas depois de tudo, é como se a gente não pudesse falar sobre qualquer coisa mais, como amigos...
não respondeu, usou a mão livre para bater de modo ritmado e devagar nas costas da namorada.
– Mas achei ele diferente. – ponderou, pensativa. – Sei lá, ele parecia mais sério, mais confiante, mas incisivo também. Como se estivesse flertando. – uniu as sobrancelhas nesse momento. – Quando agradeci pelo que ele fez, ele disse que eu estava dando nobreza ao ato, porque no fundo ele só se aproveitou da oportunidade.
– Eu disse, né!? – riu alto e negou com a cabeça, num misto de irritação, incredulidade e vitória. – Você precisa me ouvir mais.
– Pode ser.
– Pode ser? – Ele repetiu de olhos arregalados. – Até então eu estava certo sobre tudo nesse cara, e você sempre com essa coisa de que ele é só um amigo. Um amigo inocente. Você é inocente, amor. Só você. – fez careta. – Mas tá, continua. O que mais?
– Ele perguntou da gente, se a gente estava bem. – expirou um muxoxo de desaprovação. – Disse que por ele tudo bem, que ele não ligava pros boatos de traição. Mas aceitou terminar numa boa.
– Eu tô feliz porque eu estava certo o tempo todo, e feliz porque eu nem sabia disso e estourei a testa dele. – falou e o olhou de modo repreensivo. – Ele continua mal-intencionado, . Vai me dizer que não percebe?
– Percebo. – Ela admitiu erguendo os ombros. – Percebo. Ontem ele foi estranho, como se... como se estivesse mesmo flertando comigo. Mas eu não quero você brigando por aí.
– Não vou. – O jogador deu de ombros. – Mas não vou prometer nada.
– . – Ela o repreendeu de novo. – Por mim.
O capitão rolou os olhos.
– Tudo bem.
Fez-se um breve silêncio.
– Aliás, me lembrei de uma coisa. – voltou a apoiar o queixo no peito do namorado, que passou a lhe acariciar cabeça. – Mere falou sobre o time fazer propostas para alguns jogadores do Pelicans, e que também ficaram interessados em mim. Será que foi sobre isso que os outros caras estavam falando? Os do Tappara?
olhou a namorada nos olhos, apertou os lábios e inclinou a cabeça sobre o ombro.
– , amor, você é muito inocente. – Ele balançou a cabeça negativamente. – Pode até ser que eles saibam disso, mas a conversa não foi do jeito que você tá pensando.
– E de que jeito foi? – Ela perguntou outra vez.
– Se você me ama, não me obrigue a repetir. – pediu depois de suspirar e fechar os olhos.
não respondeu, aceitou a resposta dele.
Podia perguntar a Santtu depois, ou a qualquer outro, mas não perturbaria mais com o assunto. O conhecendo como conhecia, imaginou a raiva e chateação que as provocações deviam ter causado ao capitão, tudo por sua culpa e parte de sua nova personalidade era não lhe causar mais aborrecimentos.
– Proposta pra quem? – perguntou, ainda de olhos fechados. – Você disse que o Merelä falou de propostas.
– Ah, claro. – voltou a se aninhar ao abraço do namorado. – Ele falou do interesse em mim, caso eu quisesse. Mas disse que o time já tinha ou ia fazer propostas para o Santtu e você. Ele até perguntou se eu não sabia de nada, mas eu tive uma intuição de não responder. Só falei que a gente não conversava sobre trabalho em casa. Nem contei sobre eu sair do time.
– Que bom.
– Você sabia dessa proposta? – levantou o olhar para ele.
– Eu não. – negou. – Se já chegou, não me contaram. Mas eu não venho. – se virou na cama, ficando de lado para conversar com . – Eu não gosto daqui. E não venho pra jogar com o Rauhala. Não é nem pelo título, por ele ser o capitão absoluto daqui. Mas porque eu não me sentiria bem, não consigo fingir que tudo isso não existe, virar a página e fingir que todas as coisas entre a gente nunca aconteceram.
– Todo mundo falou que eles são maiores, que tem mais chances de vencer os playoffs. – comentou, curiosa. A inglesa amava ouvir as opiniões do namorado sobre o esporte.
– Eles são mesmo, você viu a arena deles. – respondeu, colocando atrás da orelha da namorada uma mecha de cabelo teimosa. – A estrutura é no padrão NHL. Eles são o time a ser batido, é como se fosse o campeão e quem quer ganhar precisasse desafiar. Mas eu não ligo pra isso, você sabe. Um grande foda-se. – sorriu e imitou.
– Que bom, porque eu não tenho vocação para namorar alguém tão famoso e tão assediado.
rolou os olhos e gargalhou, a puxando para mais perto.
– Tá falando de ontem?
– Óbvio. – Ela respondeu. – Eu sei reconhecer uma mulher atirada quando vejo uma. E lá ontem estava cheio delas.
– Willy estava cheio de ideias erradas ontem. – contou. – Queria arranjar uma garota e eu acho que ele saiu com aquela do cartaz.
– Ideia errada com você? – arregalou os olhos e ergueu o tronco.
– É, sobre se divertir um pouco. – riu enquanto contava. – Ele não sabe, mas eu só atrasei um pouco a diversão para hoje de manhã.
– . – A inglesa ralhou, cruzando os braços. – E quando eu não estiver viajando com você?
– Amor. – O capitão riu. – Até parece que você tem que se preocupar com isso. Em que planeta eu vou trocar você por uma garota de uma noite só?
– Não sei. – fez bico, emburrada. – Vai que o Willy consegue te convencer, vai que você está carente, vai que sei lá...
– , não fale bobagens. – rolou os olhos. – Não preciso viajar para trair se eu quiser. Quem quer, cria oportunidades. E isso tá longe de acontecer, eu quero você pra sempre, sem estresse.
– Geralmente esses são os piores. – rebateu, ainda emburrada.
– Legal você sentir ciúmes das fãs, e é bom que você entende o tipo de coisa que eu evito ficando em Lahti. – tentou puxar para perto, para se deitar outra vez, mesmo que ela apresentasse resistência. – Mas esquece essa história. Olhe nos meus olhos, você acha mesmo que eu faria isso com você? Depois de tudo?
encarou o namorado por alguns instantes, mantendo o contato visual intenso, lendo o que estava por trás dos olhos castanhos, cor de folha seca, emoldurado pelas sobrancelhas espessas, escuras e retas, não tão grossas. Pela pele com algumas sardas tímidas e pelos grossos cílios.
– Acho que não. – cedeu, baixando o olhar. – Mas não quero você de papinho, risinhos com o Willy. – Ela ergueu o dedo indicador e riu. – Nunca mais.
– Relaxa.
Fez-se silêncio outra vez.
– Acha que Santtu vem para cá?
– Acho. – respondeu rápido. – E a gente tá ferrado se eu estiver certo.
– Eu acho que você está. – o olhou e torceu os lábios.
– Aconteceu uma coisa ontem, também. – O central se lembrou. – Isabel apareceu, disse que veio dar apoio.
– Na reunião? – perguntou.
– Também, mas ontem no vestiário, ela foi falar direto comigo. – Ele esclareceu e a namorada estreitou o olhar.
– Você estava vestido, não estava? – Ela indagou e a olhou atravessado, como se fosse óbvia a resposta.
– Acho que sim, , sei lá – Ele respondeu dando de ombros e a inglesa fez careta. – Ela veio com um papo meio torto, mas eu cortei.
– Ela sempre tem um papo torto. – rolou os olhos. – E parece estar meio obcecada por você. Não vejo ela falando com outros jogadores.
– Sei lá, ela sempre enfatiza isso de eu ser capitão. – deu de ombros. – Mas eu cortei essa coisa de ela me chamar de meu capitão.
– E ela levou numa boa?
– Ela é alguém que leva qualquer coisa numa boa?
– Acho que ela é afim de você. – confessou seus pensamentos. – Não é só por você ser o capitão que ela tem esse foco maluco em você. Não tem outra explicação. Ela quer me tirar da jogada de qualquer jeito. – A inglesa se sentou na cama. – Encontrei ela ontem também, quando sai da reunião. Só piorou minha dor de cabeça. – A terapeuta rolou os olhos. – Ela veio dizendo que queria prestar algum apoio por causa da fase do time, eu não fui muito receptiva. Ela foi bem dissimulada, parece que ela usa as palavras contra mim toda vez que conversamos, como se quisesse me fazer pensar que estou vendo coisas ou que não estou okay.
uniu as sobrancelhas.
– Por isso você disse aquilo ontem? Sobre o ambiente não estar te fazendo bem?
– Também, mas com certeza ela é um fator importante nisso tudo. – respirou fundo e relaxou os ombros. – Parece que mal a gente se livra de um problema, outro surge. – Desabafou com olhar perdido.
– Isso só vai ser um problema se a gente deixar. – apertou o joelho da inglesa. – Eu já cortei essa coisa de ela me chamar de meu, depois, quando a gente for sentar para negociar a renovação, vou colocar ainda mais termos. E com você saindo do time, ela não vai ter poder nenhum.
– Mas eu fico insegura. – Confidenciou . – Não por não confiar em você, porque eu confio. Mas, ter essa mulher te cercando, com toda essa lábia dela...
– Eu não quero a Isabel. – Ele frisou.
– Hoje você não quer, mas sei lá... ela é meio ardilosa. – expirou pesadamente. – Ela não é como essas garotas que se empolgam por você ser famoso e jogar hockey.
– Por que ela se empolga, então?
perguntou sério, hesitou.
– Vai soar idiota e arrogante, mas acho que é por minha causa.
– Por sua causa? Tipo, acha que ela tem interesse em... – começou a supor.
– Não, não é nada disso. – sacudiu a cabeça. – Acho que é competição. – Disse enfim e viu o namorado estreitar o olhar e se remexer na cama. – Se lembra do que o Mark, seu empresário, disse? Que por causa do meu suposto envolvimento com o e com você, eu era um perigo para ela? Uma figura de certa forma poderosa? Uma ameaça. – O jogador assentiu. – Eu acho que ele pode ter razão. – Ela apertou os dentes.
– No que ela quer competir com você? Por mim? – riu. – Amor, mas eu não sou um prêmio, já sou comprometido. Não adianta ela competir por mim.
riu, derretida com o modo com que ele havia dito ser comprometido.
– Não é só sobre você. – sacudiu a cabeça e se aproximou mais dele. – É representado em você, mas não é você. Claro, eu realmente acho que ela tenha interesse em você, que esteja querendo transpor os limites da relação profissional. E eu não quero soar arrogante, mas... ontem o time brigou, meu nome estava envolvido. Você brigou no vestiário com colegas de time duas vezes e não é difícil supor que seja por minha causa, tendo as peças que ela tem.
– Okay, você atrai problema e foi um furacão nas nossas vidas, mas e aí? – O capitão continuava confuso. – Ainda não entendi.
– Até pouco tempo eu era a única mulher no time, pelo menos em uma posição de referência. – respirou fundo antes de continuar. – Algumas mulheres ainda competem muito umas com as outras e isso foi uma coisa que minha mãe me ensinou. A Isabel talvez me deteste pelo que eu atraí.
– Eu? – perguntou.
– Quando a Brie achou que você fosse gay, foi porque não olhava pra ela, pra Isabel. Ela disse que você era o único. – lembrou. – E foi de você que ela pediu um relatório detalhado, com informações pessoais.
– Ela quer competir com você por minha causa? É isso?
– É parte de tudo, você tá chegando lá. – A inglesa assentiu. – Eu consegui o capitão do time, o melhor da Liiga e da Europa. Fato. Mas também consegui o carinho do time, a ponto de eles se disporem a brigar para me defender, como aconteceu ontem. – concordou com um movimento de cabeça. – E também a atenção do . – O jogador expirou, incomodado com a menção ao empresário. – Mal ou bem, ele veio de Mônaco para defender minha permanência no time no momento em que isso foi colocado a prova.
– E o que ele tem com isso?
– É como o Mark disse, são figuras de poder, todas essas, você, ... figuras que eu tenho acesso e ela não. Eu acho, pelo menos. – maneou a cabeça.
– Mas nada disso faz sentido. – se sentou na cama. – Acho que você está vendo coisas onde não tem. Que ela pode ter interesse em mim, eu concordo. Na verdade, eu sei que sim. Ela se joga pra mim.
– ! – arregalou os olhos, chocada.
– Eu não quero ela, esquece. – Ele deu de ombros. – Mas acho que não é assim, como você acha. Porque tem a Brie. E ela faz o mesmo com ela?
– A Brie chegou agora, junto com ela. – tentou enfatizar seu ponto. – A Isabel é o tipo mulher fatal, que atrai todos os olhares, todos os interesses, principalmente em um lugar como esse. Ela deve estar acostumada a chegar em um emprego e ser o centro das atenções, a única mulher, a que recebe atenção, a mais bonita, mais sexy.
– Isso aí pode ser que seja mesmo. – concordou.
– Então, a Brie não é assim, ela é mais normal, não faz o tipo mulher super sexy, sedutora, com olhar fatal. – argumentou. – Você disse, ela entrou no vestiário, aposto que estava de saia justa e salto alto. Isso em um lugar cheio de homens nus, que cheiram a testosterona. É quase fantasioso.
– Não reparei.
estreitou o olhar, analisando a expressão do namorado.
– Não reparou em uma mulher bonita, usando saia justa, salto alto, perto de você quase nu?
– Não.
– Não precisa mentir, pode admitir que reparou. – Ela insistiu.
– Eu só vi o salto alto, mas não reparei na roupa ou na aparência dela. – garantiu. – E eu não estava pelado.
– Enfim, é como a Brie disse, todos olham e fazem comentários. – A inglesa suspirou e estalou os dedos, como se fosse óbvio. – Ela é insegura, precisa de validação. Aí chegou aqui e quem tem esse lugar, quem tem a atenção dos jogadores, o afeto deles, quem conquistou um dos donos do time, quem namora a estrela do time, sou eu. Alguém que teoricamente não está nos padrões, que não usa salto ou se veste de forma sexy. Ao contrário, tem outro tipo de postura, que geralmente não é o tipo que compete com ela.
– Então, ela tem inveja de você? – Era mais difícil fazer um homem entender do que uma mulher, pensou quando o namorado respondeu.
– Amor, não é sobre mim. – Ela ergueu um ombro. – É sobre ela. Mas de certa forma, sim. Talvez seja inconcebível a ela que alguém fora desses padrões de vocês famosos, tipo, modelos ou mulheres super lindas, tenha conquistado o lugar que eu conquistei.
– Amor. – bocejou, se espreguiçando. – Ou você viajou muito, mais muito mesmo. Ou, pode ser que seja isso. Mas eu acho que viajou.
– Minha intuição me diz que estou certa. – ergueu uma sobrancelha.
– Sua intuição está te dizendo muita coisa ultimamente. – brincou, puxando a namorada para junto de si outra vez.
– Ela me diz em quem devo ou não confiar.
– E o que ela tem dito sobre isso? – O capitão sorriu, beijando a testa da inglesa.
– Para me ligar na Isabel, que eu posso confiar na Brie, que apesar do Mere estar meio estranho, no fundo ele tem bom coração e posso confiar nele. – A terapeuta ergueu o rosto e olhou para o namorado. – E que você precisa ficar longe da influência do Willy se quiser continuar com uma cabeça inteira. – Ela ameaçou.
– Qual delas? – brincou.
tentou lhe acertar com um tapa, mas o namorado a segurou, iniciando uma briga boba que foi resolvida com risadas, beijos longos e molhados além da conta.
Sexta-feira, 28 de janeiro de 2022
Tampere Ice Stadium
Kansikatu, Tampere
– Bom, eu sei que e eu vamos aproveitar o show. – Brie arqueou uma sobrancelha para Aleks. – Você pode ficar no hotel, descansando, sem problemas.
– E vocês duas vão a um show na casa do Tappara, sozinhas? – Aleks arqueou uma sobrancelha e cruzou os braços. – Nem pensar. – Ele sacudiu a cabeça.
– Eu vou também. – Jasper abraçou pelo ombro. – Adoro Blind Channel.
– Você não conta. – Aleks o ignorou.
– E por que você conta? – Brie devolveu ao ala.
– Por que? – Aleks abriu a boca, mas não conseguiu dizer nada. – Por que? Você já viu o Jay brigando por aí? Vocês não vão pra cova do leão.
– E desde quando eu preciso de proteção? – A alemã o desafiou.
Estavam todos juntos, esperando pelas entrevistas do dia antes do jogo. Brie e havia tido a brilhante ideia de irem a um show que aconteceria naquela noite, na Nokia Arena e compartilhavam com o resto do grupo.
– Aleks, relaxa, a gente sabe se cuidar. – deu de ombros. – Além disso, vão ter várias dezenas de pessoas lá. Ninguém do time vai ficar nos procurando.
– Eu não acho. – Haatanen insistiu enfezado. – Vocês não vão até lá e está decidido.
– Quem não vai aonde com quem? – , que voltava das entrevistas, se juntou a discussão.
– e Krause querem ir a um show na casa do Tappara, hoje à noite. – Aleks denunciou.
– Há, nunca. – fingiu rir. – Tire isso de ideia, você não vai. – O capitão decidiu.
– E quem vai me impedir? – o desafiou.
– Não comece a ser teimosa, você sabe que eu tenho razão. – cruzou os braços e rolou os olhos.
– Bom, a não ser que você me amarre na cama, eu estarei no show hoje à noite.
– Não me teste, porque essa é uma ideia muito boa. – escureceu o olhar.
Por um breve momento, o casal esqueceu que estavam rodeados de pessoas que sabiam e não sabiam sobre seu envolvimento. Quando todo o resto silenciou e arregalou os olhos, percebeu. O central tossiu, endireitou a postura e desviou o olhar.
– Só quero dizer que não é uma boa ideia ir na casa deles essa noite. – O jogador coçou a nuca e tossiu.
– E eu quero dizer que a gente só quer aproveitar a noite e relaxar, depois de dias puxados. – respondeu.
– E desde quando a gente precisa pedir permissão? – Brie os ajudou a sair daquele momento constrangedor. – E desde quando você tem algum poder sobre as minhas escolhas? – Se referiu a Aleks.
– Você não vai. – Hade falou firme.
– Ah, mas como vou. – Brie sorriu. – Isso é a coisa mais ridícula do mundo.
– É só um show, nada mais. – tornou a dizer. – O fato de ser na arena deles não diz nada. Ou acham que eles vão ficar vigiando quem entra e sai?
– Se eles estiverem lá, podem achar uma boa ideia encher o saco. – Santtu se pronunciou. – E também, a gente vai estar morto, ninguém vai ter pique para um show.
– Eu e Brie vamos. – assentiu. – Vocês não precisam ir se não quiserem. – A inglesa deu de ombros.
buscou o olhar da namorada e quando conseguiu, fez sinal com a cabeça, para que ela o acompanhasse. Sutilmente, se afastou do centro daquele debate, deixando que Brie e Aleks discutissem.
– Não adianta, eu vou. – Ela sentenciou antes de ouvi-lo.
– Eu sempre falo, você acha que é exagero, mas depois descobre que eu tinha razão. – O capitão cruzou os braços. – Por que continuar insistindo?
– É só um show, essa teoria de vocês é absurda. – sacudiu a cabeça. – O jogo hoje é as cinco, nós só viajamos amanhã. Não tem problema algum. – suspirou. – Olha, já faz quanto tempo que você não sai à noite? Que não faz algo assim? Nós dois só ficamos em casa. Casa para trabalho, trabalho para casa. Acho que nós dois merecemos um tempinho.
– E não podia ser em outro lugar, ou em um dia que não estou vindo de dois jogos seguidos? – Ele indagou e torceu os lábios.
– Podia, claro, mas é uma oportunidade que apareceu. – Ela ergueu os ombros. – Eu só quis aproveitar. Se você estiver muito cansado e quiser ir para o hotel e dormir, tudo bem. Não acho que alguém do time vá provocar alguma coisa se a gente estiver sozinha lá. Na verdade, nem acho que alguém do time vá ao show.
– Não gosto da ideia. – fez careta e inclinou a cabeça. – Acho que você está sendo teimosa em algo sem fundamento só para não dar o braço a torcer. – Ele disse.
– Desde quando você começou a me analisar? – riu surpresa.
– Vamos ficar no hotel. – Pediu o central. – Vamos ficar no hotel descansando, em paz. Te levo no show que quiser depois.
– Mas eu quero esse. – o olhou nos olhos, unindo as sobrancelhas. – Não vou deixar a Brie sozinha também. Não vamos ter problemas, confia.
Ela sorriu e o jogador deixou a cabeça pender para trás e fechou os olhos.
– Você vai acabar me deixando maluco. – resmungou.
– Mas vai ser um maluco feliz. – sorriu, tocando a ponta do nariz do namorado com o dedo indicador. – Bem felizinho.
34 – The 1
I'm doing good, I'm on some new shit
Been saying yes instead of no
I thought I saw you at the bus stop, I didn't though
I hit the ground running each night
I hit the Sunday matinée
You know, the greatest films of all time were never made
(The 1 – Taylor Swift)
Sexta-feira, 28 de janeiro de 2022
Tampere Ice Stadium
Kansikatu, Tampere
Talvez, uma das coisas que mais fosse sentir falta ao deixar o time seriam os momentos entre os jogos, ou depois dos jogos. A atmosfera calorosa com aqueles homens brutos, falando assuntos aleatórios, rindo de qualquer besteira, implicando uns com os outros. amava o riso, o calor, a gritaria, a adrenalina que permeava os espaços. Como fã de esportes, viver entre os jogadores, vestiários e campos ou gelo era fantástico e um sonho. Não era trabalhar de verdade, estava mais para diversão.
E ainda ia além, porque agora os jogadores antes distantes, separados pela tela da TV ou do celular, eram seus amigos. Pessoas do seu convívio, que compartilhavam de suas emoções e vida, choravam suas tristezas, se alegravam com seus bons momentos, a corrigiam, aconselhavam, se zangavam ou se desapontavam com ela. Eram personagens frequentes, comuns e de participação mais que recorrente no seu filme da vida. Não eram apenas personagens distantes que impactavam sua vida caso tivessem um desempenho ruim no jogo da semana. Agora eram pessoas, gente que conhecia, amigos que impactavam diretamente em seu cotidiano de formas que a terapeuta inglesa julgou jamais ser possível.
Era parte do ciclo.
Como terapeuta ocupacional, entendia bem o sentido e importância de ressignificar, compreender e tomar consciência sobre o encerramento de ciclos. Sobre como esses momentos poderiam levantar emoções complexas e conflitantes. A mistura do luto com o alívio, a ansiedade pelo novo e o medo do que a esperava, o pânico de errar e não ser suficiente. Talvez quando fora do time, as pessoas descobririam que a inglesa não passava de uma fraude humana, ambulante e que tinha sentimentos. Talvez fosse melhor, poderia viver a vida como alguém normal, sem que fosse necessário se esconder em mentiras e enganar as pessoas com quem se importava.
Era complexo, mas aos poucos começava a se habituar com a beleza do encerramento daquele ciclo. Ali, assistindo ao jogo, a movimentação dos jogadores no banco, da equipe toda, sentindo o cheiro de uma arena de hockey, o cheiro dos vestiários, o coro das torcidas, a ansiedade prévia de cada jogo e as expectativas para que tudo corresse bem. O afeto entre os atletas, a preocupação com os resultados. Era como quem assistia um filme, ou quem vai embora de um lugar especial e assiste à vista se afastar devagarinho pela janela do carro.
Era diferente de quando deixou Birmingham, quando trocou tudo que conhecia para um salto no escuro. Porque talvez lá, já tivesse a sensação de ter dado tudo e de ter cumprido seu papel e dever. Estava há alguns bons anos, era mesmo hora de galgar novos espaços e construir novas memórias e sonhos, mas no Pelicans era diferente. Ainda se fingia de forte, porque sabia que não permitiria que ela deixasse o time se sonhasse com a mais distante possibilidade de não ser algo que a fizesse feliz.
Óbvio, entendia que era a melhor escolha e estava em paz com ela. O ambiente estava despertando algo na quase sempre equilibrada e prática terapeuta, que as vezes até a assustava. Se via constantemente tomando atitudes e querendo fazer coisas que jamais se imaginou fazendo, até com certa instabilidade e intensidade que não lhe eram comuns. Também tinha Isabel Svedin, , tinha Waltteri Merelä – agora um problema felizmente superado –, tinha o time todo e seus conflitos éticos, e tinha ELE.
Então eram muitas coisas, muitos sinais que a diziam que seu lugar já não era ali. Como se estivesse em uma longa estrada, cheia de árvores, flores, coberta por um longo céu azul, que a inglesa realmente queria seguir e chegar ao final, explorando todas as possibilidades que ela lhe oferecia. Mas que em determinado momento, decidiu por seguir aquele caminho – no passado – sem seu guarda-chuvas. O tempo fechou, nuvens escuras tomaram o céu antes azul e o vento balançou as árvores com tamanha força que parecia tentar arrancá-las do chão. seguiu na estrada, lutando contra as intempéries com toda força que tinha. Mas a chuva apertou, era fria e grossa e prejudicava a visão, raios e trovões, e havia feito a escolha de deixar para trás o guarda-chuvas há muito tempo. Quanto a isso não adiantaria reclamar, teimar ou insistir. Era preciso se recolher, mudar a rota e o caminho, andar entre as árvores, ou seguir pelo caminho não chuvoso, ao menos até que a chuva parasse ou que encontrasse seu guarda-chuvas outra vez.
Era sua escolha, não era culpa de ninguém. Era sua colheita.
Ela entendia, claro. Mas o fato de entender, não tira ou inibe, cura os outros sentimentos. Entender era diferente de aceitar e por mais que fizesse os dois, doía deixar o time, porque era onde ela queria estar. Era onde se sentia feliz e realizada, onde tinha vínculos, onde sua família naquele país estava.
Talvez por isso nenhuma outra ideia de emprego lhe fosse interessante. Trabalhar com as crianças fora seu sonho por muitos anos, mas não parecia mais tão animador quando do outro lado da ponte estava o time azul e preto de Lahti. Nada parecia bom o suficiente, porque não era o Pelicans. Não envolvia hockey, não envolvia os atletas, a torcidas, jogos, vencer ou perder. Por isso também doía.
E doía porque entendia que as relações até podiam ser mantidas com a inglesa em outro vínculo de trabalho, mas no geral, a convivência se perderia e a chance de que a amizade esfriasse era grande. E amava o time, gostava de cada um dos jogadores, da comissão, do treinador, de tudo. Sentiria falta de provar todos os dias do jeito azedo de Otto, do pensamento avoado de Jasper, do galante e sincero Santtu, dos brutos e dóceis Topi e Janos, do discreto e gentil Mikko, do pimentinha Aleks e suas ideias com grande potencial destrutivo, de um Petri estressado e de coração gigante, do curioso e inteligente Atte, até do depravado e de caráter duvidoso Willy.
, claramente era um tópico à parte.
Ele não entrava no bolo dos amigos, não entrava em nenhum bolo, tinha um só dele. Havia o time, os amigos próximos e . Ele era a razão para aquela mudança de rota tão dolorida, em um momento em que a terapeuta inglesa não faria tal escolha se realmente não precisasse. costumava pensar sobre sua versão do passado, a inglesa que deixou Birmingham. Sobre como ela reagiria a notícia de que em menos de seis meses, estaria largando seu novo sonho, o que a tinha feito mudar de país, de área, aprender uma nova língua, tudo por amor. Porque um homem de coração bom, personalidade forte e sorriso bonito havia entrado em seu caminho, a feito questionar tudo que sabia sobre si e mudar sua ordem de prioridades.
Que esse mesmo homem a faria dividir uma casa em igual pouco tempo e que isso, para uma rígida e isolada , seria uma das melhores decisões já tomadas. Que a faria pensar em casamento e filhos, que a faria querer baixar um pouco seu espírito para que se aquietasse nele, porque sabia que podia confiar nos sentimentos daquele outro ser. Que podia se submeter, porque tinha certeza que suas fraquezas não seriam usadas em seu desfavor. Que de repente, não o fazer sofrer era sua maior prioridade, assim como se tornar alguém melhor, que o orgulhasse. Que nem sempre ter razão era algo bom, e que vencer uma discussão quase nunca a faria feliz. Dar um passo para trás e acolher ao invés de devolver o atrito, que fazer certas renúncias em nome do amor poderia ser também bem prazeroso.
Era uma pessoa diferente, por completo agora.
Mais aberta, entendia que havia se sentado no trono da razão e não saído de lá por muito anos. Mas quando aquele russo de olhar doce e cheiro de perfume oriental entrou em sua vida e casa, descendo todos seus muros para que ela pudesse entrar... bem, só poderia entrar, atravessar os muros se se movesse, se se levantasse do trono de estar sempre certa, de ser a sensata e prática e assumisse suas fragilidades, erros e gatilhos que nem sabia ter. A parte boa era que valia a pena, todos os dias.
Enquanto ali, perto do banco, via fazendo algo absolutamente normal durante o jogo, revendo uma jogada, ajeitando a fita de seu taco ou enchendo a boca de água e cuspindo, só conseguia pensar sobre como tudo valia a pena. Porque quando, mesmo em momentos ordinários como aqueles, erguia o olhar para a buscar entre os outros membros da equipe, esquadrinhando até que a achasse. E quando seus olhos a encontravam, ele sorria, tinha aquele olhar, de quando se sente aliviado por encontrar algo precioso. Então, qualquer preço era pouco se era por .
Deixar o Pelicans doía, mas nada seria para sempre. Empregos, trabalhos, dinheiro vem e vão, mas amor... Amor de verdade, pessoas dispostas a nos amarem mesmo com os defeitos e com nossas verdadeiras cores, essas sim são raras de se encontrar.
– ? – Jakkos a tocou no ombro, chamando a atenção de uma distraída, que sorria para o gelo. – Estou falando com você?
– Sim, desculpe. – Ela sacudiu a cabeça e sorriu. – Me distraí pensando.
– Te pedi umas toalhas. – O fisioterapeuta apontou com o olhar, parecia impaciente, talvez tivesse ficado mais tempo do que imaginava distraída, encarando o nada.
sorriu envergonhada e alcançou as toalhas para o companheiro de equipe, que logo se afastou, depois de um olhar atravessado. A inglesa olhou ao redor, porque queria entender o que tinha perdido durante sua curta viagem, e porque precisava encontrar um certo olhar.
estava voltando ao banco depois de um turno no gelo, o time vencia com um gol de vantagem e estavam perto do final do jogo. Quando o capitão se sentou sobre a proteção, passando uma perna e depois a outra para voltar ao banco, seu olhar a buscou também. Talvez de forma instintiva, mas ergueu os olhos para ela, sorriu mostrando os dentes, com os olhos também e correspondeu. Naquele momento, depois daquele passeio por seus pensamentos, sentia o coração quente e transbordando amor por aquele homem. mexeu os lábios, sussurrando um “eu te amo” e tornando a sorrir. sorriu ainda mais – se fosse possível – e sussurrou de volta “eu te amo”.
Sexta-feira, 28 de janeiro de 2022
Scandic Tampere City Hotel
Hämeenkatu 1, 33100 Tampere, Finlândia
Depois de uma vitória tranquila e apática, onde o time rival parecia estar em um daqueles dias para se apagar da história, onde nada funciona e tudo dá errado, o time estava de volta ao hotel. Ainda era sexta-feira e aquele jogo havia sido mais cedo que o anterior. O time, de qualquer modo, só viajaria na manhã seguinte de volta a Lahti. Teriam algum tempo de descanso, mesmo que pouco.
Estavam de volta ao hotel, a maioria com humor taciturno, cansados e sérios, rejeitando o jantar por uma noite de sono mais longa. Alguns ainda conseguiam sorrir e se empolgar um pouco por causa da vitória, mas eram uma pequena minoria. Menos ainda eram os que conseguiam estar minimamente animados para fazer qualquer coisa além de comer, tomar um banho e dormir. Santtu, Jasper, Willy, Brie e ainda comentavam sobre o show e conversavam sobre como seria o esquema para deixarem o hotel e chegarem ao show a tempo. Otto resmungava porque Santtu e o tinha praticamente obrigado a ir. Mesmo com seu jeito Otto de ser, ele jamais admitira ter adorado que os amigos o tivessem forçado e incentivado. Aleks ia também, mas ainda reclamava muito, porque segundo o ala, ele não iria por amar a música ou querer se divertir, seria básica e puramente por conta da teimosia de Brie em querer ir a um show na casa de um dos maiores rivais do time.
Tinham comprado os ingressos pela internet e tudo que precisavam era de banho, se trocar e partiriam para o show.
– Ei. – chamou .
Os atletas e a comissão chegavam juntos e ocupavam os corredores, saguão e o elevadores, todos juntos, falando, rindo ou reclamando. , que havia feito o trajeto de volta ao hotel ao lado de Atte, falando sobre o jogo do dia, chamou a inglesa, atrasando o passo para que tivessem a chance de conversar sem toda aquela plateia.
– Boa noite. – Ele esticou a mão em um cumprimento e uniu as sobrancelhas sem entender. – , seu namorado, caso tenha se esquecido.
riu alto, jogando a cabeça para trás, depois apoiou o corpo ao lado do namorado, em uma espécie de abraço lateral rápido.
– Não seja dramático. – Disse ela, ainda sorrindo. – Senti sua falta também.
– Eu tenho uma proposta. – mudou de assunto.
Os dois caminhavam devagar, ao lado um do outro e naquele momento haviam parado para esperar o elevador, tomando um pouco de distância das outras pessoas.
– Uma proposta? – A inglesa ergueu o olhar, ainda sorrindo.
– Eu te faço uma massagem muito caprichada, peço sua comida favorita e a gente dorme junto. – Ele a olhou e balançou a cabeça devagar, positivamente, com olhar de vencedor. – Amanhã voltamos para casa e você pode escolher qualquer show no mundo para ir, eu te levo. E ainda, amanhã, saímos para jantar em Lahti. – sorriu, contente com sua mágica e quase infalível solução. – O que me diz? Muito mais interessante do que um show aqui, hoje.
– Amor. – inclinou a cabeça sobre o ombro e sorriu. – Mas eu quero ir a esse show, quero conhecer mais de Tampere. Não entendo qual é o problema nisso.
– Você quer em ordem de prioridade ou alfabética? – Ele indagou depois de rolar os olhos.
– , para todos os efeitos eu sou a namorada ou ex de um companheiro de time deles. – lembrou. – Além disso, não vou sozinha. E o show não vai ser dentro do vestiário, vai ser na arena e você conhece aquele lugar. É gigante. Eles não vão nem nos perceber lá.
– É uma coisa não muito difícil. – olhava para frente, para os elevadores, mas seu tom de voz era suave e até um pouco divertido. – Assim, não é o fim do mundo. Por que você tem que ser tão teimosa e insistir nisso só por insistir?
– Eu não sei. – ergueu um ombro e sorriu, atraindo o olhar do jogador, que apenas negou com a cabeça. – Acho que por vocês estarem dizendo que vai dar errado. E eu achar que é um grande exagero.
– Eu ainda não sei se você assumir é pior ou melhor.
– Por que não vem com a gente? – convidou, esticando uma das mãos para tocar o jogador. – Eu ia adorar ter você perto, curtir uma noite com você assim.
– Eu tô cansado. – Ele respondeu inclinando a cabeça, encarando os pés e apertou os lábios.
Talvez ele tivesse razão, talvez não valesse a pena insistir naquela vontade imperiosa. Ele já a tinha prometido outras saídas e sua justificativa era muito justa. Estavam vindo de três jogos consecutivos, basicamente. Podia fazer aquilo, não insistir em um programa que nem lhe era tão importante assim, por ele. Ceder. Fazia sentido, principalmente depois de todas as conclusões que tirara em sua própria mente.
respirou fundo e ergueu o olhar.
– Okay, você quer que eu vá, então eu vou. – disse primeiro, erguendo o rosto e voltando a falar após alguns instantes.
– Como assim?
– Eu vou. – Ele levantou um ombro. – Você quer ir, quer que eu vá. E eu já desisti de tentar te convencer a não fazer alguma coisa, então...
– Você... – estreitou o olhar, estava surpresa e desconfiada. – Você vai ceder assim? Vai ao show? Mas você disse que estava cansado e eu sei que realmente está.
– Eu tomo um energético.
deu de ombros outra vez e olhou ao redor. Poucas pessoas aguardavam o elevador no último grupo, além dos dois, Atte, Topi e Mikko. O capitão colocou um dos braços sobre os ombros da namorada e beijou o lado de sua cabeça.
– ? – estava perplexa. – É sério? Vai fazer isso por mim?
– Já fiz. – O central deu de ombros de novo, tornando a caminhar em direção aos elevadores. – Comprou entrada pra mim?
– Sim, mas... – sacudiu a cabeça e sorriu. – , eu realmente nunca sei o que esperar de você.
O jogador riu, trocando com ela um olhar cúmplice.
– Ai que gracinha. – Ele brincou, apertou as bochechas de com a mão livre que tinha, fazendo vozinha, antes de entrarem no elevador.
Sexta-feira, 28 de janeiro de 2022
Nokia Arena
Tampere, Finlândia
A música que tocava antes do show era alta e não combinava muito com a atração principal da noite, na opinião de . O lugar estava cheio de gente, mas até então, nenhum conhecido do jogador. Haviam feito um upgrade nas entradas, conseguindo um tipo de área VIP, longe da multidão que se amontoava na pista, ao redor do palco, com cartazes, gritando loucamente.
Não era tão insuportável estar ali. Obviamente estava cansado e seu corpo doía. Mas, estava conversando e rindo com seus companheiros de time em outro espaço além dos jogos e das arenas que visitavam. Ria de Aleks e sua obsessão nova, das tentativas frustradas de Santtu e Willy em se aproximarem de grupos de garotas bonitas, ou das piadas de Otto e Aleks sobre o último jogo contra o Tappara. Ainda não tinham tido tempo de resenhar o jogo, comentar os lances, as brigas, as provocações e aquela era a parte divertida da coisa.
Brie e haviam ido ao banheiro quando o show de abertura teve início e junto a ele, uma presença inesperada surgiu. Metade da mesa fingiu não o ter visto, a outra metade não sabia como agir, mas ele veio diretamente até eles com passos firmes demais para a situação.
– Mere. – Santtu cumprimentou o melhor amigo primeiro, com um cumprimento de mãos e um abraço lateral.
– Oi. – Respondeu o novo ala do Tappara.
Merelä cumprimentou o resto do grupo, até mesmo a Aleks, mesmo que só por um aceno de cabeça. Na vez de cumprimentar , o ala parou e o olhou. estava sentado em uma pequena mesa, os braços cruzados sobre ela e o olhar no jogador, analisando cada um de seus passos e ações. não conseguia traduzir o olhar de Merelä e Merelä dificilmente conseguiria traduzir o olhar de . Os dois se encararam em silêncio por algum tempo, tensionando todo ar ao seu redor, fazendo os outros encararem a cena e se prepararem, como se a qualquer momento alguém fosse dar o primeiro soco.
– E aí? – fez o primeiro movimento, acenando com a cabeça uma vez, erguendo o queixo.
– E aí. – Merelä respondeu do mesmo modo. – Boa vitória ontem, foi um jogo justo.
– Vocês foram bem também. – respondeu. – É sempre divertido jogar contra o Tappara.
– Posso dizer a mesma coisa.
– Que bom, né? – Jasper se enfiou entre os dois. – Que bom que é aquela coisa de tudo que acontece no gelo, fica no gelo.
arqueou uma sobrancelha para o goleiro e Merelä também o olhou.
– Fica no gelo, né? – Jasper tentou confirmar, um pouco mais tenso.
e Waltteri se olharam outra vez, sem sorrir ou dizer qualquer coisa. Agora pareciam entender o que um e outro diziam com o olhar.
– Já tá resolvido. – Merelä fora o primeiro a dizer dessa vez. – Sem ressentimentos.
– Sem ressentimentos. – esticou a mão, Merelä retribuiu, apertando a mão do antigo capitão.
Antes que o clima pudesse ficar mais estranho, Merelä foi puxado por Santtu e Otto para um canto, acompanhado por Jasper. O pequeno grupo falava baixo e assistiam ao show de abertura. estava disposto a apostar dinheiro sobre o tema da conversa ser ele e sua namorada.
– Parece que a gente sobrou. – Willy riu, sentando-se ao lado de na pequena mesa redonda.
– E isso é ruim? – O capitão ergueu sua bebida e brindou com Willy.
– Eu acho bom. – Aleks completou. – Só faltou o Atte aqui e então tudo estaria no lugar.
– Ele estava tão cansado assim? – Willy perguntou de modo quase retórico e ergueu um ombro. – Não sei nem se o show vai ser bom, mas é mais para sair. Pela companhia, beber um pouco, distrair.
– Atte não curte muito shows, ele gosta de coisas com menos barulho e mais caras. – Aleks implicou, rindo.
– Ele não cansou tanto assim. – também deu sua opinião. – Eu sou da linha, tô aqui. No energético, mas tô. – Ele sorriu mostrando o copo e os outros três também riram.
– A gente precisa aproveitar as oportunidades. – Willy brindou outra vez com os outros dois. – Se for sair de casa quando estiver descansado, só vai sair no verão.
– Eu até gosto dessa ideia. – piscou, recostando-se de modo mais relaxado.
– Não vai aproveitar nada que o mundo tem para oferecer. – Aleks sacudiu a cabeça.
– É verdade. – Willy assentiu depois de um longo gole de sua bebida – Atte podia ter vindo, mesmo só para sentar e tomar energético. Cheio de mulheres aqui, ele perde muitas oportunidades.
Nesse momento se inclinou um pouco para trás e o olhou com sobrancelhas juntas, fazendo uma careta engraçada, que parecia misturar choque e incredulidade. Enquanto isso, Aleks gargalhou.
– É a minha irmã. – Falou o capitão. – Ele namora a minha irmã.
Willy riu e fingiu vergonha, ensaiou entrar debaixo da mesa para se esconder, enquanto Aleks e ainda riam.
– Não fode. – sacudiu a cabeça. – Esse você não pode jogar suas ideias erradas.
– Mas em mim, pode. – Aleks pediu.
Enquanto Aleks e Willy riam, percebeu que e Brie retornavam, juntas, sorrindo. As duas foram direto até onde o grupo de Merelä estava reunido, com Brie tomando frente. olhou para trás, buscando o namorado e quando o encontrou, arqueou uma sobrancelha. olhou para frente, enfim percebendo Merelä junto aos amigos. Em seguida a inglesa indicou a figura do jogador ao namorado, com o olhar, apertou os olhos e sacudiu com a cabeça, como quem diz que não há com o que se preocupar. arqueou uma sobrancelha e maneou a cabeça, como se quisesse ter certeza. piscou um olho e assentiu uma vez.
No instante seguinte, cumprimentou Merelä com um abraço sem jeito, juntando-se ao seu primeiro grupo de amigos, enquanto aproveitava o show.
– ... pro se ele quiser. – O capitão ouviu seu nome e tornou a prestar atenção ao assunto.
– Se for pra ficar com o meu na boca, coloca inteiro. – O capitão devolveu, mesmo sem saber exatamente sobre o que falavam.
Willy gargalhou e Aleks riu, fazendo sua cerveja voltar um pouco pelo nariz.
– Só se for grande, eu sou exigente. – Willy entrou na onda.
– Pergunta a sua irmã o que ela achou. – respondeu antes de tomar um pouco mais de seu energético e Willy gargalhou.
Willy ria, Aleks se distraiu olhando a movimentação de pessoas e foi conferir uma notificação que acendeu a tela de seu celular.
– Cara, me deixa perguntar uma coisa que sempre tive curiosidade. – Willy se inclinou sobre a mesa, ficando mais perto de . – Já que a gente tá aqui. – O capitão assentiu e riu, depois se inclinou para ouvi-lo. – Você já pegou a Svedin?
virou o rosto para olhar o jogador, sobrancelhas unidas, cenho franzido e olhos apertados, chocado com aquela pergunta repentina.
– É porque eu saquei ela. – Willy contou, enquanto falava batia o dedo indicador na mesa ou desenhava sobre ela. – Ela te dá muita ideia.
– Dá, dá mesmo. – assentiu com a cabeça, apertando os lábios e inflando a bochecha. – É até meio vergonhoso. – Ele riu.
– Será que ela tá meio desesperada? – Aleks aumentou o assunto.
– Ela já falou alguma coisa mais direta? – Willy investigou mais. – Com você?
– Não, assim... direta, direta não. – negou com a cabeça. O capitão falava alto, mesmo que perto dos outros dois jogadores, porque a música também era muito alta. – Eu queria mais um desses. – se dispersou por um instante, olhando para o bar e para seu copo vazio, precisava de outra bebida. – Tipo, ela não falou exatamente, mas eu cortei várias vezes, então não deu chance. Tinha um papo de me chamar de vigoroso. – riu e os outros dois também. – Ficava me chamando de meu capitão. Me elogiando, falando que gostava do meu jeito, de como eu fazia as coisas.
– Nossa, fácil assim? – Aleks riu, também terminando sua bebida.
– Mas ela é bonita. – Comentou Willy. – Você não quis?
– Eu gosto de loiras. – respondeu rápido e Willy começou a olhar para os lados, depois riu. – E ela é meio estranha, o olho é meio caído.
– Mas não é tanto assim. – Willy maneou a cabeça. – Com uma bunda daquele tamanho, você vai olhar pros olhos? – Willy Mankinen riu, acompanhado de Aleks e .
– Mas eu acho que sei o que é. – Aleks quis dar sua opinião. – Ela é mais velha também. Deve ter uns trinta e poucos, não é?
– Acho que é, uns trinta e cinco. – Willy confirmou balançando a cabeça.
– Então, eu não sei... talvez seja isso também. – Hade falou ao mesmo tempo que tentava se comunicar com o bar através de sinais.
– Por ser mais velha não é problema. Não para mim. – deu de ombros, ajeitando o boné e apoiando os cotovelos na mesa. – Mas ela é muito dada. Eu gosto de conquistar, ela já começou com esse papo na primeira vez que me viu.
– Isso é foda. – Willy concordou, terminando sua bebida também. – Não dá tempo de chegar. Eu não ligo muito, porque pra mim é até vantagem, que eu tenho menos trabalho. Mas para quem gosta, é ruim mesmo.
– É, eu gosto de conquistar, de convencer... – continuou a contar. – Não gosto de muita atitude assim. – O capitão se interrompeu, porque lhes trouxeram mais bebida, nada de energético puro dessa vez, algo mais forte para os três. – E eu não tô na ideia de testar outras agora, talvez por isso também. Tô tranquilo com a que eu estou.
– Uma só? – Willy riu, como se aquilo fosse absurdo e ergueu os ombros, experimentando sua bebida.
– Ela existe mesmo? – Aleks riu alto.
Aleks ficou de pé depois e se afastou da dupla, que o seguiu com olhar até que ele se aproximasse de Brie, que por sua vez havia se afastado um pouco do grupo de Merelä para dançar. Ao lado de , Willy estalou a língua, passou as mãos nos cabelos e tornou a se inclinar sobre a mesa.
– Deixa eu te perguntar outra coisa. – O ala pediu com um sorriso malicioso e riu, jogando a cabeça para trás. – Eu acho que já sei a resposta, mas eu sempre quis perguntar. Só que a gente não tinha muita intimidade.
– A gente tem agora? – brincou, depois riu e sacudiu a cabeça, aproximando-se mais do ala para o ouvir falar.
– Você pega a , não pega? – Willy falou perto da orelha de e o capitão assentiu com a cabeça, sem sorrir.
O ala se afastou para o olhar, surpreso.
– Pega? – Ele riu e quis confirmar.
– Sim. – O capitão respondeu.
– Eu sabia. – Willy tornou a se inclinar para falar perto da orelha de . – Você pega ela desde quando?
– Sei lá, novembro. – respondeu, também falando perto da orelha do outro jogador, porque agora a música estava ainda mais alta. gesticulava enquanto dizia. – Não sei direito.
– Mesmo com o Merelä? – Willy estava surpreso e pasmo com sua descoberta, principalmente por se tratar de algo sobre o qual tinha tanta curiosidade desde sempre.
– O Merelä não pegava, eu sim. Nunca pegou, é o sonho dele. – se inclinou um pouco mais para tentar explicar. – Só foi pra disfarçar, por causa do Petri.
– Sei. – Willy assentiu. – Porque não pode, não é?
– Não, aí foi só como desculpa.
– Caralho. – Willy gargalhou cobrindo a boca e passando as mãos pelo rosto. – Que viagem, cara. Mas vocês se pegam mesmo? Tipo, sempre ou só de vez em quando?
– De verdade. – assentiu e levantou um ombro.
– Por isso você não deu chance pra Svedin? – Willy o balançou pelo ombro e o central riu. – Não é só pelo olho caído.
– Também. – se inclinou outra vez para falar mais perto de Willy. – Eu tô só com a , não tô querendo mais ninguém. Mas eu não gosto do tipo da Isabel também. Muito oferecida.
– Se eu chegar, tem problema? – Willy arqueou uma sobrancelha.
– Na ? Tá maluco? – respondeu sério, fechando as mãos em punho.
– Não, na Isabel. – Willy se corrigiu. – Na Isabel. Não vou mexer com a sua.
– Acho que você pega sim, sei lá. – deu de ombros. – Ela é meio maluca, fica marcando a . Não sei se é por minha causa, mas parece.
– Aliás. – Willy pareceu se lembrar de algo importante. – Quando ela ficava com um cara a noite, que ficava falando o nome dele... – Willy escureceu o olhar e inclinou um pouco a cabeça, olhando para por sob suas sobrancelhas. – Gemendo um nome, era você?
– Claro. – se recostou na cadeira outra vez, apoiando um cotovelo no encosto, vaidoso, e olhou para Willy, erguendo as sobrancelhas uma vez. – O que você acha?
– Não vou perguntar para minha irmã sobre o tamanho, vou perguntar a ela. – Willy riu, fingindo buscar com o olhar.
– Ela vai dizer que é bem grande, garanto. – também riu.
– Você não dava paz a ela mesmo, hein? – Willy continuou rindo. – No time, depois em casa. Alguém tinha que dar uma vitamina para essa garota.
– Eu tenho fama, não é por nada, não é? – continuou respondendo, sentindo toda vaidade guardada por meses encontrar espaço para se liberar. – Ninguém que chama o Papi se arrepende, você devia lembrar.
Willy e gargalharam.
– Cara, que viagem. – Willy continuou. – Eu imaginei, porque estava muito na cara, mas achei que não fosse assim.
– Mas nem todo mundo sabe. – o olhou nos olhos. – Guarda o segredinho, tá, gatinha. – O capitão levou o dedo indicador aos lábios.
Willy riu alto, cumprimentando com um aperto de mãos e um abraço lateral, enquanto riam.
35 – King Of My Heart
I'm perfectly fine, I live on my own
I made up my mind, I'm better off being alone
We met a few weeks ago
Now you try on calling me baby like trying on clothes
Salute to me, I'm your American Queen
And you move to me like I'm a Motown beat
And we rule the kingdom inside my room
'Cause all the boys and their expensive cars
With their Range Rovers and their Jaguars
Never took me quite where you do
And all at once, you are the one I have been waiting for
King of my heart, body and soul
And all at once, you're all I want, I'll never let you go
King of my heart, body and soul
(King Of My Heart – Taylor Swift)
– Que bom que você conseguiu vir também. – disse à Merelä assim que teve chance.
– É, eu sinto falta de passar um tempo com meus velhos amigos. – Waltteri sorriu e assentiu, desviando o olhar para o palco, porque não sabia o que responder.
Quando voltaram do banheiro e a inglesa se deparou com a figura do amigo ali, entre Otto, Jasper e Santtu, paralisou. Mesmo após a troca de olhares com o namorado, era esquisito estar na presença de Merelä. estava sentado com Willy e gargalhavam, não parecia se importar com a proximidade entre e Merelä, mas se importava. Se importava porque se sentia quadrada ao lado dele, não sabia se e Mere tinham conversado, porque os dois grupos estavam separados agora, então não sabia de nada.
Santtu e Jasper tentavam falar com garotas da pista, inclinados no mezanino, Ottis respondia mensagens no celular, digitando de modo frenético, Brie dançava com Aleks ao seu lado, como um Pit bull vigilante. Sobraram e Merelä, porque não queria ser mal educada e simplesmente fugir para a mesa do namorado.
– Então, essa garota. – apontou com o queixo para a cantora que ocupava o palco. – Me parece um tipo de Pop bem legal. Até algumas coisas mais antigas, o jeito que ela dança e tudo mais.
– É, ela é boa mesmo. – Merelä, que olhava o palco com alguma atenção, sorriu e inclinou a cabeça. – Vicky. Ela se chama Vicky, é daqui.
– Daqui? Tipo, de Tampere?
– É, de Tampere e irmã de um cara do time. – Merelä ergueu o olhar para .
– Sério? – sorriu surpresa, prestando um pouco mais de atenção à garota bronzeada que se apresentava. – Que mundo pequeno. Aqui é como se todo mundo que é famoso fosse da mesma família ou se conhecesse.
– A Finlândia não é muito grande, de qualquer jeito. – Ele deu de ombros. – É difícil que alguém famoso aqui nunca tenha estado com outro famoso, de um jeito ou outro.
– Mesmo? – e Merelä se apoiaram ao guarda-corpo que os separava da pista. – Tipo, todo mundo?
O ala riu pelo nariz, inclinou a cabeça e sacudiu negativamente.
– Tá perguntando por causa do seu namorado?
– Eu? – tentou disfarçar, mas ficou corada. Não era intencional, mas talvez quisesse saber por causa de , sim. – Não, eu nem... nem pensei sobre isso...
– Pergunte a ele sobre ela, se quer saber. – Waltteri disse e voltou a olhar a apresentação. – Depois me conta o que descobrir.
– Você sabe de alguma coisa e não quer me contar, não é? – estreitou o olhar e o mirou desconfiada. – Pode contar, eu não sou do tipo surtada. Eu lido bem com uma ex.
– Então pergunte a ele. – Merelä riu. – Se lida bem, ele não vai ter problemas em te falar.
se deu por vencida e rolou os olhos, sorrindo.
– Me diz, como você está? Depois daquele jogo maluco. – se aproximou um pouco, mas se odiou no instante seguinte, quando uma música mais intimista e quente começou a tocar e deixou tudo mais estranho.
– Eu tô okay, e você? – Merelä respondeu a olhando nos olhos, arqueando uma sobrancelha.
– Irritada, preocupada, acho que posso resumir nesses dois. – Ela foi honesta e Merelä riu, inclinando a cabeça. – O que deu em vocês? Brigar daquele jeito? Vocês eram companheiros de equipe até pouco tempo.
– Coisa de jogo. – O ala deu de ombros e desviou o olhar, mas o tocou no ombro, chamando sua atenção de volta.
– Não, nem vem. – Ela sacudiu a cabeça. – Eu namoro o , esse papo não cola comigo.
Merelä respirou fundo, ergueu o olhar e a olhou nos olhos, sustentando em silêncio por alguns instantes. Depois, sacudiu a cabeça e apertou os lábios, contrariado.
– , deixa entre a gente. – Mere pediu com um sorriso fraco. – Ou melhor, deixa para lá. Já foi. – Ela tentou protestar, mas Waltteri a impediu, segurando sua mão. – Já falei com seu namorado, sem ressentimentos. Coisa de gelo, fica no gelo.
– Eu não acredito, nem em você, nem no .
– É um direito seu. – Merelä deu de ombros.
– Mere, se for para a gente ajudar na briga, avisa antes. – Santtu se aproximou de repente, enfiando a cabeça entre os dois.
– Esquece. – Otto também se juntou, entrando no meio de Merelä e , tirando a mão do jogador de . – Eu não vou brigar. Com o ? – Otto apontou para trás com o polegar. – Não vou mesmo.
– Que besteira, ninguém vai brigar aqui. – sacudiu a cabeça. – Não somos selvagens.
– É, continua de mãozinha dada, então. – Santtu balançou a cabeça e torceu os lábios com deboche.
– Relaxa, parceiro. – Merelä sorriu fechado. – Eu sei reconhecer quando perco.
– É, tá parecendo mesmo. – Otto rolou os olhos. – Porque além do clima esquisito no ar, ainda tem um armário de dois metros ali atrás, com olhar matador para o seu lado. – Ottis bufou e enquanto falava, gesticulava. – Eu espero que seus amigos novos do Tappara estejam aqui, porque eu não vou me meter em briga nenhuma. Não vou.
Merelä riu, sacudindo a cabeça.
– Está vendo, . – Waltteri olhou a inglesa, divertindo-se. – É por isso que não é uma boa ideia se declarar para uma amiga.
– Para início de conversa, beijar essa amiga. – Santtu ergueu um dedo. – Principalmente se ela namora o .
– Às vezes falta problemas na vida. – Ottis deu de ombros. – Tipo, se eu sou alguém lindo, talentoso... vou acabar tentando arranjar problemas de outro jeito.
– Muito engraçado mesmo. – Merelä fez careta.
– O que é engraçado? – Jasper se aproximou também. – Meu povo, duas notícias. A boa é que eu consegui o número de umas quatro garotas muito gatas. – O goleiro bateu o celular contra a palma da mão e riu.
– E a ruim? A segunda é uma notícia ruim? – quis saber.
– Bem, sim. – Jasper maneou a cabeça. – A ruim é que elas queriam que eu desse o número para o Merelä. Mas, eu fingi que não entendi.
O grupo riu.
– O Merelä tá solteiro, pode aproveitar. – Santtu falou sem pensar, ainda rindo. – E se ele não quiser, eu quero.
– Mas e a ? – Jasper perguntou, perdido no assunto.
– Eu não tenho nada a ver com isso, ora. – Ela riu alto. – Só com o . – A inglesa respondeu rápido, mas no segundo seguinte arregalou os olhos.
Talvez pelo momento em grupo, que há tanto não acontecia, talvez pela atmosfera quase normal que chegava até eles. Algo havia colocado a inglesa no automático, lidando como se todos já soubessem de seu relacionamento. De fato, não eram os mais sigilosos ou cuidadosos, mas ainda conseguia segurar a própria língua, ao menos até aquele momento. O ato falho de liberar o nome de ao amigo parecia riscar um fósforo em um celeiro. Aleks e Willy eram parte do trio, com Jasper, fazendo perguntas estranhas sobre o suposto casal. Se Jay soubesse ou ligasse os pontos, provavelmente os outros três também e então o incêndio começaria. Não por Willy, a questão era Aleks Haatanen.
– Ah. – Fora tudo que saiu da boca do goleiro.
Santtu, Otto e Merelä se entreolharam e olharam para , que estava estática, tentando imaginar o que poderia dizer para contornar a situação. Demorou para que voltasse a si.
– Amigo, eu... – se voltou a ele.
– O quê? – O goleiro quis saber, como se segundos antes não tivesse tido nenhuma revelação inesperada, ou quase.
– Como assim o quê? – se surpreendeu, depois sacudiu a cabeça. – Quero dizer, eu meio que...
– Ah, relaxa. – Jay sacudiu uma mão e riu. – Não vou dar nenhum número para o .
– Mas eu... você entendeu o que eu falei? – perguntou, estava surpresa e confusa. Não era possível que Jay fosse tão desatento.
– Que você e o são um casal e aí você só tem coisa a ver com ele? – Ele tentou ajudá-la e a cada palavra, ficava mais confusa com o jeito do amigo. – É, eu entendi essa parte. – Ele deu de ombros.
– E não vai falar nada? – Santtu perguntou, porque tinha o queixo no chão.
Jasper sacudiu a cabeça e projetou o lábio inferior.
– Não é tipo uma surpresa, né?! – Ele respondeu.
– Não? – Otto, , Santtu e Waltteri perguntaram em uníssono, todos os olhos sobre Jasper.
– Não. – Ele ergueu um ombro. – Tipo, não. Eu meio que já tinha sacado.
– Você tinha? – indagou, depois sacudiu a cabeça, tonta de confusão. – Como? Por que não disse nada?
– Ah, sei lá. – Jasper ergueu os ombros outra vez. – Ninguém me perguntou. – Jasper fez uma breve pausa, como se tentasse pensar em algo. – Na verdade, o Aleks e Willy, mas eles não perguntaram exatamente. E eu até achei legal bancar o detetive e descobrir se você e o tinham um caso ou não. – O goleiro riu. – Foi divertido, mas eu já sabia.
– Eu não tenho estruturas. – expirou, colocando uma das mãos na testa.
– Espera, Jay. – Santtu tomou frente. – Está dizendo que já sabia sobre o e a , mas que não contou ou perguntou ou falou sobre isso com ninguém? Ninguém mesmo? – O defensor gesticulava ao perguntar. – Nem quando o Aleks e Willy te perguntaram sobre isso?
– Eles não me perguntaram, só começaram a supor. – Jay projetou o lábio inferior. – E eu não tinha porque contar.
– Como você descobriu? – Waltteri quis saber, mais interessado.
– Quando eles brigavam e chegavam para trabalhar tristes. – Contou Jasper, para surpresa do grupo. – Mas foi fácil supor quando eles passaram o jogo todo assistindo juntos e depois saíram ao mesmo tempo. Na segunda ele chegou com marcas no pescoço.
– Desde aí? – Merelä indagou a , que apenas inflou as bochechas. – Ele se gabou disso. – Lembrou Waltteri. – Eu me lembro. Fui falar com ele, prestar apoio depois da briga do Petri, e ele veio contar que tinha visto o jogo do seu lado.
– Vamos focar no que importa, não é? – tentou desviar o assunto. – Jay, por que nunca me falou que sabia sobre nós?
– Você nunca perguntou. – Ele respondeu com simplicidade.
– Eu tinha certeza que alguém do grupo ia ficar maluco cedo. – Otto começou a falar, contemplativo. – Hoje em dia eu acho que já sei quem vai ser.
– E não ficou bravo comigo? Por não ter te contado? – tornou a perguntar.
– Não. – Ele respondeu, sorrindo fechado. – Eu não conto tudo da minha vida também.
– A pergunta é, porque você nunca me contou? – Merelä se injuriou. – Você percebeu e nunca disse nada?
Jasper apenas ergueu os ombros.
– Amigo, mas se é assim, por que acreditou sobre eu namorar o Merelä? – tentou tomar o espaço de Waltteri.
– Não acreditei, era meio impossível. Vocês não fazem um casal com química. – Jasper deu sua opinião e Merelä o encarou chocado. – Mas você e o brigavam demais também, então... meio que tudo era possível. Na real, eu achava que era você tentando fazer ciúmes no . Principalmente depois daquele dia na sauna, eu percebi que ele era muito ciumento, com o Mere.
– Ah, ele é? – Waltteri rolou os olhos. – Isso não foi difícil de ver, não é?
– Mere, dá uma controlada. – Otto chamou a atenção do ala. – Jasper, você não contou para mais ninguém?
– Não. – O goleiro projetou o lábio inferior.
– Então, vamos continuar assim, certo, querido? – sorriu para ele, como quem sorri para uma criança.
– Para quem eu contaria? Petri, Isabel, quase todo mundo do time já sabe. – Jasper deu de ombros de novo.
– Mas nós não contamos para todo mundo. – arregalou os olhos.
– É, mas vocês não são muito discretos. – Jasper piscou um olho e sentiu as pernas bambearem e se apoiou a Otto.
– Touché. – Santtu apertou os lábios. – Será que ela vai desmaiar? – Perguntou aos amigos, antes de tentar se aproximar mais de .
O show de abertura estava sendo finalizado.
O pequeno grupo ali, aplaudia e assoviava. Tinham aproveitado bem o show, dançado, tentado vergonhosamente cantar e rido muito uns dos outros. Era como se a atmosfera de amizade confortável que os permeava antes estivesse encontrando seu espaço outra vez. Ainda era um pouco estranho e não tocava ou interagia tanto com Merelä quanto com os outros amigos, mas mesmo assim, a experiência era boa e aquecia a inglesa por dentro. Não se arrependia de ter vindo e convencido os outros a irem ao show.
Assim que a cantora do primeiro show desceu do palco, Merelä se afastou do grupo, talvez tivesse ido ao banheiro ou ao bar. Brie também não estava por perto, e quando tentou perguntar da amiga, recebeu de Otto um olhar despreocupado e um pedido para que só se concentrasse em se divertir.
Luzes começaram a dançar no palco, o som alto de guitarras, baixos e bateria. A plateia gritava ainda mais alto, um dos vocalistas também gritou e no instante seguinte a apresentação começou. Cantavam um tipo de metal, com pop, uma espécie de rock alternativo com uma energia ótima.
sentiu mãos a envolverem por trás e por um instante arregalou os olhos, mas no segundo seguinte reconheceu o tamanho das mãos, o calor delas, a altura e rigidez do corpo que a envolvia e o seu perfume, então relaxou.
– Oi, gatinha. – falou perto de sua orelha e se virou para vê-lo, sorriu e torceu o nariz por causa do hálito dele.
– Você bebeu?
– Óbvio. – respondeu, tinha o queixo apoiado ao ombro de e os olhos no palco.
– E vai ficar abraçado comigo assim? – A inglesa levantou uma sobrancelha. – Se esqueceu de onde estamos?
– Se alguém perguntar, eu tô querendo pegar você. – Respondeu rápido e riu.
– Você está um pouco bêbado, não está? – riu, abraçando os braços dele que a envolviam.
– Talvez.
A terapeuta sacudiu a cabeça negativamente e olho ao redor. Aleks havia sumido, o resto do grupo parecia envolvido no show, Willy gritava e balançava a cabeça no ritmo da música, não dando a mínima para o casal abraçado ali.
relaxou mais.
O show seguia animado, as músicas eram boas e a banda parecia realmente ótima. As músicas faziam sentido, os vocalistas tinham um grave impecável e suas vozes faziam a terapeuta inglesa se arrepiar.
– Então, você tá querendo me pegar? – brincou, ela se afastou do abraço dele, falando perto da orelha do namorado, porque o barulho era alto demais.
se inclinou para ouvi-la.
– Eu quero. – Respondeu ele, sem rir ou fazer outras gracinhas. – Estava te olhando dali de trás, da minha mesa. Te achei muito bonita.
– Jura? – entrou no jogo. – Nossa, eu nem percebi. Não notei que tinha alguém famoso aqui, na real.
– Mas e aí? – Ele desviou. – Eu tenho alguma chance com você?
O casal falava perto da orelha um do outro, como se conversassem seriamente, sem rir ou qualquer outra coisa que denunciasse estarem brincando.
– Não sei. – Ela provocou, maneando a cabeça e a olhou e sorriu de lado.
– Por que não sabe?
– Não sei. – Ela deu de ombros e fingiu desviar o olhar para o palco.
– Você é extremamente o meu tipo. – respondeu, tocando o próprio peito.
– E qual é o seu tipo? – tornou a perguntar.
– Loiras.
– Nossa, que genérico. – rolou os olhos. – Você não vai conseguir chance com ninguém assim.
– Não, eu posso melhorar. – Ele riu, ajeitando o boné. – Eu gosto de loiras, de personalidade. Que não dão ideia para qualquer um.
– Você gosta de difícil? – o interrompeu, arqueando uma sobrancelha. – Porque você é famoso, não é? Aí todas devem ser fáceis.
– Mas você não.
sorriu vaidosa e desviou o olhar para o palco mais uma vez.
– E você, qual é o seu tipo? – Foi a vez dele de perguntar.
– Você tá gostando do show? – A inglesa mudou de assunto. – Achei a banda ótima. Virei fã de Blind Channel.
– Ah, não muda de assunto. – reclamou sorrindo, tentando puxar pelo braço, para mais perto. – Não foge de mim.
– Eu não fugi.
– Não fugiu? – Ele estreitou o olhar.
– Não, eu estou aqui com você, não estou? – Ela o provocou mordendo o lábio inferior e o prendendo entre os dentes, o jogador fechou os olhos e jogou a cabeça para trás.
– Não faz isso comigo. – Ele pediu a olhando com malícia, triangulando o olhar entre os olhos e boca dela. – Qual é o seu tipo?
fingiu pensar um pouco, depois se aproximou mais para falar no ouvido dele. Os dois estavam parados, um frente ao outro, uma das mãos do capitão estava nas costas de e com a outra ele gesticulava para tentar ser mais eloquente. tinha uma mão paralela ao corpo e a outra a inglesa usava para tocar o ombro do jogador ou seu braço, toda vez que se aproximava para falar. E sempre que isso acontecia, inclinava a cabeça para ouvi-la melhor e fazia o mesmo.
A inglesa usava um vestido azul de um ombro só, o único que Brie tinha na mala e que lhe servia, que era grosso o suficiente para suportar o frio naquela noite, mesmo em ambiente fechado. usava o de sempre, tênis, jeans, camiseta, uma jaqueta diferente e estilizada e um boné rosa.
– Eu gosto de morenos. – Ela falou enfim e ele ergueu o rosto e sorriu, dando a ela um olhar que dizia “então você achou”. – Gosto de engraçados, que cheiram bem e que correm atrás de mim.
– Eu sei de alguém que é o seu tipo. – respondeu e o fitou curiosa.
O jogador pegou o celular no bolso e desbloqueou, a tela de bloqueio era uma foto dos dois. abriu a galeria rapidamente e ergueu o celular para , mostrando uma foto sua.
– Ele é bem legal. – Garantiu.
– Eu gostei. – Ela fingiu, balançando a cabeça. – Ele é alto como você?
– Ele é.
– Pena que ele não está aqui, não é? – A inglesa piscou e riu, jogando a cabeça para trás outra vez.
Houve uma pausa no show e um DJ assumiu, tocando músicas eletrônicas, as favoritas de . A inglesa aproveitou para dançar um pouco, mesmo ainda bem próxima a .
– Mas eu tô aqui. – O central tornou a falar.
– E o que tem?
– Eu tenho chance com você? – Insistiu e fora vez de rir e jogar a cabeça para trás.
– Não sei. – Ela repetiu e viu o jogador apertar os olhos e deixar a cabeça pender também. – Vamos curtir um pouco a música, dançar...
– Eu já tô curtindo. – Ele respondeu com um sorriso frouxo. – Tô curtindo você dançar.
– Ah, é? – levantou uma sobrancelha e o olhou nos olhos, mordendo o lábio inferior outra vez.
– Não faz isso, garota. – Ele pediu, aproximando-se da orelha dela para dizer.
– Por que não?
– Porque se fizer, eu vou te beijar. – Ele prometeu e sorriu maliciosa.
Quando disse, já estava com rosto perto do da inglesa, mas quando ela sorriu, entendeu como um sinal verde. O capitão sorriu também, apertou mais a mão que estava pousada na cintura dela e com a outra, tocou e puxou o rosto da namorada em sua direção, emaranhando depois nos cabelos. correspondeu ao beijo, abraçando-o pelo pescoço, enquanto era beijada de modo caloroso, ignorando que haviam pessoas ao redor, ou que poderiam ser vistos.
Sábado, 29 de janeiro de 2022
Scandic Tampere City Hotel
Hämeenkatu 1, 33100 Tampere, Finlândia
Era madrugada de sábado quando o grupo retornou ao hotel, todos bêbados, de sono ou de álcool. Andavam cambaleando pelos corredores, se apoiando a qualquer estrutura possível para que pudessem fechar os olhos por alguns segundos, tateando até seus quartos. Otto e Santtu cantavam alto no corredor, atrás deles, acompanhava uma mais que sonolenta até seu quarto. A inglesa errou a entrada das chaves por três vezes, sendo necessário que segurasse sua mão e guiasse ao lugar certo.
Quando entrou, percebeu o quarto vazio. se sentou no chão, na porta, para tirar seus sapatos, enquanto assistia da porta, antes de fechá-la. Queria garantir que ela ficaria bem.
– Aonde tá a Brie? – O capitão quis saber, esticando-se para acender as luzes do quarto, enquanto no chão, a namorada lutava com seus sapatos.
– Não sei.
– Onde tá seu celular? – interrompeu o que fazia e o mirou confusa. – Pra ver se ela mandou mensagem. Onde ela está. – Explicou.
– Não sei onde está. – respondeu, voltando a sua tarefa inicial. – Não sei onde está nem a minha bolsa. Acho que esqueci lá.
– Está comigo, garota. – respondeu com obviedade, erguendo a bolsa pequena e dourada que ele segurava, pendurada a seu ombro.
O capitão resgatou o celular e esticou para , que o desbloqueou com sua digital, totalmente sem jeito.
– Ela disse que não vem. – avisou assim que conseguiu acessar as mensagens da namorada. – Não vai dormir aqui hoje.
uniu as sobrancelhas, perdida e fechou a porta do quarto, enfiando-se para dentro.
– O que tá fazendo?
– Vou dormir com você, ué. – Ele deu de ombros.
não respondeu, não achava a ideia ruim. Na verdade, era bem melhor do que ter que dormir sozinha naquele hotel. Com mais alguém ali, o risco de perder a hora da partida no dia seguinte era bem menor.
O central jogou o celular e bolsa da inglesa sobre uma das camas e se abaixou, auxiliando a namorada com seus sapatos, a libertando enfim. Depois ofereceu uma mão para que ela se levantasse, guiando-a para o banheiro.
– O que te deu? – perguntou baixo, rindo. – Você nem bebeu e está pior que eu.
– Eu tô com sono. – Ela respondeu, sentia os olhos arderem e aos poucos perder o controle dos membros. – Eu sou fraca, não sou... resistente.
riu.
– Relaxa, eu cuido de você. – Ele prometeu.
No banheiro, o capitão tentou juntar os cabelos soltos da namorada, enquanto ela tinha a cabeça apoiada ao seu peito, como quem dorme, sem oferecer qualquer apoio ou resistência. Do modo mais desajeitado possível, conseguiu prender grande parte do cabelo de .
– Onde abro esse vestido? – Ele perguntou.
– Do lado. – Disse ela com voz abafada, por estar contra o peito dele.
tateou as duas laterais do vestido, até encontrar um pequeno e quase invisível zíper do lado direito.
– Eu quero tomar um banho.
– Está frio, não. – Ele negou de pronto.
– Mas eu estou suada, não quero dormir assim. – ergueu o olhar. – Eu preciso de um banho, você me ajuda.
estalou a língua, mas não quis protestar porque ela tinha razão. Estava mesmo precisando de um banho e ele, com quem dividiria a cama, não poderia discordar. Então, o capitão a auxiliou a se despedir, fazendo todo o trabalho por ela e preparando o banho. Deixou que entrasse no banho sozinha, mas a observou atento, apoiado a parede, para garantir que ela não se machucaria.
Seus olhos pesavam também, o corpo reclamava, estava cansado e toda sua agilidade e coordenação eram prejudicadas pelo álcool. Mesmo assim, seu estado ainda era melhor que o da namorada.
– Amor, eu fiz uma coisa hoje. – o olhou, tinha os dentes apertados e aquela expressão de criança que desobedece.
– O quê, Rakkaani? – Ele riu pela expressão dela, ainda com o ombro apoiado a parede.
– Contei pro Jasper que eu tô com você. – estava parada sob a água e o olhava, tinha o jeito e olhar infantil e vulnerável que tanto amava ver na namorada. – Ele já sabia. Na verdade, eu achei que tivesse contado, mas aí ele já sabia.
gargalhou e lágrimas começaram a escapulir de seus olhos – eram pelo riso, ou porque seus olhos realmente ardiam.
– Por que está rindo?
– Eu contei também. – Ele riu e o acompanhou, inclinando o corpo para rir e quase se desequilibrando.
se apressou para tentar segurá-la, e acabou parando dentro do chuveiro. Os dois riam alto, numa crise de risos que nenhum dos dois conseguia interromper.
– A gente é um fracasso. – tentou tomar fôlego entre uma risada ou outra.
– Eu não tô nem aí. – riu.
– Achei que você fosse brigar comigo, porque contei para mais alguém. – confessou.
– Eu achei também. – Assumiu ele. – Mas se a gente faz a mesma coisa errada...
– Unidos até no erro. – o beijou rápido. – Até acordei um pouco.
riu mais.
– Mas o que você disse? – O capitão se lembrou e tentou retomar. – O Jasper já sabia?
– É. – passou uma das mãos no rosto, retirando o excesso de água. – Os meninos brincaram sobre o Merelä ser solteiro e eu acabei deslizando. Mas ele nem se importou. Depois a gente descobriu que ele sabia, só nunca disse nada porque ninguém perguntou. Ele achava que meu lance com o Merelä era para te fazer ciúmes. – Ela contou.
– Você disse a ele que funcionou? – riu erguendo os ombros e o acertou com um tapa fraco. – Como ele descobriu?
– Quando eu saí com você do jogo, no ano passado. – contou e arregalou os olhos. – É, foi meio óbvio quando você chegou com o pescoço marcado e se gabando de ter visto o jogo comigo. – alfinetou, sorrindo.
– Eu tinha que me gabar de algum jeito, né? – não deu importância. – É sempre maravilhoso.
– E você? Contou pra quem?
– Willy perguntou se eu estava pegando você.
– Me pegando? – levantou as sobrancelhas e abriu a boca, ofendida.
– Eu disse que sim. – O capitão a ignorou.
– Você anda dizendo por aí que está me pegando? – repetiu, acertando o jogador com um tapa leve, que segurou.
– Até você me fazer um pedido de namoro decente, sim. – Ele devolveu, brincando.
– E eu tenho que fazer isso? – arregalou os olhos. – Achei que a gente já estivesse namorado.
– Em público não.
– Ah, tá. – negou com a cabeça. – Então, tenho que te fazer um pedido de namoro e aí, você vai parar de dizer que está me pegando?
– É. – O capitão assentiu sério. – Mas eu vou só parar de dizer, porque vou continuar pegando enquanto isso.
– Vai?
ergueu o corpo da namorada, apoiando seu quadril nos braços, enquanto ria e o abraçava.
– Vou continuar pegando para sempre. – Ele declarou, a beijando.
– Adorei, que delícia. – riu, ignorando a água que caia sobre eles.
36 – You painted me golden
I, I loved you in secret
First sight, yeah, we love without reason
Oh, twenty-five years old
Oh, how were you to know?
And my, my love had been frozen
Deep blue, but you painted me golden
Oh, and you held me close
Oh, how was I to know?
(Dancing With Our Hands Tied – Taylor Swift)
Sábado, 29 de janeiro de 2022
Casa de
Lahti – Finlândia
– Eu não acredito que vocês só foram embora. – respondeu a Maisie, ao telefone, enquanto jogava sua bolsa sobre a cama que dividia com o namorado.
– O que você esperava que a gente fizesse? Ficasse por aí, esperando sua viagem de férias acabar?
– Ridícula. – rolou os olhos. – Não eram férias e você sabe. Só durou uma semana. Eu achei que fossem voltar para Lahti e não desaparecer antes.
– A gente ainda trabalha, lembra, querida? – Maisie resmungou do outro lado. – Você foi a única a se mudar para esse lugar frio aí.
– Mas podiam ter se despedido de nós. De mim. – suspirou chateada, sentando-se na cama.
– É a Maisie? – quis saber, apontando para a namorada, que assentiu com a cabeça. – Qual foi, sua vacilona? – O jogador se inclinou sobre a namorada para falar junto ao telefone.
– Isso é o sem noção do seu namorado? – A outra inglesa quis saber e colocou a ligação no viva-voz. – Qual foi você, ? Seu babaca.
– Pelo menos eu não saí fugido da casa de ninguém. – devolveu.
– É porque eu não aguentava mais olhar para a sua cara, ridículo.
– E quem disse que a gente aguentava você? – respondeu. – O ar está até mais puro. Quase mandei dedetizar a casa.
– Quase? Ficou com medo de te expulsarem no processo? – Maisie riu do outro lado. – E eu que achei que não fosse capaz de detestar tanto outro homem na vida, depois do Louie.
– Saí pra lá. – fez careta, enquanto ria da implicância dos dois. – Você tá ficando com ele, eu não quero isso para mim. Prefiro morrer.
– Então nisso nós concordamos. – Maisie disse. – Se eu tivesse que ficar com você, ia tomar café adoçado com veneno.
– E se eu tivesse que ficar com você, eu teria feito o café.
Maisie riu do outro lado e o casal do Lahti também.
– Chega, me dê licença. – Pediu , empurrando o namorado, que se jogou na cama ao seu lado. – Pronto, Mai, somos só nós duas outra vez.
– Que bom, não aguentava mais esse insuportável. – A outra respondeu e rolou os olhos.
– Mas fato é, apesar de altamente ressentida por terem ido embora sem se despedir... – suspirou. – Como foram de viagem? Tudo está okay?
– Tudo. – Assentiu Maisie. – A gente já voltou ao trabalho. Eu não entendo porque as pessoas fazem cara de chocadas quando a gente se beija ou se trata pelos apelidinhos na frente delas.
– Ah, por que, né?
– As pessoas hoje em dia estão tão... antiquadas... presas ao passado. – Bufou a outra inglesa. – Poxa, as coisas podem mudar, sabe? Ninguém pensa nisso?
– Devem pensar, só não acreditam em um milagre tão grande quanto você e o Louis juntos. – comentou, se divertindo.
– Olha só quem fala. – Riu a outra. – Tenho que desligar, tenho pacientes me esperando. Mais tarde te ligo outra vez, certo?
– Combinado. – riu fraco. – Abraço ao Lou e a equipe. Amo vocês.
– Se cuide, você. – Maisie se despediu. – E tchau para você também, insuportável .
riu e desligou antes que tivesse chance de responder o insulto da amiga. A inglesa se deixou cair ao lado do namorado, ambos encarando o teto.
– Eu senti tanta falta da minha cama. – suspirou. Tinha os olhos no teto e uma mão pousada sobre a barriga.
– É. – assentiu. – Sabe aquela frase, sobre nada ser melhor que o lar?
O central se virou para a namorada, ficando de lado e tentou a puxar para mais perto, enquanto sorria com as bochechas infladas, como uma criancinha feliz.
– Isso quer dizer que você considera aqui o seu lar? – Ele perguntou forçando uma voz quase infantil e a inglesa riu.
– Você me trancou no seu castelo, não é? – respondeu o abraçando de volta. – Que escolha eu tenho, fera?
assentiu, ainda sorrindo e enfiou o rosto na curva do pescoço da namorada.
– Quais são meus planos para esse fim de semana? – quis saber depois de algum tempo em silêncio, afagando os cabelos do seu capitão. – Só voltamos ao trabalho na segunda, de tarde.
– Como assim? – a olhou com sobrancelhas juntas. – Seus planos? Não sei, meu amor.
o dirigiu um olhar sugestivo, que custou entender. Ele maneou a cabeça, projetou o lábio inferior, ergueu uma sobrancelha e então, enfim, o lampejo de compreensão tomou o olhar do capitão.
– Ah! – Ele riu alto. – Eu decido? – rolou sobre . – É que eu decido? É isso?
– Demorou mais que o normal hoje. – A inglesa rolou os olhos teatralmente e a fez cosquinhas.
– Então, já que eu decido. – Ele inflou o peito. – Nossa, que momento mágico. – Brincou, a fazendo rir. – Queria saber se quer jantar comigo hoje?
– Jantar? – Fora vez de unir as sobrancelhas. – E desde quando você me convida pra pedir comida? – riu fraco e o viu sacudir a cabeça.
– Não, não... hoje não é aqui. – arqueou uma sobrancelha e a mirou, até que ela entendesse. – Vou realizar um dos meus maiores sonhos hoje.
– Tá falando de sair? Sair mesmo? – Ela se sentou, afastando-se dele um pouco. – Tipo, eu e você? Não. – sacudiu a cabeça. – Entendi, eu, você e o pessoal, não é? Ou o Atte e Inessa.
riu e sacudiu a cabeça.
O jogador estava de joelhos sobre a cama, com as mãos no quadril, assistindo todas as expressões e fases de surpresa se passarem no rosto de uma em choque.
– Não, . – Ele ainda sorria. – Eu, , e só eu. Eu quero saber se você me daria o prazer de sair comigo hoje para jantar.
– Isso tá muito fantasioso para ser verdade. – estreitou o olhar. – Qual é o truque?
– Não tem truque, linda. – sacudiu a cabeça. – Só eu, querendo jantar com a garota que tô pegando. – Ele maneou a cabeça e ergueu um ombro. – É que eu tô tentando trazer ela para conhecer meu quarto, quero amaciar o terreno.
gargalhou e o acertou com um travesseiro.
– Vou até levar ela para comer a comida favorita. – Ele continuou. – Um encontro com o , comendo a comida favorita. Tem gente que daria a vida por uma noite dessas.
– Meu Deus, como você consegue respirar com esse ego gigante te pressionando? – Ela o provocou e riu.
– É que eu tenho costume com coisas grandes. – Ele levantou as sobrancelhas e depois apontou com o queixo para . – Até a minha mulher é alta.
– Ah... – tornou a estreitar o olhar e o empurrou com um dos pés. – E quando eu passei de garota que você está pegando para a sua mulher? Achei que fosse preciso um pedido de namoro em público, bem humilhante, com um carro de som e pessoas fazendo uma coreografia.
– Eu pagaria pra te ver metida com isso. – Ele riu.
– Cala a boca. – tentou o empurrar de novo, mas a segurou pelas pernas.
– E o que me diz? – O capitão insistiu. – Vamos jantar, ou eu vou ter que tentar te convencer?
– Eu amo a ideia. – Ela apertou os lábios. – Mas infelizmente estou mais curiosa do que instigada. Como você sabe qual é a minha comida favorita?
– Você faz dancinha de satisfação quando eu cozinho macarrão. – respondeu rápido, erguendo um ombro.
– Tá. – bufou e depois sorriu, também sorriu. – Mas okay, digamos que eu aceite fazer parte disso e tope ser vista com alguém arrogante e metido. – O capitão arregalou os olhos, fingindo estar surpreso e ofendido. – O que acontece, além da minha óbvia e monstruosa vergonha, se alguém nos ver juntos?
– Eu não tô nem aí. – Ele deu de ombros.
– ! – o repreendeu em uma risada.
– O que é? – O jogador a encarou. – Até parece que você também está muito preocupada. – o acertou com um travesseiro outra vez. – Qual era mesmo o nome da garota grudada no meu pescoço e dançando comigo em Tampere? Ah, lembrei. . – Ele a provocou, sarcástico.
– Por isso que a Maisie não gosta de você. – riu.
– Não é bem por isso, mas okay. – deu de ombros. – Relaxa, ou. Não é como se fosse uma surpresa pras pessoas. Tipo, olha, ele tem uma namorada. – fingiu, tentando imitar a voz de alguém. – Olha, ele até sai de casa às vezes.
– Seria para o Aleks. – lembrou, levantando sugestivamente uma sobrancelha e o namorado fez um barulho com a boca.
– Ah, tem isso... – Lembrou o capitão. – A gente não contou mesmo pra ele?
– Eu lembraria se sim. – se arrastou, aproximando-se mais do russo. – Da última vez ele tentou envenenar meu interesse amoroso me fazendo de cúmplice. Eu me lembraria.
– Interesse amoroso, é? – Ele ergueu as sobrancelhas e projetou os lábios em uma careta presunçosa.
– Já pensou em como vamos lidar com isso? – Ela o ignorou. – Porque agora todos meus amigos já sabem. Só faltam os seus.
– Quando você diz, lidar com isso, assim, parece que estamos falando de pegar alguém e dar um sumiço. – O capitão riu. – O que considerando se tratar do Aleks, não é uma má ideia. – Ele levantou as sobrancelhas e desviou o olhar, o empurrou, depois afagou seu rosto. – Eu tenho que pensar nisso. Vou pedir apoio pro Atte, ele sempre sabe o que fazer. Pedir apoio ao Atte e ficar longe de toda comida que você me oferecer, aí dá tudo certo. – Ele brincou e tentou empurrá-lo mais uma vez, mas a segurou pelo braço, a apertando em um abraço.
– Queria ver a cara da Isabel se nos visse jantando juntos. – pensou alto após algum tempo.
– Eu queria ver a de todo mundo. – Riu o capitão. – Isso é você dizendo que aceita?
– É, sabe como é... eu tenho um fraco muito grande por morenos tatuados, com jeitinho de babaca, ego grande e modos de bom moço.
Os dois riram juntos.
– A próxima pessoa que entrar na nossa vida para bagunçar as coisas, fazendo a gente brigar, vai parar no hospital. – prometeu, segurando o rosto da namorada e o beijando.
– Você sabe que está falando de eu e você, não sabe? – riu e escondeu o rosto, rindo pelo nariz. – Gosto muito desse rostinho, desse cara aqui, para você mandar ele para o hospital.
– Impressionante, . – O capitão ergueu o olhar. – Impressionante como você me dobra fácil. Eu desmonto com você, é inacreditável.
– Até parece. – Ela negou. – Mas eu gosto que você goste de mim, porque eu gosto de você. Então, se não fosse assim, acho que seria meio estranho... – Ela brincou, fazendo careta e maneando a cabeça.
riu e passou algum tempo a olhando, admirando a cena e o momento.
– Então, eu vou jantar fora essa noite. – apertou os dentes em um sorriso, como uma criança ansiosa. – Com alguém. – Ela brincou, elevando os ombros. – Me ajuda no que vestir? Eu acho que só saí a noite por aqui uma vez, duas, três no máximo. Mas foi com amigos, nada demais. Como é o lugar que quer me levar?
– Especial. – Ele respondeu com um sorriso bobo e apaixonado. – Qualquer coisa que usar vai ficar lindo. Mas eu ajudo, óbvio.
pulou da cama e bateu algumas palmas, animada. Ali estava a versão que ele mais amava.
– E depois? E no resto do fim de semana? – Ela quis saber, entrando no closet que dividiam.
– Dormir abraçado com a minha gatinha? – Ele propôs, tornando a deitar na cama. – Não pensei ainda.
– Você acha que temos tempo para ver as crianças na segunda? – perguntou alto, do closet.
– Por que não amanhã? – se espreguiçou e se sentou na cama. colocou a cabeça para fora do cômodo.
– Porque amanhã a minha ideia é não deixar você descansar. – Ela o dirigiu um olhar malicioso e gargalhou.
– Ótimo, tô feliz com a programação. – Assentiu. – Acho que as crianças vão entender numa boa.
O jogador se levantou e foi até o closet.
– O que vai usar? – quis saber e passou os olhos pelos armários.
– Sei lá, jeans... – tentava ver suas opções, tocando as roupas que estavam mais próximas. – Tem uma jaqueta nova que quero usar. Vai ficar legal hoje.
– Que cor?
– Azul, por que? Quer combinar? – Ele riu e rolou os olhos.
– Não, bobo. – A inglesa sorriu. – Vou ser bem obediente a minha sogrinha e usar um vestido hoje.
riu.
ergueu a ele dois vestidos, o primeiro era rosa, liso, de alças e mais longo. arqueou uma sobrancelha para a namorada, entendeu, sacudiu a cabeça e ergueu o outro vestido. Era preto, mangas longas e mais curto, era brilhoso e seu brilho refletia quando o movimentava.
– Esse.
– Sério? – A inglesa o olhou e depois olhou para o vestido. – Eu posso colocar um casaco e meias, mas... é mesmo a sua escolha?
– Preto é a minha cor. – deu de ombros, procurando entre as suas coisas, algo para vestir.
– Maravilha. – deu de ombros e tornou a sorrir. – Nem acredito que vou jantar com . Preciso postar sobre isso em algum lugar.
20 de novembro de 2021
Isku Areena
Primeiro jogo em que assistiram juntos, quando ele descobre que a inglesa não sabia nada sobre hockey
– Aí outra coisa que não faz sentido. – A terapeuta balançou a cabeça. – E isso de power play? Era mais fácil dizer que é uma vantagem.
– Mas não teria a mesma graça. – se recostou mais uma vez a seu assento, sentindo-se invadido por uma onda incontestável de confiança. – Eu por exemplo, em relação a nós, prefiro usar power play a basicamente dizer vantagem.
– E nesse caso, quem estaria em power play? – entrou no jogo, sentindo o coração acelerar com aquela fala, mesmo sem entender porque.
Em momentos como aquele, parecia se divertir estreitando a distância entre eles, aproximando-se de modo preciso, permitindo que prestasse mais atenção a seus traços. estava perigosamente perto e o perfume masculino e fresco do jogador tomava o olfato de . Era possível ver com exatidão sua pele lisa, as sobrancelhas grossas, os olhos castanhos que de repente pareciam ter uma cor nunca vista antes e, Deus...como era difícil resistir a eles.
Mas então, ele abriu a boca.
– Eu. – Ele respondeu com um sorriso presunçoso e um maneio de cabeça.
– E por que você? – estreitou o olhar, tentando ignorar os tons diferentes que montavam a íris dele. – Pelo que entendi até agora, vantagem, power play... ou o que quer que seja isso... mas, é você quem veio atrás de mim e está flertando desde a hora que se sentou ao meu lado. – Ela sorriu de lado.
– Vantagem, . – piscou, se aproximando um pouco mais, triangulando seu olhar pelos olhos e boca da terapeuta inglesa, tomado por uma onda de confiança maior que o Tsunami de Fukushima. – É o que eu tenho sobre você. Principalmente depois do seu segredinho.
A expressão de mudou como um piscar de olhos. A terapeuta inglesa endireitou o tronco, afastando-se do jogador, expirou um tipo de riso surpreso e encarou o chão, passando a língua pela bochecha. Percebendo a mudança em sua postura, apertou os olhos e inclinou a cabeça. Precisava mesmo dizer aquilo, não é? Ele se perguntava, tentando conter a grande vontade de se acertar com um soco no rosto.
– Ei, eu... – tentou a tocar, pedir desculpas, mas se afastou.
– Eu devia saber. – A terapeuta inglesa sacudiu a cabeça, ainda com olhos no chão. – Eu devia saber que tanta gentileza súbita não podia ser boa coisa.
se levantou sem olhar para trás, ignorando o retorno dos jogadores e o início de mais um tempo no gelo, atravessando o mar de pessoas e deixando o capitão para trás.
– ! – chamou, mas ela o ignorou. – . Ei. – O capitão chamou outra vez, mas ela não parou de andar.
olhou para o gelo, para , depois para o gelo de novo, para os companheiros, para o banco, para . A inglesa se afastava cada vez mais, atropelando os torcedores que quase não a viam passar por estarem concentrados nos movimentos do gelo.
– Ah, . – O central sacudiu a cabeça e se pôs atrás dela.
A multidão de fãs era ainda mais impossível de atravessar para , piorava por causa do braço imobilizado e ainda dolorido. O central precisou ignorar e negar dezenas de fotos e pedidos de autógrafos, tudo para tentar alcançar antes que ela sumisse de vez pelos corredores e da Isku.
Quando voltou a vê-la, já estava na metade do estacionamento coberto do time, andando rápido, ignorando todas as vezes que a chamava pelo nome. O capitão decidiu correr até ela e entrou em sua frente. não parou de andar, tentou desviar algumas vezes, mas a impediu.
– Mas o que é que você quer de mim? – Ela indagou irritada e chateada, erguendo os olhos para ele. – Não pode voltar até lá e continuar com suas piadas? Quem sabe rir um pouco de mim e contar para o resto do time o quanto eu sou estúpida?
– Não. – Ele negou com a cabeça, a impedindo de prosseguir. – Não, . Não é nada disso. – Disse a olhando nos olhos.
– Por favor. – Ela expirou pesadamente, incrédula, revirou os olhos e voltou a andar.
– , ei. – O capitão ainda a seguia. – Eu fui idiota, tá? Eu não quis dizer aquilo. Não de verdade. Foi só uma piada idiota. E eu sou idiota, mas isso não é nem uma surpresa, é?
– , eu trabalho com pessoas, conheço elas. – respondia, mesmo sem olhá-lo. – Sei que não existe isso de brincadeiras sem intenção. Brincadeiras são verdade, conscientes ou não. Volte para o seu jogo e me deixe em paz. – Ordenou.
– Você deve ter razão, é certo. – Ele ainda insistiu. – Eu sou um grande idiota. Mas eu sei o que eu falei e não quis falar aquilo. – O central sacudiu a cabeça quando o olhou injuriada. – Quer dizer, eu quis, mas não assim. Não do jeito que você entendeu, pelo menos. – Ele maneou a cabeça, tentando amenizar.
– Não? – ironizou. – Eu não ligo para a droga de vantagem que você acha que tem só por saber um segredo estúpido. Faça o que quiser com isso, não me importo. Mas ninguém tem qualquer vantagem sobre mim, isso não é um jogo idiota. De jogadores idiotas, que acham que podem fazer e ter o que quiserem.
deu as costas outras vez. estava atônito, de olhos arregalados, boca entreaberta. Não entendia como algo que ia tão bem, fluindo com tanta naturalidade, poderia ter se transformado em uma situação tão estranha e num mal-entendido tão catastrófico. ainda andava e muito, muito irritada, então o capitão resolveu que se não tirasse seu goleiro do gelo, poderia desperdiçar a única chance de ter o que realmente queria naquela noite.
– Eu queria você. – confessou alto e parou de andar, mas não se virou para ele. – Eu queria você. Conhecer você melhor, conversar com você, ficar com você. – A cada frase, se aproximava um pouco. – Eu queria isso tudo, mas eu não tenho jeito pra essas coisas, . Não quando eu realmente quero. Então, eu me empolguei e fui um idiota. – O central entrou no campo de visão da terapeuta. – Eu nunca, nunca , ia usar isso contra você. Até porque eu não tô nem aí se você é especialista ou não. Eu disse que te ajudaria, que o time não ficaria sabendo por mim, não volto atrás com o que digo.
– Palavras podem ser ditas até por pássaros hoje em dia. – não cedeu, mas seu tom de voz era mais manso, ela o olhava nos olhos.
– É, eu sei. – assentiu, expirou, inclinou a cabeça e depois a ergueu outra vez. – Mas é a verdade, eu juro que nunca fui tão sincero na vida antes. Não com uma mulher, não em um estacionamento, não quando eu devia estar no gelo. – rolou os olhos e expirou incrédula. – Eu quis te impressionar, achei que estava rolando um clima entre a gente e aí fui idiota. Eu poderia mentir e dizer que não vai se repetir, que eu não vou ser um idiota nunca mais, mas não ia ser verdade. – Ele ergueu um ombro. – Mas eu posso jurar a você que nunca vou usar essa coisa como vantagem, nem contar pra ninguém. Juro.
– E por que eu acreditaria em você? – cruzou os braços sobre o peito.
– Porque eu tô te dizendo. – Ele respondeu com simplicidade. – Eu ainda não menti para você, menti? – Arqueou uma sobrancelha e desviou o olhar, ainda de braços cruzados. – Eu só... só consegui ferrar tudo, mas... – passou uma das mãos na cabeça, puxando um pouco a touca que usava. – Mas eu tô dizendo. Pedindo para acreditar em mim dessa vez, me dar um voto de confiança, uma segunda chance.
ergueu os olhos para ele, depois lhe deu as costas e continuou a andar.
Não tinha qualquer razão para acreditar em . Por semanas ele a tinha ignorado, feito pouco caso, a irritado, não dado a mínima para a terapeuta. De repente, parecia a pessoa mais interessada, curiosa, conversador, cheio de perguntas e de elogios, de boa vontade. Era claro e óbvio e agora, com seu discurso sobre ter interesse, mas fazer a coisa errada, tinha ainda mais certeza de que tudo devia se tratar do papo de um homem que quer algo com alguém. Era lógico, qualquer pessoa chegaria a essa conclusão apenas com as primeiras palavras de na arena, ao lado dela, durante o jogo. Mas por que é que tinha demorado tanto e dado tanta trela para mais um babaca arrogante? se perguntava. Por que é que tinha permitido que um clima rolasse entre os dois? Porque não estava errado quando disse, algo estava mesmo no ar.
sendo estúpida, impulsiva e burra mais uma vez. Não devia e era a escolha mais lógica. Não tinha qualquer razão para isso ou qualquer tipo de prova de confiança do capitão. Nem o próprio se ajudava nesse aspecto.
Mas, contra todas as circunstâncias e sem conseguir dizer porque, acreditou nele. Se irritou consigo mesma, mas acreditou. Talvez a vaidade de vê-lo a seguir pelo estacionamento, a chamando e implorando por perdão. Tinha fraco por isso.
– Você só se prejudica. Primeiro, diz aquilo lá dentro. Agora diz que queria me conhecer melhor. Homens dizem qualquer coisa para conseguir o que querem. – A inglesa negou com a cabeça, ainda andando e com em seu encalço. – E eu posso não ser daqui, mas não nasci ontem.
– Por favor, ei. – chamou outra vez. – Como eu me desculpo? Eu não quero isso. Não quero que você saia daqui achando que eu sou o maior boçal do mundo.
– Boçal, não. – Ela negou com a cabeça, andava mais devagar agora, menos irritada com ele e mais consigo, por não conseguir se manter firme. – Só um canalha, idiota, igual a todos os outros. Até me surpreendeu, demorou para que o primeiro palhaço viesse tentar alguma coisa. Agora eu entendi porque, devem ter dado preferência ao capitão. – arqueou uma sobrancelha, tentando colocar para fora sua frustração nos moldes de ofensa à .
– Pode me ofender, eu até mereço, mas ao time não. – Ele foi firme e parou de andar. – Eu fui idiota e não devia ter dito aquilo, certo, está coberta de razão. Mas não vai falar assim do time. A gente não é uma liga de quintal, que não se controla na presença de uma garota bonitinha.
se virou para ele, tinha um olhar chocado.
– Não sei como era de onde você veio, mas somos profissionais aqui. – Ele falou, apontando com o dedo indicador para o chão. – E você é parte do time agora, todo mundo te deve respeito e é o que a gente vai te dar. E a gente espera o mesmo. – O jogador maneou a cabeça. – Eu quis. Eu. O time nem sabe disso. Foi só eu.
inclinou a cabeça e respirou fundo, sentia o rosto queimar. Se sentia ainda pior agora, que tipo de pessoa, profissional era? Droga, , como você consegue piorar tudo e qualquer coisa sempre? Ela tornou a se questionar.
O capitão podia ser um pouco idiota, certo, mas infelizmente tinha razão, e uma das coisas que mais odiava no mundo, era ter que dar razão para um possível idiota. engoliu o orgulho e ergueu a cabeça.
– Tudo bem, . – Ela se referiu a ele, dando um passo em sua direção. – Eu errei. Não devia ter falado do time ou ter dito qualquer coisa sobre eles. Não é o tipo de postura que quero ter e que tenho normalmente. Também quero ter uma boa relação com a equipe e essas coisas não são o que eu realmente penso. Tem gente muito legal lá e eu realmente não quero os desrespeitar. Há pessoas que realmente são boas de se trabalhar. – o alfinetou.
– Melhorou. – Ele assentiu uma vez.
e se olharam em silêncio por alguns instantes, até que a inglesa voltasse a caminhar e lhe desse as costas outra vez. respirou fundo e a seguiu.
– Viu como as vezes a gente fala sem pensar e a coisa desanda? – Ele soprou, andando rápido ao lado dela.
– Não enche, não tem nada a ver. – rolou os olhos. – São situações diferentes. Além do mais, a minha foi uma reação, a sua foi uma ação.
– Não sei a diferença, mas... – Ele passou a andar de costas, olhando para a inglesa. – Eu sou um dos legais no trabalho, só para constar. E gosto de você, então, seria legal se me desculpasse. Me dá um voto de confiança, uma segunda chance e eu juro que nunca mais vou pedir outra.
– Eu não dou segundas chances, . – negou, puxando o capuz para cobrir a cabeça quando chegaram do lado de fora. – Volte lá para dentro, não vai adiantar me seguir até em casa, ou até o inferno.
parou, ela era firme e difícil, exatamente o seu tipo. Mas apesar das palavras duras, era transparente e o capitão podia ver através de seus olhos que aquela mágoa não estava ali, era algo diferente. Ela parecia ter cedido, parecia, ele sentia. Sua mãe costumava falar de uma intuição, intuição feminina. Talvez, sendo criado por uma mulher, crescido com duas irmãs, tivesse aprendido por convivência a ter aquela tal intuição e agora ela lhe dizia o que fazer. Isso, ou Deus o tinha presentado com um dom muito útil no momento.
– Você é durona, eu admiro isso. – Ele optou por mudar a estratégia, se dentro da arena ser engraçadinho havia funcionado, talvez ali fora também funcionasse. – Quer que eu me exploda, também admiro. Eu não sei o quanto sabe sobre mim, , mas eu não desisto fácil.
– E qual é o seu plano? Me seguir e acampar na minha porta? – Ela riu pelo nariz.
– Se for preciso...
parou de andar e o mirou, chocada.
– O que eu fiz para merecer isso? Para merecer você?
– Deu azar, eu acho. – se aproximou e sorriu. Sorriu mais quando percebeu inclinando a cabeça e mordendo as bochechas para controlar um sorriso teimoso. – Vai, para de fingir que você não acredita em mim e que não quer me desculpar. – sorriu, puxando a frente da touca que a inglesa usava, cobrindo seus olhos.
rapidamente ajeitou a peça e o lançou um olhar repreensivo.
– Como você consegue conviver consigo mesmo? – Ela indagou, mas não parecia mais tão irritada. – Seu ego nunca te causou problemas respiratórios ou sei lá?
– Não, mas te deixo me examinar se fizer você se sentir melhor. – a provocou e rolou os olhos. – Me deixa te dar uma carona pelo menos. Talvez o caminho até sua casa seja longo e eu até consiga vencer sua teimosia.
– Teimosia? – Ela arqueou uma sobrancelha, depois sacudiu a cabeça e voltou a andar. – Não, não posso ser vista com idiotas, vai que isso pega. – Ela devolveu em formato de ofensa.
– Que fofa. – tocou o próprio peito e debochou com um sorriso. – Deixo você me ofender até em casa, se te fizer sentir melhor. – A inglesa rolou os olhos e parou de andar. – Vamos. Está frio, tarde, e eu não quero ninguém do time faltando aos jogos por estar doente.
esticou uma mão e sorriu outra vez.
o olhou, olhou para sua mão estendida, depois ao seu redor, fechou os olhos, inclinou a cabeça e respirou fundo.
– Tá legal. – A inglesa respondeu e o central sorriu aberto. – Mas tira a patinha daqui, tá, bonitinho. – Pediu, empurrando a mão estendida de e andando em direção ao estacionamento. – Onde está o seu carro?
O capitão sorriu vitorioso.
Dentro do carro, estava fechada em um canto, lábio projetado, pernas para o lado da porta, apenas dando as direções de má vontade. A inglesa mal olhava para o capitão e se corroía por isso, pensando sobre como poderia e se haveria possibilidade de reverter aquela situação horrorosa. Tinha estado tão perto de sentir o – literal – sabor da vitória e tinha estragado quase tudo. Certo que agora ela não parecia mais prestes a cometer um homicídio, ou o atropelar com um carro, mas ainda estava chateada e todo o trabalho do central escorria por seus dedos. Uma frase. Devia lembrar que confiança demais nem sempre era algo bom para se ter.
Mas agora estavam ali e não podia correr muitos riscos, talvez a casa de fosse perto e logo perderia mais aquela chance. Dificilmente conseguiria outra oportunidade como a inglesa depois daquela noite, duvidava que ela quisesse passar qualquer minuto em sua companhia depois. E aí, não faria diferença qualquer jogo de desinteresse ou qualquer tipo flerte, porque seria ela o evitando e ignorando de verdade.
– Sabe, eu não tive chance de te agradecer direito pelos bombons e pela pizza. – O central puxou assunto, partindo para o tudo ou nada outra vez, batucando devagar no volante e sentindo a testa suar de ansiedade.
o olhou de canto, olhos semicerrados e sobrancelhas juntas.
– Aquilo literalmente quase te matou. Eu quase te matei.
– É, mas o que vale é a intenção. – Respondeu o capitão com um sorriso sem jeito e a inglesa expirou um riso incrédulo e balançou a cabeça.
– Examinaram mesmo sua cabeça, depois da lesão? – indagou e a olhou. – Não tem como você estar no seu juízo.
– Eu estou. – riu, deixando a cabeça cair e se apoiar ao banco, não desviou o olhar dessa vez. – Só dizendo que não guardo mágoas. – O jogador a olhou e arqueou uma sobrancelha.
– Isso foi uma indireta?
– Só quero te mostrar que eu não sou um idiota, que foi só um deslize, um erro. – tentou a olhar nos olhos, desviava os olhos da rua sempre que podia. – Você tinha razão.
– Sobre qual das coisas óbvias? – quis saber.
Talvez pela insistência, pelo jeito, por como ele parecia saber a coisa certa para falar, a piada que a ia fazer rir, por parecer estar sendo sincero. não saberia nomear, mas antes que desse conta, estava com o corpo mais voltado para a direção dele, prestando mais atenção aos olhos castanhos e o sorriso mais bonito do que ela deveria achar.
– Sobre você estar na vantagem. – Ele cedeu. – Você tem a vantagem porque vai me ajudar com a minha lesão e só você pode. Tem vantagem porque tudo que eu fiz hoje e até agora, foi tentando chamar sua atenção. Porque eu saí do jogo por sua causa... por minha também, mas por sua causa, porque eu não queria que achasse que sou um idiota completo.
– Fez tudo isso por você, , não por mim. – se virou para a frente, encarando as placas de trânsito, nervosa demais para o olhar nos olhos, e surpresa, curiosa, ansiosa demais para não corar na presença dele.
– É, fiz por mim, porque queria você.
respirou fundo, baixou o olhar e tossiu, limpando a garganta.
– Eu nunca sei o que esperar de você. – Ela falou baixo e riu. – Não ria, não leve isso como algo positivo, porque nem sempre é.
– Nem sempre, é diferente de, nunca. – O capitão sorriu vaidoso.
– Sua autoconfiança exagerada não te colocou num caminho muito bom antes, segure a sua onda, jogador. – tomou mais coragem com aquela fala, ou perdeu o resto de juízo que possuía. – É na próxima esquerda. – Avisou a terapeuta e o coração de capitão disparou. Sua vontade era de chorar e gritar ao mesmo tempo.
– , eu realmente sinto muito. – falou após um suspiro. – Você é legal. Mas se eu soubesse que se abrisse a minha boca, ia afastar você, teria continuado com o voto de silêncio.
riu.
Riu e o olhou outra vez.
– Voto de silêncio? – A inglesa negou com a cabeça, depois deixou que sua cabeça se apoiasse ao recosto, o observando. – Você é estranho demais, . Não parece funcionar como pessoas normais. Ou pelo menos pessoas normais da sua idade. E eu nunca sei o que esperar de você, mesmo.
– Pode esperar que eu não seja mais tão idiota. – também a olhou nos olhos, aproveitando a brecha de um sinal vermelho para fazer isso com segurança desta vez.
– E por que eu deveria esperar alguma coisa de você? Boa ou ruim?
– Eu não sei, mas eu ia gostar que esperasse. – Confessou o capitão, tinha a voz mais grave, falava baixo e o olhar escurecido. – Que falasse comigo todos os dias, coisas bobas ou ofensas, eu nem ia ligar, desde que fosse você.
riu de novo, inclinando a cabeça.
– Você me ignorou por semanas, não eu. – Ela o lembrou.
– É, legal, eu sei que você pode fazer uma lista longa de todos os meus vacilos, mas... – Ele brincou e a viu rir outra vez. O carro voltou a andar.
Houve uma breve momento de silêncio.
– Falou mesmo sério sobre não contar ou usar aquilo contra mim? – perguntou sem o olhar.
– Você tem a minha palavra. – O capitão prometeu e o olhou apertando o olhar. – Eu sei que não tá valendo muito agora, mas a tendência é melhorar. Eu juro.
riu, balançou a cabeça e passou a observar o que se passava através de sua janela.
– Pode parar no prédio de tijolos. – Ela anunciou, ainda com um sorriso fraco nos lábios. – Obrigada pela carona e por me dizer que vai guardar o segredo. – sorriu fechado, um pouco mais inclinada na direção do jogador, então sorriu.
– Vai ver que sou bom em guardar segredos. – respondeu, também estava um pouco mais inclinado na direção dela. – Você ganhou o de hoje, o time da casa deu um grande vexame. Nem jogar sem o goleiro resolveu. – Ele brincou com a comparação e ela riu, inclinando a cabeça e depois tornando a olhá-lo. – Mas foi justo.
– Você devia mudar o capitão do seu time. – piscou um olho. – Acho que ele não está na melhor forma, sabe? Cometendo muitos erros bobos e tendo que contar com erros do outro time para alguma chance.
– Ele foi tão ruim assim? – fez uma careta depois de sorrir.
– Bem ruim.
assentiu rindo e os dois riram juntos.
– Sorte do Pelicans, então. – ergueu um ombro e se recostou ao banco, afastando-se um pouco de , que não se moveu. De súbito foi atingido pela memória do que devia estar fazendo naquela noite. – Talvez ao menos eles tenham alguma chance e não passem por uma vergonha tão grande essa noite.
– Jogos não duram para sempre, mesmo a maior das vergonhas acaba sendo esquecida um dia. – Disse a inglesa e a fitou de olhar estreito.
não teve certeza se ela ainda falava do time ou se se referia a seu momento mais que vergonhoso e idiota. também não sabia, subitamente já não sabia mais de nada e tudo que ouvia era o ensurdecedor grito de sua vontade.
respirou fundo e inclinou a cabeça, sorriu de canto.
– Você... você quer subir? – Perguntou, sem entender porque o fazia, somente impelida pelos sentimentos e o calor que sentia na presença dele. – Terminar de assistir ao jogo? Não pense besteira. – Ela rapidamente se justificou.
– Não pensei. – mentiu, estava surpreso demais com a proposta para conseguir ter qualquer outro pensamento. – Não está mais preocupada com a minha idiotice te contagiar? – Ele a desafiou.
– Lá em cima eu tenho repelente. – Ela rolou os olhos. – E... a gente vai trabalhar junto... então, vai ser péssimo trabalhar com alguém com quem eu realmente sinto vontade de envenenar agora. – Ela riu, contagiando o capitão.
A inglesa saltou do carro sem olhar para trás e não tardou a imitá-la. Não entendia o que estava acontecendo, mas começou a fazer preces de agradecimento. Qualquer que tenha sido a intervenção na mente daquela mulher, tinha funcionado muito bem. O time tinha tido uma virada histórica, quase impossível, nos segundos finais do terceiro período. Só não podia estragar tudo outra vez com sua boca grande.
seguiu a inglesa, entrou no elevador atrás dela, em silêncio. Os dois apoiaram as costas na parede metálica, encarando as portas do elevador, em silêncio, fingindo achar interessante cada quina do elevador, até que seus olhares se encontraram.
– A gente não vai assistir ao jogo, não é? – perguntou de modo quase inocente.
– Tomara que não. – O capitão respondeu, abrindo um largo sorriso.
Sábado, 29 de janeiro de 2022
Lahti – Finlândia
– ...e definitivamente amaria. – falava, mas não sabia sobre o quê. Tinha se perdido em uma lembrança. – Amor, o que foi? – Ela sorriu.
– Nada. – sorriu de volta e esticou uma mão sobre a mesa, alcançando a dela. – Só lembrei de uma coisa.
– Que coisa? – Ela estreitou o olhar. – Pareceu distante, de repente.
– Só aproveitando o momento, pensando na jornada até aqui. – Ele sorriu. – Tô feliz, num dia feliz. Os últimos jogos também não foram ruins, então... meio que é um bom momento. Eu não sei até quando vai durar, então quero aproveitar.
– Vai ficar tudo bem. – A inglesa sorriu leve. – Agora os nossos problemas estão se resolvendo, então... a tendência é que seja bom.
– Vamos brindar? – propôs, depois de sorrir. – Eu e o vinho, você e essa água sem gás, chata.
riu e balançou a cabeça negativamente.
– Um bride a nós dois e as boas fases? – Propôs a inglesa.
– Um brinde a você e eu, jantando, num restaurante público e lindo.
37 – Making forts under covers
And I know I make the same mistakes every time
Bridges burn, I never learn
At least I did one thing right
I did one thing right
I'm laughing with my lover, making forts under covers
Trust him like a brother
Yeah, you know I did one thing right
Starry eyes sparking up my darkest night
[...]
I want to wear his initial on a chain 'round my neck
Chain 'round my neck
Not because he owns me
But 'cause he really knows me
(Call It What You Want – Taylor Swift)
Segunda-feira, 31 de janeiro de 2022
JS-Kodit Oy, Miekkiöntie 150, 15700
Lahti – Finlândia
tinha feito uma pausa para se hidratar, já fazia mais de uma hora em que estava empenhado em auxiliar Yäel e outros meninos e meninas do abrigo a treinarem lances de hockey. Yäel, apesar da idade, era bom. Demonstrava interesse, o que ajudava, mas também tinha certo talento, jeito para a coisa. Com dois anos a mais do que o garoto tinha agora, havia descoberto seu amor pelo esporte. Nunca mais parou, gostava de pensar e sabia, de fato, que tinha sido colocado na Terra para jogar hockey. Aquela era sua função, seu talento, era no que era bom, o que o fazia feliz. Yäel, de alguma forma, o fazia lembrar sobre isso também.
Enquanto se apoiava a uma parede, tomando sua água devagar, correu os olhos pela cena. Do lado de fora, meninos e meninas se juntavam em um rinque improvisado, ansiosos pelas lições do treinador do dia. Deviam ser pouco mais da metade das crianças no abrigo. Algumas haviam sido entregues a novos lares adotivos, Brian tinha contado ao casal assim que chegaram. Yäel seria um desses também, mas a família havia desistido nos últimos instantes. Era egoísta – se julgava –, mas o jogador não ficou totalmente infeliz com aquela notícia.
Pelo vidro da porta grande, o capitão do Pelicans viu do lado de dentro. A inglesa estava sentada com algumas garotinhas, penteando cabelos e fazendo tranças, enquanto conversavam sobre algum assunto empolgante. sorriu com a visão e seus pensamentos foram levados para um momento muito específico no passado, quando romperam durante o natal. Se lembrava da confusão em sua cabeça, de como doía querer sua inglesa, e ao mesmo tempo, como estava apavorado em aceita-la outra vez. Era loucura, tudo que aconteceu em sua vida desde a chegada de era loucura.
era alguém sensato, prático, não estava disponível ou aberto a qualquer um que quisesse entrar. As vezes por pura vaidade, outras por proteção e costume. Vivia uma vida sobre a qual tinha controle e aquilo era ótimo. Sentia que não lhe faltava nada, não tinha pressa em nada e não sentia emoções com muita intensidade desde a adolescência. Até a conhecer e então tudo mudar. o tinha pedido poucas coisas naquele tempo juntos, todo o resto e toda mudança havia sido agitada por , por mais incrível que parecesse.
Ele quem era o emocionado, intenso, totalmente disponível, do tipo que cancela planos por causa da mínima possibilidade de receber uma ligação. Ele quem havia sido o mais passional também, ao menos até aquele momento. Mais ciumento, mais dramático – não sem razão –, o que queria dividir a casa o mais rápido possível, o que queria se casar rápido. Coisas que eram completamente impensadas por seu eu do passado e que faziam refletir sobre quem era aquela mulher e como ela conseguia fazer aquilo. Talvez o fato de estarem em um abrigo para crianças em uma segunda-feira de manhã, antes do trabalho, a assistindo trançar feliz o cabelo de crianças fosse a razão.
Não era novidade, porque ele já sabia.
Sempre soube que era . Nunca duvidou, nem nos momentos ruins, nem quando quis correr dela por medo de sofrer ou de ser rejeitado. Nem quando a amou em segredo, sem perceber que já estava amando. Tinha uma certa segurança ali, talvez na parceria e em todo o resto. Talvez não fosse nunca dizer a ela sobre o quanto era importante, sobre o quanto ela o fazia sentir seguro, sobre como ela o tinha feito agir como alguém livre, querendo provar toda intensidade que aquele sentimento oferecia, sobre como ela tinha colorido o mundo cinza dele de dourado. Talvez nunca fosse dizer em palavras, mas era o que sentia. Sabia que era diferente, que aquela mulher ali era diferente das outras, que talvez com essas outras fosse mais fácil até. Outras geralmente se curvavam a sua vontade e não o contrário. Mas não seriam todas as dispostas a enfrentar Covid durante um término, apenas para garantir que ele estivesse bem. Ou dispostas a aturar uma sogra implicante, pular em uma piscina sem saber nadar, trocar seus planos e mudar suas prioridades pessoais e de carreira apenas para ficar ao seu lado.
sorriu outra vez e pensou que ela devia ser um pouco maluca, por fazer tanto por alguém. E sorriu outra vez, porque percebeu que era por ele e não havia ninguém mais no mundo que fosse tão obcecado por aquela mulher como ele era.
Uma criança o chamou e o jogador voltou ao gelo.
As garotas falavam sobre músicas, filmes e sobre seus interesses amorosos, enquanto traçava o cabelo de algumas menores. Havia uma fila delas esperando, ignorando o pouco talento da terapeuta naquela arte. Enquanto as ouvia falar sobre os garotos da escola e sobre como se preocupavam em encontrar o amor depressa, não conseguia evitar que seu olhar viajasse até o lado de fora.
estava lá, ajudando outras crianças com lições de hockey. se virava para vê-lo sempre que aumentava o tom de voz, ria alto ou comemorava com algum gritinho. Era engraçado como ele se empolgava, e gracioso o modo como a voz dele, sempre firme e grave, oscilava e ficava um pouco mais fina quando ele falava com as crianças – as vezes com ela também.
Era sempre uma lição observar como vivia a vida. Ele era um jogador grande, sabia porque ouvia todos falarem sobre o assunto o tempo todo, e também porque via, estando no time. Mas também porque o conhecia e sabia do seu tamanho. Alguém tão famoso e tão grande naquele país, estar ali, de modo quase anônimo, sem obter qualquer vantagem midiática, apenas se dedicando as crianças era algo tocante demais. E ele estava lá, se divertindo e se dedicando, com olhos concentrados, orientado cada uma das crianças, como se aquele fosse seu trabalho, como se aquilo fosse tudo o que importava. Ali parecia ser só um cara, alguém de boa vontade, fazendo algo que amava, sem todo aquele misticismo do atleta de nome, a estrela, o grande capitão.
o admirava muitíssimo por isso, por sua simplicidade, por sua humildade, seu coração nobre. Aquelas coisas – e outras – apareciam todos os dias na convivência entre os dois, no trabalho. O altruísmo, a generosidade, a empatia, o senso de liderança e o caráter. Era apaixonada por ele, uma grande fã e ultimamente se flagrava pensando que, se não fossem um casal agora, provavelmente ele seria sua paixão platônica. A pessoa por quem, mesmo sem nunca a ter notado, choraria durante a noite porque a destruía que ele não a pertencesse. Felizmente ele a pertencia.
O homem lá fora, com seus vinte e poucos anos, celebrava um gol feito por uma das crianças, enquanto segurava Yäel no colo. Depois ele passou a explicar algo para Yäel, apontando para longe e conversando com ele. Teria os filhos dele. pensou de modo repentino e logo sacudiu a cabeça, confusa sobre de onde aquela ideia tinha vindo. Mas tornou a observá-lo e percebeu, tinha jeito de pai. Aqueles pais que todos admiram e que são completamente apaixonados pelos filhos, que se vestem de princesa pelas filhas e acompanham os garotos em todos os jogos da liga infantil. Ele tinha jeito de pai, se comportava naturalmente como um pai quando perto dos garotos.
E outra vez, para alguém como ele, em sua idade, sua fama e poder, aquela não era uma visão muito comum. apertou os olhos e voltou a encarar os cabelos escuros a sua frente, pensando que aquela história de instinto natural de procriação devia ser mesmo real. Uma última vez, ela o buscou, olhando-o por sobre o ombro e o assistiu erguer Yäel e o colocar nos ombros, enquanto ria. Depois, balançou a cabeça negativamente e riu baixo, pensando sobre como poderiam acontecer tais coisas.
Segunda-feira, 31 de janeiro de 2022
Centro de Treinamentos do Pelicans
Lahti – Finlândia
No início da tarde o carro de estacionou nas dependências das Isku Areena, estavam de volta ao trabalho. Depois da manhã e almoço com as crianças, a despedida fora longa e carregada de resmungos, mas o casal conseguiu vencer – principalmente porque os resmungos eram em grande parte dos dois.
O casal bateu as portas do carro e começaram a se afastar em direção a entrada do Centro de Treinamentos. , que andava ao lado da namorada, ousou colocar um dos braços sobre os ombros de .
– O que você está fazendo? – o encarou alarmada.
– Nada. – deu de ombros.
– , estamos no trabalho. – tinha os olhos arregalados. – Lembra? Que a gente não namora aqui?
– Você anda com o braço do Santtu no seu ombro. – lembrou, projetando o lábio inferior de modo infantil. – Você também namora com ele?
A inglesa sacudiu a cabeça e riu incrédula, mas não respondeu. Não tinha mais energia ou não queria argumentar sobre os vários motivos de não poderem fazer aquilo. Sendo sincera, nem sabia se se importava realmente. Era algo simples, podiam mentir se fossem pegos e caso não acreditassem... bom, não se estressaria mais por isso. Não mais.
– É bom voltar, sabe? – comentou após alguns segundos em silêncio. – Treinar, voltar à rotina. Jogar, hockey, gelo, woo-ho. – gritou, brincando e gargalhou. – Eu não consigo ficar muito longe daqui. Será que sou tipo um viciado em trabalho? – Perguntou a namorada, que apenas riu e balançou a cabeça negativamente.
– Sabe o que isso me lembra?
– Que você ama o time e que não quer mais sair? – Ele testou, mas rolou os olhos.
– Não, bobo. – negou com um movimento de cabeça. – Se lembra de Tampere, do show? – assentiu. – No show de abertura, Mere me disse que a garota no palco era alguém da região, a cantora. – sondou de olhos estreitou, atento as reações do namorado. Tinha se esquecido daquele assunto nos últimos dias, apenas se lembrando quando voltaram a realidade de mais um dia de trabalho. – E que também era irmã de alguém do time.
– Do time qual? – quis saber, estava relaxado e distraído.
– Do time deles, o Tappara. – o respondeu. – A garota, você a conhce?
– Eu? – O capitão uniu as sobrancelhas, pego de surpresa com aquela pergunta. – Sei lá. Eu não prestei atenção, estava com os caras. – Ele sacudiu os ombros.
– Vicky, acho que é o nome dela. – parou de andar e cruzou os braços sobre o peito, tinha um olhar curioso, mas não muito divertido nos olhos. – Vicky, de Tampere, irmã de alguém do time. Você já namorou ela?
também parou de andar, mas ao contrário do que a inglesa esperava, o jogador apenas torceu o rosto em uma careta confusa e deu de ombros.
– Não sei, linda. – Ele respondeu a olhando. – Não tenho um caderninho de anotações. – fechou a expressão. – Amor... – respirou fundo e tocou os dois ombros da namorada. – Eu realmente não sei. O nome, ou a garota... mas se eu tivesse namorado ela, me lembraria. Já te contei sobre as minhas antigas namoradas. Nem me lembro que teve um outro show. Sendo sincero, não me lembro direito nem do que assistimos.
– Que conveniente. – estreitou o olhar.
– Qual é o problema com essa? Por que está perguntando isso? Eu não saí do seu lado durante todo o nosso tempo lá. – Ele se justificou, perdido. – Por que acha que eu namorei uma garota da qual nem me lembro?
respirou fundo e desviou o olhar.
Estava um pouco envergonhada, por mais que sentisse uma pontadinha de ciúmes ao imaginar seu namorado em momentos íntimos com outras garotas, sabia que aquilo era totalmente sem fundamentos. Ainda mais se tratando de algo levantado por Merelä. Era ridículo que estivesse mesmo se incomodando com algo tão pequeno e bobo. Não que realmente estivesse, talvez só um pouco enciumada.
– Mere me disse para te perguntar. – Contou e riu alto, pelo nariz.
– Que filho da mãe. – ergueu um dedo. – Eu te disse que ele não tinha boa intenção. Mas que filho da ...
– E aí, vocês já ficaram ou não? – insistiu, interrompendo o xingamento do namorado.
– Amor, eu sei lá. – foi sincero, dando de ombros e apertando os lábios em uma careta. – Pode ser que sim, pode ser que não. Eu realmente não lembro do rosto dela ou do nome. Já conheci muita gente em Tampe.
– Com quantas pessoas você já ficou na vida? – ergueu as sobrancelhas, como se estivesse surpresa e ofendida.
– Com quantas você já ficou? – devolveu, arqueando a sobrancelha em desafio. – , mas isso importa? Mesmo? Se por acaso eu fiquei com uma garota de Tampere, que por acaso fez um show que nós vimos? Ou só importa porque o Merelä te contou? O que mais ele inventou sobre mim? – estava mais paciente naquele dia, parte porque amava ver com ciúmes, e parte porque amava não ser o único ciumento da relação. Mas, era bom que Waltteri Merelä não estivesse mais no time, ou ele daria entrada em algum hospital muito em breve.
– Não faz diferença, eu sei, mas... – tentou argumentar, baixou o olhar e fez bico. – Eu só queria saber se já tinha ficado com ela. A gente não tem nada a ver e aí...
– E aí, é por isso que eu vivo com você e nem lembro se já estive ou não com ela. – falou como se fosse a constatação mais óbvia do universo. – O Merelä não te superou, né? Impressionante. – O capitão sacudiu a cabeça devagar.
– Você contou que tinha estado com a namorada do capitão deles, eu...
– Tudo isso é passado, . – falou sério. – Muitos meses antes de conhecer você. De sonhar que ia conhecer você. Como isso pode importar?
– Não importa, eu sei. – rolou os olhos, se sentia patética. – Mas não significa que não me...
– Não, tudo bem, eu amo você com ciúmes. – Ele brincou, sorriu e afagou a bochecha da namorada, o acertou um tapa fraco, sorrindo, riu também.
– Bata mais.
Atte implicou ao se aproximar. Estava sozinho, sorrindo e cumprimentou com um abraço lateral ao se unir a eles, depois abraçou , que precisou ficar na ponta dos pés para alcançá-lo.
– Como vai Atte? – quis saber, sorrindo simpática.
– Tô bem, melhor que ele. – O goleiro apontou com o queixo. – Ainda mal começamos os trabalhos e ele já está apanhando.
– Em casa eu me resolvo com seu amigo. – acertou com outro tapa fraco, sorrindo e os três começaram a andar.
– Nunca fiquei tão feliz com uma ameaça. – fez graça e mostrou a língua.
– Aliás, Atte, talvez você se lembre de algo que estamos em dúvida. – O finlandês a olhou atento e tinha aquele olhar conspiratório estampado, rolou os olhos, mas sorriu. – Vicky, a cantora e irmã de um dos jogadores do Tappara. e ela já se envolveram?
O goleiro dirigiu ao amigo um olhar arregalado e cúmplice, como quem pede direcionamento, abriu a boca, injuriada ao perceber e riu.
– Pode dizer, não faz diferença. – deu de ombros, rindo.
– Sim? – Atte respondeu receoso, após longos minutos em silêncio, encarando o melhor amigo e sua namorada.
– Fiquei? Sério? – uniu as sobrancelhas, confuso e o atingiu com um tapa no ombro.
– É, mas já tem tempo. – Explicou Atte.
– Viu só? – acertou outro tapa fraco no ombro do namorado. – Como ele pode se lembrar e você não?
– É que ele não estava ocupado na hora. – a provocou e abriu a boca, chocada e tentou acertá-lo outra vez, mas o capitão a conteve, se divertindo. – Brincadeira. Brincadeira, amor.
– Acho que é porque eu conversei com ela algumas vezes, por causa da música e tal. – Atte comentou, depois de rir quando abraçou com força, para evitar que ela o batesse mais. – Isso foi há uns dois anos.
– Eu não consigo lembrar dela, não pelo nome. – foi sincero e o dirigiu um olhar atravessado, mas voltou a caminhar ao seu lado, de mãos dadas.
– Ela é meio bronzeada, cabelo castanho, olhos grandes. – Atte tentou descrever. – Pequena, fã de hockey. Ela queria te ver em Lahti e você fingiu que tinha perdido o celular.
– Ah, lembrei. – assentiu e riu pelo nariz. – Nossa, eu lembro dessa.
– Meu Deus, que tipo de homem você era antes de mim? – o olhou surpresa e ergueu os dois ombros.
– Não do tipo que recebe alguém que está conhecendo em casa, definitivamente. – Atte riu, trocando outro olhar cúmplice com .
– Ah, sei lá... – começou a se lembrar da experiência. – A gente começou a conversar pelo Instagram ou coisa assim. Acho que encontrei ela em Tampe, a gente se viu algumas vezes, mas sem ninguém saber. Acho que ela queria algo mais, mas eu não estava com vontade. Ela ia fazer um show em Lahti, eu acho. Queria vir aqui ficar comigo, até foi em um jogo na Isku.
– Não foi só uma vez então? – indagou.
– Não, sei lá, algumas. – maneou a cabeça com certo desdém.
– Por isso eu conversei com ela. – Atte completou. – Ela veio perguntar sobre o , porque sabia que eu era amigo dele. E ele tinha sumido do nada.
– Ficou com ela também? – quis saber, curioso.
– Não, eu não. – Atte sacudiu a cabeça. – Ela estava chateada demais, porque você tinha sumido sem explicações e ela tinha pensado que você seria o novo namorado.
– Essa era a garota que você não se lembrava, ? – questionou, fingia estar irritada.
– Mas eu não me lembrava mesmo. – Ele ergueu os ombros. – Já faz tempo e não significou muito pra mim.
– Com quantas você fez isso? – arqueou uma sobrancelha, o namorado a olhou, mas não respondeu. – Meu Deus, você era um babaca.
– Eu só não gostava de gente muito intensa, forçando intimidade. – deu de ombros, Atte e riram alto. – Não entendi. Não entendi essa risada. – O capitão fechou a expressão.
– Sabe, Brie estava certa em não gostar de você no início. – falou sorrindo. – Quem diria que você tinha mesmo várias bandeiras vermelhas. – A inglesa beijou a bochecha do namorado rapidamente. Já estavam nas dependências do centro. – Preciso trabalhar um pouco com os atletas de verdade agora. – Ela piscou para o capitão, que sorriu. – E Atte, aparece. – Convidou, afagando o braço do goleiro. – Vá a nossa casa, sempre é bom saber fofocas do passado comprometedor do . E você não precisa esperar a Ness estar na cidade para nos visitar. – A inglesa sorriu e acenou, se afastando.
Atte respondeu algo, mas estava hipnotizado, congelado, em sua cabeça ressoavam aquelas duas palavras. Palavras que há tanto tempo ele esperava ouvir e que vieram de modo tão repentino, que o capitão teve medo de não ter ouvido direito. Nossa casa. Ela não se referia mais a casa dele, era a casa deles. nunca imaginou ou idealizou como se sentiria quando aquele momento chegasse, quando a casa dele e que agora dividia com se tornaria a casa deles. Mas ficou feliz por não ter feito, porque agora podia sentir a surpresa inesperada de ouvi-la dizer. A casa deles. A nossa casa.
Talvez construir uma vida com alguém tivesse aquele cheiro.
se foi, desaparecendo no corredor, deixando um convite para Atte e um coração derretido para .
– Ou, você não vem? – Atte o cutucou quando viu o amigo não se mover, congelado no lugar com olhos arregalados. – ? – O goleiro riu. – O que foi? Agora se lembrou da Vicky?
– Você ouviu o que ela disse? – O capitão perguntou, ainda estático. – Nossa casa. Foi a primeira vez que ela falou assim.
Atte sorriu grande, orgulhoso.
– Você está mesmo feliz com ela, não é?
– Acho que pela primeira vez, sim. – sorriu também e encarou o amigo. – Mas é diferente. Diferente de qualquer coisa que já vivi. É confortável, seguro e eu sinto que poderia fazer qualquer coisa por ela. Não enjoo da companhia, da voz, acho graça dos defeitos. Quero fazer tudo com ela, mostrar tudo... é até assustador.
– Considerando como você era antes, com outras garotas... – Atte soprou, voltando a andar e abraçando os ombros de . – Não com a Leena, mas você era novo, primeiro amor sempre é diferente. Mas além dela, tudo mudou.
– Minha mãe disse que viu na gente uma possibilidade de futuro. – se lembrou daquele fim de semana.
– E você vê?
– Eu quero. – Respondeu com firmeza. – Eu quero um futuro com ela. É o tipo de mulher que eu quero que crie meus filhos.
– Sua intensidade me assusta. – Atte uniu as sobrancelhas. – Você não está pensando em... – Ele sondou.
– Não, agora não. – O capitão sacudiu a cabeça. – Mas eu sei reconhecer. Qualquer um saberia. A gente foi ao abrigo hoje de manhã, passamos o ano novo lá também, não sei se contei.
– Acho que não. – Atte projetou o lábio inferior. – Outras garotas já foram lá com você, por que isso é diferencial?
– Porque ela não foi fazer mídia, ou só me acompanhar. – Os dois enfim entraram no vestiário vazio. – Ela não foi por mim, foi por ela. E não diz como se eu fizesse o mesmo com todas, foram situações bem diferentes e você sabe bem. – Lembrou em tom de repreensão.
– Ela foi no abrigo, gostou das criancinhas e agora você sabe que ela é a mãe dos seus descendentes? – Atte insistiu na questão.
– Não é só isso, é tudo. – respondeu dando de ombros, sentando-se. – Você está fingindo ser inocente. A gente sabe o tipo de mulher com quem quer construir uma família. Eu amo, isso é fato, mas nem sempre a gente ama a mulher certa e as vezes é preciso decidir, fazer uma escolha sobre o que se quer mais. Eu tenho sorte de não precisar fazer essa escolha, é só isso.
– É, você tem razão nesse ponto. – Atte ponderou, coçando a barba. – Faz sentido.
– Eu sei que faz. – riu, atirando uma meia sobre o melhor amigo. – O que é que eu digo que não faz sentido?
Atte se defendeu da meia usada e se sentou também, abrindo sua mala de treino.
– Mas, me deixa pergunta algo. – não respondeu. – Por que esse papo de Vicky, se estão tão bem?
– Merelä disse a ela para me perguntar sobre. – ergueu o olhar para o amigo.
– Tá brincando. – Atte riu chocado.
– A briga em Tampe foi pequena pro tanto que ele merecia. – sacudiu a cabeça. – Falta muito para o próximo jogo contra eles? – Ele perguntou mal intencionado.
– Você até se saiu bem, com esse papo de não se lembrar. – Comentou o goleiro.
– Mas não era mentira, eu não lembro mesmo. – ergueu os ombros e se recostou, pensativo. – Eu vi muita gente depois daquela traição em rede nacional, um chifre na TV aberta mexe com a gente. – riu pelo nariz e Atte o acompanhou. – Mas depois eu parei. Não lembro de todas elas, nem da história, como começou ou terminou. Nem lembrava que ela era irmã de alguém do Tappara. Era do Rauhala?
– Não, acho que não. – Atte deu de ombros. – Merelä deu sorte, se eu não tivesse chegado ou se não tivesse me lembrado para confirmar a história, o plano dele não tinha funcionado. – Observou Atte.
– Mas você achou que funcionou? – O capitão arqueou uma sobrancelha, vitorioso. – Não viu a mulher que ele quer sair daqui falando sobre a nossa casa? Minha e dela?
Atte riu alto.
– Nunca achei que te veria tendo algum colega de quarto sem ser obrigado.
– Nem eu. – O central riu pelo nariz, trocando a roupa que usava e vestindo oo conjunto do time para treinos.
– Novos tempos, novo homem. – Atte brincou.
– Esse fim de semana eu a levei para jantar fora. – Contou o capitão, orgulhoso. – Num restaurante bem romântico perto do lago.
– Fora? – Atte estranhou. – Não é mais segredo? O namoro de vocês?
– Aparentemente é, mas pro Aleks. – fez um barulho com a boca, sem jeito. – Acho que só ele não sabe, aparentemente.
– Para dizer a verdade, até estou curioso pra como ele vai reagir. – Atte riu. – Deve te envenenar pessoalmente.
– Cala a boca. – rolou os olhos.
– Mas e aí? Foram jantar e o quê mais?
– A gente foi jantar no sábado, foi bom. – Lembrou , sentando-se outra vez. – Levei num restaurante italiano, ela gosta. A gente ficou falando sobre as diferenças das comidas, ela me perguntou sobre as viagens que já fiz, ficou me ouvindo contar. – O capitão sorriu. – Quis saber sobre os desenhos que eu faço, sobre em quem me inspiro, sobre tocar algum instrumento. Quis saber mais sobre como foi a escola, sobre como foi a minha infância, como meus pais se conheceram... acho que fiquei falando de mim o tempo todo, mas ela parecia afim de saber.
– Eu acho absurdo que você mostre seus desenhos pra ela, que conhece há meses e não pra mim, que sou seu amigo desde quando você ainda chupava chupeta. – Reclamou o goleiro finlandês.
– É que hoje em dia eu chupo outras coisas, então... – brincou rindo e o amigo o imitou. – Mas sei lá, é diferente. Eu não quis mostrar, ela descobriu, mas... até tenho menos vergonha agora. É como se não parecesse tão bobo mais.
– É porque o bobo é só você. – Atte respondeu e o acertou com uma ombreira. – E ela?
– Ela o quê?
– Sobre o que falaram dela?
– Quase nada. – estalou a língua. – não fala muito sobre ela. Eu sei dos amigos, sei que ela tem uma relação meio difícil com os pais, que uma irmã vai casar. Mas é só, tudo muito raso. – Ele deu de ombros.
– Ela não tem nenhum talento constrangedor escondido? – Atte implicou, mas sorriu de modo doce.
– Ela não se envergonha muito de quem é. – respondeu, estava pensativo. – Ela gosta do que gosta, sempre está envolvida com o trabalho, amigos, algum livro, comigo, ou Felix... o engraçado é que no início eu dei uma surtada, por estar fazendo as coisas que ela gostava. Hoje em dia é meio diferente.
– Isso não é bom?
– Sei lá, não faz diferença pra mim, eu acho. – Ele deu de ombros.
– Você vai conhecer os sogros?
– Vamos juntos para esse casamento, da irmã. – contou, cruzando os braços. – Os amigos dela disseram que a família não é legal, ela já disse também e nem queria ir. Não sei o que esperar, mas... no geral, todo mundo gosta de mim, então não estou preocupado.
– Aposto que eles vão amar ter o super no casamento. – Atte concordou. – Só vai ser um saco, todos tirando fotos.
– Eu consigo suportar. – riu. – Depois desse jantar, então... – O capitão apoiou um dos braços a parede. – Foi bom demais sair com ela, rir, ter alguém interessada no que eu tenho pra falar, além de coisas de hockey ou só por eu ser quem eu sou. Tipo, interessada em mim de verdade. Eu mal posso esperar para sair de novo, para andar por aí de mãos dadas, como um casal normal, sem ter que fugir, esconder.
– Do jeito que as coisas vão, não vai mesmo demorar... – Atte gargalhou.
Alguém bateu na porta do vestiário, atraindo a atenção dos dois.
– , o pessoal lá de cima quer te ver. – Um dos assistentes de Petri avisou.
trocou um olhar confuso com Atte.
– E por que?
– Não sei, cara... sou só o mensageiro. – O homem saiu, deixando-os.
Segunda-feira, 31 de janeiro de 2022
Centro de Treinamentos do Pelicans
Lahti – Finlândia
não tinha ideia do que o esperava.
Não tinha nenhuma reunião agendada ou qualquer outro aviso de uma conversa com alguém de cima. Estava impaciente e armado, pronto para qualquer besteira que Svedin estivesse prestes a fazer ou dizer. Porque em sua cabeça, só podia ser isso, Svedin reclamando de mais alguma coisa sem necessidade, ou apenas querendo ter mais uma daquelas conversas entre duas pessoas que trabalham juntas. E naquele momento do jogo, o capitão do time já estava ficando entediado com a nova gerente do clube e sua insistência.
O central foi direcionado a sala de Svedin e depois de xingar em pensamento e repensar se devia ou não entrar, ele respirou fundo e bateu. A voz dela veio de dentro e o mandou entrar, obedeceu – ao menos a essa ordem. Mas quando passou pela porta, para sua surpresa, ela não estava só. Junto com Isabel Svedin, estava Lauri Pöyhönen, o gerente antes dela e que agora tinha sido promovido para a alta cúpula do time. sorriu ao vê-lo, estava aliviado de algum modo e se apressou em abraçá-lo. Depois, não se incomodou em cumprimentar Svedin com mais que um aceno de cabeça. Ela estava de pé atrás da mesa, com o sorriso de alguém superior que geralmente ostentava. Fosse pelos muitos comentários da namorada e de outros caras do time, ou só por ser impossível não notar, prestou atenção ao modo com que ela estava vestida. Usava um vestido verde, cabelos soltos e maquiagem, tinha uma pulseira grande e dourada no pulso que chamava bastante atenção.
– Então, queria falar comigo?
O capitão se referiu a Lauri, que estava com quadril apoiado a mesa de Isabel, de costas para ela, que estava sentada em sua cadeira, o olhando com olhar estreito. O executivo sorriu e cruzou os braços sobre o peito.
– Só um oi. – Lauri sorriu. – Saber como as coisas estão. Mas vejo que não mudou muito, continua igual ao que deixei.
O capitão sorriu e baixou o olhar por alguns segundos, não tinha noção do quanto sentia falta da figura de Lauri até o reencontrar naquela tarde.
– As coisas estão muito bem. – sorriu com uma malícia infantil. – Muitos gols, vitórias, estamos seguindo um bom caminho, eu acho. Equilibrando.
– Eu vi, acompanho seus números de perto, sempre. E sempre que acho que não pode me impressionar mais, você se supera. – Lauri assentiu sorrindo. – Isabel sempre me atualiza de tudo também.
– Aposto que sim. – estalou a língua e Lauri riu.
– Soube de você e . – Lauri estreitou os olhos, mas sorriu. – Acho que era previsível, visto sua rebeldia inicial.
– Rebeldia? – Isabel sorriu, tentando comentar o tópico.
– Não tem mais rebeldia, se isso importa. – O capitão ergueu os ombros e sorriu, ignorando Isabel. – Mas estamos bem, ela e eu. é uma boa parceira e as coisas tem sido melhores com ela.
– Petri sempre disse que uma vida pessoal equilibrada, pode fazer milagres dentro do gelo. – Lauri lembrou, saudoso, com olhar perdido.
– Ele me disse isso também. – continuou a sorrir. – Ela me apoia, tem bons conselhos e tem sido legal ter ela por perto.
– Nesse momento, eu imagino que sim. – Lauri continuou. – Renovação, logo vem os jogos da seleção, os playoffs... muitas coisas decisivas.
apenas assentiu com a cabeça.
– É bom que esteja bem, . – Isabel voltou a falar. – Tanto no time quanto no resto. É um momento importante e queremos, principalmente, que você esteja bem.
O capitão não respondeu, apenas desviou o olhar para qualquer outro ponto na sala.
– Principalmente quando falamos da renovação. – Ela enfim chegou ao ponto que queria e a encarou. – Parece que enfim tenho sua atenção. – Isabel se inclinou sobre a mesa de modo felino e sorriu. – É hora de começarmos a falar sobre isso. É nosso desejo que você continue, você é uma parte muito importante do Pelicans, é a engrenagem principal da máquina.
– Ah é? – O central arqueou uma sobrancelha de modo desafiador.
– Claro. E nós queremos entender um pouco sobre as suas expectativas, sobre como tem pensado esse momento. – Isabel tornou a falar e Lauri assentiu quando o buscou com olhar, mas o capitão não a respondeu. – São muitos detalhes, geralmente renovações tem muitos pontos a serem discutidos... talvez, entre nós, pudéssemos pensar em algo mais simples. – Isabel sorriu de novo. – Talvez nos concentrar em algo que seja muito importante de manter...
– Ela não é moeda de troca. – falou firme, dirigindo-se a Isabel e prevendo o que viria a seguir, estava alarmado e imaginando que hora ou outra, a executiva mencionaria a namorada.
– Não disse que seria, e não é o que importa. – Isabel inclinou a cabeça sobre o ombro. – Na verdade, isso é o que menos importa, porque o que importa para mim nesse momento é você.
– Mas devia importar, não é? – se lembrou das conversas com seu agente e movido pelo incômodo causado pelo tom da executiva, ele quis revidar. – Porque pra mim importa, muito.
– não é um ponto na barganha. – Isabel levantou uma sobrancelha. – Não vamos empregar todas as namoradas, esposas, ou qualquer uma com quem um atleta tenha um caso. Sabe como são essas coisas, não sabe? – Ela o provocou.
– O que a Svedin quis dizer, é... – Lauri tentou contornar, mas o ignorou e o interrompeu com uma risada sarcástica e sem humor.
– Eu aposto que não, mas não são todas que são ela, não é? – Ele desafiou. – Não são todos aqui que trabalham diretamente com um dos sócios ou coisa do tipo.
– Isso não traz qualquer benefício. – Isabel se recostou a cadeira. – É uma cortesia ao , não passa disso.
– Se fosse só isso mesmo, a gente estaria tendo essa conversa? – a olhou nos olhos, estava irritado com Isabel, irritado com o time e irritado consigo por ter tido que falar de como se fosse algo positivo.
– A conversa é sobre você, , sobre a sua renovação. – Isabel sorriu e piscou. – Apenas isso.
– Claro que é. – Ele riu sem humor outra vez e passou a língua pela bochecha, desviando o olhar.
– , o que Svedin quis dizer é que... nós só temos autonomia para discutir e entender seus termos para a renovação. Como você sabe e lembrou, é emprestada aqui. – Lauri tentou acalmar os ânimos, descruzou os braços e se aproximou mais de .
– Intocável, eu sei. – Ele repetiu as palavras de seu agente, com olhar fixo em Isabel e a viu expirar um riso quase irritado. – Eu conheço bem os termos dela e os meus.
– Nós queremos você e isso nunca mudou. – Lauri apertou o ombro de .
– Meus termos não vão mudar, meu agente deve te trazer as alterações que quero. – Ele falou com algum desdém, recostando-se a cadeira. – Não vou simplificar. – Negou devagar com a cabeça.
– Nem sempre é possível ter tudo o que se quer, . – Isabel respondeu, ficou de pé e apoiou as mãos espalmadas na mesa.
– É . – Ele a corrigiu. – E você devia colar essa frase na cabeceira. – Alfinetou arqueando uma sobrancelha. – Merelä tem tido tudo o que quer no Tappara. Parece que eles se interessaram em alguém como por lá. Sabe como são as coisas, não sabe? – a olhou. – Ele falou muito bem e o time viu potencial. E eu sempre achei Tampere uma cidade bem interessante. – O capitão respondeu e se levantou, mas Lauri se apressou em impedi-lo de sair.
– Ei, não vamos deixar esse encontro se desviar assim. – Lauri disse a , tentando o olhar nos olhos. – Isabel ainda não te conhece bem, acho. Ou como as conversas nesse esporte acontecem. – O finlandês olhou a mulher por sobre o ombro, ela levantou uma sobrancelha, mas não respondeu. – Talvez seja melhor que a conversa seja entre nós dois. Como nos velhos tempos, o que acha? Eu e você apenas. Talvez o Petri e seu agente, obviamente.
– Eu... – Isabel tentou protestar, mas Lauri a cortou com um olhar.
– É, acho que pode ser melhor assim. – ergueu o queixo.
– Pois é, é isso... – Lauri apertou o ombro de outra vez. – Nós sempre nos entendemos bem nesses anos aqui no Pelicans. Desde sempre. E se achar melhor, pode pedir alguns conselhos a sua garota. é e foi muito recomendada, Petri confia muito no trabalho dela e você sabe, Petri não costuma confiar em ninguém. – O mais velho riu.
– sempre foi ótima mediadora. – assentiu.
– Eu tenho certeza. – Lauri riu abafado. – Mesmo quando me enfrentava. – Ele lembrou e arqueou uma sobrancelha. – Acho que o que minha colega quis dizer é que, talvez seja o momento de pensarmos juntos o que realmente importa, para você e o time. As coisas mudaram, você está mais maduro, aposto que com planos diferentes para futuro.
– É verdade. – Concordou o capitão.
– Não vamos transformar esses momentos em reuniões tensas, em guerras civis, porque é isso que a mídia e os times que te querem esperam. – Lauri apertou o ombro do capitão. – Somos uma família e sempre foi assim, não vamos deixar que isso mude agora. E eu me recuso a perder um membro da família, seja para onde for. – Ele piscou.
Segunda-feira, 31 de janeiro de 2022
Centro de Treinamentos do Pelicans
Lahti – Finlândia
Estavam na recuperação, nas banheiras de gelo com os atletas, Jakkos, e mais alguns profissionais. regulava a temperatura e prestava algum apoio a Santtu. O treino do dia já tinha se encerrado para alguns atletas e eram esses que estavam acompanhando.
– Quando você vai me visitar ou vamos sair de novo? – quis saber, se debruçando sobre a borda. – Eu amei aquele show. Mas preciso sair para coisas mais calmas, tipo um passeio no parque, um café ou compras.
– Compras. – Santtu sorriu. – Eu preciso de coisas novas. Logo vamos para os jogos da seleção e eu preciso de uma beca interessante.
– Jogos da seleção?
– É, os jogos de inverno. – Santtu respondeu com paciência. – O campeonato vai fazer uma pausa antes do fim da temporada regular. Dura pouco, só umas semanas. No último nós voltamos com a medalha.
– Tipo, a seleção de hockey da Finlândia, contra a seleção de hockey do Canadá? – indagou animada.
– É, mas não são os jogadores mais fortes. A NHL não libera seus jogadores, então não é exatamente justo. – Santtu gargalhou. – O bom é que a gente quase sempre ganha.
– vai? Você sabe? – perguntou e Santtu franziu o cenho.
– Como assim? Não conversam sobre isso?
– Sei lá, tem tanta coisa acontecendo sempre, que acho que ele esquece. A gente esquece. – suspirou, mas logo ergueu as sobrancelhas. – Ah, acho que ele falou algo sobre isso em Pori. Não foi? Em uma entrevista ou coisa assim.
– É, foi, mas ele está na lista. – Santtu riu e fechou os olhos. – Tytto, só não está na lista se ele se lesionar feio, fora isso, ele é sempre a única certeza desde que se naturalizou.
assentiu, não disse nada, mas meditou sobre.
– Vai ser bom pra ele, época de renovação. – Santtu continuou a falar. – Vitrine mundial.
se lembrou da conversa com Merelä de repente.
– Pra você também? – Perguntou e o amigo abriu os olhos, a olhou, respirou e apertou os lábios em uma linha.
– Também. – Respondeu com sinceridade.
– O Waltt... o Waltt pode ter deixado escapar sobre o interesse do Tappara em você. – Ela confessou, ele não se moveu. – Você... você vai?
– Sendo sincero? – Santtu se ajeitou na banheira, aproximando-se mais dela para que pudesse falar baixo. – É o que eu devia fazer.
– Mas por que? – uniu as sobrancelhas e as ergueu. – Não gosta mais daqui? Por que quer ir?
– Além de oportunidades, melhores salários, investimentos e chances de vencer os playoffs? – Santtu levantou uma sobrancelha. – Tytto, ninguém vai ficar aqui pra sempre. Times são assim, jogadores vem e vão. Pelicans é uma família e é bom, mas essa família vai se separar em breve e eu não posso sacrificar minha carreira por algo que só vai existir na minha memória.
– O ficaria aqui. – respondeu, ressentida.
Santtu maneou a cabeça e mordeu o lábio.
– , talvez. – O defensor falou mais baixo. – Eu achava que sim, que o fosse ser aquele cara que nunca deixa o time. Mas as coisas estão mudando, agora ele tem você, agora tem a Isabel aqui. Não é mais o Lauri, e o Petri não vai ficar para sempre também. Se eu fosse você, não cristalizava isso na cabeça.
– Eu não entendo. – A inglesa sacudiu a cabeça. – Então você vai. Merelä, você... isso é tão surreal...
– Ainda não dei minha resposta final, mas... é. – Santtu apertou os lábios. – Nem você vai ficar aqui, Tytto. Se lembra disso, tá? – Santtu sorriu fechado e respirou, assentindo.
– Pessoal. – Jakkos bateu palmas, chamando a atenção de todos. – Preciso que a minha equipe venha aqui por um momento. – Ele pediu.
estreitou o olhar confusa, e trocou um olhar rápido com Santtu. De relance, a inglesa viu um dos assistentes de Isabel Svedin deixando a sala. O grupo de fisioterapeutas e outros profissionais de saúde deixaram os atletas e se reuniram em um grupo ao lado de fora da sala. Todos tinham olhares confusos nos rostos, porque Jakkos não costumava convocar qualquer reunião daquele jeito, de surpresa.
Assim que todos passaram pela porta, o fisioterapeuta a fechou e olhou para os rostos perdidos e confusos, impacientes para terminarem seus trabalhos.
– Uma novidade que precisamos cumprir. – Ele começou a dizer. – Não vão ser todos os profissionais liberados para acompanhar o jogo junto a equipe. Ao time, no banco, com a equipe médica. Agora só emergências e... bem, nós não somos emergência.
– Que? Por que? – riu fraco. – A equipe de assistência não somos nós e a equipe médica? – Ela perguntou e outros profissionais assentiram e concordaram.
– Acontece que para evitar tumulto e exageros, só vão ficar membros da comissão técnica, os responsáveis por equipamentos e os médicos e enfermagem, de prontidão. O resto não necessário.
Jakkos suspirou ao dizer e toda a equipe começou a reclamar, fez silêncio.
– Pessoal, não foi uma decisão minha também. – O fisioterapeuta tentou explicar. – Mas nos cabe acatar, é isso. Nem todos costumamos ficar lá também, então...
– Você fica. Eu fico. – lembrou, ainda chocada com a novidade.
– Pelo visto, não mais, . – O fisioterapeuta apertou os lábios. – Podem voltar agora, mas sem alarde, motim ou falatório, ok? – O fisioterapeuta abriu a porta e a equipe entrou novamente, desobedecendo suas ordens, como era esperado.
tentava digerir aquela situação, encarava os próprios pés, surpresa e confusa. A inglesa esperou o resto do grupo entrar e se aproximou do fisioterapeuta.
– Jakkos, por que? – Perguntou falando baixo.
– Sinceramente? Não sei. – O fisioterapeuta ergueu os ombros e suspirou. – É a primeira vez, em vinte anos de carreira que vejo algo assim. Mas acho que não vai durar, quando sentirem a nossa falta, vão pedir para voltar. – O fisioterapeuta sorriu fechado. – Questão de tempo, eu aposto. E espero na verdade.
Jakkos sorriu fechado, tocou o braço da inglesa como uma espécie de cumprimento e a deu as costas, voltando para onde os atletas e o resto da equipe agora estavam.
Talvez ele tivesse razão, talvez fosse só uma atitude aleatório, burra e impensada, ou talvez sua consciência pesada estivesse certa em gritar que aquilo não era sem propósito. Mas, Svedin não tomaria uma decisão assim só para atingi-la, não é? Não, não faria. Ela teria feito a proibição a . Era a única de sua categoria, seria mais fácil. É, provavelmente era isso e não tinha nada a ver com . Isso. Nada a ver.
38 – If it don't kill me, then I get stronger
With my head underwater
I can't take it much longer
Head underwater
I'm at war with a monster
I'm strugglin' to catch my breath
Get it off my chest, but if it don't kill me, then I get stronger
(Head underwater – Tom Walker)
Segunda-feira, 31 de janeiro de 2022
Centro de Treinamentos do Pelicans
Lahti – Finlândia
Depois da reunião inusitada e frustrante entre , Lauri e Svedin, o capitão do time azul de Lahti andava rápido pelos corredores do centro de treinamentos. Tinha se trocado e estava com seu taco nas mãos, precisava ir para o gelo e tentar descontar todos os sentimentos que enchiam sua cabeça e o davam vontade de gritar. Estava irritado, frustrado, chateado consigo e com o time, mesmo que sua chateação com o time tivesse um rosto, nome e sobrenome.
Em primeiro lugar, estava aborrecido por ter perdido o controle, por ter cedido as provocações de Isabel, por ter caído na dela e entregado o jogo. Tinha dito a si, ao empresário e conhecia a vontade da namorada, jamais usaria sua permanência no time como moeda de troca para assinar. Mas ali, na frente de Svedin, fora exatamente o que fez. Ainda mencionou como algum tipo de carta na manga, o que o fazia se detestar mais. Era centrado, se orgulhava disso, gelo nas veias quando o assunto era sua carreira, mas desde , as coisas já não eram mais assim.
Mas não a podia culpar, quem tinha perdido a paciência e agido ignorando a razão. Era o que Isabel parecia querer e ele tinha dado a ela.
Em segundo lugar, estava com medo, frustrado e triste, porque se agora, com Isabel no time, tudo fosse ser daquele jeito... todas as situações fossem ser resolvidas daquele modo, com aquele jogo psicológico, com aquele estresse... não conseguia ver um futuro em Lahti para seu hockey.
Tudo estava uma droga.
andava rápido no corredor, com olhar fixo, para frente, ignorando tudo e a todos com quem cruzava. Em uma das esquinas, Aleks e Atte caminhavam relaxados, voltando da musculação – que era o cronograma do dia. A dupla sorriu ao ver o amigo e capitão, mas os ignorou. Atte e Aleks pararam de andar, estáticos no corredor e se entreolharam.
– Ele voltou. – Aleks cantarolou, sorrindo e Atte balançou a cabeça negativamente.
Os dois se apressaram em seguir , mas só o alcançaram quando estava com um dos pés no gelo, jogando no chão os discos.
– Qual é a da vez? – Aleks quis saber, se debruçando sobre a proteção.
– Não quero companhia. – respondeu duro, sem os olhar.
– Eu chamo a ? – Atte sugeriu, incerto e sem jeito, por causa de Aleks, mas o ala pareceu não entender.
– Não quero companhia. – enfatizou, falando um pouco mais alto, mais irritado.
– Qual foi? Mulheres, trabalho, renovação? – Aleks sondou, ignorando o mau humor do capitão. – Você vai acabar falando, você sabe que vai.
respirou fundo, jogando a cabeça para trás, sem paciência.
– O que a cúpula queria com você? – Atte se lembrou do convite de mais cedo.
– Sondar pra renovação. – Contou o capitão, acertando um disco com seu taco com força superior a necessária.
– E foi ruim? – O goleiro quis saber, cruzando os braços sobre o peito. – Ou você só quer quebrar seu taco mesmo?
– Isabel Svedin é uma... – maneou a cabeça e mordeu a língua, engolindo o xingamento, descontando nos discos.
– Xingar a gerente? – Aleks riu abafado. – Esse é o tipo de coisa que me interessa.
– Seu agente não está aqui? – Atte franziu o cenho. – Você nunca negociou sozinho antes. Nem ficou emocionado assim.
– Ela sabe meus pontos fracos. – confessou depois de mandar outro disco para o fundo da rede. – Ela não é profissional, não age como profissional.
– Age como? – Aleks quis saber.
– Ela quer me dobrar. – O capitão estava furioso e frustrado na mesma medida.
– Relaxa, o time não vai deixar. – Atte estalou a língua. – Eles querem manter você aqui, nunca iam te deixar desconfortável. – O goleiro deu de ombros.
– Ela quer. – inclinou a cabeça e se aproximou um pouco dos amigos, do lado de fora da proteção. – Eu tô confundindo muito as coisas? Ela parece que me quer por baixo, sei lá. – suspirou cansado.
– Por baixo? Tipo, quer que você perca a vantagem que tem, e que ela tenha? – Atte quis confirmar. – Tipo, seu contrato de ouro com as regalias?
– Não, idiota. – Aleks riu e endireitou a coluna, estreitando o olhar. – Submissão, essa é a palavra. Será que ela também fala seu nome à noite, enquanto sonha? – Aleks implicou e o olhou de modo repreensivo, torcendo os lábios.
– As duas coisas. – O capitão confirmou com um suspiro, após algum tempo em silêncio.
– Tudo deu errado quando colocaram a primeira mulher, daí só desandou. – Aleks disse contemplativo, coçando o queixo liso.
– Cala a boca. – mandou.
– Mas é verdade. – O ala deu de ombros. – Agora você precisa fechar contrato com uma maluca de salto alto, que quer você no pé dela. Quer um pesadelo pior?
– Ele tem razão. – Atte concordou. – O que você vai fazer?
– Sei lá. – deu de ombros. – Eu fui emocionado lá também. – Confidenciou triste. – Comprei o jogo dela, falei o que ela queria. Coisas que eu não queria dizer. – O capitão bateu o taco contra a proteção, irritado. – Falei até de ir para o Tappara.
– Oi? – Aleks arregalou os olhos. – Isso é sério?
– Claro que não, ô sem noção. – Atte acertou um tapa na nuca do ala. – no Tappara, só para funerais. Não é? – O goleiro quis se certificar, olhando para o melhor amigo.
– De preferência, se eu puder evitar os funerais, nem isso. – respirou fundo. – Me aposento antes de pisar lá.
– E você disse isso por quê?
– Retaliação.
– Como você quer resolver esse problema? – Aleks voltou a se inclinar sobre a proteção. – Porque é só você dizer. A gente tira ela daqui, o time é unido.
– Não vou fazer um motim, não é assim que acontece. – negou com a cabeça. – Meu problema com ela é pessoal, pelo que parece.
– Você ainda não tinha certeza? – Atte riu.
– Ela quer a fora também. – comentou sem pensar, mas no momento seguinte mordeu a língua, Atte arregalou os olhos, preocupado com a reação do ala.
– Qual é o problema dessa mulher? – Aleks se endireitou outra vez. – Aí ela vai ter um problema. Não pode tirar a . Qual vai ser a próxima? Tirar a Brie? Não, não. Já chega de Svedin. A gente precisa fazer alguma coisa, tá ligado?
– Se controla, Aleks. – Atte pediu, batendo no ombro dele. – O seu contrato não é mágico como o dele, ainda.
– Desde quando você se importa com a ? – sondou curioso.
– Desde sempre, ela é legal. – Aleks deu de ombros. – Gosto dela. Ela foi a única que tentou me entender e que não espera sempre o pior de mim.
Atte e riram alto.
– Não entendi. – Aleks fechou o cenho.
– É, valeu por me fazer rir, Hade, estava precisando. – agradeceu, batendo nas costas do amigo duas vezes. – Valeu mesmo.
Segunda-feira, 31 de janeiro de 2022
Casa de e
Lahti – Finlândia
No início da noite chegou em casa.
Tinha pego uma carona com Ottis, depois de receber uma mensagem do namorado, dizendo que fora preciso ir embora mais cedo. A inglesa estranhou, mas não se preocupou, porque imaginava que se algo tivesse acontecido, a procuraria.
Ao pisar em casa, foi recebida por Felix, que se entrelaçava entre suas pernas pedindo atenção. Depois de afagar o cachorro procurou o namorado, a casa estava silenciosa e escura, sem nenhum sinal de funcionários e ele não estava no quarto, ou tocando, ou na biblioteca. Do lado de fora não nevava e apesar do vento cortante, era uma noite estrelada. resolveu procurar do lado de fora, passou pela piscina, pelo jardim, por trás da garagem, até se aproximar da quadra de tênis.
Tudo estava silencioso, mas ele estava lá, correndo de patins de um lado para o outro. Como treinava no gelo, mas na quadra. Tão concentrado que sequer havia notado a aproximação da namorada. o observou por alguns segundos, e pelo semblante ou o modo com que ele treinava, percebeu que havia algo errado. Podia questionar, indagar porque não a procurou, ou o motivo de ter saído antes, mas não teve vontade. Resolveu dar a ele o espaço que imaginou que ele quisesse. Antes, talvez teria feito diversas perguntas, até que se aborrecesse e os dois entrassem em outra briga, mas agora era diferente. Tinha tido um dia tão estranho, que não sabia se queria falar também. Talvez só ficarem juntos, em silêncio. Aquilo lhe parecia bom.
– Oi. – se manifestou, atraindo o olhar dele, que parou de correr e a encarou, esbaforido.
– Oi. – Respondeu.
– Vem aqui um pouco. – pediu, esticando uma mão e dando alguns passos para dentro da quadra.
respirou fundo, mas obedeceu.
Ele estava suado e vestia moletom, os cabelos grudados na nuca. O capitão não desviou o olhar ao se aproximar, ou bufou ou suspirou. sorriu fechado quando ele chegou mais perto, abrindo os braços para recebe-lo em um abraço. Ao contrário dele, ela usava roupas quentes e secas e não se incomodou em afagar seus cabelos molhados ou beijar seu rosto suado.
– Vou pedir comida. – Ela disse ainda o abraçando. – Uma pizza.
assentiu com a cabeça.
– Por que não entra? – perguntou, afastando-se um pouco dele. – Está congelando aqui fora e você está molhado de suor.
– Depois, eu quero ficar mais um pouco. – Ele respondeu encarando o chão e assentiu, mesmo que estranhasse.
– Certo, te aviso quando a comida chegar. – enfiou as mãos nos bolsos.
assentiu, apertou os lábios e lhe deu as costas, voltando para dentro. Ao vê-la se afastar, voltou para sua sessão de autoflagelação mental, se xingou e inclinou a cabeça, depois respirou fundo e ergueu o olhar.
– . – Chamou-a.
– Sim. – A inglesa parou de andar e se virou, sorrindo fechado para ele.
– Desculpa, por não ter estado lá. – Pediu chateado. – Eu... eu queria ficar um pouco sozinho.
– Tudo bem, amor. Ottis me deu uma carona. – apontou para dentro e sorriu. Estava dividida entre o que achava que devia fazer e o que queria fazer. Percebeu que ele estava no modo defensivo e não sabia se seria inteligente intervir naquele momento. – Se você... se você quiser conversar...
– Tô bem, valeu. – Ele respondeu rápido e ela assentiu.
– Então... vou me trocar. – assentiu devagar, deu as costas devagar e andou para dentro devagar, aguardando se ele a chamaria de volta, mas não aconteceu.
Aquele a fazia lembrar o de alguns meses atrás, esquivo, isolado, fechado, que compensava as emoções que não sabia lidar com treino e exaustão física. Se ao o encontrar, ela não queria fazer perguntas, agora tudo era diferente. Talvez por causa da reação do namorado, mas agora seu dia ruim não fazia mais tanta diferença se comparado ao dele. Ou a vaga e ligeira desconfiança e culpa de que fosse a razão para a chateação do capitão. se perguntava sobre o que poderia ter acontecido naquela tarde para que ele estivesse assim. Quando o deixou com Atte, tudo parecia bem, não parecia realmente aborrecido por ela ter tocado no tópico da ex, principalmente depois de ter sido provocada por Merelä.
Não devia ser algo com ela, devia? O que podia ter feito?
Enquanto se trocava, já no quarto dos dois, se perguntava, ansiosa e preocupada. Talvez depois da conversa com Atte, tivesse mudado seu ponto de vista sobre aquela situação. Será que era isso? Será que era por ter dado ouvidos a Merelä e questionado sobre a garota? Ou era sobre algum outro erro que nem se dava conta de ter cometido?
Tinha sido um dia tranquilo de treinos para o time, nada demais, nenhum evento importante ou coisa que pudesse criar aquele estado de espírito no namorado. se sentou na cama, encarando o quarto ao redor, tentando revisitar cada momento do fim de semana, investigando o que poderia ter causado aquele olhar no rosto do seu capitão. Dando vazão a toda sua insegurança e ansiedade.
Quando já tinha perdido a noção do tempo em que estava ali, entrou no cômodo, puxando o moletom pela gola e arrancando a peça molhada do corpo. Ele cumprimentou a inglesa com um sorriso fechado, quase imperceptível e o correspondeu.
– E a pizza? – Ele perguntou, sem muita importância.
– Ah... – sacudiu a cabeça, voltando a realidade. – Deve estar chegando.
Ele assentiu.
Conferiu algo no celular e depois o colocou sobre um aparador, no canto do quarto, e voltou a tarefa de se despir.
– Tá chateado comigo? – fez por impulso a pergunta que piscava em sua cabeça e o jogador a olhou com sobrancelhas juntas.
– Com você? Não. – parou o que fazia. Seu tom era calmo, mas com algum desânimo. – Por que eu estaria?
– Não sei, eu só... – Ela respirou fundo, baixando os ombros. – Eu só fiquei tentando adivinha o que tinha acontecido, desculpe.
– Não é nada com você. – negou com a cabeça, depois de expirar pesadamente. – Tô bravo comigo, mas não tem nada a ver com você.
– E o que aconteceu? – A inglesa ergueu as sobrancelhas.
– Agora não. – Ele negou, mantendo o tom calmo e apático. – Depois a gente conversa.
assentiu, mesmo que a contragosto e o assistiu entrar no banheiro para um banho que seria demorado.
– A pizza chegou. – sorriu quando viu o namorado descer as escadas.
não respondeu, descia devagar, mãos nos bolsos, Felix o seguindo.
– E sem abacaxi dessa vez. – Brincou a inglesa. – Dizem que comida boa pode ajudar a melhorar o humor, então... – Ela sorriu do modo infantil que tanto gostava, ele não resistiu e expirou um sorriso.
– Acho que o Hade não te engana dessa vez. – Ele comentou, mantinha o tom apático, mas sorria. acompanhou e se sentou ao redor da mesa pequena da cozinha.
– Eu não sou boa cozinheira, mas escolho boas pizzas como ninguém. – brincou.
– Não dá pra ter tudo no mundo. – Respondeu sem empolgação o jogador, de modo quase irônico.
não queria que o silêncio se instaurasse entre eles, porque sabia que se acontecesse, começaria a perguntar sobre seu humor e ele ainda não sabia como contaria a ela sobre tudo. Também admirava o empenho e paciência da namorada e não queria que um dia que tinha começado tão bem, fosse arruinado daquele jeito.
– Me fala do seu dia. – pediu e apertou os lábios.
– Passo. – Respondeu e ele ergueu o olhar. – Não foi um dia bom, então... – A terapeuta inglesa suspirou.
riu fraco, achando graça da coincidência.
– E o seu? – quis saber.
manteve os olhos na pizza, estalou a língua e deu de ombros.
– Eu sobrevivi, acho que é o que vale.
– Que bom. – esticou uma mão sobre a mesa, até alcançá-lo e a olhou. – Seria horrível não ter você por perto depois de um dia ruim.
– É. – Ele assentiu, sorrindo de lado. – Posso dizer a mesma coisa.
Depois de comerem um pouco da pizza, porque nenhum dos dois tinha muito apetite na ocasião, estavam amontoados no pequeno sofá da pequena biblioteca. tinha o olhar longe, fazia silêncio, estava deitada em seu peito e ele afagava seus cabelos. remoía seu dia também, mas ao mesmo tempo tentava entender e adivinhar o que se passava com o namorado. Tinha pensado e tentado fazê-lo rir, mas falhou. Já não tinha mais ideias, ou energia para pensar em ideias, já que seu humor também não estava dos melhores.
– Conversei com Santtu hoje. – começou a falar. – Parece que ele vai mesmo pra Tampere. – não respondeu, então ela se endireitou para o olhar, para ter certeza se ele prestava atenção. – Disse alguma coisa sobre todos saírem, uma hora ou outra, sobre as oportunidades que teria em Tampere. – a olhava, como se esperasse que ela terminasse o que iria dizer. – Falou que acha que você não fica por muito tempo também.
inclinou a cabeça e uniu as sobrancelhas, respirou fundo e deu de ombros.
– Acho que não.
– Que não sai? Sim, eu disse a ele. – tornou a falar, ansiosa por expor seu ponto de vista ao namorado.
– Não, que eu não fico. – Ele completou e arregalou os olhos.
– O que? Mas... – se ajeitou no sofá e sacudiu a cabeça. – Mas por que? Você sempre disse que...
– Eu sei o que eu sempre disse, mas... – expirou pesadamente, fechou os olhos e inclinou a cabeça para trás. – Eu sei.
A terapeuta ergueu uma mão, afagando a nuca do namorado, que fechou os olhos. Ele parecia em conflito, parecia magoado, parecia muitas coisas, mas nada perto de confortável e bem, e o coração da terapeuta inglesa se apertou mais.
– Me conta o que aconteceu. – Pediu de modo doce. – Divide comigo.
– Eu não sei o que falar. – O jogador respondeu cansado. – Eu até quero, mas não sei nem como te falar.
– Comece pelo início. – pediu e tomou o rosto dele nas mãos, para que a olhasse. – Sou eu aqui. Você sabe que não vou te julgar, que vou ficar do seu lado, sempre.
– Nem eu tô do meu lado agora, Rakkaani. – riu fraco, desviando o olhar.
– Mas eu estou.
– Você não sabe, não tem como falar isso sem saber... pode ser qualquer coisa. – Ele rolou os olhos. – Você tem que parar de ser impulsiva.
– Não é impulsividade. – falou sério. – Não costumo usar meus pais como exemplo sempre, mas... se existe algo que eles me ensinaram é que um casal, independente de como ou porque, precisa se apoiar. Posso nem sempre concordar com tudo, mas, isso não significa que não vou estar ao seu lado.
não respondeu, seu olhar voltou a vagar pela pequena biblioteca.
– Isabel quis me ver hoje, mas Lauri estava com ela. – Ele começou a contar depois de algum tempo em silêncio. – Para sondar sobre a renovação. – assentiu com a cabeça. – Foi bom ter ele lá, mas... eu caí no jogo dela. – O capitão riu amargo. – Fui burro. Acho que dei a ela o que ela queria.
– Como assim? De que jogo você está falando?
– Ela veio com um papo de simplificar as coisas, focar no que é importante manter e eu falei de você. – Confessou de olhos fechados. – Podia ter deixado ela falar e se enforcar, mas respondi. Lauri estava lá, acho que ele entendeu tudo errado.
– Ele não disse nada sobre mim? – quis saber, curiosa. – Sobre nós?
– Ele falou que era uma coisa que ele esperava, pelo jeito que eu reagi no início, mas não fez drama.
– E ele não falou nada sobre o que a Isabel disse? O que exatamente ela disse? – insistiu, tentava pensar bem antes de falar qualquer coisa, mas sentia seus próprios sentimentos se embaralhando.
– Ele só ouviu, depois cortou ela. – Narrou . – Falou que ela não me conhecia e não sabia como ter aquela conversa, que ele não queria me perder e que a gente podia conversar. Sem ela. Que seria bom eu me aconselhar com você.
– Meu amor, mas... qual é o problema? – não entendia a reação do namorado ao que ele tinha relatado. – O que ela fez no meio disso para você ficar assim?
– Me provocou. – ficou de pé, começou a andar pelo cômodo, sem a olhar. – Falou que você não importava, que não importava para ela.
– Mas isso realmente... – observou, ainda perdida sobre o que poderia ter chateado tanto o namorado.
– Eu fiz parecer que sim, entende? Eu deixei ela e o Lauri acharem que sim. – confessou, irritado. – Eu fiz. Ela jogou a isca e eu mordi. Fiz parecer que sim. E aí, ela começou a falar sobre não darem atenção a casos dos jogadores e sobre não importar. – apertou os lábios, ouvindo o namorado desabafar. – Eu falei que não ia simplificar. Ela veio com uma de que não posso ter tudo o que quero. – O jogador suspirou. – E aí eu falei sobre Tappara, sobre talvez quererem você e sobre lá me parecer bom.
– , mas você não... – começou a falar, mas foi interrompida outra vez.
– Eu sei. Eu sei. Eu sei o que eu disse. – Ele a respondeu e não entendeu se estava irritado consigo ou com ela. – Falei até do idiota do , como se isso fosse alguma vantagem. – riu pelo nariz, sem humor. – Eu costumava ser um pouco inteligente, pelo menos. Conseguia manter a cabeça fria nessas horas, mas agora nada parece fácil mais.
– Eu sinto muito por isso. – disse baixo e o jogador a olhou. – Isso tudo é por nossa causa e eu lamento muito que esteja te impactando assim no trabalho, no time, em uma coisa que você ama tanto.
– Não, eu... – sacudiu a cabeça e expirou frustrado. – Não é sua culpa. Eu tinha que ter sido mais inteligente, não podia ter caído no jogo dela. Eu te coloquei numa situação ruim também. Você quer sair e eu...
ficou de pé e se aproximou do namorado.
– Tudo bem, você... você é uma pessoa, não é de ferro. – Ela tentou confortá-lo, afagando suas costas. – Svedin provoca você, não tem como não reagir. Por isso disse sobre sair?
– Como eu posso ficar no time, se toda vez será isso que vou encontrar? – Ele expirou triste. – Sempre vai ser assim. Esse inferno.
o afagou a nuca, tinha razão e estava triste, frustrado, e ela não conseguia se sentir diferente.
– Deve ter algum outro jeito.
– Lauri disse que ela vai ficar fora das conversas agora, que ele quer me manter e isso é o que importa. Me chamou de família. – Contou.
– Ela não deve ter gostado nada disso. – Observou .
– Acho que não. – Ele assentiu. – Ela quer me dobrar, e aí agora eu preciso escolher entre abaixar a cabeça ou estar onde eu quero estar? Isso não tem como ser justo.
abraçou forte o jogador.
– Eu estou com você, as coisas vão se resolver. – garantiu. – Você disse que Lauri já afastou ela das negociações, talvez com essa reunião eles... sei lá, talvez eles... – foi atingida por uma lembrança.
– Talvez o que? – se afastou para a olhar.
– Não, nada. – negou rápido. – Nada. Esquece. Deixa para lá, já foi muito por um dia só.
– , me fala agora. – Ele a segurou pelo ombro, impedindo que ela o abraçasse outra vez e a olhou nos olhos. – O que você está escondendo de mim.
– Não estou escondendo nada. – A terapeuta se defendeu.
– Eu sei que está, vamos. – Ele ordenou. – Me fala.
A inglesa suspirou, baixou o olhar e depois ergueu os olhos, encarando o namorado.
– Não quero piorar as coisas. – Admitiu.
– Não vai conseguir.
– Hoje, durante a tarde o Jakkos veio com uma ordem nova, veio do alto. – começou a falar, mas temia a reação do namorado. – Só a equipe médica e de emergência irão acompanhar os jogos do banco.
– Como assim? – O capitão sacudiu a cabeça.
– Sem Jakkos, eu ou o resto da equipe no banco durante os jogos. – simplificou. – Isso foi durante a tarde, Jakkos não sabe porque ou de onde veio essa decisão. Disse que nunca viu nada parecido.
– Eu sei de onde veio. – respondeu.
O capitão negou com a cabeça uma vez, se afastou, andou pela biblioteca em silêncio, expirava pesadamente e tinha um olhar incrédulo no rosto. Ao passar pela mesa, tomou nas mãos um porta-lápis e o arremessou na parede oposta, espalhando pedaços do objeto, lápis e canetas coloridas por toda sala. prendeu a respiração, pelo susto. negou com a cabeça outra vez e expirou um riso amargo, apoiando-se na mesa com as mãos espalmadas.
– Eu devia ir até lá e terminar com isso... – Ele apontou para fora.
– Ei, não. – se apressou para o abraçar, acolhendo-o em seu peito. – Não precisa. Não vale a pena. A gente não precisa descer ao mesmo nível, okay?
– Mas e aí, vamos aturar tudo? Eu não consigo.
– , eu já estou fora, de qualquer forma. – o abraçou com mais força e o jogador escondeu a cabeça na curva de seu pescoço. – Logo eu não estaria mais no banco com você. Ela pode nos provocar lá, mas só vai tirar a nossa paz se permitimos.
O capitão não respondeu.
– A gente está aqui, junto, e enquanto for assim, tudo vai ficar bem. – o beijou a cabeça. – Você pode confiar nisso.
– Eu tô cansado. – confessou em um soluço choroso. – Não é como eu queria. Eu queria ficar e jogar hockey. Era só isso.
– Está tudo bem. – afagou as costas do namorado quando o percebeu chorar. – Hoje foi um dia ruim, frustrante e cansativo. De um problema que parece que está se arrastando por tempo demais. Mas vai passar. Tudo vai ficar bem.
– E se não ficar?
– E então a gente pensa em outra coisa, e em mais outra. – A inglesa falou com firmeza. – É só uma fase ruim. Vai ficar tudo bem.
39 – They say I did something bad, then why's it feel so good?
I never trust a narcissist but they love me
So I play 'em like a violin and I make it look oh so easy
'Cause for every lie I tell them, they tell me three
This is how the world works
Now all he thinks about is me
They say I did something bad
Then why's it feel so good?
(I Did Something Bad – Taylor Swift)
Terça-feira, 01 de fevereiro de 2022
Cafe Kapris
Vapaudenkatu 5, 15680
Lahti – Finlândia
Voltava a nevar em Lahti e a neve já enchia as calçadas e ruas. Mark Lehtinen, empresário de , estava parado na porta do café, tinha sua pasta de couro nas mãos, um sobretudo de alguma marca italiana cara e sapatos lustrosos. O cabelo castanho com fios grisalhos misturados, estavam penteados e cheios de pomada, e os olhos azuis esperavam ansiosos por sua companhia para o café da manhã. Era cedo, antes das sete e o céu estava escuro como se ainda fosse noite, geralmente, naquela época do ano o céu só clareava lá pelas nove.
Mark expirou mais pesadamente e desviou o olhar quando os encontrou caminhando em sua direção, saindo do carro do outro lado da rua.
andava a passos firmes e confiantes, tinha a cabeça coberta por uma touca preta, olhar de pouquíssimos amigos e expressão séria. Usava um sobretudo preto que, pelo emblema sobre um dos bolsos, poderia alimentar uma família de quatro pessoas por uns três meses. Estava inteiro de preto e caminhava na neve branca de mãos dadas com , que também usava preto, desde as botas de salto, a calça, a blusa justa e o casaco longo e pesado. Mark rolou os olhos quando reconheceu a figura ao lado de seu jogador, usando batom vermelho e cabelos soltos.
– Era mesmo preciso uma reunião essa hora?
– Tenho treino depois. – respondeu sem sorrir, com voz firme. – Não tenho tempo para perder esperando.
Mark rolou os olhos.
– Vamos entrar pelo menos? Ou quer se sentar na neve e fazer um piquenique a luz de velas? – Implicou o empresário e apertou os lábios, sem jeito, puxando o namorado para dentro.
– Qual é a ideia aqui? – Mark Lehtinen indagou sorrindo quando encontraram uma mesa, no fundo do salão, perto do vidro, com visão para a rua. – Senhor e senhora Smith? quer tentar uma participação no remake de Blade? – Lehtinen riu.
– Já podemos conversar ou você ainda tem mais alguma gracinha? – O central foi direto e o outro ergueu as mãos, rendido. – O que conseguiu?
– Bom, considerando a ligação que recebi da sua casa, meia-noite, e o fato de ainda não ser nem sete horas, não muito. – Reclamou ele, conferindo o relógio e estalando a língua. – Mas fiquei feliz com o que me contou.
, que tinha as mãos unidas perto do rosto e os cotovelos apoiados a mesa, expirou um riso incrédulo e baixou a cabeça.
– Como assim feliz? – questionou, aborrecida.
– Digamos que é como se Isabel Svedin estivesse nos ajudando a cavar a própria sepultura. – Sorriu Mark, elevando os ombros, e estreitou o olhar, confusa. – Como os traficantes latinos e os russos da máfia obrigam seus desafetos a fazerem.
– E como isso me ajuda exatamente? – arqueou uma sobrancelha.
– O cenário está favorável, não graças a você, claro. – Mark alfinetou, repuxando o lábio. – Não vou te lembrar do seu discurso na sua casa, há menos de quinze dias, sobre não usar sua nova garota como moeda de troca. Irônico, eu sei. – Lehtinen sorriu vaidoso. – E olha onde nós estamos, não é? Sabe, , eu estou pensando realmente em te colocar com uma babá. Ou me demitir, das duas, uma.
– Mark, sem drama. – bufou irritado. – Já está tudo uma droga, você quer mesmo ser quem vai piorar?
– Mark, por favor. – o olhou nos olhos, e interviu como quem pede por uma trégua, percebendo o estado emocional do namorado. – Você conseguiu encontrar alguma saída? Alguma forma de melhor o clima no Pelicans? De nos ajudar?
Mark arqueou uma sobrancelha e analisou .
– Aquilo que disse era mesmo verdade, sobre a carta? – Ele quis confirmar, também a olhou e assentiu com a cabeça, rápido.
– Já está pronta. – Respondeu confiante.
– Certo. – Mark colocou sua pasta sobre a mesa e a abriu. – Se serve de consolo, descobri que você já era carta marcada antes de tudo isso. Provavelmente, Svedin já pretendia se livrar de você e tudo ajudou, de algum modo.
– Como assim? Por que ela marcaria a ? – estreitou o olhar.
– É sobre o controle, Isabel Svedin quer ter controle sobre o que está comandando. Até aí, ela estava sendo coerente e até boa na gestão. É como se ela quisesse se livrar dos terceirizados.
– Ótima forma de se referir a mim. – ironizou, rolando os olhos. – Não sei se isso melhora ou piora.
– Você supera. – Mark expirou a olhando. – Mas vamos lá, não sou um dos maiores empresários dessa parte do mundo sem razão, não é? – Ele sorriu sarcástico, encarando uma folha com anotações rabiscadas pouco legíveis que retirou da pasta. – Tentei sondar e investigar o terreno depois que me ligaram ontem. Lauri também entrou em contato mais cedo, e depois da sua ligação, a novela fez sentido. – Lehtinen falou em tom conspiratório. – Ele queria sondar possíveis propostas. Depois do que você disse, certamente a diretoria ficou muito agitada por imaginar você indo para Tampere, se juntando ao Merelä, aniquilando qualquer chance de outro time do país de vencer as finais.
– Eu não vou. – sacudiu a cabeça de olhos fechados.
– Você blefou, mas agora não podemos voltar atrás, nem seria verdade. – Mark observou.
– Por que não seria verdade? – falou primeiro, verbalizando o que pensara. – Eles realmente fizeram uma proposta?
– Sim, mas depois falamos disso. Tenho um incêndio para apagar.
– Não exagera, cara. – riu sem humor e sacudiu a cabeça. – O time...
– Não me referi ao time, . – Mark o interrompeu, olhando nos olhos, depois suspirou e sacudiu a cabeça. – Te conheço desde garoto, desde que te tiramos da sua família para jogar hockey. Eu não dou a mínima para o Pelicans, me preocupo é com você.
O jogador assentiu em silêncio, com olhar baixo. olhava do empresário para o namorado, e nesse momento se aproximou mais do capitão, afagando sua nuca.
– Pelo que eu conheço da diretoria, acionistas e todo o resto, devem estar nervosos com essa possibilidade de saída. – Mark voltou a falar. – Eles não vão desistir de você sem tentar negociar e, se tudo aconteceu do jeito que me descreveu no telefone, eles vão comprar o que você quiser. Se acharem que você ficaria se ela ficar, eles vão querer mantê-la. No cenário atual, eu sugiro que mantenhamos o que você disse, assim, no final, eles compram todas as alterações no novo contrato e tiramos a mulher da equação. Eles vão sentir estarem no controle, saindo no lucro, todos felizes. – Mark relaxou na cadeira, satisfeito.
inclinou a cabeça e olhou de soslaio para . A terapeuta inglesa tinha o rosto erguido, nariz em pé e o olhar estreitou.
– É um plano ótimo. – O empresário continuou. – Sendo sincero, a situação de renovação não é tão complicada assim. Se formos direto ao Lauri, é capaz de ele te dar um unicórnio que viaja pelo arco-íris. – Sorriu ele, olhando de para . – Ah, não. Por que você está com a essa cara? – Resmungou, quase choramingando ao perceber o olhar dela.
– Para isso eu teria que estar no time, fingindo que quero estar no time. – lembrou.
– É, e seria o fim do mundo você terminar a temporada no Pelicans? – Mark indagou sem paciência. – Ou ficar lá mais alguns meses?
– Eu já preparei meu psicológico para deixar a equipe, não lido bem com mudanças repentinas. – ergueu as sobrancelhas, mantendo o tom firme.
– Você é parte do problema, seria bom se cooperasse para ajudar.
– Eu estou fazendo o que é ético e responsável. – A inglesa levantou um ombro. – Nós já falamos sobre isso. E a carta está pronta, você sabe.
Mark estava chocado, incrédulo e injuriado, além de muito impaciente. O empresário encarou seu cliente, que apenas ergueu os ombros e sacudiu a cabeça. Mark passou uma das mãos no rosto, respirou fundo e depois voltou a olhar o capitão.
– Não vai dizer nada?
– Eu não. – respondeu esquivo. – Esse problema aí é seu agora.
– Mark, eu entendo sua posição. – voltou a dizer. – Mas já é algo decidido.
– Você é o namorado ou sei lá o que dela, mande ela ficar. – Lehtinen insistiu com .
– Não adianta, não vai funcionar. – respondeu antes que tivesse chance. – Isso já está decidido. não me obrigaria, ele sabe que só faço o que eu quero. – A inglesa olhou o namorado de soslaio ao falar.
– Obviamente, se ele se prendesse a alguém, não seria em alguém fácil de lidar, não é? – Mark sacudiu a cabeça negativamente. – Alguém simples e disposta a cooperar. Entendo a Isabel Svedin agora.
– Você vai dar um jeito, Mark. Sei que vai conseguir. – se inclinou sobre a mesa, apoiando os braços. – Nada mudou desde que esteve na minha casa no mês passado.
– Nada, exceto tudo. – Reclamou o empresário.
Fez-se silêncio e Mark massageou as têmporas.
– E o problema principal? – quis saber, apoiando o rosto ao ombro do namorado e entrelaçando seu braço ao dele.
– Além de vocês dois? – O outro homem se fingiu perdido de modo teatral. – Isabel Svedin não está em bons lençóis. Ela está mostrando porque não se deve contratar mulheres para cargos assim.
fez careta e desviou o olhar, fugindo porque entendeu a expressão dela.
– Ela perdeu a compostura, os boatos são de que a reunião com deixou o cargo dela balançado perante o conselho. Avaliam ela como muito sentimental e despreparada para lidar com a questão. Histérica. O que pode ser bom ou ruim, porque, ou ela muda de postura e ressurge uma nova mulher para manter o cargo. Mais estável, equilibrada, focada em agradar a e não o provocar mais, ou...
– Ou? – arqueou uma sobrancelha.
– Ou ela volta com o espírito de quatro ex-esposas, enfrentando um divórcio litigioso difícil, sendo trocada por uma amante loira, com metade de sua idade.
De modo instintivo, e Mark olharam para , que os encarou de volta e sacudiu a cabeça, confusa.
– Duvido que ela volte mais serena. – comentou e viu o namorado assentir com a cabeça.
– Isabel Svedin está tendo uma postura que não é comum, todo esse lado passional, a perseguição a sua garota, as provocações gratuitas. – Mark listou. – É como se ela estivesse em uma competição pessoal, medindo forças com você.
– Ela está nessa sozinha. – respondeu balançando a cabeça. – Ela é maluca, completamente. Ela quer ficar comigo, ou quer medir força? Eu quero distância dessa doida. – Declarou o capitão.
– Os dois, eu acho. – Lehtinen ergueu os ombros. – Sou do jurídico, ela é que é a das mentes. – Disse, apontando para .
– Estou envolvida demais para ter um julgamento imparcial. – negou com a cabeça.
– E qual seu julgamento parcial? – Insistiu Mark, mas hesitou.
– Que Isabel está competindo com ela. Por mim, eu acho. – contou e a inglesa o olhou de modo repreensivo, mas o jogador ergueu os ombros, como quem diz que não teve escolha.
– Eu estava certo. – Mark sorriu.
– Não é bem isso. – tentou justificar.
– E então como é? – Mark também se inclinou sobre a mesa.
– É que... – Ela tentou dizer. – É complicado... mas, eu não sei... acho que pode ser que ela esteja incomodada comigo.
– Okay, evolua, aprofunde. – Lehtinen gesticulou, pedindo para que continuasse e a inglesa trocou um olhar rápido com o namorado, contrariada.
– Não quero parecer arrogante, ou... – tentou se justificar. – Eu era a única mulher, o time gosta de mim... e tem o que você já disse, minha ligação com o , quem ela não consegue controlar, com , um acionista... ela me boicota, me exclui de tudo e tenta me afastar. Acho que de alguma forma eu a incomodo.
– É, rivalizam, mulheres rivalizam, me conte uma novidade agora. – Mark deu de ombros.
– Eu não sou rival dela, mulheres não rivalizam. – se irritou. – Isso foi machista.
desviou o olhar para a rua outra vez, abstendo-se da conversa.
– É, feministas, tanto faz. – Mark sacudiu uma mão na direção de outra vez, a irritando mais. – Mas Isabel Svedin não é alguém com quem você vai sair para marchas feministas, para brigar com homens e jogar ovos em estátuas bradando contra o patriarcado. Ela é o tipo de pessoa que está acima dessas discussões, ela não conseguiu chegar onde está à toa. Não houveram outras mulheres que a ajudaram, ela aprendeu a jogar o jogo dos homens, aprendeu a girar a roleta na direção que ela já é girada há anos e se deu bem. – Falou o empresário. – Mas ela é uma mulher, uma que quer ter controle sobre tudo e que agora está desequilibrada e insegura por causa de um dos casos de um atleta.
– Namorada. – o corrigiu, voltando a participar da conversa. – Namorada.
– Mas ficar aqui analisando as atitudes dela não vão nos levar a lugar nenhum. – falou, atraindo a atenção dos outros dois homens. – O que podemos fazer? Estou saindo do domínio dela, mas meu namorado vai ficar e precisamos pensar em algo.
– Isso, ou eu paro de jogar. – suspirou entristecido. – Ou mudo, sei lá.
– Você já passou por coisa pior do que uma maluca obcecada, tenha dó. – Mark rolou os olhos. – Não seja tão dramático. – encarou o agente do namorado de olhos arregalados, pronta para defende-lo.
– Faça o seu trabalho e eu não preciso ser. – respondeu.
– É o que eu tenho tentado. – Mark torceu os lábios, depois sacudiu a cabeça. – Escute, vamos ter que esperar os próximos passos da Isabel Svedin para saber o que esperar. Ela está fora das negociações por enquanto e isso já ajuda. Mas, no cotidiano, meu conselho é que joguem o jogo dela.
– Como assim? – e responderam juntos.
– Seguindo as regras dela, ora. – Lehtinen riu pelo nariz. – Se ela provoca, provoque. Não apenas reagir, mas agir também. Deixe ela no limite, ela vai deslizar e vai cair. Mas não caiam no jogo dela.
– Chegar de mãos dadas ao trabalho nunca me pareceu tão atrativo. – riu e o olhou, era a primeira vez o que via sorrindo desde a noite passada.
– Não exagera. – Mark fez careta. – Não dê a ela coisas que pode usar contra vocês. Ela sabe como te provocar, aprenda como afetar ela também. Ela já deu as cartas, seja inteligente e vença o jogo.
– Essa parte não vai ser exatamente difícil. – suspirou.
– Eu vou me reunir com Lauri hoje, te dou notícias. – Mark fechou sua pasta. – Se você quer ficar, é o que vai acontecer. – Garantiu ele, piscando um olho. – Agora, vamos tomar café da manhã.
– Valeu, sem fome. – negou sacudindo a cabeça.
– Amor, você tem que comer alguma coisa. – disse, atraindo um olhar atravessado do namorado.
– E você não? – Ele devolveu e suspirou.
– Eu vou pedir um café para a viagem, para caso você queira depois. – A inglesa afagou a nuca do namorado, empática.
– Um expresso para mim. – O agente ergueu o dedo.
sorriu sem jeito, apertando os lábios e se levantou a contragosto, para comprar o café.
– Não pode ir para o treino sem se alimentar. – O agente cutucou , que apenas fez careta. – Você não está ajudando ninguém fazendo greve de fome.
– Não dou a mínima hoje. Não tô com fome. – sacudiu os ombros. – Relaxa, vou ficar bem.
– Por que isso está te afetando tanto? Não é o fim do mundo como você faz parecer.
– É, pra mim é. – inclinou a cabeça. – Minha vida é aqui, o Pelicans, , minha família e amigos...
– . – Mark se esticou e tocou o braço de seu principal cliente, fazendo com que ele o olhasse nos olhos. – Talvez seja hora de você realmente repensar seu plano de vida, sua meta de desperdiçar seu talento nesse canto da Finlândia. – Mark maneou a cabeça. – O mundo é grande demais e não é o fim deixar Lahti. Lidar com a fama e com o assédio da mídia pode ser diferente agora. Você é um pouco mais maduro, muita coisa mudou.
– Eu sei. – Ele assentiu. – Mas eu não tô sozinho aqui, não mais, então...
– Ah. – Lehtinen assentiu com a cabeça, sorrindo, se virou para olhar para por sobre o ombro, no balcão. – Se ela saiu do time por vocês, ela se muda por vocês.
Terça-feira, 01 de fevereiro de 2022
Centro de Treinamentos do Pelicans – Isku Areena
Lahti – Finlândia
Quando estacionou nas dependências da Isku Areena, o casal dentro do carro respirou fundo e se entreolhou. Tinham passado juntos uma noite ruim, ninguém havia dormido direito e mal conseguiram comer qualquer coisa. Estavam ansiosos, agitados, preocupados com a situação que enfrentavam. Era a primeira vez que enfrentavam algo assim juntos, que sofriam juntos por um problema e não um contra o outro. E os dois lados gostaram da sensação, da companhia, da parceria e de não se enxergarem sozinhos, desamparados naquela situação.
Apesar de terem se deitado, mal tinham dormido, mesmo com as xícaras de chá feitas pela inglesa – que recusou quase todas. Estavam cansados também, estava irritado e de mal humor, estava ansiosa e atenta a qualquer respiração diferente do namorado.
– Vamos lá, então. – falou em um suspiro, abrindo a porta do carro.
– Sabe, se você não se sentir bem... – começou a falar enquanto saltava do veículo. – A gente não precisa criar esse... sabe, enfrentamento.
– Você diz o quê? Tipo, ir até a sala dela e... – o interrompeu.
– Não, sobre o que o Mark disse, sobre jogar o jogo dela. – A inglesa falou quando o namorado contornou o carro e começaram a andar rumo o centro de treinamentos.
– Não vou perder oportunidades. – respondeu direto.
– Só não quero que fique mais estressado com esse assunto. – A terapeuta ergueu os ombros. – Ela já está fora da negociação, então... não é como se fosse alguém importante.
– Você não quer se vingar? – O capitão riu pelo nariz, sem humor. – Mesmo? Depois de tudo? Você esqueceu o lance do banco? Porque eu não. – Garantiu, tocando o próprio peito.
– Eu não ligo para ela, minha preocupação é você. – parou de andar assim que entraram na área coberta. – Não quero vingança, só quero paz.
– Eu quero vingança. – Assentiu o jogador. – Não comecei isso, mas posso te dizer como vai terminar.
– Vingança, ? – cruzou os braços.
– É, se eu posso perturbar a mente dela, por que não fazer? – Ele deu de ombros e voltou a andar. – É como o Mark disse, jogar o jogo dela.
sacudiu a cabeça negativamente e seguiu o namorado.
– Só cuidado com essa cobra de salto alto e saia lápis. – Avisou . – Vou resolver o meu lado agora. – A inglesa piscou para o namorado e começou a se afastar, andando mais rápido.
sorriu fechado e acenou com a cabeça, assistindo a namorada se afastar, mas começou a analisá-la por aquele ângulo.
não costumava usar aquele tipo de roupa, mais justa, evidenciando mais seu corpo. não fazia o tipo sensual, suas roupas costumavam ser mais confortáveis do que sexys. O que para o capitão não era nenhum problema, já que ele conhecia cada centímetro daquele corpo e as roupas mais folgadas só serviam para atiçar sua imaginação. Mas a escolha de roupas da namorada para aquela manhã, eram sem dúvidas, muito interessante.
havia retirado o casaco pesado e o segurava nãos mãos, mostrando mais o que vestia por baixo dele. A calça jeans preta e justa, as botas pretas com salto mais alto do que ela costumava usar nos dias normais e a blusa da mesma cor, justa, de mangas longas e com um decote interessante. De costas ela estava diferente, mas de frente, somando as roupas com o batom vermelho e os cabelos soltos, faziam de a mulher mais atraente da Finlândia. E era aquela mulher que o estava apoiando.
– . – a chamou e parou de andar.
– Sim?.
– Queria te dizer uma coisa. – Ele se aproximou, quase colando seus corpos e segurando uma das mãos da inglesa.
A terapeuta balançou a cabeça positivamente e o olhou nos olhos. apertou os lábios sem sorrir e afastou um pouco os cabelos dela, liberando seu ombro.
– Você tá muito gostosa. – Declarou sério.
abriu a boca, piscou duas vezes, depois expirou um riso incrédulo e apoiou a cabeça ao peito do namorado, enquanto ele também ria.
– Eu achei que fosse algo realmente sério. – Reclamou, batendo de leve no peito do capitão.
– Mas é muito sério. – ainda ria. – Eu não consigo pensar em mais nada.
– Mentiroso. – A inglesa negou com a cabeça, depois foi beijada pelo namorado rapidamente. – Eu sei onde você está com a cabeça, e não é exatamente na minha roupa.
– Não, é no que tem por baixo dela. – Ele piscou um olho e assentiu com a cabeça, abraçando a cintura da inglesa. – Acho que tô precisando disso.
– Das roupas? Quer experimentar? – provocou, fazendo-o rolar os olhos. – Vai ficar super gato com essas botas. Acho super sexy, e você?
riu e se aproximou mais do rosto da inglesa, de modo com que ao falar, seus lábios roçassem a pele de sua orelha.
– Te conto o que é sexy mais tarde, quando eu tirar elas de você. – Ele sussurrou, causando um arrepio que a terapeuta tentou fingir não ter sentido.
– Se controle. – riu, vermelha e começou a se afastar, voltando a andar em fuga pelo corredor.
Ainda rindo da atitude e reação da namorada, a seguiu pelo corredor, entrando de vez no centro de treinamentos, encontrando-se com outros jogadores. cumprimentou a maioria com sorrisos e acenos, mas capturou a atenção de todos por conta de sua escolha de roupas do dia.
– , o que é isso, hein?! – Topi brincou, assoviando. – Isso sim é uma chegada.
– Não é só a chegada, é a corrida inteira. – Santtu também brincou, apoiando-se ao ombro de Topi para elogiar a amiga.
– Que exagero. – sacudiu a cabeça, sem jeito.
– Então era isso que você escondia? – Janos também brincou. – Me conta, já foi atriz ou modelo? Famosa?
– Não sei quantas viagens eu teria que dar, mas por essa carga eu teria disposição. – entrou na brincadeira, se divertindo e rolou os olhos, envergonhada, mas achando graça.
– Uma voltinha, . – Jasper brincou, tomando a mão da terapeuta e a girando devagar.
Os jogadores e a equipe que estava por perto assoviou e brincou, com elogios e algumas palmas.
– , está muito bem, viu? – Petri também colaborou, mostrando um sinal de okay em uma das mãos, aproveitando a algazarra.
– O que está acontecendo? Qual o motivo da festa?
Isabel Svedin também estava chegando e parou quando ouviu o falatório e as palmas e assovios. Alguns jogadores pararam de rir ao notar a presença dela, mas a maior parte parecia alheio a tudo, e seguiram na brincadeira.
– e seu novo estilo. – Topi apontou com o queixo. – Fica difícil competir. Atte, você deveria convidar a para modelar para a sua marca.
– E eu vou. – Atte sorriu, chegando mais perto de e se escorando a uma parede perto dele.
– É, realmente diferente. – Isabel comentou depois de analisar dos pés à cabeça. – Mas eu não...
– Não se preocupe, Isabel, não é mais justa que a sua saia. – piscou e passou a mão por sua roupa, quando o fez, viu a mulher expirar um riso sem humor e erguer uma sobrancelha.
– Eu gostei. – Aleks colocou lenha. – Há muito tempo não tinha beleza por aqui. e Brie, agora.
Isabel o mirou com a sobrancelha ainda mais alta, inclinou a cabeça para rir e observou Isabel, com um sorriso frouxo nos lábios.
– Agradeço, pessoal. – A terapeuta desviou o olhar para os colegas de time. – Mas se me permitem, vou trabalhar um pouco.
– É, a gente também. – Atte respondeu.
– É bom que se mexam, vocês têm treino às oito. – Petri bateu palmas, adiantando os jogadores. – Faça mais isso, . – O treinador elogiou ao passar perto de e Isabel. – O batom vermelho te caiu bem.
– Mandou bem, . – Willy também falou. – Botas maneiras.
– Isso, garota. – Santtu a cumprimentou com um high-five ao passar por ela.
A todos os cumprimentos, agradecia e sorria, enquanto Isabel assistia a cena. Um a um os jogadores se afastaram, até que restassem apenas , Isabel e .
O capitão se aproximou da namorada, a segurou pela cintura com uma mão e a outra enfiou entre os fios de cabelo na nuca da terapeuta, e puxou para um beijo.
– Te vejo em casa, Rakkaani. – Se despediu, sem olhar para Isabel e lhes deu as costas, seguindo o resto do time, que já havia sumido no corredor.
Isabel não parecia nada satisfeita, seu lábio superior se repuxava e a executiva tinha as sobrancelhas baixas e olhos semicerrados.
– Achei que tivesse sido clara sobre manter isso oculto ao time até resolvermos sua...situação. – Svedin falou baixo. – Tínhamos falado sobre isso.
– Ah, é? – fingiu uma confusão teatral, projetando o lábio inferior e unindo as sobrancelhas, pensativa. – A gente tinha?
Ao dizer isso, lhe deu as costas, afastando-se da executiva sem olhar para trás. Pensando que tinha razão, era bom mesmo se vingar.
Terça-feira, 01 de fevereiro de 2022
Centro de Treinamentos do Pelicans – Isku Areena
Lahti – Finlândia
não costumava ser alguém vingativa, no geral, costumava deixar para trás os aborrecimentos. Claro, no dia a dia a inglesa não se importava em se colocar com firmeza e resolver qualquer situação, gostava de tudo às claras. Todos os pingos nos ís. Se vingar ou devolver qualquer coisa que a tivesse magoado com comportamentos de retaliação e infantis não era de seu perfil, mas precisava admitir que a sensação não era nada ruim.
Depois de todo aborrecimento e chateação, frustração e raiva que Isabel a havia causado, e também ao namorado, estava silenciosamente mais feliz. Não sabia que gostaria ou que se divertiria ao perceber a expressão incrédula de Isabel, ao não ser listada entre as garotas bonitas do time por Aleks. Sabia que isso era um tipo de competição feminina, o tipo de coisa que a inglesa não era nem um pouco adepta, mas, por Svedin, as vezes valia a pena fingir não ter sororidade.
Ao se vestir naquela manhã, não havia planejado chamar atenção ou coisa assim, escolhera as roupas puramente por achar que elas representavam seu humor. Mas, mentiria se dissesse que os elogios do namorado e do time não tinha alimentado sua vaidade e a alegrado também. Quase tanto quanto ser beijada por na frente da executiva. pensava entender melhor o namorado agora, quando o capitão fazia questão de a beijar na frente de seus desafetos, como e Merelä.
Era saboroso.
Ter deixado Isabel Svedin irritada e não ter saído irritada era uma vitória. Já haviam voltado do almoço e até o início da tarde, a única a passar raiva tinha sido Svedin e podia saltitar ao caminhar por causa disso. almoçara com Brie, conversando sobre o fim de semana, o show, o sumiço misterioso da jornalista – que negou veementemente – e todo o resto. gastou um bom tempo contando sobre a visita ao abrigo e sobre o jantar com o seu capitão.
Ainda mal podia acreditar que ele a reparava tanto a ponto de perceber sua reação diante sua comida favorita. A noite havia sido incrível, todas as piadas sujas e péssimas que ele sempre guardava para ela, todas as declarações bobas e clichês que ela amava ouvir. O jeito com que ele se portava, sério para todos, indisponível, mas completamente manso e apaixonado por ela. Amava ouvir contar sobre cada fato de seu passado, sempre fazendo algum comentário ou observação que a sugeria que quando ele pensava no futuro, o nome de estava envolvido.
E era maravilhosa a sensação de se sentar com ele, ser vista com ele, poder abraçá-lo enquanto caminhavam juntos pela rua, sentindo o calor que o capitão emanava naturalmente, ouvindo sua risada e o assistindo fazer qualquer micro expressão fácil com total atenção, tentando memorizar todas. E tudo isso, com ela, como se fosse o ser mais importante, que merecia todo cuidado e atenção e afeto que o jogador possuía. Era muito bom amar .
pensava sobre isso, sorrindo, enquanto engavetava os arquivos dos jogadores mais novos do time, até que ouviu alguém bater na porta aberta. Sorrindo, a inglesa se virou, se preparando para fazer alguma piada sobre não conseguir ficar muito tempo longe.
– Você? – A terapeuta mudou rápido de expressão, surpreendendo-se.
– Não era quem estava esperando? – riu com algum sarcasmo.
– É, eu definitivamente não esperava encontrar você. – foi sincera, apertando os lábios. – O que faz aqui?
– Vim resolver algumas questões de negócios e aproveitei para conferir as coisas por aqui. – Contou o piloto e empresário. – Ver se você não tinha incendiado o lugar enquanto eu estava fora. – Ele sorriu.
– Você não treina? Não tem nada mais para fazer? – lhe deu as costas, fingindo estar ocupada organizando um pote de algodão na bancada.
riu pelo nariz.
– Você gosta de Fórmula Um, sabe que a temporada só começa daqui mais de um mês. – O finlandês entrou na sala, aproximando-se mais. – Mas não precisa fingir que está feliz em me ver, .
– Pareceu que eu fingi? – A inglesa tocou o próprio peito, teatralmente. – Não foi minha intenção.
riu outra vez.
– Quando você pretendia me contar sobre isso? – O piloto ignorou o ataque de e esticou em seu campo de visão um papel redigido que reconheceu de pronto.
A inglesa respirou fundo, inclinou a cabeça e depois ergueu o olhar para o piloto.
– Achei que Isabel Svedin se encarregaria da missão.
– Ela fez. – assentiu, cruzando os braços e fazendo a camisa social que usava reclamar por ser esticada. – Foi bom eu estar em Lahti quando recebi a ligação.
– Bom, então, se tudo está resolvido, tudo está resolvido. – ergueu as sobrancelhas, voltando a encarar os algodões.
– , eu não sou seu inimigo aqui. – amaciou a voz. – Achei que já tivesse entendido isso. Eu disse que você ficaria, por mim. Lauri negou terem dispensado você, então não entendo o que isso significa. – O loiro balançou a carta.
– Eu sei o que disse, . – se afastou, recostando-se a uma das macas. – Mas não posso mais ficar. Não estou mais confortável aqui, as coisas tem atrapalhado minha vida pessoal, e... bom, tem a Isabel Svedin que parece ter como missão me perseguir. – A inglesa rolou os olhos.
– Isabel pode ser... intensa... quando quer. – expirou após hesitar um pouco.
– Não, meu namorado é intenso, Isabel Svedin é obcecada, sem respeito, nada profissional, baixa e desequilibrada. – pontuou com firmeza.
– É por isso que está tão empenhada em sair, que escreveu três páginas de uma carta de demissão?
– Não estou empenhada, estou triste por sair. – suspirou. – Mas é o melhor caminho.
– Você é o herói suicida? O kamikaze? – indagou e estreitou o olhar e juntou as sobrancelhas, confusa. – Se sacrificando pelo par.
– Não, não coloque palavras que eu não disse nessa conversa. – sacudiu a cabeça. – A diferença aqui entre e eu, é que ele está feliz e querendo ficar no time, eu não. A semelhança é que temos em comum a Svedin perturbando nosso juízo.
– A carta foi endereçada errada. – falou de modo manso, apoiando o quadril a bancada e cruzando os braços novamente. – Só quem pode aceitar ou não sua demissão sou eu.
– Parece que Isabel se encarregou de cuidar disso por mim. – A inglesa rolou os olhos. – Agora não posso dizer que ela nunca me ajudou.
– Mas eu não aceito. – Ele declarou e endireitou a postura, surpresa.
– Como assim não aceita? – A terapeuta indagou desconcertada. – Não pode não aceitar, eu já disse que quero sair. Isabel não me suporta mais aqui.
– , você sabe que se respirar diferente, a diretoria te oferta um contrato vitalício aqui, não sabe?
– Não sou assim, nem o . – Ela afirmou. – Não queremos isso, nem usar como vantagem para ficar. Meu tempo aqui se esgotou e eu quero sair antes de substituir minhas memórias boas e felizes aqui por memórias ruins.
– Você é sempre surpreendente, suas atitudes... – sorriu inclinando a cabeça. – Lauri não quer você fora daqui. Na verdade, imagino que ele prefira te manter por perto a ver você mudar de time ou cidade e o ir junto.
– É o motivo errado para ficar. – ergueu os ombros. – Além disso, a Isabel tem complicado a renovação do ... não sei como ela aceitaria a minha.
– Sua posição agora é de mais poder que a dela. – O loiro piscou. – Mas não vou ir contra sua vontade. Se você quer deixar o time, é o que vai acontecer. Lauri queria que eu te convencesse, mas não vou.
– Eu agradeço. – estreitou o olhar, desconfiada.
– Mas não vou aceitar sua demissão. – se aproximou um pouco mais. – Você é boa demais para eu te perder. – uniu as sobrancelhas e tossiu. – Para minha equipe te perder. Para te perder no nosso time, eu quis dizer. – A terapeuta assentiu e apertou os lábios, estranhando tudo aquilo.
– O que isso significa exatamente? – perguntou depois de respirar fundo.
Houve uma breve pausa, o chefe inspirou fundo e se aproximou um pouco mais, e a olhando nos olhos, disse:
– Venha para Mônaco comigo. – Ele convidou com um sorriso.
40 – The first cut is the deepest
Baby I know the first cut is the deepest
But when it comes to being lucky, she's cursed
When it comes to loving me, she's the worst
I still want you by my side
Just to help me dry the tears that I've cried
And I'm sure going to give you a try
And if you want I'll try to love again
Baby I'll try to love again but I know
The first cut is the deepest
(First cut is the deepest – Rod Stewart)
Terça-feira, 01 de fevereiro de 2022
Centro de Treinamento do Pelicans – Isku Areena
Lahti – Finlândia
– Venha para Mônaco comigo. – convidou com um sorriso.
– Mônaco? Como assim? – se afastou e sacudiu a cabeça, após o silêncio causado pela surpresa.
– É, Mônaco. Como antes, como deveria ser. – Explicou o piloto, tentando manter a pouca distância entre eles. – Preciso de alguém como você junto com o Antti, na minha equipe pessoal.
– Eu não poderia... – evitou o olhar, estava chocada e agitada.
– É uma equipe nova, um lugar novo. – sorriu insistindo. – Você se sairia muito bem e, além disso, gosta de Fórmula Um, seria uma experiência incrível.
– , não acho que... – Ela sacudiu a cabeça, incomodada com a proposta repentina.
– Ou quem sabe em outro time, outro atleta. Não precisa ser perto de mim. – sugeriu, coçando a nuca, sem jeito. – Podemos te colocar onde quiser, no país que quiser.
– , eu... – riu sem humor, nervosa. – Eu agradeço o convite e essas possibilidades são um sonho, definitivamente... mas, eu não... não posso ir agora. – Ela respondeu sincera. – Gosto de Lahti, tenho amigos aqui e estou gostando da vida que estou construindo. Ela é boa. É umas das melhores coisas. Eu... eu não posso ir.
suspirou, não sabia exatamente o que pensar sobre o que ouvia o chefe. Estava chocada, surpresa, curiosa e mais uma série de outras coisas que não conseguia nomear.
– É, eu... – O chefe encarou o chão, depois expirou pelo nariz um riso fraco. – Eu não te julgo ou te culpo, também não posso ficar muito tempo longe daqui. Não consigo. – sorriu.
– Eu... – sorriu para o piloto e chefe pela primeira vez em muito tempo. – Eu aprecio e agradeço muito, de verdade. Essas possibilidades, a Fórmula Um e Mônaco e todo o resto... é um sonho, de verdade. E eu agradeço muito. – suspirou erguendo os ombros e manteve o sorriso. – Mas agora quero estar aqui. Lahti é meu lugar.
– Entendo. – assentiu com a cabeça. – Sabe, você... você pode ficar no apartamento pelo tempo que quiser, e...não precisa sair de lá.
– Não é necessário. – A inglesa o interrompeu com um olhar sugestivo e ergueu as sobrancelhas.
– ? – Perguntou e a viu assentir. – É, eu esperava que isso acontecesse. Mas... – Ele riu, maneado a cabeça.
– Mas?
– Ainda não aceito sua demissão. – O chefe sacudiu a cabeça, mas teve a impressão de que não era sobre isso que ele se referia antes.
– , não há o que fazer. – se aproximou um pouco, tinha os braços cruzados. – Eu estou fora do Pelicans e não há o que eu possa fazer para continuar trabalhando com você.
– Então vamos congelar seu contrato até encontrar algo. – Ele sugeriu, parecia se esforçar para encontrar saídas. – Não deve demorar, você tem tantos lados que vai ser fácil.
– , eu... – A terapeuta sacudiu a cabeça.
– Não estou pedindo sua aprovação, , só avisando o que vai acontecer. – sorriu. – Pode não ser do seu agrado, sei que você não é o tipo de mulher que aceita algo que não concorda, mas... eu também não sou o tipo de homem que não faz o que acha melhor.
– Vai manter meu contrato congelado por culpa de ter me exilado na Finlândia? – riu e o provocou, devolveu o sorriso.
– Talvez. – Ele balançou a cabeça negativamente, depois suspirou e a olhou nos olhos. – Mas acredite, com isso tudo, quem perdeu fui eu.
– Perdeu o quê, exatamente? Meu trabalho no Pelicans fazia tanta diferença assim para você?
não respondeu de pronto.
– Parece que sim. – O chefe sorriu com os olhos. – Acho que sim.
Terça-feira, 01 de fevereiro de 2022
Centro de Treinamentos do Pelicans – Isku Areena
Lahti – Finlândia
O cheiro do café recém servido enchia a sala com iluminação branca exagerada e cadeiras de couro. Lauri tinha olhos ansiosos em Mark Lehtinen, enquanto o empresário degustava o café como se fosse algum tipo de apreciador e estivesse ali apenas para isso. Quando os olhares já estavam desconfortáveis sobre o empresário loiro, Mark pousou a xícara sobre a mesa, entrelaçou os dedos, relaxou os ombros e suspirou.
– Veja, Lauri, eu até gostaria de ajudar. Mesmo. – Ele enfatizou unindo as sobrancelhas. – Somos parceiros de negócios e trabalhamos juntos antes do , inclusive. Mas... – O empresário negou com a cabeça, apertando os lábios. – Ele está profundamente ofendido com o modo com que as coisas vem sido conduzidas pela sua equipe.
– Já garanti a ele, pessoalmente, que Isabel não participaria das negociações. – Lauri falou. – Disse do nosso desejo de manter a família unida. De ficar com a gente.
Mark estalou a língua e balançou a cabeça.
– Tsc, tsc, tsc... prefere qualquer outro lugar. – Mark falou baixo. – Entre nós, porque isso não é exatamente da minha conta, mas ela também se aborreceu.
Lauri suspirou e olhou por sobre o ombro.
– , o que me diz? – Perguntou o dirigente.
e Petri, o treinador, também estavam presentes na reunião.
– Ela não quer ficar aqui. – balançou a cabeça uma vez em uma constatação óbvia que fez Mark rolar os olhos.
– Uma perda grande, se me permite. – Petri também contribuiu e Lauri expirou cansado.
– Nós queremos corrigir isso. – Disse, endireitando a coluna e sorrindo suave para o empresário de sua maior estrela. – também é nossa família, lamentamos profundamente que ela não tenha interesse em permanecer. Mas não vou desistir do . Esse é o time do coração dele, sua família, não desistimos da família aqui.
– Engraçado, Lauri... – Mark suspirou fingindo alguma chateação. – Não é o que parece. vem sendo perseguido, provocado, induzido ao estresse todos os dias. Sendo tão diretamente afetado, quanto seus companheiros, por atitudes passionais e que advém de alguém... bom, acho que desequilibrada é uma boa palavra. – Lauri ouvia com atenção e olhos estreitos. – Primeiro, com o afastamento de de qualquer assunto relacionado a ele no time. O que nós compreendemos bem, até porque, pode atestar, mas é alguém completamente íntegra. De reputação ilibada. Depois, todas as provocações, boicotes, desvios de função a qual ela foi sujeita nesse tempo de troca de gestão. E por último, a decisão medíocre e horrorosa de afastar qualquer profissional de saúde, exceto médicos, do banco durante os jogos. É um ataque claro, um tipo de ação sem justificativa que afeta outros profissionais e atletas. é contra tudo isso, tanto é que, não estamos aqui utilizando a ausência ou não dela como uma moeda de troca. Meu único objetivo aqui, defendendo os interesses do , é que ele encontre um lugar saudável e que favoreça seu desenvolvimento profissional e o motive.
– Não estou totalmente ciente dessas alterações, mas te garanto que vou analisar cada uma delas, pessoalmente. – Lauri garantiu com um aceno de cabeça. – Nosso interesse é no bem-estar dos atletas, você sabe disso. Isso nunca foi uma falha, não é?
– Até agora. – Lehtinen pontuou com tom de voz apreensivo. – Sabe que o que mais importa aqui, para o caso especial que é o , não é quanto vocês podem pagar. – Ele riu pelo nariz. – Eu pessoalmente, preciso confessar que me sentiria melhor se ele fosse para a América. Mas é leal e tem esse senso de pertencimento rígido. Mas... nos últimos tempos, as coisas estão bem desanimadoras. A saída de ... a sua saída... – Mark fez menção a troca de Lauri por Svedin. – No fim, pode ser que faça bem encerrar ciclos. – Mark encenou, fingindo algum pesar na voz, encarando sua xícara como se tivesse a cabeça longe.
– Achei que quisesse continuar em Lahti. – , que até o momento assistia a reunião sem participar muito, apenas absorvendo o monólogo do empresário, se pronunciou. – Foi o que ela me disse. – Ele arqueou uma sobrancelha.
– Ela saiu do time, não tem nenhum outro laço que a ligue a essa terra além do namorado. – Mark riu erguendo os ombros. – Que não está nem um pouco satisfeito com seu atual time. Ela é estrangeira, está em Lahti há menos de seis meses, a única coisa que a prende aqui é .
– Ela também tem amigos na cidade. – discordou e maneou a cabeça. – Pelo que eu ouvi.
– Tem. – Mark assentiu com a cabeça e cruzou os braços sobre a mesa. – Um está feliz em Tampere, outro está envolvido em boatos de transferência para lá. Magicamente, o Tappara entendeu que a ideia do Pelicans em contratá-la foi visionária e estão buscando alguém para preencher uma nova vaga. Aberta no departamento médico. – O empresário piscou. – Pelo que eu ouvi. – expirou um riso sem humor, entendendo a alfinetada. – Você também tem alguma relação com ela, não é? Também ouço coisas por aí. Ah, claro, para além de relações trabalhistas.
Petri e Lauri encararam , aguardando uma resposta.
– Ela é fã de Fórmula Um. – respondeu erguendo um ombro.
– Claro. – Mark estreitou o olhar de modo sugestivo. – É, com certeza deve ser por isso.
– também é um dos principais acionistas no time. – Lauri explicou ao empresário, que já tinha domínio sobre a informação. – Além de...
– Eu sei, conheço o cenário, Lauri. Mas obrigada por me lembrar. – O empresário sorriu outra vez. – Me fez pensar que, seria interessante se soubéssemos sua opinião sobre o assunto, . Parece que os dois estão ligados a você, de um modo ou de outro.
sorriu fechado antes de responder, sob olhar atento do resto do grupo.
– Sei que não quer se afastar de Lahti agora, mas sei que ela não quer continuar no Pelicans. – Ele respondeu. – E apesar de querer e saber que precisamos de no time, não entendi se a sua posição é de uma barganha para ganhar tempo ou se realmente o tem interesse em permanecer em casa.
– Barganhar pelo que, exatamente? – Mark estreitou o olhar. – Ele já tem a com ele, não precisa barganhar a permanência dela no time.
– Talvez eu tenha me confundido. – coçou a barba e se aproximou um pouco mais do agente de . – Mas não foi a cabeça da Svedin em uma bandeja que vocês pediram para o jantar?
Houve um breve silêncio e Lehtinen sorriu.
– Eu não seria tão rude. – Mark sacudiu a cabeça devagar. – Uma coleira bastaria. Não precisamos pedir a cabeça de ninguém, , você deve saber como é... quando se tem muitas boas opções no mercado e pode escolher. Não precisa ser escolhido... ou torcer para alguém mais influente te apoiar nas negociações... – Mark sorriu, fazendo menção a carreira do piloto, que havia sido despedido de sua última equipe e agora fazia parte de uma menor. – Deve saber. Como foram as negociações para sua saída da última equipe?
não respondeu, mas manteve o contato visual.
– Talvez você tenha até um pouco de razão, ... acho que... talvez queira ficar em Lahti, talvez se aposente. Ou quem sabe os dois se mudam para Viipuri... ou quem sabe a Inglaterra, tem alguns bons times de hockey por lá... – O agente ficou de pé. – Mas, não sei se já faz muito tempo para você se lembrar, mas... um leão geralmente não precisa implorar pelo posto de rei da selva. Seria ridículo.
– Mark. – Lauri o chamou quando o empresário fez menção a se retirar da reunião. – Nós ainda vamos conversar sobre isso. Vamos resolver os problemas e manter a família unida.
– Te envio uma proposta de contrato. – Lehtinen sugeriu sem muito interesse. – Mas é bom que se apressem nas propostas, é alta temporada e com os jogos da seleção... sabe como funciona, não é?
Nenhum dos presentes o respondeu.
– Espero que tenham uma boa tarde de reflexão. – Mark acenou com a cabeça e se retirou do meio deles.
Terça-feira, 01 de fevereiro de 2022
Centro de Treinamentos do Pelicans – Isku Areena
Lahti – Finlândia
estava sozinho em um dos cantos da academia, fazia exercícios de resistência, fortalecimento de adutores, era dia de perna. havia estado ali, mas agora estava em outro lugar, cuidando de um punho dolorido de Mikko. O capitão tentava se concentrar na contagem de suas séries, mas a todo momento sua mente viajava para os tópicos que o angustiavam. Se analisasse seu desejo, teria ficado em casa, trancado, sem ver ninguém ou interagir. Estava frustrado porque seu plano de vida estava sendo afetado e desconstruído sem que fosse da sua vontade. Estava triste pela mesma razão, desapontado, com medo de como as coisas andariam.
Sabia quem era seu empresário e que Lehtinen não brincava, mas temia. Só conseguiria respirar em paz e dormir bem, relaxar os ombros, se soubesse com provas físicas que a situação estava resolvida. Que Isabel Svedin não o incomodaria, que poderia jogar hockey sem culpa e problema, se divertindo e dando seu máximo, como sempre.
O capitão ergueu o olhar, permitindo-se perceber o ambiente ao redor. Todos estavam vivendo mais um dia comum, rindo e fazendo piadas, implicando uns com os outros, alheios a tudo. se sentiu sozinho. Queria estar como os outros jogadores, sem preocupações, sem ninguém no seu pé, provocando, causando confusão. Sentiu inveja.
No campo de visão do jogador, enquanto ainda pensava sobre o mundo não ser totalmente justo, percebeu a entrada de Mark Lehtinen, que destoava completamente do ambiente, atraindo olhares de todos. parou o que fazia, jogou um pouco de água na boca e secou a testa com uma toalha, e aguardou que o agente se aproximasse.
– De volta às atividades. – Mark o cumprimentou.
– Veio falar com o time? – perguntou após o cumprimentar com um aceno de cabeça.
– Sim, digamos que eu merecia um aumento. – Mark torceu os lábios numa expressão vaidosa arrogante. – Mas acho que consegui dar as cartas nessa partida. Lauri garantiu olhar mais de perto para as mudanças que a Svedin tem causado e seria bom se, você pudesse ajudar demonstrando sua insatisfação e tristeza com a presença dela aqui.
– Bem, não é como se eu estivesse fingindo essa parte. – suspirou baixando os ombros.
– Ela é o caminho. – Lehtinen tocou o ombro de seu jogador. – Ela é a peça que supostamente poderia atrapalhar uma renovação nos nossos termos. Acho que está fora, mas se ela continuar no time, as coisas não mudam.
– Supostamente, não. – o interrompeu. – Ela é o que me impede.
– Não tenho tanta certeza. – Mark sacudiu a cabeça negativamente e estalou a língua. – estava por aqui e ele não pareceu muito seu fã. Acho que tem alguma relação com Isabel. Ele estava na Fórmula Um na mesma época que ela foi assistente lá.
– Ele apoia ela? – ergueu uma sobrancelha, surpreso.
– Não sei dizer ainda, mas ele não te ama como o Lauri. – Mark comentou e rolou os olhos. – Nem consigo desconfiar o motivo. – Ironizou o empresário. – Mas acho que não vai ser um problema. Vou ficar hospedado em Lahti até resolvermos isso, me ligue se precisar.
Mark se despediu com um aceno de cabeça e o imitou. O empresário deu alguns passos em direção a saída, mas pareceu se lembrar de algo e girou sobre seus calcanhares.
– Ah, . – Chamou o central. – Avise sua garota para não trocar mais informações com . – Disse, virando-se para frente e voltando a andar.
– Oi? Como assim? – indagou, perdido. – Mark? Do que tá falando?
O empresário não respondeu, seguiu seu caminho como se não o ouvisse.
Terça-feira, 01 de fevereiro de 2022
Centro de Treinamentos do Pelicans – Isku Areena
Lahti – Finlândia
– Alguém aí? – Petri bateu a porta, fazendo a inglesa erguer o rosto e sorrir.
– Ninguém importante. – Ela torceu os lábios e sorriu, acompanhada pelo treinador.
– Está ocupada? – Ele quis saber, entrando na sala.
– Não, estava com Mikko, mas já terminamos por hoje. – contou e pegou sua prancheta, conferindo algumas informações. – Pelo que vi, acho que não vamos precisar de mais jogos, na quinta ele pode voltar ao gelo.
– Boa notícia. – Petri sorriu fechado e se aproximou da terapeuta, apoiando o corpo a uma das macas, a observando.
– O que foi? – perguntou sem jeito, mas achando graça da aproximação do técnico.
– Soube que quer ir embora. – Petri foi direto e respirou fundo.
– Parece que as fofocas correm mais rápido que os atletas no gelo. – desviou o olhar e sorriu fraco.
– Por que, ? – O mais velho perguntou com voz mansa, desarmado e gentil, uma postura estranha para a terapeuta.
ergueu os ombros e negou com a cabeça, apertando os lábios.
– Não é pela Svedin, não é? – Questionou o mais velho. – Estava na reunião, falaram dela.
expirou um riso fraco e coçou a sobrancelha, sem o encarar.
– Também, eu acho. – Respondeu sincera. – Ela me odeia, me persegue desde que chegou, então, obviamente ela facilitou muito a decisão.
– Mas?
– Por que acha que tem um mas? – ergueu o olhar e o viu sorrir.
– Porque já estou nesse trabalho há muito tempo. – Petri sorriu outra vez. – E quando é que você baixou a cabeça para me responder qualquer coisa antes?
riu e desviou o olhar novamente. Depois sacudiu a cabeça, apertou os olhos e tornou a erguer o rosto.
– É como se... como se tudo estivesse confuso e eu... acho que o time, estar aqui, a Isabel, o ... tudo está me afetando de um jeito que não gosto. – Confessou a terapeuta. – É como se eu estivesse ainda mais impulsiva, menos sensata, menos profissional, mais difícil.
– É uma perda grande, você. – Petri respondeu mantendo o tom firme e doce.
– Eu sei, eu... – sentiu a voz embargar, desviou o olhar e maneou a cabeça. – Eu não sei bem o que vou fazer agora, mas... acho que não posso ficar mais. – A inglesa passou a andar pela sala. – E também, não quero mais esconder meu relacionamento com o e estar aqui seria antiético e... – A inglesa se interrompeu com um suspiro, passando as costas de uma das mãos sobre a bochecha, secando uma lágrima.
Petri se aproximou sem dizer nada e abraçou.
De algum jeito misterioso e estranho, sentiu um tipo de conforto que há muito não sentia. Era diferente do conforto que sentia com ou com seus amigos, era algo que a fazia lembrar de casa, de algum jeito. Lembrar de uma segurança mais experiente que parecia a entender sem julgar, que não brigaria caso errasse, que apenas a acolheria. Com o rosto apoiado ao ombro de Petri, se permitiu deixar algumas lágrimas caírem. Lágrimas que ela não sabia que tinha guardado, mas também não sabia como soltá-las por completo.
– Sinto muito que tenham tomado esse caminho. – Petri falou baixo, afagando as costas da inglesa. – Sabia que teria esse rumo.
– Mas eu escolhi. – se afastou um pouco para olhá-lo nos olhos. – Eu escolhi. Ninguém me obrigou, nem o time, nem o . Eu. – tentou secar os olhos e respirou fundo. – Não sou uma menina e sabia o que aconteceria se me envolvesse com alguém do trabalho. No passado eu me esqueci, mas isso não me exime.
– Eu espero que seja ao menos a decisão que te faz feliz. – Petri a olhou nos olhos outra vez. – Não vou ficar feliz se colocarem outra estrangeira aqui, você já me deu problemas demais. Não aceito outra. – Ele brincou, fazendo careta.
– Não finja que não gosta de mim. – riu fraco. – Mesmo quando eu te enfrentava.
Petri sorriu saudoso.
– Seu empenho, seu amor pelo que faz é o que te diferencia. – Disse ele, apertando os ombros da terapeuta. – Qualquer lugar que você escolha ir trabalhar vai ganhar muito, mas nós... o time e eu vamos estar perdendo.
– Você está emotivo demais hoje, Petri. Tomou seus remédios? Bateu com a cabeça? – brincou, estranhando o jeito dócil do treinador, recostando-se a maca. – Ou meu namorado está te estressando demais?
– Como se pudesse ser diferente aqui. – Ele rolou os olhos, bufou, depois sorriu, recostando-se a maca também. – Acho que me sinto responsável. Tem idade para ser minha filha e eu...
– Nossa. – fez careta. – Você é terrível, se eu fosse sua filha, eu é quem teria saído para comprar cigarros.
e Petri riram juntos.
– Obrigada. – Ela o olhou. – Você foi uma das poucas pessoas a tentar ver as coisas pela minha ótica.
– Disponha, . – Petri sorriu, piscando um olho. – Disponha.
Terça-feira, 01 de fevereiro de 2022
Casa de e
Lahti – Finlândia
Depois de um dia cheio no trabalho, que havia começado mesmo sem terminar o dia antes dele, e estavam de volta a casa que agora era deles. Tinham tido um retorno silencioso, cada um pensando e remoendo seu dia como lhe cabia. Cada um preocupado a sua maneira e lidando com isso a sua maneira.
Em um pacto sem combinação, nenhum dos dois tinha fome e resolveram dormir cedo para compensar a noite anterior – ou tentar. Era perto das oito da noite e estava sentada na cama, tentando hidratar a pele ressecada pelo frio, já pronta para dormir, quando o namorado saiu do banho. tinha uma toalha nas costas e outra na cintura, sobrancelhas juntas e olhar estreito, lábio inferior projetado em um bico pensativo e de expressão relaxada e pensativa. O jogador parou no caminho até o closet, estacionando perto da cama, de frente para a namorada. Ficou lá por três segundos, como se ponderasse algo, ou refletisse, ou se lembrasse de algo.
– O que você tem falado com o ? – Indagou de repente e ergueu o rosto.
– O que disse?
– O que você tem contado para o ? – Ele repetiu, mantendo a mesma expressão e viu a namorada sacudir a cabeça, confusa. – Mark me disse. Disse para você parar de trocar informações com o .
– , eu não troquei... – começou a falar, mas o jogador sacudiu a cabeça.
– Mark não fala coisas sem motivo. – expirou sem paciência. – Ele viu o Lauri hoje e acho que também viu o . Se ele disse...
– ? – A inglesa riu sem humor, incrédula, parando com o creme hidratante. – Do que exatamente estou sendo acusada aqui?
– Só te fiz uma pergunta. – Ele deu de ombros.
o encarou chocada, surpresa pelo seu tom. O olhou fixamente por alguns segundos, sem que ele baixasse os muros, depois fechou os olhos e respirou fundo, tentando se lembrar de que o amava e que além de estar privado de sono, sem comer direito, também estava cansado e preocupado. Talvez fosse por intervenção divina, mas algo parecia ter tocado o ombro de , a alertando de que não valeria a pena. A inglesa respirou fundo e abriu os olhos.
– Se troque, durma um pouco, amanhã nós conversamos.
– Eu quero falar agora. – Ele insistiu erguendo os ombros.
– Você quer brigar agora, mas não vai ser comigo. – foi firme, mas não ergueu a voz.
riu pelo nariz, sem humor, irritado e sacudiu a cabeça, afastando-se para o closet.
o seguiu com os olhos. Depois da conversa com Petri, podia ter respondido a sugestão maldosa de Mark com o fato de ter saído do time em nome do relacionamento dos dois, podia ter dito várias coisas. Podia ter dito sobre estar magoada, sofrendo, por estar abrindo mão de uma oportunidade grande em nome dos dois, mas não disse. Entendia o estresse do namorado, mas não entendia porque ele não era capaz de lidar com isso sem buscar alguém para descontar, assim como ela fazia.
Sem que contasse o tempo, voltou já vestido, jogou-se na cama ao lado da inglesa, sem dizer qualquer coisa ou sem a olhar. apagou seu abajur e se deitou também, o imitando e encarando o teto. Ficaram por algum tempo assim, em silêncio, sem sentir vontade de se encararem, conversarem ou se abraçarem.
Talvez pelo fato da terapeuta estar com a mente um pouco mais organizada, por ter se preparado há muito para aquele momento – o desligamento do time –, conseguia enxergar a situação por de trás da névoa pesada e sufocante que envolvia o quarto.
– Se a gente divide o time, fica mais difícil vencer. – Ela falou primeiro, mesmo detestando ter feito.
não respondeu.
– Estive com hoje. – Contou tendo um pouco mais de atenção do namorado depois de mencionar o nome do chefe. – Ele veio questionar a minha demissão, porque Isabel nos fez o favor de comunicá-lo e entregar minha carta. Veio para dizer que está do meu lado e que não aceita que eu me demita.
– Não pensou em me contar isso? – indagou azedo, ofendido.
– Eu ia, mas você me atacou primeiro e eu não tive chance. – o alfinetou e ele se calou. – Ele me convidou a continuar trabalhando com ele. Que poderia continuar mesmo saindo do Pelicans. Me convidou para ir para Mônaco, como seria no início.
não respondeu e houve um breve silêncio desconfortável.
– Você aceitou?
– Foi o que o Mark te disse? – inquiriu.
– Ele não disse nada além do que eu já falei.
– Eu disse não.
Houve outro silêncio estranho que se instalou na cama como um gato grande e pesado, separando os dois e aquecendo demais, causando desconforto.
– Era o que você queria antes. – lembrou, sua voz era mais desarmada agora.
– Eu não tenho mais certeza do que eu quero. – respondeu.
– De qual parte?
não respondeu.
– Depois ele insistiu que não aceitaria minha demissão, que congelaria tudo e que eu poderia voltar quando quisesse. – A terapeuta voltou a contar. – Para Mônaco, Fórmula Um ou qualquer outro país, com outros times.
Houve outro silêncio ensurdecedor.
– Sobre o que você não tem certeza mais? – O capitão insistiu após algum tempo.
– , por favor. – se mexeu na cama, inclinando-se para o outro lado. – Já passamos dessa fase. Você pode ter esquecido porque está concentrado no seu problema agora, mas também estou lidando com minhas decisões, então, por favor...
– Eu esqueci? – O capitão tocou o próprio peito, magoado. – Achei que o problema era nosso e que a gente estava junto nessa. Você disse.
– É melhor conversar em um outro dia. – A inglesa se virou completamente, dando-lhe as costas.
– Eu só fiz uma pergunta. – continuou a falar. – Só fiz uma pergunta simples.
O central deu as costas para a terapeuta e continuou resmungando, falando sozinho. tentou cobrir o rosto com o cobertor, mas algo parecia a incomodar mais que os dias comuns. Talvez a sensação claustrofóbica que o quarto lhe gerava, talvez as costas do namorado e sua insensibilidade e inquisição insegura – outra vez. Tudo parecia incomodar demais, ou a inglesa estava mesmo sob uma pressão invisível que não havia percebido, em um tipo de tensionamento que só se percebe quando se chega ao limite, explodindo e espalhando cacos para todo lado.
arrancou o cobertor de uma vez, sem muita delicadeza e não se importou em olhar ou avisar o namorado para aonde iria. Se levantou e saiu, sendo seguida por Felix. Desceu as escadas e tentou encontrar um lugar onde pudesse ficar só. Sentia falta de morar sozinha naquelas horas, porque aí não precisaria dar explicações ou buscar um lugar solitário na casa. A casa já seria solitária por si só.
caminhou até o lado de fora, não estava vestida adequadamente, mas agarrou uma manta que jazia sobre o sofá da sala e se enrolou nela. Sentou-se perto da piscina, observando a movimentação azulada das águas com olhos estatelados, sem pensar em nada. Apenas existindo. Era bom não pensar, mas eram poucos esses momentos, quando ficava tão chateada e triste que conseguia desligar seus sentimentos e pensamentos e apenas existir.
Não sabia dizer exatamente porque estava tão chateada e irritada. Talvez fosse toda a situação do namorado e que a afetava – e muito –, talvez fosse o convite repentino de para o emprego em Mônaco ou qualquer outro lugar. Ou podia ser Petri com a lembrança de que sabia que tudo terminaria mal para a inglesa, também fizera questão de a alfinetar nesse quesito. Racionalmente entendia que o fato de ter decido e escolhido, não tornavam as coisas mais fáceis.
Era sua escolha deixar o time, assim como fora sua escolha se envolver com . Eram as consequências e já tinha remoído aquele assunto demais até aquele ponto, só não sobre as outras coisas das quais estava abrindo mão.
não prestou atenção no tempo ali, encarando o vazio e piscando apenas quando seus olhos estavam secos demais. Felix a acompanhava, tinha a cabeça apoiada ao colo da terapeuta e era afagado entre as orelhas por ela. Em algum momento, porque não tinha noção de horas ou qualquer outra coisa que pudesse marcar quanto tempo havia se passado, abriu a porta da casa, juntando-se a terapeuta do lado de fora. Ele estava mais vestido, touca, preparado para o frio, não parecia ter apenas saído para procurá-la, estava pronto para ir ao lado de fora.
– Vai se jogar na piscina de novo? – indagou com um sarcasmo que odiou.
– Eu quero ficar sozinha. – Respondeu sem o olhar.
– Não dá. – O capitão negou, sentando-se ao lado dela. – Meu filho te seguiu, não posso deixar ele aqui fora durante a noite. – dobrou os joelhos. – E nem você.
– Eu já disse que quero ficar sozinha. – respondeu de novo. – Você me ofendeu, não quero ficar perto de você agora. Nem do seu sarcasmo, ou suas ofensas ácidas ou qualquer coisa que tenha a ver com você.
Houve um breve silêncio, onde todo barulho ambiente era o ruído dos filtros da piscina, da respiração ruidosa de Felix e o farfalhar de algumas árvores mais longe.
– É, mas eu não posso te deixar sozinha. – falou após algum tempo. – Não sou o tipo de cara que se vira e dorme, enquanto a mulher que eu amo está aqui fora, brava comigo. – Ele sorriu, esticando uma mão para tocá-la.
– Não, , é sério. – tentou se afastar. – Eu não quero falar com você.
– Olha, foi mal, erro meu. – O capitão tentou se justificar. – Eu tô cansado, estressado, nervoso, o Mark falou aquilo... como queria que eu agisse?
– , eu realmente não quero falar com você. – ficou de pé, ignorando a tentativa dele.
– Ei, não precisa de tudo isso, precisa? – a seguiu, tentando a alcançar enquanto caminhava para dentro. – Eu sinto muito. Me desculpa.
– Tá legal. – A inglesa o respondeu sem o olhar.
– Tá legal? É só isso que vai dizer? Tá legal? – Ele a seguiu pelas escadas.
– É. – completou. – Como eu disse, não quero conversar hoje. Não quero falar com você agora.
– , isso não está certo não. – O jogador protestou. – Eu quero resolver agora. Quero que você me perdoe direito. Que me desculpe direito. E você não quer nem falar comigo, nem olhar para mim. Isso não é normal. Não é o seu normal e nem o meu.
– E o que é exatamente normal por aqui? – o respondeu com uma pergunta retórica.
– A gente brigar, se desculpar e dormir juntos. – Ele ainda a seguia, agora no quarto.
– Dá última vez que te ofendi, você me deixou no escuro por dias. – lembrou.
– Então é isso? Retaliação? – parou de andar.
– Não, sou só eu pedindo para você me dar um tempo, ir dormir e amanhã a gente conversa. – Pediu de novo a inglesa, sentando-se na cama. – Amanhã.
41 – Be good to me
Made some breakfast, made some love
This is what dreams are made of
On a cloudy Monday morning
Summer's gone and you're still here
For both of us, it's been a year
A tidal wave without a warning
Please don't make me regret openin' up that part of myself
That I've been scared to give again
Be good to me and I'll be good to you
(Kacey Musgraves – Too Good to be True)
Quarta-feira, 02 de fevereiro de 2022
Casa de e
Lahti – Finlândia
tomou consciência de seu corpo primeiro, se esticou, sentindo os músculos reclamarem. Abriu os olhos e os esfregou. O corpo pedia para continuar entre os cobertores, tinha dormido pouco, estava frio e a cama parecia macia e extremamente convidativa naquela manhã. Mas logo precisaria estar de volta ao Centro de Treinamentos e descobrir o que estava por vir e para a atropelar. Era apenas o segundo dia de fevereiro.
Ao se virar na cama, a inglesa se deparou com o lado direito vazio. esticou uma das mãos, sentindo a cama fria, seus pensamentos viajaram até quem devia estar ocupando aquele lugar. devia estar ali, devia sorrir de olhos fechados ao sentir o toque dela, depois fazer alguma piada suja sobre ela descer um pouco mais a mão ou sobre maneiras mais eficientes de acordá-lo. Teria se jogador para cima dela, abraçando e reclamando sobre precisarem sair de casa.
Era o que devia ter acontecido.
suspirou, lembrando-se de tudo que havia se passado durante a noite anterior. Tinha se magoado com o jeito do namorado de perguntar sobre , mesmo que entendesse sobre seu estado emocional atual. Mas, ao mesmo tempo, quando acordou com a cama vazia, pensou se valia mesmo a pena comprar aquela briga. Conhecia o cara com quem dividia refeições, viagens ao trabalho, a cama, e agora, o teto. se importava e teria conversado se tivesse tido chance, se compadecido e tentado entender o ponto de vista da namorada. Teria a ouvido sobre deixar o time, sua chateação e as oportunidades que havia dado as costas. Tomar uma decisão por entender ser a melhor, aceitar e ter certeza sobre o que fazer não tornavam as coisas mais fáceis. Não fazia doer menos.
Devia se lembrar de com quem estava lidando, confiar em e se lembrar de que tipo de homem ele era. Enquanto pensava nisso, se levantou.
Em outro canto da casa, na mesa do café da manhã, com funcionários entrando e saindo, colocando opções variadas de comida sobre a mesa, se sentia só. Não havia dormido sequer uma hora inteira durante aquela noite – mais uma noite. O jogador passara metade da noite irritado com , frustrado e bravo com seu jeito mimado de resolver as coisas. Primeiro, saindo no frio, segundo, sem querer resolver a situação. Ela não o queria ver, ouvir, ou falar com ele e não entendia porque a namorada estava fazendo tanta tempestade, já que ele era quem tinha dúvidas.
tinha mesmo estado com , disse não ter certeza de mais nada, logo após receber uma proposta para outro país. sabia bem o que Mônaco significava. Era o lugar onde devia ter estado desde o início, o lugar pelo qual ela havia deixado família e amigos para ir, onde ela havia escolhido estar, Lahti era um efeito adverso. Tudo isso, somado com a sessão de silêncio imposta por ela, sentiu o soco gelado da insegurança, do medo o atingir no estômago. A raiva e frustração desapareceram e ele se virou para a ver dormindo. Ao contrário dele, parecia dormir, estava imóvel, respirando com suavidade e olhos fechados, ou dormia, ou fingia muito bem. Mas o jogador a conhecia bem o suficiente para perceber quando ela estava adormecida.
tocou a bochecha quente da namorada, contornou um dos cantos dos lábios, afastou o cabelo do rosto e deixou sua mão pousar na cintura de . Ela dormia de lado, virada para ele, que antes estava de costas para ela, irritado.
De repente tudo mudou de posição. Era como se estivesse jogando UNO e estivesse com um jogo não muito ruim nas mãos, até que suas cartas fossem trocadas pelas cartas do jogador que fatalmente perdia. Uma série de +4, repetidas e o jogador se via cada vez mais longe da vitória. Todas as peças estavam reposicionadas e o jogo mudava de perspectiva. E se ela quisesse ir?
O ar lhe faltou ao pensar naquela possibilidade. tinha dito não a proposta, fora o que ela contou. Mas também disse sobre estar lidando com suas próprias questões. Não havia hora melhor para voltar a assombrar seu relacionamento. E talvez tivesse dado a ele justamente o que queria quando a perguntou na noite anterior sobre as supostas informações trocadas entre os dois. se xingou.
Conhecia , sabia que ela era leal e sincera, que não era do tipo a trocar informações com alguém se aquilo fosse prejudicial. Na verdade, não era do tipo de trocar informações com ninguém. Principalmente, com alguém como , depois de tudo. Não a via sendo essa pessoa e quis poder se dar um soco por ter feito aquela pergunta. tinha razão de estar chateada e não querer conversar.
Se durante metade da noite havia estado irritado e chateado com a inglesa, pelo resto dela tinha sentido medo e chateação consigo. Não conseguiu ficar na cama por muito tempo, mesmo com o tempo escuro e convidativo. se levantou e desceu acompanhado por Felix. O jogador deu petiscos a mais para o cão naquela manhã, de certo modo Felix o tinha apoiado, seguindo e a fazendo companhia no frio – talvez até ele soubesse e temesse o comportamento impulsivo da nova moradora da casa.
Quando desceu as escadas, não tardou para que seu olhar se encontrasse com o de . O jogador estava sentado em seu lugar, na mesa de café da manhã, cotovelos sobre a mesa e mãos cruzadas perto do rosto. Ele não afastou seu olhar até que a inglesa se aproximasse de onde estava. também não desviou o olhar, já estava vestida e pronta para sair, mas ao contrário do dia anterior, não usava maquiagem. Não sentiu vontade de usar naquela manhã.
Quando estava perto o suficiente, ficou de pé e foi ao encontro da terapeuta. Sem nenhum tipo de aviso ou sinal silencioso prévio, eles se abraçaram. Pareceu algo planejado dos dois lados, mas sem que houvesse comunicação. Ficaram abraçados em silêncio por algum tempo, com os rostos afundados na pele um do outro, olhos fechados, em silêncio.
– Me desculpe. – Disseram em uníssono.
– Eu fui idiota. – continuou. – Me desculpe.
– Não, você me desculpe. – se embolou. – Eu sinto muito pela noite passada.
– Eu também, pode me desculpar? – O jogador ainda tinha o rosto enfiado no pescoço da inglesa.
– Está tudo bem, não se preocupe. – Ela garantiu, afagando a nuca do namorado. – Mas me desculpe por ontem, eu...
– Não precisa pedir. – respondeu. – Não tem do que se desculpar...
Fez-se silêncio enquanto eles ainda se abraçavam com força, como se há muito tempo não fizessem, como se aquele fosse o único lugar confortável e possível para se estar.
– Só não vá embora. – Ele pediu em um fio de voz, externalizando o que ruminou, pensou e sofreu de ansiedade durante toda madrugada. – Não me deixe.
afastou o rosto e tomou o rosto do namorado nas mãos, confusa.
– , não é porque nos desentendemos ontem, que... – Ela começou a falar, mas ele sacudiu a cabeça.
– Não é por isso, é porque... você disse, Mônaco e todo o resto... – Ele lembrou, não conseguia a olhar nos olhos, tinha voz um pouco embargada e falava baixo. – Você estar aqui comigo foi um acidente de percurso e agora tem a chance que sempre quis, desde o início e... aqui comigo, tudo que tenho para te oferecer e o que tenho oferecido é... – o interrompeu.
– É o destino, não um acidente de percurso. – Ela falou com firmeza, tentando buscar o olhar dele. – Na verdade, nem destino. É uma escolha. Eu não vou mentir e dizer que tudo isso não mexe comigo, porque é algo grande e... – suspirou e sacudiu a cabeça. – Mas é um caminho. É um dos caminhos que eu não escolhi. Eu não escolhi vir para Lahti, mas eu escolhi ficar. Não escolhi me apaixonar por alguém do time, mas escolhi você. Isso não significa que lidar com todo o resto será mais fácil ou menos incômodo, mas reforça o sentido. Eu fiz a minha escolha, . É você. Independente de quantas vezes me perguntem ou eu seja colocada nessa encruzilhada e tenha que escolher. É você e sempre vai ser você. E eu não levei mais de um segundo para responde-lo.
– Eu sei que...
– Guarde suas certezas por enquanto. – pediu, tocando o rosto dele, fazendo com que ele a olhasse. – Não acredito que pensou mesmo que eu te deixaria por causa de Mônaco ou qualquer outro emprego. – Ela sorriu, acariciando a bochecha do namorado.
– Por minha causa, pensei que deixaria por minha causa. – respondeu. – Sei que você disse não, mas e se você quiser ir... porque agora não tem mais o que te prenda em Lahti e...
– Case comigo. – Ela propôs por impulso.
parou de falar e a olhou, chocado.
– O que mais eu preciso fazer para que você entenda que eu te amo e que não vou a lugar nenhum, a não ser que me mande embora. – sorriu e balançou a cabeça negativamente. – Acho que qualquer um sabe que só existe uma coisa que me prende a Lahti ou a qualquer coisa agora. Você. Mônaco não é importante, o time não é mais importante que você, nada é. – umedeceu os lábios e inspirou fundo antes de continuar, um pouco insegura do que ousava dizer. – Assim como eu acho que para você, também não importa mais do que eu importo.
– Com toda certeza. – O jogador respondeu rápido, apertando-a um pouco mais contra si. – Você é a pessoa mais importante da minha vida. Eu daria a vida por você sem pensar.
– Já fico feliz se você viver ela comigo. – sorriu e o beijou suavemente nos lábios. – Não vou a lugar nenhum, , a não ser que seja com você.
– Eu caso. – Ele respondeu, unindo sua testa a dela. – Tudo que importa é você comigo.
e se beijaram outra vez, aproveitando a doçura do momento e o êxtase emocional suscitado pelas declarações. Talvez amplificado pelo estado emocional dos dois, a privação de sono e a fome, mas que independente do motivo, era real e recíproco e fazia o mundo parar de girar e o tempo parar de correr ao redor deles.
Depois de não comerem nada e voltarem para a cama, não para o que sempre faziam, mas porque pelas olheiras arroxeadas e profundas, percebeu que o namorado precisava mesmo de um tempo maior de sono. Só tinham que estar no trabalho após o almoço. precisava, devia ir mais cedo, mas se permitiu aquele pequeno golpe no momento em que estava.
dormia um sono pesado, respiração profunda e pesada, o corpo sobre o corpo de , que também havia dormido algumas boas horas quando abriu os olhos. Não conseguia alcançar o celular, mas tinham programado o despertador, então não se preocupava. A terapeuta inglesa resolveu ficar mais ali, aninhada ao namorado, aproveitando seu cheiro e calor, sem pensar em qualquer outra coisa. Os problemas deviam ficar do lado de fora da cama dessa vez.
se remexeu em resposta, puxando a namorada para mais perto, como ele costumava fazer durante a noite. Olhando para ele ali, se sentia mal pelo jeito que as coisas aconteceram, porque o havia privado de mais uma noite de sono e tinha pena dele. No dia seguinte teriam um jogo e não podia estar em uma semana pior.
– Bom dia. – resmungou ainda de olhos fechados, pegando a inglesa de guarda baixa.
– Bom dia, meu amor. – Ela respondeu sorrindo, beijando a pele sem barba perto da orelha dele.
O jogador a respondeu com um sorriso dengoso e um abraço mais apertado.
– Eu te amo. – Declarou o jogador de hockey.
– Te amo também. – sorriu contra os lábios macios e avermelhados dele, agora inchados pelo sono. – Conseguiu descansar um pouco?
– Eu queria dormir mais uns três dias. – Falou , abrindo um dos olhos e fazendo careta. riu.
– Ainda temos algum tempo, volte a dormir.
começou a afagar os cabelos escuros dele, sentindo a respiração quente se chocar contra sua pele.
– Rakkaani. – chamou.
– Sim.
– Me conta melhor sobre a conversa com ?
– Ainda está preocupado? – uniu as sobrancelhas.
– Não mais, agora que me pediram em casamento. – Ele brincou sorrindo vaidoso. – Mas eu quero entender tudo.
– Não teve muito além do que já contei. – falou após um suspiro, ainda afagando os cabelos dele. – Ele veio porque disse que a carta devia ser para ele, não para o time. Aí, acho que a Isabel o chamou. Disse que eu não precisava sair e não entendeu porque eu estava saindo. Falou sobre eu usar sua vantagem para ficar, falei da Isabel e ele disse que... sei lá, como se eu tivesse mais poder que ela agora. Nessa situação. – A inglesa fez uma pausa e ergueu o olhar. – E aí me convidou para Mônaco, ou para qualquer outro lugar, com ele ou outros atletas e times. Mas eu disse que não, disse que gosto daqui e que gosto da vida que estou construindo aqui.
– E ele?
– Disse que entendia, que também não conseguia ficar por muito tempo longe de Lahti. – contou. – Eu agradeci a oferta, ele ofereceu o apartamento para mim, mesmo fora do time. – estreitou o olhar nessa hora. – Contei que estamos juntos. Morando juntos, digo. – Ela se corrigiu. – Ele insistiu que não aceitava minha demissão, várias vezes e propôs congelar o contrato.
– Como assim? – apoiou o peso do corpo nos cotovelos.
– Pelo que eu entendi, tudo fica parado até que eu decida voltar a trabalhar com ele. – ergueu os ombros. – É como se eu sempre tivesse esse lugar para onde voltar.
não respondeu, baixou o olhar e ficou em silêncio.
– Não vai falar nada?
– Não sei. – O jogador balançou a cabeça devagar. – Não sei o que pensar ou falar sobre isso.
– E desde quando você é alguém que não sabe falar sobre qualquer coisa? – o provocou, tocando-lhe o braço.
O jogador ergueu o olhar e encarou a namorada, respirou fundo e tornou a olhar as mãos e o lençol, depois torceu os lábios.
– Você não vai gostar.
– Mais uma razão para dizer. – escorreu na cama, entrando no campo de visão dele, enfiando-se entre seus braços. – Vamos, por favor.
– Ele... nada disso é porque ele é um cara legal, não é? – se pronunciou após algum tempo de hesitação. – Ele não é um cara legal. Pode até ser, mas... assim...
– O que você acha?
– Acho que ele tem interesse em você. – respondeu sem rodeios. – Desde o início.
– Faz sentido. – respondeu pensativa.
– Não vai dizer que estou exagerando e com ciúmes? – riu fraco, surpreso.
– Não. – A inglesa negou com a cabeça. – Aprendi que você é inteligente e tem uma ótima percepção sobre intenções, além de ler bem as pessoas. E também, sei que nem mesmo o melhor dos chefes faria algo assim sem que pudesse ter algum benefício.
sorriu, tocando o rosto da namorada com carinho.
– Obrigado por isso. – Agradeceu e sorriu.
– Desde que você tenha certeza de que, é algo completamente dele e nada recíproco, eu fico em paz.
– Não julgo ele. – falou após alguns instantes em silêncio, olhando a namorada e observando cada detalhe de seu rosto. – Nem o Merelä. Quando as pessoas te conhecem, elas querem ver como é, querem ter você porque você faz quem está por perto se sentir melhor. Mais confiante, mais amado, mais feliz, suficiente, como se qualquer um pudesse ser feliz. Todo mundo quer isso e eu sou como eles, também quis. Entendo que queira também.
– Você não é como eles. – negou, aquecida com aquelas palavras.
– Porque você me escolheu. Essa é a diferença. – Respondeu o capitão.
e continuaram deitados juntos, em silêncio, se admirando.
– O que acha que disse ao Mark para ele ter dito o que disse a você? – quis saber após algum tempo.
– Não sei, mas vou resolver isso assim que o encontrar. – apertou os lábios e sacudiu a cabeça. – O Mark não te conhece como eu conheço. Sei que você nunca falaria qualquer coisa com o . Ou com ninguém.
– Obrigada pela confiança. – sorriu fechado.
– Me desculpe mesmo por ontem. – a olhou e balançou a cabeça, afagando o rosto da namorada. – Não sei o que deu em mim.
– Eu sei. – falou, atraindo sua atenção. – Falta de sono, fome, estresse... não subestime o efeito dessas coisas.
– Mas não gosto quando desconto em você. – falou sério, unindo as sobrancelhas. – Não gosto de descontar nada em ninguém, principalmente em você.
– Acontece quando se fica muito perto de alguém. – tentou amenizar. – Mas já lidamos com isso. – Ela sorriu. – É preciso bem mais do que um dia ruim para balançar nós dois.
sorriu, depois mordeu o lábio inferior da terapeuta inglesa.
– Só não me lembre que tenho que enfrentar outro dia ruim hoje. – Ele choramingou.
– Ainda não sabemos se vai ser ruim. – entrelaçou os dedos, abraçando o namorado pelo pescoço. – Gosto de pensar que ontem a Svedin teve um dia péssimo. Nós só tivemos uma noite ruim.
– Por que acha isso?
– Bom, ela não gostou nada daquele momento com o time, ou você me beijando na frente dela. – listou e viu o namorado rir orgulhoso.
– Meu melhor momento até agora.
– Ela também não deve ter gostado do ter vindo rápido, me pedindo para ficar. – completou. – Ele disse que o Lauri também queria que eu ficasse, disse sobre eu ter poder para ficar, se quisesse. E eu acho que se o já sabe disso, ela deve saber também.
– Mark teve uma reunião ontem. – contou, deitando-se ao lado da namorada. – Não me deu muitos detalhes, ele nunca me dá. – O jogador deu de ombros. – Mas disse que estava feliz, que tinha dado as cartas. Parece que o Lauri vai prestar atenção no que a Isabel está fazendo e ele pediu para não esconder minha insatisfação com a presença dela.
– Ele precisava pedir? – riu.
– Falei isso. – torceu os lábios e negou com a cabeça. – Ele falou que ela é o caminho, mas que não vai atrapalhar.
– Ótima notícia, amor. – celebrou. – O dia dela deve ter sido péssimo. – A inglesa riu, mas o namorado não a acompanhou.
– Ele falou do também. – mencionou, atraindo um olhar curioso da namorada. – Segundo ele, não é muito meu fã e também parece que se conhecem, ele e Isabel. Trabalharam juntos na Fórmula Um.
– É, do jeito que ele fala dela, dá mesmo a entender. – se ajeitou na cama. – Mas considerando a relação que ele tem comigo, não me espantaria se fosse algo também problemático.
– Ele não compra tudo que o Mark vende, eu acho. – falou, abraçando a inglesa e desenhando círculos em suas costas com o polegar. – O Lauri não é difícil, ele me quer no time. Mas o Mark acha que o não vai ser fácil de dobrar.
– Já pensou no que acontece se o que queremos não for possível? – perguntou de repente e relaxou o corpo na cama, fechando os olhos.
– Tentando não pensar, Rakkaani.
– Não é ruim ter um plano B. – Ela ergueu um ombro.
– Eu não quero ter um plano B, quero ficar em Lahti, jogar hockey, ficar com você.
– E se não puder jogar no Pelicans? – se aproximou dele, apoiando a cabeça sobre seu peito. – Acho que pode te dar alguma segurança se tiver um plano B.
– Não vou para Tampere. – Ele negou de pronto.
– Nem eu quero que vá. – deu de ombros. – Tem aquela sua ex, lá.
riu.
– Não acredito que sou eu a pessoa que está dizendo isso, mas... – sorriu, negando com a cabeça e prestou mais atenção. – Aprendi sobre esse esporte maluco que você tanto ama, passei a admirar e amar também. A entender o suficiente para perceber que estar em Lahti pode ser confortável, mas não é o seu lugar.
Fez-se silêncio.
– Andou conversando com Atte? – riu, desviando o olhar.
– Não. – levantou um ombro. – Só sei muito bem com quem eu divido a cama.
Dizendo isso a inglesa se levantou, deixando sozinho com seus pensamentos.
Quarta-feira, 02 de fevereiro de 2022
Centro de Treinamento do Pelicans – Isku Areena
Lahti – Finlândia
O treino do dia havia se findado, o cronograma daquela quarta-feira incluía treino no gelo, treino e reunião tática, recuperação e entrevistas. havia passado por todas aquelas sem reclamar, sem qualquer problema, o que era bom. Durante a entrevista breve, fora perguntado sobre os jogos da seleção, e o capitão do Pelicas respondeu estar focado nos próximos jogos do time no momento. Foi indagado também sobre a renovação e respondeu dizendo que não trataria daquele assunto. Perguntaram sobre as expectativas para o próximo jogo, contra o Lukko, em casa. A essa pergunta se permitiu falar mais, disse sobre a qualidade de alguns jogadores rivais, disse sobre estar otimista com a partida e que qualquer ponto conquistado era importante para o time naquela etapa. Também sobre o número de gols que estava prestes a completar se marcasse no jogo da noite, a essa sorriu e disse sobre se preparar para a oportunidade e buscar inspiração em casa.
Era bom finalizar um dia em paz, porque podia até esquecer e fingir que todo o furacão não estava acontecendo. Que tudo estava normal e que aquele era só mais um dia como qualquer outro, e logo estaria em casa com , falando mal de sua escolha para séries e filmes.
– Noite do videogame, na sua casa. – Aleks se aproximou repentinamente, escorando-se perto do jogador.
– Sai, folgado. – resmungou.
– Na casa do Atte, então. – Mudou de ideia o ala.
– O que tem a minha casa? – O goleiro se aproximou também.
– Eu só quero jogar alguma coisa com meus dois melhores amigos, falar mal das mulheres e beber. – Aleks abraçou e Atte pelo ombro.
– Eu namoro, não quero falar mal de mulheres. – Atte respondeu, se desvencilhando.
– Eu também. – lembrou e Aleks rolou os olhos.
– É. – Aleks fez uma careta de repulsa, sentando-se perto da baia do capitão. – Você devia ficar com a , só pra constar.
– Jura? – riu pelo nariz e Atte escondeu o rosto para rir.
– Não. – Aleks ficou de pé. – Eu só quero sair com vocês, como nos velhos tempos, beber.
– A gente tem jogo amanhã. – Atte lembrou.
– Pode ser água, desde que seja com vocês. – Aleks insistiu.
– Qual é o problema com sua casa? – Atte quis saber, enquanto tinha uma ideia. – Sua irmã?
– O babaca do marido dela. – Aleks deu de ombros. – Mas eu quero sair. Vocês fingem que nem me conhecem mais, isso magoa, sabia? – O ala expôs, ressentido.
– Escuta. – O capitão chamou a atenção dos dois para si, sorrindo. – Tive uma ideia. Quero que vocês vão comigo até um lugar, fazer uma coisa. – Dizendo isso, tirou um pedaço de papel do armário e o balançou na frente dos amigos, depois enfiou no bolso. – Como nos velhos tempos, de verdade. – Sorriu . – Antes eu preciso passar em um lugar, mas... vocês vão comigo. A gente toma uma cerveja, fala mal do que quiser.
– Eu topo. – Aleks sorriu grande.
– Não, isso me soa ruim. – Atte sacudiu a cabeça e cruzou os braços sobre o peito. – Isso provavelmente vai ter potencial para me deixar preso por anos. O que tem nesse papel aí?
– Segredo. – repuxou os lábios. – Vamos, Atte. Hade já topou. Não seja covarde.
– Eu vou contar para a .
– Por que? – Aleks encarou o goleiro, que perdeu o ar. – Ela só manda aqui, lá fora, nem minha mãe manda em mim. – Aleks maneou a cabeça. – Se bem que, minha mãe...
– Foi só jeito de dizer. – tentou desconversar, fazendo careta para o amigo goleiro. – Agora você não tem escolha, você vai.
– Não vou. – Atte negou outra vez.
– Ah, mas se vai...
Quarta-feira, 02 de fevereiro de 2022
Solo Sokos Hotel Lahden Seurahuone
Lahti – Finlândia
Depois de deixar Atte e Aleks esperando no carro, no estacionamento, subia calmamente até o quarto de seu agente, em um hotel no centro da cidade. Não fora exatamente difícil os convencer de o acompanharem naquela tarde, o sol não havia sumido completamente ainda e o dia era bonito, apesar de frio. tinha planos grandes para a noite que viria e julgava que o resultado daquilo traria um pouco de afago, uma surpresa boa para , uma novidade interessante para o casal.
E também, seria bom passar algum tempo com os amigos depois de um bom dia de trabalho. Estava em paz e podia relaxar, tomar uma cerveja e rir das atrocidades que Hade costumava dizer, reclamar do humor calmo e inteligente de Atte, rir de alguma besteira aleatória e liberar os pensamentos idiotas, que as vezes tinha vergonha de dizer em voz alta na presença da terapeuta inglesa.
Mas antes do lazer, havia algo que o jogador precisava muito fazer e que martelava em sua cabeça desde a madrugada. Por isso estava na porta do quarto de Mark, deixando que o que gostava de chamar de seu lado assumisse as rédeas da situação.
– ? O que faz aqui? – Mark uniu as sobrancelhas, surpreso, assim que abriu a porta. – Algum problema no time? Com você?
– Eu preciso esclarecer uma coisa. – O capitão falou com tom calmo, tinha o rosto erguido e olhava para o agente com olhos estreitados.
– Okay, vamos. – Mark abriu a porta e deu passagem para o jogador. – O que houve?
Mark tinha os cabelos despenteados e vestia um robe marrom, parecia estar sozinho no quarto e não esperar visitas.
– Olha, eu não quero demorar, tem gente me esperando e eu tenho um compromisso, então não vou enfeitar. – Disse o jogador e o agente assentiu com a cabeça. – Não quero mais que faça esse jogo envolvendo a e eu. Meias palavras, dando a entender coisas. – O central viu o empresário se sobressaltar.
– Mas do que está falando?
– Você sabe do que estou falando. – negou com a cabeça. – Conheço esse truque sei como você é bom em usar meias verdades para vender o que quer. – O tom do jogador era o de alguém que não se importa muito, como se estivesse desligado de suas emoções. – Gosto de você, respeito e sou muito grato por como trabalha comigo. Mas não vou admitir que você aja desse jeito, distorcendo, criando coisas entre e eu.
– Tudo isso é por causa do que eu disse? Sobre ela e o chefe? – Mark tocou o próprio peito, afetado, com um riso surpreso.
maneou a cabeça, olhando para o empresário com expressão de quem não compra seu teatro.
– Eu estava na reunião, você não. – Lehtinen apontou para , mudando o tom de vítima. – Não queira me ensinar como fazer meu trabalho. fez perguntas, tentou confundir sobre o que realmente queria. Ela não é minha cliente, você é.
– Seu trabalho é conseguir a renovação, eu lido com . – afirmou, categórico. – e eu estamos juntos, Mark, nada vai mudar isso. Ela é leal a mim.
– E é só a você? – Mark soprou com desdém e se aproximou mais do agente, evidenciando sua diferença de altura.
– Não quero ter que repetir, por favor. – O capitão diminuiu o tom de voz. – é minha futura esposa, passe a tratar e respeitar como tal, e não como se fosse mais um caso que eu tivesse no time. – maneou a cabeça. – Nunca tivemos problemas antes, Mark, a gente não precisa ter agora. Mas se tiver alguma objeção, sempre há mais jogadores no mercado para você agenciar.
Lehtinen riu sem humor.
– Quem diz que essa garota virou sua cabeça, tem razão. – Acusou afetado, ressentido. – Está mesmo discutindo comigo por causa dela? Para defendê-la?
– Quando foi que você desrespeitou a mulher de alguém e recebeu uma medalha por isso? – começou a se afastar em direção a porta. – Meu problema não é com você, Mark, mesmo. Mas não tente criar caso entre minha família e eu de novo. Eu ia detestar ter que procurar um novo agente.
Quarta-feira, 02 de fevereiro de 2022
Centro de Treinamento do Pelicans – Isku Areena
Lahti – Finlândia
havia decidido deixar a casa em ordem antes de sair, tinha muito trabalho, devolutivas e relatórios, planos de tratamento e muita coisa cansativa para terminar. Iria trabalhar até mais tarde naquele dia, por isso não achou ruim quando recebeu uma mensagem do namorado avisando que ele faria qualquer coisa com Aleks e Atte depois do treino. Seria bom para ele ter um momento normal, alheio a tudo que lhe causavam estresse nos últimos dias e isso fez pensar que seria bom passar algum tempo com Santtu e os outros. Sentia falta desses momentos, apenas com os amigos, mesmo que não fosse tão ausente e ainda tivessem a convivência diária no time.
Depois de alguns instantes dispersa em seus desejos, a inglesa sacudiu a cabeça, não podia pensar sobre o assunto naquele momento, precisava se concentrar e tinha muito trabalho pela frente ainda. Esfregou os olhos, conferiu as horas no celular. O namorado tinha saído por volta das cinco horas e agora passava das oito, sem nenhuma mensagem. A terapeuta sorriu e balançou a cabeça, tentando adivinhar o que os três juntos deviam estar fazendo para que se esquecesse de mandar mensagens. Depois conferiu o copo de café, vazio sobre a mesa e se levantou decidida, precisava se abastecer se quisesse continuar o trabalho.
Andou até a máquina de café mais próxima, no corredor, perto das salas da diretoria e do treinador. Por talvez obra do destino, se esqueceu de quem poderia encontrar naquele caminho e fora o que aconteceu. Assim que a distraída terapeuta chegou perto da máquina de café, reconheceu a silhueta usando um vestido justo e preto, inclinada sobre a máquina. tentou dar meia volta, mas não fora rápida o suficiente e Isabel Svedin a percebeu.
– . – Isabel sorriu, cruzando os braços sobre o peito.
– Isabel Svedin. – sorriu fechado, esforçando-se para não ser desagradável.
– Não sabia que ainda estava aqui. – A executiva se aproximou. – Sua carta de demissão foi bem convincente, achei que não a veria mais.
– É, eu precisei. – ergueu o nariz. – Ninguém pareceu muito feliz com minha saída, precisei justificar e me prolongar. E olha, mesmo assim ainda não quiseram aceitar. – A inglesa riu e viu a outra subir um dos cantos dos lábios, como se sorrisse também, mas era um sorriso falso. – Mas eu sou profissional, quero deixar tudo certo antes de ir.
– Aposto que você é. – Svedin repetiu. – Não é sem motivo que sempre vem pessoalmente quando o assunto é você, não é? – Isabel sorriu. – Ah, é claro. Por isso e também pelo envolvimento pessoal.
– Não sei do que está falando, Isabel. – estreitou rapidamente o olhar.
– Ah, ... – A morena sacudiu a cabeça devagar e sussurrou. – Não precisa esconder, somos mulheres e estamos a sós aqui. – Isabel se inclinou na direção da inglesa, que recuou de olhos estreitos e olhar desconfiado. – Sei que entre você e ... bem, existe bem mais do que apenas um contrato.
– Eu realmente não sei do que está falando. – insistiu, sendo firme.
– ... – Isabel riu pelo nariz. – Eu entendo também, sua hesitação. Deve ser tudo muito novo para você, lidar com , um piloto famoso... e depois o . Não deve ser muito comum se ver parte desse mundo tão diferente. – A mulher sorriu outra vez. – O até rompeu com a namorada, sei que tem estado presente aqui, defendendo seus interesses e se mostrando disponível. Mas... pelo que eu soube, isso não deve durar muito. – Svedin mordeu o lábio inferior, como se sentisse pelo que contava. – Ouvi que estão prestes a reatar o relacionamento. É assim que funciona com essas personalidades famosas. Eles sempre encontram outra fonte de hormônios e diversão, basta que tudo se aquiete e se acalme.
ouvia tudo boquiaberta e quando Isabel parou de falar e dissimular, a inglesa sacudiu a cabeça negativamente.
– Meu Deus, você é maluca. – Acusou . – Eu não sei que tipo de situação ou pensamento está na sua cabeça, mas... ele está só aí, Isabel. – Svedin sorriu como se surpresa, como se fosse uma criança a lhe chamar de feia. – Se quer um conselho de alguém profissional no assunto, vá se tratar. Sua obsessão comigo e com as coisas que me envolvem já está patológica. – falou sem vacilar e lhe deu as costas.
– Obsessão por você? Em que mundo isso seria possível? – Isabel sorriu e a terapeuta parou de andar e se virou para vê-la. – Não estamos em um filme bobo e romântico, . Onde sou a vilã obcecada que quer destruir sua felicidade. Não sou sua rival, isso é tão... antiquado.
– E você está falando sobre um suposto envolvimento entre e eu, apenas por ser uma ótima pessoa e querer o meu bem? – a olhava com incredulidade. – Do que me importa se ele retomou ou não o relacionamento? Tenho outras coisas para me ocupar.
– É que você faz o perfil, . – Svedin se aproximou um pouco mais. – Oportunista. Primeiro com o , causando esse caos, o término do namoro, ele largar tudo e viajar para Lahti sempre que seu nome é mencionado. Soube sobre um outro jovem jogador do time, Waltteri Merelä, e claro, . Quem você tem desestruturado, causando inúmeros problemas no time e na vida. Já parou para pensar que talvez o problema dele no time seja você e não eu? – Isabel falava com certo desprezo, ostentando um sorriso leve que aumentava a medida com que ela crescia e recuava. – Se você não tivesse quebrado seu código de ética e se deixado envolver com dois atletas e um dos sócios do time, será que eu teria que intervir? Será que Merelä teria saído do time? Será que eu teria que impedir que sua equipe ficasse junto aos atletas no banco? Será que se você não fosse tão displicente e irresponsável, estaria passando por uma renovação tão dolorida e difícil?
– Você não sabe de nada. – Fora só o que conseguiu responder. – Eu não tenho nada a ver com . Não sou uma oportunista. Nem causei problemas a ninguém.
– Você diz isso tentando me convencer ou se convencer? – Isabel ergueu uma sobrancelha. – Tsc, tsc, tsc... – Ela balançou a cabeça devagar. – Você é jovem, fama, dinheiro, atletas em seu auge podem ser sedutores... mas não seja tão inocente, ou gananciosa. Tudo que vem fácil demais, vai embora tão fácil quanto... – Isabel passou uma das mãos pelo cabelo e sorriu. – E pense, será que sou eu a vilã dessa história ou só estamos olhando pela perspectiva errada?
Svedin lhe deu as costas e se afastou devagar, em direção a sua sala, entrou e fechou a porta. sentia um nó grande na garganta, as pernas estavam amolecidas e as mãos trêmulas. Olhou para o copo de papel que segurava em uma das mãos e o encontrou amassado, tinha o destruído sem perceber. não entendia porque tinha deixado Svedin dizer tudo aquilo sem responder, sem devolver, apenas ouvindo em silêncio, mesmo morrendo de raiva.
Talvez fosse porque um pouco daquelas palavras batiam em um lugar sensível para a inglesa, o lugar da culpa. Entendia e reconhecia que não havia sido exatamente ética quanto a , que tinha se deixado levar. Se culpava porque fazia sentido, se não fosse por , a vida de estaria mais fácil. As palavras, as acusações de Isabel reverberavam como o sino grande e pesado de uma igreja vazia em um dia silencioso. A terapeuta começou a andar rápido para qualquer lugar onde pudesse se esconder e chorar, gritar, ficar sozinha, ou desaparecer. Estava com raiva de si por não ter respondido, com raiva de Isabel, culpada, ferida, magoada, humilhada. Sua vontade era não passar sequer mais um dia naquele lugar. Sua vontade era de fugir para qualquer lugar longe e isolado, onde ninguém a pudesse encontrar, nunca mais.
Sem escolher ou perceber, se viu seguindo para uma das arquibancadas da arena, que naquela hora estavam escuras, vazias e silenciosas. Ninguém a procuraria ali, ninguém imaginaria encontrar ali e ela poderia ficar por horas, dias, sem ver qualquer outro ser humano. Mas quando alcançou a parte alta, depois de correr pelas escadas, a terapeuta inglesa viu que mais alguém havia tido a mesma ideia. Irritada e cansada, não querendo procurar outro lugar para chorar, resolveu enfrentá-lo.
– Eu quero que saia. – Ela ordenou.
Devagar , que tinha o rosto inclinado e cotovelos apoiados aos joelhos, ergueu o rosto.
– E se eu não quiser?
– Não. Você vai. – ergueu um dedo, nervosa. – Já estou passando por muita coisa graças ao time e a você. Esse lugar é meu.
– Não vi nome de ninguém. – Ele deu de ombros, ignorando o tom afetado dela.
– Não sabe ler?
bateu duas vezes em uma coluna, onde se podia ler seu nome, escrito há quase um século por Waltteri Merelä. Aquele era o lugar dela, marcado e separado por ele. leu o escrito, a olhou e deu de ombros, a ignorando.
– Você tem que sair. – insistiu, tentando segurar o nó na garganta. – Agora. Por favor. Eu só queria um tempo, um minuto de paz em meio a toda essa coisa horrível. Já não basta todo problema causado por você desde que cheguei a esse lugar. – teve dificuldade em segurar algumas lágrimas e a olhou alarmado. – Como se tudo já não fosse o suficiente, agora tem essa maluca e todo o resto... eu não sou uma oportunista...
– . – ficou de pé prontamente e a abraçou quando a viu desmoronar. – , estou aqui. O que houve? Por que está chorando?
– Eu não sou uma oportunista ou... – Ela tentou falar, mas começou a chorar copiosamente, externalizando sua raiva através das lágrimas.
– Eu estou aqui, . – a abraçou mais apertado. – Você está tremendo. O que fizeram com você? Quem fez isso com você?
A inglesa não respondeu, apenas chorava.
Levou algum tempo e um ombro bastante molhado até que se acalmasse e conseguisse parar de chorar, mas ela ainda soluçava.
– Quem fez isso com você? – insistiu ao segurá-la pelo braço e a olhar nos olhos com intensidade.
– Isabel. – Ela respondeu, porque estava saturada demais para ser polida e profissional. – Ela disse que sou uma oportunista, que causei caos na vida de todo mundo, prejudiquei, você, Waltt Merelä, o ... – soluçou chorosa. – Que desestruturei, causei problema. E que o problema sou eu e não ela. Porque eu quebrei meu código de ética, que errei... e que tudo que ela fez, foi porque eu agi mal e que ela precisou fazer. – As lágrimas retomaram seu espaço no rosto da inglesa e a puxou para que se sentasse e se ajoelhou na frente dela. – Que se não fosse por mim, não estaria tendo problemas agora. Com o time. Me chamou de gananciosa... – sacudiu a cabeça. – Mas eu não sou. Eu não sou a vilã, não fiz nada. Eu não sou oportunista, eu juro. Nunca me importei com dinheiro, fama ou se alguém era famoso ou não. Eu não fiz isso. Não sou essa pessoa.
– Está tudo bem, . – tentou acalmá-la. – Não deixe Isabel entrar na sua cabeça.
– Ela disse que tudo vai fácil, porque eu consegui fácil. – Relatou a inglesa em meio a um soluço. – Mas não foi fácil. Eu só... eu não sou oportunista. Nunca quis prejudicar ninguém. Eu juro. Nem você, ou Mere ou o . – enfiou as mãos nos cabelos. – Meu Deus, o ... eu nunca...
– , olhe para mim. – segurou o queixo da terapeuta, erguendo seu rosto. – Não deixe a Isabel entrar na sua cabeça. Nada disso é verdade. Você não fez mal a ninguém, nunca. Você... é só o contrário disso. – Ele mantinha os olhos azuis fixos ao da inglesa. – não estava nem um pouco infeliz da última vez que o vi. Ele te quis. Merelä também. Você não tem culpa disso, você é... você é boa, boa demais e... qualquer um que tenha chance de estar com você, deve se orgulhar e achar uma honra enfrentar qualquer problema ou briga por você. Porque você vale a pena.
– Não... – balançou a cabeça e tentou se inclinar outra vez, mas segurou seu rosto.
– Você é incrível, , e não é por ser uma oportunista ou por trazer o caos que todos ao seu redor fazem isso... mudam as prioridades e perdem a razão. – sorriu fraco. – Você não é gananciosa ou oportunista, você é diferente dos outros, de todos os outros. ... eu... – sorriu e baixou o olhar, mordeu o lábio inferior e ergueu o rosto, a olhando nos olhos, seu tom era macio e doce. – Eu não sou o , mas posso dizer que se fosse, faria a mesma coisa. Eu enfrentaria qualquer coisa por você, qualquer renovação de contrato difícil, qualquer gerente problemático, qualquer cara que batesse na porta querendo te roubar de mim. Eu faria qualquer coisa, porque você é diferente e isso... qualquer um pode ver.
não respondeu, apenas o olhava.
– Se eu fosse o ... é claro. – Ele se corrigiu, inclinando a cabeça e suspirando. – Mas, da minha parte, eu não faria nada diferente. Viajo de qualquer lugar do mundo para Lahti, é só você chamar.
– , eu... – tentou dizer, mas as palavra sumiram de seus lábios.
– Você é boa demais, não se deixe contaminar pelas palavras da Isabel. – falou, afagando o rosto da inglesa com o polegar. – Você é boa demais...
manteve os olhos fixos aos azuis dele, tinha suas barreiras todas baixas, estava fragilizada, ainda sentia o corpo tremer, o nariz escorria e os olhos estavam molhados.
– Eu vou cuidar disso. – garantiu e a abraçou outra vez, beijando o topo de sua cabeça. – Ela não vai mais te fazer mal.
Quarta-feira, 02 de fevereiro de 2022
Centro de Treinamento do Pelicans – Isku Areena
Lahti – Finlândia
passou rápido pelos corredores da Isku, apressado para chegar até a sala da diretoria, não se incomodou em pedir ou esperar ser anunciado. Tudo estava vazio, estava tarde e poucas salas pareciam ocupadas. A de Isabel Svedin tinha a porta entreaberta e uma luz vazava através da porta, denunciando a presença da executiva. Ela estava em sua sala, sentada relaxada em sua cadeira, uma garrafa de uísque sobre a mesa, um copo em suas mãos e outro vazio sobre a mesa.
– , não sabia que ainda estava aqui. – Ela sorriu.
– Eu fiquei. – respondeu e se aproximou da mesa da executiva, apoiou as duas mãos espalmadas sobre a mesa e a olhou nos olhos. – Ouça, não vou perder muito tempo aqui. Não sei que jogo é esse que está fazendo, ou o que você realmente espera conseguir, mas acho que deixei as coisas correrem por tempo demais sem intervir. – Isabel arqueou uma sobrancelha, curiosa. – Chega, Isabel. Não vai mais incomodar, .
A mulher riu deixando a cabeça pender.
– Não me diga que ela foi se queixar para você? – Isabel ainda ria. – O que houve? não estava por perto? – Ela se ajeitou na cadeira e começou a servir uísque no copo vazio. – Não precisa se incomodar com os dramas infantis dela. Tome, beba um pouco comigo. Entre adultos, você sabe bem que...
Isabel ofereceu o copo cheio, ainda sorrindo, mas bateu com força suficiente para arrancá-lo da mão a executiva e fazer o copo se quebrar contra o chão, espalhando o líquido alcóolico pelo escritório.
– Isabel, não me trate como o Lauri, eu não sou ele. – foi incisivo. – Nem sou o , a quem você acha que pode manipular, dobrar e jogar, se divertindo com esse seu jogo patético. Eu conheço você, conheço seus truques. Incomode a mais uma vez e não vai ser só o emprego aqui que vai perder. – Avisou o piloto e empresário finlandês.
– Está mesmo me ameaçando por causa de uma... – Isabel inspirou, contendo a língua. – Funcionária.
– Eu não costumo ameaçar, mas entenda como quiser. – ergueu as sobrancelhas. – Conheço seu jogo, não tente provocar, infernizar, retaliar ou qualquer uma das suas artimanhas sujas contra ela. já decidiu sair, se te faz dormir melhor, pode considerar uma vitória. Mas se se aproximar dela outra vez... vai sair do Pelicans pior do que quando saiu da Fórmula Um.
– Muita coisa mudou desde que eu saí da Fórmula Um, . – Isabel se recostou a sua cadeira, encarando o loiro com olhar estreito. – Mas você... acho que homens, no geral nunca mudam. Sempre se colocando em péssimas situações por causa de um rostinho jovem e um olhar amendoado.
– E isso te incomoda, não é? – expirou um riso e ergueu o tronco. – Sempre te incomodou. Você nunca gostou de dividir atenção, não é? Como vai a relação com seu pai?
Isabel ficou de pé.
– É melhor sair da minha sala.
– Está avisada, Isabel. – reforçou, sem ceder ao tom autoritário dela. – Incomode outra vez. Até agora você estava lidando com a liga júnior, mas confesso que vou amar te ver brigando com alguém do seu tamanho. – respirou fundo. – Tenha uma boa noite.
lhe deu as costas e Svedin o assistiu sair da sala. Assim que o finlandês passou pela porta, a executiva atirou contra a placa de madeira o outro copo de bebida que jazia sobre a mesa.
Quarta-feira, 02 de fevereiro de 2022
Centro de Treinamento do Pelicans – Isku Areena
Lahti – Finlândia
estava perto da entrada da Isku Areena, queria ter ido outra vez ao encontro de após a conversa com Isabel, mas pensou que talvez ela quisesse um tempo sozinha. Se antes, tudo que envolvia a terapeuta inglesa lhe trazia confusão, agora parecia pior ou amplificado. Uma coisa Isabel tinha razão, ela tinha o poder de transformar, de fazer tudo mudar. Uma mudança de perspectiva, de lugar, de importância, provocava sem querer ou sem sequer tentar. Despertava esse senso maluco de proteção, a ponto de ele ou qualquer outro estar pronto para dar a vida por ela se precisasse. não parecia alguém frágil e que precisava ser resgatada de uma torre guardada por um dragão, mas ao mesmo tempo, salvá-la era o que mais queria.
Ela não precisava, mas ele desejava muito que ela quisesse ser salva por ele. E naquele momento, a ver fragilizada, ferida, triste e se desmontando em lágrimas, sem toda aquela confiança, certeza e altivez de sempre, aquilo o atingiu forte. Não importava quem tivesse causado, ou porque, não pensou duas vezes antes de a defender. Não fazia ideia ou queria saber se Svedin teria alguma atitude a esse respeito, se ela apenas aceitaria a pequena derrota, ou se tentaria retaliar outra vez, mas não se importava. Não fazia diferença, porque as coisas não tinham peso equivalente. Expulsaria Isabel Svedin ou qualquer outro que ousasse magoar daquele jeito outra vez, a fazer chorar, duvidar de si e questionar seu bom coração.
Não ficaria sentado assistindo, aguardando o próximo passo de alguém como Isabel. Podia queimar o time, se fosse preciso, porque era pequeno se comparado a ela.
Para tentar dar a ela um tempo sozinha e porque estava inseguro demais que preferiu não voltar a arquibancada marcada com o nome dela, por outro a quem ela havia tocado o coração sem querer. No início não entendia bem porque agia como agia em relação a terapeuta que parecia o odiar – ao menos depois de o ter conhecido pessoalmente –, mas agora as peças pareciam começar a se encaixar em sua cabeça. Como um quebra-cabeças montado devagar, de modo muito mais dolorido do que devia ser saudável.
Com um barulho alto e sem aviso de portas sendo abertas, se virou, encontrando a figura de , que entrava na arena em um rompante. O capitão tinha expressão preocupada e olhar ansioso, quando encontrou a figura de , parou de andar, surpreso.
– ? – apertou os olhos e balançou a cabeça.
– Recebi uma mensagem da . – O capitão contou. – Onde ela está? O que você está fazendo aqui?
– Eu... – tentou dizer, mas as palavras se perderam. – E-eu... eu gosto de vir aqui para pensar quando as coisas estão confusas... a encontrei por acaso.
– O que aconteceu com ela? – deu mais alguns passos, chegando mais perto do piloto, mais preocupado.
– Isabel disse algumas coisas que a magoaram. – contou e a medida com que ouvia, a expressão do jogador mudava de preocupação para raiva e depois preocupação outra vez. – Mas eu já cuidei disso. – garantiu e apertou os olhos.
– Como?
Antes que pudesse responder, o som de outra porta sendo aberta fez os dois homens se virarem para as escadas e olharem para cima. Uma das portas de emergência, de saída das arquibancadas da arena fora aberta, revelando a figura de . A inglesa estava despenteada, olhos molhados e rosto vermelho pelo choro excessivo. A terapeuta olhou para baixo e não se demorou em descer as escadas para a entrada principal. e se aproximaram da escada também, estava mais perto dos degraus, atrás dele. O empresário finlandês apertou os lábios ansioso, aguardando que ela descesse as escadas, ignorando a presença do capitão, colocando-se aos pés da escada para recebe-la. Queria perguntar se estava melhor e dizer que havia resolvido o problema e que ela podia ficar em paz, que Svedin não a perturbaria mais.
desceu rápido as escadas, uma das mãos estava sobre o corrimão, mas mal o tocava, porque corria sobre os degraus. Ela tinha o olhar preso na base da escada, expressão angustiada e mordia o lábio inferior.
terminou as escadas logo e correu, deu um passo à frente, pronto para recebê-la, mas a terapeuta inglesa passou direto por ele. O empresário finlandês girou em seu próprio eixo, decepcionado, e a viu correr em direção a , parado atrás dele.
– Aqui. – Ele disse antes que ela o alcançasse, abrindo os braços para . – Estou aqui. Vem aqui.
se lançou sobre o capitão do time como se fosse sua tábua de salvação, seu tudo. a abraçou com força, puxando-a contra si como se de alguma forma pudesse protegê-la de qualquer coisa.
– Você está bem? – Ele indagou. – Estou com você aqui. Vai ficar tudo bem agora. Tô aqui agora, Rakkaani.
Ainda a abraçando como se fosse a primeira vez em muitos anos, ergueu o olhar e encontrou os olhos azuis de presos ao casal. O capitão apertou os lábios e o mirou, como quem de alguma forma agradece, mesmo sem querer agradecer. Ou como se dissesse que não era mais necessário naquela cena, que , a quem ela mesmo tinha escolhido, já estava ali. Que ela não precisava dele para mais nada.
42 – Little bit better
Please stay love me through the weather
Please say this’ll be forever
Hold me in the darkness
Even when it’s hard, with you
It’s a little bit, little bit better
(Caleb Hearn, ROSIE – Little Bit Better)
Quarta-feira, 02 de fevereiro de 2022
Casa de e
Lahti – Finlândia
estava sentado na cama, costas apoiadas a cabeceira e olhos perdidos, encarando qualquer coisa que estava a sua frente, mas sem realmente a ver. Estava com junto a si, cabeça apoiada em seu peito, respirando um pouco mais calmamente agora. Estavam enrolados em um cobertor, a meia luz, em silêncio depois que ela tinha contado a ele toda a história sobre aquela noite.
Tudo tivera sido tão estranho e repentino.
Estava com Aleks e Atte, prestes a aproveitar mais uma cerveja, rindo sobre sua loucura apaixonada mais recente, quando recebeu a mensagem de o chamando. Por ela não o ter respondido mais ou pela sensação fria que sentiu no estômago assim que leu a primeira linha, deixou os amigos e correu ao encontro dela. Não esperava encontrar ali, mas não conseguiu pensar em mais nada quando a viu. Nem sentir ciúmes ou insegurança. Não quando ela tinha aquela expressão sôfrega e pedia incessantemente para que ele a levasse para casa.
Não estavam tendo dias fáceis naquela semana, nenhum dos dois. Iniciavam o dia com momentos bons e prazerosos, mas sempre que voltavam do trabalho, algo de ruim havia acontecido. se sentia um pouco culpado por pensar que enquanto se divertia com os amigos, passava por aquela situação tão péssima. Devia ter ficado, devia ter saído depois dela, nunca devia tê-la deixado lá, sozinha.
– Sabe, eu... – voltou a falar depois de um tempo em silêncio. – Eu não sei porque deixei ela falar tudo aquilo e não respondi. Porque apenas me calei e chorei, não reagi. – Lembrou com raiva de si.
– Não fica pensando nisso. – tomou uma das mãos da inglesa e entrelaçou seus dedos, beijando o dorso. – O que você ia fazer? Não tem jeito de conversar ou discutir com alguém assim. Ela sempre vai ter razão.
– Mas eu devia ter feito alguma coisa e não ter só ficado parada, ouvindo ela falar tudo aquilo sobre mim. – esfregou os olhos com as mãos, soltando-se do namorado. – Acho que nunca me senti tão humilhada, em uma situação tão degradante assim, antes.
– Eu não devia ter te deixado lá. – também se lamentou, esfregando as costas da terapeuta inglesa. – Não devia ter te deixado sozinha lá. Devia ter imaginado que ela aprontaria alguma.
– Não é sua culpa. – A inglesa se voltou para ele. – Gostei que saiu, que tentou se divertir um pouco. Desculpe se te puxei de volta para essa bagunça.
– Não, você fez certo. Fez bem. – Ele balançou a cabeça, se aninhou melhor em seus braços e o capitão passou a afagar seu rosto. – Foi bom que me chamou.
– Só consegui pensar em você. – Ela confessou, pousando uma mão no peito dele. – Não no início, porque no início eu queria apenas me esconder em alguma floresta onde ninguém jamais me encontraria. Queria ficar sozinha e chorar até a raiva ir embora. Mas depois, eu só precisava de você.
– Por que o estava lá? – perguntou, porque ainda não havia tocado no tópico.
– Não sei. – levantou os ombros. – Eu fui me esconder na arena vazia e ele estava lá. Ele me ajudou, tentou me acalmar, disse para eu não deixar a Isabel entrar na minha cabeça. – A terapeuta ergueu o olhar para o namorado. – Disse que você não parecia infeliz estando comigo. – sorriu ao ouvir. – Também falou outras coisas, mas eu não me lembro direito. Talvez sobre eu não ter ferrado ninguém, ou sobre ter um coração bom. Realmente não me lembro. Acho que estava nervosa demais.
– Ele disse que tinha resolvido a situação com a Isabel. – lembrou. – O que ele fez?
– Não sei dizer. – sacudiu a cabeça e o olhou. – Depois, quando eu estava mais calma, ele saiu. Só o vi de novo quando encontrei você. Ele realmente falou alguma coisa sobre resolver o problema, mas acho que não chegou a me dizer como. O que acha que ele fez?
– Não tenho ideia. – O central respondeu com sinceridade, pensativo. – Mas tenho a impressão de que vamos descobrir logo.
não respondeu, apenas assentiu com a cabeça, apertando os lábios. Em seguida a inglesa ergueu o olhar para o namorado outra vez, observando seu semblante preocupado e pensativo.
– Te aborreceu? Ele estar lá? – Ela quis saber. – Depois do que conversamos hoje de manhã?
– Não, claro que não. – sacudiu a cabeça. – Não ia reclamar se fosse outra pessoa, mas, eu até tô um pouco grato.
– Por que? – A inglesa indagou.
– Porque eu não estava lá, mas ele estava. Ele te acalmou e ficou com você. – afagou o rosto da terapeuta, olhando em seus olhos quando falava. – Foi bom você não estar sozinha. E também, essa parte não importa... não quando você... eu estava muito preocupado, só queria saber se você estava bem e queria você comigo.
– Eu não teria ido até ele se ele não tivesse aparecido no caminho. – garantiu ao namorado. – Mas quem sabe, ele vendo o tipo de coisa baixa que ela faz, resolva parar com a implicância e ajudar a resolver tudo.
– Pode ser.
– Não sei se quero voltar lá. – falou, também tinha o olhar perdido. – É como a Isabel disse, ela não esperava me ver por lá mais. Depois do que aconteceu, como eu poderia continuar? Não preciso ouvir mais, não preciso ser mais humilhada ou ofendida.
– Mas e o time? – a mirou. – Você nunca fez isso pela Isabel, fazia pelo time. Por você.
– Posso encontrar o time em outro lugar, outro dia. – Ela negou com a cabeça, afundando-se mais ao namorado. – Eu não estou com muita vontade de voltar lá, não depois de hoje. Nunca agi mal, sempre tentei fazer um bom trabalho e agir corretamente. Sei que vacilei com você e talvez posso ter sido o motivo do Mere ter saído do time, mas... eu tentei ser boa, não merecia esse tipo de situação.
– Você não foi o motivo do Merelä sair. – sacudiu a cabeça. – Ele saiu porque quis, pelo mesmo motivo que outros vão sair. E sobre mim, , eu teria te infernizado, teria te perseguido dia e noite, implorando por uma chance. – sorriu. – E eu nunca perderia essa chance com você, por nada no mundo. Pare de se culpar por causa disso. Eu entendo que existe essa coisa de ética, mas regras em um pedaço de papel não controlam por quem a gente se apaixona. Quem a gente ama. E eu amo você, papel nenhum poderia mudar isso. E você me ama também.
– É verdade. – A inglesa sorriu fechado, tocando com uma das mãos a nuca do jogador.
– Você não me seduziu e me enganou, a gente sabia bem o que estava fazendo, desde o início. Não deixa ninguém usar isso contra você. – O capitão pediu. – O que a gente tem é bonito, difícil de encontrar, não precisa ter culpa por ter acontecido.
– Não tenho culpa por ter acontecido, tenho culpa quando penso que talvez as coisas fossem mais fáceis para você agora. – respondeu com sinceridade e viu o namorado apertar os lábios e suspirar.
– Talvez fossem. – concordou com um aceno – Eu estaria com o contrato já fechado, provavelmente. É provável que não tivesse muitos problemas com a Isabel. Continuaria morando sozinho aqui, indo para Viipuri sempre que pudesse, ou encontrando Aleks e Atte durante as folgas. – Listou ele. – Mas ele não estaria com a Ness. Eu não teria me aproximado do Santtu. Não teria amadurecido, não teria ficado mais aberto a sentir a coisas, continuaria me trancando em casa, sozinho, descontando tudo no gelo quando me sentisse mal. Estaria sozinho. Vendo as pessoas andarem com a vida, enquanto eu repetia a mesma coisa de sempre, sem sair do roteiro porque não queria que nada me distraísse do hockey. Teria assinado por mais uns quatro ou seis anos em Lahti e veria o Merelä, Santtu e vários outros seguirem para outros lugares, parado aqui, me contentando com algo que não era muito, mas que parecia servir. Me diz, , isso seria mais fácil ou melhor do que a vida que eu tenho agora?
não respondeu, tinha os olhos presos ao do namorado, que falava sério, embora as vezes sorrisse. Seu tom não vacilava, era macio e firme, os olhos pareciam transmitir a mesma mensagem.
– Não trocaria nada, nenhum momento bom ou ruim. – continuou. – Quem diz isso, não sabe o que está falando. Eu tô feliz agora. Não quero uma vida mais fácil, quero uma vida feliz. Acho que nunca te disse isso, mas você me faz feliz, Rakkaani, e eu tô realizado assim. Não quero minha vida antiga e sem graça de volta, nunca mais.
– ... – o abraçou, emocionada com a declaração dele.
– Dorme um pouco agora, não precisa decidir nada sobre o time hoje. – O capitão falou entre beijos que depositava nos ombros da namorada. – Descanse, me deixa cuidar de você, ficar com você. Amanhã a gente enfrenta o que tiver que enfrentar, junto.
se aninhou mais ao namorado, deitando-se junto dele e sentindo a abraçar.
– Amo você, .
– Eu sei.
Quinta-feira, 03 de fevereiro de 2022
Casa de e
Lahti – Finlândia
Depois do café da manhã, e estavam de volta ao quarto. se barbeava após o banho, tinha conseguido uma noite de sono razoável, mas percebera que a namorada não havia tido a mesma sorte. se mexera durante toda a noite, virando-se de um lado para o outro. O capitão sentia pena dela e seu coração se apertava, conseguia se colocar no lugar da namorada. Depois de tantas memórias boas, tantos momentos felizes, receber aquele golpe não era confortável e maculava tudo de bom que o time representava.
não sabia ou entendia o que quis dizer quando falou sobre ter resolvido, nem entendeu o que o antigo chefe de sua namorada pretendia na noite passada. Não tocaria no assunto com porque ela já estava mexida o suficiente, e acreditava quando ela dizia não se lembrar exatamente de tudo que fora dito pelo empresário finlandês. Mas mesmo que não estivesse lá o tempo todo, esteve no final por tempo suficiente para o ver tendo aquela postura estranha.
tinha se aproximado da escada quando desceu, tinha dado um passo à frente e praticamente aberto os braços para recebê-la. O que para o capitão era ridículo. não correria para ele em nenhum universo. Passava das nove quando recebeu a mensagem, devia ser dez horas quando chegou até a Isku, lamentava que todas essas horas tivessem se passado sem sua presença lá, para defende-la e a proteger. Mas nada disso significava que por conta da situação, ele tinha adquirido qualquer grau de proximidade com sua inglesa.
Mas sentiu a decepção dele. O jogador deixou o barbeador sobre a pia, apoiou as mãos e encarou seu reflexo no espelho, lembrando-se da cena. acompanhando o movimento de , desapontado quando ela passou direto por ele e se lançou nos braços de . Era óbvio, porque aquele era o lugar dela, ela o tinha chamado, ao contrário de , que só teve sorte por estar no lugar certo, na hora certa. Mas ele tinha aquele olhar, um olhar decepcionado, até um pouco surpreso, como o de quem realmente acredita que receberia aquele abraço.
sacudiu a cabeça, não queria ficar pensando no assunto, alimentando sentimentos ruins que não eram prioridade no momento. A prioridade era , cuidar dela, estar com ela, deixá-la confortável, a proteger. Não entendia porque alguém como Isabel se dispunha a infernizar tanto alguém que lhe era inofensiva como . Svedin não precisava de nada daquilo, mas mesmo assim fazia. Mas, agora tudo estava mais a flor da pele, o modo como havia se sentido, como a inglesinha tinha estado péssima, aquilo mudava a perspectiva outra vez. ainda tremia quando a encontrara na Isku, se desmontando e chorando outra vez quando o abraçou e se sentiu protegida. Poucas vezes ele a tinha visto daquele jeito. Pensando bem, talvez nunca a tivesse visto tão afetada.
estava deitada na cama, encarando o teto e enfiou o rosto para fora do banheiro rapidamente.
– Você não quer pensar melhor? – Ele falou em voz alta, voltando a conferir sua barba no espelho. – Pode tirar uns dias de folga e voltar depois para a Isku.
– Eu não quero. – respondeu firme. – Já devia ter ido há muito tempo, essa é a verdade.
– Mas e eu? – tornou a apoiar as mãos na pia. – Eu vou estar lá, você nunca mais vai me ver jogar?
– Amor, eu... – suspirou.
– E tem o time. – O capitão continuou. – Você devia se despedir, avisar da sua saída. Eu ia odiar se fosse avisado por outra pessoa. E tem o Santtu, o Otto, o Jay...
– Eu vou encontrá-los antes do jogo. – avisou, sentando-se na cama. – Combinei com os três e a Brie, vamos naquele café que costumamos ir.
– Aquele que a gente fez você sabe o que, no estacionamento? – riu alto, secando o rosto com uma toalha.
– É, justamente. – riu. – Espero que eu não seja reconhecida lá por isso.
– Se te pedirem autógrafos, me conta. – brincou e a ouviu bufar, depois rir.
– Acho que é uma hora boa para eu me cercar dos meus amigos, de quem gosta de mim. – falava e enquanto a ouvia, também sorria, depois levou uma das mãos ao meio de seu peito, sobre onde o esterno se localizava, por cima do coração. – Vai ser uma época diferente, uma fase diferente e eu acho que preciso me lembrar do que faz sentido e importa.
– Acho que posso ajudar.
O capitão saiu do banheiro, a terapeuta estava sentada sobre a cama e se aproximou, parando a sua frente. sorriu.
– Claro que pode, você é o maior responsável por tudo isso. – Ela maneou a cabeça. – Mais da metade do amor que eu preciso agora, é do seu. – Ela sorriu outra vez.
– Eu quero te mostrar uma coisa. – sorriu depois de tocar a bochecha e o queixo da namorada com delicadeza. – Devia ser uma ocasião melhor e depois da nossa manhã ontem... eu achei que seria o jeito perfeito de finalizar a noite.
– O que foi que você fez? – arqueou uma sobrancelha, rindo desconfiada e ficou de pé.
expirou um riso fraco e começou a tirar a blusa de moletom que usava, puxando-a pela cabeça, depois a camiseta. O jogador de hockey tinha os cabelos um pouco despenteados, mas o rosto estava liso, sem barba, o que dava a ele aparência de mais jovem. Quando terminou de se despir, ainda o mirava com desconfiança, mas não entendia ao que ele referia. estava sem camisa a sua frente, com olhar ansioso e um sorriso bobo nos lábios vermelhos, cheios e macios.
– O que está aprontando, ? – riu, levantando as sobrancelhas e ele balançou a cabeça devagar, ainda sorrindo.
Com a mão direita, entrelaçou seus dedos, atraindo o olhar da terapeuta para baixo, sentindo a textura da pele macia e quente. Depois de afagar um pouco a pele de , ergueu a mão dela, devagar, trazendo para cima. tinha os olhos fixos aos olhos do jogador. O capitão guiou devagar a mão da namorada para o espaço de pele sobre seu coração. apertou os olhos confusa, mas viu o namorado inclinar a cabeça uma vez, como se a pedisse para prestar atenção. sorriu de lado, maneou a cabeça e piscou, inclinando o olhar. Olhou para a própria mão, sentindo a textura e rigidez daquela área, embora a textura estivesse um pouco diferente do que tinha costume. olhou rapidamente para o namorado e tornou a encarar a própria mão, pousada sobre o peito dele.
Devagar, afastou a mão, deslizando-a por sobre a pele dele, revelando pedaço por pedaço de um desenho que não estava ali antes. A inglesa uniu as sobrancelhas e franziu o cenho, confusa e então tocou com a ponta dos dedos o desenho. A tatuagem nova.
– ... – A terapeuta tinha os olhos mais abertos, boca entreaberta, surpresa. – Isso é... Isso é? É o que eu acho que é?
– A minha constelação favorita? – Ele sorriu, enfiando uma das mãos na nuca de , embolando os dedos em seus cabelos e a puxando para lhe dar um beijo na testa. – É, é ela sim.
– Você tatuou de verdade? – estava em choque e levou uma das mãos até as costas, tentando tocar a localização real dos pontos que o namorado havia reproduzido no peito. – É permanente? É sério?
– A mais permanente de todas. – sorriu, encarando a namorada embasbacada. – Já tinha um tempo que eu queria fazer, pensava nisso toda vez que via elas em você. – O jogador também levou uma das mãos as costas da namorada, tocando a pequenas pintas que formavam a constelação favorita dele e a viu sorrir, embasbacada. – Não tinha um lugar melhor do que perto do meu coração.
– Você é mesmo maluco. – sorriu feliz, tomando o rosto dele nas mãos.
– Não, eu tô bem são agora. – a abraçou pela cintura. – Tinha que assinar um termo de arrependimento antes de começar a tatuagem. – Brincou, a fazendo rir.
– Eu não sei o que dizer. – A inglesa balançou a cabeça negativamente, sorrindo.
– Você já disse tudo que precisava. – Respondeu o capitão. – Agora, só me beija.
obedeceu, alegre, enlaçando a cintura do namorado com as pernas, tentando mostrar a ele toda felicidade que sentia através dos lábios.
Quinta-feira, 03 de fevereiro de 2022
Casa de Aleks Haatanen
Lahti – Finlândia
O sol despontava preguiçoso entre as nuvens, o asfalto estava um pouco manchado de água, mas não havia neve, só frio. Algumas crianças passavam do outro lado da rua conversando, em direção a algum parque ou qualquer outro lugar, pareciam animadas. estava de pé do lado de fora do carro, havia estacionado do outro lado da rua e estava escorado a seu veículo, esperando. Estava vestido para o frio do dia, confortável e quente, braços cruzados, lábios retos e olhos semicerrados, sobrancelhas juntas por causa da claridade que lhe incomodava os olhos. esperava.
Depois do que o capitão do time julgou ser tempo demais, uma porta lateral da casa que o jogador encarava foi aberta e depois fechada com força. Nesse intervalo, ouviu vozes que ecoavam dentro da casa, mas não conseguiu reconhecer o que diziam. Da porta lateral, andando rápido e sem olhar para os lados ou para trás, surgiu Aleks Haatanen. Ele parecia agitado, apressado, um pouco irritado, mas deu impressão de deixar tudo no jardim quando atravessou a rua para encontrar um dos melhores amigos.
Hade e se cumprimentaram com um aperto de mão específico entre eles e um abraço lateral. Em seguida o ala se recostou ao carro de , imitando o que o capitão fazia, olhando para o mesmo ponto: sua casa.
– Qual é a da vez? – apontou com o queixo, sem olhar o amigo.
– Só o idiota do marido da minha irmã. – Aleks rolou os olhos. – Não sei porque ela ainda fica com esse cara.
– As pessoas ficam por amor. – ergueu os ombros, mirando Aleks de soslaio.
– Amor? – Hade negou com a cabeça e desviou o olhar, ficou de lado, com um dos braços apoiados ao teto do carro do amigo e chutou o chão devagar. – Isso não é amor não. Não tem nada de amor em chegar bêbado e achar que todo mundo tem culpa da sua depressão sazonal.
– Seus sobrinhos estão okay? – virou o rosto para olhar o amigo.
– Estão, a gente está se virando. – Hade deu de ombros. – Mas você veio até aqui pra uma sessão de papo furado?
riu pelo nariz, voltando a olhar para frente.
– Claro que não. – Negou o capitão. – A gente dessa área não gosta de papo furado.
– Então, qual é o problema? – Aleks investigou. – É sobre a mensagem de ontem? A gente nem viu seu carro saindo.
– Tem a ver, sim. – fungou, encarando os pés. – Mas não totalmente. Vou chegar nessa parte.
– Em quem a gente vai bater? – Hade sorriu, ficando mais empolgado. – Eu tô precisando descarregar.
– Em ninguém, eu acho pelo menos... – o olhou, pensou em dizer que talvez Aleks quisesse bater nele, mas preferiu não ser aquele que daria a sugestão.
– Então me fala, qual é a parada?
O capitão encarou o olhar ansioso e curioso do amigo, vendo em seu rosto o quanto Aleks estava disposto a apoiá-lo e se sentiu mal. Teve vontade de desistir e inventar qualquer coisa para justificar a visita, fingir que não era nada sério e continua com a mentira, sem enfrentar nenhuma consequência. Mas não podia, não mais.
– Preciso te contar uma coisa. – anunciou, temendo a reação do mais jovem. – Acho que não vai gostar, mas é o que é. Não tem como mudar, as coisas acontecem.
– Tá falando de que? – Hade quis saber.
– Lembra quando eu e terminamos, ano passado? – perguntou e Aleks assentiu. – Nós não terminamos de verdade. – O capitão sacudiu a cabeça. – A gente mentiu, porque não era certo que a gente ficasse junto. Por ela estar no time e tudo...
– Por que nunca me contou isso? – Aleks apertou os olhos, confuso. – A gente falou disso. Eu falei disso com a , na sauna, na sua casa.
– Era perigoso e a gente precisou guardar segredo de todo mundo. – tentou explicar, mas a medida com que falava, a expressão decepção no rosto de Aleks aumentava. – Só os amigos ingleses sabiam. E também... tinha aquela coisa dos bombons e...
Aleks riu alto, sem parecer estar feliz.
– Certo, ficou com medo de mim. – Hade assentiu. – Saquei. Eu sou problemático, todo mundo espera sempre o pior do Aleks. Claro que eu faria alguma coisa, não é?
– É que era complicado. – tentou justificar.
– Tanto faz, ... não importa mais. – Aleks balançou a cabeça e torceu os lábios, apoiado as costas ao carro outra vez.
– Por que não importa?
– Porque não tem mais nada a ver. – Aleks o olhou e ergueu os ombros. – Quer dizer, muita coisa já aconteceu. A já namorou o Merelä depois disso, então, quem liga se...
respirou fundo e tencionou os ombros, Aleks percebeu.
– O que foi? Por que fez essa cara? – O ala loiro o analisou.
– e eu nunca terminamos. – confessou. – Nunca. Nem naquela época, nem... – O jogador foi tomado pelo brilho de uma lembrança. – Na verdade, sim. Na véspera da pausa para as festas nós terminamos, mas voltamos. A gente tá junto desde o ano passado. Ela já conhece a minha família, eu conheço os amigos dela... – sorriu sem jeito, erguendo um ombro. – Ela mora comigo agora. O Merelä... tudo foi mentira, só para disfarçar, para o Petri não descobrir sobre nós dois.
– Que pegadinha é essa? – Aleks sacudiu a cabeça e riu. – Hoje não é o dia da mentira, nem nada. Você bebeu? Apostou com o Atte?
– É sério, Aleks. – o olhou nos olhos. – E eu lamento não ter contado para você ainda. É que tudo foi rápido e a gente não podia deixar o time todo descobrir, porque podia ser perigoso.
– Não pode ser verdade. – Aleks negou com a cabeça e se afastou. – Você e a ? Esse tempo todo? – Hade andava de um lado para o outro. – Não, não tem como... o Merelä namorava ela, você tinha uma namorada misteriosa. – O ala balançou a cabeça outra vez. – Esse tempo todo vocês estavam mentindo para todo mundo?
– Foi preciso, não foi por querer. – justificou.
– Mas... – Aleks parecia tentar juntar todas as peças do quebra-cabeças em sua mente. – Mas se o Merelä fingiu namorar a , então ele sabia, não sabia?
– Sim. – Confessou , expirando cansado. – Sobre ele, é complicado.
– Sempre é. – Aleks riu nervoso. – Aposto que Santtu e a turminha também sabem, não é? O original quatro, se o Merelä sabe, os outros sabem.
– Santtu pegou a gente no flagra ano passado. – contou, tinha cabeça inclinada, envergonhado e chateado pela situação. – Merelä descobriu porque achou que tinha alguma chance com ela. – Aleks sacudiu a cabeça, demonstrando sua incredulidade com a situação, mesmo após tanto tempo. – contou para o Otto e o Jasper já tinha percebido, mas viu nós dois juntos no show. Em Tampe.
– Lindo. – Aleks aplaudiu. – Todo mundo sabia. Atte já está sabendo desse seu caso ridículo?
não respondeu, mas ergueu o olhar para Aleks e o encarou em silêncio. Haatanen entendeu e sua expressão mudou de uma irritada, sarcástica, para decepção e surpresa.
– Atte sabe? – Aleks perguntou, mas sua voz falhou.
assentiu com a cabeça.
– O Atte sabe. – Hade disse a si mesmo. – Ele está com a sua irmã, passou a pausa com vocês e ... a deve ter estado lá. Vocês... esse tempo todo... eu era o único que não sabia. Eu não sabia. Eu era o único que não sabia? – Aleks perguntou bravo, aumentando a voz. – Eu era o único que não sabia?
– Não foi planejado, ninguém decidiu uma ordem de prioridade. – respondeu na defensiva. – As coisas só aconteceram. E não precisa desse drama todo. Você nunca se importou. Quando eu tentei, você sabia que eu queria ela e mesmo assim tentou jogar a contra mim. Inventou aquela história idiota do chocolate. Por que você deveria ter sido um dos primeiros a saber?
– Você disse que tinha me perdoado! – Aleks o lembrou, ressentido e não respondeu. Os dois se encararam, ambos com respiração descompassada e expressões chateadas. – Eu sei, . É o Aleks, é sempre assim. Por isso você e o Atte só ficavam com o Santtu. Por isso não me contavam mais nada, ou me excluíam de tudo que faziam juntos.
– Isso não é verdade.
– Por isso que nunca queriam sair, por isso que eu nunca podia ir com vocês para as saídas, para as comemorações depois dos jogos. – Aleks listou. – Porque é o Aleks, não é? Claro. Esperava que eu fizesse o quê? Envenenasse a água? Contasse para o time todo sobre vocês dois?
– Você já tinha tentado separar a gente antes. – respondeu, tentando justificar seu erro e Aleks riu.
– Eu não contei. – Lembrou o ala. – Não contei sobre você gostar dela. Não contei quando o Willy quis descobrir se tinham um caso. Não contei sobre nada.
– Não finge que não estava com ele nessa. – rolou os olhos, impaciente, acuado. – Você queria descobrir se a gente estava saindo. Não me contou sobre isso, agiu nas minhas costas de novo.
– Você nunca mais ficou na minha frente, , não é como se eu tivesse opção. – Aleks expirou com desdém. – Você cumpriu sua missão. Sai da frente da minha casa e vê se não volta mais aqui. – Pediu o loiro, dando as costas para e caminhando de volta para casa.
– Aleks, não precisa ser assim. – tentou argumentar. – Não precisa fazer esse drama.
– É melhor sair, . – Aleks não se virou para dizer. – Vai ver sua garota. Quem sabe o que eu posso aprontar agora. Envenenar você, ela, contar para o time sobre vocês. Ia dizer que podem esperar o pior de mim, mas me lembrei que isso vocês já fazem.
Aleks desapareceu nos fundos da casa e do lado de fora, frustrado, triste e nervoso, descontou chutando o pneu do carro.
Quinta-feira, 03 de fevereiro de 2022
Lahti Coffe
Lahti – Finlândia
A última mesa do salão, perto da porta dos fundos, estava no mais completo silêncio. Do tipo que se podia entender as notícias mostradas na TV, ou ouvir o chiar da chapa na cozinha, o ruído que o café fazia ao sair da máquina, o barulho da lata de spray e os funcionários cochichando. Santtu tinha o olhar preso ao vidro que dava para a calçada, segurava seu copo de café gelado nas mãos e tomava pelo canudo, Otto encarava com olhar chocado, estatelado, Brie também tinha os olhos arregalados e sobrancelhas arqueadas, mas encarava a mesa. Jasper tinha as mãos cruzadas sobre a mesa e olhava para a terapeuta como quem espera que alguém continue o que dizia.
– Ah, mas que chato. – Jasper expirou quando percebeu que a amiga inglesa não diria mais nada. – E agora você vai achar outro time para trabalhar?
– Jay, não é possível que você não conseguiu prestar atenção ao que ela disse. – Otto apertou os dentes, mirando o amigo.
– Eu prestei, né?! – Jasper respondeu como se fosse óbvio. – Ela vai sair do time.
– Ele deve ter algum tipo de funcionamento diferente. – Brie tentou acalmar a si mesma. – Certamente. A cabeça dele deve funcionar diferente.
– Gente, não vamos brigar por isso, tá legal? – tentou acalmá-los. – Eu só queria contar tudo. Queria que entendessem tudo, porque vocês e o são minha família aqui em Lahti. E agora, pelo visto, é tudo que tenho. – Ela suspirou.
– tem razão. – Brie tocou o ombro de Otto e o de Jasper, que estavam sentados ao seu lado. – Vamos sentir sua falta, amiga. – Declarou a jornalista alemã. – Mas você vai sempre estar inclusa em tudo. Todas as saídas, todas as coisas. Não vamos te deixar sozinha, nem desamparada. – Garantiu e sorriu, esticando-se para segurar a mão da garota.
– É, por mim, a gente faria um motim e chutaria essa gerente nova para a casa do... – Ottis começou a falar, mas o cortou.
– Ei, eu sei que ela até merece. – A inglesa maneou a cabeça. – Mas não quero que se prejudiquem no time por minha causa, não vale a pena. Não quero que ela fique emburrada com mais alguém que eu goste. – sorriu e Otto correspondeu, esticando a mão e se unindo a Brie e .
– A gente pode espalhar currículos pela cidade, eu ajudo. – Jasper garantiu sorrindo e também uniu sua mão aos dos outros..
O grupo sorriu e olhou com expectativa para Santtu, que continuava com o olhar distante. O defensor sentiu queimar os olhos dos outros sobre si e os mirou, como quem pergunta o que estão querendo.
– Vamos, só falta você. – Brie apontou com o queixo para as mãos unidas.
Santtu olhou para o grupo, para as mãos, para , depois rolou os olhos.
– É, blá blá blá, amizade. Etc., etc., etc., tamo junto. Pode crer. – Ele debochou azedo.
– Santtu, isso foi rude. – Jasper ergueu um dedo, mas o defensor bufou e rolou os olhos.
– Que mal humor, hein? – Brie resmungou. – Vou até pegar outro café. Uns biscoitinhos bem doces para adoçar você, seu azedo.
– Eu quero bolo. – Otto pediu, ignorando o amigo. – Traz bolo?
– Eu só tenho duas mãos, então... – Brie deu de ombros, se levantando.
– Eu ajudo! – Jasper se prontificou, levantando-se ao mesmo tempo em que Otto.
assistiu o trio se levantar e ir para a fila de pedidos, depois olhou para o melhor amigo, envergonhada.
– Se quer brigar, acho que esse é o momento. – falou e Santtu expirou um riso sem humor.
– Não vou brigar, não adianta. – Ele deu de ombros. – Você faz burradas, brigando ou não.
– Então porque está com essa expressão? De quem me odeia?
– , eu nem sei que o dizer. – Santtu se voltou para ela. – Eu tô com raiva de você. Porque você tá deixando tudo por um cara. – Ele falou como se a decisão fosse ridícula. – Não ligo se é o , se ele é um cara foda, ou se ele te ama e blá blá blá. Ele é um cara. – O defensor bateu com o dedo indicador na mesa. – Tá deixando seu trabalho por causa disso. Passando por várias coisas por causa de um cara. – Santtu sacudiu a cabeça. – Devia ter ficado com o Merelä. Ele saiu do time, ele nunca ia te colocar nessa posição. – O defensor expirou decepcionado.
– Hey, não é assim também. – tentou se defender. – Mere não saiu do time por minha causa, saiu pelo mesmo motivo que você quer sair. E não é só um cara, é o homem que eu amo e que me ama. A gente não escolheu, mas aconteceu.
– Você nem me contou, . – Santtu tornou a acusá-la. – Tudo isso com a Svedin desde o início e você nem me contou. O time todo já sabe de vocês praticamente. Que diferença faz? Eu tô com raiva de você, o Mere também vai ficar, porque você tá se ferrando e o vai continuar lá, intocável, como sempre. – Santtu apontou para fora, como se estivesse por aí.
– É o seu direito. É o seu direito, tá bom!? – o deu razão, agitada com o sermão dele. – Pode ficar com raiva de mim, pode me achar estúpida, sem juízo, impulsiva, uma grande idiota por estar nesse lugar. Pode brigar, gritar comigo. – A inglesa fez uma breve pausa e expirou pesadamente. – Mas você é o meu melhor amigo aqui. Eu preciso de você. Entendo que não me apoie e ache isso um erro. Talvez daqui um tempo eu te dê razão, ou... talvez você me peça desculpas por isso. Mas... eu só estou te pedindo uma chance. – Santtu baixou o olhar e mordia o interior da boca, enquanto balançava a perna, agitado e ansioso. – Eu só peço seu apoio, mesmo que não concorde com a minha decisão. O time não é mais o meu lugar.
– Está cometendo um erro.
– Amigos deviam ficar juntos, apoiando, mesmo nos erros. – o chamou a atenção. – Ser amigo quando tudo vai bem é fácil demais.
Santtu a olhou nos olhos e ergueu um ombro, torcendo o canto de um dos lábios. O defensor sacudiu a cabeça negativamente e expirou.
– Eu odeio você. – O finlandês declarou, puxando a amiga para um abraço, beijando depois o topo de sua cabeça. – Fique sabendo que eu vou dizer que te avisei, e você vai ter que ouvir sem reclamar.
– Desde que você esteja comigo, do meu lado, tudo bem. – sorriu e ergueu o olhar para ele. – Obrigada, Santtu.
Ele torceu os lábios em uma careta emburrada.
– Ainda não quero papo com você. – Respondeu emburrado, fazendo a amiga rir.
Quinta-feira, 03 de fevereiro de 2022
Centro de Treinamentos do Pelicans
Lahti – Finlândia
Aquele provavelmente seria o último dia de no time.
A ideia era nunca mais retornar, mas depois do olhar matador de Santtu, das reclamações de Jasper e Brie, do discurso de quarenta minutos de Ottis sobre como ela estava sendo um cão covarde por não voltar ao time para se despedir, a terapeuta inglesa repensou sua decisão. A justificativa dos amigos era a mesma do namorado, os jogadores gostavam de e não deviam pagar o preço pelas atitudes da executiva. Ir embora sem dizer adeus seria péssimo, principalmente pensando sobre como o time a havia acolhido no início de tudo.
Por isso, após o almoço – que não conseguiu comer – a inglesa estava entrando no centro de treinamento pelo que ela julgava ser a última vez. O time estava treinando um pouco, um último treino tático leve no gelo, se preparando para o jogo da noite. De longe podia ouvir o som dos tacos se chocando, do disco acertando a proteção, os gritos dos jogadores, inclusive de , cobrando passes certos dos companheiros, o apito de Petri e suas palmas, assim como seus brados de correção. Pelo tom, Petri parecia irritado.
Quando entrou no campo de visão dos atletas, Santtu e Otto trocaram olhares. Quando a viu, uniu as sobrancelhas e parou o que estava fazendo, segurando o taco com as duas mãos, confuso. Petri, ao notar os olhares do time, se virou também. Ao perceber ser , o treinador se adiantou indo até ela.
– Está atrasada. – Ele começou a puxá-la pelo braço para a direção oposta. – Precisa fazer alguma coisa, ou eles vão me enfartar.
– Petri. – tentou se desvencilhar dele, mas falhou. – Petri, eu não... para onde está me levando? Pare. Pare agora! – Ela empacou no lugar.
– não temos tempo para teimosia. – O técnico tentou puxá-la outra vez.
– Não é teimosia. – Ela não cedeu e ele a olhou. – Eu não vou mais trabalhar aqui, você sabe. Só vim me despedir.
– Não, isso fica para outra hora. – O treinador apontou com o dedo indicador para a inglesa. – Não vai largar tudo assim, agora. Não importo como você vai fazer isso, mas precisa fazer.
– Mas nem morta. – respondeu enfezada. – Quem vai me obrigar?
Petri bufou, tinha o rosto já vermelho. O treinador segurou a terapeuta pelos ombros e a girou, a forçando a encarar o gelo, onde o time voltava a treinar.
– Está vendo lá? Me diga o que está faltando? – Pediu, mas não teve tempo de analisar. – Aleks Haatanen. – virou o rosto para ele, confusa. – Aleks Haatanen se recusa a treinar hoje e a jogar se não mudar de linha.
– Desculpe? – se virou completamente para o olhar. – Isso não faz nenhum sentido.
– É, não faz, não é? – O técnico ironizou, colocando as mãos na cintura. – Ao que parece, ele se recusa a jogar ao lado do bastardo traidor do . – arregalou os olhos. – Palavras dele. – Petri justificou.
– O que o fez?
– É uma ótima pergunta, mas que o se nega a responder. Como sempre. – Petri ergueu as mãos, prestes a explodir. – Eu sinceramente devia me aposentar. – Ele começou a ser afastar. – É melhor você resolver isso do seu jeito, porque se eu fizer do meu, vou para a cadeia.
Dizendo isso, o treinador voltou para junto do gelo, largando para trás uma atônita e surpresa com a reviravolta no time.
Quinta-feira, 03 de fevereiro de 2022
Centro de Treinamentos do Pelicans
Lahti – Finlândia
A terapeuta inglesa percorreu algumas salas da instalação em busca de Aleks Haatanen. Custou um pouco até encontrá-lo na academia, levantando peso. se aproximou em silêncio, mas quando o ala percebeu sua aproximação, bufou irritado, deixando o peso e se levantando.
– Aleks, não. – se apressou para impedi-lo de sair, se colocando na frente. – Não vá. Eu gostaria de falar com você.
– Eu não tenho nada para falar com você, Huora.
– Isso não é nem justo, eu não sei o que essa palavra significa. – falou torcendo os lábios, não queria ser muito firme para não espantá-lo.
O jogador rolou os olhos e riu pelo nariz, sem humor.
– Pergunte ao seu namorado. – Aleks respondeu azedo. – Petturit. – Ele cuspiu de modo literal no chão.
– Aleks... – estava confusa, mas logo as peças começaram a se encaixar e a inglesa relaxou a expressão, respirou fundo e o olhou. – Como você soube? – Perguntou após alguns segundos em silêncio.
– Seu namorado foi até minha casa para contar. Devo ser mesmo importante. – Aleks sorriu, olhando para com olhos arregalados. – Sua estrangeira fingida e duas caras.
– Aleks, as coisas fugiram do controle, a gente não escolheu exatamente para quem contar. – Ela tentou explicar.
– Não? – Ele riu alto. – Não fizeram isso porque é claro que o Aleks é uma peste e vai fazer algo contra nós?
– Você não é uma peste. – o corrigiu, balançando a cabeça. – Só um pouco desequilibrado. A gente temia sua reação, mas não o que você faria com a gente. Nunca pensamos isso.
– Esqueceu de avisar ao seu namorado, então. – Aleks começou a se afastar, mas o impediu outra vez.
– Aleks, eu realmente sinto muito. – A terapeuta o olhou nos olhos. – Jasper só soube agora também. Otto soube recentemente porque me viu triste e... as coisas foram acontecendo.
– Sabe como foi para mim? – Hade começou a falar, parecia colocar para fora alguma frustração e decepção que guardava, misturada com raiva. – Ver meus melhores amigos nunca terem tempo para mim? Marcarem de sair depois do jogo e nem lembrarem de me convidar? Nunca me contar, me chamar, ou me deixar participar de nada com eles. E é claro, porque é o Aleks. Sempre esperam o pior do Aleks. O Aleks não vale nada e nem precisa saber, é claro que ele vai fazer algo ruim. Ele sempre faz.
Enquanto o ala loiro falava, não conteve o impulso que a dominou e abraçou o jogador, pegando-o desprevenido. A inglesa não disse nada, apenas o abraçou. Demorou um tempo para que Aleks correspondesse o abraço, mas quando o fez, ficaram abraçados por algum tempo, em silêncio. Não era o mais ético a fazer, nem de longe, mas agora não era mais a terapeuta ocupacional do time, era a namorada do melhor amigo, espelho e referência de Aleks Haatanen. Era alguém que simpatizava e gostava de Aleks apesar de tudo. E era ótimo poder agir apenas como tal.
– Eu realmente sinto muito. – se pronunciou enfim. – Sei que erramos nisso e acredite, foi difícil para o também. Mentir e esconder isso dos amigos, principalmente porque ele queria mostrar, mas não podíamos. O time não podia saber porque tudo mudaria, nós estávamos errados.
– Santtu podia saber. – Aleks acusou e balançou a cabeça negativamente.
– Santtu pegou nós dois juntos, mas eu menti para ele também. – contou, desvencilhando-se do atleta, colocando os cabelos atrás da orelha. Ela também estava chateada com a situação. – Menti dizendo que a gente tinha terminado. Mas de algum jeito ele ligou os pontos e descobriu que não.
– Vocês não se esforçam pra esconder. – Resmungou Aleks.
– Todo mundo diz isso, que minto mal, mas...
– Não. – Aleks a interrompeu. – Você não mente mal, pelo contrário. – O olhar do ala era frio e sem qualquer expressão. – Você mente bem, mas não se importam muito em serem descobertos. Eu devia ter visto, era óbvio. Mas acho que na minha cabeça, achei que se fosse real, me contaria.
– Ele queria, Aleks. – afagou o ombro do ala. – Ele queria mesmo, mas não pôde. Veja agora, Isabel e o time sabem. Desde então tudo virou um grande inferno e eu estou saindo do time.
– Por que? – Haatanen ergueu o olhar e uniu as sobrancelhas.
– As coisas ficaram feias, Svedin não tem feito minha vida aqui ser fácil e eu... eticamente não posso permanecer na minha posição, namorando o capitão do time.
– Karma é um deus. – Ele expirou um riso frio.
– É, acho que podemos pensar na lei do retorno, de algum jeito. – suspirou, baixando os ombros.
– Não me interessa mais. – Aleks deu de ombros. – Não quero saber sobre nada de vocês, nem do bastardo traidor.
– Aleks... – levantou o rosto, lembrando-se de Petri. – O que aconteceu? Por que não foi treinar?
– Eu não vou jogar com aquele idiota. – Ele rosnou, sentando-se em um aparelho.
– Aleks, vocês já brigaram antes e...
– Não vou, . – O ala foi categórico. – Não vou jogar com quem não posso confiar. Quando eu não era confiável, esse era o argumento. Não vou jogar com ele.
– Não teste o Petri. – se aproximou, ajoelhando-se na frente dele para que pudesse manter o contato visual. – Petri não vai mexer no time ou no por causa disso.
– Eu quero mudar de linha. – Respondeu Aleks. – Se não mudar, saio do time. Não vou jogar com esse duas caras.
– Aleks. – falou de modo firme. – Ouça o que está dizendo. Não posso permitir que se comporte assim, e para sua sorte, hoje eu ainda estou aqui para impedir que se prejudique ainda mais.
Aleks riu debochando.
– Você fica aí nesse discurso vitimista, de que as pessoas sempre esperam o pior de você. Mas o que você tem feito para mudar isso? – o indagou. – O que tem feito diferente? Você pode ter outra postura, deixar-se crescer um pouco. Você é um jogador de hockey profissional de um time sério, ocupa uma posição importante na equipe. Seu lugar na primeira linha foi conquistado e não ganhado. – ficou de pé. – Já chega de culpar os outros e se esconder nessa capa de adolescente frustrado e irritado com a vida. Você já é um homem, Aleks, aja como tal. Se levante daí, vista seu uniforme e vá treinar. Seja profissional.
– O que você... – O jogador tentou rebater, mas a inglesa o cortou.
– Não é sua vez de falar, é sua vez de agir. – ergueu um dedo, calando-o. – Quer que as pessoas te enxerguem diferente? Seja diferente. Vá se vestir e volte ao gelo como um bom profissional, um jogador do seu patamar. Não precisa amar o para jogar ao lado dele, basta ser profissional. Você nunca amou o time e mesmo assim jogou com eles até agora. Pare de fazer pirraça como se estivesse na liga escolar e tenha atitudes de alguém da sua idade. Mostre a eles que tem profissionalismo e maturidade.
Ao terminar seu discurso, a inglesa respirou fundo, tentando controlar sua respiração descompassada.
– Vou te esperar no gelo.
43 – So what if I'm crazy?
So what if I'm crazy? All the best people are
(Mad Hatter - Melanie Martinez)
Quinta-feira, 03 de fevereiro de 2022
Centro de Treinamentos do Pelicans
Lahti – Finlândia
O time entrava devagar e de forma silenciosa no vestiário após o treino. Pelo rosto vermelho de Petri, muito provavelmente o técnico havia esbravejado muito com a equipe. estava junto a outros membros da comissão técnica e fisioterapeutas, aguardando o restante dos atletas chegarem. Os jogadores que chegavam se sentavam em suas baias, retirando os equipamentos em silêncio, trocando olhares acuados, como os que os cães sustentam quando são pegos fazendo algo de errado.
– O que você fez? – Petri se aproximou da inglesa, parando ao lado dela e apontando para Aleks Haatanen com o queixo. Aleks estava junto aos outros, arrancando os patins em silêncio.
– O meu último trabalho. – olhou para o treinador. – Ele não é ruim, só precisa de alguém para mostrar isso a ele. – A inglesa apertou os lábios em um sorriso contido e o treinador assentiu, pensativo. – Petri, eu queria me despedir do time.
– Vai mesmo fazer isso? – O mais velho ergueu uma sobrancelha.
balançou a cabeça positivamente.
Os dois deram um passo à frente, mas o time pareceu não os notar, alguns falando sobre qualquer coisa que não podia compreender, outros absortos em seu próprio mundo. Enquanto Petri batia palmas e assoviava, chamando atenção do time, tentava encontrar o olhar de , porque era um pouco intimidador se enxergar ali, naquele espaço cheio de homens, mesmo agora. Também não estava acostumada a se meter nos vestiários, entre meias sujas e uniformes suados para fazer o que estava prestes a fazer. O cheiro do lugar era péssimo, e os homens seminus a obrigava a encarar a pequena faixa de trinta centímetros que ligava o teto as paredes, desviando o olhar dos atletas, mas ainda parecendo de prestar atenção ao grupo.
Já estava acostumada com a nudez deles, com o cheiro típico do vestiário e dos equipamentos de hockey, de seus comportamentos pervertidos que eram iguais a de adolescentes de quinze anos. Mas algo naquela tarde parecia tornar tudo diferente. Repentinamente foi tomada por uma lembrança. Meses atrás estava no mesmo lugar, atrás de Petri, prestes a ser apresentada ao time pela primeira vez. A inglesa sorriu com a semelhança dos momentos, porque era quase simbólico que estivesse prestes a finalizar tudo do modo como havia começado. Com uma apresentação no vestiário cheio.
– Pessoal, preciso da atenção de vocês. – O treinador começou a dizer, enquanto tentava se concentrar e permanecer firme ao lado dele. – Para dar uma palavra, direto da Inglaterra, , a terapeuta do time. – Petri olhou para onde se mantinha parada, encarando os homens absortos nas palavras do treinador.
– Terapeuta ocupacional do time. – corrigiu, dando um passo à frente e erguendo o dedo indicador um pouco incerta, mas sem pensar muito antes de fazer, como sempre.
O treinador arqueou uma sobrancelha e o time a encarou em completo silêncio. tentou limpar a garganta, era péssima naquele tipo de situação e a cada segundo que passava, tudo que havia planejado dizer sumia de sua memória. estava de pé, ombro apoiado a parede e braços cruzados sobre o peito, tinha o olhar estreito para a cena, assim como na primeira vez que se encontraram ali, no ano passado. O capitão, ao ouvir a correção de , mordeu a boca tentando conter o sorriso. Foi instantaneamente transportado para outubro passado, quando ficou embasbacado pela figurinha de pouco mais de um metro e setenta, cabelos em um tom diferente do loiro comum no país, queixo erguido e olhar firme. Que vestia um casaco cinza, jeans e touca preta, mas que naturalmente tinha um ar profissional que contrastava com a escolha de roupas.
– Eu sou a terapeuta ocupacional do time. – repetiu, olhando de lado para o treinador e sorrindo de canto para ele. – Eu vim dizer algo a vocês, algo importante.
O grupo a olhava com expectativa.
– Eu estou indo embora do Pelicans.
declarou sem rodeios, havia aprendido algo com os amigos, com o time e com o namorado. Finlandeses não gostavam de enrolação e papo furado, o que devia ser dito, devia ser dito rápido, então não faria rodeios. Assim que suas palavras alcançaram os ouvidos dos jogadores, uma algazarra começou. Os atletas reclamavam, falando alto e questionando a decisão, lamentando ou perguntando sobre o motivo. Exceto Atte, Jasper, Ottis, Santtu, Aleks e .
– Eu sei, sei que devem ter muito para falar. – se aproximou mais. – Mas não quero me prolongar sobre os motivos disso, só que... – A inglesa suspirou um sorriso. – Eu não sei como agradecer o tempo aqui. O modo com que fui recebida. O Pelicans e vocês sempre estarão no meu coração. Tudo que vivi aqui me modificou e me transformou em alguém melhor, sempre serei grata a vocês por tudo e todas as coisas. Boas ou ruins. Mas é mesmo hora de ir.
– Mas como é isso? – Matias quis saber. – Você está voltando para a Inglaterra?
– Não. – respondeu com um sorriso. – Não vou. Não vou estar no Pelicans, mas vou estar em Lahti. Desempregada, mas estarei. – Ela sorriu de lado.
– , você devia fazer um discurso. – Alguém do time sugeriu. – É o capitão.
Algumas pessoas reforçaram o coro e começaram a empurrar o capitão, que riu envergonhado, olhando sugestivamente para .
– Antes, tem algo mais que preciso dizer. Algo muito importante. – A inglesa voltou a falar, capturando a atenção do grupo. – Talvez isso aborreça vocês, talvez não seja nem novidade, mas... gostaria que entendesse como... só... – se perdeu nas palavras, sentindo o rosto esquentar. – Só, por favor, ouçam de coração aberto. – Pediu, mesmo que os jogadores já exibissem uma expressão entediada no rosto. – Eu... eu... – percebeu naquele momento que seria mais difícil confessar do que imaginou. – . O e... – se embolou de novo.
– e eu estamos juntos. – falou de uma vez, atraindo o olhar de todos. O jogador estava de pé no fundo do vestiário, tinha um olhar satisfeito, presumido e até um pouco arrogante e sorria com jeito de quem é melhor que os outros.
O time ainda o olhava, alguns sorriam, outros apenas deram de ombros, como se não se importassem ou já soubessem, outros faziam piadas. Em meio disso, o capitão caminhou até a namorada, a olhando nos olhos e sorrindo. Quando chegou perto o suficiente, tomou-a nos braços a beijou sem avisar, na frente de todos. Num beijo digno às telas do cinema, caloroso e intenso. O time riu, depois bateram palmas, fazendo graça, assoviaram enquanto faziam comentários inapropriados, até que o casal se separasse. tinha olhos arregalados e bochechas vermelhas e sorria como se estivesse ganho um campeonato, ou em um filme de ação, no momento em que o protagonista consegue resolver o problema do filme e é mostrado caminhado, quando ao fundo algo explode.
– E agora, qual era a coisa importante? – Alguém do time quis saber.
– Como assim? Isso era a coisa importante. – respondeu, unindo as sobrancelhas.
– É que isso não era bem novidade, não é?! – Topi deu de ombros.
– Como assim não era novidade? – se chocou.
– Ah, todo mundo sabia e via que rolava um clima entre vocês. – Willy também contribuiu. – Seria uma surpresa se não estivessem juntos. – Willy passou perto deles e apoiou um dos braços no ombro do capitão. – Foi só por isso que eu não cheguei em você.
O ala riu quando o capitão russo tentou o acertar um chute.
– Fico feliz que a notícia não tenha causado nenhum mal estar – sorriu fraco. – Por tipo, eu trabalhar com vocês e namorar o .
– Não. – Eles responderam em uníssono.
– Eu te disse. – sussurrou para a namorada.
– Isso quer dizer que usar bigode funciona. – Jasper comentou e riu.
– Willy, você deveria tentar. – Topi sugeriu para o ala, que já estava sem seus equipamentos.
– Mas ele já não tem uma namorada? – Otto lembrou confuso e alguns olharam para Willy.
– Eu tento, eu juro. – Willy ergueu as duas mãos em um sorriso debochado. – Mas quem não erra?
Os time riu alto, também, mas quando de soslaio o capitão percebeu o olhar matador da namorada, engoliu em seco e mudou a expressão.
– Vê, Santtu? – Topi ficou de pé e se aproximou do defensor. – Por isso vocês são solteiros. Estão lerdos. O Willy tem mais de uma e vocês sem nenhuma.
– E quem te disse que eu não tenho nenhuma? – O defensor arqueou uma sobrancelha.
– Quem se garante é assim mesmo. – Atte riu, apoiando as costas na baia.
O time gargalhou outra vez, até que alguém notou a presença feminina de ainda no meio deles.
– , o que você ainda está fazendo aqui? – Janos Hari indagou. – Agora você é a primeira dama, não pode ficar no vestiário.
– Vocês tinham dito que tudo bem. – Ela lembrou.
– E está. – Matias maneou a cabeça. – Mas... você é a mulher de um dos parceiros, então...
– Gente, mas eu ainda sou eu. – tocou o próprio peito, olhando para o time. – Qual é a diferença?
– Como eu vou me gabar de você, com você do meu lado? – riu, olhando a namorada e o mirou de olhos estreitos.
– Você vai ficar se gabando de mim para o time? – cruzou os braços sobre o peito, enfezada.
– Viu só, por isso que as esposas não frequentam o vestiário. – Topi apontou como se fosse óbvio.
– Bom, se já acabamos. – Petri tossiu e interrompeu, voltando a bater palmas. – Temos um jogo para mais tarde, vão se preparar. Antes que aconteça outra briga no meu vestiário. – O treinador riu e piscou para o casal.
Devagar, um por um, os jogadores e equipe técnica vieram até e a cumprimentaram. Alguns davam boa sorte, outros diziam palavras boas sobre o tempo juntos, outros agradeciam, uns perguntavam se eram o motivo de sua saída, uns apenas a abraçavam sem dizer nada. Ottis, Santtu, Jasper e Atte foram rápidos e sorriram ao abraçá-la. Os três amigos reforçaram suas promessas sobre ajuda-la a se restabelecer na nova fase. Aleks também se aproximou, mas cumprimentou apenas com um sorriso fechado, um aceno de cabeça e um boa sorte.
– Pelo menos com você ele fala. – suspirou, vendo o amigo se afastar.
– Você vai precisar ter paciência. – se virou para ele, tocando seu rosto. – Já soube que contou a ele, quero falar mais sobre isso com você, mas é melhor ser em casa. Por hoje, acho que ele vai ser profissional, tente fazer o mesmo e não deixar as emoções bagunçarem tudo.
assentiu com a cabeça.
– O que te fez mudar de ideia, sobre vir aqui? – Ele quis saber, apoiando uma das mãos na cintura da namorada.
– Minha conversa com meus amigos. – suspirou, cruzando os braços sobre o peito. – Me deram uma bronca grande e eu achei que realmente devia ouvir você e eles.
– Parece que tô uns cem quilos mais leve. – sorriu, jogando a cabeça para trás e suspirando.
– Isso é basicamente seu peso, então... – riu, implicando. – Mas eu me sinto mais leve também. Só por não estar mentindo para mais ninguém, isso já me deixa bem melhor. – A inglesa passou a mão no rosto e cabelos. – Mas se souber que você fica falando de mim por aí, vai virar um eunuco. – Ela ameaçou, batendo leve no braço do namorado, que riu.
– Qual é a graça se eu não puder me gabar? – Ele respondeu ainda sorrindo enquanto esfregava o lugar que a namorada o havia atingido. - Agora estamos livres. – tocou o lábio da namorada com o polegar. – Agora vou colocar todo meu ego grande em dia.
- Vou espalhar que seu ego é pequeno. – A terapeuta prometeu, erguendo as sobrancelhas e viu o namorado arregalar os olhos, depois torcer a expressão em uma careta zangada.
Ela deu de ombros.
– Vai ficar para o jogo? Com a Brie e o pessoal? – Ele perguntou, desviando o assunto.
– Não. – negou. – Eu quero... quero dar uma volta, pensar um pouco. Mastigar e engolir essa história toda. A minha saída. Lidar com isso. Quero ficar sozinha e em paz.
– Mas eu achei que... – tentou falar, estava desapontado.
– Eu sei, amor, mas... – A inglesa se inclinou e beijou-lhe o canto da boca. – Eu preciso desse tempo. A gente se encontra em casa.
Ao dizer isso, se afastou, deixando o vestiário sob o olhar atento do namorado.
Quinta-feira, 03 de fevereiro de 2022
Centro de Treinamentos do Pelicans
Lahti – Finlândia
No chuveiro, os jogadores se esconderam com garrafas nas mãos aguardando o capitão para um trote, e assim que passou pela porta, recebeu um banho de energético, água e outras coisas que não conseguiu nomear. O time ria e brincava, fazendo piadas sobre como o capitão do time havia conseguido um peixe daquele tamanho. estava feliz, mesmo pingando isotônico e água gelada, ele ria e não se incomodava com as piadas sobre seu desempenho no quarto ou sobre alguns do time pensarem que o jogador era do outro time.
– Se eu soubesse que bastava o bigode, teria deixado o meu crescer. – Um dos jogadores riu, batendo de leve no ombro de .
– Se eu te contasse... – riu, sendo abraçado lateralmente por Atte, que bagunçou ainda mais o cabelo molhado do jogador.
– , eu nunca imaginei. – Topi balançou a cabeça duas vezes, projetando o lábio inferior, surpreso.
– O quê? – O capitão riu vaidoso, abrindo os braços. – Achava que eu não conseguiria? – O jogador foi cumprimentado com um high-five cúmplice de Atte.
– É que você é meio parado, sabe?! – Janos Hari concordou. – A gente não esperava que você fosse pescar um peixe desse tamanho.
– Quando o anzol é grande, o peixe também tem que ser. – Ele piscou, maneando a cabeça, tirando a roupa para o banho. Os jogadores riram alto. – Te deixo dar uma avaliada se quiser. Vamos ali dentro. – brincou, apontando com o queixo para um dos banheiros.
– Isso é desculpa pra ficar pelado comigo e sozinho? – Janos riu.
– Não precisa de desculpa, é só pedir que a gente dá privacidade para vocês se explorarem, um ao outro. – Willy se meteu, gargalhando e em seguida foi atingido por uma cueca, arremessado por alguém.
Do outro lado, já nos chuveiros, Santtu e Otto se entreolhavam, fechando o rosto para as piadas do resto do time. Em seu canto, talvez por outras razões, Aleks tomava seu banho em paz, sem se envolver nas piadas.
– E não é burrice? – Santtu chamou a atenção de Otto, enquanto deixava a água cair sobre seu pescoço. – Ela sai e ele fica se gabando para todo mundo? O que muda?
– E você só descobriu hoje que é um grande babaca? – Otto rolou os olhos. – Sinceramente, vocês sempre deram muita moral para esse nanocéfalo, eu sempre disse. Avisei. Avisei a também.
– Não adiantou, pelo visto. – Santtu enfiou a cabeça debaixo do chuveiro quente. – O que muda para ele?
– Não pense assim, Santtu. – Ottis fingiu pena. – O pobre precisa lidar com a chefe bonitona, obcecada, que vai persegui-lo até que ele ceda. O maior dilema é um contrato mais gordo do que ele já tem. Sabia que o salário dele equivale à metade do time?
– Isso é quase o roteiro de um filme pornô que eu via quando era adolescente. – Santtu comentou, esfregando o rosto. – Foi a maior burrice que ela já fez.
– A burrice foi se meter com ele, morar com ele, agora o resto é resultado. – Otto lembrou, esfregando-se pouco de sabonete.
– Ela devia ter ficado com o Merelä. – O defensor suspirou. – Por que elas nunca querem o cara que presta?
– Sei lá. – Otto deu de ombros. – Eu sou noivo, não sei opinar.
– O Mere ficou feliz com a proposta do Tappara, porque podiam ficar juntos. – Santtu lembrou, contando ao amigo. – só se importa em se gabar por aí. Desde sempre. Desde o primeiro dia que ficaram juntos.
– Nossa, e ele ainda se choca. – Otto ironizou.
– Mere não teria feito isso com ela, eu não teria também.
– Opa, opa! – Otto riu alto e se recostou ao que dividia os chuveiros. – Não vai me dizer que você também tem uma quedinha pela ? – Perguntou de olhos arregalados.
– Claro que não, animal. – Santtu jogou água no amigo, molhando seu cabelo. – Eu gosto dela, ela é minha amiga. É como se eu tivesse uma filha mimada, fora de controle, que nunca faz o que eu digo. Eu quis dizer, que se eu tivesse uma namorada no time, eu faria diferente. Não ia ficar me gabando, nem deixar ela levar a pior.
– Sei. – Otto riu, estreitando o olhar.
Santtu torceu os lábios e ignorou o risinho do amigo, terminando seu banho.
Não demorou para que , saindo da atmosfera de piadas, risos e ego aumentado, se enfiasse em um dos chuveiros. Quando entrou, sorriu para Santtu, que o olhou nos olhos, sério, sem qualquer traço de sorriso ou simpatia. O capitão ergueu as sobrancelhas e apertou os lábios, como quem diz “então, tá.” Santtu desviou o olhar e também, mas Otto percebeu a presença do capitão, fechou seu chuveiro e se enrolou a uma toalha, aproximando-se do capitão. Não podia dizer que toda sua chateação com o capitão se dava ao momento atual de sua amiga com ele, seria hipocrisia. O ranço por era de muito tempo, tinham uma história.
– Eu poderia dizer que é uma surpresa sua postura, mas sinceramente nem é. – Otto começou a falar e Santtu fechou o chuveiro, acompanhando o movimento do amigo, o olhou. – Poderia dizer que você é o ser humano mais presunçoso, orgulhoso, pedante, convencido, fútil e arrogante que existe, mas você provavelmente não ia saber o que essas palavras significam.
o olhava pasmado, depois olhou para Santtu e de volta para Otto.
– Qual é a sua? – O capitão riu fraco, surpreso.
– É sempre chocante como você não teve o desenvolvimento ou maturação de nenhum neurônio a mais desde a oitava série. – Otto rolou os olhos. – Devia ter vergonha.
– Santtu. – se debruçou ao que separava as duchas e riu, mas estava completamente sem jeito e desconcertado, o riso era sua barreira de defesa. – Santtu, segura aí a sua namorada. Ela tá meio histérica. – O capitão brincou, esperando algum apoio de um dos jogadores que costumava o apoiar, acuado com o ataque sem aviso de Otto.
– Eu não. – Santtu respondeu sério. – Otto tem razão. Devia ter vergonha mesmo.
– Eu? – expirou um riso sem humor, tocando o próprio peito nu.
– É, fica por aí tirando onda por estar pegando a , mas o que muda para você? Nada. – Santtu indagou erguendo os ombros. – Ela larga o emprego, sai do apartamento, precisa recomeçar, enquanto seu maior problema aqui é ganhar mais regalias e evitar uma mulher que quer te dar.
arregalou os olhos, de longe o capitão não esperava nada daquilo.
– Não fala do que você não sabe. – mudou a postura, passando a falar mais sério.
– Eu sei sim, mais do que você pensa. – Santtu respondeu. – contou tudo sobre o que aconteceu. E aí, o que você vai fazer? Deixar ela se prejudicar e se ferrar sozinha, enquanto nada muda na sua vida? – Santtu expirou enquanto balançava a cabeça negativamente e passava o polegar nos lábios. – Se fosse o Mere, ele não a deixaria sair do time.
– Mas não é, não é? – abriu os braços e olhou ao redor, teatralmente. O defensor o tinha pego em seu ponto fraco. – Não tô vendo o Merelä aqui. Nem com ela. Então, gostando ou não, Santtu, ela é minha.
– Sua? – O jogador riu, incrédulo. – Não vi seu nome escrito, mas do jeito que as coisas vão, quanto tempo vai levar para você convencer ela a ter?
– Para de falar besteira. – deu de ombros e balançou uma mão, descrente e irritado. – Você não sabe de nada. Não sabe do que tá falando. Não sabe o que acontece entre ela e eu. E isso nem é da sua conta.
– Tem razão, a gente só sabe que você é um babaca. – Otto completou, cruzando os braços, com um sorriso vitorioso nos lábios por ver o melhor amigo bater de frente com .
– Por que? – os olhou. – Porque eu fiquei com a garota? – O capitão não entendia de onde as ofensas de Otto nasciam. – Pede pro Merelä parar de chorar. E ele não saiu do time por causa dela, isso é besteira. – O capitão desdenhou. – E se mais alguém tiver alguma reclamação, guarde para vocês. Não tô interessado. – Finalizou, enfiando-se de vez sob o chuveiro e sentindo o corpo molhar.
– Não guardo não. – Santtu respondeu. – É a minha amiga. Ela pode não ver, mas a gente vê. Todo mundo vê. – se voltou para Santtu outra vez. – Já falei com ela que acho isso idiotice, a pior decisão, mas vou falar com você. – arqueou uma sobrancelha. – Enquanto você fica aqui se gabando pra todo mundo, falando do que faz e não faz, preocupado com seu contrato, ela tá lá fora. Tendo que recomeçar tudo, porque você só tá focando em você.
sacudiu a cabeça, rindo nervoso.
– Não vacila ainda mais com ela. – Santtu apontou para o capitão com o dedo indicador. – Nem fica de gracinha. Sou amigo dela, não seu. Se lembra disso.
– Ele não vai lembrar, o cérebro dele só tem três funções. – Otto se meteu outra vez, provocando . – Hockey, sacanagem e ser idiota.
Otto riu.
deixou o chuveiro e partiu para cima do ala, espumando de raiva, acuado, confuso e chateado. Em tempo, Atte e Jasper que estavam por perto, notaram a movimentação e se enfiaram no meio, afastando os dois antes que alcançasse Otto e o acertasse de verdade. Santtu também se meteu quando percebeu o que faria, mas a intenção do defensor não pareceu ser a de separar do amigo, como já fizera antes.
– Qual é o problema aqui? – Petri surgiu entre eles ao ouvir a algazarra.
Atte ainda estava entre , Santtu e Ottis, Jasper estava ao lado de Ottis e o resto do elenco assistia a cena, congelados. se afastou do goleiro, lhe dando as costas e acertou a parede atrás do chuveiro com um soco que lhe fez sangrar o dorso da mão, e enfiou a cabeça sob a água, tentando se acalmar.
– Ninguém vai responder? De novo?
Petri olhou para os lados, para o rosto de todos os jogadores que não estavam envolvidos. A maioria balançou a cabeça e ergueu as mãos, rendido. Atte e Jasper balançaram a cabeça também.
– É sempre você, não é, ? – Petri gritou para . – Sempre você. Só não suspendo todos vocês do jogo de hoje porque não dá mais tempo. Parecem moleques brigando no vestiário. – O treinador gritava. – Inacreditável. Santtu, eu não esperava isso de você. Vocês três são decepções. A partir de amanhã estão suspensos. Nem se Deus vier pessoalmente pedir, vocês jogam o próximo jogo se eu for treinador.
– Isso não é justo, que veio pra cima. – Otto reclamou, apontando para o capitão, que ergueu o rosto. – Ele tem histórico, a gente não.
tentou partir para cima de Otto outra vez, sendo contido por Petri dessa vez. O treinador o jogou contra parede e ergueu o dedo indicador na altura do rosto do capitão e com a outra mão o segurou na parede, apoiando o antebraço ao seu peito.
– Acha que isso é uma brincadeira? Acha que isso é uma brincadeira? – Gritou o treinador. – Não é uma liga de quintal! Não é um ringue! Ou você joga como profissional ou está fora! Está fora, entendeu bem? Fora! – O treinador se virou, ainda mantendo a parede. – Dois jogos de suspensão para você. – Decidiu, apontando para Otto, que arregalou os olhos e abriu a boca, planejando retrucar. – Não se divide o time. Somos a porra de um time. Não brigamos aqui dentro. Dois jogos de punição para você. – Repetiu, apontando para Otto. – E para você. – Depois apontou para .
O treinador se afastou, balançando uma das mãos que havia molhado na confusão.
– Eu tenho vergonha de ir até lá fora e dizer que esses são os atletas de elite que treinam aqui. – Petri estava furioso. – Vocês não são um time, são garotinhas raivosas e brigonas. Não vão chegar a lugar nenhum com a droga do vestiário assim. – O treinador bateu contra garrafas sobre um pequeno armário, jogando tudo ao chão. – Não vão chegar aos playoffs. Vão passar vergonha. Vocês são uma vergonha. Um vestiário divido. Não são honrados o suficiente para vestir esse uniforme. Vocês cospem e pisam na história do time, na minha história como treinador e na dos jogadores que passaram aqui antes de vocês.
O time ouvia de cabeça baixa, sem que qualquer um demonstrasse qualquer reação.
– Vocês são uma vergonha. – Petri repetiu depois de um suspiro cansado. – Quero que o time olhe bem para os três. Santtu, Otto e . Olhem bem para esses três e se lembrem. No próximo jogo, quando for preciso fazer mudanças e vocês serem obrigados a se esforçarem três vezes mais para segurar o tranco. Se lembrem do motivo. Se o time perder, se lembrem do motivo. E aprendam com ele, porque a próxima briga que acontecer dentro desse vestiário, uma rescisão vai ser assinada, a de quem se meteu na confusão ou a minha ou. – Petri ergueu um dedo. – Isso vale para os jogadores estrela, especialmente para você, .
Quinta-feira, 03 de fevereiro de 2022
Lahti – Finlândia
Alguns raios de sol alaranjados ultrapassavam as nuvens grossas do céu de Lahti, caminhava despretensiosamente pela cidade. Precisava e queria desanuviar a cabeça, encarar o fim e lidar com ele. Era engraçado pensar que ainda estava remoendo aquele episódio, mesmo já tendo feito isso várias vezes, mas agora era um pouco diferente. Não estava triste, só... saudosa. Um filme lhe passava pela cabeça, estrelado por todos os jogadores, lembrava de momentos com , com os amigos, das discussões com Petri, de tudo que havia vivido no clube. Era hora de ressignificar tudo, se organizar e experimentar coisas novas para descobrir o que gostaria de fazer.
Tinha a possibilidade com as crianças no abrigo, que além de um trabalho bom e agradável, também contaria com a presença esporádica de . Mas já não sabia se aquilo era o que ela queria mesmo fazer. Antes seria, mas agora tudo estava tão fora de lugar, tão diferente. Quando se flagrava pensando sobre o trabalho, a ansiedade a consumia e de repente a inglesa se via presa em um rodomoinho sem escape, onde todos os fantasmas de sua vida e pessoas da sua categoria a mostravam que ela não era boa o suficiente para a vaga. Lá teria que trabalhar com outros profissionais e talvez eles descobrissem que era uma fraude. No Pelicans, apesar de tudo, ninguém sabia o que fazia e ela não tinha um supervisor direto, então nunca tiveram algo para comparar. Mas apostava que no abrigo teriam e descobririam sua fatídica incompetência.
estava presa no círculo inquebrável de seus fantasmas, temperado por sua ansiedade, quando alguém lhe esbarrou, desviando seu foco e a devolvendo ar.
Era um homem alto, de altura semelhante à de , tinha cabelos loiros bem cortados e puxou o capuz do casaco quando esbarrou com a inglesa, cobrindo a cabeça outra vez. Olhos azuis bonitos, nariz um pouco grande, mas não do tipo italiano, ele era como o dos jogadores de futebol alemães. O rosto era bonito, queixo marcado, lábios rosados e não tão cheios, uma barba loira por fazer. O homem vestia crocs com meias, calça e um casaco de moletom. Ele sorriu e enfiou as mãos nos bolsos depois de esbarrar na terapeuta inglesa, parando na frente dela.
– De-desculpe, não vi você. – gaguejou e ele sorriu mais aberto.
– Tudo bem, às vezes acontece. – Ele ergueu um ombro.
– É, quando estou sozinha nessa área... – desviou o olhar, lembrando-se do primeiro encontro com Waltteri Merelä. – Realmente sinto muito.
– Esquece, não foi nada. – Ele balançou o ombro e riu, pensou que a risada dele era boa de ouvir. – Na verdade, você... – Ele estreitou o olhar um pouco e piscou, fechando um olho e o mantendo fechado. – Se você quiser, pode compensar o esbarrão.
o mirou desconfiada e maneou a cabeça, apertando o olhar.
– Como assim?
– Eu tô perdido. – Ele confessou, rindo outra vez e coçando a nuca.
riu junto, chocada com a coincidência.
– Não me diga.
– Pois é, eu... eu tenho que chegar a um lugar, mas nunca me acostumei a andar por Lahti. – O homem olhou ao redor. – Aqui tudo é da mesma cor, os prédios, tudo... parece tudo igual.
– Eu sempre tive a mesma sensação. – A inglesa cruzou os braços. – Estou aqui há uns meses e ainda fico perdida. Isso porque, há lugares em Lahti que não conheci ainda.
Ele riu assentindo.
– Você... – O homem loiro apertou um olho, fingindo analisar . – Você não tem cara de quem sabe onde esse endereço fica, mas acho que é a minha última saída.
– Como assim não? – Ela abriu a boca, chocada. – E eu tenho cara de quê?
– De alguém delicada, educada. Só por isso, já dá para ver que não é daqui. – Ele apontou. – Finlandeses não perdem tempo sendo simpáticos.
– Inglesa. – Ela sorriu. – Você não é finlandês, então? – arqueou uma sobrancelha.
– Não, russo. – Ele respondeu balançando a cabeça. – Mas não é só isso. Seu sotaque é diferente. E você... você tem jeito de quem se envolve com algo mais suave. – O homem apontou para com o queixo. – Se eu fosse chutar, diria que você trabalha com arte, algum tipo, ou com flores, ou com cuidado. Tipo uma professora de crianças ou uma pediatra.
– Baseado em quê? – A inglesa expirou um riso frouxo.
– No seu rosto, seu olhar. – Ele sorriu fechado, fraco. – Mas você está aqui fora agora, então ou trabalha em algo que encerra cedo, ou não trabalha. Você tem jeito de estudante. – Ele começou a confabular. – Mas está sem livros, estava distraída. Significa que estava aqui só passeando, contemplativa. Ou não trabalha, ou trabalha em algo que tem horários mais flexíveis. Voltamos ao primeiro ponto. – riu. – Você tá de jeans, o que significa que não trabalha com alguma coisa muito rígida ou séria, que precisa seguir protocolos. Não é com justiça ou em hospital, nem em qualquer lugar que tenha um uniforme. Você tá bem limpinha, unhas curtas, perfume suave. Você pode ser professora ou cuida de alguém. Tipo, alguma profissão que cuide, sem precisar de jalecos e essas coisas. Você tem esse nariz empinado de quem desconfia de tudo, então não vai ser nada comum o que você faz.
– E você fez toda essa análise agora? Nesse momento? – arqueou uma sobrancelha, apontando para ele com o dedo indicador.
– Eu sou bastante observador. – Ele respondeu com um sorriso, balançando a cabeça e erguendo um ombro. – Gosto de olhar as pessoas passando de um lado para o outro e tentar imaginar a história delas. O que tem por trás.
– E o que tem por trás de você? – devolveu a pergunta.
Ele riu e inclinou a cabeça.
– Alguém atrasado para o trabalho, que se distraiu com uma pedrinha na calçada e esbarrou com uma mulher que parece tão perdida quanto eu, mas que parece saber se localizar geograficamente. – Ele a decifrou e corou.
– Desculpe, estou te atrasando.
– É sempre um prazer ser atrasado por alguém que consiga trocar quatro ou cinco palavras mais inteligentes. – Ele piscou e engoliu em seco.
– Bom, eu... – tossiu, sem jeito. – Para onde tem que ir? Posso ajudar, se quiser. – riu. – Claro, se for um lugar que eu supostamente sei
– Não quis ofender. – Ele se justificou, rindo fraco. – Isku Areena, preciso me apresentar lá. Jogo hockey.
gargalhou e ele a olhou sem entender, embora também sorrisse.
– Essa é a hora que diz que eu tinha razão e que você obviamente não faz ideia de onde isso seja?
– Não. – A inglesa riu e balançou a cabeça negativamente. – Essa é a hora que eu digo que posso ser surpreendente. – Ela piscou. – Algo parecido aconteceu comigo aqui, nesse mesmo lugar, ano passado. Mas era eu quem não sabia onde a Isku ficava. Para sua sorte, eu aprendi o caminho. Vem, te mostro. – A inglesa piscou e maneou a cabeça, começando a andar e o jogador a seguiu. – Meio frio para crocs e meia, não? – Perguntou ela, fazendo menção ao que ele usava e o loiro inclinou o olhar, mirando os pés.
– Não é o dia mais frio do ano. – Ele deu de ombros.
– Não gosta de andar de carro também? – perguntou.
– Se eu não andar, não vejo as pessoas e não posso fantasiar sobre a vida delas. – Ele respondeu e assentiu, em silêncio. – Não, tô mentindo. Bati ele da última vez que andei. – Ele confessou e os dois riram. – Apareceu alguém do nada na estrada, vi a pessoa a tempo, só não vi a árvore.
– Lamento pelo carro. – respondeu.
– E você, por que está andando por aí?
– Eu queria pensar na vida, desanuviar. – Ela contou a ele. – E eu não dirijo, tenho medo.
– Seu namorado não devia te deixar andar por aí, devia dirigir para você. Ele não faz isso? – O loiro indagou e riu, balançando a cabeça.
– Homens são mesmo iguais em todo lugar do mundo, não é? – Ela o olhou, mas ele apenas ergueu os ombros, sorrindo de lado. – Isso é você perguntando se tenho um namorado?
– E se fosse isso? – Ele a olhou nos olhos, virando o rosto enquanto caminhavam. – Finlandeses podem não flertar, mas ingleses também?
– Ingleses flertam, e muito bem. – garantiu, empurrando-o com os ombros. – E eu tenho namorado.
– E se você tá espairecendo pela cidade sozinha, acredito que tem metade de chance de estar precisando relaxar por causa dele. – Ele jogou outra vez. Algo em seu tom era sedutor, como se aquela pessoa pudesse ler cada movimento ou pensamento de , tudo de forma bastante intensa e cativante.
– Talvez. – desdenhou. – Você gosta de previsões, não é? Supor coisas.
– Não, eu gosto de pessoas, as vezes de irritar pessoas, as vezes de agradar, depende do dia. – Ele respondeu piscando.
– E agora, o que você quer? – enfiou as mãos nos bolsos e o encarou, parando de andar e ele fez o mesmo.
– Não importa mais. – O homem inclinou a cabeça para a olhar melhor, em seguida, repentinamente voltou a andar. – Você tem namorado. – Disse, fazendo rir.
– Claro, homens só conversam com alguém quando há interesse. – rolou os olhos.
– Que militante. – Ele uniu as sobrancelhas, fingindo-se de ofendido. – Nunca te ensinaram que generalizar faz mal? – sorriu e lhe mostrou a língua, ele sorriu também. – Me diz, como conhece a Isku? Seu namorado te leva lá?
– Não. – riu, andando ao lado dele novamente. – Eu vou sozinha. Trabalhava lá.
– Jura? – Ele a olhou erguendo uma sobrancelha. – No passado?
– É, hoje foi meu último dia. – ainda sorria e suspirou. – Por isso eu estava contemplativa pela cidade, senhor adivinho.
– E por que saiu?
– É complicado. – balançou e inclinou a cabeça. – Eu fiz algumas escolhas... e acho que meu tempo lá... era hora de fechar o ciclo, sabe?
– Sei. – Ele assentiu. – Espero que se dê bem no novo ciclo. – Ele sorriu gentil e fez o mesmo.
– Olha, ali está ela. – A inglesa apontou quando a Isku começou a ser vista entre as árvores. – Lar doce lar.
– É, eu adoro esse lugar. – Ele suspirou, parando de andar e observando a vista para a arena, ignorando os carros que passavam ao lado deles na rodovia. – Não é bonita?
– É, ela é. – sorriu, afastando fios de cabelo do rosto. – Vou sentir falta daqui. Sua sorte é essa, porque se eu continuasse, pegaria muito no seu pé. – riu, empurrando-o pelo ombro outra vez.
– Que pena que seria só no pé. – Ele devolveu e abriu a boca, chocada. – É brincadeira, só estou brincando. – Ele justificou, sorrindo.
balançou a cabeça negativamente e o observou por mais alguns segundos.
– Qual é a sua posição?
– Centro. – Ele respondeu, ainda de olhos fixos na arena.
– Vai ser bom para o time. – Ela assentiu. – Não me lembro de terem anunciado a contratação, mas também... não estou muito entrosada nessa parte mais. – ergueu as sobrancelhas, baixando o olhar. – Perdemos o Merelä, tem outros jogadores querendo deixar o time. Vai ser bom ter você. Isso se, você jogar bem. – Ela implicou e ele gargalhou.
– O melhor da liga, pode acreditar. – Ele riu e a olhou. – Vai me dizer seu nome, ou vou ter que seduzir alguém do RH para descobrir?
riu alto, imaginando o encontro daquele espécime com Isabel Svedin. Se ele soubesse...
– , a terapeuta ocupacional inglesa do Pelicans. – Ela se apresentou e ele sorriu de lado, tinha um belo sorriso. – Ou a antiga terapeuta. – maneou a cabeça.
– Que droga, adoro seduzir pessoas do RH. – Ele fingiu, rolando os olhos. – Obrigado por me deixar em casa, . – Ele estalou a língua ao pronunciar o sobrenome dela.
– E o seu? – devolveu a pergunta, cruzando os braços sobre o peito. – Não pretendo seduzir mais ninguém do time, e sou uma pessoa ansiosa demais para esperar a apresentação oficial.
Ele riu alto.
– , a seu total dispor. – Se apresentou enfatizando as últimas palavras.
sorria, mas então seus neurônios funcionaram e ela apertou os olhos rapidamente, depois riu de novo.
– Há, muito engraçado. – Ela rolou os olhos.
– O que é engraçado? – Ele perguntou confuso.
– Você, . – A inglesa sacudiu a cabeça negativamente. – Claro que não.
– Qual o problema? Não acreditaria que anda por aí e que poderia se interessar por você? – Ele arqueou uma sobrancelha de modo sedutor e teve uma crise de risos.
– Não, querido. – A inglesa ainda gargalhava. – É que é obvio que você não é o . Eu conheço o . – olhou para os lados buscando algum sinal dos amigos. – É uma brincadeira? Uma pegadinha do Otto e o pessoal? Pode dizer, porque já está ridículo.
– Não sei do que está falando. – Ele fechou a expressão e falou sério. – Eu sou , a estrela russa da Liiga. O melhor jogador da Finlândia.
– É, o melhor jogador da Europa, sim. – assentiu com a cabeça. – Esse é o , mas não, você não é ele.
– Você é maluca, ou o que? – O homem inclinou a cabeça sobre o ombro para olhar a terapeuta.
– Eu? – A inglesa gargalhou, jogando a cabeça para trás. – Se tem alguém aqui maluco, esse alguém não sou eu.
O homem loiro riu com deboche.
– Vamos entrar, então. – Ele apontou para a Isku. – Lá dentro a gente tira a prova.
– Eu não vou te levar lá pra dentro. – sacudiu a cabeça. – Você deve ser perigoso ou sei lá.
– Não quer provar que eu estou certo e você errada, não é, gatinha? – Ele sorriu com empáfia.
– Não me chame de gatinha. – respondeu com dentes cerrados. – Eu vou ligar para a polícia.
anunciou, enfiando as mãos nos bolsos, procurando o celular. O loiro desconhecido jogou a cabeça para trás e bufou, rolando os olhos.
– Já chega dessa palhaçada. – Ele reclamou entediado e se adiantou em direção a , tentou ergue-la e a jogar nos ombros, mas conseguiu evitar, estapeando-o.
– Quer ser preso? – Ela gritou. – Me largue e não chegue perto! – Ordenou, erguendo um braço e estabelecendo um espaço seguro entre eles. – Eu vou gritar. E adivinhe? Tem um time inteiro lá dentro que correria para me salvar sem nem pensar. Fique. Longe. – Ameaçou a terapeuta inglesa.
– Mas que besteira. – Ele rolou os olhos outra vez.
– Ei! – Alguém os chamou, atraindo a atenção dos dois parados na calçada.
Era um homem mais baixo, cabelos castanhos, casaco cinza pesado e um pouco molhado, parecia suado e exausto. Antes que a inglesa pudesse pedir ajuda, o homem correu esbaforido até o homem loiro, tocou o ombro dele e se inclinou, como se para recuperar a respiração. Depois de algum tempo, com todos em silêncio o encarando, o homem recém chegado se ergueu, sorriu e levantou as sobrancelhas para , depois sorriu para o homem loiro.
– Que bom que te alcancei.
– E para que você queria me alcançar? – O loiro o mirou de sobrancelhas juntas.
– Bom, para... – O homem se enrolou, abriu a boca e fechou algumas vezes, ergueu os ombros. – Não é bom que você fique andando por aí, sozinho, sem companhia. Sabe o que pode acontecer.
– É, tipo encontrar alguém como ela. – O loiro apontou para com o queixo. – É verdade o que dizem sobre as inglesas, eu atesto.
abriu a boca, injuriada.
– Mas o importante é que te achamos. – O outro homem tentou amenizar, sorrindo amarelo.
Outro homem se aproximou, era negro e também parecia conhecer o primeiro homem loiro. Este outro homem o tocou nos ombros e apontou para um carro, dizendo que ele devia ir até lá, que o carro o levaria para aonde quer que quisesse. O homem loiro o seguiu, falava como um papagaio, reclamando da terapeuta inglesa. Enquanto isso, assistia a cena completamente perdida em seu contexto, era como se tivesse sido jogada em um filme confuso, de repente.
– Eu sinto muito por isso. – O homem de cabelos escuros que tinha ficado estendeu a mão para um cumprimento. – E obrigado por acompanhá-lo.
– Mas que coisa insana está acontecendo aqui? – A inglesa indagou, ainda chocada e viu o homem suspirar e apertar os lábios.
– Desculpe. – Ele sorriu sem jeito. – Me chamo Arvo, trabalho no Centro de Saúde Mental da cidade. – O homem olhou rapidamente por sobre o ombro, para o carro, onde o homem loiro e o outro ocupavam o banco de trás. – Esse grandão ali é o Timmy. Ele é... peculiar.
– Se isso é o que você chama de peculiar... – rolou os olhos. – Ele é... paciente do seu centro? – A inglesa encarou o homem dentro do carro, e pela janela ele acenou e sorriu para ela.
– É, ele é. É um quadro de esquizofrenia. – Arvo respirou fundo. – Ele tem muitos delírios e é um rapaz jovem, autocuidado preservado, então consegue se sair bem quando escapa. Ele é da Islândia, veio para cá numa viagem de negócios e teve a primeira crise. Era sozinho, sem família, acabou ficando por aqui.
expirou um riso pasmado, entendendo tudo.
– Então é por isso que ele acha que é o ?
– O jogador? – Arvo sorriu. – É, ele é obcecado por hockey. Geralmente fica no centro, fazendo musculação e assistindo jogadas de vinte anos atrás. Estávamos em uma atividade cultural hoje, no museu e ele escapou.
– Mas é perigoso. – sacudiu a cabeça, tornando a cruzar os braços sobre o peito. – Ele não pode sair por aí dizendo ser outra pessoa. Ele nem devia sair por aí desacompanhado.
– É, eu sei. – Arvo apertou os lábios, como se estivesse impaciente. – Mas não dá para ter olhos nas costas, não é?!
silenciou e apertou os lábios.
– Bom, eu agradeço por ter ajudado. – O homem disse outra vez. – Agora temos que levar o grandão para casa.
– E depois? – perguntou quando ele começou a se afastar.
– E depois o quê?
– Vai levar ele de volta, e então?
– Bom, dizer que hoje o treino foi cancelado e dar uma caneca de café quente. – Arvo sorriu, deu de ombros e entrou no carro.
De longe os viu se afastar, Timmy ainda acenava para ela, com o mesmo sorriso presunçoso e galanteador de antes, até sumir na rodovia.