44 – Keep your head up
I'm standing on your porch screaming out
And I won't leave until you come downstairs
So keep your head up, keep your love
(Stubborn Love - The Lumineers)
Quinta-feira, 03 de fevereiro de 2022
Centro de Treinamentos do Pelicans
Lahti – Finlândia
andava rápidos pelos corredores que antes tinha julgado que não passaria outra vez tão cedo. Mal interagia com qualquer um que entrava em seu caminho, estava apressada demais para perder tempo com gentilezas e sorrisos educados. Havia sido informada por alguém que estava em sua antiga sala, com Petri, e a inglesa não pensou duas vezes antes de ir até lá.
Quando chegou, talvez pela pressa ou pelo turbilhão em sua cabeça, não se incomodou em bater – a porta estava entreaberta.
– . – Ela anunciou sua chegada e os dois homens se viraram para vê-la.
Havia um clima estranho entre eles, um silêncio esquisito e expressões fechadas, nenhum dos dois sorriu ou pareceu se surpreender com seu retorno repentino. sentado em uma das macas e Petri de pé, meio apoiado a bancada.
– Aconteceu uma coisa. – ignorou o clima e começou a falar com o namorado, colocando-se à sua frente e ignorando a presença do treinador.
– O quê? – uniu as sobrancelhas.
– Eu estava na cidade, passeando e aí, um cara apareceu. – Ela começou a contar acelerada. – Ele disse que era jogador, eu acreditei, porque... bom, estamos em Lahti. Mas ele veio com uma história sobre ser o e eu comecei a ficar assustada e aí... – e Petri trocaram um rápido olhar e o capitão umedeceu os lábios com a língua. – E então, no meio da confusão, surgiu um outro cara e disse que ele tem esquizofrenia e... – suspirou e apontou para a porta da sala. – Tem um cara por aí que acha que é você e...
– Deixa-me adivinhar. – pediu, apertando um dos olhos. – Alto, loiro e muito irritante?
– É, exatamente. – estranhou e inclinou a cabeça sobre o ombro. – Você o conhece?
– Sim.
– Espera. – ergueu uma mão espalmada, pasma. – Você sabia que tem um cara por aí, que anda dizendo ser você? Conhece ele e não fez nada?
– O que eu poderia fazer? – O capitão ergueu os ombros. – Ele já tentou convencer a mim de que era o verdadeiro. E é uma cidade menor do que você imagina, todo mundo meio que conhece o Timmy.
– Nunca pensou em me avisar sobre isso? – colocou as mãos na cintura.
– Não, amor. – expirou cansado. – Não lembrei, entre todas as coisas.
Pelo tom cansado de e o semblante taciturno e emburrado de Petri, enfim pareceu se dar conta de que algo acontecia ali. Olhou de um para o outro de olhos estreitos e indagou:
– O que houve? Por que estão com essas caras?
– Pergunte ao seu namorado. – Petri resmungou. – Agora que saiu, ele deve ser seu único problema. Para o seu azar, ele é um dos grandes.
Dizendo isso, o treinador os deixou.
A terapeuta o seguiu com os olhos, confusa, até Petri se afastar e passar pela porta, depois olhou para , que tinha os olhos baixos.
– O que houve?
O capitão suspirou cansado.
– Briguei no vestiário. – Confessou ele, deitando-se na maca e cobrindo os olhos com o antebraço.
– Brigou? – estranhou e tentou entender. – Tipo, discutiu?
– Não. Briguei. – Ele respirou fundo. – Tentei, pelo menos.
– ... – A inglesa se aproximou mais, seu tom era de uma surpresa pesarosa misturada com um pouco de confusão e empatia. – Com Aleks? Já sei o que houve entre vocês eu estava...
– Santtu e Otto. – Ele respondeu sem rodeios.
– Hein? O que tem os dois? – Ela balançou a cabeça.
– Minha briga foi com Santtu e o Otto. – O capitão explicou, sentando-se outra vez e abriu a boca, chocada. – Ele veio dizer umas coisas, sobre eu estar feliz enquanto você estava mal. Que você deveria ter ficado com o Merelä. Otto também. Qual é o problema dele comigo? Não entendo. – Desabafou o jogador em um suspiro chateado.
– Você e Santtu brigando... – colocou as mãos cobrindo o rosto. – Mas precisavam mesmo brigar por isso? Ele também me disse essa coisa do Mere.
– O seu amigo Otto ficou me provocando o tempo todo. – acusou. – Ele veio falar comigo, me chamando de burro, que eu não pensava.
– Eu nem sei o que dizer. – lamentou, balançando a cabeça negativamente. – Como você está?
– Sei lá. – Ele suspirou. – Mas teve uma coisa que eu não parei de pensar desde aquela hora. – O capitão ergueu o olhar e viu a namorada assentir, enquanto afagava seu ombro tentando confortá-lo. – Santtu ficou falando muito sobre a gente. Sobre você estar na pior e eu não me importar, sobre nada mudar pra mim. Ele sempre disse isso, desde sempre. Que se fosse você, não sairia do time e que eu estava te ferrando.
– Quer saber se eu falei algo para ele? – arqueou uma sobrancelha. – Se coloquei ele contra você?
– Não, quero saber se eu estou te atrapalhando mesmo.
recuou e uniu as sobrancelhas.
– Como é?
– Você ouviu. – O capitão repetição sem hesitação. – Eu não tô feliz e comemorando. Eu ligo. Me importo que você saiu porque eu não queria que saísse, porque eu sei que você não queria sair. Eu também fico feliz que tenha saído, porque agora a gente pode enfim assumir, mas... não é assim. Só estava rindo, brincando, por estar feliz em finalmente poder dizer que você é minha. Parar de esconder. Eu queria isso desde sempre, desde o início de tudo. Mas eu não sou um babaca que não se importa com você. Eu não tô satisfeito com tudo que aconteceu, com a Isabel no seu pé, nem nada. – começou a falar. – Eu sei que você teve aquela proposta de Mônaco, que agora saiu do time e foi só pelo time que você veio para Lahti. Mas eu não quero te atrasar ou te atrapalhar...
– , pare. – se aproximou um pouco, segurando a mão dele. – Pare com isso.
– Não quero ser um empecilho ou...
– Você não é. – A inglesa foi firme, tomando o rosto dele nas mãos para que o namorado a olhasse. – Pare com isso. A gente já teve essa conversa milhões de vezes. Já cansei de brigar, magoar você e me magoar sobre esse assunto. Eu escolhi, escolhi sair do time, escolhi você e escolhi ficar em Lahti. Não precisa me dizer que se importa, eu sei que sim. Moro com você, passamos quase todas as horas do dia juntos. Se existe alguém em Lahti que se importa comigo, esse alguém é você. Não precisa me justificar nada, não ligo se estava rindo com o pessoal. Na verdade, eu tenho problemas maiores para me preocupar do que piadas sujas do meu namorado e do time dele.
O jogador suspirou baixando os ombros.
– É que com isso tudo... ele é seu amigo e falando assim... – divagou.
– É, ele é. – assentiu. – Até entendo porque ele fez isso, só não entendo porque fez dessa forma. – A inglesa balançou a cabeça. – Mas de qualquer modo, . Pare de duvidar das minhas escolhas, certo? Estamos bem e seguros e as coisas estão se acertando.
Ele assentiu com a cabeça, em silêncio.
– Sinto muito pela confusão e pela suspensão. – se aproximou mais, beijando a testa do namorado e o abraçando. – O que Petri disse?
– Que eu estou perdendo o vestiário. – contou com voz abafada. – Preciso resolver os meus problemas, ou vou acabar perdendo o respeito deles, a liderança e aí não tem nada que ele possa fazer.
– Qual é a sua questão com o Otto? – perguntou e o namorado ergueu o olhar.
– E eu que sei?
– Ele sempre falou sobre você ser um babaca, nunca entendi porque. – lembrou, mordendo o interior das bochechas. – Vocês estudaram juntos, ele me disse uma vez.
– Ele tá suspenso por dois jogos, eu também. – contou para a namorada. – Santtu um.
– Você precisa se resolver com o Otto. – aconselhou. – Seja o que for que tenha acontecido entre vocês no passado. E com o Santtu também.
– Nem lembro do Otto na escola. – deu de ombros. – E o Santtu deve estar pegando as dores do Merelä. – Resmungou.
– Não, pare com isso. – o repreendeu com tom suave. – Sabe que o Santtu sempre nos apoiou, ajudou e esteve com a gente desde o início. Não tem a ver com o Merelä. Ele só teme que eu esteja fazendo uma escolha ruim, por largar tudo por um relacionamento. Mas eu não estou largando tudo. O time, sair do time, é consequência dos meus atos, não dos seus. Eu sou uma mulher adulta. E também, se alguém está tendo alguma vantagem nisso, sou eu. Eu estou deixando um emprego para ser a namorada do jogador super rico e famoso em tempo integral. – Ela sorriu e negou com a cabeça.
– Achei que fosse me matar. – confessou depois. – Por brigar com seu melhor amigo, por causa das piadas e de todo o resto.
– Bom, não nego a minha vontade. – Ela ergueu um ombro e projetou o lábio inferior. – Mas eu acabei de ser interceptada por um louco que acredita ser o meu namorado, isso me desnorteou um pouco. Posso esperar até amanhã para brigar com você por ter brigado com o Aleks, Santtu e Otto no mesmo dia.
– Sorte a minha. – Ele ironizou, baixando a cabeça até que apoiasse a testa no peito de .
– Graças a Deus eu não trabalho mais aqui. – agradeceu sorrindo, beijando a cabeça do capitão.
Quinta-feira, 03 de fevereiro de 2022
Isku Areena – Casa do Pelicans
Lahti – Finlândia
No segundo período o time tinha dois gols de vantagem graças a Willy e Janos Hari. O jogo – de modo geral – era morto, com poucas chances para ambos os lados e disputado em maioria na zona neutra. O primeiro tempo fora mais tranquilo para os visitantes, com a equipe da casa cometendo mais erros, principalmente na primeira linha. Faltava segurança e as jogadas estavam esquisitas, como se ninguém estivesse vendo o central perdido na frente do gol, aguardando o passe. precisava organizar jogadas de trás se quisesse alcançar a zona de ataque com o disco, precisava se preocupar bem mais com os defensores rivais do que em dias comuns. Por diversas vezes o capitão do time havia sido flagrado chamando o time ou batendo o taco contra o gelo, tentando ter a atenção dos companheiros para um passe.
Petri estava irado com o andamento do jogo e o desempenho dos atletas de modo geral. Isso, ou estava fazendo vista grossa sobre a situação do capitão. No banco, ocupava a ponta, com Aleks ao seu lado, seguido por Santtu e o resto. O capitão estava irritado e mal olhava para os lados, sentia-se sozinho e injustiçado pela postura dos companheiros de time.
– Fica na direita, a direita deles não é rápida o suficiente e eu consigo dar uma limpada para te passar. – Aleks propôs de repente, atraindo a atenção do capitão, depois de jogar água na nuca.
– Tá. – assentiu rápido, mesmo que um pouco desconfiado. – Tá legal, vou ficar lá.
Aleks apenas assentiu e se levantou, preparando-se para voltar ao gelo.
– Valeu, Hade. – agradeceu tentando olhar nos olhos do ala.
– Só estou sendo profissional, eu sou um jogador profissional. – Aleks respondeu sem dar muita atenção. – Não é um favor, porque você nem merece.
Aleks lhe deu as costas e pulou no gelo, o seguiu depois de um longo suspiro.
Santtu recomeçou para o Pelicans assim que as linhas foram substituídas, Otto Nieminen passou pela zona neutra e chegou até o lado esquerdo do gol, estava à direita, mas Otto tentou um tiro. O rebote foi recebido por Topi Jaakola, o defensor recomeçou mais atrás, passando para Aleks, que correu mais que os defensores do time visitante e passou para . O capitão acertou de primeira o disco, mandando de uma vez para o fundo esquerdo da trave adversária. A música tão conhecida que anunciava gols do time da casa tocou, seguida pela buzina quase ensurdecedora. correu os olhos pelo gelo, apenas Topi veio o cumprimentar. O capitão não comemorou, seguiu em direção ao banco para cumprimentar os outros jogadores e depois voltou ao seu lugar, dando espaço para outra linha.
Aquilo era um ponto positivo no jogo de hockey, tudo era muito rápido. Às vezes, o jogador com mais tempo no gelo, não tinha sequer vinte minutos. Tudo era dinâmico, mudava rápido e cada segundo contava muito e valia muito também. Era comum que jogadas importantes acontecessem em segundos, e era bom quando alguém podia passar pouco tempo no gelo, mesmo fazendo gols.
Quando se sentou no banco outra vez, encheu a boca com água, cuspiu e olhou de canto para Aleks.
– Valeu por isso.
Aleks não respondeu.
o olhou, suspirou e inclinou a cabeça, se perguntando se devia pedir licença e se retirar para o vestiário, para bater a cabeça na parede, ou esperar o jogo acabar.
Sexta-feira, 04 de fevereiro de 2022
Casa de e
Lahti – Finlândia
havia assistido ao jogo da noite na companhia de Felix, comendo pipoca. Não havia sido um jogo tão interessante e em vários momentos a inglesa se perdia conferindo as mensagens do grupo que tinha com Maisie e Louis. Depois do gol de , o que estava parado, piorou. O Pelicans tinha decidido jogar ainda mais fechado, sem chance para o adversário, o que resultou em algumas brigas no gelo – nenhuma envolvendo . A terapeuta não se incomodou em assistir as entrevistas ou os comentários dos jornalistas após a partida, estava entretida contando aos amigos ingleses sobre o incidente daquela tarde de quinta-feira.
Havia tido contato com a loucura durante a faculdade, em grupos de Ouvidores de Vozes** e em centros de saúde mental, eles eram comuns em Birmingham. Hospitais grandes com foco no cuidado a psicoses. Mas já fazia tanto tempo que lhe parecia outra vida. Durante a graduação as coisas e eram diferentes, mas ao se formar, descobriu que ideais não pagam contas, então tudo mudou. Louis, seu melhor amigo, tinha a proposta da clínica, Maisie era alguém muito inclinada a reabilitação física, foi o caminho mais fácil.
Apenas com a decisão maluca de arriscar tudo e se mudar para Mônaco e depois Finlândia, que se sentiu enfim tomando as próprias decisões, assumindo os riscos de sua carreira. Odiava admitir, mas fazer o que era mais fácil, era mais fácil mesmo. Talvez por isso, agora, tudo que dizia respeito a sua carreira fosse tão nebuloso. Antes de tudo, tinha esse projeto, amava estar envolvida na área social. Seu país tinha um índice de desigualdade social muito maior do que a Finlândia, muitos precisavam de suporte do governo para prover o básico e adorava pensar junto, auxiliar na promoção de uma vida melhor. Amava as práticas em abrigos infantis na época da faculdade.
Mas agora estava em outro lugar. A Finlândia também tinha órfãos, mas era diferente. Segundo as estatísticas – e havia se dedicado muito a pesquisar sobre –, haviam cerca de 3.686 mil pessoas em situação de rua no país de cinco milhões e meio de habitantes. Sendo que, dos mais de três mil, apenas 492 passavam a noite nas ruas. Na Inglaterra, uma em cada 208 pessoas não tem uma casa. Cerca de 271 mil pessoas, incluindo 123 mil crianças, sendo que 2.400 mil pessoas passavam as noites nas ruas, o resto em abrigos ou acomodações temporárias cedidas. O cenário social dos dois países era muito diferente e se sentia perdida quanto a seus desejos inicias.
Sua única possibilidade no momento era o abrigo, já tão familiar e querido, mas a inglesa não tinha tanta certeza se era o que realmente gostaria de fazer. Sentia falta da ação nos tempos da faculdade, de se meter entre usuários de substâncias tentando os convencer a buscar a reabilitação ou uso seguro de drogas. De se enfiar nos lugares mais insalubres de Birmingham, só para localizar uma família em vulnerabilidade e garantir que conseguisse acessar qualquer auxílio. Das vezes que precisavam do apoio da polícia em alguma ação em bairros complicados. Se lembrava disso com calor no coração.
Não sentia falta do trabalho da clínica, porque apesar de ser boa, não era o que lhe dava verdadeira satisfação. Trabalhar com o time também era bom, era incerto, dinâmico e adorava isso. Mas o clube de hockey mais próximo ficava em Tampere, e convencer outros esportes a abrirem as portas para sua profissão não seria tarefa fácil.
Um pouco sonolenta, pensava sobre essas coisas, esperando que chegasse em casa. Pensava também sobre Timmy, o esquizofrênico do parque. Maisie havia o chamado assim e agora apenas conseguia se referir a ele dessa maneira. Ele, de algum jeito bizarro, lhe despertava a curiosidade. Por que um homem jovem como ele não conseguia lidar com os sintomas de sua doença e ter uma vida minimamente funcional? Por que ? Por que acreditar ser , logo alguém com características físicas tão distintas das suas? E como ele parecia tão organizado e consciente ao falar com ela, tentando flertar, mesmo em um suposto episódio de crise? se perguntava, rolando na cama.
A inglesa não percebeu quanto tempo havia se passado desde o final do jogo quando ouviu chegando. Por causa do terreno isolado, quase no meio da floresta, qualquer movimento, por mais suave, poderia ser ouvido. Primeiro o ronco do motor, depois os ruídos que o namorado fez ao entrar, jogar as coisas em qualquer lugar e subindo as escadas com passos pesados. não acendeu as luzes, chegou em silêncio, espantou Felix da cama, tomando seu lugar e se jogou sobre . Ela sorriu ao sentir o contato da pele fresca dele, ainda vestida, com sua pele quase despida e quente. tinha cabelos molhados e o rosto frio, provavelmente havia dirigido com vidros abertos. se virou para abraçá-lo e o capitão se aninhou a ela como um gato dengoso.
– Bonito gol hoje, Capitão. – Ela elogiou baixinho.
– Não me chama assim hoje, não vai dar um clima bom. – Ele respondeu abafado contra a pele de .
– Com quem eu estou falando então? – afagou os cabelos molhados dele.
– Com ninguém. – respondeu. – Eu tenho que mudar de carreira.
– É só um dia ruim, vamos superar. – sussurrou. – Você ainda é o . O meu .
– Você devia... – O jogador começou a falar, mas o cortou, rolando por cima dele, impaciente.
– Quem é você? O novo reforço do Coitados Futebol Clube? – A inglesa rolou os olhos, mais desperta e uniu as sobrancelhas. – Eu não gosto dessa versão. – projetou o lábio inferior. Estava sobre o namorado, uma das pernas dele entre as dela, uma das mãos apoiava seu peso na cama e a outra segurava o punho do jogador contra a cama.
– Que versão? É a realidade.
– Essa versão cheia de pena de si mesmo. – apontou com o queixo para o namorado. – Você é o capitão, não está ali porque tem um sorriso bonito. Teve um problema hoje com dois jogadores, faz parte. Você vai lidar com isso. Como sempre lidou. – rolou os olhos e expirou. – Você tem duas saídas agora. Ou fica aí, se lamentando, nesse papel de vítima que não combina nada com você. Ou, faz o que tem que fazer. Como o . É com ele que quero falar hoje.
– Fazer o que tem que fazer? – O jogador a mirou, confuso.
– É sério? – expirou um riso incrédulo. – Eu estou literalmente sobre você, disposta a cuidar de você essa noite depois de um dia ruim, e você ainda me pergunta o quê?
ostentou um olhar confuso por mais alguns instantes, até finalmente ter um estalo de compreensão e abrir a boca, arregalar os olhos.
– Aaahh, isso?
rolou os olhos e bufou, deixando-se cair ao lado dele, entediada. Mas rolou por cima da inglesa e assumiu o controle outra vez.
– Eu entendi agora. – Garantiu. – Entendi tudo.
– Para um jogador de hockey você é bem lento. – reclamou e riu.
– Vou te mostrar que não. – sussurrou perto do rosto da namorada, de modo que seus lábios tocassem a pele dela.
– Amém!
**Ouvidores de Vozes: O Hearing Voices Movement (HVM) – Movimento Internacional dos Ouvidores de Vozes, teve início na década de 80, composto por ouvintes e familiares em união a pesquisadores e estudiosos do tema para questionar, criticar e reformular entendimentos biomédicos tradicionais a respeito da experiência de se ouvir de vozes.
Sexta-feira, 04 de fevereiro de 2022
Casa de e
Lahti – Finlândia
Do lado de fora o sol estava no céu, ao contrário da maioria dos dias anteriores não haviam muitas nuvens o cobrindo. O vento era frio e balançava as árvores, mas não era mais tão desconfortável ou insuportável. Havia uma mesa na varanda ampla dos fundos, perto da piscina, organizada e posta com o café da manhã. ocupava uma cadeira, de costas para a piscina, de frente para a vista privilegiada da cidade. O jogador vestia um roupão cinza, meias e chinelos, uma touca na cabeça e tomava seu café da manhã em silêncio, vez ou outra dividindo uma fruta com Felix. estava sentada ao lado do namorado, comendo o resto de uma salada de frutas com mel, também observava a vista para a cidade. Tudo era calmo, verde e a vista para o lago era ainda mais bonita em uma manhã de sol. Podia ver a cidade inteira, a Isku e a pista de esportes de inverno, do outro lado da cidade.
Estavam em silêncio, no silêncio confortável de duas pessoas adultas que preferiam evitar falatório logo cedo. se abaixou para dar um pedaço de fruta a Felix, depois de afagar a cabeça do cão, o capitão ergueu o tronco, cruzou as mãos e apoiou os cotovelos sobre a mesa, virando o rosto para a namorada. não notou.
– Quero te perguntar uma coisa. – Ele declarou e o olhou de canto, rápido, depois voltou a brincar com a colher na língua, olhos na cidade, pernas dobradas sobre a cadeira. – Tem alguma coisa errada. Por que está tão de boa com tudo? – o olhou erguendo as duas sobrancelhas, uma expressão entediada. – Nem ligou. Para nada. Não deu a mínima por eu ter brigado, quis transar ontem, mesmo com tudo acontecendo. Tem alguma coisa errada? Eu perdi alguma coisa?
voltou a contemplar a vista e deu um longo suspiro.
– Eu queria cuidar de você ontem, te relaxar, porque sei como problemas com seu lugar de capitão te afetam. – explicou ainda sem o olhar. – Mas sobre o resto... – expirou profundamente. – Estou cansada desses tópicos. Tem uns dois meses que discutimos se eu saio do time ou não. Cansada de ficar brigando por cada detalhe disso com você. Um dia porque não podemos ficar juntos e estar no time, depois porque eu não quero deixar o time, depois porque eu decido sair do time. Tô exausta desse assunto, principalmente porque já é um assunto resolvido.
– Mas e o Santtu? – investigou, observava a namorada com atenção. – Por que está tão calma?
– Na verdade eu estou confusa. – enfim olhou para o namorado. – Não estou brava com você pela situação, mas acho que você precisa controlar melhor suas reações. – Aconselhou e maneou a cabeça e apertou os lábios, sem discordar. – Principalmente a raiva. – levou mais uma colherada de salada de frutas até a boca. – Você precisa amadurecer um pouco nesse sentido e resolver as pendências com o time. Mas é o capitão, não pode se desestabilizar tão fácil, mesmo sendo um tópico sensível.
– Eu sei.
– Estou confusa sobre o Santtu e o Otto também. – Admitiu a inglesa, olhando outra vez para o horizonte. – Pedi para eles apoiarem minha decisão, mesmo não concordando e não foi isso que aconteceu. Quero conversar sobre isso. Tenho que conversar. – A inglesa suspirou outra vez. – Mas estou tão saturada de drama, que minha vontade de verdade é evitar os dois.
– Isso é fácil. – O capitão relaxou as costas na cadeira, apoiando um dos cotovelos no encosto. – Tô suspenso por dois jogos.
negou com a cabeça, sorriu fraco e se inclinou, beijando duas vezes a lateral da cabeça da namorada.
– Quer ir ao abrigo? É sexta e estamos de folga.
– É uma boa ideia. – assentiu e deixou seus pensamentos vagarem até o abrigo, até as crianças abrigadas, até Yäel, sobre como ele se dava bem com , como até se parecia um pouco com ele e então em Timmy. O esquizofrênico do parque. Um pensamento quase intrusivo e incômodo invadiu a mente da terapeuta inglesa. – Eu também quero ir ao centro, casa, sei lá aonde... que o Timmy fica. – propôs surpresa com as palavras que proferia.
– Timmy? – franziu o cenho. – O cara que acha que é o ? – O namorado falou de si na terceira pessoa e assentiu. – Por que quer ir até lá?
– Não consegui parar de pensar sobre ele, sobre a postura dele. – Confidenciou a inglesa. – Queria entender um pouco mais sobre o caso. Ontem, a pessoa que estava acompanhando ele, disse que não tinha parentes ou família.
– Gatinha, é só um cara louco que acha que é alguém, tipo os que acham que são Deus ou o Elvis, sei lá. – deu de ombros. – Não é nada além disso, te garanto.
– Não, tem algo mais. – se voltou para o capitão. – Tem alguma coisa nele e nessa situação que fez algo em mim que estava adormecido, despertar.
– O que era? – O jogador perguntou incerto e desconfiado.
– É um tipo de curiosidade ávida, um interesse pelo que causa estranheza e medo.
– Amor, isso foi meio estranho. – Ele foi honesto e apertou os lábios em uma linha. – Mas te levo lá. – sorriu e roubou um beijo rápido do namorado, que riu nervosamente. – Desde que você saiba qual é o certo depois disso.
riu alto, sendo beijada pelo namorado outra vez.
Sexta-feira, 04 de fevereiro de 2022
Lahti – Finlândia
O carro de percorria devagar a autoestrada até o abrigo. Não nevava e ainda havia um brilhante e quentinho sol no céu. estava sentada no banco do carona, concentrada na música que tocava – era a mesma banda que tinham visto em Tampere. dirigia desviando o olhar da estrada para a namorada o tempo todo. Porque era bom tê-la ali, porque ela era bonita e agradável de se olhar, porque estava curioso com a curiosidade dela sobre Timmy, porque pensava sobre ela ter razão sobre tudo. Sobre as brigas, sobre o drama com o time, sobre estarem em paz e isso ser bom.
Ainda estava chateado por causa do desentendimento com Aleks, muito mais até do que estava sobre Santtu e Otto e a suspensão do time. Segunda de sua carreira, segunda da temporada. As coisas ditas por Aleks o tinham atingido fundo, como se ele enfim estivesse encarando suas ações. Nunca pensou sobre como ou se Aleks se importaria por não ser convidado para as idas a bares depois dos jogos. Nem pensou que Aleks sentiria falta das noites e tardes de videogame que não aconteceram mais. Sendo sincero consigo, percebeu que durante aqueles meses havia se esquecido do amigo. Atte talvez entendesse melhor a situação porque também tinha Inessa agora e porque sabia que o capitão estava dedicando mais tempo ao relacionamento com . Mas Aleks não.
Tinha vacilado feio.
Obviamente também estava chateado com a briga no vestiário. Sempre teve uma boa relação com Santtu e ainda estava confuso e perdido sobre a reação do defensor. Fora pego de surpresa e nem sabia de onde aqueles tiros estavam vindo. Também tinha aquele pequeno grande problema, era o capitão. Brigas entre o capitão e outros atletas era inadmissível e sabia que o único motivo para não ter o C arrancado do peito, era por ser o Grande . O que agora, para ele, soava como ironia, sarcasmo e desgosto.
Era horrível pensar que não estava lá mais por merecer, por ser a referência do time ou coisa assim, mas sim por ser o mais famoso e caro na equipe, e porque seria um escândalo o ter no time e que ele não fosse capitão. E porque o time fazer isso, seria dar a ele uma carta de demissão. Não era o que queria da vida, nem o tipo de jogador que queria ser. Não estava se reconhecendo mais. Nem no time, nem em sua postura.
Qualquer outro jogador que fizesse o mesmo, provavelmente já teria um contrato preparado para transferência antes da briga ser separada.
expirou pesadamente e percebeu, o olhando com sobrancelhas juntas. Quando a inglesa estava prestes a perguntar o motivo daquele suspiro sofrido, o celular do jogador tocou e ele agradeceu aos céus mentalmente. atendeu pelo painel.
– É o .
– Bundão. – Inessa se manifestou do outro lado. – Quero saber se vocês vem no dia ou antes, para o aniversário da Alicia.
– Que aniversário? – franziu mais a testa, olhando para o namorado, que primeiro arregalou os olhos, depois bufou, fechou os olhos e bateu a cabeça no apoio de cabeça do banco do motorista.
– Olá, cunhadinha. – Inessa cumprimentou a inglesa. – O aniversário da Alicia, nesse fim de semana. Lembra?
– Não. – respondeu sincera, surpresa. – Não estou sabendo de nada.
– Como assim? – A russa indagou chocada e encarou o namorado com expressão de poucos amigos.
– Estou me fazendo a mesma pergunta. – repetiu e fechou os olhos e bufou.
– Eu esqueci. – Justificou erguendo os ombros. – Esqueci do aniversário e esqueci de avisar.
– Como você esquece uma coisa dessas? – e Inessa responderam juntas, falando alto e o capitão começou a se xingar em pensamento.
– Eu esqueci, minha vida não é morango. – se justificou na defensiva. – Estou com vários problemas. Não me lembrei disso.
– Ótimo. – rolou os olhos e cruzou os braços, enfezada no banco. – Muito bom.
– Mamãe e Alicia já estão me deixando maluca, não vou dar esse prazer a você, . – Inessa respondeu, seu tom de voz e por chamar o irmão pelo nome denunciavam sua chateação. – É bom que vocês dois estejam aqui no sábado. Eu sei que não tem jogo marcado. Babaca.
– Se toca, ô sem noção. – respondeu a irmã, irritado também.
– Idiota.
– Você é idiota.
– Tchau, Ness. – interferiu, vendo que a troca de ofensas duraria muito. – A gente se fala, até mais. – Despediu-se, finalizando a ligação e bufou outra vez.
A inglesa encarou o namorado e sacudiu a cabeça negativamente.
– Não olha pra mim assim. – Ele adotou a postura defensiva com ela também. – É muito para uma cabeça só, para ainda lembrar de uma festa.
– O que? Vai brigar comigo também? – arqueou uma sobrancelha. – Não precisa disso tudo, não está sendo julgado. É só admitir que se esqueceu e que vacilou e pedir desculpas para sua irmã.
riu irônico e deixou a cabeça tombar.
– Sempre eu sou o errado, sempre eu tenho que pedir desculpas, eu sempre vacilo, não é? Sempre eu... – Ele começou a reclamar, alterando o tom de voz.
teve um insight e estreitou o olhar.
– Tá descontando por causa do Aleks? – Ela perguntou quase curiosa e a encarou surpreso.
– Para de viajar. – Ele negou com a cabeça e estalou a língua.
– Está, você está sim. – Acusou a inglesa. – Teve uma reação desproporcional por causa dessa festa, está bravo e falando alto comigo. Sério desde ontem, mal sorriu quando estávamos juntos ontem à noite. – riu sem humor outra vez, balançando a cabeça. – Eu sei que está chateado, por causa do time, da suspensão e tudo mais. Mas minha intuição me diz que não é sobre o Santtu e Otto, ou sobre o posto de capitão.
– E agora você lê mentes também? Nunca me falou desse poder.
– Eu desbravei essa mata, sei o tipo de planta que tem aqui. – uniu as sobrancelhas, seu tom era firme e o namorado mantinha a postura de desdém misturada a irritação. – Tá evitativo e reativo, tem alguma coisa te incomodando e você não me contou o que é. Provavelmente é alguma coisa que está te fazendo sentir culpa, porque falou aquelas coisas com a Ness por ter esquecido da festa. Isso de sempre ser sua culpa, tá externalizando uma coisa e jogando para outra. Do aniversário da sua irmã caçula. – Houve uma breve pausa e a terapeuta se virou para frente, apoiou o rosto na mão e o cotovelo na porta do carro. – Eu namoro um cara super família. Ele tem fotos de família na casa toda, é apaixonado pelos pais e irmãs. Esse cara jamais esqueceria do aniversário de uma delas ou reagiria como se não fosse tão importante assim. Ao menos não mais do que os problemas dele.
– Chega desse papo. – a cortou e o olhou de soslaio.
– Eu só acho que...
– , eu disse que chega. – Ele sentenciou e maneou a cabeça, mas não disse mais nada.
Sexta-feira, 04 de fevereiro de 2022
JS-Kodit Oy, Miekkiöntie 150
Lahti – Finlândia
A maioria das crianças estava do lado de fora, aproveitando o dia de sol com , jogando hockey outra vez – ou tentando. estava sentada na varanda com algumas crianças menores, conversando com Brian, o responsável pelo abrigo, sobre alguns casos e situações entre os pequenos. Bebiam café e assistiam a movimentação do jogador de hockey com alguns garotos, mais longe.
– Queria perguntar uma coisa. – mudou de assunto e Brian assentiu. – Pode ser meio estranho, mas... como é a rotina aqui? Rotina de trabalho.
Brian sorriu, levando aquela pergunta como uma segunda intenção de .
– É calmo. – Ele suspirou, passando a vagar os olhos pelas crianças. – Não é muito agitado, porque lidamos com muito mais burocracia do que as pessoas imaginam. – Ele sorriu. – São processos em juizados, entrevistas com candidatos a adoção, visitas regulares e acompanhamento às famílias, pilhas e pilhas de relatórios, reuniões com juízes, relatórios de andamentos de casos, saúde e escolar.
– E as crianças? Não ficam com elas? – quis saber.
– Não, na verdade sempre estamos por aqui porque é o nosso lugar de trabalho. – Ele explicou. – Mas não há tempo para passar com eles e trabalhar, e sempre temos muito trabalho. Então, acompanhá-los até a escola, médico, recreação e oficinas são feitos por outros profissionais ou voluntários. Acompanhamos de perto algum caso mais complicado ou problemático, mas... o sistema é complexo e a burocracia é grande.
– Ah, claro... – respondeu um pouco desanimada, observando as crianças.
– Às vezes temos que brigar com advogados e candidatos a adoção. – Ele contou como se fosse algo positivo. – Já precisei ir até a polícia umas quatro vezes.
– Uau. – tentou disfarçar.
Talvez Brian tivesse percebido, porque depois disso parou de falar e logo encontrou desculpa para se afastar.
Um tempo depois, já cansado do esforço, se aproximou, ocupando o lugar que antes era de Brian.
– Eu não tenho energia pra isso. – Ele reclamou ofegante. – Não para vinte crianças.
sorriu fechado, mas não disse mais nada.
– O que foi? – quis saber, notando a expressão dela. – Te vi conversando com o Brian e você estava séria. Era sobre trabalho?
– Era sim. – A inglesa apoiou a cabeça ao encosto da cadeira. – Mas pelo que ele disse, não sei se é o tipo de coisa que eu gostaria de fazer.
– Por que? Achei que adorasse aqui e as crianças. – quis saber. – Você disse que era seu emprego dos sonhos.
– É, era, mas... – Ela ergueu os ombros. – Eu acho que gostaria de algo com mais imprevisibilidade, agitação. Pelo que Brian me disse, é burocrático. Ele falou que nem sequer tem muito contato com as crianças, é mais sobre os processos de adoção e eu sei que... bem, acho que eu seria problemática nessa parte.
– Por que?
– Já me viu fazer algo seguindo as regras e não meu instinto? – arqueou uma sobrancelha e viu o namorado rir alto.
– É, consigo imaginar você dizendo que alguém não é adequado, mesmo com toda a papelada. – Ele concordou e tomou uma das mãos da inglesa, entrelaçando seus dedos. – Conhecendo sua impulsividade, não me espantaria se você começasse algo novo e diferente. Tipo, bombeira ou sei lá.
– Não seja bobo. – A inglesa riu. – Obviamente eu não tenho físico para isso.
Houve um momento de silêncio e usou para beijar a mão da namorada.
– Acabei de pensar uma coisa. – Ele chamou sua atenção. – De zero a dez, quanto eu devo me preocupar sobre você ser tipo aquela personagem da Michelle Pfeiffer naquele filme que ela é professora? Ou de querer bancar a Mulher Maravilha e tentar resolver o mundo sozinha, se colocando em risco?
– Sinceramente? – voltou a apoiar a cabeça na cadeira e ele respondeu sua pergunta com um “uhum”. – Oito.
– Oito, ? – se sobressaltou.
– Sete e meio, se te faz sentir melhor. – Ela ergueu um ombro.
– Eu tô realmente pensando em trancar você em casa, depois disso. – Ele fez careta.
– Eu fugiria, você sabe. – brincou, sorrindo de lado e piscando, negou com a cabeça.
– Por que você não podia querer uma coisa mais tranquila? Burocrática? – Ele perguntou de modo retórico. – Trabalhar com criancinhas, ou jardinagem... sempre tem que ser a coisa que vai me matar do coração.
– Não seja dramático. – deu de ombros. – Você só me conheceu agora, hoje em dia eu sou mais tranquila.
– Você me assusta, amor. – declarou. – Eu devia imitar o , te contratar para trabalhar comigo.
– Eu não aceitaria.
– Claro que não. – Ele sacudiu a cabeça outra vez. – Se lembra daquela história do Touro Ferdinando? – Ela assentiu. – Você não é o touro que quer cheirar as florezinhas, não é? Nunca vai ser.
– É, acho que você captou bem a essência.
piscou e sorriu, enquanto ainda negava com a cabeça pasmo e cheio de contradição quanto a aquele assunto.
45 – Paint our future on a fractured wall
I can tell you what it feels like
To lose your home on a cold night
Can you see the blood in my red eyes?
Have another total forget life
So come on fly away with me
To a place where we could be anyone we wanna be
And we can bottle up our fears
Grow a taste so sweet
Knock us off our feet and more
Burn our troubles
Inhale them all
Paint our future on a fractured wall
( Fly Away With Me - Tom Walker)
Sexta-feira, 04 de fevereiro de 2022
Centro de Saúde Mental de Lahti
Lahti – Finlândia
Era um lugar gigantesco de se ver por fora, uma espécie de casarão antigo, amarelo e com janelas grandes, que destoava do resto da cidade. Ao redor, talvez por causa das nuvens terem escondido o sol e o vento ter aumentado a medida com que a tarde corria, tinha-se a impressão de que a qualquer momento a trilha sonora de The Alienist pudesse ser ouvida. Na frente havia um pequeno estacionamento com asfalto velho, e um pouco esburacado onde a goteira dos telhados atingia o chão. Estava praticamente vazio, mas com vagas reservadas para ambulâncias e viaturas. Havia uma trilha de pedras alisadas pelo tempo o suficiente para que não fosse difícil percorrer com uma cadeira de rodas, e que cortava um jardim amarelado e queimado pela neve, com algumas árvores sem folhas, levando até a entrada.
Eram três andares pelo menos, de uma fachada imponente e bruta de um tipo de arquitetura incomum a região. As paredes eram amarelas, mas tinham aspecto envelhecido e as janelas eram de madeira e pintadas de azul. De algumas se podia ver cortinas balançando com o vento, como se dançassem, outras estavam fechadas. E todas dos dois pavimentos superiores tinham grades. A entrada parecia ser pela única porta a vista, larga e grande, também azul, de onde se via um tipo de salão e um balcão de recepção. O casal, e , tinham deixado o carro e estavam parados juntos, hesitantes a atravessar a trilha de pedras. A inglesa tinha as mãos paralelas ao corpo e parecia analisar tudo que podia ver pelo lado de fora, enquanto o jogador se lembrava porquê detestava aquele lugar.
– Tem certeza disso? – perguntou baixando o olhar para a namorada. – Quer mesmo, por livre e espontânea vontade, entrar aí? – Ele tremeu o corpo, abraçando-se. – Não é legal que nem na Isku, lá não é bonito de ir...
– O que foi? – brincou dando as costas para o prédio e ficando de frente para ele. – Além de fantasmas, também tem medo de loucos?
– Eu só não gosto daqui. – Ele ergueu um ombro. – Impressiona um pouco e eu acho que acabo de lembrar porque nunca mais estive aqui.
– Amor, eu não sou uma garotinha frágil. – tocou o ombro do capitão e sorriu. – Não vou dizer que é impossível, mas... eu sou uma profissional da área, lembra? Acho um pouco difícil que algo aqui realmente me impressione.
– É, pode ser... – Ele fez um barulho com a boca, inclinando a cabeça.
sorriu e ficou na ponta dos pés para beijar o canto dos lábios do namorado, depois sorriu de novo, se virou e começou a andar em direção a porta grande.
– Vamos, vamos descobrir o que nos aguarda. – Ela convidou.
expirou pesadamente, jogando a cabeça para trás e depois correu os olhos pelo lugar uma segunda vez.
– É, ... o que você não faz por essa mulher...
Assim que passaram da porta os dois foram tomados pela atmosfera do lugar. Não tinha um cheiro específico, era algo como madeira e chá de camomila, misturado a um pouco de álcool e vento frio. Era uma sala de espera ampla e clara graças a uma janela grande no fundo, com algumas pinturas abstratas na parede, o balcão parecia antigo e tinha cor de madeira escura. e trocaram um olhar rápido antes de se aproximarem e se inclinarem sobre o balcão para anunciar sua presença, mas não foi necessário. Assim que o capitão abriu a boca para falar, Arvo, o homem de cabelos castanhos que se aproximara de na ocasião com o falso , os percebeu ali.
– Eu conheço você. – Ele sorriu ao se referir a , chegando perto do casal. Parecia estar passando por ali despretensiosamente e os viu, segurava papéis nas mãos e usava jaleco.
– É, acho que nos conhecemos um outro dia. – respondeu sem jeito e esticou uma das mãos para um cumprimento. – Me chamo . – Arvo esticou a mão para cumprimentá-la de volta, ele estava sorridente. – Esse é meu namorado, . – A inglesa apontou para o capitão com a cabeça.
Quando a ouviu, os olhos de Arvo subiram para a figura atrás dela e que ele ainda parecia não ter notado. levantou as sobrancelhas para cumprimentá-lo e apertou os lábios, depois murmurou algo parecido com um “olá”. Arvo arregalou os olhos conforme abriu a boca, parecia uma criança que abre os presentes na manhã de natal.
– O original! – Arvo sorriu surpreso e animado. – Fascinante! Timmy acabou por encontrar a namorada do verdadeiro? Ou o destino está colaborando para seu delírio ou... ele anda acessando sites de fofoca. – O homem mais baixo riu.
– Não. – sacudiu a cabeça devagar. – Acredito que as chances são muito pequenas. – A inglesa olhou para o namorado por sobre o ombro antes de responder. – Nosso relacionamento é privado, Timmy não encontraria nada em qualquer site de fofocas.
– Fascinante! – Arvo cruzou os braços e riu admirando os dois por tempo suficiente para que eles ficassem desconfortáveis.
e se entreolharam, depois coçou a garganta e inspirou.
– Bem, naquele dia você disse que eu poderia... que poderia...
– Visitar o Timmy? É por isso que está aqui? – Ele tentou adivinhar e a viu assentir com a cabeça, mesmo incerta. – Ele está acordado, já tomou café da manhã, está treinando. Veio mesmo para vê-lo? – Arvo arqueou uma sobrancelha.
– Eu achei que... – se embolou. – Você disse que...
– E você também? – Arvo indagou .
– Ver o Homem que copiava? – expirou um riso debochado ao fazer menção ao filme, e recebeu um olhar atravessado de Arvo que o fez se calar.
– E nós podemos vê-lo? – perguntou, trazendo o foco de volta para si.
– Claro, já faz tanto tempo que ele não recebe uma visita... será bom. – Arvo assentiu pensativo, coçando o queixo como quem pondera algo, e abriu um dos braços. – Me acompanhem, por favor.
Arvo os guiou para fora da recepção, tomando um corredor que os deu acesso a um tipo de pátio com teto aberto, no centro uma grande e frondosa árvore e sem folhas, por ali estavam vários pacientes procurando um pouquinho de sol, acompanhados ou desacompanhados. O chão era um mosaico colorido, formando ramos, sóis, flores e outros desenhos que não se pareciam com nada que se pudessem reconhecer. Havia um corredor aberto que dividia o pátio de outras portas, com colunas arredondadas e lisas, as paredes eram avermelhadas e cheias de desenhos, quadros, mandalas e outras obras que pareciam ter sido feitas pelos pacientes.
Os pacientes no pátio, alguns estavam sentados em silêncio, uma senhora de idade avançada e pouco cabelo girava em seu próprio eixo, sem parecer perceber a realidade ao seu redor. Outro, andava arrastando os pés, circulando a grande árvore, também perdido em sua mente perturbada. Outra, um pouco trêmula, se aproximou do casal de visitantes, usava uma coroa de plástico e um tipo de vestido de festa envelhecido. Quando essa se aproximou, se afastou rápido, assustado, tentando se proteger e se esconder na parede.
Eles atravessaram o pátio e entraram em uma outra porta larga, em um corredor espaçoso cheio de portas, abertas e fechadas. Era silencioso e o único som ouvido parecia ser a narração de um jogo de hockey. A cada passo dado rumo ao final do corredor, mais alto e claro ficava, era mesmo de um jogo de hockey. uniu as sobrancelhas e sorriu fraco ao notar, procurou o olhar do namorado, mas ele não parecia estar na mesma sintonia, estava mais para assustado.
– É o Timmy? Ele está assistindo um jogo? – perguntou, desviando-se do namorado e buscando Arvo.
– É o que ele faz. – Arvo respondeu. – Timmy não fala muito, não além do que já sabemos. Sobre ser o grande e seu delírio. Nem com a psicanálise ou hipnoterapia. Ele se esconde nessa concha e se torna quase impossível acessá-lo.
– Nem representação na arte? Aquela coisa de que o inconsciente fala? – tentou.
– Eu não sou o melhor em analisar essas coisas, como disse antes, também sofremos com a falta de equipe. – Arvo justificou erguendo os ombros. – Existem coisas que gostaríamos de fazer, mas que não são possíveis. Como vocês estão vendo, temos muitos pacientes institucionalizados e poucas mãos. – Ele olhou com um pouco mais de atenção. – Mas... seu jeito de falar não é de um leigo. – Acusou ele, parando de andar.
– Ela não é. – respondeu rápido quando percebeu hesitar. – É a melhor terapeuta ocupacional de Lahti. Veio da Inglaterra para cá.
– Mesmo? – Arvo projetou o lábio superior, surpreso e olhou para o namorado com jeito de poucos amigos. – Inglaterra para Lahti? Não Helsinki? O que você faz?
– Vim trabalhar com o time de hockey da cidade. – falou com voz pouco trêmula. – Por que Helsinki? – Ela quis saber depois que as palavras dele fizeram sentido à terapeuta.
– Lá eles descobriram como tratar psicoses apenas com a fala, sem medicação. – Ele contou e sorriu interessada. – Deve ser boa para ter vindo de lá para cá. – Arvo se virou bruscamente, seguindo a caminhada. – Vou mostrar o quarto do Timmy.
e trocaram empurrões leves, como se um quisesse que o outro fosse primeiro, até que vencesse e conseguisse colocar a sua frente.
– Timmy. – Arvo bateu duas vezes na porta aberta e sorriu. – Tem visita para você.
O casal não ouviu a resposta, mas viu quando Arvo assentiu e sorriu, tornando a se aproximar deles.
– Vou ficar aqui, caso precisem de mim. – Ele avisou, sinalizando com a mão para que os dois prosseguissem. – Sejam cuidadosos, tudo isso pode ser novidade demais para ele.
respirou fundo e deu um passo à frente, estava atrás dela e parecia congelado. A inglesa rolou os olhos e sacudiu a cabeça ao vê-lo, seguindo seu plano e o deixando junto a Arvo.
Quando alcançou a porta, encontrou Timmy se exercitando com pesos, enquanto de frente para a TV, assistia um jogo de hockey. Ele parecia concentrado ou desinteressado e não a olhou quando a inglesa se colocou de pé na porta. O quarto era grande e arejado, uma TV, pesos de academia, uma mesa pequena com cadeira, uma cama e mesa de cabeceira, uma pequena cômoda e um banheiro. Estava organizado e arrumado, limpo e cheirava loção de barbear – o quarto e o homem dentro dele.
– Oi, Timmy. – o cumprimentou e ele enfim ergueu o rosto para ela.
Timmy estreitou o olhar e depois sorriu, como se feliz e surpreso.
– Sabe, não é muito comum deixarem fãs entrarem aqui. – Ele voltou a se concentrar no exercício. – Nem eu deixar interromperem meu treino.
– Não? – entrou em seu delírio porque estava curiosa. – Que bom que abriram uma exceção então.
– Eu lembro de você, da cidade, a inglesa. – Timmy contou e percebeu a aproximação de , devagar, no corredor, ele parecia atento ao assunto.
– Sou eu sim, da cidade. – Ela se apresentou. – Me chamo .
Ele balançou a cabeça uma vez, a olhando com atenção.
– E você... – tentou fazer com que ele se apresentasse outra vez.
– . – Ele inclinou a cabeça sobre o ombro. – Sua memória é curta assim ou você acha que fazendo esse jogo vai conseguir um autógrafo mais fácil?
– Eu não quero um autógrafo, só vim te fazer uma visita.
Timmy interrompeu o que fazia e pareceu paralisar por dois segundos, depois soltou o peso no chão e ficou de pé, de frente para .
– Eu não recebo visitas. – Timmy tinha um olhar diferente, curioso, surpreso, mas não vaidoso como antes, ou cheio de certezas.
– Bom, eu vim para te fazer uma. – sorriu de modo doce. – Saber como você está.
– Eu estou bem, quer se sentar? – Ele perguntou rápido, tentando limpar a cama e afastar qualquer coisa que impedisse o caminho da terapeuta. – Pode ser na cadeira.
– Claro. – assentiu, mesmo em dúvida se devia ou não fazer, ela se sentou na cadeira, enquanto Timmy ocupou a mesa. – Então, você estava se exercitando.
– Sim, eu preciso me manter em forma para os jogos. – Ele ergueu o queixo ao contar. – Jogar hockey exige muito.
– Quem te ensinou a treinar assim, sozinho? – ignorou o discurso dele.
– Meu irmão. Eu sempre treino por causa do time, eu sou o , então eu preciso estar sempre em forma, como eu disse. – Timmy respondeu rápido e sorriu.
– Claro que sim. – Ela assentiu, olhando ao redor e fez-se silêncio. – Você gosta daqui?
– Gosto. – Timmy assentiu rápido e arqueou uma sobrancelha. – Eu queria outro lugar, mas é provisório, porque aqui os jornalistas não sabem onde eu estou. Todos querem tirar fotos. Só você sabe onde estou, precisa ser segredo. – Ele pediu como se fosse algo muito importante e assentiu.
– Eu só vi pessoas mais velhas aqui, como passa seu tempo? Tem mais pessoas jovens? – A inglesa voltou a perguntar.
– Tem sim, tem mais um monte de gente. – Timmy respondeu. Estava sentado na cama com os braços paralelos, como se servindo de apoio ao tronco, mas relaxados. – Tem uns que vieram antes de mim, outros depois.
– E como você passa seu tempo?
– Eu treino, como você acha que jogadores passam o tempo? – Ele riu como se fosse uma pergunta idiota.
– Mas além do treino? – sorriu também.
– Eu fiz muitas mandalas. – Timmy ficou de pé e caminhou até a cômoda e abriu uma gaveta, a inglesa observava tudo atenta. – Olhe. – Pediu ele, erguendo uma folha a vista dela.
– São lindas. – elogiou e se levantou para ver mais de perto. – O que mais você faz?
– Filtro do sonho.
Timmy lembrou erguendo um dedo e revirou um pouco mais fundo na gaveta, erguendo um filtro dos sonhos. Era feito com base de madeira e fios grossos que lembravam barbante, e nas pontas penas que pareciam ser da cor preta, mas que se mostravam azuis quando a luz refletia nela a medida com que o ar as movia.
– Serve para não ter pesadelo. – Ele explicou.
As mãos de Timmy eram grandes e os dedos grossos, isso dava impressão de que era quase impossível aquelas mãos terem feito algo tão delicado e bem-acabado. Ele falava olhando no fundo dos olhos de , era um olhar doce e quase líquido, ele tinha olhos azuis muito bonitos.
– É realmente muito bonito, Timmy. – elogiou a peça.
– Obrigado. – Timmy sorriu fraco. – Você veio aqui para um autógrafo, pode falar a verdade. Porque eu sou o e eu...
– E você tem pesadelos? – perguntou o interrompendo, mas Timmy não teve tempo de responder.
– Isso é o Pelicans contra Tappara, de dois mil e doze? – surgiu na porta, mãos no bolso, parecia sem jeito, mas também um pouco surpreso.
Os dois no quarto se viraram em direção ao jogador, Timmy estreitou o olhar.
– É. – Timmy respondeu.
expirou um riso fraco e olhou do namorado para o outro homem.
– Meu primeiro jogo. – respondeu para , apontando com o queixo. – Estreia na Liiga.
– Jura? – sorriu aberto, prestando mais atenção na TV e indo para mais perto de .
– É o meu jogo de estreia. – Timmy corrigiu apontando para si. – Meu. Quem é esse maluco aí?
– É o meu namorado, . – apresentou.
– . – O jogador corrigiu e levantou uma sobrancelha.
Timmy rolou os olhos e cruzou os braços sobre o peito, ele usava moletom.
– Que ridículo. – Falou o loiro. – Não está vendo que eu sou o ? O original? Verdadeiro. Como você descobriu onde eu estava?
rolou os olhos.
– Uhum, claro. – O capitão resmungou. – Vou ficar prestando atenção para te ver no próximo jogo.
– Quer que eu marque pra você? – Timmy se aproximou de , o encarando de perto. – Pode dizer, você foi mandado aqui para me espionar, não é? Te mandaram aqui atrás de mim.
– Timmy, acho que não é por aí. – tentou falar.
– É claro que sim. – Ele insistiu.
– Vigiar quem finge ser eu? – expirou um riso sem humor e arqueou as sobrancelhas.
– Ele veio atrás de mim aqui. – O homem loiro insistiu. – Quem deixou ele entrar aqui?
riu irritado e institivamente tocou o peito do namorado, tentando empurrá-lo para fora do quarto.
– Melhor a gente voltar depois. – sugeriu, olhando para o namorado.
– Só agora você acha isso? – sussurrou para ela, que torceu os lábios.
– Eu sou , eu ganhei os playoffs. – Timmy insistia, agora andava de um lado para o outro no quarto.
– É melhor encerrarmos a visita. – Arvo surgiu na porta com expressão séria.
– Claro. – assentiu rápido, mas quando estava perto da porta, com já do lado de fora, a inglesa deu meia volta e se aproximou do outro homem. – Até, Timmy. – Se despediu tentando ter sua atenção, mas sem tocá-lo. – Espero que fique bem.
– Eu sou o , eu sempre fico bem. – Ele repetia.
A inglesa voltou a se afastar em direção a porta, mas antes de passar por ela, apesar do olhar ansioso de Arvo, Timmy a chamou.
– Inglesa. – Ele ainda parecia agitado, mas se aproximou rápido dela. – Leve isso. – Disse, oferecendo o filtro de sonhos para ela, que olhou da peça para o seu artesão, depois para Arvo, que não fez qualquer objeção.
– Timmy, tem certeza? – Ela quis se certificar. – Você não precisa mais dele?
– Eu posso fazer mais. – Ele explicou, seu olhar era mais agitado agora e Timmy parecia ansioso. – Eu sei fazer, você não sabe. É para os seus pesadelos.
– É muito gentil. – sorriu, tomando nas mãos a peça pela primeira vez. – É provável que eu precise.
– Mandaram ele para me vigiar e contar para todo mundo onde eu estou. – Timmy recomeçou. – E eles vão saber onde o está e aí vão...
– Adeus, Timmy. – falou baixo, sorrindo fechado e se afastou devagar, enquanto ele seguia com seu discurso persecutório.
– O encontro com o objeto principal de seu delírio parece ter o desorganizado. – Arvo começou a falar como se fizesse notas mentais, já apressado para guiar os visitantes para fora. – Ele não tem costume de receber visitas de pessoas diferentes das que já estão aqui. Ele costuma ser pacífico e a medicação controla os delírios mais graves.
– Ele tem é sorte de estar aqui. – murmurou incomodado. – Ele não se parece nada comigo.
– É o delírio, faz parte. – Arvo explicou. – Vou pedir para algum enfermeiro vê-lo.
Mesmo com reclamando como nunca antes e fugindo da aproximação de qualquer paciente do Centro, Arvo os guiou de volta a recepção – ao que pareceu, o mais rápido que pôde.
– Timmy não costuma receber atenção de fora, como disse. – Arvo tornou a falar quando estavam perto da saída. – Se tiverem paciência e quiserem visitá-lo outra vez... talvez sem o original, ou sem a ideia de afrontá-lo. – Ele os mirou com alguma crítica.
– A intenção não foi afrontá-lo ou provar que ele estava errado. – tentou explicar. – Só...eu sinto muito. Nós sentimos. – Disse, cutucando a costela de , que torceu os lábios em uma careta.
– Tudo bem. – Arvo suspirou. – De qualquer forma, foi bom tê-los.
– Nós agradecemos.
Com um aceno rápido de cabeça, foi puxada para fora por , passando rápido pela porta grande.
– Que lugar tenebroso. – O capitão reclamou. – Parece um filme de terror. A gente nunca mais vai voltar aqui. Viu porque eu detesto aqui? É assustador.
– Talvez você não devesse ter dito aquilo, ter entrado lá e insistido em ser quem é. – dizia, perdida em seus próprios pensamentos. – Ele está doente, nós não.
– , a Isabel como maluca na minha vida já é suficiente. – parecia desconfortável e assustado, tinha o olhar e postura de quem encosta em algo de textura estranha e sente desconfortos pelo corpo, ou de quem leva pequenos choques o tempo todo. – Você viu aquela galera? Isso é loucura. – Ele fez uma breve pausa. – Literalmente é loucura. – O jogador sacudiu a cabeça, puxando-a pela trilha de pedra. – Por favor, coloque essa Arlequina que mora em você para dormir de novo, porque essa curiosidade aí não vai dar certo.
torceu os lábios e expirou, não podia ou conseguia realmente discordar do namorado naquele momento, mesmo sentindo a textura do presente de Timmy nas mãos. Quando o casal tocou na porta do carro, Arvo os chamou.
– Terapeuta. – Ele se referiu a . – Temos vagas, se quiser vir para algo mais que estressar meus pacientes.
franziu o cenho, confusa, mirando Arvo com estranhamento, depois desviou o olhar e entrou no carro.
Sexta-feira, 04 de fevereiro de 2022
Casa de e
Lahti – Finlândia
se inclinou para afagar Felix quando passaram pela porta de casa. Tudo estava vazio e silencioso, exceto pelo cão que festejava o retorno dos dois moradores e se embolava entre suas pernas. Era fim de tarde e e estavam cansados do dia, haviam comido qualquer coisa em um drive-thru no caminho de volta do Centro.
Apesar de terem estado juntos em quase todos os momentos daquele dia, em todos os locais visitados, tinham pensamentos diferentes em suas mentes, enxergavam cada momento do dia de forma diferente, com sua própria lente. Curiosidade e hesitação, resistência e dúvida, culpa e interesse. pensava sobre Timmy, sobre aquele lugar onde ele estava, sobre como alguém termina daquele jeito. Abandonado, sozinho, desamparado por todos que já passaram por sua vida. Enlouquecer e ser esquecido, se tornar alguém sem identidade, mais um paciente entre vários, alguém que sequer consegue defender o próprio nome, que deixa de existir. Timmy poderia ter sido qualquer um antes de seu adoecimento, mas agora tudo que todos sabiam dele era de que se tratava de uma mente perturbada, com delírios de grandeza e um possível transtorno de personalidade.
, por outro lado, estava incomodado e havia pensado muito sobre tudo que se passara durante o dia. Principalmente sobre a situação com e Inessa sobre o aniversário de Alicia. O jogador se sentia mal pelo que disse, pelo tom, pelo jeito áspero de falar com a namorada e por todo o resto. Não queria ter se esquecido do aniversário da irmã, não queria ter sido lembrado por outra pessoa. Queria ter falado sobre com e poderiam ter se planejado para alguns dias a mais em Viipuri. Não queria que nada tivesse acontecido daquele modo e se culpava, estava ainda mais chateado e triste consigo mesmo, como se não bastasse todos os outros motivos anteriores.
O jogador suspirou observando afagar seu cachorro. Sabia que devia se desculpar com ela, mesmo que estivesse agindo quase normalmente após o pequeno atrito no carro. avaliou se não seria melhor esperar, a conhecia e sabia que hora ou outra ela o procuraria para falar sobre o assunto. Mas, seria covarde esperar, devia a namorada um pedido de desculpas, principalmente porque nas últimas discussões, descontar e ser rude com havia sido um tópico importante. E não tinha nada a ver, se teriam que viajar para Viipuri para um aniversário repentino ela não tinha culpa. Não tinha culpa sobre Aleks ou se era um babaca grosseiro.
– Rakkaani. – Ele a chamou quando estava prestes a subir as escadas. – A gente pode conversar?
– Pode ser depois que eu subir e me trocar? – Ela quis saber sorrindo educada. – Estou cansada, foi uma tarde e tanto.
– Não vai demorar. – Garantiu o jogador e apertou os lábios assentindo, depois se aproximou mais dele.
– Certo, sobre o que quer falar? – Quis saber, temendo que ele viesse com um discurso longo sobre como não era uma boa ideia pensar em visitar Timmy outra vez, ou sobre qualquer outra poda que quisesse fazer em seus planos e projetos profissionais.
O jogador caminhou até o sofá, puxando a inglesa pela mão, até que os dois se sentassem, um de frente para o outro.
– É que eu queria pedir desculpas pelo jeito que falei com você hoje, no carro. – Ele disse, tinha cabeça baixa e apertou os olhos e maneou a cabeça, surpresa. – Você está certa, eu acho. Mas não queria falar alto ou ser grosso com você, meu amor. Odeio quando desconto em você as coisas que estou sentindo.
– Eu sei que não. – assentiu e segurou a outra mão do namorado. – Acontece, isso é normal. A gente acaba descontando em que está mais perto. – A inglesa tinha um olhar empático e tentava buscar os olhos do namorado. – Quer dividir comigo o que está te incomodando?
– Não sei direito. – Ele ergueu os ombros e suspirou, baixou o olhar e apertou os lábios, depois voltou a encarar suas duas mãos unidas as da namorada. – Eu vacilei esquecendo o aniversário da minha irmã. Já faz tempo que me falaram da festa e eu esqueci de te avisar. Você estava certa, eu não sou o tipo que esquece ou que não liga pra essas coisas. – assentiu. – Mas é que tanta coisa aconteceu, entre a gente, o time, a renovação, tantos problemas e...
– Tudo bem, não é um problema tão grande assim. – se inclinou um pouco mais para perto. – Isso de esquecer acontece nessas situações. Ninguém vai te julgar, realmente são muitas coisas para lidar e pensar, principalmente nos últimos dias. Não tem problema se esqueceu de me avisar da festa. Gostaria que tivesse feito antes, mas eu compreendo. – A terapeuta levou uma das mãos ao rosto do namorado e afagou sua bochecha. – Mas você devia ter admitido para a Ness e não ter brigado com ela como fez. Não era preciso.
– Eu sei, vou ligar e pedir desculpas. – Ele prometeu assentindo com a cabeça. – Eu sei que foi erro meu, mas ela não entende também essas coisas todas.
– Às vezes, ... – tocou o queixo do namorado, tentando que ele a olhasse nos olhos. – Às vezes, nessas situações, queremos justificar para o outro, convencê-los, quando estamos tentando convencer a nós mesmos de que tudo bem ter feito isso ou aquilo.
– Não entendi nada.
riu abafado e inclinou a cabeça, depois ergueu o rosto outra vez.
– Será que você não falou aquilo, sobre estar com muitas coisas na cabeça, problemas e todo o resto, para convencer a si mesmo de que seu erro pode ser perdoável? Será que é mesmo a Inessa que não compreende? – traduziu e entreabriu a boca. – Você é muito crítico consigo mesmo, eu sei. Não preciso que justifique para mim que estamos cheios de problemas aqui, eu já sei. Nem acho que seja o que Inessa queria ouvir, mas...
pensou um pouco sobre, mas depois uniu as sobrancelhas em uma careta e negou com a cabeça devagar, como se a namorada estivesse falando algo absurdo e sem sentido.
– Isso é sobre o Aleks também? – ignorou a expressão do namorado. – Disse que eu tinha razão, era sobre isso também? Está se sentindo culpado sobre como as coisas foram com ele?
– Você não? – riu pelo nariz, mas sem achar graça, baixando a cabeça outra vez. – Mesmo que ele não mereça. – Sussurrou.
– Claro que estou, mas conversei com Aleks. – contou e viu o namorado a olhar surpreso.
– Como assim conversou com ele?
– Ontem eu o encontrei, Petri pediu que eu falasse com ele. Nós conversamos um pouco, ele estava muito aborrecido e eu pedi desculpas. Não imaginava que ele estivesse se sentindo tão mal por nossa causa. Foi um erro grande não termos nos colocado no lugar das pessoas, eu acho. Mas eu pedi desculpas, quero conversar outra vez, mas estou respeitando o espaço dele.
– Ele não quis falar comigo mais. – contou chateado – Quis mudar de linha, no jogo mal falou comigo. Nem ele, Santtu ou Otto. Mas ele... é diferente, não ligo para Otto e Santtu.
– Ele se magoou muito com o que você falou com ele. – afagou e apertou o ombro do namorado. – Não me deu detalhes sobre a conversa de vocês, mas ele se chateou, pareceu ferido, ressentido e não só por termos escondido dele. Talvez você devesse pedir desculpas também, outra vez.
– Eu? – expirou um riso. – Eu já contei tudo, não posso mudar o passado.
– Nós erramos com o Aleks, . – apertou os lábios. – Dessa vez foi a gente. Ele podia ter dito ao time que você gostava de mim, podia ter feito outras coisas para nos prejudicar se quisesse. Mas não fez. E mesmo se tivesse feito, nós não somos essas pessoas, duras, rancorosas, somos? Ele é seu amigo. Nosso amigo.
– Não tinha como contar, eu não estava seguro. Ninguém estava. – voltou a falar, justificando-se. – Não depois do que ele fez com aquela droga de chocolate. Isso é consequência das ações dele e ele devia entender.
– Tá dizendo isso para me convencer, se convencer ou se justificar para si mesmo? – ergueu uma sobrancelha.
– Para com esse papo psicológico. – desdenhou recostando-se no sofá. – Eu tinha razão de não contar.
– , você perdoou ele. – lembrou, tomando as duas mãos do namorado outra vez. – Você deixou isso para trás e não é justo que use isso como justificativa agora. Quando a gente erra, não adianta muito buscar no outro justificativa para os nossos erros. Deixe o Aleks se responsabilizar pelos dele, enquanto você se responsabiliza pelos seus.
– Sempre eu, não é? – Ele riu nervosamente, inclinando e balançando a cabeça.
– Não, amor. Eu e você erramos. – o lembrou. – A gente errou nessa, porque foi uma consequência do que escolhemos fazer. Nós mentimos para os nossos amigos, escondemos a verdade e é normal que se chateiem com a gente.
Fez-se silêncio.
– , tudo bem se você se sentiu acuado com o que ele te disse, por ter te culpado, por ter sido praticamente o último a saber. Tudo bem se vocês discutiram e se reagiu a ele, se falaram coisas ruins um para o outro. – disse ao namorado.
– Por que está dizendo essas coisas? Parece que está me analisando o tempo todo.
– Só estou tentando ajudar. – Ela justificou ergueu um ombro e apertando os lábios. – Só quero dizer que entendo que deve ter sido uma conversa difícil e que nós temos que entender o lado do Aleks, assim como eu tenho que entender o do Santtu e Otto.
– É diferente. – apontou.
– É sim, mas em todos esses casos nós precisamos pesar a importância dessas amizades antes de pensar em como lidar com o problema.
– Otto e Santtu te defenderam, Aleks não queria nem jogar comigo mais. – baixou os ombros, entristecido e o puxou para um abraço.
– Aleks te idolatra, ele provavelmente se sentiu traído, sem importância, preterido, deixado de lado. Como se não tivesse valor ou importância para você. – disse enquanto acariciava a nuca do jogador. – Principalmente para você. Conhece a história dele, já sabe o que ele foi capaz de fazer quando quis te proteger, porque teve medo que o abandonasse. É como ele disse, pense em como ele se sentiu durante esses meses.
– Eu sei. – O capitão respondeu baixo.
– Escute. – se afastou e tomou o rosto do namorado nas mãos. – Vamos tentar descansar, dormir um pouco. Amanhã vamos ter muitas coisas para fazer antes de ir para a casa dos seus pais. E enquanto isso... – Ela suspirou. – Durante a viagem, você espairece, pensa melhor sobre tudo e quando voltar, conversa com ele. Atte vai estar lá, provavelmente, ele pode te aconselhar. Vai ser bom um tempo longe de Lahti para você desta vez.
– Acho que tem razão. – Ele assentiu. – Obrigado por isso. Você não brigou e foi paciente comigo. – riu inclinando a cabeça. – Provavelmente mais do que eu mereço.
– Mas eu amo você, de que outro jeito eu devia agir? – sorriu de volta, beijando-o.
– Como você soube disso? De que eu estava bravo no carro porque estava chateado por causa do Aleks? – O capitão tentou entender. – Não tinha conversado com você sobre, nem falei direito sobre ter contado ao Aleks.
– Bom, primeiro é porque eu conheço muito bem você. – Ela sorriu outra vez. – Sei que você faz isso, se culpa e se martiriza, mas não sabe como lidar com os efeitos ou com o que isso causa nos outros. Em segundo, acho que é porque estou me lembrando de que sou uma boa terapeuta.
– Você tinha dúvidas? – sorriu. – O que é que eu faria sem você, ? – Ele a abraçou com força.
– Bagunça, provavelmente. – brincou e os dois riram. – Muita bagunça.
46 – Yes, yes, yes
She'll make you curse, but she a blessing
She'll rip your shirt within a second
You'll be coming back, back for seconds
With your plate, you just can't help it
No, no, you'll play along
Let her lead you on, on, on
You'll be saying: No, no
Then saying: Yes, yes, yes
'Cause she messin' with your head Yes, yes, yes
(Sweet but Psycho - Ava Max)
Sábado, 05 de fevereiro de 2022
Hämeenkatu, 13
Lahti – Finlândia
– A gente pode parar para comer agora? Estou exausta. – choramingou se arrastando atrás do namorado.
– Claro que não. – respondeu baixando as sobrancelhas e negando com a cabeça.
– Mas você já comprou o Centro de Lahti por inteiro. – A inglesa parou de andar e fez beicinho. – Meus dedos estão até vermelhos de tanto segurar sacolas. – Ela ergueu uma das mãos e mostrou para ele a dobra internas dos dedos marcada pelas alças das sacolas, tentando equilibrar as sacolas que segurava na outra mão.
– Só o básico. – sorriu apertando os lábios e se aproximou, pegando as sacolas que a namorada segurava. – A gente só pode parar quando você encontrar alguma coisa que goste. Ou minha mãe vai querer te obrigar a usar algo da Inessa. – arregalou os olhos. – É, você se lembra como foi a nossa última visita aos meus pais. – Ele arqueou uma sobrancelha.
– Mas eu não estou em um dia bom de compras. – reclamou manhosa quando os dois voltaram a andar, segurava todas as sacolas e ela entrelaçou seu braço ao do namorado. – E isso é besteira. É só uma festa de aniversário, posso usar algo que já tenho.
– Se eu fosse você, não subestimaria minha irmã quando o assunto é o aniversário dela. – olhou para a namorada de modo sugestivo. – A gente devia ter ido fazer compras em Helsinki ou Moscou, mas não daria tempo. Vamos ter que improvisar desta vez.
expirou pesadamente, cansada.
– Olha! – Ele parou de andar quando algo do outro lado da rua chamou sua atenção. – Eu sempre gosto das coisas dessa loja. – apontou e sorriu, puxando a namorada para atravessarem a rua.
Era uma loja aparentemente cara, podia imaginar isso pelo jeito que os vendedores estavam vestidos, pelos poucos clientes dentro dela e pelo fato de estarem bebendo coisas em taças finas. As roupas eram diferentes do que se costumava ver por aí, cada arara tinha uma espécie de identificação com o nome da marca, e tudo feito de um jeito chique e conceitual. Assim que a porta se fechou atrás deles, uma vendedora veio ao encontro do casal – ou de .
– , como é bom ver você outra vez aqui. – Ela sorriu simpática, dirigindo-se ao jogador e se oferecendo para segurar suas sacolas, estreitou o olhar. – Aceita um pouco de champanhe, ou qualquer outra coisa? – Dessa vez ela pareceu perceber , que apertou com mais força o braço do namorado.
– É, seria bom. – Ele assentiu distraído e a vendedora sorriu e pôs-se a se afastar. – Quero te mostrar uma coisa. – Disse à inglesa.
puxou para uma arara em um dos cantos da loja, com menos roupas de festa, cores mais sóbrias e aspecto minimalista. Sobre a arara podia-se ler INTO Scandinavian Clothing. projetou o lábio inferior enquanto tentava se lembrar de onde ouvira sobre aquela marca. O nome e a identidade visual não lhe eram estranhas.
– Acho que já ouvi isso antes. – Ela admitiu, sendo acompanhada pelos olhos ansiosos de .
– Atte, é a marca dele. – mostrou empolgado e sorridente. – É uma das poucas lojas em Lahti que fazem venda física. – Contou enquanto os dois exploravam a arara. – Eu conheço o dono daqui, fiz o intermédio e ele adorou o trabalho do Atte.
– Eu gostei, é interessante. – falou enquanto sentia a textura de um casaco. – Apesar de não ser exatamente a coisa mais original que já vi.
– Como assim não é original? – franziu o cenho e a olhou.
– É moletom. – ergueu os ombros, seu tom denunciava a obviedade da situação. – Moletom, camisetas e toucas com o emblema da marca, mas... não é como se fosse algo realmente diferente ou revolucionário. O que também não significa que é ruim.
– São roupas que tem o DNA escandinavo. – pegou um casaco da arara e colocou na frente de seu corpo, como se apresentasse a peça. – São feitas por atletas, pensando em outros atletas e eu te asseguro, nada vai te esquentar mais na Finlândia, do que um moletom da INTO. – Garantiu ele empinando o nariz.
– A parte de esquentar, tudo bem. – cedeu maneado a cabeça. – Pode ter razão.
– Mas é claro que eu tenho. – balançou a cabeça ao devolver o casaco para a arara. – Mas já dei o toque para o Atte, de fazer coisas mais coloridas.
– Ahá! Está vendo? – riu e empurrou o namorado pelo ombro.
Houve um breve silêncio, enquanto o casal terminava de conferir a arara de casacos da marca do amigo.
– Você disse antes, feita por atletas. O que quis dizer? Pensei que a marca fosse só do Atte? – Ela quis saber, enquanto prestava atenção em roupas de outras marcas, passeando pelas araras.
– Não, é um negócio de família. – contou, acompanhando a namorada.
Logo a vendedora lhes trouxe duas taças do líquido dourado e borbulhante que o casal sorriu ao receber.
– Eu nem bebo. – sussurrou e viu o namorado rir abafado.
– Eu bebo a sua. – Ele se ofereceu ao dar o primeiro gole em sua taça. – Voltando, sobre o Atte e a marca. Atte tem três irmãos, Julia, Joona, Eeli e o Atte, a marca é desenvolvida por eles e são todos atletas. A Julia era atleta olímpica de judô, o Joona já jogou hockey também, mas parou, hoje em dia treina crianças, patinação, coisa e tal. – ergueu um ombro, ainda andavam pelas araras em busca de algo interessante. – O Eeli joga na NHL. – rolou os olhou e a namorada o atingiu com um olhar surpreso. – É que depois que ele começou, o Atte nunca mais parou de me infernizar para ir também. – Explicou ele. – O Atte também já morou nos Estados Unidos, ele fez faculdade lá. Jogava também, mas não na NHL.
– E você nunca ficou tentado a ir? – sondou, sorrindo de lado. – Seu melhor amigo se muda para outro país, o irmão dele jogando a liga dos sonhos...
– Sim, quem não? – Ele sacudiu a cabeça negativamente. – Mas tinha toda aquela coisa com a mídia e as pessoas, achei que não valia a pena.
– Tinha? – A inglesa implicou, torcendo os lábios em um sorriso travesso e erguendo as sobrancelhas.
– Tem! – se corrigiu, depois deixou um sorriso frouxo tomar seus lábios. – Vamos escolher logo alguma coisa para você vestir, menina. – Ele a apressou, cortando assunto.
Os dois tinham futucado todas as araras com ajuda das vendedoras – mesmo que elas transparecessem sua insatisfação em atender acompanhado. estava sentado em uma poltrona de frente para o provador, a loja era praticamente deles. O jogador foi servido mais uma vez com champanhe enquanto aguardava que sua companheira deixasse o provador. Já estavam naquela atividade há horas, mas apesar de cansado, para era um dos dias mais felizes.
Primeiro, porque o central do Pelicans amava fazer compras, adorava ver as roupas novas, tênis, amava acompanhar as tendências, criar coisas, se expressar através de seu estilo. Segundo, estava com e qualquer atividade com ela era fantástica, ficar encarando o nada, fazendo compras ou dormindo, tudo era incrível se fosse com ela. Terceiro, era o primeiro passeio em público desde de sua saída do time, andando por aí sem se importar com o que aconteceria, se alguém os veria juntos. Quarto, porque estavam fazendo compras pela cidade, juntos.
amava a sensação, se sentia em um dos filmes de comédia romântica antiga que era obrigado a assistir junto a mãe e as irmãs. Sempre adorou as cenas de transformação, onde a personagem principal desajeitada recebia um banho de loja, com alguém ajudando a escolher as melhores roupas. Não costumava admitir isso em voz alta, porque poderia ser facilmente mal interpretado, mas amava ajudar uma mulher a se vestir. Amava quase mais do que tirar a roupa de uma. Mulheres tinham tantas outras opções na hora de se arrumar, tantos produtos, acessórios e opções de roupas diferentes.
Adorava ajudar e opinar as escolhas das irmãs e se sentia muito bem quando ao sair com elas, percebia os olhares das pessoas. Era como uma espécie de validação de seu trabalho e ele amava isso. Mas obviamente nunca pôde admitir isso nem para elas. Agora, com , ele se sentia um desses personagens dos filmes, sentado, opinando nas roupas da sua mulher favorita, que desfilava só para ele. E que logo se arrumaria para ser vista ao lado dele e teria o privilégio de estar ao seu lado também. Era a vida perfeita.
– Está pronto? – perguntou de dentro do provador.
– Sempre, se para você. – sorriu, ajeitou-se na poltrona, pousando os braços de modo mais confortável no apoio para braços.
abriu a cortina de uma vez, de modo teatral, estava com um dos braços apoiado a parede que dividia os provadores e o mirou com olhar estreito. Era um vestido marrom com algumas flores pequenas e brancas, longo e com mangas longas também. apertou um dos olhos e maneou a cabeça, fazendo careta.
– É, se fosse para a minha avó falecida... até que seria boa escolha. – Ele comentou e viu a namorada rolar os olhos e voltar ao provador, fechando a cortina.
bebeu um pouco mais de sua taça.
saiu outra vez do provador, usava um vestido azul com mangas super bufantes e sorriu animada quando se mostrou ao namorado. Mas franziu o cenho e a mandou voltar para dentro com um movimento de mãos, ela bufou e obedeceu. O seguinte era um conjunto de calça e blusa de um ombro só, mas justos demais, sacudiu a cabeça negativamente e voltou para o provador tentando abrir a calça, também incomodada com a roupa. O jogador bebeu mais um pouco de sua taça.
A escolha seguinte era um vestido verde, curto, justo e que não combinava em nada com a terapeuta. maneou a cabeça e dirigiu a namorada um olhar malicioso quando a viu. brincou, deu uma voltinha e o olhou por sobre o ombro, tirando o cabelo das costas como fazem as grandes modelos, revelando um gigante decote de coração.
– Eu gostei desse. – Ele sorriu balançando a cabeça. – Gostei muito desse. – negou com também um movimento de cabeça e voltou para dentro do provador, fugindo dele.
Foram mais outras provas, todas que o capitão respondeu com balançadas negativas de cabeça, caretas, reviradas de olhos, fingir desmaios e a última, um vestido rosa pavoroso que fez escorrer na poltrona e cobrir o rosto. A inglesa brincava ao se mostrar para o capitão, fazia dancinhas, mostrava as pernas sensualmente, ou ia até ele como se prestes a seduzi-lo, em uma brincadeira que aqueceu o coração do jogador. Até surpreendê-lo no último vestido.
– Certo, esse é o tiro de misericórdia. – anunciou antes de deixar o provador.
A inglesa abriu devagar a cortina, se revelando ao namorado, que de pronto ajeitou a postura e deixou o queixo cair. O vestido não era longo, mas tinha mangas compridas, era de corte reto e inteiro brilhante. Cada cristal da peça refletia uma cor diferente quando a luz batia contra eles. parecia uma visão. A inglesa mordeu os lábios, sem jeito, tinha as mãos na cintura, mas o olhar baixo. expirou devagar.
– É um pouco fora da minha zona de conforto, mas... – Ela colocou uma mecha do cabelo solto atrás da orelha.
– Você é a mulher mais linda que eu já vi na minha vida toda. – O jogador declarou e ficou de pé. – Se eu já não fosse seu, se estivesse te conhecendo nesse momento... – expirou um riso e balançou a cabeça, chegou mais perto e levou uma das mãos a bochecha da namorada, afagando e erguendo o rosto dela. – Eu te roubaria de quem quer que fosse.
– Isso é meio... – desviou o olhar e maneou a cabeça. – É meio sexy, na verdade.
O casal riu juntos.
– Você está como uma princesa. – elogiou, olhando mais detalhes do vestido, afastando os cabelos da namorada de seu rosto.
– É bom que tenha um príncipe me esperando, então. – A inglesa piscou. – Então, essa é a escolha?
– Indiscutivelmente. – balançou a cabeça e sorriu. – Embrulhe para presente.
O jogador disse a vendedora que assistia a cena, sacando o cartão do bolso e entregando a mulher sem sequer olhá-la. Ela parecia acostumada com o movimento e não questionou ou deu qualquer sinal de hesitação.
– O que é isso? – A inglesa sussurrou, pousando as mãos sobre a cintura do namorado.
– Isso o quê? – Ele balançou os ombros e indicou a vendedora com o olhar, mesmo que ela já não estivesse mais perto deles. sorriu largo. – Me diz uma coisa, Rakkaani. Você já assistiu Uma Linda Mulher?
riu alto, jogando a cabeça para trás, depois deu um leve tapa no peito do namorado, que também ria.
Depois de encerradas as compras, e andavam pelas ruas do Centro de braços dados. O capitão segurava dezenas de sacolas e um copo de café gelado, enquanto se ocupava em dar o braço ao namorado e se distrair com seu copo de café, como uma criança.
– Eu estranhamente amei a experiência de fazer compras com meu namorado. – Ela admitiu animada.
– De nada. – piscou e sorriu. – E eu estranhamente gostei dessa coisa de andar por aí, num sábado de manhã, fazendo compras.
– E dando autógrafos. – lembrou erguendo um dedo. – Você também deu autógrafos e até tirou fotos.
Ela mencionou as ocasiões onde os dois haviam sido interceptados por alguns fãs em busca de um momentinho com o ídolo do time da cidade.
– E sem medo de alguém flagrar nós dois. – sorriu, já estavam perto do carro do capitão.
– E vendo que não é tão horrível assim algum assédio público. – insinuou, rolando o canudo com a língua, se desvencilhando do namorado e apoiando as costas ao carro.
– O que você está querendo dizer? – a cercou, apoiando as duas mãos no teto do carro, mantendo-a no meio.
não respondeu, desviou o olhar de modo sugestivo e arqueou uma sobrancelha.
– Está querendo passar uma temporada na América, ? – expirou um riso confuso, mas curioso.
– Quero passar uma temporada onde meu namorado estiver feliz. – Ela piscou, se aproximou e roubou um beijo, mordendo o lábio inferior do capitão, soltando devagar e o olhando nos olhos em seguida.
– Onde eu estiver feliz... – sacudiu a cabeça, dando espaço quando ela tentou abrir a porta do carona. – Onde eu estiver feliz. Sei. – Ele a observou entrar e expirou outra vez, sorrindo com a possibilidade, ou por causa do jeito provocante que ela o havia olhado.
Sábado, 05 de fevereiro de 2022
Trajeto Lahti/FIN – Viipuri/RU
Já haviam passado da divisa entre os dois países há algum tempo, dirigia concentrado enquanto afagava sua nuca. O jogador bocejava muito durante a viagem e esfregava os olhos constantemente, tentando deixar a música alta que ouviam o despertar. Tinham almoçado na estrada, em um restaurante aconchegante em Kouvola, explorando o país junto ao namorado. Kouvola era uma cidade interessante, mais agitada que Lahti, mas menos que Tampere. Era cheia de prédios e ruas de comércio, com restaurantes, era grande e não tinha lagos em sua paisagem, nem muito verde.
Dessa vez, por ser a segunda ida ao país vizinho, conseguia observar melhor a paisagem e reconhecer algumas cidades, mas muito vagamente. Apesar do sono pós-almoço do namorado, a viagem estava sendo agradável e às vezes até se esquecia do motivo. O que era ótimo, porque, pensando na última vez, imaginar uma casa cheia de parentes do namorado não era nem um pouco animador.
– Sabe, foi uma boa ideia ter deixado o Felix com o Mark. – comentou depois de um longo bocejo. – Ele odeia ficar nos hotéis e eu odeio que ele fique.
– Não sei como convenceu seu agente a ficar com ele pelo fim de semana, mas realmente. – concordou sorrindo.
– Mark me devia uma. – piscou um olho e sorriu. – Seria muito confuso, ele, os parentes, o aniversário, ele ficaria estressado.
– É um filho, não é? – A inglesa implicou, fazendo cócegas no namorado, que se encolheu para se defender.
– É óbvio! – declarou, se fingindo de ofendido. – Seu enteado.
– Se eu sou a madrasta, espero que ele não tenha uma mãe. – beliscou o capitão, que riu mais.
– Só tem você, meu amorzinho. – O jogador fez vozinha e se inclinou, sendo beijado rapidamente por .
– Eu acho bom. – Ela respondeu.
entrelaçou seus dedos aos de , de modo que conseguia manter suas mãos juntas mesmo enquanto dirigia.
– Amorzinho, eu estava pensando aqui. – voltou a falar depois. – O que você conversou com o Aleks? Porque eu queria entender, ele falou com você e comigo não? Só ficou bravo comigo? Eu até tentei explicar para ele a situação, mas ele não quis entender.
– É diferente, você é o grande ídolo dele, a figura que ele venera. – ergueu um ombro. – Eu sou só uma pessoa que ele conheceu.
– Mas ele gosta de você, disse uma vez sobre você ser a única que tentou entender e que não esperar sempre o pior dele. – O capitão lembrou de uma conversa que haviam tido, Atte, Aleks e ele.
– Mas eu não espero mesmo. – Ela assumiu encarando a estrada. – Depois de tudo aquilo, dos chocolates, eu vi um lado diferente do Aleks. Ele tem um jeito estranho de demonstrar, impulsivo e parece ignorar algumas regras sociais, também é irritável, pode ser agressivo, mas tem um fundamento. Ele é mais sensível e frágil do que você e Atte imaginam, eu acho.
– O Aleks? – expirou um riso chocado. – Sensível? – Ele negou com a cabeça, ainda rindo. – Você não conhece o Aleks, Rakkaani. Ele sempre deu as piores ideias para trotes nos jogadores novos, quando a gente fazia. Ele sempre foi brigão, sempre foi muito mais machista que eu. Era tudo, menos sensível.
– Jura que tudo que já aconteceu até aqui não te diz nada? – Ela o olhou admirada. – Não parou para refletir sobre a motivação do comportamento dele? Nenhum dia?
– Ah, linda... – O capitão apertou os lábios e deu de ombros. – Ele ficou com ciúmes, eu entendi quando você explicou antes. Mas não sei também se é tudo isso. Tipo, se ele é sensível, coitadinho assim... acho que ele só está agindo como um arrombado
– . – o repreendeu e ele balançou os ombros. – Não é que ele seja coitadinho. Tentar entender o que está por trás do comportamento dele, não implica em não responsabilizá-lo por seus atos.
– Você fica ainda mais gostosa quando fala difícil. – a mirou com malícia e rolou os olhos.
– Deixa pra lá. – Ela cruzou os braços sobre o peito e bufou. – Você não é terapeuta, não vai entender mesmo.
– Esse é o ponto. – Ele apontou como se fosse a coisa mais óbvia naquele diálogo até o momento. – Eu sou jogador de hockey, Aleks é jogador de hockey. A gente não fica por aí reclamando e de besteirinha porque alguém tá namorando ou deixando de namorar. Isso é coisa de garotas, de garotas adolescentes. – o olhou chocada, prestes a começar um longo discurso problematizando a fala do namorado. – E não diz que tô errado, eu tenho duas irmãs e as duas foram adolescentes. Jasper não ligou, Santtu não ligou, Otto não ligou, ninguém do time ligou. Só o Merelä, mas porque ele queria pegar você.
– Dá pra não usar esse termo? – se virou para o namorado, torcendo o tronco. – Daqui a pouco vai usar o comer, e aí Deus sabe o que vem depois.
– Mas seria mentira? – a olhou de lado. – Não era isso que ele queria?
– Como começar a falar sobre o Aleks acabou por ser falar sobre o que o Waltteri queria ou não fazer comigo? – estava séria, sobrancelhas retas e lábios apertados.
– O que ele queria ou não fazer com você? – a olhou estarrecido, odiou ouvir aquelas palavras misturadas a figura da namorada.
– Você me entendeu.
– É que tudo me irrita. – respondeu quando viu a namorada fechar a expressão se emburrar, cruzando os braços sobre o peito. – O Merelä me irrita, o Aleks me irrita, você defender ele me irrita. Você defende todo mundo, menos eu.
– Não vou passar a mão na sua cabeça e validar qualquer e toda atitude, só porque amo você. – o olhou do mesmo jeito que a mãe do jogador costumava o olhar quando estava muito brava com ele. – E eu te defendo sim, sempre fiz isso. Para os outros. Se você quer validação e alguém para bater palmas para tudo que faz, está com a namorada errada.
projetou ainda mais o lábio inferior, voltando-se totalmente para a janela, estava muito brava com o namorado e sua postura um tanto quanto infantil. Se ele estava mesmo esperando que fosse o tipo de namorada e aplaudir tudo cegamente, fingindo não ver erros ou problemas, estava enganado. Se o grande quisesse alguém assim, devia ir atrás da garota de Tampere, ou uma das várias que havia tido antes dela, ou procurar outra garota qualquer que tivesse interesse.
também estava irritado, bateu a cabeça contra o recosto de cabeça do banco do carro três vezes. Queria gritar, se estivesse sozinho no carro, provavelmente gritaria. Tudo bem que talvez ela tivesse razão e que alguém para concordar com todas suas ações não era o que queria, principalmente de uma mulher. Mas, por quê tinha sempre que ser tão ? Por que ela não podia ser apenas dócil e dizer “sim, meu amor”, uma única vez. De tantas no mundo, tinha mesmo que perder o juízo pela mais teimosa e geniosa de toda Europa. A enfezada, durona, teimosa e dona da razão. E por que ele sempre tinha que dizer a coisa errada, na hora errada e estragar tudo?
– Devia procurar a garota de Tampere. – voltou a falar, ainda sem olhar o namorado. – Vicky era o nome dela, não é? Ou talvez alguma das que você se divertia antes. Elas com certeza vão fazer fila para te agradar em tudo e qualquer coisa.
O jogador estreitou o olhar, estava surpreso com o tom azedo de sua inglesa, percebendo a braveza ciumenta que ela colocava para fora.
– Eu não quero elas, mas seria mais fácil mesmo. – Ele devolveu ainda irritado e o fuzilou com o olhar.
– Fique com as fáceis, então.
– Mas eu não quero as fáceis. – falou outra vez, mais alto, tentando fazê-la entender e tocar a coxa da namorada.
– Vá atrás da Vicky. – o ignorou, tentando se afastar mais do namorado.
A noite começava a cair do lado de fora, o céu estava alaranjado e cheio de nuvens, era frio. expirou profundamente e sacudiu a cabeça.
– Vamos entrar nessa? Por causa de uma garota que eu nem me lembro? – O jogador tentou amenizar o tom de voz e falar mais calmamente. – Que você mesmo não se importou antes?
– Você estava falando do Merelä. – acusou.
– Ele queria você.
– Vicky te queria e te teve. – calou o namorado, que piscou mais demoradamente e respirou fundo.
– Por que a gente está brigando, amor? – aproveitou um semáforo para a olhar, ou ao menos tentar. – Eu nem sei porque a gente começou isso. Tivemos um dia tão bom, agora temos uma festa esperando... não vamos pesar o clima.
o olhou chocada, incrédula.
– Não pesar o clima? – Ela perguntou de modo retórico. – Estamos brigando porque você me acusou de defender todo mundo e nunca você. – ergueu um dedo. – Porque você disse que trato Aleks como coitadinho. – Ela ergueu outro dedo. – E porque você começou a falar do Merelä outra vez, sobre o que ele queria ou não fazer comigo.
– Tá legal, culpado. – ergueu as mãos em rendição, antes de ter que dar partida no carro outra vez. – A culpa é minha, eu vacilei. Você está certa.
– Esse papinho mole de quem não quer mais brigar não vai colar, . – apontou para o namorado com um dedo. – Eu conheço muito bem você.
– Mas eu realmente estou pedindo desculpas.
– Eu não aceito. – declarou, voltando a olhar para fora, estavam entrando em Viipuri.
– Rakkaani, eu já pedi desculpas... o que mais eu posso fazer? – Ele baixou a guarda, não queria mais brigar, mesmo que achasse o ciúme da terapeuta muito atraente. – Eu não quero as mulheres de antes, eu quero você.
– Não vem com esse papinho. – ergueu uma mão na direção dele. – Você nem está sendo honesto.
– Não estou? – Ele tocou o próprio peito, surpreso.
– Não. Desde quando você admite fácil que está errado e não fica ruminando por horas? Em silêncio, sem querer falar comigo?
– É que eu já sei que namoro uma mulher difícil. – respondeu sem pensar.
o mirou com o olhar mais matador que alguém pode encarar outra pessoa. fechou os olhos e suspirou.
– Okay, foi mal. – Ele admitiu ao se dar conta. – Foi muito mal mesmo.
voltou a se emburrar no canto, ignorando toda e qualquer tentativa do namorado de reconciliação.
Não demorou para que o casal chegasse a casa dos , no jardim já tão conhecido, agora mais verde e mais colorido com luzes roxas e rosas. Haviam vários outros carros estacionados do lado de fora e uma intensa movimentação podia ser vista através das janelas da casa. Assim que estacionou, se virou para tentar falar com a namorada outra vez, mas ela o evitou descendo rápido do carro. O capitão a imitou.
Rapidamente as feições familiares dos pais de surgiram na porta e varanda, vindo ao encontro do casal recém-chegado. e foram recebidos com abraços calorosos, num clima muito distinto de quando a fizeram a mesma viagem, um mês atrás.
– Fizeram boa viagem? – Ema perguntou, abraçando lateralmente .
– Foi sim, uma viagem ótima. – A inglesa sorriu e olhou para o namorado, como quem espera confirmação. – Não é, meu amor?
– É... uau, ótima viagem. – concordou teatralmente.
– Vamos, temos várias pessoas lá dentro para te apresentar, . – A mãe do jogador começou a falar, puxando os dois para dentro sem qualquer cerimônia. – E vocês precisam se apressar, se arrumar para a festa.
Dentro da casa, uma confusão de crianças pequenas correndo de um lado para o outro, homens sentados na sala, ocupando todos os sofás e poltronas, mulheres descendo e subindo as escadas, na cozinha e na sala de jantar. Um vozerio que fazia difícil distinguir quantas ou quem eram as pessoas ali. Ao passar pela sala, Ema mostrou para algumas pessoas e lhe disse seus nomes, mas eram muitos para guardar. , ao contrário, era abraçado e cumprimentado por todos com orgulho. Mesmo perdida na confusão de sotaques e idiomas, sorria e tentava ser simpática.
Na sala de jantar haviam várias senhoras, irmãs de Ema e de Brian, a maioria beijava ou tocava o rosto da terapeuta inglesa ao serem apresentadas. se manteve firme, mesmo perdida naquele caos. foi mimado e celebrado, como um filho caçula que retorna depois de muito tempo distante. Era como se ele fosse o favorito entre todas as tias, primas, primos, tios e todo o resto da parentela. Quando rapidamente Ema finalizou a sessão de apresentação e cumprimentos, levou o casal ao pé da escada.
– , você se lembra onde fica seu quarto, sim? – Ema a olhou ansiosa, tinha os cabelos enrolados em bobs e um sorriso nervoso, parecia ter pressa para escapulir dali.
– Claro, sim. – assentiu sorrindo simpática.
– Mama, não precisa disso. – balançou a cabeça negativamente. – Não dessa vez, não é? Podemos ficar juntos.
– Ah, não. – Ema bateu duas vezes no ombro do filho do meio e sorriu. – Não se preocupe, querido. Você também vai ficar com ela lá, dei seu quarto para a tia Esmeralda. – Dizendo isso, ela lhes deu as costas.
– Espera, o quê? Mama? – tentou indagar. – Meu quarto? Como assim?
A mãe ignorou as tentativas do filho e seguiu seu caminho. Se percebendo em desvantagem, buscou o olhar da namorada, que apenas deu de ombros e olhou para outro lado, demonstrando que ainda não estava no melhor dos humores com o jogador. Mas não tiveram muito tempo para refletir, logo o pai dele se colocou junto dos dois, arrastando um senhor de idade avançada consigo.
– Vovô! – sorriu e o saudou com alegria, beijando e abraçando o homem mais velho. Ele era de aparência muito semelhante a Brian, pai de . – Que bom ver você.
– É bom, é bom. – Ele assentiu, dando dois tapinhas fracos no rosto do neto.
O avô olhou de modo sugestivo de para e depois para outra vez.
– Essa deve ser a pérola sobre quem tanto ouvi falar. – O mais velho saudou . – É mais bonita do que disseram. Mais branca também.
riu sem jeito, olhando de Brian para .
O avô de tinha feição parecida a Brian, mas era mais magro e alto. Tão mais alto que tinha as costas curvada pelos anos. Os cabelos eram brancos, o nariz grande, olhos azuis e tinha um bigode grande e branco, que lhe enchia o rosto. Vestia roupas sociais bem passadas e de aparente boa qualidade, modos de alguém bem educado e usava uma bengala de madeira lustrada e escura.
– É a , vovô. – apresentou enfim, colocando uma mão ao redor dos ombros da namorada. – A minha garota. – Disse orgulhoso.
– Me parece alguém que combina com você. – O avô concluiu.
– É um bom casal. – Brian também contribuiu. – é uma boa moça. – Ele sorriu para ela, que retribuiu.
– E vocês estão pensando em casamento? – O avô quis saber, como se fosse um tipo de segredo. – Eu sei que vocês moram juntos. , não é algo a se fazer, tirar uma jovem da casa de seus pais e não se casar com ela. – Ele censurou o neto, que levantou as sobrancelhas.
– A gente vai se casar, vovô. – garantiu. – Estava tentando convencer ela.
sorriu fechado e levantou as sobrancelhas, o mais velho torceu os lábios desconfiado.
– Se ainda precisa convencer, é porque não se mostrou bom o suficiente. – Disse o avô e endireitou as costas, ficando sério.
– Me casar com seria maravilhoso. – sorriu apertando sem jeito, tentando amenizar a situação para o namorado, olhando para o patriarca dos . – Seu neto é um homem maravilhoso.
– É bom que seja. – O avô balançou a cabeça e piscou para , depois tentou se endireitar. – São um casal bonito e forte, grande. – Elogiou. – Uma família bonita.
– Muito obrigada. – sorriu mais uma vez.
sorriu também e logo Brian ajudou o pai a ir até a sala e se sentar lá. Com o afastamento do pai e avô do namorado, arrancou sem gentileza a mão de que estava sobre seu ombro, causando no jogador um olhar confuso e depois um longo suspiro.
– Sem brincadeirinhas. – Sussurrou para ele em tom de ameaça.
Depois sorriu para alguém que passou por eles e subiu as escadas rumo ao quarto, dando as costas para e o deixando com feição perdida, a assistindo se afastar.
Sábado, 05 de fevereiro de 2022
Casa dos
Viipuri – Oblast de Leningrado/Rússia
Depois de respirar um pouco do lado de fora, sentindo o vento frio do início da noite de Viipuri lhe encher o pulmão e responder mil perguntas dos parentes sobre hockey e . Depois de repensar todas suas escolhas até ali, ponderar sobre bater a cabeça no carro algumas vezes, subia as escadas com suas malas e as de . A porta estava aberta e a inglesa estava sentada na cama, de costas para a porta, rolando a tela do celular.
respirou fundo e trancou a porta ao passar, a namorada não fez qualquer menção a se mover. Ali estava o grande motivo de seu estresse, mas também a mulher que amava. Tinha chegado a essa conclusão enquanto refletia sobre entrar no carro e dar uma volta sozinho para gritar e xingar em paz. Sua teimosa, geniosa e surpreendentemente ciumenta – ele ainda tinha dúvidas – garota.
expirou pesadamente e se aproximou da namorada, colocando-se à frente dela, ainda de pé.
– De zero a dez, o quanto você ainda está me odiando? – Ele tentou brincar.
não o respondeu.
– Onze, entendi. – Ele assentiu e levou uma das mãos ao rosto dela, afagando sua bochecha e a viu parar de rolar a tela do celular. – Eu fui um idiota, okay? Falei besteira, mas a gente não precisa brigar por causa disso. A gente discorda de algumas coisas e eu ainda tenho ciúmes do Merelä. Até de pensamentos, possibilidades, sonhos e imaginação. E aparentemente você tem ciúmes também. O que eu acho uma maravilha. – riu pelo nariz e se desvencilhou do toque dele, ficando de pé e lhe dando as costas outra vez.
soltou o ar balançou a cabeça, tentando chegar perto dela outra vez.
– Amor, eu não quero que você me apoie quando estiver errado, eu gosto de como você é. Carinhosa, atenciosa, compreensiva, calma, decidida... gostosa.
Ele interrompeu a tentativa de aproximação quando a viu balançar a cabeça negativamente, ainda de costas para ele.
– Você estava certa, eu fui um imbecil. – tentou outra vez. – Me desculpe. Por favor.
– É patético você ficar repetindo isso. – se virou para ele, tinha os braços cruzados e lábios em um bico quase infantil. – Nem você acredita nesse discurso de que eu estou totalmente certa e que você só cedeu, assim, facilmente.
– Mas o que você quer que eu diga, então? – Ele a olhou perdido e balançou a cabeça.
– Quero que você diga a verdade. – Ela se aproximou, ainda irritada. – Que eu estou errada, que eu te tiro do sério, sei lá. Que brigue comigo, que fale sobre o quanto eu te irrito... – expirou, se interrompendo com o ar. – Quero que diga a verdade.
– Certo. – O capitão se aproximou mais e tocou os ombros da namorada, escorrendo as mãos para os braços dela. – Você me irrita, me tira do sério, me deixa com ciúmes, é teimosa, geniosa, quer tudo do seu jeito. – sorriu. – Mas eu já sabia disso antes. – Ele ergueu os ombros. – É essa que eu quis e quero. E a gente não vai brigar hoje. – Ele sentenciou. – Mas se quiser fazer as pazes, você conhece bem a cama. A gente tem um tempinho pra se divertir.
Propôs malicioso, indicando a cama com a cabeça, negou e desviou o olhar, inclinou a cabeça, cruzando os braços sobre o peito.
– Vamos. – tocou o rosto da namorada, depois tentou puxá-la para mais perto. – Não finja que não quer me perdoar e acabar com isso. Nem você deve lembrar mais porque estamos brigando.
escondeu o rosto, mordendo as bochechas para tentar conter o riso que o tom de voz manhoso dele havia despertado.
– Vamos. – ia devagar, a trazendo mais para perto. – A gente pode depois brigar e gritar um com o outro lá fora, se isso te fizer sentir melhor. – Ele implicou e tentou o acertar com um tapa fraco, mas o jogador conteve sua mão, a olhou nos olhos e com a mão livre, acariciou seu rosto. – Vai continuar fingindo que não me quer? Que não quer fazer as pazes nessa cama rangedora, no quarto da minha avó falecida?
Com a brincadeira, deixou escapar um riso.
– Odeio você. – Ela disse baixinho.
– Eu sei que sim. – sorriu, puxando-a para um beijo antes que os dois caíssem na cama. – Mas sabe o que é melhor que transar com você? Sexo de reconciliação.
47 – All too Well
Just between us, do you remember it all too well?
Just between us, I remember it all too well
I was there, I was there
Down the stairs, I was there, I was there
Sacred prayer, I was there, I was there
It was rare, you remember it all too well
(All Too Well (10 Minute Version) (Taylor's Version) (From The Vault) – Taylor Swift)
Sábado, 05 de fevereiro de 2022
Viipuri – Oblast de Leningrado/Rússia
A primeira coisa que pensou ao adentrarem no espaço onde a festa de Alicia aconteceria, foi de que o namorado não tinha mentido no aviso sobre não subestimar sua irmã caçula. O lugar era enorme, no centro da cidade, de uma arquitetura antiga que dava a festa um ar bem mais aristocrata e luxuoso. A decoração parecia ter sido pensada nos mínimos detalhes, muitas flores, apesar do inverno russo ainda se fazer presente com uma intensidade teimosa do lado de fora. Luzes, música, garçons, cerimonialistas, muita gente e convidados muito bem vestidos.
O casal entrou devagar, sem precisar avisar de sua chegada porque havia um esquema específico para a entrada do jogador famoso e irmão da aniversariante. Estavam de mãos dadas, ligados pelo dedo mínimo – como ele gostava e preferia –, porque depois da tarde de brigas bobas, haviam feito as pazes do jeito de sempre: na cama. Não que se orgulhasse disso ou que fossem apenas resumidos a sexo de reconciliação, era muito mais. No fundo sabia que estava exagerando e sendo infantil com sua briga e com seus ciúmes – que sequer sabia sentir –, mas havia sido maduro, equilibrando a situação. Ele era compreensivo, paciente, doce, engraçado, e fazia parecer fácil lidar com e suas mudanças de humor, ciúmes, irritações, defeitos. O que era ótimo, afinal, tudo que qualquer pessoa pode perseguir na vida é a ideia de ser alguém “amável”.
Depois de tomarem banho gelado juntos, rido até a barriga doer e o ar faltar, se arrumarem juntos, enquanto perguntava sobre cada cosmético na mala da namorada. Depois de ter o ajudado a finalizar seu cabelo com uma escova e secador, ter o ajudado com o terno chique e caro que compraram naquela manhã. Depois de terem se beijado milhares de vezes, se elogiado um para o outro, feito piadas sobre os parentes do jogador, sobre o quarto da falecida avó e o ratinho. Depois de muito mais tempo do que os outros familiares, enfim estavam prontos e no local da festa.
– Você não exagerou mesmo. – comentou, falando baixo e o namorado se inclinou em sua direção para a ouvir melhor. – Todo ano as festas são assim?
– Não, nem sempre. – Ele riu. – Alicia e Inessa gostam dessas coisas e minha mãe também. – deu de ombros. – Mas eu sou eu, você sabe.
– Acho que te devo um obrigada. – admitiu, fingindo não estar feliz e o namorado juntou as sobrancelhas. – Por ter insistido que eu comprasse algo decente para vestir hoje. – Ela explicou.
riu e parou, puxando a inglesa para perto e abraçando sua cintura.
– Você podia chegar aqui usando um dos meus moletons, que mesmo assim seria a mulher mais linda desse lugar. – Ele declarou de modo doce, acariciando a bochecha da namorada.
– Pode, por favor, parar de ser tão romântico e incrível? – pediu em tom de brincadeira. – Desse jeito vou acabar me apaixonando por você. Querendo me casar, ter alguns filhos, outro cachorro. – riu alto.
– Eu até tento não ser, mas é um dom natural. – Ele entrou no jogo. – Amo você, Rakkaani. – Declarou falando mais sério e a olhando nos olhos. – Mais que a qualquer coisa.
– Eu bem que desconfiei. – brincou depois de sorrir apaixonada e riu também.
O casal se beijou rapidamente, onde estavam, ignorando as pessoas que passavam por eles, porque sentir a textura dos lábios um do outro, o gosto, o modo com que moviam a língua e os lábios, era muito mais interessante. geralmente tinha um chiclete no bolso ou na boca, seu hálito sempre era fresco e o jeito sexy e casual do russo o fazia parecer um daqueles caras. O tipo de cara que se é avisada na adolescência para não se envolver. O tipo que se envolve quando adulta e apesar de saber que não vale a pena, não consegue resistir ao hálito, perfume, pegada e sorriso maldoso. Era irônico, porque era ali, o homem mais entregue a uma mulher no recinto. Mas o modo com que ele se movia, confiante, como se soubesse exatamente seu lugar e se orgulhasse disso. O jeito com que ele mascava os chicletes como se fosse algum tipo de artista ou o adolescente popular da escola, despretensioso. Aquilo trazia a várias lembranças...
Sábado, 23 de outubro de 2021 – Um mês antes da primeira noite
Isku Areena/Lahti – Finlândia
Da vez que ele (quase) desistiu por estar inseguro
estava com as costas apoiadas a uma parede, escondida em um cantinho, esperando que o time passasse pelo corredor principal. Estavam em um sábado de jogo e os atletas chegavam para a partida, passando por uma corrente de fãs do lado de fora e depois pelo corredor. precisava sair, encontrar Jakkos, mas antes devia esperar os atletas passarem. Não queria se enfiar no meio deles, disputar espaço, ou estava com pressa suficiente para a obrigar nadar contra a corrente.
Estava observando a movimentação dos jogadores, distraída, mãos atrás das costas, servindo de apoio junto a parede. Merelä e Santtu sorriram e acenaram quando passaram pela terapeuta inglesa, rumo ao vestiário. respondeu com um sorriso, mas seguiu observando os outros jogadores. fora o próximo a ver, um dos últimos também. O Capitão Fera, como Louis havia sugerido antes, o anti-herói, vilão de seu sonho junto ao Pelicans. Alguém que talvez pudesse acabar com tudo, desmontar todo o cenário perfeito da terapeuta, apenas com meia dúzia de palavras. E sentia como se a qualquer momento ele a fosse olhar e sorrir, um sorriso de quem está prestes a fazer tudo ir pelos ares. Ela tinha pesadelos com aquele sorriso quase todas as noites.
O capitão antipático se aproximou dos fãs com o nariz em pé, mascava um chiclete de modo tão despretensioso, que era como se estivesse entediado demais para sorrir educadamente. apertou os olhos e franziu o nariz, incomodada com a postura dele. Era metido. Assinava bonés e camisetas sem olhar muito para as pessoas, vaidoso, mastigando o chiclete e com aquela expressão pouco perturbável. Estava com uma camisa branca, alguns botões abertos, um paletó com riscas e calça, um gorro preto e tênis brancos. Usava brincos, correntes no pescoço e pulseiras no pulso. Quando a inglesa percebeu estar tentando se esticar para vê-lo melhor, sacudiu a cabeça e voltou a sua posição inicial. Estava entre uma pilastra e outra e muitos jogadores que passavam ali sequer a viam.
assinou mais alguns bonés com desprazer e entrou no corredor. O chiclete rodava na boca e ele andava como se fosse um tipo de estrela imparável, olhando para frente, como se pudesse pisar em qualquer um que entrasse em seu caminho. sentiu-se ser tomada por uma grande vontade de se lançar contra ele, seguir seu caminho para fora dali e esbarrar no capitão metido e intocável propositalmente. Apenas para mostrar que ela não era tão invisível assim. Mas a cada passo dado por ele, quanto mais perto ficava, ia perdendo a coragem e se deixando tomar pelo cheiro que o acompanhava. Um cheiro forte de homem limpo e bem cuidado, somado ao jeito pomposo dele, confiante, dominante. A inglesa apenas o viu passar, invisível outra vez, enquanto via de longe, o jogador acenando para algumas pessoas do time e até sorrindo para elas.
“, você só pode estar ficando maluca.”, ela disse a si mesma, sacudindo a cabeça e tentando retomar seu centro, fazendo o caminho oposto ao feito por ele. Irritada por estar tão intimidada por alguém tão idiota.
– Casal. – Atte Tolvanen tossiu perto deles, atraindo a atenção dos dois e os obrigando a interromper o beijo. – O ambiente é familiar, okay? – Implicou o goleiro, fazendo rir e bufar, rolar os olhos e jogar a cabeça para trás.
– Olá, Atte. – o cumprimentou simpática, afagando o ombro do goleiro. – É tão bom ver você em circunstâncias melhores aqui, em Viipuri. – Ela disse, fazendo menção a última viagem dos dois para o país.
– É. – Atte ergueu os dois ombros. – Depois que seu namorado cachorro louco saiu do meu pé, tudo melhorou.
– E por que mesmo é que eu deixei você namorar minha irmã? – fez careta e sacudiu a cabeça.
Atte ignorou, riu e apertou as bochechas do namorado, fingindo impaciência.
– Mas e aí, como estão as coisas? – O goleiro voltou a falar em seu tom de sempre, enfiando as mãos no bolso da calça escura que vestia. – Não nos falamos direito depois do último jogo.
– Eu não sei. – levantou os ombros. – Não pensei muito sobre, pra ser sincero.
– Por que vocês não se sentam um pouco? Para conversarem. – propôs, percebendo sua deixa. – Vou procurar Inessa e Alicia. – Avisou e depositou um beijo rápido no rosto do namorado. – Com licença. – Despediu-se e se afastou.
e Atte trocaram um olhar que misturou cumplicidade e compreensão. Em seguida, o goleiro apontou para frente e os dois seguiram em busca da mesa reservada para a família da aniversariante.
– Não pensou mesmo, ou não queria falar na frente dela? – Atte quis saber, curioso, enquanto se dirigiam para a mesa.
– Não pensei mesmo. – confessou em um suspiro. – Mas eu e ela, a gente conversou um pouco. Antes do jogo passou na Isku, ficou sabendo de tudo. O Petri meio que mandou ela resolver comigo. – fez um barulho com a boca, insatisfeito. – Sem realmente pensar sobre. Mas ela sabe o que aconteceu. – O capitão apontou para a mesa que tinha seus nomes em plaquinhas coloridas com ramos dourados.
– E estão bem? – Perguntou o outro ao puxar uma cadeira na mesa reservada e se sentar. – Tipo, você brigou com os amigos dela, não é?
– Quer saber se ela brigou comigo? Não. – sacudiu a cabeça, se sentando também. – Na verdade, eu até perguntei porque também achei estranho, mas não quis falar muito. Já que ela pareceu não ligar, não quero mudar isso e ficar procurando problema.
– Jura?
– É, sabe... a gente já brigou, já conversou... foram meses tratando desse assunto. – apoiou os cotovelos na mesa e o queixo nas mãos. – Só nós dois sabemos os tratos, as conversas. Eu nunca faria ela sair do time, nem tô feliz com isso também, mas ela decidiu. Ela quis isso. A gente esperava e até achou que o time fosse manter ela lá, o chefe dela quis, o Lauri quis... mas a quis sair. Os dois babacas lá, não sabem de nada.
– Não peguei muito sobre o que foi o problema, ninguém pegou, eu acho. Mas vocês deixaram um clima bem chato no vestiário. – Atte comentou, erguendo a mão para chamar um garçom com bebidas. – Confuso.
– Óbvio. – bufou, soltando o peso no encosto da cadeira. – Eu só tenho feito merda lá. Besteira atrás de besteira. Desde o início da temporada.
– Desde que você começou a sair com ela. – Atte apontou com um pouco de receio e o mirou com um olhar duro.
Um garçom se aproximou com canecas de cerveja, servindo os dois. esperou que ele se afastasse para responder.
– Eu já soquei pessoas por menos. – Ameaçou antes de dar o primeiro gole. – Não fala da . – Atte ergueu as mãos rendido e desviou o olhar. – Não é culpa dela, é minha. Ela me disse uma coisa depois disso, sobre eu precisar controlar melhor minhas reações. Amadurecer meu autocontrole, porque não posso me desestabilizar tão fácil.
– E você?
– É verdade. – deu de ombros e tomou um pouco de sua cerveja. – me conhece bem, ela sabe como me cobro, como é importante pra mim agir bem como capitão, com o time e tal. Mas acho que sou mais estourado do que pensei que fosse.
– Você reprimia tudo. – Atte analisou, bebendo também.
– Não vem você com esses papos psicológicos também. – O capitão sacudiu a cabeça.
– Mas é a mais pura verdade. – O goleiro continuou. – O que você fazia antes? Quando ficava com raiva? Treinava até desmaiar, se escondia em casa. Lembra aquela vez? Quando fomos rebaixados? Você ficou no mais absoluto silêncio, não conversou comigo ou com qualquer outro. Chegou em casa e quebrou uma porta de vidro com um soco.
– É, talvez eu sempre tenha sido meio esquentado. – Ponderou o capitão, maneando a cabeça.
– Com a idade, dizem que os hormônios que fazem isso, diminuem. – Atte falou e viu o melhor amigo projetar o lábio inferior e assentir, seriamente atento.
– Mas, pode ser estranho... – tornou a falar após um momento de silêncio, onde dos dois observavam as pessoas chegando para a festa. – Mas estou meio desmotivado do time. Não é que eu não ligue, mas...
– Quer chutar o balde? – Atte investigou.
– Não sou esse tipo de cara. – falou em tom mais sério e Atte assentiu.
– Eu sei que não, mas até caras como você desanimam às vezes.
– Acho que é essa palavra, desanimar. – pensou consigo, elaborando junto ao amigo o que sentia. – Só tenho tido problemas no time. Não é mais como era antes, tô meio anestesiado.
– Isabel Svedin?
– Ela é sempre a causa. – secou sua caneca de cerveja. – Me persegue. Mas até que já fazem alguns dias que não vejo aquela assombração. – Atte riu alto. – Mas é um conjunto de coisas. A Svedin, a renovação, o time, o lugar de capitão que eu não acho estar merecendo, são as brigas...
– Por que não merece o lugar de capitão? – Atte sacudiu a cabeça, descordando dele. – Bebeu muito antes de chegar aqui? bateu sua cabeça contra parede? Ou Inessa?
– Para de besteira. – torceu os lábios. – Você sabe muito bem que se fosse outro cara, o lugar de capitão já teria sido passado para frente. Depois de tudo que aconteceu esse ano, as brigas... tudo... eu só sou o capitão porque seria assunto demais me tirarem da posição. E um sinal verde para eu cair fora. – encarou o amigo com uma sobrancelha arqueada. – Você sabe que é verdade.
– Mas e aí? Vai fazer o quê com isso?
– Ignorar, pelo menos por enquanto. – suspirou. – Tem o Aleks também, a suspensão. Eu só quero fingir que não sou hoje. – O capitão ergueu o copo vazio e propôs um brinde, que Atte correspondeu.
– Que coisa mais triste, brindar com copos vazios. – voltou para junto deles e beijou o topo da cabeça do namorado.
– É para atrair mais bebida. – Atte brincou e sorriu.
– Espero que não atraia muita, então. – A inglesa se sentou junto a eles. – Me apresentaram a tanta gente, acho que não consigo mais diferenciar russo, espanhol e inglês.
– Isso porque é uma festa. – Atte respondeu e assentiu. – Imagine uma ocasião mais tranquila, sem tantas pessoas extras. Todas as tias perguntando sobre sua família.
– Todas me acham branca demais. – riu, entrelaçando seus dedos aos do namorado.
– Acho que elas tinham esperança de eu me casar com alguém latina. – Sorriu o jogador de hockey.
– Pelo menos você cumpriu a tradição do seu pai e encontrou uma mulher em outro país. – Atte brincou sorrindo.
Atte e seguiram a falar sobre as expectativas da família do namorado, mas se perdeu analisando os convidados que chegavam. Tentava prever se eram da família, ou de qual lado da família pertenciam, observando suas roupas de modo distraído. Até que uma convidada capturou sua atenção. Era alta, usava salto alto, vestia um vestido acetinado, verde e um pouco justo, mas não vulgar, um tipo de justo elegante que parecia ter sido feito para cair perfeitamente sobre seu corpo. Tinha cabelos loiros escovados e bem penteados, sorria e entrou no salão com confiança, como se estivesse se sentindo muito bem, como se conhecesse a todos.
Ela sorria e acenava para algumas pessoas ao passar, indo direto para o centro do salão. a viu chegar perto de uma mesa e cumprimentar a todos com muitos sorrisos, e era como se a mesa estivesse esperando por ela. Ela estava sozinha e muito à vontade. A inglesa concluiu que pudesse ser uma prima, ou amiga de Alicia, russa. Mas algo naquela mulher causou algum incômodo a , mesmo que ela não entendesse o porquê. Talvez ciúmes, ou um pouco de inveja e comparação, por ver alguém tão confiante e bonita, atraindo muitos olhares.
– ... e você sabe que só vai piorar, não é? – pegou pela metade a fala de Atte. – Quando ele descobrir que nós estávamos aqui juntos, sem ele.
– Não tenho controle sobre a lista de convidados da minha irmã. – respondeu com desdém. – E ele não liga tanto assim. Não para mim, para você e , pode até ser.
– Como assim? – Atte olhou de um para o outro, confuso.
– está um pouco ressentido, porque Aleks conversou comigo e não com ele. – contou. – Mas não sei se aquilo poderia ser chamado de conversa.
expirou um riso sarcástico.
– Acho que Aleks só precisa de mais atenção e acolhimento. – tornou a falar, ignorando o tom pirracento do namorado. – não concorda comigo, mas acho que talvez ele seja muito mais sensível do que vocês imaginam.
– Não sei se Aleks é tão sensível assim. – Atte a encarou com estranheza.
– Há. – fingiu aplaudir. – Está vendo? Aleks não é sensível. Não é esse pobrezinho que você acha. – o encarou entediada. – Ele tá te manipulando, do mesmo jeito de quando te fez me dar aquele chocolate.
– E por que ele faria isso? – Atte indagou e permaneceu em silêncio, ponderando sobre aquela possibilidade com cuidado.
– Pelo mesmo motivo de sempre. – ergueu os ombros. – Ele quer me atrapalhar com a . Aleks sabe que eu não caio no papo dele, se aproveita dela por ser mais...
– Se você terminar essa frase com bobinha, vai levar um soco. – ameaçou o olhando nos olhos. – E eu não me importo de estarmos com a sua família.
– Eu ia dizer compreensiva, mas bobinha também serve. – O capitão a respondeu, ignorando sua ameaça.
– Você brinca com fogo. – cruzou os braços e negou com a cabeça, torcendo os lábios em um bico.
– Mas, mesmo assim. – Atte atraiu a atenção do casal de volta para si. – não vai tentar te matar com chocolate, ela pode usar outros métodos agora. Do que adiantaria ele tentar manipular ela?
– Colocar contra mim. – respondeu rápido e logo receberam outra rodada de cerveja.
– Você já faz isso, amor. – o alfinetou e rolou os olhos e se recostou na cadeira. – Mas, eu não sei. Não vejo que tipo de ganho ele poderia ter. Eu não estou no time, não vamos nos ver.
– Ele só vai encontrar o . – Atte completou o raciocínio.
– Talvez tenha algum tipo de ganho secundário que a gente não esteja vendo, mas... não sei se é para me manipular. – A terapeuta sacudiu a cabeça. – Ele sabe que eu tenho um lado, não sou mais do time, não tenho mais outras responsabilidades com ele agora.
– Ele só não é o bonzinho da história, ou a vítima. – apontou, dando um gole em sua cerveja, enquanto Atte contemplava o nada, pensativo.
Segunda-feira, 25 de outubro de 2021
Centro de Treinamentos do Pelicans
Isku Areena/Lahti – Finlândia
Ainda da vez que ele (quase) desistiu por estar inseguro
O time estava treinando, era dia de perna.
Ninguém faltava um dia de perna.
acompanhava para caso alguém precisar de apoio em algum exercício, mas não tinha muito trabalho, os atletas estavam habituados e os preparadores físicos faziam o trabalho mais pesado. Por isso, podia se deixar vagar pelo espaço, observar os jogadores sem qualquer problema. Supostamente aquilo também devia ajudar, poderia servir para reforçar as relações de vínculo e transferência necessárias para trabalharem bem juntos.
Sem controle ou arreio, os olhos de vagaram sem propósito até um canto específico da sala. Sozinho, o capitão ocupava a cadeira abdutora/adutora, tinha o olhar vago a sua frente. Os shorts de treino eram justos, colados, ele usava uma camiseta cinza com estampa de algum personagem que não conseguiu reconhecer de pronto. Usava fones de ouvido, estava bastante suado, respirava fundo e por suas expressões, suspiros e gemidos, a carga devia estar pesada.
se deixou perder observando a cena. Primeiro, se perguntou sobre o que é que ele devia estar ouvindo. Depois, só observou como ele executava o exercício perfeitamente, sobre como suas pernas já eram bastante fortes, sobre como os braços, apoiados paralelos ao corpo, também se flexionavam conforme ele fazia força com as pernas. Sobre como ele respirava fundo e erguia o rosto em direção ao teto, mas de olhos fechados, respirando alto, murmurando ou gemendo baixo, rouco. Estava tão concentrada na execução do capitão, que era como se sua própria consciência estivesse a chamando de volta, porque ouvia seu nome ser gritado baixinho, no fundo de sua cabeça.
– ...
A voz no fundo de sua cabeça estava um pouco mais alta e inclinou a cabeça sobre o ombro quando ele interrompeu o exercício para tomar um pouco de água.
– ! – A voz foi mais firme e forte.
– Humm... – respondeu concentrada demais.
– ! – enfim retomou sua consciência, assustando-se com o grito de Petri, que a fez sacudir a cabeça e tentar se lembrar de quem era e onde estava. – Ah, recuperou sua audição agora? – O treinador perguntou de modo retórico e respirou fundo, torcendo o rosto em uma careta insatisfeita, ignorando que agora a atenção de todos estava sobre ela. – Vamos ter um papinho. Eu e você. – Petri apontou para si e para a inglesa.
, depois de expirar pesadamente, inclinou a cabeça, escondendo o rosto e a vergonha, o seguiu para fora da academia e logo todos voltaram a seus exercícios.
– Você viu isso, não viu? – Aleks colou os ombros aos de Atte Tolvanen, que tomava um pouco de água antes de voltar a sua série. O goleiro o olhou, esperando uma resposta. – Ela estava viajando nele. – Acusou.
– Nem. – O goleiro negou com a cabeça.
– Tá. – Aleks o mirou com olhar malicioso. – Ele está lá, suando e gemendo, sem ninguém por perto. Ela, de repente, ficou muito interessada em alguém treinando perna. Sei.
– Não. – Atte negou, mas não pareceu muito convencido. – Devia estar conferindo se ele estava fazendo certo.
– Otto caiu da cadeira extensora, ela nem se moveu. – Aleks arqueou uma sobrancelha e Atte maneou a cabeça. – Latinos tem um charme. – Falou o ala, cruzando os braços e encarando , longe, ainda se exercitando. Atte o imitou.
– Acha que a ideia idiota deu certo?
– Com ou sem ideia. – Aleks deu de ombros. – Ele é o , latino, diferente, suando ali com aqueles coxões. – Aleks maneou a cabeça. – É dentro. Nem precisava de plano.
– A gente conta pra ele? – Atte perguntou ao outro amigo.
– Não. – Aleks respondeu com sua malícia quase maldosa de sempre. – Posso arrumar qualquer outra interesseira, uma puck bunny* bem mais gata se ele quiser. Essa aí nem vale a pena.
*Puck Bunny:Termo usado para descrever fã de hockey cujo interesse no esporte é supostamente motivado principalmente pela atração sexual pelos jogadores, em vez do prazer do jogo em si.
– Atte? – sacudiu a mão frente ao rosto do amigo quando ele demorou muito para concordar com uma de suas observações. – Viajou? Ainda está entre nós?
– Não. – Ele negou balançando a cabeça. – Foi mal, me distraí.
– E aí? – ergueu as sobrancelhas, o incentivando a continuar o assunto, enquanto olhava de um para o outro.
– Eu só acho que... – O goleiro apoiou as duas mãos na mesa e suspirou. – Acho que o Aleks realmente nunca foi muito fã de vocês dois juntos... então... sei lá. – Atte deu de ombros.
estreitou o olhar, maneou a cabeça e trocou um rápido olhar com o namorado.
– Ele só se sentiu muito ameaçado, abandonado, mas aquele episódio já é passado. – Ela lembrou, em seguida esquadrinhou o goleiro, analisando sua postura. – A não ser que exista mais.
olhou da namorada para o melhor amigo, que arregalou os olhos e sacudiu a cabeça.
– Não, só... eu só conheço o Aleks. – Disfarçou Atte, sem jeito. – Do mesmo jeito que o .
assentiu devagar.
– Vou procurar minha gatinha. – Avisou, levantando-se rápido da mesa, deixando de boca aberta, preste a seguir o assunto, mas sem chance de falar qualquer coisa.
– O que deu nele? – perguntou ao namorado, que apenas ergueu os ombros, tomando mais de sua cerveja. – Amor. – Ela chamou e o jogador se virou para mais perto.
– Fala comigo.
– Não quero brigar, mas... – Ela avisou e viu o namorado rolar os olhos de novo e expirar pesadamente. – Mas por que é tão difícil para você, conceber a ideia de que o Aleks pode não ser esse monstrinho, manipulador e autocentrado que imaginam?
– E você não quer brigar... – O capitão ironizou e se aproximou de , colocando o braço no apoio de costas da cadeira dela. – Eu amo você demais, mas as vezes me pergunto se é tão difícil assim para você, só concordar comigo.
– Você nunca me quis por ser fácil. – sorriu fechado. – Nunca quis colocar um cabresto nos meus sentimentos, não queira colocar um nas minhas ideias. – Pediu, afagando a bochecha dele, onde a barba crescia.
– Você é teimosa demais, . – Ele respondeu a olhando nos olhos. – Fica difícil cuidar de você assim.
maneou a cabeça.
– Se eu não servir para te tirar do lugar, qual seria meu papel aqui? – A inglesa sorriu e expirou um riso abafado. – Eu sei que é irritante, que você odeia ser questionado.
– Odiar é uma palavra forte. – Ele estalou a língua.
– Sabe o que eu acho, ? – ainda acariciava o rosto do jogador, tendo toda atenção dele sobre si. Ele levantou o queixo e estreitou o olhar, a deixando falar. – Acho que você odeia pensar que eu posso ter razão. É mais fácil para você, lidar com esse problema, essa crise com um dos seus melhores amigos, se acreditar que tem motivos para romper com ele. Se ele for o vilão da história, tudo é mais simples. Mas se ele for essa pessoa sensível que eu acho que é, isso significa que você pode ter agido mal e o magoado. – arqueou uma sobrancelha. – E isso é uma das coisas que o meu teria muita dificuldade para conviver.
inclinou a cabeça e riu fraco. Depois de algum tempo, ergueu o olhar, a olhou nos olhos por alguns instantes, negou com a cabeça e torceu o canto dos lábios.
– Como você faz isso comigo?
– Eu só te conheço bem. – Ela respondeu erguendo um ombro.
– Se alguma coisa acontecer e a gente se separar, vamos ter um problema. – Ele riu nervoso, fraco, olhando para baixo.
– Nunca vi você falando sobre isso. – uniu as sobrancelhas e falou sem sorrir. – Sobre se separar.
– É que você me assustou. – Ele admitiu, passando um dos pés no chão, sem a olhar. – Me pegou de guarda baixa.
– Eu te conhecer bem ainda te assusta? – Ela investigou. – Do que tem medo? De que isso seja usado contra você? Ou de se sentir vulnerável e exposto?
– Eu não tenho medo de você. – levantou o rosto e depois expirou, baixando os ombros. – Só acho que nunca tive isso, alguém que me visse assim... por dentro, de todo jeito. Parece que você enxerga até a cor do que eu penso. Vê a minha alma. – Ele riu nervoso outra vez.
– Mas era o que você queria, não é? – levantou uma sobrancelha. – Você me queria.
– É.
a beijou, calma e lentamente.
– Desculpe se te assustei. – pediu quando interromperam o beijo. – Não quero ser a pessoa chata que fica te analisando o tempo todo.
– Tudo bem. – sorriu, afastando uma mexa de cabelo do rosto da inglesa. – Quer saber uma coisa? – Ele sorriu mais, tentando relaxar os ombros e ignorar seu pequeno surto, apesar de ainda estar gritando por dentro. – Todo dia você tira minha virgindade de um jeito diferente.
gargalhou, jogando a cabeça para trás e a assistiu como se fosse a coisa mais bonita que já tivesse visto.
– E nem é fisicamente. – Ele completou, sendo beijado por ela em seguida.
– E valeu a pena, todo o esforço? Semanas fingindo que não me suportava ou que eu era invisível?
– Eu tenho que confessar uma coisa pra você. – riu, sentindo as bochechas corarem e arregalou os olhos. – Valeu a pena, óbvio. Eu faria tudo umas mil vezes, ou quantas vezes fossem necessárias.
– Isso é o que queria confessar? – uniu as sobrancelhas, sorrindo para ele.
– Não. – Ele respondeu com timidez. – Eu já te contei que nem sempre foi fingimento?
A inglesa arregalou os olhos de novo e projetou a cabeça, pasma.
– Você me detestava de verdade?
– Não, não exatamente. – riu fraco, apoiou os cotovelos na mesa e se afastou um pouco da namorada, estava envergonhado. – Eu nunca te detestei, é impossível. Mas teve um tempo que eu... sei lá, fiquei pensando que você nunca ia me dar qualquer chance, então... te evitava de propósito.
– Como assim? – riu, aproximando-se mais dele.
– Eu te vi falando com Atte uma vez. – Ele lembrou. Encarava o nada e tentava desviar o olhar da namorada. – Sobre ter visto o Instagram dele, sobre a marca. Você estava toda simpática, falando com ele. Também era próxima do Merelä e dos outros... eu não tinha isso com você...
– Você me enxotava quando eu tentava. – A inglesa o lembrou, afetada e riu abafado.
– É, mas, você não aparecia e dizia que tinha visto meu Instagram e achado meu cachorro legal. – tentou se justificar. – Aí, depois disso eu desisti. Pensei que alguém inteligente, linda, importante como você, nunca ia olhar pra mim. Tinha o Atte, Atte foi pra faculdade, era bonito...
– Não sabia que não ter ido pra faculdade era uma insegurança sua. – comentou, ouvindo-o com atenção.
– Não era, até você aparecer.
– Você é brilhante, uma das pessoas mais inteligentes que eu conheço. – A terapeuta sorriu, beijando o rosto do namorado depois.
– Ah, mas... você estava lá falando com ele e eu pensei que, era óbvio que se fosse você ficar com alguém ali, seria ele ou Merelä. – fez careta. – Eu sei que você não ficaria e nem poderia, mas na época eu não pensava assim. Quando caí na real de que, com certeza seria outra pessoa, eu saí fora. Aí comecei a te evitar de propósito, porque queria parar de pensar em você.
Enquanto conversavam, memórias se construíam na mente dos dois, lembranças de um início não tão longe, mas que, por causa da intensidade, parecia ter sido no século passado.
Sábado, 23 de outubro de 2021
Isku Areena/Lahti – Finlândia
Sobre quando ele não sabia como lidar com a proximidade
Era um sábado de jogo e depois das últimas semanas que estava tendo, tudo que o capitão do time mais queria era focar na partida. estava cuidando das lâminas de seus patins, afiando e deixando tudo pronto para o jogo de logo mais. Apoiado a uma parede ao lado dele, estava Janos Hari, passando fita em seu taco, esperando sua vez para também cuidar de seus patins. Havia um vozerio no corredor, pessoas de um lado para o outro, conversando, gritando, cantarolando, reclamando do time rival, mas tentava se manter equilibrado e concentrado.
Seu plano falhou na execução quando, de modo súbito, se enfiou no meio deles. Sem avisar, a inglesa se aproximou como se aquele movimento fosse normal e esperado. Havia um espaço entre e Janos, fora exatamente naquele espaço que a terapeuta havia se enfiado. Com o susto de sua aproximação repentina, havia se apavorado e errado a direção da lâmina, quase perdendo um dedo no processo. Ao passar por ele, tinha resmungado um “Oi, ”, suficiente para o capitão perder o rumo e atenção – talvez até um dedo.
Mas lhe deu as costas sem qualquer cerimônia, apoiando um ombro a parede e se dirigindo a Janos. O central parou o que fazia e desligou a máquina, tentando se recuperar dos dois sustos: a presença de e quase ter sido mutilado. Pensou se não devia deixá-los a sós, se devia se afastar pelo seu próprio bem, mas sua curiosidade – ou masoquismo – era maior. O capitão ligou a máquina outra vez e inclinou a cabeça, fingindo prestar atenção em sua atividade, enquanto deixava os ouvidos ligados na conversa que acontecia ao seu lado.
– Petri me disse que queria falar comigo. – Ela parecia sorrir, dava essa impressão pelo tom de voz e o jeito quase cantado de falar, simpático.
– É, queria saber se a gente pode bater um papo, sabe? – Janos a respondeu.
– Claro. – Ela foi rápida e balançou a cabeça negativamente, incrédulo sobre como era fácil para os outros. – Quando quiser, pode sempre me procurar ou...
– É que eu ainda não tô muito acostumado com essas coisas, mas... – Janos ergueu um ombro e rolou os olhos, impaciente com o jeito do companheiro de time. – Mas queria mesmo conversar.
– Vai ser um prazer falar com você, Janos. – sorriu e tocou o ombro do jogador, desviou o olhar de seus patins e encarou a cena, num incômodo enciumado. – Sempre é muito bom.
, Janos e foram surpreendidos com um som seco e incômodo saiu da máquina, quando a lâmina foi fundo demais contra a lâmina dos patins do capitão. se virou para ver, Janos também, e deu um salto para trás, assustado com o barulho e vibração que sentiu nas mãos – quase se acidentando outra vez. O central congelou, segurava o patins com raiva e o peito subia e descia, extremamente envergonhado, assustado e irado.
– Então, a gente se fala. – disse a Janos, depois de mirar o capitão como se ele fosse algum tipo de tonto. – Vou esperar você. Quando quiser.
Dizendo isso, ela se afastou, mas não sem antes olhar outra vez para , de um jeito muito semelhante ao jeito que as garotas o olhavam na escola. Principalmente quando estavam prestes a rejeitá-lo e rir da inocência dele ao convidá-las, pensando que teria alguma chance. O sangue de se aqueceu ainda mais e o jogador jogou o patins no chão, perto da máquina, em qualquer canto e saiu pisando duro na direção oposta à tomada pela terapeuta, esbarrando bruscamente em um colega do time no caminho.
– Eu fico me perguntando, sobre como alguém como você consegue ter tanta insegurança. – A inglesa apoiou o rosto nas mãos e os cotovelos na mesa. – Você é o . Simplesmente o , o maior pontuador e goleador da Liiga. Além de ser um homem lindo. Não é possível que tenha sido rejeitado tantas vezes assim, para ter tanta insegurança sobre si.
– Mas era com você. – Ele se justificou. – Só com você. – ergueu os ombros, demonstrando que aquela resposta não lhe era suficiente. – Depois que comecei a jogar profissionalmente, não tinha muita insegurança. Só quando alguém com quem eu estava, falava algo, alguma coisa muito específica, mas não era comum. Eu sou muito tranquilo, com tudo. Pode não parecer, mas tenho cabeça boa.
– Parece sim. – A inglesa concordou.
– Eu não ligava antes. – Ele deu de ombros. – Mas você não dava a mínima por eu ser jogador, por ser o . – riu. – Hoje eu entendo, que era porque você não sabia nada sobre hockey, mas mesmo assim. Você ligou todos os meus pontos fracos.
– Isso parece ruim.
– Talvez. – ergueu os ombros e maneou a cabeça. – Mas não deu certo. Eu tentei evitar, tentei te evitar, achei que não tinha chance e que seria melhor só deixar pra lá. Mas, você apareceu tentando ser legal, com o chocolate e a pizza. – O capitão riu. – Nunca fui tão feliz para um pronto-socorro.
– Não seja bobo. – riu. – Não se importava tanto assim.
– Não estou sendo, é a verdade. – riu também, esticando-se para colocar um braço sobre o ombro da inglesa e a trazer pra perto. – Eu sou obcecado por você desde a primeira vez que te vi. Eu morria por dentro, passava mal, te de ver com os outros. Era tudo que eu mais almejava, tudo que eu mais queria e ficava maluco por não conseguir. Porque todo mundo consegui estar perto de você, só eu não. E aí, era como se tudo isso que eu sou, o grande e tal, não valesse nada.
– Posso te confessar algo também? – perguntou e viu o namorado unir as sobrancelhas rapidamente. – Eu não parei de pensar em você também. Primeiro, porque achei que você tinha me odiado quando fomos apresentados no vestiário. Depois, como você veio falar comigo no primeiro dia, no gelo, esperei que falasse mais, mas me ignorou nos dias que vieram. – O capitão riu, jogando a cabeça para trás. – Eu não soube separar o profissional do pessoal. Acho que quis sua atenção desde o primeiro dia, bem antes de você me evitar de propósito ou não. Ligava para Louis e Maisie e falava sobre você. Sobre como o capitão estava me enlouquecendo por ser um presunçoso metido e por não gostar de mim.
– Não precisa mentir pra me fazer sentir melhor, Rakkaani.
– Eu juro que não estou. – Ela afirmou, falava olhando nos olhos do namorado, se divertindo com as confissões. – Reclamava de você até para o Mere, sobre como você era seco e frio comigo. Com o Santtu, com o Mere, com o Petri, com todos. Maisie e Louis me incentivaram a tentar resgatar o vínculo profissional e ser legal. Pelo modo com que eu falava, afetada, repetitiva, ela pensou que eu estivesse saindo com você. Antes, bem antes de você parar na minha cama e me mostrar como pode ser fácil tirar a roupa toda com uma mão só.
– Isso é mesmo verdade? – projetou o lábio inferior e apontou para com o queixo, dengoso. – Por que nunca me contou isso?
– Não sei, acho que nunca falamos disso. – ergueu os ombros e sorriu, brincando com o colarinho da camisa que o namorado usava.
– Então, você já estava na minha? Você já tinha me notado e me queria?
– Já. – Ela assentiu e os dois riram juntos. – Só não queria admitir.
– Eu tô feliz. – apertou mais o braço ao redor da namorada. – Mas ainda tô desconfiado.
Os dois riram juntos outro vez.
– Eu babava, me perdia te assistindo treinar, te admirando. – confessou um pouco envergonhada. – Quando te via chegar na arena, o seu perfume... eu ficava congelada. Te via passar e te acompanhava com o olhar, mesmo quando estava com os meninos. Me lembro de ficar irritada com você, de te achar metido e arrogante, mas quando você passava por mim... todo sério, como se nada importasse, com um chiclete na boca e o cheiro do seu perfume... eu me lembro de ficar paralisada, pensando sobre como alguém que parecia não valer nada, podia ser tão atraente. – A inglesa riu, enquanto o namorado a ouvia sorrindo e negando com a cabeça. – Uma vez me perdi tanto olhando você... Você estava na musculação, treinando, sério, concentrado, suado, respirando alto... Petri precisou gritar para me trazer de volta, o time todo percebeu, eu acho. – riu, cobrindo o rosto.
– Ei, eu me lembro disso. – acusou. – Mas achei que fosse só o Petri sendo Petri.
– Em partes. – maneou a cabeça. – Ele queria só saber como o time estava, mas... eu só conseguia pensar e criar cenários na minha mente com aquela visão.
– ... – a olhou com uma curiosidade maliciosa. – Por que você estava me olhando suado, respirando alto?
– Amor, você não é inocente. – A inglesa sacudiu a cabeça, rindo. – Era uma visão muito interessante. – Ela brincou, escorrendo os dedos pelos ombros e peito do jogador. – As suas pernas, os braços fortes, como você estava... suas expressões, a respiração, os gemidos...
– Você queria transar comigo desde lá? – O jogador arregalou os olhos e riu.
– Pode, por favor, falar baixo? – rosnou, tentando contê-lo, mas não conseguia não rir.
– Se eu soubesse, teria aparecido na sua casa. – disse, estava empolgado, embora um pouco frustrado por ter sofrido tanto em vão e pelo tempo perdido. – Se eu soubesse disso na época, teria aproveitado muito mais. A gente teria ficado junto desde quando você chegou.
– Que pretensão é essa? – sacudiu a cabeça, sorrindo. – Você ia aparecer na minha casa e fazer o quê? – Ela cruzou os braços.
– Primeiro, ia arrumado, com muito perfume. – Ele começou a explicar e piscou de modo sugestivo, riu alto. – Ia aparecer e dizer que precisava conversar, que a gente não podia se evitar tanto se quisesse trabalhar junto. E o resto é o resto, você não ia resistir a mim...
– Talvez eu resistisse sim. – Ela cruzou os braços e fingiu não se afetar, riu alto.
– Se eu chegasse na sua casa, a noite... – O capitão a olhou nos olhos. – Com aquela postura que você tanto gosta, fingindo que não ligo para nada? – Ele arqueou uma sobrancelha.
– É provável que eu já tivesse uma tatuagem com o seu nome. – brincou, fazendo-o rir, depois segurando o rosto do namorado e o beijando.
– Isso é engraçado. – voltou a falar depois de ter o lábio inferior mordido e puxado pela inglesa. – Acho que era inevitável. Eu e você. A gente podia ter começado de muitas formas, mas de qualquer jeito terminaria aqui.
– A gente já teve essa conversa, eu acho. – lembrou, apaixonada.
– Eu sei que sim. – Ele assentiu. – Mas não desse jeito. Pense comigo. – Ele a convidou, com uma das mãos afagava a nuca da namorada. – Eu sou legal, você é legal, a gente vira amigo, uma hora ou outra, alguém ficaria apaixonado. A gente segue se evitando, pensando que um odiava o outro, em algum momento seriamos obrigados a conviver, como na minha lesão. Mesmo se eu não quisesse, seria impossível não me apaixonar. Em qualquer cenário a gente fica junto.
– Eu leria histórias assim. – sorriu. – De dois amigos que trabalham juntos e que se apaixonam.
– Eu me ofereceria para ajudar nas compras, te levaria para conhecer a cidade, o abrigo, cozinharia para você, a gente provavelmente iria rir muito no seu sofá. – ainda afagava os cabelos de ao falar.
– E quando você adoeceu, eu teria ido até você. – A inglesa completou. – Se não te beijasse nessa situação, teria sido no ano novo. – Ela sorriu.
– Eu quero voltar atrás com o que disse antes. – falou após sorrir e balançou a cabeça, curiosa com o que ele diria. – Se eu tivesse certeza de não ficar na friendzone igual o Merelä, eu não faria tudo que fiz mil vezes. Pra ter você. Eu faria diferente, para conseguir viver essa versão, porque eu gostei dela.
– A gente já viveu isso, bobo. – A inglesa riu, balançando a cabeça. – Tudo isso nós já fizemos.
sorriu grande, tomou uma das mãos da terapeuta e levou aos lábios, beijando-a com delicadeza, fechando os olhos ao fazer.
– Fico feliz que a gente ainda tenha a vida toda pra fazer essas coisas, de novo, de novo e de novo.
– E mais um monte delas, pela primeira vez, juntos.
– Casa comigo, ? – Ele propôs, riu enquanto negava com a cabeça e o beijou, segurando a nuca do capitão.
– Sim, todas as vezes.
48 – Don't even get me started
You went to a party
I heard from everybody
You part the crowd like the red sea
Don't even get me started
Did you get anxious, though
On the way home?
I guess I'll never ever know
[…]
I call my mom, she said to get it off my chest
(Taylor Swift - Now That We Don’t Talk)
Sábado, 05 de fevereiro de 2022
Viipuri – Oblast de Leningrado/Rússia
A música que tocava era completamente desconhecida a , mas parecia ser russo. Um tipo de russo misturado com batidas eletrônicas super altas que davam impressão de estarem em uma rave, ou algo mais barulhento. Ingleses não eram os maiores fãs de música eletrônica, era modernidade demais, mas costumava se permitir um pouco. Não sabia onde estava, da última vez que tinha visto o namorado, ele estava tirando fotos com a aniversariante e outros membros da família. Por isso resolveu aproveitar a pista de dança com Inessa e Atte, numa desculpa justa para fugir de apresentações a família do namorado.
Era boa a sensação de ser apresentada como namorada, de ter alguém que se orgulhava dela, de estar com ela. Mas os olhares analíticos das tias do namorado a deixavam um pouco desconfortável. Também era muita gente, parecia muito sério conhecer tantas pessoas da família assim. Imaginava que se algum dia terminassem o relacionamento, ia ter que explicar para todas aquelas pessoas sobre o que tinha acontecido entre ele e sua namorada estrangeira.
Estar com Inessa era bom, ela era divertida e lidava bem demais com a família e o assédio das pessoas. Era uma companhia tão boa, que até compensava a impaciência, estresse e a briga em sussurros que a russa tinha com o namorado enquanto dançavam os três juntos. fingiu não perceber, primeiro pelo código inglês de boas maneiras, segundo porque era bom, para variar, que não fosse ela a estar brigando com o namorado em uma festa.
– O quanto dos seus parentes mexicanos moram por aqui? – quis saber, aproximando-se de Inessa quando Atte se afastou um pouco, as duas ainda dançavam.
– Só um casal de tios. – Ela respondeu. – Vieram por causa da vovó, quando ela morreu, eles ficaram. Mas moram em Moscow. – Inessa baixou os ombros e expirou. – Quer parar e beber um pouco?
– E ao Atte? – apontou com o polegar, como se Atte estivesse atrás delas.
– Acho que foi ao banheiro. – A morena rolou os olhos. – Ou para o inferno. Não me interessa.
arregalou os olhos, mas logo se recompôs, seguindo a futura cunhada para o bar da festa. Inessa pediu um drink para alguém e olhou para , como quem confirma se a outra pessoa realmente não vai beber nada.
– Só uma água, ou drink sem álcool, se tiver algum. – A inglesa ergueu um dedo e viu o barman assentir com a cabeça. – Você tá bem? – quis saber quando viu a outra se recostar ao balcão e se virar para observar o ambiente.
– Eu só preciso beber. – Inessa respondeu. – Por que a pergunta sobre os meus parentes?
– Ah, sei lá... – ergueu os ombros. – Tem muita coisa que não sei ainda, sobre sua família, seu irmão.
– Pode perguntar a ele, costuma dar certo. – Ness respondeu, recebendo uma taça e dando o primeiro gole.
– Eu sei, eu faço isso. – riu fraco e também recebeu uma taça, mas não sem antes confirmar se não tinha álcool.
– Por que essa preocupação idiota com álcool? Não vai te envenenar. – Ela indagou com alguma irritação na voz.
– Eu não costumo beber, não quero extrapolar hoje e causar uma má impressão na família toda. – Explicou , aproximando-se um pouco mais da morena, ignorando seu mal humor.
– Olha, é só a nossa família. – Inessa expirou pesadamente. – Não tem nada demais. É como qualquer outra. Tios divorciados, tios que deveriam se divorciar, primos que engravidam cedo, ovelhas negras – Ao dizer, Inessa apontou para si. – Os prodígios, como seu namorado. Os que ninguém sabe o que está acontecendo... sabe, você ter um porre não vai ser uma surpresa tão grande. Não depois da ex dele que deu aquele chifre em rede nacional. – Inessa riu abafado. – Vai precisar se esforçar pra ultrapassar ela.
– Esse não é meu plano não. – uniu as sobrancelhas, depois sorriu e tomou um pouco de sua bebida, Inessa fez o mesmo.
– Então relaxe. – Pediu a outra. – Beba, tire os sapatos, aprenda a dançar com as tias de Jalisco, viva a vida.
riu da fala de Inessa e balançou a cabeça negativamente.
– Veio gente de Jalisco?
– Veio. – Assentiu Inessa. – Minha mãe tem quatro irmãos. Ela, duas mulheres e dois homens. Três deles moram do outro lado, um no México e dois no Arizona. Uma aqui em Moscow e a senhora Ema em Viipuri. Ela sempre quis ir para os Estados Unidos, o Arizona é quente. – Inessa sorriu ao lembrar, bebendo o resto de seu drink de uma vez e erguendo um dedo, pedindo por outro. – Meu pai gosta daqui, é o lugar dele. Mas foram mais de trinta anos no mesmo lugar, Rússia e Finlândia. – A morena balançou a cabeça negativamente. – Eles não saem muito daqui, nem o sai. Mas eu viajo muito por causa do golfe e... tem muitos lugares melhores por aí.
– Eu tenho certeza que sim. – assentiu, bebendo um pouco mais. – Meu plano antes era ir para Mônaco. Quente, nada de neve, clima mediterrâneo, gente de rasteira e vestido por todo lado.
– Gente famosa e rica. – Inessa riu alto, propondo um brinde para . – Você num lugar assim? – Ela indagou erguendo uma sobrancelha. – Não parece ser do tipo que curte ostentar.
– Mas esse é o ponto, todos lá são tão ricos, que o estilo de vida não é ostentação, é só mais uma quarta-feira comum. – riu, acompanhada por Inessa.
– Tem outros lugares bons, quentes.
– Achei que gostasse daqui. – falou.
– Eu gosto, mas... é sempre muito tensionado. – Inessa levantou os ombros e deixou os olhos vagarem sem rumo. – É sempre muito frio, tem a depressão sazonal, parece que todo dia é sempre a mesma coisa. Mas também não é o lugar mais interessante, com mais liberdade civil do mundo, não é?
– Eu vim de uma monarquia, não sei se sou a melhor pessoa para opinar. – estalou a língua e sorriu.
– não é cidadão russo, essa é uma das únicas coisas boas. – A golfista comentou. – Com esse presidente ditador que temos, com esse monte de ameaças que faz por aí... toda a tensão política.
– Como essa conversa, em um bar, durante uma festa de aniversário, se transformou nisso? – sacudiu a cabeça.
– Eu só tenho pensado em umas coisas... talvez... sei lá, só porque tudo vai bem, não significa que seja o melhor. – Inessa falou em códigos, sem olhar , que franziu o cenho.
– Isso tem a ver com seu estresse? Com sua situação com o Atte? – Ao dizer, Inessa ergueu o olhar. – Desculpe, eu não consegui não reparar.
Inessa suspirou.
– É, tem. – Assentiu. – Estamos juntos há tempos, acho que talvez desde sempre, mas... você sabe, os não são exatamente fáceis de lidar. – Inessa riu fraco e sorriu, assentindo.
– Acho que vocês tem essa vontade de resolverem tudo sozinhos, mas não é tão difícil quando as duas pessoas estão dispostas.
– , fala sério. – Inessa pousou sua taça sobre o balcão. – Você está falando de você e o meu irmão. Você é terapeuta, paciente, inglesa, é tudo diferente. Eu estou falando de um finlandês que gosta de viver, experimentar toda oportunidade que tem, e de uma russa que a última vez que esteve presa a algo, foi no cordão umbilical. O tipo de gente que não pergunta para onde o cavalo vai, só se senta na cela.
– Mas se é assim, então qual é o problema? – ficou confusa. – Se vocês tem espírito livre e gostam de se arriscar, por que isso geraria qualquer problema?
– Porque queremos ir em direções opostas. – Contou Inessa com um sorriso triste. – Atte quer mais da vida e eu também, mas individualmente queremos ir para direções opostas, que nos separam ainda mais.
– Às vezes dá pra dar um jeitinho. – apertou os lábios e também colocou sua taça sobre o balcão.
– É como se toda vez que falamos disso... sempre brigamos, nunca é resolutivo. A gente nunca consegue decidir nada.
– Olha, eu não tenho muita experiência, mas essas coisas costumam levar tempo mesmo. – afagou o ombro da russa. – Antes que eu tomasse minha decisão final sobre o time, foram muitas semanas de conversas e brigas com seu irmão. A gente meio que discutiu cada passo, porque era uma decisão importante.
– Mas esse é o problema, . – Inessa se afastou do bar e cruzou os braços sobre o peito. – Eu não sou você. Me desculpe, não é pessoal, mas... eu não vou pausar minha carreira para seguir um homem. Seria burrice e eu nunca me sujeitaria a isso. – Okay, no início estava tudo bem, mas agora você ofendeu um pouco. – Comentou , aproximando-se. – Não se trata de pausar carreira, não é só isso. Se fosse uma decisão baseada na carreira, seria simples. Acho que envolve o que é prioridade, envolve causa e consequência, envolve uma porção de coisas.
– Do tipo?
– Eu não pausei minha carreira por causa de um homem. – explicou após um suspiro longo. – Eu mudei de emprego porque cometi um erro me relacionando com um jogador, foi consequência disso. E também, eu precisava pesar o que era mais importante no momento e ser lógica. Eu ficar no time e sair, não nos ajudaria em nada. Relacionamentos são assim, as vezes a gente precisa ceder, abrir mão de coisas...
– Eu não vou ser a pessoa a abrir. – Inessa enfatizou. – Sabe como foi difícil para me firmar no esporte? Depois, com todo escândalo com os atletas olímpicos russos? Eu não posso jogar tudo fora para me tornar uma esposinha.
– Então, você espera que o Atte ceda. – concluiu.
– Eu não sei bem o que eu quero. – Inessa confessou e apertou os dentes. – Na verdade, não queria ter que dar coordenadas para alguém, queria que fosse intuitivo ou sei lá.
A terapeuta sorriu de lado, sem jeito, quando Inessa inclinou e balançou a cabeça.
– Acho que você só não pode perder perspectiva. – Aconselhou a terapeuta inglesa. – Se esquecer do porquê está nessa. Da parte da carreira, mas também da outra parte.
afagou o braço da futura cunhada, que sorriu e a puxou para um abraço.
– Obrigada. – Ness sussurrou.
– Disponha.
Estavam há algumas horas na festa, tinha se perdido de também há algumas horas. Era como se tivesse uma apertada agenda de compromissos naquela festa, cumprimentando parentes, amigos da família e outras pessoas que os pais apresentavam, mas sem que soubesse seus nomes. Estava cansado, queria se sentar, rir e beber com os primos, ou dançar como faziam , Inessa e Atte, mas tudo que podia fazer era acenar de longe e implicar com expressões faciais quando os via.
Todos queriam pedir favores, fotos, autógrafos, mensagens especiais para algum conhecido ou para o filho do chefe, a quem tinha prometido levar algum souvenir do encontro com o jogador de hockey. Antes daquela noite o jogador tinha até se esquecido do porquê não gostava de festas daquele tipo, mas agora, duvidava se os olhos voltariam para o lugar de tanto os rolar durante o evento. Eram fotos com amigas de Alicia, com homens de meia idade, com tudo e qualquer coisa. As pessoas também queriam saber sobre os jogos, sobre a renovação, sobre o time, os playoffs. Se sentia numa sabatina quase pior que a dos jornalistas, já que ali, se desse uma má resposta, a mãe o beliscaria na cintura.
Também havia no ar uma certa penumbra esquisita, para além da excitação das pessoas em vê-lo. Parte dos convidados, um certo grupo de homens russos amigos e parentes próximos de seu pai, se reuniam em uma mesa em tom conspiratório. Eles sempre olhavam ao redor e falavam baixo, esses não davam muita atenção para , sequer pareciam interessados em outra coisa além da vodca em suas mesas e do assunto que segredavam.
– Venha me ajudar a separar alguns doces. – A mãe do jogador o puxou de repente, arrastando-o pela mão do jeito que fazia quando ele tinha uns oito anos. – Inessa não me escuta chamar.
– Eu queria poder aproveitar a festa também. – resmungou, fazendo bico e inclinando a cabeça.
– Vai ter o resto da noite para isso. – A mãe respondeu. – E você pode ajudar agora, estava longe antes.
– Eu tenho uma vida, estava trabalhando. – O jogador respondeu emburrado.
– E por isso eu quase não tenho tempo com você. – Ema beliscou fraco o braço do filho, que fez careta e esfregou o lugar. – Não vai te fazer desmaiar me ajudar a separar uns doces. – Ema balançou uma das várias caixinhas que tinha nas mãos na altura dos olhos do filho.
desistiu de lutar e cedeu a mãe, começando a encher as caixas do jeito mais delicado que conseguia – o que não significava muita coisa.
– Ela voltou com você. – Ema começou a falar e quando o filho a dirigiu um olhar confuso, a mexicana apontou para na pista de dança, rindo com Atte e Inessa. – Estão bem?
– Sim. – assentiu com a cabeça. – Ela é boa comigo. Saiu do time, então não estamos mais trabalhando juntos.
– Seu pai pode ter comentado. – A mãe deu de ombros. – Por sua causa?
– Sim e não, é complicado explicar, mas em resumo, achou que fosse melhor.
– Ela está fazendo o quê agora?
– Ainda nada, não faz nem uma semana que ela saiu do time. – sacudiu a cabeça negativamente. – Mas ela não precisa trabalhar.
A mãe lhe dirigiu um olhar atravessado.
– Mama... – deixou a cabeça pender. – Já passamos dessa fase, não acha? não é uma interesseira ou coisa assim. Ela é a futura mãe dos seus netos. – Ema arregalou os olhos ao ouvir aquelas palavras.
– Ela está grávida?
– Não. – riu e negou com a cabeça. – Mas eu quero me casar com ela, ela também quer. Filhos, o pacote completo. Ter uma família.
– Acho que estão indo rápido demais. – A mãe passou a guardar os doces com menos delicadeza. – Já moram juntos, agora falando de casamento, filhos, e você nem conhece a família dela.
– A gente vai resolver isso logo.
– Eles são ingleses, é tudo diferente. – A mãe continuou. – Não é tão fácil assim começar uma vida com alguém de outro país. Tem todas as diferenças, as famílias... – A cada exemplo, mais doces sofriam nas mãos de Ema e uniu a sobrancelhas, assistindo o sofrimento deles. – Os costumes e tradições, a sogra, e isso não é nem um pouco fácil de lidar.
– É, ela já sabe disso. – cruzou os braços e foi sarcástico. – Da última vez a sogra dela não deu sossêgo, não é, Ema ?
– Ela achou aquilo ruim? – Ema ergueu um dedo. – É porque ela não viu a sua avó, dos dois lados.
baixou a cabeça para rir, outra vez balançando a cabeça.
– Isso não é fácil. – Ema alertou o filho outra vez. – Como vão criar os filhos? Aonde vão criar os filhos? Já pensou que se caso se separarem, os filhos que nascerem aqui não vão poder ir com ela? Ou se nascerem lá, não vão poder vir com você? – cortou o espiral de pensamentos da mãe, tocando os dois ombros dela.
– Mãe, para. – Ele pediu falando calmamente. – A gente pensa em casar e você está pensando no que acontece se a gente se separar? Vai com calma, okay? Está tudo bem entre e eu. A gente não é criança, vamos pensar nessas coisas todas antes de planejar um casamento. – Ele desviou o olhar para a testa da mãe ao dizer a última parte, porque estava mentindo.
Ema torceu os lábios e voltou aos doces.
observou o espaço ao seu redor mais uma vez. Alicia estava em um dos cantos, conversando com um grupo de garotas e garotos, parecia feliz e animada e estava linda. Inessa estava sentada na mesa da família, braços cruzados e lábios projetados, enquanto Atte falava algo, pareciam estar brigando. O central balançou a cabeça e torceu os lábios em uma careta. estava na mesa também, na ponta, olhos e atenção no celular. Do outro lado, ainda entretido com os outros homens, estava o pai, o avô e alguns tios.
– Que bom que trouxeram o vovô. – comentou. – Faz tanto tempo que ele não sai de casa, que achei que já não pudesse fazer isso.
– Ele não é forte como antes, mas é diferente agora. – A mãe respondeu, seu semblante ficou anuviado, como se algo a preocupasse.
– Como assim? Ele está doente?
– Com essa coisa do governo... – Ema ergueu os ombros. – As coisas estão perigosas aqui, mais perto da fronteira.
– Tem problemas em Selezenevo? – O jogador riu. – O quê? Alguém roubo uma vaca?
– De política, . – A mãe o repreendeu e rolou os olhos pela ducentésima vez na noite. – Seu tio está preocupado com a situação, por causa do seu avô.
– E ele tem motivos? Isso é assim desde que a gente era criança, não muda. – respondeu, interrompendo seu trabalho com os doces. – É sempre o mesmo presidente, os mesmos problemas, o mesmo clima ruim. Do tempo e do resto.
– Mas agora tem toda essa coisa política que eu não entendo. – Ema tornou a falar. – Tem muita gente nervosa, sussurrando pelos cantos das ruas e mercados. Falando coisas que não deixam os outros ouvirem.
– É, isso é Rússia. – ergueu os ombros. – Mãe, não precisa se preocupar com isso.
– Que bom que é cidadão finlandês, e que ruim que é. – A mexicana sacudiu a cabeça. – Já pensou se isso piora e não pode cruzar a fronteira?
– Então vocês vêm para a Lahti. – Ele solucionou.
– E se nem nós pudermos? – Ema ergueu o olhar para o filho, alarmada. – E se os estrangeiros tiverem que ir embora? Todos eles?
– Mamãe, isso tudo é boato. – falou mais sério, porque o devaneio ansioso da mãe o afetou ao pensar em . – Há quanto tempo você escuta isso?
– Mas não é contra o Estados Unidos, é aqui. – Ela justificou. – Diferente dessa vez, bem no nosso quintal.
– O que estão fazendo? – O pai surgiu perto deles, acenando para algumas pessoas que passavam.
– Separando doces e a mamãe está surtando com a ansiedade dela de novo. – respondeu impaciente e viu o pai e a mãe trocarem um olhar cúmplice, depois o pai desviar o olhar, sério. – O que? Não está achando a mesma coisa, não é? Não está acreditando mesmo nessa coisa de conflito. Qual é, papa? Você nem parece que é russo.
– Eu sou. – Brian respondeu.
– Então. – O jogador levantou os ombros. – Desde sempre é assim, ameaças, mísseis e tudo fica bem, sempre fica.
– Tenho um conhecido por dentro das coisas. No Grupo Wagner. Ele disse que as coisas estão quentes com a Ucrânia, mas que pode ser que melhore. – O pai fez uma pausa dramática, tinha as mãos nos bolsos e aquele olhar preso a um horizonte inexistente. – Ou piore.
– Eu não moro na Ucrânia. – respondeu rápido.
– É, mas a Ucrânia junto a Finlândia e a Suécia querem fazer parte da OTAN. – O pai continuou.
– Papa, isso é alarme de gente que não tem ocupação. É sério. Logo teremos os jogos de inverno, as finais da Liiga. Isso aí não vai rolar. – os lembrou. – E nem é assunto de uma festa de aniversário.
– É assunto na Rússia, filho. – O pai levantou uma sobrancelha.
– Que tal o assunto na Rússia, só essa noite, não ser um alarme de uma guerra falsa e sim o aniversário da caçula da família? – O jogador propôs aos pais. – Vamos fazer a tentativa.
– Atte, vi suas roupas em uma loja no centro hoje.
tentou quebrar o gelo, puxando assunto com o goleiro. Inessa havia se levantado da mesa e Atte estava sozinho depois de uma pequena e quase sutil discussão, deixando apenas a inglesa e o goleiro na mesa.
– É sério?
– Sim! – assentiu animada, inclinando-se sobre a mesa para conseguir ser melhor ouvida. – me contou que é em parceria com seus irmãos. Achei bem legal. Era uma loja legal e ele me contou sobre a história, sobre como são roupas boas para o frio.
– Pois é, valeu. – Atte sorriu e assentiu, mas não pareceu empolgado. – Está meio parado agora. Não deu pra manter o volume de vendas que tínhamos no início e minha irmã ficou ocupada com os filhos. Acho que todo mundo ficou meio ocupado...
– Use seu cunhado e sua namorada como propaganda, para dar um gás. – Sugeriu , mordendo a ponta da língua, Atte não respondeu. – Desenhe umas coisas para jogadores de basquete e futebol, sempre vendem bem.
– Mudaria um pouco a essência, eu acho. – Ele argumentou.
– Mas será que não aumentaria o volume de vendas? – apertou um dos olhos.
– Quer me dizer alguma coisa? – Atte estranhou.
– Desculpe, estou sendo indelicada. – apertou os lábios, sem jeito.
– Não, tudo bem. – Atte sacudiu a cabeça e se aproximou um pouco. – Acho mesmo que a gente precisa fazer algo diferente, dar uma alta nas coisas. Mas eu tô meio sem ideias, um irmão está ocupado demais com os jogos, o outro com projetos pessoais, minha irmã com os filhos e eu... – Ele suspirou. – Eu acho que tô desanimado.
– Às vezes é muita coisa para alguém lidar. – assentiu. – Ser jogador, empresário...
– Não, não é desculpa. – Atte a interrompeu. – Só estou mais preguiçoso. – Atte cruzou os braços sobre a mesa. – E você? Já sabe para onde vai, agora que saiu do Pelicans?
– Sinceramente, não. – inclinou o rosto e sorriu fechado. – Mas meu colega de quarto é legal, acho que ele segura as pontas por enquanto.
Atte sorriu e se recostou a cadeira.
– Sabe, , eu te admiro. – Ele declarou. – Você me surpreendeu, na verdade. Eu confesso que no início não comprei muito a história de vocês e até me sinto culpado. Devia ter apoiado mais meu melhor amigo.
– Considerando o que ele fez com você e Inessa, eu não julgo. – riu pelo nariz e Atte concordou, rindo também.
– É, mas você... sabe, outras mulheres nem se dariam ao trabalho de procurar ou pensar em trabalho se estivessem namorando ele. – Atte comentou. – Teriam se aproveitado da situação.
– Eu não estou com seu melhor amigo por causa da grana dele. – Ela respondeu enquanto desenhava círculos na mesa com a ponta dos dedos. – Mas eu agradeço pelo que disse. – sorriu.
– Mas, e então? Já tem alguma ideia? – Ele insistiu.
– Eu estou meio perdida. – levantou e baixou os ombros em um suspiro. – Tem o abrigo, posso pensar em outras coisas também, mas... não faz uma semana desde que saí de vez do time.
– Parece que já faz décadas. – Atte sorriu e assentiu com a cabeça.
– Me conte, aliás. – se inclinou mais sobre a mesa. – Por falar em time, me conte mais sobre o que aconteceu no último jogo. Antes dele.
Atte relaxou as costas na cadeira outra vez.
– Sobre a briga? – Perguntou e assentiu com a cabeça, com os olhos cintilando de expectativa. – Foi estranho. Uma hora o estava rindo e brincando com a gente, depois foi para o chuveiro e de repente começaram com uma falação alta. A maioria fingiu não ouvir e aí, do nada, estavam partindo pra cima um do outro.
– As pessoas entenderam o motivo?
– Não, na verdade ninguém comentou muito comigo. – Atte deu de ombros. – Eu sou o melhor amigo, sabe? – sorriu e assentiu. – Mas teve um clima estranho, pesado, todos sem jeito, desconfortáveis. Mais separado ainda.
– não falou muito sobre isso comigo. – comentou pensativa. – Não sobre o que ele tem pensado de verdade.
– Como assim? Tem diferença?
– Ele falou sobre a briga, sobre a ligação disso com a gente. – contou. – Achou que eu fosse ficar brava e estranhou quando não fiquei. Mas não falou muito do que estava sentindo de verdade. E eu sei como essas coisas tiram ele do eixo. se cobra demais, principalmente sobre ser capitão.
– Ele acha que só é capitão, porque seria um escândalo tirarem ele do posto. – Atte contou a inglesa, falando mais baixo. – Que seria um empurrão para ele sair do time, e não querem isso.
– Você acha isso também?
– Não sei, . – Atte sacudiu a cabeça. – Se fosse qualquer outro, eu sei que seria diferente. As brigas, o comportamento nos últimos tempos.
– Desde que ele me conheceu. – levantou as sobrancelhas e inclinou a cabeça.
– Sei lá, é com ele também. – Atte balançou a cabeça. – Ele fez as escolhas dele.
Fez-se um silêncio desconfortável.
– Pode ser que seja hora do sair fora também. – Atte segredou. – Já tirou muito leite de pedra no Pelicans. Se ele quer não ter benefícios, se quer ser só mais um cara, devia pensar em se mudar.
– Ele sempre diz que você tem essas ideias. – sorriu, atenta ao goleiro.
– aqui é como colocar um diamante em um anel que quando você molha, fica verde. – Exemplificou o goleiro. – Eu tento fazer ele entender isso há anos, mas não deu certo ainda.
– Ele tem os motivos dele, foram muitas coisas... são gatilhos. – começou a justificar.
– Ele não é criança, tem que enfrentar. – Atte não a deu espaço. – Eu entendo que você pense assim, mas as coisas... a vida não é desse jeito. Ele perdeu tempo, anos da vida dele se escondendo aqui nas montanhas, preso a família dele, achando que isso ia proteger ele do mundo. – Atte respirou fundo antes de continuar. – Você está chegando agora, mas eu conheço essa gente. – O goleiro bateu com o dedo indicador na mesa. – Percebeu que ninguém da família veio puxar papo com a gente? A única do nosso lado foi a Inessa, nem os pais deles vieram.
Uma pequena explosão aconteceu no cérebro da terapeuta, se dando conta e unindo os fatos como um quebra-cabeça, mas sem comprar realmente o discurso do goleiro.
– A família deles é fechada, tipo uma seita. – Atte voltou a falar. – Ninguém frequenta festas de natal, férias em família. E todas as férias são justamente em família, sem agregados. só sai de férias com os pais e irmãs. Antes, se os pais dissessem que ele pularia do telhado, ele perguntaria de qual ponto. Depois dos pais, é o , na vida das meninas também. E isso não é diferente para ele.
– Não parece o que eu conheço. – A inglesa discordou, estranhando. – Ele não é isso. A família também não me parece tão fechada assim.
– Depois que vocês começaram a sair, ele mudou. – Atte explicou. – Mas antes era assim. Fim de semana e folga, sempre em Viipuri, férias em Viipuri. Não havia espaço para mais nada na vida dele. Era tipo uma defesa, eu acho. Mas aí prendeu ele aqui, porque a mãe dele concordava que era melhor tê-lo por perto, que ele seria mais feliz perto da família. sentia que eles precisavam dele e que ele precisava da família. Com aquele lance das fotos, da mídia, isso só piorou.
– Eu não sei, Atte. – sacudiu a cabeça.
– Ele precisa crescer, enfrentar as situações. – O goleiro continuou. – Ele está perdendo tempo, ficando velho e quando perceber que desperdiçou o talento e a vida jogando no número dois da Finlândia... – Atte suspirou. – Enfim, eu só acho que ele precisa crescer e enfrentar as piadas, ele não é mais o da escola, que se escondia no rinque para não enfrentar os valentões, as piadas e os problemas.
ouviu e guardou, meditando em silêncio sobre as palavras do amigo goleiro.
49 – Do you think I'm being foolish if I don't rush in?
I wanna take it slow but it's so hard
I love to see her face in daylight
It's more than just our bodies at night
But she's really tempting me, ooh
Do you think I'm being foolish if I don't rush in?
I'm scared to death that she might be it
That the love is real, that the shoe might fit
She might just be my everything and beyond (beyond)
Space and time in the afterlife
Will she have my kids? Will she be my wife?
She might just be my everything and beyond
(Leon Bridges – Beyond)
Sábado, 05 de fevereiro de 2022
Viipuri – Oblast de Leningrado/Rússia
Depois de falar mais um pouco com Atte sobre a família de , criando teorias sobre estarem supostamente sendo deixados de lado, fora arrastada para a pista de dança outra vez, por Inessa. Estava se divertindo com a mais velha, mesmo sabendo que estava sendo usada para que Inessa não precisasse encarar o namorado. Depois de dançarem de forma desengonçada e um tanto vergonhosa – o que considerando se tratar de uma família meio latina, até justificaria que eles não quisessem se associar a inglesa –, pensou em se sentar um pouco outra vez. Queria comer e beber mais água, sentia a boca seca e os olhos começavam a coçar e pesar.
Os primeiros tons de Mastermind começaram a ecoar no ambiente e pensou que era a deixa perfeita, até sentir o perfume e os braços quentes e tão conhecidos a envolverem por trás. sorriu e deixou a cabeça tombar, pousando no ombro de quem a abraçava.
– Você se derrete assim sem nem olhar quem é? – riu contra o cabelo da namorada, causando arrepios em sua pele.
– Obviamente, eu sabia que era você. – Ela declarou, girando o corpo para o abraçar. – Conheço seu cheiro, seu calor e suas mãos. Eu reconheceria você sem olhar, em qualquer lugar.
– Talvez essa tenha sido a coisa mais romântica que você já me disse. – Ele brincou, riu e a fez rir, mas levou um suave tapa no braço, depois foi abraçado e ganhou um beijo na bochecha.
Os dois se balançavam ao ritmo da música, admirando o rosto um do outro em silêncio, aproveitando o momento juntos. Era bom ter aquela liberdade ali, dançando sem qualquer pretensão, aproveitando a companhia um do outro. Principalmente depois de passarem tempo com outras pessoas, mesmo que algumas horas em uma festa.
– Once upon a time, the planets and the fates and all the stars aligned. – começou a cantar, olhando nos olhos de , que riu porque entendeu, ela conhecia a música. – You and I ended up in the same room, at the same time. What if I told you none of it was accidental? And the first night that you saw me, nothing was gonna stop me? I laid the groundwork and then, just like clockwork. The dominoes cascaded in a line.
– What if I told you I'm a mastermind? – e cantaram juntos, os dois ao mesmo tempo apontaram para e riram.
– And now you're mine. It was all by design, 'cause I'm a mastermind. – O jogador continuou cantando, até ser interrompido com um beijo rápido da namorada.
– Taylor Swift conheceu nossa história. – Ela brincou, o fazendo sorrir. – Tem aquela do arqueiro, agora essa.
– Me diga que foi criado com irmãs, sem dizer que foi criado com irmãs. – Ele sorriu e gargalhou, ainda nos braços do jogador.
– É um traço que eu gosto. – sussurrou, tocando devagar o rosto de .
– E que outro traço você gosta? – Ele indagou com voz rouca e viu a namorada sorrir e morder o lábio inferior, prendendo-o entre os dentes.
– A gente não vai poder falar disso aqui. – Assumiu . – Estou te achando muito gostoso essa noite. De terno e cantando Taylor para mim. – Fora a vez de gargalhar.
– Se eu soubesse que era tão simples. – Ele falou e os dois riram. – Não conte para o Merelä ou .
– Eles não são você.
A inglesa sorriu e beijou o namorado, segurando o rosto dele com as duas mãos.
– Estou feliz que o homem mais lindo da festa é meu. – Ela declarou de novo.
– Você bebeu? Está estranha. – O jogador franziu o cenho.
– Só valorizando você. – respondeu. – Talvez eu faça pouco isso.
A música acabou e lentamente começou a puxar o namorado para fora da pista de dança.
– Alguém te falou alguma coisa? – perguntou desconfiado.
– Não, amor. – sorriu. – Só sou eu, pensando.
– Você me valoriza. – Ele deu de ombros. – Não reclamo não.
– É, mas... talvez eu não valorize suficiente o tanto que mudou, que amadureceu e cresceu. – parou de andar e se colocou na frente do jogador.
– Você está estranha, Rakkaani. – riu torto e afagou a bochecha da namorada, que expirou um riso fraco.
– Deve ser esse clima, aniversários em família. – Ela voltou a andar. – Pode ser isso.
– Te fez sentir saudades de casa?
– Talvez. – Ela respondeu de cabeça baixa.
– Sobre isso. – mudou de assunto. – Quando é mesmo o casamento da sua irmã?
– Na primavera. – respondeu sem muito ânimo. – Por que?
– Nada, só estou ansioso para conhecer sua família também. – sorriu com inocência, beijando o lado da cabeça de e a inglesa assentiu.
Evitava pensar sobre a situação, era sua principal técnica de controle de estresse. Imaginar , seu pai, seus irmãos e mãe no mesmo espaço, era gatilho de ansiedade. Mas agora tinha mais o que pensar e refletir sobre a situação, considerando o que Atte dissera sobre e sua família. Talvez tivessem mais semelhanças do que ela gostava de imaginar.
sacudiu a cabeça, não era hora de mergulhar na espiral de seus pensamentos e se entregar a eles.
– Amor, me diz, por que quem não está roubando doces ou dançando, parece estar confabulando nas mesas? – tentou puxar outro assunto, abraçando o braço do namorado. – Nunca fui em uma festa russa. É sempre assim?
– Não, é só meu pai e meus tios. – rolou os olhos, há algum tempo já tinha parado de contabilizar por quantas vezes tinha feito aquele movimento. – Todo mundo vira expert em política internacional depois de duas doses de vodca.
– Deve ser coisa de pai. – Ela riu e balançou os ombros, sentando-se enfim com ele na mesa.
– Pode ser. – projetou o lábio inferior. – Eles aqui têm essa coisa, porque são obrigados a passarem pelo exército, todo mundo. – Contou o jogador. – Ficam todos com essa mentalidade de que tudo pode ser fagulha para uma nova guerra. Acho que no fundo eles queriam ter lutado as anteriores. Tem esse saudosismo idiota, como se morrer ou matar pessoas fosse legal ou honrado. – Ele parecia irritado com o assunto.
– Eu li uma vez que o Pelicans teve sua origem assim, não é?
– Mais ou menos isso, a divisa entre a Finlândia e a Rússia sempre foi uma área de conflito. – O jogador apoiou os cotovelos na mesa e contava olhando a namorada nos olhos. – A Rússia sempre foi gananciosa com território, principalmente se ele tem acesso a portos, ou minério, petróleo ou qualquer outra coisa que traga dinheiro. É igual os Estados Unidos, só que desse lado do mar.
– Você não se liga em política? – perguntou, percebendo como ele parecia rechaçar o assunto.
– Eu só sei que tem muita gente que te olha torto, só por falar que é russo. – repuxou o canto do lábio, desgostoso. – Eu me tornei cidadão finlandês para disputar os jogos e foi a melhor coisa que fiz. Não me sinto exatamente um russo, patriota, daqueles dos filmes. – Ele balançou os ombros. – Mas só pra constar, nada dos filmes é verdade.
– Quer dizer que não são todos brutos, alto nível de suporte a dor, dentes de ouro, sotaque quebrado, que bebem muito e fazem parte de uma máfia? – brincou, curiosa com mais aquela face do namorado.
– Olhe para mim e diga o que acha? – Ele convidou em tom ácido.
– Você é parte mexicana. – Ela brincou, esticando-se para acariciar a nuca do namorado.
– Não tem nada a ver. – resmungou.
– Não tem nada a ver o que? – Atte também voltou para a mesa, sentando-se ao lado deles.
– A ideia russa dos filmes americanos. – respondeu o goleiro.
– Para os americanos todo mundo dessa parte é, se for homem, de máfia, pobre e mal-educado, se for mulher, loira, bonita e que ama dinheiro. – falou também.
– O ruim é que a visão deles move o mundo. – Atte deu sua contribuição para o assunto.
– Por isso eu não me mudo para lá. – esticou uma das pernas, concentrando seu olhar no colo.
– Ah, é por isso, é? – riu, beijando rápido a bochecha do jogador.
– Também. – riu também. – Eu não quero morar em um lugar onde toda hora recebo olhares tortos por ser russo.
– Você é finlandês – e Atte responderam juntos.
– É, mas vocês entenderam. – deu de ombros.
– Por que estão falando disso? – Atte quis saber. – As fake news dos seus tios chegaram aqui?
– Minha mãe está ansiosa, pensando em como vamos nos ver se a fronteira for fechada. – contou aos dois.
– Tipo, se houver uma guerra, tipo assim? – Atte quis entender melhor.
– É. – Assentiu o capitão.
– Mas isso tem chance de acontecer? – olhou para o namorado com sobrancelhas juntas.
– Claro que não. – sacudiu a cabeça.
– Provavelmente é exagero. – Atte confirmou o pensamento do amigo. – Isso aqui sempre foi assim, cheio de conflitos, o presidente mandando caçar e envenenar os rivais, não tem nada de novo.
– Por que sua mãe está tão agitada com isso, então? – Ava perguntou, ainda afagava a nuca do namorado. – Acesso à internet. – respondeu depois de bufar. – Só pode ser.
Atte não disse nada, torceu os lábios e inspirou.
– Não sabia que tinha essa relação com sua parte russa. – Ela comentou mais baixo, para que só o namorado a ouvisse. – Pensei que gostasse.
– Sei lá, não é que eu deteste. – respondeu, falando perto da orelha da inglesa. – Mas não é legal quando você é um atleta. Desde dois mil e dezoito, quem vai para Jogos Olímpicos, por exemplo, não defende a bandeira por causa daquela coisa do doping. A gente escuta piadas o tempo todo. Não aqui, na Finlândia, mas fora.
– Eu não sabia que era difícil assim. – respondeu, compadecida.
– E eu não gosto muito de política, acho o Putin um idiota. – Ele continuou. – Mas nem posso dizer isso muito alto aqui ou na rua, posso ser literalmente preso.
– Você fica mesmo melhor com as cores da Finlândia. – garantiu, beijando o namorado outra vez.
O casal interrompeu o beijo e ficou em silêncio, observando o ambiente outra vez, aproveitando que alguns garçons haviam deixado comida e bebida na mesa. Uma música mais agitada tocava e a pista estava cheia, , mesmo sentada, mexia a cabeça e o tronco no ritmo da música. De soslaio via a tela do celular do namorado, que pulava stories do Instagram, sem dar muita atenção a nada. Inessa estava de volta, sentada em silêncio ao lado do namorado. pensou que queria um tempo a sós para fazer uma fofoca produtiva com o namorado. Ela se distraiu com isso por um tempo.
– Não acredito. – riu alto e ficou de pé, atraindo a atenção da namorada, da irmã e do melhor amigo para alguém que se aproximava.
A figura que havia visto ao chegar na festa, a loira de vestido verde. Como se em câmera lenta, a inglesa viu o namorado ficar de pé, sorridente e animado e abraçar forte e demoradamente a mulher, também sorridente e animada. Ela fechou os olhos ao abraçá-lo. Quando se soltaram, uma das mãos da loira de verde, com unhas longas e vermelhas, ficou pousada no ombro e depois escorreu pelo braço de , como se fossem íntimos, enquanto eles sorriam um para o outro e diziam sobre como era bom terem se encontrado ali. voltou a si, se dando conta do olhar pouco amigável que devia sustentar e do lábio superior repuxado e tentou se recompor.
– Você está ótimo. – A mulher elogiou . – Adorei como está vestido.
– Tentei não ficar ótimo, mas é impossível. – Ele sorriu vaidoso, tinha o peito aberto e parecia relaxado. – Você não está nada mal também.
– Achei que não fosse conseguir um minuto para cumprimentar a estrela da noite. – Ela falou de novo depois de rir do elogio dele. – Está mais disputado que a aniversariante. Para alguém que não suporta estar no centro das atenções, você até que está bem. – Ela tocou o braço de outra vez.
– Com o caos da minha família eu estou acostumado, você sabe. – respondeu. – É por isso que não gosto de fazer festas de aniversário.
– Eu me lembro de como preferia se esconder no quarto e só descer no jantar, comer um pedaço de bolo de sobremesa e fingir que não queria ser mimado até o dia acabar. – Ela disse e sentiu uma ponta afiada de ciúme a atingir na barriga.
– Eu gosto de atenção, só não gosto da atenção de gente estranha. – O jogador se justificou e pelo tom de voz, percebeu que ele sorria.
– Você é estranho, Krasivyy.
Ela respondeu como se aquela fosse uma piada interna, um código entre os dois, uma frase, dita várias e várias vezes, carregada de significado, mas apenas para os dois. Por algum tempo, os dois ficaram em silêncio, se encarando com sorrisos no rosto, como se contemplasse um passado ou uma visão de presente que os fizesse recordar algo especial. não reconheceu aquela palavra e buscou o olhar de Inessa e Atte, que também assistiam a cena, mas pareciam menos incomodados.
– O que significa isso que ela disse? – Indagou em um sussurro e viu Atte e Inessa trocarem um olhar sem jeito, temeroso de certo modo, como se até se compadecessem com por alguma coisa.
– Não é nada demais. – Inessa sorriu amarelo e sacudiu a cabeça, como se realmente não significasse nada o namorado de estar ali, tão à vontade com aquela mulher que, pelo que sabia, era quase o exato tipo dele.
– É uma palavra para bonito, lindo. – Atte respondeu depois, mas recebeu um olhar repreensivo dela ao qual ele respondeu com o levantar de ombros.
engoliu seus pensamentos e reações, mas sentia um amargor maior crescer em seu peito, um frio na barriga estranho e muito desconfortável. Voltou a encarar a cena, que continuou a mesma, até que parecesse se recordar de onde estavam e que ainda estava por perto, por perto dele.
– Ah. – Ele se deu conta e buscou a namorada com o olhar, girando o tronco para encontrá-la. – Quero te apresentar alguém. Essa é .
Ele deu algum espaço e se levantou, mesmo que não soubesse exatamente porque ficava de pé. Não se esforçou em ser simpática, sorriu sem mostrar os dentes. Queria que ele percebesse seu desconforto, queria que ele a apresentasse como namorada, como grande amor de sua vida. Queria que não tivesse que assistir ao encontro dos dois como uma mera expectadora em um cinema ruim, com um filme onde o casal principal não fica junto no final.
A mulher loira sorriu grande, simpática. Ela tinha uma coisa, um tipo de brilho diferente. Ao sorrir ela inclinava suavemente o rosto sobre o ombro em um ângulo perfeito. Isso dava a ela o ar de princesa, alguém bonita naturalmente, alguém de quem as pessoas gostam naturalmente e que querem estar por perto. E que era a sensação que a terapeuta inglesa teve quando a viu chegar na festa, confiante e indo ao encontro de todos, que aguardavam com ansiedade. Como ela podia ser simpática e bonita? Como conseguia ser tão confiante e engraçada? Porque não parava de rir ao lado dela e ela não parecia estar sem jeito, insegura ou sem saber o que dizer na presença de alguém como ele. sentiu os lábios repuxarem mais por causa da invídia.
– Essa é a Leena. – apresentou ainda com um sorriso. – Uma velha amiga.
desviou os olhos para ele, esperando que a apresentasse como mais que um nome. Levou alguns instantes para ler o olhar da namorada.
– é a minha namorada. – Ele mostrou e a mulher loira, Leena, assentiu.
– Você não é russa, é? – Leena talvez tenha tentado puxar assunto ou ser simpática, mas só pensou sobre como queria ela longe.
– Sou da Inglaterra. – respondeu com mais orgulho do que costumava ao se referir a sua origem.
– Ela está comigo em Lahti. – completou, simpático e sorridente, pousando uma mão na lombar da terapeuta e agora Leena havia perdido seu alcance e não podia tocar mais o braço dele.
– Você foi longe dessa vez. – Ela sorriu olhando para . – Que promessa furada fez a ela para a convencer de namorar você?
– Há, muito engraçado. – O jogador respondeu sem rolar os olhos – Eu não contaria agora, não na frente dela. – Ele brincou sorrindo e Leena gargalhou.
Incomodada e insegura seriam ótimas palavras para descrever o estado de espírito de naquele momento. A inglesa cruzou os braços sobre o peito e se esforçou para deixar claro seu descontentamento através de sua expressão facial, mas não pareceu o bastante.
– Estou cansada, quero me sentar. – Anunciou ela em tom azedo, porque se sentia de lado ali, ignorada e mal suportava aquela conversa amolecida e cheia de risinhos. Queria que a acompanhasse e também se afastasse da loira, ou que percebesse em seu tom de voz, o quanto estava detestando a situação.
– Certo, amor. Tudo bem.
Mas ele concordou distraído, como quem diz a uma criança para ir brincar, porque os adultos estão conversando. ergueu as sobrancelhas, de alguma forma surpresa, vendo que os dois seguiam conversando e rindo de alguma piada idiota, como se ela quase fosse invisível ou já nem estivesse mais ali. A inglesa decepcionada e surpresa, recolheu sua insignificância e voltou para a mesa, sentando-se ao lado de Inessa e Atte, sem tentar disfarçar a expressão emburrada.
– Acho que alguém está com ciúmes aqui. – Atte implicou, rindo e dirigiu a ele um olhar de poucos ou nenhum amigo.
– Se quiser sair dessa festa com todos os dentes, é melhor calar a boca. – Ameaçou a inglesa em tom sombrio.
– , é só a Leena, não precisa ter ciúmes. – Inessa tentou explicar, mas o olhar duro que recebeu fora quase pior que o dado a Atte.
– Quem é Leena, em primeiro lugar? – Indagou , sem paciência.
– É uma antiga namorada. – Inessa contou um pouco sem jeito. – Namoraram na época da escola.
ajeitou a postura, pasma e encarou os dois amigos, depois o namorado outra vez. Sentiu o estômago despencar.
– Essa é a primeira namorada? A que ele realmente gostou? O primeiro amor e tal? – Indagou de modo ansioso, sem pausa.
– Se foi o primeiro amor, eu não sei. – A russa ergueu os ombros. – Mas eles namoraram por alguns anos.
– Ele já me falou dela. – uniu as peças em sua cabeça, encarando os dois conversando. – Sei o que ela representa. – Completou de modo amargo, sentindo um gosto estranho de ferrugem na boca.
Sabia que tinha algo errado, incômodo na figura daquela mulher desde que a viu pela primeira vez, chegando naquela festa. Como se inconscientemente soubesse que ela tinha muito poder nas mãos sobre a coisa que mais amava no mundo. O sexto sentido feminino não enganava, não falhava, era o que era. Soube no momento que a viu que, de algum modo, aquela loira de vestido verde e sorriso irritantemente simpático era alguém.
Depois de algum tempo mais de conversa, e Leena se abraçaram outra vez e o jogador enfim voltou para a mesa. não disfarçou o semblante, Atte e Inessa arranjaram rápido um jeito de escapulirem da cena, inventando uma desculpa qualquer sobre banheiro ou bebidas.
– Matou a saudade?
Depois de algum silêncio, perguntou sem o olhar, mantinha os olhos presos no fundo de uma taça que não era dela, girando no fundo do recipiente de vidro o resto de vinho branco e gelo derretido.
– Uhum. – Ele sorriu, sem perceber o tom da namorada. – Acho que nem me lembrava a última vez que tinha visto a Leena. Uns dois anos atrás, eu acho.
respondeu com um breve levantar de queixo e um murmuro, ainda presa ao resto de vinho branco. não pareceu perceber e tentou puxar a namorada para beijar sua cabeça, não facilitou e evitou o contato, mas novamente, ele não pareceu perceber. Em seguida, voltou a rolar a tela de alguma rede social, como se não visse a grande guerra se montando atrás dos olhos de .
– Para onde mesmo o Atte e a Ness foram? – O jogador quis saber depois de um tempo em silêncio, bloqueando a tela do celular e deixando-o sobre a mesa.
– Não sei. – respondeu sem qualquer simpatia, cruzou os braços sobre a mesa e olhava para o outro lado, quase dando as costas para .
– Está tudo bem? – Ele perguntou, virando-se na cadeira e colocando uma de suas mãos quentes na base do pescoço de .
– Sim.
– Não quer dançar? – Ele propôs inocente ou desligado, ou como quem não se importa.
– Não.
– Está brava? – Ele uniu as sobrancelhas quando percebeu o tom dela, a quantidade de palavras por frases, a falta de contato visual e sorriso. – Está parecendo brava. Alguém te incomodou?
– Não é nada. – Ela insistiu, mantendo o distanciamento. – Estou normal.
– Mas você não parece normal. – subiu um pouco a mão, coçando a cabeça da inglesa, perto da nuca. – Eu fiz alguma coisa que te chateou? Te deixei brava?
– Você acha que fez alguma coisa? Se acha que sim, pode ser que eu esteja, mas se não fez, então não estou. – Respondeu de modo quase infantil, mas não estava pensando ou racionalizando seus sentimentos, só reagindo ao seu incômodo. Não devia ter que dar uma aula para ele sobre como se sentia, ele devia ver com seus próprios olhos e perceber.
– Acho que não fiz. – Ele pensou um pouco e sacudiu a cabeça devagar, ergueu os ombros e franziu o cenho.
– Então, não estou. – Respondeu sem ânimo, nenhuma emoção boa ou ruim transparecendo em sua voz. – Vou ver a Inessa.
deixou a mesa, sendo acompanhada pelo olhar analítico de . Sua inglesa não costumava falar tão pouco, era justamente o oposto. Não era do tipo fria e emburrada, sempre estava disposta a conversar, sorrir e dançar. Mas, tinha dito que não havia nada e também não conseguia pensar em nada que tivesse acontecido durante a festa. Não se lembrava de ter errado ou a chateado. A briga no carro e em casa já era coisa superada, então não devia ser por isso. Talvez por a ter deixado sozinha, ocupado com a mãe e os desejos de sua família. Ou talvez fosse o cansaço da noite, já era madrugada e a festa não tinha qualquer sinal de estar chegando ao fim. era parecida com ele nesse sentido, pouca bateria social e tendências antissociais. De todo modo, fugiu da situação, não estava com muita disposição para descobrir o que se passava, nem ânimo para estresses e drama, então, mesmo que um pouco culpado, aceitou a resposta que tinha. Não devia ser nada.
– Brat. – Bogdan, um de seus amigos de infância, surgiu de repente pelas costas do jogador, sacudindo pelos ombros.
– Toda má fama da Rússia é por sua causa. – devolveu, recuperando-se do susto, mas sorriu porque Bogdan e Igor – outro amigo de infância – se sentaram ao lado dele na mesa vazia.
– Não, não, a coisa só melhorou depois que você saiu daqui. – Bogdan respondeu entrei meio um soluço bêbado e outro. – Não tinha espaço para você e esse seu papo furado.
– Está falando do papo porque tem medo de falar da outra coisa que é grande? – provocou erguendo uma sobrancelha em desafio.
– De coisas grandes o Bog entende. – Igor entrou na onda, apontando para o amigo com o dedo indicador da mão que segurava uma caneca de cerveja. – Olhe o tamanho da barriga dele.
– Isso é um homem bem alimentado e satisfeito. – Bogdan respondeu orgulhoso. – Em todos os sentidos, vocês não entenderiam.
Os três gargalharam juntos.
– A que saiu da mesa agora. – Igor atraiu a atenção do amigo jogador, cutucando seu braço. – Era a inglesa? Aquela inglesa que apresentou da última vez? – Ele perguntou com tom conspiratório e malicioso.
– A , minha namorada. Sim. – riu e balançou a cabeça. – Por que você parece surpreso?
– Achamos que ela não fosse te aturar por muito tempo. – Bog deu de ombros. – Ela é inglesa e parece inteligente, tem opções melhores.
rolou os olhos.
– Melhor que eu? – Questionou apontando para o próprio peito.
– Quer por ordem alfabética, patrimônio, ou atributos físicos? – Igor implicou e depois riu quando fez careta e o empurrou pelo ombro.
– Quando vai casar com ela? – Bogdan quis saber, tomando um pouco de cerveja e passando a língua nos lábios.
– A gente tá junto há pouco tempo. – Ele riu, escorrendo um pouco pela cadeira. – Mas não deve demorar, eu pelo menos não quero que demore. – O jogador riu como criança. – Antes eu ainda tinha um pouco de medo de ir rápido demais, mas agora não. Já me sinto casado.
– Nas partes boas e ruins? – Bogdan arqueou uma sobrancelha e dirigiu a ele um olhar sugestivo.
– Em todas. – riu alto, acompanhado dos amigos. – Ela é boa, a gente se dá bem. Não implica comigo, nem com quase nada. – O jogador respirou fundo e expirou pesadamente. – Vou até conhecer a família dela, na Inglaterra.
– Tome cuidado com sogros violentos. – Igor alertou. – Se bem que, o russo é você. Ingleses devem ser mais tranquilos.
– Ele deve pedir, por favor, o senhor poderia sair de cima do carpete para que ele não seja manchado de sangue? – Bogdan tentou imitar alguém polido.
– Por que teria sangue no tapete? – riu de estranhamento e Igor deu alguns tapinhas nas costas de Bogdan, depois beberam um pouco mais. – A família dela não me assusta, a minha sim.
– Russos são assim, mais fechados. – Igor deu de ombros. – Com o tempo eles se acostumam.
– É, tem isso. – Bogdan concordou. – Aqui todos são muito da tradição, gente antiga que ainda acredita que está na Guerra Fria. Ela é inglesa, devem estar analisando se não é uma espiã.
– Ridículo. – comentou, esticando os braços.
– Ninguém manda ser russo, com família mexicana. – Igor deu de ombros. – Já viu algum mexicano confiar fácil em alguém dessa parte do mundo? Te digo, não depois que eles se misturam com o , Brat.
– Que bom que Inessa ficou com ela. – comentou. – Minha mãe me usou de presença paga, me puxando de um lado para o outro, como um boneco.
– Você é rico e famoso, não reclama. – Bog empurrou pelo ombro com mais força do que era preciso, quase o derrubando da cadeira. – E o time? Vi naquele programa de esportes que você não quer assinar a renovação.
tencionou o queixo e lançou um olhar repreensivo e surpreso para os amigos.
– Sei lá. – negou com a cabeça, suspirou e apoiou os cotovelos na mesa. – Eu não sei. Acho que estou meio desanimado, desmotivado. Mas não disse que não quero assinar. Isso é mentira.
– Eles te chutaram lá? – Bogdan quis saber.
– Não, eles me querem, só não estão facilitando as coisas. – Contou o jogador. – É complicado. Agora tem uma executiva nova que não ajuda, as coisas ficaram estranhas depois que o gerente de antes saiu.
– Na TV disseram que você está rebelde no vestiário, que tinha se envolvido em confusão por não aceitar mudanças das escalações, ou esquemas táticos do treinador. – Igor contou ao amigo, que a cada palavra, unia mais suas sobrancelhas escuras e retas. – Estão chamando de novela . Que é porque você não quer assinar e já queria ter deixado o time. Eu te defendi no trabalho. – Garantiu.
– No programa de hoje, as pessoas votaram em uma enquete sobre se você jogaria os playoffs de forma séria, ou se faria corpo mole por querer sair do time.
riu incrédulo, chocado, com olhos arregalados, nervoso.
– Isso é uma puta besteira. – Ele respondeu, os amigos não riam. – Não tem nada a ver. Quanta idiotice. Eu não estou acreditando nisso.
– Se serve de consolo, a maioria votou que você jogaria sério. – Bogdan relatou.
– É por isso que não vejo TV, que não acompanho essas coisas. – passou as mãos pelos cabelos, nervoso. – Não tem nada a ver com isso. É óbvio que eu vou dar tudo de mim nos playoffs. Que coisa mais idiota. Merda.
– É, a gente sabe. – Igor balançou os ombros. – Relaxa, isso é coisa de mídia. Amanhã mudam de assunto.
– Eu sempre achei que estar no Pelicans ia me deixar mais longe desse tipo de coisa, mas as vezes esqueço que é só porque eu não ligo a TV. – Desabafou em um suspiro cansado.
– Você é um atleta profissional, faz parte. – Bog expirou e negou com a cabeça. – Trabalhe nas docas, lá ninguém vai falar mal de você.
– Mas você quer sair? Do Pelicans? – Igor sondou. – Tem alguma proposta?
– Sim, eu acho. – respondeu sem muito ânimo. – Sim sobre as propostas, quero dizer. Meu agente diz que sim, mas ainda não sei bem do que se trata. Só sei de uma provável de Tappara, mas não vou nem amarado.
– Você devia sair. – Bogdan sugeriu, projetando os lábios em um bico pensativo. – Vai fazer o que aqui? Ficar na Finlândia para sempre? Ou depois jogar em um time com rinque improvisado? Qual é? Não. – Ele sacudiu a cabeça.
– Você não vê o Tom Cruise fazendo propaganda da cerveja finlandesa. – Igor endossou. – Tem que ir. Eu iria se fosse você.
– Eu também. – Bog concordou com a cabeça.
– Mas é complicado. – sacudiu a cabeça negativamente. – Lá fora tem mais assédio, mais pressão de torcida e da mídia, mais cobrança. E também, não é tão fácil e simples ter uma proposta fora daqui também. E tem meus pais aqui na Rússia, tem meus amigos, família... – O jogador começou a listar.
– Pode ser, mas eu duvido que se souberem que você está no mercado, se vão esperar para te convidar. – Igor ergueu um dedo.
– Ei, vire homem, . – Bogdan falou de modo mais duro, como se repreendesse o amigo, mas sua voz era baixa. – Está com medo de quê? Você é um homem formado, grande. Não vai por causa dos seus pais? Suas irmãs vão se casar e tocar a vida. Seu pai vai se aposentar e viajar o México com sua mãe e você vai ficar aqui, com o saco encolhido do frio da Finlândia e sozinho.
– Ainda mais encolhido do que é. – Igor completou.
– Você está querendo se casar, mas não quer crescer. – Bogdan mirou e disparou um tiro certo sobre , que o atingiu bem no peito. Ele sentiu.
– Ei, não é assim. – resmungou, contrariado. – Não é simples assim. Já tentou lidar com tudo isso? Com essa merda toda? Mídia, gente falando mal de você o tempo todo, ser russo lá fora?
– Ah, cala a boca. – Bog rolou os olhos, irritado. – Acorde às quatro da manhã, de domingo a domingo, para ganhar um salário que o único luxo que te oferece é uma cerveja no fim de semana. Sustente sua esposinha inglesa e inteligente com um salário pequeno, numa casa pequena, vendo ela sonhar com viagens para Paris e roupas melhores. Tente dividir o pouco que ganha para ajudar seu pai com um vazamento novo em casa, com o aquecedor velho que quebrou no meio do inverno. As crianças ficam doentes e precisam de remédio. E aí, você fica doente e não pode trabalhar por uma semana. – Bogdan apontou para . – Isso é uma merda para lidar. Isso sim. Gente falando mal de você na TV, é só desligar a TV.
– Falou e disse. – Igor concordou com a cabeça.
– Não desperdiça sua chance, Brat. – Bogdan mudou o tom de voz de novo, apertou o ombro do amigo e o olhou nos olhos. – Você ficou grande, você não representa só você. Vá lá e faça por nós que não tivemos a mesma chance e o talento com que você foi abençoado. Você precisa fazer isso por todo mundo, mas por você também. – Depois de um olhar empático e profundo, bem nos olhos de , Bogdan o acertou com um tapa fraco no rosto, da mão que usava para apertar seu ombro. – Parece de reclamar que nem uma garotinha.
não se moveu, respirou, inclinou a cabeça e apertou os lábios em uma linha fina.
– Eu quero uma cerveja. – Bogdan anunciou, buscando com os olhos um garçom. – O que você está bebendo?
– Até agora, nada. – respondeu.
– Então vamos encher a cara de cerveja. – Igor propôs, enquanto Bogdan chamava um garçom. – Pelos velhos tempos.
– Pelos velhos tempos. – concordou sorrindo.
Uma música agitada e alegre tocava quando atravessou o mar de pessoas, desviando de uma e outra, se guiando por “me desculpe” e “com licença”. Erguia os dois copos com drinks, brigando contra a gravidade para não derramar o líquido. Um cheirava a álcool e podia deixar tonto pelo olfato alguém sem costume a bebidas daquele tipo, o outro tinha frutas e energético.
Custou um pouco, mas enfim alcançou , Inessa e Atte, que dançavam em uma parte um pouco mais vazia da pista. conversava algo com Inessa, parecia concentrada em argumentar e Inessa estava atenta. Atte parecia dançar sozinho, mas qualquer pessoa com o mínimo de bom senso e acesso à internet nos últimos anos daria risada de seus movimentos, imitando coreografias de redes sociais.
– Aqui. – ofereceu o drink de , aproximando-se dela.
– Não quero beber. – Ela desviou o rosto, ignorando a presença do namorado.
– Mas é sem álcool. – justificou, olhando do copo para a namorada. – Eu escolhi pra você.
não respondeu.
– Tome a droga do drink. – Inessa, sem paciência, pegou a bebida de e empurrou para .
rolou os olhos com alguma sutileza, desviando ainda mais os olhos do namorado, que recuperou sua desconfiança. Inessa se afastou alguns passos, dançando, dando alguma vantagem ao irmão.
– O que aconteceu? – tornou a perguntar.
– Já disse, nada. – não baixou a guarda. – Só estou dançando.
Ele tentou, com calma, explorar mais o terreno.
– Uns amigos vieram falar comigo. – começou a contar para , ignorando o fato de estarem no meio de uma pista de dança, com música eletrônica alta e fumaça, luzes e pessoas falando alto. – Sabia que estão falando na TV sobre mim?
– Não, eu não vejo TV.
– É, nem eu. – Ele concordou, tentando capturar a empatia e curiosidade dela. – Todo mundo já está falando da renovação, não sei como esse assunto já vazou. Eu não disse que não queria assinar. Estão falando isso, falando que eu estou fazendo corpo mole. Dá pra acreditar?
Quando não respondeu, ele insistiu.
– Não vai dizer nada?
– Não tenho nada pra falar sobre isso. – Ela respondeu e se assustou com o tom, se dando conta de que algo realmente não estava normal, confirmando suas teorias. – Vou ao banheiro. – Ela avisou, antes que o namorado dissesse qualquer coisa.
arrastou Inessa pelo braço sem muitas explicações, deixando plantado na pista de dança. Sozinho, ao lado de um Atte que parecia estar recebendo um choque elétrico.
– O que eu perdi? – O jogador cutucou o melhor amigo, que o olhou esperando que ele continuasse. – . O que aconteceu? Ela mal está olhando na minha cara.
– Talvez seja por todo o cenário. – Atte começou a falar, enérgico. – Já pensou como é ruim fazer parte da sua família? Ninguém falou com ela ou comigo. Nós somos excluídos aqui. Ninguém chamou a gente para nenhuma outra mesa. Ninguém me chamou para me apresentar ao vovô ou sei lá.
– Ou, cara, está exagerando. – o repreendeu, estranhando o falatório do amigo.
– Claro, vocês são o centro das atenções. – Atte continuou. – Todo mundo nessa festa, e a família de vocês tem essa coisa de seita que não aceita ninguém. Porque ninguém é bom o suficiente para os . Como sempre. Talvez ela tenha se dado conta do buraco que está se enfiando, namorando um teimoso, mimado e cheio de vontades, que não se importa com mais ninguém.
– Tá, já chega. – colocou uma mão espalmada no peito do amigo. – Já chega. Eu já levei muita bronca hoje, você também não. E isso nem é verdade. Qual é o seu problema, cara? – sacudiu a cabeça, perdido.
– Okay. – Atte expirou pesadamente, quase como se bufasse e ergueu as mãos em rendição. – Certo. Você tem razão. Que droga.
– O que tá rolando aqui? Todo mundo deu uma surtada? – O jogador moreno indagou outra vez. – Que água andaram bebendo? Todos vocês.
– Que droga, cara. – Atte sacudiu a cabeça e baixou o olhar. – Sua irmã tá me deixando maluco, isso que aconteceu. – Atte voltou a erguer o rosto, tinha semblante chateado, mas estava também impaciente, irritado. – Ela tem essa missão, me fazer enlouquecer para ter o que quer.
– Então, estão com problemas mesmo? – apertou os lábios, analisando o amigo.
– É, sei lá. – Atte deu de ombros. – Tanto faz.
– Tá, legal, mas o que isso tem a ver com a minha namorada? – perguntou de novo, voltando ao primeiro tópico daquela conversa.
– Ela também é excluída, ué.
– Não, isso mudou. – Ele balançou a cabeça. – Com a é diferente, agora é diferente. Minha mãe apresentou ela para a família toda. É porque você é estranho, mas a não. – Justificou o capitão, ignorando a cara feia de Atte. – E cada um está na sua na festa. Nada demais.
– Se você está dizendo... – Atte desviou o olhar e revirou os olhos.
– É por isso que a está estranha? – Indagou . – Falou essa besteira toda para ela?
– Falei mesmo. – Atte confirmou, ainda emburrado e viu no rosto do melhor amigo a expressão de quem está prestes a cometer um assassinato. – Mas não é por isso. É por causa de você e da Leena.
– O quê? – sacudiu a cabeça, confuso. – Mas como? Por que?
– Ela ficou com ciúmes quando viu vocês dois juntos. – Explicou o goleiro loiro. – A Ness tentou aliviar sua barra, mas ela disse alguma coisa sobre saber o que a Leena significava pra você. Deve ter sido alguma coisa que você falou com ela.
– Que droga. – expirou pesadamente e inclinou a cabeça. – O pior é que eu nem sei o que contei pra ela sobre a Leena.
– Não foi coisa boa, pelo jeito que ela ficou. – Atte maneou a cabeça. – Se eu fosse você, me preocuparia. Ela não parou de falar sobre isso com a Ness. Sua sorte é que vocês sempre salvam a pele um do outro.
– Dá pra parar de tentar ofender minha família? – o olhou torto. – Não esquece que só namora minha irmã porque eu liberei.
– Esse é sempre o problema com vocês, não é? – Atte respondeu com um riso irônico.
o ignorou, tentando se lembrar de que havia contado para sobre Leena, também sobre o que poderia ter feito durante a festa para a deixar com ciúmes. Não era comum que sentisse ciúmes, por isso era difícil prever como ela reagiria, o que a tinha incomodado, ou o que ele poderia fazer para se redimir.
– O que eu fiz? Fiz alguma coisa? – Perguntou a Atte, que ainda estava ao seu lado. – Com a Leena, lá.
– Além de ficarem rindo e de papinho? Não. – O goleiro negou com a cabeça. – Ela não te vê com nenhuma mulher, pode ser isso. Esqueceu que você tem um passado nebuloso.
– Cala a boca.
– Agora tudo faz sentido. Entendi porque eu estou um grande porre e tão insuportável com seu irmão. – sorriu ao abrir a porta do banheiro e buscar Inessa, perto dos lavatórios. – Eu fiquei...
A inglesa congelou ao ver a figura loira e de vestido verde parada ao lado de Inessa, a encarando.
– Menstruada.
– Que bom, porque eu já estava preocupada com o fato de você ser sempre essa chata. – Inessa brincou, cruzando os braços sobre o peito.
– Acontece com todas nós. – Leena também sorriu.
engoliu em seco e desviou o olhar, porque apesar de tudo, ainda se sentia ameaçada por aquela mulher, para além do desbalanço hormonal.
– Não conseguimos nos falar direito antes. – Leena tentou outra vez. – É , não é? – assentiu com a cabeça, erguendo o queixo e estreitando o olhar. – Ouvi falar de você. Ema não parava de te elogiar quando nos encontramos da última vez. – Ela contou e ficou ainda mais desconfiada.
– Falou?
– Sim. – Leena riu e apoiou os quadris a pia. – Eles são discretos e um pouco desconfiados, mas não dá para culpar. – Explicou com tom calmo e suave. – Mas ela gosta de você, todos eles gostam. – Ao dizer, ela apertou o ombro de Inessa, que a mostrou a língua e sorriu.
– Também gostam de você, me parece.
– É. – Leena balançou a cabeça positivamente. – Eu os conheço há muitos anos. De alguma forma, eu fiz e faço parte da vida deles. Vivo aqui na Rússia agora.
não respondeu, não conseguia entender o propósito daquela conversa, ou porque estava naquela pequena emboscada, naquele banheiro iluminado e com cheiro de flores.
– Ele está feliz, o . – Leena continuou, ignorando o silêncio da outra. – Falou de você também. Disse que tem o ajudado e eu fico muito feliz em saber disso.
– Por que estamos tendo essa conversa? – foi direta.
– ! – Inessa a repreendeu, mas a inglesa a ignorou.
– Não quero ser rude, mas, não entendo porque estou tendo uma conversa casual sobre a família do meu namorado, sobre o que meu namorado disse ou não, com uma antiga namorada.
– Você é mesmo bem direta e sincera. – Leena expirou um riso fraco. – Eu só... – Ela maneou a cabeça. – Gosto do , ele representa uma parte muito especial da minha vida. Aprendemos muita coisa juntos. – inspirou mais fundo, tentando conter o impulso de rir com sarcasmo. – Tenho grande carinho pela família dele e por ele. Só quis conhecer um pouco melhor a mulher de quem tanto ouvi falar. – Leena se aproximou mais dois passos. – Olha, ... sei que isso pode parecer estranho. Que posso soar como alguém que não superou o ex e que quer marcar território.
– Talvez você tenha lido meus pensamentos. – Respondeu a terapeuta.
– Mas não é sobre isso. – Leena sorriu fechado. – Éramos pessoas diferentes quando ficamos juntos, e eu. O tempo passou, eu me casei. – Ela ergueu a mão, mostrando a aliança grande e dourada que cintilou quando a luz a atingiu. – Mas eu o conhecia muito bem, sei como as coisas o afetavam e como ele não conseguia falar sobre isso. Ou deixar alguém entrar. Me preocupo com ele, sempre me preocupei. Como amiga.
Ela enfatizou e estreitou o olhar.
Ainda estava achando toda aquela situação esquisita.
– Eu fico feliz que ele tenha encontrado alguém assim, com quem consegue fazer todas essas coisas. – Leena não desistiu. – Ele merecia alguém bom, paciente, firme e que o amasse muito.
– Não precisa se preocupar mais com ele. – garantiu.
– Eu sei. – Leena sorriu. – E fico feliz em saber. Sinceramente.
– , não precisava de tudo isso. – Inessa a repreendeu outra vez.
– E o que você faria caso uma antiga namorada do Atte te abordasse no banheiro? – questionou, sem tirar os olhos de Leena.
– Teria dado um soco nela. – Respondeu a russa com naturalidade.
As três gargalharam, quebrando por um momento o clima tenso e desconfiado que se instaurava no banheiro.
– Não se preocupe comigo, . – Leena falou outra vez. – Não sou uma ameaça para você. E já sou comprometida.
– Você faz o tipo dele. – apontou, erguendo o queixo. – E ele ficou rindo como um bobo perto de você.
– Eu sou uma pessoa engraçada, isso é mérito todo meu. – Leena respondeu projetando os lábios e riu fraco. – Mas eu não faço o tipo dele.
– Claro que faz. – sacudiu a cabeça. – É loira e ele gosta de verde.
– Isso? – Leena encarou por sob suas sobrancelhas grossas e Inessa riu, desviando o rosto. – Ele gosta de loiras, é verdade. Mas ele gosta de mulheres e das difíceis, personalidade forte, das que se impõe, das inteligentes e das que ele não dobra com um sorrisinho cafajeste.
– E como você não faz o tipo dele? – arqueou uma sobrancelha. – Não precisa se depreciar para que eu me sinta melhor. Não é sobre isso.
– Bom, foi eu quem fez o pedido de casamento quando me casei. – Ela maneou a cabeça. – Geralmente não resisto a um sorriso bobo e... – Leena mordeu o lábio inferior e o prendeu entre os dentes. – E tem o fato de que, se eu não fosse casada, as chances de eu chamar você para um encontro seriam bem maiores do que de convidar o .
congelou, estática, com os lábios entreabertos, depois inclinou a cabeça e fechou os olhos, sentindo o rosto esquentar. Inessa gargalhou.
– Desculpe, eu não quis... – ergueu o rosto. – nunca me contou sobre isso. Só sobre como era especial para ele.
– Tudo bem, você não podia adivinhar. – Leena sorriu outra vez, mas agora podia ver algo bom, para além da competição infundada e do ciúme cego. – E ele está certo. Passamos por muitas coisas juntos e naqueles momentos, fomos muito importantes um para o outro. Mas eu não sou ou fui o grande amor da vida dele. Éramos adolescentes que não conseguiram lidar com a pressão de serem adultos. Não é fácil ser a garota do , apoiá-lo dentro e fora do gelo, lidar com todos aqueles fantasmas, os problemas... eu nunca soube fazer isso. Nem como namorada, nem como amiga. – Ela esticou uma das mãos e tocou o braço de . – Mas pelo que ele me disse, vocês se encaixam bem. Provavelmente tenham nascido para isso.
– Ele te disse isso? – quis saber, tentando disfarçar os saltos que seu coração dava a cada palavra de Leena.
– Ele disse que você entende ele como ninguém, que lê os pensamentos dele. – Ela maneou a cabeça e torceu os lábios. – Isso vindo de , é quase uma declaração reconhecida em cartório de que você é a alma gêmea dele.
As duas riram.
– Eu já sei disso. – confessou, sorrindo com os olhos. – Ele nunca perde oportunidade de dizer, demonstrar. É só uma pena que no meio desses momentos de oásis, o deserto de brigas e discussões sejam quase igualmente comuns. – suspirou chateada.
– Talvez essa seja a principal diferença entre o meu relacionamento com ele, décadas atrás, e o que vocês têm agora. – Leena apertou os lábios em um sorriso fechado. – Naquela época o evitava conflitos, não falávamos dos problemas. Quando algo acontecia, ele ficava distante e frio, ignorava tudo até sumir, ou até que o namoro acabou.
– É, eu conheci essa versão. – assentiu. – Frio, isolado. Tentando fugir dos próprios sentimentos e evitando encará-los, como se assim pudesse não ser afetado pelo que sentia. Teimoso, cabeça dura e rígido, excessivamente crítico. – riu e balançou a cabeça negativamente, lembrando-se do namorado. – Mas ele quis mudar. Eu quase o enlouqueci no início de tudo, fazendo perguntas, o dissecando com um sapinho em um laboratório.
– Só porque ele deixou. – Leena respondeu em tom sério. – Ele quis e permitiu. Você deve saber como ele é. Se o que eu conheço não quisesse, você não teria feito nem mesmo a primeira pergunta. – Disse ela e assentiu devagar, era mesmo verdade. – Sabe, ... talvez vocês terem brigas não seja assim tão ruim. Talvez isso seja justamente o que os mantém juntos. Quer dizer, ele é famoso, jovem, lindo e rico. Nem consigo imaginar a quantidade de desafios que devem ter enfrentado e que enfrentam todos os dias.
– Te asseguro que não são poucos. – respirou fundo. – De amigos apaixonados, chefes obcecados, camas que rangem e nossas próprias inseguranças. – A inglesa riu, Inessa e Leena também.
– Vocês estão construindo uma coisa nova. – Leena sorriu aberto. – Conversas difíceis é que tornam o relacionamento fácil. Se eu pudesse, apostaria que só estão juntos até hoje, apesar dos problemas, porque conversam e discutem. Vocês se fortalecem assim, enfrentam os próprios demônios, as inseguranças, as dificuldades, um pouco de cada vez. Em doses homeopáticas, se acostumando com os venenos da vida, para que, quando os vilões de verdade chegarem, vocês estejam prontos.
– Uau. – maneou a cabeça e sorriu, surpresa. – Isso foi... transformador.
– Eu tenho uma certa experiência com relacionamentos. – Leena piscou. – Além disso, brigas nunca são ruins se você pode ter sexo de reconciliação depois.
gargalhou, ignorando o ciúme que quis aparecer quando ela reconheceu a frase que o namorado tanto usava na boca de sua ex.
– , você está aí. – Ema entrou no banheiro de repente. – O que é isso? Um clube? – A mais velha colocou as mãos na cintura ao encontrar Inessa e Leena ali também.
– Acho que ainda não, mas poderia se tornar. – piscou para as duas mulheres, que sorriram.
– Vamos, estava te procurando. – Ema puxou Inessa e pelas mãos. – É a hora da foto de família. Francamente. – A mexicana sorriu para Leena, para no segundo seguinte fechar o semblante, puxando as duas outras para fora. – Francamente, na hora da foto de família vocês duas se escondem no banheiro. Sinceramente.
Já havia se passado algum tempo desde a última vez que havia visto , durante a foto de família. Não conversaram e sequer puderam ficar perto, porque era gente demais para encaixar em uma foto só. O jogador pensou que era boa ideia dar algum espaço para ela, além de ser muito cômodo, porque não sabia o que fazer ou falar. Era fora da zona de conforto das brigas, incomum.
Mas depois de ponderar sobre como agir, lembrar das piadas e cenas de ciúmes entre o pai e a mãe, se lembrar de como aquelas coisas costumavam acontecer com todos casais, ele teve uma ideia. Voltou ao bar, se armou com dois drinks, ambos com álcool, o mesmo drink que já tinha preparado para ela uma vez. Queria encontrar e explicar a situação, dizer que não havia nada com o que se preocupar, que Leena ou qualquer outra não seriam uma ameaça. Rir um pouco do ciúme dela e pedir mil desculpas, deixar que ela batesse nele, se fosse o caso, ou atirasse o líquido das taças em seu rosto. Seria até uma história engraçada para contar.
Depois de perambular um pouco em busca da namorada, a encontrou em uma espécie de varanda vazia e fechada, sozinha. estava de costas, mas ele reconheceria a silhueta daquela mulher até no escuro. Devagar ele se aproximou e com o barulho de seus passos a inglesa se virou, o encarando.
– . – o mirou com a boca entreaberta, mas não pareceu surpresa.
– Sou eu. – Ele respondeu, apertando os lábios em uma linha reta.
A inglesa tinha duas taças com o que parecia ser champanhe nas mãos, ela inclinou a cabeça, olhou para as taças e ergueu o rosto, maneou a cabeça e sorriu.
– Drink de reconciliação? – Ofereceu e gargalhou deixando a cabeça tombar para trás.
– O irônico disso é que eu tive a mesma ideia. – Ele deu alguns passos na direção de , erguendo um pouco as duas taças que tinha nas mãos, ela riu também, balando os ombros. – Eu fiquei pensando em tudo que podia acontecer, até que você fosse jogar a bebida toda em mim, mas isso... – Ele assoviou, como se para enfatizar o quão surpreso estava. – Você realmente me surpreendeu.
– A ideia de te dar um banho de champanhe me pareceu bem mais interessante agora que você disse. – se aproximou mais, terminando com a distância entre eles. – Me desculpe por hoje. Eu estou sendo terrivelmente péssima o dia todo. – Pediu com um riso envergonhado e triste, riu abafado, apoiou uma das taças na balaustrada e usou a mão livre para abraçar a cinturada da namorada. – Quero me redimir com você.
– Eu quero pedir desculpas também, por causa da... – Ele começou a dizer, mas o interrompeu com um beijo rápido, roubado.
– Por favor. – Ela o olhou com certa urgência. – Eu tive um encontro com ela no banheiro. – levantou as sobrancelhas. – Fui a de sempre. – A inglesa maneou a cabeça. – Mas ela me explicou tudo. Sobre vocês e sobre... bem, que você não faz muito o tipo dela no momento.
gargalhou outra vez.
– Achou mesmo que eu poderia me interessar por mais alguém nesse lugar? – Ele sussurrou a olhando nos olhos, estreitando o olhar ao fazer.
– Vocês estavam sorrindo, você ria das coisas que ela dizia. Ficou feliz quando ela apareceu e estavam usando aquelas palavras de russo que eu não entendo. Quase me ignorou completamente, eu fiquei invisível. – tentou explicar, achando graça de sua desgraça. – Você sempre falou dela com carinho. Eu sei que realmente a amou.
– Desculpe, não quis te ignorar. – Admitiu o jogador. – Não foi de propósito. – Ele sorriu. – Mas como pode achar isso? Nunca percebeu como eu fico perto de você? – achou graça.
– Sendo maltratado por mim. – confessou em tom dramático e riu alto, abraçando-a mais forte. A risada dele era capaz de transformar qualquer dia ruim em bom, ela pensou.
– Pare com isso. – Ele pediu, ainda rindo. – Você me disse uma vez que gosta dos que correm atrás, e o meu esporte favorito é correr atrás de você. – Ele declarou, olhando dos lábios para os olhos da inglesa. – Até gosto de te ver com ciúmes de mim.
– Eu fui estúpida. – o imitou, deixando as taças que tinha nas mãos na balaustrada. – Fui estúpida com você, te tratei com frieza, fui rude com você e com a Leena. – Ela se voltou para o namorado, o abraçando pelo pescoço. – Eu realmente sinto muito. – franziu o nariz. – Mas se serve de consolo, eu fugi de você a noite inteira porque não conseguia manter minha pose quando você me olhava. Me quebrei em mil pedaços quando neguei seu drink sem álcool, escolhido especialmente para mim.
– Sabe, isso serve sim de consolo. – sorriu e balançou a cabeça. – Rakkaani, você não tem com o que se preocupar. Eu sou obcecado por você. Até falei de você com a Leena.
– Ela me contou. – Admitiu ela, sorrindo e baixando a cabeça. – Ela falou de você para mim também.
– Tomara que coisas boas. – O jogador roubou um beijo rápido. – Eu amo você, menina. Não tem concorrência. É e sempre vai ser você.
– Eu preciso aprender a dizer eu te amo na sua língua. – riu contra os lábios dele, aproximando-se para outro beijo.
– Te ensino no quarto, hoje, mais tarde. – Prometeu o capitão. – E então, vamos beber ou não?
– Não é um drink de reconciliação se a gente não beber reconciliado. – piscou.
– Eu sinto que não deveria ter tomado os dois drinks. – ria enquanto se dirigiam para a pista. – Eu já sinto os efeitos dela no meu corpo.
– Eu cuido de você se ficar bêbada, de sono ou álcool. – Ele garantiu, também ria fácil, embriagado com o álcool ou outra coisa.
– Até que enfim vocês! – Inessa ergueu uma taça quando viu o casal chegar mais próximo. Estava de braços dados e riam como bobos. – A festa ainda não acabou.
– Que bom que não. – falou olhando para o namorado.
– A gente ainda nem começou a aproveitar. – a imitou.
– Quer dançar? – propôs, ficando na ponta dos pés para alcançar a orelha do namorado. – Eu amo dançar com você.
– Sorte a sua que o pior dançarino da noite é o Atte. – brincou, abraçando a cintura da inglesa.
– Eu tenho o melhor namorado, é fato. – Ela riu, o beijando e abraçando-o pelo pescoço, os dois se balançando ao ritmo da música agitada que tocava.
– Um dia você vai chamar de noivo, depois de esposo, marido. – maneou a cabeça. – Tanto faz.
o olhou do mesmo jeito que uma criança olha a outra quando tem alguma ideia torta, uma estripulia que não devia fazer.
– Por que está me olhando assim? – Ele expirou um riso abafado.
– A gente já falou disso várias vezes, não é? – Ela perguntou e o viu assentir. – Você falou, eu falei. Você propôs, eu propus. E a gente sempre leva na brincadeira.
– Minha namorada costuma ser contra. – brincou, tentando falar mais sério, perto do rosto de , enquanto dançava com ela nos braços. – Ela queria que eu conhecesse a família primeiro. Ela tem essa ideia torta de que eu posso desistir depois disso.
– Talvez você vá mesmo. – gargalhou e negou com a cabeça, sorrindo. – Tem uma música, acabo de me lembrar dela. A letra diz algo sobre... sobre ter medo, estar apavorado da outra pessoa realmente ser a pessoa, de ser o tudo e além. Tem uma pergunta nessa música, ela diz, que se considerando tudo que a pessoa tem representado, tudo que ela tem significado na vida dele. Ele pergunta se “você acha que eu estou sendo tolo se não me apressar?”. Algo assim. – Ela ergueu os ombros. – Eu não quero ser tola.
– Como assim? – apertou os olhos rapidamente, enfeitiçado e confuso ao mesmo tempo. Tinha um sorriso bobo nos lábios avermelhados.
– É cedo e precipitado, mas eu quero você. – sorriu, estava altiva e com olhar pouco agitado. – Eu quero me casar com você.
gargalhou outra vez.
– Não vale se estiver bêbada, Rakkaani. – Ele justificou sua risada. – Me fala isso no meio da tarde, em um dia de semana. Ou quando estiver querendo me matar, brava comigo.
– Não vai mudar. – Ela projetou os lábios. – Sabe porquê? – Ele levantou o queixo. – Porque vai ser você. Sempre vai.
– Sua família não vai te matar por ficar noiva de alguém que eles não conhecem ainda? – riu outra vez, fascinado, apaixonado.
– A minha não, a sua talvez. – Os dois riram juntos. – Mas não faz diferença. Se eu tiver você, o resto não importa. Mas a gente pode manter como um segredo nosso, se quiser.
– Então, você vai casar comigo? – O jogador se aproximou mais, unindo sua testa a da namorada. – Vai mesmo casar comigo?
– É o meu plano. – respondeu sorrindo. – Sim.
– Ao menos nós somos inconsequentes juntos. – riu, beijando rapidamente.
– Tudo em dupla é mais interessante. – concordou, beijou o jogador, mas interrompeu o beijo quando outra música começou. – Olhe, Taylor Swift outra vez.
– A gente vive em um eterno vídeo clipe dela. – riu, guiando a namorada no ritmo da música.
– Talvez ela seja a nossa trilha oficial. – brincou. – Sabe, como nos filmes, que um casal tem uma trilha sonora ou uma música.
– Podia ser pior. – deu de ombros, sorrindo.
Os dois seguiram abraçados dançando ao ritmo da música, consumindo cada palavra da canção, como se estivessem a sós naquele lugar tão abarrotado de gente.
– Is the end of all the endings? My broken bones are mending with all these nights we're spending. – começou a cantar e logo o acompanhou, olhavam um para o outro, apontando um para o outro. – Up on the roof with a school girl crush. Drinking beer out of plastic cups. Say you fancy me, not fancy stuff. Baby, all at once, this is enough.
O casal finalizou a ponte da música com um beijo apaixonado.
– Será que seu salário é grana suficiente para contratar ela para cantar em um casamento? – perguntou em tom de brincadeira.
– Será que ela aceita cartão de crédito?
50 – It's golden
And I can still see it all (in my mind)
All of you, all of me (intertwined)
I once believed love would be (black and white)
But it's golden (golden)
(Daylight – Taylor Swift)
Domingo, 06 de fevereiro de 2022
Viipuri – Oblast de Leningrado/Rússia
gargalhou, deixou o celular cair das mãos e rolou sobre o corpo macio e quente ao seu lado, que também usava o celular. O jogador a apertou contra si, a surpreendendo, deixando vários beijos na curva do pescoço da terapeuta inglesa e em seu rosto, enquanto ela ria e tentava entender o rompante do namorado. gargalhava como uma criança sob um ataque de cócegas, tentando lutar contra ele, mas o russo de natureza finlandesa era mais forte. Ele sem dificuldade segurou seus braços, a impedindo de lutar, colocando-se sobre ela. Era experiente e muito bom na arte de imobilizá-la.
– Eu fui assumido, então? – Ele ergueu o rosto para a olhar nos olhos, depois de quase fazê-la perder o fôlego de tanto rir.
– Surpresa...? – riu ofegante.
Ele a olhou um pouco, em silêncio, namorando-a com o olhar para em seguida sorrir.
– Eu queria ver a cara das pessoas quando verem aquele post. Eu gostei de me sentir uma propriedade, nesse caso. Vou me passar para o seu nome. – Ele confessou a ela, sorrindo com certa malícia infantil. – E a gente nem é tão apressado quanto dizem por aí, foram meses até você me assumir de vez.
– Você está contando? – sorriu, fingindo que também não contava os dias, horas e minutos daquele sonho.
– Óbvio. – Garantiu o jogador baixando o início de suas sobrancelhas, como se com aquele ato pudesse enfatizar o quão sério eram suas palavras. – Não dá para esquecer da primeira noite que tive você. Vinte de novembro. – Ele sorriu, afagando a bochecha da inglesa com o polegar. – E também foi minha primeira noite fora do time na temporada, então... – Ele levantou um ombro e fez careta, a provocando.
riu e o acertou com leveza infantil no ombro, arrancando outra risada dele. Era o fim da manhã, estavam com frio, com preguiça e de ressaca social e alcoólica depois da festa da noite passada. Quando chegaram em casa com bastante embriagado, já era perto de sete da manhã. Tinham dormido um pouco e em um combinado silencioso, decidiram ficar na cama pelo máximo de tempo que lhes era permitido.
– Eu me lembro bem. – Ela respondeu depois, escorrendo os dedos pelo peito nu e tatuado do parceiro. Fingindo. – Mas achei que você não fosse o tipo que lembra os dia, meses... esse tipo de detalhe pequeno.
– Tem muito mais em mim do que eu demonstro. – Falou com voz rouca, misterioso, roçando os lábios aos lábios da inglesa, mas mantendo o fio dourado do contato visual. – E eu me lembro de uma conversa, com você tentando me convencer de que isso era só uma paixão boba que podia acabar a qualquer momento. – sorriu culpada e revirou os olhos. – E ontem você me pediu em casamento de novo.
– Você já tinha pedido, naquele outro momento, mais cedo. – Ela o olhou nos olhos e ergueu as sobrancelhas de modo sugestivo. – Quando disse que eu tinha tirado sua virgindade de muitas maneiras diferentes. – mordeu o lábio inferior e ergueu as sobrancelhas duas vezes de modo bastante sugestivo e apelativo.
Os dois riram juntos, estavam próximos, sobre sua inglesa. Ela o abraçava, deslizando as mãos por seu tronco, peito, ombros e braços, com as pernas fortes e grossas dele entre as suas. Ele usava um dos cotovelos de apoio para seu peso, com uma mão coçava o lado da cabeça loira da namorada e com a outra apertava a cintura, puxando-a contra si.
– Eu nunca tive dúvidas, você sim. – Ele lembrou como se em uma vingança pueril.
– Eu penso demais. – admitiu, permitindo que seus olhos vagassem por ele. – Fico presa na minha cabeça, avaliando cada passo, pensando sobre os prós e contras, e as vezes, me agarrando aos contras. É difícil só me entregar a algo que não conheço, fora da minha zona de conforto. Confiar que outra pessoa, além de mim, vai se importar e cuidar, me tratar bem. – Ela confidenciou, não conseguia o olhar nos olhos, encarava sua barba, lábios, queixo, peito. – Mas eu nunca duvidei sobre querer você. Tudo que tive foi medo de me lançar sem saber o que me esperava. Mas que bom que você nunca parou de insistir. – enfim ergueu os olhos e sorriu.
negou com a cabeça, devagar e sorriu. Era de novo aquela vontade incontrolável de sorrir, o ímpeto imodesto de fazer o que lhes viesse à mente. Como se nada mais importasse, ou ninguém mais, apenas aquele momento e a conexão que se dava entre os dois na simplicidade de uma cama quente. Não era preciso vinhos, joias, discursos ensaiados, estarem em um lugar paradisíaco ou exaltados em um altar. A cama costumava ser o trono de ouro sob o qual aquele amor se sentava e se nutria. Na simplicidade de não terem nada, ou não serem nada além de duas pessoas com a inocência e petulância juvenil de julgar ter todas as respostas. Podiam fazer qualquer coisa porque ao contrário do Espantalho, não precisavam de um cérebro de verdade, já estavam abastecidos de muita coragem e coração.
– Eu falei sério ontem. – tornou a falar, sorridente. – Sobre tudo que disse.
– Como era mesmo aquela coisa da música? – Ele apertou os olhos, tentando se lembrar.
– Você acha que eu estou sendo tolo se não me apressar? – recitou. – Eu sei que você queria a manifestação pública, com mosaico na torcida e toda essa coisa. Uma prova cabal e final, grandiosa de amor público. – Sorriu como se se desculpasse.
– Tá brincando? – apertou os lábios em um sorriso torto e sacudiu a cabeça. – Eu estou vivendo o meu sonho aqui. Andar com você por aí, sem esconder. Poder contar para todo mundo que você é minha. Se a gente vai fazer isso na frente de um monte de gente, falando baixo durante uma festa ou sozinhos na cama, não faz diferença.
– Então. – respirou fundo, olhava nos olhos do jogador, abraçando seu corpo, sentindo o peso dele sobre si, a aquecendo e confortando. – , quer se casar comigo?
sorriu grande, surpreso com o jeito elegante com que ela havia pronunciado aquelas palavras. Parecia mais chique e sério na voz dela, com sotaque, pronunciando seu nome devagar, fazendo aquela pergunta. Ele sorriu, os lábios avermelhados se esticando e sendo moldura para os dentes brancos e alinhados, fazendo brilhar junto os olhos castanhos que ficavam âmbar ou verdes dependendo da luz, do dia, ou do humor dele. Aquele sorriso, o mesmo sorriso capaz de iluminar um país ou ser farol em uma praia de mar agitado e costa rochosa.
– Quer se casar comigo, ? – Ele a respondeu com a mesma pergunta, porque tinha uma ponta de orgulho que o forçava a fazê-lo, a vaidade de ouvir sua inglesa o escolher para sempre.
– Óbvio. – respondeu, copiando o tom, entonação e a palavra que ele tanto usava. – Sim! Eu quero me casar com você.
O capitão de hockey a beijou de modo demorado e intenso, sorrindo entre o beijo, depois ergueu o tronco, sentando-se na cama e fez como ele, observando atenta seus movimentos. usava sempre algumas correntes no pescoço, era quase um tipo de identidade visual. Ainda sorrindo e se esforçando para manter o contato visual, como se ele quisesse que estivesse atenta a seu próximo ato, o jogador retirou com cuidado uma das que usava sempre, com seu nome pendurado a ela. inclinou a cabeça sobre um dos ombros, como os cães costumam fazer quando pessoas tentam falar com eles. Lento e delicado, o jogador levou a corrente até a inglesa, como se fosse um tipo de coroa. Passou as mãos por trás, unindo uma ponta a outra atrás da nuca dela, enquanto o olhava nos olhos com lábios entreabertos. Ele fechou a corrente, que não era grossa demais, ou pesada demais, mas no tamanho, espessura e brilho perfeito para combinar com a pele rosada e quente de . Ele se afastou, a admirando, enquanto a terapeuta sentia o relevo do nome com a ponta dos dedos e se acostumava com a sensação da temperatura da peça contra sua pele.
– É oficial. – Ele sorriu tomando o rosto de nas mãos. – É a minha noiva.
– Talvez tenha sido o pedido mais romântico que já aconteceu nesse país. – sorriu. – Achei que usaria um anel improvisado, de papel ou...
– Me respeita. – torceu os lábios em uma careta, a fazendo rir e sendo beijado em seguida.
– Como a gente vai contar para eles? – sussurrou de pois de beijá-lo mais uma vez. – É só a segunda vez que encontro seus pais.
– Talvez seja melhor a gente evitar essa conversa por enquanto. – aconselhou, acariciando o rosto de sua inglesa. – Ninguém tem nada a ver com isso, de qualquer jeito.
– Certo, noivo. – Ela concordou balançando a cabeça de modo infantil e a abraçou forte, beijando-a outra vez, puxando-a contra si e voltando a se deitar.
– Melhor dia da vida. – Ele declarou abafado conta os lábios dela.
Era bom estar nos braços de , ignorando o resto do mundo, as preocupações. Agindo sem qualquer pretensão ou preocupação com futuro, como uma adolescente, aproveitando a explosão de emoções que aconteciam em seu interior, tocando a joia em seu pescoço. A prova de que era real e não um sonho, ou uma conversa vaga sobre casamento que não os levaria a lugar nenhum. Era real, estavam mesmo comprometidos com aquele objetivo e felizes. Não precisavam mais se esconder, se esgueirando pelas sombras e cantos escuros, fugindo da atenção das pessoas. Podiam sair a luz do sol, sem se comportar como fugitivos, guardando segredos para se manter perto.
Era bom, dourado, quente, apesar do frio da Rússia naquela época do ano. Era real. Não sabia o que o futuro os aguardava, mas tinha decidido não pensar nisso, só aproveitar o momento. Porque quando se anda de bicicleta, é preciso prestar atenção nos primeiros metros, se olhar para muito além, você cai.
– Eu tenho tanta coisa pra te contar. – anunciou depois de algum tempo namorando, trocando beijos, afagos, apertos e carinhos em lugares mais íntimos. Ele se virou e apoiou a cabeça com um dos braços. – Minha cabeça não desliga, desde ontem.
– E eu achando que o nosso noivado secreto era o acontecimento mais emocionante do dia. – riu, também deitou-se de lado, deixando uma das mãos sobre a cintura dele porque não queria perder a sensação da presença.
– Mas é. – Ele garantiu sorrindo outra vez. – É a melhor parte. Mas na minha cabeça, eu já era seu noivo e você a minha noiva. Na minha cabeça a gente já casou.
– Posso perguntar uma coisa sobre ontem? – Ela estreitou o olhar e o viu assentir atento. – Ontem, você não percebeu mesmo? Que havia algo errado?
– Com você? – quis se certificar e confirmou.
– Em como eu estava agindo.
– Sim e não. Eu percebi, eu acho. Mas fui no mais fácil. – Confessou apertando os lábios, sem jeito e afastando o olhar, envergonhado. – Não quis entrar muito no assunto.
– Por que?
– Vai ficar brava se eu disser que acho que não queria me envolver no drama? – Ele apertou um dos olhos.
– Acho que não. – expirou um riso fraco. – É mesmo muito drama.
– Não vai ficar brava? – levantou as sobrancelhas, surpreso.
– Não. – Afirmou , sorrindo de lado e o olhando. – Sabe, ontem eu conversei um pouco com a Leena. Ela disse algo sobre brigas serem positivas as vezes. Conversas difíceis tornam o relacionamento fácil. Mas fugir do drama também faz parte. – deu de ombros. – Eu te conheço também, então...
– Mas não é que não me importe, eu juro. – tentou se explicar. – Eu ligo se você está estranha, calada, chateada ou sei lá. Eu não gosto de te ver magoada ou brava, mas é que ontem... eu vacilei, eu sei.
– Esquece isso. – o beijou rápido e sorriu. – Era uma festa de aniversário. E eu até gostei de deixar o lugar de casal em crise para Inessa e Atte ontem.
Os dois riram juntos.
– Nossa! Eles estavam demais ontem. – enfatizou a primeira palavra. – Até mal da minha família o Atte falou. E falou para mim.
– Para mim também. – balançou a cabeça, se divertindo com as expressões surpresas do noivo. – Ele te contou sobre o que era a briga?
– Não, só que minha irmã estava deixando ele surtado. – puxou para um pouco mais perto. – Mas eu não perguntei também, só perguntei de você. Ele me contou que estava com ciúmes da Leena e chateada por causa disso.
– Eu fiquei com ele e Inessa por muito tempo. – começou a contar. – Ele reclamou que a família não estava se envolvendo muito com a gente. – expirou em incômodo e sacudiu a cabeça. – Pareceu bem afetado. Mas a Ness me contou, por alto, sobre o problema.
– E qual é? – Ele quis saber curioso, baixando as sobrancelhas.
– Eu fiquei esperando uma oportunidade para fofocar sobre isso com você a noite inteira. – Confessou sorrindo travessa.
– Que horror, . – cobriu a boca teatralmente e riu. – Por que esperou até agora, então? Tem que ser mais rápida nessas coisas. – Ela gargalhou. – Mas o que foi? O que rolou afinal?
– Parece que é algo com interesses em conflito. – segredou, baixando o tom de voz, massageando o ombro de enquanto falava. – Ela disse que os dois tem essa cabeça mais livre, o desejo de explorar e aproveitar qualquer possibilidade e oportunidade. Mas parece que cada um quer ir para um lado.
– Como assim? – afastou o tronco e encarou a noiva com olhar estreitado. – Como assim ir cada um para um lado?
– Foi o que ela disse. – ergueu os ombros. – Não vou lembrar tudo, porque ontem aconteceu muita coisa. Mas, ela estava falando sobre ceder e que diferente de mim, ela não deixaria a carreira de lado para seguir o Atte.
– Mas você não fez isso. – negou, para no segundo seguinte abrir a boca, como se tomado por uma ideia reveladora, ou uma revelação suprema dada pelo universo.
– O que foi? – A inglesa indagou quando ele não disse nada, apenas ficou congelado, a encarando boquiaberto.
– Ela só ia ter que seguir ou não o Atte se ele fosse para algum lugar. – confabulou.
– Acha que ele vai sair do Pelicans também? – arregalou os olhos.
– Ele não me disse nada. – levantou os ombros. – Mas ou é o Atte saindo, ou ela recebeu alguma proposta boa e quer sair daqui também.
– E se forem as duas coisas? – pensou alto e a olhou com curiosidade. – O jeito, o modo com ela colocou as coisas, parece que é uma decisão importante para os dois. E que um vai precisar ceder. Ness já deixou claro que não vai ser ela.
– Espera, me deixa pensar. – O capitão pediu, inclinando a cabeça e encarando os lençóis. – O que mais você lembra?
– Ela falou alguma coisa sobre a coisa da tensão política e, que não é porque algo vai bem, que é o que é melhor. – se sentou na cama e coçou a testa, tentando se lembrar de mais detalhes. – Sobre alguma coisa de quererem mais da vida, mas que isso coloca eles em direções opostas. E toda vez que tentam falar disso, eles brigam.
– A gente tem um talento. – assentiu com a cabeça. – De resolver os problemas.
– A gente é o uma boa dupla. – concordou.
– O que mais?
– Eu acho que ela quer que ele escolha ela, mas não quer admitir. – A inglesa começou a pensar. – Pelo que ela disse, sobre não querer dizer a ele o que fazer. Ela falou alguma coisa sobre querer que fosse intuitivo. Como se ela esperasse que ele tomasse as rédeas e fizesse a escolha certa sem que ela tenha que dizer como. Ela falou sobre não querer ser a esposinha.
– Você quer ser a esposinha, amor? – perguntou, ignorando o restante das informações, sublimando o assunto.
– Não me importo com bastidores. – maneou a cabeça. – Mas, ela não quer. Eu nem consigo imaginar o Atte e Ness nessa coisa tradicional de casamento, esposa e esposo.
– Tem alguma coisa acontecendo e eles não contaram. – voltou a confabular. – Alguém recebeu alguma proposta.
– De casamento ou de trabalho.
– Não, eles não iam pensar em casamento agora. – sacudiu a cabeça. – Você está certa, o Atte e Inessa não são como nós. Eles são do tipo que podem namorar para sempre e sempre. Deve ser algo de trabalho.
– Soube de algo, no time? – perguntou.
– Não, ninguém comentou. – pensou para responder. – Mas eu tô tão focado nas minhas coisas, que não teria percebido também. Mas ele vai ter um tempo agora, não vai para os jogos.
– Mesmo? – levantou as sobrancelhas. – Se ele não, quem mais vai?
– Santtu, Aleks, eu. Do Pelicans é isso. – Respondeu o capitão, apoiando o tronco nos cotovelos dobrados. – Sobre isso, ontem eu conversei com o Bog e Igor. Se lembra deles? Uns amigos de infância?
– Sim, claro. – assentiu pensativa. – Acho que você mencionou alguma coisa ontem.
– É, pois é. – balançou a cabeça. – A gente conversou sobre a coisa do time. E eu fiquei pensando sobre. Estou pensando, na verdade. E agora, que fiquei noivo, pensei mais. – O casal sorriu e se esticou, beijando rapidamente a testa do jogador.
– Sobre a mídia? Você disse ontem.
– Não só sobre isso. – Ele inclinou a cabeça sobre o ombro. – Mas eles falaram que a TV daqui está falando coisas. Duvidando que vou dar cem por cento nos playoffs. Dizendo que estou rebelde no vestiário, sem aceitar o que decidem.
– Isso é péssimo. – projetou o lábio inferior, chateada e empática a situação. – Como você está com isso?
– Bravo, triste, mas acostumado e nada surpreso. – Ele suspirou desanimado.
– Escute, Mark não pode ajudar a lidar com isso? – sugeriu. – Ele pode lidar com a mídia, não é?
– Ele vai, mandei uma mensagem hoje de manhã. – Contou. – Mas ele já está ciente, está trabalhando nisso com o relações públicas do time. Mas esse tipo de coisa se espalha, tipo fogo na palha. Gera rumor e sempre vão ressuscitar esse tipo de história quando for conveniente.
– Eu sinto muito mesmo por isso. – esticou a mão, afagando o rosto e nuca do agora noivo. – Sei o quanto você quis evitar esse tipo de coisa e também sei que nada disso é verdade.
– É o que é. – deu de ombros e desviou o olhar. – Mas não era só isso. – O jogador tornou a olhar para a noiva com uma expectativa ansiosa. – A gente conversou ontem, sobre a coisa de ficar ou não no time. Os dois disseram que no meu lugar, teriam saído.
não respondeu, estava sentada, atenta, o ouvindo falar como se fosse a coisa mais importante no mundo – de fato era.
– Eu tentei explicar os meus motivos, mas o Bog disse umas coisas...
– Que tipo de coisa?
– Sobre eu crescer. – a olhou com os olhos baixos. – Que eu preciso enfrentar essas coisas e não ficar reclamando. Eles falaram que eu não saio por medo, e que a minha família, as pessoas, todo mundo vai tocar a vida e eu vou continuar no mesmo lugar que estou hoje. Que nada vai mudar.
– E o que você achou disso? – sondou, tentando entender o que se passava na cabeça de .
– Eu fiquei com medo. – Ele assumiu, havia algo em seu olhar, um tipo de temor real e dolorido, diferente. – Pensar nisso, em nada nunca mudar. Ser sempre o que eu já sou. Congelado aqui, como se fosse uma estátua.
– Entendo. – assentiu devagar.
– O Bog disse que eu quero me casar, mas não quero crescer. – riu ao contar, o olhar distante, dolorido. – Disse que difícil é lidar com a vida de verdade, os trabalhos de verdade. Tipo o dele ou do Igor. Não é mentira, na verdade. Eu quem escolhi ser jogador, a fama vem junto.
– Não é tão simples. – o respondeu. – Você sabe que é mais profundo do que apenas lidar com a fama.
– O que você acha? – Ele a olhou outra vez. – Queria saber sua opinião. Acha que eu... sei lá... estou em negação?
prendeu a respiração, desviou o olhar e ficou em silêncio, encarando as mãos no colo.
– E aí, ? – Ele insistiu impaciente diante do silêncio dela. – E aí? O que acha?
– ... – hesitou, torceu os lábios, suspirou e baixou os ombros. – É complicado. Você sabe suas razões para estar aqui. Seu amor pelo time, pela cidade, se sentir confortável em Lahti. Estar perto da família, dos amigos, do lugar que cresceu. Mas para tudo temos pontos positivos e negativos, a chave é entender com quais conseguimos lidar.
– Não respondeu o que eu perguntei. – Ele uniu as sobrancelhas e franziu o cenho, sério.
– Ontem o Atte falou sobre isso comigo, também. – Confessou a inglesa e viu o noivo estreitar o olhar por um milésimo de segundo. – Ele acha que você está desperdiçando a vida aqui, se escondendo da parte ruim do mesmo jeito que quando era uma criança na escola. Mas que você precisa enfrentar, que não é uma criança mais. Ele falou sobre você ter essa necessidade de ficar mais perto da família também.
– O que você acha? – O capitão enfatizou o pronome, olhando com ansiedade para a terapeuta.
o fitou em silêncio por alguns instantes.
– Talvez eles tenham razão.
– Você acha? – perguntou, mas seu tom era suave, como se realmente quisesse descobrir aquela resposta, independentemente de ser agradável ou não.
– Faz sentido. – A inglesa ergueu os ombros e maneou a cabeça. – Você tem se protegido desses conflitos desde sempre. Mas naquela época, você era uma pessoa diferente. Era um menino, sem experiência, sendo obrigado a amadurecer rápido porque já tinha muita responsabilidade e precisava lidar com muita coisa. Talvez o menino que você foi ainda tenha medo, talvez ele se sinta mais seguro ficando perto do que conhece, pessoas, a cidade, os pais. Só que esse menino, vai ser sempre um menino, porque ele não existe mais. Só dentro de você. Para ele, talvez não faça diferença passar a vida toda com essa sensação falsa de segurança. Isso não significa que seja bom ou confortável para o homem.
– Talvez. – inclinou a cabeça.
– As pessoas que te criticam aqui, podem criticar em outro lugar também. – ergueu os ombros. – Claro, em diferentes proporções. Mas, o que seus amigos disseram pode ser verdade, sim. E eu acho que de algum modo, você considerou essa possibilidade, porque se não, teria colocado cada um em seu lugar e nem estaríamos tendo essa conversa.
– Não é fácil nada disso. – Ele balançou a cabeça, ainda sem erguer o olhar.
– Não é. – concordou com um movimento de cabeça. – Você amadureceu nesses meses e talvez, mesmo que não seja para tomar essa decisão, isso pode ser bom. Pode ser bom olhar para dentro um pouco, cuidar de você. Não se evitar mais.
– Como assim? – a olhou.
– Leena me disse que talvez a diferença principal entre o seu relacionamento com ela e o seu relacionamento atual, seja como você tem encarado as coisas. Como você tem estado disposto a falar sobre os problemas e a lidar com eles. – A inglesa explicou, aproximando-se um pouco dele. – Isso é sobre o relacionamento, mas acho que dá para usar nas outras áreas também.
– Não fala assim, meu relacionamento atual. – Ele pediu baixo. – Parece que não é com você.
– Desculpe. – o beijou e se ajeitou na cama, puxando-o para seu colo, abraçando-o.
– Eu sempre dei conta, amor. – tornou a falar depois, sua voz não tinha muito ânimo e ele parecia pensativo. – Dei conta sozinho.
– Isso não significa que tenha sido fácil, que não tenha efeitos disso nas suas escolhas até hoje. Ou que tenha que ser assim para sempre.
– Eu fiquei pensando nisso. – Confessou o capitão, coçando a sobrancelha. – Eu não quero ver todo mundo seguindo a vida, enquanto eu fico sozinho aqui. A Ness e a Alicia vão se casar um dia, ou se mudar. Meu contrato com o time vai acabar em algum momento. Não quero ser a pessoa que vai ficar para sempre preso no mesmo lugar. – ficou um pouco mais sombrio. – Agora você está comigo, mudando de planos por minha causa. Mas nem você vai querer fazer isso para sempre.
– Se trata de quais consequências estamos dispostos a lidar. – baixou o olhar também, coçando a cabeça dele devagar.
– Eu não queria dizer nada, porque não quero deixar ninguém com expectativas. – Ele confessou, ajeitando-se na cama, aninhando-se a ela. – Principalmente, porque agora todo mundo está falando sobre isso o tempo todo. Até você. – inclinou a cabeça para olhá-lo. – Não queria que ficassem me perguntando, ou decepcionados porque eu mudei de ideia.
– Sobre o que está falando?
– Talvez eu vá embora. – admitiu para a noiva pela primeira vez. – Essa coisa com a Isabel, meu lugar de capitão, o time... Eu acho que pode estar chegando a minha hora aqui. Não tô nem um pouco motivado e eu não quero ficar sendo uma estátua aqui, que nunca muda.
– Há quanto tempo está pensando nisso? – quis saber, pega de surpresa.
– Às vezes eu pensava, desde quando comecei a te namorar. – Confessou, estralando os dedos das mãos. – Quando surgiu o assunto de um de nós ter que sair, eu pensei mais. Mas com a Isabel, eu comecei a querer. Naquela reunião, com ela e o Lauri, eu comecei a torcer para eles não quererem renovar. Acho que seria mais fácil que eles decidissem por mim. Só que eu não sei mesmo se é isso que eu quero.
– Até quando pode tomar essa decisão? – quis saber, tomando as rédeas do momento.
– Não sei, até o verão? – sacudiu a cabeça. – Acho que até a primeira atividade oficial com o time.
– Temos alguns meses, você não precisa decidir nada hoje ou agora. – tomou uma das mãos do namorado, entrelaçando seus dedos. – Sei que é uma decisão muito importante. Agradeço que tenha dividido comigo.
– Vou casar com você, isso te interessa. – riu fraco. – Não dá pra decidir sozinho mais. Você quem disse, somos parceiros, cúmplices.
– Você tem razão. – A inglesa sorriu.
– Se eu decidir sair. – se virou para a olhar nos olhos com alguma expectativa ansiosa. – Não sei para onde ainda, não tenho nenhum plano. Mas, se eu decidir sair, você vem comigo?
– Para onde você for. – prometeu com um sorriso. – A gente pode bolar um plano juntos.
a puxou para junto de si, beijando-a devagar, apaixonadamente, aproveitando a sensação das línguas juntas. Só interrompendo o beijo quando o ar faltou, cortando-o devagar com beijos mais curtos, até que cessassem de vez.
– Você me ajuda nisso também? No que você disse, do menino e o resto. – Pediu sem medo de demonstrar sua fragilidade. – Eu não entendi nada, mas, se você diz, então deve ter razão. – O jogador riu pelo nariz.
– Em tudo que precisar, meu amor. – assegurou. – A gente vai se ajudando.
– Te amo.
– Também te amo.
– Alô! Casal em lua de mel! – Inessa bateu na porta de maneira insistente, interrompendo o assunto. – Acordados?
e trocaram um olhar cúmplice, expiraram pesadamente e rolou os olhos enquanto ela ria.
– Já vou. – O jogador ficou de pé, usava uma calça de moletom e se arrastou até a porta, abrindo-a de maneira preguiçosa. – Quem morreu?
– Você levou um choque ou o quê? – Inessa fez careta quando viu o irmão, apontando para seus cabelos despenteados. – Quero conversar.
– Mas a gente não quer conversar com você. – negou, mas Inessa o ignorou passando por ele e entrando no quarto.
usou um dos cobertores para se cobrir e se ajeitou melhor na cama, sentando-se apoiada a cabeceira. Inessa se sentou na ponta da cama e cruzou as pernas, sem qualquer cerimônia, ignorando as caretas do irmão do meio.
– O que vocês estão fazendo na cama até agora?
– Evitando a família. – respondeu, deitando-se ao lado de , apoiando a cabeça ao peito da inglesa, que passou a afagar seus cabelos. – Mas parece que isso é impossível aqui.
– Minha mãe prometeu que você daria alguns conselhos para o filho da tia Esmeralda. – A mais velha adiantou. – Fazer o garoto voltar a andar na linha.
– Eu não aguento mais. – bufou cansado, manhoso. – Fale que eu acordei de ressaca.
– Não faz mal trocar algumas palavras com o garoto. – interveio, sorrindo para ele. – Vou com você se quiser.
– É, mas eu não quero não. – Ele a respondeu projetando o lábio inferior. – E você, insuportável? O que quer com a gente? – Quis saber, empurrando a irmã com uma das pernas.
– Um favor. – Inessa respondeu sem devolver com implicâncias ou ofensas e e trocaram outro olhar.
– Do que precisa? – A inglesa quis saber.
– Queria que você falasse com o Atte. – A golfista mordeu o lábio inferior, referindo-se ao irmão.
– Falar com ele? Por que?
– A gente não tem conseguido se entender... – Inessa relatou baixando o olhar. – Você tem mais experiência com isso. Com ele. E acho que talvez a você ele escute.
– Tá, mas por que? – apoiou o tronco nos cotovelos. – A pergunta é por que eu tenho que falar com ele? O que está acontecendo?
– Isso é... – Ela hesitou, parecia presa em um tipo de dilema, buscou o olhar da noiva outra vez. – É que...
– É sobre o que conversamos ontem? – tentou ajudá-la. – Sobre quererem ir em direções opostas?
– É, é sobre isso. – Assentiu com um movimento de cabeça. – De algum jeito.
– Que direção? – olhou de uma para a outra.
– Isso é com ele, bundão. – Inessa balançou a cabeça negativamente, parecia verdadeiramente preocupada e chateada. – Não posso dizer.
– Então nada feito. – deu de ombros e torceu os lábios. – Só vou conversar com ele, se você contar o que está acontecendo.
– ! – Ela chamou a atenção do irmão, esperava que ele a apoiasse, não queria usar sua autoridade de irmã mais velha.
– Você quer que eu faça um milagre? Como vou te defender ou defender ele, se nem sei sobre o que é? – O jogador argumentou, erguendo o queixo. – Não vou me queimar sem motivo, filha.
– Ness, ele tem razão. – apertou os lábios, atraindo um olhar ressentido de Inessa. – Se você não puder dizer sobre o que é essa conversa, o pode falar o que quiser e você sabe que isso não seria uma ideia boa.
mirou a noiva com sobrancelhas juntas, como se se perguntasse o que ela queria dizer com aquilo.
– Da minha parte... – Inessa falou depois de um longo suspiro e de mais uma revirada de olhos. – Recebi uma proposta, me preparar e me unir a uma equipe forte na Inglaterra. Jogar golfe lá. – Contou a morena e os olhos de e se arregalaram.
– É sério?! – indagou animada.
– Minha mãe sabe disso? – indagou surpreso, mas um pouco mais assustado.
– Ainda não, bundão. – Inessa rolou os olhos. – Só contei para o Atte e agora, vocês. É novo, recebi no início da semana. E é muito interessante. – Os olhos dela brilharam ao falar e ela sorriu. – Mais recursos, gente para me ajudar a melhorar meus resultados. Depois, pode ser que me mandem para o Canadá ou Austrália, ou até o Japão.
– Aonde na Inglaterra? – quis saber, mais animada que o noivo.
– Yorkshire. – Inessa apertou os dentes. – Se eu topar, me mudo no final do mês.
– Se mudar de vez? – perguntou com voz mais baixa. – Sem fins de semana em casa ou...
– Eu sempre passo os verões e primaveras viajando por aí, jogando golfe. – Ela levantou os ombros. – Não sei se vai ser tão diferente assim, mas... é, me mudo de vez.
– Atte não lidou bem? – tentou descobrir.
– Digamos que ele tem suas opiniões pessoais e próprias a esse respeito. – Inessa suspirou sôfrega.
e Inessa puseram seus olhos sobre , que por sua vez tinha os olhos perdidos em um ponto qualquer dos lençóis, semblante caído, sobrancelhas juntas. As duas se entreolharam de novo e apertou os lábios em um sorriso torto empático.
– Meu amor? – A inglesa tentou trazê-lo de volta ao mesmo planeta que elas. Ele apertou os olhos e sacudiu a cabeça. – Vai falar com ele?
– Tem certeza que é isso que quer? – Ele devolveu com outra pergunta para a irmã. – Largar tudo aqui? A mamãe e o papai. Se mudar para longe?
Inessa expirou um riso sem humor e inclinou a cabeça.
– Não tem como você conversar com Atte sobre algo que nem mesmo você concorda, não é?
– Não é isso. – Ele negou.
– Eu trabalhei duro, me esforcei, treinei pesado. – Inessa se expressou com paixão. – Transformei espinho em flores para fazer meu nome, alcançar lugares maiores no esporte. Agora eu tenho a chance. Por que eu deveria fechar a porta e deixar esse cavalo ir embora? Meus pais já estão vivendo a vida deles, eu tenho que viver a minha. Não quero me tornar alguém amargurada e frustrada no futuro. E não vou me trocar por uma ideia, por outra pessoa. Não sei se vou ficar para sempre com o Atte, mas se ele um dia acordar e perceber que não sou mais a pessoa que ele quer, eu preciso ter algo mais para me agarrar.
– Se você já começa um namoro, pensando no final... – começou a falar.
– Sério que essa é a única parte que importou? De tudo que eu disse? – Inessa expirou com incredulidade.
– É só que é repentino, Ness. – tentou mediar, tocando o ombro do namorado. – Sabe que seu irmão não é o cara que mais ama mudanças.
– Mas não é sobre a vida dele, é sobre a minha. – A morena falou com alguma decepção. – Eu sei que minha mãe vai tentar me fazer mudar de ideia de todo jeito possível. Mas seria bom, para variar, eu ter um pouco de apoio também. – Inessa expirou pesadamente. – Só fale com ele, por favor. Vocês fazem isso funcionar, você e a . Ela é mais fácil que eu, eu sei. Mas, só tente fazer ele me entender.
olhou de Inessa para , que assentiu uma vez a cabeça, suavemente.
– Vou tentar. – Ele soltou o ar.
– Obrigada. – Inessa balançou a cabeça. – Significa muito pra mim. E eu... eu não queria ter que escolher entre um e outro. Porque se tiver... – Ela se interrompeu, sacudindo a cabeça, mas e entenderam sua resposta. – Era só isso. Vou deixar vocês. – Disse. – Mamãe está cozinhando, daqui a pouco já deve servir.
– Valeu, Ness. – sorriu.
ficou de pé, seguiu a irmã até a porta para trancá-la novamente. Seu semblante não era dos melhores quando ele voltou se arrastando outra vez para a cama.
– Vamos responder juntos no três. – propôs curiosa, tentando amenizar o clima. – Se a gente tivesse que escolher ente a oportunidade de trabalho da vida e o outro, quem escolheríamos? No três. Um, dois, três.
– Você. – respondeu.
– Minha noiva. – falou.
– Certo, vou dormir em paz. – Ela sorriu fechado, escorrendo na cama e ele sorriu também, mas cabisbaixo, um sorriso quase indiferente.
– O que tem de tão bom na Inglaterra para ela querer se mudar? – Ele perguntou sem dar graça a brincadeira de , deitando-se ao lado dela.
– Lá não é de tudo tão ruim. – se virou para ele, tocando o peito nu do jogador. – E é a oportunidade que ela perseguiu durante a vida. Normal querer abraçar. Inessa é forte e decidida, duvido que qualquer coisa no mundo possa pará-la.
– Eu não sei. – sacudiu a cabeça e apertou os lábios. Tinha o semblante abatido. – Não gosto muito da ideia. Ela sozinha lá, quando podia ficar aqui, perto. Ter uma vida tranquila aqui.
– Pelo visto, não vai ser só sua mãe quem vai tentar fazer a Ness mudar de ideia. – observou e a olhou atravessado. – Sabe do que me lembrei? Uma vez, você ouviu minha mãe no telefone, falando coisas assim para mim... você discordou dela. Se meus irmãos fossem como você, nós dois nunca teríamos ficado noivos em segredo, na cama da sua avó falecida. Já pensou nisso?
– É diferente.
– Por que eu sou a irmã de outro cara? – arqueou uma sobrancelha em desafio. – Só pense. Pense se isso não é só o medo falando. E tente apoiar as pessoas que você ama, não podar e engaiolar elas.
Fez-se silêncio.
se virou, deitando-se de novo, encarando o teto, deixando que o agora noivo refletisse um pouco, em silêncio.
– O Bog tinha razão. – voltou a falar depois, seu tom era apático e ao mesmo tempo pensativo. – Sobre as pessoas. Ness quer ir para a Inglaterra, vai querer que o Atte vá com ela. Alicia não vai querer viver para sempre em Viipuri.
– Isso te preocupa? – questionou sem o olhar.
– Eu tô confuso. Não sei o que pensar sobre isso. – Confessou o jogador.
– Você disse que está pensando em sair do time, se mudar, mas quando sua irmã dividiu o mesmo plano com você, você não a apoiou. – se permitiu fazê-lo confrontar suas palavras e comportamentos. – Com o relacionamento dela e do Atte foi a mesma coisa. Ela sempre te apoiando, mesmo quando você está errado, sem nunca receber o mesmo. – A inglesa ergueu o tronco e tirou as pernas da cama. – Talvez você devesse rever sua postura com ela, com as duas. E não ser tão machista. – Ela ficou de pé.
– Eu não sou machista. – protestou, erguendo a cabeça e viu a noiva revirar os olhos e assentir com a cabeça, enquanto se enrolava ao robe. – Mas eu não sou.
– Pode ser que não, mas está agindo como um agora. – Ela disse, deixando-o e indo para o banheiro.
– Não é tão simples. – O jogador se sentou na cama. – Principalmente se eu quiser pensar em ir embora.
– Então, sua irmã devia ceder e negar as chances que tiver de futuro, para ficar com seus pais, para que você possa aceitar as suas chances? – surgiu na porta do banheiro, encarando-o. – Tudo isso para cuidar dos pais que você nem perguntou se querem ser cuidados?
– Não foi isso que eu disse.
– Me esclareça, então. – Pediu, voltando para o banheiro.
foi até ela, apoiou as duas mãos no batente da porta, enquanto ela escovava os dentes.
– Eu só ficaria mais tranquilo se soubesse que meus pais estão assistidos.
– Amor, seus pais são jovens, tem família aqui, tem a Alicia. – listou, apoiando os quadris na pia, segurando a escova de dentes e gesticulando com a mão que a segurava. – Você pode parar aqui sempre que precisar. Não vai morar em outro planeja. Depois, eles podem querer passar férias em outros lugares, te visitando, sei lá. Muitas possibilidades.
– Você fala como se fosse fácil. – Resmungou o jogador, projetando os lábios em um bico emburrado.
– Mas é, você quem complica. – respondeu, cuspindo a espuma da pasta de dentes no lavatório. – Tente se colocar no lugar da sua irmã. Ou imagine que fosse comigo.
– Eu só não queria que a gente se espalhasse, todos distantes e longe um do outro. – tentou expor seu ponto de vista enquanto se preparava para escovar os dentes.
– Mas essa é a realidade, amor. – beijou o ombro nu do jogador ao passar por ele. – Olhe a família da sua avó. Dos seus avós. Eu por exemplo, deixei a minha e vim para cá e depois quem sabe para onde. Mas nada impede o vínculo de permanecer, de estarmos juntos nas festas e todo o resto.
– Eu não gosto de imaginar a Ness morando sozinha em outro país, longe de todo mundo. – começou a falar com a escova de dentes na boca. – Se alguma coisa acontecer, não vai ter ninguém por ela lá. Ela vai ser só a garota russa, longe da família, amigos, de tudo que ela conhece. Não vou poder proteger, ajudar.
– Maisie e Louis estão há umas duas horas e meia de viagem de Yorkshire. – tentou acalmá-lo. – Hoje existe uma coisa chamada internet, precisa ver as maravilhas que acontecem através dela. – brincou e o noivo rolou os olhos, depois de cuspir no lavatório. – Sabe, querido, amar as pessoas implica em protege-las, querer sempre o melhor. Mas também é sobre confiar. Confiar que a Ness está fazendo a melhor escolha, apoiar mesmo que esteja morrendo de medo, preocupado e inseguro, porque ela não é uma menina, é uma mulher. Mais velha que você, inclusive. – sorriu e apertou o queixo de . – É sobre apoiar, dar asas, mas também estar pronto para acolher e receber de volta em um ninho quentinho caso algo dê errado.
torceu os lábios, apoiou as duas mãos na pia e encarou o chão em silêncio por alguns instantes, depois ergueu o rosto para a inglesa. maneou a cabeça, dirigindo a ele um olhar sugestivo e o viu suspirar.
– Tá certo, vou falar com o Atte. – Ele prometeu, vencido. – Mas eu não sei se estou concordando. – Alertou.
– Não precisa concordar, basta apoiar. – piscou. – Vai deixar a Inessa feliz, mais confiante, saber que o irmão dela está a apoiando numa mudança importante assim. Acreditando no potencial dela.
– Não vale assim, vocês duas contra mim. – Resmungou , lavando o rosto.
– Mas eu estou justamente a seu favor. – Ela gargalhou. – Me agradeça depois.
torceu os lábios, fingindo estar insatisfeito com aquele desfecho. No fundo, sabia que tinha razão e concordava com ela, mas o fato de concordar não tornava nada daquilo mais fácil. Ao contrário, sua cabeça agora parecia rodar bem mais.
– Já tem planos? Sobre quando vamos embora? – o abraçou pela cintura, de lado.
– Vou conversar com o Atte, depois queria falar com meu pai. – Ele ponderou, secando o rosto em uma toalha. – Depois vamos. Antes que a noite caia.
– Só com seu pai? – Ela perguntou. – Não vai falar com sua mãe também.
– É só para sondar. – deu de ombros, apoiando as costas na parede e abraçando . – Eu sei que ele pensa e vê muita coisa, mas ultimamente não tem me falado como antes. Quero sondar o que ele viu, desse lance das pessoas falando de mim. Ver o que ele me conta.
– Vai contar do seu plano?
– Não. – negou de pronto. – Até porque não é um plano. É uma ideia, uma possibilidade, um plano C, ou D. Mas não quero criar expectativas ou preocupar ninguém. Eles já vão ficar preocupados com a Ness, não quero causar uma situação e um drama, sobre algo que pode nem acontecer. – assentiu com a cabeça. – Só quero saber o que ele tem pensado sobre o que as pessoas dizem.
– Certo, entendi.
– Vamos deixar isso entre a gente, só. Okay? – a olhou nos olhos, como se quisesse ver a confirmação ali, ou como se quisesse demonstrar a seriedade do pacto. – Só você e eu.
– Claro. – assentiu unindo as sobrancelhas. – Não precisa se preocupar. E eu não me importo nem um pouco em termos segredos, desde que não seja entre nós dois.
apertou os lábios em um sorriso fechado.
– Vou deixar as coisas prontas para irmos, então. – avisou, roubando um beijo rápido.
– Você é incrível. – sorriu quando ela começou a se afastar. – Minha noiva. – riu longe, olhando para ele por uma fresta na porta do banheiro.
51 – Who else decodes you?
But you're in self-sabotage mode
Throwing spikes down on the road
But I've seen this episode and still love the show
Who else decodes you?
And who's gonna hold you like me?
And who's gonna know you, if not me?
(Taylor Swift - The Tortured Poets Department)
Domingo, 06 de fevereiro de 2022
Viipuri – Oblast de Leningrado/Rússia
Do lado de fora o vento frio cortante fazia as janelas da casa tremerem e o capitão do Pelicans abraçar o próprio corpo, encolhendo-se ao andar. Como se o vento gélido se pudesse literalmente ferir. Apesar disso, o céu era quase limpo naquela hora e não nevava mais, apesar do grande acúmulo de gelo no chão. buscara por Atte por algum tempo até enfim encontrá-lo na varanda da pequena cabana de ferramentas e de guarda-caça que o pai mantinha no fundo do quintal. O goleiro loiro lia um livro de capa de couro e só percebeu a aproximação de quando o capitão já estava muito perto. Atte apertou os lábios e torceu o nariz como se algo o incomodasse, mas não ergueu o olhar ou fez qualquer som ou menção de movimento com a chegada do amigo.
– E aí.
o cumprimentou, sentando-se perto dele em um banco de madeira sem encosto e com quatro pernas, igual ao que Atte ocupava. Os dois bancos estavam paralelos à parede, um ao lado do outro na distância de um metro. Atte respondeu o cumprimento com um aceno silencioso de cabeça, sem afastar os olhos do livro. cruzou as mãos e esticou os braços entre as pernas, levantando os ombros como uma criança ansiosa que quer conversar, mas não sabe se deve ou pode. Estava morrendo de frio.
– Então, está lendo o que?
– Sério? – Atte riu pelo nariz, ainda com olhos presos ao livro. – Não tem mais ninguém lá dentro para conversar?
– Ninguém interessante. – projetou o lábio inferior e sorriu de modo infantil.
– E a ? Volte para o quarto com ela, namorar, sei lá...
– Ela está naqueles dias. – O jogador levantou os ombros, passou a olhar o quintal sério, projetando naturalmente o lábio inferior que era mais cheio que o outro.
– E quando isso foi um problema? – Atte enfim baixou o livro.
– A mim, nunca. – sorriu e deu de ombros. – Mas a minha gatinha não curte.
– Quem diria. – Atte estalou a língua e balançou a cabeça. – Sabe, às vezes é estranho pensar e ver como alguém te domou. – Em seguida ergueu o livro outra vez, retomando a leitura. – Disse isso a ela ontem. Que ela me surpreende e que na real, eu não estava colocando fé em vocês dois no início.
riu outra vez, esfregando as coxas porque o vento passava a incomodar mais.
– Ela parece mesmo alguém diferente, entendo porque você gosta dela e se dá tão bem.
– Ela é perfeita. – se recostou na parede, enfiando as mãos no bolso do casaco e sorriu. – Nunca é entediante com ela, mas ao mesmo tempo, ela é calma e tranquila. Estável. Teimosa, diferente de mim em muita coisa, mas é boa comigo. É como se fosse alguém com quem eu gosto de discordar. Eu sei que a gente briga muito, mas isso não faz ser ruim. Eu sou bem feliz com ela.
Atte sorriu de modo doce.
– Eu vi vocês na festa, pareciam bem na hora. Se resolveram, então? – O goleiro havia se lembrado da pequena situação entre o casal. – Da crise de ciúmes. – Ele sondou, baixando o livro outra vez para ver o rosto do amigo.
– A gente sempre se resolve. – se gabou, maneando a cabeça e erguendo os ombros. – Ela encontrou a Leena no banheiro e elas conversaram. Leena explicou e esclareceu as coisas.
– Ness me contou. – Admitiu o goleiro e o encarou com olhar surpreso. – O que foi? Até parece que vocês dois não conversam sobre as coisas também. Eu sei que você é fofoqueiro.
– O que a Ness falou? – quis saber curioso, depois de dar de ombros.
– Que a cortou rápido a Leena, mal deixou ela falar.
– é durona. – sorriu orgulhoso, sentindo o peito inflar. – Ela não se curva para ninguém, além de mim, é claro. – O capitão sorriu de lado, cheio de malícia e vaidade. – É durona e de classe. Não sei como ela consegue.
– Ela é inglesa, deve ser por isso. – Atte pensou alto. – A Ness me disse que ela não foi muito simpática, só depois que a Leena contou sobre ser casada e todo o resto.
– Eu gosto de ver ela com ciúmes. – sorriu olhando para os pés calçados com tênis. – Não acontece sempre. Além das fãs em Tampere e ela não gostar da má influência do Willy, só a vi ter ciúmes de três pessoas até hoje. Isabel Svedin, a Leena e a tal garota de Tampere que você contou aquele dia.
– A Vicky? – Atte expirou um riso chocado e arregalou os olhos. – Mas você tinha dito que não havia problema.
– Eu achei que não teria. – riu outra vez, apoiando a cabeça na parede e balançando os ombros. – Mas ontem a gente brigou no caminho para cá. Era por causa do Aleks, mas aí tudo desandou. Eu falei do Merelä e ela falou da Vicky.
– Você não superou o Merelä ainda, não é? – Atte balançou a cabeça negativamente. – O cara nem convive com ela mais. Outra coisa que nunca entendi é você ter ciúmes do Merelä e não do Santtu. – O goleiro estalou a língua no céu da boca e viu o amigo capitão franzir o cenho e unir as sobrancelhas, sisudo. – Santtu sempre foi o pegador, Merelä não.
– O que você quer dizer? – estreitou o olhar. – Eu devia me preocupar?
– Se a minha namorada andasse com um atacante sem medo de ouvir não, como é o Santtu. Bom, eu me preocuparia. – Atte respondeu sorrindo e endireitou as costas. – Quer dizer, quem já brigou com você por causa da além do Santtu?
– É, ele já me deu umas chamadas para cuidar bem dela e coisas assim... – começou a pensar.
O capitão sacudiu a cabeça e expirou pesadamente.
- Para de colocar pilha errada. – Pediu . – Não preciso de outra voz na minha cabeça, me atrapalhando a fazer a coisa certa.
Atte ergueu os ombros e voltou seu foco para o livro, enquanto encarou os pés.
– Não é tão fácil essa coisa toda. – O capitão torceu os lábios em uma careta depois de suspirar. – Eu sei que devia e que nem é lógico que eu sinta ciúmes dele, ou deles... mas... é maior que eu. – respirou fundo. – Isso, ou só sou eu, sentindo que tudo está perfeito demais e que a qualquer momento pode acabar.
– Vocês não brigaram ontem? – Atte uniu as sobrancelhas. – Se isso é estar perfeito...
– Discutir, sentir ciúmes, se estressar um com o outro. Isso não é nada, faz parte do acordo. – deu de ombros. – O que a gente tem fica mais forte com cada situação dessas, mas, sei lá. Deve ser sabotagem minha.
– Certamente. – Atte fechou o livro e o deixou no colo, imitou o amigo e se recostou na parede. – Você tem sorte por ela não ser ciumenta como a sua irmã ou como você. Se fosse, Leena teria um olho roxo antes de terminar a primeira frase.
– É preciso ter um equilíbrio. – sorriu e fechou os olhos, sentindo o vento frio lhe atingir com mais força. – E eu preciso te contar uma coisa. – Ele capturou a atenção de Atte. – É segredo, então além de e eu, só você sabe.
– Vocês amam isso, não é? – Atte sacudiu a cabeça negativamente. – Assim que se livram de um, logo querem arrumar outro problema. A adrenalina deve ser uma fantasia sexual.
– Libera sim. Mas isso ser segredo é justamente para evitar o problema. – ainda tinha os olhos fechados, mas abriu para encarar o melhor amigo. – Por isso você não pode contar nem para a Ness agora. Nem pra qualquer outra pessoa.
– Tá, o que você fez dessa vez? – O goleiro levantou as sobrancelhas, incentivando o amigo a continuar.
– e eu vamos nos casar.
Atte não respondeu de pronto, manteve os olhos em sem piscar por um momento longo. Até que enfim piscou, sacudiu a cabeça, respirou fundo e encarou os pés por algum tempo, no mais completo silêncio.
– Você não tem salvação. – Foi tudo que o goleiro conseguiu verbalizar.
– É, valeu pelo apoio, amigo. – ironizou. – É sempre bom contar com você.
– Sua família vai surtar, você sabe, não é? A dela também.
– A gente sabe disso, por isso o segredo. – Admitiu o capitão. – Eu só estou feliz demais e queria compartilhar. Queria gritar por aí, mas não posso. Uma hora as pessoas vão ter que lidar com isso, com a gente sendo feliz.
– Não tem um ano que estão juntos. – Atte continuou em sua negação.
– A gente não vai se casar amanhã, Atte. – garantiu depois de expirar cansado. – Tem muita coisa para acontecer antes disso, a renovação, os playoffs, conhecer a família dela. Mas a gente está feliz assim, é algo que queremos e decidimos juntos. A gente já mora junto, praticamente desde o primeiro dia e já passamos por várias coisas também. E eu não tenho dúvida de que é ela. Não vou fazer como você e a Ness, namorando desde os oito anos e nunca pensando nisso.
– É diferente.
– Diferente como? – girou o corpo na direção do amigo, apoiando os pés no chão. – Eu vi que vocês brigaram ontem a festa toda. Da minha parte, com a minha garota, estamos ótimos. E você e a sua?
– É diferente, . – Atte rolou os olhos e negou com a cabeça. – Você e são malucos iguais, essa intensidade adolescente de querer fazer tudo rápido. Brigam muito, fazem as pazes rápido, é uma montanha-russa. Ou russo, sei lá. Parece precipitado demais para ser saudável.
– Por que as pessoas tentam fazer isso parecer ruim? – estalou a língua na boca e negou com a cabeça. – Quero muito ter muitos anos de casamento com ela, só para mostrar a vocês que a gente pode sim, dar certo. O tempo não significa nada, é a pessoa.
Atte não respondeu, apenas negou com a cabeça, cruzou os braços sobre o peito e encarou as pernas esticadas para fora da pequena varanda.
– Vai me contar sobre o que estavam brigando pelo menos? – investigou mais uma vez, tentando agora cumprir sua missão do dia. – Não adianta mandar essa de que minha irmã te deixa maluco, porque eu sou irmão dela, eu sei disso melhor que ninguém. Anda, fala logo. – Demandou, erguendo o queixo.
– Você não tem nada melhor para fazer não? – Atte resmungou. – Fofoqueiro.
– Ei! Já é segunda vez hoje. – protestou erguendo o queixo.
– Eu te conheço.
– Você quem começou o assunto. Ontem e hoje. – Lembrou o central de hockey, apontando para o amigo. – Não eu.
– É coisa nossa, deixa pra lá. – Atte balançou a cabeça.
– Eu soube sobre a Inglaterra. – Confessou com olhos de canto no amigo. – Ela contou para e eu hoje de manhã.
Atte o olhou assim que ouviu a menção ao país, depois fez um barulho com a boca, sacudiu a cabeça e suspirou.
– É uma boa chance. – O goleiro falou com desânimo.
– Parece que sim. – assentiu, tentava ler no amigo qualquer sinal ou entrelinha que sinalizasse qualquer coisa. – Ela está animada, quer muito isso.
– Eu sei, ela sempre falou desse programa. – Atte contou ao amigo. – Desde antes da pandemia.
uniu as sobrancelhas e baixou o canto dos lábios e projetou o lábio inferior, tentando unir as peças que tinha, com as que agora Atte lhe dava. Pelo discurso de Inessa, esperava encontrar Atte com outro tipo de postura e agora, estava perdido.
– Ness merece esse tipo de chance. – Atte tornou a falar. – E todo mundo sabe que, assim como você, o lugar dela é no mundo, longe daqui. A diferença é que ela não é burra como você.
– Então, para você é okay ela ir?
– É complicado. – Assumiu com um suspiro o goleiro. – Mas sim, é a vida dela, futuro dela. Eu torço e acho que ela devia mesmo ir. Não vou ser a pessoa a impedir que ela alcance os sonhos e realize os planos.
– Complicado por quê?
Houve silêncio.
– Recebi uma proposta, Red Bull Salzburg. – O goleiro abriu o jogo depois de um silêncio demorado. – Áustria, contrato de um ano por enquanto, com previsão de aumento. Eles foram bem... – Atte soltou o ar vibrando os lábios. – razoáveis na proposta.
– O Pelicans deve cobrir. – ergueu os ombros. – Lauri não vai querer perder o goleiro titular.
Houve silêncio outra vez, mas dessa, Atte ainda olhava nos olhos do amigo, como quem quer dar a má notícia sem precisar dizer, porque não sabe bem como dizer.
– Você não falou com eles ainda? – tentou adivinhar, agitando-se um pouco no banco. – A Isabel está dificultando, não é? O mesmo comigo...
– Não quero ficar no Pelicans, irmão. – Atte respondeu direto e congelou a expressão. – Não quero ficar mais um ano, ou mais cinco anos aqui. Lahti é onde minha família está, mas as oportunidades não vão vir para mim aqui. Já devia ter ido na temporada passada. Eu enrolei e nem sei porque, mas agora é hora de seguir em frente. Vai ser melhor para mim, para a carreira, para a minha marca...
– Atte, como assim? Não. – estava atordoado com a notícia. – Já tem gente demais saindo, não dá para você sair também. O time vai ficar completamente desfalcado e não podemos deixar isso acontecer.
– Cara... – Atte suspirou, balançando a cabeça devagar e olhando o amigo com certa pena e incredulidade. – Eu realmente acho que você chegou ao limite, precisa de um psicólogo. Parceiro, isso é um time. – Atte esticou um braço, apertando o ombro de . – São ciclos, todos vão se encerrar. Nem o Lauri é mais o gerente. Logo o Petri vai sair também e os outros caras. Todo mundo está recebendo propostas e os que não estão, estão buscando propostas. Não é só você que se incomodou com uma mulher na gerência.
– Você não está falando sério, não é? – ainda parecia não ter compreendido ou entendido. – Não vai mesmo sair, não é? Deixar Lahti e o time, eu. Eu sozinho no time?
– Eu vou embora logo depois dos playoffs. – Definiu Atte, apertando os lábios em uma linha fina. – Tenho uma reunião no final da próxima semana para contar ao time, mas não vamos negociar. O meu contrato já terminaria por agora, de qualquer jeito.
– Não acredito que está fazendo isso. – ainda encarava o amigo e a situação como se fosse pessoal, em negação.
– Ness me apoia nisso, do jeito que apoio ela. – O goleiro contou depois. – Mas não para a Áustria. Ela queria que eu tentasse algo na Inglaterra, para ficar mais perto, mas... eu quero o Salzburg. – O goleiro negou com a cabeça, encarando o chão. – Era por isso a briga. A gente não consegue se resolver. Ela quer que eu vá com ela, não acha que é possível um relacionamento a distância assim. Porque as coisas vão ser diferentes agora, treinos e tempo, vai ser tudo mais corrido e apertado. Eu já acho que ela devia ir e eu ficar na Áustria e que a gente dá conta de um relacionamento à distância.
Atte ficou de pé e relaxou as costas em uma das vigas de madeira da varanda da cabana, ainda tinha no rosto a expressão chocada e traída.
– As pessoas não vão ser enterradas no Pelicans, . – O goleiro torceu os lábios. – Nem todos estão satisfeitos com o que já tem, a maioria vai querer alcançar seu pleno potencial. Respeito que não queira sair do time, mas não dá para pedir para ninguém desperdiçar chances junto com você aqui.
– Desperdiçar chances? – também ficou de pé, sacudindo a cabeça negativamente. – Isso não é sobre desperdiçar chances. É sobre ser uma família, sobre lealdade, sobre pertencimento.
– Sua lealdade cega e sem qualquer preocupação, vai te transformar em uma estátua em Lahti, . – Atte respondeu apontando par trás, como se Lahti estivesse há alguns metros. – De lenda, príncipe do hockey na cidade e no país, você vai acabar sendo conhecido pelo homem que tinha tudo e que desperdiçou. Deve ser até pecado fazer isso.
– Não vem com esse papo. – O capitão expirou com algum desprezo. – É uma escolha, sobre o que é melhor para mim, sobre ser leal ao time e a um grupo que...
– Um grupo que até o final da próxima temporada vai ter sido trocado por completo? Para de repetir isso. – Atte completou, interrompendo o melhor amigo. – Sua lealdade é medo disfarçado. É você fugindo de uma verdade que não quer encarar. Mas , você não é uma criança mais, precisa enfrentar os seus problemas e parar de correr para a sua mãe ou para . Porque eu duvido que você já consiga diferenciar se isso é mesmo o melhor para você, ou se é só mais cômodo.
– Vai apelar? – riu nervoso encarando o teto e colocando as mãos na cintura.
– Cara, você pode ferrar sua vida como quiser. – Atte levantou os ombros. – Me cansei de tentar te convencer. Mas, não vai me julgar como se eu estivesse traindo algo ou alguém, só por fazer o que é melhor para mim. – O goleiro fez menção a se afastar. – Eu não sou a Inessa, não vou fazer só o que você acha melhor. Nem a para se enterrar com você aqui para sempre.
não respondeu, permaneceu imóvel no lugar, encarando o chão e sacudindo a cabeça negativamente.
– Olha, eu não quero brigar. – Atte voltou a falar, aproximando-se do amigo um pouco mais, amenizando o tom. – Mas você achava mesmo que tudo ia seguir assim? Para sempre? Cara... ao contrário de você, ninguém está no time por opção. Esses caras... eu, só não estamos na NHL porque ninguém quis a gente lá. – O goleiro baixou o rosto e apertou a ponte do nariz com os dedos polegar e indicador. – Tem chance que daria a vida, a alma, pelas chances que você joga fora.
não respondeu, encarava o vazio a sua frente, olhos vagando perdidos. Atte enfiou as mãos nos bolsos da calça que usava, com o livro preso junto ao tronco, pelo braço.
– Eu não queria brigar com o meu melhor amigo por isso. Você disse antes, sobre apoio. Eu reconheço que não tenho apoiado muito suas decisões com a por temer o que estão fazendo, mas... seria bom se você pudesse tentar me apoiar um pouco nessa. – Atte suspirou. – Eu sempre te apoiei quando não quis seguir seu rumo para fora daqui. Tudo bem que tentei te convencer, mas, você sabe que sempre te apoiei. Eu queria muito que meu melhor amigo pudesse ficar feliz por uma oportunidade boa que recebo.
A fala de Atte rasgou em culpa e o central inclinou o rosto, tencionando o queixo.
– Só... – Atte deu três soquinhos ritmados e leves na na viga de madeira que sustentava a varanda. Tinha voz mansa, entristecida. – Só não aja como se eu tivesse te traído, porque não é sobre isso, tá legal?
Entre os dois houve silêncio e ninguém falou qualquer coisa, até que Atte resolvesse se afastar de cabeça baixa, entrando pela porta da cozinha. não se moveu, precisava de tempo para digerir aquela notícia. Era como se sua vida agora fosse um castelo de areia e sem que pudesse controlar, as ondas subiam e a cada instante, mais do seu castelo era levado pela água, sem que ele pudesse fazer nada. Inessa e Atte estariam longe, os dois.
Não teria mais a parceria de Atte no time, não teria mais o amigo por perto sempre que precisasse ou que quisesse apenas tomar uma cerveja e jogar alguma coisa. As coisas mudariam. Agora Aleks também não queria estar com , tinha brigado com Santtu no vestiário, e aos poucos, parecia estar afastando todos com quem convivia. As coisas se complicavam cada vez mais, sentia que estava perdendo o controle, a realidade tão comum estava se desfazendo diante seus olhos. O mundo que conhecia, o time como conhecia, as pessoas ao seu redor. Os momentos juntos de sempre se tornariam lembranças para enfim, depois de ficarem cada vez menos detalhadas, frágeis como papel velho, desaparecerem para sempre.
Era estranha a sensação de abandono que sentia, como se alguém tivesse arrancado o céu que devia pairar sobre sua cabeça. Não era só com sua situação que devia se preocupar agora. Por um lado, se saísse do time, sabia que a equipe de Lahti demoraria anos até se recompor depois de perder tantos nomes importantes. Ao mesmo tempo, não sabia se queria ser a estátua, a gárgula que nunca se move, envelhecendo e ganhando manchas do tempo, estática para sempre no mesmo lugar. decidiu que queria ir para casa e se trancar lá, para evitar que algo mais acontecesse e ele fosse atropelado por mais uma onda. Não queria descobrir quantas seriam preciso até se afogar.
Domingo, 06 de fevereiro de 2022
Viipuri – Oblast de Leningrado/Rússia
Depois do almoço, resolveu ajeitar tudo para a hora que o noivo decidisse partir. Mentiria se dissesse que não estava ansiando pelo momento, porque queria sua casa, sua cama, seus travesseiros e uma noite longa até a manhã seguinte. Sabia que estava incumbido da missão de conversar com Atte sobre os planos de Inessa e estava satisfeita. Entendia o quanto sair de seus padrões rígidos era difícil para ele, se orgulhava de que ao menos estivesse tentando, para o bem da irmã.
sempre a surpreendia positivamente e agora, com certa constância se flagrava pensando que os defeitos de seu capitão eram pequenos demais se comparados as suas qualidades. E isso a deixava feliz, causava borboletas em seu estômago como quando era adolescente, ou como no início, quando os dois ainda mal se conheciam. E agora, era seu noivo. Era assustador com certeza, mas ao mesmo tempo, excitante. Achava que agora precisaria repensar suas posturas, não era mais a namorada de alguém, era a noiva.
Soava sério e nunca antes tinha tido essa experiência. Era noiva de , ele a havia escolhido para ser sua futura esposa. Isso, pensando no que se casar significava, passar a vida inteira com apenas uma pessoa, na alegria e tristeza, ser escolhida por alguém para sempre. Muitas pessoas viviam uma vida inteira sem serem escolhidas por ninguém. Por isso, pensar que a tinha escolhido entre tantas, não por um esforço dela, mas sim porque quis, era o mais próximo que havia chegado – até então – de ter seu coração explodindo de felicidade.
Ele a tinha escolhido como noiva, tinha retirado uma das correntes que sempre usava e passado para seu pescoço. Era um compromisso firmado. A corrente brilhava sempre que a luz batia contra ela e não era fria como se esperava que correntes fossem. Porque não havia passado um tempo largada em uma caixa, esperando algum momento perfeito, numa praia, ou num jantar ou em qualquer outra ocasião que se cria para ser especial. Ao contrário, era espontâneo e natural. A correntinha era quente porque havia sido retirada do corpo morno de e passada para o seu em um momento naturalmente perfeito. Nada arquitetado, mas tudo perfeito.
A corrente tinha o nome do noivo, ela já o tinha visto usando a peça várias e várias vezes. Talvez antes, ou se sua versão do passado a estivesse assistindo, julgasse ser de uma breguice sem tamanho usar uma corrente com o nome de alguém no pescoço, principalmente um homem. Mas amou o presente, não se importava e ao contrário, amava a ideia de usar uma corrente com o nome dele. Não porque a inglesa pertencia a ele – apesar de pertencer – ou que ele era seu dono – apesar de ser –, mas porque ele a conhecia como ninguém, porque a lia, entendia e se importava.
Em algum tempo sua família seria a família de e para a infelicidade dele, o russo naturalizado finlandês mal sabia onde estava se enfiando. Mas a família também seria sua família, faria parte daquele clã tão fechado e restrito, mas também amável. Teria o nome dele, geraria os filhos dele em seu ventre, o veria ser pai, envelheceria com ele, tinha sido escolhida por ele. Era loucura, pensava e sorria sem motivo ao pensar sobre o assunto, enquanto descia as escadas, buscando ser um pouco sociável antes de irem.
Havia algum barulho na cozinha, mulheres falavam baixo sobre seus problemas de vida, enquanto o resto devia estar sonolento em algum outro cômodo, se recuperando da ressaca da noite anterior. A sala de estar estava na penumbra, cheirava a cravo, um cheiro quente que se misturava com as cores alaranjadas e terracota dos sofás e poltronas. Se o outono tivesse um cômodo, seria aquela sala. A inglesa correu os olhos pelo ambiente, mas não chegou a entrar, apenas ia passando por ela rumo a cozinha, quando uma movimentação e voz capturou sua atenção.
– Todos dormem bem de barriga cheia. – Brian riu rouco, sentando no canto da sala.
se virou em sua direção, sorriu e se aproximou, sentando-se em uma das poltronas perto do patriarca. O cheiro de cravo parecia vir de uma xícara de louça que fumegava e que Brian segurava com cuidado com os dedos grossos demais para a alça da xicrinha.
– Todos estão dormindo?
– Acho que sim. – Ele respondeu com um suspiro cansado. – É bom que essas festas só aconteçam algumas vezes por ano.
– Foi uma festa muito boa. – A inglesa elogiou, cruzando as pernas e apoiando o queixo com uma mão. – Todos pareceram se divertir muito e foi bom ver como vocês são uma família grande e unida.
– É uma família animada. – Brian sorriu mostrando os dentes. – Você vai querer fazer parte dela? – Ele perguntou de modo sugestivo, inclinando a cabeça e arqueando uma sobrancelha.
riu abafado e inclinou o rosto, corando.
– Se o senhor e sua família me aceitarem... – Ela respondeu envergonhada, mas lisonjeada. – é a pessoa mais importante na minha vida e uma das melhores que eu já conheci. Então, quem sabe um dia...
– Sei. – Brian pareceu ponderar um pouco, como se analisasse algo antes de falar. – Ele é responsável, cuida da mãe e das irmãs. A mãe ainda o tem como um bebê, isso estragou ele um pouco. – Ele falou sem rir. – Mas é coisa de latina, eu acho. Ele é um homem, grande. Tem boa intenção.
– Ele é sim. – assentiu sorrindo, interessada naquela conversa com o futuro sogro.
– Nunca foi de falar muito, mas você podia ver nas atitudes dele. – Brian continuou. – As atitudes de uma pessoa nunca mentem, os lábios sim.
– Nisso o senhor tem muita razão.
recostou a cabeça na poltrona, apoiando os braços no apoio e esticando as pernas, passou a observar os quadros e fotografias penduradas na parede. Fotos antigas de família, onde os três filhos apareciam ainda crianças nas mais diversas atividades, mas a maioria dentro de casa e com os pais.
– Foi bom você vir. – Brian falou outra vez depois de pousar a xícara em uma mesinha redonda, com três pés, ao lado da poltrona que ocupava. – Conheceu a maior parte da família.
– Eu fiquei feliz em ser apresentada, espero que tenha sido agradável. – assentiu sem desgrudar os olhos dos retratos.
– Foi. – Brian imitou a postura de , mas cruzou as mãos sobre a barriga. – Uma mulher para ser boa, para um casamento dar certo, precisa ser firme. Tem que saber conduzir seu marido, dobrar e não o contrário. Mulheres tem uma sabedoria diferente. Por isso que a mesma mulher pode dar certo com um marido e errado com o outro. – prestava atenção enquanto Brian discursava. – Você tem isso com o garoto. Firmeza. As outras não, ele dobrava.
– disse isso ao senhor? – riu fraco, surpresa com as palavras dele.
– Não, eu observo. – Brian sorriu de lado e piscou um olho. – Eu vejo ele crescendo.
– Bom, eu fico feliz que o senhor considere que estou fazendo parte disso. Consigo ver o amadurecimento dele também, o quanto ele tem se esforçado sempre para ser alguém melhor. – elogiou o noivo. – Ele sempre se mostra melhor, todos os dias.
– Se você joga um porco no fogo...
Brian maneou a cabeça e assentiu, pensando sobre o que ele havia dito, tentando entender o que a frase significava no contexto.
– Achei você. – chamou a atenção dos dois ao entrar na sala. – Estava te procurando. – Ele a beijou na testa, sentando-se perto de , no sofá.
– Estávamos aqui. – sorriu. – Falando um pouco mal de você. – Brincou sorrindo para o noivo.
– Deviam ter me chamado, posso dizer umas coisas péssimas sobre mim. – O jogador expirou um riso sarcástico, recostando-se no sofá.
apertou os olhos rapidamente, sentindo algo estranho no olhar do noivo. Parecia anuviado, desfocado, algo não estava normal. A inglesa tocou o braço de , atraindo sua atenção e usando apenas o movimento dos lábios perguntou: “Você está bem?”. O jogador respondeu com um aceno de cabeça e torcendo o nariz, como quem diz que sim, ou que ela não precisava se preocupar. não engoliu, mas resolveu indagar mais sobre o tópico quando estivessem sozinhos.
– Você fica até amanhã? – Perguntou Brian ao filho do meio.
– Não, na verdade eu quero ir agora, durante a tarde. – conferiu as horas no relógio em seu pulso. – Mas queria conversar uma coisa antes.
– O que é? – O pai se ajeitou na poltrona e o filho fez o mesmo.
– Igor e Bog me contaram sobre o que a TV está falando. – começou. – Sobre mim. Sobre o que todo mundo está falando.
– Do jeito que sempre falam. – O pai deu de ombros, olhando o filho. – Qual é a novidade?
– Queria saber o que o senhor acha disso tudo? – Ele encarou o pai com olhar de expectativa. – Sobre o que estão falando.
– Que pergunta é essa? – Brian franziu o cenho.
– Eu só... – hesitou. – Queria tentar ver pelo seu lado. É importante.
– Nunca foi antes. – O pai ironizou, apoiando o rosto com uma das mãos.
– Pai... – torceu os lábios, desarmado.
– Não faz diferença agora, de todo jeito. – Brian deu de ombros e olhou do noivo para o pai dele, confusa com a farpa. – Vou dizer o mesmo que disse quando ouvi por aí. Meu filho é um jogador sério, não vai fazer corpo mole. Se ele estiver fazendo isso, não é o meu filho.
– Ouviu sobre aquilo...sabe, sobre essa coisa de sair do time? – parecia uma criança prestes a denunciar uma estripulia para um pai severo, manteve o olhar no capitão, tentando prever o que ele faria, enquanto mordia o interior das bochechas.
Brian expirou um riso abafado e debochado, negou com a cabeça devagar.
– Sei que não vai.
– Eu sei disso, Papa. – inclinou-se para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos e balançou a cabeça. – Mas queria ouvir sua opinião sobre o que estão falando.
– Você não teve coragem para sair quando teve a chance, agora não vai. – Brian deu de ombros e riu. – Não consegue ficar longe da saia da sua mãe, garoto. Vai sempre ficar em casa.
Pelo modo com que estava inclinado, não podia ver seu rosto, mas reconheceu o incômodo no noivo quando percebeu ele tencionar os ombros e apertar as mãos.
– Acha que eu não daria certo fora daqui?
– Você acha que daria? – Brian devolveu a pergunta arqueando uma sobrancelha. – Bateu essa porta uma vez, . Jogadores de trinta anos querendo chances numa liga maior existem em todos os países, e nem por isso alguém abre a porta.
– Eu não tenho trinta anos ainda. – O jogador levantou a cabeça e sacudiu devagar. – O Ovechkin tem...
– Você não é ele. – Finalizou o pai, passando a encarar a parede a sua frente. – É?
– Não. – O capitão respondeu baixando a cabeça.
– As coisas tem consequências, eu sempre disse. – Brian deu de ombros. – Mas se você quer sair, fale com Mark. – Sugeriu e buscou o olhar de , mas quando a inglesa não o respondeu, apenas manteve a expressão neutra, com um pouco de resignação, o russo voltou sua atenção para a parede outra vez.
suspirou e inclinou a cabeça.
Mas logo percebeu, pela agitação da inglesa ao seu lado, que estava pronta para se pronunciar e então tocou o joelho dela. Quando ela o olhou, negou com a cabeça, num pedido silencioso para que ela não se colocasse naquele momento. apertou os lábios em uma careta, mas obedeceu, mesmo que a contragosto.
– Tem acontecido algumas coisas no time. O Lauri saiu e agora tem uma estrangeira que me persegue e dificulta tudo para mim lá.
– Mark ainda não cuidou dela? – O pai do jogador balançou a cabeça negativamente e fez um barulho com a boca. – Essas coisas não aconteciam antes.
– Tiveram algumas brigas também. Uns problemas com uns caras do time... – confessou depois, olhos no chão. – Mas eu sei que errei e estou tentando resolver.
O pai apertou os lábios e baixou as sobrancelhas.
– Então as pessoas não estão de todo erradas.
– Mas é complicado, tem muita coisa envolvida. – tentou se justificar. – Agora tudo é mais complicado.
– Não interessa o que tem envolvido ou não, alguém como você não devia fazer esse tipo de coisa. – O pai falou com alguma irritação ou decepção na voz, não conseguiu diferenciar. – Não precisa dar mais motivos para falarem mal de você. Nem jogar fora a carreira que construiu com muito esforço. Ou o resto dela.
– Eu sei. – Assumiu , desapontado consigo mesmo.
– Não parece.
Fez-se silêncio enquanto olhava para o noivo angustiada, ela se esticou e passou a afagar a nuca de .
– Você sempre precisa de alguém para resolver as coisas. Fale com o Mark, ele tira isso de cena. – O pai tornou a falar depois de fazer o silêncio ficar desconfortável. – Até você encontrar outra coisa burra para fazer. Só não fale disso por aí.
não respondeu.
– Eu acho que... – começou a falar, mas apertou seu joelho outra vez.
– O clima no time não é muito bom de modo geral. – maneou a cabeça, impedindo de propósito que a noiva falasse. – Mas eu não estou fazendo corpo mole. Só que...
– E você ainda quer sair... – Brian interrompeu o filho, mantinha o mesmo jeito de falar, uma irritação debochada. – Arrastando o nome na lama. Brigar no vestiário e carregar essa fama não vai ajudar você a ter um nome grande, a ter reconhecimento e chegar nos lugares que você deveria ter chegado. Nos lugares que preparamos você para chegar e que você não quis ir.
– Ou no lugar que o senhor queria chegar, pai. – respondeu com algum rancor, sem olhar o pai.
A primeira reação de Brian ao ser respondido pelo filho foi de o olhar como se ele tivesse lhe feito uma grave ofensa, para em seguida tentar se levantar e alcançar o jogador. Mas Brian se interrompeu assim que ficou de pé, as mãos ainda apertavam a poltrona que havia usado de apoio. recuou, afastando-se do alcance do pai, como se de algum modo já tivesse em sua memória o que aconteceria após o pai o olhar e se levantar daquele jeito. Depois de parecer desistir do que quer que tivesse pensado em fazer, o russo bufou e se sentou outra vez, um pouco mais nervoso e com uma careta diferente, que não entendeu o que podia significar, mas que a deixou com medo.
- Eu só queria ficar perto de casa, pai. – Admitiu , olhando o pai. Sua voz soou estranha aos ouvidos de , dolorida. – De vocês.
– Não me responda. – Brian rosnou entredentes para o filho, falando mais baixo, ainda se referindo a resposta anterior.
– Desculpe, papa. – suspirou e esticou a coluna, corrigindo sua postura sentado.
ainda estava tensa com a movimentação rápida entre os dois, assustada também. Enquanto isso, nenhum deles pareceu querer se mover, falar ou terminar o assunto. Não até que ficasse de pé de modo repentino.
– Está na hora de ir, vou buscar as malas. – Anunciou como se nada tivesse acontecido, entrelaçando os dedos aos de e fazendo com que ela se levantasse.
O pai não respondeu ou esboçou qualquer reação, sequer direcionou os olhos ao filho e os dois deixaram a sala. Apesar da aparência de normalidade que pairava na sala e sobre a situação, podia sentir a mão do noivo mais suada e mais fria que o normal. a puxava para o quarto sem lhe dirigir o olhar ou qualquer palavra, parecia com alguma pressa. Do seu lado da situação, a inglesa estava pasma, confusa e incrédula com a conversa, com as reações e com o modo com o qual o quase sempre muito dócil futuro sogro havia se dirigido ao filho.
Era estranho, desconfortável e estava dividida entre a imensa vontade de abraçar , a de questioná-lo sobre o acontecido e a de voltar até a sala e fazer um longo discurso a Brian sobre como ele podia ser um pai melhor.
– Que bom que já arrumou tudo, Rakkaani. – elogiou sorrindo de lado assim que passaram pela porta. – Está pronta para ir? – Questionou ele, entrando no banheiro.
trancou a porta assim que passou por ela, ainda estava tão pasmada com a situação, que não conseguiu responder o namorado.
– O que foi aquilo? – Indagou ainda estática, apontando para a porta.
– O que? – perguntou do banheiro.
– Seu pai e tudo que ele disse. – A inglesa e se aproximou do noivo, parando junto a porta do banheiro. – Ele se transformou, o que houve? Ou ele é sempre desse jeito? Ríspido, agressivo.
– Deixa isso para lá. – pediu, levantando a tampa do vaso sanitário e desamarrando os cordões da calça de moletom.
– Não tem como só deixar para lá. – balançou a cabeça devagar e cruzou os braços, enquanto o noivo urinava. – Ele foi rude, você é um adulto. Aquilo foi muito estranho. E depois, achei que ele ia tentar te bater quando o respondeu. Ele realmente pareceu que ia. Isso me assustou, essa agressividade toda.
– Ele só quer o que é melhor para mim. – deu de ombros, mas desviou o olhar ao falar, concentrando-se no que fazia. – Ele não está errado, eu fui idiota. Ele só disse a verdade. É a verdade sobre tudo.
– , amor... – apertou os lábios e balançou a cabeça devagar de um lado para o outro. – Não é tão simples, você sabe.
– Eu sei, mas não quero falar disso, . – foi firme, andando para perto do lavatório depois de puxar a descarga. – Pegue suas coisas.
– Não dá para varrer tudo para debaixo do tapete. – A inglesa o assistiu lavar as mãos e depois passar por ela, saindo do banheiro. – Acho mesmo que a gente precisa falar sobre isso. Eu estou vendo como você não está okay, mesmo tentando parecer.
parou perto da cama, mãos na cintura e cabeça inclinada.
– Sou eu, lembra? – se aproximou pelas costas dele, tocando-o devagar. – A mulher que você quis casar hoje de manhã. Sua amiga também. – A inglesa o puxou pelo ombro, fazendo-o girar em seu próprio eixo. tinha o olhar baixo, cabeça inclinada. – É a sua aqui.
– Eu sei o que vai dizer. – Ele respondeu baixo, ainda sem a olhar nos olhos, mas era atenta a sua expressão. – Mas não vai adiantar e a gente vai brigar.
– Talvez você se surpreenda. – Ela disse tentando convencê-lo. – Apesar do meu histórico, eu continuo sendo boa para ouvir.
– Não preciso falar sobre isso. – Ele negou com a cabeça, unindo as sobrancelhas. – Meu pai tem razão no que falou, você não sabe da história toda. Não vai adiantar você me dizer que ele foi agressivo comigo, porque não foi. Meu pai tem razão.
– Eu só quero ajudar. – falou de novo, tocando o peito do noivo.
– Eu sei, você é assim. – assentiu. – E é o aqui. Eu só quero ficar na minha. Não quero brigar com você também.
– O que quer dizer com esse também? - A inglesa franziu o cenho.
– , por favor. – se afastou da namorada, aproximando-se das malas, mas não mudou o tom de voz. – Eu não quero ser analisado agora. Me dá um pouco de espaço.
– ... – girou em seu próprio eixo, acompanhando o noivo com o olhar.
– Vou te esperar lá em baixo. – Decidiu, pegando as malas que já estavam prontas e fechadas sobre a cama.
– , talvez... – insistiu, mas ele a interrompeu.
– Se apressa aí, por favor.
acompanhou frustrada o noivo passar pela porta, deixando-a sozinha no quarto, sem acreditar em sua postura. Sobre como o namorado parecia sublimar o acontecido. Nunca havia visto uma conversa daquelas entre os dois, nem sabia que entre Brian e o filho pudesse haver algum tensionamento daquele gênero. Parecia ser uma mistura de crítica excessiva com cobranças, numa certa agressividade disfuncional, principalmente se considerasse quem era . estava abismada e incrédula sobre como parecia tolerar aquilo e sobre como a reação do namorado era de passividade.
A inglesa sacudiu a cabeça e expirou pesadamente, pensando sobre que droga era aquela que estava acontecendo.
52 – Won't you save me?
I never thought I'd be speaking these words
I never thought I'd need to say
Another day alone is more than I can take
Won't you save me?
Saving is what I need
I just wanna be by your side
Won't you save me?
I don't wanna to be
Listen please baby don't walk out that door
I'm on my knees you're all I'm living for
Just drifting through the sea of life
[…]
Suddenly the sky is falling
Could it be it's too late for me?
(Save Me – Hanson)
Domingo, 06 de fevereiro de 2022
Trajeto Viipuri/RU para Lahti/FI
Lappeenranta – Lahdentie
A tarde caía rápido e apesar da hora, os últimos raios de sol alaranjados já sumiam no horizonte. Havia neve na rodovia por quase todo o trajeto e tinha pressa para chegar em casa, queria adiantar as três horas de viagem ao máximo. Ao menos essa era sua ideia inicial, até ser surpreendido pelo rompante infantil de de querer desesperadamente parar em Lappeenranta para comer algo decente antes de chegarem em casa.
O pedido insistente de havia causado uma briga rápida entre os dois, que terminou com fazendo exatamente o que ela queria e desviando sua rota, entrando na cidade. Era início da noite de domingo, pessoas passeavam pelas ruas, os restaurantes começavam a abrir e tudo devagar parecia despertar na cidade. havia passado o resto do trajeto até Lappeenranta no mais completo silêncio, no celular. Enquanto dirigia chateado por ela estar brava, mesmo tendo cedido ao capricho da inglesa teimosa que agora chamava de noiva.
O dia havia sido difícil e ruim, esperava que com a conversa com a inglesa no quarto, antes de saírem, as coisas pudessem ser mais leves durante a viagem. Mas parecia empenhada em ter o que queria, por bem ou mal. Apostava que atrasar a viagem para Lappeenranta devia ter esse objetivo. Mas estava cansado demais para se irritar com a noiva. Então depois da pequena discussão, cedera e não tinha interesse em abrir a boca para mais nada além de comer. Estava sujeito a tudo que ela quisesse fazer, apenas porque não queria discutir, não queria argumentar ou coisa do tipo. Estava com humor embotado, fechado em si mesmo, sem que nada passasse em sua cabeça.
O jogador estacionou numa rua lateral, pouco movimentada, de onde se podia ver barcos e restaurantes flutuantes com luzes penduradas, começando a encher de pessoas. As ruas em torno do lago eram movimentadas e para onde deviam ir. Quando o carro foi desligado, a inglesa o olhou, soltando o cinto de segurança.
– Pronto, sair e comer. – Ela falou como se fosse simples, saindo do carro.
suspirou e a imitou de cabeça baixa, pensou rapidamente sobre como ela era teimosa e geniosa. não conhecia a cidade, provavelmente escolheria algum restaurante aleatório, achando que assim o forçaria a se comunicar. Tudo podia ser resolvido tão facilmente se a noiva soubesse respeitar o espaço alheio, ele pensava consigo. o tomou pela mão quando os dois se reencontraram na frente do carro. A terapeuta andava pela rua puxando o jogador pela mão sem cuidado, atravessando mares de pessoas que faziam o trajeto oposto, em direção aos restaurantes e lojas perto do lago.
seguiu arrastando o capitão pela mão, subiram uma rua de pedras, entrando cada vez mais dentro da cidade e a cada passo, balançava a cabeça negativamente, devagar. Ele conhecia a região, ela não, mas naquela altura, o jogador já estava anestesiado com a pirraça infantil e teimosa de . Até que ela parou perto de um restaurante com fachada de vidro combinada com paredes de pedra e portas largas de madeira. A inglesa se voltou para o jogador, que já ostentava uma expressão de pouquíssimos amigos. Ele tinha o queixo tensionado, lábios torcidos e sobrancelhas ainda mais retas, estava impaciente e parecia aborrecido para quem o olhasse – e para não o olhasse também.
– Você me deve um desejo. – começou a falar sem que aquelas palavras fizessem qualquer sentido para ele. Também não parecia irritada agora, estava mais para ansiosa e incerta. – Eu tenho um desejo que você me prometeu, bem aqui. Há algum tempo. Mas apesar de ter, não gostaria de usá-lo essa noite.
apertou os olhos um pouco mais, tentando forçar seu cérebro a trabalhar para compreender o que ela dizia. O jogador olhou outra vez para o restaurante escolhido pela inglesa – aparentemente não do modo aleatório como ele julgara a princípio –, para a rua, tentando unir as peças em sua cabeça. Até que em um estalo, tudo fez sentido e foi atingido por uma onda de surpresa e culpa, tudo na mesma medida. Ela não fez isso, fez? pensou consigo mesmo, a olhando com hesitação.
– O desejo que te prometi. – Ele concluiu em um sussurro. – Na nossa outra viagem para Viipuri.
– Eu esperava que a cidade te trouxesse boas memórias. – sorriu com olhar ansioso. – Que de alguma forma, isso ajudasse você com o que for que estiver aí dentro.
quis gritar, se jogar no chão – ou de uma ponte –, chorar e implorar perdão pelo seu mal humor terrível, sua falta de sensibilidade e por existir. Mas não alterou sua expressão facial por nem um milésimo de segundo.
– Eu respeito que não queira falar comigo sobre o que está te afetando, ou o que quer que tenha acontecido na casa dos seus pais, mas pensei que talvez isso pudesse amenizar as coisas. – continuou explicando, tinha uma das mãos segurando a mão direita de , parados um de frente para o outro. – Desculpe se fui insistente, chata e se atrasei a viagem para virmos aqui, mas achei que se eu te contasse meu plano, você negaria.
Ela tinha razão, ele pensou.
– Ou não. – Ele ergueu um ombro.
– Desculpe. – pediu outra vez e pensou sobre o que o pai lhe dissera mais cedo, era mesmo um idiota burro em tudo na vida.
O jogador a puxou contra si e a abraçou forte, beijando sua cabeça e apoiando o rosto ali, sentindo o cheiro dos cabelos dela.
– Você pretendia usar o desejo como?
– Te fazer ficar, mas esperava não precisar te obrigar a jantar comigo. – Ela respondeu, estava o abraçando de volta, sentia as mãos dela em suas costas e o queixo da inglesa o tocar o ombro, mesmo que de forma desajeitada por estar na ponta dos pés.
– Desculpe por precisar fazer isso. – Ele quem pediu desta vez, depois de um suspiro longo, com voz cansada. – Eu não mereço você.
– Ei. – afastou o rosto do peito do namorado para o olhar nos olhos. – Não diga isso. É só um dia ruim.
manteve o contato visual por mais alguns instantes até desviar e se desvencilhar da inglesa, tomando-a pela mão.
– Vamos entrar, então? – Propôs.
Tinham feito seus pedidos, carne de rena como era óbvio. Enquanto aguardavam, foi abordado por algumas crianças que queriam autógrafos e fotos com o jogador. o assistiu de longe com paciência, incentivando-o a atender seus pequenos fãs, mesmo em seu estado atual. Quando enfim terminou, o jogador voltou para a mesa e sentou outra vez, com o mesmo semblante inexpressivo. Mas havia algo que poucas pessoas podiam fazer, mas que felizmente conseguia com facilidade.
Os olhos castanhos de falavam dez vezes mais que o capitão do Pelicans. Eles gritavam. Brilhavam quando estava feliz ou emocionado, se moviam mais quando ele estava ansioso ou agitado, ficavam parados e opacos quando ele estava triste. Se pareciam com uma janela, um tipo de espelho onde alguém assiste algo por detrás.
Naquela noite, o olhar brilhante e vivaz da manhã, havia se transformado em olhos que mal se moviam, opacos, num tom mais escuro de castanho, mais fechados. E quando olhava para ele, conseguia ver seu incômodo, sua irritação e chateação. Lembrava o olhar do noivo de algumas situações de quando se conheceram, das situações onde se culpava e se torturava por não se sentir bom o suficiente como capitão apenas por ter saído antes de um jogo. Ou de outras, entre os dois.
De certa forma, conseguia entender o porquê. Se fosse sempre cobrado a ter posturas impecáveis em gelo, se seu pai sempre fora duro, crítico e difícil como havia se mostrado naquela tarde, tudo estaria explicado. Era triste, pensava enquanto o assistia mexer no celular, que talvez nem mesmo entendesse que a raiz de sua auto cobrança fosse aquela. Ou que ele julgasse como algo normal, natural, quando embora pudesse ter um fundo de cuidado, não estava ocupando aquele papel.
Sua vontade era mostrar tudo isso ao noivo, mas não queria assustá-lo. Conseguia prever o que aconteceria se forçasse com aquele assusto: distanciamento. Ele não devia estar pronto para lidar, se distanciaria de , entenderia tudo errado e talvez tivessem em mãos outra grande crise.
Era importante lembrar que não era seu paciente, não podia trata-lo como um. Além disso, não podia usar a mesma régua usada em sua vida para medir a vida do noivo, não era justo. Tudo que podia fazer era criar um espaço seguro e confortável para recebê-lo, para que pudesse encontrar alento em casa, ao menos.
– Posso te perguntar uma coisa? – se inclinou um pouco mais sobre a mesa e sorriu.
ergueu o olhar devagar, ao mesmo tempo em que soltava o ar pelo nariz.
– Sim.
– Quais jogadores famosos e que jogam fora da Finlândia, você já conheceu? – Ela perguntou, tentando parecer animada com a pergunta e o assunto, buscando melhorar o clima do jantar.
uniu as sobrancelhas e franziu o cenho.
– Que tipo de pergunta é essa?
– É só uma pergunta. – ergueu os ombros. – Fiquei pensando sobre isso quando você estava dando autógrafos. Você é a pessoa mais famosa que eu conheço, então...
– Você conhece o . – a interrompeu para lembrar.
apertou os lábios em uma linha e o olhou como quem pergunta “é sério?” O jogador deu de ombros e apoiou as costas na cadeira, baixando o olhar um pouco.
– Eu conheci os caras que estavam no Draft comigo. – começou a falar depois de um tempo em silêncio. Não ergueu os olhos, permaneceu encarando os talheres na mesa como se fossem a coisa mais interessante. – O Seth, Seth Jones, tinha o Nate também. Ele foi a primeira escolha geral, Nate MacKinnon. Era muito bom, os dois eram. Tinha um outro cara, Aleks Barkov. A gente dividiu quarto de hotel e ficamos juntos durante o evento inteiro. A gente já se conhecia porque ele é bagunçado como eu.
– O que quer dizer?
– O pai é russo, mãe finlandesa, ele cresceu em Tampere. – esclareceu. – Tinha dupla cidadania como eu, jogou na liga Juniors como eu, antes de entrar na SM-Liiga, como eu. A gente jogou um contra o outro várias vezes e depois juntos com a seleção.
– Você perdeu o contato com ele? – ficou curiosa.
– Um pouco. – respondeu depois de estalar a língua. – Às vezes a gente troca umas mensagens. Ele joga no Florida Panthers, é capitão lá. Ele costumava tentar me convencer a ir também. Depois a gente ficou um pouco sem assunto. – pareceu pensar um pouco, fazendo silêncio. – O Seth eu não vejo ou falo há anos, o Nate costuma mandar alguma mensagem idiota nas festas, aniversário, essas coisas.
sorriu.
– Eles são famosos agora? Lá fora?
– São. – riu fraco pelo nariz, erguendo o olhar rapidamente, mas baixando outra vez. – Nate é um dos melhores da liga agora. O Seth também é bom, Aleks é também.
– Quem mais? – ficou empolgada com o assunto, ignorando a vontade de indagar e dizer ao noivo que ele poderia estar no mesmo lugar que os três nomes.
– Eu não sei, eu já conheci muita gente. – deu de ombros.
– Algum que seja legal, que vale a pena mencionar. – esticou a mão sobre a mesa, alcançando o noivo, ele a olhou ao sentir o toque dela. – Alguém que vale a pena mencionar, para impressionar sua noiva.
não respondeu.
A comida foi servida e o assunto interrompido. Os dois ficaram em silêncio, assistindo o trabalho do garçom. passou a crer que talvez sua abordagem não estivesse fazendo muito efeito, mal a olhava e estava falando pouco. Talvez fosse bom deixá-lo quieto por um tempo, digerindo o dia e lidando com tudo. Como ele havia pedido.
Já o capitão só conseguia se sentir mal ao pensar naqueles nomes. Não por mal, mas porque era como um lembrete do que poderia ter sido, do que deveria ser agora. Seu pai tinha feito questão de lembrá-lo naquela tarde e Atte também. Lembrá-lo do que tinha desperdiçado, ao que havia dito não e talvez, pela primeira vez, o capitão se incomodou ao imaginar. Não queria ser o cara frustrado, congelado no tempo em lugar nenhum, nem queria falar sobre o assunto, mas ela estava ali. Se esforçando, tentando fazer do dia algo melhor, tentando ser alguma luz naquela imensidão escura e fria. Por isso, se esforçou um pouco.
– Eu conheci o Alexander Ovechkin. – voltou a falar depois, pegando de surpresa. – Na época do Draft e depois. Quando me encontra, ele finge estar com raiva por eu ter me naturalizado finlandês. Ele começou a fazer isso depois que descobriu, porque ele é russo. Uma vez, fui comemorar o aniversário nas férias, em Moscou, era um restaurante. Ele estava também, para comemorar o dele. A gente faz aniversário no mesmo dia. Mas, não faz diferença, você não sabe quem ele é. – deu de ombros, cansado e já desanimado ao pensar o que o jogador veterano diria dele agora se pudesse vê-lo.
engoliu a resposta pronta que se formou em sua língua, respirou com mais calma e sorriu.
– Eu posso aprender, como já aprendi várias coisas desde que cheguei aqui. Com você.
– Claro. – Respondeu ele sem animação, levando um pedaço de carne a boca.
resolveu comer também, tinha perdido o interesse no assunto com o corte dele.
– Por que o interesse nisso agora? – falou depois, tentando retomar a conversa. – Achei que não ligasse para fama.
– Não ligo, só queria conversar alguma coisa leve com você. – respondeu com os olhos no creme de alho-poró em seu prato.
– Não precisa se esforçar, não é você. – deu de ombros e o olhou. – Sou eu.
– Eu sei, mas você é importante para mim. Não posso só fingir que não estou vendo você se remoendo por dentro, se torturando. Lá em casa, a gente não só deixa para lá. – Respondeu ela, voltando a atenção para o prato.
– Talvez na Inglaterra as coisa... – tentou responder, mas o interrompeu.
– Minha casa não é mais na Inglaterra, .
Os dois ergueram o rosto ao mesmo tempo, tinha o olhar resignado, um pouco questionador, mas resignado. mordeu a bochecha, apoiou os punhos na mesa e baixou os ombros.
– Me desculpa de novo.
o olhou, apertou os lábios e suspirou, mas não respondeu, os dois terminaram o jantar em silêncio.
Segunda-feira, 07 de fevereiro de 2022
Casa de e
Lahti – Finlândia
A primeira refeição do dia estava na mesa, os funcionários de já estavam escondidos outra vez e o café da manhã servido em pratos bonitos, delicadamente, como num café da manhã de hotel cinco estrelas, ou numa cafeteria chique. estava sentada na cadeira à direita da cabeceira da mesa, com uma tigela com frutas, iogurte e mel, um livro nas mãos e se dividindo entre levar uma colherada a boca e mudar a página do livro. Felix estava aos seus pés, deitado e mastigando um brinquedo.
O tempo estava escurecido, fechado de nuvens e nevava outra vez. Sempre que a previsão do tempo apresentava uma chance de aquecimento do clima, logo a neve finlandesa resolvia fazer aumentar sua potência e ocupar cada espaço possível do país. não via a hora do sol voltar, de conseguir ver grama outra vez, encontrar flores nas ruas e sentir a estranha e muitas vezes desconfortável sensação do calor.
A neve que caía podia ser vista pelos vidros limpos excessivamente, que separavam a área externa da interna. Lá fora as árvores sem folhas, uma parte da quadra de tênis, uma das bordas da piscina, árvores outra vez. E se chegasse perto do vidro o suficiente, podia ver ao longe as luzes da cidade, a pista alta para esportes de inverno e até uma parte do lago. Tudo era coberto por uma imensidão branca, que contrastava com o céu escuro, apesar de não ser exatamente cedo naquela manhã.
A inglesa estava acordada há quase uma hora quando ouviu passos descendo as escadas, resolveu não erguer o olhar. Achou por bem esperar que ele se aproximasse e então, saberia o que a aguardava. Na noite anterior esteve mais silencioso, apático, falou pouco e se manteve com aquele olhar, se fechando em si mesmo, mesmo que acompanhado por ela. tentava não pensar sobre sua frustração, sobre como estava incomodada por ele não querer dividir, por estar se fechando, ignorando sua presença. Mas, resolveu confiar no agora noivo, esperar e deixá-lo agir primeiro. Não era sua intenção discutir a relação, embora entendesse que para noivos, não compartilhar o que acontecia não era exatamente uma bandeira verde.
desceu de chinelos, meia, calça de moletom e um casaco pesado e grande do mesmo tecido, usava uma touca também, mesmo que dentro de casa. Os dois passariam a segunda-feira juntos já que, agora estava desempregada e suspenso. Eram um casal e tanto, trabalhistamente falando.
O jogador se aproximou em silêncio da inglesa e a abraçou pelos ombros, por trás, beijando o lado do rosto de e afundando-se na curva de seu pescoço. A terapeuta sentiu que ele respirou fundo, como se quisesse sentir o cheiro dela.
– Bom dia. – Ele sussurrou com voz abafada.
– Bom dia, querido. – não afastou o rosto do livro.
deixou mais alguns beijos preguiçosos no pescoço e rosto de , depois assumiu seu lugar na cabeceira da mesa. Analisou os alimentos dispostos ali e depois de algum tempo, se serviu com leite. Enquanto bebia, observou a noiva, assistindo o que ela fazia.
– Está lendo o quê? – Ele quis saber, limpando com as costas da mão o bigode de leite sobre seu lábio.
– É um dos livros que você me deu no natal. – respondeu sem desviar o olhar ou sorrir. – Anna Kariênina.
projetou o lábio inferior e assentiu devagar com a cabeça.
Havia um clima estranho no ar, uma espera vazia e angustiante. queria falar, indagar, analisar, questionar, descobrir, revirar o noivo do avesso, mas não queria pressioná-lo, então se calava. estava incerto, com vergonha, culpado, triste, desanimado, com medo, sem jeito, não sabia como começar uma conversa e sentia que ele não era a pessoa com quem queria conversar. Era como se uma parede estranha de gelo tivesse se formado entre os dois, mesmo que invisível e sem ser proposital, por causa da tarde anterior.
a olhou outra vez, pescava com preguiça as frutas picadas com iogurte, lendo como se estivesse sozinha na mesa. Talvez ela se sentisse assim depois da última noite. mal dormira pensando em tudo, pensando que ela tinha tentado o levar até um lugar especial, tentando se reconectar com memórias boas dos dois. Mas tudo que ele conseguiu oferecer foi ser um gigantesco babaca, pé no saco, péssima companhia. Estava frustrado consigo mesmo e julgava merecer um soco por isso. não tinha culpa e ele não tinha direito de estragar uma memória boa, sendo o de sempre, cujo fazer algo idiota era o sobrenome.
Talvez estivesse sendo muito dramático também, chato, remoendo tudo, infantil e melancólico. Um porre de noivo, namorado, amigo ou qualquer outro papel que ousasse ocupar para qualquer pessoa.
Quando pousou a colher na mesa, terminando seu café e arrastou os pés, como se estivesse prestes a se levantar, tomou uma atitude.
– A gente pode subir? – Ele propôs e ergueu os olhos para ele pela primeira vez. – Queria conversar.
– Subir? Não dá para conversar aqui? – arqueou uma sobrancelha.
– Dá, mas...
– Tá legal. – assentiu e ficou de pé.
tomou a mão da noiva e a puxou, atravessou a sala, subiu as escadas devagar e andou pelo corredor até entrarem no quarto, longe dos olhos e ouvidos dos funcionários. O cômodo ainda estava desarrumado, cama bagunçada, quente e com cheiro de sono. deixou que passasse e entrou no quarto atrás dela, trancando a porta. A terapeuta inglesa parou e cruzou os braços sobre o peito, esperando que ele começasse, mas passou por ela, puxando-a pela cintura em direção a cama.
Os dois se sentaram, um de frente para o outro.
Demorou um pouco para que se pronunciasse. Os dois estavam sentados um de frente para o outro, mas o olhar do capitão parecia querer qualquer outro lugar, exceto o rosto de .
– Depois de tudo ontem, eu te devo uma explicação e um pedido de desculpas. – foi sincero. Ele estralava os dedos das mãos e encarava a cama.
– Eu estava esperando que fizesse isso. – assentiu.
– Eu queria mesmo pedir desculpas por ontem. – Ele declarou. – De verdade, eu tô com muita vergonha e me sentindo culpado por aquilo. Não queria estragar a noite, principalmente lá. Da última vez que a gente esteve em Lappeenranta foi especial. Eu não queria estragar a lembrança da cidade, nem que você tivesse que usar um desejo especial para que eu jante com você. – O jogador sacudiu a cabeça negativamente. – Você é a minha prioridade e ontem eu não fui a pessoa que você merece, nem de longe. Não falei direito com você, estraguei a noite... – Ele suspirou. – Só fiz merda.
não respondeu, mas o olhava nos olhos como se esperasse que ele continuasse.
– Fazer besteira é o meu nome do meio e eu não paro. – Ele continuou tentando preencher o silêncio e pelo seu tom, parecia mesmo irritado consigo. – Sempre faço besteira aqui e você atura. – sacudiu a cabeça negativamente e baixou ainda mais o olhar. – Tem horas que não sei porque você fica comigo.
– Tira a roupa de coitado, . – falou de modo direto e ergueu o rosto, surpreso e um pouco ofendido. – Não vai te ajudar ficar nesse lugar de vítima. Eu estou com você porque te amo, porque você me ama. Você erra, eu erro, faz parte. Mas não ajuda se você ficar com esse papo de não me merecer.
– Eu tô sendo sincero. – Ele se defendeu chateado, endireitando as costas.
– , se você acha que não me merece, mas quer merecer, então mude. – o olhou nos olhos para dizer, tomando as mãos dele para capturar sua atenção. – Como você já fez e faz. Mas esse papel de vítima, de se lamentar e sentir pena de si mesmo não combina com você. Esse não é o problema aqui.
– Se eu soubesse que não queria desculpas, eu poderia ter dormido melhor a noite. – Ele ficou de pé, magoado com a resposta dela, afastando-se. – Nunca acerto com você. De todo jeito, eu estou errado, fazendo sempre a coisa errada.
– Você sabe que isso não é verdade. – ficou de pé também. – Nem passa perto de ser verdade. E você sabe também que o problema não é o que aconteceu no restaurante. – O jogador a olhou, tinha mãos na cintura e respirava de maneira descompassada. – Claro que foi ruim e uma noite estranha, mas você sabe que não é isso. Disfarçar e fingir que é, não vai mudar a situação ou resolver o problema.
– Só queria pedir desculpas por ontem.
– Se esse é o problema, tudo bem. – se aproximou mais dele. – Eu desculpo você pelo jantar de ontem. Você não estava bem mesmo, eu já tinha percebido. Foi um erro a tentativa. Não devia ter feito.
– Nunca é fácil com você, não é? – negou com a cabeça, a olhando nos olhos. – Eu peço desculpas, você me chama de vitimista, me desculpa com esse tom. Como se eu estivesse errado e você brava. Como se fosse a coisa errada a fazer.
– Talvez eu seja mesmo alguém difícil de lidar. – respondeu também balançando a cabeça negativamente, suspirou e lhe deu as costas, indo em direção ao closet.
– Talvez fosse mais fácil eu ficar solteiro. – devolveu sem pensar.
– Não é tarde, . – respondeu, parando na porta do closet assim que ele terminou a frase, congelada. – Ninguém sabe do noivado ainda, então você não tem nenhum compromisso para realmente terminar.
mordeu a língua no mesmo minuto e se imaginou fingindo um desmaio. Nada que já não esteja tão ruim, que não possa piorar. Seu pai tinha razão, Atte também tinha razão sobre o capitão apenas cometer estupidezes.
– Ei, desculpe, não foi o que eu quis dizer. – a seguiu para o closet, encontrou a inglesa separando algumas de suas roupas. – Ei, Rakkaani. Desculpe mesmo. – a tocou no ombro, tentando fazer com que ela se virasse em sua direção, mas o ignorou. – Não foi o que eu quis dizer e eu disse sem pensar. Acabei de conseguir o que eu queria, que era o seu sim. Mas desde então tudo ficou um inferno.
– A gente sempre brigou muito, não faz diferença. – continuou separando peças de roupa.
– É, eu sei, mas você disse na festa que isso não era ruim de tudo. – tentou argumentar. – A gente briga, mas se resolve. Sempre foi assim. – O jogador começou a ficar nervoso com como ela não parava com as roupas e parecia empenhada em não olhar para ele. – Você pode parar com isso? Pode me ouvir? Não precisa ficar maluca e querer sair de casa só por causa disso.
de pronto se virou para ele, olhos injetados e com olhar fulminante, apertando os dentes.
– Retire o que disse. – Ordenou e recuou, engolindo em seco. – Retire o que disse agora.
– Tá, eu retiro. – Ele ergueu as mãos. – Não quis te chamar de maluca, só fiquei nervoso. Não quero que você saia de casa.
– Não estou arrumando malas, . – Respondeu com uma firmeza irritada. – Estou escolhendo roupas para me vestir, porque vou sair. – explicou, mas seu tom agora não era mais pausado e calmo. – Vou ver o Santtu. Te dar um tempo para decidir o que você quer ou não. – A inglesa se desvencilhou dele, afastando-se um pouco. – Talvez sozinho você consiga se decidir.
– Eu sei o que eu quero. – Ele tocou o braço da inglesa, tentando trazê-la para perto. – Não quero ficar solteiro, eu quero você. É você. Não me deixa complicar mais as coisas.
estava parada no mesmo lugar porque parou de andar quando ele a tocou. Respirava profundamente porque conseguia ver seu peito subindo e descendo, mas tinha a cabeça inclinada.
– Eu não tô acertando aqui, nem no time, nem com meus amigos. Ultimamente eu não tô acertando com ninguém. – voltou a falar. – E eu tô bravo com isso, bravo comigo. Bravo por não conseguir fazer as coisas como eu devia fazer. Mas não é com você, é comigo. Estraguei sua noite ontem, num lugar que a gente gosta e eu só queria dizer que sinto muito por isso. Tô me odiando por tudo que fiz de ontem até agora. – O capitão suspirou cansado e decepcionado, ficando mais perto dela. – Eu sei que não faz diferença, porque já foi. E talvez, você esteja pensando e talvez deveria mesmo pensar, se é isso que quer pra sua vida. Porque mesmo eu tentando mudar, quando acho que melhorei, que tudo está bem, eu descubro que não. Eu não vou ser a melhor pessoa para você nunca.
– Isso é você sentindo pena de si mesmo e esperando que eu também sinta pena de você? – indagou sem o olhar, abrindo e fechando as mãos, falando baixo. – Que tente te convencer de que não é por aí? Isso é algum tipo de manipulação?
– Não. – sacudiu a cabeça, flava sério e estreitando o olhar. – Nunca, . – Ele ainda negava. – Só te dizendo que o cara no ano passado, que fugiu de você porque não sabia o que fazer com o que sentia, ainda existe. E que eu... – balançou a cabeça outra vez e suspirou. – Eu sou isso aqui. O cara que provavelmente vai virar uma memória, uma estátua no alto dessa colina em Lahti, parado no tempo. Fazendo poucas coisas e sendo ruim nessas poucas coisas, porque eu não consigo acertar em nada que realmente quero. Você não tem motivo para ficar e ter essa vida, esse fardo. Porque não dá para te prometer muita coisa, não vindo de mim.
– Então agora está se sabotando? – ergueu o rosto. – O que vai dizer? Que eu devia ter ficado com o Merelä ou com o ? – tencionou o queixo ao ouvi-la, a olhava nos olhos porque não lhe dava outra opção. – Esse tipo de coisa, sim. Isso não pode acontecer. – Ela bateu com o dedo indicador no peito dele. – Mas esse discurso não combina com o cara por quem me apaixonei. Não é saudável para essa relação.
– Esse é o ponto, . – Ele argumentou. – Eu não sou saudável. Não está percebendo como as coisas estão? – O jogador gesticulava ao falar.
– Então quer terminar. – cruzou os braços, tencionando o queixo. – Quer terminar comigo, é isso?
O capitão balançou a cabeça negativamente, devagar.
– Quer que eu termine com você, então? Porque se for assim, é mais fácil? – ergueu um ombro. – Você pode sofrer em paz, pensando que aceitar o término é o melhor. E que eu escolhi o que era melhor para mim, deixando você continuar enterrado nessa caverna escura que era a sua vida. Sem precisar encarar os fatos e mudar.
– ...
– Quer tanto me mostrar que não é bom para mim, imagino que seja por isso. – Ela ergueu os ombros. – Você precisa verbalizar para tornar real, .
O capitão se afastou, apoiou as mãos em um dos armários do closet e inclinou a cabeça.
– Se é isso que quer, não vou facilitar para você. – falou com firmeza. – Você vai ter que terminar. E talvez seja até melhor, se na primeira crise de verdade, essa é a sua fuga.
– Fuga? – ergueu o rosto, com um sorriso sem humor, incrédulo.
– Ou eu sou extremamente burra, inocente e cega, ou isso é uma fuga. – Ela explicou, sua voz não tremia e não parecia emotiva, ou sensibilizada. – Esse papo torto sobre não me merecer, sobre nunca mudar e sobre não ser bom o suficiente. Depois de falar tudo aquilo na festa e ontem de manhã. Tudo nesses meses. Era tudo mentira?
– Claro que não. – Ele negou como se ofendido.
– Então, o que mais vai me dizer para tentar me convencer a ir embora? Porque se você acha que nós dois não fazemos sentido e que realmente não me merece, então é só você dizer e terminar, agora. – Ela ergueu os ombros e projetou o lábio inferior. – É só falar que não me quer mais, que eu me mudo. A gente termina. É o que você realmente quer? – Quando ele não demonstrou qualquer sinal de que responderia, ela insistiu. – Não foi uma pergunta retórica.
inspirou e expirou fundo, apertando os lábios e a olhando nos olhos. A olhou em silêncio por quase um minuto inteiro até a responder.
– Não, . – Ele respondeu baixo, engessado, tentando desviar o olhar.
– Você quer que eu vá embora? – repetiu.
– Não, .– respondeu com um pouco mais de emoção, mais sentido. – Não é o que eu quero.
– Olha, eu não sou criança. – sacudiu a cabeça negativamente. – Não aceitei fazer parte disso porque eu estou iludida e seguindo a emoção. Eu sei muito bem que o que conheci, com todas as dificuldades que tinha, ainda é o mesmo com quem eu durmo e acordo hoje. Nós não nos tornamos pessoas diferentes só porque o tempo passou, somos os mesmos. Algumas coisas eu achei que seriam diferentes agora, é verdade. Mas eu não sou criança, sei que quando você escolhe alguém, está escolhendo as luzes e sombras, o lado bom e os fantasmas. E eu posso lidar com os seus. – Ela declarou decidida. – Mas será que você pode lidar com eles?
O capitão mordeu a bochecha, mantinha os olhos sobre ela, mas não a respondeu.
– Você devia confiar mais no que construiu. – continuou a falar. – Não vou fazer o que você acredita que mereça, embora talvez fosse mesmo a decisão mais sensata depois de tudo isso. Mas não vou ficar com raiva, ou ir embora porque você acha que é mais fácil ou porque só faz a coisa errada.
– E o que você vai fazer?
– Ficar.
tencionou o queixo outra vez.
– Ficar com você.
O jogador a puxou para um beijo forte e repentino. Com uma das mãos usou para trazê-la para perto, apertando a cintura dela contra seu próprio corpo, com a outra emaranhou nos cabelos soltos da inglesa, como se para evitar que ela fugisse de seu beijo. não recuou, abraçou os ombros do noivo, depois levou as mãos para seu rosto, beijando-o de forma ardente e intensa. Devagar, forçou o corpo da noiva para trás, dando alguns passos para fora do closet, até que chegasse perto da cama.
O beijo não foi interrompido quando os dois caíram sobre os lençóis remexidos da noite anterior. estava por cima e ficou de joelhos sobre o colo do noivo quando se ergueu para retirar a blusa de lã que vestia. se sentou também, espalhando beijos onde era possível, enquanto a noiva se livrava das peças de roupa que lhe cobriam o tronco, a ajudando no que podia. Quando terminou, tomou o rosto dele nas mãos outra vez e foi como se conversassem através dos olhos, até que se moveu, assumindo a direção dos movimentos outra vez.
estava deitada junto dele, corpos nus e cobertos pelos cobertores, uma das mãos do jogador afagava seus cabelos e outra estava com dedos entrelaçados aos da terapeuta. As últimas palavras trocadas entre os dois foram as de , prometendo que ficaria. Durante todo o momento juntos como um só, o casal se manteve em silêncio, as comunicações ocorrendo através de olhares, respostas corporais e as leituras que faziam um do outro. Estavam deitados juntos, quietos até que ele se pronunciasse com voz mansa e um pouco melancólico.
– Quando você me perguntou ontem, sobre os caras que eu conhecia... – capturou a atenção dela. – Eu pensei que... – O peito do jogador subiu e desceu. – Talvez eu estivesse como eles agora.
– Isso te incomodou?
– Não sei.
se mexeu na cama, mas não se afastou dela.
– Achei estranho, foi como se... se eu me sentisse frustrado pela primeira vez. Frustrado por não ter feito como eles. – Ele confidenciou. – Eu fiz o que quis fazer, com todos me dizendo para fazer o contrário. Mas, e se fiz a escolha errada?
– Não é tarde para repensar.
– Não é mais a mesma coisa. – negou. – É como meu pai disse, talvez a chance não seja dada outra vez. Tem muita gente boa no mundo. Aqui eu sou eu, posso ser grande, mas lá eu sou só mais um. Com um histórico ruim, manchado de todo jeito.
– Eu me nego a acreditar nisso. – Ela respondeu envolvendo com a outra mão, a mão que estava entrelaçada com a dela. – É só uma fase ruim.
– Não sei mais se é.
– Sobre o que seu pai disse... – temia, mas resolveu tocar naquele assunto. – Não está arrastando o nome de ninguém na lama, muito menos o seu. As atitudes podem não ter sido as melhores, mas é muito mais complicado que isso. As pessoas não sabem o que se passa do vestiário para dentro.
– Não precisa me dizer isso. – Ele respondeu com o mesmo tom apático. – Lido com isso desde que saí da escola. Não tenho que dar explicações para as pessoas que falam mal de mim.
– Não precisa levar o que seu pai disse como verdade absoluta também. – Tentou aconselhar .
não respondeu logo.
– Meus pais sempre ficaram comigo, se sacrificaram também para eu conseguir uma carreira no hockey. – contou com olhar perdido. – Não foi fácil, mesmo que possa parecer. Eles investiram tempo, dinheiro e muito mais coisa nisso. Devo tudo a eles.
– , seu pai não sabe os detalhes todos agora. – tentou fazê-lo ver, virando-se para o olhar. O jogador escorreu uma das mãos, apoiando-a nas costas da noiva, mas manteve o olhar no teto.
– Mas ele tem razão sobre o resto. – Respondeu. – Ele queria que eu fosse para fora quando fui draftado. Ficou sem falar comigo por dois meses. – O coração de apertou quando o ouviu. – Minha mãe apoiou minha decisão. Acho que ela viu que eu não estava bem, que não ia conseguir ficar lá sozinho. – O jogador riu fraco. – Ela e meu pai tinham decidido que iriam comigo. Ela e a Ness, a Alicia ficaria com meu pai na Rússia. Depois, se mudariam também. Eu não tinha dezoito ainda, então... Mas eu não quis dividir a família, seria horrível.
– Eu lamento. – apertou os lábios. – Não fazia ideia de como havia sido.
– Ele achou um desperdício porque, quando eu me interessei pelo esporte, ele conseguiu um professor de patinação estrangeiro e colocou ele na casa do vovô. Eu tinha treino com ele todos os dias por muitas horas e nas férias, o dia todo. Colocou o outro cara dentro da família para eu ter o melhor, para ser o melhor. Depois ele foi meu agente por muito tempo, até encontrar o Mark. – Narrou o capitão. – Ele gostou do Mark e o contratou. Depois de uns anos, ele entendeu, eu acho. Entendeu ou minha mãe o convenceu. Ele até gostava que eu jogasse pelo Pelicans. Mas sempre queria me dar dicas e conselhos sobre como melhorar. – sorriu torto, fraco, sem humor. – No fundo eu sempre odiei quando eles apareciam nos jogos, porque eu sabia que ele estaria me analisando e anotando todo passe errado que eu desse. Nas finais ele sempre estava lá, usando meu uniforme e dizendo para as pessoas que era meu pai. Talvez por isso eu sempre falhe tanto nas finais. – Ele riu fraco outra vez. – Felizmente, nos últimos tempos eles não tem vindo muito.
expirou outro riso sem humor.
– Da última vez, foi no ano passado. – Continuou a contar . – Atte me mostrou os dois junto da torcida. Fiquei tão tenso que tive uma crise de enxaqueca depois do jogo. – passou a afagar o rosto do noivo, sentindo a textura de sua pele com a barba por fazer. – Eu não queria desapontar ninguém de novo e ele tem razão. Eu estou fazendo coisas burras, manchando o nome que todo mundo teve muito trabalho para construir.
– E você não?
– Eu só vou até lá e jogo hockey.
– Entendo melhor de onde vem sua cobrança e sua autocrítica. – se pôs a falar. – Mas ser tão duro e autodestrutivo consigo mesmo não te ajuda. Ao contrário, pode te travar, te deixar com mais medo de tentar. Seu pai pode ser um responsável grande sobre onde você está hoje, mas ele não te controla e não te acompanha tão de perto mais. Ele não sabe de tudo que acontece.
– Ele ainda tem razão sobre as coisas. – insistiu no mesmo tom apático. – Se eu tivesse obedecido, as coisas seriam diferentes agora.
– Cada um tem seu caminho. É clichê, mas real.
– Ele tem razão, . – Ele repetiu. – Eu errei com o time, não devia ter brigado no vestiário com dois jogadores. Independente do motivo, eu sou o líder lá, isso é vergonhoso. Já é a terceira briga dentro do vestiário. Ninguém quer alguém com histórico de suspensões por brigar com os próprios colegas de time. Vacilei com o Aleks e com o Atte, além do resto do time. Vou acabar perdendo lá as duas únicas pessoas que ainda me apoiavam de verdade. Talvez seja melhor eu baixar a cabeça e aceitar a renovação com o Pelicans, antes que eu perca de vez o time e acabe sendo rebaixado de linha ou colocado à disposição para venda.
negou com a cabeça devagar, olhando-o.
– A única coisa que mesmo eu ferrando, ainda tenho, é a minha família e você. – Ele completou. – Mas eu nem posso te pedir para ficar desse jeito. E não fala que tô me colocando como vítima, porque é a verdade. Se fosse outra pessoa, já tinha terminado. A Leena terminou assim.
suspirou, puxou um cobertor para se cobrir e se sentou ao lado dele, o observando, mesmo que ele mantivesse os olhos na parede.
– Eu acho que você está com medo. – A inglesa sugeriu. – Medo do que pode acontecer, achando que talvez não dê certo e se boicotando de novo antes de tentar. Essas coisas... é o que é, . Você pode ficar aqui, sentindo pena de si mesmo, se isolando e tentando afastar todo mundo, inclusive eu, de você. Ou pode erguer a cabeça, enfrentar as consequências dessas coisas e seguir em frente.
o observou em silêncio.
– Mas não dá para adotar esse comportamento autodestrutivo, se sabotando. – falava sério e o capitão prestava atenção. – Você tem feito isso em todas as relações. Brigou com Aleks, quis brigar comigo e olha... – maneou a cabeça, passou a língua pela bochecha e riu fraco. – Se eu não te conhecesse, se eu não soubesse que você realmente não está bem agora, eu teria feito o que você queria. – a olhava por debaixo das sobrancelhas. – E apesar disso, eu sei o que está tentando fazer comigo. Com a gente. Talvez você ache ainda que mereça ficar sozinho, ou que ficar sozinho torne as coisas mais fáceis porque você vai ser o único prejudicado com suas ações.
suspirou e balançou a cabeça negativamente.
– Que talvez que seja melhor para mim ficar longe de você. Mas, eu não sou a Leena, . – Ela voltou a falar. – Eu sei como isso funciona e sei como você é. Sei que isso que está acontecendo agora não é quem você é. Não vou deixar você se sabotar e se isolar de tudo, achando que assim é mais fácil. Não vou te deixar sozinho com esses pensamentos.
– Eu nunca vou entender o porquê de você fazer isso.
– Porque eu sei que você faria a mesma coisa por mim, sem pensar duas vezes. – apertou os lábios, mas não foi como se sorrisse. – Mas não me coloque nessa situação de novo. Nunca mais.
– Não vou. – Ele garantiu com um aceno. – Eu não quero fazer isso.
– Ontem você queria se casar comigo, passar o resto da vida. Se você estiver disposto, eu gostaria de honrar esse pacto. – Declarou a terapeuta inglesa.
– Eu quero. – Ele respondeu, voltando a unir suas mãos e se sentando também. – Eu não penso direito, não sei fazer essas coisas. Disse aquilo sem pensar. Não quero ficar sozinho, não quero ficar sem você. Seria muito pior. Eu não sei como ou porque, mas você tenta me entender e consegue saber o que eu estou sentindo antes de mim. – torceu os lábios e balançou a cabeça negativamente. – Por isso eu fico tão bravo por descontar em você. Por ontem. Por hoje. E realmente acho que você merecia alguém melhor, mais certo. Mas eu vou me esforçar para ser essa pessoa, igual sempre fiz.
– Se culpar não é o caminho.
– Eu sei que não, mas é que parece que se dou dois passos para frente, acabo dando mais três para trás e nada muda. Só piora. – Lamentou-se o capitão.
– Não pensa nisso agora. – Pediu ela. – Eu entendo que seja muita coisa para lidar sozinho, e eu não quero que passe por isso sozinho também. Mas também sei que você gosta e precisa de espaço. Eu já sabia ontem que você não estava bem, não levei para o lado pessoal. Não estou levando agora.
– Obrigado, meu amor. – Ele agradeceu com o olhar.
– A gente vai resolver isso, tá legal? – prometeu, subindo os ombros ao inspirar. – É um problema, e desde que ele não entre no nosso meio, a gente resolve. Mas você precisa encarar ele e não fugir ou tentar lutar contra.
assentiu com a cabeça, mordendo o interior das bochechas.
– Eu tenho que ver o Santtu. – anunciou depois de afagar o rosto do noivo. – Mas posso cancelar e ficar com você, se quiser.
– Não, tudo bem. – Ele negou com a cabeça. – Eu tô bem. Não precisa ficar preocupada. Vou ficar longe da internet e da TV, isso vai me manter longe de problemas. – Ele riu fraco e apertou os lábios em um sorriso triste.
– Podemos dar uma volta na cidade depois, se parar de nevar. – Ela propôs ficando de pé e ele assentiu. – Eu amo você.
Ele sorriu.
– . – Chamou o jogador, fazendo com que a inglesa parasse seu caminho até o banheiro e o olhasse. – Acha mesmo que a gente consegue resolver isso?
– Se a gente vigia a pia, ela não transborda. – Respondeu. – É possível, sim.
53 – Hate me when I'm gone
Hate me when I'm gone
I'll make it worth your while when I'm successful
But when I'm here I need your kindness
'cause the climb is always stressful
Clumsily gassed myself by thinking I'll be better off alone
I'll leave my peace in pieces
all around the decent people back at home
Cause I'm a big boy an adult now or nearly
If I pull the wool back from my eyes I can see clearly
The world is at my feet and I am standing on the ceiling
And I fall, fall, fall, when it all comes down
And I won't be crushed by the weight of this town
I fall from the sky but I won't fall forever
I fall but when I'll rise, I'll be stronger than ever
(Raleigh Ritchie – Stronger Than Ever)
Segunda-feira, 07 de fevereiro de 2022
Centro de Treinamentos do Pelicans/ Isku Areena
Lahti – Finlândia
– Olha ela aí! – Jasper sorriu e celebrou quando viu a amiga inglesa parada no corredor do centro de treinamentos.
– Não desativaram suas credenciais ou você mudou de ideia? – Otto, que estava com ele também falou e foi abraçado por . – Já sei, te prenderam aqui. – Ele brincou, tentando adivinhar. Estava de bom humor.
Depois de abraçar os dois primeiros, a terapeuta inglesa abraçou forte Santtu, que esperava atrás deles, sorrindo. Os três caminharam sem pressa por um dos largos e azulados corredores da Isku, um que dava acesso a área comum e ao restaurante. sabia que os encontraria ali porque tinha combinado um almoço com Santtu. Estava ansiosa para resolver aquele dilema, conversar com os amigos – conversar com alguém além de . De modo talvez inconsciente, a terapeuta se sentia angustiada e amarrada com o estado psicológico do noivo. Queria falar sobre o assunto com alguém, porque ao contrário de , ela entendia a importância de tal ação no cuidado da saúde e não conseguia guardar suas angústias só para si.
Apesar de, o seu grupo de amigos remanescentes não ser exatamente o melhor no momento para ouvi-la sobre o assunto. Mas tinha esperança de encontrar Petri ou Atte, imaginava que um dos dois poderia ouvi-la e dar alguns conselhos sobre a situação do jogador de hockey. E esse era o verdadeiro motivo de sua visita.
– Oi, tytto. – Santtu falou abafado contra os ombros da inglesa, correspondendo o abraço apertado.
– Eu não mudei de ideia sobre sair. – respondeu quando olhou os outros amigos outra vez. – Mas queria ver meus melhores amigos. – Explicou ela, sorrindo. – Não tenho culpa se preciso vir até aqui, porque mesmo suspensos, vocês seguem na Isku.
– É que a gente tá suspenso do jogo, não do time. – Otto lembrou-a arqueando as sobrancelhas. – Sou namorado não foi avisado?
– A gente já vai tocar nesse tópico, Ottis. – A inglesa torceu os lábios em uma careta. – Primeiro, vamos almoçar. Que tal?
– Eu tô cheião de fome. – Jasper esfregou o estômago, abraçando a amiga pelo ombro e a puxando pelo corredor. – Bora lá.
Sábado, 21 de outubro de 2021 – Ainda era platônico
Isku Areena/Lahti – Finlândia
cobria o ombro de Waltteri Merelä com bandagem, uma bandagem azul que combinava com os olhos dele. A inglesa tinha as sobrancelhas juntas, olhar concentrado e o lábio inferior ligeiramente projetado. Merelä riu.
– O que foi?
– Você fica fofa quando tá concentrada, . – Ele falou, apontando com o queixo. – Parece um personagem fofo de algum filme. Tipo um mangá que faz beicinho, tem olhos grandes e brilhantes.
– Você acabou de tirar toda minha moral aqui. – A terapeuta colocou as mãos na cintura e abriu a boca, ofendida. – Vai ver o que vou fazer com você na hora da massagem, mais tarde.
– Cruel. – Ele sorriu outra vez, tentando alcançar a bochecha da terapeuta inglesa e a apertar, mas desviou.
– Escuta, eu vi umas coisas... – puxou assunto depois de algum tempo em silêncio, mantinha-se trabalhando com as bandagens. – Sobre o que estavam falando os jornalistas. Eles sempre fazem isso aqui? Ficam pedindo a cabeça de alguém do time?
– Do que está falando? – Merelä a olhou com curiosidade.
– Do . – Respondeu erguendo um ombro, fingindo despretensão. – Eu vi na TV e vi as pessoas falando sobre ele, criticando os resultados dos últimos jogos. Não consegui entender bem as entrevistas porque são na sua língua, mas ele mal respondeu às perguntas que fizeram.
– Se você é jogador e caí na pilha deles, você surta. – O ala explicou depois de suspirar. – Toda semana criam teorias diferentes sobre a gente e sobre os jogadores. Antes do Petri chegar, tinha um cara que não era muito legal. Na época ele perguntava para cada jogador o que eles pensavam sobre o time, sobre os outros jogadores. A maioria não respondia, se esquivava. – Narrou Merelä. – Soube disso depois, porque não estava no time nesse tempo. Mas o Atte respondeu o que ele queria, deu a opinião dele sobre o rendimento de outros caras do time. O treinador expos ele para todo mundo, o clima ficou tenso. Depois a mídia começou a falar que uns quatro caras estavam agitando o vestiário, aquecendo o time para jogarem mal, só para que o treinador fosse demitido.
– E estavam? – arqueou uma sobrancelha, curiosa.
– Não, eles dizem que não. – Merelä sacudiu a cabeça e uniu as sobrancelhas, mexeu o ombro, se acostumando com a sensação das faixas. – Foi coincidência, mas claro que nessa situação, o time fica bem desmotivado também. Mas a mídia falou sobre um motim, envolveu o nisso e colocou ele como difícil de lidar, um cara mimado que mandava e desmandava no vestiário e no Lauri. Mas ele não é nada disso. Então, sabe, quando você tem muita atenção boa da mídia por ser bom, também vai ter atenção ruim.
– Deve ser difícil lidar com tudo isso. – A inglesa respirou fundo, soltando o ar devagar, finalizando seu trabalho. – A pressão constante, a cobrança, se verem sendo pintados de algo que não são. Deve gerar bastante angústia.
– Por isso a gente não acompanha ou presta atenção nisso. – Mere deu de ombros. – Nem a nossa família. O que importa é o que acontece do vestiário para dentro.
– Eles estavam comparando vocês. – lembrou e quis ver o que ele diria. – Você e o .
– Normal. – O ala loiro com jeito de príncipe deu de ombros.
– Você não se importa? – A inglesa cruzou os braços sobre o peito, o fitando curiosa.
– Não. – Merelä deu de ombros e sorriu. – Ele é muito bom mesmo, tem um diferencial. Tem mais tempo de carreira, mais experiência. Mas a gente não é igual, por isso é okay. Nem ele ou eu damos bola para essas comparações idiotas, porque são injustas, não fazem sentido. São só para vender.
– Sei. – se virou, ajeitando os materiais utilizados de volta a seus lugares.
– Por que a curiosidade? – Merelä sorriu, desceu da maca e se aproximou dela. – Você tem uma opinião sobre isso? Sobre a comparação?
– Eu não. – A inglesa deu de ombros. – Não trabalho com comparações.
– Mas e se trabalhasse? – Waltteri incentivou, apoiando o quadril a bancada onde a terapeuta organizava os materiais. – Já viu alguns jogos para saber.
– Não vou dizer o que acho que quer que eu diga. – negou com a cabeça, cruzando os braços sobre o peito e encarando o amigo com olhar incrédulo.
– Me escolheria, não é? – Ele brincou, maneando a cabeça. – Eu sou seu amigo aqui, e sou mais bonito.
– Você é meu amigo, mas nunca te disseram que pessoas podem ter gostos diferentes? – rolou os olhos, guardando as faixas e se divertindo com a curiosidade dele.
– Não me diga que acha ele bonito? – Merelä abriu a boca e arregalou os olhos, rindo depois.
o empurrou pelo ombro.
– Eu não disse nada. – Negou, atirando uma toalha sobre o jogador. – Cala a boca.
– E agora ela quer que eu ajude a escolher as cores dos arranjos, dos guardanapos e de todo o resto. – Reclamou Otto, ele se queixava da noiva e de sua ansiedade com os preparativos do casamento enquanto comiam macarrão.
– Ela quer que você participe da organização do seu casamento próprio casamento. – apontou para ele com o dedo indicador. – Devia se envergonhar de não querer participar dos preparativos. É uma coisa importante.
– Eu sei. – Ele respondeu erguendo os ombros. – Eu quero, mas guardanapos? Qual é? Eu seria mais útil escolhendo músicas, ou detalhes da lua de mel.
– Ele só quer a parte fácil. – Jasper riu abafado. – Deitadinho na manteiga.
– Me surpreende que ela tenha mesmo aceitado se casar com ele. – Santtu também comentou de boca cheia.
– Tem certeza que você não a ameaçou ou coisa do tipo, não é? – perguntou fingindo falar baixo e Otto rolou os olhos.
– Eu sinceramente não sei porque insisto em socializar com vocês.
– No fundo, você sabe que é por amor. – brincou, abraçando o amigo de lado. – E porque ninguém mais tem paciência com seu mau humor além de nós, sua família e sua noiva.
– Eu só não vou responder como você merecem, porque sei que vão sentir minha falta. – Otto resmungou, voltando a comer depois. – E essa é sua maneira torta de dizer. Por isso, estou disposto a presentear vocês com a minha companhia um pouco mais.
– Do que está falando? – tomou um pouco de refrigerante. – São dois jogos de suspensão, só. Não é como se alguém fosse morrer de saudade.
– No seu sonho. – Ottis respondeu com um riso debochado e o encarou de sobrancelhas juntas. – Assim que o último apito dos playoffs soar, vou estar a caminho das suas terras, .
– Férias? Lua de mel? – A inglesa riu. – Eu posso te sugerir lugares mais quentes e mais bonitos.
– Ele vai jogar lá na próxima temporada. – Santtu explicou quando percebeu que o amigo enrolava. – Otto vai sair do Pelicans.
congelou por alguns instantes, imóvel, sem falar absolutamente nada. Até sacudir a cabeça, piscar algumas vezes e parecer retomar sua consciência.
– Você também? – Indagou ainda tonta com a notícia.
– É, ao que parece, sim. – Otto sorriu largo, apoiando os pulsos na quina na mesa, ainda segurando os talheres.
– Mas como... isso é bem repentino. – A inglesa sacudiu a cabeça devagar.
– Para você. – O ala respondeu com uma careta. – Porque para mim, demorou uma eternidade até que uma proposta boa chegasse. Por mim, eu já estaria longe faz tempo.
– Ele sempre amou dizer isso. – Jasper sacudiu a cabeça também, mas sem sorrir.
– Caramba. – A inglesa estava chocada, não imaginava que Otto também fizesse parte dos que deixariam o time, mesmo o amigo já tendo mencionado a ideia algumas vezes. – Não posso acreditar.
– Essas coisas são assim mesmo. – Santtu ergueu um ombro e torceu os lábios em uma careta empática. – É fim de temporada, as pessoas vão saindo e chegando outras.
– Parece que a maioria das pessoas que eu amo e conheço estão indo. – Comentou a inglesa.
– Ser amiga dos jogadores de elite é assim mesmo. – Jasper piscou, apoiando os cotovelos sobre a mesa.
– A galera já está aqui faz um tempo, Tytto. – Santtu retomou, apertando os lábios em uma espécie de sorriso para a amiga inglesa. – Já era hora de ir. Alguns não tiveram contrato renovado pelo time, nem uma proposta. Outros não estão tão satisfeitos com como as coisas vão andando...
– Como assim?
– Seu namorado brigando no vestiário é um exemplo. – Otto alfinetou e o encarou com olhar repreensivo.
– Não é que seja exatamente por causa do . – Santtu explicou levantando um ombro. – É que chega uma hora que o grupo não funciona mais. Aqui é o momento. O grupo não está mais unido, tem muito falatório, o capitão não é mais o que era, a gerência mudou. Isso tudo influencia.
– vai ficar péssimo se souber que tem participação nessa decisão. – percebeu e dividiu com os amigos, sem pensar e um tanto sem querer. – Você acha que pode ser por minha culpa? Por causa do que acontece entre nós?
– Do namoro de vocês? – Santtu quis ter certeza e assentiu. – Se for, ele não é culpado sozinho. – O defensor desviou o olhar.
– é o problema, ele sempre é o problema. – Otto resmungou, mas decidiu ignorá-lo.
– Olha, caras... – Jasper chamou a atenção do grupo, inclinando-se sobre a mesa. – brigou com Aleks ano passado, não sabemos o porquê, mas não é como se alguém culpasse ele. Aleks é um babacão e não existe ninguém que nunca sentiu vontade de dar um soco nele. – Os outros dois manearam cabeça em concordância. – Depois, brigou com o Atte porque o Atte estava pegando a irmã dele. Justo, muito justo. – Lembrou o goleiro e viu os outros assentirem com as cabeças novamente. – Agora brigou com o Santtu e com o Otto, porque os dois se doeram por causa da . Na verdade, o Santtu se doeu. O Otto só não gosta dele mesmo. – Jay deu de ombros e Otto projetou o lábio inferior, concordando. – O problema não é exatamente o , porque não é ele. A coisa é que a gente se acostumou tanto com um cara que mal falava, que um cara que reage as coisas é estranho.
O grupo se entreolhou em silêncio.
– E vocês ficam com muito drama. – O goleiro seguiu. – Não é para tanto. Se querem sair, é só ir. Não precisam ficar culpando e apontando dedos. Vocês são jogadores de hockey, não patinadores do gelo.
– Ninguém tá fazendo isso. – Santtu se justificou, baixando o olhar.
– Eu tô. – Otto ergueu a mão. – Sempre vou apontar o como culpado.
– Qual é o seu problema com ele, afinal? – o encarou com sobrancelha arqueada.
– Ele é um idiota. – O ala deu de ombros.
– Não, não vai dizer só isso. – A inglesa tocou o braço do amigo, tentando capturar sua atenção. – Você vive ofendendo a pessoa que eu mais amo e eu fico calada, mas agora já chega. Vocês brigaram com ele, provocaram, eu ainda não engoli isso. – olhou de Otto para Santtu. – Mas se acha ele tão desprezível assim, então porque não me diz o que foi de tão grave que ele fez?
Otto expirou um riso sem humor e negou com a cabeça, incomodado.
– Ele é um babaca, , sempre foi.
– Não vai colar. – sacudiu a cabeça. – Por favor. Estou pedindo. E se se preocupa tanto assim comigo por estar com ele, a ponto de brigarem no vestiário, você devia me contar agora.
– Fale logo, Ottis. – Santtu incitou o amigo. – Você gosta de reclamar, mas que tal ser um pouco resolutivo para variar?
O ala sacudiu a cabeça negativamente, baixou o olhar e suspirou. Depois encarou os amigos outra vez, como se pedisse algum apoio, percebendo que não teria, o ala cedeu.
– Tinha... – Otto hesitou. – Tinha uma garota por quem eu era apaixonado na época da escola. Ela saia com ele, mas éramos amigos. Ela não combinava com ele, era inteligente e legal e ele burro e um mala. Um dia me declarei por uma carta e ele encontrou a carta. Leu na frente de todo mundo e fez piada por eu achar que tinha chances com a garota dele.
apertou os lábios, envergonhada e dolorida com o relato e com o tom rancoroso e chateado com que o amigo havia contado a história. Santtu e Jasper olhavam de para Otto, como quem assiste um filme.
– Depois ele me deu um soco e tentou me enfiar no armário por dar em cima da garota dele. Eu não cabia no armário.
Quando ouviu as palavras de Otto, cobriu a boca, chocada.
– Mas também, ele era burro como uma tábua e sempre era aprovado nas aulas por ser do time. Por ser o . – O ala riu com desprezo. – O pai dele era conhecido do meu e o meu pai sempre perguntava porque eu não era um bom filho obediente, ou bom jogador como o . O pai dele praticamente espalhava cartazes dele pela cidade. Tinha uma placa gigante dele fazendo propaganda do time Junior do Pelicans na entrada e na saída da cidade, perto da escola, outro no centro e um perto da casa da família dele. Isso foi no ensino médio.
– não é burro, ao contrário. – tentou defender o noivo, mas tinha suas próprias dúvidas sobre fazer isso naquela hora.
– Claro que sim. – Otto riu com deboche. O jogador estava relaxado na cadeira, olhos baixos e seu tom era amargo, recheado de deboche. – Ele se achava. O Atte também, mas no ensino médio ninguém ligava para o Atte mais. Todo mundo dava importância para o porque ele seria o MVP* um dia. – Otto continuou a narrar. – Ele e os amigos do time eram idiotas. Davam trotes nas pessoas, escondiam minhas roupas depois do treino, me deixavam sem carona depois dos jogos. Uma vez largaram a gente a noite, perto do lago, amarrados e sujos de lama, só porque éramos novos no time. Mas também faziam isso com outros caras na escola.
– Pesadão. – Jasper comentou com um suspiro.
– Eu não sei o que dizer. – apertou os lábios, envergonhada. – Não imagino como deve ter sido, precisar reencontrar e jogar junto com alguém que te traumatizou tanto assim.
– Uma beleza. – Ironizou Otto outra vez.
– A garota por quem você se apaixonou... – mordeu o lábio inferior, hesitante. – Era a Leena?
– Ele te contou? – Otto se surpreendeu, uma surpresa dolorida. – Ele se gaba das humilhações para você?
– Não, Ottis... ele me contou sobre ela, porque foram muito importantes um para o outro. – tentou explicar, mas o amigo sacudiu a cabeça negativamente, passando a língua pela bochecha. – Eu a conheci também. Eles ainda têm um tipo de amizade hoje em dia.
– Toda história tem dois lados. – Santtu soprou tentando amenizar e assentiu.
– Está satisfeita agora? – Otto voltou a comer, parecia irritado. – Ou quer um pouco mais de humilhação gratuita pelo seu namorado idiota?
– Obrigada por me responder. – respondeu sem jeito.
– Ninguém é perfeito. – Jasper deu de ombros.
– Eu sei disso. – assentiu, olhando para os amigos. – E eu entendo e respeito que pode ter sido essa pessoa horrível no passado. Mas posso te garantir que ele não é essa pessoa mais. Esse adolescente e péssimo não existe mais. O que conheci aqui em Lahti e que vejo todos os dias, o adulto, é doce, gentil, empático, altruísta... nada comparado a esse.
– E quem é que liga? – Otto rolou os olhos, mexendo o resto de comida no prato, mas sem realmente parecer interessado.
– Eu respeito muito o que sente sobre ele, como essa situação parece ainda te impactar, mas ele não é o mesmo. – continuou. – Se ele fosse um pouco parecido com essa versão, eu jamais teria me apaixonado por ele.
– Ele continua com a coisa de se gabar. – Santtu apontou sem olhar para a amiga. – E sobre bater em quem faz ele se sentir ameaçado. Fez isso várias vezes e você sabe.
– Eu só sei que tudo que ele sempre quis foi poder contar ao time, para todos que estávamos juntos. – ergueu os ombros, olhando o defensor nos olhos. – É só a forma que ele encontrou, porque estava feliz em poder fazer. Não me incomodou porque eu fico feliz que ele se orgulhe por estar comigo. Nós dois temos uma relação sincera, íntima e baseada em muito respeito. não desrespeita isso. Ele só estava feliz em poder contar, porque sente orgulho, está feliz. Eu sei que o passado dele não é muito limpo, mas... eu confio nele.
– É uma escolha sua. – Santtu respondeu sem muito interesse na conversa.
– Eu sei. – inclinou a cabeça por um instante e suspirou. – Por isso acho que fiquei tão desapontada quando soube da briga de vocês. Eu conheço o meu parceiro e me resolvo com ele, em casa, entre nós. Mas vocês... eu achei que vocês me apoiariam, porque falamos sobre isso. Entendo que podem não concordar ou gostar, mas me apoiar é tudo que pedi. O que aconteceu no vestiário não foi nada perto disso.
– Ele estava se gabando, enquanto você estava mal. – Santtu lembrou, agora parecia mais sentido e interessado pela conversa. – Foi mal se me incomodou.
– Nós estávamos bem. – Respondeu a inglesa. – Ele estava feliz porque não éramos mais um segredo. Eu estava lidando com as minhas decisões. não queria que eu saísse, mas eu resolvi e decidi sozinha. E nós conversamos sobre isso por semanas, brigamos, discutimos... não foi uma decisão precipitada nem nada disso. E eu nunca estive sofrendo sozinha. – negou com a cabeça. – Ele esteve do meu lado o tempo todo, ele queria que eu continuasse a vir aqui, queria que eu ficasse no vestiário comemorando o nosso relacionamento. Mas eu quis sair e internalizar o meu fim de ciclo aqui. Não é culpa dele, não tem nada a ver com ele. E mesmo se tivesse, me apoiar não implica em questionar e brigar com o meu namorado.
Nenhum dos três respondeu. Santtu estava com rosto virado, encarando o nada, Jasper ouvia tudo com atenção e Otto fingia estar interessado no molho de seu prato.
– Você era amigo dele, Santtu. – tornou a falar, um pouco ressentida. – Ele gosta de você, de vocês todos. É tão injusto vocês terem brigado por minha causa... – A inglesa sacudiu a cabeça e riu fraco. – Se vocês pudessem ver as consequências disso, se soubesse como tudo isso foi para nós dois... quer saber, deixa pra lá. Não tenho que convencer ninguém a nada. E além disso, não tenho energias para lidar com mais drama.
Dizendo isso, a inglesa se levantou sob o olhar surpreso dos três amigos e se afastou sem olhar para trás, deixando o restaurante.
*MVP:Em inglês Most Valuable Player (Jogador mais valioso) Seria um elogio ou prêmio, originalmente usado em esportes coletivos para reconhecer um jogador pela excelência revolucionária, e também usado fora dos esportes para reconhecer a excelência nas contribuições de um indivíduo para um esforço de grupo.
Segunda-feira, 07 de fevereiro de 2022
Centro de Treinamentos do Pelicans
Lahti – Finlândia
– Não te contaram que as atividades são feitas do lado de dentro?
Petri indagou de modo divertido ao encontrar recostado a seu carro, encarando a Isku Areena com olhar perdido. Quando o capitão demorou para responder, o treinador se aproximou mais, mantendo as mãos nos bolsos do casaco e se colocou na frente do jogador.
– ? – O jogador, de modo letárgico, percebeu a presença do treinador. – O que está fazendo aqui fora?
– Eu pensei... – se interrompeu e Petri inclinou a cabeça sobre um ombro. – Eu pensei em treinar, sei que posso, apesar da suspensão, mas... – O central inclinou a cabeça. – Não tive coragem de entrar.
Petri suspirou, apertando os lábios em uma linha fina e se juntou a , apoiando-se ao carro azul do jogador.
– Eu gosto de olhar para ela assim também. – O mais velho começou a falar após algum silêncio. – A imponência em meio a toda essa natureza. Me lembro de alugar um apartamento no centro, no último andar, só porque de lá eu podia vê-la a distância.
Como não respondeu, apenas ergueu o olhar para a construção acinzentada coberta de neve, Petri continuou.
– Depois que eu voltei como treinador, já estava casado e era melhor uma casa para as crianças. – Ele riu, mas o outro não o acompanhou. – É uma casa que carrega muita história, essa daqui. – Petri indicou a arena com o queixo. – Muita história, requer muita responsabilidade para guardá-la. Ela foi feita de pessoas e suas histórias, que por anos e anos vem defendendo esse escudo. E é sobre mais que ganhar, é sobre manter viva a memória do time. De um time que não desiste. Que não se rende, apesar de tudo. É preciso ser assim para jogar aqui.
– Eu acho que sou fraco demais para isso. – desabafou.
Petri expirou um riso sem humor, um pouco incrédulo.
– Você foi suspenso por uns jogos por disciplina. – Falou o técnico. – Já passou por isso, não é o fim do mundo.
– E se for?
– O que quer dizer? – O treinador indagou com sobrancelhas juntas.
– Eu tô... – coçou a nuca e inclinou a cabeça outra vez, enfiou as mãos nos bolsos do casaco de moletom que usava. – Eu tô perdido. Cansado, perdido... na verdade, eu tô exausto. Primeiro foi o Lauri e a Svedin querendo transformar minha vida no time em um inferno. Eu só queria jogar hockey, só queria fazer o que sempre fiz e o que fui colocado na Terra para fazer. Mas parece difícil agora. A Svedin entrou na minha cabeça na renovação, está dificultando tudo. E eu não sei mais se devia ficar no Pelicans, porque eu só tenho feito besteira aqui. Não mereço ser o capitão do time. Ninguém aqui deve querer me ouvir mais, mas... eu só... eu tô cansado de ficar pensando nisso tudo e de não ver uma saída. – A voz do jogador começou a embargar e ele se interrompeu.
– Eu soube sobre a Svedin e a cúpula. – Petri respondeu usando um tom mais sereno do que o emocionado e agitado que usava. – Mas apesar de ela ser uma péssima negociadora, eles querem você. Não vão abrir mão da maior estrela de Lahti.
deu uma risada amarga.
– Eles me querem aonde? O time está se desmontando. – respondeu com um riso triste. – Todo mundo. Santtu deve ir, Atte vai embora, isso é só os que eu sei. E os que vão ficar? Eles vão querer permanecer se eu for o capitão? Depois de tudo que aconteceu nessa temporada? O time devia poder contar comigo agora que as finais estão chegando, mas então eu fico indisponível por uma medida disciplinar? – O capitão riu outra vez. – Isso é ridículo. Mas não importa, porque de alguma forma, eu acho que vou ser sempre esse cara. A estrela de Lahti. – Ele repetiu o que o treinador dissera com algum desprezo. – Para sempre o cara de Lahti.
– Sabe, ... – Petri inspirou fundo antes de falar. – Eu aprendi que na vida, se a gente precisa fazer alguma coisa e não faz, a vida faz pela gente. – o olhou. – Algumas vezes, nós escolhemos fechar um ciclo, mas as vezes ele é fechado sozinho. Você não precisa ficar no time se não quiser.
– Eu não sei de mais nada. Não sei se eu quero ou não. – O jogador balançou a cabeça negativamente. – Eu não queria sair, queria só que tudo voltasse ao normal. Que fosse o Lauri lá, que eu pudesse jogar hockey e ser feliz. Mas agora eu não sei se consigo fazer isso aqui. Na verdade, nem em outro lugar. Por que que lugar iria me querer? Eu desperdicei a chance quando tinha, não adianta mais.
Petri riu abafado.
– Se encontrou com seu pai? Ele disse isso? – o olhou confuso.
– Como...? – O jogador balançou a cabeça, perdido.
– Eu já ouvi ele dizer isso algumas vezes, para você e para mim. – Petri lembrou. – Garoto, veja... – Petri respirou fundo outra vez e apertou o ombro de , puxando-o para que ele o olhasse. – Você é jovem. Talvez não consiga entrar na mesma porta de quando tinha dezoito anos, mas isso não significa que não vão haver outras portas.
– Eu tô ferrado. – sentiu a garganta doer e a voz perder a firmeza. – Eu ferrei tudo aqui. Ninguém quer alguém como eu no time, com todas essas coisas que ficam falando. E eu...
– Você lida com críticas desde que era adolescente, não piorou agora. – Petri apertou o ombro do jogador com firmeza. – Não é nada que não dê para dar um jeito, escutou? Isso vai passar, vai sumir. Você vai passar por isso e vai superar. Seja aqui no Pelicans ou em outro lugar. Mas tem que enfrentar.
– É que... eu não... – tinha o rosto inclinado e levou uma das mãos aos olhos, secando-os. – É que eu não sei como... não sei o que fazer e tô... tô cansado, sozinho e...
– Você precisar erguer a cabeça e enfrentar as consequências das coisas, . – Petri falou outra vez, seu tom era paciente e manso, apesar de firme. – Se resolver com seus colegas de time e enfrentar as consequências disso tudo, passar por isso. E você não está sozinho. Tem a agora, sua família, sua família no time.
– Eu sei, mas é que... – riu fraco, abafado, erguendo o rosto e olhando para um ponto qualquer atrás de Petri. – É estranho eu me sentir sozinho mesmo assim? Porque... na maior parte do tempo, eu fico sozinho. Eu e esse demônio que vive na minha cabeça e que fica me lembrando do porque eu deveria mesmo estar sozinho.
– Você não está sozinho, também não devia ouvir esse demônio. – Petri falou e expirou outro riso sem humor. – Vai superar, . Só precisa de tempo e coragem, mas vai superar.
O treinador puxou para um abraço que o jogador não recusou.
– Vai dar tudo certo no fim. – Garantiu Petri. – Como sempre deu.
Segunda-feira, 07 de fevereiro de 2022
Centro de Treinamentos do Pelicans
Lahti – Finlândia
andava rápido pelos corredores da Isku Areena.
Teria má digestão com aquele almoço. Estava ressentida e irritada. Era frustrante como os amigos pareciam levar a situação, ou melhor, como Santtu parecia levar. Aquele era um dos momentos onde a terapeuta inglesa não queria proteção, mas sim compreensão e apoio. Tudo já estava caótico e confuso o suficiente. já tinha problemas suficientes para lidar, ninguém sabia como estava o capitão, mas insistiam em julgá-lo. se sentia culpada em pensar que a briga entre , Otto e Santtu tinha sido por sua causa.
Não admitiria para ele, mas entendia como a cena complicava a situação do noivo. Brigar outra vez no vestiário com dois colegas, mesmo que por um motivo justo entre eles, não parecia bom ao time. Isso também poderia ser usado contra nas negociações da renovação e conhecendo Isabel Svedin, ela não perderia a chance. Além disso, não sabia o quanto o Pelicans estaria disposto a bancar suas decisões, sem ceder à pressão da mídia por uma resposta, já que aquela seria a segunda suspensão por motivos disciplinares de . E podia não entender tão bem sobre hockey, mas entendia de pessoas e esportes coletivos. Aprendera tudo sobre isso com o pai, sabia como o mercado funcionava, sabia como os times respondiam quando a mídia ou os torcedores pressionavam. Sabia que o buraco era bem, bem mais baixo.
– , espera aí. – ouviu o som dos passos rápidos e da voz de Santtu ecoarem no corredor silencioso, mas apressou o passo. – Vamos. . Espera aí.
– Não tenho nada para dizer. – Ela negou sem o olhar.
– Mas eu tenho, okay? – O defensor enfim a alcançou, colocando-se à frente dela, impedindo de prosseguir. – Eu quero falar com você.
cruzou os braços sobre o peito e fechou o rosto em uma expressão chateada e emburrada.
– Como o está?
– Agora você se importa? – A inglesa riu com ironia. – Não precisa fingir que mudou sua opinião em dois minutos, Santtu. A gente não precisa ter essa conversa.
– Precisa sim. – Ele insistiu decidido. – Você é minha amiga, eu não quero que fique essa coisa estranha entre a gente.
– Sua amiga? – tocou o próprio peito. – Eu só pedi para você, como amigo, apoiar minha decisão, mas você achou que isso significava brigar com o no vestiário. Você tem noção do quanto expôs ele? Do quanto expôs vocês? – A terapeuta sacudiu a cabeça negativamente. – Você e o Otto querem sair, mas ele queria ficar. Você consegue perceber o quanto vocês complicaram as coisas? Tudo só porque se incomodaram com algo que não me incomoda?
– Eu só quis te defender! – Santtu se justificou ofendido.
– Eu sei, no fundo eu até sou grata. Mas não precisavam prejudicar alguém por isso. Eu assumo os riscos e consequências do meu relacionamento. – o olhou nos olhos. – Puxa, eu pedi. Pedi para me apoiarem. Mas que droga de apoio é esse?
Santtu não respondeu, estava mais alterada, emocionada, chateada e tomando as dores de , porque no fundo culpava os amigos em parte.
– O que aconteceu com o ? – Santtu perguntou baixo depois. – Eu não queria ferrar ele no time. Ninguém queria. Não foi de propósito.
– Não importa, agora já está feito. – sacudiu a cabeça negativamente, abraçou o corpo e inclinou a cabeça.
– Olha, eu errei. – Santtu declarou, coçando a nuca e depois suspirou. – Você está certa. A gente não tinha que ter brigado com ele, não no vestiário. Essa coisa a gente não devia resolver ali. Não devia ter caído na pilha do Otto também, mas você ouviu o que ele contou hoje. – Santtu tentou justificar, apontando para o chão.
– Isso aconteceu há anos atrás. – balançou a cabeça negativamente. – E apesar de ser horrível, não justifica nada.
– Eu sei. – Assentiu o defensor. – Me desculpe. A gente exagerou. Eu exagerei.
– Tanto faz. – suspirou. – Não é como se fosse para mim que você devesse pedir desculpas.
– Mas você é minha amiga, eu quero resolver isso entre nós.
– Santtu, sério... eu ainda estou chateada, decepcionada e magoada com isso tudo. – sacudiu a cabeça devagar. – Com o tempo isso deve passar. Eu só preciso de espaço para clarear minha cabeça.
– Isso é você dando um tempo na nossa amizade? – O finlandês uniu as sobrancelhas.
– Não, só estou te pedindo para me deixar na minha por um tempo. – pediu, dando as costas para ele, caminhando devagar em direção ao fim do corredor.
– Posso pelo menos te acompanhar até a porta? – O defensor perguntou, seguindo-a, não respondeu. – Eu sei que está chateada, mas tudo foi na boa intenção. Para te proteger.
– Santtu, já falamos o suficiente disso por hoje. – o cortou, esticando uma mão enquanto andava. Já era possível ver a neve do lado de fora da porta lateral aberta.
– Mas por que está assim, então? – Ele a seguia pelo corredor. – Se já é suficiente, por que precisa clarear as ideias? Ou por que não pode falar comigo?
– Porque, aparentemente, eu não tenho só um problema no mundo. – Ela respondeu com ironia.
– Você e o estão bem?
A inglesa parou, colocou as mãos na cintura e inclinou a cabeça, respirando profundamente. Santtu parou ao seu lado, atento, esquadrinhando a amiga com o olhar.
– Estamos com alguns problemas, por causa de toda essa confusão. – Ela confessou com um suspiro, cedendo. – Não entre nós dois, mas acaba afetando de alguma maneira. Só... só estou preocupada com o buraco que ele parece estar se enfiando.
Santtu apertou os lábios, um pouco atingido por uma flecha de culpa, um pouco empático.
– Olha, essas coisas são difíceis mesmo... – O defensor ergueu os ombros. – A gente pode falar com o pessoal do time. Eu posso explicar.
– Não é só sobre a briga. – sacudiu a cabeça. – Eu nem devia estar falando sobre isso com você, você pode acabar usando isso contra ele depois.
se afastou lhe dando as costas, mas Santtu a segurou pelo braço.
– Eu sinto muito pelo que rolou, Tytto. – Ele pareceu sincero enquanto a olhava nos olhos. – Pode confiar em mim. Nunca foi minha intenção prejudicar o ou piorar as coisas para ele. Não pensei nessa possibilidade quando tudo aconteceu.
respirou profundamente, mantendo os olhos no amigo finlandês.
– As coisas estão complicadas agora. – Ela começou a desabafar. – Com o time, com a renovação, com todo mundo saindo e o futuro sendo uma nuvem escura de incertezas. não está lidando muito bem com essas coisas.
– Mas ele quer ficar? – Santtu quis saber. – Porque ele é o , então, se ele quiser sair também, tenho certeza que não vão faltar oportunidades.
– É complicado agora. – balançou a cabeça devagar, apertando os lábios. – Ele acredita que vai ser difícil com o histórico. Estão falando sobre ele ser temperamental, inconstante, sobre jogar mal de propósito e tem a coisas das brigas, das suspensões disciplinares... ele acha que isso pode prejudicar.
Santtu não respondeu, apenas suspirou.
– De certo modo, eu sei que isso não ajuda. – ergueu os ombros. – Ele está perdido, confuso, se culpando de cada tropeço e escolha que fez até aqui. Mas estava lidando bem ou de um jeito melhor, considerando hipóteses, ao menos até a suspensão. Depois da briga de vocês alguma chave virou na cabeça dele. – A inglesa enfiou as mãos nos bolsos e encarou os pés, depois ergueu o rosto. – No fim de semana fomos para a Rússia, aniversário da irmã. Ele soube do que a mídia tem falado sobre ele, se desentendeu com o Atte e o pai... bom, o pai dele só piorou as coisas.
– Pais podem ser duros, eu sei porque o meu sempre acha que não estou bom o bastante. – Santtu assentiu com a cabeça. – Por que ele brigou com o Atte?
– Eu sinceramente não sei. – negou com a cabeça. – Não me contou, só mencionou que tiveram um problema. Na nossa vida sempre é assim, desde que ficamos juntos. Temos dias leves e bons, mas no primeiro contato com o mundo exterior, somos jogados em um mar de ressaca. Uma onda atrás da outra. Ultimamente eu me pergunto qual delas é a que vai nos afogar.
– Ei, você costumava ser mais otimista. – Santtu fingiu a repreender. – Você sempre disse que passavam por qualquer coisa. Um casal estranho, mas invencível.
– Eu sei, é só que... eu queria ter paz. – levantou os ombros outra vez. – Não estou reclamando. Quando eu estava mal por causa do time, ele me apoiou e eu quero e vou apoiá-lo agora também. É só que eu queria que a gente tivesse um tempo sem ter uma crise para resolver, um chefe ou chefa obcecado, um problema impossível no trabalho, uma crise familiar ou um colapso mundial.
– É o que se ganhar por ser protagonista da própria vida, Tytto. – Santtu ergueu uma mão e afagou a bochecha da amiga. – Todos estão em suas próprias guerras pessoais e secretas, a gente só não fica sabendo delas.
sorriu fechado.
– Você até que consegue ser um bom amigo quando quer, não é?
– Claro, porque o que você faria em Lahti sem mim? – Santtu a puxou para um abraço, beijando o topo de sua cabeça.
– Infelizmente, parece que muito em breve vou ter que descobrir. – Ela respondeu com voz abafada por estar contra o peito dele.
Santtu sorriu.
– Graças a Deus, né?!
Continua...
Nesses três capítulos tivemos fios para muitos acontecimentos futuros e eu espero que tenham gostado da leitura.
Agradeço o apoio das garotas no grupo. Vocês não sabem, mas me salvam todo dia ❤❤
Temos uma playlist organizada e belíssima para vocês com todas as músicas da primeira parte e da segunda. Para acessar é só clicar aqui.
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Um grande beijo e até breve,
Carmen
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