54 – I know you're feeling insane
When, when you came home
Worn to the bones
I told myself: This could get rough
Oh, I know you're feeling insane
Tell me something that I can explain
I'll hit the lights and you lock the doors
Tell me all of the things that you couldn't before
(OneRepublic – Let's Hurt Tonight)
Segunda-feira, 07 de fevereiro de 2022
Casa de e
Lahti – Finlândia
Ainda era tarde de segunda, depois do fim de semana na Rússia e depois de uma viagem silenciosa até em casa, e estavam na cozinha tomando um pouco de café quente. Fazia frio e o silêncio entre eles não era confortável e quentinho como costumava ser, ao contrário, combinava com o tempo escuro, infértil e gélido do lado de fora. Ao deixar a Isku com Santtu, a terapeuta inglesa havia encontrado o noivo terminando um abraço junto a Petri, com olhos um pouco marejados e voz baixa. Ele tinha a respondido que estava ali para dar uma carona e depois que abraçou o treinador do time, o casal foi embora em silêncio, sem mais perguntas. Não que a inglesa não tivesse nenhuma indagação, mas a atmosfera era tão densa que resolveu ignorar. Conhecia aquele clima, costumava aparecer no trabalho quando algum paciente lidava com algo difícil, no fim de uma crise ou após um desabafo importante ser interrompido de modo brusco. Onde nenhum dos dois atores sabia agir normalmente, impactados pelo soco invisível das palavras vomitadas.
Também costumava ser o ruído baixo da introspecção, quando alguém tocado pela tristeza, frustração ou angústia – ou todas ao mesmo tempo – experienciava olhar para dentro de modo diferente do comum. Tendo contato com partes pouco acessadas no dia a dia.
A inglesa inclinou a cabeça sobre o ombro e o observou, ainda tinha uma xícara nas mãos e o outro braço estava cruzado, tocando o antebraço oposto. Ele estava em algum conflito interno. Talvez pensando sobre o que quer que Petri tivesse dito, ou o que quer que tinha acontecido para o fazer ir até a Isku. encarava o nada enquanto estava de pé do outro lado da cozinha, também segurando uma xícara de café. Os olhos abertos miravam dentro. Talvez ele estivesse buscando provas para se convencer das coisas, das que pensava ou das que havia escutado. Ou, talvez não pensasse em nada.
se sentia cansativo e estava cheio de incomodar. Não queria fazer cena ou ser o coitado da situação outra vez, não queria que toda conversa que tivesse com a noiva fosse sobre como quão miserável ele estava e sobre sua falta de perspectivas e o que poderia oferecer. As palavras de Petri pareceram um banho quente no frio, mesmo que internamente ele ainda duvidasse delas, porque parecia óbvio. Mas, de algum jeito, falar com ele sobre coisas que não se sentia à vontade para falar com era bom. Não queria a preocupar, nem que ela ficasse mais cuidadosa e vigilante. Odiava incomodá-la e se sentir um peso. Se pudesse, gostaria de pausar a vida e ignorar tudo, ir para o mar pescar sozinho, ou para a floresta caçar, acampar em um lugar longe e fugir de qualquer contato humano até que todos magicamente esquecessem de quem ele era.
Teria tempo de lidar com tudo e não atrapalharia a vida de ninguém no processo. Ao mesmo tempo, ficar todo esse tempo longe e não poder dormir com o corpo quente de sua inglesa perto do seu, Brad pensou que não seria lá muito agradável.
, de seu lugar, não queria ser invasiva e dissecá-lo. Sendo honesta, não sabia bem como agir com naquela situação. Ele não era seu paciente, não estava ali pedindo soluções, na realidade ele nunca a pedia nada. E parecia muito incomodado quando percebia que sua “bagunça” também a afetava. A tentativa de fuga durante aquela manhã, as falas sobre não a merecer. Ele estava inseguro, pensava . Talvez a ter do lado, sendo mais alguém a quem sua decisão poderia afetar, estivesse mexendo com o jogador de algum modo, ou talvez não. Ou, como ele mesmo dissera pela manhã, era a primeira vez que ele encarava os sentimentos conflituosos que havia abafado durante seus anos mais jovem. Isso nunca era fácil, pelo contrário. Ninguém sabe quem vai encontrar ao olhar no espelho outra vez. Ver suas crenças, certezas e planos balançarem podia fragilizar toda uma estrutura de vida e causar medo.
Talvez ele quisesse ficar um pouco sozinho, como antes gostava. Eram muitos talvez. Mesmo assim, a terapeuta inglesa decidiu – a seu modo curioso – começar a quebrar o clima frio que havia se instaurado entre os dois. Ele não era seu paciente, mas ela sabia coisas e ele era seu noivo. Podia equilibrar internamente a situação. Trazer doçura ao momento, não se deixar contagiar completamente por ele, não estar simbiótica ao que ele sentia.
– Encontrei os meninos no almoço hoje. – Ela puxou assunto com tom leve e um sorriso pequeno, Brad ergueu o olhar. – Santtu, Jay e Ottis. Mas não vi mais ninguém. Otto está animado com os preparativos do casamento, parece que vai acontecer assim que a temporada acabar.
– Rápido. – comentou sem muita empolgação.
– É, pois é... – deixou a xícara na pia e se aproximou do noivo. – É porque ele vai se mudar depois disso, vai sair do Pelicans também. – ergueu o olhar outra vez, mas agora um pouco mais surpreso. – Na Inglaterra, em Nottingham. A terra do Robin Hood, eu amo esse livro. – A inglesa apertou os lábios em um sorriso infantil e viu o jogador estreitar o olhar, ainda com a informação sobre Ottis. – Mas sabe? Isso não me surpreendeu muito, na verdade. Otto nunca escondeu que só não havia partido ainda por falta de oportunidades. Agora ele teve, e claro, não pensou duas vezes antes de dizer sim.
inclinou a cabeça outra vez e respirou fundo, fazendo silêncio.
– Não vai dizer nada?
– Não sei o que dizer. – Ele respondeu sincero, dando de ombros, ergueu o rosto outra vez e tomou mais café. – Não sei o que pensar ou o que fazer.
soltou a respiração de modo profundo e o abraçou pelo ombro, lhe beijando o lado do rosto.
– Você não precisa. – Respondeu. – Voltamos ontem da Rússia, você não precisa correr com nenhuma coisa. Como já tínhamos decidido.
– Até o céu cair na minha cabeça. – Ele resmungou e sorriu fechado.
– Você não pode mudar as coisas, pessoas ou controlar o que acontece, só como reage a isso. – Ela falou e ele a olhou nos olhos, levando uma das mãos ao braço da inglesa que o envolvia o pescoço. – E as vezes, ouvir opiniões demais pode atrapalhar nosso julgamento.
– Pode ser. – Ele respondeu pensativo e depois soltou um riso fraco. – Talvez eu devesse ir embora, talvez o time do Otto tenha alguma vaga e assim você voltaria para a Inglaterra.
– Você se acostumaria com o cheiro de cigarros e falta de sol? – sorriu de modo terno. – Porque é o que vai achar lá.
riu.
– Eu moro na Finlândia, Rakkaani. – Ele balançou a cabeça negativamente, depois voltou a olhar para ela. – Por que? Não quer voltar para a Inglaterra?
– Não é sobre o que eu quero, é uma decisão sua. Apenas.
– Mas impacta você. – Ele a respondeu e maneou a cabeça, vendo suas dúvidas se confirmarem.
– Isso está pesando sua cabeça? – quis saber. – Sua decisão me afetar também?
– Não sei. – O central projetou o lábio inferior.
Houve silêncio.
– Não era. – voltou a falar depois. – Mas eu tenho pensado... tenho medo de ser isso que as pessoas tem dito sobre mim, e de você enjoar de mim, ou eu não conseguir te oferecer o que merece.
– Já tivemos essa conversa. – A inglesa torceu os lábios, o repreendendo.
– É, mas... – coçou a nuca. – Meu pai e o Atte tem razão das coisas que disseram.
– E você gostou? – se desvencilhou dele e colocando-se à sua frente, o encarou. – Digo, você disse que eles têm razão, então, você gostou? Está confortável com essa versão que eles apresentaram?
– Claro que não. – Ele respondeu ofendido.
– E o que vai fazer com essa insatisfação?
recuou e estreitou o olhar.
– Uma vez que você percebe algo que não gosta, você tem duas possibilidades. Fazer algo sobre isso ou não. – Ela continuou. – Resta saber o que você vai fazer.
– Não é tão simples. – Ele respondeu e se afastou, colocando a xícara sobre a mesa.
– Não disse que era. – assentiu, cruzando os braços. – Mas você pode fazer algo sobre isso ou não, e cada escolha dessas, tem uma consequência.
– Rakkaani, eu não estou no time e você não trabalha mais lá. – Ele a repreendeu incomodado e viu a inglesa expirar um riso, negar com a cabeça e erguer as mãos em rendição.
– Certo, você não é meu paciente, tem razão. – Ela respondeu e começou a se afastar.
– Ei, eu não quero brigar. – Ele a chamou de volta.
– Mas eu não estou brigando também. – A inglesa respondeu com o timbre sereno de sempre. – Te dei razão, .
– Tá sendo sarcástica. – Ele acusou.
– Não estou. – A inglesa negou, cruzando os braços sobre o peito.
– Óbvio que está.
– Agora está me irritando. – torceu os lábios insatisfeita. – Eu só concordei, não vou argumentar. Vou te deixar sozinho.
– Então, tá. – Ele respondeu em dúvida, mas sem deixar que sua incerteza transparecesse. Tinha os braços cruzados sobre o peito e queixo erguido.
– Então, tá. – Ela ergueu os ombros, torceu os lábios e deu as costas, caminhando rumo a pequena biblioteca.
a assistiu se afastar, atento.
– Rakkaani. – a chamou e o olhou por sobre o ombro. – Vou pensar no que fazer. – Garantiu.
– Eu sei que vai, confio em você.
Respondeu ela e acenou com a cabeça, depois voltou a andar, afastando-se de vez.
Terça-feira, 08 de fevereiro de 2022
Casa de e
Lahti – Finlândia
Era manhã de terça, no dia seguinte o jogador já estaria livre de sua punição e na próxima quinta-feira voltaria ao gelo. poderia estar com a equipe, treinando, mas tinha decidido não ir. Não se sentia pronto para encarar seus companheiros, seus rostos ou o rosto de qualquer pessoa diferente de . Tinha medo de que eles estivessem o criticando e desacreditando da mesma maneira que ele fazia.
Depois da conversa na tarde anterior, tinham gastado o restante das horas do dia em silêncio, deitados juntos, sem fazer, pensar ou falar absolutamente nada. Fora bom. Depois, o jogador foi tocado pela inquietude tão conhecida que o impelia a liberdade seu lado mais oculto. Quis pintar, passou a noite e madrugada entre os pincéis e uma tela grande, nada de aquarelas ou papéis. havia sugerido a tela, não era comum a ele, mas tinha uma. Remanescente de um dia de férias, onde havia decidido tentar coisas diferentes. Estava abandonada e um pouco empoeirada, mas podia ser usada. A inglesa sugeriu que como era um momento diferente da vida, talvez ele devesse tentar algo diferente naquela parte também.
Naquela noite ela se sentou no pequeno sofá na biblioteca, um livro no colo e uma pizza sobre a mesa. Ao seu lado, , uma tela grande e cheiro forte de tinta e solvente. O capitão não fazia ideia do que pintar, começou com traços aleatórios, quase de olhos fechados. Deixando que seu inconsciente conduzisse o pincel. Não tinha prática com aqueles instrumentos, uma vez fizera um curso online, mas não se sentia apto. Contudo, se tratava de uma expressão e como sua noiva terapeuta havia enfatizado, o importante não era a tela em si, sua perfeição, sua técnica ou o resultado, mas sim o processo, o que estava despertando por ali e como ele se sentia ao pintar. Isso o ajudava a se cobrar menos, embora ainda fizesse um pouco.
Não tinha dormido, passara a noite ali sem que percebesse. Quando se levantou pela manhã, o céu ainda era escuro e não a teria ouvido andar pela casa se não fosse pelo ruído das patas de Felix, a acompanhando. A inglesa tinha os cabelos soltos, um sorriso doce e duas xícaras nas mãos. Café. Ele sentiu o cheiro, seu estômago manifestou vida e ele sorriu um pouco.
– Você ficou aqui a noite toda? – Ela perguntou ao se aproximar e o beijar a cabeça, entregando a ele uma xícara.
– Se serve de alguma coisa, eu não percebi a hora passar. – Respondeu com tom mais sereno, quase sorrindo, sem para de movimentar o pincel mesmo para deixar a xícara sobre o aparador onde os pincéis e tintas estavam.
o observou pintar, tinha uma das mãos pousadas nos ombros dele, o abraçando, com a outra segurava sua xícara de café.
– O que foi? – Ele quis saber diante o silêncio dela.
– Nada. – A inglesa sorriu fechado e sacudiu a cabeça. – Só que... você é mesmo talentoso. – Ele riu abafado, tentando segurar o orgulho. – Acho que talvez essa sua melancolia e sua intensidade em sentir as partes tristes da vida, a tortura e a punição que se impõe, venha dessa sua veia artística. Essa parte da sua alma que é como os poetas e artistas do passado.
– Traduz? – Ele pediu rindo e o empurrou de leve. – Eu não sei falar esse idioma seu.
– Só quis dizer que você tem uma alma intensa e sensível de artista, mas que ela não encontra muito espaço na sua rotina.
– Hockey é uma arte também, você precisa ter sentimento para fazer certas jogadas. – Ele respondeu mantendo os olhos na tela.
– Talvez por isso você seja tão bom.
O capitão enfim pousou o pincel e admirou sua obra, tomou a xícara nas mãos e com a outra, segurou a mão de que estava em seu ombro, apoiando seu corpo ao tronco da noiva.
– Mark me mandou uma mensagem. – Contou depois de alguns instantes de admiração plena. – Petri deixou escapar que eu estava precisando de alguma motivação e ele quer me encontrar para falar do meu futuro.
– Isso é bom. – assentiu, beijando a cabeça dele outra vez.
– Não sei ainda, não tenho ideia do que ele quer falar. – O capitão deu de ombros e riu. – Mas é como você diz, eu preciso enfrentar. Evitei o time, evitei todo mundo... mas... – fez uma pausa longa, preenchida por um suspiro cansado. – Eu costumava ficar sozinho quando esse tipo de coisa acontecia. Ficava sozinho aqui ou ia caçar na floresta, pescar sozinho... dessa vez eu cogitei. Não vou mentir. Mas...
– Mas... – o incentivou, curiosa.
– Mas foi melhor ficar com você. – Ele beijou a mão da terapeuta. – As outras ideias eram tentadoras, mas não cheguei a considerar de verdade. Talvez se você fosse comigo...
– Fico feliz em ser considerada. – sorriu, beijando-o outra vez. – Acho que as coisas estão mudando. Antes talvez você tivesse esse comportamento por não sentir ou por não ter alguém, mas agora tem.
– Tenho que agradecer por não desistir de mim, mesmo quando eu quase desisti. – Ele declarou, girando o corpo e ficando de frente para ela. – Talvez e só talvez... – riu. – Eu não precise sempre fugir, é só ficar com a pessoa certa. Acho que estou mesmo amadurecendo.
– Você me parece melhor, mais leve e sereno. – comentou, acariciando o rosto dele. – Fico feliz em te ver um pouco mais como você.
– Eu me sinto. – Ele assentiu. – Ficar com você, em silêncio. Colocar um pouco disso para fora aqui, pintando, sem pensar em nada. A conversa com o Petri e com você ontem. Eu tô pensando com mais clareza, eu acho. E se você não está me julgando, então tudo bem.
– Talvez ninguém realmente esteja.
O capitão expirou um riso fraco e negou com a cabeça devagar.
– Meu pai, Atte... vou te fazer uma listinha. – Ele piscou e sorriu, sem realmente achar graça. – Mas eu sei que além deles, ninguém liga tanto assim para o que eu faço ou não. Talvez só quem eu posso afetar. – O central respirou fundo e ficou de pé, deixando a xícara no aparador outra vez e abraçando a cintura da noiva. – Minha única preocupação essa noite foi a de você perder a admiração por mim por causa disso tudo. Me achar fraco ou sei lá.
– Não aconteceu isso, não te acharia fraco por ter sentimentos e lidar com coisas difíceis. – negou, apertando os lábios em um sorriso. – É a vida real, as coisas acontecem. Dúvidas, inseguranças, nossas vulnerabilidades que emergem vez ou outra.
apertou os lábios, mas não sorriu. Endireitou a coluna e respirou fundo.
– Eu acho que estou aprendendo isso com você. – Ele confessou a abraçando mais forte. – Só que podia ser mais fácil, né? – Ele riu e piscou um olho.
gargalhou, deixando a cabeça tombar.
– Mas eu preciso dizer que... sendo sincero, a minha única conexão com alguma coisa estável, real e que eu sentia que realmente estava me deixando no lugar, era você. É você, sempre. O meu porto seguro. Os meus amigos, ou os meus pais... nada disso, só você. Eu sempre tive certeza de que não ia embora e que ia me apoiar, que ia ficar comigo. E que eu queria ficar com você. Acho que até para lidar com as críticas do meu pai, ou dos meus amigos, da mídia... se eu olho você, me lembro de tudo que mais importa.
o olhou boquiaberta, surpresa com a declaração profunda do noivo.
Ele a beijou rapidamente os lábios e se desvencilhou.
– Eu vou até lá conversar com o Mark. – continuou animado o assunto, como se não tivesse dito uma das coisas mais bonitas da vida instantes antes. – Tenho certeza que ele vai querer me empurrar para fora, mas eu ainda não sei. Petri falou sobre o time me querer muito e... mesmo com toda essa confusão de pessoas saindo, não sei se sair é o que eu quero. Não quero tomar essa decisão só porque estou inseguro por causa de outras pessoas.
Por causa do silêncio e por estava congelada na mesma posição, o jogador a olhou.
– Que foi?
A inglesa sacudiu a cabeça e expirou um riso incrédulo.
– Nada. – Respondeu se lançando no pequeno sofá, o assistindo arrumar as tintas e pincéis. Ele deu de ombros.
– Então, sobre o Mark. – retomou o assunto. – Não sei o que o Petri disse. Na verdade, não sei nem porque o Petri se meteria, ele não costuma fazer isso.
– Talvez ele tenha se preocupado. – Sugeriu .
– Besteira. – soprou e rolou os olhos.
– O que houve entre você e o Atte? – A inglesa perguntou, tocando no assunto que ainda não tinham tido tempo para abordar.
respirou fundo e apertou os lábios.
– Nem todo mundo tem a mesma paciência comigo, como você tem. – Ele respondeu. – Atte vai sair do time também, recebeu uma proposta para jogar em um time da Áustria.
– Por isso o conflito entre Inessa e ele. – entendeu enfim, unindo as peças em sua cabeça. – Ela quer ir para um lado e ele quer ir para outro. Não sabia que ele sairia também.
– É, basicamente. – assentiu, aproximando-se dela e se sentando em uma cadeira. – Ele acha que podem ter um relacionamento a distância, ela acha que não, quer que o Atte vá com ela para a Inglaterra.
– Dois teimosos, isso pode ficar complicado. – comentou e viu o noivo assentir. – Por isso vocês brigaram?
– Sim e não. – Respondeu o jogador, maneando a cabeça. – Na verdade, eu falei sobre ele ficar, sobre lealdade com o time, mas o Atte disse que nem todo mundo fica satisfeito em não alcançar seu pleno potencial. – fez um barulho com a boca, desviando o olhar. – Falou que eu não podia pedir para desperdiçarem chances junto comigo. Que de alguém que podia ter tudo, de uma lenda, vou ser resumido ao cara que jogou tudo no lixo. Ele disse também que eu preciso enfrentar as coisas e para de fugir para a minha mãe e para você. – sorriu triste e apertou os lábio, o olhando com empatia. – E claro, também deixou bem claro que sou um idiota egoísta e mimado.
– Eu sinto muito que tenha sido assim. – apertou os lábios empática. – Imagino que ouvir isso do Atte, somado ao que seu pai disse...
– No fundo eles tem razão. – deu de ombros.
– Naquela época você foi muito corajoso em fazer o que te preservava, o que era melhor para você. Sem ceder as expectativas alheias. Isso não é fácil, principalmente lidando com tudo que você lidou. Era só um menino, não tinha maturidade. – lembrou. – Agora, olhar para o passado e julgar, culpar aquele menino me parece injusto. Ele fez o que podia, mas talvez agora seja a hora de você fazer o seu movimento nesse jogo.
– Eu sei, só não sei qual movimento fazer. – Ele levantou os ombros. – Quer dizer, eu não tenho mais certeza. Porque agora tem coisas me incomodando, que antes não incomodavam.
– Vamos devagar, hoje você encontra o Mark, discute as suas opções. Amanhã você volta para o time, lida com o que tiver que lidar. – falou com um sorriso. – Logo tem os jogos da seleção. Você não precisa falar nada para as pessoas, porque eles vão te julgar de qualquer forma, mas pode fazer seu trabalho, ignorando o resto e fazendo a sua parte.
– Sempre fiz isso, amor. – a olhou. – Ignorar as opiniões, mostrar que estavam errados.
– Ótimo, então é só mais uma semana. – Ela piscou e sorriu, ele a imitou, sorrindo de lado.
O casal voltou a adotar o silêncio, encarando a tela a sua frente outra vez.
– Vamos colocar ela na sala, não vamos? – perguntou.
– Só se eu não precisar assinar. – sorriu e o acertou com uma almofada pequena.
Terça-feira, 08 de fevereiro de 2022
Quarto de Mark Lehtinen
Solo Sokos Hotel Lahden Seurahuone
Lahti – Finlândia
– Preciso me preocupar, preparar gelo ou algo assim? Ou dessa vez você veio em paz?
Fora a primeira coisa que Mark disse ao abrir a porta para o cliente jogador de hockey. revirou os olhos e expirou pesadamente, de pé do lado de fora, com mãos no bolso do moletom. O homem de cabelos impecavelmente penteados deu um passo para trás, abrindo espaço para que entrasse.
– Não me custa garantir.
Mark deu de ombros, seguindo para um pequeno bar no canto do quarto, dando as costas para o jogador e servindo algo que parecia ser uísque em dois copos. O quarto era amplo e contava com uma pequena antessala, com o bar e dois sofás pequenos com uma mesa de centro no meio. Estava na penumbra, iluminado por um abajur de luz amarela, com as cortinas fechadas que davam ao cômodo a impressão de mais quente. ainda tinha as mãos nos bolsos da blusa de moletom e observava o agente.
– Vocês são acostumados com brigas e violência, mas as únicas que lido são as financeiras e psicológicas. – O empresário deu um sorriso de tubarão quando ofereceu um copo de bebida a .
– E isso faz de você bem mais perigoso que nós. – arqueou uma sobrancelha de modo sugestivo antes de levar o copo aos lábios.
Mark maneou a cabeça e projetou o lábio inferior em concordância.
– Precisam de alguém para o trabalho sujo. – Continuou o empresário ao se dirigir a um dos sofás, indicando ao jogador que se sentasse no outro. – Eu não me importo com o estereótipo. Não desde que isso possa me bancar no verão na Costa Amalfitana sem qualquer preocupação.
– Tocante. – foi sarcástico e deu outro gole em sua bebida, sentindo o líquido queimar a garganta e fazendo careta.
– De fato. – Mark deu de ombros outra vez e colocou seu copo intocado sobre a mesa de centro, abarrotada de papéis. – Talvez para o próximo verão eu consiga algo melhor do que a Itália.
– Tipo o que? – riu abafado, pensando que a Itália já era um ótimo lugar. – Marte? – O central se sentou também, do lado oposto, em outro sofá.
– Não sei, me diga você. – Mark se recostou de forma relaxada e apoiou um dos braços esticados no encosto do sofá, arqueando uma sobrancelha para o cliente.
entendeu e suspirou, conformado com sua sina, mas sem disposição de facilitar a vida do outro.
– Achei que seu trabalho era me dizer. – levantou as sobrancelhas de novo, com alguma ironia.
– Eu perdi a conta de quantos dias rezei por esse momento. – Admitiu o empresário, inclinando-se para frente com paixão. – É a realização de um sonho, sabe? Você realmente me ouvir.
– Não comemore ainda. – não cederia tão fácil e riu, se divertindo com suas ideias para irritar o empresário. – Eu não me decidi, é só uma possibilidade. Posso ignorar tudo que me disser e fazer só o que quero, mais um ano. – O central levantou as sobrancelhas e sorriu, levando o copo aos lábios outra vez.
– Nem eu ou você temos idade para joguinhos, .
O central rolou os olhos.
– E segundo o que o seu treinador me disse, imaginei que encontraria alguém mais desesperado, mas você parece o mesmo pé no saco birrento de sempre. – Observou o agente.
– É que eu não costumo ceder fácil.
– O que sua garota acha disso? – Mark estalou a língua na boca ao mencionar a inglesa.
– Minha noiva? – o olhou por baixo das sobrancelhas de modo sugestivo. – Ela me apoia no que eu decidir.
Mark riu baixo, negando devagar com a cabeça.
– Eu não vou tentar te convencer a ser razoável, não adianta. – Mark deu de ombros. – Vou apenas fazer meu trabalho e ir embora dessa geladeira cinza e sem graça. – quase viu o corpo do empresário tremer de repulsa ao falar de Lahti.
– Então faça isso. – O capitão tomou um pouco mais da bebida âmbar. – Você sempre quis isso, não é? Faça valer a pena. É o seu momento.
Mark rolou os olhos, depois se deu por vencido e se inclinou mais sobre a mesa de centro, abrindo uma pasta que jazia lá.
– Você tem recebido muitas sondagens e propostas. – O empresário começou a falar, ignorando o falso desprezo de . – Que obviamente aumentaram com o boato de que enfim está pronto para deixar Lahti. Quiseram entender como perderam o cavalo selado. – Mark riu de lado.
– Com toda essa fumaça? – O central estreitou o olhar confuso. – Mesmo com essas brigas e suspensões? Não está se vingando e mentindo para mim, está?
Mark ergueu o olhar.
– É uma pergunta séria? – Ele pareceu chocado, mas depois sacudiu a cabeça e tentou voltar ao que dizia. – , com seu histórico? Seus números e seu tamanho? Não, se você trouxer uma chance positiva de vitória para o time, não ligam se você chuta cachorros ou bate na namorada.
o encarou em choque, com olhos arregalados.
– Não me olhe assim, eu não crio as regras. – O agente ergueu os ombros. – Hockey não é um esporte tão politicamente correto. Quantas pessoas você já viu serem boicotadas nesse meio por algo assim? Evander Kane manda lembranças. – Ele sacudiu a cabeça negativamente, voltando a remexer os papéis dentro da pasta. – Eu infelizmente preciso perguntar porque ainda tenho um sopro de ética, mas gostaria de evidenciar que odeio isso. – Admitiu em um suspiro. – Você quer começar pela Finlândia e Rússia, Europa ou ir direto para onde interessa, a NHL?
se remexeu no sofá, colocou o copo sobre a mesa e riu sem humor, enfiando os dedos nos cabelos. O riso se transformou em uma risada quase psicótica.
– Mark?
– O que foi? – O agente indagou perdido.
– Não pode ser. – O central sacudiu a cabeça incrédulo. – Eu tô afastado por brigar no vestiário, pela terceira vez. A mídia só fala mal de mim, em todos os aspectos possíveis e impossíveis. Como pode?
– Você é homem, branco, rico, jogador famoso e bom, vale mais do que boatos. – Mark rolou os olhos. – , por favor. Você precisa trabalhar sua autopercepção. E acordar para a vida. É uma águia criada com pombos e agora acredita que é um pombo, mas não é. O espírito nobre engrandece o menor dos homens. Mas não é o seu caso.
– É surreal que só deixem isso de lado. – O jogador sacudia a cabeça incrédulo, tinha os lábios torcidos num sorriso, mas não era de felicidade. – Eu tô me torturando com isso desde a suspensão e...
– No seu mundo, esse tipo de fama... besta enjaulada, bruto, cheio de personalidade... isso reforça a narrativa. Seus números te ajudam. Se não fosse por isso, por que mais o Pelicans estaria tão enlouquecido por uma renovação?
– Eles estão? – se sobressaltou.
– Me ligam pelo menos uma vez por dia. – Mark se recostou de modo preguiçoso, cruzando um tornozelo sobre o joelho.
– E não pensou em me contar?
– No momento certo. – Ele deu de ombros. – O segredo é saber negociar, só pretendia te apresentar quando conseguisse a melhor oferta. Isabel Svedin ainda tem tentado complicar as coisas.
– Como?
– Não cedendo, mas parece que ela não dura mais que o verão aqui. – Mark piscou. – Ou melhor, não chega ao verão.
– Até que enfim uma boa notícia. – suspirou e expirou um riso verdadeiro. – Devia levar para jantar hoje.
– Vale a comemoração.
Houve silêncio entre eles.
deixou os olhos viajarem pelo lugar, imaginando a possibilidade de enfim se ver livre de Svedin, tentando se forçar a acreditar que realmente poderia escolher entre tantas propostas, como Mark dizia. Se sentia em um sonho, um ambiente surreal e estranho. Também havia algo nas palavras de Mark, sobre ser uma águia em meio a pombos, não entendia bem o porquê, mas aquilo o tinha atravessado.
– Estou torcendo para que isso não seja motivo para ficar.
– Até é. – confessou, baixando o olhar e se deixando encarar o vazio e permitindo que seus muros cedessem um pouco. – Mas, as coisas estão complexas e eu não tenho mais tantas certezas do que eu quero no momento.
– Estou sonhando? – Mark ficou alerta e arregalou os olhos.
– Não se gabe ou fique aí falando coisas que não quero ouvir agora. – sacudiu a cabeça e torceu os lábios, escorrendo no sofá. – Eu só... só não quero ser para sempre a estátua no alto da montanha de Lahti. Ou o cara que podia ter tudo e não teve nada. – relaxou as costas e deixou a cabeça se apoiar a parede atrás do sofá, fechando os olhos. – Minha noiva me perguntou sobre os caras que conhecia, famosos e jogadores e eu... eu quis me dar um soco por não estar no mesmo lugar que eles agora.
– Bom, parece que a sua inglesinha está fazendo algo bom, para variar...
Mark ergueu as mãos em rendição quando recebeu um olhar atravessado e duro do jogador de hockey.
– Com isso eu vou entender que vamos direto para a América. – Mark celebrou sorrindo.
O agente tomou nas mãos uma parte dos papéis dentro da pasta e ficou de pé, caminhou até uma lixeira próxima do bar e os jogou lá, sob o olhar do central.
– Que barulho maravilhoso. – Mark sorriu aberto e voltou para o sofá.
– Para de imaginar suas férias e me conta logo o que tem aí. – pediu com ansiedade, ignorando o sorriso pretencioso do empresário, porque ainda sentia angústia em imaginar dizer não para o Pelicans e a vida que conhecia.
– Certo. – Mark tossiu, tentando limpar a garganta. – Eu talvez não saiba o que fazer agora, porque nunca pensei que esse momento realmente chegaria. Mas, vamos aos fatos, se quer a terra do tio Sam, temos algumas opções interessantes. O Boston Bruins pode ser uma, mas a oferta não é tão vantajosa, talvez eu consiga melhorar com base na oferta e procura. – Começou a listar o empresário. – E você pode ficar quentinho na Flórida com o Panthers, você fica bem de vermelho.
– Não fico não. – negou de pronto.
– Mas os dois eu poderia melhorar a proposta caso você queira. – Mark ignorou a fala do jogador. – Eu pensei que não fosse mesmo gostar. – Ele deu de ombros. – Mas tenho três realmente atrativas, e acho que se vamos mirar na NHL, eles são os alvos certos. – o olhou com mais atenção. – O Rangers te fez uma proposta boa, querem te oferecer um salário digno do seu nome, com benefícios de mídia e todo o pacote. O Vegas Golden está disposto a vender as entranhas para ter você, mas se não se importar em lidar com um time em construção. Assim como o Canucks de Vancouver. Lá é frio, vai te fazer sentir em casa.
– O Rangers me quer? – apertou os olhos e se inclinou um pouco para perto do empresário, estarrecido. – Tipo, o Rangers mesmo?
– Surpreso? – Mark riu. – Parece que é por ter um empresário ótimo, o melhor do mercado e que sabe negociar.
rolou os olhos.
– Pode resmungar o quanto quiser, estou de bom humor hoje. – Mark sorriu outra vez. – E então, Las Vegas, Vancouver ou Nova York? Eu particularmente prefiro Nova York, a cidade que nunca dorme. Talvez seja difícil no início, mas você vai se acostumar. – Ele piscou. – Espero que com isso, com a possibilidade de voar com outras águias, você deixe de se contentar com migalhas jogadas em uma praça, como tem feito.
Algo naquela conversa não parecia real, sentia que a qualquer momento acordaria do sonho e teria que encarar uma realidade cruel e dura. Queria correr e ligar para , se arrependeu de ter decidido vir sozinho, porque se ela estivesse ali, talvez significaria que o momento era mesmo real.
Estava chocado, era estranho. Não conseguia se sentir aliviado, feliz ou realmente espantado. Sentia um vazio, o ruído oco ou a luz branca que se vê quando alguém lhe atinge forte a cabeça. Quando tudo fica mudo e você só enxerga o nada. Parecia mentira, como quando alguém te elogia, mas você não é capaz de se reconhecer naquelas palavras. Era como pisar em algo que não se vê.
– Me deixa ver isso. – pediu, agitando os dedos e Mark o esticou alguns papéis.
O capitão do Pelicans passava as páginas devagar, lendo detalhes, números, conferindo nomes e datas, buscando qualquer sinal de falsidade. Mas não importava por quantas vezes passasse os olhos pelas letras e números, não fazia diferença. Estavam ali as propostas de pelo menos cinco times da maior liga do mundo, a NHL, times grandes e de renome. Não sabia se por acaso tinha recebido propostas de times de outras ligas americanas, ou quais times da Europa e Finlândia tinha interesse nele.
Era como se tudo aquilo viesse de um mundo paralelo. O mundo de era cinza, cheio de críticas, inseguranças, pessoas julgando atitudes que nem mesmo havia tido. O mundo a qual estava sendo apresentado era misterioso e diferente, colorido e maluco. Como se os conflitos caseiros dentro do vestiário do Pelicans não interessassem mais. Como se fossem conflitos do time da escola, sem qualquer influência no andamento das coisas adultas da vida.
Óbvio, sabia que o mundo de seu esporte do coração não costumava ser frágil e sensível a coisas discutidas nos últimos tempos. Faziam vista grossa, não se importavam, era fato e não era novidade para ninguém. E era assim também ou até pior, no leste Europeu. Se na América e nas ligas maiores as pessoas pareciam não se importar, no leste todos tinham certeza.
– Vou ser bonzinho e não vou te pressionar. – Mark se recostou ao sofá outra vez. – Pense bem, reflita. Aconselho termos duas opções, plano A e B. Assim posso trabalhar com maior tranquilidade.
– Posso pensar até o fim do verão, não é? – ergueu o olhar, ansioso e cuidadoso e viu Mark torcer os lábios em uma careta.
– Tente pensar o mais rápido possível. – Respondeu ele. – Alguns desses times não vou esperar para sempre.
– É, mas... – O central se remexeu no sofá, puxando para cima o tecido da calça na altura da coxa. – Eu tenho um tempo para decidir se realmente não fico aqui. – Mark rolou os olhos. – Eu ainda não sei.
– Só pense com carinho, okay? – Mark respirou fundo antes de dizer. – Talvez sua garota fique mais feliz sendo a garota de um jogador da NHL do que a de um jogador do time sempre vice de Lahti.
55 – Let's remember all the words
Let me wake up heavy head
Lying in my bed with you naked
Go put that song on, that you love
On repeat, until we can't take it
I wanna drink pink lemonade
Watching movie trailers 'til it's late
And let's remember all the words
That we think are gonna make our hearts break
(Pink Lemonade – James Bay)
Terça-feira, 08 de fevereiro de 2022
Lahti – Finlândia
– É sério??! – se surpreendeu do outro lado da linha.
– Juro.
Ele respondeu direto, porque ainda estava incrédulo.
O jogador tinha uma das mãos fechada em punho e a levou a boca, mordendo-a, a fim de enganar seu cérebro e confundi-lo da vontade de gritar.
– Eu ainda estou esperando as câmeras e risadas dessa pegadinha. – Ele confessou, apertando mais forte os dedos ao redor do celular.
– Talvez não tenha. – começou a dizer. – Bom, eu não entendo muito sobre isso, mas todos sempre disseram que você podia. Que esse tipo de oportunidade estaria para você aos montes. Faz sentido que o Mark te apresente algumas delas. Isso na verdade, é bem coerente.
– Mas não me parece justo. – O jogador estalou a língua, descia de escadas para não correr o risco de perder o sinal da ligação. – Sei lá. Eu acho que não mereço.
– Será que você sempre foi muito cobrado para ser perfeito, e aí assimilou que só merece coisas boas se for absolutamente perfeito? – Ela respondeu com outra pergunta. – Sei lá, de repente...
– Há, engraçadinha. – Ele rolou os olhos.
– Acho que talvez ninguém esteja assim tão preocupado com o que já aconteceu. Principalmente se considerar os últimos três meses apenas. – deu de ombros, mesmo que ele não pudesse ver. – Você está sendo injusto com o meu . – O capitão se derreteu inteiro e sorriu largo. – Ele teve uma carreira incrível até aqui, incorrigível. Foram três meses diferentes e um pouco intensos, o que não invalida todo o resto.
– Só que o seu é um vacilão. – Ele retomou, ainda sorrindo e evidenciando o pronome possessivo com o tom mais alto da voz. – E nada disso ainda faz sentido pra mim.
– E por que tudo tem que fazer sentido? – o questionou. – Sabe o que eu realmente penso que você devia fazer?
– Eu já sei o que vai dizer, mas vai lá... palestre. – rolou os olhos de novo e ouviu a noiva gargalhar do outro lado.
– Bobo. – Ela ainda ria e ele não conseguiu não sorrir também. – Acho que você devia vir até aqui, dizer um oi para as crianças. Depois, me levar para comer algo gostoso e me contar exatamente tudo que aconteceu durante essa conversa com o Mark.
– Olha, me surpreendeu. – expirou. – Eu gostei desse seu plano. Nada mal, . Nada mal para uma inglesa.
riu do outro lado outra vez.
– Então vamos ver em quanto tempo você consegue chegar até aqui.
Terça-feira, 08 de fevereiro de 2022
JS-Kodit Oy, Miekkiöntie 150, 15700
Lahti – Finlândia
Quando chegou ao abrigo demorou até conseguir realmente entrar. As crianças pareciam mais agitadas e animadas, talvez a presença de as tivesse deixado ansiosa para a chegada do jogador. Talvez pelo horário e época, mas a casa parecia mais cheia que o habitual – ou as crianças mais barulhentas.
Depois de uma longa jornada até conseguir entrar, passou-se algum longo e bom tempo, com atendendo perguntas, brincando e dando atenção a todos que se penduravam a ele. Yael estava especialmente afetuoso naquela tarde, não havia desgrudado do colo do capitão desde o primeiro momento em que o vira.
Era um momento de paz para , que agora conseguia descansar a coluna e braços depois de um período bem agitado. Tinha feito todo tipo de comida imaginária e conhecido cada uma das brincadeiras finlandesas e quase todas as canções infantis do país. Estava exausta, mas se sentia melhor. Era como um sopro de vida e ânimo depois dos últimos dias desgastantes. Toda a situação de com o time, o estado psicológico do noivo, as conversas atravessadas na Rússia e a briga intensa de contra ele mesmo. Queria conseguir ajudá-lo mais, mas também entendia que aquela era uma caminhada que devia fazer sozinho. Durante sua vida muitos já deixaram sobre ele o peso de agradar e buscar aprovação, não queria ser mais uma.
– Me parece que agora você consegue descansar. – Brian comentou ao se aproximar com duas xícaras de café, dando uma a , que sorriu em agradecimento.
– Bom, é minha arma secreta.
– É eficiente. – Brian riu e o acompanhou quando assistiram cair sentado por conta do peso das crianças em seu colo.
– Acho que ele precisa disso mais do que as crianças. Nós precisamos. – Ela se corrigiu.
– As crianças tem essa coisa mágica... uma espécie de chave de acesso a parte que está escondida em nós. Como se algo neles pudesse se conectar a algo em nós que vive adormecido. É como ser reiniciado, ou tomar um chocolate quente em um dia frio. – sorriu e ergueu a caneca para Brian, que retribuiu o ato. – Acho que elas fazem do mundo um lugar melhor, só não estamos prontos para admitir isso.
– É um paradoxo. – contemplou. – Mas de fato as coisas funcionam diferente perto delas. Seria bom se todos conseguissem ver a vida pela mesma perspectiva simples.
– Em algum momento da vida nós decidimos que não queremos mais agir como crianças, ou parecer uma criança, depois... desconfio que seja quando perdemos o controle das coisas.
Os dois riram juntos outra vez.
– Aquela vaga ainda está disponível. – Lembrou Brian.
– Eu sei. – tomou um pouco de seu café e inclinou a cabeça. – Só não sei se eu estou. – A inglesa suspirou. – Quero dizer, tudo ainda é recente. Acho que mal tive alguns dias livres. É como se eu... me sinto com pouca perspectiva e perdida sobre qual caminho tomar. Não tenho pensado muito em mim ultimamente. – Confessou envergonhada.
– Embora meu desejo de te ter na equipe seja tão grande quanto o Kilimanjaro... – Disse e estreitou o olhar com a comparação. – Eu entendo que as vezes precisamos descobrir quem somos outra vez.
– Isso é um fato. – riu de novo e tomou mais café. – Eu não sou a mesma que chegou aqui para trabalhar no time e agora que isso acabou, me... – Ela expirou em um misto de confusão e cansaço. – Eu não sei... é como se eu não soubesse mais porque estar aqui.
– Acho que aquela coisa grande amassando o sofá pode ser um dos motivos. – Brian apontou com o queixo para onde o jogador ainda estava com as crianças.
– É, mas... minha vida precisa estar firme em mais de um pilar, agora acho que preciso encontrar os outros.
Terça-feira, 08 de fevereiro de 2022
Lahti – Finlândia
– Eu acho que vou abrir uma exceção e tomar outro drink hoje, para comemorar que oitava praga do Egito pode estar prestes a ir embora de uma vez por todas. – ergueu as sobrancelhas e sorriu, levando a taça que tinha em mãos aos lábios.
– Falou como a Maisie agora. – comentou e fingiu se arrepiar, a inglesa riu e o atingiu fraco no ombro.
Os dois estavam juntos em um restaurante em Lahti, que era aconchegante, um pouco escuro e parecia antigo. O mobiliário antigo e rústico fazia parecer estar em filmes antigos, ou se imaginasse neve, como o restaurante de alguém antigo e tradicional, como o Papai Noel. Irônico, se considerasse o que serviam. Uma ótima carne de rena e muitas outras coisas cremosas e suculentas que adorou provar junto ao noivo, enquanto ouvia cada pequena palavra da conversa com o empresário dele.
– Você não pode fingir que não se anima com essa notícia, ou que já não pensou assim sobre ela. – A inglesa piscou um olho. – Ou coisa pior.
– Claro que pensei. – descansou as costas na cadeira. – Às vezes eu me imaginava errando os pedais e atropelando ela no estacionamento, sem querer. Se ela ficasse afastada do trabalho talvez houvesse paz.
– Isso foi meio pesado.
– Por isso eu só imaginava. – Foi a vez de piscar um olho e sorrir. – Mas, agora eu sinto que um peso gigante saiu das minhas costas. Se ela não estiver por aí, tudo vai ser melhor. Não vai ser aquela ansiedade horrível de ter alguém no meu pé.
– Quase que literalmente. – Ela comentou. – Isso mudou sua ideia sobre deixar o time? – sondou com a pergunta que queria fazer desde o início daquela conversa.
– Me deixou mais relaxado quanto a ficar. – Confessou ele, inclinando-se um pouco sobre a mesa e desviando o olhar para os talheres. – Assim calaria todos que acham que estou fazendo corpo mole. Não teria mais a Isabel, eu ficaria no time, perto dos meus pais... tudo volta a ser como antes.
Um vinco se formou entre as sobrancelhas da inglesa quando ela estreitou o olhar.
– O que foi? – Ele percebeu.
– Nada. – disfarçou.
– Eu conheço você. O que foi, ? – insistiu.
– É só que... – A inglesa suspirou, esticou os braços e elevou os ombros. – Você não vai gostar e eu não quero brigar, então é melhor deixar para lá.
O capitão maneou a cabeça e torceu os lábios em uma careta repreensiva, deixando sem opções.
– É só que... bem, você não precisa ficar para provar qualquer coisa... para isso já bastaria ganharem a taça. – Ela o respondeu hesitante. – Depois, as pessoas que falam e cobram vão continuar a fazer isso, de qualquer jeito. Você não deve nada a ninguém e não precisa tomar decisões em sua vida embasadas em calar ou não pessoas, atender ou não a expectativas. E segundo... – respirou incerta e o olhou de soslaio, sem encarar o semblante sério do noivo. – Não vai ser tudo como antes. Atte está indo embora, Santtu, Ottis e outros, Inessa também vai. O time vai passar por uma reformulação e agora com as mudanças de gestão e gerência, as coisas podem mudar outra vez e não necessariamente para melhor. Esse tipo de coisa é cheio de altos e baixos, não dá para saber se na próxima temporada o time vai ser tão competitivo como agora. E também, isso é só você ainda procurando meios de não deixar sua zona de conforto.
– Tinha razão, eu não gostei. – Ele respondeu rápido e de cenho fechado. – Acha que precisa me dizer essas coisas? Eu já sei. – apontou para o próprio peito enquanto sussurrava com voz irritada. – Eu estou nisso por toda a minha vida, sei que é instável. Já passei por muitas fases ruins com o Pelicans.
– E está pronto para outra? E pra esperar que o time se reestruture?
– Parece que está torcendo contra a gente aqui. – Ele a alfinetou, torcendo os lábios em um bico, cruzando os braços e recostando-se na cadeira, se afastando.
– Só estou sendo prática. – se inclinou um pouco mais sobre a mesa, para se aproximar dele. – Depois de tudo que nós conversamos, depois de tudo que você pensou e me disse.
– Você está querendo que eu aceite outra oferta? É isso? – arqueou uma sobrancelha, seu tom não era o mais amigável, mas como a inglesa dissera antes, imaginava que ele não gostaria nada de ouvir sua opinião. – Isso é você me dizendo que quer ir embora de Lahti?
– Se eu disser que quero ficar em Lahti ou em outro lugar, é mais fácil? – devolveu a pergunta e o viu unir as sobrancelhas em uma surpresa ofendida. – A vida inteira pessoas te disseram o que fazer, mas isso já era. Eu não vou te dizer o que fazer, . E você quando adolescente conseguiu tomar aquela decisão sozinho, agora também consegue. Não vou te dizer o que eu quero ou não, não é sobre mim.
– Você opina, aponta o problema, mas não me ajuda com a solução. – resmungou de novo.
– Para de buscar a solução fora, ela está dentro de você.
– Você não é minha terapeuta.
– Que bom por isso. – Disse ela e ele se surpreendeu de novo. – Talvez se fosse, você já teria confiança suficiente para enfrentar as situações da sua vida que são desafiadoras, se responsabilizando por elas e sendo protagonista de tudo.
– Você estava certa.
ergueu as sobrancelhas, se surpreendendo, aguardando que ele finalizasse sua fala.
– Era melhor eu não ter perguntado nada.
Terça-feira, 08 de fevereiro de 2022
Casa de e
Lahti – Finlândia
Já era mais tarde, a noite era fria e com bastante vento que fazia alguns galhos se chocarem contra a casa. tinha feito algum comentário sobre a necessidade séria da poda, enquanto tentava hidratar a pele seca antes de se cobrir totalmente para dormir. Depois de escovar os dentes e se despir, se jogou na cama de qualquer jeito, enfiando o rosto no travesseiro. Não haviam conversado muito mais sobre trabalho durante o resto do jantar, nem o dele, nem o dela. Alguns fãs apareceram e aquilo os distraiu de sua breve contenda.
Depois, em casa, a mãe de tinha a prendido em uma longa ligação enquanto se cansava brincando com Felix. Quando terminou com sua loção hidratante, se cobriu e desligou a iluminação restante, encolhendo-se perto do noivo, que ainda tinha o rosto no travesseiro.
– Você retoma os treinos amanhã? – Ela quis saber.
– Sim. – Ele respondeu com voz abafada, depois ergueu o rosto. – Mas não tô pensando nisso. Não quero ficar ansioso.
– Vai ficar tudo bem. – esticou um braço para afagá-lo. – Já passou por piores.
– Mas é diferente, de muitas maneiras. – se virou, deitando-se ao lado dela. – Mas vou tentar ser o capitão que tenho que ser. Tô com a cabeça mais fria, um pouco mais realista, aceitando quase zero, zero, zero, zero, zero vírgula um das minhas falhas.
– Isso é bom. – sorriu, entrelaçando os dedos aos dele. – Se aceitar imperfeito pode ser difícil mesmo.
rolou os olhos e ergueu as sobrancelhas.
– Em umas duas semanas ou sei lá, são os jogos. – tornou a falar após uma breve pausa e quando percebeu que não havia o compreendido, a puxou para mais perto pela cintura. – Os jogos de inverno.
– Claro. – assentiu. – Os jogos. Como isso funciona? Vocês viajam e aí... sabe, é como uma copa do mundo ou como as Olímpiadas?
– É, bem isso mesmo. – Ele riu fraco da simplicidade dela. – A gente deve ir alguns dias antes, o campeonato aqui vai ficar parado um pouquinho.
– Me diga. – sorriu maliciosa e usou uma das mãos para acariciar a barba do noivo. – O que as garotas dos jogadores fazem enquanto isso?
gargalhou, derretendo-se por dentro e a apertando com mais força.
– Bom... – Ele maneou a cabeça e sorriu ladino. – Elas não podem entrar nos nossos quartos, mas... tem os hotéis por perto e elas sempre vão aos jogos. – assentiu com a cabeça enquanto ele falava. – É bom você ficar perto, porque na final, quando o time vence... as famílias costumam invadir o gelo.
– Quer que eu fique perto para ver isso? – Ela o provocou e o viu rolar os olhos, depois sorrir.
– Quero que você fique lá, para eu te abraçar no final do jogo. – Ele pediu com voz firme e doce. – Para te deixar segurar a taça junto comigo.
– Você é sempre confiante assim, ?
– Eu sei que jogo bem, e sei que posso ser melhor ainda com o incentivo certo.
Ao dizer, rolou sobre o corpo da noiva, beijando-a.
– O que será que pode te incentivar assim? – riu, correspondendo ao carinho dele.
– Eu tenho uma ideia, vou te mostrar. – Prometeu com voz abafada, beijando o pescoço da inglesa.
56 – Acceptance is the key
Acceptance is the key to be to be truly free
Will you do the same for me?
(Unconditionally – Katy Perry)
Quarta-feira, 09 de fevereiro de 2022
Centro de Treinamentos do Pelicans – Isku Areena
Lahti – Finlândia
, era um dos maiores artilheiros da Liiga até aquela fase do campeonato, nome certo da escalação para os jogos de inverno, o príncipe de Lahti, a fera russa do gelo, o maior atleta da Finlândia – certamente o mais conhecido para além das fronteiras do pequeno país.
O jogador russo naturalizado finlandês, promessa do esporte mundial e que parecia não estar onde devia estar. De fato era assim que se sentia ao caminhar pelos corredores da arena, até o vestiário. Passara por alguns funcionários, equipe técnica também, durante seu percurso. Manteve a cabeça baixa, apertando os lábios em um tipo de sorriso fechado e sem jeito. O boné era útil para cobrir o rosto durante o caminho que parecia muito mais longo do que ele se lembrava.
Era como se tentasse caber em uma calça apertada demais. Um lugar estranho de estar depois da suspensão, da sua dificuldade em encarar os companheiros no fatídico dia em que encontrou Petri no estacionamento – e também após seus novos insights. Todas aquelas coisas pareciam ter acontecido há anos, porque era assim que seus dias pareciam se passar nos últimos tempos. Arrastados, longos além da conta, presos em um fevereiro interminável e sem graça. Como um daqueles filmes que o protagonista vive o mesmo dia por várias e várias vezes, até que resolva o mistério e consiga encerrar aquele ciclo terrível.
Às vezes se flagrava pensando sobre qual seria seu mistério para resolver para encerrar aquele looping. Naquela manhã, enquanto estava sentado na cama encarando a parede, perdido em uma mente vazia, a voz de – que fazia planos sobre os jogos de inverno – foi desaparecendo na mesma medida em que uma voz repetia em eco uma pergunta em seu crânio vazio: “E se eu não voltasse mais?”
Na ocasião sacudiu a cabeça e tomou um banho, mas o pensamento intrusivo continuou o perseguindo como fazia há alguns dias.
Quando o capitão percebeu, ergueu o rosto e viu as portas do vestiário, conseguiu ouvir as vozes agitadas que escapavam pela fresta. Respirou fundo, ergueu o rosto, mas ao contrário do que geralmente fazia, ignorou seu instinto e baixou os ombros. Tentou mentalizar toda humildade que tinha e entrou no vestiário com a cabeça erguida, mas muros baixos. Desarmado. Sem querer parecer o inabalável e inacessível de sempre, não queria fazer parecer que não se importava porque seu objetivo ali era justamente o contrário, mostrar o quanto se importava com o time e com tudo que havia acontecido.
Os jogadores dentro do vestiário se calaram assim que perceberam o capitão e foram se cutucando, até que todos tivessem os olhos em de modo desconfortável e curioso. O central segurava com mais força do que necessário a alça da bolsa de treinos pendurada no ombro e os olhou por debaixo das sobrancelhas como um tipo de cão acuado.
– E aí?! – Santtu o cumprimentou e o respondeu erguendo o queixo e apertando os lábios, enquanto mantinha o contato visual com o defensor.
– Enfim de volta. – Jasper sorriu e ergueu o polegar com um sinal positivo.
Atte estava ao lado dele e encarou o goleiro reserva com algum estranhamento quando este se dirigiu a , sem que isso passasse despercebido pelo capitão.
– É, eu estou de volta. – respondeu, falando pela primeira vez. – Olha, eu... – O capitão hesitou, maneou a cabeça, coçou a nuca, inclinou e depois ergueu a cabeça. – Eu queria dizer umas coisas antes. Antes de tudo.
O time se manteve em um silêncio sereno, esperando que continuasse, enquanto o capitão sentia o suor escorrer por sua nuca e mãos, mesmo no frio do início de fevereiro. engoliu em seco outra vez e fechou os olhos por um instante, respirou fundo e os abriu, encarando o grupo. As palavras que tinha ensaiado no caminho não pareciam mais tão boas, os olhares mais pareciam mais ameaçadores e ele quis fugir correndo. Mas não o fez.
– Sei que muita coisa está confusa e que devo uma explicação há muito tempo. – Ele começou a falar, se esforçando para não vacilar na voz. – Eu devo isso ao grupo, porque os nossos problemas têm que ser resolvidos aqui dentro. – Ao dizer, o central olhou para Santtu, que apertou os lábios como se concordasse e tivesse entendido o olhar do capitão. – Essa temporada tem sido difícil e diferente para mim, como jogador, capitão e na vida pessoal. Mas isso não justifica a droga de capitão que tenho sido ultimamente. Preciso amadurecer e controlar mais meus impulsos, tô aprendendo isso.
baixou o olhar rapidamente e negou com a cabeça.
– Só para deixar claro, quando briguei com Aleks no vestiário no ano passado, foi por causa de um... – Ele teve dificuldade em encontrar as melhores palavras e percebeu que Aleks tinha o olhar atento e ansioso, talvez até preocupado sobre o que diria. – Só uma coisa entre ele e eu, na nossa vida pessoal. Na nossa amizade. – Finalizou com um suspiro, mantendo os olhos sobre o amigo. – Depois, quando briguei com Atte no vestiário, ele estava ficando com a minha irmã.
– Namorando. – Atte corrigiu, capturando alguns olhares. O goleiro estava de pé no fundo do vestiário, de braços cruzados e assistindo o pronunciamento do capitão do time. – Namorando.
– Tanto faz. – rolou os olhos e bufou. – De qualquer jeito, nada disso importa. Sei que tenho estado distraído e talvez até perdendo a admiração de vocês aqui. Ou a honra de ser capitão do time. Mas queria deixar claro que nada disso tem a ver com a e minha relação com ela. – sacudiu a cabeça e fechou os olhos rapidamente. – Só talvez a última briga, mas o motivo não é importante agora.
O capitão correu os olhos pelos homens que o ouviam.
– Eu sei também que tem muita besteira na mídia e... e eu tô distante, então... só queria dizer que não tenho intenção de não dar mil por cento de mim até os playoffs e nos playoffs, como sempre. Não tô fazendo corpo mole ou birra, só... é só um maré de azar que tem me perseguido. – Ele soltou o ar, baixando os ombros e contemplando sua situação. – E eu não estive aqui nos últimos dias, desde a suspensão, porque não conseguia encarar vocês e o resto da equipe. Tenho muita vergonha de como as coisas estão acontecendo e não é esse capitão que quero ser. – fez uma breve pausa. – Se confiarem em mim e puderem me dar outra chance, posso garantir que vou fazer o que precisar para que a gente seja campeão.
Houve um breve silêncio, alguns jogadores se entreolharam.
– Tá legal, mas se já terminou os votos, pode se vestir para treinar. – Janos Hari se pronunciou, quebrando o silêncio incômodo como se não ligasse. – Temos os últimos jogos dessa semana, antes da pausa e eu não quero deixar aqueles idiotas de Tampe se classificarem como primeiros do grupo.
o encarou confuso, como se a cena saísse do roteiro ensaiado por ele mil vezes antes de entrar ou de abrir a boca.
– O que foi, ? – Topi percebeu, aproximou-se de e apertou um dos ombros do capitão enquanto inclinava a cabeça sobre o ombro. – Ninguém liga para o que estão falando na TV, cara. Fodam-se eles. – Ele garantiu. – Nem liga para suas brigas de vestiário. – Topi se inclinou um pouco mais e falou mais baixo. – Se ele tentasse namorar a minha irmã, eu teria mandado ele para a UTI. – O jogador piscou ao se afastar.
– Vocês não podem estar tão de boa com esse assunto. – ainda estava surpreso e disse ao companheiro de time, que deu de ombros. – Tão sem se importar. – Falou mais alto, buscando algum olhar torto do resto do grupo.
– O que você queria? Música, chorar, escrever mensagens longas de pedidos de desculpas, dizendo como você feriu nossos sentimentos? – Willy implicou, arremessando uma meia no capitão. – Esquece, cara.
– Você é a porra do , quem liga? – Mikko completou, dando de ombros e se abaixando para calçar os patins. – Precisa de bem mais que isso para perder nosso respeito. E somos jogadores de hockey, ninguém liga se você briga.
– Umas confusões não apagam o legado. – Janos falou também. – Quem conhece o jogador e líder, não se importa.
sorriu surpreso, ainda atônito com as reações quase entediadas do time.
– Só tem uma pergunta que você precisa responder. – O ala Miika ergueu a voz e o mirou com curiosidade e atenção. – Você fica no Pelicans?
– Eu queria ter essa resposta agora. – foi sincero e respondeu depois de suspirar. – As negociações estão rolando, mas eu ainda não sei.
– Tomara que fique, irmão. – Janos o cumprimentou com um aceno de cabeça.
– É isso aí. – Mikko se pronunciou outra vez. – Nova temporada, mesmo time, unidos.
– Vamos lá! – Topi assoviou em resposta a Mikko e o time começou a se agitar.
Logo todo time estava de pé, agitado, se vestindo para o treino. Alguns se aproximavam de para cumprimentar o aliviado capitão, tornando longo o caminho até o canto de sempre, sob o seu sobrenome. Quando conseguiu deixar suas coisas em sua baia, Atte se aproximou, cumprimentando o amigo com um cumprimento de mãos já conhecido entre eles.
– E aí. – Atte falou primeiro, depois de um abraço de lado.
– Estamos bem? – quis saber.
– A gente sempre fica, não é? – O goleiro respondeu, estavam paralelos um ao outro, ambos com olhos nas prateleiras que guardavam seus equipamentos para treino. – Desde sempre.
– Escuta, cara, eu... – balançou a cabeça negativamente, mas ainda sem encarar o goleiro. – Só queria dizer que... o Salzburg ou qualquer lugar que você vá... que o time vai ter sorte por te ter.
– É sério? – Atte se voltou para o capitão, surpreso. – O que te deu?
– Não é nada. Eu só tenho pensado nessas coisas. – Admitiu. – Pensado sobre muitas coisas e... se você quer sair daqui e tentar algo maior, devia ir. Você tinha razão, sempre me apoiou em tudo, desde sempre. – também se voltou para o melhor amigo. – E todas as vezes que precisou que eu fizesse o mesmo, eu não fiz. Com a minha irmã não conta, mas eu sei que tenho uma dívida e acho que tenho sido egoísta com você por tempo suficiente.
– Esquece isso. – Atte voltou a se arrumar, desviando o olhar do capitão.
sorriu fraco, de canto.
– Só me ajude a trazer a taça para casa antes de ir, está bem? – O central esticou a mão, como se propondo um novo aperto, Atte o olhou. – Vai ser a nossa última.
– Cala a boca. – Atte o puxou para um abraço. – Parece que vai morrer, pelo jeito que fala. A gente não é tipo o Vin Diesel e o Paul Walker, não tem See you again.
– Cara, você gosta de cada filme horrível. – resmungou quando se desvencilhou do abraço do goleiro e expirou um riso de provocação. – Seu gosto é ainda pior que o da .
– Você não entende a arte da saga. – Atte defendeu enquanto arrancava a camisa que usava pelo pescoço.
– Carros que voam e sair por aí atirando e atropelando pessoas. – O capitão revirou os olhos.
– Acho que você não viu a saga certa, nem tem isso em Velozes e Furiosos.
rolou os olhos outra vez e continuou a se preparar, ignorando o assunto do melhor amigo.
– É só isso mesmo? – O capitão tornou a falar após algum tempo. – Todo mundo ficou de boa com tudo?
O central ainda estava confuso com as reações, imaginava que os companheiros o cobrariam o tempo afastado ou o julgariam pelas desavenças com o time. Mas aparentemente a maior preocupação era se continuaria a defender o uniforme azul finlandês na próxima temporada.
– Tem disso no hockey, ninguém liga. – Atte deu de ombros. – Não sei porque ainda parece surpreso, depois de tantos anos.
– Petri falou tanto sobre perder o vestiário e o lugar de capitão, que achei que encontraria todos me odiando aqui. – justificou, arrancando a calça que usava. – Fiquei remoendo isso por dias. Depois do aniversário da minha irmã, tudo piorou. Não conseguia nem passar aqui na frente.
– O Petri sempre pega mais pesado com você. – Observou Atte, parando o que fazia. – Mas depois daquela quinta, nada mudou. Quer dizer, ninguém falou muito sobre isso comigo porque sou seu amigo, mas ninguém pareceu realmente incomodado por sua causa. Mas não foi o mesmo para o quadrado fantástico ali. – O goleiro apontou com o queixo para um canto onde Santtu, Otto e Jasper estavam.
– Como assim? – perguntou confuso ao perceber de quem o amigo falava.
– Depois, na segunda, a fofoca sobre o motivo da briga começou a se espalhar e a galera não curtiu muito. – Atte contou. – Todo mundo gosta de você e da e não liga para as brincadeiras e piadas. Quando Santtu e Otto voltaram para os treinos, mesmo suspensos dos jogos, o time deu gelo neles.
– É mentira.
– Não, eu juro. – Atte sorriu, sentando-se para calçar os patins. – Acharam idiotice e trairagem implicar com você e perguntaram se eles estavam apaixonados por você ou pela .
– Não é real. – também se sentou, mas de choque. – Eu fiquei dias sem dormir direito, na maior bad da minha vida. Achando que estava jogando minha carreira fora, meu lugar de capitão... e você me diz que ninguém ligou e que o time ainda me defendeu?
– É como eles disseram. – Atte ergueu um ombro. – Somos jogadores de hockey, homens. Ninguém liga.
expirou pesadamente, ainda chocado com a realidade que havia encontrado. Estava tonto, porque de todos os cenários imaginados por ele durante a quase uma semana afastado, aquele nunca estivera em seus pensamentos. Pensou em e procurou o celular, precisava mandar uma mensagem e contar tudo a ela. Talvez ela conseguiria ajudá-lo a entender, ou talvez assim ele despertasse do sonho que parecia estar vivendo.
Quarta-feira, 09 de fevereiro de 2022
Centro de Treinamentos do Pelicans – Isku Areena
Lahti – Finlândia
– Mikko, à esquerda. – Petri gritou e assoviou. – Mais rápido, Santtu. O é seu.
Os jogadores treinavam roubadas de disco em cada lateral, em duplas, tentando acompanhar o jogador com posse do disco. Era final do treino, muito já havia sido feito e talvez pelos dias fora ou pela sensação esquisita que o capitão tinha desde a conversa estranha com o time no vestiário, sentia estar derretendo, suando o suficiente para abastecer um oceano. Os cabelos estavam grudados na nuca e sentia-se desmontar a qualquer momento. Por isso, na troca de duplas para disputa, o central se deixou chocar o corpo contra a proteção e buscou por uma garrafa de água. Jogou um pouco na boca e depois cuspiu, deixou cair um pouco na nuca e sentiu um alívio momentâneo.
Ainda aproveitava a sensação quando Santtu pareceu ter a mesma ideia e também se chocou contra a proteção, ao lado de , enquanto o time seguia ritmado pelos gritos de Petri.
– Treininho puxado. – O defensor puxou assunto, mas o ignorou.
O central seguiu com seu ritual, enquanto Santtu encarou os patins, depois apoiou as mãos no taco, sem jeito.
– Que bom que está de volta. – Santtu tentou de novo.
ergueu o rosto e abriu a boca, pronto para questioná-lo, mas foi interrompido por uma voz interior que o fez se calar, respirar fundo e guardar o que realmente queria dizer.
– Obrigada, Santtu. – Fora apenas o que respondeu, ainda sem olhá-lo.
– Eu... – O defensor coçou a nuca e tentou limpar a voz. – Eu só queria me desculpar por aquele dia. Não sabia que as coisas estavam ruins e não quis piorar nada.
fechou os olhos e deixou a cabeça tombar para trás, contou até dez devagar.
– É que a gente... eu não sei explicar. – Santtu hesitou e riu nervosamente. – Agora parece ainda mais idiota. A é como uma irmã e eu fiquei irritado com as brincadeiras, com ela sair do time... parecia que nós estávamos perdendo ela. Mas sinto muito pelo que aconteceu, não tinha intenção...
– É fácil dizer agora, não é? – enfim falou, quando não conseguiu mais segurar o ímpeto. – Não foi você quem ficou um lixo por causa daquela droga. E eu achei que você também fosse meu amigo. – Lembrou magoado o capitão, apontando para o próprio peito. – Mas eu agradeço por ter deixado claro que não. Não vou confundir de novo.
– Olha, aquilo foi... – Santtu coçou a nuca outra vez, envergonhado.
– Eu não sei o que fiz para você e o Otto não gostarem de mim...
– Eu gosto de você. – Santtu o cortou rápido. – Só que gosto mais da e entendi as coisas de outro jeito. Já pedi desculpas. Não foi legal o jeito que nós dois te provocamos, mas ninguém tem culpa se você perde a cabeça fácil.
sentiu o sangue esquentar e o impulso tomar conta, mas contrário a sempre, recuou e respirou fundo.
– Eu tô cuidado disso. – respondeu seco e colocou a garrafa com água no lugar, ensaiando se afastar.
– Só quero que a gente fique bem. – Santtu falou de novo. – Pelo time. Pela .
o olhou e expirou, balançando a cabeça negativamente. Estava sem cotas de paciência para alimentar rixas ou tratamento de silêncio com o principal defensor de sua linha. Precisava, mais que nunca ser o capitão incorrigível de sempre e lembrava das palavras da noiva. Ela tinha razão sobre precisar melhorar seu controle de impulsos, sua raiva e ser mais profissional.
– Tá tudo bem. – respondeu dando de ombros e Santtu torceu os lábios, não em uma careta ou em um sorriso. Uma torção insatisfeita, mas compreensiva.
O central começou a se afastar, mas algo piscou em sua cabeça o fazendo voltar-se para o defensor outra vez.
– Qual é o problema do Otto comigo? – inquiriu e viu Santtu abrir a boca e depois a fechar, sem responder. – Porque aquele dia... – expirou um riso. – Aquele dia pareceu bem pessoal todas as ofensas que ele me fez.
– Ah, cara...
O capitão manteve os olhos fixos em Santtu, que ergueu os ombros e sacudiu a cabeça, até perceber que não conseguiria escapar daquela pergunta.
– Você devia perguntar a ele.
– E claro, o Otto iria me responder. – rolou os olhos e suspirou.
– Sei lá, acho que tem a ver com a garota dele, a escola e você ser um valentão. – Contou por fim o defensor e franziu o cenho, confuso. – Eu não quero entrar nessa e nem sei direito o que aconteceu. Então, fala com ele. É mais certo.
Santtu escorregou, deixando ainda mais confuso e perdido, encarando o espaço no gelo antes ocupado pelo defensor.
Quarta-feira, 09 de fevereiro de 2022
Centro de Saúde Mental de Lahti
Lahti – Finlândia
Três abaixo de zero, durante a manhã havia sido bem pior.
caminhou até a porta de entrada do Centro um tanto hesitante, era a primeira vez que ia até o lugar sem o noivo e a primeira depois do último episódio de agitação de certo paciente. Não sabia se permitiram que entrasse outra vez, que o visitasse. Sendo honesta consigo, a inglesa não sabia porque mesmo estava ali, se no fundo queria que permitissem ou não sua visita. Tinha sentimentos estranhos e confusos sobre Timmy e aquele lugar que a impeliam a estar ali.
Desde que vira o noivo passando pela porta, em direção a mais um dia na Isku, se percebeu angustiada. Talvez se enfiar em algo difícil, para o qual não havia sido chamada e com certo potencial problemático, fosse sua tentativa inconsciente de substituir o trabalho no Pelicans. certamente ia odiar a ideia, sabia disso. Talvez também fosse por isso, um jeito de provocar algo entre e o noivo, já que agora não teria mais os dilemas do time para esquentar a relação.
sacudiu a cabeça com aqueles pensamentos, não estava se sabotando, só tentando ficar ocupada, saciando sua curiosidade, garantiu a si. Abriu a porta e rapidamente se dirigiu ao recepcionista, que a pediu que esperasse até encontrar a pessoa certa.
Se sentou na recepção de modo rígido, estava tensa com a espera e ansiosa. Pensava sobre ter sido precipitada em apenas aparecer e se perguntava o que queria ou esperava com aquela visita. A recepção estava parcialmente ocupada, algumas pessoas sozinhas, encolhidas, cobrindo o rosto enquanto choravam baixo, outras em dupla, comentando sobre a decoração ou o frio que os aquecedores não davam conta de resolver.
De algum modo, acessava memórias. Podia ser um lugar assustador e triste para a maioria das pessoas, mas para ela era apenas mais uma recepção de um centro psiquiátrico. Fazia parte, não se acostumar, mas ter menos estranhamento talvez. Era um lugar conhecido de certo modo, que lhe dava a impressão de simples, porque caso alguém tivesse alguma crise ou algo do gênero, a inglesa saberia resolver. Diferente de seus primeiros dia no Pelicans.
– Você voltou. – A voz de Arvo chegou até os ouvidos de , que ficou de pé rapidamente.
– É, sim.
– O que é dessa vez? – O médico apoiou um dos cotovelos no balcão. – Veio pela vaga, ou para estressar meus pacientes?
– A segunda opção. – respondeu um pouco envergonhada, mas firme. – Da outra vez, não foi minha intenção. É só que... é esquisito.
– O quê? Um paciente psiquiátrico pensar ser a maior estrela do esporte da atualidade? – Arvo riu pelo nariz. – De onde você vem eles acreditam ser quem? A rainha? – Ele riu.
– Na verdade, sim. – respondeu séria e o psiquiatra tossiu, interrompendo seu riso quando a inglesa ficou séria e ele se lembrou de sua origem.
– Bom. – Ele tentou limpar a garganta e endireitar a postura. – Às vezes ele muda, mas já tem essa personalidade cristalizada e constante. .
– Eu confesso que fico muito curiosa com o caso e também, bastante sensibilizada. – confessou.
– Por ele ser sozinho ou por achar que é o seu namorado? – Arvo arqueou uma sobrancelha e uniu as dela, insatisfeita com a pergunta, o psiquiatra deu de ombros. – Que seja. Vamos, vou te levar até ele.
– Isso é sempre simples assim? – A inglesa quis saber enquanto o seguia pelos corredores da última vez. – Qualquer um pode visitá-lo?
– Benefícios de uma instituição grande, lotada e sem pessoal. – Arvo respondeu enfezado. – Não quer mesmo o emprego? Não deve pagar tão bem quanto o time da cidade, mas não acho que você se importe muito com dinheiro a essa altura.
fingiu não ter ouvido.
– Ninguém nunca tentou procurá-lo? Nem deram queixa na polícia? – retomou o assunto.
– Não na época, depois ninguém checou outra vez. – Arvo lembrou, andando pelos corredores mais gelados do que se lembrava. – São muitos pacientes nessas condições, esquecidos. Não é possível tanta atenção especial para o Timmy.
não conseguiu conter a expressão irritada e incrédula que ocupou seu rosto.
– Então, talvez a família dele nem saiba que ele está aqui?
– Isso se ele tiver família. – Arvo a respondeu entediado. – Ele foi encontrado perambulando por aí de terno, uma pasta de couro vazia e descalço. Sem documentos ou coisa do tipo. Perto da Isku, reclamando por não o terem deixado entrar na arena. Ele ficou num hotel barato no centro, pagou em dinheiro e flertou com a recepcionista, dizendo ser da Islândia e deu nome de Timmy. Timmy Helgason.
– Isso não faz muito sentido.
– Somos uma instituição asilar, inglesa, não polícia. – Arvo olhou ao dizer e então parou de andar. – Ali está seu suspeito, perigosamente fazendo uma oficina de colagem. Se divirta.
Arvo apontou, sorriu de modo falso e lhe deu as costas.
suspirou ainda incrédula com o jeito relaxado do médico, depois decidiu se aproximar um pouco, para observar melhor. Timmy estava concentrado, sentado mais afastado dos outros quatro participantes da oficina, colando pedaços de um material colorido em uma tela, num trabalho meticuloso e detalhista.
A inglesa ficou mais perto, tendo cuidado para não o atrapalhar ou assustá-lo.
– Olá. – Ela o cumprimentou, teve medo de chama-lo de Timmy, mas não pareceu certo chamá-lo de .
O homem loiro ergueu o rosto e os brilhantes olhos azuis que pareciam distantes e voltados para dentro. A encarou por alguns instantes, até que enfim se desse conta de que se referia mesmo a ele, então lhe deu as costas outra vez e voltou sua atenção a colagem que fazia.
– Será que posso me sentar com você? – insistiu quando ele não a cumprimentou.
Timmy deu de ombros e a inglesa se sentou devagar, em silêncio, e passou a observar o que o homem produzia com tanta atenção. Os dedos grossos não o ajudavam, mas ainda assim Timmy conseguia sem dificuldade separar os pedaços pequenos e coloridos uns dos outros, utilizando os formatos e cores que queria. Em sua tela algo como um barco parecia se formar, mas um barco diferente, inteiro de madeira, sem velas ou cordas, que parecia estar afundando nas espumas de ondas frias. Islândia devia ser, pensou.
– Isso é tipo um barco viking? – Ela perguntou e Timmy assentiu com a cabeça, riu. – Quando cheguei na Finlândia, uma vez, confundi os países e falei dos vikings como se fossem daqui. – Se lembrou.
– Erro estúpido. – Timmy respondeu um pouco impaciente. – Como se todos fossem um só.
– É verdade, eu fui estúpida nessa. – concordou, relaxou as costas e apoiou o rosto com uma das mãos. – Você é bom nisso. Na colagem.
– Não tenho muitas coisas para fazer aqui. – Ele parecia um tanto mais azedo naquele dia. – Mandalas, filtro de sonho, desenho, pintura, colagem, bater um tambor, falar sobre mim.
– Pelo menos já tem várias coisas em que é bom. – continuou, interessada com a conversa. – Vikings também batiam tambores, eu vi na série.
Timmy ergueu o rosto e a olhou de olhos estreitos e lábios repuxados em uma careta.
– Fale também sobre invasões e rituais, estou esperando.
– Desculpe. – apertou os lábios, sem jeito.
Timmy seguiu colando os pequenos pedaços, ainda assistia enquanto se perguntava sobre dar ou não vazão aos pensamentos e teorias que inflavam sua cabeça. Se interessava por ele e por sua história em branco, pelas páginas arrancadas daquela vida sobre a qual ninguém sabia. Se compadecia também, porque devia ser muito triste ser esquecido, estar no mundo como alguém sem passado ou futuro, apenas um presente que se perde como as ondas da colagem dele. Sem motivo, sem um rumo, apenas indo e voltando porque é assim que são as coisas.
Por outro lado, adorava as teias que construía quando se deparava com uma situação como aquela. Descobrir as peças do quebra–cabeça como se desvendasse um crime. Quem era ele? De onde vinha? Por que estava na Finlândia? Por que ? Por que ninguém o tinha procurado? Será que em algum lugar do mundo havia uma família, esposa, filhos à espera de alguém que nunca retornou?
se deixou vencer.
– Qual seu lugar favorito da Islândia?
– Reykjavik.
– Nunca ouvi falar.
– Jura? Sua série não te ensinou isso não? – Timmy alfinetou outra vez e fora vez de estreitar os olhos e fazer careta.
– Você já morou lá? – ousou um pouco mais.
Timmy separou os lábios para responder, mas foi interrompido por uma enfermeira com medicamentos e um pouco de água.
– Timmy, hora dos seus remédios.
O homem loiro bufou e rolou os olhos, endireitou as costas e mudou a postura.
– Esse não é o meu nome e você sabe. – Ele a corrigiu mais duro e a enfermeira esticou mais os comprimidos, impaciente. – Que droga.
Depois de reclamar, Timmy os ingeriu, deu um gole de água e voltou para sua colagem. observou a enfermeira se afastar e quando estavam a sós novamente, tentou retomar.
– Então, sobre essa cidade da Islândia que mencionou, você já viveu lá? – perguntou com um leve sorriso nos lábios, mas Timmy a ignorou. – Talvez já esteve a trabalho, quem sabe?
– O time não joga na Islândia. – Ele respondeu com alguma ironia, seu tom era diferente agora, menos azedo e impaciente e mais garboso. – Você realmente faz qualquer coisa para ficar por perto, não é? – estranhou e ele ergueu o olhar outra vez. – Cuidado, inglesa, vou achar que está com alguma intenção misteriosa.
– Você se lembra de que sou inglesa?
– Você nem tenta disfarçar. – Ele sorriu de lado. – E tem um sotaque horrível.
– Estávamos falando sobre sua colagem, vikings e a Islândia. – respondeu sem desistir.
– E na verdade, você queria era tirar uma casquinha do aqui. – Timmy girou o corpo na direção da terapeuta. – Eu tô sabendo.
suspirou e rolou os olhos.
– Você não podia fazer uma colagem mais colorida? – Observou , mudando o rumo da conversa, impaciente com o jeito de Timmy.
– Eu não quero fazer nada colorido. – Negou sem a olhar. – Não me incomode.
– Desculpe, não quis incomodar o artista. – ergueu as mãos em rendição.
seguiu o observando, enquanto Timmy lutava com a cola e alguns pequenos pedaços que se grudavam em seus dedos. Se perdeu vendo como ele buscava os melhores pedaços, nos melhores tamanhos, para os melhores espaços em sua colagem que a cada pedacinho, ficava maior e mais bela.
– As ondas ficam mais fortes no inverno lá na Islândia. – Timmy falou de repente, atraindo a atenção da terapeuta. – Parece que é inverno? – Perguntou, indicando para a pintura.
– Eu acredito que sim, por causa do céu cinza. – projetou o lábio inferior e assentiu. – Você entende de clima.
– Eu trabalhava pescando, tenho que saber. – Ele contou e se surpreendeu, animada. – Mas não sei muito.
– Trabalhava pescando? Tipo nos navios ou barcos pequenos?
– Mar aberto. – Timmy ergueu o quadro na frente dos olhos, como se quisesse se certificar que não faltava nada.
– Por que pesca?
– Bom trabalho, Timmy. – Uma enfermeira que passava por ali o elogiou. – Além de jogador, um artista.
Ele sorriu.
– Por que a pesca?
– Eu tenho jogo amanhã, vamos ganhar e depois se preparar para as finais. – Timmy começou a falar, sem parecer ter ouvido . – Você tem entradas? Vou te conseguir entradas para o jogo de amanhã.
– Mas e a pesca? – perguntou um pouco frustrada.
– Não pesca, jogos. Hockey. Vou te arranjar entradas para o meu jogo... – Timmy começou a falar.
suspirou e baixou os ombros, pensando “E lá vamos nós”.
Quarta-feira, 09 de fevereiro de 2022
Casa de e Ava
Lahti – Finlândia
Quando entrou sala a dentro, não demorou para sentir um cheiro familiar e saudoso. Sentiu a boca ficar mais molhada e sorriu, deixou os casacos e a bolsa e passou a seguir o aroma até a cozinha, de onde parecia vir o cheiro. A inglesa sorriu com a cena com a qual se deparou, cozinhava, vestia um moletom escuro que dizia “Filhinho da mamãe” em finlandês, calças e um boné para trás. Levou algum tempo e foi preciso que fizesse algum ruído para que ele a notasse ali. O jogador ergueu o rosto e sorriu, aquele sorriso maravilhoso e largo, com os olhos castanhos brilhando. O sorriso de quando ele deixava a cabeça cair para trás um pouquinho e depois sobre um ombro, sorrindo com verdade.
– É novembro do ano passado? – brincou, apontando com o polegar para trás. – Fui teletransportada para o meu apartamento?
gargalhou.
– É que eu tive um dia muito maluco hoje. – Ele contou. – E por incrível que pareça, bom. Tão maluco e bom e surpreendente que me fez querer lembrar outros tempos assim.
– Isso é você querendo dizer que nosso relacionamento era maluco e surpreendente? – se aproximou, fingindo-se desconfiada.
– Você esqueceu o bom. – a corrigiu sorrindo.
A inglesa sorriu também e se aproximou, roubando-lhe um beijo. Depois se sentou, assistindo–o a cozinhar o que percebeu pelo cheiro ser carne de rena. Uma música qualquer tocava baixo, dando trilha para o noivo que cozinhava sozinho.
– Deve ter sido um dia bem tocante mesmo, para dispensar todos os seus funcionários, inclusive seu chef particular. – comentou, observando–o.
– Ele não te agrada como eu. – brincou, piscando para a noiva, que assentiu com seriedade, lhe dando razão. – E eu queria ficar sozinho com você. Geralmente, eu só quero ficar sozinho. Sempre fiz isso antes, antes de te conhecer. A diferença é que agora, meu sozinho é com você.
– Como você é fofo. – se derreteu e riu, ficando corado. – Fica mais fofo quando tá relaxado, isso é um fato.
apoiou o quadril a pia e cruzou os braços sobre o peito.
– Eu ainda tô bem confuso, mas sem dúvidas, tranquilo. – Ele contou para a noiva. – Parece que tirei um peso grande das costas.
– Isso é tão... – bufou na falta de uma palavra que melhor pudesse expressar o que sentia. – A gente quase enlouqueceu aqui e no fim, ninguém estava se importando.
– Falei com Willy e Atte de novo, quando estava de saída. – comentou. – Parece que o time não deu muita atenção para as outras situações e, com a do Santtu e Otto, eles deram gelo nos dois. Viram a provocação de graça contra mim. E eles se importam comigo e me valorizam, me seguiriam para qualquer lugar.
– Ainda é bizarro essa coisa do Santtu e Ottis. – comentou, apoiando os cotovelos na mesa e cruzando os braços. – Vou ligar para ele amanhã.
– Eu não sei ainda o que pensar sobre tudo. – continuou, voltando-se para a panela e conferindo o tempero. – Eu ainda acho que tudo foi bem sério e eles praticamente não ligam. Willy falou sobre ter mais jogadores por aí que são bons no gelo e um terror no vestiário, mas que não sou um desses.
– Acho que talvez você se cobre demais e seja extremamente crítico consigo. – sugeriu e viu o noivo rolar os olhos e rir.
– Está comigo há vinte anos e só percebeu agora, ?
– Tem razão. – Ela riu também.
– É como no Scooby–doo, quando arrancam a máscara do vilão, sou eu.
– O bom disso tudo é que se for você, é mais fácil de resolver. – tentou amenizar. – É só não se levar tão a sério.
não respondeu.
– Isso serve de aprendizado, eu acho. – continuou, pensativa. – Para quando você começar a entrar nesse mundo escuro e sem esperanças, só seu. Cheio de autocrítica, certeza de estar decepcionando a todos e de autossabotagem. Talvez seja bom parar e se lembrar de que da última vez, tudo aquilo só estava acontecendo na sua cabeça. Que ninguém fora dela se importa tanto assim.
– Otto Nieminen se importa. – respondeu virando-se para ela, que uniu as sobrancelhas. – Seu amigo Santtu deslizou como um sabonete, mas falou alguma coisa sobre o Otto, a garota dele, a escola e eu ser um valentão. – O jogador sacudiu a cabeça e torceu os lábios, enquanto mexia uma panela maior. – Isso não faz sentido nenhum.
não respondeu, então se virou para a olhar.
– Não faz sentido nenhum.
Ele repetiu, como se dessa chance para ela de ouvir outra vez e comentar qualquer coisa, mas a noiva seguiu em silêncio e desviou o olhar para a janela. respirou devagar e fundo, inclinou a cabeça, encarando o conteúdo da panela. Conhecia bem a noiva para saber que ela não costumava se abster, mesmo quando a situação envolvia seus amigos e seu noivo. Era do tipo que dizia o que pensava, mesmo se não fosse agradar a outra pessoa, por isso estranhou sua reação.
– Me diz o que você não está querendo dizer. – Ele pediu em seguida.
– Dizer o quê? Não tem nada para eu dizer. – escorregou de novo, ainda fitando a janela e torceu os lábios e balançou a cabeça, desaprovando. Desligou o fogo, se virou para a noiva, aproximou-se mais dela e apoiou os braços na mesa.
– Não gosto quando você mente na minha cara, principalmente porque eu sempre sei quando está mentindo. – falou de modo firme e direto, mas suave.
– ... – maneou a cabeça e enfim o olhou, desconcertada.
– O que pode ser tão ruim para o Santtu deslizar daquele jeito? E o Otto falar todas aquelas coisas e você não me contar? – O capitão perguntou. – O que aconteceu com aquilo de parceria? Cumplicidade e todas aquelas coisas que você dizia?
apertou os lábios e maneou a cabeça, como se o repreendesse, mas não cedeu, continuou com os olhos sobre ela.
– O que está acontecendo e ninguém me diz?
– Já faz muito tempo.
– Acha que eu não sei disso? – arqueou uma sobrancelha. – Vamos, Rakkaani, fale logo o que você está escondendo. – Ordenou ele.
– Primeiro, não estou escondendo nada. – se defendeu, ficando de pé e fugindo um pouco do olhar do jogador. – Segundo, é uma história antiga do Otto e eu soube há pouco tempo. E com tudo que estava acontecendo, não cabia aparecer aqui com a novidade da semana. – a encarava sério, demonstrando que não se importava com desculpas, queria que ela se adiantasse. – Otto te acha um idiota por causa de como as coisas foram entre vocês na escola. – Confessou em parte.
– Como assim? – O jogador sacudiu a cabeça e apertou os olhos, endireitando a coluna. – Eu mal me lembro dele na escola. E , se você puder falar um pouco mais que o Santtu, seria bom. Ele deslizar, eu aceito. Você não. – Ele foi mais firme e também mais suplicante, parecia ansioso com aquela resposta. – Me conta o que tá te deixando tensa, ou eu vou dormir no Atte.
apertou os dentes um pouco acuada com a ameaça firme do noivo, mas cedeu. Se ele queria tanto saber, então que lidasse com tudo, era melhor. Também não pretendia mentir ou esconder aquele assunto, realmente não tinha se lembrado de conversar a respeito.
– Primeiro, muito aconteceu e eu não me lembrei disso. – Ela se justiçou, um pouco menos combativa. – Isso não era importante. Mas enfim, se quer tanto saber... é por causa da sua primeira namorada, Leena. – se abriu e o central apertou os olhos e sacudiu a cabeça devagar, demonstrando sua confusão. – Otto tinha uma paixão platônica ou não, por ela. Se declarou e você fez isso virar uma piada para a escola inteira. – abriu a boca, mas não parecia conseguir dizer nada. – Por ele achar que tinha chances com a sua garota. Depois bateu nele e o forçou a entrar em um armário que ele não cabia.
parou porque pensou que fosse tentar se defender ou que quisesse dizer qualquer coisa, mas o noivo não se moveu, parecia estarrecido.
– Ele também te acusa de ter se beneficiado por ser importante para o time e assim não ter que estudar, ser aprovado direto. Falou dos cartazes e placas que seu pai espalhava pela cidade também, durante o ensino médio. – expirou antes de continuar. – Também sobre os trotes que você e os seus colegas de time davam nos outros alunos. E... bom, o Otto deu a entender de que isso era só um pouco dos motivos.
continuou imóvel, boca entreaberta, olhar perdido, como se tentasse pensar ou buscar alguma resposta em outro lugar.
– Não vai dizer nada? – se aproximou, tocando o ombro dele e tentando encontrar seu olhar. – ?
– Não sei o que dizer. – Ele sacudiu a cabeça, voltando a si e a encarando. – Eu... eu não sei... realmente.
– Você queria saber. – Ela o respondeu erguendo um ombro e mordendo o lábio inferior. – Otto pode ser bem... rancoroso.
– Você sabe de tudo isso desde quando?
– Desde o último encontro, quando fui almoçar com os meninos. – Contou sem rodeios. – Otto justificou o motivo de brigar com você e ele não ficou muito feliz quando eu disse que sabia sobre você e Leena. Ele ainda acha que você fica por aí se divertindo as custas dele.
– Isso é tão... – enfiou os dedos nos cabelos. – Eu mal me lembro disso. Mal me lembro do Otto quando eu era adolescente.
– Não é assim com ele. – Contou. – Acho que talvez aquela briga no vestiário foi como uma válvula de escape, para ele deixar fluir os sentimentos que guarda sobre você.
– Eu não me lembrava dessa época, da escola... dele... eram tantos caras que davam mole para a Leena. – começou a contar. – A gente era idiota também. Andando por aí, arrumando briga com jogadores de outros times e fazendo coisas de adolescentes idiotas. A gente era adolescente. Não acredito que ele ainda está reclamando por causa disso. – sacudiu a cabeça.
– Para ele é importante. – uniu as sobrancelhas, falando mais sério. – Do mesmo modo que você foi traumatizado com seu bullying, que quando me conheceu e até hoje vive em modo sabotagem. Cuidado para não fazer o mesmo que com o Aleks, na defensiva e culpar o outro.
Alertou, se afastando um pouco em direção a geladeira.
– Vai ficar do lado dele e contra mim outra vez, não é? – expirou um riso fraco. – Sempre assim. Agora, com motivos... não sei como não quis terminar tudo.
– Não faça drama. – se virou rápido para ele. – Que tal algo como, errei com ele, me arrependo? Ou algo como, eu era um idiota, mas hoje sou alguém melhor? Por que sempre os outros estão errados de se chatearem com você? Principalmente quando você é muito mais parecido com o Otto do que diz ou acha ser?
– Sem lição de moral, Perfeita . – rolou os olhos e deu as costas para a noiva, apoiando-se na mesa outra vez.
– Claro. – Ela riu sem humor. – Feche as portas e culpe todos por erros que você não consegue lidar. Isso é muito .
lhe deu as costas e começou a se afastar.
– Fica difícil não fechar quando moro com alguém que aponta tudo de ruim que eu faço.
– Você quem pediu, ordenou, mandou eu dizer. – falou alto, indo em direção a escada. – Eu não pretendia entrar nessa história porque sei como você reage. Não me culpe por te dar o que queria.
– Tudo gira e a culpa é minha. Sempre. – O central bufou. – Isso acontecia com todo mundo. Eram só brincadeiras idiotas de adolescentes idiotas. E todos faziam, uns com os outros. Você perguntou se ele nunca fez com ninguém?
– Não, porque quando alguém me conta que foi agredido, humilhado e traumatizado pelo meu namorado, eu não tento mudar de assunto. – Ela falou mais alto, da sala.
– Namorado? Uau. – expirou um riso frio e aproximou da porta da cozinha. – Acho que eles conseguem sempre o que querem de você.
– Não vem com essa. – negou com a cabeça. – Vive repetindo as mesmas coisas. Não consegue lidar com o desconforto das suas ações, então tenta achar justificativa no outro para elas.
– Você não é minha psicóloga. – Rebateu emburrado e se sentindo nu, falando um pouco mais alto, na defensiva.
– Que bom que não. – também ergueu um pouco a voz. – Nunca gostei de lidar com os agressores, sou melhor com as vítimas.
– Eu não sou um monstro. – ficou mais perto, falava alto.
– Então não aja como um. – A inglesa se virou na direção dele. – Você queria saber o que o Otto tinha contra você, é isso.
– Mas não faz nenhum sentido, eu não me lembro disso.
– Não se lembra de um cara mandando bilhetes com declarações de amor para sua namorada? – expirou um riso incrédulo.
– A Leena era a garota mais bonita da escola, todos faziam isso. – O capitão deu de ombros. – Ele não era especial. E se escrevia bilhetes para uma garota comprometida, teve o que mereceu.
– Você é inacreditável mesmo. – negou com a cabeça, devagar e lhe deu das costas.
– Eu que sou? – a seguiu conforme ela se afastava, falavam ainda mais alto agora.
– Eu sempre me esqueço de como as coisas funcionam com você. – tinha voz alterada e olhava para trás quando falava com o jogador.
– E como elas funcionam? – indagou.
– Vou dormir.
– Você não vai dormir agora, eu cozinhei. – Protestou chocado.
– E quem quer comer agora, ? É sério? – o olhou enquanto atravessava a sala, como se aquela fosse a constatação mais óbvia de todas.
– Esse é o problema, está vendo? – parou de andar. – Você sempre fica do lado de qualquer um e não do meu. Basta um papinho triste e essa sua síndrome de salvadora ataca e eu sou o vilão. Sempre eu. Para todo mundo. Não sei como você ainda fica comigo, se sou tão horrível assim, para todos.
– As veze eu me pergunto o mesmo. – respondeu, já perto das escadas, o que fez o vinco entre as sobrancelhas de aumentar.
– Então, me diz quando descobrir, depois que pedir as opiniões de todos os seus amigos que me odeiam só por eu ser eu.
– Eu devia mesmo ouvir meus amigos. – gritou, subindo a escada.
– Devia! – gritou de volta.
– Vou fazer isso!
– Então faça. – Ele gritou, mas ela já não estava em seu campo de visão, então arremessou contra a escada o boné que usava. – Merda.
57 – Everything you touch surely dies
Hoping one day you'll make a dream last
But dreams come slow and they go so fast
You see her when you close your eyes
Maybe one day you'll understand why
Everything you touch surely dies
(Passenger – Let Her Go)
Quarta-feira, 09 de fevereiro de 2022
Casa de Atte Tolvanen
Lahti – Finlândia
A campainha tocava de modo insistente, sem pausas. Atte Tolvanen reclamou e se arrastou irritado até a porta, tinha mais coisas para fazer e por isso a abriu sem paciência.
– O que você está fazendo aqui? – O goleiro indagou com estranhamento e surpresa, mas ainda irritado com a bateção em sua porta.
não respondeu, apenas se enfiou para dentro do apartamento com aquele semblante de poucos amigos que há algum tempo Atte não via em seu capitão. O central jogou a bolsa que costumava levar para os treinos no chão, perto da porta e avançou para dentro da casa sem esperar convite.
– Isso. Só entre. – Atte protestou com sarcasmo, batendo a porta. – Essa casa não tem dono mesmo, não é?! – Bufou o goleiro.
– Espera. – empacou no meio do caminho, na sala. – O que ele está fazendo aqui?
O capitão se referia a Aleks, que estava sentado no sofá, com um controle de videogame nas mãos e assistia a cena com o mesmo semblante debochado de quase sempre.
– O quê? – Atte perguntou ao passar por para se juntar ao ala no sofá. – Ele só não tá conversando com você. – O goleiro deu de ombros e Aleks riu de canto, fingindo que prestava atenção na tela.
– Eu nem sei o que dizer, Atte. – começou a reclamar. – Tá de sacanagem comigo? Eu fecho os olhos e você se junta com ele? – O capitão apontou para Aleks, que fingia o ignorar. – Logo com ele. E ainda se junta a ele sem me avisar.
– O que você disse que veio fazer aqui mesmo? – Atte tentou mudar o rumo do assunto, olhos na tela e não em .
– Não vem com essa. – continuou a reclamar. – Eu quero que me explique o que está acontecendo aqui. Que droga é essa? Você e o Aleks jogando juntos?
– Você pode calar a boca? – Atte falou mais alto, enfim voltando-se para o central. – Que merda, cara. Relaxa. Estamos jogando videogame numa véspera de jogo, assim como fizemos a vida inteira. Não é porque a sua vida mudou, que a de todo mundo tem que mudar.
– É, o mundo não gira em torno de você, ô babaca. – Aleks completou.
– Só pode estar de brincadeira comigo. – sacudiu a cabeça, incrédulo e passou as mãos nos cabelos.
– Você tem duas opções, ou cala a boca e deixa a gente jogar em paz e aí a gente pensa em te deixar jogar uma vez. Ou pega você e esse seu saco fedido e volta para sua casa e para a .
torceu os lábios quando o nome da noiva foi mencionado e inclinou a cabeça.
– Não dá pra voltar pra .
– Como assim não dá pra voltar pra ? – Atte repetiu confuso.
– Não dá pra voltar. – falou mais alto, deixando o peso do corpo cair por sobre uma das poltronas. – Não dá pra voltar pra casa hoje. – Falou mais brando.
– O que você fez? – O goleiro quis saber.
– Eu não fiz nada. – O central bufou e deixou a cabeça cair, apoiando no recosto. – Ela é ela. Todo mundo vale alguma coisa, menos eu. A gente brigou por causa da droga do Otto.
– Otto, Otto? – Aleks perguntou curioso, sem pensar. – Otto do time?
– Quem te chamou na conversa? – respondeu enfezado. – É o idiota do Otto. Ele veio com um papo torto dos trotes da época do time da escola, fez a cabeça dela e ela vai na ideia de todo mundo. É nós contra eles, a não ser que alguém faça a cabeça dela primeiro.
– Não entendi. – Atte sacudiu a cabeça. – Otto e você? O que rolou?
– Sei lá. – expirou pesadamente. – A gente estudou junto, mas eu não lembro dele. Sério. – O central inclinou o corpo para frente e apoiou os cotovelos nos joelhos. – Ele reclamou que a gente implicava com ele, fazia pegadinhas. E de uma vez que ele se declarou para a Leena e eu li a carta de amor dele para a escola inteira. – riu abafado.
– Era ele? – Atte riu. – Eu me lembro disso. Mas é verdade, precisa de coragem para se declarar para a namorada do capitão do time.
– Ninguém se surpreende, o sempre foi babaca. – Aleks comentou outra vez, fingindo jogar.
– Até ontem você amava esse babaca.
– Tá, meninas, sem briga. – Atte falou com os dois. – Você, reinicia a partida porque você ficou com muita vantagem. – Ordenou a Aleks. – E você. Quem liga? O Otto tem que superar, isso já acontece há anos. Parece coisa de mulher. Fofoca e ficar guardando rancor.
– Mas ele também faz isso. – Aleks alfinetou.
– É, mas o Otto não precisa fazer também. – Atte respondeu e o dirigiu um olhar incrédulo. – Quando isso tudo ficou tão chato?
– Se você descobrir... – suspirou. – Estão jogando o quê? – Perguntou o capitão, olhos na tela.
– Helldivers 2. – Atte respondeu. – Jogo do Aleks.
– O que aconteceu com o bom e velho Call of Duty?
– Era seu e você levou para casa da última vez. – Aleks respondeu, mais uma vez sem pensar.
– Ah.
– Mas e você e a sua garota? – Atte voltou ao assunto quando a partida iniciou. – Foi feia a briga?
– A gente gritou e a gente não costuma gritar. – deu de ombros. – Acho que sim. Mas eu não vou pedir desculpas dessa vez. Ela sabia e não quis me contar, ficou toda lisa. Se ela prefere os amigos, devia ficar com eles.
– Três dias para ele voltar correndo? – Atte soprou para Aleks.
– Que merda é essa? – O capitão protestou.
– Naaa. – Aleks sacudiu a cabeça. – Até amanhã, no máximo.
– Quem pediu sua opinião, hein? – voltou a atacar Aleks.
– Ela tem razão de te expulsar de casa. – Aleks o ignorou. – Você é um idiota.
– Ela não me expulsou da minha própria casa. – Rebateu ele, ofendido. – Eu vim. Cozinhei e ela nem quis comer. Tudo bem, a gente tinha brigado. Mas mesmo assim. – Atte riu e sacudiu a cabeça.
– Nossa, Atte, você é muito ruim nisso. – Aleks zombou quando viu o amigo goleiro quase perder a vida no jogo.
– Alguma vez ele foi bom? – provocou. – Perde logo, vai. Me dá o controle. – Pediu o central, ficando de pé e batendo no ombro do amigo, que resmungou e tentou afastar o controle do outro.
– Não sufoque o artista. – Reclamou Atte, em seguida levou outro golpe, esse fatal.
– Olha aí o artista. – Aleks bufou. – Ele faz a alegria da torcida. Adversária.
– Anda, me dá logo. – o apressou e logo ocupou o lugar de Atte. – É o maior jogador do rival.
– Ah, cala a boca. – Atte tentou chutar , concentrado na TV. – Pelo menos eu não fui chutado pela minha namorada.
– Ainda não, mas é só questão de tempo. – O central respondeu. – Queria que a Ava fosse mais como a minha irmã.
– Como assim? – Aleks indagou.
– Qualquer um faz a cabeça dela. Até você ela vê como vítima. – Respondeu o capitão. – Vê o lado de todo mundo, menos o meu. Era para sermos parceiros, uma coisa que ninguém atravessa, mas qualquer um com papinho doce faz ela ficar contra mim.
– Você faz ela ficar contra você. – Aleks tinha o tom calmo. – Ela tenta ouvir todos os lados e enxerga dentro das pessoas. Você só quer alguém pra te apoiar em tudo.
– Eu acho que ele tem razão. – Atte concordou. – Ness concorda com você em tudo, mas comigo não. Acredite em mim, você não duraria duas semanas namorando com ela.
– Por que mesmo que eu achei que aqui vocês ficariam do meu lado mesmo? – riu sem humor.
– Porque você é um idiota. – Aleks e Atte responderam juntos e ergueu as sobrancelhas e rolou os olhos.
– Você tem um problema no seu relacionamento. – Aleks tornou a falar. – Sua garota é meio... mente fraca. Isso é.
– Valeu, se você não diz. – Ironizou . – E eu nem sei porque estou falando com você.
– Porque eu quem parei de falar com você, não o contrário.
– Nem vem. – O central bufou balançando a cabeça.
– Eu que parei.
– Porque eu não falei mais.
– Até parece...
Quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022
Casa de Atte Tolvanen
Lahti – Finlândia
Era quinta-feira, e Atte entraram juntos no elevador. Atte vestia um terno, atemporal e chique, o mesmo moletom da marca do amigo que usava na noite anterior, quando chegou. O capitão não tinha ido para casa e era a primeira noite fora desde que começara a sair com sua inglesa. Parte sua estava culpada e ansiosa, outra parte ainda magoada e ressentida. Sabia, no fundo, que estava sendo infantil e idiota em dar gelo na noiva e aquele tratamento de silêncio e distância. Mas parte sua queria que ela percebesse o quanto a última discussão o havia magoado. Não era necessariamente pela discussão, mas pelo recorrente posicionamento de em relação aos seus assuntos.
Em casa não era assim, com seus pais e de certo modo esperava que a relação entre os dois fosse assim também. Que apesar de tudo, ela o apoiasse e o defendesse. Mas ela sempre parecia preferir outros lados, ser empática com outras pessoas e sempre escolhia outros. Não era sobre a noite passada, era sobre as últimas brigas, os últimos dias e os incômodos que talvez não tivesse digerido ainda.
Assim que apertou o botão do elevador para a garagem, Atte deixou os olhos sobre o amigo mais um pouco. Aleks havia ido embora logo pela manhã, mas permaneceu, o que por si só já era estranho. Não era comum que o capitão dormisse por aqueles lados da cidade desde a chegada da terapeuta inglesa. Bradley estava enfezado durante a noite de videogames e a toda brecha possível reclamava sobre como não se importava, porque sequer havia mandado uma mensagem. Depois reclamava sobre como ela era difícil, para só depois falar sobre como queria que ela a visse como ele a via, e agisse como ele, numa sessão de terapia interminável.
Atte conhecia o melhor amigo e sua tendência a se trancar sozinho. Aquilo já parecia um comportamento superado nos últimos meses, mas ao contrário de estatísticas e do que pensava antes o goleiro, ali estava um quase igual ao de outubro do ano anterior. Sisudo, fechado, reclamão, amargo e sem paciência.
O goleiro dividiu a situação com a namorada, por mensagem e Inessa havia prometido vir à Lahti assim que possível, mas Atte não ia conseguir esperar tanto. Nem achava que devia.
– Tem certeza disso? – O goleiro sondou. – Tipo... dormir fora de casa e ir para o jogo sem avisar? Sem passar em casa. Ela deve estar preocupada.
não esboçou qualquer reação.
– Ela falou que ia procurar os amigos, então. – O capitão respondeu. – Não tenho filhos, não me casei.
– Eu acho que você está sendo muito... – Atte tentou procurar as melhores palavras. – Intenso nisso. Só brigaram. Parece que você não liga se vão se reconectar ou sei lá. Não vou abrir a porta para você se ela não quiser você de volta depois disso.
– Não enche, Atte. – O jogador rolou os olhos.
– Eu não sei o que mais aconteceu, mas você nem parece você. – O goleiro entrou no campo de visão do amigo. – Já te vi falando assim das outras, dela não. Então, sei lá... só tenta pensar com clareza e não com ciúmes ou ...
– Eu não quero pensar em nada, okay? – Sentenciou. – Não vou pedir desculpas, não vou correr atrás. Não vou ligar. Ela não me ligou, eu conferi durante a noite várias vezes. Ela não mandou nem uma mensagem. Deixe que ela sinta falta um pouco, que ela me procure também.
Atte torceu o nariz.
– Tá, se quer assim... você quem sabe. Mas eu preciso dizer que é uma ideia ruim.
Diante o olhar atravessado do amigo, o goleiro ergueu as mãos rendido e silenciou.
Ficaram juntos e em silêncio até entrarem em seus carros. quase podia ler quais palavras o amigo tentava substituir enquanto conversavam. Podia estar sendo um pouco dramático, exagerado, tudo ou nada, era verdade. Mas estava magoado com a noiva inglesa, isso era mais que fato.
Entendia e reconhecia que talvez em parte ela tinha razão, não sabia lidar bem com a situação, com seus erros e entrava naquele modo de defesa. Mas não se podia colocar a coisa com o Aleks no meio, porque era outro assunto, outra pessoa, outro problema. E era como se ela o lembrasse constantemente daquele elefante na sala – que agora talvez estivesse resolvido depois da última noite.
Não minimizava suas atitudes e as consequências delas, sabia que aquelas brincadeiras podiam mesmo marcar alguém – sabia na pele. Mas ao mesmo tempo, eram brincadeiras diferentes, trotes do time, pelos quais ele mesmo havia passado, Atte também. Talvez nunca fosse entender porque alguém poderia se importar tanto com algo tão idiota, mas se ele ligava, então tudo bem. Também era responsabilidade de Otto lidar com aquilo.
Mas estava cansado das sessões de “Como tem problemas”, sobre como todos tinham razão e eram vítimas, mas ele nunca. Sempre esperava que ele fosse perfeito, tivesse empatia, entendesse a todos. Era como se nunca pudesse ser bom o suficiente, como se ele nunca fosse mesmo suficiente. Sempre tinha uma lista interminável de defeitos e de coisas para melhorar.
Estavam juntos e bem quando era sobre a Svedin, porque não havia outra possibilidade de análise. Era sobre o quanto Svedin era terrível. Mas quando o grande vilão mudava, de algum jeito ou de outro, passava a ser o vilão também, ou algo como um anti-herói, minimamente.
Estava cansado, magoado e agindo como um idiota, reconhecia. Mas tinha decidido esperar por ela, descobrir quanto tempo levaria para que ela o procurasse, o buscasse, ou se iria mesmo para os amigos.
Na última briga a noiva estivera estranha – ele também, igualmente reconhecia –, mas estavam falando línguas diferentes. relutar para lhe contar algo era fora do comum. As acusações e vozes alteradas também eram ruins e não aconteciam sempre. Não conseguia entender como algo tão idiota havia se tornado uma briga tão grande – imaturidade –, tão desconfortável.
Mal percebeu o caminho até a Areena, podia ter passado por todos os sinais vermelhos da cidade sem notar, só se dando conta quando viu o letreiro grande e a sua foto estampada em uma placa gigantesca do lado de fora.
procurou calmamente por uma vaga no estacionamento fechado e quando o fez, conferiu o celular uma última vez. Não tinha nenhuma notificação de sua inglesa ou sinal de movimento dela em nenhuma rede social conhecida. O capitão decidiu abrir a conversa com a noiva, pensou, começou a digitar ao como “Oi”, pensando em como completar. Se devia pedir desculpas por dormir fora, ou cobrar a falta de mensagem ou dizer que ela não o amava mais. Mas, expirou pesadamente, bloqueou a tela e enfiou o celular no bolso, desistindo de tentar.
Quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022
Casa de e
Lahti – Finlândia
A casa estava silenciosa e na penumbra, os empregados haviam se retirado e a mansão podia fazer ecos se você falasse no tom de voz certo. Tudo que se podia ouvir era o som das unhas de Felix batendo no piso seco enquanto o cão buscava o único cômodo iluminado da casa. Aos poucos o som das unhas no piso se juntava ao som baixinho na TV, ligada em um canal esportivo qualquer, mostrando os números da partida de hockey que aconteceria a seguir. Pelicans contra Vaasan Sport.
Felix entrou na biblioteca e subiu no pequeno sofá, aninhando a cabeça no colo de , que estava em uma videochamada com Louis e Maisie. O casal estava junto e ouvia tudo atentamente e se entreolhou antes de responder, depois das duas horas interruptas de desabafos da amiga.
– Uma pergunta muito pertinente. – Louis começou a falar. – Você não tem uma consulta com psicólogo há quanto tempo?
– Meses, sei lá. – respondeu com voz baixa e rolou os olhos. – Mas por que isso importa? Vocês tem que me dizer algo sobre tudo isso que eu já disse. O que é recente.
– É que é nítido que você precisa voltar, né? – Maisie foi mais direta. – , você está viajando muito. Exagerando muito. Parece aquelas personagens chatas, água com açúcar que ninguém suporta. Perdeu toda sua personalidade por causa de homem. Você precisa tratar suas questões.
– Você está vendo como ele. – reclamou. – Eu só tento ser justa.
– Existe um limite. – Maisie respondeu séria.
– E ele? O que ele é? Saiu ontem e não deu notícias. Dormiu fora de casa e foi para o jogo sem nem me mandar uma mensagem. – A inglesa ergueu o celular na frente da tela do computador. – Fiquei acordada esperando uma ligação que não veio. Agora estou vendo ele na tela da TV. – A terapeuta ergueu o olhar para a TV. – Se aquecendo como se não se importasse comigo ou com o que eu posso estar sentindo por causa desse tratamento de silêncio idiota.
– Eu posso dar uma opinião que pode ser pouco popular entre ambas vocês? – Louis pediu após um breve silêncio e recebeu um olhar feio da noiva.
– Por favor, Lou. – Pediu , voltando sua atenção para os amigos. – Qualquer coisa.
– Acho que vocês precisam de um tempo. – e Maisie encararam o médico de olhos arregalados, mas por razões diferentes. – Não é esse tempo. Não é o tempo que vocês pensaram. – Ele tentou se explicar com pressa. – Mas, eu não sei... vocês estão tão juntos desde que se conheceram... moram juntos, trabalharam juntos... as coisas podem ficar um pouco estranhas. Você não tem uma vida individual há meses.
– Mas é porque aconteceu muita coisa...
– , é a vida. Sempre vai acontecer muita coisa. – Louis continuou. – Sempre terão problemas, sempre terão coisas. Vocês precisam se afastar um pouco. Você precisa. Esse problema novo, independente de como você veja, é algo entre o e um colega de time, não é da sua conta.
– Mas ele é meu amigo, o Otto. – tentou falar.
– Mas ele te pediu ajuda? – Louis arqueou uma sobrancelha. – Menina, você nem estava ligando para essa história até ontem. Se me lembro bem, você defendeu a mudança de vida dele quando o Otto o atacou, mas perto dele, você o culpou.
– É que ele faz isso sempre. Ele tenta encontrar nas pessoas um motivo para justificar as ações erradas, para não assumir que errou. – tentou legitimar seu ponto.
– Eu disse que era má ideia namorar ele. – Maisie comentou e foi empurrada pelo ombro por Louis.
– Vou repetir uma coisa que você sempre repetiu para nós, para mim. Principalmente quando o assunto era Maisie e eu. – Maisie o olhou curiosa e estreitou o olhar. – E eu acredito que o fato de não se lembrar disso, concorda com o meu ponto, sobre você precisar de um tempo. Se lembra quando falava que cada um só aceita e encarar as verdades da vida quando está pronto para elas? Às vezes é preciso reviver várias vezes até estar pronto para elaborar e sair do ciclo.
– Não use magia antiga contra mim. – citou um de seus filmes favoritos. – Ele não quer, eu já disse a ele mil vezes.
– Mas cabe a você dizer quando alguém deve ou não encarar as coisas? – Maisie falou desta vez. – Sabe, , preciso concordar com meu brilhante e sexy noivo. Você está falando tanto do com seus ciclos inquebráveis, com seus traumas... mas quem está repetindo as coisas aqui é você.
– O que quer dizer? – A inglesa se surpreendeu.
– Se lembra do Daniel? O cara que você se apaixonou durante aquela viagem para a Escócia? – Maisie sorriu ao perguntar e assentiu, confusa. – Como foi um relacionamento meteórico e intenso e depois como tudo acabou tão rápido como começou? – apertou os lábios e inclinou a cabeça. – Foi assim como o Luke, com o Joe e com todos os outros. E com o Sam. A diferença é que o Sam também tinha essa mesma intensidade meteórica que você. Mas você se lembra do motivo do fim, não é? Além de ele ser um egoísta babaca.
– Qual foi? – Louis perguntou distraído e foi acertado por um tapa pela noiva.
riu fraco.
– Eu ser uma pessoa patologicamente viciada em agradar a todos.
– Isso confirma minha teoria de afastamento, não é? – Louis quis saber, olhando para a noiva, que apertou suas bochechas.
– De certo modo, sim, amor. – Maisie assentiu e depois sorriu doce para a amiga. – Você parece perdida de você. Tudo é sobre o . Parou de trabalhar, seus amigos são os colegas de time dele, os lugares que vai são os lugares que ele frequenta. Tenho um pouco de medo de não ser o seu pezinho da dependência emocional voltando.
– Não é assim. – tentou protestar. – Eu briguei com o justamente por não concordar com ele, por não o apoiar cegamente, porque é isso que ele espera de mim.
– Tudo bem, você discorda dele. – Maisie respirou. – Tem alguma coisa na sua vida hoje que não seja sobre ele? – a olhou, mas não disse nada. – De alguma forma isso impacta. As coisas saem de seus lugares e você fica tão concentrada em ajudá-lo a ser a pessoa que você acha que ele pode se tornar, que acaba se esquecendo de quem ele é. Fala sério, esse tipo de briguinha é como as que você tinha no início do namoro. Ele sair de casa e te dar esse chá de sumiço não parece o mesmo que eu conheci quando estive aí. O bobão que te idolatra. Eu não sei o que aconteceu aí desde que nós viemos para casa, mas algo saiu dos trilhos, amiga.
– Eu... – suspirou triste. – Eu meio que tenho essa sensação. A gente tem brigado muito, mesmo não terminando em uma briga de verdade. Discordado. Tem toda essa pressão sobre ele e a carreira e ... – A inglesa riu fraco e sacudiu a cabeça devagar, se dando conta de algo. – E eu acho que é uma outra repetição de ciclo.
– Está falando de qual trauma agora? Exatamente. – Maisie implicou.
– Sabe essa Leena, a ex? – respondeu depois de sacudir a cabeça e bufar para a piadinha da amiga. – Quando eles terminaram foi por isso. Quer dizer, mais ou menos. Ele estava em uma fase difícil da carreira, com muita pressão e ela esperava mais, eu acho. Ele se fechou e acabou não dando certo.
– Ótimo, temos mais um padrão. – Maisie observou. – Mais um motivo para acatar a ideia do Louie e se darem um tempo.
– Eu não sei. – Ela negou com a cabeça. – Não sei se o faz essa linha. Quer dizer, isso se depois desse tratamento de silêncio, ele voltar para casa e quiser continuar.
– Amiga, não é bem um tratamento de silêncio se você também não tentou contato. – Louis chamou atenção.
– Mas é que eu não sei o que dizer. – ergueu os ombros. – Devia pedir desculpas? Falar que o amo e que tudo vai ficar bem? A gente tem feito isso muito nos últimos dias.
– Me diz uma coisa, . – Maisie arqueou uma sobrancelha. – Você ainda acredita nisso? Ama esse homem e ainda quer construir uma vida com ele? Como queria quando aceitou essa corrente pavorosa com a inicial dele?
Com a menção a inglesa tocou o aço frio que estava por dentro da blusa.
– Sim.
– Então vocês vão precisar agir como adultos e não como dois adolescentes. Ou melhor, como duas pessoas que não fazem mais tanta questão uma da outra.
Houve silêncio.
– Por que temos que ficar repetindo os mesmos ciclos?
– Porque a gente só termina eles quando está pronto o suficiente para elaborar. – Maisie piscou. – Isso, isso tudo... você tentando fazer do alguém melhor o tempo inteiro, tentando equilibrar todos e tudo, tentando ser a salvadora do mundo... aceitando coisas que não devia aceitar porque são seus amigos e toda a baboseira... você tolera demais. Quem vê o seu lado? – ergueu os olhos. – Você vê o lado do para o Otto, vê o lado do Otto para o e qual dos dois viu o seu? O Otto brigou com você, o saiu de casa e não se importou nem em avisar que dormiria fora. Quem aí está vendo seu lado?
– Ai, Maisie... essa doeu. – puxou o ar com força.
– Você precisa acordar, minha amiga. – Maisie se aproximou um pouco mais da câmera. – Não estou dizendo que o é uma escolha ruim, apesar de odiar essas últimas atitudes que ele teve e o fato de ele não querer se responsabilizar. Nem que acho que vocês são almas gêmeas porque eu não acredito muito em paixões meteóricas que durem uma vida, apesar de respeitar suas decisões idiotas. Mas, tome cuidado com as suas feridas para não sangrar em lugares que não deve. Não sacrifique o que pode ser seu relacionamento com o nesse altar de traumas e dúvidas.
– Eu não sei bem que fazer. – Confessou com um suspiro, depois rir. – E ele ia adorar me ver agora. Aquela que sempre tem todas as respostas, sem saber o que dizer.
– Tudo bem, nós estamos com você. – Maisie respondeu, sorrindo também. – Daqui da Inglaterra, mas estamos. – Garantiu. – Vai ficar tudo bem, eu prometo. Só foque em você um pouco.
– Obrigada. – Agradeceu a inglesa, vendo os dois amigos sorrirem.
Quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022
Casa de e
Lahti – Finlândia
O jogo fora bom, ao contrário das expectativas do capitão.
mal se lembrava da última vez em que havia descontado frustrações em desempenho no gelo, mas naquela noite o velho hábito parecia estar de volta – assim como outros. Estava com raiva e magoado, cansado de ser deixado de lado por alguém que sempre era sua primeira opção. Quis esperar que mandasse alguma mensagem, reconhecesse seu erro, mas nada aconteceu durante quase vinte e quatro horas e se dar conta disso o afetou ainda mais.
Talvez ela estivesse ainda tão presa aos amigos que sequer se importou em saber onde havia passado a noite. Era mais uma acusação pela qual a sem problemas, perfeição salvadora não poderia se esquivar. Talvez assim ela percebesse que estavam no mesmo barco, ela também não era tão perfeita assim. Queria que ela visse isso.
Mas, ao mesmo tempo, estava exausto.
Exausto de fingir não se importar e de esperar algo que não veio. Exausto de brigas intermináveis que rendiam algumas horas ou dias de descanso até que outra viesse. Exausto de pensar, de refletir, de imaginar o que ela estaria pensando, fazendo ou decidindo naquele momento. O medo de perder, de ser deixado, o senso de injustiça. Um cansaço que facilmente o faria dormir por dias.
Até tinha muito o que poderia falar para a noiva, poderia ir para outro lugar, ou ficar nas comemorações da vitória com os colegas de time, mas quis ir para casa. Não se demorou com o time no fim da partida porque estava – além de cansado – angustiado demais, agitado demais com aquela situação para comemorar. Embora no fundo, quisesse fazer para mostrar que ele estava bem e que Otto e quem mais se incomodava devia superar. Talvez no fundo quisesse devolver um pouco do desconforto, mesmo que não entendesse bem o motivo ou que soubesse não estar sendo nada maduro. Era o oposto de como costumavam resolver as coisas, porque coisas semelhantes – como passar a noite fora sem avisar – nunca haviam acontecido. Se alguém perguntasse, não conseguiria dizer o que causou o estresse, qual fora a palavra ou a ofensa dita para algo tão grande.
Quando voltou para casa depois do jogo, encontrou tudo silencioso, era tarde da noite e não esperava mesmo muitas luzes acesas. Ou talvez sim, seria um sinal de que ela o esperava, para brigar ou não. Também não foi recepcionado por Felix, apenas o vazio escuro do primeiro piso. Subiu as escadas seguindo uma faixa curta de luz que escapava da porta de seu quarto, a seguiu devagar carregando todas as certezas que jurava ter, mas que agora já não sabia se significavam alguma coisa. estava sentada na cama, olhos no celular e cabeça inclinada. A inglesa ergueu o olhar quando o ouviu passar pela porta.
– Você voltou.
– Ainda acordada?
Os dois disseram ao mesmo tempo e ficou de pé, mas não se aproximou, não sorria também. Não vestia pijamas ou camisola, uma roupa normal, como se estivesse prestes a sair ou acabado de chegar.
– Então... – Ela começou, mas parecia não saber o que dizer. Ansiosa, batia o celular contra a outra mão.
– Então. – Ele falou também. – Achei que tivesse ido dormir.
começou a se despir, tirando o casaco de moletom.
– Não queria dormir sem conversar com você.
– Eu tô aqui agora. – Ele respondeu sem a olhar, ainda fingindo se concentrar nas roupas.
– Como você está? – perguntou, ainda de pé e ergueu o olhar antes de começar a tirar a camiseta.
– Levando. – Ele respondeu após um suspiro. – Não tá fácil.
– Eu sei.
– Você?
– Eu também. – Admitiu. – Pensei bastante hoje.
– Você não me ligou. – Ele acusou quando passou a camiseta pelo pescoço.
– Você também não me avisou que ia passar a noite fora.
Fez-se silêncio outra vez.
– Pensou no quê? – mudou de assunto.
– Em tudo que tem acontecido entre nós. – Ela respondeu e o noivo a olhou, como se esperasse que desse continuidade ao assunto. – Conversei um pouco com Maisie e Louis, foi bom. Acho que precisava disso.
inclinou a cabeça para que pudesse rolar os olhos sem que ela visse. Como ela era previsível...
– Que surpresa você ainda estar aqui então. – Ele respondeu com algum sarcasmo.
– Não me responda assim. – Disse ela, um tanto mais séria. – Não estou brigando, então não me ataque.
– Eu? – tocou o peito, tentando evidenciar o que acreditava, que ele sim era a pessoa atacada.
– Sim. Como se não fizesse tanta questão de resolver ou quanto a mim. – falou e se aproximou um pouco mais. – As coisas não estão legais aqui já faz tempo. Entre a gente. Eu estou cansada de viver nesse campo minado, onde qualquer coisa é um problema.
– Eu também, . Mas você precisa se decidir também. – Ele começou a argumentar. – Fica o tempo todo me mostrando como eu tô errado, como eu não sou bom o bastante. Parece que eu nunca vou ser suficiente pra você. – ergueu o queixo e apertou os dentes. – Fica do lado de qualquer um, menos do meu. Ouve seus amigos e a gente sempre briga. Já parou para pensar sobre isso?
– Não é bem assim. – Ela respondeu e riu sem humor. – Eu só tento ver pelo ponto de vista das outras pessoas e ser justa.
– Eu não sei o que posso fazer mais para servir para você, . Porque não tem nada que eu faça que parece te agradar. – Ele desabafou, aproximando-se um pouco mais e ainda esperando o pedido de desculpas, mesmo que no fundo soubesse que sua última acusação era falsa e injusta. – Toda vez. Eu nunca vou ser o escolhido. Sempre pode ter alguém ou alguma coisa que vai ficar no meu lugar e eu vou ser o extra. O que sobra. Um tipo de prêmio de consolação que não é tão bem desenvolvido o suficiente para conseguir sua atenção.
– não é sobre isso. – A inglesa balançou a cabeça devagar, diante o discurso mais emotivo do noivo. – Você está distorcendo as coisas, eu nunca falei qualquer coisa sobre isso. Tudo que eu fiz foi tentar te mostrar outras visões, outras possibilidades. Mas você nunca foi uma dúvida para mim. Nunca.
– Não é o que parece não. – Ele devolveu, afastando-se um pouco e desviando o olhar.
– Sinto muito se te fiz pensar que não era o suficiente ou que podia ser substituído. – se aproximou um pouco mais e tocou suavemente o ombro do noivo. – Em nenhuma daquelas brigas. Nem ontem. Eu nem sei porque falei todas aquelas coisas, foi estúpido. Não contei antes sobre o Otto, porque não era uma questão para mim e também porque me esqueci. Também sei que isso tudo te aborrece e você estava superando as questões com o time... mas... foi só isso. Eu juro.
não respondeu. Não porque não queria, mas porque não sabia o que dizer. Não queria ter dito aquilo, não queria ter transparecido se importar tanto ou que estivesse inseguro. Agora não sabia o que dizer para contornar. Poderia a atacar de novo, revisitar a lista que havia criado em sua cabeça desde a noite anterior, mas não parecia certo também.
– Eu sei que as coisas não estão boas aqui. – Ela continuou. – A gente tem brigado muito, discutido muito. Mais que o normal. E as vezes nem parece que é com a gente. Parece... é como se não fizéssemos mais questão.
Quando ouviu, se virou e a olhou nos olhos.
– Como se a gente estivesse tão focado no que acha que tem que ser, que se esquece do que é. Frio. – mordeu o lábio inferior e inclinou a cabeça, depois ergueu o rosto. – Eu pensei muito hoje e ontem. Acho que você e eu estamos repetindo muitos ciclos pessoais, inclusive de autossabotagem. E eu não quero acabar como você e a Leena.
– Não. – O jogador sacudiu a cabeça. – Não tem nada a ver. Do que você tá falando?
– Acho que a gente precisa de espaço, eu e você. – Disse então e viu o noivo negar com a cabeça e tencionar o queixo. – Eu sei o que parece, mas não é isso. Só acho que a gente precisa respirar e cuidar das nossas questões com um pouco mais de silêncio e paz. Você e eu.
– Uma briga que a gente nem sabe porque virou uma briga, porque estávamos estressados não é motivo para terminar, .
– Mas esse é o ponto, justamente. – A inglesa se aproximou mais. – Uma briga sem motivo e você foi dormir fora, sem nenhuma mensagem ou sinal.
– Mas você também não. – Ele devolveu um pouco emotivo.
– Sim. Justamente.
– Todos temos questões e isso não é um problema até você fazer disso um problema, porque acha que tem que ser perfeito. – sacudiu a cabeça negativamente e sorriu. – Eu não sou uma extensão sua e nem você é minha. E eu amo você. – A inglesa respirou fundo. – Acho que ultimamente temos tido mais momentos estressantes do que bons e isso foi virando rotina.
Fez–se silêncio enquanto a encarava, ainda estarrecido com a sugestão de , que respirava, aguardando a reação dele.
– Eu acho que não entendi ainda. – O central voltou a falar depois, balançando a cabeça. – Eu não entendi. Você quer terminar porque não quer que a gente termine como eu e a Leena?
– Não. – Ela negou com a cabeça outra vez. – Não. Eu só... pensei, pensei muito e refleti. Percebi que talvez você não seja o único aqui repetindo ciclos, como te acusei ontem. – Ela começou a explicar e estreitou o olhar. – Eu não estou num bom momento e me sinto muito perdida. Sinceramente, acho que me diluí em você e em tudo que tem ligação a você que me perdi totalmente do que eu era ou gostaria de ser. Não é culpa sua. Isso tudo só foi rápido demais e eu não pensei em nada, só me joguei num mergulho no escuro.
– Mas eu não estou entendendo, . Como isso? Achei que estava bem. Você não me disse nada sobre isso.
– Eu sei. – A inglesa assentiu e segurou uma das mãos dele. – Eu estava tão brava e na defensiva que não percebi. Conversa com a Mai e o Louis foi bom. Eu percebi que estava tão absorta no seu mundo, que esqueci que não preciso resolver ele pra você. E mais um monte de coisas que eu estava cega, no automático. Cobrando e esperando coisas que não devia.
– Você não vai fazer isso. – a interrompeu. – Foi por causa de ontem? Foi por ter ficado fora? Foi idiota. Eu estava com raiva. Queria que você percebesse que eu estava com raiva, mas foi idiota. Você sempre escolhe seus amigos, qualquer pessoa antes de mim, eu só quis... mas não interessa, foi uma briga idiota, não precisa disso. Ou foi sobre o Aleks? Ou sobre eu não querer sair o Pelicans, porque eu...
– Não é sobre isso. – sacudiu a cabeça e o cortou. – Não é nada sobre isso. Pelo menos não só sobre isso.
A inglesa se aproximou um pouco mais do jogador e tocou seu rosto com delicadeza, gastando algum tempo o olhando.
– Rakkaani, isso tudo... essa briga foi tão desnecessária... essas reações... você não precisa fazer isso para ter a minha atenção e se acha isso, realmente tem muita coisa errada entre nós. Você podia só falar, me dizer o que te incomoda tanto. Mas não é só por isso, é por tudo isso.
– Nada faz sentido. – Ele expirou um riso fraco e sem humor.
– Eu preciso de um tempo, sozinha, para me organizar. – tornou a falar. – Colocar meus pensamentos no lugar e lembrar de quem eu era antes, no início de tudo. Não quero ser a pessoa que tenta agradar todo mundo, a salvadora que você diz que sou. Quero te dar espaço e paz para resolver suas questões e tomar suas decisões.
– Não era isso que eu quis dizer. – Ele balançou a cabeça devagar e ela retirou as mãos de seu rosto. – Não foi nada disso. Eu não quero terminar, só queria que você reconhecesse.
– Não tem como reconhecer que escolho aos outros e não a você, se isso não é verdade, . – tentou outra vez. – Sempre é você. Mas não posso só fechar os olhos e viver assim, nem com você e nem comigo. Todos temos coisas para desenvolver e melhorar, entende? É por isso. Eu não vou terminar com você. Não é o que eu quero. Eu quero voltar para o início de tudo, quando nossa preocupação era ser furtivo e cozinhar carne de rena. – Ela sorriu fraco.
tentou responder, mas não disse nada, apenas maneou a cabeça. A inglesa então uniu suas testas, enquanto o jogador a abraçou pela cintura.
– Para com isso...
– Mas não tô terminando. – Ela não o deixou falar mais. – Só preciso de um tempo, espaço. A gente não precisa parar de se ver, nem nada disso. – O jogador expirou, tinha os olhos fechados. – Eu só realmente preciso ficar um pouco sozinha. Só por um tempo. E te deixar só um pouco.
– Não tem tempo. – se pronunciou depois, ainda com os olhos fechados. – Não existe tempo, isso não funciona e é uma desculpa. Ou estamos juntos ou não.
sorriu triste, mas não surpresa.
– Eu pensei que diria isso. – Confessou. – Eu preciso desse tempo, espero mesmo que entenda que estou fazendo o que é melhor para mim. Para nós dois. – A terapeuta inglesa fez uma breve pausa. – Vou ficar na Bree por uns dias, talvez umas semanas... não sei. Logo também você tem os jogos de inverno e o casamento da minha irmã... Vou amanhã de manhã. – A inglesa ergueu o olhar. – Sei que se irrita quando as coisas não são do seu jeito, mas... eu preciso disso e tô pronta para lidar com as consequências. Se você quiser, acho que a gente consegue, mas se não quiser também, vou entender.
58 – I'm trying to stifle my sighs
Truth, dare, spin bottles
You know how to ball, I know Aristotle
Brand new, full throttle
Touch me while your bros play Grand Theft Auto
It's true, swear, scout's honor
You knew what you wanted, and, boy, you got her
Brand new, full throttle
You already know, babe
[…]
I'm trying to stifle my sighs
'Cause I feel so high school every time I look at you, but look at you
(Taylor Swift - So High School)
Sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022
Casa de e
Lahti – Finlândia
Já tinha se passado algum tempo desde que despertou naquela manhã.
Nevava um pouco, era início de fevereiro e tudo era branco, frio e sem graça como sempre, mas de algum modo, também aconchegante e protegido. Como se nada pudesse os afetar se continuassem naquele quarto, se aquele instante fosse o último seguro antes de uma tempestade brava. Permanecia deitado, uma mão apoiando a cabeça e a outra sobre a barriga, encarando a parede com olhos perdidos. Às vezes olhava para o lado esquerdo e pensava sobre o lugar vazio na cama. Mas era estranho, era como se não fosse real, um sonho ou uma ideia.
Nunca pensou que naquele estágio estaria vivendo aquilo. Já não bastavam tantas outras coisas acontecendo, agora também teria que lidar com um vazio inesperado, um buraco perto de onde ficava o coração.
Ouvia ela se arrumar, abrir uma porta ou outra dos armários do closet e fechar um zíper aqui, outro ali. Estava determinada a ir e ele não a tinha tentado dissuadir. Durante a noite, parte dela gastara acordado, encarando o teto, mas felizmente fora uma parte pequena. Estava exausto demais por causa do jogo e logo caiu em sono profundo, sem conseguir perceber se ela fizera o mesmo. Pela manhã, quando despertou espontaneamente, já estava de pé, se aprontando para o deixar.
– Acho que estou pronta. – Ela anunciou ao surgir na porta do closet. – Não esqueci nada importante.
a olhou, mas não disse nada, manteve a expressão nada expressiva, como quem espera sua vez em uma sala de espera de dentista. Sentiu vontade de a responder, falando sobre a coisa importante que ela estava deixando, seu coração, em pedaços, amassado em um canto frio da cama larga, mas não o fez. , por sua vez, parecia agitada, inquieta e depois da falta de reação do noivo, se aproximou devagar, respirando profundamente e se sentou perto dele, na cama.
– Você... – A inglesa hesitou e tentou tossir, limpando a garganta. – Você se decidiu? Sobre... se vai... você sabe, se vai topar ou...
– Ainda estou pensando. – Ele a respondeu encarando a mão sobre a barriga, mantendo o tom de voz sereno e calmo. – Você quer ir mesmo?
– Eu preciso. Nós precisamos disso. – mordeu o lábio inferior e baixou os ombros ao dizer. – Mas... – A terapeuta se esticou para segurar a mão do jogador que estava sobre a barriga dele. – Não pense que por causa disso vai poder andar por aí, se considerando solteiro. – ergueu o olhar. – Porque posso não parecer, mas sou perigosa.
O jogador riu alto de surpresa e por causa das palavras e tom dela, deixando a cabeça tombar para trás.
– Eu fiquei com vontade de testar. – Respondeu em tom de brincadeira e foi acertado por um tapa fraco da noiva, enquanto ela fazia careta.
riu um pouco mais e depois se silenciaram, se encarando por alguns instantes.
– Eu acho que isso é um erro. – Ele deu sua opinião.
– Eu sei. – inclinou a cabeça.
– E por que vai fazer?
– Porque eu não quero perder você. – Ela declarou e o viu negar com a cabeça e torcer os lábios e desviar o olhar. – E eu sinto que vou, se continuar assim. Eu já fiz isso outras vezes. Já vi esse filme antes e não gostei de como terminou.
– Do que tá falando?
– Você tem suas questões e eu tenho as minhas. Prestei muita atenção nos seus problemas que me esqueci dos meus e isso não pode acontecer. Porque se acontece, cometemos os mesmos erros e eu não quero fazer isso.
– Vou repetir. – O capitão se ajeitou na cama, sentando-se. – Está cedo, acho que talvez a máquina aí não está funcionando ainda. – Ele a provocou. – Do que exatamente você está falando? Porque eu tô perdido aqui. Um dia eu saio de casa e eu sou o problema, volto e você é a pior pessoa e precisa se afastar de mim.
– Não, não é sobre isso. – respondeu com doçura, afagando o rosto do noivo rapidamente. – Tem muitas coisas sobre mim que acho que você não sabe.
– Ora, ora...
– Isso é mais uma razão, você sabe. – A inglesa maneou a cabeça.
– Queria saber o que seus amigos te falaram. O que te fez mudar de ideia. – insistiu. – Você não é fácil de convencer. Eu tento há meses.
expirou profundamente e o olhou nos olhos.
– Você confia em mim?
torceu os lábios, fingindo uma careta de reprovação e dúvida. Depois, baixou os ombros e assentiu com a cabeça uma vez, a olhando nos olhos, enquanto esticou-se mais para segurar sua outra mão.
Sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022
Casa da Brie
Lahti – Finlândia
O apartamento de Brie ficava perto do antigo lugar de , mas em uma rua mais movimentada, com café e restaurante, além de lojas de presentes e algumas lojas com roupas mais comuns. Era aconchegante, decorado com papel de parede de tons e desenhos diferentes em cada cômodo, espelhos grandes por toda casa, poltronas que pareciam um animal peludo e cortinas de cores vivas e quentes. Era o oposto da sobriedade tecnológica e industrial da casa de . Parecia ter saído de uma pasta do Pinterest e que a qualquer momento uma revista estaria por ali, fotografando as referências.
Brie também tinha utensílios pouco comuns, como canecas com gatos de porcelana no fundo, talheres que na ponta de seus cabos flores se formavam, além de copos com estampas de personagens de desenhos animados antigos. As xícaras eram rosa e não se lembrava de ter visto tantas cores juntas em uma casa só. Não parecia com nada finlandês.
O quarto que ficaria era um pouco mais sóbrio, mas tinha as paredes azuis e um conjunto de almofadas douradas sobre a cama. O primeiro pensamento que tomou a cabeça da terapeuta inglesa foi sobre o que diria – ou reclamaria – quanto a decoração do apartamento. Ela se divertiu com esse pensamento por algum tempo.
Brie era uma boa anfitriã, preocupada e tentando agradar de todas as formas possíveis. A alemã era gentil e parecia estar mais curiosa do que tentava aparentar, se segurando em suas perguntas sobre o acontecido entre o casal. apreciou silenciosamente o esforço gentil dela.
Depois que a inglesa contou o que era possível sobre sua decisão, depois das perguntas da alemã, houve silêncio. Um silêncio muito ruidoso, porque conseguia ver a força que a amiga fazia para não dizer o que quer que estivesse se passando em sua cabeça. Brie se retorcia no sofá, quase derramando o leite quente de sua caneca, mexendo nos cachos ruivos de modo compulsivo e com coceiras pelo corpo que parecia não a deixar em paz.
– O que você tem? – arqueou uma sobrancelha. – O que quer perguntar?
– Eu? – A alemã arregalou os olhos. – Nada. Eu não quero perguntar nada. Não sou curiosa.
– Brie. – A inglesa inclinou a cabeça sobre o ombro e a olhou nos olhos.
A jornalista soltou o ar que segurava, relaxando os ombros e cedeu, rolando os olhos.
– É só que... vocês são o meu casal. – Ela confessou. – Minha meta. Eu sou apaixonada por como vocês se amam e como o é totalmente caído por você e...
– E?
– E como fã do meu casal, eu não sei se gosto disso. – Ela disse enfim. – Eu acho que tem que fazer o que é melhor. Mas vocês já passaram por tanta coisa, tantas coisas muito piores e então, por uma besteira qualquer você pede um tempo? Não faz sentido nenhum. Parece que vocês perderam toda evolução.
– Pode ser. – ergueu um ombro. – Mas não estávamos sendo os mais evoluídos nos últimos dias. Eu sei que parece estranho e que parece que vamos nos separar. Mas não é isso, não é o que eu quero.
– , você sabe que geralmente quem pede um tempo, não reata, não é? – Brie a olhou com pena.
– Não eu e o . – a respondeu decidida. – Nós vamos superar.
Brie a lançou um olhar ainda mais penalizado.
– A gente vai. – respirou mais fundo, sentindo o corpo tencionar. – Ele vai entender. Eu só preciso de um pouco de tempo. Ele também precisa.
Brie levantou as sobrancelhas e afastou o olhar, tomando mais do seu leite, enquanto contemplava pela primeira vez a possibilidade angustiante de que seu plano não saísse como planejado.
Sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022
Lahti – Finlândia
tinha tentado cobrir toda faixa de pele de seu corpo, mas talvez pela falta de calor interno, nada lhe parecia suficiente para proteger do frio. Enquanto andava arrastando os pés pela margem do lago, tinha as mãos com luvas enfiadas dentro dos bolsos, touca e a gola de uma das blusas puxadas até o pescoço. Nevava e o casaco corta-vento já estava salpicado pelos cristais brancos de gelo.
De longe o jogador viu Aleks e Atte, os dois estavam próximos a picape de Atte, tomando cervejas e rindo de alguma coisa. A picape estava estacionada em uma parte mais rochosa, onde a terra escura da floresta começava a se misturar com o cascalho grosso da margem do lago e o musgo se encolhia, coberto de neve. A risada deles era alta e provavelmente podia ser ouvida por toda extensão do lago, que estava vazio e silencioso por causa do dia frio. Quando se aproximou o suficiente para ser visto, os cumprimentou com um aceno de cabeça e os amigos interromperam o assunto para o dar atenção.
– Você demorou muito. – Atte falou primeiro, oferecendo a ele uma garrafa de cerveja. – A gente tinha desistido de esperar e ia embora.
– É porque eu não queria vir. – O capitão respondeu, sentando-se na carroceria aberta da picape.
– Isso não é novidade. – Aleks rolou os olhos.
– O que ele está fazendo aqui? – perguntou a Atte, apontando com o queixo para Aleks.
– Ele me viu na rua e se enfiou no carro pela janela. – Atte contou e riu de lado. – Foi uma invasão.
torceu os lábios, mas não reclamou. Abriu a cerveja com ajuda da barra de um dos casacos e antes que os amigos tivessem chance, o moreno começou a falar.
– Ela saiu de casa. – Contou rápido, dando um gole em sua cerveja. – saiu de casa.
Atte e Aleks se encararam surpresos.
– É sério? Por causa de... – O goleiro coçou a nuca. – Não vou fingir que não gosto de dizer que te avisei. Foi por ter dormido fora de casa?
– Sei lá. – deu de ombros e bebeu um pouco mais. – Ela veio com uma história de que a gente não está bem e que ela não está também. Que precisa de um tempo, mas que não quer terminar.
– E daqui duas semanas ela posta foto com o tempo dela. – Aleks completou e o dirigiu um olhar pouco simpático.
– Ela tem alguém? – Atte seguiu a mesma linha.
– Não, não tem como. – negou rápido. – Ela fica comigo o tempo todo, não tem como.
– Ah é? E o que ela faz quando você está treinando?
– Não acho que ela arranjou um amante em uma semana. – virou o rosto para o olhar e Aleks deu de ombros. – Eu não sei o que pensar. Ela falou para eu não me considerar solteiro, mas isso foi muito do nada. A gente já passou por piores e ela nem pensou nisso.
– Você deu sorte. Se fosse outra mulher, depois de passar a noite fora de casa, quem estaria fora seria você. – Atte deu sua opinião.
– Ela disse que o problema era ela, as questões dela... mas ela não me disse o que é. Que tem muita coisa sobre ela que eu não sei e que ela quer fazer isso para não repetir os erros. – Contou o jogador.
– Quem diria que a maluquinha seria ela. – Aleks pensou alto. – Eu gosto da , ela sempre foi legal comigo. Mas acho que como namorada, ela não é uma das mais espertas. – Aleks se sentou na carroceria também. – Se eu estivesse no lugar dela, não causaria problemas, seria um amor e só aproveitaria sua grana.
– Ela não é assim. – negou rápido.
Fez-se silêncio enquanto os três contemplavam a neve que caia, as águas congeladas do lago, apenas o ruído de quando a cerveja passava por suas gargantas.
– Você quer sair por aí... brigar com alguém... ou... – Aleks começou a sugerir.
– Não, eu... eu tô perdido, não sei o que pensar. – confessou cabisbaixo. – Eu tô processando ainda.
– Às vezes é melhor só deixar fluir. – Atte aconselhou. – Sabe, deixa fluir e esperar para descobrir o que vai dar.
assentiu devagar.
– É, complicado mesmo... – Atte suspirou contemplativo.
– Demais. – Aleks respondeu quando apenas inclinou a cabeça e fingiu ler o rótulo de sua garrafa.
Houve silêncio outra vez.
– Essa cerveja não é tão boa. – Aleks começou a falar. – Eu acho ela um pouco aguada.
– Não é a cerveja, talvez seja aquele bar sujo onde você comprou. – Atte respondeu. – Lá eles colocam água nas bebidas.
– Em uma garrafa fechada? – Aleks arqueou a sobrancelha e Atte maneou a cabeça.
– Você é inocente. – O goleiro respondeu. – Eu compro essa cerveja sempre, porque ela é barata e boa. Mas essa que você trouxe hoje parece ter sido achada enterrada na floresta. Muito fermentada e fraca.
– E você agora entende de cerveja? – Aleks expirou rápido.
– Ela não ia ter outra pessoa, porque ela teria dado sinais. – , que até então estava absorto em seus pensamentos, voltou a falar. – Tipo, a gente é muito próximo, não teria como existir mais alguém.
– Quantas vezes você já ficou com uma, enquanto trocava mensagens e marcava de ver outras? – Atte sugeriu arqueando a sobrancelha.
– Mas ela não tinha hábito de ficar no celular. – Respondeu o capitão. – Só se fosse alguém entre os amigos dela...
– Esquece isso. – Aleks falou sem usar seu tom debochado de sempre. – O Merelä tá longe e os caras são só os caras. Eles estavam no mesmo lugar que você, treinando. Para de viajar. – Disse com firmeza. – Atte, me alcança outra cerveja, talvez esteja melhor.
– Não vai estar melhor, vão estar todas iguais porque elas são do mesmo engradado. – O goleiro respondeu ao mesmo tempo que retirava outra garrafa do engradado de papel e oferecia ao amigo. – Você conferiu se não estavam vencidas?
– Eu não. Quem faz isso? – Aleks franziu o cenho, como se fosse algum tipo de ofensa.
– Gente normal. – Atte rolou os olhos, tentando achar data na garrafa que segurava.
– Álcool não tem data de validade. – Rebateu Aleks.
– Cerveja sim.
Aleks se agachou e tentou encontrar alguma data impressa na embalagem maior, de onde tiravam as cervejas.
– Que dia é hoje mesmo? – O ala, que estava agachado perto das cervejas ergueu o olhar, apertando um pouco os olhos devido a claridade do céu.
– Onze de fevereiro de dois mil e vinte dois. – Atte respondeu.
– Ah. – Aleks assentiu e depois ficou de pé. – Venceu ano passado. – Contou com simplicidade.
– O quê? – Atte arregalou os olhos.
– Deve ser coisa de pandemia. – O ala deu de ombros.
– Eu não entendo porque ela nunca me falou sobre esses problemas. – tornou a atrair a atenção dos amigos. – Sabe? Era só me contar e tudo bem. Ela só fez as malas e saiu de casa. Nem mesmo agora ela me disse sobre os problemas. Só que a gente precisava de um tempo separado, eu e ela.
– Sei lá... – Aleks respondeu após um soluço. – Às vezes é melhor. Vocês viviam grudados e nem eram casados.
– A gente ia casar. – corrigiu.
– Desde o dia que se conheceram, cara. – Atte reforçou a fala de Aleks. – Talvez seja bom mesmo, um pouco de espaço e distância.
– Mas a gente podia resolver, como resolvemos todas as outras coisas. – argumentou. – Não precisava se separar.
– Mas o que exatamente ela disse sobre isso? – Aleks tentou investigar. – Tempo, sem conversa?
– Não. – sacudiu a cabeça e tomou o resto de sua cerveja. – Ela só queria ficar fora de casa, mas pelo que eu entendi, não quer parar de me ver.
– Então é isso. – Atte ergueu os ombros. – Você já falou com ela depois disso?
– Hoje de manhã ela saiu de boa. – Contou aos amigos. – Brincou, riu... chamou um Uber e foi embora como se não fosse nada. – suspirou.
– Manda uma mensagem depois. – Aleks sugeriu dando de ombros. – Talvez ela só quis mesmo sair de casa. Espera e vê o que acontece, como a gente falou.
– A gente estava indo bem. – continuou a falar, ignorando o último conselho de Aleks. – Tudo ainda por causa do idiota do Otto e o drama que ele fez. A gente discutiu por causa dele, por causa disso.
– Então vocês não estavam bem. – Atte interrompeu. – Por que não faz como o Aleks disse? Só relaxa e tenta se distrair um pouco? – O goleiro bateu nas costas do capitão. – Qual é, cara?! Estamos só nós três aqui, como nos velhos tempos. A gente pode falar sobre qualquer coisa.
– Como o quê? – ergueu o rosto, olhando de Aleks para Atte.
– Sobre o idiota do Otto Rauhala não ter sido convocado. – Aleks ergueu sua garrafa, propondo um brinde. – Ao maior otário de Tampe.
– Ao otário. – Atte riu e ergueu sua garrafa também, os imitou, mas sem tanta empolgação.
– Eu sempre rio sozinho quando imagino a cara dele com a lista. – Aleks continuou. – Me fez feliz demais. Quase tão feliz quanto o Hans ter lesionado o punho e eu ter sido chamado no lugar dele.
– Isso foi pesado. – Atte maneou a cabeça. – Mas justo. O que acha, ? Vai esfregar a taça no Rauhala?
– Será que a vai aos jogos agora?
– , qual é?! Otto tá fora da convocação e você está pensando nisso? – Aleks ergueu as mãos, injuriado. – Sua garota não vai entrar no gelo com você.
– Não sei se ela é a minha garota ainda. – O central falou contemplativo, em um tom sombrio, inclinando a cabeça.
– Não, não. Chega. – Atte o balançou pelos ombros. – Vamos pensar em nós. Vamos pensar nos jogos e em como vai ser incrível vencer sem o Otto Rauhala.
– Já imaginou? – Aleks subiu em uma pedra e começou a declarar. – A arena está cheia, é a final. Finlândia e Estados Unidos. A Finlândia está vencendo por quatro a dois, os segundos finais estão correndo. Então, empty net no time dos Estados Unidos. O rebote acerta o taco do maior ala da Finlândia, Haatanen conduz o disco rapidamente até a zona ofensiva e marca! – O ala deu um salto. – A Finlândia vence as finais por cinco e dois e segue a maior campeã!
– Incrível! – Atte aplaudiu. – Só não sei se concordo sobre o maior ala da Finlândia.
Aleks devolveu a provocação chutando um pouco de neve no goleiro, que se protegeu com o antebraço e riu alto.
– Sabe, eu só acho engraçado que... – começou a falar, distraído.
– Não! – Atte e Aleks protestaram em uníssono.
Sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022
Casa da Brie
Lahti – Finlândia
estava encarando teto sobre a cama de ferro trançado do quarto de hóspedes de Brie. A anfitriã estava fora, era noite de sexta e não havia qualquer sentido em alguém jovem e solteiro permanecer em casa. Exceto o frio de doer os ossos, é claro. Mas e Brie já estavam habituadas o suficiente para conseguir não sofrer demais – apenas o suficiente.
O celular estava em um canto qualquer do quarto porque não lhe era atrativo, nem mesmo o teto que encarava incansavelmente. O frio não incomodava mais do que a incerteza de uma péssima decisão. Era impulsiva. Sempre fora. Sempre bem-intencionada, mas quando se tratava de impulsividade, nenhum verbo ou adjetivo que o antecedesse parece o justificar.
Se sentia sufocada, de fato. Perdida e totalmente desconfortável em sua pele e a primeira decisão a lhe parecer mais clara era óbvia. Se o relacionamento com o jogador famoso e lindo era o que lhe afastava de si, a tábua de salvação seria fugir dele. Dois e dois. Simples. Mas talvez esse fosse justamente o erro, era fácil e simples demais.
Tinha dado um grande espaço vazio para o homem que a tinha deixado dormir sozinha duas noites atrás. E parecera frio naquela conversa inteira. Um pouco contrariado e surpreso, mas mais perdido do que triste. E a cada palavra ou brincadeira, enquanto lutava para se segurar a toda ponta de segurança que tinha sobre aquela decisão, sentia o hálito quente do arrependimento.
Ele não sabia se aquele era o tipo de relação que gostaria de ter e a cada segundo pensando sobre sua decisão e revendo cada micro reação do noivo, sentia o ar ficar mais raro. Podia ser algum tipo de distorção de seus pensamentos por sua mente ansiosa, não era incomum. Mas agora não o tinha por perto para lhe indagar sobre o que cada pequena mexida de sobrancelha significava. Ele estava longe, Deus sabia onde e com quem.
Desde aquela manhã, quando saiu decidida e orgulhosa por sua força de abandonar a casa do noivo – mesmo que por algum tempo -, não haviam trocado qualquer mensagem ou ligação. O lugar ocupado por estava tomado por um grande eco, preenchido pelas indagações e acusações dele. Provas de que talvez ele não a quisesse mesmo de volta, ou que talvez até estivesse feliz com o espaço vazio na cama e na casa.
suspirou e se virou na cama, deitando-se de lado e se encolhendo como se assim fosse se sentir melhor. Os olhos nas janelas quase cobertas de neve, mas sem realmente prestar atenção no que seus olhos viam. Repetia com culpa tudo que lhe fora dito por . Ele tinha muitas opções, não precisava de muito esforço para encontrar outra namorada ou noiva. E provavelmente existia uma lista de mulheres prontas para tentar no primeiro passo errado de e que agora, graças a ela, poderiam.
Era estúpida, estúpida, estúpida.
Não devia ter tido essa ideia idiota de sair de casa, colocá-lo contra a parede. O noivo não reagia bem quando pressionado, era uma péssima ideia. Péssima e burra ideia, . Mais uma vez.
Talvez os amigos estivessem mesmo certos e precisava voltar para a terapia e parar de cometer erros idiotas. Cada vez mais velha, mas nunca mais inteligente.
Se analisado uma amostra específica e relativamente pequena, composta de duas pessoas, podia-se dizer que não havia uma alma tranquila e serena em Lahti. Por se tratar do país reconhecido pela felicidade de seus habitantes, as coisas pareciam de cabeça para baixo. não conseguia ficar em casa sozinho e agora, depois de todo aquele tempo, descobrira que a presença de Felix não o ajudava em nada. Não podia contar com Atte e Aleks também, os amigos tinham suas próprias vidas para tocar e já tinham deixado transparente o quanto estavam de saco cheio de e suas lamentações. Fora xingado vezes o suficiente para se tocar sobre estar sendo repetitivo e cansativo sobre o assunto que mais o atormentava no momento.
O mesmo assunto que o deixava claustrofóbico dentro de sua casa enorme e bem dividida. As paredes pareciam mais perto e apertadas, as lâmpadas e luminárias não clareavam o bastante, todo ruído fazia os ouvidos do jogador doerem numa agonia constante. A cama era fria e estranha, o tecido dos lençóis e sofás parecia o causar alergias e nenhum canal, jogo ou livro era bom o suficiente para lhe salvar de sua agonia adoecedora.
Fora um ímpeto sem muita reflexão que o fizera voltar para o carro depois da tarde com os amigos e dirigir sem pensar, rumo a qualquer lugar. Foi rápido até ver as luzes da cidade, quase que automático. Do mesmo modo automático que o nome de uma certa rua pareceu piscar em sua mente e não pensou, apenas virou o volante todo para a direita. Era mais confortável fingir ter feito sem pensar, mesmo que no fundo soubesse que quis ceder.
Passou devagar pelo estacionamento do prédio de tijolos na Kirveskatu. Agora as janelas estavam pintadas e parecia mais novo e mais bonito. Quase todas as janelas estavam acessas, percebeu, parando em sua vaga de sempre. Procurou e contou os andares e janelas até chegar a que queria. Contou de novo e recontou para ter certeza, sentindo o coração acelerar e as mãos suarem no volante. Ergueu uma das mãos e contou as janelas novamente, apontando com o dedo para cada uma ao contar. Abriu a porta e desceu do carro, caminhando um pouco para a lateral do prédio, procurando a janela do lado leste, a janela da sala do apartamento. Conhecia aquela planta como a de sua própria casa.
A neve caía com seus flocos brilhantes sobre seus ombros, pintando o casaco e a touca preta de branco. apertou os lábios e contou outra vez as janelas, apontando com o dedo indicador. Ponderou seriamente tocar o interfone, ou entrar e bater na porta. Foi vencido e arrastado para a porta por seus sentimentos bagunçados e toda urgência que o queimava por dentro. Estava prestes a tocar o interfone quando duas garotas saíram do prédio, rindo juntas sobre qualquer coisa. As duas assustaram o jogador que congelou no lugar como quem faz algo errado. As garotas o olharam dos pés à cabeça e sorriram de lado, uma para outra, depois o olharam de novo, ainda sorrindo. apertou os lábios em uma espécie de sorriso que certamente não transparecia nada além de culpa e vergonha. As duas ainda o olhavam, sussurravam e sorriam enquanto se afastavam.
assumiu como um sinal e começou a se afastar da porta. Ergueu os olhos e percebeu as garotas ainda sorrindo e então uma luz lhe alcançou a cabeça. “Mas era claro que ela não estaria ali”, pensou sentindo as costas relaxarem como alguém que enfim encontra em qual bolso deixou o celular e jogou a cabeça para trás, sorrindo fraco, aliviado. Ver as duas garotas o fez lembrar que não estava no velho apartamento, mas sim com Brie.
suspirou e uniu as sobrancelhas concentrado, caminhando de volta ao carro. “Era melhor assim. Não fazia ideia de onde Brie morava e não tinha qualquer razão para descobrir. Nem sabia porque tinha ido parar naquela rua mesmo”, ele pensava orgulhoso.
O jogador entrou no carro e se acomodou despreocupado no banco do motorista, sem deixar de sorrir de lado, vitorioso e vaidoso. Tudo estava sob controle, não havia cedido e nem sido pego tentando descobrir onde ela estava ou o que estava fazendo sem ele.
O sorriso maroto desapareceu de seu rosto quando lhe ocorreu que talvez ela estivesse mesmo fazendo algo sem ele. Os ombros ficaram mais tensos e o queixo rígido. “E se Brie a tivesse levado para uma noitada entre amigas para superar?”
voltou a sentir a alergia incômoda e inquietante tomar sua pele, assim como não conseguia deixar de não torcer o nariz. sozinha não era a mais ousada ou agitada, mas com outra pessoa lhe fazendo a cabeça as coisas podiam mudar. Apenas Deus sabia o que Brie poderia estar dizendo a ela, ou se talvez não estivessem em um tipo de festa do pijama com Santtu, Otto, os outros e Merelä. ligou o carro e deixou o estacionamento cantando pneus na neve lisa.
já tinha perdido a noção de quanto tempo estava naquela posição fetal, se arrependendo de todas escolhas, desde o nascimento. Sentia fome, mas nenhum ânimo para cozinhar ou pedir algo, geralmente quem fazia isso. Ele previa quando a fome a atingiria e sempre tinha algo saboroso e quente o suficiente para a saciar. A inglesa sacudiu a cabeça e ergueu o tronco enfim. Precisava reagir.
Se esticou para alcançar o celular na outra ponta da cama e se deitou novamente, com olhos na tela. Conferiu todas as notificações para ter certeza sobre não ter nenhuma dele ali, e quando não encontrou, as ignorou por completo. Abriu o aplicativo do Instagram e começou a rolar o feed, ignorando tudo e qualquer coisa que lhe remetia ao noivo ou a casais felizes. O que fora uma tarefa exaustiva e quase impossível, mas conseguiu se entreter um pouco com vídeos de gatos levando susto.
A noite era silenciosa, nenhum sinal de Brie em casa, o ruído baixo de poucos carros na rua que invadiam com metade da altura o quarto no segundo pavimento do prédio. Mesmo sem desprender a atenção da tela, ouviu longe o ruído seco de algo caindo do lado de fora. Depois de algum tempo, alguma coisa pequena se chocando contra a janela.
A terapeuta ergueu o rosto e virou o celular, apontando rapidamente a lanterna em direção a janela. Sentiu os ombros tencionarem e fez silêncio por alguns segundos, mas não ouviu mais nada. A inglesa expirou o ar que guardava sem perceber e voltou a posição inicial, mas tomou cuidado para abaixar um pouco o volume dos vídeos que ainda assistia.
E então o barulho na janela.
E de novo.
E mais uma vez.
Ela ergueu o rosto e ficou alarmada outra vez.
De novo.
E de novo.
Mas dessa vez o causador do barulho pode ser visto por ela, quando algo parecido com uma pedra se chocou contra o vidro da janela descoberto pela cortina. estreitou o olhar.
E de novo alguém acertou sua janela.
engoliu em seco e ficou de pé, hesitante, decidindo se fechava as janelas, trancava as portas e ia dormir debaixo da cama, ou se encarava quem quer que a estivesse perturbando.
A pedra acertou a janela de novo.
sacudiu a cabeça, espantada com o atrevimento e começou a se aproximar da janela, discou na tela o número 112.
E outra vez.
Alarmada, mas agora irritada com a falta do que fazer daquele que a perturbava, avançou contra a janela e a abriu em um rompante, sendo atingida por uma lufada de ar frio que jogou seus cabelos para trás violentamente. E antes de descobrir quem era o perturbado jogador de pedras, a inglesa precisou se desviar de mais uma lançada em sua direção. Muito provavelmente por causa do jeito repentino com que abrira a janela.
, chocada com o fato de quase ter sido atingida pela pedrinha, olhou para baixo furiosa. Mas tudo que encontrou foi um com olhos arregalados e um pouco encolhido, com mais algumas pedrinhas de sua artilharia nas mãos. O queixo da terapeuta inglesa caiu.
– ! O que pensa que está fazendo? – Ela indagou zangada.
– Ding-dong. – Ele sorriu amarelo, deixando as outras pedrinhas escorrerem por sua mão, como quem tenta disfarçar. – Eu não sabia qual apartamento era o seu. – Ele mentiu. Sabia, sabia sim, só não conseguia justificar sua ideia idiota de jogar pedras na janela.
– Você podia ter me ligado, antes de tentar acertar uma pedra na minha cabeça. – ainda estava azeda.
apertou os lábios e ergueu um ombro, sem jeito. A inglesa rolou os olhos e se afastou da janela sem dizer qualquer coisa, deixando agora o capitão confuso e alarmado. apagou a luz do quarto, queria que ele percebesse que estava indo a seu encontro e se apressou, pegou um casaco e saiu saltitando pelo corredor e escadas. Antes de passar pela porta de saída do prédio, respirou fundo e balançou as mãos com força, dando pulinhos. Não queria demonstrar sua animação e ansiedade com a visita do noivo, queria tentar parecer inabalável e confiante.
– Como descobriu o endereço da Brie? – Fora a primeira coisa que disse, já transformada, ao passar pela porta e encontrar o capitão com olhar de perdido do lado de fora.
– Eu? – levantou as sobrancelhas e abriu a boca duas vezes, sem emitir qualquer som, depois expirou e maneou a cabeça. – Bom, por mais estranho que isso possa parecer, foi com o Aleks.
– Com o Aleks? – cruzou os braços sobre o peito, encolhendo-se do frio, surpresa.
– É. – coçou a nuca. – A gente voltou a se falar. Eu acho.
– Que bom. – Ela respondeu com sinceridade e o jogador assentiu com a cabeça.
Fez-se silêncio.
– E então? – começou e viu o noivo erguer uma sobrancelha em sua direção, como quem espera que o outro continue. – Você está com tanta raiva que veio até aqui me jogar pedras? – Fingiu falar sério a inglesa.
– Não. – empalideceu. – Meu Deus, não. Não. , não.
– Eu tô brincando. – A inglesa riu baixo. – Eu espero. – Falou, o dirigindo um olhar desconfiado e o viu sacudir a cabeça negativamente e baixar o olhar.
– Foi idiota, eu admito.
– Seria uma história e tanto. – A inglesa brincou sorrindo, aproximando-se um pouco mais. – Do dia que meu noivo me acertou com uma pedra na cabeça. – não riu dessa vez.
O jogador tinha aquele olhar e expressão indecifráveis no rosto, sem sinal de sorriso, o que deixou a inglesa apreensiva.
– Será que a gente pode dar uma volta... e conversar? Sei lá. – Ele propôs.
– Claro. Sim.
sorriu apertando os lábios e inflando as bochechas e começaram a andar. Andaram em silêncio, para a esquerda do prédio pequeno de Brie, em direção a uma pequena praça e a casas silenciosas naquela sexta à noite.
Quando o silêncio já corroía os dois, mas por razões diferentes, conseguiu a coragem que lhe era necessária para falar, despido do orgulho.
– Se... se por acaso... – O jogador tinha olhos nos pés e mãos nos bolsos. – E se eu... por acaso, quiser testar esse seu jeito maluco? – O rosto de se iluminou e ele percebeu, pois a olhou de canto e então riu. – Porque isso tudo é muita modernidade para um cara tranquilo desse lado do mundo. – A inglesa riu também, permitindo se aproximar mais e ergueu o olhar para frente, sem a encarar. – Seria, tipo... lances casuais para a gente dar uma pegada?
o acertou com um tapa fraco no braço enquanto os dois riam.
– Você pode me convidar para sair. Marcar um encontro. – respondeu, ainda achando graça. – Como qualquer casal normal que não vive junto.
– Sabe, eu não vejo vantagem. – O jogador estava mais relaxado agora e balançou os ombros fingindo desdém. – A não ser porque ninguém mais vai desarrumar minha casa. E claro, não vou ter que dividir a atenção do Felix com mais ninguém.
– Não necessariamente. – Ela o respondeu sem parecer abalada e a olhou. – Você pode trazer o Felix da próxima vez. – Sugeriu e depois sorriu, a imitou, depois baixou a cabeça e olhou para frente, encabulado.
Andaram um pouco mais em silêncio.
– Posso perguntar o que te fez pensar sobre a possibilidade?
– Eu não sou de voltar atrás com o que eu digo e penso, é verdade. – Ele a respondeu. – Mas pedi sua mão e falei que te amava, não quero admitir para todo mundo que posso ter me enganado. – arregalou os olhos, mas ele a olhou de lado e sorriu de modo maroto. – Que nada. Eu só pensei que talvez você agora pudesse estar em uma festa do pijama com os outros caras do time e o Merelä, organizada pela Brie. – A inglesa sacudiu a cabeça negativamente. – Mas... – hesitou um pouco. – O motivo de verdade é que... – O jogador parou de andar e se virou, olhando nos olhos da noiva pela primeira vez. Ele sacudiu a cabeça negativamente. – Eu tô confuso, perdido e com raiva até. Mas tudo isso é muito menor do que imaginar a possibilidade de perder você para sempre. Seja para outro cara, para os meus próprios erros... ou por causa de você mesma.
expirou emocionada e sorriu fechado.
– Eu tive tanto medo... medo de você não aceitar tudo isso e te perder. – A terapeuta esticou a mão, entrelaçando seus dedos frios ao braço do noivo. – Essa nunca foi a intenção.
– Acho que não tem nada que você possa fazer sobre isso. Nada que você faça vai me fazer deixar de te querer. – declarou. – Exceto brigar com a minha mãe de novo. Aí, realmente... não vai rolar muito. – Ele fez piada e viu a inglesa rir, deixando a tensão do momento. – Ah, ... – Ele tirou a mão do bolso e entrelaçou os dedos aos dela. – Se eu falar que concordo e entendo, tô mentindo. Ou que eu não estou chateado com você ou me sentindo injustiçado. Tenho muitas perguntas sobre aquilo que você disse ontem e hoje de manhã. – Confessou enquanto afagava os dedos da inglesa. – Mas eu me conheço. Isso vai passar quando o problema de verdade for não ter você. Prefiro ter uma parte, um pouco, do que não ter nada de você na minha vida.
– . – se aproximou tocando o rosto do noivo com as duas mãos e sacudindo a cabeça negativamente. – Você não tem uma parte, você me tem inteira. Desde o primeiro dia, naquele vestiário abafado, cheio de olhares intimidadores. – Declarou e ele sorriu de canto. – E é por isso. Porque eu não admito errar com você. Erra mais do que já estou errando. – Ela se corrigiu. – Eu sei que fui impulsiva, foi uma decisão abrupta e drástica. Reconheço. Mas no fundo, sinto que tem que ser assim. Eu só preciso retomar o meu centro, mas não quero fazer isso longe de você. Você é a única pessoa que faz todo o resto fazer sentido. Que faz todo esforço para ser uma pessoa melhor valer a pena.
– Rakkaani, isso foi lindo. – expirou. – Eu te amo, mas por favor, tire as mãos do meu rosto, elas estão frias para caralho.
se sobressaltou e se afastou, depois começou a rir.
– Me desculpe. – Pediu, sem conseguir conter o riso.
– Foi uma vingança pela pedrada, eu sei. – riu, puxando-a e a envolvendo em um abraço.
– Eu juro que não. – Negou. – Mas poderia ser, não me dê ideias.
O capitão enfiou os dedos nos cabelos frios e embolados pelo vento da inglesa, puxando-a para um beijo acalorado, que quando faltou ar, foi interrompido devagar pro beijos rápidos e curtos.
– Mas você tem razão, é uma boa história para contar para os filhos.
sorriu com os olhos e levantou os ombros, beijando-o novamente.
– É só uma, de muitas.
Continua...
Gostaria de agradecer aos que permaneceram nesse barco. Esse ano não foi lá muito fácil, mas por mais incrível que pareça, ainda estamos aqui. Eu gostaria de fazer um agradecimento silencioso para pessoas que nunca vão ler isso, mas que mesmo de modo pouco reto, conseguiram devolver um pouco de magia para esta autora. E com essa magia que eu tenho tentado me reconectar a essa história e a todas as outras.
O que posso dizer sobre 2025 é que eu ainda não desisti (em todos os sentidos) e que eu volto e breve. Segui o conselho de uma amiga, que dizia que essas últimas páginas eram preciosas demais para eu guardar até o resto estar pronto.
Obrigada e obrigada!
Um grande beijo e até breve,
Carmen
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