Prólogo
O vento gélido em pleno outono era um claro sinal de que o inverno seria rigoroso em Michigan. O clima ameno misturava-se com o cheiro das folhas amareladas espalhadas por toda a cidade e trazia um aroma especialmente agradável ao olfato.
Mesmo ainda distante do inverno, as pessoas já passavam com seus belos casacos, alguns até com cachecóis. null sorria ao ver uma criança passando pela janela com um cachecol quase do seu tamanho. Ela amava crianças.
O som dos pratos da bateria invadiram seu implante coclear e lhe causou um arrepio no meio da coluna cervical. Apesar de tantos anos usando o aparelho, ainda estranhava barulhos extremamente altos.
Não que ela não gostasse ou se importasse muito, porém ainda havia um quê de sensibilidade na sua audição tecnológica, como ela mesma falava. Nick fez um aceno, no qual Tris retribuiu instantaneamente. Nate chegou também junto com Hazel e os cumprimentou, logo em seguida começou a afinar seu baixo.
Hazel caminhou em direção à Tris e passou os braços ao redor da amiga, abraçando-a calorosamente, como sempre fazia. null sorriu largamente e depositou um beijo na bochecha da amiga.
— Eu amo quando você vem na garagem, null. Sua companhia deixa nosso ensaio ainda mais alegre. – Hazel disse, fazendo a amiga sorrir novamente.
— Diga por você. – uma voz grave e rouca falou, aproximando-se. Era null.
— Não começa, null.
— Não entendo o motivo dessa garota sempre estar aqui, sendo que ela nem gosta. Aliás, o deus dela nem permite ela se misturar com os meros mortais pecadores. – o rapaz despejou as palavras de forma ácida. Apesar da grosseria, null não sentia raiva de null. Pelo menos, na maioria das vezes.
— É porque eu gosto de olhar para sua cara feia, null. – a garota respondeu, fazendo os demais rirem.
— Eu acho que é bem o contrário, null. Acho que você não consegue ficar longe de mim e que minha repulsão te atrai. – ele disse e seu corpo tremeu um pouco, arrepiando os pelos de seus braços. null tentou esconder, mas a garota foi mais rápida e sorriu.
— Será mesmo, null?
— Vai se foder, null.
Mesmo ainda distante do inverno, as pessoas já passavam com seus belos casacos, alguns até com cachecóis. null sorria ao ver uma criança passando pela janela com um cachecol quase do seu tamanho. Ela amava crianças.
O som dos pratos da bateria invadiram seu implante coclear e lhe causou um arrepio no meio da coluna cervical. Apesar de tantos anos usando o aparelho, ainda estranhava barulhos extremamente altos.
Não que ela não gostasse ou se importasse muito, porém ainda havia um quê de sensibilidade na sua audição tecnológica, como ela mesma falava. Nick fez um aceno, no qual Tris retribuiu instantaneamente. Nate chegou também junto com Hazel e os cumprimentou, logo em seguida começou a afinar seu baixo.
Hazel caminhou em direção à Tris e passou os braços ao redor da amiga, abraçando-a calorosamente, como sempre fazia. null sorriu largamente e depositou um beijo na bochecha da amiga.
— Eu amo quando você vem na garagem, null. Sua companhia deixa nosso ensaio ainda mais alegre. – Hazel disse, fazendo a amiga sorrir novamente.
— Diga por você. – uma voz grave e rouca falou, aproximando-se. Era null.
— Não começa, null.
— Não entendo o motivo dessa garota sempre estar aqui, sendo que ela nem gosta. Aliás, o deus dela nem permite ela se misturar com os meros mortais pecadores. – o rapaz despejou as palavras de forma ácida. Apesar da grosseria, null não sentia raiva de null. Pelo menos, na maioria das vezes.
— É porque eu gosto de olhar para sua cara feia, null. – a garota respondeu, fazendo os demais rirem.
— Eu acho que é bem o contrário, null. Acho que você não consegue ficar longe de mim e que minha repulsão te atrai. – ele disse e seu corpo tremeu um pouco, arrepiando os pelos de seus braços. null tentou esconder, mas a garota foi mais rápida e sorriu.
— Será mesmo, null?
— Vai se foder, null.
Capítulo Um: Cidade Nova, Novos Encontros
Detroit, MI
Agosto, 2023.
Os últimos dias estavam sendo bem caóticos. Mudar de escola, de igreja, de país… Tudo isso não era nada fácil e rápido, como mostram nos filmes por aí. É extremamente exaustivo e muito burocrático. Exaustivo, pois havia dezenas de objetos para embrulhar, ter todo cuidado com objetos frágeis, decidir o que iria ser doado e o que levaríamos. Encaixotar, dispensar os caixotes para o caminhão de mudança. Encaixotar, dispensar para nossa igreja enviar para doação. Foi um ciclo que parecia sem fim, até realmente chegarmos ao fim.
Burocrático, pois eram muitas papeladas. Havia a papelada da minha escola, já que precisaríamos do meu histórico, de declarações… Era um assina aqui, assina acolá, cópia disso, cópia daquilo. Mamãe estava histérica, algo que parecia ser simples se tornara uma dor de cabeça.
Mamãe havia conseguido uma sociedade com um consultório até que rápido, contudo também havia uma série de documentos para serem vistos e anexados, principalmente o CCC-SLP¹, que mamãe teve que correr contra o tempo para conseguir e a autorização do ASHA² e graças a Deus esse segundo foi mais fácil e rápido, já que minha mãe era uma das fonoaudiólogas mais conhecidas de Vancouver. Acho que até do Canadá inteirinho.
Devido ao cargo importante que meu pai tem, não tivemos tanta dificuldade para conseguirmos o visto permanente, apesar de ter sido bem burocrático em relação às papeladas que foram entregues à embaixada americana no Canadá. Porém, não foi preciso de entrevistas e outros tipos de empecilhos e contratempos.
Fazia uma semana que tínhamos chegado e papai já estava alocado no trabalho, enquanto mamãe terminava os últimos ajustes para começar atender no novo consultório. Enquanto eu, estava terminando de me arrumar e ir conhecer um pouco Detroit.
Já havia viajado para os Estados Unidos, conheci a Disney quando criança e também uma viagem escolar há dois anos para New York. Mas, nunca havia colocado os pés em Detroit antes da mudança.
E por falar em mudança, não foi tão fácil “desapegar” de Vancouver e de tudo que ficou para trás. Apesar de não ter tantos amigos, eu gostava bastante da escola e de todos da minha antiga igreja. Sorri ao lembrar deles. Alguns dias antes, fizeram uma despedida muito linda para minha família e ali senti todo amor que cada um sente por nós. Com isso se tornou ainda mais difícil a despedida, o desapego.
Saí um pouco de meus pensamentos e voltei minha atenção para o que estava à minha frente. Detroit era uma cidade muito encantadora, com paisagens lindas e o que falar dos lagos? Parece até uma pintura!
Meu local favorito – até o momento – era a Belle Isle State Park, uma espécie de ilha dentro da cidade, com vários lagos e belíssimas árvores. Era para lá que eu estava indo no momento. Apesar de ser um pouco distante de casa e ter que pegar um metrô e um ônibus para chegar no local, eu tinha prazer em ir até o parque e passar horas e horas apenas admirando tudo.
Caminhava bem devagar, enquanto observava o que estava ao meu redor: passarinhos voando para lá e para cá, pessoas conversando, tirando fotos e… um rapaz tocando violão próximo à fonte. Parei e observei-o a dedilhar as cordas do violão em uma melodia bonita, porém ao mesmo tempo triste. Acredito que meu olhar deveria estar queimando suas costas, pois ele virou o rosto em minha direção e me encarou por uma fração de segundo e voltou sua atenção para o instrumento que carregava.
Tirei minha atenção dali e voltei a caminhar devagar e sentei-me em um banco em frente a um dos lagos, observando uma senhorinha alimentar os passarinhos. Inspirei lentamente, sentindo os aromas daquele local que tanto transmitia paz.
Suspirei fundo antes de abrir a porta do carro. Meu pai falara para eu ter cuidado e procurar ajuda na secretaria se tivesse dúvidas ou me sentisse perdida. Enquanto minha mãe falara para eu ser gentil e fazer novas amizades.
Essa preocupação dos meus pais às vezes era necessária, mas muitas vezes era exagerada. Entendo que eles querem o melhor para mim e isso faz com que eu os ame ainda mais, porém tem momentos que eles conseguem ser demais.
Comecei a caminhar em direção à porta principal e olhei ao redor. Garotos saindo de carros, grupos e mais grupos de garotas rindo e falando alto, professores caminhando apressadamente… era essa atmosfera que me cercava naquele momento e eu já me sentia completamente perdida.
Papai havia comentado que uma mulher chamada Susan Clark – diretora da escola – iria estar na porta principal me esperando. Continuei caminhando e realmente havia uma senhora parada na escadaria que havia em frente à porta. Seus cabelos eram curtos, batendo no pescoço e havia algumas mechas grisalhas, que a deixava com um ar sério e elegante ao mesmo tempo.
— Senhorita null? – a mulher perguntou e eu acenei com a cabeça. – Seja bem-vinda à nossa escola.
— Muito obrigada, mrs. Clark. – respondi com um sorriso.
— Me acompanhe. – ela disse e eu a segui. A escola era bem maior do que a que eu estudava em Vancouver. As cores vermelha e branca com certeza eram as cores do local e harmonizava muito com a energia que vinha dele.
Logo ao passarmos pela portaria principal, haviam três longos corredores: um no lado direito e um no esquerdo, o outro à frente, como uma reta. Haviam placas direcionando os locais e suspirei aliviada, pois talvez isso tornasse minha adaptação um pouco mais fácil.
A diretora Clark virou à esquerda e seguiu reto. Pelo que a placa mostrara na entrada, esse era o caminho para a diretoria e toda a parte docente, também era onde tinha a enfermaria. Gostei desse lugar, aparentemente é bem organizado, pensei. Mrs. Clark parou em frente à uma porta com uma placa escrito secretaria e abriu logo em seguida.
Haviam duas mesas à esquerda e uma maior a direita e em todas haviam mulheres sentadas. A diretora caminhou em direção a mesa à direita, onde uma mulher na casa dos quarenta anos estava digitando rapidamente em um computador.
— Com licença, senhorita Johnson. Essa é null null, nossa aluna transferida do Canadá. – anunciou a diretora, fazendo com que a outra tirasse os olhos da tela e me olhasse com curiosidade.
— Prazer, senhorita null. Seja bem-vinda à Lincoln High School.
— O prazer é meu e obrigada! – respondi.
— Bom, null. Lily te entregará sua grade de horários de acordo com as escolhas que seus pais nos passaram. – a diretora disse, enquanto Lily me entregava os horários.
Química II era o primeiro horário, também terei Literatura Inglesa I, Álgebra II e Economia e os dois últimos tempos é de Música, li com meus pensamentos.
— Obrigada, senhorita Lily. – eu falei.
A diretora fez um gesto e me chamou para sairmos. Me despedi de Lily e acompanhei Mrs. Clark, que agora caminhava em passos mais rápidos.
— Desculpa a pressa, null. Tenho uma reunião daqui há pouco e o sinal já tocou, não quero que você perca aula. – ela começou a falar. – Lily também te entregou um folheto com um mapa, explicando cada sala que temos aqui. Espero que você goste do Lincoln, tenho certeza que terá um ano letivo proveitoso. – a mulher parou em frente à uma sala onde tinha uma placa escrito Química II. Bateu na porta e logo em seguida abriu.
Passei os olhos por toda a sala, um pouco nervosa, já que tudo era muito novo, incluindo todos os rostos que me encaravam de volta. Voltei minha atenção para a diretora, que agora falava com um homem, cuja idade deveria ser por volta dos cinquenta anos.
— Mr. James, essa é a aluna novata que falei na reunião. null null, da 11th grade.
— Seja muito bem-vinda, senhorita null. – disse o professor e fez um gesto para que eu entrasse. A diretora Clark saiu, me deixando naquela sala cheia de estranhos. — Por favor, null, apresente-se.
— Olá, bom dia à todos. – iniciei um pouco nervosa e com a voz um pouco trêmula. Pigarreei, tentando tirar o tremor e o nervosismo de minha voz. — Meu nome é null null e vim transferida do Canadá.
— Bem-vinda! – um coro uníssono respondeu e eu apenas sorri timidamente.
— Senhorita null, pode sentar ao lado da senhorita Ross. Pode fazer dupla com ela durante as aulas de laboratório.
Mr. James apontou para uma garota loira de olhos esverdeados que sorria largamente enquanto eu caminhava em sua direção. Quando me aproximei, ela afastou seus pertences para que eu colocasse os meus ali.
— Olá! Prazer, sou Hazel Ross e a pessoa mais maneira desse lugar! – ela disse extremamente animada, me fazendo dar uma risada.
— Até a novata riu achando que é piada, Ross. – minha atenção desviou para a voz que falara com acidez e escárnio. Um garoto com cabelos escuros, desgrenhados e olhos tão escuros quanto os cabelos, sorria de lado e identifiquei como um sorriso totalmente irônico.
— Cala a boca, null! Não se mete onde não foi citado. – a garota retrucou, mas logo voltou a sua atenção para mim. – Então…
— Ah, desculpe! Meu nome é null null, como disse, mas pode me chamar de null.
— Por que você veio morar aqui? – perguntou Hazel, claramente curiosa. Ela era bem direta e eu sorri, pois a garota parecia ser bem legal.
— Senhorita Ross, peço encarecidamente que você preste atenção na aula e deixe a novata prestar atenção também. – disse o professor e um coro de gritos ecoou na sala. – Silêncio! Prestem atenção!
— No intervalo quero saber tudo sobre você, tá? – Hazel sussurrou e eu assenti.
Nesse primeiro momento, tínhamos duas aulas seguidas de Química II, sendo que a primeira era voltada para teoria e a segunda era prática laboratorial. Apesar de não gostar muito dessa matéria, até que foi divertido, pois Hazel com certeza deixava as coisas melhores.
O sinal tocou, nos alertando que o fim da aula chegou e agora teríamos o intervalo do lanche. Apesar de saber que havia uma cantina, eu trouxera meu lanche de casa, pois não gosto muito de comidas industrializadas e eu sabia que boa parte do lanche oferecido era.
Estava caminhando em direção à porta quando uma mão puxou meu braço. Era Hazel, que agora tentava correr e me puxava ao mesmo tempo. Não sabia para onde a garota estava me levando, mas descobri assim que passamos pelas enormes portas do refeitório.
O local era bem grande, coberto de diversas mesas por todo o local. No lado esquerdo ficava a cantina – onde podíamos comprar – e do lado ficava o refeitório. Hazel continuou me puxando e percebi que era em direção à cantina.
— Não tem quem faça eu comer a comida daqui. Vem, vamos comprar algo! – a garota disse e a segui. Chegando no balcão, Hazel olhava avidamente para as opções. Seu olhar desviou para o meu e percebi sua testa franzir. – Você não vai escolher?
— Eu trouxe. – respondi e levantei minha bolsa térmica. Ela apenas balançou a cabeça e escolheu duas fatias de pizza e um copo de refrigerante.
Após pagar, Hazel me chamou e eu continuei em seu encalço. Ela parou em frente à uma mesa mais ao fundo, onde três garotos estavam sentados e eu pude reconhecer um deles.
— E aí, feiosos! – Hazel disse, sentando-se logo em seguida.
Eu continuei parada, mas a garota balançou a mão e indicou o lugar ao seu lado. Me sentei e percebi que estava de frente para o rosto não tão desconhecido.
— Essa é a null null, veio do Canadá.
— E aí! – dois dos três falaram uníssono.
— Por favor, não sejam esquisitos e assustem a garota no primeiro dia de aula dela. – Hazel falou, me fazendo soltar uma risada fraca. – Esses são Nicholas, meu irmão, Nathan e null. Mas, o null você conheceu já.
— Então, null… – começou o garoto que eu acreditava ser Nicholas, já que era bastante parecido com Hazel.
— Quem disse que eu a conheci? – retrucou null. – Só a vi na sala.
— Deixa de ser azedo, null. – respondeu Hazel e revirou os olhos.
— Então, como eu ia dizendo, null… O que a trouxe a esse fim de mundo? – perguntou Nicholas com curiosidade.
— Meu pai recebeu uma promoção e tivemos que nos mudar. – comecei. – Ah, pode me chamar de null. Nicholas, né?
— Sim e já que é assim, pode me chamar de Nick e o meu amigo aqui, pode chamar de Nate.
— Você curte rock, null? – perguntou Nate.
— Na verdade, não.
— E o que você curte, então? – Perguntou Hazel. – Pop, kpop?
— Não. Vocês não entenderiam. – falei baixo. Senti um par de olhos me fitando. Era null que me olhava com uma expressão que não pude descrever o que era.
— Tenta. – disse Nick. – Estamos perguntando, pois temos uma banda de rock chamada Wrath.
— Que bacana!
Eu estava sendo sincera. Apesar de tudo, música é uma das melhores coisas que existe.
— O que é isso no seu ouvido? Alguma espécie de fone novo? – perguntou ).
— Meu Deus! Era isso que eu tava falando quando falei para não serem esquisitos. – disse Hazel. – Vocês são da polícia ou jornalista para encherem a garota de perguntas?
— Tudo bem, Hazel. – falei e me virei, voltando meu olhar para null. – Não, null. Não é um fone moderno. É um implante coclear e eu uso, pois perdi boa parte da audição quando criança, ou seja, eu sou surda.
— Maneiro! – Nick e Nate disseram uníssono.
— Então, respondendo a outra pergunta… Eu prefiro músicas clássicas e gospel, pois sou cristã protestante. – falei sorrindo, passando os olhos pelos garotos, até que o olhar de null me chamou a atenção. Dessa vez seus olhos não estavam indecifráveis, mas passava uma sensação ruim… Raiva? Ódio?
— Bem que notei algo ruim.
_____________________________________________________________________
¹CCC-SLP: Certificate of Clinical Competence in Speech-Language Pathology. É um certificado profissional concedida pela American Speech-Language-Hearing Association (ASHA) para fonoaudiólogos nos Estados Unidos.
²ASHA: American Speech-Language-Hearing Association é a principal organização profissional para fonoaudiólogos e audiologistas nos Estados Unidos.
Capítulo Dois: Encontros Desagradáveis
Detroit, MI
Agosto, 2023.
Desde o momento em que o despertador, que fica ao lado da minha cama, tocou eu sabia que teria um dia de merda. Ainda grogue de sono, bati no objeto com intuito de desligar e parar com aquele barulho infernal, mas para o meu azar, minha mão bateu no meu celular, fazendo com que o mesmo caísse com a tela virada para o chão e eu sabia que havia trincado antes mesmo de apanhá-lo do chão.
Conferi o estrago feito e me virei para tomar um banho e tentar tirar o peso do estresse, quando bati o mindinho no pé da cama, que me fez soltar um grunhido. Mas que porra!, pensei.
E tudo só piorou quando cheguei no inferno chamado Lincoln High School e tive que aguentar a aula chata de Química II, além do falatório incansável de Hazel Ross com a novata, transferida do Canadá.
E por falar nela, já não fui com a cara dela. Tá, sei que não sou lá a pessoa mais sociável e que devo odiar 99% das pessoas ao meu redor, porém algo no semblante de boa moça que emanava dela me enojava um pouco.
É que eu não aguento a hipocrisia das pessoas quando tentam, a todo custo, passar uma visão daquilo que elas não são, principalmente aqueles que querem demonstrar ser bons demais, amigáveis demais, simpatia demais.
E era isso que null null mais emanava. Doçura demais e uma grande máscara de garota boazinha demais.
O som do sinal, avisando que o intervalo chegara, tocou e eu corri para o refeitório para encontrar meus amigos e companheiros de banda. Comprei qualquer coisa na cantina, apenas para fazer com que meus dentes trabalhassem junto com a minha mandíbula e me sentei junto com Nate e Nick.
— Você viu Hazel? – Nick perguntou pela irmã caçula.
— Não, mas deve estar por aí com a nova mascote dela. – respondi dando de ombros. Nate e Nick se entreolharam e me encararam, mas antes que eu pudesse explicar, uma voz estridente soou nos meus ouvidos.
— E aí, feiosos! – a caçula da família Ross disse e sentou-se, enquanto a outra continuou em pé. Hazel fez um gesto para a garota sentar ao seu lado. – Essa é null null, veio do Canadá.
Enquanto os demais puxavam um papo com a garota, enquanto eu apenas observava tudo calado. Fitei a garota, que respondia às perguntas com um sorriso um tanto tímido. Ela afastou o cabelo dos olhos, colocando-o atrás da orelha e um objeto me chamou atenção.
— O que é isso no seu ouvido? Alguma espécie de fone novo? – perguntei, mas imaginava o que poderia ser.
— Meu Deus! Era isso que eu tava falando quando falei para não serem esquisitos. – disse Hazel. – Vocês são da polícia ou jornalista para encherem a garota de perguntas?
— Tudo bem, Hazel. – falei e me virei, voltando meu olhar para null. – Não, null. Não é um fone moderno. É um implante coclear e eu uso, pois perdi boa parte da audição quando criança, ou seja, eu sou surda.
O que saiu dos lábios dela a seguir não me agradou nenhum pouco e que me fez entender o motivo de não ter ido com a cara de null null:
— Então, respondendo a outra pergunta… Eu prefiro músicas clássicas e gospel, pois sou cristã protestante.
Senti um êmbolo na garganta se formando e parecia que eu vomitaria a qualquer momento. Como não notei isso, sendo que ela deu todas as características desde o início?, me perguntei.
— Bem que notei algo ruim. – as palavras saíram sem que eu percebesse e null me olhou com uma cara sem entender nada. Sua boca se abriu e acredito que ela iria perguntar o que eu queria dizer com isso, mas antes que ela pudesse dizer algo, Hazel falou:
— Não começa, null. – ela disse entredentes. Poucas vezes Hazel falava sem ironias e brincadeiras e eu sabia exatamente que esse era um desses momentos.
— Começar com o quê? – perguntei dando de ombros. – Saiu sem querer.
— Eu te conheço há mais de dez anos, null. Não me trata como uma idiota.
— Porra, não comecem com isso aqui, não. – Disse Nate. Meus olhos foram de encontro aos dele, entretanto rapidamente voltei minha atenção para as duas sentadas à minha frente. null continuava com a expressão de que não entendia nada.
— Por favor, null e minha irmãzinha que não pode ver uma treta. Me ajudem. – Nick comentou.
— Gente, não estou entendendo nada. Alguém pode me explicar? – null finalmente falou e era essa pergunta que eu esperava. Sorri de lado e pude ver a expressão de desgosto no rosto da pequena Ross, que sabia o que eu responderia.
— É que eu não suporto gente hipócrita que se esconde atrás de religião, baby.
— Você nem me conhece.
— E nem quero conhecer.
— null, para! Seu showzinho já deu por hoje. – Hazel se intrometeu.
— Uau, Ross. Mal conhece a garota e já está defendendo? Ela já sabe? – perguntei. Hazel ficou em silêncio e isso bastava para mim.
— O que é que eu preciso saber? – perguntou null, fazendo com que eu desviasse a atenção para ela.
— É que sua nova amiga…
— null null, não se meta! — Disse Hazel, firme, mas não dei atenção. Continuei olhando no fundo dos olhos de null null e disse suavemente:
— Hazel Ross é bi.
— Qual o problema? – perguntou, com uma expressão de dúvida no rosto.
— E você não se importa? – null me olhou como se eu fosse um extraterrestre.
— Por qual motivo eu me importaria com quem outra pessoa se relaciona ou deixa de se relacionar? – ela questionou e antes que eu pudesse respondê-la, continuou: – Você é doido, é? – meus amigos riram. Exatamente isso que aconteceu.
Virei piada por parte dos meus amigos, enquanto essa crentezinha zomba de mim. Realmente, como diz esse povo, o mundo está se acabando, é o apocalipse. Respirei fundo. Passei os olhos por meus amigos até notar que Nick me encarava profundamente e eu conhecia aquele olhar. Sabia que era um pedido para cessar aquela discussão, pois ele sabia o que poderia vir a seguir.
Nicholas Ross era meu melhor amigo desde… sempre. A real é que, desde que eu me lembro, nós somos amigos e se existe alguém que me conhece melhor do que eu mesmo, esse alguém é ele. Nick sabia o que viria e seu olhar suplicava que eu não continuasse. Contudo, era mais forte do que eu. Não conseguiria parar até vê-la implorando para que assim eu fizesse.
Talvez possam pensar que eu estou exagerando já que não a conheço, não sabia nada além do seu nome e que era canadense. Que talvez eu seja um babaca sem noção e que estava pegando pesado com uma garota que, aparentemente, é educada, boa moça e gentil, mas eu posso ler entrelinhas. Posso ver além do que as aparências não transcendem.
Por trás desse lado mocinha, gentil e educada, que mostra como é reta e íntegra, que segue fielmente os caminhos de Deus, que em a bíblia como um mantra, tem sempre, sempre uma hipocrisia, egoísmo e preconceito disfarçados de: “por que a bíblia diz que é assim”, “ah, mas na bíblia isso é pecado”. Pessoas que fazem coisas que - para eles - são erradas e culpam o diabo por isso.
É exatamente por esses motivos que eu não sinto remorso ou qualquer tipo de arrependimento quando digo e tenho atitudes como as que eu estou tendo agora. É por isso que ignorei o olhar do meu melhor amigo e respondi:
— Uau, senhorita null! Pensei que seu livro de fantasia sagrado e o seu deus desaprovassem esse tipo de coisa. Acho que é a primeira vez que vejo uma crente não tão crente assim. – olhei para os meus amigos que me olhavam em desaprovação. – Vocês não, galera? – percebi pela visão periférica que Hazel estava com os punhos cerrados e o peito estufado, pronto para me dar uma resposta recheada das palavras mais horrendas possíveis. Sorri.
— Eu não sou Deus, null. E nem você é o dono da verdade absoluta. Você é só um idiota metido a sabe tudo, mas não sabe de nada. – eu dei uma gargalhada. A garota levantou-se. – Tenho pena de você, null null. Você acha que me atinge falando mal de Deus para mim ou usando esse humor ácido, mas a única coisa que sinto é pena. – null pegou a mochila e olhou para Hazel. – Hazel, estou indo. Não sou bem-vinda no seu grupo e, talvez, eu nem queira ser. Obrigada pelo almoço. Você tem meu número, me liga.
— Ei, gatinha! Volta aqui, estava tão divertido! – Disse rindo, mas meu corpo tremia de raiva.
Quem essa garota pensa que é para dizer que tem pena de mim? Dispenso a pena ou qualquer coisa que venha da corja da qual ela faz parte.
— null, você passou dos limites. – Nathan disse.
— E desde quando ele conhece a palavra limites, Nate? – agora foi a Hazel. Qual é? Meus amigos ficaram contra mim mesmo?
— Você vacilou, bro. Sempre fico do seu lado, porque também não suporto a hipocrisia de cristãos como o santo Gabriel de Literatura Inglesa, mas você nem conhece a novata. – Nick começou o sermão dele, estava demorando. – Aliás, nenhum de nós conhecemos. A única pessoa que teve um contato maior com ela foi Hazel e ainda sim não pode falar do caráter da garota, ainda é cedo.
— Não preciso conhecer para saber. Sinto cheiro de gente hipócrita de longe. Vocês sabem como é esse tipo de gente.
— null não é assim. – disse Hazel num sussurro.
— null?
— É, null. null. É o apelido dela. – deu de ombros e apenas acenei com a cabeça.
— Você não a conhece para dizer que ela não é assim, Ross.
— Você também não. Não pode chegar e simplesmente vomitar palavras estúpidas em cima de uma pessoa que você não trocou nem meia dúzia de palavras, null. – Nick disse.
— Me dói dizer isso, do fundo da minha alma, mas meu irmão está certo. Você não pode viver de suposições e achar que é o dono da verdade, como ela disse agora a pouco. – Hazel respirou antes de continuar. – Todos aqui respeitam seus sentimentos e sua crença, ou melhor descrença. Porém, nem todo cristão é igual. Porra, tem muita gente canalha na minha religião, na verdade, em qualquer uma. Aliás, tem gente ruim, hipócrita em todos os lugares, incluindo no meio ateu.
— Eu sei. – concordei baixo.
— Se sabe, deixa de ser babaca e não se iguale a esse povo. – já ia protestar, quando Hazel levantou a mão, impedindo. – É, null null, talvez seja difícil de perceber, mas agindo assim, você se iguala a esse tipo de gente que não respeita o outro.
O melhor momento da semana eram os dias em que tínhamos ensaio após as aulas, principalmente quando esse dia era sexta-feira. Infelizmente, não era sexta, mas tinha ensaio, então isso fazia com que o meu humor melhorasse 100%.
Apesar do que acontecera mais cedo no refeitório, minha mente logo lembrou que haveria ensaio e isso me deixou animado.
Nós teríamos um show no Millian Club daqui umas semanas e estávamos fazendo os últimos ajustes para que tudo ocorresse bem e da melhor maneira possível.
Dizer que a Wrath surgiu por acaso pode soar um tanto clichê, mas foi o que aconteceu. Eu sempre gostei de instrumentos musicais e todos que eu toco – piano, violão, baixo, bateria, saxofone e guitarra, o último sendo minha grande paixão –, aprendi sozinho, apenas com o desejo de tirar algum som.
Nate e Nick são meus maiores amigos, sendo que Nick é meu amigo desde que me entendo por gente. Nate morava na Califórnia e mudou-se para cá há uns anos e desde que nos trombamos, viramos amigos.
Ele aprendeu a tocar violão ainda quando usava fraldas – segundo ele –e, com isso e o estímulo de seu pai que é o maior fã de rock que eu conheço, ele aprendeu a tocar outros instrumentos até chegar no baixo, seu instrumento favorito.
Nick não era muito ligado a instrumentos, mas sempre gostou muito de música, mas entrou na minha onda porque sempre quis formar uma banda e juntei o útil ao agradável ao dizer para ele que bateristas eram conhecidos por pegar muitas gostosas por aí. Resultado: na semana seguinte meu amigo apareceu com uma bateria e um professor. Digo que ele nasceu para a bateria, já que em pouco tempo já estava mandando um som maneiro.
A única que realmente caiu de paraquedas foi Hazel. É a irmã mais nova de Nick e sempre convivi com ela, já que eu só andava grudado no meu amigo e a Ross mais nova sempre estava junto.
Porém, só trocávamos poucas ideias, até que em um feriado, nossas famílias se juntaram e viajamos. Enquanto dedilhava no meu violão uma música do Paramore, Hazel, apenas brincando, começou a cantar, o que surpreendeu a todos nós. Já tirávamos um som nós quatro, apenas por diversão, já que não tínhamos um vocal. Porém, naquele momento, minha mente se iluminou e pensei que daríamos uma banda maneira.
Por sorte, Hazel achou bacana fazer parte de uma banda e assim, começamos. A princípio, só era um som por diversão e por isso, não nos preocupamos com nomes. Mas então, Hazel gravou um story do nosso ensaio e apareceram pessoas querendo nos pagar para tocar em bares, pubs e então começamos a pensar em um nome, até chegamos ao Wrath, que significa ira, algo forte.
Então, começamos aos poucos e agora, quase todos os finais de semana estamos tocando e ganhando uma grana. E assim, tem sido há mais de um ano. E eu amo o que temos agora.
Continua...
Nota da autora: Essa história é algo que eu sonho há dois anos. Finalmente tive coragem de começar a escrever e postar. Espero que gostem!
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