Capítulo I
Seoul, 3 de janeiro de 2017.
Maquiagem? Ok.
Cabelo? Ok.
Uniforme? Ok.
Fone de comunicação? Ok.
Crachá de identificação? Com uma foto engomadinha, mas ok.
Celular? Ok.
Tablet com o cronograma? Ok.
Então, oficialmente, eu tinha um emprego. Um emprego importante, um emprego que eu não poderia abrir mão. Eu precisava da grana, precisava me virar para pagar as contas. Já não tinha mais molezinha da bolsa de estudos, nem casa e comida gostosa sendo garantido pela minha família. Mesmo tendo descendência coreana, precisava entender que a vida era bem diferente do outro lado do mundo; a cultura, principalmente.
E eu, como uma bela desbravadora de caminhos e limites, destemida como sempre, me vi tremer na base quando a realidade bateu na minha cara; por mais que minha profissão exigisse deslocamentos diversos, eu estava residindo em outro lugar, completamente diferente do qual estava acostumada, tendo que aprender na marra tudo aquilo que um dia foram só contos da vovó Kang.
Eu estava imersa em meus pensamentos, mordendo o canto do lábio inferior – uma mania terrível, eu sei – quando senti meu celular vibrar. Puxei o outro fone que estava plugado no aparelho e atendi sem ver quem era.
— Alô?
— Como assim alô? Não reconhece a ligação da sua melhor amiga? — Eu sorri com o drama de . Aquilo era tão típico dela.
— Eu nem olhei o visor. Estou esperando a chegada dos meninos e estou quase correndo de volta para casa, de tão nervosa! — Fui sincera, falando em português mesmo, e ouvi a risada de soar do outro lado da linha. Percebi que o outro staff ao meu lado me encarou com a sobrancelha erguida, provavelmente estranhando a língua e meus traços não tão orientais.
— Você vai tirar de letra, garota. Relaxa, sério. Ontem foi uma correria só, não consegui te ligar com antecedência. Então, estou só entrando em contato para te desejar toda sorte do mundo.
Sorri com aquela fala; conseguia me dar calma nos momentos mais inusitados, e era ótimo tê-la comigo num lugar tão diferente do meu – ainda que fosse numa distância de, literalmente, meio mundo.
— Você sabe exatamente o que dizer, amiga. Obrigada pelo carinho de sempre, imagino que você esteja caindo de sono para me ligar às... Uma e cinco da manhã.
— Ah, pode crer que sim! Preciso estar de pé em algumas horas, mas precisava falar com você. Estou com saudades de ti! — Eu ri da sua voz sôfrega.
— Eu também, lindeza. Mal espero para você vir me visitar nas férias.
— Estou trabalhando duro para isso!
— , Fighting! — Eu imitei a típica frase que os idols diziam para si, relembrando quantos vídeos daqueles eu e minha amiga vimos juntas. Ela riu e agradeceu o apoio.
— Pessoal, a seus postos! Os rapazes estão chegando em cinco minutos! — a coordenadora da equipe avisou pelo outro fone e eu me aprontei em desligar.
— Amiga, preciso ir. Eles estão chegando... Nem acredito! — comentei nervosa e ela deu uma risadinha.
— Já deu tudo certo! Quebre a perna, merda para você e eu te amo.
— Apesar de não estarmos no teatro, merda para nós! Eu também te amo, amiga.
— Arrasa, Gengibre! — ela disse antes de desligar e eu rolei os olhos. Aquela piada com meu sobrenome duraria para sempre.
— Quatro minutos! — a coordenadora tornou a falar, e todos se ajeitaram um do lado do outro. Olhei para os lados, procurando a atrasilda, quando ela apareceu bem na minha direita, esbaforida.
— Puta merda, você quer me infartar? Achei que não chegaria a tempo!
— Eu estava colocando a lente, mas essa merda estava ao contrário! Tive que fazer tudo de novo, retocar maquiagem, aí já viu! — ela explicou enquanto ajeitava a blusa dentro da calça, posicionando o crachá para o lado certo, com sua foto em destaque. — Como eu tô?
— Linda como qualquer membro da família Kang.
— Exceto pelo tio Shin Woo — ela disse e eu gargalhei, sendo cortada pela coordenadora.
— Três minutos! — Eu respirei fundo e segurei o tablet com mais firmeza em minhas mãos.
— Você sabe que só tenho a te agradecer, né? — perguntei retoricamente, e minha prima deu uma risadinha — É sério! Só estou aqui por sua causa. Literalmente — pontuei, lembrando que a indicação para vaga de emprego havia sido feita por ela, e graças à sua atitude estava empregada num país distante de casa, com a única parente que tinha mais conhecimento “de campo” do que eu. Hyun-mee era como minha veterana na área, e estava sendo, em grande parte do tempo, a âncora que me mantinha em terra; nos fortalecíamos enquanto enfrentávamos os perrengues diversos de morar num outro lugar. E agora, mais do que nunca, sem ajuda de custo nenhuma; era realmente nós por nós. Minha prima deu um peteleco na minha cabeça, me acordando do devaneio momentâneo.
— Não tem o que agradecer, só não faça nenhuma merda e vai tudo ficar bem. Você vai ver, é mais tranquilo do que parece. É corrido? Sim. Tem que ter atenção? Pra caramba. Mas você é qualificada; estudou na Seoul National University, teve bolsa da NIIED, manteve o rendimento altão mesmo trabalhando na SM Enterteiment e simplesmente arrasou no TOEIC. Sabe exatamente o que vai acontecer por aqui, não há nada que você não tenha visto, feito ou estudado... Então para ser sincera, não sei porque está tão nervosa...
— Porque não é mais estágio, Hyun-mee. É meu primeiro emprego de verdade e, mesmo tendo descendência coreana, nitidamente não sou bem vinda aqui. — Olhei ao redor e recebi alguns olhares mal encarados, e suspirei em frustração. Minha prima tinha mais traços orientais que eu, mas deveria ter passado pela mesma situação quando entrou como staff na Big Hit.
— Uma hora você se acostuma. É só um bando de pau no cu que acha que a gente é verme e não merece estar aqui. Mas merecemos. — Ela me olhou com um sorriso no rosto e eu suspirei. — Vai ficar tudo bem, você vai ver. E finalmente vamos ter mais condições depois de tanto trabalho duro.
— Tomara, Hyun-mee — respondi aflita, pensando no quarto e sala que dividíamos no centro da cidade. — Mas o quê...?
— Dois minutos! — A gritaria do lado de fora começou a se aproximar e eu encarei minha prima com a sobrancelha arqueada.
— Ah, está começando. Uma hora você se acostuma. Eles estão chegando! — ela explicou divertida e eu senti as palmas das mãos suarem.
— Eu nunca peguei um trampo desses, com pessoas tão famosas — falei baixinho, sentindo o frio na barriga.
— Calma! Só mantém a calma, vai ficar tudo bem. Agora se concentra e tenta me acompanhar, ok?
— Tá. Te amo — respondi no automático e ela riu.
— Eu também.
— Um minuto!
Eu ajeitei a postura, verifiquei novamente todos os acessórios necessários para realizar meu trabalho, e respirei ansiosa. Contei exatamente 37 segundos até que um carro atravessou o portão automático. Inúmeros homens faziam a segurança do local, se dividindo entre o portão e a recepção do enorme SUV preto que estacionava diante de nós.
E então, a porta se abriu, e por ela, um por um saiu. J-Hope, Suga, RM, V, Jin, Jimin e... Jungkook.
Os coreanos passaram na minha frente e eu poderia jurar que eles levitavam, de tão graciosos que eram. Precisei piscar algumas vezes e manter a minha compostura – mesmo lidando com situações similares na SM, eu jamais imaginaria que, após tanto trabalho, teria uma chance como aquela.
Acordei dos meus sonhos quando minha prima cumprimentou um por um, enquanto passavam por ela, entrando no prédio. Repeti suas ações mecanicamente, mordendo o canto do lábio esquerdo, tentando conter a manada de elefantes dentro do estômago.
Fui seguindo os passos de Hyun-mee, sentindo diferentes cheiros no ar – os perfumes dos meninos misturados, e céus, como aquelas criaturas cheiravam bem! Dei uma leve verificada se meu perfume estava em dia – não tanto quanto os deles – e acabei trombando a cara nas costas de alguém, sendo pega no flagra. Imagina a situação: eu cheirando a gola da minha blusa quando Jin se virava para mim, depois de ter dado um passo acidental para frente por minha causa.
Merda.
— Perdão, perdão, perdão! — exclamei, fazendo reverência e me chutando mentalmente. Percebi Hyun-mee prendendo o riso enquanto Jimin riu, imitando meus gestos nervosos e Jin apenas me encarando.
— Ela é nova aqui? — ele perguntou com a cara fechada e eu o encarei com os olhos arregalados, confirmando sua pergunta com um leve balançar de cabeça.
— Xii... — Nanjoom comentou e J-Hope riu da minha cara desesperada.
— Sinto muito, mas isso é inadmissível. Está despedida. — Jin comentou e eu jurei sentir o mundo esvair dos meus pés. Caralho, como assim!?
— Q-Que? — eu deixei escapar, com a boca aberta. Eu senti a respiração faltar e o canto dos olhos começaram a arder. Já não aguentava aquele olhar de reprovação, quando de repente a feição endurecida se desfez e o Worldwide Handsome começou a gargalhar.
Gar-ga-lhar.
Pouco a pouco, os meninos se juntaram nas risadas e até mesmo Hyun-mee riu de mim. Eu ainda estava de boca aberta quando RM se pronunciou.
— Regra número um, novata: Jamais dê confiança pra esse cara aqui. Ele é terrível. — E riu da cara de pau que Jin fez, dando de ombros.
Eu olhei de um para o outro, fechando aos poucos minha boca. Respirei fundo, um pouco aliviada, e sorri sem mostrar os dentes, dando um leve aceno.
— Anotado — respondi, tentando esconder a minha raiva daquele garoto. Eu estava esmagando meu tablet nas mãos quando os meninos voltaram a andar, e eu me pus logo atrás de Hyun-mee.
— Disfarça essa cara... — ela cantarolou baixo, em português, e eu sorri com os dentes trincados.
— Eu vou enfiar esse tablet onde o sol não bate, nesse garoto.
Ela prendeu o riso, fingindo que espirrava, e eu umedeci os lábios, respirando fundo e voltando ao meu normal. Eu quase pari um filho de nervosismo, mas já estava ali, sendo apresentada para uma das maiores boybands do momento, realizando um sonho.
Ainda que quisesse encher o mais velho de porrada.
Quer dizer, em um outro momento eu teria me escangalhado de rir, é fato. Mas ali, naquela tensão toda, eu só tentava disfarçar a raivinha que estava sentindo em meu coração. Eu não precisava de um teste surpresa para saber se meu coração estava com os batimentos em dia, sabe?
Entramos para o camarim, a coordenadora recebeu os meninos com uma gentileza incomum e os acomodou, indicando os aposentos e benefícios ali presentes. O local tinha comida das mais diversas, um toalete maior do que a minha casa, e uma área de maquiagem que nem a mais top das blogueirinhas que eu seguia no Instagram deveriam ter.
Realmente, Big Hit era outro negócio.
Hyun-mee começou a distribuir águas e me instruiu a fazer o mesmo, sempre perguntando aos meninos se havia algo que pudesse ser feito por eles.
Eu estava entregando uma água para Jimin quando ele cordialmente me cumprimentou.
— Seja bem-vinda... ? — Ele olhou meu crachá com a sobrancelha erguida. Eu sorri tímida, achando graça na tentativa de falar meu nome com o sotaque carregado. Era engraçado.
— Obrigada, Jimin. — Fiz uma rápida e curta reverência, e ele deu o típico sorriso dos olhos – aqueles que praticamente se fecham, passando uma sensação adorável e alegre.
— Por favor, não ligue pro Jin, ele é apenas um bobo. Só não é pior que o Jungkook!
— Pior que quem? — Ouvi uma voz soar atrás de mim e virei meu tronco, com um sorriso amarelo, cumprimentando-o.
— Deseja uma água, Jungkook? — Ofereci com a minha melhor face de “não escute seu amigo e por favor seja legal no meu primeiro dia de trabalho”.
Ele olhou para a garrafa na minha mão, olhou para mim e sorriu.
— Vou aceitar! Obrigado... Hm. Ok, talvez esse não seja o nome mais fácil do mundo. — Ele disse mais para si mesmo enquanto analisava meu crachá. Eu soltei o ar como quem prende uma risada e dei de ombros.
— Eu imagino que não. Me chamo — expliquei ao mencionar meu nome vagarosamente, e ele tentou repetir, com a língua dando uma leve enrolada no final.
— ? — Eu dei uma risadinha e concordei com ele, e entreguei a garrafa.
— Há algo mais em que eu possa ser útil? — tornei a perguntar, olhando para ele, Jimin, e agora V, que se sentava ao lado do amigo no sofá.
— V, conheça nossa nova staff! ! — Jungkook disse animadamente e eu sorri sem graça para o rapaz, que deu um leve aceno com a cabeça.
— Prazer em conhecê-lo, V — falei ao mover rapidamente meu tronco em cumprimento, e ele deu um sorriso simpático.
— Igualmente.
— Aceita uma água, um chá gelado ou algum outro tipo de bebida? — perguntei para o Mr. Lindo, confirmando que seu apelido tinha tudo a ver consigo, e ele negou com gentileza.
— Não, obrigado.
— Por que você ofereceu chá gelado só para ele? — Jungkook perguntou com um bico nos lábios e eu fiz uma cara de culpada, dando um tapa na própria testa.
— N-não por isso! Foi só forma de falar, então por favor! O que eu puder fazer por vocês, me comuniquem! Você aceita um chá gelado? Eu posso... — falava rápido demais quando fui interrompida pela risada do caçula. Entendi que aquilo era mais uma brincadeira e suspirei com um meio sorriso no rosto, enquanto Jimin sorria para mim, dando de ombros.
— Eu disse que ele era pior que o Jin, percebe?
Eu sorri sem graça e olhei em volta, vendo que todos os meninos estavam confortáveis e amparados. Olhei para o tablet e procurei Hyun-mee com o olhar, que estava recebendo ordens da coordenadora. Em atos graciosos e precisos, minha prima chamou um por um até termos todos reunidos no meio da sala. A coordenadora sorriu amigavelmente e iniciou sua fala.
— Rapazes, estamos começando mais uma turnê e eu não poderia deixar de dizer algumas palavras. Acompanho vocês há tempo o suficiente para saber que são meninos dedicados e que dão o melhor de si para que tudo fique perfeito. Sabemos que imprevistos podem acontecer e podemos errar, mas não estamos focando nisso, e sim no quanto podemos ser incríveis o suficiente para acompanharmos o ritmo do BTS. Deste modo, gostaria de agradecer a oportunidade de crescer e ampliar os aprendizados e desejar todo o sucesso do mundo nessa nova etapa! — Hye-jun se manifestou com graciosidade, e fiquei refletindo sobre como ela falava com tanta eloquência e firmeza... Não era à toa que coordenava a equipe com habilidade e fluidez.
— Percebo que já conheceram nossa nova staff, ? — Ela se virou para mim e, com a palma aberta na direção dos meninos, prosseguiu. — Gostaria de se apresentar?
Eu umedeci os lábios e respirei fundo, dando um sorriso aberto e gentil.
— Obrigada pela acolhida, pessoal. É um prazer poder trabalhar com vocês e mal posso esperar para o começo dessa turnê. Sei que vocês têm trabalhado duro há anos e bem, fico feliz em fazer parte, ainda que minimamente, de tudo isso que vocês constroem com tanto afinco. — Fui sincera, olhando nos olhos de cada um. Eu não queria parecer uma puxa-saco, mas senti que precisava externar as coisas que sentia, com toda elegância e pontualidade que o trabalho permitia e exigia.
RM tomou a frente da fala e, como líder, se pronunciou por todos ali.
— Obrigado pelas palavras, . Obrigada também, Hye-jun. É muito bom trabalhar com pessoas que de alguma maneira conhecem a nossa história. — Um sorriso bobo apareceu no meu rosto ao perceber que RM pronunciou meu nome com mais facilidade. Poderia ser apenas um detalhe, mas eu achava o máximo que ele se importasse com isso a ponto de tentar reproduzir com dedicação, mesmo eu sendo apenas uma staff.
— Prometo me empenhar para que tudo saia nos padrões BTS de excelência, conforme planejado. — Acenei com a cabeça em forma de respeito, e os meninos repetiram a ação, com simpatia.
— E falando em planejamento... — Hye-jun anunciou ao olhar para seu tablet — Conferindo aqui a escala de hoje, vocês chegaram com antecedência. Se quiserem, podemos antecipar os ensaios e liberar vocês mais cedo... Ou vocês descansam um pouco e começamos no horário previsto. O que preferem? — perguntou educadamente.
Os meninos trocaram olhares entre si, digerindo o que havia sugerido.
— A gente adianta o ensaio e vocês podem ir sem mim, enquanto eu durmo. — Suga disse, sentando-se direito no sofá e apoiando o braço para deitar a cabeça, enquanto os meninos o caçoavam.
— Ah, mas não vai mesmo! Pode ir acordando! — J-Hope correu em sua direção e Suga já estava rindo de forma sofrida antes mesmo do amigo chegar.
— Não! — Ele suplicou, mas J-Hope o ignorou e começou a dançar animadamente na frente do companheiro de grupo, cantarolando “Mic Drop”.
— Did you see my bag? Did you see my bag? — Ele berrava de forma aguda enquanto puxava os braços de Suga. Quando dei por mim, estavam todos do grupo fazendo um pequeno montinho em cima do pisciano sonolento.
Isso não durou por tanto tempo, já que momentos seguintes, RM deu a voz de comando e tomou a decisão após confirmar com os outros pelo olhar.
— Então gente, que tal nos aprontarmos e adiantarmos o ensaio? Podemos ser liberados mais cedo e aproveitamos para comer algo gostoso hoje. Merecemos uma pequena reunião.
Todos concordaram, uns acenando, outros verbalizando e Hye-jun sorriu educada.
— Certo, vou informar aos músicos, que já estão de sobreaviso. Primeiramente vão repassar alguns detalhes dos shows da turnê, depois ter o ensaio com a banda e por fim, começar a alinhar a parte das danças performáticas. Alguma pergunta? — Questionou após conferir o cronograma, verificando se não tinha esquecido nada. Sem nenhuma indagação, a coordenadora apontou para o vestiário. — Então rapazes, sintam-se à vontade para se aprontarem para o ensaio.
— Está dizendo que estou fedendo, Noona? — Jin se pronunciou com a cara em choque e ela gargalhou na sua cara.
— Vamos logo, dongsaeng! Já para o banho! — Ela brincou e ele fez cara falsa de tristeza, caminhando em direção ao toalete com sua mochila.
— Vinte minutinhos, pessoal! — Hyun-mee acrescentou com um sorriso e todos concordaram.
— Obrigada por lembrar, querida. — Hye-jun agradeceu à minha prima, e se virou para mim. — Alguma dúvida? Está entendendo como funciona?
— Por enquanto tudo tranquilo, Hye-jun.
— Disse bem, ‘por enquanto’! Guarde fôlego para a turnê — ela disse piscando e se retirou, deixando Hyun-mee e eu à sós.
— E então? — ela me perguntou com um sorriso animado e eu suspirei alto.
— Como você conseguiu sobreviver ao primeiro dia? — Perguntei com a mão no peito e ela sorriu de lado, dando de ombros.
— Acho que a beleza deles me salvou de infartar de nervoso. — Ela disse e eu ri baixinho, concordando consigo.
— Menina, como se concentrar no trabalho? Bando de homem lindo, prima! — Ela segurou a boca para não rir escandalosamente, como de costume.
— A gente tenta se acostumar. Não podemos estabelecer uma relação tão íntima com os meninos, mas se te serve de consolo, os dançarinos de apoio não são de jogar fora...
— Hyun-mee!
— O que foi, ué? Regras não estão sendo quebradas. — Ela deu de ombros e eu ri da cara safada dela.
— Por acaso você já...
— Ah já! Se já! Mas se tem uma coisa que eu já, é já! — Ela disse com veemência e eu tive me segurar para não morrer de rir ali mesmo.
— Você não existe, prima, na boa.
— Existo sim, mas confesso que se não existisse, teriam que me inventar! — ela comentou sorrindo e logo olhou o relógio de pulso. — Bom, vamos lá? Preciso te repassar algumas coisas, então me acompanha que em breve você faz isso com as mãos atadas.
— Certo! — Respondi atenta, e juntas fomos caminhando até o estúdio, com ela me orientando em inúmeros detalhes que eu precisava decorar, me explicando com paciência tudo que eu precisava saber para desenvolver um trabalho impecável.
Eu me dedicaria de corpo e alma, e mesmo sendo uma “estrangeira”, demonstraria à Big Hit e a mim mesma porque era merecedora daquela chance tão especial.
Script feito pela pupila Ells.
Capítulo II - Begin
Seoul, 16 de janeiro de 2017.
Duas semanas se passaram desde que os preparativos para a turnê começaram. Eu deveria ter guardado com mais afinco as palavras de Hye-jun, porque o ritmo era simplesmente frenético! Eu ficava com pena dos meninos, me cansava só de vê-los ensaiando insistentemente, enquanto providenciava o necessário para que tudo fluísse nos ensaios; dividia o controle do cronograma com Hyun-mee, auxiliava os horários dos rapazes, providenciava as refeições, organizava encaixes (se necessários) para entrevistas e pequenos podcasts, acompanhava e auxiliava nas sessões de foto, organizava as vitaminas diárias que os meninos deveriam tomar, preparava os ambientes para as lives... Imagine qualquer coisa! Provavelmente já fiz ou está na lista para ser feito. Até ir na rua comprar cigarros para Hye-jun eu comprei. Sim, por causa da imensa responsabilidade, das reuniões diárias, das inúmeras tarefas e da pressão em si, ela fumava escondido. Só eu e Hyun-mee sabíamos e acobertávamos, já que ela não queria que os outros soubessem. Até então, apenas minha prima sabia, mas ela teve que revelar o segredo para mim, que fui a escolhida para comprar um maço de Black em seu lugar. Pois é. Privilégio que chama né? Enfim.
Com a convivência diária, eu tinha me aproximado dos rapazes e desenvolvido afeto por eles como se fossem primos distantes que eu acabava de conhecer. E bem, não era a coisa mais difícil fazer amizade com os meninos; eram gentis, brincalhões, educados e unidos. Dava gosto de vê-los juntos, criando, aprendendo, expandindo horizontes. Dos sete, eu conversava mais com J-Hope, RM e Jin. No início, Jimin estava bem tímido, mas conforme fui puxando assunto consigo, ele demonstrou ser uma pessoa carismática e muito querida. Já V e Suga eram mais reservados, então eu não achava prudente fazer o mesmo com eles, respeitando suas formas de lidar com o novo. Porém, uma coisa que me surpreendeu demais foi a extrema e profunda timidez vinda do Golden Maknae. Pois é, acredite se quiser: Jungkook era definitivamente tímido na presença de outras pessoas.
Eu percebi que ele se sentia mais à vontade com Hyun-mee e Hye-jun, e minha prima me convenceu de que esse era apenas o jeito dele com quem não conhecia, que não tinha nada em específico comigo.
Então, depois de desconstruir a ideia daquele cara descoladinho dos vídeos, percebi que Hyun-mee tinha razão no fim das contas. Mas não foi fácil; enquanto eu tentava não pirar e achar que Jungkook não suportava meu trabalho ou minha pessoa, eu fazia de tudo para estar ocupada quando tinha que lidar com ele, muitas vezes passando o trabalho para minha prima. Esta por sua vez, entendeu em poucos dias o que eu fazia e me forçou a parar com aquela atitude que, segundo ela, era infantil e improdutiva.
Ela estava certa? Sim.
Eu fiquei menos chateada? Nem fodendo.
Quer dizer, não custava nada trocarmos algumas tarefas apenas para tornar o ambiente mais confortável, mas não; Hyun-mee queria ver o circo pegando fogo.
Tá, tudo bem, talvez eu estivesse exagerando, mas a verdade era clara como água: se por um lado Jungkook tinha vergonha de gente nova, eu tinha uma mega insegurança com meu trabalho, ainda que fizesse tudo direito. Então as coisas não ficavam exatamente fluidas, ainda que respeitosas. Além disso, passei a desenvolver uma vergonha dele por ser tão lindo.
Sim, é isso aí.
Antes eu ficava nervosa porque era ele, e aí tudo se agravou porque passei a reparar na beleza do garoto. Resultado? Eu ficava bem idiota toda vez que estávamos por perto, e foi difícil me acostumar com a presença e o charme do Maknae. Era ridículo porque eu literalmente gaguejei nas primeiras vezes – mesmo estando relativamente acostumada a lidar com idols. Mas esse nervosinho só acontecia com o caçula. E porra, eu me sentia muito boba, sério. Mas ao treinar (e muito!) na frente do espelho, as palavras foram ficando mais naturais, e eu parei de gaguejar ou ter pequenos tremores nas mãos quando precisava fazer algo que envolvia Jungkook.
Além disso, após um tempo vendo aquela carinha diariamente, passei a dominar a arte do frio na barriga e fingir plenitude. Entretanto, Jungkook seguia da mesma maneira de sempre. Quando eu precisava lhe dirigir a palavra, ele me olhava com aquela cara receosa, e eu tinha que respirar umas duas ou três vezes para não rir, ao lembrar do meme “Jungshook” por sempre parecer assustado ou chocado com algo – e eu preciso agradecer a Hyun-mee, pois foi a mesma que me apresentou a pérola “memística”, me ajudando a lidar com a situação de forma leve.
Apesar da graça inevitável, eu conseguia dar a volta por cima e me comunicava da melhor maneira possível, tentando respeitar seu tempo e parecer amigável a seus olhos. Então, estávamos progredindo. Eu acho.
Virei chacota por causa dessa situação; toda vez que conversava com pelo telefone, ela fazia questão de me zoar.
— Tá gaguejando menos, amiga? — ela perguntou rindo.
— Eu tô me saindo bem melhor, tá? — resmunguei enquanto escovava os dentes. Estava prestes a dormir, enquanto ela estava prestes a almoçar.
— Eu me amarro em ver você toda nervosinha por causa do boyzinho.
— Queria ver você no meu lugar! Trabalhar com gente importante e bonita! A gente não estava acostumava com isso na época de escola não, viu?
soltou uma gargalhada de afastar o ouvido do celular.
— É, bem. Quem sabe o destino não me traz ventos bons? A companhia tá fechando uns bons contratos aí! — Sorri com aquela notícia, e lavei minha boca antes de responder.
— Sério? Como é que foi isso? — indaguei, limpando meu rosto e saindo do banheiro, indo em direção ao quarto e me tacando na cama.
— Ah, estávamos passando por maus bocados, você sabe. O acidente com o professor, essas coisas. Mas ele conseguiu se recuperar em tempo recorde e vamos participar de um torneio em breve! Além de fazer umas pontinhas na novela das sete.
— Caraca, sério? Aquela nova que vai estrear mês que vem? — Minha voz saiu animada, e eu me sentia feliz e saudosa com aquela notícia.
— Essa mesma! Estamos treinando bastante, porque tem muito contexto de dança, e enfim. Trabalho não vai faltar. — Suspirei sorrindo, olhando pra parede, com a foto da Companhia de dança. A peguei em minhas mãos e fiquei olhando, sentindo o coração apertar.
— Saudade de vocês...
— Ah, ... Você é insubstituível, sabe disso né? Caso dê alguma merda aí, ou você desista dessa correria de staff, sabe que seu lugar está aqui conosco, né? Bem guardadinho.
— Você sabe como me fazer sentir bem, né? Morro de saudades de dançar... — comentei com um sorriso triste.
— Você não tem dançado por aí? Sei lá, em boate, ou até mesmo em casa, relembrando algumas coreografias...
— Nada, amiga. Tem sido uma correria só, como você bem disse. O máximo de dança que me aproximo, é ver os garotos ensaiando.
— Deve ser incrível, né?
— Pô, você nem imagina. A equipe dele é demais. O coreógrafo arrasa muito! Já perdi alguns minutos só babando nas performances ensaiadas.
— Imagina ao vivo! — comentou sonhadora, e eu ri concordando.
— Deve ser incrível mesmo...
— Ah amiga, pede uma vaga para dançar! Você tem talento, poxa! — ela comentou com a voz engraçada, e eu ri, devolvendo a foto pro lugar.
— Deixa de bobeira, mulher. Sabe que minha parada agora é outra. Dança é uma eterna paixão, mas ficou no passado...
— Quem sabe um dia você fica menos teimosa e percebe que não dá pra excluir a dança assim, né? — Eu ri da audácia dela e dei de ombros.
— Quem sabe, né? Bom, preciso ir. Amanhã acordo cedo, você sabe...
— Nada novo sob o sol, não é mesmo?
— Exatamente!
Rimos juntas, e nos despedimos. Finalizei a ligação, coloquei o alarme acionado, e bloqueei o celular. Não consegui pregar os olhos de primeira, mas fiquei pensando no que falou. Às vezes me perguntava se havia feito a escolha certa...
Sem perceber, o sono chegou sorrateiro como uma manobra delicada, e meus olhos se fecharam, me entregando uma noite de sono bom.
Acordei no dia seguinte e nem parecia que tinha dormido; o cansaço era real, e a pressa na rotina, também. Os meninos estavam com uma agenda bem cheia naquele dia, e no final do cronograma, terminariam com o ensaio das performances, o que me deu uma certa pena deles, já que era o que mais exigia fisicamente do grupo.
Entretanto, para minha total surpresa, eles aderiram de bom agrado, conseguindo realizar tudo com muita dedicação e afinco, me deixando inspirada para no mínimo permanecer forte e determinada no batente, assim como eles eram.
Com uma diferença de múltiplos zeros na conta bancária? Sim, mas a gente pode pular essa parte.
De toda forma, passavam das 21 horas quando o ensaio dos meninos acabou. Eu estava separando as refeições junto com Hyun-mee ao longo da mesa, quando RM, V e Jin chegaram. Eles vieram a passos largos e nos cumprimentaram com pressa, logo se sentando para devorar o jantar.
— Muita fome, meninos? — Minha prima perguntou e os três murmuraram que sim.
— Hoje o dia foi puxado — RM confessou depois de mastigar, e Jin concordou com veemência.
— Eu até tinha pensado em fazer mais um episódio de “Eat Jin”, mas sem condições!
— Eu tô tão cansado que mal tenho forças para mastigar... — V comentou com a voz exausta e eu fiz uma careta de dor ao vê-los assim.
— A boa notícia é que amanhã o ensaio começará um pouco mais tarde, então aproveitem para comer com calma e descansem bem. — Tentei sorrir e animá-los, e V fez uma cara de “pelo menos isso né?”
— Nada de redes sociais por hoje, certo? — Hyun-mee acrescentou com a voz mais carinhosa possível, e os meninos nos olharam de forma gentil, concordando conosco.
Mais dez minutos se passaram, até que J-Hope e Jimin apareceram, ambos com toalhas nos ombros e o ar fresco de quem acaba de tomar banho.
— Como vocês conseguem comer com tanto suor no corpo? — J-Hope perguntou rindo enquanto eu entregava sua refeição. — Obrigado, .
— Não há de quê! — Respondi sorridente. Ele era definitivamente a esperança do grupo, o solzinho que seguia brilhando. Mesmo cansado, ainda se empenhava em tornar o ambiente mais leve e ainda me chamava pelo apelido. Segundo ele, eu tinha mais cara de do que , e eu achei graça daquilo.
— Eu estava faminto! — Jin comentou de boca cheia e Jimin riu da cena enquanto enxugava o cabelo.
— Conte uma novidade, hyung.
— Onde está Suga? — V perguntou ao encarar os meninos.
— Foi direto pra casa... Estava caindo pelas tabelas de exaustão. — J-Hope respondeu dando de ombros e Jimin suspirou ao abrir a embalagem da comida.
— Coisa maravilhosa... — ele disse com as mãos unidas e um sorriso que me fez rir.
— Vocês já comeram, meninas? Estão servidas? — J-Hope perguntou depois de abocanhar uma porção.
— Estamos bem, J-Hope. Obrigada! — Hyun-mee respondeu gentil e ele fez careta.
— Não sabem o que estão perdendo! — E voltou a atacar.
Minha prima estava separando a refeição de Suga para viagem quando notei a ausência do Maknae.
— E Jungkook, já foi também? — Perguntei curiosa e RM me respondeu.
— Ele está treinando uma parte específica da coreografia de Begin. Está tendo dificuldades...
— É uma parte que ele sempre confunde do refrão principal e o final, não é? — Jimin perguntou com a feição atenta, e J-Hope confirmou com um bico nos lábios.
— Eu avisei que o ajudava amanhã, mas ele é cabeça-dura demais e insistiu que pegaria tudo hoje... — explicou, dando de ombros.
O silêncio dos meninos comendo e Hyun-mee arrumando as coisas de Suga me fez sentir um aperto no peito. O caçula estava se esforçando demais. Os ensaios tinham começado às 8 da manhã, meu turno começou às 10h e eles estavam trabalhando incansavelmente desde então! Até eu, que havia chegado depois, estava fazendo hora-extra! Imagine o Maknae?
O relógio marcava 21:27 quando os meninos terminaram de comer. Começaram a se aprontar para ir embora enquanto RM foi até a sala de dança, chamar Jungkook. Eu estava separando a refeição dele para viagem quando o líder apareceu cabisbaixo.
— E então? — Jin perguntou com a mochila nas costas.
— Ele vai ficar. Tentei convencê-lo a ir conosco, até pedi que embalassem sua refeição, mas ele bateu o pé. Como estou cansado demais, não insisti tanto, mas consegui fazê-lo prometer que estaria em casa até às 22:30h. Espero que ele cumpra isso.
Respirei fundo e cocei a nuca, sentindo um incômodo ao ouvir aquilo. Até às 22:30h? Seriam praticamente 15 horas trabalhando? Aquilo era surreal.
— Pode deixar, meninos. Eu fico aqui e asseguro que ele cumpra a promessa — Falei, chamando a atenção da galera.
— É sério? — Jimin perguntou com a cara surpresa e eu afirmei com segurança.
— Dou a minha palavra. Inclusive, vou convencê-lo a comer seu jantar até limpar o prato. Contem comigo! — respondi tentando trazer um pouco de graça para a situação. Afinal de contas, eles estavam tentando disfarçar, mas estavam preocupados com Jungkook e não era para menos.
— Não pense que isso passará batido, hein? Vou dizer à Hye-jun que você está fazendo hora extra sem ser paga — RM disse com um sorriso sincero e eu ri dando de ombros.
— Fazer o que se vocês me dão trabalho... Literalmente!
Os meninos riram e antes de ir embora, J-Hope me agradeceu pelo cuidado com o caçula, também me convencendo a não tardar a ir embora.
Hyun-mee entregou a refeição de Suga para J-Hope e acenou para todos, esperando que fossem embora até se virar para mim com a sobrancelha arqueada.
— É sério isso? Você vai ficar?
— Vou sim. Esse garoto precisa se alimentar, precisa descansar! Acho que falta uma pegada feminina para dar um jeito nele — respondi me espreguiçando.
— Uma pegada feminina? — ela perguntou com a cara sugestiva e eu rolei os olhos.
— Não me refiro a isso. Você sabe, uma pegada vovó Kang?
— Aí eu vi vantagem! — exclamou sorridente. — Tem certeza? Amanhã precisamos chegar mais cedo que eles.
— Eu dou conta. Pode ir para casa tranquila. — Sorri confiante e fiz um “V” com os dedos.
— Então pega um uber quando sair daqui, beleza? — Ela disse indo em direção à ala dos funcionários.
— Deixa comigo.
— E não faça nada que eu faria! — Ela brincou dando língua e eu dei um dedo do meio para si, que riu e sumiu pela porta.
Suspirei ao me virar para mesa, e peguei a única refeição restante. Fui até a geladeira, peguei um chá gelado sabor pêssego e me direcionei até a sala de dança. Se eu dissesse que não estava com um rinoceronte pulando na boca do estômago, eu estaria mentindo, já que teria de lidar diretamente com Jungkook num contexto em que estávamos à sós.
E bem, aquilo me trazia pensamentos pouco puritanos. Quer dizer, fazia um tempo que eu não saía com ninguém e nos últimos períodos, minha vida se resumia a trabalho e casos furtivos. Tinha até um roadie da banda que era super gatinho e me dava condição, mas estávamos sempre com os horários apertados para sequer tomar uma cerveja em nossos intervalos, que não se encontravam de jeito algum. Também, teríamos a turnê inteira para isso, então eu não estava lá muito preocupada com a minha vida sexual; estava focada em fazer a parte profissional dar certo porque é aquilo: melhor sofrer de amor com um teto acima de nossas cabeças do que debaixo da ponte.
Estava tão entretida pensando em como seria o ritmo da turnê, que quando dei por mim, estava diante da porta da sala de dança. Respirei fundo umas duas vezes antes de bater na mesma, mas não obtive resposta. Bati de novo, com mais firmeza, e dado o som que vinha de dentro, Jungkook deveria estar ensaiando sem sequer ouvir o chamado. Suspirei, pensando que provavelmente teria que interrompê-lo.
Segurei a refeição com uma mão e pus o chá gelado entre meu queixo e meu peito, apoiando-o ali enquanto a mão livre alcançava a maçaneta da porta. Vagarosamente a abri, colocando minha cabeça para dentro.
Peguei o chá debaixo de meu queixo e puxei o ar para falar, mas quando bati os olhos em Jungkook, eu senti a ausência das palavras, e todo discurso que ensaiei... foi por água abaixo.
Ele estava dançando e interpretando divinamente; Begin materializava-se a cada movimento de mãos, braços e pernas sincronizados. As feições e gestos eram precisas e era visível toda entrega do Maknae na performance.
Eu reparava na sua dedicação e em como os ângulos eram perfeitos, totalmente sincronizados com a batida da música. Até os momentos de interpretação, no qual não haviam movimentos fixos em si, Jungkook executava com visível perfeição. Eu estava completamente absorta naquela pequena demonstração, pensando em como ele era capaz de fazer algo tão cirurgicamente bem, mesmo depois de exaustivas horas de trabalho.
Num dado momento, ele fez um movimento rápido e brusco, e eu prendi o ar ao prever o que aconteceu um segundo depois: ele havia desequilibrado e caiu no chão, segurando o tornozelo e reclamando de dor. Aquele movimento exigiu mais de si, e só de ver o ângulo que o pé fez, acabei prendendo a respiração e me assustando por ele, deixando a garrafa do chá gelado cair no chão.
Instantaneamente tive seus olhos sobre mim.
E foi ali que eu percebi que estava bisbilhotando o ensaio dele igual uma paparazzi, sendo pega totalmente no flagra. Não dava para fugir, muito menos diante da situação na qual ele se encontrava, sendo a única opção, colocar a vergonha de lado, e ir ajudá-lo.
Céus, era tudo que eu precisava: ficar de cara com o rapaz que provavelmente teria mais medo de mim agora, me achando a maluca voyer.
Se estivesse presente naquele exato momento, estaria rindo de mim e dando tapinhas no ombro, dizendo “É, amiga. Parece que você se deu bem”.
“Só que não.”, eu diria. Que mico!
Duas semanas se passaram desde que os preparativos para a turnê começaram. Eu deveria ter guardado com mais afinco as palavras de Hye-jun, porque o ritmo era simplesmente frenético! Eu ficava com pena dos meninos, me cansava só de vê-los ensaiando insistentemente, enquanto providenciava o necessário para que tudo fluísse nos ensaios; dividia o controle do cronograma com Hyun-mee, auxiliava os horários dos rapazes, providenciava as refeições, organizava encaixes (se necessários) para entrevistas e pequenos podcasts, acompanhava e auxiliava nas sessões de foto, organizava as vitaminas diárias que os meninos deveriam tomar, preparava os ambientes para as lives... Imagine qualquer coisa! Provavelmente já fiz ou está na lista para ser feito. Até ir na rua comprar cigarros para Hye-jun eu comprei. Sim, por causa da imensa responsabilidade, das reuniões diárias, das inúmeras tarefas e da pressão em si, ela fumava escondido. Só eu e Hyun-mee sabíamos e acobertávamos, já que ela não queria que os outros soubessem. Até então, apenas minha prima sabia, mas ela teve que revelar o segredo para mim, que fui a escolhida para comprar um maço de Black em seu lugar. Pois é. Privilégio que chama né? Enfim.
Com a convivência diária, eu tinha me aproximado dos rapazes e desenvolvido afeto por eles como se fossem primos distantes que eu acabava de conhecer. E bem, não era a coisa mais difícil fazer amizade com os meninos; eram gentis, brincalhões, educados e unidos. Dava gosto de vê-los juntos, criando, aprendendo, expandindo horizontes. Dos sete, eu conversava mais com J-Hope, RM e Jin. No início, Jimin estava bem tímido, mas conforme fui puxando assunto consigo, ele demonstrou ser uma pessoa carismática e muito querida. Já V e Suga eram mais reservados, então eu não achava prudente fazer o mesmo com eles, respeitando suas formas de lidar com o novo. Porém, uma coisa que me surpreendeu demais foi a extrema e profunda timidez vinda do Golden Maknae. Pois é, acredite se quiser: Jungkook era definitivamente tímido na presença de outras pessoas.
Eu percebi que ele se sentia mais à vontade com Hyun-mee e Hye-jun, e minha prima me convenceu de que esse era apenas o jeito dele com quem não conhecia, que não tinha nada em específico comigo.
Então, depois de desconstruir a ideia daquele cara descoladinho dos vídeos, percebi que Hyun-mee tinha razão no fim das contas. Mas não foi fácil; enquanto eu tentava não pirar e achar que Jungkook não suportava meu trabalho ou minha pessoa, eu fazia de tudo para estar ocupada quando tinha que lidar com ele, muitas vezes passando o trabalho para minha prima. Esta por sua vez, entendeu em poucos dias o que eu fazia e me forçou a parar com aquela atitude que, segundo ela, era infantil e improdutiva.
Ela estava certa? Sim.
Eu fiquei menos chateada? Nem fodendo.
Quer dizer, não custava nada trocarmos algumas tarefas apenas para tornar o ambiente mais confortável, mas não; Hyun-mee queria ver o circo pegando fogo.
Tá, tudo bem, talvez eu estivesse exagerando, mas a verdade era clara como água: se por um lado Jungkook tinha vergonha de gente nova, eu tinha uma mega insegurança com meu trabalho, ainda que fizesse tudo direito. Então as coisas não ficavam exatamente fluidas, ainda que respeitosas. Além disso, passei a desenvolver uma vergonha dele por ser tão lindo.
Sim, é isso aí.
Antes eu ficava nervosa porque era ele, e aí tudo se agravou porque passei a reparar na beleza do garoto. Resultado? Eu ficava bem idiota toda vez que estávamos por perto, e foi difícil me acostumar com a presença e o charme do Maknae. Era ridículo porque eu literalmente gaguejei nas primeiras vezes – mesmo estando relativamente acostumada a lidar com idols. Mas esse nervosinho só acontecia com o caçula. E porra, eu me sentia muito boba, sério. Mas ao treinar (e muito!) na frente do espelho, as palavras foram ficando mais naturais, e eu parei de gaguejar ou ter pequenos tremores nas mãos quando precisava fazer algo que envolvia Jungkook.
Além disso, após um tempo vendo aquela carinha diariamente, passei a dominar a arte do frio na barriga e fingir plenitude. Entretanto, Jungkook seguia da mesma maneira de sempre. Quando eu precisava lhe dirigir a palavra, ele me olhava com aquela cara receosa, e eu tinha que respirar umas duas ou três vezes para não rir, ao lembrar do meme “Jungshook” por sempre parecer assustado ou chocado com algo – e eu preciso agradecer a Hyun-mee, pois foi a mesma que me apresentou a pérola “memística”, me ajudando a lidar com a situação de forma leve.
Apesar da graça inevitável, eu conseguia dar a volta por cima e me comunicava da melhor maneira possível, tentando respeitar seu tempo e parecer amigável a seus olhos. Então, estávamos progredindo. Eu acho.
Virei chacota por causa dessa situação; toda vez que conversava com pelo telefone, ela fazia questão de me zoar.
— Tá gaguejando menos, amiga? — ela perguntou rindo.
— Eu tô me saindo bem melhor, tá? — resmunguei enquanto escovava os dentes. Estava prestes a dormir, enquanto ela estava prestes a almoçar.
— Eu me amarro em ver você toda nervosinha por causa do boyzinho.
— Queria ver você no meu lugar! Trabalhar com gente importante e bonita! A gente não estava acostumava com isso na época de escola não, viu?
soltou uma gargalhada de afastar o ouvido do celular.
— É, bem. Quem sabe o destino não me traz ventos bons? A companhia tá fechando uns bons contratos aí! — Sorri com aquela notícia, e lavei minha boca antes de responder.
— Sério? Como é que foi isso? — indaguei, limpando meu rosto e saindo do banheiro, indo em direção ao quarto e me tacando na cama.
— Ah, estávamos passando por maus bocados, você sabe. O acidente com o professor, essas coisas. Mas ele conseguiu se recuperar em tempo recorde e vamos participar de um torneio em breve! Além de fazer umas pontinhas na novela das sete.
— Caraca, sério? Aquela nova que vai estrear mês que vem? — Minha voz saiu animada, e eu me sentia feliz e saudosa com aquela notícia.
— Essa mesma! Estamos treinando bastante, porque tem muito contexto de dança, e enfim. Trabalho não vai faltar. — Suspirei sorrindo, olhando pra parede, com a foto da Companhia de dança. A peguei em minhas mãos e fiquei olhando, sentindo o coração apertar.
— Saudade de vocês...
— Ah, ... Você é insubstituível, sabe disso né? Caso dê alguma merda aí, ou você desista dessa correria de staff, sabe que seu lugar está aqui conosco, né? Bem guardadinho.
— Você sabe como me fazer sentir bem, né? Morro de saudades de dançar... — comentei com um sorriso triste.
— Você não tem dançado por aí? Sei lá, em boate, ou até mesmo em casa, relembrando algumas coreografias...
— Nada, amiga. Tem sido uma correria só, como você bem disse. O máximo de dança que me aproximo, é ver os garotos ensaiando.
— Deve ser incrível, né?
— Pô, você nem imagina. A equipe dele é demais. O coreógrafo arrasa muito! Já perdi alguns minutos só babando nas performances ensaiadas.
— Imagina ao vivo! — comentou sonhadora, e eu ri concordando.
— Deve ser incrível mesmo...
— Ah amiga, pede uma vaga para dançar! Você tem talento, poxa! — ela comentou com a voz engraçada, e eu ri, devolvendo a foto pro lugar.
— Deixa de bobeira, mulher. Sabe que minha parada agora é outra. Dança é uma eterna paixão, mas ficou no passado...
— Quem sabe um dia você fica menos teimosa e percebe que não dá pra excluir a dança assim, né? — Eu ri da audácia dela e dei de ombros.
— Quem sabe, né? Bom, preciso ir. Amanhã acordo cedo, você sabe...
— Nada novo sob o sol, não é mesmo?
— Exatamente!
Rimos juntas, e nos despedimos. Finalizei a ligação, coloquei o alarme acionado, e bloqueei o celular. Não consegui pregar os olhos de primeira, mas fiquei pensando no que falou. Às vezes me perguntava se havia feito a escolha certa...
Sem perceber, o sono chegou sorrateiro como uma manobra delicada, e meus olhos se fecharam, me entregando uma noite de sono bom.
Acordei no dia seguinte e nem parecia que tinha dormido; o cansaço era real, e a pressa na rotina, também. Os meninos estavam com uma agenda bem cheia naquele dia, e no final do cronograma, terminariam com o ensaio das performances, o que me deu uma certa pena deles, já que era o que mais exigia fisicamente do grupo.
Entretanto, para minha total surpresa, eles aderiram de bom agrado, conseguindo realizar tudo com muita dedicação e afinco, me deixando inspirada para no mínimo permanecer forte e determinada no batente, assim como eles eram.
Com uma diferença de múltiplos zeros na conta bancária? Sim, mas a gente pode pular essa parte.
De toda forma, passavam das 21 horas quando o ensaio dos meninos acabou. Eu estava separando as refeições junto com Hyun-mee ao longo da mesa, quando RM, V e Jin chegaram. Eles vieram a passos largos e nos cumprimentaram com pressa, logo se sentando para devorar o jantar.
— Muita fome, meninos? — Minha prima perguntou e os três murmuraram que sim.
— Hoje o dia foi puxado — RM confessou depois de mastigar, e Jin concordou com veemência.
— Eu até tinha pensado em fazer mais um episódio de “Eat Jin”, mas sem condições!
— Eu tô tão cansado que mal tenho forças para mastigar... — V comentou com a voz exausta e eu fiz uma careta de dor ao vê-los assim.
— A boa notícia é que amanhã o ensaio começará um pouco mais tarde, então aproveitem para comer com calma e descansem bem. — Tentei sorrir e animá-los, e V fez uma cara de “pelo menos isso né?”
— Nada de redes sociais por hoje, certo? — Hyun-mee acrescentou com a voz mais carinhosa possível, e os meninos nos olharam de forma gentil, concordando conosco.
Mais dez minutos se passaram, até que J-Hope e Jimin apareceram, ambos com toalhas nos ombros e o ar fresco de quem acaba de tomar banho.
— Como vocês conseguem comer com tanto suor no corpo? — J-Hope perguntou rindo enquanto eu entregava sua refeição. — Obrigado, .
— Não há de quê! — Respondi sorridente. Ele era definitivamente a esperança do grupo, o solzinho que seguia brilhando. Mesmo cansado, ainda se empenhava em tornar o ambiente mais leve e ainda me chamava pelo apelido. Segundo ele, eu tinha mais cara de do que , e eu achei graça daquilo.
— Eu estava faminto! — Jin comentou de boca cheia e Jimin riu da cena enquanto enxugava o cabelo.
— Conte uma novidade, hyung.
— Onde está Suga? — V perguntou ao encarar os meninos.
— Foi direto pra casa... Estava caindo pelas tabelas de exaustão. — J-Hope respondeu dando de ombros e Jimin suspirou ao abrir a embalagem da comida.
— Coisa maravilhosa... — ele disse com as mãos unidas e um sorriso que me fez rir.
— Vocês já comeram, meninas? Estão servidas? — J-Hope perguntou depois de abocanhar uma porção.
— Estamos bem, J-Hope. Obrigada! — Hyun-mee respondeu gentil e ele fez careta.
— Não sabem o que estão perdendo! — E voltou a atacar.
Minha prima estava separando a refeição de Suga para viagem quando notei a ausência do Maknae.
— E Jungkook, já foi também? — Perguntei curiosa e RM me respondeu.
— Ele está treinando uma parte específica da coreografia de Begin. Está tendo dificuldades...
— É uma parte que ele sempre confunde do refrão principal e o final, não é? — Jimin perguntou com a feição atenta, e J-Hope confirmou com um bico nos lábios.
— Eu avisei que o ajudava amanhã, mas ele é cabeça-dura demais e insistiu que pegaria tudo hoje... — explicou, dando de ombros.
O silêncio dos meninos comendo e Hyun-mee arrumando as coisas de Suga me fez sentir um aperto no peito. O caçula estava se esforçando demais. Os ensaios tinham começado às 8 da manhã, meu turno começou às 10h e eles estavam trabalhando incansavelmente desde então! Até eu, que havia chegado depois, estava fazendo hora-extra! Imagine o Maknae?
O relógio marcava 21:27 quando os meninos terminaram de comer. Começaram a se aprontar para ir embora enquanto RM foi até a sala de dança, chamar Jungkook. Eu estava separando a refeição dele para viagem quando o líder apareceu cabisbaixo.
— E então? — Jin perguntou com a mochila nas costas.
— Ele vai ficar. Tentei convencê-lo a ir conosco, até pedi que embalassem sua refeição, mas ele bateu o pé. Como estou cansado demais, não insisti tanto, mas consegui fazê-lo prometer que estaria em casa até às 22:30h. Espero que ele cumpra isso.
Respirei fundo e cocei a nuca, sentindo um incômodo ao ouvir aquilo. Até às 22:30h? Seriam praticamente 15 horas trabalhando? Aquilo era surreal.
— Pode deixar, meninos. Eu fico aqui e asseguro que ele cumpra a promessa — Falei, chamando a atenção da galera.
— É sério? — Jimin perguntou com a cara surpresa e eu afirmei com segurança.
— Dou a minha palavra. Inclusive, vou convencê-lo a comer seu jantar até limpar o prato. Contem comigo! — respondi tentando trazer um pouco de graça para a situação. Afinal de contas, eles estavam tentando disfarçar, mas estavam preocupados com Jungkook e não era para menos.
— Não pense que isso passará batido, hein? Vou dizer à Hye-jun que você está fazendo hora extra sem ser paga — RM disse com um sorriso sincero e eu ri dando de ombros.
— Fazer o que se vocês me dão trabalho... Literalmente!
Os meninos riram e antes de ir embora, J-Hope me agradeceu pelo cuidado com o caçula, também me convencendo a não tardar a ir embora.
Hyun-mee entregou a refeição de Suga para J-Hope e acenou para todos, esperando que fossem embora até se virar para mim com a sobrancelha arqueada.
— É sério isso? Você vai ficar?
— Vou sim. Esse garoto precisa se alimentar, precisa descansar! Acho que falta uma pegada feminina para dar um jeito nele — respondi me espreguiçando.
— Uma pegada feminina? — ela perguntou com a cara sugestiva e eu rolei os olhos.
— Não me refiro a isso. Você sabe, uma pegada vovó Kang?
— Aí eu vi vantagem! — exclamou sorridente. — Tem certeza? Amanhã precisamos chegar mais cedo que eles.
— Eu dou conta. Pode ir para casa tranquila. — Sorri confiante e fiz um “V” com os dedos.
— Então pega um uber quando sair daqui, beleza? — Ela disse indo em direção à ala dos funcionários.
— Deixa comigo.
— E não faça nada que eu faria! — Ela brincou dando língua e eu dei um dedo do meio para si, que riu e sumiu pela porta.
Suspirei ao me virar para mesa, e peguei a única refeição restante. Fui até a geladeira, peguei um chá gelado sabor pêssego e me direcionei até a sala de dança. Se eu dissesse que não estava com um rinoceronte pulando na boca do estômago, eu estaria mentindo, já que teria de lidar diretamente com Jungkook num contexto em que estávamos à sós.
E bem, aquilo me trazia pensamentos pouco puritanos. Quer dizer, fazia um tempo que eu não saía com ninguém e nos últimos períodos, minha vida se resumia a trabalho e casos furtivos. Tinha até um roadie da banda que era super gatinho e me dava condição, mas estávamos sempre com os horários apertados para sequer tomar uma cerveja em nossos intervalos, que não se encontravam de jeito algum. Também, teríamos a turnê inteira para isso, então eu não estava lá muito preocupada com a minha vida sexual; estava focada em fazer a parte profissional dar certo porque é aquilo: melhor sofrer de amor com um teto acima de nossas cabeças do que debaixo da ponte.
Estava tão entretida pensando em como seria o ritmo da turnê, que quando dei por mim, estava diante da porta da sala de dança. Respirei fundo umas duas vezes antes de bater na mesma, mas não obtive resposta. Bati de novo, com mais firmeza, e dado o som que vinha de dentro, Jungkook deveria estar ensaiando sem sequer ouvir o chamado. Suspirei, pensando que provavelmente teria que interrompê-lo.
Segurei a refeição com uma mão e pus o chá gelado entre meu queixo e meu peito, apoiando-o ali enquanto a mão livre alcançava a maçaneta da porta. Vagarosamente a abri, colocando minha cabeça para dentro.
Peguei o chá debaixo de meu queixo e puxei o ar para falar, mas quando bati os olhos em Jungkook, eu senti a ausência das palavras, e todo discurso que ensaiei... foi por água abaixo.
Ele estava dançando e interpretando divinamente; Begin materializava-se a cada movimento de mãos, braços e pernas sincronizados. As feições e gestos eram precisas e era visível toda entrega do Maknae na performance.
Eu reparava na sua dedicação e em como os ângulos eram perfeitos, totalmente sincronizados com a batida da música. Até os momentos de interpretação, no qual não haviam movimentos fixos em si, Jungkook executava com visível perfeição. Eu estava completamente absorta naquela pequena demonstração, pensando em como ele era capaz de fazer algo tão cirurgicamente bem, mesmo depois de exaustivas horas de trabalho.
Num dado momento, ele fez um movimento rápido e brusco, e eu prendi o ar ao prever o que aconteceu um segundo depois: ele havia desequilibrado e caiu no chão, segurando o tornozelo e reclamando de dor. Aquele movimento exigiu mais de si, e só de ver o ângulo que o pé fez, acabei prendendo a respiração e me assustando por ele, deixando a garrafa do chá gelado cair no chão.
Instantaneamente tive seus olhos sobre mim.
E foi ali que eu percebi que estava bisbilhotando o ensaio dele igual uma paparazzi, sendo pega totalmente no flagra. Não dava para fugir, muito menos diante da situação na qual ele se encontrava, sendo a única opção, colocar a vergonha de lado, e ir ajudá-lo.
Céus, era tudo que eu precisava: ficar de cara com o rapaz que provavelmente teria mais medo de mim agora, me achando a maluca voyer.
Se estivesse presente naquele exato momento, estaria rindo de mim e dando tapinhas no ombro, dizendo “É, amiga. Parece que você se deu bem”.
“Só que não.”, eu diria. Que mico!
Capítulo III - Reflection
Abri e fechei a boca várias vezes enquanto ele me olhava com um misto de surpresa e dor. Abanei a cabeça e peguei o chá gelado do chão, me apressando em sua direção. Ele me acompanhou com o olhar, ainda sem entender. Eu simplesmente deixei a refeição em cima de uma cadeira próxima ao espelho e levei a garrafa até si, ajoelhando enquanto o orientava.
— Você torceu? — Eu perguntei olhando dele para o tornozelo, e ele demorou a responder, assumindo o perfil Jungshook.
— Eu não sei, eu acho que não... Mas está doendo — ele explicou, sem evitar a feição de dor, e eu respirei fundo.
— Certo, pressione isso no local. E-Eu já volto! — Lhe entreguei a garrafa gelada e saí correndo em direção à minha mochila, na sala dos funcionários. Corri até ela e procurei a bisnaga que me acompanhava dia e noite, devido as dores nos ombros, de tensão. Voltei em tempo-recorde até a sala, e me ajoelhei novamente próximo à Jungkook, que me olhava confuso.
— O que vai fazer? — sua voz saiu engraçada e eu respondi enquanto desatarraxava a pomada, ainda ofegante.
— Vou passar um relaxante muscular no seu tornozelo e massageá-lo — expliquei sem fazer contato visual, apenas colocando uma quantidade apropriada para o tratamento. Jungkook afastou a mão e subiu levemente a calça, expondo o tornozelo que aparentemente, não apresentava nada de incomum. Ele esticou a perna e eu alcancei a região afetada, aplicando a pomada em movimentos circulares e precisos. Jungkook segurou a respiração de início, mas aos poucos senti seu corpo relaxar ao meu lado.
— Está doendo muito? — perguntei, tentando quebrar o gelo. Estava sentindo seu olhar sobre mim e eu estava ficando sem graça de perceber isso, mesmo mirando diretamente no tornozelo.
— Está melhorando... Fica quente e gelado, dá um alívio. O que é isso? — Ele perguntou com a cabeça levemente pro lado.
— Canela de velho — respondi no automático e ele me olhou com a cara mais engraçada de Jungshook que eu já tinha visto na vida. Eu ri inevitavelmente e ele sorriu sem graça.
— Canela de velho?
— É como chamam na minha terra natal... É um tipo de planta, como a arnica, que ajuda nesses tipos de situação. Também serve para artrose, artrite, e por aí vai... — expliquei, sentindo clima amenizar e meus ombros deram uma relaxada, enquanto seguia nos meus “primeiros socorros”.
— Ah sim. Sua terra natal é o Brasil, né? — ele perguntou e eu estava massageando a parte lateral do tornozelo, quando o encarei surpresa.
— É sim. — E continuei olhando-o como quem quer saber de onde ele tirou aquela informação. Parece que ficou óbvio, e ele se apressou em responder.
— J-Hope comentou comigo. Gostamos muito de lá! — ele disse com um sorriso ameno e eu repeti seus gestos, voltando a olhar seu tornozelo.
— É um bom lugar... — respondi, me perguntando em que contexto J-Hope comentou com Jungkook sobre minha nacionalidade.
— Faz muito tempo que não visita? — ele indagou, curioso.
— Hm, faz uns dois anos desde a última vez... As passagens são muito caras, então só é possível com muito planejamento e organização financeira. Essa parte final ainda estou aprendendo, sabe? — comentei com uma careta e ele riu, demonstrando os dentes alinhados que eu tanto gostava de ver.
— Nossa turnê vai passar por lá, você já reparou? — A animação em sua voz foi tomando espaço e eu sorri, me sentindo contagiada.
— Sim! Já falei com minha família para separar o dinheiro dos ingressos! — respondi risonha e ele franziu o cenho, sorridente.
— Besteira! A gente consegue acesso para eles.
— Sério? — eu perguntei em choque e ele riu da minha cara. Provavelmente eu dei uma de Jungshook.
— Acho que é o mínimo que posso fazer por te obrigar a ficar além do seu horário... — ele coçou a ponta do nariz e eu sorri mais calma.
— Ah, tudo bem. Você também está além do seu horário. É por isso que vim trazer seu jantar — comentei, apontando com a cabeça para a marmita em cima da cadeira.
— Oh, então não estava me espionando? — ele indagou com um meio sorriso e eu senti meu rosto queimar em vergonha.
— N-Não! Eu não estava! Por favor, não me entenda mal! E-Eu... — E apontei para o chá gelado e para refeição, enquanto ele ria mais ainda da minha cara. Desgraçado lindo do caralho.
— Estou brincando! Deu para entender seu objetivo... — ele comentou, abrindo a garrafa da bebida e dando um gole considerável. Eu suspirei e voltei a massagear seu tornozelo, e admito que pesei um pouco mais a mão por me sentir sem graça. Logo pude ouvir Jungkook puxando o ar pela boca, como quem censura um gemido de dor e eu o encarei preocupada.
— É aqui que dói? — Perguntei ao movimentar os dedos na lateral do tornozelo e ele prendeu a respiração, afirmando apenas com um aceno. Respirei fundo e coloquei mais um pouco da pomada em minhas mãos, fazendo movimentos mais precisos na área.
— Onde você aprendeu isso? — ele perguntou depois de um tempo e eu levantei a cabeça para encará-lo, percebendo que nossos rostos estavam mais próximos do que antes. Notei que isso era devido ao fato dele ter apoiado a cabeça no braço que pairava em cima do joelho. Engoli a seco e dei de ombros, voltando a olhar para baixo.
— Tive uma torção severa no tornozelo esquerdo quando mais nova... Minha vida era fisioterapia, gelo e essas pomadas. Então aprendi alguns movimentos de automassagem para aliviar a dor em momentos difíceis.
— Você ainda sente dor? — Ele me encarou com pena e eu concordei com um sorriso sem mostrar os dentes.
— Dias frios são os piores. Eu quase rompi um dos ligamentos! Mas, consigo fazer tudo normal, felizmente.
— Hm... Entendi. Menos mal então.
— É...
Ficamos novamente num silêncio, até que eu terminei a massagem, soltando seu tornozelo com zelo e abaixando a barra da calça que estava na altura da canela. Mordi o canto da boca, ponderando se dizia o que estava em minha mente. Lembrei da preocupação dos meninos e suspirei... Alguém tinha que conscientizar o Maknae, ainda mais depois daquela torção, que provavelmente foi ocasionada por esforço excessivo em meio à exaustão.
Coloquei minhas mãos em meu colo e umedeci os lábios, encarando Jungkook receosa. Ele me olhou tentando entender o que eu queria fazer. Bufei comigo mesma, pensando que novamente estava me perdendo na beleza dele – e eu não estava ali para reparar nisso! Foco, !
— Sabe... você precisa pegar mais leve — falei depois de um tempo de silêncio. Ele me encarou com o cenho franzido e eu o olhei cautelosa. — Completar praticamente 15 horas de trabalho é exigir muito de si, não acha? — Eu poderia jurar que tinha me tornado a própria vovó Kang com aquele tom de voz, que não era nada rígido, mas pontual e sério.
— Eu preciso, — ele respondeu depois de um tempo com uma firmeza pouco vista de sua parte, e nem sequer se enrolou ao dizer meu nome. Um lado meu ficou feliz porque ele não precisou ler meu crachá. O outro tremeu na base pela pontuação quase irredutível em sua voz.
Acenei com a cabeça, prendendo meus lábios dentro da boca. O garoto era tinhoso, mas eu era mais.
— Eu não sou ninguém para dizer como você deve trabalhar, Jungkook. Não me entenda mal, eu não sei a pressão que sofre para atingir a perfeição, eu posso apenas imaginar. Mas meu trabalho também consiste em garantir o seu bem estar... e dos meninos. Foi por isso que vim trazer seu jantar. Você não come nada desde meio-dia... — Minha voz saiu mais baixa do que de costume, e eu alternava os olhares entre ele e o tornozelo, enquanto gesticulava com calma.
Ele suspirou depois de um tempo, e encarou o chão, resignado.
— Eu sei. É só que... Às vezes, é mais forte que eu, sabe? São coisas bobas, detalhes, mas que fazem toda a diferença! E eu simplesmente não consigo abrir mão até tudo estar perfeito. Esse ímpeto de querer acertar...
— Acertar sempre? É, eu sei... — respondi sorrindo sem humor e ele me encarou curioso.
— Sabe?
— Claro! Seria uma virginiana de araque se não soubesse — comentei rindo e ele arregalou levemente os olhos.
— Você também é do signo de virgem? — Acenei positivamente e ele continuou. — Qual dia?
— Primeiro de setembro — falei sem graça, já sabendo que ele ficaria surpreso, por ser o mesmo dia de seu aniversário.
— Tá brincando! Sério? É o meu também! — ele exclamou sorridente e eu imitei seus gestos, concordando.
— Eu sei, somos xarás de aniversário. — Ele riu e logo voltou a ser o Jungkook que conhecia.
— Quantos anos você tem? — ele perguntou e eu sorri sem mostrar os dentes.
— Tenho 23. Ou melhor, 24, com a idade coreana — falei, me lembrando deste detalhe. Às vezes eu dava cada escorregada.
— Uou! Sério? — ele perguntou surpreso e eu afirmei com a cabeça, achando graça da sua reação.
Quando dei por mim, Jungkook, me encarou por um momento e em seguida, fez uma saudação em respeito, por eu ser mais velha. Fiquei tão sem graça dizendo que não precisava daquilo, sorrindo amarelo. Não soube o que fazer além de repetir o ato respeitoso, e ele riu da minha timidez e dos meus movimentos rápidos, demonstrando desespero.
— Você não sabe lidar muito bem com isso, né? — Jungkook me perguntou com a cara desconfiada e eu sorri, dando de ombros e negando com a cabeça.
— Não mesmo! Apesar de ter herança coreana, eu sou inegavelmente brasileira, e lá não temos esse costume. Às vezes é meio estranho para mim, mesmo depois de anos aqui em Seoul. Mas preciso acertar isso. Isso e tantas outras coisas, se quiser continuar no ramo — respondi com uma cara de “culpada” e ele concordou, me olhando como quem admira uma paisagem.
— É seu primeiro emprego? — ele perguntou com uma cara engraçada e eu mordisquei o lábio inferior, concordando.
— Oficialmente, sim. Está muito visível meu nervosismo? — indaguei com a voz baixa e ele deu uma pequena risada, acenando com a cabeça.
— Um pouco. Digamos que você não consegue disfarçar muito a preocupação.
— É, bem... Eu fico meio assim quando estou sob pressão. — Ele me olhou por um tempo e assumiu uma postura acolhedora.
— Olha, fica tranquila. Eu sei que parece um bicho de sete cabeças, e talvez em algum sentido seja, mas não se esqueça: você está aqui por um bom motivo... Não seria contratada se realmente não fosse capaz. Além do mais, somos pessoas normais que precisam do seu trabalho para que o nosso dê certo. Então na verdade, somos gratos por todo seu empenho. Não tenho dúvidas de que você vai se sair bem.
Eu fiquei levemente chocada com as palavras acolhedoras de Jungkook, sem exatamente saber como reagir além de sorrir igual uma idiota.
— Eu nem sei como agradecer. De verdade, é muito importante para mim ouvir isso. Vou guardar com carinho tudo que me disse e espero estar à altura de vocês — respondi o que sentia dentro de mim, e Jungkook deu um sorriso aberto, digno de um idol.
— É, bem. Eu repito o que disseram para mim quando estávamos no começo da carreira. E apesar de me sentir um eterno novato toda vez que subo num palco, é importante lembrarmos que estamos ali por um motivo. No meu caso, não só pela minha capacidade, mas porque pessoas como você fazem o seu trabalho... e além, né. — Ele apontou com o queixo para seu tornozelo, enquanto prendia uma risada e eu ri sem graça.
— É... Acho que você tem razão. Se sentindo melhor? — perguntei e apontei para o machucado, e em resposta, ele esticou a perna, ergueu levemente e fez movimentos rotativos com o pé.
— Ainda dói, mas bem menos! Vamos providenciar caixas de canela de velho para a turnê — e respondeu com um sorriso galanteador e eu gargalhei de fechar os olhos.
— Bom, eu prometi ao RM que faria você comer todo seu jantar, até limpar o prato. São 22:10. Que tal me ajudar a cumprir a promessa? — Ele me encarou com a sobrancelha arqueada e um mínimo sorriso. Deu de ombros e concordou.
— Certo, mas com uma condição.
— Qual? — Indaguei curiosa.
— Que você coma também.
— O-O que? Não, que isso! Logo mais estarei em casa, não precisa.
— Por favor! Prometo levar aquela marmita para casa e não estragá-la, mas agora podemos comer algo fresco e gostoso! E, bem... É uma forma de agradecimento. Que tal? — Eu olhei com receio para si, e engoli com dificuldade.
— E-Eu não sei, Jungkook...
— A não ser que você não queira minha companhia... — ele disse fazendo cara de cão sem dono e eu me apressei em explicar.
— Não é isso! É só que... Você sabe. Eu não sei o que diriam caso nos vissem. Imagina se tem algum paparazzi, ou algo do tipo? Já imaginou a capa do jornal? “Staff brasileira abusada janta com novinho do BTS”. Imagina o caos? — eu falei sem exatamente filtrar e ele me olhou por cinco segundos antes de cair na risada. — O que...
— Novinho do BTS? Essa eu nunca ouvi. Então é assim que as b-armys me chamam? — ele perguntou com graça no olhar e eu suspirei prendendo o riso, querendo colocar minha cara debaixo da terra.
— O caçula, o mais novo... Você entendeu. O fato é: não seria visto com bons olhos — expliquei mais formalmente e ele continuou sorrindo de maneira sacana enquanto me encarava. Ficamos assim durante um tempo e eu sorri sem graça — O que foi?
— Estava pensando como reagiria se eu dissesse que a intenção era pedir delivery — ele falou dando de ombros e eu pisquei os olhos com a boca entreaberta. Jungkook começou a rir e eu sorri sem graça, sentindo meu rosto quente.
— Meu Deus, a vergonha... — comentei ainda sem acreditar no pequeno mico, e ele riu ainda mais com a minha fala.
— Depois dessa você vai ser obrigada a aceitar, — ele disse de braços cruzados e eu olhei para o relógio, coçando a nuca. Fui cercada pelo Maknae e ponderei por uns minutos antes de respondê-lo.
— Vamos fazer o seguinte? Eu aceito, mas outro dia. Você vai tomar um banho, vai levar sua refeição e comer em casa, escovar os dentes, e dormir. Amanhã o ensaio começa mais tarde, então aproveite para descansar. Combinado? — sugeri para si, e ele semicerrou os olhos brevemente, com uma careta no rosto.
— Você falou como uma Noona. Assustador. — Eu ri disso e percebi que sua feição suavizou.
— Junte o sol em virgem e a criação da vovó Kang, Jungkook. Estou até pegando leve com você — respondi levantando do chão e oferecendo a mão para que ele se levantasse.
— Imagine quando pegar pesado — ele respondeu no mesmo momento que nossas mãos se encontraram, e eu o ajudei a levantar.
Aquela frase na minha mente soou outra coisa, e eu precisei respirar fundo para não reparar nos traços do seu corpo diante de mim. Ele parecia não ter reparado no sentido dúbio de suas palavras, e apenas se espreguiçava como se eu não estivesse ali. Perdi alguns segundos tentando afastar meus pensamentos quentes e dizer alguma coisa que não evidenciasse minha cara sedenta pelo cujo dito.
— Hm, então... Não deixe de solicitar uma revisão médica para esse pé, ok?
— Sim senhora! — ele respondeu batendo continência e eu ri.
— Bom, então vou indo. Precisa de mais alguma coisa?
— Sim.
— O quê?
— Que você me dê o endereço de sua casa.
— Como é? — eu perguntei com o cenho franzido e ele fez cara de choque, arregalando os olhos e erguendo as mãos.
— N-Não me entenda mal! Nossa, essa frase ficou realmente mal colocada. — E engoliu a seco, respirando fundo e começando novamente. — Aceita uma carona, pelo menos? — e sorriu amarelo. Eu fiquei muito sem graça e neguei com a cabeça.
— Não, que isso! Você não precisa, e na verdade, nem é bom forçar seu pé para dirigir. Eu posso chamar um uber para você.
— E como você vai embora? — ele perguntou com o cenho franzido. Eu dei de ombros.
— Uber. — Ele suspirou e deu de ombros.
— Então: vou tomar um banho rápido, você me aguarda no saguão e eu te dou uma carona. Combinado?
— Você não vai dirig— eu estava respondendo quando fui interrompida pelo Maknae em gesto de rendição.
— De uber! De uber!
. Olhei para seu rosto, ponderando a possibilidade. Seria bom economizar a grana do uber e chegar bem em casa, mas não queria perder meu emprego.
Eu o olhei incerta e ele sorriu sem graça.
— Não contarei a ninguém, prometo. — O maknae pareceu ter lido minha mente e gesticulou como se mantivesse um segredo.
— Vai deixar o carro aqui? — ele concordou com um aceno e eu suspirei. — E se algum fã te vir? E se o motorista for fã? — O olhei atenta, e ele coçou a nuca, dando de ombros.
— Daremos um jeito, vai por mim.
Eu arqueei a sobrancelha, achando aquilo arriscado. Não poderia expô-lo desse jeito, ao tempo que ele não poderia dirigir com aquele pé; estava mancando levemente, e eu sabia que disfarçava a dor no local.
Eu não acredito que estava prestes a propor aquilo, mas contrariando tudo, eu propus:
— Se importa se eu dirigir seu carro? — perguntei de braços cruzados e ele levantou a sobrancelha. — Eu vou te deixar em casa e de lá pego um uber. Tá certo?
— Não precis—
— Por favor? Eu me sinto mais confortável assim, isso não prejudica nenhuma das partes e te preserva de imprevistos também.
Foi a vez do Maknae suspirar. Ele sorriu de lado e acenou com a cabeça.
— Ok então. Você venceu.
— Os Kangs sempre vencem. — Pisquei o olho marota e ele soltou uma risadinha.
— Bom, eu vou tomar o banho. Te encontro no lounge?
— Sim! Consegue caminhar até lá e tomar o banho em pé? — Vi que o rosto dele corou totalmente, fazendo com que ele respondesse rápido.
— Sim, sim! Dá para conciliar. — Eu estranhei o nervosismo, mas sorri gentilmente.
— Certo, qualquer coisa grita! Vou pegar minhas coisas na sala de funcionários.
Ele sorriu com os dentes à vista, e foi em direção ao banheiro com sua mala. Eu estava buscando minha mochila e seguindo para o local de encontro, quando me toquei que a minha pergunta poderia ter sido interpretada de outra forma.
Será que ele pensou que eu queria dar banho nele?
Não seria uma mentira, mas não era meu foco quando demonstrei preocupação.
Dei um tapa na minha testa, pensando em quantos atos falhos eu era capaz de proferir quando ficava nervosa – especialmente na presença de Jungkook.
Estava já aguardando no lounge, mexendo as penas ansiosamente ao pensar numa maneira de fingir que não tinha feito uma pergunta idiota, quando ouvi passos que chamaram a minha atenção.
— Vamos? — ele perguntou, me assustando com sua aparição depois de aproximadamente quinze minutos. Meu susto se tornou babação de ovo quando eu o encarei tão impecável diante de mim. Seu cabelo estava molhado, e ele carregava a mala da ADIDAS preta, com a refeição nas mãos.
Estava com um chapéu bucket preto, uma blusa verde musgo de mangas, uma jaqueta preta, calça jeans cinza e um vans preto nos pés.
A perfeição, meu pai.
Me senti mal por estar com o mesmo uniforme de sempre; calça jeans preta, blusa preta de staff, all-star clássico e o crachá.
Frustrada, acenei com a cabeça e fomos andando para o estacionamento subterrâneo.
Entramos no carro espaçonave, já que aquilo deveria ter que pagar IPTU ao invés de IPVA né? Eu jurava que cabia uma família inteira ali. Não achei surpresa a cor preta do carro, mas fiquei rindo que o painel tinha detalhes luminosos vermelhos, e de alguma forma me lembravam “Velozes e Furiosos”.
— O que foi? — Ele sorriu ao me ver rindo e eu abanei a cabeça.
— Nada, estou só... Espantada com a grandeza desse carro.
— Ele é incrível, né? — ele perguntou retoricamente, acariciando o painel, e eu tive que prender mais uma risada.
— Claro — respondi sem graça e ele nem reparou, olhando com carinho para seu automóvel.
— Preciso que me informe o endereço — comentei, colocando o cinto e ligando o carro. Ele sorriu e acionou no painel, escolhendo a opção que indicava “casa”. Rapidamente, o trajeto se fez; não era muito distante dali, e conforme ajeitei os retrovisores e o banco, prendi o cabelo em um coque, me declarando apta para dirigir.
— Então... vamos! — Sorri animada e Jungkook me olhava curioso, com um pequeno sorriso, apenas acenando em resposta.
Passamos os próximos vinte minutos comentando sobre como eu havia parado em Seoul. Expliquei por alto minha história, de vez em quando sendo interrompida com algumas piadas de Jungkook e achando aquilo o máximo. Ele era totalmente diferente do que eu pensava, ou do que tinha conhecido nos primeiros dias de staff. A timidez já não fazia tanta presença e ele parecia sentir-se à vontade em minha companhia.
Quando dei por mim, estava entrando na garagem de Jungkook, estacionando o carro logo em seguida.
— Olha, foi rápido! Você é uma boa motorista! — ele exclamou com um meio sorriso e eu dei de ombros.
— “O motorista tá de parabéns, ele foi e voltou, e não matou ninguém!” — Eu tentei cantarolar a costumeira canção de passeio da escola, só que em versão coreana, falhando miseravelmente. Jungkook me olhava com um misto de graça e estranheza, e eu abanei a mão no ar. — Esquece, tradições brasileiras. Explico outro dia.
— Eu vou cobrar — ele respondeu risonho, e eu suspirei.
Saímos do carro e eu já puxei o celular, digitando rápido o endereço de casa. Apesar de estar amando conhecê-lo mais a fundo, temia que qualquer um nos visse e aquilo fosse o fim da minha carreira.
Qualquer cuidado era pouco!
— Bom, muito obrigada pela carona, viu? E principalmente, obrigado por cuidar de mim — ele disse simplesmente e eu o encarei sem reação por alguns momentos, dando um sorriso sem graça logo depois.
— Imagina. Estamos aí para o que der e vier. Seu pé vai ficar bem.
— Obrigado, mas... Não é só sobre o pé, entende? Sei que se preocupa com tudo, então... Bem... Hm. — Ele olhou para o carro, apontando para o mesmo, depois para a rua, sem exatamente usar as palavras. Por fim, prendeu os lábios e os umedeceu lentamente, enquanto eu o encarava em expectativa. — Acho que o que quero dizer é obrigado — ele respondeu com a voz mais grave e curvou o tronco rapidamente, em saudação. Ele estava nitidamente corado e eu sorri tímida com sua gratidão. Ficava feliz com o fato dele reparar em meus esforços. Curvei levemente meu tronco e respirei fundo antes de responder.
— É um prazer estar por perto. Obrigada por sua gentileza e por suas palavras... — Eu respondi olhando em seus olhos por um tempo, até que pigarreei e lembrei de respirar, ao ouvir o celular vibrar. — Opa, parece que chegou. Está do outro lado da rua!
— Nossa, uber a jato! — ele disse enquanto sorria e eu concordei com um aceno.
— Bom, é isso. Até amanhã, Jungkook. Boa noite.
— Boa noite, . Descanse!
Senti minhas pernas bambearem enquanto ele mantinha os olhos em mim, mas acenei com a cabeça e dei um tchau com a mão, me virando para atravessar a rua e entrar no carro. Enquanto eu caminhava, uma parte de mim queria absurdamente virar para trás para ver se ele ainda estava lá, me olhando. Mas assim que fechei a porta do carro, percebi a silhueta de Jungkook ainda pairando em pé, diante da sua entrada.
Senti um sorriso brotar no meu rosto, feliz em tirar minha dúvida interna.
Cheguei em casa e graças a Deus percebi que Hyun-mee já estava dormindo, então aproveitei para beber uma água sem precisar disfarçar a cara de felicidade. Eu tinha suado todo líquido que ingeri naquele dia, tudo por causa do meu sistema nervoso. Talvez eu tivesse motivos o suficiente para aquilo, e não me surpreendi em ter matado quase 500 ml de água de uma só vez depois de tanta coisa vivida em pouquíssimo tempo.
Refletindo sobre a conversa que tivemos, pensei no que fiz para Deus para ter a chance de viver algo tão incrível quanto assessorar o BTS e de quebra, fazer amizade com os meninos e com... Jungkook. No fim, percebi que ele estava certo; as coisas não vinham de graça e eu era capaz de fazer um bom trabalho. Um trabalho que eu amava, com pessoas inacreditáveis como os meninos do grupo.
Não se tratava apenas de sorte; tinha sangue, suor e lágrimas, como a própria música já indicava. Mas, sentindo todas as emoções que me perpassavam naquele momento, eu sabia que acima de tudo, havia mágica.
Muita mágica, em sonhos que se tornavam realidade.
— Você torceu? — Eu perguntei olhando dele para o tornozelo, e ele demorou a responder, assumindo o perfil Jungshook.
— Eu não sei, eu acho que não... Mas está doendo — ele explicou, sem evitar a feição de dor, e eu respirei fundo.
— Certo, pressione isso no local. E-Eu já volto! — Lhe entreguei a garrafa gelada e saí correndo em direção à minha mochila, na sala dos funcionários. Corri até ela e procurei a bisnaga que me acompanhava dia e noite, devido as dores nos ombros, de tensão. Voltei em tempo-recorde até a sala, e me ajoelhei novamente próximo à Jungkook, que me olhava confuso.
— O que vai fazer? — sua voz saiu engraçada e eu respondi enquanto desatarraxava a pomada, ainda ofegante.
— Vou passar um relaxante muscular no seu tornozelo e massageá-lo — expliquei sem fazer contato visual, apenas colocando uma quantidade apropriada para o tratamento. Jungkook afastou a mão e subiu levemente a calça, expondo o tornozelo que aparentemente, não apresentava nada de incomum. Ele esticou a perna e eu alcancei a região afetada, aplicando a pomada em movimentos circulares e precisos. Jungkook segurou a respiração de início, mas aos poucos senti seu corpo relaxar ao meu lado.
— Está doendo muito? — perguntei, tentando quebrar o gelo. Estava sentindo seu olhar sobre mim e eu estava ficando sem graça de perceber isso, mesmo mirando diretamente no tornozelo.
— Está melhorando... Fica quente e gelado, dá um alívio. O que é isso? — Ele perguntou com a cabeça levemente pro lado.
— Canela de velho — respondi no automático e ele me olhou com a cara mais engraçada de Jungshook que eu já tinha visto na vida. Eu ri inevitavelmente e ele sorriu sem graça.
— Canela de velho?
— É como chamam na minha terra natal... É um tipo de planta, como a arnica, que ajuda nesses tipos de situação. Também serve para artrose, artrite, e por aí vai... — expliquei, sentindo clima amenizar e meus ombros deram uma relaxada, enquanto seguia nos meus “primeiros socorros”.
— Ah sim. Sua terra natal é o Brasil, né? — ele perguntou e eu estava massageando a parte lateral do tornozelo, quando o encarei surpresa.
— É sim. — E continuei olhando-o como quem quer saber de onde ele tirou aquela informação. Parece que ficou óbvio, e ele se apressou em responder.
— J-Hope comentou comigo. Gostamos muito de lá! — ele disse com um sorriso ameno e eu repeti seus gestos, voltando a olhar seu tornozelo.
— É um bom lugar... — respondi, me perguntando em que contexto J-Hope comentou com Jungkook sobre minha nacionalidade.
— Faz muito tempo que não visita? — ele indagou, curioso.
— Hm, faz uns dois anos desde a última vez... As passagens são muito caras, então só é possível com muito planejamento e organização financeira. Essa parte final ainda estou aprendendo, sabe? — comentei com uma careta e ele riu, demonstrando os dentes alinhados que eu tanto gostava de ver.
— Nossa turnê vai passar por lá, você já reparou? — A animação em sua voz foi tomando espaço e eu sorri, me sentindo contagiada.
— Sim! Já falei com minha família para separar o dinheiro dos ingressos! — respondi risonha e ele franziu o cenho, sorridente.
— Besteira! A gente consegue acesso para eles.
— Sério? — eu perguntei em choque e ele riu da minha cara. Provavelmente eu dei uma de Jungshook.
— Acho que é o mínimo que posso fazer por te obrigar a ficar além do seu horário... — ele coçou a ponta do nariz e eu sorri mais calma.
— Ah, tudo bem. Você também está além do seu horário. É por isso que vim trazer seu jantar — comentei, apontando com a cabeça para a marmita em cima da cadeira.
— Oh, então não estava me espionando? — ele indagou com um meio sorriso e eu senti meu rosto queimar em vergonha.
— N-Não! Eu não estava! Por favor, não me entenda mal! E-Eu... — E apontei para o chá gelado e para refeição, enquanto ele ria mais ainda da minha cara. Desgraçado lindo do caralho.
— Estou brincando! Deu para entender seu objetivo... — ele comentou, abrindo a garrafa da bebida e dando um gole considerável. Eu suspirei e voltei a massagear seu tornozelo, e admito que pesei um pouco mais a mão por me sentir sem graça. Logo pude ouvir Jungkook puxando o ar pela boca, como quem censura um gemido de dor e eu o encarei preocupada.
— É aqui que dói? — Perguntei ao movimentar os dedos na lateral do tornozelo e ele prendeu a respiração, afirmando apenas com um aceno. Respirei fundo e coloquei mais um pouco da pomada em minhas mãos, fazendo movimentos mais precisos na área.
— Onde você aprendeu isso? — ele perguntou depois de um tempo e eu levantei a cabeça para encará-lo, percebendo que nossos rostos estavam mais próximos do que antes. Notei que isso era devido ao fato dele ter apoiado a cabeça no braço que pairava em cima do joelho. Engoli a seco e dei de ombros, voltando a olhar para baixo.
— Tive uma torção severa no tornozelo esquerdo quando mais nova... Minha vida era fisioterapia, gelo e essas pomadas. Então aprendi alguns movimentos de automassagem para aliviar a dor em momentos difíceis.
— Você ainda sente dor? — Ele me encarou com pena e eu concordei com um sorriso sem mostrar os dentes.
— Dias frios são os piores. Eu quase rompi um dos ligamentos! Mas, consigo fazer tudo normal, felizmente.
— Hm... Entendi. Menos mal então.
— É...
Ficamos novamente num silêncio, até que eu terminei a massagem, soltando seu tornozelo com zelo e abaixando a barra da calça que estava na altura da canela. Mordi o canto da boca, ponderando se dizia o que estava em minha mente. Lembrei da preocupação dos meninos e suspirei... Alguém tinha que conscientizar o Maknae, ainda mais depois daquela torção, que provavelmente foi ocasionada por esforço excessivo em meio à exaustão.
Coloquei minhas mãos em meu colo e umedeci os lábios, encarando Jungkook receosa. Ele me olhou tentando entender o que eu queria fazer. Bufei comigo mesma, pensando que novamente estava me perdendo na beleza dele – e eu não estava ali para reparar nisso! Foco, !
— Sabe... você precisa pegar mais leve — falei depois de um tempo de silêncio. Ele me encarou com o cenho franzido e eu o olhei cautelosa. — Completar praticamente 15 horas de trabalho é exigir muito de si, não acha? — Eu poderia jurar que tinha me tornado a própria vovó Kang com aquele tom de voz, que não era nada rígido, mas pontual e sério.
— Eu preciso, — ele respondeu depois de um tempo com uma firmeza pouco vista de sua parte, e nem sequer se enrolou ao dizer meu nome. Um lado meu ficou feliz porque ele não precisou ler meu crachá. O outro tremeu na base pela pontuação quase irredutível em sua voz.
Acenei com a cabeça, prendendo meus lábios dentro da boca. O garoto era tinhoso, mas eu era mais.
— Eu não sou ninguém para dizer como você deve trabalhar, Jungkook. Não me entenda mal, eu não sei a pressão que sofre para atingir a perfeição, eu posso apenas imaginar. Mas meu trabalho também consiste em garantir o seu bem estar... e dos meninos. Foi por isso que vim trazer seu jantar. Você não come nada desde meio-dia... — Minha voz saiu mais baixa do que de costume, e eu alternava os olhares entre ele e o tornozelo, enquanto gesticulava com calma.
Ele suspirou depois de um tempo, e encarou o chão, resignado.
— Eu sei. É só que... Às vezes, é mais forte que eu, sabe? São coisas bobas, detalhes, mas que fazem toda a diferença! E eu simplesmente não consigo abrir mão até tudo estar perfeito. Esse ímpeto de querer acertar...
— Acertar sempre? É, eu sei... — respondi sorrindo sem humor e ele me encarou curioso.
— Sabe?
— Claro! Seria uma virginiana de araque se não soubesse — comentei rindo e ele arregalou levemente os olhos.
— Você também é do signo de virgem? — Acenei positivamente e ele continuou. — Qual dia?
— Primeiro de setembro — falei sem graça, já sabendo que ele ficaria surpreso, por ser o mesmo dia de seu aniversário.
— Tá brincando! Sério? É o meu também! — ele exclamou sorridente e eu imitei seus gestos, concordando.
— Eu sei, somos xarás de aniversário. — Ele riu e logo voltou a ser o Jungkook que conhecia.
— Quantos anos você tem? — ele perguntou e eu sorri sem mostrar os dentes.
— Tenho 23. Ou melhor, 24, com a idade coreana — falei, me lembrando deste detalhe. Às vezes eu dava cada escorregada.
— Uou! Sério? — ele perguntou surpreso e eu afirmei com a cabeça, achando graça da sua reação.
Quando dei por mim, Jungkook, me encarou por um momento e em seguida, fez uma saudação em respeito, por eu ser mais velha. Fiquei tão sem graça dizendo que não precisava daquilo, sorrindo amarelo. Não soube o que fazer além de repetir o ato respeitoso, e ele riu da minha timidez e dos meus movimentos rápidos, demonstrando desespero.
— Você não sabe lidar muito bem com isso, né? — Jungkook me perguntou com a cara desconfiada e eu sorri, dando de ombros e negando com a cabeça.
— Não mesmo! Apesar de ter herança coreana, eu sou inegavelmente brasileira, e lá não temos esse costume. Às vezes é meio estranho para mim, mesmo depois de anos aqui em Seoul. Mas preciso acertar isso. Isso e tantas outras coisas, se quiser continuar no ramo — respondi com uma cara de “culpada” e ele concordou, me olhando como quem admira uma paisagem.
— É seu primeiro emprego? — ele perguntou com uma cara engraçada e eu mordisquei o lábio inferior, concordando.
— Oficialmente, sim. Está muito visível meu nervosismo? — indaguei com a voz baixa e ele deu uma pequena risada, acenando com a cabeça.
— Um pouco. Digamos que você não consegue disfarçar muito a preocupação.
— É, bem... Eu fico meio assim quando estou sob pressão. — Ele me olhou por um tempo e assumiu uma postura acolhedora.
— Olha, fica tranquila. Eu sei que parece um bicho de sete cabeças, e talvez em algum sentido seja, mas não se esqueça: você está aqui por um bom motivo... Não seria contratada se realmente não fosse capaz. Além do mais, somos pessoas normais que precisam do seu trabalho para que o nosso dê certo. Então na verdade, somos gratos por todo seu empenho. Não tenho dúvidas de que você vai se sair bem.
Eu fiquei levemente chocada com as palavras acolhedoras de Jungkook, sem exatamente saber como reagir além de sorrir igual uma idiota.
— Eu nem sei como agradecer. De verdade, é muito importante para mim ouvir isso. Vou guardar com carinho tudo que me disse e espero estar à altura de vocês — respondi o que sentia dentro de mim, e Jungkook deu um sorriso aberto, digno de um idol.
— É, bem. Eu repito o que disseram para mim quando estávamos no começo da carreira. E apesar de me sentir um eterno novato toda vez que subo num palco, é importante lembrarmos que estamos ali por um motivo. No meu caso, não só pela minha capacidade, mas porque pessoas como você fazem o seu trabalho... e além, né. — Ele apontou com o queixo para seu tornozelo, enquanto prendia uma risada e eu ri sem graça.
— É... Acho que você tem razão. Se sentindo melhor? — perguntei e apontei para o machucado, e em resposta, ele esticou a perna, ergueu levemente e fez movimentos rotativos com o pé.
— Ainda dói, mas bem menos! Vamos providenciar caixas de canela de velho para a turnê — e respondeu com um sorriso galanteador e eu gargalhei de fechar os olhos.
— Bom, eu prometi ao RM que faria você comer todo seu jantar, até limpar o prato. São 22:10. Que tal me ajudar a cumprir a promessa? — Ele me encarou com a sobrancelha arqueada e um mínimo sorriso. Deu de ombros e concordou.
— Certo, mas com uma condição.
— Qual? — Indaguei curiosa.
— Que você coma também.
— O-O que? Não, que isso! Logo mais estarei em casa, não precisa.
— Por favor! Prometo levar aquela marmita para casa e não estragá-la, mas agora podemos comer algo fresco e gostoso! E, bem... É uma forma de agradecimento. Que tal? — Eu olhei com receio para si, e engoli com dificuldade.
— E-Eu não sei, Jungkook...
— A não ser que você não queira minha companhia... — ele disse fazendo cara de cão sem dono e eu me apressei em explicar.
— Não é isso! É só que... Você sabe. Eu não sei o que diriam caso nos vissem. Imagina se tem algum paparazzi, ou algo do tipo? Já imaginou a capa do jornal? “Staff brasileira abusada janta com novinho do BTS”. Imagina o caos? — eu falei sem exatamente filtrar e ele me olhou por cinco segundos antes de cair na risada. — O que...
— Novinho do BTS? Essa eu nunca ouvi. Então é assim que as b-armys me chamam? — ele perguntou com graça no olhar e eu suspirei prendendo o riso, querendo colocar minha cara debaixo da terra.
— O caçula, o mais novo... Você entendeu. O fato é: não seria visto com bons olhos — expliquei mais formalmente e ele continuou sorrindo de maneira sacana enquanto me encarava. Ficamos assim durante um tempo e eu sorri sem graça — O que foi?
— Estava pensando como reagiria se eu dissesse que a intenção era pedir delivery — ele falou dando de ombros e eu pisquei os olhos com a boca entreaberta. Jungkook começou a rir e eu sorri sem graça, sentindo meu rosto quente.
— Meu Deus, a vergonha... — comentei ainda sem acreditar no pequeno mico, e ele riu ainda mais com a minha fala.
— Depois dessa você vai ser obrigada a aceitar, — ele disse de braços cruzados e eu olhei para o relógio, coçando a nuca. Fui cercada pelo Maknae e ponderei por uns minutos antes de respondê-lo.
— Vamos fazer o seguinte? Eu aceito, mas outro dia. Você vai tomar um banho, vai levar sua refeição e comer em casa, escovar os dentes, e dormir. Amanhã o ensaio começa mais tarde, então aproveite para descansar. Combinado? — sugeri para si, e ele semicerrou os olhos brevemente, com uma careta no rosto.
— Você falou como uma Noona. Assustador. — Eu ri disso e percebi que sua feição suavizou.
— Junte o sol em virgem e a criação da vovó Kang, Jungkook. Estou até pegando leve com você — respondi levantando do chão e oferecendo a mão para que ele se levantasse.
— Imagine quando pegar pesado — ele respondeu no mesmo momento que nossas mãos se encontraram, e eu o ajudei a levantar.
Aquela frase na minha mente soou outra coisa, e eu precisei respirar fundo para não reparar nos traços do seu corpo diante de mim. Ele parecia não ter reparado no sentido dúbio de suas palavras, e apenas se espreguiçava como se eu não estivesse ali. Perdi alguns segundos tentando afastar meus pensamentos quentes e dizer alguma coisa que não evidenciasse minha cara sedenta pelo cujo dito.
— Hm, então... Não deixe de solicitar uma revisão médica para esse pé, ok?
— Sim senhora! — ele respondeu batendo continência e eu ri.
— Bom, então vou indo. Precisa de mais alguma coisa?
— Sim.
— O quê?
— Que você me dê o endereço de sua casa.
— Como é? — eu perguntei com o cenho franzido e ele fez cara de choque, arregalando os olhos e erguendo as mãos.
— N-Não me entenda mal! Nossa, essa frase ficou realmente mal colocada. — E engoliu a seco, respirando fundo e começando novamente. — Aceita uma carona, pelo menos? — e sorriu amarelo. Eu fiquei muito sem graça e neguei com a cabeça.
— Não, que isso! Você não precisa, e na verdade, nem é bom forçar seu pé para dirigir. Eu posso chamar um uber para você.
— E como você vai embora? — ele perguntou com o cenho franzido. Eu dei de ombros.
— Uber. — Ele suspirou e deu de ombros.
— Então: vou tomar um banho rápido, você me aguarda no saguão e eu te dou uma carona. Combinado?
— Você não vai dirig— eu estava respondendo quando fui interrompida pelo Maknae em gesto de rendição.
— De uber! De uber!
. Olhei para seu rosto, ponderando a possibilidade. Seria bom economizar a grana do uber e chegar bem em casa, mas não queria perder meu emprego.
Eu o olhei incerta e ele sorriu sem graça.
— Não contarei a ninguém, prometo. — O maknae pareceu ter lido minha mente e gesticulou como se mantivesse um segredo.
— Vai deixar o carro aqui? — ele concordou com um aceno e eu suspirei. — E se algum fã te vir? E se o motorista for fã? — O olhei atenta, e ele coçou a nuca, dando de ombros.
— Daremos um jeito, vai por mim.
Eu arqueei a sobrancelha, achando aquilo arriscado. Não poderia expô-lo desse jeito, ao tempo que ele não poderia dirigir com aquele pé; estava mancando levemente, e eu sabia que disfarçava a dor no local.
Eu não acredito que estava prestes a propor aquilo, mas contrariando tudo, eu propus:
— Se importa se eu dirigir seu carro? — perguntei de braços cruzados e ele levantou a sobrancelha. — Eu vou te deixar em casa e de lá pego um uber. Tá certo?
— Não precis—
— Por favor? Eu me sinto mais confortável assim, isso não prejudica nenhuma das partes e te preserva de imprevistos também.
Foi a vez do Maknae suspirar. Ele sorriu de lado e acenou com a cabeça.
— Ok então. Você venceu.
— Os Kangs sempre vencem. — Pisquei o olho marota e ele soltou uma risadinha.
— Bom, eu vou tomar o banho. Te encontro no lounge?
— Sim! Consegue caminhar até lá e tomar o banho em pé? — Vi que o rosto dele corou totalmente, fazendo com que ele respondesse rápido.
— Sim, sim! Dá para conciliar. — Eu estranhei o nervosismo, mas sorri gentilmente.
— Certo, qualquer coisa grita! Vou pegar minhas coisas na sala de funcionários.
Ele sorriu com os dentes à vista, e foi em direção ao banheiro com sua mala. Eu estava buscando minha mochila e seguindo para o local de encontro, quando me toquei que a minha pergunta poderia ter sido interpretada de outra forma.
Será que ele pensou que eu queria dar banho nele?
Não seria uma mentira, mas não era meu foco quando demonstrei preocupação.
Dei um tapa na minha testa, pensando em quantos atos falhos eu era capaz de proferir quando ficava nervosa – especialmente na presença de Jungkook.
Estava já aguardando no lounge, mexendo as penas ansiosamente ao pensar numa maneira de fingir que não tinha feito uma pergunta idiota, quando ouvi passos que chamaram a minha atenção.
— Vamos? — ele perguntou, me assustando com sua aparição depois de aproximadamente quinze minutos. Meu susto se tornou babação de ovo quando eu o encarei tão impecável diante de mim. Seu cabelo estava molhado, e ele carregava a mala da ADIDAS preta, com a refeição nas mãos.
Estava com um chapéu bucket preto, uma blusa verde musgo de mangas, uma jaqueta preta, calça jeans cinza e um vans preto nos pés.
A perfeição, meu pai.
Me senti mal por estar com o mesmo uniforme de sempre; calça jeans preta, blusa preta de staff, all-star clássico e o crachá.
Frustrada, acenei com a cabeça e fomos andando para o estacionamento subterrâneo.
Entramos no carro espaçonave, já que aquilo deveria ter que pagar IPTU ao invés de IPVA né? Eu jurava que cabia uma família inteira ali. Não achei surpresa a cor preta do carro, mas fiquei rindo que o painel tinha detalhes luminosos vermelhos, e de alguma forma me lembravam “Velozes e Furiosos”.
— O que foi? — Ele sorriu ao me ver rindo e eu abanei a cabeça.
— Nada, estou só... Espantada com a grandeza desse carro.
— Ele é incrível, né? — ele perguntou retoricamente, acariciando o painel, e eu tive que prender mais uma risada.
— Claro — respondi sem graça e ele nem reparou, olhando com carinho para seu automóvel.
— Preciso que me informe o endereço — comentei, colocando o cinto e ligando o carro. Ele sorriu e acionou no painel, escolhendo a opção que indicava “casa”. Rapidamente, o trajeto se fez; não era muito distante dali, e conforme ajeitei os retrovisores e o banco, prendi o cabelo em um coque, me declarando apta para dirigir.
— Então... vamos! — Sorri animada e Jungkook me olhava curioso, com um pequeno sorriso, apenas acenando em resposta.
Passamos os próximos vinte minutos comentando sobre como eu havia parado em Seoul. Expliquei por alto minha história, de vez em quando sendo interrompida com algumas piadas de Jungkook e achando aquilo o máximo. Ele era totalmente diferente do que eu pensava, ou do que tinha conhecido nos primeiros dias de staff. A timidez já não fazia tanta presença e ele parecia sentir-se à vontade em minha companhia.
Quando dei por mim, estava entrando na garagem de Jungkook, estacionando o carro logo em seguida.
— Olha, foi rápido! Você é uma boa motorista! — ele exclamou com um meio sorriso e eu dei de ombros.
— “O motorista tá de parabéns, ele foi e voltou, e não matou ninguém!” — Eu tentei cantarolar a costumeira canção de passeio da escola, só que em versão coreana, falhando miseravelmente. Jungkook me olhava com um misto de graça e estranheza, e eu abanei a mão no ar. — Esquece, tradições brasileiras. Explico outro dia.
— Eu vou cobrar — ele respondeu risonho, e eu suspirei.
Saímos do carro e eu já puxei o celular, digitando rápido o endereço de casa. Apesar de estar amando conhecê-lo mais a fundo, temia que qualquer um nos visse e aquilo fosse o fim da minha carreira.
Qualquer cuidado era pouco!
— Bom, muito obrigada pela carona, viu? E principalmente, obrigado por cuidar de mim — ele disse simplesmente e eu o encarei sem reação por alguns momentos, dando um sorriso sem graça logo depois.
— Imagina. Estamos aí para o que der e vier. Seu pé vai ficar bem.
— Obrigado, mas... Não é só sobre o pé, entende? Sei que se preocupa com tudo, então... Bem... Hm. — Ele olhou para o carro, apontando para o mesmo, depois para a rua, sem exatamente usar as palavras. Por fim, prendeu os lábios e os umedeceu lentamente, enquanto eu o encarava em expectativa. — Acho que o que quero dizer é obrigado — ele respondeu com a voz mais grave e curvou o tronco rapidamente, em saudação. Ele estava nitidamente corado e eu sorri tímida com sua gratidão. Ficava feliz com o fato dele reparar em meus esforços. Curvei levemente meu tronco e respirei fundo antes de responder.
— É um prazer estar por perto. Obrigada por sua gentileza e por suas palavras... — Eu respondi olhando em seus olhos por um tempo, até que pigarreei e lembrei de respirar, ao ouvir o celular vibrar. — Opa, parece que chegou. Está do outro lado da rua!
— Nossa, uber a jato! — ele disse enquanto sorria e eu concordei com um aceno.
— Bom, é isso. Até amanhã, Jungkook. Boa noite.
— Boa noite, . Descanse!
Senti minhas pernas bambearem enquanto ele mantinha os olhos em mim, mas acenei com a cabeça e dei um tchau com a mão, me virando para atravessar a rua e entrar no carro. Enquanto eu caminhava, uma parte de mim queria absurdamente virar para trás para ver se ele ainda estava lá, me olhando. Mas assim que fechei a porta do carro, percebi a silhueta de Jungkook ainda pairando em pé, diante da sua entrada.
Senti um sorriso brotar no meu rosto, feliz em tirar minha dúvida interna.
Cheguei em casa e graças a Deus percebi que Hyun-mee já estava dormindo, então aproveitei para beber uma água sem precisar disfarçar a cara de felicidade. Eu tinha suado todo líquido que ingeri naquele dia, tudo por causa do meu sistema nervoso. Talvez eu tivesse motivos o suficiente para aquilo, e não me surpreendi em ter matado quase 500 ml de água de uma só vez depois de tanta coisa vivida em pouquíssimo tempo.
Refletindo sobre a conversa que tivemos, pensei no que fiz para Deus para ter a chance de viver algo tão incrível quanto assessorar o BTS e de quebra, fazer amizade com os meninos e com... Jungkook. No fim, percebi que ele estava certo; as coisas não vinham de graça e eu era capaz de fazer um bom trabalho. Um trabalho que eu amava, com pessoas inacreditáveis como os meninos do grupo.
Não se tratava apenas de sorte; tinha sangue, suor e lágrimas, como a própria música já indicava. Mas, sentindo todas as emoções que me perpassavam naquele momento, eu sabia que acima de tudo, havia mágica.
Muita mágica, em sonhos que se tornavam realidade.
Capítulo IV - 21st Century Girl
— Bom dia, flor do dia! — Hyun-mee falou com um sorriso de orelha a orelha enquanto eu corria de um lado para o outro catando meus pertences.
— Dia! — berrei de volta, colocando a blusa dentro dos jeans, ao mesmo tempo que calçava o tênis, toda desajeitada.
— Alguém dormiu mais que a cama? — ela perguntou com a sobrancelha erguida e eu rolei os olhos.
— Eu estava exausta, prima — expliquei sem muitas vontades, mas pela risada irônica de Huyn-mee, eu sabia que ela não iria findar o diálogo tão cedo.
— Dormiu demais ou chegou bem tarde ontem e dormiu quase nada?
Eu estava amarrando o tênis quando dei uma pequena congelada ao ouvir aquilo. Continuei amarrando com mais tranquilidade o cadarço e, após concluir, bati o pé no chão e cruzei os braços. Hyun-mee mantinha um sorriso sacana no rosto.
— Você tá me espionando, sua pirigótica? — comentei com um meio sorriso e ela gargalhou, movendo seu dedo indicador para um lado e para o outro.
— Não vem que não tem! Vai, me conta! Qual o motivo da sua insônia? É o roadie gatinho que a agenda não casava com a sua? — A animação na voz dela era notável, e eu ri, negando com a cabeça.
— Você tem uma mente muito fértil, prima. Faz um favor? Vamos logo se não a gente vai se atrasar de verdade. Só estamos no tempo porque não tomei café... — respondi de maneira evasiva, ajeitando o cabelo enquanto me olhava no espelho. Hyun-mee se aproximou com a testa franzida e me olhou pelo reflexo, visivelmente confusa.
— Era o roadie ou não?
Eu bufei ao ouvir aquilo, enquanto terminava meu coque. Coloquei as argolas pequenas e dei de ombros.
— Você tá fantasiando demais. Eu só cheguei tarde porque fiquei ajudando Jungkook. Ele torceu o pé ontem, acredita? — Olhei para Hyun-mee com o olhar sério e ela cobriu a boca com as mãos, surpresa.
— Mentira! Como foi isso? — Fiz uma careta em resposta e ajeitei a bolsa no ombro.
— Simples, pratique exaustivamente até o corpo não se aguentar em pé. Esse garoto vai dar trabalho... É muito teimoso. Tinha que ver! Enquanto eu passava a canela de velho no tornozelo, o abençoado ainda teve a audácia de reclamar, dizendo que as coisas tinham que ser dessa forma, que tudo precisava sair perfeito e que ele precisava se esforçar, e blá blá blá... Cabeça dura toda vida! — expliquei com a testa franzida, me sentindo irritada ao lembrar da teimosia do Maknae.
— E nenhuma semelhança com você, pelo visto. — Hyun-mee arqueou a sobrancelha e sorriu debochada. Fiquei emburrada com aquilo, pois talvez tivesse um pouquinho de verdade, mas minha prima logo voltou à feição confusa e me interrogou. — Espera, você disse canela de velho?
Nós duas nos olhamos por dois segundos e desatamos a rir. Expliquei rapidamente a situação enquanto saíamos de casa, e Hyun-mee não parava de achar graça.
— Eu queria ter sido uma mosquinha, cara! Imagina a cara dele no meio de uma chuva de cultura brasileira? Céus, essas coisas só acontecem quando eu não estou!
— No caso, ninguém estava né — retruquei enquanto caminhávamos para o ponto de ônibus. — Mas foi isso; eu fui até a casa dos meninos, deixei ele lá com aquele possante incrível, e depois voltei de uber. Cheguei tarde por causa disso — expliquei e Hyun-mee fez cara de compreensão.
Aproveitei que não havia sinal do nosso ônibus e peguei o rímel para dar uma levantada no visual. A verdade era que eu tinha chegado sim tarde da noite, entretanto, ainda demorei um tempo para dormir, e a ausência do descanso estava se fazendo presente bem debaixo dos meus olhos, nos quais eu já havia aplicado um corretivo babadeiro.
— Por acaso... alguém viu vocês? — A voz de Hyun-mee soou extremamente cautelosa, e por um momento olhei de soslaio, voltando a aplicar a máscara de cílios de forma atenta.
— Não se preocupe. Foi tudo estritamente profissional. Por isso que decidi levá-lo até a casa dele. O caçula queria pedir um uber e me deixar em casa, sabia?
— O que ele tem de bonito tem de ingênuo — ela riu descrente e eu concordei com um aceno, guardando os pertences ao visualizar o ônibus vindo em nossa direção.
— Pois é. Por isso dei uma volta na cidade depois do trabalho, para deixá-lo em casa e ir para a minha. Afinal de contas, tinha prometido ao RM que iria cuidar do Maknae. E promessa é dívida né.
— É, bem... Você fez uma boa ação — ela respondeu com uma cara frustrada e enquanto o ônibus parava diante de nós, eu resolvi questionar o desânimo.
— O que foi? Por que essa cara?
Entramos no transporte e sentamos em lugares vazios, um do lado do outro. Ela suspirou e deu de ombros, olhando o horizonte daquela manhã nublada.
— Preferia acreditar que você estava de caso com o roadie gatinho.
Eu gargalhei alto e neguei com a cabeça.
— Esquece ele, prima. Aliás, qualquer um, né? Pelo visto, todo tempo que eu teria para viver alguma dessas aventuras, está tomado por jovens do maior grupo de k-pop da atualidade, envolvendo horários, ensaios, preparativos e muitas canelas de velho.
Foi a vez de Hyun-mee rir alto e concordar. Eu catei meus fones de ouvido dentro da bolsa, pluguei no celular e dei play numa música calma, encostando a cabeça no ombro da outra staff do BTS, que me sorria desconfiada.
— Vai dormir?
— Eu preciso repor minhas energias de alguma forma...
— Eu não fiz teste pra travesseiro!
— Mas é igual cartão de crédito de loja, já vem pré-aprovado — resmunguei fechando os olhos, e Hyun-mee não fez nada senão rir levemente e deixar um carinho em minha cabeça, cedendo seu ombro como o lugar do meu descanso.
Parecia que eu tinha fechado os olhos por cinco segundos, mas logo fui acordada pela minha prima, e em pouco tempo, já estávamos no modo staff; saltamos do ônibus, caminhamos até a empresa, e já entramos no clima, analisando a grade horária do dia enquanto o resto da equipe se preparava para os afazeres.
Cerca de quase duas horas mais tarde, eu estava checando a organização dos espaços de ensaio dos rapazes, quando Hye-jun me chamou.
— Hey, ! Preciso que me faça um favor. Já acabou com essa parte? — ela perguntou apontando para o tablet.
— Sim, sim! Do que você precisa? — indaguei sorridente, terminando de dar ‘ok’ na planilha aberta.
— Bom, os meninos estão chegando, então solicitei que Hyun-mee os recebesse como sempre, só que dessa vez, eu farei sua parte, fazendo dupla com sua prima — ela respondeu rápido, sacando seu celular e observando a tela, digitando violentamente alguma mensagem.
Eu a olhei confusa e concordei receosa, esperando que ela continuasse. O silêncio que se permaneceu me fez perguntá-la.
— Tá bem, mas... Tem alguma questão específica? — indaguei e ela retirou os olhos do aparelho, me encarando com dúvida.
— Hã? Ah, sim, tem sim! Desculpe, correria! — ela sorriu levemente, guardando o celular e voltando a me olhar com firmeza. — É o seguinte: Jungkook precisou ir hoje cedo no médico fazer uns exames. Não se preocupe, ele está bem, mas parece que deu um jeito no pé! A princípio, não há nenhuma alteração de acordo com os resultados, mas o médico pediu que ele se poupasse um pouco por três dias e mantivesse alguns cuidados, como pé pro alto, compressa de gelo, massagens, essas coisas. Então, preciso que você o acompanhe enquanto ele estiver nessa situação, tudo bem? Estou te passando uma lista mais específica dos cuidados, remédios e horários dele, mas qualquer coisa, pode me gritar. Alguma dúvida?
— Hm... Não, tudo certo — retruquei sorrindo amarelo, e Hye-jun fez uma careta.
— Se quer um conselho, eu sugiro que você tenha bastante paciência, porque ele é meio perfeccionista, sabe? Não deve estar com o humor muito bom por ter que ficar meio parado por esses dias. Mas com certeza você dará conta disso! — E me deu uns tapinhas no ombro com um sorriso de quem acabava de ferrar com a minha vida.
E eu apenas sorri de volta.
— Ah, claro! Sem problemas! Deixa comigo! — Vibrei com um misto de animação e medo, por motivos de: o quão exatamente ruim era o humor do Maknae quando ele era contrariado?
E então eu pensei em mim como uma virginiana contrariada.
— Sabia que poderia contar com você! Obrigada querida! — Hye-jun agradeceu e saiu andando, voltando a digitar no celular desesperadamente, e eu fiquei encarando o chão, perdida em pensamentos.
— Eu to fodida — dei um tapa na testa e respirei fundo, antes de ir atrás do Maknae.
Conforme Hye-jun disse, eles estavam chegando quando me posicionei do lado de Hyun-mee.
— Vai me abandonar hoje pra fazer au pair? — ela perguntou em português e eu rolei os olhos.
— Pára de graça, garota.
— Se bem que um chuchuzinho como o Golden Maknae... Não é tão ruim assim né? — ela perguntou com um sorriso disfarçado e uma leve cutucada de cotovelo em minha costela.
Eu concordava.
Concordava muito.
Concordava para um cacete.
Mas apenas engoli a seco e dei de ombros.
— Faz parte, né? Ossos do ofício!
— Ah, para que essa é a parte boa! E se você o vir sem blusa? — ela indagou com o olhar tarado e eu a olhei assustada.
— Ele torceu o pé, Hyun-mee!
— Sei lá! Vai que o médico precisa auscultar o pulmão, ou algo do tipo?
— Ele já foi no médico... — comentei com a testa apoiada na mão.
— Uma massagem nos ombros para relaxar, talvez?
— Esse é simplesmente o tipo de assunto que a gente não pode ter no período fértil, Hyun-mee! — briguei, me sentindo hipócrita ao imaginar Jungkook sem blusa, recebendo uma massagem diretamente das minhas mãos.
— Você também? Oh, isso é tão legal! Nossos ciclos são casadinhos! — ela bateu palminhas e eu ri balançando a cabeça.
— Cala a boca, eles estão chegando.
Ela se transformou na hora, adquirindo uma postura completamente profissional, com ar de quem sabia de tudo e de todos ali, capaz de solucionar os maiores problemas do mundo.
Eu admirava Hyun-mee por sua força e garra, sem necessariamente perder sua essência brincalhona e um tanto tarada. Era uma das coisas que definitivamente não me faziam sentir tanta falta de casa.
Conforme esperado, os meninos chegaram em dois carros pretos, tão grandes quanto uma casa. Por algum motivo inusitado, eu estava mais nervosa do que no meu primeiro dia, e pude constatar isso com facilidade ao sentir as palmas das mãos suando.
Elas raramente suam.
Só em casos extremos.
Tipo o que estava acontecendo naquele momento, em que o “motivo inusitado” saía do carro com auxílio dos parceiros de grupo.
Só de pensar que eu teria que ficar literalmente o tempo todo com Jungkook durante três dias, eu ficava mais nervosa do que de costume. Não sei se era pelo fato de estar perto de uma pessoa que eu achava bonita demais, ou até de certa forma inalcançável (pelo menos acreditava nisso há alguns dias)...
Ou se era apenas porque eu me encontrava em meu período fértil, e a beleza de Jungkook não ajudava em nada na concentração do meu trabalho – inferno de garoto lindo do caramba!
O rapaz era um pão, como diria vovó Kang, mas eu não poderia sequer tirar uma lasquinha e passar na manteiga, ou no requeijão.
A vida tinha dessas coisas, então só me restava manter um mantra bem profissional e focar no que importava: a recuperação do garoto teimoso e a reputação do meu trabalho.
Eu estava estatelada no lugar quando Hyun-mee deu uma cotovelada nada sutil nas minhas costelas.
— Ai! O que é? — acabei perguntando em português e ela indicou Jungkook com os olhos, enquanto sorria amarelo e falava entre os dentes.
— Vai ajudar o cara, ! — E meneou a cabeça para frente, me fazendo despertar dos devaneios.
Respirei fundo, ajeitei a postura e acelerei os passos; dessa vez eu não faria nenhuma besteira como no primeiro dia.
Pelo menos era o que eu esperava.
Me aproximei cumprimentando os meninos com o movimento costumeiro e dei um sorriso amigável.
— Bom dia, rapazes. Sejam bem-vindos!
— Bom dia, ! — J-Hope sorriu com o sol nos dentes, iluminando tudo e me contagiando pela sua energia. Eu apenas sorri de volta, balançando a cabeça.
— Bom dia! Gostei das argolas! — Jimin comentou apontando para os meus brincos e eu inconscientemente segurei minha orelha direita, sorrindo sem graça.
— Obrigada, fico feliz que tenha gostado!
— Eu tenho umas iguais, mas Taehyung vive roubando de mim — ele comentou como se estivesse contando um segredo e o outro logo retrucou.
— Ei! Eu ouvi isso! E as argolas são minhas! Você é quem vive roubando de mim! — V tinha um sorriso no rosto de parar qualquer trânsito, e vê-lo dando um tapinha em Jimin, que ria como uma criança, era de aquecer o coração.
Entretanto, a mudança de sensação cardíaca foi logo alterada com a pergunta do outro membro do BTS.
— Ei, fiquei sabendo que você quebrou as pernas do Jungkook porque ele te desobedeceu, é verdade? — Jin falou alto enquanto cruzava os braços e mantinha uma cara em falsa surpresa. Eu abri a boca em horror e logo ele, Suga e RM estavam rindo. J-Hope, Jimin e V já estavam mais a frente, entrando na empresa.
— Eu pedi para cuidar do menino, não para quebrá-lo, . Isso pode dar cadeia! — RM comentou assustado (de forma teatral) e eu neguei com a cabeça, rindo de nervoso. Felizmente, fui salva pelo gongo.
E que gongo, aliás.
— Vocês nunca se cansam de encher o saco da novata, não é? — Jungkook falou, se apoiando no pé bom enquanto arqueava uma sobrancelha. — Vamos logo, temos uma agenda para quitar. — E fez um sinal com a mão para que os meninos andassem, e os mesmos riram de sua postura de líder, apesar de ser o caçula.
— Ele torce o pé e fica se achando! — Suga comentou com ar de graça e Jin riu debochadamente.
— Deixa ele, vou esperar o pé melhorar para infernizar a vida desse jovem! — Jin segredou com um olhar suspeito e fez cara de quem estava montando um plano muito diabólico.
Jungkook olhou pra cima e ergueu as mãos.
— Universo, interceda por mim, pelo meu bem!
Todos riram e eu sorri com aquela pequena interação dos rapazes, tão bem humorados mesmo com o mundo pesando nas costas, com tanta pressão para que tudo seja perfeito.
Suga e Jin foram caminhando na frente, enquanto eu esperava que Jungkook fizesse o mesmo, mas ele não fez. O rapaz trocava olhares incisivos com RM, como se estivessem conversando silenciosamente, mas não estava funcionando muito bem o tal disfarce.
Felizmente, Suga fez a pergunta de um milhão de dólares.
— Vocês não vêm?
Eu olhei timidamente para o Maknae, afinal de contas, era também uma dúvida minha, que só estava acompanhando-o.
RM trincou um maxilar e fez um leve manejar de cabeça em minha direção, e eu me senti em estado de alerta com aquilo. Entretanto, nem tive tempo de pensar em mais nada, pois ao meu lado, Jungkook trazia a resolução de toda aquela situação.
— Hm... Então... Vão na frente! Eu preciso... resolver umas coisas com a ... à sós.
Eu não consegui disfarçar a surpresa e minhas sobrancelhas se ergueram ao ponto dos olhos se arregalarem, olhando de Jungkook para RM sem exatamente entender o que estava rolando.
Entretanto, RM fez cara de orgulho e nos cumprimentou com um rápido aceno, se retirando. Suga e Jin não perceberam o clima estranho e pareciam lidar com aquilo numa normalidade incomum... Como se até soubessem do que se tratava.
Como se a última a saber, fosse eu de fato.
Mesmo que a sensação fosse essa, era difícil ignorar o fato de que Jungkook estava nervoso; haja vista sua fala toda entrecortada pela timidez, algo que pensei já ter superado a princípio.
Ledo engano.
Logo, ficamos eu e Jungkook para trás, observando os rapazes se distanciarem e alcançarem Hyun-mee e Hye-jun, que os recebiam sorridentes. Não entendi ao certo o que o mais novo queria falar comigo, mas aguardei pacientemente ao seu lado – um tanto ansiosa, diga-se de passagem.
Eu inspirei fundo para tentar manter a calma e, sem perceber, fui fatalmente atingida pelo perfume de Jungkook, me fazendo ficar tonteada pelo aroma incrível que o rodeava.
Olhando de soslaio, percebi que o cabelo dele parecia levemente úmido, como se não tivesse secado logo após o banho. Aquela atmosfera que o envolvia me atraía de um jeito muito inconsciente e me cativava de verdade; apesar de se pressionar e ser um ótimo perfeccionista, o semblante alegre e até ingênuo dele me remetia à leveza, me fazendo pensar no tipo de pessoa simples e legal que ele era, no fim das contas.
Um tanto dedicado, era bacana pensar que Jungkook estava no lugar que merecia, honrosamente.
Sorri aberto quando sua visão parou em mim, e ele me retribuiu a ponto dos olhos quase fecharem.
— Er... Então, ... Dormiu bem?
Um pequeno frio se instalou na barriga ao sentí-lo meio nervoso. Poderia ser só impressão minha, mas eu achava graça até nisso! Aliás, já comentei o quão bonitinho meu nome soava em seu sotaque? Era realmente fofo.
Eu abri mais o sorriso, me sentindo bem alegre e idiota ao mesmo tempo.
— Dormi sim, Jungkook. E você? Como se sente? — Indiquei o olhar para o pé e ele fez o mesmo, coçando a nuca.
— Poderia estar melhor, mas o médico me deu uns puxões de orelha e bem... Parece que eu vou ter que segurar a minha onda mesmo. — Ele riu sem graça e eu sorri convencida, tentando quebrar aquele gelo.
— Ora, que coisa! Acho que já te disseram isso antes, sabia? — comentei com a voz melodiosa, colocando os braços pra trás e ele riu concordando.
— É, bem. É por isso que eu queria falar com você em particular. — Seu rosto apresentava uma seriedade incomum e eu me ajeitei no lugar, encorajando-o a falar.
— Sou toda ouvidos — respondi num tom baixo, observando sua feição. Ele respirou fundo e me olhou, começando a falar.
— O médico disse que eu fui prudente por não ter me esforçado mais, tanto nos ensaios quanto ao dirigir, já que eu não sabia o que tinha acontecido com meu pé e como proceder com ele a partir da torção. E... Bom, eu só não piorei minha situação porque você estava lá, e vai saber o que teria acontecido se não estivesse? Talvez eu pudesse até comprometer a turnê com minha teimosia, e eu jamais me perdoaria por isso... — O silêncio que habitou o ambiente após sua fala era real, e eu balbuciei uma réplica apenas por não saber o que dizer ao certo.
— Entendo... — comentei, ao vê-lo distraído encarando o chão. Ele ergueu o seu olhar ao meu, e seu semblante pesado deu lugar ao leve de sempre, deixando um sorriso tímido brotar nos cantos de seus lábios, logo antes de voltar a falar.
— A primeira coisa que fiz hoje de manhã foi pensar que as coisas poderiam ter sido bem diferentes sem a sua presença, e depois da visita médica, essa sensação apenas se confirmou; você foi incrível e isso é impagável. Então... Obrigado, mais uma vez.
Jungkook curvou-se cordialmente e eu não consegui não deixar o queixo cair; estava chocada com todas aquelas palavras ditas. Me senti quente, as bochechas provavelmente fritariam um ovo devido à temperatura, e eu engoli a seco depois de constatar que ele me observava com um semblante divertido – provavelmente achando graça do meu estado nítido de vergonha.
— Hm, então... Não se preocupe com isso. É meu trabalho, afinal de contas — respondi uma frase genérica e sorri sem graça, mas Jungkook negou com a cabeça e arqueou a sobrancelha novamente.
— Nós sabemos que você foi bem além do seu trabalho, e isso não passou despercebido, . Não se subestime; você foi bem mais que profissional. Você foi humana, e poder contar com sua atitude acolhedora foi algo decisivo para minha melhora. Simplesmente, não tem preço. E além disso, eu levaria uma repreensão rigorosa do Namjoon se não tivesse vindo agradecer pela sua atuação.
— Então você tá me agradecendo por pura e exclusivamente ameaças do líder do BTS? — perguntei divertida e ele abriu a boca com a maior cara de indignado, já deixando um biquinho brotar nas pontas dos lábios.
Simplesmente, adorável.
— Estou brincando! — expliquei risonha, e ele fez cara de tédio, cruzando os braços, mas depois sorriu cúmplice. — Pensa que só vocês podem caçoar da staff nova? Eu também tenho minhas artimanhas.
— É, bem. Acho que eu mereço depois do primeiro dia — ele se explicou rindo levemente e eu o acompanhei, olhando em seus olhos.
Sem perceber, umedeci os lábios e mordi o interior das bochechas, berrando mentalmente comigo, porque de alguma forma, estar ali tendo aquela conversa me trazia ótimas sensações.
O curioso era pensar que eu não fazia ideia de qual havia sido a última vez que senti isso.
Talvez na dança.
E pensar naquilo fez meu coração errar uma batida, e meu sorriso se amenizou. Aquele era um solo difícil de pisar, e eu definitivamente não faria aquilo no momento.
De certa forma, estava divagando sobre toda a loucura da minha vida atual, mas ainda mirando nos olhos de Jungkook, quando ele timidamente colocou a mão direita em meu ombro esquerdo, e quebrou o silêncio.
— Espero que algum dia eu possa lhe retribuir, .
Meus ouvidos ouviram aquilo e meu estado apenas piorou. Senti meus olhos percorrendo por sua face, reparando nos detalhes de seu semblante, sem achar nenhum traço de zombaria; apenas traços másculos, bem desenhados e muito atraentes.
Pensar em Jungkook sendo grato a mim, no meio do meu período fértil, era complicado. Eu era humana, como ele mesmo havia dito, e isso implicava numa jovem adulta convivendo diariamente com um colírio elegante, bonito, simpático, doce, educado e perspicaz como ele era, ou seja: eu ia do céu ao inferno!
Qualquer prova de resistência do Big Brother Brasil nem se comparava ao que eu estava vivendo ali com Jungkook. Ou o que teria de viver ainda.
Essa, e exatamente essa parte, era a que me preocupava.
Eu estava sonhando acordada, pensando em modos surpreendentes de pular no colo do rapaz e avançar em beijos naquela boca chamativa, ou de abraçá-lo e chorar todas as pitangas da vida por estar me sentindo alegre em meu primeiro grande emprego. Estava num misto de alegria, saudade, remorso, tesão e... tudo isso junto! Era uma verdadeira tempestade de sentimentos, e eu estava bem no olho desse furacão todo quando Jungkook me chamou em voz alta.
— ?
— Sim? — respondi automaticamente, piscando mais vezes do que de costume.
Jungkook colocou as mãos no bolso do casaco, indicando o caminho com a cabeça.
— Vamos? Ouvi dizer que eu terei uma babá por três dias.
Eu ri instantaneamente do seu bom humor e concordei com a cabeça, segurando o tablet em meus braços e caminhando lentamente ao seu lado, tentando afastar meus últimos pensamentos da mente.
— Espero que não me dê trabalho! — brinquei com um meio sorriso e ele me olhou de canto, soltando uma pequena risada.
— Não conte com isso!
Nós dois rimos de sua fala e começamos a discutir sobre a agenda e as adaptações do dia para ele. Basicamente, os ensaios coletivos com banda seriam mantidos, assim como a reunião sobre a performance de entrada dos meninos. O ensaio de dança seria o evento que ele não participaria, mas acompanharia apenas em observação.
Eu só rezava para que Jungkook não pirasse nessa última etapa. Será que ele conseguiria lidar?
Tomei eu mesma como exemplo que quando me feri na companhia de dança e suspirei pesadamente.
— Tudo bem? — Ele me perguntou alarmado.
— Ah sim! Tudo bem, não é nada. Calor né?
Ele concordou com um aceno, apesar de não estarmos numa área sem climatização.
Era apenas eu entrando em ebulição ao pensar no que me esperava por esses três dias.
— Dia! — berrei de volta, colocando a blusa dentro dos jeans, ao mesmo tempo que calçava o tênis, toda desajeitada.
— Alguém dormiu mais que a cama? — ela perguntou com a sobrancelha erguida e eu rolei os olhos.
— Eu estava exausta, prima — expliquei sem muitas vontades, mas pela risada irônica de Huyn-mee, eu sabia que ela não iria findar o diálogo tão cedo.
— Dormiu demais ou chegou bem tarde ontem e dormiu quase nada?
Eu estava amarrando o tênis quando dei uma pequena congelada ao ouvir aquilo. Continuei amarrando com mais tranquilidade o cadarço e, após concluir, bati o pé no chão e cruzei os braços. Hyun-mee mantinha um sorriso sacana no rosto.
— Você tá me espionando, sua pirigótica? — comentei com um meio sorriso e ela gargalhou, movendo seu dedo indicador para um lado e para o outro.
— Não vem que não tem! Vai, me conta! Qual o motivo da sua insônia? É o roadie gatinho que a agenda não casava com a sua? — A animação na voz dela era notável, e eu ri, negando com a cabeça.
— Você tem uma mente muito fértil, prima. Faz um favor? Vamos logo se não a gente vai se atrasar de verdade. Só estamos no tempo porque não tomei café... — respondi de maneira evasiva, ajeitando o cabelo enquanto me olhava no espelho. Hyun-mee se aproximou com a testa franzida e me olhou pelo reflexo, visivelmente confusa.
— Era o roadie ou não?
Eu bufei ao ouvir aquilo, enquanto terminava meu coque. Coloquei as argolas pequenas e dei de ombros.
— Você tá fantasiando demais. Eu só cheguei tarde porque fiquei ajudando Jungkook. Ele torceu o pé ontem, acredita? — Olhei para Hyun-mee com o olhar sério e ela cobriu a boca com as mãos, surpresa.
— Mentira! Como foi isso? — Fiz uma careta em resposta e ajeitei a bolsa no ombro.
— Simples, pratique exaustivamente até o corpo não se aguentar em pé. Esse garoto vai dar trabalho... É muito teimoso. Tinha que ver! Enquanto eu passava a canela de velho no tornozelo, o abençoado ainda teve a audácia de reclamar, dizendo que as coisas tinham que ser dessa forma, que tudo precisava sair perfeito e que ele precisava se esforçar, e blá blá blá... Cabeça dura toda vida! — expliquei com a testa franzida, me sentindo irritada ao lembrar da teimosia do Maknae.
— E nenhuma semelhança com você, pelo visto. — Hyun-mee arqueou a sobrancelha e sorriu debochada. Fiquei emburrada com aquilo, pois talvez tivesse um pouquinho de verdade, mas minha prima logo voltou à feição confusa e me interrogou. — Espera, você disse canela de velho?
Nós duas nos olhamos por dois segundos e desatamos a rir. Expliquei rapidamente a situação enquanto saíamos de casa, e Hyun-mee não parava de achar graça.
— Eu queria ter sido uma mosquinha, cara! Imagina a cara dele no meio de uma chuva de cultura brasileira? Céus, essas coisas só acontecem quando eu não estou!
— No caso, ninguém estava né — retruquei enquanto caminhávamos para o ponto de ônibus. — Mas foi isso; eu fui até a casa dos meninos, deixei ele lá com aquele possante incrível, e depois voltei de uber. Cheguei tarde por causa disso — expliquei e Hyun-mee fez cara de compreensão.
Aproveitei que não havia sinal do nosso ônibus e peguei o rímel para dar uma levantada no visual. A verdade era que eu tinha chegado sim tarde da noite, entretanto, ainda demorei um tempo para dormir, e a ausência do descanso estava se fazendo presente bem debaixo dos meus olhos, nos quais eu já havia aplicado um corretivo babadeiro.
— Por acaso... alguém viu vocês? — A voz de Hyun-mee soou extremamente cautelosa, e por um momento olhei de soslaio, voltando a aplicar a máscara de cílios de forma atenta.
— Não se preocupe. Foi tudo estritamente profissional. Por isso que decidi levá-lo até a casa dele. O caçula queria pedir um uber e me deixar em casa, sabia?
— O que ele tem de bonito tem de ingênuo — ela riu descrente e eu concordei com um aceno, guardando os pertences ao visualizar o ônibus vindo em nossa direção.
— Pois é. Por isso dei uma volta na cidade depois do trabalho, para deixá-lo em casa e ir para a minha. Afinal de contas, tinha prometido ao RM que iria cuidar do Maknae. E promessa é dívida né.
— É, bem... Você fez uma boa ação — ela respondeu com uma cara frustrada e enquanto o ônibus parava diante de nós, eu resolvi questionar o desânimo.
— O que foi? Por que essa cara?
Entramos no transporte e sentamos em lugares vazios, um do lado do outro. Ela suspirou e deu de ombros, olhando o horizonte daquela manhã nublada.
— Preferia acreditar que você estava de caso com o roadie gatinho.
Eu gargalhei alto e neguei com a cabeça.
— Esquece ele, prima. Aliás, qualquer um, né? Pelo visto, todo tempo que eu teria para viver alguma dessas aventuras, está tomado por jovens do maior grupo de k-pop da atualidade, envolvendo horários, ensaios, preparativos e muitas canelas de velho.
Foi a vez de Hyun-mee rir alto e concordar. Eu catei meus fones de ouvido dentro da bolsa, pluguei no celular e dei play numa música calma, encostando a cabeça no ombro da outra staff do BTS, que me sorria desconfiada.
— Vai dormir?
— Eu preciso repor minhas energias de alguma forma...
— Eu não fiz teste pra travesseiro!
— Mas é igual cartão de crédito de loja, já vem pré-aprovado — resmunguei fechando os olhos, e Hyun-mee não fez nada senão rir levemente e deixar um carinho em minha cabeça, cedendo seu ombro como o lugar do meu descanso.
Parecia que eu tinha fechado os olhos por cinco segundos, mas logo fui acordada pela minha prima, e em pouco tempo, já estávamos no modo staff; saltamos do ônibus, caminhamos até a empresa, e já entramos no clima, analisando a grade horária do dia enquanto o resto da equipe se preparava para os afazeres.
Cerca de quase duas horas mais tarde, eu estava checando a organização dos espaços de ensaio dos rapazes, quando Hye-jun me chamou.
— Hey, ! Preciso que me faça um favor. Já acabou com essa parte? — ela perguntou apontando para o tablet.
— Sim, sim! Do que você precisa? — indaguei sorridente, terminando de dar ‘ok’ na planilha aberta.
— Bom, os meninos estão chegando, então solicitei que Hyun-mee os recebesse como sempre, só que dessa vez, eu farei sua parte, fazendo dupla com sua prima — ela respondeu rápido, sacando seu celular e observando a tela, digitando violentamente alguma mensagem.
Eu a olhei confusa e concordei receosa, esperando que ela continuasse. O silêncio que se permaneceu me fez perguntá-la.
— Tá bem, mas... Tem alguma questão específica? — indaguei e ela retirou os olhos do aparelho, me encarando com dúvida.
— Hã? Ah, sim, tem sim! Desculpe, correria! — ela sorriu levemente, guardando o celular e voltando a me olhar com firmeza. — É o seguinte: Jungkook precisou ir hoje cedo no médico fazer uns exames. Não se preocupe, ele está bem, mas parece que deu um jeito no pé! A princípio, não há nenhuma alteração de acordo com os resultados, mas o médico pediu que ele se poupasse um pouco por três dias e mantivesse alguns cuidados, como pé pro alto, compressa de gelo, massagens, essas coisas. Então, preciso que você o acompanhe enquanto ele estiver nessa situação, tudo bem? Estou te passando uma lista mais específica dos cuidados, remédios e horários dele, mas qualquer coisa, pode me gritar. Alguma dúvida?
— Hm... Não, tudo certo — retruquei sorrindo amarelo, e Hye-jun fez uma careta.
— Se quer um conselho, eu sugiro que você tenha bastante paciência, porque ele é meio perfeccionista, sabe? Não deve estar com o humor muito bom por ter que ficar meio parado por esses dias. Mas com certeza você dará conta disso! — E me deu uns tapinhas no ombro com um sorriso de quem acabava de ferrar com a minha vida.
E eu apenas sorri de volta.
— Ah, claro! Sem problemas! Deixa comigo! — Vibrei com um misto de animação e medo, por motivos de: o quão exatamente ruim era o humor do Maknae quando ele era contrariado?
E então eu pensei em mim como uma virginiana contrariada.
— Sabia que poderia contar com você! Obrigada querida! — Hye-jun agradeceu e saiu andando, voltando a digitar no celular desesperadamente, e eu fiquei encarando o chão, perdida em pensamentos.
— Eu to fodida — dei um tapa na testa e respirei fundo, antes de ir atrás do Maknae.
Conforme Hye-jun disse, eles estavam chegando quando me posicionei do lado de Hyun-mee.
— Vai me abandonar hoje pra fazer au pair? — ela perguntou em português e eu rolei os olhos.
— Pára de graça, garota.
— Se bem que um chuchuzinho como o Golden Maknae... Não é tão ruim assim né? — ela perguntou com um sorriso disfarçado e uma leve cutucada de cotovelo em minha costela.
Eu concordava.
Concordava muito.
Concordava para um cacete.
Mas apenas engoli a seco e dei de ombros.
— Faz parte, né? Ossos do ofício!
— Ah, para que essa é a parte boa! E se você o vir sem blusa? — ela indagou com o olhar tarado e eu a olhei assustada.
— Ele torceu o pé, Hyun-mee!
— Sei lá! Vai que o médico precisa auscultar o pulmão, ou algo do tipo?
— Ele já foi no médico... — comentei com a testa apoiada na mão.
— Uma massagem nos ombros para relaxar, talvez?
— Esse é simplesmente o tipo de assunto que a gente não pode ter no período fértil, Hyun-mee! — briguei, me sentindo hipócrita ao imaginar Jungkook sem blusa, recebendo uma massagem diretamente das minhas mãos.
— Você também? Oh, isso é tão legal! Nossos ciclos são casadinhos! — ela bateu palminhas e eu ri balançando a cabeça.
— Cala a boca, eles estão chegando.
Ela se transformou na hora, adquirindo uma postura completamente profissional, com ar de quem sabia de tudo e de todos ali, capaz de solucionar os maiores problemas do mundo.
Eu admirava Hyun-mee por sua força e garra, sem necessariamente perder sua essência brincalhona e um tanto tarada. Era uma das coisas que definitivamente não me faziam sentir tanta falta de casa.
Conforme esperado, os meninos chegaram em dois carros pretos, tão grandes quanto uma casa. Por algum motivo inusitado, eu estava mais nervosa do que no meu primeiro dia, e pude constatar isso com facilidade ao sentir as palmas das mãos suando.
Elas raramente suam.
Só em casos extremos.
Tipo o que estava acontecendo naquele momento, em que o “motivo inusitado” saía do carro com auxílio dos parceiros de grupo.
Só de pensar que eu teria que ficar literalmente o tempo todo com Jungkook durante três dias, eu ficava mais nervosa do que de costume. Não sei se era pelo fato de estar perto de uma pessoa que eu achava bonita demais, ou até de certa forma inalcançável (pelo menos acreditava nisso há alguns dias)...
Ou se era apenas porque eu me encontrava em meu período fértil, e a beleza de Jungkook não ajudava em nada na concentração do meu trabalho – inferno de garoto lindo do caramba!
O rapaz era um pão, como diria vovó Kang, mas eu não poderia sequer tirar uma lasquinha e passar na manteiga, ou no requeijão.
A vida tinha dessas coisas, então só me restava manter um mantra bem profissional e focar no que importava: a recuperação do garoto teimoso e a reputação do meu trabalho.
Eu estava estatelada no lugar quando Hyun-mee deu uma cotovelada nada sutil nas minhas costelas.
— Ai! O que é? — acabei perguntando em português e ela indicou Jungkook com os olhos, enquanto sorria amarelo e falava entre os dentes.
— Vai ajudar o cara, ! — E meneou a cabeça para frente, me fazendo despertar dos devaneios.
Respirei fundo, ajeitei a postura e acelerei os passos; dessa vez eu não faria nenhuma besteira como no primeiro dia.
Pelo menos era o que eu esperava.
Me aproximei cumprimentando os meninos com o movimento costumeiro e dei um sorriso amigável.
— Bom dia, rapazes. Sejam bem-vindos!
— Bom dia, ! — J-Hope sorriu com o sol nos dentes, iluminando tudo e me contagiando pela sua energia. Eu apenas sorri de volta, balançando a cabeça.
— Bom dia! Gostei das argolas! — Jimin comentou apontando para os meus brincos e eu inconscientemente segurei minha orelha direita, sorrindo sem graça.
— Obrigada, fico feliz que tenha gostado!
— Eu tenho umas iguais, mas Taehyung vive roubando de mim — ele comentou como se estivesse contando um segredo e o outro logo retrucou.
— Ei! Eu ouvi isso! E as argolas são minhas! Você é quem vive roubando de mim! — V tinha um sorriso no rosto de parar qualquer trânsito, e vê-lo dando um tapinha em Jimin, que ria como uma criança, era de aquecer o coração.
Entretanto, a mudança de sensação cardíaca foi logo alterada com a pergunta do outro membro do BTS.
— Ei, fiquei sabendo que você quebrou as pernas do Jungkook porque ele te desobedeceu, é verdade? — Jin falou alto enquanto cruzava os braços e mantinha uma cara em falsa surpresa. Eu abri a boca em horror e logo ele, Suga e RM estavam rindo. J-Hope, Jimin e V já estavam mais a frente, entrando na empresa.
— Eu pedi para cuidar do menino, não para quebrá-lo, . Isso pode dar cadeia! — RM comentou assustado (de forma teatral) e eu neguei com a cabeça, rindo de nervoso. Felizmente, fui salva pelo gongo.
E que gongo, aliás.
— Vocês nunca se cansam de encher o saco da novata, não é? — Jungkook falou, se apoiando no pé bom enquanto arqueava uma sobrancelha. — Vamos logo, temos uma agenda para quitar. — E fez um sinal com a mão para que os meninos andassem, e os mesmos riram de sua postura de líder, apesar de ser o caçula.
— Ele torce o pé e fica se achando! — Suga comentou com ar de graça e Jin riu debochadamente.
— Deixa ele, vou esperar o pé melhorar para infernizar a vida desse jovem! — Jin segredou com um olhar suspeito e fez cara de quem estava montando um plano muito diabólico.
Jungkook olhou pra cima e ergueu as mãos.
— Universo, interceda por mim, pelo meu bem!
Todos riram e eu sorri com aquela pequena interação dos rapazes, tão bem humorados mesmo com o mundo pesando nas costas, com tanta pressão para que tudo seja perfeito.
Suga e Jin foram caminhando na frente, enquanto eu esperava que Jungkook fizesse o mesmo, mas ele não fez. O rapaz trocava olhares incisivos com RM, como se estivessem conversando silenciosamente, mas não estava funcionando muito bem o tal disfarce.
Felizmente, Suga fez a pergunta de um milhão de dólares.
— Vocês não vêm?
Eu olhei timidamente para o Maknae, afinal de contas, era também uma dúvida minha, que só estava acompanhando-o.
RM trincou um maxilar e fez um leve manejar de cabeça em minha direção, e eu me senti em estado de alerta com aquilo. Entretanto, nem tive tempo de pensar em mais nada, pois ao meu lado, Jungkook trazia a resolução de toda aquela situação.
— Hm... Então... Vão na frente! Eu preciso... resolver umas coisas com a ... à sós.
Eu não consegui disfarçar a surpresa e minhas sobrancelhas se ergueram ao ponto dos olhos se arregalarem, olhando de Jungkook para RM sem exatamente entender o que estava rolando.
Entretanto, RM fez cara de orgulho e nos cumprimentou com um rápido aceno, se retirando. Suga e Jin não perceberam o clima estranho e pareciam lidar com aquilo numa normalidade incomum... Como se até soubessem do que se tratava.
Como se a última a saber, fosse eu de fato.
Mesmo que a sensação fosse essa, era difícil ignorar o fato de que Jungkook estava nervoso; haja vista sua fala toda entrecortada pela timidez, algo que pensei já ter superado a princípio.
Ledo engano.
Logo, ficamos eu e Jungkook para trás, observando os rapazes se distanciarem e alcançarem Hyun-mee e Hye-jun, que os recebiam sorridentes. Não entendi ao certo o que o mais novo queria falar comigo, mas aguardei pacientemente ao seu lado – um tanto ansiosa, diga-se de passagem.
Eu inspirei fundo para tentar manter a calma e, sem perceber, fui fatalmente atingida pelo perfume de Jungkook, me fazendo ficar tonteada pelo aroma incrível que o rodeava.
Olhando de soslaio, percebi que o cabelo dele parecia levemente úmido, como se não tivesse secado logo após o banho. Aquela atmosfera que o envolvia me atraía de um jeito muito inconsciente e me cativava de verdade; apesar de se pressionar e ser um ótimo perfeccionista, o semblante alegre e até ingênuo dele me remetia à leveza, me fazendo pensar no tipo de pessoa simples e legal que ele era, no fim das contas.
Um tanto dedicado, era bacana pensar que Jungkook estava no lugar que merecia, honrosamente.
Sorri aberto quando sua visão parou em mim, e ele me retribuiu a ponto dos olhos quase fecharem.
— Er... Então, ... Dormiu bem?
Um pequeno frio se instalou na barriga ao sentí-lo meio nervoso. Poderia ser só impressão minha, mas eu achava graça até nisso! Aliás, já comentei o quão bonitinho meu nome soava em seu sotaque? Era realmente fofo.
Eu abri mais o sorriso, me sentindo bem alegre e idiota ao mesmo tempo.
— Dormi sim, Jungkook. E você? Como se sente? — Indiquei o olhar para o pé e ele fez o mesmo, coçando a nuca.
— Poderia estar melhor, mas o médico me deu uns puxões de orelha e bem... Parece que eu vou ter que segurar a minha onda mesmo. — Ele riu sem graça e eu sorri convencida, tentando quebrar aquele gelo.
— Ora, que coisa! Acho que já te disseram isso antes, sabia? — comentei com a voz melodiosa, colocando os braços pra trás e ele riu concordando.
— É, bem. É por isso que eu queria falar com você em particular. — Seu rosto apresentava uma seriedade incomum e eu me ajeitei no lugar, encorajando-o a falar.
— Sou toda ouvidos — respondi num tom baixo, observando sua feição. Ele respirou fundo e me olhou, começando a falar.
— O médico disse que eu fui prudente por não ter me esforçado mais, tanto nos ensaios quanto ao dirigir, já que eu não sabia o que tinha acontecido com meu pé e como proceder com ele a partir da torção. E... Bom, eu só não piorei minha situação porque você estava lá, e vai saber o que teria acontecido se não estivesse? Talvez eu pudesse até comprometer a turnê com minha teimosia, e eu jamais me perdoaria por isso... — O silêncio que habitou o ambiente após sua fala era real, e eu balbuciei uma réplica apenas por não saber o que dizer ao certo.
— Entendo... — comentei, ao vê-lo distraído encarando o chão. Ele ergueu o seu olhar ao meu, e seu semblante pesado deu lugar ao leve de sempre, deixando um sorriso tímido brotar nos cantos de seus lábios, logo antes de voltar a falar.
— A primeira coisa que fiz hoje de manhã foi pensar que as coisas poderiam ter sido bem diferentes sem a sua presença, e depois da visita médica, essa sensação apenas se confirmou; você foi incrível e isso é impagável. Então... Obrigado, mais uma vez.
Jungkook curvou-se cordialmente e eu não consegui não deixar o queixo cair; estava chocada com todas aquelas palavras ditas. Me senti quente, as bochechas provavelmente fritariam um ovo devido à temperatura, e eu engoli a seco depois de constatar que ele me observava com um semblante divertido – provavelmente achando graça do meu estado nítido de vergonha.
— Hm, então... Não se preocupe com isso. É meu trabalho, afinal de contas — respondi uma frase genérica e sorri sem graça, mas Jungkook negou com a cabeça e arqueou a sobrancelha novamente.
— Nós sabemos que você foi bem além do seu trabalho, e isso não passou despercebido, . Não se subestime; você foi bem mais que profissional. Você foi humana, e poder contar com sua atitude acolhedora foi algo decisivo para minha melhora. Simplesmente, não tem preço. E além disso, eu levaria uma repreensão rigorosa do Namjoon se não tivesse vindo agradecer pela sua atuação.
— Então você tá me agradecendo por pura e exclusivamente ameaças do líder do BTS? — perguntei divertida e ele abriu a boca com a maior cara de indignado, já deixando um biquinho brotar nas pontas dos lábios.
Simplesmente, adorável.
— Estou brincando! — expliquei risonha, e ele fez cara de tédio, cruzando os braços, mas depois sorriu cúmplice. — Pensa que só vocês podem caçoar da staff nova? Eu também tenho minhas artimanhas.
— É, bem. Acho que eu mereço depois do primeiro dia — ele se explicou rindo levemente e eu o acompanhei, olhando em seus olhos.
Sem perceber, umedeci os lábios e mordi o interior das bochechas, berrando mentalmente comigo, porque de alguma forma, estar ali tendo aquela conversa me trazia ótimas sensações.
O curioso era pensar que eu não fazia ideia de qual havia sido a última vez que senti isso.
Talvez na dança.
E pensar naquilo fez meu coração errar uma batida, e meu sorriso se amenizou. Aquele era um solo difícil de pisar, e eu definitivamente não faria aquilo no momento.
De certa forma, estava divagando sobre toda a loucura da minha vida atual, mas ainda mirando nos olhos de Jungkook, quando ele timidamente colocou a mão direita em meu ombro esquerdo, e quebrou o silêncio.
— Espero que algum dia eu possa lhe retribuir, .
Meus ouvidos ouviram aquilo e meu estado apenas piorou. Senti meus olhos percorrendo por sua face, reparando nos detalhes de seu semblante, sem achar nenhum traço de zombaria; apenas traços másculos, bem desenhados e muito atraentes.
Pensar em Jungkook sendo grato a mim, no meio do meu período fértil, era complicado. Eu era humana, como ele mesmo havia dito, e isso implicava numa jovem adulta convivendo diariamente com um colírio elegante, bonito, simpático, doce, educado e perspicaz como ele era, ou seja: eu ia do céu ao inferno!
Qualquer prova de resistência do Big Brother Brasil nem se comparava ao que eu estava vivendo ali com Jungkook. Ou o que teria de viver ainda.
Essa, e exatamente essa parte, era a que me preocupava.
Eu estava sonhando acordada, pensando em modos surpreendentes de pular no colo do rapaz e avançar em beijos naquela boca chamativa, ou de abraçá-lo e chorar todas as pitangas da vida por estar me sentindo alegre em meu primeiro grande emprego. Estava num misto de alegria, saudade, remorso, tesão e... tudo isso junto! Era uma verdadeira tempestade de sentimentos, e eu estava bem no olho desse furacão todo quando Jungkook me chamou em voz alta.
— ?
— Sim? — respondi automaticamente, piscando mais vezes do que de costume.
Jungkook colocou as mãos no bolso do casaco, indicando o caminho com a cabeça.
— Vamos? Ouvi dizer que eu terei uma babá por três dias.
Eu ri instantaneamente do seu bom humor e concordei com a cabeça, segurando o tablet em meus braços e caminhando lentamente ao seu lado, tentando afastar meus últimos pensamentos da mente.
— Espero que não me dê trabalho! — brinquei com um meio sorriso e ele me olhou de canto, soltando uma pequena risada.
— Não conte com isso!
Nós dois rimos de sua fala e começamos a discutir sobre a agenda e as adaptações do dia para ele. Basicamente, os ensaios coletivos com banda seriam mantidos, assim como a reunião sobre a performance de entrada dos meninos. O ensaio de dança seria o evento que ele não participaria, mas acompanharia apenas em observação.
Eu só rezava para que Jungkook não pirasse nessa última etapa. Será que ele conseguiria lidar?
Tomei eu mesma como exemplo que quando me feri na companhia de dança e suspirei pesadamente.
— Tudo bem? — Ele me perguntou alarmado.
— Ah sim! Tudo bem, não é nada. Calor né?
Ele concordou com um aceno, apesar de não estarmos numa área sem climatização.
Era apenas eu entrando em ebulição ao pensar no que me esperava por esses três dias.
Capítulo V - Awake
Eu sinceramente achava que por três dias, a forma de lidar com Jungkook seria bem cabulosa e estranha, mas na verdade, ela fluiu bem.
Bem até demais.
Durante esse período, ele seguiu à risca todas as orientações médicas e não exagerou uma vez sequer. Não precisei usar meus dotes de vovó Kang para convencê-lo de nada, e sempre que possível, acabávamos conversando sobre as coisas mais aleatórias possíveis, bem como outras mais específicas, como a turnê em si.
Mas era bem visível o quão endurecido e frustrado ele estava por não poder fazer parte do ensaio coreográfico. Chegava a dar pena de ver a cara dele quando os meninos se posicionavam na sala de dança e ele não; sendo obrigado a permanecer sentado, acompanhando com os olhos atentos e famintos toda e qualquer movimentação das coreografias.
Num dado momento do último dia, os meninos estavam tirando um tempo de descanso entre si, interagindo com brincadeiras bobas de pega-pega, quebrando a tensão da agenda pesada.
Jungkook olhou para aquilo com certo pesar e suspirou fundo, desviando o olhar para o seu pé.
Nem precisava dizer nada – era óbvia sua frustração.
Não consegui acompanhar aquela cena e não dizer nada, então chamei sua atenção com uma pequena fala encorajadora:
— Ei, não fica assim, vai? Logo mais estará novinho em folha! — mantive um sorriso no rosto e ele retribuiu o gesto, mas com um semblante triste.
— Eu fui muito idiota de ter feito isso. Agora sabe lá quantos dias ainda vou ficar assim... — retrucou ao encostar a cabeça na parede e encarar o teto.
Respirei fundo, olhei para os meninos, que seguiam naquela brincadeira sem exatamente perceber a tristeza do caçula.
Então eu me aproximei e fiz algo pouco pensado, mas muito bem intencionado; coloquei uma mão em seu ombro e fiz um pequeno carinho.
— Não esquenta, a gente já fez o exame mais cedo... Você vai ver, vai ficar tudo bem. Se não estivesse, você nem estaria conseguindo fazer tudo que já faz. Vai por mim, logo mais você vai estar naquela bagunça animada ali. — Apontei com a cabeça para os rapazes, e ele seguiu o olhar, com um sorriso ameno. Logo depois, olhou de soslaio para minha mão e eu instantaneamente a retirei do local.
— D-Desculpa! Eu...
— Não! Sério, não foi nenhum problema! — ele se apressou em me explicar, ficando tão nervoso quanto eu. — Eu gostei.
— Quê? — deixei escapar meu espanto e ele abriu mais ainda os olhos, percebendo que talvez sua fala fosse um pouco... inusitada.
— Eu quero dizer que... Droga, não é isso! — ele se endireitou na cadeira e sorriu com certo desespero. — Não achei incômodo, entendi sua intenção e agradeço por isso. É, é isso. — A frase final parecia ser dita mais pra ele do que pra mim, e eu prendi uma risada com o jeito doce dele.
O silêncio foi um pouco constrangedor, mas logo mais meu tablet apitou, indicando que a hora de visitar o médico havia chegado.
Assim, saberíamos do verdadeiro quadro de Jungkook, já que o primeiro exame tinha dado inconclusivo devido ao inchaço no local.
Eu olhei para o aparelho em minhas mãos, e o maknae fez o mesmo. Decidi dar meu melhor sorriso e indaguei.
— Vamos?
Ele respirou fundo e respondeu com um aceno, visivelmente preocupado. Levantei e o observei fazer o mesmo, com muito menos dificuldade do que há poucos dias.
— Boa sorte, JK! — J-Hope gritou enquanto descansava sentado no chão. Os meninos olharam para nós e berraram “JK, Fighting!” com palminhas e incentivos. Jungkook sorriu pela animação do pessoal e agradeceu com um aceno, caminhando para fora da sala, comigo em seu encalço.
Andamos silenciosamente até o consultório médico, e a recepcionista nos informou que em breve o doutor nos atenderia, mas nos permitiu aguardar já na sala de atendimento.
Eu estava olhando em volta do lugar quando Jungkook quebrou o clima estranho com uma pergunta em entonação curiosa.
— Então você quase rompeu o ligamento do tornozelo? — sua voz soou quase infantil e eu sorri inconscientemente com aquilo, respondendo afirmativamente sua pergunta. — Você conseguiu andar depois de quanto tempo?
— Demorou cerca de dois meses para voltar a colocar o pé no chão — devolvi com uma careta de dor e ele arregalou os olhos.
— Isso é bizarro! — ele comentou e eu concordei. — Doeu muito?
— Foi uma dor absurda! Eu não conseguia apoiar o pé no chão. Parecia que tinham atropelado e esmagado todos os cantos do meu tornozelo. Foi horrível. — Lembrei daquele acidente, bem parecido com o de Jungkook, e respirei fundo ao rememorar aquela fase.
— Eu acho que nem consigo imaginar. Como isso aconteceu? — ele perguntou me olhando curioso.
— Ah, foi uma vez que eu estava dançan— Me toquei do que estava prestes a dizer e congelei a palavra antes de concluí-la. Jungkook me olhou com surpresa, deduzindo o que eu já quase havia dito.
— Dançando? Você dança? — Seus olhos se iluminaram e eu sorri sem graça, sentindo o coração bater forte dentro do peito.
— N-Não! Imagina, eu dançando? Eu... eu estava brincando, sabe? Brincando de dançar, essas coisas de adolescente inconsequente, entende? — Ri nervosa e gesticulei rápido demais, fazendo com que o Maknae assumisse o modo Jungshook ao tentar acompanhar meus movimentos.
Seria cômico se não fosse trágico.
Respirei fundo e sorri forçadamente, tentando recuperar o pensamento.
— Enfim, eu fiz besteira e exigi demais do pé. Acabei torcendo e desde então, eu e canela de velho somos parceiras de crime. — Fiz uma careta suspeita e Jungkook riu levemente, mexendo a cabeça em concordância.
— Me pergunto em que situação você se encontrava quando isso aconteceu... — ele comentou com uma cara sugestiva e eu senti vergonha na hora.
Veja bem, eu não queria que ele soubesse que eu fazia parte de uma companhia de dança, então inventei que estava brincando de dançar e mencionei o termo “adolescente inconsequente”.
Só ali percebi o tipo de imagem que havia passado pro Golden Maknae.
Já estava pirando ao pensar que Jungkook me imaginava num estado etílico alterado quando fui salva pelo gongo com a entrada do médico no consultório.
— Boa tarde! Esperaram muito? — ele indagou enquanto fechava a porta, se posicionando em sua mesa e ligando a tela do computador.
— Não muito, estamos aguardando há pouco tempo — Jungkook respondeu com um pequeno sorriso, enquanto eu ligava no tablet para anotar as orientações do médico.
O mesmo estava terminando de higienizar as mãos quando se sentou na grande e confortável cadeira acolchoada, olhando diretamente na tela.
— Fico feliz então. Precisei analisar um caso de tendinite de um dos dançarinos de última hora, mas nada grave — Ele virou a tela do computador e nos mostrou a ressonância magnética do pé de Jungkook.
Eu e o integrante do BTS ficamos olhando para a imagem sem entender bulhufas, mas logo o doutor explicou.
— Está vendo aqui? Essa é a parte que você torceu. Comparando o exame de três dias com o de hoje, temos uma evidente melhora. Pelo raio x já havíamos descartado possíveis fraturas, o receio era algo mais grave com os ligamentos ou algo do tipo. Como você tem se sentido?
— Pouca dor em relação ao primeiro dia. Acho que canela de velho é realmente uma pomada heroica.
Eu e o doutor rimos da fala de Jungkook, que sorria gentilmente. Ele estava tentando disfarçar, mas estava bem claro o quão ansioso estava em ouvir o retorno do ortopedista, que sorriu educadamente para nós ao continuar sua fala.
— É muito bom saber que tem se cuidado, e realmente, é uma boa tomada. Fisiologicamente falando, não temos nenhum impedimento para que você volte às atividades, então, de acordo com os exames, tudo certo!
— Jura!? — o mais novo perguntou feito criança, com os olhos brilhando. O médico afirmou com um aceno.
— Sim! Entretanto, é normal que ainda sinta o local sensível, então, vamos voltar às atividades de uma forma gradual e cuidadosa, certo? Mantenha as compressas, massagens e alongamentos. Vou solicitar mais algumas sessões de fisioterapia para fortalecimento da área afetada, apenas para desencargo de consciência, e que você também tenha mais segurança para executar os movimentos. Isso, é claro, se não exigir muito de você, certo?
Eu lancei um olhar bem sugestivo para Jungkook, que me olhou de soslaio com um sorriso amarelo.
— Pode deixar, doutor. Estou bem ciente disso.
— Ótimo! Então, siga essas prescrições e logo estará de volta ao ritmo. Daqui há um período, repetimos o exame para acompanhamento, mas, ao que tudo indica, sem sequelas! Sinta-se à vontade para me procurar em caso de dúvidas ou algo do tipo, certo?
— Obrigado, doutor! Não hesitarei em pedir ajuda, fique tranquilo — ele respondeu muito animado, com todos os dentes aparecendo em seu sorriso gigantesco.
— Obrigada pela sua disponibilidade e atenção, doutor. Bom trabalho! — respondi solícita, cumprimentando como Jungkook havia feito segundos atrás.
Saímos do consultório sentindo um peso fora das costas, e assim que alcançamos o corredor, Jungkook me surpreendeu com um berro alto de alegria, batendo palmas.
— Você ouviu isso!? Eu não tenho nada! Nada! — ele dizia enquanto se aproximava de mim, com a alegria estampada em seu rosto. Eu ri e me senti contagiada pela sua energia, concordando várias vezes com a cabeça enquanto lhe respondia.
— Sim, eu vi! Não é incrível?
— É insano! Eu nem acredito! — ele dizia, passando as mãos pelos cabelos e andando de um lado para o outro. — Eu poderia simplesmente voar de tanta felicidade! Estou leve!
E começou a rir enquanto dava longos passos ao redor, e eu ria acompanhando aquela cena instigante. Do nada, ele parou diante de mim e segurou em meus ombros, com os olhos levemente marejados.
— Eu devo muito a você, .
Eu não fui capaz de responder, apenas fiquei com a boca aberta num sorriso surpreso, pois em um momento ele me olhava nos olhos, quase chorando. No outro, me abraçava ternamente, como alguém que se agarra a uma oportunidade única.
Sutilmente, retribuí seu enlace, sabendo que aquilo não passava de uma situação completamente inédita, já que não existia aquele costume na cultura nacional. Entretanto, acho que ele estava tão abalado pelas tensões dos últimos dias, que se deixou levar pelo momento e me abraçou daquele jeito.
Eu não estava reclamando! Muito pelo contrário, estava amando sentí-lo tão perto.
Mais do que poderia admitir.
Mas alguns segundos depois, aparentemente Jungkook voltou a si, se afastando bruscamente e pigarreando sem parar. Sua face estava bem vermelha e ele colocou as mãos na orelha, provavelmente sentindo-as quentes.
Nós sorrimos timidamente um para o outro, e ficamos nos olhando sem saber o que dizer. Tudo ficou suspenso quando o toque do meu celular quebrou o clima esquisito.
— Alô? — falei sem olhar o visor.
— Onde você tá?
— Estou com Jungkook saindo da consulta médica. Por quê?
— Os meninos pediram pizza para alegrar o pivete. Tá tudo bem?
— Tá sim, o resultado foi positivo. Nenhuma sequela. — Sorri para Jungkook que me olhava curioso, pois eu estava falando em português com Hyun-mee.
— Certo, vem vindo para a sala de reuniões 07. Eles querem fazer uma surpresa para ele, estava tão murchinho tadinho.
— Estava mesmo. Mas agora só falta sair pulando por aí... — Sorri de novo e Jungkook retribuiu, incerto.
— Então beleza, vem vindo para ele se alegrar mais. Pizza é pizza né?
— Com certeza! Estamos a caminho. Beijos.
— Beijos.
Desliguei o celular e ele seguia com aquele olhar grande e quase invasivo.
— Está tudo bem?
— Sim! Era apenas Hyun-mee me lembrando de um agendamento de última hora na sala de reuniões 07. Precisamos ir até lá para verificar uma mudança em um figurino seu. Vamos?
Eu nunca tinha inventado uma desculpa tão plausível e rápida quanto aquela, mas Jungkook pareceu cair que nem patinho e simplesmente seguimos para a surpresa em si.
Quando chegamos ao local, deixei que ele abrisse a porta primeiro e acendesse a luz, revelando os meninos com roupas mais leves e cabelos úmidos; visivelmente de banho tomado. Um cheiro incrível invadiu minhas narinas e eu só pensava que aqueles garotos provavelmente tomavam banho com a melhor fragância do mundo, não era possível!
— Surpresa!!! — berraram em uníssono me tirando de meu devaneio. Jungkook riu animado.
— Vocês armaram essa pra mim? — ele perguntou descrente.
— Sabíamos que você estava chateado com o pezinho... — Jimin comentou puxando a bochecha do caçula, que sorriu encolhendo os ombros.
— Acontece, relaxa! — Suga comentou dando uns tapinhas e J-Hope surgiu com os braços abertos.
— Você fez e faz o seu melhor, pequeno polegar — e abraçou Jungkook levemente, ainda sorrindo para ele.
— Agora é só entender seus limites e ouvir os conselhos dos seus amigos... — RM comentou com uma feição amena e V concordou, cruzando os braços.
— E se continuar teimoso, eu fico com sua porção de carne do almoço de amanhã.
— Ei, essa ideia foi minha! — Jin reclamou com um bico e todos riram.
— Seus irmãos de grupo ficaram preocupados, Jungkook. Mas estamos felizes que esteja bem — Hye-jun se pronunciou com um aceno, recebendo outro de volta do Maknae.
— Agora é hora de detonar essas pizzas e ser feliz! Pegue mais leve com você! — J-Hope insistiu, e Jungkook concordou, choroso.
— Vocês são os melhores! — E escondeu o rosto no ombro do pequeno sol do grupo, fazendo os amigos se unirem num abraço único, gritando um “oooh” em coro.
Eu estava sorrindo diante daquela cena quando Hyun-mee se posicionou ao meu lado.
— Eles não são adoráveis?
— Demais! — ela me olhou de maneira engraçada e arqueou a sobrancelha.
— E esse sorriso aí?
— Felicidade por ser útil num emprego tão admirador, Hyun-mee. Esses meninos merecem o melhor de mim — comentei sincera e ela sorriu, concordando e voltando a olhá-los com o mesmo carinho que eu tinha no olhar.
Eu tentei disfarçar o sentimento que pinicava dentro do peito, mas ele saltava toda vez que eu pensava na frase que eu queria acrescentar:
“Jungkook merece o melhor de mim.”
Bem até demais.
Durante esse período, ele seguiu à risca todas as orientações médicas e não exagerou uma vez sequer. Não precisei usar meus dotes de vovó Kang para convencê-lo de nada, e sempre que possível, acabávamos conversando sobre as coisas mais aleatórias possíveis, bem como outras mais específicas, como a turnê em si.
Mas era bem visível o quão endurecido e frustrado ele estava por não poder fazer parte do ensaio coreográfico. Chegava a dar pena de ver a cara dele quando os meninos se posicionavam na sala de dança e ele não; sendo obrigado a permanecer sentado, acompanhando com os olhos atentos e famintos toda e qualquer movimentação das coreografias.
Num dado momento do último dia, os meninos estavam tirando um tempo de descanso entre si, interagindo com brincadeiras bobas de pega-pega, quebrando a tensão da agenda pesada.
Jungkook olhou para aquilo com certo pesar e suspirou fundo, desviando o olhar para o seu pé.
Nem precisava dizer nada – era óbvia sua frustração.
Não consegui acompanhar aquela cena e não dizer nada, então chamei sua atenção com uma pequena fala encorajadora:
— Ei, não fica assim, vai? Logo mais estará novinho em folha! — mantive um sorriso no rosto e ele retribuiu o gesto, mas com um semblante triste.
— Eu fui muito idiota de ter feito isso. Agora sabe lá quantos dias ainda vou ficar assim... — retrucou ao encostar a cabeça na parede e encarar o teto.
Respirei fundo, olhei para os meninos, que seguiam naquela brincadeira sem exatamente perceber a tristeza do caçula.
Então eu me aproximei e fiz algo pouco pensado, mas muito bem intencionado; coloquei uma mão em seu ombro e fiz um pequeno carinho.
— Não esquenta, a gente já fez o exame mais cedo... Você vai ver, vai ficar tudo bem. Se não estivesse, você nem estaria conseguindo fazer tudo que já faz. Vai por mim, logo mais você vai estar naquela bagunça animada ali. — Apontei com a cabeça para os rapazes, e ele seguiu o olhar, com um sorriso ameno. Logo depois, olhou de soslaio para minha mão e eu instantaneamente a retirei do local.
— D-Desculpa! Eu...
— Não! Sério, não foi nenhum problema! — ele se apressou em me explicar, ficando tão nervoso quanto eu. — Eu gostei.
— Quê? — deixei escapar meu espanto e ele abriu mais ainda os olhos, percebendo que talvez sua fala fosse um pouco... inusitada.
— Eu quero dizer que... Droga, não é isso! — ele se endireitou na cadeira e sorriu com certo desespero. — Não achei incômodo, entendi sua intenção e agradeço por isso. É, é isso. — A frase final parecia ser dita mais pra ele do que pra mim, e eu prendi uma risada com o jeito doce dele.
O silêncio foi um pouco constrangedor, mas logo mais meu tablet apitou, indicando que a hora de visitar o médico havia chegado.
Assim, saberíamos do verdadeiro quadro de Jungkook, já que o primeiro exame tinha dado inconclusivo devido ao inchaço no local.
Eu olhei para o aparelho em minhas mãos, e o maknae fez o mesmo. Decidi dar meu melhor sorriso e indaguei.
— Vamos?
Ele respirou fundo e respondeu com um aceno, visivelmente preocupado. Levantei e o observei fazer o mesmo, com muito menos dificuldade do que há poucos dias.
— Boa sorte, JK! — J-Hope gritou enquanto descansava sentado no chão. Os meninos olharam para nós e berraram “JK, Fighting!” com palminhas e incentivos. Jungkook sorriu pela animação do pessoal e agradeceu com um aceno, caminhando para fora da sala, comigo em seu encalço.
Andamos silenciosamente até o consultório médico, e a recepcionista nos informou que em breve o doutor nos atenderia, mas nos permitiu aguardar já na sala de atendimento.
Eu estava olhando em volta do lugar quando Jungkook quebrou o clima estranho com uma pergunta em entonação curiosa.
— Então você quase rompeu o ligamento do tornozelo? — sua voz soou quase infantil e eu sorri inconscientemente com aquilo, respondendo afirmativamente sua pergunta. — Você conseguiu andar depois de quanto tempo?
— Demorou cerca de dois meses para voltar a colocar o pé no chão — devolvi com uma careta de dor e ele arregalou os olhos.
— Isso é bizarro! — ele comentou e eu concordei. — Doeu muito?
— Foi uma dor absurda! Eu não conseguia apoiar o pé no chão. Parecia que tinham atropelado e esmagado todos os cantos do meu tornozelo. Foi horrível. — Lembrei daquele acidente, bem parecido com o de Jungkook, e respirei fundo ao rememorar aquela fase.
— Eu acho que nem consigo imaginar. Como isso aconteceu? — ele perguntou me olhando curioso.
— Ah, foi uma vez que eu estava dançan— Me toquei do que estava prestes a dizer e congelei a palavra antes de concluí-la. Jungkook me olhou com surpresa, deduzindo o que eu já quase havia dito.
— Dançando? Você dança? — Seus olhos se iluminaram e eu sorri sem graça, sentindo o coração bater forte dentro do peito.
— N-Não! Imagina, eu dançando? Eu... eu estava brincando, sabe? Brincando de dançar, essas coisas de adolescente inconsequente, entende? — Ri nervosa e gesticulei rápido demais, fazendo com que o Maknae assumisse o modo Jungshook ao tentar acompanhar meus movimentos.
Seria cômico se não fosse trágico.
Respirei fundo e sorri forçadamente, tentando recuperar o pensamento.
— Enfim, eu fiz besteira e exigi demais do pé. Acabei torcendo e desde então, eu e canela de velho somos parceiras de crime. — Fiz uma careta suspeita e Jungkook riu levemente, mexendo a cabeça em concordância.
— Me pergunto em que situação você se encontrava quando isso aconteceu... — ele comentou com uma cara sugestiva e eu senti vergonha na hora.
Veja bem, eu não queria que ele soubesse que eu fazia parte de uma companhia de dança, então inventei que estava brincando de dançar e mencionei o termo “adolescente inconsequente”.
Só ali percebi o tipo de imagem que havia passado pro Golden Maknae.
Já estava pirando ao pensar que Jungkook me imaginava num estado etílico alterado quando fui salva pelo gongo com a entrada do médico no consultório.
— Boa tarde! Esperaram muito? — ele indagou enquanto fechava a porta, se posicionando em sua mesa e ligando a tela do computador.
— Não muito, estamos aguardando há pouco tempo — Jungkook respondeu com um pequeno sorriso, enquanto eu ligava no tablet para anotar as orientações do médico.
O mesmo estava terminando de higienizar as mãos quando se sentou na grande e confortável cadeira acolchoada, olhando diretamente na tela.
— Fico feliz então. Precisei analisar um caso de tendinite de um dos dançarinos de última hora, mas nada grave — Ele virou a tela do computador e nos mostrou a ressonância magnética do pé de Jungkook.
Eu e o integrante do BTS ficamos olhando para a imagem sem entender bulhufas, mas logo o doutor explicou.
— Está vendo aqui? Essa é a parte que você torceu. Comparando o exame de três dias com o de hoje, temos uma evidente melhora. Pelo raio x já havíamos descartado possíveis fraturas, o receio era algo mais grave com os ligamentos ou algo do tipo. Como você tem se sentido?
— Pouca dor em relação ao primeiro dia. Acho que canela de velho é realmente uma pomada heroica.
Eu e o doutor rimos da fala de Jungkook, que sorria gentilmente. Ele estava tentando disfarçar, mas estava bem claro o quão ansioso estava em ouvir o retorno do ortopedista, que sorriu educadamente para nós ao continuar sua fala.
— É muito bom saber que tem se cuidado, e realmente, é uma boa tomada. Fisiologicamente falando, não temos nenhum impedimento para que você volte às atividades, então, de acordo com os exames, tudo certo!
— Jura!? — o mais novo perguntou feito criança, com os olhos brilhando. O médico afirmou com um aceno.
— Sim! Entretanto, é normal que ainda sinta o local sensível, então, vamos voltar às atividades de uma forma gradual e cuidadosa, certo? Mantenha as compressas, massagens e alongamentos. Vou solicitar mais algumas sessões de fisioterapia para fortalecimento da área afetada, apenas para desencargo de consciência, e que você também tenha mais segurança para executar os movimentos. Isso, é claro, se não exigir muito de você, certo?
Eu lancei um olhar bem sugestivo para Jungkook, que me olhou de soslaio com um sorriso amarelo.
— Pode deixar, doutor. Estou bem ciente disso.
— Ótimo! Então, siga essas prescrições e logo estará de volta ao ritmo. Daqui há um período, repetimos o exame para acompanhamento, mas, ao que tudo indica, sem sequelas! Sinta-se à vontade para me procurar em caso de dúvidas ou algo do tipo, certo?
— Obrigado, doutor! Não hesitarei em pedir ajuda, fique tranquilo — ele respondeu muito animado, com todos os dentes aparecendo em seu sorriso gigantesco.
— Obrigada pela sua disponibilidade e atenção, doutor. Bom trabalho! — respondi solícita, cumprimentando como Jungkook havia feito segundos atrás.
Saímos do consultório sentindo um peso fora das costas, e assim que alcançamos o corredor, Jungkook me surpreendeu com um berro alto de alegria, batendo palmas.
— Você ouviu isso!? Eu não tenho nada! Nada! — ele dizia enquanto se aproximava de mim, com a alegria estampada em seu rosto. Eu ri e me senti contagiada pela sua energia, concordando várias vezes com a cabeça enquanto lhe respondia.
— Sim, eu vi! Não é incrível?
— É insano! Eu nem acredito! — ele dizia, passando as mãos pelos cabelos e andando de um lado para o outro. — Eu poderia simplesmente voar de tanta felicidade! Estou leve!
E começou a rir enquanto dava longos passos ao redor, e eu ria acompanhando aquela cena instigante. Do nada, ele parou diante de mim e segurou em meus ombros, com os olhos levemente marejados.
— Eu devo muito a você, .
Eu não fui capaz de responder, apenas fiquei com a boca aberta num sorriso surpreso, pois em um momento ele me olhava nos olhos, quase chorando. No outro, me abraçava ternamente, como alguém que se agarra a uma oportunidade única.
Sutilmente, retribuí seu enlace, sabendo que aquilo não passava de uma situação completamente inédita, já que não existia aquele costume na cultura nacional. Entretanto, acho que ele estava tão abalado pelas tensões dos últimos dias, que se deixou levar pelo momento e me abraçou daquele jeito.
Eu não estava reclamando! Muito pelo contrário, estava amando sentí-lo tão perto.
Mais do que poderia admitir.
Mas alguns segundos depois, aparentemente Jungkook voltou a si, se afastando bruscamente e pigarreando sem parar. Sua face estava bem vermelha e ele colocou as mãos na orelha, provavelmente sentindo-as quentes.
Nós sorrimos timidamente um para o outro, e ficamos nos olhando sem saber o que dizer. Tudo ficou suspenso quando o toque do meu celular quebrou o clima esquisito.
— Alô? — falei sem olhar o visor.
— Onde você tá?
— Estou com Jungkook saindo da consulta médica. Por quê?
— Os meninos pediram pizza para alegrar o pivete. Tá tudo bem?
— Tá sim, o resultado foi positivo. Nenhuma sequela. — Sorri para Jungkook que me olhava curioso, pois eu estava falando em português com Hyun-mee.
— Certo, vem vindo para a sala de reuniões 07. Eles querem fazer uma surpresa para ele, estava tão murchinho tadinho.
— Estava mesmo. Mas agora só falta sair pulando por aí... — Sorri de novo e Jungkook retribuiu, incerto.
— Então beleza, vem vindo para ele se alegrar mais. Pizza é pizza né?
— Com certeza! Estamos a caminho. Beijos.
— Beijos.
Desliguei o celular e ele seguia com aquele olhar grande e quase invasivo.
— Está tudo bem?
— Sim! Era apenas Hyun-mee me lembrando de um agendamento de última hora na sala de reuniões 07. Precisamos ir até lá para verificar uma mudança em um figurino seu. Vamos?
Eu nunca tinha inventado uma desculpa tão plausível e rápida quanto aquela, mas Jungkook pareceu cair que nem patinho e simplesmente seguimos para a surpresa em si.
Quando chegamos ao local, deixei que ele abrisse a porta primeiro e acendesse a luz, revelando os meninos com roupas mais leves e cabelos úmidos; visivelmente de banho tomado. Um cheiro incrível invadiu minhas narinas e eu só pensava que aqueles garotos provavelmente tomavam banho com a melhor fragância do mundo, não era possível!
— Surpresa!!! — berraram em uníssono me tirando de meu devaneio. Jungkook riu animado.
— Vocês armaram essa pra mim? — ele perguntou descrente.
— Sabíamos que você estava chateado com o pezinho... — Jimin comentou puxando a bochecha do caçula, que sorriu encolhendo os ombros.
— Acontece, relaxa! — Suga comentou dando uns tapinhas e J-Hope surgiu com os braços abertos.
— Você fez e faz o seu melhor, pequeno polegar — e abraçou Jungkook levemente, ainda sorrindo para ele.
— Agora é só entender seus limites e ouvir os conselhos dos seus amigos... — RM comentou com uma feição amena e V concordou, cruzando os braços.
— E se continuar teimoso, eu fico com sua porção de carne do almoço de amanhã.
— Ei, essa ideia foi minha! — Jin reclamou com um bico e todos riram.
— Seus irmãos de grupo ficaram preocupados, Jungkook. Mas estamos felizes que esteja bem — Hye-jun se pronunciou com um aceno, recebendo outro de volta do Maknae.
— Agora é hora de detonar essas pizzas e ser feliz! Pegue mais leve com você! — J-Hope insistiu, e Jungkook concordou, choroso.
— Vocês são os melhores! — E escondeu o rosto no ombro do pequeno sol do grupo, fazendo os amigos se unirem num abraço único, gritando um “oooh” em coro.
Eu estava sorrindo diante daquela cena quando Hyun-mee se posicionou ao meu lado.
— Eles não são adoráveis?
— Demais! — ela me olhou de maneira engraçada e arqueou a sobrancelha.
— E esse sorriso aí?
— Felicidade por ser útil num emprego tão admirador, Hyun-mee. Esses meninos merecem o melhor de mim — comentei sincera e ela sorriu, concordando e voltando a olhá-los com o mesmo carinho que eu tinha no olhar.
Eu tentei disfarçar o sentimento que pinicava dentro do peito, mas ele saltava toda vez que eu pensava na frase que eu queria acrescentar:
“Jungkook merece o melhor de mim.”
Capítulo VI - Silver Spoon
— Sextou, carai! — Hyun-mee berrou feliz enquanto saía do banheiro de toalha no corpo e na cabeça. Eu ri daquilo, enquanto retirava as minhas coisas do armário.
— Você realmente quer sair hoje? — perguntei, me sentindo cansada só de pensar na noitada que minha prima queria me levar. Ela me lançou um olhar furioso e eu me encolhi no lugar. — Ok, estou indo tomar meu banho...
— Gosto de você porque nem preciso falar nada. Qual é, ! Sexta-feira! A gente trabalhou mais que tudo nessa semana! Merecemos uma boa bebida e uma música dançante para aproveitarmos essa juventude! — ela defendeu seu ponto de vista enquanto retirava a toalha da cabeça.
— Uhul, juventude. Me sinto incrível! — falei de forma forçada, recebendo uma toalhada na cara enquanto ríamos juntas.
Tomei o banho rápido, já que Hyun-mee queria aproveitar o happy-hour do local, e eu acabei não me prolongando muito no que seria um momento relaxante e restaurador.
Um banho quente depois de uma semana cheia de trabalho era um agradecimento divino pela nossa existência.
Saí do banheiro, penteei meu cabelo, e coloquei a calça de couro de cintura alta que Hyun-mee tanto insistiu.
— Você fica com um rabão nessa calça. Incrível! — ela comentou enquanto eu abotoava o sutiã igualmente preto de rendas e ria de sua animação. Como ela conseguia?
Botei uma blusa vermelha simples, soltinha, de um tecido leve, e coloquei a jaqueta de couro. De maquiagem, passei um gloss avermelhado, um blush nas bochechas, rímel nos cílios e delineei os olhos de preto. Estava me sentindo no próprio clipe de Seven Nation Army dos White Stripes, quando ouvi um mega estrondo do lado de fora.
Terminei de amarrar o tênis, já imaginando do que se tratava, enquanto Hyun-mee corria para a janela, alarmada. Após encarar a cena, gemeu em frustração.
— Tá de sacanagem! Não acredito! — reclamou indignada e eu fiz uma careta de dor.
— Muita chuva?
— Porra! O dilúvio deve ter sido mais tranquilo! Olha só! — me chamou para ir até lá e eu me assustei com a quantidade de água que caía do céu. Em poucos momentos, a rua estava completamente molhada, e parecia começar a alagar.
— Que que a gente faz? — perguntei, perdida.
— Pior que nem ir pra casa vai rolar. A gente vai ter que esperar dar uma estiada... Merda! — bradou, realmente chateada.
Respirei fundo, ficando um pouco sentida por ela. Quer dizer, eu não estava na vibe de ‘noitar’, mas eu poderia facilmente tomar uns drinks e curtir uma música, sem exacerbar.
Só me toquei que estava um pouco frustrada quando pensei na Piña Colada que eu acabava de perder.
Que sacanagem.
Suspirei enquanto via Hyun-mee guardando as coisas no armário, pegando a sua bolsa tira-colo.
— Vem, vamos sentar lá no lounge e esperar essa merda passar. Aff... Tudo porque eu queria muito mexer o rabetão.
— Você ainda poderá mexê-lo. Qualquer coisa a gente pega uma sala dessas, pede umas cervejas e faz a nossa noite aqui — comentei brincalhona e ela rolou os olhos, rindo.
— Boa tentativa, prima. Quem sabe né? Pra quem não tem nada, a metade é o dobro.
— Falou pouco mas falou bonito! — encorajei e ela ficou mais sorridente depois daquilo.
Caminhamos devagar para o lounge, desanimadas com a chuva, mas mais conformadas em esperá-la passar.
Já eram 18:30 quando notei que RM, Jin, V e Suga vinham do corredor oposto. Ergui as sobrancelhas em surpresa e Hyun-mee fez o mesmo, pois achávamos que eles já tinham ido embora.
— Hey! Curtindo uma chuvinha? — RM perguntou com um sorriso no rosto e Hyun-mee deu de ombros, também sorrindo.
— Não que tivéssemos muita escolha... — respondeu simpática.
Percebi que o líder do grupo reparou disfarçadamente no vestido roxo de mangas longas, pouco acima dos joelhos e nos coturnos pretos que minha prima usava. A jaqueta de Hyun-mee estava em seus braços, e ela segurava na frente do corpo, como quem fica levemente encolhida diante de uma presença importante.
Achei interessante e prendi os lábios numa linha fina, pois era capaz de começar a fazer piadas fora de hora ali mesmo.
Quer dizer, o expediente acabou, não é mesmo?
Dei uma leve pigarreada e logo depois Namjoon notou minha presença, sorrindo de forma polida.
— Pelo visto vocês não tinham planos de ir para casa.
Hyun-mee jogou o cabelo bem estilo “eu hidratei esta merda e mereço algum reconhecimento” e eu ri de sua atitude.
— Boa observação! Mas parece que vocês não ficam atrás, né? — Minha prima encarou os outros, com uma face sugestiva.
— Estávamos querendo comer algo gostoso e tomar uma cerveja, mas a chuva parece cagar pros nossos planos — Suga resmungou e eu automaticamente imaginei um gatinho filhote chateado por não receber Whiskas.
Juro que a semelhança era maior do que parecia.
— Eu só queria uma comer uma pizza gigantesca sozinho — Jin comentou e eu o encarei risonha. Ele logo fez uma cara engraçada e deu de ombros. — Que foi? Eu tô com fome!
— Eu percebi isso! Nem para dividir com os amigos? — expliquei enquanto cruzava os braços. Ele se escondeu atrás do V.
— Talvez te desse um pedaço, porque você quebrou as pernas do Jungkook e eu não quero que isso aconteça comigo.
V gargalhou alto e eu fiz cara de indignada.
— Eu quebrei o que!? Que calúnia, garoto! — Me aproximei e fingi que daria um tapinha em seu ombro, quando ouvi alguém berrar alto no corredor.
— Que isso, hein! Quando sai assim, tem hora para voltar?
Me virei automaticamente vermelha na direção de J-Hope, vendo-o gargalhar estrondosamente da minha cara. Eu estava desconcertada, mas mais ainda porque com ele, vinham Jimin e... Jungkook.
Meu Deus.
Quando vi o maknae vindo em minha direção, confesso que não vi mais nada ao redor.
Ele estava... divino? Incrível? Maravilhoso? Todas as opções anteriores.
Vestia um chapéu bucket preto, uma jaqueta preta grossa, uma blusa lilás de detalhes azuis, uma calça jeans skinny azul-petróleo e botas pretas.
Os brincos prateados nas orelhas, os anéis nas mãos desenhadas pelo melhor artista que Deus tinha no céu...
A verdade era simples e dolorosa: eu perdi toda pose de ralhar com J-Hope, porque estava ocupada demais secando e admirando Jungkook.
Que, por coincidência ou não, me olhava de forma curiosa, ao parar ao meu lado.
Seu cheiro me alcançou antes de tudo, e eu não consegui não inspirar com força, me deleitando com seu perfume.
Nossos olhares finalmente se cruzaram e eu senti um frio na barriga, parecendo uma adolescente carregando um amor platônico no peito. Céus...
Logo depois, J-Hope surgiu diante de mim e eu lembrei do que ele tinha dito, só pela careta de atazanado que ele carregava. Aquele filho da mãe conseguia ser adorável e irritante como um irmão mais velho, e a nossa aproximação nos últimos tempos trazia aquele velho ditado à tona: intimidade é um caminho sem volta.
Sim, minha mãe estava certa em me dizer aquilo desde sempre.
(Eu falhei com você, mãe.)
Me forçando a tomar controle da minha mente, mesmo com toda dificuldade chamada Jungkook, parado ao meu lado, consegui proferir alguma coisa que prestasse:
— Você tem certeza de que não é brasileiro? Às vezes fico me perguntando se não te trocaram na maternidade... — falei risonha e J-Hope fez cara de choque, rindo levemente.
— Eu adoraria descobrir que tenho uma família no Brasil! Tenho potencial para ser brasileiro?
— Digamos que eu adoraria te ver no carnaval cantando “Minha pequena Eva.”
— EEEEVA! — Hyun-mee completou e nós duas rimos com a piada interna. J-Hope carregava um sorriso entusiasmado no rosto e pulou alegre no ombro de Jungkook.
— Elas vão me levar pro carnaval!
— Por que só o J-Hope? Isso é tão injusto! — Jimin reclamou e eu fiz cara de dó.
— Prometemos tudo depois dessa turnê, crianças. Deixem conosco! — Hyun-mee respondeu, fazendo pose de “Yes we can” e todos riram animados, mas um novo estrondo no céu nos assustou, fazendo as risadas cessarem e as luzes se apagarem.
Segundos depois, a iluminação de emergência foi ativada, e eu suspirei frustrada.
— Ok, agora a gente realmente ficou preso aqui — Jungkook comentou ao meu lado, e eu percebi que foi a primeira vez que ele disse algo na noite. Virei meu rosto e o encarei com um sorriso mínimo, sentindo muita dificuldade em manter o diálogo enquanto meus olhos analisavam a beleza dele tão de perto.
— Acho que sim... — Minha voz saiu meio fraca, enquanto uma parte de mim percebia que o resto das pessoas dialogavam entre si, como se eu e Jungkook estivéssemos sozinhos e imperceptíveis.
Eu gostaria disso, aliás.
O maknae me analisou rapidamente e sorriu tímido.
— Pelo visto não estava nos seus planos ficar presa no trabalho, não é?
“Depende. Se fosse para ficar presa com você, era melhor do que qualquer plano.”, pensei comigo mesma.
— Não mesmo. Me sinto igual aquelas crianças que se arrumam para tomar vacina — respondi qualquer coisa e Jungkook gargalhou ao meu lado, me lançando um olhar aconchegante.
— Pelo menos tem pirulito e balão de gás hélio depois.
Foi a minha vez de rir e concordar consigo, encarando o chão pensativa.
— Estavam indo para aonde? — Sua voz soou incerta e eu instantaneamente virei meu rosto em sua direção. Ele não me olhava, encarava a chuva como se fosse mais interessante.
Pigarreei antes de responder.
— Hyun-mee insistiu em me levar numa noitada. Mas aparentemente sou pé frio e a idosa de oitenta anos que vive em mim está grata pela chuva.
Jungkook riu feito criança e me olhou de soslaio.
— Não estava a fim? — Neguei com a cabeça, fazendo sinal de mais ou menos com a mão. — Imagine se estivesse.
Franzi o cenho com aquela fala e ri, perdida.
— Como assim?
Jungkook umedeceu o lábio inferior e arregalou um pouco o olhar, como se não esperasse que eu o ouvisse. Ele deu de ombros e me olhou dentro dos olhos.
— Bom, é que... bem, você está muito... Hm. Arrumada?
Eu me olhei e prendi os lábios novamente, mordiscando as bochechas.
— É, realmente. Isso aqui é bem diferente da desarrumada que você está acostumado a ver — sorri sem graça, dando de ombros.
Jungkook logo balançou as mãos no ar e negou com a cabeça.
— Não, não, não! Eu não estou dizendo que você anda desarrumada!
— Tudo bem, Jungkook, eu não ligo... — respondi simpática, apesar de sentir uma pontadinha de frustração no peito. Arrumada? Que belo elogio.
— É sério! Eu... gosto como se veste — Sua mão pairou em meu ombro como se fosse uma pluma, mas capaz de distribuir uma sensação quente e estática.
O silêncio entre nós durou tanto quanto nossa troca de olhares.
Eu sorri, desconcertada.
— Você gosta? — perguntei, pensando que talvez tivesse entendido errado o que ele quis dizer.
— Sim! É que... Fica bem em você, despojado e original. Não é desarrumado. Mas eu nunca te vi tão produzida. Ou com uma bandana dessas, por exemplo.
E, timidamente, ele delineou o tecido com estampas brancas e fundo vermelho que pairava em minha cabeça, e olhou para mim com um pequeno sorriso no rosto.
Eu senti que naquele momento, o tempo correu devagar.
Bem devagar.
— Ficou bom em você... junto com as argolas... — ele continuou, e sua mão alcançou os brincos, mal tocando minha orelha.
Eu jurava que tinha prendido a respiração ali, e conseguia sentir o som do meu coração batendo em alto e bom tom. Me questionei se Jungkook conseguia ouví-lo também.
— Obrigada. Você também está muito bonito.
A frase saiu como se tivesse pedras de gelo na garganta, mas eu tinha certeza que minha feição entregava o quão lindo eu achava Jungkook naquele traje “comum”, e ainda assim, tão a cara dele.
Foi a vez do maknae sorrir sem graça e, com uma pequena saudação, ele agradeceu timidamente, colocando sua mão no bolso da calça.
— Acho que foi isso que eu quis dizer. Desculpe pelo mal entendido.
Um frio passou pela minha barriga e eu automaticamente mordi o lábio inferior, encarando meus pés.
Meu Deus, eu tinha virado Bella Swan?
— Não por isso! Eu entendi. Tá tranquilo! — e dei um tapinha em seu ombro, surpreendendo levemente o rapaz, cuja feição virou um Jungshook risonho.
Eu estava apreciando aquela carinha linda de inocente quando outro estrondo, mais forte do que os outros, interrompeu o falatório dos demais. Admito que dei um pequeno pulinho no lugar, me assustando com a força da natureza, sentindo o coração saltar com aquele barulho todo.
Só percebi que tinha segurado no braço de Jungkook quando o mesmo me olhou tão de perto e escondeu um risinho safado no canto dos lábios.
— ? Meu braço vai necrosar assim.
— Quê!? — falei sobressaltada, e me assustei ao perceber o quão forte eu o apertava. Logo larguei seu braço e me afastei um pouco, tentando me redimir enquanto gesticulava. — Ai caramba, desculpa! Te machuquei?
— Machucou quem? — J-Hope perguntou ao se aproximar, atraindo a atenção de todos para nós.
— Ninguém, ela só se assustou com o trovão e segurou forte no meu braço... — Jungkook explicou com uma cara tranquila e Jin apontou na minha direção.
— Alguém tem que denunciar essa staff por maus tratos, não é possível!
— Quando não é o pé é a mão, ? — V entrou na brincadeira e RM gargalhou com a minha cara de indignação.
— Gente, mas eu não fiz nada! — Tentei me defender erguendo as mãos para cima e Jimin me imitou enquanto ria.
— Eu sinceramente acho que aquele pedaço de pizza precisa ser revisto. Quem sabe uma pizza inteira não dome a fera? — Suga comentou com Jin enquanto dava leve batidinhas em seu ombro, e o rapper falou tão sério quanto foi convincente.
Todos ali riram da minha cara de cão perdido e Hyun-mee se pronunciou, já que Jungkook parecia ocupado demais rindo daquela interação toda.
— Deixa ela, gente! Só ela sabe lidar com o maknae mesmo, de vez em quando umas porradinhas caem bem! — E piscou para mim, deixando meu rosto automaticamente quente com aquela alegação. Jungkook sorriu timidamente, percebi por olhá-lo de soslaio.
Será que eu poderia dar uns tapinhas no caçula? Dependendo do contexto...
Quer dizer. Foco, !
— Você também seria capaz de agredir um de nós? — RM questionou com os braços cruzados e a sobrancelha arqueada, desviando a atenção e salvando meu momento.
Hyun-mee riu debochadamente.
— Testa meu sangue Kang para você ver!
— É de família, percebem? — Jin apontou para minha prima, que riu mostrando o punho para si. Ele se escondeu atrás de RM, que riu da situação, junto com o resto do pessoal.
— Vocês falam demais, mas só elas para aguentar um bando de marmanjo quase 24 horas por dia! — J-Hope veio nos salvar e eu fiz cara de alívio.
— Você só diz isso porque quer conhecer o carnaval — Jimin provocou com uma careta e J-Hope deu de ombros.
— Você me viu negando algo aqui?
Rimos novamente, e mais um trovão se fez presente, dessa vez, apagando todas as luzes do prédio.
— É sério que até o gerador deu problema? — RM perguntou surpreso, e Hyun-mee caminhou até a janela, olhando para o cenário da cidade.
— Pelo visto tem motivos. A cidade inteira está num breu. Parece até que o mar invadiu as ruas.
A galera se assustou com o comentário e todos foram verificar, confirmando o que Hyun-mee dizia.
— Gente, será que vamos sair vivo dessa? — J-Hope perguntou alarmado e eu ri de seu exagero.
— Vamos aguardar um pouco. É o que resta — RM disse com aquela voz de líder e pouco a pouco fomos caminhando para os sofás do lounge.
Sentei ao lado de Hyun-mee, e meu estômago roncou não tão discretamente.
— Tem alguém com fome aí? — ela indagou em português e eu ri, acenando positivamente.
— Será que ainda tem algo na cozinha? Eu poderia comer um boi.
As luzes de emergência voltaram a funcionar, alguns pontos da cidade começavam a se iluminar.
— Pizza, frango frito, rolinho primavera... — Jimin resmungava jogando suas costas no sofá, e Jin choramingou junto com o amigo.
— Pastel, macarrão... até cup noodles!
Aquilo acendeu uma ideia na minha mente.
— Eu acho que tem cup noodles na cozinha! — anunciei em voz alta e todos me olharam.
Eu não sei porque fiz isso, sério.
Os meninos simplesmente levantaram igual uma manada e todos se direcionaram para a cozinha, correndo feito um bando de loucos. Eu olhei desolada para Hyun-mee, que simplesmente negou com a cabeça.
— Você ainda precisa aprender muita coisa, mocinha.
E saiu andando como se não estivesse me abandonando no lounge.
Achei ofensivo.
(...)
— O aviador! Prenda-me se for capaz!
— Tempo encerrado!
— Era Dumbo, cara! Dumbo! — RM reclamava com J-Hope que ria de sua própria inabilidade no jogo de mímica, com a temática de filmes memoráveis.
— Você focou em todos os filmes do Leonardo DiCaprio, ou é impressão minha? — Jimin perguntou com uma sobrancelha arqueada e V franziu a testa.
— Quem?
Todos olharam para o rapaz e começaram a discutir em alto e bom tom sobre o fato do idol não saber quem era o ator.
— O foco não é esse! E sim, por que diabos Namjoon não conseguiu interpretar o Dumbo!? — V interrogou pontualmente e todos se viraram para o líder.
— Eu tentei! Mas J-Hope não entendeu nada!
— Pra mim era um avião!
— Eram as orelhas, J-Hope!
Todos explodiram em gargalhadas. Particularmente, eu estava adorando aquele clima: estávamos todos sentados nas mesas da cozinha, relaxados e alimentados com muitos cup noodles e chás gelados, enquanto passávamos um tempo conhecendo melhor os outros lados que não fossem profissionais.
Eu estava me recuperando das risadas quando J-Hope sugeriu uma nova dinâmica.
— Então chega de mímica! Que tal a gente brincar de twister?
Jimin, V e Jungkook se olharam animados enquanto RM ria e Jin dava de ombros. Suga negava solenemente com um aceno.
— Vamos! — a maioria disse.
— Pelo amor de Deus, vocês querem quebrar a gente mais do que já estamos? Ensaiamos feito loucos essa semana! — Suga reclamou e J-Hope foi ao seu encontro, abraçando-o de lado.
— E é por isso que precisamos alongar. É o jogo perfeito! Vamos?
Os meninos concordaram, alguns mais eufóricos que os outros, enquanto eu e Hyun-mee acenávamos positivamente.
Restou apenas olhares pidões para Suga.
— Isso não estava no contrato quando assinei... — reclamou, dando-se por vencido, e recebendo um coro de zoações dos amigos.
Eu levantei para jogar minha embalagem de cup noodles fora quando J-Hope me interceptou.
— ! Poderia pegar o jogo para a gente? Está na sala do fim do corredor, do 7º andar.
— Ih, meu expediente acabou, hein? — brinquei com uma careta, enquanto colocava as mãos na cintura.
— Ali óh, pronta para dar uma voadora no J-Hope só porque ele pediu um favor fora de hora! — Jimin comentou e eu abri a boca em choque.
— Até você, garoto!? — ele riu junto com Jin, que deu de ombros.
— Trabalhamos com fatos, apenas — respondeu convencido e os dois riram, debochados. Eu fiz cara de tédio, e os ameacei com o punho fechado, enquanto os meninos fingiam se proteger do perigo. Eu ri da cena e me direcionei para a porta.
— Já volto!
Fui caminhando depressa, pois o medo de ficar sozinha no escuro, caso faltasse luz novamente, era real.
Chamei o elevador, que prontamente se abriu e eu agradeci internamente quando cheguei ao andar sem problemas. Andei mais uns bons passos até ficar de frente para a porta; e qual não foi a minha surpresa quando vi que aquela belezinha estava trancada?
Mexe na maçaneta.
Força a entrada.
Trancada.
O pior foi perceber que nem com aqueles esquemas de grampo de cabelo eu conseguiria resolver a situação, uma vez que a entrada era feita com cartão magnético. Chique, não é?
Peguei o celular, busquei o contato de Hyun-mee e liguei. Depois de três toques, ela atendeu.
— Se perdeu? — perguntou do outro lado da linha.
— Não, mas a porta está trancada. Por acaso alguém tem o cartão de acesso?
— Ih, não sei!
— O que foi? — ouvi a voz de J-Hope questionar minha prima.
— A porta está trancada. Por acaso você tem o cartão de acesso? — Um burburinho se ouviu entre eles, e depois Hyun-mee falou rápido antes de desligar. — Aguenta aí que já tem ajuda a caminho.
Eu fiquei encarando o celular depois de perceber que ela tinha terminado a ligação sem se despedir.
Que mal-educada.
Fiquei esperando, encostada na porta, enquanto mexia no celular, passando pelas redes sociais, sem realmente me ater a nada. O barulho do elevador me fez erguer a cabeça, encontrando ninguém mais, ninguém menos do que Jungkook, passando pela porta e me olhando com um sorriso no rosto. Se aproximou e levantou a mão, mostrando um cartão.
— Alguém precisa de socorro?
Eu ri involuntariamente, meio sem graça, sabe-se lá porquê. Acho que era devido à beleza dele e ao jeitinho meigo misturado com o bom humor do rapaz que me deixava mais à vontade do que eu gostaria de assumir.
— Santo Jungkook! — exclamei enquanto entrávamos na sala e acendíamos as luzes. O caçula riu de maneira fofa e eu sorri, procurando o jogo com o olhar.
— Por acaso sabe onde está? — perguntei com uma careta, e ele riu negando com a cabeça.
— Vamos achar! Você procura nesse armário que eu procuro nesse aqui.
Passamos cerca de dez minutos procurando, sem resultados. Quando estávamos prestes a desistir, eu bufei e olhei pro teto, percebendo que o jogo estava em cima do armário mais alto, escondido debaixo de outros mil jogos.
Arrumação, zero.
— Ali! — exclamei, apontando para cima. Jungkook seguiu com o olhar e sorriu ao avistar o jogo.
— Deixa que eu pego — ele justificou e eu coloquei uma mão em sua direção, negando veemente.
— Nada disso! Você não vai forçar esse pé aí não.
— Tsc, tô melhor já, ... — e insistiu em andar, quando eu entrei no meio do caminho e coloquei as mãos na cintura.
— Poderia se preservar, por favor? — falei num tom mais sério e ele me olhou no maior estilo Jungshook, me fazendo prender a risada.
— Tá bem... — ele ergueu as mãos em rendição e eu sorri mais aliviada. Olhei em volta e apontei com a cabeça para uma certa direção.
— Pega aquela cadeira e segura para mim enquanto eu subo nela, beleza?
Jungkook arqueou a sobrancelha e cruzou os braços.
— E se você cair?
— Aí configura acidente de trabalho e eu pego uma licença, acusando você como o autor da obra — respondi risonha e ele rolou os olhos, rindo também. — Vamos, vai dar tudo certo. Só segure firme, sim?
Ele concordou com um aceno e pegou a cadeira, trazendo até mim e segurando-a conforme indicado.
— Pode subir — e ofereceu a mão, na qual eu gentilmente me apoiei e subi na cadeira.
Seu toque era quente e macio, e confesso que passei mais tempo de mãos dadas com ele do que o necessário.
Quando consegui ficar totalmente em pé na cadeira, deixei que meus dedos se desfizessem dos seus de maneira preguiçosa, como quem não quisesse romper com o contato.
E eu não queria mesmo! Mas me contive, pois seria muito esquisito e no mínimo constrangedor ter de explicar a justa causa na carteira de trabalho por não querer parar de tocar a mão de um k-idol.
Céus, onde eu estava com a cabeça?
Me forcei a focar no jogo, levantando o braço e tentando alcançar o objeto, sem sucesso.
Eu ouvi uma risadinha mínima e fechei os olhos, respirando fundo.
Imaginem o mico de precisar ficar na ponta do pé para alcançar aquele negócio?
Pois é.
A risadinha infame do maknae continuou e eu apenas prendi o riso mal e porcamente.
— Você não está rindo de mim, né garoto?
— Imagina! Eu apenas engasguei, cof cof — apresentou uma tosse falsa e eu rolei os olhos, rindo de si.
— É melhor mesmo! — E peguei o jogo com alguma dificuldade, ficando no máximo das pontas de meus pés para isso.
Quando voltei à posição normal, dobrei os joelhos para colocar o pé no chão, e acabei desequilibrando quando saltei da cadeira. Minha sorte foi que Jungkook me segurou de supetão, pela cintura, me fazendo segurar o jogo com uma mão, enquanto a outra espalmou em seu peitoral.
Nunca estivemos tão próximos e eu nunca notei tantos detalhes nos traços dele, de tão perto.
Nossos olhares se fixaram e eu fiquei completamente quente de vergonha.
Os olhos, as curvas do nariz, o cheiro inebriante que ele carregava consigo...
Engoli a seco quando percebi que ficamos tempo demais naquilo, e me ajeitei, pedindo desculpas ao me afastar respeitosamente.
— Desculpa, desculpa! E-Eu perdi o equilíbrio ali e...
— Não, imagina! Sem problemas, acontece — ele interviu com um sorriso nervoso e coçou a têmpora esquerda, desviando o olhar para o chão.
Estávamos ambos sem graça com a situação, mas eu decidi bancar a profissional e fingir que nada tinha acontecido.
— Bom, então vamos? — perguntei após pigarrear e o maknae apenas concordou com um aceno.
Colocamos a cadeira no lugar e saímos da sala, num profundo silêncio.
Eu apertei o botão do elevador enquanto Jungkook travava a porta da sala privativa. Logo depois estava ao meu lado, encarando o elevador como se fosse o maior dos entretenimentos dos últimos tempos.
O clima estava estranhamente engessado, mas eu não me furtava de pensar no quanto queria memorizar mais os traços do rapaz, de tão perto.
O elevador chegou cortando meus pensamentos e eu entrei apressada na caixa de metal, sendo seguida por um Jungkook tímido e calado.
Ele apertou o andar que o pessoal estava e as portas se fecharam.
O movimento de descida nos alcançou e eu, em total desespero por causa daquela atmosfera estranha, comecei a assoviar uma melodia que não saiu da minha cabeça o dia todo.
Estava há um tempo nisso quando Jungkook interrompeu o silêncio.
— Você tá assoviando “Begin”?
Eu parei na hora, arregalando os olhos. Não tinha me tocado que estava especificamente nessa música e minha única saída foi sorrir sem graça.
— É bem viciante.
Nós dois sorrimos enquanto nos olhávamos, até que as luzes do elevador começaram a piscar e, no momento seguinte, deu um tranco firme, parando de vez e nos deixando alarmados.
— Ai meu Deus, é sério isso? — sussurrei, me sentindo nervosa.
As luzes de emergência acenderam e eu percebi que tinha procurado a mão de Jungkook nesse meio tempo, ao sentí-lo enlaçar a minha de volta.
— Você tem medo do escuro? — ele perguntou gentilmente, mais próximo. Eu respirei fundo algumas vezes e o encarei, receosa.
— Tenho questões com elevadores... — suspirei, encarando nossas mãos. — E com o escuro, também.
Jungkook apertou de leve minha mão, fazendo com que eu erguesse minha cabeça e olhasse em seus olhos.
Confesso que senti o ar rarefeito quando o fiz.
Ele era muito lindo, mesmo com luzes de emergência mal iluminando o local.
E por alguns segundos, aquilo foi tudo que esteve em minha mente.
— Não se preocupa, vai ficar tudo bem. Qualquer coisa, eu tô aqui, tá? — e, com a outra mão, buscou o celular em seu bolso e acendeu a lanterna, iluminando mais o elevador e me deixando menos desconfortável.
Pisquei algumas vezes, voltando a respirar normal, aquecida por sua atitude. Decidi devolver o aperto em sua mão, ainda que estivesse completamente sem graça com tudo aquilo.
— Obrigada, Jungkook. Mesmo.
Ele sorriu de volta e deu de ombros, como se fosse algo óbvio a ser feito, mas era nítido que sua ação generosa merecia gratidão. Não precisava acalmar a staff medrosa, mas lá estava ele, segurando minha mão e gastando a bateria de seu celular para que eu me sentisse melhor.
Então sim, queria fazer muito mais do que dizer algumas poucas palavras em agradecimento, mas fiquei sem reação diante de toda aquela situação, porque, ao olhar para nossas mãos unidas, me toquei da verdade nua e crua: eu acabava de ficar presa num elevador, sozinha com Jungkook.
— Você realmente quer sair hoje? — perguntei, me sentindo cansada só de pensar na noitada que minha prima queria me levar. Ela me lançou um olhar furioso e eu me encolhi no lugar. — Ok, estou indo tomar meu banho...
— Gosto de você porque nem preciso falar nada. Qual é, ! Sexta-feira! A gente trabalhou mais que tudo nessa semana! Merecemos uma boa bebida e uma música dançante para aproveitarmos essa juventude! — ela defendeu seu ponto de vista enquanto retirava a toalha da cabeça.
— Uhul, juventude. Me sinto incrível! — falei de forma forçada, recebendo uma toalhada na cara enquanto ríamos juntas.
Tomei o banho rápido, já que Hyun-mee queria aproveitar o happy-hour do local, e eu acabei não me prolongando muito no que seria um momento relaxante e restaurador.
Um banho quente depois de uma semana cheia de trabalho era um agradecimento divino pela nossa existência.
Saí do banheiro, penteei meu cabelo, e coloquei a calça de couro de cintura alta que Hyun-mee tanto insistiu.
— Você fica com um rabão nessa calça. Incrível! — ela comentou enquanto eu abotoava o sutiã igualmente preto de rendas e ria de sua animação. Como ela conseguia?
Botei uma blusa vermelha simples, soltinha, de um tecido leve, e coloquei a jaqueta de couro. De maquiagem, passei um gloss avermelhado, um blush nas bochechas, rímel nos cílios e delineei os olhos de preto. Estava me sentindo no próprio clipe de Seven Nation Army dos White Stripes, quando ouvi um mega estrondo do lado de fora.
Terminei de amarrar o tênis, já imaginando do que se tratava, enquanto Hyun-mee corria para a janela, alarmada. Após encarar a cena, gemeu em frustração.
— Tá de sacanagem! Não acredito! — reclamou indignada e eu fiz uma careta de dor.
— Muita chuva?
— Porra! O dilúvio deve ter sido mais tranquilo! Olha só! — me chamou para ir até lá e eu me assustei com a quantidade de água que caía do céu. Em poucos momentos, a rua estava completamente molhada, e parecia começar a alagar.
— Que que a gente faz? — perguntei, perdida.
— Pior que nem ir pra casa vai rolar. A gente vai ter que esperar dar uma estiada... Merda! — bradou, realmente chateada.
Respirei fundo, ficando um pouco sentida por ela. Quer dizer, eu não estava na vibe de ‘noitar’, mas eu poderia facilmente tomar uns drinks e curtir uma música, sem exacerbar.
Só me toquei que estava um pouco frustrada quando pensei na Piña Colada que eu acabava de perder.
Que sacanagem.
Suspirei enquanto via Hyun-mee guardando as coisas no armário, pegando a sua bolsa tira-colo.
— Vem, vamos sentar lá no lounge e esperar essa merda passar. Aff... Tudo porque eu queria muito mexer o rabetão.
— Você ainda poderá mexê-lo. Qualquer coisa a gente pega uma sala dessas, pede umas cervejas e faz a nossa noite aqui — comentei brincalhona e ela rolou os olhos, rindo.
— Boa tentativa, prima. Quem sabe né? Pra quem não tem nada, a metade é o dobro.
— Falou pouco mas falou bonito! — encorajei e ela ficou mais sorridente depois daquilo.
Caminhamos devagar para o lounge, desanimadas com a chuva, mas mais conformadas em esperá-la passar.
Já eram 18:30 quando notei que RM, Jin, V e Suga vinham do corredor oposto. Ergui as sobrancelhas em surpresa e Hyun-mee fez o mesmo, pois achávamos que eles já tinham ido embora.
— Hey! Curtindo uma chuvinha? — RM perguntou com um sorriso no rosto e Hyun-mee deu de ombros, também sorrindo.
— Não que tivéssemos muita escolha... — respondeu simpática.
Percebi que o líder do grupo reparou disfarçadamente no vestido roxo de mangas longas, pouco acima dos joelhos e nos coturnos pretos que minha prima usava. A jaqueta de Hyun-mee estava em seus braços, e ela segurava na frente do corpo, como quem fica levemente encolhida diante de uma presença importante.
Achei interessante e prendi os lábios numa linha fina, pois era capaz de começar a fazer piadas fora de hora ali mesmo.
Quer dizer, o expediente acabou, não é mesmo?
Dei uma leve pigarreada e logo depois Namjoon notou minha presença, sorrindo de forma polida.
— Pelo visto vocês não tinham planos de ir para casa.
Hyun-mee jogou o cabelo bem estilo “eu hidratei esta merda e mereço algum reconhecimento” e eu ri de sua atitude.
— Boa observação! Mas parece que vocês não ficam atrás, né? — Minha prima encarou os outros, com uma face sugestiva.
— Estávamos querendo comer algo gostoso e tomar uma cerveja, mas a chuva parece cagar pros nossos planos — Suga resmungou e eu automaticamente imaginei um gatinho filhote chateado por não receber Whiskas.
Juro que a semelhança era maior do que parecia.
— Eu só queria uma comer uma pizza gigantesca sozinho — Jin comentou e eu o encarei risonha. Ele logo fez uma cara engraçada e deu de ombros. — Que foi? Eu tô com fome!
— Eu percebi isso! Nem para dividir com os amigos? — expliquei enquanto cruzava os braços. Ele se escondeu atrás do V.
— Talvez te desse um pedaço, porque você quebrou as pernas do Jungkook e eu não quero que isso aconteça comigo.
V gargalhou alto e eu fiz cara de indignada.
— Eu quebrei o que!? Que calúnia, garoto! — Me aproximei e fingi que daria um tapinha em seu ombro, quando ouvi alguém berrar alto no corredor.
— Que isso, hein! Quando sai assim, tem hora para voltar?
Me virei automaticamente vermelha na direção de J-Hope, vendo-o gargalhar estrondosamente da minha cara. Eu estava desconcertada, mas mais ainda porque com ele, vinham Jimin e... Jungkook.
Meu Deus.
Quando vi o maknae vindo em minha direção, confesso que não vi mais nada ao redor.
Ele estava... divino? Incrível? Maravilhoso? Todas as opções anteriores.
Vestia um chapéu bucket preto, uma jaqueta preta grossa, uma blusa lilás de detalhes azuis, uma calça jeans skinny azul-petróleo e botas pretas.
Os brincos prateados nas orelhas, os anéis nas mãos desenhadas pelo melhor artista que Deus tinha no céu...
A verdade era simples e dolorosa: eu perdi toda pose de ralhar com J-Hope, porque estava ocupada demais secando e admirando Jungkook.
Que, por coincidência ou não, me olhava de forma curiosa, ao parar ao meu lado.
Seu cheiro me alcançou antes de tudo, e eu não consegui não inspirar com força, me deleitando com seu perfume.
Nossos olhares finalmente se cruzaram e eu senti um frio na barriga, parecendo uma adolescente carregando um amor platônico no peito. Céus...
Logo depois, J-Hope surgiu diante de mim e eu lembrei do que ele tinha dito, só pela careta de atazanado que ele carregava. Aquele filho da mãe conseguia ser adorável e irritante como um irmão mais velho, e a nossa aproximação nos últimos tempos trazia aquele velho ditado à tona: intimidade é um caminho sem volta.
Sim, minha mãe estava certa em me dizer aquilo desde sempre.
(Eu falhei com você, mãe.)
Me forçando a tomar controle da minha mente, mesmo com toda dificuldade chamada Jungkook, parado ao meu lado, consegui proferir alguma coisa que prestasse:
— Você tem certeza de que não é brasileiro? Às vezes fico me perguntando se não te trocaram na maternidade... — falei risonha e J-Hope fez cara de choque, rindo levemente.
— Eu adoraria descobrir que tenho uma família no Brasil! Tenho potencial para ser brasileiro?
— Digamos que eu adoraria te ver no carnaval cantando “Minha pequena Eva.”
— EEEEVA! — Hyun-mee completou e nós duas rimos com a piada interna. J-Hope carregava um sorriso entusiasmado no rosto e pulou alegre no ombro de Jungkook.
— Elas vão me levar pro carnaval!
— Por que só o J-Hope? Isso é tão injusto! — Jimin reclamou e eu fiz cara de dó.
— Prometemos tudo depois dessa turnê, crianças. Deixem conosco! — Hyun-mee respondeu, fazendo pose de “Yes we can” e todos riram animados, mas um novo estrondo no céu nos assustou, fazendo as risadas cessarem e as luzes se apagarem.
Segundos depois, a iluminação de emergência foi ativada, e eu suspirei frustrada.
— Ok, agora a gente realmente ficou preso aqui — Jungkook comentou ao meu lado, e eu percebi que foi a primeira vez que ele disse algo na noite. Virei meu rosto e o encarei com um sorriso mínimo, sentindo muita dificuldade em manter o diálogo enquanto meus olhos analisavam a beleza dele tão de perto.
— Acho que sim... — Minha voz saiu meio fraca, enquanto uma parte de mim percebia que o resto das pessoas dialogavam entre si, como se eu e Jungkook estivéssemos sozinhos e imperceptíveis.
Eu gostaria disso, aliás.
O maknae me analisou rapidamente e sorriu tímido.
— Pelo visto não estava nos seus planos ficar presa no trabalho, não é?
“Depende. Se fosse para ficar presa com você, era melhor do que qualquer plano.”, pensei comigo mesma.
— Não mesmo. Me sinto igual aquelas crianças que se arrumam para tomar vacina — respondi qualquer coisa e Jungkook gargalhou ao meu lado, me lançando um olhar aconchegante.
— Pelo menos tem pirulito e balão de gás hélio depois.
Foi a minha vez de rir e concordar consigo, encarando o chão pensativa.
— Estavam indo para aonde? — Sua voz soou incerta e eu instantaneamente virei meu rosto em sua direção. Ele não me olhava, encarava a chuva como se fosse mais interessante.
Pigarreei antes de responder.
— Hyun-mee insistiu em me levar numa noitada. Mas aparentemente sou pé frio e a idosa de oitenta anos que vive em mim está grata pela chuva.
Jungkook riu feito criança e me olhou de soslaio.
— Não estava a fim? — Neguei com a cabeça, fazendo sinal de mais ou menos com a mão. — Imagine se estivesse.
Franzi o cenho com aquela fala e ri, perdida.
— Como assim?
Jungkook umedeceu o lábio inferior e arregalou um pouco o olhar, como se não esperasse que eu o ouvisse. Ele deu de ombros e me olhou dentro dos olhos.
— Bom, é que... bem, você está muito... Hm. Arrumada?
Eu me olhei e prendi os lábios novamente, mordiscando as bochechas.
— É, realmente. Isso aqui é bem diferente da desarrumada que você está acostumado a ver — sorri sem graça, dando de ombros.
Jungkook logo balançou as mãos no ar e negou com a cabeça.
— Não, não, não! Eu não estou dizendo que você anda desarrumada!
— Tudo bem, Jungkook, eu não ligo... — respondi simpática, apesar de sentir uma pontadinha de frustração no peito. Arrumada? Que belo elogio.
— É sério! Eu... gosto como se veste — Sua mão pairou em meu ombro como se fosse uma pluma, mas capaz de distribuir uma sensação quente e estática.
O silêncio entre nós durou tanto quanto nossa troca de olhares.
Eu sorri, desconcertada.
— Você gosta? — perguntei, pensando que talvez tivesse entendido errado o que ele quis dizer.
— Sim! É que... Fica bem em você, despojado e original. Não é desarrumado. Mas eu nunca te vi tão produzida. Ou com uma bandana dessas, por exemplo.
E, timidamente, ele delineou o tecido com estampas brancas e fundo vermelho que pairava em minha cabeça, e olhou para mim com um pequeno sorriso no rosto.
Eu senti que naquele momento, o tempo correu devagar.
Bem devagar.
— Ficou bom em você... junto com as argolas... — ele continuou, e sua mão alcançou os brincos, mal tocando minha orelha.
Eu jurava que tinha prendido a respiração ali, e conseguia sentir o som do meu coração batendo em alto e bom tom. Me questionei se Jungkook conseguia ouví-lo também.
— Obrigada. Você também está muito bonito.
A frase saiu como se tivesse pedras de gelo na garganta, mas eu tinha certeza que minha feição entregava o quão lindo eu achava Jungkook naquele traje “comum”, e ainda assim, tão a cara dele.
Foi a vez do maknae sorrir sem graça e, com uma pequena saudação, ele agradeceu timidamente, colocando sua mão no bolso da calça.
— Acho que foi isso que eu quis dizer. Desculpe pelo mal entendido.
Um frio passou pela minha barriga e eu automaticamente mordi o lábio inferior, encarando meus pés.
Meu Deus, eu tinha virado Bella Swan?
— Não por isso! Eu entendi. Tá tranquilo! — e dei um tapinha em seu ombro, surpreendendo levemente o rapaz, cuja feição virou um Jungshook risonho.
Eu estava apreciando aquela carinha linda de inocente quando outro estrondo, mais forte do que os outros, interrompeu o falatório dos demais. Admito que dei um pequeno pulinho no lugar, me assustando com a força da natureza, sentindo o coração saltar com aquele barulho todo.
Só percebi que tinha segurado no braço de Jungkook quando o mesmo me olhou tão de perto e escondeu um risinho safado no canto dos lábios.
— ? Meu braço vai necrosar assim.
— Quê!? — falei sobressaltada, e me assustei ao perceber o quão forte eu o apertava. Logo larguei seu braço e me afastei um pouco, tentando me redimir enquanto gesticulava. — Ai caramba, desculpa! Te machuquei?
— Machucou quem? — J-Hope perguntou ao se aproximar, atraindo a atenção de todos para nós.
— Ninguém, ela só se assustou com o trovão e segurou forte no meu braço... — Jungkook explicou com uma cara tranquila e Jin apontou na minha direção.
— Alguém tem que denunciar essa staff por maus tratos, não é possível!
— Quando não é o pé é a mão, ? — V entrou na brincadeira e RM gargalhou com a minha cara de indignação.
— Gente, mas eu não fiz nada! — Tentei me defender erguendo as mãos para cima e Jimin me imitou enquanto ria.
— Eu sinceramente acho que aquele pedaço de pizza precisa ser revisto. Quem sabe uma pizza inteira não dome a fera? — Suga comentou com Jin enquanto dava leve batidinhas em seu ombro, e o rapper falou tão sério quanto foi convincente.
Todos ali riram da minha cara de cão perdido e Hyun-mee se pronunciou, já que Jungkook parecia ocupado demais rindo daquela interação toda.
— Deixa ela, gente! Só ela sabe lidar com o maknae mesmo, de vez em quando umas porradinhas caem bem! — E piscou para mim, deixando meu rosto automaticamente quente com aquela alegação. Jungkook sorriu timidamente, percebi por olhá-lo de soslaio.
Será que eu poderia dar uns tapinhas no caçula? Dependendo do contexto...
Quer dizer. Foco, !
— Você também seria capaz de agredir um de nós? — RM questionou com os braços cruzados e a sobrancelha arqueada, desviando a atenção e salvando meu momento.
Hyun-mee riu debochadamente.
— Testa meu sangue Kang para você ver!
— É de família, percebem? — Jin apontou para minha prima, que riu mostrando o punho para si. Ele se escondeu atrás de RM, que riu da situação, junto com o resto do pessoal.
— Vocês falam demais, mas só elas para aguentar um bando de marmanjo quase 24 horas por dia! — J-Hope veio nos salvar e eu fiz cara de alívio.
— Você só diz isso porque quer conhecer o carnaval — Jimin provocou com uma careta e J-Hope deu de ombros.
— Você me viu negando algo aqui?
Rimos novamente, e mais um trovão se fez presente, dessa vez, apagando todas as luzes do prédio.
— É sério que até o gerador deu problema? — RM perguntou surpreso, e Hyun-mee caminhou até a janela, olhando para o cenário da cidade.
— Pelo visto tem motivos. A cidade inteira está num breu. Parece até que o mar invadiu as ruas.
A galera se assustou com o comentário e todos foram verificar, confirmando o que Hyun-mee dizia.
— Gente, será que vamos sair vivo dessa? — J-Hope perguntou alarmado e eu ri de seu exagero.
— Vamos aguardar um pouco. É o que resta — RM disse com aquela voz de líder e pouco a pouco fomos caminhando para os sofás do lounge.
Sentei ao lado de Hyun-mee, e meu estômago roncou não tão discretamente.
— Tem alguém com fome aí? — ela indagou em português e eu ri, acenando positivamente.
— Será que ainda tem algo na cozinha? Eu poderia comer um boi.
As luzes de emergência voltaram a funcionar, alguns pontos da cidade começavam a se iluminar.
— Pizza, frango frito, rolinho primavera... — Jimin resmungava jogando suas costas no sofá, e Jin choramingou junto com o amigo.
— Pastel, macarrão... até cup noodles!
Aquilo acendeu uma ideia na minha mente.
— Eu acho que tem cup noodles na cozinha! — anunciei em voz alta e todos me olharam.
Eu não sei porque fiz isso, sério.
Os meninos simplesmente levantaram igual uma manada e todos se direcionaram para a cozinha, correndo feito um bando de loucos. Eu olhei desolada para Hyun-mee, que simplesmente negou com a cabeça.
— Você ainda precisa aprender muita coisa, mocinha.
E saiu andando como se não estivesse me abandonando no lounge.
Achei ofensivo.
(...)
— O aviador! Prenda-me se for capaz!
— Tempo encerrado!
— Era Dumbo, cara! Dumbo! — RM reclamava com J-Hope que ria de sua própria inabilidade no jogo de mímica, com a temática de filmes memoráveis.
— Você focou em todos os filmes do Leonardo DiCaprio, ou é impressão minha? — Jimin perguntou com uma sobrancelha arqueada e V franziu a testa.
— Quem?
Todos olharam para o rapaz e começaram a discutir em alto e bom tom sobre o fato do idol não saber quem era o ator.
— O foco não é esse! E sim, por que diabos Namjoon não conseguiu interpretar o Dumbo!? — V interrogou pontualmente e todos se viraram para o líder.
— Eu tentei! Mas J-Hope não entendeu nada!
— Pra mim era um avião!
— Eram as orelhas, J-Hope!
Todos explodiram em gargalhadas. Particularmente, eu estava adorando aquele clima: estávamos todos sentados nas mesas da cozinha, relaxados e alimentados com muitos cup noodles e chás gelados, enquanto passávamos um tempo conhecendo melhor os outros lados que não fossem profissionais.
Eu estava me recuperando das risadas quando J-Hope sugeriu uma nova dinâmica.
— Então chega de mímica! Que tal a gente brincar de twister?
Jimin, V e Jungkook se olharam animados enquanto RM ria e Jin dava de ombros. Suga negava solenemente com um aceno.
— Vamos! — a maioria disse.
— Pelo amor de Deus, vocês querem quebrar a gente mais do que já estamos? Ensaiamos feito loucos essa semana! — Suga reclamou e J-Hope foi ao seu encontro, abraçando-o de lado.
— E é por isso que precisamos alongar. É o jogo perfeito! Vamos?
Os meninos concordaram, alguns mais eufóricos que os outros, enquanto eu e Hyun-mee acenávamos positivamente.
Restou apenas olhares pidões para Suga.
— Isso não estava no contrato quando assinei... — reclamou, dando-se por vencido, e recebendo um coro de zoações dos amigos.
Eu levantei para jogar minha embalagem de cup noodles fora quando J-Hope me interceptou.
— ! Poderia pegar o jogo para a gente? Está na sala do fim do corredor, do 7º andar.
— Ih, meu expediente acabou, hein? — brinquei com uma careta, enquanto colocava as mãos na cintura.
— Ali óh, pronta para dar uma voadora no J-Hope só porque ele pediu um favor fora de hora! — Jimin comentou e eu abri a boca em choque.
— Até você, garoto!? — ele riu junto com Jin, que deu de ombros.
— Trabalhamos com fatos, apenas — respondeu convencido e os dois riram, debochados. Eu fiz cara de tédio, e os ameacei com o punho fechado, enquanto os meninos fingiam se proteger do perigo. Eu ri da cena e me direcionei para a porta.
— Já volto!
Fui caminhando depressa, pois o medo de ficar sozinha no escuro, caso faltasse luz novamente, era real.
Chamei o elevador, que prontamente se abriu e eu agradeci internamente quando cheguei ao andar sem problemas. Andei mais uns bons passos até ficar de frente para a porta; e qual não foi a minha surpresa quando vi que aquela belezinha estava trancada?
Mexe na maçaneta.
Força a entrada.
Trancada.
O pior foi perceber que nem com aqueles esquemas de grampo de cabelo eu conseguiria resolver a situação, uma vez que a entrada era feita com cartão magnético. Chique, não é?
Peguei o celular, busquei o contato de Hyun-mee e liguei. Depois de três toques, ela atendeu.
— Se perdeu? — perguntou do outro lado da linha.
— Não, mas a porta está trancada. Por acaso alguém tem o cartão de acesso?
— Ih, não sei!
— O que foi? — ouvi a voz de J-Hope questionar minha prima.
— A porta está trancada. Por acaso você tem o cartão de acesso? — Um burburinho se ouviu entre eles, e depois Hyun-mee falou rápido antes de desligar. — Aguenta aí que já tem ajuda a caminho.
Eu fiquei encarando o celular depois de perceber que ela tinha terminado a ligação sem se despedir.
Que mal-educada.
Fiquei esperando, encostada na porta, enquanto mexia no celular, passando pelas redes sociais, sem realmente me ater a nada. O barulho do elevador me fez erguer a cabeça, encontrando ninguém mais, ninguém menos do que Jungkook, passando pela porta e me olhando com um sorriso no rosto. Se aproximou e levantou a mão, mostrando um cartão.
— Alguém precisa de socorro?
Eu ri involuntariamente, meio sem graça, sabe-se lá porquê. Acho que era devido à beleza dele e ao jeitinho meigo misturado com o bom humor do rapaz que me deixava mais à vontade do que eu gostaria de assumir.
— Santo Jungkook! — exclamei enquanto entrávamos na sala e acendíamos as luzes. O caçula riu de maneira fofa e eu sorri, procurando o jogo com o olhar.
— Por acaso sabe onde está? — perguntei com uma careta, e ele riu negando com a cabeça.
— Vamos achar! Você procura nesse armário que eu procuro nesse aqui.
Passamos cerca de dez minutos procurando, sem resultados. Quando estávamos prestes a desistir, eu bufei e olhei pro teto, percebendo que o jogo estava em cima do armário mais alto, escondido debaixo de outros mil jogos.
Arrumação, zero.
— Ali! — exclamei, apontando para cima. Jungkook seguiu com o olhar e sorriu ao avistar o jogo.
— Deixa que eu pego — ele justificou e eu coloquei uma mão em sua direção, negando veemente.
— Nada disso! Você não vai forçar esse pé aí não.
— Tsc, tô melhor já, ... — e insistiu em andar, quando eu entrei no meio do caminho e coloquei as mãos na cintura.
— Poderia se preservar, por favor? — falei num tom mais sério e ele me olhou no maior estilo Jungshook, me fazendo prender a risada.
— Tá bem... — ele ergueu as mãos em rendição e eu sorri mais aliviada. Olhei em volta e apontei com a cabeça para uma certa direção.
— Pega aquela cadeira e segura para mim enquanto eu subo nela, beleza?
Jungkook arqueou a sobrancelha e cruzou os braços.
— E se você cair?
— Aí configura acidente de trabalho e eu pego uma licença, acusando você como o autor da obra — respondi risonha e ele rolou os olhos, rindo também. — Vamos, vai dar tudo certo. Só segure firme, sim?
Ele concordou com um aceno e pegou a cadeira, trazendo até mim e segurando-a conforme indicado.
— Pode subir — e ofereceu a mão, na qual eu gentilmente me apoiei e subi na cadeira.
Seu toque era quente e macio, e confesso que passei mais tempo de mãos dadas com ele do que o necessário.
Quando consegui ficar totalmente em pé na cadeira, deixei que meus dedos se desfizessem dos seus de maneira preguiçosa, como quem não quisesse romper com o contato.
E eu não queria mesmo! Mas me contive, pois seria muito esquisito e no mínimo constrangedor ter de explicar a justa causa na carteira de trabalho por não querer parar de tocar a mão de um k-idol.
Céus, onde eu estava com a cabeça?
Me forcei a focar no jogo, levantando o braço e tentando alcançar o objeto, sem sucesso.
Eu ouvi uma risadinha mínima e fechei os olhos, respirando fundo.
Imaginem o mico de precisar ficar na ponta do pé para alcançar aquele negócio?
Pois é.
A risadinha infame do maknae continuou e eu apenas prendi o riso mal e porcamente.
— Você não está rindo de mim, né garoto?
— Imagina! Eu apenas engasguei, cof cof — apresentou uma tosse falsa e eu rolei os olhos, rindo de si.
— É melhor mesmo! — E peguei o jogo com alguma dificuldade, ficando no máximo das pontas de meus pés para isso.
Quando voltei à posição normal, dobrei os joelhos para colocar o pé no chão, e acabei desequilibrando quando saltei da cadeira. Minha sorte foi que Jungkook me segurou de supetão, pela cintura, me fazendo segurar o jogo com uma mão, enquanto a outra espalmou em seu peitoral.
Nunca estivemos tão próximos e eu nunca notei tantos detalhes nos traços dele, de tão perto.
Nossos olhares se fixaram e eu fiquei completamente quente de vergonha.
Os olhos, as curvas do nariz, o cheiro inebriante que ele carregava consigo...
Engoli a seco quando percebi que ficamos tempo demais naquilo, e me ajeitei, pedindo desculpas ao me afastar respeitosamente.
— Desculpa, desculpa! E-Eu perdi o equilíbrio ali e...
— Não, imagina! Sem problemas, acontece — ele interviu com um sorriso nervoso e coçou a têmpora esquerda, desviando o olhar para o chão.
Estávamos ambos sem graça com a situação, mas eu decidi bancar a profissional e fingir que nada tinha acontecido.
— Bom, então vamos? — perguntei após pigarrear e o maknae apenas concordou com um aceno.
Colocamos a cadeira no lugar e saímos da sala, num profundo silêncio.
Eu apertei o botão do elevador enquanto Jungkook travava a porta da sala privativa. Logo depois estava ao meu lado, encarando o elevador como se fosse o maior dos entretenimentos dos últimos tempos.
O clima estava estranhamente engessado, mas eu não me furtava de pensar no quanto queria memorizar mais os traços do rapaz, de tão perto.
O elevador chegou cortando meus pensamentos e eu entrei apressada na caixa de metal, sendo seguida por um Jungkook tímido e calado.
Ele apertou o andar que o pessoal estava e as portas se fecharam.
O movimento de descida nos alcançou e eu, em total desespero por causa daquela atmosfera estranha, comecei a assoviar uma melodia que não saiu da minha cabeça o dia todo.
Estava há um tempo nisso quando Jungkook interrompeu o silêncio.
— Você tá assoviando “Begin”?
Eu parei na hora, arregalando os olhos. Não tinha me tocado que estava especificamente nessa música e minha única saída foi sorrir sem graça.
— É bem viciante.
Nós dois sorrimos enquanto nos olhávamos, até que as luzes do elevador começaram a piscar e, no momento seguinte, deu um tranco firme, parando de vez e nos deixando alarmados.
— Ai meu Deus, é sério isso? — sussurrei, me sentindo nervosa.
As luzes de emergência acenderam e eu percebi que tinha procurado a mão de Jungkook nesse meio tempo, ao sentí-lo enlaçar a minha de volta.
— Você tem medo do escuro? — ele perguntou gentilmente, mais próximo. Eu respirei fundo algumas vezes e o encarei, receosa.
— Tenho questões com elevadores... — suspirei, encarando nossas mãos. — E com o escuro, também.
Jungkook apertou de leve minha mão, fazendo com que eu erguesse minha cabeça e olhasse em seus olhos.
Confesso que senti o ar rarefeito quando o fiz.
Ele era muito lindo, mesmo com luzes de emergência mal iluminando o local.
E por alguns segundos, aquilo foi tudo que esteve em minha mente.
— Não se preocupa, vai ficar tudo bem. Qualquer coisa, eu tô aqui, tá? — e, com a outra mão, buscou o celular em seu bolso e acendeu a lanterna, iluminando mais o elevador e me deixando menos desconfortável.
Pisquei algumas vezes, voltando a respirar normal, aquecida por sua atitude. Decidi devolver o aperto em sua mão, ainda que estivesse completamente sem graça com tudo aquilo.
— Obrigada, Jungkook. Mesmo.
Ele sorriu de volta e deu de ombros, como se fosse algo óbvio a ser feito, mas era nítido que sua ação generosa merecia gratidão. Não precisava acalmar a staff medrosa, mas lá estava ele, segurando minha mão e gastando a bateria de seu celular para que eu me sentisse melhor.
Então sim, queria fazer muito mais do que dizer algumas poucas palavras em agradecimento, mas fiquei sem reação diante de toda aquela situação, porque, ao olhar para nossas mãos unidas, me toquei da verdade nua e crua: eu acabava de ficar presa num elevador, sozinha com Jungkook.
Capítulo VII - Danger
Estávamos sentados no chão do elevador, próximos um do outro, aguardando a luz voltar, sem muito sucesso. Quer dizer, avisamos ao pessoal que tínhamos ficado presos, e eles mandaram áudios e nos ligaram para saber se estava tudo ‘sob controle’. Se prontificaram em chamar a equipe técnica para nos ajudar, mas até então, estava particularmente tedioso aguardá-la.
E ah, só para constar: já não estávamos de mãos dadas.
Um pouco frustrante, eu sei.
Mas foi justamente em meio ao tédio que Jungkook e eu tivemos a grande ideia de fazer um jogo de perguntas e resposta sobre nós.
Sim, voltamos a época de escola no ensino fundamental.
Bem...
A equipe técnica não chegou, mas lá estava eu falando sobre algo deveras particular com o k-idol que eu basicamente babava só por ele respirar.
É tão clássico que eu mesma tirava sarro de mim, internamente.
.— E aí eu desci a ladeira com um patinete recém-adquirido de natal e fiquei igual bife na chapa ao me estabacar. E foi assim que eu consegui essa cicatriz — expliquei enquanto apontava para o meu queixo.
Jungkook ria muito enquanto negava com a cabeça.
— Foi muito radical da sua parte!
— Sim, mas a que preço? — indaguei teatralmente e ele gargalhou de novo. Quando se recuperou, eu sorri e ele apontou para mim com a cabeça.
— Um país? — me perguntou e eu respondi sem pestanejar.
— Brasil. E você?
— EUA.
— Jura? Achei que seria um da Europa — comentei, surpresa.
— Eu adoraria conhecer também, mas sei lá. Foi o que veio à cabeça.
— Justo, justo.
— Uma cor? — ele continuou e eu nem precisei pensar muito.
— Roxo. E você?
— Preto.
— Isso é tão a sua cara... — comentei risonha e Jungkook cruzou os braços, convencido.
— Está me chamando de previsível?
— Não! É só que... Bem, é visível que preto é a sua cor favorita. É só olhar pra você.
— Talvez... — ele sorriu, se olhando, enquanto puxava o tecido da camisa — Mas essa aqui por exemplo, não é tão previsível, né?
Eu rolei os olhos enquanto sorria, convencida.
— Esse é um detalhe para confundir a galera, só cai nessa quem é distraído e não presta atenção em você! — Apontei um dedo na direção dele, enquanto ríamos daquele papo inusitado.
Jungkook aos poucos deixou o sorriso esmaecer e me encarou curioso.
— Você presta atenção em mim?
Eu parei de rir na hora e fiquei sem graça, dando de ombros.
O que eu ia dizer? “Sim, mais do que gostaria!” !?
Aliás, por que ele fazia perguntas tão incisivas de um jeito tão natural e leve?
Nada me restou além de engolir a seco – o que parecia ser um quilo de areia – enquanto o outro me encarava, pacientemente. Cocei a ponta do queixo e olhei para meus pés.
— Hm, er... Sim, né? Bom, faz parte do meu trabalho — falei com a voz mais grave e ele fez uma expressão de quem concorda com o que foi dito.
— É verdade. Deve ser tedioso.
Eu ouvi aquilo e ri na hora. Foi mais forte que eu, mas ele me olhou como se não esperasse aquela reação.
Gente, pelo amor de Deus. Tedioso ficar olhando um homem lindo daquele?
Jungkook precisava seriamente redefinir seu conceito de tédio.
— O que? — ele perguntou com a voz baixa e eu balancei a cabeça, mordendo o canto do meu lábio inferior.
— É tudo menos tedioso. Você me vê parada, tendo algum tempinho para respirar? — Decidi sair pela tangente e ele fez cara de pensativo.
— É. Talvez seja mais agitado do que parece.
— Eu diria ‘Não subestime o poder de complexidade de uma turnê do BTS’. Além do mais, você já viu como aquele caçula é teimoso? Carne de pescoço o garoto!
Caímos na gargalhada enquanto Jungkook negava, sentindo-se injustiçado.
— Eu sou um bom patrão!
— E ainda joga na cara que é meu patrão... Isso sim é assédio moral — brinquei, fazendo uma careta esnobe e ele deu uma empurradinha com seu ombro no meu. Eu ri com aquele ato e fiz o mesmo, ouvindo aquela risada tão característica dele.
Suspiramos ao mesmo tempo e nos encaramos sorridentes.
— Você é uma pessoa legal, — o maknae afirmou, como quem bate o martelo sobre algum assunto. Sorri genuinamente e acenei com a cabeça.
— Concordo com você! — E recebi outro empurrão, mas dessa vez não retribuí, só ri de maneira bem sapeca. — Brincadeira. Você também é legal, Jungkook.
— Eu tento — ele admitiu com um sorriso de canto de lábios, enquanto dava de ombros.
Ficamos nos olhando por um tempo sem dizer nada, e os sorrisos aos poucos foram cessando, sem deixar que o contato visual morresse.
Apesar da pouca luz, eu conseguia ver com dificuldade o reflexo de minha silhueta nos olhos dele, de tão perto que estávamos. Fiquei naquele transe por um tempo, até que pigarreei sem graça e cocei a ponta do nariz, me remexendo no lugar, um tanto envergonhada.
O clima estava esquisito de novo.
— Então... são que horas? — quebrei o gelo, me virando para olhá-lo.
— 20:15 — ele respondeu no ato, e eu percebi que ele sequer tinha mudado de posição, ou parado de me encarar por algum momento. Na verdade, deixou sim, mas apenas por um segundo, ao mover os olhos para o celular, e voltou a me mirar.
Prendi meus lábios numa linha fina antes de continuar a falar.
— Eita. Estamos aqui há quase uma hora...
— Ainda bem que a gente comeu aquele cup noodles. Você salvou a pátria, . — Finalmente Jungkook apoiava a cabeça na parede e fechava os olhos, como quem sonhava com comida. Achei adorável.
— Pode crer que se a gente não tivesse jantado aquilo, eu provavelmente estaria subindo até o teto — comentei, apontando para os cantos do elevador, enquanto Jungkook ria de mim, ainda de olhos fechados.
— Está mais tranquila? — ele me questionou, cuidadoso.
Já fazia um bom tempo que estávamos ali, mas a lanterna de seu celular continuava ligada.
Eu sorri ao pensar nesse acolhimento e concordei com um aceno.
— Sim. Não está tão insuportável quanto pensei. — E o encarei, relativamente mais séria. — Que bom que está aqui — falei mais baixo, mordendo o lábio inferior, enquanto encostava a cabeça na parede do elevador.
Conscientemente ou não, Jungkook abriu os olhos e virou a cabeça na minha direção, me encarando de forma direta. Percebi que ele tinha um mínimo sorriso no canto do rosto.
— Isso é diferente — ele se pronunciou, enquanto eu franzia o cenho.
— O que?
— Você, com medo de algo. Sempre te achei muito destemida — e virou o rosto para o teto, contemplativo. — Mas acho que talvez essa seja a ideia que eu tenho de você.
Eu fiquei uns dois segundos tentando digerir o que ele quis dizer com aquilo.
Umedeci os lábios devagar, pensando no que tinha acabado de ouvir. Reparei que Jungkook tinha uma facilidade incrível em me deixar encurralada com suas frases “simples” e pontuais.
Eu realmente não sabia reagir diante delas.
— Todos temos medos, receios de algumas coisas... Mas fico feliz de parecer assim. Ao menos eu tento ser forte... — respondi algo genérico, tentando não dar muita pinta de quanto animada fiquei com sua fala.
— E dá certo — ele completou, encarando meus cabelos. — Mas é legal saber que você também tem seus percalços. Eu me sinto mais tranquilo.
— Desculpe, não entendi. Como é? — questionei de forma honesta e ele olhou para suas mãos, pensativo.
— Ver esse seu lado me dá a sensação de que você não é sobre-humana. De que também tem suas questões e mesmo assim não deixa de tentar acertar. Isso me ajuda a pensar que eu também posso fazer isso, sem me cobrar tanto.
Eu abri a boca em choque com aquela frase. Por acaso ele estava dizendo que, de alguma forma, me tomava como um tipo de referência?
— É sério isso? — questionei abismada, e ele me olhou confuso.
— Sim... Por quê?
Eu ri sem graça, gesticulando bem tímida.
— Cara, eu... Nossa, nem sirvo pra exemplo. Você e os garotos é que são dignos de admiração.
— Você não se enxerga muito bem, não é? — ele retrucou um pouco desdenhoso e eu arregalei meus olhos. — Só conseguimos ser o que somos porque temos pessoas como você, conosco. E falo sério quando digo que você é uma pessoa admirável. Então que tal aceitar o elogio e deixar passar apenas um virginiano teimoso por vez? — E apontou para si, com uma careta sabichona e eu ri enquanto rolava os olhos, me sentindo vibrar por dentro.
— Isso é pleonasmo, você sabe. Virginiano teimoso — ele concordou enquanto ria e eu sorri abertamente. — Bom, dois virginianos da mesma data de aniversário, ferrenhos que só. Pensou que me aturar seria diferente? — Arqueei a sobrancelha e ele sorriu com o olhar perdido.
— Não exatamente... Só não pensei que fosse tão legal. Você entende certas coisas como eu. Fala coisas que servem muito pra mim. É raro me sentir tão contemplado, sabe?
Ele foi mais uma vez sincero, me deixando completamente fora da zona de conforto. A cada frase ele basicamente trazia palavras e expressões de aquecer o coração, e eu não sabia onde guardar tanta coisa boa em tão pouco tempo.
— Obrigada por acreditar em mim — respondi por fim, pensando na questão do trabalho, competência... Era difícil assumir essa responsabilidade, mas saber que eu lidava com profissionais como Jungkook tornava tudo diferente.
Diferentemente prazeroso, porque...
Valia a pena.
As luzes piscaram e do nada o elevador voltou a se mover, interrompendo nosso diálogo.
— Whoa! Já era hora! — ele falou, saindo daquele clima intenso ao levantar do chão e eu lembrei de respirar.
— Que bom... — eu falei, olhando para a porta e me espreguiçando para levantar.
E então, a mão de Jungkook ficou bem na minha cara; ele estava oferecendo ajuda para me levantar.
Olhei para o seu rosto com um sorriso mínimo.
— É ou não é um cavalheiro? — e peguei em sua mão, sentindo Jungkook me puxar para cima.
— Eu sou o orgulho da mamãe — ele respondeu brincalhão e eu ri, rolando os olhos.
A porta se abriu e finalmente saímos para o corredor, dando de cara com toda a galera reunida.
— Meu Deus, até que enfim! — Jimin exclamou, se levantando do chão e vindo até nós.
— Vocês estão bem? — RM perguntou solícito e eu e Jungkook acenamos positivamente.
Fiquei me sentindo uma celebridade com a preocupação dos meninos, e fiquei um pouco assustada com a reação do líder, que parecia bem irritado com a demora da equipe técnica.
— Essas coisas não podem acontecer desse jeito. E se fosse alguém que tivesse algum problema de saúde? Um cardíaco? Vou reportar isso. Não dá pra acontecer de novo.
A galera ficou um tempinho em silêncio, provavelmente respeitando o momento de RM, que digitava furiosamente em seu celular, e se afastou para falar diretamente com algum encarregado.
Quer dizer, errado ele não estava né? E quando ele assumia o modo líder, parecia que era muito respeitado pelos meninos – e dava pra ver que ele merecia esse reconhecimento.
J-Hope quebrou o silêncio e veio até mim, muito cuidadoso.
— Você ficou bem, ? Hyun-mee disse que você tinha medo de elevadores...
— E de escuro! — Minha prima exclamou e eu fechei a cara.
— E de escuro... — J-Hope completou, sorrindo amigavelmente.
— Estamos bem. Jungkook me auxiliou e acabei não tendo tanto medo — comentei, entreolhando para o maknae que sorria sem graça, coçando a nuca.
— Educado do jeitinho que eu ensinei! — Jin interviu e abraçou o pescoço do caçula, que foi puxado para trás com o impulso do mais velho, e os dois começaram a rir e se bater de brincadeira.
Jin e Jungkook dividiam o mesmo neurônio sim, e eu tenho como provar.
— Vocês conseguiram pegar o jogo? — Huyn-mee perguntou, tirando-o de minhas mãos e eu fechei a cara.
— Você nem quer saber se eu tô bem, sua desmiolada? — Ela riu e deu de ombros.
— Você vai me dizer que não ficou bem com o donzelo ali? — Ela falou em português e olhou rapidamente para Jungkook, que ainda se encontrava na brincadeira com Jin.
Eu senti meu rosto queimar e tomei o jogo de volta.
— Me dá isso aqui. Agora é questão de honra! — falei em coreano e os meninos me olharam surpresos.
— Você sabe mesmo jogar twister? — J-Hope perguntou do nada e eu ri, acenando para si, enquanto levantava os olhos na direção dos dele.
— Considere-me uma jogadora exímia.
— Uh, isso foi um desafio? — Jimin retrucou sorridente e eu dei de ombros.
— Para mim, vencer é costume nesse jogo!
Hyun-mee riu enquanto os garotos faziam um coro de “uoooou”.
Jungkook fez uma cara de chocado e provocou:
— Não acha ruim cantar vitória antes da hora?
— Você sabe que essa é uma típica frase de um mau perdedor, não sabe? — devolvi com um sorriso convencido, enquanto os meninos continuavam com a zoação e ele ria enquanto negava com a cabeça.
— Tá certo então! Vamos ver quem vai rir melhor no final!
(...)
— Mão esquerda no verde — J-Hope declarou.
— Puta merda — xinguei em português, quando tive que alcançar a bola mais próxima, tendo que colocar uma mão pra trás, ficando na posição de ponte.
— Eta lelê, que o negócio ficou interessante! — Hyun-mee falou alto e eu bufei enquanto ria.
— Vocês estão proibidas de falar em português entre a gente! — J-Hope brigou com uma cara emburrada e eu ri.
— É! Isso é muito chato, eu sou curioso e fico sem saber o que estão dizendo! — Jimin concordou e Suga colocou a mão no ombro dele.
— Deixa de ser fofoqueiro, cara. É feio.
— Gente, não é proposital! É mais forte do que eu. Eu só xinguei aqui! — me defendi e Jungkook riu de mim, numa posição muito mais confortável do que a minha: agachado com a mão direita no chão, enquanto ficava na altura da minha cabeça, me olhando debochadamente.
— Xingou por que? Por acaso está difícil para você, exímia jogadora? — e arqueou a sobrancelha, sentindo-se o rei da pedra do rei.
Eu ri com escárnio.
— Por favor! Isso aqui tá fichinha pra mim!
— Isso soa como uma má perdedora... — ele sussurrou de forma cantada, enquanto olhava para o lado e eu cerrei os olhos em sua direção.
— Jungkook! Mão esquerda no vermelho! — J-Hope anunciou e o Golden maknae arregalou os olhos, ficando chocado com a situação.
Eu não entendi muito bem, até que olhei em volta e compreendi sua reação.
— Você disse mão esquerda no vermelho? — ele perguntou de novo, e J-Hope sorriu abertamente enquanto mostrava o indicador de cores e mãos.
A bola vermelha mais próxima estava do outro lado de mim, ou seja: ou ele ficaria por cima, ou por baixo de mim.
Entretanto, a posição estava muito mais confortável se ele passasse por cima, e eu vi o quanto ele ficou sem graça ao pensar o mesmo que eu.
Ele engoliu a seco e decidiu ir por baixo, ficando mais difícil pra ele, e menos constrangedor para nós.
— E o jogo fica apertado para o maknae! — V berrou em zombaria e todos riram, menos eu e Jungkook, que estávamos concentrados em não perder.
Pelo menos era isso que eu pensava.
— , pé direito no azul.
— O-k! — respondi com certa dificuldade, conseguindo a façanha, não mudando muito minha posição.
— Jungkook, mão esquerda no vermelho.
— Tá bem — ele retrucou, ficando de barriga para cima, consequentemente, de cara para minhas costas.
— , mão direita no azul.
— Mas gente! — exclamei sem graça, tendo que virar o corpo para baixo, ficando de cara para Jungkook, que me encarava completamente vermelho.
Fiz o movimento lentamente, tentando protelar o constrangimento, sem muito sucesso. Era como se ele estivesse encurralado por mim, e foi impossível que a gente não se encarasse.
O clima ficou tenso entre nós, mas o pessoal seguiu rindo e zoando como se não fosse nada.
— Jungkook, pé direito no amarelo!
Ele olhou para o chão, suspirando enquanto seu pomo-de-adão subiu e desceu, e dobrou sua perna, inevitavelmente abrindo sua pélvis para mim.
Céus, Twister era um jogo muito perigoso.
— ... Mão direita no verde!
Eu arregalei os olhos, totalmente sem graça. O verde mais próximo estava duas fileiras acima da cabeça de Jungkook, e eu suspirei sem graça.
Quer dizer, antes nos encarávamos, mas com uma distância até saudável, por assim dizer.
Mas agora?
Eu praticamente me rastejei para alcançar a bola verde, e consequentemente, fiquei com o rosto bem próximo ao do k-idol.
A temperatura tinha acabado de ficar bem alta, e eu pensei que aquela jaqueta estava me atrapalhando no jogo.
É, a jaqueta. Claro, era culpa dela sim. Aham.
— Desculpe — sussurrei sem graça e ele não me respondeu nada; apenas ficou encarando minha face, com a boca levemente aberta.
Ficamos um tempo assim, até que a esperança do grupo anunciou a próxima jogada.
— Jungkook, mão esquerda no azul!
O mais novo não se mexeu.
Ficou encarando meus olhos sem se mover e eu franzi o cenho, confusa.
— Hey maknae, mão esquerda no azul! — RM repetiu a frase de J-Hope e ele piscou algumas vezes, olhando ao redor.
— Merda...
Eu fiquei momentaneamente chocada pelo fato de tê-lo ouvido falar palavrão? Sim.
Mas, tinha um motivo plausível: ele percebeu que o azul mais próximo estava de difícil alcance, entretanto, tentou mesmo assim.
Esticou seu braço o máximo que conseguiu, com a feição de quem está empenhado para ganhar.
Porém, nesse processo, seu pé atingiu a minha perna, me fazendo desequilibrar junto com ele e...
Ambos caímos no chão.
Eu em cima de Jungkook.
As risadas dos meninos não abafaram as batidas do meu coração, que pareciam rufadas de tambores ecoando pelos ouvidos.
Eu caí com o peitoral em cima do dele, com as mãos espalmadas no chão ao lado de sua cabeça, e ele ainda estava com as pernas abertas.
Ficamos nos olhando em choque, sem conseguir dizer nada.
Céus, o que diabos estava acontecendo?
— Jungkook perdeu! — gritou Hyun-mee, me acordando para vida real.
Logo me virei para o lado, sentando no chão enquanto me ajeitava sem graça.
— Mas a tirou a mão antes! — Jin reclamou em defesa de seu irmão mais novo e Hyun-mee negou com veemência.
— Claro! Porque ele chutou a perna dela!
— Finalmente ele se vingou. Ela vai pensar duas vezes antes de quebrar as pernas dele de novo. — Suga comentou e todos riram abertamente, menos eu e Jungkook.
Ninguém parecia ter percebido o clima estranho entre nós e eu acabei levantando sem jeito, oferecendo a mão para o maknae, sem exatamente olhá-lo nos olhos.
— Vamos, perdedor. Aceite a ajuda... — brinquei com um sorriso forçado e ele riu sem graça, aceitando a minha mão e levantando.
— É. Você é uma exímia jogadora mesmo! — Jungkook ficou inteiramente de pé e colocou as mãos no bolso da jaqueta, sorrindo sem mostrar os dentes.
— Pois é. Eu avisei. — E apontei o dedo indicador em sua direção, enquanto os rapazes e Hyun-mee se aproximavam.
As luzes normais voltaram ao local, bem como a cidade começou a se iluminar.
— Ei pessoal! Acho que parou de chover! — Jimin comentou, e a galera foi apressada verificar na enorme janela do andar.
Eu fiquei um pouco para trás, ainda absorvendo os últimos acontecimentos, quando Jungkook parou ao meu lado. Ficamos um tempo em silêncio, até que começamos a falar juntos e embolados.
— Me desculpe pela...
— Oh não! Eu que peço desculpas, foi muito...
— Não, que isso! Foi minha culpa e...
— Sério, não foi minha intenção, além do que...
Nos encaramos com os olhos arregalados e rimos desconcertados com aquele diálogo maluco.
— Bom, merecidamente, você é a vencedora. Já decidiu o que quer da aposta? — ele perguntou e eu engoli a seco, encarando o resto do pessoal na janela, conversando entre si.
— Vou precisar pensar com calma. Mas provavelmente vai ter comida envolvida. Certo? — e me virei simpaticamente, recebendo um sorriso genuíno dele, que concordou animado.
— Posso lidar com essa tarefa difícil.
Ambos rimos e Hyun-mee veio andando com uma cara entristecida.
— É, . A chuva parou, mas as ruas estão muito alagadas ainda. Não sei se é seguro ir para a boate...
— Contando que o happy-hour acabou e que metade da cidade deve estar ilhada, acho melhor a gente esperar mais um pouco e ir para casa, não? — sugeri, colocando a mão no ombro dela.
— Querem uma carona? — Jungkook ofereceu com a voz grave, e nós duas o olhamos surpresas.
— Não pre—
— Nossa, seria ótimo!
Eu e Hyun-mee nos entreolhamos; eu negando a gentileza, e ela aproveitando-a.
— O que foi? — ela me encarou de maneira inocente e eu tentei repreendê-la com um olhar. — Você acha que algum uber vai estar disponível para gente? Vamos mofar no ponto de ônibus e não acho legal a gente ficar rodando por aí sozinhas — ela falou mais baixo, tentando me mostrar o quanto era no mínimo razoável a opção ofertada pelo maknae.
— Sua prima tem razão. Por que não aceita a proposta? — Jungkook perguntou gentilmente e arqueou uma sobrancelha, enquanto sorria malandramente. — Veja isso como um bônus da aposta.
— Sério? Ainda posso cobrar com comida? — indaguei brincalhona e ele riu com gosto.
— Pode, sem problemas.
Nós três rimos e por fim, acabei aceitando solenemente a gentileza dele.
Poucos minutos depois, nos despedimos dos rapazes e descemos até a garagem, e mais uma vez eu me via dentro daquele carro enorme e tão a cara do Golden Maknae.
Hyun-mee mal conseguia manter uma conversa; tamanha era a surpresa em seus olhos, enquanto se maravilhava com o possante de Jungkook.
Te entendo, prima. Já estive em seu lugar.
Ficamos conversando amenidades, mas sem sequer falar do jogo que nos levou a ficar literalmente um em cima do outro. Comentávamos até do tempo chuvoso, em como as ruas tinham ficado alagadas, e uma parte dentro de mim pensou que estávamos mesmo desconcertados com o acontecimento de momentos atrás.
Apesar de levar mais tempo que o normal, ele chegou rápido até nossa residência, e quando dei por mim, o freio de mão foi puxado com louvor, indicando que o trajeto estava finalizado.
— Bom, deixo vocês aqui meninas. Obrigado pela companhia nesta sexta-feira louca.
Eu sorri educadamente, o encarando animada.
— Nah, imagine. Nós que agradecemos. Né, Hyun-mee?
Sem respostas, me virei para trás junto com Jungkook, para perceber minha prima alisando o banco de couro do carro, olhando-o encantanda.
Jungkook prendeu uma risada e eu pigarreei, sem graça.
— Hyun-mee? — falei insistentemente, e ela arregalou os olhos, acordando para a realidade.
— Oi? É! Claro! Muito obrigada pela carona! Er, hm, então... boa noite! — e se apressou a sair do carro, completamente constrangida pela situação, fechando a porta logo em seguida.
Eu e Jungkook ficamos olhando para ela, enquanto caminhava apressadamente para o nosso condomínio, sem nem olhar para trás.
— Acho que ela gostou mesmo do seu carro... — falei e Jungkook riu, atraindo minha atenção para si. — Bom, muito obrigada por tudo. Tenha uma boa noite e um bom fim de semana, ok?
Tentei parecer o mais suave possível, mas na verdade, me sentia vibrando internamente só de encará-lo nos olhos, ao tempo que ele parecia tranquilo e sorridente, como sempre.
— Não precisa agradecer, não foi nada. Espero que descanse também.
Ficamos nos olhando ternamente, como se o tempo fosse durar mais do que deveria.
Eu bem que queria.
De repente, o meu celular tocou insistentemente. Era J-Hope, e eu franzi o cenho, porque ele nunca tinha me ligado antes.
— Alô? — perguntei incerta.
— ! É a sua esperança! — ele se apresentou, já rindo, e eu não pude fazer nada a não ser acompanhá-lo. Ele era mesmo contagiante.
— Oi J-Hope! Diga lá! — Jungkook arqueou uma sobrancelha, estranhando a ligação.
— Manda o caçulinha ficar atento ao celular! Enviamos mensagem perguntando se ele já tinha deixado vocês em casa, mas ele nem deu sinal de vida!
— Eita, entendi. Ele acabou de nos deixar aqui, está saindo agora. Vou falar com ele, fique tranquilo.
— Certo, obrigado e desculpa por ligar do nada! Você sabe como são os menores, né? — eu ri com aquilo e concordei com um aceno.
— Sei sim, sem problemas.
— Então tá, boa noite! Descanse!
— Você também, querido! Até mais.
Quando desliguei a ligação, Jungkook estava me olhando muito curioso. Os olhos grandes me encaravam questionadores e eu ri de sua expressão.
— Era J-Hope pedindo para você ficar atento ao celular. Você acabou não respondendo as mensagens e ele ficou preocupado, junto com os outros rapazes.
O maknae fez cara de compreensão e tocou os bolsos, franzindo o cenho logo em seguida.
— Ué. Cadê meu celular? — e seguiu tateando os bolsos, sem sucesso.
Eu prendi a respiração alarmada. Será que ele tinha perdido?
— Quer ligar para ele? — Ofereci meu celular e ele levantou a cabeça afirmativamente, pegando meu aparelho e digitando seu número, ficando atento ao som.
Logo mais escutamos o toque de seu celular, e vinha debaixo do banco do motorista.
Jungkook arregalou os olhos e sorriu, se esticando para pegá-lo, mas não conseguiu apesar do esforço. Estava num ângulo bem ruim para si.
— Espero, deixa que eu tento — falei, apoiando uma mão na poltrona dele e a outra, procurei enquanto tateava o chão do carro, até que senti o objeto vibrar nas mãos, e o peguei certeiramente.
Levantei, dando de cara com um Jungkook ansioso.
— Aqui! — estiquei a mão e devolvi o celular, sentindo os dedos do k-idol tocarem os meus.
Estavam levemente gélidos, talvez pelo receio de ter perdido o aparelho.
Quer dizer, eu também estaria. Aquele troço devia valer mais do que dois rins meus.
— Salvadora da pátria que chama, né? — ele comentou risonho, e curvou seu tronco levemente, agradecendo. — Muito obrigado!
— Imagina! Estamos aqui para isso... — e sorri, feliz pelo desfecho. — Bom, boa noite e obrigada, mais uma vez!
— Sem problemas. Boa noite, . Até segunda.
— Até!
Me desloquei para fora do carro, sentindo as pernas parecem gelatina. Andei à passos lentos porém largos, e tentava ritmá-los com a minha respiração, um pouco sobressaltada. Foi quando toquei a maçaneta da portaria que virei minha cabeça por cima dos ombros, encontrando um Jungkook me olhando.
Acenei com a mão, com um sorriso tímido, e ele fez o mesmo, dando partida em seu carro. Me olhou de novo e rapidamente encarou seu celular, digitando rapidamente algo que eu obviamente não sabia o que era.
E então, segundos depois, senti meu aparelho vibrar, e com ele, meu estômago pareceu dar um salto carpado dentro da barriga.
Peguei o objeto com as mãos levemente trêmulas e lá estava, uma mensagem de um número desconhecido.
“Vou esperar você entrar.”
Eu sorri para a tela e levantei a cabeça, encontrando um Jungkook sorridente. Por fim, ele apontou com a cabeça para a portaria, me encorajando a seguir em frente, para que ele pudesse partir.
Eu sorri mais abertamente e concordei, entrando logo em seguida e digitando de volta, sem pensar muito.
“Avise quando chegar, ok?”
“Deixa comigo. 😉”
Mantive o sorriso no rosto enquanto encarava o carro do lado de fora. Os vidros subiram, fazendo a figura de Jungkook sumir dentro do carro.
Segundos depois, o possante foi visto abandonando a inércia, seguindo a avenida.
Fiquei encarando a porta por alguns segundos, até que ouvi minha prima pigarrear do meu lado.
— Por que demorou, hein?
— Ele tinha perdido o celular... — respondi automaticamente, ainda encarando a rua com rastros do sorriso.
— Sei... e esse seu estado catatônico com esse sorriso de 32 dentes aí?
Me forcei a sair do lugar e ignorei tranquilamente minha prima, caminhando a seu lado para o elevador, entrando nele logo em seguida. Fui obrigada a encará-la, mas não sem uma sobrancelha arqueada. Cruzei os braços enquanto subíamos para o nosso andar.
— Não mais estranho do que a sua curiosa admiração por bancos de couro e aquela saída vergonhosa do carro! Francamente, Hyun-mee, o que te deu?
Ela ficou vermelha e coçou a nuca, dando de ombros. A porta do elevador abriu e saímos de lá em direção a nossa casa.
— Ah cara, couro né? É meu ponto fraco! — ela comentou e eu ri, buscando a chave na bolsa, a encontrando e encaixando logo em seguida na fechadura.
Finalmente lar, doce lar.
— Sei... Isso e um certo líder de um certo grupo de k-pop, né? — brinquei zombeteira, enquanto me livrava da bolsa e da jaqueta. Hyun-mee fechou a porta com mais força do que o necessário.
— C-Como é que é? Você tá viajando, cara! — ela explicou toda soltando o sutiã ainda por dentro do vestido, visivelmente sem graça e eu ri mais ainda.
— Aham, eu tô sim — retruquei, entrando em meu quarto e pegando meu pijama, junto com minha toalha, e carregando o celular na mão.
— Tá mesmo! — ela respondeu com certa imposição enquanto desamarrava os coturnos e eu ri, rolando os olhos.
— Ok, Hyun-mee. Boa noite! — me despedi, entrando no banheiro e fechando a porta, pronta para tomar um novo banho.
Me olhei no espelho, me sentindo estranhamente bonita. Toquei a bandana, as argolas, meu rosto. Delineei os lábios, e sorri sinceramente.
E então, era aquilo; vivi a noite mais inusitada de todas, ao lado de uma das maiores sensações de k-pop do momento.
Na verdade, ao lado de Jungkook.
Pensava sobre isso enquanto tirava minhas roupas, deixando-as no cesto. Como pude viver tanta coisa em tão pouco tempo?
Céus, a noite foi totalmente diferente daquilo que tinha pensado. Quer dizer, fiquei presa no trabalho, comi cup noodles, brinquei de mímica, catei jogo, caí em cima do maknae, fiquei presa com ele no elevador, partilhei sobre um monte de coisas da minha vida, brinquei de Twister, caí em cima do maknae de novo, recebi carona para casa e...
Você tem uma nova mensagem.
Eita, pleura.
Os dedos gélidos abriram a conversa.
“Cheguei, . Tudo certinho por aí?”
O sorriso foi inevitável.
“Que bom que chegou! Fico feliz que esteja bem. Tudo certo por aqui sim.”
“Beleza, vou deixá-la descansar. Boa noite.”
Eu não queria descansar!
“Pra você também, Jungkook. Obrigada por tudo!”
“Não agradeça. Ainda vou querer revanche no Twister.”
Engoli a seco com aquilo, lembrando que caí em cima dela.
Eu fatalmente adoraria fazer aquilo de novo.
“Te desejo boa sorte! Hahahaha.”
“Você vai precisar também, hehe. Durma bem.😉”
“Aceito, aceito. Igualmente!😊”
Encerramos a conversa e eu estava ali, nua diante do espelho, sorrindo com o celular na mão.
A sensação era que um cometa viajava dentro de mim, tocando pontos estimulantes, que faziam cócegas e me faziam rir a todo momento.
Eu conseguia sentir meu maxilar doído de tanto sorrir.
Foi entrando no box, ao colocar o pé no piso gelado, que tive uma palpitação dentro do peito, por pensar que talvez, apenas talvez, eu estivesse nutrindo uma mini paixão pelo meu patrão, o Golden maknae.
Abri o registro do chuveiro, misturando quente e frio, e suspirei, preocupada.
Mergulhei a cabeça debaixo d’água momentos depois, encostando a testa no ladrilho, pensando nisso como um fato, e não uma possibilidade.
É.
Aquele seria um longo banho...
E ah, só para constar: já não estávamos de mãos dadas.
Um pouco frustrante, eu sei.
Mas foi justamente em meio ao tédio que Jungkook e eu tivemos a grande ideia de fazer um jogo de perguntas e resposta sobre nós.
Sim, voltamos a época de escola no ensino fundamental.
Bem...
A equipe técnica não chegou, mas lá estava eu falando sobre algo deveras particular com o k-idol que eu basicamente babava só por ele respirar.
É tão clássico que eu mesma tirava sarro de mim, internamente.
.— E aí eu desci a ladeira com um patinete recém-adquirido de natal e fiquei igual bife na chapa ao me estabacar. E foi assim que eu consegui essa cicatriz — expliquei enquanto apontava para o meu queixo.
Jungkook ria muito enquanto negava com a cabeça.
— Foi muito radical da sua parte!
— Sim, mas a que preço? — indaguei teatralmente e ele gargalhou de novo. Quando se recuperou, eu sorri e ele apontou para mim com a cabeça.
— Um país? — me perguntou e eu respondi sem pestanejar.
— Brasil. E você?
— EUA.
— Jura? Achei que seria um da Europa — comentei, surpresa.
— Eu adoraria conhecer também, mas sei lá. Foi o que veio à cabeça.
— Justo, justo.
— Uma cor? — ele continuou e eu nem precisei pensar muito.
— Roxo. E você?
— Preto.
— Isso é tão a sua cara... — comentei risonha e Jungkook cruzou os braços, convencido.
— Está me chamando de previsível?
— Não! É só que... Bem, é visível que preto é a sua cor favorita. É só olhar pra você.
— Talvez... — ele sorriu, se olhando, enquanto puxava o tecido da camisa — Mas essa aqui por exemplo, não é tão previsível, né?
Eu rolei os olhos enquanto sorria, convencida.
— Esse é um detalhe para confundir a galera, só cai nessa quem é distraído e não presta atenção em você! — Apontei um dedo na direção dele, enquanto ríamos daquele papo inusitado.
Jungkook aos poucos deixou o sorriso esmaecer e me encarou curioso.
— Você presta atenção em mim?
Eu parei de rir na hora e fiquei sem graça, dando de ombros.
O que eu ia dizer? “Sim, mais do que gostaria!” !?
Aliás, por que ele fazia perguntas tão incisivas de um jeito tão natural e leve?
Nada me restou além de engolir a seco – o que parecia ser um quilo de areia – enquanto o outro me encarava, pacientemente. Cocei a ponta do queixo e olhei para meus pés.
— Hm, er... Sim, né? Bom, faz parte do meu trabalho — falei com a voz mais grave e ele fez uma expressão de quem concorda com o que foi dito.
— É verdade. Deve ser tedioso.
Eu ouvi aquilo e ri na hora. Foi mais forte que eu, mas ele me olhou como se não esperasse aquela reação.
Gente, pelo amor de Deus. Tedioso ficar olhando um homem lindo daquele?
Jungkook precisava seriamente redefinir seu conceito de tédio.
— O que? — ele perguntou com a voz baixa e eu balancei a cabeça, mordendo o canto do meu lábio inferior.
— É tudo menos tedioso. Você me vê parada, tendo algum tempinho para respirar? — Decidi sair pela tangente e ele fez cara de pensativo.
— É. Talvez seja mais agitado do que parece.
— Eu diria ‘Não subestime o poder de complexidade de uma turnê do BTS’. Além do mais, você já viu como aquele caçula é teimoso? Carne de pescoço o garoto!
Caímos na gargalhada enquanto Jungkook negava, sentindo-se injustiçado.
— Eu sou um bom patrão!
— E ainda joga na cara que é meu patrão... Isso sim é assédio moral — brinquei, fazendo uma careta esnobe e ele deu uma empurradinha com seu ombro no meu. Eu ri com aquele ato e fiz o mesmo, ouvindo aquela risada tão característica dele.
Suspiramos ao mesmo tempo e nos encaramos sorridentes.
— Você é uma pessoa legal, — o maknae afirmou, como quem bate o martelo sobre algum assunto. Sorri genuinamente e acenei com a cabeça.
— Concordo com você! — E recebi outro empurrão, mas dessa vez não retribuí, só ri de maneira bem sapeca. — Brincadeira. Você também é legal, Jungkook.
— Eu tento — ele admitiu com um sorriso de canto de lábios, enquanto dava de ombros.
Ficamos nos olhando por um tempo sem dizer nada, e os sorrisos aos poucos foram cessando, sem deixar que o contato visual morresse.
Apesar da pouca luz, eu conseguia ver com dificuldade o reflexo de minha silhueta nos olhos dele, de tão perto que estávamos. Fiquei naquele transe por um tempo, até que pigarreei sem graça e cocei a ponta do nariz, me remexendo no lugar, um tanto envergonhada.
O clima estava esquisito de novo.
— Então... são que horas? — quebrei o gelo, me virando para olhá-lo.
— 20:15 — ele respondeu no ato, e eu percebi que ele sequer tinha mudado de posição, ou parado de me encarar por algum momento. Na verdade, deixou sim, mas apenas por um segundo, ao mover os olhos para o celular, e voltou a me mirar.
Prendi meus lábios numa linha fina antes de continuar a falar.
— Eita. Estamos aqui há quase uma hora...
— Ainda bem que a gente comeu aquele cup noodles. Você salvou a pátria, . — Finalmente Jungkook apoiava a cabeça na parede e fechava os olhos, como quem sonhava com comida. Achei adorável.
— Pode crer que se a gente não tivesse jantado aquilo, eu provavelmente estaria subindo até o teto — comentei, apontando para os cantos do elevador, enquanto Jungkook ria de mim, ainda de olhos fechados.
— Está mais tranquila? — ele me questionou, cuidadoso.
Já fazia um bom tempo que estávamos ali, mas a lanterna de seu celular continuava ligada.
Eu sorri ao pensar nesse acolhimento e concordei com um aceno.
— Sim. Não está tão insuportável quanto pensei. — E o encarei, relativamente mais séria. — Que bom que está aqui — falei mais baixo, mordendo o lábio inferior, enquanto encostava a cabeça na parede do elevador.
Conscientemente ou não, Jungkook abriu os olhos e virou a cabeça na minha direção, me encarando de forma direta. Percebi que ele tinha um mínimo sorriso no canto do rosto.
— Isso é diferente — ele se pronunciou, enquanto eu franzia o cenho.
— O que?
— Você, com medo de algo. Sempre te achei muito destemida — e virou o rosto para o teto, contemplativo. — Mas acho que talvez essa seja a ideia que eu tenho de você.
Eu fiquei uns dois segundos tentando digerir o que ele quis dizer com aquilo.
Umedeci os lábios devagar, pensando no que tinha acabado de ouvir. Reparei que Jungkook tinha uma facilidade incrível em me deixar encurralada com suas frases “simples” e pontuais.
Eu realmente não sabia reagir diante delas.
— Todos temos medos, receios de algumas coisas... Mas fico feliz de parecer assim. Ao menos eu tento ser forte... — respondi algo genérico, tentando não dar muita pinta de quanto animada fiquei com sua fala.
— E dá certo — ele completou, encarando meus cabelos. — Mas é legal saber que você também tem seus percalços. Eu me sinto mais tranquilo.
— Desculpe, não entendi. Como é? — questionei de forma honesta e ele olhou para suas mãos, pensativo.
— Ver esse seu lado me dá a sensação de que você não é sobre-humana. De que também tem suas questões e mesmo assim não deixa de tentar acertar. Isso me ajuda a pensar que eu também posso fazer isso, sem me cobrar tanto.
Eu abri a boca em choque com aquela frase. Por acaso ele estava dizendo que, de alguma forma, me tomava como um tipo de referência?
— É sério isso? — questionei abismada, e ele me olhou confuso.
— Sim... Por quê?
Eu ri sem graça, gesticulando bem tímida.
— Cara, eu... Nossa, nem sirvo pra exemplo. Você e os garotos é que são dignos de admiração.
— Você não se enxerga muito bem, não é? — ele retrucou um pouco desdenhoso e eu arregalei meus olhos. — Só conseguimos ser o que somos porque temos pessoas como você, conosco. E falo sério quando digo que você é uma pessoa admirável. Então que tal aceitar o elogio e deixar passar apenas um virginiano teimoso por vez? — E apontou para si, com uma careta sabichona e eu ri enquanto rolava os olhos, me sentindo vibrar por dentro.
— Isso é pleonasmo, você sabe. Virginiano teimoso — ele concordou enquanto ria e eu sorri abertamente. — Bom, dois virginianos da mesma data de aniversário, ferrenhos que só. Pensou que me aturar seria diferente? — Arqueei a sobrancelha e ele sorriu com o olhar perdido.
— Não exatamente... Só não pensei que fosse tão legal. Você entende certas coisas como eu. Fala coisas que servem muito pra mim. É raro me sentir tão contemplado, sabe?
Ele foi mais uma vez sincero, me deixando completamente fora da zona de conforto. A cada frase ele basicamente trazia palavras e expressões de aquecer o coração, e eu não sabia onde guardar tanta coisa boa em tão pouco tempo.
— Obrigada por acreditar em mim — respondi por fim, pensando na questão do trabalho, competência... Era difícil assumir essa responsabilidade, mas saber que eu lidava com profissionais como Jungkook tornava tudo diferente.
Diferentemente prazeroso, porque...
Valia a pena.
As luzes piscaram e do nada o elevador voltou a se mover, interrompendo nosso diálogo.
— Whoa! Já era hora! — ele falou, saindo daquele clima intenso ao levantar do chão e eu lembrei de respirar.
— Que bom... — eu falei, olhando para a porta e me espreguiçando para levantar.
E então, a mão de Jungkook ficou bem na minha cara; ele estava oferecendo ajuda para me levantar.
Olhei para o seu rosto com um sorriso mínimo.
— É ou não é um cavalheiro? — e peguei em sua mão, sentindo Jungkook me puxar para cima.
— Eu sou o orgulho da mamãe — ele respondeu brincalhão e eu ri, rolando os olhos.
A porta se abriu e finalmente saímos para o corredor, dando de cara com toda a galera reunida.
— Meu Deus, até que enfim! — Jimin exclamou, se levantando do chão e vindo até nós.
— Vocês estão bem? — RM perguntou solícito e eu e Jungkook acenamos positivamente.
Fiquei me sentindo uma celebridade com a preocupação dos meninos, e fiquei um pouco assustada com a reação do líder, que parecia bem irritado com a demora da equipe técnica.
— Essas coisas não podem acontecer desse jeito. E se fosse alguém que tivesse algum problema de saúde? Um cardíaco? Vou reportar isso. Não dá pra acontecer de novo.
A galera ficou um tempinho em silêncio, provavelmente respeitando o momento de RM, que digitava furiosamente em seu celular, e se afastou para falar diretamente com algum encarregado.
Quer dizer, errado ele não estava né? E quando ele assumia o modo líder, parecia que era muito respeitado pelos meninos – e dava pra ver que ele merecia esse reconhecimento.
J-Hope quebrou o silêncio e veio até mim, muito cuidadoso.
— Você ficou bem, ? Hyun-mee disse que você tinha medo de elevadores...
— E de escuro! — Minha prima exclamou e eu fechei a cara.
— E de escuro... — J-Hope completou, sorrindo amigavelmente.
— Estamos bem. Jungkook me auxiliou e acabei não tendo tanto medo — comentei, entreolhando para o maknae que sorria sem graça, coçando a nuca.
— Educado do jeitinho que eu ensinei! — Jin interviu e abraçou o pescoço do caçula, que foi puxado para trás com o impulso do mais velho, e os dois começaram a rir e se bater de brincadeira.
Jin e Jungkook dividiam o mesmo neurônio sim, e eu tenho como provar.
— Vocês conseguiram pegar o jogo? — Huyn-mee perguntou, tirando-o de minhas mãos e eu fechei a cara.
— Você nem quer saber se eu tô bem, sua desmiolada? — Ela riu e deu de ombros.
— Você vai me dizer que não ficou bem com o donzelo ali? — Ela falou em português e olhou rapidamente para Jungkook, que ainda se encontrava na brincadeira com Jin.
Eu senti meu rosto queimar e tomei o jogo de volta.
— Me dá isso aqui. Agora é questão de honra! — falei em coreano e os meninos me olharam surpresos.
— Você sabe mesmo jogar twister? — J-Hope perguntou do nada e eu ri, acenando para si, enquanto levantava os olhos na direção dos dele.
— Considere-me uma jogadora exímia.
— Uh, isso foi um desafio? — Jimin retrucou sorridente e eu dei de ombros.
— Para mim, vencer é costume nesse jogo!
Hyun-mee riu enquanto os garotos faziam um coro de “uoooou”.
Jungkook fez uma cara de chocado e provocou:
— Não acha ruim cantar vitória antes da hora?
— Você sabe que essa é uma típica frase de um mau perdedor, não sabe? — devolvi com um sorriso convencido, enquanto os meninos continuavam com a zoação e ele ria enquanto negava com a cabeça.
— Tá certo então! Vamos ver quem vai rir melhor no final!
(...)
— Mão esquerda no verde — J-Hope declarou.
— Puta merda — xinguei em português, quando tive que alcançar a bola mais próxima, tendo que colocar uma mão pra trás, ficando na posição de ponte.
— Eta lelê, que o negócio ficou interessante! — Hyun-mee falou alto e eu bufei enquanto ria.
— Vocês estão proibidas de falar em português entre a gente! — J-Hope brigou com uma cara emburrada e eu ri.
— É! Isso é muito chato, eu sou curioso e fico sem saber o que estão dizendo! — Jimin concordou e Suga colocou a mão no ombro dele.
— Deixa de ser fofoqueiro, cara. É feio.
— Gente, não é proposital! É mais forte do que eu. Eu só xinguei aqui! — me defendi e Jungkook riu de mim, numa posição muito mais confortável do que a minha: agachado com a mão direita no chão, enquanto ficava na altura da minha cabeça, me olhando debochadamente.
— Xingou por que? Por acaso está difícil para você, exímia jogadora? — e arqueou a sobrancelha, sentindo-se o rei da pedra do rei.
Eu ri com escárnio.
— Por favor! Isso aqui tá fichinha pra mim!
— Isso soa como uma má perdedora... — ele sussurrou de forma cantada, enquanto olhava para o lado e eu cerrei os olhos em sua direção.
— Jungkook! Mão esquerda no vermelho! — J-Hope anunciou e o Golden maknae arregalou os olhos, ficando chocado com a situação.
Eu não entendi muito bem, até que olhei em volta e compreendi sua reação.
— Você disse mão esquerda no vermelho? — ele perguntou de novo, e J-Hope sorriu abertamente enquanto mostrava o indicador de cores e mãos.
A bola vermelha mais próxima estava do outro lado de mim, ou seja: ou ele ficaria por cima, ou por baixo de mim.
Entretanto, a posição estava muito mais confortável se ele passasse por cima, e eu vi o quanto ele ficou sem graça ao pensar o mesmo que eu.
Ele engoliu a seco e decidiu ir por baixo, ficando mais difícil pra ele, e menos constrangedor para nós.
— E o jogo fica apertado para o maknae! — V berrou em zombaria e todos riram, menos eu e Jungkook, que estávamos concentrados em não perder.
Pelo menos era isso que eu pensava.
— , pé direito no azul.
— O-k! — respondi com certa dificuldade, conseguindo a façanha, não mudando muito minha posição.
— Jungkook, mão esquerda no vermelho.
— Tá bem — ele retrucou, ficando de barriga para cima, consequentemente, de cara para minhas costas.
— , mão direita no azul.
— Mas gente! — exclamei sem graça, tendo que virar o corpo para baixo, ficando de cara para Jungkook, que me encarava completamente vermelho.
Fiz o movimento lentamente, tentando protelar o constrangimento, sem muito sucesso. Era como se ele estivesse encurralado por mim, e foi impossível que a gente não se encarasse.
O clima ficou tenso entre nós, mas o pessoal seguiu rindo e zoando como se não fosse nada.
— Jungkook, pé direito no amarelo!
Ele olhou para o chão, suspirando enquanto seu pomo-de-adão subiu e desceu, e dobrou sua perna, inevitavelmente abrindo sua pélvis para mim.
Céus, Twister era um jogo muito perigoso.
— ... Mão direita no verde!
Eu arregalei os olhos, totalmente sem graça. O verde mais próximo estava duas fileiras acima da cabeça de Jungkook, e eu suspirei sem graça.
Quer dizer, antes nos encarávamos, mas com uma distância até saudável, por assim dizer.
Mas agora?
Eu praticamente me rastejei para alcançar a bola verde, e consequentemente, fiquei com o rosto bem próximo ao do k-idol.
A temperatura tinha acabado de ficar bem alta, e eu pensei que aquela jaqueta estava me atrapalhando no jogo.
É, a jaqueta. Claro, era culpa dela sim. Aham.
— Desculpe — sussurrei sem graça e ele não me respondeu nada; apenas ficou encarando minha face, com a boca levemente aberta.
Ficamos um tempo assim, até que a esperança do grupo anunciou a próxima jogada.
— Jungkook, mão esquerda no azul!
O mais novo não se mexeu.
Ficou encarando meus olhos sem se mover e eu franzi o cenho, confusa.
— Hey maknae, mão esquerda no azul! — RM repetiu a frase de J-Hope e ele piscou algumas vezes, olhando ao redor.
— Merda...
Eu fiquei momentaneamente chocada pelo fato de tê-lo ouvido falar palavrão? Sim.
Mas, tinha um motivo plausível: ele percebeu que o azul mais próximo estava de difícil alcance, entretanto, tentou mesmo assim.
Esticou seu braço o máximo que conseguiu, com a feição de quem está empenhado para ganhar.
Porém, nesse processo, seu pé atingiu a minha perna, me fazendo desequilibrar junto com ele e...
Ambos caímos no chão.
Eu em cima de Jungkook.
As risadas dos meninos não abafaram as batidas do meu coração, que pareciam rufadas de tambores ecoando pelos ouvidos.
Eu caí com o peitoral em cima do dele, com as mãos espalmadas no chão ao lado de sua cabeça, e ele ainda estava com as pernas abertas.
Ficamos nos olhando em choque, sem conseguir dizer nada.
Céus, o que diabos estava acontecendo?
— Jungkook perdeu! — gritou Hyun-mee, me acordando para vida real.
Logo me virei para o lado, sentando no chão enquanto me ajeitava sem graça.
— Mas a tirou a mão antes! — Jin reclamou em defesa de seu irmão mais novo e Hyun-mee negou com veemência.
— Claro! Porque ele chutou a perna dela!
— Finalmente ele se vingou. Ela vai pensar duas vezes antes de quebrar as pernas dele de novo. — Suga comentou e todos riram abertamente, menos eu e Jungkook.
Ninguém parecia ter percebido o clima estranho entre nós e eu acabei levantando sem jeito, oferecendo a mão para o maknae, sem exatamente olhá-lo nos olhos.
— Vamos, perdedor. Aceite a ajuda... — brinquei com um sorriso forçado e ele riu sem graça, aceitando a minha mão e levantando.
— É. Você é uma exímia jogadora mesmo! — Jungkook ficou inteiramente de pé e colocou as mãos no bolso da jaqueta, sorrindo sem mostrar os dentes.
— Pois é. Eu avisei. — E apontei o dedo indicador em sua direção, enquanto os rapazes e Hyun-mee se aproximavam.
As luzes normais voltaram ao local, bem como a cidade começou a se iluminar.
— Ei pessoal! Acho que parou de chover! — Jimin comentou, e a galera foi apressada verificar na enorme janela do andar.
Eu fiquei um pouco para trás, ainda absorvendo os últimos acontecimentos, quando Jungkook parou ao meu lado. Ficamos um tempo em silêncio, até que começamos a falar juntos e embolados.
— Me desculpe pela...
— Oh não! Eu que peço desculpas, foi muito...
— Não, que isso! Foi minha culpa e...
— Sério, não foi minha intenção, além do que...
Nos encaramos com os olhos arregalados e rimos desconcertados com aquele diálogo maluco.
— Bom, merecidamente, você é a vencedora. Já decidiu o que quer da aposta? — ele perguntou e eu engoli a seco, encarando o resto do pessoal na janela, conversando entre si.
— Vou precisar pensar com calma. Mas provavelmente vai ter comida envolvida. Certo? — e me virei simpaticamente, recebendo um sorriso genuíno dele, que concordou animado.
— Posso lidar com essa tarefa difícil.
Ambos rimos e Hyun-mee veio andando com uma cara entristecida.
— É, . A chuva parou, mas as ruas estão muito alagadas ainda. Não sei se é seguro ir para a boate...
— Contando que o happy-hour acabou e que metade da cidade deve estar ilhada, acho melhor a gente esperar mais um pouco e ir para casa, não? — sugeri, colocando a mão no ombro dela.
— Querem uma carona? — Jungkook ofereceu com a voz grave, e nós duas o olhamos surpresas.
— Não pre—
— Nossa, seria ótimo!
Eu e Hyun-mee nos entreolhamos; eu negando a gentileza, e ela aproveitando-a.
— O que foi? — ela me encarou de maneira inocente e eu tentei repreendê-la com um olhar. — Você acha que algum uber vai estar disponível para gente? Vamos mofar no ponto de ônibus e não acho legal a gente ficar rodando por aí sozinhas — ela falou mais baixo, tentando me mostrar o quanto era no mínimo razoável a opção ofertada pelo maknae.
— Sua prima tem razão. Por que não aceita a proposta? — Jungkook perguntou gentilmente e arqueou uma sobrancelha, enquanto sorria malandramente. — Veja isso como um bônus da aposta.
— Sério? Ainda posso cobrar com comida? — indaguei brincalhona e ele riu com gosto.
— Pode, sem problemas.
Nós três rimos e por fim, acabei aceitando solenemente a gentileza dele.
Poucos minutos depois, nos despedimos dos rapazes e descemos até a garagem, e mais uma vez eu me via dentro daquele carro enorme e tão a cara do Golden Maknae.
Hyun-mee mal conseguia manter uma conversa; tamanha era a surpresa em seus olhos, enquanto se maravilhava com o possante de Jungkook.
Te entendo, prima. Já estive em seu lugar.
Ficamos conversando amenidades, mas sem sequer falar do jogo que nos levou a ficar literalmente um em cima do outro. Comentávamos até do tempo chuvoso, em como as ruas tinham ficado alagadas, e uma parte dentro de mim pensou que estávamos mesmo desconcertados com o acontecimento de momentos atrás.
Apesar de levar mais tempo que o normal, ele chegou rápido até nossa residência, e quando dei por mim, o freio de mão foi puxado com louvor, indicando que o trajeto estava finalizado.
— Bom, deixo vocês aqui meninas. Obrigado pela companhia nesta sexta-feira louca.
Eu sorri educadamente, o encarando animada.
— Nah, imagine. Nós que agradecemos. Né, Hyun-mee?
Sem respostas, me virei para trás junto com Jungkook, para perceber minha prima alisando o banco de couro do carro, olhando-o encantanda.
Jungkook prendeu uma risada e eu pigarreei, sem graça.
— Hyun-mee? — falei insistentemente, e ela arregalou os olhos, acordando para a realidade.
— Oi? É! Claro! Muito obrigada pela carona! Er, hm, então... boa noite! — e se apressou a sair do carro, completamente constrangida pela situação, fechando a porta logo em seguida.
Eu e Jungkook ficamos olhando para ela, enquanto caminhava apressadamente para o nosso condomínio, sem nem olhar para trás.
— Acho que ela gostou mesmo do seu carro... — falei e Jungkook riu, atraindo minha atenção para si. — Bom, muito obrigada por tudo. Tenha uma boa noite e um bom fim de semana, ok?
Tentei parecer o mais suave possível, mas na verdade, me sentia vibrando internamente só de encará-lo nos olhos, ao tempo que ele parecia tranquilo e sorridente, como sempre.
— Não precisa agradecer, não foi nada. Espero que descanse também.
Ficamos nos olhando ternamente, como se o tempo fosse durar mais do que deveria.
Eu bem que queria.
De repente, o meu celular tocou insistentemente. Era J-Hope, e eu franzi o cenho, porque ele nunca tinha me ligado antes.
— Alô? — perguntei incerta.
— ! É a sua esperança! — ele se apresentou, já rindo, e eu não pude fazer nada a não ser acompanhá-lo. Ele era mesmo contagiante.
— Oi J-Hope! Diga lá! — Jungkook arqueou uma sobrancelha, estranhando a ligação.
— Manda o caçulinha ficar atento ao celular! Enviamos mensagem perguntando se ele já tinha deixado vocês em casa, mas ele nem deu sinal de vida!
— Eita, entendi. Ele acabou de nos deixar aqui, está saindo agora. Vou falar com ele, fique tranquilo.
— Certo, obrigado e desculpa por ligar do nada! Você sabe como são os menores, né? — eu ri com aquilo e concordei com um aceno.
— Sei sim, sem problemas.
— Então tá, boa noite! Descanse!
— Você também, querido! Até mais.
Quando desliguei a ligação, Jungkook estava me olhando muito curioso. Os olhos grandes me encaravam questionadores e eu ri de sua expressão.
— Era J-Hope pedindo para você ficar atento ao celular. Você acabou não respondendo as mensagens e ele ficou preocupado, junto com os outros rapazes.
O maknae fez cara de compreensão e tocou os bolsos, franzindo o cenho logo em seguida.
— Ué. Cadê meu celular? — e seguiu tateando os bolsos, sem sucesso.
Eu prendi a respiração alarmada. Será que ele tinha perdido?
— Quer ligar para ele? — Ofereci meu celular e ele levantou a cabeça afirmativamente, pegando meu aparelho e digitando seu número, ficando atento ao som.
Logo mais escutamos o toque de seu celular, e vinha debaixo do banco do motorista.
Jungkook arregalou os olhos e sorriu, se esticando para pegá-lo, mas não conseguiu apesar do esforço. Estava num ângulo bem ruim para si.
— Espero, deixa que eu tento — falei, apoiando uma mão na poltrona dele e a outra, procurei enquanto tateava o chão do carro, até que senti o objeto vibrar nas mãos, e o peguei certeiramente.
Levantei, dando de cara com um Jungkook ansioso.
— Aqui! — estiquei a mão e devolvi o celular, sentindo os dedos do k-idol tocarem os meus.
Estavam levemente gélidos, talvez pelo receio de ter perdido o aparelho.
Quer dizer, eu também estaria. Aquele troço devia valer mais do que dois rins meus.
— Salvadora da pátria que chama, né? — ele comentou risonho, e curvou seu tronco levemente, agradecendo. — Muito obrigado!
— Imagina! Estamos aqui para isso... — e sorri, feliz pelo desfecho. — Bom, boa noite e obrigada, mais uma vez!
— Sem problemas. Boa noite, . Até segunda.
— Até!
Me desloquei para fora do carro, sentindo as pernas parecem gelatina. Andei à passos lentos porém largos, e tentava ritmá-los com a minha respiração, um pouco sobressaltada. Foi quando toquei a maçaneta da portaria que virei minha cabeça por cima dos ombros, encontrando um Jungkook me olhando.
Acenei com a mão, com um sorriso tímido, e ele fez o mesmo, dando partida em seu carro. Me olhou de novo e rapidamente encarou seu celular, digitando rapidamente algo que eu obviamente não sabia o que era.
E então, segundos depois, senti meu aparelho vibrar, e com ele, meu estômago pareceu dar um salto carpado dentro da barriga.
Peguei o objeto com as mãos levemente trêmulas e lá estava, uma mensagem de um número desconhecido.
Eu sorri para a tela e levantei a cabeça, encontrando um Jungkook sorridente. Por fim, ele apontou com a cabeça para a portaria, me encorajando a seguir em frente, para que ele pudesse partir.
Eu sorri mais abertamente e concordei, entrando logo em seguida e digitando de volta, sem pensar muito.
“Deixa comigo. 😉”
Mantive o sorriso no rosto enquanto encarava o carro do lado de fora. Os vidros subiram, fazendo a figura de Jungkook sumir dentro do carro.
Segundos depois, o possante foi visto abandonando a inércia, seguindo a avenida.
Fiquei encarando a porta por alguns segundos, até que ouvi minha prima pigarrear do meu lado.
— Por que demorou, hein?
— Ele tinha perdido o celular... — respondi automaticamente, ainda encarando a rua com rastros do sorriso.
— Sei... e esse seu estado catatônico com esse sorriso de 32 dentes aí?
Me forcei a sair do lugar e ignorei tranquilamente minha prima, caminhando a seu lado para o elevador, entrando nele logo em seguida. Fui obrigada a encará-la, mas não sem uma sobrancelha arqueada. Cruzei os braços enquanto subíamos para o nosso andar.
— Não mais estranho do que a sua curiosa admiração por bancos de couro e aquela saída vergonhosa do carro! Francamente, Hyun-mee, o que te deu?
Ela ficou vermelha e coçou a nuca, dando de ombros. A porta do elevador abriu e saímos de lá em direção a nossa casa.
— Ah cara, couro né? É meu ponto fraco! — ela comentou e eu ri, buscando a chave na bolsa, a encontrando e encaixando logo em seguida na fechadura.
Finalmente lar, doce lar.
— Sei... Isso e um certo líder de um certo grupo de k-pop, né? — brinquei zombeteira, enquanto me livrava da bolsa e da jaqueta. Hyun-mee fechou a porta com mais força do que o necessário.
— C-Como é que é? Você tá viajando, cara! — ela explicou toda soltando o sutiã ainda por dentro do vestido, visivelmente sem graça e eu ri mais ainda.
— Aham, eu tô sim — retruquei, entrando em meu quarto e pegando meu pijama, junto com minha toalha, e carregando o celular na mão.
— Tá mesmo! — ela respondeu com certa imposição enquanto desamarrava os coturnos e eu ri, rolando os olhos.
— Ok, Hyun-mee. Boa noite! — me despedi, entrando no banheiro e fechando a porta, pronta para tomar um novo banho.
Me olhei no espelho, me sentindo estranhamente bonita. Toquei a bandana, as argolas, meu rosto. Delineei os lábios, e sorri sinceramente.
E então, era aquilo; vivi a noite mais inusitada de todas, ao lado de uma das maiores sensações de k-pop do momento.
Na verdade, ao lado de Jungkook.
Pensava sobre isso enquanto tirava minhas roupas, deixando-as no cesto. Como pude viver tanta coisa em tão pouco tempo?
Céus, a noite foi totalmente diferente daquilo que tinha pensado. Quer dizer, fiquei presa no trabalho, comi cup noodles, brinquei de mímica, catei jogo, caí em cima do maknae, fiquei presa com ele no elevador, partilhei sobre um monte de coisas da minha vida, brinquei de Twister, caí em cima do maknae de novo, recebi carona para casa e...
Eita, pleura.
Os dedos gélidos abriram a conversa.
O sorriso foi inevitável.
“Beleza, vou deixá-la descansar. Boa noite.”
Eu não queria descansar!
“Não agradeça. Ainda vou querer revanche no Twister.”
Engoli a seco com aquilo, lembrando que caí em cima dela.
Eu fatalmente adoraria fazer aquilo de novo.
“Te desejo boa sorte! Hahahaha.”
“Você vai precisar também, hehe. Durma bem.😉”
“Aceito, aceito. Igualmente!😊”
Encerramos a conversa e eu estava ali, nua diante do espelho, sorrindo com o celular na mão.
A sensação era que um cometa viajava dentro de mim, tocando pontos estimulantes, que faziam cócegas e me faziam rir a todo momento.
Eu conseguia sentir meu maxilar doído de tanto sorrir.
Foi entrando no box, ao colocar o pé no piso gelado, que tive uma palpitação dentro do peito, por pensar que talvez, apenas talvez, eu estivesse nutrindo uma mini paixão pelo meu patrão, o Golden maknae.
Abri o registro do chuveiro, misturando quente e frio, e suspirei, preocupada.
Mergulhei a cabeça debaixo d’água momentos depois, encostando a testa no ladrilho, pensando nisso como um fato, e não uma possibilidade.
É.
Aquele seria um longo banho...
Capítulo VIII - Stigma
Aconchegante.
Aquela poltrona era muito aconchegante.
Não havia nada no mundo tão macio e convidativo quanto aquela poltrona.
Minha mão deslizando pela superfície, as costas bem acopladas ao encosto... Tudo perfeito.
O estranho foi perceber o vazio das cadeiras ao redor.
Um mar de acolchoados, prontos para abarcar um público que não estava presente. Na verdade, eu era o público.
O público de uma pessoa só.
Com aquela constatação, a luz do palco acendeu, anunciando o início do espetáculo.
A cortina vermelha começou a recuar, conforme uma melodia suave e sedutora soava no ambiente, aquecendo os ouvidos e meu âmago.
Tudo fez sentido quando ele entrou a passos quase inexistentes, parecendo flutuar pelo chão.
O tecido leve e escuro, com pequenos pontos de luz prateados, fazia contraste com a pele do homem, que ganhava destaque com o decote em V da blusa lisa. Aquele detalhe me fez arfar, junto com todo conteúdo da obra.
Ele parecia um ser divino ao performar tão habilmente: os braços erguiam, desciam. As pernas tensionavam, relaxavam. Os pés patinavam, livres, abandonando o chão vez ou outra, fazendo-o alcançar o ar com facilidade.
A gravidade o trazia de volta, e na expressão de um rosto repleto de traços marcantes, o anúncio da certeza era real: ele amava o que fazia.
E eu amava vê-lo fazer o que amava.
Estava tão conectada com sua apresentação que tomei um susto quando percebi a proximidade de seu corpo do meu.
Pisquei abismada ao notar que já não havia palco, já não havia inúmeras cadeiras... Só eu e ele, que caminhava em minha direção com o olhar firme.
Inconscientemente, calculei quanto espaço faltava para que ele me alcançasse. Foram três longos e demorados passos, e os pés descalços revelavam como as pontas dos dedos se arrastavam pelo chão em todo processo.
Até que ele estava diante de mim, com um sorriso de quem guardava um segredo bom. Céus, seu corpo, seu rosto, a atmosfera... tudo contribuía para me fazer perder o fôlego.
Sutilmente, sua mão ergueu e tocou meu queixo, parecendo o carinho de uma pluma ao entrar em contato com minha pele. Automaticamente abri a boca para respirar, sentindo os batimentos cardíacos aumentarem em expectativa.
Os dedos deslizaram pela linha de meu maxilar, e um arrepio na coluna me abalou; tremulei em resposta, ganhando um sorriso mais largo como prêmio; ele apreciava a forma que me afetava.
Curvou a coluna, colocando seu rosto na altura do meu, analisando-me como uma cobra pronta para dar o bote em sua presa.
E eu estava pronta para ser pega, definitivamente.
Estava tão pronta que fechei os olhos, já praticamente sentindo a sensação de beijá-lo.
Mas inesperadamente, a música foi interrompida — brutalmente trocada por uma outra um tanto irritante e... insistente. Feito um alarme.
Então, tudo se desfez, e meus olhos abriram, encarando o teto sem graça do meu quarto.
Era tudo um sonho!?
— Puta que pariu! — berrei, tacando o celular longe na almofada de chão — Filho da puta, cara... Na melhor parte! — choraminguei, colocando o travesseiro na cara, me sentindo irritada como uma criança que não consegue um doce depois da vacina.
Para minha tristeza, o celular estava longe mas continuava tocando, então me levantei e desarmei aquela coisa irritante, me colocando sentada na cama, tentando recuperar o fôlego.
— Céus, como se já não bastasse as borboletas no estômago, agora eu estou sonhando com ele! Aonde isso vai parar? — falei comigo mesma, refletindo sobre a minha situação deplorável.
Era só um crush, não era?
— Bom, tem que ser! Se não, vai ficar impossível trabalhar... — me dei por vencida, quando o celular voltou a tocar, porque a gênia aqui tinha apenas colocado o modo soneca.
Ainda grogue de sono, me arrastei para o banheiro, a fim de fazer o xixi matinal e esperar a alma retornar ao corpo, enquanto checava as notificações das redes sociais.
E assim, abrindo uma mera mensagem, meu dia acabava de começar com um sorriso no rosto e um cavalo galopante na barriga.
Quantos animais poderiam caber na boca do meu estômago mesmo?
“O que é caipirinha?”
Eu ri igual uma boba, pensando no que diabos Jungkook estava fazendo quando me mandou aquela mensagem; e me diverti mais ainda com as que vinham a seguir.
“Uh, eu mandei essa pergunta muito tarde, não foi?”
“Você provavelmente já deve estar dormindo, desculpa se te acordei com isso ☹.”
23:47 pairava logo ao lado daqueles dizeres. Eu já estava dormindo mesmo.
Entretanto, ali sentada na privada, fazendo o xixi mais agradável dos últimos tempos, acabava de perceber que não só a alma já tinha voltado para o corpo, como também o coração — haja vista a forma com a qual ele batia rápido ao ler aquelas três míseras e tão especiais mensagens.
Eu era muito idiota mesmo.
Verifiquei a hora, 6:35. Eu estava obviamente atrasada, mas nem por isso deixei de respondê-lo.
“Hahahaha, relaxa. Acabei de acordar e só vi agora. Mas aceito uma caipirinha como pedido de desculpas. Bom dia :P.”
Conforme cliquei na seta para enviar a mensagem, percebi que foi questão de dois segundos até entender o que eu realmente tinha feito.
Meu Deus, eu estava convidando Jungkook para me pagar uma bebida!?
E só aí que percebi o quão atirada eu poderia soar.
Senti minhas mãos suarem quando decidi que precisava apagar antes que ele visse. Então, feito Tom Cruise em Missão Impossível, selecionei agilmente a mensagem, o ícone da lixeirinha e, quando estava prestes a apagar, ouvi o típico som de quem responde a uma conversa que está aberta.
Puta merda.
Jungkook acabava de responder a minha mensagem.
— Ai meu Deus, ai meu Deus, ai meu Deus! — sussurrei comigo mesma, respirando fundo e totalmente desperta.
Eu ia ser mandada embora.
Ele ia me dedurar por assédio.
Eu já sabia, eu já via tudo! Manchete no Jornal Nacional, capa de revista e tudo junto!
“Staff pinguça assedia k-idol à lá brasileira, chamando-o para tomar uma caipirinha.”
— do céu, estamos atrasadas! Vai demorar muito mais aí? — Hyun-mee chamou do outro lado da porta, me despertando para a realidade.
Droga, ela tinha razão!
— Vai adiantando o café, eu saio em cinco minutos! — respondi nervosa. Por fim, tomei coragem e abri a mensagem.
“Tá certo! Quando vamos?”
Os olhos arregalaram tanto que eu duvidava que voltassem para o lugar. Ele tinha aceitado minha proposta insana?
“Bom dia, aliás. Hahaha.”
A mensagem subiu e eu respirei fundo, sem saber o que fazer. Decidi improvisar.
“Insônia?”
A resposta veio logo em seguida.
“É, acho que caí da cama ou algo do tipo, rs.”
Eu dei um meio sorriso, pensando num Jungkook agitado para dormir.
“Putz, aproveita mais um pouquinho. Eu dormi mais que a cama e agora tô correndo pra empresa, hehe.”
“Sonhou muito?”
Mordi o lábio inferior com aquela pergunta.
Sonhei para um caralho, querido Jungkook. Você nem faz ideia do quanto.
“Acho que sim, mas não lembro. Tive um sono agitado, rs.”
Eu era a mentirosa mais feliz da Terra, sim.
“É, acho que também estou nessa. Deve ser a ansiedade para a turnê...”
Ah sim, a turnê. Uhum, é a turnê sim.
“Provavelmente! Mas vai dar tudo certo, vocês são incríveis! Confia!😉”
“Obrigado pelo incentivo já tão cedo! Vou até agilizar as coisas depois dessa, hahaha.”
“Certo, estamos aí para isso! Qualquer coisa, grita.😊”
“Deixa comigo 😉, tenha um bom dia!”
“Você também!”
Felizmente, a questão da caipirinha pareceu ficar esquecida. Deixei o celular em cima da pia, dei a descarga e saí me despindo em direção ao banheiro. Precisava tomar uma bela chuveirada, mas com o atraso, só mesmo um banho de gato era possível.
Em tempo recorde, saí do banheiro enrolada na toalha, pegando o celular de volta e liberando o banheiro.
Assim que abri a porta, Hyun-mee comemorou:
— Até que enfim! Achei que teria que ir fedendo pro trabalho!
— Você só acabou de acordar, implicante! Não é como se tivesse corrido a maratona!
— Muito justo falar quando você está toda limpinha e cheirosa, né bonita?
— O banho passaria batido, mas esse teu bafo de dragão é que seria difícil driblar! — brinquei, recebendo um tapa no ombro como resposta.
Saí rindo, entrando no quarto e já vestindo minha roupa — obrigada do passado por ter separado tudo direitinho antes de dormir, amém!
Uns minutos depois, já vestida, derramava o café na minha garrafinha quando Hyun-mee pegava uma maçã e dava uma bela mordida, colocando a bolsa no ombro.
— Pronta?
— Uhum — respondi, fechando a garrafa e checando o celular pela última vez.
O café quase escorregou da minha mão com aquela mensagem.
“Ah, fico no aguardo da caipirinha, hein? :P”
— ?
— Hm? — ergui a cara com os olhos arregalados.
— O que foi? Você parou do nada — Hyun-mee perguntou com uma cara óbvia e a porta de casa já aberta.
— Que? Ah, nada! Só vendo aqui umas coisas — respondi, voltando a guardar os pertences e caminhando, tentando disfarçar o nervosismo.
— E isso é hora? Estamos atrasadas! — ela ralhou enquanto eu apertava o botão do elevador. Trancou a porta e felizmente o bendito logo apareceu, para alegria da humanidade. — Hoje vai ter que ser na base do uber e o cartão que chore. — respondeu, vendo que o nosso carro chegaria em dois minutos.
— Ah, claro... A gente divide.
— É o mínimo, depois de demorar tanto naquele banheiro! — franzi o cenho com uma cara tediosa para ela.
— Você dormiu bem, por acaso? Por que está tão azeda?
— Eu precisava de mais três dias dormindo para quitar o cansaço, prima. Tô um caco! — desabafou num suspiro.
— Tô vendo! Nem reparou que hoje é sexta de novo... — falei, saindo pela porta do elevador com uma Hyun-mee menos rabugenta e levemente chocada.
— Puta que pariu, sim! Eu ouvi happy hour com dose dupla?
— Meu Deus, para que fui falar?
Nós duas rimos, enquanto avistávamos o carro parado na calçada, nos aguardando com o pisca alerta ligado. E assim, mais um dia começava — felizmente, o último da semana.
(...)
— Hyun-mee, a prova de figurino dos dançarinos já foi feita? — Hye-jun surgiu com dois tablets na mão e um celular na orelha enquanto encarava minha prima, que não estava muito diferente, verificando no aparelho digital a agenda.
— Sim, acabaram de concluir a de Not today. Estão fazendo os ajustes necessários em alguns pequenos detalhes, pelo que a produção confirmou.
— Hm, certo. Verifique para mim exatamente quanto tempo isso durará, porque iniciaremos os ensaios com o figurino em meia hora! Os meninos estão retornando de uma entrevista promovendo a turnê e não podemos nos atrasar!
— Deixa comigo! — minha prima respondeu prontamente enquanto eu falava com a equipe cenográfica, confirmando a entrega dos materiais que eles precisavam.
— Está terminando aí? — Hye-jun me perguntou e eu afirmei com um aceno e um sorriso — Certo, depois disso, pode verificar com a banda se está tudo certo para o ensaio? Já estamos unindo todas as peças-chaves para concretizar as ideias e ver como será na turnê.
— Claro! Já confiro, sem falta.
— Ótimo! — ela respondeu e logo se retirou, falando apressadamente no celular.
Chequei pela última vez a listagem, deixando a equipe cenográfica à vontade para fazer seu trabalho. Uma vez resolvido, fui até o local de ensaio, encontrando a banda aquecendo com Bapsae.
Aquele ritmo era incrível ao vivo!
Quando notaram minha presença, pararam o som e aguardaram minha fala. A timidez quase me deixou gaguejar, mas fui mais forte que isso.
— Desculpa interrompê-los, pessoal. Vim para verificar se está tudo ok para o ensaio, se precisam de algo... — sorri enquanto explicava — os meninos estão retornando de uma entrevista e em breve começaremos.
— Tudo certo! Se puder trazer aquelas garrafas d’água... — o baterista respondeu com um sorriso amarelo e eu afirmei, encarando aquele mundaréu de gente. Precisaria de algumas viagens para trazer o pedido.
— Claro, eu vou providenciar. Venho num minuto — informei gentilmente e me retirei da sala a passos rápidos.
Alguns segundos depois, ouvi alguém me chamar:
— ! — Me virei e senti um nervosinho na barriga.
— Jae-in! Oi! — Era o roadie gatinho que nunca tinha tempo para uma cerveja.
— O que faz por aqui na minha área? Dando um rolé? — ele perguntou com um sorriso ladino e eu ri educadamente.
— Nada, estou rodando tudo hoje. Vim confirmar se está tudo certo para o ensaio, e vou trazer água para o seu povo — brinquei, ajeitando a postura. Ele era gatinho mesmo, mas me sentia meio esquisita, por algum motivo.
— Quer ajuda? Acho que você vai precisar de uma mãozinha — Jae-in começou a caminhar do meu lado, sem aguardar uma resposta minha. Eu simplesmente acenei, ainda perdida.
— Muita correria? — ele perguntou novamente, e eu suspirei com um sorriso educado.
— Nem me fale… Acho que nunca estive tão cansada. E você?
— Acho que já me acostumei. É realmente muita pressão antes da turnê começar, mas uma vez que ela acontece, a segurança passa a dar lugar às incertezas.
— Mal posso esperar para ficar mais tranquila!
— Oh não, mais tranquila não. Menos desesperada, talvez!
Nós rimos com aquele comentário, e momentos depois alcançamos a sala com os mantimentos básicos. Consegui um carrinho de despacho e, juntos, colocamos três fardos de garrafas d’água, com Jae-in gentilmente realizando o serviço de frete enquanto comentava algo da sua rotina, recebendo algumas respostas rápidas e sorrisos tímidos meus.
Eu percebi que estava ansiosa, ainda com aquela sensação esquisita pairando em mim. Mas o que havia de errado?
Seria cansaço? Fome? Sono? Tudo junto?
Me concentrei no que estava fazendo, tentando entender o que poderia ser.
Encarei a pessoa ao lado, falante e animada. Eu não consegui acompanhar o que ele dizia exatamente, mas vi sua boca se mexendo empolgada, enquanto eu estava perdida no assunto, tentando entender o que diabos estava rolando comigo.
Reparei nele discretamente, e poderia afirmar que ele era uma pessoa agradável, tinha um bom papo, era educado. Mas…
Por que eu tinha a sensação de que aquilo não era tão legal quanto foi, semanas atrás quando Jae-in e eu nos conhecemos numa interação super descolada e despretensiosa?
De alguma forma, eu não me sentia mais tão animada em tomar uma cerveja com ele. E eu me pergunto o porquê, já que isso parecia ser novidade…
Sim, estava abarrotada de trabalho, mas fazia tempo que eu não me envolvia com ninguém. Mesmo que não significasse nada, talvez uma ficada fizesse bem para a rotina, né? Quer dizer, eu nunca fui a rainha do rodo, mas sempre tive alguém ali ou aqui para satisfazer os desejos da carne, como dizia vovó Kang.
Então o que é que havia de errado em Jae-in e naquele súbito desânimo em estar com ele?
Chegamos na sala de ensaio, e eu prendi a respiração quando vi que os rapazes já estavam ali com a banda. Conversavam entre si, rindo, testando os microfones, se alongando e se aquecendo.
Fiquei piscando inerte quando reparei em Jungkook; a cara de sono revelava que ele dizia a verdade nas mensagens que me enviou. Talvez tivesse caído da cama, mas isso não o deixava menos belo. O chapéu bucket, os cabelos cobrindo parte dos olhos, a presença das orelhas se fazendo apenas pelos brincos estilosos que usava...
A blusa branca, a calça de pescador com bolsos, o tênis all-star.
Ele era tão lindo, e não fazia esforço algum para isso!
Parei abruptamente quando senti o coração dar uma galopada no peito, e Jae-in franziu o cenho, parando o carrinho a alguns metros à frente.
— Tá tudo bem?
Não.
Não estava.
Quer dizer, acabava de ficar difícil, porque eu havia entendido aquela sensação esquisita no peito.
Eu estava com saudades de Jungkook.
— ? — Jae-in tornou a perguntar e eu pisquei vorazmente, o encarando perdida.
A aflição diminuiu, o incômodo estava indo embora. Tudo isso devido à presença de Jungkook.
Oh, merda.
Estava sentindo que caía numa cilada, então não estava tudo bem. Mas eu precisava que estivesse, uma vez que dependia daquele emprego, e daquele bem estar profissional para garantir minha sobrevivência.
Precisava engolir qualquer alarme dentro da minha cabeça sobre a relação que tinha com Jungkook. Era trabalho, no máximo uma amizade.
Tinha que ser!
Engoli a seco e respondi fracamente Jae-in.
— Está sim! É que me lembrei que não respondi um e-mail de carregamento... — disfarcei, retomando o foco que eu perdi.
— Ah, sim. Precisa de ajuda para entregar? — o roadie perguntou gentilmente e eu forcei um sorriso.
— N-Não! Só me ajude a colocar aqui no canto, pode ser? Eu distribuo.
Com um aceno e um sorriso galanteador, ele atendeu meu pedido com gosto, me ajudando a retirar do carrinho as benditas garrafas.
— Bom, está entregue, moça.
— Muito obrigada pela mão... Pelas mãos, quer dizer. Pode deixar que eu entrego para o pessoal — agradeci sorridente e ele se aproximou delicadamente, me olhando nos olhos.
— Então, você tem algum programa para hoje?
A pergunta ecoou na minha mente como se estivesse sendo feita por um megafone. Mais estranho que isso, só o fato de que Jungkook acabava de perceber minha presença, e seu olhar se fixou no meu, no mesmo momento que um sorriso convidativo pairou em seu rosto, automaticamente me fazendo sorrir também.
Eu estava tão fodida.
— É... — respondi mais pra mim do que qualquer coisa, e a risada sem graça de Jae-in me fez olhá-lo alarmada.
— Isso quer dizer que você está livre ou...?
— Hã? Quê? — balbuciava, olhando dele para Jungkook, que agora tinha um sorriso mais ameno, reparando no roadie ao meu lado.
Minha face esquentou, meu estômago revirou, e eu simplesmente queria sair correndo dali.
Meu Deus, eu tinha virado uma criança amedrontada com o primeiro dia de aula!?
— Então? — Jae-in moldou um sorriso, me chamando a atenção novamente.
Respirei fundo e sorri sem graça.
— Eu...
— Jae-in! Preciso que verifiquei o retorno. Está saindo muito agudo! — o baixista me salvou daquela sinuca de bico, e eu soltei o ar aliviada, mas disfarcei a cara e apenas mantive o sorriso amarelo.
— Hm, preciso ir. Se não tiver nenhum programa hoje, me avise, ok?
— O-Ok! — respondi, recebendo uma piscadela em resposta enquanto o roadie seguia para o seu dever.
Umedeci os lábios e comecei a me acalmar, vendo-o ir embora. Mas quando meus olhos encontraram os de Jungkook, ele me encarava com uma feição visivelmente desconcertada, com um sorriso estranho.
Talvez tivesse acompanhado aquela interação desastrosa entre Jae-in e eu, e minha total incapacidade em responder uma proposta. Céus, eu era patética…
Diante da mira do maknae, decidi acenar brevemente, tentando entrar no modo profissional e, com uma rapidez invejável, rasguei os fardos e disponibilizei as águas para todos, deixando os meninos por último.
Foi cumprimentando-os com a face mais tranquila que recebi o primeiro ‘oi’ do dia, e não poderia ser ninguém mais ninguém menos que ele.
— Ora, se não é a minha vencedora de Twister favorita? is in the hoooouse! — J-Hope me recebeu com um sorriso iluminado e aquilo aqueceu meu coração.
— Bom dia! Vejo que está animado, né? A entrevista foi boa? — perguntei, entregando as garrafas para os outros meninos, que agradeciam com breves acenos.
— Foi ótima, ele riu mais do que falou, enquanto Suga dormia praticamente sentado — Jimin respondeu, tendo sua garrafa roubada do rapper. — Ei!
— Em minha defesa, as coisas só poderiam funcionar depois das dez. Estou errado, ? — Suga me perguntou e eu ri, dando de ombros.
— Cuidado que ela pode te dar uma garrafada na cara se discordar de você. Sabemos que ela é dessas! — Jin brincou com um sorriso nos lábios, e se aquele desgraçado não fosse tão lindo, eu já teria feito o que ele havia sugerido, diretamente naquele rostinho de worldwide handsome dele.
— Eu sou uma eterna e grande piada para você, não é? — indaguei brincalhona, e Jin riu mais ainda, pegando a garrafa que ofereci. Taehyung se aproximou, interagindo na conversa.
— Entenda isso como uma bênção. Seu dia ainda não começou se ele não fez alguma piada. — O sorriso do rapaz me fez imitá-lo, e eu ainda não tinha me acostumado com seu jeito simples e belo de ser, admito.
— De nada, aliás — Jin retrucou, implicante, e eu ri incrédula com aquela fala.
Para total deleite de minha parte, o mais velho do grupo recebeu um tapa na nuca, dado pelo líder.
Sorri vitoriosa enquanto Jin reclamava da recepção de RM.
— Ah, qual é?
— Te falta diplomacia, Seokjinnie. Sinto muito por ele, — RM agradeceu cordialmente quando lhe entreguei a água, e eu dei uma leve curvada.
— Obrigada por entender. Eu sofro, como podem ver. Ninguém me trata bem nesse grupo! — fiz um pequeno drama, colocando uma garrafa no peito e fechando os olhos, recebendo risadas dos meninos, até que as mesmas foram interrompidas por uma pergunta crucial.
— Ninguém?
Todos pararam e olharam para Jungkook, que tinha uma sobrancelha arqueada e umedecia os lábios, parecendo desafiador.
O coro de “uuuuh” foi inevitável, e obviamente senti um iceberg na boca do estômago, enquanto as bochechas pareciam pegar fogo.
Nosso olhar parecia cintilar um sobre o outro, e eu intimamente brigava comigo mesma para agir normalmente.
Impossível.
Respirei fundo, dando um sorriso parcialmente derretido e pigarreei, dando de ombros.
— O perdedor do Twister até que é legal.
As risadas foram gerais, e, apesar do olhar cerrado, Jungkook sorria de forma cúmplice e adorável.
Como eu fazia.
Me aproximei devagar, tentando manter as cenas do meu sonho no fundo de minha mente, e engoli a seco antes de falar algo.
— Bom dia — a voz saiu baixa, e eu estendi a mão com a água.
— Bom dia. Chegou no trabalho a tempo? — ele perguntou, pegando a garrafa e nossos dedos se tocaram, aquecendo minha mão.
— Sim! Santo uber. E a entrevista? Foi boa? — segurei o resto das águas na altura do peito, sentindo o pé remexer.
— Foi sim. Mas eu estava terrivelmente sonolento. Pior que o Suga.
— Eu ouvi isso! — o cujo dito passou naquele exato momento, fazendo com que eu e Jungkook soltássemos pequenas risadas.
Ficamos nos olhando sem exatamente dizer nada, e logo RM chamou a todos no microfone.
— Vamos, pessoal?
— Vou deixar vocês trabalharem... — comentei sem graça, me retirando a passos lentos.
— Tá. Então... Bom trabalho!
— Bom ensaio!
Andei me arrastando, ouvindo os primeiros acordes de Not Today, e sorri involuntariamente.
Antes de sair, dei uma olhadinha para trás, recebendo um olhar e um aceno de Jungkook.
Eu repeti seus atos e saí porta a fora, fechando-a e me apoiando nela.
— Oi Deus, sou eu de novo... — comentei de olhos fechados, pedindo intimamente para...
Para o que mesmo?
Que aquilo não estivesse acontecendo?
Ou que tivesse alguma reciprocidade naquilo que eu sentia?
O celular apitou, com um pedido de Hyun-mee para ajudar num novo descarregamento de palco.
— Vou trabalhar que eu ganho mais...
(...)
Eu passei o resto do dia enchendo a cabeça de coisas relacionadas ao trabalho, para não precisar pensar nas sensações que aquela manhã me trouxe. Quer dizer, eu estava fugindo de uma DR comigo? Exatamente.
Decidi que não era hora, nem lugar para pensar naquelas coisas.
Imagine só! Se eu me dou conta de que estou nutrindo algo mais consistente do que uma amizade saudável permite… é adeus, trabalho!
E eu definitivamente não poderia me permitir aquilo.
Sem chances! Não, não mesmo.
Para minha falta de sorte, tive que acompanhar os meninos numa sessão de fotos no meio da tarde, ao ar livre, num parque lindo de morrer que ficava próximo à big hit.
Às vezes eu esquecia da proporção que o BTS tinha, já que a estrutura da sessão de fotos era algo bem bacana de se ver; as tendas totalmente equipadas com o material necessário, o empenho dos profissionais, e é claro; os meninos super dispostos, mesmo com uma agenda pesada de afazeres.
Tudo bem que me deu muita aflição ver tanta gente em cima dos meninos, fazendo tudo de uma vez; ajeitando o penteado, retocando maquiagem, o vestuário… Céus, e eles pareciam inabalados com aquilo!
Porém, o resultado era impecável.
Todos estavam muito lindos, iluminados e brincantes.
Basicamente, eu estava ali para ver todo mundo lindo diante de uma câmera fotográfica — e isso fatalmente incluía Jungkook.
Como podemos imaginar, eu estava tentando segurar as voltinhas que a boca do estômago dava, mas a verdade era cruel: eu não era capaz.
E ali, no meio de todo mundo, tinha ele. Aquele sorriso todo arreganhado de quem não tem vergonha em achar graça de algo bobo que Jin fez, aquele olhar que praticamente se fechava ao sorrir, a pequena e inconsciente levantada de ombros com as risadinhas, o som das mesmas…
Naquele exato momento em que me toquei do quão atenta estava àqueles detalhes, me chutei mentalmente, forçando o tablet contra minha testa e fechando os olhos.
Tanto esforço para não reparar nessas coisas e quando me distraio, é exatamente nisso que penso!? Cara, que merda eu andava comendo!?
— … ! — ouvi alguém me chamar e dei um pulo no lugar, tomando um susto com a Hyun-mee balançando uma mão na minha cara.
— Quê!? — chamei no impulso, arrancando uma risada de J-Hope, que era assessorado pela minha prima.
— Tá dormindo em pé, ? — A esperança do grupo me zoou e eu ri zombeteira. Ele sabia que eu não curtia que me chamasse pelo nome tão incisivamente, como havia feito.
— Não, Jung Hoseok! — Ele riu com a brincadeira e deu um joínha em minha direção.
— , confere para mim o número da blusa aqui. Essa está muito larga nele! — Hyun-mee pediu com certa urgência na voz e eu rapidamente acenei, conferindo os dados e mostrando a tela do tablet alguns momentos depois.
— Aqui. É essa medida? — indaguei, vendo a cara frustrada da minha prima.
— Sim! Está certo! Será que não mediram ele direito?
Nós duas olhamos para J-Hope, que tinha uma cara de quem “peidei, mas não fui eu”.
Franzi o cenho e coloquei as mãos na cintura.
— Por acaso o senhor está se alimentando direito, Jung Hoseok?
Minha prima me encarou com uma feição engraçada, provavelmente reconhecendo o tom “vovó Kang” que eu usei. J-Hope fez um bico, dando de ombros.
— Eu tô comendo normal. Mas é verdade que tenho treinado mais do que de costume… — coçou a cabeça num ato tímido e eu suspirei, flexibilizando a pose.
— Certo. Vamos fazer o seguinte? Vou conferir quando é a próxima consulta de vocês com a nutricionista e por hora, a gente pode tentar dar uns reparos paliativos na blusa. Vou chamar o estilista.
O sorriso iluminado de J-Hope me deixou mais tranquila, e eu intimamente era grata por ter sido “flagrada” por ele e minha prima ao estar desligada do mundo real, enquanto deveria estar atenta ao meu trabalho.
Cada vez mais tinha certeza de que Jungkook era o caminho para minha derradeira profissional.
Eu me sentia no quinto ano de novo. Patético, eu sei.
Felizmente conseguimos resolver a vestimenta do solzinho do grupo sem problemas, e a sessão de fotos se deu com muitas risadas, palhaçadas, e momentos extremamente desconcertantes: quando eles se concentravam em seduzir a câmera, atingindo a mim por conseguinte.
— Você está precisando de um babador.
— Só eu? — respondi a minha prima em português, e desviei a visão de Jungkook, que posava para mais um clique.
Desgraçado lindo da porra!
— Eu admito que às vezes o trabalho é difícil, mas você se acostuma, priminha! — A divertida voz de Hyun-mee me fez sorrir, e eu a olhei com a sobrancelha erguida.
— Me pergunto o que você faz para disfarçar…
— Ah, eu sonho muito, né? — Automaticamente, seu olhar passou pelo líder do grupo e ela deu de ombros, dando uma mordidinha no lábio que me fez rir.
— Você é podre!
— Ah, qual é! Isso não é violar nenhuma regra!
Eu continuei rindo, tirando uns fios de cabelo da frente do rosto enquanto a brisa batia.
Alguns cliques depois, o fotógrafo liberou Jungkook, que se encaminhou para o vestiário, trocando de roupa. Pelos meus cálculos, era o último que faltava das sessões individuais, o que talvez significasse o fim de expediente.
Minhas suspeitas se demonstraram assertivas quando Hye-jun nos chamou com as mãos, e reuniu a equipe dentro da tenda. Logo depois os meninos chegaram, com as roupas que vestiam anteriormente. Apesar de tentar conter meu nervosismo, fiquei irrequieta ao perceber que Jungkook estava a um metro de mim, se ajustando na roda.
O fotógrafo estava com a câmera no pescoço e sorria alegremente, enquanto iniciava seu discurso.
— Quero agradecer pelo empenho de todos, pessoal! Vocês foram incríveis, a atmosfera é sempre muito agradável e produtiva. Desejo uma ótima turnê ao BTS, e mais uma vez agradeço pela opor—
— SASAENG! — O berro veio de um segurança de fora da tenda.
As coisas aconteceram muito rápido, e meu coração palpitou forte enquanto eu me situava.
Olhei ao redor totalmente em alerta, e percebi que a garota vinha rápido pela entrada secundária da tenda. Arfei ao perceber o quão rápido se aproximava, correndo em direção aos meninos.
Não havia nenhuma pessoa entre ela e o mais próximo da entrada, que era ninguém mais, ninguém menos que Jungkook.
De todos os staffs, eu era a mais próxima deles; tanto do maknae, quanto da garota.
Então, eu simplesmente agi, sem pensar nas consequências.
Larguei o tablet, que fez um som oco ao chocar-se com o chão de grama, e corri em direção à intrusa, servindo de escudo para Jungkook, tentando pará-la.
Quando percebeu minha intenção, ela intensificou na corrida e jogou-se em direção ao k-idol, que olhava tudo muito assustado.
Sem pestanejar, fiz o mesmo que ela.
E assim, quando me joguei entre ela e Jungkook, recebi todo o impacto de seu corpo quando se chocou ao meu, e nós duas caímos igual jaca podre no chão; eu, tentando impedí-la de atacar alguém, e ela, se debatendo, me arranhando, puxando meu cabelo para que eu desistisse daquilo, enquanto gritava o nome dos meninos.
Sim, eu estava no quinto ano novamente, sem sombra de dúvidas.
Com aquele tumulto todo, eu consegui segurá-la até que os seguranças nos alcançaram segundos depois. A bicha era realmente forte, e se debatia como um peixe fora d’água.
Conforme ela era levantada pelos armários guarda-costas, eu comecei a sentir um alívio sem o peso da sasaeng, ou suas tentativas de me atingir.
Mas era cedo demais, e Murphy ria da minha cara naquele exato momento, pois a cretina, ao se debater, lançou um chute que atingiu diretamente o meu nariz.
E ali, eu vi estrelas.
Uma sensação quente descia pelas narinas, o que eu julgava ser sangue. Pelo gosto ferroso que logo encontrou minha boca, eu não tinha dúvidas.
As lágrimas caíam livremente, devido a região atingida.
— Filha da puta… — falei em português, sentindo a cabeça pesar.
Quando pensei que bateria diretamente no chão, senti alguém segurando-me com precisão e cuidado, me chamando com urgência.
Apesar da visão turva, percebi que era Jungkook que falava comigo, com o olhar arregalado.
Mas eu não conseguia responder.
A última coisa que eu lembro de ter pensado foi o quão tonta eu estava. E o quão inevitável foi não ver mais nada.
Aquela poltrona era muito aconchegante.
Não havia nada no mundo tão macio e convidativo quanto aquela poltrona.
Minha mão deslizando pela superfície, as costas bem acopladas ao encosto... Tudo perfeito.
O estranho foi perceber o vazio das cadeiras ao redor.
Um mar de acolchoados, prontos para abarcar um público que não estava presente. Na verdade, eu era o público.
O público de uma pessoa só.
Com aquela constatação, a luz do palco acendeu, anunciando o início do espetáculo.
A cortina vermelha começou a recuar, conforme uma melodia suave e sedutora soava no ambiente, aquecendo os ouvidos e meu âmago.
Tudo fez sentido quando ele entrou a passos quase inexistentes, parecendo flutuar pelo chão.
O tecido leve e escuro, com pequenos pontos de luz prateados, fazia contraste com a pele do homem, que ganhava destaque com o decote em V da blusa lisa. Aquele detalhe me fez arfar, junto com todo conteúdo da obra.
Ele parecia um ser divino ao performar tão habilmente: os braços erguiam, desciam. As pernas tensionavam, relaxavam. Os pés patinavam, livres, abandonando o chão vez ou outra, fazendo-o alcançar o ar com facilidade.
A gravidade o trazia de volta, e na expressão de um rosto repleto de traços marcantes, o anúncio da certeza era real: ele amava o que fazia.
E eu amava vê-lo fazer o que amava.
Estava tão conectada com sua apresentação que tomei um susto quando percebi a proximidade de seu corpo do meu.
Pisquei abismada ao notar que já não havia palco, já não havia inúmeras cadeiras... Só eu e ele, que caminhava em minha direção com o olhar firme.
Inconscientemente, calculei quanto espaço faltava para que ele me alcançasse. Foram três longos e demorados passos, e os pés descalços revelavam como as pontas dos dedos se arrastavam pelo chão em todo processo.
Até que ele estava diante de mim, com um sorriso de quem guardava um segredo bom. Céus, seu corpo, seu rosto, a atmosfera... tudo contribuía para me fazer perder o fôlego.
Sutilmente, sua mão ergueu e tocou meu queixo, parecendo o carinho de uma pluma ao entrar em contato com minha pele. Automaticamente abri a boca para respirar, sentindo os batimentos cardíacos aumentarem em expectativa.
Os dedos deslizaram pela linha de meu maxilar, e um arrepio na coluna me abalou; tremulei em resposta, ganhando um sorriso mais largo como prêmio; ele apreciava a forma que me afetava.
Curvou a coluna, colocando seu rosto na altura do meu, analisando-me como uma cobra pronta para dar o bote em sua presa.
E eu estava pronta para ser pega, definitivamente.
Estava tão pronta que fechei os olhos, já praticamente sentindo a sensação de beijá-lo.
Mas inesperadamente, a música foi interrompida — brutalmente trocada por uma outra um tanto irritante e... insistente. Feito um alarme.
Então, tudo se desfez, e meus olhos abriram, encarando o teto sem graça do meu quarto.
Era tudo um sonho!?
— Puta que pariu! — berrei, tacando o celular longe na almofada de chão — Filho da puta, cara... Na melhor parte! — choraminguei, colocando o travesseiro na cara, me sentindo irritada como uma criança que não consegue um doce depois da vacina.
Para minha tristeza, o celular estava longe mas continuava tocando, então me levantei e desarmei aquela coisa irritante, me colocando sentada na cama, tentando recuperar o fôlego.
— Céus, como se já não bastasse as borboletas no estômago, agora eu estou sonhando com ele! Aonde isso vai parar? — falei comigo mesma, refletindo sobre a minha situação deplorável.
Era só um crush, não era?
— Bom, tem que ser! Se não, vai ficar impossível trabalhar... — me dei por vencida, quando o celular voltou a tocar, porque a gênia aqui tinha apenas colocado o modo soneca.
Ainda grogue de sono, me arrastei para o banheiro, a fim de fazer o xixi matinal e esperar a alma retornar ao corpo, enquanto checava as notificações das redes sociais.
E assim, abrindo uma mera mensagem, meu dia acabava de começar com um sorriso no rosto e um cavalo galopante na barriga.
Quantos animais poderiam caber na boca do meu estômago mesmo?
“O que é caipirinha?”
Eu ri igual uma boba, pensando no que diabos Jungkook estava fazendo quando me mandou aquela mensagem; e me diverti mais ainda com as que vinham a seguir.
“Uh, eu mandei essa pergunta muito tarde, não foi?”
“Você provavelmente já deve estar dormindo, desculpa se te acordei com isso ☹.”
23:47 pairava logo ao lado daqueles dizeres. Eu já estava dormindo mesmo.
Entretanto, ali sentada na privada, fazendo o xixi mais agradável dos últimos tempos, acabava de perceber que não só a alma já tinha voltado para o corpo, como também o coração — haja vista a forma com a qual ele batia rápido ao ler aquelas três míseras e tão especiais mensagens.
Eu era muito idiota mesmo.
Verifiquei a hora, 6:35. Eu estava obviamente atrasada, mas nem por isso deixei de respondê-lo.
“Hahahaha, relaxa. Acabei de acordar e só vi agora. Mas aceito uma caipirinha como pedido de desculpas. Bom dia :P.”
Conforme cliquei na seta para enviar a mensagem, percebi que foi questão de dois segundos até entender o que eu realmente tinha feito.
Meu Deus, eu estava convidando Jungkook para me pagar uma bebida!?
E só aí que percebi o quão atirada eu poderia soar.
Senti minhas mãos suarem quando decidi que precisava apagar antes que ele visse. Então, feito Tom Cruise em Missão Impossível, selecionei agilmente a mensagem, o ícone da lixeirinha e, quando estava prestes a apagar, ouvi o típico som de quem responde a uma conversa que está aberta.
Puta merda.
Jungkook acabava de responder a minha mensagem.
— Ai meu Deus, ai meu Deus, ai meu Deus! — sussurrei comigo mesma, respirando fundo e totalmente desperta.
Eu ia ser mandada embora.
Ele ia me dedurar por assédio.
Eu já sabia, eu já via tudo! Manchete no Jornal Nacional, capa de revista e tudo junto!
“Staff pinguça assedia k-idol à lá brasileira, chamando-o para tomar uma caipirinha.”
— do céu, estamos atrasadas! Vai demorar muito mais aí? — Hyun-mee chamou do outro lado da porta, me despertando para a realidade.
Droga, ela tinha razão!
— Vai adiantando o café, eu saio em cinco minutos! — respondi nervosa. Por fim, tomei coragem e abri a mensagem.
“Tá certo! Quando vamos?”
Os olhos arregalaram tanto que eu duvidava que voltassem para o lugar. Ele tinha aceitado minha proposta insana?
“Bom dia, aliás. Hahaha.”
A mensagem subiu e eu respirei fundo, sem saber o que fazer. Decidi improvisar.
“Insônia?”
A resposta veio logo em seguida.
“É, acho que caí da cama ou algo do tipo, rs.”
Eu dei um meio sorriso, pensando num Jungkook agitado para dormir.
“Putz, aproveita mais um pouquinho. Eu dormi mais que a cama e agora tô correndo pra empresa, hehe.”
“Sonhou muito?”
Mordi o lábio inferior com aquela pergunta.
Sonhei para um caralho, querido Jungkook. Você nem faz ideia do quanto.
“Acho que sim, mas não lembro. Tive um sono agitado, rs.”
Eu era a mentirosa mais feliz da Terra, sim.
“É, acho que também estou nessa. Deve ser a ansiedade para a turnê...”
Ah sim, a turnê. Uhum, é a turnê sim.
“Provavelmente! Mas vai dar tudo certo, vocês são incríveis! Confia!😉”
“Obrigado pelo incentivo já tão cedo! Vou até agilizar as coisas depois dessa, hahaha.”
“Certo, estamos aí para isso! Qualquer coisa, grita.😊”
“Deixa comigo 😉, tenha um bom dia!”
“Você também!”
Felizmente, a questão da caipirinha pareceu ficar esquecida. Deixei o celular em cima da pia, dei a descarga e saí me despindo em direção ao banheiro. Precisava tomar uma bela chuveirada, mas com o atraso, só mesmo um banho de gato era possível.
Em tempo recorde, saí do banheiro enrolada na toalha, pegando o celular de volta e liberando o banheiro.
Assim que abri a porta, Hyun-mee comemorou:
— Até que enfim! Achei que teria que ir fedendo pro trabalho!
— Você só acabou de acordar, implicante! Não é como se tivesse corrido a maratona!
— Muito justo falar quando você está toda limpinha e cheirosa, né bonita?
— O banho passaria batido, mas esse teu bafo de dragão é que seria difícil driblar! — brinquei, recebendo um tapa no ombro como resposta.
Saí rindo, entrando no quarto e já vestindo minha roupa — obrigada do passado por ter separado tudo direitinho antes de dormir, amém!
Uns minutos depois, já vestida, derramava o café na minha garrafinha quando Hyun-mee pegava uma maçã e dava uma bela mordida, colocando a bolsa no ombro.
— Pronta?
— Uhum — respondi, fechando a garrafa e checando o celular pela última vez.
O café quase escorregou da minha mão com aquela mensagem.
“Ah, fico no aguardo da caipirinha, hein? :P”
— ?
— Hm? — ergui a cara com os olhos arregalados.
— O que foi? Você parou do nada — Hyun-mee perguntou com uma cara óbvia e a porta de casa já aberta.
— Que? Ah, nada! Só vendo aqui umas coisas — respondi, voltando a guardar os pertences e caminhando, tentando disfarçar o nervosismo.
— E isso é hora? Estamos atrasadas! — ela ralhou enquanto eu apertava o botão do elevador. Trancou a porta e felizmente o bendito logo apareceu, para alegria da humanidade. — Hoje vai ter que ser na base do uber e o cartão que chore. — respondeu, vendo que o nosso carro chegaria em dois minutos.
— Ah, claro... A gente divide.
— É o mínimo, depois de demorar tanto naquele banheiro! — franzi o cenho com uma cara tediosa para ela.
— Você dormiu bem, por acaso? Por que está tão azeda?
— Eu precisava de mais três dias dormindo para quitar o cansaço, prima. Tô um caco! — desabafou num suspiro.
— Tô vendo! Nem reparou que hoje é sexta de novo... — falei, saindo pela porta do elevador com uma Hyun-mee menos rabugenta e levemente chocada.
— Puta que pariu, sim! Eu ouvi happy hour com dose dupla?
— Meu Deus, para que fui falar?
Nós duas rimos, enquanto avistávamos o carro parado na calçada, nos aguardando com o pisca alerta ligado. E assim, mais um dia começava — felizmente, o último da semana.
(...)
— Hyun-mee, a prova de figurino dos dançarinos já foi feita? — Hye-jun surgiu com dois tablets na mão e um celular na orelha enquanto encarava minha prima, que não estava muito diferente, verificando no aparelho digital a agenda.
— Sim, acabaram de concluir a de Not today. Estão fazendo os ajustes necessários em alguns pequenos detalhes, pelo que a produção confirmou.
— Hm, certo. Verifique para mim exatamente quanto tempo isso durará, porque iniciaremos os ensaios com o figurino em meia hora! Os meninos estão retornando de uma entrevista promovendo a turnê e não podemos nos atrasar!
— Deixa comigo! — minha prima respondeu prontamente enquanto eu falava com a equipe cenográfica, confirmando a entrega dos materiais que eles precisavam.
— Está terminando aí? — Hye-jun me perguntou e eu afirmei com um aceno e um sorriso — Certo, depois disso, pode verificar com a banda se está tudo certo para o ensaio? Já estamos unindo todas as peças-chaves para concretizar as ideias e ver como será na turnê.
— Claro! Já confiro, sem falta.
— Ótimo! — ela respondeu e logo se retirou, falando apressadamente no celular.
Chequei pela última vez a listagem, deixando a equipe cenográfica à vontade para fazer seu trabalho. Uma vez resolvido, fui até o local de ensaio, encontrando a banda aquecendo com Bapsae.
Aquele ritmo era incrível ao vivo!
Quando notaram minha presença, pararam o som e aguardaram minha fala. A timidez quase me deixou gaguejar, mas fui mais forte que isso.
— Desculpa interrompê-los, pessoal. Vim para verificar se está tudo ok para o ensaio, se precisam de algo... — sorri enquanto explicava — os meninos estão retornando de uma entrevista e em breve começaremos.
— Tudo certo! Se puder trazer aquelas garrafas d’água... — o baterista respondeu com um sorriso amarelo e eu afirmei, encarando aquele mundaréu de gente. Precisaria de algumas viagens para trazer o pedido.
— Claro, eu vou providenciar. Venho num minuto — informei gentilmente e me retirei da sala a passos rápidos.
Alguns segundos depois, ouvi alguém me chamar:
— ! — Me virei e senti um nervosinho na barriga.
— Jae-in! Oi! — Era o roadie gatinho que nunca tinha tempo para uma cerveja.
— O que faz por aqui na minha área? Dando um rolé? — ele perguntou com um sorriso ladino e eu ri educadamente.
— Nada, estou rodando tudo hoje. Vim confirmar se está tudo certo para o ensaio, e vou trazer água para o seu povo — brinquei, ajeitando a postura. Ele era gatinho mesmo, mas me sentia meio esquisita, por algum motivo.
— Quer ajuda? Acho que você vai precisar de uma mãozinha — Jae-in começou a caminhar do meu lado, sem aguardar uma resposta minha. Eu simplesmente acenei, ainda perdida.
— Muita correria? — ele perguntou novamente, e eu suspirei com um sorriso educado.
— Nem me fale… Acho que nunca estive tão cansada. E você?
— Acho que já me acostumei. É realmente muita pressão antes da turnê começar, mas uma vez que ela acontece, a segurança passa a dar lugar às incertezas.
— Mal posso esperar para ficar mais tranquila!
— Oh não, mais tranquila não. Menos desesperada, talvez!
Nós rimos com aquele comentário, e momentos depois alcançamos a sala com os mantimentos básicos. Consegui um carrinho de despacho e, juntos, colocamos três fardos de garrafas d’água, com Jae-in gentilmente realizando o serviço de frete enquanto comentava algo da sua rotina, recebendo algumas respostas rápidas e sorrisos tímidos meus.
Eu percebi que estava ansiosa, ainda com aquela sensação esquisita pairando em mim. Mas o que havia de errado?
Seria cansaço? Fome? Sono? Tudo junto?
Me concentrei no que estava fazendo, tentando entender o que poderia ser.
Encarei a pessoa ao lado, falante e animada. Eu não consegui acompanhar o que ele dizia exatamente, mas vi sua boca se mexendo empolgada, enquanto eu estava perdida no assunto, tentando entender o que diabos estava rolando comigo.
Reparei nele discretamente, e poderia afirmar que ele era uma pessoa agradável, tinha um bom papo, era educado. Mas…
Por que eu tinha a sensação de que aquilo não era tão legal quanto foi, semanas atrás quando Jae-in e eu nos conhecemos numa interação super descolada e despretensiosa?
De alguma forma, eu não me sentia mais tão animada em tomar uma cerveja com ele. E eu me pergunto o porquê, já que isso parecia ser novidade…
Sim, estava abarrotada de trabalho, mas fazia tempo que eu não me envolvia com ninguém. Mesmo que não significasse nada, talvez uma ficada fizesse bem para a rotina, né? Quer dizer, eu nunca fui a rainha do rodo, mas sempre tive alguém ali ou aqui para satisfazer os desejos da carne, como dizia vovó Kang.
Então o que é que havia de errado em Jae-in e naquele súbito desânimo em estar com ele?
Chegamos na sala de ensaio, e eu prendi a respiração quando vi que os rapazes já estavam ali com a banda. Conversavam entre si, rindo, testando os microfones, se alongando e se aquecendo.
Fiquei piscando inerte quando reparei em Jungkook; a cara de sono revelava que ele dizia a verdade nas mensagens que me enviou. Talvez tivesse caído da cama, mas isso não o deixava menos belo. O chapéu bucket, os cabelos cobrindo parte dos olhos, a presença das orelhas se fazendo apenas pelos brincos estilosos que usava...
A blusa branca, a calça de pescador com bolsos, o tênis all-star.
Ele era tão lindo, e não fazia esforço algum para isso!
Parei abruptamente quando senti o coração dar uma galopada no peito, e Jae-in franziu o cenho, parando o carrinho a alguns metros à frente.
— Tá tudo bem?
Não.
Não estava.
Quer dizer, acabava de ficar difícil, porque eu havia entendido aquela sensação esquisita no peito.
Eu estava com saudades de Jungkook.
— ? — Jae-in tornou a perguntar e eu pisquei vorazmente, o encarando perdida.
A aflição diminuiu, o incômodo estava indo embora. Tudo isso devido à presença de Jungkook.
Oh, merda.
Estava sentindo que caía numa cilada, então não estava tudo bem. Mas eu precisava que estivesse, uma vez que dependia daquele emprego, e daquele bem estar profissional para garantir minha sobrevivência.
Precisava engolir qualquer alarme dentro da minha cabeça sobre a relação que tinha com Jungkook. Era trabalho, no máximo uma amizade.
Tinha que ser!
Engoli a seco e respondi fracamente Jae-in.
— Está sim! É que me lembrei que não respondi um e-mail de carregamento... — disfarcei, retomando o foco que eu perdi.
— Ah, sim. Precisa de ajuda para entregar? — o roadie perguntou gentilmente e eu forcei um sorriso.
— N-Não! Só me ajude a colocar aqui no canto, pode ser? Eu distribuo.
Com um aceno e um sorriso galanteador, ele atendeu meu pedido com gosto, me ajudando a retirar do carrinho as benditas garrafas.
— Bom, está entregue, moça.
— Muito obrigada pela mão... Pelas mãos, quer dizer. Pode deixar que eu entrego para o pessoal — agradeci sorridente e ele se aproximou delicadamente, me olhando nos olhos.
— Então, você tem algum programa para hoje?
A pergunta ecoou na minha mente como se estivesse sendo feita por um megafone. Mais estranho que isso, só o fato de que Jungkook acabava de perceber minha presença, e seu olhar se fixou no meu, no mesmo momento que um sorriso convidativo pairou em seu rosto, automaticamente me fazendo sorrir também.
Eu estava tão fodida.
— É... — respondi mais pra mim do que qualquer coisa, e a risada sem graça de Jae-in me fez olhá-lo alarmada.
— Isso quer dizer que você está livre ou...?
— Hã? Quê? — balbuciava, olhando dele para Jungkook, que agora tinha um sorriso mais ameno, reparando no roadie ao meu lado.
Minha face esquentou, meu estômago revirou, e eu simplesmente queria sair correndo dali.
Meu Deus, eu tinha virado uma criança amedrontada com o primeiro dia de aula!?
— Então? — Jae-in moldou um sorriso, me chamando a atenção novamente.
Respirei fundo e sorri sem graça.
— Eu...
— Jae-in! Preciso que verifiquei o retorno. Está saindo muito agudo! — o baixista me salvou daquela sinuca de bico, e eu soltei o ar aliviada, mas disfarcei a cara e apenas mantive o sorriso amarelo.
— Hm, preciso ir. Se não tiver nenhum programa hoje, me avise, ok?
— O-Ok! — respondi, recebendo uma piscadela em resposta enquanto o roadie seguia para o seu dever.
Umedeci os lábios e comecei a me acalmar, vendo-o ir embora. Mas quando meus olhos encontraram os de Jungkook, ele me encarava com uma feição visivelmente desconcertada, com um sorriso estranho.
Talvez tivesse acompanhado aquela interação desastrosa entre Jae-in e eu, e minha total incapacidade em responder uma proposta. Céus, eu era patética…
Diante da mira do maknae, decidi acenar brevemente, tentando entrar no modo profissional e, com uma rapidez invejável, rasguei os fardos e disponibilizei as águas para todos, deixando os meninos por último.
Foi cumprimentando-os com a face mais tranquila que recebi o primeiro ‘oi’ do dia, e não poderia ser ninguém mais ninguém menos que ele.
— Ora, se não é a minha vencedora de Twister favorita? is in the hoooouse! — J-Hope me recebeu com um sorriso iluminado e aquilo aqueceu meu coração.
— Bom dia! Vejo que está animado, né? A entrevista foi boa? — perguntei, entregando as garrafas para os outros meninos, que agradeciam com breves acenos.
— Foi ótima, ele riu mais do que falou, enquanto Suga dormia praticamente sentado — Jimin respondeu, tendo sua garrafa roubada do rapper. — Ei!
— Em minha defesa, as coisas só poderiam funcionar depois das dez. Estou errado, ? — Suga me perguntou e eu ri, dando de ombros.
— Cuidado que ela pode te dar uma garrafada na cara se discordar de você. Sabemos que ela é dessas! — Jin brincou com um sorriso nos lábios, e se aquele desgraçado não fosse tão lindo, eu já teria feito o que ele havia sugerido, diretamente naquele rostinho de worldwide handsome dele.
— Eu sou uma eterna e grande piada para você, não é? — indaguei brincalhona, e Jin riu mais ainda, pegando a garrafa que ofereci. Taehyung se aproximou, interagindo na conversa.
— Entenda isso como uma bênção. Seu dia ainda não começou se ele não fez alguma piada. — O sorriso do rapaz me fez imitá-lo, e eu ainda não tinha me acostumado com seu jeito simples e belo de ser, admito.
— De nada, aliás — Jin retrucou, implicante, e eu ri incrédula com aquela fala.
Para total deleite de minha parte, o mais velho do grupo recebeu um tapa na nuca, dado pelo líder.
Sorri vitoriosa enquanto Jin reclamava da recepção de RM.
— Ah, qual é?
— Te falta diplomacia, Seokjinnie. Sinto muito por ele, — RM agradeceu cordialmente quando lhe entreguei a água, e eu dei uma leve curvada.
— Obrigada por entender. Eu sofro, como podem ver. Ninguém me trata bem nesse grupo! — fiz um pequeno drama, colocando uma garrafa no peito e fechando os olhos, recebendo risadas dos meninos, até que as mesmas foram interrompidas por uma pergunta crucial.
— Ninguém?
Todos pararam e olharam para Jungkook, que tinha uma sobrancelha arqueada e umedecia os lábios, parecendo desafiador.
O coro de “uuuuh” foi inevitável, e obviamente senti um iceberg na boca do estômago, enquanto as bochechas pareciam pegar fogo.
Nosso olhar parecia cintilar um sobre o outro, e eu intimamente brigava comigo mesma para agir normalmente.
Impossível.
Respirei fundo, dando um sorriso parcialmente derretido e pigarreei, dando de ombros.
— O perdedor do Twister até que é legal.
As risadas foram gerais, e, apesar do olhar cerrado, Jungkook sorria de forma cúmplice e adorável.
Como eu fazia.
Me aproximei devagar, tentando manter as cenas do meu sonho no fundo de minha mente, e engoli a seco antes de falar algo.
— Bom dia — a voz saiu baixa, e eu estendi a mão com a água.
— Bom dia. Chegou no trabalho a tempo? — ele perguntou, pegando a garrafa e nossos dedos se tocaram, aquecendo minha mão.
— Sim! Santo uber. E a entrevista? Foi boa? — segurei o resto das águas na altura do peito, sentindo o pé remexer.
— Foi sim. Mas eu estava terrivelmente sonolento. Pior que o Suga.
— Eu ouvi isso! — o cujo dito passou naquele exato momento, fazendo com que eu e Jungkook soltássemos pequenas risadas.
Ficamos nos olhando sem exatamente dizer nada, e logo RM chamou a todos no microfone.
— Vamos, pessoal?
— Vou deixar vocês trabalharem... — comentei sem graça, me retirando a passos lentos.
— Tá. Então... Bom trabalho!
— Bom ensaio!
Andei me arrastando, ouvindo os primeiros acordes de Not Today, e sorri involuntariamente.
Antes de sair, dei uma olhadinha para trás, recebendo um olhar e um aceno de Jungkook.
Eu repeti seus atos e saí porta a fora, fechando-a e me apoiando nela.
— Oi Deus, sou eu de novo... — comentei de olhos fechados, pedindo intimamente para...
Para o que mesmo?
Que aquilo não estivesse acontecendo?
Ou que tivesse alguma reciprocidade naquilo que eu sentia?
O celular apitou, com um pedido de Hyun-mee para ajudar num novo descarregamento de palco.
— Vou trabalhar que eu ganho mais...
(...)
Eu passei o resto do dia enchendo a cabeça de coisas relacionadas ao trabalho, para não precisar pensar nas sensações que aquela manhã me trouxe. Quer dizer, eu estava fugindo de uma DR comigo? Exatamente.
Decidi que não era hora, nem lugar para pensar naquelas coisas.
Imagine só! Se eu me dou conta de que estou nutrindo algo mais consistente do que uma amizade saudável permite… é adeus, trabalho!
E eu definitivamente não poderia me permitir aquilo.
Sem chances! Não, não mesmo.
Para minha falta de sorte, tive que acompanhar os meninos numa sessão de fotos no meio da tarde, ao ar livre, num parque lindo de morrer que ficava próximo à big hit.
Às vezes eu esquecia da proporção que o BTS tinha, já que a estrutura da sessão de fotos era algo bem bacana de se ver; as tendas totalmente equipadas com o material necessário, o empenho dos profissionais, e é claro; os meninos super dispostos, mesmo com uma agenda pesada de afazeres.
Tudo bem que me deu muita aflição ver tanta gente em cima dos meninos, fazendo tudo de uma vez; ajeitando o penteado, retocando maquiagem, o vestuário… Céus, e eles pareciam inabalados com aquilo!
Porém, o resultado era impecável.
Todos estavam muito lindos, iluminados e brincantes.
Basicamente, eu estava ali para ver todo mundo lindo diante de uma câmera fotográfica — e isso fatalmente incluía Jungkook.
Como podemos imaginar, eu estava tentando segurar as voltinhas que a boca do estômago dava, mas a verdade era cruel: eu não era capaz.
E ali, no meio de todo mundo, tinha ele. Aquele sorriso todo arreganhado de quem não tem vergonha em achar graça de algo bobo que Jin fez, aquele olhar que praticamente se fechava ao sorrir, a pequena e inconsciente levantada de ombros com as risadinhas, o som das mesmas…
Naquele exato momento em que me toquei do quão atenta estava àqueles detalhes, me chutei mentalmente, forçando o tablet contra minha testa e fechando os olhos.
Tanto esforço para não reparar nessas coisas e quando me distraio, é exatamente nisso que penso!? Cara, que merda eu andava comendo!?
— … ! — ouvi alguém me chamar e dei um pulo no lugar, tomando um susto com a Hyun-mee balançando uma mão na minha cara.
— Quê!? — chamei no impulso, arrancando uma risada de J-Hope, que era assessorado pela minha prima.
— Tá dormindo em pé, ? — A esperança do grupo me zoou e eu ri zombeteira. Ele sabia que eu não curtia que me chamasse pelo nome tão incisivamente, como havia feito.
— Não, Jung Hoseok! — Ele riu com a brincadeira e deu um joínha em minha direção.
— , confere para mim o número da blusa aqui. Essa está muito larga nele! — Hyun-mee pediu com certa urgência na voz e eu rapidamente acenei, conferindo os dados e mostrando a tela do tablet alguns momentos depois.
— Aqui. É essa medida? — indaguei, vendo a cara frustrada da minha prima.
— Sim! Está certo! Será que não mediram ele direito?
Nós duas olhamos para J-Hope, que tinha uma cara de quem “peidei, mas não fui eu”.
Franzi o cenho e coloquei as mãos na cintura.
— Por acaso o senhor está se alimentando direito, Jung Hoseok?
Minha prima me encarou com uma feição engraçada, provavelmente reconhecendo o tom “vovó Kang” que eu usei. J-Hope fez um bico, dando de ombros.
— Eu tô comendo normal. Mas é verdade que tenho treinado mais do que de costume… — coçou a cabeça num ato tímido e eu suspirei, flexibilizando a pose.
— Certo. Vamos fazer o seguinte? Vou conferir quando é a próxima consulta de vocês com a nutricionista e por hora, a gente pode tentar dar uns reparos paliativos na blusa. Vou chamar o estilista.
O sorriso iluminado de J-Hope me deixou mais tranquila, e eu intimamente era grata por ter sido “flagrada” por ele e minha prima ao estar desligada do mundo real, enquanto deveria estar atenta ao meu trabalho.
Cada vez mais tinha certeza de que Jungkook era o caminho para minha derradeira profissional.
Eu me sentia no quinto ano de novo. Patético, eu sei.
Felizmente conseguimos resolver a vestimenta do solzinho do grupo sem problemas, e a sessão de fotos se deu com muitas risadas, palhaçadas, e momentos extremamente desconcertantes: quando eles se concentravam em seduzir a câmera, atingindo a mim por conseguinte.
— Você está precisando de um babador.
— Só eu? — respondi a minha prima em português, e desviei a visão de Jungkook, que posava para mais um clique.
Desgraçado lindo da porra!
— Eu admito que às vezes o trabalho é difícil, mas você se acostuma, priminha! — A divertida voz de Hyun-mee me fez sorrir, e eu a olhei com a sobrancelha erguida.
— Me pergunto o que você faz para disfarçar…
— Ah, eu sonho muito, né? — Automaticamente, seu olhar passou pelo líder do grupo e ela deu de ombros, dando uma mordidinha no lábio que me fez rir.
— Você é podre!
— Ah, qual é! Isso não é violar nenhuma regra!
Eu continuei rindo, tirando uns fios de cabelo da frente do rosto enquanto a brisa batia.
Alguns cliques depois, o fotógrafo liberou Jungkook, que se encaminhou para o vestiário, trocando de roupa. Pelos meus cálculos, era o último que faltava das sessões individuais, o que talvez significasse o fim de expediente.
Minhas suspeitas se demonstraram assertivas quando Hye-jun nos chamou com as mãos, e reuniu a equipe dentro da tenda. Logo depois os meninos chegaram, com as roupas que vestiam anteriormente. Apesar de tentar conter meu nervosismo, fiquei irrequieta ao perceber que Jungkook estava a um metro de mim, se ajustando na roda.
O fotógrafo estava com a câmera no pescoço e sorria alegremente, enquanto iniciava seu discurso.
— Quero agradecer pelo empenho de todos, pessoal! Vocês foram incríveis, a atmosfera é sempre muito agradável e produtiva. Desejo uma ótima turnê ao BTS, e mais uma vez agradeço pela opor—
— SASAENG! — O berro veio de um segurança de fora da tenda.
As coisas aconteceram muito rápido, e meu coração palpitou forte enquanto eu me situava.
Olhei ao redor totalmente em alerta, e percebi que a garota vinha rápido pela entrada secundária da tenda. Arfei ao perceber o quão rápido se aproximava, correndo em direção aos meninos.
Não havia nenhuma pessoa entre ela e o mais próximo da entrada, que era ninguém mais, ninguém menos que Jungkook.
De todos os staffs, eu era a mais próxima deles; tanto do maknae, quanto da garota.
Então, eu simplesmente agi, sem pensar nas consequências.
Larguei o tablet, que fez um som oco ao chocar-se com o chão de grama, e corri em direção à intrusa, servindo de escudo para Jungkook, tentando pará-la.
Quando percebeu minha intenção, ela intensificou na corrida e jogou-se em direção ao k-idol, que olhava tudo muito assustado.
Sem pestanejar, fiz o mesmo que ela.
E assim, quando me joguei entre ela e Jungkook, recebi todo o impacto de seu corpo quando se chocou ao meu, e nós duas caímos igual jaca podre no chão; eu, tentando impedí-la de atacar alguém, e ela, se debatendo, me arranhando, puxando meu cabelo para que eu desistisse daquilo, enquanto gritava o nome dos meninos.
Sim, eu estava no quinto ano novamente, sem sombra de dúvidas.
Com aquele tumulto todo, eu consegui segurá-la até que os seguranças nos alcançaram segundos depois. A bicha era realmente forte, e se debatia como um peixe fora d’água.
Conforme ela era levantada pelos armários guarda-costas, eu comecei a sentir um alívio sem o peso da sasaeng, ou suas tentativas de me atingir.
Mas era cedo demais, e Murphy ria da minha cara naquele exato momento, pois a cretina, ao se debater, lançou um chute que atingiu diretamente o meu nariz.
E ali, eu vi estrelas.
Uma sensação quente descia pelas narinas, o que eu julgava ser sangue. Pelo gosto ferroso que logo encontrou minha boca, eu não tinha dúvidas.
As lágrimas caíam livremente, devido a região atingida.
— Filha da puta… — falei em português, sentindo a cabeça pesar.
Quando pensei que bateria diretamente no chão, senti alguém segurando-me com precisão e cuidado, me chamando com urgência.
Apesar da visão turva, percebi que era Jungkook que falava comigo, com o olhar arregalado.
Mas eu não conseguia responder.
A última coisa que eu lembro de ter pensado foi o quão tonta eu estava. E o quão inevitável foi não ver mais nada.
Capítulo IX - Dope
— Como isso foi possível? É inadmissível uma coisa dessas!
— Calma, Jungkook, respira... Nós estávamos num ambiente público, isso pode acontecer.
— É, cara. Jimin tem razão. Por mais que tenhamos isolado a área, você sabe que estamos sujeitos a esse tipo de situação.
— Não, não pode ser assim, Taehyung! Simplesmente não dá!
— Eles não estão dizendo que o que aconteceu foi normal, Jungkook. Só estão comentando que há uma pequena possibilidade, e infelizmente foi o que aconteceu.
— Eu concordo, J-Hope. Entretanto, Jungkook está na razão de ficar assim. A sasaeng não só invadiu o local, como conseguiu furar a segurança e ainda faz uma coisa dessas? Não é só um acaso, compreende? É uma sequência de falhas.
— Sim! É disso que estou falando, Namjoon. levou um chute na cara, depois de literalmente rolar pelo chão, recebendo puxões de cabelo e arranhões pelo corpo… Fazendo um trabalho que não era dela! Vocês não veem o perigo? Poderia ter sido qualquer um de nós… Na verdade, era para ter sido eu, mas ela me socorreu no último segundo!
A princípio, achei que estivesse sonhando. Mas eu estava de fato despertando, principalmente ao ouvir aquela conversa acalorada que acontecia bem perto de mim.
Forcei meus olhos a se abrirem, e uma luz branca acoplada ao teto foi a minha primeira visão.
A segunda foi o queixo de Jungkook bem diante dos meus olhos. Percebi que sua feição estava endurecida, ao reparar no maxilar tensionado, consequentemente destacando o rosto delineado e harmônico que o Maknae possuía.
Bom, por pouco não levava em consideração a ideia de ter morrido e ido para o céu, com uma visão angelical daquelas.
— Olhe! Ela acordou! — Ouvi a voz de Jimin comentar.
E então, o rosto do anjo se virou para mim, e seus olhos arregalaram ao entrarem em contato com os meus.
A minha mão foi apertada subitamente, e ali eu percebi que se tratava de Jungkook.
— !? Você está bem? Como está se sentindo? Está com dor? Precisa de alguma coisa?
— Tem três fiapos de barba crescendo no seu queixo… — eu pensei alto demais, e só notei a situação em que me colocava quando as bochechas do caçula se tornaram rubras, e o som de gargalhadas preencheu o ambiente.
Por favor, me digam que eu não tinha cometido aquela gafe.
— A está ótima, pelo visto! — J-Hope comentou risonho e Jin logo complementou.
— A pergunta que não quer calar: prefere que retiremos os fiapos de barba na pinça ou na gilete?
Se eu estava zonza pelo acontecido? Certamente. Mas com o aumento das risadas, eu me senti mais confusa com o tanto de sensações que meu corpo sofria: dores, frio na barriga, vergonha e uma súbita vontade de enfiar a cara num buraco depois da minha fala nada elegante.
Olhei para Jungkook e vi como ele estava sem graça, passando a mão pelo queixo como se estivesse sentindo os pêlos.
Ótimo, agora eu era uma megera reparadora de detalhes alheios de k-idols.
Eu merecia a misericórdia do universo, nem que fosse por pena.
Encabulada, murmurei um resmungo ao sentir a garganta seca. Fiz menção de me sentar e a mão que segurava a minha logo se posicionou em meu ombro, impedindo meus movimentos e cessando as risadas.
— Ei, vai com calma, está bem? Foi um belo de um chute — Jungkook me alertou e eu tentei sorrir gentilmente, mas logo me arrependi com a dor no meio da cara.
— Ai! — reclamei com a voz rouca e toquei o nariz com a ponta do meu dedo. Estava tudo tão sensível!
— Talvez você queira pegar leve nos sorrisos também — Jin comentou amigavelmente e eu suspirei, me sentindo incapaz de qualquer coisa.
Toquei a mão de Jungkook e o olhei carinhosamente, assentindo que não iria tentar me levantar de maneira tão abrupta. Devagar, sua mão deslizou do meu ombro até abandonar o local, e eu me sentei na superfície aconchegante.
E assim reparei que não estava no chão de gramado; estava numa parte da tenda, reservada, num sofá confortável que poderia ser facilmente substituído pelo que eu tinha em casa.
Hyun-mee veio até mim com um lenço, analisando meu nariz com delicadeza, enxugando meu buço com igual cuidado.
— Parece que parou de sangrar. Só tem alguns resquícios. Mas que susto, hein! Aquela garota endiabrada parecia ter quebrado o seu nariz — ela comentou, dobrando o lenço e deixando em minhas mãos, para eventual sangramento.
— Ela está bem? — perguntei com a garganta arranhando, e Huyn-mee arfou do meu lado, me olhando com surpresa. — O que foi? — e olhei em volta, percebendo o olhar de todos sobre mim.
— Você levou um chute na cara e ainda se preocupa com ela? Você é muito fofinha, cara — minha prima falou o que parecia ser óbvio e eu apenas dei de ombros, me sentindo meio idiota.
— Você viu o tamanho dos seguranças? Eu teria medo — respondi sincera, e pigarrei.
— Você não existe, ! — Jimin comentou sorridente e eu fiquei sem graça, prendendo os lábios numa linha fina.
— Vou buscar uma água — Hyun-mee respondeu com um olhar amigável, e saiu do local a passos largos.
— Sei lá. Às vezes a pessoa não está tão bem de cabeça… — comentei enquanto pensava sobre o assunto. — E não sei se ela estava ciente do poder dos seguranças.
— Que pelo visto, não existe — Jungkook sussurrou irritado, e eu o encarei na hora, sem saber se ficava surpresa pela sua resposta ou se achava graça do pequeno bico que brotou em seus lábios ao dizer aquilo.
— Ei, também não é assim! — Jin chamou sua atenção e o maknae fechou a cara, olhando pro mais velho.
— E como é, então? Olha o estado dela! — O mais novo apontou pra minha cara, e eu automaticamente me senti exposta.
— Estou muito horrível? — perguntei num choramingo e Jungkook começou a gaguejar, tentando consertar sua fala.
Alguns risinhos ocuparam o ambiente e Hyun-mee apareceu com uma garrafa d’água, abrindo para mim e entregando em minhas mãos.
— Bebe tudo — ela orientou num tom imperativo e eu assenti, pois estava com muita sede.
Depois de matar mais da metade da garrafa, RM se pronunciou.
— , eu não tenho palavras para expressar a vergonha diante dessa situação. Eu entendo que os meninos estejam falando dos imprevistos, mas foi um caso sério. Você se sacrificou por nós e não poderíamos ser mais gratos. Diariamente você demonstra seu empenho no trabalho, muito além das atribuições que lhe competem. Te garanto que faremos de tudo para que isso jamais aconteça novamente.
Nesse momento, Hye-jun entrou na tenda como um foguete, se aproximando de mim com os olhos atentos.
— ! Como está? Está sentindo alguma coisa? O médico já está chegando para lhe fazer um exame clínico, e daqui iremos para um hospital. Pelo telefone, ele já nos atentou para a necessidade de alguns exames de imagens, então fique tranquila que já estamos garantindo tudo isso. Quanto à segurança, estou em contato com o responsável pelo setor. É inadmissível uma situação dessas… Precisa ser visto para ontem! — ela comentou com verdadeira indignação, e eu engoli a seco, pois nunca tinha visto Hye-jun daquele jeito. Pelo visto, ela era mesmo a profissional dedicada que sempre demonstrou ser, e abraçava sua equipe como uma família.
— É importante que seja visto mesmo, Hye-jun. Aconteceu com ela, e já foi caótico o bastante. Demos sorte que aparentemente ela está bem, na medida do possível. Mas são erros que não podem acontecer, já passamos dessa fase. — RM apontou para mim, e me olhou por um instante, logo voltando para Hye-jun. — Estava justamente falando da sorte que demos ao ter em nossa equipe. Mas não podemos contar que cada funcionário faça coisas muito mais além do que o emprego exige. Essa não é a função dela. Apesar de se mostrar incansável e sempre à disposição, não é certo que ela corra riscos como este porque a segurança deixa de fazer o seu trabalho. Foi uma falha grave, e isso precisa ser levado em consideração urgentemente. Se fosse um de nós do grupo, a mídia cairia em cima e você já sabe como o circo estaria armado e pronto para um belo show de horrores…
Hye-jun respirou fundo, concordando com a fala de RM, que dizia tudo de maneira polida e direta. Tão lúcido quanto poderia ser; como o virginiano focado que era.
— Estou ciente e agradeço sua fala. Sei que precisamos melhorar sempre, mas este ponto, como bem disse, é inaceitável. Já solicitei uma reunião com o chefe de segurança e os outros supervisores. Tomaremos as medidas necessárias, eu lhe dou minha palavra. — E então, Hye-jun me olhou com um sorriso culpado. — Para ele e para você, . Agradeço pela dedicação de sempre e sinto muito que isso tenha ocorrido, de verdade. — E por fim, arqueou rapidamente seu tronco para frente, num gesto honroso e respeitoso.
Eu umedeci os lábios, sentindo-me sem graça diante da tensão que reinava na atmosfera.
— Imagina, Hye-jun. Fiz o que precisava ser feito, mas sou grata pela sua compreensão e seu comprometimento, de coração.
Ela acenou com um pequeno sorriso que logo deu lugar à face séria de sempre, ao receber um chamado pelo fone de ouvido.
— O médico chegou! Vou acompanhá-lo até aqui, um momento. — E se retirou com brevidade.
Os rapazes se entreolharam, e Namjoon respirou fundo, unindo as mãos diante de si.
— Vamos deixar que o médico trabalhe, não é, pessoal? — E olhou em volta, recebendo um aceno de todos, menos de Jungkook, que olhou sério para seu líder.
— Eu prefiro ficar… Se estiver tudo bem — e me olhou preocupado. Eu engoli a seco, tentando parecer tranquila.
— Jungkook, não precisa… — respondi com leveza, mas ele negou com a cabeça, sem tirar os olhos de mim.
— , por favor. É o mínimo.
Ficamos nos encarando, e eu senti o coração palpitar dentro do peito, pela forma que aquele contato visual causava efeitos estranhamente prazerosos em mim.
Eu poderia estar viajando, mas naquele momento, não me sentia apta a racionalizar nada, então apenas concordei com um breve aceno, deixando-o visivelmente mais aliviado, ao julgar pelos ombros que relaxaram quase que instantaneamente ao ouvir minha resposta.
— Bom, o resto de nós vai estar lá fora. Qualquer coisa, grite por nós, girl! — J-Hope comentou alegremente, colocando as mãos nos ombros de Suga e o encaminhando para a saída. Pouco a pouco os meninos se retiraram, só ficando no local eu, Hyun-mee e Jungkook.
Eu bebi mais água, apenas para fugir da sensação de vergonha por ter um Jungkook tão solícito ao meu lado, enquanto Hyun-mee mexia em seu celular, um pouco distante de nós.
Não conseguimos falar nenhuma palavra a mais, e, para a nossa sorte, não precisamos quebrar aquele clima, já que o médico atravessou a entrada, vindo direto em minha direção.
— Boa tarde, boa tarde! ? — Perguntou educadamente e respondi com um aceno. — Certo, vamos fazer um exame clínico? Preciso que me relate exatamente o que aconteceu. Mas já adianto que, pelo que soube do telefone, é interessante fazermos exames para descartar possíveis questões. Sente sono, apresentou vômito, dor em outro local sem ser o nariz?
Neguei rapidamente, enquanto o médico colocava luvas e pegava uma lanterna para analisar o estrago, erguendo meu queixo levemente.
— Dificuldade ao respirar?
— Não.
— Visão ok? — Questionou ao analisar minhas pupilas, e eu pisquei algumas vezes, aturdida.
— Acho que sim.
O doutor fez mais perguntas, algumas eu expliquei, outras minha prima o fez. Jungkook ficou o tempo todo ao meu lado, sério, e eu nunca tinha visto o caçula do grupo tão atento. Tanto que precisei despertar dos meus devaneios quando o médico me chamou.
— Então, . Vamos andar de ambulância?
— Quê!? — perguntei, franzindo o cenho. — Não acham exagerado?
— Não — Jungkook respondeu naturalmente e eu o olhei confusa. Ficamos nos encarando, e Hyun-mee pigarreou, chamando minha atenção.
— Hye-jun que solicitou, prima. Impossível ir contra aquela mulher. — A última frase, ela disse com a voz mais baixa e eu quase ri de sua careta.
— E ela está certa. Não sabemos o que está acontecendo exatamente — completou o Maknae, explicando algo que lhe parecia óbvio, me trazendo para a realidade.
Suspirei ao encarar o médico, que me sorria gentilmente.
— Você pode contar essa história aos netos, no futuro.
Todos rimos diante do dito, mas eu novamente me arrependi, segurando a base do nariz.
— Ai!
Sob alguns olhares, só restou suspirar e me render à ambulância.
(...)
— Desfaz essa cara, .
— Eu não vou nem te responder, Hyun-mee.
— Você já está respondendo, idiota. E vamos, pare de criancice! Você sabe que aqueles exames eram necessários!
— Eu precisava ficar com essa roupa de hospital que deixa minhas partes todas livres e visíveis!? — reclamei com minha prima, que prendeu porcamente uma risada. Peguei um dos travesseiros atrás de mim e bati nela, que logo parou de rir.
— Ei, dá para parar com a violência?
— Se você levar minha irritação à sério, quem sabe?
Nós duas nos olhamos, e ela acabou sorrindo vindo me abraçar.
— Você não mudou nada, prima.
— Como assim?
— Continua odiando hospitais.
Suspirei, fazendo um bico com os lábios, antes de respondê-la.
— Eu já tinha superado isso. A merda é esse avental escroto aqui. Na frente do Jungkook!
Hyun-mee me encarou com a sobrancelha arqueada.
— Do Jungkook, é?
— Você é ridícula, cara — comentei, fingindo naturalidade. — Não tem nada a ver. É sobre qualquer um, ok? Ele é o único que está aqui, apenas. E não é alguém que eu gostaria que me visse assim!
— Não é? Você não gostaria que ele te visse sem roupa? — Ela atiçou, fazendo caretas exageradas e eu suspirei, me sentindo num misto de impaciência e vergonha.
— Esse não é o ponto! Por que estamos falando disso, hein?
Hyun-mee começou a rir e eu rolei os olhos, fingindo ignorá-la. Mas, ela também era uma Kang, o que significava que eu falharia totalmente na minha missão.
— E daí se ele visse algo, ? Fala sério, ele é idol mas você é a maior gatinha! Tem que ter orgulho do mulherão que você é! Ajoelha e agradece a Deus pelo rabetão que tu tem!
Fiz uma força descomunal para não rir, mas foi mais difícil do que eu pensava, principalmente quando ela falou de “rabetão”. Exagerada como sempre!
— Sério, eu que recebo um chute na cara e você que fica fora de si!?
— Eu só estou tentando quebrar o gelo, sua chata… — ela se defendeu com uma voz estranha e eu a olhei surpresa. Ela estava preocupada?
— Tá tudo bem? — perguntei, tentando olhar nos olhos de Hyun-mee, que fugia de mim, dando de ombros e rindo nervosa.
— Tá, ué. Agora tá — e finalmente me olhou, com uma feição sensível. Eu sorri levemente e puxei sua mão, trazendo-a mais para perto.
— Prima… Eu to bem. Sério.
Hyun-mee soltou o ar dos pulmões e segurou a base do nariz enquanto fechava os olhos, como se estivesse exausta por segurar aquela onda de sentimentos por tanto tempo.
— Porra cara, você não faz ideia do quanto eu queria dar uma voadora naquela garota!
Eu ri levemente, segurando o nariz para doer menos. Funcionou um total de zero por cento, mas fingi plenitude enquanto respondia.
— Relaxa, já passou. Aconteceu e eu estou bem, é o que importa.
— Eu prometi à vovó que cuidaria de você, entende? Isso é importante para mim… — ela confessou, limpando o canto do olho esquerdo com a mão levemente trêmula. Sorri com sua dedicação.
— Eu sei e reconheço isso. Fico muito feliz com sua atitude, mas acredite: eu estou bem. Já pode relaxar, não há nenhum perigo aqui, certo?
Nos olhamos por um tempo, até que ela acenasse com a cabeça, me abraçando logo em seguida.
— Você me assustou.
— Me desculpe.
— Não… Não é isso. — Ela suspirou, retomando a calma aos poucos e me olhou com seriedade. — Eu sei que você é super dedicada, mas da próxima vez, deixe que os seguranças façam o trabalho deles, tá?
Nós nos olhamos por um tempo e eu concordei com um aceno.
— Eu na verdade estava querendo uma licença por acidente de trabalho, você vê… — eu mandei uma brincadeira esfarrapada que nos fez rir, e por fim, eu já tinha desistido de segurar meu nariz, aceitando a dor como prêmio do meu ato de heroísmo e deixando a risada fluir mais levemente.
Encostei no travesseiro, pensando no bom tratamento que recebi por causa daquele ato praticamente impensado. Um raio x, exame de imagem da cabeça, para tirar qualquer dúvida, e ainda fiquei com uma consulta marcada no oftalmologista para ver se estava tudo bem com os olhos, mesmo tendo confirmado o bem estar da visão ali, no hospital.
O doutor entrou no quarto, a passos rápidos, com um sorriso alegre.
— Boas notícias, ! Conforme suspeitava, não temos nenhum perigo acontecendo com você. Está liberada para ir para casa, ok? Mas preciso que faça repouso por três dias, porque a face é um local muito sensível e você provavelmente ainda sentirá dores, sendo um tanto desagradável manter as atividades laborais nesse estado. Não queremos novos acidentes, não é?
— Mas três, doutor? No plural? Eu…
— Pode deixar, doutor. Ela vai repousar sim! — Hyun-mee me beliscou e eu repreendi um pequeno grito, me soltando dos dedos pinçados de minha prima.
— Eu preciso que você siga as recomendações médicas, . Aproveite esses dias para fazer a consulta no oftalmologista, e principalmente, descansar e deixar que seu corpo se recupere. A região do nariz é muito vascularizada, então o repouso é necessário para que você não trabalhe com dor, não tenha possíveis sangramentos por estar trabalhando, e também evitando que um novo trauma lhe atinja no local. Acredite, sempre há uma oportunidade de acontecer e isso seria bem doloroso. Não queremos isso, certo? Vá para casa, descanse, e em breve estará nova em folha!
— Obrigada por tudo, doutor — respondi envergonhada, enquanto me levantava da cama.
— Imagine, apenas fiz o meu trabalho! Tenha uma boa noite.
— Igualmente! — eu e Hyun-mee respondemos em uníssono, e ela estava entregando minhas roupas quando o doutor voltou, colocando uma cabeça para dentro do meu quarto.
— Ah, e por favor, queira levar meus agradecimentos ao seu companheiro. Ele é muito gentil, certamente minha esposa vai adorar a cesta de café da manhã que acabaram de entregar, junto com aquela dedicatória feita por ele. Não fiz nada além da minha obrigação, mas a gratidão é sempre muito bem-vinda. Obrigado pelo gesto!
E assim, sem mais nem menos, saiu do quarto. Eu e Hyun-mee nos entreolhamos, e fui a primeira a quebrar o silêncio.
— Cesta de café da manhã? Companheiro?
— Jungkook? Só pode ser ele…
— Por quê?
— Porque ele ainda está lá fora, te esperando.
— É sério? Mas se passaram umas duas horas desde todos os exames! — comentei, surpresa.
— É, bem… Ele ainda está lá fora.
— É?
— É!
— … Ah — respondi enquanto tirava aquele avental escroto, escondendo meu nervosismo ao ficar de costas para Hyun-mee. Ela por sua vez, trancava a porta do quarto, a fim de evitar visitas surpresas enquanto eu trocava de roupa.
— Você está sem graça? — ela voltou a passos largos, me dando um tapinha no braço e eu rolei os olhos, puxando a calça jeans para cima.
— Não estou sem graça!
— Está sim! — Hyun-mee disparou, colocando uma mão na boca enquanto ria levemente. Eu vesti minha blusa em tempo recorde, reunindo o pouco de paciência para não rolar no chão pela segunda vez naquele dia, com uma garota.
Peguei minha bolsa, selecionei alguns itens de higiene e fui ao banheiro. Já que Jungkook se encontrava ali, não queria parecer pior do que já estava. Retoquei o perfume, ajeitei o cabelo, escovei os dentes e verifiquei se o desodorante estava em dia — e estava, para minha felicidade.
Meu rosto estava bastante inchado, e meu nariz parecia uma pintura de filme de terror. Entretanto, não me ative a isso e, tentando me sentir menos pior, passei um batom que deixou minha cara mais saudável, felizmente.
— Vamos? — perguntei para minha prima, colocando a bolsa no ombro. Ela estava encostada na parede, com os braços cruzados, me olhando por inteiro.
— E essa produção?
— Eu posso me sentir menos miserável, já que estou com a porra de uma pintura de Salvador Dalí no lugar do nariz, não acha?
Ela gargalhou alto e me abraçou de lado, enquanto andávamos em direção a porta.
— Então não tem nada a ver com o idol lá fora, não é?
Eu parei com a mão na maçaneta e dei meu pior olhar maníaco.
— Eu posso seguir o exemplo da sasaeng e seremos duas primas de narizes machucados, o que acha?
Hyun-mee riu com os braços pra cima e assumiu a derrota, fingindo passar um zíper na boca. Agradeci mentalmente e segui porta afora, andando pelo corredor do hospital.
Alguns passos depois e eu percebi a figura sentada ao lado da máquina de refrigerante. Ele apoiava os cotovelos nas coxas e tremia uma perna de maneira acelerada, como se estivesse ansioso. Seu semblante era de quem pensava em muita coisa, enquanto encarava o chão.
Quando estava suficientemente perto, sua cabeça se ergueu e enfim, nossos olhares se cruzaram. Ele se levantou na hora — surpresa e alívio se misturavam numa feição ingênua e adorável, e eu sorri levemente com aquela visão que ele me proporcionou.
— ! Você está bem? Já foi liberada? Como está se sentindo? — perguntou tudo de uma vez, segurando meus ombros sutilmente enquanto passava os olhos por mim, verificando se tinha algo fora do lugar.
Suas narinas se alargaram e, após inspirar profundamente, ele encarou meu rosto, percebendo a cor dos meus lábios. Por fim, deu um sorriso mais tranquilo e, colocando as mãos no bolso da calça, completou sua fala.
— Me parece que está melhor…
— Sim, estou — respondi, toda cagada de amores por ver que ele tinha reparado na minha tentativa de parecer bonitinha.
— Agora é só seguir as indicações médicas — Hyun-mee respondeu num tom de vovó Kang e, para minha surpresa, Jungkook completou da melhor forma possível.
— Um antiinflamatório de oito em oito horas, um remédio em caso de dor, repouso e observação para saber se vai apresentar qualquer sintoma como dor de cabeça, vômito, sono repentino… E você tem uma consulta marcada com o oftalmologista, não é? — Eu e Hyun-mee confirmamos com um aceno robótico e eu fiquei olhando para o k-idol um tanto surpreendida. — Mais alguma coisa? — ele perguntou, quando percebeu o silêncio.
— N-não, eu acho… — falei igual uma criança amedrontada, enquanto minha prima acrescentava minha fala.
— Perfeito! Com uma memória dessas, você poderia facilmente trabalhar como staff também. Me avise se um dia estiver de bobeira!
Nós rimos com a fala de Hyun-mee, que logo engatou numa despedida.
— Bom, é isso. Muito obrigada pela sua prestatividade, Jungkook. Acho que agora podemos ir para casa e… oh merda! — Hyun-mee bateu na testa e eu a olhei confusa.
— O que foi? — indaguei o óbvio, vendo o homem ao meu lado assumir sua versão Jungshook, esperando tanto quanto eu que Hyun-mee falasse logo.
— Não tem nada em casa. A gente ia fazer compras hoje, lembra? — ela falou com voz baixa, não querendo expor nossa situação.
— Ai, merda… — falei baixinho, trocando olhares com Hyun-mee. — Então vamos ao mercado…
— Não! — ela e Jungkook responderam juntos, e eu olhei assustada para o idol, que me olhava como se eu tivesse dito um absurdo.
— Por quê? — praticamente sussurrei e Hyun-mee rolou os olhos, enquanto Jungkook explicava seriamente.
— Você tem que descansar, . Não dá para ficar fazendo essas coisas…
— Mas… Eu já estou bem — respondi quase como uma criança e o rapaz diante de mim sorriu com pesar. Já Hyun-mee respirou fundo e falou mais rápido do que de costume.
— Eu juro que te entendo, mas se você não sossegar esse facho durante esses dias, eu prometo que você vai se arrepender de despertar meu nível vovó Kang, .
Eu a encarei assustada enquanto Jungkook ria baixinho daquela cena.
— Vovó não passaria essa vergonha na frente das pessoas, prima.
— Por isso mesmo que comigo é pior!
Nós três nos entreolhamos e desatamos a rir daquela situação nada elegante.
— Ai — reclamei, colocando meu dedo indicador na ponta do nariz, e novamente obtive preocupação das pessoas ao meu redor.
— Para de rir, cara! — Hyun-mee reclamou e eu rebati.
— Para de me fazer rir!
Ela mostrou a palma da mão aberta e eu fechei a minha, fingindo ir em direção ao seu rosto. Esse ato fez com que Jungkook gargalhasse e nós duas o encaramos.
Ele fez uma careta de culpado e deu de ombros.
— Desculpa, é que… Vocês são muito engraçadas.
Eu pisquei fortemente, coçando a nuca enquanto tentava esconder o meu sorriso sem graça e Hyun-mee se recompôs ao meu lado.
— Bom, vamos para casa? Eu posso pedir algo para a gente comer e vou ao mercado.
— Mas você não quer ajuda? Eu posso…
— Eu posso ajudar — Jungkook interviu, educadamente — Eu posso levar vocês em casa e ajudar no mercado, se quiserem. Quer dizer, não nessa ordem, e também se não for incomodar, porque…
Ele estava bem tímido e atrapalhado, mas continuou a se explicar. Eu dei uma pequena risada e encarei Hyun-mee, sem saber o que fazer, mas a danada já estava com a resposta na ponta da língua, e o interrompeu delicadamente.
— Que tal você se juntar ao lanche conosco? Podemos passar no mercado perto de casa, eu faço as compras da semana bem rápido enquanto vocês aguardam no estacionamento e depois podemos comer algo gostoso. A cozinha fica por minha conta hoje! O que acham?
Eu engoli a seco com aquela proposta, sentindo um revirar na boca do estômago. Já Jungkook abriu um grande sorriso e ergueu rapidamente os ombros, concordando com um movimento de cabeça.
— Por mim tudo bem! Se não for problema…
Os dois me encararam e eu os olhei dividida, pensando em toda aquela situação de estender relações profissionais para o nível pessoal. Eu tinha um dever a ser honrado, era verdade, e me sentia estranha com aquela situação, porque uma parte de mim estava bem animada com aquilo, enquanto a outra prezava pela ética profissional.
Mas era só um lanche, certo? Após o expediente, depois de um dia muito conturbado. Não deveria ser um problema!
Além do mais, eu estava tão cansada, com fome, e céus, o carro do Jungkook com poltronas confortáveis parecia me convencer mais do que tudo!
Por isso, suspirei ao ajeitar minha postura e dei meu pitaco.
— Pizza?
(…)
— Sim, Hye-jun, está tudo bem… — Minha prima respondia a ligação da chefe no banco de trás, enquanto eu seguia com Jungkook na frente. Eu estava naquele carro novamente, me sentindo profundamente confortável desde que acordei.
Ou quase isso, uma vez que o nariz latejante me mostrava que eu poderia estar em melhores lençóis.
— Hye-jun está preocupada. Me mandou várias mensagens enquanto estávamos no hospital — o maknae comentou enquanto fazia uma curva com uma única mão.
Preciso dizer o quanto aquilo foi sexy sem necessariamente ter um contexto sexual?
Ou eu estava chapada demais de analgésicos?
— Eu imagino — respondi com a metade do cérebro pensando no assunto. A outra estava contemplando a belezura que era vê-lo dirigir.
— Sua prima também — ele falou mais baixinho, e eu mordi o lábio inferior, olhando Hyun-mee pelo retrovisor.
— Sim, só uma consulta de rotina, para garantir. É oftalmologista mesmo. Sem problemas, vamos reorganizar as agendas para caber nesses dias, eu posso ficar com a parte dela caso tenha algum compromisso inadiável.
— Ela é maravilhosa — respondi com sinceridade, sentindo o peito aquecer pela gratidão de ter uma prima-irmã ao meu lado, enquanto olhava seu nítido cansaço no rosto, mas a voz seguia profissional e suave como sempre.
Meus olhos vagaram dela para Jungkook e eu pude percebê-lo me encarando com um olhar contemplativo, enquanto estávamos parados no sinal.
— O que foi? — perguntei curiosa, e ele piscou como se despertasse de um sonho.
— Hã? Ah, nada, nada. — E reparou no sinal aberto, dando seguimento à viagem — É bacana ver a relação de vocês e o afeto. Só isso.
— Ah… É, somos unidas — respondi com um pequeno sorriso, voltando a olhar para frente.
— Sem problemas, eu agradeço sua preocupação. Tenha uma boa noite também, bom descanso — Hyun-mee se despediu, desligando a ligação e respirando fundo. — Hye-jun estava perguntando de você. Amanhã você manda uma mensagem para ela, tá? — disse em tom de voz maternal e meu sorriso alargou.
— Ok, vovó Kang.
Nós três rimos e, minutos depois, chegamos ao mercado. Jungkook estacionou na vaga numa única tentativa (de primeira!) e eu reparei naquilo como uma criança vendo um espetáculo.
A questão é: mais um item para acrescentar na pasta de “Coisas que Jungkook faz que eu acho sexy.”
— Parece que não está tão cheio — comentei ao observar o local.
— Bom, eu vou lá rapidinho, prometo não demorar. Algum pedido especial?
— Sorvete!
— Espera aí, o de flocos já acabou? — ela perguntou assustada e eu cocei a nuca, ouvindo Jungkook rir. — Você é uma formiga!
— Você tem que entender que certas séries não se assistem apenas chorando. Precisam de um acompanhamento, e o sorvete é um deles, ok?
— Um deles!?
— Talvez seja interessante acrescentar milho de pipoca na lista de compras… — falei com uma voz angelical e minha prima riu enquanto abria a porta, saindo do carro sem nem dizer nada.
Eu e Jungkook nos olhamos cúmplices e ele quebrou o silêncio com um sorriso e uma voz grave.
— Eu sei que já disse isso, mas vocês são realmente engraçadas.
— Está no nosso DNA — dei de ombros e suspirei, vendo Hyun-mee pegar um carrinho ao longe e entrar no mercado. — Mas estou preocupada com ela. Sei que está cansada e está escondendo o nervosismo pelo que aconteceu hoje.
— Foi um susto, . Um baita susto. Acho que ninguém ficou tranquilo, para dizer a verdade… — o tom de voz mudou, e eu senti tensão na fala de Jungkook. Virei meu rosto para vê-lo, e confirmei minhas suspeitas.
— Você também?
Os olhos, que estavam baixos e perdidos, me olharam imediatamente, e sua expressão indicava urgência.
— Bastante — ele respondeu, soltando o ar com uma risada nervosa e eu segurei minhas mãos entre si. — Aconteceu tudo tão depressa, e você agiu sem nem pestanejar… Eu fiquei assustado.
— Ficou?
— Sim. A sua coragem é assustadora — ele comentou com a voz mais baixa, e eu me surpreendi com a sua fala.
— Como é? — perguntei sem nem sentir, e ele piscou várias vezes, me olhando encabulado.
— Quer dizer, é claro que eu fiquei assustado com o que aconteceu! Fiquei preocupado com você, mas… Também me assustou a maneira que você agiu, quase que instantaneamente. Você não mediu esforços. Não mediu esforços em me proteger — ele me olhou com uma intensidade incomum, e eu senti aquela pintada de nervosismo surgindo aos poucos — Não é qualquer pessoa que faria isso.
— É. Bem… Eu só… você sabe. Estava fazendo o meu…
— Não, não estava. — Ele deu uma breve pausa enquanto nos olhávamos, sem exatamente dizer nada com palavras. Entretanto, seguiu a falar — Nós dois sabemos disso. Aliás, todos sabem: não era seu trabalho, mas você foi lá e fez mesmo assim. Eu não acho que conseguirei expressar o quão grato sou por isso, mas quero que você saiba. De verdade.
Foi o tempo de uma respiração.
Jungkook inspirou o ar e levou suas mãos às minhas, segurando-as com precisão. O calor do toque imprimiu um pequeno arrepio na nuca, e o estômago deu sinal de vida (incrivelmente não era fome).
— Eu não sei o que dizer, exatamente… — falei de maneira honesta, dando um sorriso bem envergonhado.
— Não espero que diga nada, . Só posso te pedir uma coisa?
— O quê?— murmurei, hipnotizada pelo seu olhar.
— Por favor, não se coloque em risco assim de novo — a preocupação se fez presente em seu rosto, e eu respirei fundo, prendendo os lábios antes de responder.
— Mas você poderia…
— Eu sei, poderia ter me machucado. Deveria ter sido assim, na verdade — ele me interrompeu com uma voz pesarosa.
— E você preferiria que fosse desse jeito!? — perguntei, confusa.
— Sim! — ele respondeu como se fosse óbvio, e eu retruquei.
— Mas eu não!
— O quê!?
Nós ficamos nos olhando, e só naquele instante percebi o que tinha dito.
Era verdade? Sim.
Precisava ser tão incisiva? Não.
Precisava, sequer, admitir aquilo em voz alta? Definitivamente não.
Meus olhos recaíram em meu colo e eu fiz menção de soltar as mãos de Jungkook, mas ele as prendeu, me chamando de volta.
— … você não se arrepende? — o tom incrédulo em sua voz fez com que uma nova pontada no peito surgisse. Cada vez mais a realidade recaía sobre mim e, consequentemente, mais nervosa eu ficava.
Eu respirei fundo, tentando encontrar palavras. Vaguei meus olhos por todos os cantos, como se pudesse encontrá-las, mas elas pareciam sumir. Balbuciei sons, dei de ombros, tentei explicar, mas nada era tão forte quanto o olhar sobre mim, ou o aperto caloroso em minhas mãos.
— — ele me chamou sério, e eu aos poucos virei meu rosto para si, sentindo o clima tensionar num nível bem profundo. Seus olhos me escrutinavam sem nenhum pingo de vergonha e eu fiquei um bom tempo passeando por todo seu rosto, forçando meu cérebro a pensar numa resposta plausível.
Difícil tarefa, mas tentei fazer o meu melhor.
— Eu estou feliz que todos estejamos bem e isso é o que importa. Então, não precisa se preocupar, tá bem?
— Mas isso não faz sentido! — ele retrucou com o cenho franzido.
— Como assim? Querer que você não se preocupe? — indaguei, perdida.
— Não! Só não faz sentido você nem sequer se arrepender por ter feito isso. Quer dizer… Não era para ter sido você! E esse peso não sai da minha cabeça. Eu me sinto mal por ter acontecido, entende? — Sua voz suavizou ao ponto que a fala foi chegando ao fim, e eu respirei fundo antes de respondê-lo.
— Eu também, Jungkook. Acredite, não acordei hoje e pensei “Hm, que vontade de levar um chute na fuça!”, mas aconteceu! E eu sinceramente não ligo se era para ter sido você. Eu só estou feliz que não foi, porque consegui agir a tempo. Eu não quero que você se sinta culpado, isso não foi responsabilidade sua. É isso que eu quero que você entenda. Minha ação faz sentido para mim e estou bem com isso, então você pode apenas relaxar e ficar bem.
Nos olhamos intensamente, deixando as palavras reverberarem. Jungkook ponderou por um momento, me analisando com uma feição incrédula.
— Então, o que está me dizendo é que você teve motivos plausíveis para fazer isso?
— Sim.
— Se posicionar diante de mim, me proteger, sem nem ao menos calcular os possíveis danos… tudo isso foi plausível? — ele enumerou bem devagar, me encarando como se eu fosse uma criança recebendo uma explicação no jardim de infância.
— Tudo isso é. E não tente me intimidar, porque honestamente, eu faria de novo se fosse preciso — respondi com uma imperatividade tão grande que o torso de Jungkook recuou, logo voltando para o lugar momentos depois. Sua expressão estava em choque, e ele deixou escapar o ar dos pulmões, piscando rápido e deixando a visão vagar pelo nada.
— Você é… surreal — A última palavra foi praticamente sussurrada, enquanto Jungkook me olhava perplexo, com um sorriso no canto dos lábios.
— Como assim? — me atrevi a perguntar, estranhando seu jeito surpreso durar tanto. Por que era algo absurdo de se considerar? Eu era tão louca assim?
— Você não existe. Eu só estou… não sei, agradecido? Envergonhado? Preocupado? Tudo isso junto? Céus, e a sua fala só torna tudo tão real. Acho que nunca conheci alguém como você.
A frase final bateu fundo, tão fundo quanto o olhar admirado que recebi do idol. Eu não esperava que ele dissesse aquelas coisas e não soube responder nada. Na verdade, nem me atrevi a dizer nada, pois não tinha resposta à altura. Só me permiti repetir as palavras ditas por Jungkook, como se fossem bálsamos para meus ouvidos e minha mente que anda um tanto alegre desde que o conheci.
Eu estava perdida em meus próprios pensamentos, quando ele quebrou o silêncio com a voz mais grave, me tirando dos devaneios.
— Promete para mim — pediu, totalmente virado em minha direção, e eu fiquei receosa.
— O-O quê?
— Promete que não vai se colocar em risco de novo?
Eu continuei cristalizada, percebendo que seu corpo começava a se aproximar lentamente. Entretanto, sem nenhuma resposta verbal, o movimento tornou-se a única coisa entre nós, e Jungkook finalmente soltou minhas mãos, apenas para me puxar para um abraço mais apertado que o comum.
— Jungk…
— Por favor — o sussurro rouco soou ao pé do ouvido e eu fechei os olhos, tendo dificuldades em evitar o arrepio que cruzou minha espinha.
Eu não sabia o que estava acontecendo ao certo. Na verdade, não sabia o que estávamos dizendo um para o outro; naquele momento, era só sobre nós dois, abraçados de uma maneira que nunca tinha acontecido antes.
O enlace era dócil, não tinha nada de invasivo, e qualquer um que nos visse ali certamente acreditaria que fazíamos isso natural e diariamente, pelo jeito que tudo se encaixou.
Mas não.
Era sobre duas pessoas que pela primeira vez, se tratavam daquela maneira, ultrapassando os limites do aceitável ao que concerne às regras de polidez e cumprimentos.
E eu sinceramente não poderia ligar menos.
Estava tão imersa, tão surpresa, tão maravilhada, tão… aquecida com aquele ato. Ele estava mesmo me abraçando?
Minhas mãos sutilmente o envolveram de volta, traçando caminhos tímidos pelas costas largas do homem. Um pouco acima da cintura, meu tato repousou sobre seus pulmões e as pontas dos meus dedos acariciaram Jungkook, e, mesmo com um pedaço de tecido separando minha tez da dele, eu poderia sentí-la muito mais concreta do que qualquer sonho ou imaginação que já tenha tido.
Não lhe dei uma resposta, e ele não prosseguiu no assunto. Nós simplesmente ficamos ali, abraçados, e quanto mais tempo passava, mais me parecia absurdo pensar que o clima ainda não havia alcançado o ponto crítico do constrangimento. Ninguém queria sair, ninguém prendia ninguém nos braços. Estávamos ali porque queríamos, por quanto tempo quiséssemos.
Aquela constatação surgiu no exato momento em que o barulho da porta se abrindo ecoou dentro do carro. Com o susto, nos afastamos na velocidade da luz como gatos assustados, tentando disfarçar a vergonha.
— Você não vai acreditar no que eu encontrei de promoção, prima! Seu sorvete, sua sortuda! Parece que o universo está conspirando ao seu favor, trocando um nariz arrebentado por gordura hidrogenada a preço de banana. Não é o máximo?
Ela riu sozinha, enquanto eu recuperava meu ar e Jungkook estava com o cotovelo apoiado no vão da porta, com os dedos encostando em seus lábios e o olhar distante.
— Tudo bem que talvez seja necessário consumir logo, porque a validade parece estar próxima e… ei, tá tudo bem? — ela perguntou, se metendo no espaço entre os bancos e me olhando suspeita.
— Por quê?
— Você está corada. Será que está febril? Deixa eu ver — E colocou a mão gelada na minha testa, me fazendo recuar na hora.
— Ai! Que mão é essa?
— Opa, é a mão que estava no sorvete, foi mal. Jungkook, você acha que ela está com febre?
Ele se virou rápido, olhando de mim para Hyun-mee e, após ponderar alguns segundos, deu de ombros.
— Não sei… Eu…
— Cheque a testa dela — Hyun-mee pediu, ficando aflita — Se estiver apresentando febre, acho melhor voltar ao hospital.
Eu vi o exato momento em que o pomo de adão subiu e desceu na garganta de Jungkook. Com a mão ágil, ele me tocou, verificando a temperatura e desvendando o mistério instaurado pela minha prima.
— E então?
O rapaz olhou dentro dos meus olhos e suavizou a feição, dando um pequeno sorriso.
— Está sem febre. Parece bem.
Ficamos nos olhando por alguns segundos e eu me senti uma jovenzinha apaixonada, admito. Suspirei e olhei para minha prima.
— Vou ficar melhor depois de comer a sua pizza.
— Percebe como ela me explora, Jungkook?
Nós três rimos e ele deu partida no carro, colocando-nos em movimento e dando o assunto por encerrado. Momentos depois, o maknae estacionava diante do nosso prédio. Com um rosto carismático, se virou para nós.
— Estão entregues, senhoritas.
— Ué, não vai comer conosco? — Hyun-mee perguntou surpresa — A divide sorvete também, ela não é mal educada não.
Jungkook riu e negou com a cabeça.
— Não penso isso, imagine. É que estou cansado, e dirigir até em casa depois de comer pode ser um perigo, se eu estiver sonolento. Podemos deixar para uma próxima vez?
Seus olhos recaíram sobre os meus, significativos como nunca, e eu entendi que ele estava sem graça pelo que tinha acontecido antes.
Decidi respeitá-lo e concordei com um acenar.
— Sem problemas, Jungkook. Você também precisa descansar. Aliás, todos nós.
— É, só que a gente acorda cedo amanhã, né bonita?
— Quer que eu quebre seu nariz para ficar de licença também? — sugeri, gaiata.
O rapaz riu e Hyun-mee me olhou com a vista semicerrada.
— Você é ingrata, garota. Não foi essa educação que recebeu!
— Estou brincando, prima linda. Você sabe que eu te amo.
— Sei, sei. Bom, vamos então? Jungkook, já sabe onde moramos. Se precisar, só chamar. Boa noite e obrigada!
Hyun-mee saiu do carro com a bolsa de compras e eu virei para o maknae com uma feição educada.
— Muito obrigada por tudo.
— Você sabe que não há nada para agradecer. A gratidão é toda minha.
Nos encaramos com sorrisos amarelos, sem mostrar os dentes. Os olhos dele passeavam pelo meu rosto, ansiosos, e eu sentia que fazia o mesmo. Após laguna segundos, decidi dar fim àquilo
— Boa noite, Jungkook.
Eu destravei o cinto, abri a porta e quando estava saindo, meu braço foi segurado.
— Espera! — sua voz soou em suplício.
— Sim? — perguntei, atenta.
E nervosa.
E ansiosa.
E quase explodindo de curiosidade.
Ele respirou fundo, e umedeceu os lábios.
— Me desculpa por qualquer coisa. Você sabe… — E me olhou completamente sem graça. Uma parte de mim entendia sua reação, porque eu também estava, mas admito que meu cérebro ainda focava na ótima sensação daquele abraço.
— Tudo bem. Não me ofendi nem nada do tipo — respondi sincera até demais. Ele concordou de maneira breve e tornou a falar.
— Então… promete?
Obviamente se referindo ao que discutíamos antes de Hyun-mee chegar, eu suspirei e dei um sorriso. Ele não cederia, não é?
— Prometo.
Finalmente sua feição ficou leve, e ele sorriu verdadeiramente, me agradecendo com um cumprimento tradicional.
— Ótimo então. Agora eu vou dormir em paz.
Eu ri de sua cara angelical e lhe mirei com carinho.
— Boa noite, Jungkook.
— Boa noite, .
— Calma, Jungkook, respira... Nós estávamos num ambiente público, isso pode acontecer.
— É, cara. Jimin tem razão. Por mais que tenhamos isolado a área, você sabe que estamos sujeitos a esse tipo de situação.
— Não, não pode ser assim, Taehyung! Simplesmente não dá!
— Eles não estão dizendo que o que aconteceu foi normal, Jungkook. Só estão comentando que há uma pequena possibilidade, e infelizmente foi o que aconteceu.
— Eu concordo, J-Hope. Entretanto, Jungkook está na razão de ficar assim. A sasaeng não só invadiu o local, como conseguiu furar a segurança e ainda faz uma coisa dessas? Não é só um acaso, compreende? É uma sequência de falhas.
— Sim! É disso que estou falando, Namjoon. levou um chute na cara, depois de literalmente rolar pelo chão, recebendo puxões de cabelo e arranhões pelo corpo… Fazendo um trabalho que não era dela! Vocês não veem o perigo? Poderia ter sido qualquer um de nós… Na verdade, era para ter sido eu, mas ela me socorreu no último segundo!
A princípio, achei que estivesse sonhando. Mas eu estava de fato despertando, principalmente ao ouvir aquela conversa acalorada que acontecia bem perto de mim.
Forcei meus olhos a se abrirem, e uma luz branca acoplada ao teto foi a minha primeira visão.
A segunda foi o queixo de Jungkook bem diante dos meus olhos. Percebi que sua feição estava endurecida, ao reparar no maxilar tensionado, consequentemente destacando o rosto delineado e harmônico que o Maknae possuía.
Bom, por pouco não levava em consideração a ideia de ter morrido e ido para o céu, com uma visão angelical daquelas.
— Olhe! Ela acordou! — Ouvi a voz de Jimin comentar.
E então, o rosto do anjo se virou para mim, e seus olhos arregalaram ao entrarem em contato com os meus.
A minha mão foi apertada subitamente, e ali eu percebi que se tratava de Jungkook.
— !? Você está bem? Como está se sentindo? Está com dor? Precisa de alguma coisa?
— Tem três fiapos de barba crescendo no seu queixo… — eu pensei alto demais, e só notei a situação em que me colocava quando as bochechas do caçula se tornaram rubras, e o som de gargalhadas preencheu o ambiente.
Por favor, me digam que eu não tinha cometido aquela gafe.
— A está ótima, pelo visto! — J-Hope comentou risonho e Jin logo complementou.
— A pergunta que não quer calar: prefere que retiremos os fiapos de barba na pinça ou na gilete?
Se eu estava zonza pelo acontecido? Certamente. Mas com o aumento das risadas, eu me senti mais confusa com o tanto de sensações que meu corpo sofria: dores, frio na barriga, vergonha e uma súbita vontade de enfiar a cara num buraco depois da minha fala nada elegante.
Olhei para Jungkook e vi como ele estava sem graça, passando a mão pelo queixo como se estivesse sentindo os pêlos.
Ótimo, agora eu era uma megera reparadora de detalhes alheios de k-idols.
Eu merecia a misericórdia do universo, nem que fosse por pena.
Encabulada, murmurei um resmungo ao sentir a garganta seca. Fiz menção de me sentar e a mão que segurava a minha logo se posicionou em meu ombro, impedindo meus movimentos e cessando as risadas.
— Ei, vai com calma, está bem? Foi um belo de um chute — Jungkook me alertou e eu tentei sorrir gentilmente, mas logo me arrependi com a dor no meio da cara.
— Ai! — reclamei com a voz rouca e toquei o nariz com a ponta do meu dedo. Estava tudo tão sensível!
— Talvez você queira pegar leve nos sorrisos também — Jin comentou amigavelmente e eu suspirei, me sentindo incapaz de qualquer coisa.
Toquei a mão de Jungkook e o olhei carinhosamente, assentindo que não iria tentar me levantar de maneira tão abrupta. Devagar, sua mão deslizou do meu ombro até abandonar o local, e eu me sentei na superfície aconchegante.
E assim reparei que não estava no chão de gramado; estava numa parte da tenda, reservada, num sofá confortável que poderia ser facilmente substituído pelo que eu tinha em casa.
Hyun-mee veio até mim com um lenço, analisando meu nariz com delicadeza, enxugando meu buço com igual cuidado.
— Parece que parou de sangrar. Só tem alguns resquícios. Mas que susto, hein! Aquela garota endiabrada parecia ter quebrado o seu nariz — ela comentou, dobrando o lenço e deixando em minhas mãos, para eventual sangramento.
— Ela está bem? — perguntei com a garganta arranhando, e Huyn-mee arfou do meu lado, me olhando com surpresa. — O que foi? — e olhei em volta, percebendo o olhar de todos sobre mim.
— Você levou um chute na cara e ainda se preocupa com ela? Você é muito fofinha, cara — minha prima falou o que parecia ser óbvio e eu apenas dei de ombros, me sentindo meio idiota.
— Você viu o tamanho dos seguranças? Eu teria medo — respondi sincera, e pigarrei.
— Você não existe, ! — Jimin comentou sorridente e eu fiquei sem graça, prendendo os lábios numa linha fina.
— Vou buscar uma água — Hyun-mee respondeu com um olhar amigável, e saiu do local a passos largos.
— Sei lá. Às vezes a pessoa não está tão bem de cabeça… — comentei enquanto pensava sobre o assunto. — E não sei se ela estava ciente do poder dos seguranças.
— Que pelo visto, não existe — Jungkook sussurrou irritado, e eu o encarei na hora, sem saber se ficava surpresa pela sua resposta ou se achava graça do pequeno bico que brotou em seus lábios ao dizer aquilo.
— Ei, também não é assim! — Jin chamou sua atenção e o maknae fechou a cara, olhando pro mais velho.
— E como é, então? Olha o estado dela! — O mais novo apontou pra minha cara, e eu automaticamente me senti exposta.
— Estou muito horrível? — perguntei num choramingo e Jungkook começou a gaguejar, tentando consertar sua fala.
Alguns risinhos ocuparam o ambiente e Hyun-mee apareceu com uma garrafa d’água, abrindo para mim e entregando em minhas mãos.
— Bebe tudo — ela orientou num tom imperativo e eu assenti, pois estava com muita sede.
Depois de matar mais da metade da garrafa, RM se pronunciou.
— , eu não tenho palavras para expressar a vergonha diante dessa situação. Eu entendo que os meninos estejam falando dos imprevistos, mas foi um caso sério. Você se sacrificou por nós e não poderíamos ser mais gratos. Diariamente você demonstra seu empenho no trabalho, muito além das atribuições que lhe competem. Te garanto que faremos de tudo para que isso jamais aconteça novamente.
Nesse momento, Hye-jun entrou na tenda como um foguete, se aproximando de mim com os olhos atentos.
— ! Como está? Está sentindo alguma coisa? O médico já está chegando para lhe fazer um exame clínico, e daqui iremos para um hospital. Pelo telefone, ele já nos atentou para a necessidade de alguns exames de imagens, então fique tranquila que já estamos garantindo tudo isso. Quanto à segurança, estou em contato com o responsável pelo setor. É inadmissível uma situação dessas… Precisa ser visto para ontem! — ela comentou com verdadeira indignação, e eu engoli a seco, pois nunca tinha visto Hye-jun daquele jeito. Pelo visto, ela era mesmo a profissional dedicada que sempre demonstrou ser, e abraçava sua equipe como uma família.
— É importante que seja visto mesmo, Hye-jun. Aconteceu com ela, e já foi caótico o bastante. Demos sorte que aparentemente ela está bem, na medida do possível. Mas são erros que não podem acontecer, já passamos dessa fase. — RM apontou para mim, e me olhou por um instante, logo voltando para Hye-jun. — Estava justamente falando da sorte que demos ao ter em nossa equipe. Mas não podemos contar que cada funcionário faça coisas muito mais além do que o emprego exige. Essa não é a função dela. Apesar de se mostrar incansável e sempre à disposição, não é certo que ela corra riscos como este porque a segurança deixa de fazer o seu trabalho. Foi uma falha grave, e isso precisa ser levado em consideração urgentemente. Se fosse um de nós do grupo, a mídia cairia em cima e você já sabe como o circo estaria armado e pronto para um belo show de horrores…
Hye-jun respirou fundo, concordando com a fala de RM, que dizia tudo de maneira polida e direta. Tão lúcido quanto poderia ser; como o virginiano focado que era.
— Estou ciente e agradeço sua fala. Sei que precisamos melhorar sempre, mas este ponto, como bem disse, é inaceitável. Já solicitei uma reunião com o chefe de segurança e os outros supervisores. Tomaremos as medidas necessárias, eu lhe dou minha palavra. — E então, Hye-jun me olhou com um sorriso culpado. — Para ele e para você, . Agradeço pela dedicação de sempre e sinto muito que isso tenha ocorrido, de verdade. — E por fim, arqueou rapidamente seu tronco para frente, num gesto honroso e respeitoso.
Eu umedeci os lábios, sentindo-me sem graça diante da tensão que reinava na atmosfera.
— Imagina, Hye-jun. Fiz o que precisava ser feito, mas sou grata pela sua compreensão e seu comprometimento, de coração.
Ela acenou com um pequeno sorriso que logo deu lugar à face séria de sempre, ao receber um chamado pelo fone de ouvido.
— O médico chegou! Vou acompanhá-lo até aqui, um momento. — E se retirou com brevidade.
Os rapazes se entreolharam, e Namjoon respirou fundo, unindo as mãos diante de si.
— Vamos deixar que o médico trabalhe, não é, pessoal? — E olhou em volta, recebendo um aceno de todos, menos de Jungkook, que olhou sério para seu líder.
— Eu prefiro ficar… Se estiver tudo bem — e me olhou preocupado. Eu engoli a seco, tentando parecer tranquila.
— Jungkook, não precisa… — respondi com leveza, mas ele negou com a cabeça, sem tirar os olhos de mim.
— , por favor. É o mínimo.
Ficamos nos encarando, e eu senti o coração palpitar dentro do peito, pela forma que aquele contato visual causava efeitos estranhamente prazerosos em mim.
Eu poderia estar viajando, mas naquele momento, não me sentia apta a racionalizar nada, então apenas concordei com um breve aceno, deixando-o visivelmente mais aliviado, ao julgar pelos ombros que relaxaram quase que instantaneamente ao ouvir minha resposta.
— Bom, o resto de nós vai estar lá fora. Qualquer coisa, grite por nós, girl! — J-Hope comentou alegremente, colocando as mãos nos ombros de Suga e o encaminhando para a saída. Pouco a pouco os meninos se retiraram, só ficando no local eu, Hyun-mee e Jungkook.
Eu bebi mais água, apenas para fugir da sensação de vergonha por ter um Jungkook tão solícito ao meu lado, enquanto Hyun-mee mexia em seu celular, um pouco distante de nós.
Não conseguimos falar nenhuma palavra a mais, e, para a nossa sorte, não precisamos quebrar aquele clima, já que o médico atravessou a entrada, vindo direto em minha direção.
— Boa tarde, boa tarde! ? — Perguntou educadamente e respondi com um aceno. — Certo, vamos fazer um exame clínico? Preciso que me relate exatamente o que aconteceu. Mas já adianto que, pelo que soube do telefone, é interessante fazermos exames para descartar possíveis questões. Sente sono, apresentou vômito, dor em outro local sem ser o nariz?
Neguei rapidamente, enquanto o médico colocava luvas e pegava uma lanterna para analisar o estrago, erguendo meu queixo levemente.
— Dificuldade ao respirar?
— Não.
— Visão ok? — Questionou ao analisar minhas pupilas, e eu pisquei algumas vezes, aturdida.
— Acho que sim.
O doutor fez mais perguntas, algumas eu expliquei, outras minha prima o fez. Jungkook ficou o tempo todo ao meu lado, sério, e eu nunca tinha visto o caçula do grupo tão atento. Tanto que precisei despertar dos meus devaneios quando o médico me chamou.
— Então, . Vamos andar de ambulância?
— Quê!? — perguntei, franzindo o cenho. — Não acham exagerado?
— Não — Jungkook respondeu naturalmente e eu o olhei confusa. Ficamos nos encarando, e Hyun-mee pigarreou, chamando minha atenção.
— Hye-jun que solicitou, prima. Impossível ir contra aquela mulher. — A última frase, ela disse com a voz mais baixa e eu quase ri de sua careta.
— E ela está certa. Não sabemos o que está acontecendo exatamente — completou o Maknae, explicando algo que lhe parecia óbvio, me trazendo para a realidade.
Suspirei ao encarar o médico, que me sorria gentilmente.
— Você pode contar essa história aos netos, no futuro.
Todos rimos diante do dito, mas eu novamente me arrependi, segurando a base do nariz.
— Ai!
Sob alguns olhares, só restou suspirar e me render à ambulância.
(...)
— Desfaz essa cara, .
— Eu não vou nem te responder, Hyun-mee.
— Você já está respondendo, idiota. E vamos, pare de criancice! Você sabe que aqueles exames eram necessários!
— Eu precisava ficar com essa roupa de hospital que deixa minhas partes todas livres e visíveis!? — reclamei com minha prima, que prendeu porcamente uma risada. Peguei um dos travesseiros atrás de mim e bati nela, que logo parou de rir.
— Ei, dá para parar com a violência?
— Se você levar minha irritação à sério, quem sabe?
Nós duas nos olhamos, e ela acabou sorrindo vindo me abraçar.
— Você não mudou nada, prima.
— Como assim?
— Continua odiando hospitais.
Suspirei, fazendo um bico com os lábios, antes de respondê-la.
— Eu já tinha superado isso. A merda é esse avental escroto aqui. Na frente do Jungkook!
Hyun-mee me encarou com a sobrancelha arqueada.
— Do Jungkook, é?
— Você é ridícula, cara — comentei, fingindo naturalidade. — Não tem nada a ver. É sobre qualquer um, ok? Ele é o único que está aqui, apenas. E não é alguém que eu gostaria que me visse assim!
— Não é? Você não gostaria que ele te visse sem roupa? — Ela atiçou, fazendo caretas exageradas e eu suspirei, me sentindo num misto de impaciência e vergonha.
— Esse não é o ponto! Por que estamos falando disso, hein?
Hyun-mee começou a rir e eu rolei os olhos, fingindo ignorá-la. Mas, ela também era uma Kang, o que significava que eu falharia totalmente na minha missão.
— E daí se ele visse algo, ? Fala sério, ele é idol mas você é a maior gatinha! Tem que ter orgulho do mulherão que você é! Ajoelha e agradece a Deus pelo rabetão que tu tem!
Fiz uma força descomunal para não rir, mas foi mais difícil do que eu pensava, principalmente quando ela falou de “rabetão”. Exagerada como sempre!
— Sério, eu que recebo um chute na cara e você que fica fora de si!?
— Eu só estou tentando quebrar o gelo, sua chata… — ela se defendeu com uma voz estranha e eu a olhei surpresa. Ela estava preocupada?
— Tá tudo bem? — perguntei, tentando olhar nos olhos de Hyun-mee, que fugia de mim, dando de ombros e rindo nervosa.
— Tá, ué. Agora tá — e finalmente me olhou, com uma feição sensível. Eu sorri levemente e puxei sua mão, trazendo-a mais para perto.
— Prima… Eu to bem. Sério.
Hyun-mee soltou o ar dos pulmões e segurou a base do nariz enquanto fechava os olhos, como se estivesse exausta por segurar aquela onda de sentimentos por tanto tempo.
— Porra cara, você não faz ideia do quanto eu queria dar uma voadora naquela garota!
Eu ri levemente, segurando o nariz para doer menos. Funcionou um total de zero por cento, mas fingi plenitude enquanto respondia.
— Relaxa, já passou. Aconteceu e eu estou bem, é o que importa.
— Eu prometi à vovó que cuidaria de você, entende? Isso é importante para mim… — ela confessou, limpando o canto do olho esquerdo com a mão levemente trêmula. Sorri com sua dedicação.
— Eu sei e reconheço isso. Fico muito feliz com sua atitude, mas acredite: eu estou bem. Já pode relaxar, não há nenhum perigo aqui, certo?
Nos olhamos por um tempo, até que ela acenasse com a cabeça, me abraçando logo em seguida.
— Você me assustou.
— Me desculpe.
— Não… Não é isso. — Ela suspirou, retomando a calma aos poucos e me olhou com seriedade. — Eu sei que você é super dedicada, mas da próxima vez, deixe que os seguranças façam o trabalho deles, tá?
Nós nos olhamos por um tempo e eu concordei com um aceno.
— Eu na verdade estava querendo uma licença por acidente de trabalho, você vê… — eu mandei uma brincadeira esfarrapada que nos fez rir, e por fim, eu já tinha desistido de segurar meu nariz, aceitando a dor como prêmio do meu ato de heroísmo e deixando a risada fluir mais levemente.
Encostei no travesseiro, pensando no bom tratamento que recebi por causa daquele ato praticamente impensado. Um raio x, exame de imagem da cabeça, para tirar qualquer dúvida, e ainda fiquei com uma consulta marcada no oftalmologista para ver se estava tudo bem com os olhos, mesmo tendo confirmado o bem estar da visão ali, no hospital.
O doutor entrou no quarto, a passos rápidos, com um sorriso alegre.
— Boas notícias, ! Conforme suspeitava, não temos nenhum perigo acontecendo com você. Está liberada para ir para casa, ok? Mas preciso que faça repouso por três dias, porque a face é um local muito sensível e você provavelmente ainda sentirá dores, sendo um tanto desagradável manter as atividades laborais nesse estado. Não queremos novos acidentes, não é?
— Mas três, doutor? No plural? Eu…
— Pode deixar, doutor. Ela vai repousar sim! — Hyun-mee me beliscou e eu repreendi um pequeno grito, me soltando dos dedos pinçados de minha prima.
— Eu preciso que você siga as recomendações médicas, . Aproveite esses dias para fazer a consulta no oftalmologista, e principalmente, descansar e deixar que seu corpo se recupere. A região do nariz é muito vascularizada, então o repouso é necessário para que você não trabalhe com dor, não tenha possíveis sangramentos por estar trabalhando, e também evitando que um novo trauma lhe atinja no local. Acredite, sempre há uma oportunidade de acontecer e isso seria bem doloroso. Não queremos isso, certo? Vá para casa, descanse, e em breve estará nova em folha!
— Obrigada por tudo, doutor — respondi envergonhada, enquanto me levantava da cama.
— Imagine, apenas fiz o meu trabalho! Tenha uma boa noite.
— Igualmente! — eu e Hyun-mee respondemos em uníssono, e ela estava entregando minhas roupas quando o doutor voltou, colocando uma cabeça para dentro do meu quarto.
— Ah, e por favor, queira levar meus agradecimentos ao seu companheiro. Ele é muito gentil, certamente minha esposa vai adorar a cesta de café da manhã que acabaram de entregar, junto com aquela dedicatória feita por ele. Não fiz nada além da minha obrigação, mas a gratidão é sempre muito bem-vinda. Obrigado pelo gesto!
E assim, sem mais nem menos, saiu do quarto. Eu e Hyun-mee nos entreolhamos, e fui a primeira a quebrar o silêncio.
— Cesta de café da manhã? Companheiro?
— Jungkook? Só pode ser ele…
— Por quê?
— Porque ele ainda está lá fora, te esperando.
— É sério? Mas se passaram umas duas horas desde todos os exames! — comentei, surpresa.
— É, bem… Ele ainda está lá fora.
— É?
— É!
— … Ah — respondi enquanto tirava aquele avental escroto, escondendo meu nervosismo ao ficar de costas para Hyun-mee. Ela por sua vez, trancava a porta do quarto, a fim de evitar visitas surpresas enquanto eu trocava de roupa.
— Você está sem graça? — ela voltou a passos largos, me dando um tapinha no braço e eu rolei os olhos, puxando a calça jeans para cima.
— Não estou sem graça!
— Está sim! — Hyun-mee disparou, colocando uma mão na boca enquanto ria levemente. Eu vesti minha blusa em tempo recorde, reunindo o pouco de paciência para não rolar no chão pela segunda vez naquele dia, com uma garota.
Peguei minha bolsa, selecionei alguns itens de higiene e fui ao banheiro. Já que Jungkook se encontrava ali, não queria parecer pior do que já estava. Retoquei o perfume, ajeitei o cabelo, escovei os dentes e verifiquei se o desodorante estava em dia — e estava, para minha felicidade.
Meu rosto estava bastante inchado, e meu nariz parecia uma pintura de filme de terror. Entretanto, não me ative a isso e, tentando me sentir menos pior, passei um batom que deixou minha cara mais saudável, felizmente.
— Vamos? — perguntei para minha prima, colocando a bolsa no ombro. Ela estava encostada na parede, com os braços cruzados, me olhando por inteiro.
— E essa produção?
— Eu posso me sentir menos miserável, já que estou com a porra de uma pintura de Salvador Dalí no lugar do nariz, não acha?
Ela gargalhou alto e me abraçou de lado, enquanto andávamos em direção a porta.
— Então não tem nada a ver com o idol lá fora, não é?
Eu parei com a mão na maçaneta e dei meu pior olhar maníaco.
— Eu posso seguir o exemplo da sasaeng e seremos duas primas de narizes machucados, o que acha?
Hyun-mee riu com os braços pra cima e assumiu a derrota, fingindo passar um zíper na boca. Agradeci mentalmente e segui porta afora, andando pelo corredor do hospital.
Alguns passos depois e eu percebi a figura sentada ao lado da máquina de refrigerante. Ele apoiava os cotovelos nas coxas e tremia uma perna de maneira acelerada, como se estivesse ansioso. Seu semblante era de quem pensava em muita coisa, enquanto encarava o chão.
Quando estava suficientemente perto, sua cabeça se ergueu e enfim, nossos olhares se cruzaram. Ele se levantou na hora — surpresa e alívio se misturavam numa feição ingênua e adorável, e eu sorri levemente com aquela visão que ele me proporcionou.
— ! Você está bem? Já foi liberada? Como está se sentindo? — perguntou tudo de uma vez, segurando meus ombros sutilmente enquanto passava os olhos por mim, verificando se tinha algo fora do lugar.
Suas narinas se alargaram e, após inspirar profundamente, ele encarou meu rosto, percebendo a cor dos meus lábios. Por fim, deu um sorriso mais tranquilo e, colocando as mãos no bolso da calça, completou sua fala.
— Me parece que está melhor…
— Sim, estou — respondi, toda cagada de amores por ver que ele tinha reparado na minha tentativa de parecer bonitinha.
— Agora é só seguir as indicações médicas — Hyun-mee respondeu num tom de vovó Kang e, para minha surpresa, Jungkook completou da melhor forma possível.
— Um antiinflamatório de oito em oito horas, um remédio em caso de dor, repouso e observação para saber se vai apresentar qualquer sintoma como dor de cabeça, vômito, sono repentino… E você tem uma consulta marcada com o oftalmologista, não é? — Eu e Hyun-mee confirmamos com um aceno robótico e eu fiquei olhando para o k-idol um tanto surpreendida. — Mais alguma coisa? — ele perguntou, quando percebeu o silêncio.
— N-não, eu acho… — falei igual uma criança amedrontada, enquanto minha prima acrescentava minha fala.
— Perfeito! Com uma memória dessas, você poderia facilmente trabalhar como staff também. Me avise se um dia estiver de bobeira!
Nós rimos com a fala de Hyun-mee, que logo engatou numa despedida.
— Bom, é isso. Muito obrigada pela sua prestatividade, Jungkook. Acho que agora podemos ir para casa e… oh merda! — Hyun-mee bateu na testa e eu a olhei confusa.
— O que foi? — indaguei o óbvio, vendo o homem ao meu lado assumir sua versão Jungshook, esperando tanto quanto eu que Hyun-mee falasse logo.
— Não tem nada em casa. A gente ia fazer compras hoje, lembra? — ela falou com voz baixa, não querendo expor nossa situação.
— Ai, merda… — falei baixinho, trocando olhares com Hyun-mee. — Então vamos ao mercado…
— Não! — ela e Jungkook responderam juntos, e eu olhei assustada para o idol, que me olhava como se eu tivesse dito um absurdo.
— Por quê? — praticamente sussurrei e Hyun-mee rolou os olhos, enquanto Jungkook explicava seriamente.
— Você tem que descansar, . Não dá para ficar fazendo essas coisas…
— Mas… Eu já estou bem — respondi quase como uma criança e o rapaz diante de mim sorriu com pesar. Já Hyun-mee respirou fundo e falou mais rápido do que de costume.
— Eu juro que te entendo, mas se você não sossegar esse facho durante esses dias, eu prometo que você vai se arrepender de despertar meu nível vovó Kang, .
Eu a encarei assustada enquanto Jungkook ria baixinho daquela cena.
— Vovó não passaria essa vergonha na frente das pessoas, prima.
— Por isso mesmo que comigo é pior!
Nós três nos entreolhamos e desatamos a rir daquela situação nada elegante.
— Ai — reclamei, colocando meu dedo indicador na ponta do nariz, e novamente obtive preocupação das pessoas ao meu redor.
— Para de rir, cara! — Hyun-mee reclamou e eu rebati.
— Para de me fazer rir!
Ela mostrou a palma da mão aberta e eu fechei a minha, fingindo ir em direção ao seu rosto. Esse ato fez com que Jungkook gargalhasse e nós duas o encaramos.
Ele fez uma careta de culpado e deu de ombros.
— Desculpa, é que… Vocês são muito engraçadas.
Eu pisquei fortemente, coçando a nuca enquanto tentava esconder o meu sorriso sem graça e Hyun-mee se recompôs ao meu lado.
— Bom, vamos para casa? Eu posso pedir algo para a gente comer e vou ao mercado.
— Mas você não quer ajuda? Eu posso…
— Eu posso ajudar — Jungkook interviu, educadamente — Eu posso levar vocês em casa e ajudar no mercado, se quiserem. Quer dizer, não nessa ordem, e também se não for incomodar, porque…
Ele estava bem tímido e atrapalhado, mas continuou a se explicar. Eu dei uma pequena risada e encarei Hyun-mee, sem saber o que fazer, mas a danada já estava com a resposta na ponta da língua, e o interrompeu delicadamente.
— Que tal você se juntar ao lanche conosco? Podemos passar no mercado perto de casa, eu faço as compras da semana bem rápido enquanto vocês aguardam no estacionamento e depois podemos comer algo gostoso. A cozinha fica por minha conta hoje! O que acham?
Eu engoli a seco com aquela proposta, sentindo um revirar na boca do estômago. Já Jungkook abriu um grande sorriso e ergueu rapidamente os ombros, concordando com um movimento de cabeça.
— Por mim tudo bem! Se não for problema…
Os dois me encararam e eu os olhei dividida, pensando em toda aquela situação de estender relações profissionais para o nível pessoal. Eu tinha um dever a ser honrado, era verdade, e me sentia estranha com aquela situação, porque uma parte de mim estava bem animada com aquilo, enquanto a outra prezava pela ética profissional.
Mas era só um lanche, certo? Após o expediente, depois de um dia muito conturbado. Não deveria ser um problema!
Além do mais, eu estava tão cansada, com fome, e céus, o carro do Jungkook com poltronas confortáveis parecia me convencer mais do que tudo!
Por isso, suspirei ao ajeitar minha postura e dei meu pitaco.
— Pizza?
(…)
— Sim, Hye-jun, está tudo bem… — Minha prima respondia a ligação da chefe no banco de trás, enquanto eu seguia com Jungkook na frente. Eu estava naquele carro novamente, me sentindo profundamente confortável desde que acordei.
Ou quase isso, uma vez que o nariz latejante me mostrava que eu poderia estar em melhores lençóis.
— Hye-jun está preocupada. Me mandou várias mensagens enquanto estávamos no hospital — o maknae comentou enquanto fazia uma curva com uma única mão.
Preciso dizer o quanto aquilo foi sexy sem necessariamente ter um contexto sexual?
Ou eu estava chapada demais de analgésicos?
— Eu imagino — respondi com a metade do cérebro pensando no assunto. A outra estava contemplando a belezura que era vê-lo dirigir.
— Sua prima também — ele falou mais baixinho, e eu mordi o lábio inferior, olhando Hyun-mee pelo retrovisor.
— Sim, só uma consulta de rotina, para garantir. É oftalmologista mesmo. Sem problemas, vamos reorganizar as agendas para caber nesses dias, eu posso ficar com a parte dela caso tenha algum compromisso inadiável.
— Ela é maravilhosa — respondi com sinceridade, sentindo o peito aquecer pela gratidão de ter uma prima-irmã ao meu lado, enquanto olhava seu nítido cansaço no rosto, mas a voz seguia profissional e suave como sempre.
Meus olhos vagaram dela para Jungkook e eu pude percebê-lo me encarando com um olhar contemplativo, enquanto estávamos parados no sinal.
— O que foi? — perguntei curiosa, e ele piscou como se despertasse de um sonho.
— Hã? Ah, nada, nada. — E reparou no sinal aberto, dando seguimento à viagem — É bacana ver a relação de vocês e o afeto. Só isso.
— Ah… É, somos unidas — respondi com um pequeno sorriso, voltando a olhar para frente.
— Sem problemas, eu agradeço sua preocupação. Tenha uma boa noite também, bom descanso — Hyun-mee se despediu, desligando a ligação e respirando fundo. — Hye-jun estava perguntando de você. Amanhã você manda uma mensagem para ela, tá? — disse em tom de voz maternal e meu sorriso alargou.
— Ok, vovó Kang.
Nós três rimos e, minutos depois, chegamos ao mercado. Jungkook estacionou na vaga numa única tentativa (de primeira!) e eu reparei naquilo como uma criança vendo um espetáculo.
A questão é: mais um item para acrescentar na pasta de “Coisas que Jungkook faz que eu acho sexy.”
— Parece que não está tão cheio — comentei ao observar o local.
— Bom, eu vou lá rapidinho, prometo não demorar. Algum pedido especial?
— Sorvete!
— Espera aí, o de flocos já acabou? — ela perguntou assustada e eu cocei a nuca, ouvindo Jungkook rir. — Você é uma formiga!
— Você tem que entender que certas séries não se assistem apenas chorando. Precisam de um acompanhamento, e o sorvete é um deles, ok?
— Um deles!?
— Talvez seja interessante acrescentar milho de pipoca na lista de compras… — falei com uma voz angelical e minha prima riu enquanto abria a porta, saindo do carro sem nem dizer nada.
Eu e Jungkook nos olhamos cúmplices e ele quebrou o silêncio com um sorriso e uma voz grave.
— Eu sei que já disse isso, mas vocês são realmente engraçadas.
— Está no nosso DNA — dei de ombros e suspirei, vendo Hyun-mee pegar um carrinho ao longe e entrar no mercado. — Mas estou preocupada com ela. Sei que está cansada e está escondendo o nervosismo pelo que aconteceu hoje.
— Foi um susto, . Um baita susto. Acho que ninguém ficou tranquilo, para dizer a verdade… — o tom de voz mudou, e eu senti tensão na fala de Jungkook. Virei meu rosto para vê-lo, e confirmei minhas suspeitas.
— Você também?
Os olhos, que estavam baixos e perdidos, me olharam imediatamente, e sua expressão indicava urgência.
— Bastante — ele respondeu, soltando o ar com uma risada nervosa e eu segurei minhas mãos entre si. — Aconteceu tudo tão depressa, e você agiu sem nem pestanejar… Eu fiquei assustado.
— Ficou?
— Sim. A sua coragem é assustadora — ele comentou com a voz mais baixa, e eu me surpreendi com a sua fala.
— Como é? — perguntei sem nem sentir, e ele piscou várias vezes, me olhando encabulado.
— Quer dizer, é claro que eu fiquei assustado com o que aconteceu! Fiquei preocupado com você, mas… Também me assustou a maneira que você agiu, quase que instantaneamente. Você não mediu esforços. Não mediu esforços em me proteger — ele me olhou com uma intensidade incomum, e eu senti aquela pintada de nervosismo surgindo aos poucos — Não é qualquer pessoa que faria isso.
— É. Bem… Eu só… você sabe. Estava fazendo o meu…
— Não, não estava. — Ele deu uma breve pausa enquanto nos olhávamos, sem exatamente dizer nada com palavras. Entretanto, seguiu a falar — Nós dois sabemos disso. Aliás, todos sabem: não era seu trabalho, mas você foi lá e fez mesmo assim. Eu não acho que conseguirei expressar o quão grato sou por isso, mas quero que você saiba. De verdade.
Foi o tempo de uma respiração.
Jungkook inspirou o ar e levou suas mãos às minhas, segurando-as com precisão. O calor do toque imprimiu um pequeno arrepio na nuca, e o estômago deu sinal de vida (incrivelmente não era fome).
— Eu não sei o que dizer, exatamente… — falei de maneira honesta, dando um sorriso bem envergonhado.
— Não espero que diga nada, . Só posso te pedir uma coisa?
— O quê?— murmurei, hipnotizada pelo seu olhar.
— Por favor, não se coloque em risco assim de novo — a preocupação se fez presente em seu rosto, e eu respirei fundo, prendendo os lábios antes de responder.
— Mas você poderia…
— Eu sei, poderia ter me machucado. Deveria ter sido assim, na verdade — ele me interrompeu com uma voz pesarosa.
— E você preferiria que fosse desse jeito!? — perguntei, confusa.
— Sim! — ele respondeu como se fosse óbvio, e eu retruquei.
— Mas eu não!
— O quê!?
Nós ficamos nos olhando, e só naquele instante percebi o que tinha dito.
Era verdade? Sim.
Precisava ser tão incisiva? Não.
Precisava, sequer, admitir aquilo em voz alta? Definitivamente não.
Meus olhos recaíram em meu colo e eu fiz menção de soltar as mãos de Jungkook, mas ele as prendeu, me chamando de volta.
— … você não se arrepende? — o tom incrédulo em sua voz fez com que uma nova pontada no peito surgisse. Cada vez mais a realidade recaía sobre mim e, consequentemente, mais nervosa eu ficava.
Eu respirei fundo, tentando encontrar palavras. Vaguei meus olhos por todos os cantos, como se pudesse encontrá-las, mas elas pareciam sumir. Balbuciei sons, dei de ombros, tentei explicar, mas nada era tão forte quanto o olhar sobre mim, ou o aperto caloroso em minhas mãos.
— — ele me chamou sério, e eu aos poucos virei meu rosto para si, sentindo o clima tensionar num nível bem profundo. Seus olhos me escrutinavam sem nenhum pingo de vergonha e eu fiquei um bom tempo passeando por todo seu rosto, forçando meu cérebro a pensar numa resposta plausível.
Difícil tarefa, mas tentei fazer o meu melhor.
— Eu estou feliz que todos estejamos bem e isso é o que importa. Então, não precisa se preocupar, tá bem?
— Mas isso não faz sentido! — ele retrucou com o cenho franzido.
— Como assim? Querer que você não se preocupe? — indaguei, perdida.
— Não! Só não faz sentido você nem sequer se arrepender por ter feito isso. Quer dizer… Não era para ter sido você! E esse peso não sai da minha cabeça. Eu me sinto mal por ter acontecido, entende? — Sua voz suavizou ao ponto que a fala foi chegando ao fim, e eu respirei fundo antes de respondê-lo.
— Eu também, Jungkook. Acredite, não acordei hoje e pensei “Hm, que vontade de levar um chute na fuça!”, mas aconteceu! E eu sinceramente não ligo se era para ter sido você. Eu só estou feliz que não foi, porque consegui agir a tempo. Eu não quero que você se sinta culpado, isso não foi responsabilidade sua. É isso que eu quero que você entenda. Minha ação faz sentido para mim e estou bem com isso, então você pode apenas relaxar e ficar bem.
Nos olhamos intensamente, deixando as palavras reverberarem. Jungkook ponderou por um momento, me analisando com uma feição incrédula.
— Então, o que está me dizendo é que você teve motivos plausíveis para fazer isso?
— Sim.
— Se posicionar diante de mim, me proteger, sem nem ao menos calcular os possíveis danos… tudo isso foi plausível? — ele enumerou bem devagar, me encarando como se eu fosse uma criança recebendo uma explicação no jardim de infância.
— Tudo isso é. E não tente me intimidar, porque honestamente, eu faria de novo se fosse preciso — respondi com uma imperatividade tão grande que o torso de Jungkook recuou, logo voltando para o lugar momentos depois. Sua expressão estava em choque, e ele deixou escapar o ar dos pulmões, piscando rápido e deixando a visão vagar pelo nada.
— Você é… surreal — A última palavra foi praticamente sussurrada, enquanto Jungkook me olhava perplexo, com um sorriso no canto dos lábios.
— Como assim? — me atrevi a perguntar, estranhando seu jeito surpreso durar tanto. Por que era algo absurdo de se considerar? Eu era tão louca assim?
— Você não existe. Eu só estou… não sei, agradecido? Envergonhado? Preocupado? Tudo isso junto? Céus, e a sua fala só torna tudo tão real. Acho que nunca conheci alguém como você.
A frase final bateu fundo, tão fundo quanto o olhar admirado que recebi do idol. Eu não esperava que ele dissesse aquelas coisas e não soube responder nada. Na verdade, nem me atrevi a dizer nada, pois não tinha resposta à altura. Só me permiti repetir as palavras ditas por Jungkook, como se fossem bálsamos para meus ouvidos e minha mente que anda um tanto alegre desde que o conheci.
Eu estava perdida em meus próprios pensamentos, quando ele quebrou o silêncio com a voz mais grave, me tirando dos devaneios.
— Promete para mim — pediu, totalmente virado em minha direção, e eu fiquei receosa.
— O-O quê?
— Promete que não vai se colocar em risco de novo?
Eu continuei cristalizada, percebendo que seu corpo começava a se aproximar lentamente. Entretanto, sem nenhuma resposta verbal, o movimento tornou-se a única coisa entre nós, e Jungkook finalmente soltou minhas mãos, apenas para me puxar para um abraço mais apertado que o comum.
— Jungk…
— Por favor — o sussurro rouco soou ao pé do ouvido e eu fechei os olhos, tendo dificuldades em evitar o arrepio que cruzou minha espinha.
Eu não sabia o que estava acontecendo ao certo. Na verdade, não sabia o que estávamos dizendo um para o outro; naquele momento, era só sobre nós dois, abraçados de uma maneira que nunca tinha acontecido antes.
O enlace era dócil, não tinha nada de invasivo, e qualquer um que nos visse ali certamente acreditaria que fazíamos isso natural e diariamente, pelo jeito que tudo se encaixou.
Mas não.
Era sobre duas pessoas que pela primeira vez, se tratavam daquela maneira, ultrapassando os limites do aceitável ao que concerne às regras de polidez e cumprimentos.
E eu sinceramente não poderia ligar menos.
Estava tão imersa, tão surpresa, tão maravilhada, tão… aquecida com aquele ato. Ele estava mesmo me abraçando?
Minhas mãos sutilmente o envolveram de volta, traçando caminhos tímidos pelas costas largas do homem. Um pouco acima da cintura, meu tato repousou sobre seus pulmões e as pontas dos meus dedos acariciaram Jungkook, e, mesmo com um pedaço de tecido separando minha tez da dele, eu poderia sentí-la muito mais concreta do que qualquer sonho ou imaginação que já tenha tido.
Não lhe dei uma resposta, e ele não prosseguiu no assunto. Nós simplesmente ficamos ali, abraçados, e quanto mais tempo passava, mais me parecia absurdo pensar que o clima ainda não havia alcançado o ponto crítico do constrangimento. Ninguém queria sair, ninguém prendia ninguém nos braços. Estávamos ali porque queríamos, por quanto tempo quiséssemos.
Aquela constatação surgiu no exato momento em que o barulho da porta se abrindo ecoou dentro do carro. Com o susto, nos afastamos na velocidade da luz como gatos assustados, tentando disfarçar a vergonha.
— Você não vai acreditar no que eu encontrei de promoção, prima! Seu sorvete, sua sortuda! Parece que o universo está conspirando ao seu favor, trocando um nariz arrebentado por gordura hidrogenada a preço de banana. Não é o máximo?
Ela riu sozinha, enquanto eu recuperava meu ar e Jungkook estava com o cotovelo apoiado no vão da porta, com os dedos encostando em seus lábios e o olhar distante.
— Tudo bem que talvez seja necessário consumir logo, porque a validade parece estar próxima e… ei, tá tudo bem? — ela perguntou, se metendo no espaço entre os bancos e me olhando suspeita.
— Por quê?
— Você está corada. Será que está febril? Deixa eu ver — E colocou a mão gelada na minha testa, me fazendo recuar na hora.
— Ai! Que mão é essa?
— Opa, é a mão que estava no sorvete, foi mal. Jungkook, você acha que ela está com febre?
Ele se virou rápido, olhando de mim para Hyun-mee e, após ponderar alguns segundos, deu de ombros.
— Não sei… Eu…
— Cheque a testa dela — Hyun-mee pediu, ficando aflita — Se estiver apresentando febre, acho melhor voltar ao hospital.
Eu vi o exato momento em que o pomo de adão subiu e desceu na garganta de Jungkook. Com a mão ágil, ele me tocou, verificando a temperatura e desvendando o mistério instaurado pela minha prima.
— E então?
O rapaz olhou dentro dos meus olhos e suavizou a feição, dando um pequeno sorriso.
— Está sem febre. Parece bem.
Ficamos nos olhando por alguns segundos e eu me senti uma jovenzinha apaixonada, admito. Suspirei e olhei para minha prima.
— Vou ficar melhor depois de comer a sua pizza.
— Percebe como ela me explora, Jungkook?
Nós três rimos e ele deu partida no carro, colocando-nos em movimento e dando o assunto por encerrado. Momentos depois, o maknae estacionava diante do nosso prédio. Com um rosto carismático, se virou para nós.
— Estão entregues, senhoritas.
— Ué, não vai comer conosco? — Hyun-mee perguntou surpresa — A divide sorvete também, ela não é mal educada não.
Jungkook riu e negou com a cabeça.
— Não penso isso, imagine. É que estou cansado, e dirigir até em casa depois de comer pode ser um perigo, se eu estiver sonolento. Podemos deixar para uma próxima vez?
Seus olhos recaíram sobre os meus, significativos como nunca, e eu entendi que ele estava sem graça pelo que tinha acontecido antes.
Decidi respeitá-lo e concordei com um acenar.
— Sem problemas, Jungkook. Você também precisa descansar. Aliás, todos nós.
— É, só que a gente acorda cedo amanhã, né bonita?
— Quer que eu quebre seu nariz para ficar de licença também? — sugeri, gaiata.
O rapaz riu e Hyun-mee me olhou com a vista semicerrada.
— Você é ingrata, garota. Não foi essa educação que recebeu!
— Estou brincando, prima linda. Você sabe que eu te amo.
— Sei, sei. Bom, vamos então? Jungkook, já sabe onde moramos. Se precisar, só chamar. Boa noite e obrigada!
Hyun-mee saiu do carro com a bolsa de compras e eu virei para o maknae com uma feição educada.
— Muito obrigada por tudo.
— Você sabe que não há nada para agradecer. A gratidão é toda minha.
Nos encaramos com sorrisos amarelos, sem mostrar os dentes. Os olhos dele passeavam pelo meu rosto, ansiosos, e eu sentia que fazia o mesmo. Após laguna segundos, decidi dar fim àquilo
— Boa noite, Jungkook.
Eu destravei o cinto, abri a porta e quando estava saindo, meu braço foi segurado.
— Espera! — sua voz soou em suplício.
— Sim? — perguntei, atenta.
E nervosa.
E ansiosa.
E quase explodindo de curiosidade.
Ele respirou fundo, e umedeceu os lábios.
— Me desculpa por qualquer coisa. Você sabe… — E me olhou completamente sem graça. Uma parte de mim entendia sua reação, porque eu também estava, mas admito que meu cérebro ainda focava na ótima sensação daquele abraço.
— Tudo bem. Não me ofendi nem nada do tipo — respondi sincera até demais. Ele concordou de maneira breve e tornou a falar.
— Então… promete?
Obviamente se referindo ao que discutíamos antes de Hyun-mee chegar, eu suspirei e dei um sorriso. Ele não cederia, não é?
— Prometo.
Finalmente sua feição ficou leve, e ele sorriu verdadeiramente, me agradecendo com um cumprimento tradicional.
— Ótimo então. Agora eu vou dormir em paz.
Eu ri de sua cara angelical e lhe mirei com carinho.
— Boa noite, Jungkook.
— Boa noite, .
Capítulo X - Go, go
Conferi pela milésima vez o penteado pelo espelho de bolso que eu trazia na mochila. Estava impecável, conforme tinha verificado há segundos atrás. A maquiagem estava muito boa, dando um ar mais saudável ao meu rosto, nitidamente nervoso. E o uniforme? Tão perfeito quanto o olho de gatinho que lancei nas pálpebras; sutil e certeiro.
Mesmo com toda aquela cena, era inegável a minha ansiedade. Finalmente depois do repouso forçado, eu estava de volta ao meu trabalho. A pintura de Van Gogh que jazia em meu rosto estava pouco a pouco dando lugar à coloração normal, e com ajuda de uns truques de beleza, eu até parecia a mesma de sempre. Santa base, santo pó compacto!
— Olha, realmente não precisa pegar pesado hoje, tá? Eu sei que você está preocupada, mas as coisas não ficaram tão caóticas quanto parecem… — Hyun-mee disse numa entonação preocupada e cuidadosa, e eu sorri para ela, com uma cara alegre.
— Prima, relaxa. Eu sei que você fez muito por mim. Mesmo com as estratégias incríveis da Hye-jun, eu sei que o trabalho acumulou, então fica tranquila. Não vou ser pega de surpresa. Tô ligada que vai ser um dia cansativo, de um jeito ou de outro.
Ela me encarou com um bico nos lábios, e sorriu com pena, me dando um tapinha na mão, tentando me consolar com o gesto. Estávamos indo de uber para o trabalho, por pura insistência e zelo de Hyun-mee, que não aprovou a opção do transporte público.
— Você ficou olhando o grupo do trabalho, é?— ela indagou numa careta, e eu fiz cara de culpada. Mesmo prometendo que ficaria off pelos dias de repouso, era impossível não me preocupar com meus afazeres e não sentir-me levemente culpada por estar em casa sem fazer nada, enquanto minha equipe se desdobrava para dar conta das demandas. E mesmo assim, nem todas foram atendidas.
— Só dei uma espiadinha… — respondi sincera — ou quase isso.
Hyun-mee estalou a língua ao cruzar os braços.
— Não mudou nadinha mesmo — resmungou com um pequeno sorriso no canto dos lábios, e eu apenas encostei a cabeça em seu ombro, como de costume, e tentei tirar um cochilo como forma de relaxamento.
Obviamente, falhei de uma maneira miserável; mesmo de olhos fechados, não consegui ficar tranquila. Estava muito ansiosa para voltar a trabalhar — e o que mais martelava dentro de mim era como seria reencontrar Jungkook.
Pois é. Eu estava nesse nível.
Já tinha mentido e desmentido para mim mesma que não tinha nada a ver, que era só uma amizade bacana, que ele era um ótimo patrão (e que patrão!)... Mas estava particularmente cansada de dar justificativas aos meus próprios e grandes surtos a cada mensagem nova que eu e Jungkook trocávamos.
A hora da hipocrisia tinha que acabar; eu não tinha esse relacionamento todo com o resto dos meninos. Na verdade, me dava bem com eles, mas não era a mesma coisa. Com J-Hope, por exemplo, a amizade fluía com muita facilidade! Conversávamos sobre um monte de coisas e tínhamos uma conexão muito boa, principalmente quando compartilhávamos piadas e assuntos que nos faziam rir. Na realidade, era difícil não rir ao lado dele. Já no caso de Jin, a relação era pura implicância, como se fôssemos irmãos que viviam para irritar o outro — e de alguma forma, era sempre ele que começava. Jimin era o cara carinhoso, fofo, sempre deixando o clima confortável com a sua presença, daqueles que a gente quer guardar num potinho e levar para casa. Taehyung e Suga tinham uma pegada mais na deles em relação a mim, mas eram igualmente solícitos e gentis, independentemente do que acontecia. Namjoon era o líder que, mesmo nos momentos mais tranquilos, demonstrava polidez e articulação, sempre encaminhando as situações da melhor forma possível.
Mas e Jungkook? A coisa era de outro mundo! O que começou como algo muito engraçado e quase inexistente por ele parecer um bichinho do mato, hoje em dia estava mais para uma história antiga e longínqua, quase como se fosse uma outra vida. Desde memes, piadas internas, momentos cabulosos de Twister e conversas casuais, até mesmo a uma mini DR sobre minha pseudo coragem em impedir um acidente (e literalmente colocar minha cara a tapa), depois da invasão da Sasaeng.
Poderia ser uma questão de afeição e identificação com o maknae? Talvez eu realmente me desse melhor com ele do que com os demais? Sim, quem sabe? Ou talvez eu passasse tempo demais imaginando como seria se Hyun-mee não tivesse entrado de supetão no carro, naquele fatídico dia em que nos abraçamos dentro do automóvel, no estacionamento…
As coisas estavam mudadas, eu podia sentir. Até mesmo nas mensagens; durante esse tempo em que fiquei de repouso, Jungkook foi um querido, sempre conversando comigo em seus intervalos, buscando saber como estava me sentindo, o que estava fazendo, dentre outros assuntos. Nada de muita profundidade, mas quando dei por mim, percebi que passamos grande parte dos dias naquelas mensagens, e o que já era frequente, tornou-se mais ainda, se possível.
Se eu estava feliz? Radiante era a palavra!
Só que sempre surgia a eterna questão: trabalho é trabalho, romance é romance. Eles se misturam? Eu queria exclamar um enorme ‘SIM’, mas a realidade era dura; até tinha medo de pensar nos possíveis desfechos, porque nenhum deles parecia realmente ser bom. Eu poderia comprometer e muito a minha carreira, a de Hyun-mee, e até mesmo do próprio BTS, a depender das coisas.
Mas assim que esses pensamentos surgiam em minha mente, eu me tocava de que era do BTS que falávamos. Mais precisamente, de Jungkook. O cara que estava fazendo sucesso mundial com seus parceiros-irmãos! Talentoso, charmoso, educado, habilidoso em inúmeras funções, dedicado, comprometido, responsável, engraçado, inteligente e gentil. Além de ser muito, muito gato.
E eu aqui, na minha humilde personalidade, sonhando acordada sobre realmente me envolver com o cara? Às vezes minha autoestima parecia a de um macho hétero top — inabalável e altíssima!
Eu até poderia considerar uma coisa aqui e outra ali que me desse motivos para acreditar em algo a mais, entretanto, no fim das contas, estava crendo que era tudo da minha cabeça mesmo. Fantasiando coisas onde não existiam, né? Quer dizer, se fosse realmente sério, talvez Hyun-mee já tivesse percebido e vindo com tudo em minha direção, me amordaçando e me obrigando a ouvir um sermão de cinco dias e cinco noites sobre como aquilo era errado em inúmeros níveis.
E esse era o meu parâmetro mais fidedigno de que eu realmente não precisava me preocupar com nada, já que entre mim e Jungkook, o interesse era única e exclusivamente meu — o qual disfarçava com piadinhas, sorrisos amarelos e sonhos secretos.
Sim, eu estava com 16 anos novamente. E era um porre!
Naquela manhã, eu estava tão nervosa que não sei como consegui evitar mencionar Jungkook. Pelo menos para Hyun-mee, meu comportamento se dava puramente pela ansiedade, por estar de volta ao trabalho (e eu esperava que para o resto da galera também). Sendo honesta, estava bom assim.
Breve o suficiente, o carro parou diante do destino final, e lá estava eu saindo do transporte, sentindo minha mão dar uma leve suada e o ar começar a ficar rarefeito enquanto inspirava.
Caminhando silenciosamente ao lado de minha prima, chegamos na entrada como sempre. Recebi cumprimentos da recepção, e pouco a pouco, conforme chegávamos em nosso departamento, eu reencontrei o resto da equipe de staff, ganhando acenos educados e desejos de melhoras; todos muito solícitos e acolhedores.
— ! É bom te ter de volta. Como se sente? — Hye-jun me recebeu com um sorriso aberto, e eu estranhei aquela expressão que raramente habitava seu rosto, mas consegui disfarçar a surpresa e lhe sorri de volta.
— Oi chefe, me sinto bem, felizmente. Como foram as coisas por aqui nesse meio tempo?
Hyun-mee e Hye-jun se entreolharam com sorrisos forçados e eu deduzi que provavelmente tinha sido um inferno.
— Tudo… caminhando — ela respondeu com falsa modéstia — Se sente melhor para voltar às atividades?
— Sim, consegui recarregar as energias e me sinto mais disposta.
O olhar animado de Hye-jun foi justificado quando ela colocou o tablet bem na minha cara, mostrando o cronograma do dia.
— Ótimo! Trabalho é o que não falta, então deixe suas coisas no armário e venha se atualizar sobre as tarefas. Como pode ver, o dia está cheio.
— Está cheio mesmo… — Arqueei a sobrancelha, descendo o dedo no tablet, vendo todas as demandas acumuladas. — Tem alguma coisa com prioridade para ser executada?
— Tudo é prioridade para hoje, na verdade… Temos muitos prazos batendo, mas nada tão pessoal. Acho que podemos lidar com isso se não ultrapassarmos demais os horários organizados, vê? — Hye-jun apontou para o primeiro compromisso do dia. — Hoje teremos os ensaios oficiais de palco, com banda, os dançarinos de apoio e os meninos. Isso significa que vamos trabalhar totalmente em grupo, no auditório, dando apoio à equipe que contabiliza tempo de troca de figurino, ao retoque de maquiagem, dar apoio à equipe do audiovisual, dentre todos esses detalhes. Praticamente será o dia todo nisso, e amanhã também, então preciso saber se você está disposta a lidar com essa demanda. Tudo bem para você?
— Claro, conte comigo! — respondi, me sentindo útil.
— Ótimo, obrigada por isso e desculpe por não conseguir ser tão tranquilo. Saiba que se eu pudesse, você ficaria em casa para não precisar voltar em plena sexta-feira. Mas as coisas estão loucas por aqui. Entretanto, eu te garanto que não vou expor a situações de risco, como foi o que aconteceu. Estamos fazendo de tudo para garantir que as coisas saiam da melhor forma possível, e acredite: eu fiquei horas na reunião com a equipe de segurança. Acho que eles entenderam o recado. Mais uma vez, sinto muito que tenha sido lesada por um erro grotesco desses… — Hye-jun fechou os olhos como se fizesse esforço para não se lembrar da raiva que aquele assunto lhe causava, e eu segurei seu ombro com carinho, fazendo-a me olhar.
— Eu sei que as coisas estão conturbadas, Hye-jun. Na verdade eu te agradeço, sei que o dia certo do meu retorno era ontem, mas você foi muito acolhedora com a minha situação e ter pedido para eu ficar em casa. Sei que trabalho externo sempre é complicado, mas espero que tenha tudo saído bem e… é isso! Hoje é um novo dia, então vamos fazer nosso melhor. Não tenho dúvidas de que tudo vai ficar incrível.
A chefe respirou com mais calma e fez um sinal de agradecimento com as mãos, como se desejasse que minhas palavras se tornassem realidade.
— Já entendi que vocês merecem aumento, vou sugerir isso numa próxima reunião! — Nós rimos daquela pequena piada e ela voltou a falar — Muito obrigada pelo seu apoio. Vamos à obra!
(...)
— Essa é a jaqueta do dançarino da ponta esquerda — Hyun-mee me entregou a roupa e eu franzi o cenho.
— De qual música?
— “Begin”, não é?
— Eu acho que é de “Not Today” — respondi, conferindo na etiqueta e confirmando minhas suspeitas. — É, “Not today”.
— Jura? E o que que ela está fazendo no cabideiro de “Begin”, cacete? O staff que arrumou isso, fez igual a cara dele.
Eu prendi uma risada, achando graça no jeitinho vovó Kang em dar broncas, que habitava em Hyun-mee.
— Devem ter confundido, já que são bem parecidas. Relaxa, eu conserto isso. Fica de olho aí que eu já volto.
Peguei a jaqueta e fui direto no cabideiro de Begin, me sentindo inquieta, já que haviam se passado duas horas e nada de ver os meninos. Eles estavam presos no trânsito a caminho da empresa, porque fizeram uma gravação numa rádio logo cedo, e estariam de volta para os ensaios assim que chegassem.
Mas a quem eu queria enganar? Meu humor “xoxado” tinha muito mais a ver com o fato de não ter encontrado o golden maknae, do que qualquer outra coisa.
E eu me maquiei!
Maldito trânsito de merda.
— E aí, encontrou? — Hyun-mee me despertou dos pensamentos, e eu logo dei um joinha, colocando as coisas no lugar.
Terminamos de conferir os figurinos e logo os dançarinos foram chegando no local de ensaio, sendo seguidos por Hye-jun, que visualizava o celular e o tablet ao mesmo tempo.
— Hyun-mee, já terminou essa parte?
— Finalizando, chefe.
— Certo, então , pode separar os figurinos dos rapazes? Eles finalmente estão chegando.
— Claro! — respondi com uma alegria incomum e Hyun-mee arqueou uma sobrancelha ao estranhar minha felicidade, já que a gente não tinha parado um segundo desde que chegou.
Disfarcei a animação com um pigarro e fui fazer o que me foi pedido, tentando focar no trabalho e menos no elefante que morava na minha barriga. Fui separando roupa por roupa, deixando tudo no esquema para quando eles chegassem, não precisassem esperar.
— Duvido que eles comeram alguma coisa… Acho melhor deixar uns amendoins para dar uma força — pensei comigo mesma, já sacando os pacotinhos da bolsa tira colo que eu levava comigo.
Curiosamente ou não, deixei o figurino de Jungkook por último, me permitindo imaginar como ele ficaria no traje. Era algo tão comum e belo quanto o dos outros, mas automaticamente sorri com a sua imagem em minha mente; ele todo vestido, dançando e cantando como a perfeição que era. Meus pensamentos foram além e me trouxeram lembranças do sonho que tive com o idol.
Mordi meu lábio e coloquei a mão no peito, pensando em como uma memória poderia desencadear um batimento cardíaco acelerado. O que diabos estava acontecendo comigo!?
— Eu estou ficando louca, só pode… — balancei a cabeça, deixando o amendoim em cima da roupa.
— Eu não sabia que você falava sozinha.
A mão voltou ao peito em tempo recorde e eu dei um salto no lugar, dando um berrinho ao expressar meu susto.
As risadas foram automáticas e quando me virei, dei de cara com um Jungkook risonho e o resto dos meninos se divertindo às minhas custas.
Respirei fundo, olhando para todos num misto de graça e vergonha. Jungkook deu de ombros.
— Mas é chato quando você fala sozinha e em português. Aí fica difícil pescar uma fofoca.
Eu rolei os olhos e cruzei os braços, tentando acalmar meu coração (que já não se acelerava por susto, e sim pela proximidade do idol).
— Você quer me matar? Assim eu morro!
— Eu não acredito que você acabou de voltar de licença e já quer arranjar desculpa para não trabalhar — Jin caçoou e eu fiz uma careta para ele.
— Vou considerar sua fala como um ato de saudades, Jin.
O desgraçado riu como nunca, e deu uma piscadela marota ao encostar a mão em meu ombro gentilmente.
— Fico feliz que esteja de volta — ele disse com seriedade e eu quase engasguei com aquele momento raro, mas apenas agradeci com uma aceno de cabeça.
— Como se sente? — Jimin perguntou e eu sorri automaticamente.
— Bem! Estou melhorando cada vez mais, obrigada por perguntar.
— Deu para descansar, florzinha? — J-Hope se aproximou de braços abertos e eu super dei um abraço; estava morrendo de saudades da sua energia.
— Deu sim, até coloquei umas séries em dia!
— Nossa, dormir e assistir séries: eu preciso que uma sasaeng me chute agora mesmo! — Suga comentou alto e a galera riu.
— Mas está disposto a colocar seu lindo rostinho em risco? Nossa staff aqui foi corajosa… — Taehyung observou a reação do amigo de maneira suspeita e Suga fez uma careta ao segurar a ponta do nariz, arrancando mais risadas.
— Ainda dói? — Jungkook perguntou, preocupado. Eu sorri tranquila, dando de ombros.
— Um pouco, mas não dói mais quando eu rio ou sorrio. Não é tão ruim quando eu penso que tenho um quadro do Van Gogh no meio da cara.
Por incrível que pareça, RM gargalhou mais alto que todos, e assim, veio me cumprimentar com um curto abraço de lado.
— Se está fazendo piadas, é um bom sinal. Pegue leve hoje, certo?
— Vocês também! Os figurinos já estão separados, mas eu deixei uns amendoins caso não tenham…
— Você disse amendoim? — Taehyung perguntou com surpresa, sendo seguido por Jimin, e logo os “souvenirs” foram consumidos pelos meninos, que agradeceram um por um pelo agrado.
— Você sempre mimando a gente… — Jungkook comentou, parando ao meu lado, enquanto observávamos o resto do pessoal comendo feliz. Eu dei de ombros, me sentindo aquecida com aquela cena.
— Eu fico feliz em ajudar. Sei que a rotina está pesada… — respondi, pensativa.
— Nem fala, tudo ficou um caos. Você fez falta.
Eu arregalei os olhos ao ouvir aquilo, mas logo me recompus.
— Fiz, é? — perguntei, tentando disfarçar a reação. Mas parece que foi a vez de Jungkook ficar sem graça.
— É, quer dizer… Hm, o trabalho, a rotina… Você sabe. Toda essa loucura — Ele pigarrou e sorriu sem mostrar os dentes.
— Ah. Então foi só minha mão de obra que fez falta? — Decidi brincar e Jungkook fez uma cara muito engraçada, levando três segundos para pensar numa resposta.
Sim, eu contei.
— Não! Não, não é isso. Quer dizer, é isso também, mas…
Eu o interrompi com as minhas risadas, quebrando o gelo e dando tapinhas em seu ombro.
— Relaxa, eu só estava brincando. Sei que estava tudo conturbado, mas vamos correr atrás do prejuízo. Tenho certeza de que conseguiremos recuperar o tempo perdido.
Por fim, o maknae me olhou desconfiado e sorriu, encarando novamente os meninos.
— Sei que para mim é fácil falar, porque estou numa posição totalmente diferente de Hye-jun ou de sua prima mas… — Seu olhar de soslaio me chamou a atenção, e ele me observou com um ar de sinceridade. — Acho que foi disso que mais senti falta.
— Do quê? — indaguei, me sentindo curiosa.
— Da sua forma de encarar as coisas. De apoiar, trabalhar em conjunto e nos convencer de que de alguma forma, tudo vai dar certo. — Ele virou o rosto totalmente para mim, me olhando sério. — Você fez falta de verdade.
Eu suspirei de uma maneira muito apaixonada (e totalmente inevitável) diante do k-idol. Acenei rapidamente com a cabeça e umedeci os lábios, desviando do olhar dele, tão intenso.
— Obrigada, Jungkook. Estou realmente feliz de ver vocês de novo… E ao que tudo indica, todos estão bem, então… É bom vê-los assim — sorri, deixando minha cabeça tombar levemente, pensando se minha frase fez muito ou pouco sentido.
Mas eu realmente senti saudades. Não era uma surpresa e nem uma mentira; tanto que o rapaz deu uma risada curta e cruzou os braços, me dando uma leve ombrada, bem sutil.
— Admite, você estava louca de saudades da gente!
— Eu não vou dizer nada sem a presença do meu advogado! — retruquei, brincalhona, e logo meu celular começou a tocar, mostrando o despertador que eu havia deixado acionado para tomar meu remédio. — Opa, preciso me drogar.
Jungkook arregalou os olhos e franziu o cenho.
— Quê!?
Eu ri e puxei a cartela da minha bolsa, mostrando para ele.
— Hora do remédio! — expliquei com uma careta engraçada e Jungkook deu uma risada gostosa.
— Você tem sempre as melhores falas.
Eu sorri com sua reação e logo fiz um sinal de silêncio com o dedo, entrando no clima.
— Não conta para ninguém!
— Esse será nosso segredo — ele piscou galanteador e eu soltei uma risadinha, sentindo aquele friozinho na barriga de costume e percebi que os meninos pouco a pouco terminaram seu pequeno lanche. Verifiquei o horário e dei meu melhor sorriso.
— Pessoal, vamos? Podem trocar de roupa que a equipe já está aguardando vocês. Quase tudo pronto para os ensaios!
— Mandona ela, né? — Jin implicou e eu fiz cara de tédio, rindo logo em seguida ao ver Suga dando um tapa no pescoço dele.
— Para de irritar a garota, ela ainda está se recuperando.
— Jin não dá trégua! — Jimin comentou, indo em direção ao mais velho e dando um abraço nele — Isso tudo é saudade? Você está carente, quer um abraço?
— Eu acho que ele quer um abração! — J-Hope puxou o coro e todos acabaram fazendo um tumulto em cima de Jin, o que me fez rir horrores.
Nessa confusão, eles pegaram as roupas e seguiram para o camarim — não sem antes acenar para mim, que retribuí o cumprimento.
Fui em busca do bebedouro ali perto, para encher a minha garrafa e tomar o bendito remédio. Quando estava matando a sede, ouvi uma voz atrás de mim.
— Então ela voltou!
O engasgo foi instantâneo; a sorte foi que o remédio já tinha sido engolido, mas, céus! Qual era o problema daquela gente em assustar alguém enquanto chega por trás?
— Eita, foi mal! Te assustei, né? — O roadie gatinho deu umas batidinhas nas minhas costas enquanto eu voltava a respirar com naturalidade.
— Imagina! — Eu respondi com a voz falha, xingando o cara mentalmente. — Tudo bem?
— Eu que pergunto! Como você está? Melhor, espero!
— Tudo caminhando, na verdade acabei de tomar meu medicamento. Mas sim, bem melhor! — expliquei com um sorriso educado, e Jae-in fez o mesmo, colocando as mãos no bolso.
— Poxa, isso é muito bom! Está melhor a ponto da gente tomar um café depois do expediente?
Oi? Que investida, do nada!
— Um café? — eu repeti a palavra, pensando sobre a situação e me sentindo estranha.
— É! Tem um ótimo que abriu ali na esquina. Se for muito tarde para um café, a gente pode tomar outra coisa, ou fazer outro programa…
— Outro… programa?
Meus olhos piscavam mais do que de costume, e eu estava tendo dificuldades para lidar com aquele convite. Foi quando eu achei que nada mais poderia me surpreender, o gatinho simplesmente se aproximou e me olhou mais sério.
— O trabalho às vezes é muito agitado, e da última vez acabou não rolando pelo incidente… — Jae-in apontou para meu rosto e eu automaticamente toquei a ponta do meu nariz, tentando pensar no que responder.
— É verdade — dei um sorriso amarelo, suspirando.
— Então que tal a gente sentar, beber alguma coisa, comer algo gostoso? E aí você me conta sobre a sua recuperação, como está se sentindo… O que acha?
— Ah, nossa! Você tem uma boa proposta em mente — respondi, ganhando mais tempo.
— Que bom que gostou! E então, o que me diz? — ele perguntou, sorridente.
Suspirei, pensativa. Foram longos segundos até eu conseguir falar algo bom.
— Bom… Eu ainda estou me recuperando, sabe? Tenho algumas restrições, ainda estou sob medicação, sentindo alguns desconfortos… E hoje é meu primeiro dia de volta ao trabalho! Sinceramente, posso estar um caco no fim do dia, então… seria muito ruim adiar? — sorri forçadamente, enquanto me sentia esquisita com aquela conversa. Por que eu declinava o convite?
Por um lado, minha justificativa não era mentira, mas… por outro, também não estava tão a fim de curtir um date com Jae-In, e isso de certa forma me deixava receosa, porque não era assim há um tempo atrás. Quando cheguei, tinha achado Jae-in super interessante, gatinho, educado, bom de papo, mas… com o passar do tempo, o entusiasmo foi minguando, e eu nem precisava ir muito longo para saber o porquê.
Na verdade, quase revirei meus olhos ao pensar sobre isso, porque era tão óbvio que eu me sentia uma idiota.
Jae-In interrompeu meus pensamentos, sendo novamente educado e compreensivo.
— Ah, eu super entendo! Então, o que acha da gente marcar para quando você se sentir melhor, quando o remédio tiver terminado, talvez? — o rapaz sugeriu com uma expressão solícita.
Respirei fundo, pensando que talvez uma chance ao acaso não fosse totalmente ruim. Talvez eu precisasse respirar outros ares, abranger meus pensamentos… não sei! Quem sabe? (Certamente, não eu)
Havia uma leve forçação de barra da parte dele, mas Jae-in parecia ser um cara legal. Talvez se tornasse um amigo, não é? Quer dizer, tudo era possível!
“A eterna cobrança de não desagradar ninguém” uma voz interna veio me cortando, enquanto eu engolia a seco com aquela verdade nada sutil.
— A gente combina algum dia sim, vamos nos falando, pode ser? — falei de uma só vez, cruzando os braços na frente do meu corpo.
— Claro! Fechado, então! Vamos nos falando e… bom, tenha um ótimo retorno! — Ele sorriu animado, e, num movimento ligeiro, deixou um beijo no meu rosto, saindo rápido como um foguete logo em seguida.
Espera aí: ele realmente tinha me dado um beijo?
Que assanhadinho!
Fiquei com a mão na bochecha vendo-o partir, pensando em várias coisas: enquanto uma parte de mim brigava ao questionar “Por acaso ele faria isso com coreanas!?”, a outra só deixava o circo pegar fogo ao dizer “Se fosse há um tempo atrás, estaria toda felizinha.”
Obviamente nenhuma dessas vozes ganhou. A única foi a que se pronunciou de fato, verbalmente.
— Merda — falei baixo comigo mesma, passando as mãos no rosto enquanto recuperava fôlego, pensando no óbvio; a verdade era inevitável!
Eu fantasiava demais com Jungkook para me interessar pelos outros caras. Isso era o auge do auge.
Da decadência.
Se é que faz sentido…
Eu poderia ter fantasiado com pessoas mais acessíveis, né? Mas lá estava eu, sonhando acordada e comemorando toda e qualquer mensagem recebida pelo maknae — que não bastava ser gato, inteligente, gentil, interessante e cuidadoso! Ele também cantava, dançava e até quando rimava na brincadeira, o fazia de forma extremamente maravilhosa! Simplesmente inalcançável, e eu? Apenas assumindo-o como ponto de partida para “seres interessantes que eu pegaria até as vacas criarem asas e o inferno congelar com direito a bonecos de neve”.
POR QUE EU ERA ASSIM!?
— Você se supera, cara — retirei a mão do meu queixo, me sentindo meio raivosa comigo mesma, ainda sentindo os pensamentos borbulhando. Quando consegui me recompor, dei um pequeno giro em meus pés e caminhei de volta para meu lugar. E qual não foi minha surpresa ao perceber Jungkook me olhando com um semblante curioso?
Ele estava totalmente vestido — e lindo! — mas algo na sua expressão o deixava com um aspecto “fora de órbita”, como se estivesse refletindo sobre algo enquanto me encarava.
Foi então que me aproximei dele com um sorriso educado, já sentindo o mau humor indo embora enquanto a animação voltava apenas por estar na presença do idol (e me sentindo bem idiota ao constatar isso). Acenei com a minha mão bem diante do seu rosto, de forma lenta.
— Terra chamando Golden Maknae! Tem alguém aí? — brinquei e ele sorriu sem graça.
— Sim! Eu só… Hm, não é nada. Tomou seu remédio? — Ele apontou para a garrafinha e eu confirmei com a cabeça.
— Sim! Menos um!
— Isso é ótimo!
— Sim! Muito!
Nós sorrimos um para o outro, mas algo estava estranho. O clima estava meio engessado, e eu fiquei inquieta. Acabei trocando de peso na perna umas três vezes, e por fim, Jungkook quebrou o silêncio.
— Eu acho que vou seguir seu exemplo e me… hidratar!
— Claro! Vai sim, se hidratar é preciso! Uma ótima atitude!
Ele sorriu sem mostrar os dentes e foi andando a passos largos, se distanciando depressa, enquanto eu tentava entender o que tinha acontecido ali.
Quando ele voltou, todos estavam prontos para o ensaio e logo se encaminharam para o palco, não dando tempo de absolutamente mais nenhuma interação que não fosse estritamente profissional. À pedido de Hye-jun, eu acompanhei da plateia, dando uma ajuda na parte do audiovisual conforme sua orientação.
E, meu Deus do céu. O que era aquele início de show?
Sério, cada detalhe deixava tudo quase mágico; as luzes, a ornamentação do palco, as cores em cada canto, simplesmente dava ao local toda a estrutura que o BTS merecia. Eu estava particularmente encantada, felizmente sem perder a noção da minha função ali.
Eu estava falando com Hyun-mee quando os primeiros acordes de uma música específica começaram. Estava no meio da fala quando minha boca abriu e jamais se fechou, pela vista que meus olhos registravam.
— ? O que tem o ar-condicionado?
Eu não consegui responder. Jungkook acabava de entrar no palco cantando as primeiras frases de Begin, e eu senti meu oxigênio sair do corpo num estalar de dedos, enquanto meus olhos capturavam tudo o que viam; qualquer detalhe dele era precioso demais para ser perdido.
Amugeotdo eobtdeon yeoldaseosui na
(Quando eu tinha quinze anos, eu não tinha nada)
Sesangeun cham keosseo neomu jageun na
(O mundo era muito grande e eu era pequeno demais)
— ?
— Puta que pariu — sussurrei mais para mim do que para Hye-jun no outro lado, mas ela tornou a questionar, mais incisiva.
— Fala logo, o que aconteceu? Deu merda? Deu merda com o ar-condicionado?
Continuei sem falar nada, apenas sentindo meus pés automaticamente indo mais para frente do palco; eu estava verificando a temperatura do ar-condicionado central lá no fim do auditório, quando a música começou, mas três segundos depois, eu já estava bem mais perto, segurando o tablet com força contra meu peitoral enquanto segurava o celular no ouvido, sem sequer dando bola para Hyun-mee — eu só conseguia apreciar Jungkook performando.
Ije nan sangsanghal sudo eobseo
(Agora eu nem consigo imaginar imaginar)
Hyanggiga eobtdeon teong bieoitdeon na na
(Eu que não tinha cheiro e era vazio)
I pray
(Eu rezo)
Love you, my brother hyeongdeuri isseo
(Te amo, meu irmão, eu tenho irmãos)
Gamjeongi saenggyeosseo na naega dwaesseo so I’m me
(Eu descobri emoções, me tornei eu, então eu sou eu)
Now I’m me
(Agora eu sou eu)
— , caralho!
— Já te ligo — desliguei e guardei o celular no bolso como um robô, deixando meu braço cair ao meu lado, inerte.
Eu não acreditava que estava vendo aquilo de camarote, praticamente! Na ‘platéia’, totalmente escuro devido a iluminação voltada pro palco, me sentia apenas uma coruja no meio da floresta, encarando a beleza dos vagalumes e das estrelas. Jungkook brilhava tal qual elas.
Mas tudo mudou quando o refrão veio; eu tive uma nítida lembrança do meu sonho nada inocente com o idol, e uma gota de suor desceu da minha nuca até o meio das minhas costas, desencadeando um arrepio incontrolável diante de tudo aquilo que acontecia.
You make me begin
(Você me faz começar)
You make me begin
(Você me faz começar)
Cada passo, cada inclinada, cada olhar… Jungkook era incrível em sua performance, e mesmo com a presença dos outros dançarinos, parecia que apenas ele estava ali; era o centro das atenções, ou pelo menos, da minha.
Quando pensei que nada poderia me surpreender, num ato súbito, seu rosto olhou para frente e em pouco tempo seu olhar se conectou ao meu.
E ali foi a minha total derrocada — eu não estava disfarçando meu encantamento por ele. Não conseguiria ainda que tentasse! Somente era capaz de vislumbrar, de acompanhar, sentindo o ar rarefeito entrando e saindo dos pulmões.
Sobreviver já estava sendo difícil, mas se tornou praticamente impossível quando percebi um sorriso quase invisível surgir no canto de seus lábios.
Errata: ali foi a minha derrocada.
As pernas ficaram bambas, as mãos suadas. Dali em diante, Jungkook raramente desviou o olhar, e parecia que de alguma forma meu sonho havia se tornado realidade: ele dançava para mim enquanto performava seu solo.
Eu não sei quanto tempo fiquei ali, de um jeito quase zumbi. Mas somente quando as luzes do palco se apagaram e os aplausos da equipe vieram, é que eu senti retornar a “superfície”. Principalmente porque Hyun-mee chegou arfando do meu lado, feito um furacão:
— Sua louca! Como assim você não me atende?
— Oi? — perguntei, me virando para ela.
— Alô, terra para !? Céus, você nem retornou minhas ligações! Eu achei que o ar-condicionado estivesse pegando fogo pela forma que você desligou!
Eu engoli a seco e pigarrei antes de me justificar.
— Desculpa, prima, foi só… Er, eu liguei para saber se tinha outro controle, porque não estava conseguindo alterar a temperatura para ficar mais frio.
— Não acredito! Era isso? — ela indagou irritada e bufou, tirando outro controle de ar-condicionado de seu bolso e apontando para o aparelho central, logo alterando o clima. Depois, retirou um pacote de pilhas de sua bolsa tira-colo e logo pegou o meu controle, fazendo a troca necessária. — Sempre carregue novas pilhas. Não dá para depender das antigas, principalmente quando a gente usa o auditório, porque pode acabar virando um inferno por causa do calor!
— Sei… — respondi qualquer coisa, ainda pensando sobre o que tinha acabado de presenciar.
Hyun-mee parou de dar sua pequena aula e me encarou com a sobrancelha arqueada.
— Tá tudo bem? Você parece quente. Está febril? — e colocou a mão na minha testa, enquanto eu rolava os olhos e tirava sua mão dali.
— Estou bem, eu só… estou voltando ao ritmo — falei meio cansada, massageando meu pescoço.
— Muito cedo para voltar? — perguntou preocupada e eu a encarei por um segundo, logo perdendo qualquer irritação e dando um sorriso ameno.
— Não, estou bem. Obrigada pela dica, preciso voltar ao camarim. Valeu, quebrou um galhão!
Me despedi com um pequeno abraço e logo saí andando dali às pressas, pois sabia que se continuasse, Hyun-mee acabaria fazendo perguntas demais, e eu não sei se seria capaz de desmenti-las ou esconder a verdade.
Que era uma só: eu estava sonhando acordada com Jungkook performando.
Taquei pedra na cruz com chiclete, só pode!
Felizmente ou não, depois dali me enchi de tarefas que fizeram valer o meu salário por todo o mês. Ou pelo menos para os dias que estive fora, mas tudo bem, né? Afinal de contas, ou era arrumar uma ocupação ou ficar me torturando enquanto lembrava de Jungkook — tanto do sonho quanto do real! Ambos, grudados em minha mente muito doida e bem gamada no idol.
O dia passou voando devido a própria correria e bem, eu mal poderia esperar para chegar em casa, dando muitas graças por ser sexta-feira. Estava sentada na sala de espera aguardando Hyun-mee sair do vestiário. Ela foi muito esperta em me sugerir levar uma muda de roupa e tomar banho lá; o dia foi tão corrido quanto quente. O inverno começava a se despedir e a primavera dava seu olá de uma forma bem calorosa.
— Ai, sextou! Amém! — Hyun-mee chegou remexendo as madeixas molhadas, jogando o cabelo para um lado e para o outro, deixando o ambiente com o cheiro de seu shampoo. — Demorei muito?
— Só a tempo de assistir a trilogia do Senhor dos Anéis, nada demais… — comentei enquanto lixava a unha do mindinho.
— Babaca, já está melhor né? — Ela riu e me deu um tapa no ombro, no qual eu fingi ser brutalmente atingida, enquanto guardava a lixa no bolso da mochila.
— Você está maluca? Eu estou em recuperação! Eu posso te denunciar, sabia? — fiz uma careta assustadora e ela rolou os olhos, rindo.
Me juntei às risadas, mas logo parei quando Jae-In passou ao longe, me encarando com um sorriso e dando tchau com sua mão. Eu sorri de volta, devolvendo seu aceno e recebi uma piscadela do cara, antes dele sumir pela porta do elevador.
Hyun-mee olhou tudo com desconfiança e sorrisinhos implicantes, e eu respirei fundo antes mesmo dela tecer algum comentário.
— Hm, tchauzinho né?
— Cala a boca — comentei rindo, enquanto ela se sentava ao meu lado, mexendo no celular.
— Mas e aí, quando sai o encontro?
Viram só? Nem mesmo ela me dava trégua.
— Ah, prima, quando eu estiver melhor. Não estou com muita cabeça para isso não, confesso…
Ela parou de mexer na hora, deixando o aparelho bambo nas mãos, e me encarou como se eu estivesse cometendo um crime.
— Você o quê? — Eu suspirei, levantando da cadeira enquanto caminhava em círculos. Estava agoniada! — É sério? Você não estava a fim dele? O que rolou?
Pois é. Acho que não tinha uma resposta concreta.
— Não aconteceu nada… — respondi enquanto coçava a nuca — Só que agora a gente vai entrar numa reta muito comprometida do trabalho. Não dá para ficar exatamente tranquila, sabe? Se envolvendo e tendo risco de estragar tudo. Imagina se algo dá errado na estreia do BTS? Eu ia ficar muito puta comigo mesma, então… Decidi esperar.
Eu estava de parabéns por arranjar uma desculpa tão rápido e tão hipócrita, já que sonhava acordada com Jungkook — e trabalhava mais com ele do que com Jae-In, obviamente — o que não me impedia de aceitar todos os momentos mínimos que nos faziam ficar próximos.
Eu era a rainha da hipocrisia.
Hyun-mee abriu os olhos esbugalhados e movimentou a cabeça afirmativamente, dando pequenas palminhas.
— Nossa, que maduro da sua parte. Achei bem bacana! Vovó Kang estaria orgulhosa!
Eu sorri zombeteira e dei o dedo do meio para ela.
— Não vem com essa que você sabe que eu sou madura, tá?
Hyun-mee riu e levantou da cadeira, com a mochila nas costas.
— É, é sim! A ponto de apanhar por causa de idol!
— Podemos concordar que isso foi uma estratégia de exigir aumento salarial ou pelo menos manter o emprego? Vovó aprovaria, você sabe.
Nós duas rimos juntas e fomos interrompidas por um chamado nada discreto.
— Meninas! — J-Hope chegou correndo animado por trás de nós, me dando um pequeno susto enquanto deixava seus braços pendurados em nossos ombros. — Foi uma semana de intenso trabalho! O que acham de um happy hour?
Os olhos de Hyun-mee brilharam mais rápido do que fogos explodindo, enquanto eu apenas escutava a ideia.
— Happy hour? — minha prima perguntou sorridente.
— Sim! Falei com Namjoon e os meninos também toparam. Tem um pub com área privativa que gostamos de ir, é bem legal e aconchegante! Vamos? Aproveitamos para comemorar a recuperação da nossa florzinha aqui! — E, num ato carinhoso, apertou minha bochecha, o que me fez rir momentaneamente.
Hyun-mee olhou para mim com olhos de gatinho de Shrek e eu suspirei enquanto mordia o lábio.
— Vamos, prima? — ela perguntou e J-Hope entendeu a deixa, se unindo a ela no quesito pedinte.
— É! Vamos, ? — E seus olhos ficaram ainda mais brilhantes.
De um lado, minha prima-irmã.
Do outro, a esperança e o sol do mundo inteirinho.
Como era possível negar algo para aqueles dois?
Céus. Eu estava lascada.
Mesmo com toda aquela cena, era inegável a minha ansiedade. Finalmente depois do repouso forçado, eu estava de volta ao meu trabalho. A pintura de Van Gogh que jazia em meu rosto estava pouco a pouco dando lugar à coloração normal, e com ajuda de uns truques de beleza, eu até parecia a mesma de sempre. Santa base, santo pó compacto!
— Olha, realmente não precisa pegar pesado hoje, tá? Eu sei que você está preocupada, mas as coisas não ficaram tão caóticas quanto parecem… — Hyun-mee disse numa entonação preocupada e cuidadosa, e eu sorri para ela, com uma cara alegre.
— Prima, relaxa. Eu sei que você fez muito por mim. Mesmo com as estratégias incríveis da Hye-jun, eu sei que o trabalho acumulou, então fica tranquila. Não vou ser pega de surpresa. Tô ligada que vai ser um dia cansativo, de um jeito ou de outro.
Ela me encarou com um bico nos lábios, e sorriu com pena, me dando um tapinha na mão, tentando me consolar com o gesto. Estávamos indo de uber para o trabalho, por pura insistência e zelo de Hyun-mee, que não aprovou a opção do transporte público.
— Você ficou olhando o grupo do trabalho, é?— ela indagou numa careta, e eu fiz cara de culpada. Mesmo prometendo que ficaria off pelos dias de repouso, era impossível não me preocupar com meus afazeres e não sentir-me levemente culpada por estar em casa sem fazer nada, enquanto minha equipe se desdobrava para dar conta das demandas. E mesmo assim, nem todas foram atendidas.
— Só dei uma espiadinha… — respondi sincera — ou quase isso.
Hyun-mee estalou a língua ao cruzar os braços.
— Não mudou nadinha mesmo — resmungou com um pequeno sorriso no canto dos lábios, e eu apenas encostei a cabeça em seu ombro, como de costume, e tentei tirar um cochilo como forma de relaxamento.
Obviamente, falhei de uma maneira miserável; mesmo de olhos fechados, não consegui ficar tranquila. Estava muito ansiosa para voltar a trabalhar — e o que mais martelava dentro de mim era como seria reencontrar Jungkook.
Pois é. Eu estava nesse nível.
Já tinha mentido e desmentido para mim mesma que não tinha nada a ver, que era só uma amizade bacana, que ele era um ótimo patrão (e que patrão!)... Mas estava particularmente cansada de dar justificativas aos meus próprios e grandes surtos a cada mensagem nova que eu e Jungkook trocávamos.
A hora da hipocrisia tinha que acabar; eu não tinha esse relacionamento todo com o resto dos meninos. Na verdade, me dava bem com eles, mas não era a mesma coisa. Com J-Hope, por exemplo, a amizade fluía com muita facilidade! Conversávamos sobre um monte de coisas e tínhamos uma conexão muito boa, principalmente quando compartilhávamos piadas e assuntos que nos faziam rir. Na realidade, era difícil não rir ao lado dele. Já no caso de Jin, a relação era pura implicância, como se fôssemos irmãos que viviam para irritar o outro — e de alguma forma, era sempre ele que começava. Jimin era o cara carinhoso, fofo, sempre deixando o clima confortável com a sua presença, daqueles que a gente quer guardar num potinho e levar para casa. Taehyung e Suga tinham uma pegada mais na deles em relação a mim, mas eram igualmente solícitos e gentis, independentemente do que acontecia. Namjoon era o líder que, mesmo nos momentos mais tranquilos, demonstrava polidez e articulação, sempre encaminhando as situações da melhor forma possível.
Mas e Jungkook? A coisa era de outro mundo! O que começou como algo muito engraçado e quase inexistente por ele parecer um bichinho do mato, hoje em dia estava mais para uma história antiga e longínqua, quase como se fosse uma outra vida. Desde memes, piadas internas, momentos cabulosos de Twister e conversas casuais, até mesmo a uma mini DR sobre minha pseudo coragem em impedir um acidente (e literalmente colocar minha cara a tapa), depois da invasão da Sasaeng.
Poderia ser uma questão de afeição e identificação com o maknae? Talvez eu realmente me desse melhor com ele do que com os demais? Sim, quem sabe? Ou talvez eu passasse tempo demais imaginando como seria se Hyun-mee não tivesse entrado de supetão no carro, naquele fatídico dia em que nos abraçamos dentro do automóvel, no estacionamento…
As coisas estavam mudadas, eu podia sentir. Até mesmo nas mensagens; durante esse tempo em que fiquei de repouso, Jungkook foi um querido, sempre conversando comigo em seus intervalos, buscando saber como estava me sentindo, o que estava fazendo, dentre outros assuntos. Nada de muita profundidade, mas quando dei por mim, percebi que passamos grande parte dos dias naquelas mensagens, e o que já era frequente, tornou-se mais ainda, se possível.
Se eu estava feliz? Radiante era a palavra!
Só que sempre surgia a eterna questão: trabalho é trabalho, romance é romance. Eles se misturam? Eu queria exclamar um enorme ‘SIM’, mas a realidade era dura; até tinha medo de pensar nos possíveis desfechos, porque nenhum deles parecia realmente ser bom. Eu poderia comprometer e muito a minha carreira, a de Hyun-mee, e até mesmo do próprio BTS, a depender das coisas.
Mas assim que esses pensamentos surgiam em minha mente, eu me tocava de que era do BTS que falávamos. Mais precisamente, de Jungkook. O cara que estava fazendo sucesso mundial com seus parceiros-irmãos! Talentoso, charmoso, educado, habilidoso em inúmeras funções, dedicado, comprometido, responsável, engraçado, inteligente e gentil. Além de ser muito, muito gato.
E eu aqui, na minha humilde personalidade, sonhando acordada sobre realmente me envolver com o cara? Às vezes minha autoestima parecia a de um macho hétero top — inabalável e altíssima!
Eu até poderia considerar uma coisa aqui e outra ali que me desse motivos para acreditar em algo a mais, entretanto, no fim das contas, estava crendo que era tudo da minha cabeça mesmo. Fantasiando coisas onde não existiam, né? Quer dizer, se fosse realmente sério, talvez Hyun-mee já tivesse percebido e vindo com tudo em minha direção, me amordaçando e me obrigando a ouvir um sermão de cinco dias e cinco noites sobre como aquilo era errado em inúmeros níveis.
E esse era o meu parâmetro mais fidedigno de que eu realmente não precisava me preocupar com nada, já que entre mim e Jungkook, o interesse era única e exclusivamente meu — o qual disfarçava com piadinhas, sorrisos amarelos e sonhos secretos.
Sim, eu estava com 16 anos novamente. E era um porre!
Naquela manhã, eu estava tão nervosa que não sei como consegui evitar mencionar Jungkook. Pelo menos para Hyun-mee, meu comportamento se dava puramente pela ansiedade, por estar de volta ao trabalho (e eu esperava que para o resto da galera também). Sendo honesta, estava bom assim.
Breve o suficiente, o carro parou diante do destino final, e lá estava eu saindo do transporte, sentindo minha mão dar uma leve suada e o ar começar a ficar rarefeito enquanto inspirava.
Caminhando silenciosamente ao lado de minha prima, chegamos na entrada como sempre. Recebi cumprimentos da recepção, e pouco a pouco, conforme chegávamos em nosso departamento, eu reencontrei o resto da equipe de staff, ganhando acenos educados e desejos de melhoras; todos muito solícitos e acolhedores.
— ! É bom te ter de volta. Como se sente? — Hye-jun me recebeu com um sorriso aberto, e eu estranhei aquela expressão que raramente habitava seu rosto, mas consegui disfarçar a surpresa e lhe sorri de volta.
— Oi chefe, me sinto bem, felizmente. Como foram as coisas por aqui nesse meio tempo?
Hyun-mee e Hye-jun se entreolharam com sorrisos forçados e eu deduzi que provavelmente tinha sido um inferno.
— Tudo… caminhando — ela respondeu com falsa modéstia — Se sente melhor para voltar às atividades?
— Sim, consegui recarregar as energias e me sinto mais disposta.
O olhar animado de Hye-jun foi justificado quando ela colocou o tablet bem na minha cara, mostrando o cronograma do dia.
— Ótimo! Trabalho é o que não falta, então deixe suas coisas no armário e venha se atualizar sobre as tarefas. Como pode ver, o dia está cheio.
— Está cheio mesmo… — Arqueei a sobrancelha, descendo o dedo no tablet, vendo todas as demandas acumuladas. — Tem alguma coisa com prioridade para ser executada?
— Tudo é prioridade para hoje, na verdade… Temos muitos prazos batendo, mas nada tão pessoal. Acho que podemos lidar com isso se não ultrapassarmos demais os horários organizados, vê? — Hye-jun apontou para o primeiro compromisso do dia. — Hoje teremos os ensaios oficiais de palco, com banda, os dançarinos de apoio e os meninos. Isso significa que vamos trabalhar totalmente em grupo, no auditório, dando apoio à equipe que contabiliza tempo de troca de figurino, ao retoque de maquiagem, dar apoio à equipe do audiovisual, dentre todos esses detalhes. Praticamente será o dia todo nisso, e amanhã também, então preciso saber se você está disposta a lidar com essa demanda. Tudo bem para você?
— Claro, conte comigo! — respondi, me sentindo útil.
— Ótimo, obrigada por isso e desculpe por não conseguir ser tão tranquilo. Saiba que se eu pudesse, você ficaria em casa para não precisar voltar em plena sexta-feira. Mas as coisas estão loucas por aqui. Entretanto, eu te garanto que não vou expor a situações de risco, como foi o que aconteceu. Estamos fazendo de tudo para garantir que as coisas saiam da melhor forma possível, e acredite: eu fiquei horas na reunião com a equipe de segurança. Acho que eles entenderam o recado. Mais uma vez, sinto muito que tenha sido lesada por um erro grotesco desses… — Hye-jun fechou os olhos como se fizesse esforço para não se lembrar da raiva que aquele assunto lhe causava, e eu segurei seu ombro com carinho, fazendo-a me olhar.
— Eu sei que as coisas estão conturbadas, Hye-jun. Na verdade eu te agradeço, sei que o dia certo do meu retorno era ontem, mas você foi muito acolhedora com a minha situação e ter pedido para eu ficar em casa. Sei que trabalho externo sempre é complicado, mas espero que tenha tudo saído bem e… é isso! Hoje é um novo dia, então vamos fazer nosso melhor. Não tenho dúvidas de que tudo vai ficar incrível.
A chefe respirou com mais calma e fez um sinal de agradecimento com as mãos, como se desejasse que minhas palavras se tornassem realidade.
— Já entendi que vocês merecem aumento, vou sugerir isso numa próxima reunião! — Nós rimos daquela pequena piada e ela voltou a falar — Muito obrigada pelo seu apoio. Vamos à obra!
(...)
— Essa é a jaqueta do dançarino da ponta esquerda — Hyun-mee me entregou a roupa e eu franzi o cenho.
— De qual música?
— “Begin”, não é?
— Eu acho que é de “Not Today” — respondi, conferindo na etiqueta e confirmando minhas suspeitas. — É, “Not today”.
— Jura? E o que que ela está fazendo no cabideiro de “Begin”, cacete? O staff que arrumou isso, fez igual a cara dele.
Eu prendi uma risada, achando graça no jeitinho vovó Kang em dar broncas, que habitava em Hyun-mee.
— Devem ter confundido, já que são bem parecidas. Relaxa, eu conserto isso. Fica de olho aí que eu já volto.
Peguei a jaqueta e fui direto no cabideiro de Begin, me sentindo inquieta, já que haviam se passado duas horas e nada de ver os meninos. Eles estavam presos no trânsito a caminho da empresa, porque fizeram uma gravação numa rádio logo cedo, e estariam de volta para os ensaios assim que chegassem.
Mas a quem eu queria enganar? Meu humor “xoxado” tinha muito mais a ver com o fato de não ter encontrado o golden maknae, do que qualquer outra coisa.
E eu me maquiei!
Maldito trânsito de merda.
— E aí, encontrou? — Hyun-mee me despertou dos pensamentos, e eu logo dei um joinha, colocando as coisas no lugar.
Terminamos de conferir os figurinos e logo os dançarinos foram chegando no local de ensaio, sendo seguidos por Hye-jun, que visualizava o celular e o tablet ao mesmo tempo.
— Hyun-mee, já terminou essa parte?
— Finalizando, chefe.
— Certo, então , pode separar os figurinos dos rapazes? Eles finalmente estão chegando.
— Claro! — respondi com uma alegria incomum e Hyun-mee arqueou uma sobrancelha ao estranhar minha felicidade, já que a gente não tinha parado um segundo desde que chegou.
Disfarcei a animação com um pigarro e fui fazer o que me foi pedido, tentando focar no trabalho e menos no elefante que morava na minha barriga. Fui separando roupa por roupa, deixando tudo no esquema para quando eles chegassem, não precisassem esperar.
— Duvido que eles comeram alguma coisa… Acho melhor deixar uns amendoins para dar uma força — pensei comigo mesma, já sacando os pacotinhos da bolsa tira colo que eu levava comigo.
Curiosamente ou não, deixei o figurino de Jungkook por último, me permitindo imaginar como ele ficaria no traje. Era algo tão comum e belo quanto o dos outros, mas automaticamente sorri com a sua imagem em minha mente; ele todo vestido, dançando e cantando como a perfeição que era. Meus pensamentos foram além e me trouxeram lembranças do sonho que tive com o idol.
Mordi meu lábio e coloquei a mão no peito, pensando em como uma memória poderia desencadear um batimento cardíaco acelerado. O que diabos estava acontecendo comigo!?
— Eu estou ficando louca, só pode… — balancei a cabeça, deixando o amendoim em cima da roupa.
— Eu não sabia que você falava sozinha.
A mão voltou ao peito em tempo recorde e eu dei um salto no lugar, dando um berrinho ao expressar meu susto.
As risadas foram automáticas e quando me virei, dei de cara com um Jungkook risonho e o resto dos meninos se divertindo às minhas custas.
Respirei fundo, olhando para todos num misto de graça e vergonha. Jungkook deu de ombros.
— Mas é chato quando você fala sozinha e em português. Aí fica difícil pescar uma fofoca.
Eu rolei os olhos e cruzei os braços, tentando acalmar meu coração (que já não se acelerava por susto, e sim pela proximidade do idol).
— Você quer me matar? Assim eu morro!
— Eu não acredito que você acabou de voltar de licença e já quer arranjar desculpa para não trabalhar — Jin caçoou e eu fiz uma careta para ele.
— Vou considerar sua fala como um ato de saudades, Jin.
O desgraçado riu como nunca, e deu uma piscadela marota ao encostar a mão em meu ombro gentilmente.
— Fico feliz que esteja de volta — ele disse com seriedade e eu quase engasguei com aquele momento raro, mas apenas agradeci com uma aceno de cabeça.
— Como se sente? — Jimin perguntou e eu sorri automaticamente.
— Bem! Estou melhorando cada vez mais, obrigada por perguntar.
— Deu para descansar, florzinha? — J-Hope se aproximou de braços abertos e eu super dei um abraço; estava morrendo de saudades da sua energia.
— Deu sim, até coloquei umas séries em dia!
— Nossa, dormir e assistir séries: eu preciso que uma sasaeng me chute agora mesmo! — Suga comentou alto e a galera riu.
— Mas está disposto a colocar seu lindo rostinho em risco? Nossa staff aqui foi corajosa… — Taehyung observou a reação do amigo de maneira suspeita e Suga fez uma careta ao segurar a ponta do nariz, arrancando mais risadas.
— Ainda dói? — Jungkook perguntou, preocupado. Eu sorri tranquila, dando de ombros.
— Um pouco, mas não dói mais quando eu rio ou sorrio. Não é tão ruim quando eu penso que tenho um quadro do Van Gogh no meio da cara.
Por incrível que pareça, RM gargalhou mais alto que todos, e assim, veio me cumprimentar com um curto abraço de lado.
— Se está fazendo piadas, é um bom sinal. Pegue leve hoje, certo?
— Vocês também! Os figurinos já estão separados, mas eu deixei uns amendoins caso não tenham…
— Você disse amendoim? — Taehyung perguntou com surpresa, sendo seguido por Jimin, e logo os “souvenirs” foram consumidos pelos meninos, que agradeceram um por um pelo agrado.
— Você sempre mimando a gente… — Jungkook comentou, parando ao meu lado, enquanto observávamos o resto do pessoal comendo feliz. Eu dei de ombros, me sentindo aquecida com aquela cena.
— Eu fico feliz em ajudar. Sei que a rotina está pesada… — respondi, pensativa.
— Nem fala, tudo ficou um caos. Você fez falta.
Eu arregalei os olhos ao ouvir aquilo, mas logo me recompus.
— Fiz, é? — perguntei, tentando disfarçar a reação. Mas parece que foi a vez de Jungkook ficar sem graça.
— É, quer dizer… Hm, o trabalho, a rotina… Você sabe. Toda essa loucura — Ele pigarrou e sorriu sem mostrar os dentes.
— Ah. Então foi só minha mão de obra que fez falta? — Decidi brincar e Jungkook fez uma cara muito engraçada, levando três segundos para pensar numa resposta.
Sim, eu contei.
— Não! Não, não é isso. Quer dizer, é isso também, mas…
Eu o interrompi com as minhas risadas, quebrando o gelo e dando tapinhas em seu ombro.
— Relaxa, eu só estava brincando. Sei que estava tudo conturbado, mas vamos correr atrás do prejuízo. Tenho certeza de que conseguiremos recuperar o tempo perdido.
Por fim, o maknae me olhou desconfiado e sorriu, encarando novamente os meninos.
— Sei que para mim é fácil falar, porque estou numa posição totalmente diferente de Hye-jun ou de sua prima mas… — Seu olhar de soslaio me chamou a atenção, e ele me observou com um ar de sinceridade. — Acho que foi disso que mais senti falta.
— Do quê? — indaguei, me sentindo curiosa.
— Da sua forma de encarar as coisas. De apoiar, trabalhar em conjunto e nos convencer de que de alguma forma, tudo vai dar certo. — Ele virou o rosto totalmente para mim, me olhando sério. — Você fez falta de verdade.
Eu suspirei de uma maneira muito apaixonada (e totalmente inevitável) diante do k-idol. Acenei rapidamente com a cabeça e umedeci os lábios, desviando do olhar dele, tão intenso.
— Obrigada, Jungkook. Estou realmente feliz de ver vocês de novo… E ao que tudo indica, todos estão bem, então… É bom vê-los assim — sorri, deixando minha cabeça tombar levemente, pensando se minha frase fez muito ou pouco sentido.
Mas eu realmente senti saudades. Não era uma surpresa e nem uma mentira; tanto que o rapaz deu uma risada curta e cruzou os braços, me dando uma leve ombrada, bem sutil.
— Admite, você estava louca de saudades da gente!
— Eu não vou dizer nada sem a presença do meu advogado! — retruquei, brincalhona, e logo meu celular começou a tocar, mostrando o despertador que eu havia deixado acionado para tomar meu remédio. — Opa, preciso me drogar.
Jungkook arregalou os olhos e franziu o cenho.
— Quê!?
Eu ri e puxei a cartela da minha bolsa, mostrando para ele.
— Hora do remédio! — expliquei com uma careta engraçada e Jungkook deu uma risada gostosa.
— Você tem sempre as melhores falas.
Eu sorri com sua reação e logo fiz um sinal de silêncio com o dedo, entrando no clima.
— Não conta para ninguém!
— Esse será nosso segredo — ele piscou galanteador e eu soltei uma risadinha, sentindo aquele friozinho na barriga de costume e percebi que os meninos pouco a pouco terminaram seu pequeno lanche. Verifiquei o horário e dei meu melhor sorriso.
— Pessoal, vamos? Podem trocar de roupa que a equipe já está aguardando vocês. Quase tudo pronto para os ensaios!
— Mandona ela, né? — Jin implicou e eu fiz cara de tédio, rindo logo em seguida ao ver Suga dando um tapa no pescoço dele.
— Para de irritar a garota, ela ainda está se recuperando.
— Jin não dá trégua! — Jimin comentou, indo em direção ao mais velho e dando um abraço nele — Isso tudo é saudade? Você está carente, quer um abraço?
— Eu acho que ele quer um abração! — J-Hope puxou o coro e todos acabaram fazendo um tumulto em cima de Jin, o que me fez rir horrores.
Nessa confusão, eles pegaram as roupas e seguiram para o camarim — não sem antes acenar para mim, que retribuí o cumprimento.
Fui em busca do bebedouro ali perto, para encher a minha garrafa e tomar o bendito remédio. Quando estava matando a sede, ouvi uma voz atrás de mim.
— Então ela voltou!
O engasgo foi instantâneo; a sorte foi que o remédio já tinha sido engolido, mas, céus! Qual era o problema daquela gente em assustar alguém enquanto chega por trás?
— Eita, foi mal! Te assustei, né? — O roadie gatinho deu umas batidinhas nas minhas costas enquanto eu voltava a respirar com naturalidade.
— Imagina! — Eu respondi com a voz falha, xingando o cara mentalmente. — Tudo bem?
— Eu que pergunto! Como você está? Melhor, espero!
— Tudo caminhando, na verdade acabei de tomar meu medicamento. Mas sim, bem melhor! — expliquei com um sorriso educado, e Jae-in fez o mesmo, colocando as mãos no bolso.
— Poxa, isso é muito bom! Está melhor a ponto da gente tomar um café depois do expediente?
Oi? Que investida, do nada!
— Um café? — eu repeti a palavra, pensando sobre a situação e me sentindo estranha.
— É! Tem um ótimo que abriu ali na esquina. Se for muito tarde para um café, a gente pode tomar outra coisa, ou fazer outro programa…
— Outro… programa?
Meus olhos piscavam mais do que de costume, e eu estava tendo dificuldades para lidar com aquele convite. Foi quando eu achei que nada mais poderia me surpreender, o gatinho simplesmente se aproximou e me olhou mais sério.
— O trabalho às vezes é muito agitado, e da última vez acabou não rolando pelo incidente… — Jae-in apontou para meu rosto e eu automaticamente toquei a ponta do meu nariz, tentando pensar no que responder.
— É verdade — dei um sorriso amarelo, suspirando.
— Então que tal a gente sentar, beber alguma coisa, comer algo gostoso? E aí você me conta sobre a sua recuperação, como está se sentindo… O que acha?
— Ah, nossa! Você tem uma boa proposta em mente — respondi, ganhando mais tempo.
— Que bom que gostou! E então, o que me diz? — ele perguntou, sorridente.
Suspirei, pensativa. Foram longos segundos até eu conseguir falar algo bom.
— Bom… Eu ainda estou me recuperando, sabe? Tenho algumas restrições, ainda estou sob medicação, sentindo alguns desconfortos… E hoje é meu primeiro dia de volta ao trabalho! Sinceramente, posso estar um caco no fim do dia, então… seria muito ruim adiar? — sorri forçadamente, enquanto me sentia esquisita com aquela conversa. Por que eu declinava o convite?
Por um lado, minha justificativa não era mentira, mas… por outro, também não estava tão a fim de curtir um date com Jae-In, e isso de certa forma me deixava receosa, porque não era assim há um tempo atrás. Quando cheguei, tinha achado Jae-in super interessante, gatinho, educado, bom de papo, mas… com o passar do tempo, o entusiasmo foi minguando, e eu nem precisava ir muito longo para saber o porquê.
Na verdade, quase revirei meus olhos ao pensar sobre isso, porque era tão óbvio que eu me sentia uma idiota.
Jae-In interrompeu meus pensamentos, sendo novamente educado e compreensivo.
— Ah, eu super entendo! Então, o que acha da gente marcar para quando você se sentir melhor, quando o remédio tiver terminado, talvez? — o rapaz sugeriu com uma expressão solícita.
Respirei fundo, pensando que talvez uma chance ao acaso não fosse totalmente ruim. Talvez eu precisasse respirar outros ares, abranger meus pensamentos… não sei! Quem sabe? (Certamente, não eu)
Havia uma leve forçação de barra da parte dele, mas Jae-in parecia ser um cara legal. Talvez se tornasse um amigo, não é? Quer dizer, tudo era possível!
“A eterna cobrança de não desagradar ninguém” uma voz interna veio me cortando, enquanto eu engolia a seco com aquela verdade nada sutil.
— A gente combina algum dia sim, vamos nos falando, pode ser? — falei de uma só vez, cruzando os braços na frente do meu corpo.
— Claro! Fechado, então! Vamos nos falando e… bom, tenha um ótimo retorno! — Ele sorriu animado, e, num movimento ligeiro, deixou um beijo no meu rosto, saindo rápido como um foguete logo em seguida.
Espera aí: ele realmente tinha me dado um beijo?
Que assanhadinho!
Fiquei com a mão na bochecha vendo-o partir, pensando em várias coisas: enquanto uma parte de mim brigava ao questionar “Por acaso ele faria isso com coreanas!?”, a outra só deixava o circo pegar fogo ao dizer “Se fosse há um tempo atrás, estaria toda felizinha.”
Obviamente nenhuma dessas vozes ganhou. A única foi a que se pronunciou de fato, verbalmente.
— Merda — falei baixo comigo mesma, passando as mãos no rosto enquanto recuperava fôlego, pensando no óbvio; a verdade era inevitável!
Eu fantasiava demais com Jungkook para me interessar pelos outros caras. Isso era o auge do auge.
Da decadência.
Se é que faz sentido…
Eu poderia ter fantasiado com pessoas mais acessíveis, né? Mas lá estava eu, sonhando acordada e comemorando toda e qualquer mensagem recebida pelo maknae — que não bastava ser gato, inteligente, gentil, interessante e cuidadoso! Ele também cantava, dançava e até quando rimava na brincadeira, o fazia de forma extremamente maravilhosa! Simplesmente inalcançável, e eu? Apenas assumindo-o como ponto de partida para “seres interessantes que eu pegaria até as vacas criarem asas e o inferno congelar com direito a bonecos de neve”.
POR QUE EU ERA ASSIM!?
— Você se supera, cara — retirei a mão do meu queixo, me sentindo meio raivosa comigo mesma, ainda sentindo os pensamentos borbulhando. Quando consegui me recompor, dei um pequeno giro em meus pés e caminhei de volta para meu lugar. E qual não foi minha surpresa ao perceber Jungkook me olhando com um semblante curioso?
Ele estava totalmente vestido — e lindo! — mas algo na sua expressão o deixava com um aspecto “fora de órbita”, como se estivesse refletindo sobre algo enquanto me encarava.
Foi então que me aproximei dele com um sorriso educado, já sentindo o mau humor indo embora enquanto a animação voltava apenas por estar na presença do idol (e me sentindo bem idiota ao constatar isso). Acenei com a minha mão bem diante do seu rosto, de forma lenta.
— Terra chamando Golden Maknae! Tem alguém aí? — brinquei e ele sorriu sem graça.
— Sim! Eu só… Hm, não é nada. Tomou seu remédio? — Ele apontou para a garrafinha e eu confirmei com a cabeça.
— Sim! Menos um!
— Isso é ótimo!
— Sim! Muito!
Nós sorrimos um para o outro, mas algo estava estranho. O clima estava meio engessado, e eu fiquei inquieta. Acabei trocando de peso na perna umas três vezes, e por fim, Jungkook quebrou o silêncio.
— Eu acho que vou seguir seu exemplo e me… hidratar!
— Claro! Vai sim, se hidratar é preciso! Uma ótima atitude!
Ele sorriu sem mostrar os dentes e foi andando a passos largos, se distanciando depressa, enquanto eu tentava entender o que tinha acontecido ali.
Quando ele voltou, todos estavam prontos para o ensaio e logo se encaminharam para o palco, não dando tempo de absolutamente mais nenhuma interação que não fosse estritamente profissional. À pedido de Hye-jun, eu acompanhei da plateia, dando uma ajuda na parte do audiovisual conforme sua orientação.
E, meu Deus do céu. O que era aquele início de show?
Sério, cada detalhe deixava tudo quase mágico; as luzes, a ornamentação do palco, as cores em cada canto, simplesmente dava ao local toda a estrutura que o BTS merecia. Eu estava particularmente encantada, felizmente sem perder a noção da minha função ali.
Eu estava falando com Hyun-mee quando os primeiros acordes de uma música específica começaram. Estava no meio da fala quando minha boca abriu e jamais se fechou, pela vista que meus olhos registravam.
— ? O que tem o ar-condicionado?
Eu não consegui responder. Jungkook acabava de entrar no palco cantando as primeiras frases de Begin, e eu senti meu oxigênio sair do corpo num estalar de dedos, enquanto meus olhos capturavam tudo o que viam; qualquer detalhe dele era precioso demais para ser perdido.
Amugeotdo eobtdeon yeoldaseosui na
(Quando eu tinha quinze anos, eu não tinha nada)
Sesangeun cham keosseo neomu jageun na
(O mundo era muito grande e eu era pequeno demais)
— ?
— Puta que pariu — sussurrei mais para mim do que para Hye-jun no outro lado, mas ela tornou a questionar, mais incisiva.
— Fala logo, o que aconteceu? Deu merda? Deu merda com o ar-condicionado?
Continuei sem falar nada, apenas sentindo meus pés automaticamente indo mais para frente do palco; eu estava verificando a temperatura do ar-condicionado central lá no fim do auditório, quando a música começou, mas três segundos depois, eu já estava bem mais perto, segurando o tablet com força contra meu peitoral enquanto segurava o celular no ouvido, sem sequer dando bola para Hyun-mee — eu só conseguia apreciar Jungkook performando.
Ije nan sangsanghal sudo eobseo
(Agora eu nem consigo imaginar imaginar)
Hyanggiga eobtdeon teong bieoitdeon na na
(Eu que não tinha cheiro e era vazio)
I pray
(Eu rezo)
Love you, my brother hyeongdeuri isseo
(Te amo, meu irmão, eu tenho irmãos)
Gamjeongi saenggyeosseo na naega dwaesseo so I’m me
(Eu descobri emoções, me tornei eu, então eu sou eu)
Now I’m me
(Agora eu sou eu)
— , caralho!
— Já te ligo — desliguei e guardei o celular no bolso como um robô, deixando meu braço cair ao meu lado, inerte.
Eu não acreditava que estava vendo aquilo de camarote, praticamente! Na ‘platéia’, totalmente escuro devido a iluminação voltada pro palco, me sentia apenas uma coruja no meio da floresta, encarando a beleza dos vagalumes e das estrelas. Jungkook brilhava tal qual elas.
Mas tudo mudou quando o refrão veio; eu tive uma nítida lembrança do meu sonho nada inocente com o idol, e uma gota de suor desceu da minha nuca até o meio das minhas costas, desencadeando um arrepio incontrolável diante de tudo aquilo que acontecia.
You make me begin
(Você me faz começar)
You make me begin
(Você me faz começar)
Cada passo, cada inclinada, cada olhar… Jungkook era incrível em sua performance, e mesmo com a presença dos outros dançarinos, parecia que apenas ele estava ali; era o centro das atenções, ou pelo menos, da minha.
Quando pensei que nada poderia me surpreender, num ato súbito, seu rosto olhou para frente e em pouco tempo seu olhar se conectou ao meu.
E ali foi a minha total derrocada — eu não estava disfarçando meu encantamento por ele. Não conseguiria ainda que tentasse! Somente era capaz de vislumbrar, de acompanhar, sentindo o ar rarefeito entrando e saindo dos pulmões.
Sobreviver já estava sendo difícil, mas se tornou praticamente impossível quando percebi um sorriso quase invisível surgir no canto de seus lábios.
Errata: ali foi a minha derrocada.
As pernas ficaram bambas, as mãos suadas. Dali em diante, Jungkook raramente desviou o olhar, e parecia que de alguma forma meu sonho havia se tornado realidade: ele dançava para mim enquanto performava seu solo.
Eu não sei quanto tempo fiquei ali, de um jeito quase zumbi. Mas somente quando as luzes do palco se apagaram e os aplausos da equipe vieram, é que eu senti retornar a “superfície”. Principalmente porque Hyun-mee chegou arfando do meu lado, feito um furacão:
— Sua louca! Como assim você não me atende?
— Oi? — perguntei, me virando para ela.
— Alô, terra para !? Céus, você nem retornou minhas ligações! Eu achei que o ar-condicionado estivesse pegando fogo pela forma que você desligou!
Eu engoli a seco e pigarrei antes de me justificar.
— Desculpa, prima, foi só… Er, eu liguei para saber se tinha outro controle, porque não estava conseguindo alterar a temperatura para ficar mais frio.
— Não acredito! Era isso? — ela indagou irritada e bufou, tirando outro controle de ar-condicionado de seu bolso e apontando para o aparelho central, logo alterando o clima. Depois, retirou um pacote de pilhas de sua bolsa tira-colo e logo pegou o meu controle, fazendo a troca necessária. — Sempre carregue novas pilhas. Não dá para depender das antigas, principalmente quando a gente usa o auditório, porque pode acabar virando um inferno por causa do calor!
— Sei… — respondi qualquer coisa, ainda pensando sobre o que tinha acabado de presenciar.
Hyun-mee parou de dar sua pequena aula e me encarou com a sobrancelha arqueada.
— Tá tudo bem? Você parece quente. Está febril? — e colocou a mão na minha testa, enquanto eu rolava os olhos e tirava sua mão dali.
— Estou bem, eu só… estou voltando ao ritmo — falei meio cansada, massageando meu pescoço.
— Muito cedo para voltar? — perguntou preocupada e eu a encarei por um segundo, logo perdendo qualquer irritação e dando um sorriso ameno.
— Não, estou bem. Obrigada pela dica, preciso voltar ao camarim. Valeu, quebrou um galhão!
Me despedi com um pequeno abraço e logo saí andando dali às pressas, pois sabia que se continuasse, Hyun-mee acabaria fazendo perguntas demais, e eu não sei se seria capaz de desmenti-las ou esconder a verdade.
Que era uma só: eu estava sonhando acordada com Jungkook performando.
Taquei pedra na cruz com chiclete, só pode!
Felizmente ou não, depois dali me enchi de tarefas que fizeram valer o meu salário por todo o mês. Ou pelo menos para os dias que estive fora, mas tudo bem, né? Afinal de contas, ou era arrumar uma ocupação ou ficar me torturando enquanto lembrava de Jungkook — tanto do sonho quanto do real! Ambos, grudados em minha mente muito doida e bem gamada no idol.
O dia passou voando devido a própria correria e bem, eu mal poderia esperar para chegar em casa, dando muitas graças por ser sexta-feira. Estava sentada na sala de espera aguardando Hyun-mee sair do vestiário. Ela foi muito esperta em me sugerir levar uma muda de roupa e tomar banho lá; o dia foi tão corrido quanto quente. O inverno começava a se despedir e a primavera dava seu olá de uma forma bem calorosa.
— Ai, sextou! Amém! — Hyun-mee chegou remexendo as madeixas molhadas, jogando o cabelo para um lado e para o outro, deixando o ambiente com o cheiro de seu shampoo. — Demorei muito?
— Só a tempo de assistir a trilogia do Senhor dos Anéis, nada demais… — comentei enquanto lixava a unha do mindinho.
— Babaca, já está melhor né? — Ela riu e me deu um tapa no ombro, no qual eu fingi ser brutalmente atingida, enquanto guardava a lixa no bolso da mochila.
— Você está maluca? Eu estou em recuperação! Eu posso te denunciar, sabia? — fiz uma careta assustadora e ela rolou os olhos, rindo.
Me juntei às risadas, mas logo parei quando Jae-In passou ao longe, me encarando com um sorriso e dando tchau com sua mão. Eu sorri de volta, devolvendo seu aceno e recebi uma piscadela do cara, antes dele sumir pela porta do elevador.
Hyun-mee olhou tudo com desconfiança e sorrisinhos implicantes, e eu respirei fundo antes mesmo dela tecer algum comentário.
— Hm, tchauzinho né?
— Cala a boca — comentei rindo, enquanto ela se sentava ao meu lado, mexendo no celular.
— Mas e aí, quando sai o encontro?
Viram só? Nem mesmo ela me dava trégua.
— Ah, prima, quando eu estiver melhor. Não estou com muita cabeça para isso não, confesso…
Ela parou de mexer na hora, deixando o aparelho bambo nas mãos, e me encarou como se eu estivesse cometendo um crime.
— Você o quê? — Eu suspirei, levantando da cadeira enquanto caminhava em círculos. Estava agoniada! — É sério? Você não estava a fim dele? O que rolou?
Pois é. Acho que não tinha uma resposta concreta.
— Não aconteceu nada… — respondi enquanto coçava a nuca — Só que agora a gente vai entrar numa reta muito comprometida do trabalho. Não dá para ficar exatamente tranquila, sabe? Se envolvendo e tendo risco de estragar tudo. Imagina se algo dá errado na estreia do BTS? Eu ia ficar muito puta comigo mesma, então… Decidi esperar.
Eu estava de parabéns por arranjar uma desculpa tão rápido e tão hipócrita, já que sonhava acordada com Jungkook — e trabalhava mais com ele do que com Jae-In, obviamente — o que não me impedia de aceitar todos os momentos mínimos que nos faziam ficar próximos.
Eu era a rainha da hipocrisia.
Hyun-mee abriu os olhos esbugalhados e movimentou a cabeça afirmativamente, dando pequenas palminhas.
— Nossa, que maduro da sua parte. Achei bem bacana! Vovó Kang estaria orgulhosa!
Eu sorri zombeteira e dei o dedo do meio para ela.
— Não vem com essa que você sabe que eu sou madura, tá?
Hyun-mee riu e levantou da cadeira, com a mochila nas costas.
— É, é sim! A ponto de apanhar por causa de idol!
— Podemos concordar que isso foi uma estratégia de exigir aumento salarial ou pelo menos manter o emprego? Vovó aprovaria, você sabe.
Nós duas rimos juntas e fomos interrompidas por um chamado nada discreto.
— Meninas! — J-Hope chegou correndo animado por trás de nós, me dando um pequeno susto enquanto deixava seus braços pendurados em nossos ombros. — Foi uma semana de intenso trabalho! O que acham de um happy hour?
Os olhos de Hyun-mee brilharam mais rápido do que fogos explodindo, enquanto eu apenas escutava a ideia.
— Happy hour? — minha prima perguntou sorridente.
— Sim! Falei com Namjoon e os meninos também toparam. Tem um pub com área privativa que gostamos de ir, é bem legal e aconchegante! Vamos? Aproveitamos para comemorar a recuperação da nossa florzinha aqui! — E, num ato carinhoso, apertou minha bochecha, o que me fez rir momentaneamente.
Hyun-mee olhou para mim com olhos de gatinho de Shrek e eu suspirei enquanto mordia o lábio.
— Vamos, prima? — ela perguntou e J-Hope entendeu a deixa, se unindo a ela no quesito pedinte.
— É! Vamos, ? — E seus olhos ficaram ainda mais brilhantes.
De um lado, minha prima-irmã.
Do outro, a esperança e o sol do mundo inteirinho.
Como era possível negar algo para aqueles dois?
Céus. Eu estava lascada.
Capítulo XI - N.O
O frio na barriga era certo. Eu estava com a mão suada e não parava de mordiscar meu lábio inferior — uma mania ingrata que me assolava toda vez que a ansiedade batia à porta.
J-Hope estava animadíssimo num papo com Hyun-mee. O idol fez questão de solicitar um carro da empresa e nos acompanhar, já que os meninos se dividiram e foram na frente. O motorista parecia sorrir toda vez que escutava uma gargalhada do rapaz, e eu me peguei pensando nas relações de trabalho que acabam se tecendo ao longo da rotina.
Era louco pensar que eu via mais o BTS do que a minha própria família — com exceção de Hyun-mee, é claro. E então, pensei em como as coisas estavam se desenvolvendo para uma amizade bacana, tentando fingir que aquele pensamento não buscava a todo custo justificar o meu afeto por Jungkook.
Pensando bem, achava até melhor termos ido em carros diferentes. Apenas, você sabe, para me preparar melhor.
— Tá borrado? — Hyun-mee perguntou enquanto me olhava com o olho pintado de preto.
— Não, está ótimo, para ser sincera — respondi surpresa com a habilidade dela em se maquiar com o carro em movimento.
— Relaxem, meninas! Isso é só uma noitada comum, não precisam disso! Já são naturalmente bonitas! — J-Hope nos agradou com um elogio, mas eu apenas sorri, verificando meu reflexo no espelho de mão, achando que estava com as bochechas muito apagadas.
Decidi dar uma retocada com o blush enquanto o respondia.
— Você é sempre um doce, J-Hope! Obrigada pelo carinho, mas para quem está com um hematoma horrível na cara, eu não posso me dar ao luxo de que todos partilharão do seu ponto de vista.
A safada da minha prima riu e o idol prendeu uma risada mal e porcamente, entretanto, não fiquei chateada; apenas sorri de canto e aproveitei para usar o gloss labial, que dava uma corzinha a mais na boca. Faz parte, né?
— E então? Muito ruim? — perguntei numa careta e Hyun-mee parou de passar a máscara de cílios para rolar os olhos.
— Pare de se autodepreciar, ok? Você é linda!
J-Hope me olhou desconfiado enquanto eu suspirava, e então cruzou as pernas, mantendo um semblante contemplativo.
— Você está incomodada com isso? — E apontou para a parte atingida do acidente. Eu confirmei, meio sem graça, e ele sorriu abertamente. — Eu acho que você não deveria dar bola. Sei que é fácil dizer, mas esse hematoma aí só mostra o quanto você foi e é incrível! Quem não enxergar isso, é um tremendo de um idiota. E acredite: não temos tempo para idiotice. Acho que o grupo todo admira e lhe vê com bons olhos. Principalmente por ter cuidado de nós! Mais especificamente do nosso maknae que nitidamente te adora.
Eu juro que fiquei alguns segundos apenas olhando para ele, me sentindo tocada pelas palavras, um tanto sem graça pela última parte.
— Você está falando sério? — indaguei, ainda descrente.
Ele riu e colocou uma mão no meu ombro enquanto o outro dava leves toques no topo da minha cabeça.
— Eu não tenho dúvidas! Você definitivamente tem fãs.
Senti uma imensa vontade de abraçá-lo. Então, para fugir da emoção que começava a pinicar a ponta do nariz (e que provocaria olhos marejados), eu apenas o envolvi com os braços, sendo grata por vivenciar aquilo.
— Obrigada. Você corre sérios riscos de ser um grande amigo — segredei enquanto saía do abraço, e J-Hope abriu um sorriso enorme.
— Finalmente um risco que valha a pena! — Nós dois gargalhamos com a nossa própria bobeira.
— Ei, eu também quero fãs! — Hyun-mee interviu com uma falsa crise de ciúmes e nós rimos, nos virando para ela, puxando-a para um abraço à três.
— Vocês são dez, meninas! Tem espaço para todo mundo no coração do Hobi aqui!
Entre risadas e piadinhas, o carro parou, nos fazendo prestar atenção no lugar pela janela.
— Chegamos — o motorista informou, saindo do carro e abrindo a porta para nós, como um extremo cavalheiro.
Agradeci com um aceno enquanto saía do automóvel, sentindo a sensação de frio na barriga ao encarar a porta do pub. O local parecia ser um daqueles bem chiques e minimalistas, com luzes neon destacadas na predominância do preto.
Por sermos vip, entendi que aquela entrada não era a principal, e mesmo com a fila, não a enfrentamos; um segurança da Big Hit já estava à disposição, nos aguardando ali, e manejou-nos até a entrada, sem problema algum.
Ao adentrar no recinto, o ar-condicionado nos recebeu com gosto, e eu cheguei a me curvar um pouco, me apertando no casaco. Dei uma leve olhada para mim mesma, pensando que talvez não estivesse tão ruim; uma legging preta, a bota estilo coturno da mesma cor, uma bata cinza comprida com mangas e a jaqueta vermelha que se moldava ao meu corpo.
Não estava exatamente chique mas, fazer o quê? Eu nem sairia a princípio! Para quem não esperava nada disso, eu até estava em bons lençóis.
Hyun-mee agarrou meu braço e deu um sorrisinho animado.
— Ai, prima! Noitada com BTS! Bebidinhas maravilhosas! — ela exclamou e eu suspirei.
— Diga por você! Não poderei beber…
— Mas seu remédio não termina hoje, às 22h? — Ela arqueou uma sobrancelha e eu franzi o cenho, verificando nas anotações do celular, e qual não foi minha surpresa ao perceber que ela estava certa?
— Céus, como você sabia? — perguntei assustada e ela riu, me abraçando de lado enquanto caminhávamos atrás de J-Hope.
— Fala sério, você é minha protegida. Acha que deixo alguma coisa passar? — Ela me olhou e deu uma piscadinha, me fazendo sorrir cúmplice. Ainda assim, senti uma pitadinha de receio. Hyun-mee teria percebido minha fascinação pelo golden maknae?
— É só não beber muito — ela avisou, me olhando como se estivesse sabendo o que eu pensava. Ah, se a minha preocupação fosse apenas meu estado etílico…Só me restou sorrir e concordar com um aceno.
— É, não queremos problemas, né? Vou ficar suave.
Foi apenas ao terminar aquela palavra, depois de subir as escadas e ver gente animada na pista de dança, que eu comecei a ter dimensão da situação. O lugar era amplo, com caixas de som muito bem posicionadas, e parecia ter ambientes diferentes para cada gosto. No “térreo”, a pista de dança começava a encher consideravelmente, tão agitada quanto uma sexta-feira poderia ser. O bar dali era customizado com letreiros neons e propagandas de bebidas, com bartenders e garçons muito bem arrumados e de aparência invejável.
Os jogos de luz davam efeitos no público dançante, que vibrava com as mudanças de cores interligadas às batidas da música. Um slideshow se apresentava no palco com imagens da aurora boreal e suas luzes naturais, deixando o clima visualmente hipnotizante. O chão do “palco” era de vidro, com algas e objetos exóticos, que davam num grande aquário no centro do local, com peixes do tipo carpa nadando como se não fossem a coisa mais linda vista naquela noite. Era de tirar o fôlego!
Quando meus pés alcançaram o andar de cima, J-Hope se virou e nos deu espaço para ir na frente, indicando uma porta no fim do corredor. Eu e Hyun-mee nos olhamos, e eu admito que fiquei mais animada com tudo aquilo, caminhando em direção ao destino apontado. E assim, poucos segundos depois, passamos pela porta e entramos no ambiente privativo, sendo recebidas por algumas pessoas da equipe de staff e dos meninos do grupo. Os berros de alegria foram mais altos que a música.
— Hope right here! — J-Hope gritou animado, e se meteu no meio de Hyun-mee e eu, com os braços ao redor de nossos ombros, sorrindo como uma criança — Encontrei essas belas damas e achei melhor convidá-las, pessoal. O que acham?
A resposta foi um coro de risadas, arrancando sorrisos sinceros meus e da minha prima, que parecia deslumbrada com a situação. Poderia culpá-la? Aquilo era, no mínimo, muito maneiro!
Tão maneiro que meu coração deu uma palpitada ao perceber Jungkook, que me olhava como se esperasse que eu o reconhecesse na multidão.
E eu era capaz de fazê-lo independentemente de onde estivéssemos, mas ninguém precisava saber disso. Então apenas sorri mais ainda, vendo ele retribuir, enquanto J-Hope nos aproximava da galera.
— Gente, encerra o papo que o assunto chegou! — Jin avisou apontando com o olhar em minha direção e eu rolei os olhos, já ouvindo as risadas do povo.
— Fala a verdade, você estava doido para que ela chegasse! — Jimin brincou e o mais velho fez uma careta forçada.
— E correr risco de levar bronca fora do horário de trabalho? Eu não! — ele respondeu e eu ri.
— Eu fico me perguntando como você sobreviveu esses dias sem mim! — Me atrevi a dizer e todos começaram a fazer um coro de “ooooh”, colocando a mão na boca e pilhando o worldwide handsome.
— Ele andava cabisbaixo, quase como um cão abatido! — V comentou e J-Hope gargalhou.
— Isso era carência, eu avisei, mas ninguém ligou! — Hobi retrucou.
— Isso quer dizer que ele estava com saudades, … — Suga explicou zombeteiro e olhou para Jin com uma cara maníaca. — Eu acho que ele está precisando de um afago igual a um cãozinho de estimação.
Com a sugestão do rapper, os meninos de novo começaram no coro animado, e Hyun-mee e os outros staffs entraram na brincadeira, me deixando sem saída a não ser fazer um carinho na cabeça de Jin. Cedi ao pedido, mas não sem acrescentar uma última fala.
— Bom menino!
A gargalhada foi geral, e logo depois de nos recuperarmos, Jin cruzou os braços com um falso semblante de indignação.
— Eu não tenho o mínimo respeito nesse grupo.
RM deu um pescotapa no amigo e o abraçou de lado, ignorando sua cara feia. Logo o líder ergueu a sua bebida e como um gentleman, perguntou:
— O que gostariam de beber? Escolham e fiquem à vontade. Vocês são nossas convidadas.
Ele não deveria ter dito isso.
Especialmente para uma esponja chamada Hyun-mee.
— Sex on the beach! — ela exclamou ao meu lado e eu dei de ombros.
— Uma soda com limão e gelo — pedi, checando o horário e suspirando — Pelo menos por enquanto vou dar uma segurada. O último remédio será tomado daqui há uma hora.
Em tempo recorde, as bebidas vieram e todos se reuniram numa roda com seus copos erguidos. Enquanto nos juntávamos para incluir todo mundo, não pude deixar de observar que Jungkook saiu de seu posicionamento inicial e se aproximou pela tangente, até ficar ao meu lado.
A princípio, não falamos nada; apenas trocamos olhares cúmplices e sorrisos quase impossíveis de segurar.
Ai, o friozinho na barriga!
— Ao início dos ensaios oficiais e à uma turnê de sucesso, que só acontece porque somos um time! — RM fez uma fala sucinta e poderosa, mas logo complementou. — Ah, e à recuperação da nossa querida staff aqui! Viva, !
— Viva!!! — O pessoal exclamou alegre e os copos tintilaram conforme o brinde acontecia animado.
Quase enfiei minha cara totalmente na minha bebida quando percebi que o olhar de Jungkook estava me secando, como se reparasse na maquiagem que eu havia feito. Apenas meus olhos estavam de fora, e eu desviei de sua mira para olhar dentro do meu copo, me sentindo boba e… Bem, vesga.
— Está com sede? — ele perguntou numa entonação brincante e eu parei de beber, prendendo meus lábios numa linha fina e o olhando sem graça.
— Essa soda está… deliciosa. Quer provar?
Jungkook me olhou com uma cara engraçada e deixou escapar uma risada baixa, negando com a cabeça.
— Não, obrigado. Está com fome, quer comer algo? Eu pedi uns petiscos — comentou brevemente, apontando para o bar e eu sorri tímida, sentindo meu estômago roncar.
— Vou ser obrigada a cometer um delito e roubar algumas de suas batatas.
Ele gargalhou deliciosamente e eu observei como parecia uma obra de arte em movimento. Acho que o que quer que ele estivesse tomando já estava deixando as coisas mais soltinhas, mas não vi problema algum nisso.
— Fique à vontade para roubar o que quiser.
Ok. Ele tem noção do que uma frase dessa pode causar?
Eu reprimi um suspiro e mordi o lábio inferior, erguendo as sobrancelhas enquanto pensava numa resposta que não tivesse cunho sexual. Concentre-se, ! Meus olhos passearam ao redor e eu reparei em algo realmente bonito (que não fosse o próprio idol).
— Olha lá, hein. Vou acabar roubando seu blusão xadrez roxo!
Ele me olhou com a feição teatralmente assustada enquanto tocava na própria blusa.
— Oh não, você seria capaz de uma atrocidade dessas!? E eu vou vestir o quê?
Dei uma pequena engasgada com a soda que acabava de deglutir, mas foi quase imperceptível. Levantei a cabeça e o encarei, jurando ter uma pincelada de diversão naquele rosto desenhado pelos Deuses.
— Aí já não é problema meu… — brinquei, pensando que na verdade aquilo não era problema nenhum, apenas solução. Jungkook sem blusa poderia muito bem ser a saída para muita coisa na minha vida.
Acordei dos meus pensamentos com ele dando uma risadinha. Observei sua feição divertida enquanto sorvia de sua bebida.
— Achei que fosse mais boazinha.
A entonação do “boazinha” foi diferente das demais palavras, mas não consegui captar exatamente o que ele queria dizer com aquilo. Então eu respirei fundo, cocei a ponta do nariz e reprimi uma risada maléfica.
— Num dia estou me jogando na frente da sasaeng, no outro, você pode ficar sem seu blusão incrivelmente felpudo e aparentemente aconchegante — ele arregalou os olhos e eu dei de ombros — O quê? É justo, não acha? Você me deve.
Ele sorriu de modo encantador e eu prezei pela própria sanidade, encarando qualquer canto que não fossem seus olhos.
— Achei que as batatas dariam conta…
— Oh, está dizendo que arrisquei minha vida porque a sua vale um prato de batatas fritas?
— É com cheddar extra, bacon e molho especial! — ele exclamou como se fosse a coisa mais óbvia e eu ri da sua cara, afirmando com um leve aceno.
— Ok, agora estamos negociando de verdade.
Para a alegria da nação, não só as batatas vieram, como outros pratos também, que ornamentaram a mesa organizada quase como num buffet, enquanto pequenos grupos conversavam entre si. A passos lentos, nos sentamos no sofá estofado que ficava de frente para a mesa, e assim nos servimos como dois parceiros famintos, que logo dividiram a atenção com os demais da mesa.
Depois de comer, nos levantamos para continuar curtindo a noite e espantando o cansaço com gosto. Passamos a maior parte do tempo rindo, comentando e fazendo piadas uns dos outros. Os meninos estavam visivelmente mais soltos e falantes, e foi legal ter uma versão deles mais despreocupada. Mesmo que fossem k-idols internacionalmente reconhecidos, ainda se tratavam de sete jovens rapazes com desejos e interações tão legítimas quanto qualquer outro indivíduo da sua idade — e eu estava feliz em poder presenciar aquilo.
Num dado momento, me sentei para tomar meu remédio e descansar um pouco. Eles estavam mega animados e dançantes, e nem parecia que passaram o dia inteiro ensaiando; acho que a vontade de relaxar e curtir uma noitada era maior do que tudo. Certamente dormiriam até mais tarde no dia seguinte.
Eu estava rindo descaradamente de um tombo que Jin levou por fazer uma palhaçada ao imitar V, quando Jungkook se sentou ao meu lado e roubou um anel de cebola do meu miniprato (que eu nem estava de fato mais ligando, mas não perdi a deixa).
— Ei! — Parei de rir na hora, e as risadas dele foram ouvidas de longe. Não consegui evitar o bico, e ele brincou apontando um garfo para minha boca.
— Tira esse bico, tem mais ali no outro prato!
— Mas é do Jimin! — Eu exclamei e ele riu mais ainda, provavelmente da minha careta abismada.
— Eu me resolvo com ele. Agora só se alimente direito, mulher.
Um arrepio mínimo desceu bem do topo da coluna ao ouví-lo me chamar desse jeito, mas engoli em seco e, como uma profissional, roubei um anel de cebola de Jimin.
Tempos depois, o rapaz foi comer como se nada tivesse diferente. Eu e Jungkook rimos baixo como parceiros do crime, e tocamos nossos punhos num cumprimento secreto.
— Você está me transformando numa ladra de comida.
— Em minha defesa, você já era uma ladra de blusões antes.
— Você por acaso está nu da cintura para cima? — Retruquei antes que pudesse me conter, mas disfarcei diante do silêncio encabulado de Jungkook — Então eu estou sendo boazinha, sim? Preze por este momento e pare de roubar minhas batatas!
Percebi que ele demorou um tempinho para voltar ao normal e eu me xinguei internamente por fazer aquela fala tão incisiva. Eu queria o rapaz tanto assim?
Espere, não responda. Eu não quero saber.
— São anéis de cebola — ele sussurrou, pegando mais um do meu prato e eu ri depois de encará-lo com descrença. Aquele garoto sabia ser tão lindo quanto irritante.
Ignorei sua implicância fingindo soberba quando, para minha surpresa, o garçom trouxe dois copos de caipirinha de limão.
Eu arregalei os olhos e me virei para Jungkook, que ria animadamente da minha cara.
— Eu não acredito! Você… Você pediu isso!? — indaguei incrédula.
— Já que você desonrou totalmente meu pedido de caipirinha, eu decidi fazer esse momento acontecer. E então? Abre uma exceção e bebe comigo?
O olhei por alguns momentos, ponderando não somente sobre a proposta, mas a forma deliciosa que ele me convidou. Eu era capaz de dizer sim a qualquer coisa se ele me olhasse e entoasse um pedido como acabara de fazer.
Num movimento sutil, peguei a caipirinha na mão e seu sorriso se alargou, mostrando seus dentes perfeitos enquanto erguia sua bebida em direção à minha.
— À que estamos brindando? — perguntei, inocentemente. Ele arqueou uma sobrancelha e pensou por alguns instantes, arrastando o lábio inferior pelos dentes superiores.
Céus, que tesão.
— À sua recuperação. — E então, me olhou com sinceridade, e logo sorriu. — Ao seu trabalho e ao de todos que fazem o BTS acontecer. À nossa felicidade e ao nosso sucesso! E acima de tudo, saúde e bem-estar. O que acha?
Eu sorri tal qual uma garota apaixonada, tendo dificuldades em segurar minha onda. Engoli em seco e respirei fundo, encostando seu copo no meu.
— Está ótimo para um brinde.
Os copos tintilaram e, sincronizados, tomamos o primeiro gole da caipirinha, que estava muito boa por sinal!
— Hmm! — murmurei, feliz de estar bebendo algo da minha amada terra, e logo observei a cara de Jungkook, que estalava a língua como se apurasse o sabor. Adorável esse menino! — E então?
— Caramba, é… uma delícia! — E olhou para mim, chocado. — Está à altura das que você toma em seu país?
Eu afirmei com um aceno, dando de ombros.
— Eu acrescentaria um pouco mais de álcool e gelo, para ser sincera. Acho que o limão estava muito azedo e tentaram harmonizar com o açúcar, mas aí ficou um pouquinho doce demais. — Ele me olhou com os olhos esbugalhados e eu ri sem graça. — O que foi?
— Ah, é que… você parece entender do assunto! — comentou sorrindo e eu arqueei uma sobrancelha.
— Isso te surpreende? — perguntei antes de filtrar, e Jungkook me encarou passado, deixando a boca se mexer sem sair nenhum som. Ele tentou se desculpar com alguns gaguejos e eu ri achando graça. Finalmente ele se concentrou, colocando o copo na mesa e gesticulando devagar.
— Não foi isso que quis dizer. Eu não sou… como se diz? Um cara conservador. Não tenho nenhum problema com você bebendo, não! Eu acho legal quando você pontua esses detalhes… Não é sobre o álcool, mas como você analisa algo, e nesse caso, é a bebida. É legal de ver, entende? A sua propriedade no assunto. É… interessante.
— Está dizendo que é interessante descobrir que sua staff é uma pinguça?
Ele gargalhou alto e bateu palmas, negando com a cabeça.
— Você é uma pinguça?
— E se eu for? — cruzei os braços, entrando na brincadeira. — Estou zoando, não sou não, tá?
Ele ainda ria quando voltou a falar.
— Brincadeiras à parte, não, não estou te chamando de pinguça. É que… — e suspirou, coçando a nuca, pensando em como dizer o que pensava. — É legal te ver falando de coisas que você entende. Sabe, você é mais velha, passa mais segurança e eu… admiro isso.
Ah, não. Ele mandou essa?
Quando eu pensei que estava indo bem, ele acaba comigo!
— Me chamou de velha! — botei a mão na boca e ele logo negou com a cara assustada, segurando em minhas mãos.
— Não, não, não! Você não entendeu! Ah, droga. Não quis dizer isso! Pelo menos não como algo ruim. É bom!
Nesse momento eu segurei a respiração e o olhei intrigada.
— Como assim? Acha legal eu ser mais velha que você? — perguntei, perdida. E eu nem tinha bebido direito, hein! Culpem o nervosismo.
Jungkook umedeceu os lábios e sorriu enquanto suas bochechas ruborizavam.
— Acho.
— Por quê?
E então, ele olhou para nossas mãos, unidas, e ergueu a cabeça, me olhando diretamente nos olhos.
— Não tem motivo, eu apenas… gosto. Gosto do fato de você ser mais velha. Gosto como parece confiante no que faz, gosto quando toma decisões, mesmo que duvidosas em relação à própria segurança. Gosto do seu senso de humor e como cada vez mais você soa… familiar.
Percebi que seu pomo de adão subiu e desceu, incerto, e eu confesso que tive dificuldades de respirar. Foi só quando ele soltou minhas mãos e tomou um longo gole da sua caipirinha, que eu fiz o mesmo, pensando numa resposta.
— Pensando assim, nem é tão ruim… — falei baixo, com um sorriso ameno. Ele me olhou com carinho e piscou, roubando mais um anel de cebola do meu prato, quebrando o gelo.
— Você vai acabar vendo meu pior lado, Jeon Jungkook! — ameacei de brincadeira e ele fingiu tremer na base, me arrancando risadas. Então, num movimento mais veloz, ele roubou as azeitonas que eu retirei de um pedaço de fogaça, e deixei no cantinho do meu prato. O encarei surpresa.
— Eu não acredito que você curte azeitonas!
— Tá falando sério? Eu adoro!
— Sério? — Ele acenou como uma criança, enquanto comia mais e eu ri, encantada. — O que você não come de jeito nenhum?
Ele parou de mastigar, ficando reflexivo e me olhou com curiosidade.
— Pedra?
As minhas gargalhadas se misturaram às dele, e eu já não sentia tanta dificuldade em estar ao seu lado, pensando milimetricamente em tudo que deveria dizer/falar.
— Bom, pelo menos você é sincero — observei enquanto roubava um outro anel de cebola do prato de Jimin. Infelizmente o dono do prato me pegou com a boca na botija, e me encarou com os olhos semicerrados, apontando em minha direção.
— Eu vi isso, hein! Você está aprendendo com ele, né? — Eu ri enquanto Jungkook gargalhava. — Eu vou deixar passar só dessa vez! Aqueles seus amendoins salvaram meu dia.
— Obrigada pelo ato de bondade, Lorde Jimin! — agradeci com as mãos unidas e curvei minha cabeça, fazendo-o rir a ponto dos olhos fecharem, e logo depois voltou a conversar com Suga e V.
— Eu sou bom de prato, admito — Jungkook chamou minha atenção com um sorriso culpado e eu achei gracioso demais para o seu próprio bem.
— Eu geralmente como mais do que isso, mas a situação não me permite demonstrar minha alta performance — brinquei ao encarar meu prato e Jungkook fez uma careta de dor.
— Como está se sentindo?
— Estou bem! Não se preocupe. Isso também vai passar, é só que ainda força um pouco a base do nariz. Mas está tudo bem. Melhor, até! — Tentei convencê-lo, mas era nítida sua preocupação comigo. Ele suspirou, com a feição desanimada.
— Eu sinto muito. Não sabe quanto gostaria de ter trocado de lugar com você naquele dia — e encarou as próprias mãos, perdido em pensamentos.
— Fico feliz que não tenha, sério — afirmei com um sorriso e coloquei a mão na sua, chamando sua atenção. Ele umedeceu os lábios e encarou meu rosto, dando um sorriso ameno.
— Sei que já falei isso, mas você é incrível.
Foi a minha vez de enrubescer, e apenas pigarreei tímida, dando um novo gole na caipirinha.
— Não me deixe sem graça! — pedi com sinceridade enquanto ria, e Jungkook apoiou a cabeça em sua mão, me encarando divertidamente.
— Pior que nem foi meu intuito. É que eu lembro do que aconteceu e só consigo chegar nessa conclusão. Fico martelando sobre o que posso fazer para te recompensar, mas nada me vem à cabeça.
Eu cocei a ponta do nariz de novo, dessa vez, tendo uma lista de pelo menos cinquenta coisas que ele poderia fazer para me recompensar.
Nenhuma delas era publicável, no entanto (lógico!).
— Já falamos sobre isso, você não me deve nada. Apenas pare de roubar minha comida.
Ele gargalhou alto, se ajeitando na mesa e terminando sua caipirinha num gole profundo, que me fez observá-lo com surpresa e… tesão.
— Justo. Agora, vamos? V está fazendo a dança do acasalamento com Jin e é realmente algo imperdível!
Logo se levantou e ergueu a mão para mim. Eu a peguei sem hesitar, sentindo um frio na barriga quando seus dedos se apertaram em minha pele. Sorri sem mostrar os dentes, ignorando a gota de suor que desceu pela reta de minha coluna, e segui seus passos, não tão animada em ver os idols fazendo danças engraçadas, mas muito e excessivamente interessada em manter o toque quente de Jungkook em minha tez.
Curiosamente ou não, parecia que o maknae havia ouvido meus pedidos. Ele não a soltou quando chegamos perto dos outros, e, como se já não fosse ótimo o bastante, as caixas de som anunciaram “Treasure” do Bruno Mars, o que deu combustível para que o jovem rapaz me puxasse para uma dança bem aleatória, me rodopiando e arrancando risadas minhas enquanto cantarolava. Jin entrou no meio de nós e começou a zoar o plantão tal qual seu “irmão mais novo”, e assim, todos entraram na onda, fazendo danças e gestos de qualidade duvidosa e exageradamente engraçados.
Eu estava terminando a caipirinha quando o DJ entrou numa energia nostálgica e lançou a braba; as primeiras notas de “Buttons” das Pussycat Dolls começou a tocar, e eu prendi a respiração enquanto deixava o copo vazio em cima da mesa, voltando a passos incertos para a rodinha que se formou. Os meninos praticamente uivaram quando reconheceram o hit, e eu quis enfiar minha cabeça num buraco, porque sabia o que estava prestes a acontecer.
Hyun-mee me procurou e segurou minha mão, me conduzindo para dançar.
— Você não vai fazer isso comigo! — reclamei em apuros e ela riu, já começando a balançar o corpo no ritmo.
— Ah, vou sim! Você me obrigou a ouvir essa música inúmeras vezes até pegar a coreografia! Agora vai fazer jus ao meu precioso tempo!
Num grito animado, ela me trouxe pro meio da roda, batendo palmas e sendo seguida pelo resto da galera.
Olhei em volta, e todos estavam esperando que eu fizesse alguma coisa. Meus olhos caíram sobre Jungkook e ele me sorriu confiante, me dando coragem para fazer o que quer que fosse.
Só que ele não sabia o que aquilo significava… Tem toda uma história por detrás daquela dança. E eu não gostaria de me abrir sobre aquilo com ninguém.
Por outro lado, era apenas uma dança de gente levemente bêbada e feliz. Ninguém sabia de nada, não é? Então, que mal poderia haver?
Às vezes eu acabava pensando demais por achar que todos estavam tendo olhares julgadores em cima de mim, e deixava de viver o que realmente importava.
Num suspiro, apenas fechei os olhos e deixei minha mente esvaziar, como fazia há tempos atrás, só que dessa vez, apenas numa tentativa de curtir o momento e nada mais.
Eu era capaz de relaxar e me permitir viver?
Senti meus lábios repuxando num sorriso bom enquanto meu corpo começava a corresponder ao ritmo da música, demonstrando que sim, lembrava da coreografia — e sim, eu era capaz de me deixar ser alegre.
Foi no refrão que eu criei coragem e comecei a abrir os olhos, fugindo dos de Jungkook, encarando minha prima, que sorria animada ao me ver solta.
I'm tellin' you loosen up my buttons babe (uh huh)
But you keep frontin' (uh)
Sayin' what you gon' do to me (uh huh)
But I ain't seen nothin'
I'm tellin' you loosen up my buttons babe (uh huh)
But you keep frontin' (uh)
Sayin' what you gon' do to me (uh huh)
But I ain't seen nothin'
Meu corpo começava a atender aos movimentos de outrora, e eu senti o peitoral erguer e retroceder, enquanto as mãos acompanhavam o embalo, junto com os quadris ritmados. Eu estava sorrindo verdadeiramente, voltando a fechar os olhos e mergulhando naquele momento, aproveitando todo o refrão. Quando achei que meus quinze segundos de fama já estavam bons o suficiente, os abri novamente e dei um sorriso contido, me retirando do meio da roda e puxando Hyun-mee, que chegou toda desengonçada enquanto arrancava risadas e aplausos do pessoal. Ela puxou J-Hope para dançar consigo e os dois voltaram a fazer palhaçadas, tão natural quanto os sorrisos.
Eu ri daquilo, achando tudo tão perfeito! Por um momento, parecia que todas as coisas estavam em seu devido lugar, e mesmo com todos os perrengues, era fato que éramos felizes. Isso me trouxe um sentimento de gratidão imensa, principalmente quando um filme passou em minha cabeça, sobre toda a mudança para a Coreia e tudo que eu e Hyun-mee enfrentamos.
Sorri agradecida, por mim, por ela, pelo universo, por não ter desistido mesmo quando a vontade era voltar chorando pro Brasil, para ficar no colo de minha vó e nunca mais sair de lá.
Estava num misto de sentimentos bons quando senti meu celular vibrar ininterruptamente. Arqueei a sobrancelha e verifiquei quem me ligava, ficando surpresa e animada por saber que era . Ela parecia ter o timing perfeito!
— Só um minuto! — eu respondi no celular enquanto me retirava do local, procurando algum lugar menos barulhento, e sorri quando vi uma porta que dava acesso ao rooftop. Subi as escadas de maneira ansiosa e, chegando no local, encontrei poucas pessoas fumando e conversando numa vibe muito mais calma do que tinha lá embaixo. Logo coloquei o aparelho no ouvido e respondi animada — Oi, amiga!
— Caraca, pelo jeito está aproveitando, né safada? Como estão as coisas?
— Tudo ótimo, melhor agora que você ligou. E aí?
— Estou bem, com saudades! Onde você está? É compartilhável essa informação?
Eu ri alto e mordi o lábio inferior, pensando na realidade da minha situação.
— Agora estou conversando com você diretamente do terraço de um dos pubs mais badalados que já fui. Se não o mais chique!
— Nossa, que noitada boa, hein! A gente aqui ainda vai sextar.
— É, tô sabendo… São que horas?
— Onze da manhã. Acabei de pegar intervalo.
— Hm, que bom! E como anda a Companhia? O professor melhorou daquele acidente?
— Sim, já faz um tempo até! Tudo dentro dos conformes, felizmente!
— Ah, assim que é bom! Você disse que ia me ligar para contar uma boa fofoca, quero saber logo!
— Primeiro quero saber como está sua cara e se você já achou o nome completo e a identidade da sasaeng que fez isso contigo… — Sua voz soou perigosa eu ri, achando graça.
— Eu tô bem, amiga, acredite. Até consegui descansar! E hoje foi meu primeiro dia de retorno, que veio com tudo né… Mas, dei conta e tô viva! Os meninos quiseram comemorar minha recuperação e o início dos ensaios oficiais com a equipe mais chegada. Por isso estou no pub, hehe.
— Então, espera aí! Você está curtindo uma noitada com o BTS, que está feliz com seu retorno?
— Sim!!!
— Cacete, eu não acredito nisso! Que foda! Quero todos os detalhes amanhã na minha mesa, para saber como está sendo isso aí!
— Sem dúvidas. Agora me fala da fofoca!
— Vou te passar o link depois, mas hoje vai ao ar a novela em que a Companhia aparece, e… eu vou estar lá!
Nós duas soltamos gritinhos cúmplices e eu sorri abertamente, morrendo de saudade dela e da minha terra.
— Que notícia boa, amiga! Estou muito feliz por você! Me passa o link que eu quero printar, tirar foto e fazer a tiete!
— Amiga, tiete é um termo bem velho, você está se denunciando!
Eu gargalhei e lembrei da pequena conversa que tive com Jungkook sobre isso e, instantaneamente, senti um calorzinho no peito.
— É, bem. Talvez não seja tão ruim.
— Ih, que suspirada foi essa, hein?
— Nada demais. Apenas de boas. Se quiser, a gente conversa melhor sobre isso depois, que tal?
— Acho ótimo! Principalmente porque o intervalo vai acabar e eu já tenho que voltar. Nos falamos mais tarde?
— Claro, amiga. Parabéns mais uma vez! Estou orgulhosa!
— Obrigada, meu anjo. Também estou feliz por você.
— Valeu, meu bem! Mande um beijo para todos aí!
— Certamente vão reclamar da sua falta, mas… eu mando! Beijos, divirta-se!
— Beijos!
Desliguei o celular e fiquei encarando o aparelho, pensativa e alegre. Nossas vidas andando dentro dos conformes era o melhor dos mundos! era uma grande amiga e eu não poderia desejar nada menos do que tudo de bom para ela! Era legal pensar que, mesmo afastadas, mantínhamos um bom contato, nos atualizando sempre que possível — e eu, fatalmente, acabava também acompanhando o andamento da Companhia de Dança, da qual saí desde o acidente no tornozelo.
Aquilo ainda me lembrava das cicatrizes físicas e emocionais, mas naquele momento, nostálgico e leve, eu me senti melhor sobre toda a trajetória, já não ficando furiosa com a vida por não ter seguido os planos que tinha para meu futuro. Quer dizer, eu estava ali, vivendo um sonho, e isso graças a tudo que deu “errado” no passado.
Talvez estivesse muito reflexiva ou doida para me fazer entender, mas a sensação de bem-estar era latente; como há muito tempo não era.
Eu ainda estava sorrindo quando escutei o barulho da porta do rooftop bater audivelmente, e me virei para trás encontrando um Jungkook agitado, procurando por algo ou alguém. Logo seus olhos pararam sobre minha figura e ele deu um sorriso aliviado, caminhando apressadamente em minha direção. Quando me alcançou, suas mãos se apoiaram de maneira terna em meus ombros — confesso que arfei com o toque.
— Você está bem?
— Sim… E você? Aconteceu algo? — perguntei, preocupada. Ele respirou fundo, deslizando as mãos e as retirando de mim. Cedo demais.
— É que sua prima foi te procurar no banheiro e não achou. Ficamos preocupados, pensando que poderia ter acontecido alguma coisa, ou você ter passado mal…
— Na verdade, vim atender a ligação de uma amigona minha! Mas é verdade que saí praticamente correndo da pista, né? Mil desculpas por preocupar vocês!
— Não foi nada! Só ficamos preocupados mesmo, mas que bom que está bem. Falou com sua amiga?
— Sim! Acabei de desligar a ligação. De tempos em tempos trocamos as fofocas e enfim… é sempre bom falar com ela. Me sinto mais perto de casa… — eu respondi com um suspiro e olhei em volta, admirada. — Se importa se ficarmos um pouco? Eu gostaria de apreciar a vista.
Só não disse qual…
Jungkook me encarou por alguns segundos e deu um sorriso ameno, acenando com a cabeça.
— Sem problemas. Só vou mandar uma mensagem para o pessoal, avisando que te achei… — respondeu, sacando seu celular do bolso.
— Boa, vou fazer isso com Hyun-mee.
Digitei rápido, deixando várias figurinhas amorosas nas mensagens e só recebi um dedo do meio, fora os palavrões de minha prima. Tudo bem, eu meio que estou me recuperando e posso ter acionado um instinto de proteção nela que é difícil desacelerar, então não levei a sério suas respostas atravessadas e só terminei dizendo que a amava muito. Uma carinha feia de braços cruzados, como se estivesse indiferente, apareceu na tela e eu sorri, entendendo que ela já estava se encaminhando para voltar à paz.
Guardei o celular e fiquei pensativa, olhando aquela cidade mergulhada na escuridão e seus pontos de luz, que deixava tudo tão mágico. A brisa fria começava a gelar meu rosto, mas eu estava me sentindo tão bem que nem me importei. Só pensava em como havia parado ali, com Jungkook ao meu lado, preocupado e me procurando por eu ter sumido de repente!
Caraca, a vida era muito doida às vezes.
— Não sabia que dançava tão bem — Jungkook falou tão próximo que quase infartei; ele estava bem ao meu lado, a ponto de sentir o calor vindo de seu corpo. Entretanto, ele apenas disse aquilo em tom de desabafo, quase num sussurro, com o olhar perdido na paisagem.
— E-Eu? Que isso, imagina! Aquilo foi só… alegria — respondi roboticamente, ajeitando meu cabelo que não estava fora do lugar e o olhando sem graça. Ele ainda iria me matar com aquele olhar desconfiado que acabava de me dar.
— Sério? Então você deveria ficar alegre mais vezes.
Ele estava me cantando ou era impressão minha?
Quer dizer, o que tinha naquela caipirinha?
— Você está sendo gentil — falei educadamente, com um sorriso contido e ele riu, negando com a cabeça.
— Falo sério, foi realmente bonito de ver. Parecia até profissional. — Engoli a seco com aquele comentário, mordendo meu lábio e olhando a vista, sem conseguir respondê-lo. Até porque sim, já fui profissional, muito profissional, mas não era mais a minha vida. Não queria entrar naquela seara e achei melhor deixar o silêncio falar por mim. Entretanto, Jungkook suspirou do meu lado, soando pensativo. — Você parecia estar em casa.
Eu olhei dentro dos seus olhos, tão perto dos meus, e por um momento vacilei. Senti suas palavras me atingindo com força, e fiquei perdida naquele olhar emblemático enquanto pensava sobre sua fala. No instante seguinte, acabei mirando seus lábios por um tempo considerado maior do que o normal, e desejei que, por um segundo, nós fôssemos somente dois civis que pudessem se pegar loucamente. Céus, como eu queria beijá-lo! Todavia, consegui me concentrar e engoli em seco, desviando o olhar para o chão, logo depois voltando a focar em seus olhos.
— Talvez eu esteja.
Seu olhar não desgrudou do meu, e senti a atmosfera mudar e tensionar, tornando-se quase palpável; era como se ele pudesse me ver como realmente sou, com todas as feridas, medos e inseguranças que me habitavam, sem eu dizer uma palavra. Umedeci os lábios e respirei fundo, olhando para a frente, deixando as emoções se assentarem.
— Sabe… — comecei a falar, ainda sentindo seu olhar em mim — eu sinto muita falta de casa, mas é impossível não se apaixonar por aqui também.
— É lindo, não é? — ele perguntou retoricamente, e eu observei de soslaio quando um sorriso lhe alcançou, fazendo um par maravilhoso com o tom grave da sua voz, que quase sussurrava de tão calma — Mas aposto que no Brasil também têm inúmeras belezas, não é? Eu adoraria conhecê-las melhor…
Me virei completamente para ele, o olhando com um grande sorriso de criança sapeca.
— Você sabe que pode contar comigo para isso, não é?
— Jura? — ele perguntou animado e eu ri.
— É claro! Vai ser um prazer. Vocês vão amar mais ainda o país. É bem lindo, e tem coisas tão nossas, sabe? Eu sinto falta dessa familiaridade. Somos muito afetuosos e calorosos, então às vezes bate uma carência. Saudades de casa real…
— Hey… — Jungkook me encarou atento e tocou meu ombro com sua mão. O gesto me fez prender o ar levemente — sempre que se sentir assim, saiba que tem a mim.
— Você? — deixei escapar, sentindo minha boca ficar entreaberta enquanto escrutinava seu belo rosto sob a noite.
— É, bem… Acredito que todos do grupo também, mas respondo melhor por mim. Quer dizer… — ele pigarreou sem graça, desviando seus olhos enquanto guardava a mão no bolso. — Você não precisa se sentir assim e lidar com isso sozinha. Podemos fazer de uma forma que amenize. O que posso fazer para te ajudar? — E voltou a me observar de canto de olho, genuinamente atento.
Ai, Jungkook. Primeiramente, me tacar naquela parede ali, sussurrar várias safadezas enquanto me beija loucamente. Em segundo lugar, me deixar cheirar seu cangote por horas a fio, porque você simplesmente cheira muito bem. Em terceiro lugar, fazer com que a gente fique trancafiado num quarto por 72 horas e faça tudo o que nossos corpos quiserem.
Para começar, já estava bom. Só faltariam mais uns mil itens dessa lista…
Balancei a cabeça, me sentindo pederasta e um tanto sem limite. O cara estava sendo um amor comigo, e eu levando para a maldade.
Eu realmente precisava dar uma extravasada naquela tensão sexual, de algum jeito!
— Acho que só o fato de você estar sendo um doce já me ajuda muito, Jungkook.
Sua boca ainda estava entreaberta num meio sorriso quando tomei coragem e rapidamente o abracei de maneira sutil, de lado. Não foi um encontro longo como eu queria, mas foi o suficiente para sentí-lo mais de perto e ficar mais encantada consigo.
— Obrigada — sussurrei e me afastei antes que morasse em seu abraço. Ele ficou me olhando de um jeito diferente, como se estivesse refletindo sobre algo, e eu apenas sorri de leve, achando graça em como ele tinha a facilidade de “viajar” a todo tempo.
— Não agradeça. Eu faço e ainda acho pouco, francamente… Diante de tudo. — Ele coçou a nuca, encabulado e adorável, mas depois de respirar fundo, me olhou de lado e sorriu de uma maneira instigante. — Mas garanto que farei mais. É uma promessa.
A última parte foi dita mais para si mesmo do que para mim, e eu confesso que fiquei intrigada com aquilo, refletindo sobre as inúmeras possibilidades que se abriam naquela deixa dele.
— Mal posso esperar pelo blusão xadrez roxo — decidi responder de um jeito bobo, arrancando uma risadinha dele.
— Vou pensar no seu caso — e me sorriu com um ar sossegado, mas logo verificou seu celular e voltou a me encarar — O que acha de voltar?
— Voltar? — Eu estava viajando em sua beleza, perdi o fio da meada.
— Voltar, lá para baixo — ele riu e ajeitou a postura, falando sério segundos depois. — Mas, apenas se estiver se sentindo à vontade para isso — completou de prontidão e eu sorri abertamente diante da sua gentileza.
— Ah, relaxa! Eu estou sempre à vontade quando estou com … vocês.
Eu quase escorreguei na última palavra mesmo? Eu quase, declaradamente, disse que ficava à vontade com ele? Céus, por que eu estava agindo de um jeito tão… argh!
Apenas escondi minha vergonha e segui para a porta, tentando parecer confiante. Mas algo no rosto risonho de Jungkook me dizia que talvez eu estivesse falhando miseravelmente.
Não foi nenhuma surpresa descer e encontrar todos muito animados ainda, entretanto, estava visível que J-Hope estava com o teor alcóolico avançado; ao contrário do que eu imaginava, ele tinha um lado parecido com o meu quando bebia um pouquinho demais da conta. A esperança do grupo estava sentada, com o olhar perdido, tentando entender o que estava acontecendo, volta e meia dando sorrisinhos e tentando interagir, sem muito sucesso.
Eu ri daquilo e sentei ao seu lado, enquanto Jungkook sentava do outro, e juntos, cercamos J-Hope.
— Ah, ! Jungkook-ah! Eu amo vocês! — e nos abraçou de repente, me fazendo gargalhar e arrancando uma pequena risada do maknae.
— Como você está? — perguntei retoricamente, pegando uma garrafa d’água que estava lacrada num balde central. — Que tal se hidratar?
— Hã? Ah, água é bom, muito bom! — ele pegou da minha mão e deu um longo gole. Jungkook trocou olhares comigo e tentou esconder o sorriso, como se estivesse acostumado ao que acontecia com o “irmão mais velho”.
— Que tal pedirmos um doce também? Um petit gateau, o que acha? — Jungkook sugeriu e se levantou para fazer o pedido após a resposta positiva de J-Hope, que acenou alegre.
— Jungkook está me usando como desculpa, você sabe… Ele estava louco para comer isso desde que chegamos — J-Hope me confessou e eu ri de sua careta, não tendo dúvidas de que aquilo era verdade.
— É bem a cara dele mesmo… — falei, deixando meu olhar seguir o maknae enquanto ainda sobrava um rastro do sorriso em meu rosto. Fiquei um tempo assim, até que J-Hope quebrou o silêncio.
— O que você acha, ?
— Hm? De quê? — perguntei, perdida. Será que tínhamos começado o famoso papo de bêbado?
— Dele — o idol apontou por onde Jungkook havia passado, e eu senti meu coração dar uma travada com aquela pergunta. O que ele queria dizer com aquilo?
— C-Como assim? — Gaguejei, é claro!
J-Hope suspirou, se ajeitando na cadeira e cruzando as pernas, deixando o olhar semicerrado enquanto encarava o nada e começava a se explicar.
— Ele estava muito agitado e nervoso durante esses dias… — J-Hope disse, pensativo, e colocou a mão debaixo do queixo, ficando mais sério. — Jungkook é o mais novo de nós e eu me preocupo com a cobrança que ele carrega consigo. Você concorda? — E me olhou de soslaio.
Eu abri e fechei a boca várias vezes, pensando sobre a situação.
— É, bem… Eu concordo, mas acho até compreensível, sabe? Vocês estão prestes a começar a turnê, e talvez ele não se sinta tão seguro, mas faz parte. Isso logo vai passar, ou pelo menos amenizar o bastante — sorri, também olhando para o mesmo ponto que J-Hope.
— Você provavelmente tem razão — ele sorriu, vendo o maknae voltar — Espero que você esteja sempre por perto.
— Como é? — o olhei assustada e ele sorriu a ponto de fechar os olhos.
— É a primeira vez na semana que ele não está tensionado. Acho que isso tem a ver com a sua presença. Que bom que você voltou!
J-Hope disse a última frase em alto e bom tom, com os braços abertos na direção de Jungkook, que o abraçou de volta. A dualidade de sua fala me pegou em cheio, pois ela tanto servia para mim quanto para o outro idol.
É. Definitivamente eu não ficava tão astuta quando bebia. Talvez isso fosse apenas uma capacidade exclusiva de J-Hope.
E eu fiquei cagada de medo com o que ele disse. Será que estava de boa mesmo, como se fosse um agradecimento pela minha atuação profissional, me colocando como alguém acolhedor? Ou ele queria dizer algo mais — algo que falasse especificamente sobre como eu e Jungkook nos dávamos bem (bem até demais)?
Confesso que fiquei aflita com as impressões causadas, até porque, para ser sincera, nem eu entendia direito a minha relação com Jungkook. Era tão fluido que me pegava sempre tão envolvida em qualquer diálogo que tínhamos — e isso me assustava e fascinava.
Contudo, eu sei que talvez para os olhos alheios, aquilo pudesse soar de um outro jeito — e não serei hipócrita em dizer que sim, adoraria que fosse verdade. A questão era que… puxa! Tantas nuances para se considerar! Eu admirava Jungkook de inúmeros jeitos? Sim! Me via facilmente dando uns amassos com ele? Sim! Ele era meu patrão? Sim! Isso era errado? Sim! Uma vontade unilateral? Ao que tudo indica, sim!
Mas aí vem J-Hope e planta aquela ideia na cabeça. E lá estava eu, pensando se tinha algo a mais por trás daquela fala ou se era só mais um comentário simples depois de uma noite etílica.
Ah, Deus. Me ajude!
— Em breve a sobremesa chega — Jungkook informou como um bom amigo e Hobi descansou a cabeça no ombro dele, me despertando dos pensamentos.
— Ótimo, para você roubar de mim, não é? — O outro respondeu e riram da conclusão certeira.
Como dito, o quitute chegou, sendo arduamente compartilhado pelos garotos, me fazendo rir enquanto a terceira guerra mundial parecia ocorrer diante dos meus olhos.
Depois disso, ficamos um tempo conversando amenidades, e eu admito que o cansaço começou a bater. Chegou um momento em que minha prima parou diante de mim e riu da minha cara, enquanto eu não conseguia mais evitar um bocejo.
— Vamos para casa, Soneca?
Sorri sem mostrar os dentes, confirmando com um aceno.
— Vão embora? — Jungkook perguntou atento, e J-Hope, que estava de olhos fechados e abraçado à ele, levantou do nada, super alerta.
— Mas está cedo!
— Não está não, e você já está ficando sem energia nenhuma — comentei risonha, achando graça enquanto Jimin tentava colocar o indicador no ouvido do amigo, implicando com a sua sonolência.
— Vou chamar o uber — Hyun-mee comentou e J-Hope novamente interviu.
— Nada disso! A gente trouxe, a gente leva de volta! — e logo se colocou de pé, esticando a coluna e dando um tapinha no ombro de Jungkook. — Vamos, levanta. Você também vai com a gente.
— Hã? Tá, ué. E o resto do pessoal? — ele perguntou um pouco perdido, e eu logo desviei o olhar para o chão, me sentindo nervosa com a ideia de irmos no mesmo automóvel. Porra, puta que pariu, J-Hope!
— Nós vamos no outro carro. Dá espaço — Jimin comentou, indo abraçar Suga de lado. — Não é, meu chapa?
— Chapa? O que você andou bebendo?
V riu daquilo e fez uma careta de bebum, arrancando risadas do pouco pessoal que restara. Só ali me toquei que muitos já tinham ido embora — provavelmente enquanto eu e Jungkook estávamos lá em cima.
Eu ainda estava nervosa quando, um por um, os meninos foram se despedindo de mim, exceto pelos dois que me acompanhariam, e eu nem soube dizer se estava conseguindo interagir devidamente.
A frase de J-Hope ficou martelando na minha cabeça e eu mal conseguia raciocinar direito. Apenas despertei quando minha prima parou do meu lado.
— Tá dormindo em pé? Acorda, garota! — ela exclamou, estalando um dedo na minha frente, e eu pisquei algumas vezes, dando um leve sorriso.
— Tem alguém com sono aí? — Jungkook perguntou ao se aproximar, enquanto descíamos as escadas. Eu engoli a seco e dei de ombros.
— Um pouco. O cansaço é real.
— Logo estará em casa, não se preocupe — ele respondeu solícito e eu acenei, concordando consigo.
A viagem foi tranquila, mas eu não consegui dizer nada, só de pensar o que tinha acontecido da última vez que estive num carro com Jungkook. De toda forma, Hyun-mee foi na frente para indicar o caminho e J-Hope estatelou a cara no vidro, dormindo ao lado de Jungkook, que ia no meio, e eu, que fiquei na outra ponta.
Então, sim. Eu estava encostando nele, e me senti ansiosa cada vez que me dava conta disso.
Era diferente quando estava na presença de outras pessoas, junto a Jungkook. Eu tinha medo de dizer ou fazer algo que desse a entender coisas e, por fim, que aquilo acabasse prejudicando todo o meio de campo.
Decidi ficar quieta, tentando me concentrar apenas na minha respiração. Depois de algumas piscadelas, a voz de Jungkook soou perto demais, e meus pelos da nuca se eriçaram.
— Pode dormir, se quiser. Te acordo quando chegar.
Tentei disfarçar com um sorriso, e lhe olhei de soslaio.
— Mesmo?
Ele abriu um sorriso lindo e arrastou a língua pelo lábio inferior, deixando a cabeça tombar levemente para o outro lado.
— Já estou cuidando de um aqui. Você não seria problema.
Não consegui processar direito o que ele disse, devido ao movimento sedutor e acidental. Puxará, ele só estava umedecendo o lábio e eu já estava pirando!
Que ódio de mim!
Sem chances contra seus encantos, apenas suspirei e acenei, deixando minha cabeça deitar no encosto da poltrona.
Por incrível que pareça, dormi mais rápido do que imaginei. E para minha surpresa, fui acordada de um jeito maravilhoso, inclusive.
— Hey, Cinderella. Chegamos. — A voz de Jungkook dizia, me despertando.
Abri parcialmente meus olhos, mas os fechei de novo, murmurando qualquer coisa e mexendo minha cabeça naquela superfície grande e felpuda.
Ouvi uma risadinha, mas só me atentei quando uma nova fala foi proferida:
— Você gostou mesmo dessa blusa, não é?
Num ato súbito, meus olhos se escancararam abertos e eu ergui a cabeça como um avestruz saindo do buraco da terra. Totalmente envergonhada (e provavelmente com a cara amassada), eu percebi que havia adormecido no ombro de Jungkook. Mais precisamente, quase em seu peitoral, porque seu braço estava ao redor de meus ombros; e ele provavelmente fez isso porque devia estar numa posição desconfortável.
Óh, merda. Eu estava muito na merda mesmo!
— Desculpe, desculpe! Meu Deus, que vergonha! — Me sentei corretamente, enquanto dava tapinhas no meu rosto.
Ouvi outra risada vindo do banco da frente e quando olhei, Hyun-mee me mostrava o celular com uma foto minha, praticamente babando no ombro do maknae.
— Essa aqui vai ficar para a eternidade! Vou postar no grupo da família!
— Hyun-mee! — ralhei, escondendo a cara nas mãos enquanto Jungkook ria abertamente.
— Não fui eu que errei o passo! — J-Hope acordou de supetão, piscando rápido, e nos olhou, assustado. Quando se deu conta, apenas resmungou alguma coisa e voltou a encostar no vidro, dormindo novamente.
— Bom, essa é a nossa deixa. Obrigada pela carona, mais uma vez, Jungkook. Agradeça ao J-Hope por nós. Ele foi um querido! — Hyun-mee se pronunciou, retirando o cinto de segurança e se despedindo do motorista, agradecendo a ele também e saindo do carro.
Eu ajeitei o cabelo, tentando esticar a cara e não parecer tão acabada.
— Bom, isso foi… Constrangedor, mas bom. — comentei rindo de leve, e Jungkook fez o mesmo. O ar que saiu de suas narinas fez cócegas na minha orelha, e eu me virei para olhá-lo, tentando disfarçar o arrepio.
— Eu não sabia que tinha vocação para travesseiro, mas você sabe… É sempre tempo de aprender algo sobre si mesmo.
Eu sorri com aquela fala, ainda encabulada por ter adormecido ali.
Veja bem, eu disse encabulada, não arrependida.
— Obrigada pela noite. Foi muito bom estar com vocês. E desculpa por isso — Apontei para seu ombro, e ele sorriu malandro.
— Não esquenta. Obrigado pela companhia, . Descanse bem.
Eu acenei rapidamente e me virei puxando a maçaneta da porta, abrindo-a e saindo dali. Jungkook me entregou minha mochila e eu agradeci com um aceno.
— Boa noite, Jungkook.
— Boa noite, — ele respondeu com meu nome deslizando por sua língua como se derretesse feito um suspiro. Eu me ajeitei enquanto ficava de pé e dei um tchau com a mão, me virando para partir. Entretanto, foi sua voz que me chamou de volta. — Ah, olha que legal: eu aprendi mais uma coisa sobre você, hoje.
Me virei em meus calcanhares, o olhando assustada.
— O quê?
— Você ronca — ele respondeu rindo, e segurou na porta para fechá-la, enquanto eu ficava vermelha de vergonha. — Durma bem, .
E assim, ele fechou e o carro partiu, sem mais nem menos, me deixando com o coração acelerado, por lembrar que eu também costumava falar durante o sono.
Será que eu havia dito algo?
Um bocejo me interrompeu e eu decidi que era tarde demais para decidir sobre aquilo. Então apenas entrei em casa, doida para dormir e ter bons sonhos.
Provavelmente, todos com Jungkook.
J-Hope estava animadíssimo num papo com Hyun-mee. O idol fez questão de solicitar um carro da empresa e nos acompanhar, já que os meninos se dividiram e foram na frente. O motorista parecia sorrir toda vez que escutava uma gargalhada do rapaz, e eu me peguei pensando nas relações de trabalho que acabam se tecendo ao longo da rotina.
Era louco pensar que eu via mais o BTS do que a minha própria família — com exceção de Hyun-mee, é claro. E então, pensei em como as coisas estavam se desenvolvendo para uma amizade bacana, tentando fingir que aquele pensamento não buscava a todo custo justificar o meu afeto por Jungkook.
Pensando bem, achava até melhor termos ido em carros diferentes. Apenas, você sabe, para me preparar melhor.
— Tá borrado? — Hyun-mee perguntou enquanto me olhava com o olho pintado de preto.
— Não, está ótimo, para ser sincera — respondi surpresa com a habilidade dela em se maquiar com o carro em movimento.
— Relaxem, meninas! Isso é só uma noitada comum, não precisam disso! Já são naturalmente bonitas! — J-Hope nos agradou com um elogio, mas eu apenas sorri, verificando meu reflexo no espelho de mão, achando que estava com as bochechas muito apagadas.
Decidi dar uma retocada com o blush enquanto o respondia.
— Você é sempre um doce, J-Hope! Obrigada pelo carinho, mas para quem está com um hematoma horrível na cara, eu não posso me dar ao luxo de que todos partilharão do seu ponto de vista.
A safada da minha prima riu e o idol prendeu uma risada mal e porcamente, entretanto, não fiquei chateada; apenas sorri de canto e aproveitei para usar o gloss labial, que dava uma corzinha a mais na boca. Faz parte, né?
— E então? Muito ruim? — perguntei numa careta e Hyun-mee parou de passar a máscara de cílios para rolar os olhos.
— Pare de se autodepreciar, ok? Você é linda!
J-Hope me olhou desconfiado enquanto eu suspirava, e então cruzou as pernas, mantendo um semblante contemplativo.
— Você está incomodada com isso? — E apontou para a parte atingida do acidente. Eu confirmei, meio sem graça, e ele sorriu abertamente. — Eu acho que você não deveria dar bola. Sei que é fácil dizer, mas esse hematoma aí só mostra o quanto você foi e é incrível! Quem não enxergar isso, é um tremendo de um idiota. E acredite: não temos tempo para idiotice. Acho que o grupo todo admira e lhe vê com bons olhos. Principalmente por ter cuidado de nós! Mais especificamente do nosso maknae que nitidamente te adora.
Eu juro que fiquei alguns segundos apenas olhando para ele, me sentindo tocada pelas palavras, um tanto sem graça pela última parte.
— Você está falando sério? — indaguei, ainda descrente.
Ele riu e colocou uma mão no meu ombro enquanto o outro dava leves toques no topo da minha cabeça.
— Eu não tenho dúvidas! Você definitivamente tem fãs.
Senti uma imensa vontade de abraçá-lo. Então, para fugir da emoção que começava a pinicar a ponta do nariz (e que provocaria olhos marejados), eu apenas o envolvi com os braços, sendo grata por vivenciar aquilo.
— Obrigada. Você corre sérios riscos de ser um grande amigo — segredei enquanto saía do abraço, e J-Hope abriu um sorriso enorme.
— Finalmente um risco que valha a pena! — Nós dois gargalhamos com a nossa própria bobeira.
— Ei, eu também quero fãs! — Hyun-mee interviu com uma falsa crise de ciúmes e nós rimos, nos virando para ela, puxando-a para um abraço à três.
— Vocês são dez, meninas! Tem espaço para todo mundo no coração do Hobi aqui!
Entre risadas e piadinhas, o carro parou, nos fazendo prestar atenção no lugar pela janela.
— Chegamos — o motorista informou, saindo do carro e abrindo a porta para nós, como um extremo cavalheiro.
Agradeci com um aceno enquanto saía do automóvel, sentindo a sensação de frio na barriga ao encarar a porta do pub. O local parecia ser um daqueles bem chiques e minimalistas, com luzes neon destacadas na predominância do preto.
Por sermos vip, entendi que aquela entrada não era a principal, e mesmo com a fila, não a enfrentamos; um segurança da Big Hit já estava à disposição, nos aguardando ali, e manejou-nos até a entrada, sem problema algum.
Ao adentrar no recinto, o ar-condicionado nos recebeu com gosto, e eu cheguei a me curvar um pouco, me apertando no casaco. Dei uma leve olhada para mim mesma, pensando que talvez não estivesse tão ruim; uma legging preta, a bota estilo coturno da mesma cor, uma bata cinza comprida com mangas e a jaqueta vermelha que se moldava ao meu corpo.
Não estava exatamente chique mas, fazer o quê? Eu nem sairia a princípio! Para quem não esperava nada disso, eu até estava em bons lençóis.
Hyun-mee agarrou meu braço e deu um sorrisinho animado.
— Ai, prima! Noitada com BTS! Bebidinhas maravilhosas! — ela exclamou e eu suspirei.
— Diga por você! Não poderei beber…
— Mas seu remédio não termina hoje, às 22h? — Ela arqueou uma sobrancelha e eu franzi o cenho, verificando nas anotações do celular, e qual não foi minha surpresa ao perceber que ela estava certa?
— Céus, como você sabia? — perguntei assustada e ela riu, me abraçando de lado enquanto caminhávamos atrás de J-Hope.
— Fala sério, você é minha protegida. Acha que deixo alguma coisa passar? — Ela me olhou e deu uma piscadinha, me fazendo sorrir cúmplice. Ainda assim, senti uma pitadinha de receio. Hyun-mee teria percebido minha fascinação pelo golden maknae?
— É só não beber muito — ela avisou, me olhando como se estivesse sabendo o que eu pensava. Ah, se a minha preocupação fosse apenas meu estado etílico…Só me restou sorrir e concordar com um aceno.
— É, não queremos problemas, né? Vou ficar suave.
Foi apenas ao terminar aquela palavra, depois de subir as escadas e ver gente animada na pista de dança, que eu comecei a ter dimensão da situação. O lugar era amplo, com caixas de som muito bem posicionadas, e parecia ter ambientes diferentes para cada gosto. No “térreo”, a pista de dança começava a encher consideravelmente, tão agitada quanto uma sexta-feira poderia ser. O bar dali era customizado com letreiros neons e propagandas de bebidas, com bartenders e garçons muito bem arrumados e de aparência invejável.
Os jogos de luz davam efeitos no público dançante, que vibrava com as mudanças de cores interligadas às batidas da música. Um slideshow se apresentava no palco com imagens da aurora boreal e suas luzes naturais, deixando o clima visualmente hipnotizante. O chão do “palco” era de vidro, com algas e objetos exóticos, que davam num grande aquário no centro do local, com peixes do tipo carpa nadando como se não fossem a coisa mais linda vista naquela noite. Era de tirar o fôlego!
Quando meus pés alcançaram o andar de cima, J-Hope se virou e nos deu espaço para ir na frente, indicando uma porta no fim do corredor. Eu e Hyun-mee nos olhamos, e eu admito que fiquei mais animada com tudo aquilo, caminhando em direção ao destino apontado. E assim, poucos segundos depois, passamos pela porta e entramos no ambiente privativo, sendo recebidas por algumas pessoas da equipe de staff e dos meninos do grupo. Os berros de alegria foram mais altos que a música.
— Hope right here! — J-Hope gritou animado, e se meteu no meio de Hyun-mee e eu, com os braços ao redor de nossos ombros, sorrindo como uma criança — Encontrei essas belas damas e achei melhor convidá-las, pessoal. O que acham?
A resposta foi um coro de risadas, arrancando sorrisos sinceros meus e da minha prima, que parecia deslumbrada com a situação. Poderia culpá-la? Aquilo era, no mínimo, muito maneiro!
Tão maneiro que meu coração deu uma palpitada ao perceber Jungkook, que me olhava como se esperasse que eu o reconhecesse na multidão.
E eu era capaz de fazê-lo independentemente de onde estivéssemos, mas ninguém precisava saber disso. Então apenas sorri mais ainda, vendo ele retribuir, enquanto J-Hope nos aproximava da galera.
— Gente, encerra o papo que o assunto chegou! — Jin avisou apontando com o olhar em minha direção e eu rolei os olhos, já ouvindo as risadas do povo.
— Fala a verdade, você estava doido para que ela chegasse! — Jimin brincou e o mais velho fez uma careta forçada.
— E correr risco de levar bronca fora do horário de trabalho? Eu não! — ele respondeu e eu ri.
— Eu fico me perguntando como você sobreviveu esses dias sem mim! — Me atrevi a dizer e todos começaram a fazer um coro de “ooooh”, colocando a mão na boca e pilhando o worldwide handsome.
— Ele andava cabisbaixo, quase como um cão abatido! — V comentou e J-Hope gargalhou.
— Isso era carência, eu avisei, mas ninguém ligou! — Hobi retrucou.
— Isso quer dizer que ele estava com saudades, … — Suga explicou zombeteiro e olhou para Jin com uma cara maníaca. — Eu acho que ele está precisando de um afago igual a um cãozinho de estimação.
Com a sugestão do rapper, os meninos de novo começaram no coro animado, e Hyun-mee e os outros staffs entraram na brincadeira, me deixando sem saída a não ser fazer um carinho na cabeça de Jin. Cedi ao pedido, mas não sem acrescentar uma última fala.
— Bom menino!
A gargalhada foi geral, e logo depois de nos recuperarmos, Jin cruzou os braços com um falso semblante de indignação.
— Eu não tenho o mínimo respeito nesse grupo.
RM deu um pescotapa no amigo e o abraçou de lado, ignorando sua cara feia. Logo o líder ergueu a sua bebida e como um gentleman, perguntou:
— O que gostariam de beber? Escolham e fiquem à vontade. Vocês são nossas convidadas.
Ele não deveria ter dito isso.
Especialmente para uma esponja chamada Hyun-mee.
— Sex on the beach! — ela exclamou ao meu lado e eu dei de ombros.
— Uma soda com limão e gelo — pedi, checando o horário e suspirando — Pelo menos por enquanto vou dar uma segurada. O último remédio será tomado daqui há uma hora.
Em tempo recorde, as bebidas vieram e todos se reuniram numa roda com seus copos erguidos. Enquanto nos juntávamos para incluir todo mundo, não pude deixar de observar que Jungkook saiu de seu posicionamento inicial e se aproximou pela tangente, até ficar ao meu lado.
A princípio, não falamos nada; apenas trocamos olhares cúmplices e sorrisos quase impossíveis de segurar.
Ai, o friozinho na barriga!
— Ao início dos ensaios oficiais e à uma turnê de sucesso, que só acontece porque somos um time! — RM fez uma fala sucinta e poderosa, mas logo complementou. — Ah, e à recuperação da nossa querida staff aqui! Viva, !
— Viva!!! — O pessoal exclamou alegre e os copos tintilaram conforme o brinde acontecia animado.
Quase enfiei minha cara totalmente na minha bebida quando percebi que o olhar de Jungkook estava me secando, como se reparasse na maquiagem que eu havia feito. Apenas meus olhos estavam de fora, e eu desviei de sua mira para olhar dentro do meu copo, me sentindo boba e… Bem, vesga.
— Está com sede? — ele perguntou numa entonação brincante e eu parei de beber, prendendo meus lábios numa linha fina e o olhando sem graça.
— Essa soda está… deliciosa. Quer provar?
Jungkook me olhou com uma cara engraçada e deixou escapar uma risada baixa, negando com a cabeça.
— Não, obrigado. Está com fome, quer comer algo? Eu pedi uns petiscos — comentou brevemente, apontando para o bar e eu sorri tímida, sentindo meu estômago roncar.
— Vou ser obrigada a cometer um delito e roubar algumas de suas batatas.
Ele gargalhou deliciosamente e eu observei como parecia uma obra de arte em movimento. Acho que o que quer que ele estivesse tomando já estava deixando as coisas mais soltinhas, mas não vi problema algum nisso.
— Fique à vontade para roubar o que quiser.
Ok. Ele tem noção do que uma frase dessa pode causar?
Eu reprimi um suspiro e mordi o lábio inferior, erguendo as sobrancelhas enquanto pensava numa resposta que não tivesse cunho sexual. Concentre-se, ! Meus olhos passearam ao redor e eu reparei em algo realmente bonito (que não fosse o próprio idol).
— Olha lá, hein. Vou acabar roubando seu blusão xadrez roxo!
Ele me olhou com a feição teatralmente assustada enquanto tocava na própria blusa.
— Oh não, você seria capaz de uma atrocidade dessas!? E eu vou vestir o quê?
Dei uma pequena engasgada com a soda que acabava de deglutir, mas foi quase imperceptível. Levantei a cabeça e o encarei, jurando ter uma pincelada de diversão naquele rosto desenhado pelos Deuses.
— Aí já não é problema meu… — brinquei, pensando que na verdade aquilo não era problema nenhum, apenas solução. Jungkook sem blusa poderia muito bem ser a saída para muita coisa na minha vida.
Acordei dos meus pensamentos com ele dando uma risadinha. Observei sua feição divertida enquanto sorvia de sua bebida.
— Achei que fosse mais boazinha.
A entonação do “boazinha” foi diferente das demais palavras, mas não consegui captar exatamente o que ele queria dizer com aquilo. Então eu respirei fundo, cocei a ponta do nariz e reprimi uma risada maléfica.
— Num dia estou me jogando na frente da sasaeng, no outro, você pode ficar sem seu blusão incrivelmente felpudo e aparentemente aconchegante — ele arregalou os olhos e eu dei de ombros — O quê? É justo, não acha? Você me deve.
Ele sorriu de modo encantador e eu prezei pela própria sanidade, encarando qualquer canto que não fossem seus olhos.
— Achei que as batatas dariam conta…
— Oh, está dizendo que arrisquei minha vida porque a sua vale um prato de batatas fritas?
— É com cheddar extra, bacon e molho especial! — ele exclamou como se fosse a coisa mais óbvia e eu ri da sua cara, afirmando com um leve aceno.
— Ok, agora estamos negociando de verdade.
Para a alegria da nação, não só as batatas vieram, como outros pratos também, que ornamentaram a mesa organizada quase como num buffet, enquanto pequenos grupos conversavam entre si. A passos lentos, nos sentamos no sofá estofado que ficava de frente para a mesa, e assim nos servimos como dois parceiros famintos, que logo dividiram a atenção com os demais da mesa.
Depois de comer, nos levantamos para continuar curtindo a noite e espantando o cansaço com gosto. Passamos a maior parte do tempo rindo, comentando e fazendo piadas uns dos outros. Os meninos estavam visivelmente mais soltos e falantes, e foi legal ter uma versão deles mais despreocupada. Mesmo que fossem k-idols internacionalmente reconhecidos, ainda se tratavam de sete jovens rapazes com desejos e interações tão legítimas quanto qualquer outro indivíduo da sua idade — e eu estava feliz em poder presenciar aquilo.
Num dado momento, me sentei para tomar meu remédio e descansar um pouco. Eles estavam mega animados e dançantes, e nem parecia que passaram o dia inteiro ensaiando; acho que a vontade de relaxar e curtir uma noitada era maior do que tudo. Certamente dormiriam até mais tarde no dia seguinte.
Eu estava rindo descaradamente de um tombo que Jin levou por fazer uma palhaçada ao imitar V, quando Jungkook se sentou ao meu lado e roubou um anel de cebola do meu miniprato (que eu nem estava de fato mais ligando, mas não perdi a deixa).
— Ei! — Parei de rir na hora, e as risadas dele foram ouvidas de longe. Não consegui evitar o bico, e ele brincou apontando um garfo para minha boca.
— Tira esse bico, tem mais ali no outro prato!
— Mas é do Jimin! — Eu exclamei e ele riu mais ainda, provavelmente da minha careta abismada.
— Eu me resolvo com ele. Agora só se alimente direito, mulher.
Um arrepio mínimo desceu bem do topo da coluna ao ouví-lo me chamar desse jeito, mas engoli em seco e, como uma profissional, roubei um anel de cebola de Jimin.
Tempos depois, o rapaz foi comer como se nada tivesse diferente. Eu e Jungkook rimos baixo como parceiros do crime, e tocamos nossos punhos num cumprimento secreto.
— Você está me transformando numa ladra de comida.
— Em minha defesa, você já era uma ladra de blusões antes.
— Você por acaso está nu da cintura para cima? — Retruquei antes que pudesse me conter, mas disfarcei diante do silêncio encabulado de Jungkook — Então eu estou sendo boazinha, sim? Preze por este momento e pare de roubar minhas batatas!
Percebi que ele demorou um tempinho para voltar ao normal e eu me xinguei internamente por fazer aquela fala tão incisiva. Eu queria o rapaz tanto assim?
Espere, não responda. Eu não quero saber.
— São anéis de cebola — ele sussurrou, pegando mais um do meu prato e eu ri depois de encará-lo com descrença. Aquele garoto sabia ser tão lindo quanto irritante.
Ignorei sua implicância fingindo soberba quando, para minha surpresa, o garçom trouxe dois copos de caipirinha de limão.
Eu arregalei os olhos e me virei para Jungkook, que ria animadamente da minha cara.
— Eu não acredito! Você… Você pediu isso!? — indaguei incrédula.
— Já que você desonrou totalmente meu pedido de caipirinha, eu decidi fazer esse momento acontecer. E então? Abre uma exceção e bebe comigo?
O olhei por alguns momentos, ponderando não somente sobre a proposta, mas a forma deliciosa que ele me convidou. Eu era capaz de dizer sim a qualquer coisa se ele me olhasse e entoasse um pedido como acabara de fazer.
Num movimento sutil, peguei a caipirinha na mão e seu sorriso se alargou, mostrando seus dentes perfeitos enquanto erguia sua bebida em direção à minha.
— À que estamos brindando? — perguntei, inocentemente. Ele arqueou uma sobrancelha e pensou por alguns instantes, arrastando o lábio inferior pelos dentes superiores.
Céus, que tesão.
— À sua recuperação. — E então, me olhou com sinceridade, e logo sorriu. — Ao seu trabalho e ao de todos que fazem o BTS acontecer. À nossa felicidade e ao nosso sucesso! E acima de tudo, saúde e bem-estar. O que acha?
Eu sorri tal qual uma garota apaixonada, tendo dificuldades em segurar minha onda. Engoli em seco e respirei fundo, encostando seu copo no meu.
— Está ótimo para um brinde.
Os copos tintilaram e, sincronizados, tomamos o primeiro gole da caipirinha, que estava muito boa por sinal!
— Hmm! — murmurei, feliz de estar bebendo algo da minha amada terra, e logo observei a cara de Jungkook, que estalava a língua como se apurasse o sabor. Adorável esse menino! — E então?
— Caramba, é… uma delícia! — E olhou para mim, chocado. — Está à altura das que você toma em seu país?
Eu afirmei com um aceno, dando de ombros.
— Eu acrescentaria um pouco mais de álcool e gelo, para ser sincera. Acho que o limão estava muito azedo e tentaram harmonizar com o açúcar, mas aí ficou um pouquinho doce demais. — Ele me olhou com os olhos esbugalhados e eu ri sem graça. — O que foi?
— Ah, é que… você parece entender do assunto! — comentou sorrindo e eu arqueei uma sobrancelha.
— Isso te surpreende? — perguntei antes de filtrar, e Jungkook me encarou passado, deixando a boca se mexer sem sair nenhum som. Ele tentou se desculpar com alguns gaguejos e eu ri achando graça. Finalmente ele se concentrou, colocando o copo na mesa e gesticulando devagar.
— Não foi isso que quis dizer. Eu não sou… como se diz? Um cara conservador. Não tenho nenhum problema com você bebendo, não! Eu acho legal quando você pontua esses detalhes… Não é sobre o álcool, mas como você analisa algo, e nesse caso, é a bebida. É legal de ver, entende? A sua propriedade no assunto. É… interessante.
— Está dizendo que é interessante descobrir que sua staff é uma pinguça?
Ele gargalhou alto e bateu palmas, negando com a cabeça.
— Você é uma pinguça?
— E se eu for? — cruzei os braços, entrando na brincadeira. — Estou zoando, não sou não, tá?
Ele ainda ria quando voltou a falar.
— Brincadeiras à parte, não, não estou te chamando de pinguça. É que… — e suspirou, coçando a nuca, pensando em como dizer o que pensava. — É legal te ver falando de coisas que você entende. Sabe, você é mais velha, passa mais segurança e eu… admiro isso.
Ah, não. Ele mandou essa?
Quando eu pensei que estava indo bem, ele acaba comigo!
— Me chamou de velha! — botei a mão na boca e ele logo negou com a cara assustada, segurando em minhas mãos.
— Não, não, não! Você não entendeu! Ah, droga. Não quis dizer isso! Pelo menos não como algo ruim. É bom!
Nesse momento eu segurei a respiração e o olhei intrigada.
— Como assim? Acha legal eu ser mais velha que você? — perguntei, perdida. E eu nem tinha bebido direito, hein! Culpem o nervosismo.
Jungkook umedeceu os lábios e sorriu enquanto suas bochechas ruborizavam.
— Acho.
— Por quê?
E então, ele olhou para nossas mãos, unidas, e ergueu a cabeça, me olhando diretamente nos olhos.
— Não tem motivo, eu apenas… gosto. Gosto do fato de você ser mais velha. Gosto como parece confiante no que faz, gosto quando toma decisões, mesmo que duvidosas em relação à própria segurança. Gosto do seu senso de humor e como cada vez mais você soa… familiar.
Percebi que seu pomo de adão subiu e desceu, incerto, e eu confesso que tive dificuldades de respirar. Foi só quando ele soltou minhas mãos e tomou um longo gole da sua caipirinha, que eu fiz o mesmo, pensando numa resposta.
— Pensando assim, nem é tão ruim… — falei baixo, com um sorriso ameno. Ele me olhou com carinho e piscou, roubando mais um anel de cebola do meu prato, quebrando o gelo.
— Você vai acabar vendo meu pior lado, Jeon Jungkook! — ameacei de brincadeira e ele fingiu tremer na base, me arrancando risadas. Então, num movimento mais veloz, ele roubou as azeitonas que eu retirei de um pedaço de fogaça, e deixei no cantinho do meu prato. O encarei surpresa.
— Eu não acredito que você curte azeitonas!
— Tá falando sério? Eu adoro!
— Sério? — Ele acenou como uma criança, enquanto comia mais e eu ri, encantada. — O que você não come de jeito nenhum?
Ele parou de mastigar, ficando reflexivo e me olhou com curiosidade.
— Pedra?
As minhas gargalhadas se misturaram às dele, e eu já não sentia tanta dificuldade em estar ao seu lado, pensando milimetricamente em tudo que deveria dizer/falar.
— Bom, pelo menos você é sincero — observei enquanto roubava um outro anel de cebola do prato de Jimin. Infelizmente o dono do prato me pegou com a boca na botija, e me encarou com os olhos semicerrados, apontando em minha direção.
— Eu vi isso, hein! Você está aprendendo com ele, né? — Eu ri enquanto Jungkook gargalhava. — Eu vou deixar passar só dessa vez! Aqueles seus amendoins salvaram meu dia.
— Obrigada pelo ato de bondade, Lorde Jimin! — agradeci com as mãos unidas e curvei minha cabeça, fazendo-o rir a ponto dos olhos fecharem, e logo depois voltou a conversar com Suga e V.
— Eu sou bom de prato, admito — Jungkook chamou minha atenção com um sorriso culpado e eu achei gracioso demais para o seu próprio bem.
— Eu geralmente como mais do que isso, mas a situação não me permite demonstrar minha alta performance — brinquei ao encarar meu prato e Jungkook fez uma careta de dor.
— Como está se sentindo?
— Estou bem! Não se preocupe. Isso também vai passar, é só que ainda força um pouco a base do nariz. Mas está tudo bem. Melhor, até! — Tentei convencê-lo, mas era nítida sua preocupação comigo. Ele suspirou, com a feição desanimada.
— Eu sinto muito. Não sabe quanto gostaria de ter trocado de lugar com você naquele dia — e encarou as próprias mãos, perdido em pensamentos.
— Fico feliz que não tenha, sério — afirmei com um sorriso e coloquei a mão na sua, chamando sua atenção. Ele umedeceu os lábios e encarou meu rosto, dando um sorriso ameno.
— Sei que já falei isso, mas você é incrível.
Foi a minha vez de enrubescer, e apenas pigarreei tímida, dando um novo gole na caipirinha.
— Não me deixe sem graça! — pedi com sinceridade enquanto ria, e Jungkook apoiou a cabeça em sua mão, me encarando divertidamente.
— Pior que nem foi meu intuito. É que eu lembro do que aconteceu e só consigo chegar nessa conclusão. Fico martelando sobre o que posso fazer para te recompensar, mas nada me vem à cabeça.
Eu cocei a ponta do nariz de novo, dessa vez, tendo uma lista de pelo menos cinquenta coisas que ele poderia fazer para me recompensar.
Nenhuma delas era publicável, no entanto (lógico!).
— Já falamos sobre isso, você não me deve nada. Apenas pare de roubar minha comida.
Ele gargalhou alto, se ajeitando na mesa e terminando sua caipirinha num gole profundo, que me fez observá-lo com surpresa e… tesão.
— Justo. Agora, vamos? V está fazendo a dança do acasalamento com Jin e é realmente algo imperdível!
Logo se levantou e ergueu a mão para mim. Eu a peguei sem hesitar, sentindo um frio na barriga quando seus dedos se apertaram em minha pele. Sorri sem mostrar os dentes, ignorando a gota de suor que desceu pela reta de minha coluna, e segui seus passos, não tão animada em ver os idols fazendo danças engraçadas, mas muito e excessivamente interessada em manter o toque quente de Jungkook em minha tez.
Curiosamente ou não, parecia que o maknae havia ouvido meus pedidos. Ele não a soltou quando chegamos perto dos outros, e, como se já não fosse ótimo o bastante, as caixas de som anunciaram “Treasure” do Bruno Mars, o que deu combustível para que o jovem rapaz me puxasse para uma dança bem aleatória, me rodopiando e arrancando risadas minhas enquanto cantarolava. Jin entrou no meio de nós e começou a zoar o plantão tal qual seu “irmão mais novo”, e assim, todos entraram na onda, fazendo danças e gestos de qualidade duvidosa e exageradamente engraçados.
Eu estava terminando a caipirinha quando o DJ entrou numa energia nostálgica e lançou a braba; as primeiras notas de “Buttons” das Pussycat Dolls começou a tocar, e eu prendi a respiração enquanto deixava o copo vazio em cima da mesa, voltando a passos incertos para a rodinha que se formou. Os meninos praticamente uivaram quando reconheceram o hit, e eu quis enfiar minha cabeça num buraco, porque sabia o que estava prestes a acontecer.
Hyun-mee me procurou e segurou minha mão, me conduzindo para dançar.
— Você não vai fazer isso comigo! — reclamei em apuros e ela riu, já começando a balançar o corpo no ritmo.
— Ah, vou sim! Você me obrigou a ouvir essa música inúmeras vezes até pegar a coreografia! Agora vai fazer jus ao meu precioso tempo!
Num grito animado, ela me trouxe pro meio da roda, batendo palmas e sendo seguida pelo resto da galera.
Olhei em volta, e todos estavam esperando que eu fizesse alguma coisa. Meus olhos caíram sobre Jungkook e ele me sorriu confiante, me dando coragem para fazer o que quer que fosse.
Só que ele não sabia o que aquilo significava… Tem toda uma história por detrás daquela dança. E eu não gostaria de me abrir sobre aquilo com ninguém.
Por outro lado, era apenas uma dança de gente levemente bêbada e feliz. Ninguém sabia de nada, não é? Então, que mal poderia haver?
Às vezes eu acabava pensando demais por achar que todos estavam tendo olhares julgadores em cima de mim, e deixava de viver o que realmente importava.
Num suspiro, apenas fechei os olhos e deixei minha mente esvaziar, como fazia há tempos atrás, só que dessa vez, apenas numa tentativa de curtir o momento e nada mais.
Eu era capaz de relaxar e me permitir viver?
Senti meus lábios repuxando num sorriso bom enquanto meu corpo começava a corresponder ao ritmo da música, demonstrando que sim, lembrava da coreografia — e sim, eu era capaz de me deixar ser alegre.
Foi no refrão que eu criei coragem e comecei a abrir os olhos, fugindo dos de Jungkook, encarando minha prima, que sorria animada ao me ver solta.
I'm tellin' you loosen up my buttons babe (uh huh)
But you keep frontin' (uh)
Sayin' what you gon' do to me (uh huh)
But I ain't seen nothin'
I'm tellin' you loosen up my buttons babe (uh huh)
But you keep frontin' (uh)
Sayin' what you gon' do to me (uh huh)
But I ain't seen nothin'
Meu corpo começava a atender aos movimentos de outrora, e eu senti o peitoral erguer e retroceder, enquanto as mãos acompanhavam o embalo, junto com os quadris ritmados. Eu estava sorrindo verdadeiramente, voltando a fechar os olhos e mergulhando naquele momento, aproveitando todo o refrão. Quando achei que meus quinze segundos de fama já estavam bons o suficiente, os abri novamente e dei um sorriso contido, me retirando do meio da roda e puxando Hyun-mee, que chegou toda desengonçada enquanto arrancava risadas e aplausos do pessoal. Ela puxou J-Hope para dançar consigo e os dois voltaram a fazer palhaçadas, tão natural quanto os sorrisos.
Eu ri daquilo, achando tudo tão perfeito! Por um momento, parecia que todas as coisas estavam em seu devido lugar, e mesmo com todos os perrengues, era fato que éramos felizes. Isso me trouxe um sentimento de gratidão imensa, principalmente quando um filme passou em minha cabeça, sobre toda a mudança para a Coreia e tudo que eu e Hyun-mee enfrentamos.
Sorri agradecida, por mim, por ela, pelo universo, por não ter desistido mesmo quando a vontade era voltar chorando pro Brasil, para ficar no colo de minha vó e nunca mais sair de lá.
Estava num misto de sentimentos bons quando senti meu celular vibrar ininterruptamente. Arqueei a sobrancelha e verifiquei quem me ligava, ficando surpresa e animada por saber que era . Ela parecia ter o timing perfeito!
— Só um minuto! — eu respondi no celular enquanto me retirava do local, procurando algum lugar menos barulhento, e sorri quando vi uma porta que dava acesso ao rooftop. Subi as escadas de maneira ansiosa e, chegando no local, encontrei poucas pessoas fumando e conversando numa vibe muito mais calma do que tinha lá embaixo. Logo coloquei o aparelho no ouvido e respondi animada — Oi, amiga!
— Caraca, pelo jeito está aproveitando, né safada? Como estão as coisas?
— Tudo ótimo, melhor agora que você ligou. E aí?
— Estou bem, com saudades! Onde você está? É compartilhável essa informação?
Eu ri alto e mordi o lábio inferior, pensando na realidade da minha situação.
— Agora estou conversando com você diretamente do terraço de um dos pubs mais badalados que já fui. Se não o mais chique!
— Nossa, que noitada boa, hein! A gente aqui ainda vai sextar.
— É, tô sabendo… São que horas?
— Onze da manhã. Acabei de pegar intervalo.
— Hm, que bom! E como anda a Companhia? O professor melhorou daquele acidente?
— Sim, já faz um tempo até! Tudo dentro dos conformes, felizmente!
— Ah, assim que é bom! Você disse que ia me ligar para contar uma boa fofoca, quero saber logo!
— Primeiro quero saber como está sua cara e se você já achou o nome completo e a identidade da sasaeng que fez isso contigo… — Sua voz soou perigosa eu ri, achando graça.
— Eu tô bem, amiga, acredite. Até consegui descansar! E hoje foi meu primeiro dia de retorno, que veio com tudo né… Mas, dei conta e tô viva! Os meninos quiseram comemorar minha recuperação e o início dos ensaios oficiais com a equipe mais chegada. Por isso estou no pub, hehe.
— Então, espera aí! Você está curtindo uma noitada com o BTS, que está feliz com seu retorno?
— Sim!!!
— Cacete, eu não acredito nisso! Que foda! Quero todos os detalhes amanhã na minha mesa, para saber como está sendo isso aí!
— Sem dúvidas. Agora me fala da fofoca!
— Vou te passar o link depois, mas hoje vai ao ar a novela em que a Companhia aparece, e… eu vou estar lá!
Nós duas soltamos gritinhos cúmplices e eu sorri abertamente, morrendo de saudade dela e da minha terra.
— Que notícia boa, amiga! Estou muito feliz por você! Me passa o link que eu quero printar, tirar foto e fazer a tiete!
— Amiga, tiete é um termo bem velho, você está se denunciando!
Eu gargalhei e lembrei da pequena conversa que tive com Jungkook sobre isso e, instantaneamente, senti um calorzinho no peito.
— É, bem. Talvez não seja tão ruim.
— Ih, que suspirada foi essa, hein?
— Nada demais. Apenas de boas. Se quiser, a gente conversa melhor sobre isso depois, que tal?
— Acho ótimo! Principalmente porque o intervalo vai acabar e eu já tenho que voltar. Nos falamos mais tarde?
— Claro, amiga. Parabéns mais uma vez! Estou orgulhosa!
— Obrigada, meu anjo. Também estou feliz por você.
— Valeu, meu bem! Mande um beijo para todos aí!
— Certamente vão reclamar da sua falta, mas… eu mando! Beijos, divirta-se!
— Beijos!
Desliguei o celular e fiquei encarando o aparelho, pensativa e alegre. Nossas vidas andando dentro dos conformes era o melhor dos mundos! era uma grande amiga e eu não poderia desejar nada menos do que tudo de bom para ela! Era legal pensar que, mesmo afastadas, mantínhamos um bom contato, nos atualizando sempre que possível — e eu, fatalmente, acabava também acompanhando o andamento da Companhia de Dança, da qual saí desde o acidente no tornozelo.
Aquilo ainda me lembrava das cicatrizes físicas e emocionais, mas naquele momento, nostálgico e leve, eu me senti melhor sobre toda a trajetória, já não ficando furiosa com a vida por não ter seguido os planos que tinha para meu futuro. Quer dizer, eu estava ali, vivendo um sonho, e isso graças a tudo que deu “errado” no passado.
Talvez estivesse muito reflexiva ou doida para me fazer entender, mas a sensação de bem-estar era latente; como há muito tempo não era.
Eu ainda estava sorrindo quando escutei o barulho da porta do rooftop bater audivelmente, e me virei para trás encontrando um Jungkook agitado, procurando por algo ou alguém. Logo seus olhos pararam sobre minha figura e ele deu um sorriso aliviado, caminhando apressadamente em minha direção. Quando me alcançou, suas mãos se apoiaram de maneira terna em meus ombros — confesso que arfei com o toque.
— Você está bem?
— Sim… E você? Aconteceu algo? — perguntei, preocupada. Ele respirou fundo, deslizando as mãos e as retirando de mim. Cedo demais.
— É que sua prima foi te procurar no banheiro e não achou. Ficamos preocupados, pensando que poderia ter acontecido alguma coisa, ou você ter passado mal…
— Na verdade, vim atender a ligação de uma amigona minha! Mas é verdade que saí praticamente correndo da pista, né? Mil desculpas por preocupar vocês!
— Não foi nada! Só ficamos preocupados mesmo, mas que bom que está bem. Falou com sua amiga?
— Sim! Acabei de desligar a ligação. De tempos em tempos trocamos as fofocas e enfim… é sempre bom falar com ela. Me sinto mais perto de casa… — eu respondi com um suspiro e olhei em volta, admirada. — Se importa se ficarmos um pouco? Eu gostaria de apreciar a vista.
Só não disse qual…
Jungkook me encarou por alguns segundos e deu um sorriso ameno, acenando com a cabeça.
— Sem problemas. Só vou mandar uma mensagem para o pessoal, avisando que te achei… — respondeu, sacando seu celular do bolso.
— Boa, vou fazer isso com Hyun-mee.
Digitei rápido, deixando várias figurinhas amorosas nas mensagens e só recebi um dedo do meio, fora os palavrões de minha prima. Tudo bem, eu meio que estou me recuperando e posso ter acionado um instinto de proteção nela que é difícil desacelerar, então não levei a sério suas respostas atravessadas e só terminei dizendo que a amava muito. Uma carinha feia de braços cruzados, como se estivesse indiferente, apareceu na tela e eu sorri, entendendo que ela já estava se encaminhando para voltar à paz.
Guardei o celular e fiquei pensativa, olhando aquela cidade mergulhada na escuridão e seus pontos de luz, que deixava tudo tão mágico. A brisa fria começava a gelar meu rosto, mas eu estava me sentindo tão bem que nem me importei. Só pensava em como havia parado ali, com Jungkook ao meu lado, preocupado e me procurando por eu ter sumido de repente!
Caraca, a vida era muito doida às vezes.
— Não sabia que dançava tão bem — Jungkook falou tão próximo que quase infartei; ele estava bem ao meu lado, a ponto de sentir o calor vindo de seu corpo. Entretanto, ele apenas disse aquilo em tom de desabafo, quase num sussurro, com o olhar perdido na paisagem.
— E-Eu? Que isso, imagina! Aquilo foi só… alegria — respondi roboticamente, ajeitando meu cabelo que não estava fora do lugar e o olhando sem graça. Ele ainda iria me matar com aquele olhar desconfiado que acabava de me dar.
— Sério? Então você deveria ficar alegre mais vezes.
Ele estava me cantando ou era impressão minha?
Quer dizer, o que tinha naquela caipirinha?
— Você está sendo gentil — falei educadamente, com um sorriso contido e ele riu, negando com a cabeça.
— Falo sério, foi realmente bonito de ver. Parecia até profissional. — Engoli a seco com aquele comentário, mordendo meu lábio e olhando a vista, sem conseguir respondê-lo. Até porque sim, já fui profissional, muito profissional, mas não era mais a minha vida. Não queria entrar naquela seara e achei melhor deixar o silêncio falar por mim. Entretanto, Jungkook suspirou do meu lado, soando pensativo. — Você parecia estar em casa.
Eu olhei dentro dos seus olhos, tão perto dos meus, e por um momento vacilei. Senti suas palavras me atingindo com força, e fiquei perdida naquele olhar emblemático enquanto pensava sobre sua fala. No instante seguinte, acabei mirando seus lábios por um tempo considerado maior do que o normal, e desejei que, por um segundo, nós fôssemos somente dois civis que pudessem se pegar loucamente. Céus, como eu queria beijá-lo! Todavia, consegui me concentrar e engoli em seco, desviando o olhar para o chão, logo depois voltando a focar em seus olhos.
— Talvez eu esteja.
Seu olhar não desgrudou do meu, e senti a atmosfera mudar e tensionar, tornando-se quase palpável; era como se ele pudesse me ver como realmente sou, com todas as feridas, medos e inseguranças que me habitavam, sem eu dizer uma palavra. Umedeci os lábios e respirei fundo, olhando para a frente, deixando as emoções se assentarem.
— Sabe… — comecei a falar, ainda sentindo seu olhar em mim — eu sinto muita falta de casa, mas é impossível não se apaixonar por aqui também.
— É lindo, não é? — ele perguntou retoricamente, e eu observei de soslaio quando um sorriso lhe alcançou, fazendo um par maravilhoso com o tom grave da sua voz, que quase sussurrava de tão calma — Mas aposto que no Brasil também têm inúmeras belezas, não é? Eu adoraria conhecê-las melhor…
Me virei completamente para ele, o olhando com um grande sorriso de criança sapeca.
— Você sabe que pode contar comigo para isso, não é?
— Jura? — ele perguntou animado e eu ri.
— É claro! Vai ser um prazer. Vocês vão amar mais ainda o país. É bem lindo, e tem coisas tão nossas, sabe? Eu sinto falta dessa familiaridade. Somos muito afetuosos e calorosos, então às vezes bate uma carência. Saudades de casa real…
— Hey… — Jungkook me encarou atento e tocou meu ombro com sua mão. O gesto me fez prender o ar levemente — sempre que se sentir assim, saiba que tem a mim.
— Você? — deixei escapar, sentindo minha boca ficar entreaberta enquanto escrutinava seu belo rosto sob a noite.
— É, bem… Acredito que todos do grupo também, mas respondo melhor por mim. Quer dizer… — ele pigarreou sem graça, desviando seus olhos enquanto guardava a mão no bolso. — Você não precisa se sentir assim e lidar com isso sozinha. Podemos fazer de uma forma que amenize. O que posso fazer para te ajudar? — E voltou a me observar de canto de olho, genuinamente atento.
Ai, Jungkook. Primeiramente, me tacar naquela parede ali, sussurrar várias safadezas enquanto me beija loucamente. Em segundo lugar, me deixar cheirar seu cangote por horas a fio, porque você simplesmente cheira muito bem. Em terceiro lugar, fazer com que a gente fique trancafiado num quarto por 72 horas e faça tudo o que nossos corpos quiserem.
Para começar, já estava bom. Só faltariam mais uns mil itens dessa lista…
Balancei a cabeça, me sentindo pederasta e um tanto sem limite. O cara estava sendo um amor comigo, e eu levando para a maldade.
Eu realmente precisava dar uma extravasada naquela tensão sexual, de algum jeito!
— Acho que só o fato de você estar sendo um doce já me ajuda muito, Jungkook.
Sua boca ainda estava entreaberta num meio sorriso quando tomei coragem e rapidamente o abracei de maneira sutil, de lado. Não foi um encontro longo como eu queria, mas foi o suficiente para sentí-lo mais de perto e ficar mais encantada consigo.
— Obrigada — sussurrei e me afastei antes que morasse em seu abraço. Ele ficou me olhando de um jeito diferente, como se estivesse refletindo sobre algo, e eu apenas sorri de leve, achando graça em como ele tinha a facilidade de “viajar” a todo tempo.
— Não agradeça. Eu faço e ainda acho pouco, francamente… Diante de tudo. — Ele coçou a nuca, encabulado e adorável, mas depois de respirar fundo, me olhou de lado e sorriu de uma maneira instigante. — Mas garanto que farei mais. É uma promessa.
A última parte foi dita mais para si mesmo do que para mim, e eu confesso que fiquei intrigada com aquilo, refletindo sobre as inúmeras possibilidades que se abriam naquela deixa dele.
— Mal posso esperar pelo blusão xadrez roxo — decidi responder de um jeito bobo, arrancando uma risadinha dele.
— Vou pensar no seu caso — e me sorriu com um ar sossegado, mas logo verificou seu celular e voltou a me encarar — O que acha de voltar?
— Voltar? — Eu estava viajando em sua beleza, perdi o fio da meada.
— Voltar, lá para baixo — ele riu e ajeitou a postura, falando sério segundos depois. — Mas, apenas se estiver se sentindo à vontade para isso — completou de prontidão e eu sorri abertamente diante da sua gentileza.
— Ah, relaxa! Eu estou sempre à vontade quando estou com … vocês.
Eu quase escorreguei na última palavra mesmo? Eu quase, declaradamente, disse que ficava à vontade com ele? Céus, por que eu estava agindo de um jeito tão… argh!
Apenas escondi minha vergonha e segui para a porta, tentando parecer confiante. Mas algo no rosto risonho de Jungkook me dizia que talvez eu estivesse falhando miseravelmente.
Não foi nenhuma surpresa descer e encontrar todos muito animados ainda, entretanto, estava visível que J-Hope estava com o teor alcóolico avançado; ao contrário do que eu imaginava, ele tinha um lado parecido com o meu quando bebia um pouquinho demais da conta. A esperança do grupo estava sentada, com o olhar perdido, tentando entender o que estava acontecendo, volta e meia dando sorrisinhos e tentando interagir, sem muito sucesso.
Eu ri daquilo e sentei ao seu lado, enquanto Jungkook sentava do outro, e juntos, cercamos J-Hope.
— Ah, ! Jungkook-ah! Eu amo vocês! — e nos abraçou de repente, me fazendo gargalhar e arrancando uma pequena risada do maknae.
— Como você está? — perguntei retoricamente, pegando uma garrafa d’água que estava lacrada num balde central. — Que tal se hidratar?
— Hã? Ah, água é bom, muito bom! — ele pegou da minha mão e deu um longo gole. Jungkook trocou olhares comigo e tentou esconder o sorriso, como se estivesse acostumado ao que acontecia com o “irmão mais velho”.
— Que tal pedirmos um doce também? Um petit gateau, o que acha? — Jungkook sugeriu e se levantou para fazer o pedido após a resposta positiva de J-Hope, que acenou alegre.
— Jungkook está me usando como desculpa, você sabe… Ele estava louco para comer isso desde que chegamos — J-Hope me confessou e eu ri de sua careta, não tendo dúvidas de que aquilo era verdade.
— É bem a cara dele mesmo… — falei, deixando meu olhar seguir o maknae enquanto ainda sobrava um rastro do sorriso em meu rosto. Fiquei um tempo assim, até que J-Hope quebrou o silêncio.
— O que você acha, ?
— Hm? De quê? — perguntei, perdida. Será que tínhamos começado o famoso papo de bêbado?
— Dele — o idol apontou por onde Jungkook havia passado, e eu senti meu coração dar uma travada com aquela pergunta. O que ele queria dizer com aquilo?
— C-Como assim? — Gaguejei, é claro!
J-Hope suspirou, se ajeitando na cadeira e cruzando as pernas, deixando o olhar semicerrado enquanto encarava o nada e começava a se explicar.
— Ele estava muito agitado e nervoso durante esses dias… — J-Hope disse, pensativo, e colocou a mão debaixo do queixo, ficando mais sério. — Jungkook é o mais novo de nós e eu me preocupo com a cobrança que ele carrega consigo. Você concorda? — E me olhou de soslaio.
Eu abri e fechei a boca várias vezes, pensando sobre a situação.
— É, bem… Eu concordo, mas acho até compreensível, sabe? Vocês estão prestes a começar a turnê, e talvez ele não se sinta tão seguro, mas faz parte. Isso logo vai passar, ou pelo menos amenizar o bastante — sorri, também olhando para o mesmo ponto que J-Hope.
— Você provavelmente tem razão — ele sorriu, vendo o maknae voltar — Espero que você esteja sempre por perto.
— Como é? — o olhei assustada e ele sorriu a ponto de fechar os olhos.
— É a primeira vez na semana que ele não está tensionado. Acho que isso tem a ver com a sua presença. Que bom que você voltou!
J-Hope disse a última frase em alto e bom tom, com os braços abertos na direção de Jungkook, que o abraçou de volta. A dualidade de sua fala me pegou em cheio, pois ela tanto servia para mim quanto para o outro idol.
É. Definitivamente eu não ficava tão astuta quando bebia. Talvez isso fosse apenas uma capacidade exclusiva de J-Hope.
E eu fiquei cagada de medo com o que ele disse. Será que estava de boa mesmo, como se fosse um agradecimento pela minha atuação profissional, me colocando como alguém acolhedor? Ou ele queria dizer algo mais — algo que falasse especificamente sobre como eu e Jungkook nos dávamos bem (bem até demais)?
Confesso que fiquei aflita com as impressões causadas, até porque, para ser sincera, nem eu entendia direito a minha relação com Jungkook. Era tão fluido que me pegava sempre tão envolvida em qualquer diálogo que tínhamos — e isso me assustava e fascinava.
Contudo, eu sei que talvez para os olhos alheios, aquilo pudesse soar de um outro jeito — e não serei hipócrita em dizer que sim, adoraria que fosse verdade. A questão era que… puxa! Tantas nuances para se considerar! Eu admirava Jungkook de inúmeros jeitos? Sim! Me via facilmente dando uns amassos com ele? Sim! Ele era meu patrão? Sim! Isso era errado? Sim! Uma vontade unilateral? Ao que tudo indica, sim!
Mas aí vem J-Hope e planta aquela ideia na cabeça. E lá estava eu, pensando se tinha algo a mais por trás daquela fala ou se era só mais um comentário simples depois de uma noite etílica.
Ah, Deus. Me ajude!
— Em breve a sobremesa chega — Jungkook informou como um bom amigo e Hobi descansou a cabeça no ombro dele, me despertando dos pensamentos.
— Ótimo, para você roubar de mim, não é? — O outro respondeu e riram da conclusão certeira.
Como dito, o quitute chegou, sendo arduamente compartilhado pelos garotos, me fazendo rir enquanto a terceira guerra mundial parecia ocorrer diante dos meus olhos.
Depois disso, ficamos um tempo conversando amenidades, e eu admito que o cansaço começou a bater. Chegou um momento em que minha prima parou diante de mim e riu da minha cara, enquanto eu não conseguia mais evitar um bocejo.
— Vamos para casa, Soneca?
Sorri sem mostrar os dentes, confirmando com um aceno.
— Vão embora? — Jungkook perguntou atento, e J-Hope, que estava de olhos fechados e abraçado à ele, levantou do nada, super alerta.
— Mas está cedo!
— Não está não, e você já está ficando sem energia nenhuma — comentei risonha, achando graça enquanto Jimin tentava colocar o indicador no ouvido do amigo, implicando com a sua sonolência.
— Vou chamar o uber — Hyun-mee comentou e J-Hope novamente interviu.
— Nada disso! A gente trouxe, a gente leva de volta! — e logo se colocou de pé, esticando a coluna e dando um tapinha no ombro de Jungkook. — Vamos, levanta. Você também vai com a gente.
— Hã? Tá, ué. E o resto do pessoal? — ele perguntou um pouco perdido, e eu logo desviei o olhar para o chão, me sentindo nervosa com a ideia de irmos no mesmo automóvel. Porra, puta que pariu, J-Hope!
— Nós vamos no outro carro. Dá espaço — Jimin comentou, indo abraçar Suga de lado. — Não é, meu chapa?
— Chapa? O que você andou bebendo?
V riu daquilo e fez uma careta de bebum, arrancando risadas do pouco pessoal que restara. Só ali me toquei que muitos já tinham ido embora — provavelmente enquanto eu e Jungkook estávamos lá em cima.
Eu ainda estava nervosa quando, um por um, os meninos foram se despedindo de mim, exceto pelos dois que me acompanhariam, e eu nem soube dizer se estava conseguindo interagir devidamente.
A frase de J-Hope ficou martelando na minha cabeça e eu mal conseguia raciocinar direito. Apenas despertei quando minha prima parou do meu lado.
— Tá dormindo em pé? Acorda, garota! — ela exclamou, estalando um dedo na minha frente, e eu pisquei algumas vezes, dando um leve sorriso.
— Tem alguém com sono aí? — Jungkook perguntou ao se aproximar, enquanto descíamos as escadas. Eu engoli a seco e dei de ombros.
— Um pouco. O cansaço é real.
— Logo estará em casa, não se preocupe — ele respondeu solícito e eu acenei, concordando consigo.
A viagem foi tranquila, mas eu não consegui dizer nada, só de pensar o que tinha acontecido da última vez que estive num carro com Jungkook. De toda forma, Hyun-mee foi na frente para indicar o caminho e J-Hope estatelou a cara no vidro, dormindo ao lado de Jungkook, que ia no meio, e eu, que fiquei na outra ponta.
Então, sim. Eu estava encostando nele, e me senti ansiosa cada vez que me dava conta disso.
Era diferente quando estava na presença de outras pessoas, junto a Jungkook. Eu tinha medo de dizer ou fazer algo que desse a entender coisas e, por fim, que aquilo acabasse prejudicando todo o meio de campo.
Decidi ficar quieta, tentando me concentrar apenas na minha respiração. Depois de algumas piscadelas, a voz de Jungkook soou perto demais, e meus pelos da nuca se eriçaram.
— Pode dormir, se quiser. Te acordo quando chegar.
Tentei disfarçar com um sorriso, e lhe olhei de soslaio.
— Mesmo?
Ele abriu um sorriso lindo e arrastou a língua pelo lábio inferior, deixando a cabeça tombar levemente para o outro lado.
— Já estou cuidando de um aqui. Você não seria problema.
Não consegui processar direito o que ele disse, devido ao movimento sedutor e acidental. Puxará, ele só estava umedecendo o lábio e eu já estava pirando!
Que ódio de mim!
Sem chances contra seus encantos, apenas suspirei e acenei, deixando minha cabeça deitar no encosto da poltrona.
Por incrível que pareça, dormi mais rápido do que imaginei. E para minha surpresa, fui acordada de um jeito maravilhoso, inclusive.
— Hey, Cinderella. Chegamos. — A voz de Jungkook dizia, me despertando.
Abri parcialmente meus olhos, mas os fechei de novo, murmurando qualquer coisa e mexendo minha cabeça naquela superfície grande e felpuda.
Ouvi uma risadinha, mas só me atentei quando uma nova fala foi proferida:
— Você gostou mesmo dessa blusa, não é?
Num ato súbito, meus olhos se escancararam abertos e eu ergui a cabeça como um avestruz saindo do buraco da terra. Totalmente envergonhada (e provavelmente com a cara amassada), eu percebi que havia adormecido no ombro de Jungkook. Mais precisamente, quase em seu peitoral, porque seu braço estava ao redor de meus ombros; e ele provavelmente fez isso porque devia estar numa posição desconfortável.
Óh, merda. Eu estava muito na merda mesmo!
— Desculpe, desculpe! Meu Deus, que vergonha! — Me sentei corretamente, enquanto dava tapinhas no meu rosto.
Ouvi outra risada vindo do banco da frente e quando olhei, Hyun-mee me mostrava o celular com uma foto minha, praticamente babando no ombro do maknae.
— Essa aqui vai ficar para a eternidade! Vou postar no grupo da família!
— Hyun-mee! — ralhei, escondendo a cara nas mãos enquanto Jungkook ria abertamente.
— Não fui eu que errei o passo! — J-Hope acordou de supetão, piscando rápido, e nos olhou, assustado. Quando se deu conta, apenas resmungou alguma coisa e voltou a encostar no vidro, dormindo novamente.
— Bom, essa é a nossa deixa. Obrigada pela carona, mais uma vez, Jungkook. Agradeça ao J-Hope por nós. Ele foi um querido! — Hyun-mee se pronunciou, retirando o cinto de segurança e se despedindo do motorista, agradecendo a ele também e saindo do carro.
Eu ajeitei o cabelo, tentando esticar a cara e não parecer tão acabada.
— Bom, isso foi… Constrangedor, mas bom. — comentei rindo de leve, e Jungkook fez o mesmo. O ar que saiu de suas narinas fez cócegas na minha orelha, e eu me virei para olhá-lo, tentando disfarçar o arrepio.
— Eu não sabia que tinha vocação para travesseiro, mas você sabe… É sempre tempo de aprender algo sobre si mesmo.
Eu sorri com aquela fala, ainda encabulada por ter adormecido ali.
Veja bem, eu disse encabulada, não arrependida.
— Obrigada pela noite. Foi muito bom estar com vocês. E desculpa por isso — Apontei para seu ombro, e ele sorriu malandro.
— Não esquenta. Obrigado pela companhia, . Descanse bem.
Eu acenei rapidamente e me virei puxando a maçaneta da porta, abrindo-a e saindo dali. Jungkook me entregou minha mochila e eu agradeci com um aceno.
— Boa noite, Jungkook.
— Boa noite, — ele respondeu com meu nome deslizando por sua língua como se derretesse feito um suspiro. Eu me ajeitei enquanto ficava de pé e dei um tchau com a mão, me virando para partir. Entretanto, foi sua voz que me chamou de volta. — Ah, olha que legal: eu aprendi mais uma coisa sobre você, hoje.
Me virei em meus calcanhares, o olhando assustada.
— O quê?
— Você ronca — ele respondeu rindo, e segurou na porta para fechá-la, enquanto eu ficava vermelha de vergonha. — Durma bem, .
E assim, ele fechou e o carro partiu, sem mais nem menos, me deixando com o coração acelerado, por lembrar que eu também costumava falar durante o sono.
Será que eu havia dito algo?
Um bocejo me interrompeu e eu decidi que era tarde demais para decidir sobre aquilo. Então apenas entrei em casa, doida para dormir e ter bons sonhos.
Provavelmente, todos com Jungkook.
Capítulo XII - Run
Seoul, 17 de fevereiro de 2017.
Corria mais rápido do que minhas pernas poderiam aguentar. Eu estava exausta! Tinha trabalhado as últimas semanas como nunca na vida, e isso refletiu na minha aparência: as roupas ficaram mais largas, as olheiras debaixo dos olhos tornaram-se mais aparentes, o apetite diminuiu e o sono estava completamente desregulado.
Definitivamente ser staff do BTS não era fácil. E ok, ninguém disse que seria, mas eu esperava lidar com isso melhor do que nos últimos tempos. Mas na verdade, não era somente a preocupação da turnê que me tirava o sono...
Precisava assumir para mim mesma que a aproximação com os garotos, principalmente com o mais novo deles, estava me deixando fora do eixo. Quer dizer, desde aquele fatídico dia em que eu interrompi seu ensaio e o ajudei com o tornozelo, Jungkook e eu nos tornamos inegavelmente mais próximos.
Além disso, minha atuação na noitada rendeu boas fofocas; meus quinze segundos de fama ao dançar Pussycat Dolls e é claro, a foto em que estou roncando e babando no ombro do maknae rendeu piadinhas inacabáveis. Enquanto J-Hope e Jimin passavam a maior parte do tempo imitando a coreografia que ressuscitei naquela noite, o resto do grupo apenas me zoava sobre o quanto Jungkook precisou lavar incessantemente seu blusão roxo, a fim de que minha saliva finalmente saísse do tecido.
Preciso ressaltar que a ideia dessa piada veio de Jin? Sim, sem necessidade.
Apesar das brincadeiras e do clima afetuoso, as coisas estavam tensas com a chegada da turnê. Claro, era esperado que isso acontecesse, mas eu não estava preparada para a realidade, definitivamente.
E, se mal tinha tempo para respirar, imagine tempo para paquerar alguém? Pois é! Jae-in reduziu consideravelmente suas investidas, por também estar atordoado, mas nunca deixou de expressar suas verdadeiras intenções comigo; o rapaz insistia em papos curtos e diretos, sempre me elogiando de alguma forma, sugerindo um programa leve depois que a loucura toda passasse. Às vezes chegava a ser desconcertante, e eu, com a minha dificuldade em dizer não, nunca neguei exatamente, mas vivia de evasivas e sorrisos amarelos, totalmente frustrada comigo mesma. Aquele era um ponto nítido de que eu estava emocionalmente envolvida por Jungkook, o que me impedia de estar disponível para outras experiências.
E isso era um porre.
Sim, um porre! Eu poderia só pensar em Jungkook, levada pelas ondas de paixonite, mas Jae-in era um puta gatinho, e fazia um tempo que eu não me embolava com alguém — e já dava sinais de que uma pequena pegação não faria nada mal (bem pelo contrário, aliás).
De toda forma, com um mundo em caos e correria, essa era eu: trabalhando igual uma filha de uma bela mãe, sem tempo para nada, e… rendidinha pelo maknae.
Quer dizer, não era algo completamente difícil de se prever, se você parar para pensar. Ele era gato, inteligente, carinhoso, educado, cantava bem pra cacete, dançava feito um anjo, e ainda trocava altos papos comigo, de inúmeros assuntos!
Pensando melhor, acho que tenho dica de sobra sobre como as coisas evoluíram…
Sério, até nos mínimos detalhes, ele conseguia me surpreender!
A novidade dos últimos dias foi a solicitação de uma caixa da pomada “canela de velho” para todos.
Sério!
Foi simplesmente hilário, vê-lo abrindo a embalagem com um sorriso enorme no rosto e me chamando animado.
— ? Veja, veja! Canela de velho!
Eu e Hyun-mee rimos descontroladamente daquela cena, e ele gentilmente distribuiu para sua equipe, mencionando especificações que eu mesma havia mencionado anteriormente.
Imagine uma sala exalando cânfora por horas a fio? Pois é.
Com a rotina agitada e intensa, as equipes e os meninos dividiam os momentos de refeição, as tensões, os desejos, a ansiedade, as alegrias... E a cada pequeno detalhe resolvido, eu sentia que todo trabalho valia a pena. Os garotos eram incrivelmente talentosos, mas não se baseavam apenas nisso para construir uma turnê de respeito; aprimoraram-se cada vez mais, enquanto eu buscava formas de apoiá-los, sempre que possível.
Contudo, como já dito, era inegável que a relação entre mim e Jungkook era mais próxima que a dos demais. Nos tornamos bons amigos dentro e fora do trabalho, compartilhando mensagens, memes e áudios engraçados sempre que possível — e alguma coisa depois daquela noitada nos fez ainda mais próximos, até ousados em algumas brincadeiras.
Jungkook parecia estar mais aberto ao toque físico; não ficava mais vermelho como um pimentão quando eu o abraçava ao cumprimentá-lo, falava coisas mais ácidas nas mensagens e até mesmo me fez um carinho na cabeça quando eu estava abaixada para amarrar o cadarço do sapato, antes de acompanhá-los em mais um ensaio.
É, eu não lavei a cabeça por sete dias.
Brincadeira! Foram só três.
Mesmo com pouco tempo, nem só de memes e piadas vivia nossa amizade. Muitas vezes desabafamos sobre a pressão do trabalho, os receios e medos inerentes àquela rotina, e coisas que eu poderia jurar que não comentamos com qualquer pessoa.
Poderia estar fantasiando, óbvio, mas eu senti algo de recíproco ali.
Só que, nessa semana, enquanto conversávamos por mensagens depois de um longo dia, por algum motivo aleatório comentei sobre a saudade que sentia da minha família e de minha terra natal. O golden maknae se demonstrou tocado com isso, lembrando que faltava pouco para ver meus parentes devido a turnê, e que faria questão de que os visitasse.
Eu me senti aquecida com suas palavras, mas percebi que era um desabafo impensado, e travei ao me dar conta de que estava falando aquelas coisas com um dos meus chefes!
Sabe aquele banho de realidade no meio de um devaneio?
Logo desconversei, alegando que não queria causar problemas; insisti que deveria ser grata pela vida que tinha, mesmo com aqueles poréns — o que não era mentira, mas... eu me deixei levar por um momento de cansaço, verdade. Só não queria me prejudicar por causa disso!
Estava pensando no que dizer depois daquilo, e me senti nervosa quando notei a confirmação de leitura de minhas mensagens enviadas ao idol.
Prestes a ter um mini infarto, fui surpreendida ao receber uma ligação dele. Seu nome aparecendo em letras garrafais na tela piscaram, e o celular vibrou três vezes antes que eu de fato atendesse.
— J-Jungkook? Oi! — Minha voz saiu esbaforida, e automaticamente me senti envergonhada, mesmo ele não me vendo.
Era como se estivesse nua na frente de mil pessoas, e o mais louco: como se nunca tivesse falado com o cara antes. Gente apaixonada é um caso a ser estudado…
Mal atendi e seu tom sério me pegou:
— Eu sei que a gente não tem esse costume de ligar, mas algo nas suas palavras me deram vontade de… falar pessoalmente. — ele pausou, respirou fundo, como quem pondera sobre algo, e quebrou o silêncio mais uma vez. — Na verdade, acho que o que eu quero dizer faz mais sentido se for verbalmente mesmo.
— O-okay… — Mordi o lábio inferior, me sentindo nervosa.
— , eu vou ser sincero. Não tem como sermos gratos e felizes o tempo todo. Pelo menos não de um jeito romantizado, inalcançável, entende? Aliás, você pode ser extremamente grata e ainda assim, estar cansada como o inferno! E está tudo bem, você não deve se cobrar disso! Porque sim, nos cansa, nos deixa esgotados. Eu sei, porque também estou! E não quero comparar nossas vivências, nem nada do tipo, não digo isso para te invalidar, por favor não me entenda mal, eu só…
— Eu sei — interrompi sua fala atropelada, e ele parou por alguns segundos, demorando um pouco até me responder.
— … Você sabe?
— Eu sei, Jungkook. Você nunca faria isso. Eu sei que nossas demandas são muito diferentes, e eu sei que você não tem necessidade de comparar nada, até porque é óbvio que não temos o mesmo cargo, ainda que um trabalho dependa do outro e vice-versa. Mas… sinto que sei o porquê você me ligou.
— Sério?
Respirei fundo, sentindo aquele assunto se aprofundar tão rápido que até meu fôlego estava alterado. Mas, se Jungkook teve a coragem de me ligar, interrompendo seu momento de descanso para falar comigo, eu deveria ser igualmente corajosa e lhe responder à altura.
— No fundo, você quer que eu tenha aquilo que talvez você não teve, não é? Alguém para te dizer que tá tudo bem você ficar de saco cheio do trabalho dos seus sonhos, pelo menos por um dia, ou de vez em quando. Eu sei que não se trata de uma falta de parceria dos meninos, acho que isso depende mais do quanto você se sentiu à vontade para assumir isso para eles, mas enfim… É isso, não é?
A cartada tinha sido mais alta do que poderia imaginar; o problema foi realizar uma aposta tão alta e confiante do que dizia, sem deixar de dar um sorrisinho ao ouvir Jungkook engolir em seco, do outro lado da linha.
— Como você consegue?
Eu ri, sentindo um misto de vergonha e orgulho.
— Posso ser sincera?
— Por favor! — Sua voz saiu animada.
— Algumas coisas ditas por você fazem muito sentido para mim, e sei aonde quer chegar. É nítido! Parece que vejo e entendo o que você fala como se eu estivesse olhando através da água.
— Ok… Essa foi a forma mais bonita que alguém usou para me chamar de previsível.
As gargalhadas foram instantâneas depois disso, e demorei um tempo até retomar a conversa novamente.
— Você sabe que não quis dizer isso.
— É, eu sei. É que não consigo perder uma chance de implicar contigo, quando possível.
— Você está andando muito com o Jin! Que sina!
— Irmãos mais velhos podem ser muito influenciadores…
— E eu não sei? — respondi com um sorriso gigante no rosto, encarando o céu estrelado, daquela noite fria.
Ficamos num silêncio agradável, e se eu me esforçasse, conseguia ouvir a respiração de Jungkook, num compasso sereno e tranquilo.
— O que está fazendo? — perguntou, com a voz mais grave.
— Olhando o céu. Já viu a lua hoje?
— Espere aí — ele pediu, e eu ouvi barulho de passos, abertura de porta e enfim, sua voz. — Uau!
— É… é disso que eu estou falando.
— Hoje ela tá demais!
— Não é? — indaguei retoricamente, recebendo um murmúrio em concordância.
Pensei no quanto aquele momento era precioso, e sua intensidade era proporcional ao fato de não querer terminar a ligação. Entretanto, um bocejo discreto soou do outro lado, e eu sorri ao imaginar a cara sonolenta de Jungkook.
— Você deve estar cansado.
— Hm-Hm, não estou… — sua voz aumentou alguns tons, como se ele tentasse demonstrar que estava desperto.
— Você mente muito mal.
Foi a vez dele rir a risada mais fofa e sincera que eu escutava nos últimos tempos.
— Então, eu sou água, hm? — ele retomou o assunto.
— Transparente até pelo celular.
— E quanto à você?
— O que tem eu?
— Acha justo só você me ver com tanta facilidade?
Uma brisa gelada atingiu meu rosto e eu fechei os olhos, mordendo o lábio inferior, ficando pensativa. Aquela também era uma cartada alta.
— Você acha que qualquer um é capaz de fazer o que você fez, Jungkook?
— C-Como assim? — questionou confuso. Respirei fundo antes de responder.
— Eu poderia contar nos dedos de uma só mão, as pessoas que me ligariam depois de ler meia dúzia de palavras minhas, em mensagens aparentemente comuns… como se estivéssemos trocando um papo muito corriqueiro, que não precisasse de uma ligação. Mas você me viu, me enxergou, e pelo visto não faz ideia do quanto está me ajudando.
— Nossa, eu… não tinha pensado nisso. Simplesmente pareceu certo te ligar, e então, eu fiz — ele soou sincero, e eu concordei com um aceno.
— Sim, e esse é você. Percebe como estou feliz que tenha feito isso? Você foi gentil e cuidadoso, como sempre.
— Assim você me deixa sem graça…
— Desculpe! — Foi a minha vez de ficar encabulada. — Devo estar falando besteira já, pelo sono.
— Isso não é besteira, é só quee… Espera, por que não disse antes? Eu vou desligar para você poder descansar! — ele mesmo se interrompeu, e eu senti um apertinho no peito diante da sugestão.
— Não!
— Não? — A voz do outro lado soou, momentos depois.
— Não… Quer dizer. Acho que o que quero falar é… Obrigada. Obrigada, Jungkook.
— Obrigada? Pelo quê? — Eu ri rápido, não acreditando em como ele era maravilhoso.
— Você não existe! — brinquei, achando graça de seu jeito inconscientemente acolhedor; aquilo era tão incrível de presenciar! — Bom, espero não ter te ocupado muito, afinal de contas, você deveria estar descansando, e não desperdiçando seu tempo com a staff, né? — A risada que saiu de minha boca foi forçada e nervosa, mas era o que eu tinha disponível. — Mas obrigada, estou bem de verdade!
— Tem certeza? — insistiu soando desconfiado.
— Sim! Totalmente! Então, não se prenda mais aqui! Obrigada por ligar.
— Certo, então. Descanse, ok?
— Você também! Durma bem, tenha bons sonhos!
Fiquei mais alguns segundos em silêncio, esperando a ligação cair, mas isso não aconteceu. Ao contrário do que eu esperava, a voz de Jungkook soou de novo.
— ? — Meu coração deu três saltos com seu chamado.
— Hm? — ‘respondi’ quase imediatamente.
— Você nunca será desperdício. Não repita isso, tá bem?
— Ah! Er… claro! T-Tá bem.
— Ótimo! Tenha uma boa noite, ótimos sonhos.
— Para você também, Jungkook.
Dessa vez, a ligação terminou, e eu me senti com o coração na boca diante da sensibilidade das palavras dele. Como aquele garoto era capaz de terminar uma conversa assim?
Fiquei encarando a lua da janela do meu quarto e, quando dei por mim, estava lacrimejando ao pensar no mar de emoções no qual me encontrava depois daquela conversa tão… íntima.
Desde então, para os dias que se seguiram, Jungkook se mostrou preocupado sobre como eu me sentia emocionalmente falando, diante de toda loucura do trabalho, a saudade de casa, as dificuldades que carregava e enfim… Parecia que de alguma maneira o Maknae sentia quando eu não estava bem; às vezes o dia não ajudava em nada, mas tudo se tornava melhor quando Jungkook aparecia com alguma coisa para falar, alguma lembrança ou até mesmo um oi rápido.
E aquilo já era mais do que o suficiente para perceber o quanto eu apreciava sua presença em minha vida.
É, eu sei. Difícil não contrair paixonite crônica depois dessa constatação.
Como dizia vovó Kang: Não dá para ganhar sempre.
A interação entre o idol e eu tinha reduzido com a correria, mas quando acontecia, era mais nessa vibe de abordagem, mais forte que nunca nas trocas de mensagem, e qualquer “boa noite” no fim do dia aquecia meu coração, mesmo que uma parte de mim chorasse ao pensar que tinha caído no abismo da friendzone (que era inegavelmente mais tranquilo do que perder o emprego, venhamos e convenhamos, mas… que tristeza!).
É como também dizia vovó Kang: que merda!
Eu sonhava acordada com alguns detalhes dessa relação com Jungkook. E sim, era errado em tantos sentidos que a lista não tinha fim, mas só me restou sonhar, me repreender, sonhar de novo, e manter as coisas assim para não colocar tudo em maus lençóis.
Uma cilada, Bino.
Mas… dane-se, né? O que não tem jeito, remediado está.
Basicamente, eu dava o meu melhor para ocupar a mente com outras coisas e, mesmo nas poucas horas vagas do dia, consegui conversar melhor com minha família, saber mais sobre as novidades do Brasil, assim como dos amigos, e isso incluía Leli, obviamente.
Tudo dentro do perfeito caos andava, corria, atropelava; essa era a rotina de uma staff do BTS.
E então, na véspera da turnê, algo aconteceu.
Naquele dia especial, eu tinha preparado uma lembrancinha de brigadeiro com uma mensagem de incentivo para todos do grupo. Cada textinho foi pensado individualmente, e dividi essa tarefa com Hyun-mee, que ficou responsável pelas mensagens de Suga, V, RM e Jin. Eu fiquei com os que sobraram: Jimin, J-Hope e Jungkook.
Era algo simples, porém feito com muito carinho, e os meninos adoraram! Quer dizer, quase todos.
E esse ‘quase’ era o motivo da minha correria naquele momento.
Explicando: Suga, J-Hope, Jin e RM receberam as lembranças juntos logo no início do dia. Como eu esperava, o solzinho do grupo pulou de alegria e me deu um abraço apertado, e eu devolvi com muito carinho. RM agradeceu de uma forma fofa com Hyun-mee, que ficou toda cagada com a ação do líder. Ela pensa que eu não sei, mas tem uma quedinha pelo boy, disfarçando com profissionalismo e sorrisos sem graça. É tão ética que só eu mesma, por ser prima, pesquei as mínimas mudanças de Hyun-mee quando o líder estava por perto. Mas, diferentemente de mim, Hyun-mee mantinha uma postura exemplar e ninguém notava seu comportamento em relação ao líder do BTS. Para ela, parecia que as coisas eram muito mais nítidas e fáceis de serem seguidas, muito diferente do que era para mim. Hyun-mee era o orgulho da família Kang. Já eu…
Sim... eu tinha muito que aprender com minha prima.
Em relação ao resto dos meninos e suas reações: Jin e Suga mal conseguiram falar! Ficaram extasiados com o sabor daquele quitute, fazendo com que todos rissem de suas reações. Foi realmente hilário de ver.
Depois, seguimos para os afazeres do dia, e Hyun-mee ficou encarregada de entregar a lembrança do V, enquanto eu, de Jimin e Jungkook. Os meninos não estavam presentes por diferentes motivos; V estava em um checkup médico por ter sentido a garganta arder no dia anterior. Jimin estava acertando os últimos detalhes das medidas de um dos trajes; ele tinha ensaiado no dia anterior com uma camisa especialmente estilizada para si, que estava lhe apertando o braço direito; então imagine a tensão da costureira quando cheguei ao local? Pois é!
Ele tentou ser gentil mesmo com o nervosismo palpável, e eu admirei mais uma vez sua forma de ser. O k-idol agradeceu com muitos sorrisos e disse que provaria depois – provavelmente com medo de receber uma alfinetada da costureira.
Passava das 16h quando o expediente terminou. Sim, por ser o dia anterior à turnê, os chefes decidiram encerrar as atividades mais cedo, promovendo o descanso da equipe – que muito provavelmente aproveitou a deixa, já que o prédio se encontrava praticamente vazio às 17h.
É, fazia cerca de uma hora que todos seguiram para seus respectivos aposentos, mas a idiota aqui ficou resolvendo detalhes do dia seguinte, revisando o cronograma e os materiais necessários para desempenhar o meu melhor. Resolvi as pendências em uma hora, mas ainda restava uma delas. A que mais me deixava ansiosa, para ser sincera.
A porra da lembrancinha do Jungkook.
Enquanto eu corria para cumprir minha última tarefa, pensei sobre algo que não saía da minha cabeça: numa mesma semana, ele pediu delivery três vezes para nós.
Tá, ou quase isso.
A primeira vez foi em conjunto com a galera reunida, e ok, talvez não fosse exatamente para nós, mas eu e ele acabamos por dividir uma única refeição por ser grande demais! Então… ele fez o pedido para nós dois, certo? Mas, pagamos irmanamente, mesmo que ele tenha ficado emburrado com isso.
A segunda vez foi completamente inusitada e inesperada; ao chegar mais tarde de um dia de trabalho, lá estávamos partilhando mensagens com memes e relatos de cansaço quando ele comentou que não fazia ideia do que comer. Eu disse que estava exausta demais, mas se tivesse forças, teria feito um baita de um yakissoba, entretanto, meu corpo apenas ganharia uma maçã e nada mais. Jungkook ficou assustado com a minha fala, mas fingiu aceitar quando eu disse que não tinha problemas, porque o cansaço era maior que a fome. Contudo, sem nenhum aviso prévio, minha campainha tocou tempos depois, e um entregador deixou uma encomenda quente e cheirosa.
Adivinha? Era o yakissoba que eu tanto queria!
E ainda tinha vindo com um bilhete!
“Deixe a maçã para sobremesa.”
Eu gargalhei alto ao ler aquilo, e agradeci ao entregador, fechando a porta com um sorriso idiota no rosto. Hyun-mee até estranhou a campainha tocar tarde, mas expliquei que tinha pedido comida enquanto amassava o bilhetinho em minha mão — então ela não soube que Jungkook fez aquela surpresa.
Uma vez que minha prima voltou para o seu quarto, fui confrontar o maknae, mas ele me respondeu na lata.
“Sou do time que acredita fielmente na teoria de que maçãs só abrem mais o apetite. E hey, não brigue comigo! Nós precisamos de você para que tudo dê certo na turnê, afinal de contas, há muito mais por trás dos sete fazendo música por aí… Então seja uma boa garota e se alimente bem, certo?”
Obviamente fiquei sem graça, mas não fiz desfeita e agradeci pelo carinho, sem saber ao certo o que achar daquilo tudo. No fim das contas, optei por encarar como gentileza e gratidão por tudo que vínhamos fazendo para a turnê dar certo.
A terceira vez era nada mais nada menos do que a promessa do twister, no qual ele realmente ficou me devendo um prêmio; e nada melhor do que comida! Sinceramente? Zero sofrimento em aceitar um agrado no último dia antes da turnê.
Que era hoje, no caso. A terceira vez.
Eu francamente não sabia se Jungkook “maldava” as coisas como eu, quer dizer... Na altura do campeonato, seria idiota da minha parte dizer que não tinha um mínimo de afeto recíproco, afinal de contas, ele não fazia isso com outras pessoas da equipe – com exceção dos meninos – mas era algo tão natural entre nós que realmente acreditava que Jungkook me via como apenas uma boa amiga com quem ele teve uma ótima sincronia.
Éramos virginianos nascidos no mesmo dia, afinal de contas.
E sim, estou justificando com signos e astrologia, me deixem!
Enfim, excepcionalmente naquele dia, Jungkook decidiu comer num local diferente do que de costume; nós geralmente usávamos o refeitório e comíamos todos juntos, e agora, eu corria para a tal sala que ele arrumou. Estava com os pensamentos trabalhando a todo vapor quando meu celular vibrou, e eu não precisei checar o visor para saber de quem se tratava.
— Oi! — respondi enquanto apertava o passo.
— Era uma vez um idol. Ele tinha um sonho...
— Ai meu Deus — comentei risonha.
— O sonho de jantar uma refeição quente e agradável com sua staff preferida. Mas isso não era possível porque ela não estava nem aí pra ele.
— Pensando bem, acho que você deveria seguir a carreira de ator, sabe? Combina com você — eu disse e ri de sua leve bufada.
— E agora ele jamais poderá pedir comida delivery de novo, porque isso se tornou um trauma em sua vida... — ele prosseguiu com a voz de narrador e eu ri mais ainda.
— Eu acho que os indicados ao Oscar não são páreos para você, sério — falei com falsa seriedade e virei no corredor, ficando a poucos metros de distância do meu destino.
— Isso configura abandono de incapaz, sabia? — indagou provocativo.
— Não sei porque eu te levo a... sério — respondi ao abrir a porta e encarar o lugar. Era uma sala na qual nunca entrei, com a visão diretamente para o pôr-do-sol. Jungkook estava na varanda, deitado numa rede diante da vista privativa. Ao perceber minha presença, ele se virou para me olhar e, ainda com o celular no ouvido, percebi que sua feição amenizou ao me ver, e um sorriso pairou em seus lábios.
Eu sorri tímida e desliguei a ligação, fechando a porta atrás de mim e andei devagar, sem acreditar naquilo que via.
Ele preparou o local para o lanche de fim de tarde, enquanto o dia já se misturava com a noite. Achei a paisagem tão incrível que não consegui não sorrir abertamente.
— É aqui que tem um idol que sofre por “abandono de incapaz”? — perguntei com os braços cruzados, enquanto encostava no batente da porta da varanda. Ele colocou o celular no bolso do casaco de moletom preto e sorriu.
— Touché. E então, o que achou? — perguntou, voltando a observar o local ao redor. Eu acompanhei seu movimento e me sentei no chão, em cima de um colchonete para exercícios. Jungkook havia improvisado.
— Eu achei maravilhoso... de perder o fôlego — comentei, voltando a olhar para o maknae, que me encarava com um sorriso de canto.
— Achei que iria gostar — ele disse simplesmente, e se juntou a mim, sentando-se no outro colchonete ao meu lado.
— Acertou em cheio! E você, gosta daqui?
— Eu adoro esse lugar. Mas como deve saber, raramente podemos aproveitar. É bom que quase ninguém conhece porque a maior parte das salas deste bloco estão em reforma. Então não há riscos de ninguém vir para cá ou mesmo paparazzis, porque é uma região privativa. Do lado de fora do prédio, só tem acesso o pessoal autorizado... — ele explicou enquanto apontava os locais com o dedo indicador, e eu me forçava a olhar os pontos.
Estava difícil focar, já que ele estava com o cabelo úmido e cheirando a banho recente. Eu sabia porque o ar estava uma mistura de perfume e sabonete. E ele estava com outra roupa, comprovando minha teoria. Vestia uma bermuda preta, um chinelo da ADIDAS preto, uma blusa branca e um casaco de moletom. Ele estava simples, e seguia sendo lindo demais para o seu próprio bem.
Respirei fundo ao retornar o olhar para a comida, pensando em que situação peculiar eu estava; com uma queda enorme pelo meu patrão, que é três anos mais novo que eu, e não podia fazer nada por inúmeros motivos; dentre eles, a ausência de sinais de que ele me vê como mulher e bem, o fato de que nunca poderíamos ter nada diante do contexto trabalhista no qual vivíamos.
Foda, eu sei.
Capitalismo de merda!
Corria mais rápido do que minhas pernas poderiam aguentar. Eu estava exausta! Tinha trabalhado as últimas semanas como nunca na vida, e isso refletiu na minha aparência: as roupas ficaram mais largas, as olheiras debaixo dos olhos tornaram-se mais aparentes, o apetite diminuiu e o sono estava completamente desregulado.
Definitivamente ser staff do BTS não era fácil. E ok, ninguém disse que seria, mas eu esperava lidar com isso melhor do que nos últimos tempos. Mas na verdade, não era somente a preocupação da turnê que me tirava o sono...
Precisava assumir para mim mesma que a aproximação com os garotos, principalmente com o mais novo deles, estava me deixando fora do eixo. Quer dizer, desde aquele fatídico dia em que eu interrompi seu ensaio e o ajudei com o tornozelo, Jungkook e eu nos tornamos inegavelmente mais próximos.
Além disso, minha atuação na noitada rendeu boas fofocas; meus quinze segundos de fama ao dançar Pussycat Dolls e é claro, a foto em que estou roncando e babando no ombro do maknae rendeu piadinhas inacabáveis. Enquanto J-Hope e Jimin passavam a maior parte do tempo imitando a coreografia que ressuscitei naquela noite, o resto do grupo apenas me zoava sobre o quanto Jungkook precisou lavar incessantemente seu blusão roxo, a fim de que minha saliva finalmente saísse do tecido.
Preciso ressaltar que a ideia dessa piada veio de Jin? Sim, sem necessidade.
Apesar das brincadeiras e do clima afetuoso, as coisas estavam tensas com a chegada da turnê. Claro, era esperado que isso acontecesse, mas eu não estava preparada para a realidade, definitivamente.
E, se mal tinha tempo para respirar, imagine tempo para paquerar alguém? Pois é! Jae-in reduziu consideravelmente suas investidas, por também estar atordoado, mas nunca deixou de expressar suas verdadeiras intenções comigo; o rapaz insistia em papos curtos e diretos, sempre me elogiando de alguma forma, sugerindo um programa leve depois que a loucura toda passasse. Às vezes chegava a ser desconcertante, e eu, com a minha dificuldade em dizer não, nunca neguei exatamente, mas vivia de evasivas e sorrisos amarelos, totalmente frustrada comigo mesma. Aquele era um ponto nítido de que eu estava emocionalmente envolvida por Jungkook, o que me impedia de estar disponível para outras experiências.
E isso era um porre.
Sim, um porre! Eu poderia só pensar em Jungkook, levada pelas ondas de paixonite, mas Jae-in era um puta gatinho, e fazia um tempo que eu não me embolava com alguém — e já dava sinais de que uma pequena pegação não faria nada mal (bem pelo contrário, aliás).
De toda forma, com um mundo em caos e correria, essa era eu: trabalhando igual uma filha de uma bela mãe, sem tempo para nada, e… rendidinha pelo maknae.
Quer dizer, não era algo completamente difícil de se prever, se você parar para pensar. Ele era gato, inteligente, carinhoso, educado, cantava bem pra cacete, dançava feito um anjo, e ainda trocava altos papos comigo, de inúmeros assuntos!
Pensando melhor, acho que tenho dica de sobra sobre como as coisas evoluíram…
Sério, até nos mínimos detalhes, ele conseguia me surpreender!
A novidade dos últimos dias foi a solicitação de uma caixa da pomada “canela de velho” para todos.
Sério!
Foi simplesmente hilário, vê-lo abrindo a embalagem com um sorriso enorme no rosto e me chamando animado.
— ? Veja, veja! Canela de velho!
Eu e Hyun-mee rimos descontroladamente daquela cena, e ele gentilmente distribuiu para sua equipe, mencionando especificações que eu mesma havia mencionado anteriormente.
Imagine uma sala exalando cânfora por horas a fio? Pois é.
Com a rotina agitada e intensa, as equipes e os meninos dividiam os momentos de refeição, as tensões, os desejos, a ansiedade, as alegrias... E a cada pequeno detalhe resolvido, eu sentia que todo trabalho valia a pena. Os garotos eram incrivelmente talentosos, mas não se baseavam apenas nisso para construir uma turnê de respeito; aprimoraram-se cada vez mais, enquanto eu buscava formas de apoiá-los, sempre que possível.
Contudo, como já dito, era inegável que a relação entre mim e Jungkook era mais próxima que a dos demais. Nos tornamos bons amigos dentro e fora do trabalho, compartilhando mensagens, memes e áudios engraçados sempre que possível — e alguma coisa depois daquela noitada nos fez ainda mais próximos, até ousados em algumas brincadeiras.
Jungkook parecia estar mais aberto ao toque físico; não ficava mais vermelho como um pimentão quando eu o abraçava ao cumprimentá-lo, falava coisas mais ácidas nas mensagens e até mesmo me fez um carinho na cabeça quando eu estava abaixada para amarrar o cadarço do sapato, antes de acompanhá-los em mais um ensaio.
É, eu não lavei a cabeça por sete dias.
Brincadeira! Foram só três.
Mesmo com pouco tempo, nem só de memes e piadas vivia nossa amizade. Muitas vezes desabafamos sobre a pressão do trabalho, os receios e medos inerentes àquela rotina, e coisas que eu poderia jurar que não comentamos com qualquer pessoa.
Poderia estar fantasiando, óbvio, mas eu senti algo de recíproco ali.
Só que, nessa semana, enquanto conversávamos por mensagens depois de um longo dia, por algum motivo aleatório comentei sobre a saudade que sentia da minha família e de minha terra natal. O golden maknae se demonstrou tocado com isso, lembrando que faltava pouco para ver meus parentes devido a turnê, e que faria questão de que os visitasse.
Eu me senti aquecida com suas palavras, mas percebi que era um desabafo impensado, e travei ao me dar conta de que estava falando aquelas coisas com um dos meus chefes!
Sabe aquele banho de realidade no meio de um devaneio?
Logo desconversei, alegando que não queria causar problemas; insisti que deveria ser grata pela vida que tinha, mesmo com aqueles poréns — o que não era mentira, mas... eu me deixei levar por um momento de cansaço, verdade. Só não queria me prejudicar por causa disso!
Estava pensando no que dizer depois daquilo, e me senti nervosa quando notei a confirmação de leitura de minhas mensagens enviadas ao idol.
Prestes a ter um mini infarto, fui surpreendida ao receber uma ligação dele. Seu nome aparecendo em letras garrafais na tela piscaram, e o celular vibrou três vezes antes que eu de fato atendesse.
— J-Jungkook? Oi! — Minha voz saiu esbaforida, e automaticamente me senti envergonhada, mesmo ele não me vendo.
Era como se estivesse nua na frente de mil pessoas, e o mais louco: como se nunca tivesse falado com o cara antes. Gente apaixonada é um caso a ser estudado…
Mal atendi e seu tom sério me pegou:
— Eu sei que a gente não tem esse costume de ligar, mas algo nas suas palavras me deram vontade de… falar pessoalmente. — ele pausou, respirou fundo, como quem pondera sobre algo, e quebrou o silêncio mais uma vez. — Na verdade, acho que o que eu quero dizer faz mais sentido se for verbalmente mesmo.
— O-okay… — Mordi o lábio inferior, me sentindo nervosa.
— , eu vou ser sincero. Não tem como sermos gratos e felizes o tempo todo. Pelo menos não de um jeito romantizado, inalcançável, entende? Aliás, você pode ser extremamente grata e ainda assim, estar cansada como o inferno! E está tudo bem, você não deve se cobrar disso! Porque sim, nos cansa, nos deixa esgotados. Eu sei, porque também estou! E não quero comparar nossas vivências, nem nada do tipo, não digo isso para te invalidar, por favor não me entenda mal, eu só…
— Eu sei — interrompi sua fala atropelada, e ele parou por alguns segundos, demorando um pouco até me responder.
— … Você sabe?
— Eu sei, Jungkook. Você nunca faria isso. Eu sei que nossas demandas são muito diferentes, e eu sei que você não tem necessidade de comparar nada, até porque é óbvio que não temos o mesmo cargo, ainda que um trabalho dependa do outro e vice-versa. Mas… sinto que sei o porquê você me ligou.
— Sério?
Respirei fundo, sentindo aquele assunto se aprofundar tão rápido que até meu fôlego estava alterado. Mas, se Jungkook teve a coragem de me ligar, interrompendo seu momento de descanso para falar comigo, eu deveria ser igualmente corajosa e lhe responder à altura.
— No fundo, você quer que eu tenha aquilo que talvez você não teve, não é? Alguém para te dizer que tá tudo bem você ficar de saco cheio do trabalho dos seus sonhos, pelo menos por um dia, ou de vez em quando. Eu sei que não se trata de uma falta de parceria dos meninos, acho que isso depende mais do quanto você se sentiu à vontade para assumir isso para eles, mas enfim… É isso, não é?
A cartada tinha sido mais alta do que poderia imaginar; o problema foi realizar uma aposta tão alta e confiante do que dizia, sem deixar de dar um sorrisinho ao ouvir Jungkook engolir em seco, do outro lado da linha.
— Como você consegue?
Eu ri, sentindo um misto de vergonha e orgulho.
— Posso ser sincera?
— Por favor! — Sua voz saiu animada.
— Algumas coisas ditas por você fazem muito sentido para mim, e sei aonde quer chegar. É nítido! Parece que vejo e entendo o que você fala como se eu estivesse olhando através da água.
— Ok… Essa foi a forma mais bonita que alguém usou para me chamar de previsível.
As gargalhadas foram instantâneas depois disso, e demorei um tempo até retomar a conversa novamente.
— Você sabe que não quis dizer isso.
— É, eu sei. É que não consigo perder uma chance de implicar contigo, quando possível.
— Você está andando muito com o Jin! Que sina!
— Irmãos mais velhos podem ser muito influenciadores…
— E eu não sei? — respondi com um sorriso gigante no rosto, encarando o céu estrelado, daquela noite fria.
Ficamos num silêncio agradável, e se eu me esforçasse, conseguia ouvir a respiração de Jungkook, num compasso sereno e tranquilo.
— O que está fazendo? — perguntou, com a voz mais grave.
— Olhando o céu. Já viu a lua hoje?
— Espere aí — ele pediu, e eu ouvi barulho de passos, abertura de porta e enfim, sua voz. — Uau!
— É… é disso que eu estou falando.
— Hoje ela tá demais!
— Não é? — indaguei retoricamente, recebendo um murmúrio em concordância.
Pensei no quanto aquele momento era precioso, e sua intensidade era proporcional ao fato de não querer terminar a ligação. Entretanto, um bocejo discreto soou do outro lado, e eu sorri ao imaginar a cara sonolenta de Jungkook.
— Você deve estar cansado.
— Hm-Hm, não estou… — sua voz aumentou alguns tons, como se ele tentasse demonstrar que estava desperto.
— Você mente muito mal.
Foi a vez dele rir a risada mais fofa e sincera que eu escutava nos últimos tempos.
— Então, eu sou água, hm? — ele retomou o assunto.
— Transparente até pelo celular.
— E quanto à você?
— O que tem eu?
— Acha justo só você me ver com tanta facilidade?
Uma brisa gelada atingiu meu rosto e eu fechei os olhos, mordendo o lábio inferior, ficando pensativa. Aquela também era uma cartada alta.
— Você acha que qualquer um é capaz de fazer o que você fez, Jungkook?
— C-Como assim? — questionou confuso. Respirei fundo antes de responder.
— Eu poderia contar nos dedos de uma só mão, as pessoas que me ligariam depois de ler meia dúzia de palavras minhas, em mensagens aparentemente comuns… como se estivéssemos trocando um papo muito corriqueiro, que não precisasse de uma ligação. Mas você me viu, me enxergou, e pelo visto não faz ideia do quanto está me ajudando.
— Nossa, eu… não tinha pensado nisso. Simplesmente pareceu certo te ligar, e então, eu fiz — ele soou sincero, e eu concordei com um aceno.
— Sim, e esse é você. Percebe como estou feliz que tenha feito isso? Você foi gentil e cuidadoso, como sempre.
— Assim você me deixa sem graça…
— Desculpe! — Foi a minha vez de ficar encabulada. — Devo estar falando besteira já, pelo sono.
— Isso não é besteira, é só quee… Espera, por que não disse antes? Eu vou desligar para você poder descansar! — ele mesmo se interrompeu, e eu senti um apertinho no peito diante da sugestão.
— Não!
— Não? — A voz do outro lado soou, momentos depois.
— Não… Quer dizer. Acho que o que quero falar é… Obrigada. Obrigada, Jungkook.
— Obrigada? Pelo quê? — Eu ri rápido, não acreditando em como ele era maravilhoso.
— Você não existe! — brinquei, achando graça de seu jeito inconscientemente acolhedor; aquilo era tão incrível de presenciar! — Bom, espero não ter te ocupado muito, afinal de contas, você deveria estar descansando, e não desperdiçando seu tempo com a staff, né? — A risada que saiu de minha boca foi forçada e nervosa, mas era o que eu tinha disponível. — Mas obrigada, estou bem de verdade!
— Tem certeza? — insistiu soando desconfiado.
— Sim! Totalmente! Então, não se prenda mais aqui! Obrigada por ligar.
— Certo, então. Descanse, ok?
— Você também! Durma bem, tenha bons sonhos!
Fiquei mais alguns segundos em silêncio, esperando a ligação cair, mas isso não aconteceu. Ao contrário do que eu esperava, a voz de Jungkook soou de novo.
— ? — Meu coração deu três saltos com seu chamado.
— Hm? — ‘respondi’ quase imediatamente.
— Você nunca será desperdício. Não repita isso, tá bem?
— Ah! Er… claro! T-Tá bem.
— Ótimo! Tenha uma boa noite, ótimos sonhos.
— Para você também, Jungkook.
Dessa vez, a ligação terminou, e eu me senti com o coração na boca diante da sensibilidade das palavras dele. Como aquele garoto era capaz de terminar uma conversa assim?
Fiquei encarando a lua da janela do meu quarto e, quando dei por mim, estava lacrimejando ao pensar no mar de emoções no qual me encontrava depois daquela conversa tão… íntima.
Desde então, para os dias que se seguiram, Jungkook se mostrou preocupado sobre como eu me sentia emocionalmente falando, diante de toda loucura do trabalho, a saudade de casa, as dificuldades que carregava e enfim… Parecia que de alguma maneira o Maknae sentia quando eu não estava bem; às vezes o dia não ajudava em nada, mas tudo se tornava melhor quando Jungkook aparecia com alguma coisa para falar, alguma lembrança ou até mesmo um oi rápido.
E aquilo já era mais do que o suficiente para perceber o quanto eu apreciava sua presença em minha vida.
É, eu sei. Difícil não contrair paixonite crônica depois dessa constatação.
Como dizia vovó Kang: Não dá para ganhar sempre.
A interação entre o idol e eu tinha reduzido com a correria, mas quando acontecia, era mais nessa vibe de abordagem, mais forte que nunca nas trocas de mensagem, e qualquer “boa noite” no fim do dia aquecia meu coração, mesmo que uma parte de mim chorasse ao pensar que tinha caído no abismo da friendzone (que era inegavelmente mais tranquilo do que perder o emprego, venhamos e convenhamos, mas… que tristeza!).
É como também dizia vovó Kang: que merda!
Eu sonhava acordada com alguns detalhes dessa relação com Jungkook. E sim, era errado em tantos sentidos que a lista não tinha fim, mas só me restou sonhar, me repreender, sonhar de novo, e manter as coisas assim para não colocar tudo em maus lençóis.
Uma cilada, Bino.
Mas… dane-se, né? O que não tem jeito, remediado está.
Basicamente, eu dava o meu melhor para ocupar a mente com outras coisas e, mesmo nas poucas horas vagas do dia, consegui conversar melhor com minha família, saber mais sobre as novidades do Brasil, assim como dos amigos, e isso incluía Leli, obviamente.
Tudo dentro do perfeito caos andava, corria, atropelava; essa era a rotina de uma staff do BTS.
E então, na véspera da turnê, algo aconteceu.
Naquele dia especial, eu tinha preparado uma lembrancinha de brigadeiro com uma mensagem de incentivo para todos do grupo. Cada textinho foi pensado individualmente, e dividi essa tarefa com Hyun-mee, que ficou responsável pelas mensagens de Suga, V, RM e Jin. Eu fiquei com os que sobraram: Jimin, J-Hope e Jungkook.
Era algo simples, porém feito com muito carinho, e os meninos adoraram! Quer dizer, quase todos.
E esse ‘quase’ era o motivo da minha correria naquele momento.
Explicando: Suga, J-Hope, Jin e RM receberam as lembranças juntos logo no início do dia. Como eu esperava, o solzinho do grupo pulou de alegria e me deu um abraço apertado, e eu devolvi com muito carinho. RM agradeceu de uma forma fofa com Hyun-mee, que ficou toda cagada com a ação do líder. Ela pensa que eu não sei, mas tem uma quedinha pelo boy, disfarçando com profissionalismo e sorrisos sem graça. É tão ética que só eu mesma, por ser prima, pesquei as mínimas mudanças de Hyun-mee quando o líder estava por perto. Mas, diferentemente de mim, Hyun-mee mantinha uma postura exemplar e ninguém notava seu comportamento em relação ao líder do BTS. Para ela, parecia que as coisas eram muito mais nítidas e fáceis de serem seguidas, muito diferente do que era para mim. Hyun-mee era o orgulho da família Kang. Já eu…
Sim... eu tinha muito que aprender com minha prima.
Em relação ao resto dos meninos e suas reações: Jin e Suga mal conseguiram falar! Ficaram extasiados com o sabor daquele quitute, fazendo com que todos rissem de suas reações. Foi realmente hilário de ver.
Depois, seguimos para os afazeres do dia, e Hyun-mee ficou encarregada de entregar a lembrança do V, enquanto eu, de Jimin e Jungkook. Os meninos não estavam presentes por diferentes motivos; V estava em um checkup médico por ter sentido a garganta arder no dia anterior. Jimin estava acertando os últimos detalhes das medidas de um dos trajes; ele tinha ensaiado no dia anterior com uma camisa especialmente estilizada para si, que estava lhe apertando o braço direito; então imagine a tensão da costureira quando cheguei ao local? Pois é!
Ele tentou ser gentil mesmo com o nervosismo palpável, e eu admirei mais uma vez sua forma de ser. O k-idol agradeceu com muitos sorrisos e disse que provaria depois – provavelmente com medo de receber uma alfinetada da costureira.
Passava das 16h quando o expediente terminou. Sim, por ser o dia anterior à turnê, os chefes decidiram encerrar as atividades mais cedo, promovendo o descanso da equipe – que muito provavelmente aproveitou a deixa, já que o prédio se encontrava praticamente vazio às 17h.
É, fazia cerca de uma hora que todos seguiram para seus respectivos aposentos, mas a idiota aqui ficou resolvendo detalhes do dia seguinte, revisando o cronograma e os materiais necessários para desempenhar o meu melhor. Resolvi as pendências em uma hora, mas ainda restava uma delas. A que mais me deixava ansiosa, para ser sincera.
A porra da lembrancinha do Jungkook.
Enquanto eu corria para cumprir minha última tarefa, pensei sobre algo que não saía da minha cabeça: numa mesma semana, ele pediu delivery três vezes para nós.
Tá, ou quase isso.
A primeira vez foi em conjunto com a galera reunida, e ok, talvez não fosse exatamente para nós, mas eu e ele acabamos por dividir uma única refeição por ser grande demais! Então… ele fez o pedido para nós dois, certo? Mas, pagamos irmanamente, mesmo que ele tenha ficado emburrado com isso.
A segunda vez foi completamente inusitada e inesperada; ao chegar mais tarde de um dia de trabalho, lá estávamos partilhando mensagens com memes e relatos de cansaço quando ele comentou que não fazia ideia do que comer. Eu disse que estava exausta demais, mas se tivesse forças, teria feito um baita de um yakissoba, entretanto, meu corpo apenas ganharia uma maçã e nada mais. Jungkook ficou assustado com a minha fala, mas fingiu aceitar quando eu disse que não tinha problemas, porque o cansaço era maior que a fome. Contudo, sem nenhum aviso prévio, minha campainha tocou tempos depois, e um entregador deixou uma encomenda quente e cheirosa.
Adivinha? Era o yakissoba que eu tanto queria!
E ainda tinha vindo com um bilhete!
“Deixe a maçã para sobremesa.”
Eu gargalhei alto ao ler aquilo, e agradeci ao entregador, fechando a porta com um sorriso idiota no rosto. Hyun-mee até estranhou a campainha tocar tarde, mas expliquei que tinha pedido comida enquanto amassava o bilhetinho em minha mão — então ela não soube que Jungkook fez aquela surpresa.
Uma vez que minha prima voltou para o seu quarto, fui confrontar o maknae, mas ele me respondeu na lata.
“Sou do time que acredita fielmente na teoria de que maçãs só abrem mais o apetite. E hey, não brigue comigo! Nós precisamos de você para que tudo dê certo na turnê, afinal de contas, há muito mais por trás dos sete fazendo música por aí… Então seja uma boa garota e se alimente bem, certo?”
Obviamente fiquei sem graça, mas não fiz desfeita e agradeci pelo carinho, sem saber ao certo o que achar daquilo tudo. No fim das contas, optei por encarar como gentileza e gratidão por tudo que vínhamos fazendo para a turnê dar certo.
A terceira vez era nada mais nada menos do que a promessa do twister, no qual ele realmente ficou me devendo um prêmio; e nada melhor do que comida! Sinceramente? Zero sofrimento em aceitar um agrado no último dia antes da turnê.
Que era hoje, no caso. A terceira vez.
Eu francamente não sabia se Jungkook “maldava” as coisas como eu, quer dizer... Na altura do campeonato, seria idiota da minha parte dizer que não tinha um mínimo de afeto recíproco, afinal de contas, ele não fazia isso com outras pessoas da equipe – com exceção dos meninos – mas era algo tão natural entre nós que realmente acreditava que Jungkook me via como apenas uma boa amiga com quem ele teve uma ótima sincronia.
Éramos virginianos nascidos no mesmo dia, afinal de contas.
E sim, estou justificando com signos e astrologia, me deixem!
Enfim, excepcionalmente naquele dia, Jungkook decidiu comer num local diferente do que de costume; nós geralmente usávamos o refeitório e comíamos todos juntos, e agora, eu corria para a tal sala que ele arrumou. Estava com os pensamentos trabalhando a todo vapor quando meu celular vibrou, e eu não precisei checar o visor para saber de quem se tratava.
— Oi! — respondi enquanto apertava o passo.
— Era uma vez um idol. Ele tinha um sonho...
— Ai meu Deus — comentei risonha.
— O sonho de jantar uma refeição quente e agradável com sua staff preferida. Mas isso não era possível porque ela não estava nem aí pra ele.
— Pensando bem, acho que você deveria seguir a carreira de ator, sabe? Combina com você — eu disse e ri de sua leve bufada.
— E agora ele jamais poderá pedir comida delivery de novo, porque isso se tornou um trauma em sua vida... — ele prosseguiu com a voz de narrador e eu ri mais ainda.
— Eu acho que os indicados ao Oscar não são páreos para você, sério — falei com falsa seriedade e virei no corredor, ficando a poucos metros de distância do meu destino.
— Isso configura abandono de incapaz, sabia? — indagou provocativo.
— Não sei porque eu te levo a... sério — respondi ao abrir a porta e encarar o lugar. Era uma sala na qual nunca entrei, com a visão diretamente para o pôr-do-sol. Jungkook estava na varanda, deitado numa rede diante da vista privativa. Ao perceber minha presença, ele se virou para me olhar e, ainda com o celular no ouvido, percebi que sua feição amenizou ao me ver, e um sorriso pairou em seus lábios.
Eu sorri tímida e desliguei a ligação, fechando a porta atrás de mim e andei devagar, sem acreditar naquilo que via.
Ele preparou o local para o lanche de fim de tarde, enquanto o dia já se misturava com a noite. Achei a paisagem tão incrível que não consegui não sorrir abertamente.
— É aqui que tem um idol que sofre por “abandono de incapaz”? — perguntei com os braços cruzados, enquanto encostava no batente da porta da varanda. Ele colocou o celular no bolso do casaco de moletom preto e sorriu.
— Touché. E então, o que achou? — perguntou, voltando a observar o local ao redor. Eu acompanhei seu movimento e me sentei no chão, em cima de um colchonete para exercícios. Jungkook havia improvisado.
— Eu achei maravilhoso... de perder o fôlego — comentei, voltando a olhar para o maknae, que me encarava com um sorriso de canto.
— Achei que iria gostar — ele disse simplesmente, e se juntou a mim, sentando-se no outro colchonete ao meu lado.
— Acertou em cheio! E você, gosta daqui?
— Eu adoro esse lugar. Mas como deve saber, raramente podemos aproveitar. É bom que quase ninguém conhece porque a maior parte das salas deste bloco estão em reforma. Então não há riscos de ninguém vir para cá ou mesmo paparazzis, porque é uma região privativa. Do lado de fora do prédio, só tem acesso o pessoal autorizado... — ele explicou enquanto apontava os locais com o dedo indicador, e eu me forçava a olhar os pontos.
Estava difícil focar, já que ele estava com o cabelo úmido e cheirando a banho recente. Eu sabia porque o ar estava uma mistura de perfume e sabonete. E ele estava com outra roupa, comprovando minha teoria. Vestia uma bermuda preta, um chinelo da ADIDAS preto, uma blusa branca e um casaco de moletom. Ele estava simples, e seguia sendo lindo demais para o seu próprio bem.
Respirei fundo ao retornar o olhar para a comida, pensando em que situação peculiar eu estava; com uma queda enorme pelo meu patrão, que é três anos mais novo que eu, e não podia fazer nada por inúmeros motivos; dentre eles, a ausência de sinais de que ele me vê como mulher e bem, o fato de que nunca poderíamos ter nada diante do contexto trabalhista no qual vivíamos.
Foda, eu sei.
Capitalismo de merda!
Capítulo XIII - Run pt.2
— Vamos? — ele indagou e eu endireitei minha postura, pigarreando sem graça.
— Claro!
Ele abriu silenciosamente os pacotes do delivery e entregou a minha refeição. Percebi que era uma porção de jajangmyeon e eu sorri alegre.
— Você lembrou de um dos meus pratos favoritos, Jeon Jungkook!?
Ele riu, dando de ombros.
— Você é bem enfática quando o assunto é comida, não tinha como esquecer!
— Um fanático reconhece o outro, não é? — Eu brinquei e ele riu novamente, concordando comigo. — De toda forma, obrigada! — agradeci com uma cara animada e ele sorriu discreto, acenando com a cabeça.
— Apesar de achar que está um pouco adiantada na data, a gente faz o necessário pela alegria dos amigos — respondeu com uma cara de quem quer rir, e eu franzi o cenho ao tentar entender a piada interna.
— Como assim, adiantada? — questionei enquanto ele abria seu Dak Galbi com gosto.
— Não estamos nem perto de abril — ele explicou como se fosse óbvio e eu fiquei um tempo olhando para sua cara, até que entendi o que ele queria dizer.
— Ah, o Black Day, você diz? Bom, não tenho problemas em comer jajangmyeon fora de datas específicas. Na verdade, eu acho isso meio estranho — comentei com sinceridade, enquanto alcançava os hashis.
— Estranho? — ele perguntou com curiosidade e eu comi uma porção antes de respondê-lo.
— É, bem. Essa coisa de Black Day como dia dos solteiros. Eu sei que é algo cultural, mas… Ano passado, Hyun-mee e eu nem nos atentamos para a data, e fomos pegas desprevenidas com tanta gente de preto pela rua! Os bares e locais de consumo, nem se fala… É uma mega jogada de marketing, mas no fim das contas, e daí se você está solteiro? Qual é o lance das coisas escuras, sabe? É algo como um luto? Solidão? Eu não sei se solteirice e solidão são sinônimos, sabe… Fico reflexiva com isso. Entendo que as pessoas acham muitas coisas, e é claro que respeito, mas esta é minha opinião. E outra coisa que me incomoda: não entendo mesmo o porquê das cores. Eu amo preto e pra mim é sinal de felicidade, então por que Black Day com essa coisa remetendo a tristeza, sabe? Como se toda pessoa solteira fosse infeliz! Tem um monte de gente por aí vestindo cores mais quentes, em relacionamentos longos, que estão tão quebradas por dentro... Eu fico me perguntando até quando a gente vai se basear nas aparências e se sentir no direito de julgar quem é feliz e quem não é. Principalmente pelo estado civil da pessoa.
Respondi tudo numa tacada só enquanto gesticulava com os hashis e encarava o sol, que já descia por detrás de algumas nuvens. Percebi que o silêncio foi algo presente depois da minha fala e olhei para Jungkook, que me observava com a bochecha estufada de comida e a boca fechada. Seus olhos piscavam rapidamente e eu sorri antes de perguntar.
— O que foi? — Ele pareceu ter despertado e engoliu a comida antes de responder.
— Nunca tinha pensado por esse lado. Mas acho que você tem um ponto interessante. Eu sou solteiro e não me sinto triste por isso... Nem só. E também amo a cor preta.
Ele falou bem menos, mas resumiu bem o que eu sentia — mesmo que eu tivesse viajado legal dentro do assunto.
Sorri enquanto concordava com a cabeça, tentando afastar a felicidade ao ouvi-lo dizer sobre sua solteirice. Foco, !
— É por aí. Somos solteiros e estamos bem! — Ofereci meu punho e ele deu uma risadinha antes de bater com o dele.
— Melhor clube de dois! — brincou, voltando a comer sua refeição, mas parou ao aparentemente se lembrar de algo, e me olhou com uma sobrancelha arqueada. Eu retribuí o gesto, não entendendo o que ele estava querendo com aquilo.
— Por que está me olhando desse jeito? — perguntei curiosa.
— Estou lembrando que uma certa staff recebeu um chocolate há três dias... No dia de São Valentim.
Eu travei na face em choque. Fiquei congelada pensando em como ele tinha conseguido ver que Jae-in tinha me dado um chocolate? Nem Hyun-mee tinha reparado!
É verdade que nos últimos tempos, estava escapando de toda e qualquer situação com o roadie gatinho, mas nesse dia em específico, não consegui fugir do rapaz e ele me surpreendeu com um chocolate embrulhado delicadamente, com desenhos de coração. Tão romântico e tão fofo que eu só consegui agradecer de maneira tímida. A sorte era que estávamos no meio do expediente, então Jae-in não insistiu numa data de encontro; apenas me entregou com um sorriso encantador, no canto do bebedouro enquanto os meninos ensaiavam os vocais do…
Ah.
O ensaio de banda.
— Quê? — eu perguntei mais para tentar lembrar na mente em que momento Jungkook tinha visto aquilo. Como ele conseguiu? Foi algo muito discreto!
Quer dizer, os meninos estavam em cadeiras altas, ensaiando de frente para a banda. Céus! Os meninos estavam de costas para nós! Eu estava buscando um copo d’água para mim quando fui interceptada pelo roadie.
Como Jungkook viu?
— Ora, vamos! Eu vi você ganhando o chocolate... Não precisa esconder. — Por incrível que pareça, ele me encarava com uma cara convencida, e eu ri meio sem graça, umedecendo o lábio inferior antes de dizer qualquer coisa.
Meus pensamentos foram tão fortes que se tornaram uma fala, baixa e fraca, mas pontual:
— Você estava me espionando?
O sorriso galanteador do maknae logo deu espaço a uma faceta envergonhada, e ele coçou o pescoço enquanto negava veemente com a cabeça.
— N-Não! Aquela sala tem muitos espelhos, sabe? Foi apenas... natural. Eu olhei para frente e vi o reflexo no espelho. E foi isso.
O sorriso dele poderia rasgar a boca e aquilo era um misto de prazer e nervosismo para mim. Entretanto, decidi rir de sua expressão, porque era simplesmente impagável. Ele me olhava com um sorriso mega encabulado, enquanto eu me divertia com a cena.
— É sério, eu não estava... — ele tentou se explicar, mas eu o interrompi, ainda sorrindo e achando graça de seu jeito tão irreverente e ao mesmo tempo, tímido.
— Eu ganhei um chocolate sim. Era bom, mas... nada de bênçãos de São Valentim para mim.
Ele piscou algumas vezes, olhando diretamente nos meus olhos. Meu sorriso se amenizou, mas ainda mantive o semblante simpático.
Ficamos nos encarando por um tempo e de repente, ele olhou para o pôr-do-sol. Ficou alguns segundos mirando a estrela solar enquanto eu olhava para o chão, perdida em pensamentos, quando ele perguntou:
— Então… ainda somos um grupo de dois no Black Day?
Aquela pergunta me fez prender os lábios dentro da boca, e um frio na barriga se instalou violentamente.
Ele estava realmente querendo saber se eu estava namorando? Ou será que... estava apenas sendo um amigo curioso?
Será que se soubesse que eu namorava ou tivesse um caso com o roadie, me entregaria para Hye-jun e eu seria demitida?
Ou... estava querendo saber se eu estava disponível?
Inúmeros pensamentos me atravessaram em um curto espaço de tempo, e eu só soube respirar fundo, demorando a responder sua pergunta.
Descomprimi os lábios e levantei minha cabeça, encontrando seus olhos novamente em mim.
Ele não desviou, e eu demorei alguns bons segundos para respondê-lo, até que o fiz, dando de ombros.
— Só se sairmos para comer jajangmyeon!
Ele riu ao me ouvir dizer aquilo e acenou com a cabeça, como se concordasse comigo.
— Bom... Pelo menos isso não vai faltar, né? — Eu ri e foquei na refeição, e ele fez o mesmo, abrindo os trabalhos. — Vamos comer!
Me servi e coloquei uma porção de comida na boca, sentindo a sensação confortável que aquele prato trazia. Por mais estranho que nosso diálogo tenha ficado momentos antes, entre Jungkook e eu pairava um silêncio agradável naquele instante, e eu me permiti apreciá-lo junto à vista maravilhosa que nos rodeava.
A paz que a companhia do virginiano ao meu lado trazia era inegável, bem como todo o bem-estar que aquele contexto me causava.
Talvez, apenas talvez, eu estivesse no lugar certo, na hora certa, quando aceitei aquele emprego.
— ? — A voz de Jungkook me chamou depois de um tempo, e eu sorri ainda olhando pro chão. Demorei um pouco para levantar a cabeça e respondê-lo.
— Hm?
— No que está pensando? — indagou com a cara curiosa e eu sorri amarelo, sem mostrar os dentes.
— No quanto sou grata pelas oportunidades da vida... — respondi, olhando para o horizonte, contando meias verdades.
Senti seu olhar sobre mim, e suspirei antes de seguir a fala.
— Eu tenho um emprego que muitos matariam para ter, me saio bem no que faço, e de quebra ainda me dou super bem com meus patrões. Isso não é um ótimo cenário? — perguntei ao me virar sorridente, e Jungkook me olhou contemplativo. Ele ficou um tempo assim antes de soltar um pequeno pigarro e concordar com um aceno, olhando o pôr-do-sol.
Não sei exatamente quanto tempo ficamos assim, mas voltei a atenção para o Maknae quando o mesmo quebrou o silêncio.
— Faz um mês que não erro a coreografia de Begin.
— Meu Deus, é verdade! Isso não é maravilhoso!? — exclamei com sinceridade e ele sorriu, dando de ombros.
— Acho que não foi tão ruim ter torcido o pé, afinal.
— Hã?
— Eu pude conhecer a canela de velho. Salvou minha vida — eu ri abertamente, não acreditando que ele tinha dito aquilo de verdade.
— Ah, é mesmo?
— É, e tem também uma pessoa que me ajudou, sabe? — Se virou para mim com a cara sugestiva, e eu o imitei.
— Jura? Quem é esse anjo? — perguntei debochada, ao cruzar os braços, e ele riu de mover os ombros.
— É uma pessoa de boa alma, que definitivamente me deu sorte.
Meu sorriso deu uma leve murchada, porque não esperava uma declaração tão simples e direta. Prendi meus lábios e fiquei totalmente sem graça.
— Acho que a sorte foi toda dela, acredite.
— Por que? — ele perguntou com um sorriso torto e o cenho franzido.
— Está brincando? Olha isso! Não é toda semana que você come comidas gostosas como esta.
Ele me encarou com a boca aberta em falso choque, e eu ri de sua atuação.
— Então você me usou esse tempo todo? Só por causa da comida?
— Prioridades, Jungkook. Ter que te aturar e ceder a minha canela de velho em troca de refeições deliciosas? É sempre um ótimo negócio!
Ele gargalhou, negando com a cabeça, e seus olhos praticamente fecharam com o ato. Eu amava aquela característica nele, e me vi sorrindo encantada enquanto o admirava.
— Você não vale nada. — Me olhou de soslaio com um sorriso de canto, e eu continuei babando em si, sem respondê-lo. Apenas sorri como uma criança levada e dei de ombros, voltando a atenção para minha refeição. Passamos mais um tempo assim e quando estava prestes a finalizar o jajangmyeon, ele voltou a falar. — Nem parece que você chegou há pouco mais de um mês — comentou com um pequeno sorriso. Percebi que já tinha terminado sua refeição, e estava apenas observando a natureza ao seu redor enquanto bebia seu chá gelado.
— Não parece, não é? — concordei consigo, pensando sobre o tempo.
— Não mesmo... É curioso.
— É sim. De certa forma, também sinto isso. Como se estivesse aqui há mais tempo. Como se conhecesse tudo a mais tempo.
— É...
Enquanto eu terminava de comer, percebi que Jungkook remexia as pernas, ao tempo que arrastava o lábio inferior pelos dentes de cima. Estava visivelmente nervoso, e eu deduzi que tinha a ver com o grande dia seguinte. Coloquei a embalagem vazia da minha refeição em cima da toalha, e me aproximei silenciosamente. Jungkook só notou meu movimento quando coloquei a mão em seu ombro, carinhosamente.
— Ei. — Ele me olhou levemente surpreso, com os olhos bem abertos. Dei um sorriso encorajador e apertei seu ombro suavemente. — Vai ficar tudo bem. Vocês vão arrasar nessa turnê! Confie em mim.
Jungkook observou meu rosto, digerindo o que eu disse. Encheu os pulmões de ar e sorriu sem mostrar os dentes, colocando sua mão por cima da minha, em seu ombro.
— Obrigado por isso, . De verdade.
Sua voz saiu mais grave do que de costume e eu senti meu interior dar uma leve revirada quando seu polegar fez um carinho sutil na minha pele. Eu mal consegui disfarçar os olhares em direção ao seu rosto – especificamente para a sua boca. Estranhamente, ele não tinha deixado de me encarar, provavelmente notando a secada que eu estava dando em sua pessoa.
Estava escurecendo, mas ainda dava para notar todos os detalhes de seu rosto, uma vez que estávamos próximos e focados um no outro. Eu não consigo descrever o que aconteceu ali, de verdade... Mas de alguma forma parecia que aquele momento estava durando mais do que de costume.
Minha mão ainda estava debaixo da sua quando as luzes da varanda se acenderam e causaram um leve susto em nós, e eu me afastei automaticamente, sem mais tocá-lo. Percebi que a iluminação era programada para acender naquele horário e ninguém tinha “nos encontrado” num momento meio sugestivo. Ufa!
Ignorando o susto e me sentindo menos tensa, apenas concentrei no mantra interno de que não houve nada demais e engoli em seco, me refugiando na paisagem diante de nós. Abracei meus joelhos e apoiei meu queixo em cima deles, sem muito sucesso ao tentar disfarçar que há segundos atrás eu estava querendo – e muito – beijar Jungkook.
Que diabos eu estava fazendo!? Precisava tirar aquilo da cabeça.
— Então... Acho melhor a gente ir. Você sabe, amanhã é um dia importante para todos nós... Precisamos estar descansados. — Fui a primeira a quebrar o gelo, e ele apenas concordou com um aceno rápido, começando a recolher as coisas. Eu imitei sua ação e me mantive calada, sem entender porque de repente havia clima estranho entre nós.
Trocamos meia dúzia de palavras e cerca de quinze minutos depois, estávamos em seu carro; ele se ofereceu para me dar uma carona e eu aceitei, sabendo que ele insistiria de toda forma. O caminho inteiro foi mais silencioso do que de costume; estávamos trocando conversas superficiais e nitidamente havia uma tensão no ar.
Fiquei matutando aquilo no fundo de minha mente, e me distraí a ponto de Jungkook me acordar do pequeno devaneio.
— ? Chegamos.
Cacete! Sério?
— Ah! Pois é, hehe. Rápido, não? Acho que o trânsito ajudou também — comentei qualquer besteira enquanto destravava o encaixe do cinto de segurança. — Então, obrigada pelo jantar! Foi ótimo!
— Obrigado pela companhia de hoje. — Ele me olhou com receio, ainda que o sorriso estivesse lá.
— Ah, imagina. Eu adorei, como sempre — respondi com sinceridade e respirei fundo, olhando diretamente em seus olhos.
Ficamos nos encarando no escuro do carro, com a iluminação do poste da rua deixando a metade de nossos rostos visíveis.
E ainda assim, Jungkook era lindo.
— Ai meu Deus! Quase ia esquecendo! — falei alto, enquanto alcançava minha mochila.
— Esquecendo do que? — ele perguntou assustado no exato momento em que tirei a lembrancinha do bolso grande.
— Disso! É para você. — Estiquei o braço e Jungkook pegou a caixinha com cuidado, desenlaçando e abrindo-a. Dentro dela, havia um copinho de brigadeiro de colher, e a mensagem enrolada como se fosse um papiro.
— Pra mim? — ele indagou com um sorriso aberto e eu acenei. — Que delicado! — ele comentou, colocando a caixinha no colo e abrindo a mensagem, que se desenrolou até mais ou menos a metade de um papel A4. Hyun-mee só faltou parir um filho de tanto rir ao me sacanear disso; dizia que aquilo não era uma mensagem, e sim testamento. Eu preferi ignorá-la, pois sabia que Jungkook entenderia minhas palavras.
— É uma carta? — ele perguntou se virando para mim e eu sorri tímida.
— Uma pequena mensagem de incentivo. Vamos, leia!
Ele deu uma risadinha e ligou a luz interna do carro, levando o papel próximo aos seus olhos, e leu em voz baixa.
“Poeira estelar. Você sabia que somos feitos de poeira estelar? Segundo uma notícia de internet que li faz um tempinho, Carl Sagan estava certo; somos poeira estelar. Eu não sou a fissurada do assunto e nem sei muitos nomes de constelações além de Três Marias e Ursa Maior, mas preciso admitir que nutro uma relação íntima e acolhedora com as estrelas. Acho que tem a ver com o fato de me sentir menos só quando olho para o céu. Em momentos difíceis então, nem se fala. E bom, por que estou falando disso? Eu não levava a sério essa de sermos poeira de estrelas, sabe? Mas depois que te conheci, me vi mudar de ideia... E acho que criei minha própria teoria: há estrelas na terra, que se transmutam e se tornam humanos, sem exatamente deixar a luz de lado. E você, Jungkook, é a prova viva da minha teoria. Então, siga emanando sua própria luz, dando o melhor de si, sendo incrível, porque o mundo precisa disso (e algo me diz que você nasceu para brilhar...)
A parte legal disso é que não preciso olhar para cima para ver estrelas.
Obrigada por existir. Já deu tudo certo!
Com carinho, .”
Ele umedeceu os lábios e abriu a boca, mas não disse nada. Ficou encarando a carta com afinco, e vi que seus olhos pareciam reler certas palavras, pela forma que se moviam pelo papel.
— Gostou? — perguntei com receio, e ele se virou pra mim, com o olhar diferente, brilhando muito, e acenou de forma positiva.
— Eu nunca li algo tão… Uau! — Ele soltou o ar pela boca e sorriu, visivelmente mexido com a mensagem. — Não tenho palavras para expressar o que isso significou para mim, . De verdade — respondeu com firmeza, passando sinceridade na forma de falar e no modo em que me olhava. Apesar de preferir ser chamada pelo apelido, sei que ele optou pelo meu nome para mostrar seriedade/veracidade. E aquilo não passou despercebido.
Sorri satisfeita.
— Eu apenas disse a verdade. É só uma certeza que gostaria que carregasse consigo, para que amanhã, em cima do palco, se lembre dos motivos que o levaram até ali. Você merece, Jungkook. Sabe o que faz, e faz com maestria e amor. O resto, é apenas isso e nada mais. Você mesmo me convenceu disso, lembra?
Ele respirou fundo, piscando algumas vezes enquanto me olhava, e percebi que ele estava tocado com o que eu disse.
— Você não existe... — Sua voz tremulou muito de leve, enquanto ele mordia o lábio inferior. Eu sorri com seu comentário e dei de ombros.
— Existo sim. Agora, se tem mais de uma de mim, eu não sei, mas duvido que exista outras réplicas tão boas quanto. — Decidi quebrar um pouco a tensão e ele gargalhou com minha fala, ficando mais desperto.
— Tão convencida que chega a doer meus olhos! — brincou com a cara de malandro.
— Eu acho que na verdade é muita luz vindo de mim que os faz doer, sabe?
— Oh, você também é uma estrela humana? — Se virou totalmente para mim e, com o semblante de falso espanto, me encarou de braços cruzados.
— Dizem que o pior cego é aquele que não quer ver. — Dei de ombros e ele riu, me observando sem dizer mais nada por um tempo.
— Você é realmente muita coisa, não é? — Seu tom grave e aprazível me fez erguer a cabeça para encará-lo, e assim, sua feição me fez vibrar. Eu cocei a ponta do nariz e pigarrei, envergonhada.
— Minha mãe acha que sim — brinquei novamente e ele sorriu de canto, já não rindo; apenas esticando o braço e colocando sua mão na minha.
— Então somos dois.
Observei as mãos juntas por um tempo, sem saber como reagir e por fim, levantei meu rosto, para vê-lo com mais atenção. Ele não sorria, não tinha nenhum ar de brincadeira. Ele realmente quis dizer aquilo que disse, enquanto seu calor emanava na minha pele, na mão debaixo da sua.
Ficamos nos olhando e eu senti como se toda aquela atmosfera de antes estivesse de volta, com força total. Meu corpo virou em sua direção e eu pude observá-lo melhor.
Aquele contato visual estava me matando quase tanto quanto o silêncio; nossas respirações ecoavam no ambiente e eu queria muito saber o que se passava em sua mente.
— ... — ele disse, acariciando minha pele num toque sutil. A minha respiração acelerou, seus olhos analisaram meu rosto novamente, e enfim pararam em meus lábios.
Então foi assim que eu fiquei quando o sequei anteriormente?
Engoli em seco, vendo nossos corpos se envergarem um na direção do outro quase que imperceptivelmente, sem quebrar o contato visual. Meu peito subia e descia com rapidez e eu jurava que as pontas dos meus dedos estavam mais gélidas que o normal.
Tudo aconteceu de forma tão natural, que só me dei conta da nossa proximidade quando seu suspiro me alcançou. Continuamos nos olhando e eu mal piscava, me questionando a todo momento se aquilo era real.
Jungkook retirou sua mão da minha e, no segundo seguinte, tocou meu rosto com suas digitais, traçando uma linha enquanto analisava todo o trajeto feito em minha face. Bochechas, nuca, linha do maxilar, queixo e… lábios.
Seu dedão arrastou no meu lábio inferior de maneira curiosa e lenta, e seu olhar semicerrado acompanhou todo o movimento, com muito interesse.
Minha respiração ficou falha quando nossos narizes se tocaram, e breve o bastante, senti sua testa colada na minha, enquanto sua mão se encaixava com mais firmeza em minha nuca. Eu arfei com o movimento, encarando Jungkook nos olhos, enquanto ele roçava seus lábios nos meus de maneira tímida, imerso na sensação causada pelo toque.
Eu prendi a respiração quando ele parou o movimento; o rapaz me encarou com incredulidade, e, quando mirou o olhar em minha boca, percebi o desejo estampado em sua face. Foi questão de centésimos: à medida que fechei meus olhos e me entreguei ao momento, Jungkook investiu seus lábios nos meus, com vontade. Ao corresponder na mesma proporção, percebi que ambos nos desejávamos como uma recíproca incrivelmente verdadeira.
Tão breve quanto possível, sua língua pediu passagem e eu cedi, faminta por mais. Um gemido rouco soou de si quando o contato aconteceu, e foi como jogar gasolina numa fogueira estupidamente quente e flamejante. Conforme envolvia os ombros de Jungkook com meus braços, suas mãos desceram, se apossando de minhas costas e cinturas, me trazendo para perto de si.
Ficamos assim um tempo, até que Jungkook teve a brilhante ideia de destravar nossos cintos; uma vez feito, ficamos mais livres para nos movimentarmos e aprofundarmos os beijos.
Enquanto minha cabeça tentava processar tudo o que estava acontecendo, meu corpo só reagia aos estímulos e pedia por mais contato, mais língua, mais lábios, mais toques, mais amassos… mais Jungkook.
Meu Deus, eu estava beijando Jungkook.
Eu estava beijando Jeon Jungkook!
E não importa o quanto eu tenha imaginado e sonhado acordada com aquilo. Nada se comparava com a realidade de estar ali, nos braços dele, trocando carícias e implorando por mais.
O lugar onde guardei todos os meus sonhos e desejos em relação ao golden maknae simplesmente explodiu dentro de mim, derrubando toda e qualquer porta que tentasse impedir seu caminho. Banhada por inúmeras sensações, eu decidi me movimentar sem romper o beijo, então aos poucos me posicionei no banco de trás, sendo seguida por um Jungkook compenetrado, ansioso.
Sei disso porque suas mãos exploravam minhas costas, meu corpo, minha cintura, e não conseguiam parar em nenhum canto por mais do que três segundos. Seu toque era preciso, quente e gostoso, o que me proporcionava idas e vindas aos céus quando se aliava aos efeitos de nossas bocas. Dentre beijos, mordiscadas e sugadas, mal sobrou tempo para respirar — e a verdade é que eu morreria sufocada e feliz, se fosse o caso.
Se já estava suficientemente chocada e tomada por toda aquela pegação, as coisas alcançaram um outro nível quando Jungkook finalizou um beijo e decidiu descer para meu queixo, deixando uma mordida provocativa e, sem aviso prévio, investiu no meu pescoço, me fazendo gemer inesperada e audivelmente dentro do carro.
Meus olhos se reviraram, meus dedos se embrenharam em seus cabelos e eu fui à loucura ao sentir sua língua quente na minha pele, deixando um rastro de calor e desejo. Inconscientemente, chamei seu nome numa súplica sofrida e, com vontade, espalmei minhas mãos em suas costas, trazendo seu corpo para mim conforme o mesmo se aconchegava no meio de minhas pernas.
Jungkook subiu suas carícias até o pé do ouvido e mordeu meu lóbulo, o que ocasionou num arrepio incontrolável em toda minha espinha. Praticamente desesperada, eu trouxe sua boca de volta para a minha, engatando num novo beijo cheio de paixão e entusiasmo, amplamente correspondido pelo idol.
Fazia um tempo que eu não me envolvia com ninguém daquele jeito e, junto ao fato de nutrir um desejo imenso por Jungkook, eu estava fora do meu normal, com uma excitação que vibrava bem no centro do meu ventre, ecoando para todo o resto do corpo de maneira eletrizante. Era uma sensação maravilhosa, e eu apenas torcia para que nunca acabasse.
Com uma iniciativa invejável, Jungkook tateou os meus ombros e desceu pelos meus braços, alcançando as minhas mãos e entrelaçando seus dedos nelas, me fazendo retribuir o ato. Seu peitoral se apertou no meu e mesmo com algumas camadas de roupa, senti meus seios corresponderem ao estímulo, e um novo gemido saiu de minha boca.
Achei que estava no melhor dos mundos, mas estava redondamente enganada; me surpreendi quando o idol, num movimento rápido, segurou minha cintura com posse e nos girou, me fazendo ficar sentada em cima de seu colo, encaixando as pernas de cada lado de sua cintura.
Aquilo foi totalmente para outro patamar, porque:
1) Eu estava por cima, sentindo a excitação de Jungkook (que não era pouca, se é que me entende);
2) Ao ficar naquela posição, eu tinha total acesso visual ao que fazíamos, e inclusive, conseguia encarar Jungkook com facilidade, o que me deixava num misto de tesão e timidez;
3) Facilitava e muito a movimentação da pélvis — o que acabou acontecendo inconscientemente quando, sem querer passar mais um segundo longe de si, eu o puxei de volta, trazendo-o para mais um beijo enquanto suas mãos transitavam das minhas costas até minhas coxas.
O som dos beijos violentos que trocávamos era música para os meus ouvidos.
Jungkook gemeu contra os meus lábios quando suas mãos grandes e ágeis adentraram minha blusa, tocando minha pele hipersensibilizada pelos amassos. Senti minha barriga retrair e, com mais precisão, o que era apenas um toque se tornou numa pegada firme e consistente; Jungkook afundou os dedos no meio das minhas costas e trouxe seu tronco para mais perto, partindo o beijo e voltando a investir no meu pescoço.
Suas carícias se tornaram cada vez mais ousadas e circularam no meu colo até descerem para além da clavícula, o que pesou consideravelmente minha respiração. Ao apoiar meus cotovelos em seus ombros, deixei meus dedos agarrarem os fios da sua nuca, enquanto meus quadris se moviam em cima dos seus. Assim, mais um gemido foi abafado contra minha pele, e eu poderia jurar que estava em êxtase.
Completamente envolvidos naquele amasso intenso, tudo pareceu suspenso quando o toque alto e irritante do meu celular soou, ao vibrar no bolso traseiro da minha calça.
Ainda estava no colo de Jungkook (que naquele momento se encontrava Jungshook) quando verifiquei o visor e uma onda de bad feelings se apropriou de mim.
— Hyun-mee… — sussurrei, olhando para o celular, tentando voltar à consciência.
— Não vai atender? — Jungkook perguntou numa voz baixa e incerta, e eu o encarei perdida entre a ligação e seu rosto angelical.
O que estava acontecendo? O que eu estava fazendo?
Saí de cima de Jungkook tentando juntar as peças, e me posicionei como um gato arredio no canto do assento traseiro.
— Oi? — Minha voz saiu mais insegura que o normal.
— Oi! Onde você está?
— Chegando em casa — respondi sem graça, soltando um pigarro ao sentir a voz falhar. Jungkook estava de cabeça baixa, com os lábios presos dentro da boca, com o olhar preso em meus pés.
— Meu Deus, você deixou muito serviço pra última hora?
— Sim, tive que reorganizar algumas coisas, por ter confundido alguns cronogramas. Mas está tudo no esquema já, não se preocupe — respondi seca, encarando qualquer ponto fora da janela, fugindo da encarada do maknae.
— Certo, só liguei para saber se estava bem e se queria comer algo. Eu vou pedir pizza, quer?
— Não, obrigada. Eu comi na empresa, vou chegar, tomar banho e dormir.
— Ok. Tem certeza de que está tudo bem? Está falando estranho. — Prendi a respiração. Hyun-mee me conhecia bem demais.
— Estranho?
— É, como se estivesse nervosa.
Fechei meus olhos com força, ao ponto de sentir dor enquanto meu rosto esquentava. Apenas neguei.
— Não, é impressão sua. Só estou bem cansada — respondi, sentindo a garganta falhar na última palavra.
— Estou vendo, está até rouca! Bem, então descanse quando chegar, ok? Venha logo!
— Tá, tá bem. Beijo.
Desliguei a ligação e encarei o celular, tentando colocar as coisas no lugar dentro da minha cabeça.
Senti uma súbita culpa por estar fazendo tudo que não deveria, enquanto Hyun-mee tinha cuidados excessivos comigo. Eu era uma péssima pessoa, na boa…
Segurei minha cabeça com as duas mãos e encarei o chão do carro, perdida.
O que eu estava fazendo? O que diabos tinha acontecido ali? Por que eu estava me sentindo tão bem num momento e, no minuto seguinte, a escória da sociedade?
Aquilo não era minimamente justo!
— ? — Levantei a cabeça assustada, subitamente me lembrando da presença de Jungkook ao meu lado. — Está tudo bem?
Não.
Não estava nada bem.
Afinal de contas, eu tinha feito a única coisa que não poderia!
E então, certas coisas começaram a atravessar minha mente.
O que Jungkook pensava de mim? Será que ele tinha o costume de fazer isso com outras staffs? Será que ele pensava que eu era uma presa fácil, uma brasileira de sexo fácil?
Meu Deus!
O que seria do meu futuro se descobrissem o que acabou de acontecer? O que seria de mim, de Hyun-mee?
Meu coração acelerou, minha respiração descompassou e eu encarei a feição de Jungkook por longos segundos até que tomasse uma medida.
— Desculpe, não posso! — respondi, abrindo a porta do carro.
— Espera, o quê? — sua voz saiu esganiçada.
— Eu não posso! — repeti mais alto, fechando a porta e abrindo a da frente para pegar minha bolsa.
— , por favor, se acalma! — Jungkook se colocou no meio dos bancos dianteiros, me olhando abalado. — O que está acontecendo? Por que não conversamos?
— Não, eu… Eu não posso! — falei mais alto, olhando em seus olhos, sentindo os meus marejarem. — N-Não posso, não poderia ter… Não posso, me desculpe! — E assim, fechei a porta, pegando minha bolsa e caminhando a passos largos.
Ainda que estivesse de costas, consegui ouvir o barulho da porta se abrindo e logo se fechando. Apertei meus olhos ao ouvir meu nome.
— ! Por favor, espera! !
Eu não podia, simplesmente não podia ter feito aquilo! Mas que merda, por que eu era tão idiota, tão frágil, tão burra? Tão suscetível aos carismas de Jungkook?
— Você se arrependeu!?
Tentei dar o próximo passo, mas meus pés fincaram no chão, imóveis.
Sua voz ecoou na minha mente e eu fechei os olhos com força, pensando no quanto eu jamais queria ter saído daquele carro.
O barulho de passos brutos logo me alcançou, e eu senti sua mão em meu ombro, me virando para ele.
— , fala comigo…
Meus olhos se abriram devagar, mas não tive coragem de encará-lo, então apenas foquei em um ponto aleatório no chão.
Ficamos um tempo em silêncio e eu senti que, por mais que doesse, precisava tomar as rédeas racionais da situação, para o bem de todos.
— Por favor, volta para o carro… As pessoas podem te ver, e isso vai ser pior do que já é. — Minha voz saiu neutra e sem vida.
— Pior? Como assim, pior? — Sua entonação ferida me fez olhá-lo e, por mais que minha visão estivesse embaçada pelas lágrimas, eu vi a incredulidade em seu rosto, e aquilo me doeu mais do que poderia imaginar.
— Jungkook, por favor. Me deixe ir… — Abracei meu corpo e mordi meus lábios, numa tentativa de conter o choro. Por que aquilo era tão difícil?
Ele se aproximou e tocou meu rosto, limpando as lágrimas teimosas que caíam.
— Como eu posso ir e te deixar assim, depois de… tudo?
E então, sua outra mão segurou meu rosto, e ele se aproximou me olhando preocupado.
— Não vê? Não sou capaz de mover um centímetro daqui.
Eu encarei seu olhar com um medo imensurável, mas não tinha forças para lutar contra os meus verdadeiros desejos. Por isso, foi inevitável não me deixar levar quando sua testa encostou na minha e, pouco tempo depois, nossos lábios se uniram novamente, com o sabor salgado das lágrimas.
Era tão bom, tão sincero, tão incrível.
Mas, eu estava em frente a minha casa, num lugar público, e aquilo poderia prejudicá-lo, prejudicar a mim, e até mesmo Hyun-mee.
Foi pensando nisso que, com muito esforço, me desfiz do contato e toquei seus lábios com meus dedos, respirando com dificuldade. Tomei a última gota de coragem que restou em mim e saí correndo sem nem dizer nada.
Nunca cruzei aquele hall com tanta rapidez, e nunca quis tanto olhar para trás para saber se Jungkook ainda estava lá. Eu simplesmente entrei no elevador, encostei na parede e me arrastei até o chão, suspirando ao pensar sobre todos aqueles sentimentos que me envolviam, apenas carregando comigo a memória de um beijo com misto de pranto e despedida, daquilo que sequer começou.
Era real: eu estava inegavelmente apaixonada por Jungkook.
— Claro!
Ele abriu silenciosamente os pacotes do delivery e entregou a minha refeição. Percebi que era uma porção de jajangmyeon e eu sorri alegre.
— Você lembrou de um dos meus pratos favoritos, Jeon Jungkook!?
Ele riu, dando de ombros.
— Você é bem enfática quando o assunto é comida, não tinha como esquecer!
— Um fanático reconhece o outro, não é? — Eu brinquei e ele riu novamente, concordando comigo. — De toda forma, obrigada! — agradeci com uma cara animada e ele sorriu discreto, acenando com a cabeça.
— Apesar de achar que está um pouco adiantada na data, a gente faz o necessário pela alegria dos amigos — respondeu com uma cara de quem quer rir, e eu franzi o cenho ao tentar entender a piada interna.
— Como assim, adiantada? — questionei enquanto ele abria seu Dak Galbi com gosto.
— Não estamos nem perto de abril — ele explicou como se fosse óbvio e eu fiquei um tempo olhando para sua cara, até que entendi o que ele queria dizer.
— Ah, o Black Day, você diz? Bom, não tenho problemas em comer jajangmyeon fora de datas específicas. Na verdade, eu acho isso meio estranho — comentei com sinceridade, enquanto alcançava os hashis.
— Estranho? — ele perguntou com curiosidade e eu comi uma porção antes de respondê-lo.
— É, bem. Essa coisa de Black Day como dia dos solteiros. Eu sei que é algo cultural, mas… Ano passado, Hyun-mee e eu nem nos atentamos para a data, e fomos pegas desprevenidas com tanta gente de preto pela rua! Os bares e locais de consumo, nem se fala… É uma mega jogada de marketing, mas no fim das contas, e daí se você está solteiro? Qual é o lance das coisas escuras, sabe? É algo como um luto? Solidão? Eu não sei se solteirice e solidão são sinônimos, sabe… Fico reflexiva com isso. Entendo que as pessoas acham muitas coisas, e é claro que respeito, mas esta é minha opinião. E outra coisa que me incomoda: não entendo mesmo o porquê das cores. Eu amo preto e pra mim é sinal de felicidade, então por que Black Day com essa coisa remetendo a tristeza, sabe? Como se toda pessoa solteira fosse infeliz! Tem um monte de gente por aí vestindo cores mais quentes, em relacionamentos longos, que estão tão quebradas por dentro... Eu fico me perguntando até quando a gente vai se basear nas aparências e se sentir no direito de julgar quem é feliz e quem não é. Principalmente pelo estado civil da pessoa.
Respondi tudo numa tacada só enquanto gesticulava com os hashis e encarava o sol, que já descia por detrás de algumas nuvens. Percebi que o silêncio foi algo presente depois da minha fala e olhei para Jungkook, que me observava com a bochecha estufada de comida e a boca fechada. Seus olhos piscavam rapidamente e eu sorri antes de perguntar.
— O que foi? — Ele pareceu ter despertado e engoliu a comida antes de responder.
— Nunca tinha pensado por esse lado. Mas acho que você tem um ponto interessante. Eu sou solteiro e não me sinto triste por isso... Nem só. E também amo a cor preta.
Ele falou bem menos, mas resumiu bem o que eu sentia — mesmo que eu tivesse viajado legal dentro do assunto.
Sorri enquanto concordava com a cabeça, tentando afastar a felicidade ao ouvi-lo dizer sobre sua solteirice. Foco, !
— É por aí. Somos solteiros e estamos bem! — Ofereci meu punho e ele deu uma risadinha antes de bater com o dele.
— Melhor clube de dois! — brincou, voltando a comer sua refeição, mas parou ao aparentemente se lembrar de algo, e me olhou com uma sobrancelha arqueada. Eu retribuí o gesto, não entendendo o que ele estava querendo com aquilo.
— Por que está me olhando desse jeito? — perguntei curiosa.
— Estou lembrando que uma certa staff recebeu um chocolate há três dias... No dia de São Valentim.
Eu travei na face em choque. Fiquei congelada pensando em como ele tinha conseguido ver que Jae-in tinha me dado um chocolate? Nem Hyun-mee tinha reparado!
É verdade que nos últimos tempos, estava escapando de toda e qualquer situação com o roadie gatinho, mas nesse dia em específico, não consegui fugir do rapaz e ele me surpreendeu com um chocolate embrulhado delicadamente, com desenhos de coração. Tão romântico e tão fofo que eu só consegui agradecer de maneira tímida. A sorte era que estávamos no meio do expediente, então Jae-in não insistiu numa data de encontro; apenas me entregou com um sorriso encantador, no canto do bebedouro enquanto os meninos ensaiavam os vocais do…
Ah.
O ensaio de banda.
— Quê? — eu perguntei mais para tentar lembrar na mente em que momento Jungkook tinha visto aquilo. Como ele conseguiu? Foi algo muito discreto!
Quer dizer, os meninos estavam em cadeiras altas, ensaiando de frente para a banda. Céus! Os meninos estavam de costas para nós! Eu estava buscando um copo d’água para mim quando fui interceptada pelo roadie.
Como Jungkook viu?
— Ora, vamos! Eu vi você ganhando o chocolate... Não precisa esconder. — Por incrível que pareça, ele me encarava com uma cara convencida, e eu ri meio sem graça, umedecendo o lábio inferior antes de dizer qualquer coisa.
Meus pensamentos foram tão fortes que se tornaram uma fala, baixa e fraca, mas pontual:
— Você estava me espionando?
O sorriso galanteador do maknae logo deu espaço a uma faceta envergonhada, e ele coçou o pescoço enquanto negava veemente com a cabeça.
— N-Não! Aquela sala tem muitos espelhos, sabe? Foi apenas... natural. Eu olhei para frente e vi o reflexo no espelho. E foi isso.
O sorriso dele poderia rasgar a boca e aquilo era um misto de prazer e nervosismo para mim. Entretanto, decidi rir de sua expressão, porque era simplesmente impagável. Ele me olhava com um sorriso mega encabulado, enquanto eu me divertia com a cena.
— É sério, eu não estava... — ele tentou se explicar, mas eu o interrompi, ainda sorrindo e achando graça de seu jeito tão irreverente e ao mesmo tempo, tímido.
— Eu ganhei um chocolate sim. Era bom, mas... nada de bênçãos de São Valentim para mim.
Ele piscou algumas vezes, olhando diretamente nos meus olhos. Meu sorriso se amenizou, mas ainda mantive o semblante simpático.
Ficamos nos encarando por um tempo e de repente, ele olhou para o pôr-do-sol. Ficou alguns segundos mirando a estrela solar enquanto eu olhava para o chão, perdida em pensamentos, quando ele perguntou:
— Então… ainda somos um grupo de dois no Black Day?
Aquela pergunta me fez prender os lábios dentro da boca, e um frio na barriga se instalou violentamente.
Ele estava realmente querendo saber se eu estava namorando? Ou será que... estava apenas sendo um amigo curioso?
Será que se soubesse que eu namorava ou tivesse um caso com o roadie, me entregaria para Hye-jun e eu seria demitida?
Ou... estava querendo saber se eu estava disponível?
Inúmeros pensamentos me atravessaram em um curto espaço de tempo, e eu só soube respirar fundo, demorando a responder sua pergunta.
Descomprimi os lábios e levantei minha cabeça, encontrando seus olhos novamente em mim.
Ele não desviou, e eu demorei alguns bons segundos para respondê-lo, até que o fiz, dando de ombros.
— Só se sairmos para comer jajangmyeon!
Ele riu ao me ouvir dizer aquilo e acenou com a cabeça, como se concordasse comigo.
— Bom... Pelo menos isso não vai faltar, né? — Eu ri e foquei na refeição, e ele fez o mesmo, abrindo os trabalhos. — Vamos comer!
Me servi e coloquei uma porção de comida na boca, sentindo a sensação confortável que aquele prato trazia. Por mais estranho que nosso diálogo tenha ficado momentos antes, entre Jungkook e eu pairava um silêncio agradável naquele instante, e eu me permiti apreciá-lo junto à vista maravilhosa que nos rodeava.
A paz que a companhia do virginiano ao meu lado trazia era inegável, bem como todo o bem-estar que aquele contexto me causava.
Talvez, apenas talvez, eu estivesse no lugar certo, na hora certa, quando aceitei aquele emprego.
— ? — A voz de Jungkook me chamou depois de um tempo, e eu sorri ainda olhando pro chão. Demorei um pouco para levantar a cabeça e respondê-lo.
— Hm?
— No que está pensando? — indagou com a cara curiosa e eu sorri amarelo, sem mostrar os dentes.
— No quanto sou grata pelas oportunidades da vida... — respondi, olhando para o horizonte, contando meias verdades.
Senti seu olhar sobre mim, e suspirei antes de seguir a fala.
— Eu tenho um emprego que muitos matariam para ter, me saio bem no que faço, e de quebra ainda me dou super bem com meus patrões. Isso não é um ótimo cenário? — perguntei ao me virar sorridente, e Jungkook me olhou contemplativo. Ele ficou um tempo assim antes de soltar um pequeno pigarro e concordar com um aceno, olhando o pôr-do-sol.
Não sei exatamente quanto tempo ficamos assim, mas voltei a atenção para o Maknae quando o mesmo quebrou o silêncio.
— Faz um mês que não erro a coreografia de Begin.
— Meu Deus, é verdade! Isso não é maravilhoso!? — exclamei com sinceridade e ele sorriu, dando de ombros.
— Acho que não foi tão ruim ter torcido o pé, afinal.
— Hã?
— Eu pude conhecer a canela de velho. Salvou minha vida — eu ri abertamente, não acreditando que ele tinha dito aquilo de verdade.
— Ah, é mesmo?
— É, e tem também uma pessoa que me ajudou, sabe? — Se virou para mim com a cara sugestiva, e eu o imitei.
— Jura? Quem é esse anjo? — perguntei debochada, ao cruzar os braços, e ele riu de mover os ombros.
— É uma pessoa de boa alma, que definitivamente me deu sorte.
Meu sorriso deu uma leve murchada, porque não esperava uma declaração tão simples e direta. Prendi meus lábios e fiquei totalmente sem graça.
— Acho que a sorte foi toda dela, acredite.
— Por que? — ele perguntou com um sorriso torto e o cenho franzido.
— Está brincando? Olha isso! Não é toda semana que você come comidas gostosas como esta.
Ele me encarou com a boca aberta em falso choque, e eu ri de sua atuação.
— Então você me usou esse tempo todo? Só por causa da comida?
— Prioridades, Jungkook. Ter que te aturar e ceder a minha canela de velho em troca de refeições deliciosas? É sempre um ótimo negócio!
Ele gargalhou, negando com a cabeça, e seus olhos praticamente fecharam com o ato. Eu amava aquela característica nele, e me vi sorrindo encantada enquanto o admirava.
— Você não vale nada. — Me olhou de soslaio com um sorriso de canto, e eu continuei babando em si, sem respondê-lo. Apenas sorri como uma criança levada e dei de ombros, voltando a atenção para minha refeição. Passamos mais um tempo assim e quando estava prestes a finalizar o jajangmyeon, ele voltou a falar. — Nem parece que você chegou há pouco mais de um mês — comentou com um pequeno sorriso. Percebi que já tinha terminado sua refeição, e estava apenas observando a natureza ao seu redor enquanto bebia seu chá gelado.
— Não parece, não é? — concordei consigo, pensando sobre o tempo.
— Não mesmo... É curioso.
— É sim. De certa forma, também sinto isso. Como se estivesse aqui há mais tempo. Como se conhecesse tudo a mais tempo.
— É...
Enquanto eu terminava de comer, percebi que Jungkook remexia as pernas, ao tempo que arrastava o lábio inferior pelos dentes de cima. Estava visivelmente nervoso, e eu deduzi que tinha a ver com o grande dia seguinte. Coloquei a embalagem vazia da minha refeição em cima da toalha, e me aproximei silenciosamente. Jungkook só notou meu movimento quando coloquei a mão em seu ombro, carinhosamente.
— Ei. — Ele me olhou levemente surpreso, com os olhos bem abertos. Dei um sorriso encorajador e apertei seu ombro suavemente. — Vai ficar tudo bem. Vocês vão arrasar nessa turnê! Confie em mim.
Jungkook observou meu rosto, digerindo o que eu disse. Encheu os pulmões de ar e sorriu sem mostrar os dentes, colocando sua mão por cima da minha, em seu ombro.
— Obrigado por isso, . De verdade.
Sua voz saiu mais grave do que de costume e eu senti meu interior dar uma leve revirada quando seu polegar fez um carinho sutil na minha pele. Eu mal consegui disfarçar os olhares em direção ao seu rosto – especificamente para a sua boca. Estranhamente, ele não tinha deixado de me encarar, provavelmente notando a secada que eu estava dando em sua pessoa.
Estava escurecendo, mas ainda dava para notar todos os detalhes de seu rosto, uma vez que estávamos próximos e focados um no outro. Eu não consigo descrever o que aconteceu ali, de verdade... Mas de alguma forma parecia que aquele momento estava durando mais do que de costume.
Minha mão ainda estava debaixo da sua quando as luzes da varanda se acenderam e causaram um leve susto em nós, e eu me afastei automaticamente, sem mais tocá-lo. Percebi que a iluminação era programada para acender naquele horário e ninguém tinha “nos encontrado” num momento meio sugestivo. Ufa!
Ignorando o susto e me sentindo menos tensa, apenas concentrei no mantra interno de que não houve nada demais e engoli em seco, me refugiando na paisagem diante de nós. Abracei meus joelhos e apoiei meu queixo em cima deles, sem muito sucesso ao tentar disfarçar que há segundos atrás eu estava querendo – e muito – beijar Jungkook.
Que diabos eu estava fazendo!? Precisava tirar aquilo da cabeça.
— Então... Acho melhor a gente ir. Você sabe, amanhã é um dia importante para todos nós... Precisamos estar descansados. — Fui a primeira a quebrar o gelo, e ele apenas concordou com um aceno rápido, começando a recolher as coisas. Eu imitei sua ação e me mantive calada, sem entender porque de repente havia clima estranho entre nós.
Trocamos meia dúzia de palavras e cerca de quinze minutos depois, estávamos em seu carro; ele se ofereceu para me dar uma carona e eu aceitei, sabendo que ele insistiria de toda forma. O caminho inteiro foi mais silencioso do que de costume; estávamos trocando conversas superficiais e nitidamente havia uma tensão no ar.
Fiquei matutando aquilo no fundo de minha mente, e me distraí a ponto de Jungkook me acordar do pequeno devaneio.
— ? Chegamos.
Cacete! Sério?
— Ah! Pois é, hehe. Rápido, não? Acho que o trânsito ajudou também — comentei qualquer besteira enquanto destravava o encaixe do cinto de segurança. — Então, obrigada pelo jantar! Foi ótimo!
— Obrigado pela companhia de hoje. — Ele me olhou com receio, ainda que o sorriso estivesse lá.
— Ah, imagina. Eu adorei, como sempre — respondi com sinceridade e respirei fundo, olhando diretamente em seus olhos.
Ficamos nos encarando no escuro do carro, com a iluminação do poste da rua deixando a metade de nossos rostos visíveis.
E ainda assim, Jungkook era lindo.
— Ai meu Deus! Quase ia esquecendo! — falei alto, enquanto alcançava minha mochila.
— Esquecendo do que? — ele perguntou assustado no exato momento em que tirei a lembrancinha do bolso grande.
— Disso! É para você. — Estiquei o braço e Jungkook pegou a caixinha com cuidado, desenlaçando e abrindo-a. Dentro dela, havia um copinho de brigadeiro de colher, e a mensagem enrolada como se fosse um papiro.
— Pra mim? — ele indagou com um sorriso aberto e eu acenei. — Que delicado! — ele comentou, colocando a caixinha no colo e abrindo a mensagem, que se desenrolou até mais ou menos a metade de um papel A4. Hyun-mee só faltou parir um filho de tanto rir ao me sacanear disso; dizia que aquilo não era uma mensagem, e sim testamento. Eu preferi ignorá-la, pois sabia que Jungkook entenderia minhas palavras.
— É uma carta? — ele perguntou se virando para mim e eu sorri tímida.
— Uma pequena mensagem de incentivo. Vamos, leia!
Ele deu uma risadinha e ligou a luz interna do carro, levando o papel próximo aos seus olhos, e leu em voz baixa.
“Poeira estelar. Você sabia que somos feitos de poeira estelar? Segundo uma notícia de internet que li faz um tempinho, Carl Sagan estava certo; somos poeira estelar. Eu não sou a fissurada do assunto e nem sei muitos nomes de constelações além de Três Marias e Ursa Maior, mas preciso admitir que nutro uma relação íntima e acolhedora com as estrelas. Acho que tem a ver com o fato de me sentir menos só quando olho para o céu. Em momentos difíceis então, nem se fala. E bom, por que estou falando disso? Eu não levava a sério essa de sermos poeira de estrelas, sabe? Mas depois que te conheci, me vi mudar de ideia... E acho que criei minha própria teoria: há estrelas na terra, que se transmutam e se tornam humanos, sem exatamente deixar a luz de lado. E você, Jungkook, é a prova viva da minha teoria. Então, siga emanando sua própria luz, dando o melhor de si, sendo incrível, porque o mundo precisa disso (e algo me diz que você nasceu para brilhar...)
A parte legal disso é que não preciso olhar para cima para ver estrelas.
Obrigada por existir. Já deu tudo certo!
Com carinho, .”
Ele umedeceu os lábios e abriu a boca, mas não disse nada. Ficou encarando a carta com afinco, e vi que seus olhos pareciam reler certas palavras, pela forma que se moviam pelo papel.
— Gostou? — perguntei com receio, e ele se virou pra mim, com o olhar diferente, brilhando muito, e acenou de forma positiva.
— Eu nunca li algo tão… Uau! — Ele soltou o ar pela boca e sorriu, visivelmente mexido com a mensagem. — Não tenho palavras para expressar o que isso significou para mim, . De verdade — respondeu com firmeza, passando sinceridade na forma de falar e no modo em que me olhava. Apesar de preferir ser chamada pelo apelido, sei que ele optou pelo meu nome para mostrar seriedade/veracidade. E aquilo não passou despercebido.
Sorri satisfeita.
— Eu apenas disse a verdade. É só uma certeza que gostaria que carregasse consigo, para que amanhã, em cima do palco, se lembre dos motivos que o levaram até ali. Você merece, Jungkook. Sabe o que faz, e faz com maestria e amor. O resto, é apenas isso e nada mais. Você mesmo me convenceu disso, lembra?
Ele respirou fundo, piscando algumas vezes enquanto me olhava, e percebi que ele estava tocado com o que eu disse.
— Você não existe... — Sua voz tremulou muito de leve, enquanto ele mordia o lábio inferior. Eu sorri com seu comentário e dei de ombros.
— Existo sim. Agora, se tem mais de uma de mim, eu não sei, mas duvido que exista outras réplicas tão boas quanto. — Decidi quebrar um pouco a tensão e ele gargalhou com minha fala, ficando mais desperto.
— Tão convencida que chega a doer meus olhos! — brincou com a cara de malandro.
— Eu acho que na verdade é muita luz vindo de mim que os faz doer, sabe?
— Oh, você também é uma estrela humana? — Se virou totalmente para mim e, com o semblante de falso espanto, me encarou de braços cruzados.
— Dizem que o pior cego é aquele que não quer ver. — Dei de ombros e ele riu, me observando sem dizer mais nada por um tempo.
— Você é realmente muita coisa, não é? — Seu tom grave e aprazível me fez erguer a cabeça para encará-lo, e assim, sua feição me fez vibrar. Eu cocei a ponta do nariz e pigarrei, envergonhada.
— Minha mãe acha que sim — brinquei novamente e ele sorriu de canto, já não rindo; apenas esticando o braço e colocando sua mão na minha.
— Então somos dois.
Observei as mãos juntas por um tempo, sem saber como reagir e por fim, levantei meu rosto, para vê-lo com mais atenção. Ele não sorria, não tinha nenhum ar de brincadeira. Ele realmente quis dizer aquilo que disse, enquanto seu calor emanava na minha pele, na mão debaixo da sua.
Ficamos nos olhando e eu senti como se toda aquela atmosfera de antes estivesse de volta, com força total. Meu corpo virou em sua direção e eu pude observá-lo melhor.
Aquele contato visual estava me matando quase tanto quanto o silêncio; nossas respirações ecoavam no ambiente e eu queria muito saber o que se passava em sua mente.
— ... — ele disse, acariciando minha pele num toque sutil. A minha respiração acelerou, seus olhos analisaram meu rosto novamente, e enfim pararam em meus lábios.
Então foi assim que eu fiquei quando o sequei anteriormente?
Engoli em seco, vendo nossos corpos se envergarem um na direção do outro quase que imperceptivelmente, sem quebrar o contato visual. Meu peito subia e descia com rapidez e eu jurava que as pontas dos meus dedos estavam mais gélidas que o normal.
Tudo aconteceu de forma tão natural, que só me dei conta da nossa proximidade quando seu suspiro me alcançou. Continuamos nos olhando e eu mal piscava, me questionando a todo momento se aquilo era real.
Jungkook retirou sua mão da minha e, no segundo seguinte, tocou meu rosto com suas digitais, traçando uma linha enquanto analisava todo o trajeto feito em minha face. Bochechas, nuca, linha do maxilar, queixo e… lábios.
Seu dedão arrastou no meu lábio inferior de maneira curiosa e lenta, e seu olhar semicerrado acompanhou todo o movimento, com muito interesse.
Minha respiração ficou falha quando nossos narizes se tocaram, e breve o bastante, senti sua testa colada na minha, enquanto sua mão se encaixava com mais firmeza em minha nuca. Eu arfei com o movimento, encarando Jungkook nos olhos, enquanto ele roçava seus lábios nos meus de maneira tímida, imerso na sensação causada pelo toque.
Eu prendi a respiração quando ele parou o movimento; o rapaz me encarou com incredulidade, e, quando mirou o olhar em minha boca, percebi o desejo estampado em sua face. Foi questão de centésimos: à medida que fechei meus olhos e me entreguei ao momento, Jungkook investiu seus lábios nos meus, com vontade. Ao corresponder na mesma proporção, percebi que ambos nos desejávamos como uma recíproca incrivelmente verdadeira.
Tão breve quanto possível, sua língua pediu passagem e eu cedi, faminta por mais. Um gemido rouco soou de si quando o contato aconteceu, e foi como jogar gasolina numa fogueira estupidamente quente e flamejante. Conforme envolvia os ombros de Jungkook com meus braços, suas mãos desceram, se apossando de minhas costas e cinturas, me trazendo para perto de si.
Ficamos assim um tempo, até que Jungkook teve a brilhante ideia de destravar nossos cintos; uma vez feito, ficamos mais livres para nos movimentarmos e aprofundarmos os beijos.
Enquanto minha cabeça tentava processar tudo o que estava acontecendo, meu corpo só reagia aos estímulos e pedia por mais contato, mais língua, mais lábios, mais toques, mais amassos… mais Jungkook.
Meu Deus, eu estava beijando Jungkook.
Eu estava beijando Jeon Jungkook!
E não importa o quanto eu tenha imaginado e sonhado acordada com aquilo. Nada se comparava com a realidade de estar ali, nos braços dele, trocando carícias e implorando por mais.
O lugar onde guardei todos os meus sonhos e desejos em relação ao golden maknae simplesmente explodiu dentro de mim, derrubando toda e qualquer porta que tentasse impedir seu caminho. Banhada por inúmeras sensações, eu decidi me movimentar sem romper o beijo, então aos poucos me posicionei no banco de trás, sendo seguida por um Jungkook compenetrado, ansioso.
Sei disso porque suas mãos exploravam minhas costas, meu corpo, minha cintura, e não conseguiam parar em nenhum canto por mais do que três segundos. Seu toque era preciso, quente e gostoso, o que me proporcionava idas e vindas aos céus quando se aliava aos efeitos de nossas bocas. Dentre beijos, mordiscadas e sugadas, mal sobrou tempo para respirar — e a verdade é que eu morreria sufocada e feliz, se fosse o caso.
Se já estava suficientemente chocada e tomada por toda aquela pegação, as coisas alcançaram um outro nível quando Jungkook finalizou um beijo e decidiu descer para meu queixo, deixando uma mordida provocativa e, sem aviso prévio, investiu no meu pescoço, me fazendo gemer inesperada e audivelmente dentro do carro.
Meus olhos se reviraram, meus dedos se embrenharam em seus cabelos e eu fui à loucura ao sentir sua língua quente na minha pele, deixando um rastro de calor e desejo. Inconscientemente, chamei seu nome numa súplica sofrida e, com vontade, espalmei minhas mãos em suas costas, trazendo seu corpo para mim conforme o mesmo se aconchegava no meio de minhas pernas.
Jungkook subiu suas carícias até o pé do ouvido e mordeu meu lóbulo, o que ocasionou num arrepio incontrolável em toda minha espinha. Praticamente desesperada, eu trouxe sua boca de volta para a minha, engatando num novo beijo cheio de paixão e entusiasmo, amplamente correspondido pelo idol.
Fazia um tempo que eu não me envolvia com ninguém daquele jeito e, junto ao fato de nutrir um desejo imenso por Jungkook, eu estava fora do meu normal, com uma excitação que vibrava bem no centro do meu ventre, ecoando para todo o resto do corpo de maneira eletrizante. Era uma sensação maravilhosa, e eu apenas torcia para que nunca acabasse.
Com uma iniciativa invejável, Jungkook tateou os meus ombros e desceu pelos meus braços, alcançando as minhas mãos e entrelaçando seus dedos nelas, me fazendo retribuir o ato. Seu peitoral se apertou no meu e mesmo com algumas camadas de roupa, senti meus seios corresponderem ao estímulo, e um novo gemido saiu de minha boca.
Achei que estava no melhor dos mundos, mas estava redondamente enganada; me surpreendi quando o idol, num movimento rápido, segurou minha cintura com posse e nos girou, me fazendo ficar sentada em cima de seu colo, encaixando as pernas de cada lado de sua cintura.
Aquilo foi totalmente para outro patamar, porque:
1) Eu estava por cima, sentindo a excitação de Jungkook (que não era pouca, se é que me entende);
2) Ao ficar naquela posição, eu tinha total acesso visual ao que fazíamos, e inclusive, conseguia encarar Jungkook com facilidade, o que me deixava num misto de tesão e timidez;
3) Facilitava e muito a movimentação da pélvis — o que acabou acontecendo inconscientemente quando, sem querer passar mais um segundo longe de si, eu o puxei de volta, trazendo-o para mais um beijo enquanto suas mãos transitavam das minhas costas até minhas coxas.
O som dos beijos violentos que trocávamos era música para os meus ouvidos.
Jungkook gemeu contra os meus lábios quando suas mãos grandes e ágeis adentraram minha blusa, tocando minha pele hipersensibilizada pelos amassos. Senti minha barriga retrair e, com mais precisão, o que era apenas um toque se tornou numa pegada firme e consistente; Jungkook afundou os dedos no meio das minhas costas e trouxe seu tronco para mais perto, partindo o beijo e voltando a investir no meu pescoço.
Suas carícias se tornaram cada vez mais ousadas e circularam no meu colo até descerem para além da clavícula, o que pesou consideravelmente minha respiração. Ao apoiar meus cotovelos em seus ombros, deixei meus dedos agarrarem os fios da sua nuca, enquanto meus quadris se moviam em cima dos seus. Assim, mais um gemido foi abafado contra minha pele, e eu poderia jurar que estava em êxtase.
Completamente envolvidos naquele amasso intenso, tudo pareceu suspenso quando o toque alto e irritante do meu celular soou, ao vibrar no bolso traseiro da minha calça.
Ainda estava no colo de Jungkook (que naquele momento se encontrava Jungshook) quando verifiquei o visor e uma onda de bad feelings se apropriou de mim.
— Hyun-mee… — sussurrei, olhando para o celular, tentando voltar à consciência.
— Não vai atender? — Jungkook perguntou numa voz baixa e incerta, e eu o encarei perdida entre a ligação e seu rosto angelical.
O que estava acontecendo? O que eu estava fazendo?
Saí de cima de Jungkook tentando juntar as peças, e me posicionei como um gato arredio no canto do assento traseiro.
— Oi? — Minha voz saiu mais insegura que o normal.
— Oi! Onde você está?
— Chegando em casa — respondi sem graça, soltando um pigarro ao sentir a voz falhar. Jungkook estava de cabeça baixa, com os lábios presos dentro da boca, com o olhar preso em meus pés.
— Meu Deus, você deixou muito serviço pra última hora?
— Sim, tive que reorganizar algumas coisas, por ter confundido alguns cronogramas. Mas está tudo no esquema já, não se preocupe — respondi seca, encarando qualquer ponto fora da janela, fugindo da encarada do maknae.
— Certo, só liguei para saber se estava bem e se queria comer algo. Eu vou pedir pizza, quer?
— Não, obrigada. Eu comi na empresa, vou chegar, tomar banho e dormir.
— Ok. Tem certeza de que está tudo bem? Está falando estranho. — Prendi a respiração. Hyun-mee me conhecia bem demais.
— Estranho?
— É, como se estivesse nervosa.
Fechei meus olhos com força, ao ponto de sentir dor enquanto meu rosto esquentava. Apenas neguei.
— Não, é impressão sua. Só estou bem cansada — respondi, sentindo a garganta falhar na última palavra.
— Estou vendo, está até rouca! Bem, então descanse quando chegar, ok? Venha logo!
— Tá, tá bem. Beijo.
Desliguei a ligação e encarei o celular, tentando colocar as coisas no lugar dentro da minha cabeça.
Senti uma súbita culpa por estar fazendo tudo que não deveria, enquanto Hyun-mee tinha cuidados excessivos comigo. Eu era uma péssima pessoa, na boa…
Segurei minha cabeça com as duas mãos e encarei o chão do carro, perdida.
O que eu estava fazendo? O que diabos tinha acontecido ali? Por que eu estava me sentindo tão bem num momento e, no minuto seguinte, a escória da sociedade?
Aquilo não era minimamente justo!
— ? — Levantei a cabeça assustada, subitamente me lembrando da presença de Jungkook ao meu lado. — Está tudo bem?
Não.
Não estava nada bem.
Afinal de contas, eu tinha feito a única coisa que não poderia!
E então, certas coisas começaram a atravessar minha mente.
O que Jungkook pensava de mim? Será que ele tinha o costume de fazer isso com outras staffs? Será que ele pensava que eu era uma presa fácil, uma brasileira de sexo fácil?
Meu Deus!
O que seria do meu futuro se descobrissem o que acabou de acontecer? O que seria de mim, de Hyun-mee?
Meu coração acelerou, minha respiração descompassou e eu encarei a feição de Jungkook por longos segundos até que tomasse uma medida.
— Desculpe, não posso! — respondi, abrindo a porta do carro.
— Espera, o quê? — sua voz saiu esganiçada.
— Eu não posso! — repeti mais alto, fechando a porta e abrindo a da frente para pegar minha bolsa.
— , por favor, se acalma! — Jungkook se colocou no meio dos bancos dianteiros, me olhando abalado. — O que está acontecendo? Por que não conversamos?
— Não, eu… Eu não posso! — falei mais alto, olhando em seus olhos, sentindo os meus marejarem. — N-Não posso, não poderia ter… Não posso, me desculpe! — E assim, fechei a porta, pegando minha bolsa e caminhando a passos largos.
Ainda que estivesse de costas, consegui ouvir o barulho da porta se abrindo e logo se fechando. Apertei meus olhos ao ouvir meu nome.
— ! Por favor, espera! !
Eu não podia, simplesmente não podia ter feito aquilo! Mas que merda, por que eu era tão idiota, tão frágil, tão burra? Tão suscetível aos carismas de Jungkook?
— Você se arrependeu!?
Tentei dar o próximo passo, mas meus pés fincaram no chão, imóveis.
Sua voz ecoou na minha mente e eu fechei os olhos com força, pensando no quanto eu jamais queria ter saído daquele carro.
O barulho de passos brutos logo me alcançou, e eu senti sua mão em meu ombro, me virando para ele.
— , fala comigo…
Meus olhos se abriram devagar, mas não tive coragem de encará-lo, então apenas foquei em um ponto aleatório no chão.
Ficamos um tempo em silêncio e eu senti que, por mais que doesse, precisava tomar as rédeas racionais da situação, para o bem de todos.
— Por favor, volta para o carro… As pessoas podem te ver, e isso vai ser pior do que já é. — Minha voz saiu neutra e sem vida.
— Pior? Como assim, pior? — Sua entonação ferida me fez olhá-lo e, por mais que minha visão estivesse embaçada pelas lágrimas, eu vi a incredulidade em seu rosto, e aquilo me doeu mais do que poderia imaginar.
— Jungkook, por favor. Me deixe ir… — Abracei meu corpo e mordi meus lábios, numa tentativa de conter o choro. Por que aquilo era tão difícil?
Ele se aproximou e tocou meu rosto, limpando as lágrimas teimosas que caíam.
— Como eu posso ir e te deixar assim, depois de… tudo?
E então, sua outra mão segurou meu rosto, e ele se aproximou me olhando preocupado.
— Não vê? Não sou capaz de mover um centímetro daqui.
Eu encarei seu olhar com um medo imensurável, mas não tinha forças para lutar contra os meus verdadeiros desejos. Por isso, foi inevitável não me deixar levar quando sua testa encostou na minha e, pouco tempo depois, nossos lábios se uniram novamente, com o sabor salgado das lágrimas.
Era tão bom, tão sincero, tão incrível.
Mas, eu estava em frente a minha casa, num lugar público, e aquilo poderia prejudicá-lo, prejudicar a mim, e até mesmo Hyun-mee.
Foi pensando nisso que, com muito esforço, me desfiz do contato e toquei seus lábios com meus dedos, respirando com dificuldade. Tomei a última gota de coragem que restou em mim e saí correndo sem nem dizer nada.
Nunca cruzei aquele hall com tanta rapidez, e nunca quis tanto olhar para trás para saber se Jungkook ainda estava lá. Eu simplesmente entrei no elevador, encostei na parede e me arrastei até o chão, suspirando ao pensar sobre todos aqueles sentimentos que me envolviam, apenas carregando comigo a memória de um beijo com misto de pranto e despedida, daquilo que sequer começou.
Era real: eu estava inegavelmente apaixonada por Jungkook.
Capítulo XIV - Don't tell me bye, bye
Entrei em casa, Hyun-mee estava no telefone com alguém, então apenas dei um oi com a mão e me enfiei no meu quarto, jogando a mochila no chão e pegando uma muda de roupa, indo direto para o banheiro.
Depois de trancar a porta, fiquei encarando meu reflexo no espelho, e ali, vi uma totalmente bagunçada: de visual, e de sentimentos.
Com a mão gélida, toquei meu pescoço e vaguei meus olhos pelo local, ao lembrar como Jungkook explorou com gosto. A minha pele era completamente diferente do gelo de meus dedos, e a sensação remanescente das carícias me fez tremer com um arrepio desavisado.
Deixei meus olhos se fecharem à medida que minha mão espalmou em meu peitoral, e assim, percebi meu coração retumbante soar.
Meus olhos abriram imediatamente, ao lembrar de como tudo foi de zero a cem (e de cem a zero) muito rápido.
Por que as coisas precisavam ser tão difíceis? Eu me odiava por ter nutrido tanta coisa por Jungkook nesse período em que nos conhecemos, mas ao mesmo tempo, não me arrependi em nada do que vivi com ele.
Como poderia soar tão antagônica, tão sem nexo?
Me desfiz das roupas e logo fui para debaixo do chuveiro, deixando os jatos d’água me guiarem para um possível lugar de paz em minha mente. A única coisa que consegui foi amenizar as batidas do coração, e me permiti lembrar de todos os beijos e toques trocados, momentos atrás.
Mesmo com a refrescância da água, minha pele fervia ao lembrar do ocorrido, com detalhes: a sensação de suas mãos ao passear pelo meu corpo, o olhar de desejo, os beijos, os gemidos, os encaixes dos quadris, o ar que escapava dos pulmões…
Mordi meu lábio ao pensar no que poderia ter acontecido se Hyun-mee não tivesse me ligado. É possível amar e odiar uma pessoa ao mesmo tempo, pelo visto.
Depois de passar um bom tempo no banho, saí do box enrolada na toalha, e coloquei uma outra na cabeça, para enxugar os cabelos.
Fiz a rotina de cuidados faciais, enquanto suspirava a cada três segundos. A vontade de chorar ainda era grande, mas meu corpo estava cansado até mesmo para isso.
Depois de colocar meu velho e confortável pijama, abri a porta e coloquei um pé para fora, quando Hyun-mee me interceptou da sala.
— Ei, garota. Deixou água para os peixes? Se afogou, foi? — disse, sorrindo.
Meu peito deu uma apertada e eu sorri forçado.
— Foi o cansaço… estou um caco. E você?
— Estava faminta, mas felizmente a pizza chegou. Tem certeza de que não quer? — indagou entre uma mordida e outra.
Meu estômago embrulhou só de pensar na ideia de me alimentar.
— Não, obrigada. Quero mesmo é dormir. Amanhã a gente toma um café juntas, para compensar.
— Claro! E ah, só um lembrete: estava com Hye-jun no telefone, confirmando os detalhes do bolinho surpresa do J-Hope. Você já terminou o presente que queria dar para ele?
— Sim, sim. Tudo certo.
— Beleza, então. Descansa, staff!
— Você também, Hyun-mee.
Eu estava quase entrando no meu quarto, quando minha prima me chamou de novo.
— ?
— Hm?
Ela me olhou com um semblante orgulhoso, e apoiou o queixo na mão, enquanto me encarava.
— Você já fez um ótimo trabalho até aqui. Não deixe que suas inseguranças lhe digam o contrário, ok?
Minha boca ficou entreaberta, e meus olhos arregalaram levemente, marejando na hora. No entanto, apenas sorri e acenei.
— Obrigada, prima. Você também. Boa noite.
— Bons sonhos! — ouvi sua voz enquanto entrava feito um furacão no quarto, já sentindo as lágrimas descendo o rosto, e agradecendo que estávamos longe o suficiente para que ela não reparasse na confusão em que eu me encontrava.
Fechei a porta, trancando-a o mais silenciosamente possível, e deixei minhas costas deslizarem pela superfície de madeira, enquanto minhas mãos taparam meu pranto.
Aquela fala me pegou totalmente fora de guarda e eu nunca me senti tão filha da puta quanto naquele momento.
Hyun-mee merecia uma prima melhor do que eu, sem dúvidas.
Me arrastei até a cama, sentindo meu peito doer só de pensar como seria o dia seguinte, com tudo acontecendo. Meu rosto estava enfiado no travesseiro, e eu tentava apartar todos os pensamentos que me rodeavam, quando senti o celular vibrar.
Ergui minha cabeça levemente, peguei o aparelho e suspirei ao verificar as notificações de ligações perdidas. Eram três, de Jungkook.
Puta que pariu!
Por fim, uma nova mensagem de áudio chegou e eu não consegui controlar a ansiedade; logo abri.
Respirei fundo antes de ouví-la.
A voz dele estava irreconhecivelmente perturbada.
— Confesso que te liguei sem saber o que diria. Eu só queria ouvir a sua voz e garantir que você está bem, mas isso é de uma ingenuidade muito grande, não é? Nunca foi minha intenção fazer você se sentir mal ou desconfortável. Para ser sincero, é bem o oposto: eu quero te ver bem, feliz. Quero ver um sorriso no seu rosto, não lágrimas. Te ver desse jeito e saber que é culpa minha, torna tudo pior. De todas as maneiras possíveis de terminar essa noite, essa definitivamente não era o que eu tinha em mente, por inúmeras razões, mas espero que possamos conversar melhor e pessoalmente sobre tudo. Por favor, só… não suma, .
Eu estava chorando horrores quando a voz de Jungkook parou de soar.
Fiquei tão apegada que ouvi aquele áudio repetidas vezes, ainda que estivesse completamente incapaz de respondê-lo.
Só consegui me agarrar à voz de Jungkook, preocupada e nervosa ao tentar me consolar, e no final da mensagem, algo completamente inesperado e tão, tão precioso quanto o próprio rapaz em si, me fez aliviar a dor.
Porque, céus! Ele não queria que eu fosse embora. O que aquilo significava?
Eu considerei várias coisas, mas sabia que, no mínimo, não era alguém tão descartável quanto pensava, no ponto alto da noite. Meu “surto” não me deixava raciocinar direito, por mais que eu tentasse ser plausível, ponderando razões e emoções.
NX Zero, eu te entendo agora.
Quer dizer, a saída não era apenas valer a pena, né? Tinha muito mais envolvido nisso tudo e eu era… um mar de confusões. Ondas revoltas e pouco sutis, com espumas densas e nada agradáveis… Cada movimento da água, uma dúvida, uma incerteza, uma insegurança carregada de “e se?”. Aquilo não era nada bom.
Foi chorando, pensando no quanto estava encrencada com sentimentos pulsantes e reais, que eu adormeci ouvindo a voz de Jungkook, naquele áudio tão inquietante quanto caloroso — tal qual os beijos que trocamos, horas mais cedo.
[...]
18 de fevereiro de 2017, Seoul.
O dia começou agitado, e eu mal dormi. Fosse pensando em Jungkook, na turnê, no emprego, ou em tudo de uma vez; simplesmente mal preguei os olhos. E eu temia por isso, porque costumava ficar distraída no dia seguinte – justamente quando não poderia permitir que tal fato acontecesse.
Meu café da manhã com Hyun-mee foi sonolento e aturdido, com ela tagarelando sobre todas as coisas que precisavam ser feitas. Eu apenas concordava ou dava respostas curtas. Claro que ela notou essa mudança de humor, mas expliquei que estava exausta, que não havia dormido bem (o que era verdade), e ela me deu algumas dicas sobre como sobreviver ao primeiro dia de turnê. Tentei melhorar minha animação e consegui ensaiar alguns sorrisos, ainda que por dentro me sentisse uma bosta.
Enfim, terminamos o café e fomos para o estádio. Quando avistei o Gocheok Sky Dome, meu coração disparou dentro do peito, completamente ansioso com o que quer que estivesse por vir: turnê, imprevistos, perrengues, cansaço… Jungkook. Só de pensar no nome dele, meu estômago parecia dar sinal de vida, como se um camundongo desse piruetas e estivesse ligado no 220 volts.
Obviamente, ao pisarmos no local, tudo se tornou mais real do que nunca. Não é como se eu não soubesse, da proporção que o BTS tinha tomado em relação à sua fama, mas visualizar aquilo de maneira concreta, pela primeira vez como staff, era algo totalmente diferente.
Passei pelas estruturas sendo finalizadas em seus últimos retoques e pensei sobre o quanto cada um ali sabia de seu propósito, do impacto do seu trabalho para que aquele show desse certo. Eu não poderia ficar para trás nisso, e nem deixar minhas questões pessoais acabarem com a magia do primeiro dia de turnê.
Portanto, me moldei enquanto retocava a maquiagem (destruída sim, desajeitada jamais!), e acionei meu modo foco total, ficando até mais séria que o normal, num misto de nervosismo e profissionalismo. Meu bom dia foi quase seco para a equipe, mas percebi que ninguém deu muita bola, porque todos estavam muito focados também.
Meu profissionalismo deu uma balanceada quando percebi que os meninos estavam próximos; eu estava verificando o horário do almoço e da surpresa do J-Hope com Hye-jun e outros staffs quando notei pelas vozes, que eles estavam cada vez mais perto. Rápida como um gato, me esgueirei no outro extremo do local, indo verificar as bebidas, com a falsa suspeita de que não seriam o bastante para todos.
Uma mentira escancarada, mas felizmente Hyun-mee não estava presente para desconfiar da minha fuga desesperada. Fui cara de pau mesmo, porque vovó Kang me ensinou que eu não sou obrigada a quase nada! Exceto dar um beijinho e pedir a benção dela, é claro.
A questão era crítica: sim, o ritmo estava frenético, mas além disso, eu estava totalmente sem jeito de ficar perto deles, com medo de deixar nítido para as pessoas que algo estava acontecendo, ou o quanto eu estava rendida pelo maknae — e devastada por medos completamente plausíveis de perder tudo que eu tinha conquistado até então, em nome de uma paixão avassaladora.
E era a verdade, não é? Se descobrissem que tínhamos dado uns amassos sinceros na noite anterior, era adeus ao meu emprego, no mínimo! E a minha carreira? E Hyun-mee? Porra, Deus, me ajuda! Deixa sua filha vencer, nem que seja por pena!
Falhar não era uma opção, então vesti uma máscara totalmente profissional e atuei como tal. Quando retornei ao local, os meninos já não estavam lá, para meu total alívio, e assim, segui fazendo meu trabalho. Funcionou durante boa parte da manhã, contribuindo para uma leve sensação de estabilidade me alcançar. Falsa? Sim, mas estava funcionando.
Pelo menos até a hora do almoço, em que todos se reuniram para a surpresa de J-Hope; apagamos as luzes e esperamos os rapazes chegarem.
Então, era isso. O momento inevitável havia chegado e eu, feito uma coelha ensopada de chuva, tremia de ansiedade com aquela situação. Quer dizer, uma parte de mim estava minimamente animada ao imaginar a alegria estampada na cara de J-Hope, porém, o mar revolto que me habitava continuou a bater suas ondas com força, e logo a animação murchou ao lembrar de toda merda confusa que a minha vida tinha virado em menos de 24 horas.
Eu só queria continuar trabalhando para não pensar em nada.
No fim das contas, adorava o J-Hope, mas aquele dia tinha tudo para me devorar viva, e não estava nem perto de acabar.
Agachada atrás do sofá com Hyun-mee, no escuro, eu pensava sobre como controlar esses sentimentos em mim, uma vez que, na pausa do trabalho, não parava de pensar um segundo sequer. Estava chegando num nível insuportável: ao mesmo tempo que eu não me sentia capaz de olhar Jungkook nos olhos ou interagir dentro do comum, meus pensamentos eram só sobre ele, como se estivesse esperando silenciosamente o momento em que nos encontraríamos.
Ou seja, ao mesmo tempo que eu não queria pensar nele, era somente isso que eu fazia. Meu coração apertava ao imaginá-lo ali, presente diante de mim, me encarando depois de tudo que vivemos. Eu estava viciada em imaginar essa cena, me demorando nos detalhes dos olhares, em como ele estaria vestido, no que estaria pensando e em como agiria ao nos cumprimentarmos.
Aquilo tudo era muito real dentro da minha cabeça, mas nem por isso me fazia bem.
E isso era uma merda.
Nem agir normalmente eu estava conseguindo… Até porque, pelo nível dos acontecimentos, não éramos apenas chefe/empregada.
E aquilo me assustava (para) um caralho!
Estava mordendo o canto da boca pela milésima vez, quando Hyun-mee se aproximou do meu rosto, no meio da escuridão.
— O que foi?
Eu a olhei assustada, e pisquei algumas vezes antes de responder.
— O que foi o quê? — sussurrei, tentando me recompor.
— Você está visivelmente nervosa, prima. É por causa da turnê, não é? Fica calma, vai tudo dar certo. Vai ser o primeiro dia de muitos! Te garanto que você está se saindo muito bem! — ela sussurrou com um sorriso no rosto, e sua mão acariciou a minha. Olhei para o gesto e me senti mais culpada; Hyun-mee era como uma irmã mais velha. Sempre se preocupando, agindo como se fosse completamente responsável por mim. Mas eu sabia que isso não era a realidade; eu responderia pelos meus atos, independentemente do teor dos mesmos.
E lá estava ela, sendo incrível, mesmo com o peso do mundo nas suas costas. Eu temia horrores que algo lhe acontecesse por causa das minhas ações.
A sensação de merda aumentou consideravelmente.
— Obrigada, Hyun-mee. — Me detive a apenas lhe responder isso, e busquei disfarçar melhor a ansiedade, ao puxar um sorriso mais aberto. Retribuí o carinho na mão dela e concluí minha fala — Vou dar o meu melhor. Já deu tudo certo!
— É isso aí! — Ela riu e se virou atenta para a porta. Suspirei, sentindo meu sorriso murchar aos poucos. Acho que ela ficaria um tanto decepcionada ao saber tudo o que aconteceu. Mesmo depois de insistir tanto nesse assunto, me encontrava caindo no conto do vigário, fazendo exatamente o que Hyun-mee disse para eu tomar cuidado.
A tortura silenciosa não perdurou por muito tempo; meu diálogo interno foi interrompido por um J-Hope abrindo a porta, estranhando a escuridão do local. Foi em questão de segundos: me ajeitei e afastei os pensamentos, e momentos depois o interruptor foi ligado, iluminando toda a sala.
Gritamos “SURPRESA!” em um coro de felicidade, chuva de prata e palmas. Os meninos chegaram pulando atrás do aniversariante, que olhava tudo com alegria e totalmente descrente. Ele estava realmente feliz e surpreso com aquilo. Hye-jun chegou perto de si cantando “parabéns” com o bolo em mãos, enquanto as velas faiscavam com força – não mais que o sorriso de J-Hope, que fez tudo valer a pena.
— Faça um pedido! — Suga lembrou enquanto sorria, e Jimin acrescentou.
— Ficar com o BTS para sempre!
Todos riram de sua frase fofinha, e J-Hope concordou sorridente. Fechou os olhos, ficou alguns segundos assim e assoprou as velas, recebendo palmas e gritos felizes.
— Nossa, gente. Eu nem sei o que falar, não imaginava essa surpresa. Muito obrigado por lembrarem, sério! — ele disse levemente emocionado, e Hye-jun riu do pequeno sol.
— Imagina! Como iríamos esquecer da nossa esperança? Vamos, vamos sentar, almoçar e provar esse bolo delicioso! — ela exclamou, e todos começaram a se organizar nos lugares.
O tempo era um pouco curto, mas estava tudo dentro dos conformes. Felizmente até o presente momento, nada tinha saído do planejamento, e tudo estava sendo executado da melhor forma... profissionalmente falando.
Conforme os meninos entravam na sala, meu coração dava uma galopada. Mas nada se comparou quando Jungkook entrou no recinto; eu perdi o ar na hora.
Em questão de segundos, nossos olhares se cruzaram e eu senti o mundo parar ali, como se nada mais existisse. Ele estava simples e lindo, como sempre. Usava uma calça jeans, uma blusa branca e um tênis totalmente preto, junto com um casaco azul-marinho, deixando-o adorável. Pude sentir meu coração aquecer só de vê-lo ali, com aqueles olhos grandes e curiosos me encarando, como quem tem mil coisas a serem ditas, e nenhuma palavra é emitida.
Sei porque estava na mesma condição.
Apesar do mundo ter parado, ele logo voltou a se mover; RM deu três tapinhas no ombro do maknae, fazendo-o andar em direção ao resto do grupo e desviar o olhar do meu. E finalmente, voltei a respirar.
Eu não reparei que estava estatelada no lugar encarando o chão, até perceber Hyun-mee se espreguiçar e caminhar para a mesa com as refeições.
— Eu tô velha pra ficar agachada assim, gente. Não tenho mais coluna para esse tipo de surpresa não — desabafou ao estalar o pescoço.
— Você está crocante — comentei enquanto me apressava para seguí-la e sentei ao seu lado, depois de pegar meu almoço. Levei um pequeno tapa na nuca e dei um sorrisinho, me preparando para comer. Encarei meu prato e constatei na hora: zero fome. Eu jogava a salada para um lado e para o outro, me sentindo incapaz de fazer nada além de driblar a comida para lá e para cá. Felizmente, Hyun-mee parecia muito concentrada em sua própria comida, me deixando em paz com meus próprios pensamentos.
Mas a paz não durou muito; por sorte, eu estava sentada, senão com certeza teria caído com o susto que levei.
— VOCÊ NÃO VAI FALAR COMIGO NÃO!?
Eu dei um pulo no lugar e levei minha mão ao peito, completamente assustada. Fui pega desprevenida pelo aniversariante e o mesmo ria da minha cara, enquanto eu tentava regular minha respiração. Ele veio me abraçar, ainda rindo horrores, e eu suspirei sorrindo.
— Você quer me matar, J-Hope? Logo hoje!? — E o abracei de volta, enquanto o idiota ainda ria de mim. — Feliz aniversário, solzinho. Mantenha-se saudável, feliz e dançante no palco da vida, ok?
— Obrigado, . Fico feliz que esteja aqui, não só no início da turnê, mas no meu aniversário. É muito bom te encher o saco e te dar sustos de vez em quando!
— Você não cresce, não é garoto? Francamente… Tá andando muito com Jin. Ah! — lembrei do pequeno embrulho que tinha no meu bolso do casaco — Para você! Espero que goste.
A cara de J-Hope diante do papel de presente foi a coisa mais engraçada que eu tinha visto naquele dia. Deu até um quentinho por dentro!
— Ah, mentira que você está me dando um presente? É sério? — ele dividia olhares comigo e o objeto na mão, e eu ri com sua alegria.
— Não é muita coisa, mas fui eu que fiz, com minhas próprias mãos. Então podemos dizer que só existe um assim no mundo. Vamos, abra! — Dei de ombros, sorridente. J-Hope animou-se e abriu o embrulho, rindo logo em seguida.
— Eu não acredito, você fez isso!? Que lindo!
— Gostou?
— Se eu gostei? Nossa, eu adorei! Sério, ficou muito bom. Você é demais, ! Obrigado! — E deu pequenos saltinhos contentes, enquanto mexia o chaveiro de sol com o nome dele costurado na parte de trás. Na frente, o rosto do sol continha óculos escuros e um sorriso típico de J-Hope. O material era feito de feltro, e eu redescobri essa prática desde a semana passada, quando decidi que não teria tempo para comprar um presente legal e decente. Não que aquele fosse, mas tinha mais significado por ter sido feito à mão.
— Imagina! E ah, tem um pequeno bolsinho na parte da boca, você pode colocar moedas, talvez aqueles fones sem fio ou até mesmo um pen-drive... — comentei com a voz mais amena e ele arregalou os olhos em felicidade.
— Caraca, arrasou hein? Olha, eu amei, é a minha cara. Muito obrigado, de verdade!
— Ah, que isso! Fico feliz que tenha gostado.
Ele sorriu, dando de ombros e passou o braço pelos meus ombros, caminhando comigo para um canto mais reservado. Notei a mudança de trajeto e arquei uma sobrancelha enquanto ele me soltava e parava diante de mim.
— O que foi? — indaguei, curiosa.
Ele respirou fundo, prendendo os lábios, e sorriu, me olhando nos olhos.
— Está tudo bem?
— Sim. Por quê? — Ele olhou por cima do meu ombro e deu um mini sorriso, voltando a me olhar.
— Eu notei que você está diferente e decidi ver se está tudo bem. É por causa da turnê?
Eu suspirei de leve, me chutando mentalmente. Era a segunda pessoa que percebia minha tensão e a cada vez que recebia um “você tá bem?”, me odiava mais, porque não, não estava bem e não, não tinha nada a ver com a turnê.
Pelo menos não em sua totalidade, né...
Confesso que fiquei mais na merda ainda ao perceber que nem fazia tanto tempo assim que J-Hope estava na sala. Ele percebeu meu humor alterado em tempo recorde!
Ou… eu realmente estava muito irreconhecível.
Encarei a esperança do grupo e decidi dizer uma meia verdade, concordando com a cabeça.
— Estou nervosa. É meu primeiro dia, tenho medo de fazer alguma besteira. — Fui meio sincera, e me vi encarando um ponto isolado da parede logo atrás de J-Hope.
— Que tipo de besteira? — ele perguntou com tranquilidade e eu o olhei sobressaltada. Ficamos nos olhando, e eu notei que pisquei muito mais rápido do que o comum. Demorei a responder, dando de ombros.
— Bom, qualquer coisa que seja de minha responsabilidade, né? Tem tanta coisa que é possível de dar errado...
— Sim, como também tem de dar certo — ele disse com um sorriso ameno, e me olhou de maneira acolhedora. Será que ele falava apenas da turnê? Eu deveria estar muito surtada, relacionando tudo com o ocorrido entre Jungkook e eu.
Estava ficando sem graça pelo modo que me encarava, e quando seu olhar novamente desviou do meu, focando em algo acima da minha cabeça, decidi me virar disfarçadamente para saber o que era. Antes que pudesse concluir a ação, J-Hope gritou o nome que habitava minha mente.
— Jungkook-ah! Vai ficar só olhando? Venha até aqui!
Como é que é? Jungkook estava espionando a gente? O ar ficou preso nos meus pulmões. Eu não sabia o que fazer! Tudo passava pela minha cabeça naquele momento, e nada era conclusivo o bastante para ser uma saída daquela sinuca de bico.
Breve o bastante, o perfume de Jungkook chegou primeiro do que seu dono, e eu me vi finalmente voltando a respirar, inspirando com vontade.
Maldito cheiro inebriante da porra.
— Achei que ficaria só de longe, fofocando! — J-Hope o recebeu de braços abertos, e meus olhos foram parar no maknae, que dava um sorriso amarelo. — Ei, por que não dá uns conselhos para a ? Acho que ela está muito tensa, parece até que não dormiu direito. Que tal uma palavra de apoio? É a primeira turnê dela conosco.
Meu corpo arrepiou quando o olhar dele se fixou no meu. Devagar, meu corpo girou de maneira a ficar de frente para o seu, e eu me senti inútil ao tentar disfarçar toda loucura emocional em que me encontrava.
Jungkook estava aflito, eu poderia dizer pelo vinco no meio de sua testa, e pela forma que movia os lábios sem parar; ora mordiscando, ora umedecendo.
Eu perdi um tempo considerável encarando sua boca, lembrando da noite passada, em que eu estava ali, provando seu sabor e me deleitando nos beijos intensos que trocamos.
Um arrepio desceu a minha espinha e tentei disfarçar a pequena tremedeira no corpo, desviando o olhar e coçando minha testa.
J-Hope olhava para Jungkook com uma face de quem aguardava o óbvio ser dito — sem perder o sorriso do rosto, mas o silêncio começou a pesar e ele se viu na obrigação de intervir.
— Que foi? Não vai me dizer que não tem nenhuma dica para ela?
Jungkook disparou olhares entre mim e J-Hope e balbuciou algumas coisas sem nexo, até que o aquariano deu um tapa na própria testa e nos encarou com uma feição culpada.
— Eu sou um idiota. Você também está nervoso, não é, Jungkook? — Num movimento ágil, colocou o braço esquerdo ao redor dos ombros do maknae, enquanto fazia o mesmo comigo, com o outro braço. — Pessoal, fiquem tranquilos! Ou melhor, não se preocupem para além do que é necessário. Vocês são incríveis! Jungkook, você é nosso golden maknae. Temos uma sorte danada de ter você conosco, o que é que você faz que não é bem executado, uh?
Jungkook sorriu sem graça, agradecendo com a voz rouca (o que me deu um leve siricotico):
— Obrigado, hyung.
— E você, ? — J-Hope se virou para mim com um sorriso de milhões, enquanto eu devolvia um de centavos. — De twister a nocaute na cara, você foi a staff mais inusitada que chegou para agregar a nossa equipe. Não teríamos conseguido chegar até aqui sem você!
O aniversariante quebrou o gelo fazendo com que eu e Jungkook ríssemos de sua fala, deixando o ambiente mais leve. Decidi que era a minha vez de colocar um cropped e reagir (não necessariamente de maneira literal):
— Obrigada, J-Hope. Aquela partida de twister foi épica mesmo.
J-Hope gargalhou e Jungkook deu uma risadinha, encarando um ponto no chão como se lembrasse daquela memória, que parecia tão distante quanto nostálgica.
Ah, nós dois deitados no chão, em cima de um tapete fino de bolinhas coloridas… E depois eu me perguntava como havia me apaixonado por ele. Não é óbvio!? É claro que naquela época eu já estava tendo uma queda pelo maknae, mas mal sabia o que estava por vir.
A voz de Jungkook me tirou dos meus pensamentos.
— É verdade. Preciso concordar e ser um bom perdedor.
— Não esqueça que você está devendo um prêmio para ela! Não seja mão de vaca, hein?
Nós nos olhamos surpresos, e eu soube ali que pensávamos a mesma coisa: a noite anterior, nosso jantar particular e até então, despretensioso. Aquele era o prêmio, que nos rendeu acontecimentos tão inacreditáveis que, bem…
Não tínhamos palavras para definir.
Eu engoli em seco, engasgando com a minha própria saliva ao ouví-lo retrucar.
— Pode deixar, J-Hope. Vou pensar em algo para recompensá-la.
Oi? Como assim? Ele já tinha me recompensado até demais! O que mais poderia ser dito ou feito?
Eu não consegui evitar de olhá-lo com minhas orbes arregaladas enquanto ele devolvia o olhar tranquilo de quem é um exímio come quieto do caralho.
Aquilo foi um golpe baixo pra cacete, tá?
Eu estava reclamando? Claro que não! Queria que ele me recompensasse com seu corpo, todo dia? Claro que sim! A ponto de mal conseguir lembrar meu nome? Sim, por favor!
Quer dizer, foco, !
O que diabos Jungkook estava fazendo comigo?
Desviei o olhar para J-Hope, que deu aperto sutil no ombro do mais novo, e assim sorriu, confiante, (cortando meu surto).
— É assim que se fala! E então, mais tranquilos?
Sim, igual a uma britadeira quebrando concreto numa segunda-feira de manhã calorenta.
Eu sorri sem mostrar os dentes, acenando com a cabeça enquanto Jungkook fazia o mesmo. O mais velho sorriu verdadeiramente e nos juntou num único abraço.
— É assim que gosto de ver vocês! Fiquem bem, sim? — E, sem mais nem menos, deu dois tapinhas nos nossos ombros e saiu do recinto. — Ei, Yoongi! Nem pense em comer esse pedaço, ele é meu!
— Aqui não tem seu nome escrito nele! — o outro se defendeu, dando uma mordida. — Hm, que delícia! — E provocou J-Hope com um sorriso gengival e sujo de bolo.
— Você não vai querer me irritar no dia do meu aniversário, seu gato manhoso de uma figa!
Eu prendi a risada ao ver Hoseok ir em disparada resgatar seu precioso bolo das garras malvadas de Suga.
E então, ficamos só eu e Jungkook. Fiquei observando o chão, sem saber o que dizer e por fim, nossos olhares se encontraram de novo, trazendo toda aquela atmosfera estranha de volta. A insegurança era palpável, ninguém sabia ao certo o que dizer ou fazer.
Eu estava travando uma batalha interna ao refletir sobre como lidar com aquela situação, mas todos os meus pensamentos foram suspensos quando percebi a boca aberta de Jungkook, pronta para dizer algo.
A minha tensão aumentou de maneira considerável, e eu senti queimação nos pulmões por prender a respiração automaticamente.
Era isso.
Ele diria algo.
Algo que mudaria totalmente a nossa relação, e tudo que a gente tinha vivido até ali.
No último segundo, outra voz se sobrepôs à dele, e eu demorei a entender que não era Jungkook que me chamava.
— ! — Hyun-mee me procurou pelo lugar, até que seu olhar encontrou com o meu. — Ah, você está aí!
Céus.
Eu não sabia se agradecia ou matava minha prima.
Percebi que Jungkook arfou com vontade, engolindo em seco enquanto olhava para o chão. Parecia murmurar algo que eu não soube dizer, mas minha intuição me dizia que provavelmente Hyun-mee estava sendo xingada em coreano.
Falando no diabo, a própria veio em nossa direção e segurou na minha mão.
— Desculpa, Jungkook, mas eu preciso lembrá-la de comer. Ela mal tocou no café da manhã hoje!
— O que? — ele levantou a cabeça em alerta, dividindo os olhares entre mim e Hyun-mee. — Isso é sério?
— E-Eu acho que é nervosismo. — respondi qualquer coisa, fugindo do contato visual de Jungkook, que me encarava como se estivesse vendo uma assombração. E sinceramente? Talvez fosse verdade, porque até mesmo eu me sentia assim.
Hyun-mee cruzou os braços com uma feição estilo vovó Kang e continuou conversando com Jungkook, colocando mais lenha na fogueira.
— Desde ontem está com essa cara aí, de quem está prestes a ter um piripaque! E você sabe, né? Eu preciso monitorá-la para que fique bem, senão o coro come na nossa família! é minha pequena protegida aqui e ai de quem fizer algo de ruim para ela… E isso me inclui, se eu não tomar conta direito!
Hyun-mee riu sozinha, com um ar maternal que chegou a doer no peito.
Eu sabia que ela se cobrava absurdamente, não só pela pressão da família, como também pelos seus próprios princípios.
Só de pensar que eu poderia colocar tudo a perder com meu coração apaixonado por Jungkook, algo dentro de mim murchava como papel na água.
— Você precisa terminar de comer o almoço que mal tocou, garotinha — ela me disse, dando um peteleco na ponta do meu nariz.
— Ai! — reclamei, mais pela nova acusação do que pela dor.
— Você não está conseguindo comer nada? — a voz de Jungkook mostrou o quanto ele estava assustado com as informações, e novamente seu olhar caiu sobre minha figura. Com vergonha e sem forças para encará-lo, desviei mais uma vez, sem respondê-lo.
Pode me chamar de covarde, eu não ligo.
De tudo que eu poderia ser, talvez fosse algo até leve de sustentar.
— Pois é, eu fiquei surpresa também! Quem diria que esse mini trator teria seu apetite abalado, não é? — Hyun-mee me abraçou de lado como uma irmã orgulhosa, e eu rolei os olhos, pedindo aos céus que aquele momento constrangedor acabasse. — Vamos, se anime e coma um pouco, . Preciso de você com força total, principalmente hoje.
— Não precisa me lembrar… — Abracei meu próprio corpo, sentindo o estômago dar voltas.
— Relaxa, você vai tirar de letra! — ela respondeu e eu suspirei. — Agora vá, que o horário de almoço está para terminar. Jungkook, posso te ajudar com alguma coisa? Eu já terminei de comer, mesmo.
Tive uma súbita coragem de espiar a reação do maknae, que estava visivelmente dividido, como se pensasse muitas coisas e não fosse capaz de focar em nada.
É. Eu te entendo, Jungkook. Bem vindo ao clube!
— Obrigado, Hyun-mee, mas eu só estava dando um oi mesmo, nada demais. De toda forma, agradeço sua disponibilidade.
Tão cordial quanto possível, ele curvou rapidamente seu tronco, demonstrando gratidão à minha prima, que correspondeu com igual prontidão.
Eu mordi meu lábio inferior quando ele se virou para mim e me olhou com ternura.
Aquilo acabava comigo!
— Às vezes, algo muito bom pode parecer assustador, a princípio. Hoje é o primeiro dia de uma grande turnê, que envolve muito mais do que apresentações de sete jovens coreanos. Envolve uma equipe enorme, com dedicação, trabalho, competência… — Seu olhar divagou e logo se voltou ao meu, que não consegui desviar dessa vez. — E envolve sentimento, desejo, e muita vontade de dar certo.
Minha boca entreaberta deixou escapar o ar que restou dentro de mim. Parecia, novamente, que não havia nada nem ninguém além de Jungkook e eu.
E mais uma vez, me via dentro da sua teia enigmática, eletrizante, sedutora.
Ele me tinha ali, no meio de tudo e todos, e não fazia o mínimo esforço para tal.
Todas as emoções correspondiam às ações de Jungkook; o olhar, o tom de voz, as pausas nas falas, a maneira como seu corpo se direcionava ao meu… Tudo parecia em perfeita sincronia, e mais ainda com o jogo que palavras que ele usou para falar tanto da turnê, quanto de…
De nós.
Contudo, foi uma mudança em seu semblante que chamou minha atenção; ele ficou sério e seu sorriso esmoreceu, como quem reflete sobre o que diz. Suas palavras vieram pontuais e assertivas.
— Seja lá o que estiver te deixando com medo, não vale a pena. Você é uma ótima profissional e nada vai mudar isso, então só… Só siga fazendo o que faz de melhor: seja você mesma. Nada vai atrapalhar seu caminho. Eu posso te garantir isso.
O choque de sua fala me atravessou como um raio; eu senti a eletricidade, a faísca, a força. Ele me dizia tanto, mesmo com o sentido dúbio das frases.
De toda maneira, a força ali depositada, me deixou mexida. Será que ele falava isso, considerando tudo o que aconteceu conosco na noite passada? Será que ele queria me dizer que tudo ia ficar bem, que nada me prejudicaria? Será que eu estava viajando demais na neura, ou estava desesperada por qualquer sinal de tranquilidade em meio ao caos?
A verdade é que, independentemente de tudo, Jungkook disse coisas tão doces que eu não consegui disfarçar o encanto; eu percebi o cuidado em suas palavras, e a preocupação misturada com carinho em suas feições. Ele se importava comigo, em algum nível.
Nossos olhares se mantiveram intimamente fixos e eu senti os olhos marejarem.
Porra, puta que pariu, que vontade de chorar!
Como se eu já não tivesse feito o suficiente na noite anterior.
Respirei fundo, engolindo em seco o pranto e a emoção.
Minha voz saiu um pouco trêmula e grave, mas eu consegui respondê-lo de maneira (minimamente) decente.
— Obrigada, Jungkook. Posso dizer o mesmo para você.
Acho que o pouco de interação entre nós o deixou menos desconfortável, a ponto de um pequeno sorriso brotar no canto do seu rosto.
— Eu sei que sim — sua voz soou, confiante.
E sim, ele sabia. Céus, como ele sabia! Afinal de contas, tinha uma pequena carta que praticamente narrava tudo o que eu admirava nele, e em como torcia para que tudo desse certo em sua estrada.
Ora, se não foi essa mesma mensagem que nos levou ao ápice de nós dois na noite passada?
É claro que ele sabia. Ele sabia para um caralho!
— Olha ela, tirando onda nos elogios! — Hyun-mee interrompeu com uma animação incomum, tirando-nos do transe. Cacete, ela estava ali, vendo tudo de camarote! — Que isso, hein? Depois dessa, dá até para pedir um aumento, então!
Foi impossível não rir com a gargalhada de Jungkook; era contagiante e maravilhosa, como ele. Felizmente quebrou um pouco do clima tenso inicial.
— Acho justa essa renegociação. Tem o meu voto! — Jungkook disse, dando uma piscadinha. — Não vou tomar mais o tempo de vocês. E por favor, , se alimente bem, certo?
E assim, Jungkook se retirou com uma educação impecável, e eu e Hyun-mee ficamos admirando sua leveza e seu andar, enquanto ele caminhava para perto dos meninos.
— Ele parecia tão… uau. Intenso. Tá tudo bem mesmo? — Hyun-mee me perguntou desconfiada e eu suspirei, pensativa.
O que eu ia dizer?
— Acho que ele também está nervoso, sei lá.
— Hm… ok. E você, com o olhar perdido aí?
— Pensando no meu aumento, ué.
Ela riu e me levou de volta à mesa, e eu me obriguei a comer minimamente bem, para acabar com aquela vigilância toda em cima de mim — sem deixar de ser grata ao amor e afeto de minha prima.
Ela me salvou… inúmeras vezes, até.
Mas aquela ali, especificamente, ela sequer sabia do que se tratava.
E eu esperava que assim permanecesse.
Depois de trancar a porta, fiquei encarando meu reflexo no espelho, e ali, vi uma totalmente bagunçada: de visual, e de sentimentos.
Com a mão gélida, toquei meu pescoço e vaguei meus olhos pelo local, ao lembrar como Jungkook explorou com gosto. A minha pele era completamente diferente do gelo de meus dedos, e a sensação remanescente das carícias me fez tremer com um arrepio desavisado.
Deixei meus olhos se fecharem à medida que minha mão espalmou em meu peitoral, e assim, percebi meu coração retumbante soar.
Meus olhos abriram imediatamente, ao lembrar de como tudo foi de zero a cem (e de cem a zero) muito rápido.
Por que as coisas precisavam ser tão difíceis? Eu me odiava por ter nutrido tanta coisa por Jungkook nesse período em que nos conhecemos, mas ao mesmo tempo, não me arrependi em nada do que vivi com ele.
Como poderia soar tão antagônica, tão sem nexo?
Me desfiz das roupas e logo fui para debaixo do chuveiro, deixando os jatos d’água me guiarem para um possível lugar de paz em minha mente. A única coisa que consegui foi amenizar as batidas do coração, e me permiti lembrar de todos os beijos e toques trocados, momentos atrás.
Mesmo com a refrescância da água, minha pele fervia ao lembrar do ocorrido, com detalhes: a sensação de suas mãos ao passear pelo meu corpo, o olhar de desejo, os beijos, os gemidos, os encaixes dos quadris, o ar que escapava dos pulmões…
Mordi meu lábio ao pensar no que poderia ter acontecido se Hyun-mee não tivesse me ligado. É possível amar e odiar uma pessoa ao mesmo tempo, pelo visto.
Depois de passar um bom tempo no banho, saí do box enrolada na toalha, e coloquei uma outra na cabeça, para enxugar os cabelos.
Fiz a rotina de cuidados faciais, enquanto suspirava a cada três segundos. A vontade de chorar ainda era grande, mas meu corpo estava cansado até mesmo para isso.
Depois de colocar meu velho e confortável pijama, abri a porta e coloquei um pé para fora, quando Hyun-mee me interceptou da sala.
— Ei, garota. Deixou água para os peixes? Se afogou, foi? — disse, sorrindo.
Meu peito deu uma apertada e eu sorri forçado.
— Foi o cansaço… estou um caco. E você?
— Estava faminta, mas felizmente a pizza chegou. Tem certeza de que não quer? — indagou entre uma mordida e outra.
Meu estômago embrulhou só de pensar na ideia de me alimentar.
— Não, obrigada. Quero mesmo é dormir. Amanhã a gente toma um café juntas, para compensar.
— Claro! E ah, só um lembrete: estava com Hye-jun no telefone, confirmando os detalhes do bolinho surpresa do J-Hope. Você já terminou o presente que queria dar para ele?
— Sim, sim. Tudo certo.
— Beleza, então. Descansa, staff!
— Você também, Hyun-mee.
Eu estava quase entrando no meu quarto, quando minha prima me chamou de novo.
— ?
— Hm?
Ela me olhou com um semblante orgulhoso, e apoiou o queixo na mão, enquanto me encarava.
— Você já fez um ótimo trabalho até aqui. Não deixe que suas inseguranças lhe digam o contrário, ok?
Minha boca ficou entreaberta, e meus olhos arregalaram levemente, marejando na hora. No entanto, apenas sorri e acenei.
— Obrigada, prima. Você também. Boa noite.
— Bons sonhos! — ouvi sua voz enquanto entrava feito um furacão no quarto, já sentindo as lágrimas descendo o rosto, e agradecendo que estávamos longe o suficiente para que ela não reparasse na confusão em que eu me encontrava.
Fechei a porta, trancando-a o mais silenciosamente possível, e deixei minhas costas deslizarem pela superfície de madeira, enquanto minhas mãos taparam meu pranto.
Aquela fala me pegou totalmente fora de guarda e eu nunca me senti tão filha da puta quanto naquele momento.
Hyun-mee merecia uma prima melhor do que eu, sem dúvidas.
Me arrastei até a cama, sentindo meu peito doer só de pensar como seria o dia seguinte, com tudo acontecendo. Meu rosto estava enfiado no travesseiro, e eu tentava apartar todos os pensamentos que me rodeavam, quando senti o celular vibrar.
Ergui minha cabeça levemente, peguei o aparelho e suspirei ao verificar as notificações de ligações perdidas. Eram três, de Jungkook.
Puta que pariu!
Por fim, uma nova mensagem de áudio chegou e eu não consegui controlar a ansiedade; logo abri.
Respirei fundo antes de ouví-la.
A voz dele estava irreconhecivelmente perturbada.
— Confesso que te liguei sem saber o que diria. Eu só queria ouvir a sua voz e garantir que você está bem, mas isso é de uma ingenuidade muito grande, não é? Nunca foi minha intenção fazer você se sentir mal ou desconfortável. Para ser sincero, é bem o oposto: eu quero te ver bem, feliz. Quero ver um sorriso no seu rosto, não lágrimas. Te ver desse jeito e saber que é culpa minha, torna tudo pior. De todas as maneiras possíveis de terminar essa noite, essa definitivamente não era o que eu tinha em mente, por inúmeras razões, mas espero que possamos conversar melhor e pessoalmente sobre tudo. Por favor, só… não suma, .
Eu estava chorando horrores quando a voz de Jungkook parou de soar.
Fiquei tão apegada que ouvi aquele áudio repetidas vezes, ainda que estivesse completamente incapaz de respondê-lo.
Só consegui me agarrar à voz de Jungkook, preocupada e nervosa ao tentar me consolar, e no final da mensagem, algo completamente inesperado e tão, tão precioso quanto o próprio rapaz em si, me fez aliviar a dor.
Porque, céus! Ele não queria que eu fosse embora. O que aquilo significava?
Eu considerei várias coisas, mas sabia que, no mínimo, não era alguém tão descartável quanto pensava, no ponto alto da noite. Meu “surto” não me deixava raciocinar direito, por mais que eu tentasse ser plausível, ponderando razões e emoções.
NX Zero, eu te entendo agora.
Quer dizer, a saída não era apenas valer a pena, né? Tinha muito mais envolvido nisso tudo e eu era… um mar de confusões. Ondas revoltas e pouco sutis, com espumas densas e nada agradáveis… Cada movimento da água, uma dúvida, uma incerteza, uma insegurança carregada de “e se?”. Aquilo não era nada bom.
Foi chorando, pensando no quanto estava encrencada com sentimentos pulsantes e reais, que eu adormeci ouvindo a voz de Jungkook, naquele áudio tão inquietante quanto caloroso — tal qual os beijos que trocamos, horas mais cedo.
[...]
18 de fevereiro de 2017, Seoul.
O dia começou agitado, e eu mal dormi. Fosse pensando em Jungkook, na turnê, no emprego, ou em tudo de uma vez; simplesmente mal preguei os olhos. E eu temia por isso, porque costumava ficar distraída no dia seguinte – justamente quando não poderia permitir que tal fato acontecesse.
Meu café da manhã com Hyun-mee foi sonolento e aturdido, com ela tagarelando sobre todas as coisas que precisavam ser feitas. Eu apenas concordava ou dava respostas curtas. Claro que ela notou essa mudança de humor, mas expliquei que estava exausta, que não havia dormido bem (o que era verdade), e ela me deu algumas dicas sobre como sobreviver ao primeiro dia de turnê. Tentei melhorar minha animação e consegui ensaiar alguns sorrisos, ainda que por dentro me sentisse uma bosta.
Enfim, terminamos o café e fomos para o estádio. Quando avistei o Gocheok Sky Dome, meu coração disparou dentro do peito, completamente ansioso com o que quer que estivesse por vir: turnê, imprevistos, perrengues, cansaço… Jungkook. Só de pensar no nome dele, meu estômago parecia dar sinal de vida, como se um camundongo desse piruetas e estivesse ligado no 220 volts.
Obviamente, ao pisarmos no local, tudo se tornou mais real do que nunca. Não é como se eu não soubesse, da proporção que o BTS tinha tomado em relação à sua fama, mas visualizar aquilo de maneira concreta, pela primeira vez como staff, era algo totalmente diferente.
Passei pelas estruturas sendo finalizadas em seus últimos retoques e pensei sobre o quanto cada um ali sabia de seu propósito, do impacto do seu trabalho para que aquele show desse certo. Eu não poderia ficar para trás nisso, e nem deixar minhas questões pessoais acabarem com a magia do primeiro dia de turnê.
Portanto, me moldei enquanto retocava a maquiagem (destruída sim, desajeitada jamais!), e acionei meu modo foco total, ficando até mais séria que o normal, num misto de nervosismo e profissionalismo. Meu bom dia foi quase seco para a equipe, mas percebi que ninguém deu muita bola, porque todos estavam muito focados também.
Meu profissionalismo deu uma balanceada quando percebi que os meninos estavam próximos; eu estava verificando o horário do almoço e da surpresa do J-Hope com Hye-jun e outros staffs quando notei pelas vozes, que eles estavam cada vez mais perto. Rápida como um gato, me esgueirei no outro extremo do local, indo verificar as bebidas, com a falsa suspeita de que não seriam o bastante para todos.
Uma mentira escancarada, mas felizmente Hyun-mee não estava presente para desconfiar da minha fuga desesperada. Fui cara de pau mesmo, porque vovó Kang me ensinou que eu não sou obrigada a quase nada! Exceto dar um beijinho e pedir a benção dela, é claro.
A questão era crítica: sim, o ritmo estava frenético, mas além disso, eu estava totalmente sem jeito de ficar perto deles, com medo de deixar nítido para as pessoas que algo estava acontecendo, ou o quanto eu estava rendida pelo maknae — e devastada por medos completamente plausíveis de perder tudo que eu tinha conquistado até então, em nome de uma paixão avassaladora.
E era a verdade, não é? Se descobrissem que tínhamos dado uns amassos sinceros na noite anterior, era adeus ao meu emprego, no mínimo! E a minha carreira? E Hyun-mee? Porra, Deus, me ajuda! Deixa sua filha vencer, nem que seja por pena!
Falhar não era uma opção, então vesti uma máscara totalmente profissional e atuei como tal. Quando retornei ao local, os meninos já não estavam lá, para meu total alívio, e assim, segui fazendo meu trabalho. Funcionou durante boa parte da manhã, contribuindo para uma leve sensação de estabilidade me alcançar. Falsa? Sim, mas estava funcionando.
Pelo menos até a hora do almoço, em que todos se reuniram para a surpresa de J-Hope; apagamos as luzes e esperamos os rapazes chegarem.
Então, era isso. O momento inevitável havia chegado e eu, feito uma coelha ensopada de chuva, tremia de ansiedade com aquela situação. Quer dizer, uma parte de mim estava minimamente animada ao imaginar a alegria estampada na cara de J-Hope, porém, o mar revolto que me habitava continuou a bater suas ondas com força, e logo a animação murchou ao lembrar de toda merda confusa que a minha vida tinha virado em menos de 24 horas.
Eu só queria continuar trabalhando para não pensar em nada.
No fim das contas, adorava o J-Hope, mas aquele dia tinha tudo para me devorar viva, e não estava nem perto de acabar.
Agachada atrás do sofá com Hyun-mee, no escuro, eu pensava sobre como controlar esses sentimentos em mim, uma vez que, na pausa do trabalho, não parava de pensar um segundo sequer. Estava chegando num nível insuportável: ao mesmo tempo que eu não me sentia capaz de olhar Jungkook nos olhos ou interagir dentro do comum, meus pensamentos eram só sobre ele, como se estivesse esperando silenciosamente o momento em que nos encontraríamos.
Ou seja, ao mesmo tempo que eu não queria pensar nele, era somente isso que eu fazia. Meu coração apertava ao imaginá-lo ali, presente diante de mim, me encarando depois de tudo que vivemos. Eu estava viciada em imaginar essa cena, me demorando nos detalhes dos olhares, em como ele estaria vestido, no que estaria pensando e em como agiria ao nos cumprimentarmos.
Aquilo tudo era muito real dentro da minha cabeça, mas nem por isso me fazia bem.
E isso era uma merda.
Nem agir normalmente eu estava conseguindo… Até porque, pelo nível dos acontecimentos, não éramos apenas chefe/empregada.
E aquilo me assustava (para) um caralho!
Estava mordendo o canto da boca pela milésima vez, quando Hyun-mee se aproximou do meu rosto, no meio da escuridão.
— O que foi?
Eu a olhei assustada, e pisquei algumas vezes antes de responder.
— O que foi o quê? — sussurrei, tentando me recompor.
— Você está visivelmente nervosa, prima. É por causa da turnê, não é? Fica calma, vai tudo dar certo. Vai ser o primeiro dia de muitos! Te garanto que você está se saindo muito bem! — ela sussurrou com um sorriso no rosto, e sua mão acariciou a minha. Olhei para o gesto e me senti mais culpada; Hyun-mee era como uma irmã mais velha. Sempre se preocupando, agindo como se fosse completamente responsável por mim. Mas eu sabia que isso não era a realidade; eu responderia pelos meus atos, independentemente do teor dos mesmos.
E lá estava ela, sendo incrível, mesmo com o peso do mundo nas suas costas. Eu temia horrores que algo lhe acontecesse por causa das minhas ações.
A sensação de merda aumentou consideravelmente.
— Obrigada, Hyun-mee. — Me detive a apenas lhe responder isso, e busquei disfarçar melhor a ansiedade, ao puxar um sorriso mais aberto. Retribuí o carinho na mão dela e concluí minha fala — Vou dar o meu melhor. Já deu tudo certo!
— É isso aí! — Ela riu e se virou atenta para a porta. Suspirei, sentindo meu sorriso murchar aos poucos. Acho que ela ficaria um tanto decepcionada ao saber tudo o que aconteceu. Mesmo depois de insistir tanto nesse assunto, me encontrava caindo no conto do vigário, fazendo exatamente o que Hyun-mee disse para eu tomar cuidado.
A tortura silenciosa não perdurou por muito tempo; meu diálogo interno foi interrompido por um J-Hope abrindo a porta, estranhando a escuridão do local. Foi em questão de segundos: me ajeitei e afastei os pensamentos, e momentos depois o interruptor foi ligado, iluminando toda a sala.
Gritamos “SURPRESA!” em um coro de felicidade, chuva de prata e palmas. Os meninos chegaram pulando atrás do aniversariante, que olhava tudo com alegria e totalmente descrente. Ele estava realmente feliz e surpreso com aquilo. Hye-jun chegou perto de si cantando “parabéns” com o bolo em mãos, enquanto as velas faiscavam com força – não mais que o sorriso de J-Hope, que fez tudo valer a pena.
— Faça um pedido! — Suga lembrou enquanto sorria, e Jimin acrescentou.
— Ficar com o BTS para sempre!
Todos riram de sua frase fofinha, e J-Hope concordou sorridente. Fechou os olhos, ficou alguns segundos assim e assoprou as velas, recebendo palmas e gritos felizes.
— Nossa, gente. Eu nem sei o que falar, não imaginava essa surpresa. Muito obrigado por lembrarem, sério! — ele disse levemente emocionado, e Hye-jun riu do pequeno sol.
— Imagina! Como iríamos esquecer da nossa esperança? Vamos, vamos sentar, almoçar e provar esse bolo delicioso! — ela exclamou, e todos começaram a se organizar nos lugares.
O tempo era um pouco curto, mas estava tudo dentro dos conformes. Felizmente até o presente momento, nada tinha saído do planejamento, e tudo estava sendo executado da melhor forma... profissionalmente falando.
Conforme os meninos entravam na sala, meu coração dava uma galopada. Mas nada se comparou quando Jungkook entrou no recinto; eu perdi o ar na hora.
Em questão de segundos, nossos olhares se cruzaram e eu senti o mundo parar ali, como se nada mais existisse. Ele estava simples e lindo, como sempre. Usava uma calça jeans, uma blusa branca e um tênis totalmente preto, junto com um casaco azul-marinho, deixando-o adorável. Pude sentir meu coração aquecer só de vê-lo ali, com aqueles olhos grandes e curiosos me encarando, como quem tem mil coisas a serem ditas, e nenhuma palavra é emitida.
Sei porque estava na mesma condição.
Apesar do mundo ter parado, ele logo voltou a se mover; RM deu três tapinhas no ombro do maknae, fazendo-o andar em direção ao resto do grupo e desviar o olhar do meu. E finalmente, voltei a respirar.
Eu não reparei que estava estatelada no lugar encarando o chão, até perceber Hyun-mee se espreguiçar e caminhar para a mesa com as refeições.
— Eu tô velha pra ficar agachada assim, gente. Não tenho mais coluna para esse tipo de surpresa não — desabafou ao estalar o pescoço.
— Você está crocante — comentei enquanto me apressava para seguí-la e sentei ao seu lado, depois de pegar meu almoço. Levei um pequeno tapa na nuca e dei um sorrisinho, me preparando para comer. Encarei meu prato e constatei na hora: zero fome. Eu jogava a salada para um lado e para o outro, me sentindo incapaz de fazer nada além de driblar a comida para lá e para cá. Felizmente, Hyun-mee parecia muito concentrada em sua própria comida, me deixando em paz com meus próprios pensamentos.
Mas a paz não durou muito; por sorte, eu estava sentada, senão com certeza teria caído com o susto que levei.
— VOCÊ NÃO VAI FALAR COMIGO NÃO!?
Eu dei um pulo no lugar e levei minha mão ao peito, completamente assustada. Fui pega desprevenida pelo aniversariante e o mesmo ria da minha cara, enquanto eu tentava regular minha respiração. Ele veio me abraçar, ainda rindo horrores, e eu suspirei sorrindo.
— Você quer me matar, J-Hope? Logo hoje!? — E o abracei de volta, enquanto o idiota ainda ria de mim. — Feliz aniversário, solzinho. Mantenha-se saudável, feliz e dançante no palco da vida, ok?
— Obrigado, . Fico feliz que esteja aqui, não só no início da turnê, mas no meu aniversário. É muito bom te encher o saco e te dar sustos de vez em quando!
— Você não cresce, não é garoto? Francamente… Tá andando muito com Jin. Ah! — lembrei do pequeno embrulho que tinha no meu bolso do casaco — Para você! Espero que goste.
A cara de J-Hope diante do papel de presente foi a coisa mais engraçada que eu tinha visto naquele dia. Deu até um quentinho por dentro!
— Ah, mentira que você está me dando um presente? É sério? — ele dividia olhares comigo e o objeto na mão, e eu ri com sua alegria.
— Não é muita coisa, mas fui eu que fiz, com minhas próprias mãos. Então podemos dizer que só existe um assim no mundo. Vamos, abra! — Dei de ombros, sorridente. J-Hope animou-se e abriu o embrulho, rindo logo em seguida.
— Eu não acredito, você fez isso!? Que lindo!
— Gostou?
— Se eu gostei? Nossa, eu adorei! Sério, ficou muito bom. Você é demais, ! Obrigado! — E deu pequenos saltinhos contentes, enquanto mexia o chaveiro de sol com o nome dele costurado na parte de trás. Na frente, o rosto do sol continha óculos escuros e um sorriso típico de J-Hope. O material era feito de feltro, e eu redescobri essa prática desde a semana passada, quando decidi que não teria tempo para comprar um presente legal e decente. Não que aquele fosse, mas tinha mais significado por ter sido feito à mão.
— Imagina! E ah, tem um pequeno bolsinho na parte da boca, você pode colocar moedas, talvez aqueles fones sem fio ou até mesmo um pen-drive... — comentei com a voz mais amena e ele arregalou os olhos em felicidade.
— Caraca, arrasou hein? Olha, eu amei, é a minha cara. Muito obrigado, de verdade!
— Ah, que isso! Fico feliz que tenha gostado.
Ele sorriu, dando de ombros e passou o braço pelos meus ombros, caminhando comigo para um canto mais reservado. Notei a mudança de trajeto e arquei uma sobrancelha enquanto ele me soltava e parava diante de mim.
— O que foi? — indaguei, curiosa.
Ele respirou fundo, prendendo os lábios, e sorriu, me olhando nos olhos.
— Está tudo bem?
— Sim. Por quê? — Ele olhou por cima do meu ombro e deu um mini sorriso, voltando a me olhar.
— Eu notei que você está diferente e decidi ver se está tudo bem. É por causa da turnê?
Eu suspirei de leve, me chutando mentalmente. Era a segunda pessoa que percebia minha tensão e a cada vez que recebia um “você tá bem?”, me odiava mais, porque não, não estava bem e não, não tinha nada a ver com a turnê.
Pelo menos não em sua totalidade, né...
Confesso que fiquei mais na merda ainda ao perceber que nem fazia tanto tempo assim que J-Hope estava na sala. Ele percebeu meu humor alterado em tempo recorde!
Ou… eu realmente estava muito irreconhecível.
Encarei a esperança do grupo e decidi dizer uma meia verdade, concordando com a cabeça.
— Estou nervosa. É meu primeiro dia, tenho medo de fazer alguma besteira. — Fui meio sincera, e me vi encarando um ponto isolado da parede logo atrás de J-Hope.
— Que tipo de besteira? — ele perguntou com tranquilidade e eu o olhei sobressaltada. Ficamos nos olhando, e eu notei que pisquei muito mais rápido do que o comum. Demorei a responder, dando de ombros.
— Bom, qualquer coisa que seja de minha responsabilidade, né? Tem tanta coisa que é possível de dar errado...
— Sim, como também tem de dar certo — ele disse com um sorriso ameno, e me olhou de maneira acolhedora. Será que ele falava apenas da turnê? Eu deveria estar muito surtada, relacionando tudo com o ocorrido entre Jungkook e eu.
Estava ficando sem graça pelo modo que me encarava, e quando seu olhar novamente desviou do meu, focando em algo acima da minha cabeça, decidi me virar disfarçadamente para saber o que era. Antes que pudesse concluir a ação, J-Hope gritou o nome que habitava minha mente.
— Jungkook-ah! Vai ficar só olhando? Venha até aqui!
Como é que é? Jungkook estava espionando a gente? O ar ficou preso nos meus pulmões. Eu não sabia o que fazer! Tudo passava pela minha cabeça naquele momento, e nada era conclusivo o bastante para ser uma saída daquela sinuca de bico.
Breve o bastante, o perfume de Jungkook chegou primeiro do que seu dono, e eu me vi finalmente voltando a respirar, inspirando com vontade.
Maldito cheiro inebriante da porra.
— Achei que ficaria só de longe, fofocando! — J-Hope o recebeu de braços abertos, e meus olhos foram parar no maknae, que dava um sorriso amarelo. — Ei, por que não dá uns conselhos para a ? Acho que ela está muito tensa, parece até que não dormiu direito. Que tal uma palavra de apoio? É a primeira turnê dela conosco.
Meu corpo arrepiou quando o olhar dele se fixou no meu. Devagar, meu corpo girou de maneira a ficar de frente para o seu, e eu me senti inútil ao tentar disfarçar toda loucura emocional em que me encontrava.
Jungkook estava aflito, eu poderia dizer pelo vinco no meio de sua testa, e pela forma que movia os lábios sem parar; ora mordiscando, ora umedecendo.
Eu perdi um tempo considerável encarando sua boca, lembrando da noite passada, em que eu estava ali, provando seu sabor e me deleitando nos beijos intensos que trocamos.
Um arrepio desceu a minha espinha e tentei disfarçar a pequena tremedeira no corpo, desviando o olhar e coçando minha testa.
J-Hope olhava para Jungkook com uma face de quem aguardava o óbvio ser dito — sem perder o sorriso do rosto, mas o silêncio começou a pesar e ele se viu na obrigação de intervir.
— Que foi? Não vai me dizer que não tem nenhuma dica para ela?
Jungkook disparou olhares entre mim e J-Hope e balbuciou algumas coisas sem nexo, até que o aquariano deu um tapa na própria testa e nos encarou com uma feição culpada.
— Eu sou um idiota. Você também está nervoso, não é, Jungkook? — Num movimento ágil, colocou o braço esquerdo ao redor dos ombros do maknae, enquanto fazia o mesmo comigo, com o outro braço. — Pessoal, fiquem tranquilos! Ou melhor, não se preocupem para além do que é necessário. Vocês são incríveis! Jungkook, você é nosso golden maknae. Temos uma sorte danada de ter você conosco, o que é que você faz que não é bem executado, uh?
Jungkook sorriu sem graça, agradecendo com a voz rouca (o que me deu um leve siricotico):
— Obrigado, hyung.
— E você, ? — J-Hope se virou para mim com um sorriso de milhões, enquanto eu devolvia um de centavos. — De twister a nocaute na cara, você foi a staff mais inusitada que chegou para agregar a nossa equipe. Não teríamos conseguido chegar até aqui sem você!
O aniversariante quebrou o gelo fazendo com que eu e Jungkook ríssemos de sua fala, deixando o ambiente mais leve. Decidi que era a minha vez de colocar um cropped e reagir (não necessariamente de maneira literal):
— Obrigada, J-Hope. Aquela partida de twister foi épica mesmo.
J-Hope gargalhou e Jungkook deu uma risadinha, encarando um ponto no chão como se lembrasse daquela memória, que parecia tão distante quanto nostálgica.
Ah, nós dois deitados no chão, em cima de um tapete fino de bolinhas coloridas… E depois eu me perguntava como havia me apaixonado por ele. Não é óbvio!? É claro que naquela época eu já estava tendo uma queda pelo maknae, mas mal sabia o que estava por vir.
A voz de Jungkook me tirou dos meus pensamentos.
— É verdade. Preciso concordar e ser um bom perdedor.
— Não esqueça que você está devendo um prêmio para ela! Não seja mão de vaca, hein?
Nós nos olhamos surpresos, e eu soube ali que pensávamos a mesma coisa: a noite anterior, nosso jantar particular e até então, despretensioso. Aquele era o prêmio, que nos rendeu acontecimentos tão inacreditáveis que, bem…
Não tínhamos palavras para definir.
Eu engoli em seco, engasgando com a minha própria saliva ao ouví-lo retrucar.
— Pode deixar, J-Hope. Vou pensar em algo para recompensá-la.
Oi? Como assim? Ele já tinha me recompensado até demais! O que mais poderia ser dito ou feito?
Eu não consegui evitar de olhá-lo com minhas orbes arregaladas enquanto ele devolvia o olhar tranquilo de quem é um exímio come quieto do caralho.
Aquilo foi um golpe baixo pra cacete, tá?
Eu estava reclamando? Claro que não! Queria que ele me recompensasse com seu corpo, todo dia? Claro que sim! A ponto de mal conseguir lembrar meu nome? Sim, por favor!
Quer dizer, foco, !
O que diabos Jungkook estava fazendo comigo?
Desviei o olhar para J-Hope, que deu aperto sutil no ombro do mais novo, e assim sorriu, confiante, (cortando meu surto).
— É assim que se fala! E então, mais tranquilos?
Sim, igual a uma britadeira quebrando concreto numa segunda-feira de manhã calorenta.
Eu sorri sem mostrar os dentes, acenando com a cabeça enquanto Jungkook fazia o mesmo. O mais velho sorriu verdadeiramente e nos juntou num único abraço.
— É assim que gosto de ver vocês! Fiquem bem, sim? — E, sem mais nem menos, deu dois tapinhas nos nossos ombros e saiu do recinto. — Ei, Yoongi! Nem pense em comer esse pedaço, ele é meu!
— Aqui não tem seu nome escrito nele! — o outro se defendeu, dando uma mordida. — Hm, que delícia! — E provocou J-Hope com um sorriso gengival e sujo de bolo.
— Você não vai querer me irritar no dia do meu aniversário, seu gato manhoso de uma figa!
Eu prendi a risada ao ver Hoseok ir em disparada resgatar seu precioso bolo das garras malvadas de Suga.
E então, ficamos só eu e Jungkook. Fiquei observando o chão, sem saber o que dizer e por fim, nossos olhares se encontraram de novo, trazendo toda aquela atmosfera estranha de volta. A insegurança era palpável, ninguém sabia ao certo o que dizer ou fazer.
Eu estava travando uma batalha interna ao refletir sobre como lidar com aquela situação, mas todos os meus pensamentos foram suspensos quando percebi a boca aberta de Jungkook, pronta para dizer algo.
A minha tensão aumentou de maneira considerável, e eu senti queimação nos pulmões por prender a respiração automaticamente.
Era isso.
Ele diria algo.
Algo que mudaria totalmente a nossa relação, e tudo que a gente tinha vivido até ali.
No último segundo, outra voz se sobrepôs à dele, e eu demorei a entender que não era Jungkook que me chamava.
— ! — Hyun-mee me procurou pelo lugar, até que seu olhar encontrou com o meu. — Ah, você está aí!
Céus.
Eu não sabia se agradecia ou matava minha prima.
Percebi que Jungkook arfou com vontade, engolindo em seco enquanto olhava para o chão. Parecia murmurar algo que eu não soube dizer, mas minha intuição me dizia que provavelmente Hyun-mee estava sendo xingada em coreano.
Falando no diabo, a própria veio em nossa direção e segurou na minha mão.
— Desculpa, Jungkook, mas eu preciso lembrá-la de comer. Ela mal tocou no café da manhã hoje!
— O que? — ele levantou a cabeça em alerta, dividindo os olhares entre mim e Hyun-mee. — Isso é sério?
— E-Eu acho que é nervosismo. — respondi qualquer coisa, fugindo do contato visual de Jungkook, que me encarava como se estivesse vendo uma assombração. E sinceramente? Talvez fosse verdade, porque até mesmo eu me sentia assim.
Hyun-mee cruzou os braços com uma feição estilo vovó Kang e continuou conversando com Jungkook, colocando mais lenha na fogueira.
— Desde ontem está com essa cara aí, de quem está prestes a ter um piripaque! E você sabe, né? Eu preciso monitorá-la para que fique bem, senão o coro come na nossa família! é minha pequena protegida aqui e ai de quem fizer algo de ruim para ela… E isso me inclui, se eu não tomar conta direito!
Hyun-mee riu sozinha, com um ar maternal que chegou a doer no peito.
Eu sabia que ela se cobrava absurdamente, não só pela pressão da família, como também pelos seus próprios princípios.
Só de pensar que eu poderia colocar tudo a perder com meu coração apaixonado por Jungkook, algo dentro de mim murchava como papel na água.
— Você precisa terminar de comer o almoço que mal tocou, garotinha — ela me disse, dando um peteleco na ponta do meu nariz.
— Ai! — reclamei, mais pela nova acusação do que pela dor.
— Você não está conseguindo comer nada? — a voz de Jungkook mostrou o quanto ele estava assustado com as informações, e novamente seu olhar caiu sobre minha figura. Com vergonha e sem forças para encará-lo, desviei mais uma vez, sem respondê-lo.
Pode me chamar de covarde, eu não ligo.
De tudo que eu poderia ser, talvez fosse algo até leve de sustentar.
— Pois é, eu fiquei surpresa também! Quem diria que esse mini trator teria seu apetite abalado, não é? — Hyun-mee me abraçou de lado como uma irmã orgulhosa, e eu rolei os olhos, pedindo aos céus que aquele momento constrangedor acabasse. — Vamos, se anime e coma um pouco, . Preciso de você com força total, principalmente hoje.
— Não precisa me lembrar… — Abracei meu próprio corpo, sentindo o estômago dar voltas.
— Relaxa, você vai tirar de letra! — ela respondeu e eu suspirei. — Agora vá, que o horário de almoço está para terminar. Jungkook, posso te ajudar com alguma coisa? Eu já terminei de comer, mesmo.
Tive uma súbita coragem de espiar a reação do maknae, que estava visivelmente dividido, como se pensasse muitas coisas e não fosse capaz de focar em nada.
É. Eu te entendo, Jungkook. Bem vindo ao clube!
— Obrigado, Hyun-mee, mas eu só estava dando um oi mesmo, nada demais. De toda forma, agradeço sua disponibilidade.
Tão cordial quanto possível, ele curvou rapidamente seu tronco, demonstrando gratidão à minha prima, que correspondeu com igual prontidão.
Eu mordi meu lábio inferior quando ele se virou para mim e me olhou com ternura.
Aquilo acabava comigo!
— Às vezes, algo muito bom pode parecer assustador, a princípio. Hoje é o primeiro dia de uma grande turnê, que envolve muito mais do que apresentações de sete jovens coreanos. Envolve uma equipe enorme, com dedicação, trabalho, competência… — Seu olhar divagou e logo se voltou ao meu, que não consegui desviar dessa vez. — E envolve sentimento, desejo, e muita vontade de dar certo.
Minha boca entreaberta deixou escapar o ar que restou dentro de mim. Parecia, novamente, que não havia nada nem ninguém além de Jungkook e eu.
E mais uma vez, me via dentro da sua teia enigmática, eletrizante, sedutora.
Ele me tinha ali, no meio de tudo e todos, e não fazia o mínimo esforço para tal.
Todas as emoções correspondiam às ações de Jungkook; o olhar, o tom de voz, as pausas nas falas, a maneira como seu corpo se direcionava ao meu… Tudo parecia em perfeita sincronia, e mais ainda com o jogo que palavras que ele usou para falar tanto da turnê, quanto de…
De nós.
Contudo, foi uma mudança em seu semblante que chamou minha atenção; ele ficou sério e seu sorriso esmoreceu, como quem reflete sobre o que diz. Suas palavras vieram pontuais e assertivas.
— Seja lá o que estiver te deixando com medo, não vale a pena. Você é uma ótima profissional e nada vai mudar isso, então só… Só siga fazendo o que faz de melhor: seja você mesma. Nada vai atrapalhar seu caminho. Eu posso te garantir isso.
O choque de sua fala me atravessou como um raio; eu senti a eletricidade, a faísca, a força. Ele me dizia tanto, mesmo com o sentido dúbio das frases.
De toda maneira, a força ali depositada, me deixou mexida. Será que ele falava isso, considerando tudo o que aconteceu conosco na noite passada? Será que ele queria me dizer que tudo ia ficar bem, que nada me prejudicaria? Será que eu estava viajando demais na neura, ou estava desesperada por qualquer sinal de tranquilidade em meio ao caos?
A verdade é que, independentemente de tudo, Jungkook disse coisas tão doces que eu não consegui disfarçar o encanto; eu percebi o cuidado em suas palavras, e a preocupação misturada com carinho em suas feições. Ele se importava comigo, em algum nível.
Nossos olhares se mantiveram intimamente fixos e eu senti os olhos marejarem.
Porra, puta que pariu, que vontade de chorar!
Como se eu já não tivesse feito o suficiente na noite anterior.
Respirei fundo, engolindo em seco o pranto e a emoção.
Minha voz saiu um pouco trêmula e grave, mas eu consegui respondê-lo de maneira (minimamente) decente.
— Obrigada, Jungkook. Posso dizer o mesmo para você.
Acho que o pouco de interação entre nós o deixou menos desconfortável, a ponto de um pequeno sorriso brotar no canto do seu rosto.
— Eu sei que sim — sua voz soou, confiante.
E sim, ele sabia. Céus, como ele sabia! Afinal de contas, tinha uma pequena carta que praticamente narrava tudo o que eu admirava nele, e em como torcia para que tudo desse certo em sua estrada.
Ora, se não foi essa mesma mensagem que nos levou ao ápice de nós dois na noite passada?
É claro que ele sabia. Ele sabia para um caralho!
— Olha ela, tirando onda nos elogios! — Hyun-mee interrompeu com uma animação incomum, tirando-nos do transe. Cacete, ela estava ali, vendo tudo de camarote! — Que isso, hein? Depois dessa, dá até para pedir um aumento, então!
Foi impossível não rir com a gargalhada de Jungkook; era contagiante e maravilhosa, como ele. Felizmente quebrou um pouco do clima tenso inicial.
— Acho justa essa renegociação. Tem o meu voto! — Jungkook disse, dando uma piscadinha. — Não vou tomar mais o tempo de vocês. E por favor, , se alimente bem, certo?
E assim, Jungkook se retirou com uma educação impecável, e eu e Hyun-mee ficamos admirando sua leveza e seu andar, enquanto ele caminhava para perto dos meninos.
— Ele parecia tão… uau. Intenso. Tá tudo bem mesmo? — Hyun-mee me perguntou desconfiada e eu suspirei, pensativa.
O que eu ia dizer?
— Acho que ele também está nervoso, sei lá.
— Hm… ok. E você, com o olhar perdido aí?
— Pensando no meu aumento, ué.
Ela riu e me levou de volta à mesa, e eu me obriguei a comer minimamente bem, para acabar com aquela vigilância toda em cima de mim — sem deixar de ser grata ao amor e afeto de minha prima.
Ela me salvou… inúmeras vezes, até.
Mas aquela ali, especificamente, ela sequer sabia do que se tratava.
E eu esperava que assim permanecesse.
Capítulo XV - Don't tell me bye, bye pt.2
Aquela situação toda já estava me irritando, quer dizer, até quando a desculpa do primeiro dia de turnê iria durar? Precisava focar, jogar aquelas preocupações para um canto muito bem guardado dentro de mim, sem deixar transparecer nada.
Era foda? Para um caralho, mas o que eu diria caso me perguntassem novamente se eu estava bem?
“Ah, liga não! É que eu estou morrendo de medo de perder meu emprego e prejudicar a minha reputação e da minha prima, porque dei uns pegas no caçula do BTS e fiquei mais apaixonada do que já estava. Aliás, ele beija bem à beça, sabia? Recomendo!”
Perfeito! Só que não.
Eu estava encarando meu reflexo no espelho do banheiro, dando tapinhas na minha cara para me concentrar de uma vez por todas e atingir meu modo workaholic – que, venhamos e convenhamos, não era nada difícil de alcançar. O problema era dar uns amassos no golden maknae e ter as memórias tão recentes que faziam meu interior vibrar!
Um banho nunca durou tanto quanto a noite passada.
— Puta merda, ! Aonde você estava com a cabeça!? — eu sussurrava para mim mesma enquanto segurava a base do meu nariz, fechando os olhos.
“Você se arrependeu?” A voz de Jungkook soou praticamente vívida em meus pensamentos, e eu arregalei meus olhos, como quem desperta de um sonho ruim.
— Mas é claro que não! — espalmei as mãos no mármore da pia e novamente, estava lá a imagem da jovem aflita, estressada, xoxa e capenga que eu havia me tornado em menos de vinte e quatro horas. — Que merda tinha naquele beijo? — pensei comigo mesma, falando baixinho.
“NaqueleS beijoS!”, me corrigi, em meio a um gemido de sofrimento.
Respirei fundo três vezes, soltando o ar com calma e me encarei novamente.
Eu precisava de ajuda.
Uma ajuda específica.
Tão única que estava há milhas de distância de mim.
Mas eu precisava mesmo dela.
Minha mão alcançou o celular e rapidamente meus dedos deslizaram pela tela, iniciando uma ligação.
Chamou uma, duas, três vezes.
Na quarta vez, quando eu já estava desistindo, a voz atendeu do outro lado.
— Hã? Alô?
— Leli? Que voz é essa? — estranhei a rouquidão.
— , é você?
— Como assim? É claro que sou eu, amiga. Você não… Ah meu Deus! — bati a mão na testa verificando meu relógio — São três da manhã, não é? Puta que pariu!
— Tipo, sim — ela respondeu, mais sonolenta do que acordada e eu xinguei trezentos palavrões em um curto espaço de tempo.
— Cara, foi mal! Esqueci totalmente do fuso, mil desculpas! Volta a dormir, amiga.
— Quê? — ela perguntou com a voz confusa.
— Volta a dormir, amiga. Depois a gente se fala, te amo, viu? Beijos!
— Ei, para com isso! — Leli ralhou do outro lado e eu dei uma paralisada. — Você me ligou no meio do seu expediente, sem se tocar da diferença de horário. Ou seja, duas coisas que você não costuma fazer. Aconteceu alguma coisa, não foi?
Mordi meu lábio inferior e senti minha vista marejar com aquela frase. Eu sentia muita falta de Leli, diariamente. Mas aquilo era demais: sem nem falar nada, absolutamente nada, ela sabia que tinha dado merda em algum nível.
— Talvez… — respondi, receosa.
— Espera aí… — ouvi alguns passos e logo senti meu celular vibrar com a notificação de chamada de vídeo. Aceitei sem pestanejar e logo vi minha amiga com um blusão velho e a cara toda amassada, usando sua touca de cetim para manter os fios bem moldados no dia seguinte.
— Oi — falei, sentindo um aperto de saudade no peito, ao mesmo tempo que seu sorriso me trouxe alívio.
— Você conseguiu a façanha de parecer mais acabada do que eu. O que houve?
Seu rosto era iluminado por uma luz de cabeceira e eu suspirei, me encaminhando para a cabine do banheiro e sentando em cima da tampa do vaso sanitário.
— Eu fiz merda… — respondi, sentindo minha boca tremer.
— Estou ouvindo — Leli assumiu uma postura mais séria ao perceber meu estado de espírito. Tomei fôlego e conectei o fone de ouvido ao celular, para falar diretamente no microfone, baixo, para caso alguém entrasse no banheiro.
— Nos beijamos.
— Uh, sério? Você e o Jae-in?
Ah, Leli. Quem dera… Pelo visto, ela não estava totalmente atualizada dos últimos acontecimentos. Também, tanta coisa acontecendo em pouco tempo, não tinha como estar a par da situação toda.
Suspirei de novo e fechei os olhos com força.
— Jungkook.
— O QUÊ? — Sua voz me fez abrir os olhos e eu dei de cara com uma Leli totalmente surpresa. Suas caras e bocas eram indescritíveis e eu seria totalmente capaz de rir delas, se não fosse uma situação trágica. — VOCÊS O QUÊ?
— É isso. Por favor, não me faça repetir!
— CARALHO! — ela berrou e eu dei uma alavancada para trás com o volume estridente de sua voz, abaixando o volume do fone. — Não, espera aí! Como assim? Como? Caralho, sua safada! Você… Puta que pariu! Você é minha maior inspiração, na moral! Me ensina!
— Leli! — reclamei, respirando fundo — Você está entendendo o que eu estou te dizendo? Eu… Céus! Meu emprego, Hyun-mee, Coreia do sul! Se ligou?
A cara de bosta que fez também foi impagável. Ela colocou a mão no queixo, pensativa. Depois, cruzou os braços e encostou na cadeira, com o cenho franzido. Abriu e fechou a boca várias vezes, e seu olhar vagava ao redor, como quem fazia cálculos imaginários.
— E então, Nazaré Tedesco? — Tentei tirá-la do seu choque, e ela piscou várias vezes pra mim, com os olhos bem abertos.
— Você ainda segue sendo minha heroína.
— Porra, Leli… — segurei meu rosto com uma mão, me sentindo uma idiota.
— Calma, calma! Agora é sério… Como rolou isso? Vocês estavam próximos a esse ponto?
— Pelo visto, sim. Achava que era algo unilateral, sabe? Que só eu estivesse secretamente a fim. Eu nem cogitava que isso pudesse ser correspondido em algum nível, e agora… Argh! Agora to aqui, na merda!
— Pensando pra caralho, né? — Leli abanou o ar e me olhou com uma careta de dor — Dá pra ver a fumacinha saindo da sua cabeça daqui.
Eu ri, com pena de mim mesma.
— E pensar que te liguei pra me aconselhar…
— Amiga, calma. Sério, assim… Vamos aos fatos? Você está nitidamente pirando com isso, eu sei. Sempre foi muito cuidadosa com o trabalho e agora, aconteceu isso. Tá, beleza. Podemos voltar no passado e apagar?
— Não…
— Ok, então vamos lidar com o que temos. Quem é que está sabendo disso?
— Só eu e ele. Quer dizer… eu não contei para ninguém além de você. Não sei se ele disse para outra pessoa.
— Vocês já se viram depois do ocorrido?
— Sim.
— Ele conseguiu disfarçar ou agir normalmente?
— Não muito… — falei, triste, por lembrar de J-Hope chamando-o porque estava espionando a gente. Merda…
— Se ele está pirando como você, é bem provável que algum amigo já tenha percebido que ele não está bem. E se ele desabafou…
Meu coração deu uma palpitada só de considerar que alguém mais poderia saber daquilo. Não, Jungkook não faria isso… Faria?
Pensei em J-Hope, nos abordando mais cedo… Será que ele sabia, ou desconfiava?
Mas nossa conversa tinha assuntos diferentes. Como eu rezava internamente para que J-Hope não tivesse percebido nada.
— Temos a desculpa do primeiro dia da turnê — pensei alto, dando de ombros — O que não deixa de ser verdade. Mas o que rolou ontem só intensifica a tensão.
— Ai, foi ontem? Caramba! Babado quente e super atual!
— Leli! — choraminguei de novo e ela sorriu, com pena.
— Vamos ser otimistas, sim? Se alguém mais souber, talvez não queira te prejudicar, afinal de contas, você se dá bem com todo mundo, né?
— É, talvez… — comentei, analisando a situação.
— Até porque você levou uma surra na cara pra proteger o desgraçado do Jungkook, então… Porra! Isso precisa ser levado em consideração.
Eu ri levemente, sentindo mais falta de estar com Leli do que nunca. Ela sempre sabia o que dizer para me alegrar.
— Talvez você tenha razão.
— É, bem, a gente tem que considerar essas opções, sabe? Nada está perdido, né? Quer dizer, aconteceu, mas só vocês sabem. Não é isso?
— Acho que sim — respondi, depois de ponderar.
— Então, é bom! Ou, menos pior. Porque é só garantir que mais ninguém fique sabendo disso.
— É? — perguntei, incerta, e Leli me olhou dando de ombros.
— Cara, é isso, amiga! Sim, aconteceu! Rolou um beijo!
— Uns… beijos — corrigi, me sentindo culpada. Leli soltou o ar da boca e sorriu feito It a coisa, antes de continuar.
— O-kay! Uns beijinhos, uma pegaçãozinha de leve como quem quer matar uma curiosidade aqui e outra ali. Você estava a fim, ele também… Nada demais! Se pegaram e se soltaram, né?
— A gente se pegou no carro dele. — Leli fingiu naturalidade enquanto gesticulava.
— Nada de novo sob o sol, amiga. Pegação no carro? Pfff! Isso é tão anos 90! Relaxa! O que mais poderia acontecer?
— A gente foi pro banco de trás e eu fui parar em cima do colo dele.
As mãos de bateram na mesinha e logo sua imagem ficou escura, sendo possível escutá-la, apenas.
— Puta que pariu, !!!
— Eu sei, cacete! Eu sei! — respondi, nervosa.
— Você roçou gostoso, cara!!! — era a vez de Leli pirar e eu gemi chateada, lembrando com certo deleite daquele ato.
— Cadê você, porra? — chamei tal qual um bebê, me sentindo ansiosa, e logo Leli levantou o celular, posicionando-o de volta.
— Desculpa, eu me exaltei. Onde estávamos? — ela perguntou, tentando manter a postura e eu comecei a rir, pensando em como eu estava fodida. — Cara, foda-se. Eu estou em choque e sou completamente incapaz de achar que isso foi ruim, amiga.
— Cara, como assim? Você não acha que eu sou uma escrota? Eu sou mais velha que ele, deveria ter tido mais responsabilidade! O que Hyun-mee vai achar de mim, quando descobrir?
— Se descobrir, você quer dizer… — Leli lembrou com um sorriso, e ao reparar na minha feição triste, logo estalou a língua, cruzando os braços. — É, eu não tinha pensado nisso. Hyun-mee é foda.
— Ela é tudo que tenho aqui, amiga. Tô me sentindo muito mal, sabe? Como se estivesse cagando em todos os conselhos que ela me deu sobre isso. Me sinto uma traíra.
— Não é assim, …
— Ela vai ficar decepcionada comigo, Leli. É minha prima-irmã, ela me conhece. Já estranhou meu jeito duas vezes, hoje. Ela acha que é por causa da turnê. Só que tá foda de disfarçar, sabe? E eu nem gosto de manter nada em segredo. Não com ela.
Ficamos num silêncio contemplativo e Leli cruzou os braços enquanto mordia os lábios, pensativa.
— Sinceramente, amiga? Acho que isso não é tão simples de se colocar na mesa, sabe? Não é como se fosse qualquer coisa. Eu sei, pelas últimas vezes que conversamos, que você ficava toda animadinha quando falava do boy e tal, e eu entendi que era uma animação diferente do resto do pessoal. Mas não sabia que era recíproco, ou que tinha alguma chance disso acontecer.
— Eu sei! Eu pensava assim também, cara! Não é doido, isso?
— Assim, impossível não é. Até porque você é a maior gata e qualquer um com bom gosto ficaria galudão em você.
— Ah, pára!
— Tô falando sério! Mulher independente, bilíngue, inteligente, perspicaz, trabalhadora, bonita, engraçada, dona de uma senhora rabeta! Quem resistiria?
— Você está no seu período fértil, não é?
— Como você sabe? — Leli perguntou chocada e eu ri, rolando os olhos.
— Você sempre fica com esses papos quando chega essa época. É engraçado de acompanhar.
— Amiga, eu estou literalmente me sentindo naquela coreografia de Buttons, sabe? Tá foda.
Eu gargalhei, achando graça da coincidência, porque foi justamente aquela dança que eu reproduzi no dia da boate.
— Acredita que naquela noite em que nos falamos, eu dancei essa coreografia?
— Mentira! Sério? Na frente de todo mundo?
— Sim!
— Cara, eu tô sem palavras! Porra, que felicidade em ouvir que você voltou a dançar, amiga! — Os olhos de Leli brilharam e eu prendi a emoção com um sorriso torto.
— Não sei se posso chamar aquilo de dançar, mas… É, eu tive meu momento.
— Então é por isso que o Jungkook não resistiu e te deu uma carona. Te viu dançando, pirou o cabeção e veio com tudo para te dar uns pegas.
— Leli!
— Menino sagaz, esse. Gostei!
— Vai a merda… — Ri, dando o dedo do meio e ela sorriu, apoiando o cotovelo na mesa e o queixo em sua mão. Ficamos nos olhando e ela quebrou o silêncio com uma pergunta enigmática.
— O que você vai fazer?
— Eu não sei…
— Foi algo de uma só vez? Tipo, one night stand?
— Não sei…
— O que você quer?
Fiz uma careta, dando de ombros.
— Eu estou apaixonada, né. Depois de ontem, fodeu. Tenho inúmeras lembranças para criar um filme de horas na minha cabeça. Se eu não estivesse nessa condição de chefe e empregado, eu adoraria viver isso com ele.
— Paixão é foda. Ele também tá assim por você?
Eu demorei alguns segundos para responder, me sentindo perdida.
— Eu não sei dizer, Leli. Parece que ele quer, mas não sei sobre seus sentimentos. Mal sei dos meus, pra ser sincera. Eu tô muito encantada com ele e isso nubla as minhas ações, que deveriam ser mais precisas, responsáveis. Ele tira meu juízo!
— É, você está apaixonada.
— Eu sei!
— E depois de vocês terem se pegado, rolou alguma conversa? Como foi?
— Eu pirei e saí correndo do carro, indo pra casa — sorri sem graça e Leli coçou a cabeça, encarando seu próprio colo.
— E ele?
— Veio atrás, tentando conversar. Perguntou se eu tinha me arrependido.
— Uou! E você se arrependeu?
Encarei Leli com uma feição culpada.
— É estranho, não sei dizer. Mas sinto que se pudesse, viveria de novo. Apenas não gostaria de lidar com as consequências.
— Ah, amiga. Essa parte é foda. As consequências sempre vêm.
— Estou tomando uma surra delas, acredite.
— Não são as piores, vai? E no mais, ele parecia disposto a conversar… Como foi hoje?
— Ele realmente me procurou, sabe? Mas eu não consegui. Não consigo. Minha cabeça está muito confusa. Eu estou literalmente fugindo dele.
— Não é para menos. Mas achei legal da parte dele… Tipo, não ser escroto. Ser um cara maneiro, querendo conversar, provavelmente para alinhar as pontas soltas.
E foi aí que eu entendi: eu não estava fugindo de Jungkook porque não sabia o que dizer, ou por pura vergonha sobre o que tinha rolado entre nós.
Eu estava com medo de descobrir que ele não levava aquilo tão à sério quanto eu.
Tinha medo que ele não sentisse a mesma coisa, que não levasse em consideração todos os sentimentos envolvidos.
Tinha medo de ser colocada num lugar descartável, num lugar de ficada, como quem tanto fez como tanto faz…
Como se eu fosse mais uma staff com quem ele teve um caso.
Mas, eu estava conjecturando horrores, deduzindo até.
Será que todas minhas desconfianças eram reais? Ou eu já estava tirando conclusões precipitadas?
Era necessário entender tudo aquilo, mas…
No fundo, eu também tinha medo de que aquilo alimentasse mais minhas emoções, a ponto de querer continuar com o que quer que nossa relação fosse.
Uma verdade era inegável: eu queria Jungkook, ardentemente.
Feito fogo.
Feito urgência.
E as memórias da noite passada não ajudavam em nada a acalmar meu coração.
— Como você está se sentindo? — Leli chamou minha atenção.
— Bem, eu acho. Bem melhor do que há alguns minutos atrás, graças a você.
— Imagine! Eu só surtei, amiga.
— Já foi de bom tamanho. Eu também surtaria — admiti com um pequeno sorriso, e Leli o retribuiu.
— Você quer minha opinião? — indagou e eu balancei minha cabeça rapidamente, para cima e para baixo. — Certo… Não acho que você seja uma prima ruim. Talvez, se Hyun-mee descobrir, ela fique chateada por um tempo, mas você não é uma pessoa babaca ou traidora por causa disso. Não dá para mandar no coração, .
— Mas dá para decidir nossas atitudes, né?
— E se você quiser viver isso? E se isso não for algo a ser ignorado, amiga? E se os dois estiverem tão afim um do outro a ponto de querer bancar o risco? Já pensou?
— Se der alguma merda, vai arrebentar pro meu lado. Eu sou a ponta mais fraca da situação, e meu medo é que isso resvale em Hyun-mee, sabe?
— Eu entendo, , mas ainda assim não te acho uma escrota. E nem acho que está sendo uma prima ruim por causa disso. Só acho que precisa, antes de mais nada, colocar os pingos nos is, ouvir o que Jungkook tem a dizer e daí sim, resolver o que vai ser feito. Se for o caso, até mesmo conversar com Hyun-mee, quem sabe… Mas agora? Nesse momento, você é apenas alguém confuso por ter se atracado com um cara na noite passada. Não tem como fazer decisões em tão pouco tempo, com tão pouco esclarecido. Não tem como você sair deduzindo e decidindo, entende? Principalmente sentada numa privada coreana.
Eu ri da parte final de sua frase, achando graça na forma em que Leli conseguia tornar as coisas mais nítidas e leves, ao mesmo tempo. Ela era incrível.
Mas uma coisa era certa: eu precisava resolver aquelas questões num momento mais apropriado. Não era hora de surtar daquele jeito. Ela tinha razão.
Agora, teria de ser no modo vida adulta mesmo: marcar hora pra chorar porque o couro está comendo no trabalho.
Como se adivinhasse, Hyun-mee me mandou mensagem pedindo para agilizar no banheiro, pois precisava de mim.
— Leli, preciso ir. Hyun-mee está me chamando.
Ela deu um pequeno sorriso e concordou com um aceno.
— O dever te chama, né? Saquei.
— Pois é. Me desculpe por ter te acordado.
— Relaxa, eu não me importo. Foi bom falar com você, mesmo no meio desse furacão todo.
— Nem me fale… Você me salvou, amiga. Mais uma vez.
— E o farei sempre que necessário. Sabe que se der merda, eu estou aqui, né?
— Sei… — respondi, sorrindo mais animada.
— E sabe que sempre terá um espaço pra você na Companhia, não é? Tipo, se der merda real.
Era estranho pensar naquilo de uma maneira minimamente remota, mas sim. Eu também sabia. Só não me sentia pronta pra vida da dança.
Não de novo.
— Obrigada, amiga. Sei que posso contar com você, e espero que se lembre disso também, em relação a mim. A recíproca é verdadeira: estou aqui pro que der e vier.
— Eu sei! Não se preocupe, . Já deu tudo certo.
Nós acenamos com as mãos e enfim, a imagem dela sumiu na tela, me fazendo respirar fundo.
Saí da cabine, dando uma última olhada no espelho e constatando que eu estava minimamente apresentável, sem parecer uma jovem lunática como estava há um tempo atrás.
Saí do banheiro e fui ao encontro de Hyun-mee, resolvendo os últimos ajustes que nos eram solicitados. A correria era tanta, que a adrenalina se tornou suor em minhas costas; eu estava ansiosa, nervosa, pilhada, agitada e concentrada ao mesmo tempo. Tudo era de uma prontidão precisa, e eu nem tive tempo de respirar direito. Quando dei por mim, os rapazes já estavam se posicionando para o começo do show, se reunindo numa pequena sala, completamente trajados.
Eu perdi totalmente minhas estruturas ao vê-los tão de perto: vestidos de preto com aquela jaqueta brilhosa e prateada, maquiados e praticamente angelicais… Tão lindos, tão prontos para encarar o início daquela turnê tão aguardada! Era um sonho se tornando realidade; o Gocheok Sky Dome parecia ter vida própria com o público que vibrava ansiosamente pelos rapazes.
Não percebi que estava sorrindo feito uma mãe orgulhosa até que Jimin notou meu semblante e me chamou com a mão. Foi então que eu me toquei: todos os staffs estavam se dirigindo para lá.
A passos incertos, me juntei a eles, e um por um, cada um dos rapazes me olhou de um jeito terno, doce e carinhoso. Não precisei contar os segundos para perceber que o contato visual entre Jungkook e eu foi maior do que os outros, e só foi rompido quando RM começou um pequeno discurso motivacional.
Ele falava sobre coisas tão incríveis, sobre todos os momentos em que nos dedicamos para aquela turnê, e enfim, ela estava ali pronta para ser exibida para milhares de pessoas, que ansiavam por um momento incrível e único com BTS. Era como um filme se passando na cabeça, de todos os acontecimentos que nos levaram até ali.
— É por isso que hoje vamos entregar tudo que o army nos dá: todo afeto, todo amor, toda mínima molécula de esperança… Estamos devolvendo toda a energia que nos trouxe até aqui. E eu confio em cada um de nós e sei que vai ser maravilhoso. Vamos nos divertir e fazer um show inesquecível!
Olhei ao redor, percebendo alguns staffs emocionados pelas palavras do líder do grupo e, bom: como culpá-los? Namjoon era realmente uma pessoa admirável, e que sabia tocar o coração das pessoas.
Os meninos uniram-se num abraço e juntaram as mãos, fazendo seu “grito de guerra” ecoar. Logo mais, o ambiente foi preenchido por várias vozes dizendo a mesma coisa: “BTS, fighting!”.
Os garotos se posicionaram estrategicamente, esperando o sinal de Hye-jun. Foi quando aconteceu algo inesperado: antes de seguir, Jungkook deu uma última olhada para trás e seus olhos pousaram nos meus.
Era só nós dois, de novo, e eu perdi todo fôlego que me restava.
Não importava quantas vezes já tivesse passado por isso: parecia sempre a primeira!
Era arrebatador, não havia outro termo.
Estava tão absorta que só despertei com as vozes em coro. Sorri, incerta, e me uni a eles.
— BTS, fighting!
Jungkook sorriu abertamente com os olhos brilhando, e enfim seguiu os meninos, rumo ao palco da noite.
Nos posicionamos no backstage, e meu coração explodiu em fogos de artifício ao ver a proporção dos fãs, que gritavam animadamente pelos garotos.
A introdução de “Not Today” começou com tudo e ali, os meninos se transformaram: assumiram a pose performática e o modo como dominaram o palco em poucos segundos me deixou impactada; parecia um sonho de tão perfeito!
Os passos de dança, as posições nos lugares certos, os olhares, as feições, a disposição e a entrega… Cada um deles se doava ao máximo e toda dedicação poderia ser comprovada ali, na presença de palco e na forma como reverberava por todo o local.
A primeira música passou num piscar de olhos, e os rapazes deram boa noite para a plateia, devolvendo a animação que receberam bem antes do show começar. Quando dei por mim, “Am I wrong” estava soando a plenos pulmões da plateia. Junto com a coreografia e a sincronização, o show pareceria cada vez mais mágico.
E talvez fosse exatamente por isso que a atração de fãs aumentava consideravelmente ao redor do mundo. Ao constatar isso, percebi que eu era apenas mais um deles.
— ! Preciso que troque comigo! — Hye-jun me puxou, visivelmente aflita.
— Aconteceu alguma coisa?
— Você estava escalada para auxiliar o solo do Jimin, mas o ponto de retorno dele deu problema. Vou precisar resolver isso junto aos técnicos enquanto o solo de Jungkook entra primeiro, e você vai acompanhá-lo. Entendido?
Puta merda.
Eu… o quê?
Ai, cacete.
— Claro! Vou me posicionar agora — espantei todos os medos e me despedi num aceno rápido, sentindo meu corpo assumir o modo automático perante de Hye-jun. A cada passo dado, eu me concentrava em duas coisas: o meu trabalho, e em afastar toda a tormenta de emoções causadas nas últimas horas.
Puxei o tablet e verifiquei aquilo que já sabia de cor: Jungkook provavelmente viria morto de sede, doido para enxugar o suor, e ainda precisaria mudar de visual, vestindo uma blusa branca e um paletó preto com brilhos prateados em degradê.
Logo separei a toalha em mãos, a garrafa d’água e puxei a arara de rodinhas, com a blusa e o paletó pendurados por cabides. “Dope” estava quase terminando, e a minha ansiedade aumentando, desproporcionalmente.
Senti um arrepio descer pela minha espinha ao ouvir a voz rasgada e assertiva de Jungkook ao cantar “I gotta make it fire, baby!” e, céus, até um mini tremelique eu tive.
Puta que pariu!
Ser apaixonada por um idol com quem você já teve experiências (pré?) sexuais era demais para o meu coração. Eu não me lembro de ter me inscrito para ocupar essa vaga — e ainda assim, me sentia mais pronta do que nunca para ocupá-la, isto é, se me desse total acesso ao maknae e seus beijos envolventes.
Cacete, o que é que eu tinha na cabeça?
— Foco, foco! — falei comigo mesma em português, e algumas pessoas da equipe de maquiagem me encararam confusas, estranhando minha língua natal e o fato de falar sozinha. Sim, ficar doida era critério imprescindível para se apaixonar por um k-idol, pelo visto.
Eu apenas sorri sem mostrar os dentes, percebendo o silêncio típico de fim de música, e fiquei tensa ao perceber a retirada dos meninos do palco.
Totalmente suados, enérgicos e quentes (e bota quente nisso!), passaram direto por mim com cumprimentos curtos. Eles foram cada vez mais para dentro do camarim enquanto eu esperava Jungkook na porta.
— Eu estou desidratando! — ouvi J-Hope comentar enquanto arfava, sendo atendido por uma mulher que posicionava um ventilador de mão em sua direção, enquanto lhe entregava água.
— Sério, parece que o palco estava pegando fogo! — Taehyung completou abismado, endireitando sua bandana e pedindo água para outro rapaz da equipe.
— Isso é porque nós estamos pegando fogo! — Jin comentou convencido, com seu rosto corado de calor.
— Esse show começou bom pra caralho! — Yoongi entrou no local animado, e Jimin veio logo atrás.
— Eu preciso sentar, estou morrendo!
— Eu preciso de água! — Namjoon pediu, sendo atendido por Hyun-mee, que dava suporte para ele e Jimin.
Olhei para trás, vendo que todos estavam se recuperando, enquanto a maquiagem era retocada, a sede sanada, e o fôlego, recuperado.
— Essa água é para mim?
A voz arfante de Jungkook soou perto demais e eu dei um pequeno pulo no lugar, virando para frente e dando de cara com o sujeito.
Sujeito lindo da porra até quando suava feito um porco no sol.
— Sim! Por favor! — Eu abri a garrafa em tempo recorde, entregando para ele enquanto enxugava seu rosto com a toalha, sem perder tempo.
De onde tinha tirado essa coragem toda? Nem eu sabia!
Minha mão estava nitidamente tremendo, mas me esforcei para tocar sutilmente a face de Jungkook, afastando o calor que ele sentia.
— Eu poderia me acostumar com isso — o maknae comentou antes de dar um novo gole, sem retirar os olhos de mim. Eu dei uma pequena travada, devolvendo o olhar penetrante e, com um pigarro, voltei ao foco.
— Você precisa trocar de roupa.
— Você tem toda razão — ele respondeu como um jovem malandro e eu abri a boca, mas não consegui dizer nada. Por que? Ele simplesmente retirou a jaqueta e ergueu as mãos pro alto, retirando a blusa preta que vestia.
Eu estava encarando o peitoral nu de Jungkook como quem não fosse capaz de responder a própria data de aniversário, ou o nome. Perdi totalmente as (poucas) estruturas que tinha ao observá-lo tão de perto, tão bonito, tão… gostoso!
Sim, ele era definitivamente gostoso. Pra caralho. Mesmo!
— Poderia me passar a blusa? — ouvi sua voz longe e precisei piscar algumas vezes para entender que ele falava comigo. Quando ergui a cabeça, sua vista se cruzou com a minha e ele mantinha um sorrisinho desgraçado no rosto.
Ca-ra-lho!
Pega no flagra.
Paguei o maior mico, o maior chimpanzé da vida!
Porém, entretanto, contudo, todavia… foda-se. Eu tinha visto o tanquinho do Jungkook! Ao vivo e a cores!
Ainda com uma vontade absurda de enfiar minha cara num buraco, eu desviei o olhar envergonhado e prontamente lhe servi a blusa, já segurando o paletó em mãos.
— Obrigado — sua voz era o próprio deboche e eu suspirei, meio puta com a situação. — Me ajuda com isso? — ele perguntou, apontando para a peça de roupa em minhas mãos, enquanto abotoava sua blusa.
Ele era um filho da mãe de um gostoso que estava se aproveitando da situação, é isso? Pois bem! Esse jogo era feito de dois!
— Claro! — respondi, assumindo uma postura bem solícita.
Eu poderia brincar de seduzir também! Exceto pelo fato de não ter nenhuma vestimenta que valorizasse meus dotes, uma vez que o uniforme de staff era mesmo algo comum e simples para um belo e cansativo dia de trabalho.
Merda.
Prendi o ar nos pulmões ao gravar as curvas que seu corpo fazia na camisa recém colocada e espantei pensamentos comprometedores demais para quem dependia daquele trabalho para viver. Era melhor desistir daquele jogo — afinal de contas, a última vez que jogamos, tinha me rendido um jantar comprometedor, não é?
Expeli o ar de mim e desisti da dinâmica birrenta, traindo a mim mesma quando respirei com força e recebi o cheiro de seu perfume.
Forcei o autocontrole e vesti o paletó no torso de Jungkook, braço por braço, sentindo o tempo passar devagar nessas circunstâncias.
Ajeitei o tecido em suas costas, focando nos detalhes e senti minhas digitais deslizando nos músculos do rapaz com uma facilidade invejável — e isso só tornava minha situação mais difícil. Balancei o rosto e voltei a me concentrar, ignorando a vontade de agarrá-lo ali mesmo, pelas costas.
Me virei de frente para arrumar a gola, que estava enrolada em seu pescoço, e foi quando aconteceu: meus dedos acidentalmente roçaram em seu pescoço, o que provocou uma corrente elétrica de pele para pele. Já que ele também tremulou levemente com o contato da minha tez na sua, deduzi que realmente tínhamos uma química inegável e sentida por ambos. Pelo visto, era um jogo de dois mesmo.
Nossos olhares se cruzaram novamente e eu me vi perdida nos seus olhos, doida para puxar aquela gola para mim e trazer sua boca junto à minha. A distância era tão pouca, e a vontade, tão grande…
Eu tinha provado! Sabia como era bom, como era excitante, como Jungkook carregava o sabor da repetição, do “quero mais” em seus lábios.
Eu não percebi que estava há tempo demais confabulando sobre essas coisas, não até perceber minhas mãos bem presas na sua gola — como se a qualquer momento eu fosse puxá-lo para mim.
Minha respiração ficou rarefeita ao notar que seu olhar se debruçou sobre os meus lábios.
Oh, céus. Eu estava caindo de novo!
Não, não e não!
Um alerta máximo se ativou em minha mente e eu me afastei como se estivesse acabado de queimar minha pele com fogo. Me senti acanhada, mas ainda assim reuni forças para dizer algo óbvio e profissional.
— Você precisa retocar sua maquiagem.
Me despedi com um movimento de torso e não esperei a resposta de Jungkook, mas podia sentir seus olhos cravados nas minhas costas. Ele estava me observando, e eu me via como um bichinho prestes a ser predado.
Eu fugi como o diabo foge da cruz e alcancei o primeiro banheiro que vi pela frente, jogando água na cara para refrescar um pouco; tamanha era a combustão que meu corpo sentia ao ficar tão perto de Jungkook.
Abanei minha nuca e respirei fundo ao massagear meus ombros, sentindo a calma voltar, pouco a pouco. Puxei a garrafinha d’água e quase matei 500ml num gole só, pois a sede era grande (eu me pergunto o porquê?).
Assim que retomei o controle, saí do banheiro e vi um burburinho perto da entrada do palco. Estranhei de cara e meu coração acelerou, com receio do que pudesse ter acontecido.
— O que houve? — perguntei para o pessoal, que cochichava abismado demais para conseguir me responder. Fui me esgueirando por todos, até chegar na frente e dar de cara com a cena mais improvável; Jungkook estava paralisado, de costas para o público, com o foco de luz em si, e a fumaça rondando aos seus pés.
A introdução de Begin já tinha começado, mas ele não seguiu cantando e andando a passos lentos, como o esperado.
Ah, merda.
Será que ele estava passando mal? Será que ele estava sentindo alguma coisa? Por que ele travou logo no seu solo?
Minha pergunta foi respondida pelo Namjoon, que estava logo à frente falando rápido com J-Hope.
— Conversa com ele, J-Hope! Essa é a coreografia que ele estava errando, deve ter pilhado com isso. Fala com ele!
Hoseok logo pegou o microfone que estava ligado ao ponto interno do caçula, de forma que apenas ele poderia ouvir. Assim, o aniversariante começou a falar.
— Jungkook, sou eu! Fica calmo, respira. Vamos, se concentra. Você conhece essa coreografia, praticou incansavelmente, lembra?
Meus olhos foram dele ao mais novo, e vi Jungkook encarar a todos nós de soslaio. Sua feição amedrontada entregava todo o medo de errar que ele carregava. Um aceno negativo de cabeça, e um olhar assustado, foi tudo que ele respondeu.
Respirava tão rápido que eu poderia jurar que ele estava tendo uma crise de ansiedade, no início do show.
— Merda! — ouvi Namjoon sussurrar, deixando todo mundo tenso, quando a introdução parou de tocar. As luzes desfocaram de Jungkook e se espalharam, tornando-se amenas, como se dessem tempo para o maknae se recompor.
Olhei em volta e vi que todos estavam prendendo o fôlego de tanta tensão. Encarei o chão, pensando no que fazer, calculando mil estratégias na cabeça.
Ele estava nervoso.
Ele estava travado.
Ele estava com medo de errar, com medo de se machucar, como foi… daquela vez em que nos conhecemos, de verdade.
Meu coração apertou ao vê-lo ali, parado, de costas para os fãs, que mantinham o burburinho de falas soando no ar. Era possível ver o público confuso, sem entender o que estava acontecendo, e aquilo não ajudava em nada.
Eu estava olhando para ele, forçando minha mente a pensar em tudo que fosse possível, mas nada me preparou para o momento em que seu olhar recaiu sobre o meu.
Nos encaramos, quase cúmplices, dividindo a tensão instaurada.
— Eu não consigo — ele balbuciou e eu entendi, pela leitura de lábios.
O aperto no peito se tornou maior e eu me senti impulsionada a fazer algo.
Olhei para o microfone nas mãos de J-Hope e prendi o ar, tomando a atitude que martelava em minha cabeça. Se estava certa ou errada, só descobriria depois.
Mas naquele momento Jungkook precisava de mim, e eu não lhe daria as costas.
Num ato súbito, coloquei a mão no ombro de J-Hope e o encarei, amedrontada.
— Posso tentar? — minha voz saiu falha, denunciando o nervosismo.
J-Hope me olhou por dois segundos e mordeu o lábio inferior, confirmando num aceno breve.
— Vem comigo — pediu num sussurro, e eu o segui, saindo em disparada do local. Os outros seguiram com os olhos voltados para o maknae, esperando que ele reagisse diante do show.
Entre corredores e vielas, a passos rápidos, deixamos a galera para trás. Caminhamos mais um pouco e demos de cara com a abertura pro palco, no recuo dele, na parte dos fundos. Era como um ponto cego ali, perfeito para que nada estragasse a performance, pois não poderíamos ser vistos, apenas quem estivesse no palco tinha essa opção.
J-Hope me deu espaço para que eu ocupasse a frente e estendeu o microfone, sem dizer nada; só me olhou num misto de esperança e aflição.
Eu engoli em seco e peguei o objeto com a minha mão tremendo, com medo do que me aguardava. Demorei três segundos para decidir o que precisava ser feito.
E assim, o fiz.
Olhei para frente, tentando parecer confiante.
— Fecha os olhos — Falei no microfone, ao mesmo tempo que sua cabeça se ergueu, e eu percebi que seu olhar me procurava, ansioso.
— ? — ele disse num sopro de voz e seu olhar encontrou o meu. Não consegui evitar de sorrir, mesmo que estivéssemos a bons metros de distância.
— Feche os olhos.
— Sério?
— Sim!
— Eu não sei se consigo — respondeu sincero, nitidamente nervoso.
— Então, esquece tudo e se concentra na minha voz. Não pensa, só faz. — Ainda respirando rápido, ele ponderou por algum tempo e correspondeu ao meu pedido. Continuei a falar, mais encorajada.
— Sala de treinamento, meados de janeiro. Tarde da noite, um artista esplêndido se machuca. Uma staff louca põe o ice tea gelado no tornozelo dele enquanto pensa no que fazer. — Ainda de olhos fechados, ele suprimiu o ar como quem prende uma risada, e eu me senti mais inclinada a continuar. — O que vem depois?
— Canela de velho — ele respondeu, sem abrir os olhos.
— Sim, canela de velho! — eu ri, com o sotaque carregado dele. — Consegue lembrar do cheiro?
— Sim, era tão forte que até a respiração ficava diferente.
— É o poder da cânfora — comentei em meio a uma risadinha — E depois, o que rolou?
— Você me ajudou com as massagens no tornozelo e eu me senti melhor.
Corei com aquela fala e sorri ao pensar nisso.
— Lembra como se sentiu depois disso? Da sensação?
Jungkook respondeu como quem sorria ao fazê-lo.
— Sim. Eu me senti pronto para tentar de novo.
— E o que aconteceu quando você tentou?
— Eu nunca mais errei a coreografia. — Sua voz saiu mais branda, e eu fiquei feliz com os pequenos sinais otimistas que ele dava.
— É, é isso! Sabe por quê? Porque você errou, tentou novamente e agora sabe onde acertar. Porque você é capaz. Porque você lutou para chegar aqui. Porque só você pode representar a si mesmo, Jungkook. O palco é seu! Então vai lá e faz o que você sabe fazer de melhor: brilhar.
Ele abriu os olhos maiores do que o normal, e me encarou, incerto. Ainda assim, percebi que sua respiração começava a normalizar.
— Você acredita mesmo nisso? — Sua pergunta saiu baixa, mas foi o suficiente para eu ouvir. Sorri abertamente, lembrando de todas as vezes em que o vi ensaiar, se empenhar em suas performances musicais, artísticas, corporais… em tudo!
Jungkook era único, como uma estrela deve ser.
— Poeira estelar, lembra?
Um sorriso sincero brotou em seus lábios e aquilo me contagiou, como se secretamente o universo me dissesse: continue, está dando certo.
— E se eu errar? — ele perguntou, um pouco inseguro.
— Eu ainda estarei aqui pra te apoiar, até que você acerte de novo… Como você fez, no último mês. Você só precisa tentar. Vamos lá?
Jungkook respirou fundo, me olhou nos olhos e confirmou com um aceno.
— Isso! — Ouvi J-Hope vibrar atrás de mim enquanto o maknae dava o sinal para Hye-jun, que logo acionou a equipe para o recomeço da performance.
As luzes se apagaram totalmente e então, um destaque central em Jungkook aconteceu.
A introdução começou como antes, com as fumaças adornando os pés do rapaz, enquanto ele caminhava calmamente.
— Amugeotdo eopdeon yeoldaseosui na… — sua voz surgiu potente e logo uma chuva de gritos femininos preencheu o lugar. Meu sorriso triplicou de tamanho ao vê-lo se permitir tentar.
A primeira parte era relativamente tranquila; Jungkook precisava mais interpretar a letra da música ao cantá-la, do que executar alguma coreografia difícil.
Os dançarinos de apoio surgiram pouco a pouco no palco e, quando dei por mim, o refrão veio com força, dispersando os resquícios de medo que envolviam Jungkook em sua apresentação solo.
— You make me begin, you make me begin… — ele cantou com a firmeza de quem sabe o que faz, me convencendo que seus receios estavam mesmo sendo exorcizados.
Nunca me senti tão feliz por ele quanto naquele momento.
J-Hope começou a acompanhar a dança no segundo refrão, e eu ri de sua empolgação. Nos reunimos com o resto do pessoal e todos os meninos estavam dançando como Jungkook, o que arrancou sorrisos e risadas da equipe. Acho que, de alguma forma, estávamos todos torcendo e comemorando o sucesso de Jungkook, que reverteu a situação como o idol humano que é.
Quase no fim da música, Jungkook prolongou a frase com um agudo incrível, e então, seu olhar encontrou o meu, segundos antes das luzes se apagarem por completo.
Não sabia ao certo como, mas mesmo no escuro, podia sentir que ele não tinha desviado sua atenção de mim; e eu torcia para que isso fosse verdade, mesmo.
Porque, diante de toda novidade como staff do BTS, da nova turnê e de todas as demandas, todos os dias eu acordava com um frio na barriga e um sorriso no rosto por um bom motivo; era Jungkook que me fazia começar (tudo de novo).
Era foda? Para um caralho, mas o que eu diria caso me perguntassem novamente se eu estava bem?
“Ah, liga não! É que eu estou morrendo de medo de perder meu emprego e prejudicar a minha reputação e da minha prima, porque dei uns pegas no caçula do BTS e fiquei mais apaixonada do que já estava. Aliás, ele beija bem à beça, sabia? Recomendo!”
Perfeito! Só que não.
Eu estava encarando meu reflexo no espelho do banheiro, dando tapinhas na minha cara para me concentrar de uma vez por todas e atingir meu modo workaholic – que, venhamos e convenhamos, não era nada difícil de alcançar. O problema era dar uns amassos no golden maknae e ter as memórias tão recentes que faziam meu interior vibrar!
Um banho nunca durou tanto quanto a noite passada.
— Puta merda, ! Aonde você estava com a cabeça!? — eu sussurrava para mim mesma enquanto segurava a base do meu nariz, fechando os olhos.
“Você se arrependeu?” A voz de Jungkook soou praticamente vívida em meus pensamentos, e eu arregalei meus olhos, como quem desperta de um sonho ruim.
— Mas é claro que não! — espalmei as mãos no mármore da pia e novamente, estava lá a imagem da jovem aflita, estressada, xoxa e capenga que eu havia me tornado em menos de vinte e quatro horas. — Que merda tinha naquele beijo? — pensei comigo mesma, falando baixinho.
“NaqueleS beijoS!”, me corrigi, em meio a um gemido de sofrimento.
Respirei fundo três vezes, soltando o ar com calma e me encarei novamente.
Eu precisava de ajuda.
Uma ajuda específica.
Tão única que estava há milhas de distância de mim.
Mas eu precisava mesmo dela.
Minha mão alcançou o celular e rapidamente meus dedos deslizaram pela tela, iniciando uma ligação.
Chamou uma, duas, três vezes.
Na quarta vez, quando eu já estava desistindo, a voz atendeu do outro lado.
— Hã? Alô?
— Leli? Que voz é essa? — estranhei a rouquidão.
— , é você?
— Como assim? É claro que sou eu, amiga. Você não… Ah meu Deus! — bati a mão na testa verificando meu relógio — São três da manhã, não é? Puta que pariu!
— Tipo, sim — ela respondeu, mais sonolenta do que acordada e eu xinguei trezentos palavrões em um curto espaço de tempo.
— Cara, foi mal! Esqueci totalmente do fuso, mil desculpas! Volta a dormir, amiga.
— Quê? — ela perguntou com a voz confusa.
— Volta a dormir, amiga. Depois a gente se fala, te amo, viu? Beijos!
— Ei, para com isso! — Leli ralhou do outro lado e eu dei uma paralisada. — Você me ligou no meio do seu expediente, sem se tocar da diferença de horário. Ou seja, duas coisas que você não costuma fazer. Aconteceu alguma coisa, não foi?
Mordi meu lábio inferior e senti minha vista marejar com aquela frase. Eu sentia muita falta de Leli, diariamente. Mas aquilo era demais: sem nem falar nada, absolutamente nada, ela sabia que tinha dado merda em algum nível.
— Talvez… — respondi, receosa.
— Espera aí… — ouvi alguns passos e logo senti meu celular vibrar com a notificação de chamada de vídeo. Aceitei sem pestanejar e logo vi minha amiga com um blusão velho e a cara toda amassada, usando sua touca de cetim para manter os fios bem moldados no dia seguinte.
— Oi — falei, sentindo um aperto de saudade no peito, ao mesmo tempo que seu sorriso me trouxe alívio.
— Você conseguiu a façanha de parecer mais acabada do que eu. O que houve?
Seu rosto era iluminado por uma luz de cabeceira e eu suspirei, me encaminhando para a cabine do banheiro e sentando em cima da tampa do vaso sanitário.
— Eu fiz merda… — respondi, sentindo minha boca tremer.
— Estou ouvindo — Leli assumiu uma postura mais séria ao perceber meu estado de espírito. Tomei fôlego e conectei o fone de ouvido ao celular, para falar diretamente no microfone, baixo, para caso alguém entrasse no banheiro.
— Nos beijamos.
— Uh, sério? Você e o Jae-in?
Ah, Leli. Quem dera… Pelo visto, ela não estava totalmente atualizada dos últimos acontecimentos. Também, tanta coisa acontecendo em pouco tempo, não tinha como estar a par da situação toda.
Suspirei de novo e fechei os olhos com força.
— Jungkook.
— O QUÊ? — Sua voz me fez abrir os olhos e eu dei de cara com uma Leli totalmente surpresa. Suas caras e bocas eram indescritíveis e eu seria totalmente capaz de rir delas, se não fosse uma situação trágica. — VOCÊS O QUÊ?
— É isso. Por favor, não me faça repetir!
— CARALHO! — ela berrou e eu dei uma alavancada para trás com o volume estridente de sua voz, abaixando o volume do fone. — Não, espera aí! Como assim? Como? Caralho, sua safada! Você… Puta que pariu! Você é minha maior inspiração, na moral! Me ensina!
— Leli! — reclamei, respirando fundo — Você está entendendo o que eu estou te dizendo? Eu… Céus! Meu emprego, Hyun-mee, Coreia do sul! Se ligou?
A cara de bosta que fez também foi impagável. Ela colocou a mão no queixo, pensativa. Depois, cruzou os braços e encostou na cadeira, com o cenho franzido. Abriu e fechou a boca várias vezes, e seu olhar vagava ao redor, como quem fazia cálculos imaginários.
— E então, Nazaré Tedesco? — Tentei tirá-la do seu choque, e ela piscou várias vezes pra mim, com os olhos bem abertos.
— Você ainda segue sendo minha heroína.
— Porra, Leli… — segurei meu rosto com uma mão, me sentindo uma idiota.
— Calma, calma! Agora é sério… Como rolou isso? Vocês estavam próximos a esse ponto?
— Pelo visto, sim. Achava que era algo unilateral, sabe? Que só eu estivesse secretamente a fim. Eu nem cogitava que isso pudesse ser correspondido em algum nível, e agora… Argh! Agora to aqui, na merda!
— Pensando pra caralho, né? — Leli abanou o ar e me olhou com uma careta de dor — Dá pra ver a fumacinha saindo da sua cabeça daqui.
Eu ri, com pena de mim mesma.
— E pensar que te liguei pra me aconselhar…
— Amiga, calma. Sério, assim… Vamos aos fatos? Você está nitidamente pirando com isso, eu sei. Sempre foi muito cuidadosa com o trabalho e agora, aconteceu isso. Tá, beleza. Podemos voltar no passado e apagar?
— Não…
— Ok, então vamos lidar com o que temos. Quem é que está sabendo disso?
— Só eu e ele. Quer dizer… eu não contei para ninguém além de você. Não sei se ele disse para outra pessoa.
— Vocês já se viram depois do ocorrido?
— Sim.
— Ele conseguiu disfarçar ou agir normalmente?
— Não muito… — falei, triste, por lembrar de J-Hope chamando-o porque estava espionando a gente. Merda…
— Se ele está pirando como você, é bem provável que algum amigo já tenha percebido que ele não está bem. E se ele desabafou…
Meu coração deu uma palpitada só de considerar que alguém mais poderia saber daquilo. Não, Jungkook não faria isso… Faria?
Pensei em J-Hope, nos abordando mais cedo… Será que ele sabia, ou desconfiava?
Mas nossa conversa tinha assuntos diferentes. Como eu rezava internamente para que J-Hope não tivesse percebido nada.
— Temos a desculpa do primeiro dia da turnê — pensei alto, dando de ombros — O que não deixa de ser verdade. Mas o que rolou ontem só intensifica a tensão.
— Ai, foi ontem? Caramba! Babado quente e super atual!
— Leli! — choraminguei de novo e ela sorriu, com pena.
— Vamos ser otimistas, sim? Se alguém mais souber, talvez não queira te prejudicar, afinal de contas, você se dá bem com todo mundo, né?
— É, talvez… — comentei, analisando a situação.
— Até porque você levou uma surra na cara pra proteger o desgraçado do Jungkook, então… Porra! Isso precisa ser levado em consideração.
Eu ri levemente, sentindo mais falta de estar com Leli do que nunca. Ela sempre sabia o que dizer para me alegrar.
— Talvez você tenha razão.
— É, bem, a gente tem que considerar essas opções, sabe? Nada está perdido, né? Quer dizer, aconteceu, mas só vocês sabem. Não é isso?
— Acho que sim — respondi, depois de ponderar.
— Então, é bom! Ou, menos pior. Porque é só garantir que mais ninguém fique sabendo disso.
— É? — perguntei, incerta, e Leli me olhou dando de ombros.
— Cara, é isso, amiga! Sim, aconteceu! Rolou um beijo!
— Uns… beijos — corrigi, me sentindo culpada. Leli soltou o ar da boca e sorriu feito It a coisa, antes de continuar.
— O-kay! Uns beijinhos, uma pegaçãozinha de leve como quem quer matar uma curiosidade aqui e outra ali. Você estava a fim, ele também… Nada demais! Se pegaram e se soltaram, né?
— A gente se pegou no carro dele. — Leli fingiu naturalidade enquanto gesticulava.
— Nada de novo sob o sol, amiga. Pegação no carro? Pfff! Isso é tão anos 90! Relaxa! O que mais poderia acontecer?
— A gente foi pro banco de trás e eu fui parar em cima do colo dele.
As mãos de bateram na mesinha e logo sua imagem ficou escura, sendo possível escutá-la, apenas.
— Puta que pariu, !!!
— Eu sei, cacete! Eu sei! — respondi, nervosa.
— Você roçou gostoso, cara!!! — era a vez de Leli pirar e eu gemi chateada, lembrando com certo deleite daquele ato.
— Cadê você, porra? — chamei tal qual um bebê, me sentindo ansiosa, e logo Leli levantou o celular, posicionando-o de volta.
— Desculpa, eu me exaltei. Onde estávamos? — ela perguntou, tentando manter a postura e eu comecei a rir, pensando em como eu estava fodida. — Cara, foda-se. Eu estou em choque e sou completamente incapaz de achar que isso foi ruim, amiga.
— Cara, como assim? Você não acha que eu sou uma escrota? Eu sou mais velha que ele, deveria ter tido mais responsabilidade! O que Hyun-mee vai achar de mim, quando descobrir?
— Se descobrir, você quer dizer… — Leli lembrou com um sorriso, e ao reparar na minha feição triste, logo estalou a língua, cruzando os braços. — É, eu não tinha pensado nisso. Hyun-mee é foda.
— Ela é tudo que tenho aqui, amiga. Tô me sentindo muito mal, sabe? Como se estivesse cagando em todos os conselhos que ela me deu sobre isso. Me sinto uma traíra.
— Não é assim, …
— Ela vai ficar decepcionada comigo, Leli. É minha prima-irmã, ela me conhece. Já estranhou meu jeito duas vezes, hoje. Ela acha que é por causa da turnê. Só que tá foda de disfarçar, sabe? E eu nem gosto de manter nada em segredo. Não com ela.
Ficamos num silêncio contemplativo e Leli cruzou os braços enquanto mordia os lábios, pensativa.
— Sinceramente, amiga? Acho que isso não é tão simples de se colocar na mesa, sabe? Não é como se fosse qualquer coisa. Eu sei, pelas últimas vezes que conversamos, que você ficava toda animadinha quando falava do boy e tal, e eu entendi que era uma animação diferente do resto do pessoal. Mas não sabia que era recíproco, ou que tinha alguma chance disso acontecer.
— Eu sei! Eu pensava assim também, cara! Não é doido, isso?
— Assim, impossível não é. Até porque você é a maior gata e qualquer um com bom gosto ficaria galudão em você.
— Ah, pára!
— Tô falando sério! Mulher independente, bilíngue, inteligente, perspicaz, trabalhadora, bonita, engraçada, dona de uma senhora rabeta! Quem resistiria?
— Você está no seu período fértil, não é?
— Como você sabe? — Leli perguntou chocada e eu ri, rolando os olhos.
— Você sempre fica com esses papos quando chega essa época. É engraçado de acompanhar.
— Amiga, eu estou literalmente me sentindo naquela coreografia de Buttons, sabe? Tá foda.
Eu gargalhei, achando graça da coincidência, porque foi justamente aquela dança que eu reproduzi no dia da boate.
— Acredita que naquela noite em que nos falamos, eu dancei essa coreografia?
— Mentira! Sério? Na frente de todo mundo?
— Sim!
— Cara, eu tô sem palavras! Porra, que felicidade em ouvir que você voltou a dançar, amiga! — Os olhos de Leli brilharam e eu prendi a emoção com um sorriso torto.
— Não sei se posso chamar aquilo de dançar, mas… É, eu tive meu momento.
— Então é por isso que o Jungkook não resistiu e te deu uma carona. Te viu dançando, pirou o cabeção e veio com tudo para te dar uns pegas.
— Leli!
— Menino sagaz, esse. Gostei!
— Vai a merda… — Ri, dando o dedo do meio e ela sorriu, apoiando o cotovelo na mesa e o queixo em sua mão. Ficamos nos olhando e ela quebrou o silêncio com uma pergunta enigmática.
— O que você vai fazer?
— Eu não sei…
— Foi algo de uma só vez? Tipo, one night stand?
— Não sei…
— O que você quer?
Fiz uma careta, dando de ombros.
— Eu estou apaixonada, né. Depois de ontem, fodeu. Tenho inúmeras lembranças para criar um filme de horas na minha cabeça. Se eu não estivesse nessa condição de chefe e empregado, eu adoraria viver isso com ele.
— Paixão é foda. Ele também tá assim por você?
Eu demorei alguns segundos para responder, me sentindo perdida.
— Eu não sei dizer, Leli. Parece que ele quer, mas não sei sobre seus sentimentos. Mal sei dos meus, pra ser sincera. Eu tô muito encantada com ele e isso nubla as minhas ações, que deveriam ser mais precisas, responsáveis. Ele tira meu juízo!
— É, você está apaixonada.
— Eu sei!
— E depois de vocês terem se pegado, rolou alguma conversa? Como foi?
— Eu pirei e saí correndo do carro, indo pra casa — sorri sem graça e Leli coçou a cabeça, encarando seu próprio colo.
— E ele?
— Veio atrás, tentando conversar. Perguntou se eu tinha me arrependido.
— Uou! E você se arrependeu?
Encarei Leli com uma feição culpada.
— É estranho, não sei dizer. Mas sinto que se pudesse, viveria de novo. Apenas não gostaria de lidar com as consequências.
— Ah, amiga. Essa parte é foda. As consequências sempre vêm.
— Estou tomando uma surra delas, acredite.
— Não são as piores, vai? E no mais, ele parecia disposto a conversar… Como foi hoje?
— Ele realmente me procurou, sabe? Mas eu não consegui. Não consigo. Minha cabeça está muito confusa. Eu estou literalmente fugindo dele.
— Não é para menos. Mas achei legal da parte dele… Tipo, não ser escroto. Ser um cara maneiro, querendo conversar, provavelmente para alinhar as pontas soltas.
E foi aí que eu entendi: eu não estava fugindo de Jungkook porque não sabia o que dizer, ou por pura vergonha sobre o que tinha rolado entre nós.
Eu estava com medo de descobrir que ele não levava aquilo tão à sério quanto eu.
Tinha medo que ele não sentisse a mesma coisa, que não levasse em consideração todos os sentimentos envolvidos.
Tinha medo de ser colocada num lugar descartável, num lugar de ficada, como quem tanto fez como tanto faz…
Como se eu fosse mais uma staff com quem ele teve um caso.
Mas, eu estava conjecturando horrores, deduzindo até.
Será que todas minhas desconfianças eram reais? Ou eu já estava tirando conclusões precipitadas?
Era necessário entender tudo aquilo, mas…
No fundo, eu também tinha medo de que aquilo alimentasse mais minhas emoções, a ponto de querer continuar com o que quer que nossa relação fosse.
Uma verdade era inegável: eu queria Jungkook, ardentemente.
Feito fogo.
Feito urgência.
E as memórias da noite passada não ajudavam em nada a acalmar meu coração.
— Como você está se sentindo? — Leli chamou minha atenção.
— Bem, eu acho. Bem melhor do que há alguns minutos atrás, graças a você.
— Imagine! Eu só surtei, amiga.
— Já foi de bom tamanho. Eu também surtaria — admiti com um pequeno sorriso, e Leli o retribuiu.
— Você quer minha opinião? — indagou e eu balancei minha cabeça rapidamente, para cima e para baixo. — Certo… Não acho que você seja uma prima ruim. Talvez, se Hyun-mee descobrir, ela fique chateada por um tempo, mas você não é uma pessoa babaca ou traidora por causa disso. Não dá para mandar no coração, .
— Mas dá para decidir nossas atitudes, né?
— E se você quiser viver isso? E se isso não for algo a ser ignorado, amiga? E se os dois estiverem tão afim um do outro a ponto de querer bancar o risco? Já pensou?
— Se der alguma merda, vai arrebentar pro meu lado. Eu sou a ponta mais fraca da situação, e meu medo é que isso resvale em Hyun-mee, sabe?
— Eu entendo, , mas ainda assim não te acho uma escrota. E nem acho que está sendo uma prima ruim por causa disso. Só acho que precisa, antes de mais nada, colocar os pingos nos is, ouvir o que Jungkook tem a dizer e daí sim, resolver o que vai ser feito. Se for o caso, até mesmo conversar com Hyun-mee, quem sabe… Mas agora? Nesse momento, você é apenas alguém confuso por ter se atracado com um cara na noite passada. Não tem como fazer decisões em tão pouco tempo, com tão pouco esclarecido. Não tem como você sair deduzindo e decidindo, entende? Principalmente sentada numa privada coreana.
Eu ri da parte final de sua frase, achando graça na forma em que Leli conseguia tornar as coisas mais nítidas e leves, ao mesmo tempo. Ela era incrível.
Mas uma coisa era certa: eu precisava resolver aquelas questões num momento mais apropriado. Não era hora de surtar daquele jeito. Ela tinha razão.
Agora, teria de ser no modo vida adulta mesmo: marcar hora pra chorar porque o couro está comendo no trabalho.
Como se adivinhasse, Hyun-mee me mandou mensagem pedindo para agilizar no banheiro, pois precisava de mim.
— Leli, preciso ir. Hyun-mee está me chamando.
Ela deu um pequeno sorriso e concordou com um aceno.
— O dever te chama, né? Saquei.
— Pois é. Me desculpe por ter te acordado.
— Relaxa, eu não me importo. Foi bom falar com você, mesmo no meio desse furacão todo.
— Nem me fale… Você me salvou, amiga. Mais uma vez.
— E o farei sempre que necessário. Sabe que se der merda, eu estou aqui, né?
— Sei… — respondi, sorrindo mais animada.
— E sabe que sempre terá um espaço pra você na Companhia, não é? Tipo, se der merda real.
Era estranho pensar naquilo de uma maneira minimamente remota, mas sim. Eu também sabia. Só não me sentia pronta pra vida da dança.
Não de novo.
— Obrigada, amiga. Sei que posso contar com você, e espero que se lembre disso também, em relação a mim. A recíproca é verdadeira: estou aqui pro que der e vier.
— Eu sei! Não se preocupe, . Já deu tudo certo.
Nós acenamos com as mãos e enfim, a imagem dela sumiu na tela, me fazendo respirar fundo.
Saí da cabine, dando uma última olhada no espelho e constatando que eu estava minimamente apresentável, sem parecer uma jovem lunática como estava há um tempo atrás.
Saí do banheiro e fui ao encontro de Hyun-mee, resolvendo os últimos ajustes que nos eram solicitados. A correria era tanta, que a adrenalina se tornou suor em minhas costas; eu estava ansiosa, nervosa, pilhada, agitada e concentrada ao mesmo tempo. Tudo era de uma prontidão precisa, e eu nem tive tempo de respirar direito. Quando dei por mim, os rapazes já estavam se posicionando para o começo do show, se reunindo numa pequena sala, completamente trajados.
Eu perdi totalmente minhas estruturas ao vê-los tão de perto: vestidos de preto com aquela jaqueta brilhosa e prateada, maquiados e praticamente angelicais… Tão lindos, tão prontos para encarar o início daquela turnê tão aguardada! Era um sonho se tornando realidade; o Gocheok Sky Dome parecia ter vida própria com o público que vibrava ansiosamente pelos rapazes.
Não percebi que estava sorrindo feito uma mãe orgulhosa até que Jimin notou meu semblante e me chamou com a mão. Foi então que eu me toquei: todos os staffs estavam se dirigindo para lá.
A passos incertos, me juntei a eles, e um por um, cada um dos rapazes me olhou de um jeito terno, doce e carinhoso. Não precisei contar os segundos para perceber que o contato visual entre Jungkook e eu foi maior do que os outros, e só foi rompido quando RM começou um pequeno discurso motivacional.
Ele falava sobre coisas tão incríveis, sobre todos os momentos em que nos dedicamos para aquela turnê, e enfim, ela estava ali pronta para ser exibida para milhares de pessoas, que ansiavam por um momento incrível e único com BTS. Era como um filme se passando na cabeça, de todos os acontecimentos que nos levaram até ali.
— É por isso que hoje vamos entregar tudo que o army nos dá: todo afeto, todo amor, toda mínima molécula de esperança… Estamos devolvendo toda a energia que nos trouxe até aqui. E eu confio em cada um de nós e sei que vai ser maravilhoso. Vamos nos divertir e fazer um show inesquecível!
Olhei ao redor, percebendo alguns staffs emocionados pelas palavras do líder do grupo e, bom: como culpá-los? Namjoon era realmente uma pessoa admirável, e que sabia tocar o coração das pessoas.
Os meninos uniram-se num abraço e juntaram as mãos, fazendo seu “grito de guerra” ecoar. Logo mais, o ambiente foi preenchido por várias vozes dizendo a mesma coisa: “BTS, fighting!”.
Os garotos se posicionaram estrategicamente, esperando o sinal de Hye-jun. Foi quando aconteceu algo inesperado: antes de seguir, Jungkook deu uma última olhada para trás e seus olhos pousaram nos meus.
Era só nós dois, de novo, e eu perdi todo fôlego que me restava.
Não importava quantas vezes já tivesse passado por isso: parecia sempre a primeira!
Era arrebatador, não havia outro termo.
Estava tão absorta que só despertei com as vozes em coro. Sorri, incerta, e me uni a eles.
— BTS, fighting!
Jungkook sorriu abertamente com os olhos brilhando, e enfim seguiu os meninos, rumo ao palco da noite.
Nos posicionamos no backstage, e meu coração explodiu em fogos de artifício ao ver a proporção dos fãs, que gritavam animadamente pelos garotos.
A introdução de “Not Today” começou com tudo e ali, os meninos se transformaram: assumiram a pose performática e o modo como dominaram o palco em poucos segundos me deixou impactada; parecia um sonho de tão perfeito!
Os passos de dança, as posições nos lugares certos, os olhares, as feições, a disposição e a entrega… Cada um deles se doava ao máximo e toda dedicação poderia ser comprovada ali, na presença de palco e na forma como reverberava por todo o local.
A primeira música passou num piscar de olhos, e os rapazes deram boa noite para a plateia, devolvendo a animação que receberam bem antes do show começar. Quando dei por mim, “Am I wrong” estava soando a plenos pulmões da plateia. Junto com a coreografia e a sincronização, o show pareceria cada vez mais mágico.
E talvez fosse exatamente por isso que a atração de fãs aumentava consideravelmente ao redor do mundo. Ao constatar isso, percebi que eu era apenas mais um deles.
— ! Preciso que troque comigo! — Hye-jun me puxou, visivelmente aflita.
— Aconteceu alguma coisa?
— Você estava escalada para auxiliar o solo do Jimin, mas o ponto de retorno dele deu problema. Vou precisar resolver isso junto aos técnicos enquanto o solo de Jungkook entra primeiro, e você vai acompanhá-lo. Entendido?
Puta merda.
Eu… o quê?
Ai, cacete.
— Claro! Vou me posicionar agora — espantei todos os medos e me despedi num aceno rápido, sentindo meu corpo assumir o modo automático perante de Hye-jun. A cada passo dado, eu me concentrava em duas coisas: o meu trabalho, e em afastar toda a tormenta de emoções causadas nas últimas horas.
Puxei o tablet e verifiquei aquilo que já sabia de cor: Jungkook provavelmente viria morto de sede, doido para enxugar o suor, e ainda precisaria mudar de visual, vestindo uma blusa branca e um paletó preto com brilhos prateados em degradê.
Logo separei a toalha em mãos, a garrafa d’água e puxei a arara de rodinhas, com a blusa e o paletó pendurados por cabides. “Dope” estava quase terminando, e a minha ansiedade aumentando, desproporcionalmente.
Senti um arrepio descer pela minha espinha ao ouvir a voz rasgada e assertiva de Jungkook ao cantar “I gotta make it fire, baby!” e, céus, até um mini tremelique eu tive.
Puta que pariu!
Ser apaixonada por um idol com quem você já teve experiências (pré?) sexuais era demais para o meu coração. Eu não me lembro de ter me inscrito para ocupar essa vaga — e ainda assim, me sentia mais pronta do que nunca para ocupá-la, isto é, se me desse total acesso ao maknae e seus beijos envolventes.
Cacete, o que é que eu tinha na cabeça?
— Foco, foco! — falei comigo mesma em português, e algumas pessoas da equipe de maquiagem me encararam confusas, estranhando minha língua natal e o fato de falar sozinha. Sim, ficar doida era critério imprescindível para se apaixonar por um k-idol, pelo visto.
Eu apenas sorri sem mostrar os dentes, percebendo o silêncio típico de fim de música, e fiquei tensa ao perceber a retirada dos meninos do palco.
Totalmente suados, enérgicos e quentes (e bota quente nisso!), passaram direto por mim com cumprimentos curtos. Eles foram cada vez mais para dentro do camarim enquanto eu esperava Jungkook na porta.
— Eu estou desidratando! — ouvi J-Hope comentar enquanto arfava, sendo atendido por uma mulher que posicionava um ventilador de mão em sua direção, enquanto lhe entregava água.
— Sério, parece que o palco estava pegando fogo! — Taehyung completou abismado, endireitando sua bandana e pedindo água para outro rapaz da equipe.
— Isso é porque nós estamos pegando fogo! — Jin comentou convencido, com seu rosto corado de calor.
— Esse show começou bom pra caralho! — Yoongi entrou no local animado, e Jimin veio logo atrás.
— Eu preciso sentar, estou morrendo!
— Eu preciso de água! — Namjoon pediu, sendo atendido por Hyun-mee, que dava suporte para ele e Jimin.
Olhei para trás, vendo que todos estavam se recuperando, enquanto a maquiagem era retocada, a sede sanada, e o fôlego, recuperado.
— Essa água é para mim?
A voz arfante de Jungkook soou perto demais e eu dei um pequeno pulo no lugar, virando para frente e dando de cara com o sujeito.
Sujeito lindo da porra até quando suava feito um porco no sol.
— Sim! Por favor! — Eu abri a garrafa em tempo recorde, entregando para ele enquanto enxugava seu rosto com a toalha, sem perder tempo.
De onde tinha tirado essa coragem toda? Nem eu sabia!
Minha mão estava nitidamente tremendo, mas me esforcei para tocar sutilmente a face de Jungkook, afastando o calor que ele sentia.
— Eu poderia me acostumar com isso — o maknae comentou antes de dar um novo gole, sem retirar os olhos de mim. Eu dei uma pequena travada, devolvendo o olhar penetrante e, com um pigarro, voltei ao foco.
— Você precisa trocar de roupa.
— Você tem toda razão — ele respondeu como um jovem malandro e eu abri a boca, mas não consegui dizer nada. Por que? Ele simplesmente retirou a jaqueta e ergueu as mãos pro alto, retirando a blusa preta que vestia.
Eu estava encarando o peitoral nu de Jungkook como quem não fosse capaz de responder a própria data de aniversário, ou o nome. Perdi totalmente as (poucas) estruturas que tinha ao observá-lo tão de perto, tão bonito, tão… gostoso!
Sim, ele era definitivamente gostoso. Pra caralho. Mesmo!
— Poderia me passar a blusa? — ouvi sua voz longe e precisei piscar algumas vezes para entender que ele falava comigo. Quando ergui a cabeça, sua vista se cruzou com a minha e ele mantinha um sorrisinho desgraçado no rosto.
Ca-ra-lho!
Pega no flagra.
Paguei o maior mico, o maior chimpanzé da vida!
Porém, entretanto, contudo, todavia… foda-se. Eu tinha visto o tanquinho do Jungkook! Ao vivo e a cores!
Ainda com uma vontade absurda de enfiar minha cara num buraco, eu desviei o olhar envergonhado e prontamente lhe servi a blusa, já segurando o paletó em mãos.
— Obrigado — sua voz era o próprio deboche e eu suspirei, meio puta com a situação. — Me ajuda com isso? — ele perguntou, apontando para a peça de roupa em minhas mãos, enquanto abotoava sua blusa.
Ele era um filho da mãe de um gostoso que estava se aproveitando da situação, é isso? Pois bem! Esse jogo era feito de dois!
— Claro! — respondi, assumindo uma postura bem solícita.
Eu poderia brincar de seduzir também! Exceto pelo fato de não ter nenhuma vestimenta que valorizasse meus dotes, uma vez que o uniforme de staff era mesmo algo comum e simples para um belo e cansativo dia de trabalho.
Merda.
Prendi o ar nos pulmões ao gravar as curvas que seu corpo fazia na camisa recém colocada e espantei pensamentos comprometedores demais para quem dependia daquele trabalho para viver. Era melhor desistir daquele jogo — afinal de contas, a última vez que jogamos, tinha me rendido um jantar comprometedor, não é?
Expeli o ar de mim e desisti da dinâmica birrenta, traindo a mim mesma quando respirei com força e recebi o cheiro de seu perfume.
Forcei o autocontrole e vesti o paletó no torso de Jungkook, braço por braço, sentindo o tempo passar devagar nessas circunstâncias.
Ajeitei o tecido em suas costas, focando nos detalhes e senti minhas digitais deslizando nos músculos do rapaz com uma facilidade invejável — e isso só tornava minha situação mais difícil. Balancei o rosto e voltei a me concentrar, ignorando a vontade de agarrá-lo ali mesmo, pelas costas.
Me virei de frente para arrumar a gola, que estava enrolada em seu pescoço, e foi quando aconteceu: meus dedos acidentalmente roçaram em seu pescoço, o que provocou uma corrente elétrica de pele para pele. Já que ele também tremulou levemente com o contato da minha tez na sua, deduzi que realmente tínhamos uma química inegável e sentida por ambos. Pelo visto, era um jogo de dois mesmo.
Nossos olhares se cruzaram novamente e eu me vi perdida nos seus olhos, doida para puxar aquela gola para mim e trazer sua boca junto à minha. A distância era tão pouca, e a vontade, tão grande…
Eu tinha provado! Sabia como era bom, como era excitante, como Jungkook carregava o sabor da repetição, do “quero mais” em seus lábios.
Eu não percebi que estava há tempo demais confabulando sobre essas coisas, não até perceber minhas mãos bem presas na sua gola — como se a qualquer momento eu fosse puxá-lo para mim.
Minha respiração ficou rarefeita ao notar que seu olhar se debruçou sobre os meus lábios.
Oh, céus. Eu estava caindo de novo!
Não, não e não!
Um alerta máximo se ativou em minha mente e eu me afastei como se estivesse acabado de queimar minha pele com fogo. Me senti acanhada, mas ainda assim reuni forças para dizer algo óbvio e profissional.
— Você precisa retocar sua maquiagem.
Me despedi com um movimento de torso e não esperei a resposta de Jungkook, mas podia sentir seus olhos cravados nas minhas costas. Ele estava me observando, e eu me via como um bichinho prestes a ser predado.
Eu fugi como o diabo foge da cruz e alcancei o primeiro banheiro que vi pela frente, jogando água na cara para refrescar um pouco; tamanha era a combustão que meu corpo sentia ao ficar tão perto de Jungkook.
Abanei minha nuca e respirei fundo ao massagear meus ombros, sentindo a calma voltar, pouco a pouco. Puxei a garrafinha d’água e quase matei 500ml num gole só, pois a sede era grande (eu me pergunto o porquê?).
Assim que retomei o controle, saí do banheiro e vi um burburinho perto da entrada do palco. Estranhei de cara e meu coração acelerou, com receio do que pudesse ter acontecido.
— O que houve? — perguntei para o pessoal, que cochichava abismado demais para conseguir me responder. Fui me esgueirando por todos, até chegar na frente e dar de cara com a cena mais improvável; Jungkook estava paralisado, de costas para o público, com o foco de luz em si, e a fumaça rondando aos seus pés.
A introdução de Begin já tinha começado, mas ele não seguiu cantando e andando a passos lentos, como o esperado.
Ah, merda.
Será que ele estava passando mal? Será que ele estava sentindo alguma coisa? Por que ele travou logo no seu solo?
Minha pergunta foi respondida pelo Namjoon, que estava logo à frente falando rápido com J-Hope.
— Conversa com ele, J-Hope! Essa é a coreografia que ele estava errando, deve ter pilhado com isso. Fala com ele!
Hoseok logo pegou o microfone que estava ligado ao ponto interno do caçula, de forma que apenas ele poderia ouvir. Assim, o aniversariante começou a falar.
— Jungkook, sou eu! Fica calmo, respira. Vamos, se concentra. Você conhece essa coreografia, praticou incansavelmente, lembra?
Meus olhos foram dele ao mais novo, e vi Jungkook encarar a todos nós de soslaio. Sua feição amedrontada entregava todo o medo de errar que ele carregava. Um aceno negativo de cabeça, e um olhar assustado, foi tudo que ele respondeu.
Respirava tão rápido que eu poderia jurar que ele estava tendo uma crise de ansiedade, no início do show.
— Merda! — ouvi Namjoon sussurrar, deixando todo mundo tenso, quando a introdução parou de tocar. As luzes desfocaram de Jungkook e se espalharam, tornando-se amenas, como se dessem tempo para o maknae se recompor.
Olhei em volta e vi que todos estavam prendendo o fôlego de tanta tensão. Encarei o chão, pensando no que fazer, calculando mil estratégias na cabeça.
Ele estava nervoso.
Ele estava travado.
Ele estava com medo de errar, com medo de se machucar, como foi… daquela vez em que nos conhecemos, de verdade.
Meu coração apertou ao vê-lo ali, parado, de costas para os fãs, que mantinham o burburinho de falas soando no ar. Era possível ver o público confuso, sem entender o que estava acontecendo, e aquilo não ajudava em nada.
Eu estava olhando para ele, forçando minha mente a pensar em tudo que fosse possível, mas nada me preparou para o momento em que seu olhar recaiu sobre o meu.
Nos encaramos, quase cúmplices, dividindo a tensão instaurada.
— Eu não consigo — ele balbuciou e eu entendi, pela leitura de lábios.
O aperto no peito se tornou maior e eu me senti impulsionada a fazer algo.
Olhei para o microfone nas mãos de J-Hope e prendi o ar, tomando a atitude que martelava em minha cabeça. Se estava certa ou errada, só descobriria depois.
Mas naquele momento Jungkook precisava de mim, e eu não lhe daria as costas.
Num ato súbito, coloquei a mão no ombro de J-Hope e o encarei, amedrontada.
— Posso tentar? — minha voz saiu falha, denunciando o nervosismo.
J-Hope me olhou por dois segundos e mordeu o lábio inferior, confirmando num aceno breve.
— Vem comigo — pediu num sussurro, e eu o segui, saindo em disparada do local. Os outros seguiram com os olhos voltados para o maknae, esperando que ele reagisse diante do show.
Entre corredores e vielas, a passos rápidos, deixamos a galera para trás. Caminhamos mais um pouco e demos de cara com a abertura pro palco, no recuo dele, na parte dos fundos. Era como um ponto cego ali, perfeito para que nada estragasse a performance, pois não poderíamos ser vistos, apenas quem estivesse no palco tinha essa opção.
J-Hope me deu espaço para que eu ocupasse a frente e estendeu o microfone, sem dizer nada; só me olhou num misto de esperança e aflição.
Eu engoli em seco e peguei o objeto com a minha mão tremendo, com medo do que me aguardava. Demorei três segundos para decidir o que precisava ser feito.
E assim, o fiz.
Olhei para frente, tentando parecer confiante.
— Fecha os olhos — Falei no microfone, ao mesmo tempo que sua cabeça se ergueu, e eu percebi que seu olhar me procurava, ansioso.
— ? — ele disse num sopro de voz e seu olhar encontrou o meu. Não consegui evitar de sorrir, mesmo que estivéssemos a bons metros de distância.
— Feche os olhos.
— Sério?
— Sim!
— Eu não sei se consigo — respondeu sincero, nitidamente nervoso.
— Então, esquece tudo e se concentra na minha voz. Não pensa, só faz. — Ainda respirando rápido, ele ponderou por algum tempo e correspondeu ao meu pedido. Continuei a falar, mais encorajada.
— Sala de treinamento, meados de janeiro. Tarde da noite, um artista esplêndido se machuca. Uma staff louca põe o ice tea gelado no tornozelo dele enquanto pensa no que fazer. — Ainda de olhos fechados, ele suprimiu o ar como quem prende uma risada, e eu me senti mais inclinada a continuar. — O que vem depois?
— Canela de velho — ele respondeu, sem abrir os olhos.
— Sim, canela de velho! — eu ri, com o sotaque carregado dele. — Consegue lembrar do cheiro?
— Sim, era tão forte que até a respiração ficava diferente.
— É o poder da cânfora — comentei em meio a uma risadinha — E depois, o que rolou?
— Você me ajudou com as massagens no tornozelo e eu me senti melhor.
Corei com aquela fala e sorri ao pensar nisso.
— Lembra como se sentiu depois disso? Da sensação?
Jungkook respondeu como quem sorria ao fazê-lo.
— Sim. Eu me senti pronto para tentar de novo.
— E o que aconteceu quando você tentou?
— Eu nunca mais errei a coreografia. — Sua voz saiu mais branda, e eu fiquei feliz com os pequenos sinais otimistas que ele dava.
— É, é isso! Sabe por quê? Porque você errou, tentou novamente e agora sabe onde acertar. Porque você é capaz. Porque você lutou para chegar aqui. Porque só você pode representar a si mesmo, Jungkook. O palco é seu! Então vai lá e faz o que você sabe fazer de melhor: brilhar.
Ele abriu os olhos maiores do que o normal, e me encarou, incerto. Ainda assim, percebi que sua respiração começava a normalizar.
— Você acredita mesmo nisso? — Sua pergunta saiu baixa, mas foi o suficiente para eu ouvir. Sorri abertamente, lembrando de todas as vezes em que o vi ensaiar, se empenhar em suas performances musicais, artísticas, corporais… em tudo!
Jungkook era único, como uma estrela deve ser.
— Poeira estelar, lembra?
Um sorriso sincero brotou em seus lábios e aquilo me contagiou, como se secretamente o universo me dissesse: continue, está dando certo.
— E se eu errar? — ele perguntou, um pouco inseguro.
— Eu ainda estarei aqui pra te apoiar, até que você acerte de novo… Como você fez, no último mês. Você só precisa tentar. Vamos lá?
Jungkook respirou fundo, me olhou nos olhos e confirmou com um aceno.
— Isso! — Ouvi J-Hope vibrar atrás de mim enquanto o maknae dava o sinal para Hye-jun, que logo acionou a equipe para o recomeço da performance.
As luzes se apagaram totalmente e então, um destaque central em Jungkook aconteceu.
A introdução começou como antes, com as fumaças adornando os pés do rapaz, enquanto ele caminhava calmamente.
— Amugeotdo eopdeon yeoldaseosui na… — sua voz surgiu potente e logo uma chuva de gritos femininos preencheu o lugar. Meu sorriso triplicou de tamanho ao vê-lo se permitir tentar.
A primeira parte era relativamente tranquila; Jungkook precisava mais interpretar a letra da música ao cantá-la, do que executar alguma coreografia difícil.
Os dançarinos de apoio surgiram pouco a pouco no palco e, quando dei por mim, o refrão veio com força, dispersando os resquícios de medo que envolviam Jungkook em sua apresentação solo.
— You make me begin, you make me begin… — ele cantou com a firmeza de quem sabe o que faz, me convencendo que seus receios estavam mesmo sendo exorcizados.
Nunca me senti tão feliz por ele quanto naquele momento.
J-Hope começou a acompanhar a dança no segundo refrão, e eu ri de sua empolgação. Nos reunimos com o resto do pessoal e todos os meninos estavam dançando como Jungkook, o que arrancou sorrisos e risadas da equipe. Acho que, de alguma forma, estávamos todos torcendo e comemorando o sucesso de Jungkook, que reverteu a situação como o idol humano que é.
Quase no fim da música, Jungkook prolongou a frase com um agudo incrível, e então, seu olhar encontrou o meu, segundos antes das luzes se apagarem por completo.
Não sabia ao certo como, mas mesmo no escuro, podia sentir que ele não tinha desviado sua atenção de mim; e eu torcia para que isso fosse verdade, mesmo.
Porque, diante de toda novidade como staff do BTS, da nova turnê e de todas as demandas, todos os dias eu acordava com um frio na barriga e um sorriso no rosto por um bom motivo; era Jungkook que me fazia começar (tudo de novo).
Capítulo XVI - You make me (begin)
O resto do show ocorreu com muito mais facilidade do que aquele momento solo de Jungkook. Felizmente, poucas pessoas tinham entendido o que tinha acontecido; para a maioria delas, Jungkook teve o que chamamos de “teto preto”, mas logo passou, ao se permitir recuperar o fôlego da música anterior.
O que não era exatamente mentira, mas… também não era exatamente verdade.
Ele estava cansado? Provavelmente.
Precisava recuperar fôlego? Sem dúvidas!
Eles sabiam que o golden maknae tinha tido uma pequena crise de ansiedade bem no seu momento solo e quem lhe acalmou foi a mais nova staff da equipe? Jamais!
Bem, talvez, apenas talvez, J-Hope, porque, pudera né? Ele estava logo ali.
Mas seu profissionalismo e sua postura não deram nenhum indício de que aquilo seria comentado tão cedo. Também, com o primeiro show da turnê, quem ligaria para o que tinha acabado de acontecer? Afinal de contas, não importa como: Jungkook fez o seu papel e o show pôde continuar! Amém! Mazel tov! Insha’Allah!
Eu estava com essa situação grudada no fundo da minha cabeça? Com toda certeza, mas não me permiti pensar (ou digerir) aquele acontecimento. O show estava a mil por hora, troca de figurinos, suportes dos mais variados possíveis e é claro, uma multidão de fãs enlouquecidos a cada nova performance dos meninos. Era o começo de tudo, e nada poderia dar errado. Logo, eu não permitiria que minha pequena paixonite (ou não tão pequena assim) atrapalhasse meu desempenho. Não mesmo! Meu trabalho em primeiro lugar!
… Não é?
Que seja!
Quando dei por mim, os acordes iniciais de Blood, Sweat and Tears soaram estrondosos nas caixas de som. Aquilo ressoou com força no meu peito, e como era a última música do show, senti que poderia respirar mais aliviada e apreciar um pouco a apresentação dos meninos.
E, puta merda.
Eu entendia aquela multidão!
Aquele mar de gente estava extasiado com a voz de Jimin começando a música, os passos assertivos de dança, a iluminação de palco, todos os mínimos detalhes… Céus! Aquilo parecia um filme de tão perfeito!
Notei que estava arfando (fosse da correria do trabalho ou mesmo de não conseguir acompanhar aquela performance tão foda) e ajoelhei no chão para conseguir descansar um pouco.
Alguns segundos depois, senti alguém fazer o mesmo do meu lado.
— Morre não, mocreia!
— Cara, olha isso! — ignorei completamente a fala de Hyun-mee e apontei para os meninos — Não é incrível?
— Sem chance de dizer o contrário — ela comentou, sorrindo. — “Os novinho? São sensacional!”
Caímos na gargalhada com aquela frase em português e eu balancei a cabeça, sentindo falta dessa leveza do meu país.
— Sabe o que eu fico pensando? Se esse é o primeiro show, como será o último? — indaguei, ainda embasbacada com o talento dos rapazes.
— Sinceramente, eu não faço ideia. Só espero estar aqui para poder ver também, sabia? — Hyun-mee me olhou de soslaio e deu uma batidinha no meu ombro — Aliás, que nós estejamos, né? Acho que com todo esse bom trabalho, podemos sonhar com mais certeza…
Meu sorriso não se abriu como o de Hyun-mee. Seus dentes reluziam com as luzes enquanto meus lábios só deram uma curva tímida. O fim da turnê estava programado para dezembro daquele ano. O que será que me aguardava até lá? Que tipo de futuro eu teria nessa altura do campeonato?
— Dez meses… — pensei em voz alta, e senti os olhos de Hyun-mee sobre mim, o que me fez encará-la de volta. — Acha que a gente consegue?
— E a vovó criou a gente para fazer esse tipo de pergunta? Mas é claro que sim!
Seu abraço me fez retribuir o gesto e sorrir, enquanto víamos os meninos terminarem o show.
— Você tem toda razão. Temos muito aprendizado e trabalho pela frente.
— E certamente daremos conta. Até golpe de karatê você sofreu e tá aí, vivíssima! A gente é foda e continua de pé!
A gargalhada compartilhada entre minha prima e eu se misturou com o fim do show.
Nos levantamos, ansiosas com as despedidas dos rapazes e já ouvindo ordens no fone de ouvido; Hye-jun estava a todo vapor!
— Meninas, todo apoio aos garotos, ouviram?
— Sim, chefe! — respondemos em uníssono, sorrindo uma para a outra, antes de recebê-los de volta.
Foi um auê só. Todo mundo se amontoando em cima dos garotos; microfone para lá, ponto interno para cá, garrafa d’água aqui, vestimenta para lá… e muita! Muita energia!
Eles estavam cansadíssimos, mas elétricos! Falando do show sem parar, entre um fôlego e outro.
Eu e mais um grupo de staff nos dividimos entre entregar água, aliviá-los do calor com aqueles ventiladores de mão, e um pequeno buffet de frutas, sucos e alimentos de rápida absorção/digestão.
Ao chegar no pequeno hall, os meninos se amontoaram no sofá de qualquer jeito, exaustos e suados, se dividindo entre comentários do show e respirações entrecortadas pelo cansaço.
Aquilo era o sonho de qualquer army, e eu me peguei rindo comigo mesma sobre o quão sortuda estava sendo ao vê-los ali, daquele jeitinho tão deles, depois de um show incrível! Meus pensamentos foram interrompidos por um J-Hope tagarela, que estava bem próximo de mim, com a cabeça encostada no sofá e os pés apoiados na mesa de centro.
— Caraca, achei que eu fosse desidratar nessa última música! — Ele mal reclamou, e eu já lhe trouxe uma garrafa aberta, que foi recebida com uma expressão impagável. — Ah, Santa ! Beatificada seja!
— Disponha, Santo J. Quer uma porção de uvas?
— Vai me dar na boca como os antigos gregos faziam? — ele perguntou com uma cara esperta e eu ri, rolando os olhos.
— Ela não é sua empregada não, Zé Mané! — Suga “brigou”, tacando uma uva no amigo e ele fez cara de coitado.
— Mas hoje é meu aniversário! Eu mereço tratamento especial!
— Aqui óh, seu tratamento especial! — Jimin entrou na brincadeira, tacando outra uva no amigo.
— Caramba, é assim que vocês me amam? , me defenda! — ele se virou para mim, com o maior bico de todos e eu ri ao equilibrar os potes descartáveis com as frutas.
— Sem briga, crianças. Toma, um para cada um, usando suas próprias mãos, como seres crescidos e capazes que são! — respondi astuta, e os três agradeceram com um sorriso.
— E o resto de nós? — Taehyung reclamou abismado, mas Hyun-mee estava logo ali, distribuindo para ele e RM.
— Fala muito, garotão! — Jimin zoou e Jin entrou na brincadeira.
— É, mas se não fosse Hyun-mee, morreríamos de fome, porque “você-sabe-quem”, não gosta da gente! — e apontou a cara para mim, fazendo careta. Respondi com uma prontidão invejável.
— Isso é mentira, e você sabe! Eu só não gosto de você, mas deles eu gosto sim!
A sala se encheu de risadas e mais uvas voaram uns contra os outros.
Nem parecia que um show tinha acabado de acontecer; era um jardim de infância de k-idols. E eu ali, entrando no clima como se não estivesse trabalhando o dia todo também!
— Gente, preciso tomar um banho! — RM levantou num pulo e J-Hope o interceptou, com altas expressões faciais.
— Precisa de ajuda?
— Ih, oh lá! — Jimin tirou as palavras da minha boca, que estava ocupada enquanto ria.
— Comeu palhacitos no café da manhã, foi? — RM perguntou, dando um tapa na testa de J-Hope, que logo fez cara de choro e ergueu os braços para mim.
— , aqui! Olha como eles me tratam! Me socorre!
— Você arranjou essa sozinho, garotinho!
— Achei que você era nossa heroína!
— Ela já gastou todo heroísmo salvando o Jungkook, né? — Taehyung comentou ao apontar para o nariz, e eu fiquei sem graça na hora. Para melhorar, eu estava justamente entregando o pote de frutas para o golden maknae, que acabava de encostar seus dedos nos meus (de maneira nada acidental).
Ficamos nos olhando por alguns segundos, até que Jimin quebrou o silêncio.
— E você precisa lembrar disso? A garota ficou traumatizada!
— Ficou nada, aproveitou aqueles dias para faltar ao trabalho que eu sei! — Incrivelmente, Jin me salvou e eu pude rir debochadamente, saindo daquele momento íntimo com Jungkook.
— Eu juro que ainda vou pedir aumento salarial para aguentar essas façanhas, Jin!
— Vai sair do teu bolso! — Suga apontou para o mais velho, que fez uma cara de arrependido.
— Eu poderia ter ficado quieto, né.
— Poderia, do verbo “não ficou”, no presente, “se ferrou”! — J-Hope comentou, risonho, enquanto se levantava e saía do recinto. — Com licença, pois preciso tirar essa roupa para ontem! Tá virando uma segunda pele aqui!
— Eu também vou!
— Eu também!
Pouco a pouco, foram se dispersando, e quando percebi, estava sozinha com Jungkook ali. Tentei disfarçar o frio na barriga ao recolher todo e qualquer item que tenha sido deixado para trás, mas Jungkook não facilitou para mim; se curvou a ponto de alcançar um cacho de uva e, antes de colocá-lo na boca, falou com a voz grave.
— Então…
Prendi a respiração na hora, e não consegui não olhar para o lado. Seus olhos me encaravam com ansiedade.
— Então? — repeti, com a voz um pouco aguda demais. Ele sorriu.
Filho da mãe.
— Pensamos em fazer uma after em comemoração ao aniversário do J-Hope. Não vamos demorar, porque amanhã é dia de show, mas… Você vem, não é?
Oh.
A after.
Eu tinha ouvido algo sobre isso…
Antes de simplesmente TUDO acontecer.
— Ah. É verdade. Eu… — antes que pudesse dar alguma desculpa enquanto recolhia um fio de cabelo, Jungkook me interrompeu.
— Não aceito “não” como resposta. E no mais… — ele se levantou, me fazendo imitá-lo e parar diante dele — preciso te pagar um drink. Você sabe… Em agradecimento pelo que fez hoje. O que me diz?
Eu respirei fundo, me sentindo zonza com aquela proximidade toda. Já não éramos os “parceirinhos amiguinhos da escola”; vivemos algo muito intenso e a falta de resolução sobre o caso só tornava tudo mais delicado.
Contudo, eu não era capaz de negar algo para ele. Não com aquele sorriso, aquele olhar, aquela presença… Não depois de tudo que vivemos.
— Eu gosto de Piña Colada — me vi dizendo tais palavras, o que arrancou um sorriso pleno e completamente irresistível do maknae.
— Deixa comigo, pinguça.
Eu não estava esperando aquele apelido, principalmente pelo fato de que ele saiu em português mesmo! Quando Jungkook tinha aprendido aquela palavra!?
Minha boca se abriu em surpresa enquanto o k-idol se afastava com uma piscadinha marota e uma feição malandra.
A cena aconteceu em segundos, mas na minha mente, foi tudo câmera lenta: a forma como ele andou de costas até o fim do corredor, a piscadinha junto com o pequeno coração que surgiu no entrelaçar de seu dedão e indicador direito, e a mãozinha no bolso, bem estilo despojado e cafajeste.
Eu teria sérios problemas com aquela imagem, pois ela acabava de entrar para a pasta mental de “coisas lindas demais para serem vistas só uma vez”.
E assim, ele sumiu da minha vista, enquanto eu ficava ali, igual uma idiota tentando digerir tudo aquilo que aconteceu no último minuto.
É. Sobre a insalubridade de ser uma staff apaixonada, ninguém fala, né?
***
Nem duas horas depois, e todos estavam presentes na comemoração de J-Hope. Toda a equipe convidada se deslocou junta num transporte coletivo, o que facilitou para o evento começar com todos presentes, praticamente. Dessa vez, os meninos foram sozinhos, apenas com seus seguranças, enquanto a equipe de staff se dividiu pelas vans e, em menos tempo do que esperava, a festa do pequeno sol do BTS acabava de começar.
— Gente, não era para ser algo reservado? — Hyun-mee comentou com uma cara engraçada, enquanto a gente entrava no pub, que estava fechado apenas para os convidados de J-Hope. Que, pelo visto, eram muitos, uma vez que o local estava bem cheio.
— Aquarianos conseguem ser reservados aonde, Hyun-mee? — respondi, percebendo que não era um grupo seleto apenas; outras pessoas “de fora” do convívio estavam ali.
— Você tem um ponto! — Ela riu, mas logo seu olhar congelou. Eu franzi o cenho e segui a direção, até entender os motivos para lá de plausíveis. — Caralho. Aquele ali é o Jay Park falando com o J-Hope?
Aquela silhueta maravilhosa, com aquele sorriso de derreter calotas polares? Pode crer, senhoras e senhores! Sr. Jay Park is in the house!
— Puta que pariu! — Minha boca se manifestou antes que eu pudesse filtrar qualquer coisa. — É sim! É ele pra caralho! — Recobrei a consciência, exclamando com animação enquanto dava tapinhas no ombro dela. — Será que a gente pode falar com ele?
— Tu tá maluca!? — ela me olhou assustada — tem tantas variáveis negativas nessa hipótese que eu nem consigo considerar isso! Eu posso ser mandada embora por importunar um k-idol, posso receber um fora, isso sem nem falar na vergonha! Quer dizer, olha só para mim!
Particularmente, estávamos bem arrumadas para a ocasião; Hyun-mee estava com um vestido preto brilhoso de alças longas, colado no corpo, que ia até pouco antes do joelho. Nos pés, os coturnos davam aquela finalizada no look gótica suave, que combinava e muito com seu batom vinho.
Eu estava usando um all star totalmente preto, de cano alto, com uma saia de cintura alta terracota, um body branco tomara de caia, e um colete preto com pontos de luz. Não consegui ousar muito na maquiagem, então apelei para o famoso bocão vermelho, com delineador nos olhos e bochechas bem demarcadas pelo blush.
— Vejo apenas uma extrema gostosa bem insegura em falar com um dos seus ídolos favoritos — respondi, retornando ao ponto da questão. — Mas te entendo. Quer, pelo menos, passar perto dele?
Ela me olhou com as órbitas oculares em destaque, arregaladas e despertas, como se minha ideia fosse a mais incrível de todos os tempos.
— Sim!
Nós rimos de sua empolgação e fomos andando bem “garotas quinta série”, em direção ao alvo. Quando estávamos bem perto, puxei o braço de Hyun-mee para ela desacelerar o passo; timing perfeito para que J-Hope notasse nossa presença e fizesse o escândalo que eu estava esperando.
— Aí estão vocês! Minhas staffs favoritas! — ele exclamou, colocando os braços ao redor de nossos ombros, se colocando no meio de nós duas.
— Que Hye-jun não te ouça! — brinquei sorridente.
— Ainda bem que ela não está aqui para ouvir isso! Mas queria que tivesse vindo.
— Ela estava reclamando de uma enxaqueca braba — Hyun-mee comentou, e J-Hope deu de ombros, fazendo uma cara triste.
— Ela sempre fica assim em dias decisivos. É uma pessoa incrível também. Mas enfim! Park, conheça minhas preciosidades! e Hyun-mee, minhas staffs queridas do coração.
Sorri tentando fingir normalidade, mas… quem era capaz com aquele homem ali, diante de nós, sorrindo de maneira deslumbrante e… comendo minha prima com os olhos!?
— Boa noite, meninas! Vejo que J-Hope tem sorte grande!
Para total surpresa, Jay Park nem esperou a gente dizer nada; ele veio nos abraçar e ainda deixou um beijo no rosto.
Era óbvio que minha bochecha ficou quente, mas eu percebi que ele demorou um cadinho a mais na pele de Hyun-mee — que visivelmente ficou toda cagada com o ato.
Eu estava num misto de risadas e incredulidade, enquanto J-Hope sorria faceiro, fazendo caras e bocas em direção ao Park e minha prima.
— Que intimidade é essa, garotão? — ele brincou, deixando Hyun-mee com um sorriso sem graça, enquanto o outro k-idol levantou as mãos para o alto, em defesa.
— Estou sendo simpático! Você não diz que esse é meu forte?
— Se você ouvisse metade dos meus conselhos, a gente não teria metade dos problemas, amigo! — J-Hope jogou a fofoca pela metade e eu e minha prima nos entreolhamos, bem atentas para captar qualquer informação.
Afinal de contas, repassar a notícia não dá, mas ficar sabendo são outros quinhentos!
— É assim que você quer queimar meu filme com as meninas? Está com medo de perdê-las para mim? — Jay Park perguntou risonho, e J-Hope gargalhou.
— Meninas, relaxem! Eu to brincando! Parece mentira, mas ele é uma das melhores pessoas que eu conheço. Park é um amigo incrível. — respondeu, dando tapinhas no ombro do rapaz. — Mas não vai roubar minhas staffs não!
— Quem vai roubar o que? — RM chegou por trás de nós, ao lado de ninguém mais, ninguém menos que… Jackson Wang.
Puta merda.
Eu e Hyun-mee nos olhamos, e ela nitidamente estava dividida entre o líder do BTS (que estava um gato, sim senhor), Jay Park e o mais novo agregado do recinto.
Jackson Wang from China!
— J-Hope insiste que eu vou roubar as staffs para mim. Olha a fama que ele tá me colocando! — Park reclamou, e foi a vez de RM sorrir, colocando a mão delicadamente nas costas de Hyun-mee, tão sutil que quase não encostava direito.
— Ah, mas elas não aceitariam isso! Não é, Hyun-mee? Você abandonaria a gente?
Sim, os “divertidamente” da minha prima acabavam de entrar em colapso ali, ao vivaço.
E eu estava assistindo tudo de camarote, achando graça em tudo (quase tudo, né? Afinal de contas, estava cercada de pessoas incrivelmente lindas&cheirosas&maravilhosas). Fingir naturalidade era difícil!
— Golpe baixo, Namjoo-nah! — Jackson Wang abriu a boca para falar, e eu confesso que minha temperatura corporal aumentou um pouco depois daquilo. Gente, pensa num cara gato? GATO! Tô falando sério: G-A-T-O!
Jackson Wang from China. Todinho.
Namjoon riu da cara de Hyun-mee e se virou para o amigo.
— Jackson, essas são nossas staffs. Hyun-mee e .
— Muito prazer! — Minha prima respondeu ao aceno de mãos que ele ofertou, e eu repeti o gesto, percebendo que ele era mais reservado do que Jay Park.
Na realidade, nos meus sonhos mais impossíveis, eu colocaria todo mundo ali no meu harém e seria feliz.
Exceto por Hyun-mee. Ela poderia tirar casquinha outra hora; no máximo abanaria as folhas e serviria frutas nas bocas dos rapazes.
— Mas e aí, essa festa é no deserto? To vendo que tem gente sem nada para beber! — J-Hope me abraçou de lado com cara de inquisidor e eu ri. Ele era tão agradável, que de alguma forma me lembrava algum parente próximo; algo como um irmão.
— O que as senhoritas gostariam de beber? — Jay Park perguntou de maneira educada (e com um olhar sedutor).
— Mojito? — Hyun-mee respondeu com um sorriso mais confiante (e ali, nossa pequena dama da noite começava a desabrochar).
— E você, ? — Park me perguntou e quando recuperei o fôlego, minha fala foi interrompida.
— Piña Colada.
A voz grave e pontual de Jungkook soou pelas minhas costas, e quando me virei, o maknae segurava uma taça lindamente ornamentada do drink que eu escolhi, mais cedo.
— Uau! Serviço delivery? — J-Hope brincou, enquanto Jackson não deixou barato.
— Grande Jungkook, dando aulas! — comentou risonho, arrancando alguns sorrisos do pessoal, enquanto eu só pude ficar extasiada com a sua presença.
E que presença!
Ele vestia uma blusa social azul petróleo com os primeiros botões soltos, um blazer cinza, e uma calça skinny preta com mocassim da mesma cor nos pés.
O filha da mãe estava uma delícia — e ele sabia.
— Foi mal, Park. Eu estava devendo essa — Jungkook continuou, se colocando ao meu lado após J-Hope se afastar de mim para dar lugar ao maknae.
Ok. Como se respirava mesmo?
— Hey, tranquilo! Então, vamos de Mojito? — Jay Park se virou para Hyun-mee, que era a única que não possuía um drink.
— C-Claro! — respondeu sorridente, e eu ri por dentro ao perceber a gaguejada que ela deu.
— Mais alguém? — Park se ofereceu e Namjoon virou o resto de whisky que tinha em seu copo.
— Eu acompanho vocês!
— Mas você estava bebendo whisky! — J-Hope comentou, bem óbvio e risonho.
A torta de climão estava estabelecida.
Em um momento, estavam todos sendo cordiais, e no outro, estávamos vendo um certo preciosismo da parte de Namjoon com Hyun-mee, enquanto era visivelmente cortejada por Jay Park.
A cara impagável de minha prima estava me dando vontade de rir, mas fiz o exercício hercúleo de não transparecer.
Quer dizer, claro que ela não sairia pegando geral ali, mas se pudesse… ah, o estrago estava feito! Será que agora Hyun-mee entendia melhor a dificuldade de não poder dar uns pegas nos k-idols com quem trabalha? Óh, doce vingança!
Alguém traz a pipoca!
Jackson interviu sorridente, chamando minha atenção.
— E não é comemoração de aniversário? Além do mais, primeiro dia de turnê, vocês merecem! Vamos todos de Mojito, que a noite só está começando! — Ao bater as mãos, convocou todos ao redor. — Atenção, galera! Rodada de tequila aqui, comigo!
Como se despertasse o formigueiro, uma multidão de pessoas seguiu Jackson até o bar, animados com a promessa etílica. J-Hope obviamente foi o primeiro da fila, virando a bebida de uma vez só, fazendo careta ao experimentá-la com limão e sal, conforme a tradição — mas logo riu à toa, com as pessoas em seu entorno fazendo piadas de sua feição.
— Jungkook! ! Eu quero tomar shots com vocês! Não vão fugir de mim!
Eu e o golden maknae nos entreolhamos, num misto de “socorro” e alegria e enfim, nos juntamos ao aniversariante.
Ali, a festa acabava de começar.
***
Algumas horas depois, muita dança, risadas, bebidas, e papos extremamente aleatórios, poucos sobreviveram ao tornado J-Hope.
— E aí eu disse para ele “ou você me contrata, ou eu vou fazer da sua vida um inferno!”
— E foi assim que J-Hope entrou no BTS, senhoras e senhores — Suga ironizou, arrancando risadas de todos.
— Vocês estão rindo? Eu tô falando sério! — o aniversariante respondeu, já um pouco leve demais para seu próprio bem. — Conte a eles, Namjoon!
— Hã? Ah, sim, claro! Foi isso mesmo.
Arqueei uma sobrancelha ao perceber que o líder do grupo estava tendo dificuldades em dar atenção a conversa, ao tempo que buscava com olhares furtivos, a localização de minha prima — que estava acompanhada por ninguém mais, ninguém menos que Jay Park, na desculpa esfarrapada de conseguir mais drinks para a galera.
Tecnicamente, não teria problema dela se atracar com Park, porque o contrato não falava de alguém externo ao BTS. Mas, sabíamos que todo cuidado era pouco.
O problema era simples: ela estava totalmente a fim, bem louca e surpresa por chamar a atenção de um dos caras mais gostosos do local, ao mesmo tempo que queria manter uma reputação ali, porque querendo ou não, era trabalho.
Se ela fizesse na maciota, estava tudo certo.
Conhecendo Hyun-mee como eu conhecia, apenas saquei meu celular e escrevi em português uma mensagem para ela.
“Não precisa fazer nada aqui, mas pelo menos descole o celular dele. Não seja boba! A vida não ri duas vezes assim!”
Enviei com um sorrisinho maroto no rosto, recebendo uma mensagem logo de volta.
“Garota! Como eu queria que ele me jogasse na parede e me chamasse de lagartixa aqui e agora! Mas… ele já pediu o meu número! Hihihi! Me chame de mulher fatal a partir de agora, ok?”
Mandei uma figurinha risonha, e rolei os olhos, guardando o celular. Estava prestando atenção num caso contado por Taehyung, quando Jungkook voltou do banheiro — e com ele, o cheiro de seu perfume veio em cheio.
Filho da mãe cheiroso da porra!
O bandido sentou do meu lado (Jungkook ladrão, roubou meu coração!) e esticou os braços na poltrona de couro, passando por trás de meus ombros.
Umedeci meus lábios, na esperança de não transparecer qualquer suspirada sobre minha carência e urgência em tê-lo por perto.
Acho que falhei um pouco, pois seus olhos vez ou outra me encaravam, observadores.
Decidi focar em meu drink e, para minha surpresa, o terceiro copo já tinha ido embora.
Eu estava uma esponja, mas estava nervosa demais para ficar sóbria.
Estiquei minha mão e dei uma olhada no cardápio, pensando qual drink eu beberia (Piña Colada já tinha atingido seu limite).
— Quer uma sugestão? — ouvi Jungkook perguntar.
— Claro — respondi, gentil.
Esse foi meu declive.
Jungkook sorriu como um pequeno demônio que paira nos ombros e se levantou, apontando para o bar.
— Vem comigo.
Eu olhei em volta, receosa, mas ninguém estava ligando para a gente.
As conversas se dividiram entre risadas acaloradas e muita falação.
Respirei um pouco aliviada e, ainda mexida, segui o pedido do maknae.
Repeti seus passos, e em pouco tempo estávamos no bar. Jungkook prontamente se esticou para falar no ouvido do barman, que sorriu e o atendeu com gosto.
Eu te entendo, barman. Se Jungkook me pedisse para latir, eu o faria em 456245 línguas diferentes.
Para minha total surpresa — e alegria — o barman chegou pouco tempo depois com duas caipirinhas. Obviamente, comecei a rir, porque em momento algum suspeitei de que fosse uma menção à minha terra natal.
— E aí, gostou da minha sugestão? — Jungkook perguntou, me entregando o copo.
— Realmente, me pegou desprevenida — ri, balançando a cabeça levemente.
Nosso pequeno momento de interação foi interrompido por um coro de “vira! Vira! Vira!” e, quando vi, se tratava de um J-Hope super empolgado diante de um shot desconhecido e flamejante.
Impossível não rir de sua cara assustada e vitoriosa, quando terminou de beber o líquido. A animação e os gritos em seu nome fizeram o medo ir embora, aparentemente.
— Esse aí eu sou fã — Jungkook comentou, apontando seu copo para o aniversariante.
— E tem como não ser? — retruquei retoricamente, mexendo o canudo do meu drink — Muito obrigada, aliás.
Jungkook me olhou com uma feição gentil, me observando por um tempo, antes de responder.
— Promessa é dívida. — Seu sorriso terminou a sentença.
— Dívida paga, então — ergui meu copo ao seu e juntos, brindamos. — Ao J-Hope e… ao primeiro show da turnê!
— Sucesso para ambos!
O tintilar dos copos soou firme, e nossos olhos se mantiveram conectados enquanto dávamos um generoso gole em nossas bebidas.
Céus. Aquela atmosfera de novo…
— Então… Eu não tive a chance de te agradecer adequadamente. Quer dizer, não que isso seja, mas— eu o interrompi, achando graça de sua timidez repentina.
Às vezes esquecia que Jungkook era mais jovem que eu.
— Eu sei. Tá tudo bem, sério. Eu só estava fazendo meu trabalho.
Ele me olhou sério, com aquele ar de timidez o abandonando na hora.
— Por que você sempre desvaloriza seus atos? — Seu corpo se virou para mim, e sua feição decidida seguiu a me questionar — , isso não foi trabalho. Você foi humana, empática, incrível… e mesmo sabendo que você é tudo isso, eu não paro de me surpreender com a sua capacidade de ser exatamente o que vem demonstrando. É tão assustador quanto bom. — Seu olhar pairou sobre minha bebida e um pequeno sorriso, sem dentes, apareceu nos lábios. — Bota assustador nisso.
E num movimento ágil, deu outro gole na caipirinha.
Êta, cachaça da boa! Ela entra, a verdade sai! (Será?)
Porra, como ele conseguia ser tão foda? Suas palavras expressavam uma sinceridade, quase como se me convidasse a sentir as mesmas coisas que ele; como se seu momento de apreciação sobre minha postura fosse algo tão incomum quanto belo.
E os céus sabiam o quanto eu gostaria de acreditar nisso.
Novamente me encontrando envergonhada (porém um tanto aquecida pelas suas palavras), eu dei um novo gole no drink, ponderando sobre o que dizer.
— Eu não poderia ficar parada vendo você daquele jeito. Para ser sincera, eu mal pensei. Eu só… agi.
— E graças a você, eu consegui terminar o meu solo. Você me salvou, de novo.
Ergui minha cabeça, encarando seu olhar intenso sobre o meu.
Parecia que não tinha ninguém ao redor.
E como um alarme soando alto na minha cabeça, eu entrei em pânico e dei um passo para trás, encarando minha caipirinha.
— É, bem. Vovó Kang me educou bem, então… — divaguei, sem fazer nenhum sentido, olhando ao redor e querendo sair dali (antes que fizesse alguma besteira na frente de tanta gente). — Eu preciso ir ao banheiro, com licen—
— Por favor, não faz isso;
Eu tentei fugir, mas sua mão segurou levemente meu braço.
Meu corpo paralisou na hora que seu pedido foi feito. Voltei a ficar de frente para Jungkook, me sentindo uma criança medrosa diante de uma bronca.
— Isso o que? — questionei, de maneira idiota.
— Não vai embora.
Nos olhamos por um tempo, como se pudéssemos ver a realidade em que nos encontrávamos. Era mais real do que eu pensava, toda a aflição partilhada.
Aquelas malditas três palavras tinham tanto poder sobre mim!
Eu engoli a seco, voltando um passo para ficar ao seu lado, envergonhada demais para encará-lo.
O silêncio fez presença e, de repente, a alegria que dominava o local já não era tão contagiante. O ar estava pesado, e algo precisava ser dito. Surpreendentemente, foi ele quem retomou o diálogo.
— A gente precisa conversar.
— Jungkook… — mais sussurrei do que qualquer coisa, mas ele seguiu a falar.
— Eu sei, é delicado. Mas precisamos conversar melhor. Você sabe, sobre o que aconteceu e… sobre nós.
— Nós? — eu repeti, sentindo o peso das palavras, automaticamente erguendo o olhar para ele.
Ele disse “nós”?
Então, existia um nós?
O rapaz se assustou com minha retrucada e franziu o cenho.
— Não? Quer dizer… Você não quer? Conversar? — o maknae se atrapalhou para explicar, começando a ficar nervoso. Éramos dois.
— Jungkook, eu… Hm. — Olhei em volta, percebendo que todos estavam muito ocupados com suas próprias interações. Ninguém sabia nem parecia reparar na torta de climão que ali pairava, o que era menos mal, pois assim eu poderia falar mais tranquila com o idol. — Não sei, sinceramente…
— Você ouviu meu áudio ontem, não ouviu? — ele lançou sem nem pestanejar. Fui pega de surpresa, e meu olhar logo se conectou ao dele, precisamente.
O ar ficou rarefeito novamente, e eu concordei com um aceno rápido.
— Algumas vezes — respondi, sincera demais para meu próprio bem. — Mas não consegui responder. Ainda não consigo, para falar a verdade.
— E não acha que uma conversa ajudaria a entender melhor?
— Talvez…
O que era uma conversa, diante de todo aquele contexto? Ele falava com tanta certeza, tanta intensidade, e eu me sentia um gatinho arredio, com toda aquela firmeza que ele trazia, mesmo que estivesse visivelmente inseguro.
Ele parecia ter seus receios, mas mesmo assim, estava seguindo adiante.
Que inveja…
— , eu não quero que você se sinta mal. Mas eu acho que a gente precisa conversar. Acho que pouco foi dito, muito foi feito e… há muito o que se entender. Eu não quero ficar nesse clima estranho contigo. É ruim demais.
— Eu sei… eu também não quero, acredite — baixei o meu olhar, encarando o drink novamente, me sentindo covarde.
— Acho que precisamos entender o que se passa na cabeça de cada um para lidar da melhor forma sobre… tudo que aconteceu e acontece entre a gente. Afinal de contas, tem algo aqui… não tem?
Prendi os lábios, encarando seu rosto sério e decidido. Às vezes, ele parecia o mais velho da situação.
Encurralada, eu apenas acenei com a cabeça, de forma positiva.
Talvez fosse como assinar minha sentença de morte, mas as coisas estavam insustentáveis. Felizmente ou não, Jungkook tinha razão.
— E então?
Umedeci os lábios e ergui a cabeça, olhando ao redor. Apenas não parecia certo ali, naquele momento.
— Aqui é um lugar muito exposto.
— Então vamos para um lugar mais seguro.
Eu mordi meus lábios inferiores, sentindo a ansiedade vir com tudo.
— Aonde?
— Confia em mim? — ele retrucou e eu ponderei por alguns segundos.
Olhei ao redor, ninguém parecia nos notar. Hyun-mee estava entretida numa conversa com Jay Park e eu me senti mal por sair assim, deixando-a de fora de tudo.
— Hyun-mee? — me virei para Jungkook, que a encarou de longe.
— Pensaremos numa desculpa apropriada, e enviamos mensagem do carro. Pode ser?
De olhos fechados, eu concordei mais uma vez, achando aquilo tudo muito louco — mas extremamente… certo de se viver.
— Vou sair pelos fundos, e você pode sair pela frente. Eu paro o carro pouco depois, na esquina. Me dá alguns minutos, tudo bem?
Novamente, apenas meneei a cabeça em resposta, e automaticamente, Jungkook passou por mim, e com movimentos ágeis, sumiu no meio da multidão.
Eu olhei em volta, mais uma vez morrendo de medo de ser pega no flagra.
Mas lá estava Hyun-mee, no meio da galera, com gargalhadas abertas, parecendo não perceber a minha falta.
Com um sorriso ameno, eu dei meus passos de gato e, ainda trêmula de decisão, saí pela porta da boate, conforme combinado.
Quando me vi fora dali, meu coração bateu mais forte ao ver o carro de Jungkook. Meus passos alternavam entre decisivos e incertos, mas jamais deixaram de seguir naquela direção.
Antes que minha mão pudesse alcançar a maçaneta, a porta se abriu e ali dentro, o homem que mexia com todas as minhas estruturas me esperava com um sorriso no rosto, e um olhar ansioso.
Engolindo em seco, entrei no carro com movimentos inseguros e rápidos, com medo de perder a coragem (ou a falta de bom senso).
Foi apenas quando a porta bateu firme ao meu lado que percebi: eu estava no mesmo local que a noite passada, onde tudo aconteceu.
Nos olhamos por um momento, assimilando as coisas. O que estávamos prestes a fazer? Só o tempo diria.
Com um sorriso discreto, o rapaz deu partida no carro e assim, pegamos a avenida, avançando rápido na madrugada escura, com flashes de luzes dos postes ao lado de fora, rumo ao destino que estava escrito para nós — seja lá qual fosse.
O que não era exatamente mentira, mas… também não era exatamente verdade.
Ele estava cansado? Provavelmente.
Precisava recuperar fôlego? Sem dúvidas!
Eles sabiam que o golden maknae tinha tido uma pequena crise de ansiedade bem no seu momento solo e quem lhe acalmou foi a mais nova staff da equipe? Jamais!
Bem, talvez, apenas talvez, J-Hope, porque, pudera né? Ele estava logo ali.
Mas seu profissionalismo e sua postura não deram nenhum indício de que aquilo seria comentado tão cedo. Também, com o primeiro show da turnê, quem ligaria para o que tinha acabado de acontecer? Afinal de contas, não importa como: Jungkook fez o seu papel e o show pôde continuar! Amém! Mazel tov! Insha’Allah!
Eu estava com essa situação grudada no fundo da minha cabeça? Com toda certeza, mas não me permiti pensar (ou digerir) aquele acontecimento. O show estava a mil por hora, troca de figurinos, suportes dos mais variados possíveis e é claro, uma multidão de fãs enlouquecidos a cada nova performance dos meninos. Era o começo de tudo, e nada poderia dar errado. Logo, eu não permitiria que minha pequena paixonite (ou não tão pequena assim) atrapalhasse meu desempenho. Não mesmo! Meu trabalho em primeiro lugar!
… Não é?
Que seja!
Quando dei por mim, os acordes iniciais de Blood, Sweat and Tears soaram estrondosos nas caixas de som. Aquilo ressoou com força no meu peito, e como era a última música do show, senti que poderia respirar mais aliviada e apreciar um pouco a apresentação dos meninos.
E, puta merda.
Eu entendia aquela multidão!
Aquele mar de gente estava extasiado com a voz de Jimin começando a música, os passos assertivos de dança, a iluminação de palco, todos os mínimos detalhes… Céus! Aquilo parecia um filme de tão perfeito!
Notei que estava arfando (fosse da correria do trabalho ou mesmo de não conseguir acompanhar aquela performance tão foda) e ajoelhei no chão para conseguir descansar um pouco.
Alguns segundos depois, senti alguém fazer o mesmo do meu lado.
— Morre não, mocreia!
— Cara, olha isso! — ignorei completamente a fala de Hyun-mee e apontei para os meninos — Não é incrível?
— Sem chance de dizer o contrário — ela comentou, sorrindo. — “Os novinho? São sensacional!”
Caímos na gargalhada com aquela frase em português e eu balancei a cabeça, sentindo falta dessa leveza do meu país.
— Sabe o que eu fico pensando? Se esse é o primeiro show, como será o último? — indaguei, ainda embasbacada com o talento dos rapazes.
— Sinceramente, eu não faço ideia. Só espero estar aqui para poder ver também, sabia? — Hyun-mee me olhou de soslaio e deu uma batidinha no meu ombro — Aliás, que nós estejamos, né? Acho que com todo esse bom trabalho, podemos sonhar com mais certeza…
Meu sorriso não se abriu como o de Hyun-mee. Seus dentes reluziam com as luzes enquanto meus lábios só deram uma curva tímida. O fim da turnê estava programado para dezembro daquele ano. O que será que me aguardava até lá? Que tipo de futuro eu teria nessa altura do campeonato?
— Dez meses… — pensei em voz alta, e senti os olhos de Hyun-mee sobre mim, o que me fez encará-la de volta. — Acha que a gente consegue?
— E a vovó criou a gente para fazer esse tipo de pergunta? Mas é claro que sim!
Seu abraço me fez retribuir o gesto e sorrir, enquanto víamos os meninos terminarem o show.
— Você tem toda razão. Temos muito aprendizado e trabalho pela frente.
— E certamente daremos conta. Até golpe de karatê você sofreu e tá aí, vivíssima! A gente é foda e continua de pé!
A gargalhada compartilhada entre minha prima e eu se misturou com o fim do show.
Nos levantamos, ansiosas com as despedidas dos rapazes e já ouvindo ordens no fone de ouvido; Hye-jun estava a todo vapor!
— Meninas, todo apoio aos garotos, ouviram?
— Sim, chefe! — respondemos em uníssono, sorrindo uma para a outra, antes de recebê-los de volta.
Foi um auê só. Todo mundo se amontoando em cima dos garotos; microfone para lá, ponto interno para cá, garrafa d’água aqui, vestimenta para lá… e muita! Muita energia!
Eles estavam cansadíssimos, mas elétricos! Falando do show sem parar, entre um fôlego e outro.
Eu e mais um grupo de staff nos dividimos entre entregar água, aliviá-los do calor com aqueles ventiladores de mão, e um pequeno buffet de frutas, sucos e alimentos de rápida absorção/digestão.
Ao chegar no pequeno hall, os meninos se amontoaram no sofá de qualquer jeito, exaustos e suados, se dividindo entre comentários do show e respirações entrecortadas pelo cansaço.
Aquilo era o sonho de qualquer army, e eu me peguei rindo comigo mesma sobre o quão sortuda estava sendo ao vê-los ali, daquele jeitinho tão deles, depois de um show incrível! Meus pensamentos foram interrompidos por um J-Hope tagarela, que estava bem próximo de mim, com a cabeça encostada no sofá e os pés apoiados na mesa de centro.
— Caraca, achei que eu fosse desidratar nessa última música! — Ele mal reclamou, e eu já lhe trouxe uma garrafa aberta, que foi recebida com uma expressão impagável. — Ah, Santa ! Beatificada seja!
— Disponha, Santo J. Quer uma porção de uvas?
— Vai me dar na boca como os antigos gregos faziam? — ele perguntou com uma cara esperta e eu ri, rolando os olhos.
— Ela não é sua empregada não, Zé Mané! — Suga “brigou”, tacando uma uva no amigo e ele fez cara de coitado.
— Mas hoje é meu aniversário! Eu mereço tratamento especial!
— Aqui óh, seu tratamento especial! — Jimin entrou na brincadeira, tacando outra uva no amigo.
— Caramba, é assim que vocês me amam? , me defenda! — ele se virou para mim, com o maior bico de todos e eu ri ao equilibrar os potes descartáveis com as frutas.
— Sem briga, crianças. Toma, um para cada um, usando suas próprias mãos, como seres crescidos e capazes que são! — respondi astuta, e os três agradeceram com um sorriso.
— E o resto de nós? — Taehyung reclamou abismado, mas Hyun-mee estava logo ali, distribuindo para ele e RM.
— Fala muito, garotão! — Jimin zoou e Jin entrou na brincadeira.
— É, mas se não fosse Hyun-mee, morreríamos de fome, porque “você-sabe-quem”, não gosta da gente! — e apontou a cara para mim, fazendo careta. Respondi com uma prontidão invejável.
— Isso é mentira, e você sabe! Eu só não gosto de você, mas deles eu gosto sim!
A sala se encheu de risadas e mais uvas voaram uns contra os outros.
Nem parecia que um show tinha acabado de acontecer; era um jardim de infância de k-idols. E eu ali, entrando no clima como se não estivesse trabalhando o dia todo também!
— Gente, preciso tomar um banho! — RM levantou num pulo e J-Hope o interceptou, com altas expressões faciais.
— Precisa de ajuda?
— Ih, oh lá! — Jimin tirou as palavras da minha boca, que estava ocupada enquanto ria.
— Comeu palhacitos no café da manhã, foi? — RM perguntou, dando um tapa na testa de J-Hope, que logo fez cara de choro e ergueu os braços para mim.
— , aqui! Olha como eles me tratam! Me socorre!
— Você arranjou essa sozinho, garotinho!
— Achei que você era nossa heroína!
— Ela já gastou todo heroísmo salvando o Jungkook, né? — Taehyung comentou ao apontar para o nariz, e eu fiquei sem graça na hora. Para melhorar, eu estava justamente entregando o pote de frutas para o golden maknae, que acabava de encostar seus dedos nos meus (de maneira nada acidental).
Ficamos nos olhando por alguns segundos, até que Jimin quebrou o silêncio.
— E você precisa lembrar disso? A garota ficou traumatizada!
— Ficou nada, aproveitou aqueles dias para faltar ao trabalho que eu sei! — Incrivelmente, Jin me salvou e eu pude rir debochadamente, saindo daquele momento íntimo com Jungkook.
— Eu juro que ainda vou pedir aumento salarial para aguentar essas façanhas, Jin!
— Vai sair do teu bolso! — Suga apontou para o mais velho, que fez uma cara de arrependido.
— Eu poderia ter ficado quieto, né.
— Poderia, do verbo “não ficou”, no presente, “se ferrou”! — J-Hope comentou, risonho, enquanto se levantava e saía do recinto. — Com licença, pois preciso tirar essa roupa para ontem! Tá virando uma segunda pele aqui!
— Eu também vou!
— Eu também!
Pouco a pouco, foram se dispersando, e quando percebi, estava sozinha com Jungkook ali. Tentei disfarçar o frio na barriga ao recolher todo e qualquer item que tenha sido deixado para trás, mas Jungkook não facilitou para mim; se curvou a ponto de alcançar um cacho de uva e, antes de colocá-lo na boca, falou com a voz grave.
— Então…
Prendi a respiração na hora, e não consegui não olhar para o lado. Seus olhos me encaravam com ansiedade.
— Então? — repeti, com a voz um pouco aguda demais. Ele sorriu.
Filho da mãe.
— Pensamos em fazer uma after em comemoração ao aniversário do J-Hope. Não vamos demorar, porque amanhã é dia de show, mas… Você vem, não é?
Oh.
A after.
Eu tinha ouvido algo sobre isso…
Antes de simplesmente TUDO acontecer.
— Ah. É verdade. Eu… — antes que pudesse dar alguma desculpa enquanto recolhia um fio de cabelo, Jungkook me interrompeu.
— Não aceito “não” como resposta. E no mais… — ele se levantou, me fazendo imitá-lo e parar diante dele — preciso te pagar um drink. Você sabe… Em agradecimento pelo que fez hoje. O que me diz?
Eu respirei fundo, me sentindo zonza com aquela proximidade toda. Já não éramos os “parceirinhos amiguinhos da escola”; vivemos algo muito intenso e a falta de resolução sobre o caso só tornava tudo mais delicado.
Contudo, eu não era capaz de negar algo para ele. Não com aquele sorriso, aquele olhar, aquela presença… Não depois de tudo que vivemos.
— Eu gosto de Piña Colada — me vi dizendo tais palavras, o que arrancou um sorriso pleno e completamente irresistível do maknae.
— Deixa comigo, pinguça.
Eu não estava esperando aquele apelido, principalmente pelo fato de que ele saiu em português mesmo! Quando Jungkook tinha aprendido aquela palavra!?
Minha boca se abriu em surpresa enquanto o k-idol se afastava com uma piscadinha marota e uma feição malandra.
A cena aconteceu em segundos, mas na minha mente, foi tudo câmera lenta: a forma como ele andou de costas até o fim do corredor, a piscadinha junto com o pequeno coração que surgiu no entrelaçar de seu dedão e indicador direito, e a mãozinha no bolso, bem estilo despojado e cafajeste.
Eu teria sérios problemas com aquela imagem, pois ela acabava de entrar para a pasta mental de “coisas lindas demais para serem vistas só uma vez”.
E assim, ele sumiu da minha vista, enquanto eu ficava ali, igual uma idiota tentando digerir tudo aquilo que aconteceu no último minuto.
É. Sobre a insalubridade de ser uma staff apaixonada, ninguém fala, né?
Nem duas horas depois, e todos estavam presentes na comemoração de J-Hope. Toda a equipe convidada se deslocou junta num transporte coletivo, o que facilitou para o evento começar com todos presentes, praticamente. Dessa vez, os meninos foram sozinhos, apenas com seus seguranças, enquanto a equipe de staff se dividiu pelas vans e, em menos tempo do que esperava, a festa do pequeno sol do BTS acabava de começar.
— Gente, não era para ser algo reservado? — Hyun-mee comentou com uma cara engraçada, enquanto a gente entrava no pub, que estava fechado apenas para os convidados de J-Hope. Que, pelo visto, eram muitos, uma vez que o local estava bem cheio.
— Aquarianos conseguem ser reservados aonde, Hyun-mee? — respondi, percebendo que não era um grupo seleto apenas; outras pessoas “de fora” do convívio estavam ali.
— Você tem um ponto! — Ela riu, mas logo seu olhar congelou. Eu franzi o cenho e segui a direção, até entender os motivos para lá de plausíveis. — Caralho. Aquele ali é o Jay Park falando com o J-Hope?
Aquela silhueta maravilhosa, com aquele sorriso de derreter calotas polares? Pode crer, senhoras e senhores! Sr. Jay Park is in the house!
— Puta que pariu! — Minha boca se manifestou antes que eu pudesse filtrar qualquer coisa. — É sim! É ele pra caralho! — Recobrei a consciência, exclamando com animação enquanto dava tapinhas no ombro dela. — Será que a gente pode falar com ele?
— Tu tá maluca!? — ela me olhou assustada — tem tantas variáveis negativas nessa hipótese que eu nem consigo considerar isso! Eu posso ser mandada embora por importunar um k-idol, posso receber um fora, isso sem nem falar na vergonha! Quer dizer, olha só para mim!
Particularmente, estávamos bem arrumadas para a ocasião; Hyun-mee estava com um vestido preto brilhoso de alças longas, colado no corpo, que ia até pouco antes do joelho. Nos pés, os coturnos davam aquela finalizada no look gótica suave, que combinava e muito com seu batom vinho.
Eu estava usando um all star totalmente preto, de cano alto, com uma saia de cintura alta terracota, um body branco tomara de caia, e um colete preto com pontos de luz. Não consegui ousar muito na maquiagem, então apelei para o famoso bocão vermelho, com delineador nos olhos e bochechas bem demarcadas pelo blush.
— Vejo apenas uma extrema gostosa bem insegura em falar com um dos seus ídolos favoritos — respondi, retornando ao ponto da questão. — Mas te entendo. Quer, pelo menos, passar perto dele?
Ela me olhou com as órbitas oculares em destaque, arregaladas e despertas, como se minha ideia fosse a mais incrível de todos os tempos.
— Sim!
Nós rimos de sua empolgação e fomos andando bem “garotas quinta série”, em direção ao alvo. Quando estávamos bem perto, puxei o braço de Hyun-mee para ela desacelerar o passo; timing perfeito para que J-Hope notasse nossa presença e fizesse o escândalo que eu estava esperando.
— Aí estão vocês! Minhas staffs favoritas! — ele exclamou, colocando os braços ao redor de nossos ombros, se colocando no meio de nós duas.
— Que Hye-jun não te ouça! — brinquei sorridente.
— Ainda bem que ela não está aqui para ouvir isso! Mas queria que tivesse vindo.
— Ela estava reclamando de uma enxaqueca braba — Hyun-mee comentou, e J-Hope deu de ombros, fazendo uma cara triste.
— Ela sempre fica assim em dias decisivos. É uma pessoa incrível também. Mas enfim! Park, conheça minhas preciosidades! e Hyun-mee, minhas staffs queridas do coração.
Sorri tentando fingir normalidade, mas… quem era capaz com aquele homem ali, diante de nós, sorrindo de maneira deslumbrante e… comendo minha prima com os olhos!?
— Boa noite, meninas! Vejo que J-Hope tem sorte grande!
Para total surpresa, Jay Park nem esperou a gente dizer nada; ele veio nos abraçar e ainda deixou um beijo no rosto.
Era óbvio que minha bochecha ficou quente, mas eu percebi que ele demorou um cadinho a mais na pele de Hyun-mee — que visivelmente ficou toda cagada com o ato.
Eu estava num misto de risadas e incredulidade, enquanto J-Hope sorria faceiro, fazendo caras e bocas em direção ao Park e minha prima.
— Que intimidade é essa, garotão? — ele brincou, deixando Hyun-mee com um sorriso sem graça, enquanto o outro k-idol levantou as mãos para o alto, em defesa.
— Estou sendo simpático! Você não diz que esse é meu forte?
— Se você ouvisse metade dos meus conselhos, a gente não teria metade dos problemas, amigo! — J-Hope jogou a fofoca pela metade e eu e minha prima nos entreolhamos, bem atentas para captar qualquer informação.
Afinal de contas, repassar a notícia não dá, mas ficar sabendo são outros quinhentos!
— É assim que você quer queimar meu filme com as meninas? Está com medo de perdê-las para mim? — Jay Park perguntou risonho, e J-Hope gargalhou.
— Meninas, relaxem! Eu to brincando! Parece mentira, mas ele é uma das melhores pessoas que eu conheço. Park é um amigo incrível. — respondeu, dando tapinhas no ombro do rapaz. — Mas não vai roubar minhas staffs não!
— Quem vai roubar o que? — RM chegou por trás de nós, ao lado de ninguém mais, ninguém menos que… Jackson Wang.
Puta merda.
Eu e Hyun-mee nos olhamos, e ela nitidamente estava dividida entre o líder do BTS (que estava um gato, sim senhor), Jay Park e o mais novo agregado do recinto.
Jackson Wang from China!
— J-Hope insiste que eu vou roubar as staffs para mim. Olha a fama que ele tá me colocando! — Park reclamou, e foi a vez de RM sorrir, colocando a mão delicadamente nas costas de Hyun-mee, tão sutil que quase não encostava direito.
— Ah, mas elas não aceitariam isso! Não é, Hyun-mee? Você abandonaria a gente?
Sim, os “divertidamente” da minha prima acabavam de entrar em colapso ali, ao vivaço.
E eu estava assistindo tudo de camarote, achando graça em tudo (quase tudo, né? Afinal de contas, estava cercada de pessoas incrivelmente lindas&cheirosas&maravilhosas). Fingir naturalidade era difícil!
— Golpe baixo, Namjoo-nah! — Jackson Wang abriu a boca para falar, e eu confesso que minha temperatura corporal aumentou um pouco depois daquilo. Gente, pensa num cara gato? GATO! Tô falando sério: G-A-T-O!
Jackson Wang from China. Todinho.
Namjoon riu da cara de Hyun-mee e se virou para o amigo.
— Jackson, essas são nossas staffs. Hyun-mee e .
— Muito prazer! — Minha prima respondeu ao aceno de mãos que ele ofertou, e eu repeti o gesto, percebendo que ele era mais reservado do que Jay Park.
Na realidade, nos meus sonhos mais impossíveis, eu colocaria todo mundo ali no meu harém e seria feliz.
Exceto por Hyun-mee. Ela poderia tirar casquinha outra hora; no máximo abanaria as folhas e serviria frutas nas bocas dos rapazes.
— Mas e aí, essa festa é no deserto? To vendo que tem gente sem nada para beber! — J-Hope me abraçou de lado com cara de inquisidor e eu ri. Ele era tão agradável, que de alguma forma me lembrava algum parente próximo; algo como um irmão.
— O que as senhoritas gostariam de beber? — Jay Park perguntou de maneira educada (e com um olhar sedutor).
— Mojito? — Hyun-mee respondeu com um sorriso mais confiante (e ali, nossa pequena dama da noite começava a desabrochar).
— E você, ? — Park me perguntou e quando recuperei o fôlego, minha fala foi interrompida.
— Piña Colada.
A voz grave e pontual de Jungkook soou pelas minhas costas, e quando me virei, o maknae segurava uma taça lindamente ornamentada do drink que eu escolhi, mais cedo.
— Uau! Serviço delivery? — J-Hope brincou, enquanto Jackson não deixou barato.
— Grande Jungkook, dando aulas! — comentou risonho, arrancando alguns sorrisos do pessoal, enquanto eu só pude ficar extasiada com a sua presença.
E que presença!
Ele vestia uma blusa social azul petróleo com os primeiros botões soltos, um blazer cinza, e uma calça skinny preta com mocassim da mesma cor nos pés.
O filha da mãe estava uma delícia — e ele sabia.
— Foi mal, Park. Eu estava devendo essa — Jungkook continuou, se colocando ao meu lado após J-Hope se afastar de mim para dar lugar ao maknae.
Ok. Como se respirava mesmo?
— Hey, tranquilo! Então, vamos de Mojito? — Jay Park se virou para Hyun-mee, que era a única que não possuía um drink.
— C-Claro! — respondeu sorridente, e eu ri por dentro ao perceber a gaguejada que ela deu.
— Mais alguém? — Park se ofereceu e Namjoon virou o resto de whisky que tinha em seu copo.
— Eu acompanho vocês!
— Mas você estava bebendo whisky! — J-Hope comentou, bem óbvio e risonho.
A torta de climão estava estabelecida.
Em um momento, estavam todos sendo cordiais, e no outro, estávamos vendo um certo preciosismo da parte de Namjoon com Hyun-mee, enquanto era visivelmente cortejada por Jay Park.
A cara impagável de minha prima estava me dando vontade de rir, mas fiz o exercício hercúleo de não transparecer.
Quer dizer, claro que ela não sairia pegando geral ali, mas se pudesse… ah, o estrago estava feito! Será que agora Hyun-mee entendia melhor a dificuldade de não poder dar uns pegas nos k-idols com quem trabalha? Óh, doce vingança!
Alguém traz a pipoca!
Jackson interviu sorridente, chamando minha atenção.
— E não é comemoração de aniversário? Além do mais, primeiro dia de turnê, vocês merecem! Vamos todos de Mojito, que a noite só está começando! — Ao bater as mãos, convocou todos ao redor. — Atenção, galera! Rodada de tequila aqui, comigo!
Como se despertasse o formigueiro, uma multidão de pessoas seguiu Jackson até o bar, animados com a promessa etílica. J-Hope obviamente foi o primeiro da fila, virando a bebida de uma vez só, fazendo careta ao experimentá-la com limão e sal, conforme a tradição — mas logo riu à toa, com as pessoas em seu entorno fazendo piadas de sua feição.
— Jungkook! ! Eu quero tomar shots com vocês! Não vão fugir de mim!
Eu e o golden maknae nos entreolhamos, num misto de “socorro” e alegria e enfim, nos juntamos ao aniversariante.
Ali, a festa acabava de começar.
Algumas horas depois, muita dança, risadas, bebidas, e papos extremamente aleatórios, poucos sobreviveram ao tornado J-Hope.
— E aí eu disse para ele “ou você me contrata, ou eu vou fazer da sua vida um inferno!”
— E foi assim que J-Hope entrou no BTS, senhoras e senhores — Suga ironizou, arrancando risadas de todos.
— Vocês estão rindo? Eu tô falando sério! — o aniversariante respondeu, já um pouco leve demais para seu próprio bem. — Conte a eles, Namjoon!
— Hã? Ah, sim, claro! Foi isso mesmo.
Arqueei uma sobrancelha ao perceber que o líder do grupo estava tendo dificuldades em dar atenção a conversa, ao tempo que buscava com olhares furtivos, a localização de minha prima — que estava acompanhada por ninguém mais, ninguém menos que Jay Park, na desculpa esfarrapada de conseguir mais drinks para a galera.
Tecnicamente, não teria problema dela se atracar com Park, porque o contrato não falava de alguém externo ao BTS. Mas, sabíamos que todo cuidado era pouco.
O problema era simples: ela estava totalmente a fim, bem louca e surpresa por chamar a atenção de um dos caras mais gostosos do local, ao mesmo tempo que queria manter uma reputação ali, porque querendo ou não, era trabalho.
Se ela fizesse na maciota, estava tudo certo.
Conhecendo Hyun-mee como eu conhecia, apenas saquei meu celular e escrevi em português uma mensagem para ela.
“Não precisa fazer nada aqui, mas pelo menos descole o celular dele. Não seja boba! A vida não ri duas vezes assim!”
Enviei com um sorrisinho maroto no rosto, recebendo uma mensagem logo de volta.
“Garota! Como eu queria que ele me jogasse na parede e me chamasse de lagartixa aqui e agora! Mas… ele já pediu o meu número! Hihihi! Me chame de mulher fatal a partir de agora, ok?”
Mandei uma figurinha risonha, e rolei os olhos, guardando o celular. Estava prestando atenção num caso contado por Taehyung, quando Jungkook voltou do banheiro — e com ele, o cheiro de seu perfume veio em cheio.
Filho da mãe cheiroso da porra!
O bandido sentou do meu lado (Jungkook ladrão, roubou meu coração!) e esticou os braços na poltrona de couro, passando por trás de meus ombros.
Umedeci meus lábios, na esperança de não transparecer qualquer suspirada sobre minha carência e urgência em tê-lo por perto.
Acho que falhei um pouco, pois seus olhos vez ou outra me encaravam, observadores.
Decidi focar em meu drink e, para minha surpresa, o terceiro copo já tinha ido embora.
Eu estava uma esponja, mas estava nervosa demais para ficar sóbria.
Estiquei minha mão e dei uma olhada no cardápio, pensando qual drink eu beberia (Piña Colada já tinha atingido seu limite).
— Quer uma sugestão? — ouvi Jungkook perguntar.
— Claro — respondi, gentil.
Esse foi meu declive.
Jungkook sorriu como um pequeno demônio que paira nos ombros e se levantou, apontando para o bar.
— Vem comigo.
Eu olhei em volta, receosa, mas ninguém estava ligando para a gente.
As conversas se dividiram entre risadas acaloradas e muita falação.
Respirei um pouco aliviada e, ainda mexida, segui o pedido do maknae.
Repeti seus passos, e em pouco tempo estávamos no bar. Jungkook prontamente se esticou para falar no ouvido do barman, que sorriu e o atendeu com gosto.
Eu te entendo, barman. Se Jungkook me pedisse para latir, eu o faria em 456245 línguas diferentes.
Para minha total surpresa — e alegria — o barman chegou pouco tempo depois com duas caipirinhas. Obviamente, comecei a rir, porque em momento algum suspeitei de que fosse uma menção à minha terra natal.
— E aí, gostou da minha sugestão? — Jungkook perguntou, me entregando o copo.
— Realmente, me pegou desprevenida — ri, balançando a cabeça levemente.
Nosso pequeno momento de interação foi interrompido por um coro de “vira! Vira! Vira!” e, quando vi, se tratava de um J-Hope super empolgado diante de um shot desconhecido e flamejante.
Impossível não rir de sua cara assustada e vitoriosa, quando terminou de beber o líquido. A animação e os gritos em seu nome fizeram o medo ir embora, aparentemente.
— Esse aí eu sou fã — Jungkook comentou, apontando seu copo para o aniversariante.
— E tem como não ser? — retruquei retoricamente, mexendo o canudo do meu drink — Muito obrigada, aliás.
Jungkook me olhou com uma feição gentil, me observando por um tempo, antes de responder.
— Promessa é dívida. — Seu sorriso terminou a sentença.
— Dívida paga, então — ergui meu copo ao seu e juntos, brindamos. — Ao J-Hope e… ao primeiro show da turnê!
— Sucesso para ambos!
O tintilar dos copos soou firme, e nossos olhos se mantiveram conectados enquanto dávamos um generoso gole em nossas bebidas.
Céus. Aquela atmosfera de novo…
— Então… Eu não tive a chance de te agradecer adequadamente. Quer dizer, não que isso seja, mas— eu o interrompi, achando graça de sua timidez repentina.
Às vezes esquecia que Jungkook era mais jovem que eu.
— Eu sei. Tá tudo bem, sério. Eu só estava fazendo meu trabalho.
Ele me olhou sério, com aquele ar de timidez o abandonando na hora.
— Por que você sempre desvaloriza seus atos? — Seu corpo se virou para mim, e sua feição decidida seguiu a me questionar — , isso não foi trabalho. Você foi humana, empática, incrível… e mesmo sabendo que você é tudo isso, eu não paro de me surpreender com a sua capacidade de ser exatamente o que vem demonstrando. É tão assustador quanto bom. — Seu olhar pairou sobre minha bebida e um pequeno sorriso, sem dentes, apareceu nos lábios. — Bota assustador nisso.
E num movimento ágil, deu outro gole na caipirinha.
Êta, cachaça da boa! Ela entra, a verdade sai! (Será?)
Porra, como ele conseguia ser tão foda? Suas palavras expressavam uma sinceridade, quase como se me convidasse a sentir as mesmas coisas que ele; como se seu momento de apreciação sobre minha postura fosse algo tão incomum quanto belo.
E os céus sabiam o quanto eu gostaria de acreditar nisso.
Novamente me encontrando envergonhada (porém um tanto aquecida pelas suas palavras), eu dei um novo gole no drink, ponderando sobre o que dizer.
— Eu não poderia ficar parada vendo você daquele jeito. Para ser sincera, eu mal pensei. Eu só… agi.
— E graças a você, eu consegui terminar o meu solo. Você me salvou, de novo.
Ergui minha cabeça, encarando seu olhar intenso sobre o meu.
Parecia que não tinha ninguém ao redor.
E como um alarme soando alto na minha cabeça, eu entrei em pânico e dei um passo para trás, encarando minha caipirinha.
— É, bem. Vovó Kang me educou bem, então… — divaguei, sem fazer nenhum sentido, olhando ao redor e querendo sair dali (antes que fizesse alguma besteira na frente de tanta gente). — Eu preciso ir ao banheiro, com licen—
— Por favor, não faz isso;
Eu tentei fugir, mas sua mão segurou levemente meu braço.
Meu corpo paralisou na hora que seu pedido foi feito. Voltei a ficar de frente para Jungkook, me sentindo uma criança medrosa diante de uma bronca.
— Isso o que? — questionei, de maneira idiota.
— Não vai embora.
Nos olhamos por um tempo, como se pudéssemos ver a realidade em que nos encontrávamos. Era mais real do que eu pensava, toda a aflição partilhada.
Aquelas malditas três palavras tinham tanto poder sobre mim!
Eu engoli a seco, voltando um passo para ficar ao seu lado, envergonhada demais para encará-lo.
O silêncio fez presença e, de repente, a alegria que dominava o local já não era tão contagiante. O ar estava pesado, e algo precisava ser dito. Surpreendentemente, foi ele quem retomou o diálogo.
— A gente precisa conversar.
— Jungkook… — mais sussurrei do que qualquer coisa, mas ele seguiu a falar.
— Eu sei, é delicado. Mas precisamos conversar melhor. Você sabe, sobre o que aconteceu e… sobre nós.
— Nós? — eu repeti, sentindo o peso das palavras, automaticamente erguendo o olhar para ele.
Ele disse “nós”?
Então, existia um nós?
O rapaz se assustou com minha retrucada e franziu o cenho.
— Não? Quer dizer… Você não quer? Conversar? — o maknae se atrapalhou para explicar, começando a ficar nervoso. Éramos dois.
— Jungkook, eu… Hm. — Olhei em volta, percebendo que todos estavam muito ocupados com suas próprias interações. Ninguém sabia nem parecia reparar na torta de climão que ali pairava, o que era menos mal, pois assim eu poderia falar mais tranquila com o idol. — Não sei, sinceramente…
— Você ouviu meu áudio ontem, não ouviu? — ele lançou sem nem pestanejar. Fui pega de surpresa, e meu olhar logo se conectou ao dele, precisamente.
O ar ficou rarefeito novamente, e eu concordei com um aceno rápido.
— Algumas vezes — respondi, sincera demais para meu próprio bem. — Mas não consegui responder. Ainda não consigo, para falar a verdade.
— E não acha que uma conversa ajudaria a entender melhor?
— Talvez…
O que era uma conversa, diante de todo aquele contexto? Ele falava com tanta certeza, tanta intensidade, e eu me sentia um gatinho arredio, com toda aquela firmeza que ele trazia, mesmo que estivesse visivelmente inseguro.
Ele parecia ter seus receios, mas mesmo assim, estava seguindo adiante.
Que inveja…
— , eu não quero que você se sinta mal. Mas eu acho que a gente precisa conversar. Acho que pouco foi dito, muito foi feito e… há muito o que se entender. Eu não quero ficar nesse clima estranho contigo. É ruim demais.
— Eu sei… eu também não quero, acredite — baixei o meu olhar, encarando o drink novamente, me sentindo covarde.
— Acho que precisamos entender o que se passa na cabeça de cada um para lidar da melhor forma sobre… tudo que aconteceu e acontece entre a gente. Afinal de contas, tem algo aqui… não tem?
Prendi os lábios, encarando seu rosto sério e decidido. Às vezes, ele parecia o mais velho da situação.
Encurralada, eu apenas acenei com a cabeça, de forma positiva.
Talvez fosse como assinar minha sentença de morte, mas as coisas estavam insustentáveis. Felizmente ou não, Jungkook tinha razão.
— E então?
Umedeci os lábios e ergui a cabeça, olhando ao redor. Apenas não parecia certo ali, naquele momento.
— Aqui é um lugar muito exposto.
— Então vamos para um lugar mais seguro.
Eu mordi meus lábios inferiores, sentindo a ansiedade vir com tudo.
— Aonde?
— Confia em mim? — ele retrucou e eu ponderei por alguns segundos.
Olhei ao redor, ninguém parecia nos notar. Hyun-mee estava entretida numa conversa com Jay Park e eu me senti mal por sair assim, deixando-a de fora de tudo.
— Hyun-mee? — me virei para Jungkook, que a encarou de longe.
— Pensaremos numa desculpa apropriada, e enviamos mensagem do carro. Pode ser?
De olhos fechados, eu concordei mais uma vez, achando aquilo tudo muito louco — mas extremamente… certo de se viver.
— Vou sair pelos fundos, e você pode sair pela frente. Eu paro o carro pouco depois, na esquina. Me dá alguns minutos, tudo bem?
Novamente, apenas meneei a cabeça em resposta, e automaticamente, Jungkook passou por mim, e com movimentos ágeis, sumiu no meio da multidão.
Eu olhei em volta, mais uma vez morrendo de medo de ser pega no flagra.
Mas lá estava Hyun-mee, no meio da galera, com gargalhadas abertas, parecendo não perceber a minha falta.
Com um sorriso ameno, eu dei meus passos de gato e, ainda trêmula de decisão, saí pela porta da boate, conforme combinado.
Quando me vi fora dali, meu coração bateu mais forte ao ver o carro de Jungkook. Meus passos alternavam entre decisivos e incertos, mas jamais deixaram de seguir naquela direção.
Antes que minha mão pudesse alcançar a maçaneta, a porta se abriu e ali dentro, o homem que mexia com todas as minhas estruturas me esperava com um sorriso no rosto, e um olhar ansioso.
Engolindo em seco, entrei no carro com movimentos inseguros e rápidos, com medo de perder a coragem (ou a falta de bom senso).
Foi apenas quando a porta bateu firme ao meu lado que percebi: eu estava no mesmo local que a noite passada, onde tudo aconteceu.
Nos olhamos por um momento, assimilando as coisas. O que estávamos prestes a fazer? Só o tempo diria.
Com um sorriso discreto, o rapaz deu partida no carro e assim, pegamos a avenida, avançando rápido na madrugada escura, com flashes de luzes dos postes ao lado de fora, rumo ao destino que estava escrito para nós — seja lá qual fosse.
Capítulo XVII - Too bad, but it’s too sweet
— Quer ouvir alguma coisa?
A voz do cujo dito quebrou o silêncio dentro do carro, me fazendo despertar de meu próprio surto mental. Quer dizer, eu estava novamente no lugar em que demos o nosso primeiro beijo (ou amasso, porque foi tudo junto), e era impossível não arrepiar ao lembrar com tanta riqueza de detalhes, o que havia acontecido.
— P-pode ser — gaguejei, sem o mínimo de condição para responder algo melhor. Acenei rapidamente a cabeça quando Jungkook me olhou de lado, voltando a sua atenção para o trânsito logo em seguida.
— Você sabe, eu não vou te atacar. Pode ficar tranquila.
— O quê!? — perguntei, surpresa. Encarei seu rosto e, por mais que ele estivesse virado para frente, seu semblante era ameno, com um sorriso lindo pairando no canto dos lábios.
— É engraçado te ver assim, sabia? — E novamente, seus olhos recaíram sobre mim por poucos segundos, e retornaram para a pista.
— Assim como? — questionei de maneira bem idiota, devo ressaltar.
Jungkook soltou o ar pelas narinas, como quem acha graça mas não a ponto de rir totalmente.
— Me corrija se eu estiver errado, mas… Você parece um pouco nervosa.
O sinal vermelho permitiu que o carro parasse e ele me olhou com a cabeça totalmente virada em minha direção.
Eu engoli em seco com sua fala, e inconscientemente mordi meu lábio inferior, sem conseguir respondê-lo de forma apropriada.
— Ainda estou pilhada pelo show — menti na cara dura, e Jungkook me olhou por um tempo, deixando a sobrancelha direita arquear, como quem não acredita nem um pouco no que eu havia acabado de dizer. Bem, você pode culpá-lo? — O que foi? — perguntei na maior cara de pau e ele riu, umedecendo seus lábios antes de voltar a dirigir.
— Nada.
Sua resposta com aquele sorrisinho safado me fez cruzar os braços; o que me remeteu às birras infantis que eu costumava fazer. Parece que velhos hábitos estavam de volta, né?
Mas porra, ele queria que eu me sentisse como? Olha o que aconteceu! Céus, aquilo era de explodir a mente, como eu poderia ficar tranquila, numa boa, numa nice?
Seus dedos alcançaram o painel do carro, ligando numa rádio qualquer e assim, o universo me traiu, pois os acordes de “I feel it coming”, do The Weenkd, soaram num grave absurdamente prazeroso.
— Puta que pariu — deixei escapar em português, soltando uma risada leve enquanto olhava para fora da janela.
— Meus instintos aranha me dizem que você acabou de xingar. Estou errado?
Eu estava com a mão no queixo quando me virei para ele, de repente achando graça em meio ao caos.
— Algo do tipo — respondi entre risadas, pensando na coincidência da letra da música, e que estávamos vivendo ali. — É que eu adoro essa.
E era verdade.
— Sério? Então acertei sem querer! — ele comentou com um sorriso esperançoso, e eu me encantei novamente com a feição quase ingênua que se desenhou em seu rosto.
Aquilo me acalmou, de certa forma. Quer dizer, eu não gostava mesmo de ficar em evidência nesses casos de nervosismo, principalmente se a pessoa que reparava em mim era Jungkook.
Que era também, o motivo do meu estado alterado.
Das minhas mãos suadas.
Da minha respiração acelerada.
Do calor entre minhas pernas.
Do coração com batimentos apressados.
Do meu sono desregulado.
Dos meus banhos demorados.
Dos suspiros ao encarar mensagens no celular.
Diante de tantas enumerações, e de tudo que aconteceu, eu precisava ser um pouco mais condizente e entender que, a partir daquele ponto, não tinha muita volta.
Eu deveria parar de fingir que não estava louca por ele.
Ou pelo menos disfarçar menos, porque já estava beirando a estupidez. Fingir que nada aconteceu era bobagem, assim como fingir que estava tudo bem, também.
Apesar dele ser mais novo, ambos éramos adultos. Sabíamos o que estávamos fazendo ali naquele carro, e principalmente o que poderia acontecer se nos entregássemos aos nossos desejos — que, apesar de ser ainda estranho demais para acreditar, eu sabia (há cerca de 24 horas) que havia reciprocidade ali.
Meus pensamentos foram interrompidos pelo movimento do automóvel, que parou diante de um prédio chique, um pouco afastado do centro da cidade.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, o portão se abriu, dando passagem para o carro, que dirigiu cerca de mais alguns metros até que descemos num estacionamento privativo.
Foi então que eu entendi: Jungkook me trouxe para sua casa.
Que, se eu bem me lembrava, não era o mesmo endereço em que o deixei, quando ele torceu o pé.
A minha boca ficou aberta ao encarar o naipe daquele prédio; tamanha era sua beleza!
— Chegamos — ele anunciou, destravando o cinto e saindo do carro, se aproveitando do meu estado de choque para correr e alcançar a minha porta, antes que eu o fizesse sozinha.
Sua mão se estendeu diante de mim e eu senti meu peito subir e descer mais rápido — a respiração estava acelerada. Tentando recuperar meus movimentos, minha mão esquerda destravou o cinto, enquanto a direita deslizou pela superfície da palma dele.
Quente.
Aconchegante.
Firme.
Seu sorriso aumentou quando nossos olhares se encontraram e ele me ajudou a sair do carro.
Fomos andando até ao elevador, a poucos passos dali, e eu não pude deixar de notar que Jungkook não havia soltado a minha mão.
Puta merda.
O pequeno toque soou, anunciando a chegada do elevador. Entramos, e ele apertou o número sete com a outra mão, o que me deixou particularmente feliz. Isso tudo só aumentou quando o elevador começou a se movimentar e, com isso, uma carícia tímida de seu dedão na minha pele surgiu.
Fiquei tentando segurar a minha vontade de sorrir, ora mordiscando meus lábios, ora sugando a parte interna de minhas bochechas, tendo zero controle sobre minhas ações.
Jungkook parecia se divertir ao meu lado; sua risada o denunciou.
— O que foi? — perguntei, curiosa.
— Da última vez que estivemos num elevador, faltou luz e ficamos presos. Tudo porque queríamos jogar Twister…
Senti meus lábios se curvarem num sorriso, e eu me alegrei com aquela lembrança.
— E você foi brutalmente derrotado por mim. Bons tempos.
Nós dois rimos audivelmente, e ele me olhou com ternura.
— Sabia que guardo com muito carinho esse dia?
— Jura? O cupnoodles estava tão bom assim?
Jungkook sorriu a ponto de fechar os olhos, e deixou sua visão vagar pelo chão marmorizado.
— Naquele dia eu percebi que você era diferente.
— Di..ferente?
Ele ergueu seu olhar para mim, parando com a carícia em minha mão, para apenas segurá-la com mais firmeza; tão certo de si mesmo e de suas palavras que logo soaram.
— Sim. Especial.
A porta do elevador abriu, junto com a minha boca, e essa deveria ser a enésima vez que eu ficava em choque naquela noite.
— Vamos? — Jungkook estendeu a mão para segurar a porta, e eu passei por ela, completamente cambaleante.
Até porque, mais surpresa do que nunca, o elevador dava direto no apartamento.
E, puta que pariu, que lindo!
As janelas enormes revelavam a beleza da cidade, enquanto as luzes ambientes, no contorno das paredes, deixavam o clima completamente aconchegante. Um vaso de planta de árvore de bambu ornava o canto da sala, trazendo um ar sofisticado e leve para o local.
— Uau — me permiti dizer, encarando a vista incrível.
— Gostou? — ele perguntou ao soltar a minha mão, para tirar seu blazer. — Aqui é quase um esconderijo meu.
— Esconderijo? — indaguei, me voltando para seus olhos. Ele deu de ombros, andando pela sala.
— Não é exatamente aqui onde moro, porque ainda fico muito com os meninos na outra casa, mas… eu espero vir para cá em breve. Foi o primeiro apartamento que comprei.
— Nossa, isso é… incrível! Parabéns, Jungkook. De verdade, fico feliz por você! — sorri genuinamente, e ele me retribuiu.
— Obrigado. Eu amo estar com o pessoal, mas às vezes, precisamos de um tempo e um lugar só nosso, para viver nossas particularidades e outras coisas.
Meu estômago revirou com aquela frase, e eu comentei sem pensar.
— Então é aqui que você traz as suas vítimas, né? Hehehe — Tentei bancar a brincalhona, soando idiota de novo. Jungkook me olhou com o cenho franzido e riu sem graça. Ele coçou sua têmpora direita, enquanto a outra mão se escondeu no bolso da calça. Num suspiro audível, ele me olhou, umedeceu os lábios e me respondeu.
— Você é a primeira pessoa que eu trago aqui.
Um tapa doeria menos.
Jungkook poderia escrever um livro de como dar uma lapada seca na minha cara, porque ali, senhoras e senhores, eu quebrei minha fuça todinha!
E o que era apenas um frio na barriga, pareceu se transformar num iceberg, e eu senti que meus neurônios começaram a trabalhar rápido, tentando sair daquela situação da melhor forma possível, mas eu só consegui indagar o óbvio.
— Como é? — Coloquei a mão no peito, tendo plena noção de que minha feição era só choque e surpresa. Jungkook respirou fundo e sentou no sofá de couro preto, engolindo em seco.
— Vamos conversar? — Num gesto, indicou que eu sentasse no espaço disponível ao seu lado.
Meus pés, trêmulos, me guiaram até o local, e eu me sentei de frente para ele, que fez o mesmo quando me aconcheguei no móvel.
— Okay… — falei baixinho, ajeitando as mechas de cabelo.
— Okay — Jungkook repetiu, e logo depois prendeu os lábios numa linha fina.
Nos encaramos por um bom tempo, até que ele soltou o ar de seus pulmões.
— Isso é mais difícil do que pensei.
— Não é? A gente até esquece como se respira! — exclamei, sincera demais, o que fez com que Jungkook me encarasse surpreso e, segundos depois, desatasse a rir. Eu me juntei a ele, sentindo a atmosfera mais leve.
— Você é tão… — e ele me olhou daquele jeito que me faz sentir uma luz no fim do túnel.
— Tão?
— Tão você… — Seus dedos se esticaram a ponto de tocar o meu rosto, enquanto eu permaneci congelada no lugar, lhe encarando. — Até quando as coisas estão meio tensas, você consegue me arrancar risadas, me faz sentir bem… É como se eu estivesse em casa.
Confesso que foi difícil não perder o fôlego diante daquela carícia, adicionada aos dizeres. Nossos olhares se conectaram e ele se aproximou, de maneira a deixar sua mão escorregar para minha nuca, enquanto o dedão seguia acariciando minha bochecha.
— Sério? — Minha voz saiu meio falha, e ele acenou positivamente com a cabeça, encarando os detalhes do meu rosto.
Ficamos nos olhando, e eu me senti dividida entre olhar em seus olhos e sua boca. Meus batimentos cardíacos aumentaram consideravelmente e eu não sabia como reagir; principalmente quando sua mão começou a se embrenhar mais e mais no meu cabelo. A respiração ficou falha e meus olhos pestanejaram levemente.
Sua voz quebrou o silêncio.
— Tem algo em você que me chama para perto, sabe? Algo acontece quando você se aproxima, quando a gente se fala, quando eu… toco você. — Sua mão apertou minha nuca com mais firmeza, me arrancando um suspiro profundo.
— Jungkook — lhe chamei, já meio grogue com aquela situação.
— Quando chama meu nome… — ele se aproximou, deslizando a ponta do nariz na minha bochecha, seguindo até a orelha, na qual posicionou seus lábios. — Me chama de novo.
— Jungkook…! — seu nome saiu como água, no mesmo momento em que o lóbulo da minha orelha foi mordido prazerosamente por seus dentes.
— Eu adoro o tom da sua voz… principalmente assim.
Seus lábios passearam pela linha do meu maxilar, deixando beijos pelo caminho. Enquanto uma mão segurava firme minha nuca, a outra já se posicionava no meio das minhas costas, e meus braços estavam praticamente ao redor dos seus.
Nossos rostos se posicionaram um diante do outro; os olhares se perderam entre si, a respiração acelerou, os narizes se encostaram e, por último mas não menos importante: os lábios roçaram um no outro. Aquilo era o paraíso!
— ? — Ao me chamar, sua boca se desenhou levemente na minha.
— Hm? — respondi, com os olhos fechados.
— Olha para mim.
De imediato, segui sua requisição. Ele se afastou o suficiente para cravar sua visão na minha e, segurando meu rosto com um cuidado peculiar, lançou a fala que me arrebatou no segundo seguinte.
— Eu tô cansado de fingir que não te quero.
— … Quê? — balbuciei ao sentir o impacto das palavras.
— Cansado não, tô exausto de fingir que não tem nada acontecendo aqui. Que eu não tô sedento por você… A noite passada não sai da minha cabeça.
Minha cabeça explodiu de uma só vez. Não tinha “divertidamente” presente; o painel de controle entrou em pane, e eu só consegui chamar seu nome, de maneira sôfrega.
— Jungkook…
— Por favor, não me diz que eu tô sozinho nessa… — ele suplicou, esfregando sua boca na minha, sem necessariamente me beijar. — Me diz, . Me diz que você quer isso tanto quanto eu.
Minhas mãos seguraram forte em seus ombros, e eu olhei dentro dos seus olhos, entregue.
Eu não cumpri com seu pedido, porque eu não disse nada.
Mas o que se sucedeu, disse tudo.
Um baixo gemido saiu de meus lábios quando o beijo aconteceu, e a iniciativa foi totalmente minha.
Eu fui para cima do maknae.
Sem trégua, sem limites, sem nada.
Era eu e ele, e em poucos segundos, voltávamos a posição em que estivemos na noite anterior; eu em cima de seu colo, meu quadril em cima do seu, suas mãos espalmadas na minha bunda e sua língua me invadindo de maneira deliciosa, de onde nunca deveria ter saído.
A excitação de Jungkook era mais que visível, e seu quadril começou a fazer movimentos em direção ao meu, me deixando mais atiçada do que nunca.
Obviamente correspondi na mesma intensidade, sentindo minha saia subir cada vez mais nas mãos dele — não que eu estivesse reclamando, mas foi algo que se tornou impossível de não reparar.
Seus dedos subiram e tatearam a minha coluna, resgatando os fios de cabelo da nuca e assim, sem cerimônia, Jungkook investiu em meu pescoço, faminto.
Conforme sua boca abandonou a minha, eu respirei em busca de fôlego, sentindo os arrepios me atingirem violentamente ao sentir sua língua quente na minha pele.
— Puta que pariu, Jungkook.
— Eu não sou fluente em português, mas concordo com você.
Sua voz soou rouca perto do meu ouvido, e eu me permiti rir enquanto ele mordiscava o lóbulo da minha orelha. Gemi baixinho, apertando minhas pernas ao seu redor e o trazendo de volta para encará-lo.
Seu rosto estava vermelho, a boca entreaberta para respirar melhor, e seus grandes olhos me encaravam como se estivesse prestes a me atacar.
E céus, eu estava pronta para ser uma vítima.
Passei o dedão em seu lábio inferior, vendo o movimento lento e sexy que acabava de acontecer diante de mim.
— Eu devo estar enlouquecendo… — comentei, dando beijos lentos em seu beiço rubro.
— Então somos dois. E que bom que é assim, sabia? — ele sussurrou, acariciando meu queixo, me afastando um pouco para ter uma visão melhor.
— Dois loucos? — perguntei sorridente, e ele me imitou, me encarando nos olhos.
— Eu não sei como seria se só eu estivesse a fim de você.
— Como se isso fosse possível — respondi um pouco tímida, brincando com o botão de sua blusa social. Jungkook me olhou por um tempo e deixou um sorriso escapar.
— Então… você tem um crush em mim?
— Ah, para! — Eu escondi minha cara, totalmente sem graça, em seu pescoço, enquanto ele deixava as gargalhadas saírem. — Eu vou embora!
— Não! Parei, juro.
Voltei a encará-lo, receosa, e sua feição era de quem estava prendendo a risada.
— Jungkook! — reclamei, cruzando os braços.
— Eu não disse nada!
— E nem precisa! Olha a sua cara! — apontei, fingindo indignação.
— Ué! Qual é o problema? Não posso achar graça no fato de que você tem um crush no novinho do BTS?
Eu gemi de vergonha e escondi minha cara nas mãos, e em meio a sessão de gargalhadas daquele ser incrivelmente delicioso. Quando fiz menção de sair de seu colo, ele me segurou e deitou em cima de mim, e foi aí que percebi duas coisas:
Aquele sofá era muito aconchegante;
Mesmo que o show já tivesse acabado, Jungkook continuava trabalhando duro.
Se é que você me entende.
— Vai me prender aqui, agora? — perguntei retoricamente, colocando minhas mãos em sua cintura.
— Só até você parar de querer fugir de mim.
— Eu não fujo de você — ele me lançou um olhar afiado e eu suspirei — Talvez hoje eu tenha escapado algumas vezes…
— Algumas vezes? Você fugiu de mim como o diabo foge da cruz!
— E eu tive meus motivos! Você todo maravilhoso vindo para perto, e eu enlouquecendo sem saber o que fazer já não é razão o suficiente?
— Era só ter deixado eu te puxar para uma sala vazia! — ele falou com a cara mais lavada do mundo e eu rolei os olhos, debochada.
— E perder o meu emprego por justa causa?
O sorriso dele murchou, e o meu também. Ficamos nos olhando, digerindo o que eu tinha acabado de falar.
Por mais que fosse pesado, aquilo era uma verdade.
E, caso ainda não tivéssemos notado: ainda não tínhamos conversado sobre isso.
Malditos hormônios!
Sem precisar dizer nada, Jungkook saiu de cima de mim e me ajudou a levantar, para que voltássemos a nos sentar no sofá, e de fato, iniciássemos a conversa necessária.
O idol respirou fundo e me olhou receoso, enquanto eu ajeitava minha saia — que estava prestes a revelar muita coisa.
— Você sabe, eu… jamais faria algo para te prejudicar.
— Eu sei.
Sua mão foi até a testa, e ali, os dedos passearam, nervosos.
— Ontem foi tudo tão intenso, tão… rápido. Eu não consegui digerir, muito menos dizer metade das coisas que gostaria.
— Eu digo o mesmo, Jungkook. Mas acho que podemos concordar que essa situação é super delicada, não acha?
— Sem dúvidas — ele me olhou, apoiando os cotovelos nos joelhos — e eu não consegui demonstrar o quão preocupado fiquei sobre você temer a perda do emprego, sabe? Eu… nunca quis que isso sequer fosse uma questão entre nós.
— Mas isso nos antecede, Jungkook. É o contrato. Meu e seu — respondi de maneira analítica, enquanto deixava tombar minha cabeça para trás e encarava o teto da sua casa. Belo lustre, aliás. — É claro que sairíamos prejudicados se alguém soubesse o que aconteceu. Ou melhor… o que está acontecendo.
Voltei a encará-lo, ao tempo que ele retribuía com visível tensão no rosto.
— Eu sei que essa situação é muito mais tranquila para mim do que para você, . Eu não quero que você seja mandada embora, eu não quero manchar a sua carreira, e eu não quero que você saia da equipe. Antes de tudo, eu conheci a profissional que você é, e tudo que você faz. Você viabiliza e contribui para que o BTS seja o que é hoje, nos shows. Só que além disso, você é… você.
Eu prendi a respiração com aquela frase final. Ao mesmo tempo que eu não queria me iludir, as palavras de Jungkook não facilitavam em nada sobre a pauta “tornar um sonho em realidade”.
— Eu espero que isso seja uma boa coisa — respondi, tentando quebrar o gelo.
— Claro que é! Afinal de contas, olha só para você! — Ele levantou a mão em minha direção, apontando para mim — É gentil, linda, prestativa, educada, inteligente, de um humor maravilhoso… É amiga, se preocupa com as pessoas — até demais, inclusive… E tem esse sorriso que acaba comigo, principalmente se penso de maneira egoísta, que eu possa ser o motivo dele.
— Jungkook… Você não torna nada fácil — me senti levemente emocionada com sua confissão. Aquilo ali era muito além do que eu esperava, muito melhor do que qualquer sonho que já tive.
— É só você aceitar que mexeu comigo. Demais. E eu sei que posso estar sendo egoísta novamente por te envolver nessa situação — e acho mesmo que estou. Eu juro que tentei apenas ser amigo, mas eu não consigo ver você de outra forma.
— É surreal pensar nisso, mas… eu acredito em você, porque sinto o mesmo. Mas tem essa situação toda, e além do emprego, eu certamente…
Minhas palavras embargaram, e eu prendi meus lábios numa linha fina.
A feição de Jungkook tornou-se alerta e ele se aproximou, segurando meu rosto com delicadeza.
— O que?
Eu recuperei as forças, e admiti em voz alta.
— Eu certamente decepcionaria Hyun-mee. E isso seria a pior coisa para mim — encarei Jungkook, sentindo meus olhos cheios d’água — ela é minha família, ela se arriscou por mim, abriu os caminhos para que eu passasse e a acompanhasse, sabe? Essa seria uma forma muito ingrata de retribuir tudo o que ela fez por mim.
— … Você não é uma pessoa ingrata.
— Mas eu estou me tornando, não vê? Eu estou aqui com você. Sem o mínimo de garantia de nada, arriscando… TUDO!
Minha voz embargou e eu senti as lágrimas brotarem dos cantos dos meus olhos. Com vergonha, encobri minha face com minhas mãos, pois não queria que Jungkook me visse assim, ainda que fosse ingênuo da minha parte pensar que eu esconderia algo. Senti os braços do maknae me rodearem num abraço acolhedor, e seu rosto retesou ao lado do meu, ao ponto de sentir sua respiração em minha orelha.
— Quero que me escute, ok? — eu acenei com a cabeça, ainda chorosa — Eu nunca colocaria você nessa situação, se eu pudesse escolher. Quero que você saiba disso. Esse impasse não existiria se eu tivesse controle de todas decisões, contratos… Mas, como você sabiamente pontuou, são coisas que nos antecedem, e há muitos casos difíceis nesse mundo da fama. Eu ainda sou jovem e estou aprendendo, mas jamais arriscaria o que tenho, tanto com você quanto com os meninos, se eu não achasse que isso não valesse à pena. Meus olhos se arregalaram em meio ao pranto, e eu esqueci como se respirava. O que ele estava tentando dizer?
— Como assim?
Ele segurou minha nuca, e posicionou meu rosto diante do seu, me olhando com ternura.
— Eu não sei do futuro, mas não quero dormir com você hoje e amanhã fingir que nada aconteceu. Fingir normalidade, ou a amizade que tínhamos antes disso tudo acontecer. Na verdade, acho que não consigo ser assim. Mais do que isso: eu não quero ser assim. Não com você.
— O que você tá me dizendo, Jungkook? — Minha voz saiu falha, enquanto uma última lágrima desceu, sozinha.
— Que se você deseja viver isso tanto quanto eu, vou fazer de tudo para que nada te aconteça. Vou proteger você, para que não precise passar por nada que seja ruim.
Soltei o ar dos pulmões, sentindo a garganta arranhar ao sussurrar.
— Isso é sério?
Um pequeno movimento em seus lábios indicou que Jungkook sorriu por um milésimo, antes de me responder.
— Acho que poucas vezes falei tão sério, . Vou dar o meu melhor, acredite. Eu não sei você, mas… o que eu quero não cabe só em uma noite.
Eu exasperei em meio a uma risada rápida, com dificuldades de acreditar que aquilo era real.
Eu nunca esperei me relacionar com alguém tão dialógico, tão entregue quanto Jungkook.
E lá estava ele, bem diante de mim, me proporcionando todas as sensações maravilhosas existentes no mundo.
Apenas por ser ele mesmo.
E, novamente, eu não fui capaz de responder com palavras — meu beijo urgente o pegou de surpresa, o que me deu mais tempo para subir em seu colo e degustar de seus lábios, congelados pelo choque da minha atitude.
Mas o jogo virou em questão de segundos e, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Jungkook se levantou comigo em seu colo, e nos direcionou para o que eu deduzi ser seu quarto.
Flashes das luzes de fora atravessavam o corredor escuro, enquanto o nosso beijo só se aprofundava a cada passo dado.
Era entrega, era paixão, eram todos os meus sonhos mais íntimos tornando-se realidade. E se o mundo acabasse lá fora, apenas a maior das divindades saberia de uma única verdade: eu morreria feliz.
Continua...
Nota da autora: Oi, pessoal!
Como vocês estão?
Uma longa jornada de muitos altos e baixos, mas segue a atualização de My Stardust pra vocês.
Muitos bloqueios de escrita, gente. Que ano difícil, mas a gente segue teimando em escrever e fazer valer a pena.
Espero que tenham gostado e por favor, compartilhem o que acharam nos comentários! Faz tod diferença.
E, em comemoração ao retorno do X (eterno twitter), volto aqui pra ressaltar que, em caso de surtos kpoperos em relação à My stardust ou outras fics, corre lá e me grita! @lullymaniac
Bora que ainda tem muita água pra rolar nessa história babadeira! ihihihihi vocês não fazem ideeeeeeia do que está por vir. Muahahaha... esperem os próximos capítulos com bastante atenção, belezinha? É a dica que dou :P
Em tempo: vocês já leram minhas outras fics? Tem Bring me home, My Stardust, 06. Crazy, 07. Try, e uma penca de one-shots esperando vocês...
Vai lá e confere, juro que não vão se arrepender!
Beijos!
Qualquer erro no layout dessa fanfic, notifique-me somente por e-mail.
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Muitos bloqueios de escrita, gente. Que ano difícil, mas a gente segue teimando em escrever e fazer valer a pena.
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E, em comemoração ao retorno do X (eterno twitter), volto aqui pra ressaltar que, em caso de surtos kpoperos em relação à My stardust ou outras fics, corre lá e me grita! @lullymaniac
Bora que ainda tem muita água pra rolar nessa história babadeira! ihihihihi vocês não fazem ideeeeeeia do que está por vir. Muahahaha... esperem os próximos capítulos com bastante atenção, belezinha? É a dica que dou :P
Em tempo: vocês já leram minhas outras fics? Tem Bring me home, My Stardust, 06. Crazy, 07. Try, e uma penca de one-shots esperando vocês...
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