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Última atualização: 21/11/2023

Capítulo 1 – Madrid

Martínez ajeitou os fones de ouvido antes de dar início à sua última volta no enorme complexo residencial de La Finca Villa.
As corridas matinais eram sagradas para a espanhola – seu dia não era o mesmo se não tirasse vinte minutos para correr antes do desjejum. E o fato de estar correndo pelas ruas de La Finca deixava o exercício ainda melhor, pois não precisaria acordar muito mais cedo do que acordava normalmente para chegar em seu trabalho. A casa da estrela do Real Madrid, Daniel Villagers, ficava a poucos metros de onde estava residindo, desde que o marido da sua prima-irmã havia se mudado para Paris.
aceitou o convite para morar junto de Rosalie e seus quatro filhos de imediato. Ela era apaixonada pelas crianças e faria de tudo pela família, pois sempre foram muito unidos. Martínez também sabia que seria importante para a prima, pois a mudança de seu companheiro para a capital francesa não tinha sido fácil.
¡Hola! — cumprimentou ao passar por Isco Alarcón, o meio-campista do Real Madrid, que estava na porta de sua casa fazendo exercícios de alongamento.
riu sozinha enquanto corria, até que parou em frente à casa de sua prima. Não era mais nenhuma surpresa encontrar estrelas do futebol espanhol enquanto fazia sua corrida matinal – ela tinha se acostumado mais rápido do que imaginou com o lugar. Mesmo com o tio-avô construindo um império da advocacia futebolística – e esportiva – na Espanha, que agora era comandado por Rosalie, ela nunca iria imaginar que um dia estaria vivendo no mesmo lugar que os jogadores de seu amado time moravam.
La Finca Villa era a residência oficial do Real Madrid.
¡Buenos días! — Rosie, que estava com o pequeno Juan no colo, cumprimentou a prima assim que ela entrou. — Vamos almoçar fora hoje? Vou para o escritório só pela tarde.
— Com toda a certeza! — sorriu e pegou o pequeno no colo. amava ver a felicidade de Juanito quando ela estava por perto. — Os outros ainda dormem?
— Sim! Daqui a pouco acordam, é o último dia de aula.
— Essa casa vai ficar a mil por hora — Rosalie soltou uma risada.
— Ainda mais que o pai deles chegará semana que vem — um sorriso no rosto da advogada apareceu.
— Família toda reunida! — balançou o mais novo, que bateu palminhas alegres mesmo que não tivesse compreendido nada.
estava feliz. Ela amava a família da prima e queria ter uma um dia, mesmo seus últimos relacionamentos tendo terminado sempre em desastre.


🌙


Martínez tinha um sorriso no rosto ao entrar na imponente mansão em La Finca Villa e se deparar com Zuri e Kaia correndo atrás de seu pai, Daniel Villagers, o camisa 9 e atacante do Real Madrid Club de Fútbol – o time que a espanhola cresceu amando, assim como toda sua família.
— Guarde fôlego para o treino, viu?
Assim que escutaram a voz da espanhola, as gêmeas deixaram Villagers e correram para abraçá-la. adorava as gêmeas, sempre se divertia quando estava com elas e os filhos de Rosie.
— Vamos, meninas! Pai de vocês tem que treinar agora — a voz doce de Nalani Waialiki preencheu a sala, fazendo um bico se formar no rosto de Kaia enquanto Zuri corria para a mãe.
— Vou treinar com papa, tia deixou.
— Eu aposto que tia só soube disso agora. Vamos, mocinha, vocês têm escola.
— Não gosto da escola — cruzou os braços, fazendo Daniel soltar uma risada, mas o loiro parou assim que percebeu o olhar fulminante da esposa em sua direção.
Niña, tem que ir para a escola, sim. E é o último dia, papa promete que hoje vai buscar vocês.
— Então, tudo bem — concordou com o loiro e andou a passos lentos em direção à irmã.
— Oi, ! — Nai a cumprimentou de longe. — Depois falo direito com você.
— Não se preocupe! Hoje o treino vai ser demorado — respondeu, e Nalani riu e sumiu pelo corredor com as gêmeas, enquanto Daniel a encarava indignado com as duas mãos na cintura. — Não me olhe assim e nem ouse sentar nesse sofá.
Daniel Villagers respirou fundo e seguiu com em direção ao pequeno anexo do quintal, onde Dani tinha construído a própria academia. Quando Martínez jogou a bolsa no chão e estalou os dedos de uma vez, Daniel soube que ela não iria amolecer naquele treino.
Villagers conheceu em um jantar organizado por Rosalie, e os dois se deram bem de imediato. Ali descobriu que Martínez era formada em Educação Física com especialização em treinamento físico focado em atletas profissionais e que trabalhava na maior empresa de treino da Espanha, então a contratou no mesmo dia. Desde 2017 eles trabalhavam juntos, e virou sua melhor amiga.
— Descanso, por favor — Daniel jogou-se no chão com a respiração ofegante, e soltou uma risada. — Você quer me matar?
— Quero! Sério, Daniel, levante. Falta uma série ainda.
— Eu já fiz! — protestou, e a morena lhe entregou a garrafa de água. — Hoje você está com o diabo no couro. O que fiz, hein?
— Você me fez perder uma aposta ridícula na empresa.
— Eu? Tá maluca, nem fiz nada!
— Eu apostei em você, cabrón, e você errou a porcaria do pênalti no último jogo. E ainda foi suspenso para a próxima partida.
— Mas eu fiz dois gols nesse mesmo jogo! Não conta?
— Não! Perdeu o pênalti.
Daniel balançou a cabeça, indignado, ao se levantar.
— O que diabos você apostou para me maltratar desse jeito?
— Vestir a camisa do Atlético durante todo o dia do Derbi — sua resposta foi quase inaudível.
— Como é?
— Vestir a camisa do Atlético durante todo o dia do Derbi — repetiu, e Daniel explodiu em gargalhadas.
— Puta que pariu, ! Eu não acredito nisso.
— Pois acredite. E a culpa é completamente sua. Toda sua. Eu nunca mais aposto em você, sério. Aposto agora somente em Vinicius Jr., você está fora da zona.
— Duvido muito. Champions League tá aí e você sabe quem manda. — revirou os olhos. — Mas sério, por favor, amanhã quero receber fotos desse momento. Muitas fotos. Se Sergio ver isso, ele morre lá em Paris.
— Pior, se Rosalie sonhar com isso, ela manda me deserdarem. Tudo porque Daniel Villagers fez o favor de perder um pênalti — ela deu um soco no ombro do jogador, que ainda mantinha um riso nos lábios. — Eu te odeio.
— Não diga isso. Você sabe que me ama, ! — apertou a testa da menor com o dedo indicador, recebendo um tapa em seguida.
— Vamos, cabrón, mais uma série. Não enrole.


🌶️


estava estressado.
Na verdade, estressado era pouco. estava furioso, poderia matar alguém só com seu olhar.
O espanhol não gostava de reuniões, mesmo que fossem online. E detestava quando eram demoradas, principalmente quando tinham o intuito de apontar seus erros. Para o piloto, ele não tinha erros. Então, nada daquilo que a equipe de relações públicas e mídia da Ferrari estava debatendo com seu empresário e RP fazia sentido. “Aquela reunião nem tinha que estar acontecendo”, pensou ao encarar a pequena Olívia, sua cachorra, que estava sentada encarando sua irritação na porta de seu quarto.
Ele era um piloto e fazia seu trabalho muitíssimo bem, mesmo que ainda não tivesse conseguido ocupar o lugar mais alto do pódio. era consistente, trazia pontos importantes para a escuderia e, no final da temporada, não tinham passado vergonha no campeonato de construtores. Para , aquilo era o seu trabalho, e ele cumpria a obrigação com êxito.
Mas, para a equipe da Ferrari, não era suficiente.
O comportamento do espanhol fora das pistas era visto com maus olhos perante torcedores e patrocinadores italianos mais antigos. A equipe responsável por administrar a imagem da escuderia sempre recebia reclamações quando surgia alguma manchete nos jornais ou websites sobre o espanhol, o que era bem frequente. não era querido pelos italianos, e mesmo sendo uma recente contratação, tinha que agradar, porque a Itália era a Ferrari e a Ferrari era a Itália. Inseparáveis.
“Vou matar Charles”, pensou ao escutar mais um monólogo sobre como Leclerc era o padrão perfeito para a mídia. deixou escapar uma risada ao se lembrar de como o companheiro de equipe vivia aprontando, mas nunca ninguém parecia julgá-lo por isso. O Príncipe de Mônaco escondia muito bem quando aprontava, enquanto ele era somente o Príncipe Rebelde da Espanha.
Aquele era o preço que pagava por fazer parte da realeza italiana.
encarou o relógio branco em sua parede e bufou, fazendo até mesmo Olívia sair da porta de seu quarto – a cachorra não gostava quando estava estressado. O piloto esfregou o queixo e respirou pesadamente. Aquela maldita reunião iria embora se não chegassem em um acordo agradável para a Ferrari, e ele tinha um compromisso muito importante: assistir ao Dérbi.
O Real Madrid era seu time do coração e iria enfrentar seu maior rival da cidade: o Atlético. E não perdia Dérbis. Aquele definitivamente não seria o primeiro que perderia.
“Aceite o que eles quiserem, não me importo. Só aceite, termine com isso e me avise depois”, digitou rapidamente enquanto a chefe de mídias sociais falava sobre alguma modelo italiana. coçou a cabeça sem entender por qual motivo ela estava relacionada com a Ferrari e enviou a mensagem ao primo, Caco. Seu fiel escudeiro.
Ao prestar atenção na tela do notebook à sua frente e ver Caco baixar os olhos rapidamente, soube que o primo havia recebido e entendido seu recado. Esfregou as mãos e pegou a garrafa de água que estava ao seu lado, bebendo em seguida.
— Ok — Caco interrompeu —, assinará. Após as férias, ele irá assumir o relacionamento com Eliza Moretti.
cuspiu toda a água que estava em sua boca no notebook enquanto tinha uma expressão de horror e confusão no rosto. “Quem diabos era Eliza Moretti e por que eu teria que namorá-la?”, pensou, mas antes que pudesse abrir o microfone para protestar, a reunião encerrou e imediatamente seu telefone tocou.
¿Qué pasa, Caco? Namorar, eu?
Você não precisava cuspir na tela, teve sorte que ninguém pareceu perceber. revirou os olhos. — Não é nada de mais, explico tudo pra você amanhã. Mas era a melhor decisão para acabar com essas reclamações.
— Diga-me logo, vou poder continuar saindo com quem eu quiser?
Claro! Contanto que você seja discreto e tudo…
— Perfeito, conversaremos depois, então. Adiós, Caco. Só me ligue amanhã depois do meio-dia.
Não exagere…
¡Hala Madrid! — gritou e desligou, levantando-se e jogando o celular na cama.
Mesmo que não entendesse por que sua vida privada era tão importante para seu trabalho, não se arrependeu de ter deixado tudo nas mãos do primo. Ele não teria nenhum malefício naquele contrato; iria continuar saindo com quem quisesse e viveria como sempre viveu: aproveitando sua vida ao máximo.
Não tinha por que se preocupar – Caco resolveria tudo, como sempre tinha sido. Naquele momento, ele só iria se importar com Real Madrid Club de Fútbol e a festa que daria se saíssem com a vitória no Dérbi.


Capítulo 2 – Historia que tú hiciste, historia por hacer

12 de dezembro de 2021
Madrid, Espanha


Martínez ajeitou o casaco no corpo depois de tirar uma selfie com a camisa do Atlético de Madrid, então mandou no grupo de amigos do trabalho como prova que estava de verdade cumprindo a aposta. nunca fugia de nada, mesmo se odiasse.
Martínez praguejou ao entrar no bar que já estava lotado. O Palacio de Cibeles ficava em frente a Plaza de Cibeles, a praça em que a equipe madridista comemorava todas suas vitórias.
O Palácio era um bar famoso por receber torcedores merengues em dias de jogos, e sempre assistia ali, sentada no mesmo lugar: no lado esquerdo do balcão, de frente para a televisão. Sempre que não conseguia ir ao estádio, era para lá que iria. E naquele domingo não foi diferente. Com Daniel Villagers suspenso e o Dérbi sendo na casa do Atlético, preferiu seguir sua tradição.
Desde criança, a madrilenha aprendeu que os dias dos jogos do Real Madrid eram sagrados. Nasceu em meio a um El Clássico, em 10 de abril de 1996, quando o time blanco goleou o catalão por seis a zero e toda sua família assistiu na sala de espera enquanto ela não vinha ao mundo. Mas quando o juiz apitou o final da partida, o choro forte foi audível em toda a ala, e todos souberam que a menina mais nova da família Martínez seria mais uma madridista. E ela honrou o caminho. Cresceu em meio ao futebol e fez do clube a sua paixão. Não importava o que acontecesse, ela sempre seria uma aficionada pelo time merengue. E era por isso que sempre seguia com as superstições que criou ao longo dos seus 25 anos; nunca deixava de cumprir em dias de jogos. Mesmo que naquele dia estivesse usando uma blusa do time rival debaixo do casaco. Mesmo que estivesse ficando cada vez mais quente no bar. Mesmo que o falatório das pessoas aumentasse de acordo com o tempo que passava. Mesmo estando estressada, jamais deixaria sua tradição de lado com o Real Madrid.
Era o time que nasceu amando, da sua família, da sua vida.
A espanhola pediu uma cerveja que rapidamente lhe foi entregue. Ela já era conhecida por entre os garçons do Palácio, muito por conta da assiduidade em dias de jogos, mas também por já ter levado Daniel Villagers a frequentar o lugar, para alegria de todos os funcionários. A foto do atacante com a equipe de funcionários estava em uma parede de destaque no bar. sorriu ao lembrar do quanto aquela tarde tinha sido incrível, onde pôde testemunhar o quanto seu melhor amigo era realmente adorado pelos torcedores, mesmo que o cobrassem ainda que estivessem dando resultados surpreendentes.
Os jogadores já estavam entrando no gramado do Estádio Wanda Metropolitano, o La Peineta, casa do Atlético de Madrid. E como de costume, benzeu-se e estalou os dedos uns nos outros; a partida iria começar em poucos minutos. O barulho tornou-se uma cantoria quando o hino do time merengue começou, e como se estivessem em pleno Santiago Bernabéu, cantaram do início ao fim. Martínez bateu palmas, acompanhada das pessoas que estavam ali. As crianças saíram do campo correndo, os jogadores se posicionaram e enfim o juiz deu o apito inicial.
O jogo iria começar.


🌶️


sentia falta de frequentar o Palácio de Cibeles.
A vida nas pistas, rodando o mundo, o impedia de fazer suas sagradas superstições com o amado time merengue. Mas sempre que tinha uma folga no meio do calendário e férias, fazia. E assistir a um Dérbi no Cibeles era uma delas.
gostava de assistir ao jogo sozinho e se sentar em uma mesa ao fundo do lado esquerdo, reclamando de faltas injustas e comemorando gols com desconhecidos. Mas quando chegou, o lugar já estava lotado. Ele bufou. Era tudo culpa daquela maldita reunião que só serviu para lhe encher ainda mais a paciência numa clara tentativa de cuidarem da sua vida. Se o Real Madrid perdesse porque chegou com três minutos do início de jogo e não estava sentado no lugar que sempre sentava, ele iria cobrar a Ferrari.
O piloto, então, sentou-se em um banco vago no balcão, de frente para a televisão. Ele nunca havia escolhido aquele lado para assistir a um jogo, mas era um lugar agradável, bem melhor do que ficar espremido entre os torcedores no lado direito. pediu uma cerveja e, antes que a bebida gelada chegasse, a moça ao seu lado se remexeu desconfortavelmente, ajeitando o casaco no corpo. lhe deu um olhar julgador, afinal, era de se estranhar estar vestindo um casaco quando o frio ainda não tinha chegado com toda a sua força na capital. E até mesmo no restaurante, com aquecedores e lotado daquele jeito, mas ele logo voltou sua atenção para o jogo.
Estava decidido a ignorar a mulher, que parecia não prestar muita atenção na cerveja que estava em sua frente. “Realmente maluca, quem deixa cerveja esquentar?”, pensou, balançando a cabeça negativamente.
Mierda — a mulher praguejou, batendo com a palma da mão na mesa quando Griezmann foi derrubado por Asensio próximo à entrada da área.
Aquele realmente era um péssimo lugar para o time adversário cobrar faltas; as chances de gol eram claras. O clima no bar pesou, mas todos soltaram a respiração aliviados quando o goleiro merengue se esticou, mandando a bola direto para escanteio. O jogo continuou sem chances de gols para os dois lados, até que o juiz apitou o final do primeiro tempo. se espantou quando a mulher ao lado grunhiu, bebeu de uma vez o resto da cerveja quente e tirou o casaco.
O espanhol encarou a cena sem acreditar em como aquilo seria possível. Como alguém tinha aquela audácia de pisar em um território sagrado para a torcida madridista usando aquilo? Por que ninguém tinha a expulsado ainda?
¿Én? — quase gritou, chamando a atenção da mulher, que o encarou como se pudesse matá-lo sem se importar em ter testemunhas.
— Perdeu alguma coisa aqui? — disparou. — Você está olhando pra cá com essa cara esquisita desde o início do jogo.
Cara esquisita? Você é louca ou o quê? — ele apontou para a camisa que ela vestia. Era da temporada de 2020 do Atlético de Madrid. — ¿Qué pasó, uh?
Cabrón, não interessa a você — esbravejou, chamando o garçom. — Mais uma, por favor.
E o funcionário prontamente lhe atendeu com um sorriso no rosto.
— Juro que se fosse eles, te tirava daqui carregada.
— Quero ver você tentar a sorte.
O forte sotaque espanhol de fez erguer os óculos escuros que usava e encarar a mulher com uma clara indignação. Ninguém falava daquele jeito com ele. Muito menos uma desconhecida que, com toda a certeza, não deveria nem estar frequentando aquele lugar sagrado.
— Olhe aqui… — mas parou quando percebeu que o jogo iria recomeçar. A mulher ao seu lado não merecia sua atenção, mesmo possuindo olhos verdes bonitos e instigantes.
também parecia não dar a mínima para . Ela estava claramente irritada e não precisava de um homem enchendo sua paciência – já bastava ter que estar usando uma blusa do Atlético em pleno dia de Dérbi.
A espanhola bebeu sua cerveja até a metade e soltou uma risada quando a câmera flagrou Daniel Villagers falando algo para a esposa, com uma irritação aparente enquanto apontava para o gramado. Reconheceu também Kaia em pé, no meio dos pais, e Zuri sentada no colo do loiro enquanto brincava com as mãos da mãe ao mesmo tempo que a atriz parecia prestar atenção – e concordar – com o que quer que o jogador estivesse falando. teve a certeza que o atacante estava estressado com os passes rápidos e sem atenção de seus companheiros. Sabia com exatidão que Villagers dizia para Nalani o que faria se não estivesse suspenso do jogo: arrancaria pela direita; se estivesse livre, chutaria de forma limpa e rápida. Ou esperaria o passe perfeito de Modrić ou Kross que, não importava a situação, sempre chegava em seus pés.
conhecia Villagers como a palma de sua própria mão.
Vete al carajo, Dani (Vai a merda, Dani) — soltou, balançando a cabeça para os lados, mas ainda com um sorriso nos lábios. Tudo o que ela estava passando naquele dia era culpa de Daniel Villagers.
Oh, mal parido esbravejou, fazendo encará-lo. — Vai xingar Daniel Villagers que nem está jogando? Sério, você tem algum tipo de problema, não é? Você é maluca, completamente! Queria entender o que realmente você está fazendo aqui.
esfregou as mãos uma na outra, respirou fundo e encarou o garçom que olhava para a cena com um sorriso nos lábios. Era Juan – o conhecia porque estava ali desde que ela começou a frequentar o bar, e o homem estava se divertindo. Ele também conhecia quase ao mesmo tempo, já que o piloto sempre frequentava o lugar quando estava em Madrid. Mesmo que não tivesse jogos, ele era, de fato, um cliente fiel do Palácio de Cibeles. Juan estava pronto para intervir, mas quando a mulher fez sinal com as mãos para ele ir, entendeu que não deveria falar nada para o piloto que estava muito irritado com a presença da morena ali, que o encarava.
— Eu já falei que não importa, cabrón. Você fala demais, e eu quero assistir ao jogo.
— Doida, isso que você é.
— E você parece um palhacinho. Um bobo da corte — ela tamborilou os dedos na própria testa.
Antes que pudesse responder, os dois escutaram gritos tomar conta do bar enquanto as pessoas pulavam alegremente e o narrador animadamente bradava que Vinícius Júnior tinha marcado o primeiro gol da partida, aos dez minutos do segundo tempo.
— Você me fez perder o gol! — vociferavam um para o outro, ao mesmo tempo. — Isso é culpa sua.
Os dois se encararam e, quando bateu com a palma da mão na mesa, deixando falando sozinho, ele rezou para a deusa Cibeles para que nunca mais visse aquela mulher na sua frente outra vez.


🌙


Para o alívio de , o jogo acabou com o Real Madrid vencendo por dois a zero.
Em dias normais, ela ficaria até mais tarde no bar e encontraria sua amiga e companheira de trabalho, Maria Castellano, quando já estivesse bêbada. Mas, naquele dia, ela só queria sair do Palácio de Cibeles antes que o energúmeno que estava sentado ao seu lado durante o jogo falasse mais alguma coisa. Martínez nunca tinha passado tanto estresse como naqueles noventa minutos.
A preparadora física colocou seu casaco e saiu do bar a passos largos, indo em direção à praça de Cibeles para encontrar a amiga que já estava a esperando ali.
¡Buenas tardes, ! — Maria estava com um riso sapeca no rosto, e Martínez sabia que era por conta da maldita aposta. — Como foi o jogo?
— Dois a zero pro Real — colocou o cabelo atrás da orelha. — Para onde vamos, uh?
— Diego achou uma festa pós-jogo. Não que eu me importe com futebol, mas ele disse que seria uma festa e tanto. Parece que o dono é um piloto de Fórmula 1.
— Piloto de Fórmula 1? — arqueou a sobrancelha ao coçar a cabeça. — Só ouvi falar de Alonso e Hamilton. Será que Lewis Hamilton está em Madrid? MC, nós precisamos ir nessa festa.
— Deixe de ser besta, , parece que é um piloto espanhol. Não sei o nome, Diego só disse que era piloto.
— Então não deve ser ninguém muito importante. De espanhol importante só existe o Alonso, mas como o meu dia foi uma merda, graças a vocês dois, irei nessa festa para beber de graça.
— Não tive culpa de nada — Castellano ergueu as mãos em forma de rendição e soltou uma risada. — Diego que teve a ideia da aposta, eu só concordei.


🌶️


Diego Ferrer, Maria e chegaram no endereço dado pelo amigo do espanhol mais velho um pouco depois das sete da noite.
Era uma casa gigantesca, arborizada e com vidros espelhados. percebeu que próximo ao jardim existia um anexo, como se fosse uma segunda casa dentro do mesmo terreno. Quem quer que fosse que morasse ali com toda a certeza tinha muito dinheiro. Deveria fazer parte de uma família muito importante, embora ela tivesse suas dúvidas que um pilotinho qualquer ganhasse tanto dinheiro assim para manter todo aquele luxo.
Martínez, que havia deixado o casaco no carro do amigo, andava sempre atrás de Diego e Maria, para que não fosse perturbada pelas pessoas que estavam ali, que claramente eram Madridistas. A espanhola não estava nem um pouco confortável e ficou menos ainda quando o amigo de Ferrer, que a encarava dos pés à cabeça enquanto lhe encarava com o nariz empinado e lábios retorcidos, disse que os levaria para conhecer o dono da casa.
“Só pode ser uma piada”, e pensaram quando seus olhares se encontraram no meio do caminho.
— O que você pensa que está fazendo aqui e ainda mais usando essa camisa? — ele disparou, fazendo revirar os olhos.
— Você queria que eu viesse pelada? E quem você pensa que é pra falar algo sobre o que eu visto ou deixo de vestir?
— O dono da porra da casa — respondeu como se fosse óbvio.
— Ah, então você é o pilotinho de Fórmula 1…
Pilotinho de Fórmula 1? — repetiu alto e indignado, com as narinas infladas. — Minha filha, eu sou piloto da Ferrari, a maior equipe do mundo.
Ao ver a expressão de pouco caso da mulher à sua frente, ficou ainda mais estressado.
Eu nunca ouvi falar de você, cabrón.
a encarava sem acreditar no que tinha acabado de acontecer. Enquanto isso, Martínez lhe dava as costas e sumia por entre os corpos de seus convidados.
— Cara idiota — ela murmurou para si mesma quando achou o lugar onde estavam sendo servidas bebidas.
A espanhola pegou duas cervejas e foi em direção ao jardim, que era o lugar mais vazio da festa. Se aquele dia não estivesse sendo tão ruim, ela estaria dançando com seus amigos enquanto comemorava mais uma importante vitória do seu time. Mas desde que vestiu a camisa do Atlético, tudo estava sendo um grande desastre.
— A ruindade desse time passou pra mim — reclamou ao sentar-se em um balanço, olhando para os próprios pés que não alcançavam mais o chão. — Cibeles, Cibeles, mude isso — pediu para a deusa que acreditava bastante, então fechou os olhos e deu um longo gole em sua cerveja, tomando todo o conteúdo de uma só vez.
jogou a garrafa vazia ao lado de seu pé e abriu a outra enquanto se balançava no brinquedo igual uma criança. Lembrou de seus sobrinhos e desejou que os amigos a levassem embora dali para que ela pudesse voltar para o aconchego de sua casa em La Finca. Até pediria um Uber, mas não fazia a menor ideia de onde a casa daquele piloto prepotente ficava e duvidava que aparecia com exatidão no aplicativo.
E como se sua deusa intercessora não tivesse entendido seu pedido, atravessava o jardim e andava em sua direção. respirou fundo e revirou os olhos antes mesmo que o piloto falasse algo.
— Você vai me expulsar da sua casa também, é?
— Não sou mal educado, viu? — ele se sentou no balanço vago ao seu lado e o encarou. — Você é amiga do amigo de Roberto, que é meu amigo.
— Não sei quem é Roberto, mas para ser amigo de Diego ele deve ser legal, ao contrário de… — soltou uma risada quando Martínez parou de falar. — Esqueça, hm, me chamo .
— ele estendeu a mão, que foi apertada pela mulher. — .
“Talvez ele não seja tão insuportável assim”, pensou enquanto os dois conversavam sobre o jogo daquela tarde. Ela explicava os pontos que não tinha gostado e, surpreendentemente, concordava ao fazer as suas próprias pontuações.
— Sabe, Daniel Villagers fez falta no jogo. Se ele estivesse, no primeiro tempo já teríamos marcado.
— Ele sempre muda tudo — concordou, se segurando ao máximo para não dizer o que verdadeiramente achava do melhor amigo. Apesar de Daniel irritá-la na maior parte do tempo, ela morria de orgulho do inglês. Com todo o seu coração.
— Tá aí, Daniel Villagers, Sergio Ramos… Homens que facilmente eu beijaria — brincou, e soltou uma risada alta. — São homens bonitos e incríveis no que fazem, assim como eu — piscou.
— Claro, claro! Mas eu não beijaria você. Nem Daniel, muito menos Ramos.
— Você não me beijaria ainda! — ele brincou mais uma vez. — A senhorita ainda não me viu correr pela Ferrari.
— Nunca vi uma corrida na minha vida — foi sincera, mesmo com o piloto a olhando como se não acreditasse no que tinha acabado de escutar. — Sei quem é o Alonso porque ele é espanhol, Lewis Hamilton porque ele está presente em tudo. Já foi campeão várias vezes, não foi? — perguntou, e concordou enquanto bebia sua cerveja. — Minha vida sempre girou em torno do futebol.
— E você ainda torce para time ruim — ele apontou para a camisa da mulher.
Isso? Essa porcaria não é meu time. Torço para o Real Madrid desde que nasci. Isso só faz parte de uma aposta ridícula entre Diego, MC e eu.
— Porra, eu ia preferir a morte — soltou uma risada. — Então agora faz todo sentido você estar no Palácio.
— É meu lugar preferido.
e perderam-se no tempo em que ficaram conversando sobre futebol e na explicação do espanhol de como funcionava a Fórmula 1. Martínez podia não entender completamente, mas admirava o brilho no olhar que o piloto tinha quando falava sobre o esporte. Ela admirava muito aquilo, principalmente por saber como era aquele sentimento: o de amar tanto uma modalidade e fazer dela a sua vida. Ela era assim antes de tudo acontecer.
— Então agora você pode colocar na sua exclusiva lista de pilotos que conhece Júnior, piloto da Ferrari e futuro campeão do mundo.
— Colocarei com toda a certeza — sorriu sinceramente, mas antes que o espanhol pudesse responder, Maria apareceu no jardim para avisar que teriam que ir embora. — Adiós, Júnior, piloto da Ferrari e futuro campeão do mundo! — despediu-se dele com um aceno.
— Ei, ! — gritou enquanto ela lhe dava as costas junto de sua amiga, fazendo-a se virar de novo. — Ainda te levarei para uma corrida de Fórmula 1 para me ver correr.
— Tente a sorte — Martínez gritou em resposta e voltou a andar de mãos dadas com a amiga para dentro da casa.
soltou uma risada, encarou o céu e, antes de se balançar pela última vez, pediu para que Cibeles colocasse Martínez novamente em seu caminho. Era uma questão de honra levar a mulher para assistir à sua primeira corrida de Fórmula 1.


Capítulo 3 – A melhor das melhores

1º de abril de 2022
Madrid, Espanha


abaixou com cuidado a perna de Daniel Villagers quando percebeu a expressão de dor tomar conta do rosto do jogador. O inglês passou as mãos pelo cabelo e bateu na maca, frustrado.
— Tudo culpa daquele merda — grunhiu ao sentar-se com dificuldade. — Sergio, Martínez, que ódio. Qual o veredito?
— Mais uma semana e meia. Não vou liberar você para voltar antes de jeito nenhum, o músculo ainda não se recuperou totalmente.
Daniel pousou os olhos sobre ela, mas desviou rapidamente, tamborilando os dedos na maca como se estivesse planejando algo.
— Nem tente bancar o esperto para cima de mim, você sabe.
— Infelizmente — murmurou. — Odeio você por ser minha preparadora, odeio o filha da puta que fez isso com minha perna. Juro para você, , irei fazê-lo pagar na próxima vez que jogarmos.
— Você não vai fazer ninguém pagar, se comporte. Vigiarei de perto e já estou repassando o diagnóstico de hoje para o fisioterapeuta do Real.
— Posso te demitir, sabe disso, não é?
A morena soltou uma risada, mexendo rapidamente no iPad em suas mãos.
— Já enviei.
— Você não consegue mudar umas coisinhas?
fuzilou o jogador com o olhar.
— Qual é, não custava nada perguntar.
— Você é idiota, Daniel Villagers. Muito idiota.
O jogador balançou os pés como uma criança e suspirou pesadamente. Daniel havia lesionado-se após uma entrada forte de Andreas Christensen, no primeiro jogo das quartas de final da Champions League contra o Chelsea. O time que Daniel mais odiava depois do Barcelona.
O inglês não saiu de campo – forçou até o final do jogo, mesmo com os músculos implorando por descanso. Daniel foi até o limite do seu corpo e, quando Martínez o viu esfregar as mãos na coxa direita e seu olhar em chamas, soube que era sério. Mas Villagers só estava preocupado em trazer a vitória para casa e assim o fez, mesmo tendo que lidar com as consequências de ser tão imprudente.
sabia o quanto ficar longe dos gramados deixava Daniel louco, mesmo que fosse por três semanas. Ele só estava a uma semana e meia afastado e o Real Madrid tinha conseguido perder de maneira vexatória o El Clássico: 4x0 pro Barcelona. Em pleno Santiago Bernabéu. Com Villagers encarando tudo do banco de reservas sem poder fazer nada. Martínez tinha consciência que a situação era frustrante, como amiga, torcedora e preparadora; mas ficar longe dos gramados e estar cem por cento recuperado era a melhor coisa que Daniel poderia fazer naquele momento.
— Vai estar em forma para o jogo contra o City. Você não os suporta, não é? Vai poder acabar com eles — ela fez carinho nos ombros do atacante. — Aproveite esse tempo para curtir suas meninas e a sua esposa.
Daniel nada respondeu, mas balançou a cabeça em um sinal positivo
— Até o jantar — ela se despediu.
— Não vou.
— Vai, sim. Não faça essa desfeita com Rosie, você sabe que as coisas estão diferentes desde que…
— É, eu sei, odeio Sergio também. Ele deveria estar aqui — ele jogou a cabeça para trás, massageando as têmporas. Aquele ainda era um assunto difícil para todos. — Vou treinar superiores agora.
coçou o queixo e Daniel estendeu a mão fechada em um sinal para ela responder com outro soquinho. sorriu e bateu.
— Até mais tarde, pimentinha.
— Não force muito a perna direita.
— Apenas superiores. Preciso dos meus músculos em forma para quando for jogar contra aquele palhacinho.
deixou escapar uma risada e abraçou o amigo antes de sair da sala da academia. Mas acabou encontrando a pequena Kaia sentada no corredor, com um ar triste enquanto fitava a ponta dos pés. A gêmea mais velha pareceu se assustar quando percebeu que estava à sua frente. A preparadora sorriu, tentando passar algum conforto, e se sentou ao seu lado.
¿Qué pasa, niña? — perguntou com a voz doce, e Kaia a encarou como se fosse debulhar em lágrimas a qualquer momento.
— Mamãe está cozinhando com Zuri a comida preferida de papai. E eu estou esperando — as palavras saíram trêmulas. — Papa está machucado. Todo dia ele fica com raiva, não sai mais daí — apontou discretamente para a academia.
Kaia Villagers era a menina dos olhos de Daniel. Era a gêmea mais velha por um minuto e meio, sendo a primeira que o jogador pegou nos braços na sala de parto. Dani contou para que, quando a segurou, sentiu seu mundo mudar. Nada mais seria como antes. Teve o mesmo sentimento quando pegou Zuri no colo – seu coração se preencheu de uma felicidade que ele não sabia que era possível sentir. Mesmo já tendo experimentado todo o sentimento de felicidade possível com a esposa Nalani Waialiki, ter as duas em sua vida era diferente.
Mas Kaia tinha uma ligação inexplicável com o jogador, que nunca conseguiu entender e nem mesmo a família Waialiki-Villagers. Eles apenas sabiam que era daquele jeito e funcionava. Se Daniel estava com raiva ou triste, Kaia sabia apenas de olhar o pai por alguns segundos. E aquilo ficava em sua mente e no coração, principalmente por não saber como ajudar.
— Não gosto quando ele fica assim, tia — revelou em um sussurro quase inaudível.
— Preciosa, não vou mentir para você. — Os olhos grandes e verdes da pequena encaravam Martínez, ansiosos. — Seu pai está passando por um momento um pouquinho difícil, mas ele é muito forte, vai superar bem rápido. Tia está o ajudando todos os dias, e sabe por que ele reclama? Porque funciona.
— Funciona mesmo que doa?
— Sim! Isso significa que o músculo machucado está se curando.
— Então ele vai poder voltar a jogar futebol comigo? — perguntou, receosa. — Escutei você falando que ele não vai jogar futebol.
— Ele não pode jogar durante quinze dias.
Kaia olhou para as duas mãos, como se estivesse tentando contar nos dedos.
— Todo dia que passar, você pode fazer um risco em uma folha de caderno — aconselhou e a menina sorriu, balançando a cabeça afirmativamente. — Vai ver que passará mais rápido do que espera.
— Obrigada, tia ! — jogou-se no colo da preparadora. — Você é a melhor.
— Sabe o que você pode fazer também? Ir lá na academia com seu pai. Pode ajudá-lo, sabia?
— E se papai não me quiser lá?
Niña, seu pai sempre vai querer você. Nunca tenha dúvidas disso — parou de falar ao escutar o aviso de mensagens em seu celular. Deveria ser a equipe de fisioterapeutas do Real Madrid respondendo ao diagnóstico do dia. — Agora eu preciso ir, tudo bem? A gente se vê à noite.
— Sim! Até a noite, tia . E muito obrigada! — a criança agradeceu e Martínez depositou um beijo em sua cabeça antes das duas se levantarem.
As coisas ficariam bem entre eles, sempre ficavam e daquela vez não seria diferente. A família Waialiki-Villagers era seu maior exemplo, assim como a da prima. Mesmo com tudo, superavam e permaneciam juntos, nunca desistiam. Era isso que queria: um dia para si, mesmo que só estivesse encontrando desastres pelo caminho.
Martínez passou pela cozinha apenas para se despedir rapidamente de Nalani e Zuri, indo em direção à sua casa para pegar seu carro e ir para a empresa. Sua caixa de entrada estava recheada de mensagens para que ela aparecesse o mais rápido possível na sede. não fazia a mínima ideia do motivo de estar sendo tão requisitada, só esperava que não fosse algo grave. Aquela semana já estava sendo pesada demais.


🌙


A PowerZone Champions ficava localizada no centro de Madrid, de fácil acesso para quem viesse de qualquer canto da capital. Mesmo que não trabalhasse diretamente na sede da empresa e frequentasse o lugar poucas vezes, ela conhecia o espaço de olhos fechados, afinal, também era sócia, mesmo nunca tendo o interesse de ocupar os cargos mais altos. Martínez adorava trabalhar com os atletas de alto rendimento; era uma forma de relembrar sem dor sua vida em um passado não tão distante.
Martínez atravessou a enorme porta vidrada da sala do CEO da empresa, e, assim que seus olhos encontraram o de Nidal Santiago e o homem deu um sorriso amarelo, a preparadora soube que ele teria notícias que não a agradariam.
— Grande Martínez!
apertou sua mão e sentou-se, deixando a enorme bolsa na cadeira vaga ao seu lado.
— Temos água e outras coisas hoje — ele apontou para o canto da mesa, que, de forma incomum, estava recheada de petiscos e bebidas. estreitou os olhos. Nidal não gostava de sua mesa cheia. — Estava com Daniel, suponho. Como anda o Golden Boy?
— A recuperação tá indo como os conformes, sem grandes problemas.
— Vou direto ao ponto, Martínez — o homem coçou a garganta. — Quando você entrou nesse negócio, deixou claro que queria desafios e que não iria se meter em atividades administrativas. — A morena concordou, bebendo um gole d’água. — Então, você sabe que trabalhamos com os mais diferentes atletas ao redor do mundo e te colocamos aqui em Madrid, com Daniel e perto da sua família, como você pediu. Mas, precisaremos mudar você.
— Me mudar? — coçou a nuca e tamborilou os dedos sobre a mesa. — Daniel que pediu para mudar? Isso é apenas uma brincadeira dele, você sabe, Nidal. Não tem porquê me mudar. Os resultados de Villagers são incríveis, nenhum outro se recupera tão rápido…
, não foi Daniel.
Martínez soltou a respiração e deixou seu corpo cair sobre a poltrona.
— Temos um contrato milionário com um atleta especial, e o preparador físico dele não poderá acompanhá-lo durante esse ano, porque sua esposa está passando por um tratamento difícil — ele fez uma pausa. — E sua equipe exigiu que ele tivesse o melhor dos melhores. E bom…
Eu sou o melhor dos melhores — ela murmurou, e Nidal assentiu. — A melhor das melhores — frisou. — Ele é jogador de qual time?
— Uma equipe Italiana.
— Paul Pogba?
— Não é o Paul Pogba.
— Se não é o Pogba e vou ter que mudar para a Itália, eu acho bom ser alguém que mereça ser treinado por mim.
— Você não vai se mudar para a Itália.
o encarou sem entender. O homem continuou:
— Você vai viajar ao redor do mundo durante um ano. Por isso eles pagam tão bem, já que o preparador tem que largar tudo e viver com o atleta e a equipe.
esfregou as mãos e permaneceu em silêncio. Mudanças significativas aconteceram no caminho da espanhola, e eles sempre estiveram presentes. Era por causa dos Martínez que a preparadora não tinha desistido quando as coisas desabaram sob seus pés. não conseguia se enxergar longe deles por muito tempo, eram o seu alicerce.
— Quanto tempo tenho para dar a resposta?
Amanhã. A viagem é em três dias.
— Você está me pedindo para que eu abandone tudo em três dias?
— Eu não pediria isso se não fosse importante, . Estamos sem saída — o homem passou a mão pela testa e encarou a preparadora. Pela primeira vez, percebeu a grande preocupação no olhar do CEO. — Assinamos um contrato milionário e a multa de abandono é gigantesca. Eles já nos deram esse prazo para enviarmos outro preparador e nenhum daqui tem o seu currículo, muito menos seus resultados. O agente do atleta conhece o trabalho de Villagers e, bom, todos conhecem.
— Como Daniel ficará?
— Daremos o segundo melhor para ele, você vai acompanhar tudo à distância. É o preparador que trabalhava para esse bendito. Aumentaremos o seu salário também.
— Não me importo com dinheiro, você sabe, eu não preciso — ela respirou fundo. — Quero que me prometa que Daniel não sofrerá nenhum tipo de prejuízo com isso. Se eu perceber qualquer queda no desenvolvimento dele, volto na mesma hora.
— Isso é um sim?
— Isso é um darei a resposta amanhã de manhã cedo.
Nidal sorriu pela primeira vez, com o alívio que tomou conta de seu corpo.
— Quem é o tal atleta? — ela quis saber.
— Um piloto de Fórmula 1.
soltou uma risada antes mesmo de Santiago continuar a falar. Aquilo não poderia ser possível. Era coincidência demais para ser verdade.
. Inclusive, você já deve ter ouvido falar da família , quase tão influente em Madrid quanto a sua, Martínez.
, piloto da Ferrari e futuro campeão do mundo — ela murmurou para si mesma a frase que o piloto tinha lhe dito quando se viram pela primeira e última vez.
— Você o conhece?
— Já ouvi falar. Você sabe, não me meto nos negócios da minha família.
Nidal concordou, e era uma verdade. era uma verdadeira herdeira Martínez – não precisava dedicar seu precioso tempo fazendo o que fazia. Mas, mesmo assim, trabalhava porque amava, porque era o que tinha restado da sua antiga vida.
— Não entendo nada de Fórmula 1, Nidal.
— Mas entende de preparar com perfeição atletas de alto rendimento. Você conhece o desgaste e regeneração do corpo humano como ninguém, afinal, já foi o seu corpo nessa situação. — baixou os olhos. — Você é a melhor das melhores, Martinez.
— Eu sou, não é? — ela esboçou um sorriso, mas não estava feliz. A frase do CEO a tinha lembrado de que ela já havia ajudado vários atletas, mas tinha falhado com a principal: a si própria. — Até amanhã.
— Posso considerar isso um sim?
levantou sem responder.
— Até amanhã, Nidal.
A preparadora pegou sua bolsa e saiu da sala sem dizer mais nada. Sua mente estava um turbilhão.



Maranello, Itália

A equipe de mídia da Ferrari terminou mais uma gravação do C² Challenge e sentou ao lado do companheiro de equipe, Charles Leclerc, enquanto dividiam o pequeno banquete que estava à disposição dos dois na sala em que tinham acabado de fazer uma corrida de ovos na colher.
— Já que você está no Instagram — notou ao olhar em direção do celular de Leclerc —, preciso de um favor.
— Pare de bisbilhotar, fofoqueiro — Charles travou o telefone, recebendo um empurrão no ombro. — O que você quer?
— Conheci uma pessoa no ano passado e, bom, a gente conversa de vez em quando. — O monegasco arqueou uma sobrancelha. — Só que o Instagram dela é privado, e ela me responde uma vez na semana.
— E o que eu tenho a ver com isso?
— Eu quero que você siga ela — ele soltou como se fosse óbvio, e Charles soltou uma risada alta.
— Você tem dificuldades de conquistar mulheres desde quando, ?
— Não estou com dificuldades, estou curioso. São coisas diferentes.
— Agora quem está curioso sou eu — destravou o celular e entregou para o espanhol. — Coloque aí, aposto que ela vai me aceitar. Sou mais bonito que você.
revirou os lábios e os olhos, mas pegou o celular e procurou rapidamente o Instagram que queria achar.
Martínez — Charles balançou a cabeça afirmativamente. — Uma espanhola.
Uma maluca — corrigiu e devolveu o celular para o amigo. — Mas prometi que iria trazê-la para uma corrida.
— Você precisa parar de sair convidando mulheres para suas corridas, quero ver quando elas se encontrarem. Não quero ter que separar briga. — soltou uma risada. — Ou quero? Me pareceu muito interessante a cena.
— Interessante vai ficar Beatrice quando eu contar que você quer separar briga de mulher.
Charles ficou sério e respirou fundo. Ele não queria falar sobre a italiana enquanto não soubesse de verdade o que estava acontecendo entre ela e Max Verstappen. Ele odiava estar naquela situação; não era justo o neerlandês ter se metido entre eles daquele jeito, mesmo que Leclerc e Portinari nunca tivessem tido nada. Era o nada deles. Max Verstappen era o verdadeiro intruso ali.
— Como se ela se importasse — deu de ombros. — Não dou a mínima para o que Beatrice acha. Ela que se importe com Verstappen.
— Pois eu fiquei sabendo que os dois brigaram em Mallorca — Charles encarou o companheiro de equipe, ele não sabia daquela informação. — E por isso ela voltou mais cedo para Woking. Nem ela nem Daniel foram para a minha festa lá, lembra?
— Claro que eu lembro que ela não foi. Você disse que tinha convidado! Por isso eu saí de Mônaco para passar os últimos dias antes da apresentação em Mallorca.
— Eu convidei! Mas ela foi embora antes, deixou Verstappen sozinho no iate. Não sei o que ele fez, mas Daniel também foi embora.
— O que será que esse babaca fez? — balançou os ombros, como se não soubesse. — Se bem que Beatrice se estressa fácil.
— Mas é Max. Você sabe mais do que ninguém que ela fica passando pano pro que ele faz e ele conseguiu estressar ela.
Charles riu, aquilo era uma verdade. Beatrice Portinari e Max Verstappen não eram namorados, mas todo mundo no paddock sabia que eles tinham algo desde a época em que ela começou a trabalhar na Red Bull Racing com Daniel Ricciardo. Assim como sabiam que o piloto neerlandês poderia fazer qualquer coisa que a italiana sempre iria arrumar uma desculpa para ele.
— Quem te contou tudo isso, hein? — o monegasco perguntou, curioso.
— Eu apenas sei, Lord Perceval. Você vai perguntar para ela?
— Não — ele respondeu rapidamente. — Preciso me manter afastado dessa confusão.
— Nem você acredita nisso, amor. Você não quer se manter afastado de Beatrice.
— Não quero, mas preciso me manter afastado. Já imaginou bater cabeça com o doente do Verstappen? Não preciso disso.
assentiu. Se fosse ele, também iria sair de perto. Max era uma confusão declarada.
— Você tem razão. E acho que até Beatrice já entendeu que o bonitinho traz problemas demais. Eles não estão se falando.
Charles o encarou. Sabia que o amigo não era próximo de Beatrice, mas estava curioso para saber como ele sabia tanto sobre ela e Max.
— Isso eu vi e tenho certeza — continuou. — Fui falar com Daniel depois da classificação em Jeddah, Max estava lá e ela ignorou ele o tempo todo. Quando ele chamou ela pelo nome, ela disse que estava ocupada procurando um restaurante e não poderia falar.
— Restaurante? — perguntou, e o espanhol balançou a cabeça afirmativamente. — Será que ela tava planejando sair com alguém?
— Isso eu não sei, só sei essas coisinhas que te contei.
— Com quem você aprendeu a fazer fofoca tão bem assim?
— Isso não é fofoca, é informação. E se ficar perturbando a minha mente, não contarei mais nada que souber para você.
Charles levantou a mão em forma de rendição e voltou seu olhar para o celular do amigo, curioso com o aviso da notificação. deixou escapar uma risada e mostrou para Charles. Era uma mensagem no Instagram:

@martinezlunna: Pare de espalhar meu Instagram para seus amigos pilotos. Não irei aceitar ninguém, acho que vou até te bloquear.

— Eu não te falei que ela era maluca?
— Você também é meio maluco, então acho que ela combina com você.


🌶️


Quando a família Wailiki-Villagers entrou na casa dos Martínez-Ramos, fez de tudo para evitar contato visual com seu melhor amigo, Daniel. O jogador perceberia que tinha algo de errado com a espanhola no segundo em que a encarasse por pouco mais de três segundos. Martínez e Villagers eram assim, como se fossem irmãos de alma. Os seis anos de convívio pareciam ser como a vida toda.
Daniel estava lá quando o sonho de acabou – nos dias em que o coração da espanhola foi partido por homens que não a mereciam, no dia em que ela recuperou-se da sua perda e reconstruiu seu amor pelo esporte de outra forma. Assim como Martínez também estava ao lado do inglês nos seus melhores e piores dias, como na lesão da rotura do menisco que ficou 54 dias longe dos gramados – que resultou na eliminação do Real Madrid na Champions League –, o período de crise do time blanco durante o período conturbado da janela de transferências, onde Daniel recebeu propostas tentadoras para outros times, assim como seus principais companheiros, entre incontáveis outros momentos em que eles estavam um ao lado do outro. Dar adeus a tudo aquilo era mais difícil do que a espanhola imaginou.
preferiu ficar na sala brincando com as crianças enquanto Rosalie colocava as novidades em dia com os vizinhos. Ao receber os abraços apertados das crianças, vê-las rindo ao contar as histórias sobre o último dia de aula na escola, Martínez teve a certeza que sentiria falta da sua rotina na Espanha. Aquele era o seu verdadeiro lar.
— Não gosto quando você está com essa cara, pequeñita — Rosie revelou ao voltar para a sala de jantar depois de ter colocado as crianças na sala de brinquedos junto das duas babás.
— Precisamos conversar. Todos avisou ao sentar-se na enorme mesa da casa em La Finca, onde sua prima, Daniel e Nalani Villagers estavam acomodados. — Eu recebi uma proposta do trabalho. E é incrível, uma experiência que nunca tive e acho que vai me agregar muito por ser um desafio. Mas se eu aceitar, vou ter que deixar Madrid.
Daniel Villagers passou a mão pelo rosto, mas sorriu em direção à melhor amiga.
— Você tem que aceitar — disse antes mesmo que ela pudesse continuar e arrumar diversas desculpas para não aceitar o novo emprego.
O atacante nem sabia qual era a proposta, mas tinha certeza que tinha sido importante o suficiente para despertar a preocupação da mais nova. não se importava com dinheiro, então significava que era algo que ela ainda não tinha sido desafiada a fazer. Villagers sabia a importância de estar em Madrid para , perto de sua família e amigos, mas também sabia que ela estava mais do que pronta para bater as asas e trilhar um novo caminho.
— Não quero deixar vocês — ela admitiu. — Depois de 2016, eu sempre estive por perto. Rosalie continuou a me acolher como uma irmã, conheci vocês — olhou para Nalani e Daniel —, e vocês se tornaram minha família. Quando as coisas ruins aconteceram, seja comigo ou no meu antigo relacionamento, estavam do meu lado. Não sei se consigo me dar bem sem vocês.
Pequeñita, desde que você nasceu, eu jurei que ia ficar ao seu lado e te proteger de tudo — a voz da advogada era doce. — Mesmo não conseguindo te proteger de todas as coisas ruins que te aconteceram, permaneci com você. E isso não vai mudar porque você vai estar longe de Madrid.
— Mas Rosie, Sergio foi embora, agora eu… Tem as crianças…
, querida, posso ir a qualquer hora para a França encontrar com Sergio. Seus pais ainda estarão aqui em Madrid comigo, assim como a família dele. Não vou ficar sozinha, não se preocupe com isso.
— E sua recuperação, hein? E quando você se machucar? Como vou ficar sem ver Zuri e Kaia?
Daniel estendeu a mão para que pudesse tocar na da melhor amiga.
— Você sabe que nem se quisesse ia ficar sem saber de mim, não é? Daremos um jeito. Eu sei que você sempre vai ter um palpite na ponta da língua pra quem quer que substitua você.
— E você é a nossa família também, . Família significa nunca abandonar.
Ao ouvir as palavras de Nalani, se permitiu chorar pela primeira vez naquele dia e foi envolvida pelos braços de sua família. Ela era importante e nada mudaria aquilo.
A morena tinha certeza que não seria fácil deixar Madrid, mas ela também sabia que precisava arriscar. Que precisava de uma mudança depois de tudo o que tinha lhe acontecido. E mesmo que as coisas dessem errado em sua nova jornada, Martínez, dentro daquele abraço, teve a certeza que sempre teria para quem voltar. Para casa. Para sua família.


Capítulo 4 – Cariño

6 de abril de 2022
Melbourne, Austrália


Para , despedir-se dos pais e da avó foi a parte mais difícil da mudança.
Depois que tudo mudou na vida da espanhola, Antônio e Maria José, junto de sua avó, Celina, sua prima Rosalie com seu marido e filhos, foram o seu verdadeiro porto seguro no meio de todo o caos que sua vida virou no final de 2016. A conversa foi regada a muito choro e abraços apertados, mas que no final das contas rendeu em um pequeno jantar de despedida organizado pela própria família, que contou também com a presença de seus amigos mais próximos.
sentiu-se em paz ao estar na presença dos pais, da única prima, da família do melhor amigo, das crianças que tornavam seus dias mais alegres e coloridos – mas principalmente por estar aproveitando cada minuto com a mulher que mais amava no mundo, sua avó. Após a partida de seu avô Manuel, Celina virou a base de , e ela sempre carregava a mulher consigo, na pele, em uma tatuagem do lado esquerdo do peito, abaixo da clavícula, no coração e na alma. Celina Martínez era sua maior inspiração e o amor de toda a sua vida.
E antes mesmo que pudesse abraçar a avó pela milésima vez, a preparadora física embarcou para a Austrália rumo à sua nova jornada.
Martínez estava saindo do casulo para voar novamente. E ela brilharia assim como tinha nascido para fazer, com a certeza que carregava consigo a sua família. Aqueles que nunca a abandonariam, independente de qualquer coisa que pudesse acontecer.


🌙


Martinez havia pousado na Austrália no dia anterior, onde fora recebida pelo motorista da Ferrari e levada diretamente para o hotel no centro da cidade. No Ritz, encontrou o empresário de e outros responsáveis pelo piloto da escuderia italiana. Eles lhe deram as coordenadas de como funcionava as viagens em equipe, o dia-a-dia no paddock, os treinos livres, qualificações e corridas. Foram longas cinco horas de conversa e planejamento até que estivesse ciente de tudo o que precisava, para que pudesse entrar no autódromo e enfim ser apresentada como a nova preparadora física de . Também foi avisada que, durante aqueles dias na capital australiana, ela estaria acompanhada sempre por um motorista para que a morena pudesse se acostumar com tudo de forma mais rápida.
E assim foi feito.
No dia seguinte, atravessou a catraca de acesso ao paddock com seu coração acelerado – nunca imaginou que um dia frequentaria um lugar como aquele. Mas ali estava ela, com uma blusa polo perfeitamente passada da Ferrari, calça social preta e tênis incrivelmente brancos. Carregava consigo sua inseparável bolsa/mala preta da Prada e todo o restante de confiança que tinha em seu corpo. Respirou fundo em frente ao estande da escuderia e reconheceu Caco, empresário de , que já estava à sua espera.
— Bom dia, ! — cumprimentou em espanhol. — Seja bem-vinda. e o restante da equipe 55 já estão te esperando na sala.
— Cheguei atrasada? — perguntou receosa, mas Caco soltou uma leve risada e colocou a mão sobre seu ombro.
— Eles que estão ansiosos para te conhecer. está agoniado, com medo de ficar sem um preparador físico antes da corrida. Não para de perturbar meu juízo.
— Ele sabe que sou eu? — ela quis saber, e o homem balançou a cabeça para os lados. — Bom, isso vai ser engraçado — murmurou mais para si própria do que para o espanhol.
Antes de acompanhar Caco pelos corredores do hospitality, passou a mão pelo pescoço e apertou entre os dedos a pequena medalha que carregava consigo da deusa Cibeles; deu-lhe um beijo rápido e voltou sua atenção para onde andava. Mesmo tendo apenas o piso térreo, o local era muito espaçoso, com três corredores e diversas salas. observava tudo com muito cuidado para não cometer erros bobos quando estivesse sozinha, até que Oñoro parou em frente a uma porta vermelha, com a logo da Ferrari em destaque e um “55” abaixo.
Caco abriu a porta e revelou o piloto em pé, conversando animadamente com outros três homens que nunca tinha visto. E também estava ele, , o piloto de Fórmula 1 e futuro campeão do mundo. O espanhol virou na direção da porta e parou de falar quando seus olhos encontraram no lado direito do empresário.
A morena de olhos verdes, que faziam um perfeito contraste com sua pele bronzeada pelo sol e seu cabelo cor de mel, que não se decidia entre o liso e cacheado, sorriu de canto para o piloto que ainda a encarava, surpreso.
“O que faz aqui? Por que ela está usando uniforme da Ferrari e essa bolsa preta?’’, o espanhol pensou ao molhar os lábios secos rapidamente com a língua.
— Pessoal, quero apresentar vocês a Martínez, nova preparadora física do . Ela vai substituir Rupert nessa temporada.
— Bom dia, pessoal — o sotaque espanhol carregado da mulher invadiu a sala, fazendo todos a encararem. — Sou e espero poder somar com vocês.
— Tenho certeza que vai! — Caco disse animado e logo lhe apresentou ao restante da equipe enquanto continuava em silêncio, com braços cruzados, sem tirar os olhos da mulher um minuto sequer.
Parecia que o piloto estava estudando cada detalhe e movimento para não ser pego novamente de surpresa. detestava não ter o controle das situações, principalmente quando era pego totalmente desprevenido.
— Bom, , vou deixar você conhecer . Encontro vocês após o almoço. E garoto — apontou para o espanhol —, não seja um insuportável. Aproveite e leve para conhecer tudo, ela ainda não conhece como funciona um paddock.
apenas assentiu e fez uma continência antes de Caco sair da sala.
Você — disse pela primeira vez e deixou os braços caírem ao lado do corpo. — Você é minha nova preparadora física?
— Você fala.
revirou os olhos.
— Por que está com raiva?
— Não estou com raiva, estou surpreso — ele puxou uma cadeira e se sentou; permaneceu em pé. — Você não me disse nada e a gente conversou o quê, anteontem?
— Conversamos sobre o último jogo do Real Madrid, . Não tinha sentido falar pra você sobre meu trabalho.
— E por que você nunca citou que era preparadora física?
— Não achei que fosse importante dizer. Você ia descobrir logo, não é?
a encarou, soltando o ar.
— Não faça disso um drama — ela o repreendeu.
— Eu não faço dramas, Cariño.
o encarou, franzindo o rosto ao escutar o apelido que lhe dera.
— Não faça do apelido um drama, Cariño — ele continuou.
lançou-lhe um olhar desconfiado, mas preferiu ignorar o espanhol – foi em direção à sua bolsa, que carregou sem dificuldade até a mesa onde estava, e de lá tirou um iPad, sentando-se em seguida.
— Podemos começar logo com isso?
— Com prazer, Cariño.
tamborilou os dedos na tela do aparelho, em uma tentativa – frustrada – de não deixar irritá-la. Era apenas um apelido. Só significava que ele gostava de perturbar. E o espanhol sabia que ela não tinha gostado.
— Rupert me entregou uma ficha sua, mas prefiro saber como você enxerga seu corpo.
— Eu vejo meu corpo como um corpo lindo. Mui guapo, hermoso, para ser sincero.
Impaciente, coçou a testa enquanto passava o olho sobre o próprio corpo ao mesmo tempo que tocava em seus próprios braços.
— Quanto você acha que pesa?
— Não faço ideia — ele repousou a mão na barriga e jogou o iPad na mesa, fazendo o piloto encará-la assustado.
— Olhe aqui, me ajude, porque senão o único prejudicado será você. O meu dinheiro estará na conta todo final do mês do mesmo jeito, e ainda é você quem paga. Se quebrar o contrato, também vai me pagar. Então para você ficar ciente, eu não dou a mínima se queres ou não colaborar — disparou, fazendo ajustar-se na cadeira. — Podemos começar, sim ou não, Cabrón?
— Setenta e um quilos — ele respondeu, e anotou rapidamente no aparelho antes que o piloto recomeçasse com as gracinhas.
— Altura?
— Tenho 1,82.
Martínez arqueou a sobrancelha, desconfiada, mas anotou.
— Coloca 1,80. Pode ter a média de erro.
— Veremos. Não trabalho com erros — a preparadora física bloqueou o aparelho, retirou da bolsa uma balança e colocou aos pés do piloto. — Você pode tirar o tênis e as meias?
fez o que a preparadora pediu sem retrucar, mas ainda pensando em como ela carregava o aparelho na bolsa como se não pesasse nada.
— Isso é uma balança de bioimpedância. Ela vai enviar uma corrente elétrica pelo corpo que passa com facilidade pela água e músculos, mas não pela gordura. Assim vou conseguir saber com exatidão todas as suas medidas. Até sua altura, com a máxima precisão.
— Eu tenho 1,80. Certinho.
— Veremos isso.
— Preciso tirar a blusa?
— Não — respondeu mais rápido do que queria, e o piloto a encarou com um sorriso de canto. — Não precisa tirar a blusa. Suba e segure isso.
— Como quiser, Cariño.
ignorou o espanhol e voltou sua atenção completamente para os resultados que chegavam simultaneamente com os gráficos corporais de em seu iPad.
— Você bebeu muita ou pouca água hoje?
— Por quê?
— Responda logo.
— Por volta de um litro e meio.
assentiu ao pegar o sensor do aparelho das mãos dele e o encaixou novamente na balança.
— Eu perguntei porque este método tende a superestimar ou subestimar quanta gordura você tem, e o resultado pode ser alterado dependendo de quanta água você ingeriu ou está retendo no momento. Então como você tem pouca água no corpo, temos hoje o resultado mais real possível — ela bloqueou o aparelho e encarou . — Você tem exatamente 69 quilos, 18% de gordura corporal e tem 1,78 de altura.
— 1,78 de altura? — ele perguntou com a sobrancelha arqueada e cruzou os braços.
— E nem um centímetro a mais — os cantos de sua boca esboçaram um sorriso, que fizeram o piloto bufar.
— Não sei se repassaram a você, mas eu fiz a exigência que o preparador soubesse artes marciais. Isso vai ser um problema?
cruzou os braços abaixo do peito, e uma franqueza que o espanhol não esperava esbanjava de seu olhar —, eu sou faixa preta no boxe, marrom no Krav Maga, ex-lutadora olímpica de judô e também formada em Fisioterapia e Nutrição. Eu tenho certeza que treinar um piloto de Fórmula 1 não vai ser um problema para mim.
O ar presunçoso de deu lugar para a surpresa, que tomou conta não só da sua expressão, mas também da sua mente, o fazendo se questionar o que mais Martínez tinha guardado para lhe mostrar.


🌶️


Cumprindo o que seu primo Caco havia lhe pedido mais cedo, saiu do hospitality da Ferrari junto de para que a espanhola pudesse conhecer o paddock. Mesmo aquele sendo bem diferente dos que frequentariam pela maior parte do tempo.
— Acho que vais gostar muito mais dos paddocks dos outros países.
— Tem tanta diferença assim?
— Muita — apontou para o lugar que tinham acabado de sair. — Os hospitalities são enormes, tem motorhomes gigantescos. A nossa sala lá é maior também.
— Você divide com Charles, não é?
— Sim e não. Não dividimos sala, mas é o Charles Leclerc, aquele que você não aceitou em seu Instagram.
soltou uma risada.
— Agora você já pode aceitar a gente no mundinho Martínez.
— Pensarei no seu caso.
agradeceu metalmente por naquele horário o lugar não estar superlotado; assim conseguia mostrar tudo sem muitas perturbações.
Cumprimentou com acenos rápidos alguns pilotos que encontrou pelo caminho, sem dar abertura para que parassem para conversar. era uma mulher com uma beleza bastante notável – sabia daquilo desde o dia em que a viu pela primeira vez, mesmo a detestando. Então com toda a certeza ela escutaria cantadas baratas de seus companheiros de profissão, mas não naquele dia. Não quando ele estivesse a acompanhando.
— Aqui é um circuito de rua — fez aspas com as mãos —, ao redor do Albert Park Lake. Mas o circuito de rua mesmo é Imola, Mônaco, Baku.
— Por que tem uma arquibancada só para Daniel Ricciardo? — ela apontou para a arquibancada personalizada com nome e número do australiano.
Não tinha como não pensar no melhor amigo. Do jeito que Daniel Villagers era, com toda a certeza ele adoraria ter uma arquibancada só para seus fãs nos estádios em que jogava.
— É porque Daniel é o piloto da casa. Na Espanha, por exemplo, vais ver que tem uma dessa só para mim. Ainda maior, gigantesca.
sorriu ao perceber o brilho no olhar do espanhol. Ela gostava da paixão que ele tinha pelo que fazia. Admirava quem dedicava a vida pelo esporte, porque sabia todos os sacrifícios e abdicações que aquela vida possuía, assim como ela o fez.
mostrou a pista para ela, apontando para os terrenos em volta do circuito, que incluía um grande centro aquático, um campo de golfe, o Lakeside Stadium, alguns restaurantes e casas de remo. Mas antes que pudessem de fato entrar na pista, ele pegou pela mão e a levou para a área destinada às garagens das equipes.
— Você tem problema com velocidade?
— Eu acho que não.
não sabia dirigir, e mesmo o melhor amigo sendo apaixonado por carros esportivos, ele nunca ultrapassou mais que o permitido quando ela estava no seu banco de carona, principalmente depois que virou pai. Então a espanhola não sabia de verdade se teria medo ou não – aprenderia com .
— Prometo que dirijo devagar — ele piscou para morena e a conduziu para dentro do box da Ferrari. — Volto já.
não demorou nem dez minutos. Voltou já vestido com seu macacão vermelho e entregou um para a espanhola, que encarava tudo sem acreditar. Ela realmente iria entrar em um carro de Fórmula 1.
— Você promete que não vou morrer? — perguntou ao voltar do banheiro, passando a mão pelo macacão vermelho da Ferrari que havia caído perfeitamente em seu corpo.
— Me orgulho de ter tido poucas batidas feias, Cariño — ele sorriu. — Você estará segura comigo, eu prometo.
assentiu e ficou à sua frente, fazendo com que ela sentisse um formigamento estranho em suas mãos. O espanhol sorriu de forma gentil e colocou a balaclava branca em si mesmo e com cuidado na espanhola, sem desviar seus olhos dos dela.
— Tenho um capacete extra meu, peguei pra você — ele levantou o objeto. — Vou colocar, tudo bem?
Martínez fez sinal positivo com a cabeça.
prendeu o capacete com cuidado em e a ajudou a entrar no carro especial de dois lugares que a Ferrari levava em todos os Grand Prix, para que os convidados VIPs pudessem ter a experiência de estar em um cockpit de verdade.
— Você pode apertar aqui se quiser que eu pare — ele mostrou o pequeno botão vermelho localizado ao lado de onde ela estava sentada. — Tudo o que você falar vou escutar pelo fone. Os nossos estão conectados.
— Então se eu te xingar, só você vai escutar?
— Sim — ele riu. — Só o meu fica ligado para a equipe, caso tenha algum problema. — o encarou apreensiva. — Mas não terá, confie em mim.
— Sim, afinal, estou com , piloto de Fórmula 1 e futuro campeão do mundo.
— Exatamente — piscou. — Fico feliz que você não esqueceu. — riu e baixou o visor de seu capacete. — Licença.
E então, prendeu com os cintos de segurança. O formigamento que sentiu ao encarar de perto as íris castanhas do espanhol ficou mais forte quando seu corpo tocou no dele, mesmo que estivessem separados pelo macacão. Martínez prendeu a respiração quando ficou mais próximo para prender o último cinto e soltou quando ele já não estava mais perto do seu corpo.
pulou para dentro do cockpit, ajeitou o próprio capacete, e escutou a voz do piloto pelos fones que usava.
— Podemos começar?
— Podemos — ela respondeu rápido, então escutou o motor do carro rugir. Exibido. Nada podia ser mais Jr. do que aquilo.
Ele saiu da pitlane pela direita da Curva 14 e dirigiu vagarosamente até o ponto de partida do circuito, dando a a visão privilegiada de tudo ao seu redor. Em menos de um minuto já estava na Walker Straight, pronto para adentrar à direita na Curva 1. ainda estava absorta com a sensação de adrenalina que tomou conta de todas as sensações do seu corpo no momento em que seguiu por uma reta curta, a 180 por hora.
— Tá tudo bem aí?
— Sim! — respondeu ao dobrarem na Curva 3.
— Posso começar a ir rápido?
— Ainda não está rápido?
— Nem perto — escutou deixar escapar uma risada baixa.
— Pode ir.
— Com prazer, Cariño.
pisou no acelerador e sentiu seu coração disparar, a respiração acelerar, e podia jurar que conseguia sentir seu corpo suar. Sentia-se completamente eufórica e deixava aquilo evidente ao gritar quando passava pelas curvas e gargalhar quando voltavam às retas. nunca havia imaginado o quão emocionante era estar dentro de um carro de Fórmula 1 a quase 280 quilômetros por hora.
— Você gostou? — perguntou ao saltar do cockpit, já nos boxes da Ferrari, e destravou os cintos de segurança da mulher.
— Meu coração não tá normal e minhas pernas ainda estão bambas — ela respondeu, colocando a mão sobre o peito.
Ao ver o piloto tirar a balaclava e mexer no cabelo enquanto jogava a cabeça para trás com um sorriso no rosto, pensou em como ele era bonito. Ainda mais usando o macacão vermelho que parecia ter sido feito para ele usar.
Vermelho era definitivamente a cor de .
a ajudou a sair do carro e a retirar o capacete. sentiu seus cabelos pingarem de suor e duvidou que estivesse tão bonita como o espanhol havia ficado após as duas voltas na pista.
— Você combina com vermelho, sabia?
— Não tanto quanto você — respondeu antes que pudesse processar a frase, e rezou para que não tivesse soado como um flerte, porque tinha a certeza que não resistiria a .
Mi cariño colocou uma mecha de cabelo que caia sobre a face de atrás de sua orelha. — Eu nasci pra usar vermelho. E você também.
E bastou o piloto piscar para que soubesse que não poderia confiar em si mesma quando o assunto fosse a respeito de .


🌶️


levou de volta para o hotel e lá descobriram que estavam hospedados no mesmo andar, com cinco quartos os separando.
O piloto deixou a preparadora em frente ao quarto 505 e despediu-se com um beijo demorado na bochecha. Ao tocar sua pele, sentiu uma espécie de choque percorrer sua espinha. tinha o corpo quente e seu cheiro era levemente adocicado, mas ao mesmo tempo, floral. Era único e inebriante. Lembrava o calor espanhol.
— Passo amanhã para pegar você.
— Me pegar? — ela perguntou alto demais, e quis se esconder ao ver o sorriso que tomou conta dos lábios do piloto.
— Sim, para o paddock. A gente toma café pelo caminho, então não peça serviço de quarto.
— Eu acordo cedo. Hm, e amanhã começa seu treinamento.
assentiu sem parecer se afetar.
— Ciente, Cariño. Até amanhã.
— Até amanhã, Cabrón.
Ele riu e abriu a porta, entrando rapidamente sem dar chances para que o piloto se convidasse para entrar.
A espanhola jogou a bolsa em cima da cama, tirou os tênis e a roupa e entrou embaixo do chuveiro, deixando a água gelada bater contra seu corpo. Ela precisava daquilo. Gelado, completamente diferente de e seu toque quente que a fazia falar rápido demais, antes mesmo de pensar em como suas frases poderiam soar a ouvidos alheios. Era um verdadeiro perigo estar na presença do espanhol.
saiu do banho, vestiu-se e escutou a notificação de seu celular. Era o toque de Daniel Villagers.
Bom dia! — o jogador cumprimentou quando o rosto de apareceu em sua tela.
— Que horas são aí? Aqui são sete da noite.
Onze da manhã. Acabei de treinar.
— Como foi? Ele é bom? Ainda não recebi as atualizações.
Calma, Pimentinha, ele saiu daqui tem cinco minutos. torceu os lábios e Daniel riu. — Te liguei porque queria avisar que hoje senti menos dor.
— Sentiu menos dor? Então ele não tá forçando como deveria? O que aconteceu?
Eu tô melhorando, idiota. Você fez todo o trabalho duro, então já deu certo. respirou aliviada e Villagers arqueou uma sobrancelha. — O que aconteceu hoje no seu primeiro dia? Você está esquisita.
— Esquisita? Cale a boca.
Vamos, ! Conte-me. Você me mandou uma mensagem três da manhã dizendo que o piloto era insuportável, mimado e prepotente.
— Onze da manhã.
Aqui eram três, não mude de assunto. Você o descreveu como a pessoa mais insuportável do mundo e nem falou sobre isso quando liguei. Normalmente você iria descascar. O que aconteceu?
— Ele foi insuportável, mas melhorou. Foi gentil, até.
Isso está me cheirando a homem pilantra. Se acontecer qualquer coisa, eu mato ele.
— Sabia que ele é seu fã? — Daniel gargalhou. — Ele torce para o Real Madrid também. Mas eu ainda não disse que era sua preparadora física e nem que somos melhores amigos. Nem sobre ser da família de Ramos.
Você que é uma pilantra. — riu junto do jogador e escutou vozes ao fundo. — Vou ter que desligar. Zuri tá aprontando com a irmã, mas a gente se fala depois.
— Mande um beijo para todo mundo. Estou cheia de saudade.
Olhe, se você se apaixonar, eu quero ser o primeiro a saber.
— Cale a boca, hijo de una puta.
Daniel riu ao ver a melhor amiga mostrar o dedo do meio e encerrou a chamada. passou a mão pelo rosto e deixou o celular ao seu lado. Daniel a conhecia como ninguém, mas estava errado.
Ela não se apaixonaria por , aquilo estava totalmente fora de questão. A sua Deusa Cibeles não iria deixar acontecer.


Capítulo 5 – Austrália

Can't turn back now, I'm haunted

gostava de acordar muito cedo. Tinha conquistado aquela rotina a duras penas ainda criança, logo quando começou a dedicar sua vida para as artes marciais. Martínez abriu as cortinas do quarto de hotel e encarou o céu, ainda um pouco escuro, por algum tempo.
Ela amava o contraste de já estar amanhecendo, mas a permanecia ali, visível, junto de algumas outras estrelas e da maior delas, o Sol. A espanhola tinha o costume de comparar pessoas a elementos da natureza – um hábito que também havia adquirido desde criança –, e olhar para aquele céu a fazia pensar que pessoas, mesmo que muito diferentes, se fossem pré-destinadas, sempre se encontrariam.
Bastava terem o desejo de fazer acontecer.
Martínez tomou seu banho, demoradamente como gostava de fazer, cantarolou as suas músicas preferidas da playlist de chuveiro enquanto dançava ao esfregar os cabelos cacheados. Ela adorava seus cabelos, amava o balançar dos cachos tanto quanto amava o balançar das ondas do mar.
Saiu do banho e pela primeira vez passou o hidratante de morango por todo o corpo, que tinha ganhado da prima Rosie antes de partir – sorriu ao lembrar da família e o quanto sentia falta. “Ligarei mais tarde, com toda a certeza”, pensou ao vestir a legging preta, um top de academia da mesma cor e a blusa da Ferrari que tinha ganhado em seu primeiro dia na Austrália. Ao calçar o tênis, lembrou que iria buscá-la, mas duvidou que o espanhol aparecesse pela manhã tão cedo. E ela não iria esperá-lo para ir ao paddock.
Assim que fez um laço perfeito no tênis esquerdo, escutou o som da campainha invadir o quarto. soube na mesma hora que era e sentiu seu coração acelerar. Ele não estava nem um minuto atrasado, muito pelo contrário.
— Bom dia! — o sotaque espanhol forte preencheu o espaço assim que abriu a porta. — Vamos?
vestia um short jeans, uma blusa polo da Ferrari, e usava um óculos de sol redondo sobre a cabeça, que prendia para trás os seus cabelos incrivelmente pretos e lustrosos.
— Só vou pegar minha bolsa.
pegou a inseparável bolsa de cima da mesa, trancou a porta do quarto e saiu do hotel junto de . O carro da escuderia italiana já estava na espera dos dois, e Martínez percebeu que não era o mesmo motorista que estava com ela desde o primeiro dia. Cumprimentou-o, mas não teve uma resposta animada como já estava acostumada com Giancarllo. Talvez fosse que não gostasse de conversas pela manhã cedo, mas ela gostava. adorava conversar.
— Como você descobriu o horário? Não te falei nada.
— Eu descubro tudo. — Ela torceu os lábios e riu. — Liguei para a recepção e perguntei qual tinha sido a hora que você pediu serviço de quarto ontem pela manhã. Aí coloquei para despertar minutos antes e não me atrasei.
Hm, que tipo de hotel é esse que passa meus dados assim? Vou abrir uma reclamação.
— Cariño, a recepcionista não negaria um pedido meu, não é? Não seja tão dura. Posso ser irresistível certas vezes.
balançou a cabeça para os lados e soltou uma risada, recebendo uma leve cotovelada de , que também a acompanhou. Ela não queria chegar ao ponto de conhecer o lado irresistível do piloto, porque temia que fosse verdade.
E a madrilenha duvidava que estivesse mentindo sobre aquilo. Ele era um óbvio galanteador.
— Qual a nossa agenda de hoje? — perguntou assim que o motorista estacionou em frente ao restaurante, que parecia ter acabado de abrir.
— Caco me repassou que você tem entrevista pela manhã no paddock. Depois você tem um tempo livre até as 15h, que é quando começa o treino livre.
— E o que você tem em mente para mim hoje?
sorriu de canto ao descer do carro:
— Braços e costas. Nada que você não esteja acostumado, Cabrón.
Ela adorou o restaurante que a tinha levado. Por mais que não estivesse mais acostumada a fazer uma refeição antes de sua corrida matinal, aquele lugar lhe trouxe boas lembranças. Era um restaurante espanhol, um pouco afastado do centro da cidade, então aproveitou ainda mais pela falta de movimento.
e tiveram um desayuno digno da Espanha enquanto músicas de Alejandro Sanz tocavam ao fundo.
A espanhola optou por um suco de laranja natural; preferiu um café con hielo que combinava perfeitamente com o calor australiano. Enquanto dividiam uma porção de fatias de pão com semillas integrais, acompanhados de tumaca y aceite, confessou que uma das coisas que mais sentia falta de casa era a comida. O piloto se revelou um grande fã da culinária, e quando duvidou que ele soubesse cozinhar, o espanhol a avisou que ela estava obrigada a jantar com ele quando pisassem em Madrid para o Grande Prêmio Espanhol.
Martínez contou para que, apesar de estar há poucos dias longe de casa, já sentia falta da família mesmo que ligasse todos os dias, e que tinha certeza que sentiria falta das baladas espanholas. Ela duvidava que algum lugar soubesse festejar como eles.
— Não sabem, mas prometo que te levo nos melhores lugares. Conheço vários — piscou e a madrilenha sorriu, concordando.
Ao continuarem a compartilhar suas histórias e experiências, percebeu o quanto sua impressão a respeito de tinha mudado. Era bem diferente da que teve em dezembro, no primeiro dia em que se encontraram no Palácio de Cibeles. Sem perceber, se pegou agradecendo mentalmente para sua deusa protetora por não ter tirado o espanhol de seu caminho quando pediu naquele dia.
não era um homem ruim. Talvez fosse complicado, e isso fazia ficar em alerta. Ela odiava complicações. Não precisava delas em sua vida.


🌙


chegou ao paddock com o piloto, mas logo o caminho dos dois se separaram – ele foi para a área das entrevistas e ela, após sair do estande da Ferrari, foi em direção à pista que o espanhol tinha lhe apresentado no dia anterior. Finalmente ela iria correr e seus pensamentos voltariam a entrar em ordem.
Ela precisava daquilo depois do desayuno com . A espanhola tinha conhecido ainda mais do piloto, já que o homem havia contado sobre suas preferências musicais quando a percebeu cantarolando a música pop espanhola que preenchia o lugar. Conversaram sobre família e como era estar em casa, falaram até mesmo sobre futebol e sobre como o Real Madrid estava presente na vida deles. Eles tinham passado tanto tempo conversando que quase se atrasaram – e aquilo não estava nos planos de .
Ao chegar na pista do Albert Park, percebeu uma mulher com as mãos na cintura enquanto observava a pista como se não fizesse a mínima ideia do porquê estava ali, prestes a começar uma corrida.
— Você vai correr sem alongar? — perguntou ao perceber que a morena realmente cogitava correr.
— Falou comigo? — ela se virou, assustada.
— Sim — deu seu melhor sorriso, pois não queria tê-la assustado. Percebeu que aquela poderia ser uma grande de chance de fazer pelo menos uma amizade naquele lugar, que ainda parecia muito desconhecido. — Desculpe, não consegui evitar, hm, me chamo ! Você é…?
— Ellie — a mulher pareceu receosa, então Martínez continuou a falar. Não queria deixá-la desconfortável, nem que ela desistisse de começar a sua corrida.
— Eu sou nova por aqui. Cheguei ontem, então não conheço nada. Você trabalha nesse meio também?
— Bem-vinda, eu acho. — soltou um ar de riso. — E sim, trabalho. Sou engenheira de Daniel Ricciardo.
— Ah, o dono da casa. Ele é um espetáculo à parte aqui, não é? Só falam dele. — pontuou, lembrando de como ficou impressionada quando viu uma arquibancada inteira para o australiano.
— E ele adora. Agora imagine a pressão para fazer uma boa estratégia para ele conquistar pontos hoje.
— Que não me escute, mas então espero que vocês consigam. Não conheço nada de Fórmula 1, apenas sei que preciso usar coisas disso — apontou para o símbolo da Ferrari no peito. — E não falar muitas coisas com desconhecidos. O que é difícil, porque eu falo pra caramba e não conheço ninguém.
Ellie riu.
— Um conselho de uma mulher que já está nesse meio há bastante tempo? Mantenha os olhos bem abertos dentro da Ferrari. Nunca se sabe quem pode estar escutando ou até mesmo querendo seu lugar.
não entendeu o porquê daquelas palavras, mas imaginou que Lily soubesse de verdade o que estava falando, já que ela parecia estar naquele mundo há muito tempo. Então ela com certeza já tinha visto e enfrentado muita coisa. Martínez podia não conhecer nada daquele mundo, mas era visível o quanto o esporte era dominado por homens, assim como o seu antigo. E ela sabia o quanto aquilo poderia ser assustador, e até mesmo ter o poder de te fazer querer desistir.
— Obrigada! — sorriu sincera. — Se dependesse de mim, eu nunca conheceria nada desse mundo. Sou preparadora física de , e é nisso que vou me concentrar, sabe? Nada mais.
— Boa sorte, ! Espero que dê tudo para você, de verdade.
— Posso te ajudar com sua corrida? — a espanhola finalmente perguntou. Ela ficava animada somente com a ideia de ajudar alguém; era apaixonada pelo que fazia.
— Com certeza, não entendo nada. Mas um amigo, que também é preparador, disse que correr é bom quando se está com a cabeça cheia.
— Você vai querer que vire rotina!
Ela deu um sorriso e explicou pacientemente para Ellie como deveria fazer cada alongamento. Aproveitou para indicar alguns exercícios que poderiam fazê-la relaxar, já que em pouco tempo de conversa percebeu que a mulher carregava muitas responsabilidades e deveria ter dias bastante cheios e agitados. Ao final, trocaram contatos e marcaram de se encontrar para almoçar juntas pelo paddock caso a agenda das duas batessem.
Animada, voltou para o estande da Ferrari. Adorava fazer novas amizades, principalmente quando podia ajudá-las a levar uma vida mais saudável. Martínez sentiu verdade em Ellie Earnhardt, e queria de coração estreitar laços com a engenheira. Era bom ter uma companhia naquele lugar.


🌶️


achou a entrevista do dia um tremendo tédio.
Apesar de gostar muito dos pilotos com quem dividiu espaço – Lance Stroll, Daniel Ricciardo e Esteban Ocon –, achou os trinta minutos uma completa perda de tempo, já que todos só tinham olhos e ouvidos para o australiano. Até mesmo perguntaram sobre sua nova engenheira, a tal filha da lenda da NASCAR, Dale Earnhardt. achava compreensível, afinal, era a casa de Daniel. E eles estavam certos: tinham que valorizar seu piloto natal. Mas ele não queria estar ali, poderia ter usado o tempo para fazer coisas que realmente importavam.
Como treinar na companhia Martínez.
Ele saiu da área de entrevistas e sorriu ao ver a espanhola em frente ao estande da Ferrari, mexendo no celular despreocupadamente, com a bolsa preta a seus pés. Assim que percebeu andando em sua direção, acenou para o piloto.
— Preparado para a melhor hora do seu dia?
Siempre — respondeu e pegou a bolsa antes dela. o encarou com a sobrancelha arqueada, mas o piloto deu de ombros.
— Caco vai nos acompanhar hoje, ele já está nos esperando na academia. Temos uma hora e meia.
— Alguma dica para o meu primeiro dia?
— Beba água e respire fundo. Eu posso ser bem dura certas vezes.
— Oh, Cariño, é porque você ainda não me conhece — sorriu e os dois passaram pela catraca de saída do paddock, indo em direção ao carro preto que já os aguardava.
pensou em responder, mas ele a tinha deixado sem fala. A madrilenha perguntou a si mesma se ele era assim com todos: provocativo e galanteador. Respondeu em sua mente que sim, então mais uma vez teve a certeza que deveria se manter longe do espanhol.
não era o tipo de homem que ela tinha que se envolver, não depois de todos os outros caras que já tinham quebrado seu coração. Seu melhor amigo, Daniel Villagers, se pudesse escutá-la, não apoiaria nenhuma daquelas suas opiniões. Se o inglês estivesse ali, com toda certeza diria para arriscar, falaria o quanto a vida era curta para que ela se prendesse a romances fracassados, que não era e nunca seria o seu passado, e era exatamente por aquele motivo ela não deveria se privar de viver algo. sorriu ao pensar no melhor amigo, entrou no carro e digitou algumas mensagens para ele. Esperava que o inglês visse assim que acordasse.
— Mandando mensagem para o namorado, ? — perguntou em tom de brincadeira, com os olhos semicerrados.
— Não tenho namorado — respondeu mais rápido do que gostaria e praguejou mentalmente por isso. Odiava quando falava mais rápido do que pensava. — É mais para um irmão — sorriu, aquilo era uma verdade. Daniel Villagers era seu irmão de alma.
A academia indicada por Caco Oñorio ficava na Collins Street, e quis soltar uma gargalhada ao ver o enorme letreiro que ficava em cima das grandes vidraças: Virgin Active. O humor australiano era contagiante. Os dois entraram na academia onde Caco já esperava por eles no enorme saguão e percebeu o quão vazio o lugar estava. Logo estranhou, porque normalmente as pessoas gostavam de treinar naquele horário do dia.
— Que lugar vazio.
— A gente fechou ele por algumas horas — Caco explicou e começou a andar na frente dos dois.
— Apenas para nós, Corazón — disse apenas para que escutasse, e a madrilenha sentiu os pelos do seu corpo se arrepiarem.
Ela piscou rapidamente em uma tentativa de se recompor. Não gostava de como seu corpo reagia à .
Nem um pouco.


🌙


não se importou quando Caco pediu para gravar o treino. Ela não se importava com as câmeras, sempre esteve perto delas desde que era criança. Mesmo depois de tudo que aconteceu, câmeras ainda estavam presentes em sua vida por conta do sobrenome que carregava, mesmo a família sendo bastante reservada.
— Você se importa se eu colocar música? — perguntou ao perceber que a conexão nos altos falantes daquele andar da academia estavam disponíveis. balançou a cabeça negativamente e a espanhola sorriu, abrindo seu Spotify. Martínez só sabia treinar com música.
Pam Pam, da dupla Wisin e Yandel, saiu dos alto-falantes e a encarou sem acreditar. Ele escutava aquela música quando era mais novo e fazia muito tempo que não a ouvia. Ela lhe trazia muitas lembranças boas dos dias que passava em Mallorca com sua família. Até mesmo Caco pegou-se cantarolando os versos da música espanhola – o mais velho também sentia falta dos dias quentes nas ilhas Baleares.
Para que pudessem começar, preferiu utilizar uma carga moderada para aumentar o fluxo sanguíneo e preparar as articulações que seriam trabalhadas durante o dia. No treino de braços e costas, ela optou por usar diferentes pegadas, com implementos variados, alternando nas barras e nos estilos de movimentos. Naquela manhã, Martínez escolheu quatro exercícios para costas: dois que trabalhariam especificamente o bíceps e o antebraço, e terminaram com as abdominais. A espanhola sempre demonstrava as execuções com muito cuidado e explicava cada passo que dava, para que nada passasse despercebido por .
— Fácil — ele disse ao terminar a primeira série da puxada frontal alta na polia.
— Calma, Cielo — a preparadora sorriu. — A primeira série é sempre com carga moderada. Agora eu vou aumentar de acordo com o que me foi passado.
Ao colocar o marcador em sessenta quilos, a encarou com uma leve hesitação, mas logo voltou sua concentração para a realização do exercício. Quando já estava em seu terceiro, percebeu a camisa colada em seu corpo de tanto suor. Seus cabelos pingavam e ele respirava ofegante.
— Vamos, ! — colocou a mão em suas costas, ajeitando sua postura na remada curvada.
Carajo.
— Mais três, vamos! — bateu palma ao seu lado, como um incentivo que mais parecia perturbação. — Isso. Faltam mais dois.
bufou assim que a encarou, em seguida tirou a blusa ensopada pelo suor e jogou-a no chão. O piloto não iria dar o braço a torcer ao dizer que o treino de estava lhe cobrando mais do que ele esperava.
— Barra. Rosca direta, ok? Flexiona bem o cotovelo.
colocou vinte quilos de cada lado e, nas primeiras repetições, o espanhol parecia ter facilidade nas execuções, mas foi na última série que ele largou a barra no chão, arfando.
— Você — apontou para Caco, que ainda gravava o treino do primo —, seu desgraçado. Você contratou uma maluca — virou-se para , que estava de braços cruzados com um sorriso malvado nos lábios. — Você é uma tremenda psicopata.
Engraçado, na hora de postar foto no Instagram, sabe tirar foto fazendo força, né?
Caco soltou uma risada e o piloto lhe mostrou o dedo do meio.
— Vamos, Cabrón, faltam só mais duas.
A contragosto, finalizou a série de exercícios do dia. sorriu e o espanhol se jogou no chão, com o peito subindo e descendo acelerado, o suor tomando conta de seu corpo. Até seus shorts já estavam molhados.
— Água.
estendeu para ele uma garrafa cheia. se sentou e bebeu quase todo o líquido rapidamente.
— Você foi muito bem. Está bom esse ritmo para você?
— Tá brincando, não é? — ele arqueou uma sobrancelha. — Vai ser o melhor desafio. Quero saber até onde meu corpo aguenta.
— Com calma chegaremos ao máximo — Martínez sorriu. — Para terminar, vinte canivetes e mais vinte canivetes cruzados. Acompanho você nessa, ok?
— Eu conto — Caco disse e ela assentiu, tirando a blusa da Ferrari e deitando-se ao lado de .
E ao som da contagem de Oñoro e de Solita, música de Ozuna e Bad Bunny, os dois madrilenhos começaram as abdominais, totalmente ritmados e concentrados. Ao terminarem, não conseguiu deixar de reparar no quanto ficava bonita com o rosto vermelho de suor e em como seus seios ficavam ainda mais evidentes quando subiam e desciam rapidamente por conta da respiração acelerada. Ele passou a mão pelos cabelos molhados e, ao balançá-las, percebeu que achava a espanhola mais bonita que o recomendado para manter as relações estritamente profissionais.
— Vou te analisar até o GP para poder te passar algum suplemento alimentar, tudo bem? — ouviu dizer, e concordou sem prestar muita atenção, pois estava mais concentrado em manter sua respiração em ritmo normal. — Se eu fosse você, aproveitaria esse pump para tirar a foto para o Instagram — piscou para o piloto. — Licença — ela pediu para os e saiu da sala, indo em direção ao banheiro, sem perceber que a encarava pelo reflexo do espelho.


🌶️


ainda estava elétrico por conta do treino, mesmo após o demorado banho gelado que tinha tomado para voltar ao paddock. Não encontrou no estande da Ferrari, mas bastou caminhar pelo lugar que a encontrou conversando com uma mulher da McLaren. já tinha a visto desde a pré-temporada, mas nunca se atentado para saber mais detalhes sobre quem ela era.
Ao se aproximar, pôde escutar rir e chamá-la pelo nome de Ellie. “Então aquela era a famosa Ellie Earnhardt, a filha caçula do legendário Dale Earnhardt”, pensou.
Bom dia — cumprimentou em espanhol. As duas olharam para trás, ficando em silêncio rapidamente, trocando um sorriso cúmplice. — .
Junior — Ellie completou ao apertar sua mão. — Sou Ellie, engenheira de Ricciardo.
Earnhardt, eu soube — o espanhol sorriu. — Falaram de você na entrevista hoje.
— Espero que bem.
— Claro que foi bem, você é muito legal! — disse e a estadunidense lhe agradeceu com um sorriso. — Vou até torcer para que sua estratégia dê certo hoje.
, você não pode torcer para a McLaren.
— Quem disse? — ela cruzou os braços. — E não vou torcer para a McLaren, vou torcer para Ellie e Daniel.
— Acho que você perdeu uma torcedora, hein? — Lily brincou e o espanhol arqueou uma sobrancelha.
— É porque ela ainda não me viu correr — piscou e passou o braço pelos ombros da espanhola, que arregalou os olhos, surpresa, fazendo Ellie apertar os lábios. — Vamos?
— Treino de reflexo, verdade disse ao conferir o horário no celular e percebeu uma notificação do Instagram. — Tchau, Lily! Obrigada pelo almoço, falo com você depois.
— Com certeza — a engenheira acenou com a mão e os madrilenhos lhe deram as costas, indo na direção dos boxes da garagem, onde ela teria que estar dentro de poucos minutos.
Martínez e entraram na área reservada para o piloto e a espanhola movimentou o pescoço de um lado para o outro, o alongando. Ela já estava acostumada a fazer exercícios de atenção e agilidade com Daniel, mas com precisaria ter ainda mais precisão.
Desde que aceitou a proposta de emprego, precisou perder algumas noites de sono para estudar todos os dados e estatísticas que o antigo treinador de havia lhe mandado, assim como se dedicar no estudo e aperfeiçoamento das técnicas mais recentes e também as antigas, que sempre funcionavam. Ela realmente tinha se dedicado para estar ali.
Martínez não gostava de errar. Não quando o assunto era preparar atletas para o que eles dedicavam a vida. Ela sabia de fato o quanto era importante ser o melhor naquilo que fazia.
— Como você costuma se concentrar antes de entrar no carro? — perguntou assim que guardou as bolinhas no devido lugar. — Você tem algum ritual?
— Boxe e pular corda. Depois gosto de ficar quieto, colocar os fones do rádio da equipe e entrar no carro.
— Amanhã faremos o boxe então, tudo bem?
— Ótimo. E obrigado pelo treino de hoje, foi diferente. Aliás, tirei a foto para o Instagram.
— Foi isso que você me marcou? — perguntou ao se lembrar da notificação que tinha visto mais cedo.
— Não — respondeu, deixando a cabeça cair para o lado. — Caco tirou uma foto nossa no treino e achou que seria bom postar.
— Se eu tiver saído feia, você vai me pagar.
— Isso não acontecerá, hermosa — piscou e fechou o zíper do macacão. — Me deseje sorte.
— Boa sorte hoje.
— Obrigado, Cariño — sussurrou e deu um beijo na bochecha da espanhola, aproveitando para sussurrar em seu ouvido: — Serei o melhor na pista e você nunca mais vai dizer que vai torcer por Daniel.
E saiu, deixando sozinha, enquanto ela se perguntava até quando iria resistir aos encantos não de , o piloto da Ferrari e futuro campeão do mundo, mas sim de , o espanhol galanteador da voz firme e grossa, dos cabelos pretos lustrosos, do sorriso bonito, que gostava de malhar cantarolando as músicas da sua playlist e que a levou para tomar café da manhã típico madrilenho. O , que era o filho do meio entre as duas irmãs, que tinha uma família gigante e que gostava de ir para Mallorca nas férias. O que parecia ser tão apaixonado pelo Real Madrid quanto ela.
Aquele se mostrava muito mais encantador e preocupava ainda mais.


Capítulo 6 – Imola

And I'd be smart to walk away but you're quicksand

20 de abril de 2022
Imola, Emília-Romanha


adorou saber que eles tinham as quartas-feiras livres, assim poderia correr pela manhã sem se importar com o horário de ir para o paddock.
A espanhola já havia estado em Imola e adorava a paisagem da comuna italiana; gostava do ar rural e das colinas visíveis, mesmo sendo uma amante das grandes cidades urbanas e praianas.
Optou por ficar no mesmo hotel que Ellie e Beatrice estavam hospedadas junto da McLaren, o Podere Zampiera Vecchia, ao invés de seguir para Maranello, a verdadeira casa da Ferrari, onde todos os seus empregados estavam e era dono de um apartamento. Martínez achou prudente ficar distante de quando não fosse necessário estarem juntos, por mais que fossem se encontrar naquela manhã para treinar e à noite, no jantar das equipes que Caco Oñoro tinha decretado que sua presença era fundamental, porque ela fazia parte da Famglia Ferrari.
— Sabe, você poderia ter se hospedado em Maranello. Eu tenho uma casa lá, sabia? — reclamou assim que se aproximou de , que já o aguardava na porta do hotel.
— Bom dia para você também — ela fez sinal com a cabeça para o espanhol lhe acompanhar. Por sorte tinha escolhido um hotel com uma academia equipada e conseguiu reservar duas horas somente para eles. — Minhas amigas estão aqui.
— Sim, Cariño, mas eu estou lá — murmurou ao pé do seu ouvido, e balançou a cabeça negativamente.
era um verdadeiro perigo. Como se fosse uma areia movediça que a puxava para dentro dele. Estar em sua presença era perigoso. Um perigo com um cheiro ótimo. Seu perfume tomou conta de todo o lugar; um frescor marcante e intenso com toque amadeirado que chegava a ser provocante.
— É apenas uma hora de lá para cá, e com certeza você deve tirar menos — não mentiu. Realmente gostava de correr quando tinha a estrada livre, afinal, dirigia uma Ferrari esportiva e seria burrice não tirar o melhor do que ela poderia oferecer. — Não deve ser um problema. Vamos começar, está pronto?
sorriu.
— Sempre, Cariño.
Ela deu play em sua playlist e, ao som de Bad Bunny, começou a primeira execução da série de pernas.
Terminaram após uma hora e quarenta minutos com o espanhol reclamando, deitado no chão gelado da academia. era bem rígida com , não amolecia nunca, nem mesmo quando ele ameaçava despedi-la. A madrilenha já estava vacinada contra aquelas ameaças e reclamações graças a Daniel Villagers.
Após pesar o piloto, ela sorriu satisfeita com os resultados que conseguiram dentro daquelas semanas. Não que o espanhol precisasse emagrecer, mas era importante manter o nível de massa magra equilibrado assim como o restante de suas medidas. Um dos grandes desafios da preparadora era manter o peso sob o esperado, pois acabava influenciando em tudo dentro do cockpit, já que quanto menos pesado fosse o carro, mais rápido ele correria.
— Você perdeu peso. Está com sessenta e sete quilos e dezessete por cento de gordura corporal. Muito bem, Cabrón. Tem tomado a suplementação alimentar?
— Todo dia pela manhã. A meta é bater os sessenta e cinco quilos, certo?
assentiu, entregando para ele uma garrafa de água.
— Essa é a medida perfeita para estar nos carros, mas pode variar, então você está dentro do planejado. Inclusive, pode chegar até aos sessenta e nove — ela respondeu, e assentiu. — Eu não quero que se prenda a esses números, isso é minha função. Não te quero obcecado com o seu peso, porque não tem necessidade alguma.
— Cariño, ultimamente tenho outra coisa mais importante que quero ficar obcecado — ele não tirou os olhos da madrilenha nem mesmo para fechar a garrafa que ela havia lhe entregado. desviou o olhar ao sentir seu corpo inteiro arrepiar. Aquilo estava ficando cada vez mais perigoso. — Te busco aqui às sete.
— Ah, não se preocupe, vou com Daniel e…
Às sete eu estarei aqui — frisou ao pé do ouvido da preparadora, segurando em sua cintura, aproveitando para lhe dar um beijo na bochecha. — Não costumo me atrasar. Obrigado pelo treino de hoje.
O espanhol piscou e saiu, deixando sozinha na sala, que soltou, pesadamente, a respiração que havia prendido no momento em que ele colocou a mão em seu corpo para que pudesse lhe falar ao ouvido.
foi em direção à saída do hotel pensando em como queria não ter beijado a bochecha de , mas sim sua boca. Ela possuía lábios naturalmente rosados e carnudos, que pareciam combinar perfeitamente com seus olhos verdes e seu nariz fino e empinado.
O piloto passou a mão pelos cabelos, molhados pelo suor, e fechou o rosto ao ver Daniel Ricciardo parado na porta do hotel. respirou fundo e perguntou-se quando foi que tinha o conhecido, já que parecia só falar dele ultimamente. Não gostava nada daquilo. Sabia o quanto o australiano era um conquistador nato, afinal, eram amigos e se conheciam há muitos anos. Os dois já tinham sido parceiros de festas e mulheres; conhecia até mais do que queria aquele lado de Ricciardo.
Cumprimentou o piloto da McLaren com um simples aceno e entrou na sua Ferrari, que já estava o esperando. Deu partida, fazendo o motor rugir alto, enquanto Daniel acenava de volta e ria sozinho.
— Eles não teriam nada. Impossível resmungou sozinho e aumentou o volume do som.
e o australiano estava totalmente fora de cogitação, e ele deixaria aquilo bem claro para o amigo quando o visse de novo. Martínez era a linha que Ricciardo não poderia cruzar.
levou exatamente quarenta minutos para chegar em Maranello, passou pelo portão e sentiu um arrepio percorrer seu corpo. A sensação de estar na fábrica da Ferrari ainda parecia como a primeira vez que esteve ali, quando foi assinar seu contrato. Ele tinha certeza que nunca fosse se acostumar de fato com aquilo, apesar de achar que tinha nascido para usar as cores e defender a escuderia italiana, por mais que por algumas vezes – na maioria delas – seus torcedores fossem injustos e até mesmo maldosos.
Ainda assim, era inacreditável que ele pudesse dizer com todas as letras que era um piloto da Ferrari.
A melhor equipe de Fórmula 1 do mundo.
! — Charles o cumprimentou animado quando o espanhol passou pela enorme porta de vidro. — Por que você demorou?
— Nunca estou atrasado — resmungou ao olhar o relógio do celular. — Tá vendo? Tá na hora certa.
— Sim, mas cheguei primeiro, isso não acontece.
O espanhol rolou os olhos e cumprimentou o amigo com uma cotovelada em seu braço.
— Por onde andava, hein? — Charles quis saber.
— Imola. Tava lá no hotel onde sua namoradinha está hospedada.
— Sabe se Verstappen ficou lá também? — perguntou rápido e coçou a testa ao perceber que lhe encarou com um sorriso sugestivo enquanto levantava as sobrancelhas. — Quer dizer, ela não é minha namoradinha. Somos só amigos.
— Amigos que transam não são amigos, cabrón.
Charles bufou. Odiava concordar com naqueles assuntos.
— Você fala muita besteira. Vamos logo para essa reunião, tenho mais o que fazer.
A reunião não foi demorada, o que deixou ainda mais impaciente, já que tudo poderia ser resolvido com um e-mail detalhado. A equipe de relações pessoais e mídia da Ferrari queriam apenas passar as informações sobre o jantar e lembrar da importância do comparecimento de todos, principalmente que ficassem juntos durante o evento para que todos pudessem perceber a união da escuderia, como uma verdadeira família.
Em menos de uma hora, Leclerc e já estavam liberados. O monegasco aproveitava a quietude do mais velho, que mexia atentamente no celular, para perturbá-lo.
Uh, dando fora por mensagem, Carlito, isso é feio — Charles provocou ao ler a mensagem amigo tinha acabado de enviar.
— Não estou dando fora, só estou dispensando. Tenho coisas mais importantes para fazer hoje. Estar com meus amigos, time…
— E também levar sua treinadora bonita para o jantar de hoje? — o fuzilou com o olhar.
“Além de lidar com Ricciardo, não é possível que também tenha Charles”, o espanhol pensou enquanto mandava o amigo calar a boca.
Era óbvio que era linda e chamava atenção por onde passava, não só pelo seu corpo que parecia ter sido esculpido por artistas gregos, mas também por sua presença ser notável. A madrilenha tinha uma risada calma e gostosa de escutar, além de um brilho diferente no olhar que, se se arriscasse a olhar mais profundamente, poderia ser capaz de encontrar chamas vívidas e fumegantes. era como uma noite brilhante de luar.
E o piloto não gostava nem um pouco da ideia de mais alguém descobrir aquilo.
— Ela é amiga de Beatrice. Caia fora, palhaço.
Charles levantou as duas mãos em forma de rendição e soltou uma risada alta. O monegasco não entendia o motivo, mas era engraçado ver incomodado por conta de alguém que ele nem sequer estava envolvido. Leclerc só estava esperando para saber quando o espanhol perceberia que Martínez tinha o tirado dos trilhos.


🌙


Martínez tinha rasgado todas as suas certezas desde que começou a trabalhar com na Austrália.
Inclusive a certeza que tinha de que ter aceitado aquele trabalho fosse uma experiência que lhe traria frutos incríveis. Não era por conta da Ferrari, da sua equipe ou da carga de trabalho, mas sim porque, para a preparadora, estar o tempo todo ao lado do piloto espanhol não parecia ser a coisa mais inteligente quando se olhava o todo. não conseguia detestar , e isso tornava as coisas ainda piores. Ela gostava dele. Gostava de estar perto, das conversas, de ajudá-lo.
E gostar de era arriscado.
Era perigoso estar atraída por . Sua mente não raciocinava com precisão quando ela estava com ele. Seu lado impulsivo poderia acabar falando mais alto e, antes mesmo de conseguir impedir, acabaria se entregando para o espanhol. De corpo e alma.
E se entregar não estava previsto em nenhuma parte dos planos de Martínez. Porque se apaixonar novamente era inconcebível.
era uma mulher romântica e decidida, cheia de opinião e por muitas vezes impulsiva, o que a levava sempre a se arriscar, resultando na quebra de seu coração por mais vezes que ela pudesse contar. Daniel Villagers, seu melhor amigo, costumava dizer que ela tinha um dedo necrosado para escolher homens. E quando lembrava do seu último relacionamento, em que foi humilhada por um alpinista social, a espanhola tinha vontade de se fechar para sempre.
Mas despertava sentimentos que ela não esperava sentir tão cedo.
O espanhol era provocante, desafiador e emanava fogo. Se ela fosse compará-lo com algo, diria que ele era como o Sol. Brilhante, atraente, que emanava calor e energia, destoava de todos os outros, a deixando até mesmo entorpecida quando ousava falar ao pé de seu ouvido. E era perigoso estar perto dele, assim como era perigoso estar perto do sol. Desde criança, conhecia a história de Ícaro, o menino que voou para perto do sol, e não queria terminar como ele: destruída.
E ao prestar atenção na letra da música que tocava em volume alto no quarto do hotel de Ellie Earnhardt, que já tinha se tornado em um salão de beleza contratado por Beatrice, a espanhola sentiu que era apenas uma questão de tempo até ceder. De corpo e alma. Tinha certeza que se jogaria no fogo que era sem se importar com as queimaduras. Sem se importar de sair despedaçada.
Mas como a boa ariana que era, iria lutar contra todos aqueles sentimentos e desejos que envolviam .

¿Qué de malo puede pasar?
¿Que nos vaya mal?
Estoy afuera, sal
Tenemos cosas pendientes por repasar


Aquela tinha sido uma das tardes mais divertidas que tinha tido em algum tempo. Beatrice Portinari resolveu fazer do quarto de hotel um salão de beleza, que contou com o serviço de cabeleireiras, maquiadoras, manicures, até mesmo costureiras especializadas para ajeitarem os últimos detalhes dos vestidos que haviam comprado pela manhã.
Martínez também descobriu sobre os romances das novas amigas, que envolviam Daniel Ricciardo, Charles Leclerc e Max Verstappen. O neerlandês era o único que não fazia ideia de quem era, porque Ellie o decretou como nome proibido dentro do quarto.
A espanhola preferiu não falar sobre ; enquanto ele estava somente em sua mente, era muito mais fácil de administrar. Se ela ousasse contar, acabaria se tornando real. E não estava preparada para lidar com tudo que envolvia o piloto espanhol.
— Porra, faltam dez minutos para as sete — Beatrice reclamou ao olhar para os seus dois vestidos que ainda estavam no cabide, sem ter decidido qual usaria.
— Daniel espera, Bea, relaxe — a estadunidense a acalmou ao sair do banheiro, já usando seu vestido tomara-que-caia, verde-turquesa e com pequenas pedrarias por toda a sua extensão. A fenda que começava quase no início da coxa dava um ar mais sexy para a peça, que se moldava perfeitamente ao corpo da engenheira. — Você está linda, !
sorriu. Realmente sentia-se linda com o vestido vermelho.
O Prada era em design de recortes, que valorizavam tanto seu abdômen malhado e bem definido quanto seus seios. As duas fendas deixavam à mostra suas pernas esguias e bronzeadas, e o cabelo cacheado estava com as mechas da frente presas para trás com o restante solto, caindo por toda a extensão de suas costas, com a cor de mel ainda mais reluzente.
— Uma verdadeira dama de vermelho! — Portinari concordou e a espanhola balançou os cabelos e o corpo no ritmo de Tusa, que tocava na caixinha de som. — Você está intimada a ensinar a gente a dançar desse jeito.
— Claro que ensino. Quando chegarmos na Espanha, vocês estarão dançando iguais às espanholas. Melhor, latinas. Aprendi a dançar no Brasil.
— Você morou no Brasil? — Ellie perguntou ao se lembrar com carinho do país onde viveu bons momentos na época em que trabalhava na escuderia italiana.
— Por alguns meses — respondeu sem se aprofundar no assunto.
amava o Brasil, tinha vivido seus melhores e piores momentos no país, mas ainda não estava pronta para contar a sua história com o lugar. Era um ponto doloroso que ela nunca havia superado de verdade e duvidava que um dia pudesse conseguir.
Preferiu continuar a mexer o corpo acompanhando a música, dando um gole no champanhe que estava disponível no quarto, até que seu corpo parou automaticamente quando a campainha do quarto fez-se presente. Mesmo de costas para a porta, ela sabia que era quem estava ali. podia sentir seu calor emanar mesmo por trás daquelas paredes. Como se fosse um sol escaldante que mesmo as maiores sombras não eram capazes de proteger de seus efeitos.
— Ah, é você. Oi, — Beatrice cumprimentou o espanhol. — , seu motorista chegou.
O piloto rolou os olhos e a negra lhe jogou um beijo antes de voltar para a companhia das amigas. e ela eram antigos conhecidos, principalmente por conta de Leclerc, mas não eram, de fato, amigos. Beatrice o achava insuportável na maioria das vezes.
— Tchau, meninas! Encontro vocês lá, não sumam quando chegarem.
— Iremos logo, prometo — Ellie deu um beijo na bochecha da espanhola e cumprimentou com um abraço rápido.
— Sim! — Beatrice gritou do banheiro. — Por isso não faça nada que eu não faria.
soltou uma risada alta.
— Então está permitida a fazer de tudo — ele provocou.
— Cale a boca, idiota.
E, aos risos, fechou a porta atrás de si, focando sua atenção no homem que estava à sua frente.
usava um terno preto perfeitamente passado, feito em uma combinação de lã angorá e macia, com caimento slim que parecia moldar-se ao seu corpo. O escudo da Ferrari, no bolso direito – assim como as abotoaduras com o conhecido Cavallino Rampante, símbolo da escuderia italiana –, completavam o visual. A camisa incrivelmente branca, que usava por dentro, combinava com a gravata de seda composta pela logo em miniaturas da grife italiana Giorgio Armani, assim como seu sapato de couro.
odiou tê-lo achado tão bonito ao ponto de parecer ter saído direto de um filme da Disney. E o fato de ele estar ainda mais cheiroso do que pela manhã não era um agente facilitador, já que seu cheiro lhe causava arrepios nada saudáveis, principalmente quando ele aproximava seu corpo do dela.
— Sete horas — balançou o relógio em seu pulso. — Mui hermosa, Cariño. Precisarei tomar cuidado hoje.
sorriu e sentiu seu corpo vacilar ao vê-la tão bonita naquele vestido vermelho cheio de recortes. Desejou poder tirá-lo e sentir cada parte do calor da pele da espanhola junto da sua. Sem mais barreiras.
— Você também, Cielo. Vamos?
— Sim, o piloto já está nos esperando.
— Piloto? Você, não?
— Não, Cariño — sorriu e a conduziu para a saída do hotel. olhava para o enorme campo sem acreditar. — Iremos de helicóptero. Chegaremos em menos de dez minutos.
— Então acho que podemos esperar as meninas e Daniel…
O piloto passou a mão sobre a testa e a interrompeu:
— Não podemos nos atrasar, — respirou fundo. — Prometo que mando de volta para buscá-los, tudo bem?
— Sim — ela respondeu e segurou a mão dele, para que lhe ajudasse a subir na aeronave.


🌶️


Pousaram na enorme pista de testes da fábrica-mãe da Ferrari, onde a festa aconteceria. Martínez nunca havia estado em Maranello, e em seus primeiros minutos na cidade, mesmo que apenas sobrevoando, percebeu que ela respirava Ferrari.
Ferrari era Maranello. Maranello era Ferrari.
tomou pela mão direita e os dois entraram no complexo que ficava ao lado do museu. Martínez, que praticamente havia sido criada em meio ao luxo das famílias espanholas da alta sociedade e das competições esportivas, ficou impressionada com o lugar. O teto era tomado pelos vitrais coloridos que formavam o tão famoso escudo italiano. Luzes desciam em cascata do teto e se completavam com os lustres luxuosos de cristal pendurados estrategicamente do início ao fim do salão. O frio que a espanhola sentiu percorrer sua espinha não foi pela temperatura do salão, mas sim porque estava encantada por cada detalhe. Era impossível não admirar a Ferrari. Ali, a escuderia italiana deixava claro para todos o que era: grandiosa, potente, a verdadeira maior de todas.
cumprimentou toda a Equipe 55 que estava no início do salão, próximo ao time do Leclerc – separados, mas ao mesmo tempo, juntos. Sorriu para as fotos, bebeu champanhe e conheceu mais pessoas com quem trabalharia por aquele ano. Mesmo sem querer, todos eles eram o foco da noite.
A música foi ficando cada vez mais alta e finalmente Martínez foi para o meio do salão, encontrando Ellie, Beatrice e Daniel. Dividiu algumas taças de champanhe com os novos amigos e sentiu seu corpo formigar quando um toque quente – e conhecido – repousou na sua cintura descoberta.
Boa noite, queridos — sorriu, deixando seu olhar recair por mais tempo nos do australiano, que estava de frente para a madrilenha.
— Já veio buscar a nossa amiga? — Ellie perguntou ao dar um gole em sua bebida e encarou a amiga que apertou os lábios, pois ainda permanecia com a mão em sua cintura.
o encarou pela primeira vez. — Vamos? Estão nos chamando.
— É um estraga-prazeres mesmo — Ricciardo brincou, arrancando risada das mulheres, mas os lábios de transformaram-se em uma linha dura.
O espanhol franziu a testa, pendeu a cabeça para o lado e seus olhos, pela luminosidade do lugar, ficaram negros e estreitos para o australiano. Ele estava com ciúmes, e qualquer um que o encarasse por mais de dois minutos perceberia.
— Vamos, Cabrón — disse ao perceber que o espanhol não havia gostado da brincadeira do amigo. — Encontro vocês depois.
— Esperaremos! — Daniel sorriu. — E, ah, Carlitos, obrigado pelo helicóptero.
— Sim, finalmente fez algo de útil que não envolvesse problemas com mulher.
— Já falou com Leclerc hoje, Beatrice? — Portinari foi pega de surpresa pela pergunta maldosa do espanhol. Suas sobrancelhas se ergueram e ela mordeu os lábios. — Foi o que eu pensei.
passou a mão pela testa, sussurrou um pedido de desculpas para a italiana e puxou para longe do trio McLarista.
— Por que falou do Leclerc? — ela sussurrou. — Não seja desagradável com Beatrice.
— Ela faz meu amigo de besta. Só estou revidando.
— Você tem dez anos, é? Charles não precisa que você defenda a sua honra. Ele não é um garotinho indefeso. — advertiu, e respirou fundo, levantando as mãos em forma de rendição.
— Tudo bem, Cariño. Pedirei desculpas a Beatrice da próxima vez que a ver, está bom para você?
— Sim, obrigada.
O madrilenho colocou a mão sobre as costas de e a conduziu novamente até onde estava a sua equipe. Eles precisavam estar reunidos para o discurso oficial de Benedetto Vigna, CEO da Ferrari. Todos pareceram escutar sua fala atentamente e o aplaudiram, inclusive , que era recém-chegada ao mundo da Fórmula 1. Mas quando o presidente da FIA, Ben Sulayem, assumiu o controle do microfone, ela quis voltar imediatamente para o grupo de amigos.
— Vou procurar minhas amigas — sussurrou para o piloto.
— Espere, você viu Leclerc? Ele sumiu no meio do discurso de Benedetto — soou preocupado.
— Não o vi — respondeu ao prestar atenção a seu redor. Tinha perdido todos os seus conhecidos de vista. — Parece que todo mundo sumiu.
— Com esse doido falando também. Me ajude a achar Leclerc, esse idiota não pode sumir assim.
assentiu e seguiu , passando por entre os corpos desconhecidos que estavam em frente ao enorme palco. Os dois rodaram o salão e não encontraram o monegasco. A madrilenha até mesmo viu Ellie de longe conversando com Matias Binotto e preferiu não interromper. Passaram por Daniel e Beatrice, mas antes que pudesse parar para perguntar algo para a dupla inseparável, a puxou pela mão para fora do salão. Chegaram na parte afastada de trás do complexo, e foi quando finalmente acharam o monegasco. Mas algo parecia estar errado.
Leclerc estava acompanhado de um homem que era desconhecido por . As vozes dos dois estavam elevadas, e sem que esperasse, Charles recebeu um soco no rosto que o fez cair, recebendo outro quando já estava no chão.
— Não acredito — murmurou, mas antes que pudesse fazer algo, jogou os sapatos altos em seu peito e correu na direção dos dois homens.
Ela odiava violência gratuita, principalmente quando envolvia alguém que conhecia. Seu corpo ferveu ao ver Charles levar um soco já caído no chão, e sem pensar duas vezes, envolveu seu braço em volta do pescoço do homem, o trazendo para trás consigo, caindo no chão junto dele. Apertou suas pernas ao redor do corpo para que ele não fugisse, enquanto continuava a fazer pressão sobre seus braços, mesmo o homem lhe dando tapas em um pedido para ela soltá-lo.
não conseguia parar de rir, nem mesmo quando agachou-se e ficou de frente para eles, enquanto Leclerc, ainda sentado no chão, olhava a cena dos dois embolados, sem acreditar no que estava acontecendo à sua frente. O monegasco não fazia a mínima ideia de onde a espanhola tinha surgido.
— Pare de rir, seu imbecil. Esse cara estava batendo em Charles, chame a policia agora.
— Cariño, você acabou de conhecer Max Verstappen.
soltou o homem ao reconhecer o nome do último campeão do mundo. Era o piloto proibido de ser citado no quarto de Ellie. Era com ele que Beatrice também estava envolvida.
— Voce é maluca, porra! — Max gritou, passando a mão pelo pescoço.
— O que aconteceu aqui? — Beatrice perguntou ao ver Charles no chão, sangrando, Max em pé completamente vermelho, com o vestido sujo e em pé ao seu lado, lacrimejando de tanto rir.
— Essa maluca me bateu!
— Você apanhou de ? — o sotaque do australiano se fez presente acompanhado de sua risada alta. Ellie, que estava ao seu lado com uma taça de champanhe, deixou o líquido escapar de sua boca por não conseguir esconder a risada.
— Voce é doente!
— Pare de chorar, eu nem bati de verdade.
— Isso não foi de verdade? — ele puxou o colarinho, apontando para o pescoço, que estava ainda mais vermelho que seu rosto.
— Eu só te imobilizei, gênio.
Max bufou, ajeitou sua roupa que estava suja e amarrotada e puxou Daniel pelo paletó. O neerlandês iria matar Charles Leclerc na primeira oportunidade que tivesse.
— Por que vocês estavam brigando? Meu Deus, Charles, você está sangrando — Beatrice levou as mãos na boca e ajudou Charles a levantar.
— Como você fez aquilo? — o monegasco perguntou para , que coçava a cabeça, nervosa.
— Foi um golpe simples, aprendi desde os dez anos de idade. Meu Deus — ela segurou no braço de e o encarou com os olhos arregalados. — Eu bati em Max Verstappen. Preciso ligar para Rosalie urgente.
— Rosalie? , respire. Ele não vai fazer nada com você.
— Sim, e se fizer, você quebra ele na porrada de novo — Ellie comentou e Beatrice a encarou, fazendo a engenheira colocar a mão sobre a boca e levantar em seguida como se estivesse pedindo desculpas.
— Rosalie é minha prima e é advogada. Max com certeza vai me processar, ele saiu daqui muito bravo. Por que você não me disse quem era que tava batendo em Charles, hein?
— Você não me deu tempo, Cariño — segurou pelos braços e fez carinho com a mão direita sobre sua face, ajeitando em seguida seu cabelo completamente desgrenhado. — Vamos entrar.
— Eu não vou entrar desse jeito — os lábios de estremeceram, e seus olhos ficaram marejados. Ela não queria estragar tudo em seu novo emprego.
— Cariño, venha comigo. Está tudo bem, ok? — a assegurou com uma doçura em sua voz que era desconhecida para . — Max não vai fazer nada com você, conversarei com ele depois — ele a envolveu em um abraço.
— Você pode me explicar isso? — escutaram a voz de Beatrice perguntar novamente para Leclerc.
— Explico depois — foi curto. — , não se preocupe. O problema de Verstappen é comigo e não com você, ele não fará nada — Charles disse ao pegar no ombro da espanhola. — E obrigado por me defender. Ele me pegou desprevenido, não imaginava que ia me bater aqui.
— Achei que você estava em perigo.
— Sim, e obrigado. Você terá que me ensinar isso outro dia. — soltou um pequeno riso. — Vamos — ele encarou Beatrice e puxou Ellie pela mão. — Vamos conversar — e deixou os espanhóis a sós.


🌙


saiu das dependências da fábrica-mãe com , mas duvidava que achariam um lugar calmo para comer às uma da manhã, já que a espanhola tinha reclamado de fome. Maranello não era uma cidade noturna, e achar algo naquela hora era praticamente impossível.
— Podemos ir pro meu apartamento e eu cozinho para você.
— Não quero dar trabalho — ela respondeu rápido, mesmo sabendo que o motivo de recusar a proposta era outro. — Aqui — apontou quando passaram em frente a um McDonald’s.
— McDonald’s às duas da manhã?
— Vai dizer que você não gosta de hambúrguer, Cabrón.
— Ah, eu adoro. Pensei que você não gostasse — respondeu e deu ré, manobrando para entrar no estacionamento da lanchonete.
Assim que entraram, os atendentes os encararam como se estivessem visto um fantasma. Afinal, era em Maranello, num McDonald’s às duas da manhã. Se fossem contar para alguém, ninguém iria acreditar.
O piloto pediu o maior combo que achou enquanto pegou a mesa mais afastada que achou no térreo; paz e tranquilidade era tudo o que a espanhola precisava depois dos últimos acontecimentos. A ideia de Max processá-la por agressão ainda estava em sua mente, e ela só ficaria em paz quando Rosalie estivesse ciente de tudo, já que facilmente confiaria sua vida nas mãos da prima, e, pelo menos no mundo do futebol e na Espanha, todos sabiam que Rosie Martínez era a melhor.
— O banquete está servido — disse o chegar na mesa com o pedido, após distribuir fotos e autógrafos para os funcionários que ali estavam.
— Você é muito popular por aqui, né? — perguntou, abrindo a embalagem do McChicken e dando uma grande mordida. Adorava hambúrgueres.
— Para ser sincero, não muito — ele deu de ombros enquanto bebia um grande gole do refrigerante. — Eles são um pouco duros demais comigo, hm… Sabe quando aquela organizada do Real Madrid pegava no pé do Cristiano Ronaldo?
— Uns babacas. Incrível, era só velho e uns novos, que são filhos desses velhos. — soltou uma risada. — Eles fazem isso com Villagers agora.
— Pois é, existe uma parte dos Tifosi que são assim, mas é só comigo. Como se eu não merecesse estar na Ferrari, fosse um intruso, sabe?
rolou os olhos e percebeu que, mesmo que o piloto tentasse parecer indiferente sobre o assunto, ele acabava se importando.
— Ridículos. Você é , piloto da Ferrari e futuro campeão do mundo.
— Que bom que você lembra disso, Cariño.
— Não tem como esquecer, Cielo.
e estavam tão imersos em sua conversa que mal perceberam quando acabaram todos os seis hambúrgueres e continuaram ali. Mas foi a espanhola sentir que se o piloto a convidasse para irem para sua casa, ela aceitaria, que pediu para ele levá-la de volta até a fábrica-mãe, onde encontraria as amigas para que pudessem voltar juntas a Imola.
Mesmo sem gostar da ideia de voltar para casa com o australiano, ainda que estivesse acompanhada das amigas, fez o que a mulher pediu. Durante o caminho, também ligou para a empresa aérea e solicitou que o helicóptero estivesse a postos o mais rápido possível.
— Desculpe se te incomodei hoje e por todo o trabalho — disse ao se despedir, ainda no carro, e balançou a cabeça, dando-lhe um beijo na bochecha.
— Você nunca atrapalha.
sentiu o rosto esquentar e desceu da Ferrari, encontrando Daniel e Ellie, que já a esperavam. O piloto espanhol cumprimentou os dois apenas com um aceno e acelerou para fora dali. A ideia de passar a noite com Daniel Ricciardo o assombrava mais do que ele queria admitir.
A espanhola respirou fundo e repousou a cabeça no ombro do amigo australiano enquanto estava de mãos dadas com Ellie. Ela queria passar mais tempo com o madrilenho, mas a verdade era que sabia que se passasse mais alguns minutos na companhia do espanhol, acabaria indo para o seu apartamento e acabaria sendo mais uma daquelas mulheres que terminavam em sua cama. E por mais que ela quisesse, tinha certeza que valia bem mais que uma noite.


Capítulo 7 – Miami

My mind forgets to remind me, you're a bad idea

3 de maio de 2022
Miami, Estados Unidos


Martínez estava acostumada a estar em ambiente esportivo. Já tinha participado em todas as suas zonas, como atleta, torcedora, preparadora, e por isso sempre achou que saberia lidar com todos os desafios que lhe aparecessem na área dos esportes.
Mas ao entrar no mundo da Fórmula 1, descobriu que estava enganada.
A espanhola estava ali, no meio de um esporte que tudo podia mudar no tempo de uma piscada. Menos de um segundo poderia ser o suficiente para uma vida terminar naquelas pistas.
Já tinham se passado quase duas semanas desde quando esteve em Imola, mas o acidente de Daniel Ricciardo e Max Verstappen ainda tomava conta de sua cabeça. Parecia que ela ainda estava ali, assistindo pelas enormes televisões do box o piloto da Red Bull passar por cima da cabeça de Daniel e o carro parar um pouco mais à frente. No primeiro segundo ela jurou ter visto Daniel ser esmagado, e o choque foi tamanho que seu corpo paralisou. Nos minutos seguintes percebeu que, enfim, Daniel havia saído ileso, como se já estivesse pronto para uma guerra. E pelo que soube, foi o que aconteceu dentro da sala de reuniões da Federação Internacional de Automobilismo, onde a McLaren – mais precisamente sua amiga, Ellie Earnhardt – conseguiu com que Verstappen fosse punido por ter causado o acidente. Mas, para a espanhola, nenhuma punição seria suficiente por quase ter matado alguém, ainda que tivesse aprendido que aquilo fazia parte do ofício de ser piloto da Fórmula 1.
E isso deixava ainda mais preocupada, já que ela havia se dado conta que qualquer acidente do tipo – ou pior – poderia acontecer com . O espanhol era um atleta do esporte mais perigoso do mundo, e ele parecia amar aquilo. Amava mesmo estando sob um nível de estresse elevado depois da etapa de Imola, onde teve que ficar de fora da corrida por problemas no motor carro, com seu companheiro conseguindo o primeiro lugar. não entendia os motivos, mas chegava a parecer que a culpa da derrota era dele, quando estava além do que o espanhol poderia fazer. Não fazia sentido algum o cobrarem por resultados quando o carro que lhe entregavam não era o suficiente.
Com isso, Martínez também percebeu o quanto a Fórmula 1 poderia ser bastante injusta, principalmente com aqueles que a amavam e faziam dela sua vida inteira. A espanhola só conseguia pedir a deusa Cibeles e a todos os outros que a etapa de Miami fosse melhor.
— Esse mundo aqui é uma loucura, Daniel. O clima tá mais tenso do que na época em que Ronaldo saiu — comentou, e o inglês encarou a tela como se a melhor amiga tivesse enlouquecido. — Juro para você! No futebol você até tenta substituir, mas aqui é impossível. Se o carro quebra, já era, acabou. Só na próxima.
— Nalani mandou a gente assistir todos os domingos para dar audiência. Você aparece na televisão também?
Ela riu.
— Eu apareci nas duas últimas, vovó encheu o grupo da família de foto — respondeu, fazendo o inglês gargalhar. Ele amava Dona Celina com todo seu coração. — Mas tem que ver antes da corrida, coloca mais cedo.
— Colocarei, as crianças vão gostar de te ver na televisão. Vão dizer que você é famosa.
— Estou cheia de saudade — ela suspirou. — Sabe, Dani, sou muito feliz que você seja jogador de futebol. Acho que eu não ia aguentar de nervoso se você inventasse de ser piloto.
sabia que o futebol era um suporte arriscado por conta das possíveis fraturas em alguns lances de jogo, por estarem vulneráveis a qualquer torcedor maluco que quisesse invadir o campo – como já tinha acontecido –, mas não tinha visto nada como a Fórmula 1. Apesar de Daniel Ricciardo ter saído do acidente sem nenhum arranhão, não conseguia esquecer aqueles segundos que prendeu a respiração ao pensar que o piloto estava morto. E imaginar que poderia ser naquela situação a deixava ainda mais perturbada.


🌙


estava animado por estar em Miami. Ele adorava a cidade do sudeste da Flórida, seu clima quente, praiano e festivo. E o fato de ser o primeiro Grand Prix era o ponto principal da sua animação – o espanhol desejava entrar para a história da competição estando entre os primeiros lugares do pódio.
Mas, ao mesmo tempo que estava animado, os flashes do acidente de Daniel Ricciardo ainda estavam em sua mente. Ele não tinha percebido o quão feio foi até abandonar a corrida pela parada do motor de seu carro.
estava ciente dos acidentes que poderiam acontecer a qualquer momento. Ele mesmo já havia batido o carro ou ido para as britas; sabia que tinha risco de morrer no momento em que entrava no cockpit, porque a partir da largada, não dependia mais somente dele, e sim de um conjunto de coisas. Então ele preferia limpar sua mente e fazer o que sabia: correr até ver a bandeira quadriculada. Entretanto, assistir Max Verstappen passar por cima da cabeça do piloto da McLaren fez um bolo formar-se na sua garganta que o incomodou tanto que nem conseguiu comemorar o pódio de primeiro lugar do seu companheiro de equipe, mesmo sabendo que Daniel estava bem.
Foi também por conta ao acidente que o piloto espanhol resolveu as rusgas que tinha com o australiano e enfim percebeu o quão idiota estava sendo. Principalmente por ter ciúmes de Martínez. Daniel Ricciardo namorava Ellie Earnhardt, e aquele era um segredo que o espanhol teria que guardar.
— Você está bem? — perguntou assim que terminou a última execução do exercício de ombros.
O espanhol estranhou o comportamento de desde que havia chegado na academia do hotel em que estavam hospedados. Ao contrário dos outros dias, ela estava quieta, não retrucou suas brincadeiras e muito menos colocou sua playlist para tocar. Martínez parecia distante.
— Sim — ela sorriu fraco, e o espanhol torceu os lábios, colocando as duas mãos na cintura.
— Sabe, Cariño, você não precisa mentir para mim. ¿Qué se pasa, uh?
respirou fundo e passou a mão pelo rosto, perguntando-se quando tinha aprendido a lê-la tão bem. Ela havia dado um sorriso, e aquilo deveria ser o bastante para fazê-lo acreditar que tudo estava na mais perfeita ordem.
— O acidente de Daniel não sai da minha cabeça — confessou quase em um sussurro. — Eu nunca tinha visto nada parecido, e já vi vários acidentes em esportes. Fico pensando se pode ser você ali.
assentiu e, sem que percebesse, puxou para um abraço apertado. Nem ele mesmo estava esperando ter aquela reação, mas as palavras da espanhola o atingiram de forma diferente. E estar com ela em seus braços, sentindo ainda mais de perto o cheiro não só de seus cabelos, mas de seu corpo como um todo, o fazia não querer soltá-la.
— Eu não vou me acidentar — disse. o encarou, não conseguindo desviar seus olhos das íris do espanhol. Chegava a parecer que elas tinham o poder de puxá-la para dentro. — E caso algo aconteça, você vai me ajudar a ficar inteiro de novo, não é?
— Não se você morrer.
— Eu não pretendo morrer tão cedo, Cariño.
não soube dizer a razão, mas naquele momento sentiu verdade nas palavras de . Ele ficaria bem. Mesmo com tudo, o espanhol brilharia em seu uniforme e carro vermelho.
— Sabe, , eu já sei do que você está precisando — sorriu ao mesmo tempo em que ela o encarou com os olhos semicerrados. — Vou te dar dez minutos para subir e pegar um biquíni. Te espero no saguão do hotel.


🌶️


Localizada ao norte de Miami, a Praia Hollywood Beach foi a escolhida por para passar a tarde com a espanhola. Apesar de ser uma das praias mais famosas da cidade, o lugar era pouco movimentado e tinha um calçadão para fazer caminhadas e esportes, coisa que o piloto teve a certeza que gostaria.
estacionou com maestria a Ferrari SF90 Stradale azul que fora lhe dada para aproveitar os dias na cidade, e, assim que pularam do carro, se depararam com a areia branca e a água calma e cristalina. Era verdadeiramente um ambiente perfeito para relaxar e curtir a natureza em meio ao movimento urbano de Miami.
— A gente pode correr aqui, não pode? — perguntou e assentiu com um sorriso no rosto.
— Eu sabia que você ia gostar.
Ali, achou Martínez a mulher mais linda que já tinha conhecido em toda a sua vida. Seu rosto conseguia ser ainda mais lindo com a luz do sol passeando sobre seus olhos verdes e seu largo sorriso, junto de seus cachos cor de mel que caíam por toda a extensão de suas costas.
e andaram pelo calçadão da praia e pareciam duas crianças por entre os mais diversos quiosques que encontraram pelo caminho, comprando coisas que nem mesmo iriam usar algum dia, como as regatas de cores vibrantes e super cavadas. Alugaram bicicletas, apostaram corrida pelo enorme Broadwalk e, depois, se juntaram a um grupo de banhistas que jogavam vôlei na areia. Fazia tempo que tanto quanto não tinham um dia de folga como aquele. Era bom sentir-se normal mais uma vez.
Quando a espanhola tirou a roupa e ficou somente de biquíni, porque decidiu que queria nadar, se deu conta do que Charles Leclerc já sabia desde Imola: ele estava completamente perdido por Martinez.
— Você não vem, Cielo?
sorriu com a forma carinhosa que o chamou, mesmo sabendo que era apenas uma retaliação por chamá-la de Cariño durante a maior parte do tempo. Mas, daquela vez, pareceu diferente.
O espanhol tirou a blusa que usava, e dos bolsos do short azul tirou a carteira e as chaves da Ferrari, então deixou tudo em um montinho em cima da espreguiçadeira. Os dois apostaram corrida em direção ao mar e, quando a água gelada encontrou seus corpos ao mesmo tempo em que ele puxou para um abraço, levando-a pro fundo em seguida, desejou beijá-la.
Mas não o fez. E não sabia até quando iria continuar ignorando seu desejo.



4 de maio de 2022
Miami, Flórida


“Não é um Palácio de Cibeles, mas vai servir. Não assista ao jogo sozinha, venha para meu quarto, iremos assistir todos aqui. Apareça, Cariño.”

, que não tinha mais unhas em seus dedos, pois roeu todas de tanto nervosismo por conta do jogo, sentiu seu estômago se remexer de forma esquisita ao receber a mensagem de . Ela não sabia se deveria aceitar o convite, principalmente porque a palavra “quarto” estava ali. Mas assistir ao jogo sozinha era bastante perigoso, porque ela corria sérios riscos de ter um ataque cardíaco e não teria ninguém para acudi-la.
A semifinal da Champions League começaria dentro de uma hora, e sabia que tudo poderia acontecer naquela competição. Era a última chance que o time blanco teria de defender a sua permanência na competição depois da derrota por 4x3 na casa dos ingleses.
E o fato de também ser o dia que Daniel Villagers teria a chance de provar novamente para o mundo inteiro o porquê era considerado o rei da nova dinastia madridista. Essa era a principal motivação de estar uma pilha de nervos, já que não estaria ao lado do melhor amigo como sempre havia estado. Seria a primeira vez desde 2016 que não seria a guarda-costas do inglês, e a espanhola só conseguia rezar para que nenhuma lesão séria o acometesse naquela partida. Não depois de tudo o que ele tinha passado nos últimos meses.

“Hoje você vai se consagrar o melhor do mundo, sei que será uma partida mágica. Vocês são os reis da Europa e você é quem os comanda, capitão! Tenho muito orgulho da sua jornada. Amo você.”

enviou a mensagem para o melhor amigo e, assim que o jogador respondeu, ela sentiu que não deveria ficar sozinha em um quarto de hotel em Miami. Coisas mágicas aconteceriam quando o Real Madrid pisasse em campo, e aqueles momentos deveriam ser compartilhados.


🌙


— Você também faz parte do grupinho de doidos pelo Real Madrid? — Charles Leclerc perguntou assim que apareceu na porta do quarto de .
A espanhola usava uma camisa do Real Madrid perfeitamente passada, da temporada de 16/2017, quando seu time havia conquistado a décima segunda Champions League. sorriu, cumprimentou Oñoro, que estava à porta e entrou, e sentou-se no sofá ao lado do monegasco.
— Não ligue, . Leclerc só está aqui porque não tem mais nada para fazer — o espanhol mais velho brincou, e Charles cutucou .
— Vou trazer sorte para esse time, você vai ver. Vai ser um a zero pro Real Madrid.
— Mas com esse placar o Real Madrid tá eliminado, Charlito — ela retrucou. Charles pressionou o dedo nos lábios e encarou a espanhola. — Precisa fazer dois a zero.
— Então vai ser esse o placar.
— O que você já está falando merda aí, hein?
O sotaque espanhol forte de se fez presente e procurou de onde vinha a voz. fechou a porta do quarto e seguiu para a sala, jogando-se entre e Charles, os separando.
— Tem um espaço gigantesco sobrando, mas você insiste em sentar do meu lado, é incrível — Leclerc provocou e riu, lhe dando três tapinhas na coxa.
— Não consigo viver sem você, amore mio.
— Sei bem — ele lançou um sorriso sugestivo para o amigo e se jogou por cima do espanhol apenas para cutucar . — Olhe só, vocês estão com blusas iguais. Muy interesante.
— Seu espanhol é todo errado — resmungou e jogou Charles para o lado. — Essa é a camisa da duodécima.
— Você vai começar na sua chatice, não vai? Deixe eu sentar ao lado de que ela é mais legal.
— Não ouse a se levantar do seu lugar — decretou depois de dar uma cotovelada no monegasco. — Sério.
— Sinto muito, Charles, é superstição. Depois que a última pessoa senta, ninguém mais troca de lugar. Se você mudar, o Real Madrid pode perder — Caco explicou, já sentado em uma poltrona enorme ao lado do sofá.
— Então vocês vão me manter aqui em cárcere privado?
— E se reclamar muito, vai ser com uma mordaça na boca.
soltou uma risada ao escutar Leclerc reclamar em sua língua materna. Ela não entendia o dialeto, mas pela forma que soou, poderia facilmente dizer que não foram palavras gentis. Martínez se ajeitou ao seu lado do sofá e a câmera focou nos jogadores se ajeitando nas fileiras para entrar em campo. Ela benzeu-se e pediu a sua deusa para que intercedesse no jogo do melhor amigo. Nada poderia dar errado para o inglês naquela tarde.
E não deu.
Tudo tinha dado mais do que certo. Os astros estavam alinhados, o Real Madrid tinha ganhado.
Hala Madrid, porra! — o grito espanhol tomou conta do quarto.
Caco, e gritavam juntos, abraçados, enquanto Leclerc filmava toda a cena com um sorriso no rosto. O monegasco nunca entenderia de fato a importância do time para os madrilenhos, mas ficava feliz com a felicidade dos companheiros de equipe. Até mesmo de , que tinha se aproximado bastante desde os acontecimentos de Imola.
— Temos que ir para o paddock — Oñoro lembrou ao ver o primo ir em direção ao frigobar da sala. Naquele dia eles estariam em uma programação especial no autódromo por ser a estreia do circuito.
— Iremos! Mas merecemos uma cerveja, pelo amor de Deus, que jogo, caralho! — Caco assentiu e o mais novo pegou quatro Estrella Galicia e distribuiu entre os presentes na sala. — Até você merece, Charlinhos. Foi pé quente.
— Sim! — disse, animada. — Hala Madrid! — gritou, brindando com os rapazes.
estava feliz. Sua deusa Cibeles não tinha a decepcionado. O Real Madrid estava novamente na final da Champions League graças aos dois gols de Daniel Villagers na prorrogação.
Tudo estava nos eixos naquele dia.



7 de maio de 2022
Miami, Flórida


estava estressado. O espanhol passou a mão pelo rosto, inquieto, jogou o celular na cama e esfregou as têmporas, mantendo os olhos fechados.
Ele não conseguia entender por que a mídia italiana era tão dura, até mesmo quando não tinha poder algum sobre as coisas que aconteciam. Naquela manhã, o massacraram pela saída da corrida em Imola e fizeram questão de listar todos os seus erros passados, com uma manchete gigantesca que perguntava se a Ferrari tinha acertado na sua contratação.
Desde que saiu da McLaren, já sabia que por estar na escuderia italiana pagaria um preço alto. Estava acostumado com as cobranças e presunções a seu respeito, afinal, ele era filho do El Matador, que foi duas vezes campeão mundial de rally. Todos estavam esperando para ver se ele conseguiria atingir feitos parecidos ou se só estava naquele lugar pelo sobrenome. não se importava com aqueles questionamentos porque sabia o quão difícil tinha sido trilhar o caminho na categoria desde a base – onde seu sobrenome não o fez ganhar corridas e mais corridas, que o levaram até a Fórmula 1, mas sim o seu esforço e talento. Ter a ciência que era incrivelmente bom no que fazia e que merecia o assento na Ferrari lhe bastava, mas, naquele dia, aquela matéria o havia tirado do eixo.
O jornal expôs todos os erros que ele tinha cometido em sua carreira e os do ano anterior, quando a equipe italiana não tinha entregado um carro competitivo. Chamaram-no de “falsa promessa” e que todos sabiam que ele nunca vingaria, que era apenas mais uma sombra do pai. estava com tanta raiva que se lhe dessem o endereço do autor daquela porcaria, ele iria atrás para lhe quebrar o rosto. Nada daquelas palavras eram justas. E não era certo fazerem aquilo justo naquele dia.
O dia anterior à corrida, sábado, era o dia mais puxado da semana de competição. Contava com treino livre e qualificações com três sessões, e ele precisava estar na mais perfeita forma em todas as etapas, para que seu caminho até o pódio no domingo não corresse riscos. E o espanhol estava obcecado com a ideia da conquista de um pódio naquela corrida. Ele precisava estar entre os três primeiros depois de ter ficado fora da zona de pontuação, além de que era o primeiro Grand Prix na história de Miami. E queria ter seu nome nessa história, queria ser lembrado. Afinal, ele tinha entrado no esporte para construir um legado e ser lembrado por quem era, não por ser filho de uma lenda.
O telefone tocou, tirando o espanhol de seus pensamentos, e ele sorriu assim que viu o nome que brilhava na tela. Ele sentia falta de estar em casa.
! — Ana sorriu ao ver a imagem do irmão na tela. — O que aconteceu?
— Nada, Anita, estou bem. E sentindo falta de vocês, onde está mamãe?
Aqui — a mais nova mudou a câmera para que ele pudesse ver a mãe, que cozinhava atentamente. — Mamãe, é !
Hijo! — ela exclamou batendo uma palma, mandando um beijo em seguida. — Estou fazendo tortillas para acompanharmos você no dia de hoje. Todos vêm aqui para casa.
— Ah, mamá! Você pode me fazer essas tortillas para quando eu chegar? Não sei se sinto mais falta delas ou do pudim.
Farei tudo para meu niño.
Chega de mimos — ele escutou a voz de Ana e deu uma risada, logo vendo o rosto da irmã na tela. — Você esta esquisito, hermanito. ¿Qué se pasa?
— Ah, Ana, esses jornalistas imundos. Virei saco de pancada de novo, sabe? Mas nada preocupante, só fiquei estressado.
Podemos processar esses fodidos — ela esbravejou. — Tonio tem uma amiga advogada em um escritório importante aqui em Madrid, eles atuam em causas esportivas.
deixou escapar uma risada. Ele adorava o quanto a irmã mais nova era protetora com ele.
— Pensarei com carinho nessa possibilidade — respondeu, e ela concordou com um sorriso convencido. — Eu preciso desligar agora, Anita, mas foi muito bom falar com vocês hoje.
Te esperamos em casa na segunda.
— Voltarei correndo — deu uma piscadela e encerrou a ligação.
Seu coração encheu-se de alegria ao ser lembrado que voltaria para casa dentro de poucos dias. Nada mais importava, nem mesmo os jornalistas com suas falas ridículas a seu respeito. Ele era maior que tudo aquilo.


🌶️


“Venha para o saguão que vamos sair pra almoçar. está aqui”.

Ao meio-dia leu a mensagem do amigo monegasco e se perguntou o que Martínez fazia com ele no saguão do hotel e por que eles estavam indo almoçar.
Calçou o mocassim azul rapidamente e saiu, se odiando por pensar na situação mais que o recomendado. Sentir ciúmes era o seu ponto fraco. E não fazer ideia de quando começou a ter aquele tipo de sentimento por lhe deixava ainda mais perturbado. A espanhola era apenas sua preparadora física, mas era perceptível o efeito que ela tinha sobre suas reações. Principalmente quando envolvia seus colegas de grid.
Ele chegou ao saguão e encontrou explicando animadamente algo para Charles, que incrivelmente parecia estar prestando atenção em cada palavra dita pela espanhola.
— O que os dois estão aprontando? — perguntou, os pegando de surpresa. o encarou com um sorriso e Charles o cumprimentou com três tapas em seu ombro.
— Estava explicando um movimento para Charles — ela esclareceu; arqueou a sobrancelha e o monegasco concordou. — Sou a nova professora dele de defesa pessoal.
pressionou o dedo sobre a boca, escondendo uma risada. “Charles Leclerc, aprendendo a lutar? Só pode ser alguma brincadeira”, pensou.
— Sim, resolvi aprender e é muito boa ensinando. Você tem sorte, Carlitos.
— Arrume outra pessoa para te ensinar, é minha preparadora.
— Não seja chato, Cabrón. Consigo ensinar os dois — ela piscou e o espanhol sentiu seu corpo inteiro responder involuntariamente ao pequeno movimento da mulher.
Martínez tinha mais poder sobre do que o piloto imaginava, e ele se perguntou quando foi que aquilo começou.
— Vai ter que pagar a diária diretamente para mim — brincou, e a espanhola balançou a cabeça negativamente, repousando a mão direita sobre o ombro de Charles.
coçou a garganta, sem conseguir desviar o olhar dos dois, e inevitavelmente percebeu o quanto se davam bem, mesmo não se conhecendo há muito tempo.
— Vamos almoçar, sim? — perguntou e Charles bateu uma palma, concordando.
zita, você vai com , preciso buscar Beatrice no outro hotel.
Martínez e sorriram sugestivos para o monegasco, cujo rosto ficou vermelho no mesmo minuto.
— Odeio vocês.
— Não odeia, não — ela lhe deu um beijo na bochecha e esfregou as mãos, desviando o olhar.
Aquela confusão em sua mente e corpo não estava prevista em seus planos, e o espanhol só desejava entender o que estava acontecendo consigo mesmo de verdade. e Charles eram apenas amigos, assim como ela era amiga de Daniel. Mas não sabia se de fato ela era sua amiga ou apenas preparadora.
Meu carro? saiu de seus pensamentos ao escutar o barulho de sua Ferrari na porta do hotel. — Meu carro!
— Pedi para buscarem. Assim saímos juntinhos, baby.
— Sério, meu carro com um desconhecido. Se ele mudar qualquer coisa no banco, eu te mato, Charles.
— Deixe de ser ciumento,
— Não tenho ciúmes de nada — respondeu rápido —, apenas não gosto que peguem minhas coisas.
— Ciumento e possessivo. Tá vendo só, ?
A espanhola soltou uma risada e empurrou o amigo para frente, fazendo-o tropeçar nos próprios pés.
não gostava que outras pessoas dirigissem seu carro, nem mesmo quando eles eram apenas emprestados pela equipe para rodarem nas cidades dos GPS. Ele era perfeccionista com a posição do banco e queria sempre as coisas no mesmo lugar em que havia deixado, por isso sempre estacionava o próprio veículo, descartando o trabalho dos manobristas. Mas, naquele dia, não reclamou. Mesmo indignado por Charles ter pedido ao funcionário que trouxesse o veículo, abriu a porta para que entrasse e, sem reclamar, pegou as chaves da mão do homem e saiu atrás de Leclerc, parando ao seu lado no sinal vermelho.
— Quem chegar por último até o final da rua paga o almoço! — Leclerc gritou, colocando a cabeça para fora da janela. encarou em um pedido silencioso para ele não aceitar, mas ao ver o sorriso do espanhol e a mão posicionada na marcha, soube que o homem já tinha aceitado.
— Não grite — piscou para ela, que segurou fortemente as laterais do banco, arrancando uma risada do piloto.
Em segundos o sinal ficou verde e acelerou como se estivesse em uma pista de corrida, fazendo sua Ferrari rugir estrondosamente, arrancando olhares de curiosos na avenida. não entendia das leis na cidade estadunidense, mas teve a certeza que tanto quanto Leclerc deveriam ter violado dezenas delas naquele pequeno espaço de tempo.
A espanhola não percebeu, mas sorria enquanto acelerava à frente do monegasco, e seu sorriso ficou ainda maior quando o escutou gargalhar ao frear abruptamente no sinal vermelho ao fim da avenida.
— Vocês são doentes! — gritou e gargalhou acompanhada dos dois.
— Vou pedir o restaurante inteiro — gritou para Leclerc, que tinha um sorriso sapeca no rosto ao mesmo tempo em que mostrava o dedo do meio para o amigo.
O semáforo lhe deu permissão para seguir e Charles dobrou a esquerda enquanto eles dobraram à direita.
— A gente sempre faz isso. Hm, desculpe por isso.
— Não foi ruim, eu acho.
— Você sabe dirigir? — perguntou e ligou o rádio direto na playlist que gostava de escutar enquanto dirigia. — Pode colocar a sua, se quiser.
— Nunca aprendi a dirigir.
a encarou como se a mulher tivesse confessado um crime.
Hm, minha família sempre teve motorista. Nunca precisei aprender — explicou, sentindo-se constrangida.
— Quando chegarmos na Espanha, vou ensinar a você a dirigir.
— Não, vou bater sua Ferrari.
— Eu vou te ensinar, logo você não vai bater, Cariño — ele piscou e o rosto da espanhola enrubesceu. — Você já escolheu a música? Charles escolheu um restaurante meio longe.
— Eu gosto da sua música. Pode deixar tocar.
concordou com a cabeça e aumentou o volume, sentindo-se confortável para cantarolar todas as músicas da playlist. Assim como .


🌙


O restaurante escolhido por Leclerc era uma boa pedida quando se estava em terras americanas: uma casa de carne, luxuosa e requintada, como o piloto já deveria estar acostumado a frequentar. Mas as obras de artes expostas nas paredes, lustres e a vista para a praia em plena Brickell Ave, faziam desconfiar que a escolha tivesse sido feita por Beatrice Portinari.
Ao olhar a roupa que vestia, sentiu-se extremamente mal vestida com sua legging preta, top da mesma cor e tênis branco; até mesmo soltou os cabelos para disfarçar. não ficava para trás: usava uma bermuda jeans curta, mocassim azul e camisa polo da Ferrari, junto do inseparável óculos escuro da Ray-Ban. O espanhol passou o olho pelo local , como se não se importasse com nada daquilo, disse o próprio nome e o do amigo para a recepcionista, que os levou para uma mesa um pouco mais distante, mas ainda visível pelas pessoas do lugar.
— Eu vou matar Charles por não ter avisado que era lugar arrumado cochichou para o espanhol, que concordou, colocando o óculos sobre a cabeça.
— Isso foi ideia de sua amiga Beatrice, eu tenho certeza. Charles escolheria qualquer um perto da praia — encarou a espanhola —, mas você é bonita de qualquer jeito. Apenas sente e coma. Charles vai pagar tudo mesmo, aproveite e se vingue.
soltou uma risada e pegou o cardápio sobre a mesa, se deparando com as melhores carnes do mundo. Assim que fizeram o pedido, o menu degustação inteiro, com vinho Henri Jayer Vosne-Romanée para e água Fillico para o piloto.
— Você pediu uma água que custa mais de duzentos dólares?
— Charles quem vai pagar — deu de ombros, e Martínez percebeu que aquele jogo era comum entre os dois.
Antes que pudesse retrucar, as vozes conhecidas dos amigos puderam ser ouvidas. Beatrice andava rapidamente na frente de Charles, Daniel e Ellie, que falavam alto e atraíam a atenção das pessoas que estavam ali.
— Pelo amor de Deus — a negra disse ao se sentar. — Charles não avisou vocês também?
— Avisou o quê?
— Da roupa, ! Meu Deus. Imagina se fotografam vocês vestidos iguais mendigos em um restaurante como esse. Sabia que ele tem duas estrelas Michelin?
— Somos ricos, isso basta.
Beatrice bufou e os outros sentaram à mesa, mas Ellie mantinha um bico formado em seu rosto.
— Decreto aqui e agora que Charles Leclerc é meu maior inimigo. Olhe a roupa que eu estou usando — apontou para o short de moletom rosa que usava junto da blusa laranja da McLaren. — Ele disse que iríamos bem ali rapidinho.
— Estou me sentindo ótimo — o monegasco retrucou. — Não me coloque no mesmo nível que Max Verstappen em sua lista, Lily. Assim eu fico triste.
A estadunidense fez uma careta e mostrou o dedo do meio para ele.
— Você está igualzinho a toalha de mesa da minha avó — apontou para a calça amarela xadrez com a bainha dobrada que deixava à mostra as meias azuis e o All Star preto, que fazia par com a blusa branca com estampa rosa e sua inseparável bolsinha azul da Louis Vuitton.
Daniel soltou uma gargalhada estrondosa acompanhado de Ellie e , que fizeram Beatrice se encolher e ficar com o dedo em riste para o monegasco.
— Eu vou escolher suas roupas. Juro por Deus.
— Eu sou um homem que sabe se vestir, Beatrice. Isso tudo é inveja do meu estilo — piscou para a negra, que balançou a cabeça negativamente enquanto o homem mantinha o sorriso exibido no rosto.
— Com licença — uma voz diferente chamou a atenção do grupo e todos encararam o garçom servir uma taça de My Cherie Amour para . — Para a senhorita.
— Ela não pediu isso. — disse e o homem apontou discretamente com a cabeça para o sujeito que estava do outro lado do salão. Ele usava um belíssimo terno preto, com a barba alinhada e cabelos castanhos bem cortados. Sua postura esbanjava riqueza.
— Ele mandou especificamente para a senhorita. — o garçom reforçou e , pela primeira vez, encarou em direção aonde o homem estava, que levantou levemente o seu próprio copo de drink que continha o Ritz Paris Sidecar.
Martínez lançou um pequeno sorriso para o homem em agradecimento, mas logo voltou sua atenção para a mesa, onde os amigos a encaravam com sorrisos sugestivos e curiosos. era o único que mantinha a feição fechada, com seu maxilar contraído e braços cruzados na altura do peito.
! É um My Cherie Amour, prove logo — Beatrice sussurrou, e a espanhola a encarou sem entender. — É feito com Dom Pérignon Rosé.
— Isso custa mil e quinhentos dólares — Daniel pontuou, olhando o cardápio.
— Quem gasta mil e quinhentos dólares com uma pessoa desconhecida? — Ellie perguntou e Daniel passou a mão em sua coxa.
Eu — sussurrou, e a morena piscou para ele, lembrando de tudo o que o homem tinha gastado para levá-la a Woking quando nem mesmo a conhecia direito.
— Eu achei super chique, você não acha, ? — Beatrice perguntou enquanto encarava o homem, que descruzou os braços e bufou.
Super — foi direto. — Você não vai beber?
— É lógico que ela vai — Portinari respondeu, provocativa. — E também vai dar o número para o homem. Sério, , ele merece.
engasgou-se sozinho e bebeu um longo gole da Fillico que havia pedido, que o fez tossir mais uma vez. O espanhol passou a língua pelos lábios ao perceber que o encarava como se perguntasse se tudo estava bem. Então, deu de ombros e desviou o olhar, caindo sobre os olhos atentos de Beatrice, que mantinha um sorriso cínico no rosto.
Nem mesmo ele entendia por que tinha reagido daquela forma, mas a negra sabia. E ela usaria cada minuto daquele almoço para perturbar a paz do espanhol. Beatrice Portinari soube desde o primeiro momento que estava com ciúmes de Martínez.
O almoço seguiu com os cinco conversando animadamente, com a exceção de , que permaneceu calado durante quase todo o tempo, fazendo observações pontuais. Ainda que o chamasse para a conversa, o homem parecia não dar muita atenção, preferindo até mesmo mexer no celular. Até que desistiu de tentar incluí-lo e não discordou quando o homem perguntou se eles poderiam ir embora.
— Vamos só esperar Charles pagar a conta — Beatrice disse quando a espanhola se despediu. — Anotei seu número e dei pro garçom, me agradeça depois.
encarou rapidamente na direção do homem e deu um sorriso tímido ao vê-lo pegar o papel.
Além de chata, ainda é intrometida murmurou de forma quase inaudível.
— O que disse, ? — Portinari perguntou, arqueando a sobrancelha. — Que eu fiz bem?
— Não disse nada. Você deve estar surda, procure um médico.
— Aham — ela deu um sorriso debochado para o espanhol.
respirou fundo e bateu o pé, impaciente. Antes que o piloto pudesse ficar mais incomodado, o cutucou como se o avisasse que estava pronta para ir.
Os dois saíram do restaurante; recusou o serviço do manobrista e a deixou esperando na porta para que pudesse pegar o carro. Assim que a Ferrari azul parou em sua frente, ela entrou rapidamente e o espanhol arrancou, fazendo barulho no asfalto.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntou ao perceber que nem mesmo ligar o som do veículo ele tinha feito, como sempre fazia.
— Não aconteceu nada, só quero correr e pegar uma posição boa hoje.
— Você vai! Parece que o sol vai continuar até o restante da tarde, isso é bom.
apenas assentiu em silêncio e deixou os ombros caírem, preferindo encarar a paisagem das ruas de Miami do que puxar mais algum assunto com o piloto.
O caminho até o Autódromo Internacional de Miami foi silencioso e desconfortável, e a espanhola não entendia onde tudo tinha mudado.



8 de maio de 2022
Autódromo Internacional de Miami


A qualificação do dia anterior não tinha sido como o esperado por . O espanhol teve a sua última volta cancelada por ultrapassar o limite de pista e ficou com o sexto tempo no Q3.
Além do sexto lugar, ele não tirava outra coisa da cabeça: o fato de Beatrice Portinari ser tão intrometida a ponto de dar o número de para o homem do restaurante.
Número era uma coisa muito pessoal. Ele mesmo não tinha o número de Martínez até começar a trabalhar com ela, que nem mesmo havia aceitado sua solicitação para seguir no Instagram, e os dois se conheciam desde dezembro. Beatrice não deveria ter se intrometido daquele jeito. Afinal, não iria deixar um desconhecido entrar assim em sua vida enquanto ainda estava na fila tentando seu lugar – o que era estranho e novo, porque ele não tinha a mínima paciência para filas ou qualquer coisa que não estivesse do jeito que ele queria.
— Pronto? — perguntou ao abrir a porta da sala do espanhol. Quando o homem a encarou, Martínez sentiu um arrepio percorrer por todas as extremidades de seu corpo.
— Teste de reflexo? — perguntou sem desviar o olhar de suas íris verdes.
concordou ao lhe mostrar uma pequena bola vermelha. O piloto ajeitou o boné vermelho na cabeça e levantou, pegando a bola no ar em menos de um segundo após a preparadora jogar sem avisar.
— Belo truque — falou. Ela sorriu, dando-lhe espaço para passar. — Mas eu sou rápido.
— Espero que sim — a preparadora andou em direção à área onde estava o aparelho para os testes.
sentiu um calor diferente ao vê-la andar na sua frente usando os jeans justos e a camisa polo da escuderia. E mesmo sendo o pensamento mais sórdido, foi inevitável imaginá-la sem eles.
Sua mente só poderia estar lhe pregando uma peça.
— As bolinhas são para depois.
apontou para os quatros sensores na mesa e o espanhol balançou a cabeça para os lados, posicionando-se na frente deles, que estavam todos acesos.
— Posso te perguntar uma coisa? Mas só pode responder sim ou não e sem perguntar o motivo da pergunta.
— Só se você bater o próprio tempo.
sorriu. Ele adorava como tornava as coisas um desafio. O piloto era um competitivo nato; não importava o que fosse, ele nunca entrava para brincar, sempre era para ganhar. E assim, quando os sensores se apagaram e ele teve a missão de tocá-los quando acendessem de forma rápida e precisa, bateu o próprio treino no pré-treino da corrida.
— Excelente, acho que largar de P6 não vai ser um problema — disse com um certo orgulho na voz — Faça sua pergunta.
— Beatrice deu mesmo seu número para o cara do restaurante?
— Sim — ela respondeu. sentiu seu maxilar travar, não era a resposta que queria ouvir. — Mas não o respondi — completou. A feição do espanhol relaxou quase que imediatamente, e ele esboçou um sorriso pela surpresa.
— Começar em P6 definitivamente não vai ser um problema hoje, Cariño.


🌶️


Desde o momento em que o espanhol fechou o macacão, colocou o capacete e entrou no cockpit, Martínez tinha sua mente vidrada na televisão da garagem.
Nada poderia dar errado naquela tarde.
A corrida começou às quatro e meia da tarde em ponto. prendeu a respiração na largada quando o carro 55 desviou dos que lhe tentaram roubar posição, acelerando cada vez mais e ultrapassando com maestria o carro laranja que ocupava a quinta posição.
O motor do carro 16 parou, o fazendo sair da pista, sem colisões, e teve que abandonar a corrida. abraçou Leclerc assim que o monegasco voltou para o box, decepcionado e silencioso.
— Não foi culpa sua, Charles! — ela murmurou, e o monegasco assentiu silenciosamente.
— Não sei se isso deixa as coisas mais fáceis, .
conhecia Charles há tempo suficiente para saber que ele não queria conversar naquele momento, principalmente por se cobrar demais. Ele tinha muitas responsabilidades nas costas e, mais do que nunca, precisava defender o primeiro lugar no campeonato.
O monegasco foi em direção à sua sala no box e voltou sua atenção para a corrida. Seu coração estava inquieto e suas mãos suavam, mas quis pular de felicidade quando o carro 55, na quinquagésima volta, aproveitou a lentidão das duas Mercedes à sua frente e conseguiu o feito de uma ultrapassagem dupla.
ocupou o terceiro lugar e foi naquela colocação que ultrapassou a bandeira quadriculada. O espanhol tinha conseguido realizar o que chegou em Miami para fazer. História.
estava no pódio do primeiro Circuito de Miami da Fórmula 1.


Capítulo 8 – Quente como a Espanha

Faster than the wind, passionate as sin

10 de maio de 2022
Madrid, Espanha


A casa número 5 de La Finca Villa estava mais lotada e barulhenta que o normal.
Aquilo só podia significar uma coisa: Martínez estava de volta em Madrid. E todas as crianças, com exceção do mais novo de dois anos, Juan Daniel, estavam indo para o colégio. Ao todo eram cinco: Junior, Léon e Alejandro, os três Martínez-Ramos, e as gêmeas Waialiki-Villagers, Kaia e Zuri.
— Tia , leve a gente na escola, por favor! — Léon pediu cutucando sua coxa. mas foi puxado pela mão por Rosie.
não sabe dirigir, ela leva vocês outro dia com o motorista — um bico formou-se em seus lábios, mas assim que lhe deu um beijo na cabeça, virou um sorriso enorme. — Deem tchau pra tia !
Tchau, tia — um coro saiu do carro e recebeu acenos agitados das crianças, que já estavam em seus respectivos lugares.
— Te encontro à noite, ok? Pensando em sair uns dias de folga para aproveitar com a minha prima preferida.
— Eu sou sua única prima, Rosie — a advogada riu. — Não se preocupe, vou estar aqui. Trabalho só pela tarde esses dias.
— Esse homem não lhe deu um dia de folga? Ele sabe de quem você é, prima? Posso processá-lo por exploração patronal.
— Pode processar alguém por ser incrivelmente insuportável? — as duas riram e Rosie despediu-se da prima, lhe dando um abraço.
amava mais do que tudo estar em casa, principalmente na mansão da prima. Ser vizinha do seu melhor amigo – mesmo ele estando para o litoral da Espanha, em Valência, por conta da La Liga –, estar em contato com a sua creche pessoal, na companhia de seus pais e sua avó Celina era tudo o que queria depois de todos aqueles dias longe.
— Meu amor, venha comer algo! — Celina disse assim que a mais nova adentrou a residência. — Fiz o café da manhã com tudo que você gosta!
— Eu amo tanto a senhora, sabia? — deu um abraço apertado na avó e andou de braços dados com ela até a mesa de refeições.
— Passarinha — disse o apelido de infância da neta em seu doce espanhol. — Me conte, como anda as coisas no trabalho novo? Ontem com as crianças mal conseguimos conversar! E sente-se para comer, vamos, vamos!
— Mamãe, desse jeito você vai sufocar ! — Maria José brincou, mas a matriarca a encarou com o rosto fechado e gesticulou para que ela parasse de falar.
soltou uma risada e se sentou ao lado da avó na mesa, que já estava ocupada por seu pai e sua mãe. Era reconfortante poder estar ali novamente, fazendo a primeira refeição do seu dia com sua família.
— Nunca, mamá. Minha velhinha pode perguntar o que quiser!
— Então conte para sua vó, tem algum rapaz em sua vida? Já faz bastante tempo desde a última vez…
— Menos isso, vovó! — balançou o dedo para Celina. — Eu acho que não tem.
— Esse acho foi muito suspeito, querida. Papai está de olho, não se esqueça.
— Sim! Você voltou desse trabalho com um brilho diferente. Vamos, conte para sua família. — a mãe instigou e sentiu o rosto esquentar.
Tinha alguém. Por mais que ela não soubesse o que era, tinha certeza que existia algo. Algo que poderia arrastá-la para um lugar totalmente desconhecido e perigoso.
— Aquele rapaz que você trabalha é muito bonito. Nós o vimos na televisão, sempre passa vocês dois antes das corridas. Ele tem cara de ser um bom menino, não é, Maria José? Aparenta ser muito gentil, um doce!
— E tem cara de ser homem cheiroso! Comentei com sua avó isso.
— Olhem, é um chato. Se eu não trabalhasse com ele, iria odiá-lo. Ele é metido, meio arrogante, se acha o sabe-tudo — os três não tiravam os olhos de e sorriam cúmplices um para o outro. — E ainda vai me fazer trabalhar aqui em Madrid enquanto eu poderia passar mais tempo com vocês. Até mesmo poderíamos ir para a Yeguada — ela baixou os olhos e comeu um pedaço do mamão que a avó tinha deixado em seu prato. — Vocês não deveriam gostar dele.
— Deixe sua avó lhe contar algo, Passarinha. — a encarou. — Você fala desse rapaz com muito carinho, sabia? Mesmo quando usa palavras duras. Não tente enganar seu coração.
— Não estou enganando nada, vovó… É só que… não combinamos.
— Ora, ! Você também é metida a sabe-tudo, já esqueceu?
A preparadora torceu os lábios para a mãe. Ela realmente era uma sabichona e, por conta disso, tinha sido uma adolescente quase insuportável.
— E vocês combinam, sim. Seu pai até se assustou quando viu vocês na televisão pela primeira vez. Disse que você já tinha arrumado um namorado novo.
— Em minha defesa, comecei a assistir corridas agora, sempre fomos do futebol — Antônio levantou as mãos em forma de rendição. — Mas já virei Ferrarista, não se preocupe. Comprei até uma bandeira da Ferrari para colocar na nossa casa.
amava o quanto o pai era apaixonado por tudo o que ela se propunha a fazer, assim como toda a sua família. Desde quando era criança e quis ser judoca, todos entraram de cabeça em seu sonho e foram seus apoiadores número um.
— Não tive coragem de pedir ingresso para vocês, mas assim que eu conseguir, levo todos para uma corrida, eu prometo. é… — Martínez nem percebeu que deixou escapar um suspiro. — Um piloto brilhante, vocês precisam ver de perto.
— Você deveria dar uma chance pro seu coração, Passarinha. Escute sua avó, lhe conheço como ninguém.
— Até mais do que eu que te pari — Maria José pontuou, os fazendo rir. — Mas a pergunta que não quer calar, filha. Sua avó e eu estamos curiosas. Ele é cheiroso?
— Ele é cheiroso, mamãe — confessou. — E é cheiroso o tempo inteiro — sussurrou mais para si mesma do que para a família, mas não passou despercebida pelos ouvidos atentos da avó, que lhe deu batidinhas na coxa.
— Não se prenda ao ninho, Passarinha — Celina disse apenas para que a neta escutasse. — Se deixe voar.
apertou a mão da avó, que ainda estava sobre sua coxa, e bebeu seu suco em silêncio, ainda que gritasse por dentro e seu coração estivesse tal qual a bateria de uma escola de samba. Mas, pela primeira vez, estava em paz no tratante .
Ela realmente precisava voltar para casa.


🌙


entrou pingando na cozinha da casa principal com o short rosa completamente ensopado, o que o fazia ficar ainda mais caído e justo. Recebeu um olhar crítico de reprovação da irmã mais nova, mas a mãe pareceu não se importar. Inclusive, abriu um grande sorriso e lhe apontou uma grande fatia de pudim que estava à sua espera na bancada branca.
— Por que você não vai ensopar a sua casa? — Ana perguntou, recebendo uma careta do irmão como resposta. — Você está molhando tudo.
— Essa é a casa dele também!
— A casa dele fica do outro lado do quintal — Ana resmungou e a mãe também lhe entregou uma fatia de pudim.
— Pare de perturbar seu irmão, vá comer.
— Isso é saudade. — retrucou com a boca cheia. — Sou seu irmão favorito, Anita.
— Claro, você é o único — ela sentou-se ao lado do irmão à mesa e encarou o prato que já estava quase vazio. — Credo, , essa sua nova preparadora te mantém em cativeiro? Você parece que não come há dias.
— Estava com saudade do pudim da mamãe — ele respondeu, limpando o canto da boca — E por falar em preparadora, mãe, você pode me dar essas pílulas que estão na caixa em cima da bancada? — pediu. — São suplementos alimentares. A minha preparadora quer me engordar.
— Ah, então você só não tem modos mesmo.
— Anita, deixe seu irmão — Reyes advertiu, mas fez um carinho no ombro da caçula. — E você quer mais um pedaço?
— Quero. E com muita calda — entregou o prato para a mãe, que lhe serviu como se fosse uma criança.
— Quais seus planos para hoje, criatura? Mamãe estava querendo ir naquele restaurante francês que recebeu duas estrelas Michelin.
— É um que o Sergio Ramos postou quando estava em Madrid mês passado.
— Hoje eu não posso — fez uma longa pausa, que atraiu os olhares curiosos das duas. Ele não conseguia esconder nada quando estava na presença delas. — Hm, quero encontrar com alguém hoje. Estou pensando em um jantar.
— Quem é a sua nova namorada e por que a gente ainda não a conhece?
— Mamãe, ela não é minha namorada. Ela é uma amiga, eu acho.
Ana riu.
— Você, logo você — enfatizou — está na friendzone? Você já foi bem melhor.
— Cale a boca — beliscou a irmã para estressá-la, mas Ana apenas riu de sua cara mais uma vez e lhe deu uma cotovelada. — Preciso descobrir se estou ou não, e é por isso que vou chamá-la para sair.
— Por que você acha, querido? Você nunca teve problemas com isso, o que se passa?
— Não é bem um problema. Só não quero ser flagrado por paparazzi com ela. Eles têm sido insuportáveis comigo ultimamente, e eu não quero perturbação.
— Malditos, mil vezes malditos — Ana praguejou.
Ela poderia perturbar o irmão até ele não aguentar mais, mas ninguém tinha o direito de tirar a paz dele. Muito menos repórteres tendenciosos que esperavam um único passo em falso do espanhol para lhe rechaçarem em suas matérias dúbias.
— Seu pai pode cuidar disso, filho…
— Mamãe, eu sei me virar. Só não queria ter que lidar com eles hoje.
“E nem nunca”, pensou. Principalmente porque a pessoa em questão era Martínez, a sua nova preparadora física. Se fossem flagrados juntos de uma maneira não profissional, seria um prato cheio para os tabloides e fofocas nas redes sociais, que fariam a equipe de relações pessoais da Ferrari perturbá-lo ainda mais. Sem contar o contrato de publicidade que começaria a valer dentro de poucos meses.
Muita coisa estava em jogo. Mas nada era mais importante para o piloto do que a própria paz, e também a de . A espanhola era incrível demais para passar por uma perturbação daquelas.
— Você pode trazê-la para jantar na sua casa, e você cozinha — Ana sugeriu, e o irmão a encarou como se ela tivesse descoberto uma nova invenção automobilística.
— Gênio. Por isso que você é minha irmã — ele beijou o rosto da mais nova e Ana fez uma careta, mas não limpou a bochecha.
— Não a conheço, mas acho impossível alguém resistir à sua carbonara. É melhor que a minha, e fui eu quem lhe ensinou.
— Isso é verdade.
sorriu, só esperava que a mãe estivesse certa. Mas ao ver Piñon entrar na cozinha segurando uma blusa sua da Ferrari enquanto tentava não escorregar no piso molhado, seu sorriso desapareceu em segundos. Ele havia chegado no dia anterior, e sua casa estava uma verdadeira bagunça. E o Blue Heeler ajudou a bagunçar ainda mais, já que só bastava o dono chegar para que se mudasse para o anexo do quintal.
— Você mexeu na minha mala, não foi? — perguntou a Piñon, que estava sentado ao seu lado ainda com a camisa na boca. — O que mais você destruiu? — fez carinho em sua cabeça, e o cachorro soltou a peça de roupa, ficando em pé com as patas apoiadas na coxa do piloto.
— Vou mandar limpar sua casa — Reyes avisou. — Não se preocupe, também mandarei encherem a dispensa.
— Você é a melhor mãe do mundo — recebeu um beijo da mãe na cabeça e a irmã o imitou, fazendo uma careta.
O piloto recebeu uma lambida de Piñon e percebeu o quanto sentia falta de estar em casa. Parecia certo estar ali.


🌶️


adentrou a academia exatamente às duas e meia da tarde e deu um sorriso ao encontrar a personal concentrada enquanto fazia anotações em seu inseparável iPad, apoiada na bancada.
Naquela tarde, Martínez não usava a legging preta junto do top de mesma cor, habitual. Usava um moletom azul grande, tênis branco, e a barra do short de academia era da mesma cor do calçado. se perguntou se ficava tão bem de branco quanto era quando usava preto. “Deve ficar”, respondeu em pensamento, “ela é linda de qualquer jeito”.
— Boa tarde, Cariño — a cumprimentou, fazendo-a dar um leve salto. Havia sido pega de surpresa. E , como a boa ariana que era, não era fã de surpresas, por menores que fossem. — Atrasado?
— Na hora certa — sorriu. — Cheguei mais cedo porque precisava trocar seu treino, lembra? Já passou um mês do outro.
— Sim! — sacudiu a cabeça afirmativamente. — E hoje vai ser o quê?
— Seu pior pesadelo. — fez um beicinho com os lábios. Ele já sabia o que estava por vir. — Glúteo e cardio.
odiava dias de cardio na academia, preferia mil vezes correr por horas ao ar livre. No ambiente fechado, sentia que cansava bem mais rápido, e ainda tinha o fato de ser bem rígida – ela não o deixava roubar um segundo sequer.
— Tenho uma proposta. — Martínez arqueou uma sobrancelha e sorriu. — Se eu fizer o cardio em tempo recorde, você irá jantar comigo. Hoje.
— Tudo é uma competição para você, Cabrón?
— É mais emocionante, não acha?
deixou escapar uma risada
— Eu não vou pegar leve com você.
— Não esperava menos.
Então os dois seguiram para a sala de musculação, que estava completamente vazia. detestava academias lotadas, e aquele era um dos grandes motivos que ela adorava ser preparadora de – as academias que contratava para o piloto sempre eram com horário exclusivo. Eles nunca eram incomodados, seja com falatórios ou olhares. Era sempre eles dois, uma playlist, provações, risadas e, algumas vezes, Caco também aparecia. gostava daquela rotina, mesmo que trocassem de país quase toda semana. Quando tinham pausas grandes, ela ficava em Fiorano, Emília Romanha, assim como . Mas para a surpresa do piloto, havia escolhido alugar um apartamento do outro lado da cidade, bem distante do seu. E ela nunca o visitava. Sempre quando ele se dispunha – todas as vezes – a buscá-la, a mulher pacientemente o esperava na calçada.
Entretanto, aquela pausa era diferente, complemente. Eles estavam de volta em casa. De volta a Madrid. A grandiosa capital espanhola que conseguiu ser tão pequena a ponto de colocá-los um ao lado do outro no mesmo lugar, bem em frente à Plaza de Cibeles, onde sempre frequentaram, mas nunca tinham tido a chance nem mesmo de um esbarrão.
Mas estavam ali.
arfava e olhava contrariado para . Ela rolava seus olhos entre o cronômetro e a postura do piloto enquanto ele realizava a última série do burpee.
— Acabou — a preparadora avisou ao parar o cronômetro. — Demorou três minutos a mais que seu último tempo.
— Você é meio psicopata — ele grunhiu. — Se não queria jantar comigo, era só dizer. Não precisava me torturar.
— Não estou torturando você, eu avisei que hoje seria seu treino novo. Muda todo mês — ela o encarou. — Você poderia ter me convidado como uma pessoa normal.
— E você teria aceitado? — perguntou, e pela primeira vez naquela tarde, não retrucou a provocação dele.
— Levantamento terra — Martínez respondeu depois de um tempo. — Esse você já sabe, mudou apenas o peso.
Ao todo havia mudado toda série de exercícios de cardio; precisava de um foco excepcional naquela parte. No restante dos exercícios, ela trocou apenas dois, mantendo o resto totalmente como os antigos e mudando apenas pesos e séries.
Se tivesse feito o desafio do jantar antes de ter atualizado sua planilha, ela não mudaria. Martínez estava bastante tentada a aceitar a jantar com o piloto, e perguntava-se às vezes quando ele faria o convite. Demorou bastante e, quando o fez, foi no seu estilo peculiar. Competitivo. Como sempre era.
— A postura está errada — avisou ao vê-lo realizar a primeira execução de búlgaro com o peso de 10kg. A mulher tirou o moletom azul, deixou-o por cima do aparelho mais próximo e pegou dois pesos que estavam à sua frente. — É assim, preste atenção.
se posicionou ao lado de e mostrou pacientemente para o piloto como ele deveria prosseguir. não entendeu o que aconteceu, mas pela primeira vez sua mente não processou o que lhe falava. O homem não conseguiu tirar seus olhos de seu corpo e de como ela fazia tudo com tanta perfeição.
era linda. Incrivelmente linda. Com seus cabelos ondulados cor de mel que pareciam combinar com o bronzeado de sua pele. Com seu nariz fino irritavelmente empinado que combinavam com seus lábios. E seu corpo, que parecia ficar ainda mais bonito naquele conjunto de roupa branca.
Mierda — ela grunhiu e largou os pesos, sentando-se no chão.
arregalou os olhos e prontamente se sentou à sua frente, puxando o pé da mulher para si. Ele havia deixado cair o peso de sua mão no pé direito de Martínez.
— Me perdoe. Meu Deus, me perdoe — implorou enquanto tirava o tênis dela quase em desespero. — Eu vou levar você ao hospital.
— Não precisa — respondeu, mas o homem parecia não escutá-la. estava quase para explodir com a ideia de tê-la machucado. — , não precisa, de verdade — tocou sua mão, que já estava pronta para tirar a meia de seu pé, para tranquilizá-lo. — Estou bem, Cielo. Estou bem de verdade.
Ele a encarou ainda com a respiração acelerada, mas quando viu a mulher sorrir, seu coração pareceu se acalmar.
— Me perdoe, Cariño. Não sei o que aconteceu…
— Tá tudo bem, de verdade — tocou sua mão novamente, mas rapidamente a puxou, assim como seu pé. o girou para os lados, mostrando para o piloto que estava bem. — Não quebrou, está vendo? Vai ficar só dolorido por um momento, mas vai passar.
— Você tem certeza?
— Sim, completamente — apontou para a bolsa. — Você pode pegar um chinelo que tem aí? O piloto fez o que a espanhola pediu e rapidamente lhe entrou um par de chinelo vermelho da Puma. tirou a meia do pé machucado e rapidamente já tirava o tênis do outro lado, calçando o chinelo. Ela levantou os braços e o piloto, sem que precisasse dizer uma só palavra, ajudou-a a se levantar.
— Estou bem, tá vendo? — deu quatro passos, mesmo que mancasse de forma quase imperceptível. Mas os olhos atentos do espanhol jamais deixariam aquilo passar. — Manco pelo incômodo da dorzinha — explicou ao reconhecer pela sua expressão que ele havia percebido que mancava.
— Sem hospital, então?
— Apenas gelo e uma leve série de exercícios em casa irão me ajudar. Sou fisioterapeuta, esqueceu?
riu pela primeira vez desde o incidente. Finalmente tinha aceitado.
— Me deixe cozinhar para você hoje — disse, a pegando de surpresa. — Em forma de pedido de desculpas pelo pé.
— Você realmente sabe cozinhar?
— Oh, Cariño, eu sei fazer muita coisa. sentiu seu rosto ruborizar e fitou os próprios pés. Ali estava ela. Novamente aquela sensação que provocava em seu corpo.
— Você aceita?
— Tudo bem, aceito. Não posso recusar um pedido de desculpas, certo? — disse ela, e assentiu com um sorriso. — Você me manda seu endereço depois, então?
— Não — respondeu, e a mulher o encarou com a sobrancelha arqueada. — Eu irei buscá-la. Você ainda está manca, não quero lhe dar trabalho.
— Não estou manca — grunhiu, e cruzou os braços, lhe lançando um sorriso brincalhão. — Só um pouquinho — confessou, e ele sorriu convencido. — Me busque na Plaza de Cibeles.
— Você não tem casa?
revirou os olhos.
— Preciso resolver umas coisas pelo centro.
— Plaza de Cibeles, às seis e meia. Esteja lá, certo?
— Não se atrase.
— Eu nunca atraso, Cariño.
sorriu. Aquilo era uma verdade: nunca se atrasava.


🌙


Às seis e vinte e cinco da noite sentou-se no quinto banco localizado à direita da estátua de Cibeles. Usava um vestido longo, verde-claro e de alças finas, que deixavam suas costas praticamente nuas. Ela calçava sandálias rasteiras da mesma cor, confortáveis e apropriadas, já que o pé ainda a incomodava um pouco. Seu cabelo estava preso em um coque devido ao calor que fazia na cidade e que parecia piorar enquanto aguardava.
O que não fazia sentido, porque a mulher tinha acabado de chegar.
A verdade era que Martínez estava nervosa enquanto esperava e tentava tirar aquele sentimento de si enquanto brincava com o pingente de sua deusa intercessora no cordão em seu pescoço. “Espero que ele não atrase”, pensou ao ver o relógio. Já tinham se passado três minutos desde que havia chegado.
Às seis e trinta, um Volkswagen Golf GTI preto parou na vaga em sua frente e se perguntou se atrasaria pela primeira vez. Às seis e trinta, a janela do carro desceu e o viu sorrindo em sua direção.
Era Júnior, piloto da Ferrari e futuro campeão do mundo dirigindo um Golf. E ele não estava nem um minuto sequer atrasado.
— Você, em um Golf? Isso me surpreendeu — disse depois que eles seguiram na Paseo de Recoletos.
Era realmente surpreendente. Era totalmente fora dos padrões dos carros que já tinha visto dirigir desde que começaram a trabalhar juntos, e o homem tinha um gosto muito específico para os automóveis que dirigia.
— Confesso que esse aqui é meu preferido de todos — respondeu ao passar a marcha, e notou o quanto ele tinha facilidade para dirigir um carro manual e antigo. — Ganhei de presente do meu pai tem dez anos — ela sorriu. — Só uso agora para coisas muito importantes — foi ele quem sorriu. — Como está seu pé?
Então, percebeu que aquele não era mais era o Júnior, piloto da Ferrari e futuro campeão do mundo. Era simplesmente . O que era quase impossível de não se apaixonar. Naquele momento, pensou em como seria se permitir sair do ninho e voar em direção ao desconhecido, como sua avó havia dito. E que sua deusa Cibeles não escutasse, mas ali, naquele Golf, a caminho da casa em que tinham conversado em um balanço no quintal, se deixou imaginar como seria estar apaixonada por aquele .
E então, o pensamento a fez sorrir.


🌶️


A casa de foi uma surpresa. Já estivera ali naquele terreno antes, mas naquele dia de dezembro era tarde da noite e eles estavam do outro lado, na casa maior, atravessando o quintal.
Agora eles estavam do outro lado, na casa anexa ao quintal. À primeira vista, se impressionou com o chão completo em madeira clara; a varanda era espaçosa, com uma parte coberta e a outra aberta, que dava uma impressão de ser ainda maior. Ela contava com um sofá claro, que combinava perfeitamente com o piso amadeirado, uma mesa de centro, também em madeira, e muitas almofadas. Além disso, a parte externa ainda possuía uma cozinha com os eletrodomésticos em sua maioria pretos, e uma mesa onde pensou que quando recebia convidados, faziam as refeições ali.
Ao adentrarem a casa, que era completamente vidrada, se deu conta que era ainda mais bonita. Os móveis escuros faziam um contraste perfeito com a mobília clara e amadeirada da área externa.
A sala de estar era devidamente organizada, com muitas fotografias espalhadas. Tinha diversos troféus pela sala, capacetes enfeitavam as prateleiras, e uma foto em especial ficava no meio da sala. estava sentado no meio de duas meninas; no colo das duas havia dois cachorros muito parecidos. Já entre as pernas do piloto tinha o maior deles, com orelhas grandes e caídas, pelo preto com alguns brancos que se espalhavam até nas patas, e um casal mais velho estava atrás dos três. Aquela era a família .
— Sua casa é muito bonita! — disse ao encarar o piloto novamente. sorriu e colocou as mãos no bolso da calça jeans preta.
— Um dos meus maiores feitos. Não construí, claro, mas ela foi feita do jeito que eu realmente queria.
E era verdade. O piloto tinha muito a agradecer ao arquiteto e engenheiro que desvendaram o que ele desejava por meio de seus desenhos ruins e garranchos. E também ao pai, por ter dado a permissão de usar o terreno, mas aquilo tinha sido a parte mais fácil.
— Falta pouca coisa para o jantar ficar pronto, você aceita um vinho?
assentiu e a deixou sozinha por alguns minutos, até que voltou com a garrafa na mão e rapidamente pegou a taça que já estava disposta na mesa de centro da sala.
— Tinto, trouxe esse da Toscana.
Era um Sangiovese Toscana 2006, da Soldera. Um dos melhores vinhos tintos do mundo inteiro e que ele guardava com carinho em sua adega própria para uma ocasião especial, mas a espanhola não precisava saber daquilo. serviu duas taças e, depois de um brinde, tomou apenas três goles até que avisou que teria que voltar para a cozinha.
— Você precisa de ajuda? — perguntou e ele apertou os lábios ao encará-la.
O piloto não gostava de dividir sua cozinha. Em hipótese alguma. Era um momento único dele.
— Não precisa — disse gentilmente. — Prometo que não irei demorar, e se eu demorar, minha comida lhe compensará.
soltou uma risada baixa e concordou, então o piloto deixou-a na sala com a companhia de seu vinho preferido.
não demorou trinta minutos para voltar; adentrou a sala com dois pratos bem servidos de carbonara que fez os olhos de Martínez brilharem, ainda que ela não percebesse. A espanhola era uma amante de massas, por mais que não fizesse ideia de como cozinhava uma.
Os dois continuaram a conversar e foi o suficiente para descobrir, enquanto dividiam a maravilhosa carbonara, que sempre foi interessado em cozinhar. Ele ficava observando sua mãe na cozinha quando criança, até que se arriscou a fazer seu primeiro prato. Desde então, não parou mais. Ele era o cozinheiro oficial das noites de família, com seus hambúrgueres e carbonaras, para o desespero da mãe, pois eram melhores que as dela. também era um aficionado por esportes, desde o golfe até o futebol. Ele era um esportista nato, competir estava em suas veias.
Assim como também era. Que mesmo depois de tudo, nunca conseguiu deixar a vida esportiva verdadeiramente.
— Após essa carbonara incrível, tenho que convidar você para a final da Champions League — disse ela após dar um gole no vinho enquanto ambos se sentavam no enorme sofá branco. — Dia vinte e seis, antes do grande prêmio de Mônaco.
— Ah, eu posso conseguir nossos ingressos…
— o nome do piloto saiu de forma suave, que pegou até mesmo a espanhola de surpresa —, eu estou convidando. E eu tenho entrada livre, então não se preocupe.
— Então tudo bem — o piloto se recostou no sofá e Martínez percebeu o quão confortável ele estava. — Você sempre gostou de futebol?
— Sempre — podia jurar que os olhos dela brilharam. — Acho que, hm, desde que nasci? — eles riram juntos. — Meu tio avô ganhou uma honraria no Real Madrid. Ele virou sócio de honra do time.
— A maior honraria que se pode receber — falaram juntos, e sorriu para o piloto. — Isso. Exatamente isso.
— Então tá explicado seus acessos ao time — apenas assentiu, bebendo mais um pouco do vinho. — Meu pai ganhou uma dessa ano passado, acho que nunca o vi tão orgulhoso. E olha que ele ganhou o Dakar três vezes — tinha um tom de orgulho quando falava do pai, e admirou aquilo. Ela também era uma amante de sua família, mais do que tudo, e valorizava quem também era. — Será que eles se conhecem? Deve haver algum tipo de reunião desses sócios, apesar de ele nunca ter me contado.
— Não sei, meu tio avô morreu faz alguns anos. Nossa, faz bastante tempo, 2014 — esboçou um meio-sorriso. — O nome dele era Léon. Ele era muito dedicado. Quando ganhou a honraria do time, disse que um dia eu ganharia uma porque era uma esportista fenomenal. Mas, bom, acho que ele tava errado.
não soube o porquê, mas quis abraçar a mulher naquele momento. Existia uma certa tristeza em sua voz – até mesmo dor – de algo que ele sentia que ela ainda não tinha se recuperado por completo. Mas o piloto não a abraçou, apenas terminou o vinho que restava em sua taça, e também pegou a sua, mas não bebeu. Girou a taça, fazendo o pouco que restava do líquido balançar e, então, respirou fundo e soltou. Como se estivesse guardando aquilo há muito tempo dentro de si.
Eu fui uma lutadora olímpica — revelou. — As duas únicas medalhas de ouro que a Espanha tem no judô são minhas.
Martínez conseguia ser ainda mais interessante e surpreendente. E adorou como ela se sentiu confortável o bastante para contar, mesmo que convivessem durante todos os dias desde o início de abril. Ela tinha dado aquele passo.
— Tive uma lesão no joelho direito, pensei que era só uma entorse, mas não foi. Meu menisco ficou destruído e eu não ajudei em nada — suspirou. — Não retiraram ele, fizeram uma sutura meniscal para o dano ser menor. E para completar, tive uma lesão no meu ligamento cruzado anterior no joelho esquerdo, ao mesmo tempo. Retiraram o enxerto do tendão patelar e meu joelho esquerdo ficou imprestável para continuar a competir em alto nível. Bastou um giro. Um giro e eu acabei — soltou uma risada sem graça. — Eu era conhecida por meus giros rápidos e eficazes, e foi com um deles que me aposentei.
— Eu sinto muito, . De verdade — foi sincero. — Eu não consigo nem imaginar o que você passou.
— Por favor, não imagine — ela tocou o braço dele pela primeira vez naquela noite, e ele pôde jurar que sentiu uma corrente elétrica por toda sua extensão. — Você ama tanto o que faz, é literalmente a sua vida. Nem por um segundo se imagine longe dela, muito menos por minha causa. Só… — sorriu e deixou a taça de vinho, agora vazia, na mesa de centro. — Seja feliz correndo. Aproveite cada segundo fazendo o que faz, de verdade.
assentiu. tinha sido tão verdadeira, suas palavras carregavam tanta emoção que ele nem mesmo soube responder algo a altura.
— Então você virou preparadora de outros atletas?
Ela sorriu.
— Sim! Resolvi entrar na faculdade, fiz logo duas, e entrei de fato no mundo da musculação. Eu nunca acreditava quando falavam que academia é o cemitério de ex-atletas, mas é verdade. Academia se tornou uma fuga e obsessão para mim. Não era prazeroso. Era triste, para ser sincera, estar ali sabendo que eu não poderia mais estar num tablado, lutando pelo meu país. Eu trouxe as duas primeiras medalhas para a Espanha, e foi por defender a Espanha que nunca mais trouxe outra. Morri na guerra, sabe?
— Uma heroína, de certa forma.
o encarou e lhe lançou um sorriso:
— Afinal, se não fosse você, o que seria do esporte aqui, hein?
— Eu não faço a mínima ideia e nem sei se quero. Me desliguei do judô e do mundo dele. Não sei nem se lembram de mim — riu sem graça. — Imagine, desejei me tornar esquecível porque falhei quando meu sonho era ser brilhante. Não mereço estar nesse mundo do judô, , ele não é para perdedores.
— Ah, Cariño, você nunca será uma perdedora — disse gentil, e sentiu vontade de beijá-lo. E o fato de ele estar incrivelmente perto não era um facilitador. Mas ela apenas preferiu pegar sua taça de volta e dar seu último gole no vinho.


🌙


era surpreendente. E tê-la ali, sendo tão verdadeira, parecia incrivelmente certo. Nem os maiores deuses poderiam prever aquilo. Talvez, e apenas Cibeles poderia. Tinha sido ela a responsável por colocar a espanhola em seu caminho, ainda que de maneira bastante peculiar.
Martínez devolveu a taça vazia para a mesa e, ao vê-la passar a língua rapidamente pelos lábios ainda molhados de vinho, sentiu vontade de derrubá-la no sofá, pressionar o corpo contra o dela e beijá-la até perder o ar. Ele a queria. Chegava a ser desesperador para o piloto querer daquele jeito, já que nunca tinha passado por aquilo. Sempre foi fácil conseguir as mulheres que desejava; o espanhol não precisava de muito, para ser sincero, mas com Martínez era diferente. Envolvia muita coisa. E ele parecia não ligar para nada.
E sem se importar com todas as outras coisas que poderiam ser afetadas por ele enfim cumprir seu desejo, passou a mão por seu pescoço e a beijou.
Por Deus, se ele acreditasse em todas aquelas coisas que a irmã mais nova contava para a mãe sobre histórias de amor, poderia jurar que o beijo tinha sido mágico. A forma que seu corpo reagiu, como seu corpo parecia estar na mesma temperatura que o dela – bastante alta, importante dizer –, ou até mesmo como ela o encarou quando se separaram, sem saber distinguir se seus olhos estavam totalmente abertos.
— Eu preciso ir — murmurou e levantou-se apressadamente para ir em direção à porta da sala, sendo seguida pelo piloto, que ficou em sua frente. — Preciso ir embora.
Mas quando sentiu os dedos de a tocarem no rosto, o corpo inteiro da espanhola se arrepiou. A atmosfera entre eles era pesada e quente, transbordava desejo em todas as suas formas. Qualquer um que entrasse naquela sala saberia sem nem mesmo precisar conhecer os dois.
, por favor — ele pediu. — Eu não quero que você vá.
falou em voz baixa e, com uma intensidade que a fez estremecer, seu olhos estavam negros. A madrilenha poderia jurar que conseguia enxergar faíscas em suas pupilas. Ali, Martínez soube que estava completamente rendida a .
Era inevitável.
— Não me faça me arrepender disso, Cielo.
— Nunca, Cariño. Nunca.
Uma pessoa se exporia ao fogo sabendo que se queimaria? Definitivamente não.
Mas ela era Martínez e aquele era .
, então, encostou a espanhola na porta e rapidamente segurou-a em seu colo e a levou para seu quarto, iluminado apenas pela luz do corredor que invadia o ambiente. Colocou em sua cama com uma delicadeza que a morena não conhecia e deslizou uma de suas mãos até sua nuca, enquanto a outra permanecia em sua cintura.
Tão linda — murmurou enquanto distribuía beijos por todo o seu pescoço.
Martínez perdeu o fôlego quando encarou os olhos de , completamente escuros, que faziam jus à luxúria que sentia. Olhos que, naquele momento, pareciam ainda mais sombrios e perigosos. Era como se estivesse voando muito perto do sol, completamente pronta e entregue, sem se importar com as queimaduras que poderia sofrer.
Ter acima de si, tomando conta de todo o seu campo de visão, era espetacular. Ela não poderia pedir mais nada.
Você é minha, Cariño — sua voz era rouca e calorosa, que fez até mesmo as partes mais desconhecidas de se arrepiarem.
puxou para baixo o vestido verde e beijou o colo desnudo da mulher. Sua mão descia para baixo da sua cintura, acariciando sua bunda, enquanto a outra passeava sobre seu lábio. adorava aqueles lábios. Macios, grandes, deliciosamente convidativos. Ele seria capaz de se perder ali. Eram uma imensidão, como uma lua cheia em um céu estrelado.
arfou, sem conseguir dizer uma só palavra, apenas gemidos. sorriu e a beijou, como se estivesse a possuindo, sem tempo para ser suave ou delicado.
era dele. E ele sabia que era dela, ainda que não entendesse o porquê.


Capítulo 9 – Espanha

What if I told you none of it was accidental? In the first night that you saw me, I knew that I wanted you.

GP da Espanha
Barcelona, Catalunha
22 de maio de 2022


A corrida começaria em menos de uma hora, mas o pensamento de estava bem distante dali. Para ser mais exata, sua mente não tinha saído da casa de , muito menos das coisas que fizeram noite adentro e de quando acordaram no outro dia.
Ainda que ela tenha passado os outros dias fugindo de .
A espanhola só o via pela tarde por conta dos treinamentos e sempre esquecia de reservar a academia somente para eles. fugia porque sabia que não resistiria ficar mais um minuto ao lado do piloto sem querer estar nos braços dele, porque depois daquela fatídica noite, Martínez não precisava mais perder seu tempo imaginando como seria estar com , porque o espanhol tinha lhe mostrado. Era uma realidade.
Agora, só lhe restava lembrar.
— Eu acho que ele combina com você — escutou Ellie murmurar e voltou sua atenção para a engenheira. — .
— Pffff — reclamou. — Nós não combinamos, você está maluca.
— Combinam, sim. Aliás, ele faz muito o seu tipo.
— O que Daniel deu para você ontem à noite? — provocou. — definitivamente não faz meu tipo — disse em uma tentativa de enganar a si mesma, mas não conseguiu. Muito menos Ellie, que era esperta demais para acreditar naquele seu teatro todo.
— Amiga, ele faz o tipo de todo mundo! é um homem muito bonito.
— Passe cinco minutos com ele pra você ver só como ele é doido — resmungou, e Ellie soltou uma risada.
— O seu doido tá vindo bem ali.
E não pôde enxergar seu próprio rosto ao virar para onde a amiga estava olhando, mas Ellie enxergou. E soube na mesma hora o que tinha acontecido entre eles. Earnhardt tinha ficado com o mesmo brilho nervoso no olhar depois que transou pela primeira vez com Daniel Ricciardo. E duvidava que um dia perderia aquele tipo de brilho.
— Quero saber depois — sussurrou para a amiga, que mexeu nos cabelos ao tentar disfarçar que não estava encarando para o piloto, mas ele já estava ali.
— Boa tarde, queridas — ele cumprimentou as duas. Ellie cruzou os braços e manteve um sorriso sugestivo nos lábios.
, oi! Tá quente hoje, né? — perguntou, e lhe deu um beliscão na costela.
— Incrivelmente quente, mais que o normal — o piloto respondeu e encarou a preparadora. — Vim buscar sua amiga, já que ela parece estar fugindo de mim esses dias. Sabia disso, Earnhardt?
— Fugindo, é, ? — Ellie perguntou ao cruzar os braços e lançar um sorriso sugestivo para a amiga. — Por quê?
— Temos que ir — disse rapidamente antes que a amiga ou falassem algo comprometedor. — Você precisa ir pra banheira — Ellie deixou escapar uma risada e pisou em seus pés discretamente. — De gelo. Tem corrida daqui a pouco, vamos.
— Boa sorte com a banheira, hm — pigarreou — de gelo.
encarou Ellie e murmurou um “te vejo depois”, depois puxou para longe da estadunidense, que lhe deu um tchauzinho com as mãos.
— Ellie está meio besta hoje ou é impressão? — perguntou quando estavam a uma boa distância da engenheira.
— Impressão sua — respondeu rápido. — E se tiver, é porque tá convivendo muito com Ricciardo. Ele é meio besta também — disse ao lembrar de como o amigo australiano fez piadas inconvenientes no primeiro dia em Barcelona, no paddock, assim que botou os olhos nela e .
Chegava até a parecer que todos sabiam sobre eles dois. Mesmo sendo impossível.
— Hora da banheira — disse assim que adentraram o box.
— Nós dois? — sussurrou ao pé do seu ouvido, fazendo-a prender a respiração.
— Você. Por Deus, seus pais estão lá fora.
— E você ainda não foi apresentada.
— Nem pense…
— Como minha preparadora — ele levantou a mão em forma de rendição. — Apenas como minha preparadora.
— Depois da banheira. Agora vá logo, Cabrón.
— Você quem manda, Cariño.
lhe roubou um beijo rápido na bochecha e, antes que pudesse reclamar, entrou em sua sala e fechou a porta. O espanhol ainda iria levá-la a perder o restante de sanidade que tinha em seu corpo.


🌶️




odiava correr em dias muito quentes. Barcelona sempre tinha um bom clima, mas naquela semana estava sendo escaldante.
O piloto não gostava dos dias excessivamente quentes porque isso significava que ele teria que fazer a preparação na banheira de gelo, e o espanhol sabia que não iria aliviar. Se duvidasse, ainda o deixaria mais tempo que o necessário lá dentro.
— Tô pronto — avisou ao entrar no banheiro da sala.
já o esperava com a pequena banheira preta, que mais parecia uma grande bacia, cheia de água e gelo. sentiu seu corpo tremer sem nem mesmo estar lá dentro.
— Dez minutos. Quinze no máximo. Sua temperatura corporal precisa cair para vinte graus ou dezenove. — assentiu, ele sabia que correr em temperaturas elevadas junto da temperatura corporal alta era bastante prejudicial e corria riscos dele nao aguentar o calor dentro do cockpit. — Trouxe para você.
lhe estendeu um patinho amarelo de banho e sorriu ao notar que ela tinha escrito “55” no topo da cabeça do pato e “” na parte da frente do brinquedo. A caligrafia da espanhola era impecável.
— Para lhe fazer companhia.
— Eu adorei — ele pegou o patinho, entrou na banheira e se acomodou rapidamente, mas isso não o impediu de gritar, muito menos de soltar diversos palavrões. Era dolorido, sabia bem.
— Trabalhe seu físico e mental, , não pense na dor.
— Puta que pariu — ele juntou as mãos e encarou a preparadora. — Merda.
— Físico e mental.
Caralho.
fechou a porta atrás de si a tempo de escutar mais um xingamento do espanhol. Ela odiava aquilo, mas era necessário.


🌙


Faltando vinte minutos para que os carros começassem a sair dos boxes, voltou para a garagem já vestido em seu macacão vermelho e com em seu encalço.
A família estava do seu lado do box e, assim que o viram, toda a atenção foi-lhe dada. queria ficar apenas de longe observando a interação do quinteto, mas era impossível. logo lhe puxou e apresentou para toda a família.
— Essa é a mulher que me tortura — disse, e arregalou os olhos, dando-lhe um cutucão na cintura.
— Não diga isso da moça! Tenho certeza que ela lhe trata muito bem — a mais velha dentre as mulheres lhe sorriu de forma gentil. — Sou Reyes, querida. fala muito de você.
— Pois eu acho ótimo — a mais nova dos irmãos disse e prontamente recebeu um olhar de advertência da mãe. — , não é? Você deveria torturá-lo de verdade.
— Não ligue para meus irmãos — a mais velha a cumprimentou.
Martínez — se apresentou, apertando a mão de todos. — Juro que não torturo ninguém.
— Mas deveria — o mais velho falou pela primeira vez, era o pai. — Pode levar esse menino ao limite, querida. Não o deixe amolecer.
sorriu. Os dois não eram só parecidos fisicamente; era dali então que vinha todo o espírito competitivo do filho.
— Antes que vocês comecem a planejar o meu massacre — apontou para o pai e a irmã mais nova —, vou levar embora. Temos que ir. Vejo vocês depois da corrida.
— Que Deus te proteja, niño — Reyes o abraçou forte e lhe deu um beijo na bochecha. — Que Deus te abençoe sempre.
— Amém, mamá.
— Que você vença. Estaremos aqui — o pai disse e lhe deu um abraço.
— Sim, senhor.
abraçou as irmãs e podia jurar que viu os olhos da mãe dele se encherem de lágrimas. A espanhola jamais poderia saber como Reyes se sentia. Não deveria ser fácil ter um filho piloto, quem dirá um filho e um marido. nunca entenderia, afinal, até aquele dia o acidente de Daniel ainda lhe passava pela cabeça.
O piloto entrou no cockpit e saiu da garagem logo em seguida, rumo à pista ao som do barulho de sua torcida. O tempo na linha de partida do grid não demorou muito, e logo tanto Martínez quanto o restante dos funcionários de todas equipes já estavam na boxes, até que a volta de formação foi anunciada.
A corrida iria começar e Martínez tocou em seu pingente da deusa Cibeles, pedindo silenciosamente para que fosse protegido durante as sessenta e seis voltas do circuito.


🌶️


O quarto lugar não estava nem perto de estar nos planos do espanhol, mas para a equipe, após a saída de Charles Leclerc da corrida, aqueles doze pontos equivaliam a uma vitória.
Mas para não era o suficiente, estava longe de ser. Desde o término da corrida, após cumprimentar rapidamente toda a equipe e sua família, entrou na sua pequena sala da garagem e foi seguido por seu pai.
, que pela convivência e estudo constante, tinha a certeza que o resultado havia sido brilhante tendo em vista as condições que enfrentou na pista. O espanhol esteve dirigindo o tempo inteiro com um fragmento desconhecido que havia engatado em sua roda traseira na metade para o final da corrida, e ainda assim conseguiu permanecer no top 5 do dia. O piloto não sabia daquele detalhe, e esperava que, com a notícia, o piloto ficasse com um humor melhor.
Você tem que meter nessa sua cabeça que não pode vacilar aqui e em lugar nenhum — a espanhola escutou as duras palavras saírem da boca do pai do piloto ao abrir a porta do vestiário e sentiu seu coração apertar quando a encarou. deu um sorriso amarelo e o senhor passou as mãos pelo cabelo, a encarando e dando um sorriso em seguida.
, boa tarde — a cumprimentou. — Acho que você precisa conversar com , certo? — ela assentiu. — Já terminamos, nos vemos em casa — o mais velho apertou os ombros do filho e os deixou a sós.
— Hm,
— Não precisa explicar — lhe lançou um sorriso gentil e segurou sua mão. — Você foi brilhante hoje, sabia?
riu sem graça:
— Não precisa me confortar pelo que escutou do meu pai. Isso é normal e ele está certo. Decepcionei hoje não ficando no pódio.
— Não estou te confortando, é a verdade. — a encarou. — Você sabia que tinha um objeto preso na sua roda traseira? Provavelmente era um detrito que voou pra pista depois da segunda batida e prendeu no seu carro. Por isso você não conseguiu tirar mais dele. Não por erro seu, mas sim porque não tinha como fazer isso. Era impossível.
— Você está falando sério? Foi na volta 40, não foi?
— Engatou na volta 39. Seu carro começou a sentir de verdade na 40 quando Pérez te ultrapassou, e depois Russell.
Os ombros do piloto relaxaram e ele os deixou cair. Passou as mãos pelo cabelo, que ainda estavam suados por conta do corrida, e encarou com um brilho no olhar que era inexistente quando ela entrou na sala.
— Obrigado. De verdade, obrigado — lhe lançou um sorriso. — Eu ia ficar neurado com a corrida de hoje por essa semana e não ia ter paz. Obrigado.
— Não precisa agradecer, os engenheiros devem te repassar nos próximos dias os detalhes — sorriu e levantou do sofá, mas a segurou pelo pulso.
— Te vejo hoje à noite na festa? Te mandei o endereço por mensagem.
— Eu vi, mas não vou conseguir ir — Martínez coçou a garganta e se levantou ainda a segurando.
— Você está fugindo de mim depois daquela noite.
A preparadora arregalou os olhos, e se aproximou um pouco mais:
— Você mal me responde e só fala comigo nos treinos. O que foi? Foi péssimo para você?
— Não estou fugindo, muito menos foi péssimo para mim — ela respondeu. — Estou mantendo uma distância segura de você.
— Não quero manter distância de você, Cariño. E eu aposto que você também não quer.
— Eu preciso.
— Mas não quer.
ruborizou. sorriu, fez carinho com os dedos no pulso da espanhola e a soltou, mas ela não saiu do lugar.
— Você me deu duas notícias boas hoje. A primeira é que eu não fui um merda correndo, e a segunda é que você não quer deixar de me ver sem ser só no trabalho. Então, me dê uma terceira notícia boa e aceite ir na festa que vou dar hoje. Ela é lendária, todos sabem.
— Não posso, de verdade. Eu tenho compromisso com minha família hoje, vamos jantar num karaokê que sempre fechamos…
— Eu adoro karaokê.
ergueu uma sobrancelha e o cruzou os braços com um sorriso no rosto.
— Se você não tivesse que dar uma festa, convidaria você.
— Eu vou adorar ir.
— Mas a sua festa…
— Ela acontece sem mim. Já paguei tudo, mesmo.
— Você quer mesmo ir ao karaokê comigo e minha família? Vai ter crianças correndo por todo o lugar.
— Adorarei ir.
— Às sete, em ponto, no La Canela.
— Do outro lado da cidade? Você gosta de coisas distantes.
— É privado — retrucou. — Vou chamar Beatrice e Ellie. Você pode chamar Charles e Daniel, afinal, isso não é um encontro, é um karaokê.
— Já disse que adoro karaokês, Cariño — o espanhol lhe deu um beijo na bochecha, e sentiu um frio percorrer sua espinha. — Quer que eu te busque em casa? Ou melhor, na Plaza de Cibeles?
— Não sei se seu Golf aguenta até o La Canela — rebateu. soltou uma risada, colocando a mão no peito e fingindo estar ofendido.
— Não fale do meu Golf.
— Não me chame de sem-teto. — soltou uma risada. — Vou com minha família, não se preocupe. E não se atrase.
— Ótimo, assim já conheço sua família.
— Não se anime, falei mal de você para todos.
— Pois eu duvido, Cariño — aproximou-se novamente e a preparadora deu um passo para trás.
— Até às sete.
— Estarei lá.
Martínez deixou sozinho em sua sala, e o piloto se pegou pensando em como Martínez era diferente de todas as outras. E ainda que muitas vezes o tirasse do sério, ele gostava.
Gostava muito.


🌙


Os dias de karaokê no La Canela já tinham se tornado tradição na família Martínez e seus agregados. A cada três meses, todos se reuniam no bar mais afastado do centro da cidade para passarem a noite cercados de comida, bebida e muita cantoria, onde até mesmo as crianças tinham espaço garantido. Ninguém ficava de fora.
, ainda que cansada por conta do trabalho, estava animada para chegar em casa e enfim partir com a família – mesmo que parte de si estivesse aflita por Jr. ter dito que sua presença era confirmada. Martínez não fazia ideia de como o piloto reagiria à sua família e amigos, mas desejava que todos se dessem bem. , de certa forma, já era importante em sua vida.
Ainda que estivesse com uma pequena aflição e um nervosismo lhe percorrendo a mente, Martínez estava feliz. Era bom estar na presença de todos depois de ter estado tão longe.
Mas ao entrar na casa número cinco em La Finca e Eron lhe agarrar as pernas com o rosto vermelho de tanto soluçar, seu coração partiu em pedaços.
— Tia , meu pai não veio. Não quero cantar sem ele, não quero.
Eron Martínez Ramos era o filho do meio dentre os quatro que sua prima Rosie tinha com o zagueiro Sergio Ramos Garcia. E ao longo dos seus cinco anos recém-completos, era o que mais sentia falta do pai. O mais velho, Júnior, de dez anos, apesar de sentir a ausência do espanhol, conseguia entender perfeitamente os motivos do pai não morar mais com eles e nem vê-los com frequência; a França era um país longe e o jogador não podia viajar a todo momento, mesmo que quisesse. Entretanto, Eron, sendo o filho que era mais próximo, nunca se adaptou com a ausência de Ramos, e parecia sofrer cada vez mais.
pegou o menino no colo e sentiu suas lágrimas transparecerem a blusa polo da Ferrari que usava e molhar seu ombro. Seu coração ficou ainda mais apertado.
— Ei, niño, você pode cantar comigo. Vamos cantar todas as músicas que você quiser.
— Você conhece? É Carros.
— Sim — afirmou, e o menino deu uma fungada. — Eu também tenho um amigo para te apresentar. Ele se chama , sabia?
— É um nome legal. Ele conhece Carros?
— Eu não sei, mas você pode perguntar para ele. E, para isso, vai ter que ir no karaokê.
— Só vou se ninguém falar do meu pai. Júnior só fala dele o tempo todo, e eu não quero.
— Tudo bem, ninguém vai falar dele.
— Então eu vou.
Eron sorriu não só com os lábios, mas também com os olhos, e depositou um beijo molhado na bochecha da tia, lhe dando um abraço apertado.
sentiu seu coração esquentar. A espanhola amava os sobrinhos mais do que qualquer coisa, e sabia que distância do pai estava sendo mais difícil do que todos esperavam – sem contar que ela também já não era mais presente como sempre tinha sido. Principalmente com Eron, que se sentiu um pouco mais deslocado da mãe e do pai logo quando o irmão mais novo, Alejandro, nasceu tão rápido e precisou de atenção redobrada por ser prematuro.
Família era tudo para , e ela faria de tudo para protegê-los.


🌶️


Antes das sete da noite, a família Martínez já estava no La Canela. Os quatro filhos de Rosie correram para o conhecido playground junto das duas babás, e era óbvio que tinha sido arrastada junto. Eles adoravam a tia, e todos queriam um pouco mais de atenção da preparadora – até mesmo o caçula do bando, com apenas dois anos, Juan.
— Pimentinha!
reconheceu a voz do melhor amigo e um sorriso tomou conta do seu rosto. Ela só não correu para abraçar Villagers porque abraçou as gêmeas primeiro, mesmo tendo estado com elas durante quase todos os dias desde que havia chegado em Madrid. Depois que as duas enfim aquietaram os meninos Martínez-Ramos, saiu do playground e abraçou o melhor amigo com toda a força que tinha.
— Como tá o joelho? Tem sentido dores?
— É sério? — Daniel arqueou a sobrancelha. — Você não me vê por todo esse tempo e a primeira coisa que pergunta é sobre meu joelho?
— Sim! Eu cuidava dele antes de ir embora, é minha obrigação saber. Aliás, só fui porque disse que ia continuar recebendo os pareceres.
— Ele tá bem, Pimentinha. Já sou titular, esqueceu? Você vai não vai?
— Óbvio! Estarei em Mônaco, e de lá para Paris é um pulo. E, hm — passou a mão pela testa como se tivesse lembrado de algo, e Dani já a encarava com um sorriso sacana junto dos braços cruzados. — Vou precisar de mais um crachá.
— Pra quem, hein, mocinha? Sergio Ramos pediu pra você me pedir?
torceu os lábios e colocou a mão na boca do jogador.
— Não pode falar de Sergio Ramos hoje, Eron praticamente implorou.
Daniel assentiu e soltou o ar, triste. O jogador sabia mais do que ninguém o quanto questões paternas eram complicadas quando se tratava de distância por causa de trabalho. Ele mesmo passava pelo mesmo, por mais que quisesse e se esforçasse para ser presente para Kaia e Zuri. Se morando em Madrid já era difícil, do outro lado do continente era ainda mais.
— E é para , vamos juntos.
Jr., hein? O que você está me escondendo?
— Nada — ruborizou, e Villagers soltou uma risada. — Não estou escondendo nada!
— Você ficou vermelha. É óbvio que está escondendo, Pimentinha — Daniel bagunçou o cabelo da mais nova e ela o fuzilou com o olhar, dando-lhe um beliscão no braço.
— Passarinha, aquele rapaz está aqui — a voz de dona Celina pegou de surpresa, e ela sentiu seu corpo congelar. Mesmo que o estivesse esperando, não tinha certeza se o homem realmente apareceria. — O seu piloto.
— Piloto dela é, dona Celina? — a avó gargalhou ao escutar o jogador, que também a acompanhou na risada. — Me conte mais.
— Assim que ela for lá falar com ele — Celina deu três tapinhas no braço da neta e, ao vê-la andar em direção ao espanhol, entrelaçou o seu braço no de Villagers, pronta para contar-lhe tudo o que achava sobre os dois.


🌙


desceu do Uber às sete em ponto e parou em frente ao lugar em que havia lhe mandando o endereço poucas horas atrás.
Era engraçado que, apesar de ter nascido em Madrid e passado muito tempo na cidade antes de começar a rodar o mundo, ele não fazia ideia de que aquele lugar existia. Parecia ser algo tão íntimo de , como se aos poucos ela o estivesse deixando entrar em seu mundo.
respirou fundo, ajeitou os cabelos pelo reflexo do vidro da janela e entrou no La Canela. Seus olhos percorreram o lugar, mas não a encontraram, entretanto, parecia que tinha outros olhos grudados em si próprio. E realmente tinham. Não demorou um minuto sozinho até que uma senhora baixa, de pele morena e cabelos curtos, brancos, enrolados e perfeitamente cortados lançou-lhe um sorriso e um olhar gentil. Seus olhos eram tão verdes quanto os de , e era inegável o quanto seus traços eram parecidos.
— Você deve ser o piloto! Com certeza é você, não se fazem muitos homens assim hoje em dia — disparou, o pegando de surpresa. — Sou Celina, avó de .
— Olá! — ele estendeu a mão, mas a mais velha o abraçou e lhe deu um beijo na bochecha. — Sou ! Amigo de , hm, do trabalho. Ela me convidou!
— Claro! Espero que goste de cantar — ela sorriu. — Vou chamá-la.
Celina virou-se e, com um aceno, um casal se aproximou. A mulher também era parecida com , apesar de ser mais corpulenta e ter os cabelos negros. O homem era alto, com braços e pernas esguias; com toda a certeza havia herdado a altura dele.
— Maria José e Antônio, fiquem com ! Avisarei que ele chegou. Com certeza ela está com Daniel.
— Ah, Daniel já chegou? — perguntou, surpreso. Não era do feitio do amigo ser tão pontual.
— Claro que sim! — Celina respondeu como se fosse óbvio. — Se ele atrasar, não é só que o perturba, as filhas também.
arregalou os olhos, mas a mulher lhe virou as costas, o deixando a sós com os pais de . “Desde quando Daniel tinha filhas?”, pensou. Só podia ser mais uma das palhaçadas do australiano.
— Então você é o responsável por minha única filha sair de casa! — Antonio disparou. o encarou, assustado. — É brincadeira, não precisa ficar com essa cara.
— Não faça isso com o menino! — Maria José o ralhou. — Você quer alguma coisa, querido? só deve estar escolhendo as músicas com Daniel, mas ela deve aparecer em um instante.
— Eles não me falaram que precisava escolher música…
— Não se preocupe, você escolhe na hora! Eles tem uma mania de escolher as que vão cantar juntos antes de começarem a discutir.
— Eu não sabia que Daniel era tão…
! — a voz de tomou tanta conta de seus pensamentos que não foi capaz de terminar sua frase.
O espanhol virou quase imediatamente para a mulher e sorriu assim que seus olhos se encontraram. Martínez estava linda naquele vestido preto tomara-que-caia, que deixava seu colo completamente à mostra.
Lugar esse que havia se deliciado noites atrás. Com o pensamento indevido, o espanhol soltou um pigarro e passou as mãos pelo cabelo.
— Você veio! E é claro que já conheceu minha família — ela encarou os pais com uma certa reprovação. — Vocês são impossíveis — sussurrou para eles.
— Me receberam enquanto você estava com o doente do Daniel. Como esse imbecil já chegou?
esfregou a testa e soltou uma risada.
— Eu não fazia ideia que sua família o conhecia.
— Eles não o conhecem — ela respondeu, e arqueou a sobrancelha. — Eles estão falando de outro Daniel.
— Tem mais de um Daniel? — perguntou, indignado. — Deus me livre. Já basta aquele australiano, não me diga que esse é da mesma laia.
— Acho que pior — sorriu e o pegou pela mão. — Não sumam, vocês também tem que cantar — disse para os pais. — E você, velhinha, não me apronte — sussurrou para Celina e os deixou, andando enquanto segurava o pulso de pelo lugar.
— Sério, não acredito que tem mais um Daniel. Todo castigo é pouco.
riu e parou com ele no balcão do bar.
— Duas cervejas! — ela pediu, e em segundos ambos já estavam com as garrafas em mãos. deu o primeiro gole e, antes que pudesse voltar a falar, Martínez o conduziu para uma parte quase ao fundo do bar, que parecia um playground infantil. — É desse Daniel que eles estavam falando.
— Ah, não preciso conhecer mais um australiano intrometido… — ele murmurou e voltou a beber sua cerveja. Mas quando o homem que estava agachado levantou e virou, sentiu o líquido gelado derramar de sua boca e alguns pingos molharem seu suéter. — Dios mio.
Daniel Villagers, atacante e capitão do Real Madrid, o jogador eleito melhor do mundo duas vezes e que tinha sido o responsável por levar, mais uma vez, o time blanco para mais uma final da Champions League de forma quase heróica, estava bem na sua frente, com os cabelos loiros perfeitamente penteados para trás. Sorrindo. Como se fosse alguém normal, e não o melhor do mundo.
— Grande !
— Eu… quer dizer, oi! — tossiu e rapidamente limpou a boca com a costa da mão. — Oi.
— Cara, você é famoso por aqui.
— Eu sou famoso? — o piloto soltou uma risada nervosa. — Hm, você me conhece!
— Sim. fala direto de você. Até comecei a assistir Fórmula 1. Sempre conheci só Ferrari e Mercedes, mas, hm, agora torço para você!
— Ah, cara…
Cale a boca, seu merdinha grunhiu, apontando o dedo para o loiro, e a encarou como se ela fosse uma maluca. — Eu não falo dele direto, não seja mentiroso.
— Ah, eu que sou mentiroso, sim. Sua cara nem treme.
— Não ligue pro que esse idiota fala, . Ele é meu melhor amigo.
— Daniel Villagers é seu melhor amigo?
Infelizmente — responderam juntos, mas foi o loiro que recebeu uma cotovelada na costela da mais nova.
— Ela é insuportável assim também com você? Já te passou aquele treino que só pode ter sido feito por um psicopata?
— No meu primeiro dia — Villagers soltou uma risada e deu três tapinhas no ombro do espanhol. — Porra, ! Por isso o seu acesso ao Real Madrid.
— Na ver… — Daniel pareceu se lembrar de algo ao ver Eron sair do cercado do playground e ir em direção a eles, então pigarreou. — Sim. Ela era minha preparadora e acabamos virando amigos. Agora tô aqui, apanhando sempre que ela tem oportunidade.
revirou os olhos, mas lançou um sorriso quando a criança loira tocou-lhe na perna, abaixando-se quase que imediatamente.
, apesar de não ter muito contato com crianças em sua família, as achava especiais. Principalmente quando elas iam até os grandes prêmios torcer por ele. Até mesmo achava que tinha uma certa facilidade para lidar com elas, mas quando viu aquele pequeno encará-lo e cochichar algo para , não soube o que fazer. Seu único instinto foi agachar-se para ficar quase na sua altura e lhe estender a mão.
— Oi, cara.
— Oi, meu nome é Eron. Você que é o amigo da minha tia ?
— Sim! Sou o . Sua tia falou de mim, foi?
estreitou o olhar para ele, mas a criança já tinha apertado sua mão.
Falou. Disse que você era legal e que podia cantar comigo. Você pode?
— Qualquer música que você quiser! — sorriu. — Quer cantar agora?
Os olhos do menino pareceram brilhar:
— Depois! Posso mostrar meus carros de corrida? Minha tia disse que você tem um vermelho. Igual ao meu.
— Eu vou adorar ver — o piloto respondeu, e a criança soltou e estendeu a mão para , o conduzindo para dentro do cercado. Ele ficou encantado de imediato com o pequeno Eron, mas não tinha sido apenas ele.
Se fosse possível, o espanhol havia acabado de encantar ainda mais. E Daniel Villagers percebeu aquilo ao flagrar a melhor amiga sorrindo não só com os lábios, mas também com os olhos, enquanto ela mantinha o olhar vidrado no diálogo do piloto e Eron.
E Villagers não a deixaria esquecer daquilo.


🌶️


A família de era contagiante e incrivelmente falante. foi apresentado para todas as crianças e adultos do lugar, até mesmo às babás das crianças. Ninguém o deixava ficar um minuto sem comida no prato ou cerveja.
Eles eram acolhedores, e, ali, o homem entendeu por que tinha tanto cuidado com eles. Aquele tipo de relação familiar era uma preciosidade que precisava de cuidado.
— Você não vai me fazer cantar aquela música de dez minutos — Villagers falou pela terceira vez e bateu o pé, contrariada. — Não tem cabimento.
— Papai! — Kaia o chamou, e Daniel soube o que já estava por vir. — Você conhece todas as músicas da Taylor Swift, não custa nada cantar. Eu que pedi.
— Então cante você e sua tia.
— Quero que o senhor, meu pai, cante — a negra cruzou os braços, e sorriu. A espanhola soube que tinha vencido.
— Eu acho que para abrir a nossa noite de karaokê, a deve cantar com o nosso convidado!
— Eu também acho — Villagers respondeu para Celina, indo para seu lado.
— Vovó…
— Você se importa, querido? — perguntou para o piloto, ignorando a neta. — Tem uma música que sempre canto com , mas hoje estou um pouco rouca — Celina soltou um tossido baixo.
— Claro que não! Hm, , qual é a música?
— Não sei se você conhece, é antiga — ela deu de ombros — Smooth Operator, da Sade.
soltou uma risada que pegou de surpresa. Era óbvio que ele conhecia. Era sua marca.
— É sério?
— Sim, vovó e eu cantamos ela toda vez.
— Então a gente tem mais em comum do que você imagina, Cariño — ele murmurou. — Vamos — pegou pela mão e os dois subiram no palco, que ficava no centro do lugar. — Você começa?
assentiu, e em poucos minutos os microfones já estavam a postos. Antes que os primeiros acordes pudessem sair pelos alto-falantes, enxergou Charles Leclerc entrar com Beatrice Portinari no lugar.
A italiana, com toda a certeza, faria questão de gravar cada minuto.
Diamond life, lover boy, he moves in space with minimum waste and maximum joy…
Para a surpresa de , era bastante afinada.
City lights and business nights when you require streetcar desire for higher heights…
Totalmente ao contrário dele. Se aquele não fosse um ambiente com pouca gente ou que não sentisse segurança, nunca faria aquilo sem estar completamente embriagado.
No place for beginners or sensitive hearts. The sentiment is left to chance, no place to be ending but somewhere to start.
No need to ask.
E, então, cantaram juntos:
He's a smooth operator, smooth operator, smooth operator, smooooooooth oooooperaaaaatoooorrrrr…
E, consequentemente, fizeram todos cantarem juntos.
Com toda a certeza, aquele era o início de uma grande noite.


🌙


estava feliz.
A espanhola não estava com um sorriso no rosto somente porque e seu melhor amigo estavam em cima de um palco, alcoolizados, enquanto cantavam a plenos pulmões You Belong With Me.
Era por um conjunto de coisas. E todas elas incluíam .
Principalmente quando ele ainda estava sóbrio e cantou Real Gone, do filme Carros, junto de Eron, depois de ter brincado pacientemente com todos os carros de corrida que a criança lhe mostrou. E eram muitos. Eron Martínez era um aficionado pelos brinquedos da Hot Wheels.
O fato também do espanhol ter reagido igual uma criança encontrando o ídolo pela primeira vez ao falar com Daniel também lhe fez feliz. esperava que todos aqueles atletas já tivessem se esbarrado ao menos uma vez na vida, mas sabia que aquele momento mais reservado, familiar e acolhedor era diferente de qualquer outra experiência que pudesse ter fora dali com o melhor amigo. E poder ter feito parte daquilo a fez feliz.
Os dois tinham se dado tão bem que dividiram um palco ao estragarem mais um dos grandes sucessos da Taylor Swift.
Quando cansaram de cantar, foi a vez de Ricciardo e Ellie tomarem conta do palco, e logo que se deram conta, Max Verstappen também já estava nele cantando ABBA. Não demorou muito para que os expulsasse dali e, quando percebeu, já estava nos braços de enquanto Nalani Waialiki Villagers embalava a todos ao som de Turning Page.
Foi inevitável não lembrar da noite em que passaram juntos. Seu cheiro, o toque quente, seu hálito de hortelã ao pé do ouvido, o calor que emanava. Tudo.
E Martínez não tinha para onde correr. Para ser sincera consigo mesma, ela queria mesmo estar ali.
— Não pise no meu pé — sussurrou para o espanhol, que lhe sorriu.
— Nunca, Cariño.
Dançaram mais três músicas, até que foram pegos de surpresa pelo grupo de pilotos composto por Pierre Gasly, Yuki Tsunoda, Lance Stroll, Esteban Ocon, Alexander Albon e Lando Norris, que invadiu o lugar.
— Como vocês descobriram? — perguntou, e Lando passou o braço por seus ombros.
— Charles contou para Gasly, que contou para Alex, que contou para mim. Estávamos na sua festa que você não apareceu. Até Max tá aqui!
— Sim, cabeçudo, não grite! — o empurrou. — é a patrocinadora, então dêem boa noite, pelo menos.
Boa noite, ! — um coro de vários sotaques se fez presente, e Martínez cumprimentou um por um, agradecendo mentalmente por sua família não presenciar o caos que o La Canela se tornaria em poucos minutos.
Ninguém tinha paz quando mais de um piloto se juntava. Não queria imaginar o que aconteceria quando metade do grid estava em um só lugar.
— Desculpe pela invasão — Gasly falou com quando a viu no balcão. — Espero que não tenha problema. Aliás, sou Pierre! Acho que nunca nos falamos pelo paddock.
— Eu também acho que não! — sorriu e lhe estendeu a mão. O francês prontamente retribuiu o cumprimento. — , preparadora de . E amiga, também.
— Amiga, uh?
— E nada mais.
Pierre sorriu galanteador, mas antes que pudesse lançar qualquer frase pronta para a espanhola, sentiu a mão de em seu ombro.
— Cabrón, Charles está te procurando.
— Leclerc? Eu acabei de…
— É o único Charles que a gente conhece, né? — deu de ombros e Pierre revirou os olhos. — Ele está pra lá. Bem pra lá. Passando o palco — apontou para onde Max Verstappen terminava de cantar We Are The Champions acompanhado por Norris e já emendavam uma outra música completamente diferente.
— Vou ver o que ele quer. Hm, au revoir, beauté!
Au revoir! respondeu o cumprimento na mesma língua, e Pierre os deixou a sós.
”Au revoir, beauté!” o imitou, fazendo rir. — Não caia no papo desse francês.
— Só posso cair no seu papo?
— Ainda bem que não preciso explicar.
balançou a cabeça negativamente, e se aproximou um pouco mais:
— Ainda vai fugir de mim?
Mas não obteve resposta. terminou de beber sua cerveja e só então o encarou. Ela o queria. Mais que tudo.
— Quer sair daqui? — ele sugeriu. — Ellie já foi e Beatrice não tá por perto. Elas não vão te julgar.
— Eu vou me julgar.
soltou uma risada, mas sua expressão mudou completamente, assim como a de , quando entenderam o que Max estava cantando no palco.
‘Cause I am a champion and you're gonna hear me roar!
— Puta que pariu, esse moleque só pode estar de brincadeira — reclamou e assentiu, concordando, enquanto olhava de forma julgadora o homem que dava tudo de si no palco ao lado de Lando.
— Lando ainda dança — soltou uma risada. — Você realmente prefere ficar aqui e escutar mais disso?
o encarou e balançou a cabeça. Passou a mão pelo cabelo e, antes que pudesse escutar mais um verso em nota alta de Roar na voz de Max Verstappen, puxou pela mão, para a surpresa do espanhol. O homem adorava o quanto ela podia ser surpreendente até nas pequenas coisas. o levou para fora do bar e, de maneira furtiva, entrou no Audi Q8 preto que estava estacionado em frente ao La Canela.
— Alfredo, oi! — cumprimentou o motorista, que a encarou pelo retrovisor. — Pro Ritz. Pelo melhor caminho que você conseguir.
— Sim, senhora. É para aguardar?
— Não — respondeu rápido. — Volte pro La Canela. Todos tem que estar em segurança nos seus próprios hotéis, o Four Seasons e o Westin Palace. Santiago foi levar dois amigos mas volta, e Benedito tá de prontidão. Qualquer coisa me avise, certo?
— Sim, senhora! Irei levá-los agora.
assentiu e o motorista acelerou. Alfredo era o seu motorista – e segurança – particular desde os treze anos de idade, assim como Santiago e Benedito, que sempre estiveram na família Martínez. Santiago ficava sempre aos serviços de seus pais e avó e Benedito, com a família de sua prima, Rosie. Mas naquela noite, para que nenhum incidente acontecesse, todos estavam à sua disposição.
— Se me flagrarem em um Audi, você é a culpada.
— Peça pra Ferrari patrocinar o Real Madrid, então.
riu.
— Meu maior sonho — e deixou sua mão direita percorrer a parte interna da coxa de . — Não tanto quanto ter você essa noite, é claro, Cariño — sussurrou ao pé de seu ouvido.
prendeu a respiração, mas ainda desejando saber por quais outros lugares as mãos do espanhol percorria pelo seu corpo.


🌶️


O caminho até o Ritz foi torturante para Martínez enquanto divertia-se em contribuir para sua tortura quando brincava com sua orelha e pescoço à mostra ao mesmo tempo em que se aproveitava do escuro das ruas e do carro para tocar em sua intimidade.
Martínez emitiu um grunhido e logo apertou os lábios, reprovando a si mesma por ter emitido o som enquanto não estavam a sós. O que a espanhola queria de verdade era poder gritar à vontade enquanto o homem tivesse todas as liberdades com seu corpo. Mas, naquela hora, não podia. E adorava levá-la até o seu limite. Ele se divertia verdadeiramente em assisti-la a se forçar a não responder da forma que desejava às suas investidas, que já tinham resultado em uma calcinha completamente molhada nos bolsos do espanhol.
Até que a claridade da rua tornou-se incômoda e eles perceberam que estavam na porta do hotel. murmurou uma despedida de forma quase incompreensível para o motorista e os dois saíram do carro, quase tropeçando nos próprios pés.
— Boa noite, sejam bem-vindos ao…
— Um quarto. Ala privativa. Hm, , Ferrari — interrompeu a atendente, que assentiu, sendo pega de surpresa. — Por favor.
Dois o corrigiu. — Dois quartos. No mesmo andar.
a encarou sem acreditar. ainda iria levá-lo à loucura, e não era um achismo, era apenas uma questão de tempo.
A recepcionista terminou rapidamente de preencher o cadastro de e lhe estendeu dois cartões. O piloto tomou a mão de e, antes que pudesse perceber, já estavam dentro do elevador.
— Dois quartos? — perguntou quando apertou o botão de segurança. — Dois quartos, Cariño.
— Caso alguém vaze que você está aqui comigo. Não pode arriscar qualquer brecha, entende? Assim, dois quartos, resolvemos nos hospedar depois de uma noite de bebedeira entre amigos — respondeu e apertou novamente o botão, fazendo o elevador subir para o vigésimo quinto andar.
Dios mio, você é tão inteligente. Quando pensou nisso?
— No carro enquanto você estava com seus dedos em mim — murmurou. a encarou com suas íris completamente escuras e a colocou contra o espelho.
— Então eu não estava fazendo direto.
— Eu tinha que pensar em outra coisa para não sentar em cima de você com a porra de um carro em movimento sendo dirigido pelo motorista da minha família, merda.
— Por Deus, você é tão gostosa — a voz rouca de preencheu seus ouvidos, e apertou fortemente os olhos, como se estivesse reunindo forças para se concentrar. — Sabe o que eu mais gosto do Ritz? Os elevadores que vão pros quartos exclusivos não têm câmeras.
Martínez bateu o pé várias vezes no chão, como se estivesse contando os segundos para que o elevador chegasse ao andar e eles saíssem dali.
— Não feche seus olhos, Cariño — a virou de frente para o espelho, e a espanhola sentiu seu coração bater mais forte quando o elevador parou abruptamente.
Eles ainda não estavam no vigésimo quinto andar. E estava com sua boca quente em seu pescoço; uma de suas mãos brincava com seu seio esquerdo enquanto a outra suspendia seu vestido preto.
— Eu quero que você olhe o que eu vou fazer com você nesse elevador, Cariño.
E quando os dedos do homem encontraram sua intimidade, abriu sua boca em um “O” perfeito. Ao se encarar no espelho, cheia de prazer, e também visualizar da mesma forma, teve a certeza que era refém dele.
Martínez era completamente de . Completamente.


Capítulo 10 – Mônaco

Heaven can’t help me now

Stade de France
26 de maio de 2022


achava Paris uma cidade superestimada. Ela não era adepta à sua culinária mais conhecida, que incluía patos, miolos, queijos e doces em excesso; muito menos gostava do cheiro da cidade. Paris tinha cheiro de Paris, e não era agradável.
Mas tinha uma coisa que gostava não só na cidade, mas como no país: a paixão por futebol. E, naquele dia, a cidade inteira estava diferente.
Era a grande final da Champions League. A capital francesa transpirava futebol, e estava encantada. “A cidade deveria ser sempre assim”, pensou ao dar mais uma olhada pela janela do hotel. Viu passarem diversas crianças vestidas de branco, cobertas com cachecóis, balançando bandeirinhas com o escudo que tanto amava.
A companhia de , em conjunto daquele clima futebolístico que os dois tanto gostavam, deixava as coisas ainda melhores. Os dois não eram de conversar abertamente sobre os últimos acontecimentos, mas sempre que se pegavam sozinhos, era inevitável perceber a tensão que os rodeava. A noite no Ritz na Espanha foi a última em que ficaram juntos, e nunca descobriu quanto pagou por ter parado o elevador da ala privativa do hotel por mais de uma hora, nem mesmo o valor total dos dois quartos. E duvidava se um dia saberia. Talvez nem mesmo soubesse.
Mas a única coisa que os dois sabiam muito bem é que era apenas uma questão de tempo para que ficassem juntos novamente. E ter a ciência daquilo assustava mais do que a espanhola imaginava.
Por esse motivo, mesmo fazendo apenas um bate e volta rápido na cidade parisiense, optou por ficar hospedada em um hotel diferente do que . A preparadora não confiava em si mesma perto dele, sabia que cederia. As memórias das duas noites em que estiveram juntos ainda eram vividas em sua mente – sem falar nas sensações que lhe causava, que pareciam sempre voltar para assombrá-la. Era incrível, e interessante, o efeito que ele tinha sobre ela. E já chegara a se perguntar se tinha algum, ainda que pequeno, sobre ele. A ideia de que era apenas mais uma no meio de tantas outras que o espanhol poderia ter era torturante, angustiante. Uma hora teriam que deixar as coisas em pratos limpos, mas o medo de estragar tudo era maior. Muito maior. O que tinham era diferente, não poderia ser estragado tão rápido.
Não demorou muito para Martínez sair do Novotel Suites Paris Stade de France e encontrar com o piloto em frente à área VIP do estádio. A espanhola sorriu ao vê-lo encostado com um pé na parede, digitando no telefone, usando uma calça jeans azul e uma camisa do Real Madrid. Não demorou dois minutos para que notasse que não estava sozinho, e ele abriu um sorriso ao ver quem era sua companhia.
— Se tivéssemos combinado, não daria certo — apontou para a blusa que a mulher usava.
— Décima primeira Champions — respondeu. — Temporada da remontada, quando Dani entrou no time.
— Sim! Nossa, quase inacreditável o que ele fez. Mereceu muito a premiação de melhor do mundo naquela temporada.
— Eu espero que se repita hoje. Estou nervosa.
— Eu também. Quero ver Salah abrir o berreiro de novo hoje.
soltou uma gargalhada ao lembrar do post que o jogador fez atiçando a torcida do Real Madrid.
— Ele deve ter pesadelos com Sergio Ramos até hoje — respondeu, mas voltou sua atenção para o celular que tocou. atendeu e respondeu apenas um “obrigada, querido, já te encontro”, que fez se perguntar quem era do outro lado da linha.
O espanhol não queria acreditar que depois de todos os acontecimentos dos últimos dias, tinha uma outra pessoa. Muito menos que o outro estivesse ali, num lugar que ela tinha o convidado.
— Vamos entrar! Tenho que te apresentar a alguém — sorriu. — Para você — e estendeu o crachá de VIP Access para ele. — Tá tudo bem?
assentiu e colocou o cordão no pescoço. Se odiou por não saber esconder quando estava chateado ou irritado, suas expressões o denunciavam na hora. E sempre parecia perceber.
— Vamos! — respondeu, seco.
Ela apertou os lábios e concordou. estava diferente, e chegava a ser ridículo o quanto a incomodava não saber o que se passava na cabeça dele. Ridículo porque eles não tinham nada. E mais ridículo ainda porque ela desejava saber.
Martínez abriu a porta da sala e sorriu ao ver o homem que estava de costas, assistindo alguma reportagem sobre futebol na televisão. Se considerava Rosie sua irmã mais velha e por muitas vezes mãe, Sergio Ramos Garcia era seu irmão mais velho, e também pai.
E que saudade ela estava sentindo.
— Pimentinha! — Sergio disse ao se virar, abrindo os braços para abraçar .
— Meu Deus, que saudade! Eu odeio esse seu novo time maldito.
Ramos soltou uma risada e soltou a Martínez mais nova.
— Obrigada por ter conseguido o espaço, hm — ela virou-se para , que ainda mantinha os olhos arregalados, sem acreditar. — Esse é !
— Claro, o piloto da Ferrari! Eu o conheço, e também o pai dele — estendeu a mão para o homem, que demorou alguns segundos antes de responder o cumprimento fervorosamente. — Ele já esteve no Real Madrid algumas vezes.
— Meu Deus — balbuciou —, eu não fazia ideia, de verdade.
— Sergio é como um irmão — disse e o homem passou o braço direito ao redor de seus ombros. — Ele é marido de Rosie. Me viu crescer.
— E ganhar duas olimpíadas. Eu estava na primeira fileira de todas — soou orgulhoso e ruborizou, baixando o olhar. Ainda era um assunto doloroso.
E ele percebeu, mudando de assunto na mesma hora. Conversaram um pouco sobre futebol, provaram quase tudo o que estava disponível no cardápio e dividiram um champanhe, até que o garçom avisou que faltavam apenas trinta minutos para a final começar.
— Vamos descer para o camarote, então — Sergio disse e foi o primeiro a abrir a porta de acesso ao lugar.
— Obrigado, Cariño — sussurrou para antes que eles seguissem o zagueiro. — Obrigado, de verdade. E agora eu entendo porque não aceita quase ninguém no Instagram.
Ela riu e o abraçou, pegando-o totalmente de surpresa.
— Eu que agradeço por mais cedo, Cielo — sussurrou antes de soltá-lo. — Por ter mudado de assunto. Foi importante.
passou a mão pelo seu rosto e lhe respondeu com um sorriso gentil. Mas a verdade era que queria beijá-la ali mesmo.
— Vamos?
— Vamos.


🌙


Martínez já não tinha mais unhas em suas mãos.
O segundo tempo já estava no décimo minuto, e era perceptível como Liverpool estava dominando o jogo. O time inglês estava sufocando o Real Madrid, que não tinha conseguido criar nenhuma chance de contra-ataque. A defesa estava sendo surreal para o time merengue, e ninguém saberia dizer até quando eles iriam aguentar. Não tinham mais Sergio Ramos para defendê-los – o homem estava sentado na arquibancada, atento a cada passe de bola do seu antigo time.
— Daniel não consegue receber a bola — disse ele sem tirar os olhos do gramado. — A bola não tá chegando.
— Tem que chegar — coçou a sobrancelha. — Eles tem que marcar.
— Filhos da puta de merda! — xingou quando Mohamed Salah deu um chute forte em direção ao gol, mas parou no paredão Courtois.
E no décimo terceiro minuto, Casemiro escapou mais à frente na saída da bola, encontrando Daniel Villagers, que driblou a marcação e encontrou Vinícius Júnior, dando-lhe um chute cruzado certeiro.
O Stade de France explodiu. Vinícius Júnior tinha aberto o placar para o time merengue.
Júnior! — os três gritaram após o locutor bradar “Vini”. E repetiram por cinco vezes seguidas.
O Real Madrid naquele momento era campeão mais uma vez, mas ainda faltavam mais de trinta minutos. E o time merengue mostrou para o mundo o motivo de ter treze troféus da Champions League em sua casa. Seriam quatorze com aquele. O Real Madrid era campeão do mundo mais uma vez.
Sergio Ramos abraçou os dois juntos, mas foi que envolveu num abraço apertado enquanto ela se debulhava em lágrimas. Daniel Villagers tinha feito uma partida espetacular, e Martinez sabia que aquilo era resultado do seu trabalho no período da lesão. Ela também tinha parte naquela vitória.
— Parabéns! — sussurrou. — Seu trabalho é foda assim como você. Parabéns, Cariño!
Ficaram abraçados por mais alguns minutos, até que a soltou a tempo de perceber que eram encarados por Sergio Ramos, que tinha uma expressão indecifrável no rosto. não entendeu por quê, mas sentiu cada parte do seu corpo ser analisada pelo zagueiro.
— Vamos ao vestiário! Preciso ver Daniel — gritou para os dois e saiu na frente, deixando-os no camarote.
, um momento — o espanhol parou na pequena escada de acesso à sala assim que escutou a voz do jogador. — gosta de você.
piscou algumas vezes e molhou os lábios com a língua, sem saber o que responder para o homem à sua frente. Por que ele estava falando sobre aquilo?
— Isso não foi uma pergunta, então não precisa responder. gosta de você, é perceptível — Sergio colocou a mão no ombro do piloto e não conseguiu desviar de seu olhar. — Cuide dela. E caso não sinta o mesmo, não a prenda. Se não descobriu ainda, descubra. é importante e já esgotou a cota de relações ruins em sua vida. é… . Ela pode ser difícil de lidar algumas vezes, mas é uma das pessoas mais incríveis que você vai conhecer nessa vida. Ela tem um coração tão bom que, ainda com todas as coisas ruins que lhe aconteceram, tem o brilho no olhar que tinha desde criança. O brilho que é difícil da gente achar. Não a deixe perder esse brilho — Sergio tirou a mão dos ombros do piloto e passou pela barba, se aproximando um pouco mais dele. Então, sussurrou: — Nunca a machuque ou você vai se ver comigo — deu-lhe dois tapinhas no ombro. — Seja bem-vindo à família.
E subiu as escadas, deixando o piloto a sós com seus pensamentos, que estavam a um milhão.


🌶️


demorou alguns minutos para absorver as palavras de Sergio Ramos, mas enfim entendeu que a atitude do jogador era o que faria com suas irmãs. Era cuidado, amor. E , acima de tudo, valorizava a família. A atitude de Sergio Ramos era a mais pura forma de cuidado familiar.
E isso fez admirar o ídolo ainda mais.
O piloto não demorou muito para seguir o mesmo caminho do zagueiro e da preparadora, e, quando percebeu, já estava no vestiário do Real Madrid no estádio francês. Aquilo ainda era inacreditável. Seu pai iria matá-lo por não tê-lo levado quando contasse.
Ninguém pareceu notar sua presença, de tanto que estavam imersos na comemoração. Não demorou muito para achar e sorriu ao vê-la tão confortável naquele ambiente. Ela estava sentada entre Sergio e Daniel, que conversavam animadamente enquanto os outros jogadores bebiam e cantavam. O troféu passava na mão de um por um enquanto todos tiravam fotos e gravavam vídeos. Até que chegou nas mãos de Daniel, e não demorou muito para que ele entregasse a . Era aquele brilho no olhar que Ramos havia falado. Martínez pegou a taça da Champions e a abraçou como se fosse uma criança com um brinquedo amado. A preparadora colocou a cabeça sobre o ombro de Daniel e, quando ele a abraçou, chorou mais uma vez.
— É sua também — escutou Daniel dizer. — Você ajeitou meu joelho e me fez voltar. Obrigado, Pimentinha.
— Amo você — ela respondeu e levantou a cabeça, dando mais uma olhada para a taça em suas mãos.
E foi quando viu . Ela abriu um sorriso e fez sinal com a mão livre para o piloto ir até eles, e assim o homem fez.
— Olhe essa beleza! — a mulher estendeu a taça em sua direção. — Olhe isso!
— Eu posso? — perguntou receoso, e foi Daniel quem respondeu que sim.
O espanhol pegou a taça pela primeira vez em sua vida e pôde jurar que nunca mais se esqueceria daquele dia. Nem em seus maiores sonhos de criança aquilo iria acontecer. Mas ali estava ele, dentro do vestiário do seu time de coração, com dois de seus ídolos futebolísticos, cercado de jogadores que admirava e com a taça de uma Champions League em mãos.
Facilmente poderia ser o melhor dia de sua vida.
— Olhe para cá! — chamou, tirando-o de seus pensamentos. — Sorria! — e, então, o fotografou com o celular.
demorou mais alguns segundos com a taça e a devolveu para Villagers, que prontamente já estava junto dos companheiros do outro lado do vestiário. O piloto sentou ao lado de , recebeu uma cerveja da espanhola e os dois brindaram juntos. Riram, conversaram, gritaram gritos de torcida junto com os jogadores e dividiram mais algumas cervejas antes de se despedirem de todos.
Os dois não demoraram mais de meia hora ali, mas para foi um daqueles momentos que você lembra a vida inteira. Tinha sido especial. Ainda mais por Martínez estar ali.
Martínez — ele a chamou quando entraram no carro que iria levá-los até o restaurante para que pudessem comer algo antes da viagem para Mônaco. — Eu vou casar com você para ser da família de Sergio Ramos.
deu uma gargalhada e um tapa em sua coxa direita.
— Eu nunca vou casar com você, Cabrón, tá maluco?! Só transamos duas vezes, não se empolgue tanto.
— Não tem mais escapatória, Cariño. Já te disse, você é minha — ele piscou em sua direção. — E eu vou ser cunhado de Sergio Ramos Garcia.
gargalhou mais uma vez e voltou sua atenção para o celular. Quando sentiu o seu vibrar, o tirou do bolso e riu ao ver as notificações.
Martínez havia aceitado sua solicitação no Instagram. Ela também o mencionou em seu story. Era uma foto sua no vestiário do Real Madrid, sorrindo de orelha a orelha com a décima quarta taça da Champions League nas mãos.
Lá estava ele, oficialmente, no mundo de Martínez.
E não poderia estar mais feliz.



Monte Carlo
Principado de Mônaco
29 de maio de 2022


Aquela tarde de domingo foi totalmente o oposto do que os outros dias tinham sido para . As condições daquela corrida não eram nem um pouco favoráveis; seu corpo estava completamente molhado, assim como a pista.
Já passava da vigésima volta quando a chuva resolveu dar uma trégua e a pista começar a secar, mas, por erro de estratégia, o espanhol teve dificuldades para retomar sua posição após a troca de pneus, ficando atrás de Max Verstappen, na quarta colocação. Não demorou muito para que ele retornasse aos boxes, mas daquela vez foi por culpa de Mick Schumacher, que bateu na barreira de proteção e a corrida foi parada por uma bandeira vermelha. No retorno, já na volta sessenta, pressionou Verstappen e tomou sua posição de segundo lugar, enquanto seu companheiro de equipe travava uma batalha acirrada com o piloto da Red Bull para tirá-lo do pódio. E batalhou até o final com Daniel Ricciardo, que milagrosamente estava em primeiro lugar.
Um milagre pareceu ter caído sobre o australiano, e a chuva, ao invés de atrapalhá-lo, o levou à glória. Ricciardo atravessou a bandeira quadriculada em primeiro lugar, seguido por e Charles Leclerc.
Em corridas normais, ter ficado em segundo quando teve chances do primeiro estressaria e o deixaria enraivecido por muito tempo. Mas aquele grande prêmio foi tudo, exceto normal: diversas batidas, alagamento da pista e erros de estratégia, os quais ele teve que recusar-se a seguir as orientações. O resultado poderia ter sido bem diferente, e para pior.
estava feliz com aquele segundo lugar naquele dia. E ver a alegria de Daniel Ricciardo, que levantou o troféu ao lado de Ellie Earnhardt, sua engenheira e namorada, lhe fez ter certeza que aquele era o pódio certo.
E comemorar somente naqueles minutos não era o suficiente. Por isso, naquela noite, estava no Jimmy’z, comemorando com seus colegas de grid. E Martínez. Ainda que não a tivesse achado no meio de tantos corpos dançantes.
— Cabrón! — o sotaque monegasco de Charles invadiu seus ouvidos. — Por que você não está com um copo na mão?
— Tinha um até dez minutos atrás — o amigo passou o braço por seus ombros. — Cadê sua namorada chata?
— Está com Ellie e Daniel no camarote! Vim buscar você. Os caras estão lá também.
— E ? — perguntou como quem não queria nada, mas recebeu um sorriso sugestivo de Leclerc. — Pare de sorrir assim.
— Não estou fazendo nada — soltou uma risada. — Lá de cima você enxerga a pista melhor.
E sem que o monegasco precisasse dizer mais uma palavra, o seguiu. O lugar estava uma loucura e pareceu ficar ainda mais quando o espanhol adentrou ao lado de Leclerc, que anunciou a chegada do amigo aos berros.
Ao som de Can’t Hold Us, o espanhol foi agarrado pelos colegas de grid e, quando deu por si, já estava em cima da mesa ao lado de Daniel, Ellie e Charles, recriando a cena do pódio de mais cedo. Só que, naquele momento, todos estavam completamente bêbados, e a camisa do australiano já estava com todos os botões abertos.
A música parecia ficar ainda mais alta ao passo que ficavam mais bêbados. podia jurar já estar sentindo cheiro de marijuana no lugar e tinha suas opções quase certeiras sobre quem era o responsável. Quando percebeu, já estava dançando com Beatrice Portinari sem que tivessem trocado palavras ácidas ou xingamentos. Com toda a certeza era o efeito da droga que inebriava o lugar.
Mas ainda assim, não tirava Martínez da cabeça. E o fato de não vê-la desde que retornou aos boxes para comemorar com a equipe já o estava preocupando.
— Você viu ? — perguntou para Beatrice, que soltou uma risada
— Ela disse que ia pagar a nossa próxima rodada de champanhe e desceu — apontou para o balcão, que ficava quase no início do salão. — Não apareceu mais, Ellie foi atrás dela.
E foi quando percebeu que a estadunidense já não estava mais ali. O homem agradeceu a Bea e desceu as escadas, sem se preocupar em quantas pessoas esbarrou pelo caminho, até ser parado por uma.
Ellie Earnhardt! — gritou ao segurar a engenheira pelos ombros. — Onde está sua amiga?
— No balcão. Algum idiota derrubou da mão do garçom a champanheira e deu chilique, agora ela está tentando resolver a confusão. Já deve ter pedido uns três drinks.
— Você é foda! — a sacudiu e beijou-a na bochecha. — Vá tirar Daniel da mesa antes que ele faça um striptease. A camisa já foi.
— Porra — Ellie bateu na própria testa. — Não quero imaginar o que vai acontecer no iate de Lance Stroll mais tarde.
continuou a andar, e o sorriso em seus lábios foi instantâneo quando viu a espanhola. Ela usava um vestido prateado, decotado entre os seios e também nas costas; o decote em V parava estrategicamente uns dois centímetros acima de sua bunda, os cachos perfeitamente finalizados deixavam o cabelo longo ainda mais bonito, e o batom vermelho em sua boca completava o visual.
Ela iria levá-lo à loucura sem nem mesmo dizer uma palavra.
Mas que merda, cara insuportável. Juro que vou quebrar a sua cara — a escutou praguejar em espanhol e entendeu que o homem ao seu lado a estressava. Seria uma questão de tempo até lhe partir ao meio, e, por mais que desejasse ver a cena, não queria a mulher estampando tabloides e sites de fofoca.
aproximou-se, mas não antes do homem segurar o braço de . A espanhola virou abruptamente e o encarou como se pudesse matá-lo, e sabia que com menos de três movimentos ela poderia.
— Solte-me.— o alertou em francês. — Solte meu braço agora.
— Ou você vai fazer o quê?
— Ou nós dois vamos ter que resolver isso de outra forma, e não vai ser bom para você — disse, surpreendendo os dois.
O homem pareceu reconhecê-lo e soltou o braço de na mesma hora, levantando a mão em forma de rendição, mas não saiu do lugar. Então, rapidamente se aproximou e colocou as duas mãos nos ombros dele.
— Toque em mim outra vez sem a minha permissão e você vai desejar nunca ter nascido, seu estúpido — ameaçou ao pé de seu ouvido, fazendo sorrir orgulhoso. Então, discretamente lhe deu uma joelhada na barriga, que fez o homem cambalear para trás e cair no chão, urrando de dor. — Alguém o ajude. Acho que ele caiu! — elevou a voz, e algumas pessoas apareceram para retirar o homem do chão. — Por que você está com esse sorriso idiota no rosto?
— Eu poderia passar horas vendo você destruir todos os homens que te incomodam — respondeu e pegou um dos drinks que tinham acabado de ser colocados na frente da mulher.
— Isso é da Beatrice.
deu de ombros e colocou o canudinho na boca.
Idiota.
— Vai me bater? — ele deixou o copo no balcão e aproximou-se da espanhola. — Eu iria adorar.
— Vai perturbar meu juízo a noite inteira?
— Estava com saudade, Cariño. Você sumiu depois do pódio, não ficou feliz com meu segundo lugar? — O que se passa, hein?
revirou os olhos.
— Fui atrás de você depois do pódio, mas você estava ocupado demais. Vim para cá com minhas amigas — revelou, e balançou a cabeça negativamente.
E o homem lembrou da pequena cena em que um antigo affair causou quando o pegou desprevenido para ir a comemoração no boxe. Charles Leclerc estava certo – convidar mulheres para assistir suas corridas ainda se tornaria um problema. Mas nunca imaginou que fosse conhecer , muito menos que o convite feito no ano passado ainda seria lembrado. Ele mesmo nem lembrava mais, sequer recordava o sobrenome daquela mulher. Mas, ainda assim, ela foi.
A conversa de com a mulher não demorou mais de vinte minutos, mas pareceu ter sido o suficiente para .
— Vou voltar para elas. Vê se leva um drink novo para Beatrice, já que bebeu esse.
— Cariño, por favor, deixe-me explicar — ele segurou sua mão, e os olhos de pareciam ainda mais verdes. Era fácil se perder ali.
— Não precisa explicar coisa alguma, nós não temos nada — foi direta, e colocou a mão no coração, como se ela tivesse o ferido.
— Você sabe que não é assim, Cariño — fez-lhe um carinho na mão. — É um caso antigo, eu nem lembrava, de verdade. Foi coisa de uma noite no ano passado. Acabei fazendo o convite para a corrida e eu não fazia ideia que ela apareceria.
Também fui isso para você?
Ao mesmo tempo em que parecia feroz e ácida, estava magoada. Mais do que ninguém queria comemorar ao lado dele aquele pódio, principalmente porque foi depois de um momento especial dos dois. Parecia que ele tinha ganhado também por causa dela, para completar aquele grande prêmio com chave de ouro. Mas não era nada disso.
Nunca — respondeu, sério. — Não pense isso de mim. Eu aceito ser chamado de qualquer coisa, mas você pensar coisa errada de mim, não. Não dei motivos para isso — ele soltou a mão de e passou pelos cabelos. Não esperava ouvir aquela pergunta, não depois daqueles dias. — Nunca mais pense isso.
quis beijá-lo e também estapeá-lo até suas mãos arderem, mas não fez nenhuma das duas coisas – apenas concordou com a cabeça e deu um gole em seu drink.
— Desculpe — murmurou ao brincar com o canudinho. — Queria ter comemorado com você — continuou sem encarar o espanhol —, achei um pódio incrível. Daniel, Charles, Ellie, você. Sei lá, foi significativo — sorriu ao lembrar da felicidade dos três em estar no topo naquele dia. — Trabalho para você conquistar pódios. Foi bom ter te visto lá em cima.
— Você sabe que não é trabalho — murmurou ao ficar ao seu lado, com os braços se tocando no balcão. — Queria ter comemorado com você também. Senti sua falta no box. Até Beatrice apareceu.
— Ellie me levou para a McLaren para que eu não voltasse pro hotel sozinha — explicou, e assentiu
— O dia ainda não acabou. — o encarou. — Você ainda pode comemorar comigo. Tenho um apartamento aqui, não fica muito longe. Hm, acho que é melhor do que ficarmos aqui.
A voz do piloto era diferente. A sinceridade em seu tom de voz pegou desprevenida e ela não soube dizer não. A realidade era que a espanhola nunca queria dizer não para .
E sem pensar muito, os dois saíram do Jimmy’Z deixando todos os drinks no balcão e uma champanheira recheada que ia com o garçom em direção ao camarote.


🌙


Pela noite, as ruas de Monte Carlo ficavam ainda mais bonitas e interessantes. parecia saber bem disso, ao esticar ainda mais o caminho pelos palácios, cassinos, igrejas e edifícios históricos do distrito. O clima ameno, depois de tanta chuva pela manhã, deixava tudo ainda melhor.
estacionou perfeitamente na sua vaga de garagem do prédio, e os dois entraram no elevador sem dizer uma só palavra. Mas o espanhol soltou uma risada ao perceber ir para a outra ponta, distanciando-se dele.
— Cale a boca — resmungou, cruzando os braços. — Nós não vamos transar no elevador de novo.
— Ah, querida, tem muitos lugares que quero transar com você hoje, e o elevador do meu prédio não é um deles — aproximou-se dela e lhe roubou um selinho. — Mas pode ser também.
— Vá pra lá — ordenou, e se afastou com as mãos levantadas, rindo. — Muito bem.
Não demorou muito para que o elevador parasse, e, assim que as portas se abriram, a sala de estar de foi revelada. então percebeu que o piloto morava no último andar do prédio, na cobertura. O lugar era enorme, completamente arrumado, tinha réplicas de troféus nas prateleiras e fotografias tanto com sua família quanto de sua carreira espalhadas pela sala.
Parecia ainda mais pessoal que sua casa em Madrid. E sentiu-se feliz por ele tê-la levado ali.
— Esse apartamento é especial pra mim. Foi o primeiro apartamento que comprei quando virei piloto. Gastei todo meu salário e nem consegui pagar tudo, tive que parcelar — disse ao voltar para a sala, então entregou uma taça de champanhe para a espanhola. — Champanhe da vitória.
— Parabéns! — sorriu e brindou com o piloto. — Fiquei preocupada no início, mas depois me peguei xingando e torcendo para que você passasse logo pela bandeira quadriculada.
— Preocupada por quê?
— Chuva. Fiquei com medo de, hm, acidentes. Tiveram muitos hoje — sem que percebesse, ela estava segurando o pingente da deusa Cibeles em seu pescoço. — Rezei muito por você.
— Fui abençoado, então — ele sorriu e colocou uma mecha do cabelo de atrás da orelha. — Obrigado, Cariño. Prometo te trazer uma vitória antes da pausa da temporada.
selou a promessa com um beijo suave e a puxou para o terraço. Era um dos lugares mais bonitos que já tinha visitado. A jacuzzi era grande assim como a cozinha gourmet, que contava até mesmo com uma churrasqueira, um jardim horizontal e diversos lugares para sentar e apreciar a vista da capital de Mônaco.
E que vista.
Depois de passarem horas esticados no sofá dividindo o champanhe que havia aberto somente para eles, ficaram encostados na banqueta do terraço tentando adivinhar qual dos iates era o de Stroll. Chegaram à conclusão de que era o maior da marina. Pela hora, o caos já estava instaurado lá dentro.
— Você fica muito bonita assim — comentou ao puxar o celular e tirar uma fotografia de . — Combina com tudo, sabia?
— Não — respondeu sincera, e balançou a cabeça negativamente.
— Você é linda, Cariño. Muito.
tomou a liberdade de beijar seus lábios e a abraçou com mais força, percorrendo pelas suas costelas, graças à abertura das costas do vestido. o correspondeu, emaranhando seus dedos nos cabelos negros e lustrosos do piloto. Ali, até mesmo as pontas dos dedos dos pés da espanhola sentiram o quanto era desejada, e também adorada por .
Os dois se separaram por alguns segundos, a tempo somente de se encararem e perceberem o quanto os olhos transbordavam diversos sentimentos. Então, o beijou de forma lasciva. soltou um grunhido por entre o beijo, e com seu polegar acariciou o pescoço da mulher de cima a baixo enquanto os outros lhe faziam pressão na mesma área. As mãos de foram mais ágeis que as dele, e quando o piloto menos esperava, sua calça jeans já estava completamente desbotada e a mulher estava agachada à sua frente.
enrolou sua mão direita nos cabelos da mulher e, com a outra, segurou-se no parapeito. iria matá-lo. E ele estaria feliz.
Porra — foi a única coisa entendível que saiu da sua boca, porque o restante foram apenas grunhidos e palavras desconexas enquanto o tinha em suas mãos e boca.
Quando ela o encarou sob os cílios, com ele ainda em sua boca, soube que estava perdido. Completamente.
, eu…
— Você o quê?
— Não pare — ela soltou uma risada safada que o fez puxar seu cabelo mais forte, a levando novamente até ele — Caralho. Seus olhos estavam apertados, e quando as unhas da mulher apertaram suas coxas novamente, soube que não aguentaria mais por muito tempo.
— a chamou e, sem parar o que estava totalmente dedicada a fazer, ela o encarou novamente. — Eu vou gozar em você se você não sair.
Martínez lhe respondeu com um sorriso malicioso, então apertou os olhos mais uma vez, com a palma da mão dolorida de tanto apertar o parapeito, e a outra mão ainda estava segurando os cabelos da espanhola. O homem segurou sua cabeça mais forte e, então, explodiu.
E o beijou.
Ali, sob a lua e o céu repleto de estrelas, teve a certeza que aquela mulher era dele. Completamente dele.
E ele a possuiria em cada compartimento daquela cobertura.


Capítulo 11 – Canadá

Show me the places where the others gave you scars

16 de junho de 2022
Montreal, Canadá


Para , o Grande Prêmio do Azerbaijão, em Baku, deveria ser apagado da história. Foi um fiasco vergonhoso. Não importou o quanto tentasse ficar entre as primeiras colocações, nada funcionou. Não era o seu fim de semana, muito menos o da Ferrari; a escuderia ficou com os dois carros fora da disputa por problemas hidráulicos. E ver McLaren, Red Bull e Mercedes no pódio foi tremendamente decepcionante.
O piloto só esperava que as coisas no Canadá fossem diferentes, ainda mais porque estava vivendo dias muito bons com sua preparadora, Martínez. Nos dias que estavam na Itália, ela já não o mantinha tão distante no outro lado da cidade. Era muito bom tê-la em seus braços por algumas noites, ainda que não fossem todas.
— Você está desconcentrado — disse ao soltar o saco de pancada. — Merda — reclamou e colocou as próprias luvas, dando um soco no braço do espanhol, que o fez reclamar, voltando sua atenção para ela. — Voltou a prestar atenção?
— Você é maluca?
Martínez respondeu revirando os olhos
— Bata direito, senão fica impossível treinar boxe com você.
— Eu não quero te…
— Não ouse terminar essa frase, porque eu juro por Deus que acabo com você.
— Hum — ele a encarou. — Aqui ou na minha cama?
— Nos dois, merda — ela respondeu e o piloto soltou uma risada, levando outro soco. — Defenda, Cabrón — gritou, e o homem finalmente a obedeceu, voltando para a posição que já o tinha ensinado.
Treinaram por mais uma hora, até que ela avisou que já tinham cumprido a programação do dia. Ao contrário de como ficava antes, a respiração de ao final do treino já não era totalmente descompassada, o que significava que o piloto já estava acostumado com o método de . E Martínez sabia o quanto aquilo era difícil de acontecer nos primeiros meses – Daniel Villagers havia demorado um semestre inteiro para estar cem por cento adaptado.
— Você está se saindo bem — disse, pegando-o de surpresa. — Nos treinos. Estou surpresa, sério.
— Esperava menos de mim, é?
— Não é isso, idiota — bufou. — É que no geral meus alunos demoram a acostumar o corpo a rotina dos treinamentos, sabe? Porque vocês têm uma rotina pesada, então o treino é para ser ainda mais, para que vocês não sofram quando forem competir. Villagers demorou em torno de seis meses até estar plenamente adaptado.
sorriu.
— Você me surpreendeu no geral — continuou. — Olhe sua respiração, está adequada. Não parece mais um cachorro velho.
— Eu parecia um cachorro velho? — soou indignado, e ela soltou uma risada. — Você que é psicopata.
— Talvez.
jogou sua luva na direção da mulher, que aparou com as mãos sem precisar de muito esforço.
— Preciso almoçar com minhas amigas, você vai para o paddock?
— Entrevistas durante a tarde — ele respondeu ao se levantar, esticando os braços para que pudesse ficar de pé também. — Você vai para o hotel que a McLaren está?
— Sim.
— Deixo você lá.
— Tudo bem, é no William Gray.
— Do outro lado de Montreal, como sempre — jogou a cabeça para trás, grunhindo e soltando o ar em seguida, rindo.
deu de ombros:
— E você não negou a carona, isso é um milagre.
— É só porque gosto de andar de Ferrari, não se empolgue.
— Nem você acredita nisso, Cariño — ela apertou os lábios e rodou a chave na mão direita, fazendo sinal com a cabeça para ela acompanhá-lo. — Já tem planos para hoje à noite?
— Assistir um filme e dormir cedo. Amanhã você tem treino livre de manhã.
Ele assentiu e destravou o carro.
ainda não tinha visto aquela Ferrari. Era bonita, o azul era diferente. Combinava com o piloto, por mais que a espanhola achasse que vermelho era definitivamente sua cor. acelerou pelas ruas de Montreal e percebeu o quanto a cidade era bonita. Já havia estado no Canadá anos atrás por conta de competições, mas não lembrava de como a cidade parecia ser acolhedora.
A playlist de invadiu o carro e a tirou de seus pensamentos e, sem perceber, cantarolavam juntos alguma música do Bad Bunny.
— Você já patinou alguma vez na sua vida?
— No gelo? — ela perguntou e assentiu, sorrindo. — Nunca.
— Lance me indicou um lugar aqui em Montreal. Não é lotado e é mais, hm, reservado, do jeito que você gosta. Quer ir?
— Parece interessante — sorriu. — Vamos. Preciso só pensar em algo para dizer às meninas caso elas queiram fazer algo hoje.
— Ellie e Beatrice não sabem da gente?
Martínez negou, coçando a testa.
— Então você realmente é adepta a segredos.
— Beatrice não suporta você.
gargalhou, sussurrando um “é recíproco”.
— Ellie gosta — ela continuou —, mas eu não sei se devo contar. Trabalhamos juntos.
— Ellie e Daniel também trabalham juntos.
— É diferente. Eles não são só um caso — foi direta e o rosto de fechou no mesmo instante.
“Só um caso”. Ele bufou e pisou no freio, respeitando o sinal vermelho. Martínez ainda estava com aquilo na cabeça e, por mais que o piloto entendesse todas as coisas que os cercavam, incluindo os possíveis problemas, não gostava que pensasse aquilo de si mesma. Muito menos deles. Não era só um caso.
Por mais que não soubesse definir.
— Você está emburrado — ela comentou e deu de ombros, acelerando quando o sinal lhe deu permissão. — Sabia que você pode falar quando algo te chatear?
— Não estou acostumado a falar sobre esse tipo de coisa — respondeu, tamborilando os dedos no volante. — Mas estou incomodado.
— Com o quê?
O piloto respirou fundo e coçou a garganta. o testava, e aquilo estava mais do que evidente. Chegava a parecer que a espanhola gostava de testá-lo para ver até onde iriam seus limites.
— Quando você diz coisas assim, parece que sou insignificante, que é tanto faz. E, porra, você não é nenhuma das duas coisas para mim.
o observava atentamente, mas o espanhol se forçou a continuar e encarou a pista à sua frente, sem desviar o olhar por nem mesmo um milésimo de segundo.
— Não acho certo — ele continuou. — Acho que estamos nos conhecendo, não da forma que a maioria das pessoas se conhecem, mas estamos. Então, quando você diz esse tipo de coisa, parece que está dizendo que é só isso pra mim. E , não sei quem botou isso na sua cabeça, quem fez você se sentir assim. Mas eu não sou o culpado disso.
Martínez assentiu, tamborilando as mãos na própria coxa. As palavras do espanhol estavam em sua mente e ela sentiu-se uma hipócrita.
Ela sabia porque se diminuía toda vez que falava sobre relacionamentos com , sabia cada motivo que a fazia se sentir daquele jeito. Mas não iria falar, não ali. Por mais que se sentisse segura ao lado de , não sabia até que ponto confiava nele. Sua percepção sobre relações amorosas estava quebrada, e ela não tinha a menor ideia de quando aprenderia a confiar em alguém novamente.
Mesmo a culpa não sendo de .
— Doeu falar? — perguntou, e ele torceu os lábios.
— Não. Mas foi incômodo.
— Mas não doeu — ela colocou a mão sobre a coxa do piloto e sentiu seu coração disparar com o toque repentino da mulher. — Agora que eu já sei que incomoda você, não vou mais fazer. Não posso saber se você não fala.
concordou e continuou a lhe fazer carinho na coxa, mas o piloto entrelaçou sua mão na dela. Martínez sorriu, deixando a cabeça cair para trás, o encarando enquanto dirigia concentrado. A espanhola queria confiar em e se esforçaria para conseguir. Ele merecia aquela chance e ela também.
Sem passados sombrios e dolorosos para atrapalhar.
— Entregue, Cariño — parou em frente ao hotel e lhe roubou um beijo rápido antes que o segurança abrisse a porta para descer. — Te busco às sete. Você vai ficar aqui no hotel das laranjinhas até lá?
— Te espero aqui.
sorriu e desceu do carro, agradecendo ao segurança em seguida por ele ter pegado sua bolsa. Passou pela porta de vidro e a preparadora não precisou virar para saber que o espanhol já tinha acelerado para fora dali – o barulho do motor quando uma Ferrari acelerava era inconfundível.
Com a imagem do homem dirigindo em sua mente, Martínez sorriu enquanto esperava pelo elevador. Ainda que ele pudesse destruir todos os seus planos, valia a pena.


🌶️


O almoço com Ellie e Beatrice no La Banquise conseguiu fazer com que tirasse o espanhol de seus pensamentos. Era muito bom estar na companhia delas, sempre tinham algo diferente para contar e também aproveitava para pegar todas as dicas possíveis de como lidar com aquele mundo do automobilismo sendo uma pessoa que não gostava dos holofotes.
Ellie era ainda mais reservada que , mal tinha redes sociais. Seu Instagram, que foi Portinari quem criou, além de privado, contava com apenas dez seguidores, sendo que duas estavam ali naquele quarto. Em seu perfil havia várias fotos de paisagens, algumas de Daniel em poses totalmente espontâneas e duas únicas fotos dos dois. Enquanto isso, Beatrice era super antenada e até mesmo popular. A negra tinha mais de 800 mil seguidores, um feed harmônico e organizado, postava stories com frequência e também fazia alguns trabalhos de publicidade por puro hobby. nunca teria a facilidade da mulher para as redes. O Instagram da espanhola era totalmente privado, ainda que tivessem muitas solicitações, principalmente após começar a marcá-la em suas fotos e vídeos de treinamento, mas nunca as aceitou. Até mesmo fora aceito há poucas semanas. Beatrice costumava dizer que elas tinham sorte por não estarem o tempo todo nas mídias sociais, já que as pessoas poderiam ser cruéis. A negra já havia lidado com hate, mas nada comparado ao que recebeu gratuitamente ao assumir publicamente Charles Leclerc.
Se ela não estivesse acostumada, poderia ser enlouquecedor.
— Prefiro enfrentar mil doidas dessas que acham que um dia terão alguma chance com Charlie do que ir para o jantar com meu pai hoje — Beatrice disse ao voltarem para o quarto de hotel no William Gray, jogando-se na cama em seguida. — Juro.
— Seu pai é tão ruim assim? — perguntou e a negra assentiu, sem se levantar.
— Ele não gosta mesmo de Charles, ainda não nos falamos depois que eu avisei que estávamos juntos. Só espero que não surte.
— Quem é a pessoa que não gosta do Charles e gosta do Verstappen? — Ellie perguntou, indignada. — Seu pai tem sérios problemas.
— Não posso discordar — respirou fundo e fechou os olhos. — Queria que vocês pudessem ir comigo. Espero que ele não seja tão duro com Charles.
— Se seu pai fizer ruindade com meu amigo, eu juro que vou atrás dele.
Beatrice soltou uma risada ao escutar Ellie.
— Ele não é mais criança — deu de ombros e recebeu olhares de indignação das duas amigas.
— Falou a que bateu no Max por causa dele.
— Isso nunca aconteceu — murmurou, arrancando risadas das McLaristas.
Era realmente bom tê-las ali. Ainda que nenhuma soubesse sobre seu segredo espanhol.


🌙


O lugar que Lance Stroll havia indicado para o amigo espanhol era chamado Atrium Le 1000 e ficava bem no centro de Montreal. agradeceu por ser uma pista indoor, já que a cidade canadense registrava um clima quente e úmido típico de verão. Apesar do clima quente, tinha certeza que chuvas poderiam cair a qualquer momento, só esperava que não durassem até a hora da qualificação no dia seguinte. Seria uma merda ter que correr naquelas condições.
Não demorou muito para estar com em seu carro e ir em direção à enorme predição comercial que abrigava uma das pistas de patinação mais famosas da cidade.
— Você já patinou alguma vez na vida?
— Numa pista assim? Não, mas eu já estive no gelo outras vezes. É um hobby.
— Você não pode ter um hobby normal? — ela perguntou, arrancando uma risada dele. — Não me parece muito saudável ter como hobby se enfiar na neve. Muitos acidentes acontecem.
— Tenho o golfe.
Martínez bufou.
— Você não gosta de golfe?
— Meu avô me ensinou a jogar — ela respondeu. — Dizia que toda família da alta sociedade sabia jogar e nós tínhamos que ser bons. Digamos que eu sei mais que o básico.
— Ah, mas eu vou querer ver isso.
— Você não tem nenhum hobby que não seja relacionado a esportes, não? Estou começando a ficar preocupada com você.
soltou uma gargalhada verdadeira que também fez a mulher rir.
— Gosto de ir para Mallorca e esquecer do mundo. Pego o barco e fico passeando por toda a costa.
— Isso é um hobby verdadeiro.
— Meu preferido — ele sorriu e tirou os olhos do trânsito por um segundo para olhar a mulher, que também tinha um leve sorriso nos lábios. — Sabe, podemos ir nas férias em agosto. Você e eu.
— É longe de tudo mesmo?
— Definitivamente.
— Vou adorar — respondeu e sentiu-se feliz.
Era diferente. Aquele sentimento por Martínez aceitar compartilhar algo de seu mundo de forma tão verdadeira o deixou feliz. Era bom dividir aquele tipo de coisa com .
Parecia incrivelmente certo. E adorava estar certo.


🌶️


A risada alta de Martínez depois de tomar seu quarto tombo na noite era como música para o piloto espanhol. Principalmente porque significava que ela estava se divertindo, ainda que não conseguisse permanecer de pé nos patins por mais de cinco minutos.
— Você é péssima, querida — disse docemente enquanto a ajudava a se levantar. A mulher jogou a cabeça para trás ao soltar mais uma risada, concordando com o piloto.
— Posso fazer isso a noite inteira, Cielo — respondeu quando conseguiu ficar firme, ainda se apoiando nos braços de . — Pode me soltar.
— Cuidado — pediu e ela assentiu, tentando equilibrar-se sozinha.
passou o braço direito pela cintura da espanhola e a conduziu pela arena, ainda que no percurso tivesse fincado suas unhas em sua pele com força pelo medo de cair. Ele a levaria por quantas vezes fosse necessário até ela estar completamente segura em ir sozinha.
Mesmo caindo mais três vezes, conseguiu ficar em pé sem ajuda e dar uma volta completa na arena. Ela era determinada em absolutamente tudo, e aquele era um traço que encantava ainda mais. Mas nada o deixava tão encantado quanto aquele brilho no olhar que ela tinha. Principalmente naquele momento, que batia palminhas alegremente para comemorar seu mais novo feito no gelo.
— Eu consegui, Cielo! — levantou os braços e balançou as mãos, animada.
E como se estivesse prevendo o que ia acontecer, a segurou pela cintura rapidamente e foi levado ao chão no mesmo instante quando ela se desequilibrou. gargalhou assim que o espanhol a encarou, e o homem não teve nem tempo para ficar minimamente aborrecido por sua bunda estar completamente molhada por causa do gelo. Martínez o contagiou a rir também e, quando deram por si, estavam abraçados sentados no chão, gargalhando de si mesmos, e o mundo ao redor parecia não ter a mínima importância. E realmente não importava.
— Você quer dar mais uma volta?
— Eu quero comer, estou faminta! Se você ouvir algum barulho esquisito, é o meu estômago reclamando que não é alimentado desde o almoço.
— Engraçado, depois tá brigando porque não como no horário — ele provocou e revirou os olhos. O espanhol permaneceu com um sorriso convencido nos lábios. — Vamos comer, Cariño.
Os dois não precisaram sair da arena para que pudessem comer; no segundo andar ficava localizado o restaurante do Atrium, e, ainda que o lugar não estivesse lotado, escolheu a mesa mais distante para que continuasse a ficar confortável.
Sem saber o que pedir, deixou seguir mais uma vez as recomendações do conterrâneo, Lance Stroll, e ele não os decepcionou. Optaram pelo Poutine, que eram batatas fritas acompanhadas por um saboroso molho de carne, gravy, e muito queijo, acompanhado do Montreal Smoked Meat, que era carne defumada e temperada com diversas ervas e especiarias, servidas em fatias finas, como recheio dos famosos pães caseiros do Canadá. Para beber, resolveram dar uma chance ao Canada Dry, um refrigerante de gengibre que era tão consumido no país quanto Coca-Cola.
— Isso tudo tá me parecendo sessões de academia muito dolorosas essa semana — o espanhol brincou enquanto afundava uma batata no queijo. — Dios mio, que coisa boa.
— Isso é muito bom! — concordou, repetindo o gesto do piloto. — Comida canadense vai entrar na minha lista de melhores refeições!
— Vou aprender as receitas e cozinhar para você quando estivermos em Fiorano.
Ela sorriu não só com os lábios, mas também com os olhos, e sentiu seu coração acelerar.
Estava ali. Era aquele brilho que Sergio Ramos havia falado, o brilho nos olhos que somente Martínez tinha. E o piloto poderia facilmente se perder naquela imensidão das íris verdes da espanhola.
— Sabe, Cariño, aquele dia na França foi importante pra mim. Acho que nunca vou conseguir agradecer de verdade.
— Não precisa — deu de ombros suavemente. — Você já foi em outros jogos do Real Madrid.
— Sim, claro, mas não é pelo jogo. Foi pelo conjunto de coisas que aconteceram — explicou. — Você pensou no dia para mim e ninguém nunca fez isso, entende? Hm, Ramos é meu ídolo. Desde quando começou no Real Madrid, eu virei aficionado por ele. Queria ser jogador de futebol, sabia? Meu pai me fez sócio do time desde os anos 2000, e eu cheguei a jogar na base de lá.
— Não sei por quê, mas eu consigo te imaginar perfeitamente quando criança indo para Valdebebas — ela comentou e gargalhou. — Não precisa agradecer, Cielo. E eu só não disse antes que era parente dele porque as pessoas são ruins, entende? Não foi por você, claro. Mas geralmente só se aproximavam de mim por causa da minha família, e hoje em dia eu me blindo de todas as formas. Não os exponho. Até mesmo quando trabalhava com Villagers era difícil sair notícia com meu nome. Rosalie fez contrato com a maioria dos jornais para que nunca falassem ao meu respeito.
— Eu não faço ideia do que você já passou, mas está certa. Quem me dera poder ser blindado dessa mídia nojenta — deixou seus ombros caírem e a preparadora percebeu a sua expressão mudar rapidamente. — Eles fazem um inferno na minha vida, e por mais que eu tente não me importar, tem vezes que é impossível ignorar.
apenas assentiu e segurou a mão do espanhol por cima da mesa. respirou fundo, sorriu e permitiu-se aproveitar o carinho da espanhola. Cada toque de era diferente e ele se perguntava como aquilo poderia ser possível. Tudo que a envolvia era sempre uma surpresa.
E por mais que detestasse não estar a par de todas as coisas, com Martínez ele gostava de ser surpreendido.
— Mais uma rodada? — a espanhola apontou para o prato de Poutine.
— Com toda a certeza! — respondeu, esfregando as mãos.


🌙


Assim que abriu a porta do quarto onde estava hospedada no Nelligan, um clarão rompeu o céu e, em seguida, um estrondo forte fez os pelos de seu corpo se arrepiarem.
Uma tempestade caía em Montreal. E odiava chuvas fortes.
não se deu conta, mas ficou parada no mesmo lugar, encarando as gotas d’água que batiam violentamente contra a janela enquanto clarões deixavam a visão ainda mais assustadora, por dez minutos inteiros. Sua respiração estava ofegante; suas mãos, geladas, e a cor parecia ter saído de sua pele. O som do trovão invadiu o quarto e abraçou seu corpo no mesmo instante.
— Cariño? — perguntou, mas não teve resposta. — Estou aqui — disse ao ficar de frente para a mulher.
Martínez não esboçou nenhuma reação, parecia que estava em um transe intenso. , além de desconhecer o motivo para que seu corpo reagisse daquela forma, não fazia ideia do que fazer naquela situação. A única coisa que sabia era que precisava ficar ali.
O piloto fechou a porta com cuidado para nenhum barulho assustar a mulher ainda mais. Também sentou na cama e retirou seu casaco, tênis e meias, deitando-a e, em seguida, puxando-a para perto de seu corpo. Inesperadamente, se aninhou nele e, quando mais um trovão se fez presente, ela enterrou a cabeça em seu peito, fazendo com que a abraçasse mais forte e sentisse lágrimas molharem sua blusa.
— Shhh, estou aqui — sussurrou enquanto fazia carinho em seus cabelos. — Estou aqui, Cariño.
nunca havia parecido tão frágil. Pela primeira vez ela pareceu ser tão vulnerável que perguntou-se em silêncio quais as mazelas da vida a deixaram daquele jeito, com todas aquelas cicatrizes secretas.
Então a intensidade da chuva diminuiu, os clarões e trovões cessaram e a respiração de voltou ao seu estado normal. A espanhola fungou e se desvencilhou dos braços de , que a encarava atentamente.
Desculpe — foi a única coisa que disse, mas o homem não a respondeu, apenas a puxou novamente para ele. — Isso não acontece com frequência. Eu pensava que já estava melhor, tinha aprendido a lidar sozinha.
— Você sempre ficou assim sozinha?
— Sim — respondeu com um suspiro —, sempre estive sozinha.
Não mais — ele a abraçou forte. — Você quer dormir?
— Preciso de um banho quente — esfregou a palma da mão direita no nariz. — Você pode ir dormir, se quiser. Vou ficar bem.
— Não vou a lugar nenhum, Cariño — afirmou. — Ainda está chovendo.
— Você tem treino livre amanhã. Não pode estar cansado.
— Não estarei cansado. Vou ficar, entendeu? — perguntou, mas sabia que não precisava responder. Independente de sua resposta, iria fazer o que queria.
— Você não vai dormir assim — disse ela ao se levantar e esticar a mão para o piloto. — Vamos tomar banho.
nunca havia se sentido tão íntima com alguém. Em menos de três horas havia tido uma de suas conhecidas crises quando tempestades invadiam os céus e tomado um banho quente com . E o último sem nenhuma conotação sexual – apenas dividiram o chuveiro e ele cuidou dela como ninguém havia feito. Lavou seus cabelos e corpo com cuidado, depois permaneceram abraçados por um tempo considerável enquanto a água batia contra seus corpos, então deitaram-se juntos.
Ela sentia-se segura na presença do espanhol. E por mais que aquilo a deixasse confortável, a assustava. A preparadora não sabia se ele ainda permaneceria quando conhecesse todas as suas cicatrizes. Mas naquele momento, preferiu acreditar que sim. Então, fechou os olhos e deixou-se cheirar o pescoço do espanhol, com aquele cheiro tão dele. depositou um beijo ali e se aninhou para dormir. Ela não soube o momento certo em que adormeceu, mas tinha certeza que estava segura com a envolvendo em seus longos e fortes braços.



19 de junho de 2022
Circuito Gilles Villeneuve


Ao contrário do que se esperava após diversas chuvas na cidade canadense, o dia estava bastante límpido e claro.
A largada naquele dia começaria com uma surpresa no pelotão inicial do grid, com Fernando Alonso ocupando o segundo lugar e outra surpresa que já estava virando rotina: Daniel Ricciardo com sua McLaren sempre no começo do pelotão.
Logo após a terceira volta, conseguiu ultrapassar seu compatriota e conquistou a segunda posição. E em uma série de DNFs das equipes rivais e uma disputa emocionante nas dez voltas finais pelo primeiro lugar entre Ricciardo e , enquanto o companheiro de equipe Leclerc continuava a escalar o pelotão depois de ter iniciado a corrida em décimo nono, o piloto da McLaren conseguiu segurar o espanhol por uma diferença de milésimos de segundos e conquistou mais uma vez o topo do pódio. Os dois foram acompanhados nos lugares mais altos por Max Verstappen, que cruzou a linha de chegada por dois segundos de diferença.
— A próxima é minha, viu? — brincou com o australiano quando adentraram os corredores que os levariam até a premiação do dia. — Sempre bom competir com você, Danny!
— Você não me pegou por pouco. Ellie que me avisou do freio. Se eu errasse, passava fácil.
— Vou ter uma conversinha muito séria com a Earnhardt.
Daniel gargalhou e deu dois tapinhas na costa do espanhol.
— Vou ter que beber do seu chulé de novo?
— Você já sabe a resposta.
não imaginou que sua cara de nojo em resposta a Ricciardo estivesse sendo gravada, mas não o deixaria esquecer, já que faria figurinhas e mandaria sempre que possível.
E como havia se tornado de praxe, quando o australiano subiu no pódio, todos os presentes fizeram o famoso shoey.
Era bom estar ali, entre os lugares mais altos do pódio, mas queria sentir a sensação de estar em primeiro lugar. Ele não sabia quando seria, mas tinha o pressentimento que estava cada vez mais perto.
Com esse pensamento e um sorriso no rosto, o piloto da Ferrari jogou champanhe em seus colegas de grid enquanto a multidão abaixo deles vibrava. Ao ficar suspenso no parapeito da sacada para que pudesse jogar o restante do líquido no público, além de encontrar o rosto conhecido, desejou estar com . Piscou para ela enquanto recebia alegres acenos e teve a certeza que, em poucos minutos, ele estaria com ela em seus braços. Ao contrário do que esperava, a finalização da cerimônia de prêmios junto das entrevistas obrigatórias demorou bem mais que poucos minutos. Quando voltou para o box na garagem, a equipe inteira estava lá, mas quem realmente queria encontrar, não.
— Ela já foi — Charles sussurrou, como se estivesse lendo a mente do amigo ao vê-lo percorrer o local com os olhos. — .
— Não estou procurando — respondeu rápido demais, e Leclerc soltou uma risada.
— Claro, e eu sou uma porta.
O espanhol revirou os olhos e recebeu tapinhas no ombro do monegasco.
— Desde quando? — ele quis saber.
— Você está vendo coisas demais, Cabrón. É o champanhe na sua mente.
— Vou acabar descobrindo, você sabe.
— Não vai descobrir nada, porque não tem nada.
— Descobrir o quê? — escutaram o sotaque conhecido de Caco, e armou um bico em seus lábios.
— Nada. É apenas Charles falando bobagens, você sabe.
Leclerc bufou e o espanhol mais velho riu, puxando-os em seguida para que passassem para uma foto. Voltou para sua sala no box e, quando finalmente pegou seu celular, se deparou com três notificações de .
Ela estava o esperando. Bem longe daquele autódromo.
sorriu e, sem demorar muito, pegou suas coisas e disparou para o estacionamento do paddock. Se pudesse, voaria de volta para o hotel.
Assim que parou na entrada do Hotel Nelligan, jogou a chave para o manobrista rapidamente e subiu para seu quarto. Tomou um banho rápido, trocou de roupa e andou em direção ao quarto que ficava no final do corredor.
— disse o nome da mulher e escutou o barulho da porta sendo destrancada. Assim que pisou no cômodo e viu o roupão dela cair, teve a certeza que estava de frente para a mulher mais linda do mundo.
Martínez em conjunto de lingerie vermelho repleto de rendas transparências era a sua perdição.
O espanhol deu dois longos passos até ela e, sem dizer uma só palavra, a envolveu nos braços e fez com que seus lábios encontrassem os dela. Os tais lábios carnudos que se encaixavam perfeitamente nos seus e tinha um gosto único. Gosto de .
— Parabéns pelo pódio! — Martínez murmurou quando se separaram e a encarou, com os olhos negros repletos de luxúria.
— Não quero nem imaginar o que você fará comigo quando eu te trouxer um primeiro lugar.
soltou uma risada e, com um puxão, tirou a própria blusa, soltando-a de qualquer jeito pelo quarto. O espanhol voltou sua atenção à mulher e a deitou na cama, enchendo seu busto e pescoço de beijos enquanto suas mãos descobriam todas as partes de seu corpo.
Estar ali tinha gosto de vitória.
O Canadá, oficialmente, era um de seus lugares preferidos.


Capítulo 12 – Grã-Bretanha

Could end in burning flames or paradise

30 de junho de 2022
Inglaterra, Reino Unido


Por mais que tentasse manter sua cabeça sã e distante de distrações, Martínez não conseguia se desassociar do que a aproximação – nada profissional – de estava fazendo em sua vida. Sua relação com o piloto espanhol tinha escalonado para algo pessoal mais rápido do que podia prever, e quando realmente percebeu, poderia dizer para si mesma que manter distante doeria muito.
Apesar de ser necessário.
¡Hola, bonita! — o forte sotaque do espanhol tomou conta da academia assim como seu perfume inconfundível. adorava aquela fragrância, principalmente porque conhecia o verdadeiro cheiro dele. E o cheiro de era uma das melhores coisas do mundo.
Talvez se manter distante não fosse mais tão necessário assim.
— Está atrasado, Cabrón — ela estreitou os olhos na direção do mais velho, que passou a mão pelos cabelos negros, que já estavam maiores, e sorriu para ela.
— Culpe seu amigo Leclerc, invadiu meu quarto para ficar falando merda. Te mandei mensagem avisando.
coçou a cabeça e levantou as mãos em forma de rendição. Na sua distração, acabou esquecendo o telefone no quarto do hotel, saindo apenas com o iPad, que nunca saía de dentro da bolsa.
Mi culpa, Cielo — respondeu e apontou com a cabeça para a área de treino dos membros superiores.
Treinar superiores era o que mais gostava, também era a chance de testar ainda mais seus limites. era um atleta nato, e aquilo impressionou a espanhola desde o primeiro dia.
Martínez admirava bastante pessoas que levavam o esporte a sério, principalmente de atletas que treinavam em alto nível. Era uma admiração genuína, mas com teve algo mais – que de início era compreensível. era um homem muito sedutor e bonito, além de ser um conquistador nato. Mas, recentemente, passou a assustá-la. passou a sentir seu coração chacoalhar quando estava por perto, além das famosas borboletas no estômago. E o episódio no Canadá não foi um facilitador.
havia presenciado seu lado mais vulnerável, que ela não mostrava para ninguém e sempre escondia. Era aterrorizante para demonstrar vulnerabilidade, porque sempre que isso acontecia, de alguma forma ela parecia ser punida por isso. Na maioria das vezes ficava sozinha, mas permaneceu e a acalmou; ficou ao seu lado até que ela adormecesse.
Desde aquele dia, não era mais Jr., piloto da Ferrari e futuro campeão do mundo. Ele era apenas . Seu Cielo.
E aquilo era assustador.
— Hoje é dia de superiores — avisou e ele esfregou as mãos, dando um largo sorriso.
O homem não conseguia esconder o quanto preferia treinar superiores. Ele poderia, inclusive, fazer todos os dias e aumentar as cargas. Aumentar cada vez mais o limite do próprio corpo era quase uma obsessão.
— Não fique tão feliz, tem exercício novo — e foi a vez de abrir um sorriso largo e apontar para a barra. — É simples. Você vai para a barra, fazer 5-10-15 por três vezes…
— Moleza, Cariño — ele a cortou. — Você já foi melhor que isso, tá com pena?
— Mas eu vou amarrar a corrente com o peso na sua cintura. Dez quilos, pra começar — cruzou os braços e manteve o sorriso enquanto a expressão do espanhol era de como se estivesse acabado de assistir um filme de terror.
— Meu peso mais dez quilos, no ar?
— Achou que eu teria pena de você? — ela soltou uma risada. — Sem moleza, Cabrón.
— Você vai ver o sem moleza mais tarde — sussurrou e sorriu ao sentir vacilar ao ser pega desprevenida.
Era o efeito . Martínez sabia dele como ninguém.



3 de julho de 2022
Circuito de Silverstone, Reino Unido


Martínez não tinha mais unhas em seus dedos. A corrida já estava em sua décima volta e Max Verstappen já tinha tomado o primeiro lugar de pela segunda vez.
— Inferno — murmurou ao ver o holandês acelerar novamente. — Espero que essa merda de carro dê problema.
bufou e Caco, que estava ao seu lado, deu um tapinha em suas costas quando os mecânicos e engenheiros do box começaram a ficar eufóricos novamente. A Red Bull tinha indicado um problema no carro número 1.
— Boca santa — o espanhol murmurou para a preparadora — Pragueje mais vezes.
Verstappen perdeu potência e teve de parar nos boxes após as ultrapassagens fáceis das duas Ferrari. estava de volta ao primeiro lugar com Leclerc logo atrás.
— É dele, porra! — aplaudiu junto da equipe, mas não conseguiu ficar sossegada por muito tempo. As coisas na terra da rainha não pareciam muito propícias para o espanhol, ainda que ele tivesse garantido a pole position no dia anterior.
O box da Ferrari estava uma loucura. Gritos e ordens podiam ser escutados a todo momento, e ainda que não entendesse todos os detalhes do que falavam, Martínez sabia que não era favorável a . O piloto parecia perder ritmo, e áudios de Charles visivelmente irritado tomavam conta do box.
e Caco apenas se encararam em silêncio. E como se respondesse ao apelo no olhar de , Oñoro apenas apertou os lábios e deu de ombros. As coisas estavam completamente longe de seu alcance.
— Mas que merda, porra — ela reclamou de forma inaudível. Não queria mais problemas para o lado espanhol do box. — Vamos, Cabrón, conserte isso.
Martínez ainda mantinha o olhar fixo nas telas enquanto seu dedo indicador e polegar pressionavam o pingente da deusa Cibeles em seu pescoço, como se fosse uma espécie de pedido secreto. E o inesperado aconteceu diante dos olhos do mundo inteiro.
Na volta 45, onde quatro equipes disputavam o segundo lugar, Ricciardo, em uma ultrapassagem dupla, com maestria deixou Perez e Leclerc para trás, que acabaram se tocando e perdendo segundos importantes. Assim, eles deixaram a disputa do primeiro lugar completamente entre Ferrari e McLaren.
— Acelere, porra. Você sabe que é seu — ordenou em um sussurro que o vento pareceu levar para o piloto espanhol.
não errou em nada na última volta, e seu primeiro lugar, pela primeira vez na Fórmula 1, estava garantido.
AND FOR THE FIRST TIME IN FORMULA 1, IS VICTORIOUS. HE WINS THE BRITISH GRAND PRIX!
A voz do narrador invadiu os alto-falantes dos boxes e do mundo inteiro que assistia enquanto deixava a bandeira quadriculada para trás. A vitória finalmente havia chegado para o espanhol – antes do final da primeira parte da temporada, do jeito que ele tinha prometido.
Para Martínez, cumpria todas as suas promessas. E aquilo a conquistava cada vez mais.

poderia jurar que estava sonhando. Desde o momento em que pulou do cockpit e pulou nos braços da sua equipe por cima das grades de proteção, não conseguiu parar de chorar.
Parecia que era uma criança de novo e estava comemorando a sua primeira vitória no Kart. Mas ali estava ele, anos depois, realizando seu sonho de ser campeão de um Grand Prix de Fórmula 1.
Havia sonhado por tantos dias com aquele momento. Tantas horas de esforço, dedicação e abdicação o levaram ao lugar mais alto do pódio. Ele havia conquistado aquilo. Sua persistência, e até mesmo desobediência, tinha valido a pena no final das contas. A conquista era inteiramente sua e de sua equipe, que não o tinha abandonado, que brigou por ele a cada minuto.
Não tinha conseguido por causa de seu sobrenome ou do seu pai. Era por ele mesmo.
E para , aquilo significa o mundo.
O espanhol demorou mais alguns minutos na comemoração com a equipe 55 e, finalmente, seus olhos encontraram as íris verdes que tanto queria encontrar. Os dois se encararam por apenas cinco segundos e foi o suficiente para ter a certeza que aquela mulher, vestida de preto e vermelho dos pés a cabeça, com o sorriso largo e lágrimas nos olhos, era a mulher mais linda que já tinha visto em toda a sua vida. Ninguém chegava aos pés dela.
— Você merece! — gritou enquanto o abraçava por cima das grades.
— Me espere — ele sussurrou e a soltou rapidamente, correndo para entrar com Daniel Ricciardo e Lewis Hamilton na sala de espera do pódio.
não conseguia parar de sorrir. E saber que Martínez estava ali, testemunhando cada segundo da sua vitória, deixava tudo melhor.


🌶️


O espanhol não segurou as lágrimas quando o hino de seu país tocou em Silverstone. Nem em seus melhores sonhos poderia ter imaginado que seria daquela forma; as sensações, os sorrisos que viu de lá de cima, os gritos, comemorações, tudo era incrivelmente melhor. Era realidade.
Jr. finalmente era campeão de um Grand Prix.
E agora que tinha conseguido o seu primeiro pódio, não iria mais querer sair daquele lugar. Era seu. Batalharia por isso em todas as corridas restantes da temporada.
A cerimônia do pódio pareceu durar mais que o normal. Mas estava tão feliz que não reclamou em nenhum momento, nem mesmo de dar as inúmeras entrevistas. Era o seu momento. Ele era o campeão da Inglaterra naquele domingo. O mundo todo estava com os olhos voltados para ele e nos próximos passos da Ferrari.
Não tiveram muito tempo para comemorar a vitória na garagem da equipe, mas foi o suficiente para beber alguns champagnes, tirar fotos e celebrar. A próxima corrida já estava praticamente na porta e todos teriam que estar prontos para a Áustria. Sem vacilar.
— Hoje você pode aproveitar a noite inteira! — Caco disse ao encontrar com e Charles no box, mesmo com o resto da equipe toda já tendo partido para o aeroporto. — Tire esse cara daqui, Leclerc!
— Na verdade, Caco, eu acho que outra pessoa já tem esse plano para ele — o monegasco respondeu, dando um tapa nos ombros do companheiro de equipe e recebendo um olhar ameaçador como resposta.
Oñoro deu de ombros, soltando uma gargalhada em seguida e, depois de beber mais o último gole do champanhe disponível, deixou os pilotos sozinhos.
— Você é babaca assim desde sempre ou fez curso?
— Você que tá cheio de segredinhos e não me conta nenhum.
— De onde sua mente fertil tirou que tenho segredinhos, animal? — perguntou entredentes para o amigo, que lhe respondeu com uma risada alta.
— Se você não me conta, eu irei descobrir. Só fique de olho que tem um certo francês querendo pousar no seu jardim. — grunhiu e o monegasco lhe deu três tapinhas nas costas — Depois não diga que eu não avisei.
— Não sei do que você está falando, mas… — passou as mãos pelos cabelos, impaciente. — Se você gostar mesmo do seu amigo, diga para ele ficar longe do meu caminho, ok? Ok — ele devolveu os três tapas nas costas de Charles e fez sinal de positivo com os dois polegares, dando as costas para o monegasco.
, ainda que já estivesse fora do box da escuderia italiana, conseguiu escutar a risada alta de Charles, o que o fez revirar os olhos ainda mais forte e apressar o passo para fora daquele lugar.
Pierre Gasly não iria lhe atrapalhar. Pierre Gasly não encostaria um dedo em Martínez.
O motorista do espanhol o levou para longe do paddock, e em menos de duas horas, já estava na porta do hotel no centro de Londres. Agradeceu mentalmente pelo bom senso do motorista de tê-lo deixado pela parte de trás do lugar sem que tivesse precisado pedir; ele estava com a cabeça cheia demais para lembrar do pequeno detalhe que era as diversas pessoas e jornalistas na porta do hotel querendo qualquer segundo de sua atenção.
— Charles que se vire — resmungou sozinho ao sair do elevador direto no último andar.
Não demorou muito para que saísse do seu quarto e desse as famosas cinco batidinhas na porta de . havia esperado por aquele momento desde quando pulou do cockpit.
— Você! — o cumprimentou com um sorriso largo e a agarrou pela cintura rapidamente, fechando a porta com o pé. — Parabéns, Cielo! — murmurou ainda com os lábios do espanhol nos seus, soltando uma risada em seguida quando foram direcionados a seu pescoço. — Você mereceu.
— Merecemos — ele respondeu, soltando-a. — Você faz parte disso também, Cariño. Não ganhei nada sozinho.
sorriu e o abraçou forte. Era bom tê-lo ali, tão perto, a um toque de distância. Seguro, feliz. Era assim que ela gostava de vê-lo.
— Senti sua falta no box. Você nem ficou pra comemoração.
— Eu tive um mal estar do nada. Estava saindo do motorhome para ir até o box, por sorte Gasly me encontrou e me deu carona até aqui.
— Pierre Gasly? — perguntou e se arrependeu no mesmo instante.
Soltou um pigarro e praguejou mentalmente o francês intrometido. “Charles Leclerc teria que resolver aquilo e rápido”, pensou o espanhol.
— Você está melhor? Quer que eu te leve para o hospital? — se corrigiu e soltou um leve sorriso, passando a mão pelo ombro do homem à sua frente.
— Não precisa se preocupar, já estou melhor. Não avisei nada porque não quis preocupar. Hoje é o seu momento, campeão.
— Nosso — respondeu e a beijou.
Se mandassem descrever tudo o que sentiu quando o homem colocou seus lábios sobre o dela, passou as mãos de forma gentil, mas também firme pelos cabelos de sua nuca e a fez soltar gemidos quase inaudíveis por entre o beijo, ela não conseguiria. Era muito para definir, para administrar. Ter ali, tão perto, poderia ainda lhe levar à loucura.
já a conhecia melhor do que muita gente que estava por anos em sua vida. O espanhol havia desvendado seus segredos e vulnerabilidades que jamais pensou que um dia poderia demonstrar para alguém novamente. Ela estava totalmente exposta para ele.
E era uma insanidade permanecer com aquilo. Ela não poderia. Martínez sabia de cor qual seria o final daquela história.
Ela reuniu suas forças restantes e colocou as mãos no peito do homem, o afastando.
— A gente tem que parar com isso, .
Os olhos do homem eram de pura confusão. — Por quê? Eu transo mal por algum acaso? — perguntou, e passou a mão fortemente pelos cabelos, soltando um suspiro pesado.
Callate, . Dios mio. Eu não consigo respirar com você tão perto de mim. Eu não consigo pensar direito. Carajo. Você me deixa assim, sabia? E eu não sei mais que porra estou fazendo da minha vida desde que entrei na sua. Eu não sei mais de nada. Mas sei que a gente não pode mais continuar com isso.
— Você não me quer mais, é isso?
— Eu quero. E é esse o problema. Eu não vou saber o que fazer quando você for embora, .
— Eu não vou embora, . Eu quero você e não só essa noite, Cariño — ele murmurou ao pé do ouvido da madrilenha enquanto sua mão direita segurava sua cintura. — Você é minha, — deu-lhe um beijo no canto da boca e voltou para mordiscar o lóbulo de sua orelha, a fazendo suspirar — Minha .
Martínez desistiu de se segurar. Talvez ela não conhecesse o final daquela história. Afinal, nunca tinha conhecido alguém como .
Ela escolheu arriscar.
— Sua.


Capítulo 13 – Áustria

Get me with those green eyes, baby

10 de julho de 2022
Red Bull Ring Circuit
Spielberg, Áustria


podia ser nova no mundo da Fórmula 1 e das rivalidades entre as equipes, mas ela já estava há tempo suficiente para saber, e sentir, que estar na casa da Red Bull não era um dos melhores finais de semana para a escuderia italiana.
Tudo era sobre a Red Bull e Max Verstappen. A cor laranja dominava as arquibancadas, Martínez não aguentava mais escutar a música Super Max nos alto-falantes do lugar. Havia algumas bandeiras mexicanas espalhadas também, mas nem se comparava com a quantidade de faixas para Max. Chegava a parecer que o piloto era único na equipe.
Principalmente após a corrida sprint do dia anterior, que Max liderou com vantagem, com Daniel Ricciardo em segundo, sendo seguido por Charles Leclerc e , respectivamente.
só queria que aquele fim de semana acabasse. Todos na escuderia estavam uma pilha de nervos, já que Daniel Ricciardo parecia estar fazendo milagre com sua McLaren e roubando pontos preciosos da Ferrari. O que antes era uma disputa somente com a dona da casa, passou a ser com a equipe inglesa também. E a escuderia italiana parecia começar a ficar distante do seu objetivo.
— Precisamos de um pódio duplo hoje para irmos pra França mais tranquilos — Caco disse para assim que entrou e acelerou com o carro para a volta de apresentação.
— Ele comentou comigo, nada pode dar errado hoje — ela respondeu, pegando em seu pingente da deusa Cibeles e desejando internamente que ela a escutasse. precisava de outro pódio depois da vitória em Silverstone, a constância era necessária naquele momento.
As luzes verdes se apagaram e a corrida na casa da Red Bull começou. Era impressionante o que as três escuderias estavam fazendo na pista nos últimos anos. O que era somente uma dominância da Mercedes e depois uma briga entre Hamilton e Verstappen, deu espaço para uma verdadeira batalha entre Ferrari, Red Bull e o cavalo azarão, Daniel Ricciardo com sua McLaren. O australiano, para a surpresa de todos, conquistava cada vez mais pontos e vitórias, tornando-se uma verdadeira preocupação para as duas equipes que achavam que o mundial estava entre elas.
E mais uma vez Daniel estava na frente, só que naquele dia, o carro 55 conseguiu uma largada fenomenal e estava em suas costas, como se sua vida dependesse daquela ultrapassagem, enquanto Charles e Max disputavam o terceiro lugar.
— Ele tá tirando o máximo do carro! — Oñoro comemorou e concordou, sem tirar os olhos da tela.
Martínez achava incrível ver o espanhol correr. Cada pequeno detalhe, a forma que ele segurava o volante, a forma como mesmo estando a mais de 300 km/h ele conseguia ter uma visão estratégica da corrida, que muitas vezes mudava positivamente o desempenho da equipe ao longo do fim da semana. o admirava como esportista. E sabia o quão perdida estava em Jr. para ter aquilo em mente.
— Tem algo errado — disse ela mais para si mesma que para Oñoro, que ainda estava ao seu lado, quando percebeu pressionar o volante ainda mais forte.
Bastou cinco segundos para que os engenheiros do pit começassem a se movimentar e falar em seus rádios, até que pôde ser escutado por todo o box.
— Não, não — sua voz era enraivecida. — Isso é inacreditável.
Tudo foi muito rápido, mas pareceu durar uma eternidade.
— O MOTOR, NÃO, NÃO, O MOTOR.
Os gritos de podiam ser escutados no box como se estivessem amplificados, enquanto as imagens do motor explodindo, fazendo com que o carro vermelho começasse a pegar fogo, passavam em alta resolução em todas as televisões espalhadas pelo box.
Martínez sentiu seu mundo parar. Nada daquilo fazia sentido. Nunca passou pela sua cabeça que aquilo poderia acontecer em um dia como aquele, principalmente em um espaço de tempo tão curto. Tudo mudou em um segundo.
Era assim que funcionava naquele mundo, cada segundo importava. E aprendeu vivenciando da pior forma.
Assim como aprendeu que tudo parecia piorar ainda mais rápido.
parou em uma pequena saída na curva 4, que por ser uma área de inclinação, fez com que o carro começasse a ir para trás enquanto o fogo se alastrava cada vez mais rápido, sem que o espanhol conseguisse sair do cockpit.
— POR QUE NINGUÉM AJUDA ELE? — gritou em desespero enquanto apontava para a tela à sua frente, que mostrava tentando sair mais uma vez sem sucesso. — FAÇAM ALGO!
Parecia que ela estava vivendo um filme de terror. Seu corpo tremia por inteiro enquanto seu coração batia cada vez mais forte. Parecia que ninguém a escutava – ainda estava no carro e a única coisa que ela conseguia enxergar era fogo. Os marshalls, que demoraram tanto para chegar, não conseguiram parar o carro de primeira, mas facilitaram para pular do cockpit, aparentemente em segurança.
Ao ver o piloto sentado na calçada, recusando atendimento enquanto estava visivelmente abalado, sentiu a adrenalina evaporar de seu corpo. Bastou dois segundos para ir até a lixeira mais próxima e colocar tudo para fora.
— Inferno — murmurou para si mesma, depois de limpar a boca com a costa da mão e correr para o banheiro do box.
Martínez lavou o rosto na pia e não soube distinguir o que era água ou suas lágrimas. Tinha sido aterrorizante ver o desespero do piloto espanhol quando a unidade de potência de sua Ferrari explodiu e o deixou preso no cockpit. O sentimento de incapacidade dominava todo seu corpo. Ele estava a poucos quilômetros de distância e ela não podia fazer nada. Se fosse no mundo do futebol, o seu mundo confortável, entraria em campo e o salvaria de qualquer lesão. Ali, onde era o seu mundo real, ela era incapaz. Não podia fazer nada por .
deixou-se demorar mais cinco minutos no banheiro e voltou à garagem, ao mesmo tempo em que descia da moto de resgaste do circuito.
A preparadora não pensou em nada a não ser no quanto queria tê-lo em seus braços, e assim fez. Correu até o espanhol e o abraçou, tomando-o de surpresa.
— Você está bem? — segurou seu rosto e virou sua cabeça para os lados, como se estivesse tentando examiná-lo. — Não minta pra mim.
— Estou bem — ele assegurou. — Fisicamente bem.
— Meu Deus — murmurou e o abraçou novamente.
Ao escutar a voz de Caco, os dois foram despertos e lembraram-se de onde estavam, se separando bruscamente. Oñoro os encarou, estranhando a proximidade, mas antes que pudesse continuar a falar ou fazer algum comentário para o primo, levantou as mãos e começou a andar em direção às salas do box.
não o seguiu e também não entendeu nenhuma palavra do que foi dita entre eles, apenas a última frase de que saiu como um grito que não deveria. — Já tive um dia de merda, não piore ele. Me deixe em paz.
não estava nada bem.


🌶️


nem se importava mais com a água quente que batia contra suas costas enquanto o vapor dominava o banheiro do hotel. Ele só queria ficar sozinho, longe dos acontecimentos daquele dia infernal. Nem mesmo a vitória do companheiro de equipe o alegrou. Talvez sim, fosse egoísmo, mas aquele pódio era seu, e por culpa de uma explosão de motor, lhe foi tirado. E ele quase ficou preso no fogo.
Fogo era tudo o que ele conseguia ver naquela manhã. As chamas deixavam o cockpit cada vez mais quente, e aquela água junto do vapor não era nada se fosse comparar. Seu desespero estava estampado para todo o mundo, assim como sua tristeza e decepção. Ele tinha quase perdido tudo em questão de minutos.
O piloto espanhol deixou-se ficar ali por mais longos minutos, e enfim saiu. Tremeu involuntariamente ao adentrar o quarto e se deparar com o gelado do ar condicionado – ele não estava preparado para a mudança tão brusca. Reclamou sozinho, como já tinha feito por várias pequenas coisas desde que voltou ao hotel, vestiu uma cueca e jogou-se na cama.
Só queria que aquele dia acabasse.
Mas uma notificação em seu celular o fez sorrir. Aquela, com certeza, era a única parte boa de estar naquele inferno. Respondeu rapidamente a mensagem e em menos de cinco minutos abriu a porta para Martínez.
— Me desculpe — murmurou para a mulher depois de abraçá-la. — O sumiço… — completou após ver a expressão confusa da espanhola. — Não sabia como lidar com o dia de hoje.
— Eu sinto muito pelo que aconteceu. Foi… — soltou um suspiro cansado. — Horrível. Parecia que você iria ficar lá e ninguém estava fazendo nada, eu… Desculpe, isso não é sobre mim. Mas eu fiquei assustada.
— Eu também — respondeu e fez sinal para a mulher se deitar ao seu lado na cama. — Você me conhece, não me assusto com acidentes nem nada do tipo, estou acostumado. Mas hoje foi diferente. Fiquei desesperado para sair.
— Tinha muito fogo — disse quase em um sussurro. — Nunca mais quero ver você assim.
— Cariño — puxou-a para seus braços e depositou um beijo em sua testa —, estou aqui, com você. E essa foi a melhor parte do meu dia.
sorriu e sentiu-se aliviada por estar ali. Estavam seguros.
— Como você está?
— Puto, pensativo, triste — ele contou os sentimentos nos dedos e deu um riso. — Mais pensativo que os outros dois. O acidente me fez visitar algumas memórias, sabe?
— Quer falar sobre elas? — perguntou mesmo sem ter a mínima ideia de qual seria a resposta do espanhol. Ela já havia compartilhado coisas íntimas e familiares com ele, mas a recíproca ainda não tinha acontecido, e Martínez não sabia até que ponto sentia-se confortável com ela para se abrir de forma tão íntima. Mas ali, deitada ao seu lado, desejou que fosse recíproco o sentimento de conforto e confiança, não sendo só sexual.
— Quando eu era criança e comecei a ter interesse por automobilismo, meu pai fez questão de me mostrar tudo e me colocou na Escuela de Pilotos de Emilio de Villota. Maria foi a primeira pessoa a me ensinar sobre Fórmula 1, ela fazia parte da equipe da Marussia e dirigia a escola da família. Maria… Maria foi como uma mãe pra mim na Fórmula 1, me ensinou tudo o que eu sei, acompanhou meus primeiros passos, estava lá a todo momento. Todo mundo pensa que foi por causa do meu pai, mas foi ela, . Ela me ensinava tudo com tanto cuidado, carinho… afeto.
O olhar de e suas palavras foram surpreendentes para a espanhola, principalmente porque ela conseguia enxergar lágrimas começarem a se formar nos cantos dos olhos dele.
— Meu pai nunca foi afetuoso, sabe? Sempre foi rígido, duro, falava palavras difíceis, e me acostumei com isso, com o tratamento diferente das minhas irmãs. Mas Maria, não. Ela conseguia ser rígida mas também acolhedora, não gritava quando eu errava, nunca me xingou ou me fez me sentir pequeno. Maria era como uma mãe, já que eu passava tanto tempo fora de casa. E aí, ela sofreu um acidente gravíssimo em uma corrida e faleceu em 2012. A mulher que tinha feito eu dirigir meu primeiro carro de Fórmula 1 morreu por causa de um acidente.
A única reação de foi segurar a mão direita de enquanto ele limpava rapidamente os olhos com a esquerda. Ficaram por incontáveis minutos em silêncio, até que o homem continuou:
— Não sei se você já reparou na estrela que uso no capacete. — Martínez assentiu. — Era o logo que ela usava. Resolvi colocar para tê-la sempre comigo e imortalizar o seu legado, de alguma forma. Ela foi incrível demais para ser esquecida. E hoje, depois do acidente, revivendo essas memórias, só consegui pensar que estou falhando… estou falhando com ela, .
— Cielo, você está muito longe de estar falhando — acariciou seu rosto e o beijou delicadamente nos lábios. — Muito longe mesmo.
— Onde você estava esse tempo todo? — deixou escapar em um sussurro e sorriu, não só com os lábios, mas também com os olhos.
E foi ali, naquele segundo, que poderia jurar que sentia-se perdido na imensidão daqueles olhos verdes, que por vezes pareciam que poderiam engoli-lo, mas também, como naquela fração de segundo, acolhê-lo de uma forma que nunca foi antes.
Ainda que tudo fosse novo para o espanhol, estar ali, com , fazia sentido. Como se toda sua vida tivesse virado para que aquele único momento se realizasse.
E ele desejou em seu íntimo, assim como para deusa Cibeles, que aquele momento não acabasse nunca mais.


Capítulo 14 – França

And all at once, you are the one I have been waiting for, king of my heart, body and soul.

20 de julho de 2022
Paris, França


não conseguia parar de sorrir. Desde o aeroporto em Madrid, ao entrar no avião, quando chegaram ao hotel, durante o treino do dia, até aquele momento, às sete da noite, o piloto espanhol estava com um sorriso de orelha a orelha.
E não era porque tinha passado alguns dias em sua terra natal e depois, ao voltar para a Itália, ter tido excelentes resultados no simulador oficial. Ou por ter a companhia de por mais vezes do que poderia imaginar, já que a espanhola não dificultava mais as coisas indo para o lado oposto da cidade.
sorria de orelha a orelha porque naquela quarta-feira, às oito da noite, ele iria jantar com a família do seu ídolo, Sergio Ramos Garcia. Cunhado de , já que a esposa dele, Rosie, era a prima-irmã da espanhola. Que era sua treinadora. E também a mulher que ele estava saindo há mais de três meses.
O piloto parecia uma criança indo à Disneylândia pela primeira vez.
— Não nos atrase — avisou assim que entrou no banheiro do quarto de hotel em que estavam hospedados na capital francesa. — Por isso tomei banho cedo.
— Vá se foder — Martínez retrucou e escutou um grunhido como resposta. — O jantar continuará lá, mesmo se passarmos das oito horas.
— Não podemos atrasar. Meu primeiro jantar oficial com Ser… sua família.
— É Rosie e Sergio.
— Vá tomar banho, vamos!
— Cielo, Sergio não vai comer você — provocou e jogou um travesseiro na porta do banheiro, a fazendo gargalhar.
— E nem eu vou te comer, idiota. Sério, , estamos muito atrasados.
Martínez entrou no box e ainda assim as reclamações do espanhol eram audíveis. Mas ela adorava. Por mais que permanecessem em segredo, estar com lhe trazia experiências incríveis.
— Finalmente! — disse ao bater três palmas quando viu a espanhola devidamente arrumada. — Você está muito bonita.
— Estaria mais se um certo alguém não tivesse aporrinhando minha paciência igual uma criança de cinco anos.
revirou os olhos e puxou Martínez pela cintura, beijando sua boca. Ele adorava estar com ela por perto. Era algo que ele não sentia há bastante tempo.
O caminho até a residência da família Martínez-Ramos não era muito distante de onde eles estavam hospedados, chegaram em menos de quarenta minutos. ainda não tinha visitado a família em Paris, mas não se surpreendeu com o tamanho do prédio que eles tinham escolhido para passar os dois anos de contrato de Sergio com o time francês. E Sergio se mudou sozinho.
A portaria do edifício era gigantesca, chegava a parecer uma recepção de um hotel. disse o nome do jogador espanhol mais o seu e, sem maiores perguntas, o porteiro indicou o elevador principal para eles.
O apartamento da família Martínez-Ramos ficava na cobertura do edifício. O elevador entrava diretamente na ante-sala, que, com uma simples porta de madeira branca, a separava do restante do lugar.
— Olha o tamanho desse apartamento — murmurou assim que a porta do elevador se abriu.
— Você precisa ver a Yeguada. Talvez nas férias, se você se comportar, é claro — Martínez disse em tom jocoso, que fez o homem revirar os olhos e os lábios igual uma criança.
— Você vai ver só meu comportamento mais tarde, Cariño.
tossiu, sendo pega de surpresa pela frase do piloto, e ele respondeu apenas dando-lhe um tapinha nas costas com um sorriso cínico no rosto.
— Vocês chegaram!
Rosie abraçou a prima fortemente e a mais nova retribuiu com a mesma intensidade. Eram como irmãs. E, de fato, eram.
— Sejam bem-vindos à nossa casinha — Sergio disse ao cumprimentar e , logo após se soltar da advogada.
Sua casinha — Rosie o corrigiu quase em um sussurro, mas que não passou despercebido. — Vocês querem algo para beber?
— Vinho! Vinho sempre é bem-vindo — o zagueiro sugeriu e voltou para a cozinha enquanto a esposa guiava os convidados para a sala.
Casinha sussurrou para assim que se acomodaram no enorme sofá branco, arrancando uma risada da espanhola.
O apartamento era gigante, ocupava um andar inteiro, além de ter um segundo andar. A vista da sacada da sala era privilegiada – dava para ver com perfeição a Torre Eiffel, sem contar que o barulho da cidade não chegava ao apartamento.
— Cadê meus meninos? Jurava que ia vê-los hoje!
— Rosie achou melhor que eles não faltassem aula, e como ela não vai demorar muito aqui, ficaram com meus pais e as babás — Sergio explicou depois de servir a todos com o vinho italiano que havia escolhido.
— Não quero que sejam meninos mimados. Nós não fomos — olhou para , que balançou a cabeça, concordando.
— Isso é verdade. Lembro que tinha competição no final de semana e segunda-feira cedo já estava na aula. Agora, se eu prestava atenção, era outra coisa.
As duas deram uma risada baixa enquanto e Sergio se entreolharam, cúmplices. Eles não eram próximos, mas sobre aquele ponto se entendiam. Ambos não foram criados para estudarem muito; ainda que tivesse feito todos os exames admissionais para a faculdade, sempre foram focados apenas no desempenho esportivo.
— As mulheres Martínez foram criadas para tomarem conta de um império, mi amigo — Sergio disse para , que o olhou sem entender.
— Mulheres Martínez? — perguntou e as duas se olharam, com um leve sorriso no canto dos lábios.
— Você realmente não sabe onde se meteu.
— Não o assuste! — Rosie ralhou, mas dando um sorriso em seguida. — Você terá tempo de conhecer as peripécias dessa família, querido. Agora vamos jantar!
realmente desejava que tivesse tempo. Bastante tempo com Martínez.
Sentaram-se na sala de jantar e ele sorriu de imediato ao ver o que a família Martínez-Ramos havia preparado para o jantar. A Paella cheirava tão bem que o piloto pensou na sua infância quando sua mãe cozinhava aos domingos para ele e suas irmãs, assim como o Pulpo a la Gallega.
— Você mandou fazer meus pratos preferidos! — disse com os olhos brilhando. Ela amava frutos do mar.
— Tudo para você, querida — Rosie respondeu e sorriu, servindo a prima em boa quantidade.
Todos à mesa serviram-se mais de duas vezes, e tanto a comida quanto a conversa regada a vinho davam vontade de ficar ali cada vez mais. Os quatro só pararam para ver quanto tempo havia passado ali quando pediu licença e levantou-se da mesa.
— O banheiro é nesse corredor? — perguntou e Ramos assentiu, apontando para a esquerda.
O espanhol estranhou a demora da espanhola e pediu licença também, indo pelo caminho indicado pelo zagueiro. Percebeu a luz ligada na última porta do corredor e deu duas batidas, escutando uma leve tosse em seguida.
— Cariño? — perguntou. — Está tudo bem?
— Não.
— Abra — ordenou, mas não teve resposta. — Abra, .
— Espere.
— Dez segundos.
E tal como uma criança, contou de dez até um, mas a mulher não abriu a porta.
— Eu vou arrombar essa porta.
— Pronto, Cabrón — abriu de supetão e se assustou ao vê-la com os olhos vermelhos, como se tivesse acabado de chorar. — Vamos para o hotel?
— O que aconteceu?
— Digo depois, não é nada sério. Eu só passei mal de novo, mas já estou melhor.
— Vamos.
Os dois voltaram para a sala de jantar juntos. Sergio e Rosie se entreolharam, cúmplices, e balançou a cabeça negativamente ao perceber os pensamentos do casal.
— Não inventem — apontou para os dois. — Estamos indo, ok?
— Droga — Sergio praguejou e Rosie soltou uma risada.
— Apostamos e eu venci.
— Vocês são uns idiotas — os dois fizeram um coração para , e em resposta receberam seu dedo do meio. — Vejo vocês dois na corrida.


🌙


não tirava o olho de desde que entraram no quarto do hotel. Ela sempre pareceu ser muito forte e saudável, então vê-la naquele estado foi surpreendente para o espanhol, e não de um jeito agradável. Ele, enfim, percebeu que podia ser bastante vulnerável e precisar de cuidados.
E ter ciência daquilo o assustou. Não por ser preciso fornecer, mas sim porque se deu conta que suas atitudes poderiam machucá-la. se importava e gostava de Martínez. E para o espanhol, aquele sentimento era completamente novo.
— Você está me olhando esquisito de novo.
— Estou preocupado, Cariño — respondeu ao sentar-se na cama e pegar os pés da espanhola para massagear. — Você me assustou.
— Acho que minha gastrite atacou de novo. Depois que meu avô morreu, descobri que eu tinha e às vezes passo bastante mal, mas prometo que irei ao médico quando voltarmos para Madrid.
— Posso pedir pro médico da equipe te examinar.
— Não — respondeu rápido —, não quero nada ruim na minha ficha médica da Ferrari. Não é nada grave, tudo bem? Ligarei e pedirei que me receite um remédio para estabilizar as crises.
— Ficarei no seu pé, viu? Saiba disso, espertinha.
fez cócegas no pé de , que gargalhou, debatendo-se para se soltar. Ao escutá-la, o espanhol desejou para a deusa Cibeles que momentos como aquele se repetissem mais vezes. Ele adorava o som da gargalhada de Martínez.



24 de julho de 2022
Circuito Paul Ricard, Le Castellet


estava particularmente nervosa para aquela corrida. A Ferrari precisava que os dois pilotos garantissem excelentes posições caso quisessem ter ainda mais chances para continuar disputando com a Red Bull e o azarão do campeonato dos pilotos, Daniel Ricciardo. A Scuderia Italiana havia dominado o treino classificatório do sábado, com Charles Leclerc conquistando a pole position. Mas o problema era que , ainda que tivesse terminado em terceiro, começaria em décimo nono lugar, graças às mudanças na unidade de potência de seu carro, feita após o final das classificatórias.
O relógio de a avisou que faltavam exatamente quarenta minutos para o início da corrida, e foi quando entrou em sua sala do box com os cabelos molhados e o macacão aberto. Ele havia acabado de sair da banheira de gelo.
— Você está tenso — notou e o homem fez sinal de positivo com a cabeça, estalando os dedos em seguida.
— Décimo-nono nessa merda. Pista quente para um caralho, vou ter que fazer milagre com os pneus.
— Vai dar certo. Seu tempo foi ótimo durante o final de semana inteiro. Só entre no carro e faça o que você faz de melhor. — assentiu e lhe deu um beijo na bochecha. — Você é Jr., lembra?
— Lembrarei — o espanhol a beijou rapidamente na boca e sentiu-se aliviado pela primeira vez naquele dia.
Ele daria seu melhor na corrida e ela estaria ali para vê-lo. sempre estaria ali.

colocou os fones vermelhos, ficou em pé ao lado de Caco, como ficava em quase todas as corridas, beijou sua medalhinha da deusa Cibeles e concentrou-se na volta de apresentação que havia começado. Todos os pilotos haviam largado com pneus médios, com a exceção de e Gasly, que optaram pelos duros. esperava que a estratégia combinada com a Equipe55 funcionasse e o espanhol conseguisse a remontada.
A largada não foi como o esperado, poucos pilotos cometeram erros e todos pareciam estar bastante competitivos naquela manhã. Leclerc conseguiu manter a dianteira à frente de Verstappen, mas Daniel Ricciardo passou Pérez com muita tranquilidade e assumiu a terceira colocação, já buscando o primeiro lugar contra os outros dois.
Já na volta 12, Verstappen, mais preocupado com a aproximação de Daniel Ricciardo, deixou Leclerc livre, fazendo com que o monegasco conseguisse ainda mais segundos de vantagem. Mas pouco se importava com a disputa dos três. A espanhola estava mais empolgada ainda com , que brilhantemente já estava na zona de pontuação, ocupando o décimo lugar.
— Eu sabia que deixando o carro um pouquinho mais leve, iria ajudar — Caco disse para a treinadora, que assentiu.
— Fizeram o que? — perguntou, curiosa.
— Ele não te disse? — balançou a cabeça negativamente. — Ele preferiu correr sem água.
Martínez esfregou os olhos, sentindo suas têmporas arderem com a informação que havia acabado de receber. Ela iria matar aquele homem no momento em que ele pulasse para fora do cockpit.
— Inconsequente — murmurou para si mesma.
Charles Leclerc abriu quase 1,8 segundos de distância de Verstappen, que fazia de tudo para se defender de Ricciardo, mesmo com a degradação de pneus. Até que ele rodou sozinho e foi direto na barreira de pneus, tirando qualquer chance da Ferrari conseguir um pódio em Paul Richard. Gritos de irritação puderam ser escutados por todos os boxes, mesmo com o safety car ajudando na ida para os boxes. Não existia uma pessoa ali contente após o desastre.
A disputa recomeçou na volta 21. Ricciardo conseguiu ficar a 0,5 segundos de conseguir o primeiro lugar enquanto continuava a subir o pelotão, conquistando o sétimo lugar. O espanhol era a única esperança da Ferrari pontuar naquele domingo, nada mais poderia dar errado.
— Isso, porra! — gritou no box ao ver que os mecânicos conseguiram fazer um pit stop sem erros, ao colocar pneus duros e liberarem o espanhol a tempo de não perder tantas posições.
voltou para o décimo lugar, mas conseguiria recuperar suas posições rapidamente se mantivesse a estabilidade e controle de pneus.
Apesar de ter sido ultrapassado por Albon, Ocon e Norris, não deixou Pierre Gasly ultrapassá-lo, fechando rapidamente sua esquerda na curva, fazendo com que o francês passasse pelas zebras da pista.
Esse idiota não pode me espremer assim! — o grito enraivecido de Gasly no rádio foi escutado por todos graças a transmissão.
— Se prepare — olhou rapidamente para o lado e se deparou com Leclerc, de braços cruzados e um sorriso brincalhão nos lábios.
— Você me assustou! — deu-lhe um leve empurrão. — Você está bem?
— Fiz besteira na pista, mas acontece — coçou a testa e soltou a respiração, parecendo cansado com toda a situação. — Você entendeu o que aconteceu aí?
bloqueou Gasly. Normal, né? Sem punição.
bloqueou Gasly, que é a fim de você — sussurrou somente para que a preparadora escutasse. — É diferente, querida . Você vai ver o show.
— Charles, você está falando besteiras. Ninguém é interessado em mim, não…
— Meus amigos agora se chamam ninguém — brincou, e a mulher revirou os olhos. — Bom saber.
— Da próxima vez que Verstappen quiser te bater, eu vou deixar — Martínez murmurou e o monegasco soltou uma gargalhada, fazendo com que olhares no box fossem atraídos para eles.
Momentos depois do incidente com , ainda na mesma volta, Lance Stroll tocou Gasly antes da última curva, fazendo com que o francês escapasse da pista.
— Show confirmado — Leclerc disse assim que a transmissão noticiou que Pierre havia despencado para a última posição.
Não demorou muito para que ele desse mais um giro na pista e, então, decidir levar sua Alpine para os boxes. Pierre Gasly havia abandonado a corrida em Paul Richard com danos à suspensão e, claramente, culpando por tudo.
— Quantos graus você acha que está fazendo lá? — perguntou ao se dar conta que faltavam dez voltas para o fim da corrida e já estar ocupando a sexta posição.
— Não faço ideia, mas deve estar quase insuportável o calor. Essa pista é uma das mais quentes nesse período.
— Ele está sem um pingo de água — disse baixinho e o monegasco a encarou. — Vai sair desidratado.
Faltavam cinco voltas e já ocupava a quarta posição, bastava manter até o final. Os mecânicos da equipe 55 já se preparavam para irem ao pitwall, mas , que sempre os acompanhava, fez o caminho contrário. Pegou uma garrafa d’água e saiu rumo ao Parc Fermé, ficando no espaço aberto, onde já estavam alguns fotógrafos e membros de outras equipes. Martínez apertou a sua medalhinha da deusa Cibeles e rezou mentalmente para que estivesse perfeitamente bem quando saísse do carro. Nada iria lhe acontecer.
Os quase dez minutos que se passaram, até os carros dos três primeiros lugares estacionarem ali, pareceram infinitos. Finalmente o carro 55 vermelho entrou no Parc, e, quando foi liberado, saiu do cockpit. Ele estava visivelmente esgotado. A primeira coisa que fez foi se apoiar no carro, sem retirar o capacete, em uma tentativa de controlar sua respiração.
! — gritou, atrás da linha de proteção. Ela queria pular ali e segurá-lo, mesmo sabendo de todas as multas que a equipe italiana poderia ter por conta da invasão.
O piloto virou para a área em que estava e fez um sinal de positivo em sua direção. Pareceu retomar o controle do corpo e andou em direção a pesagem. Agradeceu mentalmente pelos responsáveis da área não demorarem muito a pesá-lo, o liberando logo. O espanhol estava exausto e sentia que poderia cair a qualquer momento, mas assim que passou para a área de livre acesso, sentiu mãos conhecidas envolverem sua cintura.
Martínez ainda estava ali.
— Aqui — ela retirou gentilmente o capacete do espanhol e segurou com a mão a livre, entregando-lhe a garrafa d’água. — Vamos para cá.
A preparadora o ajudou a caminhar até a área coberta ao lado do Parc, onde os pilotos se preparavam para as entrevistas. abriu o macacão com a ajuda da espanhola, encostou sua cabeça na parede e fechou os olhos.
— Abra os olhos, vamos — pediu, apertando a ponta dos dedos gelados do espanhol. — Beba água devagar.
— Não consigo.
— Consegue, sim. Vamos. desencostou-se e bebeu como a mulher havia dito. — Mais um pouquinho.
O piloto não tinha forças para retrucar a mulher, então a obedeceu sem reclamar. Bebeu mais um pouco de água, até que ela o deixou sozinho, mas não demorou muito para voltar.
— Está melhor? — perguntou e lhe entregou uma barrinha de proteínas. — É de chocolate.
— Obrigado — disse, comendo em seguida. — Estou me sentindo melhor.
— Certeza? — conferiu e o espanhol concordou com a cabeça. — Você está com tanta sorte de estarmos em público e eu não poder amassar seu crânio com a porra desse capacete. Quatro quilos e meio, seu inconsequente. Você só pode estar brincando com a minha cara de ir correr sem água e não me avisar.
tomou um susto com a rápida mudança de e a encarou com os olhos arregalados, ajeitando-se no banco onde estava, enquanto a mulher permanecia à sua frente, entre suas pernas, com o seu capacete em mãos.
— Termine de comer isso e vamos para a entrevista. Você vai ver só uma coisa mais tarde, Cabrón.
— Espero que…
— E você não vai gostar.
— Estou passando mal de novo, . Vou desmaiar.
— Te farei acordar rapidinho batendo com isso na sua cabeça — Martínez respondeu, suspendendo levemente o capacete. engasgou-se levemente com o chocolate, tossiu e bateu no peito, mas logo levantou-se. Bebeu mais água e, sem dizer mais uma palavra para a espanhola, seguiu com ela em seu encalço para a zona de entrevistas.
Muitos jornalistas queriam ouvir a versão de daquela corrida. Sua remontada quase heróica, saindo do 19º lugar para o 4º, não participando do pódio por tão pouco, ficando Lewis Hamilton em 3º, Max Verstappen em 2º e Daniel Ricciardo conquistando mais um 1º lugar.
— A confiabilidade do carro hoje ultrapassou as minhas expectativas. Ainda estou me recuperando da corrida, mas é fantástico perceber que saí do penúltimo lugar para a zona de pontuação, e trazendo pontos tão importantes para casa — respondeu e enxugou a testa com a toalha que sua preparadora havia lhe dado. — Estou bastante cansado, como podem ver — riu.
— Você estava correndo sem água? A pista chegou a fazer 60ºC, e acima de 30ºC no ar, que é um recorde para o verão europeu.
— Meu Deus — disse e encarou rapidamente, que segurava suas coisas, mas batia os pés. Visivelmente irritada para quem a conhecesse mais, imperceptível para os outros. — Está explicado porque a minha preparadora reclamou! Para ser sincero, senti a alta temperatura e também a falta d’água, mas não imaginava que estivesse tão quente assim. Na hora em que estamos no carro, nem pensamos muito nisso. Mas fiquei sabendo que perdi quatro quilos e meio, e isso me assustou um pouco, mas nada de mais! Minha treinadora aqui — olhou rapidamente para a espanhola — e eu já vamos nos preparar para a próxima corrida.
Droga murmurou de forma quase inaudível, mas escutou e a encarou, sem entender.
O espanhol não teve tempo de voltar sua atenção para o repórter da Fox Sports, que estava no início da sua pergunta, pois foi interrompido por Pierre Gasly. O francês lhe deu uma cutucada nos ombros enquanto passava por suas costas, e com o dedo em riste, disse:
— Não me empurre assim, .
, pego desprevenido, soltou uma risada irônica e voltou sua atenção para os jornalistas:
Pobrecito… — Os jornalistas riram. — Continue, desculpe pela má educação de Gasly.
estava tão atento nas últimas perguntas que não prestou atenção quando foi puxada pelo braço direito pelo francês, para poucos metros de distância de onde estavam.
— Sinto pena de você por ser obrigada a trabalhar com um doente desses. Se precisar de um emprego, a Alpine está a sua disposição, ma chérie.
Martínez não teve tempo de retrucar o francês, pois ele foi empurrado por alguém de sua equipe para o outro lado da área, deixando a espanhola completamente irritada.
— Se você quiser jogar pra fora esse idiota na próxima corrida de verdade, tem todo o meu apoio — ela cochichou para , assim que o espanhol a encontrou.
Ele não fazia ideia do motivo pelo qual tinha reagido daquela maneira, mas gostou do que escutou.
Martínez era realmente a sua garota.


Capítulo 15 – Hungria

And the touch of a hand lit the fuse of a chain reaction of counter moves

31 de julho de 2022
Circuito de Hungaroring
Budapeste, Hungria


e mal podiam esperar para que aquela corrida terminasse e os dois conseguissem voltar para a Espanha e, enfim, pudessem ficar juntos sem maiores interrupções. Já haviam pensado em tudo: na primeira semana de férias ficariam na capital, com suas respectivas famílias, e então partiriam para Minorca, também conhecida como Ilha do Vento, que ficava a poucas horas de balsa de Maiorca, longe de multidões e de fotógrafos sedentos para um furo de notícia.
Os dois mal podiam esperar para que cruzasse a linha de chegada e enfim partissem.
Mas eles ainda tinham mais uma corrida no calendário para cumprir. E era por aquele motivo que ambos estavam ao lado do box da equipe italiana, realizando os últimos exercícios antes de entrar no cockpit.
Aqueles eram os minutos preferidos de . Ela conseguia ter a noção inicial de todo o treino que fizeram ao longo da semana; percebia se estava equilibrado e focado mentalmente, assim como suas reações físicas nos treinos de foco e agilidade.
Sem contar que adorava escutar as reclamações do espanhol pelos banhos de gelo. Era seu momento de vingança por conta de toda a azucrinação que fazia.
— Esquisito — murmurou para enquanto a preparadora fazia os últimos exercícios de atenção. — Você não está sentindo um clima meio esquisito aqui?
— Acho que a torcida da Red Bull está entrando na sua mente — brincou, e o espanhol a encarou indignado com a afirmação.
— Vou sair do sexto lugar e trazer um pódio.
— Se você trouxer um pódio, talvez ganhe uma coisa hoje — Martínez deu uma piscadela e desejou arrastá-la para dentro de alguma sala da garagem.
— Cariño, você não brinque comigo.
— Quando brinquei, hein? — perguntou e sorriu, sugestiva, fazendo o espanhol apertar com força a bolinha vermelha que a mulher disparou em sua direção.
Até mais tarde — o homem pegou a outra bola com a mão livre e jogou as duas para , que as aparou rapidamente, mantendo o sorriso no rosto. — Se eu não sair daqui agora, eu perco a corrida por estar ocupado demais comendo você.
gargalhou e jogou um beijo no ar para , que lhe deu as costas e voltou para seu lado do box em passos largos.
Ele desejava aquelas férias mais do que qualquer outra coisa.

Por mais que soubesse o que lhe esperava depois da corrida, e com toda a certeza faria de tudo para conseguir seu lugar no pódio, a sensação esquisita não deixava o corpo – e a mente – de .
Concéntrate, muchacho — disse para si mesmo quando baixou a viseira e acelerou para a volta de apresentação. — De olho nos prêmios.
apertou o volante mais uma vez e parou, novamente, no sexto lugar, ao lado de Daniel Ricciardo.
As luzes se apagaram, e então, ele acelerou.
foi limpo e perfeito. Não deu brecha para Ricciardo nos primeiros segundos e conseguiu pular três posições, deixando que Alonso, Gasly e Ocon brigassem com a fúria de Daniel, que com toda a certeza o caçaria nos primeiros lugares.
Mas nada saiu como o espanhol pensava.
deixou Norris para trás e, ao conseguir fazer a segunda curva, assistiu pelo telão a McLaren de Daniel Ricciardo rodopiar pela pista. Seu coração acelerou no mesmo instante. quis vomitar no momento em que escutou a batida forte do carro na mureta de proteção. O barulho foi tão alto que o espanhol soube na mesma hora que o australiano estava morto. Não tinha como sobreviver àquilo.
Só um milagre salvaria Daniel Ricciardo.
dirigiu no automático até a entrada dos boxes e, assim que estacionou em seu lugar na garagem, pulou do cockpit e vomitou na primeira lixeira que viu em sua frente.
Por Deus — murmurou antes de vomitar mais uma vez e sentiu as mãos de em sua costa.
— ela disse seu nome e o espanhol não respondeu, mas a puxou pelo braço para dentro da garagem, indo para sua sala sem falar com ninguém.
Ao se verem a sós, agarrou com toda a força que restava em seu corpo e desabou em lágrimas, assim como o piloto.
— Você estava do lado dele, . Do lado. Meu Deus.
apertou contra seu corpo ainda mais forte e a espanhola soltou um soluço alto:
— Poderia ter sido você.
E aquela frase fez sentir em um lugar muito profundo, que até aquele momento ele nem sabia que podia ter, medo. Medo de machucar . Medo de perdê-la.
— Precisamos voltar pro box — avisou depois de alguns minutos e a soltou. — Vou tomar cuidado se a corrida voltar.
— Precisamos saber de Daniel, também — disse ao passar a mão pelo rosto, então seus ombros caíram. — Ellie. Meu Deus, Cielo, Ellie deve estar em desespero.
E o coração da espanhola apertou ao pensar na amiga. Ellie deveria ter visto tudo acontecer nos mínimos detalhes sem poder fazer nada, apenas escutando o áudio do rádio de Daniel, que todo o paddock escutou pela transmissão. Ela não conseguia ser capaz de imaginar o que a estadunidense estava passando. Nada chegaria perto do terror que Ellie Earnhardt estava vivendo.
— Ele tá vivo! Ele tá vivo! — Charles gritou assim que entrou na sala de . — Daniel tá vivo.
Charles Leclerc respirou fundo e disse mais uma vez que Daniel estava vivo, então sentou-se ao lado de e chorou pela primeira vez. Ele estava atrás de Daniel, e por um triz não participou de toda aquela loucura.
E ali, Martínez se deu conta, inteiramente, que um único segundo tinha o grande poder de mudar tudo. Todo o curso de sua vida.


🌙


não gostava de hospitais.
A espanhola era completamente avessa àquele lugar, evitava sempre que possível. Suas consultas eram sempre feitas em casa, até mesmo os exames que davam para serem realizados em domicílio. Seu contato com hospital foi somente no período da faculdade, quando precisou cumprir estágio na ala de ortopedia por um mês, e depois, somente o necessário no acompanhamento de Daniel Villagers. Por sorte, o jogador de futebol só precisou ser operado duas vezes durante todo o período que trabalharam juntos.
Já bastava os momentos de terror que havia passado com seu avô ali, não precisava passar por aquilo de novo.
Mas ali estava ela, mais uma vez, sentada em uma sala de espera, sem saber se sairia dali com boas notícias.
assustou-se ao ver Ellie entrar na sala em que estava com e Max, sendo seguida por Beatrice e Charles. A imagem da amiga não sairia tão cedo de sua cabeça. Earnhardt estava irreconhecível, seu rosto completamente vermelho, seus cabelos bagunçados, e seus braços estavam arranhados – parecia que tinha se machucado sem nem perceber.
— Ai, meu Deus — a estadunidense murmurou agarrada com o próprio corpo ao escutar de Leclerc que Daniel estava vivo. Parecia que ela poderia desabar a qualquer momento.
— Eu acho melhor você se sentar, Lily — resolveu dizer e ajudou a amiga a se sentar, sendo encarada, pela primeira vez, pela estadunidense.
Era a primeira vez que elas se viam desde o acidente. tentou encontrá-la no paddock, mas foi avisada por Beatrice Portinari que Ellie não queria ver ninguém – ela trabalhar no carro de Daniel e entender, de fato, o que tinha acontecido. Então, respeitou a vontade da amiga e foi para o Medicover Hospital Hungary assim que a Ferrari foi liberada após o pódio.
, pegue uma água para ela? — pediu e o espanhol prontamente a atendeu.
Então a estadunidense, finalmente, conseguiu se acalmar e escutar pacientemente o que Beatrice sabia do estado de Daniel Ricciardo. O australiano havia feito uma cirurgia de emergência para consertar uma artéria que se rompeu próximo ao baço; ele havia perdido muito sangue, mas conseguiram reconstruir sem que ele sofresse sequela posterior. A única coisa era que o piloto ainda não havia acordado da cirurgia que tinha acontecido há duas horas.
Tudo era sobre esperar.
Os segundos ali também eram decisivos, só que agora pareciam demorar uma eternidade para passar.
— Você quer comer algo? — perguntou assim que o médico levou Ellie para a visita, e assentiu, saindo da sala com o espanhol.
O restaurante do hospital ficava no mesmo andar em que estavam, bastava apenas passar por quatro corredores, depois dobrar à esquerda. Era fácil o acesso e, por sorte, também estava vazio.
— Acho que a última vez que comi foi antes da sua corrida — riu sem graça e balançou a cabeça negativamente.
pediu uma refeição de frango para os dois e sentou-se com ela nas mesas mais afastadas do balcão.
— Nem parabenizei você — ela soou triste. — Você foi muito bom lá. De verdade, foi bom mesmo.
— Acho que esse foi o pódio mais triste de toda a minha carreira — ele respirou fundo ao passar as mãos pelos cabelos. — Só queria que Daniel ficasse bem.
— Já sabem o que aconteceu? — tamborilou os dedos na mesa, nervosa novamente ao repassar a cena em sua cabeça.
tinha a certeza que nunca se esqueceria daquele barulho. Muito menos do silêncio ensurdecedor segundos após o estrondo. Parecia que a morte estava rondando o lugar.
— Os pormenores não, só que tudo começou com o toque de Gasly no lado direito de Daniel.
Que porra você está falando aí? — o sotaque francês se fez presente, pegando os espanhóis de surpresa. — Não basta toda a merda que fez na corrida passada e você ainda sai por aí falando mentiras ao meu respeito?
— Eu acho que você tem que começar a se colocar em seu lugar, Pierre — disse ao se levantar. — Eu apenas falei o que aconteceu.
— Você está me culpando, porra — Gasly levantou a voz, atraindo a atenção das poucas pessoas que estavam ali, e colocou o dedo no peito de , que imediatamente lhe deu um tapa na mão.
— Não aponte essa merda de dedo em meu rosto. Eu só não quebro sua cara agora porque estamos no hospital, e eu respeito muito para fazer isso — cuspiu as palavras. — Você é um merda, Gasly. Incidentes de corrida acontecem, mas você leva pro pessoal porque não sabe lidar com seu próprio fracasso.
— Você é um desgraçado.
— Vamos, , não precisa disso. - disse ao se levantar e segurou seu braço, o puxando para trás.
Por que você o segue como se fosse uma cadela? — perguntou para , mas escutou.
— Você é nojento — Martínez grunhiu, mas não conseguiu evitar que disparasse um soco no rosto do francês, que caiu no chão do restaurante.
— Aproveite que já estamos num hospital, seu merda — segurou a mão de e os dois saíram do restaurante às pressas. — Sem sermão.
Sem sermão concordou e os dois voltaram para a sala de espera privativa.
Aquele era o pacto silencioso deles. Ela não brigaria com ele por tê-la defendido, como sempre fazia questão de fazer. Naquela noite, apenas aceitaria. Sem sermão.
— Nem trouxeram nada para a gente, egoístas — Charles brincou assim que os dois entraram.
— Nem comemos — murmurou e sentou-se. — deu um soco no Pierre.
Os presentes da sala ficaram em silêncio, mas logo foi quebrado pela risada de Max, que estava sentado ao fundo. Em segundos, todos estavam rindo.
— Pelo menos não foi em mim — Max disse entre risos. — Vocês acham que são uma dupla de Street Fighters, é?
— Vá se foder, Max — retrucou, rindo. — Ele mereceu.
— Gasly é babaca mesmo — Max disse e Beatrice assentiu. — Só Charles daqui que é amigo dele.
— Eu avisei que isso ia acontecer, não avisei? — Leclerc perguntou encarando , que nada disse. — Eu disse.
— A verdade é que os ânimos de todo mundo estão exaltados — Beatrice falou. — Fiquem aqui que vou pegar comida. Ellie subiu, mas ainda não voltou com notícias.

O relógio marcava uma da manhã quando Ellie entrou na sala, com um sorriso de orelha a orelha. Aquilo só significava uma única coisa: Daniel Ricciardo havia acordado.
— Ele acordou! — ela gritou e todos que estavam na pequena sala correram para abraçá-la.
não sabia mais distinguir qual era sua risada e nem suas lágrimas no meio de todas as outras. Finalmente aquele pesadelo tinha acabado. O australiano havia conseguido acordar.
— Está estável, vai ficar aqui por mais um dia ou dois. Estava acompanhando os exames iniciais e aí ele dormiu de novo, mas foi por causa do medicamento — explicou. — Obrigada mesmo. Eu nem sei por onde começar a agradecer.
— Pode agradecer pagando uma advogada para a dupla Street Fighter — Verstappen soltou e Ellie o encarou sem entender, até que o piloto apontou para e .
— Ah, não, por que vocês bateram no Max de novo?
— Ei! — Max protestou. — Gasly.
E o burburinho começou novamente com os protestos de . A culpa não havia sido totalmente dele. Charles ficou do lado da confusão, enquanto Ellie, pela primeira vez naquele dia, conseguiu pensar em outra coisa que não fosse morte e caos.
Tudo estava entrando nos eixos novamente.


🌶️


e chegaram no hotel às três da manhã. Por sorte, ninguém vazou o incidente do restaurante do hospital e não foram incomodados por ninguém, mas o piloto sabia que Gasly não deixaria barato.
Ele entendia a raiva do francês, mas jamais deixaria alguém desrespeitar Martínez. Não mesmo. E o espanhol enfrentaria todas as consequências, ainda que tivesse ganho um rival assumido nas pistas. Mais um problema que teria que lidar.
Os dois não demoraram muito para dormir. estava exausto, seu corpo e sua mente tinham passado por muitas coisas naquele domingo. O piloto imaginava que a espanhola também estivesse na mesma situação, ainda mais vendo suas amigas em desespero e não poder ajudar, por ter que esperar o final da corrida junto da equipe. também tinha sido uma das primeiras a organizar, com Max, a doação de sangue que quase todos os pilotos do grid participaram. Poucos não puderam doar. Ele mesmo não conseguiu, nem , mas fizeram seu melhor ajudando e dando suporte no que fosse necessário no hospital.
Eles mereciam dormir. Mereciam paz. Por mais que não soubessem até quando a teriam.
— Bom dia — murmurou ao acordar e ver , ainda ao seu lado. — Esqueceu de voltar para seu quarto.
— Não esqueci, eu só não quis — retrucou e acariciou os cabelos cor de mel da espanhola. — Ver você acordar me pareceu ser uma ideia melhor.
riu, sem graça pelo elogio repentino, e fechou os olhos novamente. Não demorou muito para sentir os lábios do piloto em seu ombro esquerdo.
— Férias — murmurou a espanhola. — Finalmente.
— Sim — a beijou na clavícula. — E sabe qual a melhor parte disso?
Martínez não o respondeu, porque não precisava. Ela sabia a resposta. Eles sabiam a resposta. Finalmente poderiam ficar juntos, sem ter que se esconder o tempo inteiro ou ter cuidado com as demonstrações de afeto em público. Eles estariam presos na redoma que construíram em Minorca, onde ninguém os atrapalharia.
abriu os olhos e agradeceu internamente pela visão que teve. já estava sobre ela, distribuindo beijos por toda a extensão de seu colo, coberto pelo fino pijama de seda cor-de-rosa, enquanto apertava sua coxa, com o polegar se aproximando perigosamente de sua intimidade. Cansado de brigar com o tecido, que já estava o incomodando, puxou para baixo o pequeno short, junto da calcinha, deixando exposta. Martínez soltou um gemido baixo de aprovação e o homem seguiu com as carícias, e quando encontrou o que queria, incrivelmente molhado e quente, puxou seu rosto, beijando-lhe a boca, enquanto o homem a entretia com seus dedos cada vez mais que ela abria as pernas.
Mhuhum… murmurou e conduziu a mão do homem, mostrando a fazer como ela queria.
— Assim que você quer? — perguntou, mas a espanhola apenas continuou com os olhos apertados, sem conseguir responder. — Olhe para mim, querida. Me responda — insistiu, com a voz rouca. — Ou eu vou parar.
arregalou os olhos rapidamente e logo suas sobrancelhas se juntaram, claramente contrariada. sorriu, convencido, e finalmente a escutou dizer:
— Sim. Porra — grunhiu. — Desse jeito.
a encarou ainda com um sorriso no rosto, e com um movimento rápido, acompanhado de um grunhido selvagem e uma investida apenas, já estava dentro dela, que o encarava com os olhos arregalados pela agradável surpresa. Ela mordia os lábios em uma tentativa de conter seus próprios gemidos e conduzia sua própria mão para que conseguisse se tocar ao mesmo tempo, enquanto ele entrava e saía, vagarosamente, e ocupava sua boca com seu seio esquerdo.
— Você pode gritar, Cariño — abriu os lábios de com o polegar. — Adoro quando você grita por minha causa.
foi mais forte e não resistiu, soltou um gemido alto que impulsionou o espanhol a continuar, cada vez mais forte e rápido. Os corpos dos dois pareciam eletrificados. não conseguia parar de encarar o piloto. Tê-lo ali, naquele momento, era diferente. Nem por um segundo ela deixou de se tocar, e nem ele de penetrá-la, apenas variava seus beijos e mordidas entre sua boca, seios e ombros.
Eles nunca haviam sentido nada igual como aquilo. Eram brutos, mas incrivelmente doces. Não era sexo por prazer, mas sim com. Existia algo a mais. A forma que o corpo de um correspondia ao do outro e tudo parecia se encaixar era diferente. Existia, sim, algo a mais.
Algo que os dois, por mais que soubessem o que era, ainda estavam descobrindo.
E teriam as férias inteiras para decifrar o que era.

— Você está me olhando esquisito — murmurou e sorriu, aninhando-se ainda mais nele. — ¿Qué pasa, uh?
— Apenas memorizando você.
— Me memorizando? — ele estreitou os olhos. — Estou bem aqui.
— Agora você está. Hm — ela coçou a testa, mas não o encarou; continuou com o braço por cima do peito do piloto e aninhada. — Para quando você for embora. Quero ter uma imagem límpida na minha mente. E acho que agora é sua melhor versão.
— Não vou embora — disse após alguns segundos, mas não o respondeu, apenas balançou a cabeça de forma mecânica e continuou na mesma posição. — Cariño, o que está agoniando você? Converse comigo.
— Todos vão embora, . Parece que sou algo com data de validade. Acabou, tchau. Apenas isso, não é nada de mais.
E naquele momento, percebeu o quão insegura Martínez era por trás de tudo aquilo que aparentava e sustentava durante todos os dias. E desejou matar cada um dos homens que a fizeram se sentir menos do que ela realmente é.
— Não repita isso nunca mais — falou sério e percebeu que os olhos da espanhola estavam marejados. — Quem fez isso com você?
balançou a cabeça negativamente e, se pudesse, se enterraria no colchão. Era muito para falar. Se falasse, seria vulnerável para . Ele a teria da forma mais completa possível. Ele saberia tudo e ela teria que assumir para si mesma que estava completamente apaixonada por Jr.
Lucian — disse ela após alguns minutos, ainda sem encarar o espanhol. — Estivemos juntos por um ano e foi o suficiente para quase me destruir. Não percebi até terminar. Todos à minha volta tentavam me avisar e eu só afastei todo mundo de mim, até mesmo minha família. Saí de casa e moramos juntos. Lucian nunca me violentou fisicamente, isso não, mas aqui — apontou para a cabeça enquanto encarava o teto, para não ter riscos de ver as expressões do espanhol —, ele me quebrou.
A cada frase que terminava, um sentimento muito ruim percorria o corpo do espanhol. Ele não entendia como era possível alguém ser tão cruel com .
Ainda que não conseguisse encarar o piloto, Martínez contou tudo. Todas as vezes que foi chamada de imprestável, que só era um corpo bonito, que sempre existiria uma mulher melhor do que ela. Das incontáveis vezes que Lucian disse que, se a largasse, ficaria sozinha para sempre. Que era uma vergonha para seu pais por ter se lesionado da maneira mais estúpida possível. E contou que, quando percebeu, estava tão adoecida que seu corpo pesava 45kg e ela não tinha mais amigos.
foi salva pela sua família. Por Rosie, que brigou por ela quando a buscou no apartamento em que morava com Lucian; por Sergio, que fez o homem nunca mais cruzar o caminho dela; por seus pais, que a acolheram como se ela nunca tivesse ido embora; por sua avó, Celina, que cuidou pessoalmente de sua alimentação e reestruturação mental. Ela foi a responsável por voltar a ter fé. Ela quem mostrou o quanto crer em algo a ajudaria passar pelas tormentas. virou devota da deusa Cibeles graças a avó.
— Não me machuque — pediu, quase em sussurro, depois de ter terminado de abrir seu coração para o piloto. — Sério, , não me machuque. Se você quiser ir embora, vá embora agora e eu vou entender, mas se você quiser ficar, não me machuque.
— Nem por um momento — respondeu e a virou, para que ela pudesse encará-lo pela primeira vez. — Nunca intencionalmente, nunca. Você é importante para mim, Cariño.
piscou repetidamente, em uma tentativa falha de estancar as lágrimas que ainda caíam, mas foi que as limpou com seu polegar. Martínez sorriu, agradecida, e o homem depositou um beijo demorado em sua testa.
— Estou aqui, Cariño. Estou aqui com você.
E Martínez sentiu-se completamente segura e entregue pela primeira vez.


Continua...



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