Minutiae

Última atualização: 28/10/2021

Capítulo Único

, sente-se, precisamos conversar.
Essa foi a primeira coisa que ouvi após bater a porta de casa. Sem cumprimentos e nenhum ‘’como foi de viagem? Senti saudades’’. Somente um ‘’sente-se, precisamos conversar.’’
— Boa noite para você também, , a viagem foi ótima, obrigada por perguntar. — Eu havia passado as últimas cinco horas sozinha, dentro de um carro, dirigindo sem parar; a última coisa que eu queria era ainda ter que aturar o mau-humor de .
— É sério, , sem deboche agora, por favor, tem algo que eu realmente preciso te contar. — Algo na forma na qual ele me olhou me disse que o assunto exigia seriedade, portanto, respirei fundo, larguei minha mala em qualquer canto da sala e, a contragosto, sentei-me confortavelmente no sofá.
Enquanto o via inquieto, andando de um lado a outro do pequeno cômodo, tentei buscar em minha mente uma explicação para tamanho desespero. Seus pais estariam doentes? Ele teria perdido o emprego? Seu silêncio começou a me deixar preocupada, havia inúmeras possibilidades.
— Eu não quero assustá-la, é difícil para mim estar nessa posição, mas você merece a minha honestidade e eu preciso ser responsável. — Ele parara de perambular, decidindo se sentar na mesa de centro, bem de frente para mim e na altura de meus olhos. — Quero que você saiba que eu te amo e que, justamente por te amar, eu não quero que você tome o caminho errado.
Caminho errado? Pelo amor de Deus, do que ele estava falando? Contudo, continuei em silêncio, decidida a não fazer nada que pudesse retardar ainda mais aquela conversa.
— Eu gostava mais de você antes de você ter me conhecido, quando ainda era a mais nova moradora do prédio e a minha vizinha de porta.
Ah, pronto, agora eu conseguia enxergar o grande problema. estava maluco, completamente enlouquecido, desequilibrado e precisando de minha ajuda. De onde ele havia tirado essa ideia de gostar da minha "antiga'' eu? Eu sequer havia mudado desde que me mudara de Hornell para Nova Iorque, salvo algumas mudanças no cabelo que eram muito irrelevantes para virarem um tópico a ser discutido.
, por tudo o que é mais sagrado, que história é essa? O que você está querendo dizer com ‘’eu gostava mais de você antes de ter me conhecido’’? Eu estou exausta, só quero tomar um bom banho quente e ir me deitar, então, por favor, vá direto ao ponto.
— É exatamente isso que você ouviu, , você era uma pessoa melhor antes de ter me conhecido e eu acho que deveríamos terminar.
Passei a mão pelos cabelos, nervosa. Isso não podia estar acontecendo. Eu fiquei fora por um mísero final de semana e, quando voltava, era recebida com um ‘’deveríamos terminar’’? E nem estávamos na época do meu inferno astral, vale ressaltar.
— Deixa eu ver se entendi: você, após três anos namorando comigo, acordou um belo dia e se deu conta, do nada, que eu — apontei para mim — tive a vida estragada por você — apontei para ele — e agora está tomando uma decisão, que deveria ser nossa, sozinho?
Ok, eu sei que não deveria deixar minhas emoções falarem mais alto em um momento como esse, mas aquilo estava soando absurdo demais e o deboche geralmente era minha válvula de escape.
— Claro que não foi do nada, , foram três anos, como você mesma disse. Estou há três anos notando pequenas mudanças em seu comportamento e, sozinho, nesse último fim de semana, eu percebi que precisava fazer algo. — Sua determinação em levar aquilo adiante me assustava. — Pode parecer uma decisão egoísta e rígida demais para quem está há tanto tempo vivendo com o outro, mas basta você olhar para si mesma que você me dará razão.
— Tipo o quê?
— Quer um exemplo prático? — Assenti veementemente. — Eu te conheci como Hannah Montana e agora você parece mais a Miley, mesmo que não ande por aí lambendo qualquer coisa. — A postura tensa de antes havia sido substituída por um comportamento relaxado, quase como se ele tivesse certeza de que havia ganhado a discussão.
Entretanto, eu continuava confusa. Muito.
— E como isso nos afeta diretamente? Eu não sou uma superestrela da Disney — resolvi ignorar a tentativa de piada (depois era eu quem não tinha seriedade); não seria dessa vez que ele me ganharia no riso.
— Por Deus, ! A Hannah era uma garota normal, com uma vida normal, amigos e família norm...
— Ela tinha identidade dupla, , em que lugar do mundo isso é ser normal? — interrompi-o, impaciente.
— Você entendeu o que eu quis dizer, pare de desviar o assunto — revirei os olhos e fiz um gesto indicando que ele poderia continuar. — A questão é: enquanto a Hannah era uma pessoa normal, que não se envolvia em problemas, a Miley é rebelde e inconsequente.
— Ok… — respirei fundo antes de continuar, tentando entender aonde ele queria chegar com aquilo. — Digamos que você esteja certo; em que local dessa minha mudança drástica você se encaixaria?
— Eu sempre fui o cara errado, . Aquele problemático, arrogante, com passado conturbado e… que te estragou com todas as péssimas manias e influências.
— Diga por você, a pessoa que eu conheci era bem diferente. — A tensão que pairava no ar poderia ser cortada com uma faca, tamanha sua intensidade. — Eu nunca teria me envolvido contigo se você fosse tão problemático quanto se diz ser.
— Porque você se recusa a enxergar a verdade! — A teimosia de conseguia ser bem irritante às vezes e, quando batia de frente com a minha impaciência (como estava acontecendo naquele momento), poderia gerar consequências desastrosas. — Quer mais um exemplo? Você sempre adorou conhecer a cidade e aproveitar tudo o que ela tinha a lhe oferecer, mas agora você mal sai de casa. Troca facilmente uma ida ao cinema, um dos seus hobbies favoritos, para ficar jogada no sofá assistindo filmes o dia inteiro, assim como eu sempre faço. Preguiça não combina com você, .
— Assim como ser inconveniente também não combina com você — dei um sorriso irônico. Se eu soubesse que um final de semana sozinho causaria toda essa reviravolta em , eu teria o obrigado a me acompanhar na viagem até minha cidade natal, Hornell, para visitar meus pais. Isso ocuparia a sua cabeça e evitaria que pensasse bobagens. — Eu estudo e trabalho, , dormir tornou-se uma atividade quase inexistente na minha vida, então, sim, eu prefiro ficar em casa descansando. Pare de se achar o centro do mundo, nada disso tem a ver com você. E já deu dessa conversa por hoje. — Me virei para onde havia deixado minha mala, arrastando-a comigo em direção ao quarto. — Eu preciso mesmo tomar um banho e, olha só, dormir! — Mais um sorriso irônico. — Boa noite.
Sem esperar sua reação, entrei em nosso quarto e bati a porta, desejando que no dia seguinte as coisas estivessem de volta ao normal.


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Os astros realmente não estavam felizes comigo.
No dia seguinte, contrariando todas as minhas expectativas, levantou novamente o assunto durante o almoço.
, precisamos continuar nossa conversa de ontem… — Minha ausência de respostas foi o indicativo que ele precisava para continuar. — Eu me sinto mal por tantas coisas, sei que sou totalmente o culpado por tudo isso. Sei também que vai ser difícil te convencer a aceitar, mas é inegável que nós nos tornamos praticamente a mesma pessoa. É quase como se eu fosse alguma doença e, diariamente, você se contaminasse comigo, ao ponto de eu te olhar e ver o meu reflexo cobrindo a sua perfeição.
— Metáforas a essa hora do dia, ? — enchi meu copo com refrigerante antes de retomar minha fala. era um tremendo preguiçoso e eu, uma péssima cozinheira, então não foi novidade alguma termos pedido uma pizza para o almoço. — Já ouviu falar que as pessoas mudam? E que isso é algo completamente normal? Se você está cansado do nosso relacionamento, tudo bem, era só me avisar, não precisava ficar criando mil justificativas para o término.
Mais um pouco daquela ladainha e quem anunciaria o término definitivo seria eu. Não podia negar que éramos opostos em muitos aspectos (até nossos signos eram opostos complementares), mas "os opostos se atraem", não era isso o que diziam?
— Não é isso, … Eu te amo demais, mas eu sou uma pessoa quebrada e, às vezes, sacrifícios são necessários. Eu não quero ser a pessoa que atrapalha o seu crescimento.
— Você se lembra de quando nos conhecemos? Da forma como você me ajudou com a mudança para o novo apartamento, como me apresentou à imensidão de Nova Iorque, como me fez conhecer novas pessoas, como me acolheu? Você nunca me atrapalhou.
— Não no início. Relacionamentos são sempre incríveis no começo, mas aos poucos vão sendo desgastados e, no nosso caso, não há mais volta.
— E você não quer nem tentar dar certo? — Era impressionante a forma como ele estava abrindo mão tão facilmente de tudo o que havíamos construído.
— Eu tentei, , há meses venho tentando, mas veja só você: mais uma semana aceitando, sem reclamar, pizza e refrigerante de almoço ou qualquer outra besteira que gostamos. Mesmo que detestasse cozinhar, há três anos você teria feito questão de preparar qualquer coisa saudável para comer, afirmando que sua saúde sempre viria em primeiro lugar, principalmente por estar morando sozinha e não poder mais contar com seus familiares em casos de emergência. O descuido sempre foi uma característica minha.
De fato, isso era inegável. Enquanto ainda morava em Hornell, minha vida era tranquila, com muito menos preocupações, e eu conseguia me dedicar aos cuidados da minha saúde. Adorava praticar esportes e atividades físicas no geral (havia até sido líder de torcida durante todo o meu Ensino Médio), porém, ultimamente, não estava havendo tempo hábil no meu dia para dar conta de tantas atividades, inclusive as mais simples como cozinhar "comida de verdade". De qualquer forma, nada daquilo possuía alguma relação direta com , foram escolhas pessoais.
— É por isso que eu acredito que sua melhor opção é encontrar alguém novo que realmente te mereça. Corra enquanto ainda há tempo, .
Parei de comer enquanto digeria suas últimas palavras. era dono de uma personalidade única e, para mim, aquilo que era visto como desagradável foi justamente o que me fez (e fazia até hoje) ser apaixonada por ele. Por que era tão difícil que ele compreendesse isso? Mas eu estava cansada e não iria mais me desgastar. Se era assim que ele queria que tudo se resolvesse, não havia mais nada que eu pudesse fazer.
Terminamos de almoçar em silêncio, cada um perdido em seus próprios pensamentos. se encarregou da louça, enquanto eu rumei em direção ao quarto, preparada para arrumar novamente minhas malas. Voltar para Hornell estava fora de cogitação, uma vez que eu ainda não estava de férias e precisava estudar e trabalhar, mas duvidava que Lily, minha melhor amiga, fosse se recusar a me abrigar por alguns dias.
Quarenta minutos depois, após ter empacotado o essencial, mandei uma mensagem para Lily avisando que estava a caminho. Ao chegar na sala, o semblante de estava digno de um velório. A cabeça baixa, o olhar triste… Por um momento cheguei a cogitar que ele fosse se desculpar e me impedir de ir embora, mas Parker nunca voltava atrás em suas decisões.
— Eu realmente sinto muito, , espero que algum dia você me perdoe.
— Eu também, . — Parada na soleira da porta, dei uma última olhada geral no apartamento. — Agora eu vejo que você sempre esteve certo ao nos comparar com Brangelina, porque, assim como eles, nós também não tivemos o nosso felizes para sempre. Adeus, Parker.
Seu semblante melancólico foi a última coisa que vi antes de bater a porta e seguir em direção a uma nova fase.




FIM



Nota da autora: Olá! Obrigada a você que resolveu ler esse protótipo de fanfic, espero que tenha sido uma boa experiência, ainda que breve!
“Minutiae” foi literalmente um surto, fruto de uma epifania que eu tive enquanto escutava “Before You Knew Me”. Como eu sempre achei que a letra da música daria um belíssimo diálogo de fanfic, surtei e resolvi brincar de ser autora, transformando seus versos em uma breve narrativa só para o meu bel-prazer. Porém, duas grandes amigas que já escrevem para o site me convenceram que a história até que não estava ruim e que merecia ser postada, então aproveitei o tempo livre das férias e voilà, tomei coragem de enviar essa short para o FFOBS a fim de, além de fazer algo diferente, surpreender as duas, já que a Elena, que é a beta, é justamente uma dessas amigas hahahahaha.
Por fim, um agradecimento mais que especial a Elena e Patricia, por serem tão (ou mais) loucas que eu, e a Elis, por ter embarcado no meu plano, me incentivando a colocá-lo em prática sem revelar nada antes hahahaha adoro vocês ❤️

Nota da beta: Depois de me sentir enganada e surpresa, só posso dizer que receber essa fic foi uma das melhores coisas que já aconteceram!
Que história maravilhosa e bem escrita, não ouse chamar de protótipo hahahaha VENHA SE AFUNDAR E SER AUTORA!!
É sempre um prazer ser tão (ou mais) louca que você ❤️ te adoro!
P.S.: Alguém dá uma terapia pro Adam, pelo amor de Deus.


Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.

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