O Que É Carnaval?
por Clara Nunes


Challenge #06

Nota: 8,2

Colocação:




Eu tinha acabado de chegar ao Brasil. Eu tinha sido transferido pelo meu trabalho, diretamente de Londres para Recife. Eu estava passando por uma crise financeira e qualquer coisa que me desse um aumento seria válido. Não tinha plena consciência da cidade, mas eu sabia que não tinha chegado em uma época boa. Eu mal falava português e a única coisa que eu conseguia entender era "carnaval". Na época que eu tinha chegado, na cidade que eu tinha chegado, ninguém iria falar sobre outra coisa.

Bom, meu nome, caso você esteja se perguntando quem eu sou, é . Sou mais conhecido por , ou pelo menos era até eu me mudar para o Brasil e logo nos primeiros dias não gostei de nada. Eu sempre fora o tipo de pessoa que odiara o carnaval. Eu apreciava o Brasil pelo seu povo, sua cultura, sua comida e sua natureza, mas o carnaval para mim era um episódio deprimente.

No fim da primeira semana de trabalho, alguns colegas me chamaram para assistir algum tipo de apresentação. Eu sabia que era algo relacionado ao carnaval e dei mil desculpas para não ir. Falei que tinha que assistir o Big Brother Brasil, falei que eu estava com rinite alérgica, mas eles não deixaram eu me livrar. Depois de uma rápida votação, decidiram por unanimidade que um estrangeiro deveria conhecer as "dançarinas de frevo de Recife". Eu não tinha idéia do que era aquilo, mas sabia que boa coisa não poderia ser.

Depois do expediente, fui para o hotel em que eu estava ficando e tomei um rápido banho. Aquele calor me fazia ter que tomar uma ducha fria no mínimo três vezes por dia, o que eu considerava razoavelmente estranho. Coloquei uma calça jeans e uma camisa góla pólo vermelha. Calcei um tênis branco e, depois de espirrar bastante do meu desodorante AXE em minhas axilas e bagunçar meu cabelo de leve, esperei não receber a ligação de um de meus colegas de trabalho, mas, infelizmente, ele me ligou.

Iríamos nos encontrar em um lugar com um nome estranho. Me falaram que era para comer carne e tomar caipirinha. Bom, não poderia ser tão ruim. Se fosse ruim, seria por causa da apresentação que teria, mas isso eu poderia tentar de ignorar.

Cheguei no lugar. Parecia um restaurante. Sua decoração era de madeira e havia várias mesas. Não demorei a encontrar os meus colegas de trabalho, que estavam sentados em uma mesa grande, rindo em alto volume. Me sentei com eles e tentei me enturmar na conversa, o que era razoavelmente difícil, considerando que eu não falava português.

- Hey, , tá gostando? - , o colega com quem eu tinha mais contato, perguntou.
- Eu não estou entendendo nada muito bem. - Dei de ombros, bebendo um pouco da minha caipirinha.
- Isso aqui é uma churrascaria. Sabe, churrasco. Eu sei que nosso churrasco é um pouco diferente do de vocês, mas é tudo carne e álcool.
- É. Igual mas diferente. - Ri. - E o que nós vamos fazer aqui?
- Uma amiga minha vai dançar. Ela chamou a gente pra ver.
- Dançar em um restaurante? Isso não é um pouco estranho? - Arqueei uma sobrancelha.
- Não aqui em Recife e não no carnaval, se você me entende. - Deu um sorriso e voltou seu olhar para o meio do restaurante. - Acho que vai começar.

Eu não estava entendendo bem o que estava acontecendo, a única coisa que eu conseguia compreender era que várias pessoas com roupas coloridas estavam se posicionando em um grande espaço vazio entre as mesas. As mulheres usavam uma saia curta, como se fosse feita de retalhos verdes, azuis, vermelhos, amarelos e laranjas, um top com as mesmas cores e um tênis azul escuro. Os homens tinham apenas a camiseta colorida e a calça e os tênis eram azuis escuros. Todos tinham guarda-chuvas das mesmas cores das roupas. Aquilo era meio esquesito, mas eu sabia que seria obrigado a assistir e a aplaudir.

Todas as pessoas que iam dançar se posicionaram e eu vi uma garota aproximadamente com a minha idade sair do fundo e passar com atitude pelo corredor formado de dançarinos. Sua pele não era morena, mas também não era branca como as garotas da Inglaterra. Visivelmente, ela era branca, mas sua pele era queimada de sol, o que dava a ela uma cor maravilhosa. Seu rosto tinha traços suaves e seus olhos se destacavam em seu rosto. Suas pernas eram bem definidas, sua barriga descoberta era reta e ela tinha um corpo perfeitamente proporcional.

A garota caminhou até à frente dos outros dançarinos e começou a pular e fazer movimentos rápidos com os pés e com o guarda-chuva, mostrando como conseguira suas pernas tão perfeitas. Não demorou para que todos os outros dançarinos a acompanhassem, entrando no ritmo daquela música excessivamente acelerada. Depois de vários pulos e movimentos rápidos, eles finalmente pararam e uma onda de apláudios invadiu a churrascaria.

Percebi que a moça que dançara sozinha no começo veio à frente dos outros dançarinos e agradeceu, fazendo o volume dos aplausos aumentar. Beberiquei minha caipirinha, observando-a por inteiro. Eu nunca tinha visto tamanha beleza na minha frente. Ela era perfeita e eu queria conhecê-la. Eu precisava conhecê-la.

- Hey, ... - Chamei. - Quem é sua amiga?
- É a dançarina principal. - Sorriu com orgulho. - Eles ainda estão se formando como um grupo de frevo e, por mais que sejam muito bons, o começo é difícil. Por isso eles estão se apresentando durante esse churrasco e durante outros churrascos. Tão construindo a fama ainda.
- Eles são bons. - Dei de ombros. Não era a parte mais repugnante do carnaval, mas eu poderia pensar em coisas melhores para fazer. Principalmente com aquelas pernas. - Ela vai vir aqui?
- Vai, sim... - Sorriu e desviou seus olhos. - Olha ela aí. , esse é o . , essa é a .
- Me chame de . - Pedi, estendendo minha mão para ela, que se sentou do meu lado.
- Muito prazer, . - Respondeu em inglês e, ignorando completamente a mão que eu oferecia, se aproximou e beijou meu rosto.
- O prazer é todo meu. - Dei um sorriso que fez ela corar. Eu conseguia ser bom na arte da sedução quando eu queria. - Então... O que é isso que você dançou?

Depois de muito me explicar sobre o frevo, o ritmo que ela dançava, acabamos marcando para sair naquela mesma noite. Além de linda, ela era simpática, agradável e inteligente até onde eu sabia. Por outro lado, pela nossa breve conversa, pude perceber que ela tinha dinheiro e que, mais do que isso, ela gostava de carnaval. Qual o problema nisso? O lugar que nós iríamos a noite era de acordo com os padrões dela e por mais que eu tivesse recebido uma promoção, ainda estava em crise financeira e um jantar caro poderia ser meu fim. O problema do carnaval? Bom, eu odiava o carnaval.

Como eu descobrira que ela era devota daquele episódio deprimente? Talvez essa seja a parte mais interessante. Enquanto comíamos o churrasco e tomávamos algumas caipirinhas, me contou que era natural do Rio de Janeiro e que estava em Recife há dois anos. Antes de se tornar dançarina de frevo, ela era uma passista de escola de samba. Eu não entendia direito esses termos carnavalescos, mas ela me contara que dançava semi-nua sobre um carro alegórico. Para ela, toda aquela época do ano era festiva e natural. era o tipo de garota que ia para todas as festas de carnaval e conseguia se divertir em todas, ao contrário de mim que, mesmo nunca tendo ido em uma, as odiava com todas as forças.

Voltei para meu hotel e dormi um pouco. O fuso horário ainda me confundia e eu precisava estar na minha melhor forma para meu primeiro encontro com uma brasileira. O melhor de tudo aquilo? Eu sabia que não estava me encontrando com uma brasileira qualquer. era bonita, inteligente, tinha um inglês melhor do que o de muitos ingleses e sabia conversar. Talvez ela fosse a pessoa por quem eu tinha procurado durante os meus vinte e oito anos de existência.

Depois que eu acordei, tomei um segundo banho e me vesti. Coloquei uma camisa social azul piscina e dobrei as mangas dela até os cotovelos para dar um ar mais leve. Coloquei uma calça jeans preta e um sapato social. Passei mais uma vez meu desodorante AXE, já que eu soubera que ele tinha um cheiro que agradava muito às mulheres. Peguei a chave do meu carro particularmente ruim e fui para o restaurante.

Cheguei no local alguns minutos atrasado. Eu era novo na cidade e, com placas escritas em português, eu mal conseguia me localizar na minha rua, quiçá achar um restaurante. Era um lugar com pouca iluminação e várias mesas. Parei na entrada no estacionamento e um manobrista uniformizado abriu a porta para mim. Saí como pensei que deveria fazer e ele me entregou um papel com palavras incompreensíveis para mim. Me dirigi para o lado de dentro e encontrei sentada em uma mesa perto da janela. Ela observava a fonte que havia do lado de fora e eu me aproximei sem incomodá-la.

- Desculpa a demora. - Me sentei à sua frente.
- Tudo bem. - Ela sorriu. Não pude deixar de reparar que ela estava vestida de uma forma bem diferente do que estava usando na hora do almoço. Sua blusa era rosa de alcinha com detalhes em renda; no cabelo usava uma headband e sua maquiagem era bem sutil: do jeito que eu gostava. - E então? Está com fome?
- Um pouco. - Dei de ombros. - Você está?
- Não se você não tiver. - Riu. - Mas é melhor fazermos o pedido. Eles demoram um pouco por aqui...

Ela leu o cardápio para mim e nos decidimos por um peixe grelhado com batatas. Ficamos conversando por um tempo sobre e depois ela chegou ao ponto que eu evitava ao máximo: o motivo da minha vinda.

- Bom, quer mesmo saber? - Questionei.
- Claro que eu quero. - Afirmou.- Por quê? Não quer falar?
- É meio constrangedor. - Minha camisa começava a parecer bem apertada. - Eu vim porque eu precisava de dinheiro e se eu aceitasse a transferência eu seria promovido.
- Entendo. - revirou os olhos, sorrindo. - E não é nada constrangedor. Todo mundo passa por momentos ruins. Eu já passei.
- Duvido. - Falei. - Olha pra você, tem até comportamento de rica.
- Porque você não me conheceu quando eu morava no Rio de Janeiro. Eu tinha que me virar do jeito que eu podia pra conseguir dinheiro. Acho que eu fui de tudo, menos prostituta, pra falar a verdade. - Gargalhou. - Foi lá que começou minha paixão pelo carnaval...
- Carnaval... Isso é algo que eu não suporto. - Disse com seriedade.
- Eu não acredito! - se espantou. - Você deve ser o único estrangeiro que não gosta de carnaval.
- Talvez. - Respondi.
- Mas isso não pode ficar assim! - Aumentou seu tom de voz. - Você tem alguma coisa pra fazer no final de semana?
- Bom, eu tenho que sair pra fazer minha compra do mês de... Remédios! Do meu remédio pra rinite alérgica... Eu posso morrer se não comprar.
- Tá bom. - Girou os olhos ironicamente. - No sábado de manhã eu vou pra Salvador. Vai ter uma micareta lá. Micareta é simplesmente a melhor coisa do mundo. É, provavelmente, a melhor parte do carnaval, porque tem o ano inteiro. Aí eu vou pra Salvador no sábado de manhã. A micareta começa às cinco da tarde e a gente, provavelmente, vai virar a noite, porque são dois dias. E agora você vai comigo! - falava animadamente. - Eu vou comprar o abadá amanhã pra você e dou um jeito de te entregar. No sábado de manhã, eu passo no seu hotel e te pego. O que você acha?
- Eu não acho uma boa idéia, sabe... - Eu falei morrendo de medo da sua insistência. Definitivamente, nenhuma garota seria perfeita. - Eu posso ter uma insolação ou ficar sem ar...
- Não! - Gargalhou. - Começa cinco da tarde! Tudo bem que no domingo ela vai durante o dia inteiro, mas não tem perigo. Eu vou em micareta umas dez vezes por ano por todo o nordeste e eu sempre aproveito ao máximo. Eu tenho certeza que se você for em uma micareta você vai amar o carnaval.
- Se eu falar não de novo vai fazer você parar de insistir? - Sorri.
- Não. - Seus olhos brilharam. Ela sabia que estava vencendo.
- Tudo bem, . Você ganhou. Eu vou.
- Ai, eu sabia! - Segurou minha mão com força sobre a mesa. - E pode me chamar de .

Foi a última coisa que falamos antes da comida chegar. Comemos falando de outras coisas, como nossos trabalhos, nossos interesses, mas não importava o assunto em que estávamos, porque minha mente estava no que eu tinha me enfiado. Como eu iria sobreviver a... A o que mesmo? Era uma micarenha? Macarena? Nem o nome eu sabia... É definitivamente, eu tinha que aproveitar minha última semana de vida.

Depois do nosso jantar, , ou como eu passara a chamá-la, me convidou para ir até sua casa. Ela disse que morava sozinha, que gostava de ter companhia até um pouco mais tarde e eu aceitei, tendo a certeza de que eu passaria a noite por lá.

Assim que ela abriu a porta, vi uma grande bandeira azul com branco em sua sala. Me perguntei o que era aquilo, mas não tive coragem de externar minha dúvida. segurou em meu pulso e me puxou para perto da bandeira, a fitando com olhos saudosos.

- Isso é uma bandeira de escola de samba. Mais especificamente é a bandeira da escola de samba pra qual eu desfilava no Rio, a Beija-Flor. Eu quase cheguei a ser rainha da bateria, mas nunca fui, porque eles sempre chamavam garotas famosas, não importava o quão bonita ou boa eu fosse. Aí eu desisti e vim dançar frevo em Recife.
- Você se mudou por causa do carnaval? - Arqueei uma sobrancelha. Como alguém podia viver em função de um episódio tão ridículo?
- Você não entende, não é? - Vi seus olhos marejarem. - Eu sempre vivi pro carnaval. Eu sempre me dediquei mais a ele do que a qualquer outra coisa na minha vida e eles não me retribuíram à altura. Agora eu me sinto melhor, sabe... Eu tenho o papel de destaque que eu lutei tanto pra conseguir. Eu ensaio todos os dias, vou pra academia, como certo... Tudo isso pra me manter em forma pro carnaval... Mas você não entende.
- Realmente. - Suspirei. - É difícil compreender um amor tão grande.
- Mas então... Vamos deixar de momentos nostálgicos. - Limpou uma lágrima que escorreu. - Quer cerveja?

Começamos a beber e a conversar sobre a vida, mas, como sempre acontece, antes que nos déssemos conta, estávamos nos agarrando em cima do sofá. Depois disso, não demorou para que nossas roupas estivessem no chão. Acordei com um raio de sol entrando pela janela e, ao me mexer, senti uma dor no meu pescoço. Abri os olhos e olhei ao redor. não estava em lugar algum.

- Bom dia. - Ela apareceu na porta que eu julgava ser da cozinha com uma bolsa na cabeça. - Se lembra de alguma coisa?
- Na verdade sim. - Sorri de forma maliciosa me lembrando de cada detalhe de nossa noite. Eu já tinha ouvido falar do corpo das brasileiras, mas aquela tinha sido a primeira vez que eu tinha conseguido experimentar. - Você?
- Eu estou tentando esquecer. - Apontou para a bolsa. - Vou ver se eu consigo congelar meus neurônios.
- Vai dizer que não gostou? - Me levantei e fui até ela, segurando em sua cintura.
- Gostar eu gostei, mas... Não sei... Eu nunca tinha feito isso.
- Sexo? - Arregalei meus olhos. Não era possível.
- Não! Eu nunca tinha conhecido uma pessoa e ido pra cama com ela no mesmo dia. Melhorou?
- Melhorou. - O peso caiu dos meus ombros. - Mas foi bom, não foi? - Beijei seu pescoço, sentindo sua pele se arrepiar sobre meus lábios. - E eu estou curioso para saber uma coisa.
- O quê?
- Uma coisa que você falou ontem... - Sussurrei em seu ouvido. Se tinha uma coisa que eu gostava era de atiçar uma mulher no dia seguinte a uma noite proveitosa.
- Ai, meu Deus. - Sua voz saiu baixa.
- "Pode vir quente, que eu estou fervendo!" - Tentei repetir a frase que ela tinha dito em português, mas saiu apenas um emaranhado de letras.
- Ai, Jesus. - levou às mãos ao rosto, ficando vermelha por baixo delas. - Pode vir quente, que eu estou fervendo! Eu não acredito! - Gritou. - Eu falei isso?
- Falou. - Gargalhei e mordi o lóbulo da sua orelha. - O que quer dizer?
- Ai, meu Deus. Você deve ter imaginado na hora. Quer dizer, teve um contexto, né?
- É... Justamente. Eu imaginei. - Sorri maliciosamente. - Eu estava certo?
- Provavelmente. - Se soltou de mim e foi andando para a porta da qual tinha saído. - Bom, eu tenho que ir ensaiar e você tem que ir pro trabalho. Tem café aqui na cozinha, tem toalha limpa e escova de dentes nova no banheiro. Fique à vontade.

entrou no que eu tinha certeza que era a cozinha. Soltei o ar de meus pulmões e pensei como uma garota tão maravilhosa poderia ser tão fixionada no carnaval. Também me perguntei como eu tinha aceitado ir naquela... Macarena? Não importava... Naquela festa de carnaval com ela. Entrei para o banheiro e tomei um longo banho. Enquanto a água caia sobre mim, eu continuava a refletir sobre e sobre sua estranha paixão.

Desliguei o chuveiro, me vesti e, depois de escovar os dentes, fui para a cozinha, onde encontrei tirando a louça que usara.

- Vai comer? - Perguntou sem olhar para mim.
- Não. Obrigado. - Respondi e fiquei atrás dela, a fechando toda vez que tentava se desviar de mim, ainda sem me encarar.
- Qual o seu problema? - Murmurou, soltando uma boa quantidade de ar que aparentava ter ficado presa em seus pulmões.
- O meu problema é que nós passamos a noite juntos e você não está me tratando como se isso tivesse acontecido.
- Olha, eu não faço essas coisas, ok? Eu te conheci ontem, dormi com você ontem. Foi tudo muito rápido. Eu preciso de um tempo pra absorver o que aconteceu. Agora eu vou trabalhar. Eu te procuro depois. Pode ficar à vontade e deixa a chave na portaria.

Sem dizer mais nenhuma palavra, saiu pela porta. Respirei fundo mais uma vez e, verificando se eu estava pronto, também saí do apartamento em direção ao meu trabalho. Naquele dia, esperei uma aparição miraculosa de , mas, ao fim do expediente, todas as minhas esperanças foram embora. Ela realmente precisava de um tempo para pensar sobre o que tinha acontecido. Por mais que eu tentasse enteder, toda aquela situação era complexa demais pra mim. Era simplesmente irracional pensar que uma garota que aceitava expor seu corpo durante um período do ano não fosse, ao mesmo tempo, o tipo de garota que vai para cama com todos os homens que encontra pela frente e fosse simplesmente uma menina incrível.

No dia seguinte, acordei cedo e fui para o trabalho sem me arrumar de forma decente. Não penteei o cabelo, não tomei banho, não passei desodorante ou perfume e nem sequer escovei os dentes. Cheguei no escritório e me joguei sobre a minha cadeira. Não ter notícias de começava a doer por dentro. Geralmente, eu era o responsável por quebrar os corações das meninas, mas agora, com aquela rejeição tão grande, eu me sentia inferior a ela e eu começava a experimentar a sensação de abandono em que eu colocava garotas inocentes.

- ? - Antes que eu conseguisse me sentir mais incompetente, escutei a voz doce de bem atrás de mim e me virei para encará-la.
- Você resolveu aparecer? - Tentei parecer sério, mas eu estava razoavelmente feliz em vê-la.
- Acho que eu estou finalmente pronta pra encarar a realidade. - Sorriu e me entregou um copo de café com um pedaço de pano amarelo com algumas coisas coloridas. - Eu tenho que admitir que senti sua falta.

A garota se sentou no meu colo e se inclinou para me beijar.

- Não, não, não... - Virei meu rosto para o lado oposto, me lembrando que eu tinha sido um completo anti-higiênico.
- Qual o problema? - Seus olhos confusos.
- Eu não escovei meus dentes antes de sair. - Falei envergonhado.
- Não tem problema. - Pegou em sua bolsa um pacotinho verde. - Halls de menta serve pra isso. - Jogou uma bala na minha boca e tentou me beijar de novo.
- Olha... - Cocei minha nuca, embarassado com aquilo tudo. - Esse Halls de menta é bom de verdade, mas não deixa de ser estranho. - Respirei fundo com os olhos fechados e, assim que os abri, olhei para o pano que ela me entregara. - E o que vem a ser isso? - Arqueei uma sobrancelha.
- Seu abadá, ué. - Falou como se fosse óbvio. - Você vai pra micareta comigo. Você precisa de um abadá.
- É isso? - Peguei os dois itens que me entregava e coloquei o café sobre a mesa, abrindo o abadá.

Vi em minhas mãos uma espécie de regata amarela cheia de propagandas feita com algum material ruim.

- Obrigado. - Forcei um sorriso e peguei meu café. Aquela macarena só piorava. - Quanto foi?
- Seissentos e cinquenta. - Eu me engasguei com o pequeno gole de café que eu tomara. Eu tinha ouvido certo?
- Quanto?!
- Seissentos e cinquenta reais. - Respondeu com naturalidade.
- Mas o que essa coisa vagabunda tem de especial? Pelo amor de Deus! Seissentos e cinquenta reais por isso?!
- Nós vamos ter privilégios de entrada, nós viramos a noite. Nós vamos no melhor bloco que tem, no da Ivete Sangalo! Não tinha como ser mais barato do que isso... Se nós deixássemos para comprar lá, o preço ia, no mínimo, dobrar.
- Tudo bem, tudo bem. - Deixei o café e a blusa de lado, passando meus dedos pelos meus cabelos e buscando uma solução para tudo aquilo. - Se importa se eu pagar só depois? Estou sem dinheiro aqui... - E eu realmente estava sem dinheiro, mas era na vida.
- Não tem problemas... - Foi andando para trás com um sorriso doce do rosto. - A gente se vê no sábado?
- No sábado. - Afirmei, tremendo por dentro, e ela se foi.

Minha vida parecia conspirar contra mim, o que é bem irônico se você analisar isso literalmente. Mas era a mais pura verdade. Parecia que cada passo que eu dava contribuía diretamente para uma desgraça no meu futuro. Eu tinha deixado Londres por causa de problemas financeiros e, assim que cheguei ao Brasil, pensei ter encontrado uma garota maravilhosa. Infelizmente, ela amava o carnaval, que eu odiava e, dessa forma, ela já deixava parte da sua perfeição esquecida em algum canto do seu passado pré-carnavalesco. Ao mesmo tempo, por causa desse meu envolvimento, eu acabara por aceitar ir a um episódio deprimente de carnaval que, não importava o quanto eu me esforçasse, eu não conseguia nem lembrar e nome. E o pior de tudo isso, por ter aceitado o convite, eu tinha agravado minha crise financeira.

Sábado chegou antes da minha desculpa ficar pronta. O interfone tocou e eu nem estava pronto. Falei que já estava descendo e, trocando de roupa o mais rápido que consegui, joguei alguns objetos de necessidade dentro de uma pequena mala. Esperei o elevador pacientemente, querendo apenas que aqueles segundos se transformassem em horas para que eu pudesse simplesmente fugir daquilo tudo.

Vi encostada na porta do seu carro prateado, olhando fixamente para seus pés enquanto brincava com a ponta dos seus cabelos.

- Bom dia. - Levantei seu queixo e olhei em seus olhos.
- Bom dia. - Sorriu. - Pode me beijar hoje ou eu vou ter que te dar meu Halls de menta?
- Hoje eu posso. - Ri e encostei nossos lábios com suavidade. Ela tinha um toque macio e doce. Sua presença me dava paz e eu, mais uma vez, quis que aqueles segundos se transformassem em horas para que, além de perdermos a maldita micarena, pudéssemos ficar unidos por mais algum tempo.
- Vamos? - Se afastou, indo para o lado do motorista.

Chegamos em Salvador quatro horas da tarde, depois de percorrermos 800 quilômetros em direção à Bahia. Comemos alguma coisa e eu já podia perceber o nível da insolação que me atingiria. O sol já não estava à pino, mas eu estava suando e desejando ardentemente, no sentido mais literal, voltar para Recife.

Depois que saímos da lanchonete, nos dirigimos para a rua em que aconteceria a suposta festa de carnaval. DQuanto mais próximos chegávamos do lugar, mais desorganizados ficavam os carros estacionados. Aparentemente, aquilo era uma febre local... Talvez nacional! Estacionamos o mais perto que conseguimos e avisou para que eu vestisse meu abadá. Coloquei aquela regata ridícula e, quando o relógio bateu cinco da tarde, nós pudemos entrar. Conosco, entraram mais milhares de pessoas. A única coisa que passava pela minha cabeça era: "se aquele era o melhor bloco, eu não queria imaginar o pior". Visualizei uma mulher cantando sobre o que me dissera ser o trio-elétrico e não demorou para que eu descobrisse que ela era a famosa Ivete Sangalo. Enquanto a mulher animava o público, a multidão pulava atrás do grande carro e eu era levado pela onda.

Já estávamos indo noite à dentro e eu tinha a certeza de que, se a música estivesse baixa e se a multidão me permitisse, eu iria dormir no meio da rua. Olhei para todos os lados procurando . Eu queria simplesmente parar de seguir o trio-elétrico, entrar no carro, voltar para Recife e tomar um longo banho para tirar toda aquela espuma, lançada por todas as pessoas que tinham um spray de espuma, de cima de mim. Eu já comentei alguma vez que eu odeio o carnaval?

Bom, a questão é que tinha desaparecido. Pensei em procurar pela roupa, mas percebi que todas as meninas estavam usando os abadás, o que tornava a minha busca ainda mais impossível. Pela primeira vez na minha vida, ficar no hotel assistindo "Big Brother Brasil" era mais tentador do que sair com uma gaorta interessante, já que, naquele caso, sair com uma garota interessante era sinônimo de estar no meio de uma multidão, completamente perdido, sujo de spray de espuma e cansado.

Tentei achar minha acompanhante mais uma vez e, por um milagre, reconheci seu cabelo poucos metros à frente de onde eu estava, mais perto do trio-elétrico. Me espremi entre aquelas pessoas suadas com certo nojo e, conforme me aproximava, percebia que ela estava baijando alguém. Então a vi soltando o primeiro cara e beijando outro, sem nem olhar quem era.

- Mas... O que é isso? - Com maior esforço, cheguei até onde ela estava e segurei com força em seu antebraço.
- Me solta, ! Tá machucando! - Ela gritou, tentando tirar minha mão.
- É assim que você trata as pessoas? Você acha que pode dormir comigo, me chamar pra vir nessa filial do inferno com você, me deixar perdido na multidão e beijar todos os caras que você vê na sua frente? Quantos foram? Um cinquenta? - Minha voz saía alta para que pudesse sobressair à música. - Eu sei que nós não temos nada, mas você me chamou pra vir. Você tinha que, no mínimo, me respeitar, não acha? Se já tinha ficado comigo e me convidou, sua obrigação era me fazer companhia e, se quisesse ficar com alguém, ficar comigo.
- Mas... Eu pensei que você não fosse se incomodar?
- E por que eu não me incomodaria? Você acha que eu sou tão frio assim? Desculpa, eu posso ser inglês e frio, mas eu não tenho sangue de barata. Você tinha ficado comigo, você me chama pra descer ao inferno com você e aí vai ficar com outros caras sem nem olhar quem são? Pelo amor de Deus, né...

Dei costas para ela e comecei a andar contra o fluxo, o que foi razoavelmente difícil, levando em conta que a multidão pulava e me arrastava com ela.

Quando finalmente consegui sair do lugar onde aquilo que chamavam de festa estava acontecendo escutei a voz de chamando meu nome.

- ! Espera, por favor!
- O que você quer? - Me virei para ela.
- Me desculpa. Eu não pensei que você fosse se chatear. - Respirou fundo. - Eu pensei que você estivesse me evitando pra deixar nas entrelinhas que tinha sido uma noite e acabado.
- Te evitando? - Arqueei uma sobrancelha. - Quando eu te evitei?
- Você não quis me beijar! - Gritou.
- Larga de ser burra! - Segurei em seus braços com força. - Eu não te evitei! Era a verdade.
- Mas não parecia! Eu nunca fui de dormir com um cara que eu tinha acabado de conhecer. Sexo pra mim sempre foi alguma coisa especial e eu achei que tinha uma ligação com você. Você sabe como eu me senti estranha quando você nem quis me dar um beijo?
- Pára com isso. - Revirei os olhos. - Não tem nada a ver.
- Eu sei, eu sei. - Riu, envergonhada. - Me desculpa, vai...
- Desculpo... - Olhei para cima, pensativo. - Com uma condição.
- Pode falar. - Afirmou.
- Nós vamos comprar um bodyboard agora e vamos para a praia. Depois nós vamos nos arrumar em um hotel qualquer e amanhã a gente volta para Recife... O que você acha?
- Por mim tá ótimo. - sorriu e me deu um selinho.

Segurei em sua mão e nos dirigimos para o seu carro.

No fim daquela noite, compramos o bodyboard e, mesmo vestidos, entramos no mar, onde ficamos até o amanhecer do dia seguinte. Arrumamos um quarto de hotel, tomamos um banho rápido e voltamos para Recife. Alguns meses depois eu descobri que, com ela, o carnaval podia ser melhor. E mais do que isso: eu descobri, com , o significado do carnaval. Infelizmente, esse significado eu não posso contar. Por que você simplesmente não tenta encontrar uma pessoa incrível no carnaval? Talvez, quando você perceber que essa pessoa é tudo que você procurava, você descubra sozinho.


FIM



Nota da autora: Oi, minhas lindas!
Mais uma fic pro challenge. Admito que foi bem difícil escrevê-la, porque eu não conheço muito sobre os carnavais (?) do Brasil, até porque aqui em Brasília não tem carnaval, mas escrever foi ótimo. Espero que vocês gostem
Beijos :*

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