< FFOBS - Ephemeral Existence

por Fran Strack


Challenge: #012
Nota: 9,2
Colocação:




Efêmero:
De curta duração.
Transitório. Momentânio.


Na situação que me encontro agora, não sei nem por onde começar a contar tudo. Bem, talvez pelo que me deixou nessa situação. Vamos para o início de tudo.


2010
– Filha, sei que você tem dezoito anos agora, mas você não vai ter a vida exatamente do modo que você está planejando – papai disse tão seriamente que eu nem consegui reagir – O Sr. e eu fizemos um acordo muito sério, um que não pode ser descumprido. – eu não estava entendo o que aquilo tinha a ver comigo – Resolvemos juntar definitivamente nossas empresas, compartilhando lucros.
– Por que eu preciso saber disso? – perguntei desentendida, olhando para meu relógio de pulso; Eu não podia me atrasar, não hoje.
– Porque isso tem tudo a ver com você. Daqui a três anos, quando tiver vinte e um, você e o único filho do Sr. vão se casar. Juntar os bens; E as empresas.
– Tanto faz, preciso ir para o trabalho – fingi não me importar, como sempre fazia. Peguei minha bolsa e saí correndo da nossa casa, procurando por um táxi; Eu só tinha dez minutos.
Casamento arranjado, fala sério. Desde quando isso daqui virou a Índia? Ou então, em que século estamos? Pensei que esse era um país livre, mas acho que me enganei. É claro que seria ótimo para a agência de modelos do papai juntar-se com a empresa de publicidade do Sr. – meu suposto futuro sogro; Um que eu planejava nem conhecer. Outra pessoa que pretendia nunca encontrar era o filho dele. Meu futuro marido? Não nessa vida. Se eu casar, não vou poder fazer minha tão desejada faculdade de música – que era meu sonho desde que eu consigo me lembrar. Por um milagre inacreditável, consegui chegar na Agência na exata hora que havia sido determinada. A representante da Ray Ban entrou no local no mesmo momento que eu. Tivemos uma breve reunião, na qual ela explicou como funcionaria a minha sessão de fotos e que elas seriam usadas durante cinco anos. O cachê era bom e eu gostava da Ray Ban, então nem hesitei em concordar com tudo e assinar com eles. Apesar do meu sonho em fazer a tal faculdade, eu adorava o meu trabalho; Tanto que eu era considerada uma das melhores modelos fotográficas da agência do Sr. – meu pai.

Mas essa não é, nem de perto, uma história sobre nossas empresas; É sobre o nosso casamento.

2013
Primeiro dia.
Ou: Dia do casamento.

Eu tinha planos de fugir para o outro lado do país se fosse preciso – mesmo eu odiando aquele lugar. Tudo foi por água abaixo quando descobri que as coisas haviam ficado ruins para a Agência, os lucros estavam caindo considerávelmente. Para piorar, papai estava sofrendo constantemente de cefaleia e, no fundo, eu sabia que não eram simples dores de cabeça, como ele vivia dizendo; Havia alguma coisa mais, algo que ele não me dizia. Tenho quase certeza que ele está com alguma doença e não quer me contar. Eu não podia deixar papai nessa situação; Ainda mais naquela hora, que eu havia descoberto que, quando virasse uma , meu pai passaria a Agência para o nome dela.
E lá estava eu, vestida de noiva, esperando o momento certo para entrar naquela maldita igreja. O Sr. havia morrido, mas não sei porque o filho dele continuou com essa droga. Quem se casaria com alguém que nunca viu pessoalmente se tivesse escolha? Eu estava sentada dentro daquela Limosine – fala sério, , precisava chamar tanta atenção? Percebi que que a Limo nem teria todo esse efeito, quando peguei aquelas folhas na mão. No jornal, havia um anúncio de primeira página com o título bem grande, com direito a duas imagens – uma minha e uma do mu suposto noivo – lado a lado e tudo mais.
e !
O herdeiro do empresário renomado e a modelo fotográfica e futura dona de uma
famosa agência de modelos casam-se hoje. Casamento aberto ao público.

Ai meu deus! Eu nem estava sabendo de nada disso.
Desci daquele carro, fugindo dos repórteres – o que eu falaria a eles? Que estava feliz? Mas eu nem conhecia meu noivo! Meu pai encontrou-me na porta da igreja e entramos. Caminhamos lentamente até – meu quase marido – enquanto aquela música brega tocava. Não me entendam mal, eu queria casar, mas com alguém que eu amasse e não com quem eu nem sequer conhecesse. Papai entregou-me para ele, que sorriu, então eu sorri também. Eu tinha que fingir, não é? Então, vamos lá.
Dissemos aquelas palavras que pareciam tolas para mim e nos casamos. Saímos da igreja como se fôssemos o casal mais feliz do mundo; Podem procurar na internet, se quiserem. até me pegou no colo assim que passamos pela porta da igreja; Ah, isso você pode ver também pelos jornais alheios.
– Precisava de toda essa cena? – indaguei assim que me jogou no banco da Limosine.
– Você parecia feliz, eu parecia feliz – disse simplesmente – Tudo certo, como deveria ser.
– Se esse não fosse um casamento contra a minha vontade.
– Hey – me repreendeu – É contra a minha vontade também.
– Mas – hesitei – Seu pai não está mais aqui, porque você continuou com isso então?
– Por que você continuou? – rebateu.
– Se eu te contar, você me conta? – ele concordou, se ajeitando no banco do lado oposto ao meu, nos deixando de frente um para o outro. Contei sobre papai, a empresa e eu sendo uma – Sua vez.
– Tudo bem, Sra. – chutei sua perna de leve, o repreendendo – Meu pai tinha um testamento e nele dizia que eu, , teria o direito de herdar a empresa dele, assim como a casa e todas as outras coisas, apenas se eu seguisse com o acordo dele com o Sr. . Eu não tinha escolha, então eu segui em frente e casei com a tal , agora – ele me olhou atentamente e então riu – Pelo menos você é bonita... E eu herdei a grande empresa de publicidade do meu pai.
– É, pelo menos você também é... E meu pai vai passar a Agência para o meu nome – tirei a garrafa de champagne que haviam deixado no balde de gelo para nós e a estourei – As taças – apontei com a cabeça.
– Ainda bem que ambos tinham algum motivo por fora para fazer esse casamento acontecer, senão seria terrível – ele disse alcançando uma das taças já cheia para mim e pegando a outra.
– Aos noivos! – encostamos nossas taças.
– Aos noivos. – ele repetiu e bebemos.

Segundo dia.
havia pagado alguém para trazer todas as minhas coisas para cá. Só iremos morar juntos porque precisamos manter as aparências. Afinal, nós casamos e temos que fazer parecer real, pelo menos aos olhos dos outros. A parte boa de vir morar aqui, é que a casa de era perto da praia e tinha uma linda vista para o mar. Meu pai sempre falava do quanto o Sr. – agora meu falecido sogro – adorava livros e tinha uma biblioteca não muito grande, mas bem legal. Então, a primeira coisa que fui procurar assim que minhas coisas chegaram foi ela, porém, acabei não encontrando nada.
– Por acaso não tinha uma biblioteca nessa casa? – perguntei seguindo até a sala, onde ele se jogou no sofá e ligou a televisão em um canal qualquer.
– Não mais.
– Como assim não tem mais?
– Eu destruí ela.
– Você só pode estar brincando comigo.
– E por quê eu brincaria com uma coisa dessas? Não servia mais para nada e eu mandei demolir o cômodo, as estantes, os livros. Tudo. E eu até ajudei a fazer isso.
– Eu. Não. Acredito.
– Pois trate de acreditar.
O que ele tinha na cabeça para exterminar livros? Eu tenho uma séria e enorme obsessão por livros e ele vai lá e destroi sua própria biblioteca. Não consigo acreditar que casei com um cara que foi capaz de fazer uma coisa de tamanha malevolência.
– E onde eu vou colocar meus livros agora? – perguntei, ainda incrédula.
– Tem uma estante grande e vazia em nosso quarto, pode colocá-los lá quando quiser.
– Obrigado – falei brava, ainda pensando no acontecido.
– Não faz essa cara – me pediu – Se faltar espaço na estante, eu compro mais uma.

Terceiro dia.
Mordomia acabou. De volta ao trabalho.
Acordei atrasada, pois não havia colocado relógio para despertar e nem alarme no celular. Acho que ando com a cabeça em outro mundo, só pode. Após achar uma roupa que eu quisesse vestir, me troquei rapidamente, peguei minha bolsa, joguei meu telefone dentro e, quando fui sair do quarto, olhei para trás. estava dormindo tranquilamente na cama de casal – a nossa cama –, mas o resto daquela cena era uma caos. Não pensei que eu pudesse causar isso em tão poucos minutos. As roupas que eu vi e não quis vestir estavam todas jogadas no chão para todos os lados; Havia também algumas meias e dois pares de calçados meus atirados em um canto; Gavetas abertas e coisas fora do lugar; A caixa com meus livros estava no meio do caminho, já que não tive tempo de arrumá-los; Mais roupas atiradas em cima da cômoda, junto com alguns dos meus perfumes e desodorantes; Tinha vários tipos de peças minhas jogadas em cima das coisas arrumadas do . Como eu conseguia ser tão bagunceira? Dei de ombros e fechei a porta do quarto, com cuidado para não acordá-lo. Talvez ele ficasse um pouco bravo, mas eu não tinha tempo para mexer em nada. Eu estava atrasada!
Encontrei papai e organizamos as coisas; Ele passou a Agência para o meu nome; O de casada, é claro. Passei aquela manhã com ele na agência para ficar a par de tudo o que estava acontecendo. Ao meio dia eu voltei para casa, pelo menos para comer alguma coisa.
– Bom dia! – exclamei sorridente ao passar por .
– Bom dia – respondeu seco. Tem alguém que não está muito feliz hoje.
Ao pisar no quarto, meu queixo caiu, assim como minha bolsa – que se espatifou no chão. Fiquei pasma ao ver aquilo. Tudo tinha sumido. Ou havia duendes nessa casa ou ... Cara, ele arrumou tudo. T-U-D-O. Todas as coisas estavam nos seus devidos lugares. Ele tinha desfeito as malas – que eu havia deixado para desfazer hoje à tarde – e organizado as roupas no guarda-roupas. Havia organização demais naquele quarto; Até meus preciosos livros haviam sido colocados na estante e estavam arrumadinhos e por ordem alfabética. Vi aparecee na porta do quarto e me dei conta de algo.
– Você tem TOC. – afirmei, mas só virou as costas e voltou para a cozinha. Ignorante. Depois dessa, não sei se algum dia poderei dizer que meu marido e eu somos parecidos alguma coisa. Somos extremos opostos.
Fui atrás dele. Pelo que vi em cima da mesa, iríamos tomar café da manhã na hora do almoço. Nada mal, eu não havia comido nada de manhã mesmo. Abri a geladeira, procurando por algo para beber.
– Você não tem leite – comentei sorrindo enquanto servia meu suco de laranja.
– Tenho intolerância à lactose – ele disse tomando um gole de se café preto.
– Pelo menos uma coisa nós temos em comum.
– Já é um grande começo.
Comemos sem conversar. Eu estava com muita fome para abrir a boca para algo que não fosse comida ou meu suco.
– Então, já que estamos casados e essas coisas – parei para pensar e fiz uma careta – Ok, nada a ver com isso. Mesmo sendo sua esposa agora, não me sinto bem em perguntar.
– Pode falar – incentivou-me.
– Como, hm, aconteceu? – ele arqueou a sobrancelha – O Sr. , como ele.. morreu?
– Ah, não precisa ficar desse jeito – ele me disse – Sem problemas você perguntar; Afinal, como você mesma disse, somos casados. Não há nada demais em compartilhar as coisas.
– o chamei – Não precisa falar sobre isso se não quiser.
– Tanto faz – deu de ombros – Lembra daquele último temporal? O que passou um furacão em algumas das cidades vizinhas – concordei com a cabeça – No outro dia, meu pai estava andando pela rua e, acidentalmente, pisou em uma pequena poça de água e acabou sendo eletrocutado.
– Que horrível! Sinto muito pela sua perda – falei de todo o coração, eu realmente sentia muito. Não é legal quando você perde alguém.
– Eu também – disse de volta – Imagina você está andando, pisa em uma poça e leva um choque elétrico por causa de um cabo de força que havia arrebentado lá na outra esquina. Por isso que não gosto de sair de casa quando as ruas estão todas molhadas.
– Também não gosto.
– Olha isso – falou com divertimento – Duas coisas em comum.
– Quem está contando?

Vigésimo terceiro dia.
havia chegado do trabalho tarde da noite e ido direto para o banho; Eu nem havia o visto ainda. Não que eu me importasse, porque, na verdade, não me importo nem um pouco. Nós convivíamos bem, mas não éramos como marido e mulher e nem mesmo como amigos. Apenas morávamos juntos e nada mais. Não tenho nem ideia se isso vai mudar, se algum dia conseguiremos ser pelo menos amigo um do outro. É tudo tão esquisito. Tento não dar atenção a isso, mas sinto-me um pouco estranha com nossa situação. Passamos o dia na companhia do outro, com exceção – às vezes – dos momentos em que estamos no trabalho. Raramente fazemos algo separados. Nós bebemos, olhamos filmes, fazemos comida, comemos, saímos quando possível, dormimos e decidimos as coisas juntos; Eu ajudo ele com a empresa de publicidade que ele herdou do Sr. e ele me ajuda com a minha agência de modelos; Nós temos ideias e nos ajudamos; Até os trabalhos a gente acaba juntando. A semana passada foi um bom exemplo disso, pois a empresa dele fez uma campanha publicitária de divulgação e pensamos em usar as minhas modelos nisso, o que deu muito certo. Mas o ponto é que e eu estamos praticamente o tempo todo juntos. Não é nem um pouco parecido com o que as pessoas ao nosso redor e as que nos vêem por aí na rua e nos jornais por causa dos negócios devem pensar. Aparentávamos ser um casal, mas não era bem assim; Como eu já falei, não sei nem se posso dizer que somos amigos. O relacionamento geral entre nós é tão incompleto e, às vezes, bem superficial. Porém, é bom assim. Não sei se eu gostaria que fosse de outro modo.
Entrei no banheiro do quarto e tranquei a porta, tomei um banho rápido e me vesti. Peguei o secador dentro do armário e sequei meu cabelo sem nem mesmo sair do cômodo. Quando acabei e o guardei, tudo escureceu. Só tem duas explicações possíveis: ou eu fiquei cega repentinamente ou havia faltado luz. É claro que a segunda opção era a única plausível. Vou sair desse banheiro porque odeio ficar sozinha no escuro. Eu tenho um tipo de...
– Que droga é essa? – resmunguei em voz alta.
Eu havia virado a chave para abrir a porta que dava do banheiro para o quarto, mas ouvi ela se quebrar. Deus, ou quem quer que seja, só podia estar de brincadeira comigo. Comecei a entrar em pânico. Eu girava a velha maçaneta de um lado para o outro, mesmo sabendo que não iria adiantar nada. Bati com toda a minha força – que não era bastante, no momento – na porta e senti a maçaneta caindo sobre meus pés. Eu estava trancada e, ainda por cima, naquela escuridão. Dei alguns passos para trás, tentando respirar direito. Eu odeio lugares escuros. É minha impressão ou esse lugar está ficando menor? Estou perdendo todo o meu ar. Não consigo mais controlar minha respiração. Para onde foi o oxigênio desse banheiro? Lágrimas escorriam incontrolavelmente de meus olhos. Eu estava aterrorizada demais para conseguir fazer alguma coisa admissível. Apoiei minhas costas na parede mais próxima que consegui encontrar, tentando manter o equilíbrio – o que estava ficando cada vez mais dificultoso. Eu me esforçava para respirar, mas não fazia diferença. Eu estava sentindo-me tonta, mas não era aquelas tonturas normais que eu tinha de vez em quando, era bem pior. Eu já havia me sentido assim uma vez na minha vida, em um dia, antes de eu passar mal. Eu sabia exatamente o que estava por vir; A qualquer minuto eu poderia desmaiar.
, eu... ? Você está no banheiro? – eu mal conseguia ouvir a voz dizendo aquelas palavras – – eu tentava responder, mas nada saía da minha boca. Era como se eu estivesse engasgada. Tudo por causa da falta de ar que eu estava tendo. Eu não conseguia me mexer e nem falar nada. A sensação era terrível – Está tudo bem? – não, não está – Se estiver atrás da porta, saia daí. Está me ouvindo? Não fique atrás da porta.
Eu só conseguia ficar torcendo para que eu estivesse fora do alcance da porta e que alguém me tirasse dali antes que eu caísse no chão, desacordada. Logo ouvi um estrondo – que, para mim, era mais como um barulho de fundo – e parecia que a porta tinha sido aberta. Então senti um braço envolver minha cintura e a pessoa praticamente me arrastar para fora do banheiro e colocar-me sentada na cama.
, olha para mim – duas mãos envolveram meu rosto, levantando minha cabeça – Vai ficar tudo bem.
O ar começou a voltar e a tontura foi se esvaindo. Ainda estávamos sem luz, mas minha visão – aos poucos – ia se acostumando e um rosto foi tomando sua forma, bem em frente ao meu. Ali estava , ajoelhado no chão para poder ficar na mesma altura de meu rosto. Ele estava me encarando preocupado. Tudo o que eu consegui fazer foi envolvê-lo em um abraço forte e murmurar um “Obrigado por me salvar” assim que voltei ao normal.
– Tudo bem – ele disse – O que aconteceu?
– A chave – falei – Ela quebrou e a maçaneta caiu. A luz havia se ido e eu tive um ataque, não gosto de lugares escuros, muito menos quando estou trancada em um deles. Eu estava prestes a desmaiar quando você arrombou aquela maldita porta e me tirou de lá. Obrigado de novo.
– Pare de me agradecer. Fiz o que qualquer pessoa faria.
– Deixe de ser tão modesto – eu ri – Você praticamente me salvou.
– Ok então, virei herói – dei um tapa no ombro dele – Ai! Isso doeu. Não falo mais nada também.
– Pelo menos você não bateu em mim de volta, Sr. Herói – assim que disse isso, ele riu e ameaçou me dar um tapa – Nem pense nisso ou você fica sem comida!
– Hey, isso é injusto – ele reclamou e eu dei de ombros – Não vou arriscar, já que estou com fome. Vamos jantar.
– Gordo.
– Não vai me dizer que você já jantou.
– Claro que não. Estava esperando meu querido marido – pronunciei com certa ironia aquelas três últimas palavras e ele riu.
Cheguei na cozinha e avistei uma pizza grande, uma Coca-cola e dois copos em cima da mesa.
– Oba! Você trouxe comida.
– A pizza chegou antes de eu ir lá te tirar do banheiro, então não sei se ela ainda está quente.
– Não importa, vou comer de qualquer modo.
– Depois eu que sou o gordo.
– Mas você é mesmo – depois de alguns segundos, ele começou a rir sozinho – O que foi?
– Você não sabe como é estranho estar andando pela e ver a minha querida esposa por todos os cantos – arqueei a sobancelha – Hoje passei por um outdoor da Ray Ban e adivinha quem estava usando os óculos nele? – eu ri – É sério, você está em todos os lugares.
– Não exagera. Olha para esse rótulo – encostei meu dedo na garrafa da Coca-cola – Viu? Não estou ali.
– Boba – resmungou ele e então rimos – Você só estaria no rótulo da Coca-cola se estivéssemos no natal e você fosse um urso polar; E você não é nem parecida com um.
– Ah, droga. Só porque eles são bonitos – comentei, forçando uma expressão triste em meu rosto. apenas revirou os olhos.
Acabamos de comer e fomos para o quarto.
– Quase esqueci – ele bateu a palma da mão em sua própria testa – Comprei uma coisa para você.
Ele tirou algo do bolso e largou em minha mão. Era uma pequena embalagem preta de veludo. Eu abri e retirei de lá um colar de prata. Não costumo gostar de jóias e acessórios, mas esse era lindo. Havia um pingente simples em formato de estrela.
– É lindo – falei sorrindo – Obrigado.
– De nada – ele sorriu de volta e apontou para o colar em minhas mãos – Combina com você.
– Vai dormir? – perguntei assim que deitei-me na cama.
– Vou olhar televisão.
– Tudo bem, vou ler – liguei o abajur do meu lado, peguei o livro que estava lendo e o abri na página em que o marcador se encontrava.
Esse livro de novo?
– Que tem? – ri sozinha. tinha uma implicância com o tal último livro que eu havia começado a ler, que se chamava “My Horizontal Life”.
– É sobre sexo! – exclamou ele.
– São aventuras sexuais de uma noite só – eu disse rindo – E é história real.
– Continua sendo sexo.
– Deixa de ser bobo. Olha a sua TV e deixa eu ler meu livro.
– Livro pornográfico – provocou ele.
– Fica quieto ou vou te derrubar da cama.
– Duvido – ele provocou e eu tentei mesmo fazer isso, mas não tive sucesso.
– Vai dormir, .
Após ele ter voltado sua atenção para a televisão, li um capítulo do livro e meus olhos já ficaram pesados. Fechei-o e ajeitei-me para dormir. A última coisa que lembro ter ouvido foi o riso de .


– ouvi uma voz me chamar – , acorda – então me sacudiram.
– Mas que droga, – xinguei enquanto vi de relance na televisão a mão de um esqueleto sair do chão, batendo no rosto do cara – Não me enche o saco.
– Mas , o filme... – que tom estranho era esse na voz dele?
Sentei-me na cama e vi com os olhos arregalados olhando para a TV. Então saíram vários braços de esqueletos do chão, segurando o cara do filme e eu comecei a rir.
– Para de rir – me repreendeu.
– Eu não consigo, esse filme é engraçado.
– Não é não.
– Eu não acredito que você está com medo dos esqueletinhos – dei um soco de leve em seu braço – Imagina se eles estivessem aqui. RÁ! – gritei loucamente. Era tão engraçado assustar com uma coisa tão sem noção – Sério, , é impossível se assustar com esse filme.
– Não é, – ele negou – Não sei se você sabe, mas é um filme de terror.
– É tosco. , é “Uma Noite Alucinante 3”. A categoria dele pode até ser essa, mas ele é engraçado.
– Desisto de olhar – ele pegou o controle e desligou a televisão – Vou dormir.
– Cuida para os esqueletinhos não pegarem você.
– Vai dormir, .
– Não se esqueça que foi você quem me acordou.

Trigésimo sétimo dia.
Assim que organizei – em partes – as coisas na cozinha, decidi ir para o quarto dormir. Fui desligar a luz da sala quando vi de relance meu marido do lado de fora, onde ele adorava ficar. Na varanda da nossa casa, havia um balanço bem legal. Todas as noites, permanecia por, no mínimo, quinze minutos sentado lá observando as estrelas. Era um momento quase que sagrado para ele, não sei o por quê disso, mas também nunca me interessei em perguntar. Constatei então, que eu estava parada analisando-o – o que eu não costumava fazer. Ele permanecia sempre assim, sozinho, em silêncio, admirando aquela imensidão que era o céu noturno. Naquele instante, caminhei até a porta e fiz algo que nunca havia me permetido fazer antes: eu interrompi aquele momento que era só dele.
– Você não cansa disso? – perguntei apontando para o céu estrelado sem nem mesmo me dar o trabalho de olhar para cima.
– Se você parasse de frescura e viesse ver o que tem aqui, talvez você até gostasse.
– Gostasse do quê? São só estrelas.
– Somos feitos de cálcio, ferro, zinco, etc. Todos esses elementos são criados pelas estrelas quando elas morrem. De certa forma, somos feito de poeira estelar. Não são só estrelas.
– Isso parece algo tirado de algum filme.
– Você está certa – ele riu – As estrelas são mais bonitas e legais do que você pensa.
– Tudo bem, vou dormir – revirei os olhos – Boa noite, senhor das estrelas – ironizei ao virar as costas para sair em direção ao nosso quarto.
– ele chamou – Vem aqui ver.
– Não.
– Oh mulher complicada – reclamou – Faz o que estou te pedindo, só uma vez.
– Ok, ok – falei relutante e então ri sozinha – Mas só se você me dizer que droga é Andrômeda – cruzei meus braços, esperando – Já ouvi falar várias vezes disso. Sei que tem algo a ver com astronomia – ele olhou para mim, estudando minha expressão e então arqueou sua sobrancelha, com um sorriso de deboche no rosto.
– Está brincando que você não sabe? – ele riu e eu fechei a cara; Não brinque comigo, . Assim que ele percebeu minha reação a isto, ele parou.
– Não sou a senhora das estrelas – zombei – De certa forma eu deveria ser, não é? Já que sou casada com você.
– Se você tivesse cinco porcento da graça que você pensa que tem, talvez você seria um pouco engraçada – falou sarcástico.
– Tinha esquecido do sarcasmo que meu marido tem – abri um sorriso falso que logo desapareceu do meu rosto – – o repreendi – Andrômeda, lembra?
– Você esqueceu que existe a internet? – indagou.
– Não tenho tempo para pesquisar no Google.
– Ok, eu falo – concordou finalmente – Andrômeda é uma galáxia espiral, tipo a nossa, só que maior; Ela tem um pouco mais que o dobro do diâmetro da Via Láctea.
– Porque a galáxia tem esse nome? – perguntei mais para complicar do que por curiosidade.
– Tanto faz – deu de ombros – Sei que tiraram o nome da mitologia grega. Andrômeda era o nome de uma princesa, se não me engano, e ela foi oferecida como sacrifício para um monstro marinho ou algo assim. Li na internet – sorriu feliz.
– Para de sorrir – reclamei – A mulher morreu.
– Na verdade, não – ele disse – Um homem a salvou; Perseu, se não me engano. Aí eles se casaram e viveram felizes para sempre.
– Diferente de nós – eu ri seca.
– A última parte era brincadeira. Isso não existe – ele levantou – Agora vem para cá de uma vez!
puxou-me pelo braço, fazendo-me sentar junto com ele no chão da varanda. Foi nesse segundo que eu cruzei a linha que eu mesma havia imposto entre nós dois; Aquela de não me aproximar de , já que isso não teria uma longa duração de modo algum, pois – mesmo vivendo juntos – de certa forma, mal nos conhecíamos e, acima de tudo, só estamos casados por causa dos negócios, não é mesmo? Pensando bem, papai passou a agência para o meu nome três dias depois que casei e havia virado dono da grande empresa dele logo após o casamento. Nem sei mais o por quê dessa vida. Que droga de confusão.
– dedos estralavam em frente aos meus olhos – Presta atenção.
– Desculpe, estava pensando demais – ri – Prossiga.
Então mostrou-me o vasto céu, nomeando algumas constelações conforme apontava. Devo admitir que até que era legal, mas eu nunca conseguia achar as benditas no céu sem a ajuda dele. Tentei várias vezes, sem sucesso. Perguntei a ele como ele fazia isso tão facilmente e ele riu, dizendo que eu só precisava de prática. É, talvez um dia... Em vista disso, sondou-me para descobrir se eu gostaria que ele me ensinasse ou não. Eu aceitei, é claro; Pois eu não gostava de não saber como fazer algo. apontou uma linha diagonal de três estrelas brilhantes bem acima de nós – que eram conhecidas como as famosas Três Marias. Disse que, sempre que eu quisesse achar essa constelação que ele ia me mostrar, eu precisava encontrar essas três estrelas e também que elas eram as mais fáceis de localizar no céu noturno – ele tinha razão. Mostrou as outras ao redor e chamou a tal constelação – que era a sua favorita – de “Órion”. Contou-me que Órion, na mitologia grega, era um grande caçador. Eu estava gostando de passar aquele tempo ali com , olhando para o céu; Talvez eu devesse fazer isso mais vezes.
– Sabe, – comentei em voz baixa, sorrindo – Adoro o jeito como você me explica tudo o que você sabe e eu não.
– Eu.. – hesitou por um pequeno instante – Eu gosto do modo como você sorri.
Aquelas palavras tiveram um efeito incomum dentro de mim, então continuei prendendo minha atenção ao céu, evitando aquilo. Senti a mão de tocar levamente meu rosto, virando-o para o lado dele, deixando-nos frente a frente. Pela primeira vez, eu avistava algo diferente ali; Eu podia ver alguma coisa além daquele com quem me casei simplesmente por negócios. Ele aproximou lentamente seu rosto do meu e, ao deparar-me com a proximidade de nossos rostos, senti um arrepio em minha nuca. Assim que os lábios macios de tocaram os meus, nossos olhos automaticamente se fecharam. Ele beijou-me carinhosamente, de um jeito que nunca imaginei; O correspondi da mesma forma. Uma espécie de eletricidade percorreu meu corpo quando nossas línguas se chocaram. Eu sentia como se meu estômago estivesse se revirando. Tudo o que eu queria era aproveitar aquele tempo ali. Eu não me importaria nem um pouco se minha casa explodisse, desde que eu ficasse presa naquela momento com .
– Você é minha estrela – ele disse, tirando o colar prata que ele havia me dado, aquele que eu havia deixado na cabeceira da cama.
Ele o colocou em volta de meu pescoço e, quando toquei o pingente, eu entendi porque esse casamento havia durado mais de um mês mesmo sem que precisássemos dele para os negócios; Na verdade, eu simplesmente compreendi tudo. Era fundamental permanecermos juntos apenas porque éramos importantes um para o outro, ainda que nós nem mesmo soubéssemos disso.

Aquela foi a primeira vez que nos beijamos desde aquele falso beijo de casamento arranjado pelos pais. Aliás, obrigado, papai e Sr. , por esse casamento ter acontecido.

Centésimo trigésimo sexto dia.
Ou: Trigésimo dia pós-.
Ou: Dia atual.

Em um dia frio de Novembro, se foi. Descobrimos tarde demais o que ele tinha e, acho que mesmo se tivéssemos descoberto antes, não poderíamos ter feito nada para mudar isso; A morte dele era inevitável. Seu tipo de câncer era um dos piores; tinha um câncer pediátrico conhecido como DSRCT – Desmoplastic small-round-cell Tumor. Passei dias com ele no hospital e, depois de 106 dias de nosso casamento, ele fechou seus olhos para sempre. Foi, de longe, o pior dia da minha vida; Aquele em que perdi meu marido, o único amor que um dia conheci.
Apesar de tudo, eu fui forte. Cuidei de nossas empresas com todo o carinho e, quase três semanas depois do acontecido, abri uma instituição de suporte e todos os tipos de ajuda à crianças com câncer, o qual coloquei o nome de “ ”, em homenagem ao homem que me mudou completamente, que me fez sentir viva e ensinou-me a perceber as coisas bonitas da vida; Aquelas quais eu não dava atenção, como os pequenos gestos e momentos e, também, como as estrelas que me seguiam todas as noites, aonde quer que eu fosse. Acariciei a saliência em minha barriga e sorri; Pelo menos havia deixado algo concreto para trás, um presente para mim.
Quem diria que algum dia eu sentiria tanta falta de uma pessoa que eu passei mais de um mês desejando não ter conhecido...
E agora eu estava aqui, em mais uma noite fria, parada sozinha em frente à uma lápide que dizia:

1989 – 2013
Ótimo marido.
Efêmero,
mas de suma importância.

Voltei meus olhos para o céu, que estava limpo e estrelado, assim como na primeira noite que passei com como um casal. Localizei facilmente Órion: a constelação favorita de , e agora a minha também. Eu quase podia sentí-lo ali comigo, todas as noites, quando eu observava as estrelas.
– É tudo poeira estelar... Até nós, certo? – perguntei olhando para o céu e relembrando do filme, de algo que eu nunca mais me permitiria esquecer – “As estrelas morrem para que possamos viver e nós morremos para que as estrelas possam renascer.” – citei, recordando da voz e do sorriso de a primeira vez que me disse isso – Eu te amo – falei para as estrelas enquanto lágrimas mornas deciam lentamente pelo meu rosto gelado – Sei que você está aí, em algum lugar. Um dia me juntarei a você e ficaremos juntos.
E então, o que foi efêmero se tornou permanente em meu coração, em minha vida e, acima de tudo, em minha alma.


FIM



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