2,130 quilômetros


Challenge #14

Nota: 9,9

Colocação:




[Nota da autora: Coloque pra carrega a música: Velha infância – Tribalistas, dê o play quando pedir.]

21/agosto/2005 | Laranjeiras | 22:53

— Cinema? Só isso?
— É, só cinema, mãe.
— Você só pode estar de brincadeira comigo.
A sala-de-estar da grande casa dos nunca havia estado tão tensa. As brigas sempre tão corriqueiras e o mau humor acumulado pareciam piorar toda a situação. Senhor e Senhora nunca foram pais liberais, o futuro de seus filhos era e sempre foi certo: médicos como a mãe, empreendedores como o pai, tomariam conta das empresas que o senhor trazia com seu nome ou trabalhariam nos hospitais dos quais a senhora já conseguiria num segundo seus empregos. Mas nunca foi uma garota que seguia as regras da casa. Pelo contrário, ela era a que mais adorava quebrá-las.
— Não mãe, por mais incrível que possa parecer pra você, eu não estou brincando. E por mais que nessa casa, na maioria das vezes, para ser bom tenha que se ser um médico, advogado ou qualquer coisa assim, eu falo muito sério quando digo que não quero! Que vou fazer cinema.
, isso é bobagem. — sua mãe gritava furiosa. O pai, sentado no sofá, massageava as têmporas e pensava em um modo de acabar logo com aquela briga rotineira.
— Bobagem? “Isso” é o meu sonho; essa “bobagem” é meu sonho!
— Você não pode chamar de sonho essa sua vontade boba de criança, . Já passou da hora de você parar com essas gracinhas e decidir de verdade qual será o seu futuro. — a voz de sua mãe era rígida, como de quem não descançará até vencer. Percebendo isso, a garota deu as costas à mãe, ainda inconformada com o fato de seus pais não a apoiarem em nenhuma decisão que fazia.
— Eu já decidi. Não poderá fazer nada para mudar isso. Será esse.
— Eu não aprovo. — Disse simplesmente, a cabeça levemente levantada em sinal de superioridade, os olhos fixos em sua filha que se virou novamente, encarando a mãe com coragem. Sua decisão estava tomada e, agora, não poderia mais voltar atrás.
— Não preciso da sua aprovação, você não fará parte dele. — disse enquanto observava a expressão de sua mãe mudar, a raiva se transformava em incredulidade. Tentou até abrir a boca para falar algo, mas virou-se e saiu em direção ao seu quarto, batendo a porta com força antes de ouvir o que sua mãe tinha a dizer.
Jogou suas roupas dentro da mala de qualquer jeito, fechou-as às pressas, pegou algum dinheiro que tinha guardado e finalmente reabriu a porta de seu quarto, passando reto pela sala em direção à porta da casa. O pai logo a alcançou, tocando seu ombro.
, filha, você só tem 17 anos. Por favor, não faça isso. — ele pedia, calmo.
— Não finja que se importa. Não agora. — Ela respondeu, afastando-se do toque dele, voltando ao seu caminho em direção à saída.
— Se passar por essa porta, está proibida de voltar. — pode ouvir sua mãe dizendo, sua voz controlada. A garota lançou-lhe um único olhar, refletindo tudo que sentia por dentro. O cansaço, a raiva e a coragem que agora tinha, depois de tantas brigas. Finalmente sairia dali.
— Como quiser, . — enfatizou o nome de sua mãe. — Mas lembre-se: quem pediu por isso foi você.
E como se nunca houvesse pertencido àquela casa, se foi, deixando para trás memórias, conflitos e um passado, que faria questão de esquecer.


21/agosto/2005 | Laranjeiras | 23:40

— Alô?
— Olha para a janela.
?
— É, olha para a janela.
Sem entender absolutamente nada, resolveu ceder e levantou a cabeça do travesseiro, esfregou os olhos para reparar no horário do celular. Colocou seus chinelos e foi até a janela, vendo a garota na rua, segurando duas malas e fazendo gesto para que descesse. Como já estava de pé, resolveu atender ao pedido e descer os sete andares do prédio e a encontrou ali, sentada na calçada, esperando.
— Em plenos 16 anos dormir antes da meia-noite é quase um crime, sabia disso? — ela disse logo que o viu, fazendo o garoto soltar uma risada baixa, coçando a nuca.
— Eu tenho aula amanhã, — explicou, aproximando-se.
— Isso não importa, você deveria estar numa festa, bebendo, se drogando, sei lá. Coisas que adolescentes de 16 anos fazem, você sabe. — ela dizia e ele simplesmente caminhava até seu lado, sentando-se e encarando-a, cada detalhe de seu rosto, como tanto gostava de fazer.
— Qual é a da mala? — ele perguntou mudando de assunto, ainda sorrindo divertido.
— Eu vou embora.
— Ah claro que vai, pra onde dessa vez? Para sua avó? Não precisava me acordar para isso...
— Não, . Eu vou embora de verdade. — ela disse séria demais, tirando o sorriso do rosto do garoto, que agora a encarava tão serio quanto.
— O quê?
— Eu to indo para São Paulo, fui aceita em uma das universidades de cinema de lá. A cidade é grande, eu terei boas oportunidades. Além disso, é longe, longe de tudo, longe da minha família, da minha mãe principalmente.
— Vocês brigaram de novo? — ele perguntava, preocupado.
— Ela nunca vai entender. Se eu ficar, ficarei presa, você sabe. Ela fará de tudo para que eu curse outra coisa. Se eu for, serei livre. Se ela não aceita, eu não tenho culpa, mas não vou passar o resto da minha vida fingindo ser algo que eu não sou. A única coisa que posso fazer é ir embora e procurar a minha felicidade longe daqueles que querem mandar na minha vida. Longe dela...
— Longe de mim... — o garoto passava a mão no cabelo, bagunçando-o e logo cobrindo seu rosto, acabado.
— Não quero ficar longe de você, sabe disso.
— Mas vai. — ele então levantou sua cabeça, encarando-a. Seus olhos estavam marejados.
...
— Eu estou cansado de você descontar em mim tudo que eles fazem com você, . Eu não mereço isso, nunca fiz nada pra merecer isso. E mesmo assim eu não tenho escolha nenhuma, você simplesmente arruma as malas numa noite e... vai. Você simplesmente vai, .
Ela não disse nada, o que poderia dizer? Ele estava certo. As lágrimas ameaçando escapar de seus olhos embaçando sua visão. Ficou ali parada por alguns segundos, até que ele se levantou.
— Sinto muito mas eu cansei disso. — e então virou-se, caminhando de volta ao edifício.
— Foge comigo.
O pedido foi simples, a voz da garota embargada pelas lágrimas que já desciam sem controle por seu rosto. O garoto se voltou para ela, com o olhar confuso.
— O que disse?
— Foge comigo. — repetiu, se aproximando e puxando-o para si em um abraço apertado. — Vem comigo para São Paulo. Você pode virar músico e tocar sua guitarra livremente como sempre quis, podemos ser felizes, juntos, realizando nossos sonhos. Vem comigo. — ela sussurrava em seu ouvido.
eu... Eu não sei. — ele confessou sincero. Queria, queria tanto ir embora dali, queria tanto ser feliz com a garota de seus sonhos, com sua melhor amiga, mas podia? Seria capaz de um ato tão egoísta?
Deixaria tudo por ela?
Por mais que lhe custasse admitir, a resposta era clara: Sim. Faria qualquer coisa desde que pudesse estar com aquela garota.
— Não precisa responder agora, eu estou indo para a estação, meu trem sai só à uma da manhã, vou estar te esperando, caso aparecer, eu prometo, daremos um jeito em tudo, recomeçaremos juntos, eu e você. — ela dizia calmamente, enquanto ele a apertava ainda mais contra si, não querendo perder aquela sensação jamais.
— Uma hora? — perguntou novamente, soltando-a levemente, encarando aqueles belos traços que tanto amava.
— Vou estar esperando. — confirmou com a cabeça. Seus olhos fixos uns nos outros, seus corpos presos num aperto carinhoso e familiar, e num pequeno e simples movimento, deixou que seus lábios tocassem os dele num leve roçar, terno e cheio de amor, permitindo que ambos sentissem a explosão de sentimentos que aquele simples ato lhes transmitia.
Então se separaram, a garota recolheu suas malas do chão e olhando somente uma vez para trás, desapareceu pela rua escura.


21/agosto/2005 | Laranjeiras | 00:37

Suas malas já estavam feitas, o bilhete cuidadosamente escrito, deixado em cima do balcão da cozinha, explicando sua partida. Estava pronto, pronto como nunca, com uma coragem quase inabalável para encarar o que viesse pela frente.
Quase.
? — uma voz fina e feminina se fez ouvir pela cozinha. O garoto se virou, encarando a irmã mais nova, de apenas sete anos de idade, que o olhava com uma expressão de sono. Sentiu seu coração bater mais fraco e uma forte pontada de culpa lhe percorrer o peito.
— Oi, minha linda, tudo bem? — ele perguntou se aproximando, acariciando a cabeça de sua irmã num carinho delicado.
— Não. — ela respondeu soltando um soluço, fazendo seu irmão perceber que a garota chorava — Tá doendo.
— Doendo? Doendo onde, pequena? — ele perguntou mais preocupado, tentando encontrar aonde doía em sua baixinha.
— Não consigo respirar, eu não consigo respirar. — ela dizia em suplica, puxando sua camiseta, num apelo por socorro.
— Helô?! Helô?! — ele chamava enquanto percebia a irmã respirando com dificuldade e seu corpinho fraco quase caindo em seus braços. — PAI! MÃE! — gritou, desesperado, diversas vezes até finalmente ver seus pais caminharem até eles assustados.
— Heloísa! — sua mãe exclamou, vendo a garota sendo segurada pelo irmão, chorando e apertando o próprio peito.
— O que aconteceu? — o pai perguntou, assustado como todos dali.
— Ela não consegue respirar. — explicou rapidamente, levantando a pequena no colo e entregando-a a sua mãe.
— Temos que ir pro hospital. — a mulher disse simplesmente, sendo obedecida e logo os quatro se encontravam dentro do carro, em direção ao ambulatório mais próximo dali. No caminho, se deixou observar a longa e solitária estação da cidade, aonde uma única garota vestida quase completamente em preto esperava por seu trem.
Ela o esperava.
Ele nunca iria.
Ela o perdoaria?
“Me perdoe, me perdoe por favor” ele pedia enquanto o carro se afastava cada vez mais.


23/junho/2014 | Laranjeiras | 12:41

Meio dia e quarente e um, foi a exata hora em que o trem finalmente estacionou na estação de Laranjeiras, naquela tarde ensolarada. A mulher pulou dali, segurando em mãos duas malas, seu cabelo preso num rabo de cavalo firme, sua roupa simples e não muito de acordo com o clima, suas jeans eram justas demais e a faziam soar de calor. Deixando uma das malas no chão, levantou os óculos escuros encarando em volta, observando atentamente cada ponto, cada detalhe.
— Não mudou nada. — comentou para si mesma, baixando novamente os mesmos e pegando sua mala, voltando a caminhar. Encontrando o primeiro taxi perto da estação, entrou, dando logo o endereço de seu hotel.
A mulher se deixava observar cada casa, cada espaço, percebendo como certas coisas permaneceram as mesmas e como outras mudaram completamente. Um sorriso singelo brincava em seu rosto com certas lembranças, enquanto por outro lado, seu peito doía de estar voltando para lá, como prometeu que jamais faria.
— Chegámos — o taxista lhe disse enquanto ela saia do carro.
— Pode me esperar um pouco? Eu já desço — pediu, recebendo um aceno em confirmação do homem já velho. Entrou na pequena pensão que ficaria, levando suas malas para o quarto e trocando sua roupa, as jeans e a blusa vermelha foram substituídos por um vestido preto justo, seu tênis deu lugar a um salto médio de mesmo tom. Seus cabelos foram soltos e deixados cair por seus ombros. Pronta, ela deixou o local encontrando ainda o taxi parado, esperando-a.
— Para onde?
— Mansão , por favor — pediu, sentindo seu estômago revirar com suas próprias palavras. Não podia acreditar que aquilo era verdade.
O carro se moveu rápido e não demorou a chegar ao seu destino. A mulher pagou a quantia necessária por sua viagem e então deixou o veículo, encarando a construção velha e, soltando um suspiro pesado, entrou.
Os olhares acusadores a encaravam enquanto ela passava por todos em direção ao único lugar que a interessava, o caixão de sua avó. O único motivo de estar ali.
— Vovó — disse observando a velha deitada, sua pele de porcelana, seus lábios num sorriso, a roupa alegre lhe caia bem.
— uma voz feminina foi ouvida logo ao seu lado, uma voz que há tempos não ouvia e que não queria ouvir.
— cumprimentou, virando-se. A mulher estava mais velha do que podia imaginar, as rugas já aparentes, fios brancos visíveis também. Logo a seu lado, um homem de mesma aparência se postava. — Pai.
— Oi, filha — ele respondeu frio, sem demonstrar sentimento algum.
— Você realmente veio — a mulher comentou com uma expressão nada satisfeita.
— Por ela — respondeu — E vou embora assim que possível. — disse simplesmente, tornando seu olhar a sua doce avó materna, que havia cuidado dela tão bem quando a atenção de seus próprios pais ela não possuía.
— Viu sua prima? Daniele se formou em medicina, se tornou o orgulho da família, e você conseguiu se formar em seu curso de cinema? — ela perguntou com um semblante quase assustador.
— Sim, já estou muito bem empregada e me dei muito bem com minha escolha de profissão, se quer saber, provavelmente terei muito mais dinheiro que Daniele sequer possa sonhar, mas você sempre me dizia que cinema não me traria sucesso. Acho que estava errada, . — comentava dispersa, passando os dedos levemente sob o rosto da avó, numa caricia muda.
Sua mãe pigarreou, logo se virando e deixando o cômodo. A mulher deixou uma risada baixa se desprender de seus lábios, eram bom finalmente poder confrontá-la; era bom, pela primeira vez, poder mostrar que estava certa.
Foi como se o mundo de fora não existisse quando seus olhos percorreram o corpo sem vida da falecida. Uma estranha tristeza a dominou, mas logo no segundo seguinte a triste foi dominada por um nervosismo e surpresa absurdos, seu coração quase saiu do peito, numa batida forte e desregulada, seus olhos se arregalaram e as lágrimas quase caíram, quando aquela voz um tanto quanto mais grossa chamou por seu nome:
?
Ela virou-se encarando aqueles olhos que um dia tanto amou, dos quais sentiu tanta falta. Ele estava mais alto, mais bonito, e ao mesmo tempo em que estava irreconhecível, continuava o mesmo de sempre.
O mesmo .
— Oi — disse simplesmente, abrindo um verdadeiro sorriso para o homem a sua frente que ainda parecia não acreditar no que via.
— Quanto... Quanto tempo. — ele disse, sorrindo timidamente de volta.
— É, nove anos. Eu queria... — sua voz foi interrompida.
, me desculpa por não ter ido...
— Sobre isso… Aqui não. — ela o interrompeu de volta. — É o velório da minha avó, a última vez que eu vou vê-la de verdade. — seus olhos marejavam. — Me encontra de noite no bar em frente a sua casa, lá a gente conversa, pode ser?
— Pode. — consentiu. — É... Eu senti sua falta.
— Eu também, ... Todos os dias. — com a cabeça baixa, voltou para o seu acento.
O velório foi demorado, triste, doloroso. O único consolo que ainda tinha naquela cidade era sua irmã mais nova, que nunca deixou de amar mesmo quando fugiu de casa. Quando finalmente sua avó foi enterrada, as lágrimas continuavam percorrendo seu rosto. Enxugou-as, respirou fundo e deu as costas ao lugar, indo em direção ao táxi que a esperava.
Chegando ao hotel, arrumou suas malas em um canto qualquer e nem sequer passou pela sua cabeça desfazê-las, afinal não demoraria muito a voltar para São Paulo. Tomou um banho quente, colocou uma roupa limpa e olhou para a janela, já era de noite, poderia ir para o bar.
A pé, virava as ruas e chutava pedrinhas no chão relembrando quantas vezes fizera este caminho, o quão bem conhecia cada detalhe, poderia fazê-lo de olhos fechados. Já na porta do bar, reconheceu o corpo sentado em uma das mesas e foi ao seu encontro.
— Sempre adiantado. — disse se aproximando e puxando uma cadeira para sentar.
— Queria pegar uma boa mesa. E aí? — ele sorriu.
— E aí... — falou, retribuiu o sorriso.
— Gatinha, você gosta mais de Red Label ou Ice? — cantou a música brincando, fazendo-a soltar uma gargalhada.
— Você continua com isso? — perguntou, referindo-se à velha mania que tinha de usar frases de músicas para falar.
— Sempre.
— Eu vou querer uma cerveja mesmo.
— Cerveja? Sério?
— Qual o problema com a minha cerveja?
— Achei que com o tempo que passou em São Paulo tivesse no mínimo aprendido a beber algo que preste. — respondeu, divertido, fazendo-a sorrir ainda mais, como nos velhos tempos.
Depois da segunda cerveja, a conversa foi prolongando, muitas risadas foram ouvidas pelo resto do bar, a música da banda virou fundo para as histórias e novidades que um contava para o outro, o que fizeram nos últimos nove anos. Em determinado momento, sem que eles percebessem, a conversa virou flashback, e cada lembrança os fazia sorrir mais ainda. As horas passaram e finalmente eles deixaram o local e ficaram andando pela calçada, como antigamente sempre faziam, conversando.
— Obrigada por vir, . Eu só queria que você soubesse que naquela noite, eu ia, ia mesmo. Mas a Helô teve uma crise nós tivemos que levá-la para o hospital e... Eu não sei... Não sabia se conseguiria deixá-la. Desculpa. — o rapaz disse de cabeça baixa, tentando recuperar algo que perdeu havia muito tempo.
— Não foi só pela Helô, . Você sabe disso.
— Como assim? — ele perguntou confuso.
— Você nunca quis deixar Laranjeiras. Queria ser músico, tocar guitarra, aparecer na TV, mas queria tudo aqui, na mão. — ela respondeu, deixando-o perplexo.
— Isso não é verdade, .
— É sim, . Você tinha medo.
— Eu tinha uma irmã doente, !
— Eu também tenho uma irmã mais nova! E eu hesitei da mesma forma que você sobre deixá-la para trás. Mas eu fui. E eu falei com ela apenas por cartas durante nove anos. Doeu muito não tê-la do meu lado esse tempo todo. Eu não a vi crescer, entende? Agora ela está enorme, adolescente, eu quase não a reconheci quando ela apareceu no velório. Eu perdi parte da vida dela. — não continha mais suas lágrimas. — Sabia que agora ela não usa mais o nome todo, Júlia? Ela adorava que a chamassem com o nome inteiro. — uma pequena risada se formou entre suas lágrimas. — Agora é só Jú.
O rapaz permaneceu quieto, absorvendo cada palavra.
— Desculpa, . Desculpa te culpar assim. Eu não devia...
, ei. Você não tem que se desculpar. — ele interrompeu-a. — Nós somos adultos agora, não precisamos pedir desculpas por qualquer coisa que falamos. Além do mais, eu ainda sou seu amigo, eu não vou ficar magoado.
— Então...
— Então... — ele a imitou.
— Amigos novamente? — propôs.
— Nós nunca deixamos de ser. — Ele respondeu, sorrindo. As lágrimas secas da moça agora davam lugar ao sorriso que tanto amou um dia. Que ainda amava.
Parados na calçada, em frente ao prédio do rapaz, olhando nos olhos um do outro e sorrindo. projetou seu corpo pra frente, encarando os lábios dele a poucos centímetros, desejando terminar algo que os dois haviam começado há muito tempo atrás, e nunca terminaram. Seu rosto se aproximava cada vez mais, mas afastou-se.
— É... . Eu... Eu estou, estou... Eu vou me casar.

28/junho/2014 | Laranjeiras | 14:03

— Como conseguiu isso? — a mulher perguntava ainda sentada na grama, logo em baixo do grande carvalho.
— Consegui o quê? — perguntou rindo logo em seguida. — Olha, se me pediu para te encontrar porque só ficaria uma semana e for ficar falando em códigos eu vou embora, hein?
— Falta só dois dias pra se livrar de mim, ok? Paciência, conversa comigo há cinco dias e já cansou da minha companhia? — ela brincou, mas logo voltou a ficar seria — Como conseguiu conquistar a mulher, idiota? — brigou a mais velha, rindo mas sem um pingo de humor. O mesmo a encarou, um sorriso amarelo no rosto.
— “Eu dormi na praça, pensando nela” — ele cantou, rindo logo em seguida, deixou um sorriso brincar nos cantos de sua boca, enquanto a mesma tentava não rir das brincadeiras do homem.
— Você nunca vai parar com isso, ne? Nem parece que tem vinte e cinco anos, sério. — reclamou a mulher, vendo-o se aproximar.
— “Ninguém pode mudar o meu jeito moleque de ser” — recitou novamente, recebendo um puxão da garota, que o derrubou no chão. — Ai! Ok, eu paro — ele ria, assim como ela.
— Deixa eu ver seu anel — ela pediu, esticando a mão. piscou duas vezes seguidas e encarou sua própria mão esquerda, esticando a mesma e exibindo a aliança prateada em seu dedo anelar. — Bonita. — comentou sem muita empolgação, rodando a mesma no dedo do homem, que a encarava sem saber o que fazer.
Sentimentos eram palavras fortes, que naquele momento, nenhum deles desejava proferir.
— Ela sabe que você tem medo do seu armário? — perguntou a mulher de repente, fazendo-o rir.
— O quê? — ele perguntou confuso.
— É sério, ela sabe do medo que você tem do seu armário? — insistiu, rindo.
— Não! E tinha, ok? Eu não tenho mais! E outra, aquele era um armário assassino! Aquele cabide me atacou e você sabe — brincava ele, rindo junto da mulher.
— Claro, ele pulou em você — revirou os olhos, sorrindo — Você tinha oito anos, finalmente superou isso.
— E você, superou sua frescura com queijo? — ele provocou, fazendo-a encará-lo surpresa.
— Ei! Aquilo fede, e sim ok? Eu superei — respondeu firme. — E se é pra falar de manias antigas, vamos lá então garotão, cadê seu All Star azul?
— Guardado, onde deveria ter ficado sempre — respondeu rindo, tampando o rosto com as mãos — Aquele sapato era horrível!
— Era mesmo — concordou ela, recebendo um olhar reprovador do homem, o que só a fez rir ainda mais. — Muita coisa mudou, né?
O sorriso grande que se mantinha no rosto do homem então se desfez, enquanto ele a encarava.
— Antes eu... Eu vivia escrevendo roteiros no meu bloco de caderno, hoje eu realmente os coloco em prática, eu tinha medo de arame farpado e cacos de vidro, nem chegava perto, hoje em dia se precisasse passaria por cima dos dois em troca de muitas coisas. Eu tinha muita dificuldade em matemática e português, principalmente...
— Sintaxe, onomatopeia e ângulo obtuso, reto e agudo, você sempre esquecia dessas coisas — ele completou o que dizia, fazendo a sorrir, percebendo que o homem ainda lembrava daquilo.
— É... Pois é. — concordou simplesmente.
— Bom, antes eu tinha um all star azul ridículo, uma carteira rosa choque feminina e uma escova de dentes de estrelas que aliás foram presentes de amigo secreto de uma certa melhor amiga — ele fitou significativamente nesse momento, fazendo-a soltar uma risada baixa. — Hoje todos permanecem guardados numa caixa dentro do meu guarda-roupa.— ele parou por um segundo, fechando os olhos. — Eu vivia esquecendo de datas importantes como por exemplo, o seu aniversário várias vezes — ela riu dessa vez, permitindo que sua mente vagasse para anos atrás. — Eu tinha dores constates no meu joelho e eu ainda lembro de você me dizendo “vai pra um médico ou isso ainda pode piorar” é, eu nunca fui no médico — ele riu, coçando a nuca, engoliu a seco, então a encarando de modo firme — Eu morava no sétimo andar do prédio Levine e ainda me lembro de te olhar da sacada enquanto você passava, e pensar: “Cara, é com essa garota que eu vou passar o resto da minha vida”.
E nesse momento, o coração de ambos se acelerou num ritmo quase audível, a respiração presa não querendo sair.
— Mas algumas coisas ainda não mudaram — ele completou logo em seguida, ainda a encarando. — Posso não ter mais dezesseis, mas eu ainda moro naquele prédio, e ainda tenho dores no joelho. — concluiu rindo, mas sem quebrar o contato visual.
— Eu posso não ter mais dezessete, como quando fugi, mas ainda tenho um pouco de frescura com queijos — confessou fazendo-o sorrir — E meu signo continua sendo de leão, lembra quando a gente lia os horóscopos? Eu ainda amo chuva e também nunca deixei de ser péssima em português, ou em matemática, não importa o quanto você me ensinou, eu realmente nunca aprendi. E... Eu ainda sou apaixonada pelo meu melhor amigo de infância, como sempre fui.
— Você realmente continua sendo a mesma de sempre — ele disse, sorrindo de lado, deixando que a mulher se aproximasse, tocando seu rosto delicadamente.
— E você o mesmo ... — afirmou deixando seu rosto próximo ao dele, como há tanto tempo não fazia. — Meu . — disse por fim, antes de selar seus lábios nos dele, num beijo calmo e suave, que trazia a tona todo o sentimento por anos guardado, a saudade reprimida que ambos desejavam libertar.
Num selar de bocas, a confirmação do indubitável. Mesmo depois de tanto tempo, ela ainda era dele e ele, ainda era dela.

28/junho/2014 | Laranjeiras | 17:34

— Você me pergunta o que fazer? É isso? — Júlia se mantinha com os olhos arregalados, encarando a irmã com certa surpresa.
— Claro, eu não sei o que devo fazer! — confessou cansada, as mãos nos cabelos, inquietas.
— Até parece que a adulta aqui sou eu — a mais nova brincava, recebendo um olhar reprovador da irmã em troca. — Não sei o porquê de tanto drama, .
— Ele vai se casar, Jú! Casamento! Sabe o que é isso? — a mulher dizia, tentando convencer além da irmã, a si mesma sobre o que saía de sua boca.
— Você o ama? — ela perguntou de repente, fazendo a mais velha encará-la em surpresa.
— Como? — perguntou confusa.
— Você o ama, ? — insistiu na pergunta, encarando a irmã nos olhos. A mesma piscou algumas vezes, antes de soltar pesadamente sua respiração.
— Sim. — respondeu firme. — Eu o amo mais do que deveria.
— Então corra atrás do que quer! — afirmou Júlia, fazendo a mais velha encará-la confusa.
— Hã?
— Corre atrás dele, ! Você vai voltar pra São Paulo daqui a dois dias, pede para ele vir junto com você!
— Já fiz isso uma vez… E nós duas sabemos que não deu certo...
— Mas nós duas sabemos também que ele só não foi por causa da Helô, anos se passaram, uma nova chance, um novo final! — ela dizia animadamente.
— E ele tem um ótimo motivo pra não ir dessa vez.
— E qual seria?
— Ele tem uma noiva, Jú! — disse mais alto, de modo quase desesperado.
— Nada te impede de tentar — ela insistiu calma. — Você sempre foi a ovelha negra da família mesmo, o que custa ser egoísta uma vezinha mais e garantir sua felicidade com o homem que você ama? Porque acredite, , se você ama um homem toda sua vida, passa nove anos separada dele mas ainda assim não o esquece, nunca irá esquecer.
— Jú... Eu não sei...
— Já chega disso, uma última vez corra atrás do que você deseja, do que sempre desejou. Seja feliz , está mais que hora de você garantir sua própria felicidade. E por último, nos duas sabemos que essa sua felicidade só pode ser encontrada com uma pessoa, ela tem nome e sobrenome e está prestes a cometer a maior burrada casando com outra. Uma última vez dê uma chance ao seu coração, uma chance a ele, e finalmente, finalmente, maninha, seja feliz.

29/junho/2014 | Laranjeiras | 16:52

encarava o celular em sua mão, discava o número dele, hesitava, repetia. "Como ela pode me dar um sermão desses?" – pensava ela sobre sua irmã – "ela parece adulta... Eu sei como conseguir a minha felicidade" – seus dedos brincavam na tela do celular enquanto custava para ela admitir para si mesma – "minha felicidade é... Ele."
Seus dedos finalmente rediscaram o numero de pela ultima vez, ligando enfim para o rapaz.
— Alô?
...
?
— Você está ocupado?
— Não. Aconteceu alguma coisa?
— Eu só queria ver você.
— Vem para minha casa, eu estou aqui. Ok?
— Ok, estou indo.
Desligou o telefone, colocou um tênis e saiu.
No caminho, parou no mercado para comprar chocolates para os dois comerem juntos, como fazia há nove anos atrás, olhou para outra bancada onde se encontravam todos os tipos de queijo e fez uma careta.
— É muito mais difícil correr atrás do seu sonho quando ele usa uma aliança, . — pensou em voz alta. Mas o pensamento logo foi deixado de lado.
Chegando em frente ao prédio, ligou para o rapaz e ele apareceu na janela, abrindo um sorriso e mandando-a subir.
— Eu trouxe chocolate. — A mulher disse abrindo um sorriso largo, e retribuiu o gesto.
— E eu amo chocolate.
Os olhos de vasculharam o quarto, à procura de algo que nem mesmo ela sabia o que era. Ela queria apenas sentir o que sentia antes, de pertencer àquele quarto como se fosse seu, de pertencer à como se ele fosse dela. E seus olhos se fixaram no par azul e chamativo de tênis em frente à cômoda.
— "Estão guardados", né? — ela disse, rindo, apontando para os All Star.
— Estavam guardados. Eu tirei hoje, só porque você me lembrou que eles estavam aqui.
— Agora é culpa minha? — brincou, gesticulando com indignação.
— Eu vou jogá-los fora.
— O quê? Por quê?
— Achei que você não gostasse deles. — respondeu.
— Não gosto, mas... Não sei, achei que fossem especiais pra você. Só isso.
— Já foram. Mas acho que minha noiva não vai gostar muito — brincou, mas não sorriu.
, eu...
— ele interrompeu — Você não vai mesmo ficar para o meu casamento amanhã? Significa muito pra mim você estar lá.
— Sobre isso... Você tem certeza que é isso que você quer?
— O quê? Como assim, ? Claro que eu te quero no meu casamento.
— Não sobre isso, sobre o casamento, . Eu só não quero que você se arrependa das suas escolhas. — ela disse, o olhar profundo, sincero.
— Eu também não quero me arrepender delas. — ele respondeu.
Silêncio.
Os olhares diziam muito mais do que qualquer outra resposta. Ela queria ele, como quis há nove anos. Mas ele ia se casar. Essa foi sua escolha.
— Eu realmente não posso ir, . Meu trem sai às 18h amanhã. Desculpe.
— Tudo bem, . — ele disse.
Não estava tudo bem.
— Eu vou, quer dizer, eu preciso te falar isso, te fazer essa proposta de novo ou... Ou eu nunca vou me perdoar.
— Se perdoar pelo quê? O que aconteceu? — perguntou, completamente confuso, perdido.
— Amanhã, eu vou estar na estação, sozinha. Te esperando.
— O quê? — ele perguntou exaltado, levando as mãos aos cabelos, os olhos completamente arregalados.
— Você me ouviu.
— Você ficou louca? Meu casamento é amanhã, e você quer que eu vá com você embora?
— Exatamente.
, você pirou! Você está louca, não é possível! Como você pode me dizer isso, me dizer isso justo hoje, na noite antes do meu casamento, como? Isso é injusto sabia? É injusto você fazer isso, voltar de repente e abalar tudo que eu pensava sentir, me beijar e de repente me pedir pra voltar com você...
— Acha que foi justo comigo? Minha família me julgando pelo que eu queria, eu fugir de casa, largar tudo, não foi fácil sabia? E também, não foi nada fácil perceber que meu melhor amigo, meu namorado, não iria fugir comigo e nem sequer me ligou pra avisar, ou enviou uma mensagem, qualquer coisa! Não foi fácil ficar te esperando por horas pensando: “Seremos felizes, eu e ele” pensando em como as coisas seriam boas, como ficaríamos juntos, mas você nunca foi, e você não tem noção do quanto foi difícil suportar aquilo! Foi difícil passar aqueles nove anos sem você, eu nunca consegui gostar de outra pessoa , NUNCA, e quando eu chego aqui, com meus sentimentos praticamente intactos, descubro que você está noivo, acha que foi fácil ver que você simplesmente seguiu adiante? Encontrou outra e agora vai ser feliz com ela como eu sempre pensei que fosse ser comigo? — uma pausa, lágrimas solitárias rolando pelas bochechas da mulher, que o encarava respirando com dificuldade. — Eu escolhi ir embora, sim eu escolhi. Mas nunca escolhi perder meu melhor amigo, nunca escolhi ser trocada, nunca escolhi ter minha felicidade com outra pessoa. Nunca escolhi deixar a cidade naquele trem, sozinha, e isso sim , isso sim não foi justo.
, eu... Eu não sei o que te dizer.
— Não precisa, porque eu sei. Sei que podemos ser felizes juntos, sei que eu posso te fazer feliz como ninguém mais pode.
— Meu casamento , eu vou me casar eu, — e foi quando os lábios da mulher se chocaram aos seus, num pedido mudo de compreensão. O homem a segurou pela cintura, trazendo-a para mais perto de si.
— Vai se casar com a pessoa errada. Parece que só você ainda não percebeu isso... — murmurou entre seus lábios, tocando seu rosto delicadamente — Quero que venha comigo.
— Mas...
— Deixa eu terminar. — ela interrompeu — Eu te esperei quando nós éramos adolescentes, e você não foi, e eu passei esse tempo todo pensando em você. Eu sei que você vai se casar amanhã não precisa mais me lembrar disso, mas eu também sei que você sentia algo por mim, que ainda sente. Você ia comigo, não ia?
...
— E agora eu estou indo novamente, e eu não quero, , eu não quero sair dessa cidade de novo sem você do meu lado naquele trem. Você não tem que me responder agora. Vou estar na estação a partir das cinco. — ela completou, vendo-o bufar, enquanto a mulher soltava-se dele, saindo em direção à porta.
— Você vai me esperar, não é?
— Vou. Como eu sempre esperei.

30/junho/2014 | Laranjeiras | 16:51

O terno apertava em volta de seu pescoço, a gravata parecia querer enforcá-lo. Ele a afrouxava desesperadamente e de modo desajeitado.
— Para com isso , está lindo e você fica desfazendo esse nó! — Victor, seu padrinho, brigava com o homem, que permanecia inquieto, de um lado para o outro. — O que aconteceu, ein, garoto? Vai me dizer ou não vai?
— Não posso Victor, não posso, mas eu... Eu não sei o que fazer. O que você faria se... Se alguém, que você se importa muito, voltasse e abalasse com tudo, tudo o que você pensava sentir, tudo o que você imaginava e então, ela te pede pra ficar com ela, diz que ainda te ama, que ainda te quer, mas ainda sim, existe outra menina, outra mulher que você se compromissou, o que você faria?
— Sem dúvidas escolheria a primeira, mas que papo é esse? — Victor se mantinha confuso, encarando o mais novo a frente.
— A primeira? Por quê a primeira? — perguntava, as sobrancelhas para cima, os olhos firmes.
— Você está me assustando cara, você está com medo por acaso? Amanda fez alguma coisa?
— Minha noiva não fez nada Victor, quem fez foi outra pessoa — ele respondeu sorrindo, lembrando-se do rosto da mulher, tão linda, tão dele. — Mas o importante é a resposta da sua pergunta, você disse a primeira?
— Sim, a primeira. Da pra me contar o que está acontecendo? — ele insistia, curioso.
— Não, por quê a primeira? — perguntou firme.
— Cara, será que da pra me contar o que-
— Por quê a primeira, Victor?! — pediu nervoso, vendo o mais velho levantar uma das sobrancelhas, logo balançando a cabeça em negação, encarando nos olhos.
— Se só dela ter voltado, meu mundo virou de ponta cabeça, então quer dizer que realmente nunca a esqueci. Se só com isso eu fui capaz de criar uma dúvida tão forte em mim sobre tudo que eu pensava saber, então quer dizer que ela provoca em mim algo extremo, algo que me faz questionar tudo, menos o que sinto por ela. Se ela mexe tanto assim comigo, ao ponto de me fazer pensar se devo deixar tudo pra ficar com ela de novo, então meu amigo...
— Então...
— Então quer dizer que ainda a amo, mesmo depois de tudo. E se eu amasse uma pessoa dessa maneira, como você me diz, então , eu faria de tudo para ficar com ela. Mesmo que isso fosse contra tudo e todos, eu desistiria do mundo por um amor assim.

30/junho/2014 | Laranjeiras | 17:25

As malas logo ao lado do corpo, sentada no banco esperava pacientemente.
Os olhos inquietos para o relógio da estação. Foram horas esperando por ele, e ele nunca veio.
Viria dessa vez?
não tinha palavras nem sentimentos suficientes para dizer o quanto o queria ali, o quanto queria que ele escolhesse a ela.
Mas a dúvida atormentava seu peito, numa dor constante.
E se ele não viesse? Ela se perguntava. Ele a amava tanto quando ela pensava? Ele a escolheria? Poderiam as coisas finalmente funcionarem, ao contrário do que acontecera aos dois nove anos atrás? Com todas as forças de seu coração desejava que sim.
Mesmo que soubesse que o mais provável seria o não.

30/junho/2014 | Laranjeiras | 17:58

Seu olhar para os ponteiros era quase doloroso, permanecia parado, em frente a igreja toda.
Alguns minutos e o trem a levaria embora. Era aquilo, aquele era o fim. Mais uma vez a deixaria esperando, mais uma vez não iria a seu encontro.
Não podia, seria egoísmo de sua parte não seria? Deixar sua noiva, que sempre foi tão boa com ele para trás.
Mas você nunca a amou de verdade. Uma voz no fundo de sua consciência afirmava. Você nunca a amou como amou . Dizia, enquanto ele queria a todo custo, afasta-la dali.
A música da banda então começou, dando inicio a cerimônia. Num piscar de olhos, sua imaginação pode ver entrando pelas portas, vestida de branco. Linda.
Mas aquilo era errado, ele não podia. Não podia deixar tudo, podia?

Você a ama.

Eu não posso.

Você vai sempre amá-la.

Eu não posso.


Seus pensamentos eram firmes. Ele lutava contra si mesmo, e seu próprio coração.

Depois disso, ela não irá mais esperar por você.

Eu não posso.


— Caros convidados — a voz do padre então foi ouvida, quando a noiva já se encontrava logo ao lado de , os convidados prestando toda a atenção das palavras do mais velho, porem a mente do noivo ainda vagava, longe, muito longe dali.
Eu não posso.
— Estamos aqui reunidos hoje para juntar esse casal — Eu não posso, eu sinto muito. — Em sagrado matrimônio.

30/junho/2014 | Laranjeiras | 18:17

Ele não veio.
Seus olhos pendiam perdidos nos grandes ponteiros do relógio, marcando o horário e exibindo que novamente, ele não tinha ido. Ela estava sozinha.
— Senhorita? — uma voz a chamou logo ao lado, a garota encarou o motorista, que a fitava calmo — Não posso esperar mais, sinto muito. A pessoa que a senhorita espera ainda vai demorar muito pra vir?
A mulher logo abaixou a cabeça, uma primeira lágrima escorrendo por seu rosto, enquanto o sorriso desaparecia de seus lábios.
— Desculpe ter feito o senhor esperar, a pessoa acabou não vindo. — explicou deixando uma risada baixa se soltar de sua garganta — Parece que sou só eu de novo Otávio.
— Senhorita ... — ele começou, sua expressão triste, assim como a da mulher.
— Mais uma vez, só eu. — concluiu baixo, olhando o relógio mais uma última vez, pegando suas malas e entrando no trem, sentando-se na janela, encostando sua testa no vidro frio.
“Eu morava no sétimo andar do prédio Levine e ainda me lembro de te olhar da sacada enquanto você passava, e pensar: “Cara, é com essa garota que eu vou passar o resto da minha vida”.”
Um sorriso fraco tomou seu rosto, a lembrança tomando-lhe a mente.
“Eu ainda sou apaixonada pelo meu melhor amigo de infância, como sempre fui.”
Como sempre serei. Pensou deixado as lágrimas caírem, inquietas.
[Nota da autora: Play!]
“— E agora eu estou indo novamente, e eu não quero, , eu não quero sair dessa cidade de novo sem você do meu lado naquele trem.”
Eu não queria ficar sozinha. Eu não queria. Sua mente flutuava em lembranças, lembranças que faziam seu coração doer, lembranças que a machucavam de um modo quase inexplicável.
“— Você vai me esperar, não é?”
Eu esperei por você.
“— Vou. Como eu sempre esperei.”
E você não veio. Você nunca veio.

O movimento do trem foi aumentando e logo começou andar, deixou uma última lágrima cair, fechando os olhos em seguida.
E eu continuarei pra sempre esperando por você.
Entretanto, !” – uma voz distante gritava.
! — a garota abriu com agilidade os olhos, encarando o vidro. — Pelo amor de deus, ! — uma voz insistia, desesperada, uma voz que no mesmo instante, fez o corpo todo da mulher acordar em cada célula, cada pedaço de pele, seu coração descompassar completamente. Aquela voz...
.

! — ele gritou novamente. Ele corria, corria logo ao lado do trem, o terno no corpo, desfazia com pressa o nó da gravata, quando finalmente encontrou a mulher na janela, encarando-a em agonia.
As mãos de tocaram espalmadas a superfície fria do vidro em quanto observava sem acreditar o que acontecia.
, para esse trem pelo amor de Deus, eu te amo, pelo amor de Deus não vai, eu te amo! — ele gritava, gritava tão alto que quase podia sentir cada palavra vibrando em seu coração. Num movimento ela se levantou.
— Pára! Pára! — ela gritava, mesmo que o motorista não pudesse ouví-la, enquanto puxava a corda de emergência, fazendo o automóvel parar completamente logo em seguida. Seus pés foram rápidos até o lado de fora, o ar preso, o coração batendo como nunca.
— Pára esse trem pelo amor de Deus, não vai, eu não posso te deixar ir de novo, eu não posso, chega! Pára isso! — ele gritava enquanto corria, corria como seus pés praticamente não aguentavam, deixando o vagão e logo ficando frente a frente a , que a encavara ofegante, alguns passos atrás.
Seu terno desarrumado, seu cabelo bagunçado, a gravata desfeita. Ele estava lindo, simplesmente lindo.
— “Se estou com ela eu te desejo, eu sonho em cometer esse pecado” era assim que eu me sentia, eu iria casar com alguém que na realidade sonhava ser outra, e aquilo sim era errado, era injusto com ela, injusto comigo. Eu disse não, eu disse não e eu fugi. Porque eu não posso , eu não posso ficar sem você na minha vida de novo, eu não quero e não vou permitir isso. É você que eu amo, é você que eu quero, e eu não vou ligar pra opinião de mais ninguém sobre isso, então me ajuda a segurar essa barra que é gostar de você. Você quer ir pra São Paulo? Então ótimo, 2,130 quilômetros pra rodar de novo, eu não ligo, mas dessa vez — ele falava de forma quase desesperada, sua respiração ainda descompassada, seus olhos fixos na mulher que o encarava perplexa — Dessa vez, , você não vai sozinha.
Seu coração quase saia pela boca, sua pele se arrepiava a cada palavra, seus olhos arregalados.
— Eu te amo! Eu te amo, te amo desesperadamente e de um modo tão louco que eu abriria mão de toda a minha vida por você, eu abriria mão de tudo, só pra te ter do meu lado. Eu te amo, te amo do modo que nunca amei e nunca vou amar ninguém, minha melhor amiga, minha , dessa vez eu não vou te deixar ir embora, não vou deixar você ir sem mim, porque acredite, eu já te fiz esperar tempo demais, eu já recuei tempo demais, e agora, se depender de mim eu não vou deixar que nenhum instante a mais se passe sem você ao meu lado.
Ele a amava.
E não menos de um segundo foi necessário pra que os braços de envolvessem o pescoço do garoto, seus lábios grudados nos dele, as lagrimas escorrendo de seus olhos.
Ela o amava.
sorria como nunca, apertando a mulher contra si como se jamais fosse solta-la. Sua finalmente pertenceria somente a ele, e aquela sensação era a melhor que ele já havia sentido em toda sua vida.
Ela ficou esperando...
Numa troca de olhares tudo era dito, sentimentos passados com uma força quase inacreditável, o medo de se perderem um do outro novamente havia sido grande, mas dessa vez, a distancia não mais interferiria, eles estavam juntos.
E ele veio.
Depois de nove anos finalmente estavam juntos, e a partir dali nada nem ninguém poderia separa-los.
Ele veio.
Minutos, horas, dias, meses, anos de espera por um amor verdadeiro, por um final feliz, mas cada segundo valeu a pena, cada instante se fez importante, porque mesmo depois de tantos erros...
Ele finalmente veio.


FIM





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