You are the story I should write
por Antoniêta


Challenge #15

Nota: 9,25

Colocação:




“The world finds ways to sting you and then one day decides to bring you something to believe in.”
– Something to believe in (Newsies)

Era a primeira vez que eu sonhava com ele em meses. Abri os olhos, assustada, mas meu desespero não poderia ser mais inútil, porque esse pesadelo não era só um pesadelo; tinha acontecido. Eu não tinha presenciado o acidente, mas não fazia diferença. Eu já tinha imaginado dezenas de cenários e, em todos eles, eu assistia Matthew morrer.
Tudo sempre acontecia em câmera lenta e, por mais que eu tivesse tempo o suficiente pra gritar o nome do meu irmão, eu nunca conseguia emitir som nenhum, nunca conseguia avisar que vinha outro carro na direção dele. Ninguém sabia direito o que tinha acontecido, porque Matt e o outro motorista não sobreviveram pra contar a história. Tudo que a gente tinha era especulação e o teor de álcool absurdo do cara que bateu nele.
Uma tragédia, disseram.
Eu concordava, mas também achava uma injustiça sem tamanho que meu irmão de dezesseis anos perdesse a vida porque um otário qualquer não teve vergonha na cara pra chamar um táxi.
Logo depois do acidente, minhas noites começaram a ser assombradas por imagens de Matt morrendo. Às vezes ele morria de um jeito bem realista, num carro capotando, e às vezes ele era desmembrado por um zumbi. Eu sempre acordava chorando e tremendo, por mais ridículo que fosse. Não fazia diferença se a morte era tosca ou heroica nos meus sonhos, porque, quando eu acordava, a realidade era sempre a mesma: ele não estava aqui e nunca ia voltar.
Pra piorar a situação, eu não sabia nem por onde começar a tentar preencher o vazio que eu sentia, porque eu não tinha dividido só a mesma gravidez, a mesma sala de aula e o mesmo carro com Matt, eu dividia minha vida com ele e, agora que a dele tinha acabado, parte da minha tinha também.
Por causa disso, minha mãe e meu padrasto decidiram que um tempo fora, longe dos lugares que Matt frequentava, era uma boa ideia. Eu discordei que uma mudança de cenário seria o suficiente pra esquecer que meu irmão tinha morrido e, como prova de que eu tava certa, voltei a sonhar com Matt depois de semanas de quase tranquilidade.
Só que Simon, do auge do seu jeito comedido e protetor de quem nasceu pra ser pai e assumiu as responsabilidades que, no fundo, minha mãe nunca quis ter, tinha insistido tanto que eu acabei cedendo e indo passar dois meses na Califórnia, aproveitando a praia e tentando recuperar o pedaço de mim que tinha ido embora junto com Matt.
Eu duvidava muito que isso desse certo e, se o episódio de hoje se repetisse, eu não ia esperar nem uma semana pra voltar pra casa, porque tinha sido difícil o suficiente parar de sonhar com Matt da primeira vez.
Eu não queria uma recaída.
Foi pensando nisso que eu levantei, desistindo de dormir de novo e pegando um casaco, porque eu sabia que, àquela hora da noite, devia ventar muito. Eu chequei se realmente meus tios estavam dormindo e saí. Depois de andar os poucos minutos que precisava pra chegar até a praia, eu sentei na areia, de frente pro mar, num lugar de onde eu podia ver uma festa acontecendo.
Por escolha própria, eu fiquei longe o suficiente pra só conseguir identificar uma fogueira e gente bêbada.
- ? – eu escutei alguém chamar atrás de mim e virei, assustada, imaginando que Noah, meu tio, tinha me visto sair de casa e me seguido.
- ? – perguntei, estreitando os olhos e percebendo que não era Noah, era .
- Que estranho te encontrar aqui. – ele disse, sorrindo. sempre tava sorrindo. Ou, pelo menos, essa era a impressão que eu tinha dele.
- Muito. – concordei. Era coincidência demais. Não por ser de madrugada e eu estar na praia, mas porque a gente tava na Califórnia, quase do outro lado do país.
De Baltimore pra Montara eram mais de 4.000 quilômetros.
Nunca tinha passado pela minha cabeça encontrar alguém conhecido aqui.
Muito menos .
- Tá rolando uma festa ali na frente. – ele comentou, apontando com o queixo o lugar que eu já tinha visto – Quer ir lá? – eu neguei com a cabeça e ele deu de ombros – Se quer saber, você não tá perdendo muita coisa. – disse, não esperando um convite pra sentar do meu lado – Eu fui, porque não tinha nada pra fazer, mas parece que todo mundo só sabe falar de surfe. E, bom, não é exatamente a minha praia. – ele soltou, de um jeito que deixava claro que ele sabia que a piada era ruim, e eu tentei forçar uma risada fraca, roendo a unha do meu dedão esquerdo por puro costume – Tá fazendo o quê por aqui?
- Passando as férias na casa de uns tios. – eu disse e ele balançou a cabeça concordando, como se entendesse – E você? – perguntei, por achar que era isso que a boa educação recomendaria. Eu tava meio enferrujada com interações sociais.
- Tô com meus pais. Na cabeça deles, se a gente não passar o verão no litoral, o ano foi perdido. – ele respondeu e, então, foi a minha vez de balançar a cabeça, concordando – Mas o que você tá fazendo sozinha na praia às... – ele parou pra olhar o relógio – Duas e trinta e quatro da madrugada?
- Sei lá. Às vezes eu ando sozinha à noite, quando todos os outros estão dormindo. – respondi, dando de ombros. Ele riu baixo.
- Parece sintoma de sonambulismo. Tem certeza que você tá acordada? – perguntou, passando uma das mãos na frente do meu rosto e estalando os dedos.
- Eu tinha, até você me fazer essa pergunta. – disse, só pra não deixar a conversa morrer e a gente cair num silêncio desconfortável, mas é claro que eu tinha certeza que tava acordada. riu baixo outra vez.
- Provavelmente não funciona pra sonambulismo, mas, se você quiser ter certeza de que não tá sonhando, é só usar o truque que eu aprendi com Inception.
- Inception?
- O filme. – ele explicou, mas eu continuei sem entender sobre o que ele tava falando – Com Leonardo DiCaprio? Um sonho dentro de um sonho dentro de um sonho? – ele perguntou e eu tentei achar algum registro disso na minha memória – Eu não acredito que você nunca viu esse filme. – reclamou – Mas, tudo bem, depois eu te conto a história. O que interessa é que, se eu tiver entendido certo, quando a gente tá sonhando, a gente some e aparece nos lugares do nada. Então, se você tiver sonhando, você não vai lembrar de como você chegou aqui.
- Eu acho que eu lembro como eu cheguei aqui.
- Então, não é um sonho. – concluiu.
- Mas ainda pode ser sonambulismo. – sugeri, apesar de saber tão bem quanto eu que não era – Sonâmbulos lembram como chegaram nos lugares?
- Eu não faço a menor ideia, mas, por via das dúvidas, eu vou tentar não te acordar.
- Você sabe que isso é um mito, né? – deu de ombros – Eu acho que se eu fosse sonâmbula eu já teria entrado no mar a essa altura do campeonato. – comentei e riu de novo. Ele realmente ria com muita facilidade.
- Minha mãe tem isso às vezes. Ela faz umas coisas meio loucas, tipo, tentar partir uma fatia de torta com uma tesoura.
- Mas não é perigoso?
- Enquanto ela não tiver tendências homicidas ou suicidas, acho que não.
- Eu peguei Matt ligando o videogame enquanto dormia uma vez. – soltei, só percebendo que tinha começado a falar do meu irmão depois que as palavras saíram – Ele colocou o jogo, sentou no sofá, perguntou se eu queria perder dele e apagou de novo. – disse, fazendo desenhos abstratos na areia.
Ainda era estranho falar dele pelo simples fato de que qualquer história que envolvesse Matt fazia parte de uma edição limitada agora. Esse era o único episódio de sonambulismo dele que eu lembrava e não existia nenhuma chance de ter outro. Era isso que machucava. Saber que, se as memórias que eu tinha se perdessem, eu nunca teria outras pra substituir. Por isso eu tentava guardar todas elas, como se eu tivesse medo que, no momento em que elas deixassem de existir só na minha cabeça e fossem recebidas por outra pessoa, elas fossem fugir de mim. Eu não queria correr esse risco.
Mesmo assim, Matt não tinha virado um assunto proibido e não era como se eu desabasse sempre que falavam dele, o problema era que o jeito como as pessoas reagiam, como se a qualquer momento eu fosse cair no choro, me irritava. Elas sempre ficavam mais desconfortáveis do que eu e quase nunca conseguiam ter uma conversa sem soltar algo do tipo ‘sinto muito pelo seu irmão’ nos primeiros trinta segundos.
A consequência disso foi que, pelo menos no colégio, eu tinha deixado de ser eu pra ser a irmã do garoto que tinha morrido. E, ainda que eu quisesse que a memória dele fosse respeitada, eu não tinha pretensão nenhuma de andar por aí com o fantasma de Matt me acompanhando. Só que era exatamente isso que tinha acontecido e eu simplesmente desisti de manter contato com as pessoas, poupando os outros de fazerem o esforço de tentar falar comigo.
Acho que todo mundo achou melhor assim.
- Eu provavelmente ganharia dele, se tivesse dormindo. – comentou, me fazendo respirar aliviada por não ter deixado a conversa estranha. Eu me sentia bastante grata por ele não me olhar com pena e por fugir do clichê de dizer que o que tinha acontecido com Matt era uma tragédia.
Eu não chegaria ao ponto de dizer que era meu amigo, mas os quase dois anos no mesmo grupo de teatro impediam que ele fosse um garoto qualquer, que frequentava a mesma escola que eu. Apesar que, sendo bem sincera, eu não conseguia lembrar da última vez que tinha falado com ele. Provavelmente tinha sido no musical de primavera, em abril do ano passado. Quase um ano e meio atrás.
- Se ele tivesse dormindo, né? – disse, tentando não deixar o clima pesado e focando minha atenção em , que me empurrou de leve com o ombro em resposta – Eu sonhei com ele hoje, por isso vim parar aqui. Fiquei com medo de dormir outra vez. – admiti, só me dando conta do que tava fazendo depois de ter feito. De novo.
Eu provavelmente tinha deixado o filtro que separava o que devia ou não ser dito em Baltimore.
- Foi um sonho bom, pelo menos? – perguntou e eu balancei a cabeça negativamente – Nesse caso, eu vou fazer o sacrifício de te fazer companhia até de manhã. – ele disse, se levantando – Mas eu sugiro que a gente se mexa, senão eu vou ficar com sono.
- Não precisa, . De verdade. – eu disse, mas aceitei a mão que ele me estendeu mesmo assim.
Se ele não se sentia na obrigação de incluir Matt na conversa, eu prefira a companhia dele a ficar sozinha na praia.
- Sabe, você fez falta nas últimas peças. – comentou, começando a andar na direção oposta da festa, que continuava rolando.
Era claramente uma tentativa de mudar de assunto e eu me senti ainda mais grata. Eu não via necessidade nem beneficio nenhum em relembrar e narrar meu pesadelo com Matt.
- Erin provavelmente discorda. – falei, fazendo rir.
- Ela realmente ficou feliz quando soube que você tinha saído do teatro. – clássica Erin, querendo me ver pelas costas até quando eu não podia representar nenhuma ameaça.
- Ela jura que conseguir o papel principal automaticamente significa uma vaga em Juilliard. Coitada. – disse, me sentido mais confortável com o tópico.
- Pena que ela não tem talento nem pra ser dublê. – completou e eu não consegui evitar o riso.
- Eu não fiquei sabendo do que aconteceu nas últimas apresentações. Ela conseguiu alguma coisa? – perguntei, porque eu realmente tinha ignorado tudo que acontecia ao meu redor desde o ano passado.
Porque tudo parecia sem importância. Grupo de teatro, grupo de debate, minha campanha pra representante da minha turma e, futuramente, presidente do corpo estudantil e oradora. Eu não tava nem aí.
- Não. Olivia e Jenny ficaram com o papel principal nas últimas apresentações. – Olivia, até onde eu sabia, era a melhor amiga de , que escrevia as músicas pras peças e era perdidamente apaixonada por ele – Se você contar pra Olivia, eu vou jurar que é mentira, mas eu acho que você teria se saído melhor. – ele disse, sorrindo e piscando com um dos olhos pra mim. Eu devolvi o sorriso, levemente envergonhada.
- E em quantas peças você já atuou, ? – perguntei, tentando evitar que o momento ficasse ainda mais constrangedor pro meu lado.
- Nenhuma. – respondeu, dando de ombros.
- Então não critique o desempenho dos outros. – reclamei e ele riu – A propósito, qual o teu objetivo em participar de um grupo de teatro sem fazer nenhuma peça? – quis saber, porque era uma curiosidade minha desde que veio estudar no mesmo colégio que eu e entrou pro grupo de teatro, no primeiro ano do ensino médio, apesar de eu nunca ter perguntado.
Eu sabia que ele tinha escrito as duas últimas peças originais pras apresentações na primavera, mas eu não sabia se isso era o motivo pra ele ter entrado no grupo ou só uma oportunidade que surgiu.
- Eu vou te contar uma coisa que eu não costumo comentar com as pessoas, então, não espalhe. – ele começou, apontando pra mim e depois fingindo fechar um zíper nos próprios lábios, eu ri baixo e concordei com a cabeça – Eu pretendo ser escritor um dia. – disse, colocando as mãos nos bolsos da bermuda – Eu não sei o que eu quero escrever ainda, mas eu sei que eu preciso praticar tanto quanto for possível. Na escola em que eu estudava antes, eu fazia parte do jornal, mas, quando a gente foi morar em Baltimore, eu descobri que vocês tinham um grupo de teatro, então eu achei que seria uma boa ideia focar em outro tipo de escrita. Acho que tá dando certo, até agora. – ele terminou dando de ombros e me oferecendo um sorriso quase tímido. Mas só quase, porque não tinha absolutamente nada de tímido.
- Acho que sim. Eu não tive a oportunidade de ver a última peça, mas se tiver sido tão boa quanto a primeira, deve ter sido ótima. – comentei e voltei a falar logo em seguida, pra não dar tempo de processar o que eu tinha dito, por pura vergonha – Já tem ideia pra próxima?
- Pior que não. – respondeu, fazendo uma careta – Tô torcendo pra encontrar alguma coisa que me inspire nessas férias.

“What was it about that night? Connection, in an isolating age.”
– What you own (Rent)

Pra minha surpresa, realmente tinha ficado comigo até o sol nascer, apesar de bocejar a cada cinco minutos. Tinha sido completamente inesperado, mas encontrar com ele tinha me feito perceber que eu sentia falta de interagir e de não me fechar pro mundo, mesmo que parte de mim se sentisse culpada e tentasse reprimir essa vontade de participar das coisas que aconteciam ao meu redor.
Racionalmente falando, eu tinha consciência de que não fazia sentido que eu me abstivesse de tudo por causa de Matt, mas eu não conseguia evitar a sensação de que retomar minha vida era uma afronta à memória dele. Eu não podia simplesmente ignorar o fato de que qualquer coisa que eu fizesse era mais uma experiência que Matt não teria.
Por causa disso, eu tinha me acostumado a deixar os dias passarem se arrastando, me obrigando a lidar somente com o que era considerado necessário. Eu me sentia quase que dormente na maior parte do tempo, não fazendo o mínimo esforço pra me envolver com absolutamente nada, porque eu tinha a sensação constante de ser só observadora do mundo ao meu redor, ao invés de uma parte dele. Era como se eu funcionasse no piloto automático durante as 24 horas do dia. Dormia, comia e estudava porque era o curso natural das coisas, mas, fora isso, eu não me atrevia a fazer muito. Nada me preenchia, nada me impactava e as pessoas ao redor não pareciam muito interessadas em me tirar desse estado de quase estupor. Com exceção de Addie, que tinha boas intenções, mas era péssima na hora de executar. Eu admirava os esforços dela em tentar me acordar pra vida, mas as festas, peças de teatro e shows que ela geralmente sugeria não eram o suficiente pra me convencer.
Mesmo com isso tudo, durante o tempo em que eu fiquei com na praia, eu tinha sido capaz de interagir sem me sentir encurralada pelo lembrete constante do que tinha acontecido com Matt. E, apesar ter pedido o costume de ficar jogando conversa fora sem motivo nenhum, eu podia dizer que tinha me saído bem com . Me surpreendia que o assunto tivesse fluído tão facilmente e me surpreendia mais ainda que a companhia de fosse tão agradável.
Eu sabia que ele era um cara legal, mas a maioria das minhas memórias com ele envolvia falas decoradas, um palco e muita gente, porque, já que ele não atuava, ele assumia o lugar de assistente de direção. Só que, dessa vez, a gente não tava discutindo a postura de um personagem nem debatendo o rumo da história, e o jeito como conduzia a conversa sempre que eu ameaçava devagar demais me fez questionar porque eu nunca tinha tentado me aproximar dele de verdade.
Ele sempre tinha sido acessível, mas, por alguma razão, eu nunca tinha me dado ao trabalho de chegar junto. Talvez tivesse a ver com o fato de que a gente pertencia a “grupinhos” diferentes, até porque os amigos dele do basquete viviam procurando briga com os o caras do time de futebol, que ficaram meus amigos por causa de Matt. E vice-versa.
Eu não costumava ligar muito pra isso, mas a tendência, pelo menos lá no colégio, sempre era que cada um se limitasse ao seu próprio espaço e, por causa disso, expansão de círculo de amizades era uma coisa meio rara.

- Toninha! – Amy, minha prima de oito anos, praticamente gritou, quando eu descia as escadas. Eu estranhei um pouco o entusiasmo exagerado, mas, antes mesmo que eu pudesse responder, Kat, que era três anos mais velha do que Amy, apareceu, se colocando na frente da irmã, e elas engataram numa discussão que eu não consegui entender por causa do barulho de uma batedeira na cozinha. Eu continuei andando na direção do som, procurando comida, e dei de cara com Noah ajustando a antena da tv, pra ver se a imagem melhorava. Não melhorou.
- Leslie, você realmente precisa fazer um bolo na hora do jogo? – ele perguntou pra esposa, desistindo da tv – Ah, bom dia, bela adormecida! – cumprimentou, quando me viu – Dormiu bem? – eu concordei com a cabeça, achando que dizer que eu sonhei com meu irmão e saí de madrugada não seria uma ideia muito boa. Leslie me cumprimentou também e eu me sentei, focando minha atenção no jogo de basquete que passava. A imagem realmente tava péssima, mas, assim que Leslie desligou a batedeira, voltou ao normal. Yay, interferência.
- Mãe, Kat não quer deixar eu contar a Toninha que o namorado dela veio aqui! – Amy apareceu, reclamando e cruzando os braços. Eu arregalei os olhos. Que namorado?
- Amy! – Kat gritou, com raiva.
- Quem veio aqui? – perguntei, pra qualquer uma das quatro pessoas na cozinha.
- ! – Kat respondeu, rapidamente, rindo da irmã em seguida. Amy bufou e saiu, pisando com muito mais força do que o recomendado – Ele disse que a gente não precisava te acordar, mas avisou que vem te buscar aqui mais tarde. – Kat continuou, animada – Faz quanto tempo que vocês namoram? Como vocês se conheceram? Ele beija bem? – ela disparou e eu quase não entendi o que ela tinha dito. Noah, por outro lado, entendeu bem demais.
- Katherine! – ele repreendeu a filha, que deu de ombros. Eu me sentia perdida nessa história.
- Kat, foi você que falou com ? – perguntei, tentando entender o que tinha acontecido.
- Foi! Ele veio aqui mais cedo. Eram umas dez horas, eu acho. Fui eu que abri a porta. – ela começou, parecendo orgulhosa de ter falado com – Ele perguntou se você tava em casa. Eu disse que você tava dormindo, mas eu podia te acordar, se ele quisesse, só que ele disse que não precisava. – ela continuou e, meu Deus, como ela falava rápido – Aí ele pediu pra te dizer que ele ia passar aqui mais tarde pra vocês irem ver um filme. Tipo, sete horas.
- Só isso?
- Só isso.
- E ele disse que era meu namorado?
- Não. – respondeu, depois de pensar um pouco. Eu ponderei se devia acabar com a ilusão dela, mas terminei não me dando ao trabalho.
- Obrigada pelo recado. – disse, esperando que ela não quisesse alongar o assunto.
- Mas como vocês se conheceram? – ela insistiu, sentando na cadeira de frente pra minha.
- A gente estuda no mesmo colégio. – eu respondi e ela balançou a cabeça, como se soubesse exatamente do que eu tava falando. Katherine, onze anos, especialista em romances de ensino médio.
- Ele é tão bonito, né? – ela comentou, apoiando o queixo em uma das mãos, com uma expressão completamente sonhadora. Eu tive que rir. E concordar – Quantos anos ele tem?
- Dezessete.
- Há quanto tempo vocês tão juntos? Você gosta dos amigos dele? Eles são bonitos também? – ela disparou outra vez e eu suspirei, pesando em como responder.
Eu devia ter contado que a gente não namorava.
- Os amigos dele são legais e alguns são muito bonitos também. – disse, propositalmente ignorando a primeira pergunta.
- Ah! – Kat suspirou – Conta mais, conta mais, tipo, ele tem um carro? – quis saber, batendo palmas de animação.
- Kat, tá bom de perguntas por agora. nem tomou café da manhã ainda. – Noah interviu, antes que eu pudesse pensar numa resposta.
Eu olhei pra ele, agradecida, e ele sorriu de volta, piscando pra mim com um dos olhos.

apareceu um pouco antes das sete horas, mas eu já tava esperando por ele. Amy e Kat tinham ficado a tarde inteira atrás de mim, querendo saber o que eu ia vestir, se ele ia me levar pra jantar, qual filme a gente ia ver, e eu não tinha resposta pra nenhuma dessas perguntas.
Por volta das quatro da tarde, eu cedi à pressão delas e a gente começou a escolher uma roupa bonita e descolada pra mim, palavras de Katherine, mas, levando em consideração que a gente tava no litoral, eu basicamente só tinha shorts, camisetas e uns vestidos leves.
Elas praticamente me obrigaram a usar um dos vestidos e eu tentei ao máximo não ficar incomodada pela ansiedade delas. não era meu namorado, a gente provavelmente assistiria Inception, já que ele tinha me prometido na noite anterior que ia me obrigar a ver, e eu nem sabia se devia mesmo ir.
Eu já tinha concluído que essa não era uma das experiências que Matt faria questão de ter, mas, mesmo assim, uma voz, que eu me esforcei pra ignorar, ficava me repreendendo. Era uma coisa do tipo, “Ei, teu irmão morreu. Tu realmente acha certo sair com um cara numa quarta-feira?” Mas eu sabia que não era a voz de Matt. Era a minha, vindo da parte de mim que constantemente se perguntava como seriam as coisas se eu tivesse morrido no lugar dele.
A morte de Matt tinha sido tão do nada, que eu não conseguia não questionar porque não tinha sido eu. O carro tava com ele naquele sábado, porque eu tinha monopolizado no fim de semana anterior, mas nada impedia que tivesse sido o contrário. Nada impedia que eu tivesse morrido, além do fato de que o destino, aparentemente, quis que as coisas fossem assim e eu não conseguia entender porque o universo achava que eu tinha mais direito de continuar viva do que meu irmão.

- Eu abro! – Kat gritou, correndo as escadas e indo em direção à porta, e eu levantei do sofá, seguindo o mesmo caminho que minha prima.
- . – Noah chamou, pigarreando – Eu não preciso fazer um discurso, né? – ele perguntou e eu neguei com a cabeça – Ótimo. Eu devo apagar antes das dez, mas tente não chegar muito tarde. – ele pediu – Divirta-se. – eu agradeci e continuei até a porta, onde e Kat conversavam.
- Ela dorme demais. Eu fiquei horas esperando ela acordar. – ouvi Kat reclamando e deduzi que era de mim que ela falava. , do lado de fora, parecia achar a situação extremamente divertida.
- Kat! – Noah chamou – Deixa o garoto em paz. – Kat bufou e rolou os olhos dramaticamente.
- Tenho que ir. – ela disse a , praticamente me ignorando – Até mais, .
- Tchau, Kat. – ele respondeu, acenando, e eu saí da casa, fechando a porta atrás de mim – Essa tua prima é uma figura. – falou, rindo.
- Ela tá perdidamente apaixonada por você. – comentei, fazendo rir ainda mais alto – E olha que ela acha que você é meu namorado. Se ela soubesse que não é, acho que já tinha te pedido em casamento.
- Melhor que ela não saiba, então. – ele disse, arqueando a sobrancelha, sugestivo – Dormiu bem? – eu concordei com a cabeça – Sem sonhos?
- Sem sonhos.
- Minha companhia é milagrosa, pode admitir. – soltou, convencido, e eu ri fraco.
- Obrigada mais uma vez. Tô te devendo uma. – agradeci e fez um gesto como se dissesse “não foi nada” – Pra onde a gente tá indo? – perguntei, rapidamente, pra evitar cair num silêncio constrangedor, não conseguindo evitar o impulso de levar a mão esquerda à boca e roer a unha do meu dedão.
Eu tinha medo que a minha, digamos, desenvoltura social tivesse dado as caras só por uma noite, então, quanto mais falasse, melhor.
- Lá pra casa. Eu prometi que ia te fazer ver Inception, não prometi? – uau, que surpresa – Não precisa fazer cara de sofrimento, o filme é bom. – disse, rindo outra vez, quando eu não fiz esforço nenhum pra esconder minha insatisfação. Eu tinha pesquisado o filme na Wikipédia e não tava empolgada pra ver – Se você não gostar, eu te deixo escolher o próximo.
- Se eu não gostar, vou te fazer assistir as duas temporadas de Smash. Seguidas. – devolvi, resolvendo que falar sobre um seriado pelo qual eu era quase obcecada diminuía as chances de eu parecer muda, e explicando do que o seriado se tratava: basicamente, Broadway.
Todo o processo de escrever um musical, escolher as pessoas que vão participar, encontrar gente pra investir, ensaiar durante uma vida toda e, só depois de muito tempo, tentar levar pra Broadway.
Matt odiava do fundo do coração. Então eu sempre usava como ameaça.
Tudo bem que ele não tinha interesse nenhum em qualquer coisa artística, diferente de , que, no mínimo, gostava de escrever, mas, mesmo assim, eu não imaginava que ele fosse gostar do eterno drama da história. E a prova disso foi que durante todo o tempo em que eu falei sobre o seriado, se empenhou em balançar a cabeça em negação exageradamente.
- Eu não vou assistir isso. – ele garantiu, quando eu terminei – O drama das peças do colégio já são mais do que suficiente, muito obrigado. – disse, me fazendo rir – Eu não preciso de uma Erin fictícia, quando sou forçado a conviver com uma quase que diariamente.
- Me surpreende que Olivia nunca tenha te mostrado. Ela deve conhecer. – joguei, porque eu tinha quase certeza de ter visto que ela era fã do seriado em alguma rede social. Mas eu não ia confessar essa parte.
- Olivia é minha amiga. Ela quer meu bem estar. – do meu ponto de vista, ela queria muito mais, mas eu guardei esse comentário pra mim também – Ao contrário de você, aparentemente. – ele reclamou e eu ri outra vez.
A voz na minha cabeça, que fazia questão de me lembrar que Matt tinha morrido, reclamou que eu tava rindo mais do que devia. Eu me esforcei pra ignorar.
- Fique sabendo que as músicas são muito boas. – falei, na defensiva.
- Vindo de outra pessoa, eu até daria um voto de confiança, mas tô começando a achar que teu gosto é meio duvidoso. – ele acusou, arqueando uma sobrancelha que demonstrava a desconfiança que ele queria que eu enxergasse.
- Nesse caso, acho que isso justifica eu gostar da tua companhia. – provoquei, sem pensar muito, e a voz na minha cabeça ficou levemente histérica, me acusando.
- Tudo bem, então. Talvez você tenha bom gosto pra algumas coisas. – ele disse, enfatizando a palavra algumas.
Eu dei de ombros e a gente continuou o caminho até a casa de praia dos pais dele.
Eu tinha a impressão de que eu ia passar a noite travando uma batalha interna, mas eu sabia que dar pra trás agora não ia adiantar de nada. A culpa de estar viva ia me acompanhar mesmo que eu só cogitasse a possibilidade de viver.

“Make up your mind to be truly alive.”
– Make up your mind/Catch me, I’m falling (Next to normal)

No sábado daquela semana, resolveu me arrastar pra um luau.
Eu tinha falado com ele todos os dias desde a terça-feira da praia e, aos poucos, eu sentia como se estivesse me aproximando mais de quem eu sempre tinha sido e me afastando de quem eu tinha me tornado sem Matt. Eu percebia, agora, que menos tempo pra pensar significava menos tempo pra me repreender por dar espaço a , então, eu aceitava de muito bom grado as distrações que ele me oferecia. Só que, mesmo assim, existia uma grande diferença entre me deixar conviver com e sair com um monte de gente desconhecida.
O questionamento a respeito da morte de Matt tava lentamente perdendo intensidade, à medida que eu ia me esforçando pra me convencer de que eu não devia me sentir culpada por não ter morrido junto com ele, mas isso não queria dizer que eu já tava pronta sair por aí, aproveitando a vida.
Esse era o motivo principal pra eu recusar o convite de , sendo acompanhado pelo fato de que eu não conseguia lembrar a última vez em que eu realmente interagi com um grupo de pessoas. Eu tava quase acostumada com Noah, Leslie e as meninas, principalmente considerando que Kat não parava de falar nunca, mas nada garantia que eu ia saber o que fazer no meio dos amigos de .
Aparentemente, ele conhecia boa parte dessas pessoas desde criança, já que eles vinham passar o verão em Montara quase todo ano, e eles tinham instituído o luau como a abertura oficial das férias. tinha falado muito bem de todo mundo, mas eu continuava relutante e tentando achar desculpas pra não ir.
Nenhuma delas funcionou.

- Não sei se você parecia mais insatisfeita quando eu te chamei pra ver Inception ou agora. – comentou, quando eu encontrei com ele na porta de casa – Na verdade, eu sei, sim. Você parece muito mais infeliz agora. – ele corrigiu, rindo.
- Me comove saber que você acha o meu sofrimento divertido. – reclamei, rolando os olhos, e me abraçou rapidamente, começando a andar logo em seguida. Eu acompanhei.
- Confia em mim, vai ser legal. – ele pediu e eu rolei os olhos. Eu tinha cedido simplesmente pela insistência de .
E por ele ter jogado na minha cara que tinha ficado conversando comigo durante uma madrugada inteira, então eu devia essa a ele, mas eu não tinha nenhuma pretensão de me divertir.
- Ei. – ele chamou, segurando meu braço pra me fazer parar – Eu sei que eu praticamente tive que te chantagear, mas eu realmente acho que isso é uma boa ideia, . Eles não sabem nada sobre você e não sabem nada sobre Matt. Você não precisa se preocupar com gente te olhando com pena e dizendo que sente muito o tempo todo. – disse e eu balancei a cabeça, de acordo. Eu não tinha mais unha pra roer no dedão esquerdo, mas tentei mesmo assim.
Tinha muita coisa que eu não tinha contado a ele, mas, quando ele perguntou por que eu tinha abandonado todas as minhas atividades extracurriculares e me afastado de todo mundo, minha resposta tinha sido porque eu não aguentava ser a irmã do cara que morreu. Por isso, ele queria que eu enxergasse esse luau como uma chance de reivindicar meu direito de conviver normalmente com pessoas da minha idade sem o peso da morte de Matt interferindo.
Eu não tinha certeza se daria certo, mas pediu que eu tentasse.
Não por ele. Nem por Matt. Por mim.

A parte da praia onde ia ser luau ficava a uns quinze minutos da casa dos meus tios e, quando a gente chegou lá, eu pude contar umas doze pessoas espalhadas na areia, uns quatro violões e muitos pacotes de marshmallow. Uma garota, provavelmente da minha idade, veio saltitando na direção da gente ao ver e quase que se pendurou no pescoço dele quando tava perto o suficiente.
Dizer que eu já tava desconfortável seria um super eufemismo. Minhas outras nove unhas iam acabar antes que essa noite.
fez as apresentações e a garota, Chloe, sorriu, simpática. Eu tentei devolver o sorriso e ela colocou um daqueles colares havaianos em mim e depois em . A gente tava muito longe do Havaí, mas, aparentemente, fazia parte da tradição.
Eu não consegui registrar o nome de todo mundo, mas eu descobri que Carson, um cara simpático, mas que perdia toda a moral com esse nome, era do Texas, Logan morava em Atlanta, Trixie era perdidamente apaixonada por e Aiden era um estudante de ciências políticas na Universidade Columbia, em Nova York. Na hora que ele me disse isso, eu resolvi não procurar saber o nome de mais ninguém. Não porque ele era mais velho, bonito e ia pra uma faculdade que fazia parte da Ivy League, mas porque eu queria estudar ciências políticas na Columbia.
É bem verdade que eu tinha deixado minhas notas despencarem logo depois do acidente de Matt, mas, considerando que eu tinha abolido a minha vida social depois disso, eu tava me dedicando a reparar o estrago. Meu histórico escolar provavelmente impedia que minhas chances fossem brutalmente destruídas e Aiden, enviado pelos céus, ia me dizer tudo o que eu precisava pra conseguir uma vaga.

Eu perdi a noção do tempo me deixando absorver todas as coisas que Aiden ia me contando, apesar de estar no primeiro ano da faculdade, e, pela primeira vez em muito tempo, eu me senti animada. A ideia de recomeçar minha vida num lugar diferente, onde ninguém me conhecia, era completamente bem vinda, talvez até necessária, e eu me peguei ansiosa por um futuro que eu quase já tinha esquecido. Um futuro em que eu não precisava me preocupar em ser a irmã do cara que morreu.
Eu pude perceber durante a conversa com Aiden que, vez ou outra, desviava a atenção dele pra onde a gente tava e eu fiquei me perguntando se ele podia estar chateado por eu quase não ter falado com ele desde que a gente chegou, mas ele não parecia incomodado, então eu deixei pra lá.
Chloe, depois de ter queimado metade dos marshmallows, foi banida da fogueira e decidiu que era um bom momento pra pegar um violão e começar a tocar. Seguindo a iniciativa dela, um cara estranho chamado Benji, um tal de Ryan e, pra minha surpresa, acompanharam. Eu percebi que não cantava mal e que, se ele quisesse, podia participar dos musicais de fim de ano, apesar de ele já ter me garantido que as chances disso acontecer eram inexistentes, porque, ao que parecia, ele era não tinha uma boa memória e ficava nervoso no palco, o que só resultaria em desastre.
Eu assisti os quatro tocando por um bom tempo, aproveitando que ninguém tava bêbado o suficiente pra fazer besteira e me deixando cantar as letras que eu conhecia. Uma das músicas me fez lembrar de Matt, porque era a única que ele sabia tocar. Ele não tinha paciência pra essas coisas, mas colocou na cabeça que era o único jeito de pedir desculpas à namorada por uma merda que ele tinha feito. Funcionou, mas não graças ao bom desempenho dele, porque ele tocava muito, muito mal. Meu violão sempre ficava desafinado depois que ele ia “ensaiar”, mas ele sempre jogava na minha cara que eu não podia reclamar, porque o violão tinha sido presente dele.
No aniversário de dezesseis anos da gente, a gente sabia que ia ganhar um carro. Mas seria um só pra nós dois, então a gente resolveu que ele me daria uma coisa só minha e eu daria alguma coisa só dele. Ele me deu o violão e eu consegui que um jogador de futebol local que ele gostava autografasse uma bola pra ele. Tinha sido um bom aniversário pra gente. E o último que eu tinha comemorado, porque, pra ser sincera mesmo, eu não sabia se ia conseguir comemorar esse dia outra.
Eu ficava feliz que a última lembrança do aniversário da gente era boa, pelo menos, porque no ano anterior, Matt me trancou no armário por horas, porque não queria dividir a festa comigo. E não foi a primeira vez. A gente se amava, claro, mas era aquele amor estranho de irmão, que quer se matar agora, mas tá rindo junto cinco minutos depois.
Ele já tinha propositalmente ido embora com o carro e me esquecido no colégio, já tinha escondido meu violão pra eu não tocar (ele vivia reclamando que tinha sido o pior presente que ele poderia ter me dado) e já tinha apagado todas as músicas do meu iPod.
Ele adorava aprontar essas coisas e eu lembrava muito bem do dia que ele olhou pra minha cara e disse “Te inscrevi no grupo de teatro. Vai cantar lá agora.” Mas eu sabia que, apesar de fazer comentários maldosos pra me irritar, Matt sempre ia ver minhas apresentações, assim como eu sempre ia ver os jogos dele.
Eu tava completamente perdida nesses pensamentos, imaginando que Matt ficaria puto de raiva se soubesse que eu tinha saído do teatro, quando perguntou se eu queria cantar. Meu primeiro impulso foi dizer não, mas, logo depois, eu percebi que eu queria cantar, sim. Eu queria cantar pra Matt. E eu sabia exatamente a música, porque eu tinha evitado ouvir por quase um ano.

Listen, I hope that you can hear me, as I kneel down and pray with the love I meant to say.
(Escute, eu espero que você possa me ouvir, enquanto eu me ajoelho e oro, com o amor que eu quis dizer)

Era The love I meant to say, de Hitlist, um musical fictício de Smash. Eu sentei do lado de , pegando o violão dele e deixando que a música dissesse as coisas que eu nunca teria a chance de falar pra Matthew. Eu não sabia onde ele tava, mas eu torcia pra que ele tivesse me ouvindo.

Sorry. That’s the word I wanna sing to you. The other word is stay, to hear the love I meant to say.
(Desculpa. Essa é a palavra que eu quero cantar pra você. A outra palavra é fique, pra escutar o amor que eu quis dizer)

Eu sabia que Matt já tinha ido há muito tempo, mas isso não mudava o fato de que, todos os dias, eu acordava na esperança de descobrir que o último ano não tinha acontecido. Torcendo pra ter a chance de contar a Matt que eu sonhei que ele tinha morrido e que tinha sido horrível, só pra ouvir ele dizer que é claro que tinha sido péssimo, eu não sabia viver sem ele.
Só que, agora, eu me via obrigada a tentar.
Mais do que isso, eu precisava tentar.
Eu precisava aprender a viver de novo. Aprender a viver sem Matt.
Se não fosse por mim, que fosse por ele.
Matt não ia querer que eu saísse do teatro, nem do grupo de debate, nem desistisse de ser presidente do corpo estudantil.
Esse tempo todo, eu tinha entendido tudo errado.
O problema não tava em continuar vivendo sem Matt, o problema tava em desperdiçar a minha vida quando a dele tinha sido interrompida tão bruscamente.
Eu não fazia ideia de porque tinha demorado tanto pra cair a ficha de que Matt não ia querer que eu abrisse mão de viver. Eu tinha me deixado afundar no luto de um jeito tão absurdo, que eu deixei de lembrar de Matt pelo que ele era. Eu parecia ter ignorado que era ele quem tinha me incentivado a fazer tantas coisas que eu não teria feito por mim mesmo. Eu tinha ignorado que era ele que mais me pressionava pra sair da minha zona de conforto. Tinha ignorado que era ele que mais me encoraja a viver. E a morte não podia simplesmente desconstruir isso.
O vazio de ter perdido meu irmão ia continuar comigo pra sempre, mas eu não precisava deixar que ele me consumisse. Matt não ficaria nem um pouco feliz em saber que eu tinha me retraído ao ponto de me perder de vista. Ele me recriminaria por dar mais importância à ausência dede do que à minha própria presença e por achar que a minha vida tinha que parar onde a dele tinha parado.
Se Matt pudesse voltar por 24h, ele provavelmente passaria umas doze brigando comigo não só por ter parado de viver, mas por ter me acomodado com o marasmo. E ele teria razão. Eu tinha jogado quase um ano fora por nada.
Quase 365 dias em que eu podia ter feito alguma coisa em memória de Matt, ao invés de sentar e assistir a vida passando.
Mas isso acabava agora.

Quando eu parei de tocar, eu senti passando um dos braços pelos meus ombros, me puxando pra perto dele. Eu sorri, agradecida, e ele deu um beijo no topo da minha cabeça. Percebendo os olhares curiosos, eu me arrependi um pouco. Não de ter cantado essa música, mas por ter deixado a emoção transparecer. Eu não tinha chorado, mas tava bem claro que tinha um sentimento real no que eu tava cantando. Se bem que a impressão que me dava era de que, fora do contexto, podia ser uma música sofrida sobre o fim de um relacionamento. Não era meu estilo, mas não me incomodava que me achassem dramática por ter levado um fora, se isso significasse não ter que lidar com a pena dos outros pelo que tinha acontecido com Matt.
Chloe quebrou o silêncio rapidamente, elogiando minha voz, e Dougoe achou que seria uma boa ideia dizer que eu costumava participar dos musicais do colégio, o que foi o suficiente pra Chloe me incentivar a continuar cantando. Eu recorri a Wonderwall, porque todo mundo conhecia e seria uma ótima distração. Chloe criticou minha originalidade, mas me acompanhou mesmo assim. No refrão da música, todo mundo já tava gritando tanto quanto podia e Benji emendou com I don’t wanna miss a thing e mais um monte de músicas conhecidas depois.
Eu não vi que horas isso aconteceu, mas, de repente, Ryan tinha parado de tocar e passado o violão dele pra . Ele me olhou arqueando as sobrancelhas, sugestivo e eu reconheci a introdução de You’re the one that I want, de Grease, o último musical que eu tinha participado no colégio, no final do ano retrasado. Eu neguei repetidamente com a cabeça, num sinal claro de que não tinha intenção nenhuma de cantar a música.
me ignorou e continuou tocando. Eu rolei os olhos e avisei que só cantaria se ele cantasse junto comigo. Pra minha surpresa, ele deu de ombros e resolveu incorporar Danny Zuko, exagerando ridiculamente nas expressões, me fazendo rir. Eu cantei as partes que devia, sem fazer muito esforço pra lembrar a letra, e me senti agradecida pela insistência de . Ter vindo com ele tinha, sim, sido uma boa ideia.

“Though my doubts are far from gone, I will leap into the future.”
– Something that will last (First date)

Como confirmação de que a minha epifania tava me levando pro caminho certo, eu sonhei com Matt de novo na noite do luau. Só que, dessa vez, eu acordei antes que ele morresse.
Eu não lembrava de muita coisa, mas eu podia jurar que Matt tinha falado comigo. As palavras dele tinham sido algo parecido com “Deixa de ser otária e aproveita a vida, .”
Delicado, como sempre.
Eu entendi como um sinal. E, se não fosse de Matt nem do universo, era do meu subconsciente, me dizendo que tava na hora de recuperar o tempo que eu tinha perdido.
Por causa disso, eu resolvi não recusar mais os convites de . Não era como se agora eu saísse todas as noites, enchendo a cara e chegando bêbada na manhã seguinte, mas, sempre que me chamava pra ver algum filme ou jogar bola na praia, eu me esforçava pra ir, apesar de preferir assistir aos jogos, porque eu não era exatamente habilidosa quando o assunto era esporte.
O que explicava o desastre que tinha sido minha tentativa de surfar. Eu tinha sido chantageada por Chloe, que, eu descobri, era a pessoa mais disposta da face da terra, acordando às cinco da manhã pra assistir o sol nascer e aproveitar as primeiras ondas do dia.
O poder de persuasão dela era parecido com o de : encher o saco até você ceder. Mas a minha total falta de coordenação motora me salvou de uma segunda tentativa numa prancha. Usando as palavras de , não era a minha praia. E, nem a dele, aliás. Ele era menos pior do que eu (qualquer um era, na verdade), mas ele também não tinha nascido pro surfe.
Benji, por outro lado, já tinha vencido três campeonatos na vida, o que só deixava a falta de talento por parte de , e minha também, ainda mais vergonhosa. Era uma causa perdida.
Nesse meio tempo, eu comecei a me acostumar com a presença de outras pessoas e comecei a gostar da companhia também. Benji tinha vários parafusos a menos, mas compensava sendo a pessoa mais alto astral do grupo. Ryan falava pouco, mas topava qualquer coisa. Aiden era do tipo que sabe que é inteligente, mas não se acha melhor do que os outros por causa disso, e não se importava de responder as inúmeras perguntas que eu tinha sobre a universidade dele. Chloe era um amor de pessoa, apesar de nunca parar quieta. E era . Eu me pegava prestando mais atenção nele do que eu consideraria recomendável, mas eu não conseguia evitar. Eu me sentia cada vez mais grata pela presença dele e por ele ter feito o esforço de tentar se aproximar quando tudo que eu queria era continuar sozinha.
Acho que nem sempre o que a gente quer é o melhor pra gente.
tinha razão em dizer que todos eles eram gente boa e todo mundo me aceitou sem frescura, com exceção de Trixie, que, aparentemente, me via como uma ameaça. Cada vez mais eu percebia o interesse não correspondido que ela tinha por e, do ponto de vista dela, o problema agora era eu. Ela me ignorava na maior parte do tempo, mas, quando ela olhava pra mim, eu sabia que, se a gente vivesse num filme de ficção científica e ela tivesse alguma coisa do tipo visão de raio laser, ela me desmaterializaria sem o menor remorso.
Chloe, com quem eu andava conversando bastante, confirmou que Trixie tinha, sim, uma queda enorme por , mas também me garantiu que ele nunca quis se envolver. E eu, como quem não quer nada, aproveitei a proximidade pra saber mais sobre ele. A casa dela ficava na mesma rua que a dos meus tios e a gente começou a se encontrar antes de ir encontrar os outros, o que me garantia, pelo menos, uns dez minutos sem ninguém por perto.
Eu tinha passado um bom tempo pra criar uma justificativa plausível pra querer ver : ele tinha sido a primeira pessoa a se aproximar de mim de verdade desde Matt.
Só que eu não tinha ido muito além disso.
Não importava o quanto eu quebrasse a cabeça, eu não conseguia justificar a vontade que eu tinha de abraçar cada vez que ele sorria, não conseguia justificar a reviravolta no meu estômago sempre que o sorriso dele era pra mim, não conseguia justificar a satisfação que me dava saber que Trixie tinha ciúmes porque achava que existia alguma coisa entre ele e eu.
Eu sabia muito bem o que essas coisas queriam dizer e me recusava a aceitar, mas isso não me impedia de tentar descobrir coisas sobre os relacionamentos passados dele. Chloe, obviamente, percebeu o interesse por trás das minhas perguntas nem tão discretas assim depois de um tempo, já que, segundo ela, eu não sabia falar de outra coisa que não fosse . Eu me repreendi mentalmente por isso, mas Chloe pareceu achar divertido.
Ela não sabia de tudo, primeiro porque não contava e segundo porque eles só se encontravam durante o verão, mas não tinha problema, porque eu sabia o suficiente sobre o que acontecia com ele no colégio. Quer dizer, eu não era do tipo fofoqueira, mas, verdade seja dita, eu stalkeava de vez em quando. Me processem.
Mesmo depois de ter ficado quase isolada por um ano, eu saberia se tivesse começado a namorar, porque essa informação era de extrema importância quando envolvia um cara do time de basquete ou de futebol. Prova disso foi que eu fiquei sabendo sobre a primeira namorada de Matt antes que ele me contasse.
Chloe, que parecia apoiar meu relacionamento hipotético com , me assegurou que ele não tinha nenhum caso de verão fixo e que ela não via com ninguém há dois anos. Juntando isso ao fato de que o último envolvimento relativamente sério dele tinha sido no começo do ano passado (pelo que eu tinha ouvido falar), o caminho estava, digamos, livre pra mim.
Não que eu me importasse, é claro.

Na última sexta-feira de junho, Benji convidou todo mundo pra uma festa que um amigo surfista dele ia dar. Não era exatamente o tipo de reunião que eu mais gostava no mundo, porque eu imaginava que ia ter muita gente desconhecida e bêbada. Mas Benji tinha chamado, então a gente ia. disse que passaria lá me casa pra me buscar e Chloe deu uma desculpa qualquer pra não ir com a gente.
Eu não reclamei.
Quando eu desci as escadas, pouco depois da hora que eu tinha marcado com , ele tava sentado no sofá, junto com Kat, que assistia uma comédia romântica qualquer, mas eu nem me espantei ao encontrar essa cena, porque ela sempre arrastava pra dentro de casa quando ele aparecia.
sorriu pra mim e levantou do sofá, me cumprimentando com um abraço e um beijo no topo da minha cabeça. Outra vez, eu não me surpreendi. Ele parecia gostar de fazer isso. E eu parecia gostar mais ainda que ele fizesse.
- Você tá bonita. – ele disse e eu sorri, agradecendo – Tchau, Kat. – ele se despediu e eu imitei seu gesto, andando em direção à porta – É impressão minha ou você tá me deixando de lado? – perguntou e eu ri – Eu tô começando a me arrepender de ter te apresentado a todo mundo. – reclamou.
- Trixie, com certeza, não sentiria minha falta. – riu rapidamente.
- Verdade. Aiden, por outro lado... – soltou, estreitando os olhos. Eu me fiz de desentendida – Você sabe que ele tá interessado em você, não sabe? – eu dei de ombros. segurou meu braço levemente, me fazendo parar de andar, e colocou a outra mão dele na minha cintura, enquanto me encarava. Ele franziu a testa, me observando atentamente, e eu imitei seu gesto. O jeito como ele me olhou era como se ele quisesse descobrir a resposta pra uma pergunta que ele não tinha feito – Ele vai tentar ficar com você hoje. – disse, baixo. Eu arqueei uma sobrancelha – Ele comentou com Ryan. – explicou e eu levei a mão esquerda até a boca, roendo a unha do dedão, numa reação automática. deu um tapa fraco na minha mão e eu rolei os olhos. Ele sempre implicava comigo por roer as unhas – Eu não vou pedir pra você não ficar com ele, mas... – ele parou, do nada, suspirando. Ele fechou os olhos e balançou a cabeça negativamente, se repreendendo – Deixa pra lá. – terminou, tirando a mão da minha cintura e levando à própria nuca. Se roer as unhas era a mania que sempre me entregava quando eu ficava pensativa ou desconfortável, essa era a de .
E, a menos que eu tivesse entendido tudo errado, ele não queria que eu ficasse com Aiden.

deu um jeito de desconversar durante o resto do caminho e eu aceitei a mudança de assunto de muito bom grado, já que pensar em me pedindo pra não ficar com Aiden me causava sensações que eu preferia ignorar.
A gente terminou chegou na festa relativamente cedo e a única pessoa conhecida por lá era Benji e, por causa disso, a gente ficou basicamente migrando entres os grupos, tentando fugir de conversas desinteressantes só pra se meter em algumas muito piores.
No meu top três de “Pessoas sem noção que conheci nessa festa” estavam, em ordem cronológica:

1) Sketch, uma louca viciada em mangá, que me mostrou todos os desenhos que ela já tinha feio na vida;

2) Pete, que se achava a reencarnação de John Lennon, tentando usar letras de músicas dos Beatles a cada dois minutos.
Ele, aleatoriamente, usava umas frases na conversa, dizendo que viver é fácil com olhos fechados, mal entendendo tudo o que você vê e que a felicidade é uma arma quente e que eu sou ele, assim como você é ele, assim como você sou eu e nós estamos todos juntos.

3) Um cara que eu não tive a infelicidade de descobrir o nome.
Ele gritou um “hey, baby” bêbado pra cima de mim e me segurou pelo braço, me chamando pra passar a noite com ele.
Ele, literalmente, usou as palavras: “Você gostaria de dormir comigo esta noite?” e eu fiquei indecisa entre vomitar e impedir de partir pra cima do cara.

No fim das contas, eu escolhi a segunda opção, porque eu não pretendia sair da festa com sangrando e com um olho roxo, mas ele ficou de cara feia por uns bons quinze minutos, até que eu resolvi puxar ele pra dançar. Ele reclamou e disse que não sabia, mas me acompanhou mesmo assim.
A gente procurou um lugar da festa que tivesse mais vazio e quando uma música mais lenta começou a tocar, me abraçou pela cintura e eu deixei que ele me balançasse de um lado pro outro, não resistindo ao impulso de encostar a cabeça no ombro dele.
Meu coração, indo completamente contra o ritmo em que meu corpo se movia, decidiu bagunçar todas as batidas, ficando ridiculamente descompassado. Eu tinha me feito de desentendida todas as outras (muitas) vezes que isso tinha acontecido ao longo dessas últimas quatro semanas, mas, agora, que eu precisava me convencer a não levantar o rosto e beijar , eu não podia fingir mais. Eu não podia fazer de conta que a única coisa que eu sentia por era gratidão, porque era muito mais que isso.
Eu senti os olhos de me encarando e levantei a cabeça. Ele me olhava do mesmo jeito que tinha feito mais cedo, quando disse que Aiden queria ficar comigo e eu quis dizer que eu não queria ficar com Aiden, queria ficar com ele. Ao invés disso, eu levei minha mão esquerda até a bochecha dele, porque não tinha autocontrole o suficiente nesse grau de proximidade. fechou os olhos rapidamente e um sorriso começou a tomar conta dos lábios dele.
Aquele maldito sorriso, que, obedecendo ao clichê, me deixava com a sensação de borboletas no estômago e, como minha mão tava muito ocupada no rosto de , eu não consegui evitar morder meu próprio lábio. abriu os olhos e tirou minha mão da bochecha dele levando até a boca, dando um beijo na palma e virando pra repetir o gesto do outro lado. Meu coração continuava mais fora do ritmo do que Matt tentando tocar violão e eu agradeci por não poder ter a oportunidade, senão roeria até meus dedos.
colocou minha mão na nuca dele e eu subi a outra até o seu pescoço. Ele me puxou pra ainda mais perto e fez na minha bochecha o mesmo carinho que eu fiz na dele, até que decidiu segurar meu queixo levemente, aproximando o rosto do meu, e eu fechei os olhos quando senti os lábios dele.
se afastou logo em seguida e eu abri os olhos, sem entender. Ele me assistia, incerto, como se pra ter certeza de que eu não ia dar pra trás. Eu rolei os olhos e trouxe os lábios dele de volta pros meus, contrariando todo o cuidado e delicadeza dele. Ele riu, surpreso, e pareceu processar a informação de que eu queria aquilo. E queria muito.
Ele me correspondeu na mesma intensidade e eu não sei quanto tempo a gente ficou lá. Tudo que eu sabia era , tudo que eu sentia era . Era clichê mais uma vez, mas eu não ligava. Transformem minha vida no filme água com açúcar que Kat tava assistindo mais cedo, eu não tô nem aí.

Quando me puxou pela mão pra ir pra varanda, a música era completamente diferente. Ele sentou num banco de ferro que ficava encostado na parede e eu imitei seu gesto, não resistindo ao impulso de beijar de novo.
- Você tem noção de há quanto tempo eu tenho vontade de fazer isso? – ele perguntou e eu neguei com a cabeça – Muito. – eu ri, pela falta de exatidão da resposta dele – Eu tô falando sério. Eu sempre tive... interesse em você. – disse, pigarreando e levando a mão à nuca. Eu fiz o que ele sempre fazia quando eu começava a roer as unhas e segurei a mão dele.
- Defina “sempre”.
- Desde que a gente se conheceu. – ele respondeu, de um jeito que parecia mais outra pergunta. Eu arregalei os olhos – Calma, eu não era perdidamente apaixonado por você. Ainda. – explicou – Eu te admirava. Pelo teu talento pra atuar, pela emoção que você transmite quando canta, pelo teu engajamento em tentar fazer daquele colégio um lugar melhor. – começou – Eu lembro do abaixo-assinado e da revolução que você causou quando mudaram os horários dos intervalos e prejudicaram a escola toda. Se não fosse pela tua iniciativa, a gente ia continuar sem tempo suficiente pra almoçar e levando advertência por atraso todos os dias. – comentou, rindo – Só que eu nunca tinha coragem de me aproximar de você fora do teatro. E, se é pra ser sincero, boa parte do motivo era porque Matt era bastante intimidador. – admitiu e foi minha vez de rir. Matt adorava colocar os caras que apareciam atrás de mim pra correr. E, pelo visto, fazia isso até sem tentar – Eu acho que me acomodei e me conformei com a convivência da gente no teatro, mas, depois do acidente, você sumiu e eu não tinha a menor ideia de como chegar perto. – disse, entrelaçando uma das mãos à minha – E, se você tinha se afastado de todos os teus amigos, não fazia sentido me querer por perto. Mas aí a gente se esbarrou naquele dia da praia. – continuou - Eu não acredito em coincidências, . Não quando você aparece no mesmo lugar que eu quase do outro lado do país. Eu não quero que você pense que tô tentando me aproveitar da tua fragilidade, porque não é isso. Mas, se eu não era apaixonado por você antes, agora eu não tenho mais como não ser. Não depois de tudo que eu descobri desde o começo desse verão. A tua força em retomar tua vida mesmo depois do que aconteceu com Matt. Tua mania de roer as unhas quando fica nervosa. – ele disse, apontando pro meu dedão esquerdo, que eu nem lembrava de ter colocado na boca – E até teu péssimo gosto pra seriados. – terminou, me fazendo rolar os olhos – Eu podia passar horas listando tudo que me fascina em você, mas eu vou deixar que você leia, ao invés de escutar. – sugeriu e eu arqueei uma sobrancelha – Lembra, no primeiro dia, que eu disse que tava torcendo pra encontrar alguma coisa que me inspirasse nesse verão? – eu concordei com a cabeça – Eu encontrei.

“So the world’s unfair, keep it locked out there. In here it’s beautiful.”
– Dead girl walking (Heathers)

Addie estava, definitivamente, puta da vida comigo.
E ela fez questão de deixar isso bem claro, quando ligou pra mim naquela tarde no final de julho. A raiva dela não era por eu ter estendido minha viagem até o começo das aulas, mas porque eu não tinha contado a ela sobre .
Ela reclamou por horas que era muita falta de consideração da minha parte e que era um absurdo ela só ter descoberto porque Olivia estava, nas palavras dela, devastada. Addie sabia bem como ser dramática.
Eu pedi desculpas e expliquei que não tinha contado nada simplesmente por não saber o que dize, porque eu não tinha um nome pro meu envolvimento com . Dizer que a gente tava ficando era muito pouco, mas eu também não podia chamar de namoro. Não oficialmente, pelo menos.
Só que eu sabia que isso era uma desculpa. E bem esfarrapada, por sinal. Porque a verdade, mesmo, era que, assim como eu costumava fazer com as memórias de Matt, eu tava mantendo esse verão numa bolha, por medo de que o mundo lá fora interferisse de maneira negativa. E meu esforço pra isso era tão grande que eu não deixava nem falar do colégio. Eu não sabia o que ia acontecer com a gente quando as aulas voltassem, mas eu não queria pensar nisso agora.

- Não faz sentido ela sair de um musical que vai abrir na Broadway pra se meter num musical de porão só porque tá a fim de um cara, . – reclamou, enquanto a gente via Smash. Depois de muita chantagem e troca de favores, ele não tinha conseguido escapar.
- Eu sei. – concordei. A gente tinha levado quase dois meses pra ver uma temporada, porque sempre dava um jeito de me enrolar, e, até agora, ele continuava achando ruim. Mas eu tinha sido forçada a assistir todos os episódios de Game of Thrones por causa dele, então era mais do que justo que ele sofresse.
- Fora que esse cara nem é isso tudo. – continuou.
- O personagem é horrível mesmo. – concordei de novo.
- O ator também. – ele completou, mas eu sabia muito bem que era só pra me provocar.
- Não se atreva a falar mal de Jeremy Jordan. – eu avisei e riu, levantando as mãos em sinal de rendição. Eu era obcecada pelo cara. Ao ponto de ter pedido uma viagem pra Nova York como presente de aniversário só pra assistir uma apresentação dele em Newsies alguns anos atrás.
- Você sairia de um musical da Broadway pra fazer um musical de porão por minha causa? – perguntou e eu ri. Ele me encarou, arqueando uma sobrancelha e esperando uma resposta. Eu rolei os olhos e concordei com a cabeça. sorriu e me beijou, ignorando o seriado.
Eu tinha assistido Game of Thrones, mas aproveitava Smash pra me agarrar.
E eu não achava nem um pouco ruim.

“When the shit falls, all you want to do is run away.”
– When your mind’s made up (Once)

Na teoria, eu devia ter voltado pra Baltimore no final de julho, mas, pela falta do que fazer em casa (e por , não vou mentir), eu tinha decidido ficar até a segunda semana de agosto.
tinha convencido os pais a deixarem que ele ficasse também, mas eles precisariam ir embora antes. Por causa disso, na primeira segunda-feira do mês, foi deixar os pais no aeroporto e, na volta, ele sofreu um acidente de carro.
Eu achei que era uma brincadeira, de muito mal gosto, de Chloe quando ela me disse, mas, minutos depois, eu descobri que era verdade. Ele tinha acabado de sair de San Francisco, quando um carro avançou o sinal vermelho e bateu nele. Ele ficou inconsciente e o hospital ligou pros pais de Chloe, que eram o contato de emergência dele, porque eles moravam em Montara.
O alívio que eu senti em saber que não tinha acontecido nada além de alguns cortes na cabeça e uma fratura no braço esquerdo era inexplicável, mas isso não amenizava meu desespero.
Eu acabei com todas as unhas que podia e fiquei completamente desnorteada enquanto esperava Noah chegar pra me levar pro hospital em San Francisco, já que o acidente tinha sido muito mais perto de lá, e, depois de ver rapidamente, já que ele ainda tava apagado, eu fiz o mesmo caminho que os pais dele e peguei o primeiro voo de volta pra Baltimore.

“Another hurt might hurt you that much more.”
– You never know (If/Then)

Chloe foi a primeira a me ligar.
Ela me disse que tinha sido imaturo e irracional da minha parte voltar pra casa sem nenhuma explicação e eu concordei. Só que eu sabia que, se eu fosse me despedir, eu ia perder a coragem e eu não podia deixar isso acontecer. Eu precisava ficar longe de .
O acidente, por menor que tenha sido, foi um choque de realidade. E a realidade era que me aproximar mais dele agora só aumentaria o estrago no futuro. Eu já tinha perdido Matt num acidente, eu não podia arriscar perder . Mesmo que isso significasse abrir mão dele.
Chloe insistiu que isso era a mesma coisa que cometer suicídio pra evitar ser assassinado, a única diferença era que eu tava fazendo essa escolha por também. Eu dei razão aos argumentos dela, mas não importava. Eu não ia aguentar ver sendo tirado da minha vida da mesma forma que Matt. Ela também fez questão de repetir inúmeras vezes que eu tava exagerando e que, segundo a minha lógica, eu não podia nutrir sentimentos por ninguém, pra evitar quebrar a cara mais na frente. Eu respondi que tinha feito exatamente isso desde a morte de Matt e que a pessoa que me incentivou a mudar de atitude tava no hospital agora.
A última coisa que ela me falou foi que ficaria muito decepcionado comigo e que ele não merecia que eu desaparecesse sem dar explicação, ainda mais num momento como esse. Eu disse que sabia disso, mas era melhor assim.
Ela me chamou de covarde e desligou.
Noah também tinha tentado me convencer que ir embora não era a coisa certa. E, por mais que eu apreciasse o empenho dele, também não era o suficiente. Durante o caminho até o aeroporto, eu agradeci várias vezes por Leslie e ele terem me recebido tão bem e ele me garantiu que, se eu não fosse embora, eu teria desconto na locação do meu quarto na casa deles pelos próximos quinhentos verões. Eu ri, agradecida, mas disse a ele que realmente queria voltar pra casa. Isso era uma mentira enorme, claro. Só que eu não tinha outra opção.
Pra minha surpresa, até Simon me repreendeu por ter voltado.
E não porque ele queria que eu ficasse em Montara, mas por causa de .
Aparentemente, Noah era um cara muito fofoqueiro. Ele ligava regularmente pra Simon, reportando meu comportamento, e tinha mencionado o suficiente pra que meu padrasto desenvolvesse certa simpatia por ele.
A conversa com ele tinha sido tranquila, como sempre era, e ele se limitou ao esforço de me convencer que isso não era nenhum tipo de aviso do destino. Matt ter morrido do nada num acidente de carro, não significava que iria. Eu sabia disso, mas minha preocupação não era só essa. Ele enfatizou que eu não podia continuar mantendo distância do mundo por causa de Matt e que a minha decisão de voltar tinha sido muito impulsiva, além de independente. Ele reclamou que eu devia ter, pelo menos, consultado minha mãe e ele.
Não que eu achasse que minha mãe teria muito a dizer sobre isso. Tecnicamente, as decisões lá em casa ainda eram tomadas em conjunto, mas, na verdade mesmo, ela não se importava mais com absolutamente nada.
Se eu tinha sofrido com a morte de Matt, minha mãe tinha sido destruída.
Seria uma grande mentira dizer que, antes do acidente, minha mãe era a melhor mãe do mundo, mas eu não podia ignorar o fato de que ela abriu mão de tudo que mais queria por causa da gente.
Ela saiu cedo da casa dos meus avós em Baltimore pra tentar uma carreira como cantora em New York, mas os sonhos dela, até hoje frustrados, só resultaram num estilo de vida desgovernado, que, ao invés de levar à realização pessoal e profissional, terminou numa gravidez indesejada. De gêmeos.
Ela optou por ter Matt e eu e voltou pra casa dos pais, tentando se estabelecer. É claro que isso não era a coisa mais fácil do mundo quando você largou tudo aos dezessete anos e voltou com dois filhos pra criar, mas ela fez todo o esforço que podia pra se dedicar à gente, com a ajuda dos meus avós e, depois de um tempo, de Simon também.
Das escolhas que minha mãe tinha feito na vida, Simon era uma das melhores. Ele era decente e se importava com ela milhões de vezes mais do que meu pai poderia. Principalmente porque ninguém sabia quem esse cara era.
E nem Sherlock Holmes conseguiria encontrar esse cidadão, pelo simples fato de minha mãe ter sido uma completa inconsequente a partir do momento em que saiu de casa. Se você perguntasse onde ela tava morando na época em que ela engravidou, ela não sabia dizer. Ela chutava Queens ou Bronx. Talvez Hoboken, em New Jersey.
Ela não lembrava direito de nada do que tinha acontecido por, pelo menos, uns três meses antes dela ficar grávida. Eu guardei rancor por causa disso por muito tempo, mas um dia eu percebi que não fazia diferença. Esse homem que contribuiu pra que Matt e eu fôssemos concebidos tinha grandes chances de ser tão irresponsável quanto minha mãe. Ou até mais.
Eu duvidava muito que ele tivesse condições de assumir um filho. Imagine dois.
Só que, assim que ela soube da gravidez, decidiu que era hora de colocar os pés no chão e a falta de experiência e suporte em New York fizeram com que ela voltasse pra Baltimore. Ela terminou o colégio, mas não se propôs a ir pra faculdade. Parte porque precisava cuidar da gente e parte porque a única coisa com que ela queria trabalhar era música.
Eu não conseguia lembrar por quantos empregos diferentes minha mãe já tinha passado. Nenhum era bom o suficiente, nenhum fazia com que ela quisesse ficar. Ela terminou ficando só como dona de casa mesmo, já que ela ainda queria ser uma cantora famosa e dizia ficar completamente frustrada em qualquer outra profissão.
Quando a gente entrou no ensino médio, ela resolveu que tinha tempo suficiente pra fazer aulas de canto e tentar investir no sonho dela. Ela cantava bem, mas não tinha a preparação, o dinheiro e nem os contatos necessários pra fazer isso dar certo. Eu sempre tinha considerado meio ilusório da parte dela achar que seria reconhecida pela Billboard um dia, mas eu procurava guardar essa opinião pra mim.
Se bem que, de qualquer jeito, não fazia mais diferença. Desde o acidente de Matt, eu não tinha escutado minha mãe cantar nenhuma vez. Ela basicamente vagava pela casa, no mesmo piloto automático que eu, só saindo quando tinha consultas médicas. O problema era que, até agora, o acompanhamento psicológico dela não tava dando muito resultado.
Eu tinha passado por esse processo também, mas o caso da minha mãe era bem pior. Eu tinha colocado minha vida em segundo plano por causa de Matt, mas isso tinha a ver com meu sentimento de culpa, ao contrário da minha mãe, que tava sofrendo de luto crônico. Eu não me envolvia com nada por escolha própria, eu me impedia de fazer parte do mundo e me limitava ao básico necessário porque achava que era o certo a ser feito, mas minha mãe não fazia essas coisas porque não conseguia.
Tanto é que, apesar de ter abdicado de toda e qualquer interação social, eu tinha continuado a frequentar as aulas e voltado a cumprir meu horário de estudo normalmente em poucos meses, mas minha mãe não tinha condições de voltar a fazer absolutamente nada e eu não tinha condições de ajudar.
Assim como Simon, porque mais que ele quisesse e tentasse.
Ele tinha ficado abalado também, mas eu não acho que ele enxergava outra opção além de sustentar tudo sozinho, considerando o estado da minha mãe e a minha falta de engajamento com qualquer coisa.
Eu percebia claramente o alívio dele em saber que esse verão tinha me ajudado e ele fez questão de pedir, repetidas vezes, que eu não deixasse que o acidente de me fizesse regredir e me fechar pro mundo outra vez.
Eu não ia.
O que eu ia, sim, fazer era ignorar .
Eu tinha passado o voo inteiro pensando no que escrever numa mensagem pra ele, apesar de saber que ele ia descobrir que eu tinha voltado pra Baltimore assim que acordasse, porque Chloe ia contar. Ela fez questão de me dizer isso quando ligou.
Só que uma carta de vinte páginas não seria o suficiente pra eu dizer a tudo que eu queria. Eu queria pedir desculpas por ser covarde, queria agradecer por ele ter se importado o suficiente pra se aproximar, queria dizer que ninguém teria cuidado de me mim e me feito tão bem quanto ele. Mas eu não sabia como colocar isso em palavras. teria que aceitar o meu silêncio.

Ele começou a me ligar por volta das dez da noite e eu não pensei duas vezes antes de desligar o celular.
No dia seguinte, eu vi que ele só tinha tentado me ligar mais uma vez e deixado uma mensagem de voz. Ele basicamente disse que entendia que o acidente tinha me assustado, mas que ele não queria que a gente terminasse desse jeito. Ele pediu pra eu ligar pra ele quando tivesse pronta.
Eu não me surpreendi com isso. , ao contrário de mim, não entrava em desespero com facilidade. Ele sabia lidar com situações de crise muito bem e não tentou dramatizar as coisas, eu só tinha voltado pra casa uma semana mais cedo, no fim das contas.
Meu medo nessa história toda era que, provavelmente, ele achava que tudo ia ficar bem depois que eu superasse o susto.
Eu discordava.

“And then he smiles and nothing else makes sense.”
– A part of that (The last five years)

me ligou de novo na semana seguinte, dizendo que tava voltando pra Baltimore. Ele me pareceu menos compreensivo do que da primeira vez e disse que seria melhor se a gente conversasse sobre o que tinha acontecido, mas não ia me pressionar e não ia aparecer lá em casa sem ser convidado. Se eu quisesse encontrar com ele, era só avisar.
Eu não avisei.
E, pra enfatizar minha covardia, eu evitei sair de casa pelas duas semanas seguintes, com medo de esbarrar com no meio da rua.
Se eu não tava preparada nem pra ouvir a voz dele, eu realmente não queria imaginar como seria um encontro cara a cara.
Ele ainda me ligou outras vezes, pra dizer que tava preocupado por não ter notícias minhas, dizer que sentia minha falta e dizer que tava disposto a aprender uma música de Smash se eu falasse com ele.
Eu daria tudo pra ver isso.
Tudo, menos o braço a torcer.

Eu tava sinceramente decidida a rotular como um amor de verão e continuar minha vida. No fundo, no fundo, eu sabia que era uma péssima ideia, mas isso não me impedia de tentar, ainda que eu não tivesse nenhum plano pra lidar com a logística de ter que conviver com no colégio. Principalmente se eu voltasse pro teatro.
Mas eu tava determinada a fazer isso dar certo. Até o momento em que a gente se encontrou no corredor logo no começo do primeiro dia de aula e ele sorriu.
Ele sorriu e meu coração apertou de saudades, ao mesmo tempo em que eu sentia toda a minha determinação indo embora. Era como se todas as minhas convicções tivessem se desfeito só porque ele sorriu. O que era completamente ridículo.
Eu dei as costas e saí, procurando a tranquilidade da sala onde eu teria a primeira aula. Só que essa tranquilidade não durou nem dez minutos, já que não só apareceu, como sentou bem do meu lado. Eu fiz tanto esforço quando podia pra ignorar, mas eu sentia me encarando o tempo inteiro.
Lá pelo meio da aula, enquanto eu copiava a fórmula do maldito etanol (CH3 CH2OH, caso você, ao contrário de mim, tenha interesse em saber), ele jogou um bilhetinho na minha mesa. Eu me recusei a abrir e joguei o papel de volta na mesa dele, que riu, aproximando a cadeira da minha.
- O que você tá fazendo? – perguntei, baixo, tentando não chamar a atenção do professor.
- O que você acha que eu tô fazendo? – ele devolveu e passou um dos braços por trás da minha cadeira. Eu encarei a mão de brincando com a manga do meu uniforme e percebi que ele não tinha me levado a sério. Ele não tinha entendido que tinha acabado.
Eu tentei fazer se afastar de mim sozinho, mexendo meus ombros, mas a reação dele foi exatamente o oposto, puxando meu corpo pra mais perto do dele.
Eu parei de roer a unha do meu dedão esquerdo, apesar de não ter percebido que tinha começado, e tirei a mão de do meu braço, colocando em cima da mesa dele, que eu tentei empurrar sem fazer muito barulho. Só que eu não fui muito bem sucedida, já que o professor percebeu o ataque de riso dele.
O lado bom disso foi que foi obrigado a ficar quieto. O lado ruim foi uma advertência logo no primeiro dia.
Ótimo jeito de começar o ano.

Na hora do intervalo, eu praticamente me escondi no banheiro. Addie apareceu pra dizer que eu tava sendo ridícula e eu concordava plenamente, mas eu não podia arriscar ser encurralada por num corredor.
Pelas três aulas seguintes, eu respirei aliviada por não estar por perto, mas, na última, ele apareceu de novo. Eu resmunguei baixo quando ele entrou na sala e ele piscou pra mim com um dos olhos, sentando do outro lado da sala dessa vez. Pelo menos isso.
Só que não fez muita diferença, já que, mesmo nas aulas em que ele não tava por perto, eu passei o tempo inteiro pensando nele. E, nessa, que ele tava diretamente no meu campo de visão, as coisas ficaram ainda piores.
Eu tentei me distrair escrevendo letras de música e rabiscando no caderno, mas não deu muito certo. Eu arranquei uma folha com vários desenhos de coqueiro, porque era a única coisa que eu sabia desenhar, e percebi uma movimentação anormal na sala. Eu soube, em seguida, que a professora tinha pedido pra que a gente formasse duplas.
- Não. – eu disse, assim que apareceu. Ele me ignorou e sentou do meu lado.
- Até quando você vai me evitar?
- Até você parar de vir atrás de mim. – eu rebati, defensiva, e ele balançou a cabeça em negação.
- Eu não posso ficar a vida toda esperando que você me procure, . Eu não quero te pressionar, mas fica difícil quando você me ignora o tempo todo.
- Já passou pela sua cabeça que tem um motivo pra eu não ter te procurado?
- Já. O problema é que eu não sei qual é esse motivo.
- Acabou, . Você não entendeu ainda? – perguntei, tentando ser o mais agressiva possível. Talvez ele ficasse com raiva e me deixasse em paz.
- Não. – ele disse, simplesmente – E você vai precisar ser muito mais convincente do que isso pra me fazer acreditar. – acrescentou.
Eu virei o rosto, por medo do que eu poderia fazer se ficasse muito mais tempo olhando pra , e tentei focar minha atenção na professora e no quadro, que, agora, mostrava um monte de palavras aleatórias que, depois de certo esforço, eu supus que fossem figuras de linguagem.
Eu senti tocar minha mão, me fazendo parar de roer o pouco de unha que ainda tinha no meu dedão. Ele continuou segurando minha mão até levar aos próprios lábios, beijando a palma e virando pra repetir o gesto do outro lado, exatamente como ele tinha feito antes de me beijar pela primeira vez.
Eu devia ter puxado minha mão ou impedido que ele entrelaçasse os dedos nos meus, mas eu não tive força de vontade o suficiente.
me ofereceu um sorriso discreto e se inclinou pra dar um beijo na minha testa, quando a professora chamou a atenção da gente, pedindo um exemplo de metonímia.
Eu arregalei os olhos, preocupada, e se ofereceu pra responder.
- Ler Shakespeare. – ele disse, dando de ombros. A professora aceitou a contribuição dele, mas avisou que ia prestar muita atenção em nós dois.
ficou quieto até o sinal tocar, mas eu cheguei à conclusão de que a gente precisava conversar logo, antes que eu fosse expulsa de alguma aula por causa dele.

“Trying to pull myself away.”
– Trying to pull myself away (Once)

Eu pretendia falar com assim que a aula acabou, pra resolver logo essa situação, mas ele precisava chegar cedo no treino de basquete, então ficaria pra depois. Eu encontrei Addie na hora do almoço e a gente foi pro grupo de debate depois. Ela ainda não tinha me desculpado por eu não ter contado sobre , mas a raiva tinha diminuído e ela tava disposta a me fazer companhia.
Era estranho voltar pro colégio e tentar me reintegrar em tudo que eu tinha deixado pra trás, mas, ao que parecia, as férias tinham feito todo mundo esquecer que eu era a irmã do cara que tinha morrido. Eu talvez era eu que tinha parado de me definir desse jeito. De qualquer forma, não tava sendo tão desconfortável quanto eu temia. Tirando, é claro, toda a história com e os olhares nada amigáveis de Olivia pro meu lado.
A parte mais difícil era me impedir encarar a foto de Matt na parede que tinha os troféus e medalhas do time de futebol. Eu passava por lá várias vezes por dia e meu coração sempre apertava.
Numa dessas vezes, eu não resisti. Jake, um dos caras do time, parou do meu lado e imitou minha atitude.
- Ele faz falta pra cacete. – Jake soltou.
- Eu sei. – foi tudo que eu consegui dizer. Eu obriguei meu corpo a se mexer e fui em direção à minha próxima aula. Doía, mas não tinha absolutamente nada que eu pudesse fazer sobre isso.

O professor responsável pelo grupo de debate ficou satisfeito em saber que eu não só pretendia voltar, como planejava me candidatar a presidente do grêmio estudantil. Só que eu precisava ser eleita representante da minha turma primeiro, o que significava que eu tinha que começar a organizar uma campanha. Eu tinha um mês pra resolver isso, ao contrário do teatro, que já tinha testes no dia seguinte.
Eu sabia da dor de cabeça que ia ser não poder fugir de de jeito nenhum por, no mínimo, duas tardes por semana, mas era meu último ano no colégio, não estar no teatro parecia muito errado.
Por sorte, eu não tinha nenhuma aula com às terças-feiras, o que me permitiu respirar normalmente a manhã inteira, mas, logo depois do almoço, eu comecei a sentir a ansiedade tomar conta de mim.
Harvey e Marlo, responsáveis pelo grupo de teatro, também pareceram felizes com a minha volta e eu me animei por saber que o musical de fim de ano seria Wicked, que contava a história das bruxas de Oz, antes da chegada de Dorothy. Mais especificamente da Wicked witch of the West, aquela verde.
Tudo tava indo exatamente como eu esperava, até o momento em que Harvey sorteou a ordem de apresentações pro teste de elenco e eu descobri que ia cantar. Eu franzi a testa, confusa, e ele piscou pra mim com um dos olhos quando subiu no palco. Ele teve o azar de ser o primeiro, mas não parecia se importar muito.
Não fazia sentido nenhum que , depois de três anos, tivesse resolvido atuar. Eu sabia que ia ter que lidar com ele no teatro, mas não tinha considerado a possibilidade de dividir o palco com ele.
Pior ainda: eu não tinha considerado que eu poderia ser Elphaba e ele poderia ser Fiyero, o que me deixaria numa situação muito desconfortável, já que esses personagens são um casal na história.
O problema é que, pelo jeito como ele me olhou antes de começar a cantar, eu soube que não era a única a ter pensado nisso. A diferença era que queria que isso acontecesse.
Eu me arriscaria a dizer que o único motivo pra ele se dispor a fazer parte da peça era me encurralar. E a sombra de dúvida que eu tinha de que ele tava fazendo isso por minha causa, sumiu completamente, quando eu reconheci a música que ele tava cantando. I heard your voice in a dream, de Hitlist, um dos musicais fictícios de Smash, aquele seriado que ele fingiu assistir nas férias só pra se aproveitar do tempo que a gente passava sem mais ninguém por perto.

So, sing to me and I will forgive you for taking my heart in the suitcase you packed
(Então, cante pra mim e eu vou te perdoar por ter levado meu coração na sua mala)

Eu fiz o possível pra parecer alheia ao que ele tava querendo me dizer, mesmo quando eu sentia os olhos de em mim.
Indireta era pouco pra essa música.
Eu me ocupei em observar bem meticulosamente minhas unhas, pra me impedir de olhar pra , e me repreendi pelo estado deplorável delas. O pior, mesmo, era saber que, se continuasse cantando desse jeito, e cantando pra mim, elas nunca iam se recuperar.
Pra piorar a situação, eu tive a cara de pau de sentir raiva e ciúmes quando, depois da música, várias pessoas (por pessoas eu quero dizer garotas e por garotas eu quero dizer groupies) foram até ele pra elogiar e dizer que não faziam ideia de que ele cantava tão bem. Querida, eu já fazia ideia de que ele cantava bem há muito tempo. Cai fora.
A única pessoa que parecia mais incomodada do que eu era Olivia. E, com isso, eu não quero dizer que ela estava mais incomodada do que eu, só que parecia estar, porque, se eu demonstrasse minha irritação, provavelmente entenderia como um sinal de que, ao contrário do que eu tava tentando fazer com que ele acreditasse, eu ainda me importava com ele. E eu não queria isso, claro.
Só que Olivia já tinha desistido de fazer esforço pra esconder a profunda e super antiga paixão dela. E, se tinha cantado pra mim, ela claramente tava cantando pra ele.

There’s a girl I know. He loves her so. I’m not that girl
(Tem uma garota que eu conheço. Ele a ama tanto. Eu não sou essa garota)

Era Wicked. I’m not that girl.
Eu não sabia se era uma estratégia pra ganhar a simpatia de Harvey e Marlo ou se ela já tinha entrado no personagem ou se ela simplesmente queria essa oportunidade pra falar abertamente pra que ela gostava dele, mas sabia que ele gostava de mim.
Depois de Olivia foi a vez de Erin, que tentou, pela bilionésima vez, impressionar com um número de Chicago. Eu acharia que depois do fiasco de dois anos atrás, quando ela adaptou Roxie pra Erin e apareceu com um letreiro em neon, que todo mundo, sem exceção, achou ridículo, ela teria desistido de forçar a barra.
Eu tava errada.
Dessa vez, ela escolheu All that jazz, pra demonstrar o talento que ela não tinha pra cantar e dançar. Usando as palavras de , ela não dava nem pra ser dublê. Sem brincadeira.
Mas tinha sido uma boa distração, enquanto eu ponderava devolver a indireta super direta de . Pra minha sorte, eu seria uma das últimas a cantar, e, quando chegou a minha vez, eu achei melhor manter minha escolha original. A música de tinha sido pra mim e a de Olivia tinha sido pra , mas a minha ia fugir do clichê do triângulo amoroso.
Eu não achei necessário dedicar a música a Matt, até porque eu não queria passar a impressão de que tava tentando pagar de coitada porque meu irmão tinha morrido só pra conseguir o papel, mas a música era sobre ele.

You learn to hold your life inside you and never let it out
You learn to live and die and then to live

(Você aprender a manter sua vida dentro de você e nunca deixar sair
Você aprender a viver e a morrer e, depois, a viver)


You learn to live without, de If/Then. O mais engraçado, da pior maneira possível, era que essa música também podia ser sobre . Porque eu também tinha que aprender a viver sem ele, no fim das contas.
Eu voltei pro lugar onde tava sentada antes e esperei que os outros testes terminassem, antes de juntar minhas coisas e sair do auditório.
Eu tinha sentido os olhos de em mim o tempo inteiro e eu devia saber que ele ia tentar falar comigo, mas, mesmo assim, eu fui pega de surpresa quando ele se colocou na minha frente e me levou pra sala onde ficavam as coisas do grupo de teatro.
Era um lugar razoavelmente pequeno, entupido de tralha. Particularmente, eu achava que era um depósito pra tudo que não servia mais na escola inteira, junto com os achados e perdidos que ninguém ia buscar ou não tavam em boas condições. Tinha de tudo lá: partes de cenário, roupa, peruca, objetos aleatórios, tipo, binóculos, chicote, abajur, estetoscópio, arma de brinquedo, máscara de Homem-Aranha, cachimbo e mais um monte de coisa que eu nunca via em nenhuma das peças que a gente apresentava.
Só que, de repente, com tão perto de mim e ninguém pra se meter, eu me empenhei bastante em encarar só a bagunça que tomava conta daquele lugar, evitando a todo custo olhar pra ele.
, sendo , diminuiu ainda mais o espaço entre a gente e eu, sendo eu, não tive força de vontade o suficiente pra protestar. Ele segurou meu queixo com uma das mãos e levantou meu rosto. Eu não queria encontrar os olhos dele, mas, também, não conseguia desviar de jeito nenhum.
Eu sabia que era errado e que eu tava me colocando numa situação de alto risco pra mim mesma, mas a presença dele, o cheiro dele e o toque dele me diziam o contrário. Eu queria abraçar , queria beijar , queria de toda e qualquer forma outra vez. Mas eu não podia.
- Um depósito? Eu esperava mais originalidade de você. – soltei, na tentativa de fingir que não tava sendo afetava pelo corpo dele tão perto do meu.
- Você não disse que queria conversar comigo? – perguntou, escorregando a mão do meu queixo até minha nuca. Eu devia ter me afastado, mas não ofereci resistência nenhuma quando ele segurou minha cintura com outra mão.
- E precisava ser aqui?
- Não, mas as chances de você fugir são menores. – eu bufei.
- Você realmente ainda não entendeu que eu quero ficar longe de você?
- Se você quisesse ficar longe de mim, não ia deixar eu fazer isso. – ele disse, antes de começar a beijar o meu pescoço. Eu suspirei, tentando reunir toda a força de vontade que eu tinha pra afastar – Por que você não me procurou, ? – ele quis saber, colocando as mãos sobre as minhas, que tavam no peito dele, pra impedir que ele chegasse muito perto outra vez – Eu não entendo o que aconteceu. – ele acrescentou, com a testa franzida. Ele realmente não entendia.
- Eu não posso, .
- Não pode o quê?
- Gostar de você.
- Por que não?
- Você tem ideia do meu desespero quando eu soube que você tinha sofrido um acidente de carro? – ele abriu a boca pra dizer alguma coisa, mas eu continuei falando – Eu já perdi uma pessoa importante assim, eu não vou perder você também. – disse, tirando minhas mãos debaixo das dele e cruzando os braços. suspirou.
- Eu não posso dizer que eu sei o que você sentiu, mas eu entendo, . Eu entendo que você ficou assustada e que você teve medo, mas eu tô aqui. Eu tô bem.
- Por enquanto. – eu rebati. coçou a própria nuca, nervoso.
- Esse é um péssimo argumento. As chances de eu, ou você, aliás, terminar envolvido em algum tipo de acidente não tem nada a ver com Matt.
- Mas o vazio tem. Eu não posso te deixar fazer parte da minha vida só pra você ser tirado de mim depois.
- Você não sabe que isso vai acontecer.
- E você não sabe que não vai.
- E o que você pretende fazer agora? – ele perguntou – Não deixar ninguém se aproximar, nunca mais? Voltar a se isolar do mundo como você fez até o começo das férias?
- Eu não vou me isolar de novo. Eu mudei, . Eu sei que eu preciso continuar vivendo, mas isso não quer dizer que eu vou dar outra oportunidade pro universo me dar uma rasteira. – rebati, apesar de achar que eu soava mais birrenta do que convincente.
- E o teu jeito de impedir a queda é se jogando no chão primeiro? – sugeriu e eu dei de ombros – Você sabe que tá me derrubando junto, não sabe? – ele acusou. Eu respirei fundo antes de responder.
- Eu não queria que as coisas fossem desse jeito, mas é melhor assim.
- Melhor pra quem?
- Pra todo mundo. O que aconteceu entre a gente ainda é prematuro, vai ser mais fácil lidar com a perda agora, do que depois. – expliquei, fazendo balançar a cabeça negativamente, com uma expressão incrédula.
- Isso é covardia, .
- É um mecanismo de defesa! – protestei.
- É covardia. Você tá com medo de viver. De novo.
- E se eu tiver? Eu não posso ter medo que as coisas deem errado?
- O problema não é ter medo, o problema é deixar que esse medo te controle. – eu bufei, impaciente.
- Você não vai conseguir me convencer, . – comecei – Eu te agradeço por tudo que a gente viveu nos últimos meses e te peço desculpas pela maneira como as coisas terminaram, mas eu não vou mudar de ideia. Eu preciso ficar longe de você. E, se você se importa comigo, vai respeitar minha vontade. – terminei, forçando um pouco barra pra ver se o drama surtia efeito em .
- Nem sempre o que a gente quer é o melhor pra gente, lembra?
Eu lembrava.


“Maybe your heart's completely swayed but your head can't follow through.”
– The Schmuel Song away (The last five years)

Eu tentei, de todas as maneiras, evitar no dia seguinte. E teria dado certo, se ele não tivesse aparecido no meu grupo de debate. A desculpa dele era que ele concordava com as minhas propostas pro conselho estudantil e queria me ajudar a ganhar a eleição. Eu disse que, se eu ganhasse, minha primeira sugestão à diretoria ia ser de que se você tivesse um ex com tendência a te stalkear, você podia ver a grade de horário dele pra fugir com mais facilidade, e ele seria obrigado a deixar a aula ou atividade extracurricular. , não me levando a sério de novo, achou minha ideia hilária e eu quis bater a cabeça dele contra a parede mais próxima. Repetidamente.
A risada dele era contagiante demais, eu não podia passar horas perto de , dentro ou fora de uma sala de aula, se ele ia rir.
E sorrir.
E coçar a nuca, quando se esforçava pra ter alguma ideia ou achar uma resposta.
Era ridículo o efeito que ele tinha sobre mim, até quando não tava fazendo absolutamente nada. Só a presença dele já me fazia questionar todos os meus motivos e forçar meu autocontrole pra me impedir de chegar mais perto, tocar, beijar. E isso era pior ainda na aula de literatura, já que ele era minha dupla até o fim do ano, porque ele sentou do meu lado na primeira aula.
Era um constante teste pra minha força de vontade. Principalmente porque fazia questão de me abraçar pelos ombros, brincar com meus dedos, deixar a mão dele descansar no meu joelho. Eu precisava contar até dez e respirar fundo, porque meu impulso sempre era deixar que ele fizesse essas coisas. Ia contra os meus instintos e as vontades do meu corpo afastar .
Era ridículo. Eu queria gritar pra me deixar em paz, ao mesmo tempo em que imaginava a boca dele na minha.
Meu corpo, minha cabeça e meu coração não conseguiam entrar em acordo de jeito nenhum.
Nesse ritmo, eu ia ficar louca antes do fim do primeiro bimestre.

Na quinta-feira da semana seguinte, eu descobri que o elenco pro musical do fim de ano seria composto por:

como Elphaba
Olivia Hyatt como Glinda
como Fiyero

Tinha mais gente depois disso, mas eu parei de ler ao perceber que ia, sim, ser meu par romântico na peça.
Ótimo.

- Parece que você não vai ter como fugir de mim tanto quanto queria. – anunciou, encostando o corpo nos armários e cruzando os braços, na postura mais eu-sou-irresistível que ele conseguia imaginar. Eu quase peguei as unhas dele pra roer, já que as minhas não existiam mais.
- Sair da peça é sempre uma opção. – disse, fingindo procurar alguma coisa só pra evitar olhar pra .
- Pra quem?
- Pra mim, claro.
- Ah, é? E que desculpa você daria?
- Rinite. Me faz tossir e espirrar muito. Não posso cantar. – soltei.
- Por seis meses? – ele perguntou, arqueando uma sobrancelha e eu dei de ombros - Você gostou de saber que eu vou ser o seu Fiyero, confesse. Eu sei que você tá louca pra ter uma desculpa pra ficar perto de mim de novo.
- Tem razão. – comecei, sarcástica, fechando a porta do armário com mais força do que precisaria - Minha nossa, como eu posso resistir a você? – disse, fingindo um desmaio. riu e eu rolei os olhos, bufando – Por que você resolveu participar da peça agora, aliás? Tua função não é ser o escritor?
- A gente vai fazer Wicked, , eu não tenho nada pra escrever.
- E ia te matar ficar de fora só dessa vez? – perguntei, recebendo um panfleto sobre o jogo de estreia do time de basquete na temporada. Eu tava pronta pra amassar e jogar na lixeira mais próxima, quando pegou da minha mão. Ele me olhou meio atravessado e eu dei de ombros de novo. Pouco me importava que ele jogava no time. Aliás, esse era mais um motivo pra eu não querer aparecer nos jogos.
- E perder a chance de dividir o palco com você? Nunca. – ele provocou, se colocando na minha frente e me fazendo parar de andar – Eu sinto tua falta, . – soltou, do nada, segurando minha cintura com uma das mãos.
Era a primeira que ele me dizia isso cara a cara. Ele já tinha dito numa das vezes que me ligou antes de voltar pra Baltimore, mas a intensidade de ouvir essas palavras olhando nos olhos de me fez querer ceder.
Porque eu sabia que a saudade que eu enxergava na expressão dele também tava estampada no meu rosto.
E eu sabia, que ao contrário do que eu tinha dito a ele uma semana atrás, essa situação não tava sendo melhor pra ninguém.
Eu deixei que desse um beijo demorado na minha testa e senti meu coração e minha garganta apertando, querendo que eu cedesse a ou ao choro.
Eu escolhi o choro. Mas não antes de soltar um tchau baixinho pra e sair.
Eu não tinha chorado quando soube que ele tinha sofrido o acidente, não tinha chorado no hospital, não tinha chorado na volta pra casa. Pra falar a verdade mesmo, a última vez que eu lembrava de ter chorado tinha sido a última vez que eu sonhei com Matt também. De lá pra cá, eu parecia ter adquirido certo controle sobre a situação. E, mesmo quando eu quis chorar por Matt, eu respirei fundo, me convencendo de que não era isso que ele queria que eu fizesse. Meu irmão não ia gostar de me ver chorando por aí e eu sabia que também não, mas toda e qualquer técnica que eu tinha desenvolvido pra lidar com a falta de Matt era inútil pra encarar a falta de .
Eu repeti pra mim mesma que isso tava acontecendo porque, agora, eu era obrigada a conviver com outro vazio, além do que eu já tinha no começo das férias. E era verdade, só que, mais uma vez, eu me forcei a pensar que, se fosse outra pessoa, eu me sentiria do mesmo jeito. Mas eu sabia que era mentira e o maior problema era que, independente do quanto meu coração estivesse envolvido com , minha cabeça não me deixava fazer o que eu queria. Era como se meu lado emocional e meu lado racional travassem uma batalha que não terminava nunca, porque nenhum dos dois admitia sair perdendo.
Parecia um pouco a minha relutância em retomar minha vida por causa de Matt, com a diferença de que o sentimento de culpa tinha sido substituído por covardia. Sempre que eu pensava em desistir de ficar longe, eu era inundada por vários “e se...”. A maioria deles era ruim e eu sempre me deixava vencer pelo medo.
Só que, em algum momento, a abordagem de começou a mudar. Ele continuava o mesmo de antes, mas com muito menos intensidade. Ele ainda sorria, provocava e puxava conversa, mas não tinha mais abraço inesperado, carinho nas costas ou beijo na testa. Ele tava se afastando fisicamente de mim e perceber isso causou o efeito oposto do que eu dizia que iria acontecer.
Eu não me sentia aliviada, pelo contrário, meu corpo ficava tenso durante as aulas de literatura, os ensaios da peça e todos os outros momentos em que eu sabia que estaria por perto, mas sem tentar ficar realmente perto. O único contato físico que acontecia entre a gente agora era quando ele batia na minha mão pra eu parar de roer as unhas.
E era muito pouco.
Pra piorar a situação, mais do que ausência física de , eu comecei a me preocupar com a possibilidade de que ele desistisse de vez de mim. Eu fiz o que pude pra me convencer de que isso era só um reflexo do meu egoísmo, que eu queria que não mudasse de ideia sobre a gente só porque eu era uma pessoa mesquinha, que queria ter um cara apaixonado por mim, mesmo que eu não tivesse interesse em ficar com ele.
Mas era meio óbvio que isso não era sobre a minha autoestima. Se o time de futebol inteiro resolvesse gostar de mim, eu ainda ia sentir falta de . E eu não queria, de jeito nenhum, outra pessoa pra ficar no lugar dele. E queria menos ainda que ele arranjasse outra pessoa pra ficar no meu lugar. O que explica, mas não justifica, a raiva absurda que eu senti ao ver uma aluna nova dando em cima dele.
Eu tinha plena consciência de que eu não tinha direito de ficar com ciúmes, já que era culpa minha que a gente não tava mais junto, mas, assim como aconteceu com as groupies do teatro no dia que ele cantou, eu quis ir até lá e, no mínimo, entrelaçar meus dedos aos de , pra deixar bem claro que ele não tava disponível.
Só que ele tava disponível.

“I’ll stay if I’m what you choose.”
– Seventeen (Heathers)

Eu sabia que ser par romântico de significava dor de cabeça porque eu sabia que precisaria beijar ele. E, mesmo que não fosse um beijo de verdade, eu tinha certeza absoluta que seria o suficiente pra me fazer voltar atrás.
Ter os braços de abraçando a minha cintura e a boca dele na minha era muito mais do que o necessário pra eu esquecer essa ideia ridícula de ficar longe dele. E, por causa disso, eu nem me atrevi a fazer de conta que tinha força de vontade pra me afastar quando ele me levou de novo pro depósito das coisas do teatro.
- Isso tá ficando clichê. – eu avisei, quando fechou a porta atrás dele.
- E você se importa?
- Não. – respondi, desistindo de resistir ao impulso de beijar de verdade, diferente do que a gente tinha feito no ensaio, minutos atrás.
Eu me permiti aproveitar, até o momento em que meu lado racional me forçou a afastar de mim.
- Não faz isso comigo, . – ele pediu, tentando me beijar outra vez.
- O que eu não posso fazer é te dar esperanças, . Eu não posso ceder e ficar contigo, se eu não tenho pretensão de continuar com isso.
- Mas você tem pretensão de continuar com isso. – eu não tive a cara de pau de desmentir – Você quer isso tanto quanto eu.
- Mas eu não posso. – repeti, mais pra mim do que pra ele. suspirou.
- Eu tenho uma coisa pra te dar. – ele disse, abrindo a porta e me puxando pela mão pra fora do depósito. Eu devia ter me soltado dele, mas não consegui.
alcançou a mochila dele numa cadeira do auditório, agora, vazio e tirou um caderno de lá. Eu sabia que não era o caderno que ele usava pras anotações das aulas. Eu franzi a testa.
- Eu terminei a sua história. – ele disse, me entregando. Eu segurei, receosa, e percebi que ele não tinha escrito no caderno, mas pego a capa pra segurar as folhas impressas.
Eu lembrava claramente do dia em que eu cheguei à casa de em Montara e ele tava escrevendo. A concentração dele era tanta, que eu passei cinco minutos, parada na porta, assistindo, e ele não percebeu. Eu não queria interromper, mas, quando eu resolvi ir embora e voltar depois, me chamou.
- Pra onde você vai?
- Não sei, mas não queria te atrapalhar. – respondi, entrando no quarto. levantou da cadeira e veio até onde eu tava, me abraçando.
- Você não me atrapalha, você me inspira. – disse, num tom que dava a entender que era uma cantada brega, mas que também era verdade. Eu ri e colei meus lábios nos dele.
- O que você tá escrevendo? – perguntei, quando deitou na cama, me puxando junto com ele.
- Uma história. – eu rolei os olhos.
- E sobre o que é?
- Você. – ele respondeu, dando de ombros. Eu arqueei as sobrancelhas, surpresa – Não precisa fazer essa cara. – disse, rindo – Eu soube, desde quando eu te vi sozinha na praia, que eu tinha que escrever sobre você.
Eu tinha, de algum jeito, esquecido disso. Talvez, propositalmente sem quere.
Eu encarei o caderno nas minhas mãos, com medo do que as palavras de poderiam fazer comigo.
- Eu já devia ter começado a escrever a peça de abril. – disse, me tirando de Montara e me trazendo de volta pra Baltimore. Eu preferia ter ficado lá – Mas eu sabia que não ia conseguir me concentrar em nada até terminar essa história. Sua história. – ele enfatizou – E eu terminei, mas eu não quero que só essa história seja sobre você, . Eu não quero que a gente tenha sido um romance de verão porque as circunstâncias foram favoráveis. Eu não quero ter que me contentar só com lembranças daqui pra frente. O que eu quero é que você leia essa história. A nossa história. Eu quero que você veja o que aconteceu entre a gente pelo meu ponto de vista. E, depois, eu quero te pedir pra reconsiderar mais uma vez. Se mesmo assim, você ainda achar que a gente não vale a pena, eu vou recuar. Vou sair da peça, pedir outra dupla à professora de literatura e te deixar em paz. Mas a decisão é sua. Eu não posso e nem vou te forçar a nada, por mais que eu te queira comigo. – ele terminou. Eu abri a boca pra dizer a que eu não precisava ler nada pra saber que a gente valia a pena, mas ele não me deixou falar. Ele encostou os lábios nos meus rapidamente e me abraçou apertado antes de sair.
Eu guardei o livro com cuidado e fui pra casa, me preparando pra perder uma briga que eu nem devia ter começado.

“And I tried to believe it. It was better without you. I was better alone.”
– I’d give it all for you (Songs for a new world)

O que me chamou mais atenção na história de foi que não era só sobre mim, mas era para mim. Era como se ele soubesse que eu ia tentar me afastar e, por causa disso, ele tentava, o tempo todo, deixar claro que fugir não ia me ajudar em nada. E eu sabia que ele tava certo.
Eu sempre soube que ele tava certo, mas eu não tava convencida a dar o braço a torcer até esse momento. Até ver, pelos olhos dele, tudo que a gente tinha vivido. Pra cada sensação de que eu lia, eu lembrava da minha própria reação ao que tinha acontecido. E eu queria viver tudo aquilo de novo. Eu queria sentir tudo aquilo de novo.
Doeu ver o quanto tinha se sentido machucado quando eu fui embora. E todas vezes que eu não liguei pra ele. E todas as vezes que eu tentei me afastar. Mas eu percebi que, em nenhum momento, ele pareceu convencido dos meus argumentos. Ele teve raiva das minhas desculpas esfarrapadas e da minha resistência sem fundamento, mas nunca passou pela cabeça dele que era melhor que a gente não tivesse junto.
E, depois de colocar as coisas em perspectiva, eu cheguei à conclusão de que, assim como eu tinha feito depois do acidente de Matt, eu tinha entendido tudo errado. De novo. A possibilidade de perder no futuro não era motivo pra abrir mão dele, muito pelo contrário, era a maior razão que havia no mundo pra que eu não me afastasse dele de jeito nenhum.

Desde que as aulas tinham voltado, essa era a primeira vez que eu ia realmente atrás de . Eu tinha medo de que ele não me desculpasse, apesar de ele ter deixado bem claro que ainda gostava de mim, mas eu precisava falar com ele.
- Se eu for eleita presidente do conselho estudantil, eu vou sugerir à diretoria que você possa ver a grade de horário de alguém quando precisar pedir desculpas. – eu disse, me aproximando de , que procurava alguma coisa no armário dele.
- E por que você pretende fazer isso? – ele perguntou, fechando a porta e cruzando os braços.
- Porque essa escola é enorme. Eu tô atrás de você desde as sete da manhã.
- Eu tô atrás de você faz quase um mês e nem por isso eu fui pedir ajuda ao diretor. – ele rebateu.
- Eu merecia essa. – admiti, levando o dedão à boca, mas, antes que eu começasse a roer alguma unha, segurou minha mão.
- Merecia, porque é cabeça-dura. – concordou, levando minha mão aos próprios lábios pra beijar a palma. Eu não entendia essa mania dele, mas achava extremamente fofa.
- Desculpa. – soltei, sem querer enrolar muito – Você tem razão em dizer que era covardia minha. Na verdade, ainda é, porque eu continuo com medo, mas não vale a pena ficar sem você. Eu juro que tentei me convencer do contrário, mas tua escrita é tão milagrosa quanto a tua companhia. – disse, fazendo rir, porque, na história dele, eu usava exatamente essas palavras.
- Você sabe como essa história termina, não sabe?
- Sei, namorado. – respondi, poupando de perguntar se eu queria ser namorada dele. Eu seria louca se não quisesse.

“My life led right to your side and will keep me there from now on.”
– I can do better than that (The last five years)

- Eu tenho tantas piadas na minha cabeça agora, que eu não sei qual fazer. – disse, rindo, fazendo com que eu desviasse meu olhar da cortina do teatro, ainda fechada, pra ele.
- Não sei do que você tá rindo, espantalho, você tá usando leggings. – devolvi, ele riu ainda mais.
- Eu só viro um espantalho no final da peça, Shrek, você é verde desde que nasceu.
- Você quer sair daqui solteiro, ? – sugeri e ele cerrou os olhos, fingindo ponderar. Eu dei um tapa fraco no braço dele e ele me abraçou.
- Será que se você me der um beijo, eu passo de príncipe pra sapo? A gente ia combinar mais. – eu rolei os olhos, mas não consegui não rir.
- Tá nervoso? – perguntei, apesar de já saber a resposta. parou de coçar a nuca e suspirou, concordando com a cabeça – Que bonitinho! – disse, apertando as bochechas dele. Ele fez uma careta – Relaxa, vai dar tudo certo. – garanti, tirando a mão da nuca dele e levando até à minha boca, pra dar um beijo na palma.
sorriu com meu gesto, claramente imitando a mania dele, e deu um beijo na minha testa em seguida. Harvey apareceu pra avisar que a peça começaria em trinta segundos e eu assisti o desespero tomar conta de todo mundo que ia cantar a primeira música. me puxou pro canto do palco, já que a gente não entrava agora, e me abraçou pela cintura.
- É estranho saber que ele não tá lá na plateia. – soltei, me referindo a Matt. apertou o abraço e apoiou o queixo no topo da minha cabeça.
- Mas ele ficaria feliz em saber que você voltou a participar das peças. – disse, me virando de frente pra ele – Eu tenho certeza que ele vai fazer o possível pra não te ouvir cantando Defying gravity mais uma vez. – brincou, me fazendo abrir a boca, indignada. Ele riu em resposta – Ele odiava Wicked, não odiava?
- Ele odiava todos os musicais já feitos na face da terra. – confirmei – Mas eu queria ele aqui. Mesmo que fosse por chantagem. – falei, desviando o olhar pro chão. segurou meu queixo, levantando meu rosto.
- Ele tá te ouvindo. – ele me assegurou. Eu queria acreditar nisso também.
- Talvez não. Quer dizer, você vai cantar, né? – provoquei, decidindo que agora não era o momento de me deixar divagar sobre Matt.
Era verdade que, com o tempo, eu tinha me acostumado a lembrar dele sem sentir que o chão tinha sumido, mas, mesmo assim, a saudade era grande demais pra eu aguentar.
- Pegou pesado, Yoda. – ele reclamou, me fazendo rir outra vez. tinha uma lista de personagens verdes pra fazer piada comigo e eu vivia recebendo bilhetes no meio da aula com o nome de algum deles.
Os preferidos de , fora Yoda e Shrek, eram Hulk, Dipsy dos Teletubbies, Mike Wazowski, Kermit the Frog, Yoshi, o Grinch e qualquer uma das tartarugas ninja.
Eu dei um soco fraco no peito dele e ele me abraçou outra vez.
Olivia passou perto da gente, coordenando as posições dos personagens e checando o cenário uma última vez.
Ela tinha desistido de fazer o papel de Glinda, pra evitar contracenar com , e assumido a função de assistente.
Eu me sentia mal por ela, mas não podia fazer muita coisa. Desde que a gente tinha começado a namorar, a amizade dela com começou a passar por um processo de transição. Eles ainda eram muito próximos, mas ela me evitava a todo custo, ainda que eu fizesse o possível pra não deixar que ela se sentisse desconfortável.
Mas, fora isso, tudo tava indo muito bem, obrigada.
Eu tinha sido eleita representante de turma e presidente do conselho estudantil, Addie tinha superado a raiva dela, minha mãe tava, finalmente, apresentando melhoras, minhas notas pareciam boas o suficiente pra Columbia e eu tinha do meu lado, pra não me deixar esquecer que eu nunca tava sozinha.
Até hoje, eu ainda me perguntava o porquê de ter ido parar naquela praia em Montara, mas não fazia diferença. A vida tinha me levado até e, no que dependesse de mim, era desse jeito que as coisas iam continuar.


FIM



Nota da autora: HOWDY!
Então, eu geralmente morro de preguiça de participar dos challenges (hehe), mas esse tava praticamente gritando meu nome, porque, bom, musicais, gente!!!!!!!!11
Eu, musical theatre geek que sou, não podia deixar essa passar. Espero, do fundo do coração, ter cumprindo todas as exigências, porque vou chorar muito se for desclassificada
No mais, espero que vocês tenham gostado da história. Queria ter tido mais tempo pra escrever e pra fazer uma playslist no youtube e no spotify com todas as músicas que eu usei na história, mas tô correndo pra mandar pro site, então, vou deixar só os nomes aqui embaixo pra vocês. Se tiverem um tempinho, escutem as soundtracks desses musicais, que eles são os meus xodós. E, caso tenha alguém louco obcecado que nem eu, dá uma chegada lá no meu Twitter, Tumblr ou Ask.fm pra gente surtar junto. Se for pra falar de Jeremy Jordan, melhor ainda. Hihihi.

Playlist:

1. Something to believe in (Newsies)
2. What you own (Rent)
3. Make up your mind/Catch me, I’m falling (Next to normal)
4. The love I meant to say (Hitlist/Smash)
5. Something that will last (First date)
6. Dead girl walking (Heathers)
7. When your mind’s made up (Once)
8. You never know (If/Then)
9. A part of that (The last five years)
10. Trying to pull myself away (Once)
11. I heard your voice in a dream (Hitlist/Smash)
12. I’m not that girl (Wicked)
13. You learn to live without (If/Then)
14. The Schmuel Song away (The last five years)
15. Seventeen (Heathers)
16. I’d give it all for you (Songs for a new world)
17. I can do better than that (The last five years)

That’s it, folks.
Obrigada a todo mundo que leu.
See you around!

Antoniêta xx

Outras fics:
How to call a bluff - McFLY/Andamento (ffobs/h/howtocallabluff.html)


comments powered by Disqus


Qualquer erro nessa atualização e reclamações somente no e-mail.

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS AO SITE FANFIC OBSESSION.