After All This Time 2


Por: Bruna ~ Beta-Reader: Jess ~ Revisão: Mari J.



1 # Tonight will change our lives
[Quem quiser acompanhar com a música – Elvis Presley - Don't be Cruel]

Eu esfregava as mãos impacientemente enquanto andava de um lado para o outro no pequeno quarto que eu e dividíamos no Campus da Faculdade.
Apesar do ar condicionado ligado no cômodo, eu me sentia derretendo de nervosismo. Eu sempre fui muito nervosa, mas eu jamais esperei ter uma reação daquele tipo e toda vez que eu desviava o olhar para a pequena janela de vidro que tínhamos ali, e via a graciosa grama lá em baixo e toda a decoração da formatura, eu me sentia ainda pior.
As mechas já caiam do cabelo que eu havia me esforçado tanto para arrumar em um coque perfeito e o meu trabalho já parecia ter ido por água abaixo.
- Você está uma droga! – exclamou ao entrar no quarto e ver o meu estado quase deplorável, com o cabelo completamente desalinhado e vestida em um roupão.
- Eu acho que eu vou começar a chorar e aí sim isso aqui – Eu apontei para mim mesma. – vai estar uma droga. – Falei chorosa.
- Baby... – veio até mim e me abraçou. – Não fica assim, sua mãe logo chega e nós arrumamos o seu cabelo.
- Eu não sei se consigo! Eu sou a oradora e tenho que chegar um pouco mais cedo para conferir algumas coisas, mas duvido que com esse imprevisto eu consiga fazer ou FALAR qualquer coisa! – Me joguei na cama e apoiei minha cabeça, que àquela altura já estava latejando de tanta preocupação e ansiedade, em minhas mãos.
- EU CONSEGUI LIMPAR! – Minha mãe entrou no quarto no segundo seguinte, acompanhada pelo meu pai que tinha no rosto uma expressão que até poderia ser engraçada, se não fosse o fato da cerimônia de formatura estar marcada para começar dali a trinta minutos.
Eu nem agradeci e me levantei correndo até a beca nas mãos de minha mãe. Corri novamente, daquela vez até o banheiro e me tranquei lá.
- Ela ainda tem que arrumar o cabelo tia. – explicou quando percebeu a grande interrogação estampada no rosto da minha mãe.

A vontade que eu tive nos cinco primeiros minutos vestindo aquele pano preto com fitas de cetim lilás e branca era rasgá-lo por inteiro e jogar na primeira lata de lixo que eu encontrasse. Eu realmente não sabia de onde vinha aquela maldita tradição de fazer uma beca ridícula para ser usada nas formaturas. As pessoas podiam simplesmente se vestir elegantemente, sem necessariamente ter que usar aquela aberração.
Saí do banheiro fumaçando, literalmente. Os meus fios completamente desgrenhados eram sem dúvida alguma a minha menor preocupação naquele momento.
Eu vestia um vestido tomara-que-caia, numa cor muito próxima ao azul turquesa, porém um pouco mais escura, que abusava no bordado com pedras no busto. Ele tinha duas ‘camadas’ e cobria os meus pés, apesar do salto que eu usava. Tragicamente, por cima desse lindo vestido encomendado por mim dois meses antes estava a beca de formatura.
Não havia ninguém no quarto e eu respirei aliviada por conseguir adiar um pouco mais a explosão de elogios por parte da minha família.
Caminhei até a janela e vi muitos dos meus colegas e provavelmente seus convidados já vestidos e animados no gramado do grande jardim que já estava devidamente decorado para a ocasião. O sorriso que demonstrava total felicidade e satisfação em terminar a faculdade era contagioso e dois segundos depois um grande sorriso nasceu em meu rosto. Puxei a pequena cortina azul e me proibi de ver a confraternização das pessoas no andar de baixo. Eu era a oradora da turma daquele ano e apesar de estar agora mais controlada, eu ainda precisava de mais alguns segundos sem toda aquela agitação.
Procurei por um CD cuja capa era vermelha e cheia de borboletas mal desenhadas que havia ganhado no meu último aniversário da minha amiga , e logo o encontrei. Em seguida um ritmo extremamente contagiante soou pelo quarto.


You know I can be found
Você sabe que posso ser achado
Sitting home all alone
Sentado em casa sozinho
If you can't come around
Se não puder vir
At least please telephone
Pelo menos, por favor, telefone
Don't be cruel to a heart that's true
Não seja cruel com um coração de verdade

Eu me empolguei mais do que devia para uma oradora que precisava estar em dez minutos completamente pronta para uma festa de formatura. Meus pés batiam levemente no chão no mesmo ritmo da música, e eu respirava aliviada mexendo de leve o corpo, enquanto a voz inconfundível e sedutora de Elvis Presley me entorpecia.

Baby, if I made you mad
Amor, se eu te deixei zangada
For something I might have said
Com algo que posso ter dito
Please, let's forget the past
Por favor, vamos esquecer o passado
The future looks bright ahead
O futuro brilha diante de nós
Don't be cruel to a heart that's true
Não seja cruel com um coração de verdade
I don't want no other love
Eu não quero nenhum outro amor
Baby it's just you I'm thinking of
Querida, só estou pensando em você

Decidi-me por uma maquiagem bem leve e quando já passava o gloss, a imagem de três cabeças apareceram no espelho. , mamãe e papai sorriam, ao mesmo tempo em que esboçavam uma expressão confusa de quem tentava entender a minha mudança repentina de humor.

Don't stop thinking of me
Não pare de pensar em mim
Don't make me feel this way
Não me faça sentir desse jeito
Come on over here and love me
Venha para cá e me ame
You know what I want you to say
Você sabe o que eu quero que diga
Don't be cruel to a heart that's true
Não seja cruel com um coração de verdade
Why should we be apart?
Por que devíamos ficar separados?
I really love you baby, cross my heart
Eu realmente te amo, dou minha palavra

O meu coque perfeito não parecia mais tão perfeito assim. Os enfeites com pedrinhas que mamãe havia comprado com tanto amor agora não tinham mais o grande dever de manter aquele penteado no lugar. Meu cabelo estava solto e levemente ondulado com duas mechas da frente presas atrás.

Let's walk up to the preacher
Iremos até o padre
And let us say I do
E depois diremos "aceito"
Then you'll know you'll have me
Então saberá que lhe pertenço
And I'll know that I'll have you
E saberei que me pertence
Don't be cruel to a heart that's true
Não seja cruel com um coração de verdade
I don't want no other love
Não quero nenhum outro amor
Baby it's just you I'm thinking of
Querida, só estou pensando em você

Don't be cruel to a heart that's true
Não seja cruel com um coração de verdade
Don't be cruel to a heart that's true
Não seja cruel com um coração de verdade
I don't want no other love
Não quero nenhum outro amor
Baby it's just you I'm thinking of
Querida, só estou pensando em você

Dei uma última olhada na minha imagem refletida no espelho e sorri satisfeita. Apesar do imprevisto com a grande mancha de yogurt feita horas antes, a minha beca estava em perfeito estado. Obviamente para qualquer um, exceto para mim.
Saí do quarto encontrando e mamãe sentadas no sofá apreensivas, enquanto olhavam para qualquer ponto da sala. A primeira roia as unhas e a minha mãe estralava os dedos, se segurando para não fazer o mesmo que a outra.
- Cadê o papai? – Ele estava ali há poucos instantes.
- Ele disse que não aguentava mais tanta mulher nervosa num mesmo cômodo. – Mamãe falou caminhando até mim e olhando atentamente para cada traço em meu corpo e rosto.
- Alguma coisa errada? – Perguntei quando ela estava parada a um passo de distância, me olhando com uma atenção incrível sem esboçar nenhum sentimento em sua expressão.
- Claro que não! Você está linda, filha! – Eu sorri timidamente e revirei os olhos. Não conseguia entender como alguém podia caracterizar-me com aquele adjetivo usando uma beca daquelas.
Mamãe abriu aquele sorriso orgulhoso de mãe e me estendeu a mão, me obrigando a dar uma voltinha.
Ela já ia começar a falar o quão bonita eu estava e o quão radiante meu sorriso e olhar estavam naquele dia tão especial e marcante da minha vida, e eu já estava montando mentalmente algum argumento suficientemente válido e objetivo para ela parar antes mesmo de começar, quando ouço um assovio vindo do outro lado da sala.
Olhei de imediato para a porta que aquela altura já estava aberta e vi a minha prima com um uma expressão marota e um grande sorriso nos lábios.
- Vicky! – Gritei devido a surpresa e corri até onde ela estava, a abraçando carinhosamente.
- Como você está linda! – Ela falou e eu a olhei torto.
- Puxa saco! – Revirei os olhos novamente. Eu tinha certeza que ‘revirar os olhos’ se tornaria um hábito naquela noite.
- Oh, gatinha! – me chamou segurando o riso e eu lhe mostrei a língua. - Você esqueceu que é a oradora e precisa chegar mais cedo?
- Droga! Eu preciso descer agora! Encontro vocês na cerimônia. – Deixei todos na pequena sala do também pequeno apartamento que em breve seria desocupado, sem dar a menor chance de qualquer um deles pronunciar qualquer palavra.
Corri pelos corredores e escadas que eu já conhecia de cor até o grande gramado onde aconteceria a cerimônia.
Aquela era uma das últimas vezes que eu percorria aqueles lugares como uma aluna, porque depois de receber o diploma, absolutamente nada seria como antes.
Em dois dias o mini-apartamento que eu e dividíamos no Campus seria desocupado e um novo apartamento no centro de Berlim, em cima de um restaurante de comida oriental, teria que ser decorado. Aquele seria o meu mais novo endereço, e eu teria uma série de obrigações até então desconhecidas e aquilo de certa forma me assustava. Sem falar na falta que eu sentiria daquela rotina cheia e psicodélica ao qual a minha havia se transformado após a Universidade.
Tudo faria falta. Desde as provas e trabalhos que pediam inteira dedicação por um semestre até as festas que aconteciam regularmente, principalmente. Eu sentiria falta de tudo.
Eu estava tão envolvida comigo mesma naquele momento nostálgico que mal percebi quando atingi o local da cerimônia.
- Ei! Distraída, oradora? – Hans, o melhor amigo do Mark, falou assim que esbarrou em mim, e eu senti imediatamente uma grande pancada no estômago ao lembrar de quem ele era tão amigo.
- Me desculpe, a formatura tem me levado à loucura, literalmente. – Sorri um pouco envergonhada e talvez tonta por conta do encontro inesperado.
- Vejo que apesar dos seus discursos inflamados contra o uso da beca, você ficou linda com ela.
- Se eu não odiasse tanto essa beca, a usaria mais vezes. Eu nunca ouvi tantos “como você está linda, ”, em um único dia! – Hans riu ao ouvir o meu comentário. – Bem, eu estou um pouco atrasada. Nos vemos na cerimônia?
- Claro, ! A gente se vê. – Ele falou mostrando aquele belo sorriso alemão e eu corri novamente, mais uma coisa que havia se transformado em hábito nas duas últimas horas.

Antes do início da cerimônia, eu troquei algumas palavras com e verifiquei se o meu discurso estava bom o suficiente. Apesar de saber que se não estivesse, aquela revisão segundos antes de toda a festa seria inútil.
Algumas autoridades falavam ao microfone e eu podia ouvir claramente de trás do palco, porém, não conseguia identificar de quem eram aquelas vozes. Talvez o nervosismo tenha conseguido aquele efeito sobre mim. Uma mulher, seguida de um homem, seguido de um outro homem falaram e esse último me anunciou.
Aquele era o momento tão esperado e o discurso estava na ponta da minha língua. Os segundos que antecederam a minha chegada até aquele púlpito me deixaram ainda mais tensa. Eu encarava toda uma platéia, cheia de rostos conhecidos e de muitos completamente desconhecidos. Havia uma mistura de sentimentos e sensações estampados no rosto dos meus colegas de faculdade e aquilo me deixava ainda mais insegura.



- Eu acho que aquela galeria seria ótima, mas eu realmente estou em dúvida.
- Hoje à tarde vamos dar uma olhada em mais duas galerias no centro, talvez você goste de uma delas.
- Ótimo.
Eu acordei com a conversa dos meus pais na cozinha e com o barulho da louça sendo lavada.
Abri meus olhos ouvindo a voz deles não muito distante dali e não movi nenhuma parte do meu corpo. Eu só sentia a minha cabeça, do pescoço para baixo eu não sentia e nem movia absolutamente nada. Aquela sensação me deixava ainda mais confortável e relaxada, o que era realmente bom depois do baile de formatura. Eu me negava qualquer tipo de movimento, porque assim que o meu corpo sentisse a realidade eu não me aguentaria em pé, apesar de ter me livrado do salto poucos minutos antes da meia-noite. Aquela sensação era única, era como se o meu corpo estivesse em uma dimensão paralela.
Meus olhos começaram a pesar e as vozes estavam ficando cada vez mais longe. Eu sentia que em segundos dormiria novamente.
Quando não mais que de repente o maldito relógio azul peludo de cabeceira tocou. Me assustei e acabei saindo daquele transe momentâneo.
Levantei o tronco e me apoiei nos cotovelos, desliguei o despertador e movi a cabeça de um lado para o outro, ainda com os olhos fechados, tentando relaxar.
Senti quase que imediatamente a dor nos pés quando os coloquei no chão, minha cabeça doía um pouco e eu sabia que o café da minha mãe seria o melhor remédio naquele momento.

- Bom dia, amores. – Falei num tom ainda sonolento assim que entrei na cozinha.
- Bom dia, filha. – Papai me cumprimentou sorridente, desviando o olhar do caderno de esporte por dois segundos.
- Bom dia filha! Como dormiu essa noite? – Mamãe perguntou enquanto me trazia uma grande caneca com o seu delicioso café quente.
- Bem. – Respondi com uma careta no rosto.
- E por que essa carinha?
- Eu mal me aguento em pé e preciso estar as oito no Campus para desocupar o apartamento. A transportadora passa por lá ao meio-dia e leva nossas coisas para o novo apartamento.
- Obrigações... Só tende a piorar. – Papai se pronunciou agora deixando o jornal de lado. – Você quer carona até a faculdade?
- Obrigada pai, mas eu vou de metrô.
- Certo. Meg, eu passo aqui depois do almoço e nós vamos até as galerias, tudo bem?
Papai se levantou da cadeira e plantou um beijo na minha testa. Mamãe o seguiu até a saída enquanto conversavam sobre alguma coisa que eu já não prestava mais atenção.


- Eu sempre me imaginei como oradora na minha formatura. Esse sonho vem desde o colegial, mas uma garota que a turma julgava mais esperta que eu acabou ganhando a disputa e eu fui descaradamente passada para trás. – Pude ouvir alguns risos na platéia. – Mas isso só me deu mais forças para ir atrás dos meus sonhos. Obviamente, a surra que eu dei nela nas férias de verão não foi exatamente “correr atrás dos meus sonhos”, mas eu vejo que finalmente, alguém por aqui conseguiu o que queria. – Eu sorri antes de voltar ao discurso. - Nós nunca sabemos verdadeiramente do que se trata “correr atrás do que queremos”, até desejarmos alguma coisa com todo o coração. E eu sei que cada um de nós desejou essa formatura com todo o coração. Almejamos por longos quatro anos tudo o que vem acontecendo nesses últimos meses, desde a minuciosa escolha dos ternos e vestidos ou da cansativa discussão sobre “usar ou não usar” a beca, até a nossa luta diária para conseguir aprovação no último semestre. Eu não sou a pessoa mais indicada para dar lição de moral e esse é de verdade, a minha menor preocupação neste momento. Eu só espero que todos vocês lutem pelos seus objetivos e os alcancem. Lutem para que nada consiga mudar os seus cursos, lutem pelo que vocês acham certo, lutem pelo que os faz bem, lutem pelos seus sonhos, assim como vocês lutaram para chegar até aqui. Porque de agora em diante, os seminários de fim de semestre não poderão ser comparados as nossas reais responsabilidades, aos reais obstáculos que aparecerão. E em meio ao grande inferno que as nossas vidas se transformarão, porque realmente parece que a mudança radical vai nos levar ao inferno de tanto que nos assustam. – Todos riram novamente e naquele momento eu suspirei aliviada. Alguma coisa parecia certa ali. – E em meio desse grande inferno... – Agora minha voz parecia mais leve. – Eu espero que tudo se encaixe, que as coisas entrem nos eixos, porque nós sabemos, bem intimamente, que a mudança não é assim tão assustadora. A mudança é o sinônimo da nossa felicidade, e que tudo depende da nossa decisão em correr atrás do que desejamos ou não. – Eu suspirei mais do que aliviada e sorri meigamente para a minha mãe que chorava na platéia, ao mesmo tempo em que tinha um sorriso orgulhoso desenhado no rosto.
As pessoas aplaudiam animadas e com lindos sorrisos. Alguns jovens formandos tinham os olhos marejados ou lágrimas no rosto. Eles, de alguma forma, prestaram atenção em cada palavra que saiu da minha boca e aquilo tudo pareceu divertido por um momento. Não era para ser um show de piadas, mas também não era para ser uma espécie de discurso político monótono.
Acho que naquela noite eu havia alcançado mais um objetivo.



2 # Todos são arquitetos do destino, vivendo nestas paredes de tempo, então não se lamente pelo passado. Ele não voltará de novo.

- O que você pretende fazer depois? – me perguntou enquanto embalava alguns porta-retratos e os colocava em uma caixa de papelão.
Por incrível que pareça, nós nunca havíamos parado para conversar sobre como seriam as nossas vidas após a faculdade. Apenas encontramos um pequeno, porém perfeito apartamento no centro de Berlim. Decidimos alugá-lo, porque morar com nossos pais após a faculdade já estava fora de cogitação.
- Eu não sei exatamente. O meu estágio naquela empresa é só por mais dois meses e eu não sei se realmente quero continuar nela. – Respondi enquanto tirava a poeira de alguns livros antes de colocá-los nas caixas.
- Apesar de ser meio assustador no começo, eu estou animada. – Desviei minha atenção para a garota do outro lado do quarto e esbocei uma expressão de dúvida no rosto. – Sim! – Ela riu brevemente. - Como você falou ontem, é tudo sobre a nossa felicidade. Não importa se estamos saindo definitivamente de casa, ou se teremos contas para pagar, ou ainda se teremos terríveis obrigações daqui pra frente, é tudo sobre a nossa felicidade, sobre lutar pelo que queremos.
- Meu discurso não entrou por um ouvido e saiu pelo outro! – Parei o que estava fazendo e falei sonhadora.
- Eu diria que ele foi um sucesso! Eu ouvi dizer que os recém formados em Psicologia queriam conversar contigo ontem à noite, sabe como é, pedir alguns conselhos antes de abrirem seus consultórios, mas o diretor do nosso curso disse que deixasse para outro dia porque você precisava brilhar um pouco mais. Me senti amiga do próprio Freud ontem.
Eu joguei uma flanela um pouco empoeirada em -eu-crio-histórias-absurdas- e ela reclamou rindo.
Era bom saber que eu teria alguém como ela no começo de uma nova e importante fase da minha vida.
- Eu vou pegar um suco lá embaixo. Você quer alguma coisa?
- Um café, .
- Certo, já volto.
bateu a porta e em seguida, saí procurando pelo apartamento os livros que não estavam na grande estante do quarto. Havia muitos deles jogados pela sala e eu balancei a cabeça me perguntando se era realmente aquele lugar, no mínimo fora de ordem, que eu morei por quatro anos. Alguns dos meus livros sobre Teorias da Comunicação estavam empilhados numa mesinha ao lado do sofá e eu via o telefone quase cair de lá, devido ao excesso de objetos no pequeno móvel. Uma luz vermelha desenhando o número 2 piscava nele, e eu apertei o botão que disparava as mensagens deixadas quando ninguém atendia as ligações.

- Boa noite, tripulantes! Estou ligando para desejar uma ótima cerimônia de formatura, mas acho que eu meio que me atrasei, já que ninguém atende as minhas ligações! – Ouvi um muxoxo do outro lado. – Bem, se divirtam sem mim por aí! Aaaaaaaah, ! Não esqueça de me falar como foi o discurso da nossa inglesa preferida, tudo bem? Já estou morrendo de saudade garotas. Se cuidem e nos vemos em breve! Beijos!

A primeira mensagem era de , uma garota que eu e havíamos conhecido no terceiro semestre de Publicidade e da qual nos aproximamos bastante desde então. Ela estava passando duas semanas com os pais no interior. Sua tia estava esperando gêmeos em uma gravidez de risco e toda a família estava bastante apreensiva, por isso não pôde estar conosco na noite da formatura.
Eu sorria melancolicamente, já sentindo uma pontinha de saudade quando a voz conhecida de um garoto me chamou a atenção.
Como num impulso eu me sentei no sofá, coloquei os livros sobre o meu colo e apoiei os cotovelos em cima destes, segurando meu rosto em minhas mãos e tentando não perder nada daquela mensagem.
As lembranças passavam pela minha cabeça como se tudo tivesse acontecido há tempos, como se nada fosse tão recente e de alguma forma tão doloroso.

- Bom, eu... – Houve uma pausa de mais ou menos dez segundos e por um momento eu pensei que a mensagem acabava ali. – Eu não tenho o menor direito de estar ligando, muito menos de deixar essa mensagem, mas, por favor, só ouça antes de excluí-la. – Sua respiração se tornou tão intensa que eu pude ouvir o chiado que ela fazia. – Eu quero que você aproveite a noite de formatura, quero que aproveite cada momento e eu tenho certeza que todos vão adorar o seu discurso. Você merece todo o reconhecimento pelo seu trabalho, garota. Cada aplauso e sorriso. Eu queria muito poder estar ao seu lado hoje... E mesmo que você me odeie ainda mais por isso, eu sinto muito a sua falta. – A voz deu ênfase ao ‘muito’ e eu estremeci com aquilo. Aquelas palavras não eram nada justas. – Se cuida e boa festa.

O som da secretária eletrônica indicava que as mensagens haviam acabado e eu continuava na mesma posição no sofá, tentando processar tudo o que eu tinha acabado de ouvir. A mensagem por si só já era confusa o suficiente e, bom, eu não era a melhor garota quando o assunto era tentar deixar uma situação clara. Quando dei por mim, outra pontinha de saudade já havia se instalado em meu peito.


- Preciso te mostrar uma coisa! – Exclamei sorridente e animada quando Mark atendeu a porta do seu apartamento no Campus.
Ele me deu passagem e eu entrei na pequena sala que estava quase vazia. Só restavam ali algumas caixas de mudança e alguns móveis que não cabiam nessas caixas.
- Já está preparando a mudança? – O olhei surpresa. Não sabia que ele já havia encontrado um apartamento.
- Quase. A transportadora passou cedo aqui para pegar as coisas do Hans e ele provavelmente deve estar se mudando para o apartamento que os pais o deram, ainda hoje. Mas eu ainda não achei nenhum lugar legal. Minhas coisas vão ficar na garagem dos meus pais até eu achar um bom apartamento para alugar.
- Nós podíamos dividir um apartamento. – Falei feliz com a idéia e caminhei até ele que estava em pé ainda na entrada do apartamento, com as mãos no bolso do jeans que usava. – O que você acha? – Envolvi meus braços em seu pescoço e acariciei a sua nuca. Eu tinha um sorriso doce nos lábios e encarava o meu namorado que não conseguia me negar um sorriso quando havia um outro em meus lábios. Ele tirou as mãos do bolso e as colocou na minha cintura acariciando-a.
- Parece ser uma boa idéia. – Ele me encarou e eu continuei com o sorriso bobo. Eu sentia uma sensação boa enquanto o olhava nos olhos. O fato era que, apesar de todo o quase envolvimento com o meu primo no Natal, Mark ainda era responsável por grande parte das boas sensações que me ocorriam. Sorrisos bobos e apaixonados, calafrios quando nós estávamos próximos daquela maneira, a necessidade de estar sempre por perto, mesmo que apenas no mesmo plano de visão...
Uma gargalhada tímida me escapou quando eu senti mais um daqueles calafrios, e eu podia jurar com toda a certeza que não era o vento, nem nada do tipo, porque as janelas estavam fechadas e não havia nenhum sinal de ar condicionado ligado no cômodo. Eu abaixei meu rosto e encarei a camisa de Mark, quando percebi o olhar curioso e satisfeito dele em cima de mim. Os poucos pêlos de meus braços estavam eriçados e meu ombro tremeu um pouco com o calafrio.
- É bom saber que apesar dos quatro anos de namoro eu continuo te causando arrepios. – Mark falou daquela forma sedutora inexplicável, bem próximo ao meu ouvido, me causando outro arrepio. Eu fechei os olhos apenas para sentir melhor os beijos que ganhava no pescoço. Aquele carinho era tão gostoso que se o Mark não me segurasse pela cintura, meu rosto conheceria o chão bem de perto. Segundos depois eu senti seus lábios pressionarem os meus e eu mesma cuidei para que aquele carinho se tornasse mais intenso, passando minha língua no contorno de seus lábios. Ele me puxou ainda mais contra seu corpo e apertou forte a minha cintura, só aí eu percebi que se não parasse com aquela sessão de amasso, provavelmente, o meu discurso só seria avaliado outra hora, e eu realmente precisava imediatamente da opinião de alguém como ele pra me sentir tranquila em relação ao que estava escrito naquele papel. O empurrei com muito custo e ouvi uma bela exclamação em resposta.
- HEEEEEEEEEEEY ! – Eu ria enquanto ele passava as mãos pelos cabelos e tinha uma expressão fofa e ao mesmo tempo impaciente no rosto.
- Foco, Mark, foco!
- Que história é essa de foco?! – Ele falou tentando recuperar o fôlego.
- Eu preciso da sua opinião sobre o meu discurso. – Levantei um papel na altura dos meus olhos e o balancei.
- Hum... Certo! – Ele respirou fundo olhando para o chão e em seguida caminhou até mim, pegou o papel e sentou no sofá de dois lugares que ainda estava lá. Eu o encarei abismada com a rápida mudança de humor.
- Ok. – Falei em dúvida e sentei ao seu lado, esperando que ele terminasse de ler e me desse a sua opinião.



entrou no quarto e eu só a percebi no cômodo quando um barulho de louça sendo quebrada me fez voltar à realidade. Olhei na direção do barulho um pouco cansada, e só consegui ver os restos do antigo abajur em formato de gatinho que decorava a nossa mesinha de entrada.
- Você se machucou? – Andei até a minha amiga que estava agachada em frente à porta se lamentando.
- Não, mas... O Júlio César morreu! – Ela me olhou e eu juro ter visto sinal de lágrima em seus olhos.
Eu revirei os olhos inconformada, não só por dar nome ao seu abajur, ainda mais o nome excêntrico de um imperador romano, mas também pela minha falta de sorte em ter duas pessoas tão próximas que amavam... Abajur.
Eu tinha conseguido aversão àquele objeto de decoração graças as minhas noites mal dormidas quando criança em Bolton. Abajur era, definitivamente, algo que jamais entraria na minha futura casa.
- , eu prometo comprar um igual para você! – Falei tentando consolá-la e recebi um olhar esperançoso como resposta.
- Da Índia também? – Seus olhos brilhavam e eu me senti mal em tentar enganá-la.
- Hum, Índia?
- É, Índia. A minha tia comprou lá quando viajou a trabalho.
- Claro! – Falei tentando passar certeza para mim mesma.
- Mas onde você vai encontrar um abajur indiano igual a esse por aqui?
- Indiano é o que não falta em Londres. Quando eu for lá da próxima vez eu encomendo um desses. Prometo! – Ela se levantou e me apertou em seus braços. Eu sorri culpada e ela saiu correndo e comemorando em direção ao quarto. Aquela definitivamente não era a garota que chorava por um abajur quebrado segundos atrás.
Eu caminhei novamente até o móvel onde o telefone estava e exclui as mensagens da secretária eletrônica.
- Alguma mensagem? – perguntou curiosa, colocando só o rosto para fora do quarto.
- É... – Eu cocei a cabeça desconfortável. – A , ela se atrasou na ligação e deixou uma mensagem desejando uma ótima formatura.
- Ok. Aaah! Toma logo seu café senão fica frio.
sumiu novamente e aquela pequena solidão na sala fez-me sentir novamente cansada. Eu não tinha mais a mínima vontade de tomar aquele café.
Olhei em volta e ainda havia muito a ser colocado dentro de caixas, e muito a ser limpo. Eu só queria parar por alguns minutos ou talvez voltar ao passado e fazer as coisas ficarem exatamente como eram antes. Mas como a vida nos ensina, o passado jamais pode ser mudado, só nos resta aprender com ele e seguir em frente. E eu estava seguindo em frente, até aquele momento, eu estava enterrando o passado e tentando aprender com ele, mas só até aquele momento.


3 # The wait is over

O relógio digital do elevador marcava 1:23 da tarde e eu mantinha meus olhos fixados nos números, que de tempos em tempos aumentavam uma unidade. Eu sentia meus ombros pesados e fazia caretas para o grande espelho agradecendo por estar sozinha ali, caso contrário, eu seria a nova moradora taxada como louca no prédio.
Sexto andar, sétimo, oitavo, nono e finalmente o décimo andar.
Eu saí de lá ainda sentindo o mesmo cansaço, agora também por ficar desocupando um apartamento durante uma manhã inteira. A Senhora Evans me cumprimentou com um sorriso angelical e eu tentei sorrir da mesma maneira, mas eu sabia que aquela havia sido uma tentativa completamente frustrada.
Assim que a porta do elevador se fechou, agora descendo com uma senhora conhecida dentro, eu ouvi risadas vindas do apartamento dos meus pais. À medida que eu me aproximava da porta, elas ficavam mais altas e podiam-se ouvir vozes conversando animadamente lá dentro. Talvez eu fosse descendente de italianos e não de ingleses como acreditava.
Abri minha bolsa tentando encontrar as chaves e não demorei um minuto para perceber que elas haviam sido esquecidos em algum lugar, porque não se demora tanto para achar um molho de chaves quando o seu chaveiro é uma garrafa de cerveja peluda de dez centímetros.
Toquei a campainha e esperei que alguém parasse com a festa lá dentro e atendesse.
- A ligou! – Foi a primeira coisa que a minha mãe falou quando me viu parada na porta.
- E ela disse o quê? - Perguntei desinteressada, parando a poucos passos da porta e tirando o tênis que já me incomodava.
- Suas chaves estão com ela e todas as caixas e móveis chegaram a salvo no apartamento.
- Hum...
- Aliás, por que você não foi até lá ver o apartamento? – Mamãe perguntou enquanto eu massageava os meus pés sem prática alguma.
- Eu estou muito cansada e a ia para aqueles lados mesmo, então... - Dei de ombros. - Sem falar que eu já vi o apartamento antes. – Peguei meu tênis e caminhei preguiçosamente até a sala enquanto minha mãe caminhava em direção ao quarto.
Joguei-me no extremamente grande e confortável sofá branco da mamãe. Eu podia dormir dias naquele poço de conforto sem reclamar nenhuma vez. Fechei os olhos tentando relaxar, mas logo fui interrompida pela minha animada tia.
- Oi, princesa! – Tia Kathy me chamou com aquela felicidade na voz e eu abri os olhos sorrindo para ela.
- Olá, tia! – Me levantei e dei um beijo em sua bochecha. – Dormiu bem?
- Maravilhosamente bem! – Ela sorriu e aquela felicidade me contagiou um pouco. Eu tinha certeza que perto dela, as minhas angústias e os meus problemas desapareceriam, mesmo que apenas momentaneamente.
Eu contava a tia Kathy sobre a minha viagem até Munique na época da Oktoberfest no último ano, e seus olhos chegavam a brilhar a cada nova informação. Eu ria a cada pergunta absurda dela e se minha mãe não nos interrompesse logo, não demoraria muito até o síndico bater em nossa porta. Eu teria que perguntar mais tarde a mamãe sobre a nossa descendência.
- Filha, quer vir conosco até as galerias? – Ela perguntou colocando a bolsa no ombro e andando até a saída sendo acompanhada pela tia Kathy e por mim.
- Aah, mamãe, estou tão cansada... – Respondi docemente, tentando não magoá-la. Eu sabia que a exposição da próxima semana era uma das coisas mais esperadas pela minha mãe em toda a sua vida, e, portanto, a participação e apoio da família eram de extrema importância para ela.
- Tudo bem meu amor, fique e descanse. – Ela me beijou na testa e eu correspondi com um sorriso.
- Beijos queridas, e cuidado com os alemães! – Pisquei para a minha tia e ela riu cúmplice já entrando no elevador.
Fechei a porta e suspirei mais leve. Aquele era o efeito que míseros minutos de risos com ela me causavam.
Chamei pelos meus primos e não obtive resposta. Eu não tinha a menor idéia de onde estariam, já que a Alemanha era um país completamente desconhecido para eles.
Fui até a cozinha e peguei uma lata de Pringles, a melhor batata frita do universo, e andei até o meu quarto.
Era começo de tarde e as ruas lá embaixo estavam bastante movimentadas. Eu sentei na grande poltrona, ao lado da janela, e mesmo querendo apenas prestar atenção nas crianças aproveitando o verão enquanto brincavam no playground e comer as minhas batatas tranquilamente, eu mergulhei novamente em antigas lembranças e naquele momento eu daria tudo e qualquer coisa para serem apenas antigas lembranças sem efeito algum.

- , abre essa porta, por favor! – Eu ouvi gritar enquanto batia violentamente na porta. – Se você não sair daí e me explicar o que está acontecendo, eu chamo um garoto para arrombar isso aqui!
Eu já estava há duas horas trancada no banheiro e as lágrimas não paravam de escorrer pelo meu rosto. Eu nunca fui o tipo de garota dramática e trancar-se no banheiro estava mais para atitude de alguma suicida ou de quem sofria com algum distúrbio alimentar. O que definitivamente não era o meu caso.
Havia em minha cabeça várias teorias sobre a verdadeira razão do meu choro, mas a única certeza que eu tinha era que aquilo tudo doía muito.
Enxuguei meu rosto molhado e abri a porta lentamente. que estava sentada na cama com as mãos no rosto correu até onde eu estava e me olhou com pena.
- Não me olha assim. Eu vou ficar bem. – Falei fungando, porém, sem emoção alguma e sentei na minha cama.
- O que aconteceu? – Ela ignorou o meu pedido, sentando-se de frente para mim e me olhando com aquele mesmo olhar.
- Eu odeio que me olhem com pena, as coisas só pioram, sabia? – Uma lágrima solitária correu pelo meu rosto e eu abaixei a cabeça. – O Mark... Ele vai embora. – Eu senti o ar faltar e me vi num filme de puro drama. O mocinho havia abandonada a mocinha por algum motivo aparentemente desconhecido ou incoerente, e aquilo estraçalhou o coração da pobre donzela.
Eu me senti ridícula diante do infeliz paralelo entre as histórias.
Eu olhava para as lembranças que tinha de Mark e tudo que eu sentia era saudade, mas não o tipo de saudade que eu senti quando me mudei para a Alemanha e deixei o meu primo e também primeiro amor. A comparação era inevitável já que os únicos garotos que conseguiram fazer brotar em meu coração sentimentos como aqueles foram Daniel e Mark.
De alguma forma eu me senti trapaceada, Mark não foi justo. A viagem estava marcada há um mês e ele só resolveu me contar no dia de sua partida. Aquela era outra mudança e talvez eu precisasse de terapia para poder lidar direito com todo aquele turbilhão de transformações. Mark não me deu escolhas e eu agi como uma adolescente impulsiva.
- A viagem está marcada há um mês, o voo dele sai hoje à noite e eu fiquei sabendo disso tudo há duas horas! Eu não sei ... – Eu voltei a chorar desconsolada, e a minha respiração ia ficando cada vez mais pesada.
- Vocês terminaram?
- Sim.
- Você ou ele? – Eu pude sentir o cuidado em sua voz para não me magoar.
- Eu. – Estralei os dedos nervosa. estava exatamente no ponto que eu não queria que ela estivesse.
- Ok, mas então... Por que esse choro? Eu não me lembro de você ser esse tipo de garota.
Droga! A me conhecia muito bem e isso era fato consumado. Demorei algum tempo tentando formar mentalmente uma resposta que a despistasse, mas foi em vão.
- , eu estou chorando porque eu me sinto ridícula! – Me levantei e andei até a janela. - Quando o Mark me falou que ia embora, ele explicou que não me contou antes por medo. Ele sabia que com ele indo para o sul, as coisas seriam completamente diferentes, e se nós quiséssemos ficar juntos teríamos que lutar por isso, e bom... – Eu desviei a minha atenção do céu com nuvens além da janela e olhei para a minha amiga que continuava sentada me encarando. – Ele não quis me deixar angustiada por um mês. Eu até o entenderia e correria para os seus braços dizendo que concordava em lutar pelo nosso amor. – Falei de forma teatral, zombando do meu confuso estado emocional. – Claro que eu faria isso, mas adivinha o que me veio à cabeça naquele exato momento?
- O quê? – perguntou receosa. Eu via a resposta estampada em seu olhar, ela só não tinha coragem suficiente, talvez assim como eu, de confirmar aquela terrível suspeita.
- Daniel Jones, o meu primo. – Eu falei cansada. - Isso seria até engraçado e aposto que daria uma bela novela mexicana, mas é vida real , e é a minha vida! Como eu pude deixar o meu namoro de quatro anos acabar assim?! Como eu consegui deixar o Mark ir dessa forma, o deixando acreditar que era o único culpado nessa história? Eu desisti de tudo por uma incerteza tão grande. O Daniel deve estar aproveitando o sucesso da turnê com a namoradinha e eu aqui, dando um pé na bunda do garoto que qualquer garota em sã consciência queria ter ao lado! – Cuspi aquelas palavras tão rapidamente que ao terminar, respirei fundo, ainda mais angustiada. O que doía de verdade não era o fato de Mark se mudar e nós terminarmos aquele relacionamento, o que doía mesmo era saber que eu vi no término do namoro uma oportunidade para me reaproximar de alguém que devia ser apenas um amor inalcançável, assim como os poetas do Romantismo escreviam.
Além de perdida com relação aos meus próprios sentimentos, eu me sentia uma completa vadia que adorava brincar com os próprios sentimentos e com o sentimento alheio.


- Alguém em casa? – Ouvi um grito vindo provavelmente da sala e acordei do transe momentâneo.
Levantei-me da poltrona e dei uma última olhada na rua lá fora. O dia continuava lindo e nem aquilo me estimulava a sair de casa. Eu queria e precisava de uma semana trancada no quarto ouvindo os meus CD’s preferidos.
Ignorei o chamado que se repetiu duas ou três vezes e entrei no banheiro. Um banho frio me faria algum bem.
A água fria tinha um efeito relaxante sobre mim, tão relaxante que eu só saí de debaixo do chuveiro trinta minutos depois, quando ouvi um barulho estranho, seguido de um palavrão no meu quarto. Saí de lá enrolada em um roupão e com os cabelos molhados sobre os ombros. Danny estava estirado na cama, comendo as minhas batatinhas preferidas e batendo os pés no colchão em algum ritmo não identificável. Aquela cena era tão simples, mas inspirava tantas boas sensações, que era impossível olhar e não sorrir. Então aquela velha história de que as coisas mais simples são as mais apaixonantes começava a fazer sentido.
- Sabia que invadir o quarto de uma garota e comer as batatinhas preferidas dela é feio? – Falei brincando, o fazendo perceber-me no cômodo.
- Eu não invadi o seu quarto porque a porta estava aberta e bem, sobre a sua batatinha... Não tinha como adivinhar que era a sua preferida. – Ele falou naquele tom divertido e esperto de quem não se importa com nada e eu fiz uma careta.
- Convincente, mas espere até o jantar. – Ameacei, caminhando até o closet.
Eu podia apostar que a tia Kathy tinha feito uma daquelas super tortas de chocolate para o jantar, e eu também podia apostar que o meu drama seria suficiente para Danny não tocar seus preciosos dentinhos nela.
- O que tem o jantar? – Ele gritou do quarto para que eu pudesse ouvir.
- Espere e verá Daniel! – Voltei ao quarto segundos depois de escolher uma roupa, pronta para expulsá-lo dali, mas o que encontrei foi um quarto já vazio, e uma lata de Pringles também vazia sobre a cama.

Passei o resto da tarde ouvindo alguns dos meus CD’s e falando com que avisara sobre sua visitinha mais tarde. Eu fui duas vezes até cozinha e na primeira vez, passando pela sala, vi Danny concentrado em alguma partida do campeonato inglês, já na segunda vez, dormia tranquilamente ocupando o sofá inteiro.
Por volta das seis da tarde eu também estava dormindo no meu quarto, mas acordei com as risadas da mamãe, da tia Kathy, e agora acompanhadas também pelas risadas do meu pai.
- Buona notte famiglia! – Arranhei um pouco o meu italiano, já que aquelas pessoas não me pareciam mais tão inglesas.
- Buona notte ragazza! – Papai respondeu sorridente enquanto cortava o que pareciam ser cenouras.
- Isso é alemão? – Tia Kathy virou-se para minha mãe e perguntou com cara de desespero.
- Italiano Kathy, e esses dois são malucos. Ignore-os. – Mamãe olhou me censurando e eu andei até tia Kathy tentando ensiná-la o básico que sabia em italiano e fazendo-a arriscar também algumas palavras em alemão.
- Aaaah! Temos uma novidade, filha! – Mamãe falou animada secando as mãos em um pano de prato e saindo da cozinha apressada.
- Eu diria que um presente! – Papai falou acabando com as cenouras.
- Você vai adorar, querida! – Tia Kathy me incentivava, e aquele entusiasmo todo já estava me assustando.
Em seguida mamãe entrou pela porta da cozinha com alguns papéis na mão e os jogou no balcão da cozinha ao qual eu estava encostada. Logo reconheci sendo aqueles papéis passagens de avião, três para ser precisa.
- Passagens de avião. Certo. – Olhei para uma Meg extremamente sorridente logo a minha frente, do outro lado do balcão.
- Cheque o destino! – Mamãe falou balançando as mãos em direção as passagens e eu as abri.
- Frankfurt? – Eu não estava entendendo absolutamente nada.
- Tem mais três passagens de trem embaixo dessas, com destino a Freiburg! Esse é o nosso presente de formatura! – Papai abraçou a minha mãe de lado e ambos sorriram para mim.
Eu soltei um gritinho comemorando e corri até os meus pais para abraçá-los. Nós sorriamos juntos e a tia Kathy resmungava dizendo que eles haviam conseguido me comprar com aquela viagem.
- Mas tem um pequeno problema. – Mamãe falou assim que terminamos de comemorar. – A viagem já é amanhã pela tarde e eu e seu pai não poderemos ir como combinado.
- Mas por quê? – Perguntei desanimada.
- A exposição da sua mãe , com a viagem nós estaríamos todo o fim de semana fora e temos que ficar para cuidar dos últimos detalhes para a exposição na quarta.
- Mas eu não posso viajar sozinha. – Indaguei desapontada.
- Nós achamos que você poderia convidar a .
- Ótima idéia! – Viajar com meus pais seria ótimo, mas com a minha melhor amiga seria ainda mais divertido. – E quanto à outra passagem?
- Você deve ter outra amiga que queira chamar. – Papai falou.
- A Vicky! – Eu exclamei me virando para a tia Kathy. – Seria ótimo viajar com aquela maluca!
- Sinto muito querida, mas a Vicky voltou hoje cedo para Londres. Problemas com o namorado. – Tia Kathy falou.
- Droga! – Falei baixinho. Eu teria que arrumar outra pessoa rapidamente. Se ao menos a estivesse na cidade...
- Olá, família! – Danny entrou na cozinha sorridente, beijando a bochecha da minha mãe e em seguida a da tia Kathy. – Garota, como você grita, hein? – Virou-se para mim com aquela cara sapeca.
- O Danny! – Mamãe exclamou e todos, inclusive eu, voltei a atenção para ela. – O Danny pode viajar com vocês!
- Ótima idéia, Meg! Sem falar que viajar com um garoto é mais seguro. – Papai apoiou a ideia.
- Não há mais lugar para o machismo no século XXI, papai. – Falei calmamente, tentando tirar aquela ideia que era ótima, porém absurda, da cabeça dos meus pais.
- Que viagem? – Danny que estava por fora de toda a conversa, perguntou.
- Viagem até Freiburg, uma cidade bem na borda com a França e com a Suíça. Um ótimo lugar para se visitar. – Papai falou tentando passar animação para o meu primo e eu juro que estava quase para gritar dizendo que não o queria naquela viagem.
- Já estou dentro! – Danny falou animado esfregando as mãos. – Quanto tempo eu tenho para arrumar as malas? – Todos riram na cozinha e eu o encarei com um sorriso falso nos lábios. Aquela viagem prometia.


4 # Learning loving somebody don't make them love you
[Quem quiser acompanhar com a música – The Strokes - Last Nite]

O nosso voo estava marcado para às três da tarde daquela sexta-feira. Papai, mamãe e tia Kathy tinham acabado de nos deixar no aeroporto e seguiram para organizar algumas coisas que ainda faltavam na exposição da próxima quarta. estava tão animada que nem a presença de Danny ali me fez esmorecer. Ela prometeu que aquelas seriam as nossas melhores férias, e como a minha amiga é do tipo que cumpre com o que promete, principalmente quando o assunto é farra e consequentemente diversão, eu estava aquecida, mesmo que apenas por dentro.
Apesar da minha preocupação em Danny ser reconhecido por qualquer fã e o nosso fim de semana perfeito ir por água a baixo, tudo parecia ir bem. Nós caminhávamos em direção ao balcão da companhia aérea para fazer o check-in e não havia nenhum olhar suspeito sobre nós. Eu estava meio paranóica só com a possibilidade do indesejável ali estragar tudo. Aquele era o meu presente, que os meus pais haviam me dado e eu não suportaria se Danny o estragasse.
Depois de todas as medidas tomadas antes do embarque, ainda faltava uma hora e vinte minutos para voo finalmente decolar. Eu resolvi ler um pouco, já e Danny resolveram dar uma volta pelo aeroporto e antes deles me deixarem, eu pedi para que ele cobrisse a cabeça, que não olhasse diretamente para ninguém, que não parasse para comprar nada, nem para flertar com alguma alemã, além de outras medidas que eu só percebi serem completamente ridículas e absurdas já tarde. Dom Quixote de La Mancha prendia a minha atenção por completo. Histórias sobre cavalarias, revoluções, ou grandes momentos históricos eram as minhas preferidas, sem falar que a crítica implícita naquela obra faria qualquer um colocá-la entre uma das melhores histórias já lidas e o melhor, eu sempre tinha algum livro daqueles por perto.
- Você trouxe livro para a viagem? – Ouvi perguntar incrédula, interrompendo a minha leitura.
- Acho que sim. – Concertei-me na cadeira e fechei o livro, guardando-o em minha bolsa.
- Você é doente. – Ela falou sentando-se ao meu lado e eu dei um soco de leve em seu braço, fazendo-a rir.
- Quantos minutos ainda faltam? – Perguntei.
- Quinze. – Danny respondeu e eu o olhei. Ele estava sentado do meu outro lado, colocando os fones de ouvido e sorrindo para mim. Foi como um instinto, e lá estava eu sorrindo de volta. Então eu desviei o olhar para algumas vitrines a minha frente e sorri sozinha. Talvez Danny não fosse assim tão indesejável.

- Filha! – Mamãe foi a primeira a se levantar para me cumprimentar.
Assim que a cerimônia de formatura acabou, eu segui para uma pequena e rápida reunião entre os formandos, e o eleito professor padrinho da turma fez aquele discurso incentivador e nós colegas nos abraçamos e trocamos palavras de esperança e alegria, por isso só encontrei a minha família depois, no salão organizado para a festa.
Estavam todos sentados em uma grande mesa um pouco afastada do palco, onde uma banda de Indie Rock tocava suas canções e alguns covers.
- Você foi muito bem meu amor! Parabéns! – Meg me abraçou forte e eu devolvi o abraço. Minha mãe me ajudara bastante naqueles quatro anos, ela merecia tanto quanto eu aquele abraço.
Depois papai me abraçou falando baixinho lindas palavras confortadoras e eu o agradeci sorridente. Tia Kathy veio logo em seguida com aquela costumeira alegria, mas eu pude ver lágrimas em seus olhos, ela me desejou sorte naquela nova fase e por último foi a vez da Vicky. No mesmo momento a banda começava a tocar um cover de Last Nite dos Strokes.
Ela caminhava até mim dublando a música e imitando o trejeito independente “eu não to nem aí para nada” do Casablancas, e se não fosse o cabelo e o belo vestido vermelho que ela usava, eu já estaria pedindo um autógrafo.
Acabei me animando com o ritmo eletrizante da canção e em poucos segundos já estávamos na pista de dança.


Last night she said
Ontem à noite ela disse
Oh, Baby, I feel so down
Oh, baby, eu me sinto tão mal
Oh, and turned me off
Oh, e me deprime
When I feel left out
Quando eu me sinto deixada de lado
So I, I turned around
Então eu, eu me virei
Oh, baby, I don't care no more
Oh, garota, eu não ligo mais
I know this for sure
Eu tenho certeza disso
I'm walking out that door
Eu estou saindo por aquela porta

Well, I've been in town
Bem, estive na cidade
For just about fifteen whole minutes now
Por só quase quinze minutos inteiros agora
Oh, Baby, I feel so down
Oh, baby, eu me sinto tão mal
And I don't know why
E eu não sei o porquê
I keep walking for miles
Eu continuo andando milhas

But the people they don't understand
Mas as pessoas, elas não entendem
No, girlfriends, they can't understand
Não, namoradas, elas não conseguem entender
Your grandsons, they won't understand
Seus netos, eles não entenderão
On top of this I ain't ever gonna understand
E acima disto, eu nunca irei entender

A cada movimento eu me sentia ainda melhor. Livre. Satisfeita. Completamente feliz. Apesar das mudanças e dos acontecimentos daquelas últimas semanas, eu me sentia maravilhosamente bem. Não sabia ao certo se era a formatura, ou a sensação de liberdade por ter terminado a faculdade, ou a presença da minha família ali, ou ainda a música. Talvez fosse a mistura de tudo aquilo que me causava tão boa sensação.

Last night she said
Ontem à noite, ela disse
Oh, Baby, don't feel so down
Oh, baby, não se sinta tão mal
Oh, and turned me off
Oh, e me deprimiu
When I feel left out
Quando eu me sinto deixada de lado
So I, I turned around
Então eu, eu me virei
Oh, Baby, I'm gonna be alright
Oh, baby, eu vou ficar bem
It was a great big lie
Foi uma grande mentira
Cuz I left that night, yeah
Porque eu fui embora aquela noite, yeah

Cantamos juntas a que eu julgava ser melhor parte da música. O ritmo contagiante não nos deixava ficar paradas. Eu sorri abertamente no solo que se seguiu e Vicky também sorriu transmitindo a mesma felicidade que eu transmitia com o olhar. Naquele momento, eu senti tudo o que ela queria me desejar naquela nova fase que se iniciava na minha vida. Eu conseguia perceber que cada olhar, cada gesto, cada sorriso queria me desejar todas as coisas boas existentes no mundo.
Ela sempre foi a irmã que eu nunca tive, e naquele momento eu tive mais certeza do que nunca daquilo.


Oh, people they don't understand
Oh, as pessoas, elas não entendem
No, girlfriends, they don't understand
Não, namoradas, elas não entendem
In spaceships, they won't understand
Em naves espacias, eles não entenderão
And me, I ain't ever gonna understand
E eu, eu nunca entenderei
Last night she said
Ontem à noite ela disse
Oh, Baby, I feel so down
Oh, baby, eu me sinto tão mal
She had turned me off
Ela tinha me deprimido
When I feel left out
Quando eu me sinto deixado de lado
So I, I turned around
Então eu, eu me virei
Oh, little girl, I don't care no more
Oh, garota, eu não ligo mais
I know this for sure
Eu tenho certeza disso
I'm walking out that door, yeah
Eu estou saindo por aquela porta, yeah

A música acabou e Vicky me abraçou apertado, me fazendo lembrar, naqueles poucos segundos, das vezes que nós dançávamos em frente a TV, algumas músicas de algum cantor favorito da tia Kathy ou da minha mãe. Se eu não saísse logo dali acabaria chorando, e aquela noite não era uma noite para choros, definitivamente.
- Preciso de uma bebida! – Falei rápido e ela concordou, dizendo em seguida que estaria na mesa.
Eu corri até o balcão onde algumas moças e rapazes faziam malabarismos com garrafas e pedi a especialidade do rapaz que me atendeu. Ele concordou sorridente e eu apoiei os cotovelos no balcão esperando a bebida.
Só naquele momento eu tive tempo para perceber no quão bonito o salão estava. O espaço era bem grande e havia muita luz e muito brilho, mas tudo numa perfeição incrível. O palco era mal iluminado, e a única luz ali, vinha do chão. Lâmpadas foram estrategicamente colocadas no assoalho e davam um ar misterioso ao show. A banda era boa e isso era visível na quantidade de pessoas na pista de dança, essa era iluminada por luzes nas cores azul e branco e um pouco afastadas da pista estavam as mesas, cobertas com delicadas toalhas em um verde escuro que pareciam seda e decoradas com lindos arranjos. O movimento daquele tecido juntamente com aquela luz, transformaram-no em algo tão chamativo que eu estava quase indo tocar, mas duas mãos tamparam meus olhos antes que eu pudesse me mover.
Eu não levei susto algum e associei aquele ato a , mas a mão que me tampava a visão era muito grande para a mão de uma garota, mas era incrivelmente cheirosa como a de uma. Aquele perfume não era conhecido, não que eu fosse fã de perfumes e guardasse em minha memória a fragrância de cada um deles, mas eu reconheceria com facilidade o perfume das pessoas que estavam sempre comigo e aquele era sem dúvida alguma, um cheiro completamente desconhecido.
Eu toquei a mão da pessoa e tentei puxar alguns dedos em vão. Então joguei os meus braços para trás e tentei tocar o seu corpo. Um paletó, uma gravata, talvez uma camisa social por baixo, e uma barriga incrivelmente sarada, não como a dos caras das propagandas de suplemento alimentar, mas só pelo simples fato de não parecer com a barriga daqueles alemães de sessenta anos de Munique, já me fazia feliz.
- Ok, ser desconhecido, eu tentei de tudo. Você é um garoto, mas eu não conheço o seu cheiro, então fica difícil. – Falei sabiamente, batendo os dedos sobre o balcão. – Alguma dica? – Sem resposta. – Tudo bem. Você pode me deixar tocar o seu cabelo pelo menos? – Já que o indivíduo não falava nada para não se denunciar, eu tentei entrar no jogo dele.
No mesmo instante eu senti a mão direita destampar os meus olhos, porém a mão esquerda conseguiu cobrir toda a minha visão novamente.
Mão nada grande.
Eu já estava impaciente com todo aquele mistério, quando um queixo pousou sobre o meu ombro. Quem quer que fosse aquele garoto, tinha que ser bem íntimo. Nenhum desconhecido tomaria tal liberdade, a não ser que esse indivíduo fosse um assassino em série, pedófilo, algum garoto atirado ou algo do tipo. Eu me apavorei e cocei o nariz inúmeras vezes num intervalo de dez segundos. De repente tudo pareceu muito aterrorizante.
- Nervosa? – Eu conhecia aquela voz. Virei-me rapidamente e Danny estava lá, segurando o riso. Eu sabia que ele estava se divertindo as minhas custas. – A propósito... Parabéns, ! – Falou e veio me abraçar. Só então eu pude associar o cheiro ao dono, e não me parecia nada mau. Nada mau mesmo.
Eu não sabia ao certo como agir. Há uma semana, a última coisa que passava pela minha cabeça era um encontro com Danny, eu o odiava por ser ele uma das razões que me levou a terminar com o Mark. E naquele exato momento eu me odiava por me sentir completa com aquele abraço.
- ! – A voz animada de Hans me tirou dos braços de Danny.
- Hey Hans. – Falei ainda meio atordoada, me virando de volta para o balcão.
- Seu discurso foi divino! Bem que o Mark avisou. – Hans falou e eu tomei um grande gole do líquido vermelho alaranjado que tinha acabado de me ser servido. – Me desculpe, eu...
- Não. Tudo bem.
Aquele comentário fez meu estômago embrulhar e eu só queria voltar para a mesa e ouvir a minha família, em especial a Vicky, contando piadas. Eu passaria uma noite com eles assim e sem dúvida alguma seria uma noite divertidíssima, exceto pelo fato de que sempre que eu olhasse para Danny, um sentimento de culpa ainda mais forte cresceria dentro de mim.
- Vamos para a mesa. – Minha atenção foi desviada de Hans para Danny.
- Eu estou em uma conversa aqui, Danny. – Falei calmamente.
- Tia Meg está chamando. – Eu olhei de relance para a mesa onde a minha família estava e todos riam com alguma coisa que a Vicky tentava imitar, mas nenhum sinal da minha mãe me chamando.
- Não, ela não está chamando, Danny.
- , deixa de ser teimosa e vem comigo! – Essa foi a última coisa que eu pude ouvir antes do meu primo me puxar pela mão e me levar até a mesa.
- Você foi bem desagradável. – Eu falei tentando me desvencilhar de suas mãos.
Ele não respondeu nada e apenas puxou a cadeira para que eu me sentasse. Eu revirei os olhos aborrecida e ninguém ali pareceu notar a nossa presença. Danny puxou a cadeira dele para mais próximo da minha e sussurrou.
- O cara estava te secando. – Foi tão rápido e baixo que eu mal pude entender. Quando consegui montar mentalmente as palavras na sequência correta, Danny já estava contando alguma piada para a nossa família.


A viagem durou um pouco mais de uma hora e assim que chegamos ao aeroporto de Frankfurt, só precisamos colocar as malas em um carrinho, andar um pouco e pegar uma escada rolante e já estávamos na estação de trem.
No ticket, a saída estava marcada para as 16:50, então como ainda eram 16:20, teríamos mais algum tempo de espera. Dessa vez, resolvi acompanhar Danny e na volta pela estação, já que eu só estive por lá umas duas vezes em conferências da Faculdade, e viagens para aquele fim nos tiravam tanto tempo e exigiam tanta atenção, que nunca tínhamos a oportunidade de conhecer lugares legais, ou ao menos notar no que estava a nossa volta.
Algumas lojinhas, típicas lojinhas de aeroporto que só servem para comprar lembranças sem grande importância e guloseimas, estavam abertas. Havia muitas pessoas na plataforma e volta e meia esbarrávamos em algum grupo de estudantes do colegial, provavelmente em intercâmbio. Eu estava encantada com uma loja de bichinhos de pelúcia, mais especificamente com o enorme Sully dos Monstros SA perto do balcão me pedindo que o levasse para casa. Aquilo até podia ser paranóia, mas eu tinha certeza que ele ficaria perfeito no meu quarto.
- , olha isso aqui! – Eu falei sem tirar os olhos do monstrinho de 1,70 m, quase grudando a minha cara na vitrine. e Danny estavam na loja vizinha, rindo de alguma coisa que passava na TV lá dentro. – Hey! – Eu chamei novamente dessa vez olhando para eles.
Um grupo francês fazia muito barulho na plataforma e automaticamente a minha atenção foi desviada para onde vinha o alarde. Quatro garotas que me pareciam ter 15 anos olhavam descaradamente para o meu primo e com toda a certeza do mundo faziam piadinhas pervertidas, a julgar pelo sorriso malicioso e pelo brilho no olhar.
Eu balancei a cabeça me negando a acreditar no que estava acontecendo. Meu primo de 22 anos sendo assediado por francesas de 15? Danny e sua maldita mania de comprar calça dez números maior e deixá-las no joelho. Andei até lá e fiquei atrás de Danny. Olhei sorrateiramente através da vitrine e tentava traduzir as piadas que um jovem alemão contava na TV. As traduções eram tão mal feitas que não eram as piadas que faziam meu primo rir, e sim as tentativas frustradas da minha amiga em tentar fazer um bom trabalho. Eu estava nervosa e sabia que se fizesse aquilo, Daniel poderia interpretar da maneira como bem quisesse aquela atitude, e eu sabia que ele interpretaria da pior maneira possível, então, sem pensar duas vezes para não me arrepender, puxei o cós da calça daquele garoto para cima tampando sua boxer quadriculada que antes estava a mostra e atraía os olhares das francesas.
- Você ficou louca? – Danny exclamou assim que se virou e percebeu quem tinha acabado de mexer em sua calça tão intimamente. Eu tentava olhar para as vitrines a minha volta, mas nem aquilo disfarçava a minha vergonha. – Se quiser passar a mão na minha bunda é só avisar, . – Ele falou divertido e eu o encarei.
- Como se a sua bunda fosse grande coisa. – Falei com desprezo.
- Os caras dizem que eu fico com a bunda maior quando levanto a calça. Você quis testar pra ver se era verdade mesmo, não é?
- Nada pretensioso. – Eu o olhei me segurando para não rir. Aquela situação, por mais mal pensada e sem noção que tivesse sido, fora bem engraçada.
- Você não estava mais resistindo as minhas boxers. Só de vê-las eu te causava calafrios, certo? – E lá vamos nós. Danny começou a se divertir novamente as minhas custas e eu comecei a caminhar o deixando para trás. – Pode falar priminha. Por mim tudo bem.
- Você precisa ficar mais atento meu querido primo. Eu só fiz isso para você parar de chamar tanta atenção. Apesar de estarmos na Alemanha, você tem fãs por aqui e eu não quero que o meu fim de semana perfeito seja estragado por sua culpa. – Parei de andar e falei encarando-o. Terminei e Danny continuou me encarando com aqueles belos olhos azuis, talvez processando toda a informação ou tentando tirar algum proveito do que tinha acabado de ouvir.
- E o que a minha boxer a mostra tem a ver com isso?
- Você não tem medo de ser assediado não? – Falei sem pensar e o que eu mais queria naquele momento era um cigarro para fumar bem longe dali sentindo um vento gostoso em meus cabelos. Sem preocupações e sem aborrecimentos. Ele olhou em volta e logo seu olhar encontrou as quatro estudantes francesas.
- Hum... – A única coisa que eu vi antes de fechar os olhos e sair andando sem falar ou expressar nada, foi o sorriso de quem havia conseguido algo importante de Danny.
- Eu não quero ouvir as suas teorias sobre o que eu acabei de fazer, e isso é sério Danny. Por favor, só ignore o que eu fiz, ou pelo menos não me faça ouvir o que você acha sobre a minha atitude. – Falei assim que ele me alcançou. Eu tinha certeza que ele continuaria com aquelas provocações e até seria divertido, mas eu me sentia bem mal em relação a tudo aquilo. Ele percebeu a seriedade com que eu falava e apenas se calou. A viagem de trem até Freiburg aconteceu no mesmo silêncio entre eu e Danny, às vezes conversava alguma coisa, mas nem ele e nem eu nos interessávamos e logo o assunto morria.

Cerca de duas horas depois chegamos a Freiburg. Pegamos um táxi até o hotel, e no caminho eu consegui tirar toda aquela confusão da minha cabeça, graças a um simpático taxista com seus sessenta e cinco anos que nos contava sobre as belezas daquela cidade. A cada lugar que passávamos, ele tinha uma observação a fazer, sem falar das histórias que nos contava.
- Vocês escolheram um ótimo hotel. – Ele falou assim que dei o nome do lugar onde ficaríamos. – É a mais antiga hospedaria de toda a Alemanha. – E então ele começou uma narrativa riquíssima sobre a pintura do prédio.
Para alguns podia até ser desinteressante e tediosa toda aquela conversa, mas eu estava adorando. Talvez eu estivesse sendo um pouco falsa, porque de alguma maneira eu sabia que o que prendia de verdade a minha atenção naquela conversa, não era só a simples curiosidade sobre a história daquela cidade, e sim o poder que aquele senhor tinha em tomar minha atenção de tal forma que as preocupações desapareciam.

A rua do hotel Bären era bem estreita e charmosa, aliás, tudo ali parecia bem charmoso. Todos os prédios possuíam uma arquitetura impecável e eram pintados com cores alegres e as sacadas decoradas com plantas, onde durante alguma época do ano desabrochavam lindas flores. Havia um trilho na rua de paralelepípedos. Tudo ali parecia no lugar certo, pelo menos naquela pequena rua. Nada me lembrava as grandes cidades. Apesar dos 200 mil habitantes, era tudo muito pacato para me lembrar uma metrópole como Berlim ou Londres. As luminárias na entrada do hotel estavam acesas e havia mesinhas com cadeiras colocadas na calçada do hotel, o que criava uma bagunça cativante.
Logo que o táxi estacionou em frente à hospedaria, eu entrei no local para confirmar as reservas e pedir que alguém nos ajudasse com as malas. Eu não sei para onde exatamente os meus companheiros de viagem foram, mas eu desconfiava que um Café ao lado do hotel e tão charmoso quando tudo naquela rua, fora o destino deles.
Um jovem carregador de malas francês tentava falar alguma coisa e eu não entendia absolutamente nada. Talvez por já odiar qualquer francês, ou talvez por culpa do alemão muito mal falado que ele tentava usar na conversa. Ele fazia movimentos com as mãos e apontava para uma porção de malas, não só minhas, mas de outros hóspedes na calçada do hotel. Eu tentava algumas palavras básicas, como “aquelas duas malas vermelhas e uma cinza bem na direita” em inglês, e ele falava ou mais provavelmente me xingava em francês e eu só respirava fundo e voltava a tentar explicar alguma coisa. Logo a moça simpática do hall do hotel veio me ajudar e pediu desculpas pelo carregador.
Eu não aguentaria outro intercambista francês.
Acompanhei o carregador até as malas na calçada e indiquei as que deveriam ser levadas para os dois quartos reservados. Depois do sufoco que foi apenas colocar as minhas malas para dentro do hotel, eu procurei rapidamente a e o Danny com o olhar e eles estavam bem em frente ao Café, como eu imaginava, conversando animadamente com uma garota loira. De longe pareciam tão amigos que eu resolvi ir até lá e checar o que acontecia.
- Essa é a , namorada do Danny.
Eu já ia sorrir simpática para a garota que acabara de me ser apresentada quando falou aquela grande estupidez. Não sei como não engasguei ou fui surpreendida por qualquer ação involuntária causada pelo susto daquela afirmação. Apenas encarei a minha amiga que me abraçou pelos ombros.
- Prazer, eu sou a Ava. – Ela estendeu a mão e eu fiz o mesmo num reflexo, porque nada em minha mente parecia claro o suficiente. – A propósito, vocês formam um lindo casal. – Ela sorriu e acabou com o abraço, me empurrou na direção de Danny. Olhei o garoto ao meu lado pelo canto dos olhos, completamente envergonhada. Ele não parecia muito diferente, tinha a mesma expressão tímida e um rosto enrubescido.
- Ava, eu não sou namo...
- Então , a Ava estava nos contando sobre uma trilha na Floresta Negra no sábado, e parece bem legal, porque tem cachoeiras e os guias são universitários o que torna tudo mais animado... – me interrompeu e começou a falar sobre algum programa para o nosso sábado. Parecia divertido, porque mamãe não nos deu roteiro nem nada do tipo, então teríamos que nos virar para não acabarmos enfunados no quarto do hotel. Porém, minha atenção logo foi desviada para algum paralelepípedo daquela rua e eu perdi a conversa. Aquela viagem que tinha que ser um presente relaxante estava me trazendo uma grande confusão sentimental e aquela era de longe a coisa que eu menos queria no momento.
- Brian, esses são , Danny e . Eles estão aqui para passar o fim de semana e nós estamos organizando uma trilha na Floresta, o que você acha? – Minha atenção foi novamente parar na conversa assim que eu ouvi o meu nome. Ava sorria para um garoto alto e bronzeado com lindos olhos castanhos e eu logo percebi que eles eram namorados ou tinham uma relação bem próxima daquela. O brilho no olhar a entregava. Eu me perguntava se eu, assim como Ava, tinha um brilho intenso como aquele no olhar, mas no mesmo instante, eu me obriguei a pensar na possibilidade daquele brilho ser uma grande e boba impressão da minha parte. Eu não poderia ter aquele brilho. Não mesmo!
- Ótimo! Por que não nos encontramos hoje à noite para acertar isso? – Ele propôs animado.
- Por nós tudo bem, não é? – olhou para mim e para Danny que estávamos calados desde o início da conversa. A pequena diferença era que Danny concordava e às vezes dava sua opinião em relação a algo, se comparado a mim que tinha o olhar e os pensamentos em qualquer dimensão paralela, bem longe daquela conversa.
- Claro. – Respondemos juntos.
- Hoje às nove nesse Café, combinado? – Brian apontou para o prédio verde bem ao lado.
- Nos vemos mais tarde então. – falou.
- Ava, eu posso conversar contigo bem rápido? – Após termos nos despedido, e e Danny caminharam em direção ao nosso hotel e Brian e Ava em direção ao hotel no final da rua, eu a chamei.
- Sim, ? - Nos afastamos um pouco dos outros para podermos conversar sozinhas.
- Sabe, eu e o Danny, nós não estamos... Entende? – Mexia minhas mãos nervosamente. Pronunciar a palavra namorar, ou qualquer sinônimo que envolvesse os meus sentimentos e os de Danny estava realmente me deixando nervosa.
- Claro. Eu e o Brian estávamos na mesma situação no começo. Mas olha, essa trilha na Floresta vai ser legal para vocês se entenderem, vai ser a situação perfeita! Pode deixar que eu e a cuidamos disso.
- Mas...
- Não se preocupe, . – Ela sorriu para mim tão intimamente que eu me assustei, sem falar que eu tinha acabado de ser chamada pelo apelido. Garota estranha. – Nos vemos mais tarde. – Ela acenou e caminhou até o namorado.
A idéia do Danny ser meu namorado era tão interessante quanto perigosa. Havia um lado em mim que pedia para deixar as coisas acontecerem naturalmente, mas havia um outro lado que me impedia de aproveitar qualquer possível aproximação entre nós dois. A imagem de Daniel vinha acompanhada pela de Mark e eu me sentia extremamente confusa e reprimia qualquer sentimento, me culpando a todo momento. Eu estava à beira de um colapso, fato.

- Ser minha namorada é tão ruim assim? – Fui surpreendida por Danny quando subia as escadas para o meu quarto que ficava logo no segundo andar do hotel de três andares com mais de oito séculos. Eu subi mais alguns degraus e o esperei no corredor. – Me diz , é tão ruim assim? – Ele parou de frente para mim e voltou a perguntar.
- Bom, eu não posso falar já que eu nunca fui sua namorada. – Aquela era a minha fala quando não queria continuar uma conversa. Só faltava Danny ficar em silêncio tempo suficiente para eu andar até os meus aposentos sem dizer nada e o assunto morrer ali, mas ele não ficou em silêncio.
- Uma hora você retribui o meu sorriso, é legal comigo, brinca e até ri das minhas piadas, já na outra você é séria, me corta e me exclui de todas as conversas. Eu não te entendo. – Ele falou levantando os ombros e com uma expressão confusa no rosto.
- Você quer mesmo saber como eu me sinto? – Eu falei séria e um tanto triste. Eu senti que não podia mais adiar aquela conversa, por mais dolorosa que ela pudesse ser.
- Se isso estiver te afetando, por favor, me fala! – Danny ingênuo.
- Eu me sinto uma completa vadia, Daniel. Eu terminei o meu namoro pensando em você, pensando numa possível reaproximação nossa. E o pior! Eu culpei o Mark por isso, o culpei quando ele não havia feito nada! Eu o deixei partir se sentindo muito mal, se sentindo culpado. Para quê? O que eu ganho com isso? – Eu perguntei olhando para um quadro qualquer do corredor, porque se eu olhasse para os olhos dele a resposta estaria escancarada bem diante de mim. - Foi ele quem esteve ao meu lado desde que eu cheguei na Alemanha, foi ele quem me ajudou nesses seis anos, ele foi o melhor amigo e o melhor namorado que eu podia querer, mas em vez de continuar com ele, eu só pensei em como seria bom te ver de novo, em como seria bom passar as férias de verão em Bolton com você. Eu fui tão egoísta que eu nem sei como me encarar, entende? – Esclarecer o que eu sentia dessa vez não me fez chorar, como aconteceu quando eu conversei com a , ainda me fez triste, mas esclarecer aquilo para Danny era como se a culpa estivesse se esvaindo aos poucos.
- Ele foi embora, . A Vicky me contou parcialmente o que aconteceu, me desculpe. – Ele me olhou culpado. - Você sempre foi fiel, você nunca se envolveu comigo enquanto estava com ele, você foi verdadeira acima de tudo, apenas encontrou na partida dele uma nova oportunidade.
- Você chama isso de nova oportunidade? Eu fiz alguém completamente inocente se sentir culpado! Isso não foi justo!
- Apenas dê uma chance a si mesma e concerte parte do erro então.
- Parte do erro?
- Nos dê uma chance. Só uma chance e eu prometo não deixar mais nada nos separar. – Danny se aproximou e tocou o meu rosto, acariciando a minha bochecha. Eu sabia que ele estava esperando só um sinal para avançar. As lembranças de nós juntos na adolescência vieram tão rapidamente que quase me fizeram dar aquele sinal. O toque de Danny era tão bom, senti-lo tão próximo novamente fez-me sentir leve e completa. Eu precisava e o queria tanto, mas havia em mim uma parte muito mais racional do que eu mesma podia imaginar.
- Eu não consigo. – Susurrei, enquanto sentia os braços de Danny me envolverem em um abraço carinhoso. Eu o apertei um pouco mais e pousei meu queixo em seu ombro. Uma onda de boas sensações me invadiu e eu me senti segura, apesar da trágica situação em que me encontrava. – Eu não consigo, Danny. – Uma lágrima solitária escorreu do meu olho direito e eu parti o abraço. Danny me olhou triste e eu segurei as suas duas mãos. – Não há mais chances, não há mais circunstâncias. A minha vinda para a Alemanha acabou com qualquer chance de nós darmos certo. Eu não consigo me dar essa chance, Danny. Só me perdoe. – Num ato frio, Daniel puxou suas mãos das minhas e as colocou no bolso da frente da calça. Eu acompanhei atentamente aquela ação e logo em seguida o meu olhar foi parar em seu rosto que possuía uma expressão triste, e em parte eu merecia aquilo, ou não, já que até onde eu sabia, reciprocidade não era algo obrigatório.
- Tudo bem. – Ele mexeu as sobrancelhas rapidamente e eu o encarei por mais alguns segundos, suplicando com o olhar que me entendesse e me perdoasse. Impossível, já que nem eu mesma me entendia ou me perdoava.
Eu era uma grande perdedora e perdedores não se dão novas chances.


5 # I try to wash the pain away from me
[Quem quiser acompanhar com a música – Michele Branch - Everywhere]

Ainda era muito cedo, mas eu já estava acordada há algum tempo. O quarto que eu e estávamos, era o quarto que os meus pais haviam reservado para eles, portanto dividíamos uma cama de casal, já Danny dormia no quarto ao lado, o que havia sido reservado para mim.
De tempos em tempos, mexia-se exageradamente na cama, ainda dormindo, ou um bondinho moderno e lotado na cor vermelha passava pelos trilhos da rua de paralelepípedos de frente ao hotel.
- Acordada a essa hora? – Uma de cara amassada perguntou-me.
- Acho que sim. – Respondi torcendo o nariz.
- Você está bem? – Ela perguntou se levantando e caminhando até o pequeno sofá de dois lugares perto da sacada onde eu estava.
- Por que sempre que você me pergunta isso eu tenho a impressão de que vou confessar algo?
- Por que eu te conheço o suficiente para saber que você quer conversar e desabafar? – Ela perguntou sentando-se ao meu lado ainda com cara de sono.
- Talvez. – Respondi encostando minha cabeça em seu ombro e recebendo um cafuné gostoso em troca.
Uma senhora cuidava das plantas da sacada do prédio da frente e eu olhava atentamente para aquilo, mas os meus pensamentos estavam bem longe dali.
- Como se sente?
- Bem. – Eu respondi simplesmente, ainda encostada em seu ombro.
- Certeza? – Ela me olhou com uma cara estranha e eu sorri.
- É. Por incrível que pareça eu me sinto bem. – Voltei a olhar para a velhinha que agora varria a sacada e assoviava qualquer música regional.
- A noite passada não foi a melhor de todas.
- Não foi assim tão ruim. – Balancei meus ombros tentando ignorar alguns fatos.
- Você e o Danny não trocaram uma palavra sequer, vocês nem se olhavam. Como assim não foi tão ruim? – perguntou incrédula e eu só tentei me manter no controle das minhas emoções.
- Você sabe exatamente como eu me sinto em relação a isso tudo. Terminar com o Mark, em parte por querer me reaproximar do Danny, me fez sentir um lixo. Por mais que a imagem de Danny invadisse os meus pensamentos, elas eram acompanhadas pela imagem de um Mark triste e que se sentia culpado quando ele não era. Eu estou bem porque eu resisti, eu não consegui me ver com o Danny apesar das minhas últimas atitudes.
- , eu vou falar uma coisa que talvez você não entenda agora, mas para o seu bem a ficha tem que cair! - se levantou parecendo nervosa e eu me ajeitei no sofá tentando acompanhá-la.
- Você sabe que pode falar o que quiser. – A incentivei.
- Eu sei que o Danny foi o seu primeiro amor, eu sei que vocês se envolveram quando eram bem novos, eu sei que você veio para a Alemanha, o que melou toda a história. Depois você encontra o Mark, meu amigo, um cara maravilhoso, que te deu apoio desde sempre, que foi um ótimo namorado, mas tudo começou a mudar. Você sabe melhor do que eu que continuar com uma relação à distância é complicadíssimo, apesar desse cara ser o Mark e apesar de vocês se amarem.
- Você não está melhorando as coisas. – Eu a olhei torto, mas isso não a impediu de continuar o discurso.
- Vocês estavam no limite, o namoro de vocês já tinha dado tudo o que era pra dar, foi legal, mas acabou , acabou! E isso não foi só porque você pensava no Danny. Foi porque você já não sentia o mesmo pelo Mark. Você sabe exatamente que se sentisse algo suficientemente forte, vocês não teriam acabado, nem se o Danny fosse seu vizinho, nem se o Danny nunca tivesse saído do seu lado.
Eu ouvia cada palavra atentamente. Nem a música que saía do assovio da senhora do outro prédio tirava a minha atenção daquelas palavras. As coisas pareciam fazer algum sentido, que obviamente eu me neguei a acreditar. Ao mesmo tempo em que elas pareciam talvez mais claras, pareciam muito mais confusas.
- Vamos supor que você esteja certa, a que isso nos leva?
- O Danny está completamente na sua e você simplesmente o dispensa? É tudo sobre a sua felicidade esqueceu?! – As minhas próprias palavras sendo usadas contra mim. Que grande ironia.
- O Danny vai embora na próxima quinta. Isso não me leva a lugar algum. – Falei com o olhar vazio voltado para a sacada.
- A felicidade não é eterna e não se engane pensando que ela vai sempre existir, porque isso jamais vai acontecer. – voltou a se sentar ao meu lado e começou a falar olhando diretamente em meus olhos. Se eu não entendesse o que exatamente ela queria dizer, só o seu olhar faria todo o trabalho que as palavras não haviam conseguido realizar. – Mas o que importa é o aqui e o agora, e a sua atual realidade é um fim de semana numa cidade linda com o cara que está caidinho por você. Deixe de lado toda essa confusão sentimental, porque nós sabemos que no fundo foi você quem resolveu se martirizar e complicar toda a história, mas nós também sabemos que há uma parte em você que quer aproveitar isso, então, só aproveite. – Ela balançou os ombros olhando para a janela e em seguida olhou para mim novamente. - Esqueça o seu passado, esqueça o que te espera em Berlim, esqueça os problemas e aproveite essa nova oportunidade, elas não acontecem assim com tanta frequência. – falou transmitindo calma e segurança em seu tom de voz, e eu respondi com um sorriso singelo, voltando a deitar em seu ombro enquanto ela acariciava os meus cabelos.
Uma nova oportunidade. Talvez fosse essa a minha nova realidade.

Eu voltei a dormir e quando acordei novamente, o relógio no criado mudo ao lado da cama marcava onze da manhã. Eu havia perdido o café da manhã e a reunião para alugar os itens necessários para a trilha.
Sentei na cama e joguei o cobertor para longe. Chamei por , mas ela não estava por lá. Andei até o banheiro sem a menor pressa, apesar do horário. Tomei banho tranquilamente e me arrumei rapidinho assim que percebi que quarenta minutos haviam se passado em todo aquele processo. O quarto estava por inteiro iluminado e a rua lá fora estava bem movimentada aquela altura do dia. Antes mesmo de chegar no hall do hotel, eu podia ouvir as risadas e conversas das pessoas que estavam bastante animadas. Quando desci o último degrau, vi cinco jovens em uma rodinha conversando alto.
- Oi. – Falei tímida.
- Dormiu bem, ? – e suas piadinhas.
- Você não imagina o quanto. – Soltei e todos ali riram.
- Aliás, , esse é o Jason, amigo da Ava e do Brian. – Minha amiga apontou sorridente para um garoto de olhos azuis, tão alto quanto Brian, porém não tão bronzeado e forte quanto o mesmo e eu pude captar alguma coisa naquele sorriso. – Brian, essa é a minha . - O garoto me cumprimentou tão sorridente quanto a e se aquele sorriso anterior dela já era suspeito, agora eu tinha uma confirmação. Eu e o meu dom de interpretar sinais.
Todos voltaram à mesma conversa, exceto Ava que se virou para mim e começou me informando sobre o que eu havia perdido aquela manhã. Ela falava sobre o aluguel de algumas barracas, quando eu ouvi a risada de Danny e olhei sutilmente em direção aquele som gostoso. Ele ainda tinha no rosto o mesmo sorriso cativante que me conquistava a cada manhã, exatamente o mesmo. Balancei a cabeça desviando o olhar novamente para Ava que agora falava sobre o grupo que estaria na mesma trilha conosco.

A caminhonete em que eu, , Danny, Ava, Brian e Jason estávamos, tinha acabado de parar no estacionamento improvisado da reserva. De acordo com o que Ava havia me passado algumas horas antes, nós e mais alguns universitários e mochileiros estavam naquela trilha.
Assim que saí do carro, me deparei com uma linda paisagem, diferente de tudo o que eu havia imaginado sobre a Floresta Negra. Havia um grande lago muito bem iluminado do lado de uma pequena e rústica casa de madeira que devia ser o escritório da reserva ou alguma coisa do tipo. As árvores eram bem altas e as folhas refletiam um verde tão bonito que era impossível não se sentir feliz rodeada daquilo. Eu tinha certeza de que o verão era o grande responsável por dar àquela floresta, tão linda e tranquila aparência.
- Isso é realmente fantástico, mas eu me sinto num filme de terror. – Falei para as garotas que também estavam por perto, olhando tudo em volta.
- Filme de terror com essa paisagem? – Ava perguntou em tom de zombaria.
- Isso tudo me lembra Pânico na Floresta. Um grupo de jovens em busca de diversão, floresta, acampamento... – Falei enumerando o que falava em meus dedos.
- Aquilo é só um filme, . Esquece e vamos nos divertir! – exclamou, me puxando pela mão até o grupo que já começava a se organizar para entrarmos na floresta.
Havia dois guias em nosso grupo, e doze turistas. Antes da aventura começar, os guias nos passaram todas as instruções possíveis. Já devia ser umas duas horas da tarde, e a previsão para a chegada na clareira, onde seria organizado o acampamento, era dali a quatro ou cinco horas, ou seja, todo aquele tempo numa cansativa, porém compensadora caminhada.
- Eu sabia! – Exclamei assim que vi uma torre de madeira muito alta com uma casa no topo, no meio da floresta, e me virei correndo procurando por algum rosto conhecido. – Droga, droga, droga! – Exclamei ainda mais nervosa e me sentei em uma pedra qualquer.
- Por que toda essa correria? – A voz de veio das minhas costas e eu me levantei rapidamente, ainda sem fôlego devido à correria.
- Onde diabos vocês estavam? – Perguntei quase gritando enquanto algumas caras me olhavam estranhamente.
- O Brian perdeu o celular lá atrás, nós só estávamos procurando. – Ela apontou para o resto do nosso grupo que ainda tinha um olhar receoso voltado para mim. Eu não prestava muita atenção no que falava. Tudo era ouvido, mas nada absorvido.
- ? – me chamou e eu levantei os olhos para encará-la.
- Temos uma torre aqui. – O medo era a coisa mais clara no meu tom de voz. – O filme, droga! – Eu choraminguei assim que ela me olhou com a sobrancelha erguida em sinal de dúvida.
- A está com medo. – Ava falou baixinho para os garotos e eu rolei os olhos. Era humilhante demais ter medo daquela floresta só porque ela parecia com a floresta de um filme de terror. Eu precisava parar de assistir filmes daquele tipo, a influência deles sobre mim era algo absurdo.
- Não se preocupe, . Aquela torre só serve para nos manter ainda mais seguros. Os guias usam GPS e todas essas coisas. Caso nada dê certo aqui em baixo, o que é uma possibilidade bem remota julgando pela quantidade e qualidade dos equipamentos que eles usam, eles podem recorrer aos aparelhos da torre. Não há nada de anormal por aqui. – Brian, o garoto alto de olhos castanhos falou tão educadamente e tão atenciosamente que quase me convenceu. Quase. A sensação de estar em algum lugar muito parecido com aquele que humanos transformados em monstros matavam pessoas não me abandonou completamente.
- Não cisma, honey. – Ava passou por mim sorrindo, e logo seguiu o namorado que já continuava a caminhada.
- Vamos? – me estendeu a mão e eu a devolvi o mesmo olhar carinhoso. Antes de pegar na mão da minha amiga e seguir a caminhada, eu olhei um pouco para trás e vi o rosto de Jason e Danny me encarando curiosos, esperando qualquer reação demente da minha parte.
- Desculpa... – Falei super sem graça.
- Ela não costuma agir assim garotos, ela só estava absurdamente assustada.
Eles sorriram como quem concordava com o que tinha falado e nós voltamos à caminhada.
- Aliás, Danny, me fale sobre a infância da . Eu não sabia desse lado medroso dela. – Ela gritou e eu a cutuquei forte nas costelas fazendo com que um outro grito, agora de dor, saísse de sua garganta.
- O pior é que nem eu sabia desse lado. – Ele falou, rindo gostosamente e eu só me mantive calada.

Eu não pensava mais no incidente do começo da caminhada, quando o meu poder de fantasiar alguma coisa superou a minha própria noção da realidade. Já caminhávamos há umas três horas e de minuto em minuto eu perguntava a se a cachoeira estava próxima. A passagem pela cachoeira, que segundo os guias, era uma das mais lindas da região, estava prevista para aquela trilha e a falta do que fazer, do que conversar e do que ver, já estava me deixando entediada. Ava e Brian estavam mais grudados do que nunca, conversava comigo, mas logo perdeu a paciência e correu até onde Jason estava e entrelaçou o seu braço no dele engatando alguma conversa animada, os outros três garotos e uma garota que estavam conosco não pareciam muito sociáveis e eu realmente não tinha muito ânimo para fazer novas amizades naquelas condições, sem falar que os guias universitários despojados que eu imaginava não pareciam tão legais assim. Eles supervisionavam todo o grupo e hora ou outra contavam algumas curiosidades da região ou algumas piadinhas sem graça. Eu não conseguia enxergar Danny de onde estava, bem atrás de todo o grupo, mas aposto que ele devia estar bem na frente compartilhando suas piadinhas sem graça com os guias.
Eu parei cansada de toda aquela caminhada, me perguntando se todo aquele esforço valeria realmente a pena. Se conseguissem ler meus pensamentos, logo me chamariam de velha rabugenta que reclamava de tudo, e eu estava de fato parecendo uma velha. Cada árvore naquela imensa floresta era linda, elas eram extremamente altas e a pouca luz que adentrava pelas copas das árvores deixava tudo ainda mais bonito. E eu? Bom, eu só reclamava da caminhada, do quanto eu estava cansada, sem nem ao menos perceber na beleza de cada simples detalhe.
Parei de caminhar e joguei a enorme mochila de camping no chão. Eu precisava de um pouco de água e de quinze minutinhos de descanso.
- Não é legal você se afastar do grupo. – Danny falou me dando um grande susto, já que eu estava agachada procurando o cantil na mochila distraidamente.
- Wow! – Exclamei me levantando.
- Desculpa, eu não queria te assustar.
- Tudo bem. – Respondi simplesmente e voltei a procurar o cantil. Demorei algum tempo, já que as minhas roupas, alguns utensílios necessários para o acampamento e o saco de dormir ocupavam um espaço não muito organizado dentro daquela mochila. Desviei um pouco o olhar e percebi que Danny continuava em pé de frente para mim, sem falar que eu tinha quase certeza de que ele tinha o olhar parado em mim.
- Bem, eu não me afastei tanto assim, só parei um pouco pra descansar. – Falei dando de ombros e ficando em pé novamente, agora com um cantil nas mãos.
- Só tente se manter segura por aqui. – Ele falou sério depois de ficar me encarando enquanto eu bebia água. Eu abaixei novamente, guardei o cantil e joguei a mochila novamente nas costas.
- Quanto a isso não se preocupe. Eu sei me cuidar sozinha. – Sorri como quem sorri de alguma piada, claro que sem todo aquele estardalhaço, mas ri da cara indignada de Danny.
- Você é muito mal agradecida mesmo, eu ve...
Eu estava me preparando para criar respostas legais para a explosão de adjetivos que me seriam dados, mas logo o barulho de risadas, não muito distante dali, fez Danny se calar.
De repente toda aquela sensação de que nada estava bom e de que nada valeria a pena, me abandonou e eu me senti pronta para a diversão. Resolvi deixar o Danny rabugento para trás e correr na direção das risadas.
Não demorou muito até que eu enxergasse pedras pelo caminho, e essas pedras cresciam e ficavam úmidas, depois poças começaram a aparecer e segundos depois, as poucas árvores que tampavam a minha visão desapareceram e só aí eu pude ver a mais linda paisagem de toda aquela caminhada. Uma linda cachoeira, com um lago enorme logo em baixo da queda, que não era muito alta. A floresta encobria todo aquele paraíso e por um momento eu me senti privilegiada por presenciar toda aquela beleza, eu senti que a caminhada realmente valera a pena.
- ! – e Ava gritaram assim que me avistaram lá de baixo. Eu balancei meus braços animada, joguei a mochila no chão e tirei rapidamente a minha roupa e o meu tênis, revelando um biquíni listrado preto e branco. Estava prestes a pular quando olhei para trás e vi um Danny cansado, com as mãos no joelho e me olhando de uma maneira no mínimo concentrada. Ele pareceu um fracote se comparado ao que era na adolescência.
- Vem ver isso Danny. – Falei fingindo preocupação e ele me olhou torto.
- O que aconteceu? – Perguntou grosso e eu segurei o riso.
- Eu não sei. – Fingi ainda mais preocupação e no instante seguinte ele estava ao meu lado.
- O que foi? Eu não vejo nada. - Perguntou olhando para a queda.
- Eu só acho que nós precisamos de um pouco mais de diversão. – Falei com um sorriso maroto nos lábios e o empurrei. De repente Danny me pareceu muito mais esperto se comparado ao que era na adolescência. Em um ato nada esperado ele se agarrou em mim e nós dois caímos juntos.

Turn it inside out so I can see
Vire ao contrário para que eu possa ver
The part of you that's drifting over me
A parte de você que está tomando conta de mim
And when I wake you're, you're never there
E quando eu acordo você nunca está lá
When I sleep you're, you're everywhere
Mas quando eu durmo, você está em todos os lugares
You're everywhere
Você está em todos lugares

Just tell me how I got this far
Só me diga como eu cheguei tão longe
Tell me why you're here and who you are
Me diga por que você está aqui e quem é você
’Cause everytime I look you're never there
Porque sempre que eu olho você nunca está
And everytime I sleep you're always there
Mas quando eu durmo, você está sempre lá

A música de algum seriado adolescente que eu costumava assistir nas manhãs de sábado quando ainda estava na faculdade grudou na minha cabeça de tal maneira que até enquanto eu caía, eu conseguia usar aquela canção como fundo musical. E de alguma forma aquela letra fazia sentido.

’Cause you're everywhere to me
Porque você está em todos os lugares para mim
And when I close my eyes it's you I see
E quando eu fecho meus olhos, é você quem eu vejo
You're everything I know that makes me believe
Você é tudo que eu conheço, que me faz acreditar
I'm not alone
Eu não estou sozinha
I'm not alone
Eu não estou sozinha

Ser puxada por Danny era um ato tão pouco provável na minha cabeça, que eu só consigo me lembrar de seus braços me puxando junto com ele e logo em seguida de ter mergulhado bem fundo na água. Eu e Danny emergimos juntos e assim que eu pude respirar sem problema algum, comecei a tossir. Ter um ataque logo depois de uma queda e de um mergulho daqueles não era a melhor sensação do mundo e eu já estava começando a me sentir bem o suficiente para puxar Danny pelos cabelos por ter me levado junto, mas logo que os borrões desapareceram da minha visão, eu o enxerguei bem na minha frente. Senti suas mãos tocarem os meus braços e os seus olhos azuis preocupados bem em mim.

I recognize the way you make me feel
Eu reconheço o jeito que você me faz sentir
It's hard to think that you might not be real
É difícil acreditar que você pode não ser real
I sense that now the water is getting deep
Eu sinto que a água está ficando funda
I try to wash the pain away from me
Eu tento lavar a dor para longe de mim
Away from me
Para longe de mim

’Cause you're everywhere to me
Porque você está em todos os lugares para mim
And when I close my eyes it's you I see
E quando eu fecho meus olhos, é você quem eu vejo
You're everything I know that makes me believe
Você é tudo que eu conheço, que me faz acreditar
I'm not alone
Eu não estou sozinha
I'm not alone
Eu não estou sozinha

- Você está bem, ? – Ele me olhava preocupado e eu tossi mais algumas vezes.
- Eu... – Respirei fundo, recuperando o fôlego. – Eu acho que sim.
- Vem, eu te levo até a margem. – Ele falou me puxando para ele enquanto eu ainda me sentia um pouco atordoada.
- Não, Danny! Eu estou bem. Eu me sinto bem. – Falei sorrindo.
- Hey, casal! Tudo bem por aí? – Ava gritou do outro lado do lago. Eu me virei e acenei que estava tudo bem.
- Tem certeza? – Danny voltou a perguntar com aquela mesma cara de preocupação e eu sorri meigamente.
- Absoluta Danny.

When I touch your hand
Quando eu toco sua mão
It's then I understand
É aí que eu entendo
The beauty lies within
A beleza de tudo isso
It's now that we begin
É agora que a gente começa
You always like my way
Você sempre ilumina meu caminho
There never comes a day
Eu espero que nunca chegue um dia
No matter where I go
Não importa onde eu vá
I always feel you soar
Eu sempre sinto você

- O que você está fazendo? – Ouvi Danny perguntar enquanto eu inspirava todo o oxigênio possível. Em seguida eu mergulhei fundo e nadei até uma pedra bem próxima. – ! Eu não vejo graça nisso, você quase acabou de se afogar!
Ele precisava saber que alguém ali nadava muito bem. Nadei novamente até onde ele estava, com muito cuidado para que ele não me notasse, e puxei sua perna por debaixo da água. Ouvi algum grito bem distante e quando voltei à superfície, Danny tinha uma expressão brava no rosto.
- Ah, qual é? Você ficou bravo mesmo? – Eu perguntei entre risos, não me aguentando com a expressão de Danny. Na verdade eu só queria parar de rir, abraçá-lo e falar que ele só ficava mais lindo com aquela cara, mas nem sempre eu conseguia satisfazer os meus desejos.
- Você acha engraçado, não é? – Aquela era a expressão de vingança do meu primo. Eu só consegui parar de rir quando vi em seus lábios um sorriso que dizia claramente: “Você tem cinco segundos para correr”, naquele caso, cinco minutos para começar a nadar.
- Hey, vai com calma. Não esqueça que eu quase me afoguei. – Falei tentando me esquivar sem que ele percebesse, mas a situação não era a melhor dentro d’água.
- Nada melhor do que a vingança. – Danny riu maquiavélico e eu tentei mergulhar para nadar até a margem, mas a minha ação foi completamente fracassada. Só tive de sentir novamente as mãos dele me puxando para mais perto e o meu fôlego se esvaindo mais uma vez.
- Não faça nada que eu não faria. Lembre-se que quem fazia cócegas em mim e na Vicky era você e não ao contrário. – Tentei lembrar, já que o que vinha na minha cabeça era uma sessão de tortura com as cócegas dele, mas nada do que eu pensava aconteceu.
Danny me puxou pela nuca para um beijo tão inesperado, mas ao mesmo tempo tão natural que eu só me dei conta quando os seus lábios, relativamente quentes em relação a água que estávamos mergulhados, tocaram os meus em um beijo urgente e carinhoso.
Qualquer tipo de castigo que me fizesse pagar até o último segundo o grande susto que eu o fiz passar rondava os meus pensamentos, mas jamais passou pela minha cabeça que Danny me beijaria daquela maneira e naquele momento, principalmente depois da nossa última conversa. Minhas mãos antes sem ação alguma envolveram os cabelos molhados da nuca de Danny e ele percebendo aquilo como um sinal, pousou a mão esquerda na minha cintura nos aproximando ainda mais. Eu sorri entre o beijo e senti que pela primeira vez naquela viagem, um momento entre nós não estava sendo constrangedor ou dolorido.

’Cause you're everywhere to me
Porque você está em todos os lugares para mim
And when I close my eyes it's you I see
E quando eu fecho meus olhos, é você quem eu vejo
You're everything I know that makes me believe
Você é tudo que eu conheço, que me faz acreditar
I'm not alone
Eu não estou sozinha

'Cause you're everywhere to me
Porque você está em todos os lugares pra mim
And when I catch my breath it's you I breathe
E quando eu respiro, é você que eu respiro
You're everything I know that makes me believe
Você é tudo que eu conheço, que me faz acreditar
I'm not alone
Eu não estou sozinha

You're in everyone I see
Você está em todo mundo que eu vejo
So tell me
Então me diga
Do you see me?
Você me vê?


6 # I don't want this feeling to go away
[Quem quiser acompanhar com a música – Queen - Crazy Little Thing Called Love]

A luz do sol que antes era claramente vista por cima da copa das árvores, aquela altura do dia estava bem mais apagada. As árvores ainda tinham aquele mesmo brilho, e eu acreditava que elas seguiriam daquela maneira noite adentro. Eu estava em êxtase total. Caminhava chutando as pequenas pedrinhas que encontrava pelo caminho com os pensamentos bem longe dali.
Assim que o banho na cachoeira acabou e enquanto eu colocava a roupa por cima do biquíni molhado, caminhou até mim e sentou numa pedra me observando.
- Eu acho que nem preciso perguntar sobre esse seu sorriso involuntário. – Ela falou parecendo satisfeita e com um sorriso tímido nos lábios, e eu só devolvi aquele mesmo sorriso, terminei de me vestir, peguei a mochila e acompanhei o resto do grupo que já estava quase completo para recomeçar a trilha que não duraria muito mais.
Durante quase duas horas, o tempo restante até a chegada na clareira, não consegui ver Danny. Eu continuava bem atrás de todo o grupo, e me sentia aliviada por ele não se aproximar, porque eu não sabia qual seria a minha reação quando ouvisse aquela voz novamente, ainda mais porque eu tinha certeza que ele só se aproximaria para puxar conversa sobre um assunto meio complicado e meio constrangedor. Se eu me arrependia por ter correspondido? Claro que não! Mas é como dizem por aí, depois que as coisas acontecem é muito mais difícil encarar uma pessoa.

A clareira era, como tudo naquele lugar, absurdamente linda. Eu não conseguia olhar para alguma coisa naquela floresta e achar feio ou fora do lugar. Se ouvisse os meus pensamentos diria que eu parecia uma adolescente boba e apaixonada. E bem no meu interior, nos mais escondidos e profundos sentimentos, eu sabia que alguma coisa nova, muito parecida com aquele sentimento, começava a brotar em mim.
O pôr-do-sol estava bem diante de nós. A clareira ficava num despenhadeiro, e assim que chegamos, todos já começaram a abrir suas mochilas e montar suas barracas, mas aquele cenário me pareceu belo demais. Eu precisava apreciá-lo por mais alguns instantes.
- Hey mocinha, não corra da obrigação não! – gritou jogando a nossa barraca toda embolada no chão.
- Dois minutinhos e eu armo tudo sozinha! – Respondi e andei mais adiante.
De lá de cima era possível ver grande parte da Floresta Negra, e tudo parecia ainda mais bonito. O sol ia se pondo e no horizonte só restava um grande borrão laranja com algumas nuvens que aos poucos iam desaparecendo, dando lugar às estrelas. Não demorou muito até que eu ouvisse além das risadas do grupo, alguns galhos sendo quebrados atrás de mim, e eu não precisei me virar para saber quem era.
- Lindo, não? – Daniel se pronunciou em pé bem ao meu lado.
- Muito. – Falei sonhadora com os braços em volta do meu corpo, sem ainda desviar o olhar para ele.
Um pequeno silêncio se instalou enquanto apreciávamos aquela bela paisagem. Um ventinho batia ali em cima e eu já começava a me arrepiar. Eu não sabia ao certo se faltavam palavras ou se faltava coragem, o fato é que eu não me pronunciaria a respeito de nada, pelo menos por enquanto, e foi vendo a minha atitude no mínimo introspectiva, para não dizer ‘adulta com problemas em expressar seus sentimentos’, que Danny, com o seu jeito único e cativante voltou a falar.
- Pensando em quê?
Continuei olhando o grande borrão laranja por mais alguns instantes e logo depois virei o rosto para Danny. Ele continuava com os olhos pregados na paisagem enquanto eu o encarava. Uma vontade de rir me invadiu e eu só sorri timidamente pressionando os meus lábios para uma risada não escapar.
- Do que você está rindo? – Ele virou o rosto imediatamente para mim com uma expressão curiosa.
- De nada. – Soltei mais um sorriso tímido e ele manteve a mesma expressão curiosa na minha direção.
- Pára de me olhar assim Daniel! – Falei rindo e o empurrando de lado.
- Ah, por quê você não me fala no que está pensando? Eu prometo sair daqui assim que conseguir a resposta. – Ele falou novamente em pé ao meu lado.
Eu o encarei com a sobrancelha erguida e sustentei o nosso olhar por mais algum tempo pensando em qualquer desculpa esfarrapada.
- Sinceridade. – Alertou-me. Desisti do plano e voltei a encarar o horizonte.
- Em nada especial. – Dei de ombros. - Meus pensamentos não estão restritos a uma única coisa. Eu penso em muita coisa ao mesmo tempo. Não há nada tão importante passando pela minha cabeça nesse instante. Satisfeito?
- Talvez.
- Hum... Mas e você? Anda pensando em quê? – A pergunta saiu com tanta facilidade que eu não parecia mais a adulta medrosa de antes.
- Ao contrário de você, eu consigo me manter focado em uma única coisa por algum tempo. – Ele tinha uma expressão de vencedor convencido no rosto e eu tive vontade de empurrá-lo novamente.
- Claro. – Sorri sarcasticamente. – E no que o garotão tanto pensa?
- , eu estou precisando de você aqui! – O grito da minha amiga não interrompeu a minha pergunta irônica, mas com certeza ela acabou com a minha resposta.
- Acho que a precisa de você. - Daniel-Maldito-Jones falou triunfante e eu bati o pé no chão.
- Ela pode esperar trinta segundos. – Falei decidida e ele riu.
- Quanta curiosidade, hein?
- Ah, por que você não me fala no que está pensando? Eu prometo sair daqui assim que conseguir a resposta. – O imitei com uma voz esganiçada insuportável e ele me olhou torto.
- , a barraca está me vencendo! Dá pra você vir aqui agora?! – gritou um pouco mais brava e Danny me deu um leve tapinha no ombro direito.
- Acho melhor nós irmos. – E só deu tempo de ver Daniel andando calmamente de volta ao grupo.
Eu sabia que qualquer tentativa de tirar a informação dele seria fracassada, então só respirei fundo tentando controlar a pequena raiva, mais curiosidade do que raiva, e voltei ao grupo. Mais cedo ou mais tarde aquela resposta me seria dada, e não havia dúvidas quanto a isso.

- Finalmente você decide vir ajudar a amiga a armar a barraca na qual você também vai se abrigar por essa noite! – usou a expressão ‘se abrigar’ só para deixar o momento mais trágico e eu ri.
- Você é bem dramática, .
- Dramática? Olha essa barraca! Só tem lona e uns ferros com elásticos que eu nem sei onde colocar!
- Respira e senta por aí que em dez minutos eu termino isso aqui. – Falei sabiamente e comecei o trabalho.
Eu não me lembro de ter participado de tantos acampamentos na minha fase escolar, mas a coisa não era assim tão difícil. Um pouco mais de lógica e de uma análise atenciosa fazia qualquer humano ser capaz de montar a barraca.
Em menos de dez minutos tudo estava de pé, os colchonetes e cobertores devidamente organizados dentro da barraca e eu sem nenhum dano físico. Grande parte da galera já tinha montado suas barracas e a maioria já estava em volta de uma fogueira improvisada conversando alto e rindo bastante. Os guias só terminavam de ajudar algumas pessoas a prender os ganchos que deixavam a barraca algo terrestre e não aéreo durante um vento forte. Eu procurei Danny com o olhar e o encontrei jogando um dos ferros da barraca no chão sem paciência. Meu sorriso foi tão involuntário quanto os batimentos do meu coração e aquela relação era tão próxima que eu me assustei ao pensar naquilo. Comecei a pensar na nossa última e confusa conversa e a curiosidade dentro de mim só fez aumentar, junto com a esperança de que ele pensava em mim, ou para não parecer tão pretensiosa, no mínimo pensava no que havia acontecido conosco na cachoeira. Quando dei por mim a barraca do meu primo já estava montada e todos estavam em volta da fogueira rindo feito hienas.
Um dos guias havia levado um violão e Upside Down de Jack Johnson fazia do momento, um luau improvisado bem legal. Algumas garrafas de cerveja e vodka começavam a ser jogadas num canto e apesar de terem acabado de se conhecer e como no meu caso, ter acabado de trocar a primeira palavra com alguns deles, todos estavam muito animados.
Um garoto americano, eu só sabia da sua origem porque havia comentado que fora o nosso grupo só havia mais quatro americanos conosco, batucava na perna o mesmo ritmo da música e o refrão era cantado por todos.

I wanna turn the whole thing upside down
Eu quero virar a coisa toda de cabeça para baixo
I'll find the things they say just can't be found
Eu vou encontrar as coisas que eles dizem que não podem ser encontradas
I'll share this love I find with everyone
Eu compartilharei este amor que eu encontro com todo mundo
We'll sing and dance to mother nature's songs
Nós cantaremos e dançaremos às canções da mãe natureza
I don't want this feeling to go away
Eu não quero que este sentimento vá embora

Eu ria de alguma história que o Jason me contava enquanto o pessoal decidia a próxima música. Eu ouvi alguém pedir para Danny tocar alguma coisa e a minha atenção foi automaticamente voltada para ele.
Alguns meses depois de ter me mudado para a Alemanha, Danny fez erroneamente o teste para uma boyband chamada V e é claro que não conseguiu a aprovação, levando em consideração o impacto para os jurados quando o viram entrar com um violão numa sala onde o quesito ‘oi, eu tenho um rosto perfeito e danço desde o samba até a dança do ventre’ era muito mais importante do que qualquer outra coisa. Viva a quem inventou o playback! Britney Spears que o diga. Quando estava indo embora, Danny encontrou um garoto que não havia passado no teste de uma outra banda, Busted. Esse era o Tom, ele havia gravado todo o teste do Danny e após se conhecerem, sugeriu que formassem uma banda. Depois, de com toda a coragem do mundo, irem até a Universal Island Record e tocarem algumas músicas acústicas, serem contratados, se apaixonarem por Harry e Dougie numa seleção para baterista e baixista, finalmente o McFly estava formado.
Eu só ouvia do quarto os gritos da minha mãe quando a tia Kathy dava por telefone uma nova notícia de Danny em Londres. De como ele estava trabalhando duro com os amigos para garantir o futuro da banda, de como ele estava radiante apesar de todas as dificuldades do início, de como o primeiro single da banda foi parar em primeiro lugar no UK Single Chart, de como eles quebraram o record dos Beatles como banda mais jovem a ter o álbum em primeiro lugar. Minha mãe contava tudo, nos mínimos detalhes. Eu sempre estive a par de todas as coisas que aconteciam em Londres, mas nunca falei com Daniel. Nunca, nenhuma palavra direcionada a ele saiu da minha boca. Eu tinha medo de não suportar a situação, a mudança era tão recente e eu ainda estava tão magoada com os meus pais que eu simplesmente não consegui. A família estranhou por um tempo, mas logo eles esqueceram e foi assim que estivemos por seis anos, sem nenhum contato, sem sequer uma palavra. Senti meu coração apertar ainda mais com aquelas lembranças. Danny estava sério, segurando o vilão com uma intimidade que eu desconhecia. Eu presenciei alguns momentos da banda que Danny teve com a Vicky quando eram bem mais novos ou das vezes que ele tocava nas noites de Bolton, mas naquele momento ele me pareceu bem profissional e eu me senti completamente deslocada. Eu havia perdido uma fase tão importante. E o pior de tudo, o tempo não voltaria para que eu pudesse acompanhar.
Todos discutiam que música Daniel deveria tocar e eu só mantive meus olhos fixos nele, enquanto ele, tão perdido quanto eu em toda aquela algazarra que se seguia, tentava decifrar o que todos ali queriam ouvir.
- Uma sugestão de quem vai tocar não seria nada mal. – Falei, e todos incrivelmente prestaram atenção, e mais incrível ainda, concordaram.
- Boa! – Brian, que estava sentado ao lado de Danny, falou. – Vá em frente Danny.
- Ok. – Falou tímido, ajeitou o instrumento no colo e começou.

This thing called love, I just can't handle it
Essa coisinha chamada amor, eu simplesmente não consigo lidar com ela
This thing called love, I must get 'round to it
Essa coisinha chamada amor, eu tenho que tratar dela
I ain't ready
Eu não estou pronto
Crazy little thing called love
Coisinha maluca chamada amor

This thing (this thing) called love (called love)
Essa coisa chamada amor
It cries (like a baby) in a cradle all night
Chora (como uma criança) em um berço a noite inteira
It swings (woo-ooo), it jives (woo-woo)
Balança, dança
It shakes all over like a jelly fish
Se mexe toda como uma água-viva
I kinda like it
Eu meio que gosto
Crazy little thing called love
Coisinha maluca chamada amor

O violão começou a ser tocado naquele ritmo contagiante de Crazy Little Thing Called Love do Queen que me lembrava um pouco os anos 60, e por um tempo só ele pode ser ouvido. Não demorou muito até que a voz de Danny também pudesse ser ouvida, e para a minha surpresa a voz dele era magnificamente bela. Muitas vozes soavam bem para mim, mas a de Danny soava de uma forma diferente, parecia mais aveludada e mais firme ao mesmo tempo. Eu não me lembro de tê-lo escutado cantando muitas vezes. Mamãe recebia os CD’s de McFly que a tia Kathy mandava e hora ou outra ela ouvia em casa, mas logo que eu mudei para a faculdade, ouvir aquelas músicas passou a ser algo bem raro, apenas algumas poucas entrevistas que eu pegava pela metade ou especiais de Natal nos programas da Inglaterra que eu sentia falta e assistia na TV, mas um acústico me pareceu muito mais bonito.
Na segunda parte, Brian e Jason que conheciam a canção fizeram um backing vocal super improvisado o que fez todos na roda rirem.

There goes my baby
Lá vai a minha garota
She knows how to Rock'nRoll
Ela conhece o Rock'nRoll
She drives me crazy
Ela me deixa maluco
She gives me hot and cold fever
Ela me dá febre quente e gelada
Then she leaves me in a cool, cool sweat
E depois me deixa suando frio

Danny cantou essa parte parecendo um descarado, e eu ri com as meninas que como eu não se aguentavam com a interpretação musical daquele garoto.

I gotta be cool, relax
Eu tenho que me tranquilizar, relaxar
Get hip, get on my tracks
Receba no meu quadril e obter pistas
Take a back seat, hitch-hike
Pegar estrada, sentar atrás
And take a long ride on my motor bike
E fazer uma longa viagem na minha motocicleta
Until I'm ready
Até eu ficar pronto
Crazy little thing called love
Coisinha maluca chamada amor

Solo no violão e todos se animaram ainda mais. Eu suspirei sem tirar os olhos de Danny e me cutucou dizendo algo como ‘você está dando muito mole’, eu a ignorei e voltei a olhar para Danny que ainda estava concentrado nas notas e batia o pé direito de leve no chão no mesmo ritmo que a música.

I gotta be cool, relax
Eu tenho que me tranquilizar, relaxar
Get hip, get on my tracks
Receba no meu quadril e obter pistas
Take a back seat, hitch-hike
Pegar estrada, sentar atrás
And take a long ride on my motor bike
E fazer uma longa viagem na minha motocicleta
Until I'm ready (ready Danny)
Até eu ficar pronto (pronto Danny)
Crazy little thing called love
Coisinha maluca chamada amor, não estou pronto

Brian e Jason fizeram mais uma gracinha ao substituir Freddie por Danny e todos explodiram em risadas. Até o próprio Danny teve que se conter e voltar a cantar, mesmo que ainda segurando o riso.

This thing called love, I just can't handle it
Essa coisinha chamada amor, eu simplesmente não consigo lidar com ela
This thing called love, I must get 'round to it
Essa coisinha chamada amor, eu tenho que tratar dela
I ain't ready
Eu não fiquei pronto
Crazy little thing called love
Coisinha maluca chamada amor

- Você percebeu como o Danny te olhava? – perguntou empolgada, ficando sentada e quase me esmagando.
- Senta aí e fica quieta porque esses sacos de dormir são uma droga.
- Você que deu a idéia de trazer isso. – Ela apontou para o que a gente vestia e eu ri de como nós parecíamos tão ridículas usando aqueles sacos de dormir que mais pareciam macacões.
- Eu pensei na possibilidade de estar muito frio aqui. – Falei me defendendo.
- Claro, Floresta Negra no verão é um gelo. – Ironia a flor da pele.
- Nem vem porque nem está calor.
- É, não está mesmo. – Eu supus que ela deu de ombros, porque vestida naquilo e só com a luz de uma lanterna, eu jamais saberia o que exatamente minha amiga estava fazendo. – Mas voltando ao Danny...
- Ah ! Você quer realmente que eu leve a sério um garoto que canta Crazy Little Thing Called Love? Tipo, aquela não é a música mais indicada para uma declaração nem nada do tipo. – Eu interrompi as suas especulações.
- Certo, mas levanto em consideração que ele é o seu amor da adolescência e que ele te olhava de uma maneira bem suspeita, para não dizer ‘minha prima é gostosa e eu quero pegar ela’...
- ! – Minha exclamação foi acompanhada de um tapa bem forte, mas por sorte ela tinha uma super e ridícula proteção, vale frisar novamente.
- Ok. Mas levando em consideração que ele estava te secando... – Ela me olhou para checar se tinha permissão para continuar, e eu só ergui uma sobrancelha numa expressão falsa. – Então... Hum, o que eu queria falar mesmo? – se perguntou e eu só a ignorei.
- Você é realmente muito boa em conselhos e coisas do tipo. – Falei sarcasticamente.
- Acho que aquela cerveja estava vencida. – Ri brevemente com os comentários débeis que se seguiam da minha amiga. – Shiu! Já são quase três da manhã! – Ela falou tampando minha boca num ato muito desengonçado, a julgar pelo desconforto que era tentar se mexer vestindo aquele saco de dormir. Ficamos em silêncio alguns minutos até alguém me chamar.
- ?
- Oi, .
- Quê?
- Que o quê? – Eu perguntei mais perdida que bala em tiroteio.
- Que o que do quê?
- Hum? – Virei de lado e encarei que tinha a mesma expressão confusa que eu. – Você me chamou e eu só respondi.
- ?
- Pela mãe natureza, , foi você quem acabou de me chamar? – Eu sussurrei um tanto assustada.
- Você viu os meus lábios se mexerem?
- Ai como você é carinhosa. – Fiz muito esforço para sentar e nós caímos na risada.
- , sou eu, o Danny.
- Uh! O príncipe está chamando a princesa. Jogue seus cabelos Rapunzel. – falou de forma teatral e eu ouvi uma risada vinda do lado de fora.
- Vocês estão contando historinhas da Disney uma hora dessas? - E eu pensando que a era a única idiota metida a engraçadinha que tinha por perto.
- Danny, o que você quer? – Perguntei sentada, tentando me equilibrar e ignorando os comentários daquelas duas pessoas.
- Quero falar contigo.
- Mas são quase três da manhã!
- Mas você está acordada, não custa nada vir até aqui e falar comigo.
- Você pensou na possibilidade de eu estar dormindo?
Eu não queria sair, aliás, eu até queria, mas você sabe... Devido a todas aquelas circunstâncias eu meio que queria me manter longe, ou pelo menos não me envolver tanto. O que foi um completo fracasso.
Em um instante eu não estava lá e no instante seguinte eu estava. Danny devia ser o Flúor, e eu um elétron desemparelhado procurando por uma eletrosfera. Comparação absurda, mas era a única explicação suficientemente ridícula que eu encontrava e que não me fazia sentir mal.
- Você não está pensando em não ir, não é mesmo? – perguntou aos sussurros, se sentando imediatamente ao meu lado e me lançando um olhar desesperado.
- Se vocês fizessem menos barulho enquanto conversam, eu até pensaria nessa possibilidade. – Eu consegui notar a diversão no tom de voz do meu primo.
- Hey! Nós não somos escandalosas! – se meteu indignada.
- É! Nós não somos! – Eu a apoiei, mas com uma imensa vontade de rir.
- Ele foi bem chato agora, mas você tem que ir, garota!
- É! Você tem que vir, ! – Danny apoiou do lado de fora da barraca e eu lancei um olhar mortal para .
- Putz, fala baixo!
- Não adianta falar baixo, porque a nossa distância é tão pequena que nunca vai ser suficientemente baixo para que eu não possa ouvir, a menos que as duas saibam ler lábios ou saibam se comunicar por sinais.
- Ok, Daniel! Eu já estou saindo. – Falei tentando acabar com aquela enrola.
- Cuidado e fiquem por perto. – falou cinicamente e antes de sair eu dei um último peteleco nela, e dessa vez foi em cheio.
Depois daquela tentativa no mínimo cômica de sair da barraca vestindo aquela coisa, eu comecei a me controlar mais em relação ao que eu comia e consequentemente em relação ao meu peso. Só de imaginar que eu podia ficar daquele jeito só comendo as minhas batatinhas preferidas, Pringles, eu quase tive um infarto. Eu era uma inútil tentando ficar de pé e se não fosse a ajudinha de Danny eu passaria a noite inteira tentando me levantar.
- O que é isso? – Ele apontou para o meu macacão/saco de dormir laranja fluorescente e riu.
- Última moda em Paris, não sabia? – Arregalei os olhos fingindo surpresa e ele riu mais. – Antes de irmos, eu preciso tirar isso aqui. – Apontei para o que eu estava vestindo. – Me dê dois minutos. - Eu tinha até esquecido como tirar aquilo, e o tempo pedido não foi suficiente para eu me livrar daquele macacão prático e fácil de usar, segundo a propaganda da TV. Eu me irritei e acabei caindo com a bunda direto no chão e Danny riu ainda mais. Por um segundo eu ignorei a atitude bastante cavalheira dele e me concentrei na sua risada. Como ela me fazia falta...
- Você consegue andar? – Ele perguntou ainda me zoando.
- O que você acha? - Mais um comentário daqueles e os meus petelecos ganhariam um outro alvo.
Danny se calou rapidamente, talvez imaginando o que se passava pela minha cabeça e segurou a minha mão direita. Então o nervosismo tomou conta de mim. Eu sentia uns calafrios estranhos e mexia involuntariamente a mão que Danny segurava, a todo momento.
Ele me guiou em silêncio e com muito cuidado para não tropeçarmos em nada até a roda improvisada onde antes havia uma fogueira. Danny se sentou e bateu a mão de leve ao seu lado para que eu também me sentasse. Ele segurava uma lanterna e aquela era a única luz que tínhamos, todo o resto estava em completo breu. Eu me aproximei um pouco mais dele com medo do escuro, e isso soaria até bastante infantil se eu não estivesse em uma floresta onde bichos terríveis habitam com uma única e minúscula lanterna comparada ao tamanho do que me cercava. Danny passou o braço sobre o meu ombro e aquilo só fez aumentar ainda mais o meu nervosismo.
- Tudo bem?
- Com essa lanterna apontada para mim é impossível eu estar bem. – Brinquei e ele logo apontou a lanterna para as árvores. – O que você queria falar comigo? – Indaguei antes que o silêncio se tornasse constrangedor e ele retirou o braço dos meus ombros.
- Eu queria falar sobre nós. – Ele falou me encarando e eu não consegui me policiar em relação aquilo, eu o encarei da mesma maneira. O seu olhar era tão intenso que eu senti um certo receio em encará-lo, aliás, toda a atmosfera que nos envolvia transbordava receios, mas nada dava medo. Eu, assim como ele, podia sentir que aquele era um momento decisivo.
- Hum...
- Recapitulando? – Danny brincou tentando tirar um pouco daquela tensão que nos cercava.
- Por favor.
- Bom... De que parte eu começo? – Garotos nunca são bons quando suas emoções estão em jogo e Danny era um exemplo clássico disso.
- Eu posso fazer isso?
- Recapitular? – Eu sentia que Danny estava enrolando a nossa conversa só para deixá-la ainda mais distante, apesar de desejar que tudo finalmente se resolvesse.
- Sim.
- Claro. – E eu me achando nervosa...
- Só não tenha um ataque agora porque eu não acabei de me formar em Medicina e nem em nenhum curso na área da saúde.
- Não se preocupe. – Ele falou com um sorriso nervoso nos lábios, o que me incentivou ainda mais para ser a mais verdadeira possível.
- Acho que vou ser um pouco mais direta. No início eu juro que estava te evitando, eu só queria que você se mantivesse o mais distante possível de mim e isso é bem claro, a julgar pelas minhas atitudes e pela nossa conversa na noite em que chegamos no hotel. Mas o fato é que eu não sei o que fazer com relação a nós dois, Danny. Principalmente depois do que aconteceu na cachoeira. – Falei tudo da forma mais clara que encontrei, sem rodeios. Eu tinha dúvidas quanto aos sentimentos de Danny em relação a mim, e aquela sensação de ‘poder ou não poder, eis a questão’, que me atormentava, só complicava ainda mais a nossa situação.
- Eu gosto de você, . Eu sinto exatamente a mesma coisa que eu sentia quando tinha 15 anos, claro que de uma forma mais madura. Eu gosto tanto de você que eu preciso de uma chance novamente, eu preciso da chance que me foi perdida anos atrás.
- E se essa chance não lhe for dada? – Deitei a minha cabeça nos meus joelhos que estavam dobrados e encarei Danny de um ângulo melhor. A pouca luz só nos deixava ainda mais apreensivos, mas eu não estava mais tão nervosa ou ansiosa com relação ao que podia acontecer. Eu estava sendo tão sincera, que talvez essa sinceridade tenha me trazido um pouco de tranquilidade.
- Nós nunca saberemos até onde chegaríamos.
- Isso é como um jogo?
- Claro que não! São os meus sentimentos. – Danny falou meio indignado.
- E como eu posso ter certeza? Até onde eu sei você tinha uma namorada.
- Acho que minha mãe esqueceu de contar alguma coisa a tia Meg. – Um sorriso acabou com a expressão apreensiva de Danny, eu levantei o meu rosto e olhei para onde a luz da lanterna apontava.
- O que aconteceu com seus sentimentos em relação a ela? Morreram? – Voltei a encará-lo como num desafio.
- Eu não sei, mas eu fiquei bem abalado quando reencontrei uma certa pessoa no último Natal.
- Então, sempre que você reencontrar alguém com quem teve alguma relação ou algum sentimento, você vai se sentir abalado e vai terminar com o seu caso do momento. – Eu estava sendo escrota e egoísta, mas eu tinha que ter certeza do quão verdadeiro era o que Danny sentia. Eu tinha certeza dos meus sentimentos. Eu sabia que se o Mark aparecesse novamente eu jamais reataria com ele, porque o que eu sentia não era mais suficiente para um namoro e aquela era uma certeza que eu ainda não tinha ouvido de Danny. Como eu poderia me entregar a alguém que ficou por tanto tempo longe? Como eu poderia me entregar a alguém que eu mal conhecia? Aquelas perguntas mais que imbecis, mas ao mesmo tempo tão lógicas, me apareceram e então eu percebi que talvez não conhecesse Danny de verdade. Eu estava começando a sentir medo.
- Sua afirmação foi sem procedência e desagradável.
- Desculpa, não foi a minha intenção. Eu só quero segurança. Eu só quero ter certeza de que você não vai se sentir abalado quando encontrar com uma antiga namorada.
- , são coisas completamente diferentes! Mesmo que você dificulte as coisas e talvez não acredite nelas, eu vivi a minha vida inteira contigo, você foi o meu primeiro amor e bom, é como dizem por aí... Não se esquece o primeiro amor.
- Isso é só na teoria, Danny, na prática as coisas não funcionam assim. – Minha voz parecia tão calma que nem eu me reconhecia, mas o medo ainda estava lá, se ouvissem com mais atenção a minha voz sentiriam o medo no fundo da minha alma.
- Ou você é masoquista ou gosta de dificultar as coisas! – Danny me olhou sem paciência e eu suspirei fundo antes de falar.
- Como eu posso confiar em você, Danny? Como eu posso saber que isso é verdadeiro?
- Eu não tenho nada além da minha palavra, . Eu te falei o que eu sinto e se você não quer acreditar, eu não posso te forçar a nada.
- A me falou que as boas oportunidades não costumam aparecer com tanta frequência e que devemos aproveitá-las ao máximo. – Falei, me levantando e ficando de costas para Danny.
- E o que isso significa? – Ele me acompanhou também se levantando.
- Significa que nem você pode me dar essa certeza. Por mais que eu queira, eu só vou poder tê-la se me arriscar.
- E você quer se arriscar, ?
- É, eu quero me arriscar. – Falei me virando para Danny e encontrando o que eu mais queria encontrar: um belo sorriso e um brilho que irradiava felicidade naqueles olhos azuis hipnotizantes. – E eu realmente devo ser masoquista ou algo bem parecido, porque o risco é muito grande de eu acabar me machucando, mas ainda assim eu insisto.
- É tudo uma questão do que se coloca em jogo e do que se ganha com ele. – Danny falou sabiamente, segurando as minhas mãos e eu devolvi aquele mesmo sorriso sincero e feliz.
O medo vinha da minha própria insegurança, não das supostas incertezas de Danny. Vinha de mim mesma. Mas afinal, eu queria me arriscar, e se eu queria me arriscar daquele modo, não havia lugar para medos ou incertezas, eu tinha que ser a mais segura possível com relação aos meus sentimentos. E com Danny, especialmente com ele, eu não conseguia sentir medo ou incerteza com relação a nada. Era só a risada dele invadir o cômodo que eu estava ou ele me acariciar daquele modo particular que tudo de ruim se esvaía.
- Só me prometa que dessa vez vamos lutar juntos. – Levantei nossas mãos e enrosquei meus dedos nos dele. Danny olhou para nossas mãos unidas e depois para mim.
- Eu prometo que dessa vez ninguém vai conseguir nos separar e nem que você se mude para o Japão, nós ainda assim continuaremos juntos. – Danny se aproximou e começou a roçar a pontinha do seu nariz na minha bochecha. Eu fechei os olhos imediatamente, sentindo o carinho e o cuidado com que ele me tocava.
- Promessas são quebradas antes mesmo de serem feitas. – Falei seriamente, mas não havia um foco em meus pensamentos, eu não pensava em nada específico e nem conseguiria com aquela distância. A minha afirmação ainda era só mais um reflexo da minha auto super proteção.
- Sua descrença me assusta. – Naquele instante eu senti as mãos de Danny me segurando pela cintura e o seu hálito quente bater em meu pescoço. Ele depositou um beijinho lá e eu me arrepiei, nos fazendo rir.
- Só me faça acreditar que vale a pena. – Falei enquanto envolvia meus braços em seu pescoço.
- Permissão concedida? – Danny me encarou com um olhar de quem pede permissão e eu sorri mais uma vez. Eu estava me sentindo muito boba, como na adolescência. Mas se o preço que se paga por ser um pouco feliz é ser um pouco idiota, dane-se! Eu queria ser idiota.
Nem precisei falar mais nada. Danny me beijou levemente e depois se pôs a olhar a minha reação. Eu abri os olhos e lá estava ele me encarando.
- Eu sinto que poderia ficar assim a noite inteira contigo. – Ele falou sério e sincero. Bom, pelo menos foi o que me pareceu.
Eu tinha meus braços enroscados em seu pescoço e ele tinha as mãos em minha cintura. Eu sentia uma sensação muito boa com Danny próximo daquela maneira.
Acabei com a distância mínima entre nós dois e selei nossos lábios. O beijo foi por inteiro carinhoso e sem pressa alguma, diferente do beijo da cachoeira que tinha uma certa urgência. O gosto daquele beijo me fez tanta falta que beijá-lo novamente foi como beijá-lo pela primeira vez. Eu podia sentir tudo o que Danny sentia naquele momento só pelo toque excessivamente carinhoso da sua língua e de seus lábios e pela forma como ele acariciava cada parte alcançável do meu corpo.
Eu queria que ele estivesse tão próximo de mim daquela maneira sempre, queria que nós finalmente ficássemos juntos e que nem a nossa família se opusesse. Mas querer não é exatamente poder. Aquela noite, porém, não nos preocupamos com o que aconteceria no outro dia quando nossa família ligasse desesperada para o Hotel porque ainda não tínhamos dado notícias, ou quando voltássemos para Berlim e tivéssemos que fingir sermos os priminhos amigos que sempre fomos. Só pensamos em nós e em como era bom sentir todo aquele turbilhão de sentimentos ao mesmo tempo. Tudo novamente.


7# Life should be that simple

- Eu quero andar de teleférico! – Saltitei feliz como uma criança que acaba de ganhar o mais moderno dos videogames, assim que Ava acabara de me contar sobre a maravilha que era um passeio nos teleféricos da região. – Ricky, eu preciso de um passeio de teleférico! – Corri até o guia que havia se tornado um estranho bastante próximo desde a minha última dose de vodka barata da noite anterior e desde a minha última dose de Danny Jones, e falei manhosamente.
Nós já estávamos de volta à reserva e a nossa caminhonete estava estacionada a pouco mais de 100 metros, desde o dia anterior. Era em torno de quatro ou cinco horas da tarde, eu não sabia ao certo, mas o lago da reserva estava muito mais bonito agora. O sol não estava mais tão alto quanto estava ao meio dia, e as nuvens deixavam o céu com uma aparência encoberta bonita, sem parecer que vinha tempestade.
- Teleférico? – Ele perguntou enquanto andávamos em direção a pequena casa onde ficava o escritório da reserva.
- Vamos, Ricky! Não seja mau.
- Nós estamos muito cansados para outro passeio. – Ouvi a falando e olhei para trás, encontrando todos os outros com a mesma cara de derrota que a minha amiga, exceto Ava que esboçava o sorriso de criança que quer muito alguma coisa e Danny que me olhava... Bom, eu não sei exatamente o que aquela olhar queria dizer, mas eu imaginava que era: “, meu amor, eu faço tudo o que você quiser e quando você quiser, mas agora não. Eu estou muito cansado.”. E o que eu podia fazer em relação aquela carinha? Nada. Eu só podia... Suspirar?
Nada brega .
- Por favor? – Tentei a minha melhor cara de abandono, mas ainda assim não foi o suficiente. - Ricky? – Me virei para o guia camarada e sorri o meu melhor sorriso persuasivo. – Você não tem noção do quanto isso é importante para mim. E você também não tem noção do que pode acontecer quando me contrariam, os super poderes de Carrie, a estranha, afloram em mim de tal maneira que eu não consigo ter controle sobre eles. – Eu precisava de umas aulinhas de teatro, ou pelo menos mudar a minha revistinha de piadas.
- O quê? – Ele riu na minha cara e eu me emburrei profundamente.
- Eu estou cercada por cavalheiros! – Exclamei ironicamente. - Vamos, Ava. Talvez a gente acabe encontrando homens de verdade que queiram nos levar a um passeio de teleférico! – Andei até a caminhonete e no caminho puxei Ava pelo braço. Ainda pude ver Brian se virar, checando com o olhar se ela estava brava, mas só recebeu um sorriso fraco, e suponho eu que aquilo tenha sido um pedido de desculpas. Ela também queria um passeio com o namorado, e ele estava lá, criando barreiras.
Abri o porta-malas e joguei a minha mochila e a de Ava de qualquer jeito, ainda querendo parecer brava. Mas eu não estava realmente brava, aquela era só uma parte da ceninha que me levaria até um passeio de teleférico. Após fechar o porta-malas, me encostei à caminhonete e engatei uma conversa cúmplice e quase silenciosa com Ava.
- Você não está realmente com raiva, está? – Ela perguntou assustada.
- Não, mas é bom ver a cara de assustado deles. – Apontei com a cabeça para o nosso grupo que conversava um pouco afastado e segurei o riso. – Nós temos o poder em mãos, espere para ver.
- O Brian me olhou estranho.
- Não se preocupe. Ele ainda não veio até aqui, porque já percebeu que você está no controle. – Pisquei sapeca e ela riu.
- ?
Opa! Voz conhecida.
Virei-me e encarei um Danny com “eu sei que você tem toda a razão” estampado na testa com luz neon, e eu só não ri porque queria manter aquela postura de forte e de quem manda na casa da Joana por mais alguns segundos.
- Sim? – Perguntei séria e com a sobrancelha esquerda erguida.
- Você está brava?
Ele perguntou daquele jeito fofo atencioso tão encantador que as minhas pernas quase falham.
- Talvez. – Mantenha-se no controle !
- É que ontem pela manhã quando a gente alugava os equipamentos eu vi uns teleféricos na cidade. Então se você quiser, eu te levo num daqueles à noite. – Danny falou e por último levantou os ombros com as mãos nos bolsos da frente da bermuda. Atencioso, atencioso e atencioso!
- Isso vai ser um encontro?
- Eu não preciso de desculpas como essa para ter um encontro com você. – Ele mudou completamente o tom de voz e falou da mesma forma superior com a qual eu falava anteriormente, e eu fiz uma caretinha.
- Já que você insiste tanto, eu aceito.
- Implicante! – Ele falou e virou as costas.
- Insuportável! – Eu gritei de volta.
- Se eu fosse você não falaria isso. Não se esqueça que nós estaremos a noite inteira juntos. – Ele virou rapidamente e piscou.
Aquele era o Danny. Aquele era o nosso joguinho. Diferente de tudo e que ao contrário dos outros jogos quando o assunto principal era o amor ou qualquer sentimento muito próximo desse, o meu sentimento estava seguro. Eu podia sentir que estava. Eu sabia que nós estávamos bem, que a chance lhe havia sido dada e que ele estava realmente aproveitando-a.
De repente eu me senti cansada, e uma ida até o hotel, um banho quente relaxante e uma boa refeição num bom restaurante não seria nada mal.

Eu podia ver um relógio retangular muito bem trabalhado em madeira cor de tabaco pendurado na parede do outro lado do balcão onde um homem de cabelos grisalhos servia bebidas. Eu batia os dedos de uma forma impaciente na mesa, enquanto esperava com , Danny voltar com as nossas bebidas, e Brian, Ava e Jason chegarem para o jantar. O restaurante era bem pequeno, mas a decoração era o que podemos chamar de bastante simpática. Havia muitas fotografias na parede atrás do balcão e nas paredes de todo o restaurante. Os Alpes Suíços, as ruas do centro histórico de Freiburg, a Catedral gótica de 700 anos, as construções completamente ornamentadas, fotos de como a cidade havia ficado após ser bombardeada durante a Segunda Guerra e ainda o esforço do povo daquele lugar para levantar a cidade novamente. Tudo registrado nas dezenas de fotos que enfeitavam cuidadosamente todas as paredes, fora as molduras que continham pinturas da bela flora da Floresta Negra, de artistas locais. Para quem olhasse sem prestar muita atenção, aquilo era apenas um emaranhado de fotografias antigas e sem importância alguma, mas elas davam um toque familiar e aconchegante àquele lugar. Exatamente como tudo me pareceu ser em Freiburg: aconchegante.
- Eu não quero ir embora. – Ouvi falando sem muito ânimo e me virei em sua direção.
- Nem eu.
- Tem noção que só temos mais essa noite nesse paraíso?
- Infelizmente. – Respondi com um muxoxo, e em seguida Danny chegou à mesa com dois copos de cerveja e um com alguma batida verde.
- Obrigada por lembrar que eu não gosto de cerveja. – Agradeci sorridente e ele se sentou ao meu lado, também com um sorriso nos lábios.
- Do que vocês falavam? – Ele perguntou após um gole em sua bebida.
- De como Freiburg é encantadora e de como não queremos nunca mais voltar para Berlim. – falou num tom trágico e Danny soltou aquela gargalhada gostosa ao ouvir o comentário.
- É, o fim de semana foi realmente bom. – Confessou.
- Só acho que não deveríamos ter passado todo o tempo na Floresta. – Falei e em seguida tomei um gole do líquido verde.
- Não acho que tenha sido um tempo desperdiçado. – falou, em seguida tomando um gole de sua cerveja.
- Nem eu. – Danny concordou.
- Hum, isso aqui é bom. – Falei me referindo a bebida. – Mas é que há tantas coisas que nós não vimos e que não teremos mais tempo para ver... – Me lamentei.
- Vai dizer que você não gostou de passar um tempinho na cachoeira? – mandou aquela pergunta me olhando maliciosamente. Em dois segundos meu rosto estava provavelmente tão vermelho quanto o estofado das cadeiras do restaurante e eu tão sem graça quanto alguém que acaba de ser pego no flagra em uma situação bastante constrangedora. Não tive muita coragem de olhar para Danny, mas fui salva quando o tilintar da porta anunciava três jovens que acabavam de chegar. Eles estavam sorridentes e eu não tive muito tempo mais para esboçar uma expressão de quem não tinha absolutamente nada a ver com a história da cachoeira. Apenas senti a mão de Danny tocar a minha silenciosamente por debaixo da mesa sem que ninguém percebesse e um sorriso interno brotou em mim.
- Hey, galera! – Brian e Ava nos cumprimentaram em uníssimo.
- Oi. – Respondemos juntos e sorridentes.
- Olá, princesas. – Jason, o Galanteador, falou simpaticamente, se curvando em frente a mim e a .
- Olá, príncipe. – Respondemos quando o mesmo pegou a mão de cada uma de nós e as beijou.
- E aí, cara. – Jason cumprimentou Danny e ele levantou a mão em um aceno fraco e sorriu de volta.
- Vocês nem demoraram. – brincou.
- Desculpa, . É que a gente acabou se entretendo com uma loja de vinhos aqui do lado.
- Vinhos? – Falei pensando em tia Kathy e na sua tara por vinhos.
- É. Parece que a cidade vizinha produz, eu não sei direito.
- Precisamos passar amanhã por lá. – Me virei para que sentava ao meu lado.
- Por que precisamos? – Danny que estava sentado do meu outro lado perguntou.
- Tia Kathy adoraria mais um vinho em sua adega, eu tenho certeza. E a minha mãe, talvez um vinho de presente no dia da exposição me livre de uma passada no shopping.
- Ótima idéia! O que eu menos quero depois dessa viagem é enfrentar uma tarde no shopping. Amanhã antes de o nosso trem partir, loja de vinhos! – falou decidida e em seguida o garçom chegou à nossa mesa com os cardápios. Todos começaram a falar ao mesmo tempo e daquela vez eu incrivelmente podia ouvir claramente que o assunto principal era o que comeríamos e o que o grupo faria nas últimas horas que eu, Danny e tínhamos na cidade, apesar de estar completamente dispersa em relação à conversa. Eu estava tão dispersa, que mal percebi quando o meu olhar parou sobre a porta de entrada e meus pensamentos estavam além daquelas florestas.
- Eu sei que o guia universitário bonitão te deixou bem abalada bonitinha, mas você precisa sair desse transe antes que a comida acabe. – Jason estalou os dedos em frente a minha visão ainda desfocada.
engasgou com alguma coisa e em seguida ela e Ava começaram a rir descontroladamente.
- e o Ricky? Você é realmente bom em piadas, Jason! – falou e começou a rir novamente.
- Não era o Ricky? Quem era então? – Jason perguntou como um amigo curioso do colegial perguntaria e eu abafei um riso.
Era impressionante como as pessoas se aproximavam em tão pouco tempo. Jason era o garoto que me fazia rir de segundo em segundo. Ele tinha as histórias mais absurdas e mais engraçadas para contar. Toda aquela graça espontânea e simpatia cativavam qualquer um, aproximava as pessoas dele. Comigo não foi diferente e numa rapidez absurda eu já tinha um carinho por ele. Um carinho verdadeiro como eu tinha pelo Brian e pela maluca da Ava. Ele era o cara que eu queria ver com a minha amiga e eu sabia que ele era o tipo que a faria bem.
Apenas peguei uma fatia da pizza de marguerita na mesa e ignorei os risinhos e as suposições dos garotos sobre quem seria o meu suposto par.

- Gostou da viagem?
- Eu amei a viagem!
- Eu ter vindo não foi assim tão ruim, confessa. – Danny se aproximou e bateu de leve o quadril dele no meu, me fazendo rir levemente.
- É, isso não é o que podemos chamar de chateação.
- Concordo. – Rimos juntos.
Eu e Danny estávamos caminhando pelo centro histórico de Freiburg que ainda estava um tanto movimentado e com jovens indo e vindo por ali. Era como o centro histórico de todas as outras cidades do mundo, com algumas diferenças arquitetônicas, obviamente, mas basicamente como todas as outras.
- Cuidado com a maldição do riachinho. – Falei assim que passamos por um canal bem estreito de água ao longo do meio fio.
- Maldição do riachinho? – Ele tinha no rosto aquela expressão fofa/curiosa que faz você ter vontade de pegá-lo no colo e levá-lo para casa. Eu parei de respirar por cinco segundos contemplando aquela perfeição.
- Dizem que quem pisar num desses riachinhos perto do meio fio - apontei para um dos pequenos canais – casará com alguém da cidade.
- Não me importo com essas maldições, acho que já tenho alguém em mente.
- Só não esqueça de me mandar o convite, tudo bem? – Pisquei e subi o primeiro degrau do bondinho que nos levaria até o teleférico, não lhe dando qualquer chance de contestação.
Muitas pessoas já ocupavam a maioria dos lugares e os pouquíssimos que ainda restavam vagos estavam bem no fundo. Caminhamos com algum esforço até lá e o único assento vago era um logo ao lado da janela.
- Tudo bem, pode sentar. – Ele falou apontando para o banco vazio.
- Eu não vou deixar você em pé sozinho. Deixa a cadeira vaga, aposto que mais alguém entra e pode se sentar aí. – Falei o encarando.
- São pelo menos quarenta minutos numa subidinha meio desagradável e você ainda insiste em ficar em pé? – Danny me olhou feio pela segunda vez consecutiva e mesmo aquela cara brava de quem não estava realmente bravo, não me trazia receio algum. Daquela vez eu não consegui prender a minha respiração por cinco segundos e logo um sorriso grande e sincero apareceu em meus lábios.
- Sim. – Falei quebrando o sorriso e logo desviando o meu olhar, a fim de procurar algum lugar onde eu pudesse me segurar.
- O senhor pode, por favor, me dar licença para eu sentar aí? – Voltei minha atenção para o garoto ao meu lado já sorrindo triunfante. Danny ia sentar e eu seria a pessoa com o melhor e maior poder de persuasão do mundo.
- Claro. – Um homem de meia-idade respondeu educadamente e se levantou. Danny passou a primeira perna para sentar no banco, quando subitamente eu fui puxada pela cintura e cai sentada em seu colo.
- O que você pensa que está fazendo?! – Falei com uma imensa vontade de socá-lo.
- Nos arranjando um lugar pra sentar? – Ele respondeu com aquela cara óbvia e a vontade de socá-lo só aumentou. Virei meu rosto para frente ainda sentada de lado no colo de Danny, numa posição nada confortável.
- Não há possibilidades de eu sair daqui? – Me virei segundos depois para Danny que encarava minhas costas. – O senhorzinho aqui do lado não para de olhar para as minhas pernas. – Falei a última frase aos sussurros torcendo para que ninguém, em especial o tarado de meia-idade, ouvisse.
- Prontinho! – Danny falou assim que virou habilmente as minhas pernas para o outro lado. Eu me assustei com tanta competência, rapidez, e ousadia, mas como em “cavalo dado não se olha os dentes”, eu nem falei nada sobre aquele favorzinho. - Agora elas estão sendo amassadas pelo bondinho e eu provavelmente vou cair no colo do tarado aqui do lado, o que vai ser pior!
Danny riu na minha cara e eu cruzei os braços, brava. Eu me sentia tão bem com toda aquela aproximação e me sentia ainda melhor quando percebia que as coisas estavam acontecendo mais do que naturalmente. Ele não me forçava a nada e nem eu o forçava. Trocávamos olhares cúmplices e carregados pelos nossos sentimentos. Volta e meia andávamos de mãos dadas, nos abraçávamos, nos beijávamos, mas era tão espontâneo e tão natural que aquilo me trazia uma sensação diferente, como quando um amante por altura pula pela primeira vez de pára-quedas. E eu podia apostar que ele se sentia da mesma maneira.
Logo seus braços envolveram a minha cintura e o seu queixo pousou sobre o meu ombro, me fazendo sentir um arzinho quente próximo à orelha.
- Pode deixar que eu te seguro. – Ele sussurrou.
Lentamente descruzei meus braços, o encarei novamente e lá estava a expressão de grande expectativa do meu primo. Não sei a partir de que momento eu passei a interpretar todas as expressões de Danny, eu nem sabia que aquelas expressões realmente queriam exprimir o que eu imaginava, mas a confirmação vinha em seguida com alguma coisa que ele falava ou com alguma outra expressão ainda mais fácil de ser decifrada. Eu apenas sabia que podia interpretar todos os sorrisos e expressões e até prever as reações dele, e tudo aquilo em tão pouco tempo. Era como se a ligação nunca tivesse sido rompida.
- Eu acho que eu posso aguentar minhas pernas nessa posição por mais alguns minutos.
E a expressão apreensiva se desfez.
Eu abracei Danny pelo pescoço e beijei o topo de sua cabeça. Senti instantaneamente um cheirinho gostoso de cabelo limpo o que me fez apertá-lo ainda mais no abraço.
- Eu vou ser enforcado desse jeito.
- Não reclama, garoto! – Falei dando um peteleco em sua testa e arrancando dele uma risada.
Eu não me sentia desconfortável de maneira alguma naquela posição, era até muito boa. Lá vamos nós e a ambiguidade. Mas o fato era que o abraço de Danny era tão carinhoso que eu me sentia realmente bem, e melhor ainda, eu sentia que alguém me queria bem. O toque, o abraço, as palavras, as brincadeiras. Tudo na dose certa. Eu estava cada vez mais encantada e envolvida.
- Eu vou dormir por dez minutinhos. Me chama quando a gente chegar?
- Onde a senhora vai dormir? – Danny me olhou arregalando aqueles olhos azuis tão próximos, que se eu não tivesse me sentido tão cansada e com tanto sono de uma hora para a outra, estaria lá até agora, olhando aquela imensidão azul...
Yep, eu fico bem grogue com sono.
, você vai babar em mim!” – Foi a última coisa que consegui ouvir antes de desabar no ombro de Danny.


8 # So don't be afraid to strip it away ‘cause at the end of the day it's still as simple as it seems

Eu queria manter meus olhos fixados em algum ponto que me mantivesse consciente, mas a cada tentativa de segurá-los nos números que indicavam os andares por onde passávamos, dentro de elevador, eu só me sentia ainda mais sonolenta e cansada. O último solavanco me fez despertar momentaneamente de um quase sono.
- , acorda!
- Boa noite, querida.
Um leve empurrão foi seguido por uma voz doce, mas eu já me achava inconsciente novamente. Desconfiava que o suco que eu havia bebido no trem vinha com alguma droga adicionada e eu, naquele momento nostálgico que invade todo ser humano, quando senti que as férias está acabando, não percebi nas minúsculas instruções embaixo do pequeno cardápio que me foi entregue. Então eu lembrei que a minha viagem tinha sido apenas até Freiburg, o paraíso no sul da Alemanha, e não até a Holanda como qualquer um desconfiaria se me visse naquele estado.
Andei logo atrás de Danny, arrastando a minha mala pelo corredor e ao entrar no apartamento, só cumprimentei o meu pai com um beijo rápido na bochecha e segui sem mais palavras para o meu quarto.
A trilha na floresta no fim de semana, a noite mal dormida em uma barraca, a viagem de quase quatro horas incluindo trem, avião e o táxi que parecia nunca chegar ao endereço, me fizeram apenas tirar o casaco que eu vestia, descalçar o All Star vermelho e desabar na caminha macia que me esperava lá, toda macia e acolhedora. Dormi das sete da noite da segunda até as nove da manhã da terça-feira, em um sono tão profundo que não acordei um só momento durante a noite inteira e não pensei em nada que não estivesse relacionado com ‘recuperar as energias’.

- Qual é a nova piada? – Falei entrando na cozinha na manhã seguinte e dando de cara com um cômodo mais cheio do que o normal, transbordando alegria.
- O seu pai está contando piadas alemãs, querida! – Tia Kathy respondeu divertida e eu revirei os olhos.
Sempre que eles se reuniam era aquela festa. Eu havia perdido as contas de quantas vezes eu, Vicky e Danny sumíamos para brincar soltos pela vizinhança e eles esqueciam que tinham filhos pequenos para cuidar. Pareciam melhores amigos adolescentes. Desde sempre era aquela algazarra.
- Piadas alemãs são as piores piadas do mundo.
- Só porque não sabe contar piada. – Papai me provocou e eu mandei uma expressão de desprezo para ele. Caminhei até a cafeteira no balcão ao lado da pia e peguei uma xícara do escorredor, colocando nela café suficiente para me manter de pé aquela manhã.
- Tia Meg fez rosquinhas com calda de chocolate. – Danny chegou ao meu lado comendo uma daquelas.
- Ótimo! – Falei e tomei a rosquinha de sua mão. – Marquei com a às dez no nosso apartamento, então família, vejo vocês à noite. E mamãe, não se preocupe, eu não esqueci da sua exposição, nos falamos à noite. – Falei rapidamente e acenei com a mão que segurava a rosquinha, ignorando a cara de taxo de Danny na cozinha.

Trinta minutos em um táxi resolvia tranquilamente a distância entre o apartamento dos meus pais e o meu mais novo endereço.
Era uma rua bastante movimentada e cheia de restaurantes, uma mistura de cores e culturas que a deixava ainda mais fascinante durante a noite. O apartamento ficava em cima de um restaurante de comida oriental bastante conhecido entre os meus amigos da faculdade e era seguido por mais alguns restaurantes, italiano, mexicano, indiano, pequenas lanchonetes e algumas outras lojinhas.

- Eu estou começando a me arrepender de ter alugado esta espelunca. – Falei séria ao abrir a porta do apartamento e dar de cara com uma jogada no sofá que também estava jogado no cômodo de entrada.
- Ai , não fala assim do lugar. Parece ser legal morar aqui.
- Me lembra o subúrbio americano que eu vejo nas séries da TV.
- Pessimista.
- Apenas realista. Vai saber onde esses japoneses jogam o que apodrece.
- Preconceituosa!
- Não é isso. – Me joguei no sofá ao lado da minha amiga. – Eu só acho que foi uma péssima idéia ter alugado em cima de um restaurante.
- Mas você sempre gostou desse lado da cidade!
- E ainda gosto. Essa mistura de cores aí fora quando refletem na janela é encantador, mas a minha vida não depende de uma mistura de luzes refletida num vidro.
- Não me diga que você quer mudar. – se sentou rapidamente e me encarou. Eu levantei e caminhei até o aparelho de som portátil que milagrosamente já estava fora de uma das caixas.
- Eu não sei de nada. As nossas responsabilidades só estão começando, e eu não estou assustada.
- Não?
- Não. – Achei uma tomada e liguei o aparelho. – Sente isso.
Na rádio passava Barbara Ann dos Beach Boys e aquele clima praiano que vinha da música me fez sentir um alívio diante das decisões que seriam tomadas por mim no início de uma vida cheia de responsabilidades. Eu não tinha que acertar sempre, só precisava fazer o que achava melhor, claro que com o bom senso, mas estava tudo no meu coração. Quando começou a estalar os dedos no ritmo da música, eu percebi que ela havia entendido o que eu queria dizer.
Em pouco tempo, eu e estávamos dançando animadas na sala, intercalando parte da arrumação do nosso novo lar com danças de músicas legais que tocavam na rádio.

Acordei na manhã da quarta-feira sentindo o meu corpo pedir por mais cama e por mais descanso. Eu estava exausta. Formatura, viagem, acampamento, noites mal dormidas, sem falar no pequeno apartamento que havia sido todo desmontado por mim e pela e um outro que começava a ser montado. Tudo isso num espaço de sete dias. Levantar móveis, arrastá-los e carregá-los, era definitivamente um trabalho árduo e se o nosso dinheiro de infelizes recém formadas não fosse tão curto, contrataríamos alguém para fazer aquele serviço. Mas no fim das contas o trabalho árduo tinha valido a pena. O apartamento estava ficando do jeito que nós queríamos que ficasse, desde a cor das paredes até o mais simples objeto que decorava o pequeno criado mudo ao lado do sofá.
Estavam em meus planos dormir até o meio dia, já que meus pais e a tia Kathy haviam saído para ajustar os últimos detalhes para a grande noite da mamãe, logo ninguém viria reclamar que eu precisava ver a luz do dia; trocar o almoço pelo café da manhã, e aquela era, definitivamente, uma das minhas coisas preferidas; pegar dois filminhos de comédia na locadora da esquina e esperar até o horário que meus pais chegassem em casa e eu tivesse que me aprontar para a exposição. Mas por volta das dez e meia da manhã eu acordei com um grande susto causado por um grande barulho vindo de algum cômodo da casa.
Eu me sentei em um pulo e meus olhos se arregalaram devido o susto. O meu sono estava tão bom, dormir era tão bom...
O barulho não se repetiu, pelo menos por três minutos, e quando eu já estava prestes a deitar e pegar novamente no sono, um outro barulho muito parecido com o primeiro me despertou. Eu levantei sem pensar duas vezes e caminhei furiosa até o cômodo onde a minha cabeça indicava estar a origem de tudo aquilo.
O alarde vinha da cozinha, e ao chegar na porta que dava para o cômodo, eu vi muitas panelas caídas no chão e um Danny só de boxer, todo atrapalhado e com cara de culpado que não tinha muita culpa porque tudo tinha acontecido por acidente, que me fizeram parar e a raiva se apagar. Eu o observava tentar cozinhar alguma coisa no fogão ao mesmo tempo em que tentava guardar as panelas, que se minha mãe visse jogadas no chão da cozinha, certamente teria um ataque do coração. Numa outra tentativa frustrada, as panelas já estavam quase todas guardadas no armário, até um bule teimoso insistir em cair levando todo o resto junto. No mesmo instante, Daniel olhou para a porta da cozinha com uma cara assustada. Eu imaginava que ele não queria fazer barulho porque supunha que eu estava dormindo, mas a expressão assustada se duplicou e houve uma mistura de susto com surpresa quando me viu escorada no vão da porta.
- O que você pensa que está fazendo?
- Eu não sou bom na cozinha. Te acordei, não é? – Ele se levantou e me olhou com aquela cara de culpado que pede desculpa.
- Mais ou menos. – Aquela era eu tentando não jogar a culpa toda em cima do ser que sabia se expressar tão perfeitamente, mesmo que de vez em quando aquelas caras e bocas super fofas fossem apenas um artifício para sua chantagem emocional não se tornar tão clara. – Já estava na hora de acordar mesmo. – Dei de ombros e caminhei até as panelas. – Pode deixar que eu arrumo isso aqui, termina o que você tava fazendo no fogão. Aliás, o que você está fazendo?
- Acho que ovos mexidos.
- Hum. – Após fechar o armário com as panelas devidamente guardadas, analisei a frigideira que tinha uma mistura esquisita, beirando o verde, e voltei a olhar para Danny. – Eu também não sou muito boa quando o assunto é cozinha. Na faculdade eu tinha sorte porque a se garantia com alguma coisa e não nos deixava morrer de fome, mas aqui em casa eu só como se a mamãe deixar pronto ou então se eu for comprar. Tem uma padaria daqui a duas quadras. O que você acha de irmos até lá?
- Mas já é quase meio-dia, por que a gente não pede uma pizza?
- Você que trocar o café da manhã pelo almoço, Daniel? – Me exaltei falsamente, indignada com a suposta troca.
- Qual é o problema? – Ele começou a caminhar, saindo da cozinha sem dar a menor atenção à minha preocupação.
- O café da manhã é muito melhor! Você pode trocar o almoço pelo café e continuar de pijama assistindo qualquer besteira na TV, enquanto se você almoçar, você tem que trocar de roupa e fazer suas obrigações da tarde. – Falei minha tese sem noção e parei em frente ao quarto de visita onde ele estava dormindo durante a estadia lá em casa. Era um quarto de visitas comum, com duas camas de solteiro, onde ele e tia Kathy dormiam, e com um papel de parede branco com flores do campo estampadas.
Eu o observei pegar uma camisa cinza lisa do armário e uma bermuda jeans folgada, como tudo o que ele usava, vestir tudo bem rapidamente, sem nem se importar comigo o observando. A camisa caiu sobre os seus ombros e o seu cabelo ficou todo bagunçado, as mãos de Danny percorreram os fios ajeitando-os, e toda aquela cena passou por mim em câmera lenta. Eu já tinha uma certa necessidade de observar e contemplar aqueles pequenos atos, aquelas pequenas coisas que Danny fazia, e não importava o quão simples ou banais elas fossem, tinham um significado tão particular para mim que eu já tinha aquela necessidade de presenciá-las.
- Quando você volta para Londres? – A pergunta saiu sem eu ao menos pensar no assunto. Eu entrei no quarto e caminhei lentamente até sentar em uma das camas. Danny me analisava como se procurasse uma maneira melhor para me contar aquilo. Eu sentia.
- Hum... Amanhã à tarde.
- Certo. – Desviei o olhar que sustentava esperando a resposta e cocei o nariz em sinal de nervosismo e naquele momento carregado de insegurança. – Eu só vou trocar de roupa e escovar os dentes, em dez minutos eu apareço na sala. – Falei e saí do quarto.
A vontade que eu tive de chorar me pegou bem no corredor, enquanto eu caminhava em direção ao meu quarto. Uma única semana com Danny me fez aquele estrago e agora ele ia embora. Algumas vozes como: “se você estivesse com o Mark, isso jamais teria acontecido”; “se você não o tivesse trocado por uma incerteza como o Daniel, você não estaria se sentindo assim agora”; “vê se aprende e da próxima vez faz coisa certa”, vinham na minha cabeça só me fazendo sentir ainda mais culpada e triste. Eu já imaginava como seria aquela despedida, era tudo tão absurdo porque eu já devia ter me acostumado, mas eu estava lá, usando todas as minhas forças para conter as lágrimas.
Entrei no meu quarto e fui procurar qualquer coisa para vestir, tentando ignorar os meus pensamentos e as minhas angústias. Acho que naquele momento nem a risada da tia Kathy me traria tranquilidade. Peguei um jeans surrado e uma camisa quadriculada no closet e joguei na cama. Quando eu ia girar e andar até o banheiro, esperando que um banho frio me fizesse melhor, um mural de fotos prendeu a minha atenção. Muitos momentos importantes eternizados em fotografias estavam ali, e o melhor, só em olhar para cada uma delas, eu ainda era capaz de lembrar de quando haviam sido tiradas. Eu me aproximei um pouco mais e peguei uma foto tirada em um dos Natais que eu passei em Bolton, quando eu ainda morava na Inglaterra. Eu devia ter uns dez anos e Vicky e Danny estavam bem ao meu lado fazendo caretas para a câmera, enquanto eu os abraçava pelo pescoço. Peguei uma outra e aquela havia sido tirada na feira ao ar livre que fomos em Bolton alguns meses antes da minha mudança para a Alemanha. Papai nos obrigou a tirar uma foto esquisita enquanto estávamos sentados numa mesa da pequena praça de alimentação improvisada da feira e Danny ria da minha cara emburrada. Ele não olhava para a câmera. Ele olhava para mim e sorria. Sorria transbordando felicidade. Foi durante aquelas férias que nós começamos a nos envolver de verdade. Eu senti um aperto no peito ao lembrar daquilo e sem ao menos perceber, lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto. Eu chorava porque sentia saudade de todos aqueles momentos, especialmente dos momentos em que morar na Inglaterra me faziam ver Danny pelo menos duas vezes por ano, mesmo que eu não quisesse.
Peguei uma última foto e aquela era mais recente, de seis ou sete meses atrás, do ultimo Natal, do reencontro depois de seis anos. Eu estava sentada entre papai e tia Kathy e essa abraçava Danny e eu pelo pescoço da mesma forma que eu fazia na foto de quando eu era criança. Joguei as três fotografias na cama com raiva e corri até o banheiro, parando de frente ao espelho. Meu rosto estava completamente vermelho e meus olhos inchados. Enchi a mão com água e joguei sobre meus olhos, tentando aliviar um pouco a dor e a aparência decadente. Eu sentia meus joelhos vacilantes. Eu me sentia fraca e desamparada. Eu precisava falar com Danny, ele precisava saber de algo antes de ir embora.
Enxuguei meu rosto sem paciência e voltei até o quarto, peguei as três fotos sobre a cama e andei decidida até a sala. Eu estava pronta para falar o que sentia, voltar a me arriscar, voltar a colocar os meus sentimentos em jogo, mas eu era a incoerência em pessoa, porque foi exatamente tentando adiar aquele sofrimento que estive longe por seis anos, e quando eu finalmente resolvo acabar com aquela distância, na primeira oportunidade, eu me envolvo e eu mesma quebro o meu coração em milhares de pedaços. Mas a era só um ser humano como todos os outros, cheia de defeitos e contradições, querendo sempre se salvar quando nem ela mesma sabia se queria ter de fato a salvação.
Danny estava sentado no sofá encarando a TV desligada e eu parei no corredor assim que o vi mexer no cabelo impacientemente. Olhei novamente para as três fotos nas minhas mãos e tudo estava transformado em um grande borrão por conta das lágrimas que enchiam meus olhos e caiam sem nenhuma permissão. Eu queria parar de chorar, voltar ao meu quarto, trocar de roupa e ir até a padaria com o meu primo como se absolutamente nada tivesse acontecido, mas assim que eu pensava em dar um passo para trás e desistir de falar qualquer coisa para aquele garoto, o sentimento de despedida já tão conhecido, invadia o meu peito e eu simplesmente não conseguia dar passo algum.
De repente Danny se levantou e seus olhos encontraram os meus. Eu o encarei tristemente e ele começou a se aproximar.
- Você está chorando.
Nada saiu da minha boca. Nenhuma palavra monossilábica ou muxoxo. Eu só abaixei o meu olhar com medo de sentir ainda mais falta daquele olhar no futuro, sendo em seguida envolvida por um par de braços quentes e acolhedores. Eu o apertei ainda mais forte de volta e escondi meu rosto em seu peito que exalava aquele cheiro apaixonante. Era aquilo, eu estava apaixonada. Apaixonada pelo meu primo e eu não conseguia mais negar aquilo nem para mim mesma.
Fiquei algum tempo em silêncio enquanto ele acariciava os meus cabelos carinhosamente, mas tão carinhosamente que as lágrimas aos poucos cessaram. Sentir o seu cheiro, o seu calor, o seu corpo colado ao meu, trazia uma sensação de perda tão grande que mesmo tão próximo eu ainda me sentia sozinha.
Parti o nosso abraço e o encarei. Danny tocou o meu rosto delicadamente e eu fechei os olhos sentindo o seu toque.
- Eu preciso de você por perto. – Falei sentindo seus dedos deslizarem pela minha bochecha e passarem pelos meus lábios.
- Eu também preciso de você por perto. – Suas mãos seguraram o meu rosto e eu abri os olhos. – Mais do que eu pensei que precisasse.
Uma lágrima escorreu pelo rosto de Danny e ele fechou os olhos.
- O que nós estamos fazendo conosco, Danny? – Sussurrei, beijando no seu rosto o lugar que a lágrima escorria.
Minhas mãos envolveram o seu pescoço e eu me aproximei preocupada com Danny que chorava, sem medo algum de demonstrar o que sentia. Aquela era uma grande novidade, ninguém nunca havia chorado tão sinceramente por mim antes, e para uma garota, seja ela a mais desligada aos sentimentos e declarações, ou a mais romântica de todas, via naquilo mais do que uma simples demonstração de carinho, via também confirmação e reciprocidade.
Meu coração apertou ainda mais ao vê-lo chorar e me tocar com tanta urgência. Nós precisávamos um do outro como nunca precisamos de ninguém antes.
Lentamente, passei o polegar por onde as lágrimas corriam em seu rosto e fui surpreendida por uma par de olhos azuis brilhantes e intensos que não paravam de me encarar. O encarei de volta e ficamos assim por algum tempo. Todas as palavras não ditas e sentimentos reprimidos estavam naquela troca de olhar.
- Desculpa por te fazer sofrer. – Danny sussurrou no meu ouvido, me abraçando novamente e fazendo os meus pés destocarem o chão por alguns instantes.
- Me desculpe por nos fazer sofrer. – Dei ênfase ao ‘me’ e ele partiu o abraço mantendo o contato visual. Naquele momento, pedidos de desculpas eram completamente desnecessários. Nada mudaria o fato de que no dia seguinte à tarde, o Jones voltaria para a Inglaterra e que nós nos separaríamos novamente e talvez definitivamente daquela vez.
Eu não conseguia piscar os olhos, e mesmo que eu conseguisse, eu não poderia, porque seria uma tentativa, mesmo que não intencional, de mantê-lo longe de mim, e aquilo era sem dúvida o que eu menos queria. Eu o queria para mim e perto de mim, naquele momento e em todos os outros. Como se lesse a minha mente, Danny se aproximou um pouco mais e me surpreendeu com um beijo sôfrego, cheio de urgência, como que a querer recuperar o tempo perdido, mas ao mesmo tempo carregado de ternura. Suas mãos acariciavam a minha cintura e a apertava tão fortemente, que eu sabia que a dor da sua partida seria muito maior do que qualquer dor que aquele carinho mais intenso pudesse causar. A dor da partida me trazia uma falsa sensação de anestesia e uma inquietação, aliás, a falta de Danny me trazia uma espécie de insanidade momentânea que só eu entendia. Imaginá-lo longe me deixava daquela forma. Danny encostou-me à parede do corredor e continuamos a nos beijar tão intensamente quanto antes. Ele desceu os beijos para o meu pescoço e eu continuei de olhos fechados sentindo o carinho. Nós pressionávamos os nossos corpos como se com aquilo, nada e nem ninguém jamais conseguisse nos separar. Voltamos a nos beijar com urgência, mas as nossas respirações já estavam pesadas e eu precisava urgentemente de oxigênio. Quebrei o beijo e afundei meu rosto na curva de seu pescoço, voltando a sentir aquele cheiro inebriante e lentamente recuperando o fôlego. Dei um leve beijinho no local e sussurrei.
- Meu quarto, Danny.
Ele se desgrudou do meu corpo assustado e me encarou.
- Você tem certeza disso? – Perguntou enquanto passava meigamente as mãos em meus cabelos. Eu só balancei a cabeça afirmativamente, mordendo o meu lábio inferior. Danny me encarou por mais alguns segundos, mais intensamente do que em qualquer outro momento antes, e logo voltamos a nos beijar.


9 # The end has no end
[Quem quiser acompanhar com a música – Boys Like Girls - Thunder]

Havia mais barulho no apartamento. Abri meus olhos lentamente e a luz do sol continuava a entrar pela janela, me fazendo fechar os olhos rapidamente e pegar um travesseiro para protegê-los. Eu tinha a sensação de ter sonhado com alguma coisa realmente boa, mas como eu nunca lembro dos meus sonhos, eu nunca serei capaz de dizer se foi ou não um sonho bom. O fato era que a aquela sensação estava lá e eu me sentia bem.
- A já está se arrumando? – Uma voz falou, provavelmente do corredor porque parecia muito próxima, e imediatamente eu reconheci como sendo a voz da minha mãe.
- Acho que ela tá no banho, tia.
Ao ouvir a voz de Danny, eu me sentei na cama desesperada por conta dos flashs que passavam pela minha cabeça e tampei a boca com as duas mãos, abafando um grito de surpresa. Eu estava enrolada em lençóis e por baixo desses não havia nada mais que me cobrisse.
- O que diabos eu andei fazendo? – Me perguntei baixo, me enrolei rapidamente nos lençóis e corri apressada até o closet para procurar alguma roupa para a exposição.
No início era como se eu tivesse perdido a memória e depois de muito tempo ela voltasse à tona através daqueles flashs, mas ao sentir a água quente do chuveiro, os flashs pareciam mais reais do que nunca. Eu ainda podia sentir o toque urgente de Danny na minha pele ou os lábios dele sobre os meus. Era tudo muito real e assustador.
- Filha, você já está pronta? - Ouvi minha mãe gritar do outro lado da porta do meu quarto e desliguei o chuveiro sem pensar duas vezes.
- Mãe, me dê só mais dez minutos! – Gritei de volta enrolada na toalha, entrando no closet e catando um vestido tomara que caia azul escuro, a única coisa vestível para a exposição que eu consegui encontrar e simpatizar em tempo recorde. Coloquei a peça de roupa rapidamente e corri até o criado mudo para pegar uma colar de prata que mamãe havia me dado não havia muito tempo. Uma folha do meu bloquinho de folhas verdes estava solta sobre o móvel, e nela havia alguma coisa escrita.

I can't stop digging the way you make me feel.
Danny

Alguém podia, por favor, fazer meus pés tocarem o chão novamente? Danny fofo mil vezes.
Era daquilo que eu sentiria falta, era daquelas pequenas coisas e daqueles mínimos detalhes que ele não deixava passar. Era sobre aquilo que eu me referia o tempo todo!

A galeria era gigantesca, com uma pintura branca que me acalmava e com os quadros dispostos nas paredes e pendurados no meio da galeria com molduras de vidro. William, o pianista amigo da mamãe do prédio, tocava por ali, eu o cumprimentei ligeiramente com um sorriso e andei com Meg até os amigos pintores dela que também estavam na exposição apreciando o seu trabalho.
- Finalmente você conseguiu montar a exposição! – Um homem de cabelo grisalho a cumprimentou com um enorme sorriso no rosto.
- Já estava na hora, não é? – Mamãe brincou e todos os outros, inclusive uma mulher magrela alta e mais duas outras mulheres loiras que aparentavam ter a mesma idade que a minha mãe, sorriram em concordância.
- Deixe-me apresentar a minha filha. – Ela puxou a minha mão e eu, antes escondida e querendo realmente ficar fora daquele papo, fui fisgada por quatro pares de olhos curiosos.
- Olá. – Cumprimentei sorridente, querendo passar simpatia, e diferente das minhas últimas tentativas em passar qualquer sensação legal no sorriso, aquele finalmente tinha conseguido o efeito.
Logo uma das mulheres perguntou onde estava o grande apoio da minha mãe, e eu julguei ser o meu pai o grande apoio. Bom, e de fato era.
Se um dia eu sonhasse com casamentos e família, eu certamente teria os meus pais como exemplos do que um dia eu poderia ser ou do que eu poderia alcançar. Não só pelo simples fato de serem meus pais, mas porque eu sabia de como eles se esforçaram para construir aquela confiança, do quanto eles lutaram pela família, e uma prova daquilo foi quando todos nos adaptamos a uma realidade completamente diferente de tudo, ao papai ter conseguido uma promoção na Alemanha.
Meu celular vibrou dentro da pequena bolsa que eu levava comigo e eu saí de perto do grupinho que já contava com meu pai e tia Kathy, para atender quem quer que fosse, mais especificamente para me livrar do possível papo chato que com toda a certeza do mundo se instalaria ali.
Andei até um grande portal da galeria e voltei o olhar rapidamente para o grupinho. Minha mãe já cumprimentava feliz outras pessoas e papai a acompanhava com a mesma felicidade. A melodia tocada pelo piano era tão suave que eu me sentia flutuar ao andar pelo salão da galeria.
- Quem é?
- Não checa mais o identificador?
- Que tal o seu número ser desconhecido?
- Não responda com outra pergunta!
- Não me pergunte o que é óbvio então.
Silêncio.
- Onde você está? – Voltei a perguntar.
- Acho que você não merece mais essa informação. – Eu senti o tom divertido. Ele estava me zoando. Apesar de tudo o que tinha acontecido, ele definitivamente não perdia uma oportunidade de me zoar. Nenhuma.
- Ok. – Respondi com indiferença e olhei para o salão novamente, encontrando Daniel do outro lado, a metros de distância de mim. Como eu queria me transportar rapidamente até o lado oposto daquele salão, fazer todos desaparecerem e abraçá-lo. Sentir o aconchego e o quentinho dos seus braços me envolvendo carinhosamente.
- O que você acha sobre terraços de prédios? – Apesar de poder ouvir sua voz apenas pelo celular, eu podia vê-lo não desgrudar os olhos de mim um só segundo.
- Me parece o paraíso no verão.
- Eu posso apostar que essa galeria tem um terraço enorme e acessível.
- E fresco?
- Absolutamente!
- Acho que temos meia hora antes da mamãe começar o discurso dela.
- É só o que precisamos.
Danny desligou o celular e começou a caminhar na minha direção. Ninguém percebia nele atravessando o salão ao meu encontro. Todos estavam entretidos demais com as pinturas, com a música ou com as discussões inteligentes que deviam ser o principal assunto naquelas conversas.
Ele me alcançou e segurou a minha mão sutilmente. Sorri em resposta. Um sorriso bobo, mas eu não me sentia mal em ter sorrisos bobos de adolescente apaixonada. Não quando aqueles sorrisos eram causados pelo Daniel.
Naquele momento eu não pensava no dia seguinte, no dia em que nos separaríamos novamente. Eu só queria aproveitar o toque da mão dele me guiando apressadamente até o terraço.
- Você sabe onde está indo? – Eu perguntei parada, esperando que ele fechasse a porta do corredor por onde tínhamos acabado de passar.
- Você não está achando que vamos nos perder aqui, não é? – Danny falou com aquele sorriso sapeca. O mesmo sorriso de quando tinha dezesseis anos, enquanto se aproximava de mim.
- Bom, eu...
- Você cresceu e ficou medrosa. – Ele envolveu a minha cintura com os dois braços e eu passei os meus pelo seu pescoço. – Você costumava se arriscar mais. – Senti uma leve mordida em meu pescoço, acompanhada de um beijo suave e um gemido mal abafado saiu da minha garganta, fazendo Danny rir satisfeito. Tirei meus braços de seu pescoço e me afastei dele com uma expressão insatisfeita.
- E você costumava ser menos metido. – Terminei o empurrando pelos ombros e me virando para terminar de subir os últimos degraus.
Um Danny atordoado ficou para trás e eu só o encontrei minutos depois no terraço.
- Me diga que você é bipolar ou alguma coisa parecida. – Eu sorri quando os nossos olhares se encontraram e ele entendeu a minha resposta para a falsa afirmação.
- Me diga que essa noite pode durar para sempre. – Desviei de seus olhos assim que ele se sentou ao meu lado no grande bloco de concreto que tinha ali.
Apesar da galeria estar no último andar de um prédio de apenas quatro andares, as luzes na noite de Berlim brilhavam de uma forma fascinante ali de cima. Eu conseguia ver ao longe o Portão de Brandemburgo, belamente iluminado, contrastando com o tão escuro céu da noite ao fundo, muitos carros e muita movimentação. Mas ali de cima era tudo extremamente calmo e o vento que soprava, numa temperatura confortável, deixava tudo ainda mais sereno.
- Eu queria poder dizer e garantir tantas coisas...
- Me dê um exemplo.
- Eu queria poder dizer para mim mesmo que eu me sentirei sempre assim.
- Assim como? – Me apoiei nas duas mãos que estavam encostadas no concreto e o encarei, recebendo um olhar abarrotado de significados de volta.
- Assim como quando eu estou com você. Pensando que tudo é possível, me imaginando fazer as coisas mais simples, mas ao mesmo tempo as mais divertidas, me imaginando trocar o almoço pelo café da manhã e ficando o dia inteiro em casa de pijama assistindo algum filme épico de ação, ou apenas saindo num fim de semana com os amigos, mas sempre com você ao meu lado.
- Parece uma vida boa. – Brinquei, tentando tirar um pouco da seriedade da conversa.
O que ele tinha acabado de falar não era só referente a como ele se sentia quando estava comigo, era exatamente a mesma coisa que eu sentia quando estava com ele.
Eu quero e eu posso, só pelo simples fato de estar com ele. Ele era a minha força, era o meu incentivo, era o meu bem-estar, era o meu sorriso garantido pela manhã e por todo o dia. E eu, uma completa suicida por depender de alguém daquela forma.
- E é a vida que eu quero, .
- Pena que querer não é poder, não é verdade?
- Eu vou ser a pessoa mais egoísta do mundo em te propor isso, mas eu preciso ao menos me arriscar. – Ele sentou de lado e ficou de frente para mim, pegou minha mão e a acariciou com o polegar. Meu olhar caiu sobre os nossos dedos entrelaçados e eu imediatamente pensei que juntos, eram o encaixe perfeito. Pena que o encaixe perfeito só por alguns dias, mais especificamente por sete dias. – Eu tenho uma banda na Inglaterra e essa banda é uma coisa pela qual eu sempre batalhei, você é testemunha disso. – Ele voltou a falar. – Bom, e eu não posso simplesmente abandoná-la. Tom, Harry e Dougie estão me esperando em Londres. Eles contam comigo nos próximos shows e nos próximos CD’s e eu, mais do que tudo desejo estar com eles nesses momentos. Eu sei que tem os seus pais, eu sei que tem as amizades que você construiu nesse tempo aqui, eu sei que você já se acostumou a essa vida e ter que mudar novamente a sua realidade seria terrível, mas só depende de você. Você sabe que qualquer que seja a sua decisão terá meu total apoio, mas é tudo sobre a nossa felicidade e eu não preciso falar o que exatamente está incluído na nossa felicidade porque só de te olhar eu tenho todas as respostas.
- Eu me sinto tão perdida quando o assunto é você e eu, Danny. – Falei calmamente. Eu podia perceber que aquele era outro momento decisivo, e eu já estava cansada de tantos “momentos decisivos” em tão pouco tempo. - Eu só sei que é algo muito forte. É como se eu pudesse sentir novamente alguma coisa muito louca, muito diferente e muito boa dentro de mim e tudo por sua culpa. Só de olhar em seus olhos eu sinto o que é felicidade a dois. Eu quero voltar para Londres, eu quero que nós continuemos, mas eu não sei como começar a fazer isso, Danny. Eu sofri muito quando mudei para cá. Eu não conhecia a língua, eu não conhecia a cultura, eu havia deixado os meus amigos e as pessoas com quem eu convivi minha vida inteirinha em outro país. Eu estive por muito tempo perdida, mas agora não, agora eu tenho um lar, eu tenho amigos, conheço a língua e a cultura e já me adaptei a essa realidade. O que aconteceria comigo se eu me mudasse para Londres? – O encarei implorando por uma resposta, mas essa não veio. É terrível querer uma resposta e não tê-la. Eu me sentia inútil por não ter total controle sobre minha própria vida. - Eu tenho parentes lá, eu tenho você lá, eu tenho tanta coisa naquele país. Coisas que deveriam ser a razão para me fazer embarcar amanhã no primeiro avião. Mas vamos fazer uma comparação, eu aposto que você, apesar de ter vivido toda a sua vida em Bolton, de ter sua família e de ter crescido naquele lugar, não voltaria para lá por nada nesse mundo. E sabe por quê, Danny? Porque você tem amigos em Londres, você tem a sua banda, você tem os seus conhecidos, você tem uma rotina, a sua realidade é Londres e nem a sua cidade natal pode mudar isso. Você me entende?
- Sim. – Ele falou tristemente.
- Eu não estou dizendo que eu não quero dar uma chance para nós dois. Eu só não quero criar uma falsa esperança, te fazer acreditar que daqui a um mês eu estarei na Inglaterra, ou que você precisa me dar só mais algum tempo para eu pensar no assunto, resolver minha vida na Alemanha e ir te encontrar. Eu quero que você vá embora acreditando que o que aconteceu nesse verão pode nunca mais acontecer. – Apertei sua mão com um pouco mais de força. Tudo o que eu fizesse naquele momento estava relacionado a tentar poupar Danny de tanta dor, mas eu não podia esconder o que passava em minha cabeça quando o assunto era nós dois juntos, e mesmo sem querer eu estava lá, falando as palavras mais cruéis para alguém apaixonado. Sendo perversa com ele e comigo mesma.
Ele não desviou os olhos dos meus em nenhum momento e eu estava me preparando para que a qualquer momento uma maldição fosse proferida pela sua boca, que ele se levantasse exaltado, mexendo nervosamente nos cabelos e dissesse que daquela vez eu era a culpada por tudo, que eu continuava sendo a mesma “adolescentezinha” imatura que tinha saído da vida dele há seis anos e que por eu não lutar pela nossa felicidade. Ele jamais deixaria que eu me aproximasse daquela forma novamente. E o pior, eu sentia que merecia aquilo. Eu estava sendo tão medrosa e tão egoísta. Talvez no fundo eu tivesse, de fato, alguma parte masoquista dentro de mim.
Eu esperei todo aquele ataque, mas a única coisa que eu consegui sentir foi a mão de Danny tocar a minha nuca e me puxar um pouco mais para perto, acabando com a distância entre nós e iniciando mais um de nossos beijos. Eu provavelmente tinha acabado de quebrar seu coração, mas ele estava me devolvendo tudo aquilo com carinho. O melhor carinho do mundo. Ele segurava o meu rosto com as duas mãos enquanto me beijava e as minhas estavam segurando os seus braços.
- Dança comigo? – Ele perguntou assim que me deus dois selinhos demorados, partindo o beijo.
- Dançar? – Perguntei confusa.
- Sim, dançar.
Ele tirou um player portátil do bolso da calça jeans escura que usava e selecionou alguma música. Eu imediatamente ouvi uma voz começar a cantar acompanhando uma melodia doce e calma e fui puxada por Danny.

Today is a winding road
Hoje é uma estrada sinuosa
Thats taking me to places that I didn't want to go, whoa
Que está me levando a lugares que eu não queria ir, whoa
Today in the blink of an eye
Hoje em um piscar de olhos
I'm holding on to something and I do not know why I tried
Estou me segurando em algo e eu não sei por que eu tentei

I tried to read between the lines
Eu tentei ler nas entrelinhas
I tried to look in your eyes
Eu tentei olhar em seus olhos
I want a simple explanation, what I’m feeling inside
Eu quero uma explicação simples, o que eu estou sentindo por dentro
I gotta find a way out
Tenho que achar uma saída
Maybe theres a way out
Talvez haja uma saída

Eu não conseguia falar mais nada, apenas aproveitar o quentinho dos braços dele me envolvendo. O cheiro apaixonante estava lá. Eu o sentia tão perto que só de pensar que dali em diante tudo seria sem ele, um embrulho no estômago acabava comigo.

Your voice was the soundtrack of my summer
Sua voz foi a trilha sonora do meu verão
Do you know you're unlike any other?
Você sabe que você é diferente das outras?
You'll always be my thunder, and I said
Você sempre será meu trovão, e eu disse
Your eyes are the brightest of all the colors
Seus olhos são os mais brilhantes de todas as cores
I don't wanna ever love another
Eu não quero amar mais ninguém
You'll always be my thunder
Você sempre será meu trovão
So bring on the rain
Então traga a chuva
And bring on the thunder
E traga o trovão

Today is a winding road
Hoje é uma estrada sinuosa
Tell me where to start and tell me something I don't know, whoa
Diga-me onde começar e me diga algo que não sei, whoa
Today I'm on my own
Hoje estou sozinho
I can’t move a muscle and I can’t pick up the phone, I don’t know
Não consigo mexer um músculo e eu não consigo pegar o telefone, eu não sei

- Desculpa. – Sussurrei, sentindo o coração de Danny acelerar, talvez com o contanto ou ainda com a separação forçada.
- Você não precisa pedir desculpas. – Ele fez um leve cafuné em meus cabelos e o beijou. – Eu soube o tempo todo do risco.

And now I'm itching for the tall grass
E agora eu estou me coçando por causa da grama alta
And longing for the breeze
E desejando uma brisa
I need to step outside, just to see if I can breathe
Eu preciso dar um passo a fora, só para ver se eu consigo respirar
I gotta find a way out
Tenho que achar uma saída
Maybe there’s a way out
Talvez haja uma saída

Your voice was the soundtrack of my summer
Sua voz foi a trilha sonora do meu verão
Do you know you're unlike any other?
Você sabe que você é diferente das outras?
You'll always be my thunder, and I said
Você sempre será meu trovão, e eu disse
Your eyes are the brightest of all the colors
Seus olhos são os mais brilhantes de todas as cores
I don't wanna ever love another
Eu não quero amar mais ninguém
You'll always be my thunder
Você sempre será meu trovão
So bring on the rain
Então traga a chuva

Ele me guiava em alguns poucos e lentos passos. Eu me movimentava sem a menos vontade de estar ali, naquela despedida. Eu, assim como Danny, queria ser capaz de dizer e garantir muitas coisas, além de ser capaz de mudar muitas delas. Talvez eu pudesse começar pelo meu passado. Eu jamais teria morado na Alemanha, teria ficado na casa de alguns tios na Inglaterra e teria insistido mais dizendo que eu nunca me adaptaria ao novo. Porém o tempo passa, e você está longe e todos os seus sentimentos são reduzidos a nada.

Yeah I'm walking on a tightrope
Yeah, eu estou caminhando sobre uma corda bamba
I'm wrapped up in vines
Estou coberto de videiras
I think I'll make it out but you just gotta give me time
Eu acho que eu sairei disso mas você tem que me dar tempo
Strike me down with lightning
Me acerte com um raio
Let me feel you in my veins
Deixe-me te sentir em minhas veias
I wanna let you know how much I feel your pain
Eu quero que você saiba o quanto eu sinto a sua dor

Today is a winding road
Hoje é uma estrada sinuosa
That's taking me to places that I didn't want to go, whoa
Que está me levando a lugares que eu não queria ir, whoa

Your voice was the soundtrack of my summer
Sua voz foi a trilha sonora do meu verão
Do you know you're unlike any other?
Você sabe que você é diferente das outras?
You'll always be my thunder, and I said
Você sempre será meu trovão, e eu disse
Your eyes are the brightest of all the colors
Seus olhos são os mais brilhantes de todas as cores
I don’t wanna ever love another
Eu não quero amar mais ninguém
You'll always be my thunder and I said
Você sempre será meu trovão, e eu disse

Lágrimas escorreram pelo meu rosto e instantes depois eu as senti molhando a camisa social branca com listras pretas do garoto que me abraçava tão meigamente. Ele se afastou e me olhou com uma mistura de pena e saudade no olhar e eu o puxei para um abraço.
O cheiro novamente. Eu não tinha para onde correr, se brincar o cheiro de Danny já estava impregnado em minha pele assim como estava impregnado nos meus lençóis ou no sofá branco da mamãe onde ele insistia em dormir sempre que podia.
Os soluços decorrentes de um choro desesperado e cheio de dor me fizeram começar a soluçar. Danny me abraçou mais apertado e sussurrou a última parte da música em meu ouvido.

Your voice was the soundtrack of my summer
Sua voz foi a trilha sonora do meu verão
Do you know you’re unlike any other?
Você sabe que você é diferente das outras?
You'll always be my thunder
Você sempre será meu trovão
So bring on the rain
Então traga a chuva
Oh baby bring on the pain
Oh baby, traga a dor
And listen to the thunder
E ouça o trovão


10 # She has the most amazing smile

O meu quarto e o da eram os últimos cômodos que precisavam ser arrumados. Dois dias trancadas no apartamento montando ou tentando montar os móveis, tirando poeira, encerando o chão, e enfim tudo estava em seu lugar. Exceto os nossos quartos.
Meu quarto era menor que o quarto que eu tinha na casa dos meus pais, e contava apenas com uma pequena janela que dava direto para um letreiro iluminado pela luz neon azul da lanchonete da frente. A cama, o guarda-roupa, um móvel próximo à cama para computador, televisão e provavelmente a pilha de livros e papéis que se acumulariam em pouco tempo, já estavam montados. Só faltava encaixar o que estava dentro das caixas em seu lugar.
My Sharona de The Knack tocava no meu quarto na maior potência que o aparelho de som conseguia alcançar.

Come a little closer huh, be a hon
Venha um pouco mais perto, huh, seja um mel
Close enough to look in my eyes Sharona
Perto suficiente para olhar em meus olhas, Sharona
Keep a little mystery get to me
Mantenha o mistério e você me consegue
Running down the length of my thigh Sharona
Corra pra baixo do comprimento da minha coxa, Sharona

Never gonna stop give it up such a dirty mind
Nunca vai desistir de tal mente suja
Always get it up for the touch of the younger kind
Sempre consegue pelo toque do mais novo tipo
My My My Sharona
Minha Sharona

A música mais do que contagiante me fazia cantar aos gritos junto com Doug Fieger. Eu dançava no mesmo ritmo e tocava uma guitarra imaginária sempre alternando com pulinhos sem noção. Fui ao banheiro colocar alguns cremes no pequeno armário que tinha ali e assim que coloquei os pés no pequeno cômodo todo em branco, o som ficou da altura correta para se ouvir Porcelain do Red Hot Chili Peppers, mas nem daquela música eu gostava.
- Hey!
- Seu celular está tocando há dez minutos lá na sala, mocinha! – brava, acho que mais cansada e sem muita paciência por estar cansada, do que propriamente brava, com a mão na cintura e com aquela cara de mãe com raiva e na TPM estava parada ao lado do som, movimentando o meu celular de um lado para o outro no ar.
- Ok. Eu estou ocupada, pode deixar ele aí que depois eu retorno a ligação. – Me virei para voltar a arrumar os cremes no banheiro e antes que eu desse qualquer passo ela me chamou com um quase grito estridente.
- O quê?
- Não custa nada você atender agora. Dois minutos não vão deixar você atrasada em nada já que você não tem nada pra fazer, pelo menos por enquanto.
- Eu preciso terminar isso aqui agora. Amanhã pela manhã eu tenho uma entrevista de emprego e eu não posso demorar mais duas horas pra terminar, a não ser que eu não queira mais ter dinheiro e seja obrigada a voltar a morar com meus pais.
- O tempo que você gasta dando desculpas esfarrapadas poderia ser usado para atendê-lo.
- O tempo que você usa se metendo em assuntos alheios poderia ser usado para o seu próprio bem.
- Me xingue ou grite comigo o quanto quiser. Enquanto eu for sua amiga eu me intrometerei nos seus assuntos sempre que você estiver fazendo besteira.
- O que você considera besteira hein, ? – Eu a encarei, não acreditando no que ouvia. sabia de tudo, dos menores detalhes, sem falar do fator “eu sou sua amiga e te conheço muito bem”. Ela sabia como eu me sentia só em olhar para mim e eu simplesmente não conseguia acreditar que ela considerava besteira o fato de eu estar suficientemente confusa e abalada com a partida de Danny.
- Você está se quebrando inteira . Eu não te vi assim nem quando o Mark foi embora, você sofre calada, só pensa em conseguir o seu emprego e se afogar nos copos de café o dia inteiro, não assiste mais os seus filmes e nem troca o almoço pelo café da manhã. Você nem o atende. – Ela falou se aproximando.
- Isso é só a minha auto super proteção, . O pior é que eu já começo a achar que ela não vale de nada além me causar mais prejuízos. – Sentei na cama e ela sentou-se ao meu lado em seguida.
- Você sabe que não vai poder ignorá-lo para sempre, não é? – Ela falou me entregando o celular que não tocava mais.
- Sei.
Um silêncio se instalou entre nós duas e eu pude identificar um pedacinho de Califórnia Sun dos Ramones que tocava no rádio.

Well, I'm going out west out on the coast
Bem, eu estou indo para fora, na costa oeste
Where the California girls are really the most
Onde as garotas californianas são realmente as melhores

- É o que dizem. – falou, olhando para o teto e eu desviei o olhar para ela assim que ouvi a afirmação sem nexo.
- O quê?
- As californianas. Dizem que elas são as melhores.
- Você não está no seu normal hoje. – Falei nos fazendo rir. – Vai pro seu quarto, deita um pouquinho e descansa.
- Hum... – Ela me olhou com um bico e uma careta no rosto me fazendo sorrir. , depois de uma bronca, um sorriso. – Tudo bem. Só me prometa pensar em não se entregar à tristeza e lutar pela sua felicidade, mesmo que ela esteja longe do garoto com os olhos azuis mais lindos do universo.
- Eu prometo.
- Ok. – Ela se levantou e caminhou até a porta. – AH! E pelo amor que você tem a mim e aos seus vizinhos, pare de ouvir um pouco de Punk do tempo dos seus avós e coloque um pop pra tocar nesse quarto! – Mandei o dedo do meio para ela que fechou a porta rindo da minha cara de insatisfação e com toda a certeza do mundo apressada por esconder qualquer vestígio de música pop que tivesse em seu quarto e que pudesse desaparecer de uma hora para a outra graças a uma amiga vingativa.
O celular ainda estava na minha mão e eu o encarava, no fundo esperando que tocasse e que depois da bronca que a minha amiga tinha me dado, eu criasse coragem e o atendesse. E foi exatamente isso o que aconteceu. A foto de Danny sorrindo aquele sorriso fofo apareceu no visor do aparelho, acompanhado por Let Me Take You There de Plain White T's. A foto havia sido tirada em Freiburg, no fim de semana.
Danny estava usando uma toca e uns fiozinhos de seu cabelo escapavam pelas beiradas, um pouco da franja estava sobre sua testa descoberta e o seu sorriso, a coisa mais bonita naquele rosto, estava lá, largo e estonteante. Os dentinhos da frente desalinhados naquele sorriso que parecia forçado, mas era mais do que verdadeiro, o deixavam ainda mais fofo e lindo, sem falar no brilho daquele olhar que me hipnotizava, apesar de ser apenas uma fotografia.
Era só apertar o botãozinho verde e ouvir a voz que me trazia tranquilidade e que fazia meu coração disparar. Era só um botão.

O saguão do aeroporto estava vazio e eu segurava no braço do meu pai enquanto andava ao seu lado. Mamãe e tia Kathy vinham logo atrás conversando sorridentes, não parecendo em nada com o meu estado deplorável interior.
- Meg, venha logo antes que a Kathy perca o avião! – Papai parou e se virou rapidamente apressando-as.
Meu olhar perdido encontrou o de Danny que caminhava do outro lado do meu pai. Eu sorri fraco e em seguida voltei a dar o braço a papai e continuamos a caminhada até o lugar que ele tinha em mente.
Lembro que tia Kathy chamou Danny pra comprar alguma coisa que segundo ela era legal e era a lembrança da Alemanha que ela teria na cozinha de casa, e mamãe os acompanhou. Papai e eu ficamos sentados conversando sobre o sucesso da exposição da noite anterior e de como a mamãe estava feliz. Pelos quase quarenta minutos que foi somente eu e ele, meus pensamentos não atingiram o ponto que havia nos levado até o aeroporto. Eu me sentia sufocar, do mesmo modo que você se sente depois de comer no feriado de Páscoa na casa da sua avó e quando na ocasião está usando uma calça jeans dois números menores, adicionando a isso o fator sentimento.
Mamãe tinha o rosto vermelho de tanto rir e vinha em nossa direção acompanhada de Danny e tia Kathy que discutiam sobre as idéias da minha tia.
- Minha mãe não existe! – Danny exclamou ao nos alcançar.
- Danny querendo controlar a Kathy, vê se pode Paul! – Mamãe falou rindo e se sentando ao lado do papai.
- Eu não estou tentando controlá-la tia, mas nós temos um voo de algumas horas até Londres e antes ela quer beber um chopp!
- Eu não sabia que aqui vendia bebida alcoólica. – Falei tentando entrar na conversa.
- Era lá do outro lado da rua. – Tia Kathy falou e se sentou ao meu lado. – E nem me olhe com essa cara porque eu sei que você adora um chopp também! – Ela olhou para Danny balançando o dedo no ar. Não me segurei e ri junto com a Meg.
- Eu vou sentir falta de vocês, especialmente desses momentos! – Mamãe falou tão banalmente após se recuperar dos risos, mas para mim foi como um grande banho de água fria.
Eu juntei as duas mãos e coloquei entre as minhas pernas, tentando enxotar aquele pensamento novamente de mim.
- Você está bem querida? – Tia Kathy pousou a mão sobre o meu ombro direito e me perguntou com uma expressão preocupada.
- Claro, tia. – Respondi com um sorriso forçado.
- Não se preocupe honey, nós não demoramos a voltar.
“Mas eu não quero que vocês fiquem vindo e indo, eu quero vocês sempre por perto ou de uma vez e completamente longe de mim, droga!” – Aquilo era o que estava na ponta da minha língua prestes a sair com lágrimas, a julgar o poço de sensibilidade ao qual eu havia me transformado nos últimos dias, mas a voz elegante de uma mulher anunciou o voo para Londres que nós estávamos esperando.
- É o de vocês. – Papai e mamãe se levantaram e eu continuei no meu lugar, vendo os meus familiares se abraçando e sorrindo, mesmo que uma pontinha de saudade e talvez tristeza por causa da partida estivesse em seus corações.
Ah, como eu queria apenas pular aquela parte e tomar banho na chuva que caía lá fora. Era tudo o que eu queria e tudo o que eu precisava.
- Não vai me dar nem um abraço? – Danny me acordou daquele devaneio e eu o olhei erguendo uma sobrancelha querendo parecer forte.
- Eu só estava esperando a minha vez.
- Garotinha educada, hein? – Ele falou nos fazendo rir e o sorriso continuou em meu rosto enquanto os nossos olhos mantiveram contato. – Não fique assim. – Ele passou as mãos pelos meus braços que me envolviam em um abraço vazio, mas ao mesmo tempo protetor. – Eu sempre apoiarei todas as suas decisões e se mudar de idéia você já sabe o meu número.
Danny beijou a minha bochecha e me puxou para um abraço.
- Eu te amo. – Ele sussurrou muito baixinho para que só eu ouvisse e me apertou ainda mais em seus braços.


- Não sabia que você gostava de Plain White T's.
- Essa música tem uma letra legal. Gostou?
É, letra legal e quem sabe uma indireta.
- Yep!
- Ótimo. Onde você está?
- No meu novo endereço.
- Gostando?
- É estranho no começo. Tão estranho que até sua nova cama é estranha, mas nada que o tempo não resolva. – Silêncio. Erm... Alguma reciprocidade na curiosidade, por favor? – E você?
- Em casa.
- É domingo. Pensei que você estivesse de folga aos domingos e gostasse de se divertir um pouco.
- Não tô com saco pra sair hoje.
- Como alguém não tem saco pra sair numa noite de verão em Londres? Eu daria tudo só para estar sentada em algum café, e que esse café tivesse uma parede de vidro que me permitisse ver o céu estrelado. Eu daria tudo pra estar rodeada de amigos e aos sair do café sentir aquele ventinho gostoso que há mesmo no verão.
- Você pode fazer tudo isso, é só querer.
- Ok. – Danny e o seu lado ‘eu quero, eu posso’, eu não podia discutir com aquele lado otimista dele, eu simplesmente não podia!
- Espera, . – Ele saiu da linha e segundos depois eu ouvi algumas risadas altas e conversas no fundo. – Os garotos estão aqui. Eles estão me chamando para assistir qualquer coisa na casa do Tom.
- Vai lá e se divirta.
- Certeza?
- Sim, eu preciso mesmo dormir. Amanhã tenho uma entrevista de emprego bem cedo.
- Entrevista de emprego? – Voz em um tom de receio.
- Eu não moro mais com os meus pais, terminei a faculdade, tenho 22 anos... Acho que já tá na hora. – Dei de ombros mesmo sabendo que ele não podia ver.
- Hum... Então boa sorte.
- Obrigada, Danny.
- Seria demais pedir que você me mantenha informado?
- Claro que não.
- Ok. Boa noite, . Durma bem.
- Boa noite, Danny. Não volte tarde pra casa.
- Pode deixar.
Nós rimos e eu desliguei.

Eu acordei muito suada e com o coração disparado. Um pesadelo tinha acabado de atormentar o meu sono e ainda eram quatro horas da manhã.
Levantei atordoada e caminhei até o banheiro tateando tudo pelo caminho e levando tudo o que estivesse pela frente. Era incrível como nem um pesadelo capaz de me deixar naquele estado me obrigava a lembrar do que passava pela minha cabeça enquanto eu dormia. Passei a mão nos olhos tirando o excesso de água que me impedia de abri-los completamente e em seguida fui entrando em baixo da ducha quente. Banho, aquela era a solução.
Mais tarde eu ouvi o barulho de vidro quebrando e abri os olhos lentamente. Meus olhos percorreram toda a sala e eu percebi que tinha adormecido novamente no sofá, não tão confortável quanto o da minha mãe. A luz já entrava pelas janelas, apesar das cortinas que ali havia e eu me espreguicei, quase derrubando um jarrinho de flores artificiais que estava sobre uma mesinha ao lado do sofá.
- Pensei que você já tivesse saído. – passou por mim toda arrumada, da mesma forma que ela se arrumava para ir trabalhar e eu tive um estalo.
- Que horas são?
- Sete e vinte.
- Oh meu Deus! A minha entrevista é do outro lado da cidade, as oito e hoje é segunda. O trânsito vai me atrasar legal! – Passei pela correndo, tentando adiantar um pouco o passo.
Dez minutos depois bateu na porta do meu quarto avisando que já estava saindo e em dois minutos eu já me encontrava pronta para a entrevista.

- A senhorita pode até ter trabalhado efetivamente em apenas uma dessas empresas, mas o fato de ter três estágios com pelo menos oito meses de duração e ótimos relatórios feitos por essas empresas do seu trabalho nelas, a torna apta para a vaga que temos, não tenha dúvidas quantos a isso. – A elegante executiva à minha frente falava tão bem do meu currículo que nem a expressão e postura extremamente profissionais dela me causavam temor. Pelo contrário, e eu só não sorria abertamente porque tentava passar a impressão “garota que possui total controle sobre suas atitudes”, mas não posso negar que ao menos a sensação de conquista estava bem clara no brilho dos meus olhos e naquele sorrisinho tímido que compunham a minha expressão. – Porém, devo lhe dizer que a escolha dos publicitários que precisamos não depende apenas da minha aprovação, afinal, estamos falando da abertura de uma filial da Robert’s em Londres...
Depois da palavra Londres, eu fiquei tão absorta em meus pensamentos e suposições que apenas a mulher gesticulando sem parar a uma mesa de distância era notada por mim, mais nenhuma palavra foi ouvida, nem qualquer barulho que fosse.
Como assim filial da Robert’s em Londres?! A não tinha me avisado da parte que uma vez conseguido o emprego, eu teria que me mudar para a Inglaterra.
Alemanha, novo emprego, abandonar tudo, Inglaterra, nova realidade, nova vida, Danny... Alemanha, emprego na Alemanha, vida nova com a , sofrer por causa do Danny... Essas eram apenas duas das escolhas que eu possuía, pelo menos escolhas descentes, porque as outras incluíam abandonar tudo, virar mochileira e embarcar numa viagem sem lenço e sem documento pela Europa ou América Latina. O que sem dúvida alguma me faria levar uns bons esporrões dos meus pais. A outra era virar atendente do McDonald’s, mas nem daquele símbolo máximo do capitalismo eu gostava. Ou ainda, migrar novamente para a casa dos meus pais e viver às custas deles eternamente, mas isso com certeza não seria permitido. O fato era, as únicas situações plausíveis me levavam ao Danny. Só ao Danny e sempre ao Danny. Ele era como uma marca tatuada no meu coração, e estava cada vez mais difícil arrancá-la dali.

- Que droga você acha que está fazendo?! – Uma perua desconhecida me olhou torto ao ouvir a minha exclamação alta, enquanto passava próxima da mesa onde eu estava sentada na praça de alimentação. Eu apenas a olhei de volta com desprezo e me voltei novamente para a caixinha de batata fritas, da mesa ao lado, onde estava estampada a logomarca do McDonald’s, me perguntando se a minha antipatia gratuita era suficiente para recusar um emprego na grande capitalista. Talvez eles quisessem uma publicitária para fritar carnes de hambúrguer ou engordurar ainda mais a comida dos seus clientes.
- Primeiro, você ligou em horário de trabalho para gritar comigo? E segundo, eu não sei do que você está falando. – Aquela última frase era clássica quando a minha amiga sabia que tinha culpa, mas não queria admitir.
- Eu consegui fazer a me falar a verdade. Ela disse que você a contou sobre a entrevista.
- Traidora! Quanto você a pagou?
- , por favor, só me diga aonde você quer chegar com isso.
Houve um pequeno silêncio ali. Eu continuava com o olhar na caixinha de batata frita, apenas esperando, até que um suspiro pôde ser ouvido do outro lado da linha.
- A sua felicidade, . Há dias nós conversamos sobre tomar as rédeas das nossas próprias vidas; sobre o medo das responsabilidades, mas ao mesmo tempo sobre como elas nos farão crescer; sobre correr atrás dos nossos sonhos e objetivos. Até o seu discurso como oradora falava basicamente sobre isso. Então eu começo a achar que você tem algum problema mental porque seu cérebro se nega a absorver e a aceitar isso. Não pode ser apenas teimosia. Eu não preciso falar como é o seu olhar quando o Danny está por perto, porque você seria no mínimo idiota em negar isso a si mesma. Quantas vezes mais você vai deixar a sua felicidade escapar assim? Até ele se cansar e arranjar uma outra namorada? Aí então você terá mais outro motivo para dizer que todos te abandonam, quando nem você mesma corre atrás daquilo que deseja? Até quanto você vai se fazer de vítima e negar que Danny é o cara perfeito pra você?
Eu ouvia cada palavra em silêncio. Eu não concordava com nada que a dizia e ter ouvido aquilo tão sem disfarces e tão cruelmente me assustou. Eu era uma grande teimosa, e teimosas como eu não davam o braço a torcer tão facilmente.
- Quem disse que a minha felicidade depende de um homem? – Mil vezes teimosa.
- Cansei, ok? Aceite o emprego se você quiser, vá para Londres se você quiser. Apenas não diga que eu não avisei. – E desligou.

- ? , acorda, nós já chegamos. – Eu sentia alguém me balançar levemente e ouvia o meu nome bem longe.
- Hum? – Eu estava mais adormecida do que acordada e o meu encosto era quentinho e confortável demais para qualquer coisa me tirar dele.
- , a sua volta no teleférico.
- Teleférico? – Um estalo e eu estava novamente consciente e de pé. Nós ainda estávamos dentro do ônibus e eu me sentia como se tivesse dormido por doze horas seguidas.
- Vem! – Danny me puxou pela mão, me guiando até a imensa área verde que tinha ali fora.
Era tudo exatamente como na Floresta. Árvores altas e uma vegetação bastante verde. A diferença é que havia uma grama baixinha por toda parte, plantada propositalmente apenas para dar aquela boa impressão aos turistas.
Encontramos uma fila para a volta no teleférico e entramos nela.
- Você ainda está com sono? Tá tão quietinha aí... – Ele me abraçou pelo pescoço e eu enterrei meu rosto eu seu peito.
- Eu estou ansiosa. – Falei prendendo a respiração, esperando que aquilo fizesse a horrível sensação no meu estômago, causada pela ansiedade, desaparecer. Danny partiu o abraço e me olhou sério. – Ok, talvez com um pouco de medo também... – Ele riu daquele jeito que os garotos riem quando quebram a boneca de porcelana preferida da irmã e em seguida segurou as minhas mãos.
- Você é uma caixinha de surpresas. – Falou enquanto entrelaçava seus dedos aos meus.
- Por quê?
- Em um momento você é séria e decidida, no outro você é só uma garota frágil e com medo.
- E o que isso significa? – Nós conversávamos enquanto a fila andava.
- Que isso é tudo muito encantador para mim.
- Os outros costumam chamar isso de bipolaridade, ou personalidade dupla, ou qualquer outro nome complexo demais para ser entendido.
- Os outros são só os outros. – Danny falou enquanto tentava olhar por cima dos ombros das pessoas a nossa frente, verificando se faltava muito para a nossa vez. Eu sorri com o breve comentário e entendi perfeitamente o que ele falava. Os outros eram apenas os outros quando nós estávamos juntos. Aquele era o significado. – Apenas segure firme a minha mão se sentir medo, garota do sorriso incrível.
- Quê? – Éramos os próximos a sentar nas cadeirinhas penduradas a metros de distância do chão.
- Apenas segure a minha mão e nada de mau vai te acontecer. – Danny me olhou meigamente e nós embarcamos.



11 # The rest is still unwritten
[Quem quiser acompanhar com a música – Natasha Bedingfield - Unwritten]

Dois dias depois da entrevista, eu recebi um telefonema da Robert’s avisando que eu era uma das publicitárias da filial em Londres. Eu havia me esforçado muito para um cargo como aquele, havia investido como ninguém nos estágios e tudo graças aos meus pais que sempre me apoiaram nessa história de estágios, por mais que eles pagassem um salário miserável, quando pagavam. Eu não era mais uma universitária e como mamãe havia me dito no jantar de sábado à noite em seu apartamento: “É você quem decide seu destino agora. Mesmo que você queira ir para o Japão, nós te apoiaremos até o fim. Graças aos céus você vai estar logo ali na Inglaterra”. Era aquilo, eu decidia sobre mim. Eu decidia sobre o que era legal e o que não era legal e se no final das contas eu me ferrasse, bom, era problema meu também. Ah, a independência...
- Onde estão seus pais? – estava sentada bem ao meu lado no aeroporto, estralando os dedos daquele jeito nervoso dela.
- Se eu o conheço bem, papai deve ter arrastado a minha mãe para longe porque odeia se separar da família.
- Não é como se ele não soubesse que isso aconteceria um dia.
- Todos os pais sabem que a separação mais cedo ou mais tarde vai acontecer, mas nem todos estão preparados quando os filhos têm que mudar para outro país.
- Não dou seis meses para vocês se verem novamente.
- Um dia sequer não se passará sem o telefonema deles, você vai ver!
- Como você se sente? – Minha amiga perguntou mudando total de assunto e eu a encarei, apenas checando se tinha mais alguma coisa ali e havia.
- Pergunta difícil, mas eu acho que consigo responder essa. Eu me sinto acabada como as bolas do sorvete de chocolate do milk shake de chocolate devem se sentir depois de uma batidinha no liquidificador.
- Isso é algum tipo de piadinha inglesa que eu não aprendi em seis anos? – E a gargalhada sincera da acompanhou o seu comentário. Nós rimos tanto que nossos olhos se encheram de lágrimas e quando o efeito do comentário insano passou, nós apenas nos encaramos e nos abraçamos. As lágrimas decorrentes das risadas se transformaram em lágrimas de saudade.
- Você vai fazer muita falta aqui. – Ela falou baixinho ainda me abraçando.
- Eu vou morrer de saudades de você, . Você é a melhor amiga e melhor irmã que qualquer um pode querer.
Ela partiu o abraço e me olhou com aquele olhar de anjo. Ela podia até não ter asas, nem nada que a fizesse parecer com um, mas era literalmente um anjo para mim. Muitas pessoas entraram na minha vida durante aquele tempo na Alemanha, muitas coisas aconteceram e fora a minha família, ela foi a única que nunca me abandonou um só segundo, a que sempre me ouvia, a que sempre me estendia a mão, a que sempre esteve ali, de alguma forma ela sempre esteve, e eu sabia que nem aquela ida para Londres nos afastaria, porque ela seria meu eterno anjo da guarda.
- Meu rosto não fica legal quando eu choro, então, por favor, não me faça mais chorar! – Ela brincou secando as lágrimas, acabando com o clima pesado de despedida.
- Passageiros do voo 765 da British Airways, com saída marcada para as 8:35 da manhã e com destino a Londres, devido às péssimas condições do tempo, a aeronave só pousará no aeroporto de Berlim dentro de quarenta minutos. Para maiores informações, queiram se dirigir até o balcão da referida companhia aérea.
- Esses atrasos vão me trazer um infarto. – Reclamei assim que ouvi o aviso.
- Por que a gente não aproveita e dá uma voltinha por aí? No piso de cima tem uma loja de CD’s ótima. O que acha? – propôs animada.
- Só me deixa mandar uma mensagem para Meg, antes que ela alarme a segurança do aeroporto.

A sessão de música pop nunca havia me interessado tanto. TApenas daquela vez, talvez porque eu quisesse comprar alguma coisa para a . Naquele caso um álbum não oficial das Spice Girls, The Five Queens in Birmingham, lançado após a saída da integrante preferida da , ou ainda, por conta da influência da minha outra amiga.
- Spice Girls? – A voz de veio de trás de mim e eu me virei com o CD na mão para encará-la.
- Há tempos a procura esse CD. Aposto que ela vai adorar o presente.
- A tia dela não teve os bebês ainda?
- Parece que remarcaram a cesariana. Ela deixou outra mensagem dizendo que talvez voltasse na próxima semana.
- Você a contou sobre Londres?
- Sim. – Coloquei o CD na cestinha que carregava comigo e dei a volta na prateleira para olhar outros CD’s.
- E ela? – me seguia.
- Ah, ela ficou triste quando soube que eu não estaria mais aqui quando voltasse, mas prometeu que nos veríamos logo.
- E o Danny?
- O que tem o Danny?
- Ele já sabe que você está voltando?
- Não é como se eu estivesse indo encontrá-lo.
- Eu sei, mas ele não devia ao menos saber?

No mesmo momento a conversa que tive com Danny havia uma semana veio à tona.
- Seria demais pedir que você me mantenha informado?
- Claro que não.

Eu prometi mantê-lo informado e não estava cumprindo.

- É. Ele devia saber sim.
A minha falta de compromisso sendo proferida em voz alta me fez perder o fôlego. Eu respirei fundo e pensei rápido. Tudo passava muito rapidamente pela minha cabeça. Desde eu, Danny e Vicky brincando na neve do jardim quando ainda éramos crianças, até a partida de tia Kathy e do meu primo há quase duas semanas.
Era aquela a minha chance. Era aquela a minha última chance de fazer as coisas darem certo.
- Você pode segurar minha cesta enquanto eu vou ao banheiro?
- Não consegue esperar? – me perguntou com a desconfiança vazando em seu tom de voz.
- Na verdade eu preciso resolver uma coisa. – Falei balançando o celular nervosamente no ar.

O banheiro estava vazio, mas eu não me preocupava com aquele fato. Eu sabia que nem o banheiro cheio de mulheres ávidas por maquiagem faria minha coragem desaparecer. Entrei na última cabine da fileira de cabines que havia ali e fechei a porta com pressa. Meu psicológico estava tão abalado que eu sentia o suor escorrendo pelo meu pescoço e as minhas mãos dormentes quando realmente nada daquilo acontecia. Peguei o celular e lá estava o nome, bem claro no aparelho. Outra vez um botão resolveria qualquer coisa e acabaria com qualquer distância, claro que com a ajuda de algumas palavrinhas minhas, mas eu tinha certeza que apenas uma ligação seria suficiente para nascer em outra pessoa alguma esperança.
Apertei o botãozinho verde, antes que o medo misturado ao arrependimento me atingisse em cheio, e começou a chamar. Uma chamada, duas, três... Nove chamadas e nada.
- Alô?
- Danny?
- ?
- Você perdeu o hábito de checar quem está te ligando?
- Mais ou menos. – Ele riu espontaneamente, e eu podia jurar que ele estava bagunçando os cabelos próximos à nuca naquele momento.
- Certo. – Eu me virei nervosamente em direção a parede do meu lado esquerdo, sem saber o que falar ou o que fazer.
- O que te faz me ligar as 7:50 da manhã de uma segunda-feira?
- Maldito fuso horário! Eu devia ter checado isso antes.
- Nah... Tudo bem. Eu já estava acordado mesmo.
- Melhor. – O nervosismo estava estupidamente claro na minha voz.
- Nervosa? – Ele perguntou com cuidado.
- Acho que sim. – E todo o segredo ou pseudo-segredo escondido fora revelado. Eu não precisava falar muita coisa, o que viria depois era óbvio.
- Por que você me ligou, ?
Eu puxei o máximo de ar que consegui e engoli em seco. Se eu não falasse aquilo naquele momento eu despencaria sozinha ali e teria um colapso. Eu podia sentir o sangue correndo a toda a velocidade pelas minhas veias e a adrenalina sendo liberada numa velocidade absurda na minha corrente sanguínea.
- Você disse que eu podia te ligar se mudasse de idéia. – A frase saiu tão baixa que eu duvidava que Danny pudesse ter ouvido, mas alguns segundos depois, eu pude ouvir o suspiro dele. Suspiro de alívio.
- Repete. Por favor, repete. – Ele falou, transparecendo ansiedade.
- Eu mudei de idéia, Danny. Meu voo para Londres sai em uma hora.
- Você... Você vem e...
- Eu prometo te ligar assim que chegar, tudo bem?
- Espera! Eu... Eu... A ficha ainda não caiu, entende?
- Entendo. – Eu sorri.
- Promete me ligar assim que chegar?
- Prometo.
- Tchau? – Perguntei sem a menor vontade de me despedir. Eu queria ficar conversando com ele todo o tempo possível, inclusive durante a viagem. Eu sentia como se aquilo fosse algo irreal, definitiva e completamente fora da minha realidade, e que se caso eu desligasse o telefone, o sonho acabaria.
- Espera! , as coisas vão dar certo agora, não vão?
Eu olhei para o teto com um sorriso bobo nos lábios. A minha maior vontade era senti-lo ao meu lado, sorrindo daquele jeito extravagante e contagiante, com os olhos azuis brilhando por qualquer desenho bobo que passava na TV, passeando pela casa só de boxer logo depois de acordar, contando suas piadinhas sem graça... O que me acalmava era a certeza de que em algumas horas toda aquela distância e todos os problemas estariam resolvidos. Eu pensei na pergunta que ele tinha acabado de fazer e pensei em como eu definiria a expressão “dar certo”, a palavra felicidade veio imediatamente à minha cabeça. Faculdade, satisfação profissional, estabilidade econômica, segurança ao lado de amigos e pais, nada daquilo tinha sentido completo sem o Danny. Ele era a chave que faltava para ligar todos aquele elos. Era Danny quem eu sempre esperei e era ele quem eu teria finalmente. Abaixei meus olhos, encarando as minhas unhas num tom rosa avermelhado estranho e extremamente bonito.
- Vai sim, Danny. Tudo vai dar certo. – Ouvi aquele tão conhecido sorriso extravagante do outro lado e sorri também.
- Uma última coisa.
- Fale.
- Eu te amo.
Aquela era a segunda vez que eu ouvia Danny dizer aquilo. Da primeira, eu pensei que era só uma coisa que primos, praticamente criados juntos, falavam um ao outro, mas eu e Danny não éramos um tipo comum de primos, e naquele momento eu soube o real significado daquelas três palavras. Qualquer coisa que eu falasse, ou pensasse naquele momento, não expressaria inteiramente o que eu senti quando Danny falou que me amava. Amor era um sentimento tão puro e grandioso, mais ainda quando falado por ele, que era como se jamais ninguém tivesse me falado aquilo. Eu senti uma vontade imensa de dizer que também o amava, e era de fato aquilo o que eu começava a sentir, mas nascia em mim uma necessidade de falar aquilo pela primeira vez encarando-o. Talvez porque o olhar dele fosse tudo o que eu precisasse quando acontecesse, ou talvez eu nem soubesse o motivo verdadeiro, mas o fato era, eu não me sentia totalmente confortável em falar aquilo pelo telefone, não pela primeira vez.
Então eu não falei nada, e nem precisava. Meu coração não batia mais tão descompassado. Apenas aquele nervosismo típico de viagens e de quando sabemos que há coisas boas e novas a caminho, mas nada anormal, e o meu sorriso era só um sorriso comum e talvez bobo demais, mas aquela era a felicidade estampada no meu rosto e eu realmente não fazia caso de nada. Pouco me importava se nossos pais ficariam mais que furiosos quando soubessem de tudo, ou que seríamos vistos como um caso ridículo de incesto na família. Eu estava perto dele e aquela era a minha realidade, pelo menos naquele momento. Como dizia o trecho da música que tocava na loja de CD’s onde eu havia deixado minutos antes, e na qual eu estava entrando novamente para encontrar a minha amiga...

Reaching for something in the distance
Tentando alcançar algo a distância
So close you can almost taste it
Tão próximo que você quase pode provar
Release your inhibitions
Liberte suas inibições
Feel the rain on your skin
Sinta a chuva na sua pele
No one else can feel it for you
Ninguém pode senti-la por você
Only you can let it in
Somente você pode deixá-la entrar
No one else, no one else
Ninguém mais, ninguém mais
Can speak the words on your lips
Pode dizer as palavras em seus lábios
Drench yourself in words unspoken
Se molhe em palavras não ditas
Live your life with arms wide open
Viva sua vida com braços abertos
Today is when your book begins
Hoje é o dia em que seu livro começa

Feel the rain on your skin
Sinta a chuva na sua pele
No one else can feel it for you
Ninguém pode senti-la por você
Only you can let it in
Somente você pode deixá-la entrar
No one else, no one else
Ninguém mais, ninguém mais
Can speak the words on your lips
Pode dizer as palavras em seus lábios
Drench yourself in words unspoken
Se molhe em palavras não ditas
Live your life with arms wide open
Viva sua vida com braços abertos
Today is when your book begins
Hoje é o dia em que seu livro começa
The rest is still unwritten
O resto ainda está em branco
The rest is still unwritten
O resto ainda está em branco
The rest is still unwritten
O resto ainda está em branco

Parte da minha história ainda não havia sido escrita, mas eu estava no caminho certo, porque aquele era o caminho da minha felicidade e desde o início foi tudo sobre ela, foi tudo sobre correr atrás do que eu desejava. E o que afinal eu estava fazendo se não aquilo?


The End.


N/A: Hey everybody! Primeira coisa, me descuuuulpem pelo atraso. Eu prometi pra Gaby que a parte II entrava em fevereiro na FFADD e já estamos em julho, então... =\ Eu comecei a escrever nas férias, mas férias é uma loucura, você viaja, vê familiares e velhos colegas, saídas com os amigos e tudo aquilo que vocês já sabem, mas em seguida vem o colégio e eu ando super² sem tempo. Terceiro ano é uma época bem tensa...
Obrigada a Miila que comentou sobre Freiburg na outra fic, roubei a idéia de lá! ;x Obrigada a Jéh pelo apoio e por estar sempre por perto, a Luh, minha perva preferida, porque foi querendo dar um presentinho pra ela que toda essa história começou. Um grandíssimo agradecimento a todos que comentaram e leram a parte I, obrigada de verdade por cada palavra de incentivo. Eu li todos os comentários e sorri em cada um deles, adorei fazer algumas virarem Jones por um dia *-*. Vocês não têm ideia de como um simples comentário do tipo: “tia, continua porque eu to adorando” faz uma autora se sentir bem.
Obrigada a minha antiga, porém adorável e adorada beta, Jess, que indicou a fic na tag várias vezes, colocou After All This Time no ‘momento outdoor’ de Back To The Days e ‘divulgou e indicou’ a fic no Broccolice Fanfics! *---* Obrigada de verdade Jess. PS.: Ela sabe REALMENTE como fazer merchandising! UASHDUAHSDUAHSDASD
Mari, a beta que me ajudou com a segunda parte, obrigada por toda a ajuda, em especial por toda a paciência porque eu sei que o último e-mail que eu te mandei foi meio trágico. ;x
Agora, eu quero deixar aqui o meu “momento revolta da leitora”. Jess, se você parar com Back To The Days [espero que as ameaças das outras garotas tenham sido suficientes], eu juro que da próxima vez que os guys estiverem no Brasil, eu me jogo na frente da van deles, puxo Danny pelo colarinho e me jogo com ele do vigésimo andar de um prédio na Paulista, beleza?! *bate na boca* Agora sem brincadeiras idiotinhas, leve a sério esse pedido de fã que adora a sua fic e que fica muito triste quando as autoras abandonam as boas estórias. =\
Última coisa, animadas para os shows de Blink no verão? Acho que eu vou nadando até a Califórnia pra poder conseguir assistir algum deles. Torçam pra que eu passe no vestibular no fim do ano e que Blink 182 venha pro Brasil na mesma época para que eu possa comemorar da forma correta! xD
Here we go, tripulantes!
É isso... Se cuidem e a gente se fala! \o

PS.: Eu adoro Clarice Lispector, então deixei uma coisinha aqui pra vocês. Beijoos!
“Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fio o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocado. Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada.” Clarice Lispector


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