A Maldição de Valentim
Autora: Primadonna
Beta-Reader: Vick



Foi caminhando com passos coordenados pela batida da música provinda de um dos lados do cruzamento que null L. null entrou em sua loja favorita.
Era uma floricultura em um dos cruzamentos a caminho dos trinta e dois quarteirões da escola em que lecionava até seu apartamento, pouco afastado do centro comercial, trajeto que null fazia questão de percorrer caminhando e, consequentemente, parando para conversar com cada senhora que a viu crescer.
O local estava bem decorado em tons de rosa e vermelho, nada menos chamativo. Os bombons florais e buquês feitos de chocolate estavam para comércio, como de costume. Ela sorriu para o cheiro agradável que somente a mistura das flores temáticas poderia dar à floricultura. null adorava o Dia dos Namorados.
Entretanto, sempre soube que, especialmente ela, não deveria esperar nada do amor. Afinal, sua avó lhe avisou que era amaldiçoada. E, aos vinte e quatro anos, iniciaria a concretização das palavras de sua avó. Mesmo que tivesse lutado para crer no contrário.
Ela acreditava no amor, seus pais eram a prova viva que ele existia. E já se apaixonara antes, uma ou duas vezes. A maldição de null não tinha a ver com não amar...
Ignorou os pensamentos e respirou fundo, tentando gravar o aroma em sua mente.
- Oi, Ponnie... Como está o movimento esse ano? - perguntou educadamente.
- Bem melhor que o ano passado, Love - Ponnie respondeu animada por trás do balcão cheio de embrulhos - Até aquele seu amigo, o null, veio aqui. Disse que compraria algo para uma garota especial... – Ponnie fez uma voz acompanhada de uma expressão sugestiva. null abaixou o rosto, tentando esconder a expectativa - Sugeri suas flores favoritas e seu chocolate favorito também - Ponnie sorriu cúmplice.
- Ah, Ponnie! Não deveria ter feito isso. Nem sabe se a garota sou eu - null mordeu o lábio inferior de forma pensativa. Com a sorte que tinha, certamente não haveria de ser a "garota especial", mesmo que desejasse aquilo com todo o coração.
- Eu percebi há tempos o modo como vocês se olham, se não é amor, eu não sei o que é amor - Ponnie respondeu.
null quis sorrir, mas não o fez. Se iludir só piorava as coisas. Mesmo que existisse uma fagulha, ou melhor, uma fogueira de esperança dentro de seu peito. De qualquer forma, não importava.
Comprou seus chocolates e flores temáticas favoritas, como fazia tradicionalmente no Dia dos Namorados, e continuou a caminhada até seu apartamento.
Não havia nada em sua porta, apenas um bilhete apressado na caixa de correio vindo de um de seus alunos que jurava ser apaixonado por ela. Ela não pode deixar de sorrir, sempre aparecia um ou outro aluno assim.
Tomou seu banho vagarosamente, parando uns bons quarenta minutos só relaxando na espuma da banheira. Era um dia especial para ela, mesmo que nunca tivesse um namorado. Chegou a um momento da vida em que não se importava mais com esse tipo de coisa. Um namorado ou não, quem se importava? Ter um namorado só por ter, não fazia seu gênero.
Depois de seu banho, enrolou-se em seu roupão branco, apertando-se contra o próprio corpo para tentar fugir do vento frio provindo da janela que ficou aberta na sala. Percebeu seu celular apitando na mesa de centro da sala. Ao lado da sacola da floricultura onde guardou os chocolates.

Preciso te ver hoje.
Encontre-me no café da sua rua em quarenta minutos.
Beijo, null.
PS: Eu sei que você está em casa. Não se atrase.


Foi tudo o que precisou ler para jogar um pouco mais de álcool na fogueira de esperança que alimentava mais a cada segundo. Correu para o pequeno closet em seu quarto. Precisava estar bonita para encontrar null.

Quarenta minutos depois, ela caminhava de um lado para o outro no apartamento, fazendo um som alto contra o piso de madeira. Não conseguia parar de sorrir e a aflição tomava conta de seu corpo. Estava atrasada por puro charme, já que havia se aprontado rapidamente, ligando para sua melhor amiga assim que entrou em conflito sobre qual roupa usar.
Recebeu como comentário de toda a sua situação uma frase mínima: A sorte virou. Podia não significar muito para a maioria, mas para null certamente significava tudo. Tudo o que ela desejava e precisava ouvir.
Caminhou sem pressa por sua rua, olhando no relógio novamente antes de entrar no café. O local estava decorado em tons de rosa e vermelho e tinha a luz mais baixa que o normal, deixando que as mesas fossem principalmente iluminadas pelas luminárias penduradas sobre as mesmas. O estabelecimento nunca teve um ar tão romântico e aconchegante.
Sorriu quando avistou null, que estava em uma mesa da vitrine, bem ao fundo do estabelecimento. Lindo como sempre. O blusão social azul certamente o favorecia, enquanto a calça jeans de lavagem acinzentada quebrava o tom formal da roupa. Entretanto, o que mais despertou atenção e curiosidade de null foi o sorriso, ele sorria como dificilmente fazia. Percebia-se claramente que ele estava muito feliz e animado. null desejou que fosse ela o motivo.
Com passos apressados, aproximou-se da mesa e se sentou sorrindo. Ele puxou suas mãos, acariciando-as, como de costume.
- Por que está tão feliz, null? - null perguntou verdadeiramente curiosa. O sorriso do amigo aumentou ainda mais e direcionou os olhos para o embrulho em cima da mesa. Reconheceu como vindo da floricultura de Ponnie.
Suas mãos ameaçaram a tremer de expectativa, mas null não se permitiu, não estando com suas mãos envolvidas pelas tão maiores de null. Escondeu o sorriso e o encarou, esperando que ele falasse.
- Eu fui à floricultura e sua amiga me sugeriu essas flores e chocolates. E eu os comprei... - ele começou a dizer meio enrolado, ainda sem remover o sorriso do rosto - Eu realmente gostei deles... Você gosta?
null mal teve tempo de assentir que gostava. Uma jovem de aproximadamente dezessete anos aproximou-se da mesa, vestia o uniforme do local e carregava um bloquinho nas mãos, certamente uma funcionária. E nova, pois null não a reconheceu.
- Com licença, senhor. O casal deseja fazer o pedido? Temos o cardápio especial do Dia dos Namorados com tortas e bebidas para dois – ela perguntou.
null mordeu os lábios, expressando uma careta divertida. Eles sempre eram confundidos com um casal. null sorriu ainda mais, quase explodindo em curiosidade. Afirmou rapidamente que desejava o combo de numero três, seja lá o que ele fosse e gesticulou para que null continuasse. A ansiedade estava a torturando.
- Que bom que você gosta. É serio, isso é maravilhoso! – ele confirmou animado, enquanto percebia a careta confusa da amiga - Estou tão feliz, null Love null... Eu estou apaixonado! - null comemorou eufórico, sem sequer perceber que o coração de null parecia ter parado, só para voltar a bater com a capacidade máxima dois segundos depois.
Talvez a parcela de amor e felicidade de null realmente pudesse existir esse ano. A sorte virou e era, finalmente, sua vez de ser correspondida.
Sentia-se capaz de gritar aos sete ventos que também estava apaixonada, ou melhor, que amava null. Entendendo que talvez a cena fosse parecer ridícula, mesmo que verdadeira, contentou-se em sorrir abertamente. Com uma felicidade diferente de qualquer outra felicidade que experimentara.
Nada se comparava ao sentimento de sentir-se amada, afinal, era tudo o que sempre sonhou e mais até. Não havia nada no mundo que ela quisesse mais e finalmente conseguira. Ela não tinha motivos para não sorrir. Queria agarrar null e beijá-lo com todo o desejo que sentia por ele. Expressar toda a paixão que guardara por muito tempo. Era o Dia dos Namorados dela, afinal.
- O nome dela é Lina.
Então, as batidas frenéticas simplesmente pararam por longos três segundos. null acreditou que fosse morrer e, de certa forma, estava morrendo. Tudo o que sentira nos últimos cinco segundos, que lhe pareceram horas, tomaram proporções inimaginavelmente maiores.
Seu coração parecia ter caído, despencado até o inferno e decidido ficar por lá. Sua respiração quis falhar e ela não entendeu porque o cheiro que a floricultura tinha mais cedo adentrou suas narinas junto ao perfume tão conhecido de null.
Seu cérebro forçou-a a direcionar seus olhos aos embrulhos na mesa. Parecia piada, mas seu lado racional adorava lhe torturar. Com a óbvia intenção de mostrar o quão idiota era ela por ainda tentar.
Quem ela queria enganar? Sempre pôs suas espectativas em null. Ele era tão gentil, amoroso e aparentemente feliz com ela. Além disso, todos lhe diziam que formavam um belo casal e ele somente sorria. Sem nunca, de fato, negar ou desaprovar.
Seu cérebro trabalhava a mil, e as lágrimas pediam passagem para aliviar toda a frustração. null, acostumada com a sensação, parou e respirou fundo.
Então, veio a aceitação. Ela sabia que era privada disso. Não se deve contrariar uma maldição, muito menos a de uma mulher rejeitada.
O sorriso por conveniência, tão comum em seus lábios quando o assunto era amor, passou a assumir o lugar do sincero, mas ela não permitiu que null percebesse. "Não importa!", era tudo o que repetia mentalmente, enquanto procurava algo para dizer.
- Sabe quando você sente, quando você conhece alguém... E simplesmente sabe? - null perguntou animado.
Ela quis responder que sim e acrescentar o que sentiu quando o viu. Como se ninguém no mundo fosse mais perfeito para ela, como se ninguém mais fosse suficiente. Porque ele era o único que ela queria.
Ela tentou não pensar, maldito cérebro. Tudo quanto era pensamento vinha a sua mente e ela sabia que não conseguiria ficar por muito tempo ali.
- Não... - ela respondeu, dando a impressão de que sua tristeza fosse por não se sentir assim.
- Eu vou pedir Lina em namoro hoje - null disse, ignorando a resposta da amiga que, para ele, de fato, não vinha ao caso.
- Não está se precipitando? - null voltou a se pronunciar. Perguntando na intenção de ouvir um "eu a amo", só para matar qualquer resquício de esperança - Quero dizer, tem certeza que está apaixonado?
- Você já pensou em uma única pessoa o dia inteiro? - null quis responder que sim, que ela se sentia assim em relação a ele. Não pode.
Talvez fosse pela força que gastava só para manter a represa das lágrimas, ou pelas mãos, que ela controlava para não deixar tremer, mas provavelmente era o nó na garganta que parecia mais o maldito buquê atravessado em sua garganta.
- Não - foi tudo o que ela respondeu.
- É diferente de qualquer coisa que eu já senti! - Dessa vez, foi como uma faca atravessando sua medula óssea. Intencionalmente danoso, quando não letal.
- Eu fico muito, muito feliz por você. De verdade - null disse apertando as mãos de null em sinal de apoio. Tentando encontrar qualquer força para se levantar e caminhar até seu apartamento - Mas eu tenho que ir... Marquei de sair com a null... - Sua expressão falseou para lamentação.
- E o pedido? - null fez uma careta confusa e emburrada, fazendo com que null quase esquecesse o motivo que a fazia ir - Eu ainda queria treinar com você o pedido de namoro, também...
- Eu não posso... - ela choramingou. Realmente não podia, não sabia o que seria capaz de fazer se ele pronunciasse tantas palavras carinhosas falsamente direcionadas a ela.
- E o nosso combo do Dia dos Namorados? - ele arqueou uma sobrancelha, como se a desafiasse a não ficar. Abriu o cardápio - Olhe! Bolo de morango, baunilha e chantily... Algo me diz que é o seu favorito... – ele fez uma careta quase infantil e ela negou com a cabeça, dizendo que não podia.
- Por favor, eu tenho certeza que você me ama o suficiente para se atrasar um pouquinho. Você está tão bonita! E eu sei que não vai sair com a null, ela é namorada do meu irmão, esqueceu? – ele sorriu, enquanto armava uma expressão do tipo: Peguei você! null mordeu o lábio inferior – Conta para mim, com quem você vai sair hoje? Ele tem sorte...
Ela quis socar o rosto admiravelmente lindo de null quando ele disse a ultima frase. Depois, quis chorar. Ela não sabia porquê, mas tudo aquilo pelo o que ela já estava acostumada a passar, doía muito mais.
Ele era seu amigo, ele era o seu amor...
- Licença, senhores. O pedido – a mesma garçonete voltou dizendo – Um ótimo Dia dos Namorados para vocês! – ela sorriu de forma amigável, pondo uma torta de cobertura de chantilly na mesa, um copo gigante de milk-shake de morango e vários chocolates em um pacotinho que dizia “Withallmylove”.
- Eu preciso ir, de verdade – null disse com a voz embargada. Inclinou-se para beijar o rosto de null, tentando não aspirar seu perfume misturado ao das flores – Boa sorte!
- Tudo bem, então... Obrigado – ele sorriu, retribuindo o beijo.

null só respirou aliviada quando chegou a seu apartamento, onde o perfume de null não estava impregnado. Livrou-se de seu casaco que tinha o cheiro dele e, então, das flores que comprara mais cedo. Jogou toda sua roupa no chão, trocando-a por peças largas.
Jogou-se no sofá grande, enrolada em um edredom, para assistir filmes. Não havia um que não falasse de amor. Optou por “Ele não está tão afim de você”, pelo menos não era tão dramático.
Depois de assistir e querer chorar por ter se sentido como Gigi quando ela acha que Alex está apaixonado por ela, mas ele claramente diz que não, dormiu.
Estava cansada. Cansada de esperar coisas de pessoas que claramente não podem e não querem te dar. Cansada de ter que amar sozinha, graças à maldita maldição. Cansada de acreditar no amor... Amor não era pra ela.

Eram 23h32min quando sua campainha tocou. null, ainda sonolenta, caminhou em passos cansados e cambaleantes até a porta. Só para querer cair quando viu que era null parado contra ela.
- null, o que faz aqui? – ela perguntou confusa. O amigo perdera todo o sorriso que tinha horas atrás.
- Ela disse “não”.
null fez uma careta triste e solidária a null e deu passagem para que ele adentrasse. Ele caminhou até o balcão da cozinha e sentou-se em um dos três bancos, de frente para a pia, onde null fazia o chocolate quente favorito dele.
- Quer conversar sobre isso? – ela perguntou de costas para ele, enquanto pegava um pouco do chocolate em pó no armário.
- Não, na verdade. A história é básica, ela não está apaixonada por mim, não quer nada sério. Você estava certa, eu me precipitei – ele disse com a expressão infantil que null adorava.
- Não, eu não estava... Se meu pai não tivesse ido atrás de minha mãe no segundo dia, eles não estariam juntos. Eu acho que as coisas são assim quando se trata de amor.
- “Assim”, como?
- Ah! Você sabe... – ela finalmente virou para ele, enquanto o leite fervia na leiteira – Tudo tem que ser rápido, como se o mundo fosse acabar... Nunca é suficiente.
- Você fala como se já houvesse sentido – null sorriu tristonho. null deu uma risada sem humor – Você nunca me disse dos outros...
- Bem, null... Quando só o que eu tenho é uma vida amorosa que só me prova que minha avó está certa, não tenho muito a contar, não é?
- Você nunca me contou... – ela formou uma expressão confusa – Sobre a história de sua família...
- Você conhece a história dos meus pais, eles mesmos te contaram... – ela riu, virando-se para mexer na leiteira – Marshmallows?
- Eu quero saber a sua, a que sua avó te contou... Vamos lá, professora Love! – ele pediu insistente, chamando-a por seu sobrenome do meio, como seus alunos faziam – Sim, muitos Marshmallows! – ele sorriu abertamente pela primeira vez desde que chegara.
Depois de por o chocolate nas canecas e sentarem-se confortavelmente na sala, null começou a ficar inquieta, tentando desviar do assunto. Não gostava de falar sobre isso, principalmente por não acreditar muito, mas, também por perder toda a sua credibilidade como professora de História por isso.
Respirou fundo e riu. A história possivelmente deixaria muitos de seus sentimentos constantes expostos. null fez um sinal com a mão para que ela começasse, ela riu e ajeitou a postura.
- Então, você conhece a história de São Valentim? – perguntou com o ar “professora de História” que fazia null sorrir.
- Não...
- Bem, a história começa quando o rei Cláudio II resolve proibir os casamentos em épocas de guerra, pois os jovens solteiros eram melhores combatentes, em sua opinião. Valentim era um bispo que acreditava no amor e continuou realizando as cerimônias em segredo. Até que foi descoberto – ela parou para bebericar seu chocolate – Então, Valentim foi preso e condenado à morte.
- E onde sua maldição entra? – null intrometeu-se confuso.
- Pode esperar? – ela perguntou retoricamente – Enquanto preso, muitos jovens lhe mandavam flores e bilhetes, dizendo que os jovens acreditavam no amor. Entre os jovens, havia uma jovem cega. Seu nome era Astéria e ela era filha de um carcereiro que lhe permitiu que visitasse Valentim. Astéria e Valentim se apaixonaram e ela, milagrosamente, recuperou sua visão. Eles, então, passaram a trocar cartas de amor onde Valentim assinava “De seu Valentim”. Mas no dia quatorze de fevereiro, Valentim foi decapitado.
- E por que comemoramos essa data?
- Ah, null. O amor, o amor... Isso é inexplicável – ela elevou a voz de forma divertida.
- Ainda não entendi o motivo da maldição, Love – ele a cortou, realmente interessado.
- Astéria teve uma filha e sua filha cresceu e quis se casar, como qualquer outra jovem. Porém, ela foi rejeitada. Não era fruto de uma união estável e Astéria fora mãe jovem e sem apoio. Sua filha nunca conseguiu se casar ou ser amada. Então, invocada com todo o desprezo, escreveu sua própria maldição, onde frutos femininos do amor romântico perfeito, o amor de Valentim, fossem rejeitados como ela foi – null disse triste – Essa é a minha maldição, amar e não ser amada.
- E você acredita? – null perguntou, realmente envolvido com a história – Quero dizer, é óbvio que seus pais tiveram o amor perfeito, mas... No fato de você ser amaldiçoada?
- Não acreditava. Minha avó me contou essa história, não é nada provado. E eu nem sei o que pensar... Não me parece racional! – Ela bebericou seu chocolate novamente.
- E agora acredita? – ele riu – O que te fez mudar de ideia, Love?
- Eu acredito, quero dizer, o amor já não deu certo para mim tantas vezes... – ela riu – Mas eu acredito no amor para os outros. Sou a prova viva que ele existe e é o sentimento mais bonito que já vi – ela sorriu desconcertada por ser tão sincera com null.
Ele sorriu.
- O amor não dá certo pra muita gente, eu também já me decepcionei muito – ele disse com uma sinceridade quase assustadora nos belos olhos – Isso não prova nada, só que você não encontrou o cara certo – null paralisou. Ele estava ali, se acusando como o “cara errado”, então? – Parece que você não deseja o amor.
- Não há nada no mundo que eu poderia desejar mais do que ser amada, null. Eu desejei ser amada com todo o meu coração. Desejei ser amada por alguém que não me deu esperanças sinceras, mas, de certa forma demonstrava – Eu desejei ser amada por você. Acrescentou mentalmente – Se você já amou, sabe como é. Você simplesmente não quer outro, porque outro não seria o suficiente.
- É. E eu acreditava que você não conhecia a sensação – null sussurrou – Isso muda tudo.
- Eu não entendo o que mudaria, null... – null murmurou confusa. Não sabia o que dizer, não queria encará-lo depois de revelar tudo. Depois de contar seu fado.
Mantinha seus olhos tristes em sua caneca, balançando as pernas inquietamente, queria poder se trancar em seu banheiro ou quarto.
- Eu preciso te contar algo – ele disse incerto. Ela não o encarou – Olha para mim, por favor? – pediu com a voz baixa – Vai ser ainda mais difícil se você me ignorar...
null não tinha a intenção, mas null acariciou sua mão como de costume, e ela não fez nada além de ligar seu olha ao dele. Os olhos de null nunca pareceram tão bonitos e sinceros.
- Eu... – ele começou, pigarreando para ajeitar a voz que parecia fraca – Eu conheci uma mulher, antes de Lina, e ela era a pessoa mais maravilhosa da minha vida – ele sorriu – E, na primeira vez que a vi, achei que nunca mais fosse fazer outra coisa, se não pensar em seu rosto. O rosto mais bonito e com a expressão mais intrigante que já vi. Era como se ela aguardasse algo, me desafiava... Desafiava-me a amá-la.
- E você adora um desafio, não é? – null perguntou de modo descontraído, não queria ouvir as histórias de paixões de null. Queria novamente se trancar em seu banheiro e fugir, fugir de qualquer coisa que lhe lembrasse de amor, mas até sua saboneteira tinha corações naquele dia.
- É... – ele soltou uma risada, como se guardasse uma lembrança só para ele – E eu quis conhecê-la, me apaixonar, eu propus amá-la. É claro que ela não sabia, e eu também acreditava que ela não conhecia o amor. Não saberia o que sentir por mim, muito menos aceitar o que eu sentia por ela... – null suspirou – De qualquer forma, ela não sabia, nunca soube o quanto eu a amei.
- E foi muito? – null perguntou. O cheiro de null voltando a entorpecer seu corpo.
- Foi todo o amor que eu pude sentir durante toda a minha vida – ele abaixou o rosto, escondendo-o de null.
- E o que aconteceu? Por que Lina existe, então? – null perguntou quase agoniada pelo cheiro. Queria se levantar, sair de perto, expulsar o amigo de seu apartamento, mas, principalmente, queria chorar. Gritar com null e dizer que era exatamente como se sentia.
- Ela não me amava. Então, eu tentei esquecê-la... – ele suspirou novamente.
- Não funcionou, não é? Ela chegou a te dizer isso?
- Não, eu ainda a amo. Lina foi uma paixão-relâmpago ilusória, eu tentei me enganar – os olhos de null voltaram a procurar pelos de null – Ela não me disse, mas eu percebi. E eu nunca disse...
- Nunca disse que a amava?
- Não. Eu não sabia se ela entenderia. Eu tinha medo.
- Por que está me contando isso agora?
- Porque eu precisava...
- Precisava do quê? Contar-me que amou? Ser solidário e dizer que sabe como é não ser correspondido? Mostrar que também sabe o que eu sinto O TEMPO INTEIRO? - null perguntou elevando a voz a cada ponto de interrogação, enquanto se levantava rapidamente, se afastando o máximo que podia daquela armadilha maldita que era null.
Como pensara mais cedo, estava cansada. Cansada de null. Não era justo que ele viesse esfregar em sua cara o sofrimento por outra mulher, enquanto a mesma se rasgava por ele, à sua frente, olhando em seus olhos. Não valia a pena. Não era justo.
- Eu precisava dizer que te amo – foi o que ele disse de forma quase inaudível – Eu não me importo se não sente o mesmo, se é uma amaldiçoada, se está saindo com outro cara... Eu só preciso que você saiba. Porque dói não ser correspondido, mas a dúvida dói mais. E se, um dia, me contassem que nós erámos o certo juntos e não houvéssemos tentado... Eu acho que morreria de arrependimento – null estava de pé, em frente à null, seus olhares ligados de forma intensa, mas, ainda assim, dolorosa.
Dor.
- Não faça isso comigo... – ela pediu com a voz chorosa. Seu coração batia incessantemente e seu corpo inteiro acompanhava a pulsação. Não queria se iludir novamente. Seus olhos ameaçavam a começar um verdadeiro temporal em confronto com os de null. Nos dele, era claro o medo – Vai embora, por favor... – ela pediu, respirando fundo para esconder as lágrimas.
- Eu... Desculpe-me por dizer isso, logo depois de você ter me contado isso tudo, logo hoje... – ele dizia incessantemente, inseguro demais.
Suas mãos tocaram o rosto de null de forma trêmula. Ela quis se afastar, mas não pode. Os olhos de null tinham uma sinceridade misturada ao amor que sempre desejou ver em seus olhos. Ele sorriu sem graça, começando um carinho em sua face.
- Vai embora... – pediu novamente, sentindo uma lágrima quente correr em seu rosto, até chegar ao polegar de null.
- Não posso... Eu preciso de você – ele disse sincero – Diga... Se me ama ou não... Diga! – ele pediu com a voz tão baixa que null precisou esperar dois segundos para tomar garantia que ele havia o feito.
- Eu... – começou, parando assim que percebeu null fechar os olhos para ouvir a resposta – Vai embora – pediu novamente.
Os olhos de null abriram-se e uma lágrima correu de seus olhos. Ele não poderia negar que ainda havia esperança.
- Tudo bem... Acho que você já disse tudo o que queria – ele respirou fundo – Eu estou indo. Feliz Dia dos Namorados! – beijou a testa de null e acariciou seu rosto antes de virar-se para a porta.
null tocou o próprio rosto, no intuito de secar as lágrimas sem que null percebesse. Ela o seguiu até a porta, abrindo-a para que ele passasse. Ele se virou com os olhos vermelhos. E murmurou um “eu te amo” que parecia ser o último, antes de virar e andar até o elevador.
null prendeu a respiração e fechou a porta. Seu coração doía e os olhos finalmente liberaram todas as lágrimas das quais foram privados. A respiração falhava entre soluços e seu corpo tremia. O frio bateu forte em seu corpo. null permitiu-se jogar ao chão encostada à porta da sala. De certa forma, a porta estava quente. Como se a presença dele e de seu “eu te amo” fossem gravadas a ela. Até seu perfume preenchia o local.
Não tinha voz, mal tinha ar e seu corpo estava frágil como nunca estivera. Arrependimento, dor, mais arrependimento e mais dor... Era tudo o que seu cérebro permitia que ela classificasse como sentimento. A frase saiu contra a porta, como se de alguma forma null ainda pudesse ouvi-la e ela desejou que pudesse. Pressionou suas mãos contra a porta, encostando sua testa na mesma, enquanto seus soluços ecoavam na madeira branca. Respirou fundo, tentando buscar um resquício de voz que lhe permitisse dizer tudo o que queria dizer muito tempo atrás. O que não se permitiu dizer a null cinco ou mais minutos atrás. Fechou os olhos e conseguiu sentir o perfume dele próximo a si, como se o mesmo estivesse pronto para lhe ouvir:
- Eu te amo.


FIM


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