História por Ana Carolina | Revisão por Gabriella

And maybe I will see a different destiny
Like knowing you at all, was only a bad dream
I want this to be my awakening.


Um sonho ruim.
Talvez tivesse sido apenas isso. Um magnífico pesadelo, uma verdadeira tragédia utópica.
Ali, com o corpo nu estirado ao chão de madeira morna, os pensamentos de vagavam por lugares que não se pareciam em nada com os belos cenários que costumava descrever em suas histórias…

A cremosa espuma que pairava sobre o escuro café começava a desaparecer lentamente. Envolto em seus romances impressos em livro, havia se esquecido completamente do líquido que jazia em uma bela e espessa caneca à sua frente.
Fazia frio naquele fim de tarde. As grossas vestimentas daqueles que entravam e saíam do Angelo’s Café denunciavam que a temperatura estava realmente baixa.
Dentre a formosa melodia da chuva e o tilintar dos talheres ao seu redor, o rapaz pôde identificar um distinto som, que, de imediato, o fez desviar a atenção do exemplar de Sherlock Holmes que tinha em mãos.
Ajeitando os óculos sobre a face, capturou o momento em que uma discussão entre um homem e uma jovem se desenrolava atrás de um dos balcões do Café. Ainda que transparentes aos olhos alheios, os gestos desesperados da moça de longos cabelos amendoados atraíram sua atenção.
Ele já havia visto aquelas sedosas mechas antes.
- Senhor? – com um gentil toque em seu ombro, uma ruiva garçonete o despertou de seu transe momentâneo. – Perguntava se poderia lhe oferecer outro desses. – apontou para a já gélida caneca de café.
- Não, obrigado. – Encarou-a com os dois grandes glóbulos esverdeados que se escondiam através das lentes dos óculos de grau.
Enquanto a garçonete se dirigia à outra mesa, a atenção de voltou ao local onde estava empregada anteriormente. Mas não havia nada, nem ninguém ali. Varrendo o local rapidamente com o olhar, ele conseguiu focalizar a imagem da jovem de cabelos longos desaparecendo departamento afora, fugindo das grossas gotas de chuva que insistiam em cair lá fora.
Mas nada se comparava à quente tempestade que deslizava de seus olhos e lhe irrigava as bochechas.
Ele já havia visto aquela doce face de sulcos avermelhados antes.
Então, como se sua mente despertasse em um estalo, levantou-se apressadamente, jogando Sherlock e suas elementaridades dentro da inseparável tiracolo que levava consigo.
- Você poderia me conseguir outro café, para viagem, por favor? – chegando à bancada principal, perguntou com seu costumeiro tom gentil à garçonete que outrora lhe oferecera a bebida.
A ruiva sorriu, percebendo que o rapaz tinha pressa, então roubou um dos copos já reservados para outro cliente e o entregou à , que apenas lhe agradeceu e deixou alguns dólares sobre o balcão.
deixou o local o quão rápido pôde, abrigando-se de algumas inoportunas gotas d’água com um grande guarda-chuva. Caberiam duas pessoas sob aquele objeto, facilmente. Andando a passos largos, avistou a jovem por quem procurava dobrar uma esquina à frente. O rapaz apertou o copo quentinho entre seus dedos, receoso. Ao percorrer exatamente o mesmo trajeto que a garota fizera, assustou-se com o que encontrou.
Nada. A rua estava deserta, havia ninguém ali.
Diminuindo a velocidade do andar, parou à entrada de uma escura viela, então suspirou, encarando o copo que tinha em mãos. De repente, um som baixinho chamou-lhe a atenção. Era abafado, contido, parecia-se com…
Soluços.
Adentrando cautelosamente a estreita ruazinha, seu olhar capturou, dentre a escuridão, um pequeno corpo encolhido, revolvendo-se em sofridos espasmos.
Não podia ser…
- ? – a voz do rapaz soou rouca, esganiçada.
Como se o apertassem dolorosamente, sentiu-se vulnerável. Ao perceber que não mais estava sozinha, a moça levantou-se num salto, descomposta, trêmula e fortemente agarrada a um bloco de papel. As maçãs de seu rosto ardiam e apresentavam certo inchaço devido ao choro, a respiração estava falha e cansada demais. Balançando a cabeça em sinal de negação e sendo tomada por ímpeto cruel de desespero, atirou-se contra , agarrando-se fortemente às lapelas de seu sobretudo. O rapaz apenas a recebeu calidamente, envolvendo a frágil criatura em seus braços com o máximo cuidado possível, permitindo que desabasse em seu colo e se curasse do que lhe houvesse afligido.
Aquele momento. Aquele fora o começo de tudo.

afastou a fumegante xícara de café dos lábios, fazendo uma careta engraçada ao notar que o líquido estava quente demais.
- Está tão ruim assim? – perguntou, curvando os finos lábios em um sorriso frouxo.
- Não, não é isso… – ela apressou-se em falar, mas o rapaz tomou-lhe a caneca das mãos e provou do líquido.
Quente demais.
- Quer que esfrie para você? Não vai demorar muito… - perguntou, já se levantando do sofá.
- Não precisa, de verdade. – alcançou-o, roubando-lhe a caneca e oferecendo um agradecido sorriso.
Era engraçado como parecia tão diminuta perto dele. Ainda mais com aqueles largos moletons que lhe havia emprestado, que a cobriam completamente.
abaixou a cabeça, depois correu o olhar pela pequena sala de estar do apartamento. Grande parte dos móveis que ali haviam era amadeirada; o sofá era de uma cor bem próxima ao vinho e, através das janelas do cômodo, podia-se avistar ondas agitadas chocarem-se contra a areia da praia.
- Quer conversar? - uma voz rouca despertou-lhe de repente.
No momento em que percebeu aquele par de olhos esverdeados cravados em si, os temores desapareceram.
- Foi um acesso de fúria. – ela percorreu com os dedos a primeira página do bloco que segurava em mãos, delicadamente. - Ele descobriu meus desenhos, os planos, a nova galeria, voltou-se louco... Consegui recuperar estes, apenas. – depositou o objeto sobre o colo do rapaz, que o folheou devagar.
- Os traços… são perfeitos. – observava com fascinação o retrato que havia feito. – Desenha tão bem quanto sua mãe, é magnífico.
- Obrigada. – sorriu gentilmente. – Esse é meu preferido, fico feliz que tenha conseguido resgatá-lo. – a jovem se encolheu no sofá felpudo, rodeando as pernas com os braços e descansando a cabeça sobre os joelhos.
- Ele não pode culpá-la pelo que aconteceu. – sussurrou, olhando-a com pesar.
- A galeria está arruinada novamente, perdemos quase todos os quadros e algumas esculturas, todos feitos por ela – disse em automático, fitando o nada -, mas não se preocupe, a editora permanece intacta. – Encarou o rapaz por um minuto – O que significa que alguém aqui ainda tem seu emprego. – rindo sem emoção, completou.
- Pelo menos, até que seu pai descubra onde você está.
, desde a morte da mãe, cuidava com máximo asseio da galeria artística que recebera como herança, restaurando, assim, as memórias daquela que lhe ensinara o amor às artes plásticas. Após reunir as obras que sua mãe deixara, mesmo a contragosto de seu pai, decidiu reabrir a galeria ao público, anexando, também, quadros de sua autoria à exposição. era um dos poucos que a apoiaram em seu projeto e tão última seria a possibilidade de prejudicá-lo com sua atual situação.
- Tem razão, não posso ficar aqui. – levantou-se rapidamente, aturdida demais ao perceber que precisava partir.
- Você não vai a lugar algum. – como uma barreira, o corpo de se interpôs à frente dela -, não dessa maneira. – segurando-lhe um dos braços com total delicadeza, tratou de aliviar o tom de voz, assim que percebeu o quão cansada e confusa deveria estar.
- Não posso arriscar, não quero que se prejudique, não por mim. – ela disse num sussurro exasperado, colocando em alvo aqueles tão belos olhos que lhe encaravam avidamente.
Naquele momento, diante dele, ela pareceu, talvez pela primeira vez, a medrosa garota de dezenove anos que nunca aparentou ser. E quando os lábios do rapaz se curvaram num sutil sorriso, desejou poder aferrar-se àqueles braços e fazer desaparecer suas tristezas por ali mesmo.
- Não é como se meu emprego como escritor fosse tão importante agora.
O sorriso dele se alargou. Ela quis chorar novamente.
- Você fica, amanhã veremos o que fazer, e não tente argumentar, conheço sua reputação quanto à isso.
Quando os dedos dele deslizaram pela macia superfície de sua pele, atirou-se contra , envolvendo-o fortemente com os braços e escondendo o rosto na ardente depressão de seu pescoço. Foi acolhida de imediato.
- Obrigada. – moveu os úmidos lábios num doente balbucio.
Preferiu ignorar o arrepio que se alastrou pela masculina pele quando seus lábios configuraram um cálido beijo por ali.

Com uma das mãos úmidas, tateou cegamente o espaço vazio ao seu lado, buscando pela taça de vinho que havia servido a si mesmo. A cabeça doía-lhe cruelmente, num aviso mudo para que se alarmasse em relação ao nível de álcool que vinha consumindo. Mas nada lhe importava. Nada, exceto a falta daquela que o mantinha completamente desperto. Quando seu toque finalmente encontrou algo concreto e lhe colocou à altura de sua visão, surpreendeu-se ao perceber que não era a taça que havia alcançado, mas um pequeno porta-retratos, o qual transferiu suas memórias a uma época que não lhe faria tão bem recordar naquele momento…

Chovia bastante naquela noite.
observava atentamente a escrivaninha embutida a uma estante à sua frente. Entre livros diversos, canecas, CD’s e rascunhos, um singelo porta-retratos atraiu sua atenção. Esticando-se até uma prateleira mais alta, tomou o objeto em mãos com cuidado, fitando, curiosa, a imagem que o mesmo exibia.
- Ei, boa noite. – um ofegante apareceu porta adentro, cumprimentando-a com um saudoso sorriso.
Por reflexo, deixou o porta-retratos sobre a escrivaninha rapidamente, caminhando até o rapaz que segurava um guarda-chuva e algumas sacolas de papel.
- Chegou cedo, pensei que demorasse mais. – comentou ela, apressando-se em ajudá-lo com seus pertences.
- Vim com seu pai.
Com a expressão assustada, parou o que fazia e encarou-o fixamente.
- Como? – sua voz apresentou uma breve falha.
- Queria vê-la – disse , retirando o pesado sobretudo que levava -, mas sugeri que o fizesse em outro dia.
- Obrigada. – disse, assentindo levemente com a cabeça. – Não conseguiria lidar com isso hoje.
- Me parece arrependido. – comentou, revirando uma das sacolas da Starbucks em busca de seu café.
riu um pouco, apresentando ceticismo em relação ao que o rapaz havia dito.
- Ele destruiu minha galeria, acabou com minhas obras, é impossível que esteja arrependido. – abraçando a si mesma, negou o copo de café que lhe oferecia. - Acha que tenho culpa pelo o que aconteceu com ela, por ter se acidentado durante uma exposição. Mas, não é verdade...
- Deveria experimentar, é um dos melhores que já provei. – fugindo ao assunto anterior, ele disse, aproximando-se da garota que lhe parecia triste.
Quando esteve perto o suficiente, depositou os lábios úmidos sobre sua bochecha por alguns segundos. Ignorando o estremecimento que ela tivera quando a pontinha de seu nariz deslizou suavemente pela pele avermelhada dela, lhe entregou o copo do qual bebia e caminhou até a escrivaninha.
Por que aquele cômodo, de repente, parecia tão mais acalorado?
- O que estava fazendo? – ele perguntou, observando os objetos que jaziam sobre a estante.
Tudo estava em seu perfeito lugar, exceto por uma coisa.
- Não era nada, só estava olhando seus livros.
tomou o porta-retratos em mãos, emitindo um suspiro mudo. Enquanto seus olhos estudavam a imagem que segurava, pôde perceber sua expressão se modificar automaticamente.
- Olha, eu não queria bisbilhotar, é só que…
- Tudo bem, não tem problema. – a voz dele pareceu abatida.
- , é sério, eu não queria…
- Eu já disse que tudo está bem, ! – ele vociferou, arrependendo-se logo em seguida. Respirou fundo. – Desculpe, não quis gritar com você. – confessou baixinho, correndo os dedos por entre os cabelos e esfregando-os fortemente sobre o rosto.
- Não era minha intenção te chatear, é só que... Me desculpe. – colocando-se próxima ao rapaz, tocou-lhe um dos antebraços com certo receio.
- Sinto a falta dela. Muito. – revelou num lamurio, sem dedicar qualquer atenção à garota perto de si.
- Entendo. – no mesmo tom cuidadoso, disse, esperando veementemente que a olhasse, ao menos por um instante.
- Não, não o faz.
se dirigiu à janela que havia no cômodo, apenas para apreciar o profundo azul que exibia o oceano ao longe.
O mar. O mar era da cor dos olhos de Margareth.
Cautelosamente, seguiu-o novamente, e, permanecendo ao lado dele, desejou tomar toda a dor que sentia para si.
- Sei como é perder alguém, sei como pode parecer difícil superar, mas...
- Com licença.
Com apenas um leve balbucio, deixou o cômodo rapidamente. apenas observou-o partir, sentindo algo comprimir-se dentro de si. Quis correr até ele e esmagá-lo contra seu corpo, deslizar os dedos por seus cabelos e cuidá-lo até que se sentisse completamente seguro consigo.
Espera...
O quê diabos estava acontecendo?

despertou com algo felpudo roçando seu nariz.
Quando seus olhos finalmente conseguiram focalizar o que havia à sua frente, notou que Javier ronronava insistentemente, deslizando o gordo corpinho por seu rosto.
- Oh, olá, Javier. – levantando-se, tomou o gatinho em seu colo e colocou-se a alisar o sedoso pelo do animal.
Quando bocejou, olhou ao redor e notou que já era noite. Havia adormecido no sofá novamente. Javier deixou o colo da garota num salto, correndo em direção a seu pratinho de leite. suspirou duas vezes e, ao virar-se em direção ao corredor de acesso aos outros cômodos do pequeno apartamento, um par de olhos verdes fez com que parasse automaticamente. Imaginou o quão bonitos seriam através dos óculos de grau que carregava.
- Boa noite. – ele disse, ainda com o olhar fixo à garota.
Quando ela lhe respondeu o mesmo, desviou a atenção para as canecas que segurava em mãos, ainda confuso sobre o que fazer. Não tinham tido uma conversa direta desde o ocorrido com o porta-retratos.
- Sei que não gosta de café, então decidi fazer algo diferente. – caminhando até ela, estendeu a caneca vermelha em sua direção.
- Gosto do seu café, porque é você quem o faz. – ela hesitou um pouco antes de tomar a caneca em mãos. – Mas não espere que vá gostar de qualquer outro.
sorriu antes de se sentar e pedir que o acompanhasse.
- Seu pai perguntou sobre você. – disse ele, encarando a acinzentada paisagem através da janela.
- O que disse a ele?
- Apenas o necessário, não quis saber muito, também. – voltou a atenção para , notando que o conteúdo de sua caneca estava perto do fim.
- Acha que eu deveria fazer algo em relação à nossa situação? – perguntou ela, num tom melancólico.
- Ele está na Áustria agora, . Depois de tudo o que aconteceu, decidiu deixar a Califórnia por algum tempo.
O olhar assustado de atingiu-lhe fugazmente. Sabia que não esperava por isso.
- Deixou-me responsável pela editora durante o período em que estiver fora.
- Eu… Eu não consigo acreditar. – disse ela, perplexa.
- Acredite, não é a única – acrescentou ele, tomando um último sorvo de café e depositando sua caneca azulada sobre a mesinha de centro que ali havia.
- Disse algo mais? – perguntou, posicionando sua caneca ao lado da de .
Então, ele, num sufocado sussurro, disse-lhe:
- Fez-me prometer que cuidaria de você.
Quando lhe olhou pela última vez, a única coisa que pôde fazer foi lançar-se sobre os braços do rapaz e abraçá-lo com força.
Perplexo pelo ato repentino, a acolheu cuidadosamente, acalentando-a enquanto seus dedos escorregavam pelos macios fios femininos de cabelo. Entre um e outro contido soluço que emitia, o rapaz a apertava delicadamente contra si, acolhendo àquele diminuto corpo com incomum gentileza.
Céus… Há quanto tempo não fazia aquilo…
Quando afastou o rosto da fervente curvatura do masculino pescoço, deslizou uma das bochechas sobre a pele do rapaz, mantendo suas faces próximas demais. Colocando as duas mãos sobre as hastes dos óculos de grau que levava, olhou-lhe com faminta ansiedade.
- Posso? – sussurrou-lhe brandamente, com o rosto colorido por um forte vermelho e salpicado por algumas lágrimas.
Quando ele assentiu num mudo movimento, ela retirou-lhe os óculos, apenas para constatar que estava diante dos mais belos olhos que já vira.
- São bonitos…
Então, de repente, tudo aconteceu com esperado desejo.
repousou os lábios sobre os de calidamente, deslizando uma carícia lenta por sua úmida carne. Acomodando a garota em seus braços com facilidade, revoou sobre ela com natural cuidado, ora fazendo-lhe carinho sobre os cabelos, ora sobre sua pele. Num suspiro desesperado, devolveu-lhe o beijo com recíproca ansiedade, envolvendo os braços ao redor do corpo que se rendia a ela com total submissão. Pressionando-lhe os lábios docemente, se afastou um pouquinho, apenas para olhá-la nos olhos uma vez.
Em meio àquela amável atmosfera que havia se instalado ao redor, sorriu-lhe e disse:
- Pintarei as paredes da sua sala.

Ela sempre fora assim, imprevisível, geniosa, sobretudo nos momentos mais inoportunos. E eram essas, entre outras características, que faziam-lhe tão única, tão dele.
levantou-se com dificuldade, sentindo o corpo retorcer-se em cansaço. No processo, derrubou ao chão a taça que estava ao seu lado, incompleta por vinho tinto. Fazia um par de dias que não dormia ou se alimentava adequadamente. Era como se sua mente tivesse entrado em permanente estado dormente. Respirando fundo, acomodou-se como pôde no sofá que ainda emanava seu aroma favorito.
As paredes que o cercavam, coloridas por tons avivados; a mobília rearranjada; os livros dispostos desleixadamente sobre a estante… Tudo, simplesmente tudo lhe fazia recordá
-la.

As cores escolhidas eram fortes, vibrantes.
Sob o olhar atento de , lá estava , com o corpo pêndulo sobre uma escada e um pincel encharcado em mãos. Enquanto deslizava animadamente o material sobre a parede antes marfim, recitava com gosto as notas da canção composta por alguma banda alternativa que ecoava pelo apartamento.
- Ainda acho que deveria se juntar a mim, sabe, a pintura é terapêutica. – disse ela, direcionando o olhar ao rapaz que lhe estudava com os braços cruzados e um sorriso divertido nos lábios.
- Está dizendo que preciso de terapia? – suas sobrancelhas se uniram enquanto ele fazia uma divertida careta.
- Oh, não, longe disso… - ironizou ela, sorrindo-lhe docemente.
- Sabe, estou apenas tentando imaginar o que virá depois. Talvez queira pintar a mobília também, ao que lhe parece? – ele sugeriu, analisando sua nova sala de estar.
Ela havia modificado tudo. As paredes ganharam vida, a disposição dos móveis parecia bem mais arrojada e o cômodo, antes carente de luz, agora estava muito bem iluminado, vivo, desperto.
- Ora, vamos lá, confesse que esse cubículo está muito mais apresentável agora. – implicou com um sorriso provocador, descendo da escada num salto.
- Hm, eu não diria apresentável… Talvez, espalhafatoso. – zombou ele, apoiando-se sobre o sofá, acolhendo-a em seus braços, como muito vinha fazendo nos últimos tempos.
deslizou a pontinha do nariz pela bochecha do rapaz, mordendo-lhe a pele brandamente. Ele riu.
- Você não acha estranho? – perguntou com os lábios ligeiramente curvados em um sorriso.
- O quê?
- Isso, nós… - disse ele, um tanto quanto acanhado, ajeitando os óculos sobre a face, como de costume.
- O único estranho aqui é você. – disse. Ele riu mais. – Não, não acho. Por quê?
- Eu não sei… – os dedos de subiam e desciam pelo braço da garota, numa constante carícia.
Deus, amava tê-la sob seu toque…
- Só porque você é um jovem senhor de trinta anos, é isso? – ela perguntou, divertida.
Ele riu nasalmente, jogando uma olhada ao redor do cômodo.
- Gosto de você. – falou, atraindo a atenção do rapaz para si. – Muito.
Segurando-lhe o rosto cuidadosamente, revolveu os lábios contra os dela, lambendo-os devagarzinho. aproximou-se dele o quanto pôde, atendendo-o com lentas carícias sobre a pele, enquanto deixava que suas línguas se enroscassem do modo como desejavam. Quando um rastro úmido em seu pescoço fez com que se arrepiasse completamente, a garota apertou-se ao forte corpo masculino, pressionando-lhe os dedos sobre a nuca, assim aumentando o contato entre os lábios dele e sua pele. Um som abafado escoou da garganta de quando os dedos do rapaz levantaram minimamente seu moletom.
separou-lhes os rostos, fitando-a com admiração. As mãos de subiram até seus ombros, pousando brevemente por ali. Quando deslizaram abaixo e levantaram-lhe a camisa de malha, não pôde evitar sorrir. Sorriso esse, que, ao final, fora estampado na bela face da jovem.
- Não sabia que as tinha… São lindas… - ela contornou uma das tatuagens estampadas sobre o rapaz, maravilhada. Um pássaro, bem ao meio de seu peito. – Quero te beijar aqui. – sussurrou, olhando-lhe seriamente por um instante.
Quando ele assentiu, figurou um beijo sobre o desenho, direcionou as carícias até seu pescoço, então voltou a atender calorosamente sua boca. O moletom que levava saiu tão rapidamente quanto os braços de levantaram-na sobre seu colo e a carregaram até o sofá ao lado. Ela sorriu quando ele depositou o corpo cuidadosamente sobre o seu. Ofegante, direcionou os habilidosos dedos até o zíper do jeans que cobria o rapaz e deslizou-os fora, deixando que ele fizesse o mesmo com os shorts de seu pijama.
Então, numa breve troca de olhares, eles souberam.
Talvez ainda houvesse um modo de sanar a tristeza que havia se instalado em seus interiores durante os últimos tempos.
Talvez eles não estivessem adormecidos para sempre.
Talvez eles ainda pudessem despertar.

Ali, deixado novamente sobre o gélido carpete, emprestava atenção à melodia baixinha que ecoava pelo cômodo. Lembrava-se como finalmente permitiu-se continuar; como permitiu entregar-se novamente a alguém; e, como das vezes passadas, isso apenas levou-o a um único lugar: lugar nenhum.

Enquanto comprazia à garota em seus braços com leves carícias, os pensamentos de vagavam por algum perigoso lugar do passado.
- No que está pensando? – perguntou com uma voz sonolenta, permanecendo imóvel, com a cabeça repousada sobre o peito do rapaz.
- Não é nada. – respondeu-lhe, apertando a feminina silhueta contra si.
- ? – a garota chamou, recebendo um rouco balbucio como resposta. - Como ela era?
moveu-se sobre o felpudo sofá, desejando não ter recebido tal pergunta.
- Poderia me dizer? Não me lembro muito, apenas dos cabelos ruivos, e que era muito bonita também… - o corpo de encolheu-se automaticamente, sendo, então, acolhido pelos braços de com mais firmeza.
O rapaz puxou-a para seu lado e pressionou-lhe um suave beijo sobre os lábios.
- Não acho que queira falar sobre isso. – disse, acarinhando os cabelos de .
- Por favor… - pediu, olhando-o diretamente.
suspirou, então concordou.
- Ela era uma das melhores pessoas que eu conheci. – confessou com melancolia.
- Foram casados por muito tempo? – indagou, deslizando os dedos lentamente pelos braços do escritor.
- Seis anos.
- Como... - hesitou por um instante - Como ela se foi?
Os olhos de pareceram desfocados por um momento.
- Margareth era comissária de bordo, morreu da última maneira que esperava, porém da mais óbvia, num acidente. - a voz dele vacilou uma nota.
- Foi parecido com minha mãe, partiu fazendo o que amava. Lutou contra uma doença durante alguns anos, deixou-nos enquanto organizava sua última exposição. - a tristeza que se espalhou pelo abatido semblante de fez com que o rapaz se arrependesse de ter ajudado-a a iniciar tal conversa.
- Nós recuperaremos sua galeria e remontaremos a exposição, você vai ver. - estreitando-a em seus braços, assegurou-lhe com convicção.
- Sinto muito por Margareth. - Disse ela, não querendo comentar sobre o que ele havia lhe dito. Talvez não acreditasse completamente naquelas palavras, embora estivesse munida de pura certeza de que foram ditas com a melhor das intenções.
- Não o faça. Tenho certeza que ela está bem agora, não há o que sentir. – falou num murmúrio.
- E você? – ela suspirou – Você está bem?
Ele sorriu. Muito. Largamente. Os verdes olhos faiscaram.
- Eu nunca estive melhor.
Com essa singela revelação, uniu os lábios aos de , cobrindo-a ternamente, por outra vez, com a manta de seu corpo.

deslizava o pincel sobre a tela habilidosamente, traçando perfeitamente o desenho de um pássaro. Havia voltado a pintar há alguns meses, já conseguindo um pequeno acervo. Queria voltar a fazer o que amava, viver da arte, emprestar seu tempo às exposições. Era isso que fazia dela quem realmente era, uma artista nata.
Enquanto se divertia com as cores que havia escolhido, o toque telefônico soou em seus ouvidos, despertando-a. Dois toques. Três.
- ? Pode atender, por favor? Quatro toques.
Bufando, colocou a paleta sobre uma bancada e correu em direção ao aparelho telefônico.
Quando colocou o objeto novamente em seu lugar, a única coisa que pôde fazer foi chamar desesperadamente por aquele que seria o único a ajudá-la.
- O que houve? – um exasperado apareceu no ateliê.
De imediato, atirou-se contra ele, exibindo as grossas lágrimas que umedeciam seu rosto.
- O que houve? – perguntou novamente, preocupado, logo a amparando com os braços.
- Ele está no hospital, sofreu uma parada cardíaca, eu não sei, não entendi direito… - entre palavras desconexas, pôde identificar sobre o que se tratava.
- Espera, calma – disse gentilmente, enxugando as lágrimas de com os dedos.
- Eu preciso vê-lo, preciso… - aturdida, a garota se soltou dos braços de e correu até o quarto ao lado.
- Você não pode vê-lo, ainda não voltou da Europa. – disse ele, parando logo atrás de .
- É claro que posso, tomarei um voo o mais rápido que puder. – disse com a voz fanha, ainda sedada pelas lágrimas.
- Você não pode fazer isso. – segurou um de seus braços, fazendo-a olhar por um instante. – Nós arranjaremos outra maneira de vê-lo, amanhã.
- Eu entendo que esteja preocupado, mas eu não posso.
- Eu não quero correr o risco de passar por isso outra vez. – com a testa franzida, visivelmente desesperado, falou. – Eu não vou.
- Pare com isso, eu não sou Margareth, não é como se eu também fosse sofrer um acidente.
A expressão de foi indecifrável naquele momento. Não conseguiria lidar, sequer, com a hipótese de perder , como acontecera com Margareth.
- Não posso permitir que vá. – disse seriamente, segurando-a outra vez, quando passou ao seu lado.
- Você não tem que permitir, eu sei o que faço.
- Ele destruiu sua galeria, não é possível que ainda se importe com ele. – num ímpeto de desespero, o rapaz acusou, arrependendo-se logo em seguida.
- Como pode dizer isso? – a expressão dela foi de claro espanto.
- , por favor… - pediu ele num murmúrio, já sem saber o que fazer.
abandonou o cômodo rapidamente, deixando para trás a única razão de sua alegria nos últimos meses, e partindo em direção ao principal motivo de seus sofrimentos.
Às vezes, esse negócio de vida podia ser realmente surpreendente.

havia partido para a Europa há três meses.
A única notícia que mandara fora uma carta com algumas informações de sua localização na Áustria. Desde então, não escrevera uma linha sequer de seus romances.
Mas, às vezes,
esse negócio de vida podia ser realmente surpreendente…
apertou os olhos com força e correu as mãos úmidas de suor por entre os fios acastanhados de cabelo. Suspirou profundamente ao ouvir o som da maçaneta sendo girada e, em seguida, a batida delicada da porta. Tendo seus devaneios interrompidos imediatamente, sentiu, ao mesmo tempo, o coração tomar um ritmo acelerado, fazendo com que a respiração lhe fosse dificultada. Os lábios pareceram secos de repente e um calor distinto apoderou-se de seu corpo. As pupilas se dilataram e sua audição fora apurada.
- ? – seus ouvidos identificaram, pela segunda vez, aquela doce voz.
Então, finalmente, em tempos, os olhares se cruzaram. O dela, perplexo, assustado; o dele, ávido, suplicante; ambos
arrependidos.
O rapaz levantou-se num salto, puxando desajeitadamente um edredom que jazia sobre o sofá ao lado, cobrindo-se em seguida.
- Poético demais, inclusive para você. – o som proveniente da fala dela quase o fez sorrir.
- O que faz aqui? – ainda atordoado, perguntou num sussurro, direcionando o olhar para a mulher à sua frente.
aproximou-se vagarosamente, capturando do chão a taça de vinho que havia derramado sobre o carpete ao se levantar. Levou a peça de vidro à altura dos lábios e pôde sentir o aroma alcoólico que emanava da mesma.
Ponderando cada movimento, sentou-se ao lado do rapaz, estudando-o com atenção. Os cabelos estavam carentes de corte, os cachos já maiores que os de costume; os olhos pareciam fundos, doentes, cercados por profundas marcas arroxeadas; a barba por fazer apenas realçava o semblante necessitado de cuidado.
Cautelosamente, ela levou uma mão até os cabelos de , deslizando os dedos calma e carinhosamente por entre toda aquela sedosidade que tanto amava.
- O que eu fiz com você… - em meio a um soluço sufocado, aquilo soou mais como uma pergunta para si mesma.
Quando aqueles dois belos glóbulos esverdeados a encararam, inundados de admiração, foi impossível impedir que grossas lágrimas não deslizassem livremente por seu rosto.
- Eu sei que não foi justo… Eu só queria que você pudesse me perdoar, nada mais… É só que… Eu não conseguiria te deixar, não sem ao menos…
E foi assim, em meio a frases que não faziam sentindo algum, que a atraiu para si, envolvendo-a em um saudoso e confortante abraço. - Apenas diga que não vai fazer isso outra vez, nunca mais. – com o desespero estampado em sua voz, a encarou, deslizando os dedos pela face que tanto sentira falta, na tentativa de enxugar-lhe as lágrimas.
Foi a única coisa que conseguiu dizer, antes de unir os lábios aos dela, cuidadosamente.
- Eu sou sua chefe agora, eu quem dou as ordens. – disse ela, com uma sombra de tristeza em sua voz.
Afastou-se minimamente.
Os olhos de se abriram mais que o normal.
- Eu sinto muito. – disse baixinho, acariciando-lhe o rosto delicadamente.
- Faz algumas semanas. - ela encarou o horizonte através da janela. - Mas, não o faça, tenho certeza que ele está bem agora. – direcionando o olhar para aquele ao seu lado, ela teve certeza.
Não havia dúvidas. Ali sempre seria o seu lar.
Quando o rapaz lhe sorriu novamente, foi inevitável não aconchegar-se entre aqueles braços que tanto amava.
- Senti sua falta. – revelou, franzindo o cenho dolorosamente.
Retirando o tecido que tinha sobre o colo, beijou-lhe nos lábios novamente, ávida por apaziguar a ele e a si mesma. Ofegando, afastou-se um pouquinho, apenas para fitá-lo amorosamente.
- Acho que preciso de um pouco de café.
O alegre semblante de foi refletido na expressão de , automaticamente.
Então, naquele momento, ele teve certeza.
Ela não tinha sido um sonho ruim.
Era melhor do que isso.
Ela havia sido o seu mais belo
despertar.

FIM

Nota da Autora: Olá, cerejinhas!
Bom, eu não ia escrever nada para o especial, porque não tenho o mínimo jeito para shorts, mas, quando a ideia de Awakening surgiu, não tive como deixar de escrever. Como é minha primeira short, ficou meio sem sentido, então não reparem muito, ok? haha' Espero, sinceramente, que tenham gostado. Foi um martírio finalizá-la, porque eu sempre eu me apego aos personagens e não consigo pôr fim nas histórias de jeito algum. :c
Gostaria de agradecer à minha autora, super diva, Amanda Hikari (Blow Me Away), por ter sido minha cobaia nessa fic e ter disponibilizado seu corrido tempo de vestibulanda para me ajudar com Awakening. Mah, te amo. <3 E também à Gabs, linda, que aceitou betá-la pra mim. Ah, e ao Yellowcard, por ser a melhor banda do mundo e escrever músicas tão inspiradoras, que me fazem ter vontade de escrever a todo momento. Awakening é um mix de várias delas e, mesmo que não tenha saído como eu esperava, já é um dos meus maiores xodós.
Hm, acho que é isso. Ah, comentem ali embaixo e façam uma autora feliz, ok? (:
xx Cáh Almeida

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Nota da Beta¹: Magina, eu é que tenho que agradecer por você ter me escolhido como beta dessa fic. Uma das mais lindas que eu já li, sério. *-* Parabéns, Cah! *-*

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