- Eu não acredito, mamãe! – a adolescente se acomodou no sofá ao lado da mãe. - Sempre pensei que o data de casamento de vocês tivesse tudo a ver com o Dia dos Namorados.
- Ah, não mesmo! É pura coincidência – a genitora sorriu, recordando aquela mesma data, há alguns anos.
- Por que vocês nunca me contaram? – inquiriu com curiosidade. – Eu sabia que meu nome vem da banda, mas não bem como vocês se conheceram!
- Não é uma história da qual me orgulhe muito, como pode perceber – piscou.
- Fez alguma coisa ao papai?
- Ele mereceu – admitiu, tomando um pouco do vinho que havia sobrado na taça.
1993, Hamburgo – Alemanha
Brühl crescera no centro da cidade, cultuando seus prédios e construções históricas. Por isso, se via tão atrelada ao formato concreto, na arte de criar e levantar edifícios onde parecia ser impossível. Assim, não viu outra saída para sua vida profissional quando alcançou a idade de escolher sua formação: ela seria engenheira civil. Uma simples escolha, não muito aceita por seu pai que preferia que a sua pequena optasse por algo mais delicado e feminino, como o estudo das artes ou das letras. No entanto, não estava disposta a abrir mão do seu talento. Ela seria engenheira civil, contra tudo e contra todos. Seu pai já estava conformado, e ela quase formada pela Technische Universität Hamburg-Harburg. Fato esse que tinha tirado o valioso sono do contador aposentado e viúvo Jörg Brühl, pois seu sonho sempre foi ter um filho formado pela tradicional Universität Hamburg. Infelizmente, era filha única e na Universität Hamburg não existia o curso que tanto chamava sua atenção.
E não só a Engenharia Civil tirava o sono do pobre senhor Brühl, a sua pequena e teimosa adquiriu um gosto peculiar para música. Enquanto as garotas da sua idade se apaixonavam por bandas mais românticas como Bon Jovi, ou até mesmo queriam se transformar em réplicas da Madonna, a jovem amava mesmo era o rock. Mas não um rock qualquer. Ela era fanática pelo som de Seattle, melancólico e cru. Quanto mais essa paixão se fortificava, mais cabelos brancos enfeitavam a cabeça de seu pai. Porém, nunca foi de se preocupar com a opinião alheia, e sabia muito bem administrar seus croquis enquanto escutava os melhores CDs que uma garota podia ter, claro, em sua opinião.
Não, não tinha aspirações românticas. Só existia tempo para seu pai, seus estudos e seu gosto musical. Prova disso era que naquele congelado Dia dos Namorados, a quase engenheira não iria se esquentar nos braços do homem dos sonhos – como se houvesse esse -, no entanto, ela realizaria o seu maior sonho. E não era se formar em Engenharia Civil. O maior sonho de Anette era ir a um show. Não qualquer show. O da sua banda preferida, que ironicamente ocorreria no Dia dos Namorados. Melhor de que qualquer príncipe montado em um cavalo branco, ela pensava.
E lá estava , aguardando por sua banda preferida, espremida na frente do palco por vários homens. Alguns a olhavam com perplexidade e outros com indiferença, como o ao seu lado. Desde que chegara ao Grosse Freiheit 36, o rapaz não a fitara uma única vez, parecia mais preocupado em empurrá-la e usurpar seu lugar, que segundo seus cálculos, estaria na frente do vocalista da banda. Mas não era uma garota qualquer, ela suportou a péssima educação do infeliz ao seu lado para concretizar seu maior sonho. É claro que o “suportou” de não teve nada pacífico, ela não cessou seu tratamento à altura, com belas cotoveladas e pisões no pé.
***
2012, Berlin - Alemanha
- Meu pai era tão grosso assim? – interrogou.
- Você nem imagina, Alice! – exclamou com indignação. - Mas eu me vinguei, e muito bem.
- Conta...
***
1993, Hamburgo – Alemanha
- Eles vão entrar agora! – gritou um marmanjo, provavelmente muito bêbado, nas suas costas. – Puts, cara! Vou ver o Soundgarden! – sim, com certeza estava bêbado, pois não sabia distinguir nem as atrações daquela noite.
- Imbecil – reclamou, entre os dentes. Enfim, o rapaz ao seu lado a olhou, sorriu como se a imbecil fosse ela e voltou sua atenção ao palco. O que só aumentou a raiva de .
No entanto, ela não seria contaminada por um sentimento tão amargo no maior momento da sua vida. E quando a banda surgiu no palco, com aquela imensa cortina branca os escondendo, pouco se importou se seria esmagada pelos grandalhões. Ela se sentia no céu ao som dos primeiros acordes de Damn That River. Seus olhos encheram de lágrimas, seu coração disparou. Ela parecia flutuar. Quando o cortina caiu, percebeu que sua maior paixão estava ali, a poucos metros. É o romance perfeito para o Dia dos Namorados, pensou. Nada a deixaria mais contente que passar essa data na presença dos quatro homens dos seus sonhos.
Então, acompanhou todas as músicas, gritou mais do que podia, e quando deu por si, estava escutando a última música da noite: Angry Chair. Apesar de ser sua música preferida, a sua alegria foi se esvaindo. Ela almejava que durasse pela vida toda. Mas a garota ainda poderia ter seu pedacinho de paraíso para recordar dos melhores minutos de toda a sua vida. Sim, ela ficara de cão de guarda, na frente do palco, não só para ver sua banda preferida de perto, como também para adquirir os mais desejados souvenires de shows: palheta e baqueta. viera com um objetivo e não sairia do Grosse Freiheit 36 sem tê-lo alcançado.
Contudo, nem tudo sai como planejado e teria que lidar com isso. Ao encerrar o show, os músicos apressaram-se em cumprimentar os fãs e jogar palhetas e baquetas para alguns sortudos. se sentia a pé-quente da noite. E quando uma baqueta voou em sua direção, ela teve certeza. Porém, não estava nos seus planos que outra pessoa pensasse o mesmo. E não qualquer um, o imbecil que passara o show inteiro lhe incomodando.
- É minha! – gritou o mais agudo que pôde. Ele não largava a baqueta, enquanto ela segurava a outra ponta com força.
- Tem seu nome nela? – escutou a voz grossa e autoritária do rapaz. Ela poderia matá-lo por sua estupidez.
- Tem o seu? – aumentou o tom de voz, com o resto que lhe sobrou após o show.
- , deixa essa baqueta com a garota. Depois você consegue outra – interveio outro rapaz que acompanhava o demônio que atormentava .
- De jeito nenhum. Conseguir uma baqueta do Sean Kinney não é a coisa mais simples do mundo. Só saio daqui com a minha baqueta!
- Cara, se vai continuar com essa briga, eu vou embora. Daqui a pouco não tem mais ninguém aqui, vão fechar o lugar... – explicou, enquanto notava o Grosse Freiheit 36 ficar vazio.
- Seu amigo tem razão. Deixe a baqueta comigo e pode ir em paz, eu cuidarei muito bem dela – sorriu, fingindo simpatia, já que a grosseria não tinha adiantado.
- Eu já disse que não vou largar a minha baqueta – puxou o pedaço de madeira com força, quase arrancando da mão da garota.
- Sean jogou para mim, otário! – ela falou furiosa.
- Olha, vocês podem continuar aí, fui! – o outro rapaz saiu ao notar que só sobraram os três e algumas pessoas tirando os instrumentos do palco.
pouco se interessava se trancariam o clube com os dois dentro. Ela apenas pensava na baqueta que estava na sua mão, mas havia um cabeçudo do lado oposto. Pensou na baqueta, queria a baqueta, só que sem acessórios adicionais. E o talzinho grosso não era um presente, e sim uma brincadeira de péssimo gosto da vida. Definitivamente, o sonho havia se tornado uma amostra de pesadelo.
Ela olhou para o rapaz, observando suas feições, mesmo com dificuldade naquela penumbra no Grosse Freiheit 36. Apesar de intransigente, parecia bonito. Era alto, porte atlético, lábios convidativos, bem vestido, cabelos em cima dos ombros, uma mão relativamente grande... Bem, não era do tipo que se encontrava em shows como aquele. Assim, chegou a conclusão que o estúpido devia ser algum aproveitador barato que pegaria a baqueta para vender por um preço absurdo ao primeiro fã que encontrasse por aí.
- Você realmente curte a banda ou só está aqui para provar que consegue algo? – ela o questionou com petulância.
- Claro que sou. E você? Está aqui por teimosia ou quer uma prova que tem um artigo de uma banda famosa? – a afrontou com a mesma autoridade.
- Ridículo – vociferou, virando o rosto para o palco vazio. – Você me viu espremida na grade. Quer prova maior?
- Poderia ser uma groupie – ele deu de ombros.
- Se está querendo me provocar só para eu largar a baqueta e enfiar a mão na sua cara, lembre-se: tenho outra livre! – mostrou a outra mão para ele.
- E quem me diz que você realmente merece essa baqueta?
- Será que vou ter que recitar letra por letra de todos os álbuns? – ela o enfrentou. apenas ergueu a sobrancelha e sorriu enviesado. Talvez ele a estivesse desafiando a fazer isso mesmo, avaliou . Entretanto, ela não cederia. Nem que tivesse que cantar todas as músicas de trás para frente, ela não largaria a baqueta de Sean Kinney!
Antes de começar sua defesa pelo direito à baqueta, aconteceu o que ambos não esperavam. O segurança robusto do local os expulsou. Saíram lado a lado, cada um empunhando um lado da baqueta da discórdia. A noite estava gelada em Hamburgo e a rua não parecia tão movimentada como antes do show. Mesmo com tantas casas de shows, bares e boates, a Grosse Freiheit parecia um deserto. Apenas um garoto se encontrava na rua, com o semblante mais animador que uma noite fria como aquela poderia proporcionar.
- Caras, essa é a baqueta do Kinney? – perguntou aos dois.
- Sim – responderam em uníssono.
- Olha, tenho a baqueta e uma palheta de cada – mostrou seus artigos de luxo para os dois, que se entreolharam abismados.
- Como você conseguiu isso? – inquiriu com o cenho franzido.
- Ah, cara, eles saíram do clube, vieram cumprimentar a galera. Trocamos a maior ideia, peguei autografo e tudo mais! – sorriu, revelando o autografo na estampa da camisa. Bem em cima da capa do Facelift.
- Eles vieram aqui? – respirou profundamente. Ela sabia que parecia uma maníaca ao perguntar isso com tanta ênfase. Mas nada mais importava. O ódio que ela sentia do tal não era nem comparado à escala que ele alcançou ao saírem do Grosse Freiheit 36.
- Foi – gargalhou. – E vocês lá dentro brigando por uma baqueta! Todo mundo que estava aqui levou algo – apertou mais a baqueta na sua mão, pensava que ela se quebraria por causa da força aplicada. – Foi legal conversar com vocês, galera. Minha carona chegou. Boa sorte aí com a divisão da baqueta – o rapaz subiu numa moto que despontara de algum lugar do além na rua, e sumiu da mesma maneira.
- Nossa, que legal! – exclamou. – Eu poderia estar feliz, completa, no calor da minha casa, depois de conhecer a banda. Mas você, seu imbecil, roubou isso de mim! – gritou, quase o assassinando com o olhar.
- E eu não deveria ficar bravo? Você fez o mesmo comigo, sua patricinha egoísta – falou mais alto.
revirou os olhos e achou um absurdo ser chamada de patricinha. Ela não tinha absolutamente nada de patricinha com aquela calça jeans, uma camisa da banda que caberia três s dentro e de cara de limpa.
- Pode perder suas esperanças se pensa que irá me fazer largar essa baqueta – vociferou, indignada.
- Digo o mesmo – rebateu, dando de ombros.
- Não vou largar, de jeito nenhum – reiterou, bufando.
- Nem eu.
***
2012, Berlin - Alemanha
- Agora não vou me admirar tanto com a teimosia de vocês dois – Alice ria.
- Nós fomos bastante obstinados naquela noite – se acomodou melhor no sofá.
- Quanto tempo vocês passaram segurando a baqueta?
- Era quase meia noite quando finalmente chegamos a uma conclusão.
- Foi tão fácil assim? – a adolescente arregalou os olhos. Ele nem imaginava o tamanho da pirraça dos pais na ocasião.
- Nem um pouco. Tive que usar todo meu poder de persuasão.
***
1993, Hamburgo – Alemanha
parecia não desistir. No entanto, o cansaço já dava sinais no seu corpo após mais de uma hora segurando a baqueta. Resolveu sentar na calçada de qualquer jeito sem, ao menos, se importar se levaria junto o outro teimoso.
- O que você está fazendo? – perguntou depois de quase cair no chão. Já estava sentado ao lado de , mesmo contra a sua vontade. Mas nada como evitar dores nas costas futuras.
- Tentando ficar mais confortável – resmungou. – Se vamos passar a vida inteira segurando isso, vou tentar facilitar as coisas – fechou os olhos, sorrindo. – Para mim, é claro.
- Você acredita mesmo que vai ficar com ela? – ele a acompanhou, cerrando os olhos, exausto.
- Sou fanática por ele. Nada nesse mundo me faria desistir.
- Dois – abriu os olhos e voltou o rosto para a direção de .
Assim, pôde observar sua fisionomia. Um nariz arrebitado que denotava toda a intransigência da garota, cabelos bagunçados um pouco abaixo dos ombros, e aquela camisa com a capa de Dirt na estampa, que ele tinha certeza que caberia perfeitamente nele de tão grande que era. Ela não era do tipo que chamaria sua atenção em outro momento, mesmo tendo a mesma paixão em comum. Na verdade, essa idolatria toda dos dois resultou nesse embate sem fim. E ele não abdicaria da baqueta, muito menos para alguém tão insuportável como a garota ao seu lado.
- Por que você quer tanto essa baqueta? – ela inquiriu, ainda com os olhos fechados, enquanto ainda a fitava.
- Admiro o Sean, além de tocar bateria também – respondeu de uma maneira simples, mas sincera.
- Então, quer dizer que você não tem dinheiro para comprar uma baqueta e quer esta? – ela abriu os olhos e encontrou os deles que, agora, pareciam mais aborrecidos que antes. era muito boa em provocar as pessoas. Entretanto, também era facilmente irritável.
- Você é uma ótima piadista – abriu um sorriso amarelo. – Eu vim de Lübeck só para ver a banda.
- Nossa, passou apenas uma hora no trânsito. Quanto esforço! – debochou, não segurando o riso.
- E você? Matou alguém para vir? Coisa que não duvido – ele conseguiu tirar o sorriso de , que logo revirou os olhos e voltou para sua feição mais séria.
- Eu sou de Hamburgo, moro perto daqui. Mas tive que superar um monte de trogloditas me amassando durante três horas no Grosse Freiheit 36, inclusive você! – acusou-o. – Sou mais que merecedora.
- Não quer que eu te pague uma cerveja também? – ironizou.
- Otário – sussurrou. acabou escutando, mas riu consigo mesmo. Ela não era fácil, mas ainda se divertia com isso.
desistiu de ser tão incivilizada. Talvez não atingisse sua meta daquele modo. Então, optou por ficar calada. Completamente muda. Quem sabe o torturaria com o tédio e ele largaria aquela baqueta de uma vez. Contudo, ele era um inimigo forte. Não ficou nem um pouco desconfortável com o silêncio da companheira, ao contrário, aproveitou os momentos de paz e começou a assobiar algumas músicas. O que irritou . Aliás, o que não tirava sua paciência mesmo?
Ela levantou de uma vez, o assustando. a seguiu até a parede onde ela se encostou, emburrada. E, mais uma vez, o silêncio se fez presente, sem interrupções.
- Qual sua música preferida? – ele perguntou para quebrar aqueles segundos insuportáveis de silêncio.
- Isso parece pergunta para fã do Take That! – não perderia a oportunidade de critica-lo nem por um segundo.
- É questão comum, não? – levantou uma das sobrancelhas.
- Ah, é. Para uma fã qualquer. Eu não sou.
- Nossa, você se valoriza demais! Talvez os caras devessem se orgulhar de uma admiradora como você.
- Com certeza – falou seriamente, o encarando. Mas não segurou o riso por muito tempo, que logo foi acompanhado pelo garoto ao seu lado. – É Angry Chair – admitiu por fim, fazendo a olhar com curiosidade. – A minha música preferida. Por isso quero tanto essa baqueta – suspirou, voltando seus olhos para o céu. – A bateria daquela música é fantástica! Fico sem palavras, sem ar...
- É uma viagem em outra dimensão – ele completou, admirado com os olhos brilhantes e sagazes da garota, como notara a pouco tempo.
- Isso mesmo – sorriu, virando-se para ele. – É a sua preferida também?
- Sim.
- Layne não poderia ter feito uma música tão perfeita quanto essa.
- É tão nebulosa, forte, vai à alma...
- Impactante – ela rematou. Pronto, os arquirrivais agora estavam completando as frases um do outro, ao invés de tentarem se matar. - Eu poderia passar a vida toda ouvindo Angry Chair. Quer dizer, o Dirt inteiro.
Seus olhos se encontraram e, assim, puderam perceber o brilho que se encontrava em ambos, aquele fogo, aquela paixão compartilhada. Eles realmente tinham um laço forte que os unia, mesmo sendo o que os fazia inimigos por causa da baqueta. se inclinou na direção de . Algo em sua mente o avisava que aquele passou poderia resultar em algo ruim e que acabaria com seus planos, nada puros. ficou chocada com a aproximação repentina. Porém, ela não se abalaria tão facilmente. Entendendo as intenções do seu companheiro de empreitada, apenas o esperou tomar o próximo passo.
Ele o fez. Colocou a mão livre circundando a cintura da garota, deu mais uma passo em sua direção, que foi determinando para o que aconteceria a seguir. Tocou os lábios de com os seus, com cuidado, em um suave roçar. Sentiu sua hesitação quando ela tremeu um pouco nos seus braços. Ela não parecia mais àquela garota estúpida de antes, e sim uma gatinha indefesa, perdida em uma rua desconhecida. No entanto, o que não sabia era que a casca de não era tão fácil de quebrar.
Enfim, os lábios começaram a se mover, num ritmo tranquilo, se provando, se testando. Entrando em um terreno perigoso, já que não estava só em jogo a baqueta, mas muito mais. E eles nem podia imaginar. Displicentemente, largou a baqueta e se entregou ao beijo, segurando no pescoço do garoto. Levou uma de suas mãos até o cabelo dele e enroscou os dedos em seus cabelos com força. riu. Ele não imaginava que ela faria isso, que ela largaria a baqueta rapidamente.
Sim, obviamente ela não a beijou apenas por um desejo adormecido. tinha planos. Não os de se aproveitar de uma fragilidade camuflada de . Mas de fazê-la esquecer do objeto de obsessão e, talvez, quem sabe, ser um pouco altruísta e dar-lhe o que tanto queria. Era arriscado? Ele pensava que sim. Mas jogar sujo, às vezes, poderia trazer consequências inesperadas.
O beijo acabou. podia jurar que havia se passado horas. Ela não diria que foi um beijo maravilhoso, mas foi bom o suficiente. Não trouxe uma felicidade à sua vida nem a fez ver estrelas, porém, ela se sentiu confortável, em paz. Mas louca, nunca! Ela sabia muito bem o motivo de ter largado a baqueta, como também o de tê-la beijado do nada. Apesar da respiração falha, seu cérebro corria rápido em busca de soluções para seu problema. E ela encontrou tão rápido que se surpreendeu. Seria um risco. No entanto, confiava no seu taco. Ela abriu um pouco os olhos, encontrando os de semicerrados. Parecia loucura, mas ela sabia exatamente o que fazer e como fazer.
- Você largou a baqueta – ele sussurrou. pôde sentir sua respiração tocar os lábios.
- Um passo em falso levou a outro – respondeu, mordendo o lábio inferior. sorriu.
- Talvez ela seja nossa – ele sugeriu, sem um pingo de sinceridade.
- Você acha? – fingiu inocência. Ela não era de dividir alguma coisa, principalmente algo tão valioso.
- Uhum – confirmou com voz baixa, roçando-lhe os lábios.
- Eu não creio que seja uma boa alternativa – sussurrou, descendo a boca pelo pescoço dele, vendo-o encolher.
- É o melhor que podemos fazer, não acha?
- Não – segurou seu ombros. Seria o momento ideal. Voltou a encará-lo com um sorriso escancarado no rosto. – Prefiro as alternativas egoístas, como esta! – não esperou muito até dar seu golpe final. Despontou seu joelho até as partes baixas de . Ele, por sua vez, surpreso, desabou no chão de dor, largando a baqueta ao seu lado. não se fez de rogada, gargalhando, tomou a baqueta.
- Você é uma vadia! – ele grunhiu, de raiva e de dor.
- Não acha mesmo que ia cair na sua. Quem ri por último, ri melhor – ela apontou a baqueta para ele. Não poderia protelar mais a fuga, teria que sair correndo dali o quanto antes. Sorte que sua casa ficava perto e logo estaria segura com sua baqueta. – Divirta-se com sua mão vazia, que eu me divertirei com minha baqueta. Tchau! – soltou um beijo no ar, enquanto corria pela rua escura e deserta.
- Você me paga! – ele soltou inconformado, bufando de ódio da ladra infeliz.
***
2012, Berlin - Alemanha
- Mãe, você foi maligna!
- Não achava mesmo que ia perder minha baqueta, não é? – a adolescente sorriu para a mãe.
- E como vocês se encontraram depois? – Alice perguntou, querendo que terminasse logo a história, pois sabia como a mãe era. Ela podia parar a qualquer momento e deixar para depois. Ela não dormiria sem o desfecho do assunto que sempre esperou saber.
- Alguns anos mais tarde...
***
1997, Berlin - Alemanha
estava orgulhosa com seu emprego há dois anos na maior construtora da Alemanha e mais ainda com sua promoção recente. Ganhara uma sala e um projeto desafiador, um prédio comercial moderníssimo no centro de Berlin. Ela estava crescendo, mesmo em um ambiente masculino. Era respeitada no mercado e se sentia feliz fazendo a diferença. Principalmente após se ver sozinha no mundo.
Pouco depois de formar, perdeu o pai de ataque cardíaco. Ela ficou desolada e só pensava em sair de Hamburgo. Escolheu Berlin como destino. Trabalhou em pequenas empresas, algumas nem chegaram a pagar por seus serviços. Por vezes se deu mal, em outras se deu bem, até finalmente conseguir o emprego que tanto almejava. Ela olhava a foto do seu pai em cima da mesa que acabara de arrumar, pensando se aquilo seria um sonho. tinha plena certeza que ele estaria feliz em vê-la conquistando seus objetivos.
foi tirada dos seus devaneios pelo telefone que começou a tocar. Fitou o aparelho desnorteada, fechou o olhos para tentar voltar à realidade e o puxou do gancho. Era seu chefe, a convocando para sua sala. Ela sabia o que era. Na semana anterior, Mohler lhe falou sobre um novo contratado que lhe ajudaria no seu projeto. ficou contente, porém em alerta. Nunca havia trabalho em parceria. Talvez um desafio grande fosse uma ótima oportunidade para aprender, mas também um risco. Não se pode confiar em qualquer um. Sobretudo em um desconhecido.
- Brühl, pode entrar – ordenou Mohler, depois de escutar batidas seguras na porta.
- Sim, Mohler – como havia imaginado, encontrou outro homem na saleta, sentado numa cadeira em frente de Mohler.
- Como conversarmos, você terá um companheiro no projeto – gesticulou para ela se aproximar dos dois. – Esse é Löhnhoff, da filial de Lübeck. Essa é Brühl, uma das nossas mais promissoras engenheiras. – o homem levantou e estendeu a mão para ela, enquanto ainda ainda dedicava toda atenção ao chefe. - Ele foi transferido para Berlin. – concluiu.
Enfim, pode corresponder ao aperto de mão. Olhou nos olhos do homem, e algo lhe parecia familiar. Talvez o encontrou em uma das milhares de reuniões da empresa que frequentava. Não sabia ao certo, mas já tinha o visto em algum lugar. Ela admirou seu rosto bem masculino, com um maxilar quadrado. A barba rala por fazer, os olhos argutos e até simpáticos, o aperto de mão seguro e também seus cabelos claros e curtos. Percebeu que ele era bastante atraente e decidiu não prestar atenção nas outras partes do homem, já que havia se detido por vários segundos naquele semblante.
Löhnhoff Também foi pego de surpresa. Ele a conhecia de algum lugar. A mulher não era estranha. Os olhos sagazes, que ela trazia, eram familiares. Ele não entendia o porquê, mas algo nela lhe trazia lembranças de uma situação que vivera há anos, em Hamburgo. Coisa que demorou muito anos tempo para digerir. tentou forçar seu cérebro a lembrar daquele rosto, mas foi impedido pela voz do seu chefe.
- Espero que façam um bom trabalho. Qualquer coisa, é só me procurar – terminou Mohler, ainda jogado na cadeira.
- Eu imaginei que o Brühl que o Mohler tanto falava fosse um homem – Löhnhoff confessou após saírem da sala do chefe.
- Muitos pensam, principalmente os clientes – sorriu amarelo.
- Desculpa, mas não foi uma crítica – tentou mudar o rumo que a conversa havia tomado. – Eu só fiquei surpreso.
- Hm, tudo bem – manteve sua postura profissional, não seria um bom começo dar um sermão para seu novo companheiro. Com o tempo ele aprenderia a respeitá-la. – Vamos até minha sala, temos que discutir o projeto. Apesar de já ter o croqui bem avançado.
- Claro.
Eles entraram na sala de e logo algo prendeu a atenção de . Seria coincidência demais, não seria? Seus olhos fixaram em uma espécie quadro atrás da mesa de . Havia uma baqueta lá. Mesmo um pouco distante, parecia muito com a daquele Dia dos Namorados de 1993. Ele tinha quase certeza. Só saberia se aproximando mais. E foi exatamente o que fez. Caminhou até o quadro e assustou-se com a inscrição ao lado da baqueta “Meu presente do Dia dos Namorados de 1993, a baqueta do Sean Kinney”. Não, não podia ser. Era a sua baqueta. Exatamente a baqueta roubada de maneira sórdida pela garota mais insuportável e maquiavélica com quem havia cruzado na vida.
- Você é a ladra de baquetas! – exclamou, encarando-a. abismou-se, parando no meio da sala.
- Você... – engasgou um pouco. – Você é o cara do show?
- O que passou horas segurando uma baqueta que você roubou? É, acho que sim! – ele parecia irritado. não sabia se ria da situação em que se encontrava ou se ficaria alerta para ele não tentar levar sua preciosidade.
- Eu não roubei. Peguei o que era meu de direito – se defendeu, gesticulando.
- Seu? Que eu saiba era tão minha quanto sua – rebateu, chateado. - Você não precisava ter agido com violência. Passei dias para me recuperar do seu ataque! – não segurou o riso e começou a gargalhar na sala. , apesar de indignado com o comportamento dela naquele dia, a acompanhou no ataque de riso.
- Oh, me desculpa, mas minha intenção foi tirar a baqueta da sua mão e não torná-lo infértil! – ela proferiu entre risadas.
- Você quase conseguiu – ele também não conseguia parar de rir.
- Apesar de ter me chamado de vadia, estou em divida com você – segurou a respiração até parar com o seu surto.
- Desculpe por isso. Mas foi o calor do momento – ele ainda ria.
- O que posso fazer? Pagar um café? – sugeriu, se aproximando de .
- Pode começar devolvendo minha baqueta – ele apontou para o quadro.
- De jeito nenhum! Posso mandar fazer uma cópia, caso deseje – falou, divertindo-se.
- Você sempre soube que eu peguei primeiro. Então ela me pertence – teimou, entrando na brincadeira.
- Não, ele jogou para mim – apontou para seu peito. - Eu captei o olhar do Sean. A baqueta é minha.
Talvez trabalhar com seu inimigo mortal de alguns anos, se tornasse algo bem mais prazeroso que os dois pudessem imaginar.
***
2012, Berlin - Alemanha
- Sim? É só isso? – Alice reclamou.
- Você conhece o resto – deu de ombros.
- Que você começaram a sair juntos... – resmungou.
- Sim, seu pai aceitou meu café. E, felizmente, não existiu mais brigas por causa da baqueta – coisa que tinha dúvidas. - Agora ela é nossa. – sorriu para a filha. – E já está na hora da senhorita ir dormir. Já está tarde.
- É verdade – inclinou-se para beijar a face da mãe. – Boa noite!
- Boa noite, meu amor!
se esparramou no sofá, enquanto recordava de tudo que passou com o marido. Em poucas horas, faria 19 anos que se conheceram naquele show, em 1993. Era também aniversário de 13 anos de casamento. Talvez os anos mais loucos da sua vida. O relacionamento dos dois não era algo tão normal, tranquilo. Por vezes batiam de frente por causa das personalidades exageradamente parecidas e fortes. Uma constante guerra de egos e opiniões era rotina. Porém, ambos não conseguiam viver sem o outro, apesar dos altos de baixos do relacionamento. De tudo que vivera com , apenas lamentava o fato dos dois terem demorado tanto para se reencontrar. Mas talvez a maturidade fosse necessária para descobrirem que se encaixavam perfeitamente. Em outro momento, as diferenças viriam à tona e poderiam não ficar juntos. Pois, na época que se viram pela primeira vez, não souberam tirar o melhor da situação. Quer dizer, tirou: levou para casa a bendita baqueta.
Um pouco sonolenta, decidiu ir dormir e terminar sua análise em um lugar mais confortável que seu sofá. Talvez demorasse a chegar, já que o voo era relativamente longo. Infelizmente, seu marido estava envolvido em um projeto nos Emirados Árabes, que o obrigava a ficar longe da família por semanas. Naquela ocasião, ele havia prometido estar em casa para o aniversário de casamento. E sabia que o marido nunca foi de quebrar promessas, mesmo estando atrasado, na maioria das vezes. Assim, ela fechou os olhos e sorriu ao encontrar os deles no sonho.
Coloque a música para tocar. .
- Hm – reclamou quando a porta foi aberta. – ? – sussurrou, confusa.
- Deveria ser uma surpresa – ele sorriu, percebendo que todo esforço de entrar silenciosamente pelo quarto havia ido por água abaixo.
- Você nunca foi bom com surpresas – ela abriu os olhos, o encontrando ainda perto da porta com uma mala ao seu lado.
fechou a porta e caminhou até a mulher que permanecia deitada na cama. Sentou ao seu lado e ficou observando seu rosto, com apenas a luz da lua que entrava pela janela.
- Bem, eu te surpreendi uma vez – passou a mão nos cabelos da esposa.
- Foi? – ela mordeu o lábio inferior. Claro que sabia do que ele falava. Mas queria ter o prazer de escutá-lo falar. Qualquer coisa que ele dissesse seria bom de ouvir, até suas teimas.
- Quando eu te beijei pela primeira vez – se curvou, quase tocando os lábios de com os seus.
- Eu não lembro – cortou o contato visual. – Talvez eu precise de algo para me ajudar a lembrar – tocou o rosto do marido, voltando a encará-lo.
- Espero que isso resolva – tocou-lhe os lábios suavemente, investigando-os aos poucos. E a saudade e o desejo se misturavam, fazendo tudo mais prazeroso, em apenas um beijo. E, de repente, os problemas se dispersavam, os medos desapareciam, porque eles estavam um nos braços do outro, e aquilo os satisfazia completamente.
– Feliz aniversário – sussurrou com sua boca ainda colocada na de .
- Feliz aniversário e feliz Dia dos Namorados, meu amor – ela proferiu, abrindo os olhos.
- Se não fosse a minha baqueta, talvez nós não tivéssemos nos conhecido – ele se afastou, sorrindo.
- Minha, você quis dizer – ela o empurrou para fora da cama, fazendo-o cair.
- Eu a deixei levar, porque sou um cavalheiro – rebateu com desdém, jogado no chão no quarto.
- Oras, você não deixou, eu tive que usar a força bruta para isso – rastejou pela cama até encontra o marido deitado no chão.
- Com certeza – fechou a cara. – Se não fosse isso, nunca teria largado a baqueta.
- Você jogou sujo quando me beijou! – apontou o indicador para o marido.
- E você gostou? Hm? – sentou, se aproximando da cama.
- Não tanto quanto levar a baqueta para casa – gargalhou.
- Ah, é? – sorriu, de lado. - Talvez eu a faça mudar de ideia agora.
- Tente! – provocou, levantando a sobrancelha. logo a faria mudar de ideia. Ou apenas tentaria, já que a esposa era tão teimosa quanto ele.
A baqueta ainda gerava a maldita discórdia entre o casal. Uma disputa que eles adoravam e, que como de costume, acabava entre lençóis. É, alguma coisa tem que dar certo.
Nota da Autora: Oi, pessoas corajosas que leram (se alguém chegou a ler), rs! Gente, não ia terminar de escrever isso. Cheguei até a jogar na lixeira, depois resgatei. Na verdade, é uma homenagem a minha banda preferida e amada, que não citei o nome aí (sou ciumenta e adoro quando me falam que não conhecem, sou dessas!). Esse show realmente aconteceu em 1993, no Dia dos Namorados (sei que na Alemanha é dia 14 de fevereiro, mas não cito o mês nem o dia para não gerar confusão). Sinto pura inveja de quem viu essa turnê com a formação original, que até veio ao Brasil (mas o que me consola que os vi no ano passado, no SWU). Vou parar de falar dos meus amores, senão a n/a ficará maior que o texto, rs.
Sim, fiz a capa, por isso é prejudicada! Kkkkkkkkkk Sei mexer com Photoshop, mas sabe o ditado “casa de ferreiro, espeto de pau”? Sou assim, só faço direito para os outros, rs. Ia fazer uma nota de rodapé enorme, explicando as músicas, os CDs, as cidades, as ruas, tudo que cito... Porém, preferi deixar em aberto para quem quiser pesquisar. Também deixei os sobrenomes fixos para ficar mais alemã, rs. Ah, o Brühl vem do Daniel Brühl, ok? Tirem o olho! kkkkkkkkkk
Um muitíssimo obrigado à minha beta, Gabee. Essa linda que fez o favor de revisar isso. Beijos, sua linda/maravilhosa!
E muito obrigada a vocês, leitoras lindas, por lerem minha coisa louca aqui!
Beijos e mais beijos!
Outras Fics
Algo Errado (Outros/Andamento)
Nota da Beta¹: Ai, sua linda! Foi uma honra betar sua fic, mesmo! Gostei demais dela. Eu é quem deveria agradecer por você me escolher como beta desse fic!